Sei sulla pagina 1di 16

ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

ΨRevista
de Psicologia
A IMAGEM NA PESQUISA EM PSICOLOGIA SOCIAL:
UM POSSÍVEL ENCONTRO DA ETNOGRAFIA COM
O DOCUMENTÁRIO CINEMATOGRÁFICO
IMAGE IN SOCIAL PSYCHOLOGY RESEARCH: A POSSIBLE ENCOUNTER
ISSN 2179-1740 BETWEEN ETHNOGRAPHIC RESEARCH AND DOCUMENTARY FILM

Gabriel Bueno¹ Andréa Vieira Zanella²

Resumo
Este artigo discute a aproximação entre os métodos de produção de um documentário cinematográfico e de uma pesquisa
em psicologia social de cunho etnográfico e como estas duas formas de elaboração de saberes podem se constituir
mutuamente. A partir da experiência de realizar uma pesquisa etnográfica paralelamente à produção de um documentário,
o texto problematiza os posicionamentos políticos, éticos e estéticos que as produções desses dois campos implicam. É
analisado como foi o ingresso no campo de pesquisa, as condições de produção das imagens e a montagem do
documentário e do texto da pesquisa – momentos esses que dão visibilidade ao modo como a etnografia e o cinema
documentário podem se encontrar no processo de imersão em um campo a ser pesquisado. A discussão da experiência
vivida em ambos os processos dialoga com teóricos da antropologia, como José Magnani e Massimo Canevacci, e com a
perspectiva de cinema documentário do teórico francês Jean-Louis Comolli e Eduardo Coutinho. Essas abordagens
teóricas possibilitaram fundamentar a aproximação e o intercâmbio proposto entre uma produção artística e outra
acadêmica, bem como afirmar a potência das imagens para a pesquisa.

Palavras-chave: pesquisa; imagem; cinema; metodologia; etnografia.

Abstract
This article is about an approach between the methods of a documentary film’s production and an ethnographic
research, and how these two forms of intellectual production can work together. Starting from an ethnographic research
that occurred inside a documentary production, the text discuss the political, ethics and aesthetics characteristics
involved in this two process. It told us how was the work in with the field, the conditions of the image’s production and
the film editing of the documentary - moments that gives a view about how ethnographic research and documentary film
can have similar ways in their course. The field experience dialogue with the theory of anthropologists like José Magnani
and Massimo Canevacci and with the cinema’s theorists Jean-Louis Comolli and Eduardo Coutinho. This theories help
us to see how possible is the approach and the reciprocity between an artistic and an academic production.

Keywords: cinema; methodology; ethnographic; documentary; research.

¹ Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC,
Brasil. E-mail: gbapsi@gmail.com
² Professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianó-
polis, SC, Brasil e bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq,
Brasília, DF, Brasil. E-mail: azanella@cfh.ufsc.br

Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017 37


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

INTRODUÇÃO de vida, das suas relações singulares com a


cidade e demais assuntos que surgiram
Nunca me esquecerei desse aconteci- durante as conversas.
mento na vida de minhas retinas tão Neste artigo procuramos esmiuçar as
fatigadas (Drummond, 2011, p. 47). características da produção do filme docu-
mentário e como sua metodologia de pro-
As investigações realizadas pelo NUPRA dução se assemelha ao método etnográfico,
(Núcleo de Pesquisa em Práticas Sociais: re- ambos considerados como potentes possi-
lações éticas, estéticas e processos de bilidades para a pesquisa em psicologia, e
criação) da UFSC, núcleo ao qual nos vincu- em especial para a pesquisa em psicologia
lamos, vem trabalhando com imagens ao social; processos que se confundem e se
longo dos últimos anos, sejam imagens foto- cruzam, produzindo dois resultados dis-
gráficas, sejam imagens em movimento. tintos: uma pesquisa acadêmica e uma
Partimos do reconhecimento das imagens produção estética.
como importantes dispositivos para intervir As semelhanças entre a produção de
nas visibilidades, dizibilidades e pensabili- um documentário e a pesquisa etnográfica
dades, e as produções decorrentes dessas podem ser observadas nos momentos dos
pesquisas afirmam sua potência para as rascunhos iniciais, nas pesquisas prelimi-
práticas psi, dentre estas a própria pesquisa nares para a criação de um projeto fílmico;
(Zanella & Tittoni, 2011; Zanella, 2013; no seu período de produção – inserção na
Maheirie et al., 2014; entre outros). dinâmica da realidade, na vida dos partici-
Neste artigo, que consiste em um re- pantes da pesquisa e na captação de infor-
corte da dissertação de mestrado em psico- mações a respeito desses para a construção
logia desenvolvida pelo primeiro autor com de algo para além dos seus cotidianos; e na
orientação da segunda autora, imagens em montagem narrativa, onde prefigura a po-
movimento estão em cena. Trata-se de uma sição de sujeito do diretor/pesquisador.
investigação em que a produção de um do- Além dos aspectos técnicos e metodo-
cumentário cinematográfico foi meio de lógicos que constituem uma pesquisa etno-
imersão na cultura urbana a ser pesqui- gráfica e a produção cinematográfica, estes
sada. Passos foram tomados (alguns calcu- coincidem na experiência estética própria
lados, outros de forma espontânea) para se do seu fazer. O pesquisador não pode se
inserir na cultura do graffiti e viver a expe- abster da relação de sensibilidade e afe-
riência de ser um grafiteiro em Florianópolis: tação oriunda da sua imersão no campo,
estar entre os artistas, pintar com eles, pois seu instrumento de produção de co-
competir por muros, desenvolver a técnica, nhecimento é justamente esse envolvi-
aprender gírias, ouvir fofocas, conhecer re- mento e a proximidade estabelecida com a
ferências e inimizades, compartilhar seus comunidade que o acolhe. Da mesma
desejos e angústias. forma, o cinegrafista que busca apresentar
Para testemunhar as informações ne- ao espectador um fragmento de algum con-
cessárias ao desenvolvimento da pesquisa, texto em particular, estranho ao grande
optou-se pelo registro imagético do campo público, necessariamente precisa se en-
e, como produto final, tanto a dissertação laçar numa relação estética com este objeto
escrita como a produção de um documen- tornado cênico, trilhando os caminhos das
tário sobre este cenário. Assim, paralela- relações interpessoais para trazer – à luz da
mente à imersão etnográfica, foram reali- projeção – universos singulares:
zadas filmagens dos jovens artistas em
suas saídas pela cidade e seus depoimentos Para nós, a distinção entre ficção e
a respeito da arte urbana, de suas histórias documentário deve se orientar por

