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Igreja e Estado na Época Moderna1

Abordamos neste capítulo as relações entre a Igreja e o Estado português desde o


início do reinado de D. Manuel (1495) e o triunfo do liberalismo vintista (1820),
apresentando três propostas de interpretação, as fases de desenvolvimento e as grandes
tendências notadas nesta época.

1. Propostas de interpretação
Apontamos três linhas interpretativas das relações Igreja/Estado na época
moderna: a fragmentação eclesial; a interpenetração dos dois poderes; a conflitualidade
entre indivíduos e grupos, mais do que entre instituições.

1.1. O fortalecimento do poder político e a fragmentação eclesial


As relações entre a Igreja e o Estado a partir da idade moderna não podem
continuar a ser pensadas como se ambos os campos fossem homogéneos. Enquanto o
Estado se fortalecia em torno da monarquia absoluta, a Igreja passou a ser uma realidade
fragmentária, um corpo heterogéneo, formado por múltiplos organismos e pessoas com
pretensões não coincidentes. Assim se justifica a eclosão de conflitos entre setores
eclesiais:
- Entre o clero regular e o clero secular.
- Entre alguns bispos e a Santa Sé ou alguns dos seus representantes.
- Entre alguns bispos.
- Entre bispos e cabidos.
- No interior dos próprios cabidos.
- Entre cabidos de dioceses diferentes.
- Entre bispos e ordens religiosas e militares.
- Entre bispos e a Inquisição.
As razões para tais divergências recaíam essencialmente na disputa de recursos
materiais, na definição de competências de jurisdição, em questões de cerimonial e
representação social.
Os conflitos diminuíram com a implementação da reforma tridentina e aumentou
a autoridade e o zelo pastoral dos bispos nas suas dioceses. A chegada da dominação
filipina em 1580 foi favorável a novas contendas, na medida em que na Igreja foram
surgindo posições individuais que mantinham viva a chama da independência. Após a
restauração, a fragmentação manteve-se apoiando os movimentos antifiscais ou tendo
assumido posições divergentes quanto à linha política seguida.

1.2. A mútua interpenetração entre a Igreja e o Estado


A conflitualidade intraeclesial na procura de recursos comuns fez perspetivar de
modo diferente as relações Igreja/Estado. Igreja e Estado deixavam de ser esferas com
áreas de ação, competências e pessoas distintas, para serem áreas de interpenetração,

1
Este esquema sintetiza sobretudo José Pedro PAIVA, A Igreja e o Poder, in HRP, II, 135-185; José Pedro
PAIVA, Igreja e Estado: Época Moderna, in DHRP, II, 393-401.
2

nomeadamente na partilha dos recursos materiais. Modos como se verificou esta


interpenetração:
- O rei interferia em múltiplos aspetos da vida da Igreja:
o Na escolha de indivíduos que ocupavam lugares de autoridade na Igreja,
se bem que tivesse de os sujeitar à aprovação do papa, no caso dos
bispos, ou nomeações dos bispos, no caso dos párocos nas igrejas de
padroado régio ou das ordens militares. Ao rei competia a escolha dos
bispos, de muitos cónegos, dos abades dos mosteiros, dos inquisidores-
gerais, os beneficiados das igrejas das ordens militares.
o Na determinação direta do exercício dos poderes diocesanos, chegando
pontualmente a áreas que se podiam considerar da competência
exclusiva do poder espiritual. Os monarcas não se coibiam de enviar
ordens aos bispos e cabidos, influenciando a sua ação e requerendo
mesmo a suspensão de funções daqueles cujo empenho não lhes
agradava. Neste sentido, se pode compreender até a prisão de um ou
outro prelado, como Frei João Soares (1545-72) e Miguel da Anunciação
(1739-79), ambos bispos de Coimbra.
o Na tomada de diversas iniciativas relativamente às ordens religiosas, à
reorganização da geografia eclesiástica, assim como ao cumprimento das
determinações da justiça eclesiástica pelo poder civil, enquanto braço
secular daquela.
o Na apropriação de uma avultada quantidade de receitas materiais
provenientes da Igreja, mediante a colocação de clientelas do rei em
determinados benefícios.
o Na intervenção ainda mais notória nos assuntos eclesiásticos dos
territórios ultramarinos.
 Devido ao direito de padroado sobre todas as áreas descobertas e
conquistadas, a Coroa tinha uma série de competências
relativamente à ação da Igreja: ereção e preservação de igrejas;
dotação dos templos e mosteiros com o necessário ao culto;
nomeação e sustento dos eclesiásticos; cobrança dos dízimos;
composição dos cabidos das sés.
 Este apoio entre a Igreja e o Estado era visto como essencial de
parte a parte: quer para a evangelização; quer para a dominação e
preservação política daquelas áreas. Como refere o franciscano
Paulo da Trindade na sua Conquista Espiritual do Oriente, escrita
em Goa em 1638: «As duas espadas do poder, tanto civil como
eclesiástico, estiveram sempre tão próximas na conquista do
oriente que raramente encontramos uma sem a outra. Porque as
armas só conquistavam através do direito que lhes era conferido
pelo Evangelho e o sermão só era de algum proveito quando
acompanhado e protegido pelas armas».
o Na resposta às solicitações da própria Igreja para a resolução de conflitos
internos, nomeadamente conflitos entre os prelados e os cabidos ou
outros membros do seu clero, ou mesmo alguns leigos.
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- A influência de muitos homens da Igreja manifestava-se também sobre os reis,


