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POLlTICA E
DESENVOLVIMENTO EM
SOCIEDADES DEPENDENTES

A necessidade de um amplo c ~guro


conhecimento da correlação cntre as ideologias
e as estruturas de poder é hoje um dado de
evidência • uma exigência básica de com-
preensão dos mecanismos políticos e sociais.
Os estudos neste sentido são um insuummto
de ajuda decisiva ao entendiJm:nto da afirmação
nacional dos países subdesenvolvidos ou em
vias de deKnvolvimcnto.
O presente estudo é uma notável inlfO.
dução 80S problemas espcdficos dessa correIa·
ção n«csshia: o socwlogo FEWANDO liENat-
QUE CAU)QSO apresenta um retrato de corpo
inteiro do universo econômico em que se inse-
rem o empresariado brasileiro e o empresariado
argentino, analisando, com ampla objetividade,
as suas tarefas c possibilidades reais, assim
como as suas referências ideol6gicas no sentido
de esúmulos explícitos para os respectivos cam-
pos de desenvolvimento econômico. Os con·
ceitos de dependência não são arbitrários nem
o~ecem. para a sua formulação, a sectarismos
desligados do movimento estrutural da reali·
dade: a eleição possfvd de certos modelos de'
desenvolvimento econômico, ditada pela con·
juntura despertada para a atuação nacional e
nacionalista, ~ que estabelece, em última análise,
a amplitude e as oscilações simétricas dessa
dependência.
Num livro como êste, em ~ articula uma
série enorme de conceitos e de pressupostos
tknicos, a limpidez upositiva não é uma qua·
lidade acess6ria: ela caminha, passo a passo, ~o
longo das exposições e dos raciocínios especl·
ficamente sociológicos, poHticos e econômicos.
A obra está enriquecida de uma biblio>-
grafia atualizada e por um Vllioso anexo, em
que se dão exaustivas explicações sôbre os pro-
cedimentos usados: na coleta e IlOálise dos dados.
DEPEND~NCIA
E
DESENVOLVIMENTO NA
AMÉRICA LATINA
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

e
ENZO FALETTO

Ninguém discorda a respeito da natureza social e


política do processo de desenvolvimento latino-ame-
ricano: o presente livro pretende mostrar, de maneira
direta e específica, como se dá essa relação e que
implicações derivam da forma de combinação que se
estabelece entre economia, sociedade e política em
movimentos históricos e situações estruturais dístintos.
O exame levado a efeito pelos autores - ambos
sociólogos de renome internacional - oferece uma
dimensão realmente esclarecedora pata o estudo do
desenvolvimento econômico da América Latina, exata-
mente porque coloca-se em função de coordenadas
decisivas que levam à caracterização de sua tipicidade
para os diferentes núcleos nacionais latino-americanos;
falar da América Latina sem especificar dentro dela
as diferenças de estrutura e de história constitui um
equívoco técnico de conseqüências práticas perigosas.
A distinção necessária em relação li essas diferen-
ças levou os autores, por fôrça de uma metodologia
adequada, à crítica dos conceitos de subdesenvolvi-
mento e de periferia econômica e à valorização do
conceito de dependência, corno instrumento teórico
para acentuar tanto os aspectos econômicos do subde-
senvolvimento quanto os proc~ssos políticos de domi·
nação de uns países por outros, de urnas classes sôbre
as outras, num contexto de dependência nacional.
Dentro dêsse quadro de vigorosa apresentação da
matéria é que se expressam as qualidades notáveis do
presente estudo, possIvelmente um dos mais completos
que já se fizeram sôbre as realidades econômicas,
sociais e políticas da América Latina, nos seus aspectos
últimos e essenciais.

ZAHAR. EDITORES
.a cultura a serviço do progresso social
RIO DE JANEIRO
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© Copyright by Fernandõ Henrique Oardoso

capa de
l!lRICO

1971

Direitos para esta edição reservados por


ZAHAR EDITORES
Rua México, 31 - Rio de Janeiro

Impresso no Brasil
lNDICE

Apresentação 7

I. IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODER NA CI-


:lllNCIA POLITICA . 9
A Herança do "PeflJ8amento Olds8'lco" . 10
As Anál,",es Oontempor4neas .... '.' •................ 20
1. A Politica como "Ciência Emplrica" e como Análise
"Sistêmica" . 24
2. As Teorias Politicas de "Alcance Médio" 35
Teoria PoUtica e Inve8tigaçiio OientVica 42

lI. OS TIPOS DE' DEPEND:lllNDIA E AS IDEOLOGIAS


DE DESENVOLVIMENTO . 57
Alianças Polfticas no Periodo de De8envolvlmento Orien-
tado para o Exterior . 69
Ome EcoMmica e OriS6 Politica: A Etapa de Transiçiio 77

m. SITUAÇ~O ESTRUTURAL E ALIANÇAS POLITICAS 86

IV. IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLITICAS . 118


Origem Social e Atitude Politica . 123
Os Empresários e a Ideologia Naciom:rJ-PopuZista . 128
As PoZarizaç6es SigniticaUvas nas Ideologias dos Em-
presários . 140
As Variantes Fundamentais das Ideologias Empresa-
riais: A Escolha dos Aliados de Classe . 146
As Variante8 Fundamentais das Ideologias Empre8a-
ria,",: A Orientaçiio Internacionalista e a Orientaçiio
Popul,",ta . 158
A8 Vari<J4llte8 Fundamentais daa Ideologias Empresa-
riais: O Parceiro Hegem6nwo '" . 160
6 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

V. DEPEND1!:NCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 173


L>ependénGia ~8trutural 173
Orientações Politicas e L>ependéncia ~strutural 178
A Ideologia "Nacional-Populista" . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 184
Bistema Produtivo, Mercado e Ideologia , 188
Interesses ~conômico8 e Poder . . . . .. 197

VI. CONCLUSOES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 201


ANEXOS 207
Anexo sobre os Procedimentos Usados na Coleta e Aná-
lise dos L>ados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 209
Elaboração de Dados, Construçã.o de Indices e Escalas 209
Modelos EstaUstlcos e Supostos . ........ ... ... ...... 212
Coleta dos Dados ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 213
Questionário .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 216

BIBLIOGRAFIA CITADA 217


APRESENTAÇÃO

ESTE livro apresenta resultados de reflexões e de investiga-


ções que venho fazendo desde 1963. Ele não cobre o con-
junto de informações que disponho sobre o tema e, apesar
de possuir unidade interna, deve ser compreendido no con-
texto de outros trabalhos de interpretação e análise que reali-
zei nos últimos cinco anos, a maioria dos quais está referida
no texto e na bibliografia.
Não quis utilizar, para controlar as interpretações e para
comprovar certas hipóteses, o conjunto de documentos e in-
formações disponíveis. Preferi apresentar o resultado de in-
vestigações de campo porque tinha uma intenção metodoló-
gica definida que se explica no primeiro capítulo. Por isso,
utilizei apenas os resultados de duas investigações feitas pelo
Instituto Latinoamericano de Planificación Económica y So-
cial, das Nações Unidas, na época em que fui diretor-adjunto
de sua Divisão Social. Essas pesquisas foram feitas sob minha
direção entre 1965 e 1966, em colaboração com o Instituto de
Ciências Sociais da Universidade do Brasil e com o Consejo Na-
cional de Desarrollo, da Argentina, sendo orientados nesses países,
respectivamente, por Luciano Martins e Juan Carlos Marin. O
tema das investigações ultrapassa os aspectos específicos da ideo-
logia política dos empresários, e abrange problemas mais ge-
rais da formação e do comportamento do empreliariado industrial.
Evidentemente, a análise dos dados e as interpretações
aqui apresentadas, que foram redigidas em Paris entre outu-
bro de 1967 e março de 1968, são de minha exclusiva res-
ponsabilidade pessoal.
Entretanto, não posso deixar de agradecer a colaboração
e dedicação fora do comum de dois companheiros de trabalho
de Santiago, Enzo Faletto e Vilmar Faria, que me ajudaram
nas etapas anteriores da investigação e que discutiram comigo
8 POLÍTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

tanto a forma de aproveitamento dos dados como alguns te-


mas que foram desenvolvidos no trabalho.
Em versão ligeiramente diferente, este livro serviu como
tese para o concurso da cadeira de Política da Universidade de
São Paulo. Quero agradecer o estímulo que recebi, naquela
ocasião, da parte de colegas e amigos, dentre os quais gostaria
de mencionar os nomes de Ruth Corrêa Leite Cardoso, Flo-
restan Fernandes, Leôncio Martins Rodrigues Netto, Lucia-
no Martins, Pedro Paulo Poppovic, Maurício Segall e Roberto
Gusmão. O apoio intelectual e humano desses companheiros
tem sido constante, especialmente nos momentos difíceis por
que passam com freqüência os intelectuais em países como o
Brasil, tão pontilhado de instabilidades e incertezas.

São Paulo, julho de 1969


CAPíTULO I

IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODER


NA CI:BNCIA POLíTICA

N ESTE
rando
livro procura-se tratar, de forma limitada e conside-
temas cuja significação prática ainda nos angustia no
presente, antigos problemas das Ciências Sociais: a relação en-
tre ideologias e estruturas. No seu tratamento, embora quase
nunca de forma explícita, se alude forçosamente a outros tan-
tos temas cuja proposição recua séculos na história do pensa-
mento -social: aS'- relações entre poder e situação econômica,
entre val()t,es·· e determinações históricas.
Entretanto, o movimento da exposição não obedece a
uma reflexão sobre esses temas. Se os dois próximos capítu-
los podem aparecer expositivamente como, pelo menos, um
"ensaio de classificação" e, portanto, como sistemáticos, é por-
que eles derivam de investigações anteriores nas quais a aná-
lise permitiu propor esquemas de interpretação. Nos capí-
tulos finais, a exposição segue outro movimento, inspirado di-
retamente na análise de informações coligidas por uma inves-
tigação de campo. 1 Por trás dessa análise subsistem vários
problemas metodológicos - no sentido clássico da expressão
nas Ciências Sociais - que não serão discutidos no trabalho
mas que parece conveniente assinalar neste capítulo inicial,
para mostrar sua significação na problemática atual da ciência
política.
As questões mais gerais dessa natureza que desejamos
indicar se referem à relação entre ideologias e estrutura social,

1 Sobre os procedimentos dessa investigação, ver o apêndice


correspondente.
10 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

poder e situação de mercado e, paralelamente, no terreno pro-


priamente metodol6gico, à possibilidade de vincular uma análise
das determinações gerais, ao nível das estruturas, e uma aná-
lise de verbalizações que expressam opiniões, no nível da rea-
ção manifesta de indivíduos.
A ciência política se orientou nos últimos anos por pa-
radigmas e preocupações intelectuais que praticamente recusam
interesse às preocupações metodológicas e às soluções propos-
tas no passado para encarar esses temas. Em forma muito ge-
neralizada, seria possível reconhecer pelo menos três grandes
linhas de pensamento que classicamente inspiraram a forma-
ção da política como disciplina científica, e em cada uma delas
existe um modo de encarar o significado das ideologias e dos
valóres para a ciência.

A HERANÇA DO "PENSAMENTO CLÁSSICO"

Em primeiro lugar, veremos o modelo que toma forma


sistemática na pena de Montesquieu e que - menos desli-
gado da temática própria de uma ciência política porque pro-
posto como paradigma das Ciências. Sociais em geral - apa-
rece codificado em Durkheim. O passo entre L'Esprit des
lois e as Regles de la Méthode Sociologique não supõe uma
ruptura mas uma continuidade. Existe uma ordem nos fenô-
menos políticos - nos fatos sociais para Durkheim _. que
não é universalmente idêntica, mas varia de modo reconhe-
cível segundo cada forma de governo. E cada forma de go-
verno supõe um princípio orientador que lhe é inerente.
O cientista deverá reconhecer a relação necessária e "na-
tural", isto é, estrutural, que existe entre a parte e o todo,
entre as instituições políticas e as formas de governo, entre
estas e seus princípios orientadores. Na linguagem moderna,
dir-se-ia que existe uma funcionalidade própria a cada tipo
de sistema e o que seria disfuncional visto da perspectiva de
um sistema ideal de governo ou de um sistema particular dis-
tinto daquele que é objeto de preocupação do cientista, é fun-
cional em termos de outro sistema. A objetividade do mundo
exterior na sua opacidade e resistência ao olhar subjetivo do.
investigador termina por impor-se e o obriga a capitular di-
ante das "regras de observação": há que afastar as pré-noções e

l__
IDEOLOGIAS E Es'l'RUTURAS DE PODER 11

ler na intrincada teia de relações reais - objetivamente exis-


tentes - o movimento das coisas.
Enquanto parte integrante de uma estrutura, a "ideolo-
gia" seria o princípio inspirador de um sistema político, mol-
dado conforme à natureza dos fatos sociais, ela própria coisa,
idêntica, nesse aspecto, ao mundo circundante. Caberia à ci-
ência, portanto, devolver. à ideologia sua condição de parte de
um todo; parte igual, desse ponto de vista, aos demais inte-,
grantes do sistema: tão "objetiva" quanto os componentes es-
truturais do todo. E caberia à ciência, ao mesmo tempo, a
tarefa de eliminar a ideologia particular do investigador, na
medida em que esta aparece como viseira que dificulta a per·
cepção clara e distinta do mundo das coisas. Nessa acepção
a ideologia é a anticiêneia, fantasma a ser descartado.
Com este paradigma se conseguia cindir o que antes apa-
recera dramaticamente ligado na concepção de Maquiavel: a
paixão que constrói polIticamente deixa entrever nela mesma
as regras do conhecimento, a "ciência da política". 2 Já não é
mais na ação política densa de opções, contingências, valores
- imersa na ideologia, em suma - que o "politicólogo" vai
determinar a natureza do fato político, as leis de funcionamento
da arte de influir e do poder de imposição. Já não importa
tanto con~iderar os fios da ação que, guiada por uma vontade
de poder, constrói as cadeias de uma situação de força, de
um Estado, exprimindo em seu fiat os desígnios de um homem,
de um grupo ou de uma classe. É nas relações estabelecidas,
DO resfduo objetivado da vontade fluida, que o cientista pode
redescobrir os resultados de uma prática passada - dada à
obsçrvação - e que se determina ex past; os princípios que
inspiraram essa prática aparecem funcionalmente encravados na
teia objetiva de situações e relações, molas num êmbolo, que
se contraem e relaxam como corações mecânicos.
A segunda grande corrente do pensamento clássico se
opõe justamente ao "cientificismo" positivista. No historieis-
mo aparece a preocupação com o fluxo soeial, com o devir

2 Ver a interpretação de Gramsci no primeiro ensaio de


Note B1&Z MachÍ<ltlelli BVUa politica e suUo stato moderno, Einaudi.
Roma, 1949.
12 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

como criação humana, que, por isso mesmo, se torna prática


singularizada: o movimento da história se deixa adivinhar pela
descontinuidade. Só o irredutIvelmente particular é portador
dos sinais da ação humana criadora. Mesmo que a diferença,
como fragmentação, denunciasse o geral, este não tem signifi-
cação heurística: o conhecimento não pode ser mais que apre-
ensão das fissuras e das singularidades, cada uma das quais
traz o sópro de um Geist particular cuja história geral será, no
melhor dos casos, o desenvolvimento do "espírito dos povos",
não a lei do movimento de estruturas. Evidentemente sob essa
forma, a Política não aspirou a ser ciência - conhecimento
do geral - mas "consciência": iluminação interna dos momen-
tos particulares da vontade de poder, como se da estrutura in-
terna das lâminas de um vitral surgisse a luminosidade capaz
de revelar a transparência de sua verdade interior. O discur-
so, no limite, não poderia revestir o nexo racional e a ciência
política pereceria irremediavelmente na retórica.
Não foi, portanto, diretamente dessa concepção que deric
vou o segundo paradigma a que fazemos referência, mas pre-
cisamente de sua crítica. Na Ciência Social é Weber, como
se sabe, quem recolhe dessa tradição o possível núcleo racio-
nal e, como faz Marx com Hegel, propõe um novo procedi-
mento metodológico. Mantém o irredutível puralismo dos va-
lôres: na luta entre os vários deuses, ou, mais precisamente,
entre os vários demônios, não há critério objetivo possível para
hierarquizar as probabilidades de verdade. A ação humana é
universalmente valorativá, a do ator como a do observador.
Existe, portanto, uma arbitrariedade, uma singularidade, de
base. Mas, e é o mas que conta, se o ponto de partida revela
pela escolha do tema uma arbitrariedade (pois o critério da
escolha é valorativo e subjetivo), a partir desse ponto o co-
nhecimento científico é possível: as valorações devem ser ca-
tegoriz?das racionalmente e os comportamentos serão medi-
dos como distanciamentos do parâmetro racional. Certamente,
os conceitos são construídos com o propósito de elucidar pro-
blemas postos pela história e a história é o resultado da luta
entre homens que tratam de impor, com sua vontade, a verda-
de particular de seu modo de encarar o mundo. O cientista,
por sua vez, seleciona os aspectos da história que considera
significativos, em função de seus interesses e valores, e os pro-

L _
IDEOLOGIAS E EsTllUTUIAS DE PoDU

põe como temas. Entretanto, definidos os problemas, os con·


ceitos são construídos como "módulos racionais": são conce·
bidos como uma pura ferramenta da razão. Weber construía
conceitos tfpico-ideais, valorativamente isentos, porque sem a
pretensão de encerrar neles conteúdos históricos concretos.
AssÍttl, o capitalismo poderia ser conceptualmente definido a
partir, por exemplo, de uma de suas dimensões, como a busca
metódica e sistemática do lucro através de práticas racionais
e da acumulação constante, como fez o próprio Weber com o
conceito de "capitalismo moderno", ou poderia ser caracteri·
zado, como fez Marx, a partir das relações de produção, quan·
do então o conceito básico seria o de mais-valia, isto é, uma
forma de explorar o trabalho de uma classe por outra classe.
Em princípio, qualquer das duas "definições" seria, para Weber,
igualmente válida: nenhuma delas, descle que se restrinja sua
significação ao âmbito de um conceito "dpico-ideal", contém
em si mais do que uma ordenação racionalmente elaborada de
aspectos escolhidos na pluralidade de facetas da história segundo
interesses culturais do próprio investigador.
Contudo, nem a liberdade que a metodologia weberiana
faculta está baseada num puro formalismo lógico, nem ela
significa arbitrariedade na análise científica.
Com efeito, os conceitos são vazios de conteúdo, mas
não são lógico-formais: possuem uma intenção histórica defi·
nida; são construídos para ordenar situações que foram esco-
lhidas em função da significação histórica que possuem para o
cientista. Dessa maneira, distinguem-se, por exemplo, na tipo-
logia das formas de dominação, a dominação racional, a domi·
nação tradicional e a dominação carismática em função do sig-
nificado que determinadas situações históricas concretas tive-
ram, para a elucidação das quais se fez necessário construir
aqueles três tipos. Os tipos não são o resultado de uma opo-
sição lógica, ou de um contínuo que iria, por exemplo, do mais
forte ao mais fraco, do mais racional ao mais irracional. Ain-
da que se pudesse pensar numa oposição entre a dominação
racional e a tradicional nesses termo9-, a dominação carismá-
tica não poderia localizar-se num quadro formal de oposições
entre esses dois tipos logicamente dispostos em pólos opostos.
Por outro lado, a arbitrariedade inicial da escolha do
tema e da construção dos conceitos termina por submergir na
14 PoLfncA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

ascese de uma prática científica objetiva. A "demonstração"


da relação suposta como significativa ao nível conceptual será
feita através do método comparativo, isolando-se em situações
concretas os elementos que podem revelar-se empiricamente
como os antecedentes causais de um conseqüente que se quer
estudar. Dessa forma não terá sido, por exemplo, no reconhe-
cimento da existência de uma relação significativa entre a ética
protestante, especialmente em sua versão calvinista, e o "es-
pírito do capitalismo", feita no livro famoso de Weber, que
se demonstrou ser esta relação significativa causalmente adequa-
da. A segunda parte da análise weberiana do capitalismo,
básica na análise científica, supunha mostrar que além de
existir uma congruência de significado entre uma conduta eco-
nômica de acumulação sistemática e racional e uma orientação
piedosa, existia também uma relação causal entre o capitalis-
mo moderno e a ética calvinista. Note-se que a relação de
significação entre os dois temas havia sido indicada anterior-
mente mesmo por Marx. Mas a pesquisa weberiana vai tentar
mostrar que em inúmeras situações histórico-sociais estavam
presentes vários dos fatores fundamentais para a eclosão do
capitalismo moderno, menos um: uma forma particular de
ética religiosa que impelia os empresários a uma conduta que
fosse ao mesmo tempo metódica e de acumulação sistemática.
Por isso, estuda o judaísmo; o !sIão, o budismo etc. e mostra
que apenas no calvinismo havia os ingredientes de valor capa-
zes de juntar uma conduta íntima, piedosa, com uma prática
econômica externa, de acumulação sistemática e racional. Es-
tabelecidos 9s liames entre essas duas ordens de fatores (re-
petimos, não em A ·Etica Protestante e o Espírito do Capita-
lismo, mas numa série de outras obras), faz-se a imputação
de causa e efeito; não entre qualquer forma de capitalismo e
um tipo de ética, mas entre o capitalismo "moderno", tal como
aparece conceituado inicialmente, e a ética protestante, especial-
mente em sua forma calvinista.
Para completar seu procedimento metodológico, Weber
requeria, portanto, que se chegasse a uma interpretação. cau-
sal, isto é, que, além de chegar-se à determinação das relações
de sentido, e à determinação das conexões de causa e efeito,
se mostrasse como seria possível esperar que houvesse uma pro-
IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODER

babilidade típica de que o que fora suposto teoricamente como


relacionado pelo seu sentido, fosse também relacionado em
termos de causa e efeito.
Existe, portanto, um duplo movimento na metodologia
weberiana. Primeiro, se constitui o objeto de análise a partir
de uma preocupação histórico-valorativa. Como na história
se digladiam vontades particulares guiadas por valores e mo-
tivadas por estímulos racionais, emotivos ou tradicionais, os
conceitos que vão servir de ponte entre o pensamento e o
fluxo da vida social devem ser esquemas de relação entre mo-
tivos e fins: a dominação, por exemplo, será tradicional, bu-
rocrático-racional ou carismática de acordo com os _meios (o
quadro administrativo) e as formas de legitimação que ela as-
sume na relação entre dominadores e dominados. Existem, na·
turalmente, meios externos de coação que garantem o exercício
da dominação. Mas o reconhecimento da existência de uma
condição básica e geral - a violência - permeando as rela·
ções de poder não é suficiente para Weber, para oferecer a
vereda da compreensão. Ao contrário, vai buscá-la na relação
particular entre uma forma externa de comportamento (uma
conduta) e a teia das orientações valorativas. Em segundo lu-
gar, supondo que se estabeleceram as conexões de sentido entre
uma prática externa e uma orientação - entre o "capitalismo
moderno", por exemplo, e a ética calvinista - começa o tra·
balho da relação analítica. O conceito típico ideal não pode
aspirar a esgotar a "realidade", e menos ainda a demonstrar
que ao .menos um segmento do real está contido nele. Se a
análise começa pela construção de tipos onde encadeamentos
típicos de seqüências de eventos, na medida em que o encami·
nhamento do trabalho científico ultrapassa a etapa prévia de
escolha de regiões de conhecimento, estabelecem o reino do
concreto: a imputação causal é necessária; será feita pelo mé·
todo comparativo, e se estabelece pela reconstrução dos liames
particulares que unem um evento antecedente com seus con·
seqüentes.
Assim, Weber propõe um paradigma que resguarda os re-
quisitos da intenção hist6rica e da elaboração te6rica, que ul-
trapassa o particuIarismo do fato vivido e situado pela cons·
trução de categorias mais gerais de explicação, que reconhece
a hist6ria - incluindo nela o cientista - como o reino da
16 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

vontade 3 e busca assegurar a isenção valorativa do cientista


e a objetividade da ciência. O preço que a metodologia webe-
riana paga à sua ambição contraditória é a descontinuidade en-
tre a razão e a realidade e entre os diferentes momentos da
história: o tipo ideal permite organizar logicamente os pólos
distintos de orientação das ações, mas a dinâmica interna en-
tre eles escapa a seus propósitos.
A metodologia weberiana dará grande liberdade ao cien-
tista na categorização histórica, justamente porque admite o
vazio entre a categoria e a história. Mas a análise weberiana
consiste justamente em saltar esse abismo: os conceitos típico-
-ideais não são mais do que pontes que se destroem à medi-
da que o conhecimento caminha.
É fácil compreender que a partir dessa metodologia as
ideologias ganham uma significação particularmente importan-
te: não se trata de buscar o nexo real entre uma estrutura
- uma teia de relações dadas - e uma forma de pensar, que
pode ser concebida como parte inte&rante da estrutura, como
no método anteriormente apontado, pois o que interessa no
método de compreensão é a relação entre motivos, meios e
fins, portanto seqüências de ações reciprocamente orientadas,
e não seu resíduo substantivado. Trata-se precisamente de
redescobrir a possibilidade de recuperar o nexo entre a força
que transforma e a situação que está sendo transformada: a
ética calvinista ilumina o sentido de acumulação, não explica
a acumulação como parte de um "sistema econômico", nem
se opõe a essa explicação. A ideologia é indicador do "foco

3 Ver o artigo sumamente interessante de Eugenio Fleis-


chmann, "De Weber a Nietzsche", em Archives Européennea de
Bociologie> tomo V, n. O 2, 1964. Convém esclarecer a significação
do que antes Se afirmou sobre a superação do "fato vivido" na
metodologia weberiana. Weber não define seus conceitos de
orientação das ações psicologicamente. Não supõe como neces-
sária uma teoria da personalidade para explicar as interações.
O sentido da ação, para Weber, tanto pode ser assumido como
um motivo existente de fato como um dado para o ator, como
pode ser suposto ou descoberto na análise pelo investigador. E
pode ainda, em certos casos, ser estatisticamente estabelecido,
como média de comportamentos. Portanto, não existe qualquer
psicologismo na análise weberiana.
IDEOLOGIAS E EsTllUTURAS DE PODElt 17
valorativo", da virtu, do principio interno de animação que
distingue das coisas a ação significativa, embora essa última,
como se sabe, possa transformar-se com o tempo em hábito,
rotina, ação meramente reativa. Não se sugere a hipótese do
"elemento funcional" no interior de uma estrutura, nem a re-
lação entre infra-estrutura e superestrutura. E é evidente que
o cientista não assume os valores contidos nas ideologias: pou-
co importa que segundo. sua escala própria sejam orientações
divinas ou demoníacas. Não é menos certo, porém, que as ideo-
logias justamente porque encerram vaiores são pistas para a
compreensão dos processos sociais, lumes - apesar delas -
para o conhecimento.
A terceira fonte clássica de inspiração de uma possível ci-
ência política deriva da crítica marxista simultaneamente à visão
hegeliana do processo histórico e ao natural-estruturalismo do
pensamento burguês. Por certo, também nesse modo de inter-
pretação se parte de "relações estruturadas". Porém, precisa-
mente porque são estruturadas, essas relações se conform«m
num "todo" que se hierarquiza: o conceito de domínio, de
determinação fundamental e secundária é decisivo. Não es-
tamos mais diante de um mundo de infinitas possibilidades
cuja apreensão passa por uma hierarquização externa (ele pró-
prio sem "leis de estrutura"), nem de um mundo onde o
"princípio de ordem" vige na sua expressão geral, como a or-
dem natural, embora se diferencie estruturalmente. Ao con-
trário, a ordem é uma imposição hist6rica, quer dizer: deriva
de um modo particular de articulação entre as partes. Porém,
esse "modo particular de articulação das partes" se torna his-
toricamente geral. ~ um tipo particular de imposição, um
modo hist6rico de ordem, que, ao cumprir-se, "cria" uma lei.
A validez da lei estabelecida estará obviamente limitada pela
permanência ou decomposição das forças que a supõem: a lei
do valor está encerrada nos limites do mercado, e este, por
sua vez, supõe modos determinados de produção; a mais-valia
relativa não tem vigência senão dentro de um mundo de ex-
propriações (separação entre o produtor e os meios de pro-
dução, proletariado e burguesia) no qual as forças produtivas
se desenvolvem exponencialmente, e assim por diante.
Precisamente a análise do "modo de articulação" das com-
ponentes dessa totalidade revela as leis de seu movimento:

...
18 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

não se supõe mais um princípio que anima as estruturas,


mas estruturas que são elas próprias movimento. Todavia,
esse movimento não deriva, como na dialética hegeliana, de uma
dialética dos princípios simples e essenciais, da Idéia que gera
diferenças na totalidade: uma esfera social, uma esfera econô-
mica, uma esfera política, uma esfera ideológica. Ao contrário,
é porque existem contradições "secundárias", por exemplo, en-
tre uma forma de consciência e as relações de produção, ou
entre estas e as forças de produção, que as ou a contradição
principal subsiste. Em conseqüência, o movimento da es-
trutura - o todp estruturado - não se dá como um princí-
pio abstrato, mas como a particularidade concreta das múlti-
plas contradições presentes.
A partir dessa perspectiva seria possível constituir tanto
uma ciência política como uma teoria científica das ideologias:
a determinação específica dos modos de consciência e das for-
mas de atuação das classes sociais deixaria de ser representada
como o puro reflexo de uma estrutura subjacente, isto é, de
relações entre o fenômeno e a essência, para ser a busca das
condições reais de movimento do "todo estruturado", de um
tipo determinado de sociedade. A circunstância revelaria, em
conseqüência, sua própria lei; é no particular que o cientista
lê o movimento geral. Assim, não só a lei histórica existe
como expressão de um "universal concreto", mas só através
da concretude existe esse universal. f
Para Marx, além disso, a prática social determinada abri-
ria possibilidades da crítica às ideologias e da cristalização de
uma teoria científica. Prática social determinada porque pre-
cisamente as concepções burguesas da economia, da política,
da sociedade - da história, numa palavra - pela boa razão
de que revelam um aspecto parcial da articulação do todo -
a imposição burguesa sobre o proletariado e a sociedade em
geral - mas não podem revelar as contradições que se opõem

f Não é necessário aqui chamar atenção para a diferença


entre a análise marxista e o empirismo. Basta ler a famosa
Introdução à Crítica da Economia PoZUica, no seu posfácio, para
ver que desse ponto de vista as diferenças entre a dialética e o
empirismo são radicais: para chegar ao concreto, Marx parte
precisamente do abstrato.
----------------------------

IDEOLOGIAS E ESTllUTUItAS DE PODEI 19

a essa dominação, não alcançam a perspectiva mais adequada,


isto é, mais conforme com as "leis de movimento" da socie-
dade burguesa. Estas passam necessariamente pela prática pro-
letária e, em conseqüência, a ação e o pensamento a partir da
perspectiva do proletariado contêm maior amplitude e maior
potencial de explicação do que as demais perspectivas, todas
elas carregadas de "ideologias", ou seja, de consciência de-
formada pelos pr6prios interesses de classe. Distingue-se, assim,
ideologia de ciência e se relaciona ciência com consciência so-
cial, sem que se negue, em geral, o elemento de verdade pos-
sível numa forma ideológica de pensamento e nem se dissolva
a ciência nas formas de consciência.
Posteriormente - e foi sob essa forma bastarda que a
análise política contemporânea das ideologias sofreu o impacto
da influência marxista - a Sociologia do Conhecimento trans-
formou a indagação sobre a natureza das ideologias e suas vin-
culações com as estruturas que as encerram em uma reflexão
sobre o próprio conhecimento como reflexo de uma "situação
existencial" e pôs em dúvida a noção de Ciência Social em
sentido preciso. Para escapar em parte à tirania do relativis-
mo· da opinião em contraposição ao saber, a SOciologia do C0-
nhecimento levou o cientista social (e com maior razão o
cientista político) ao ato inicial de fé do reconhecimento da
existência de· uma teia de relações determinante do horizonte
do conhecimento possível. A "objetividade possível", limi-
tada, porém com fronteiras conhecidas, seria a resposta ~ter·.
nativa à ilusão do conhecimento como expressão de um movi·
mento da pura razão. Assim, transformava-se a crítica mar-
xista .das ideologias na crítica sociológica do conhecimento,
transpondo-se a barreira que Marx sempre evitou; pois jamais
assumiu a falácia da concepção do pensamento como "epife-
nômeno" na medida em que recusou radicalmente a relação,
para o marxismo metafísico, entre essência e fenômeno. Flan·
queado esse obstáculo, os seguidores da Sociologia do Conhe-
cimento foram mais longe no plano epistemológico do que o
próprio Mannheim e, numa espécie de reação anacrônica a
um platonismo do Phaedrus e da República sem mesmo passar
pelo Teeteto, terminaram por dissolver no temporal e no mu-
tável todas as possibilidades do conhecimento, em vez de ex·
plicar cientificamente o temporal e o mutável.

