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ISBN: 978-85-352-7505-6
ISBN (versão digital): 978-85-352-7506-3
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P38u
Pecequilo, Cristina Soreanu, 1970-
A União Europeia : os desafios, a crise e o futuro da integração. / Cristina Soreanu Pecequilo. -
1. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2014.
23 cm.
Referencias
ISBN 978-85-352-7505-6
vii
Introdução
xi
xii A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
1 Ver Os Estados Unidos e o século XXI da Editora Elsevier, publicado em 2013 pela autora. (Pecequilo,
2013).
Introdução xiii
Por fim, cabe agradecer ao colega Corival Alves do Carmo e às alunas Marcela
Franzoni (Turma 2011 Integral) e Clarissa Forner (Turma 2012 Integral), do curso
de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que
compuseram uma pequena e dedicada equipe de pesquisa, viabilizando este livro por
seu apoio em todos os níveis.
Outubro de 2013
Capítulo 1
1. Na literatura, existem duas variações para referir-se ao marco institucional da integração europeia em 1957:
Tratado de Roma ou Tratados de Roma. A denominação “Tratados de Roma” refere-se à existência de dois
componentes estruturais para o início do bloco, a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade
Europeia de Energia Atômica (EURATOM). Ambas estão corretas e serão utilizadas ao longo do texto.
1
2 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
Por fim, a vocação externa do bloco oscila entre as visões tradicionais do europeís-
mo e atlanticismo, que englobam questões diversas: o papel dos Estados Unidos, da
Alemanha, da França e do Reino Unido. Com o avanço da integração, a estes dilemas
somaram-se as discussões sobre uma política externa e de segurança comum, e o papel
da União Europeia como ator internacional. Esse papel, como será visto nos Capítulos 4
e 5, existe em alguns fóruns e temas, mas possui claras limitações em sua aplicação e
na relação com a soberania dos Estados-membros.
Ainda que o projeto não tivesse podido caminhar sem consenso, implicando a
escolha de determinadas agendas pelos Estados-membros, a permanência de fragmen-
tações e assimetrias nos processos de formulação de políticas e de decisão no bloco
exprime contradições latentes desde o encerramento da Segunda Guerra Mundial
em 1945. Por vezes, a solução foi a da “Europa à La Carte” ou “Europa a diferentes
velocidades”, visando adaptar diferentes demandas e ritmos de integração dos países,
a fim de que os mesmos se mantivessem no bloco.
Isto é, na busca da política comum, não foram poucas as exceções no sentido de com-
binar posições pró-Europa (França e Alemanha) a outras de uma adesão mediada (Reino
Unido). Tal processo de acomodação de demandas não impediu que países rejeitassem
políticas do bloco, por meio de seus governos ou sociedades, colocando em xeque o futuro
da integração. Adicionalmente, as políticas internas nem sempre foram correspondentes
ao discurso europeu mesmo entre os maiores defensores da integração, somando-se o
desafio da adesão do Leste Europeu no século XXI e a relação com a Turquia.
Essas divisões expressam a existência de ciclos de expansão e recuo da integração
desde os anos 1950, relacionados a realidades históricas nacionais e internacionais.
Como fenômeno e construção política efetiva, é neste contexto, e em meio a estes
debates, que emerge o projeto de integração e torna-se necessário pensá-lo estrategi-
camente, como produto de um tempo específico.
e pelos Estados Unidos, no arco que compõem os anos de 1914 a 1945. Isto é, anos
que compõem uma era de indefinição de posições relativas neste equilíbrio de poder
e que se iniciam com a Primeira e se extinguem com a Segunda Guerra Mundial.
Atravessadas pela Revolução Russa (1917), a Grande Depressão (1929), a as-
censão dos fascismos alemão, italiano e da expansão imperialista do Japão na Ásia
na década de 1930 e o isolacionismo norte-americano, essas décadas proporcionaram
o esgotamento do poderio europeu ocidental vis-à-vis com os Estados Unidos e a
União Soviética. Assim, a Europa Ocidental parecia sucumbir às triangulações con-
flituosas que se estabeleceram entre Reino Unido, França e Alemanha, e permitiram
a consolidação dos poderes russo e norte-americano. Essas nações, e o restante da
Europa Ocidental, deixavam de exercer um papel de protagonistas, para se tornarem
coadjuvantes dos acontecimentos mundiais.
Entretanto, esse papel de coadjuvante ganharia um peso diferenciado, inclusive
pela iniciativa norte-americana de promover a sua hegemonia um “estilo especial
de liderança” e à luz do emergente desafio soviético. Apesar de deterem, em 1945,
a supremacia estratégica, econômica e política do sistema internacional, os Estados
Unidos buscaram consolidar sua Pax Americana a partir da elaboração de um sistema
de organizações internacionais governamentais, nas quais seus valores e princípios
políticos, sociais e econômicos seriam implementados.
Com isso, tratava-se de uma hegemonia benigna, definida por Ikenberry (2011) co-
mo “interpenetrada” que construía a dominação pela força e pelo convencimento, usan-
do o multilateralismo como meio de gerar interdependência. A tática norte-americana
era implementar um sistema de governança e compromissos sobrepostos entre a
hegemonia e seus dominados (definidos como parceiros). Os termos associados a essa
criação de redes de cooperação são lock in (“prender”) e binding (“comprometer”).
Esse processo de construção da ordem liberal e democrática que se consubstanciou
em instituições como as Nações Unidas e o Fundo Monetário Internacional iniciou-se
ainda antes do final da Segunda Guerra Mundial, no biênio 1944/1945. Como resulta-
do, as negociações de Dumbarton Oaks e de Bretton Woods geraram, respectivamente,
o sistema institucional político-diplomático e econômico (comercial e financeiro)
liderado pelos Estados Unidos e que cooptaram e/ou integraram a Europa Ocidental
a suas redes (e também as nações asiáticas e americanas, em escala global).
Também como parte dos arranjos de guerra da Pax Americana, observou-se uma
divisão do continente entre o Leste e o Oeste. Essa divisão foi formatada nas Con-
ferências de 1945, Ialta e Potsdam, levando à consolidação do poder soviético na
região do Leste Europeu, como parte das negociações para garantir a segurança das
fronteiras da União Soviética em troca da sua participação na guerra com os aliados.
O estabelecimento dessas esferas de influência, Estados Unidos no Ocidente e União
Soviética no Oriente, não fora inicialmente apresentado nas negociações de Ialta como
base de conflito. Naquela oportunidade, em fevereiro de 1945, o então presidente
norte-americano Franklin Delano Roosevelt (FDR) visava preservar o apoio de Stalin
para o encerramento da guerra e os arranjos posteriores. Tratava-se, assim, de uma
divisão de tarefas entre as potências emergentes.
Essa situação, porém, não agradava grupos conservadores nos Estados Unidos, que
já definiam a União Soviética como inimiga, e percebiam a nascente bipolaridade
Capítulo | 1 A Trajetória Histórica (1945/1986) 5
como essencial para solidificar a hegemonia. Para esta linha, a fim de evitar o recuo
ao isolacionismo experimentado no pós-Primeira Guerra Mundial nos anos 1920,
era preciso que existisse um apoio real da sociedade norte-americana ao internacio-
nalismo. Considerava-se que a ideia da “ordem” liderada pelos Estados Unidos era
insuficiente para fornecer esse apoio e a construção de um aparato militar-estratégico
de projeção de poder que sustentasse, ao lado do multilateralismo, a Pax Americana.
A União Soviética surgia como um inimigo funcional e a Europa Ocidental como
aliada preferencial, seja por sua posição geográfica como por sua identidade social,
cultural, política e econômica liberal.
O falecimento de FDR antes da Conferência de Potsdam foi decisivo para validar
estas visões de mundo. A ascensão de Harry Truman à presidência deu início a um
conjunto de decisões políticas e estratégicas que culminou com a Guerra Fria em
1947. Embora as negociações ainda ocorressem sob clima de “paz” entre soviéticos
e norte-americanos, o anúncio do monopólio da bomba nuclear e o seu uso no Japão
em Hiroshima e Nagasaki indicava a proximidade da quebra da aliança soviético-
americana. Não cabe aqui analisar todo o processo que levou à Doutrina Truman de
1947, que estabeleceu a grande estratégia da contenção, mas sinalizar a passagem da
acomodação de interesses à disputa direta entre as futuras superpotências. A política
de contenção estabelecia três prioridades para a política externa dos Estados Unidos:
a contenção da União Soviética, a contenção do comunismo e a expansão dos valores
e práticas políticas, econômicas e sociais do liberalismo.
Apesar de estender-se por todo o sistema internacional, esta disputa por zonas
de influência tinha no continente europeu seu principal pilar geopolítico, visto que
ambos, Estados Unidos e União Soviética, eram países com presença física na região.
A União Soviética por tratar-se de seu espaço geográfico e geopolítico natural, e os
Estados Unidos, por sua projeção e presença militar consolidada no pós-1945. Para
os Estados Unidos, a aliança com a Europa Ocidental era funcional não só para manter
em xeque o poder soviético, mas o próprio poder europeu.
Na Europa não havia meios de resistir aos Estados Unidos ou à União Soviética.
Ambos as zonas de influência eram ocupadas, com diferentes estilos de dominação, pelas
forças norte-americanas e as soviéticas. Se os Estados Unidos eram o “império por convite”
, como indica Gaddis (1998), a União Soviética converteu-se no “império por dominação”.
Diante desse contexto, para a Europa Ocidental era preciso reforçar a aliança atlântica como
opção preferencial, “aceitando e ampliando” o “convite” à presença dos Estados Unidos.
Nas palavras do Primeiro Ministro britânico Winston Churchill (1946),
2. Os membros originais da OCEE eram: Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Islândia, Irlanda,
Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido e Alemanha Ocidental.
Disponível em http://www.oecd.org/general/organisationforeuropeaneconomicco-operation.htm. Acesso
em 28 de junho de 2013.
3. Atualmente, a organização conta com 34 membros, que se somaram aos acima mencionados, dentre estes:
Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália, República Checa, Estônia, Finlândia, Hungria, Israel, Coreia do
Sul, México, Nova Zelândia, Polônia, Eslováquia e Eslovênia. Disponível em http://www.oecd.org/general/
listofoecdmembercountries-ratificationoftheconventionontheoecd.htm. Acesso em 28 de junho de 2013.
Capítulo | 1 A Trajetória Histórica (1945/1986) 7
4. Ao longo deste livro, preferencialmente é usada essa terminologia, Alemanha Ocidental e Alemanha Orien-
tal, em vez de RFA e RDA, a fim de padronizar a classificação desse país até sua reunificação nos anos 1990.
8 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
(2013), embora a reunião não tenha conseguido cumprir metas concretas, a sua im-
portância reside na convocação de uma reunião de países europeus para discutir um
futuro comum para o Ocidente. Posteriormente, em 1949, esses primeiros esforços
levaram à criação do Conselho da Europa pelo Tratado de Westminster.
Estrategicamente, o foco é a assinatura do Tratado de Bruxelas (Tratado de Cola-
boração Econômica, Social e Cultural e Defesa Coletiva), com a presença do Reino
Unido e da França e os países do BENELUX. O Tratado serve como base para a
criação da União Europeia Ocidental (UEO), em 1954, que perdurou até 2010, sendo
substituída por novas formas de cooperação nestes setores, a partir do Tratado de
Lisboa (abordado no Capítulo 3). Além dos membros originais, foram agregados a
Itália, a Alemanha, a Grécia, Portugal e a Espanha à União (UEO). O objetivo inicial
era estabelecer uma rede de cooperação entre os Estados europeus, que impedisse o
renascimento do revisionismo alemão e gerasse compromissos de segurança coletiva
entre os membros (na década de 1950, a própria Alemanha Ocidental tornou-se parte
integrante desse processo, assim como da OTAN).
Em termos práticos, essa iniciativa, assim como outras similares no campo da
segurança, da defesa e da política externa comum, deteve atuação limitada. Apesar de ter
participado ativamente do processo de integração europeu, do reengajamento alemão
às estruturas multilaterais e de missões para a estabilidade no continente, a UEO não
foi capaz de promover um salto qualitativo em políticas estratégicas comuns. Desde
1948, não só por via UEO, mas por meio de outros organismos e debates, como será
analisado, a busca de uma identidade coletiva para o bloco foi mais caracterizada por
recuos do que por avanços.
Assim, ainda que em sua declaração final, o presidente do conselho permanente
da instituição afirme que “A União Europeia Ocidental realizou uma importante con-
tribuição à paz e à estabilidade na Europa e no desenvolvimento de uma estrutura
europeia de segurança e defesa, promovendo consultas e cooperação neste campo e
conduzindo operações (...)” (STATEMENT, 2010), a realidade se interpôs a esse papel.
Nesse contexto, foi o Plano Schuman (1950) que assumiu o papel de catalisador
da integração europeia, ao lado da criação da Comunidade Europeia do Carvão e
do Aço (CECA) em 1951, firmada no Tratado de Paris. Simbolicamente, para a
história da integração, o dia 9 de maio, no qual o ministro das Relações Exteriores
francês Robert Schuman proferiu a declaração, tornou-se o “Dia da Europa”. A
CECA passou a ser considerada o embrião do bloco europeu. Mas por que considerar
esse plano e a CECA como os momentos definidores do bloco, que nasceu de uma
conjugação de fatores?
O Plano Schuman agregou à retórica positiva utópica da integração um conteúdo
programático concreto, redesenhando o escopo das relações intraeuropeias, a partir
do triângulo França, Alemanha e Reino Unido. Lançado por Schuman, o plano fora
elaborado por Jean Monnet, político francês definido como o arquiteto da integração
europeia, trazendo embutido inovações estratégicas importantes para a Europa Oci-
dental do pós-Guerra no campo da política e da economia. Esse triângulo foi subs-
tituído por um eixo bilateral: o franco-alemão. O Plano Schuman partia do princípio
do reengajamento da Alemanha Ocidental como parceira da França dentro da Europa,
e, mais ainda, como um poder europeu integrado ao continente de forma pacífica e
10 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
estável. Adicionalmente, esse reengajamento seria sustentado nas raízes dos conflitos
passados, nos setores energético e industrial (carvão e aço).
Por outro lado, o projeto implicava uma quase exclusão do Reino Unido dos as-
suntos europeus, legando à França maior margem de manobra e uma liderança na
condução política da Europa. Diferente da Alemanha Ocidental, que procurava, com
o Chanceler Konrad Adenauer, estabelecer um equilíbrio entre a vocação europeia e a
atlântica do país, o Reino Unido optara pelo alinhamento aos norte-americanos. Dessa
forma, Schuman, Monnet e Adenauer surgem como os “pais fundadores” da Europa.
Sistematizando estas prioridades, torna-se interessante fazer uso das próprias
palavras de Schuman na Declaração de 1950:
A paz mundial não poderá ser salvaguardada sem esforços criadores (...) A
contribuição que uma Europa organizada e viva pode dar à civilização é indis-
pensável para a manutenção de relações pacíficas (...) A Europa não se fará de
um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações
concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de fato. A união das
nações europeias exige que seja eliminada a secular oposição entre a França
e a Alemanha. Com esse objetivo (...) o governo francês propõe subordinar o
conjunto da produção franco-alemã de carvão e do aço, a uma Alta Autoridade
(...). (DECLARAÇÃO SCHUMAN, 1950)
A Alta Autoridade representa uma evolução das relações estatais e uma mudança
na visão soberana dos dois Estados, França e Alemanha, sobre setores considerados
estratégicos para a geração de riqueza e poder bélico. Pressupõe-se a transferência
de poder decisório e administrativo a essa Autoridade sobre estes setores, a fim de
reorganizar sua lógica produtiva. Além disso, o acordo franco-alemão essá aberto
a todo e qualquer outro Estado que desejar aderir a esse mecanismo de cooperação,
no qual a cooperação e os interesses comuns suplantam a competição. A Declaração
Schuman estabelece, portanto, que
a comunitarização das produções de carvão e do aço assegura imediatamente
o estabelecimento das bases comuns de desenvolvimento econômico, primeira
etapa da federação europeia e mudará o destino das regiões durante muito
tempo condenadas ao fabrico de armas de guerra (....) A solidariedade da
produção (...) revelará que qualquer guerra entre a França e a Alemanha se
tornará não apenas impensável como materialmente impossível (....). (DE-
CLARAÇÃO SCHUMAN, 1950)
Esse processo, que levou à CECA em 1951 (Tratado de Paris), teve como base a
lógica da integração setorial como forma de aproximar os países. Além da Alemanha
Ocidental e da França, que se constituíram nos lideres do processo, também se tornaram
membros da CECA, Itália, Luxemburgo, Bélgica e Holanda (a futura “Europa dos
Seis”). O arranjo manteve-se vigente até 2002, mas a partir dos Tratados de Fusão de
1965 sua estrutura decisória foi modificada, assim como dos demais acordos firmados
em Roma, levando ao estabelecimento da Comunidade Europeia (CE), como será
abordado na Seção 1.2. A CECA, portanto, consistiu-se em uma experiência de sucesso,
que permitiu avançar para os Tratados de Roma.
Capítulo | 1 A Trajetória Histórica (1945/1986) 11
disseminar-se por todo o sistema internacional. Havia, ainda, uma identidade comum
que unia os dois lados do Atlântico. A criação, pela União Soviética, de suas redes
multilaterais, em 1949 do Conselho para Assistência Econômica Mútua (Comecon)
e o Pacto de Varsóvia (1955) como contraponto às negociações europeias e à OTAN
somente pareciam reforçar a visão positiva dos Estados Unidos sobre o arranjo como
funcional a seus interesses.
Em nenhum momento essa funcionalidade da integração para os objetivos da Guerra
Fria eliminou a desconfiança norte-americana, em particular no campo estratégico. Da
mesma forma, os Estados Unidos experimentaram diversos conflitos com a França
devido a sua política de autonomia. A reafirmação da OTAN como principal mecanis-
mo de poder estratégico militar ocidental tornou-se fato periódico ao longo dos anos,
oferecendo tanto dinâmicas de competição quanto de cooperação aos projetos europeus
no setor de segurança e defesa, assim como na busca de uma política externa comum
como o bloco. Parte das deficiências da integração nesses setores reside na influência
dos Estados Unidos, somada às naturais dificuldades dos Estados em negociarem
consensos em temas que afetam diretamente sua segurança.
Durante pouco mais de uma década, de 1945 a 1957, os primeiros organismos e
propostas para a integração emergiram em um contexto de sobreposição de temas de
poder e triangulações estratégicas. Essas contradições internas e externas ao continente
caracterizaram a ambiguidade do processo de integração desde o seu início. Entretanto,
foram contradições enfrentadas pelos arquitetos contemporâneos da ideia Europa, que
levaram à emergência do bloco que se tornou modelo de regionalismo para os demais
povos. Surgiu, assim, em 1957, a Europa dos Seis, com Alemanha Ocidental, França,
Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Ou, por que não dizer, surgia, com o Tratado
de Roma, a primeira de muitas Europas que se sucederiam desde então.
5. A Crise dos Mísseis em Cuba corresponde à tentativa soviética de transferir armamento nuclear à ilha, que,
desde 1959, com a Revolução Cubana, era pressionada pelos Estados Unidos. O episódio é considerado o
mais grave da Guerra Fria, por quase ter levado ao embate direto entre as superpotências elevando o risco do
MAD (Destruição Mútua Assegurada). É marcante por ter quebrado as “regras não escritas” da bipolaridade
quanto ao respeito das Américas como zona de influência norte-americana.
Capítulo | 1 A Trajetória Histórica (1945/1986) 13
6. O controle da tecnologia nuclear mantém-se como elemento de poder relevante para os Estados ao longo
dos séculos XX e XXI, sendo definida como tecnologia dual (ou sensível), ou seja, que possui aplicações
militares e pacíficas.
16 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
7. De acordo com Lago (2006), a conferência resulta de uma crescente preocupação ambiental nos países
desenvolvidos em torno dos bens comuns e do hábitat. A conferência é antecedida pela Resolução 2938
aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas.
18 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
8. Reeleito em 1973, com grande apoio popular, o Presidente Richard Nixon renunciou ao cargo devido
ao escândalo de Watergate (1974), que gerara um processo de impeachment sustentado em acusações de
espionagem ilegal contra o Partido Democrata.
9. Para análise histórica da política externa norte-americana, ver Pecequilo (2011).
20 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
1980 nos grandes centros de poder capitalista norte-americano e britânico. Dois pilares
compunham a agenda neoconservadora: o neoliberalismo econômico e a confrontação
renovada, retomando, em termos ofensivos, a disputa entre as superpotências.