em postos de cariz religioso (conselheiros, pregadores, confessores) ou em
lugares de cariz político-administrativo (Conselho de Estado, Mesa de
Consciência). A partir de D. João III, os clérigos passam mesmo a aceder a
empregos da magistratura secular. Progressivamente adquiriram grande
destaque em postos de governo, culminando no cardeal D. Henrique, rei de
Portugal após a morte de D. Sebastião, e em vários vice-reis ao tempo da
dominação filipina.
o Exemplos dessa influência política de algumas personalidades da Igreja:
D. Baltasar Limpo, arcebispo de Braga, na regência de D. Catarina (1557-
62); Jerónimo Osório no reinado de D. Sebastião; António Vieira nos
primeiros anos de D. João IV; Pedro Fernandes, jesuíta, no reinado de D.
Pedro II (1683-1706); O jesuíta italiano Corbone, Frei Gaspar da
Encarnação e o cardeal Pedro da Mota e Silva no reinado de D. João V
(1706-1750); O oratoriano António Pereira de Figueiredo no período
pombalino. Durante a regência de D. Catarina vários prelados deram
opinião a pedido da regente sobre a governação do país. D. Baltasar
Limpo, arcebispo de Braga, em 1557, pronuncia-se sobre a educação de
D. Sebastião, sobre a necessidade de maior celeridade na justiça, alerta
para a necessidade de refrear as despesas e da coroa não tomar dinheiro
a juros.
o A influência política do clero também se manifestava nas Cortes. Por
exemplo, uns Apontamentos do Estado Eclesiástico que aprofundavam as
propostas do clero nas Cortes de 1562 contemplam abundantes áreas de
intervenção governativa: a educação do rei menor (D. Sebastião); as
qualidades do seu aio e da gente da sua casa, da guarda militar do rei, do
governo do reino; a administração da justiça e da vida económica; a
divisão administrativa em comarcas; a revisão de alguns contratos de
exploração comercial da Índia…

1.3. O peso dos interesses individuais e de grupos


As relações entre a Igreja e o Estado não podem ser corretamente perspetivadas
apenas a partir do prisma institucional, mas também ao nível do peso que os interesses
individuais ou de grupos se refletiam nas mesmas relações:
- A observância dos comportamentos dos indivíduos ou dos grupos que
desempenharam funções na Igreja e no Estado sobretudo até à dominação
filipina, mas ainda notórias até ao reinado de D. Pedro II (1683-1706), mostra
que mais do que relações entre duas entidades abstratas e lideradas por uma
cabeça e um projeto, encontramos sobretudo disputas e trocas entre
indivíduos, grupos, famílias, linhagens, clientelas que disputam entre si
recursos, lugares e títulos. Assim é importante situar as negociações e os
conflitos a um nível privado/individual, e não tanto como manifestações da
sobreposição dos interesses do Estado sobre a Igreja ou vice-versa.
- As relações entre a Coroa portuguesa e a Santa Sé, através da sua embaixada
em Roma refletem o peso dos interesses individuais e familiares nas relações
entre o poder civil e eclesiástico.
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o Assim o manifestam, por exemplo, as instruções de D. João III (1521-


1557) ao novo embaixador João de Faria, onde os interesses pessoais
das clientelas da Coroa e do próprio rei ocupam lugar de destaque.
Nessas instruções se resume a política religiosa de D. João III: alcançar
para o rei o governo e a administração da Ordem de Cristo, tal como
fora concedida ao seu pai, assim como a apresentação de todos os
mosteiros do reino; conseguir para o cardeal D. Afonso, seu irmão, o
arcebispado de Lisboa e o bispado de Évora, para o outro irmão D.
Henrique a diocese de Viseu e Santa Cruz de Coimbra, e para o infante
D. Duarte a abadia de São João de Tarouca e uma pensão de 3000
cruzados imposta ao bispado de Évora; renovar para o novo rei todas as
graças concedida ao seu pai. As respostas que foram chegando de Roma
iam na mesma linha.
o Preocupações do mesmo teor, relativamente a rendimentos de
benefícios eclesiásticos, concedidos pelos papas a membros da família
real ainda se podem encontrar no início do séc. XVIII, no reinado de D.
Pedro II.
o A política eclesiástica desenvolvida pela embaixada não se centrava,
porém, exclusivamente nos interesses pessoais dos membros da família
real, mas também nos de outras famílias e grupos particulares e até nos
dos próprios embaixadores. Um memorial do secretário da embaixada
em Roma de 1562 testemunha-nos uma numerosa lista de casos
particulares relativos a dispensas pias, a apelações privadas para a Santa
Sé, à concessão de benefícios.
- Nota-se, contudo, que a partir de finais do século XVII, nomeadamente nos
tempos do embaixador Luís de Sousa, que os constantes pedidos de benefícios
que o rei fazia ao papa para os seus protegidos podiam ser contraproducentes.
A diplomacia começava a ser entendida num sentido mais orgânico, ligado aos
interesses do Estado e não tanto aos de particulares. A satisfação destes era
vista por Luís de Sousa como uma satisfação menor que autorizava a colocação
de dificuldades à concessão dos de maior monta.

2. Desenvolvimento faseado das relações Igreja/Estado


As relações entre a Igreja e a coroa portuguesa entre o século XVI e o século XIX
permitem a individuação de cinco fases diferenciadas, que passamos a apresentar.