4
20 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

As ANÁLISES CONTEMPORÂNEAS

Dessa tradição do pensamento político subsistiu muito


pouco, de forma coerente, na ciência política contemporânea.
Parece claro que, sob qualquer das alternativas maiores de in-
terpretação dos processos políticos e em particular das ideo-
logias, o conceito de Poder é decisivo: dir-se-ia num caso que
o Poder se oferece à análise científica a partir de suas insti-
tuições e que estas regulam o comportamento dos indivíduos
e dos grupos segundo regras reconhecíveis; noutra alternativa
se insistirá sobre as distinções entre força e autoridade, entre
poder em geral e dominação, mas será mantida a idéia de um
mandato que, se é certo passa do nível externo da violência
para o nível interno da obediência, não é menos certo que se
assenta sobre a probabilidade de encontrar meios de imposi-
ção; e finalmente, na tradição marxista, será posta ênfase para
caracterizar especificamente a política numa sociedade de clas-
ses, na apropriação dos mecanismos de violência (inclusive o
Estado) por uma classe e no exercício da violência como prá·
tica rotinizada. As ideologias se relacionam com o Poder, seja
porque constituem elemento funcional do seu exercício, núcleo
valorativo que dá sentido aos que o exercem e, no caso do
poder legítimo, critério para a obediência, ou expressão par-
ticular do modo de articulação das classes. As relações supos-
tas entre a esfera política da sociedade e seus demais compo-
nentes podem ser concebidas diferentemente (relação neces-
sariamente secundária diante do primado em última instância
da economia, no pensamento marxista, relacionamento variá-
vel mas em todo caso teoricamente independente entre a ação
política e a ação econômica na concepção weberiana, ou es·
feras autônomas e complementares numa estrutura geral e di·
ferenciada na concepção positivista clássica); os métodos de
análises são distintos, mas a reflexão teóricá se faz com um
suposto comum: a política é o reino da imposição e, como con·
seqüência, supõe o exercício virtual da violência.
É essa abordagem, precisamente, que se vê esmaecida nos
principais representantes contemporâneos da Ciência Política, e
com ela a representação teórica do fenômeno político e do
significado das ideologias herdados do pensamento clássico.
IDEOLOGIAS E EsTRUTUIAS DE PODEI 21
Por outro lado, se bem é verdade, como indicamos, que
a representação do fato político varia nas correntes intelectuais
mencionadas e, por isso mesmo, a representação da realidade e
das possibilidades de conhecimento são distintas, em qualquer
das tradições clássicas uma possível ciência política teria seu
eixo teórico definido em torno de "situações sociais". Para
Weber essas situações não seriam mais que seqüências de ações
politicamente orientadas (isto é, em obediência a algum tipo
de regra de legitimação); para um herdeiro da tradição de
Montesquieu que tivesse passado pela disciplina da análise
durkheimiana seriam instituições que regulam o exercício da
autoridade e correntes coletivas de opinião que se formam no
interior de uma ordem institucional dada; e para Marx, seriam
o resultado da confrontação de classes sociais lutando para im-
por "sua regra" e conformando, dessa maneira, um todo es-
truturado. Tampouco se percebe na bibliografia atual um
enfoque semelhante em que de qualquer modo se busque um
"feixe de relações" - seja este concebido simplesmente como
ações reciprocamente encadeadas, como representações coleti
vas institucionalizadas, ou como relações estruturadas.
Ao contrário, seria possível dizer, com certa simplificação,
que o conceito de Poder foi sendo substituído pouco a pouco
pelo conceito de Influência~ e a idéia de "situação" como um
resultado mais ou menos estável da ação humana foi sendo
substituída pela idéia de "processo". Além disso, o dinamismo
desse processo foi sendo encarado de forma crescente como
o resultado da relação entre um ator - com seus atributos
de "personalidade-status" - e outro ou outros atores indivi·
duais, embora a ação deles se oriente por objetos sociais, es-
truturas políticas ou por valores compartidos socialmente (cul-
turas políticas).
Aparentemente, a transição entre as concepções clássicas
e as atuais teria sido feita através de Weber. Só aparentemente.
Na verdade, como indicamos, Weber não assumia como neces-
sário um psicologismo - ao contrário, refutava-o. Nem des-
ligava o processo de construção dos tipos ideais (racionais) da
intenção de apreensão da história pelo conhecimento.
Ora, o pensamento atual nas Ciências Políticas, ainda uma
vez simplificado, tem duas origens teóricas opostas mas que
na prática científica - sem que se tenham resolvido os pro-
22 PoLfnCA B DEsENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

blemas metodol6gicos implicados - se complementaram: o


empirismo s6cio-antropol6gico e o pensamento "sistêmico".
Este último - que teoricamente tem maior relevo que o an-
terior - passou à Ciência Política atual graças à influência
de Parsons e por isso muitas vezes aparenta uma linguagem
weberiana. Entretanto, a proeza intelectual de Parsons, se bem
é certo, começa em The Structure of Social Action com a pre-
tensão de buscar as invariáveis no pensamento clássico (aí in-
cluídos naturalmente Weber e Durkheim, e excluído Marx),
para depois, através de uma espécie de generalização empírica
das idéias encontradas, constituir a Ciência Social ao redor das
idéias de "ação-relação-sistema", e termina por propor um en·
foque pr6prio. Neste, como é sabido, guarda o m~smo cui·
dado de Weber de evitar a reificação dos conceitos. Mas pro-
põe em The Social System um esquema que se afasta do para-
digma weberiano em pontos fundamentais e que possivelmente
se aproxima mais das idéias de Pareto (outro dos clássicos par-
sonianos), não deixando contudo de modificá-las profundamente.
Com efeito, a unidade do sistema parsoniano é a relação en-
tre os papéis sociais vividos por atores individuais e o conjunto de
posições sociais definidas pelos sistemas de interação. Essa noção
de "posição" ou status é um conceito alheio a Weber na acepção
parsoniana. E certo que a noção de status supõe "relações", "ava-
liação", "expectativa de comportamento", todos conceitos frontei-
riços com o pensamento weberiano. Mas, o modo de funcio-
namento do sistema parsoniano implica relações definidas en-
tre status-personalidade-valores em forma tal que a socializa-
ção assegura a "internalização" dos valores (das normas) num
sistema de personalidade e este tem o status como referência
integradora externa e o sistema de motivos como fundamento
interno decisivo. 5 Por trás da teoria parsoniana da relação

5 Note-se que Parsons distingue, a rigor, três unidades


diferentes: a) o ato social; b) a relação entre status e papel;
c) o próprio ator como uma unidade social, possuindo um con-
junto de status e papéis, referiveis a ele como um "objeto so-
cial" e como o "ator" de um sistema de papéis e atividades.
Seria possivel acrescentar ainda a própria "coletividade" tanto
como "ator" quanto como "objeto social", que orienta outros
atores, individuais ou coletivos. (Cf. Thc Bocial Bystem pâg.
J
26.)
IDEOLOGIAS E ESTRUTUBAS DE PODER 23
entre personalidade-status-cultura está toda uma concepção da
natureza humana (as potencialidades da base orgânica indivi-
dual) e da Psicologia (a orientação valorativa supõe uma mo-
tivação adequada para internalizar-se) que serve de suporte
à teoria dos sistemas sociais. O equilíbrio possível dos siste-
mas, os processos de socialização e controle social, a integra-
ção funcional d<?s componentes dos sistemas não podem ser
pensados sem uma teoria da personalidade, uma teoria da mo-
tivação, uma compatibilidade das expectivas de comportamento
que satisfaçam a concepção parsoniana da relação indivíduo-
-personalidade-cultura. Tudo isso é alheio ao pensamento we-
beriano.
Por outro lado, Parsons articula seu sistema construindo
conceitos que não são historicamente orientados. Ao contrá-
rio, como aparece manifestamente em suas análises e nas de
seus seguidores, as oposições que vão servir de base às tipolo-
gias são antinomias lógicas: universalismo x particularismo;
especificidade x dispersão; desempenho x prescrição. A par·
tir de oposições desse tipo se propõem "combinatórias", duas
a duas, três a três etc., cujos resUltados podem implicar "célu-
las historicamente vazias". Assim, para escapar à construção
de enteléquias teóricas e à reificação Parsons termina por cons"
truir uma teoria q1,1e supõe, por um lado, uma psicologia, um
sistema de relações entre sujeitos individuais e objetos exter-
nos (inclusive outros sujeitos e valores) como resíduo inex-
pugnável do "realismo crítico", e que, por outro lado, implica
um "nominalismo racionalista" como resposta ao e1I].pirismo
vulgar.
Foi sob essa inspiração que nasceu a moderna "Ciência
Política". Entretanto, ao mesmo tempo a influência da tra-
dição sociológica e antropológica de "investigação empírica"
se fez sentir fortemente na "politologia" como pedantemente
muitos a chamam. A acumulação de dados e a "prova empíri-
ca" passaram a ser requisitos da nova Ciência Política, ao lado
da inspiração "sistêmica". Se a essas observações gerais de
caráter metodológico juntarmos as indicações já feitas sobre os
novos temas da Ciência Política, o quadro - um tanto carica-
tural - se completa: análise do processo de influência nas
decisões, a partir do foco teórico da relação entre o sujeito e a
ordem política, vista essa última como representação dos pro-
24 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

cessos de distribuição de autoridade e utilização dos recursos que


a garantem. Como os estudos nessa direção se fizeram prin-
cipalmente nos E. U. A., o processo de influência e decisão
política foi estudado em grande parte -na sua manifestação elei-
toral - suposta uma ordem política já definida - e a repre-
sentação da ordem política foi analisada mais como uma par-
ticipação num conjunto de valores que constituem a democra-
cia. Nos estudos menos inovadores parte-se da ordem política
institucionalizada - "government~ and politics"; nos mais
"modernos" procura-se analisar o conjunto dos valores que
alimentam a "cultura política" em relação com as ações, rela-
ções e .processos que os mantêm atuantes. Paralelamente-
e em conformidade com o paradigma teórico de inspiração -
se elaboram hipóteses, para serem empiricamente testadas, sô-
bre os tipos de personalidade-status correspondentes aos dis-
tintos "modos de participação" e às alternativas "típico-racio-
nais" dos valores básicos das distintas culturas políticas, que
variam do radicalismo ao conservantismo, passando pelas cul-
turas democráticas.

1. A Política como "Ciência Empírica"


e como Análise tiSistêmica"

Dentro desse quadro de preocupações, o peso relativo da


tradição propriamente de investigação empírica ou de análise
de sistemas de orientação política varia de autor para autor,
assim como a coerência metodológica dos estudos, pois é fácil
perceber que a combinação entre ambas perspectivas acarreta
problemas que poucos autores solucionam de forma convincen-
te. A título de ilustração, se poderia tomar como extremos
dentro desse universo comum de preocupações os trabalhos de
Dahl e de Easton. No caso de Dahl, no célebre Who Governs?,6
vê-se a incorporação dos temas antes referidos a uma situação
empírica definida: quais são os padrões de distribuição de in-

6 Robert A. Dahl, Who Governs 1 (Democracy and Power


in an Amerioan Oity) , Yale University Presa, New. Haven, 9. 3
edição, 1966. A primeira edição é de 1961.
IDEOLOGIAS E EsTRUTURAS DE PODER 25
fluência e de utilização dos recursos políticos na comunidade
de New Haven? Dá-se por suposto que existe uma ordem
institucional que regula em geral o acesso às fontes de poder
e que limita seu uso, e se questiona em termos do efetiva-
mente transcorrido, quais são os processos reais pelos quais
os indivíduos e grupos particulares exercem influência. A li-
derança, nesse caso, passa a ser o processo discutido: como se
definem na prática as relações de influência e que papel têm
instituições que pertencem a outro tipo de ordem social, nota·
damente à ordem econômica, na formação' e manutenção de p0-
sições de liderança? E, fator decisivo, como se relaciona a
"ideologia democrática" (democratic creed) com a prática da
democracia, através dos políticos profissionais e dos líderes?
A resposta, numa visão inversa da concepção positivista clás-
sica, é que o consenso define os limites dos apelos políticos
da liderança e, na medida em que a ideologia democrática é
compartida, a democracia subsiste; na medida em que a opi-
nião muda, as formas estabelecidas de ordenamento político
tenderiam também a mudar, pois os líderes fariam apelo a
idéias e soluções novas.
Apesar da evidente transformação da ideologia em causa
substantiva da ordem democrática - e, paralelamente, do pa·
pel inexpressivo da violência no esquema de Dah1 como ele-
mento integrante do jogo político - metodologicamente o li-
vro segue uma antiga tradição de investigação nas Ciências So-
ciais: estudo monográfico de um caso. Entretanto, as inda-
gações que caracterizaram os clássicos já não estão presentes:
os valores - e as ideologias - são assumidos agora como pró-
prios do investigador, porque são normas universalmente vá-
lidas. Nem sequer se supõe necessária a diferenciação da nor-
ma em estruturas particulares. Trata-se de analisar um caso
onde, suposta uma ordem democrática, será possível perceber
como se dá o processo de decisão, quem influencia e como se
relaciona a crença nos valores vigentes com sua realização (par-
ticipação e consenso) .
Dentro de uma linha semelhante de preocupação e com a
utilização de recursos teóricos mais sofisticados, existe uma
enorme bibliografia de estudos empíricos, em muitos dos quais
se leva mais longe a relação entre influência, liderança, perso-
26 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

nalidade, identificação, participação e consenso. 7 No oposto


do gradient metodológico que sugerimos (porém dentro de
uma problemática comum), vamos encontrar os trabalhos teó-
ricos de David Easton, especialmente em A Framework for
Political Analysis. Neste, Easton elaborou um modelo teórico
de análise que tem como objetivo ultrapassar as limitações
( já assinaladas em seus trabalhos anteriores, principalmente
A System Analysis of Political Life) como características da
análise política orientada por considerações históricas e éticas.
Ao mesmo tempo, Easton pretende construir um esquema
teórico que possa servir de quadro de referência para uma "ci-
ência política empírica". A diferença metodológica entre a
obra de Easton e os modelos de Ciência Política supostos no
paradigma de Dahl é que este autor faz uma análise estrutural·
.funcional ao nível dos "sistemas naturais", isto é, consideran-

7 Não estaria conforme com os propósitos e o estilo deste


capítulo introdutório agregar autores e trabalhos, pois aqui nos
interessa apenas caracterizar uma orientação geral da análise
política. O leitor interessado encontrará uma bibliografia mais
ou menos recente e comentada em Karl W. Deutsch e Leroy
N. Rieselbach, "Recent Trends in Polítical Theory and Polítical
Philosophy", em The Annals 01 the American Academy 01 Po-
litical and Social Science, Filadelfia, vol. 360 (julho, 1965),
págs. 139-162. Bastaria indicar dois ou três autores dos mais co-
nhecidos como exemplos desse tipo de abordagem: Harold D.
LasswelI, Power and Personality, W. W. Norton, Nova York,
1948; Psychopathology and Politics, Viking and Press, Nova
York, 1960; Power, Corruption and Rectitude, Prentice-Hall,
Nova Jersey, 1963. Robert E. Lane, Political Ideology: Why
the American Common Man Believes What he Does, Free Press
of Glencoe, Nova York, 1962; Political Lile: Why People Get
Involt'ed in Politics, Free Press, Genebra, 1959. Lucian W. Pye,
Politics, Persollality and Nation-Building: Burma's Search lor
ldentity, Yale University Press, New Haven, 1962.
Sobre o "comportamento eleitoral" e a tomada de decisão
nas eleições, a bibliografia é avassaladora. Basta mencionar o
livro de Angus CampbeIl, Phillip E. Connvers, Waven E. MiIler
e Donald E. Stokes, The American Voter, John Wiley & Sons,
Nova York, 1960; e P. Lazarsfeld, B. Berelson e H. Gandet, The
People's Choice. Convém lembrar que é indispensável para en-
tender as questões a que se propôs a Ciêncía Política nos E.U.A.
na análise das relações entre influência, participação, identidade
e personalidade, o livro pioneiro de T. W. Adorno, Else Frankel
Bruswich, Daniel J. Lennson e R. N. Sanford, The Authoritarian
Personality, Harper and Brothers, Nova York, 1950.
IDEOLOGIAS B EsTRUTURAS DB PoDU 27
do um conjunto concreto de indivíduos e atividades, enquanto
a análise de Easton se orienta pela idéia de uma Ciência Polí-
tica que combina sistemas naturais e ((constructive systems".
A discussão feita por Easton sobre essas duas perspectivas 8 dei·
xa claro sua preocupação metodológica: a limitação da perspec·
tiva "sistêmica" de análise à distinção entre "conjuntos reais"
e conjuntos teoricamente elaborados não tem sentido. logi-
camente, o cientista está livre para incluir num sistema polí-
tico quaisquer modalidades de ações; substantivamente, en-
tretanto, o cientista se vê limitado pelas concepções, que de-
fende sobre o que é significativo e relevante para o conheci-
mento de por que as pessoas atuam de uma determinada ma-
neira nos processos políticos. Em conseqüência, não pode ha-
ver Ciência Política sem uma clara interconexão entre essas
duas perspectivas, resultado que, em última análise, conduz
apenas a uma versão renovada e sem progresso teórico da anti-
ga discussão entre teoria e fato.
O importante para Easton, em conseqüência, não é rea·
firmar que a noção de sistema é básica e geral, nem insistir so-
bre as relações entre os sistemas teoricamente construídos, ou
modelos, e os sistemas naturais - e, seja dito de passagem,
a análise parsoniana do tema, pela distinção entre sistemas con-
cretos de ação e sistema social como categoria, é muito mais
rica que a de Easton - mas em conceber um modelo de aná·
lise dos sistemas políticos que seja adequado aos interêsses
substantivos do cientista político.
Para a elaboração desse modelo, Easton recorre à tradi.
ção, de cuja herança se proclama herdeiro: a ((behavioral re-
search" ( pesquisa do comportamento). Entretanto, vai ca-
lher dessa tradição um fruto tardio, isto é, recente: "Mais re-
centemente, os sistemas surgiram como um possível foco de
análise (em contraposição à idéia de "ação", de "decisão", e
de "função"), começando a partir da menor célula do orga-
nismo humano concebido como um sistema, e alcançando siso
temas cada vez mais abrangentes, como o ser humano como
um organismo, a personalidade humana, os pequenos grupos,
instituições mais gerais, sociedades, e coligações de sociedades,

8 Ver Easton. Framework lor PoliticaZ Anal1/Ms, Prentice-


-Hall, Englewood CUffs, 1965. capo II e esp. pâgs. 30-33.

L
28 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

como o sistema internacional. O que se estabelece é que I)


comportamento nesses sistemas pode ser governado por pro-
cessos análogos se não homólogos" (pág. 16). Aceita essa
perspectiva ampla de interpretação, o problema de constitui-
ção de uma Ciência Política passa a ser o da identificação dos
componentes de um sistema político e portanto de suas fron-
teiras com outros sistemas, e o da concepção do funcionamento
do sistema político dentro dos quadros da teoria geral dos
sistemas.
O primeiro desses problemas na reflexão teórica de Easton
se resolve pela tradição de análise da Ciência Social simultanea-
mente "behavioral" e sistemática: as interações constituem li
unidade básica de análise (pág. 49); em conseqüência, as es-
truturas são claramente secundárias como foco de análise teó-
rica, pois o que interessa principalmente é considerar os padrões
de invariância do comportamento político através das distintas
estruturas (pág. 49). O traço específico das interações polí-
ticas diante dos outros tipos de interação social é que elas es-
tão predominantemente orientadas pela distribuição autoritá-
ria dos valores em uma sociedade. "Assim, a pesquisa política
procuraria compreender o sistema de interações através do qual
são feitas e executadas essas distribuições autoritárias e co-
ercitivas, em qualquer sociedade" (pág. 50 na 00. inglesa, pág.
79 na tradução). Como unidade estrutural básica de análise,
Easton propõe a adOÇa0 do conceito de "membro de um sis-
tema político", pois esse "conceito" parece-lhe suficientemente
aenérico "para identificar o papel de uma pessoa que é parte
âe um sistema político em qualquer espécie de sociedade e
em qualquer tipo de sistema" (pág. 57). 9
"Um sistema político, então, será identificado como um
conjunto de interações abstraídas da totalidade do comporta-
mento social, através dos quais os valores são autoritariamente
distribuídos em uma sociedade" (pág. 57 na ed. em inglês,
pág. 89 em português).

9 Jr: evidente que um critério tão amplo e subjetivo leva o


autor a ter de definir imediatamente os sistemas POlitiC06 diante
dos sistemas "parapoliticos", pois processos da natureza do in-
dicado podem apresentar-Se em não importa que grupos. Dei-
xamos de registrar aqui essas distinções para evitar que o
leitor se perca, como Easton, na classificação do sexo dos anjos.
IDEOLOGIAS E EsTllUTURAS DE PODEll 29
Até essa altura parece-nos que a análise teórica de Easton
não faz mais do que acompanhar a metodologia de Parsons, tal-
vez empobrecendo-a, e está sujeita às mesmas objeções feitas
a esse autor. Quando enfrenta o segundo problema assinalado
por nós, o da concepção do modo de funcionamento dos sis-
temas políticos dentro da teoria geral dos sistemas, contudo,
trata de inovar. 10 Em suas grandes linhas, a concepção de
Easton se resumiria à tentativa de conceber um modelo ciber-
nético para explicar o fluxo das relações do sistema polí-
tico, considerado como um "sistema aberto", com os demais
sistemas e com o meio ambiente. Para isso, não só supõe,
como Parsons faz com cada subsistema social, a especificidade
te6rica do "sistema de interações políticas" e o distingue
do "ambiente" mas agrega duas dimensões fundamentais à
análise:
1.0) as variações nas estruturas e processos no interior de
um sistema podem ser interpretados com proveito como esfor-
ços alternativos construtivos ou positivos feitos pelos membros
de um sistema político para regular ou desembaraçar-se das
tensões que derivam tanto do meio circundante como de fon-
tes internas ao sistema (qualidade chamada por Easton de
"resposta") ;
2. a capacidade de um sistema para persistir diante das
0
)

tensões depende tanto de sua capacidade de dispor de infor-


mações sobre a natureza dessas tensões quanto da capacidade
que tenham ali pessoas que tomam as decisões de reconverter,
com base nas novas informações, as diretivas anteriores (qua·
lidade de fcedback).
Em conseqüência, os sistemas políticos passam a ser re·
presentados como dotados de finalidades, autotransformadores

10 Convém assinalar que essa inovação se faz antes por


substituiçll.o de linguagem do que por elaboraçll.o teórica ou me-
todológica substantiva. O artigo de Easton, "An Approach to
the AnaJysis of Political Systems", em Worlà Politic8, vol. 9,
n.O 3, abril de 1957, págs. 383-400, continha já o essencial do
pensamento do autor. A titulo de ilustraçll.o, reproduz-se aqui
o gráfico apresentado nele. Poder-se-á ver como as Unhas mes-
tras da concepção do sistema pol1tico como um fluxo de comuni-
cações com propriedades análogas às que caracterizam qual-
quer "rede de informações" já estll.o contidas nesse trabalho:
30 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

e com capacidade de adaptação criadora" (pág. 132 no origi-


nal, pág. 179 na tradução). Recebem pressões e demandas
que variam de intensidade e de grau tanto no meio externo
(environment), isto é, dos outros sistemas - econômico, tec- _
nol6gico, cultural etc. - quanto do interior do pr6prio sis-
tema político. Essas demandas - inputs - são reguladas pelo
sistema político através de suportes estruturais e também por
suportes difusos. E, principalmente, elas podem ser atendidas
não s6 pela auto-regulação dos suportes estruturais, ou pela
efetividade dos suportes difusos, do tipo "lealdade e afeição",
mas também por outputs efetivos. Isto é, por novas "distri-

Convém deixar claro também que a tentativa de Easton de ca-


tegorizar os sistemas pol1ticos através de uma representação
désse tipo não é a única nem a mais antiga. Será talvez a mais

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completa. Porém, o leitor interessado poderá ver uma exposi-


ção mais detalhada da significação desse tipo de modelo em
Karl W. Deutsch, The Nerve8 01 Gooernment, Modela 01 Poli-
ticaJ Communfcation anà ControZ, The Free Press, Glencoe, Nova
York, 1963. O próprio Talcott Parsons tentou - a nosso ver
com menos êxito - redizer o fundamental de sua concepção
sobre o sistema social buscando ultrapassar o modelo clássico
estrutural-funcional que éle próprio e Merton haviam estabele-
cido, por meio de uma linguagem cibernética, em "An Outline
of the Social System", em Theorie8 01 Bociety: Foundationa 01
Modem Bociological Theory, ed. T. Parsons, E. Shills, K. Nae-
gele, J. K. Pitts, Nova York, Free Press of Glencoe, 1961.
IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODER 31

buições autoritárias e coercitivas de valores" que têm conse-


qüências sobre o meio externo ao sistema político. ~ precisa-
mente essa capacidade auto-regulativa e corretiva dos siste-
mas políticos que permite ao cientista concebê-los em termos'
de um modelo cibernético:
"Em termos gerais, a capacidade de um sistema para
responder à pressão derivará de dois de seus processos inter-
nos: a informação sobre o estado do sistema e de seu meio
circundante pode ser comunicada às autoridades; estas, por
suas ações, tornarão o sistema apto quer para atuar no sen-
tido de mudar, quer para manter qualquer condição dada pela
qual o sistema se reêquilibre. Quer dizer, o sistema político
é dotado tanto de um mecanismo de feedback (realimentação)
como da capacidade para responder a ele. ~ através da com-
binação dessas propriedades - f.eedback e resposta - combina-
ção que até recentemente esteve virtualmente desconhecida,
que um sistema torna-se apto para desenvolver esforços para
regular as tensões pela modificação ou reorientação de seu
próprio comportamento" (pág. 128 no original, pág. 173 na
tradução).
~ ~vidente que a análise funcionalista clássica não dis-
punha nem desses conceitos nem das técnicas para operacio-
nalizá-los. A discussão se fazia em termos de processos "adap-
tativos" e "integrativos" dos sistemas sociais, em que o mo-
delo dinâmico pudesse ser pensado senão como resultante do
acúmulo de disfunções.
Nos modelos cibernéticos a troca de "fluxos de energia"
entre sistemas de comunicação possibilita colocar de outra
maneira dois dos temas clássicos das Ciências Sociais: a inova·
ção - a criatividade - a mudança, encarada como reorien·
tação dos objetivos do sistema.
Foi Deutsch, em The Nerves of Government,l1 quem
colocou de forma mais clara esses problemas. Efetivamente,
quando não se determina o tipo de inovação que um modelo
cibernético supõe e o que se entende nessa metodologia por
reorientação de objetivos, corre-se o risco de transformar as
computadoras deus ex-machina. Ou, no reverso do proble-

11 Karl W. Deutsch, op. cit., esp. caps. 6, 7 e 11.

J
32 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

ma, se suporá que os sistemas políticos são perpétuos, pois


estarão dotados dos mecanismos corretivos necessários para
transformar qualquer tensão em política construtiva ou, sendo
o caso, terão a capacidade çie automodificar-se, de forma a
manter sua capacidade de "responder" às tensões. Deutsch
mostra que o suposto mais geral dessa perspectiva de análise
- necessário e' válido dentro desses limites - pressupõe cla-
ramente uma conotação valorativa: se presume que, diante dos
iminentes problemas e perigos de guerra atômica e diante do
sistema atual de forças em luta, a opção primeira deverá ser
a de sobreviver e não perecer. Segundo, que, para sobrevi-
ver nas presentes condições, as "Nações dependem mais do
que nunca da capacidade de seus subsistemas políticos para a
tolerância, o aprendizado e uma autotransformação viável". 12
Efetivamente, quando não se esclarece que a "inovação"
e a "autocorreção" dos sistemas políticos concebidos como mo-
delos cibernéticos supõem os estreitos limites de um sistema
dado, particular, de "tipo democrático" com capacidade de
tolerância e modificação progressiva, passa-se rapidamente da
utilização de um possível e valioso instrumento de análise
(como concepção e como operação pelas computadoras) a uma
posição meramente ideológica, carregada de conservadorismo.
Tal termina sendo o caso de Easton, ao enfrentar o pro-
blema da mudança política. Para esse autor, é necessário dis-
tinguir dois conceitos, o de persistência e o de manutenção.
A idéia de persistência se refere aos "padrões de interação ca-
pazes de atender às funções políticas fundamentais, que exige
dos membros (de um sistema político) engajados nessa ati-
vidade a capacidade de adaptar, corrigir, reajustar, controlar ou
modificar o sistema ou seus parâmetros, para enfrentar os
problemas criados pela tensão interna ou externa" (pág. 87 no
original, pág. 124 na tradução). Neste sentido, a auto-regula-
mentação pelos membros de um sistema político, inclusive no
que se refere à autotransformação da estrutura e dos objetivos,
se transforma na capacidade crítica de todos os sistemas so-
ciais, como indica Deutsch. E o essencial para manter a idéia
de persistência numa situação de mudança é que, mesmo di-

12 Deutsch, op. cit., pág. xn. ESSe texto corresponde à


edição de 1966, com nova introdução.

L
IDEOLOGIAS E EsTIlUTUllAS DE PODU 33
ante da pressão externa ou interna, um mínimo de algum tipo
de processo "autoritário" de distribuição de valores possa ser
mantido (pág. 86 no original, pág. 123 na tradução). Noutros
termos: trata-se de mudança sob controle, reforma e não re-
volução. A idéia de manutenção exclui essa capacidade de
adaptação criadora que se mantém na persistência e está con-
taminada pelos velhos conceitos de estabilidade e equili'brio.
A persistência de um sistema envolve sua transformação pro-
gressiva, enquanto a manutenção, pura e simples, do sistema
supõe estagnação ou apego estático às f6rmulas e soluções es-
tabelecidas.
Assim, a partir da perspectiva de Easton, o foco crítico
do processo reside na compreensão da idéia de persistência,
nos termos assinalados. Obviamente, existem "variáveis es-
senciais" que operam em cada tipo dado de sistema polftico
(no "democrático", algum grau de liberdade de palavra e as-
sociação e de participação popular no processo polftico; no
"totalitário", exclusão da participação popular, poder nas mãos
de uma elite, coerção individual, controle polftico e forte li·
mitação de palavra e associação). Gonseqüentemente, a "ca-
pacidade crítica" de cada um desses tipos particulares de sis-
tema variará topicamente. Entretanto, essas diferenças, que
Easton mesmo chama de essenciais} não caem no ângulo de
análise da teoria geral dos sistemas, devendo ser objeto de aná-
lises posteriores. Quanto à mudança e persistência nos sis-
temas em geral, Easton não faz mais que voltar à idéia ~os
"requisitos funcionais", perdendo a riqueza que a "análise ci-
bernética" abre à compreensão da "mudança com persistência".
"Por definição, portanto, qualquer que seja o tipo de sis-
tema que se esteja considerando, seu modo característico de
comportamento como um sistema político, em contraste por
exemplo com um sistema econômico ou religioso, dependerá de
sua capacidade de distribuir valores à sociedade e assegurar sua
a~eitação. (Parsons diria que a integração funcional depende
da socialização adequada e do controle social - F.H.C.) São
essas duas variáveis principais ou conjunto de variáveis (o com·
portamento relacionado com a capacidade de tomar decisões
para a sociedade e a probabilidade de sua aceitação freqüente
como "decisões de autoridade" pela maioria dos membros)
que são as variáveis essenciais e que portanto distinguem os
34 POLÍTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

sistemas políticos de todos os demais tipos de sistema social"


(pág. 96 no original, págs. 135·136 na tradução).
Para contestar a crítica imediata quanto à idéia de uma
persistência sempre possível, Easton mostra que os distintos
tipos particulares de sistemas políticos podem ser sucessiva·
mente adotados como "meios de adaptação". Supõe-se, assim,
que fé) próprio tipo concreto de sistema é uma "variável fun-
cional". E, mais ainda, Easton pensa que quando eles se es-
gotam (o que sugeriria um conjunto ;á dado de alternativas
concretas e, portanto, ausência de história e transformação da
idéia de "coação" na de "adaptação" através de meios já dis-
poníveis no arsenal de todos os tipos possíveis de sistema po-
lítico), extingue·se o processo político:
"Contudo, se sucessivamente forem tentados sem êxito
diversos tipos de sistema político, pode-se conceber que os
membros da sociedade possam estar incapazes de sustentar qual·
quer sistema político, independentemente de seu tipo. Isso
resultaria na extinção de toda a vida política para essa socie-
dade e, sem dúvida, na dissolução da sociedade como tal. Os
próprios processos vitais de qualquer sistema político estariam
extintos" (págs. 95-96 no original, pág. 135 na tradução).
Assim, Easton começa sua reflexão propondo o sistema
de interação política como base do raciocínio, e assume uma
concepção "sistêmica" dessas interações; critica impllcitamente
a análise da mudança política em termos de equilíbrio e pon-
tos de ruptura, introduzindo o modelo cibernético de análise,
com seus fluxos de informação, feedback e "resposta" capazes
de evitar o mecanismo da análise; termina, entretanto, por
estabelecer, para explicar a mudança de um tipo de sistema
particular para outro, um modeio teórico que já não é sequer
orgânico (biológico), mas de uma mecânica finita, na qual
todos os tipos de equih'brio possíveis estão dados a priori.
No mínimo, portanto, mesmo ao nível geral da análise
de qualquer sistema político, o que se pode dizer é que o
paradigma cibernético não é generalizável. Sua utilização vá-
lida depende do reconhecimento, como faz Deutsch, de seus
parâmetros e dos valores implícitos. É óbvio que a riqueza
desse tipo. de abordagem depende de determinados fundamen.
tos de fato: a existência de um sistema político onde a "deci·

L
IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODER 35
são" se dê, através de canais estabelecidos em função de um
fluxo de informações; e, mais ainda, que disponha efetivamen-
te dos meios - morais, materiais e impositivos - para modifi·
car tanto os canais de informação como os objetivos do siste-
ma; mudança essa que será progressiva e sustentada pela par-
ticipação comprometida da maioria. Em resumo: supõe um
tipo particular de sistema político, historicamente dado. Quan-
do, de algum modo, esse sistema é pensado como "padrão
geral" e a Ciência Política passa a ser a reflexão geral desse
padrão, os processos de mudança que não supõem persistên.
cia - as revoluções globais - têm que ser explicados como
anômicos, pois destroem as bases de "qualquer" tipo de dis·
tribuição de autoridade. Vicissitudes teóricas sem solução para
uma ciência política que descarta a análise do poder e da vio-
lência para substituí·la pela análise da "autoridade", da "in-
fluência" e da "decisão".