Examinando individualmente estes pilares, no campo interno, considerava-se que
as políticas de assistência aos cidadãos e a presença do Estado na economia haviam
enfraquecido as forças do mercado e as da sociedade, gerando o desencanto, a aco-
modação e gastos excessivos. Diante desse cenário, a agenda neoliberal propunha a
revitalização econômica e social, por meio de privatizações e cortes de gastos sociais,
amparados na força dos mercados e na abertura comercial. No caso das privatizações,
mesmo setores considerados estratégicos como educação, transporte, energia e infra-
estrutura, eram vistos como ônus às contas estatais, devendo ser controlados pela
iniciativa privada. A reinvenção do Estado mínimo passava por uma recuperação dos
princípios básicos do liberalismo, incluindo o forte individualismo.
Na dimensão internacional, os Estados Unidos colocaram um fim aos processos
de descongelamento iniciados nos anos 1970. Denominada por Fred Halliday (1999) de
Segunda Guerra Fria, a ofensiva neoconservadora de Ronald Reagan era baseada nos
princípios originais da Guerra Fria, de contenção da União Soviética (definida como
o “Império do Mal” pelo presidente norte-americano) e do comunismo, estendendo a
disputa bipolar do núcleo europeu à periferia terceiro-mundista.
No caso do Terceiro Mundo, ainda, visava a contenção de iniciativas políticas autô-
nomas como de Estados como o Brasil que, mesmo não sendo comunistas, ofereciam
um discurso alternativo ao norte-americano. A crise da dívida externa, gerada pelo
aumento dos juros, e o aumento do protecionismo comercial dos países capitalistas
avançados, foram componentes destas pressões do Norte ao Sul. Para os países em
desenvolvimento, em particular os latino-americanos, essa conjuntura leva à denomina-
ção dos anos 1980 como a “Década Perdida”, seguindo-se a aplicação e/ou imposição
da agenda neoliberal a sua agenda doméstica no pós-Guerra Fria.
As iniciativas de Reagan envolviam um componente de contenção dos aliados, a Europa
Ocidental e o Japão, em termos estratégicos e econômicos. No que se refere à Europa Ociden-
tal, a mesma havia desempenhado papel relevante nas negociações de Helsinque, assim como
se aproximara comercialmente da União Soviética. Apesar das dificuldades, a integração
caminhava no campo econômico e apresentava iniciativas externas e um novo discurso em
direitos humanos e meio ambiente, que conferiam ao bloco uma dimensão autônoma.
Em termos geopolíticos, o continente mantinha-se vulnerável estrategicamente
devido à dependência militar da OTAN, sendo esse aspecto explorado por Reagan
para reenquadrar o continente. Tal reenquadramento foi sustentado em uma tática do
medo, contra um suposto expansionismo soviético. Para combatê-lo, Reagan investiu
maciçamente nas forças estratégicas da OTAN e em uma nova corrida armamentista
convencional e nuclear. O maior símbolo do military build-up foi a Iniciativa de
Defesa Estratégica (IDE), a Guerra nas Estrelas. De elevado padrão tecnológico, a
IDE prometia tornar os Estados Unidos invulneráveis a ataques nucleares, invalidando
o Tratado ABM assinado em 1972 pelos Presidentes Nixon e Brejnev. Diante desse
cenário, a Europa Ocidental não pôde opor-se às políticas de Reagan, uma vez que
não tinha condições de substituir seu guarda-chuva de proteção nuclear. Isso incluiu o
boicote político do Ocidente às Olimpíadas de Moscou em 1980, ao qual se seguiu
o boicote do Leste às Olimpíadas de Los Angeles em 1984.
24 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
14. Para uma trajetória da crise soviética a partir dos anos 1970, ver Segrillo (2000).
Capítulo | 1 A Trajetória Histórica (1945/1986) 25
Como outros acordos, o Ato Único é objeto de diversas interpretações, seja como
prova do sucesso como do fracasso da integração. Independente da posição que se
defenda, é fato que o AUE foi apresentado como mais um relançamento qualitativo,
combinando propósitos de aprofundamento e alargamento. Assinado em 1986, o AUE
entra em vigor em 1987, estabelecendo um programa relativamente ambicioso para a
consolidação de uma União Europeia em menos de uma década.
As prioridades estabelecidas pelo AUE foram: a reforma das instituições do bloco; a
simplificação dos procedimentos decisórios e transparência em resposta às críticas de cres-
cimento da burocracia europeia; a facilitação dos procedimentos para o estabelecimento
de legislação comum e de procedimentos de cooperação; o estabelecimento de novas
competências nas áreas econômicas, sociais e de desenvolvimento (com destaque a temas
como política ambiental, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, e a política externa
comum); e a criação do mercado comum (seguindo as orientações do “Livro Branco para a
Consolidação do Mercado Interno”) até 1992. Igualmente, o AUE estabelecia maiores gastos
para os fundos de desenvolvimento para a inclusão dos novos membros, reforçando a coesão
do bloco, a partir da entrada de seus membros “periféricos”: Grécia, Portugal e Espanha.
Dentre estas, o Mercado Comum revelava-se a área mais promissora para a in-
tegração, uma vez que a facilitação do comércio intrabloco era percebida como uma
forma de acelerar a recuperação pós-crise e de solidificar a interdependência, com base
em relações preexistentes. Como abordado no Capítulo 2, essa dimensão econômica
ganha impulso significativo com o fim da Guerra Fria, levando a uma aceleração dos
processos de aprofundamento e alargamento na década de 1990.
No que se refere à reforma das instituições do bloco, o AUE preservou o arcabouço
organizacional criado no Tratado de Roma, mas ampliou as funções dos órgãos exis-
tentes, buscando estabelecer condições concretas para o aprofundamento da integração.
A Comissão Europeia teve os poderes estendidos para facilitar a implementação do
mercado comum, o mesmo ocorrendo com o Conselho de Ministros, com a extensão
das áreas de votação cobertas pelo sistema de maioria qualificada. Foi atribuído status
legal ao funcionamento do Conselho Europeu e criada a Corte de Primeira Instância
da Corte Europeia de Justiça. Dentre todos os órgãos, o Parlamento europeu foi o
que teve mais significativa evolução, por meio da inclusão da autoridade legislativa
e novos mecanismos de cooperação. Como indicado, a primeira eleição direta para o
Parlamento ocorreu em 1979 com elevada participação popular. Em 1984, realizou-se
a segunda eleição para essas cadeiras, tornando o processo periódico.
26 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
Cronologia 1945/1986
● 1945 - Fim da Segunda Guerra Mundial
● 1948
Carvão e do Aço
● 1952 - Entrada em vigor do Tratado de Paris
● 1961
● Plano Fouchet
● 1962
● 1967
● França com de Gaulle veta a entrada do Reino Unido mais uma vez
● 1968 - Início do funcionamento pleno da União Aduaneira e PAC
● 1969 - Cúpula de Haia inicia estudos para ampliação do bloco e criação de uma
● 1974
europeu
● 1976 - Relatório Tindemans recomenda reforma das instituições europeias
● 1979
● Revolução Iraniana
● 1980
● 1985 - Conselho Europeu Decide Concluir o Mercado Único Até 1992 e reformar
o Tratado de Roma
● 1986
1 Este capítulo contou com a colaboração de Clarissa Forner e Marcela Franzoni, graduandas em Relações
Internacionais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
29
30 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
(...) o sistema internacional criado pela URSS era (...) mais fraco quantitativa e
qualitativamente que o ocidental. O mercado capitalista não somente era muito
mais forte em termos de resultados econômicos de número de países incluídos
(...) como também era maior o seu nível de integração (...) Na esfera militar,
uma disparidade similar e inferioridade qualitativa prevaleceu (...) Uma vez
que o gap dos padrões de vida tornou-se evidente (...) a legitimidade do sistema
político foi varrida. (HALLIDAY, 1999, p. 224-225)
2 Esta trajetória agregou desafios a outros sistemas de caráter socialista que empreendiam ajustes em sua
agenda econômica, destacando-se o caso da China. A trajetória chinesa, e do seu socialismo de mercado,
porém, manteve-se muito diferente da soviética, devido às escolhas políticas da liderança do país. Para
esta análise, ver Visentini (2011b).
Capítulo | 2 A Integração e o Fim da Guerra Fria (1986/1997) 33
3 Cantor americano bastante popular, Frank Sinatra popularizou a música My Way, que passou a representar
o ritmo das mudanças no Leste Europeu por defender que cada um seguisse seu destino e suas escolhas,
sem arrependimento.
4 Outro termo bastante utilizado foi “nova Primavera dos Povos” em alusão aos movimentos europeus
de 1848.
Capítulo | 2 A Integração e o Fim da Guerra Fria (1986/1997) 35
5 Vedrine foi assessor diplomático de 1991 a 1995 do Presidente François Miterrand e Ministro das Relações
Exteriores de 1997 a 2002 na gestão de Lionel Jospin.
Capítulo | 2 A Integração e o Fim da Guerra Fria (1986/1997) 37
Na esfera global, e das relações com os Estados Unidos, o período 1990/1991 foi
caracterizado pela intervenção norte-americana no Iraque, com o amparo das Nações
Unidas e forte aliança com a maioria das nações europeias (no contexto do fim da
Guerra Fria até mesmo a Rússia apoiou a operação contra Saddam Hussein).6 Motivada
pela invasão iraquiana do Kuwait, a Operação Tempestade do Deserto foi apresentada
pelo Presidente dos Estados Unidos George Bush pai (1989/1992) como símbolo do
nascimento de uma nova ordem mundial, pois era representativa de uma resposta da
comunidade internacional à agressão do Iraque a outro país soberano (a nova ordem
seria focada na governança do sistema internacional pelas Nações Unidas).
A reação dos Estados Unidos e o apoio europeu foram amparados por este dis-
curso positivo em defesa da democracia, mas possuíam motivações estratégicas claras:
impedir o controle de Hussein do complexo energético kuwaitiano, o que poderia
colocar pressões sobre os países ocidentais compradores de petróleo, principalmente os
europeus. A operação fortaleceu a posição das companhias energéticas anglo-saxônicas
na região.
No que se refere à integração e à frente da Comissão Europeia, Jacques Delors
retomou as metas estabelecidas no AUE, visando o estabelecimento de uma união
sólida no campo econômico e político. Para impulsionar novamente o processo no
imediato pós-Guerra Fria, o apoio da França e da Alemanha Ocidental demons-
trou-se essencial, ao qual seguiam os países menores. A resistência mais sólida
e sistemática era o da Grã-Bretanha, repetindo seu papel tradicional: a defesa de
um arranjo mais frouxo e intergovernamental e sem quebrar os laços preferências
euro-atlânticos.
Elemento definidor para o avanço deste processo que culminou no Tratado de
Maastricht foi o compromisso alemão com o bloco e com a reunificação. Ambos os
processos, o europeu e o da reunificação, foram conciliados pela Alemanha Ocidental
de Helmut Kohl. A reunificação foi finalizada em 1990, com a assinatura do Acordo
4 + 2 entre os quatro vencedores da Segunda Guerra, Estados Unidos, França, Grã
-Bretanha e União Soviética, e as duas Alemanhas, a Ocidental e a Oriental. Deve-se
lembrar, porém, que a reunificação teve custos para os projetos europeus: ela afetou
negativamente pelo menos uma das metas em andamento da integração referente à
união monetária. Para custear o processo de reincorporação do Leste, a Alemanha
descumpriu metas do SME, adiando o projeto da moeda comum por pelo menos uma
década.
Outro elemento que favoreceu a retomada da dinâmica integracionista foi a es-
tabilização do Leste Europeu. As mudanças político-econômicas estavam em processo
de implementação. Apesar de as tendências de imigração ao ocidente serem presentes,
não haviam ocorrido grandes afluxos populacionais como se temera. O revisionismo
soviético também não se consolidara como risco com o país mantendo-se imerso em
uma crise política e econômica profunda, que culminaria com o desmonte da União
6 Situação esta que não se repetiu na “nova” Guerra do Iraque em 2003, conduzida por George Bush (filho)
(2001/2008), tema que será analisado nos Capítulos 3 e 4. Em 1991, Saddam Hussein não foi derrubado
do poder, pois se temia o vácuo de poder que isso geraria no Iraque e suas consequências na região, e os
Estados Unidos não desejavam uma intervenção em terra. Ver Pecequilo (2013).
38 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
governos, tem colocado em xeque diversas etapas da integração, como será abordado
no Capítulo 3. Em termos governamentais, referem-se a escolhas políticas dos Estados,
nos quais predomina a soberania, o que, igualmente, tem pressionado a integração. A
“pior” dinâmica tem sido a de Estados-membros que se comprometem com políticas
comuns, depois voltando atrás em suas decisões (dentre os quais se incluem alguns dos
motores da integração como a França), e não a daqueles que, por princípio, já optam
pelo não comprometimento (Reino Unido nas áreas econômica e social, por exemplo).
Em resumo, permanecem exceções à regra na postura dos Estados e seus compro-
missos, que são igualmente facilitadas pela convivência de três níveis de competência
na União Europeia. Isto é, dependendo da área política em questão as competências
encontram-se assim divididas entre o bloco e os Estados-membros, como indicam
Sbraglia e Stolfi (2012, p. 106):
“inovação”, mas sim como mais um dos vários relançamentos da integração europeia,
que surge pela necessidade de reafirmar o bloco no pós-Guerra Fria. De acordo com
o texto de abertura do Tratado de Maastricht,7 os Estados-membros,
RESOLVIDOS a assinalar uma nova fase no processo de integração europeia
iniciado com a instituição das Comunidades Europeias, RECORDANDO a
importância histórica do fim da divisão do Continente Europeu e a necessidade
da criação de bases sólidas para a construção da futura Europa, CONFIR-
MANDO o seu apego aos princípios da liberdade, da democracia, do respeito
pelos direitos do Homem e liberdades fundamentais e do Estado de direito,
DESEJANDO aprofundar a solidariedade entre os seus povos, respeitando
a sua História, cultura e tradições, DESEJANDO reforçar o carácter demo-
crático e a eficácia do funcionamento das Instituições, a fim de lhes permitir
melhor desempenhar, num quadro institucional único, as tarefas que lhes
estão confiadas, RESOLVIDOS a conseguir o reforço e a convergência das
suas economias e a instituir uma União Econômica e Monetária, incluindo,
nos termos das disposições do presente Tratado, uma moeda única e estável,
DETERMINADOS a promover o progresso econômico e social dos seus povos,
no contexto da realização do mercado interno e do reforço da coesão e da
proteção do ambiente, e a aplicar políticas que garantam que os progressos na
integração econômica sejam acompanhados de progressos paralelos noutras
áreas, RESOLVIDOS a instituir uma cidadania comum aos nacionais dos seus
países, RESOLVIDOS a executar uma política externa e de segurança que inclua
a definição, a prazo, de uma política de defesa comum que poderá conduzir,
no momento próprio, a uma defesa comum, fortalecendo assim a identidade
europeia e a sua independência, em ordem a promover a paz, a segurança e o
progresso na Europa e no mundo; REAFIRMANDO o seu objetivo de facilitar a
livre circulação de pessoas, sem deixar de garantir a segurança dos seus povos,
através da inclusão, no presente tratado, de disposições relativas à justiça e
aos assuntos internos, RESOLVIDOS a continuar o processo de criação de
uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões
sejam tomadas ao nível mais próximo possível dos cidadãos, de acordo com
o princípio da subsidiariedade, NA PERSPECTIVA das etapas ulteriores a
transpor para fazer progredir a integração europeia, DECIDIRAM instituir uma
União Europeia. (TREATY ON EUROPEAN UNION, 1992, s/p)8
10 Por abranger estas comunidades já existentes, o Pilar I também é definido como “Comunidades Euro-
peias” na literatura. As duas formas são corretas.
42 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
11 Adaptado e traduzido pela autora de Corbett, Peterson e Bomberg (2012) e Phinnemore (2013).
Capítulo | 2 A Integração e o Fim da Guerra Fria (1986/1997) 43
12 Nos próximos itens deste capítulo, a estrutura institucional do bloco é analisada por meio de sua divisão
em dimensões: políticas, sociais e culturais; econômicas; e estratégicas.
44 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
rápida adesão. A adesão, contudo, somente ocorreu após o Tratado de Nice (2001) e
sua entrada em vigor em 2003. Isso, no caso, nos leva à “segunda” Europa.
Contraposta a esta trajetória aparentemente linear da “Europa 1”, a “Europa 2”
caracteriza-se por um contexto de crise intrabloco e extrabloco. A crise intrabloco cor-
responde à permanência das tensões descritas entre a soberania e a supranacionalidade
em diversas áreas da política comum, e a permanência de soluções intergovernamentais
para tentar fazer avançar a integração. Essas soluções oferecem um paradoxo às ideias
de “Europa unida” e facilitam as exceções à regra, em particular para nações que
sempre buscaram uma integração mais frouxa como a Grã-Bretanha.
As exceções estendem-se aos Estados-membros supostamente mais comprometi-
dos, mas que quando pressionados a abrir mão de seu interesse nacional, como França
e Alemanha, optam pelo caminho da soberania. Para ambas, a situação se aplica tanto
ao Euro (do qual a Grã-Bretanha até 2013 não participa) como à PESC e ao pilar
social-jurídico. Da mesma forma, corresponde à permanência das assimetrias sociais e
econômicas entre o núcleo e a periferia europeia, de caráter ocidental, à qual se agrega
a “nova periferia oriental”.
No que se refere ao Leste Europeu, a euforia inicial da década de 1990 foi sendo
substituída, gradualmente, por uma frustração relativa com a ausência de ajuda eco-
nômica e política da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. A partir de meados dos
anos 1990, as mudanças na estrutura política, social e econômica das sociedades pós
-socialistas encontravam limites práticos: o baixo crescimento econômico, o aumento
do desemprego e a perda das redes de proteção social.
A Rússia era ainda vista como ameaça apesar de sua fragilidade (situação que
somente começaria a mudar de 1999 em diante com a ascensão de Vladimir Putin
ao poder) e o Leste Europeu como uma zona tampão entre o Ocidente e o Oriente.
Em termos lógicos, o ideal seria, para a Europa Ocidental e os Estados Unidos, jus-
tamente reforçar esta zona tampão para prevenir o revisionismo russo e a geração
de instabilidade no antigo bloco soviético. Apesar de iniciativas como os Acordos
de Parceria e Cooperação (PCAs) da União Europeia com a Rússia, Leste Europeu,
Sul do Cáucaso e Ásia Central, prevalecia um vácuo de iniciativas práticas, além das
gerais declarações de apoio da União Europeia à transição e consolidação dos regimes
políticos democráticos e economias capitalistas na região.
Paradoxalmente, contudo, a política europeia era de isolamento e distanciamento do
Leste, da Rússia e da Turquia, com base na avaliação de que a integração dessas nações
à União Europeia poderia ser política e economicamente custosa. Havia, portanto,
um descolamento entre o discurso europeu pró-Europa unida e a realidade do Leste
Europeu, ainda percebido como periferia não ocidental e, portanto, não prioritária na
agenda de Maastricht. O caso da Turquia é ainda mais complexo, pois envolve a am-
pliação e possível inclusão de um país muçulmano ao bloco, com impactos que seriam
sentidos não só na integração como um todo, mas país a país. A forte imigração do
Oriente Médio e da África para a Europa Ocidental nas últimas décadas reforçou os
contingentes populacionais de origem muçulmana em diversas nações como a França,
gerando o temor de um avanço do fundamentalismo islâmico intrabloco.
Coloca-se a imagem do “choque das civilizações” de Samuel Huntington (1997),
opondo o “ocidente e o resto”, mesmo que o “resto” já seja parte significativa da
Capítulo | 2 A Integração e o Fim da Guerra Fria (1986/1997) 45
Por sua vez, demanda-se da União, “(...) A capacidade de absorver novos mem-
bros, preservando, ao mesmo tempo, o momento da integração europeia, o que
é uma relevante questão para o interesse geral tanto da União quanto dos países
candidatos” (AVERY, 2012, p. 165).14 O propósito é sempre manter a coesão da
integração, mesmo que isso possa ser alvo de críticas da comunidade internacional e
de parceiros estratégicos pela “lentidão do processo”. Os primeiros passos dados pela
União Europeia para sua expansão ocorreram somente em 1997, para, finalmente,
consolidar-se em 2003. Ou seja, ainda que a integração parecesse caminhar de forma
decisiva na chamada “Europa 1”, na “Europa 2”, as tensões eram manifestas. Tensões
que também se aplicavam às disputas políticas intrabloco no Ocidente e à aceleração
dos processos de algumas políticas comuns como o Euro, como forma de provar o
sucesso da integração.
