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Pró-Reitoria de Graduação

Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso

DA (IM)POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO PELO CRIME DE


HOMÍCIDO COM BASE NA PROVA INDIRETA: HOMICÍDIO SEM
CADÁVER

Autor(a): Iandra Rocha de Figueirêdo Bessa


Orientador: Prof. Douglas Ponciano da Silva

Brasília - DF
2010
IANDRA ROCHA DE FIGUEIRÊDO BESSA

DA (IM)POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO PELO CRIME DE HOMICÍDIO COM


BASE NA PROVA INDIRETA: HOMICÍDIO SEM CADÁVER

Monografia apresentada ao curso de


graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial
para obtenção do Título de Bacharel em
Direito.

Orientador: Prof. Douglas Ponciano da Silva

Brasília
2010
Trabalho de autoria de Iandra Rocha de Figueirêdo Bessa, intitulado “Da
(im)possibilidade de condenação pelo crime de homicídio com base na prova indireta:
homicídio sem cadáver”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharelado em Direito, defendida e aprovada em____de____________ de 2010, pela
banca examinadora constituída por:

___________________________________________
Presidente. Prof. Douglas Ponciano da Silva
Orientador

___________________________________________
(Integrante: Prof. Dr.)

___________________________________________
(Integrante: Prof. Dr.)

Brasília
2010
Dedico este trabalho aos meus pais pelo amor
incondicional a mim dispensado, pelo exemplo de vida,
dedicação e base de todas minhas batalhas e vitórias,
ao meu amado esposo e companheiro irretocável José
Júnior pela presença constante e incansável em todos
os momentos da minha vida acadêmica, aos meus
filhos Marinna Lis e Nathan Diógenes pelo amor sempre
presente e pela compreensão nos momentos de
ausência.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus que tornou possível a realização dessa graduação, à minha


família, pela compreensão nos momentos mais difíceis, aos professores, pelos
conhecimentos prestados, em especial ao orientador Douglas Ponciano, por prestigiar o
meu trabalho. Agradeço também às minhas queridas e inesquecíveis amigas Jô e Patty,
primeiramente pela amizade, pelo apoio, incentivo e auxílio durante o curso,
ingredientes indispensáveis para vencer essa jornada.
Nada que nos prenda... nada que limite...
Nada que acorrente o nosso sonho ao chão.
Nada que escravize o nosso pensamento,
Pois o amor dá asas e nascemos para
voar....

Marcus Viana
RESUMO

BESSA, Iandra Rocha de Figueirêdo. Da (im)possibilidade de condenação pelo


crime de homicídio com base na prova indireta: Homicídio Sem Cadáver. 102.f.
Trabalho de Conclusão de curso (Graduação em Direito) - Universidade Católica de
Brasília, Brasília, 2010.

O presente trabalho versa sobre a possibilidade de condenação nos casos de crime de


homicídio sem que o cadáver da vítima tenha sido encontrado. A análise dos meios de
prova no âmbito do processo penal, bem como a valoração de tais provas, estudo a
respeito do delito de homicídio e suas particularidades e a investigação a respeito das
provas que podem atestar a materialidade destes crimes, fornecem os subsídios
necessários a resposta da indagação proposta. Correlatamente, o estudo dos casos
forenses permite o aprofundamento no tema do desaparecimento dos vestígios em
crimes materiais, tal como o é o homicídio, verificando-se, a respeito desta questão, a
existência de duas correntes doutrinárias.

Palavras-Chave: Materialidade do Crime; Homicídio; Falta de Prova Direta; Exame de


Corpo de Delito.
ABSTRACT

BESSA, Iandra Rock Figueirêdo. The (im) possibility of a conviction for the crime of
murder based on indirect evidence: Murder Without Corpse. 102.f. Completion of course
work (Graduate Law) - Catholic University of Brasilia, Brasilia, 2010.

This paper discusses the possibility of conviction in criminal cases of murder without the
victim's corpse was found. The analysis of evidence in criminal proceedings, as well as
the pricing of such evidence, a study regarding the crime of murder and its peculiarities
with respect to strip searches and evidence that may attest to the materiality of these
crimes, provide the subsidies needed to answer the proposed inquiry. Correlatively, the
study of forensic cases allows a deeper theme of the disappearance of the material
remains in crimes such as murder is, verifying, on this issue, the existence of two
doctrinal trends.

Keywords: materiality of crime, murder, lack of direct evidence, a forensic examination.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...............................................................................................................11
1. DA PROVA NO PROCESSO PENAL ........................................................................14
1.1. CONCEITO E OBJETIVO DA PROVA ....................................................................14
1.2. SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DAS PROVAS ........................................................16
1.3. OBJETO DA PROVA...............................................................................................19
1.4. ÔNUS DA PROVA...................................................................................................21
1.5. CLASSIFICAÇÃO DA PROVA ................................................................................26
1.6. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PROVA ............................................................28
1.7. MEIOS DE PROVA .................................................................................................31
1.7.1. Perícia..................................................................................................................32

1.7.2. Interrogatório ......................................................................................................37


1.7.3. Confissão ............................................................................................................40
1.7.4. Testemunhas ......................................................................................................43
1.7.5. Palavra do Ofendido...........................................................................................47
1.7.6. Indícios ................................................................................................................49
2. DO HOMICÍDIO ..........................................................................................................54
2.1. BREVE NOTÍCIA HISTÓRICA ................................................................................54
2.2. CONCEITO .............................................................................................................56
2.3. OBJETO MATERIAL E BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO ...............................57
2.4. SUJEITOS DO DELITO...........................................................................................59
2.5. ELEMENTO SUBJETIVO ........................................................................................60
2.6. MEIOS DE EXECUÇÃO ..........................................................................................61
2.7. AÇÃO PENAL .........................................................................................................62
3. DA MATERIALIDADE NO CRIME DE HOMICÍDIO...................................................65
3.1. DA PROVA DA MATERIALIDADE NO CRIME DE HOMICÍDIO .............................65
3.2. DO EXAME DO ADN ...............................................................................................68
3.2.1. A técnica .............................................................................................................70
3.2.2. A Utilização pelo Direito Penal ..........................................................................72
3.2.3. Vantagens e Desvantagens de sua Utilização .................................................73
3.2.4. Valoração como meio de prova.........................................................................75
4. DO HOMICÍDIO SEM CADÁVER ..............................................................................77
4.1. ADMISSIBILIDADE .................................................................................................79
4.2. INADMISSIBILIDADE ..............................................................................................83
4.3. CASOS DA LITERATURA FORENSE ....................................................................85
4.3.1. O Caso Dana de Teffé ........................................................................................86
4.3.2. O Caso Michelle de Oliveira ..............................................................................89
4.3.3. O Caso do goleiro Bruno Fernandes ................................................................93
4.4. ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS ..............................................................96
11

INTRODUÇÃO

A escolha do tema surgiu com a repercussão dada ao caso do goleiro Bruno


Fernandes, do Flamengo, pelo fato de estar sendo investigado pelo desaparecimento
da ex-amante Eliza Samúdio e, embora o seu corpo não tenha sido encontrado, o
inquérito policial concluiu que Eliza foi assassinada por causa da cobrança pelo
reconhecimento da paternidade do seu filho que seria fruto do relacionamento com
Bruno. No entanto, Bruno não concordava em assumir a paternidade da tal criança.
A partir disso, foi realizado um estudo sobre as provas da materialidade nos
crimes de homicídio, baseados em casos reais que se apresentam e suscitam questões
ainda não totalmente exploradas e pacificadas no âmbito do Direito Processual Penal.
É certo que para a configuração de um delito é necessário a comprovação da
autoria e da materialidade, uma vez que a condenação criminal é a resultante de uma
soma de certezas. Certeza da materialidade (existência do delito) e certeza da autoria
do imputado.
No que tange ao crime de homicídio, a prova da materialidade consubstancia-se
no corpo de delito e no respectivo laudo que o atesta. A indagação a respeito da
possibilidade de condenação do agente, sem que o corroborem elementos materiais do
fato, é questão que envolve não somente discussão referente aos meios e formas de
interpretação das provas.
Sem dúvida alguma, abrange a admissão dos meios proporcionados pelos
avanços tecnológicos, tais como o exame de ADN (Ácido Desoxirribo Nucleico) e outras
perícias técnicas. Os princípios de um Estado Democrático de Direito (em razão de
poder se revestir de incerteza uma condenação) e o debate relativo à impunidade em
crimes de tamanha importância, tal como o homicídio, por tutelar o bem mais valioso,
que é a vida humana.
É necessário, para uma compreensão global da questão, a definição dos
conceitos da materialidade do delito, meios de prova, finalidade dos laudos periciais,
estudo dos elementos objetivos e subjetivos do crime previsto pelo artigo 121 do
12

Código Penal, bem como as demais circunstâncias sociais e psicológicas que


acompanham estes fatores.
A análise consiste no estudo de casos esparsos existentes na literatura forense,
de julgamentos de crimes de homicídio sem que o cadáver fosse encontrado. Inclui-se,
ainda, a análise dos meios de prova admitidos e a valoração que possam receber na
elucidação dos fatos que servem para a comprovação da autoria e da materialidade,
dando ênfase ao exame de DNA.
Esse trabalho tem como objetivo verificar se é possível haver condenação do
acusado pelo crime de homicídio sem que haja prova técnica capaz de atestar a
materialidade, e, em caso positivo, em que casos isso é possível. Assim, procura-se
obter uma análise jurídica sob o crime de homicídio e quais os meios de prova
admitidos para ensejar a condenação ou a absolvição do agente, com fulcro em
interpretações jurisprudenciais e doutrinárias.
O presente trabalho foi dividido em quatro capítulos: no primeiro capítulo buscou-
se conceituar a prova no processo penal, informar sobre seu objeto e o ônus, destacar
os princípios norteadores da prova, bem como alguns meios de prova, indicando quais
os sistemas de sua apreciação.
No segundo capítulo será abordado o crime de homicídio no que tange ao seu
histórico, conceito, o objeto material e bem juridicamente protegido, os sujeitos do
delito, o elemento subjetivo e os meios de execução do crime em comento.
O terceiro, por sua vez, irá tratar sobre a materialidade no crime de homicídio,
dando ênfase ao exame de DNA, e, sobre isso, fará uma abordagem sobre a técnica, a
sua utilização pelo Direito Penal, incluindo as suas vantagens e desvantagens, bem
como a sua valoração como meio de prova.
No quarto e derradeiro capítulo será destacado a questão basilar desse trabalho
que gira em torno da polêmica existente no crime de homicídio quando há o
desaparecimento do corpo da vítima: homicídio sem cadáver.
Nesse capítulo serão apresentados alguns casos célebres de crime de homicídio
onde os corpos das vítimas não foram encontrados, estando em destaque o caso do
goleiro Bruno Fernandes. Ademais, o estudo compreenderá alguns entendimentos
jurisprudenciais sobre o tema.
13

Para tanto, foi utilizado o método dedutivo hipotético, uma vez que para
demonstrar se é possível a condenação pelo crime de homicídio com base na prova
indireta, se faz necessário o estudo sobre os conceitos gerais pertinentes aos meios de
prova, o que foi feito com base na metodologia de pesquisa bibliográfica, baseadas na
legislação penal brasileira, em doutrinas, artigos, revistas e jurisprudências.
14

1. DA PROVA NO PROCESSO PENAL

1.1. CONCEITO E OBJETIVO DA PROVA

O Código de Processo Penal regulamenta a prova em seu Título VII a partir do


artigo 155.
O termo prova, segundo Adalberto Aranha, origina-se do latim probatio1,
podendo ser traduzida como experimentação, verificação, exame, confirmação,
reconhecimento, confronto etc.
Num sentido comum ou vulgar, significa tudo aquilo que pode levar ao
conhecimento de um fato, de uma qualidade, da existência ou exatidão de uma coisa.
Por outro lado, como significado jurídico, representa os atos e os meios usados pelas
partes e reconhecidos pelo juiz como sendo a verdade dos fatos alegados. Contudo,
em quaisquer de seus significados, representa sempre o meio usado pelo homem para,
através da percepção, demonstrar uma verdade.
O mencionado autor esclarece que a verdade chega à inteligência humana
através de um meio de percepção. Destarte, a prova pode ser entendida como todo
meio usado pela inteligência do homem para a percepção de uma verdade.
Denilson Feitoza cita em seu livro o conceito de prova segundo Adalberto
Aranha, o qual afirma que “prova em sentido comum, é tudo que pode levar o
conhecimento de um fato a alguém. Em sentido jurídico, há quem empregue o vocábulo
com o significado de atos e meios usados pelas partes e reconhecidos pelo juiz como
sendo a verdade dos fatos alegados.” 2

_____________
1
ARANHA, Adalberto Jose Q. T. de. Da prova no processo penal. 6.ed. rev, atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 5/6.
2
FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6. ed, Rio de Janeiro: Impetus,
2009.
15

Segundo Guilherme de Souza Nucci3, prova “é o conjunto de elementos


produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à formação do
convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias.”
Para Florian4, “provar significa fornecer ao processo o conhecimento de qualquer
fato, de maneira que se adquira para si ou se engendre em outros a convicção da
existência ou verdade desse fato”.
Na definição de Mittermaier, prova “é o complexo dos motivos produtores da
certeza.”5
Desse modo, conclui-se que provar é estabelecer a existência da verdade e as
provas são os meios pelos quais se procura estabelecê-la. Portanto, provar é
demonstrar a certeza do que se diz ou alega.6
Nesse sentido, a verdade, na lição de Mittermaier, supracitado:

“É a concordância entre um fato real e a idéia que dele forma o espírito.


Suponhamos um individuo que se quer convencer da realidade de uma coisa, e
que a procura; resulta a verdade desde que a convicção adquirida se acha em
perfeita correlação com o seu objeto.”
Segundo Tourinho Filho, supracitado, para a demonstração da verdade se faz
necessário provar algo, ou um fato, ou um acontecimento, posto que a prova tem o
condão de fazer com que os outros conheçam uma verdade já conhecida por nós.
Desse modo, os fatos só podem ser considerados provados no momento em que
sobre eles o juiz forma sua convicção. Assim, a finalidade da provas é mostrar para o
julgador o que realmente ocorreu, para que ele faça um juízo de valor e procure
restaurar, na medida do possível, a verdade real.
Salienta-se, ainda, por oportuno, o mencionado doutrinador, que para formar sua
convicção o juiz se utiliza de todos os meios de prova para conhecer da verdade dos
fatos porque é ele quem vai dizer se o acusado é culpado ou inocente, e, para tanto, ele
precisa saber o que realmente aconteceu, quando e como aconteceu. Daí que o

_____________
3
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5ª Ed, rev., atual. e
ampl.4. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 388.
4
FLORIAN, Eugênio. De lãs pruebas penales. Trad. Jorge Guerrero. 3. ed. Bogotá: Temis, 1982, t. I,
p. 41-44.
5
MITTERMAIER, C.J.A. Tratado da Prova em Matéria Criminal. 2ª Ed. Rio de Janeiro: 1909, p. 75.
6
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed, São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
213.
16

trabalho do juiz se equipara ao de um historiador que procura, com os meios de que


dispõe, reconstruir fatos passados.
Assim sendo, a verdade relativa aos fatos é uma tarefa reconstrutiva do julgador,
que busca, através de um levantamento, o que aconteceu ou o que acontece, usando,
para tanto, todos os meios de prova lícitos, admitidos em Direito e disponíveis. 7

1.2. SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DAS PROVAS

A apreciação das provas, através da história, passou por diferentes fases,


“amoldando-se às convicções, às conveniências, aos costumes e ao regime político de
cada povo”. 8
O referido doutrinador afirma que o sistema ordálico desenvolveu-se e
aprimorou-se na Idade Média, entre os europeus, “sob o domínio germânico-barbárico”.
O sistema ordálico, também denominado Juízos de Deus, unia a incerteza da loteria à
crueldade de várias de suas provas e à irracionalidade de todas elas.
Acreditava-se que a Divindade intervinha nos julgamentos e, num passe de
mágica, deixava demonstrado se o réu era ou não culpado. Ou, como dizia o art. 99 do
Código de Manu: “Aquele a quem a chama não queima, a quem a água não faz
sobrenadar, ao qual não sobrevém desgraça prontamente, deve ser considerado como
verídico em seu juramento”. Dessa forma, o pretenso culpado era submetido a uma
prova para se aferir a sua responsabilidade e o juiz se limitava a comprovar o resultado
das provas.
Quanto ao sistema das provas legais ou certeza moral do legislador ou da prova
tarifada, o doutrinador Paulo Rangel9 afirma que todas as provas têm seu valor
prefixado pela lei, não dando ao magistrado liberdade para decidir naquele caso

_____________
7
INELLAS, Gabriel Cesar Zaccaria. Da Prova em Matéria Criminal. 1 ed., São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2000, p. 2.
8
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
251.
9
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 448.
17

concreto, se aquela prova era ou não comprovadora dos fatos, objeto do caso penal.
Segundo Nucci10, é o método ligado à valoração taxada ou tarifada da prova,
significando o preestabelecimento de um determinado valor para cada prova produzida
no processo, fazendo com que o juiz fique adstrito ao critério fixado pelo legislador, bem
como restringido na sua atividade de julgar.
Era a época em que se considerava nula a força probatória de um único
testemunho (unus testis, nullus testis ou testis unius, testis nullius). Assim, o juiz, nesse
sistema, apenas verificava qual era o peso dos meios de prova, seguindo friamente o
que lei determinava para aferir os fatos, objetos de prova.
Nesse sistema, por exemplo, o legislador estabelecia que a prova obtida através
da confissão do acusado era a rainha das provas e, portanto, não adiantava uma
testemunha dizer que o acusado não estava presente no local do fato, pois a confissão
valia mais que a prova testemunhal.11 Atualmente, esse sistema não mais prevalece.
Nucci, doutrinador supramencionado, acrescenta que há resquícios do sistema
da prova legal quando a lei exigir determinada forma para a produção de alguma prova,
como ocorre com o artigo 158 do CPP, o qual preleciona que é indispensável o exame
de corpo de delito para a formação da materialidade da infração penal, que deixar
vestígios, vedando a sua produção através da confissão.
Com base no ensinamento do doutrinador Tourinho Filho, o sistema da íntima
convicção ou da prova livre trata-se de sistema diametralmente oposto ao das provas
legais, uma vez que neste o legislador demonstra sua desconfiança no Juiz e naquele
há inteira e absoluta confiança. De acordo com o sistema da íntima convicção ou da
prova livre, o julgador não está obrigado a exteriorizar as razões que o levam a proferir
a decisão.
Nesse sistema o juiz atribui às provas o valor que quiser e bem entender,
podendo, inclusive, decidir valendo-se de conhecimento particular a respeito do caso,
mesmo não havendo provas nos autos. Desse modo, o juiz decide de acordo com a sua
convicção íntima, sem necessidade de fundamentar a decisão. Ressalta-se que tal

_____________
10
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008, p. 361.
11
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 448.
18

sistema vigora, entre nós, nos julgamentos pelo Tribunal do Júri, pois, os jurados
decidem, sigilosamente, de acordo com a sua intima convicção, sem fundamentar seu
voto.12
O referido autor esclarece que, no que diz respeito ao sistema da livre convicção
ou persuasão racional, o juiz tem inteira liberdade na valoração das provas. Como
esclarece o Ministro Francisco Campos, na Exposição de Motivos que acompanha o
atual CPP, não é prefixada uma hierarquia de provas; na livre apreciação destas, o Juiz
formará honesta e lealmente a sua convicção. Ressalta-se que todas as provas são
relativas e nenhuma delas terá, ex vi legis, valor absoluto.
Contudo, o Juiz não está dispensado de motivar a sua sentença. Desse modo,
sem o perigo do despotismo judicial do sistema da intima convicção e sem limitar os
movimentos do juiz no sentido de investigar a verdade, como acontecia no sistema das
provas legais, surge o sistema da livre convicção ou do livre convencimento, admitindo-
se, de modo geral, todos os meios de prova.
Cumpre-nos ressaltar, por oportuno, que, o sistema supramencionado se trata do
sistema adotado, majoritariamente, pelo processo penal brasileiro, encontrando,
inclusive, fundamento no art. 93, IX, da Constituição Federal, o qual preconiza que toda
decisão dos órgãos do Poder Judiciário deverá ser fundamentada. Desse modo, com
base no art. 155 do CPP, o sistema da livre convicção ou persuasão racional é o
sistema utilizado pela legislação pátria para a apreciação das provas, in verbis:

“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida
em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente
nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas. “13

_____________
13
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
253/254.
13
MECUM, Vade. Código Penal Brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
19

1.3. OBJETO DA PROVA

Objeto da prova, ou thema probandum, é a coisa, fato, acontecimento ou


circunstância que deva ser demonstrado no processo.14
Adalberto Aranha15, a seu turno, afirma que o objeto da prova é o fato a ser
demonstrado, isto é, todos os fatos sobre os quais versem a ação penal e devam ser
verificados.
Segundo Manzini, citado por Tourinho Filho, o objeto de prova são todos os
fatos, principais e secundários, que reclamem apreciação judicial e exijam
comprovação. Assim, são suscetíveis de prova todos os fatos que tenham ou possam
vir a ter relevância na apuração da verdade que interessa ao processo de forma direita
ou indireta.
Logo, a prova tem como objeto os fatos que sejam pertinentes ao processo,
alegados pela acusação e pela defesa. Verifica-se, na prática, que cabe às partes a
demonstração dos fatos mais do que a interpretação do direito, esta a cargo do juiz. 16
Florian, por sua vez, expressa que o objeto da prova é “aquilo de que o juiz deve
adquirir o necessário conhecimento para decidir sobre a questão submetida a seu
julgamento.” Ou seja, é toda a circunstância, alegação ou fato relativo ao litígio, sobre
os quais pese incerteza e que, conseqüentemente, precisam ser demonstrados para a
solução daquele.17
Esclarece Tourinho Filho que, enquanto o fato dirige-se à percepção do juiz, com
o intuito de formar sua convicção, o direito encaminha-se à sua inteligência, visando à

_____________
14
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p. 331.
15
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal. 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 26.
16
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
215.
17
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p. 331.
20

aplicação correspondente. Em regra, pois, a atividade probatória circunscreve-se aos


fatos alegados no processo, porque o direito se presume conhecido pelo juiz.18
O referido autor ressalta que, via de regra, somente os fatos devem ser
provados, porém, excepcionalmente poderá ser o direito, como o direito municipal,
estadual, estrangeiro ou consuetudinário. Nesses casos, haveria um ônus da prova do
direito que, todavia, não impossibilita a utilização dos poderes oficiosos por parte do
juiz.
Segundo o doutrinador Adalberto Aranha, o direito, em regra não precisa ser
provado. Nesse sentido, cita a afirmação clássica de Fraga:

“O direito basta ser alegado, pois, o juiz, sendo obrigado a conhecê-lo, a


presunção é que dele tem conhecimento perfeito e, assim sendo, os litigantes
não são obrigados a prová-lo. Daí o velho provérbio: advogado, venha ao fato;
o tribunal conhece o direito (advocatus venit ad factum, curia novit ius).”19
Ensina, ainda, o doutrinador Adalberto Aranha que, no processo penal, como
regra geral, todos os fatos necessitam ser provados, porém, como exceção justificadora
da regra, existem alguns fatos que dispensam a força probatória.
Desse modo, o mencionado doutrinador diz que os fatos intuitivos ou evidentes
não necessitam ser provados, uma vez que, se o fato é evidente, a convicção já está
formada, dispensando, destarte, qualquer demonstração. Assim, os fatos intuitivos ou
evidentes, isto é, as verdades axiomáticas do mundo do conhecimento, não carecem de
prova.
Afirma, ainda, o referido autor, que as presunções legais também não
necessitam de prova, pois a presunção legal é a conclusão decorrente da lei, podendo
ser absoluta (jure et de jure) ou condicionada (juris tantum).
Além dos fatos intuitivos ou evidentes e as presunções legais, os fatos inúteis
também não necessitam ser provados. Segundo Fraga, citado por Adalberto Aranha, os
fatos inúteis são aqueles que “sejam verdadeiros ou não, não podem influir para a
decisão neste ou naquele sentido; e, assim, sendo supérfluos, não devem ser admitidos
à prova: frusta probatur quod probantum non relevat”. Assim, são aqueles dos quais