2. As Teorias Políticas de "Alcance Médio"

Entre esses extremos, a Ciência Política atual não deixou


de ter também suas teorias de "middle range". Como exemplo
de preocupações desse tipo, em que se escolhe um conjuhto
limitado de hipóteses para testar e se combina o formalismo
abstrato inspirado em modelos metodológicos de tipo parso-
niano ou de Easton com a investigação de campo, é possível
indicar o trabalho de Almond e Verba, The Civic Culture. 13
O problema exposto no livro é claro: o mundo moderno passa
por uma revolução política, uma "explosão de participação";
entretanto, a forma dessa revolução tanto pode vir a ser auto-
ritária como democrática. "O Estado democrático oferece ao
homem comum a oportunidade de participar como um cida-
dão que influi no processo de tomada de decisões políticas;
o Estado totalitário lhe oferece o papel de 'súdito participante' ",
(pág. 4). As vantagens do primeiro tipo de sistema político
são óbvias (valores compartidos que são da cultura moderna).

13 Gabriel A. Almond e Sidney Verba, The Oivic Oulture,


Princeton University Presa, Princeton. Nova York, 1963, 2 vo-
lumes.
36 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

Entretanto, a difusão da democracia entre as novas nações so-


fre percalços: não é fácil aprender as atitudes e os sentimen·
tos democráticos. As lideranças das nações que surgem pre·
ferem muitas vezes esquemas tecnocráticos de política que lhes
permitem acesso mais rápido aos benefícios da civilização in·
dustrial. Adotam, portanto, formas autoritárias de política,
em méritos de sua eficácia. A análise dicotômica e teorica-
mente excludente dessas formas de sistema político parece aos
autores, entretanto, superficial. Propõem que se considere
com mais atenção a idéia de uma "cultura cívica", isto é, de
uma forma "mista", moderno-tradicional, de política, que se-
ria de fato a forma vigente nos países democráticos e que per·
mite entender de modo matizado as diferenças entre as cultuo
ras "científicas" e as "humanístico-tradicionais". Para Almond
e Verba, a "cultura cívica" característica do mundo ocidental,
na sua versão anglo-saxônica, foi historicamente um exemplo
desse produto híbrido, de compromisso entre os valores de uma
tradição humanística e os requisitos de uma civilização técnico·
-industrial.
Trata-se, em conseqüência, de um estudo com valores de-
finidos: busca·se compreender os elementos formadores
de um tipo específico de comportamento político, com o
propósito de proporcionar sua maior difusão. Como no livro
de Dahl, a ideologia e a ciência se confundem no seu aspecto
substantivo; divergem apenas como "forma", enquanto a ideo-
logia apela à participação pela crença na legitimidade dos va-
lores, a ciência explica por que esses valores são legitimamente
superiores.
Não é esse ponto particular, contudo, que nos interessa
criticar aqui. Metodologicamente, Almond e Verba se pro-
põem a entender a especificidade da cultura política sob sua.
forma "cívica" a partir de supostos claramente definidos de
uma análise geral; é esta que queremos analisar. Inicialmente,
para construir seu modelo de interpretação, os autores pro-
curam caracterizar conceptualmente a noção de cultura política:
"O termo cultura política (então) se refere às orientações es-
pecificamente políticas - atitudes com relação ao sistema po-
lítico em suas várias partes e atitudes com relação ao papel
do próprio sujeito no sistema" (pág. 13). E esclarecem que
a utilização do conceito de cultura significa "orientação psico-
IDEOLOGIAS E EsTRUTURAS DE PODER 37
lógica com relação a objetos sociais" (pág. 14). Porém, para
escapar ao "psícologismo" utilizam o conceito de "socialização
política" que permite - como no modelo parsoniano - ligar
o sistema cultural às experiências individuais. "Nós devemos
relacionar (por intermédio do conceito de socialização política)
específicas atitudes e propensões do comportamento político
adulto com experiências de socialização política manifesta ou
latente da infância" (pág. 14). No outro extremo da relação
indivíduo-sociedade, Almond e Verba definem a noção de cul-
tura política de uma nação como a "distribuição particular en-
tre os membros da nação dos padrões de orientação com rela-
ção aos objetos políticos" (pág. 15). Na construção desses
padrões de orientação o andamento metodológico também é
claro: parte-se das "orientações individuais com respeito aos
objetos políticos". As orientações individuais são as tradicio-
nais de Parsons e Shills: orientação cognitiva (conhecimento
e crença do e no sistema político, seus papéis, quem os de-
sempenha, seus inputs e outputs), orientação afetiva ( senti-
mentos sobre o sistema político, seus papéis e sua performance),
orientação valorativa (julgamentos e opiniões sobre os assun-
tos políticos que envolvem tipicamente a combinação de nor-
mas e critérios valorativos com informação e sentimentos);
quanto aos objetos da orientação política, os autores distin-
guem o "sistema político geral" com o objeto da orientação
(sentimentos como patriotismo ou alienação; conhecimentos e
avaliações da nação como grande, pequena, forte ou fraca;
ou ainda, da política como democrática, constitucional ou so-
cialista etc.); o indivíduo como um participante ativo (o con-
teúdo e as características das normas de obrigação política e
o conteúdo' e qualidade da competência pessoal com relação ao
sistema político); finalmente, as partes que compõem o sis-
tema político (as estruturas ou papéis específicos, como os cor-
pos legislativos, executivos ou burocrátícos), os que se incum-
bem pessoalmente desses papéis, e as políticas ("policies"),
decisões ou reforço de decisões que operam no sistema. Esses
componentes são categorizados segundo participem do proces-
so político (input) ou administrativo (output). A partir des-
sas dimensões do sistema e do comportamento político, que
podem ser operacionalizadas e medidas por indicadores, estabe-
lece-se uma matriz simples de 3 x 4 que vai caracterizar três
38 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

tipos de cultura politica, segundo o grau de conhecimento que


em cada uma delas o su;eito individual tenha da interseção
da dimensão "orientação política" com a dimensão "objetos
da orientação política".

O jnditliduo
Tjpo de o sistema
"Input "output como um
ctütura como um
Objectll" objects" parlkjpatll-
polUwa objeto geral
te ativo

Paroquial O O O O
De súditos 1 O 1 1
Participante 1 1 1 1

Almond e Verba têm o cuidado de salientar que a forma-


lização que fazem não implica categorias exclusivas, ao contrá-
rio, podem dar-se e de fato se dão casos de combinação e aái-
ção dos vários "tipos" de cultura política (págs. 19-20).
Mais ainda, a classificação não implica homogeneidade nem
uniformidade nas diferentes culturas políticas; assim se en-
contrarão indivíduos orientados paroquialmente ou como "sú-
ditos" nas culturas predominantemente participantes.
Torna-se possível, pois, analisar teoricamente as combi-
nações entre as várias culturas políticas ("parochial-sub;ect
culture", "sub;ect participant culture", "parochial-participant
culture") e no interior de cada tipo de cultura podem dar-se
cortes horizontais e verticais que caracterizarão culturas mis-
tas: uma parte da população pode orientar-se por padrões de
autoridade difusos e tradicionais, por exemplo, e outra parte
pelas estruturas especializadas do sistema autoritário e cena
tralizado de decisões.
A dinâmica dos sistemas políticos assim caracterizados es-
tará assegurada pela relação de congruência ou incongruência
entre as estruturas políticas e as culturas políticas. Uma es-
trutura política congruente deveria ser apropriada para cada
tipo de cultura, isto é, a "cognição" na população deveria ser
alta e seu afeto e avaliação deveriam tender a definir-se posi-
tivamente. Assim, uma cultura paroquial é, em geral, mais
congruente com uma estrutura política tradicional, uma cul·
tura política baseada na existência de "súditos", com uma es-
IDEOLOGIAS E EsTRUTURAS DE PODER 39

trutura centralizada e autoritária, e uma cultura participante


com uma estrutura política democrática. Essas relações se
representam também numa matriz e podem ser objeto de um
escalograma, mas em qualquer hipótese a variação na cultura
política, isto é, na orientação valorativa e em suas relações
com os componentes do sistema' político, constitui o ele-
mento propriamente dinâmico do sistema, uma vez que a in-
congruência abre possibilidades de "desequihôrios funcionais"
e por aí se explica a mudança nos sistemas políticos.
Finalmente, a cultura cívíca é uma forma de cultura po-
lítica participante, na qual a cultura política e a estrutura po-
lítica são congruentes em forma particular. Isto é, combinan-
do, e não substituindo as orientações políticas paroquiais e
as baseadas numa cultura de "súditos". E ainda, não apenas
essas orientações são mantidas na cultura cívica, mas elas
tornam-se congruentes com as orientações típicas de uma cul-
tura de participação política. A manutenção das atitudes po-
líticas mais tradicionais e sua fusão com as orientações da cul-
tura de participação política formam uma cultura política equi-
librada, na qual a atividade política, o "envolvement" e a ra-
cionalidade existem, mas são contrabalançados pela passivida-
de, pelo tradicionalismo e a dedicação aos valores paroquiais.
Assim, tanto a cultura cívica como o cidadão expressam, con-
ceptualmente, combinações (mix) nas quais a p>roporção e
a congruência entre as partes que se combinam para garantir
uma realização efetiva do padrão cultural constituem um pro-
blema maior.
Com este quadro de referência teórica para testar suas
hipóteses e precisar empiricamente as formas de combinação
compatíveis com a cultura cívica, Almond e Verba fizeram uma
investigação em cinco países (México, Itália, Alemanha, Grã-
-Bretanha, Estados Unidos) onde supõem que as formas de
cultura cívica se desenvolvem em graus variáveis. A definição
científica da cultura cívica passou a depender, aparentemente,
das generalizações empíricas, embora os autores chamem a
. atenção para o fato de que os casos individuais são únicos,
não se prestam facilmente à generalização e são tomados mais
como ilustração dos padrões de atitudes (pág. 402).
Parece desnecessário dizer-se que é nos E.U.A. que se
percebe mais fortemente a existência de uma "cultura cívica
40 PoLfnCA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

participante"; a Inglaterra constitui um caso diferencial do


mesmo padrão, e no outro extremo estão o México, onde coe-
xistem a alienação e a aspiração com respeito a dito padrão,
e a Itália, que representa uma forma alienada de cultura polí-
tica. Entre esses dois grupos está a Alemanha, com uma for-
ma de "political detachment and sub;ect competence".
Não insistamos sobre dois problemas já assinalados: de
fato, os autores assumem como próprios os valores de uma
forma de cultura política particular e medem o distanciamento
entre esse padrão e situações empiricamente discrepantes.
Além disso, se no centro do sistema teórico proposto está uma
concepção da política como relação entre uma estrutura dada
e tipos de orientação subjetiva da ação, são estes, em última
análise, tal como existem empíricamente ao nível das verbali-
zações, os responsáveis pela persistência ou mudança do sis-
tema político. Assim não só a ideologia deixa de guardar
distância do conhecimento na proposição do tema, como na
análise se considera que o elemento decisivo para a compre-
ensão do funcionamento e das modificações do sistema políti-
co repousa no estudo das correntes de opinião: no grau de
conhecimento, no apego emocional e na opinião sobre os com-
ponentes do sistema político que transparecem nas manifesta-
ções de indivíduos particulares.
Analisemos os passos propriamente metodológicos dos au-
tores para ver como resolvem os problemas centrais que expu-
semos no começo do capítulo. Aparentemente elaboram uma
metodologia mista: não aceitam a intenção histórica webe-
riana, e constroem tipos que são, em conseqüência, formais (isto
é, resultado da interseção lógica de duas ou mais dimensões);
a ação política, por outro lado, se define no campo da relação
formal entre personalidade e objeto político, sem qualquer
referência às outras ordens institucionais, como a economia,
nem ao todo do qual participa. Entretanto, não supõem, se-
quer teoricamente, a consistência lógica dos tipos criados. De
repente, o que era rigor matricial se transforma em "conceito"
de,uma prática "impura": a cultura será ao mesmo tempo pa-
roquial e participante, participante e "de súditos". Reaparece
assim a história, sob a forma de "situação de fato", não como
inspiração, como tema, como objeto para cuja análise se cons-
troem "tipos racionais", mas como critério intrínseco na cons·
IDEOLOGIAS E EsTRUTURAS DE PODER 41

trução do tipo. Mais ainda, como se os autores aceitassem a


primeira das soluções metodológicas clássicas que expusemos,
fazem a análise dos tipos supondo que pertencem todos a uma
"situação estrutural" comum e que estâ é a expressão de uma
"situação empírica": dado um mundo, seu conhecimento é a
busca dos invariantes que de facto, empiricamente, o caracte-
rizam. Porém, ainda aqui, a metodologia é um "intellectual
mix": ao contrário da tradição positivista durkheimiana, não
é pelo (( coté le plus estable", isto é, pela morfologia e pelas re-
representações coletivas cristalizadas em regras - coisificadas
- que se busca a lei interna das estruturas políticas, mas sim
pelas OJ;ientações subjetivas tal como aparecem em verbali-
zações. Mais ainda, com a reserva assinalada se passa das for-
mas de manifestação de opinião para caracterização das culturas
políticas. Tudo isso como se, metodologicamente, fosse ri-
goroso passar de um nível a outro, de um tipo de pensamento
a outro, sem que se explicitem os passos dados.
Como resultado, nem a proposição teórica dos tipos con-
tém as regras de sua validação - sequer ao nível puramente
da razão, como no "pensamento sistêmico" - nem a "prova
empírica" chega a validar os tipos propostos, pelas razões in-
dicadas da inexistência de passos metodológicos entre a ma-
neira de construir os tipos e sua relação com a "situação em-
pírica" ou com a história. Os conceitos que propõem não
chegam a ser tipos ideais, mas também não são resultantes de
generalizações empíricas, nem são "tipos médios", ao nível de
estrutura, nem "tipos extremos", como alguns autores atri-
buem aos conceitos marxistas.
Assim, teoricamente, o ponto de partida é ideológico,
depois se toma a ideologia como critério da história e a aná-
lise termina imersa na ideologia. A "cultura dvica" é um
valor, que existe porque muitos a realizam na prática política
cotidiana tal qual foi definida valorativamente. Continuará a
existir na medida em que os que a sustentam foram capazes
de torná-la crença comum, através dos meios conhecidos de
socialização política, contando-se a educação entre os principais.
Ao contrário de Weber, que partia de valores, passava
pela construção de tipos racionais e terminava por analisar ob-
jetivamente situações concretas, aqui se parte de tipos lógicos,
posteriormente os tipos lógicos são dissolvidos nos meandros
42 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

das situações vividas e se compara situações históricas com


estes módulos esdrúxulos, não para determiná-las em sua es-
pecificidade, mas para dissolvê-las num sistema categorial ge-
ral e impreciso. Se é certo que os autores marcam de forma
precisa os limites entre o sistema político e os demais siste-
mas, na medida em que especificam o tipo e o objeto das ori-
entações culturais que lhes interessam (definindo-o em termos
da relação orientação subjetiva - socialização - objetos po-
líticos), não resolvem intrinsecamente a passagem metodoló-
gica do sistema teórico que constroem para a análise de situa-
ções concretas e tampouco determinam as relações entre his-
tória e valores, se não ao nível da ideologia e não ao nível
do conhecimento científico. A diferenciação estrutural lhes
aparece como resultado das orientações valorativas; o mundo
da política não é mais do que prática indeterminada, vontade
cujos parâmetros de validez são o consenso e a adequação en-
tre a prática atual - adequadamente socializada - e as prá-
ticas passadas, regidall por opções entre valores que coexistem
indiferenciados no campo livre do universo das possibilidades
gerais.

TEORIA POLÍTICA E INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

Em face dos caminhos percorridos pela Ciência Política


atual, 14 é forçoso reconhecer que se impõe restabelecer a as-

14 Neste capitulo indicamos as linhas gerais do perisamento


de Dahl, Easton, Almond e Verba porque consideramos que eles
são representativos de três variantes metodológicas distintas den-
tro de uma concepção comum do processo político. Deixamos de
lado obviamente muitas outras tendências importantes, porque
elas não se ligam diretamente à nossa problemática teórica ou
porque, dadas as limitações compreensíveis deste capitulo no
contexto do trabalho, não seria possível analisar nem sequer
todas as principais tendências. Convém indicar que além dos
cientistas políticos preocupados com áreas especiais de análise
- teoria das organizações, burocracia, relações internacionais,
desenvolvimento político 'etc. - existem outros que se dedicam
à formalização da análise das decisões e à teoria dos jogos, cujo
trabalho é" relevante dentro da atual Ciência Política. O livro
de Deutsch já mencionado e o livro editado por David Easton,
Varieties of Political Theory, Prentice-Hall, 1966 (edição bra-
sileira: Ensaios de Teoria Política, Zahar, 1970), apresentam al-
gumas dessas tendências de forma sintética.
IDEOLOGIAS E EsTRUTUBAS DE PODER 43

piração de rigor global: não basta determinar empiricamente


de forma correta a relação entre dimensões tiradas de um qua·
dro conceptual impreciso; a ciência requer uma reflexão rigo-
rosa no próprio campo da teoria. Ainda quando não se tra-
te de resolver os impasses existentes entre as distintas possi-
bilidades de conceber o objeto da Ciência Política, de suas re-
presentações te6ricas e suas práticas metodológicas, minima-
mente se requer coerência interna a partir do ponto de vista
adotado.
Os autores clássicos aos quais nos referimos elaboraram
dessa forma seus paradigmas. Entretanto, uma "volta ao pas-
sado" não só é inviável - a problemática contemporânea im-
põe questões que não encontram apoio nos clássicos - como
levaria a uma perda da contribuição positiva da Ciência Políti-
ca contemporânea. Esta, a nosso ver, repousa muito mais no
imenso acervo de técnicas de investigação, de possibilidades
novas de estabelecer a comunicação entre o nível te6rico e a
investigação, do que nas imprecisas teorias políticas do equi-
líbrio, da interação "sistêmica" do consenso, da relação entre
os membros de um sistema político e a cultura política, do gê-
nero das que apresentamos aqui, eivadas de confusões entre
a ideologia e a ciência, principalmente, como é natural, no
próprio estudo das ideologias.
Dentro de que limites, então, seria legítimo utilizar o
instrumental de análise da Ciência Política (quase todo ele
voltado para o problema das representações, subjetivas natu-
ralmente, dos sistemas políticos tal como se manifestam ao
nível do comportamento individual) num quadro de referên-
cia teórica que não dissolva na interação e na representação
valorativa das estruturas de dominação a situação estrutural,
o todo hierarquizado e "externo" no qual se dão as práticas
políticas? De que modo seria possível manter, de algum modo,
a legitimidade do problema das relações entre os valores e a
história, entre a pura subjetividade e a estrutura objetivada
sem dissolver um dos termos no outro? Como, enfim, reco-
locar o problema das diferentes ordens institucionais - a eco-
nomia, a política, a ordem social, a ideologia - e, ao mesmo
tempo, apreendê-los ao nível dos comportamentos manifestos,
como faz a Ciência Política contemporânea?
44 PoLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Inicialmente o problema é teórico e geral: trata-se pre-


cisamente da idéia e da concepção científica que o investiga-
dor tem da relação entre representação-estrutura-ciência. Sem
discutir as implicações epistemológicas da questão (tema que
ultrapassa a competência específica do autor) ao nível pura-
mente teórico-científico, é evidente que para quem supõe que
entre as estruturas e as ideologias existe um relacionamento de
tipo causa-efeito e toma a causa pela "essência" e o efeito
pelo "fenômeno", a representação (a ideologia) perde qual-
quer sentido como forma de conhecimento. Será tema da
ciência apenas na medida em que, como qualquer outro ele-
mento funcional de uma estrutura, é um objeto, parte de um
todo cujas leis derivam de padrões gerais e são capazes de
explicar a relação funcional dos "objetos" entre si. A ciência
buscaria precisamente as leis da estrutura e estas conteriam
nelas toda a determinação, toda a particularização possível das
representações. No extremo oposto estão os autores cujas des-
venturas teóricas já assinalamos, como Almond e Verba e
mesmo como Dahl, que, ao contrário, vêem na representação
a causa ou, em todo caso, o suporte empírico - único real
porque dado efetivamente à observação - das estruturas po-
líticas. O trabalho da ci,ência, nesse caso, seria uma espécie
de explicitação das potencialidades de transformação e de equi-
líbrio social contidas nas representações, tal como se dão na
prática cotidiana: razão pela qual metodologicamente, como
vimos, os cientistas que se orientam por essa perspectiva pas-
sam amiúde de um tipo de trabalho que requer a "investigação
empírica" a uma categorização subjetivo-formaI.
Entretanto, existem alternativas teóricas que permitem en-
caminhar de forma distinta este problema. Com efeito, se é
certo que as ideologias são "sistemas de representação" (mitos,
crenças, imagens, idéias e mesmo conceitos) , esses sistemas
de representação não se apresentam na história isentos de
uma "estrutura" 15 e, em conseqüência, de algum tipo de exis-

15 Os' cientistas polfticos ainda nAo descobriram as possibi-


lidades de trabalho que o método de anAlise estruturalista, ela-
borado pela moderna Antropologia, abre para o estudo das ideo-
logias. Apesar de que nós utilizamos neste trabalho o conceito
de estrutura noutro contexto e nos inspiramos metodologicamen-
IDEOLOGIAS E EsTRUTURAS DB PODBR

tência própria (isto é, independente dos indivíduos particula-


res que as exprimem) e provavelmente com algum tipo de
papel social. Além disso, as ideologias como "sistemas estru-
turados" não são pura subjetividade, opinião particular, nem
estão no mundo como uma folha que flutua: estabelecem re-
lações determinadas com outros tipos de estruturas.
A interseção das ideologias com os demais componentes
de uma situação social e a natureza da ideologia como fenôme-
no social constituem precisamente os problemas a serem resol-
vidos teoricamente. É evidente que para os que consideram
o mundo das representações como, de algum modo e ao mesmo
tempo., o elemento dinâmico e transparência interna do sistema
político, a noção mesma de ideologia deixa de ter sentido:
é o real como objeto da ciência que se evidencia pela opinião.
Esta não é nem a expressão de outra estrutura, nem um tipo
específico de estrutura que se relaciona com outras estrutu-
ras, é o elemento dinâmico, fundamento real da ação, supor-
te do sistema político. E tampouco para os que concebem a
ideologia, a opinião, como reflexo da estrutura, sombra num
espelho de água, existe problema maior: o nível da opinião
é desprovido de eficácia sobre o real, isto é, sobre as estru-
turas de dominação e seus fundamentos econômicos; confunde-
-se com a falsidade, o engano. Precisamente sua possível efi·
cácia prática, que deriva das artimanhas dos que as manejam
como instrumento, a desqualifica teoricamente como meio de
conhecimento.
Entretanto, é possível conceber as "estruturas ideológicas"
como sendo sistemas de representação por meio dos quais os
homens expressam um modo particular pelo qual eles sentem
que participam de determinadas condições de existência s0-
cial e em função dos quais atuam efetivamente diante dessas
mesmas condições. Quer dizer: a ideologia não é a transcri-
ção imediata das condições de existência social, nem é o reino

te em outras fontes, é de todo evidente que o estruturalismo per-


mitiria a colocação do problema das ideologias de um ponto de
vista supra-histórico com muito maior rigor e riqueza do que
a análise "sistêmica". A transformação das ideologias em "mi-
tos das sociedades alfabetizadas" e a análise da estrutura de8888
mitos seriam pel9 menos uma proeza intelectual estimulante.

"
46 POLfTICA B DUENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

da pura ilusão; não pode ser descartada como "falsa consci-


ência", como idola, nem pode ser aceita como a expressão
substantiva de um modo de relação social. Supõe, como es-
creveu Althusser alhures, uma relação real, uma relação vivida
e uma relação imaginária.
Admitindo-se essa perspectiva, abre-se para o estudo da
ideologia uma possibilidade te6rica determinada: é possível
escapar do particu1arismo subjetivo da opinião como critério,
mas ao mesmo tempo a opinião como informação e como in-
dicação volta a ter um papel heurístico na ciência. Trata-se,
a partir daí, de buscar os "prindpios de estruturação" que re-
organizarão as informações obtidas individualmente e permi-
tirão reconstruir teoricamente os modos determinados de apre·
ensão do mundo pelos homens em sua experiência vivida.
Porém, nesse caso, haverá que precisar a correspondência entre
as "estruturas ideol6gicas" e as outras estruturas que consti-
tuem a sociedade, inclusive o sistema político e o sistema eco-
nômico. Note-se que essa correspondência, mesmo quando
se aceita, como é nosso caso, que a sociedade se constitui por
um conjunto de relações contradit6rias e hierarquizadas, não
pode ser concebida como uma "função": dadas uma estrutura
política e. uma estrutura econômica, ter·se-ia tal tipo de ideo-
logia. Ao contrário, porque a ideologia implica uma relação
entre o real c o imaginário, entre o condicionado historicamen-
te e os valores como p6los de orientação do comportamento
- p6los que, dentro de limites, se descolam das condições ime-
diatas de existência e aspiram a ser senhores da hist6ria -
sua determinação nunca ultrapassa os limites de uma "possibi-
lidade estrutural". nadas tais e tais condições econômicas,
sociais e políticas, abre-se um feixe de possibilidades-limite,
no interior do qual os sistemas de representação se articu1am
com certa autonomia, do conservadorismo ao revolucionarismo,
passando por vários matizes específicos. E sobra repetir que
as formas particulares dessas estruturas ideol6gicas incidem
efetivamente sobre a hist6ria, na medida em que esta é con·
cebida como um conjunto de relações de contradições que,
se é verdade que possuem uma dinâmica que deriva de certas
relações básicas - a estrutura econômica - estas por sua
vez CXÍ5tem como relações particu1ares, ao' nível da política
e ao nível das representações. Em conseqüência, a represcn·
IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODER 47

tação ideológica ao expressar um modo de conceber uma re-


lação política é ao mesmo tempo uma condição de existência
- e não um simples reflexo - do conjunto do sistema
social.
Essa perspectiva teórica, que não presume qualquer ori·
ginalidade - basta pensar nos trabalhos de Mannheim, para
não citar autores clássicos - foi, entretanto, descuidada na
aplicação às investigações. É certo que existem esforços nesta
direção, mesmo na literatura política contemporânea. O es-
tudo de Robert E. Lane, Political Ideology, 16 por exemplo,
procurou devolver uma possibilidade heurística ao conceito de
ideologia e à perspectiva de análise que ele abre: "Para qual-
quer sodedade: uma base existencial, criando certas experiên-
cias comuns interpretadas através de certas premissas culturais
por homens com certas qualidades pessoais em vista de certos
conflitos sociais, produz certas ideologias políticas." n Lane
percebe claramente algumas das principais implicações da idéia
de ideologia e realiza um trabalho sólido de investigação, do-
cumentando abundantemente suas análises, e chega a ter uma
visão das relações entre "ideologia-estrutura-mudança social"
mais sofisticada que a maioria dos textos atuais sobre a maté·
ria. Paga, contudo, o preço à sua crença de que o homem
está sujeito à tirania ideológica e ao seu pouco apreço pela
noção de níveis distintos e hierarquizados nos conjuntos so-
ciais. E o paga consdentemente: na parte final do estudo,
procura compreender as relações entre as ideologias e os ele-
mentos que lhes são subjacentes num sistema democrático,
que é assumido como valorativamente positivo. "Este não é,
naturalmente, um estudo livre de valores; os valores presen-
tes são os de uma sociedade racional e aberta, governada por
instituições democráticas." 18

r 16
17
Indicado na nota 7.
Op. cit., pAgs. 415-416. Essa conceituação, segundo o
próprio autor, segue o pàradigma de Bernard Berelson, "Commu-
nication and Public Opinion", em Schram, W., Comunication '"
Modem Society, University of Illinois Press, 1946.
18 Seja dito de passagem que o estudo de Daniel Bell, The
End of Ideology (on the e:r:haustion 01 political ideu in the
fifties) , Free Press Paperback, ed. revista, Nova York, 1965
(primeira edição de 1960), sob muitos pontos de vista, da mesma
48 POLíTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

De qualquer forma, menos do que "inovar" o que im-


porta é começar a restabelecer a preocupação com um tipo de
análise que aproveita os desenvolvimentos recentes da Ciência
Política, tanto no nível das técnicas de ,análise quanto no nível
dos temas que a interessam, mas que ao mesmo tempo não se
desligue da preocupação que foi dominante no pensamento po-
lítico clássico: os temas e os conceitos iniciais se apresentam
ao trabalho científico saturados de valores, de ideologias; a
ciência se faz, como movimento teórico, na medida em que
produz o "desencantamento do mundo" pela reposição desses
temas e conceitos no discurso científico. Só este, por sua vez,
permite uma prática analítica, pois essa prática, ao operar di-
retamente sobre as ideologias e os conceitos nelas imersos
que se apresentam como "dados" para a análise científica,
não produz a necessária passagem do discurso intuitivo-valo-
rativo ao discurso científico.
Foi com essa preocupação que procuramos orientar o pre-
sente estudo. O tema, limitado, refere-se às representações
que um setor social específico - os empresários industriais
- assume como válido. Buscamos na análise dessas repre·
sentações - coligidas ao nível da opinião individual - des-
cobrir as "estruturas ideológicas" pelas quais os empresários
expressam inconscientemente um modo de relação social e,
ao nível de suas experiências, imaginam qual seja o mundo
em que vivem.
Uma análisf desse tipo implica - entre outros - dois
andamentos metodológicos complexos: a determinação da rela-
ção entre estrutura sócio-econômica e "estrutura ideológica",
por um lado, e entre "estrutura ideológica" e verbalização in·
dividual, por outro. Além disso, a coerência com os pontos
de vista sustentados anteriormente torna necessária uma di.
gressão sobre as implicações ideológicas do próprio tema e
sua determinação científica.
Comecemos por este último ponto. Nos países que con-
seguirem ,começar um processo de industrialização de certa

maneira, constitui uma contribuição importante. Ainda quando


nIo se aceite suas conclusões - como é nosso caso - pelo me-
Dos em seu ensaio nlo se perde o rigor e a clareza dos pontos de
VIsta assumidos sob o pretexto de uma "linguagem operacional".
IDEOLOGIAS E EsTIlUTURAS DE PODEIl 49

importância, como é o caso dos que serviram de unidade can-


textual à nossa análise, a participação real ou esperada dos
grupos industriais na vida política nacional ganhou evidente-
mente importância. Participação real na medida em que os
setores industriais das burguesias locais passaram a ser objeto
de reflexões políticas e de preocupações por parte dos que to-
mam as decisões nacionais que interferem na vida econômica
do setor industrial. E também porque os industriais passaram
a propor medidas favoráveis à industrialização e se viram na
contingência de interagir com os demais grupos e classes so-
ciais na luta pela imposição de seus interesses e objetivos. Par-
ticipação esperada na medida em que nesse processo certos se-
tores da sociedade industrial, outros grupos e classes sociais,
por suas associações representativas - partidos, sindicatos -
e por seus movimentos de opinião, passaram a contar com os
industriais, a esperar deles determinadas atitUdes políticas,
propor-lhes objetivos e atribuir-lhes ideologias que supunham
compatíveis com seus reais interesses.
Formou-se assim uma imagem definida da "burguesia in-
dustrial nacional". Mesmo sem que se analise neste capítulo
as expectativas políticas correspondentes a essa ideologia -
que sustenta a existência de uma "burguesia nacional" e defi·
ne sua "missão hist6rica" - é evidente que a proposição do
tema nesses termos está carregada de valores: é em si mesmo
uma "questão ideoI6gica". Questão ideol6gica que se não
pode servir de roteiro para a "problematização" científica, não
deixa de apontar, segundo nossa perspectiva de análise das
ideologias, para uma situação real. Seria ingênuo, contudo,
elaborar o conceito de "ideologia da burguesia nacional" e ope-
rar com ele como se fosse um elemento integrante do discurso
científico. Nesse nível, não se operaria a passagem necessária
de uma proposição ideol6gica - que contém, como toda ideo-
logia, um "modo de relação" e uma "mistificação" - a uma
proposição científica. Ao contrário, estar-se-ia replicando o
método anteriormente criticado de categorizar as representa-
ções que se dão ao nível da percepção sem ultrapassar a crosta
do imaginário e sem torná·lo, em conseqüência, indicador de-
terminado de um modo de relação que o inclui e explica.
Nosso andamento met6dico não implica, portanto, des-
cobrir na ideologia dos industriais os germes de uma burgue-

M
50 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDDlTES

sia nacional para demonstrar que esta "existe realmente", nem


trata de provar pelo mesmo caminho, mas em sentido oposto,
que essa categoria social é imaginária. Em outros trabalhos,
autores diversos e nós mesmos, procuramos determinar a am-
plitude, as condições de existência e as funções sociais e eco-
nômicas de uma burguesia nacional, a partir de outros méto-
dos de análise, que dispensam o estudo das ideologias. 19 Mes-
mo que no presente estudo tivéssemos encontrado a maioria
dos industriais mantendo pontos de vista correspondentes à
visão política de uma "burguesia típicamente nacional", não
poderíamos inferir dllí predições quanto aos processos econô-
micos e quantd à forma de crescimento do sistema industrial:
a "infra-estrutura", para utilizar um conceito consagrado, man-
tém sua autonomia e, no limite, seria possível encontrar um
modo de percepção social que não registra com a intensidade
devida as modificações porventura ocorridas na "base econô-
mica". Entretanto, em duas hipóteses opostas, a ideologia
indica a situação na qual nasce: a possibilidade de determinar
um conjunto de valores, crenças, atitudes etc. particular (como,
por exemplo, uma ideologia "nacional-burguesa" ou uma ideo-
logia "industrial-internacionalizada") constitui uma espécie de
testemunho da existência de uma situação estrutural que com·
porta tais dimensões; por exclusão, a inexistência de um tipo
particular de ideologia desqualifica a análise estrutural que
a supõe. Assim, o estudo das ideologias ganha uma dimen-
são precisa e importante na análise de uma situação: deixa
entrever o corpo a cujo cordão umbilical está presa.

