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Instituto de Artes da Unicamp
1997
Dedicatória
"Veja Bem! Temos que lembrar que o Paulo Moura gravou bastante
coisa brasileira na linguagem brasileira!!!" (Eduardo Pecci
"Lambari")
"(...) uma vez eu o vi tocando no Bar Avenida(SP) para dançar, e ele fez
uma mistura disso tudo mas de uma forma brasileira e um jeito de
improvisar brasileiro. Eu falei para ele o que nós já havíamos
conversado a muitos anos, e disse que ele estava conseguindo encontrar
algo próprio, uma linguagem brasileira." (Roberto Sion)
"O Paulo Moura eu tenho que admitir, até hoje eu penso em muita coisa
que ele fala, nós convivemos muito, já viajamos muito juntos." (Raul
Mascarenhas)
2
tem pretensão ser um artista, e sim um humano." (Naylor Azevedo
"Proveta")
3
Sumário
Texto .................................................................................. 05
Introdução ......................................................................... 07
A carreira profissional ..................................................... 10
Opção pelo instrumento saxofone ................................... 14
A experiência coletiva ...................................................... 18
4
Texto
5
está associada a uma nova demanda do mercado que, a partir do desenvolvimento da
indústria cultural, passou a valorizar o instrumentista solista como músico
individualizado, e a personalização de um estilo passou a ser a principal referência
comercial para os músicos instrumentistas.
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Introdução
7
disponibilidade de tempo dos sujeitos da pesquisa. Dessa forma, foram entrevistados 7
músicos instrumentistas do eixo Rio-São Paulo, sendo um deles norte-americano que atua
há seis anos no Brasil. A inclusão do saxofonista norte-americano tem como objetivo
obter parâmetros de comparação com os músicos brasileiros. Os saxofonistas
entrevistados foram: Teco Cardoso (SP), Mané Silveira (SP), Naylor Azevedo “Proveta”
(SP), Roberto Sion (SP), Eduardo Pecci “Lambari” (SP), David Richards (USA/SP) e
Raul Mascarenhas (RJ).
Apesar dos entrevistados serem músicos de primeira linha que atuam de forma
expressiva na música brasileira, eles não possuem uma vivência com todos os ritmos e
estilos brasileiros tocados no saxofone. Essa vivência está relacionada à tradição musical
da região de origem dos músicos, onde os ritmos, estilos e manifestações musicais locais
estão presentes na formação do músico instrumentista, a exemplo das bandas de frevo e
das bandas de carnaval de rua do nordeste. Haveria então a necessidade de serem feitas
algumas abordagens sobre o músico instrumentista nordestino para a complementação
deste trabalho, mas por não constar de nenhuma literatura que trata especificamente desse
assunto, achamos por bem concentrar o trabalho no material coletado.
Procurou-se elaborar um roteiro abrangente que suprisse ao máximo todas as
questões básicas da pesquisa. Esse roteiro foi organizado em forma de questionário e
dividido em três etapas:
A 1a. etapa busca informações sobre a origem sócio-cultural dos entrevistados e
têm a finalidade de identificar a formação musical dos sujeitos da pesquisa, buscando
informações sobre as primeiras experiências musicais, as principais influências e a
trajetória até tornarem-se profissionais.
A 2a. etapa compreende os assuntos relacionados à aprendizagem do
instrumento saxofone. O enfoque dado ao caráter técnico de aprendizagem é para
identificar as formas mais comuns de como se aprende e como se estuda o saxofone no
Brasil.
A 3a. e última etapa trata do objetivo central do trabalho que é a identificação de
uma possível linguagem saxofonística brasileira. Foram abordadas questões que
1
A idéia fundamental deste enfoque foi tomado do trabalho de: TRIVINÕS, Augusto Nibaldo Silva
Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais São Paulo: Editora Atlas, 1987 (A pesquisa qualitativa em
educação), sendo essa metodologia a que mais se adequou à pesquisa realizada.
8
relacionavam jazz x música brasileira e as suas principais diferenças, os fatores culturais,
o academicismo e a sistematização da música americana, metodologia e mercado.
