Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Rafael Regiani
Resumen:
1. Travassos e a Bolívia
Nos anos 30, Brasil e Argentina competiam pela hegemonia regional na América
do Sul. A economia argentina vivia da exportação de carne e couro para a Europa através
do porto de Buenos Aires, enquanto que a brasileira era movida pela exportação de café
pelo porto de Santos. O sistema ferroviário argentino irradiava-se a partir da capital e
avançava rapidamente pelas planícies do Prata para os países vizinhos, enquanto que as
ferrovias brasileiras, concentradas no estado de São Paulo, enfrentavam mais dificuldades
em atravessar os terrenos do planalto brasileiro. Essa situação deixava a Argentina em
vantagem na disputa hegemônica. O Coronel Mário Travassos (1891 – 1973), preocupado,
escreve o Projeção Continental do Brasil (1930) com o objetivo de alertar o país e alterar
esse quadro de dianteira argentina na disputa por influência sobre a Bolívia, vista como
fundamental para se alcançar a hegemonia sulamericana.
No caso da Bolívia, a resposta varia conforme o autor. Sua geografia pode ser
encarada de diferentes maneiras dependendo do enfoque teórico de quem a vê.
Uma vez que a Bolívia não tem mar – apesar do Lago Titicaca, que delimita uma
parte da fronteira com o Peru –, nem um deserto de grande extensão, e a Amazônia é
uma floresta de grande dimensão e não apenas uma faixa florestal, só restam as
montanhas como forma de fronteira, o que a Bolívia tem. Estando em cima das cristas do
divisor de águas entre as bacias do Prata e do Amazonas, Malagrida via as serras do
território boliviano como uma fronteira ‘natural’, ‘real’ e ‘científica’ a separar as unidades
políticas naturais da América do Sul, que eram a Confederação do Prata (Argentina,
Uruguai, Paraguay e Chaco boliviano) a Confederação do Pacífico (Peru, Chile, e oeste
boliviano), a Confederação Colombiana e a Confederação Brasileira (MARTINS, 38-39)
2. Ferrovia Interoceânica
Já a ferrovia Brasil-Peru, com três opções de traçados, percorrerá uma distância maior,
de quase 5.000 quilômetros1 a um custo de US$ 30 bilhões2, contornando a Bolívia através
da Região Norte do Brasil. Qualquer que seja o caminho adotado, o fato é que grande
parte da Ferrovia Brasil-Peru estará dentro do Brasil. Por isso seu caráter é pouco
integrador da América do Sul, beneficiando apenas dois países, sendo o Brasil o maior
ganhador. Na prática é muito mais uma ferrovia brasileira que termina no Peru do que
uma legítima ferrovia de integração transcontinental.
Do ponto de vista internacional, ambas servem para dar acesso para os chineses aos
recursos naturais do continente. De fato, Pequim é a maior interessada numa ferrovia
transcontinental que reduza sua dependência do Canal do Panamá, sob influência
americana, e permita um escoamento maior e mais rápido de mercadorias para a China.
Só muda a região de importação: a Bioceânica daria acesso à soja e aos minérios
bolivianos; a Brasil-Peru, aos produtos brasileiros.
1
FERROVIA bioceânica, para ligar o Brasil ao Pacífico, é viável, indica estudo. Folha de São
Paulo. 11 de julho de 2016.
2
MEGAFERROVIA que liga oceanos entra no plano de Dilma. Folha de São Paulo. 12 de
maio de 2015
floresta e suas doenças, vide a construção da Ferrovia Madeira-Mamoré, cujas condições
de trabalho na selva provocaram a morte de milhares de trabalhadores, além de solos
muito instáveis e com custo muito maior de construção, e longos trechos sem presença de
rochas como insumo de construção.
3. Bolívia e o Mercosul
Ainda sem uma saída para o Pacífico, e oscilando historicamente entre solicitações
do Brasil e Argentina, uma vez que ambos os países estão agora no mesmo bloco
comercial, a Bolívia passa a ser inteiramente dependente do Mercosul para acessar o
Atlântico, e em grande parte de sua economia, que vive principalmente da exportação de
hidrocarbonetos para estes dois países.
As dificuldades com esses países ainda seria maior porque, além de estarem em
duas bacias independentes e que correm para o norte – Orinoco e Madalena,
respectivamente –, estão inseridos no Mar das Antilhas, o Mediterrâneo americano,
região sensível para a segurança de Washington, havendo uma sobreposição das zonas de
influência brasileira e americana. Tanto a Venezuela quanto a Colômbia, por causa disso,
estão sob forte solicitação americana (Ibid., p. 71). A Venezuela, dependente
economicamente da venda de petróleo aos EUA busca compensar sua proximidade
geográfica dos EUA com o distanciamento ideológico do bolivarianismo e dependência
militar russa. A Colômbia, sem ideologia própria para se contrapor, cede sua soberania ao
permitir a presença de tropas americanas em seu território sob o Plano Colômbia, e
contrair dependência militar de equipamentos americanos.