_____________
18
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
216.
19
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 30/31.
21

não se pode retirar conseqüência jurídica, em nada contribuindo para a formação do


convencimento do magistrado.
Os fatos notórios, igualmente, também não necessitam de prova, pois, segundo
magistério de Amaral Santos, citado por Adalberto Aranha, os fatos notórios são
“aqueles cujo conhecimento faz parte da cultura normal e própria de determinada esfera
social no tempo em que ocorrer a decisão”. E acrescenta: “Para que um fato seja
notório não precisa que, efetivamente, seja ele conhecido, bastando que o possa ser
por meio de ciência pública ou comum(...)”.
Isto é, são aqueles que pertencem ao patrimônio estável de conhecimento do
cidadão de cultura média, em determinada sociedade. Contudo, poderá ser objeto de
prova, pois o conceito de notoriedade é relativo, posto que um fato pode ser notório em
determinado lugar e para determinadas pessoas.20

1.4. ÔNUS DA PROVA

A palavra ônus vem do latim ônus, oneris, que significa carga, peso, fardo,
encargo, aquilo que sobrecarrega. Assim, sob o ponto de vista jurídico processual,
pode-se dizer que o ônus é o encargo que as partes têm de provar as alegações que
fizeram em suas postulações. Dessa forma, caso não seja cumprido, apenas o
encarregado sairá prejudicado, pois se trata de uma obrigação para consigo mesmo. 21
Desse modo, a regra concernente ao ônus probandi, ao encargo de provar, é
regida pelo principio actori incumbit probatio ou ônus probandi incumbit ei qui asserit,
isto é, deve incumbir-se da prova o autor da tese levantada. 22
Nesse sentido, dispõe o art. 156 do Código de Processo Penal, in verbis:

“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,


facultado ao juiz de ofício: I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a
_____________
20
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
216.
21
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 438.
22
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
246.
22

produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,


observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II -
determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização
23
de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
O ônus da prova (ônus probandi), de acordo com o Professor Adalberto Aranha,
representa a necessidade de provar para ver reconhecida judicialmente a pretensão
manifestada. Registra-se, de início, que a prova não constitui uma obrigação processual
e sim um ônus, como a própria nomenclatura indica.24
Verifica-se, portanto, a necessidade de salientar a diferença entre a obrigação e
o ônus. Segundo Friederich Lent, citado pelo referido Professor,

“A diferença essencial entre ônus e obrigação está, pois, no meu entender, na


circunstância de que o adimplemento do ônus é deixado livremente à vontade
da parte onerado ao contrário do que ocorre com a obrigação, onde há a
necessidade de ser cumprida.”
Logo, o ônus oferece uma alternatividade ao dispor do titular que poderá atendê-
lo ou não, ao passo que a obrigação é um mandamento legal pelo qual o obrigado não
pode escolher entre cumpri-lo ou não. Assim, a prova é, induvidosamente, um ônus
processual.
Segundo, ainda, Adalberto Aranha, “quem tem uma obrigação processual e não
a cumpre sofre a pena correspondente; quem tem um ônus e não o atende, não sofre
pena alguma, apenas deixa de lucrar o que obteria se tivesse praticado”. Desse modo,
ensina José Frederico Marques,25 que as partes não estão obrigadas a fazer prova do
que alegam, mas submetidas apenas ao ônus de demonstrar essas alegações, para
evitar um prejuízo futuro.
Ônus da prova, em outro enfoque, segundo Gustavo Badaró, citado por Nucci 26,
é uma “posição jurídica na qual o ordenamento estabelece determinada conduta para
que o sujeito possa obter um resultado favorável, ou seja, para que o sujeito onerado
obtenha o resultado favorável, deverá praticar o ato previsto no ordenamento jurídico,

_____________
23
MECUM, Vade. Código Penal Brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009
24
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 7.
25
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p. 350.
26
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5ª ed. rev., atual. e
ampl. 4. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 393
23

sendo que a não realização da conduta implica a exclusão de tal beneficio, sem,
contudo, configurar um ato ilícito”.
Destaca, ainda, o doutrinador Nucci, em sua obra, o ensinamento de Paulo
Heber de Morais e João Batista Lopes, que afirmam que o ônus é a “subordinação do
interesse próprio a outro interesse próprio, enquanto a obrigação é a subordinação do
interesse próprio a outro, alheio.”
A título de exemplo, se o réu num processo penal possui um documento que lhe
prova a inocência, é de toda vantagem para ele juntá-lo aos autos. Caso não o faça,
pode não ser reconhecida sua inocência, mas não há lei alguma que lhe imponha o
dever de apresentar tal documento e o ameace de pena pelo simples fato de não o
fazer.27
Salienta-se, por oportuno, que o fato da lei penal obrigar o acusado a se
defender, tanto que ao contumaz e ao que não o tem é dado defensor dativo, e a falta
do exercício de defesa importar em nulidade absoluta, não desfiguram o ônus
probatório. Desse modo, a obrigação é a de ser defendido, sob pena da sanção
correspondente que é a nulidade, enquanto a produção de prova é apenas um ônus, e,
como tal, quem não a realiza de forma alguma viola o principio da obrigatoriedade da
defesa.28
Incumbe à acusação a prova da realização do fato, ao passo que ao acusado,
eventual causa de excludente da tipicidade, da antijuridicidade, da culpabilidade ou
extinção da punibilidade.29
Com base nos ensinamentos de Adalberto Aranha,30 os fatos, considerados em
função da condição jurídica que o direito substancial lhes atribui, podem ser
constitutivos, extintivos, impeditivos ou modificativos.
Dessa forma, ao acusador cabe o ônus de provar os fatos constitutivos, isto é, a
existência concreta do tipo e de sua realização pelo acusado. À defesa, por sua vez,
cabe o ônus de provar os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos. Os fatos

_____________
27
TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal, 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p.311.
28
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 8/9.
29
JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal Anotado, 23ªed., São Paulo: Saraiva, 2009, p.159.
30
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 10/13.
24

extintivos são os que têm a eficácia de fazer cessar a relação jurídica, como, por
exemplo, a prescrição e a decadência. Já os fatos impeditivos são todos os que
excluam o elemento vontade livre e consciente quando da prática de um fato, como, por
exemplo, o erro de tipo e a coação irresistível. No que tange aos fatos modificativos,
são todos aqueles que dão um novo aspecto ao fato, atingindo a relação litigiosa, como,
por exemplo, a legítima defesa.
Aduz o mencionado doutrinador que, com relação à culpabilidade, a
jurisprudência construiu uma curiosa interpretação: o dolo é presumido, emergindo
desde que provadas à materialidade e a autoria, enquanto a culpa (stricto sensu)
necessita ser demonstrada pela acusação.
Admite-se o dolo como presumido porque uma vez provados pela acusação o
fato e a autoria, emerge o dolo como uma conseqüência decorrente, cabendo ao
incriminado demonstrar a sua ausência. Já a culpa, deverá ser sempre demonstrada
pela acusação, pois nos delitos culposos ela integra o próprio tipo legal do delito.
Entendimento oposto é adotado por Tourinho Filho, citado pelo doutrinador
Adalberto Aranha, supramencionado, para quem a acusação deve provar tanto o dolo
quanto a culpa, em atenção ao princípio da presunção de inocência do agente.
Salienta-se, no entanto, que o ônus da prova da defesa não deve ser levado a
extremos, em virtude do principio constitucional da presunção de inocência e,
conseqüentemente, do in dubio pro reo. Sendo assim, feita a prova pela defesa e
existindo a dúvida, deve o réu ser absolvido e não condenado.31
Dessa forma, o réu não deve ser condenado caso não se desincumba do ônus
que lhe é imposto, pois, se houver dúvida quanto à ilicitude ou quanto à culpabilidade
de sua conduta, cumpre ao juiz absolvê-lo por “não existir prova suficiente para a
condenação”, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal.32
O doutrinador Adalberto Aranha esclarece que, embora às partes caiba o ônus
de provar, ao juiz fica facultado colher e produzir elementos visando a apuração da
verdade, conforme preconiza o artigo 156 do Código de Processo Penal, segunda

_____________
31
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5ª ed. rev., atual. e
ampl. 4. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 393
32
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p. 346/347
25

parte. Como afirma sabiamente Moacyr Amaral Santos, ao juiz é dada a faculdade de
supletivamente cooperar na produção de provas, ordenando, de oficio, as diligências
necessárias a bem da apuração da verdade dos fatos postos em juízo. Já decidiu o Eg.
Supremo Tribunal Federal que “encerrada a instrução criminal, decorrido o prazo de
diligências e já oferecidas às alegações finais, é lícito ao juiz ouvir em diligências
testemunhas, usando da faculdade do art. 209 do Código de Processo Penal, não
ocorrendo nulidade.”33
Segundo o mencionado autor, faculta-se ao juiz, supletivamente, apurar a
verdade, chamando para si o ônus de demonstrar o que uma das partes não quis, não
soube ou não pôde aproveitar, com o intuito de suprir a inércia, a astúcia ou o descaso
de uma das partes. Portanto, foi dado ao juiz poderes de instrução, traduzidos por José
Alberto dos Reis como de “mandar proceder às diligências e atos necessários para a
descoberta da verdade.”
Contudo, o doutrinador supramencionado, salienta que o juiz deve usar a
faculdade contida no art. 156 do CPP com muita cautela, com toda a prudência
necessária, para que não cause o fenômeno de assumir uma das partes na relação
processual, mesmo porque o verbo usado é “poderá”, o qual indica faculdade e não
dever.
Nesse sentido, o juiz, segundo ensina Alcalá-Zamora, “no debe intervir mucho
como buscador de pruebas para mantenerse por encima del litigio, sin prejulgar su
solución ni comprometer su imparcialidad.” Só excepcionalmente, para suplir la
deficiência de la prueba ofrecida pelas partes, é que pode determinar, de ofício,
diligências probatórias.34

_____________
33
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 15/16
34
ALCALÁ ZAMORA, Niceto, apud MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual
Penal. 2ª ed., Revista e atualizada por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p. 350.
26

1.5. CLASSIFICAÇÃO DA PROVA

A respeito da classificação da prova, encontram-se na doutrina várias


exposições. Porém, merece destaque aquela elaborada pelo ilustre jurista Framarino
Dei Malatesta, presente na obra de Adalberto Aranha,35 o qual assentou sua
classificação em três critérios: o do objeto, o do sujeito e o da forma da prova.
O objeto da prova é o fato cuja existência deseja-se ver reconhecida. Em relação
ao objeto pode ser direta, se referir-se imediatamente ao fato probando, ao fato cuja
prova é desejada, ou indireta, caso afirme outro fato do qual, por via do raciocínio, se
chega ao que se deseja provar, necessitando, destarte, para sua apreciação, um
trabalho de raciocínio indutivo.
O doutrinador Paulo Rangel36 diz que a prova será direta quando se referir ao
próprio fato probando, pois o fato é provado sem a necessidade de qualquer processo
lógico de construção. É aquela que demonstra a existência do próprio fato narrado nos
autos. Por sua vez, a prova indireta é aquela que não dirige ao próprio fato probando,
mas, por raciocínio que se desenvolve, se chega a ele. Assim, na prova indireta há uma
construção lógica através da qual se chega ao fato ou à circunstância que se quer
provar.
Sujeito da prova, com base no entendimento de Malatesta, citado por Adalberto
Aranha, em sua obra, é a pessoa ou coisa de quem ou de onde promana a prova.
Quanto ao sujeito da prova, pode ser pessoal, que é a revelação consciente feita por
uma pessoa das impressões mnemônicas de um fato, ou real, que consiste na
atestação inconsciente feita por uma coisa na qual ficou impresso um sinal. Assim, as
perícias, as vistorias e todas as modificações corpóreas constituem prova real.
Esclarece o doutrinador Paulo Rangel, supracitado, que a prova pessoal é toda
afirmativa consciente destinada a mostrar a veracidade dos fatos afirmados. Assim, a
testemunha que narra os fatos que assistiu e o laudo cadavérico assinado por perito
são exemplos de provas pessoais, pois a afirmativa emana da pessoa. Por outro lado, a
_____________
35
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 23/25
36
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 407/410
27

prova real é aquela originada dos vestígios deixados pelo crime, ou seja, é a prova
encontrada na “res”, não necessariamente no objeto material do crime, mas, sim, em
qualquer coisa que tenha vestígios do crime. Tanto a prova pessoal quanto a prova real
podem ser diretas ou indiretas. Nesse sentido, exemplo dado por Malatesta:

“Encontrou-se um homem assassinado a facadas num campo cujo terreno é


argiloso. Na casa do acusado, são encontrados sapatos enlameados, parece
que com aquela espécie de terra e apresentados em juízo. Eis uma prova real
indireta. Os sapatos enlameados, que querem aproveitar-se para apuração do
crime, são uma coisa bem diversa do delito: aqui, a coisa probante só pode
associar-se à provada por meio do trabalho de raciocínio.”
Finalmente, quanto à forma, segundo o entendimento de Malatesta,
anteriormente citado, as provas podem ser testemunhal, documental e material. A
testemunhal é verificada quando o pensamento humano exterioriza-se através de uma
forma rápida, que é a palavra fônica, ou através de uma forma permanente, por meio da
palavra escrita ou gravada.
Por sua vez, a forma material é obtida por meio químico, físico ou biológico que
sirva como veiculo de percepção para se chegar ao fato probando. Portanto, a prova
testemunhal se refere às testemunhas, ouvida da vítima, acareações; a prova
documental, também conhecida como literal ou instrumental, refere-se aos escritos
públicos ou particulares, cartas, livros comerciais, fiscais, etc.; e a prova material, diz
respeito ao corpo de delito, exames, vistorias, etc..
Quanto à forma, preleciona Paulo Rangel, supramencionado, corroborando com
o entendimento de Malatesta, pode ser testemunhal, documental e material. Assim, a
classificação quanto à forma diz respeito à maneira pela qual as partes apresentam em
juízo a veracidade de suas manifestações.
No que tange à testemunhal é aquela feita por afirmação pessoal oral, e em
alguns casos, expressamente previstos em lei, por escrito (§1º do art. 221 do CPP).
Quanto à documental, é a prova produzida por afirmação escrita ou gravada, como por
exemplo, por cartas, fotografias, etc.
Por fim, a prova material é aquela consistente em qualquer materialidade que
sirva de elemento de convicção sobre o fato probando, como por exemplo, os exames
de corpo de delito, as perícias e os instrumentos utilizados pelo crime.
28

1.6. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PROVA

As provas possuem seus princípios próprios, aqueles que lhes são peculiares e
que, portanto, dizem respeito apenas a elas.37
Contudo, há grande divergência entre os doutrinadores no que diz respeito aos
princípios gerais que regem a prova no processo criminal. Consoante o entendimento
do doutrinador Adalberto Aranha38, passa-se a expor os principais princípios da prova
penal.
O principio da auto-responsabilidade das partes diz que cada parte assume e
suporta as conseqüências de sua inatividade, negligência, erro ou atos intencionais,
pois tem o encargo de apresentar em juízo os elementos comprobatórios das alegações
feitas e que lhe compete demonstrar.
No que tange ao principio da audiência contraditória, aduz que, no âmbito penal,
prevalece o principio da audiência bilateral pelo qual toda prova admite a contraprova,
não sendo admissível a produção de uma delas sem o conhecimento da outra parte. É
pacifica a jurisprudência quanto à nulidade do processo quando uma das partes não
tenha ciência e possibilidade de manifestar-se sobre uma prova existente nos autos.
Nesse sentido:

“Pena de nulidade o processo-crime há de ser discutido sob o aspecto do


contraditório, assegurando-se às partes o direito de manifestação sobre
qualquer documento juntado aos autos” (JTACrim, 59:190).
“Prova. Principio do contraditório. Toda prova criminal deve ser produzida com a
interferência e a possibilidade de oposição pela parte a que possa prejudicar,
pois o principio do contraditório é de aplicação imperativa, abrangendo,
inclusive, aquela de iniciativa do juiz” (Ap. 127.930, TACrim).
Assim, a exigência do contraditório, na formação e produção das provas, vem
desdobrada em diversos aspectos, que se podem assim resumir: a) a proibição da
utilização de fatos que não tenham sido previamente introduzidos pelo juiz no processo
e submetidos a debate pelas partes; b) a proibição de utilizar provas formadas fora do
processo ou de qualquer modo colhidas na ausência das partes; c) a obrigação do juiz,
_____________
37
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.410
38
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 32/34
29

quando determine a produção de provas ex officio, de submetê-las ao contraditório das


partes, as quais devem participar de sua produção e poder oferecer a contraprova. Em
última análise, tanto será viciada a prova que for colhida sem a presença do juiz, como
será a prova colhida pelo juiz, sem a presença das partes.39
No que se refere ao principio da aquisição ou comunhão da prova, ainda com
base no entendimento do doutrinador Adalberto Aranha, retromencionado, não há prova
pertencente a uma das partes, mas sim o ônus de produzi-la. Toda prova produzida
integra um campo unificado, servindo a ambos os litigantes e ao interesse da justiça.
Segundo o entendimento de Paulo Rangel,40 estando a prova nos autos,
pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não obstante ter sido levada
apenas por um deles. Assim, não há prova pertencente a uma das partes, mas sim o
ônus de produzi-la. As provas produzidas formam um todo, servindo ao processo e ao
interesse da justiça. São destinadas à formação da convicção do órgão julgador.
É entendimento do Nucci41 que o principio da comunhão da prova estabelece que
a prova, ainda que produzida por iniciativa de uma das partes, pertence ao processo e
pode ser utilizada por todos os participantes da relação processual, destinando-se a
apurar a verdade dos fatos alegados e contribuindo para o correto deslinde da causa
pelo juiz.
Nesse sentido, ensina Hélio Tornaghi:

“A prova não pertence exclusivamente ao juiz, por outro lado ela não é
invocável só por aquele que a produziu. Ao contrário: uma vez levada ao
processo, ela pode ser utilizada por qualquer dos sujeitos desse: juiz ou partes.
É o principio da comunhão dos meios de prova. Por força desse principio é que
a testemunha arrolada por uma das partes pode ser inquirida também pela
outra.[...] Também por amor desse principio, uma vez apresentada a prova por
uma das partes, não deve ela poder desistir sem o consentimento da outra.”42
O principio da oralidade, segundo o entendimento de Adalberto Aranha,
anteriormente citado, afirma que em audiência haverá sempre predominância da
palavra falada. Nesse sentido, os depoimentos perante os juízes serão sempre orais,
_____________
39
GRINOVER, Ada Pelegrini, SCARANCE, Antonio e GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As
nulidades do processo penal, 10. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,
p. 146.
40
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 410/411
41
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 7ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008, p. 363.
42
TORNAGHI. Helio. Curso de Processo Penal, 10ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p.
272/273.
30

não sendo possível substituí-los por declarações particulares, por exemplo. Como
corolário desse princípio se verifica o principio da concentração, que consiste em
concentrar toda a produção da prova na audiência, visando uma maior rapidez na
colheita e produção das provas.
Em continuidade, quanto ao principio da publicidade, assevera que os atos
judiciais, conseqüentemente a produção de prova, são públicos, somente admitindo-se
o segredo de justiça como exceção restrita.
Consoante o entendimento de Mirabete,43 o principio da publicidade dos atos
processuais, profundamente ligado à humanização do processo penal, contrapõe-se ao
procedimento secreto, característica do sistema inquisitório.
É ele regra em nosso direito e foi elevado à categoria constitucional pelo artigo
5°, LV, da Carta Magna: "A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais
quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". Nesse sentido, dispõe
que:

"Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e


fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o
interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias
partes e a seus advogados, ou somente a estes" (art. 93, IX).
Por fim, o principio do livre convencimento motivado, com base nos
ensinamentos de Adalberto Aranha, supramencionado, esclarece que inexiste uma
hierarquia das provas. As provas não são prévia e legalmente valoras, dando-se ao
julgador liberdade em sua apreciação, apenas limitado aos fatos e circunstâncias dos
próprios autos. Todavia, o juiz está obrigado a motivar sua decisão diante dos meios
de provas constantes dos autos.

_____________
43
MIRABETE, Juilo Fabbrini. Princípios do Processo Penal. Disponível em:
<http://www.leonildocorrea.adv.br/curso/mira3.htm>. Acesso em: 09/10/10
31

1.7. MEIOS DE PROVA

Meios de prova, como ensina Pontes de Miranda, “são as fontes probantes, os


meios pelos quais o juiz recebe os elementos ou motivos de prova”. Assim, é através
dos meios de prova que o magistrado forma a sua convicção e as partes procuram
demonstrar os fatos que alegaram.44
Segundo Paulo Rangel,45 os meios de prova são todos aqueles que o juiz, direta
ou indiretamente, utiliza para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em
lei ou não. Dessa forma, é o caminho utilizado pelo magistrado para formar a sua
convicção acerca dos fatos ou coisas que as partes alegam
Magalhães Gomes Filho, na obra do referido doutrinador, assegura que:

“Os mecanismos probatórios visam à formação e a justificação do


convencimento judicial, (...) pois somente a concreta apreciação da prova,
verificável pela motivação da sentença, assegura a efetividade do direito à
prova.”
Na lição de Clariá Olmedo, citada por Nucci,46 é o método ou procedimento pelo
qual chegam ao espírito do julgador os elementos probatórios, que geram um
conhecimento certo ou provável a respeito de um objeto do fato criminoso. Assevera,
ainda, que os meios de prova podem ser lícitos, admitidos pelo ordenamento jurídico,
ou ilícitos, contrários ao ordenamento, ressaltando que somente os meios de prova
lícitos devem ser levados em conta pelo juiz.
Dessa forma, meio de prova é tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente,
à comprovação da verdade que se procura no processo. Os meios de prova utilizados
são o interrogatório do acusado, a inquirição de testemunhas, as declarações da vítima,
as perícias, os documentos, os indícios etc.47

_____________
44
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p.MARQUES, José Frederico, p. 333.
45
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.406.
46
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 7ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008, p. 356.
47
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v.,
p.217.
32

De um modo geral, conforme entendimento do doutrinador José Frederico


Marques,48 são inadmissíveis os meios de prova que a lei proíba e aqueles que são
incompatíveis com o sistema processual em vigor. São eles: a) os meios probatórios de
invocação ao sobrenatural; b) os meios probatórios que sejam incompatíveis com os
princípios de respeito ao direito de defesa e à dignidade da pessoa humana.
Segundo o referido doutrinador, o rol dos meios de prova elencados do artigo
158 ao artigo 239 do Código de Processo Penal é meramente exemplificativo, pois
apontam e indicam diversos meio de prova. Vincenzo Manzini, por seu turno, pondera
que, não mais vigorando o sistema das provas legais, outros meios probatórios podem
ser usados, desde que “suscetíveis de obter a certeza no caso concreto.”

1.7.1. Perícia

Entende-se por perícia o exame procedido por pessoa que tenha determinados
conhecimentos técnicos, científicos, artísticos ou práticos acerca de fatos,
circunstâncias ou condições pessoais inerentes ao fato punível, a fim de comprová-
los.49
Segundo Frederico Marques,50 perícia é a prova destinada a levar ao juiz
conhecimentos instrutórios sobre normas técnicas e sobre fatos que dependam de
conhecimento especial. Nesse sentido:

“O exame pericial realizado na fase preparatória do inquérito não constitui, por


isso, simples peça de investigação, embora sirva para integrar infomatio delicti.
A perícia realizada em qualquer fase do procedimento penal é sempre ato
instrutório emanado de órgão auxiliar da Justiça para a descoberta da verdade.
Seu valor é o mesmo quer se trate de perícia realizada em Juízo, quer se cuide
de exame pericial efetuado durante a fase preparatória do inquérito. A sua força
probante deriva da capacidade técnica de quem elabora o laudo e do próprio
conteúdo deste.”