Apesar de ainda não podermos contar com uma linguagem saxofonística
brasileira, constatamos que há uma preocupação por parte dos instrumentistas brasileiros
em buscar um estilo que se adeqüe melhor às características da música brasileira,
cumprindo dessa forma com uma nova exigência do mercado.
Acreditamos ter cumprido com o objetivo deste trabalho de maneira clara e
sucinta. A identificação de uma linguagem saxofonística brasileira ainda está por vir, mas
virá através dos trabalhos produzidos pelos músicos instrumentistas que estão buscando
essa prosódia, visando alcançar notoriedade já adquirida pela música brasileira. É para
esse fim que acreditamos estar colaborando com este estudo.
9
A carreira profissional
“(...) O meu irmão tocou profissionalmente mas não seguiu carreira. (...)
A minha mãe foi pianista vencedora de vários concursos na década de 50
mas deixou a carreira profissional depois que casou. (...) a minha casa
sempre teve música, era freqüentada por pianistas e regentes, um ponto
de encontro quando eu morei no Rio.(...) comigo a gestação foi o piano, a
minha mãe passou 9 meses sentada ao piano tocando e eu já nasci com
música passivamente. Estudei piano dos 5 ao 7 anos (...)” (Teco
Cardoso)
“Eu comecei aos 7 anos a estudar violino porque a minha avó foi
violinista.” (Mané Silveira)
“Eu ouvia o meu pai tocando ou estudando, o meu irmão também, já era
um profissional, e eu sempre gostava, sempre me aproximava. (...) o meu
10
pai começou a me passar as primeiras noções de solfejo por volta dos 8
anos de idade (...)” (Eduardo Pecci “Lambari”)
“O meu avô tocava acordeon mas não queria que o meu pai aprendesse
(...) Mas ainda assim ele aprendeu. Quando eu completei 7 anos de idade,
eu entrei na banda de música (...) Eu acho que o meu pai me influenciou
pelo resto da vida.” (Naylor Azevedo “Proveta”)
“Eu ia todo sábado e domingo para a rádio nacional com a minha mãe
participar da orquestra, e lá estavam o Radamés Gnatalli, Leonardo
Bruno, Lírio Panicalli, maestro Chiquinho, maestro Carioca. Com o meu
pai a coisa foi mais para o lado do jazz, foi ele quem me ensinou os
primeiros temas.” (Raul Mascarenhas)
Podemos observar que a iniciação musical para aqueles que vieram de famílias
de músicos (Eduardo Pecci “Lambari”, Naylor Azevedo “Proveta” e Raul Mascarenhas)
ocorre de maneira mais natural, pois a música no ambiente doméstico não serve apenas
como um entretenimento mas é também como forma de ganhar a vida. Assim, as
primeiras noções de música foram dadas ainda dentro de casa pelos próprios pais
músicos ao contrário dos outros que tiveram professores particulares durante a iniciação.
Essa diferença torna-se crucial na determinação da carreira profissional em música, como
veremos a seguir.
A carreira musical torna-se mais evidente aos filhos de músicos, em nenhum
momento parece haver alguma dúvida quanto a isso2, como relata Eduardo Pecci:
“Eu me apaixonei por isso e estudava o tempo todo para que numa hora
eu pudesse ter um lugar como um profissional. Automaticamente isso foi
acontecendo como um percurso, mesmo porque eu fui muito estimulado
em casa (...)
2
Lembramos que essa colocação é resultado das entrevistas feitas para esse trabalho, não serve como regra
geral.
11
Essa determinação quanto à carreira é identificada pelo músico como uma
predestinação, uma tomada de consciência do caminho natural que deve ser seguido, sem
que haja impecílio. Naylor “Proveta”:
“Eu estava muito decidido porque para mim sempre foi uma coisa
natural. Música para mim nunca foi um desafio, eu nunca coloquei a
música como se fosse uma coisa para ser superada, eu sempre procurei
andar ao lado dela”.