13 Tradução da autora.
14 Idem.
15 No Pilar I, também se encontram as instituições econômicas, analisadas no próximo item.
Capítulo | 2 A Integração e o Fim da Guerra Fria (1986/1997) 47
porém, sem deixar de referendar as posições nacionais, por meio da criação de ins-
tâncias de verificação e accountability entre os organismos do bloco e os governos.
Abaixo, estas funções e interações encontram-se sistematizadas:
● Conselho Europeu – definido como a mais relevante instância da União Europeia,
consolidou-se formalmente em 1992 e, a partir do Tratado de Lisboa (2007),
converteu-se em instituição. É composto pelos chefes de Estado ou governo
dos Estados-membros, o presidente da Comissão Europeia e o presidente do
Conselho Europeu (assim como a Alta Representante da União Europeia para
os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança). As suas decisões ocorrem
por consenso e visam prover o direcionamento ao bloco, a partir da discussão
e avaliação das políticas propostas, não cabendo a esta instância a elaboração
dessas propostas.
Como destaca a literatura, o conselho não detém qualquer função legislativa ou
propositiva sobre os rumos da União, cabendo apenas a avaliação do que foi elaborado
pela Comissão Europeia. O conselho é a “ponta final” do processo, cabendo a ele
somente a decisão em temas de política externa, atualização de tratados, coordenação
e procedimentos decisórios e apresentação de diretrizes estratégicas para o futuro do
bloco. Em resumo,
O Conselho Europeu desempenha essencialmente duas funções: definir a
direção e as prioridades políticas gerais e resolver determinadas questões que,
pela sua complexidade ou sensibilidade, não podem ser resolvidas a um nível
inferior da cooperação intergovernamental (...) não tem quaisquer poderes
legislativos. (CONSELHO EUROPEU, s/a, s/p)16
Seria possível até mesmo questionar, por esta ausência de iniciativa legislativa se, de
fato, o Conselho Europeu seria o órgão mais importante do bloco como impulsionador
de metas ou se funcionaria como um obstáculo ao aprofundamento devido à prevalência
da palavra final dos Estados nos rumos da integração. Não estaria o conselho impedindo
o aprofundamento da supranacionalidade? E haveria mesmo esta não ação legislativa?
Em casos como de política externa, não seria o conselho o formulador da dimensão
estratégica ao discutir os rumos externos da União e propor ações? Estas são questões
que, como será analisado, ainda permanecem com respostas ambíguas mesmo após as
reformas do recente Tratado de Lisboa, e que desde Maastricht podem ser percebidas
(ver a sobreposição de funções a seguir e a existência de várias instâncias exercendo
a mesma tarefa). Nesse sentido, isso pode ser percebido na definição da atuação da
Comissão Europeia e do Conselho da União Europeia.
● Comissão Europeia – como indica Peterson (2012), a comissão é originária do
cargo de Alta Autoridade da CECA, exercido por Jean Monnet inicialmente.
Além de Monnet, são considerados nomes-chave no fortalecimento e dinâmica
da Comissão, Jacques Delors (1985/1995), que estava à frente da mesma na ela-
● Tribunal de Justiça – referente ao Pilar III, mas com implicações sociais e para a
legislação interna dos Estados, teve estabelecidas em Maastricht as seguintes funções:
(...) em áreas que não são consideradas como de ação exclusiva dos poderes
da comunidade, a comunidade só deve agir quando os objetivos podem ser
melhor atingidos por ela do que pelo nível nacional (...) a União deve tomar
decisões tão próximas quanto for possível ao cidadão. PRINCÍPIO DA SUB-
SIDIARIEDADE, s/a, s/p)20
Por sua vez, as áreas definidas como relevantes pelo Comitê das Regiões são:
coesão territorial; política econômica e social; educação, juventude e inves-
tigação; ambiente, alterações climáticas e energia; cidadania, governação, as-
suntos institucionais e externos; recursos naturais.22 (COMITÊ DAS REGIÕES,
s/a, s/p)
Como se pode perceber pela somatória da missão e das áreas definidas como
prioritárias do Comitê das Regiões, o objetivo é a promoção da descentralização
das decisões. Esta descentralização corresponde a temas que teriam mais impacto
nas comunidades locais que, dessa forma, deveriam ter mais autonomia para avaliar
de que forma lidar com essas questões e elaborar políticas mais adequadas para sua
administração. O comitê, como indicado, visa suprir o déficit democrático do bloco,
ao redirecionar o espaço de discussão de políticas para as regiões. Os membros do
comitê são indicados pelos Estados-membros, e o mesmo é dividido em seis comissões:
Comissão de Cidadania, Governança, Assuntos Institucionais e Externos; Comissão
para a Política de Coesão Territorial; Comissão para Política Social e Econômica,
Comissão para Educação, Juventude e Pesquisa; Comissão para o Meio Ambiente,
Mudança Climática e Energia; Comissão para Recursos Naturais.
Outro princípio com objetivo similar instaurado a partir de Maastricht foi o da
proporcionalidade, que visa estabelecer limites mais claros para atribuições das ins-
tituições da União Europeia. Segundo esse princípio, a ação a ser tomada, e quem deve
tomar a ação, deve ser decidido a partir do objetivo estabelecido. Apesar de essa visão
poder representar maior flexibilidade e controle democrático para os níveis subnacio-
nais e nacionais vis-à-vis com as instituições supranacionais, isso permite, também,
que as decisões sejam tomadas ad hoc. Igualmente, pode permitir decisões sem a in-
tervenção das instâncias supranacionais, favorecendo as práticas intergovernamentais.
A perspectiva de aproximar-se do “cidadão”, superando o déficit democrático,
igualmente estendeu-se à reforma do Parlamento Europeu, o objetivo foi demonstrar
o aumento de sua capacidade de influenciar esses processos. Como visto acima, as
instituições da União Europeia e suas decisões cada vez mais passam pelo crivo do
Parlamento Europeu, como instância representativa da vontade popular. Paradoxalmente,
esse movimento de reforço dos poderes do Parlamento foi acompanhado pelo crescente
24 Disponível em http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_maas-
tricht_pt.htm. Acesso em 22 de julho de 2013.
25 Disponível em http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_maas-
tricht_pt.htm. Acesso em 22 de julho de 2013.
Capítulo | 2 A Integração e o Fim da Guerra Fria (1986/1997) 53
e extensão dos resultados positivos de um setor para as outras arenas de interação dos
Estados, aprofundando a interdependência entre os pares.
A construção e consolidação do mercado comum desde 1957 assumiu o papel de
iniciador deste processo, ao qual se agregou no mesmo período a Política Agrícola
Comum. Nos anos 1970, esses esforços foram acompanhados pelo estabelecimento dos
fundos de desenvolvimento setoriais e regionais, associados ao FEDER e ao Comitê
Social e Econômico, que detém forte ligação com os componentes sociais da integração
no que se refere à melhoria das condições de vida europeia, do fortalecimento das
economias locais e redução de assimetrias internas nestas nações e vis-à-vis com os
demais Estados europeus.
No que se refere ao Mercado Comum, o mesmo é implementado, englobando o que é
definido pela União Europeia como liberdade de circulação de pessoas, bens, serviços e
capitais.27 O Mercado Comum é o último estágio da integração econômica europeia que
havia sido iniciada em 1957, já tendo como objetivo a construção deste espaço único.
Desde o Tratado de Roma, até chegar-se ao Mercado Comum, o bloco atravessou as
fases de área comercial, união aduaneira e mercado único, ao longo das últimas décadas.
A etapa do mercado único representou um esforço abrangente dos Estados-mem-
bros ao longo dos anos 1980 para a remoção de barreiras físicas, técnicas e fiscais,
visando consolidar o mercado único já nos anos 1990. A simplificação de controles
fronteiriços e de barreiras internas para a circulação de pessoas e bens (esforço no
qual Schengen desempenhou papel central), associado ao incentivo à liberalização de
capitais, assim como a abertura do setor de transportes, a harmonização e a europei-
zação de procedimentos foram característicos do período. Assim, ainda que alguns
setores como serviços permaneçam objeto de controvérsia e com predomínio do
caráter nacional nas decisões, a consolidação do bloco europeu tornou-se realidade.
A integração europeia muitas vezes foi definida como centrada na economia.
Mesmo quando as negociações para aprofundamento político-social-estratégico encon-
travam entraves, o comércio intrabloco e a projeção do bloco como ator econômico
global mantiveram-se com uma trajetória quase linear. Como examinado no Capítulo
1, essa situação gerou o descolamento entre estas dimensões, economia, política e
sociedade, com muitas nações defendendo o abandono de projetos mais ambiciosos em
benefício das trocas comerciais. Para os europeístas, entretanto, o sucesso econômico
sempre foi visto como degrau essencial para avançar projetos nos demais setores. A
correlação entre prosperidade e ampliação das áreas de integração vem sendo explorada
como forma de permitir saltos qualitativos em novos setores.
A contrapartida desta tática é que ao condicionar os progressos gerais da integração
à economia, o bloco colocou-se como refém da expansão e crescimento como elemento
legitimador da União Europeia. Ao diminuir esse crescimento, ou gerar-se a crise, a
tendência é a diminuição do apoio popular ao bloco, como ocorre desde a eclosão das
instabilidades na Zona do Euro. Tal situação somente agrava o já conhecido déficit
democrático, desinteresse pelos processos europeus, a assimetria político-econômica
entre os Estados mais e menos poderosos no bloco e as disputas entre os mecanismos
supranacionais europeus e a soberania estatal.
Essa agenda tinha como foco a solidez das economias envolvidas no processo
de transição à moeda única, com o amparo de políticas de desenvolvimento para
redução de assimetrias entre os Estados-membros (a fim de que pudessem ter melhores
condições de cumprir os critérios de convergência estabelecidos na Etapa 3). Além
disso, o incentivo às políticas multilaterais visava incrementar a cooperação entre os
bancos centrais nacionais, cuja expansão era prevista na Etapa 2.
juro: as taxas de juro a longo prazo não podem variar mais de 2% em relação
à média das taxas dos três Estados com taxas mais baixas; déficits: os déficits
públicos nacionais devem ser inferiores a 3% do PIB; dívida pública: a dívida
pública não pode exceder 60% do PIB; estabilidade das taxas de câmbio:
as taxas de câmbio deverão ter se mantido dentro da margem de flutuação
autorizada durante os dois anos anteriores.” (EUROPA EM DOZE LIÇÕES,
as/, s/p)34
A partir de 2007, essa realidade levou à eclosão da crise da Zona do Euro, como
parte das instabilidades globais que antigiram os principais centros econômicos
ocidentais, a Europa e os Estados Unidos, como analisado no Capítulo 3.
Tendo como base esses objetivos, a PESC foi alocada no Conselho Europeu, que,
como indicam Peterson, Byrne and Hewling (2012), passou a fornecer-lhe direção
estratégica. Papel importante era exercido pelo Conselho de Assuntos Gerais e de
Relações Externas, em associação com o COREPER II e os Comitês Políticos e Sociais.
O Parlamento Europeu detinha somente caráter consultivo nas questões de política
externa, a despeito de críticas sobre o déficit democrático do processo.
Cronologia 1986/1997
● 1986 - Assinatura do AUE (Ato Único Europeu)
● 1991
● 1995
● Acordo de Schengen
1. Este capítulo contou com a colaboração de Clarissa Forner e Marcela Franzoni, graduandas em Relações
Internacionais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
65
66 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
2. A previsão de encerramento da guerra é agosto de 2014, conforme decisão da aliança, tomada tendo
como base a política da administração democrata de Barack Obama (2009/2013).
Capítulo | 3 A Encruzilhada do Século XXI (1998/2013) 67
3. Até Julho de 2013 os países membros da Zona do Euro são: Áustria, Bélgica, Chipre, Alemanha, Es-
lovênia, Eslováquia, Estônia, Grécia, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo,
Malta e Portugal. Na categoria dos Estados que não utilizam o euro, encontram-se membros em processo
de adoção da moeda e outros que optaram por não adotar. Na primeira categoria encontram-se Bulgária,
República Tcheca, Hungria, Lituânia, Letônia, Polônia, Romênia e Croácia. Na segunda, Suécia, Reino
Unido e Dinamarca. Dados disponíveis em: http://europa.eu/abc/12lessons/lesson_7/index_pt.htm. Acesso
em 19 de junho de 2013.
Capítulo | 3 A Encruzilhada do Século XXI (1998/2013) 69
4. No original, “A Secure Europe in a Better World- ESE”. Para o texto completo ver http://www.consilium.
europa.eu/uedocs/cmsUpload/78367.pdf. Acesso em 20 de julho de 2013.
5. Tradução da autora.
Capítulo | 3 A Encruzilhada do Século XXI (1998/2013) 71
O lançamento da carta7 abria espaço para a consolidação de uma meta mais ambi-
ciosa: o estabelecimento de uma Constituição Europeia. Essa constituição abrangeria
não só os direitos fundamentais do bloco, como teria caráter vinculante e até sobreposto
às constituições nacionais, que passariam a se adequar às normas do bloco. Devido à
euforia gerada pelo processo de implementação do euro e a prosperidade econômica
associadas a ele naquele momento (que se revelaria frágil e questionável pouco mais
de uma década depois), e o impulso da cidadania europeia provocada pela queda das
fronteiras, os gestores europeus acreditavam que haveria um clima positivo entre
governos e sociedades que favoreceria a substituição do modelo clássico de sobera-
nia e uma integração ainda intergovernamental em muitos setores pela premissa da
governança coletiva.
Com isso logo na sequência do lançamento da carta outras iniciativas somaram-se
no sentido de avançar de forma acelerada a proposta da constituição, conforme es-
tabelecido na Declaração de Laeken Sobre o Futuro da União Europeia. Inicialmente
oferecendo um diagnóstico sobre o bloco e seus progressos, a declaração afirma que,
a União Europeia (...) foi (...) criada progressivamente. A princípio, tratava-se
sobretudo de uma cooperação econômica e técnica. Há 20 anos, a primeira
eleição direta do Parlamento Europeu veio reforçar consideravelmente a
legitimidade democrática da comunidade, que até aí assentava unicamente no
conselho. Nos últimos 10 anos, foram lançadas as bases de uma união política
e estabelecida uma cooperação nos domínios da política social, emprego, asilo,
imigração, polícia, justiça e política externa, bem como uma política comum
de segurança e defesa. A União Europeia é um êxito. Há mais de meio século
que a Europa vive em paz. Juntamente com os Estados Unidos da América e
o Japão, a União é uma das três regiões mais prósperas do planeta. Graças à
solidariedade mútua e a uma repartição equitativa dos frutos do desenvolvi-
mento econômico, registrou-se um forte aumento do nível de vida das regiões
mais desfavorecidas da União, o que lhes permitiu recuperar em grande parte
o seu atraso.8 (DECLARAÇÃO DE LAEKEN, 2001, s/p)
6. Disponível em http://europa.eu/legislation_summaries/justice_freedom_security/combating_
discrimination/l33501_pt.htm. Acesso em 30 de julho de 2013. O texto completo da versão de 2000 da Carta
de Direitos Fundamentais pode ser acessado em http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf.
Acesso em 30 de julho de 2013.
7. Para garantir estes objetivos, o desenvolvimento de instituições próprias de segurança como a Agência de
Defesa Europeia (2004), a EUROPOL prevista em Maastricht e a FRONTEX para a proteção de fronteiras
demonstram-se essenciais.
8. Disponível em http://european-convention.eu.int/pdf/lknpt.pdf. Acesso em 30 de julho de 2013.
Capítulo | 3 A Encruzilhada do Século XXI (1998/2013) 73
Nesse contexto, o sucesso do projeto europeu demonstra que é preciso lidar com
desafios internos e externos, que permitam que esse sucesso estenda-se de forma
mais decisiva e duradoura sobre o continente. Ao fortalecer o continente, a União se
fortaleceria como ator internacional de vanguarda, associado às tendências de progresso
global, e a perda de importância relativa de temas relativos à guerra e ao militarismo,
abrindo espaço para a cooperação. Enquanto os Estados Unidos de Bush filho pareciam
se perder no pós-11 de setembro no unilateralismo e na violência, a Europa oferecia
um novo padrão de intercâmbios ao mundo, com propostas diferenciadas e próximas
à sociedade, com viés humanista. Assim,
a unificação da Europa está iminente. A União está prestes a alargar-se a mais
de 10 novos Estados-membros, principalmente da Europa Central e Oriental
(...) esta verdadeira mutação requer obviamente uma abordagem diferente
da que foi adotada há 50 anos (...) a União vê-se confrontada com um duplo
desafio, um interno e outro externo (...) há que se aproximar as instituições eu-
ropeias dos cidadãos (...) que sejam menos pesadas e rígidas e, sobretudo, mais
eficientes (...) a União Europeia vê-se confrontada com um mundo globaliza-
do (...) a Europa deve assumir suas responsabilidades na gestão da globalização
(...) Uma potência que pretende dar enquadramento ético à globalização (...)
enraizá-la na solidariedade e no desenvolvimento sustentável (...) a União deve
passar a ser mais democrática, mais transparente e mais eficaz (...) estabelecer
uma distinção mas clara entre (...) competências (...) coloca-se a questão de
saber se esta simplificação e reestruturação não deveriam conduzir à adoção na
União de um texto constitucional.9 (DECLARAÇÃO DE LAEKEN, 2001, s/p)
10. Um breve histórico do processo encontra-se disponível em “Uma Constituição para a Europa” em
http://europa.eu/scadplus/constitution/introduction_pt.htm. Acesso em 7 de agosto de 2013.
Capítulo | 3 A Encruzilhada do Século XXI (1998/2013) 75
mais uma vez as sociedades nacionais eram chamadas a opinar somente no fim do
processo, para validar ou não o texto, sem ter participado de forma mais ativa nas
negociações.
Essas críticas, porém, eram rejeitadas pela “Convenção Europeia” que entre
2003/2004 elaborou o tratado, composta por representantes dos governos, do Par
lamento Europeu, da sociedade civil e dos Estados candidatos. Segundo Church e
Phinnemore (2013), havia também uma preocupação com a divulgação por sítios
oficiais e canais de imprensa de quais discussões estavam em andamento e os resulta
dos obtidos, o que refuta a impressão de falta de transparência também alegada por
alguns. Na interpretação dos autores, o déficit democrático residiu principalmente na
dificuldade em motivar as sociedades a se informar e participar sobre o processo, do
que em um distanciamento do mesmo das populações e governos.
Adicionalmente, nem todas as sociedades nacionais foram chamadas por seus Es-
tados para serem agentes decisivos do processo de ratificação do tratado. Assim, se o
déficit foi marcante nas duas primeiras etapas, gênese e divulgação de conteúdo, ele
também o foi na maior parte do processo de ratificação. A maioria dos países optou
por não submeter o texto à população, tomando a decisão em nível Executivo ou
Legislativo, aprovando o tratado sem consulta popular. Dentre os países que optaram
por essa via e ratificaram o acordo encontram-se: Áustria, Bélgica, Chipre, Estônia,
Finlândia, Grécia, Hungria, Itália, Letônia, Lituânia, Malta, Eslovênia, Eslováquia, e os
casos específicos da Romênia e da Bulgária. Em 2005, ambos os países encontravam-se
ainda em processo de adesão ao bloco, finalizada somente em 2007. Com isso, nesses
dois casos, a ratificação foi apresentada como uma condição para que o processo de
incorporação fosse finalizado.
Dentre os que optaram por consulta popular, Espanha, Luxemburgo, França e
Holanda, os resultados demonstram o distanciamento entre o plano previsto pela
União Europeia e as avaliações das sociedades sobre o que representava a “Cons-
tituição”. À exceção de Luxemburgo, onde 56% da população aprovou o texto e com
alta participação no referendo, na Espanha a baixa presença de eleitores levou o tema
para ser decidido pelo Parlamento. Apenas 42% dos espanhóis foram às urnas para
manifestar sua aprovação ao tratado, e ainda que, desses 42% mais de 70% tenham
se declarado favoráveis à Constituição, o número de eleitores era insuficiente pela
legislação do país para permitir a aprovação (por isso o envio ao Legislativo que a
aprovou).