38 Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017


ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

uma práxis que fundamenta nosso O que veio a tornar possível a ideia de
desejo de ver e fazer cinema docu- concretizar uma produção documentária
mentário, o que implica, necessa- paralelamente à escrita da dissertação foi o
riamente, um encontro com o outro edital da FUNCINE (Fundo Municipal de
e com o desejo de que sua imagem- Cinema – Florianópolis): 6º Prêmio Funcine
-realidade seja apreendida em seus de Produção Audiovisual Armando Car­
próprios termos, não uma dimensão reirão. O que era um projeto de mestrado
conceitual e abstrata, e sim mate- foi adaptado para um projeto de documen-
rial, gestual, corporal; em sua hec- tário e este veio a ser ganhador do edital na
ceidade1, em suma, sem que isso categoria “diretor estreante”. O edital previa
implique uma visão ingênua que crê a produção de um curta-metragem de 5 a
“dar voz ao outro”. Na verdade, cos- 25 minutos, entre julho de 2011 e julho de
tumeiramente, a palavra do outro é 2012. Uma feliz coincidência, pois este era
mais tomada do que concedida; justamente o período que estava destinado
filmar é um ato violento, no qual à pesquisa de campo. As decorrências
quem olha para o outro é, ao mesmo dessa aproximação são a seguir explici-
tempo, olhado, avaliado, provocado, tadas, sendo foco das discussões a interlo-
o que conduz a uma transformação cução entre experiência etnográfica e pro-
mútua, recíproca, entre quem filma dução de documentário cinematográfico.
e quem é filmado. (Caixeta &
Guimarães, 2008, p.32). PRELIMINARES

A escrita etnográfica também se faz a A verve investigativa se faz necessária


partir de uma relação estética com o campo, já nos períodos iniciais da construção de
promovendo novos rearranjos dos frag- qualquer projeto de pesquisa e também de
mentos percebidos, coletados, intuídos. qualquer documentário cinematográfico. É
Esta já não é mais nem o arranjo do pes- preciso que o pesquisador/documentarista
quisado nem do pesquisador, mas carrega se informe a respeito do seu foco de inves-
características de ambos: “o método etno- tigação, que construa um arcabouço teó-
gráfico não se confunde nem se reduz a rico para sustentar sua narrativa, suas es-
uma técnica; pode usar ou servir-se de vá- tratégias de produção de imagens e os
rias, conforme as circunstâncias de cada conteúdos ali objetivados, os meios de in-
pesquisa; ele é antes um modo de acerca- serção numa comunidade, o conhecimento
mento e apreensão do que um conjunto de sobre o local e o contexto em que irá se in-
procedimentos” (Magnani, 2002, p. 17). serir. O processo de pesquisa etnográfica e
Este “modo de acercamento e apreensão” da produção de um documentário pressu-
demanda um envolvimento na esfera do põem uma dedicação investigativa voltada
sentir e das emoções, pois fora desta o pro- para dois polos que constituem uma totali-
cesso investigativo se torna estéril. dade2: os atores sociais, práticas ou grupos;
Há um número considerável de pes- e o contexto em que estas manifestações
quisadores que discutem a aproximação ocorrem. Como salienta Magnani (2009),
entre cinema e antropologia com o intuito
de aprofundar o papel da imagem na pro- esta estratégia supõe um investi-
dução do conhecimento (Peixoto, 1998; mento em ambos os polos da re-
Samain & Mendonça, 2000; Ribeiro, 2005; lação: de um lado, sobre os atores
Peixoto & Novaes, 2008; Marco, Andrade & sociais, o grupo e a prática que
Santo, 2008), criando um vínculo entre estão sendo estudados e, de outro,
produção estética e pesquisa acadêmica. a paisagem em que essa prática se

Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017 39


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

desenvolve, entendida não como pregados na comunidade pesquisada, seja


mero cenário, mas parte constitu- para decifrar informações relevantes ou
tiva do recorte de análise. (p. 132). para estabelecer comunicação e uma re-
lação de cumplicidade com as personagens
O pesquisador/documentarista é al- que integram a sua narrativa. A relação
guém que se convida para a festa dos ou- entre pesquisador e pesquisado se estreita
tros, insere-se sem ser chamado a fim de à medida que a língua – o dialeto local –
saciar sua curiosidade e obter informações passa a ser empregado, pois a apropriação
a respeito de vidas alheias para compreen- simbólica representa respeito e reconheci-
dê-las e, quiçá, que a sua própria tenha mento ético daquele falante. O pesqui-
sentido. Portanto, esse agente bisbilhoteiro sador/documentarista precisa atentar para
deve se inserir de forma cuidadosa, respei- a sua responsabilidade ética no campo,
tosa, nos contextos em que visa investigar. pois sua figura é representante de um local
No universo dos artistas urbanos – mais de poder (Oliveira, 2000), e a subjugação
especificamente dos grafiteiros de Floria­ da cultura investigada pode ser sutil, ocor-
nópolis – humildade e respeito é uma pos- rendo às vezes através da linguagem utili-
tura exigida, principalmente dos novatos, zada. Os signos partilhados não são instru-
para que o “estrangeiro” seja respeitado e mentos dotados de neutralidade, mas sim
bem-vindo entre os praticantes dessa forma afirmações das relações de poder e de posi-
de arte. É preciso que o novato saiba reco- cionamentos axiológicos (Bakhtin, 2006).
nhecer e respeitar aqueles que há mais Sendo assim, o discurso veiculado a partir
tempo estão se arriscando na prática do de uma pesquisa científica ou tecido na
graffiti; que reconheça os “direitos de posse” montagem cinematográfica, anuncia-se
subentendidos de quem primeiro grafitou como um dispositivo político porque produz
tal respectivo muro; que não menospreze a verdades e alicia-se à ficção discursiva que
estética alheia; que esteja disposto a constitui a cultura3.
aprender e a compartilhar com seus pares Porém, qualquer pesquisa preliminar
as experiências vividas na rua. De modo não dá conta da realidade que será viven-
análogo, o pesquisador/documentarista ciada em lócus, da experiência oriunda da
precisa conquistar seu acesso ao campo de imersão no campo, assim como um idioma
investigação antes de exercer a sua carac- aprendido a partir do estudo das gramá-
terística intromissão. Pessoas que parti- ticas se mostra ineficaz quando confron-
cipam de uma pesquisa etnográfica ou de tado com a dinamicidade da língua falada.
um documentário cedem suas falas à me- Compreendendo essa necessidade de
dida que desejam, sem que nada os obrigue imersão, serão apresentadas a seguir infor-
ou comprometa, tornando assim os pesqui- mações sobre a equipe e as condições de
sadores e documentaristas dependentes da produção das imagens, as aproximações
sua boa vontade. O documentarista Edu­ com o campo e a montagem do documen-
ardo Coutinho (1997) nos diz que toda fil- tário, momentos esses que dão visibilidade
magem tem que ser negociada e o diálogo é ao modo como pesquisa etnográfica e docu-
necessário para se estabelecer uma boa mentário cinematográfico se entreteceram
condição de trabalho. É preciso saber como e constituíram.
agir e falar em determinadas situações;
quais são os valores e tabus daquele grupo, A EQUIPE
para que não se cometam gafes que preju-
diquem o processo de imersão. A equipe de produção do documen-
O conhecimento do contexto em tário, que de certo modo colaborou com a
questão envolve a partilha dos signos em- pesquisa na medida em que a partir desta

