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Resumo
Este trabalho pretende traçar um panorama da presença feminina como compositoras em
diferentes espaços e o confronto dos papéis que as mulheres e sua música desempenham neles,
enfatizando significados sociais subjacentes. A abordagem é feita através da história cultural,
segundo Burke (2005), e da história da música proposta por Freire (1994), destacando as
contradições e conflitos presentes na atuação feminina. Observou-se um número crescente de
mulheres compositoras a partir do século XIX. Constatou-se inclusive que estas mulheres
produziram muitas vezes obras de qualidade e envergadura, embora nem sempre reconhecidas.
Desse modo, essa memória parece ainda não ter sido satisfatoriamente recuperada, deixando
uma lacuna ainda aberta na história da música no Brasil, que precisa ser preenchida.
Palavras-chave: História Cultural. Mulheres Compositoras. Salões Aristocráticos. Teatros.
Abstract:
This paper aims to set a landscape of the feminine presence as composers in different spaces and
the confrontation of the roles women and their music performed on them, taking attention to
subjacents social meanings. The approach is based on the cultural history, as understood by
Burke (2005), and the history of music as proposed by Freire (1994), highlighting the conflicts
and contraditions found in feminine actuation. An increasing number of women composers since
XIX century was noticed. Also, it was noticed that these women had usually composed high-
qualified works, although it was quite hardly recognized. Furthermore, this memory seems not to
be well recovered, leaving an open lack in history of music in Brazil, which needs to be fullfilled.
Key words: Cultural History. Women Composers. Aristocratic Saloons. Theatres.
I) Introdução
1
Hemos de reconocer que los avances críticos en la reflexión sobre mujeres y música no se han traducido en la
práctica social. La prueba es la persistencia de la menor inserción de las mujeres en las profesiones musicales, ya
sea en la interpretación, en la dirección, en la composición o en la difusión. Las investigaciones desarrolladas por
Hyacinthe Ravet y Philippe Coulangeon, entre los músicos franceses, muestran que la segregación “horizontal”
(respecto a las distintas profesiones musicales) predomina en las músicas populares, encasillando a las mujeres
como cantantes. En las orquestas “clásicas” francesas el porcentaje de mujeres y hombres es, sin embargo,
parecido (a excepción de los casos conocidos de arpa o viento metal). La segregación imperante aquí es la
“vertical” (respecto a la situación en una profesión concreta), que aleja a las mujeres de los puestos mejor
remunerados y más prestigiosos: dirección orquestal, solistas, primeros atriles, etc. (Pilar, 2010, p.8-9)
Na área de composição, a ratio feminina é menor que na de práticas
interpretativas. Mesmo reconhecendo a dificuldade de estabelecer um
censo de compositores, os dados disponíveis sobre os países europeus
para 2003 são consideráveis. Somente entre as mulheres, Kaija
Saariaho e Sofia Gubaidulina figuram entre os 85 compositores de
música “clássica” que vivem hoje de suas próprias composições na
Europa. […] Se tomarmos como referência a página web da
Asociación Nacional de Compositores de Chile, só encontraremos três
compositoras em seus registros (5,8%). Trata-se de dados que se
enquadram bem com a ratio feminina em cargos de direção de
empresas, a administração e a política. (Pilar, 2010, p. 9, tradução
nossa)2.
2
En el sector de la composición la ratio femenina es menor que en la interpretación. Aun reconociendo la
dificultad de establecer un censo de compositores, los datos disponibles sobre los países europeos para 2003 son
llamativos. Sólo dos mujeres, Kaija Saariaho y Sofia Gubaidulina, figuran entre los 85 compositores de música
“clásica” que viven hoy de sus propias composiciones en Europa. […] Si tomamos como referencia la página
web de la Asociación Nacional de Compositores de Chile, sólo tres compositoras figuran en su directorio (5,8%).
Se trata de cifras que cuadran bien con la ratio femenina en los puestos directivos de las empresas, la
administración y la política (Pilar, 2010, p.9).
Rio de Janeiro é privilegiado neste relato, mas outras localidades do país são mencionadas,
secundariamente. A visão utilizada para isso é a da história cultural (Burke, 2005) e da
história da música proposta por Freire (1994), com prevalência de uma visão de “tempo não-
linear”, reconhecendo que vários tempos coexistem simbolicamente em um mesmo momento,
na mesma sociedade.
A história da cultura tem, entre suas características principais, o interesse pela
diversidade, pelo estudo de processos mais localizados, sem perda da visão totalizante. Os
casos citados ou analisados são ilustrativos de processos mais amplos, nos quais se inserem,
não havendo pretensão de generalizar, necessariamente, as interpretações feitas.
Quanto aos tempos múltiplos enfatizados por Freire (1994), eles se tornam
manifestos através de significados atribuídos às diversas manifestações da cultura (inclusive
da música), podendo se apresentar sobrepostos. São significados atuais, residuais e latentes,
que se entrelaçam nas atividades musicais e nas músicas das mulheres musicistas que atuaram
nos teatros, salões e em outros espaços. Os significados atuais são entendidos como peculiares
ao momento histórico em questão; os significados residuais são entendidos como resultantes
da re-elaboração de significados originados em outras épocas ou espaços; enquanto
significados latentes são considerados aqueles que a sociedade ainda não realizou em
plenitude, mas já são manifestos embrionariamente (Freire, 1994).