O mesmo não ocorre para os filhos de pais não músicos, a decisão em ser
músico profissional é demorada e insegura. A trajetória musical torna-se então paralela à
outras perspectivas profissionais.
12
família dispõe e que devem ser suficientes para a manutenção dos custos relativos à
nova profissão até a consolidação da carreira. Com exceção dos músicos que
vieram de família de músicos, todos os outros entrevistados pertenceram à famílias
que dispunham de recursos financeiros necessários para a sustentação do músico.
“Meu pai fez carreira jurídica, foi promotor público, depois procurador
da justiça além de ter sido professor de direito” (Mané Silveira)
13
Constatamos assim que a origem sócio-cultural dos saxofonistas entrevistados
se enquadra em duas vertentes: se tornaram profissionais por pertencerem à família de
músicos ou tiveram na família o apoio e a sustentação necessária até obterem o
reconhecimento profissional. Tudo indica que as condições para que um estudante de
saxofone no Brasil se torne um profissional reconhecido estão atreladas a essas origens,
responsáveis também por definir o perfil do saxofonista brasileiro.
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Opção pelo instrumento saxofone
“(...) são raros os pontos onde um brasileiro que quer estudar música
seriamente encontra um apoio, e quando se trata de um instrumento
então, a dificuldade é ainda maior.”
O saxofone, apesar de ser muito difundido na música popular, não deve ser
considerado como um instrumento de fácil acesso. Além de ser um instrumento caro e
que exige manutenção constante, o seu aprendizado é demorado e relativamente caro
(aulas particulares, métodos, etc.). A maneira mais barata de se estudar saxofone no
Brasil é se incorporando nas formações de bandas, militares, sinfônicas ou de fanfarra
onde os estudantes além de terem acesso a um instrumento, terão uma formação musical
coletiva. Essa iniciação musical coletiva será comentada num outro tópico.
15
São diversas as situações que relatam a forma de como os entrevistados tiveram
o primeiro contato com o instrumento. As únicas semelhanças ocorrem com os músicos
que vieram de família de músicos, em que as primeiras noções foram dadas dentro de
casa e a proximidade com o instrumento foi algo natural, como é o caso do Eduardo Pecci
“Lambari” e do Naylor “Proveta”:
(...) o meu pai tocava acordeon e clarineta na banda e tinha um sax tenor
em casa, então ele decidiu que eu iria tocar sax alto por causa do meu
tamanho.” (Naylor “Proveta”)
3
O sentido da palavra geração nesse caso, não está necessariamente ligada a idade dos sujeitos mas sim,
serve para situar o momento de ascensão e consolidação da carreira do músico. Essa questão será discutida
num próximo tópico.
16
se adeqüa melhor à sua personalidade4, algum dos entrevistados nos revelam uma
identificação muitas vezes de caráter sensitivo, tátil, como é o caso do Roberto Sion e do
Léo Gandelman5, respectivamente:
“(...) eu estudei piano e flauta até os 15 anos, depois parei e fui fazer
outras coisas, acabei me tornando fotógrafo profissional. Um dia um
amigo apareceu com um saxofone em casa e nesse dia a minha vida
mudou, vendi tudo e fui para os EUA estudar. (...) quando eu experimentei
o saxofone senti uma afinidade muito grande, talvez pela semelhança que
há com a flauta (...)” (Léo Gandelman)
4
Suposição defendia pelo músico e psicólogo Maurício Farias, professor do departamento de música do
Instituto de Artes da UNICAMP.
5
Apesar do instrumentista não ter sido entrevistado formalmente para esse trabalho, o relato foi feito num
encontro informal com o autor desse trabalho em Julho de 1996 no Blue Note Bar - NYC.
17
“Eu comecei na flauta e daí passei para o sax naturalmente. Já tinha
contato com isso por causa do universo jazzístico do meu irmão, e já
tocava flauta imaginando e curtindo o Phil Woods, Paul Desmond,
Modern Jazz Quartet (...)”