40 Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017


ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

produção a investigação aconteceu, foi for- Posterior à produção do documentário, foi


mada por 5 pessoas: responsável pela escrita do texto que se
Renan ‘Blah’ Fontana, formado em apresenta como resultado da pesquisa, das
Cinema pela Universidade Federal de Santa análises e do diálogo com a literatura, pro-
Catarina (UFSC) e em Design Gráfico pela cesso que contou com a colaboração da se-
Universidade do Estado de Santa Catarina gunda autora, orientadora da pesquisa.
(UDESC). É diretor do documentário de As funções da equipe no campo eram
média metragem O Intercambista (2010) e divididas em câmera, captação de áudio e
do curta metragem Vento Sul (2012). Tem conversa com os grafiteiros. Na maioria dos
experiência de operador de câmera e edição. encontros foram utilizadas duas câmeras,
Teve papel fundamental na elaboração do uma Canon Vixia HV30 e uma Canon T2i
projeto do documentário ganhador do edital ou T1i. A designação era para a Canon
FUNCINE e nas reflexões a respeito da abor- Vixia focar nas conversas, na parte mais
dagem que pretendíamos desenvolver ao dialogada dos encontros, enquanto que a
longo das filmagens e na montagem final. Canon T2i ou T1i tinha como preocupação
Mitsue Yanai, formada em Design a fotografia do filme, procurando registrar
Gráfico pela UDESC. Participou principal- os enquadramentos com focos fechados e
mente como operadora de câmera. Já par- valorizando as qualidades plásticas de cada
ticipou da produção de outros trabalhos encontro. Esta divisão foi definida desta
cinematográficos. Acumula uma série de forma devido às especificidades técnicas de
prêmios como fotógrafa. cada câmera. A Canon Vixia tem uma qua-
Tiago Kawata, formado em Design lidade de imagem mais “crua”, com menos
Gráfico pela UFSC. Trabalhou durante as recursos fotográficos, porém ela suporta
filmagens como operador de câmera e na takes de longa duração, enquanto as câ-
pós-produção com os tratamentos finais meras T2i e T1i superaquecem depois de
das imagens. Já participou da produção de algum tempo de captação. Estas possuem
outros trabalhos cinematográficos. Teve melhores recursos e proporcionam uma al-
um papel importante no processo de apro- tíssima qualidade de imagem. Com esta di-
ximação à cultura do graffiti, pois o mesmo visão de captações foi possível, na hora da
também é grafiteiro. montagem, alternar momentos de diálogos
Renan Brito, graduado em Psicologia e imagens com potência estética, a fim de
e mestrando em Psicologia Social pela provocar afecções nos espectadores de
UFSC. Participou como facilitador das ati- forma mais intensa.
vidades de campo e da aproximação à cul- Para a captação de som foi utilizado
tura do graffiti, pois o mesmo também rea- um gravador Zoom H4n. Este dispositivo
liza tais atividades. permitiu uma boa captação e mobilidade,
Gabriel Bueno (pesquisador prin- tanto na hora das conversas quanto dos
cipal), formado em psicologia pela UFSC. sons e ruídos do ambiente urbano. Como o
Mestre em Psicologia Social pela mesma ambiente de filmagem não era nada contro-
universidade. Tem alguma experiência com lado, em alguns momentos a qualidade da
a prática do graffiti e do cinema. Realizou captação ficou prejudicada, principalmente
todas as funções ao longo das filmagens e devido aos ruídos de motores automotivos
pós-produção, variando de acordo com a ou do vento. Porém, essas intercorrências
configuração da equipe disponível. Após as foram assumidas como opção estética que
filmagens, foi responsável pela decupagem, dá visibilidade a concretude dos encontros,
montagem narrativa, edição de som e trilha a presença da equipe e a fragilidade dos re-
sonora, porém sempre contando com a cursos técnicos. Evitou-se mascarar esses
avaliação crítica dos colegas de equipe. elementos a fim de apresentar ao espec-

Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017 41


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

tador um pouco da experiência da pro- montagem narrativa, por sua vez, foi reali-
dução documentária. Desta forma, ruídos e zado pelo pesquisador principal, porém
a presença da equipe nas imagens e sons sempre contando com as críticas e suges-
captados revelam um pouco do que se pas- tões dos demais membros da equipe.
sava por trás da câmera, criando uma sen-
sação de imersão e tridimensionalidade. NO CAMPO
A equipe como um todo estava orien-
tada a participar das conversas, fazer per- A grande maioria dos documentários
guntas, tirar dúvidas, conversar sobre gra- abdica das cenas de estúdio e dos cenários
ffiti e sobre temas outros que emergissem artificiais durante o processo de filmagem.
naqueles encontros. O ambiente a ser Abdicando desses, estas produções se rea-
criado era o de maior informalidade pos- lizam em contextos que já existem, que res-
sível. É sabido que a presença da câmera e peitam suas próprias lógicas, hierarquias e
da equipe sempre será um fator que corro- códigos sociais. O pesquisador/cinegra-
bora com a artificialidade do objeto pesqui- fista, muitas vezes um visitante não convi-
sado. Não se pode negar esta inexorável in- dado, deve manter-se advertido da sua
terferência do pesquisador sobre seu objeto condição de estrangeiro no processo de in-
de estudo (Zanella & Sais, 2008), pois a serção no campo, sua e da sua equipe.
postura da equipe e os princípios éticos e Porém, a estranheza inicial pode se enfra-
estéticos que balizam o processo de pes- quecer após os primeiros contatos desde
quisa e produção, certamente interferiram que se estabeleça uma relação de cumplici-
nos resultados obtidos. A intenção, no en- dade entre a equipe estrangeira e a comu-
tanto, não era a captura de discursos obje- nidade pesquisada (Zago, 2003).
tivos e pragmáticos, pois não se pretendia Antes de qualquer iniciativa em di-
sustentar uma tese prévia a respeito do reção à captação das imagens e das con-
graffiti e de seus praticantes. Ao contrário, versas/entrevistas, procurou-se acercar ao
a intenção era criar um ambiente propício máximo dos personagens que se pretendia
para que histórias, fábulas e devaneios abordar no filme. Buscou-se aproximar-se
emergissem desses encontros. deles por meio do graffiti, convidando-os
Em relação ao processo de produção para pintar, conversando pessoalmente ou
do documentário, intencionalmente a por meio das redes sociais sobre a possibi-
equipe distanciou-se do modelo industrial lidade deles participarem; principalmente,
de cinema, que se caracteriza pelos múlti- o pesquisador principal intensificou sua
plos cargos e funções segmentadas, cada presença na rua, grafitando em espaços va-
um voltado para uma especialidade, como riados, para afirmar o interesse legítimo
uma linha de produção fordista. Este mo- pela arte do graffiti. Posteriormente foi pos-
delo de produção industrial não está atre- sível compreender que esse procedimento
lado necessariamente à condição financeira de imersão no campo e a dedicação à prá-
do projeto ou a profissionalização dos en- tica do graffiti foi o fator mais significativo
volvidos, mas sim a uma concepção de para adentrar na cultura que se pretendia
fazer cinema que nós acreditamos não fa- investigar e documentar.
vorecer os anseios éticos, estéticos e polí- Conforme o documentário ia sendo
ticos da pesquisa aqui relatada. Portanto, planejado, mais evidente ficava a aproxi-
as funções realizadas nos momentos de fil- mação que o processo de sua produção tem
magem e na montagem narrativa dos frag- com a etnografia. Primeiramente, a relação
mentos contaram com a ajuda e parti­ de estranhamento entre pesquisador/do-
cipação de todos, de acordo com a cumentarista e seu objeto de interesse in-
conveniência do momento. O processo da vestigativo. A etnografia se realiza na con-