_____________
48
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p. 333/334.
49
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v.,
p.254/255
50
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, vol. II. São paulo: Millennium,
2003, p.423/426.
33

A seu turno, o doutrinador Malatesta entende que “a perícia é o testemunho de


fatos científicos, técnicos, ou de suas relações, conhecidas do perito; eis a sua natureza
especial”.51
Com base no entendimento de Adalberto Aranha52, o termo “perícia” tem sua
origem etimológica no vocábulo latino peritia, significando habilidade, saber,
capacidade, sendo que, no decorrer do tempo, a própria habilidade especial exigida
passou a distinguir a ação ou a investigação praticada por alguém e para a qual
colocou seu conhecimento ou saber altamente especializados.
Aduz, ainda, o referido doutrinador, que a perícia é considerada como meio de
prova, uma vez que prevista na legislação no campo destinado às provas (Livro I, Título
VII, Capítulo II) do Código de Processo Penal. Contudo, embora situada como uma
prova nominada idêntica às demais, tem a perícia uma natureza jurídica toda especial
que extravasa a condição de simples meio probatório para atingir uma posição
intermediária entre a prova e a sentença. Tal argumentação é baseada na afirmação de
que o perito emite um juízo de valor; que a perícia é sempre prospectiva enquanto as
provas são retrospectivas e que a perícia é eminentemente subjetiva, ao passo que
todas as provas são objetivas.
Nesse sentido, o supramencionado autor, traz à baila o ensinamento de
Carnelutti: “o Juiz chama a testemunha porque já conhece o fato, chama o perito para
que o conheça; a testemunha recorda, o perito relata; a primeira é meio de
reconstrução, o segundo, de comunicação da verdade.” Desse modo, a testemunha
exuma um fato passado, faz um retrospecto; o perito transmite uma conclusão técnico-
científica, o que importa numa prospectiva.
No que tange ao perito, assevera, ainda, que é um auxiliar da justiça,
devidamente compromissado, estranho às partes, portador de um conhecimento
técnico altamente especializado e sem impedimentos ou incompatibilidades para atuar
no processo. Esclarece que a função do perito pode ficar limitada na retratação técnica
das percepções colhidas, na reprodução do examinado, configurando-se apenas e tão-

_____________
51
MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Trad. J. Alves de
Sá. Campinas: Servanda, 2009, p. 388.
52
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p.181/184
34

só uma declaração de ciência, hipótese em que atuará como perito percipiendi. Porém,
em outra situação, poderá ser chamado para interpretar ou apreciar cientificamente um
fato, fazendo uma afirmação de um juízo, quando será perito deduciendi.
Von Kries, citado na obra de doutrinador Torinho Filho,53 sustenta que, em geral,
os peritos podem ser caracterizados como auxiliares do Juiz. Comunga de tal
entendimento o grande processualista Helio Tornaghi, para quem o perito está investido
do múnus público de assessorar tecnicamente o Juiz, e conclui: a perícia não prova;
ilumina a prova. Tanto é certo tal entendimento que o legislador tratou do perito no
capitulo em que disciplina a atividade do Juiz, do Ministério Público, do intérprete,
Defensor e funcionário da Justiça.
Importante salientar, dentre as demais perícias, o exame de corpo de delito, que,
segundo o entendimento de José Frederico Marques,54 é prova indispensável e
necessária nos crimes que deixam vestígios (delicta facti permanenti), diferentemente
daqueles que não deixam vestígios (delicta facti transeuntis), que, por sua vez, não
necessitam do referido exame. Explica, assim, Tomas Jofré que “existem duas
categorias de crimes: uns de fato momentâneo ou passageiro, de que não ficam
vestígios, tal como acontece nas injúrias verbais; e outros em que ficam vestígios, como
o homicídio, o incêndio, as injúrias impressas”.
Segundo Malatesta, citado na obra do doutrinador José Frederico Marques, ora
referido, diz que “a figura física do delito – o que representa o seu corpo – é constituída
pelas materialidades permanentes que se acham ligadas à consumação criminosa. É
corpo de delito tudo o que consiste na materialidade do meio imediato, ou do efeito
imediato do delito.”
Tourinho Filho,55 em sua obra, citando Tornaghi, diz que corpo de delito é o
conjunto de vestígios materiais deixados pelo crime. A apreciação desses dados
materiais pelos sentidos constitui o exame do corpo de delito. Segundo a clássica

_____________
53
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v.,
p.255
54
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p. 439/440
55
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
256
35

definição de João Mendes Júnior, o corpo de delito “é o conjunto de elementos


sensíveis do fato criminoso.”
Para Genival Veloso de França, corpo de delito é o conjunto dos elementos
sensíveis do dano causado pelo fato delituoso e a base de todo procedimento
processual. Os elementos sensíveis são aqueles que podem afetar os sentidos, ou
seja, podem ser percebidos pela visão, gustação, tato, audição e olfato, só podendo ser
encontrado naquilo que foi atingido pelo evento criminoso.56
Na obra do autor José Frederico Marques, retromencionado, ele cita o
ensinamento de Florian sobre o conteúdo do corpo de delito, o qual afirma que o
conteúdo é tríplice, visto que abrange: a) os sinais da atividade do delinqüente; b) o
resultado ou produto da infração; c) o corpus instumentorum ou meios empregados pelo
delinqüente.
Afirma, o doutrinador José Frederico Marques, ora citado, que o exame do corpo
de delito é, hoje, simples perícia para a verificação dos elementos sensíveis e materiais
da infração penal, realizado mediante regras próprias previstas no Código de Processo
Penal.
Destarte, quando a infração deixar vestígios,57 é necessário o exame de corpo de
delito, isto é, a comprovação dos vestígios materiais por ela deixados torna-se
indispensável, conforme preconiza o artigo 158 do Código de Processo Penal, in verbis:

“Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de


corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do
acusado”.
Cumpre-nos ressaltar, segundo o doutrinador Tourinho Filho, ora citado, que nos
próprios termos do art. 158 do CPP, o exame de corpo de delito pode ser direto ou
indireto. Diz-se “direto” quando procedido por inspeção pericial, quando os peritos
procedem diretamente o exame. Se, entretanto, não for possível o exame de corpo de
delito direto, pelo desaparecimento dos vestígios, a prova testemunhal, diz o art. 167 do
CPP, poderá suprir-lhe a falta.
Dessa forma, preleciona o referido doutrinador que o exame de corpo de delito
indireto se presta a constatação daqueles delitos cujos vestígios desapareceram antes
_____________
56
FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal, 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 14
57
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
256/260.
36

de levar-se a efeito. O exame indireto consiste exatamente no suprimento feito


geralmente por testemunhas. Entretanto, na lição de Espínola Filho, por sinal
consagrada pelo jurisprudência: “Não há qualquer formalidade para a constituição
desse corpo de delito indireto”. Aliás, a prova da existência do crime pode ser formada
por qualquer elemento probatório não vedado em lei.
Senão vejamos:

“É certo que o corpo de delito direto pode ser suprido pelo indireto, que se
realiza através da prova testemunhal. Duas são, porém, as condições de
imprescindibilidade: a) é indispensável que o vestígio tenha desaparecido; b) a
prova testemunhal deve ser uniforme e categórica, de forma a excluir qualquer
possibilidade de dúvida quanto à existência dos vestígios” (Heleno Cláudio
Fragoso, Jurisprudência Criminal, v. 2, p. 495).58
Quanto ao juiz, segundo o entendimento de Adalberto Aranha,59 as legislações
penais que diz respeito à avaliação da perícia estabelecem dois sistemas: o vinculatório
e o liberatório. No vinculatório o julgador está vinculado à pericia, subordinando o juiz à
opinião do perito. Já no liberatório, atribui ao juiz uma liberdade na análise e
acolhimento da opinião do perito.
Esclarece o doutrinador retromencionado, que o legislador brasileiro adotou o
sistema liberatório, uma vez que o julgador não está vinculado à perícia, podendo,
inclusive, rejeitá-la, conforme disposição expressa do artigo 182 do Código de Processo
Penal, que diz “O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no
todo ou em parte.” Embora não vinculado à conclusão pericial, somente se admite um
julgamento contrário à opinião do perito desde que devidamente fundamentado.

_____________
58
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 204
59
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p.191
37

1.7.2. Interrogatório

Segundo Adalberto Aranha, 60 a primeira questão a ser examinada em relação ao


interrogatório, diz respeito à sua natureza jurídica, se meio de prova ou de defesa.
Esclarece o referido doutrinador que o interrogatório do acusado, diante da lei
processual em vigor, é um meio de prova. Entretanto, a doutrina, corroborada pela
jurisprudência, tem entendido o interrogatório como meio de defesa, uma vez que fica
ao arbítrio do réu o atendimento ou não do ato como uma tática de defesa.
Aduz, ainda, que, como meio de prova, deverá ser examinada pelo julgador em
conjunto com as demais provas ligadas ao fato acusatório. Já como meio de defesa,
caberá ao acusado a narrativa, funcionando como uma oportunidade para dar a sua
versão e exculpar-se, se for o caso, isto é, poderá o acusado responder sem mais nada
lhe ser indagado, podendo omitir-se, não comparecer e mesmo nada responder, sem
que lhe seja imposto qualquer ônus.
O interrogatório, com base no entendimento de Tourinho Filho,61 é um dos atos
processuais mais importantes, por meio do qual o Juiz ouve do pretenso culpado
esclarecimentos sobre a imputação que lhe é feita e, ao mesmo tempo, colhe dados
importantes para o seu convencimento.
Nesse sentido, a lição do festejado Hélio Tornaghi:62

“o interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para, num contato


direto com o acusado, formar juízo a respeito de sua personalidade, da
sinceridade de suas desculpas ou de sua confissão, do estado d‟alma em que
se encontra, da malícia ou da negligência com que agiu, da sua frieza e
perversidade ou de sua nobreza e elevação; é ocasião propícia para estudar-
lhe as reações, para ver, numa primeira observação, se ele entende o Carter
criminoso do fato e para verificar tudo mais que está ligado ao seu psiquismo e
à sua formação moral.”
Salienta, ainda, o doutrinador Adalberto Aranha, citado antes, que o
interrogatório se caracteriza por ser ato personalíssimo, judicial, oral e possível de ser

_____________
60
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 93/96
61
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
277/282
62
TORNAGHI. Helio. Curso de Processo Penal, 10ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p.365
38

realizado a qualquer momento. É personalíssimo porque somente o réu pode ser


interrogado, não podendo agir por ele seu defensor nem seu curador, se menor. É
judicial porque somente o juiz pode interrogar o acusado. É oral, somente admitindo-se,
como exceção, as perguntas escritas ao surdo e as respostas, igualmente escritas, ao
mudo. Por derradeiro, é um ato retratável e possível de ser repetido, ao dispor do juiz.
Segundo preleciona José Frederico Marques, 63 o interrogatório em juízo é
dirigido pelo próprio magistrado a que está afeto o processo. As partes nele não
intervêm, embora devam estar presente no ato não só o Ministério Público, como ainda
o defensor do réu. Ressalta-se que a todo tempo poderá o juiz proceder a novo
interrogatório.
A partir da edição da Lei 10.792/2003, com base em Guilherme Nucci, 64 torna-se
indispensável que o interrogatório seja acompanhado por defensor, constituído ou
dativo. Entretanto, a partir da edição das Leis 11.689/2008 e 11.719/2008, o
interrogatório passou a ser realizado ao final da instrução e esta, por sua vez, deve
concentrar-se em uma só audiência. Logo, colhido todos os depoimentos necessários,
ouve-se o réu, se ele não se utilizar do direito ao silêncio.
Consoante o ensinamento de Tourinho Filho, retromencionado, é pelo
interrogatório que o juiz mantém contato com a pessoa contra quem se pede a
aplicação da norma sancionadora, momento em que o juiz colhe elementos para o seu
convencimento. E, para que se realce a necessidade do interrogatório, basta atentar
para a regra imperativa do art. 185 do CPP, in verbis:

“Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso


do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensro,
constituído ou nomeado.”
Tourinho Filho, assevera, ainda, que, segundo a regra contida no art. 185 do
CPP, o imputado será interrogado no curso do processo. Ao receber a denúncia ou
queixa, que ocorre após a “resposta” do réu, o juiz designará dia e hora para a
audiência de instrução e julgamento com interrogatório. Dessa forma, se atender a
citação, será interrogado, porém, se não o fizer, mas for preso, ou em outra

_____________
63
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p.391
64
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5ª ed. rev., atual. e
ampl. 4. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 425
39

oportunidade se apresentar em juízo, sê-lo sê-lo-á. Logo, enquanto não transitar em


julgado a sentença, deve ser realizado o interrogatório. Convém salientar que o juiz tem
a faculdade de, a todo tempo, de oficio ou a pedido fundamento de qualquer das partes,
proceder a novo interrogatório.
Aduz, ainda, que atualmente vigora o principio do nemo tenetur se detegere, isto
é, de que ninguém é obrigado a acusar-se. Assim, o imputado tem ampla liberdade:
responderá às perguntas se quiser. A legislação pátria aceitando o princípio liberal e
moral expresso naquela fórmula latina, prescreveu no art. 186:

“Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o


acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito
de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem
formuladas.”
É, portanto, a consagração do direito ao silêncio conferido constitucionalmente.
Nesse sentido, destaca o doutrinador José Frederico Marques:65

“O silêncio do acusado não pode ser interpretado em seu prejuizo, pois está
garantido constitucionalmente, conforme dispõe o art. 5º, inciso LXIII. Portanto,
com o advento da Constituiçao Federal de 1988, não pode o mero silêncio ser
prejudicial ao acusado.”
Acrescenta, ainda, o referido doutrinador Tourinho Filho, que é certo que o
acusado tem a faculdade de responder, ou não, às perguntas que lhe forem formuladas
pelo juiz. Contudo, é possível que o magistrado tenha uma impressão desfavorável
quando o acusado guarda silêncio, entretanto não se pode admitir que tal impressão se
converta em indício para um decreto condenatório.
Corroborando com tal entendimento, o parágrafo único do art. 186 do CPP,
estabelece que “o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser
interpretado em prejuízo da defesa.” Desse modo, o acusado é o único árbitro da
conveniência, ou não, de responder e ninguém pode impedir-lhe o exercício desse
direito.
Por fim, cumpre-nos realçar que, conforme o entendimento do doutrinador
Guilherme Nucci, retromencionado, o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de
defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira
alternativa que se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo conseqüência
_____________
65
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p. 389
40

alguma, defendendo-se apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito
do silêncio, seja lá o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado
poderá levar em consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo.

1.7.3. Confissão

Diz Carnelutti, na obra do doutrinador José Frederico Marques,66 que “a


confissão é o testemunho do acusado de ter praticado a infração penal, cujo conteúdo é
contrário ao interesse de quem a faz.”
O doutrinador Guilherme Nucci67 ensina que confessar, no âmbito do processo
penal, é admitir contra si, por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno
discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade competente,
em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato criminoso. Assim, a
confissão pressupõe a admissão de fato criminoso e não de qualquer fato prejudicial ao
réu. Ressalta, ainda, que a confissão é um meio de prova, isto é, um dos instrumentos
disponíveis para que o juiz atinja a verdade dos fatos.
Segundo o doutrinador Tourinho Filho,68 a confissão poderá ser explícita, quando
o confitente reconhece, às claras, espontaneamente, ser o autor da infração e implícita,
quando o pretenso autor da infração procura ressarcir o ofendido dos prejuízos
causados pela infração, equivalente, nesse caso, a prova indiciária de alto valor.
Assevera, ainda, que a confissão poderá ser simples ou qualificada. Será
simples quando o confitente se limita a atribuir a si a prática da infração penal. Por outro
lado, será qualificada, quando, embora reconhecendo ser o autor da infração, alega,
também, qualquer fato ou circunstância que exclua o crime ou o isente de pena.

_____________
66
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p. 395/396
67
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5ª ed. rev., atual. e
ampl. 4. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 439
68
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
302/304
41

Conforme o mesmo doutrinador, poderá ainda a confissão ser judicial, quando


feita em Juízo em conformidade com as formalidades exigidas pela lei ou extrajudicial,
quando não realizada perante perante o juiz, por exemplo, perante a autoridade policial.
Assim, se perante a autoridade policial alguém confessa haver praticado determinada
infração, essa confissão será extrajudicial, e, se negada em juízo, terá tão-somente, o
valor de indício. Desse modo, para que tenha o valor que se atribui, haverá
necessidade de ser renovada em juízo.
Salienta-se que a confissão extrajudicial, consoante o entendimento de
Guilherme Nucci, retromencionado, não conta com as garantias constitucionais
inerentes ao processo, especialmente o contraditório e a ampla defesa, é apenas um
meio de prova indireto, isto é, um indício.
Caso venha isolada no bojo dos autos, deve ser considerada totalmente
inconsistente para condenar uma pessoa. Portanto, necessita ser firmemente
confrontada com outras provas e nitidamente confirmada pelas provas produzidas em
juízo, não bastando mera fumaça de veracidade.
Acrescenta, ainda, que a confissão judicial, por sua vez, porque produzida diante
de magistrado, após a citação, sob o manto protetor da ampla defesa – que deve,
efetivamente ser assegurada ao réu antes do interrogatório – é meio de prova direto e,
mesmo assim, precisa ser confrontada com outras provas e por elas confirmada,
embora possua maior força do que a confissão-indício feita, em regra, na polícia.
Tourinho Filho, doutrinador supramencionado, ensina que a confissão é
retratável, pois, mesmo tendo confessado, isto é, reconhecido sua responsabilidade,
poderá o confitente retratar-se, desdizer-se, voltar atrás. Contudo, o valor da retratação
é relativo, uma vez que o juiz tem absoluta liberdade de colocá-la em confronto com os
demais elementos de prova carreados para os autos, a fim de constatar se a retratação
é ou não sincera.
Tal afirmação está em consonância com o que estatui o art. 200 do CPP: “a
confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do Juiz,
fundado no exame das provas em conjunto.”
Também afirma o referido doutrinador que a confissão é divisível, haja vista que
o juiz poderá aceitar, como sincera, uma parte da confissão e desprezar a outra. Dessa
42

forma, caso o imputado confesse ter cometido um homicídio e, ao mesmo tempo, alega
que o perpetrou em legitima defesa, o juiz só atribuirá valor à alegada justificação se a
palavra do imputado for fortalecida por outros elementos de prova. Porém, se isso não
ocorrer, é evidente que o juiz somente poderá aceitar a confissão em parte, rechaçando
o restante, por não lhe parecer sincero.
Segundo o retromencionado doutrinador, houve tempo em que a confissão era
considerada a rainha das provas, porque ninguém melhor do que o acusado pode saber
se é ou não culpado. Tão importante era ela que se torturava o pretenso culpado para
arrancar-lhe o reconhecimento de sua culpabilidade.
Muitas vezes, sendo a tortura pior que a pena cominada à infração, levava o
individuo, mesmo inocente, a confessar sua pretensa culpa. Destarte, considerada
como regina probationum, não é de estranhar a fala de Ulpiano, no sentido de que “os
que confessam em prejuízo devem ser tidos como julgados.”
Por oportuno, esclarece que a experiência tem demonstrado que não se pode
nem se deve atribuir absoluto valor probatório à confissão, porém várias circunstâncias
podem levar um indivíduo a reconhecer-se culpado de uma infração que realmente não
praticou, como por exemplo, por enfermidade mental, interesse pecuniário, desejo de
proteger o verdadeiro criminoso, com intenção de dar tempo ao verdadeiro culpado de
fugir ou para ocultar crimes mais graves.
Infere-se, portanto, com base em tal esclarecimento, que a confissão, sem
embargo de ser excelente e valioso meio de prova, não tem força probatória absoluta.
Por isso mesmo dispõe o art. 197 do CPP, in verbis:

“o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros


elementos de prova, e para a sua apreciação o Juiz deverá confrontá-la com as
demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe
compatibilidade ou concordância.”
Por conseguinte, concorda com tal dispositivo, pois o Estado não quer que um
inocente pague pelo verdadeiro culpado. Há, pois, interesse público em jogo, devendo o
juiz confrontar a confissão com as demais provas, pesquisando possível
compatibilidade ou concordância, para não incidir no erro de aceitar como verdadeira
uma auto-acusação falsa. Não se deve esquecer, a propósito, que muitas vezes as
43

confissões são conseguidas criminosamente, seja por meio de coações, como


aconteceu, por exemplo, com os irmãos Naves em 1937.

1.7.4. Testemunhas

Segundo o entendimento de Adalberto Aranha, 69 testemunhar, etimologicamente,


vem do latim testari, significando mostrar, asseverar, manifestar, testificar, confirmar,
etc.. Por sua vez, deu origem ao vocábulo tstemunha (testis), que, em seu sentido
amplo, representa toda a coisa ou pessoa que afirma a verdade de algum fato.
Com base no ensinamento de Tourinho Filho, 70 a palavra testemunha, segundo
alguns autores, deriva de testando e, segundo outros, de testibus, que equivale a dar fé
da veracidade de um fato.
Por sua vez, C.J.A. Mittermaier71 afirma que, testemunha, em sentido genérico, é
o indivíduo chamado a depor segundo sua experiência pessoal sobre a existência e a
natureza de um fato.
A seu turno, Nucci72 diz que testemunha é a pessoa que declara ter tomado
conhecimento de algo, podendo, pois, confirmar a veracidade do ocorrido, agindo sob o
compromisso de ser imparcial e dizer a verdade.
Desse modo, segundo o doutrinador Adalberto Aranha, retromencionado,
testemunha é pessoa idônea, diferente das partes, convocada pelo juiz, por iniciativa
própria ou a pedido das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos e concernentes
à causa.

_____________
69
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 147
70
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
314
71
MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da Prova em Matéria Criminal, trad. Herbert Wuntzel Heinrich,
5ªed., Campinas: Bookseller, 2008, p. 301.
72
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5ª ed. rev., atual. e
ampl. 4. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 458
44

A prova testemunhal, de relevante importância na área criminal, será produzida


em decorrência de pedido das partes ou devido a ato de oficio do juiz: com efeito, o
magistrado pode, além das arroladas pelas partes, ouvir outras testemunhas. 73
José Frederico Marques,74 ensina que a prova testemunhal é a que se obtém
com o depoimento oral sobre fatos que se contêm no litígio penal. As pessoas que
prestam esse depoimento têm o nome de testemunhas, as quais, segundo definição de
Von Kries, são terceiros chamados a depor, sobre suas percepções sensoriais, perante
o juiz.
Assim, a testemunha pode depor sobre o que viu, como sobre o que ouviu, e,
ainda, sobre qualquer outra percepção obtida por um dos demais sentidos, como o
olfato ou tato. Ressalta-se, por oportuno, que essas percepções devem referir-se aos
fatos que constituem objeto do litígio penal.
Consoante o entendimento de Adalberto Aranha, anteriormente citado, quanto ao
modo a prova testemunhal pode ser instrumental ou judicial. A testemunha
instrumentária é aquela que presencia a realização de um ato do processo, dando a ele
veracidade e autenticidade. Pode-se citar como exemplo, a pessoa que testemunha a
leitura do auto de prisão em flagrante na presença do acusado. Já a testemunha judicial
é aquela chamada em juízo para reproduzir fatos conhecidos e relativos à causa.
Prosseguindo, no que diz respeito ao conteúdo, a testemunha pode ser direta,
isto é, aquela que falam sobre um fato que presenciaram, ou indireta, sendo aquela que
depõe sobre conhecimentos obtidos com terceiros, as que transmitem por ouvir dizer.
Além disso, assevera, ainda, que, quanto ao objeto, a testemunha poderá ser
própria, quando chamada para ser ouvida sobre o fato objeto do litígio e imprópria
quando prestar depoimento sobre um ato do processo, como a testemunha
instrumentária.
Tourinho Filho, supracitado, classifica, ainda, a testemunha, como numerárias,
informantes e referidas. Dizem-se numerárias as testemunhas que prestam
compromisso e as informantes aquelas que não prestam compromisso. As chamadas
_____________
73
GRINOVER, Ada Pelegrini, SCARANCE, Antonio e GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As
nulidades do processo penal, 10. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,
p. 184.
74
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p. 403
45

testemunhas referidas são terceiras pessoas indicadas no depoimento de outra


testemunha.
Na doutrina, apontam-se como características do depoimento prestado pela
testemunha a judicialidade, a oralidade, a objetividade e a restrospectividade. A
judicialidade decorre do principio de que, tecnicamente, só é prova testemunhal o
depoimento prestado em Juízo 75. Em continuidade, o doutrinador Tourinho Filho, ora
citado, diz que se caracteriza pela oralidade porque uma vez chamada a depor, a
testemunha deverá fazê-lo oralmente, pela objetividade, no sentido de que a
testemunha, em seu depoimento, não pode fazer apreciações pessoais, falando apenas
sobre os fatos que são objetos da causa e pela retrospectividade, vez que a
testemunha depõe sobre fatos passados.
Informa, ainda, Tourinho Filho, que a capacidade para ser testemunha encontra-
se, previamente, regulada pela lei. No processo penal, em regra, toda pessoa tem
capacidade para depor, isto é, para ser testemunha. Contudo, há exceções, como por
exemplo, o depoimento das testemunhas que tenham parentesco com o acusado ou
daquelas testemunhas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam
guardar segredo.
Além disso, aduz que os deveres da testemunha igualmente se acham previstos
em lei. A imperatividade da norma que se contém na primeira parte do art. 206 do CPP
dispensa maiores considerações: “A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de
depor...”. Além do mais, o dever de depor compreende o dever de comparecimento e o
dever de prestar compromisso.
Consiste o comparecimento no dever que tem a testemunha de apresentar-se
em dia, hora e local designados pela autoridade competente para prestar seu
depoimento, sendo que o descumprimento de tal obrigação poderá resultar na
condução coercitiva. Quanto ao dever de prestar compromisso, a testemunha,
comparecendo para depor tem o dever de dizer tudo o que souber a respeito do que lhe
for perguntado, devendo falar a verdade e somente a verdade, sob pena de ser
processado pelo crime de falso testemunho.