França e Holanda foram as nações decisivas no processo de ratificação, ao re-
jeitarem o tratado, respectivamente com 55% e 61% de votos não à Constituição. A
despeito da postura pró-aliança de governantes de ambos, e grande parte dos partidos
(à exceção dos partidos de direita e xenófobos), a população votou majoritariamente
contra essa iniciativa. Simbolicamente, a rejeição franco-holandesa foi vista como
um quase sinônimo do esgotamento dos esforços pela supranacionalidade europeia,
visto que se tratavam de membros fundadores da Europa integrada. Internamente, isso
elevou discussões sobre o real apoio ou não de suas sociedades a etapas anteriores da
integração, quando não foram realizados plebiscitos sobre temas polêmicos, estando
aí incluído o euro.
76 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
11. Além da Irlanda, cuja população era bastante resistente a novos tratados, tendo aprovado Nice somente
no segundo referendo, outro país no qual a oposição à “Europa” e suas dimensões de aprofundamento crescia
era a República Tcheca, com foco no Presidente Vaclav Havel. Um dos líderes da Primavera de Praga de
1968 e ativo na Revolução de Veludo de 1989, Havel via o poder europeu como uma ingerência à soberania
tcheca e fez ativa campanha contra as iniciativas de aprofundamento do bloco.
12. Esta visão, entretanto, não era consensual, uma vez que a política atômica, estratégica e energética
poderia ser tratada no âmbito da PESC, da PESD, ou mesmo como tema econômico e de infraestrutura.
Capítulo | 3 A Encruzilhada do Século XXI (1998/2013) 77
A Parte IV, por sua vez, “As Provisões Gerais e Finais” estabelece “os procedimen-
tos de revisão e ratificação do texto, ao qual se seguem os seguintes protocolos: (...)
ao papel dos parlamentos nacionais na União Europeia (...) à aplicação dos princípios
da subsidiariedade e da proporcionalidade. (...) relativo ao Eurogrupo. (...) que altera
o Tratado Euratom e (...) às disposições transitórias respeitantes às instituições e
órgãos da União”.16
Em termos de principais alterações, ainda se pode fazer um maior detalhamento
das mesmas como base nas informações do sítio da União. Neste sítio, as alterações
são divididas em quatro capítulos: definição dos princípios fundamentais da União, as
instituições, os processos de decisão e as políticas da União. A seguir, encontram-se
listadas, a partir de citações do sítio, essas mudanças. Sobre os princípios fundamentais,
estabelece-se a:
Consagração dos valores e objetivos da União, bem como dos direitos dos
cidadãos europeus, graças à inclusão da Carta Europeia dos Direitos Fun-
damentais na Constituição. Atribuição de uma personalidade jurídica única
à União (fusão da Comunidade Europeia com a União Europeia). Definição
clara e estável das competências (competências exclusivas, partilhadas e com-
petências de apoio) e da sua repartição entre os Estados-membros e a União.
Criação de uma cláusula de saída voluntária que, pela primeira vez, oferece
a possibilidade de um Estado-membro se retirar da União. Simplificação dos
instrumentos de ação da União, que se reduzem de 15 para 6, e simplificação
da terminologia: introdução dos termos “leis europeias” e “leis-quadro
europeias”. Definição, pela primeira vez, dos fundamentos democráticos da
União e, entre estes, da democracia participativa e criação de uma verdadeira
possibilidade de iniciativa legislativa popular. (UMA CONSTITUIÇÃO PARA
A EUROPA, 2005, s/p)17
Em termos institucionais,
nova distribuição de assentos no Parlamento Europeu, feita de modo degres-
sivamente proporcional. Institucionalização formal do Conselho Europeu,
encabeçado por um presidente, eleito por um mandato de dois anos e meio e,
por conseguinte, abolição das presidências rotativas. Criação de uma comis
são de dimensões reduzidas a partir de 2014, cujo número de comissários é
igual a dois terços do número de Estados-membros. Eleição do presidente da
comissão pelo Parlamento Europeu, com base numa proposta do Conselho
Europeu. Nomeação de um Ministro dos Negócios Estrangeiros que reúne as
funções de Comissário das Relações Externas e de Alto Representante para
a Política Externa e de Segurança Comum, com vínculo ao conselho. (UMA
CONSTITUIÇÃO PARA A EUROPA, 2004, s/p)18
A partir dessas citações, porém, é ainda necessário delinear com mais clareza quais
dessas agendas foram identificadas como as mais relevantes em termos de atualização:
extensão da maioria qualificada nas votações do Conselho Europeu, o aumento dos
poderes do Parlamento Europeu devido à adoção do procedimento legislativo ordinário
(OLP), redução do tamanho da Comissão Europeia, a indicação de uma presidência
para o Conselho Europeu em substituição ao rodízio e o estabelecimento de um novo
ministro europeu para as questões internacionais.
Dentre estes, três temas ainda podem ser considerados mais inovadores, seja por
se referirem a áreas polêmicas dentro da União, como pela busca de provê-los de nova
identidade: o item, referente à criação do posto de ministro para a representação dos
interesses externos europeus visava prover maior unidade nas discussões da PESC e
da PESD, considerando essencial desvincular o tema de assuntos mais gerais tratados
nos fóruns europeus; segundo, a mudança na regra da maioria qualificada; e, terceiro,
a modificação do sistema de codecisão e a sua substituição pelo OLP, que dava ao
Parlamento maior capacidade de influenciar a tomada de decisão no bloco, abrindo a
possibilidade de maior participação de comitês específicos.
Essa modificação visava diminuir as críticas sobre o déficit democrático, ao dar
mais poder de decisão a outras instâncias com envolvimento popular e social como
indicado. Entretanto, ela não modificava a origem do processo de formulação de
política (isto é, de definição de agenda), que continuava centralizado na Comissão
Europeia. Além disso, a extensão da maioria qualificada e a maior complexidade da
fórmula, visando melhor equalizar as demandas dos Estados maiores e menores era
interpretada de forma dúbia pelos envolvidos (assim como a distribuição dos recursos
do fundo de desenvolvimento): enquanto os Estados maiores temiam perder poder caso
fosse bem-sucedida uma coalizão de países menores atingindo os 55% de Estados e os
65% de população, os Estados menores encaravam a dinâmica como sempre favorável
aos Estados mais poderosos como França e Alemanha, que concentravam o maior
contingente populacional e meios financeiros de agregar novos parceiros.
Ou seja, o texto permitia, em diversos setores, diferentes interpretações, que
podiam ser politicamente manipuladas nos debates políticos. Como indicam de forma
pragmática, Church e Phinnemore, isso permitia que a percepção sobre o texto pendes-
se mais ao lado negativo do que ao positivo.
(...) o documento aprovado era extenso e dividido em quatro partes. A elas eram
somadas anexos, protocolos, declarações e o ato final. Ele fora desenhado para
substituir todos os tratados existentes e tornar-se um documento constitucional
único para a União. Entretanto, mesmo que estivesse em um só volume, para
aqueles que esperavam, ou temiam que a Convenção e a Conferência Intergover-
namental produzissem uma constituição curta e sucinta, o texto foi desapontador –
482 páginas, complexo e, algumas vezes, impenetrável, e pouco fazendo para
promover a transparência e o acompanhamento (...) Em termos de conteúdo,
não havia muita coisa nova. (CHURCH & PHINNEMORE, 2013, p. 44-45)20
A Constituição era apresentada como uma síntese da legislação prévia, para garantir
sua continuidade e estabilidade jurídica, mas que não se demonstrava nem clara ou
sucinta. Na dimensão da inovação, a alteração de procedimentos de decisão e dinâmicas
políticas não parecia gerar significativas mudanças, mantendo-se problemas no que
se refere à participação popular, e os dilemas da formulação da PESC e da PESD.
Adicionalmente, se estendia ao estabelecimento dos símbolos da União, visando
prover-lhe uma identidade mais clara, como parte dos avanços sociais e culturais,
no campo da construção da cidadania europeia. Como destacado no sítio da União,
não estão sendo criados novos símbolos, apenas estava se fornecendo “importância
constitucional”21 aos já existentes:
A bandeira da União, que representa um círculo de 12 estrelas douradas sobre
fundo azul; O hino da União, que se baseia no Hino à Alegria da Nona Sinfonia
de Ludwig Van Beethoven; O lema da União, que é “Unida na diversidade”;
A moeda da União, o euro; O dia 9 de maio, comemorado em toda a União
como o Dia da Europa, em memória da declaração de Robert Schuman que deu
início ao projeto de integração europeia. (RESULTADOS DA CONVENÇÃO
EUROPEIA, 2005)22
pilar (Justiça e Assuntos Internos), até agora regidos pelo método intergover-
namental, passam a ser regidos pelo método comunitário; Reforço da Política
Externa e de Segurança Comum através da instituição de um Ministro Europeu
dos Negócios Estrangeiros e da definição progressiva de uma política comum de
defesa, graças, designadamente, à criação de uma agência europeia de defesa
e à autorização de cooperações reforçadas neste domínio.; Criação de um
verdadeiro espaço de liberdade, de segurança e de justiça, graças à previsão
do estabelecimento de políticas comuns em matéria de asilo, imigração e con-
trole das fronteiras externas, bem como em matéria de cooperação judiciária
e policial, graças ao desenvolvimento de ações pela Europol e Eurojust e à
possibilidade de instituição de uma procuradoria europeia. (UMA CONS-
TITUIÇÃO PARA A EUROPA, 2004)23
Não se pode reduzir o tratado a apenas uma síntese como ocorria como respos-
ta às críticas de setores governamentais, partidários e da sociedade. Alegar que o
tratado pressupunha maior participação popular pela mudança institucional, ou maior
liberdade aos Estados por estabelecer a cláusula de saída voluntária é apresentar o
problema de forma parcial e evitar o debate central. Mesmo assim, há de questionar
a reticência dos críticos, eurocéticos e pessimistas, associados aos defensores de
uma união mais frouxa, por sua rejeição à “Constituição”. Apesar das acusações
sobre seu déficit democrático, a elaboração do texto foi conhecida e acompanhada
principalmente pelos governos, não sendo o seu resultado motivo de surpresa. Nos
processos de ratificação, existiram tentativas de aproximar o texto da população,
com a apresentação de seu conteúdo de forma reduzida, buscando explicar o mesmo.
Entretanto, isso não foi suficiente para reverter as avaliações negativas que passaram
a dominar as discussões.
De acordo com Church e Phinemmore (2013), a despeito da elevação dos ânimos
pró e contra Europa a partir das discussões da “Constituição”, os debates dela derivados
reproduziam os mesmos que sempre dominaram a história da construção do bloco:
intergovernamentalismo x supranacionalidade, aprofundamento x alargamento, déficit
democrático e atlanticismo x europeísmo. Não se pode negar que o texto era, de fato,
ambicioso, mas havia uma percepção entre seus formuladores de que o contexto
mostrava-se de alguma forma favorável e receptivo a essa proposta de mudança em
direção ao aprofundamento e até mesmo à redivisão de poderes entre os membros da
“Europa dos 25” ao modificar procedimentos de votação.
Como indicado, a Europa do início do século XXI vivia uma sequência de mo-
mentos de aprofundamento e alargamento, que geravam uma euforia significativa em
torno do euro, da cidadania europeia em um continente sem fronteiras. Euforia esta
que era compartilhada por setores populares, em particular entre os mais jovens, e
os governos e partidos defensores da União. Havia, ainda, um aumento da confiança
externa europeia por ter-se demonstrado capaz de opor-se a Bush filho e seu unilate-
ralismo, que parecia sinalizar a adoção da tão esperada política externa de vanguarda,
Por sua vez, a mecânica para a implementação desses objetivos e o dia a dia do
bloco encontram-se definidos pelo Tratado de Funcionamento da União Europeia. Mais
extenso que o Tratado da União Europeia, o Tratado de Funcionamento é composto
por um preâmbulo e sete partes que, por sua vez, são divididas em títulos e capítulos,
conforme o Quadro 3.2.
29 Adaptado e traduzido pela autora de Church e Phinnemore (2013, p. 49) e de Tratado sobre o Funcio-
namento da União Europeia (Versão Consolidada).
Capítulo | 3 A Encruzilhada do Século XXI (1998/2013) 87
Outro tema que, como o social, recebera caráter “constitucional” no documento an-
terior e gerara similar controvérsia quanto ao avanço da União nos domínios nacionais
dos Estados, foi o da institucionalização dos símbolos da União, um dos temas mais
controversos do debate. Em ambos os casos, direitos e símbolos, a obrigatoriedade
legal de legitimar esses mecanismos como prioritários sobre os nacionais foi ampla-
mente rejeitada pelas populações e algumas correntes políticas, pois era considerada
contrária à soberania dos Estados. Essa percepção, na prática, era correta, pois os
objetivos iniciais eram de aprofundamento e extensão do escopo europeu sobre as
nações, levando a um arranjo supranacional, em detrimento do intergovernamentalismo
que predominara nessas áreas.
Mantém-se uma das provisões do Tratado Constitucional que representa o poder
dos Estados de forma mais significativa que se refere à possibilidade de saída do bloco
de um país. Denominado de “Cláusula de Saída”, esse mecanismo reforça tanto a
autonomia quanto a soberania dos Estados-membros.
Portanto, existe uma alteração significativa de propósitos e valores da “Cons-
tituição” à Lisboa, desacelerando as demandas por supranacionalidade. Nesse sentido,
os termos pragmatismo, gradualismo e coerência interna tornam-se associados à in-
tegração. Entretanto, a retomada do discurso social democrata foi acompanhada pela
direção contrária nas políticas de ajuste do bloco, com caráter pendendo, ainda, ao
neoliberalismo (redução de investimentos públicos em setores diversos, desaceleração
e redução da dívida, dentre outros).
Ajustes adicionais, que também tornam Lisboa “diferente” do Tratado Cons-
titucional, encontram-se nas áreas de procedimentos de formulação de políticas e
tomada de decisão. Em resposta às críticas do déficit democrático e ao desequilíbrio
entre os Estados-membros nos processos de votação, resultante da ampliação do bloco,
o Tratado de Lisboa apresenta ajustes às propostas do Tratado Constitucional. No que
que possui diversas etapas consultivas. 35 Na maioria das vezes, na avaliação dos
autores, as deliberações tornam-se longas e com diversas idas e vindas, que acentuam
o caráter burocrático da estrutura europeia. Apesar disso, o OLP tem sido encarado
como positivo, por incentivar o maior debate dos temas europeus. Outra dimensão
positiva é a da verticalização das relações do Parlamento e do Conselho Europeu com
os parlamentos nacionais, validando o princípio de subsidiariedade.
O objetivo desta validação (revalidação, visto que o tema já era previsto desde 1992)
era afastar as impressões geradas pelo Tratado Constitucional de que a União Europeia
ampliava seus poderes à esfera nacional, interferindo em questões locais e regionais.
Isso permite aprofundar a influência do COREPER e do Comitê Econômico e Social,
provendo-lhes voz mais ativa para encaminhamento das demandas das sociedades eu-
ropeias. Nesse sentido, o reforço dos princípios da subsidiariedade e proporcionalidade
são também objeto de atenção. Com isso, a definição das competências realizadas
pelo Tratado de Funcionamento da União Europeia, como visto, foi fundamental para
que se retomasse esta dinâmica tanto defendida desde Maastricht para preservar as
relações local-nacional-bloco, e que havia ficado à margem das discussões do Tratado
Constitucional.
Outras dimensões adicionais que se incluem na matização das críticas sobre o
déficit democrático são os procedimentos associados ao “método aberto de coorde-
nação” e a “iniciativa dos cidadãos”. Enquanto a segunda, a “iniciativa dos cidadãos”,
corresponde a uma política inédita do bloco no sentido de permitir que a sociedade
civil participe do processo, a primeira corresponde a uma dinâmica preexistente de
negociação entre o bloco e os Estados nacionais em questões de competência desses
Estados, mas que passa por uma atualização.
Tal atualização corresponde a já citada demanda de aumento de participação
nos processos europeus, como ao ajuste ao novo número de membros do bloco.
Adicionalmente, refere-se ao estabelecimento de novos métodos de governança intra-
bloco para reequilibrar a interação Estado-União Europeia. Segundo Warleigh-Lack
e Drachenberg (2013, p. 207), podem ser definidas como principais características
do “método aberto de coordenação”: a participação de diferentes atores nos proces-
sos, a coordenação em múltiplos níveis de política, o princípio da subsidiariedade,
deliberação, flexibilidade e criação de conhecimento.
No caso da “Iniciativa dos Cidadãos”,36 como indicado anteriormente, uma ini-
ciativa inédita do bloco abre-se espaço para que os cidadãos europeus participem
do processo de formulação de políticas do bloco. Para que uma iniciativa possa ser
proposta, um número mínimo de pelo menos um milhão de cidadãos deve organizar-se
e apresentar o pedido. Na visão de Watson e Corbett (2012), apesar de relevante por
seu caráter democrático, a “Iniciativa” encontra-se ainda em seus estágios iniciais,
havendo pouco conhecimento e participação popular. Considera-se que os mecanis-
mos formais e as divisões de competências existentes na União Europeia em termos
de políticas restringem os campos nos quais poderiam ser apresentadas demandas,
visto que temas definidos como “nacionais” e “locais” não se encontram incluídos no
processo europeu (para estes, a recomendação é que existam mecanismos locais para
dar conta dos temas que recaiam nessas arenas).
Por fim, o Tratado de Lisboa também sistematiza e reforma a dimensão da atuação
externa da União Europeia no sistema internacional, absorvendo o Pilar II de Maastricht
e atualizando as discussões subsequentes dos Tratados de Amsterdã e Constitucional.
Apesar das dificuldades enfrentadas pela coordenação de políticas supranacionais no
setor externo (somada à dependência estratégica dos Estados Unidos), o Tratado de
Lisboa não só reafirma o compromisso do bloco europeu com a construção da Política
Externa e de Segurança Comum (PESC) e a Política Comum de Segurança e Defesa
(PCSD), como promove a criação de uma estrutura burocrática que dê suporte a estas
dimensões.
Adicionalmente, reafirma a identidade da União Europeia juridicamente como ator
internacional, provendo-lhe autonomia e a definição de um papel de poder civil global,
com base nas tarefas de Petersberg (ver Capítulo 2) com ênfase humanitária. Essas
tarefas também passam por uma atualização no Tratado de Lisboa com a incorporação
de novas metas. Tais metas encontram-se descritas na citação a seguir, correspondente
a uma análise de Ferreira-Pereira (2013) sobre o tema. A autora sustenta que a PESC
e a atual PCSD representam avanços para o projeto europeu e se constituem hoje em
um importante fator de integração do bloco em termos qualitativos. Sistematizando
estes tópicos,
após estar em operação há mais de 10 anos, a “Política Europeia de Segurança
e Defesa” foi formalmente codificada no Tratado de Lisboa como “Política
Comum de Segurança e Defesa”. Este novo acordo prevê o reforço do papel
da UE como provedor de segurança e paz, não apenas em sua vizinhança es-
tratégica, mas também no mundo. Isso se deu, basicamente, graças à amplitude
das missões da UE, nas quais são utilizados meios civis e militares. No artigo
43.1 do Tratado da União Europeia, estas missões são identificadas da seguinte
forma: “operações conjuntas de desarmamento, tarefas humanitárias e de
resgate, conselhos militares e tarefas de assistência, prevenção de conflitos
e tarefas de peace-keeping, atuação de forças de combate em gerenciamento
de crise, incluindo peace-making e estabilização pós-conflito”. Deve ser des-
tacado que, como estipulado no tratado: “Todas estas tarefas podem con-
tribuir para a luta contra o terrorismo, incluindo o apoio a terceiros países que
combatam o terrorismo em seu território”. O Tratado de Lisboa também criou
condições para o fortalecimento da solidariedade europeia. (...) Por fim, (...)
introduziu dois mecanismos cooperativos no domínio específico de segurança
e defesa – a assim chamada “cooperação reforçada” e a “cooperação de es-
trutura permanente” –, que tem o potencial de acelerar o desenvolvimento das
capacidades militares da União e apoiar seu papel no gerenciamento de crises.