42 Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017


ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

frontação de culturas distintas colocadas ao menos, com uma pista nova, não
em confronto, para algo novo emergir dessa prevista anteriormente. (Magnani,
relação dialógica (Oliveira, 2000). É neces- 2009, p.135).
sário o descompasso entre agente estran-
geiro e comunidade pesquisada para se É fundamental que a equipe se mostre
constituir, nas fissuras entre ambas, o es- comprometida e/ou respeitosa com os va-
paço de criação – tanto estética quanto lores, com as crenças e anseios das pes-
científica. Segundo Magnani (2009), faz soas com as quais pesquisará para facilitar
parte do método etnográfico a aproximação. A pesquisa com comuni-
dades, grupos, culturas, requer o posicio-
uma atitude de estranhamento e/ namento ético perante as características
ou exterioridade por parte do pes- destes, condição para o estabelecimento de
quisador em relação ao objeto, a laços de confiança e compromisso. É im-
qual provém da presença de sua portante reconhecer os limites que o pes-
cultura de origem e dos esquemas quisador/estrangeiro está sujeito na comu-
conceituais de que está armado e nidade em questão, saber por quais
que não são descartados pelo fato caminhos trilhar, a fim de coletar as infor-
de estar em contato com outra cul- mações necessárias para a sua pesquisa ou
tura e outras explicações, as cha- as imagens e relatos para o documentário,
madas “teorias nativas”. Na ver- sem ferir a espontaneidade e a privacidade
dade, essa copresença, a atenção daqueles que estão sendo documentados.
em ambas é que acaba provocando Para facilitar essa aproximação, pro-
a possibilidade de uma solução não curou-se desenvolver um laço de amizade
prevista, um olhar descentrado, com os sujeitos de pesquisa por meio do
uma saída inesperada. (p. 134). graffiti. Por diversas vezes houve encontros
para pintar, às vezes por convites deles, às
A pesquisa científica ou o cinema do- vezes por situações criadas pelo pesqui-
cumentário muitas vezes realiza a tradução sador. Seus bairros foram visitados. Con­
de um cotidiano, dos valores e crenças de versas e botecos fizeram parte deste per-
um campo investigado, dos signos que sus- corrido. O pesquisador foi iniciado na
tentam tal comunidade discursiva, para prática da pichação e do bomb, atividade
uma linguagem acessível à sua cultura de que evitava envolver-se anteriormente à
origem, descrevendo sua experiência etno- pesquisa, devido à aproximação que estas
gráfica sobre seus próprios termos, em linguagens têm com o vandalismo, com a
consonância com seu universo intelectual: destruição do patrimônio público ou pri-
vado, a sua estética agressiva e a antipatia
A etnografia é uma forma especial existente entre pichadores e a população
de operar em que o pesquisador em geral. Porém, muitos dos grafiteiros
entra em contato com o universo também praticam a pichação e consideram
dos pesquisados e compartilha seu esta a essência do graffiti, havendo uma
horizonte, não para permanecer lá distinção, dentro desta cultura, entre
ou mesmo para atestar a lógica de aqueles que praticam o “graffiti de verdade”
sua visão de mundo, mas para, se- e aqueles que praticam “muralismo”.
guindo-os até onde seja possível, Visando aprofundar os laços de cumplici-
numa verdadeira relação de troca, dade, houve alguns rolês de picho e de
comparar suas próprias teorias com bomb4 pelas madrugadas de Florianópolis,
as deles e assim tentar sair com um sendo vivenciados pelo pesquisador – junto
modelo novo de entendimento ou, com outros escritores-urbanos5 – os as-

Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017 43


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

pectos físicos e psicológicos da adrenalina O que Marco, Andrade e Santo (2008)


liberada pelo ato transgressor. sugerem como alternativa à entrevista é o
O estar presente na comunidade em estabelecimento de conversas informais. A
momentos outros, não somente aqueles fim de evitar que a entrevista oblitere as di-
planejados para a realização de uma con- versas possibilidades narrativas que podem
versa ou a filmagem de qualquer outra to- surgir do encontro entre uma realidade e
mada prevista, em momentos não plane- uma câmera, a conversa se apresenta como
jados, foram também característicos do um procedimento que possibilita o surgi-
processo de pesquisar/documentar: estar mento do inusitado, deixando a cargo do
com os grafiteiros no campo, a experiência personagem e do indeterminado o que será
da vida cotidiana naquele contexto, possi- registrado nos recursos audiovisuais. Ao
bilitou o encontro com o inusitado, o teste- eliminar o modelo de entrevistas e substi-
munhar eventos ocorridos ao acaso. Foi tuí-lo pela conversa, procura-se favorecer o
possível compreender que os fatos docu- surgimento do imprevisível, de um encontro
mentados sem a pretensão prévia de sê-lo dialógico. Esta inversão de postura por
mantêm uma potência do sentir-se captu- parte do pesquisador é consonante com a
rado pelo curso indeterminado da vida, e metodologia empregada por um dos maiores
cunham a sensação de fidedignidade em documentaristas brasileiros, Eduardo Cou­
relação à realidade apresentada ao espec- tinho. Este opta pelas conversas em seus
tador, pois é na ocorrência do acaso que a documentários, em contraposição às entre-
vida prossegue cotidianamente e se apre- vistas, pois pontua que as conversas abrem
senta como vir a ser. mais espaço para que humano se mani-
Outra questão a ser problematizada feste, narrando suas memórias, causos e
na pesquisa etnográfica e/ou na produção fabulações sobre a própria existência
do documentário cinematográfico é a ca- (Frochtengarten, 2009).
racterística das relações entre pesqui- É interessante para uma pesquisa et-
sa­dor/documentarista e o outro com o qual nográfica ou na produção de um documen-
pesquisa. Em geral se evidencia a dimensão tário estabelecer uma relação dialógica
assimétrica dessas relações, sendo as en- entre pesquisador/documentarista e a co-
trevistas dirigidas pela equipe da pesquisa, munidade em questão, pois assim os
evidências de uma relação de poder ver- eventos experienciados serão menos in-
tical. Como destacam Marco, Andrade e fluenciados pela ideia que o sujeito da pes-
Santo (2008), geralmente uma quisa faz daquilo que o pesquisador quer
ouvir e o cenário registrado se torna menos
relação de poder assimétrica é esta- artificial. Ao favorecer uma relação dialó-
belecida entre aquele que faz o filme gica, procura-se aproximar os campos se-
e as pessoas que contam suas his- mânticos, ampliar a equidade entre os dois
tórias. Nessa relação, o documenta- polos no fazer da pesquisa, compreen-
rista fixa uma temática e através de dendo o campo discurso e as relações dia-
perguntas busca abordá-la, fi- lógicas como o espaço dos encontros possí-
cando, assim, o poder nele concen- veis, “relações de sentido que se estabelecem
trado. O documentarista, por meio entre enunciados, tendo como referência o
do recurso da entrevista, busca a todo da interação verbal e não apenas o
alteridade no personagem, mas o evento da interação face a face” (Faraco,
que se revela, regularmente, é um 2009, p. 64).
sujeito preconcebido, suposto na No processo de estabelecimento de
temática e nas perguntas formu- uma cumplicidade entre a equipe estran-
ladas. (p. 281). geira e a comunidade, os convites à imersão