2.1. Durante os últimos monarcas da dinastia de Avis


No período dos reinados de D. Manuel (1495-1521) até ao início da dominação
filipina, Portugal gozou de grande prestígio em Roma. Pode ser explicado pela conjuntura
internacional (motivos exógenos) e também por aquilo que então marcava a vida do
Estado português (motivos endógenos):
- Relativamente à conjuntura internacional:
o O avanço turco.
o As disputas entre a Santa Sé e a França e o Império, ao tempo de
Francisco I e Carlos V.
o A reforma protestante.
5

o A situação decadente do papado e da cúria romana antes de Trento.


o O desenvolvimento do Concílio.
- Aspetos diretamente relativos a Portugal:
o A conquista e descoberta de territórios em África, no Oriente e no Brasil
e as missões aí desenvolvidas dentro do enquadramento do padroado
régio.
o O prestígio de alguns representantes diplomáticos portugueses em
Roma, como Miguel da Silva e na conjuntura do saque de Roma,
Martinho de Portugal, que viria a ser arcebispo do Funchal.
o As campanhas portuguesas de promoção do rei e de apoio ao papa, em
que sobressai a célebre embaixada de Tristão da Cunha que, em 1514,
fez desfilar perante Leão X, animais exóticos provindos dos territórios
descobertos, ante a admiração da multidão e do papa.
Esta conjuntura criou um clima muito positivo nas relações com a Santa Sé,
materializada em diversos favores e em louvores e agradecimentos mútuos e na
creditação de embaixadores permanentes. Redundou também em vantagens para os
monarcas e para a sua clientela, a quem favoreciam com rendas e lugares da Igreja. Com
esta política religiosa aumentaram a própria autonomia relativamente à Santa Sé.
Esta linha iniciada com D. Manuel, foi particularmente importante durante o
reinado de D. João III (1521-1557) e abrandou durante a menoridade de D. Sebastião e do
cardeal D. Henrique (1578-1580).
Salientam-se essencialmente três eixos de atuação:
- Obtenção do apoio papal para a política de expansão ultramarina através do
usufruto de rendas da Igreja:
o Os papas concederam várias bulas relativas à conquista africana e à
expansão ultramarina concedendo indulgências a todos os que
participassem em campanhas militares naquelas paragens ou se
dispusessem a deslocar-se para os novos territórios.
o O auge desta política foi alcançado com a criação da Bula da Cruzada
que, durante séculos, fez reverter uma parte importante das rendas da
Igreja para o tesouro do monarca. Em 1514 pela bula Providum
Universalis de Leão X, esta graça, já com raízes anteriores, foi
confirmada e estendida a todos os sucessores de D. Manuel. As fontes
dos proventos foram alargadas no tempo de D. João III e em 1523, pelo
breve Nuper Dilectum Adriano VI consentiu que o rei gastasse parte das
rendas dos arcebispados de Lisboa e Évora e dos priorados de Santa Cruz
de Coimbra e de Lafões para subsidiar armas contra os infiéis de África.
A própria campanha de Alcácer Quibir, que vitimaria D. Sebastião,
contou com importante contributo do clero, para gáudio papal.
- Prossecução duma política de colocação de membros da família real em alguns
lugares mais importantes e rentáveis da Igreja, de modo a controlar o clero
nacional e defender os interesses da Coroa em Roma:
o Em 1516, o infante D. Afonso foi nomeado para a diocese da Guarda e
em 1520 de Viseu. O rei D. Manuel, porém, desejava mais e, estando
ocupadas as mais importantes dioceses de Portugal chegou a escrever
ao embaixador em Roma, no sentido de conseguir para ele o
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arcebispado de Toledo. Já no tempo de D. João III, foi nomeado para as


arquidioceses de Évora (1523) e Lisboa (1523), enquanto D. Henrique foi
nomeado para Braga (1533) e Évora (1540). Em 1545, D. Henrique foi
nomeado cardeal. O corolário desta política deu-se com o facto de no
reinado de João III e na regência de D. Catarina ( 1557-1562), a Coroa ter
pensado na ascensão do cardeal D. Henrique ao papado.
- Obtenção do direito de provimento de benefícios eclesiásticos para melhor
dominar o clero nacional e favorecer os seus protegidos.
o O padroado nos territórios ultramarinos. Em 1514, Leão X concedeu a D.
Manuel o provimento de todos os benefícios dos territórios
ultramarinos descobertos nos dois anos anteriores ou a descobrir.
o O controlo régio sobre as ordens militares de Cristo, Avis e Santiago. Em
1484, D. Manuel foi feito mestre da Ordem de Cristo, e em 1516
conseguiu para si o padroado das igrejas das três ordens. D. João III
herdou de seu pai o título de mestre da ordem de Cristo em 1523 e foi
feito mestre das ordens de Avis e Santiago em 1550. No ano seguinte é
confiada aos reis de Portugal administração perpétua do mestrado das
três ordens.
No que diz respeito às relações da Coroa com a Igreja em Portugal, assiste-se a
uma aliança entre o rei e certos setores do clero para cooperarem na resistência à reação
romana, às políticas tendentes a limitar a interferência romana nos negócios do reino. As
consequências desta clericalização dos governos foram várias:
- Oposição do rei e dos eclesiásticos nacionais à atuação dos representantes
pontifícios em Portugal.
- Aliciamento dos eclesiásticos nacionais através de cargos importantes de modo
a limitar as fações dos poderosos que se opusessem a um maior controlo da
Coroa sobre a Igreja.
Esse controlo da Coroa sobre a Igreja tornava-se visível:
- No aumento das competências do capelão-mor sobre o clero: jurisdição civil e
criminal sobre os eclesiásticos ao serviço do rei (1514); Retirada da Capela Real
da jurisdição do arcebispo de Lisboa para a entregar ao capelão-mor (1515);
repressão dos clérigos apanhados a caçar em coutadas régias (1519); repressão
dos clérigos que atentassem contra o monopólio régio do comércio com a Índia
e a Etiópia; exame prévio das sentenças de excomunhão dos prelados (1551)…
- Nas medidas de desamortização da propriedade eclesiástica: Impedimento às
ordens religiosas de comprarem ou receberem bens de raiz, como pagamento
de dívidas, sem consentimento da Coroa; vigilância sobre os legados pios.
- No controlo das ordens militares, das quais os reis se tornam progressivamente
senhores absolutos.
- No aumento das comendas, benefício com renda anexa, forma privilegiada para
o rei gerir clientelas.
- Nas reformas das ordens religiosas, motivadas por preocupações religiosas ante
a degradação da vida monástica: D. Manuel obtém apoio de Roma (1501) para
uma reforma das ordens religiosas e tomou várias medidas, se bem que pouco
brilhantes nos resultados; D. João III, ajudado pelos seus irmãos, efetuou
reformas de relevo nos mosteiros e conventos cistercienses, agostinhos,
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franciscanos, carmelitas e dominicanos; a regente D. Catarina apoiou