(FERREIRA-PEREIRA, 2013, p. 70-71)
Por sua vez, o SEAE tem como funções: “dar assistência ao Alto Representante,
bem como ao presidente do Conselho Europeu e aos Membros da Comissão em tudo
aquilo que diz respeito às relações internacionais do bloco. As delegações da União
Europeia no mundo fazem parte da estrutura do SEAE.”39 Com base nessa estrutura
e divisão de tarefas, como sugere Park (2012),
37. Antes de Ashton, Javier Solana, ex-Secretário da OTAN (1995/1999) ocupou o cargo por apenas dois
meses, outubro a dezembro. Na oportunidade, afirmou que “Primeiro, nossa maior responsabilidade é
fazer a Europa funcionar corretamente, incluindo as estruturas de administração de crises (...) Segundo,
precisamos de mais capacidades (...) Terceiro, a política externa não irá funcionar se somente se preocupar
com as necessidades dos Estados membros. Precisamos de solidariedade (...) Quarto, precisamos de uma
interação mais sofisticada com nossos parceiros – tanto nações quanto organizações (...). Quinto e, por
último, precisamos ser ousados. A PESC é sobre riscos.” (SOLANA, 2009)
38. Uma organização diplomática especial: o Serviço Europeu para a ação externa.
Disponível em <http://eeas.europa.eu/what_we_do/index_pt.htm>. Acesso em : 1 de junho de 2013.
39. Uma organização diplomática especial: o Serviço Europeu para a ação externa.
Disponível em <http://eeas.europa.eu/what_we_do/index_pt.htm>. Acesso em : 1 de junho de 2013.
40. Tradução da autora.
Capítulo | 3 A Encruzilhada do Século XXI (1998/2013) 95
41. Uma organização diplomática especial: o Serviço Europeu para a ação externa
Disponível em <http://eeas.europa.eu/what_we_do/index_pt.htm>. Acesso em : 1° de junho de 2013.
42. EDA Strategies. Disponível em http://www.eeas.europa.eu/csdp/structures-instruments-agencies/eu
-agencies-on-csdp/european-defence-agency/index_en.htm. Acesso em 22 de agosto de 2013.
43. Disponível em http://www.consilium.europa.eu/ueDocs/cms_Data/docs/pressdata/PT/reports/104638.
pdf. Acesso em 30 de julho de 2013.
96 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
Afinal, em seu sítio oficial, a União Europeia questiona qual o limite da integração em
termos de fronteiras geográficas: ou seja, se o bloco, por exemplo, chegaria à Ásia Central em
um objetivo mais longínquo ou, ainda mais perto, à Rússia. Não se deve desconsiderar que as
questões associadas à expansão do bloco sempre foram caracterizadas por uma forte interde-
pendência entre temas de política interna e política externa. No extremo, toda adesão implica a
incorporação do “outro” à Europa Ocidental, em sua formação original nucleada em torno de
apenas seis países e que, no extremo, pode atingir a marca de mais de 30 membros caso opte-se
por retomar o processo de alargamento. Assim, não somente as fronteiras externas antigas são
absorvidas, como novas são criadas, ao se estenderem os limites europeus criando novos
“outros”.
Essa interação tem gerado movimentações diferenciadas na agenda internacional
do bloco, somando-se às tradicionais parcerias no Mediterrâneo e na África, iniciativas
como a Política Europeia de Vizinhança (PEV), já mencionada. Neste sentido, a PEV
tem como foco nas relações com os vizinhos do Leste (Armênia, Azerbaijão, Belarus,
Geórgia, Moldávia e Ucrânia) e do Sul (Argélia, Egito, Israel, Jordânia, Líbano, Líbia,
Marrocos, Síria, territórios palestinos e Tunísia).44
Em 2012, a concessão do Prêmio Nobel da Paz à União Europeia pareceu demonstrar
o sucesso desta pauta, somada aos desafios do multilateralismo e da promoção da paz.
Igualmente, pareceu validar a reforma da PESC/PCSD por Lisboa, com o avanço do papel
da União Europeia como ator global nas relações internacionais. Entretanto, as dificuldades
de coordenação interna e a relação preferencial com os Estados Unidos e a OTAN conti-
nuam colocando em xeque a autonomia europeia no setor estratégico. Depois da crise de
2002/2003, a estabilização do intercâmbio euro-estadunidense ocorreu de forma gradual,
culminando com a melhora significativa do mesmo a partir da gestão de Barack Obama
(2000/2013) e o lançamento de novos projetos bilaterais. Tais projetos visam não somente
reforçar os laços tradicionais entre os dois lados do Atlântico, como conter o avanço dos
emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), impulsionando pela
eclosão da crise econômica no ocidente a partir de 2008.
Na União Europeia, esta crise econômico-social da Zona do Euro sobrepõe-se aos
esforços do bloco no campo externo e interno, deixando mais aparentes as dificul-
dades e contradições tanto dos processos, como das políticas, de aprofundamento e
alargamento do bloco.
Ou seja, ainda que na aquisição dos imóveis as taxas de juro fossem baixas, o
que incentivava a compra o contrato previa a possibilidade de ajustes nestas taxas
devido às variações do mercado, tanto para cima como para baixo. A mesma situação
de taxas variáveis aplicava-se aos empréstimos contraídos pelas pessoas físicas,
tanto para consumo pessoal como para pagar esses imóveis. Na maioria das vezes, a
garantia apresentada para um novo empréstimo era o imóvel que já havia sido objeto
de hipoteca, criando uma cadeia de dívidas em diversas instituições com os mesmos
bens. Com a elevação em cadeia dos juros, os consumidores não conseguiam pagar
nenhum dos seus empréstimos, devendo a várias instituições com a mesma garantia.
Assim, gerou-se também uma cadeia de inadimplência, que levou à quebra de algumas
instituições, enquanto outras foram resgatadas pelos governos a fim de evitar situações
piores. Dentre estas, nos Estados Unidos, destacam-se empresas de hipoteca como
Fannie Mae e Freddie Mac.
Com isso, o crédito pessoal e para Estados foi congelado, atingindo, em 2007, as
instituições europeias. Nesse contexto, aqueles que dependiam de fluxos constantes de
novos empréstimos para financiar suas dívidas, como a Grécia e a Espanha, não tinham
mais como equilibrar suas contas e pagar suas dívidas. Na esteira disso, mais um efeito
em cadeia, a falência pessoal e de bancos que dependiam, também, desses pagamentos,
para sua autossustentação. Portanto, todos os dominós financeiros caíram, culminando
em 2008 com a quebra do Lehmans e o agravamento da situação social-econômica das
populações norte-americana e europeia, além dos Estados em si.
Parte do problema, ainda, refere-se ao profundo processo de elevação do consumo
individualista dessas sociedades, e à financeirização do capital que as sociedades
ocidentais sofreram a partir da década de 1970. Esses dados ainda podem ser somados à
desindustrialização dessas sociedades, gerando desemprego e déficits comerciais e
públicos estruturais. Não se pode esquecer, portanto, que “a doença do euro não
surge sozinha, ela reflete questões que vão além da Europa, incluindo uma série de
problemas econômicos profundos compartilhados pelos países industrializados”.
(Giddens, 2013, p.18)
Sistematizando as características da crise europeia,
As implicações para a Zona do Euro foram severas. A financeirização da pe-
riferia continuou dentro da união monetária e sob a sombra dominante da
Alemanha. As economias periféricas adquiririam uma dívida pública consi
derável. O crescimento derivou da expansão do consumo, financiada pelas
hipotecas ou pelas bolhas de investimentos caracterizadas também pela es-
peculação imobiliária. Houve um crescimento geral da inadimplência, seja de
indivíduos como de corporações. Enquanto isso, as pressões começaram sobre
os salários e condições dos trabalhadores na periferia, mas não na Alemanha.
A integração dos países periféricos na Zona do Euro era precária, deixando-os
vulneráveis à crise de 2007-2009 e eventualmente levando-os à crise da dívida
soberana. (LAPAVITSAS et al, 2012, p. 27)
dos critérios de convergência. Entretanto, esses critérios não eram cumpridos, como se
pode observar pela rápida quebra do Estado grego, e a sua implosão social, em meio
a protestos de rua, despejos, perda de economias, desemprego e violência. Em 2009,
somente para utilizar dois exemplos de desrespeito aos critérios de convergência, o
déficit grego, com relação ao PIB atingiu quase 13%, quando não deveria ultrapassar
3%, e a dívida grega representava 113% do PIB, contra 60% do limite estabelecido
pelo Banco Central Europeu.
À implosão grega seguiram-se a espanhola, portuguesa, irlandesa e italiana, assim
como de instituições britânicas, francesas e alemãs. Diante desse aprofundamento da
crise da Zona do Euro, a resposta do Banco Central Europeu à quebra profunda da es-
tabilidade macroeconômica ocorreu em duas etapas: primeiro o resgate das situações
mais críticas por meio de empréstimos às nações mais afetadas, começando pela Grécia e
Espanha (seguindo-se os demais PIIGS), evitando a quebra de novos agentes financeiros
(bancos de investimento, gerenciadores de seguros de aposentadoria e hipotecas);45
segundo, a implementação de planos de austeridade para redução de gastos públicos, nos
quais se incluem redução de programas sociais (educação e saúde), cortes de salários de
funcionários públicos e demissões no setor, somado à elevação de impostos.
A primeira etapa, deve-se destacar, era condicionada à adesão à segunda, com essas
demandas sendo colocadas aos países afetados não só pelo Banco Central Europeu,
mas pela Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional. A Troika, como
foi denominada a junção das três agências, tornou-se a principal responsável pelo
fornecimento de ajuda, como à verificação do cumprimento dessas metas pelos países
beneficiados com empréstimos. Liderando a Troika, países como a Alemanha torna-
ram-se os principais fornecedores de fundos para empréstimos, como os orientadores
desta política. Avaliando tais dinâmicas, que foram criticadas por seu efeito social
imediato de aumento do desemprego e desaceleração econômica, Giddens indica que
o objetivo da austeridade no contexto dos países europeus (...) não foi somente
acertar as contas mas ajudar a reforçar a mudança e a reforma, a partir de
terapias de choque. A austeridade é como um remédio amargo, ruim para o
paladar e com efeitos colaterais desagradáveis. Mas tomar o remédio é vital
para combater a doença (...) mas é essencial acertar a dosagem, pois em grande
quantidade o remédio pode matar o paciente que deveria salvar. Uma vez que
se alcançou um certo objetivo, a natureza do tratamento precisa mudar e focar
na reabilitação ativa. (GIDDENS, 2013, p.58)
45. Até 2013, os valores destes empréstimos emergenciais encontram-se próximos de atingir mais de 800
bilhões de euros.
46. Disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/tgm/table.do?tab=table&init=1&plugin=1&langua-
ge=en&pcode=tec00115. Acesso em 05 de julho de 2013.
Capítulo | 3 A Encruzilhada do Século XXI (1998/2013) 101
Mesmo que algumas nações como Portugal e Itália, e em menor escala Alemanha
e França, tenham tendências de diminuição da população economicamente ativa e de
aumento dos custos com o envelhecimento das populações e sua maior expectativa
de vida (custos médicos e de aposentadorias dentre estes), o foco é em aproveitar a
juventude emergente e que se encontra cada vez mais excluída e insatisfeita com o
bloco. Paradoxalmente, ao longo dos anos 1990, foi uma primeira geração de jovens,
hoje na faixa de 30-45 anos que impulsionou a identidade europeia, mas que também,
por ela, sente-se excluída.
O processo da Europa 2020 internaliza propostas que são definidas por Giddens
(2013) como de “reindustrialização”, reativando o setor industrial das econo-
mias nacionais europeias como forma de aumentar o nível de empregabilidade.
A despeito dos avanços alcançados nos setores de serviços, a esfera industrial
tradicional é considerada como pilar essencial da recuperação e do crescimento
para as nações. Na trajetória das medidas de estabilidade implementadas desde
2008/2009, a Europa 2020, e seu item da agenda, convertem-se na segunda etapa
das reformas, visando o salto qualitativo após as medidas de ajuste mais restritivas
de cortes de gastos. A reestruturação das economias europeias precisa englobar
duplamente esses ajustes como a redescoberta de padrões de produção industrial e
da competitividade das indústrias europeias que possam gerar crescimento interno
e vagas de emprego como indicado.
Uma questão subjacente a esta agenda, que é obscurecida muitas vezes pelas
propostas de reforma, refere-se justamente às raízes da crise, relacionadas a opções
econômicas destas mesmas sociedades ao Norte que levaram à sua desindustrialização:
o aumento das compras externas de produtos da China devido ao seu baixo preço e
maior competitividade, o foco no setor de serviços, o avanço das sociedades de con-
sumo e do individualismo ocidental. O corte dessas tendências representa a alteração
não só de modelos produtivos, mas de modelos sociais e culturais dessas nações, que
gerará impactos nas nações do Sul grandes exportadoras desses bens ao Ocidente, e
que também são financiadoras da dívida desses mesmos países. Nesse sentido, a China
é a primeira detentora da dívida dos Estados Unidos e de muitos países da União
Europeia. Portanto, como indicado no início da seção, a crise da Zona do Euro, e as
demais vigentes na arena econômica global, inserem-se em um quadro mais abrangente
de desequilíbrios comerciais, fiscais e de investimentos, com implicações estruturais.
Pensando de forma mais localizada, porém, ainda é preciso ressaltar que o custo
do fracasso dessas iniciativas, do Pacto de Estabilidade e Crescimento, à atual Europa
2020 será elevado. De acordo com Griffiths (2012), apesar da profundidade da crise
é possível salvar o euro, ainda que possa ser necessária uma redução em seus mem-
bros participantes. A análise desse autor, assim como dos demais aqui citados, aponta
como elo mais fraco a Grécia, e considera, como visto que o país não deveria ter sido
autorizado a entrar na Zona do Euro desde a primeira vez. Ou seja, a decisão inicial
para a entrada de muitos países no euro foi política, enquanto a decisão para sua saída
será econômica, retomando os critérios que anteriormente deveriam ter sido cumpridos.
A questão básica sobre a Grécia e, em certa medida os demais PIIGS permanece: a
Zona do Euro poderia sobreviver sem elas, sustentada pelo núcleo França-Alemanha,
mas de que forma a saída da moeda comum afetaria essas nações? Permitiria uma
recuperação mais sólida a partir do abandono das políticas de reforma? Haveria uma
Capítulo | 3 A Encruzilhada do Século XXI (1998/2013) 103
49. No geral, as médias de desemprego dos demais ficam em uma faixa de 7% a 13%, mantendo-se Grécia
e Espanha como os piores casos. Dados EUROSTAT. “Euro Area Unemployment Rate at 12,1%”, Dis-
ponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_PUBLIC/3-30082013-AP/EN/3-30082013-AP-EN.
PDF. Acesso em 5 de setembro de 2013.
104 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
50. Adaptado pela autora de “Estrutura administrativa da União Europeia: designações oficiais e ordem
de citação” em Código de Reação Interinstitucional. Disponível em http://publications.europa.eu/code/pt/
pt-390500.htm. Acesso em 21 de agosto de 2013.
Capítulo | 3 A Encruzilhada do Século XXI (1998/2013) 105
Cronologia 1998/2013
● 1998 - Início dos Estudos para Alargamento da União Europeia ao Leste Europeu
● 1999
● Guerra do Kosovo
● 2000
● 2001
● 2002
● 2003
Europa)
● Guerra do Iraque (2003/2011)
● 2004
● 2005
● 2007
● 2008
● Quebra do Lehmans Brothers nos Estados Unidos
e Espanha)
● Ampliação dos Problemas Sociais e Econômicos do Bloco
● 2009
Personalidade Internacional
● 2010 - Início da Primavera Árabe (em andamento)
● 2011
da Zona do Euro
Capítulo 4
As Relações Internacionais
da União Europeia
Entretanto, essa visão positiva esconde ainda diversas limitações da ação externa
da União Europeia, sejam relacionadas à crise econômica, como à interação com
os Estados Unidos e a OTAN no continente. Isso não significa afirmar que a União
Europeia não avançou em termos de política externa e de segurança, ou que seu papel
1. Tradução da autora.
2. Announcement. Nobel Peace Prize, 2102. Disponível em http://nobelpeaceprize.org/en_GB/laureates/
laureates-2012/announce-2012/. Acesso em 23 de agosto de 2013. Segundo informações da União Europeia,
o valor do prêmio foi destinado a projetos educacionais de crianças atingidas por conflitos. Disponível em
http://europa.eu/about-eu/basic-information/eu-nobel/. Acesso em 16 de junho de 2013.
112 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
3. Com o auxílio de Marcela Franzoni, graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP). Mais especificamente, para a visão norte-americana do relacionamento ver “Os
Estados Unidos e o Século XXI” (PECEQUILO, 2013), especificamente o Capítulo 3 “O Eixo Europa-Ásia:
As Parcerias Tradicionais”. Nesse capítulo, a trajetória do relacionamento Europa-Estados Unidos é dividida
em três fases: parceria (1989/2000), divergências (2001/2004), acomodação (2005/2012).
4. Correspondentes, como analisado no Capítulo 2, às teses de Samuel Huntington de Choque das Civili-
zações e de Francis Fukuyama de fim da história.
Capítulo | 4 As Relações Internacionais da União Europeia 113
da integração, dividida entre uma vocação europeia e uma atlântica, que complementa
as demais oposições existentes sobre o alargamento e aprofundamento, o intergover-
namentalismo e a supranacionalidade.
Em resumo, a relação Estados Unidos-União Europeia permanece dual, oscilando
entre a parceria, a autonomia e a dependência, sintetizada na expressão de Todd (2002),
associação e dissociação entre os dois modelos ocidentais. Assim como Todd (2002),
Wallerstein (2006) e La Gorce (2006) expressam essa mesma dinâmica, relativizando a
possibilidade de um descolamento pleno entre os dois sistemas. Para Todd, isso resulta
da incapacidade europeia de escolher entre as alternativas, o que impede o bloco de
explorar outras vias.
Desta forma, o objetivo deste item é retomar algumas destas discussões a partir da
criação da União Europeia em 1992, assim como apontar algumas novas tendências
do intercâmbio nas arenas políticas, estratégicas, culturais e econômicas. Ainda que
se procure evitar o excesso de repetições de temas já vistos em capítulos anteriores,
é inevitável voltar a certos debates, principalmente no que se refere aos Balcãs, às
Guerras do Afeganistão e do Iraque, e a relação entre a OTAN e os esforços europeus
para a construção de uma política externa, de segurança e defesa comum.
Examinando esta evolução de temas, no que se refere à dimensão estratégica, o foco
das discussões permaneceu sobre a OTAN, englobando temas como sua permanência
no cenário pós-soviético e sua revisão de missão e alargamento. O tópico envolve
atuações de projeção de poder em operações de paz, intervenções bélicas regionais e
globais, assim como associações com os mecanismos de segurança e defesa comum
europeias em processo de construção.
Na década de 1990, a preservação da aliança atlântica, mesmo na ausência do
inimigo soviético no pós-1989, e a incorporação das nações do Leste na organização
foi consolidada. Para os Estados Unidos, isso permitiu a manutenção de sua presença
regional europeia, preservando a sua projeção de poder neste espaço geopolítico e
geoeconômico. Para a Europa Ocidental, significou tanto a parceria como a depen-
dência dos norte-americanos, como comprovado pelas crises dos Balcãs.5
Os anos 1990 foram de descongelamento da política balcânica, com a desmontagem
da antiga Iugoslávia por meio de dois conflitos sangrentos, a Guerra da Iugoslávia
(1992/1995) e a Guerra de Kosovo (1999), como visto nos capítulos anteriores. A des-
peito da entrada da Croácia na União Europeia em 2013, e da candidatura das demais
ex-nações da Iugoslávia à expansão, não se pode perder de vista o olhar crítico sobre
a região, que viveu há pouco mais de 20 anos tragédias humanitárias comparáveis às da
Segunda Guerra Mundial. A ocupação dos Balcãs pelo Ocidente representou o controle
de importante rota de passagem europeia, assim como de pressão sobre a Rússia (e de
sua aliança com a Sérvia).
Em retrospecto, a atuação da União Europeia nos Balcãs não pode ser descolada das
ações norte-americanas, em particular as militares e operações de paz e de estabilização
posteriores. Especificamente, deve-se mencionar no âmbito das Nações Unidas as
seguintes missões:6 a UNPROFOR (United Nations Protection Force, 1992/1995), a
5. Em escala global, como visto no Capítulo 2, a Europa Ocidental apoiou a Guerra do Iraque (1990/1991).
6. Optou-se por deixar os nomes das missões em inglês para preservar o seu sentido original.
114 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
7. Para a listagem das missões de paz, civis e militares da União Europeia ver http://eeas.europa.eu/csdp/
missions-and-operations/index_en.htm. Acesso em 30 de julho de 2013.