Nessa linha de abordagem, destacamos, ainda, que consideramos a música e a
mulher musicista como elementos significativos que interagem em uma sociedade dinâmica,
na trama de uma cultura plena de contradições e em constante transformação (Burke, 2005;
Catroga, 2004).
É com esse olhar que este artigo pretende abordar alguns aspectos da trajetória de
mulheres compositoras no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, procurando contribuir para a
historiografia sobre nossa música.
A participação feminina na vida social fora do lar foi muito restrita no período
colonial brasileiro. Sob a égide do patriarcalismo, característica marcante desse período, a
mulher viveu uma situação de subserviência, na qual lhe eram cerceados direitos de escolha e
de opinião, entre outros. Segundo Almeida (1996), na concepção de família patriarcal, o
homem era o proprietário da terra e de todos os seus bens, incluindo a mulher entre eles, o que
lhe assegurava poder político e hegemonia.
Algumas dessas concepções e práticas tiveram continuidade mesmo após a
chegada da família Real ao Rio de Janeiro, em 1808, persistindo residualmente ao longo do
século XIX.
A elevação do Brasil, da situação de colônia à posição de Reino Unido ao de
Portugal e Algarves, que se seguiu à chegada da família Real Portuguesa ao Rio de Janeiro,
teve fortes desdobramentos na sociedade, repercutindo na vida das mulheres. Gradativamente
transformou-se o regime de clausura a que as mulheres estavam acostumadas a viver, desde o
período colonial. Desenvolveram-se, pouco a pouco, ao longo do século XIX, nas classes
mais abastadas, hábitos “elegantes”, o gosto pela música, pelas artes cênicas, o cultivo da vida
social, através do teatro lírico, dos salões, etc. A sociabilidade expandia-se e, com ela, o
espaço e as formas de atuação das mulheres. (Freire; Portela, 2010)
Apesar dessa abertura gradativa, viajantes que percorreram o Brasil até meados do
século XIX relatam que mulheres das classes mais abastadas viviam em grande isolamento e
ócio, inclusive intelectual, mostrando-se, geralmente, limitadas até mesmo para sustentar
conversação com visitantes (Mauro, 1991; Quintaneiro, 1996). O poder decisório cabia aos
“chefes de família”. Restava a elas observar o mundo pelas frestas das janelas e tecer algumas
redes invisíveis de poder (Del Priore, 1995). O controle do comportamento feminino era
exercido de diversas maneiras, inclusive pela Igreja, fortalecendo, na prática, a ideologia
patriarcal e a relação assimétrica de poder, também presente no sistema escravocrata vigente
(Del Priore, 2006).
As festas religiosas, segundo Quintaneiro (1996), propiciavam um dos raros
espaços de sociabilidade para as mulheres pertencentes a famílias economicamente mais
favorecidas, principalmente até meados do século XIX, mas cederam espaço, gradativamente,
para outras reuniões sociais, como saraus e bailes, em função das transformações de hábitos e
valores (Quintaneiro, 1996), dando oportunidade para práticas musicais por parte de
mulheres.
Apesar dessa expansão, uma grande barreira permanecia separando o mundo
feminino do masculino, uma vez que as transformações se processavam lentamente. Essas
barreiras encontravam apoio nas leis, nos costumes arraigados e até na ciência, segundo as
convicções da época. Opiniões de cientistas ajudaram a justificar e fortalecer a idéia de que a
mulher deveria se manter restrita ao lar, evitar esforços tanto físicos como mentais, já que
eram consideradas mais frágeis, inferiores aos homens. Expô-las à mesma educação dada aos
homens poderia prejudicar o exercício de seus deveres como esposa e mãe (Del Priore, 2007).
A educação feminina, calcada por essas concepções, tinha como objetivo principal
o de permitir que a mulher cumprisse melhor suas funções como guardiã do lar e zelasse pelos
ideais de uma nação independente (Jinzenji, 2010). Ou seja, a educação da mulher visava, no
século XIX, em geral, à formação de mulheres virtuosas e patriotas, incluindo, para isso,
elementos para uma instrução básica (como ler e fazer contas), ao lado de algumas outras
habilidades (como a de musicista).
Assim, inspirados pela ciência, mesmo os teóricos e filósofos da música
acreditavam na inaptidão da mulher para ofícios intelectuais, reservando a elas apenas os
domínios das emoções subjetivas. É sob esse entendimento que o esteta Hanslick, citando o
psicólogo novecentista Rosenkranz, tece observações sobre a mulher:
V) Considerações finais
BURKE, Peter (comp.). História e Teoria Social. São Paulo: UNESP, 2002.
_____________________.
História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2007.
RAMOS, Pilar. Luces y sombras en los estudios sobre las mujeres y la música.
Revista Musical Chilena (Santiago / Chile), N° 213, 7-25, 2010.
SILVA, Lafayette. História do Teatro Brasileiro. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e Saúde, 1938.