44 Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017


ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

em seus modos de vida vão surgindo. Os sintamos, os experimentemos, os


sujeitos pesquisados, assim que adquirem pensemos. (Comolli, 2008, p. 177).
confiança no seu interlocutor, por vezes
têm orgulho de falar de si, contar suas his- Canevacci (2004) parece reconhecer
tórias, expor suas vivências cotidianas. O no fazer antropológico essa impossibilidade
documentário tem a magia de fazer qual- da apreensão do objeto pesquisado, a não
quer entrevistado sentir-se como uma es- ser através da mediação semiótica: “qual-
trela de cinema, fetiche corriqueiro na atu- quer descrição do objeto é uma transfigu-
alidade. Com as câmeras direcionadas, a ração simbólica. O objeto não será nunca
preocupação com a captação de som e com representável a partir dele próprio, mas
a incidência da luz, a expectativa da equipe sempre a partir de uma passagem de nível
toda voltada para a mise-en-scène6 daquela lógico, que é também uma passagem de
situação, a experiência do sujeito de ser fil- nível comunicativo.” (p. 139). Partindo
mado e participar da produção cinemato- desse princípio, o real também se mani-
gráfica ou acadêmica é geralmente insti- festa nas pesquisas etnográficas, devido
gante – mesmo exposto ao olhar frio das aos encontros e desencontros, às incongru-
câmeras e o anseio caloroso da equipe. ências lógicas, às relações com o desconhe-
O que Comolli (2008) apresenta como cido propiciadas pelo estupor metodológico
potência estética e política do documen- (Canevacci, 2008) – experiência do devir
tário são as pontas de real que atravessam antropólogo. A proposta metodológica de
a vã tentativa de apreensão do mesmo. Canevacci – inspirada nos debates teóricos
Sob toda a pretensão de controle e regras entre Adorno e Benjamim – propõe o flanar
que se estabelece, seja na pesquisa cientí- estético, o deixar-se à deriva a fim de pro-
fica ou numa produção cinematográfica, porcionar uma relação mais intensa e ver-
há algo que escapa, eventos que não estão dadeira com seu objeto-fetiche.
sob controle, que se manifestam para Esta metodologia estupefata pode se
além da vontade, discursos desviantes da- fazer presente na experiência cinematográ-
queles que já eram dados como certos. fica, uma vez que “uma atitude como essa
Para este autor, é no inesperado que re- impõe o abandono de toda programação ou
side a potência de um documentário, pois preparo antecipado (destinado a se pre-
é somente nestas situações que uma re- caver contra o imprevisto) em favor da
lação de alteridade se dá de fato – na fis- abertura à relação que é inaugurada assim
sura dos discursos e expectativas estabe- que começa a filmar” (Caixeta & Guimarães,
lecidos previamente: 2008, p. 47), promovendo um cinema crí-
tico, que se coloca na contramão dos pro-
Dessa dificuldade que lhe é imposta cessos de reificação contemporânea (Cane­
de alguma maneira “de fora”, o ci- vacci, 2008).
nema documentário tira todas as A metodologia de produção do docu-
suas riquezas. Obrigação de experi- mentário e da pesquisa aqui relatada foi ao
mentar, de tentar aproximações encontro da proposta etnográfica de
ajustada às armadilhas sempre Canevacci e do cinema documentário de
novas do mundo a filmar [...] o ci- Comolli. O que se tinha como planejamento
nema, na sua versão documentária, básico era um local e horário de encontro.
traz de volta o real como aquilo que, Por vezes os contatos surgiam de última
filmado, não é totalmente filmável, hora. Só havia tempo de juntar os equipa-
excesso e falta, transbordamento mentos e partir para mais uma gravação.
ou limite – lacunas ou contornos Eram levadas, geralmente, as duas câmeras;
que logo nos são dados para que o gravador de som, fone de ouvido e micro-

Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017 45


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

fone; pilhas e baterias; fitas MiniDVs e car- que os grafiteiros pareciam estar, aos movi-
tões de memória; e, às vezes, tinta spray. mentos rápidos na hora da pintura, sem
Nunca se sabia o que iria acontecer, muito apego aos detalhes. O ato tinha que
qual seria o tema a ser abordado, qual seria ser concentrado e ágil, evitando chamar a
a pauta das conversas. Como diz Comolli atenção, deixando a sua marca e saindo
(2009), estava-se sempre “sob o risco do logo do local.
real” (p. 169). E sob o risco do ilegal também, No campo foram registradas imagens
pois em diversos momentos a equipe acom- referentes aos depoimentos, graffitis, pi-
panhou os personagens em suas ações de chação, à relação dos nossos personagens
menor aceitação social, se comparado ao com a comunidade. Fragmentos de um
“graffiti muralismo”. A busca era sempre modo particular de vivenciar a cidade con-
pelo inesperado, entregando-se às situa- temporânea. Percebemos que a prática do
ções que propiciassem uma abertura ao graffiti resulta num acumulado de relações
acaso, que este cruzasse o caminho e defi- entre grafiteiro e cidade que se dão por
nisse as imagens. Quanto menos planeja- meio da atividade estética.
mento prévio melhor, sendo o mote das sa- Após o período no campo, registradas
ídas ao campo a predisposição de se deixar as imagens e informações, documentarista
aberto às experiências que estavam por e pesquisador devem se distanciar do seu
surgir. Este era um princípio ético, estético objeto de pesquisa e realizar a montagem
e político da produção em curso. do mosaico com as peças que têm na mão
Os encontros tinham uma caracterís- (Canevacci, 2004). Com a união dos di-
tica diferenciadora: os “rolês” diurnos e os versos fragmentos e relatos, o documen-
noturnos. Durante o dia as conversas e os tário propõe outra visão sobre Florianópolis
graffitis tinham um aspecto mais descon- ao transitar por territórios comuns a todos
traído. Ficava-se por horas sobre uma os florianopolitanos, mas ilustrados – mo-
mesma pintura. Enquanto os personagens dificados – pela perspectiva dos artistas,
iam realizando seus murais, a equipe ia re- possibilitando uma reelaboração estética e
gistrando seus movimentos, conversas e a perceptiva de alguns locais da cidade,
interação com a cidade – com o espaço fí- sendo estas imagens testemunhas-ocu-
sico e seus transeuntes. As câmeras fi- lares  de  vivências singulares capturadas
cavam ligadas o maior tempo possível, pro- pela câmera.
curando registrar os acontecimentos
Dava-se pouca ênfase para o fato de a câ- MONTAGEM (COMPOSIÇÃO)
mera estar ali, com a intenção de torná-la
elemento familiar daquele contexto. Quando A construção do documentário se ba-
as pessoas deixavam de perceber a câmera, seou na sobreposição dos fragmentos cole-
o objetivo era atingido. O fato de a tecno- tados, confrontando diversos posiciona-
logia estar cada vez mais presente no coti- mentos do pesquisador principal relativos
diano provavelmente também facilitou para à arte e à cidade. Segundo as palavras de
que a câmera não fosse encarada com tanto Canevacci (2004), com a montagem desse
estranhamento. grande mosaico, constituído  de  pequenos
As filmagens noturnas abordavam eventos, “é possível selecionar alguns dados
um outro aspecto do graffiti: sua dimensão relativos à percepção, montá-los segundo
contraventora. Os encontros ocorreram um encadeamento lógico e realizar assim
entre 21h e 3h da manhã. A abordagem era uma constelação que possa ter o senso lu-
diferente daquela durante o dia. Foram re- minoso do conhecimento, [pois] a mon-
gistradas poucas conversas, a atenção foi tagem é o pensamento abstrato da metró-
direcionada aos gestos, ao estado de tensão pole” (p. 106-109). Análogo ao trabalho do