19 Para uma bibliografia especifica e para um balanço do


que se fez na matéria, ver F. H. Cardoso, "Hégémonie bourgeoise
et indépendence économique", em Les Temps Modernes, Paris,
n. a 257, outubro de 1967, pâgs. 650-680; e também "The Entre-
preneurial Elites of Latin America", em Studie8 in Comparati1Je
International De1Jelopment, vol. lI, n. a lO, St. Louis, 1966, págs.
147-159. Sobre os industriais brasileiros, ver ainda Empresário
Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil, Difusão Eu-
ropéia do Livro, São Paulo, 1964; Luciano Martins, "Formação
do Empresariado Industrial no Brasil", em Revi8ta do Instituto
de Ciências Sociais, vol. liI, n.a 1, 1966, pAgs. 91-138. Sobre a
Argentina, ver José Luis de Imaz, Los que Mandan, Eudeba,
Buenos Aires, 1964, caps. VII e VIII.
IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODER 51
E, por outro lado, em si mesmo, o estudo das ideologias,
no caso as orientações político·econômicas dos industriais, per-
mite a predição de certas dimensões da ação política desse con-
junto particular de indivíduos. Se a ideologia não comanda
a transformação e o sentido do desenvolvimento das estrutu-
ras econômicas, ela incide sobre o processo político de forma
mais imediata e este, por sua vez, constitui a mediação entre
a estrutura econômica e a ação dos industriais vistos como um
grupo social que possui interesses sociais comuns.
Conseqüentemente, o esquema de relações sobre o qual
trabalhamos, entre ordem econômica-ordem política e ideolo-
gias, supõe que esses níveis da realidade social ao distinguir-se
se relacionam e de forma precisa; a determinação do modo
particular que essas relações assumem constitui o problema a
ser resolvido. A análise científica caminha na medida em que
torna mais clara a rede de relações que existe entre essas dis-
tintas ordens sociais, mostrando como se diferenciam dentro de
uma estrutura que subsiste graças à ação de indivíduos social-
mente orientados e aos movimentos sociais que exprimem as
tensões e contradições existentes entre as classes e grupos
que formam a mesma estrutura. Inversamente a proposição
de qualquer "determinação em geral" de uma dessas ordens
pela outra ou a "dedução" do conteúdo particular de uma
ideologia a partir de uma ordem econômica dada, que não
passe pela análise das vinculações concretas entre política-
-economia-ideologia, não constituem mais do que "mera ideo-
logia". Assim, as noções de "burguesia nacional" ou de "bur·
guesia internacionalizada", para transformar-se em conceitos ex-
plicativos, devem ser construídas a partir de análises que te·
çam a trama das vinculações entre os distintos níveis do todo
.ocial e que ao postular a existência de um grupo social com
tais dimensões estruturais e ideológicas explicitem tambc!m as
condições de existência desses grupos: "condições estruturais"
e condições de manifestação das orientações ideológicas e das
formas de comportamento político. .
Nos dois próximos capítulos discutiremos as condições
estruturais das relações entre a ordem econômica e a ordem
política, caracterizando o que chamamos de uma "situação
dada de dependência". E nos capítulos finais discutiremos as
formas de manifestação das ideologias empresariais.
52 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Não cabe aqui refazer a análise pela qual chegamos à


noção de "situação de dependência". 20 Basta-nos indicar que
no caso da situação estrutural dos países.. periféricos aos pó-
los dinâmicos do sistema econômico mundial - regiões que,
como todos sabem, se integraram a um mesmo sistema pro-
dutivo internacional pela expansão do mercado mundial con-
trolado pelas nações altamente industrializadas - a relação
entre situação econômica e comportamento efetivo dos grupos
sociais - incluídas as suas orientações valorativas - não é
imediata nem se nutre apenas do movimento social da região
particular em que se insere um grupo social ou uma classe
específica. Com efeito, dado que nesses países a "ordem
social interna" se organiza e se hierarquiza pela diferenciação
entre as classes sociais, mas ao mesmo tempo os mecanismos
de sua vigência e integração ultrapassam os limites da nação
porque são abrangidos pela "ordem internacional", a deter-
minação estrutural existente é sempre duplamente condicio-
nada, pelo interior e pelo exterior. Assim, uma "burguesia
nacional" ou um setor empresarial internacionalizado expres-
sarão - em ambos os casos, mas de forma diferente graças
a condicionantes específicos que se esclarecem nos próximos
capítulos - essa "duplicidade estrutural". Porém, e este é
o ponto crucial da questão, na perspectiva em que utilizamos o
conceito de dependência, essa "dupla inserção" e a corres-
pondente orientação bidimensional do comportamento das clas-
ses e grupos sociais se efetiva no âmago mesmo da estrutura
dependente e constitui seu modo específico de existir. Noutras
palavras, ao' aceitar como ponto de partida te6rico a perspec-
tiva da dependência para caracterizar uma classe ou grupo so-
cial particular ou uma economia nacional subdesenvolvida, não
assumimos que a relação exterior-interior se produza nestes
termos e nessa seqüência, mas ao contrário sustentamos que é
no seio da própria situação dependente que se encontram os

10 As implicações teóricas e metodológicas do conceito de


dependência e das situações de dependência encontram-se em
F. H. Cardoso e Enzo Faletto, Dependencia 'Y DesaTTollo en
América Latina, ILPES. Santiago, 1967; e também em F. H.
Cardoso e Francisco Weffort, "Sociologia de la dependencia", in-
troduçlo a "DeBarrollo Social y Politico en América Latina",
Editorial Universitario, Santiago, Chile.
IDEOLOGIAS E EsnUTUIlAS DE PODER .53

elementos que a vinculam com os pólos hegemônicos e que


expressam a dependência.
:E de todo evidente que tal perspectiva não explica a "si·
tuação colonial" - onde o processo de imposição da metr6-
pole sobre a colônia pode dar-se como pura violência e sem
que internamente se produzam lealdades dos nativos para
com os colonos. Ela se limita à compreensão do que em ou-
tros trabalhos chamamos de "dependência nacional", situação
que corresponde especificamente aos países que ora analisa-
mos. Mais ainda, não basta para os fins analíticos visados
a análise das perspectivas estruturais e das ideologias do se-
tor industrial do empresariado - caracterizar em geral a si-
tuação de dependência, como se esta fosse o elemento causal
geral que se define ao nível da estrutura do mercado interna-
cional. Ao contrário, a análise requerida implica compreen-
der os modos específicos pelos quais se articulam as economias
dos países subdesenvolvidos (internamente e externamente, no
mercado interno e com o mercado internacional) com os sis-
temas de dominação que as fazem viáveis, pois a noção de de-
pendência ressalta que as situações por ela descritas não podem
ser explicadas simplesmente ao nível econômico. No caso das
situações de dependência, no âmago da prática econômica, va-
mos encontrar não apenas a dominação de uma classe social
por outra, transcrita de.forma econômica nas relações de mero
cado, mas também a dominação de uma nação por outra, ins-
crita politicamente na prática e nas orientações dos grupos c
classes sociais que por sua ação tornam viável um tipo par·
ticular de situação de dependência.
Convém esclarecer também que a noção de dependência
tal como a empregamos não exclui a possibilidade de desen-
volvimento: essa hipótese tornaria inviável a existência de um
setor industrial inserido como parte do mundo dependente e
sustentando uma situação de dependência. Ao contrário, exis·
te a possibilidade de formas de "desenvolvimento dependente".
A delimitação desses tipos de desenvolvimento e dos modos pe-
los quais os setores industriais se relacionam com eles, mano
tendo-os e modificando-os, constitui o travejamento necessá-
rio para o estudo das ideologias da burguesia industrial nu
situações de dependência.
54 POLfTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Por fim, temos o problema do uso de dados obtidos ao


nível individual e subjetivo para caracterizar ideologias. Teria
sido possível naturalmente caracterizar as ideologias empresariais
a partir de documentos que expõem o ponto de vista do setor
industrial: manifestação de sindicatos, conferências nacionais
e internacionais de empresários, relatórios anuais das empresas
etc. Esses dados foram efetivamente tomados em considera-
ção por nós e por outros autores para determinar o "ponto de
vista das indústrias". 21 Entretanto, eles difIcilmente permi-
tem descobrir o que para nós era fundamental: como no seio
do setor empresarial se polarizam as orientações ideológicas.
O tom convencional dos textos acima referidos permite pouco
mais que ver a posição do conjunto do setor industrial sobre
tal ou qual problema, e muito raramente - quando se tem
mais que uma central sindical ou quando algum setor indus-
trial se manifesta em particular exprimindo sua divergência
com respeito à opinião oficiosa da classe - se pode determinar,
por seu intermédio, os matizes existentes, para não mencionar
as dificuldades na determinação das "variáveis dependentes"
que atuam sobre esses matizes.
Por isso, nesse primeiro esforço de compreensão das ideo-
logias dos industriais e de validação de análises estruturais,
limitamos a investigação ao aproveitamento de questionários dis-
poníveis que recolhem opiniões individuais. Na análise, con-
tudo, as variáveis selecionadas têm como preocupação e como
referência dois contextos: a situação estrutural dos dois países
onde operam os industriais analisados e o contexto propria-
mente ideológico que se configura nas respostas. Não elabo-

21 Não só nos trabalhos referidos na nota anterior, mas


também em revisões feitas por nós tanto de editoriais de jornais,
que exprimem "interesses econômicos", como de relatórios de
empresas (especialmente no caso da Argentina, onde obtivemos
grande número de folhetos e relatórios das empresas controladas
pelos entrevistados) e de documentos sindicais. ESse material
presta-se naturalmente para uma análise fecunda mas distinta
da que quisemos fazer no presente trabalho. Para a Argentina
existe um estudo recente, que utiliza esse tipo de informações,
além de muitos outros, e que oferece um quadro bastante rico
para a compreensão do comportamento dos empresários. Ver
Dardo Cúneo, Comportamiento y crisi..t de la clase empresaria,
Editorial Pleamar, Buenos Aires, 1967.
IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODER 55

ramos hipóteses sobre os contextos individuais (escalas psicos-


sociais etc.) nem sobre o contexto das "relações imediatas"
dos empresários (tipos de família, relações de amizade, dinâ-
mica dos pequenos grupos etc.). Em conseqüência, as impu-
tações de ligação entre as ideologias e as estruturas são quase
como as que faria um antropólogo que tomasse um indígena
como informante de mitos. Só que, no caso do mito, se pro-
cura uma estrutura básica que subsiste em versões que va·
riam topicamente. Na caso das ideologias empresariais, a va-
riação nas respostas significará mais do que um "acidente de
memória": representará um modo distinto de valoração. E
justamente o que se pretende determinar são os padrões po-
lares de variação. Amiúde, entretanto, estes serão descober-
tos menos através do conteúdo atribuído pelo informante à
sua escolha do que por regularidades estruturais latentes. Vol-
tamos depois a utilizar de forma menos heterodoxa as técnicas
de investigação empírica, para ve~ as relações e os limites de
variaÇão entre as estruturas ideológicas descobertas, por um
lado, e as estruturas contextuais - sociais, políticas e econô-
micas - por outro.
Isso significa que se utilizamos analiticamente técnicas
quantitativas e verbalizações individuais, interpretativamente
nem sempre fazemos inferências estatísticas embora as utilize-
mos como "pistas de interpretação". Mais freqüentemente
fazemos análises da significação da presença ou ausência de cor-
respondentes estruturais.. Não descartamos a inferência quan-
titativa que no limite, e com as reservas que indicamos, serve
de teste de validez das interpretações, mas estas últimas, quan·
do se trata de determinar as relações mais amplas entre ideo-
logias e estruturas, se fazem segundo um paradigma histórico-
-estrutural de análise.
Sabemos os riscos dessa posição metodológica, mas cre·
mos que para incentivar um processo de utilização e aprovei-
tamento frutífero das possibilidades de análise abertas pelas
modernas técnicas de investigação e manter ao mesmo tempo
as preocupações teóricas e metodológicas da Ciência Social clás-
sica é preciso assumir riscos conscientemente.
Só os empiristas extremos pensam o conhecimento de
forma distinta de uma aventura do espírito. Aventura com
56 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

riscos calculados e com margens de erro tanto menores quan.


to mais definidas. É preciso muita ingenuidade para pensar
que a aplicação adequada das "regras de investigação" garante
a validade teórica do conhecimento obtido. Preferimos ar.
car com o risco de uma utilização heterodoxa das "regras de
investigação" para ver se por seu intermédio se dá um passo,
por pequeno que seja, no encaminhamento de um problema
concreto posto pela prática científica atual.
CAPiTULO II

OS TIPOS DE DEPENDt.NCIA
E AS IDEOLOGIAS DE DESENVOLVIMENTO

o CONCEITO de dependência e a situação a que ele alude


no nível de generalidade em que os apresentamos no capítulo
anterior não bastam para delimitar cientificamente um campo
de estudos. Com efeito, a "generalidade reflexa" do conceito
e da situação de dependência - pois que implicitamente re-
feridos a outro conceito e a outra situação que os subordinam
- não permite a passagem que a ciência requer do discurso
sintético à indagação analítica. Haverá sempre o risco, tenta·
dor e fácil, de substituir o conhecimento derivado da pesqui-
sa dos liames particulares que um modo de relação mais geral
- estrutural - estabelece, por uma intuição reificadora que
transforma um conceito geral em causa particular de uma se·
qüência de fatos. Dessa forma, a dependência - como noutras
abordagens paralelas ou opostas mas teoricamente simétricas
como em algumas análises do "imperialismo" - se transfor-
maria em pseudo-explicação genérica de processos sociais par-
ticulares. O encanto da palavra passa a encobrir a indolência
do espírito.
Impõe·se, por conseguinte, delimitar, precisar e descrever
a forma, as condições e as conseqüências que assume o pro-
cesso de integração das economias que se estabelecem na peri.
feria do sistema internacional de produção e de troca para
evitar o risco aludido. As perspectivas de análise discutidas
no capítulo anterior mostram que esse ponto de partida, apa-
rentemente economicista, Jtanha sentido na análise poütica
quando se aceita, como neste trabalho, que o mercado, isto
é, a rede de relações de troca que se estabelece em função
58 POLíTICA E DEsENvOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

de um modo determinado de produção, pode ser concebido


também como expressão de um modo de dominação. Modo de
dominação esse que em seus diferentes níveis expressa desde
a relação simples entre o possuidor de meios de produção e o
possuidor da força de trabalho, na linguagem de Marx, até
a dominação de um Estado-nação por outro, nas fases de
maior complexidade do sistema de relações internacionais, pas-
sando naturalmente pelas formas particulares de constituição
dos mercados internos, quer dizer, pela definição dos Estados
nacionais, e pelos diferentes tipos de aliança e de oposição
entre grupos de interesse internos e externos. Em resumo,
essa per'.ipectiv~ se j'ustifica na análise política quando se re-
define a noção de mercado, por intermédio de uma crítica
que devolve a prioridade devida às considerações que mostram
o sistema produtivo e o mercado - em seus diferentes níveis
- como o resultado não só de uma prática econômica mas
de uma imposição social e política. Toda troca supõe uma
definição de regras e toda definição de regras sociais implica
a distribuição de possibilidades efetivas de exercício de liber-
dades e de constrangimentos, processo que por sua vez supõe
tanto formas definidas de violência quanto modos simbólicos,
rítualizados ou pactuados de justificação das ordenações s0-
ciais e políticas.
A questão outrora apaixonante dos limites entre o fato
econômico, ou a ordem econômica, e a ordem política, ou seja,
o problema da autonomia relativa do sistema político diante
do sistema econômico, não se coloca na teoria social contem-
porânea em termos de uma petição de princípio: a força de
qualquer teoria política baseada na perspectiva da dependên-
cia se revelará precisamente na sensibilidade que demonstrar
para responder em forma precisa, delimitada e analítica o entre-
laçamento entre os dois sistemas em causa.
:e por isso que se o ponto de partida de qualquer aná-
lise de dependência é necessariamente o mercado como campo
de batalha de imposições econômicas, a culminação da análise
se efetiva somente quando o que foi ponto de partida gerlll
e abstrato se transforma no conhecimento da trama de relações
entre grupos com interesses distintos e que têm chances de
atuação estruturalmente definidas também distintas. Entre os
interesses divergentes e as posições estruturais particulares que
TIPOS DE 1>EPENDiNCIA E IDEOLOGIAS DE DEsENvOLVIMENTO 59

limitam cada grupo no mercado se encontram tanto recursos


materiais acumulados, expropriados e csiados pelos distintos
grupos, quanto orientações valorativas, ideologias, visões do
futuro. As "regras do jogo" que o mercado constitui não
serão mais que o resultado do processo de oposições, alianças,
conciliações e conflitos entre os diversos grupos, nos diversos
níveis há pouco referidos. O modo particular de seu relacio-
namento constitui em conseqüência o campo de estudos de
qualquer análi$e de dependência que não se queira meramente
formal, isto é, que não se contente com reivindicar a existên-
cia de uma determinação geral das estruturas dependentes pe-
las autônomas, das estruturas políticas pelas econômicas.
Não se quer com isso resolver às avessas o problema da
relação entre o fato político e o fato econômico. Podem dar-
-se situações definidas nas quais o primado do econômico como
pura expressão de superioridade técnica de uns grupos sobre
outros, ou das vantagens de um modo de produção sobre ou-
tros, ou das diferenças de capitalização ou produtividade im-
ponha uma ordem social e um tipo de dominação de forma uni-
lateral. Entretanto, haverá conhecimento científico somente
quando se delimite a validade dessa situação em termos estru-
turais e quando se estabeleçam os modos de relação graças
aos quais uma ordem econômica dada condiciona por sua pr6-
pria força e pelos valores que ela engendra a ordem social e
o sistema de decisões.
Em trabalhos anteriores tentamos especificar e sistemati~
zar os modos básicos de relacionamento entre as sociedades de-
pendentes da América Latina e os centros hegemônicos que as
constituíram e com os quais permanecem ligadas. 1 Aqui nos
interessa ressaltar apenas as implicações hist6rico-estruturais
que essas modalidades distintas de dependência e de vincula-
ção econômica com o exterior tiveram na fase de expansão e
consolidação do mercado interno sobre os "agentes sociais" do
desenvolvimento, tanto no que se refere ao tipo de grupo s0-
cial e de classe que vai exercer este papel, como no que

1 cardoso e Faletto, op. cito E também Cardoso, F. H., El


proceao tMJ tMJ3arroUo en América LatiM (Hip6ted3 para VtIG
ltlterpretación Bociológfca) , ILPES, Santiago, 1965, 6. pAga.
60 PoLÍTICA E OBsENvOLVIMENTO EM SocIBDADB5 DzPENDENT1!S

diz respeito às alianças, oposições, conflitos e ideologias que


eles desenvolverão.
Inicialmente convém deixar claro que tanto a presença
ativa que as "burguesias nacionais" tiveram e mantêm na
América Latina quanto as ideologias por elas sustentadas ga·
nharam expressão distinta nos diversos países segundo o tipo
particular de dependência que neles é possível identificar. Com
efeito, os estudos anteriores fazem crer que, na fase de cons-
tituição dos Estados nacionais e no momento posterior, na
segunda metade do século XIX, na fase chamada pelos eco-
nomistas de "desenvolvimento para fora", a vinculação com
o exterior se deu segundo dois modos básicos: num caso, o
próprio processo de independência foi o resultado da ação
dos grupos agro-exportadores que ao romper os vínculos po-
líticos com Portugal ou com Espanha mantivetam o controle
do sistema produtivo interno e reorganizaram suas vincula-
ções no mercado internacional orientando-as na direção do
centro hegemônico então imperante no mundo capitalista: a
Inglaterra. Noutro caso, seja porque a formação dos Estados
nacionais se fez mais em função dos interesses políticos das po-
tências hegemônicas, seja porque os grupos nacionais que con-
trolavam o setor exportador não tiveram condições técnicas
e econômicas para manter a atividade produtiva, o período de
expansão econômica orientado pelo mercado externo se rea-
litou através do investimento direto de capitais estrangeiros
que controlavam o sistema produtivo. Nessa última situação
dá-se a formação de enclaves externos dentro do próprio sis-
tema' produtivo do país periférico, em geral em torno da ex-
ploração de jazidas minerais (petróleo, cobre, salitre), que de-
mandam um coeficiente de capital elevado e um desenvolvi-
mento tecnológico avançado, condições essas que não se veri-
ficam no caso dos países que se desenvolveram segundo a mo-
dalidade anteriormente assinalada, na qual a produção agro-
pastoril, pelo menos inicialmente, se faz pelo aproveitamento
extensivo da terra e pelo engajamento de mão-de-obra de es-
cassa qualificação.
Convém indicar, contudo, que essas diferenças devidas às
próprias condições internas doS" países periféricos não são sufi-
cientes para explicar as possibilidades distintas de formação
de economias controladas nacionalm~te. Simultaneamente, as
TII'OS DB D8PllNDiNcu E IDEOLOGIAS DE DlsENvOLV1MI!NTO 61

transformações havidas no sistema capitalista internacional c0n-


dicionaram diferentemente os tipos de desenvolvimento dos
países latino-americanos: o capitalismo sob hegemonia ingle-
sa do século XIX se organizou de tal maneira que por assim
dizer se complementava com a produção agrária de sua peri.
feria. Controlava-a financeiramente e se assegurava as van-
tagens da comercialização e do sistema de transporte, mas não
competia no terreno da produção agropastoril. Desde fins do
século XIX, entretanto, não só as características de monopo-
lização e cartelização das grandes unidades produtivas do mun-
do capitalista como que impulsionam as grandes empresas a
realizar uma expansão orientada para o exterior, como a pro-
gressiva preeminência da economia norte-americana como cen·
tro hegemônico do sistema agrega características novas às rela-
ções entre as economias periféricas e as centrais.
De fato, o sistema produtivo norte-americano, diferente-
mente do inglês, se organiza dispondo de uma situação privi-
legiada: pode desenvolver não apenas uma produção industrial,
mas uma produção mineira e agropastoril sem precedentes na
história. A economia norte-americana encerra, dentro das fron-
teiras nacionais, portanto, um sistetDt8 completo de produção,
tornando-se auto-suficiente. As conseqüências desse fato fazem-
-se sentir profundamente nas economias periféricas. Reorgani-
zaram-se as relações centroperiféricas em vários sentidos. Pri·
meiramente, porque houve uma espécie de marginalização da
periferia com relação ao centro: o papel que a economia ar·
gentina ou uruguaia (ao lado da australiana, da neozelandesa)
desempenharam como economias agropastoris complementlrias
da economia industrial inglesa perdeu relevo. Por certo, os
países que já estavam integrados ao mercado segundo o mo-
delo do "capitalismo inglês" ou os países que desde a metade
do seculo XIX haviam conseguido manter uma economia ex-
portadora ativa, ligada a produtos propriamente tropicais, pu-
deram manter, não sem esforço, sua participação no mercado.
Entretanto, as economias periféricas marginais ao grande fluxo
exportador do século XIX não tiveram posteriormente as mes-
mas possibilidades de organizar suas economias. Encontraram
diante de si um centro hegemônico que não dependia delas
para abastecer-se. Em segundo lugar, a dinâmica própria do
capitalismo internacional na fase de predomínio norte-ameri-
62 PoLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

cano, como é sabido, organizou as relações com a periferia


em forma distinta do padrão clássico do século XIX. Se an-
tes o controle econômico se assegurava principalmente através
do sistema financeiro, agora os investimentos produtivos do
centro na periferia desempenham um papel importante e com-
plementar aos tipos clássicos de relação econômica. Assim,
a própria produção agrária dos países periféricos que passa-
ram a participar mais ativamente no mercado internacional nos
fins do século XIX e primórdios do atual se organizou sob
o modêlo de enclave, como foi o caso notoriamente nos países
do Caribe, da América Central, e alguns na parte setentrional
da América do Sul. Em terceiro lugar, a elevação do nível tec-
nológico da produção capitalista, principalmente no terreno
da produção extrativa, limitou os efeitos favoráveis da rela-
ção direta terra/homem, que fora a base da acumulação inicial
e autônoma de capitais nos países de economia periférica. Em
conseqüência, mesmo quando em alguns países (Chile, Peru
e Mexico, por exemplo) havia sido possível organizar sob con-
trole local uma economia extrativa, exportadora, esta não
pôde competir com a produção mineira capitalista moderna,
seja a obtida diretamente nas ecoJ.1omias centrais, seja a que
resultou da formação de novos "enclaves coloniais", principal-
mente na Africa. Evidentemente, as chances de êxito na orga-
nização de uma economia extrativa de novo tipo (petróleo, por
exemplo) sob controle nacional foram ainda mais escassas no
século XX e são justamente os países cuja base econômica pas·
sou a repousar numa indústria extrativa deste gênero que exem·
plificam tipicamente a formação de economia de endave no
século XX, como marcadamente na situação venezuelana.
Convém notar que, inicialmente, quando houve a ruptura
das colonias ibéricas com Portugal e Espanha, o modelo de
organização econômica e de controle político seguido não foi
o da permanência de enc1aves. Ao contrário, como é sábido,
a independência nacional, isto é, a constituição do Estado e a
delimitação do mercado sujeito a esse Estado, se fez sob a
hegemonia de algum setor importante das classes produtoras
coloniais que rompeu com a metrópole e reorientou suas re-
lações na direção da Inglaterra, mantendo obviamente o con·
trole do sistema produtivo nacional. A "enc1avização" é um
processo posterior na história de nações independentes e vai
TIPOS DE DEPENDftNCIA E IDEOLOGIAS DE DEsENVOLVIMENTQ 63

resultar na perda de controle de parte do setor produtiv() lo·


cal (como no caso do Chile e do Peru) diante de grupos ex·
ternos não-metropolitanos, ou então que resultará na subordi·
nação econômica de setores marginais ao setor exportador di·
ante da constituição deste diretamente sob iniciativa e con·
trole externo (como no caso do petróleo venezuelano ou da
produção frutífera centro-americana). As conseqüências des·
ses dois tipos de enclave serão também distintas no plano p0-
lítico e no plano social, pois se num caso a existência prévia de
um setor exportador nacional permitiu a formação de uma
camada dirigente que cumpria suas funções duplamente, como
classe política e como classe econômica, na outra situação, quan·
do o setor exportador da economia se organiza sob controle
externo, os grupos locais terão como base de sustentação eco-
nômica uma estrutura agrária pouco diferenciada e obterão
força mais pela capácidade que demonstrem de exercer a vio-
lência e de impor uma ordem interna que lhes assegure as
condições para negociar as concessões com os enclaves, do
que de sua capacidade de atuação econômica.
As poucas indicações que viemos de apresentar sobre as
características dessas duas modalidades estruturais básicas dei·
xam entrever a significação que as diferenciações estruturais da
situação de dependência assumem no plano econômico, no pIa.
no social e no plano político.
Para facilitar o entendimento das peculiaridades dessas
duas modalidades de estruturas dependentes, é possível con·
cebê·las no nível econômico como dois "modelos" distintos de
ordenação das relações entre o centro e a periferia. Assim, no
caso das estruturas dependentes cujo setor exportador se or-
ganizou sob controle de grupos locais, é possível ressaltar que:
1. 0
) O controle do processo produtivo se verifica no âmbito da
nação periférica num duplo sentido:

a) como os estímulos do mercado nacional dependem das


"políticas nacionais" relativas aos produtos de expor-
tação, é possível dizer que as decisões de investimento
passam por um momento de deliberações internas, das
quais dependem em parte a expansão ou a retração
da produção exportadora;
64 PoLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

b) isso é possível porque o processo de circulação do


capital tem seu ponto inicial e seu ponto final no in-
terior do sistema econômico periférico, graças às pos-
sibilidades de formação de capitais pela exploração da
mão-de-obra disponível e a utilização da terra, recur-
so abundante.
2.°) São as condições da comercialização que asseguram o pre-
domínio das decisões do centro sobre a periferia, através
da imposição de preços, de quotas de exportação etc.
.3.0) Neste caso, a viabilidade da integração econômica das
economias periféricas ao mercado internacional como eêo-
nomias nacionais dependentes, mas em desenvolvimento,
está estreitamente relacionada c0O! a capacidade que pos-
sua o grupo produtor local para reorientar seus vínculos
políticos e econômicos no plano externo e no plano in-
terno. No plano externo, as condições de negociação se
determinam pelo setor financeiro e comercial das econo-
mias centrais e por seus agentes locais, de tal maneira
que se liquidem os "interesses coloniais" em benefício dos
novos núcleos dinâmicos do capitalismo mundial. No
plano interno, a viabilidade desse tipo de economia na-
cional dependente requer que se estabeleça uma "ordem
nacional" com a organização de um aparato administra-
tivo, de um sistema local de monopolização ao menos par-
cial da violência e por conseguinte da consolidação de
um Estado. Esse processo supõe um conjunto de lutas
e aliança entre, por um lado, os grupos exportadores que
rompem os vínculos coloniais e, por outro, as oligarquias
excluídas do setor exportador ou que desempenham nele
um papel secundário, assim como supõe um relaciona-
mento distinto dos novos grupos hegemônicos com os
que lhes são subordinados internamente e com os setores
externos.