18
A experiência coletiva
19
“Eu sinto que a minha vida social começou mesmo a partir dos 20 anos
quando eu comecei a estudar música, a entrar em contato com as pessoas,
tocar num grupinho pois até então eu era muito fechado” (Mané
Silveira).
O músico que teve essa experiência na sua formação possui uma peculiaridade:
o espírito de coletividade. Essa característica resulta numa maior facilidade de se
trabalhar em conjunto, além de contar com a familiaridade que possui com os outros
instrumentos.
6
Naylor “Proveta” é saxofonista e clarinetista, arranjador, compositor e líder da Banda Mantiqueira.
20
em trabalhar com os seus alunos essa experiência coletiva, como é o caso do Roberto
Sion:
“Eu ensaio com eles (alunos) para que eles não fiquem tocando
sozinhos e assim acharem que já estão bons.”
21
Diferença cultural
A idéia de que “tem que ser o melhor”, como relata Roberto Sion na sua
entrevista é ratificada e exemplificada nas entrevistas dos saxofonistas Teco Cardoso e
David Richards:
22
“(...) é uma efervescência e uma competitividade muito grande. O
sujeito pergunta: “-Quantas horas você estudou hoje?” “-Quatro
horas!” “Então eu preciso ir para casa porque eu só estudei três
horas.” (...) então você sai na rua e se assusta.” (Teco Cardoso)
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resumida às origens protestantes e católicas de cada sociedade7. Trata-se do desnível de
desenvolvimento econômico entre as duas sociedades e ao tamanho e à complexidade dos
mercados e das indústrias culturais de cada uma. Quanto maior o desenvolvimento da
indústria da cultural, maior a competitividade e daí a necessidade da especialização, da
formação profissional, e consequentemente da organização e disciplina do músico. A
argumentação sobre católico e protestante usada pelos entrevistados foi uma maneira,
através do próprio senso comum, de se identificar a diferença de postura do músico a
medida que ele se insere em mercados distintos. O mercado e a indústria cultural
brasileira ainda não possui a estrutura e o desenvolvimento do mercado americano, e isso
permite ao músico brasileiro uma postura mais relaxada, sem a rigidez disciplinar do
americano. Lembramos que não se trata de um julgamento de valor, mas a constatação da
diferença entre os Estados Unidos e Brasil.
Outro fator que contribui na diferença entre o músico brasileiro e o músico
americano é a organização e a funcionabilidade de ambas as sociedades. A caracterização
no perfil do músico brasileiro é resultado do excesso de burocracia existente no Brasil, ao
contrário dos Estados Unidos onde a funcionabilidade da sociedade está explícita na
postura disciplinar do músico americano. Teco Cardoso:
7
Trata-se de uma tese do sociólogo alemão Max Weber do começo do século, muito bem fundamentada,
que tenta explicar a origem do capitalismo a partir do dogma puritano da salvação. Esse tema sobre o
católico e o protestante foi muito explorado pela imprensa e acabou sendo vulgarizada até torna-se senso
comum.
24
“Eles são assim por causa do horário, lá não tem fila, você pode
programar as coisas enquanto que aqui nada é feito no horário,
gravação nunca começa no horário então você já vai atrasado, paga
conta atrasado ou seja, a tua vida é assim e o Brasil é assim. Desde
pequeno você vai convivendo com isso e acaba se acostumando e isso é
um fator cultural, ainda mais no Rio de Janeiro que tem praia e coisa e
tal.”
“(...) tem muitas coisas aqui que são diferentes como cartórios,
DETRAN, coisas que só servem para frustar a vida das pessoas e de
repente ninguém mais tem paciência para tirar solos.”
25
A demanda do mercado
“Então onde se tem uma escola forte? São raras, são raros os pontos
onde um brasileiro que quer estudar música seriamente encontra um
apoio, e quando se trata de um instrumento então, a dificuldade é ainda
maior. Talvez hoje até tenha um ou outro elemento se propondo a
orientar aqueles que querem tocar bem.”
“O jazz (...) só foi parar nas escolas por motivos econômicos, por não ter
mais bares suficientes para tocar, e eram nos bares onde realmente
aprendia-se jazz.”