46 Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017


ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

antropólogo, o realizador de um documen- uma vasta amplitude de análise, pois é


tário tem o trabalho  de – após a co- possível selecionar o foco e a atenção que
leta das imagens e informações – realizar a será destinada a cada grande evento ou pe-
montagem do vídeo dando visibilidade a di- queno detalhe: “há uma seleção, uma in-
ferentes modos de viver e transitar pela ci- tenção (ou acaso) quando se filma determi-
dade. Da mesma forma, o texto etnográfico nada cena e não outra, há uma escolha em
é resultado de uma bricolagem dos frag- conservá-la e torná-la forte no contexto do
mentos da experiência no campo, dos acon- filme ou rejeitá-la” (Peixoto,1998, p. 215).
tecimentos que atravessam o pesquisador e Distanciar-se do campo é condição
resultam na sua visão, audição e escrita. para a concretização da pesquisa/do docu-
A montagem cinematográfica não mentário, é o momento de estudo e organi-
deixa de ser uma composição narrativa. zação do material coletado e das experiên-
Dessa forma, estará sempre sujeita às op- cias vividas. Este momento reflexivo se deu
ções e preferências discursivas daquele que por meio da montagem e da escrita, pois,
a compõe. Mesmo o documentário que pre- como adverte Foucault (2004, p. 150),
tende ser uma representação do real não quando passamos de livro em livro, de lei-
escapará da dimensão subjetiva do seu di- tura em leitura, sem nos determos por um
retor, das imagens que este opta por sele- tempo à reflexão e organização das ideias
cionar, da dramaticidade em que tais ima- coletadas e construídas, arriscamos a não
gens estão inseridas, de como elas estão reter nada e deixar que este conteúdo se
ordenadas sequencialmente, das opções de perca em devaneios e pensamentos di-
corte e de ênfase. A mensagem vinculada a versos. Por meio da montagem e da escrita
partir da montagem varia de acordo com a é possível refletir sobre a experiência antro-
maneira que o pesquisador-cineasta inter- pológica, pois essas atividades são condição
preta o contexto de sua pesquisa (Peixoto, para a organização das informações e para
1998). Por conseguinte, a montagem irá o desenvolvimento das análises. São ativi-
situar o filme sob uma posição axiológica. dades que possibilitam o movimento de dis-
Na montagem do documentário em tanciamento necessário à construção do
questão, intitulado Eles Foram por Ali7, texto da pesquisa acadêmica, parte do pa-
procurou-se colocar em diálogo as várias radoxal método antropológico definido como
histórias narradas pelos personagens ao máxima internidade e máxima distância
longo das filmagens. Temas semelhantes, (Canevacci, 2004); imersão no campo da
porém narrados sob pontos de vista dife- pesquisa que permite uma intensa relação
rentes, expõem a diversidade com que a com o desconhecido e, simultaneamente, a
prática do graffiti é vivenciada. A montagem consciência do lugar de onde fala e da sua
permitiu explorar esta polissemia ao co- condição singular de pesquisador.
locar lado a lado discursos diversos, por Para realizar esta montagem, é pre-
vezes contrapostos, a respeito do graffiti. ciso passar pelo laborioso processo de de-
No momento da montagem também cupagem, que consiste em analisar cena
foi possível apresentar as experiências sin- por cena, registrar seus conteúdos, cortá-
gulares de cada personagem, suas histó- -las se necessário, sincronizar imagem com
rias de vida, gostos, vontades, opiniões. Ao áudio. Após esta ordenação do material em
selecionar uma breve fala, um movimento, seu estado “cru”, foram selecionados mo-
um detalhe, é possível destacar o imper- mentos considerados mais interessantes
ceptível e dar-lhe a ênfase que o tempo e a ou significativos para o filme. Para a escrita
dinamicidade do vivido não permitem. da dissertação, todo o material gravado es-
Portanto, o processo de montagem, seja ele teve à disposição da análise, sendo selecio-
cinematográfico ou acadêmico, permite nados alguns momentos significativos para

Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017 47


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

um olhar mais atento e de acordo com os passo no rumo de suas persona-


rumos tomados pela escrita. gens, mas as personagens dão um
No processo de montagem final do do- passo rumo ao autor: duplo devir. A
cumentário foi possível promover o diálogo fabulação não é um mito impessoal,
dos personagens participantes através da mas também não é ficção pessoal: é
combinação e a disposição sequencial das uma palavra em ato, um ato de fala
imagens. Discussões sobre a mesma temá- pelo qual a personagem nunca para
tica foram aproximadas no transcorrer tem- de atravessar a fronteira que separa
poral do filme, a fim de aglutinar opiniões seu assunto privado da política, e
distintas e contraditórias sobre um mesmo produz, ela própria, enunciados co-
aspecto. As histórias de vida também de- letivos. (Deleuze, 2007, p. 264).
marcam uma predileção da direção, pois
valorizar a divagação de cada personagem O que Deleuze propõe é que os perso-
sobre sua própria história possibilita uma nagens de um documentário não sejam
abordagem polifônica, aberta às diversas subjugados pela proposta narrativa do di-
vozes captadas durante o processo de pes- retor nem pela massificação estereotipada
quisa. Como assinala Peixoto (1998), é que se prolonga do contexto no qual se en-
papel do filme antropológico contar histó- contram, mas que tenham a oportunidade
rias; histórias de vida, causos, lendas e de (re)criar as suas narrativas, suas histó-
crenças das comunidades estudadas. rias, suas existências, tornando-se assim
A técnica da montagem, empregada sujeitos ativos no mundo dos agencia-
tanto no cinema como na pesquisa etno- mentos discursivos. A escrita etnográfica
gráfica, cria uma narração do vivido que pode se balizar pelo mesmo princípio ético,
não se compromete com a afirmação de estético e político: deixar que os seus ob-
uma verdade, permitindo que o campo jetos de investigação se definam por si pró-
pesquisado chegue ao ambiente acadê- prios – a invenção de si mesmo.
mico por via de fabulações. O conteúdo A impossibilidade da neutralidade
vinculado à pesquisa ou documentário faz por parte do diretor na composição de uma
alusão àquilo que o campo nos fala, misti- obra cinematográfica se passa de maneira
fica, sonha, acredita, sem problematizar o similar na realização de uma pesquisa et-
verídico dos eventos experienciados. Como nográfica. O pesquisador não tem como se
destacam Marco, Andrade e Santo (2008), eximir da sua condição de ser no mundo,
“a crítica dirigida à ficção não tenciona eli- situado numa dimensão discursiva, axio-
miná-la do documentário, mas liberá-la do lógica, constitutiva do seu olhar e sua es-
modelo de verdade nele presente e buscar cuta sobre a realidade na qual está imerso.
a simples função de fabulação.” (p. 278). O Há de se fazer esta ressalva: toda pesquisa
que importa é como nossos personagens científica, toda obra de arte, todo discurso
nos contam, como as histórias relatadas político é apenas uma leitura da realidade,
se fazem presentes naquelas vidas cap- uma construção simbólica referente a um
tadas, seja por nossas retinas ou por fato em processo, em movimento. Segundo
nossas câmeras: Comolli (2008), informações coletadas em
campo, como depoimentos e documentos,
Resta ao autor a possibilidade de se podem remeter a fatos, todavia “deles se
dar “intercessores”, isto é, de tomar separam por meio de uma elaboração que,
personagens reais e não fictícias, ainda que diga respeito ao fato, o reconfi-
mas colocar em condição de “fic- gura em formas que não são mais as dele.”
cionar” por si próprias, de “criar (p. 173). Esta é uma condição sine qua non
lendas”, “fabular”. O autor dá um das realizações humanas, o que reafirma a