São distintas as formas de relação entre as "economias


dependentes de enclave" com os núcleos hegemônicos do mer-
cado internacional. Deixando de lado por um momento as di-
ferenças acarretadas pela preservação do controle de parte do
sistema exportador através de grupos locais, mesmo quando
TIPOS DE DEPEND~NCIA E IDEOLOGIAS DB DESENVOLVIMENTO 6'
se formam enclaves externos, é possível dizer que as economias
deste tipo se inserem no mercado internacional da seguinte
maneira:
1.0) A produção se constitui como um prolongamento direto
da economia central em um duplo sentido: o controle das
decisões de investimento depende diretamente do exte-
rior porque não existem fontes locais de formação de ca-
pital; os lucros somente passam em seu fluxo de cir-
culação pela nação dependente (incorporando-se a ela ape·
nas na medida em que sobre eles incidam impostos e de-
les dependam o pagamento de salários), indo incremen·
tar a massa de capital potencialmente disponível nas eco-
nomias centrais para novos investimentos onde quer que
estes se façam mais atraentes.
2.°) Não existem necessariamente conexões entre o setor en-
clave e a economia local (isto é, o setor de subsistência
ou o setor agrícola vinculado ao mercado interno), mas
sim com a sociedade dependente, por intermédio do sistema
de poder, porque dela dependem as condições das con·
cessões dos enclaves.
3.°) Visto o sistema de trocas pelo prisma do mercado muno
dial, as relações propriamente econômicas se estabelecem
no âmbito dos mercados centrais: são eles que oferecem
e que consomem as mercadorias produzidas sob seu con·
trole nos enclaves periféricos.

Quando se analisa histórico-socialmente as situações de


dependência, as relações centro-periferia indicadas em cada uma
das duas modalidades acima mencionadas ganham maior con-
ereção. Vê-se historicamente a trama das relações reais que
vinculam e subordinam classes e grupos sociais situados dis-
tintamente tanto em termos estruturais quanto em conseqüên.
cia de condições históricas e das bases materiais de que partem.
Com efeito, a passagem de uma situação colonial típica para
uma situação de dependência nacional, se é certo que supõe,
como se indicou, a formação de um Estado e a delimitação
de fronteiras (de alfândegas), resulta de movimentos sociais
que alteram essencialmente as relações de poder, internas e
externas. E justamente por isso que se justifica manter no
66 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

vocabulário da Ciência Política o conceito de "dependência".


Pela mesma razão, a caracterização das relações centro-periferia
em termos puramente econômicos, ou as análises do processo
de "desenvolvimento econômico-social", não substituem o con-
ceito de dependência como perspectiva de análise, embora tam-
pouco devam diluir-se neie.
Conseqüentemente, a questão que se propõe do ângulo
da teoria política para compreender o significado da existên-
cia das duas modalidades assinaladas de relacionamento entre
a periferia e o centro se recoloca nos seguintes termos: se é
certo que a constituição de um modo de relação ao nível do
mercado expressa possibilidades (históricas, estruturais e natu-
rais) particulares que são assumidas, vividas e até certo ponto
orientadas pela ação de classes e grupos sociais determinados
que se enfrentam também em forma definida (isto é, que tra-
tam de estabelecer liames de dominação, subordinação, formas
de cooperação, de aliança, de competição,. de impor e de par-
ticipar de certas ideologias, crenças, valores etc.), quais são
os modos típicos de relacionamento político entre esses gru-
pos e classes, no interior de um país dependente e ao nível
das relações entre este e os centros hegemônicos? Até que
ponto, efetivamente, o condicionamento estrutural sugerido ao
nível das relações econômicas é o resultado de uma "situação
de força", em conseqüência, política, antes de ser o fundamen-
to econômico de uma estrutura de dominação? Por outra parte,
pois que seria bastante superficial reduzir a dimensão política
de um processo a uma de suas bases - a violência - até que
ponto conjuntos particulares de relações entre os grupos e
classes sociais incitam formas específicas de legitimação, pro-
piciam objetivos determinados a serem alcançados pelos distin·
tos grupos sociais e estimulam ideologias particulares, em cada
uma das modalidades básicas de dependência propostas?
Em suma, no que consiste especificamente o caráter po-
lítico da dependência no quadro das relações entre o centro e
a periferia, entre a nação hegemônica e o país dominado?
Seria evidentemente fácil e enganoso pensar que a res-
posta a essa indagação pode ser encontrada apelando-se sim-
plesmente para a "situação do mercado", na qual a imposição
do centro sobre a periferia aparece como necessariamente dada.
Nossa marcha metódica leva, ao contrário, a pôr ênfase na di·
TIPOS DE DEPEND!NCIA E IDEOLOGIAS DE DESENVOLVIMENTO 67

ferenciação s6cio-política que se estabelece a partir das duas'


situações de dependência apresentadas. E, mais ainda, a con-
siderar que somente como força de expressão é possível pen-
lar num condicionamento do "interno" (isto é, da .esfera de
ação-decisão que se delineia no âmbito das sociedades depen-
dentes) pelo "externo", pois que em realidade a dominação
externa s6 se apresenta como tal no caso de relações extremas
entre metr6pole e colônia. Na "dependência nacional" haverá
sempre uma base interna da dominação externa, não s6 como
resultado de uma superioridade, por assim dizer técnico-econ6-
mica das economias centrais, mas como resultado de um pro·
cesso político-social de formação de alianças e de legitimações
que passam a criar solidariedades - em torno evidentemente
de núcleos de interesses econômicos comuns - entre grupos
e classes sociais situados no âmbito das sociedades dependen-
tes e os que se situam nas nações hegemônicas.
Concebida nestes termos a dependência, toma-se possível
prosseguir com uma problemática da dependência que impli-
que, até certo ponto, uma dinâmica pr6pria e por conseguinte
na possibilidade de um conhecimento que mesmo ao perfilar.
-se como particular e como derivado de uma estrutura, que é,
por assim dizer, de segundo grau, porque referida em forma
subordinada a outra que a condiciona, contém, de toda manei-
ra, certa margem de autonomia histórica. Em outros termos,
os modos particulares e típicos (cuja tipicidade deriva de sua
especificidade estrutural e não de sua invariância ou do irre.
dutivelmente particular do acontecimento hist6rico) de rela·
cionamento entre os grupos e as classes sociais das sociedades
dependentes, entre si e com os grupos e classes sociais das
sociedades hegemônicas, definem os limites estruturais das poso
sibilidades hist6ricas de mudança e de desenvolvimento eco-
nômico, político e social.
:e certo, e seria quase desnecessário repetir, que o con·
dicionamento econômico do mercado internacional pesa sobre
as possibilidades gerais que têm as distintas classes sociais das
nações dependentes para canalizar e mobilizar os recursos cul·
turais, sociais e econômicos em função de uma "política pr6-
pria". Entretanto, tal ~ nossa tese, esse condicionamento não
é mais que geral: nem explica o curso concreto dos aconteci.
mentos, nem nega - dadas as peculiaridades da dependência
68 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

nacional - a possibilidade de uma dinâmica particular às so-


ciedades dependentes, dinâmica essa que deriva justamente dos
modos de relacionamento entre as classes e das formas de
apropriação e de distribuição do poder que se estabelecem em
cada uma das modalidades estruturais da dependência,
Como conseqüência dessa perspectiva de análise, é for-
çoso salientar que a partir da caracterização aludida dos modos
básicos de relação entre os grupos e classes sociais internos e
externos e do tipo de controle dos sistemas de decisão em
seu sentido mais amplo (quer dizer, tanto ao nível da socie-
dade como de seus subsistemas e notadamente do econômico),
os problemas relativos à passagem de uma situação de depen-
dência colonial para outra, de dependência nacional, e as trans-
formações que esta última sofre em cada momento significa-
tivo do desenvolvimento econômico (na linguagem dos eco-
nomistas, do período de crescimento baseado nas exportações
para o período de desenvolvimento orientado também para o
mercado interno) somente ganham concreção e precisão quan-
do se definem as relações de poder entre os grupos e as clas-
ses sociais que atuam em cada momento histórico-estrutural.
As mudanças sociais, assim como a constituição de novas pos-
sibilidades de atuação econômica, passam sempre pelo crivo
da luta entre grupos e classes que desejam preservar ou trans-
formar um sistema de forças dado. A compreensão teórica
desses processos requer, portanto, a determinação dos obje-
tivos e recursos, materiais ou culturais, que os distintos atores
sociais mobilizam para tratar de impor suas regras do jogo,
isto é, de manter ou de alcançar uma posição de hegemonia
relativa.
Cumpre, portanto, tornar explícitas as "possibilidades es-
truturais" que se perfilam em cada uma das duas formas bá·
sicas de relacionamento entre os países da América Latina e
os centros hegemônicos, em função do tipo de atores sociais
(burguesia agro-exportadora, burguesia industrial, latifundiários
de baixa produtividade, classes médias "burocráticas", classes
médias de base técnico-econômica, massa urbana, operariado,
massa rural etc.) que os vínculos respectivos de dependência
propiciam e das alianças e conflitos típicos que se instauram
entre eles e que refletem por outra parte, como se disse, li
trama de interesses e oposições entre o "externo" e o "interno",
TIPOS DE DBpBND!NCIA E IDEOLOGIAS DE !>EsENvOLVIMENTO 69

ALIANÇAS POLíTICAS NO PERÍODO DE DESENVOLVIMENTO


ORIENTADO PARA O ExTERIOR

O fundamento objetivo da formação de uma situação de


dependência nacional em que se resguarda o controle local do
setor produtivo exportador radica, como se indicou, na dispo-
nibilidade de dois fatores básicos: terra e mio-de-obra. Por-
tanto, a apropriação desses fatores constituirá o problema fun-
damental, no plano interno, para a consolidação de uma clas-
se hegemônica. Como esta última não surge simultaneamente
com o processo de independência, mas ao contrário a indepen.
dência é que resultará da reorientação de algum setor da antiga
classe hegemônica sob o estatuto colonial, supõe-se que se
resolveu esse problema anteriormente, durante a fase colonial.
Entretanto, o que vai caracterizar a dinâmica política interna
do período da independência é justamente o intento feito pe·
las forças sociais dominantes para que o p610 de referência p0-
lítica de sua ação se sobreponha à situação constituída e ex·
pressada pelo mercado colonial e ganhe certa autonomia. O
objetivo definido de instaurar uma nação - e nela, obvia-
mente, assegurar-se uma dominação de classe - se antepõe,
assim, aos interesses constituídos que se organizam nos orde-
namentos jurídicos e no mercado colonial. Porém, como as
vinculações econômicas continuam definidas objetivamente em
função do mercado externo, elas limitam as possibilidades de
ação e decisão autônomas: trata-se, na prática, de ganhar um
novo ponto de apoio externo (que por demais cronologica-
mente e em termos de seqüência causal se apresenta como
dado no panorama internacional antes mesmo dos movimentos
independentistas) para impedir que o corte dos vínculos colo-
niais tenha como conseqüência imediata a desarticulação das
bases econômicas das classes dominantes internas. Essa dupla
referência, ao p610 político e ao p6lo econômico, à vocação
de autonomia e à necessidade de sujeição, impregna a situa-
ção de "dependência nacional" e o comportamento das classes
e grupos sociais que a vivem de uma contradição característica
e constitui precisamente um ponto de diferenciação com res-
peito à situação dos países que se constituíram como nação
no centro do sistema mundial do mercado, sem nunca have-
70 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

rem participado de qualquer situação periférica, como nota-


damente a Inglaterra. A partir daí se compreende por que,
estruturalmente, não têm validez as hipóteses e interpretações
sobre as situações de subdesenvolvimento e dependência que
as tomam como "desvios" do padrão clássico de formação do
sistema capitalista ou como "etapas" na sua direção.
Também deste ângulo, existe, portanto, uma especificidade
na situação de "dependência nacional" que obriga a análise
a reconhecê-la como ponto de partida e que legitima a busca
das formas próprias de expressão das relações internas entre
as classes e grupos sociais nos países periféricos. Estas, no
caso dos países onde o setor exportador se manteve sob con-
trole interno, se caracterizam por uma série de pugnas e alian-
ças entre três setores das classes dominantes: o setor mercantil
"tradicional", isto é, representante dos interesses do comércio
com a Inglaterra; o setor agropastoril exportador, e os seto-
res latifundiários, vinculados à economia interna.
Muito comumente, no caso da América Latina, se apre-
senta um "modelo" bastante falacioso das relações entre estes
grupos, no qual se unem, por um lado, os setores agrolatifun-
diários e por outro os setores mercantis. Não obstante, o que
interessa realçar neste trabalho é que, na modalidade de es-
trutura dependente em causa, o eixo de dominação ao redor
do qual se vai constituir o sistema nacional dependente estará
formado pelo setor agropastoril exportador e pelo setor "mo-
derno" da economia mercantil e que tanto os grupos mercan-
tis vinculados ao sistema colonial quanto os setores latifun-
diários não-ligados à exportação se subordinarão, não sem lu-
tas, aos novos grupos hegemônicos. O corte entre esses dois
blocos das classes dominantes será dado justamente pela exis-
tência num deles de "capacidade empresarial moderna", isto
é, pela capacidade de pôr em movimento um modo racional·
-capitalista de produção - desde o século XIX - que carac-
terizará o setor hegemônico da classe dominante. Ao mesmo
tempo, o desempenho de funções propriamente empresariais
pelo setor mais importante das classes dominantes e o predo-
mínio da situação de mercado como fundamento interno da
situação de domínio encobrirão nessa modalidade de depen-
dência o seu caráter político; o que era evidente na situação
colonial se dissimulará na situação nacional por trás das re-
TIpS)S DE DEPEND!NCIA E IDEOLOGIAS DE DEsENvOLVIMENTO 71

gras do mercado. Nação independente suporia, como no caso


dos pa1ses de "desenvolvimento originário", mercado livre e
nacional. Por isso, no plano ideológico o pólo político de ori·
entação dos grupos e classes que propiciam a independência
encontrará meios para mitigar e mistificar a ambigüidade de
sua situação, vendo no liberalismo a justificação de sua sujeição
econômica.
Como se assinalou, a ruptura do pacto colonial na fase
em que o capitalismo estava sob o predomínio da Inglaterra
permitiu o fortalecimento dos setores nacionais da produção.
Esse fortalecimento dependia da capacidade dos produtores lo-
cais para organizar um sistema de alianças com as oligarquias
de expressão regional, baseadas no latifúndio de baixa produ-
tividllde, que tomasse viável o Estado nacional. Nesse seno
tido, as probabilidades de êxito para impor uma ordem na-
cional estiveram condicionadas tanto pela "situação de mer-
cado" monopolizada pelo grupo nacional que controlava as
exportações (monopólio dos portos, domínio do setor produ-
tivo fundamental, do sistema financeiro etc.) quanto pela ca-
pacidade das classes dominantes para consolidar um sistema de
domínio. A organização de uma burocracia e de um exército
que ultrapassassem o padrão dos grupos caudilhescos foi de-
cisiva para estruturar o Estado e para assegurar bases reais
à dominação de jure.
Existindo, como existia nesse tipo de países (além de
mão-de-obra e terras abundantes), a disponibilidade de um
produto primário capaz de assegurar, transformar e desenvol-
ver o setor exportador' herdado da colônia, é fácil compreen·
der que internamente o problema da expansão da economia
exportadora ao nível interno era menos econômico do que
político.
Efetivamente, assegurar a apropriação da terra e o con-
trôle da mão-de-obra - por meio da escravidão, da imigra-
ção ou opondo obstáculos para o acesso ~ propriedade por
parte dos colonos nas regiões mais densamente povoadas -
constituía a questão fundamental para os grupos dominantes
locais. Essa necessidade permite compreender por que o eixo
hegemônico constituído pelos setores produtivos e mercantis
. ligados à exportação se aliou amiúde com os latifundiários mar-
72 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

ginais ao sistema exportador, a tal ponto que a expressão


"dominação oligárquica" ganhou na América Latina muito mais
a conotação de dominação latifundiária do que de dominação
capitalista exportadora. Somente quando se assegurava a "or-
dem interna" no conjunto da nação, isto é, a propriedade, se
garantia a disponibilidade da mão-de-obra. Havendo abun-
dância de terras, o latifúndio e a coorte de violência, os exér-
citos de caudilhos e capangas que ele engendra, constituíam
peças importantes no sistema de domínio agro-exportador, ain-
da que sua significação propriamente econômica pàra esse eixo
dominante fosse restrita. Vê-se, portanto, que o sistema de
alianças que vai garantir o predomínio das classes dirigentes
na fase de constituição da dependência nacional dessa moda-
lidade de estrutura se baseia num tipo particular de relação
entre "grupos modernos" (constituídos pelos setores da eco-
nomia exportadora que fazem a independência) e "grupos tra-
dicionais", não se desenhando nada de semelhante, portanto,
às oposições entre uma burguesia revolucionária e um senho-
rio rural. Se é certo que as diferenças entre esses grupos não
desaparecem com a aliança, pois as oligarquias locais lutaram,
algumas vezes, contra a hegemonia dos grupos "modernos"
para assegurar-se melhores condições de participação na dis-
tribuição da renda, elas atestam apenas que no sistema de
alianças o grupo vinculado à exportação - agricultores, cria-
dores, mineradores, comerciantes e banqueiros - desfrutava
de uma situação hegemônica.
Os resultados institucionais dessa aliança se manifestam
no modo como se organizaram as funções do Estado, onde o
pacto entre as duas tendências dos grupos dominantes - a
modernizadora e a de matiz tradicional - impregna de am-
bigüidade e de compromissos as instituições políticas nacio-
nais. Nem sequer no círculo restrito composto pelas elites
havia possibilidade de consenso baseado na participação em um
mesmo sistema de valores e de interesses; o acordo consistia
em delimitar esferas de influência, sempre que complemen-
tares, objetivo que não era difícil na medida em que os in-
teresses modernizadores da eli te exportadora se satisfaziam
"bacia afuera", enquanto os grupos de dominação latifundista
se contentavam com o reconhecimento de sua intangibilidade
nos limites locais do sistema de propriedade e parenteia.
TIPOS DE DEPEND~NCIA E IDEOLOGIAS DE OEsBNvOLVIMENTO 73

As oposições e diferenças entre esses dois grupos se


acentuarão à medida que, já no século XX, o êxito do
modelo exportador de integração à economia mundial fez com
que em alguns países a economia nacional se diferenciasse em
dois setores novos, o urbano-industrial e o setor de serviços.
A partir desse momento, entra-se numa etapa de transição e
as classes médias pressionam por reformas na ordem política,
processo que facilitou a eclosão das antigas divergências entre
os grupos dominantes.
De qualquer modo, nesse tipo de estrutura dependente
se dá a possibilidade de existir uma camada social que desem-
penha nitidamente funções políticas e funções econômicas,
uma burguesia agro-exportadora, dilerenciada internamente em
setores propriamente agropastoris, setores mercantis e setores
financeiros. É essa camada que assegura o "equilíbrio da domi-
nação", cumprindo o papel de ponte entre os setores externos
com os quais ela negocia e dos quais depende, e os setores
internos que são seus aliados (os grupos agrolatifundiários, a
burocracia que ela propicia, os militares) ou que dela depen-
dem econômica, social e politicamente, como as classes mé-
dias tradicionais, as massas rurais e os setores operários e ar.
tesanais urbanos.
Quanto aos empresários urbanos, que têm para nosso
tema especial significação, inserem-se neste contexto de po-
der como grupo subordinado aos interesses exportadores, po-
rim não em contradição com eles. De fato, na medida em
que o desenvolvimento baseado nas exportações criava rique-
zas e expandia residualmente o mercado interno, o sistema
exportador contava com o apoio dos interesses industriais em
formação. Principalmente porque, como se sabe, uma das fon-
tes de investimento industrial predileta nesta fase eram as in·
dústrias agropastoris, nas quais os investimentos diretos do
setor exportador, muitas vezes em associação com capitais es-
trangeiros, eram consideráveis. E também porque o papel
subordinado e secundário da atividade industrial não permi-
tia sequer vislumbrar a possibilidade de uma política nacional
desvinculada do interesse exportador. 2

2 As manifestações em sentido contrário - que as houve


tem mais importância para a análise da formação de uma
74 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

Bem distintas são as possibilidades e limitações criadas


pela situação de dependência nacional quando esta tem por
base a formação de enclaves produtivos controlados externa-
mente. Essa modalidade de dependência, como se indicou,
é uma forma por assim dizer tardia de dominação. Em con-
seqüência, ela implica a reorganização do "eixo de dependên-
cia" anteriormente constituído. TIpicamente é possível carac-
terizar duas formas estruturais de vinculação das classes so-
ciais entre si e com o exterior. No primeiro caso, o proces-
so de formação de encIaves, como se disse, se dá em nações
cuja economia se manteve durante o século XIX à margem
dos grandes fluxos do comércio exterior. Em conseqüência,
o sistema interno de dominação se baseia, neste caso sim, em
alianças oligárquicas entre parentelas que se apropriam da terra
(a estrutura tradicional da "fazenda") e que organizam exér-
citos, em geral também altamente influenciados pelas estrutu-
ras locais de poder, quando não a elas diretamente subordina-
dos. Esse "anel de força" assegura, pela exploração quase·
·diretamente ou diretamente sócio-política das classes domi-
nadas, os recursos, as rendas, os meios de vida dos grupos do-
minantes. Por certo, mesmo nesse caso, como na Venezuela
e na América Central, alguns setores das classes dominantes
tratam de organizar, na medida do possível, uma economia
de exportação. Mas, o que caracteriza no caso o sistema de
poder é que o setor exportador, dada sua própria debilidade
econômica (ausência de uma produção colonial de importân-
cia internacional, dificuldades com a mão-de-obra ou sua es-
cassez etc.), não tem condições para tornar-se hegemônico.
Pactua em condições desfavoráveis com a oligarquia latifundiá·
ria, à qual se liga, por outro lado, tanto por laços de família
quanto por não diferenciar-se economicamente de forma com-
pleta do sistema de fazenda tradicional ou por interesses na
manutenção da ordem estabelecida. Amiúde essa estrutura de
domínio interno é instável do ponto de vista de sua repre·
sentação institucional. As lutas entre facções e o suporte mi-
litar imediato do sistema de poder dessas estruturas econômi-

ideoZoUíll industrialista que para a análise de política econômica.


Ver a esse respeito Nlcia Vilela Luz, A liuta pel" Illdll,~tri,,1i,:'a­
çllo, Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1961.
TIPos DE I>BPBNDINCU,B IDBOLOGIAS DB DUaNvOLVIMBNTO 75

camente d&eis fazem que o militarismo, sob sua forma cau-


dilhesca, ganhe relevo na forma que a estrutura de domínio
assume. E, por outro lado, são escassas as possibilidades de
representação política das classes à margem do eixo hegema-
nico, pois a sujeição diretamente político-social, mais que ec0-
nômica, dessas classes subordinadas impede que, mesmo ao
nível representativo formal, se constituam válvulas de acesso
ao poder. Situação essa que chega ao paroxismo da exclusão
social e política quando, por motivos históricos, as classes d0-
minadas estão constitufdas pelas populações indígenas locais
ou por populações oriundas de uma situação de escravidão.
Diante desse sistema local de forças, a formação de en-
claves econômicos significa um compromisso não ao nível da
produção, mas ao nível do consumo e ao nível propriamente
político entre o sistema lotal de poder e as grandes compa-
nhias estrangeiras. A concessão de direitos de exploração as-
segura aos grupos hegemônicos locais a percepção de rendas,
sob a forma de impostos pagos ao Estado e freqüentemente
de "negócios laterais" à produção dos enclaves, de pouca sig-
nificação em termos econômicos para esta, mas de enorme
importância financeira para os grupos locais. E assegura, o
que muitas vezes é decisivo, apoio político externo para alo
gumas facções locais. Em contrapartida, politicamente, as em·
presas estrangeiras, diretamente ou através da representaçio
política dos países centrais, se reservam um papel de árbitro nas
diferenças entre os grupos internos de poder, acrescentando
assim um elemento novo à instabilidade institucional.
Evidentemente, nesse tipo de dependência baseada em en-
claves, a significação empresarial das classes dominantes locais
se desvanece. As funções políticas de manutenção da ordem
interna e de fiadores das vinculações externas substituem nas
classes dominantes locais sua significação econômica. Outra
vez, portanto, a face política da dependência prima sob sua
face econômica e a dinâmica desse tipo de estrutura, como se
verá, estará toda ela pontilhada de objetivos e formas de
luta que se desenrolam no âmbito propriamente político e
institucional.
Entretanto, essa possibilidade extrema de dependência na-
cional, se bem caracterizou certos momentos da história de
alguns países latino-americanos, nem sempre se apresentou
76 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

de forma plena. Em certos países ou em alguns períodos da


história nacional de quase todos, a formação de enc1aves ex-
ternos se deu paralelamente com a preservação do controle
parcial da atividade exportadora por grupos nacionais. Nesse
sentido, a situação mais característica se verificou quando a
economia de enc1ave veio a substituir, como no Chile, a pro-
dução mineira local. Em outros países, ainda quando a eco-
nomia de enc1ave tenha substituído uma atividade exportado-
ra nacional já em desorganização, como no Peru ou, menos
tipicamente, no México, a relação entre o enclave e a socieda-
de local se baseia em um jogo mais complexo entre as classes
do que no primeiro tipo de formação de enclaves (quando pra-
ticamente os grupos latifundistas constituem o interlocutor por
excelência com os enc1aves). Efetivamente, nesses casos -
em medida desigual - as classes dominantes internas pre-
servam ao menos parte de suas funções econômicas. Podem
elaborar políticas de compromisso com os enclaves externos,
reservando-se algumas faixas marginais da atividade exporta-
dora e podem retrair-se e concentrar suas atividades no comér-
cio, em algumas atividades agrárias etc.
Haverá sempre, nesse caso, um embrião de "burguesia
nacional" que, se não assume o papel predominante que essa
classe assume na articulação das relações entre a economia in-
terna e o mercado mundial nos países organizados a partir da
primeira modalidade de dependência aqui proposta (como na
Argentina, no Brasil, no Uruguai ou mesmo na Colômbia),
não se confunde tampouco com os grupos de poder baseados
no latifúndio na aliança política com o estrangeiro, como na
primeira das formas de enc1ave aqui apresentadas. Por outro
lado, a atividade econômica interna propiciará nessa situação,
como se deu no Chile, por exemplo, um desenvolvimento maior
das classes médias e requererá do Estado uma política mais
integradora, isto é, menos votada à pura manutenção da ordem
interna e mais favorável a algum tipo de redistribuição lDter-
na da renda gerada pelos impostos pagos pelos enclaves.
Convém acrescentar que toda dependência sob a forma
de enc1ave cria uma contradição peculiar nova. Como o setor
econômico estrangeiro é "moderno" e dinâmico, ele constitui
núcleos importantes de trabalhadores rurais assalariados e, no-
tadamente no caso da.s explorações minerais, concentrações im-
TIPOS DB J)EPBNDtNCIA B IDEOLOGW DB DssBNvOLVIMBN'lO 77

portantes de operários. Assim, forma-se uma situação extre-


mamente complexa e paradoxal quando encarada com as pers-
pectivas das teorias que explicam o comportamento das clas-
ses sociais nos países centrais: classe dominante local "tra-
dicional", impregnada de características estamentais, de voca-
ção e função mais políticas do que econômicas, e classes do-
minadas "modernas", isto é, cuja razão de ser se define por
sua situação no mercado, em função do modo de produção
prevalecente. As conseqüências dessa situação se fazem sen-
tir de forma acentuada quando, por motivos que adiante se
verá, a pressão das classes médias contra a "dominação en-
clavista" se intensifica. A denúncia do pacto antinacional feio
to pelas classes dominantes passa rapidamente do plano jurídico-
.moral, no qual é posta pelas classes médias e por setores
produtivos internos, para o plano de reivindicações econômicas
e sociais, muitas vezes violentas, dos trabalhadores urbanos,
e, em situações mais limitadas, dos assalariados agrícolas, sem
que as classes dominantes locais possam dar solução a essas
pressões.