Isto porque este divorcio antrópico não é marcado meramente por uma diferença
linguística entre indígenas e hispânicos, mas também por uma diferença cultural, mental,
entre eles, e que é fonte de diferentes costumes, hábitos, valores e visões de mundo, as
quais impactam no comportamento político e social dessas populações, e por
consequência, alimentam a instabilidade geopolítica da Bolívia. À Bolívia andina, cujo
litoral original era o Pacífico, “corresponde um interior caracteristicamente montanhoso
pela altitude, tão bem pela produção mineira dos tratos e a mentalidade estática das
populações”, enquanto que na Bolívia oriental, cujos rios deságuam no Atlântico,
predominam “atividades pastoril e agrícola, espírito dinâmico. Não há duvida que estamos
diante bem marcado antagonismo.” (Ibid., p. 22)
Evo Morales Ayma, filho de pai aimará e mãe quíchua, foi o primeiro indígena a ser
eleito na história da Bolívia, concorrendo pelo MAS em 2005 com 53,74% dos votos,
quase o dobro de segundo colocado com 28,59%. Apesar de sua ideologia socialista, seu
socialismo pode ser considerado atípico e diferente do marxista, pois o socialismo do MAS
busca não apenas a inclusão social do indígena, mas também a preservação de sua
identidade e o reconhecimento de seus direitos nacionais. Inicialmente propunha o
Socialismo Comunitario, porém agora fala em Complementaridad de Opuestos. (URQUIDI,
p. 29)
Morales fez sua carreira política no movimento cocaleiro, movimento que emergiu
entre os anos 80 e 90, em decorrência das reformas neoliberalizantes da economia,
provocando desemprego no tradicional setor de mineração. Muitos trabalhadores
migraram para o plantio de coca movido pelo preço que o tráfico internacional pagava.
3
CONSTITUCIÓN Política del Estado. 7 de Fevereiro de 2009
4
BOLIVIA alfabetizará en 36 lenguas originarias desde 2017. Canal Telesur. 9 de Setembro
de 2016
O movimento cocaleiro se constituiu com uma identidade entre a tradição nativa
do uso da coca e a modernidade representada pela economia do tráfico. Nada mais
natural que a ascensão política de Morales, cuja trajetória de vida o torna numa síntese
representativa da totalidade social boliviana: ele falava as três línguas mais utilizadas no
país, e liderava um movimento social heterogêneo que se relacionava tanto com modos
de vida tradicionais quanto com setores modernos.
No caso da Bolívia, sem saída para o mar, o tradicionalismo de Evo Morales nada
mais é do que a expressão da condição telúrica da Bolívia. Quem mais se ressentiu da
perda do mar foram as oligarquias hispânicas, que viviam da exportação agromineral, e
ficaram isoladas do contato com o mundo exterior civilizado das demais elites ocidentais.
O racismo foi a maneira que encontraram de compensar com distanciamento ideológico a
proximidade geográfica do mar de índios primitivos que a cercava.
Sua localização central na América do Sul a permite difundir sua revolução nas
quatro direções do continente. Foi por isso que Che Guevara, após lutar pela Revolução
Cubana, veio guerrear pela revolução socialista na Bolívia em 1967, esperando que um
eventual triunfo do foquismo tivesse um efeito dominó sobre o restante do continente. O
mesmo vale para o Congo, outro país que Che Guevara lutou em 1965, e sua localização
central na África.
Conclusão
Numa época marcada pela ascensão do regionalismo político na Bolívia, que divide
o país em duas metades opostas e alimenta o separatismo de Santa Cruz, agora não mais
com base no quadro hidrográfico como pensava Malagrida, mas por resistência
econômica e ideológica das elites bolivianas orientais, Travassos continua atual. O divorcio
étnico não é algo muito explorado por Travassos, porém, como mostramos, ele sabia da
realidade antropogeográfica peculiar da Bolívia.
5
ETNIA guarani forma primeiro governo autônomo indígena da Bolívia. Portal Bol. 13 de
Setembro de 2016
é o que falta ser construído, colaborando para o regionalismo do país. Pois Santa Cruz,
que depende do gás natural exportado para países do Mercosul, inclina-se para o
Atlântico, enquanto que La Paz, inserida nos Andes, continua voltada para obter um
acesso ao Pacífico.
Evo Morales, primeiro índio eleito do país, vem conduzindo uma verdadeira
revolução graças a um programa de governo que rompeu com o paradigma neoliberal
adotado por sucessivos e fracassados governos da oligarquia hispânica. Embora governe
sob uma sigla socialista, sua ideologia é indigenista ao mesmo tempo que visa
desenvolver o país através da nacionalização dos recursos naturais, no que consideramos
um exemplo de Arqueomodernidade, e de que o Eurasianismo, como nova teoria política,
pode ser válido para a América Latina.
Bibliografia
ANDRADE, Everaldo de Oliveira. A Revolução Boliviana. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
AZEVEDO, Fernando de. Um trem corre para o oeste. In: Obras Completas. Vol. XII. São
Paulo: Melhoramentos.
ETNIA guarani forma primeiro governo autônomo indígena da Bolívia. Portal Bol. 13 de
Setembro de 2016. Disponível em: <http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-
noticias/internacional/2016/09/13/etnia-guarani-forma-primeiro-governo-autonomo-
indigena-da-bolivia.htm>. Acessado em 22/01/2017.
FERROVIA bioceânica, para ligar o Brasil ao Pacífico, é viável, indica estudo. Folha de São
Paulo. 11 de julho de 2016. Disponível em: <
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/07/1790571-ferrovia-bioceanica-para-ligar-
o-brasil-ao-pacifico-e-viavel-indica-estudo.shtml>. Acessado em: 19/01/2017.
MARTINS, Marcos Antônio Fávaro. Mário Travassos e Carlos Badia Malagrida: dois
modelos geopolíticos sobre a América do Sul. 2011. 168 f. Dissertação (Mestrado em
Integração da América Latina) - Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2011.
MEGAFERROVIA que liga oceanos entra no plano de Dilma. Folha de São Paulo. 12 de
maio de 2015. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1627754-megaferrovia-que-liga-
oceanos-entra-no-plano-de-dilma.shtml>. Acessado: 19/01/2017.
URQUIDI, Vivian. Movimento Cocaleiro na Bolívia. São Paulo: Editora Hucitec, 2007.
ZIBECHI, Raúl. Brasil potência: entre a integração regional e um novo imperialismo. Rio de
Janeiro: Consequência, 2012.