48 Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017


ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

condição histórica e contextual do hu- visibilidade à singularização que as conota


mano e a importância de se trazerem dife- e combatendo a reificação das mesmas:
rentes leituras dos acontecimentos à es-
fera da reflexão. O filme se dá como experimento à
Desta forma, a montagem de um do- sensibilidade por meio de elementos
cumentário comprometido com a experi- estéticos, como sensações e intensi-
ência estética do encontro com um outro dades visuais e sonoras antes
permite que o não planejado, o imprevisto, mesmo de ser objeto de uma ativi-
o incontrolável, façam parte da sua compo- dade crítica e analítica. Pode-se
sição narrativa. O comprometimento do do- produzir nesse processo uma rup-
cumentário não é com a objetividade dos tura com a realidade instituída, o
fatos, assim como pretende o discurso jor- que implicaria em um posiciona-
nalístico (Caixeta & Guimarães, 2008) ou a mento do sujeito, um devir outro,
ciência positivista problematizada por uma nova subjetivação. Desse
Santos (2010), mas sim com os encontros modo, o espectador torna-se sujeito
inusitados que surgem das relações de al- material de uma experiência esté-
teridade com os personagens e contextos tica, na qual o poder de afetar e ser
de filmagem. afetado próprio a essa experiência
Na escrita da pesquisa, por sua vez, o garante ao filme o estatuto de ope-
processo de montagem narrativa é seme- rador de subjetivação. (Marco,
lhante, no entanto, são utilizadas palavras Andrade & Santo, 2008, p. 277).
e fotografias e não imagens em movimento
e som para apresentar e problematizar tal Ao realizar uma pesquisa etnográfica
experiência. Há que se fazer um esforço ou um documentário, invenção e experi-
para que o texto apresente a dialogia carac- mentação estão presentes, porém sob o do-
terística da própria pesquisa, para que mínio dos afetos e dos corpos, tendo todo
temas se relacionem uns aos outros na me- esse processo pouco a ver com a lógica cien-
dida em que emergem, sem engessá-los em tificista ainda vigente em contextos acadê-
categorias e modelos preestabelecidos, sem micos (Caixeta & Guimarães, 2008). Zanella
fazer uma ciência que cataloga a experi- e Sais (2008) não desconsideram o conhe-
ência, reduzindo o vivido a um raciona- cimento e técnica no processo da pesquisa
lismo teórico-abstrato. científica, mas salientam como funda-
mental a dimensão estética no processo de
ETNOGRAFIA E CINEMA COMO criação, sendo a pesquisa ci­entífica também
EXPERIÊNCIA ESTÉTICA resultado de relações sensíveis do pesqui-
sador. Dimensão afetivo­­-­volitiva que inten-
Cinema e etnografia são linguagens sifica as relações, os encontros e de­­­
que possibilitam ao espectador/leitor esta- sencontros oriundos das pesquisas em
belecer relações estéticas com o que é dado ciências humanas.
a ver, ouvir, sentir. Segundo Zanella (2010), Estando aberto às experiências sensí-
relações estéticas estão fundamentadas veis, cinema e antropologia adentram no po-
nas relações de alteridade, possibilitando o lítico por meio das relações estéticas. Como
estranhamento do instituído e reconhe- afirma Comolli (2008), o cinema, por estar
cendo as infinitas possibilidades de vir a no mundo, torna-se engajado à medida que
ser. É sob esta perspectiva que documen- se constitui no embate com o vivido:
tário e etnografia buscam tensionar o co-
nhecimento prévio que se têm das comuni- À sua modesta maneira, o cinema
dades, dos grupos, das culturas, dando documentário, ao ceder espaço ao

Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017 49


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

real, que o provoca e o habita, só A linguagem imagética, por sua vez, vin-
pode se construir em fricção com o cula de forma expressiva a dimensão sen-
mundo, isto é, ele precisa reco- sível dos fenômenos, preservando uma
nhecer o inevitável das restrições e abertura na esfera dos discursos. Segundo
das ordens, levar em consideração Peixoto (1998), “a linguagem imagética tem
(ainda que para combatê-los) os po- mais expressividade e força metafórica; ela
deres e as mentiras, aceitar, enfim, condensa, tornando a percepção dos fenô-
ser parte interessada nas regras do menos sociais mais sensível, já que é mais
jogo social. Servidão, privilégios. alusiva, mais elíptica e mais simbólica” (p.
Um cinema engajado, eu diria, no 220). Destaca-se assim a especificidade, a
mundo. (p.173). riqueza e potência das imagens para a pro-
dução de conhecimentos em psicologia, ca-
O recurso audiovisual se apresenta racterísticas que problematizam o seu uso
como um meio contemporâneo de comuni- meramente ilustrativo e abrem caminho
cação entre pesquisador, pesquisado e pú- para formas outras de interpretação, aná-
blico em geral. É um método valioso de pro- lise e relação com o que se apresenta como
dução de informações e favorece um foco da pesquisa.
intercâmbio mais imediato aos pesquisados
(Peixoto, 1998). O audiovisual possibilita
que não somente a comunidade acadêmica REFERÊNCIAS
tenha acesso aos resultados da pesquisa,
mas, devido a sua linguagem, favorece que Bakthtin, M., Voloshinov, V. (2006). Mar­
o público pesquisado possa se posicionar xismo e Filosofia da Linguagem. São
em relação ao resultado final apresentado Paulo: Hucitec.
(Marco, Andrade & Santo, 2008).
A experiência de produção do docu- Bakhtin, M. (2010). Problemas da Poética
mentário aqui relatada foi semelhante, pois de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense
ao longo da produção e após concluído o Universitária.
documentário, sempre houve o intercâmbio
Caixeta, R., & Guimarães, C. (2008). Pela
de propostas e opiniões entre produção e
Distinção Entre Ficção e Documentário,
personagens, no qual eles também pu-
Provisoriamente. In J.-L. Comolli, Ver e
deram participar ativamente da concepção
Poder: a inocência perdida: cinema, tele-
e da montagem final do filme. Por conse-
visão, ficção, documentário (p. 32-49).
guinte, o movimento da pesquisa estava
Belo Horizonte: UFMG.
sempre sendo retroalimentado através do
diálogo entre ambas as partes. Canevacci, M. (2004). A Cidade Polifônica.
Vídeo e texto têm características dis- São Paulo: Studio Nobel.
tintas e interpelam o espectador/leitor de
diferentes formas, porém são complemen- Canevacci, M. (2008). Fetichismos Visuais.
tares na apreensão e análise dos eventos São Paulo: Ateliê Editorial.
pesquisados. A escrita cumpre uma função Comolli, J.-L. (2008). Sob o risco do real. In
analítica mais precisa e conceitual que a J.-L. Comolli, Ver e Poder: a inocência per-
dimensão imagética. Tem a finalidade de dida: cinema, televisão, ficção, documen-
depurar a experiência sob uma lógica argu- tário (p. 169-178). Belo Horizonte: UFMG.
mentativa, dialogando com as demais bi-
bliografias sobre o tema, visando a divul- Coutinho, E. (1997). O cinema documen-
gação nos meios acadêmicos da experiência tário e a escuta sensível da alteridade.
do campo e do conhecimento oriundo deste. Revista Projeto História, 15, 165-191.