CRISE ECONÔMICA E CRISE POLíTICA:


A ETAPA DE TRANSIÇÃO
Os traços característicos dessas distintas situações de de-
pendência externa e de dominação interna se mantiveram, de
modo geral, durante todo o período de expansão do merca-
do externo, no século XIX e nos primeiros trinta anos do
século XX.
Seria pouco correto, entretanto, sustentar que não se de-
ram mudanças sociais nesta época ou que a dependência ex-
terna impediu o crescimento econômico. Mesmo ao nível de
abstração em que estamos caracterizando aqui as estruturas, de
dependência e as formas de dominação, que é necessariatriente
geral e que impõe certo esquematismo, convém sublinhar que
o caráter de estruturas dependentes não elimina possibilidades
de transformação - ainda quando se mantenham as linhas de
força da dependência. ~ conveniente elucidar, portanto, a
relação entre crescimento econômico e dependência.
Com efeito, muito comumente, se apresentam como pro-
cessos mutuamente exclusivos os de desenvolvimento e mu-
78 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

dança social, por um lado, e os de dependência e tradiciona-


lismo, por 'outro, como se uma situação de dependência im-
plicasse forçosamente um estado de estagnação. Ora, a his-
tória latino-americana do século XIX e das primeiras décadas
do século XX mostra que, se a relação de dependência se
manteve praticamente constante entre os países periféricos e
as nações centrais, sua forma variou, principalmente no que
diz respeito ao modo pelo qual os distintos setores das classes
sociais vincularam-se na estrutura de poder. E, por outro lado,
se é certo que a economia exportadora não permitiu à maioriJl
dos países da América Latina a reorganização interna do sis-
tema produtivo e a intensificação do processo de diferenciação
social, em alguns deles teve impulso suficiente para provocar
uma diferenciação econômica interna e para tomar mais com-
plexa a estrutura social, com conseqüências políticas significa-
tivas. As modificações da forma que a dependência assume
internamente não são irrelevantes para a compreensão das pró-
prias transformações de fundo na estrutura da dependência.
Menos ainda para a compreensão das possibilidades de "desen-
volvimento econômico", que se abrem em cada situação típica
de dependência.
A tese que sustentamos - e que foi analisada em outros
trabalhos - afirma, entretanto, que as diferenciações que se
produzem no interior de uma estrutura dependente estão con-
dicionadas pelos modos básicos de dependência resenhados nas
páginas anteriores e que as possibilidades de desenvolvimento
estão limitadas pelo tipo de situação e crise política peculiar
a cada uma das modalidades de dependência.
Com efeito, economicamente a situação de dependência não
impediu que durante o século XIX a expansão contínua da
demanda externa repercutisse internamente, possibilitando a
criação de novos setores produtivos, seja diretamente relacio-
nados com as atividades exportadoras, seja os que se organiza-
ram para atender ao consumo interno das classes subordinadas.
Na verdade, estruturalmente o processo mais significativo, des-
se ângulo, foi a capitalização crescente da economia exporta-
dora, processo esse que se expressa socialmente pela intensifi·
cação da divisão social do trabalho. As variações quanto ao
grau de diferenciação econômico-social das atividades expor-
tadoras e quanto. às formas de relação entre o setor exportador
TIPOS DE DEPEND!NCIA E InBOLOGIAS DE DESENVOLVIMJ!NTO 79

e a produção local caracterizam precisamente as duas modali-


dades de dependência assinaladas - tanto a baseada em en-
claves quanto a que se dá sob a égide das classes produto.ilS
locais - e explicam por que se as economias dependentes su-
portaram de forma homogênea os efeitos do mercado externo
(crescimento da exportação e crises intermitentes até a gran-
de crise de 29) sua reação variou segundo padrões reco-
nhecíveis.
Em cada um dos dois modos distintos de funcionamento
das estruturas de dependência os efeitos econômicos da expan-
são do comércio exterior e a capitalização crescente da produ-
ção exportadora se redefiniram em função de suas peculiari-
dades econômicas e do marco político-social criado neles. Quan-
do o controle do sistema produtivo é nacional, a instauração do
modo capitalista de produçãO, por assim dizer, ultrapassa os
limites do setor exportador e dinamiza outros setores de ativida-
de, criando uma economia interna subordinada ao êxito da
economia exportadora mas relativamente ágil. Com isso se
expandem os setores das classes médias que surgem tipicamen-
te quando existe uma economia ativa - os pequenos comer-
ciantes, os pequenos produtores, os técnicos, em certos casos
os agricultores médios etc. - e se ampliam as classes assalaria-
das, urbanas e rurais. Essa diferenciação econômico-social se
expressa, ecologicamente, pela formação de mercados urbanos
numerosos e nitidamente distintos das fazendas e "plantations",
como se viu na área d~ São Paulo, na província de Buenos
Aires e nas provincias "litorineas" da Argentina. Esses pólos
de crescimento se formam no interior das estruturas de de-
pendência e lhes são subordinados, porém criam as bases pera
modificações futuras e sua presença se manifesta socialmente
pela formação dos referidos grupos sociais. Estes, por sua vez,
buscam algum tipo de reconhecimento político e para alcançá·
·10 começam a pressionar as estruturas de dominação vigentes.
Em conseqüência, a partir desse momento, as próprias políti-
cas econômicas, que se elaboram sob a égide do predomínio
exportador, terão que satisfazer parcialmente as pressões inter-
nas. E, de qualquer modo, quando a economia exportadora
ainda ~tá sob o signo favorável da expansão crescente da de-
manda internacional, as crises políticas às vezes põem em xeque
o predomínio da aliança o~gárquico-exportadora.
-- I

I
80 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

A natureza das crises políticas e a função relativa dos gru-


pOS sociais em ascensão determinarão as novas formas de alian-
ças internas sob as quais se dará a transição do período de
predomínio indiscutível do pólo externo no plano econômico
para uma situação de acomodação entre ele e os pólos internos
de crescimento. Assim, a forma que assume o processo his-
tórico-social da transição (isto é, a aparição de novos grupos
sociais que tratarão de impor suas políticas ou de compartir
as políticas prevalecentes) não será o resultado imediato da
"crise externa", mas estará condicionado em parte pela situa-
ção interna e na realidade expressará o modo como as classes
e grupos sociais internos reagirão às conjunturas do mercado
internacional e proporão objetivos específicos para cuja conse-
cução estabelecem determinadas alianças políticas.
No interior de um mesmo padrão estrutural de dependên-
cia, portanto, se bem as linhas gerais de atuação das classes e
grupos sociais estarão condicionadas pela situação estrutural,
abrem-se perspectivas para a definição de políticas alternati-
vas. Evidentemente essas alternativas uma vez assumidas como
prática social, isto é, uma vez postas em execução pela forma-
ção de alianças políticas entre grupos e classes, se transformam
em "dados da situação", que limitarão as novas opções. Nesse
processo, contudo, as classes sociais ou seus setores represen-
tativos desenvolvem instrumentos de ação para alcançar os
objetivos a que se propõem e necessariamente de forma ex-
plícita ou implícita esboçam "projetos de dominação" que se
expressam em ideologias específicas. Politicamente essas "op-
ções" se traduzem em "sistemas de alianças" que, sob a he-
gemonia de algum grupo, constituem nos modos pelos quais
as classes atuam como "forças sociais".
Ora, no caso dos países em que desde o século XIX se
formou uma burguesia exportadora, o período de transição será
marcado pelos intentos vários de organização de um sistema
de "poder compartido", capaz de compatibilizar a "hegemo-
nia burguesa" - dependente, por certo, dos pólos externos
de dominação - com os interesses dos grupos emergentes:
as "classes médias", a burguesia orientada para o mercado in-
terno e, em certos casos, as massas populares urbanas. Sem
serem ilimitadas, as alianças possíveis são numerosas e histo-
ricamente, como se verá no próximo capítulo, foram efetiva-
TIPOS DE DEPBNDftNCIA E IDEOLOGIAS DE DssBNvOLVJMENTO 81

mente diversas nos países que se organizaram segundo esta


modalidade de dependência.
Apesar dessas diferenças, é possível dizer, como carac·
terística geral desta situação, que o dinamismo do sistema
econômico e a forma pela qual este se vinculava com a so-
ciedade nesse tipo de países permitiu um jogo político no
qual, se é certo que houve um enfrentamento entre as classes
em presença, havia recursos internos para integrar pelo menos
parte dos novos grupos no sistema social e no mercado. Estes,
posto que nasciam sob o signo de sociedades capitalistas, ten-
diam a formular reivindicações que direta ou indiretamente
assumiam forma econômica: a dinamização da produção não
era alheia à problemática da mobilização social das novas clas-
ses. Por certo, a transformação dessas classes ou frações de
classe (grupos concretos) em atores do processo social reque·
ria sua participação em algum sistema de "forças sociais". isto
é, em alguma aliança política, mas a reivindicação de "con-
trole político" não se desligava da procura de alguma forma
de "participação econômica". Participação econômica que, em
certos casos, como veremos, podia dar-se dentro dos quadros
e das politicas estabelecidas pela burguesia exportadora, se
esta fosse 'suficientemente dinâmica para propiciar os exceden-
tes necessários à redistribuição requerida pelas novas classes.
E que, em caso contrário, se postularia como uma reivindica-
ção de substituição da politica exportadora por uma politica
que favorecesse a expansão do mercado interno.
Conforme haja prevalecido um tipo ou outro de aliança
interna de forças, os efeitos da crise externa assumiram signi-
ficados distintos, permitindo ora o reforçamento da domina-
ção dos grupos exportadores, como na Argentina, ora seu
deslocamento, como no Brasil, .ou mesmo a consolidação do
sistema de "poder compartido", que já se estabelecera antes,
como no Uruguai. E assim também a reação aos efeitos da
crise externa assumiu características distintas, embora nessa
modalidade de dependência a "transição" expresse sempre um
processo de redefinição das politicas econômicas e de instau-
ração de um sistema de domínio que terá de resolver o pro-
blema dos limites da compatibilidade - possível - entre a
pressão dos novos grupos e os interesses das antigas camadas
rural-financeiro-exportadoras.
82 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

É distinto O quadro das possibilidades estruturais apre-


sentado pela situação de dependência baseada na existência de
enclaves estrangeiros. Em sua forma extrema, essa modalida-
de de dependência exclui, como se disse, a formação de cama-
das sociais internas capazes de desempenhar funções economi-
camente importantes. Não obstante, com a expansão da ec0-
nomia exportadora, salvo em situações ou momentos excep-
cionais, não s6 aumenta a máquina administrativa do Estado,
que nos casos extremos se confunde também com o círculo
dos servidores fiéis das parentelas dominantes, como há a pos-
sibilidade da formação de "núcleos de classe média", com-
postos por funcionários, por pequenos comerciantes, por gru-
pos de empregados nos sistemas de transporte, de educação,
do pr6prio exército etc. e, notadamente, de círculos de letrados.
As pressões desses grupos dirigem-se diretamente contra a or-
dem estabelecida pelos enclaves e asslJmem, em conseqüência,
uma conotação nítidamente patri6ticá e antiestrangeira, quo
ganha importância toda vez que as diferenças entre os setores
das classes dominantes levam as "companhias" ou as embai-
xadas a exercer a arbitragem, favorecendo certos grupos em
detrimento de outros. A essa dinâmica política se agrega
outra oriunda do jogo das relações econômicas entre o encla-
ve e os setores assalariados. As pressões destes últimos nor-
malmente podem ser contidas dentro dos limites da ordem es-
tabelecida, seja pela concessão de melhores condições de tra-
balho, seja pelo exercicio da violência. Entretanto, assumem
outras características nos períodos de crise do mercado inter-
nafional, quando as companhias não têm interesses na expan-
são das atividades locais. Nesse caso, se soma ao patriotismo
das classes médias uma virulenta pressão "de classe" dos gru-
pos assalariados. A resposta das classes dominante sói ser
ainda mais violenta, posto que estas não detêm os elementos
de decisão econômica - os quais estão controlados pelas em-
presas estrangeiras -- para responder positivamente pela for-
mação de "alianças :desenvolvimentistas" às reivindicações que
lhes são apresentadas pelos novos grupos sociais.
É por isso que a "transição" nesta modalidade de estru-
tura significa, em geral, algum tipo de revolução, seja as de
maior amplitude que se propõem a destruir as pr6prias bases
sociais da dependência, como no caso do México ou da Bolí-
TIPOS DE DEPEND~NCIA E IDEOLOGIAS DE DESENVOLVIMENTO 83

via - para não mencionar Cuba, dadas suas peculiaridades


- seja as que não alcançam tais proporções, como no caso da
Venezuela com a Ação Democrática, as tentativas interrompi-
das na Guatemala e a forma mais complexa, porque condicio-
nada por um ponto de partida menos diretamente de enc1ave,
que assumiu no Chile o acesso das classes médias à participa-
ção política depois da Frente Popular.
Diante da rigidez do sistema de dominação e da falta
de vitalidade econômica das classes dirigentes internas, as "pres-
sões de baixo" não podem ser atendidas pela expimsão e len-
ta transformação do status quo. Elas requerem profundas
transformações que permitam a criação e a dinamização de
novas bases de sustentação econômica interna e que sejam ca·
pazes de satisfazer, ainda que parcialmente, aos grupos hege-
mônicos. Por isso - e considerando a inexistência de uma bur-
guesia local dominante - são as próprias classes médias re-
volucionárias que, depois da denúncia da "situação de encla-
ve", renegociam seus termos ou a liquidam, e tratam de utili-
zar o aparelho do Estado, por elas controlado revolucionaria-
mente, para fazer as reformas econômicas necessárias e ç:ora
dele se servirem (com exceção de Cuba) como ponto de par·
tida de formação de uma nova camada de empresários priva-
dos que compartilhará o sistema de poder com os empresários
públicos e com a nova classe política.
Assim, as classes médias, nesse caso, se vêem na con·
tingência de quebrar o antigo sistema enc\avistlt para ter aces-
so às decisões. Nesse processo seu papel· pode ser transitoria-
mente predominante ou secundário, conforme os termos em
que se proponham as alianças entre as forças sociais: se nelas
se incluirá algum setor oligárquico descontente; se delas farão
parte, quando existem, setores empresários privados; se as
próprias classes médias se fazem representar por segmentos
militares; se as classes populares participam da revolta das
classes médias etc.
Em qualquer hipótese, a "estrutura da situação" não
abre possibilidades de incorporação de tipo populista, isto é,
no qual a aliança entre algum setor hegemônico com as massas
se dá pela expansão das possibilidades de consumo (pois o
sistema nacional de produção não dispõe dol' recursos para
84 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

isso), nem é possível uma transição sob controle da antiga bur-


guesia exportadora, que se moderniza em parte, porque o sis-
tema de encIave limita a magnitude e o peso político dessa ca-
mada social. Esses fenômenos podem apresentar-se historica-
mente, mas serão tentativas frustradas de populismo, como no
caso da APRA pós-revolucionária, ou serão um populismo de
forma "contaminada", como na frente popular chilena, na qual
o tipo de organização dos partidos e o peso dos sindicatos se
aproxima mais do modelo europeu de reação das classes do-
minadas que do populismo "latino-americano". Somente de-
pois que a crise política do sistema de enclaves se resolve por
algum tipo de destruição de regime, já na fase de reconstru-
ção nacional, quando aparece uma burguesia industrial nova
e quando o Estado cria setores produtivos próprios, podem
dar-se fenôm~nos políticos de massa do tipo populista, como
se viu com Cárdenas, com a Ação Popular peruana ou com
a Democracia Cristã chilena.
Contudo, por motivos que se explicarão adiante, esses
processos são tardios, com respeito às chances existentes de
compatibilização entre a "pressão das massas" e uma orien-
tação das elites de tipo nacionalista. Em conseqüência, com
exceção talvez do caso mexicano, quando o cardenismo se deu
"com tempo" para aproveitar as possibilidades da situação
internacional, não assumem o mesmo significado que seus con-
gêneres dos países que se desenvolveram sob predomínio de
uma burguesia nacional.
Em qualquer das duas modalidades básicas de dependên-
cia - diversamente em cada uma delas segundo variantes pos-
síveis - a transformação da situação dependerá sempre da alian-
ça entre forças sociais. A natureza dessa aliança não é irrele-
vante para a orientação do prOCesso econômico: a maior ou me-
nor participação do Estado na economia, as variações nas ta-
xas e formas do investimento (em setores de "consumo" ou pro-
dutivos), o tipo de sistema de controle das decisões sob um
padrão mais liberal ou mais corporativo etc. dependem do
tipo de alianças que prevaleça e tudo isso pesa sobre o sis-
tema econômico e o condiciona. Esse condicionamento se
torna mais nítido nos momentos em que a economia interna-
cional propõe desafios e limitações novas às possibilidades de
um desenvolvimento do tipo "nacional-burguês". As chances
TIPOS DB DaPBNDiNCIA B IDsoLOGW DB DEsBNvOLVIMBNTO 8'
de êxito da reintegração econÔmica orientada pelas novas con·
dições do capitalismo intemacional (que passa a definir, por
SUl vez, em última instância, as formas possíveis de desenvol·
vimento) dependerão em grande parte da capacidade que ti-
veram os grupos nacionais interessados em refazer as alianças
externas para impor-se internamente de forma politicamente
adequada.
CAPÍTULO IH

SITUAÇÃO ESTRUTURAL
E ALIANÇAS POLíTICAS

A S ANÁLISES
burguesias
do capítulo anterior mostram que o papel das
nacionais na América Latina variou significativa.
mente segundo o modo de relação das economias nacionais com
o exterior e que, no contexto de uma mesma modalidade de
dependência, as possibilidades políticas de atuação das bur-
guesias locais variaram em função dos sistemas de alianças
por elas estabelecidos. Estas se construíram tanto como res-
posta a uma situação dada - isto é, como resposta à pre-
sença e à posição dos outros atores sociais que a própria ação
da burguesia criara - quanto em função dos "projetos de do-
minação" entrevistos. Projetos esses que respondem, por sua
vez, a uma situação extremamente complexa, pois se a domi-
nação interna dependia inicialmente de forma quase exclusiva
de um sistema de alianças com setores que controlam os lati-
fúndios de baixa produtividade, posteriormente esse sistema
englobou setores "de classe média". Além disso, o eixo de
dominação que tinha sua expressão interna na burguesia ex-
portadora ultrapassava as fronteiras nacionais e se vinculava
externamente com os setores mercantis e financeiros dos países
hegemônicos.
Neste capítulo trataremos de analisar algumas modifica-
ções havidas nos "projetos de dominação" das burguesias latino-
-americanas quando elas se diferenciaram economicamente, dan-
do origem a um setor industrial significativo. Examinaremos
como s~ apresenta à burguesia industrial toda uma gama de
possibilidades de atuação política para garantir seu ptedomí-
nio ou sua sobrevivência em sociedades nas quais o capitalis-
SITUAÇÃO EsUUTUltAL E ALIANÇAS POLfnCAS 87

mo industrial adquire uma gravitação suficientemente grande


para que os empresários industriais apareçam como uma "fra-
ção de classe" representativa, com chances, ao menos a seu
ver, de disputar uma posição hegemônica. E procuraremos
mostrar que os "projetos de dominação", com as ideol<>gias
que eles implicam, se situam estruturalmente. Isto, é, nos
momentos significativos da constituição de um projeto de do-
minação, configuram-se "possibilidades determinadas" de atua-
ção que variam em função tanto das posições internas -
quer dizer, dos outros grupos sociais com os quais ou contra
os quais se constroem as alianças políticas - quanto do pa-
drão de relacionamento do conjunto da economia nacional como
um todo com o mercado internacional.
Neste sentido, convém precisar o quadro de atuação das
burguesias tanto do ponto de vista das relações internas de
classe, quanto do ponto de vista da situação de dependência,
no momento em que sua diferenciação permite o surgimento
da camada industrial. Por motivos teóricos e práticos, não se·
ria possível proceder a essa análise I no conjunto da América
Latina. Teoricamente porque, como se viu no capítulo ante-
rior, a formação e o papel da burguesia obedeceram na Amé-
rica Latina a cursos histórico-estruturais distintos e haveria o
risco de comparar-se em nível meramente formal variáveis que
pertencem a universos concretos distintos. Praticamente por-
que, mesmo considerando-se as burguesias industriais oriun-
das da mesma situação de base, o número de países ultrapassa
as possibilidades práticas de investigação e análise para utn
trabalho desta natureza. Assim, decidimos concentrar o es-
tudo' em dois países, Argentina e Brasil, que pertencem a um
mesmo tipo estrutural, mas que permitiram às burguesias lo-
cais opções políticas relativamente diferenciadas em função
justamente dos parceiros sociais com os quais era possível
estabelecer sistemas de alianças políticas.
Neste capítulo, antes de trazer ao primeiro plano da dis-
cussão as opções presentes, que constituíram o objeto de nossa
investigação, apresentaremos o quadro geral de possibilidades
e de opções q~ se abriram às burguesias industriais dos dois
países no momento em que se intensificou a pressão das clas-
ses médias e que as "massas populares" começaram a pesar p0-
liticamente na vida nacional. Mostraremos depois as transfor-
88 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

mações havidas nas relações entre a periferia e o centro na


fase posterior, quando se amplia o sistema de poder pela par·
ticipação de setores médios e populares. Analisaremos, en-
tão, as novas "possibilidades estruturais" que se formaram
no interior da situação de dependência.
Embora tanto a Argentina como o Brasil pertençam es-
truturalmente a uma modalidade comum de dependência, a
forma de organização das relações dos grupos internos entre si
e destes com o mercado variou em cada país. Com efeito, en-
quanto na Argentina historicamente a unificação da sociedade
nacional se deu por um processo vigoroso de imposição do
predomínio de um setor, a burguesia mercantil buenairense,
sobre os demais grupos dominantes locais, no Brasil a con-
solidação nacional, sob o Império, significou, sob a forma po-
lítica centralizadora, a formação de uma verdadeira "federa-
ção" de interesses regionais. Assim, depois que os grupos
buenairenses expandem suas atividades no campo e especial-
mente depois da Campanha do Deserto, 1 quando se apro-
priam das planícies úmidas e férteis, impõem às burguesias re-
gionais um sistema de dominação nacional de tipo funil: fra-
cassadas as tentativas de criação de portos regionais, o comér-
cio exterior passará necessariamente por Buenos Aires. O eixo
exportação-importação estará por conseguinte sob a égide da
burguesia de Buenos Aires e esta expandirá sua atividade al-
cançando as províncias de Entre Rios, Córdoba e Santa Fé
e garantindo nelas uma organização capitalista de produção.
Esse processo ganhará vigor com o crescimento das ondas mi-
gratórias. Os imigrantes se bem terão dificuldades de acesso
à propriedade na área de criação de gado, trabalharão sob regi-
me de parceria ou de salário na área de produção cerealista e
de produção para o mercado interno, e em certas áreas se
transformarão em proprietários de terra. Em conjunto ter-se-á
uma economia vigorosa, em expansão, e de base capitalista
de forma plena, isto é, tanto pelo tipo de forças produtivas
utilizadas quanto em mérito das relações de produção, organi.
zadas em regime econômico de salários. Por certo, haverá
toda a área marginal a esse eixo onde a situação será distinta,
1 Existem estudos sobre a expansão da economia agrope-
cuária e sua significação para a sociedade argentina feitOll por
Tulio Halperin Donghi e por Horácio Gibertl.
SITUAÇÃO EsnUTUUL B AuANÇAS PoLfnCAS 89
como nas províncias nortistas, mas o predomínio econômico
da área litorânea e de Buenos Aires é indiscutível. Ademais,
tanto a produção da carne quanto, mais tarde, a produção de
cereais darão origem à formação e expansão da agro-indústria,
vinculada ao esquema exportador e diretamente fomentada por
invl:Stimentos estrangeiros. E a formação do sistema de trans-
portes e do sistema de financiamento interno será feita pre-
dominantemente sob o controle da burguesia de Buenos Aires.
Resumidamente, a situação argentina, do ponto de vista
econômico e do ponto de vista das formas de controle de pro-
dução, apresentou no século XIX e mais ainda no século XX
uma tendência favorável à formação de um sistema produtivo
de tipo agrocapitalista-exportador. Este foi suficientemente di-
nâmico para permitir a diferenciação interna da produção, e
esteve sob controle de um setor social que foi capaz de orga-
nizar, sob sua hegemonia, o conjunto das forças sociais do
país. Isso não significa, como se verá. a inexistência de for-
ças de oposição, mas significa que, do ângulo das classes do-
minantes, havia uma "unidade de classe" assegurada pelo pre-
domínio indiscutido de um setor das classes produtoras que
estabelecera uma situação de domínio solidamente baseada tan-
to em uma economia exportadora em expansão quanto em um
"projeto de desenvolvimento" aceito por todos e mesmo ra-
cionalizado pela ideologia da "geração de 1880".2
Dentro deste quadro é fácil compreender que houve mar·
~em para um desenvolvimento industrial de certa relevância.
Entretanto, a bur~esia industrial nascida nesse período não
se organizou poIíticamente de forma autônoma e, se é certo
que se podem indicar, por exemplo, momentos de maior pres-
são em prol de uma "poHtica protecionista" tanto no século
passado quanto neste,3 o peso dessas pressões não foi sufici·

2 Sobre a importância da "gera.çlo de 80", ver Gallo, E.,


Comblit, O., e O'Connell, A.. "La ~eraci6n deI 80 y su proyecto.
Antecedentes y consecuencias", Buenos Aires, 1961, 47 p4gs.
mimeografadas.
3 Sobre a industrialização na Ar~entina e sobre as pressões
protecionistas. ver ~rfman, A., Evolucfón Industrial en lG Ar-
gentina, ed. Colegio Libre de Estudios Superiores, Buenos Aires,
1938, e também Cortes Conde, R., "Problemas deI cresclmlento
90 POLÍTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

ente para arrastar apoios que contrabalançassem os termos em


que as elites argentinas haviam proposto seu projeto de
desenvolvimento: segundo marcos de uma ordem econômica
liberal, que assumia os riscos e as vantagens, evidentes para
o caso argentino, da divisão internacional da produção basea-
da na liberdade alfandegária. Como é sabido, antes de 1930
nem o Partido Radical, nem sequer o Partido Socialista, apro-
vavam na Argentina qualquer medida de política econômica
que implicasse limitar o "livre jogo do mercado". E essa
posição era justificada em nome da maioria - isto é, dos
consumidores - contra os interesses de uma minoria de prp-
dutores.
Assim, a maré montante das classes médias criadas pelos
efeitos favoráveis da própria economia exportadora vai expres-
sar-se exclusivamente no plano das reivindicações políticas,
atestadas pelos levantes radicais do fim do século e vitorio-
sos com a promulgação da lei Saenz Pena, que asseguraria qua-
tro anos depois, em 1916, a ascensão de Yrigoyen. Dentro
deste quadro, a oposição "antioligárquica" do Partido Radical
não assumirá nenhuma conotação ecônomico-industrialista e
praticamente os termos nos quais se propõe a luta política
implicam um corte entre radicais e conservadores que, sendo
um corte "de classe", na medida em que o radicalismo englo-
ba as classes médias, não é "econômico". Em conseqüência,
a crise da "dominação oligárquica" se abre na Argentina, mais
no plano político do que no econômico. Embora a oligarquia,
isto é, o setor agro-exportador e o setor latifundista e criador,
se organize em diversos momentos contra Yrigoyen e logre
mesmo golpear o sistema dominante de forças no interior do
Partido Radical, com os radicais antipersonalistas, sua preo-
cupação será menos com a política econônúca de Yrigoyen do
que com o tipo de apoio político das massas urbanas por ele
obtido e quiçá mais ainda com sua incapacidade para abranger
dentro do Partido Radical a massa operária e os sindicatos de-
safiantes.

industrial en Argentina", Desarrollo Econômico, vol. 3, ns. 1-2,


abril-setembro de 1963, págs. 143-171. Para uma visão global
da história econômica, Ricardo M. Ortiz, Historia Econômica de
la Argentiwf, ed. RaigaJ, Buenos Aires, 1955.
SITUAÇÃO EsntJTURAL B ALIANÇAS PoLÍTICAS 91

Ainda que a política de investimentos de Yrigoyen· não


contrariasse as linhas de força da situação de dependência e
mesmo, em casos específicos, as conciliasse com os interesses
industriais, sua política distributivista tinha um limite estru·
tural evidente: dependia da expansão crescente da economia
exportadora. A crise da economia mundial tocou esse limite.
Porém, nesse caso, teve como conseqüência não a derrocada
da oligarquia, como no Brasil, mas sua volta ao poder. Com
Uriburu coube à velha cepa oligárquica enfrentar a nova con·
juntura econômica. Viu-se, então, uma "política de retraimen-
to" quanto à extensão da participação das classes médias e uma
política de desmantelamento das organizações operárias. Simulo
taneamente o Governo favoreceu a "modernização do Esta-
do", pela criação das juntas de controle das exportações, pela
centralização das decisões monetárias etc. Entretanto, nesse
caso, o Estado abriu o caminho para uma retomada econômica
- que não foi imediata e que implicou a valorização do
mercado interno - da qual de não participou diretamente
como investidor importante, em comparação com outros pato
ses da América Latina. Ao contrário, o desenvolvimento poste-
rior à estagnação dos anos trinta vai repousar no dinamismo
das classes empresariais privadas.
Estas estarão organizadas em sua maioria sob o coman-
do dos setores exportadores, em torno da União Industrial
Argentina ou, então, estarão limitadas a uma participação mais
econômica do que política, como alguns investigadores mos-
traram. Essa marginalidade política foi explicada por estes
autores em termos da origem imigrante do empresariado e da
inadequação das máquinas partidárias para dinamizar politica-
mente os interesses dos setores empresariais e dos setores
imigrantes.
Assim, na fase de retomada do desenvolvimento, depois
da crise da economia exportadora, quando o mercado interno
ganha força, se dá politicamente uma situação bem distinta
da que caracterizou d Brasil: a dinamização da sociedade,

• Embora se tenham apresentado situações nas quais o


yrigoyenismo tratou de criar através do Estado uma base eco-
nÔmica própria, favorecendo algumas indústrias de base.
92 PoLfnCA E Dr!sENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

como, entre outros, mostrou Germani,1I se deu pela mobiliza-


ção de populações que se deslocaram para as cidades, porém
os canais econ~micos de absorção dessas populações apenas in·
diretamente respondiam à ação das massas e dos grupos e m0-
vimentos que as representavam e que com elas mantinham uma
posição de poder. Ao contrário, esses canais, dado que o se-
tor público não desempenhava - sempre em termos compa·
rativos - papel decisivo na construção direta do sistema eco-
n~mico, eram o resultado dos projetos e da ação de uma
burguesi~ empresarial. li Não obstante, o equilíbrio do novo
sistema político-econômíco requeria alguma compatibilidade
entre os dois atores aqui mencionados, as massas e o empre·
sariado, posto que mesmo atuando em níveis distintos e mes·
mo representando-se politicamente como inimigos em certas
situações, essas forças eram responsáveis pelo duplo movimen·
to - de mobilização política, por um lado, e de diferenciação
das atividades econômicas em busca do mercado intemo, por
outro - que caracterizou o período posterior ao predomínio
indiscutível do setor agro-exportador. :e
certo, contudo, que
não se fez sentir nenhuma contradição insuperável entre este
último e o empresariado vinculado ao mercado intemo: a in-
dústria nasceu, como se disse e como se confirma pelo quadro
da página seguinte, no bojo do sistema exportador:

11 Ver, especialmente, de Gino Germani, PoUtica 11 8Of-.,dad


en una época. de transición; de la sociedad tradiciottal a la socie-
da4 de ma.BaB, Editorial Paidos, Buenos Aires, 1965. A obra
de Germani é extensa e importante. Seus artigos mais recen-
tes, de sintese de seu pensamento, que podem ser acessfveis ao
leitor brasileiro, são "Démocratie représentative et classes po-
pulaires en Amérique Latine", em 80ci0Zogie dou TratxJU, voI.
3, n.O 4, 1961, e "Les effets de la mobilité sociale sur la société",
em 80ci0Zogie du Tra.uaiZ, n.O 4, vol. 7, 1965.
li Com exceção, já em pleno periodo peronista, de algumas
indústrias ligadas à "defesa nacional", dentre as quais a do
aço. Mesmo nesse caso, contudo, quando se colocou a opção
entre um tipo de industrialização orientada para atender à pres-
são da demanda imediata ou segundo um padrão de acumula-
ção obrigatória para a construção da indústria de base, foi ado-
tada a primeira alternativa.
SITuAÇÃO EsnUTURAL E ALIANÇAS POLfnCAS 93

QUADRO N.o 1

ORIGEM DO CAPITAL INICIAI:- DA EMPRESA

Estrangeiro 18,5%
Comercial 18,0%
Industrial 10,7%
Artesanal 9,0%
Agropecuário 3,0%
Combinaç6es 35,1%
NS-NR 5,7%
TOTAL 100 % (l68)

FoNTE: RI B6ctqr indUBtriaZ d6 la Argentma (afldli.ri8


preliminar), Instituto Latlnoamericano de Planificaci6n
Econ6mica y Social (ILPES) , Santiago, 1967.