A grande difusão de escolas voltadas para o ensino de música popular nos anos
40 nos Estados Unidos, é uma evidência da necessidade imposta pela indústria que
passou a exigir profissionais qualificados e disciplinados para atuarem no mercado. Isso
8
O bebop, nos anos 40, é o melhor exemplo de um estilo do jazz que se desenvolveu a partir de
experimentos práticos dos músicos, que se encontravam para tocar sem que houvesse compromisso. Isso só
foi possível graças à existência do Minton’s Club/NYC, considerado como o berço do bebop.
26
justificou a implantação de escolas de música popular em nível superior nos Estados
Unidos.
O mesmo está acontecendo no Brasil mas com as devidas proporções. Com o
desenvolvimento econômico do país e a modernização da sociedade, os espaços
considerados importantes para o desenvolvimento dos músicos instrumentistas
começaram a ser invadidos pela indústria cultural do entretenimento que nem sempre, ou
quase nunca, contribuiu de maneira satisfatória para o desenvolvimento musical ou
artístico. Roberto Sion:
“Hoje não há mais espaços com facilidade, há muita gente em cima dos
repórteres, a mídia está um pouco distorcida, a nova geração dos jornais
está chegando sem informação nenhuma, com a cabeça feita pela
própria mídia e os verdadeiros artistas passam por situações muito
injustas. Não digo que não tenha que ter espaço para os trabalhos mais
comerciais mas teria que ser distribuído democraticamente para todos os
outros, tem um monte de gente que ainda está vivo e ninguém se lembra
mais.”
27
para procurar sua própria verdade. (...) Na década de 70 eu também
dirigi uma big band que tinha basicamente a mesma proposta: um som
puramente instrumental, com muito espaço para a criatividade de cada
músico (...) Foi uma experiência maravilhosa e inesquecível, mas me
deixou uma frustração que confesso agora pela primeira vez: sempre tive
o sonho de criar um som de big band genuinamente brasileiro, uma
espécie de Severino Araújo contemporâneo, mas na época a atração
exercida pelas big bands de jazz era demasiadamente forte, impossível
de sobrepujar.9”
9
Citação do texto de contracapa do disco Aldeia, da Banda Mantiqueira, escrito pelo pianista e arranjador
Nelson Ayres. A Banda Mantiqueira é liderada pelo saxofonista e arranjador Naylor “Proveta”, entrevistado
nesse projeto.
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concerto dava para aplicar essas coisas, que era a hora em que eu
achava que estava me mostrando mais bacana, e tinha outras coisas que
nós fazíamos também. De repente, no meio desse concerto eu percebi que
aqueles números mais jazzísticos do Phil Woods, que eu tinha na manga,
não aconteciam nada mas em compensação, um outro número em que eu
fazia com o (sax) soprano e berimbau com o Zé Eduardo (José Eduardo
Nazário), que era uma coisa da qual eu fazia naturalmente e que não
dava tanta importância, era o grande sucesso do concerto. Era ali a
hora em que o francês se sentia satisfeito e compensado pelo
investimento. No meio da turnê nós iríamos dividir o show com o próprio
Phil Woods e daí eu pensei: ‘Pra que que eu vou tocar igual ao Phil
Woods se eles tem o próprio Phil Woods tocando aqui a vinte anos’. (...)
Então eu voltei muito decidido em desenvolver uma linguagem própria,
que preenchesse essa lacuna, que é o que as pessoas querem lá.”
“Se você chegar na Europa tocando samba-funk, eles vão achar isso
horroroso, eles querem que um africano vá lá e toque música africana,
se for brasileiro, tem que tocar música brasileira pura.”
29
a caracterização de um estilo saxofonístico brasileiro. Apesar de ainda não existir uma
sistematização no ensino da música brasileira, o que facilitaria a consolidação dessa nova
linguagem, observa-se a preocupação por parte dos músicos em se trabalhar de uma
forma cada vez mais organizada e sistematizada, adequando-se às exigências do mercado.