significativamente a Companhia de Jesus, tendo em vista o retorno que tal
apoio podia ter no exercício do poder do rei.
- Na reestruturação diocesana: criação de novas arquidioceses (Évora), dioceses
(Leiria, Miranda, Elvas e Portalegre).
- Na criação da Mesa de Consciência, nova instância ligada à administração dos
negócios eclesiásticos, criada em 1532, que assumia simultaneamente o caráter
de conselho e tribunal, com competências cada vez mais alargadas: vigilância
das instituições religiosas, assistenciais e culturais (mosteiros, hospitais,
albergarias, capelas, universidade); vigilância do cumprimento dos testamentos
de religiosos e leigos; administração temporal e espiritual das ordens militares;
questões diversas da Igreja no reino e no ultramar, no sentido da preservação
da coesão em torno do mesmo credo e disciplina; estudo teórico das
Ordenações e dos textos emanados de Roma relativos a casos de consciência e
à definição de mútuas competências.
- Criação do tribunal da Inquisição à maneira do instituído em Espanha pelos reis
católicos, sob controlo da Coroa, como meio de combate às heresias e de
controlo social.
Entre a Coroa e a Igreja não houve grandes tensões, mas apenas
desentendimentos pontuais motivados pela avidez do monarca relativamente às rendas
dos bispados.
Em suma, a clericalização do governo não resultou da pressão do clero, em razão
do aumento do seu poder económico, político ou cultural, mas de uma estratégia que
visava permitir à monarquia o aumento dos seus benefícios e competências na esfera
eclesiástica. Estas medidas não se subordinavam a uma estratégia ideológica de tipo
regalista visando a obtenção de maiores poderes para a Coroa e a redução dos poderes
da Igreja, mas eram pensadas como meio imediato de obtenção de interesses pontuais
relacionados com os recursos da Igreja por parte do rei e das suas clientelas.

2.2. Durante a dominação filipina


Com a dominação filipina instaurou-se um novo período na vida política nacional
com repercussões nas relações Igreja/Estado. Podem distinguir-se neste período duas
fases:
- Uma fase de consensos: O reinado de Filipe I (1581-1598) coincide com a busca
em Roma e junto da Igreja portuguesa de apoios para a causa do monarca,
renunciando este a quaisquer medidas que criem animosidade no clero. Nesta
linha se enquadra a inclusão do arcebispo de Lisboa, Miguel de Castro, como
um dos cinco governadores do reino em 1593 ou a chamada do bispo de
Portalegre, André de Noronha, para a diocese espanhola de Placência em 1581.
- Uma fase de tensões: Com a subida ao trono de Filipe II (1598-1621) inicia-se
uma segunda fase que se pautou por um conjunto de medidas antirromanas e
de ataque aos privilégios da Igreja, dando origem a relações tensas com a Santa
Sé e com o clero nacional. Nesta fase, o poder secular foi reforçado, vindo o
regalismo a atingir o seu auge no reinado de Filipe III (1621-1640), coadjuvado
pelo duque de Olivares.
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o O monarca procurou que as concessões romanas a particulares


obtivessem previamente o seu consentimento.
o Foram criadas muitas dificuldades aos representantes da Santa Sé em
Portugal: era-lhes proibida a ingerência no governo das ordens religiosas;
impunha-se-lhes o levantamento de interditos e censuras; impedia-se-
lhes a visita às dioceses.
o A ofensiva filipina procurou também limitar o poder da Igreja portuguesa,
cerceando-lhe a posse de bens, restringindo-lhe a liberdade de jurisdição
eclesiástica e impondo tributos fiscais ao clero.
O período de dominação filipina caracteriza-se pelo progressivo enfraquecimento
das posições portuguesas em Roma, devido à dominação castelhana que subalternizava
os interesses específicos de Portugal, e ao próprio comportamento da Santa Sé, que neste
período assumia maior protagonismo e tendia para um mais acentuado centralismo.
Aspetos em que este enfraquecimento se notou:
- Diminuição da intensidade das relações diplomáticas entre Portugal e Roma,
devido à ausência de embaixadores autónomos de Portugal em Roma e de
núncios permanentes em Portugal (em Lisboa houve apenas coletores
apostólicos).
- Enfraquecimento do padroado português no Oriente. Em 1608, Paulo V na bula
Apostolicae Sedis, autorizou os mendicantes a irem para Oriente, sem ser por
via dos portos e navios portugueses. Em 1633, o papado permitiu que outras
ordens religiosas missionassem em territórios portugueses. Após a criação da
Congregação De Propaganda Fide em 1622 para a tutela das missões e apesar
do respeito inicial pelos antigos direitos portugueses, as tensões com o
padroado foram-se agudizando.
As alterações registadas e o clima que entretanto se criou, davam a D. João IV,
após a restauração, uma herança pesada. As relações entre Portugal e a Santa Sé eram
agora bastante mais tensas do que as que se verificaram antes da dominação filipina.