Capítulo | 4 As Relações Internacionais da União Europeia 115
das commodities significam que ambos os lados estão preparados para discutir
a agricultura e a negociar a abertura de mercados. Um acordo de comércio e
investimento entre as duas maiores economias do mundo representa a opor-
tunidade para aumentar o crescimento e os empregos em ambos os lados do
Atlântico (...) Embora as tarifas entre a UE e os EUA já sejam baixas (uma
média de 4%), o tamanho combinado das economias (...) e o comércio entre
elas significa que o desaparecimento das tarifas será positivo para os empregos
e o crescimento. A área nas quais estas negociações podem significar ganhos
concretos para os negócios, criar empregos e trazer preços melhores aos con-
sumidores e pela eliminação de regras e regulamentações desnecessárias – as
chamadas barreiras não tarifárias. (…)11
nas arenas de direitos humanos e meio ambiente, nas quais a União Europeia sempre
procurou diferenciar-se dos Estados Unidos como um bloco de vanguarda. Como citado,
esse “vanguardismo” é parte essencial da imagem da União como poder civil global, que
procura colocar maior relevância nestes temas do que nos estratégicos, defendendo a
necessidade de uma reavaliação de posturas da parte norte-americana (voltando, portanto,
à oposição entre um mundo kantiano e idealista e a realidade hobbesiana realista).
Na arena estratégica tendem a se repetir as tensões tradicionais entre a autonomia
e a dependência do bloco diante dos Estados Unidos, tanto da parte europeia quanto
norte-americana. Nesse campo, os europeus encontram-se, como visto ao longo deste e dos
demais capítulos, divididos: enquanto os defensores da linha “atlântica” mantêm-se como
defensores da presença continental dos Estados Unidos (principalmente o Reino Unido e os
novos membros da OTAN), os europeístas defendem a diminuição dessa dependência es-
tratégica e expressam críticas ao unilateralismo norte-americano. Mas, mesmo nesta arena,
existe uma outra divisão: os que defendem o desenvolvimento de mecanismos próprios de
defesa que permitam este descolamento Estados Unidos/OTAN – União Europeia, e os que
advogam uma ação de cunho estritamente pacifista europeia nas relações internacionais.
Por sua vez, do lado norte-americano, continuam sendo expressas insatisfações com
relação à ausência de projeção de poder europeia regional e global. Para analistas como
Brzezinski (2012), essa inércia estratégica tende a tornar a União Europeia um ator
irrelevante nas relações internacionais e como parceiro dos Estados Unidos. Regional-
mente, para o autor, isso implica custos político-econômicos para os norte-americanos
com a OTAN e, globalmente, ônus também estratégicos à medida que enfraquece a
capacidade ocidental de conter a ascensão das nações asiáticas. Segundo Brzezinski
(2012), no cenário contemporâneo, o ocidente deve ser compreendido por uma pers-
pectiva expandida, que inclua, além dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, a
Turquia e a Rússia. A não inclusão de ambos, em sua visão, nas estruturas europeias
(principalmente a da Turquia, membro da OTAN desde a década de 1950), somente
fragiliza estas perspectivas e demonstra a falta de visão de longo prazo europeia.
A tendência, em meio a estas críticas e reticências de ambos os lados, entretanto, é
a da continuidade da acomodação, alternada com alguns momentos de “divórcio” que
não devem ser exacerbados como em 2002/2003. Em síntese, o intercâmbio entre a
União Europeia e os Estados Unidos mantém-se como um dos mais sólidos das relações
internacionais contemporâneas, sustentado não só na dependência estratégica europeia
dos norte-americanos, mas também em um sistema de valores e interesses comuns na
política e na economia, representativas do “Ocidente”. E de um “Ocidente” que se sente
ameaçado pela ascensão do “resto”, seja em seu entorno próximo, como na arena global.
13. Com o auxílio de Clarissa Forner, graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP).
Capítulo | 4 As Relações Internacionais da União Europeia 121
14. Por opção política, como já discutido, Noruega, Suíça, Andorra, Mônaco, San Marino e Lichenstein são
outras nações “fora” da União Europeia. O Vaticano também não é parte da União.
122 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
Árabe e o processo de paz do Oriente Médio. Mas quais as respostas europeias a esses
eventos? E, somados aos parceiros do Mediterrâneo, como a União Europeia tem lidado
com questões de nações não enquadradas nestes projetos de cooperação como o Irã?19
A.1) O Oriente Médio e o Processo de Paz Israel-Palestina20
Apesar de não restrita ao Oriente Médio, estendendo-se aos Balcãs e ao Norte
da África, além de territórios europeus, a EUROMED possui uma inserção bastante
intensa na região devido à inclusão de Israel e Palestina entre seus membros. No caso
do processo de paz Israel-Palestina, a União Europeia apoia a constituição dos dois
Estados em coexistência, reconhecendo o direito dos dois povos, judeu e palestino,
à soberania de seu território. Para isso, o bloco tem atuado por meio de duas vias:
uma multilateral, com a União Europeia agindo em associação com outras nações e
organismos envolvidos nas negociações, e uma bilateral, da União Europeia com Israel
e Palestina, por meio de parcerias econômicas e missões civis.
Em termos de atuação multilateral, desde 2002 a União Europeia faz parte do
Quarteto de Madri, composto, além dela, pelos Estados Unidos, a Rússia e as Nações
Unidas. Criado como uma tentativa de retomar os processos de paz no contexto da
GWT de George W. Bush filho, o Quarteto inicialmente defendeu a implementação
do “Mapa da Estrada” (Road Map). Proposta do governo norte-americano, o mapa
visava reestabelecer a legitimidade e credibilidade das negociações, a despeito do
alinhamento entre os governos conservadores de Israel (Ariel Sharon) e dos Estados
Unidos, reafirmando o objetivo de construção dos dois Estados, Israel e Palestina.
O mapa também tentava restabelecer propósitos e objetivos já implementados
como nos Acordos de Oslo I e II dos anos 1990, envolvendo os Estados Unidos do
Presidente Bill Clinton (as negociações e processo inicial de implementação estiveram
sob a responsabilidade do Presidente Bush pai), a Palestina de Yasser Arafat e Israel
de Ytzak Rabin. Baseados na fórmula “Terra pela Paz”, com a devolução de territórios
aos palestinos em troca do reconhecimento do Estado de Israel, os Acordos de Oslo
levaram à criação da Autoridade Nacional Palestina (ANP) como embrião do novo
Estado Palestino, mas foram interrompidos devido ao assassinato de Ytzak Rabin em
1995. Na oportunidade, os Acordos de Oslo I e II foram considerados revolucionários,
pois deram início à real formação do Estado Palestino, sofrendo uma rápida des-
montagem após 2001 com o governo conservador de Ariel Sharon em Israel, a qual a
comunidade internacional, incluindo a União Europeia assistiu.21
Na última década, as conquistas do Quarteto de Madri, seja na forma do “Mapa
da Estrada”, ou iniciativas posteriores como a de desenvolvimento do Oriente Médio
e Norte da África, foram pouco significativas. As negociações continuam travadas,
destacando-se problemas recorrentes de violência nos entornos israelense e palestino,
de construção de assentamentos judaicos em territórios em disputa, dentre outros pro-
blemas conhecidos. Apesar da condenação da comunidade internacional destes atos
19. A atuação no Iraque e nos Balcãs foi analisada nos Capítulos 2 e 3, e na Seção 4.1 deste capítulo.
20. Para as questões do Oriente Médio recomenda-se a leitura de Visentini (2014).
21. Em Pecequilo (2013), as negociações são examinadas do ponto de vista dos Estados Unidos.
Capítulo | 4 As Relações Internacionais da União Europeia 125
22. Ver EUROPEAN UNION. ENP Country Progress Report 2012: Israel. In: “Memo”. Bruxelas, 20 mar
2013. Disponível em <http://ec.europa.eu/world/enp/docs/2013_enp_pack/2013_memo_israel_en.pdf>.
Acesso em 22 jun 2013
23. Tradução de Clarissa Forner de EUROPEAN UNION. ENP Country Progress Report 2012: Israel.
In: “Memo”. Bruxelas, 20 mar 2013. Disponível em <http://ec.europa.eu/world/enp/docs/2013_enp_
pack/2013_memo_israel_en.pdf>.Acesso em: 22 jun 2013
126 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
Dentre estas, a EUBAM Rafah pode ser indicada como uma das mais relevantes
no cenário Israel-Palestina no trato das populações civis palestinas: localizada no
ponto de passagem de Rafah, na Faixa de Gaza, a missão foi instituída para auxiliar
e facilitar o acesso e o movimento dos cidadãos nessa zona. Nesse sentido, a União
Europeia exerce, segundo a missão oficial da EUBAM,24 um papel de “terceira parte”
nas negociações entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina para a rota de pas-
sagem entre ambos, visando a construção de confiança entre as partes. A missão foi
recentemente estendida em 2013, assim como a da EUPOL COPPS. Adicionalmente,
a União Europeia também detém programas de ajuda em áreas como educação e temas
sociais para a ANP, associado a fundos para estabilização e reconstrução do futuro
Estado Palestino.
Dessa forma, a União Europeia exerce um papel positivo em escala micro na região,
ainda que em escala macro, sobre o processo de paz em geral, sua atuação seja menor e
mais alinhada aos Estados Unidos. Apesar da validade desses processos micro, não se
pode esquecer que sem um acordo permanente e sólido para a questão Israel-Palestina,
essas iniciativas tendem a ser tópicas, muitas vezes reativas a crises, o que prolonga a
instabilidade do sistema regional.
No que se refere a uma realidade de país não incluído na EUROMED, deve-se
mencionar o Irã. Nesse campo, a União Europeia tem se alinhado aos Estados Unidos
nas questões relativas às negociações e pressões sobre o Irã no campo nuclear. Em
2010, assim como os norte-americanos, não apoiou o Acordo Tripartite Brasil-Tur-
quia-Irã, e tem optado pela manutenção via Nações Unidas e unilaterais sobre o país.
As negociações neste setor são conduzidas no âmbito de E3 + 3 que envolve a China,
a França, a Alemanha, a Rússia, o Reino Unido e os Estados Unidos.25 Encontram-se
na lista de sanções a proibição de comércio bilateral, incluindo a compra e venda de
petróleo. Segundo a União Europeia,
O objetivo da União Europeia permanece na obtenção de um acordo abrangen-
te, consensual e de longo termo, que poderá restituir a confiança internacional
na natureza exclusivamente pacífica do programa nuclear iraniano, respeitando
o direito legítimo do Irã no uso pacífico da energia nuclear em conformidade
com o Tratado de Não Proliferação e respeitando todas as resoluções do Conse-
lho de Segurança das Nações Unidas e do Conselho da Agência Internacional
de Energia Atômica. (EUROPEAN UNION and IRAN, 2013)26
A reação ocidental a essa transformação regional tem sido, desde 2010, carac-
terizada por oscilações e indecisões no que se refere à avaliação das transições em
andamento. Embora existam manifestações dos Estados Unidos e da União Europeia
a favor da consolidação de regimes democráticos nos países imersos na Primavera,
a percepção de ameaça referente à possível consolidação de governos de caráter
fundamentalista em nações-chave como o Egito é real.
Em linhas gerais, não existem diferenças significativas entre as posições dos Es-
tados Unidos e da União Europeia no tema “Primavera Árabe”, com o bloco seguindo
as orientações norte-americanas e apoiando, inclusive, operações militares. Para a
União Europeia, porém, trata-se de um desafio direto a estruturas de parcerias já
estabelecidas, como a Parceria do Mediterrâneo em termos geopolíticos e geoeco-
nômicos. Inclusive, muitas das nações envolvidas nas crises mais significativas da
Primavera como Egito, Líbia e Síria representam importantes parceiros europeus no
setor político-energético. Essa situação é ilustrada pela avaliação realizada em 2013
pela União Europeia do processo em andamento:
Mais de dois anos se passaram desde a emergência da “Primavera Árabe”
começando com os levantes populares da Tunísia e do Egito. A situação em
praticamente todo o mundo árabe permanece altamente fluída, e importantes
diferenças emergiram entre os países e regiões envolvidos. Enquanto progressos
significativos foram realizados na promoção de reformas democráticas (por
exemplo, a convocação de eleições em consonância com padrões democráticos,
fortalecendo o papel da sociedade civil, com aumento da liberdade de expres-
são e organização), muitos obstáculos precisam ser superados para que estas
transições possam ser consolidadas com sucesso. (EUROPEAN UNION RES-
PONSE TO THE ARAB SPRING, 2013)27
No que se refere às respostas dadas a estes eventos, podem ser definidos os se-
guintes caminhos tomados pelo Ocidente em suas respostas à Primavera Árabe: a
intervenção militar, que tem como exemplo o caso líbio, a acomodação (principal-
mente com relação às petromonarquias como Iemen, Bahrein, Emirados Árabes,
Arábia Saudita), a intervenção política (Egito) e a pressão pela intervenção (Síria).
Igualmente, tanto a União Europeia quanto os Estados Unidos buscaram apresentar
planos de desenvolvimento e ajuda à região. Em 2011, os Estados Unidos lançaram
uma iniciativa para o Norte da África e o Oriente Médio, que teve resposta similar
da União Europeia no âmbito da parceria mediterrânea.
Esses planos têm objetivos duplos: ajudar a consolidação das sociedades em tran-
sição e, por outro lado, prevenir a emergência de novas tensões em países ainda não
fortemente atingidos pela Primavera, mas que tradicionalmente apresentam situações
de vulnerabilidade política. No primeiro bloco pode-se inserir a renovação da Parceria
do Mediterrâneo em 2011 no que se refere à defesa da democracia e da prosperidade
compartilhada, com a manutenção dos pacotes de ajuda em andamento.
27. Tradução da autora. EUROPEAN UNION. EU's response to the Arab Spring: the state-of-play after
two year. Bruxelas, 8 fev 2013. Disponível em <http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_Data/docs/
pressdata/EN/foraff/135292.pdf>.Acesso em 22 jun 2013.
Capítulo | 4 As Relações Internacionais da União Europeia 129
nova agenda. Na sequência, em julho de 2013, Mursi foi removido do poder, com base
em alegações de desrespeito à Constituição e volta do autoritarismo. Até setembro
de 2013, o Presidente Mursi continua em prisão domiciliar e se mantêm os choques
entre seus aliados e as forças contrárias a seu retorno ao poder, com elevado grau de
violência e incerteza.
De certa forma, os desafios e caminhos dos três casos aqui escolhidos para análise,
Líbia, Egito e Síria, demonstram as dificuldades políticas, sociais e econômicas as-
sociadas à transformação dessas sociedades e a consolidação de seus futuros regimes.
Se esses regimes serão democráticos, seguindo o modelo ocidental, ou se cada um
deles procurará seu caminho, é uma questão sem resposta. A forma pela qual estas
tensões sociais, que envolvem componentes religiosos e sociais, nas disputas políticas
serão (ou não resolvida) no médio ou longo prazo inserem-se nesse mesmo dilema,
colocando inúmeros desafios ao mundo e, particularmente, à União Europeia, frente
a uma vizinhança próxima geograficamente, mas nem sempre compreendida em suas
especificidades, assim,
os eventos que estão correndo no Oriente Médio e no Norte da África desde o
início da Primavera Árabe, tomaram proporções verdadeiramente históricas,
que não somente vão moldar o futuro de toda a região, mas também vão ter
repercussões muito além dos países envolvidos. A União Europeia compro-
meteu-se com apoio a longo prazo de todos os países árabes engajados em
transições democráticas e irá auxiliá-los em seus esforços para superar quais-
quer obstáculos de curto prazo que estejam enfrentando. As parcerias como
os governos que emergiram após a Primavera Árabe serão desenvolvidas com
base em suas performances. Neste contexto, a União Europeia vai continuar
engajando construtivamente novos atores políticos que emergiram com e a
partir da Primavera Árabe. A fim de ajudar a construir culturas democráticas vi-
brantes no mundo árabe, a União Europeia, vai continuar a apoiar a sociedade
civil e o trabalho de organizações não governamentais relevantes. (EUROPE
UNION RESPONSE TO THE ARAB SPRING, 2013).29
29. Tradução da autora. EUROPEAN UNION. EU's response to the Arab Spring: the state-of-play after
two year. Bruxelas, 8 fev.2013. Disponível em <http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_Data/docs/
pressdata/EN/foraff/135292.pdf>. Acesso em 22 jun 2013
30. Para o documento completo do lançamento da iniciativa ver http://ec.europa.eu/world/enp/pdf/
com07_160_en.pdf. Acesso em 20 de agosto de 2013.
134 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
A Agenda Econômico-comercial
As origens da cooperação europeia-africana nos campos econômico e comercial
remetem aos processos de descolonização do continente, quebrando os laços tradicio-
nais estabelecidos entre as regiões na era da expansão do imperialismo do século XIX.
Na década de 1960, a eclosão desses movimentos de independência levou à revisão das
políticas europeias para a região, com o objetivo de manter intercâmbios comerciais e
influência política em suas antigas colônias. Para as nações africanas, essas iniciativas
representavam tanto o reconhecimento de sua soberania como a renovação de sua
dependência em novas bases, com a manutenção de padrões de relacionamento com
traços coloniais.35
Afinal, a “revisão” europeia era, na verdade, limitada a reafirmar sua presença em
antigas colônias, tática aplicada não só à África, mas a seus domínios no Caribe e no
Pacífico. Especificamente, a sigla “ACP” representa este bloco de nações, “África,
Caribe, Pacífico”, com o qual a Europa estabeleceu relações de parceria, primeiro como
Comunidade Econômica Europeia (1957/1990) e, depois, como União Europeia (1992
em diante). Apesar das relativas mudanças político-estratégicas nas relações, como
analisado no próximo item, as estruturas econômico-comerciais tendem a reproduzir
34. Com o auxílio de Clarissa Forner, graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP).
35. Ver Visentini (2011), para as relações internacionais da África.
Capítulo | 4 As Relações Internacionais da União Europeia 137
36. Os membros ACP de Yaoundé I eram: Benin, Burkina Faso, Burundi, Camarões, República Cen-
tro-africana, Chade, Congo (Brazzaville), Congo (Kinshasa), Costa do Marfim, Gabão, Madagascar, Mali,
Mauritânia, Níger, Ruanda, Senegal, Somália e Togo. Com Yaoundé II foram acrescidos Quênia, Tanzânia e
Uganda. A nomenclatura aqui utilizada corresponde aos nomes dos Estados nos anos que os acordos foram
firmados. Este critério será aplicado às demais convenções, a partir das informações oficiais da Comissão
Europeia, disponível em “Evolution of Cooperation” http://ec.europa.eu/europeaid/where/acp/overview/
lome-convention/lomeevolution_en.htm. Acesso em 5 de julho de 2013.
37. Lomé I (1975) agregou como membros às Convenções anteriores: Bahamas, Barbados, Botsuana,
Etiópia, Fiji, Gâmbia, Gana, Granada, Guiné, Guiné Bissau, Guiana, Jamaica, Lesoto, Libéria, Malaui,
Ilhas Maurício, Nigéria, Samoa, Sierra Lone, Sudão, Suazilândia, Tonga, Trinidad e Tobago e Zâmbia. Em
Lomé II (1979) somaram-se: Cabo Verde, Comoros, Djibouti, Kiribati, Papua Nova Guiné, Santa Lúcia, São
Tomé e Príncipe, Seychelles, Ilhas Salomão, Suriname, Tuvalu. Para Lomé III (1984) foram incorporados
Angola, Antígua e Barbuda, Belize, República Dominicana, Moçambique, Saint Kits e Nevis, Saint Vincent
e Granedines, Vaunatu, Zimbabué. Em 1990/1995, Lomé IV incorporou Guiné Equatorial, Haiti, Eritreia,
Namíbia e África do Sul. Disponível em http://ec.europa.eu/europeaid/where/acp/overview/lome-convention/
lomeevolution_en.htm. Acesso em 5 de julho de 2013
138 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
40. Para uma visão mais abrangente dos temas ver http://ec.europa.eu/europeaid/what/development-policies/
intervention-areas/epas/epas_en.htm. Acesso em 5 de julho de 2013.
41. As parcerias com estas regiões e o Caribe Pacifico, serão analisadas, tendo como base o critério europeu
de inseri-las no mesmo agrupamento de nações a despeito de suas diversidades regionais e nacionais. Como
indicado no início da seção, esta visão deriva do fato de que estes atores foram colônias pertencentes às
zonas de influência europeia.