Com isso não queremos descartar, sem análises adicio-


nais, as hipóteses sustentadas por outros autores sobre o papel
que . desempenharam os setores industriais de origem não-
-oligárquica no processo de industrialização da Argentina. 'I ~
evidente que o peso dos imigrantes no setor empresárial, além
da já referida precariedade do sistema partidário para captar
os grupos não "eriollos", facilitavam a marginalização de parte
dos empresários industriais. Basta referir que na investiga-
ção realizada pelo ILPES a distribuição dos empresários argen·
tinos, segundo a origem nacional dos pais e avós, revela a
predominância de estrangeiros e que mesmo quando se consi-
dera somente a nacionalidade dos empresários, como fez Imaz,
entre os industriais "prestigiosos" em 1959 havia 38,5% de
estrangeiros. 8

'I Ver especialmente os estudos de Torcuato Di TeUa. Além


de artigos publicados em DesarroUo Económico, o leitor podem
encontrar este ponto de vista em dois dos livros de Di TeUa,
EI 8i8tema polUico argentino y la clase obreTa, Eudeba, Buenos
Aires, 1964, e Una teoria sobre el primer impacto de la indus-
triaZieaci6n, publicações do Instituto Torcuato Di TeUa, doc.
trab. ,n.o 4, 1964.
8 Sobre este problema, ver Oscar Cornblit, lnmigrantes e
empre.tarioa en la polUica argentina, Instituto Torcuato di Tella,
doc. de trab. n. O 20, Buenos Aires, 1966. E também o livro de
94 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

Porém, quando se encara o problema da perspectiva do


setor de classe que exerce hegemonia e é capaz de propor uma
ideologia de desenvolvimento segundo seus objetivos, seria ar-
riscado não reconhecer o papel predominante dos empresários
agrupados em torno da UIA (Unión Industrial Argentina, as-
sociação de classe controlada por empresários vinculados às
atividades exportadoras e ao campo) e a visão de uma política
de "interesses compartidos", no seio das classes produtoras.
Estudos recentes mostram, como se verá nos capítulos seguin-
tes, que seria arriscado elaborar hipóteses que atribuam ape-
nas aos grupos de industriais de origem imigrante, marginais
ao sistema político tradicional, uma visão industrialista, popu-
lista e independentista. Mas seria equivocado, por outra par-
te, sustentar que os "projetos de dominação" porventura as-
sumidos pelos industriais supõem um esquema de conflito ne-
cessário e irredutível com os demais setores das classes domi-
nantes. Pelo contrário, com base em entrevistas realizadas
por nós como etapa prévia da investigação que se analisará
nos capítulos seguintes, é possível afirmar que é pequena a
ênfase posta pelos industriais nos conflitos com o setor agrário
e com o setor externo da economia. Dessa forma, o papel
que o "setor dissidente" da burguesia empresarial vai desem-
penhar na formuláção de uma política. alternativa daquela for·
mulada pela "oligarquia", antes de explicar o comportamento
do empresariado, tem de ser explicado como conseqüência da
situação peculiar de conflito social e político da sociedade ar-
gentina quando surgiu o peronismo. Com efeito, as "formula-
ções da Confederação Geral Econômica ( associação de classe
de cunho nitidamente industrialista, formada por empresários
que apoiaram a política peronista), como antes as das cen-
trais patronais dissidentes que a precederam e os pontos de
vista expostos por seus dirigentes, fazem parte da "política
de massas". A consistência ideológica dessas formulações des-
faz-se diante da similitude das verbalizações dos dirigentes des-

Dario Canton, El Parlamento Argentino en Spoca/J de Cambio:


1890, 1916, 1946, Editorial dei Instituto Di TeIla, Buenos Aires,
1966. Canton mostra como o partido radical era muito menos
"aberto" socialmente do que alguns autores supunham. Para os
dados referidos sobre os "industriais prestigiosos", J. L. Imaz,
Los que ma-Ildan, Eudeba, Buenos Aires, 1964.
SITUAÇÃO ESTRUTUIlAL E ALIANÇAS POLfTICAS 95

ta central patronal com os da União Industrial Argentina,


quando se propõem os temas que tocam diretamente à empre-
sa e os problemas menos diretamente impregnados da visão
"nacional-populista". Nesse caso, a tendência às respostas ho-
mogêneas suplanta .eventuais discrepâncias ideológicas.
Em conseqüência, e esta é a tese que nesse particular
sustentamos e cremos poder demonstrar, o "nacional-populis-
mo" - isto é, em termos da política argentina: o encontro
entre uma prática distributivista para dar acesso às massas na
sociedade de consumo e de um tipo de desenvolvimento que
garanta o controle "liberal" do sistema de investimentos, em-
bora não totalmente do sistema de decisões econômicas - ul-
trapassou como prática, se não como ideologia, o quadro rela-
tivamente restrito dos "grupos subordinados com alto nível
de aspirações".· Analiticamente, a. homogeneidade ideológica
do setor industrial suplanta a possível diferenciação entre os
dois grupos polares que o constituem: os que se inserem num
contexto mais amplo de organização econômica, formando
pette de um "grupo econômico" - isto é, os de maior pro-
babilidade "oligárquica" - e os que controlam apenas uma
empresa - onde a probabilidade de encontrar-se os industriais
~ margem da sociedade seria manifestamente maior.
Sendo assim, é possível pensar que efetivamente o nacional·
-populismo - o peronismo - constituiu uma política - se
não uma ideologia - que expressava uma "situação estrutural".
Que situação estrutural era esta? Caracterizemo-Ia e distin-
gamo-la do getulismo e de sua correspondente situação estrutu-
ral, antes de discutir no próximo capítulo a situação poste·
rior que limita as opções políticas das classes sociais na atua-
lidade.
Em primeiro lugar, na Argentina, como se viu, foi o
establishmettt exportador quem, por seus representantes polí-
ticos, se beneficiou dos efeitos da crise mundial. Epl conse-
qüência, quando o peronismo surge como movimento social,
encontra uma economia reorganizada sob controle "liberal-

• Referimos-noa obviamente aqui às teorias de Di Tella, 011.


cit., iDapiradas no livro de Hagen. E., On tlle T1teory 01 Bocial
Oha.nge, The Dorsey Preu, IllinoLI, 1962.
96 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

-burguês". Em segundo lugar, ao desmantelamento das bases


sindicais da classe operária formada lentamente no bojo da
expansão do sistema rural-exportador, que se verificou nos
anos trinta, segue-se a mobilização e a organização, sob inspi-
ração do Estado, 10 de uma "massa assalariada". Massa assa-
lariada essa - os "cabecitas negras" - que se integra no plano
econômico, se organiza no plano social e participa pouticamen-
te da cúpula do poder estatal. Não se trata, portanto, de uma
"massa oprimida", mas sim de assalariados que constroem
canais de participação social e que jogam o peso de sua luta
na obtenção de vantagens econômicas: distributivismo, mais
que nacionalismo, participação política, mais que revolução.
Ante o "economicismo" da massa popular e o liberalismo das
classes produtoras, o Estado surge como árbitro, como ponte,
como regulador, mas não diretamente como grande investidor.
Ao contrário, suas intervenções, mesmo quando audaciosas como
no caso da nacionalização dos depósitos bancários, têm como
objetivo ampliar o controle nas decisões para encaminhar po-
líticas econômicas que expressem a aliança contraditória en-
tre a massa assalariada e o setor empresarial, mas não pre-
tendem substituir a ação deste último. Essa arbitragem refle-
tirá a construção de um novo esquema de alianças, implicará
escolhas, determinará a criação de novos grupos empresários
sob a proteção direta dos grupos de poder e favorecerá oca-
sionalmente, pelo controle do crédito, a dinamização dos fluxos
de capital dos setores tradicionais para os modernos. Mas a
luta política não implicará o deslocamento do antigo núcleo
hegemônico, o setor mais capitalista do esquema rural-exporta-
dor, em benefício de um novo núcleo hegemônico; significará
apenas sua ampliação.
Outro será o panorama no plano propriamente político,
no plano do controle do Estado e no controle das decisões eco-
nômicas. Aí, sim, a arbitragem do Estado (e com ela a trans-
formação das massas assalariadas em fator de decisão na me-

10 Sobre esse processo, ver os trabalhos já referidos de


Gino Germani e Di TeUa. A melhor smtese sobre as distintas
hipóteses de explicação do comportamento operário encontra-se
em Enzo Faletto, Incorporadón de los setores obrer08 aZ pro-
ceso de desaTTollo, ILPES, Santiago, 1964.
SITUAÇÃO EsTRUTURAL E ALIANÇAS POLÍTICAS 97

dida em' que é dela que o Estado populista arranca a força


para dialogar com as "classes produtoras") significou uma
transformação na correlação de forças. Se no antigo esquema
de poder o núcleo hegemônico, depois da derrocada do radica-
lismo, se aliava claramente aos demais grupos sociais que ex-
pressavam a propriedade, formando a santa aliança olig~quica,
depois da mobilização peronista sua permanência no sistema de
poder implicará a aceitação da presença - e das reivindicll-
çóes - dos setores assalariados. E, mais ainda, não se trata
propriamente da constituição de um sistema expresso. de alian-
ças, mas de uma "conjuntura de poder" que tem o Estado
como 'condestável.
Vê-se assim uma instituição - o Estado - ganhar auto-
nomia relativa no jogo político, transformando-se num quase-
-gnipo, constituído pela burocracia, por segmentos. militares
e pelo aparelho sindical. Esse conjunto é que estabelecerá 8
ponte entre os setores economicamente hegemônicos das clas-
sesprodutoras (que não aparecerão publicamente como parte
da conjuntura de poder, mas que, por seus órgãos de classe
- até certa época - dialogarão com o "núcleo político")
e "as massas". Contra esse sistema se alinharão o grosso das
classes proprietárias rurais e as classes médias ligadas ao anti-
go sistema de poder, que poderiam ser chamadas "tradicio-
nais", em oposição às classes médias que ascendem em con-
seqüência da expansão industrial. No conjunto, essa oposição
arcará com o .ônus da crítica populista: será, para todos os
efeitos, a "oligarqti.ia". Mas os segmentos dominantes da an-
tiga oligarquia agro-exportadora continuarão a beneficiar-se da
conjuntura pOpulista do poder: "Entre 1950 }' 1955 los pre-
cios reales â~l ~ector agropecuario estuvieron en promedio para
todo el qllinljuenio, en 12% por encima deI nível de 1950
mie"ntr4S que los precios realesde lasindustriaS manulllCture-
ras estuvieron en 4% por debaio." 11
Assim, mesmo durante a vigência do regime peronista, .a
transferência de rcndasintemas se fez em benefício do setor
agro,exportador. EDtre 19.50 e 1960 essa transferência atingiu

11 Aldo Ferrer. La ECQ1IomiaArgentifl4, las etapas de 8U


deáaf!roUo'1J 'problemas actuales~ Fondo de CUltura Econ6mica.
a
2. ecL, México, 1965, pág.. 214.
98 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

a soma de 2.500 milhões de dólares de 1963. Apenas, se até


1955 o controle interno dos preços, imposto pelo Estado po-
pulista, impedia que os artigos de primeira necessidade rea-
gissem ao livre estímulo dos preços de exportação e da desva·
lorização da moeda, a partir de 1955 se anulam os controles
de preço e em conseqüência o setor assalariado sofre uma per-
da real de capacidade aquisitiva. Essa orientação da política
econômica evidencia o que expusemos anteriormente: o Esta-
do populista herda do passado o controle de instrumentos efi-
cazes de política econômica; não os utiliza no sentido de pre·
judicar o setor agro-exportador, mas limita os efeitos da polí.
tica favorável à transferência de rendas garantindo o salário
real. Os demais setores sociais, evidentemente, pagarão o custo
dessa política, custo que aumenta à medida que baixam os
preços internacionais de exportação e que se dilapidam as pou-
panças de guerra.
Significativamente, neste quadro peculiar da política ar-
gentina, o nacionalismo peronista é muito mais um movimento
político antiestrangeiro ("Braden ou Perón?") do que a ex-
pressão de uma política de contenção de investimento externo.
Este diminuiu, como de resto diminuiu em toda a América
Latina em comparação com o que fora no período de auge da
expansão exportadora, mas não como conseqüência de uma
política de restrições estatais. Ao contrário, nos setores de
nova eleição dos capitais estrangeiros - a produção de bens
de consumo mais ou menos duráveis - os investimentos se
fazem, sob condição de que vantagens adicionais lhes sejam
garantidas, como no ;resto da América Latina.
De qualquer modo, no período tipicamente nacional-popu-
lista, a ~gressividade política da massa assalariada e sua cres-
cente organização sindical não impedem que "o desenvolvimen-
to" continue sendo uma função dos grupos empresariais priva·
dos e, em conseqüência, não é estranho que a avaliação re-
trospectiva da política econômica peronista encontre uma dis-
posição antes favorável do que negativa por parte dos gran·
des empresários argentinos, como verificamos nas entrevistas
de sondagem que realizamos com 30 empresários argentinos
em 1963.
Da mesma maneira, na medida em que a referida situa·
ção de desenvolvimento baseado nos supostos de uma política
SITUAÇÃO ESTRUTURAL E ALIANÇAS POLíTICAS 99
nacional-populista perdura como ideologia, se justifica propor
questões sobre a massa assalariada e, mais especificamente, a
classe operária, como "aliados possíveis" num eventual proje-
to de dominação, como fizemos em nossas investigações.
No caso do Brasil, as relações entre as classes sociais na
época do início da industrialização apresentam algumas dis-
tinções significativas, embora se desenvolvam dentro do mesmo
padrão estrutural de relação com o exterior, que caracteriza a
Argentina. Também no Brasil, a "crise política" do sistema
exportador precede a crise econômica mundial. Entretanto, a
oligarquia (repetimos, a aliança entre os grupos agro'-exporta-
dores capitalistas e os proprietários de latifúndios de baixa
produtividade) suportou com maior êxito as pressões "de
baixo", apesar de que no Brasil não se viu, nem sob o Impé-
rio nem durante a "República dos coronéis", a formação de
uma "unidade de classe", do ângulo das camadas dominantes,
do mesmo estilo que a aliança hegemônica da Argentina. Ao
contrário, posto que o sistema exportador se organizou econo-
micamente em setores produtores paralelos - do café, do açú-
car, do cacau, da borracha, da carne etc. - o predomínio das
classes dominantes como um todo dependeu sempre de pactos
na cúpula do sistema de poder, que deixavam livre o jogo in-
terno de forças dentro de cada um dos subsistemas controlados
pelas oligarquias regionais. Em conseqüência, comparando-se
com a situação argentina, a estrutura do poder de cada um
dos grupos agrário-exportadores era mais débil no Brasil: ne·
nhum deles isoladamente pode impor de forma indiscutida um
predomínio nacional. As lutas políticas entre setores da oli·
garquia caracterizaram a história deste período. Como, en-
tretanto, essas lutas se davam por assim dizer horizontalmente,
isto é, sem pressão das classes subordinadas, visto estrutural-
mente o sistema se apresenta como relativamente estável.
Ora, a debilidade relativa das "pressões de baixo", mesmo
num sistema com elos heterogêneos como a dominação oligár-
quica brasileira, mostra justamente o ponto crucial de diferen·
ça entre a situação de poder no Brasil e na Argentina: no pri-
meiro desses dois países, as "classes médias" e as massas ur-
banas não logram transformar·se em forças sociais eficazes at~
praticamente a década de 1930 e sua debilidade indica que a
diferenciação econômica e a diferenciação social do "sistema
100 POLfTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

exportador" brasileiro foram relativamente menores do que na


Argentina.
É desnecessário trazer à discussão dados comparativos sO-
bre a evolução do sistema de produção interna nos dois países
de resto difíceis de serem estatisticamente comparados 12 - para
confirmar o já sabido: a economia argentina diversificou-se per-
sistentemente, alcançando um ponto de máxima relativa em
1948, enquanto a economia brasileira praticamente começa a
evidenciar esse processo de transformação interna apenas a
partir dessa data. Entretanto, as diferenças não se resumem
a este ponto nem são o resultado apenas do grau de diferen·
ciação econômica dos sistemas produtivos. A escravidão como
regime de trabalho pesa sobre a cena política brasileira e sobre
o início do processo de mobilização das classes médias e das
massas, mesmo no século XX. Com efeito, enquanto na Ar-
gentina o problema político da integração das massas imigran-
tes pôde ter sido colocado, embora debilmente, no jogo dos
partidos e, de qualquer forma, ainda hoje os analistas cen-
tram a atenção na falta de capacidade de absorção dos partidos
políticos e do relativo isolamento da massa imigrada no sis-
tema econômico, no Brasil a modernização econômica nos fins
do século XIX criou simplesmente um -vasto contingente de
massas marginais tanto política como economicamente, na me-
dida em que os imigrantes deslocavam as populações negras
e não havia novos núcleos dinâmicos na economia para absorvê-
-las. E, por outra parte, as instituições aristocratizantes do
Império e os hábitos senhoriais dos proprietários de escravos
não permitiram sequer colocar-se o problema da participação
política dos imigrantes. 13 Por certo, estes pesavam na vida
econômica dos estados onde a imigração preponderava, de São
Paulo para o Sul, mas politicamente seu papel, mesmo nestes
estados, era secundário e mais ainda no conjunto do país, posto
que num sistema de dominação "federativa" a eventual pres-

12 Ver, por exemplo, a ~istribuiçio percentual do P. B. I.


por setor de atividade econômica, a custo c;ie fatores, da Argen-
tina e do Brasil, em Antecedentes Cuantitativos Referentes aZ
Desarrollo de América Latina, ILPES, Santiago, novembro de
1966, pâgs. 300 e 302.
13 Nomes de famUia de origem imigrante serio encontra-
dos no panorama da poUtica nacional somente depois de 1950.
SITUAÇÃO EsnUTULU. B ALIANçAs PoÚTICAS 101

são local dos imigrant~ se perdia na. massa d~ interesses es-


tllvelmente constituídos ao redor da dominação famil1stica das
camadas dominantes. 11
Ora, como a modernização econômica, isto é, a intensifi-
cação do modo capitalista de produção com maior divisão social
do trabalho e a conseqüente difusão do regime de saUrio, se
deu nas mas que se beneficiaram com a imigração, foi nelas,
também, que a formação de novas classes médias se apresentou
de forma mais vigorosa. As novas funções econômicas aia-
das com a complexidade e especialização maiores da produção
agrário-capitalista, e suas repercussões no fortalecimento de
economias urbanas, permitiram, nesse caso, o surgimento do
que com propriedade se poderia chamar de uma "pequena
burguesia" e de germes de um operariado. Mas essas novas
camadas sociais eram predominantemente compostas por imi·
grantes e seus descendentes, estando, portanto, fora do jogo
político. 1$
Assim, enquanto na Argentina os setores mais numerosos
da nação se transformaram com os avanços da economia ex-
portadora, no Brasil eram setores relativamente limitados e
muito mais marginais os que se transformavam. Isso não
obstatlte, as repercussões da modernização da economia expor-
tadora alcançavam outros setores do país. Nos principáis cen-
tros urbanos os serviços mercantis e financeiros absorviam
parte da população economicamente ativa e, de toda forma, 18
a capitalização do campo, por escassa que fosse, reforçava a eco-

14 Ver, por exemplo, no que se refere a Minas GeraIs, a


série de artigos sobre a estrutura politica desse estado apareci-
dos na Rev~ta Brasileira de Estudos Politicos.
1$ Sobre o operariado, ver os estudos de Leôncio Martins
Rodrigues, Conflito Industrial e Sindical~mo no Brasil, Difusão
Européia do Livro, São Paulo, 1966, e de Aziz Simão, Sindicato
e Estado: Suas Relações na Formação do Proletariado de São
Paulo, Dominus Editora, São Paulo, 1966.
18 Ver dados em Cardoso e Reyna, Industrializatfon,
Occupational 8tructure and Social 8tratification, ILPES, San-
tiago, 1966. Publicado também pela revista Dados, n.O 2, outu-
bro de 1967, e Cardoso, op. cit., em The 8tructure and Evolution
on Industry in 8ão Paulo, Btudies in Comparative International
Developme,~t, Saint Louis, 1965.
102 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

nomia urbana porque rompia a fazenda tradicionalmente auto-


-abastecida e colocava a possibilidade da fabricação de tecidos
e alimentos para as "classes populares". Com isso, formavam-
-se grupos limitados de trabalhadores urbanos, de profissionais
e técnicos e, inclusive, se consolidava uma burguesia empresa-
rial relativamente desligada do setor exportador, ao lado dos
grupos industriais que se formavam como resultado da pura
diferenciação dos setores comerciais e agrários.
Essa "nova burguesia" começou a organizar-se desde o
começo do século, constituindo, inclusive, associações autôno-
mas de classe, como o Centro Industrial do Brasil (de 1904),
e tratou de pressionar por seus interesses. 17 Politicamente, en-
tretanto, essas mudanças estruturais foram expressas por gru-
pos sociais que difIcilmente poderiam ser qualificados como
"pequeno-burgueses" e que, se formalmente pertenciam às ca-
madas intermediárias do sistema de estratificação social, cons-
tituíam, pelo menos, uma "classe média tradicional". Com
efeito, os marcos limitados da dominação familística e oligár-
quica no Brasil eram permeáveis apenas a certo tipo de seg-
mentos sociais que, se por suas origens eram "de boa família",
por suas funções não pertenciam mais às classes dominantes.
A importância desse tipo de ator social parece-nos maior do
que amiúde se pensa: desde o período monárquico, o recruta-
mento da burocracia civil e militar do Império se fez pela
seleção de pessoas pertencentes a famílias, como se diz em
castelhano de forma expressiva, "venidas a menos". A pr6pria
"classe política" do Império e da República Velha constitui-se
em larga medida por este tipo de agente social, 18 como exem-
plifica o predomínio, entre os políticos profissionais e a bu-
rocracia civil e militar, de pessoas oriundas de "famílias tra-
dicionais", porém empobrecidas, das áreas economicaqlente
em decadência. A "ordem estabelecida" reabsorvia os elemen-

17 Para a anãlise dos problemas que se colocavam aos in-


dustriais brasileiros na fase de formação do parque industrial,
ver Nicia Vilela Luz, A Luta pela Indu8trialização do Bra.sil
(1808-1930), Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1961. Ver
eflpecialmente o capitulo IV.
18 O caso paradigmático é o próprio Nabuco, mas dele nãC'
se afastam os fundadores da República.
SnuAÇ10 EsnUT1JL\L E ALIANÇAS POLÍTICAS 103

tos que dela eram expulsos pelos implacáveis processos ec0-


nômicos, integrando-os nos quadros administrativos da nação.
As pressões antioligárquicas· no século XX vão tomar for-
ma política justamente no seio desse tipo de grupo social: o
tenentismo dos anos vinte e a anterior "reação republicana",
se é certo que expressaram uma nova possibilidade estrutural
de ação, ensejada pelas já referidas modificações econÔmicas e
pela presença de novas classes médias e de setores populares
urbanos. são movimentos que ainda se dão no interior do sis-
tema oligárquico. Serão grupos de descontentes, marginaliza-
dos no interior do sistema de decisões, mas não serão D18fginais
a ele como eram a nova pequena burguesia, o empresariado in-
dustrial desvinculado do sistema agro-exportador ou os seto-
res populares. Além disso, no caso da Argentina, o radicalis-
mo e mais específicamente o irigoyenismo expressam o vigor
de uma classe média ascendente e de uma burguesia industrial
nascente, mas não expressàm, como vimos, uma política ec0-
nômica nova. No Brasil, o êxito do sistema exportador, me-
dido em termos de sua capacidade para integrar os diferentes
grupos sociais, é mais limitado. Em conseqüência, as reivin·
dicações das forças sociais que a ele se opõem são de outro
estilo: por certo, reivindicaria voto secreto e sufrágio univer-
sal, como antes os radicais argentinos já o haviam feito, mas,
uma vez no poder, terão diante de si um problema distinto
- a criação de uma base econômica, que permita efetivamente
ampliar a participação social e política. Não bastará redistri-
buir, será necessário gerar riquezas novas.
Por outra parte, contrariamente ao radicalismo argentino,
a poHtka tenentista, vitoriosa eQl 1930, valorizará o Estado
como árbitro e como ator ecop.ômico. O estilo de pensamento
da elite poHtica tenentista, orientada muito menos por valo-
res da "pequena burguesia", ou "de classe média" como alo
guns pensam, do que por uma concepção quase estamental do
Estado, da política e da Nação, é profundamente autoritário
e, neste sentido, antiburguesia liberal. Isso permite compre-
ender a passagem de uma política elitista restrita a uma polí-
tica de massas, sem que se desse uma política "de classe", no
clássico sentido do favorecimento de uma organização insti·
tucional capaz de abrigar um sistema de partidQ6 e de permi-
104 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

tir a acomodação dos interesses políticos das classes e grupos


organizados. 19
Assim, o populismo getulista é precedido por um tipo de
crise política em que se passa quase sem etapas do jogo conhe-
cido da dominação oligárquico-familística a uma participação
ampliada com decidida vocação autoritária, que sustentou, se
se permite o anacronismo e o neologismo, uma política "desen-
volvimentista". O sistema de alianças oligárquicas se quebra
no elo mais débil - as oligarquias regionais sufocadas no in·
terior do eixo dominante: as sulistas e as nordestinas - e
essa fissura permitiu que os grupos antioligárquicos tradicio·
nais, isto é, a burocracia militar a que já nos referimos e a
parte da camada de políticos profissionais que expressava os
interesses populares urbanos, se aliassem às oligarquias regio-
nais em rebeldia.
A situação de poder assim constituída será desde os anos
de 1930 sensível à necessidade de criar novas bases econômicas
- industrias notadamente - e novos apoios políticos para
consolidar o poder. O movimento que, nos anos quárenta,
será chamado getulista, expressa o afã de ampliação das bases
de poder. Porém, a ampliação se fará de cima para baIxo.
Não no sentido banal de que as organizações sindicais novas
são organizadas pelo Estado como também o foram na Argen.
tina - mas no sentido menos evidente de que os limites e os
objetivos da ampliação de participação foram definidos pela
aliança de cúpula anteriormente assinalada do tenentismo vin·
culado a algumas situações de poder local, dentro dos marcos
de uma ideologia nacional-estatista. O populismo aparece
mais como uma resultante do que como uma base; mais como
um recurso político utilizado por setores em luta das classes
dominantes do que como a expressão de uma pressão distri-
butivista das classes populares.

19 No caso da Argentina, entre esses dois momentos, o da


poUtica das elites oligárquicas e o da política de massas, orga-
niza-se um sistema de partidos que, de algum modo, expressará
diferenças sociais dentro de uma comunidade política. Ver Q já
referido estudo de Dario Canton e o livro de Alberto Ciria,
Partidos y Poder en la Argentina Moderna, Jorge Alvarez Edi-
tor, Buenos Aires, 1964.
SITUAÇÃO EsntmIKAL B ALIANÇAS PoLtnCAI 10'

Toma-se evidente, para quem compara o peronismo com


o getulismo, o baixo nível de expectativas a que este atende:
os trabalhadores rurais não são mobilizados - em conseqüên-
cia, os "coronéis" poderão facilmente compor-se no novo sis·
tema de poder; as "garantias sociais" partem de uma base
extremamente limitada; o aumento de participação dos sal4rios
no produto nacional é intermitente e não atinge proporções
inaceitáveis pelas demais classes; 20 por fim, se é verdade que
se amplia a camada de assalariados e que a massa empregada
cresce, politicamente o apelo do getulismo se dirige, agora
sim, à massa oprimida. Massa oprimida que é, entretanto, "hu-
milde" e pouco reivindicativa.
Em outros termos, o populismo getulista refletirá uma
situação estrutural em que a dinamização do sistema político
ainda será feita por setores das antigas classes dominantes,
que empalmarão uma ideologia de "construção nacional", mais
do que de reivindicações classistas. Nessa ideologia, caberá
sempre ao Estado - visto como expressão simbólica do "con·
junto da nação", conjunto que não existe organizadamente,
-como é óbvio, ao nível das relações sociais - o papel de ár·
bitro e de agente dé transformação econômica. . Entretanto, na
fase de consolidação do mercado interno, essa versãb do Estado
populista . não provocará,. por parte dos setotes empresariais,
uma reação negativa: i1 pequena pressão relativa dos setores
operários e da massa pópular asseguram às classes proprietá-
rias. margens razoávçis de acomodação dentro do sistema po-
pulista. O setor agro-exportador terá de acomodar-se dentro
do novo esquema de poder porque, no caso brasileiro, a crise
do comércio mundial não só o debilitará economicamente, como
atuará como catalisador da crise poHtica, deslocando os grupos
agro-expórtadores do controle hegemônico interno e não lhes
dando outra alternativa se nãó a aceitação de novas parcerias
sob a aliança populista; os setores que controlavam os latifún·

20 Sobre este ponto, ver o artigo, já referido, sobre "Bé-


gémonie burgeoise et independence économique". O livro de
Werner Ba:er, Industrialization and Economic De'Velopmem in
Brazil, Bomewoocl. IIlinois, 1965, e o trabalho de Francisco
Weffort, "Participaci6n econ6mica y participaci6n social datas
para un análisis", ILPES, Santiago, 1967, trazem informações que
ampliam essa análise.
106 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

dios de baixa produtividade, de igual modo, não teriam as ba-


ses de seu poder ameaçadas, desde que aceitassem o novo
arranjo político nacional, porque o populismo getulista não
mobilizou as populações rurais. Finalmente, os setores em-
presariais novos, no período da consolidação do mercado in-
terno, isto é, até o fim da Segunda Guerra Mundial, aceitaram,
sob o clima e a expectativa de proteção e lucros crescentes, a
regulamentação estatal e mesmo a ação econômica do Estado.
Assim, enquanto sob o peronismo a participllção dos gru-
pos agro-exportadores na "conjuntura de poder" se fez taci-
tamente, mas a "pressão de baixo" foi forte e continuou dando
a impressão de alimentar um violento conflito de classes, sob
o getulismo se organizou uma aliança política muito mais amo
pIa entre as classes sociais, com pressões populares tênues e
muitas possibilidades de acordo - simbolizadas na caída de
Vargas pela criação simultânea pelo ex-presidente do partido
que deveria expressar o ponto de vista dos trabalhadores e o
partido dos proprietários. Por outro lado, a ideologia tenen·
tista, autoritária e "ativista", estabelecera uma ponte entre o
poder e a ação econômica. Não é difícil explicar, nesse con-
texto, como foi possível manter taxas relativamente altas de
formação interna de capitais, redistribuir relativamente pouco
a renda, 21 orientar uma parte importante dessa renda para o
setor público e obter, simultaneamente, legitimidade politica
e apoios amplos. O ponto de partida do processo de desen-
volvimento se deu em condições caracterizadas por uma estru-
tura social pouco diferenciada e um sistema de poder extre-
mamente restritivo. Nesse quadro, as aberturas modestas pro-
postas primeiro pelo tenentismo e depois pelo getulismo não
alarmaram as classes dominantes e satisfizeram· as expectati-
vas, limitadas, das massas urbanas. Evidentemente, esse "acor-
do entre as classes" se fez a expensas das populações rurais
que se mantiveram, como antes, marginalizadas politicamente
e exploradas economicamente. E resultou, por outra parte, na
destruição da base polftica do sistema exportador: a classe
média tradicional ligada a este sistema refletirá, na sua decio
dida oposição ao getulismo, o deslocamento do centro de decio

21 Os últimos estudos da CEPAL sobre este problema, ain-


da não publicados, confirmam essas asseverv.ções.
SITUAÇÃO EsnUTURAL E ALIANÇAS PoLfnCAI 107

sóes políticas. Entretanto. a aliança nacional·populista, no Bra-


sil, dada a margem ampla de manobra que a caracterizava es-
truturalmente, reabsorveu politicamente, nos fins da década de
30. os setores exportadores agrícolas mais importantes. Tanto
a política de defesa dos preços do, café como a política credití·
cia (e a moratória) tornaram patente as intenções e possibili-
dades de "conciliação geral" do populismo brasileiro.
Em conseqüência do que vimos de expor, a situação par·
ticular de cada um dos dois países considerados dava maior ou
menor margem de acordo para a constituição de alianças polí-
ticas capazes de permitir a passagem de um tipo de sociedade
e de economia organizadas em função "do exterior" para ou-
tro que comportava já pólos intemos de crescimento econô-
mico. Essa margem de acordos dependia da maior debilidade
ou maior força dos grupos ~ clas~ sociais novos, dentro do
contexto nacional, e também da ma1~r ou menor "unidade de
classe" que as camadas dominantes apresentavam. Entretanto,
em qualquer das duas situações, do ponto de vista do empre-
sariado industrial emergente, os limites estruturais de atuação
política eram claros: os cortes teriam de fazer·se em função
do "inimigo momentâneo". Posto que a condução política do
processo de consolidação do Estado em vista da expansão ec0-
nômica interna escapava ao controle hegem6níco da "burgue-
sia industrial"; posto que esta nascera, como vimos, no inte-
rior do sistema exportador, sob a dependência, portanto, das
"classes dominantes tradicionais"; posto que as classes sociais
emergentes, tanto o operariado como a pequena burguesia, en·
contravam em conseqüência um adversário que se definia no
plano nacional e a nível político (a "oligarquia") e não a
nível econômico (isto é, não o "empresariado"); posto que,
em resumo, o empresariado jogava um papel secundário no
sistema nacional de poder. sua política era eminentemente opor-
tunista. Polftica de um setor de classes que, objetivamente,
não podia aspirar, nesta fase. à hegemonia: as alianças, em
conseqüência, podiam fazer-se ao sabor do interesse imediato,
tanto de cada grupo de empresários quanto do empresariado
em seu cpnjunto. 22

22 O livro já citado de Dardo Cuneo comprova emplrica-


mente essas afirmações para o caso da Argentina. Sobre o em-
108 POLfTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Parece, pois, uma espécie de no/l-sense a proposição de


questões sobre a "ideologia da burgUesia nacional" na etapa
nacional-populista, a partir de um enfoque que valorize o
"projeto de dominação" do setor industrial da burguesia. Ao
contrário, nessa fase o "projeto" possível se coloca antes no
âmbito econômico do que no político: o Estado é um meio
importante, sem dúvida, mas para a consecução de objetivos
da empresa; a sociedade conta, mas como mercado, para a ex-
pansão da indústria; a associção de classe será, talvez, um
lobby para provocar a política financeira, mas não um germe
de partido, e assim por diante.
Entretanto, à medida que, por um lado, a economia na-
cional se foi consolidando e, por outro, as contradições do na-
cional-populismo do ponto de vista político começaram a trans-
formar a antiga "política de alianças polic1assistas" em um sis-
tema mais rígido de enfrentamentos entre as classes, pouco
a pouco o empresariado industrial individuaIizou-se no con-
junto do sistema nacional-populista de forças e, simultanea-
mente, fragmentou-se em tendências diversas: os problemas
de poder realçam diferenças no interior de uma situação mais
ou menos hwnogênea de interesses econômicos. Ê quando as·
pectos de uma ideologia nacional-desenvolvimentista se dese-
nham no horizonte das possibilidades estruturais d~ ação polí-
tica. Têm, contudo, vôo mais curto que o mocho de Minerva.
Com efeito, quando as ideologias deste tipo começam a
ter um papel significativo - durante os Governos Kubitschek
e Frondizi - praticamente se encerravam também não s6 as
possibilidades práticas do nacional·populismo, expresso por ~is­
temas de alianças do gênero das anteriormente indicadas, como
as relações de dependência das economias naciooo subdesen·
volvidas passavam a reger·se por outra modalidade de vin·
culação com as economias centrais.
Não cabe apresentar aqui mais que .as linhas gerais dos
dois processos referidos, para delimitar a situação estrutural
e o momento hist6rico em cujo contexto atuam os empresários

presarlado brasileiro, além do nosso livro anterior Empresário


Iflduat1iaZ e Desenvolvimento Econ6mico no Brasil, e dos artigos
de Luciano Martins, ver também Octavio Ianni, Estado e Oapi-
taliamo. EBtmtura Social e Iflduatrializaçl!o do Brasil, Editora.
ClvUizaçl.o Brasileira, Rio, 1965.
SITUAÇÃO EsnUTURAL E ALIANÇAS POLíTICAS 109

que foram objeto de nossas investigações. Com essa limitação.


contentamo-nos com indicar que as bases materiais para a p0-
lítica de compromissos de estilo populista começaram a mo-
dificar-se à medida que o processo chamado pelos economis-
tas "de substituição rápida de importações" se foi cumprindo. 2S
Sob a vigência deste modelo de desenvolvimento não s6 os
capitais requeridos para a industrialização não apresentavam
um vulto particularmente grande, como, praticamente, a am-
pliação do mercado de consumo - ou seja, a incorporação de
novas camadas da população à economia urbana e, em certos
momentos, um processo "corretivo" de distribuição de renda
- constituía uma política a ser sustentada pelo con;unto do
empresariado. A transferência de renda que se colocava como
necessária orientava-se no sentido de favorecer a capitalização
do setor empresarial urbano e a capitalização do setor público,
na medida em que este, como indicamos, participou da criação
da base industrial nacional. Em conseqüência, impunha-se
uma taxação direta ou indireta - ao setor exportador e se sus-
tentava uma política de favorecimento da capitalização atra-
vés de expedientes, como a inflação, que transferia ren4as dos
setores proprietários e dos setores assalariados para o setor
empresarial. 24 Ideologicamente, essa situação se justificava
em nome do "desenvolvimento nacional", expressão que con-
tém dois elementos significativos básicos: ampliação da parti-
cipação social (formação de mercado) e fortalecimento dos
núcleos nacionais de decisão econômica, em oposição ao antigo
estilo de dependência baseado na economia exportadora. As-
sim, certas idéias-fôrça, como a "reforma agrária" e o fortale-
cimento do setor público do sistema produtivo, .pareciam como
elementos. fundamentais da ideologia naclonal de desenvolvi-
mento, pois eles refletiam ao mesmo tempo a condição estru-
tural do setor industrial e sua aspiração à ampliação do mer-

23 Sobre este processo, o melhor estudo é o de Maria Con-


ceição Tavares, "Auge y Decllnación dei Proceso de Substitu-
ción de Importaciones en el BrasU", em BoZetfn Eco'llómwo de
América. Latina, vol. IX, n.O 1, Santiago, 1964. Para uma anãll-
se mais geral, Celso Furtado, DeveZopment and 8ta.gnation in
Latin America: a 8tructural Approach., Yale Unlverslty, New
Haven, 1965. E para uma caracterização sóclo-econÔmIca, ver
o artigo de Hirschmann citado no capo IV.
24 Cf. anãllse de Baer, op. cito
110 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

cado. Como o empresariado não poderia aspirar à hegemonia,


deveria fortalecer-se indiretamente - contra o setor agro-
-exportador e contra a situação de dependência externa - am-
pliando o mercado interno, aceitando, portanto, medidas como
a reforma agrária e apoiando as políticas tendentes a fortale.
cer o Estado Nacional. Entretanto, essa ideologia aparece for-
mulada de modo coerente, como dissemos, um tanto tardia-
mente, com respeito às condições práticas de ação econômi-
ca.: 2S nem Frondizi poderá executá-la, nem os governos poste-
riores a Kubitschek terão condições para prosseguir uma p0-
lítica de expansão salarial sem afetar negativamente a taxa de
formação de capitais. Ao contrário, diante da tendência à
queda da taxa de crescimento e das desvantagens crescentes
nas relações internacionais de comércio, impuseram.se políti-
cas de contenção e busca de meios externos de financiamento
da industrialização.
O último ponto merece destaque: depois do declínio do
modelo de desenvolvimento orientado pelo mercado externo,
nunca houve taxas tão altas de investimentos diretos de ca-
pitais externos na Argentina e no Brasil como durante os G0-
vernos de Kubitschek e Frondizi. Isto é, justamente quando a
ideologia nacional-desenvolvimentista atingia o ponto de sa-
turação, um de seus termos básicos, o nacionalismo (consubs-
tanciado por uma política de fortalecimento do setor público
da economia e pelo apoio aos grupos industriais nacionais), era
na prática substituído por uma· política de investimentos ex-
ternos. 28 Enquanto perduraram os efeitos dinamízadores dos
investimentos externos - orientados, quase sem exceção, para
atividades como a indústria automobilística, de grande efeito
multiplicador e dependentes da rápida expansão do consumo
- a outra base da política nacional-desenvolvimentista, a "in-
corporação de massas", pôde manter-se.