_____________
75
MIRABETE. Julio Frabrini. Processo Penal. 18ª ed. rev. e atual. por Renato N. Fabbrini. São Paulo:
Atlas. 2006, p. 292/293.
46

Por oportuno, informa que há exceção, também, quanto ao dever de prestar o


compromisso legal, no que tange às pessoas citadas no art. 208 do CPP, como, por
exemplo, os deficientes mentais. Por outro lado, há também exceção quanto ao dever
de comparecer, no que se refere às pessoas mencionadas nos artigos 220 a 222, todos
do CPP, como por exemplo as pessoas impossibilitadas por enfermidade, o Presidente
da República e a testemunha que morar fora da jurisdição.
Segundo Adalberto Aranha, citado antes, entende que, quando da avaliação da
prova testemunhal, em primeiro lugar, deverá ser observada a pessoa do depoente,
social e psicologicamente, retirando fatores de maior ou menor credibilidade e deverá
ser examinado o conteúdo de seu depoimento no que tange à coerência,
verossimilhança, espontaneidade, etc. O julgador deverá examinar o conteúdo do
depoimento como um todo, fazendo observações sobre os fatores ora citados e sua
concordância com outras provas.
Nesse sentido, Mittermaier76 ensina que “a experiência atesta que os homens
muitas vezes iludem a si próprios, e que não julgam falar contra a verdade, quando
deixam de dizer tudo quanto sabe; é, a testemunha, que não depôs de um modo
consciencioso e completo, supõe que desculpa a infidelidade de seu testemunho,
dizendo que não a interrogaram sobre todos os fatos.” É certo que o mais leal dos
homens, quando de seu depoimento, por estar nervoso, pode deixar de recordar de
detalhes importantes sobre o fato.
O depoimento é considerado por Magalhães Noronha77 a prova por excelência
no processo penal. Com efeito, pois, sem embargo das críticas ou objeções que contra
tal tipo de prova se levantam, é o testemunho, muitas vezes, o meio de prova pelo qual
se alcança a verdade real. Muitas vezes constitui a principal fonte em que se baseia o
julgador para apurar a autoria e a responsabilidade penal.
Nesse sentido, na lição de Malatesta:

“O homem, geralmente falando, percebe e narra a verdade: eis o fundamento


da credibilidade abstrata da prova testemunhal. Mas essa presunção de
veracidade pode ser destruída ou enfraquecida por condições particulares, que
sejam, em concreto, inerentes ao sujeito, forma ou conteúdo de uma particular
_____________
76
MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da Prova em Matéria Criminal, trad. Herbert Wuntzel Heinrich,
5ªed., São Paulo: Bookseller, 2008, p. 303.
77
NORONHA, E. Magalhães, Curso de Direito Processual Penal, 25ª.ed., São Paulo: Saraiva, 1997,
p.149/150.
47

testemunha; para avaliar sua força probatória, em concreto, é necessário, por


isso, atender as condições particulares supracitadas. Assim, falando de
avaliação dos testemunhos, não cremos que seja possível a determinação
matematicamente definida de seu valor.
Para que o homem, como pretende a presunção geral da veracidade humana,
narre a verdade que percebeu, é necessário que não se tenha enganado
percebendo, e não queira enganar referindo” 78
Assim, tendo como base o ensinamento de Tourinho Filho, retromencionado,
registra-se que, apesar do valor extraordinário da prova testemunhal e ser esta
uma necessidade, levando em consideração que as infrações penais, em geral,
só podem ser provadas em juízo por pessoas que assistiram ao fato ou dele
tiverem conhecimento, o seu valor probatório não é absoluto, sendo este
relativo, como qualquer outro meio de prova. Acrescenta-se a isso a
precariedade do testemunho, uma vez que a testemunha está sujeita a falhas,
em virtude de sua ruindade, medo, imaturidade, imprecisões, percepção, cultura
e outros vários motivos.

1.7.5. Palavra do Ofendido

Segundo Tourinho Filho79, o ofendido ou vítima é o sujeito passivo da infração.


Ou, como diz Basileu Garcia, é o titular do direito lesado ou posto em perigo pelo crime.
Em suma: é quem sofre a ação violatória da norma penal. Quando a lei fala em
ofendido, que referir-se àquele que sofre a lesão, podendo ser o Estado, a pessoa física
ou jurídica. O ofendido é o sujeito passivo imediato (eventual) da ação delitiva.
Adalberto Aranha80 esclarece que o ofendido não é testemunha, já que não se
trata de um terceiro desinteressado, mas sim pessoa diretamente interessada na
solução da demanda.
Logo, não presta o compromisso legal e não tem as mesmas obrigações
impostas às testemunhas, entre as quais a de jurar e dizer a verdade. Contudo,
Guilherme Nucci81 afirma que o ofendido poderá responder, eventualmente, por

_____________
78
MALATESTA, A lógica das provas em matéria criminal. Campinas/SP: Servanda, 2009, p. 393/396
79
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
307/308
80
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 140
81
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5ª ed. rev., atual. e
ampl. 4. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 455
48

denunciação caluniosa, caso tenha, deliberadamente, dando causa à instauração de


ação penal contra pessoa que sabia inocente.
O doutrinador Tourinho Filho, supracitado, ressalta que o legislador, sabiamente,
na parte concernente às provas, dedicou um capítulo ao ofendido, sob a rubrica “Das
Perguntas ao Ofendido”. Assim, tratou sobre o ofendido fora do capítulo destinado às
testemunhas, evidenciando, assim, não ter considerado o ofendido como testemunha.
E, por não ter considerado como tal, não precisa ser arrolado. Na lição de Tornaghi: “o
ofendido não precisa ser arrolado; deve ser ouvido sempre que possível,
independentemente da iniciativa das partes.”
Em que pese não ser testemunha, Nucci, ora citado, diz que é obrigatória a oitiva
da vítima, não só porque o art. 201 do CPP, expressamente, menciona que ela será
ouvida sempre que possível, mas também porque, no processo penal, vige o principio
da verdade real, isto é, deve o juiz buscar todos os meios lícitos e plausíveis para atingir
o estado de certeza que lhe permitirá formar o seu veredicto.
Nesse sentido, dispõe o art. 201 do CPP, in verbis:

“Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre
as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas
que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.” 82
No que tange ao valor atribuível ao depoimento do ofendido, salienta Adalberto
Aranha, retromencionado, que se trata de uma questão relevante e difícil, uma vez que
não se pode encontrar uma vítima despida totalmente de sentimentos, com tal frieza
emocional que seja possível falar-se em imparcialidade.
Por outro lado, existem delitos que são cometidos na clandestinidade, às ocultas,
como por exemplo o roubo, e, nesses casos, conta-se somente com a força acusatória
da palavra do ofendido. Assim, em tais casos, admite-se a palavra da vitima como
alicerce condenatório, desde que segura, crível e verossímil.
Convém mencionar que as declarações do ofendido constituem meio de prova,
entretanto, não se pode dar o mesmo valor à palavra da vítima, que se costuma conferir
ao depoimento de uma testemunha, esta, presumidamente, imparcial. 83

_____________
82
MECUM, Vade. Código Penal Brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
83
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5ª ed. rev., atual. e
ampl. 4. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 453
49

Informa, ainda, o supramencionado doutrinador Tourinho Filho, que é certo que a


vítima do crime, em geral, é quem pode esclarecer, suficientemente, como e de que
forma teria ele ocorrido. Assim, sendo ela quem sofreu a ação delituosa estará apta a
prestar os necessários esclarecimentos à Justiça. Contudo, suas palavras, por si sós,
não merecem crédito, dado os interesses em jogo. Daí que as declarações da vítima
devem ser aceitas com reservas.
Nesse sentido, aduz Magalhães Noronha:

“É natural que a palavra do ofendido seja recebida, em princípio, com reservas.


Interessado no pleito, porfiando por que sua acusação prevaleça, cônscio da
responsabilidade que assumiu, podendo até acarretar-lhe processo criminal
(denunciação caluniosa, artigo 339, do Cód. Penal), e, por outro lado, impelido
pela indignação ou ódio e animado do intuito de vingança, suas declarações
não merecem, em regra, a credibilidade do testemunho. Isso, entretanto, não
impede seja ele fonte de prova, devendo seu relato ser apreciado em confronto
com os outros elementos probatórios, podendo, então, conforme a natureza do
crime, muito contribuir para a convicção do juiz.”84
Desse modo, sustenta Tourinho Filho, citado antes, que a palavra isolada da
vítima, sem testemunhas a confirmá-la, pode dar margem à condenação do réu, desde
que resistente e firme, harmônica com as demais circunstâncias colhidas ao longo da
instrução.

1.7.6. Indícios

A palavra indício tem a sua origem etimológica no termo latino indicium, que
significava o que é apontado, o que é indicado, isto é, aquele que, pelos elementos
colhidos, pelas circunstâncias fáticas assinaladas, é o provável autor do fato. É sempre
um fato ligado ao crime que aponta e indica o possível autor. O indício é o sinal
demonstrativo do crime: signum demonstrativum delicti. É a conjetura provável de uma
coisa incerta.85

_____________
84
NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, 28ª ed. atual. por Adalberto
José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2002, p.146/147.
85
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 208.
50

Segundo E. Magalhães Noronha,86 é o indício prova indireta, porque a


representação do fato a provar se faz através de construção lógico-crítica ao contrário
da prova direta, na qual o fato apresenta-se diante de nós, sem necessidade do
processo lógico-construtivo, porque se nos revela através do testemunho, confissão,
perícia, etc.
Indício é o fato provado que por sua ligação com o fato probando autoriza a
concluir algo sobre esse.87
Dispõe o art. 239 do Código de Processo Penal que “considera-se indício a
circunstância conhecida e provada, que tendo relação com o fato, autorize, por indução,
concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.” Os indícios são certas
circunstâncias pelas quais se permite chegar à verificação da existência de um fato.88
Mittermaier, em seu turno, o definiu: “O indício é um fato em relação tão precisa
com outro fato que, de um, o juiz chega ao outro por uma conclusão natural. É preciso,
então, que haja na causa dois fatos, um verificado, e outro não provado, mas que se
trata de provar raciocinando do conhecido para o desconhecido.” 89
or sua vez, Manzini, citado por E. Magalhães Noronha, supramencionado, afirma
que “o indício é uma circunstância certa, da qual se pode tirar, por indução lógica, uma
conclusão acerca da subsistência ou insubsistência de um fato a provar.” 90
Uma questão que se coloca é em relação às presunções. Com base na obra de
Tourinho Filho,91 percebe-se que, apesar de muitos autores não distinguirem as
presunções dos indícios, é certo que há distinção entre eles. Segundo a lição do Prof.
Vicente de Azevedo, citado por Tourinho Filho,

“... Índício é uma circunstância ou fato conhecido que serve de guia para
descobrir o outro. De um fato conhecido se deduz outro. O conhecido indica o
outro. Presunção é a operação mental, a interferência por via do raciocínio ou
de experiência deduzimos do indicio conhecido”.

_____________
86
NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 28ª ed. atual. por Adalberto
José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 170
87
TORNAGHI. Helio. Curso de Processo Penal, 10ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p. 460.
88
MECUM, Vade. Código Penal Brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
89
MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da Prova em Matéria Criminal. trad. Herbert Wuntzel Heinrich,
5ªed., São Paulo: Bookseller, 2008, p. 421.
90
ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. Edição Histórica. Rio
de Janeiro, 1980, vol. III, p.181.
91
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
381.
51

As presunções, apesar de fundamentarem-se também na experiência,


consideram como ocorreu um fato não provado, isto é, um conhecimento fundado na
ordem normal das coisas e que dura até prova em contrário.
Acrescenta Tourinho Filho, ora citado, que as presunções legais podem ser
absolutas (juris et de jure), não admitem prova em contrário ou relativas (juris tantum),
quando a lei admite algumas presunções, com a finalidade de imprimir certa segurança
a determinados atos ou para estabelecer ponto de partida na descoberta da verdade,
“mas não fecha a porta para que por outros meios se comprove a falsidade do fato que
ela pressupõe”. Dessa forma, as presunções juris tantum admitem prova em contrário.
A respeito do valor da prova indiciária, ressalta o doutrinador Adalberto Aranha,
que há divergências entre os autores. Para certos autores a prova indiciária é
incompatível com a exigibilidade da certeza da sentença condenatória, pois, salvo as
premissas fundadas na razão, não leva ao induvidoso.92
Em relação à valoração dos indícios, preleciona Malatesta93:

“os indícios não merecem, certamente, uma apoteose, mas também não
merecem a excomunhão maior. É preciso ter cautela na sua afirmação; mas
não se pode negar que a certeza, muitas vezes, pode provir deles...”
Senão vejamos:

“Uma condenação criminal, com todos os seus gravames e conseqüências, só


pode ser admitida com apoio em prova cabal e afastada de dúvidas, sendo que
as presunções e indícios, isoladamente considerados, não se constituem em
prova dotada dessas qualidades, de modo a serem insuficientes para amparar a
procedência da denúncia” (RJTACrimSP, 38/263)”
Entretanto, Tourinho Filho, retromencionado, salienta que é possível o Juiz
proferir um decreto condenatório com base em indícios, uma vez que o Código incluiu
os indícios no rol das provas, ou seja, se eles constituem prova, nada impede possa o
Juiz deles valer-se para concluir, por exemplo, a responsabilidade do réu. Porém, é
certo que nenhum Juiz proferiria um decreto condenatório respaldando-se apenas em
prova indiciária.
O grande magistrado Eliezer Rosa, citado por Tourinho Filho, observava com
certa dose de razão: “no manejo dos indícios, o juiz criminal tem de ter cuidados

_____________
92
ARANHA, Adalberto Q. T. Camargo. Da Prova no Processo Penal, 6ª ed., rev., atual. e ampl., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 212/213.
93
MALATESTA, A lógica das provas em matéria criminal. São Paulo: Servanda, 2009, p. 249/250
52

extremos, porque de todas as provas, a mais desgraçada, a mais enganosa, a mais


satânica é, sem dúvida, a prova indiciária.”
Ainda valendo-se de Malatesta:

“O indicio pode dar certeza, mas é preciso sempre estar-se atento contra as
insídias dessa espécie de prova. E, para nos salvaguardarmos de tais insidias,
é necessário proceder cautelosamente na avaliação dos indícios, considerando
escrupulosa e ponderadamente os motivos infirmantes, de um lado, os contra-
indícios, do outro.”
Qualquer prova que se oponha a um indício é um contra-indício. Daí observar
Frederico Marques:

“Pelos indícios ou pela prova direta chega-se, de igual modo, à declaração e


afirmativa da existência de um fato ou acontecimento histórico relevante para a
ordem jurídico-penal. O que os distingue fundamentalmente, é o modo ou forma
de relevarem esse fato ou acontecimento; enquanto na prova histórica há a
revelação direta do factum probandum, nos indícios essa representação é
indireta e só adquire corpo através de construção lógico-crítica.”94
Sendo certo que a concepção de uma idéia a respeito do fato imputado embasa-
se na certeza moral do julgador, importante ressaltar a lição de Vicente de Azevedo,
citado por José Frederico Marques, retromencionado, que diz:

“A força probante dos indícios, dado o livre convencimento do juiz, é


equivalente a qualquer outro meio de prova. Será naturalmente maior, ou
menor, segundo o nexo lógico experimental entre o fato indiciante e o fato a ser
provado, seja mais ou menos estreito”.
Segundo Mittermaier95, “o juiz tem como último meio o comparar o valor de cada
um dos indícios com os dos indícios e presunções contrários; por essa ocasião não
deve perder de vista as explicações que der em sua defesa o acusado sobre as
relações existentes entre o indicio e sua pessoa, e também as condições de fato e de
moralidades particulares, que permitem ou impedem supô-lo capaz do crime de que se
trata.
Se suas justificações forem reconhecidas falsas, ou altamente inverossímeis: se,
segundo as circunstâncias tudo demonstrar que ele pode bem ter sido quem cometera
o delito, de que o acusam, a convicção do juiz, quanto aos indícios, apóia-se em um
base cada vez mais sólida.”

_____________
94
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, Campinas: Millennium, 2003,
2ªed., vol.II, p. 453.
95
MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da Prova em Matéria Criminal, trad. Herbert Wuntzel Heinrich,
5ªed., São Paulo: Bookseller, 2008, p. 441.
53

Desse modo, o juiz terá condição de atribuir relevância aos indícios quando não
insurgir outra alternativa plausível, quando o grau de probabilidade seja suficientemente
forte, que não resista dúvidas ou opções diversas, isto é, que fique descartada “toda a
possibilidade lógica de erro, e que a conclusão apareça clara, firme e livre de dúvidas
razoáveis.”96
Tourinho Filho, ressalta que, de acordo com o principio da livre convicção do
Juiz, a prova indiciária tem o mesmo valor das provas diretas. Nesse sentido, C.J.A.
Mittermaier, ensina:

“Hoje é geralmente reconhecido que, em certas condições, a prova artificial


pode estabelecer a certeza, tão bem como a prova chamada direta e natural;
seria porém, fazer correr grandes riscos a segurança pública, prescrever
absolutamente a condenação fundada em indícios, não se dando na maior
parte dos casos a confissão, nem o testemunho.”97
Adalberto José Q. T. Carmargo Aranha, afirma que um único indício pode levar à
condenação, desde que veementes, ou seja, aquele que dada a sua natureza permite
razoavelmente afastar todas as hipóteses favoráveis ao acusado. E acrescenta: “às
vezes uma sucessão de pequenos indícios, coerentes e concatenados, igualmente
podem dar a certeza exigida para a condenação.” E prossegue, “se não usarmos os
indícios, muitas vezes grandes crimes e perigosos criminosos ficarão impunes.” 98

_____________
96
MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. A Prova por Indícios no Processo Penal, Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009, p.103/104.
97
MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da Prova em Matéria Criminal, trad. Herbert Wuntzel Heinrich,
5ªed., São Paulo: Bookseller, 2008, p. 392.
98
ARANHA, Adalberto José Q. T. de. Da prova no processo penal. 6.ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p.
213/215.
54

2. DO HOMICÍDIO

2.1. BREVE NOTÍCIA HISTÓRICA

Segundo Rogério Greco99, o homicídio reúne uma mistura de sentimentos – ódio,


rancor, inveja, paixão, etc. – que o torna um crime especial, diferente dos demais.
O referido doutrinador afirma que a Bíblia nos relata a história do primeiro
homicídio, cometido por Caim contra seu irmão Abel, em Gênesis, Capítulo 4, versículo
8. Assim, Caim agiu impelido por um sentimento de inveja, pois Deus havia se
agradado da oferta trazida pelo seu irmão Abel e rejeitado a dele. Dessa forma, Caim
chamou Abel para com ele ir ao campo e, lá, o matou.
Afirma, ainda, que a Bíblia ainda faz a distinção entre o homicídio doloso e
aquele praticado culposamente. Para o homicídio culposo, foram criadas as cidades de
refúgio, destinadas a acolher o agente que, de maneira culposa, causou a morte de
alguém, a fim de não ser morto, também pelo vingador de sangue.
Sendo assim, aquele que passasse a viver nessas cidades de refúgio estaria a
salvo da vingança privada. Se, entretanto, o homicídio fosse doloso, não importando o
lugar onde estivesse o agente, ele seria entregue nas mãos do mencionado vingador,
para que morresse.
Concorda, o doutrinador Heleno Cláudio Fragoso,100 que a incriminação do
homicídio é antiqüíssima. A punição, desde as mais remotas legislações, era,
invariavelmente, a morte.
Sobre a história do crime de homicídio, faz alusão a disposição da Lei das XII
Tábuas (ano 450/451 A.C.): “si quis hominem liberum dolo sciens morti duit parricida
esto”. Desde esse tempo, e mesmo anteriormente, já havia juízes para o processo do
_____________
99
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II. 7ª ed., Rio de Janeiro:
Impetus, 2010. p. 130.
100
FRAGOSO, Heleno. CRIMES CONTRA A PESSOA. CRIMES CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO
Disponível em: <http://www.fragoso.com.br/cgi-bin/helenoartigos/arquivo58.pdf>. Acesso em:
09/10/10.
55

homicídio, os quais se chamavam quaestores parricidii. O escravo não podia ser sujeito
passivo do crime de homicídio, porque não era pessoa, e sim coisa (res) e, como tal,
objeto do crime de dano.
Informa que em Roma Antiga, a fonte por excelência da incriminação do
homicídio era a Lei Cornélia (lex Cornelia de sicariis et veneficiis), promulgada ao tempo
de Sila (81 A.C.). A pena era cominada dependendo das condições do réu e das
circunstâncias do fato, ou seja, eram variadas, podendo ser desde o exílio até a
condenação aos animais ferozes. Já se previa, como formas mais graves do homicídio,
o parricídio, o envenenamento e o latrocínio. Com a legislação de Justiniano (535 D.C.)
a pena de morte é aplicada indistintamente a todos os homicidas.
Acrescenta que no Direito Germânico, o homicídio era crime privado, que
sujeitava o agente à vingança da família do morto ou à composição. Mais tarde, com o
ressurgimento do Direito Romano e a influência do Direito Canônico, o homicídio voltou
a ser considerado crime público.
Aduz, ainda, que, com o movimento humanista do sec. XVIII, algumas
legislações substituíram a pena de morte pela de prisão celular e pelo trabalho forçado,
reservando-a apenas para os casos de homicídio qualificado. Desse modo, no Brasil,
as Ordenações Filipinas havia a previsão da pena de morte ao homicídio doloso, sendo,
em algumas formas, cortadas as mãos do criminoso e confiscados os seus bens. No
Código Imperial de 1830 as penas variavam desde a morte e galés perpétuas até prisão
com trabalho.
O Código Penal vigente, promulgado em 1940, incrimina o homicídio com pena
de reclusão de seis a vinte anos (na forma simples), e de doze a trinta anos (na forma
qualificada).
Desse modo, Aníbal Bruno,101 informa que a história do homicídio tem poucas
particularidades. É o delito típico, logo assim reconhecido e geralmente castigado com
extrema severidade.