42. Informações disponíveis em http://ec.europa.eu/trade/policy/countries-and-regions/regions/africa-
caribbean-pacific/. Acesso em 5 de julho de 2013.
140 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
Como se pode perceber por esta extensa lista, as sete regiões das EPAs envolvidas
no ACP detêm tanto componentes de diversidade quanto de semelhança. No caso da
semelhança, a maior parte das nações são países de menor desenvolvimento relativo
(também definidos como nações menos desenvolvidas), mas que são localizadas em
rotas de trânsito estratégicas nas regiões do Pacífico e do Caribe. Adicionalmente,
alguns destes países poderiam ser classificados como “Estados falidos” (Somália,
Sudão, Serra Leoa, dentre outros), termo desenvolvido pela diplomacia norte-ameri-
cana e incorporado nas análises internacionais, para referir-se a nações estruturalmente
deficientes e sem condições de segurança, autonomia ou sustentabilidade social.
Tais nações “falidas” são alvo de elevada preocupação da comunidade internacional
pelos riscos associados a sua política interna (refugiados, tragédias humanitárias) e o
seu impacto à estabilidade regional e global (santuários para grupos terroristas, avanço
do fundamentalismo, por exemplo), e tem sido objeto, como será visto abaixo, de
operações civis e militares da União Europeia, da União Africana e das Nações Unidas.
Muitas dessas nações destacam-se estrategicamente por sua posição geopolítica, mas,
principalmente, por seu potencial energético (ainda que a maioria do grupo seja de
nações produtoras de commodities), como o caso do Sudão, Angola e Moçambique.
Cada região ACP detém importância estratégica para a União Europeia, que extrapola
os discursos diplomáticos tradicionais sustentados na defesa da cooperação e do
desenvolvimento.
Mais ainda, muitas dessas regiões continuam apontando o descolamento entre a
retórica apresentada pela União Europeia e a sua prática, seja no que se refere ao baixo
nível de ajuda, como a permanência de tentativas de ingerência externa em regimes
políticos. A queda do comércio entre a União Europeia e a entrada de novos atores
nas regiões como a China, a Índia e o Brasil, associados ao peso norte-americano,
também têm enfraquecido a influência europeia neste tradicional espaço. A agrega-
ção de componentes político-estratégicos a essas relações busca transformar alguns
cenários, em particular os africanos, com a União Europeia tentando retomar poder
de iniciativa.
A Agenda Político-Estratégica
Assim como as relações econômico-comerciais têm sido renovadas e ampliadas, a
agenda político-estratégica entre a União Europeia e a África também ganhou maior
adensamento como citado no começo do item. Dentre os esforços mais significativos
encontra-se o aprofundamento da cooperação entre a União Europeia e a União
Africana, que envolve temas de desenvolvimento social e econômico, estabilidade
regional e segurança, com reforço das instituições e regimes africanos. Desde 1979,
estabeleceu-se uma representação permanente africana em Bruxelas que, a partir de
2000, consolidou-se como fórum do diálogo político União Europeia-África.
Examinando a trajetória pós-1979, o ano de 2000 marcou a realização da Primeira
Cúpula União Europeia-África no Cairo, que abriu espaços para a ampliação do diálogo
político-estratégico e da atuação em operações conjuntas União Europeia-União
Africana e o apoio europeu formal às iniciativas africanas para a estabilização do
continente. Destaca-se a APSA (African Peace and Security Architecture) lançada
Capítulo | 4 As Relações Internacionais da União Europeia 141
em 2002 pela União Africana, que conta com o apoio da União Europeia no âmbito
de segurança e humanitários, cujas metas residem na estabilização do continente,
administração de conflitos e processos de crise e paz no continente. Nesses setores,
a União Europeia estabeleceu o “African Peace Facility” no qual ajuda financeira e
tecnicamente operações de paz desenvolvidas pela União Africana (dentre estas des-
tacam-se as missões na Somália-AMISOM, na República da África Central-MICO-
PAX, no Sudão-AMIS e no Comoros-AMISEC).
Desde 2007, as relações entre a União Europeia e a África têm sido regidas a
partir do conceito de parcerias estratégicas, que passou a ser denominada de Es-
tratégia Articulada África-União Europeia (Joint Africa-EU Strategy).43 Os objetivos
dessa Estratégia articulada foram formalizados em Planos de Ação (2008/2010 e
2011/2013),44 com destaque às seguintes arenas de cooperação: “paz e segurança;
governança democrática e direitos humanos; integração econômica regional, comércio
e infraestrutura; metas de desenvolvimento do milênio; mudança climática; energia;
migração, mobilidade e emprego; ciência, informação, sociedade e espaço”. (EEAS,
2013, s/p)45 A inovação dessa parceria reside em ultrapassar os tradicionais limites
comerciais das relações prévias, como previstas nas Convenções de Yaoundé e Lomé,
a partir do citado Acordo de Cotonou, que prevê uma visão ampliada e abrangente da
ação conjunta Europa-África.
No que se refere às operações da União Europeia já encerradas no continente
africano podem ser listadas: a EUFOR (European Force) no Chade e na República da
África Central, Apoio a AMIS II da União Africana e das Nações Unidas no Sudão,
ARTEMIS e EUFOR na República Democrática do Congo, EUPOL em Kinshasa e a
EU SSR (European Union Mission in the Security Sector) na Guiné Bissau.
Atualmente, encontram-se em andamento, como operações civis: a EUAVSEC
(European Union Aviation Security Mission) no Sudão do Sul para proteção do es-
paço aéreo, EUCAP (European Capacity) no Sahel (Nigéria mais especificamente para
capacitação de policiais e desenvolvimento de mecanismos de segurança), EUCAP
Nestor para o incremento das capacidades de defesa marítimas de países do Chifre
da África e do Oceano Índico, e a EUSEC (European Security) e EUPOL (European
Police) na República Democrática do Congo, ambas para a reforma e assistência para
o setor de segurança.
No campo das operações militares em andamento podem ser citadas: a EUNAVFOR
(European Union Naval Operation Against Piracy) e a EUTM (European Union Training
43. A diversidade de questões bilaterais (isto é, de países europeus específicos com nações africanas in-
dividuais) é abrangente, assim como as multilaterais. Todavia, não será possível dar conta de todas estas
relações e questões. Desta forma, pela extensão do texto, opta-se por um recorte mais geral do intercâmbio
da União Europeia com o continente africano.
44. Para maiores informações ver o site da Parceria União Europeia-África. Disponível em http://www.
africa-eu-partnership.org/. Acesso em 10 de julho de 2013.
45. EUROPEAN UNION. The Continental Approach-: Bringing Africa-EU relations to a new level: the
Joint Africa-EU Strategy. Disponível em <http://eeas.europa.eu/africa/continental/index_en.htm>. Acesso
em 2 jul 2013 e EUROPEAN UNION. The EU sub-regional and bilateral relations with African countries.
Disponível em <http://eeas.europa.eu/africa/subregional/index_en.htm>. Acesso em: 2 jul 2013.
142 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
4.4 A TURQUIA46
Um dos temas mais controversos da história da integração europeia refere-se
às relações do bloco com a Turquia, nação considerada chave para os intercâmbios
geopolíticos entre o Ocidente e o Oriente, e rota de passagem entre as duas civiliza-
ções. Temas políticos, sociais e culturais sensíveis caracterizam esta relação, cujo
passado recente no século XX remonta a questões como a desmontagem do Império
Otomano, o secularismo, o renascimento do islamismo e o risco do fundamentalismo,
além de autodeterminação dos povos.
Focando apenas no período contemporâneo observa-se uma interação complexa
entre a Europa Ocidental e a Turquia. Apesar da Turquia ter se tornado membro da
46. Com o auxílio de Clarissa Forner, graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP).
Capítulo | 4 As Relações Internacionais da União Europeia 143
47. Assim como em outros países europeus, existe um debate sobre a permissão do uso (ou não) das
vestimentas islâmicas por mulheres. Enquanto em nações como a França o governo proibiu o uso destas
vestimentas, na Turquia, o AK deseja liberalizar o uso das mesmas, incentivando o abandono de políticas
secularistas. Parte da sociedade turca manifesta-se contra, pois considera ser este um primeiro passo para
a islamização completa das leis do país. A utilização do véu pela esposa do Primeiro Ministro Erdogan em
atividades oficiais é vista como símbolo do choque entre as forças seculares e islâmicas.
Capítulo | 4 As Relações Internacionais da União Europeia 145
barram, na visão europeia, diretamente na questão dos direitos humanos, visto este
ser um dos componentes essenciais de um regime democrático.
Mais especificamente, os temas da agenda humanitária referem-se às violações dos
direitos sociais e civis dos cidadãos em geral, com destaque para: opressão à minoria
curda (e a repressão ao PKK – Partido dos Trabalhadores do Curdistão, que demanda
a criação de um Estado Curdo soberano), repressão sistemática pelo governo de
movimentos populares de oposição, como os partidos e grupos sociais de defesa do
secularismo e a censura (e repressão violenta) à mídia e falta de transparência. A
Turquia, por sua vez, considera que muitas dessas preocupações europeias afetam
temas relacionados a sua soberania, alegando que, em outros campos, já existem
progressos não reconhecidos. Tais progressos foram a abolição da pena de morte e o
reconhecimento de direitos curdos (iniciativa curda), como a autorização para o uso
da língua curda pelas populações.
No que se refere às relações internacionais, a permanência do conflito nas relações
com o Chipre é foco de atenção.48 No caso, um dos componentes considerados es-
senciais pela União Europeia para a entrada da Turquia no bloco é a normalização
completa das relações com Chipre, mas também com a Armênia. A despeito de avanços
nessas negociações, existem inúmeros recuos na postura turca. Situação similar se
repete nas interações com a Armênia. Ainda que em 2009 ambos os governos tenham
concordado em iniciar conversações para normalização de relações bilaterais, per-
manecem entraves a este processo devido ao não reconhecimento turco do genocídio
armênio na Primeira Guerra Mundial.
No ano de 2010, além disso, o envolvimento da Turquia e do Brasil na questão nu-
clear iraniana gerou insatisfação dos Estados Unidos, com impactos para a relação deste
país com a União Europeia. O Acordo Nuclear Tripartite, apesar de bem recebido pelas
Nações Unidas e parte da comunidade internacional foi avaliado como apaziguador
pelos norte-americanos, que mantiveram suas pressões sobre o Irã.
A eclosão da Primavera Árabe em 2010/2011 agregou novos componentes ao in-
tercâmbio turco-europeu devido à posição geográfica do país em zona de proximidade e
confluência de muitas das revoluções que atingiram (e continuam atingindo) inúmeros
países do Norte da África e do Oriente Médio. As instabilidades no Egito e na Líbia
que, no caso deste país, culminaram com a invasão do país pela OTAN em 2011, as-
sociadas à situação da Síria49 (que ainda permanece em aberto até setembro de 2013),
geraram pressões políticas, econômicas e sociais adicionais sobre a Turquia. A Turquia
tem recebido consideráveis contingentes de refugiados sírios, além das implicações
territoriais e de uso do espaço aéreo que uma eventual intervenção militar pode gerar.
A partir de maio de 2013, a Turquia também passou a ser foco de protestos po-
pulares, denominados de “Primavera Turca”. Esses protestos atingiram seu auge em
48. Apesar de a Turquia ter melhorado suas relações com a Grécia, incluindo parcerias no setor energético,
não houve normalização no caso cipriota e o país continua sem assinar o Protocolo Adicional para o Acordo
de Associação para todos os Estados-membros.
49. Para maior detalhamento ver EUROPEAN COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. European Foreign
Policy Scorecard 2013. In: “European Council on Foreign Relations”. Jan 2013. Disponível em: <http://
ecfr.eu/page/-/ECFR73_SCORECARD_2013_AW.pdf>. Acesso em 7 jul 2013.
146 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
Por fim, deve ser mencionado um componente estratégico nem sempre lembrado
com relação à Turquia e ao seu intercâmbio com a União Europeia, que tem se reforçado
no século XXI: o seu papel no setor energético. Ainda que não seja um país produtor
de gás e petróleo, a Turquia, por sua posição geográfica, zona de passagem entre o
Ocidente e o Oriente, com fácil acesso e ligação ao Mar Mediterrâneo, Mar Negro e
Mar Cáspio, converteu-se em importante rota de passagem de oleodutos e gasodutos.
50. Tradução da Autora. FULE, Stefan. Crucial moment in UE-Turkey relations. In: “Press Releases Rapid”.
12 jun 2013. Disponível em <http://europa.eu/rapid/press-release_SPEECH-13-526_en.htm>. Acesso em
9 jul 2013
Capítulo | 4 As Relações Internacionais da União Europeia 147
Essa rota, ligando a Europa Ocidental à Ásia Central, oferece uma alternativa ao sistema
russo de fornecimento de insumos energéticos ao Ocidente. Com isso, consolidou-se
como um elemento essencial para a diminuição da dependência energética europeia da
Rússia, fazendo parte das disputas associadas à diplomacia dos dutos (Seções 4.1 e 4.5).
Um dos marcos desse processo é o duto Baku-Tbilisi-Ceyhan, que liga Baku, no Azer-
baijão, ao terminal marítimo de Ceyhan, na Turquia, passando pela Geórgia. Na fronteira
turco-georgiana também se destaca o duto do Sul do Cáucaso, em rota paralela ao BTC, e
o duto Rota Ocidental de Exportação. Essas rotas transportam recursos que estão sendo ex-
plorados nestas regiões pelas companhias ocidentais como a BP, podendo ser mencionados
projetos de extração de gás e petróleo como Azeri-Chirag-Guneshi, Chirag, Shafag-Asiman,
e de modernização de terminais e portos como Sangachak, Supsa e Ceyhan.51
A Turquia também se encontra incorporada no rol de novos projetos de dutos como
o duto Turquia-Grécia-Itália (e uma seção específica Grécia-Turquia) e o Nabuco,
uma das iniciativas mais ambiciosas previstas e que tem enfrentando diversos atrasos.
A extensão do Nabuco engloba a região do Mar Cáspio, o Oriente Médio e o Egito
(atravessando a Turquia), Bulgária, Romênia, Hungria e Áustria, com planos de atingir
toda a Europa. Adicionalmente, existem projetos em andamento com a Rússia no setor
energético como o duto Blue Stream.
Portanto, a importância da Turquia é cada dia maior para a União Europeia, mesmo
que o país não tenha se tornado membro do bloco. Sistematizando essas interações, o
Relatório do Serviço Europeu de Ação Externa,
a Turquia, tanto como país candidato, quanto como parceiro-chave regional
continua a ser um importante interlocutor da UE. A Turquia demonstrou-se
atuante em sua vizinhança e desempenhou um papel essencial no apoio às
reformas, incluindo o Norte da África. A Turquia também desempenha um
papel significativo no Oriente Médio, nos Balcãs Ocidentais, no Afeganistão,
no Paquistão, no Cáucaso do Sul e no Chifre da África. (EEAS, 2011).52
4.5 A RÚSSIA
Desde o fim da Guerra Fria, e da União Soviética, as relações entre a Rússia e
a União Europeia tornaram-se mais complexas, ultrapassando o foco tradicional de
“ameaça” que predominara na era da bipolaridade. A despeito do “risco russo” não
55. Para a listagem destes esforços e o diagnóstico do mercado energético europeu ver Gas and oil
pipelines in Europe. Disponível em http://www.europarl.europa.eu/document/activities/cont/201106
/20110628ATT22856/20110628ATT22856EN.pdf. Acesso em 1° de setembro de 2013.
150 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
151
152 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
1 Com o auxílio de Marcela Franzoni, graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP).
Capítulo | 5 A União Europeia Global 153
2 Disponível em http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/EN/foraff/124831.pdf.
Acesso em 5 de julho de 2013.
3 Para a versão completa do atual plano ver http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_Data/docs/pres-
sdata/EN/foraff/124878.pdf. Acesso em 5 de julho de 2013.
154 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
4 Tradução da Autora. Este documento refere-se, especificamente, à relação com o Brasil (Brazil Strategy
Paper 2007/2013), no qual estas metas são desenvolvidas em maior extensão. Disponível em http://www.
consilium.europa.eu/uedocs/cms_Data/docs/pressdata/EN/foraff/124878.pdf. Acesso em 5 de julho de
2013.
5 Tradução da Autora. Estas estratégias encontram-se definidas e detalhada no Mercosur-Regional Strategy
Paper (2007/2013) preparado pela Comissão Europeia. Disponível em http://eeas.europa.eu/mercosur/
rsp/07_13_en.pdf. Acesso em 5 de julho de 2013.
Capítulo | 5 A União Europeia Global 155
aparecem como ameaças mais significativas do que o Brasil ao interesse europeu, tanto
na competição por mercados como por recursos energéticos.
Por sua vez, do lado brasileiro, a União Europeia também deixou de figurar, na
última década, como uma das parcerias mais relevantes do país. A mudança de foco
do eixo Norte-Sul ao Sul-Sul pela diplomacia do país nos anos 2000 representou uma
maior aproximação política com as nações emergentes e de menor desenvolvimento
relativo e levou à diminuição da relevância de agendas tradicionais como as da relação
com os Estados Unidos e a União Europeia. Isso não significa afirmar que essas in-
terações ao Norte deixaram de ser relevantes, mas sim que o país abriu um leque mais
abrangente de alternativas em suas relações internacionais durante a administração de
Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2010).6
Apesar das negociações em andamento entre a União Europeia e o Mercosul,
o bloco europeu é percebido como um possível concorrente aos projetos de integração
político-econômica recentes desenvolvidos pelo Brasil, a União Sul-Americana de
Nações (Unasul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).
Em ambos os casos, existem nações da América do Sul e do Caribe que se encontram
já envolvidas em arranjos com a União Europeia. A região do Caribe possui uma
dimensão triangular, representada pela forte presença dos Estados Unidos e da União
Europeia como potências tradicionais, e a nova influência do Brasil (e, em menor
medida, da Venezuela).
Esta reafirmação brasileira respondia duplamente aos interesses nacionais
do país, como nação emergente do Sul, mas também às limitações encontradas
nas agendas do Norte. Tais limitações referem-se ao protecionismo praticado
pelos Estados Unidos e pela União Europeia no acesso aos seus mercados, que
se somam às pressões direcionadas ao mundo em desenvolvimento para abertura
de seus mercados. Atualmente, o Brasil possui inúmeros contenciosos abertos
contra a União Europeia na Organização Mundial do Comércio, que é demandada,
igualmente, por outras nações em desenvolvimento no Órgão de Solução de Con-
trovérsias desta instituição.
Além disso, refletem as assimetrias de poder que continuam predominando no sis-
tema internacional, derivadas da permanência das estruturas de poder institucionais,
nos mesmos moldes do pós-1945. A ausência de atualização das instituições multi-
laterais é um fator que une os emergentes em demandas de reforma dessas estruturas
para que reflitam mais adequadamente o equilíbrio de poder mundial, com tendências
multipolares. Essas demandas têm se mostrado presentes, assim como diferentes mo-
delos de desenvolvimento e respostas à crise nas negociações multilaterais nas arenas
comercial e econômica e de temas sociais, relativos ao meio ambiente e direitos
humanos. Prevalecem, também, temores de ingerência externa.
Neste contexto, as convergências da União Europeia e do Brasil tendem a mostrar-se
menos presentes do que as de cada um com seus demais parceiros regionais e globais.
Com isso, a despeito de sua importância, a Parceria Estratégica União Europeia-Brasil
atravessa período de acomodação, e, poderiam sugerir alguns, estagnação.
7 Com o auxílio de Clarissa Forner, graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP).
8 Para uma visão geral desta parceria ver EUROPEAN UNION. Background Note: EU-India Relations. In:
“Press Room”. Bruxelas, 30 jan 2013. Disponível em <http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_Data/
docs/pressdata/EN/foraff/135124.pdf>. Acesso em: 5 jul 2013.
9 Tradução da autora. BARROSO, José Manuel Durão. EU-India: A strategic relationship in an evolving
world. In: “Press Releases Rapid”. Mumbai, 13 fev 2012. Disponível em <http://europa.eu/rapid/press-re-
lease_SPEECH-12-90_en.htm?locale=en.>.Acesso em: 5 jul 2013.
10 Segundo o site da União Europeia encontra-se em andamento, e em fase de finalização, um acordo para
a cooperação entre a EURATOM e a Índia na área de aplicação civil da tecnologia nuclear.