Teco Cardoso:
30
As gerações de saxofonistas
“Saxofone eu estudei com o meu pai. Eu tive outros professores mas foi
de clarinete por causa da influência da música erudita.(...) Na época
você encontrava métodos europeus, não outros, no máximo métodos do
Jimmie Dorsey, mas que acabava não te levando muito longe.”
“(...) quando o meu irmão ou o meu pai colocavam alguma coisa para
se ouvir, ouviam peças de concerto, ou um solista, ou ouviam alguma
10
Domingos Pecci é autor de inúmeros choros mas os dois que mais se destacaram foram o “Choro de
Cachimbo” e o “Choro Nené.”
31
orquestração, algumas dirigidas à música popular e assim eu ouvia
também.”
A audição dos discos de jazz passou a ser a principal referência para os músicos
brasileiros pois era a única fonte de informação da forma de como se tocar saxofone na
música popular, além de trazer muitas outras informações musicais. Roberto Sion:
A sedução pelo jazz foi algo inevitável aos músicos brasileiros e muitos
começam a assumir o saxofone como o instrumento principal por causa da influência
jazzística. A partir dessa época, os estudos dos métodos eruditos de saxofone tornam-se
paralelos a um outro tipo de estudo: a imitação dos discos. Roberto Sion:
11
Ainda não havia nessa época uma especialização dos músicos, grande parte deles eram polivalentes,
músicos que tocavam vários instrumentos. A especialização é um dado de hoje, reflexo do grande
desenvolvimento do mercado.
32
“Ouvir os discos também fazia parte da metodologia e sempre antes
dos concertos eu ficava ouvindo os discos para me inspirar e tal, mas
eu observei que aquilo não dava muito certo e não sabia porque. Mais
tarde, conversando com o Vítor Assis Brasil, eu entendi que o melhor
caminho era a transcrição de solos12, a imitação no fundo é melhor que
qualquer professor.”
12
Quando falamos em “solos”, estamos nos referindo à improvisação feita sobre um tema ou sobre a
harmonia desse tema. A improvisação é a principal característica da música popular americana.
33
“Eu acho que é uma opulência que eles sempre tiveram e que chegou
à música por ser um mercado interessante.”
A teorização13 da música popular nos Estados Unidos fez com que vários
músicos brasileiros se dedicassem quase que integralmente ao jazz. Os primeiros a entrar
em contato com essa teorização foram o saxofonista carioca Meireles e o pianista paulista
Wilson Cúria, através de um curso por correspondência da Berklee College of Music. A
partir dessa época, década de 70, toda uma nova geração de músicos brasileiros vão aos
Estados Unidos estudar com os americanos, a maioria deles em escolas como é o caso do
pianista e arranjador Nelson Ayres, dos trumpetistas Cláudio Roditti e Márcio
Montarroyos, dos saxofonistas Roberto Sion e Vítor Assis Brasil, do baixista Zeca
Assumpção, que foram buscar informações também na Berklee. Outros foram para os
Estados Unidos estudar com os próprios jazzistas como é o caso dos saxofonistas Mauro
Senise e Raul Mascarenhas que estudaram com o saxofonista americano Bobby Moover,
em NYC.
Os saxofonistas brasileiros que tiveram contato com os americanos nessa época,
assimilaram vários procedimentos quanto a metodologia de estudo tanto no saxofone
como no jazz, como explicam o Raul Mascarenhas e o Roberto Sion nas suas entrevistas,
respectivamente:
13
O conceito de teorização refere-se a sistematização do conhecimento acumulado intuitivamente pelos
músicos populares americanos.
34
“O meu primeiro professor de saxofone foi quando eu já tinha 25
anos14 (...) Ele foi o primeiro professor a me falar como se deveria
tocar saxofone, as diferenças com o clarinete, o que estudar ou seja, me
deu aula mesmo de saxofone.(...) Depois dos Estados Unidos é que eu
levei a sério essa coisa de transcrever os solos e descobri o caminho.