_____________
101
BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. Parte Especial. Tomo 4º, São Paulo: Forense, 1966, p.
61.
56

2.2. CONCEITO

O homicídio constitui a figura típica nuclear dos crimes contra a vida e, por via de
conseqüência, se converte na mais grave lesão que pode ser dirigida à pessoa
humana.102
Segundo Aníbal Bruno,103 a legislação pátria descreve a ação típica do homicídio
usando a fórmula breve, mas precisa – matar alguém. Homicídio é a morte de um
homem praticada por outro homem. Esse tipo legal se constitui apenas com o verbo e
seu objeto. Exprime-se pelo verbo matar, com o sentido de destruir a vida, e o seu
objeto – alguém, quer dizer outro homem, que não o próprio autor. Assim, o homicídio
exige a existência e a inclusão no fato de dois homens pelo menos, o que mata e o que
é o morto.
O Código Penal vigente, promulgado em 1940, incrimina o homicídio com pena
de reclusão de seis a vinte anos (na forma simples), e de doze a trinta anos (na forma
qualificada).
Nelson Hungria, em análise sobre o delito em tela, afirmou:

“O homicídio é o tipo central dos crimes contra a vida e é o ponto culminante na


orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delinqüência
violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão atávica às eras
primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se operava com o uso
normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso
moral médio da humanidade civilizada.”104
O doutrinador Mirabete,105 em sua obra, menciona a melhor definição de
homicídio com base em conceituações realizadas por outros doutrinadores. Nesse
sentido, Carrara definiu o homicídio como a destruição do homem injustamente
cometida por outro homem. Carmignani, a seu turno, conceituou homicídio como a
ocisão violenta de um homem injustamente praticada por outro homem. Antolisei, por

_____________
102
MARREY. ADRIANO. Alberto S. Franco. Teoria e prática do júri, 7ªed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 614.
103
BRUNO, Aníbal, Crimes contra a pessoa. Parte Especial. Tomo 4º, Rio – São Paulo: Forense, 1966,
p. 63
104
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código de Penal, 1942, vol.V, p.23.
105
MIRABETE, Julio Fabrini e FABRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, volume 2, Parte Especial.
25ª ed., São Paulo: Atlas S/A, p. 28
57

sua vez, definiu o homicídio como a morte de um homem ocasionada por outro homem
com comportamento doloso ou culposo, sem o concurso de causa de justificação.
Todavia, levando-se em conta que a antijuridicidade e a culpa são ínsitas a todo crime e
que nem sempre a morte da vítima é obtida por meio de violência, estas não devem vir
mencionadas na definição, porque se pressupõe, sempre, ter havido um fato ilícito
culpável.
Por esse motivo, o doutrinador supracitado, destaca que a melhor definição de
homicídio é aquela presente na lição de Euclides Custódio da Silveria: “Como a
eliminação da vida humana endo-uterina caracteriza o crime de aborto, poder-se-ia
definir o homicídio mais precisamente como a eliminação da vida humana extra-uterina
praticada por outrem”. Assim, tal conceito evita a confusao com o delito de aborto e com
o suicídio.
De acordo com a definição legal consiste o homicídio na conduta típica “matar
alguém”, prevista no capítulo dos crimes contra a vida, artigo 121, caput, do Código
Penal pátrio.106

2.3. OBJETO MATERIAL E BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO

Esclarece Rogério Greco107 que o objeto material do delito é a pessoa contra a


qual recai a conduta praticada pelo agente. O Bem juridicamente protegido é a vida e,
num sentido mais amplo, a pessoa, haja vista que o delito de homicídio encontra-se
inserido no capítulo correspondente aos crimes contra a vida, no Título I do Código
Penal, que prevê os crimes contra a pessoa.
Consoante o ensinamento de Aníbal Bruno, citado antes, o bem jurídico
protegido na incriminação do homicídio é a vida humana, e então o objeto material da
agressão é o homem vivo, qualquer homem, sem distinção de idade, sexo, raça ou
condição social.
_____________
106
MECUM, Vade. Código Penal Brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
107
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II. 7ª ed., Niterói, RJ: Impetus,
2010. p. 134/135
58

Assim, é a vida humana o objeto jurídico tutelado pelo artigo 121 do Código
Penal, o qual prevê o crime de homicídio. Tutela-se com o dispositivo o bem jurídico
mais importante, a vida humana, cuja proteção é um imperativo jurídico de ordem
constitucional.108
Nesse sentido, em sua obra, o doutrinador Rogério Greco109 destaca que o caput
do art. 5º da Constituição Federal assevera que “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida [...]”.
Ressalta, ainda, que a prova da vida, portanto, é indispensável á caracterização
do homicídio. Desse modo, citado pelo doutrinador supramencionado, afirma Hungria:

“Somente pode ser sujeito passivo do homicídio o ser humano com vida. Mas o
que é vida? Ou mais precisamente: como ou quando começa a vida? Dizia
Gasper: „viver é respirar; não ter respirado é não ter vivido‟. Formulado assim
irrestritamente, não é exato o conceito, ainda mesmo que se considerasse vida
somente a que se apresenta de modo autônomo, per sè stante, já inteiramente
destacado o feto do útero materno. A respiração é uma prova, ou melhor, a
infalível prova da vida; mas não é a imprescindível condição desta, nem a sua
única prova. O neonato apnéico ou asfíxico não deixa de estar vivo pelo fato de
não respirar. Mesmo sem respiração, a vida pode manifestar-se por outros
sinais, como sejam o movimento circulatório, as pulsações do coração etc. É de
notar-se, além disso, que a própria destruição da vida biológica do feto, no inicio
do parto (com o rompimento do saco amniótico), já constitui homicídio, embora
eventualmente assuma o titulo de infanticídio”.
Segundo o ensinamento de E. Magalhaes Noronha,110 vida, no sentido do art.
121 do CPP, é o estado em que se encontra um ser humano animado, normais ou
anormais que sejam suas condições fisiopsíquicas.
Destaca, o referido doutrinador, que a vida é um bem jurídico individual e social.
Diz-se individual porque cada indíviduo tem o direito de gozá-la e desfrutá-la,
incumbindo ao Estado assegurar as condições de sua existência. É igualmente um bem
social e por isso indisponível pelo indivíduo, pois existe um interesse ético-político do
Estado na conservação da vida humana, como condição da sua própria existência e

_____________
108
MIRABETE, Julio FABRINI e Renato N. Fabrini. Manual de Direito Penal, volume 2: Parte Especial.
25ª ed., São Paulo: Atlas S/A, p. 28
109
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II. 7ª ed., Niterói, RJ: Impetus,
2010. p. 134
110
NORONHA, E. Magalhaes. Direito Penal. Atual. por Adalberto Jose Q. T. de Camargo Aranha. V. 2.
33ª ed. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 16/17.
59

desenvolvimento. Desse modo, como bem social, o Estado é diretamente interessado


na tutela da vida humana, ao passo que como bem individual o é indiretamente.

2.4. SUJEITOS DO DELITO

Preleciona Rogério Grecco111 que o sujeito ativo do delito de homicídio pode ser
qualquer pessoa, haja vista tratar-se de um delito comum, uma vez que o tipo penal não
delimita sua prática por determinado grupo de pessoas que possua alguma qualidade
especial.
Acrescenta, ainda, o insigne doutrinador que o sujeito passivo, da mesma forma,
também pode ser qualquer pessoa, em face da ausência de qualquer especificidade
constante do tipo penal. É, portanto, o ser vivo, nascido de mulher. Importante, salientar
que o matar alguém seja entendido como a morte de um homem que ao tempo da ação
ou da omissão se encontrava com vida, pois, caso contrário, estaremos diante da
hipótese de crime impossível, em razão da absoluta impropriedade do objeto.
Salienta, por oportuno, que o sujeito passivo do delito em epígrafe é o titular do
bem jurídico penalmente tutelado atingido, ou seja, a pessoa que teve sua vida
eliminada. Particularmente, é o ser vivo nascido ou que está nascendo.
Questão importante a ser superada é a que diz respeito ao tempo que se inicia a
vida extra-uterina. Sustentam uns que só há vida, propriamente dita, quando o feto se
destaca inteiramente do útero materno e se inicia a respiração.
Outros entendem que o produto da concepção ganha vida extra-uterina quando,
uma vez terminado o processo fisiológico da gravidez, tem início o desprendimento do
álveo materno, começando a vida humana, pois, com o princípio do processo do parto.
Esta última opinião mais consentânea com a legislação penal.
Nesse sentido, na lição de Aníbal Bruno:

_____________
111
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II. 7ª ed., Niterói, RJ: Impetus,
2010. p. 132/133.
60

“A definição do homicídio, entretanto, limita-se à destruição da vida humana só


a partir do instante em que tem inicio o fenômeno do parto e assim o novo ser
começa a tornar-se independente do organismo materno. É a partir daí que se
inicia para o Direito Penal a existência do homem.”112
Desse modo, há vida intra-uterina e extra-uterina e, ambas, são protegidas e
tuteladas nos domínios do Direito Penal. Assim, enquanto está em fase intra-uterina,
trata-se de aborto matar o ser humano em gestação. Porém, quando a vida fora do
útero materno principia, configurará crime de homicídio, infanticídio ou participação em
suicídio, conforme o caso em concreto.113
Por derradeiro, o doutrinador Mirabete, retromencionado, salienta ainda que para
ocorrer homicídio não é necessário que se trate de vida viável, ou seja, existirá
homicídio ainda que se comprove não ter havido possibilidade de sobrevivência do
neonato, bastando a prova de que nasceu ele vivo.
Há homicídio também na morte de moribundos, ou seja, aquele que está
morrendo, agonizando. Consoante a lição de E. Magalhães Noronha: “Ainda que a
morte seja certa dentre em momentos, a destruição da vida é homicídio; sua morte
antecipada é homicídio.”114

2.5. ELEMENTO SUBJETIVO

Segundo Rogério Grecco115, o elemento subjetivo constante do caput do art. 121


do Código Penal (crime de homicídio) é o dolo, consistente na vontade livre e
consciente de matar alguém. O dolo, traduzido na intenção de matar, é revelado pelo
animus necandi ou occidendi. A conduta do agente, portanto, é dirigida finalisticamente
a causar a morte de um homem.

_____________
112
BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. Parte Especial. Tomo 4º, 1ª ed., São Paulo: Forense,
1966, p. 63.
113
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 7ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008, p. 585/586.
114
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Atualizado por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha.
v. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 18.
115
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II. 7ª ed., Niterói, RJ: Impetus,
2010, p. 138/139.
61

Assevera, ainda, que se admite que o delito seja cometido a título de dolo direto
quando o agente quer, efetivamente, a produção do resultado morte. Admite-se, além
do dolo direto, o dolo eventual, quando o agente, com sua conduta, assume o risco de
produzir o resultado. Aí, segundo Aníbal Bruno,116 o agente não quer matar, mas prevê
esse resultado como possível ou provável e, em vez de desistir, persiste, aceitando o
risco que dele ocorra. Para ele, tanto faz. O dolo eventual é plenamente equiparado ao
dolo direto.
Aníbal Bruno, a seu turno, ressalta que a intenção de matar será verificada com
a exteriorização desse elemento interno e das circunstâncias objetivas do crime. A
vontade é a vontade de agir e de alcançar o resultado de morte. Não há de ser um
simples desejar, mas um querer ativo, uma resolução que tende a projetar-se no mundo
exterior para a realização do fato. Trata-se de dolo de dano e não de perigo, vez que o
elemento subjetivo do tipo exige que o agente tenha a intenção de efetivamente lesar o
objeto jurídico tutelado, no caso em questão, a vida humana. O dolo é de dano ainda
que ocorra tentativa.
Contudo, admite-se as formas culposas, previstas nos parágrafos 3º e 4º do
artigo 121 do Código Penal pátrio atual.117

2.6. MEIOS DE EXECUÇÃO

O núcleo do tipo é o verbo „matar‟, consistente em provocar a morte da vítima.


Sabe-se que a ação pode tanto decorrer de uma atividade positiva ou comissiva, como
de uma atividade negativa ou omissiva.118

_____________
116
BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. Parte Especial. Tomo 4º, 1ª ed., São Paulo: Forense,
1966, p. 72
117
MECUM, Vade. Código Penal Brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
118
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II. 7ª ed., Rio de Janeiro:
Impetus, 2010, p. 143.
62

Rogério Grecco119 afirma que o crime de homicídio é um delito de forma livre e,


por isso, pode ser praticado mediante diversos meios, que podem ser subdivididos em:
a) direitos; b) indiretos; c) materiais; d) morais.
Aduz, ainda, que os meios diretos são os meios imediatamente idôneos a
produzir a morte, isto é, executados pelo próprio agente contra o corpo da vítima, como,
por exemplo, disparo de arma de fogo. Meios indiretos são os que operam
mediatamente, por meio de outra causa provocada pelo ato inicial do agente, mas por
ele não executado diretamente, como, por exemplo, açular um cão bravio contra a
vítima.
E no que tange ao meio material, afirma que consiste em meio que causa a
morte mediante lesão corporal ou à integridade física. O agente atinge diretamente o
organismo da vítima, pratica qualquer lesão que lhe cause a morte. Os meios materiais
podem ser mecânicos, químicos, patológicos.
O meio moral ou psicológico é aquele que opera-se mediante trauma psíquico e
nesse caso, a morte pode decorrer de uma enfermidade produzida ou do agravamento
de moléstia preexistente, por exemplo, o susto, o medo, a emoção violenta.
No homicídio, assim como em qualquer outro delito, é indispensável, a existência
do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.120

2.7. AÇÃO PENAL

A ação penal, no crime de homicídio, tem natureza pública incondicionada, pois,


para que seja iniciada pelo Ministério Público não se exige qualquer condição. 121
O doutrinador Rogério Grecco, supracitado, afirma que os crimes dolosos contra
a vida, consumados ou tentados, e as infrações que lhe sejam conexas são julgadas
_____________
119
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II. 7ª ed., Rio de Janeiro:
Impetus, 2010, p. 143.
120
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Atualizado por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha.
v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 120/121.
121
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial. 7ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, vol. II,
2010, p. 72.
63

pelo Tribunal do Júri, cuja soberania é assegurada pela Constituição Federal (artigo 5º
XXXVIII), in verbis:

“Art. 5º. (...) XXXVIII – reconhecida a instituição do júri, com a organização que
lhe der a lei, assegurados:
a plenitude de defesa;
o sigilo das votações;
a soberania dos veredictos;
a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida: [...].”
O homicídio, pois, crime de competência do Tribunal do Júri, tem na ação penal
procedimento escalonado, dividido em duas fases. A primeira fase, judicium
accusationes (juízo ou formação da acusação), tem por finalidade averiguar se existem
provas sérias e coerentes, produzidas em juízo, de ter o réu praticado um fato típico,
ilícito, culpável e punível, para autorizar seu julgamento pelo Tribunal Popular. Tal etapa
procedimental é prevista nos artigos 406 a 421 do CPP e tem cunho preparatório-
seletivo, de separar as causas que devem ou não ser remetidas ao Júri, através da
análise crítica da prova.122 Tal fase, como preleciona José Frederico Marques:

“é da formação da culpa, um procedimento preliminar da instância penal em


que se examina da admissibilidade da acusação. Desde que o crime fique
provado, e que se conheça o provável autor da infração penal, prossegue a
relação processual para que se instaure a fase procedimental em que vai
realizar-se o judicium causae. Objetivo, portanto, da formação da culpa, como
observa e ensina Eberhard Schmidt, é o de esclarecer se existe contra o
acusado uma suspeita de fato que seja suficiente para colocá-lo perante o
tribunal de julgamento”.123
Assim, com base nos ensinamentos de Walfredo Campos, retromencionado,
essa fase se inicia com o oferecimento da denúncia e encerra-se com a decisão de
pronúncia, a qual remete o acusado para julgamento pelo Tribunal do Júri. Nesta fase
se limitará a julgar procedente o jus accusationis do Estado. Podendo, também, o juiz
nesta fase, impronunciar, absolver sumariamente o réu ou, ainda, desclassificar a
infração tipificada na exordial acusatória.
Informa, ainda, que, vencida a referida fase, passa-se para a segunda fase,
judicium causae (juízo da causa). Essa fase tem inicio após a admissão da acusação
na etapa inicial, momento em que se julgará a causa, em uma audiência única de
_____________
122
CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do Júri, Teoria e Prática. São Paulo: Atlas, 2010, p. 21
123
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed.,
Revista e atualizada por Eduardo Reale Ferrari, Campinas-SP: Millennium, 2003.
64

instrução, debates e julgamento. Tem previsão nos artigos 422 a 424 e 453 a 497,
todos do CPP e progride desde a intimação do órgão do Ministério Público e do
defensor até o julgamento do plenário. Importante salientar que deixou de existir, em
razão da Lei nº. 11.689/2008, que modificou o rito do Júri, as peças processuais
denominadas libelo e contrariedade ao libelo, que eram apresentadas, respectivamente,
pela acusação e pela defesa.
65

3. DA MATERIALIDADE NO CRIME DE HOMICÍDIO

3.1. DA PROVA DA MATERIALIDADE NO CRIME DE HOMICÍDIO

Segundo Luiz Alberto Ferracini Pereira,124 quando se fala em crime, dois


elementos deverão ser rigorosamente provados no processo, são eles: materialidade
delitiva e autoria. Quando do processamento da causa em juízo, visa-se apurar a
existência da infração penal. Tal medida é de suma importância, pois sem a existência
da materialidade, não existe crime e, nesse caso, não mais o que indagar.
Esclarece que o crime material, ou delicta facti permanentis, é aquele que para a
sua consumação requer a produção de um resultado externo, ou seja, nele se
descrevem a ação e o resultado, que deverá ser comprovado. Impende salientar, por
oportuno, que materialidade, segundo Aurélio Buarque de Holanda, significa “qualidade
do que é material ou o conjunto de elementos objetivos que materializam ou
caracterizam um crime ou uma contravenção, um ilícito penal.”
Ensina, o referido doutrinador, que é através da materialidade que teremos a
certeza real dos delitos que deixam vestígios e são periciados por técnicos, que
chegarão à verdade real dos motivos da prática de delitos no mundo exterior.
Materialidade, portanto, é ação mais causalidade, e o resultado, sem qualquer
interferência dos elementos anormais que possam integrar o fato típico em exame.
Acrescenta que a infração, segundo Garraud, contém um elemento material, um
corpo de delito que resulta da projeção no mundo exterior da vontade do agente. Desse
modo, a ação criminal é uma força que tende a modificar alguma coisa no mundo
exterior.
Consigna, ainda, que, caso não haja exame de corpo de delito, isto é, o cadáver,
no crime de homicídio, o cheque, no estelionato, o documento alterado, no delito de

_____________
124
Luiz Alberto Ferracini Pereira. Da prova penal e sua interpretação jurisprudencial. 1ª ed., São
Paulo: Livraria de Direito, 1995, p. 28/32.
66

falsidade; não haverá prova direta do crime, embora, como se afirmou no capítulo
dedicado a prova penal, o Código de Processo Penal admita a prova indireta.
O exame de corpo de delito, consoante o que preleciona E. Magalhães
Noronha,125 é o meio material que comprova a existência do fato típico. É ele
indispensável no processo, diz o art. 158 do Código, que o declara nulo quando, nos
delitos que deixam vestígio, não for tal exame realizado (art. 564, III, b). O exame de
corpo de delito pode ser direto e indireto.
O exame direto constitui-se da inspeção pericial dos elementos sensíveis que
permaneceram atestando a prática delituosa. O indireto, por sua vez, forma-se por
depoimentos testemunhais, sem formalidade especial; não se lavra auto ou termo, mas
simplesmente inquirem-se testemunhas acerca da materialidade do fato e suas
circunstâncias.
Salienta-se que a perícia, no processo penal, com base nos ensinamentos de
José Frederico Marques, citado por E. Magalhães Noronha, supracitado, ”apresenta a
peculiaridade de ser uma função estatal destinada a fornecer dados instrutórios de
ordem técnica e a proceder à verificação e formação do corpo de delito. Assim, a força
probante da perícia deriva da capacidade técnica de quem elabora o laudo e do próprio
conteúdo deste”
E acrescenta: a perícia é tarefa do perito, uma vez que tendo o juiz que julgar as
causas mais diversas e complexas, necessitaria de possuir conhecimentos
enciclopédicos, o que, evidentemente, não é possível.
Daí a necessidade de recorrer a técnicos e especialistas, que, com suas
descrições, e afirmações relativas a fatos que exigem conhecimentos especiais, o
elucidem e o auxiliem em seu julgamento. Assim, o perito é considerado um auxiliar de
justiça, e, nessa condição, submete-se à disciplina judiciária prevista no Código de
Processo Penal.
Desse modo, a prova pericial, conforme já exposto em capítulo anterior, constitui
na atualidade do processo criminal, um dos meios mais eficazes para esclarecimentos
dos fatos. O desenvolvimento das ciências em geral possibilitou maior utilização da

_____________
125
NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. Atualizada por Adalberto José Q. T.
Camargo Aranha. 28ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 135/136.
67

prova técnica, tanto na demonstração da materialidade da infração penal, por meio do


exame de corpo de delito, como na comprovação de outros dados relevantes à
apuração da verdade.126
Segundo Genival Veloso,127 a perícia médico-legal no cadáver chama-se
necropsia e tem por objeto o corpo humano que, com outros elementos de prova, vai
constituir o corpo de delito. Por outro lado, Tourinho Filho esclarece que a necropsia
não é um simples exame feito no cadáver, mas um exame interno nele procedido a fim
de constatar a causa mortis.128
Nesse sentido, a lição de Mirabete:

“Portanto, tratando-se de infração penal que deixa vestígios, permanecendo


estas,é obrigatória a realização do exame de corpo de delito direto, sob pena de
nulidade. É ele indispensável, em principio, por exemplo, nos crimes de
homicídio (exame necroscópico). Por vezes, as infrações não deixam vestígios
ou estes não são encontrados, desaparecem, não permanecem,
impossibilitando o exame direto. Citem-se como exemplos o homicídio em que o
corpo da vítima não é encontrado. Nessa hipótese, inexistentes os vestígios,
dispensa-se a pericia, fazendo-se então a prova da materialidade do crime por
outros meios que não o exame direto. Forma-se, então, o corpo de delito
indireto, como prevê a lei, em regra por testemunhas.”129
Por oportuno, cumpre-nos salientar que o artigo 162 do Código de Processo
Penal130 cuida do exame necroscópico ou cadavérico (autópsia ou necropsia),
determinado que seja efetuado pelo menos 6 (seis) horas depois do óbito, com o
objetivo de evitar que o exame seja procedido estando a vítima viva. Salienta-se que
não haverá necessidade de se aguardar esse decurso de prazo, caso haja evidência da
morte.
Não será necessário o exame interno nos casos de morte violenta em que não
houver infração penal para apurar ou quando as lesões externas permitirem precisar a
causa da morte, sem que haja necessidade de verificar alguma circunstância relevante.
Ademais, “os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem
_____________
126
GRINOVER, Ada Pelegrini, SCARANCE, Antonio e GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As
nulidades do processo penal, 10. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,
p. 174
127
FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal, 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 389
128
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
268.
129
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18ª ed. rev. e atual. por Renato N. Fabbrini.. São Paulo:
Atlas, 2006, p. 266
130
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18ª ed. rev. e atual. por Renato N. Fabbrini.. São Paulo:
Atlas, 2006, p. 267/268.
68

encontrados, bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios


deixados no local do crime” – é o que determina o artigo 164, caput, do CPP. Esclarece,
por oportuno, que essas fotografias serão feitas quando do exame do local do crime.

3.2. DO EXAME DO ADN

Jeffreys e colaboradores desenvolveram na Universidade de Leicester,


Inglaterra, uma técnica que permite identificar marcadores genéticos tão específicos
quanto as impressões digitais que se obtêm na datiloscopia, chama “impressões digitais
genética do DNA – Fingerprints.” O DNA é o elemento que contém todas as
informações genéticas de cada indivíduo, com características únicas, como ocorre com
as impressões digitais.131
Segundo o entendimento do doutrinador J. A. Arruda,132 a prova judiciária
consistente em exame pericial de comparação de perfis de ADN humano, popularmente
conhecida como exame de DNA, causou furor quando de seu ingresso no meio
judiciário em meados da década de 1980. Essas provas biológicas são, hoje,
consideravelmente aceitas e tidas em conta pelos tribunais de todo o mundo, tanto no
âmbito criminal, para esclarecer autoria de certos homicídios e delitos sexuais, por
exemplo, como para definir complexos casos de identificação de paternidade.
Assevera que, no Brasil, contudo, não é fácil para o profissional da área jurídica
lidar com essa prova científica por duas razões. A uma, porque o conhecimento
aprofundado das técnicas para a realização um exame de ADN é restrito aos
profissionais das áreas da Medicina, Biologia, Bioquímica e Genética, e, a duas, porque
a literatura brasileira sobre exames de ADN, especificamente voltada para profissionais
da área jurídica é pouca.