2.3. Após a restauração da independência


Entre a restauração da independência em 1640 e 1670, ano em que já com o papa
Clemente X (1670-1676) e na regência (a partir de 1667) de D. Pedro II (1683-1706) volta
a haver entre os dois estados representantes diplomáticos, temos um novo tempo nas
relações entre a Igreja e o Estado português.
As relações entre Portugal e Roma foram nesta fase muito conturbadas,
dominadas por duas grandes questões:
- O reconhecimento papal da legitimidade de D. João IV ao trono português.
- O provimento dos bispados e dos outros benefícios eclesiásticos.
As soluções para estes dois problemas:
- Envio de representantes à Santa Sé, quer da parte do monarca, quer da parte
do estado eclesiástico:
o A primeira legação, em 1641, a mando do rei, foi liderada pelo bispo de
Lamego Miguel de Portugal e não obteve sucesso devido à ação dos
diplomatas espanhóis em Roma, que inclusivamente promoveram ações
violentas contra o enviado português.
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o No início de 1644, o clero português mandou a Roma Nicolau Monteiro,


prior de Cedofeita, no sentido de mostrar os danos que a situação
estava a causar em Portugal, devido à numerosas vacâncias. Também
não obteve qualquer sucesso.
o Em 1648, repetiram-se os insucessos, quando o rei enviou Manuel
Álvares Castilho.
o Após a morte de Inocêncio X (1644-1655), foi enviado o experiente
diplomata Francisco de Sousa Coutinho. Foi recebido em dezembro de
1655 por Alexandre VII (1655-1667) e apesar da boa impressão obtida,
nada mais conseguiu de positivo.
- A criação dum cardeal protetor que se empenhasse na cúria na defesa dos
interesses portugueses. Depois de outras tentativas, D. João IV nomeou em
1652, o cardeal Virgílio Ursini como protetor do reino.
- Várias soluções de compromisso sem consenso para o provimento das sedes
vacantes:
o Uma congregação de cardeais, em 1643, foi de opinião que o
provimento fosse feito sem referência à pessoa do monarca, no sentido
de que a Santa Sé não se comprometesse com a legitimação portuguesa.
Ao mesmo tempo aconselhava que a escolha não recaísse sobre
ninguém que fosse partidário de D. João IV.
o Em 1644, o rei deu mostras de aceitar que as bulas de nomeação não
mencionassem que os bispos tinham sido apresentados por si, desde
que ficasse arquivada a certidão do rei que os nomeava e se obtivesse
uma declaração de que as nomeações foram arquivadas. Procurava um
reconhecimento tácito da Santa Sé.
o Em 1645, o papa chegou a prover em consistório os bispados de Viseu,
Miranda e Guarda, com bispo nomeados por D. João IV, mas sob a
cláusula motu proprio e sem falar no rei; solução considerada inaceitável
pela Coroa.
Em todo este processo a Santa Sé estava numa situação profundamente difícil. Por
um lado, não podia assistir à degradação da situação eclesial portuguesa e permitir o risco
dum cisma. Por outro, no contexto dos conflitos político-religiosos europeus e da guerra
dos 30 anos, não podia prescindir do apoio da Espanha. É notório nesta fase difícil o jogo
algo contraditório de forças em questão:
- Externamente:
o A Espanha opunha-se ao reconhecimento do monarca português e tudo
fazia para o impedir.
o A França, por um lado, estava interessada que a situação política
portuguesa se resolvesse de modo favorável a D. João IV, mas, por
outro, tinha consciência que a continuação dos conflitos a favorecia
perante a Espanha. Ao mesmo tempo, dados os seus interesses no
Oriente, convinha-lhe alguma fragilidade portuguesa.
- Internamente:
o O monarca tinha interesse na sua legitimação pela Santa Sé, mas ao
mesmo tempo a vacância das dioceses trazia-lhe alguns proventos
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económicos naquela difícil conjuntura económica, causada pelas


campanhas defensivas contra os castelhanos.
o Havia também outros indivíduos e grupos que em Portugal tinham
interesse na dilação do provimento, procurando assim ser providos em
Roma nalguns benefícios vagos, e garantindo uma ação livre em função
dos interesses pessoais, sem qualquer controlo dos bispos.
Enquanto Roma foi apostando no adiamento duma solução definitiva, em Portugal
a situação ia-se agravando, não contando o país a partir de 1659 com qualquer bispo
titular.
Após a morte de D. João IV (1656), a procura de soluções ficou praticamente
paralisada. Posteriormente na regência de D. Afonso VI (1656-67) houve apenas a ida de
Francisco Manuel de Melo em 1663, também sem efeitos práticos. Só após a consumação
da paz com Castela em 1668, já no reinado de D. Pedro II (1667-1683), se criaram
condições para o reconhecimento pontifício do monarca português e para o provimento
das dioceses.

2.4. Do reconhecimento pontifício do rei à expulsão da Companhia de Jesus


A assinatura da paz com Castela em Madrid em fevereiro de 1668 abriu caminho
para o restabelecimento das relações entre Portugal e a Santa Sé:
- Logo nesse ano começaram os contactos para a anulação do casamento de D.
Afonso VI (1656-67).
- No ano seguinte, o papa Clemente IX (1667-1669) aceitou um embaixador
português – foi nomeado o conde do Prado, Francisco de Sousa – e reconheceu
a independência de Portugal.
- Após a eleição de Clemente X (1670-1676), foi reconhecido o embaixador,
escolhido um núncio (Francisco Ravizza) e começou a fazer-se o provimento das
dioceses: os bispados antigos foram providos com a cláusula ad suplicationem
do rei, usual antes da governação filipina; os novos com a fórmula (Leiria,
Miranda, Elvas e Portalegre) ad nominationem seu presentationem, se bem que
a Coroa se esforçasse por estender esta designação a todos os bispados; a
forma definitiva só se ajustou em 1740, passando todos a ser providos com a
fórmula ad presentationem.
Teve assim início um novo ciclo, que se prolongou até à expulsão da Companhia
de Jesus em 1759 e ao corte de relações entre Portugal e a Santa Sé no ano seguinte.
Nesta fase há duas linhas principais:
- Um esforço de reconquista e requalificação, no cenário romano, da imagem
positiva e influente de que Portugal gozara no passado, usando a relação com
Roma e com a Igreja em Portugal para a promoção do poder régio. Várias vias
de atuação:
o Engrandecimento das cerimónias de entrada em Roma dos
embaixadores portugueses.
o A promoção ao cardinalato de portugueses e dos núncios que tivessem
exercido funções em Lisboa. Em 1671, Clemente X concedeu à Coroa
portuguesa o direito de nomear um cardeal (cardeal nacional), honra
que só a Espanha, a França e o Império possuíam. Em 1731 foi
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concedido o cardinalato a todos os núncios que tivessem exercido