Foi assim que eu me desenvolvi.” (Roberto Sion)
“(...) tiveram dois ícones aqui que foram o Hector Costita e o Roberto
Sion. Os dois naquela época tinham trabalhos importantes, o Hector
era o lado mais louco, mais criativo, tocando com uma garotada mais
louca, e o Sion era o cara que tinha um som jazzístico, lírico, bonito.
Esses foram os caras que eu logo me impressionei.”
14
Roberto Sion estudou com Joseph Viola, professor de saxofone da Berklee College of Music.
15
Apesar de contarmos com saxofonistas solistas importantes já na década de 50, como o Paulo Moura, foi
a partir desse momento, de muita efervescência na música instrumental brasileira, que o mercado passa a
projetar com maior ênfase músicos solistas no Brasil.
35
Essa nova geração foi educada e orientada nos moldes de ensino americano,
muito voltado para o estudo do jazz como relatam Mané Silveira e Naylor “Proveta”:
Apesar de toda a educação e orientação jazzística a que foi submetida essa nova
geração, em que as dúvidas referentes ao jazz e o difícil acesso às informações foram
amenizadas, observa-se ainda que há uma dificuldade por parte dos estudantes em se
adequarem aos moldes americanos de estudo, como relata os saxofonistas Mané Silveira
e Teco Cardoso, respectivamente:
16
O método do Lennie Niehaus trabalha com acordes, articulação e fraseado, totalmente direcionado para a
improvisação e o swing jazzístico.
17
Patterns são frases jazzísticas construídas sobre os acordes, que devem ser estudadas em todos os tons e
aplicadas durante à improvisação.
36
“(...) eu sempre tive muita resistência para levar um estudo assim mais
acadêmico, então eu trabalhei bastante com discos, primeiro pela
própria recomendação do Sion que dizia: “Você não tem que ter medo de
imitar. Tire um solo do Phil Woods, procure imitá-lo, primeiro tirando o
solo de ouvido e depois transcrevendo-o.” Eu tirava de ouvido mas não
escrevia, na verdade eu escrevi poucos solos.” (Mané Silveira)
“(...) eu fui ter aulas particulares com o Hector Costita (...) fiquei um
ano mais ou menos. Depois a coisa foi meio autodidata mesmo (...) faz
muito tempo que eu não tiro um solo de saxofone, os últimos que eu
tirei foram solos do Phil Woods a dez anos atrás.” (Teco Cardoso)
37
“(...) é importante explorar o universo rítmico pois é o que nós temos de
diferente. Esse universo rítmico é absolutamente aberto, se eu quiser
explorar só o samba, eu posso passar esta existência só explorando o
samba, mas eu também posso explorar o samba, baião, maracatu,
maxixe, ou seja, para cada universo desse eu posso desenvolver outras
linguagens rítmicas que se difere de tudo que tem no mundo.”
“Eu já conversei com alguns brasileiros que não querem saber nada de
jazz, apenas música brasileira (...).”
18
Lorenzo Mammi é professor de História da Música do Depto. de Música da ECA-USP.
19
MAMMI, Lorenzo. “João Gilberto e o projeto utópico da bossa nova”, in Novos Estudos, no.34,
CEBRAP, São Paulo, 1992.
38
forma, implícita na maneira de agir dos saxofonistas que compõem essa nova geração, e
são observadas nas reações de resistência ao academicismo americano. Roberto Sion:
Eu acho que nós não temos nada a ver com essa sistematização
americana, deixa isso com eles, não é problema nosso, eles tem aquela
cabeça e não tem vergonha de ficarem fazendo clichês, eles são assim.”
20
Essa geração a que se refere o entrevistado trata-se de músicos ainda estudantes, posterior à essa nova
geração de entrevistados, atuante no cenário musical.
39
A linguagem
O aspecto rítmico por sua vez é para a maioria dos entrevistados a principal
diferença entre o jazz e a música brasileira. Na música brasileira, a pulsação rítmica está
40
apoiada nos tempos fortes do compasso (1 e 3), enquanto que no jazz apoia-se nos
tempos fracos (2 e 4), resultando assim num outro tipo de articulação, fraseado e
consequentemente numa outra prosódia.