_____________
131
Croce, Delton e Delton Croce Junior. Manual de Medicina Legal. 6ª ed., rev., São Paulo: Saraiva,
2009, p. 703.
132
Arruda, José Acácio e Kleber Simônio Parreira. A prova Judicial de ADN. Belo Horizonte: Del Rey,
2000, p. 11/12.
69

Acrescenta que, no Brasil, não existe ainda uma regulamentação legal específica
sobre o uso do exame do ADN como prova judicial. Nos Estados Unidos e na Europa
as autoridades governamentais trataram da questão com muita atenção, criando
comissões de estudos cujos relatórios foram publicados, incentivando o emprego do
ADN na medicina legal e baixando normas legais específicas.
Diz, ainda, que na investigação criminal, em busca da verdade real, ocorre
muitas vezes a necessidade de se descobrir a origem de uma mancha de sangue, de
um fio de cabelo, de uma mancha de esperma, de identificar um cadáver cujas feições
se acham irreconhecíveis ou de qualquer outro resto humano encontrado no local do
crime, ou que com ele possa estar ligado.
A história da investigação criminal científica tem pouco mais de um século.
Nesse intervalo vários sistemas foram criados e utilizados, tais como o Sistema
Geométrico de Matheios, Sistema Demográfico de Bentham, Sistema Craniográfico de
Afonso, Sistema Otométrico de Frigério, Sistema Oftalmoscópico de Levinsohn,
Sistema Palmar de Stockes e Wild, dentre outros133, entretanto, nenhum deles teve
aceitação geral. Todos foram suplantados pelo Sistema Datiloscópico, desenvolvido na
Argentina por Juan Vucetich, em 1891, adotado no Brasil em 1903 e utilizado
largamente até hoje em diversos países.134
O supracitado doutrinador, afirma que o Sistema Dactiloscópico revelou-se
eficientíssimo para a identificação humana permanente e para comprovar a presença
no local do crime ou a ligação de um individuo com o crime, por meio das impressões
digitais encontradas no local do crime ou na arma do crime. Porém não se presta à
identificação da origem de outros materiais geralmente encontrados na cena do crime,
tais como: sangue, cabelo, pele, esperma, saliva. A determinação do grupo sanguíneo,
por sua vez, permitia somente excluir um suspeito, não podendo garantir e esclarecer
de quem exatamente provinha.
Aduz que o exame do ADN foi utilizado pela primeira vez no auxílio para a
solução de um caso criminal em 1986, na Inglaterra, local onde duas alunas de um

_____________
133
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 7ªed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S/A, 2005,
p.64/65.
134
ARRUDA, José Acácio e Kleber Simônio Parreira. A Prova Judicial de ADN. Belo Horizonte: Del
Rey, 2000, p.21/25.
70

colégio foram estupradas e assassinadas e até 1988 já havia sido demonstrado que os
exames de ADN eram superiores a quaisquer outros para a determinação de
parentesco biológico.
Salienta, ainda, que depois de ser comprovada a eficiência dos exames de ADN
para a solução de casos criminais e de questões de parentesco, a nova técnica
começou rapidamente a ser disseminada pelo mundo e chegou ao Brasil no final da
década de 1980. Contudo, não havendo, no Brasil, legislação específica que trate sobre
o exame do ADN, ele está inserido dentro da prova pericial.

3.2.1. A técnica

Precipuamente, é importante salientar que há diversas técnicas para a realização


de um exame de ADN com finalidades médico-legais, cada qual produzindo resultados
que variam em sua extensão, e cujo emprego é recomendado para situações
específicas.135
Ensina o doutrinador J. A. Aranha, citado antes, que o corpo humano tem mais
ou menos 100 trilhões de células, cada qual tendo em seu interior um núcleo. No núcleo
das células estão contidos os cromossomos humanos, que são em número de 46,
sendo 23 provenientes da mãe e 23 do pai. Nos cromossomos estão os genes,
responsáveis pelas instruções da formação morfológica e fisiológica de um ser.
Em cada um desses cromossomos existem, aproximadamente, 100 mil genes.
Os genes são feitos de ácido desoxiribonucléico (ADN), no formato de um polímero, isto
é, uma longa fileira de unidades básicas.
Essas unidades são chamadas de nucleotídios e são de quatro tipos: adenina
(A), timina (T), citosina (C) e guanina (G). Esses nucleotídeos formam filamentos e a
molécula completa do ADN é constituída de duas fitas paralelas presas uma a outra,
formando uma espécie de zíper curvado em espiral, cuja figura é mais conhecida como

_____________
135
ARRUDA, José Acácio e Kleber Simônio Parreira. A Prova Judicial de ADN. Belo Horizonte: Del
Rey, 2000, p. 27/28
71

dupla-hélice. Como em uma palavra escrita, em que a ordem das letras forma a
palavra, na molécula do ADN a ordem desses quatro elementos determina a informação
genética.
Esclarece que a maior parte do ADN do corpo humano é igual para todas as
pessoas. Mas uma parte é suficientemente diversificada a ponto de não existirem duas
pessoas com uma combinação exatamente igual. Sobre essa parte diversificada é que
são realizados os exames para a identificação humana pelo ADN.
No que se refere aos testes de laboratório, segundo o sobredito doutrinador, a
primeira providência que o perito deverá tomar ao receber as amostras para análise, é
verificar se elas estão documentadas e identificadas, de modo a não haver dúvida
sobre sua origem.
Para uma perícia no processo penal, as amostras deverão estar identificadas de
modo que o perito possa saber qual a que veio do local do crime e as que foram
colhidas do suspeito ou da vítima. A segunda providência é verificar se existe ADN em
quantidade suficiente para a realização dos exames.
Explica que o material examinado (sangue, cabelo, esperma, etc.) deve ser
removido de qualquer objeto a que esteja fixado. Depois disso, o ADN deverá ser
removido da célula, isolado e purificado, pois se outros materiais encontrados na célula,
como gorduras, carboidratos e proteínas não forem excluídos, não é possível realizar o
exame.
O doutrinador J. A. Arruda, informa, em sua obra, que, teoricamente, todo
material orgânico que contenha ADN pode ser submetido aos exames. Porém, há
determinadas substâncias que são mais apropriadas, em face da facilidade de sua
obtenção e da quantidade de ADN que pode ser extraída.
O sangue coletado diretamente do corpo humano é a amostra clássica, e a
preferida pelos laboratórios, para os exames. Pode ser obtido em quantidade suficiente,
previamente identificado e em condições ideais para transporte, armazenamento e
manipulação.136

_____________
136
ARRUDA, José Acácio e Kleber Simônio Parreira. A Prova Judicial de ADN. Belo Horizonte: Del
Rey, 2000, p. 60/62
72

Além disso, destaca que as manchas de sangue seco encontradas fixadas em


uma superfície sólida também podem servir de amostras para o exame, devendo ser
removida da superfície de modo a preservar a integridade do ADN. Existem, também,
os chamados “esfregões bucais”, que são amostras colhidas do lado interno da face, na
mucosa bucal.
Também podem ser fontes de amostras de ADN para a realização de exames, a
saliva humana, outros tecidos do corpo humano (pele, músculos e vísceras), o esperma
(amostra clássica em crimes sexuais) e os ossos e dentes, utilizados geralmente nos
casos de corpos carbonizados.

3.2.2. A Utilização pelo Direito Penal

Consoante os ensinamentos de J. A. Arruda, 137 sempre que um novo método


científico é empregado como meio de prova para a comprovação de determinado fato,
no início há muita controvérsia se esse novo método tem validade como prova judicial.
Assim ocorreu com as impressões digitais para a identificação criminal, com os exames
de tipos sanguíneos e com a balística forense; com os exames de ADN ao foi diferente.
Certifica que, no Brasil, desde que foi introduzida a nova tecnologia, o Poder
Judiciário, de um modo geral, em todas as instâncias, a tem admitido como meio eficaz
para a comprovação dos fatos.
Ressalta que um novo método científico só deve ser aceito como prova judicial,
isto é, como sendo capaz de demonstrar a verdade de um fato, quando sobre a certeza
de seus resultados não pairarem mais dúvidas entre os especialistas. Mas mesmo
nesse caso, nunca se deve esquecer de que pode haver condições em que tal método
científico não funcione, e seja necessário rever sua validade para essas novas
condições. Portanto, forçoso salientar que um novo método científico para a descoberta

_____________
137
ARRUDA, José Acácio e Kleber Simônio Parreira. A Prova Judicial de ADN. Belo Horizonte: Del
Rey, 2000, p. 81/83
73

da verdade geralmente só é aceito depois que é empregado e tem sua eficácia


comprovada em casos reais.

3.2.3. Vantagens e Desvantagens de sua Utilização

Segundo o doutrinador J. A. Arruda, supracitado, o exame de ADN é uma das


poucas tecnologias que exercem fascínio e produzem muitas esperanças. Isso porque
na medicina abriram-se perspectivas inumeráveis para a pesquisa de cura de diversas
doenças; na investigação criminal produziu-se uma revolução tão grande quanto à
descoberta das impressões digitais no século passado; no processo civil suplantou
qualquer outro método científico para a determinação do parentesco biológico.
Cita, como exemplo, que desde 1989, nos Estados Unidos, quando o FBI
começou a recorrer às análises de ADN, elas contribuíram para inocentar inúmeros
prisioneiros injustamente condenados a pesadas penas, mais freqüentemente por
estupro.
Informa, ainda, que as análises genéticas também permitiram que se
encontrasse mais rapidamente o verdadeiro culpado, auxiliando a desvendar o mistério
de crimes não elucidados, poupando tempo aos investigadores e proporcionando
excelentes resultados, além de contribuir para a prevenção de novos delitos, cujos
autores seriam identificados antes de voltarem a cometê-lo.
Esclarece que, em contrapartida, tais avanços pressupõem a existência de meios
para se comparar o perfil genético de um indivíduo procurado como o de um suspeito –
e, portanto, a constituição de um arquivo de impressões genéticas, gerando a polêmica
relativa à criação dos bancos de ADN e tantas outras questões que lhe são inerentes
como, por exemplo, se tais amostras devem ser mantidas ou destruídas, por quanto
tempo devam ser mantidas e, ainda, os desvios na utilização das amostras
conservadas e dos arquivos genéticos.
Por oportuno, explica que o combate a esses arquivos arrimam-se na
possibilidade ou impossibilidade da extração de amostra de ADN sem o consentimento
74

da pessoa visada, acirrando o conflito entre liberdades individuais e necessidades da


polícia.
O doutrinador, supracitado, indica que as principais críticas que foram feitas ao
uso dos exames de ADN em processos judiciais são de que se tratava de uma
tecnologia desenvolvida para aplicações médico-científicas, não para finalidades
médico-legais e judiciais; os laboratórios e peritos estavam mais interessados na
prestação de seus serviços do que servir imparcialmente à justiça; o uso de tal meio de
prova punha em risco os direitos civis; a tecnologia dos exames de ADN ainda não
podia ser considerada universalmente aceita como válida; e as diversas técnicas não
eram padronizadas e não tinham reconhecimento oficial.
Destaca que, no processo penal, o emprego dos exames de ADN pode causar
grande desequilíbrio entre acusação e defesa, no que se refere aos recursos postos à
disposição de um e de outro, possibilitando a interferência no exercício da ampla defesa
e do contraditório. Em face da disposição constitucional que assegura ao acusado o
direito à ampla defesa, infere-se que ao réu acusado de um crime com base na prova
de ADN, devem ser assegurados os meios para poder defender-se eficientemente, o
que inclui, além do direito a um advogado, os meios necessários para a realização de
uma contra-prova do exame de ADN.
Outro fato discutível é a conservação da amostra ou dos dados de pessoas
indiciadas para se criarem os bancos de informação. A tendência é que as amostras
obtidas nos locais do crime ou retiradas de indivíduos suspeitos tenham um
determinado tempo de guarda estabelecido em lei. Embora não se tenha registro entre
nós de uma determinação judicial que exija a destruição das amostras, isso pode
ensejar medidas naquela direção. Tal omissão poderá levar sem dúvida a criação de
bancos de dados de DNA, inicialmente para indivíduos punidos em certos crimes
violentos e, depois, com certeza, para toda a população. Tal conduta, é claro,
redundará na invasão de privacidade das pessoas. Mesmo havendo cuidado no uso da
informação genética, seria difícil manter-se a confidencialidade das redes
informáticas.138

_____________
138
FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal, 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 63.
75

3.2.4. Valoração como meio de prova

No que se refere ao entendimento de J. A. Arruda,139 as dificuldades do julgador


diante das provas científicas, muitas vezes complexas, têm proposto questões relativas
à avaliação dessas provas no conjunto probatório.
Nesse sentido, a lição de Carlos Alberto Álvaro Oliveira:

“Aspecto interessante e atual da apreciação da prova diz respeito à crescente


interferência da ciência na investigação dos fatos, a colocar com freqüência o
juiz em face de complexas informações técnicas e científicas, capazes de
serem apreendidas em toda a sua extensão com facilidade apenas por pessoas
dotadas de altos conhecimentos especializados ou de raras habilidades. Não há
dúvida, nessa perspectiva, de que a confiança, até certo ponto indispensável,
na informação científica impenetrável ou de difícil acesso, aumenta a tensão
entre a liberdade para apreciar a prova e o processo cognitivo normal, pondo
em xeque o próprio princípio da livre apreciação da prova.”140
Pelo exposto, no entendimento de J. A. Arruda, retromencionado, o exame de
ADN submete-se às mesmas regras comuns a todas as demais perícias. O Juiz não
fica adstrito às conclusões do perito, e pode decidir com fundamentos em outras
provas. Dentro do sistema da persuasão racional, por mais confiável e poderosa que
seja a tecnologia dos exames de ADN, poderá o juiz, ao julgar a causa, rejeitar o laudo
todo ou em parte, desde que fundamente sua decisão. Porém, tal rejeição da prova
pericial tem de ser fundamenta, e isso não é possível sem o conhecimento de algumas
de suas características.
Ademais, aduz, ainda, que, na esfera penal, o acusado tem o direito de calar, isto
é, de não responder às perguntas que lhe forem formuladas, e não pode ser obrigado a
fornecer qualquer prova contra si. Daí que não está obrigado a submeter-se ao exame
do ADN e, caso haja recusa, esta não é equivalente a uma confissão e, isolada, não é
prova suficiente da culpa do acusado, em face da vigente Constituição Federal. Assim
como a confissão, a recusa não pode ser considerada indicio contra o réu.
Nesse sentido é a lição do mestre Malatesta:

_____________
139
ARRUDA, José Acácio e Kleber Simônio Parreira. A Prova Judicial de ADN. Belo Horizonte: Del
Rey, 2000, p.167/169
140
OLIVEIRA, C. A. Alvaro de. Problemas atuais na livre apreciação da prova, na coletânea Prova
Cível. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.45-46.
76

“Querer considerar como confissões reais, as confissões presumidas, é faltar


com todo critério de lógica criminal. Não se pode falar de uma prova
determinada sem a certeza de sua subjetividade probante, entendemos a
pessoa ou a coisa afirmante e a relativa afirmação. A prova pode não estar
certa quanto ao seu objeto, isto é, quanto à realidade da coisa provada, mas
deve ser sempre inelutavelmente certa quanto à realidade do sujeito de sua
afirmação, sem isso é absurdo falar em prova. Ora, quando se fala de provas
presumidas, em geral, e de confissão presumida em espécie, fala-se
precisamente de um sujeito probante não existente na realidade, o que se quer
fazer funcionar como prova, como se existisse, isto é, fala-se de uma prova que
não é prova. (...)
Outra confissão presumida é a que a prática chamou simulada. Quer-se ver
uma confissão simulada na contumácia e no silêncio do acusado; e chamando
de simulada essa pretensa confissão que não era confissão, de uma confissão
inexistente, que se considerava como existente; e isto sempre em
conseqüência de figuras retóricas levadas a sério, e transportadas
despropositadamente para a linguagem científica. Que o silêncio do acusado,
em geral, e sua contumácia em espécie, possam constituir indícios de
culpabilidade contra ele, o admitimos, e sobre isso falamos a propósito dos
indícios efetivos dos vestígios morais do delito. Mas que tais indícios, só porque
derivados do fato do próprio acusado, devam batizar-se como confissão é uma
inexatidão retórica, imperdoável na ciência. A confissão simulada que realmente
não existe, por isso não é confissão.” 141
Desse modo, reitera o dotrinador J. A. Arruda que, se o réu tem o direito de ficar
em silêncio, deve poder exercê-lo sem prejudicar-se, pois o exercício de um direito não
prejudica aquele que dele pode fazer uso. Da mesma forma, se o acusado exercer seu
direito em não colaborar, recusando-se a submeter-se ao exame de ADN, tal como o
direito de permanecer em silêncio, nada lhe poderá ser imposto por exercer esse
direito, e ao julgador caberá decidir somente com as outras provas do processo.
Corrobora com esse entendimento o doutrinador Tourinho Filho que afirma:

“Se o réu tem o direito ao silêncio, como garantia constitucional, parece-nos


evidente que, se porventura dele fizer uso, não pode o juiz louvar-se nessa
circunstância para a formação do seu convencimento. Poderá até fazê-lo,
intimamente, sendo-lhe contudo vedado transportar para os autos esse fato,
porquanto implicaria a neutralização daquele direito constitucional.”142

_____________
141
MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Trad. J. Alves de
Sá. Campinas: Servanda, 2009, p.537/538.
142
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
286/287.
77

4- DO HOMICÍDIO SEM CADÁVER

Após o estudo realizado sobre os meios de prova admitidos pelo Direito


Processual Penal e as peculiaridades do crime de homicídio, passa-se a questão
proposta neste trabalho: pode haver condenação pelo crime de homicídio sem que o
cadáver da vítima tenha sido encontrado?
No crime de homicídio, a prova da materialidade é feita mediante a presença do
cadáver, pelo exame direto, podendo também ser feita por testemunhas, pelo exame
indireto, provando-se o nexo causal entre a conduta do agente e o resultado letal.143
Nesse sentido, a lição de Hélio Tornaghi:144 “O exame de corpo de delito refere-
se à materialidade do fato, mas não à autoria; a confissão se relaciona com a autoria,
mas não prova a materialidade do fato.”
Desse modo, nos crimes que deixam vestígios, como é o caso do crime de
homicídio, os exames periciais são essenciais, porquanto dão a certeza de sua
realização, bem como a forma do seu cometimento. Eles constituem peça acessória do
Juiz, um elemento esclarecedor sempre que ele entender serem necessários para
embasar sua decisão, daí porque ele não o vincula a essa mesma decisão.145
Prevê o artigo 158 do Código de Processo Penal: “Quando a infração deixar
vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não
podendo supri-lo a confissão do acusado”. Infere-se daí que há a obrigatoriedade do
exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, isto é, delicta facti
permanenti, tal como o homicídio.
O exame do corpo de delito consiste, hoje, em simples perícia para a verificação
dos elementos sensíveis e materiais da infração penal, realizado mediante regras
próprias previstas pela legislação processual penal.146

_____________
143
PEREIRA, Luiz Alberto Ferracini. Da prova penal e sua interpretação jurisprudencial. 1ª ed., São
Paulo: Livraria de Direito, 1995, p. 67
144
TORNAGHI. Helio. Curso de Processo Penal, 10ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p. 325
145
CABRAL NETTO, Joaquim. Instituições de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 139.
146
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p..438/440.
78

Na obra de Tourinho Filho147 é ressaltado que o exame pericial para o legislador


é tão importante que, no artigo 564, inciso III, alínea b, do Código de Processo Penal,
erigiu sua ausência à categoria de nulidade insanável.
Contudo, declara que haverá nulidade pela falta do “exame do corpo de delito
nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no artigo 167”, o qual afirma
que não sendo possível tal exame, por haverem desaparecido os vestígios, a prova
testemunhal poderá supri-lhe a falta.
Frederico Marques, supracitado, professa que “Da conjugação dos três
dispositivos (art. 158, 564, III, b, e 167 do CPP), o que se infere é que o exame de
corpo de delito deve ser realizado em todo crime que deixa vestígios, sob pena de
nulidade.
Por outra parte, não pode a confissão supri-lo; e, ante a impossibilidade de
exame dos vestígios do crime, a prova testemunhal é a única que o pode suprir.
Pelo exposto, no que tange à materialidade nos crimes de homicídio, verifica-se
que a polêmica reside justamente no fato de haver possibilidade de condenação nos
casos em que não se encontra o corpo da vítima. Sobre tal indagação, nota-se a
existência de duas correntes doutrinárias.
Dessa forma, a presente indagação leva a reflexão sobre a certeza física, que
consiste em condições predeterminadas pela lei e impostas ao espírito do juiz e a
certeza moral, aquela que está na consciência do julgador como na de qualquer outro
homem racional e com os mesmos critérios livres, subordinados apenas às leis eternas
da razão148.
Outra importante questão a ser abordada é se o exame de DNA pode suprir,
eventualmente, a falta do exame do corpo de delito.

_____________
147
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
257/259
148
MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. São Paulo:
Servanda, 2009, p. 58
79

4.1. ADMISSIBILIDADE

É objeto de grande discussão na doutrina reconhecer a idoneidade dos indícios


para provar a materialidade do delito dentro do sistema de provas que vigora na
legislação pátria. Contudo, aos que insistem em afirmar a inidoneidade dos indícios
para tal fim, Nelson Hungria formula a seguinte crítica:149

“A materialidade do crime é o conjunto dos seus elementos físicos ou sensíveis.