Capítulo | 5 A União Europeia Global 157
11 Tradução da autora. BARROSO, José Manuel Durão. EU-India: A strategic relationship in an evolving
world. In: “Press Releases Rapid”. Mumbai, 13 fev 2012. Disponível em <http://europa.eu/rapid/press-re-
lease_SPEECH-12-90_en.htm?locale=en.>. Acesso em 5 jul 2013.
158 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
12 Com o auxílio de Clarissa Forner, graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP).
13 EUROPEAN COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. European Foreign Policy Scorecard 2013. In:
“European Council on Foreign Relations”. Jan 2013. Disponível em <http://ecfr.eu/page/-/ECFR73_SCO-
RECARD_2013_AW.pdf> . Acesso em 7 jul 2013.
Capítulo | 5 A União Europeia Global 159
que se acentuaram com a crise da Zona do Euro a partir de 2008. De acordo com
dados de 2012, o montante de investimentos chineses na Europa atingiu cerca de
US$10 bilhões. Diferente do caso indiano, no qual existem negociações em andamento
para o estabelecimento de uma área de livre comércio entre as regiões, a situação das
relações econômico-comerciais com a China ainda demanda maior estruturação e
negociações para a sua regulação e incremento da reciprocidade. Além de as posições
chinesas não convergirem com as da União Europeia em nível bilateral, a situação se
estende às negociações multilaterais na Organização Mundial de Comércio, no FMI,
Banco Mundial e G20 financeiro.
Os principais pontos de desacordo entre a União Europeia e a China nessa agenda
inserem-se, justamente, na falta de reciprocidade chinesa com relação a seus parceiros,
a práticas comerciais injustas que favorecem a venda de produtos chineses (controle
cambial, subsídios e dumping) no exterior e o não cumprimento de padrões trabalhis-
tas e ambientais no setor produtivo chinês (que também explicariam os preços mais
baratos dos produtos). Essas críticas sobre as práticas chinesas são similares a de muitos
outros parceiros chineses tanto ao Norte quanto ao Sul, assim como as demandas com
relação à mudança de comportamento deste país.
E, da mesma forma, a reação da China (e demais emergentes) a esta posição dos
países desenvolvidos é também de crítica, indicando que os pedidos de reciprocidade
funcionam “dos dois lados”. No caso específico da relação União Europeia-China, além
dos temas de ajuste cambial, demanda-se que a China, como membro da Organização
Mundial de Comércio, cumpra os requisitos associados ao livre comércio preconizados
por essa organização. Para a Europa, a China deveria abrir setores protegidos de sua
economia a investimentos estrangeiros, como infraestrutura e serviços, permitindo o
livre acesso a seus mercados. Adicionalmente, existe a preocupação com o avanço
chinês nas nações do Leste Europeu, da África, da Ásia Central e na América Latina.
O mesmo padrão de cisões Norte-Sul repete-se em negociações sobre o meio ambiente
e demais esferas do multilateralismo global.
Em termos político-estratégicos, a União Europeia reproduz críticas similares às
dos Estados Unidos à China no campo dos direitos humanos, tanto no que se refere à
dinâmica interna do regime político chinês como sua tolerância com relação a outros
países. No que se refere a esse segundo item, a relação com terceiros países, a China não
alinha com as nações ocidentais na condenação de regimes políticos por desrespeito
a direitos humanos e em áreas como proliferação nuclear, especificamente no caso
iraniano. Como visto nos itens anteriores, o tema Irã não representa convergência entre
a União Europeia e a Rússia, situação que se estende à posição da China. A mesma
dinâmica repete-se nos também citados cenários líbio e sírio, nos quais a China não
apoia as políticas do Ocidente. Porém, a China atua, como a Rússia, de forma positiva
nas negociações norte-coreanas.
No que se refere ao continente africano, a atuação da China é motivo de preocu-
pação não só neste campo dos direitos humanos, mas no de sua tolerância com os
regimes locais, na visão da União Europeia, a fim de garantir seu acesso privilegiado a
mercados e recursos africanos. O caso do Sudão e do Sudão do Sul tem merecido des-
taque nesse aspecto, visto que o país tem recebido investimentos significativos da China
nos últimos anos devido ao seu fornecimento de petróleo para esse país. De forma mais
160 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
14 Para a visão geral da Ásia Pacífico ver EEAS. Facsheet: EU-Asia security. 2013. Disponível em <http://
eeas.europa.eu/asia/docs/eu_in_asia_factsheet_en.pdf> .Acesso em 5 jul 2013.
15 EUROPEAN COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. European Foreign Policy Scorecard 2013. In:
“European Council on Foreign Relations”. Jan 2013. Disponível em <http://ecfr.eu/page/-/ECFR73_SCO-
RECARD_2013_AW.pdf> . Acesso em 7 jul 2013.
Capítulo | 5 A União Europeia Global 161
Seção 4.1, a TPPI). Além disso, a preocupação com a contenção Estados Unidos-China
representada pela TPP é acompanhada pelo outro oposto: a da percepção da ameaça
referente à aproximação entre os dois países, que poderia diminuir o papel da União
Europeia na agenda norte-americana.
Por fim, o “Semestre Asiático” também buscava resolver parte do dilema mais
amplo das relações entre a China e a União Europeia: agir como bloco ou agir país a
país (com os Estados-membros individuais, principalmente os mais poderosos como
França, Alemanha e Reino Unido, preferindo consolidar suas relações com a China
via bilateral e não por meio da União Europeia).
Sistematizando estas tendências, Plesner (2013) indica que
além da necessidade da União Europeia canalizar a energia individual dos
Estados-membros em uma parceria estratégica europeia, a União Europeia tam-
bém precisa avaliar como deve responder à estratégia do pivô asiático, e qual
efeito sua resposta terá nas suas relações com a China. Deve a União apoiar
os Estados Unidos, ou se engajar mais na Ásia como um ator independente, ou
deve se distanciar por completo das questões asiáticas? Estas são as grandes
escolhas estratégicas que a União Europeia precisar fazer com relação à China
nos próximos anos. (PLESNER, 2013).16
16 Tradução da autora. PLESNER, Jonas Parello. Why do EU member states prefer bilateral “strategic”deals
with China? . In: “European Council on Foreign Relations”. 19 jun 2013. Disponível em <http://ecfr.eu/
blog/entry/why_do_eu_member_states_prefer_bilateral_strategic_deals_with_china>.Acesso em 6 jul 2013.
162 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
Essa postura refletia tanto o objetivo de consolidar o bloco como um poder civil
global, como discutido ao longo dos capítulos anteriores, posicionando-se como uma
experiência diplomática de vanguarda, como estabelecer uma distância entre as pos-
turas norte-americanas e europeias. A própria experiência multilateral europeia, imersa
em desafios de consolidação de uma estrutura de cooperação entre nações, funcionava
como um elemento de incentivo na busca de novos caminhos de interdependência e
atuação dos Estados-membros em torno de áreas pouco compreendidas ou abordadas
em esfera global.
A internalização de metas apresentadas pela comunidade internacional nesses
setores tornou-se parte essencial do processo de integração europeu, como indica
Balducci (2013), assim como a apresentação de propostas adicionais de diálogos e
agendas a partir da experiência do bloco. Ou seja, neste processo, a internalização e
a externalização tornaram-se processos interdependentes, e que não podem ser des-
colados das metas e princípios orientadores da União Europeia, desde suas origens
na década de 1950. Neste item, optou-se pela avaliação de dois conjuntos de temas
nos quais a União Europeia detém forte atuação, divididos em dois blocos: direitos
humanos e meio ambiente; economia e comércio internacional.
Considera-se que esses setores são os mais representativos da ação autônoma
europeia, e mesmo de suas contradições, que merecem críticas da comunidade inter-
nacional, e de grupos domésticos europeus sobre os chamados “duplos padrões”.17 Isto
é, o descolamento entre a retórica e a implementação prática de medidas dependendo
do país e situação envolvidos, e do interesse europeu como bloco e as metas nacionais
de seus Estados-membros soberanos.
17 Temas relativos à segurança internacional e não proliferação encontram-se abordados ao longo dos demais
capítulos. São temas nos quais existe alinhamento entre a União Europeia e os Estados Unidos. Com isso,
optou-se pelo recorte aqui utilizado.
18 Com o auxílio de Marcela Franzoni, graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP).
Capítulo | 5 A União Europeia Global 163
Assim, esta carta foi mantida em separado do Tratado de Lisboa, recebendo uma
atualização em 2010. Avaliando o caráter do regime europeu de direitos humanos,
Balducci (2013) indica que,
(...) é inegável que a União Europeia e seus Estados-membros desenvolveram
uma identidade coletiva, que inclui convergências e características distintas vis
-à-vis ao regime internacional de direitos humanos. Sendo os direitos humanos
universais, a União Europeia e seus membros, internalizaram as prescrição
das principais declarações normativas, acordos e convenções com as quais se
comprometeram no campo dos direitos humanos. Ao mesmo tempo, algumas
características próprias da União Europeia ficaram evidenciadas na insistência
para a incorporação de direitos sociais e econômicos, a proibição da pena de
morte e da proteção limitada de minorias. (BALDUCCI, 2013, p. 192).
nem sempre se consolida na prática interna ou externa da ação europeia, devido à pres-
são da soberania dos Estados, o crescimento de grupos contrários a estas orientações
universais e a prevalência de duplos padrões. Como analisado ao longo do texto, existe
um descolamento entre o que a União Europeia demanda de seus Estados-membros
e parceiros externos, e o que se pratica dentro do bloco.
A despeito de criticar a ausência de liberdades básicas e direitos em muitos países
em desenvolvimento globalmente (e na Turquia, candidata ao bloco), e mesmo em
parceiros como os Estados Unidos (com foco na manutenção da pena de morte por
alguns estados norte-americanos, racismo, restrição de liberdades civis e tortura
derivados da guerra contra o terrorismo), alguns países europeus como a França pos-
suem leis internas que contrastam com os valores europeus. A situação não é exclusiva
da França, que proíbe vestimentas religiosas em público, ou realizou processos de
deportação de ciganos que estavam no país para a Romênia e Hungria (durante o
governo de Nikola Sarkozy), por exemplo, mas a outros países que proibiram a cons-
trução de mesquitas e detêm políticas de imigração restritivas (ou mesmo oferecem
tratamentos precários a imigrantes).
No caso da imigração à Europa, em resposta às pressões sobre o bloco de enti-
dades de direitos humanos, organismos multilaterais e da comunidade internacional
e europeia em geral, elaborou-se em 2012 a “Abordagem Global pela Migração e
Mobilidade”.22 O propósito da “Abordagem” é estabelecer uma estrutura permanente
de diálogo e cooperação entre a União Europeia e países não europeus, visando a re-
gulação dos fluxos migratórios para a União Europeia. Dentre os objetivos específicos
derivados dessa meta geral encontram-se “a facilitação da mobilidade e organização
da migração legal, a prevenção e redução da imigração ilegal de forma eficiente, mas
humana; e o fortalecimento das sinergias entre a imigração e o desenvolvimento”.
As regiões priorizadas na primeira fase referem-se à África Ocidental e às regiões
mediterrâneas. Intrabloco, porém, a defesa permanece pela eliminação das fronteiras
como previsto em Schengen, apesar de essa mobilidade igualmente ser contestada
nos fluxos Leste-Oeste.
Episódios de desrespeito aos direitos humanos e de incentivo à violência torna-
ram-se cada vez mais presentes no dia a dia europeu, estendendo-se a estádios de
futebol, convivência em espaços públicos, redes e mídias virtuais, incluindo distúrbios
sociais nas periferias das grandes cidades europeias, como Paris, resultantes da ex-
clusão, preconceito e dificuldades econômicas. O renascimento de partidos neonazistas
e supremacistas, o crescimento de facções que pregam a intolerância racial, religiosa
e às minorias, associadas ao nacionalismo e a xenofobia são fenômenos presentes
na Europa desde os anos 1990 e que têm se agravado com a crise social pós-euro.
As disputas são tanto entre e intrassociedades, questionando o conceito de União e
identidade europeia.
Como indica Giddens (2013), o conceito de interculturalismo poderia ser uma
resposta a esse desafio da exclusão e não integração, em substituição às premissas do
“multilculturalismo” tradicionalmente defendido na Europa integrada. Para muitos
22 Disponível em http://ec.europa.eu/dgs/home-affairs/what-we-do/policies/international-affairs/global-
approach-to-migration/index_en.htm. Acesso em 1° de setembro de 2013.
166 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio 1992
ou ECO-1992, no imediato pós-Guerra Fria. Como resultado da Rio-1992, iniciaram-se
discussões mais estruturadas sobre temas como mudança climática, biodiversidade e
desenvolvimento sustentável, como sistematizado na Agenda 21. Do ponto de vista
europeu, agregou-se, ainda, a questão da segurança energética e dos recursos não
renováveis tendo a água como prioridade.23
Em termos práticos, quando da constituição da União Europeia em 1992, no Pilar I
do Tratado de Maastricht (Comunidade Europeia), o tema ambiental foi incorporado e
ampliado como prioridade. Em 1994, foi criada a Agência Europeia de Meio Ambiente
(EEA), cujo objetivo era auxiliar os Estados-membros a desenvolver uma abordagem
integrada das políticas de desenvolvimento com a preocupação ambiental, visando a
sustentabilidade e a coordenação setorial (essa situação permanece sólida, pois como
visto no Capítulo 3, a despeito da crise econômica na Zona do Euro, o plano de ação
para a recuperação do continente não abriu mão dass preocupações ambientais).
O Tratado de Lisboa reafirmou o compromisso ambiental, colocando o tema como
essencial e ressaltando a necessidade de que todos os Estados-membros estabeleçam
políticas vinculantes às legislações europeias no setor. Para dar conta desses desafios
foram estabelecidos Planos de Ação para a questão ambiental, com particular destaque
à mudança climática. A União Europeia demonstra-se um dos atores mais preocupados
com o tema, tendo assinado e ratificado o Protocolo de Kyoto, e participado ativamente
de todas as Conferências das Partes em andamento, e das Conferências Ambientais,
como a Rio + 10, em Johanesburg, e a Rio + 20, realizada novamente no Rio de Janeiro
em 2012.
Nas Conferências das Partes, a União Europeia enfrenta não só a oposição dos
Estados Unidos em muitas discussões ambientais (como, por exemplo, a recusa de de-
terminados grupos conservadores em aceitar a existência do problema do aquecimento
global), como das nações em desenvolvimento com destaque ao BASIC (Brasil, África
do Sul, Índia e China), formado por nações emergentes. Para as nações emergentes,
devem ser mantidos parâmetros diferenciados de cortes de emissões para as nações
do Norte e do Sul, uma vez que essas sociedades encontram-se, ainda, em processo de
construção e desenvolvimento. Mantém-se a defesa do desenvolvimento sustentável e
as metas conforme negociações anteriores por parte das nações do Sul, que contam com
as críticas europeias que demandam a equalização e maior avanço de compromissos.
Esses esforços refletem-se nas metas estabelecidas pela Comissão Europeia para a
redução das emissões de gás do efeito estufa, assim como para a redução do consumo
em todos os setores, para a pesquisa e desenvolvimento de energias renováveis e a
eficiência energética (que em 2008 ficaram conhecidas como a Estratégia 20-20-20).24
A peça fundamental da abordagem da União Europeia para a mudança climá-
tica é a Estratégia20-20-20. Os Estados-membros devem reduzir em 20% suas
23 A Europa ainda desempenhou relevante papel nas negociações sobre o corte do CFC nestas décadas.
24 A nomeação de capitais verdes na União Europeia (em 2014, Copenhagen), certificações ambientais
como a “etiqueta verde” (ecolabel) são outros esforços do bloco para atuar no setor ambiental, com foco
na consciência social e cidadã.
168 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
emissões de gás estufa até 2020, tendo como base os níveis de 1990, aumento
da porcentagem de energias renováveis em sua matriz energética em 20%
até esta data e aumentar em 20% sua eficiência energética. Para ajudar na
manutenção da elevação da temperatura global em não mais do que 2 graus
centígrados, o objetivo é reduzir as emissões em até 80% até 2050. (GIDDENS,
2013, p. 152).25
25 Tradução da autora.
26 Para maior detalhamento dos objetivos e projetos da Aliança ver http://www.gcca.eu/. Acesso em 12
de setembro de 2013.
27 Um resumo dos temas encontra-se disponível http://europa.eu/rapid/press-release_MEMO-12-908_
en.htm. Acesso em 30 de julho de 2013.
Capítulo | 5 A União Europeia Global 169
28 http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2008:115:0047:0199:pt:PDF.
170 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
Quadro 5.1
As Exportações da União Europeia30
29 Individualmente, por Estado, a União Europeia teria como maior país de destaque a Alemanha, mas
mesmo assim, o país estaria abaixo das estatísticas dos Estados Unidos e da China. Assim, é preciso sempre
lembrar que os temas aqui abordados referem-se sempre ao conjunto da Europa, como ator internacional.
30 Adaptado e traduzido pela autora de The European Union Trade Policy 2013.
Capítulo | 5 A União Europeia Global 171
Quadro 5.2
As Importações da União Europeia31
31 Idem.
172 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
32 Utilizam-se os termos “G20 Comercial” e G20 financeiro” como opção do texto para diferenciar estes
dois “G20”. No caso, o G20 comercial refere-se, como visto, à aliança de geometria variável entre as nações
do Sul estabelecida para a condução das negociações da Organização Multilateral de Comércio em sua
Reunião Ministerial de Cancun, e que permanece vigente. Por sua vez, o G20 financeiro é uma estrutura
multilateral para discussão de questões econômico-financeiras.
Capítulo | 5 A União Europeia Global 173
Quadro 5.3
Acordos Bilaterais da União Europeia33
33 Traduzido e elaborado pela autora a partir de dados de The European Union Trade Policy 2013.
174 A União Europeia_Cristina Soreanu Pecequilo
34 Outra oposição recorrente desde 1999 tornou-se a do Fórum Social Mundial e a do Fórum de Davos, vistos,
respectivamente como representativos da agenda social e do Sul, e das instituições e grandes poderes financeiros
ao Norte.
Considerações finais
Mais de duas décadas depois da sua criação, a União Europeia atravessa uma de
suas mais significativas e profundas crises, que tem revelado, a partir do colapso das
nações da Zona do Euro, diversas fragmentações e assimetrias sociais, políticas, eco-
nômicas e estratégicas do processo de integração. Como resultado destas encruzilhadas
acumulam-se desafios em cada um destes campos, que colocam em xeque os cenários
utópicos e de estabilidade antes desenhados a partir do sucesso do bloco europeu desde
suas origens na década de 1950. Neste contexto, surgem questões sobre o futuro da
integração, não só como modelo para outras experiências, mas como uma realidade a
ser preservada por seus próprios membros fundadores e novos Estados incorporados
em ondas de alargamento.
As reticências e padrões duplos da União Europeia, com sua retórica contrastada
por sua ação, a dependência estratégica dos Estados Unidos, a ausência de escolhas em
áreas de políticas internas e externas (intragovernamentalismo e supranacionalismo,
europeísmo e atlanticismo, alargamento e aprofundamento), as tensões entre núcleo e
periferia revelam uma integração que, muitas vezes, chegou ao “meio do caminho”.
Esse “meio do caminho”, representado por exceções de uma “Europa a múltiplas
velocidades”, e pela acomodação de diferenças, criou, por vezes, cenários artificiais.
Frente a sociedades que oscilavam entre o otimismo e o pessimismo, correlacionado
à performance econômica e à construção de imagens positivas do bloco, a União trouxe
o estabelecimento de um continente sem fronteiras ao lado do renascimento do con-
servadorismo. Seja pela baixa participação social derivada de estruturas burocráticas
desenhadas de “cima para baixo” ou, apenas, pelo desinteresse e distanciamento das
populações, a Europa tornou-se tanto ameaça quanto oportunidade, na interpretação
de seus povos.
Apesar de caracterizada por essas dualidades, e, na verdade, principalmente por
elas, a integração deve ser entendida além do discurso fácil das utopias, das afirmações
de paz e estabilidade como valores, da vanguarda de poder civil global, modelo teórico
ou tema de sala de aula. Hoje, a União Europeia deve ser avaliada, como sempre deveria
ter sido: uma construção social, cultural, política, econômica e estratégica dinâmica.
Um processo de desafios, crises e perspectivas em aberto, cujo futuro será definido
pelas convergências e divergências entre seus Estados sobre o que é ser europeu.
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