“A pulsação é a primeira coisa que eu tenho que falar, acho que tem
muito com a colocação do fraseado. No samba você está sempre um
pouco a frente do ‘beat’ e no jazz você deita um pouco mais, fica sempre
um pouco mais para trás apesar de haver isso na música brasileira
também. As figuras rítmicas do fraseado são diferentes, são divisões que
derivam do samba enquanto que no jazz as figuras rítmicas tem um
sentido mais tercinado. Eu tive muita dificuldade em improvisar em
música brasileira, eu ia dar canjas e não rolava porque eu colocava a
linguagem jazzística nos improvisos, então eu tive que descobrir o que
fazer, tive que modificar o meu jeito de improvisar e tentar entender a
pulsação do fraseado.” (David Richards)
21
Chorus compreende a harmonia do tema aberta à improvisação.
41
“Eu trabalhei nos Estados Unidos tocando em big band ao lado de
músicos do Frank Sinatra, músicos de primeira linha. Eu era o primeiro
sax alto e às vezes ficava envergonhado com a qualidade dos músicos
que tinham ali, mas na hora de tocar música brasileira a coisa saia dura,
presa, travada, porque as frases tinham que soar como uma forquilha de
tamborim, algo absolutamente brasileiro(...).” (Teco Cardoso)
“(...) você pode escrever uma sincopa que o americano não vai fazer
igual ao brasileiro. Eu acho basicamente que é melhor tocar nota errada
no tempo certo do que tocar nota certa no tempo errado, todos os dois
são ruins mas o último é por que o primeiro. Então eu acho que o tempo
é fundamental pois tempo é ritmo.” (Raul Mascarenhas)
42
“(...) eu percebi que tem uma série de linguagens que estão dentro de
nós e que não precisamos estudar, é brasileiro porque crescemos
ouvindo isso, é algo que está dentro de nós e para mim música
brasileira é isso, (...) ela vem de dentro. Foi isso que eu descobri.”
(Roberto Sion)
“(...) todo mundo nasceu no Brasil, todo mundo fala português, todo
mundo se entende. Então essas coisas em comum do saxofone é por
causa disso. Quando eu vejo o (Roberto) Sion tocando, eu lembro do
Vítor Assis Brasil, do Phil Woods, das coisas da Berklee, mas ao
mesmo tempo eu vejo ele garimpando não o que se chama de música
brasileira, mas sim fazendo música brasileira de uma forma mais
ampla, mais humana.” (Naylor “Proveta”)
Todas as constatações e observações feitas até agora nesse trabalho nos indicam
que a influência do jazz ainda está muito presente na formação do músico brasileiro. A
crise de identidade do músico brasileiro manifesta-se a partir da percepção da diferença
entre o jazz e a música brasileira. Essa crise leva o músico a buscar nos elementos
folclóricos e regionais um estilo brasileiro para o saxofone, mas sem romper com a
tradição do jazz, responsável pela sua formação técnica e acadêmica. Daí a importância
da sistematização na música brasileira. A percepção da diferença entre as músicas de
ambos os países ocorre no momento em que o músico entra em contato com o mercado
de trabalho. É a partir dessa experiência que o músico compreende a importância das suas
peculiaridades musicais, e entende que a personalização de um estilo é principal
referência de mercado para um músico instrumentista.
“Eu não enxergo ainda. Não que esteja nítido mas todo mundo como eu,
o Paulo Moura, o Mané Silveira, o Proveta, estamos buscando mas nós
ainda temos muito a influência do jazz. O meu primo Cláudio Roditti faz
o samba com a linha improvisacional, fora algumas coisas rítmicas, toda
baseada na tradição do trumpete, mas como ele é brasileiro e
43
desenvolveu um certo estilo próprio, ele se tornou o Freddie Hubbard
com sotaque brasileiro, mas ainda não é uma tradição em cima do
folclore (..) brasileiro.” (Roberto Sion)
44
Conclusão
45
Bibliografia
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