funções em Lisboa.
o As ajudas estratégicas dadas a Roma sustentadas pelo ouro do Brasil.
o A promoção da Capela Real a basílica patriarcal. Tal desejo foi
conseguido em 1716, depois das ajudas portuguesas à luta contra os
turcos que ameaçavam Veneza.
o A obtenção de várias distinções: a concessão ao infante D. Pedro,
primogénito de D. João V, dumas faixas benzidas pelo papa (1714);
canonização da rainha Santa Isabel (1742); o título de rei fidelíssimo
atribuído pelo papa a D. João V (1748).
- Uma intensificação de medidas afirmativas da soberania portuguesa face ao
poder pontifício, que se materializou em ações reguladoras e cerceadoras do
exercício dos ministros romanos em Portugal, assim como face à Igreja em
Portugal. Vias de atuação:
o O restabelecimento do beneplácito régio. O beneplácito régio tinha sido
abolido por D. João II em 1487. A ideia de o reintroduzir remonta logo a
1669. Em 5 de julho de 1728, em momento de conflito com a cúria, o rei
promulgou um decreto nesse sentido. O beneplácito foi usado
temporariamente nesta fase de hostilidade, mas era revelador da dita
política afirmativa.
o A limitação dos poderes dos núncios. Por resoluções de 1672 e 1676 foi
confirmado o recurso do juízo do Tribunal da Nunciatura para a Coroa,
ficando o Tribunal do Desembargo do Paço como última instância,
mesmo nas causas eclesiásticas. D. João V, por seu lado, pretendeu
observar antecipadamente os nomes dos possíveis núncios, de modo a
excluir os nomes que entendesse e mandou analisar os breves do núncio
Bichi em 1710 pelo Desembargo do Paço.
o Interferência da Coroa numa série de questões: obtenção de rendas
(manutenção da contribuição dos eclesiásticos para o sustento do reino;
criação do subsídio do clero para o socorro da Índia; limitação dos valor
que os canonicatos de algumas dioceses deviam pagar a Roma), reforma
dos religiosos, reorganização da geografia eclesiástica no continente e
no ultramar.
Nesta fase os interesses individuais dão lugar a uma postura mais institucional nas
relações diplomáticas. Estas duas linhas concretizaram-se habitualmente na proximidade
e bom entendimento entre a Coroa portuguesa e a Santa Sé, interrompidos por algumas
tensões:
- A suspensão da atuação da Inquisição pelo breve Cum Dilecti de 1674, após as
influências movidas em Roma por alguns cristãos-novos e por outros
portugueses ilustres como o P. António Vieira, gerou um conjunto de tensões
que fizeram mesmo perigar as relações diplomáticas em meados de 1679.
Enquanto em Portugal havia um consenso relativamente à ação do tribunal, em
Roma notavam-se duas tendências: uma maior tolerância relativamente às
correntes menos ortodoxas; uma intensificação da autoridade pontifícia que
passava pela subordinação da inquisição à respetiva congregação romana. A
12

bula Romano Pontifex de 1681 resolveu a pendência segundo as pretensões da


Coroa portuguesa.
- A tutela romana das missões e o padroado português também foram ocasião
de conflitos. Uma das tarefas diplomáticas do embaixador após a restauração
das relações foi a de impedir a criação de vicariatos apostólicos no Oriente.
Apesar das dificuldades ainda se erigiram as dioceses de Nanquim e Pequim em
1690. Os problemas intensificaram-se no reinado de D. João V, levando o
monarca a enviar a Roma como embaixador extraordinário Rodrigo Anes de Sá
Almeida e Meneses em 1712, após o abuso da jurisdição do padroado em
Macau.
- As dificuldades criadas à promoção ao cardinalato dos núncios em Lisboa
ocasionaram o conflito mais grave. Quando Vicente Bichi (1709-1721) terminou
funções em Lisboa, D, João V quis ver consumada a pretensão. Bichi, porém,
nem sempre obedecera a Roma durante a sua estadia em Portugal e havia
contra si muitas queixas sobretudo das ordens religiosas. Quando em 1721, foi
enviado o novo núncio José Firrao, o rei recusou-se a reconhecê-lo enquanto o
anterior não fosse feito cardeal. No meio do conflito ficaram ambos em Lisboa,
até que em 1728, D. João V ordenou a expulsão de Firrao e o regresso do seu
representante em Roma. A quebra de relações durou três anos. Já no
pontificado de Clemente XII (1730-1740) foram reatadas as relações, na
sequência da nomeação cardinalícia de Bichi e dum decreto régio de 1731 que
suspendeu as proibições de 1728. Em 1732, chegou a Lisboa o novo núncio
Caetano Orsini Cavalieri.
Ao nível do país as relações entre o estado e a Igreja decorreram num clima de
calma e de cooperação, situação a que não é certamente alheio o facto de competir ao rei
a escolha dos eclesiásticos que ocupavam os principais lugares da Igreja.

