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Outubro | 2018
Out/Nov
o p i n i ã o
seja ainda uma realidade? Na verdade, são homens da. Sim, porque a vida do cuidador é de silêncio e
e mulheres como todos nós, imbuídos de um forte sofrimento, mas também de muita solidão.
espírito de missão e com uma resiliência acima da O Cuidador Informal é o derradeiro guardião do
média, que lhes permite superar barreiras físicas, Serviço Nacional de Saúde. E digo guardião na ver-
logísticas e pior ainda, burocráticas. São pessoas dadeira aceção do termo. É aquela senhora de 70
que decidem abdicar de uma vida de previsível (e anos, sem escolaridade e já com limitações físicas,
merecido) descanso e conforto em prol de um bem mas que consegue hidratar o marido com uma
maior: o prolongar da vida de alguém que lhes é seringa; é o homem de 80 anos, que também nada
querido. São pessoas que diariamente desafiam os percebe de terapêuticas, mas sabe adicionar espes-
limites da resistência e perseverança humanas. E sante à água para a esposa não a aspirar. É aquela
que tardamos em lhes reconhecer o devido mérito. pessoa que chora de felicidade ao ver o cônjuge
Foi com este misto de admiração e interesse profis- capaz de andar mais um metro do que ontem, com
sional que me propus a conhecer algo mais sobre a ajuda do andarilho, nos seus exercícios de reabili-
esta população: quem são, que idade têm, qual a tação. E, veja-se a ironia de tudo isto, é agradecido.
sua situação laboral e relação com o indivíduo a Agradecido perante os profissionais que todos os
cuidar e, não menos importante, de que forma se dias lutam a seu lado, num país que ainda não os
sentem sobrecarregados com a sua tarefa diária. reconhece como os verdadeiros heróis que são.
Acompanhei os enfermeiros das equipas de Cuida- Com o trabalho que efetuei nas últimas semanas
dos Continuados Integrados (outros heróis silen- tive a certeza que sem estes elementos, o SNS rui-
ciosos do nosso SNS) nas suas visitas domiciliárias ria em semanas. São eles que impedem os centros
para falar e questionar os Cuidadores Informais da de saúde e os hospitais de implodir com excesso
área de abrangência da Unidade Local de Saúde de utentes e nós, como profissionais de saúde, mas
onde trabalho. E encontrei muito do que já espera- também como utentes, devemos sentir admiração,
va: pessoas movidas por fortes ligações emocionais mas também agradecimento para com todos estes
que têm derrubado os obstáculos que vão surgin- heróis. Eu nasci num país que sempre foi parco
do. Mais mulheres, com idades acima dos 50 anos, em verbas e recursos da mais variada ordem, mas
reformadas ou desempregadas (muitas vezes por que nunca o foi num campo: o da gratidão. Assim,
força da situação), com baixos níveis de diferencia- como cidadãos, dirijamos-lhes as merecidas pala-
ção. Perante o que observava e tendo contactado vras: MUITO OBRIGADO.
com situações socialmente críticas até, esperava
fortes repercussões no bem-estar psicológico e na
sobrecarga associada. Mas é aqui que
algo me surpreende: esses laços de
afeto e o forte espírito de missão que “Aquilo que de verdadeiramente
os move, confere tal resistência que significativo podemos dar a alguém
os sintomas de sofrimento psicológico
(ansiedade, depressão ou somatização) é o que nunca demos a outra pessoa,
não são a regra, mas sim a exceção.
Se a componente psicológica é estra-
porque nasceu e se inventou por obra
nhamente (ou não) robusta, o mesmo do afeto. O gesto mais amoroso
não se pode dizer da sobrecarga física,
psicológica e emocional associada
deixa de o ser se, mesmo bem sentido,
ao ato de cuidar. Com a aplicação do representa a repetição de incontá-
respetivo questionário validado para
a população portuguesa, constatei de
veis gestos anteriores numa situação
imediato que são pessoas desgasta- semelhante. O amor é a invenção de
das, erodidas por anos de dificuldades
económicas, sociais e logísticas. Todos tudo, uma originalidade inesgotável.
vivem numa angústia constante por Fundamentalmente, uma inocência.”
temer o futuro da pessoa que cuidam
e por se sentirem isoladas nesta jorna- Fernando Namora, in ‘Jornal sem Data’
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