50 Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017


ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

Deleuze, G. (2007). A imagem-tempo. São Feldeman-Bianco & M. L. M. Leite (Orgs.),


Paulo: Brasiliense. Desafios da imagem: fotografia, icono-
grafia e vídeo nas ciências sociais (p. 213-
Deleuze, G., & Guattari, F. (1995). Mil 224). Campinas: Papirus.
platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de
Janeiro: Editora 34. Peixoto, C. E., & Novaes, S. C. (2008). Paul
Henley: o antropólogo-cineasta que faz ci-
Drummond de Andrade, C. (2011). Alguma neastas. Revista de Antropologia, 51(2),
Poesia. Rio de Janeiro: Record. 765-785.
Fiorin, J. L. (2009). Língua, discurso e po- Ribeirto, J. da S. (2005). Antropologia vi-
lítica. Alea: Estudos Neolatinos 11(1), sual, práticas antigas e novas perspec-
148-165. tivas de investigação. Revista de Antro­
Frochtengarten, F. (2009). A entrevista pologia, 48(2), 613-648.
como método: uma conversa com Eduardo Samain, E., & Mendonça, J. M. de. (2000).
Coutinho. Psicologia USP, 20(1), 125-138. Entre a escrita e a imagem. Diálogos com
Furtado, J. R. (2007). Inventi(cidade) : os Roberto Cardoso de Oliveira. Revista de
processos de criação no graffiti. Disser­ Antropologia, 43(1), 185-236.
tação de mestrado, Departamento de Santos, B. de S. (2010). Um discurso sobre
Psicologia, Universidade Federal de Santa as ciências. São Paulo: Cortez.
Catarina, Florianópolis.
Zago, N. (2003). A entrevista e seu processo
Magnani, J. (2002). De perto e de dentro: de construção: reflexos com base na ex-
notas para uma etnografia urbana. periência prática de pesquisa. In N. Zago,
Revista Brasileira De Ciências Sociais, M. P. Carvalho & R. A. T. Vilela (Orgs.),
17(49), 11-29. Itinerários de pesquisa: perspectivas qua-
litativas em sociologia da educação (p.
Magnani, J. (2009). Etnografia como prá-
287-309). Rio de Janeiro: DP&A.
tica e experiência. Horizontes Antropo­
lógicos, 15(32), 129-156. Zanella, A. V. (2010) Psicologia Social...
arte... relações estéticas... processos de
Maheirie, K., Strappazzon, A., Muller, F. L.,
criação...: fios de uma trajetória de pes-
Sevegnani, D. M., & Barreto, F. (2014).
quisa e alguns de seus movimentos. In A.
Subjetivação, criação e produção audiovi-
V. Zanella & K. Maheirie (Orgs.), Diálogos
sual: uma experiência em torno de um
em Psicologia Social e Arte (p. 29-38).
espetáculo musical. Psicologia &
Curitiba: CRV.
Sociedade, 26, 84-92.
Zanella, A. V. (2013). Perguntar, registrar,
Marco, G. de, Andrade, A. L. O., & Santo,
escrever: inquietações metodológicas. Porto
C. S. do E. (2008) Documentário: um
Alegre: Sulina/Editora da UFRGS.
outro campo experimental no estudo dos
processos de subjetivação. Estudos de Zanella, A. V., & Sais, A. P. (2008).
Psicologia, 13(3), 275-284. Reflexões sobre o pesquisar em psico-
logia como processo de criação ético, es-
Oliverira, R. C. de. (2000). O Trabalho do tético e político. Análise Psicológica,
Antropólogo. São Paulo: UNESP. 26(4), 679-687.
Peixoto, C. E. (1998). Caleidoscópio de ima- Zanella, A. V., & Tittoni, J. (Orgs.). (2011).
gens: uso do vídeo e a sua contribuição à Imagens no Pesquisar: experimentações.
análise das relações sociais. In B. Porto Alegre: Dom Quixote.

Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017 51


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

Notas:

1 “há um modo de individuação muito diferente daquele de uma


pessoa, um sujeito, uma coisa ou uma substância. Nós lhe re-
servamos o nome de hecceidade. Uma estação, um inverno, um
verão, uma hora, uma data têm uma individualidade perfeita, à
qual não falta nada, embora ela não se confunda com a indivi-
dualidade de uma coisa ou de um sujeito. São hecceidades, no
sentido de que tudo ai é relação de movimento e de repouso
entre moléculas ou partículas, poder de afetar e ser afetado.”
(Deleuze & Guattari, 1995, p. 47).
2 Compreende-se totalidade aqui como conceituada por Magnani
(2009), como uma unidade simbólica compartilhada por uma
comunidade, no qual se pode afirmar algo a respeito e tem-se a
compreensão dos interlocutores: “uma totalidade consistente
em termos da etnografia é aquela que, experimentada e reco-
nhecida pelos atores sociais, é identificada pelo investigador,
podendo ser descrita em termos categoriais: se para aqueles
constitui o contexto da experiência diária, para o segundo pode
também se transformar em chave e condição de inteligibili-
dade.” (p.138).
3 Ficção, pois “Os homens não têm acesso direto à realidade, pois
nossa relação com ela é sempre mediada pela linguagem.”
(Fiorin, 2009, p. 152).
4 Algumas expressões próprias do universo do graffiti aqui foram
utilizadas: rolês significam as saídas pela cidade com o intuito
de realizar um graffiti ou uma pichação; pichação (também cha-
mada de picho) é caracterizada por letras que simbolizam
nomes ou grupos, em sua grande maioria são pintados com
spray preto e com caligrafia de difícil compreensão; bomb cor-
responde a graffitis de rápida execução, sem apego aos deta-
lhes, geralmente aplicados em locais não autorizados. Sobre
graffiti, pichação e bomb ver Furtado (2007).
5 Grafiteiros e pichadores também são chamados entre seus
pares de “escritores”, uma tradução direta do inglês writers,
termo que designa os praticantes desta cultura.
6 Mise-en-scène é um termo francês utilizado nas artes cênicas e
no cinema para especificar o campo visual que está sendo tra-
balho e suas características estéticas.
7 O título do filme foi inspirado em intervenção urbana que se en-
contra em algumas placas de trânsito de Florianópolis com a
frase “eles foram por ali” e uma seta indicando uma direção. O
vídeo pode ser visto no link: https://vimeo.com/51609156.

RECEBIDO EM: 24/04/2016


APROVADO EM: 26/09/2016

52 Revista de Psicologia, Fortaleza, v.8 n.1, p. 37-52, jan./jun. 2017

Potrebbero piacerti anche