2.5. Da reforma pombalina ao liberalismo


O projeto político de Sebastião de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal, na
relação com o poder eclesiástico, começou a afirmar-se na luta que conduziu à expulsão
dos jesuítas em 1759. Na linha do que se designa por despotismo esclarecido pretendia-
se a criação de um Estado secular, apesar de católico, inequivocamente soberano face ao
poder pontifício, com a Igreja e o clero subordinados à Coroa e sem interferências no
governo temporal do rei. Pretendia-se assim pôr fim às imunidades e privilégios dos
eclesiásticos, que os colocavam fora da jurisdição do Estado. Esta luta já vinha de trás,
mas adquire nova intensidade no tempo de Pombal e solidifica-se nos sucessivos reinados
de D. Maria e D. João VI.
Os confrontos estratégicos empreendidos por Pombal, pondo em causa o poder
romano:
- Os problemas colocados à entrada do núncio Filipe Acciaiuoli, em 1754,
fazendo-o passar por um apertado controlo alfandegário, a pretexto de
suspeitas de contrabando. O episódio funcionou como teste ao poder do
papado.
- A perseguição jesuítica, que culminou com a expulsão da Companhia de Jesus
em 1759.
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o A condicionar a ação estiveram vários fatores:


 O poder cultural, económico e político da Companhia de Jesus
em Portugal.
 As dificuldades colocadas pelos jesuítas à consumação do tratado
de Madrid de 1750, segundo o qual Portugal cedia à Espanha a
colónia de Sacramento, no Brasil, em troca de extensos
territórios do Uruguai, onde havia abundantes reduções jesuítas.
 A oposição dos jesuítas ao desenvolvimento da Companhia do
Grão-Pará e Maranhão, criada por Pombal no Norte do Brasil
(1755), por limitar a ação da Companhia de Jesus em favor dos
locais.
 Uma eventual antipatia de Pombal pelos jesuítas, talvez
acentuada a partir do momento em que o P. Gabriel Malagrida
interpretou o terramoto de Lisboa de 1755 de modo
providencialista como um castigo divino e reclamou o
apaziguamento da ira divina pela mudança dos costumes.
o Pombal urdiu progressivamente uma campanha contra a Companhia de
Jesus, que levou à sua expulsão do reino em setembro de 1759, depois
da prisão do provincial, do arresto patrimonial e da proibição de ensino
nos domínios portugueses decretados meses antes. Elementos da
campanha:
 Associou os jesuítas aos tumultos ocorridos no Porto contra a
Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro (1757).
 Obteve de Roma a nomeação do cardeal Saldanha, homem da
sua confiança, como visitador dos jesuítas em Portugal.
 Expulsou os jesuítas do Paço Real (1757), onde tinham funções
de confessores e precetores.
 Coligou os jesuítas à tentativa de regicídio de D. José I (1758)
- A realização do casamento de D. Maria em 1760 sem que o núncio fosse
convidado, contrariamente a todas as outras representações diplomáticas com
sede em Lisboa. Sentindo-se desconsiderado, Acciaiuoli decidiu não iluminar a
Nunciatura, como era habitual nestas ocasiões. Este facto serviu de pretexto à
rutura e alguns dias depois o núncio foi intimado a abandonar o país, sendo
também mandado regressar o representante diplomático de Portugal em
Roma.
Após a rutura, Pombal ficou livre para a afirmação do poder do Estado sobre a
Igreja em Portugal:
- Algumas iniciativas particulares contra eclesiásticos:
o José de Bragança foi destituído de inquisidor-mor (1761) na sequência
da sua oposição à edição do De Potestate Regia de João Inácio Ferreira
Souto, uma obra de pendor regalista.
o Dois oratorianos que se opuseram à circulação da obra na qualidade de
censores inquisitoriais foram desterrados e a congregação do Oratório
esteve em riscos de ser também expulsa.
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o D. Miguel da Anunciação foi preso na sequência da publicação duma