É o fato mesmo com os episódios de sua realização no mundo externo. Porque,
então, não admitir os indícios no sentido da comprovação desses elementos ou
episódios? Até em se tratando de crimes contra a vida, o corpus delicti pode
resultar provado por indícios. Ninguém negará que a prova, por exemplo, da
materialidade do aborto, mesmo que tenha desaparecido o feto e na ausência
de testemunhas, possa ser feita por indícios, isto é, pela constatação dos
inconfundíveis vestígios deixados no corpo da mulher. O mesmo acontece em
relação a certos crimes sexuais. Assim, os vestígios indiciários são a prova
comum da materialidade do estupro da mulher já desvirginada.”
A este respeito, Mittermaier, defendendo a existência da verdade formal e da
verdade material, conclui que o julgador deve obedecer a sua íntima convicção, crendo
ser um erro achar que a evidência material é a única fonte de certeza.
Aduz “que a certeza como coisa essencial em matérias criminais não se pode
encerrar em regras científicas ou legais, mas repousa no senso íntimo e inato que guia
o homem nos atos importantes da vida (...)”150.
Ainda, no mesmo sentido, está a lição de Nelson Hungria para quem “tal critério
é demasiadamente rigoroso, e poderia, na sua irrestrição, conduzir à impunidade
manifestos autores de homicídio”151.
Cita, referido autor, o exemplo de Irureta Goyena: uma barca singrava as águas
do Rio Uruguai; dentro dela uma luta entre dois indivíduos; um logrou dominar e atirar o
outro a correnteza, fazendo-o desaparecer para sempre; testemunhas assistiram a
esses fatos, não se conseguindo encontrar o cadáver de um dos contendores atirado
ao mar pelo outro.
_____________
149
MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. A prova por indícios no processo penal. Lumen Juris:
Rio de Janeiro, 2009, p.73
150
MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal. 3. ed., Tradução de: Hebert
Wüntzel Heinrich. São Paulo: Bookseller, 1996. p.24
151
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 4ed., Rio de Janeiro: Forense, 1958. 9.v. p.
67/68.
80

Nesse sentido, trago à baila a lição de João Romeiro:152

“Quanto aos de fatos permanentes, convém notar que, se é certo que se deve
empregar o maior cuidado em descobrir os vestígios deixados sobre a pessoa
ou coisa sobre que recaiu a ação, não se pode de forma alguma admitir que a
ausência de vestígios materiais possa assegurar a impunidade a um acusado,
cuja culpabilidade esteja estabelecida por testemunhas diretas.”
Ressalta-se que aqueles que comungam deste entendimento,153 enxergam o
exame do corpo de delito como simples meio de prova, que pode ser perfeitamente
suprido por outros meios, vez que inexiste hierarquia probatória. Sua falta não enseja
que o processo seja anulado, mas que se recorra a outros meios de convicção e não os
encontrando, declare não provado o crime.
Segundo a própria Exposição de Motivos do Código de Processo Penal (Dec.-lei
3.689-41), “todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor
decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra”. Nesse sentido:

“Na verdade, fora do sistema da prova legal, só um Código como o nosso, em


que não há a menor sistematização científica, pode manter a exigibilidade do
auto de corpo de delito sob pena de considerar-se nulo o processo. Que isso
ocorresse ao tempo da legislação do Império, ainda se compreende. Mas que
ainda se consagre tal baboseira num estatuto legal promulgado em 1941, eis
que não se pode explicar de maneira razoável.”154
O insigne doutrinador Frederico Marques, citado acima, relata que o absurdo
dessa orientação já fora, aliás, posto em foco ao tempo da legislação anterior, com
bastante argúcia, pelo insigne Costa Manso, na seguinte passagem: “Qual o efeito da
falta ou da nulidade do auto de corpo de delito?
Parece-me claro que esse documento não constitui uma formalidade substancial
do processo. É simples meio de prova, que, como acima ficou dito, pode ser suprido por
provas de outro gênero. A falta ou defeito do auto, portanto, não deve dar lugar a que o
processo seja anulado, mas a que recorra o juiz a outros elementos de convicção, e,
não os encontrando suficientes, declare não provado o crime.”

_____________
152
ROMEIRO, João. Dicionário de Direito Penal, “Corpo de Delito”, apud PEREIRA, Luiz Alberto
Ferracini. Da prova penal e sua interpretação jurisprudencial. 1ª ed., São Paulo: Livraria de Direito,
1995, p. 43.
153
NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 28ª ed., atual. por Adalberto José
Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva: 2002, p. 137.
154
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª ed., Revista e atualizada
por Eduardo Reale Ferrari, São Paulo: Millennium, 2003, p.. 438.
81

Hoje, prevalece a opinião de que a certeza moral da existência do homicídio,


quando absoluta ou excludente de qualquer outra hipótese em contrário à morte da
vítima, supre a certeza física.155 Ressalta-se que o corpo de delito não pode ser
confundido com o corpo da vítima. O corpo de delito tanto pode ser direto quanto
indireto, isto é, tanto pode resultar da necropsia quanto da prova testemunhal. Já o
corpo da vítima é apenas um dos elementos sobre o qual o exame pericial buscará os
vestígios materiais que tenham relação com o fato delituoso.156
O legislador brasileiro, atado de maneira injustificada ao antigo sistema da prova
legal, erigiu o exame do corpo de delito direto ou indireto nas infrações que deixam
vestígios como condição de validade do processo e da sentença (artigo 564, III, “b”, do
Código de Processo Penal), não podendo a falta ser superada nem mesmo pela
confissão do acusado. Quis e quer dizer o legislador que a ausência do exame direto de
corpo de delito nos crimes que deixam vestígios carreta nulidade, a menos que se
proceda o exame indireto.157
É importante ressaltar, que no Direito Processual Penal, vigora o princípio da
verdade real, não havendo, assim, limitação dos meios de prova, sob pena de se ver
desvirtuado aquele interesse estatal na justa atuação da lei. Conseqüentemente, é
ampla a investigação, são dilatados os meios probatórios, colimando-se alcançar a
verdade do fato e da autoria, ou seja, da imputação.158
Frederico Marques, citado na obra de Tourinho Filho, assim se manifesta:

“Anular um processo porque falta o exame do corpo de delito é um desses


absurdos que clamam aos céus. Se não há prova da materialidade do delito,
deve o réu ser absolvido. Se a prova do corpus criminis não é pericial, que o
examine o Juiz com o critério do livre convencimento. Cingir o julgador ao auto
do corpo de delito, como fez o Código, é absurdo sem nome, que não encontra
em nenhuma legislação processual da atualidade.”159
E. Magalhães Noronha, corroborando o entendimento supracitado, afirma que
não está de acordo com o sistema da verdade real a falta do exame direito ou indireto
_____________
155
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koongan, 2004, p.
400
156
FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal, 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 14.
157
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
259
158
Noronha, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. Atualizada por Adalberto José Q. T.
Camargo Aranha. 28ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 117.
159
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, 3.v., p.
257/258
82

ensejar a nulidade do processo. Perante a lei pátria, segue o ilustre doutrinador, um


homem, sobre cuja imputabilidade não paira a menor dúvida, confessa ter assassinado
outro, v. g., afogando-o em pleno oceano e essa confissão é corroborada por todos os
demais indícios, não poder o processo ser intentado porque não há o exame de corpo
de delito direto ou indireto confrontar-se-á com a inexistência da hierarquia de provas,
igualmente admitida pelo sistema processual penal.160
Enrico Ferri,161 por sua vez, aduz que, com relação ao crime de homicídio, na
idade média dizia-se que não se podia condenar por homicídio sem o cadáver do
assassinado. Contudo, ao contrário do que ocorria na idade média, na lei moderna só
se precisa dos indícios. Tanto é que, mesmo tendo o cadáver, mas sem os indícios, não
se poderia condenar.
Porém, seria possível a condenação se houvessem indícios de que fora o
acusado o assassino, independentemente de se ter achado o cadáver, uma vez que o
juiz tem outros meios para averiguar a existência precedente da pessoa assassinada e
o seu posterior desaparecimento, como precisamente determina a legislação pátria. E
complementa:

“Isso equivale a dizer que a nossa lei diz que não só que os indícios são
necessários para controlar e apoiar a prova direta, mas também que os indícios
podem bastar, só por si, para condenar, e podem bastar para condenar ou
absolver até no caso clássico em que se trate de um indivíduo acusado de
homicídio, não se tendo encontrado o cadáver da vítima.”
Desse modo, afirma que é seguindo essa linha de raciocínio que muitos
doutrinadores admitem a possibilidade de condenação nos casos em que não foi
encontrado o corpo da vítima de homicídio, desde que exaustivamente comprovada a
materialidade por outros meios de prova, de forma a não existirem dúvidas a respeito
de sua ocorrência.

_____________
160
NORONHA, Edgar Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 25 ed., São Paulo: Saraiva,
1997, p. 136/137.
161
FERRI, Enrico. Discursos de acusação. (ao lado das vítimas). Tradução: Fernando de Miranda. São
Paulo: Martin Claret, 2009, p. 175/176.
83

4.2. INADMISSIBILIDADE

Por outro lado, os que não admitem uma condenação nestes termos o fazem
partindo do principio de que a sentença condenatória criminal só é admissível e
possível mediante uma certeza plena, não sendo admitida pelo possível ou pelo
provável.
Para eles, a prova indiciária não fornece uma certeza plena, não servindo como
alicerce de uma decisão penal condenatória. Violam-se, assim, irremediavelmente, os
princípios norteadores do Direito Penal e do sentimento de segurança jurídica. A
condenação embasada exclusivamente em provas indiciárias é contrária aos ditames
do Estado Democrático de Direito.162
Filiados a este entendimento encontram-se o mestre Carrara, para o qual não se
pode falar em homicídio sem que haja a prova material do cadáver. “Não se pode
afirmar que existe crime de homicídio, enquanto não esteja averiguado que um homem
tenha sido morto por obra de outro.
Então não se pode dizer que um homem haja morrido, enquanto não se encontra
o seu cadáver ou, pelo menos, os restos deste, devidamente reconhecidos” 163
Sustentava o insigne mestre que a prova da morte deve constituir-se sob a
certeza física, que exige a presença do cadáver.

“En el sistema de las pruebas legales, el principio de la certeza de la ley se


toma como base de la afirmación o de la negación de la prueba. Aquél consiste
en lo siguiente: que la ley defina a priori qué condiciones de prueba son
exigidas por Ella para que exista la prueba plena, y cúales para que exista la
simplena.”
Do mesmo sentir, entende Malatesta que a ausência do auto de necropsia não
pode ser substituída pela prova testemunhal. E a sustentar sua opinião invoca as
seguintes razões:

“Mas num sentido mais restrito e determinado, que é o sentido próprio a ser
dado à distinção, são delitos de fato permanente os em cuja essência de fato

_____________
162
ARANHA, Adalberto Jose Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 6ª ed. rev., atual., e
ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 21.
163
CARRARA, Francesco. Programa del curso de derecho criminal. Tradução de: Sebastian Soler.
Buenos Aires: Depalma, 1944, pág. 291.
84

entra, como condição, uma materialidade permanente, sem a qual o delito


especificamente não subsiste: tais delitos são sempre de fato permanente. São
delitos que não se compreendem sem um dado evento material permanente,
distinto da ação humana: a conduta criminosa, passageira por sua natureza,
desaparece, fica o evento exterior. Está nesta materialidade exterior, que não
desaparece com a ação, a permanência do delito: fica o cadáver, como
permanência do homicídio; fica a casa queimada, como permanência do
incêndio; fica a nota falsa, como permanência da falsificação.”164
Para sustentar esse entendimento, o referido doutrinador cita dois exemplos:

“Antonio Pin se acusou de haver matado Giuseppe Sevos, cujo cadáver não
pode ser examinado pela justiça; sob a fé da própria palavra, foi ele condenado
à morte, e submeteu-se à penalidade. Pouco tempo depois, vê-se aparecer vivo
e são o suposto assassinado, de quem não se teve mais notícia. Pin, tendo na
realidade agredido e ferido Sevos, julgou, de boa-fé, tê-lo matado, enquanto
Sevos, depois da agressão sofrida, pôs-se a salvo, não dando mais notícias
suas. Em maio de 1844, Zoé Mabille, jovem de dezenove anos, entrou como
doméstica em casa de Nicola Delande, no município de Moon, vizinho de Saint-
Lo. Seu patrão enamorou-se dela, mas ela resistiu-lhe, um dia, a jovem
desaparece. Foram suspeitos de havê-la assassinado o patrão e um seu tio, um
certo Gilles, que foram presos. Gilles perdeu a cabeça; Delande, também ele
com a mente abalada confessou tê-la assassinado, porque, dizia, ele a amava e
ela queria partir. Durante esta confissão, não obstante a falta de exame do
cadáver, subia ao patíbulo o pobre Delande, quando chega a notícia de que a
jovem, sã e alegre, estava em casa de sua ama, onde se recolhera na fuga da
casa do patrão.”
De acordo com o autor Antonio Magalhães Gomes Filho, não constitui a
exigência do corpo de delito, como pareceu a José Frederico Marques, uma baboseira
que só encontraria guarida no sistema da prova legal ou uma cláusula incompatível
com o processo penal moderno, mas sim uma importante garantia voltada à obtenção
da verdade processual, que consubstancia exemplo claro de uma inadmissibilidade de
provas, objetivando a inocorrência dos erros judiciários que poderiam resultar da
indiscriminada admissão de qualquer prova para a demonstração da própria existência
do fato que deixou rastros materiais. Ademais, acrescenta que o livre convencimento
não se confunde com liberdade de prova.165
Nesse sentido, na lição de Tornaghi:

“A história, em todo o mundo, está repleta de erros judiciários que se tornaram


famosos porque foram descobertos. Infelizmente não devem ter conta os que
passaram despercebidos. Nicola Nicolini declara que “todos os povos, antigos e
modernos, evocam as lágrimas da humanidade sobre as cinzas dos infelizes
extintos judiciariamente (sic) pelo homicídio de pessoas mais tarde encontradas
_____________
164
MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Tradução de: J.
Alves de Sá. Rio de Janeiro: Servanda, 2009, pág. 699/700.
165
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à Prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997,
p.97.
85

com vida”. E o grande Carrara lembra: “a história dos processos criminais


oferece dolorosos testemunhos de que os tribunais, ao esquecer uma regra tão
salutar (a da exigência de constatar o corpo de delito), freqüentemente
condenaram infelizes, como culpados de haver morto alguém que ainda
vivia.”166
Por sua vez, para o autor Luiz Alberto Ferracini Pereira,167 se não há exame de
corpo de delito, isto é, o cadáver no crime de homicídio, não haverá prova direta do
crime, embora, o Código de Processo Penal admita a prova indireta, sendo esta
presuntiva, é prova perigosa e não plena para formar-se através dela a culpa de
alguém. Assim, se o Poder Judiciário teima em processar alguma pessoa, sem a prova
da materialidade delitiva, comete uma grande injustiça.
Desse modo, com o objetivo de ilustrar seu entendimento, o referido doutrinador
cita os seguintes casos:

“No Segundo Império, o comerciante Mota Coqueiro, foi acusado de ter


assassinado um viajante que dormira em seu armazém e que depois
desaparecera. Sem a prova da materialidade do fato criminoso, Mota Coqueiro
foi condenado à pena de morte, sendo enforcado. Tempos depois, a vítima
reapareceu, dizendo que dormira no estabelecimento comercial e partira de
madrugada, indo para longe. O Imperador D. Pedro II, que mantivera a pena e
autorizara a execução quebrou a caneta, não mais permitindo que outro
enforcamento se realizasse no Brasil. Foi a abolição da pena de morte em
nosso país.”
Na República, temos outro caso de erro judiciário, que foi o Caso dos Irmãos
Naves, que foram presos em Araguari, cidade de Minas Gerais, onde foram
torturados e condenados por crime que não cometeram, pois não havia a prova
da materialidade do crime. Cumpriram pena de 25 anos e 9 meses de reclusão
pelo crime de latrocínio, tendo posteriormente aparecido a vítima na cidade de
Ponte Nova.”

4.3. CASOS DA LITERATURA FORENSE

A título de exemplo, proceder-se-á a análise de três casos registrados na


literatura forense de julgamentos de crimes de homicídio sem que fosse o cadáver
fosse encontrado.

_____________
166
TORNAGHI. Helio. Curso de Processo Penal, 10ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p.
321/322.
167
PEREIRA, Luiz Alberto Ferracini. Da prova penal e sua interpretação jurisprudencial. 1ª ed., São
Paulo: Livraria de Direito, 1995, p.. 30/31.
86

4.3.1. O Caso Dana de Teffé168

Nascida na Tchecoeslováquia, território europeu que compreende atualmente


dois países: a República Tcheca e a Eslováquia, Dana Edita Fischerowa de Teffé era
de origem judaica. Pertencia ela a uma rica família de Praga e recebeu excelente
educação. Versada em línguas, dominava fluentemente seis idiomas. No campo das
artes, especializou-se em dança, obtendo formação clássica em ballet.
Depois de séculos, com a invasão alemã, tudo mudou. As perseguições
implacáveis movidas pelos nazistas contra a comunidade judaica da Tchecoeslováquia,
inauguraram uma época de terror em toda a Europa.
A esse tempo, Dana Fischerowa era estudante do Liceu em Praga e, como
outros tantos tiveram que fazê-lo, em busca da sobrevivência, partiu em desesperada
fuga. Consta que Dana, atravessou com êxito o território de diversos países europeus
e, chegando à Itália, ingressou como bailarina na companhia de revista de Odoardo
Spadaro, ator, cantor e compositor italiano de prestígio internacional.
Em arte, Dana Edita Fischerowa adotou o nome de Dana Harlova passando a
apresentar-se publicamente nos musicais da companhia de Spadaro. É a este tempo
que Dana conhece Ettori Muti, Tenente-Coronel da Força Aérea Real, e também um
político, muitíssimo popular na Itália e cujos os feitos militares lhe valeram o tratamento
e o prestígio de herói nacional, além do agraciamento com elevadas condecorações,
dente elas: a Medalha de Ouro ao Valor Militar e a Ordem Militar de Savoia. Muti era
membro do movimento facista, desde os seus primórdios, e ocupou destacada posição
na hierarquia do Partido Nacional Facista (em italiano, Partito Nazionale Fascista).
Ettori Muti era casado com Fernanda Mazzotti, filha de um banqueiro que não
concordava com o casamento. O casal teve uma filha de nome Diana. Neste contexto
de querelas familiares, Muti conhece e encanta-se por Dana. Linda, culta e sofisticada,
não é de se admirar que ela tenha exercido enorme fascínio sobre ele. Por sua vez,
_____________
168
CASTRO, João Alberto Nogueira de. O Misterioso Desaparecimento da Condessa Dana Edita
Fischerowa de Teffé. Disponível em
<http://www.textolivre.com.br/artigos/24696-o-desaparecimento-da-condessa-dana-edith-fischerowa-
de-teffe-ligeiros-apontamentos. Acesso em: 28/10/10.
87

Mutti era um tipo marcial, imponente e heróico e, certamente, Dana Fischerowa


encantou-se por ele. Nascia ali uma paixão arrebatadora. O rompimento do vínculo
matrimonial de Muti era inevitável. Eles, então, passaram a conviver juntos.
Em agosto de 1943, Ettori Muti é assassinado em Fregene, nas cercanias de
Roma, em circunstâncias ainda hoje pouco esclarecidas. Este crime é considerado o
primeiro crime de Estado, após o facismo.
Após a morte de Ettori, Dana Edita Fischerowa casa-se com o diplomata
brasileiro Manuel de Teffé von Hoonholtz, cuja linhagem é nobiliarquicamente titulada
pelo Império do Brasil (Barões de Teffé, com Honras de Grandeza do Império) e pelo
Reino da Prússia (Condes Von Hoonholtz). Manuel de Teffé era diplomata e seu pai
foi Embaixador do Brasil em Roma. Ele tinha por hobby o automobilismo e foi o
principal responsável pela realização do Circuito da Gárvea.
Em 1951, o casal viaja para o Brasil e passa a residir na cidade do Rio de
Janeiro, então Capital da República. O casal mantém, na Cidade Maravilhosa, uma
efetiva participação nos principais eventos da alta sociedade. Com seus encantos de
mulher bonita e culta, Dana de Teffé conquista a admiração da aristocracia brasileira e
de outras camadas sociais, sendo freqüentemente mencionada nas colunas e
noticiários dos mais importantes veículos de comunicação do País.
Tempos depois, o casal separa-se. Dana Fischerowa, na partilha de bens,
recebe considerável fortuna em dinheiro, imóveis, títulos, jóias e ações. Mas, segundo
Leopoldo Heitor de Andrade Mendes, em sua obra "Da Cortina de Ferro ao Inferno
Verde”, Ettori Muti havia legado a Dana Edita Fischerowa, uma herança testamentária
correspondente a uma grande fortuna. Certamente, o patrimônio desta bela mulher era,
no mínimo, invejável.
A 29 de junho do ano de 1961, a condessa Dana Edita Fischerowa de Teffé
desaparece misteriosamente. A milionária, segundo seu advogado, Leopoldo Heitor de
Andrade Mendes, havia sido seqüestrada quando seguia em sua companhia em
viagem do Rio de Janeiro para São Paulo.
Supostamente, Dana se empregaria na Olivetti. Ambos teriam sofrido um assalto,
resultando no seu seqüestro. O advogado afirmou às autoridades que Dana, quando
seqüestrada, estava grávida. Leopoldo Heitor chegou a apresentar três versões para o
88

sumiço de Dana. Ressalta-se que uma procuração de Dana assinada em favor de


Leopoldo Heitor para que cuidasse de todos os seus bens acabou levantando
suspeitas.
O advogado Leopoldo Heitor, conhecido nacionalmente pela alcunha de
advogado do diabo, chegou a ser preso, mas acabou fugindo enquanto aguardava
julgamento. Foragido da Justiça, acabou sendo condenado a mais de quarenta anos de
prisão. Anos mais tarde, foi recapturado na divisa Brasil-Uruguai, ocasião em que o
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anulou a primeira sentença e ordenou que
houvesse um novo julgamento, agora através de júri popular.
Tendo sido absolvido pelo júri popular, o promotor que acompanhava o caso
pediu a anulação desse julgamento e o advogado chegou a ser submetido a mais dois
novos julgamentos. Entre 1963 e 1971, o advogado enfrentou quatro julgamentos.
Finalmente, foi absolvido por júri popular. Contudo, é consenso geral, que ele matou
Dana de Teffé para roubar seus bens.
O caso Dana de Teffé ainda permanece como um mistério. O jornalista e cronista
Carlos Heitor Cony, costuma referir-se ao caso em sua coluna no jornal Folha de São
Paulo, onde indaga, eventualmente, “Onde estão os ossos de Dana de Teffé”. Com
esta indagação o cronista se refere aos caos insolúveis no Brasil.
Em 2011, completar-se-á cinqüenta anos do desaparecimento de Dana Teffé.
Importante ressaltar que Leopoldo Heitor, antes de se tornar advogado de Dana de
Teffé, ganhou o apelido de advogado do diabo quando se meteu – e provavelmente
mandou um inocente para a cadeia – em outro crime que ficou célebre: o crime do
Sacopã.
89

4.3.2. O Caso Michelle de Oliveira

Esse caso tramita perante o Tribunal do Júri da Circunscrição Judiciária de


Brasília-DF. Ressalta-se que esse é o primeiro caso de homicídio que foi a Júri tendo
como prova exame de DNA, pois corpo não foi encontrado.169
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ofereceu denúncia em
desfavor do réu JPS como incurso nas penas do artigo 121, § 2º, incisos I e IV, e artigo
211, ambos do Código Penal, por haver mediante dissimulação, convencido a vítima a
acompanhá-lo ao interior do seu veículo a lugar desconhecido, para ceifar-lhe a vida.
Segundo a peça exordial acusatória, o crime foi praticado por motivação torpe,
consistente no fato de que o denunciado assim procedeu para evitar futuro pedido de
pensão alimentícia e evitar problemas conjugais com sua respectiva esposa, uma vez
que a vítima, adolescente de 14 anos de idade, afirmava estar grávida e reivindicava ao
mesmo que assumisse o relacionamento que mantinham.
A denúncia foi recebida, tendo início à ação penal. Interrogado, o réu negou
todas as imputações que lhe eram atribuídas, inclusive a própria existência de
relacionamento entre ele e a vítima.
Após a oitiva das testemunhas, o Ministério Público, em alegações finais
requereu a pronúncia por haver o acusado assassinado a menor e escondido seu
corpo, com base nos indícios de autoria e prova de materialidade até então carreados
aos autos.
No que tange aos indícios de autoria, ensejadores da pronúncia, afirmou que a
vítima foi vista pela última vez, por testemunhas, adentrar em um veículo com as
mesmas características do automóvel do acusado. Em sua agenda foi encontrado um
cartão com o número do telefone do réu, com quem mantinha relacionamento amoroso
e adulterino.
Tal é corroborado por depoimentos testemunhais de amigos e parentes da
vítima. O réu, após o desaparecimento, ofereceu versão dos fatos, que submetida a
_____________
169
LEITE, Professor George. Notícias interessantes. Homicídio Sem Corpo. O Caso Michelle. Disponível em
<http://georgeleite.blogspot.com/2009/08/noticias-interessantes-homicidio-sem.html>. Acesso em:
09/10/2010.
90

exame pericial, restou impossível. Uma testemunha, arrolada pela defesa como álibi e
que afirmava estar com o réu em outro local no dia e hora do crime, não sustentou tal
versão em Juízo, admitindo que havia sido invenção do acusado. Os extratos
telefônicos registraram a existência de ligações entre ambos.
Para atestar a materialidade, em que pese o desaparecimento do corpo da
vítima, sustenta o Parquet, que foi encontrado no automóvel do acusado mancha de
tonalidade pardo-avermelhada, a qual submetida a exame de DNA revelou grande
probabilidade de paternidade reversa, obtendo-se, assim, por meio do exame do
sangue encontrado em seu veículo, prova de que aquele pertenceria à vítima.
A Defesa ofereceu contra-razões pugnando pela impronúncia do acusado com
arrimo na inexistência da prova da materialidade, ante a ausência do exame de corpo
de delito, e, ainda a inexistência de qualquer relacionamento entre réu e vítima.
O réu foi pronunciado como incurso no artigo 121, § 2º, inciso I e artigo 211,
ambos do Código Penal. Após a interposição e julgamento dos recursos cabíveis foi
mantida a sentença, com fulcro no fato de que a pronúncia encerra mero juízo de
admissibilidade, vigorando, nesta fase processual o princípio in dubio pro societate.
Basta, pois, que o magistrado esteja convencido da existência do crime e indícios de
sua autoria, como ocorrente na hipótese, para que o réu seja submetido a julgamento
perante o Tribunal do Júri. Nesse sentido:

“PENAL - RÉU PRONUNCIADO – AUSÊNCIA DE CORPO DE DELITO


DIRETO - PROVA INDIRETA DA MATERIALIDADE - POSSIBILIDADE –
INDÍCIOS DE AUTORIA - PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE -
RECURSO IMPROVIDO. A pronúncia é mero juízo de admissibilidade,
bastando ao Magistrado que esteja convencido da existência do crime e que
haja indícios de sua autoria para pronunciar, em conformidade com o art. 408
do CPP, tal como ocorrente na hipótese. No caso dos autos, tem-se por
admissível, para fins de pronúncia, a prova indireta da materialidade delitiva,
uma vez inexistente o exame de corpo de delito direto. Prevalece, nesta fase, o
princípio in dubio pro societate, não adentrando o juiz no exame aprofundado
do mérito, que deverá ser analisado e discutido perante o Tribunal do Júri.
Recurso improvido. Unânime.” (AgRg no HABEAS CORPUS Nº 31.850 - DF
(2003/0209238-3).
Prosseguindo, no dia 11/11/2003 o Júri de Brasília aceita prova de DNA e
condena ex-policial a 15 anos de reclusão pelo homicídio de adolescente.
Desse modo, José Pedro da Silva, ex-policial civil, foi condenado, no dia
11/11/2003, a 15 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, pelo homicídio
91

da adolescente Michelle Barbosa, com quem mantinha um relacionamento amoroso, e


a mais dois anos, em regime semi-aberto, por ocultação de cadáver, ao ser julgado pelo
Tribunal do Júri de Brasília, presidido pela Juíza Sandra de Santis. Ele poderá recorrer
e aguardar em liberdade o julgamento dos recursos.
Uma das principais provas contra o réu foi o exame de DNA realizado em uma
mancha de sangue encontrada no porta-malas de seu carro, apontando a possibilidade
de 72% do material coletado pertencer a Michelle. O julgamento teve início no dia
10/11/2003, às 9h e só terminou no início da tarde do dia seguinte (11/11/2003).
Desde o momento em que foi acusado, em 1998, José Pedro negou que tivesse
qualquer relacionamento amoroso com a adolescente e praticado o crime. No entanto,
a acusação apresentou como prova do relacionamento uma lista de ligações realizadas
do telefone do acusado para a vítima e, vice-versa, sempre em horários coincidentes
com os registros de entrada do carro de José Pedro em motéis próximos da residência
de Michelle. A acusação apresentou diversos testemunhos de amigas de escola da
adolescente para comprovar o relacionamento que mantinham.
Segundo esses testemunhos, Michelle estava grávida de José Pedro - que já
tinha dois filhos - e acreditava que ele iria se separar da esposa para viver com ela. A
gravidez de Michelle e o medo de que o adultério fosse descoberto teriam sido os
motivos para o homicídio. Michelle foi vista pela última vez entrando no carro de José
Pedro, em 10/07/98. Naquele mesmo dia, a quebra do sigilo telefônico do ex-policial
civil, apontou que ela fez uma ligação telefônica de um telefone público para ele.
Por 6 votos a 1, os jurados entenderam que houve homicídio comprovado pelo
exame de DNA. Por 5 votos a 2, aceitaram a alegação de motivo torpe. Por 4 X 3,
aceitaram uma atenuante. Por 6 x 1, o julgaram culpado por ocultação de cadáver. A
Juíza Sandra de Santis condenou-o a 16 anos de reclusão em regime fechado, pelo
homicídio, pena diminuída em 1 ano pela atenuante aceita pelos jurados e a mais 2
anos, em regime semi aberto, pela ocultação de cadáver.
Durante os debates, a defesa do réu, feita pelo advogado Edmilson Menezes,
tentava convencer os jurados de que a prova de DNA não era suficiente para acusar
José Pedro pelo homicídio e sequer se havia ocorrido algum crime. Ele chegou a
afirmar que se poderia dizer que havia um relacionamento entre a adolescente e o réu,
92

apesar das negativas do ex-policial, mas não era isso que estava em julgamento
naquele momento. Segundo ele, o ônus da prova de que havia ocorrido crime era da
acusação. A defesa não tinha que provar nada.
O Ministério Público, representado pelo promotor Francisco Valente, ressaltou
que o crime estava comprovado pelos diversos indícios apontados e principalmente
pela insistência do autor de simplesmente negar todas as provas e evidências
anexadas ao processo sem explicar nada. Ele chegou a dizer que se o réu fosse
absolvido poderia escrever um livro intitulado: Como cometer um crime perfeito.
Ao ler os fundamentos de sua sentença, a Juíza Sandra de Santis afirmou que o
réu teve sua culpabilidade acentuada até por ter dois cursos superiores completos,
Ciências Sociais e Direito, e, por isso, deveria se preocupar ainda mais em agir com
respeito à norma legal.
Segundo ela, a conduta social não poderia ser considerada boa por ter se
aproveitado da idade de Michelle que sonhava em constituir uma família, enquanto ele
só queria um relacionamento amoroso, inconseqüente.
Ainda ao ler os fundamentos da sentença, a Juíza citou um episódio relatado nos
autos do processo no qual José Pedro teria, na frente da vítima, passado a mão na
perna e pedido um beijo a uma amiga de Michelle, também adolescente, quando já
mantinha o relacionamento adúltero com a jovem. Por isso, ela considerava que José
Pedro tinha uma personalidade deturpada e insensibilidade moral.
Outro ponto contrário ao réu, apresentado pela Juíza, foi ele ter se aproximado
da adolescente aproveitando-se do fato de conhecer as duas famílias. A irmã de José
Pedro é casada com um irmão do pai de Michelle. Após a leitura da sentença, a Juíza
informou que o réu poderia aguardar em liberdade o julgamento dos recursos que forem
apresentados até porque já existem dois habeas corpus tramitando no STJ.
Após encerrado o julgamento, o advogado de defesa informou que irá recorrer ao
Tribunal de Justiça contra a sentença.
93

4.3.3. O Caso do goleiro Bruno Fernandes170

O caso do goleiro Bruno Fernandes, do flamengo, guarda semelhança com os


demais e tramita perante a Vara do Tribunal do Júri de Contagem/MG.
No dia 21/05/2009 Bruno, que ainda era casado, conheceu Eliza Samudio numa
festa de jogadores no Rio de Janeiro. Ela morava em São Paulo. Os dois tiveram
relações sexuais. A jovem afirmou ter engravidado ali.
No dia 25/08/2009 Eliza procurou um jornal carioca para informar que estava
grávida e que o goleiro Bruno era o pai da criança. Ao mesmo tempo, entrou na Justiça
com uma ação de reconhecimento de paternidade.
No dia 13/10/2009 a jovem, que passava uma temporada no Rio, denunciou à
polícia ter sido agredida por Bruno, que teria apontado uma arma para ela e a obrigado
a ingerir abortivos. Apavorada, voltou para São Paulo.
No dia 13/05/2010 o bebê de Eliza já tinha 3 meses. Ela procurou o advogado de
Bruno, porque queria que o goleiro fizesse logo o teste de DNA e passasse a lhe pagar
pensão. O advogado rejeitou os termos de sua proposta.
No dia 04/06/2010 Eliza, que estava hospedada num flat no Rio, disse à sua
advogada que Bruno havia aceitado fazer o teste de DNA. Avisou que iria a Minas com
ele.
No dia 09/06/2010 Eliza fez seu último contato por celular. Telefonou a uma
amiga para dizer que estava tudo bem, que se encontrava em Minas e que, naquele
momento, o goleiro havia saído para apresentar o bebê à sua família.
No dia 24/06/2010 a delegacia de Contagem (MG) recebeu denúncia anônima de
que Eliza morrera na casa de Bruno, espancada por ele e dois homens. Dois dias
depois, seu filho foi encontrado numa favela de Belo Horizonte.
No dia 28/06/2010, num carro do goleiro, a policia encontrou manchas de
sangue, um par de sandálias pretas de salto alto e um par de óculos escuros da marca

_____________
170
Traição, orgias e horror. O mundo do goleiro do flamengo, ídolo da maior torcida do Brasil ameaça
ruir.Revista Veja. Editora Abril, edição 2172 – ano 43, nº 27, 7 de julho de 2010. Disponível em:
<http://ultimosegundo.ig.com.br/goleirobruno/p1237700400380.html>. Acesso em: 09/10/2010.
94

Dolce&Gabbana, objetos que uma amiga reconheceu como pertencentes à jovem


desaparecida.
Ato contínuo, o goleiro Bruno Fernandes e sete suspeitos de envolvimento no
desaparecimento e provável morte de Eliza Samudio, foram indiciados pela polícia
pelos crimes de seqüestro, cárcere privado, formação de quadrilha, corrupção de
menor, homicídio e ocultação de cadáver.
Além de Bruno e Luiz Henrique Romão, o "Macarrão", foram indiciados Flávio
Caetano de Araújo, Wemerson Marques de Souza, o "Coxinha", Elenilson Vitor da
Silva, Sérgio Rosa Sales, o "Camelo", mulher do goleiro, Dayanne Rodrigues do Carmo
Souza e Fernanda Gomes de Castro, atual namorada do atleta.
O ex-policial civil Marcos Aparecido dos Santos, o "Bola", foi indicado por
homicídio qualificado com motivo torpe, ocultação de cadáver e formação de quadrilha.
O goleiro Bruno Fernandes e outros oito acusados de participação no
desaparecimento e assassinato de Eliza Samudio tiveram prisão preventiva decretada
pela Justiça mineira no dia 05/08/2010.
A juíza da Vara do Tribunal do Júri de Contagem, Marixa Fabiane Lopes
Rodrigues, declarou-se competente para julgar o caso e recebeu a denúncia do
Ministério Público (MP). Agora os acusados podem ficar presos até o julgamento.
Bruno Fernandes das Dores de Souza, o amigo dele Luiz Henrique Romão
(conhecido como Macarrão), Dayanne Souza (mulher do jogador), Elenílson Vítor da
Silva (caseiro do sítio de Bruno), Flávio Caetano de Araújo, Wemerson Marques, Sérgio
Rosa Sales (primo do goleiro) e Fernanda Gomes responderão por homicídio
triplamente qualificado, seqüestro e cárcere privado na forma qualificada, ocultação de
cadáver e corrupção de menor.
Salienta-se que o seqüestro e cárcere privado se refere ao crime cometido contra
Bruninho, filho de Eliza. No entendimento do promotor Gustavo Fantini, responsável
pela denúncia, o seqüestro e cárcere privado de Eliza acabam suprimidos pelo crime
maior, o homicídio.
O ex-policial civil Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, foi denunciado por
homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver. Assim como os outros, Bola
também não foi denunciado por formação de quadrilha, pois, conforme esclarece o
95

promotor Gustavo Fantini: “O crime de formação de quadrilha exige prova de


estabilidade do grupo, e não há, nesse caso, prova de estabilidade de um grupo
dedicado à prática de vários outros crimes. E, não havendo prova disso eu não posso
denunciar sem provas”.
O promotor está certo de que o crime aconteceu tal qual foi descrito no inquérito
de mais de 1600 páginas feito pela Polícia Civil de Minas Gerais. Gustavo Fantini
também afirma que o fato do corpo de Eliza Samudio não ter sido encontrado não
isenta nenhum dos envolvidos. Segundo ele: “nesse caso todas as outras provas vão
se unir e suprimir a necessidade do relatório de necropsia. Aliás, a maior prova de que
encontrar o corpo não é absolutamente necessário para se ter a certeza da morte é o
fato de que não me consta que até hoje alguém tenha visto o corpo de Ulisses
Guimarães. Também não me consta que alguém duvide que ele esteja morto”.
Ao justificar o recebimento da denúncia, a juíza relata que há comprovação
indireta da materialidade, por meio de prova técnica, oral e documental. Ela cita o art.
167 do Código de Processo Penal (CPP) que prevê: “a materialidade delitiva, nos
crimes de homicídio em que não foi localizado o cadáver, pode ser comprovada
indiretamente”. No que se refere aos indícios de autoria, “estes se encontram
suficientemente evidenciados”, afirmou a magistrada.
Ao final das investigações do desaparecimento de Eliza Samúdio, após
representação apresentada pelo Ministério Público, o juiz Elias Charbil Abdou Obeil da
Vara da Infância e Juventude de Contagem, entendeu, que o adolescente de 17 anos,
primo do goleiro Bruno, teve participação no ato infracional análogo ao de homicídio
triplamente qualificado (realizado mediante promessa de pagamento, com requintes de
crueldade e por meio de asfixia e tortura, o que impossibilitou a defesa da vítima) e no
seqüestro e cárcere privado da jovem.
Entendeu, ainda, que, por falta de provas, que o primo de Bruno só não teve
participação na ocultação de cadáver. Com relação aos outros crimes, Elias Charbil
ponderou que “o adolescente, embora alegue não ter participado do delito, aderiu ao
chamado intento criminoso, desenvolvendo atividades que possibilitaram seu êxito,
desde sua efetiva participação no seqüestro até a execução da vítima”. De acordo com
a sentença do juiz, o menor deverá cumprir medida sócio-educativa e ficará internado
96

por tempo indeterminado no Centro de Internação Provisória do Horto, na região leste


de Belo Horizonte. A cada seis meses, o magistrado deve reavaliar a manutenção da
internação do adolescente.
Segundo o magistrado, apesar de inexistir nos autos laudo de exame de corpo
de delito ou laudo de necropsia da vítima, “a prova da materialidade se deu de maneira
indireta, por meio lícito e idôneo, como a confissão do próprio adolescente”. Existem
depoimentos das testemunhas e relatos minuciosos de como os fatos ocorreram,
reforçou o juiz. Ele acrescentou que, mesmo desaparecidos os vestígios do crime,
outros indícios de autoria e materialidade, como prova testemunhal, documentos e
depoimentos podem ser admitidos.
No dia 06/10/2010 foi realizada a audiência sobre o caso envolvendo o
desaparecimento de Eliza Samudio. A audiência começou por volta das 10 horas no
Fórum de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte. De acordo
com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), 21 testemunhas deverão prestar
esclarecimentos sobre o caso. Duas testemunhas são somente de acusação, três foram
arroladas tanto pela acusação quanto pela defesa e 16 são apenas de defesa.
Quatro pedidos de habeas corpus para acusados de envolvimento na morte de
Eliza Samudio entraram ontem na pauta da sessão da 4ª Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG). Um já foi julgado e negado. Outros dois foram
adiados e podem ser retomados na próxima sessão da 4ª Câmara Criminal, que será
realizada em 13 de outubro.

4.4. ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS

“STJ, HC 79.735 (j. 13.11.2007). Da ementa transcrevo:


HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO E OUTROS CRIMES. (...)
O exame de corpo de delito, embora importante à comprovação nos delitos de
resultado, não se mostra imprescindível, por si só, à comprovação da
materialidade do crime.
No caso vertente, em que os supostos homicídios têm por característica a
ocultação dos corpos, a existência de prova testemunhal e outras podem servir
97

ao intuito de fundamentar a abertura da ação penal, desde que se mostrem


razoáveis no plano do convencimento do julgador, que é o que consagrou a
instância a quo.”

“STJ, HC 51.364 (j. 04.05.2006). Da ementa transcrevo:


HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE LATROCÍNIO E
OCULTAÇAO DE CADÁVER. (...)
2. A simples ausência de laudo de exame de corpo de delito da vítima não tem
o condão de conduzir à conclusão de inexistência de provas da materialidade
do crime, se nos autos existem outros meios de prova capazes de convencer o
julgador quanto à efetiva ocorrência do delito, como se verifica na hipótese
vertente.”

“STJ, HC 39.778 (j. 05.05.2005). Do voto do relator transcrevo:


Ademais, não se pode considerar a não localização do corpo da vítima como
falta de um dos elementos essenciais do tipo penal, pois, se assim fosse, em
todos os casos em que o autor praticasse, em concurso com o homicídio, a
ocultação de cadáver, estaria impedida a configuração do próprio delito de
homicídio.
Cabe consignar, ainda, que o entendimento desta Corte é no sentido de que a
prova técnica não é exclusiva para atestar a materialidade do delito, de modo
que a falta do exame de corpo de delito não importa em nulidade da sentença
de pronúncia, se todo o conjunto probatório demonstra a existência do crime.”

“STJ, HC 23.898 (j. 21.11.2002). Da ementa transcrevo:


(...) TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. (...)
II - O exame de corpo de delito direto pode ser suprido, quando desaparecidos
os vestígios sensíveis da infração penal, por outros elementos de caráter
probatório existentes nos autos, notadamente os de natureza testemunhal ou
documental. (...)”
“Prova – Corpo de Delito – Elementos. O Corpo de Delito é o conjunto dos
elementos sensíveis do fato criminoso. Diz-se direto quando reúne elementos
materiais do fato imputado e indireto, se, por qualquer meio, evidencia a
existência do acontecimento delituoso. A Constituição admite as provas que
não seja proibidas por lei. Restou, assim, afetada a cláusula final do artigo 158
do Código de Processo Penal, ou seja, a confissão não ser idônea para
concorrer para o exame de corpo de delito. No processo moderno não há
hierarquia de prova, que lícito for, idôneo será para projetar a verdade real.”
(STJ, Ac. Unan. Da 6ª T.; publicado em 15/03/93 – HC 1.394-2/RN – Rel. Min.
Vicente Cernicchiaro, in COAD 61.641)

“STJ, HC 110.642 (j. 19.03.2009). Da ementa transcrevo:


(...) ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE HOMICÍDIO
TENTADO. (...)
2. Apesar de relevante para a comprovação dos crimes de resultado, a
realização do exame de corpo de delito não é imprescindível para a
comprovação da materialidade delitiva, não podendo sua não-realização
impedir a persecução criminal em juízo. (...)”
98

“STJ, HC 30.471 (j. 22.03.2005). Da ementa transcrevo:


(...) ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE HOMICÍDIO. (...)
1 - A condenação está assentada em elementos de convicção existentes nos
autos, não se mostrando o exame pericial indispensável ao reconhecimento da
ocorrência do delito.” 171

_____________
171
Jurisprudências. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia>. Acesso em: 07/11/2010.
99

CONCLUSÃO

Com base em todos os aspectos versados no presente trabalho, chega-se à


ilação de que se deve revestir de cuidados especiais a análise do conjunto probatório
nos casos criminais que suscitam polêmicas, como o é o caso apresentado nesse
trabalho.
Para saber se é possível haver condenação nos casos em que desapareceram
os vestígios da infração, que são os atestadores da materialidade do delito, é questão
que deve ser enfrentada à luz dos diversos meios de interpretação das provas penais.
Assim, somente após a análise da valoração dos meios de prova empregados no
âmbito do Direito Processual Penal, do crime de homicídio e suas peculiaridades e da
prova da materialidade nestes delitos, sobretudo a que diz respeito à admissão do
exame de ADN, é possível afirmar-se pela possibilidade de condenação nos casos de
homicídio em que não foi encontrado o corpo da vítima.
A verificação dos casos reais apresentados no desenvolvimento deste trabalho,
certamente, permite a compreensão das questões acima citadas, justamente pela
discussão doutrinária que suscitam.
Por ser o homicídio crime de tamanha gravidade, sujeito a pena tão severa,
exige-se para sua punição a certeza da morte de alguém, a qual se dá, via de regra,
pela presença do cadáver. Em sua ausência, contudo, havendo elementos suficientes
de certeza para substituí-lo é possível seu reconhecimento, desde que se proceda com
a devida prudência na interpretação desses dados, não podendo, como é sabido,
revestir-se de incerteza uma condenação penal.
Salienta-se, por oportuno, que, atualmente, a investigação criminal tem
empregado, além da prova testemunhal, meios periciais de alta eficiência, devido à
existência de uma tecnologia moderna capaz de auxiliar na solução de crimes. No caso
de Eliza Samúdio, observa-se a utilização de luzes e reagentes (luminol) que são
capazes de detectar manchas de sangue não visíveis e o uso de luzes forenses para a
descoberta de pelos, cabelos, fibras de roupas, impressões digitais, além do exame de
DNA.
100

Para tal mister, contudo, é preciso não descurar-se do princípio do contraditório e


do princípio do livre convencimento motivado, orientadores do processo penal e da
produção da prova judicial.
Posto que, o primeiro, visa assegurar o direito de defesa, propiciando às partes
oportunidade de se pronunciar sobre o pedido ou argumento oposto pela outra parte,
não se decidindo antes de tal oportunidade e impondo a conduta dialética do processo,
pois, às partes deve ser assegurado o direito de participar, em igualdade de condições,
na produção de alegações e provas.
Já o segundo, qual seja, o princípio do livre convencimento motivado, esclarece
haver inexistência de hierarquia entre as provas, podendo o julgador decidir com base
em todas as provas carreadas aos autos, valorando-as. Têm direito as partes à
valoração das provas produzidas, não vigorando, conforme visto, o sistema das provas
legais, sendo, pois, o julgador livre para fazê-la, limitado apenas às circunstâncias e
fatos constantes do processo.
Analisando o caso do goleiro Bruno, com todas as suas peculiaridades, verifica-
se que não há possibilidade da produção da prova direta do delito, haja vista que o
corpo da vítima desapareceu e, por isso, a Justiça deve lançar mão da prova indireta
para realizar a prova da materialidade do delito por outros meios de convicção. É certo
que a prova indireta deverá se basear em um fato certo, não podendo apoiar-se em
dado meramente provável.
Diante disso, observa-se que existe um fato certo, corroborado por uma
testemunha e pela perícia, inclusive através de exame de DNA, de que Eliza Samúdio
esteve no sítio de Bruno antes de desaparecer, deixando para trás seu filho de quatro
meses de idade, e foi levada desse sítio para outro local para se encontrar com seu
provável algoz, tendo em vista que não há nos autos prova de que esteja viva. Dessa
forma, é possível haver condenação, pois, a partir dos referidos indícios, o julgador tem
possibilidade de chegar à certeza moral sobre a evidência da morte e desaparecimento
do corpo de Eliza Samúdio, pois uma testemunha afirmou, em seu primeiro depoimento,
que ela teria sido morta e o seu corpo dado aos cães existentes em tal local.
Ressalta-se que esse não seria o primeiro caso de condenação pelo crime de
homicídio sem cadáver, posto que o ex-policial civil, José Pedro da Silva, foi levado a
101

julgamento no Tribunal do Júri de Brasília, com base na prova do exame de DNA, e


condenado pelo crime de homicídio praticado contra Michelle de Oliveira, sem que
houvesse sido encontrado o corpo da vítima, sendo este o primeiro caso levado a júri
popular com base em tais provas.
Por todo exposto, verifica-se que, em regra, por inteligência da própria lei penal,
não é possível haver condenação pelo crime de homicídio sem o corpo da vítima, mas,
excepcionalmente, sim. Dessa forma, quando as provas indiretas forem capazes de
convencer sobre a existência de um crime de homicídio, haverá a possibilidade de
condenação.
No âmbito penal se busca a verdade real que é incompatível com a limitação dos
meios de prova, devendo ser observada, apenas, a vedação constitucional. Portanto, é
necessário que haja uma reforma do Código Penal e do Código de Processo Penal,
para que os tornem mais célere e menos burocrático, a fim de diminuir a incidência de
impunidades. Desse modo, levando-se em conta que a história da humanidade se
confunde com a história do Direito Penal, este deve acompanhar a evolução da
humanidade.
102

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