pastoral, em 1768, sem beneplácito régio, onde condenava várias obras
regalistas, entre as quais a de Febrónio.
- A reforma pombalina em matéria eclesiástica:
o A reforma de Pombal no âmbito eclesiástico não consistiu num conjunto
de medidas avulsas, mas tinha uma fundamentação teórico-doutrinal
regalista e foi dominada por uma lógica institucional. As linhas mestras
estavam alicerçadas nalgumas obras então publicadas:
 A Doctrina Veteris Ecclesiae (1765) de António Pereira de
Figueiredo: Defendia a cobrança de impostos ao clero, o recurso
dos seus membros à justiça secular e a submissão da hierarquia
eclesiástica ao rei, acima do qual apenas o poder de Deus é
reconhecido.
 A Dedução Cronológica e Analítica (1768) de José de Seabra da
Silva [?].
 A Demonstração Teológica (1769) de António Pereira de
Figueiredo: apresentava argumentos teológicos favoráveis à
consagração dos bispos sem recurso à Santa Sé, porque os bispos
têm plenitudo potestatis dentro da sua diocese.
 De Sacerdotio et Imperio (1770) de António Ribeiro dos Santos.
 A tradução do Do Estado da Igreja e do Poder do Romano
Pontífice de Febrónio, feita por Miguel Tibério Brandão Ivo
(1770).
o As medidas legislativas tomadas:
 Fim da isenção do pagamento da décima ao Estado por parte do
clero (1762).
 Encaminhamento para a Coroa da quase totalidade dos
rendimentos da Bula da Cruzada (1763).
 Exclusiva jurisdição do rei quanto à excomunhão dos membros
dos seus tribunais e ministros (1764).
 Proibição aos núncios de lançarem censuras em Portugal e
submissão das sentenças da nunciatura e dos prelados ao apoio
do braço secular (1765).
 Restabelecimento do beneplácito régio para toda a
documentação pontifícia (1765) e sujeição ao mesmo
beneplácito de todas as pastorais episcopais (1768).
 Limitação aos direitos de propriedade das instituições
eclesiásticas (1768).
 Fim da isenção dos eclesiásticos em matérias de natureza
temporal (privilégio de foro) (1769).
 Circunscrição do direito canónico exclusivamente aos tribunais
eclesiásticos, enquanto nos civis só vigorava o direito civil (1769).
 Circunscrição do montante dos legados pios a um terço da quinta
parte dos bens do doador, com algumas exceções para as
Misericórdias e hospitais (1769).
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o Outras medidas:
 Exame prévio das cartas dos prelados para Roma.
 Tentativa de redução do número de eclesiásticos seculares e
regulares.
 Emissão de dispensas matrimoniais pelo patriarca de Lisboa e
pelo arcebispo de Évora em casos reservados ao papa.
 Incentivo a que os clérigos descontentes com as decisões dos
tribunais eclesiásticos recorressem à justiça do rei (direito de
apelo).
 Instituição da Real Mesa Censória (1768) subtraindo da esfera
religiosa a censura de livros.
 Reorganização da Inquisição, submetida a maior controlo estatal.
 Criação dum sistema de ensino estatal que fugisse ao controlo
eclesiástico.
A reaproximação entre a Coroa portuguesa e a Santa Sé só se deu no pontificado
de Clemente XIV (1769-1774). Em 1770 foi nomeado um núncio para Lisboa (Inocêncio
Conti) e foi promulgado um decreto régio que reatava as relações diplomáticas. Tinha
assim início uma nova fase de relacionamento na governação pombalina, caracterizada
por vários elementos:
- Uma atitude favorável de Roma relativamente a Portugal:
o Supressão da Companhia de Jesus pelo breve Dominus ac Redemptor de
1773.
o Concessão ao rei D. José da Rosa de Ouro (1770).
o Cartas papais congratulatórias com a ação pombalina.
o Manifestações de desagravo, como a que realizou o núncio Conti (1770)
para compensar o comportamento do seu antecessor relativamente ao
casamento de D. Maria.
- Afirmação da soberania da Coroa. De todas as medidas anteriormente tomadas
por Pombal apenas as dispensas matrimoniais reservadas ao papa regressaram
à concessão pontifícia.
- Limitação dos poderes dos núncios, a quem estavam vedadas as visitas às
catedrais, a intromissão no funcionamento dos cabidos, o julgamento de causas
em primeira instância, a interferência na administração económica dos
mosteiros sem o consentimento régio.
Após a morte de D. José (1750-1777) e a queda de Pombal deu-se a viradeira, um
processo de reação que se expressou nalgumas medidas pontuais e emblemáticas de
reabilitação de figuras e doutrinas que tinham sido objeto da ação pombalina:
- Foram afastados temporária ou definitivamente várias figuras próximas de
Pombal, como Frei Manuel do Cenáculo (Bispo de Beja), Francisco de Almeida e
Mendonça (primo de Pombal e embaixador em Roma) e a maioria dos seus
ministros e secretários de Estado.
- Foram recompensados muitos dos perseguidos, como é visível na promoção de
certos lazaristas e oratorianos e no envio duma avultada quantia pela rainha
para Roma para socorro dos jesuítas expulsos.
- Foram celebradas algumas concordatas com Roma no início do reinado de D.
Maria, que significavam alguma recuperação do poder eclesiástico em Portugal,
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nomeadamente quando ao provimento dos benefícios (para todos os


benefícios era exigida pela concordata de 1778 a confirmação régia).
A mudança não foi, todavia, tão profunda como se podia pensar:
- Algumas figuras da administração pombalina mantiveram-se e vieram mesmo a
ser promovidas – Francisco de Melo e Castro, Francisco de Lemos (reformador
da Universidade de Coimbra) – e o sobretudo o sistema administrativo de
Pombal não foi alterado.
- As instituições mais diretamente ligadas à Igreja permaneceram com o pessoal
leal a Pombal: Inquisição, Mesa de Consciência e Ordens, instâncias judiciais
para onde o clero podia apelar…
- O poder jurisdicional dos núncios manteve-se limitado. Deram-se recursos para
a Coroa das suas decisões e censuras.
- A Universidade de Coimbra, devido às reformas de Pombal nos cursos de
Teologia e Direito, continuou a ensinar as doutrinas pombalinas, formando no
regalismo aqueles que depois exerciam o poder político e eclesiástico.
Com a chegada de D. João VI (1816-1826) ao poder foi reforçado o sistema
pombalino, atenuando as tendências ultramontanas do tempo da mãe. Tudo se
encaminhava para um maior controlo da Coroa sobre os negócios eclesiásticos e para a
limitação do influxo da Cúria na questões da Igreja em Portugal, preparando o
anticlericalismo que o liberalismo vintista viu nascer.

***

Das linhas interpretativas e do desenvolvimento faseado das relações


Igreja/Estado apresentados emergem algumas tendências importantes que mencionamos
em jeito de síntese conclusiva:
- O clima de proximidade e cordialidade existente entre a monarquia, o papado e
a Igreja em Portugal não esconde grossas disputas em torno dos rendimentos e
da imunidade da Igreja, assim como da delimitação entre a jurisdição
eclesiástica e secular.
- As tendências para o aumento da centralização do poder régio e alargamento
da soberania do monarca vão diluindo os privilégios de terceiros entre os quais
os da própria Igreja enquanto instituição ou dos elementos que a compõem.
Reconhecem-se três tendências:
o Aumento das competências jurídicas da Coroa e limitação dos privilégios
e isenções da Igreja.
o Afirmação da soberania da Coroa relativamente à capacidade de
interferência da Santa Sé em questões relativas à Igreja e ao clero em
Portugal
o Aumento do usufruto da Coroa relativamente aos bens da Igreja e
decréscimo dos rendimentos e bens desta (novas comendas; pensões
sobre as rendas das mesas episcopais).
- Tendência para abordar a questão dos poderes da Igreja e do Estado numa
lógica cada vez mais institucional e menos personalizada, assente numa
doutrina estruturada e sistematizada relativa aos poderes e competências das
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duas esferas. Neste contexto, nota-se o reforço do poder do Estado sobre a


Igreja e a maior autonomia da Igreja em Portugal face a Roma.

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