21 Para o caso do Brasil, encontrar-se-á bibliografia abun-


dante nas publicações do ISEB. Para o caso argentino, os tra-
balhos publicados por Rogerio Frigerio durante o Governo de
Frondizi testemunham posição ideológica semelhante.
28 :Ir: desnecessário fâzer referência aos livros que expres-
sam o pensamento de Frondizi nesta matéria, por todos conhe-
cidos. Por outro lado, no Plano de Metàs e na politica de im-
plantaçi.o das "indllstrias dinAmicas" do Governo Kubitschek, o
modelo de "desenvolvimento associado" configura-se claramente.
SITUAÇÃO ESTRUTURAL E ALIANÇAS POLíTICAS 111

Essa possibilidade facilitou, inclusive, a permanência de


importantes apoios políticos de base populista aos governos
desenvolvimentistas. Entretanto, cessados esses efeitos, o di-
lema da industrialização se fez sentir mais duramente. Com
efeito, ou se propiciavam políticas de contenção salarial, in-
tensificação da capitalização, maior racionalidade e produtivi-
dade, ou se optaria por uma política de profunda altera-
ção na distribuição da renda, para continuar a expansão do
mercado atingindo duramente os setores mais atrasados da
economia, de menor produtividade relativa. Esta última al-
ternativa implicaria golpear amplos setores agrários, a buro-
cracia civil e militar e certos setores industriais. Politica-
mente, portanto, o dilema será: estabelecer o sistema de for-
ças com base em uma aliança entre o operariado e as "classes
produtoras", ou das classes produtoras entre si, com exclusão
das massas. As classes médias, em qualquer hip6tese, seriam
encaradas como aliadas potenciais pelos que propugnavam por
um ou outro tipo de aliança política. Ora, a primeira alterna-
tiva era manifestamente inviável nos quadros gerais que defi-
niam o sistema de poder depois das aludidas transformações
do nacional-desenvolvimentismo. As bases sociais da nova p0-
lítica assentavam sob fundamentos cdnhecidos: a "grande em-
presa", estrangeira, nacional e pública, criara um empresaria-
do que começava a entrever possibilidades de um "projeto de
domínio". Entretanto, a consecução desse "projeto de domí-
nio" não passava mais pelo campo magnético do nacional-
-populismo: as dificuldades crescentes para a sustentação de
uma política de redistribuição salarial e de formação interna
de capitais levara o empresariado - isto é, o setor do empre-
sariado que fará a transição entre a indústria de substituição
ligeira e a indústria dinâmica - a sustentar um modelo de
desenvolvimento que implica associação crescente com capitais
estrangeiros e leva à aceitação de um padrão de "industriali-
lização restritiva".
Convém precisar mais este modelo de industrializaçãO
restritiva, que serve de fundamento, segundo cremos, à moda·
lidade de dependência que orienta na atualidade as .relações
entre o centro e a periferia, entre as economias altamente in·
dustrializadas e os países subdesenvolvidos que se industriali-
zaram.
112 POLíTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Do ângulo que nos interessa neste trabalho, a diferença


fundamental entre o modelo de desenvolvimento substitutivo
de importações posto em execução no período nacional-populis-
ta e o novo modelo de industrialização restritiva se evidencia
pela natureza do mercado por eles requerido. No primeiro
caso, como se trata de implantar indústrias de consumo ime-
diato e indústrias de bens duráveis porém de "consumo am-
pliadô", a expansão industrial se dá simultaneamente, com a
expansão do merCado, quer dizer, supõe a integração contínua
de consumidores ao sistema urbano-industrial. O novo mo·
delo i~lica um mercado de outra natureza: as grandes uni·
dades produtoras formam entre si o circuito produçio-consumo.
Quando se trata de indústrias de tipo de mecânica pesada,
eletricidade pesada, máquinas industriais etc., e mesmo certo
tipo de produção de bens acabados, como navios, o número
de consumidores e sua natureza são obviamente distintos.
Trata-se, nesse caso, de poucos consumidores com grande ca-
pacidade financeira. Estes no limite terminam por resumir-se
às grandes empresas e ao Estado.
Naturalmente, uma industrialização desse tipo se ap6ia
na existência prévia de uma industrialização convencional, do
tipo anterior. Se apóia, mas, QO mesmo tempo, não s6 dela
se distingue como, em certo sentido, a subordina: as decisões
de política econômica gravitarão mais em torno das necessi-
dades de nova industrialização do que da industrialização para
o consumo ampliado de massa. Por trás desse processo en-
contra.se uma transformação na forma como se realiza .a
acumulação decapitais, à medida que o avanço do de-
senvolvimento capitalista cria bases mais sólidas e amplia a
escala de acumulação, bem como de realização da mais-valia.
Nos países de desenvolvimento originário este processo
também se deu. Mas suas conseqüêncisa sociais e econômicas
foram notadamente distintas. 27 Foram diferentes por .duas
razões principais: a primeira, de ordem gerll1, diz l'CSpeito à
ocorrência prévia de uma "revolução agrária" e à existência

:ri Ver, sobre essas diferenças, o já referido trab!llho .de


Caroosoe Reyna e também Glaucio Soares, "]4 nouvelle ln4us-
trializat10n et le systwe politique brésilien", em BociolOgle d"
Tra'OOU, ano IX, D.a S, Paris, ·julho-setembro de 1~1, págs. 81.··
-328.
SITUAÇÃO EsnUTURAL E ALIANÇAS POLfTICAS 113

de maior dinamismo na capitalização naqueles países, pro-


cessos que asseguraram, de qualquer modo, expansão acentua-
da e contínua do mercado. A segunda, específica, se refere às
condições de criação e aplicação da tecnologia. Enquanto nos
países de desenvolvimento originário se mantinha uma certa
relação entre mão-de-obra disponível e tecnologia, pois sua
criação era autóctone e sua utilização era regulada por meca-
nismos internos ao sistema econômico, nos países periféricos
que se industrializam a tecnologia é importada. Assim, as
técnicas que economizam mão-de-obra se instauram em socie·
dades com abundância de mão-de·obra e os padrões técnicos
de seleção das inovações não se definem em função. do interes-
se intrinsecamente econômico da produção, mas sim obedecen.
do aos padrões de consumo, regulados por um mercado aberto
e em concorrência. Como condição mais geral e inclusiva que
explica estes processos, está o fato de que a intensificação da
industrialização dependente ocorre como resultado da própria
forma que a acumulação e exportação de capitais se dá na
economia capitalista mundial depois da Segunda Guerra Mun·
dial, quando se completa a monopolização e se formam os "con·
glomerados" econômicos.
A persistência de mercados abertos, depois que são ab-
sorvidos capitais estrangeiros e que as empresas estatais ou
privadas nacionais obtêm financiamentos para a compra de
máquinas modernas, permite uma "internacionalização do mer-
cado interno". Este conceito, que expressa a situação de de.
pendência dos países industrializados da periferia do sistema
capitalista, indica que uma parte do sistema econômico no
interior. da Nação - e não só o setor estrangeiro, mas o con·
junto do "setor moderno" - se diferencia do resto do sistema
econômico, adquire dinâmica pr6pria e subordina os demais
setores à s~a dinamica e que esta se rege por normas da capi-
talização, produtividade e mercado que se assemelham às vi-
gentes nas economias· centrais.
];: evidente que em termos econômicos essa cc situação de
dependência" se distingue das modalidades descritas no capí-
tulo anterior. Antes, sob a vigência do modelo de crescimen.
to exportador, o circuito do capital começava no interior do
sistema econômico, passava, sob a forma de mercadoria, pelo
mercado internacional, e voltava - depois de pagar sua "quota
114 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES D1!PENDENTES

de dependência" - ao sistema econômico nacional; no novo


modelo, o ponto de origem do capital pode ser tanto externo
como interno - em cujo caso a "quota de dependência"
será paga indiretamente pelos serviços de juros dos financia-
mentos pela compra da tecnologia ou pelos fretes etc. - mas
o que é significativo é que a realização do lucro se faz no
interior do sistema econômico dependente. Sob este a6pClCto
os interesses da "grande indústria", nacional, estatal ou es-
trangeira, se solidarizam: trata-se de garantir o fuBcionamento
do mercado oligopólico forte, capaz de permitir o funciona·
mento do sistema. É verdade que potencialmente a fCIlda ge-
rada pela empresa estrangeira -está à disposição dos eenttos
externos de decisão, enquanto no caso das outras empresas
não. Entretanto, não s6 o Estado pode influir sobre o movi-
mento dos capitais, como também o interesse de longopruo
das empresas se define, teoricamente, no sentido do reinves-
timento. Assim, esse argumento de enorme importânciaptá-
tica é teoricamente menos significativo para caracterizar o fun-
cionamento do mercado de "industrialia8çãorestritiv:a". De
qualquer modo, o corte entre indústria nacional eesU4DgeHa
terá menos significação em termos das repercussões sociais e
políticas que acarreta, do que o corte entre a indústria para
o consumo ampliado e a indústria de consumo restrito. Sua
importincia se mantém, mas por acréscimo: serão estrangeiras
as empresas mais dinâmicas que dão vigência ao modelo de
industrialização restritiva. 18
Com efeito, a partir da instauração no interior do sis-
tema econômico no Bra~ e na Argentina de um setor impor-
tante deste tipo, praticamente se dá uma cisão na estrutut'a
social, de tipo vertical, que se acrescehta à de tipo horizontal.
Assim, não s6 o empresariado se segmentará comormese trate
de um grupo que se orienta pelo modelo nacional-desenvol·
vimentista, ou pelo modelo de industrialização restritiva e in-
ternacionalizada, como os demais grupos sociais se articula-
rão em função deste corte: haverá por um lado um proleta-
riado moderno,· vinculado às emp~s de alta produtivi-

lia Ver Cardoso, F. H., e FaJetto, 'Enzo, Dependencia 1/


DesarroUo eft,A~ LatiM, -ILPEB, BaIlttago, 198'1, -esp. capo 6.
Ver um estudo deste lletorfeitopor LeOncio lIf1ll'tlM
211
Rodrigues, Atitudes OJHmiriaa na lImyreaa ....t6totMbUfBttca, SI.o
SITUAÇÃO ESTRUTURAL E ALIANÇAS POLíTICAS 115

dade que oferecem, para poUCOS empregados em termos rela-


tivos, níveis razoáveis de remuneração, e por outro lado, um
proletariado tradicional; uma pequena burguesia técnico-profis-
sional e uma classe média tradicional; e mesmo instituições
como o Estado, as Forças Armadas ou a Universidade terão
focos de orientação do comportamento polarizados em forma
divergente segundo os dois modelos referidos.
Resulta, portanto, uma situação extremamente complexa,
porque se na etapa anterior de desenvolvimento se processava
uma "marginalização" social e econômica - modo eufêmico
de fazer-se referência a altas taxas de exploração - a nova
modalidade de industrialização não apenas mantém esta situa-
ção com relação à massa, como provoca uma revolução no
interior dos antigos setores dominantes, cortando-os, como vi·
mos, em dois segmentos e criando novos tipos de "marginali-
dade" com relação ao núcleo do sistema social e econômico.
Dessa forma, as alianças políticas que se tomam possíveis para
dar curso aos projetos de dominação são extremamente varia·
das e deixam de ser a expressão das oposições simples que
se definiam no plano horizontal da estrutura social.
Foram distintas as conseqüências desse novo modelo de
desenvolvimento industrial dependente quanto à reorganização
das forças sociais no Brasil e na Argentina. Mas, em qual-
quer dos dois países, a crise do projeto nacional-burguês de
desenvolvimento é concomitante com a crise do populismo.
Apenas, enquanto na Argentina o populismo deixara como sal-
do uma classe operária organizada, no Brasil, como se sabe,
essa organização é mais débil. Em conseqüência, do ponto de
vista do projeto de dominação industrialista, a rearticulação do
sistema de alianças na Argentina terá de enfrentar o problema
da "quebra" da estrutura sindical e do movimento peronista,
seja pela divisão interna da organização de classe, seja pela
inlposição violenta de uma nova ordem, em que talvez se
admita corporativamente a presença operária, mas não se acei-
ta pollticamente o controle de parte do sistema de decisões
pelo operariado. Por outro lado, a pressão da massa tenderá
a ser mais organizada e mais "operária" na Argentina, en-

Paulo, F.F.C.L. da .USP., ed. mlmeografada, 1967. Sobre o com-


portamento dos salários. ver nota 20.
116 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM ·SocIEDADES DEPENDENTES

quanto, no Brasil, a massa nã<H>perária, rural e urbana, será


estruturalmente um fator pelo menos tão importante da di-
nâmica política como o setor organizado da classe operária.
Mas essa "massa" estará coibida para conduzir uma política
própria devido à sua situação inorganizada e talvez inorgani-
zável enquanto massa.
Em qualquer hipótese, entretanto, quando surge a possi-
bilidade estrutural de um projeto burguês de àominação po-
lítica já não existem possibilidades objetivas de uma economia
nacional. Portanto, mesmo quando o setor industrial da bur-
guesia trata, a partir dessa época, de propor uma "política de
massas", sua significação será distinta do que foi o populismo
desenvolvimentista: a dominação burguesa, no quadro de uma
situação de dependência estrutural do tipo descrito, supõe an-
tes de tudo unidade intemacional de classe e internamente
buscará legitimidade pelo apoio de grupos organizados das
demais classes, capazes de expressar-se corporativamente, mas
tenderá a restringir as políticas de mobilização maciça. Os
marcos limitados de um modelo restritivo de industrialização
favorecem a transformação rápida dos "núcleos dinâmicos" das
economias periféricas, formando verdadeiras "ilhas de desen-
volvimento e modernização~', mas não têm o dinamismo -
nem o interesse ~ para provocar transformações globais. Em
conseqüência, estruturalmente não se colocam como possíveis
para as classes dominantes políticas que impliquem mobilização
de massa ou jogos eleitoral-reivindicatórios.
Obviamente, entre as possibilidades estruturais descritas e
a realidade do comportamento histórico existem diferenças sig-
nificativas. A primeira e principal reside no fato de que as
forças sociais organizadas em função do modelo nacional-desen-
volvimentista não se desfazem ao sabor da aparição de no-
vas modalidades de estruturação social e de polarização do
comportamento. A elas se opõem, com elas se compõem ou
se .aliam as demais forças sociais que fazem oposição ao mo-
delo reStritivo de desenvolvimento. A atuação concreta das
diferentes forças sociais dependerá ainda das ideologias que
os diferentes grupos sociais elaborem para orientar e justifi-
car sua ação. Essas ideologias, isto é, os valores, crenças e
políticas ptopostos pelos grupos dominantes ou em ascensão
e~primirão, em parte, a situação estrutural que os condiciona,
SITUAÇÃO EsnUTURAL E ALIANÇAS POLfTlCAS 117

mas em parte imprimem nela as marcas de uma vontade cole-


tiva, que se não é arbitrária, pelos menos não é puramente
reflexa.
Nos capítulos seguintes veremos como, dentro dos limi-
tes antes resenhados, um setor importante da burguesia in-
dustrial argentina e brasileira constitui sua ideologia.
Veremos que aliados os empresários, crêem ser úteis para
pôr em marcha seus próprios interesses e procuraremos ana·
lisar de que mo<1o aparece, no nível ideol6gico, a possibilidade
da cristalização de um projeto de dominação no momento em
que as bases sociais e econômicas do desenvolvimento já não
se dão mais nos limites de uma "economia nacional".
CAPÍTULO IV

IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS

o S CAPÍTULOS anteriores ressaltam dois momentos do pro-


cesso de integração dos grupos empresariais na estrutura eco-
nômica e social dos países considerados. O primeiro momento
se caracteriza pelo fortalecimento do mercado interno, pela
transferência de capitais dos setores econômicos preexistentes
(mercantis e agrários) para o setor industrial e, concomitante-
mente, pela ampliação do consumo e pela mobilização social
e política de setores que viviam à margem da sociedade "oli-
gárquico-exportadora". O segundo momento, que chamamos
de fase da "industrialização restritiva", em oposição ao tipo
anterior de industrialização chamada pelos economistas de "in-
dustrialização substitutiva", 1 caracteriza-se pela importância
crescente dos setores de produção de bens intermediários e
bens de capital, pela adoção de tecnologia moderna que eco-
nomiza mão-de-obra, pela formação de camadas sociais com
capacidade de consumo relativamente alta, pela adoção de um
padrão de crescimento econômico baseado nas grandes unida-
des de produção e, por fim, se assenta num processo de ex-
clusão e marginalização social e política de novo tipo.
Em qualquer dos dois modelos de organização social e
econômica o empresariado industrial nacional terá diante de si

1 Sôbre as caracteristicas desse tipo de industrialização


substitutiva de importações, existe um excelente trabalho de
Maria Conceição Tavares, "Auge e declinio do processo de s)1bsti-
tuiçlo -ae importações no Brasil", em Boletim Ecotu5mico da
América Latina, voI. IX, n.O 1, março de 1964; e também, para
a análise de aspectos soeio-culturais além dos econômicos, veja-
-se a sintese extremamente sugestiva de Albert Hirschmann,
"The political. economy of import-substituting industrialization
in Latin America", em The quarterly Journal 01 Economics, voI.
LXXXII, fevereiro de 1968.
IDEOLOGIA B ALIANÇAS POLíTICAS 119

alternativas e limitações para participar do jogo político. Estas


lhe darão, simultaneamente, um amplo campo de manobra -
que permitirá por vezes o oportunismo político - e um papel
relativamente secundário nas alianças de poder que sé estabele-
cem. Assim, por um lado, as relações entre os "representan-
tes da indústria" e os governos populistas na fase de auge do
nacional-populismo foram - como é sabido - de perplexida-
de diante do novo esquema de Poder. A burguesia industrial
nasceu no seio da sociedade elitista do período exportador.
A maioria de seus membros ligava-se diretamente e sem di-
vergências de monta ao conjunto das "classes produtoras", na
medida em que as indústrias de exportação eram solidárias ec0-
nomicamente com o sistema agro-exportador. Com freqüên-
cia eram os mesmos personagens quem, no interior de sindi-
catos comuns, falavam pela indústria e pela economia rural. 2
:e certo que alguns industriais, precisamente os empresários
seI! made man, de origem imigrante ou não-elitária, distan-
ciavam-se deste quadro. Mas estes encontravam-se de tal
forma marginalizados no conjunto das forças dominantes que
não pesavam nas decisões políticas e econômicas da nação.
:e evidente que nesse contexto as políticas populistas - de
Vargas, mas principalmente de Per6n - teriam de ser recebi-
das com perplexidade e desagrado pelo conjunto das classes
produtoras, reações essas que os discursos de representantes
da indústria não deixaram de registrar. 3 Porém, diante do
fato consumado da nova relação de forças, os industriais sou-
beram sempre reagir com "sagaz realismo". Alinhavam-se no
esquema populista, opondo eventualmente obstáculos concre·
tos aos "excessos distributivistas" e propondo políticas e ideo-
logias alternativas à idéia de "conquista social dos direitos dos

2 O caso dos dirigentes da UIA antes do peronismo exem-'


pllfica bem essa situação. E mesmo nas entrevistas que fize-
mos em 1963 encontramos dirigentes dessa câmara empresarial
ligados a interesses agropecuários. Ver, ademais, o livro já.
citado de Dardo Cúneo, e em especial os discursos de Luiz Co-
lombo nele reproduzidos.
3 Ver, ainda uma vez, Dardo Cúneo, op. cito A atitude de
desconfiança e mesmo de hostilidade das classes produtoras di-
ante da "ditadura getulista" é de todos conhecida. Os jornais
que mais tIpicamente representam esses interesses ainda hoje
mantê'm reservas sérias na reavaliação do getulismo.
120 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

trabalhadores", que preferiam ver substituída pela idéia de


"colaboração de todos no esforço de reconstrução nacional".
Nos dois casos, no brasileiro e no argentino, quando as con-
junturas populistas de Poder entraram em crise, viu-se, por
outra parte, o realinhamento fácil da indústria e sua adesão
às respectivas "revoluções democráticas". Como é natural,
alguns líderes industriais que se haviam comprometido dema-
siado com o populismo não puderam operar a reconversão, mas
"a indústria" teve liberdade de movimento suficiente para acei-
tar as novas realidades políticas. Muito dos antigos valores
liberal-exportadores - agora em contradição flagrante cotn o
desenvolvimento do sistema produtivo - se inscreveram de
novo no cerne das reivindicações de classe, defendidas pelos
sindicatos e federações das indústrias.
A ambigüidade do comportamento político do empresa-
riado brasileiro e argentino nesta etapa foi objeto de estudos
anteriores 4 e as hipóteses de explicação desse fenômeno são
conhecidas: o setor industrial, por suas origens, por seus in-
teresses e por sua inserção estrutural, ficou limitado entre,
por um lado, a política de manutenção de ordem, que evita o
risco de perda do controle da situação social global e acarreta
o ônus de uma industrialização compatível com os interesses
estabelecidos, interhos e internacionais, e, por outro lado, uma'
política de modificações rápidas e audaciosas, que implica a
seleção de aliados inseguros - as massas urbanas - e possi-
velmente débeis pzra garantir a continuidade do crescimento
econômico. Os fiéis da balança, nessa conjuntura, sãb outros

4 Cf. estudos já. indicados de Martins de Almeida, Imaz,


Cúneo, Ianni e nossos. Ver, ainda, as aná.lises de Nelson Wer-
neck Sodré, História da Burguesia Brasileira, Rio, Civilização
Brasileira, 1964, e Jorge Abelardo Ramos, Reoolución 11 Con-
traTT6volución en la Argentina, Editorial Plus Ultra, Buenos
Aires, 1965. Além desses dois trabalhos, de natureza mais his-
tórico-pol1tica, existem estudos de opinião que avalizam as aná.-
lises aqui expostas : ~ichers, Machiline, Bouzan, Carvalho e
Bariani, Impacto de Açl20 do Governo 80bre a8 Empresaa Bra-
sileiras, l!'undaçãoGetíilio Vargas, 1963; Eduardo Zalduendo,
"EI empresario industrial en América Latina: Argentina", e
F. H. Cardoso, "EI empresario industrial en América Latina:
Brasil", ambos trabalhos apresentados ao Décimo Perlodo de
Besiones de la Comisión Económica p/América Latina: /(Cepal),
Mar deI Prata, 1963.
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLfnCAS 121

grupos e classes sociais: quando parte do exército e


da intelectualidade - e com eles a massa amorfa das "classes
médias" - compartilha momentaneamente políticas de trans-
formação rápida, "a indústria" a elas se agrega; quando essas
forças se definem pela preservação da ordem e dos "valores
nacionais" - aí incluídos aspectos da ideologia oligárquico-
-conservadora - "a indústria" os precede.
O comportamento político do setor industrial diante do
novo esquema de poder estabelecido para dar curso à "indus-
trialização restritiva" é menos conhecido. Por certo, também
nesse caso a maioria do setor industrial nacional estará à mar-
gem do novo eixo hegemônico. Às razões anteriores de limita-
ção da capacidade de ação política do setor industrial se junta-
rão novas, relacionadas com o já indicado corte vertical que
a "nova industrialização" implica a estrutura econômica, a
estrutura social e a estrutura política. Entretanto, alguns seg-
mentos da indústria - os mais dinâmicos economicamente e
tecnologicamente mais modernos - parecem participar de for-
ma plena, talvez pela primeira vez na história desses países,
do eixo de decisões. Anteriormente essa participação, como
indicamos, ou se dava secundariamente, ou se dava em função
da política de "interesses compartidos" das classes produtoras.
Agora o processo assume outras características: vislumbram-se
fissuras no interior do setor industrial. Algumas federações
continuarão exprimindo os interesses da etapa substitutiva, ra-
ciocinando em termos de consumo ampliado, como é o caso no-
tadamente das indústrias têxteis e de alimentação, enquanto
novas associações, à margem muitas vezes do sistema sindical
nacional, passarão a expressar o ponto de vista da "nova in·
dustrialização", 5 como, por exemplo, as associações das indús-

5 Os estudos sobre esse novo tipo de induBtrializaçlo do


ainda raros. Em trabalhos anteriores haviamos sugerido a al-
ternativa da formação de uma espécie de "subcapitaItsmo" no
Brasil (cf. Empresário Industrial e Desenvolvimento Ec0n6mko,
op. cit.>. Na verdade, o processo de desenvolvimento seguido
é muito mais complexo do que seria posslvel explicar pelo con-
ceito de subcapitalismo. Em estudos mais recentes (cf. Cardoso
e Faletto, DependetllCia y DesaTTolZo en América Latina, op. cit),
sustentamos a Idéia de um padrão de desenvolvimento industrial
dependente. Alguns autores já haviam chamado a atençlo para
a especificidade do processo de Industrializaçlo na América. La-
122 POLÍTICA E DESBNVOLVIMENTO EM SocIBDADES DEPENDENTES

trias mecânicas pesadas, da indústria de base, ou das indústrias


do aço, algumas delas organizando-se internacionalmente.
Entretanto, as políticas que teoricamente as grandes· uni-
dades produtivas podem adotar passam também. pelo fio da
navalha, como no caso do desenvolvimento nacional-populista.
S6 que enquanto neste a indústria se via compelida a atuar
entre a maré montante das classes populares e os riscos de es-
tagnação, agora terá de escolher entre a pressão crescente de
pólos autoritários de decisão e a transferência também cres-
cente dos centros de decisão para o exterior, na medida em que
o padrão industrial vigente requer investimentos e recursos
tecnológicos que não estão à disposição do empresário nacional.
A pressão popular estará sob controle, o problema de mercado,
sendo um mercado restrito e de altas rendas o que se requer
para este tipo de industrialização, pode estar relativamente
assegurado, mas o problema do controle do próprio sistema
industrial é posto em causa.
Obviamente as alternativas que se oferecem ao empre-
sariado são múltiplas e seria aventuroso propor esses proble-
mas como dilemas. O padrão de associação crescente com os
investimentos estrangeiros parece ser a tendência objetivamen-
te predominante, e o sistema interno de decisões políticas pode
ser reconstruído, com exclusão popular está claro, mas sem que
os setores industriais estejam à sua margem, isto é, sem que
os "setores dinâmicos' e de alta tecnologia" se marginalizem

tina e falavam de um capitalismo industrial periférico, como


CAndido Mendes de Almeida, NacionaliBmo e Desenvolvimento,
Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos,
1963. Porém, com acepção próxima à. que atribuímos à. noçAo
de "desenvolvimento industrial dependente", as referências bi-
bliográficas mais adequadas são Florestan Fernandes, Bocieda-
de de Classes e Bubdesenvolvimento, ed. mimeografada, 78 pãgs.,
e o artigo de Nelson Melo e Sousa, "Subdesenvolvimento e neo-
feudalismo industrial", em Cadernos Brasileiros, n.O «, nov.-dez.
de 1967, págs. 21, 34. Para uma análise impregnada da ideolo-
gia da "industrialização dependente", ver Frank Brandenburg,
Desenvolvimento da Livre Empresa Latino-Americana, Bogotá,
1966. Em termos gerais, a obra que criticou com mais vigor
o "desenvolvimento" e suas implicações na análise da formação
do capitalismo na América Latina foi a de A. G. Frank, cujos
livros principais ainda nAo se encontram, tnfellzmente. publlca-
dos em português.
IDEOLOGIA B ALIANÇAS PoLfnCAS 123
dele. Por outro lado, há possibilidades de acordo entre o setor
estatal da economia - em geral concentrado em ramos que
ganham dinamismo com a nova industrialização - e os grupos
privados típicos da nova fase econômica.
Neste e no pr6ximo capítulo veremos como esses pro·
blemas aparecem na reação dos empresários industriais brasilei·
ros e argentinos diante de algumas questões básicas, que lhes
foram propostas. O modelo de industrialização restritiva é
recente, tanto no Brasil como na Argentina. Para dar uma
data, poder-se-ia falar dos Governos de Kubitschek e Frondizi
como períodos iniciais da nova industrialização. Em conse-
qüência, a polarização ideol6gica dos empresários não se faz
necessariamente em função das alternativas concretas que a si·
tuação atual propõe como viáveis. Persistem como orientações
valorativas algumas dimensões do modêlo nacional-populista.
Este, entretanto, nunca assumiu, no comportamento aberto dos
empresários, a forma que lhe era atribuída. Ao contrário,
como vários estudos anteriores mostraram, 8 nas ideologias em·
presariais predominaram as orientações elitárias, inspiradas no
esquema das economias exportadoras.

ORIGEM SoCIAL E ATITUDE POLÍTICA

Os trabalhos disponíveis sobre a persistência de ideolo-


gias que implicam uma visão "tradicional" do mundo insistem
na importância da origem dos industriais como uma explicação
para suas atitudes políticas. Classe recente, em termos hist6-
ricos; produto, por um lado, da diferenciação econômica das
antigas classes produtoras do período agro-exportador e, por
outro lado, resultado da ascensão social de imigrantes, o em·
presariado industrial nasceria dividido e limitado estrutural·
mente para que pudesse tomar consciência de seus particula-
res interesses. Não iremos repetir aqui análises já feitas que
extraem dessas afirmações sua validade e suas limitações. T

8 Ver trabalhos indicados na nota 4.


T Ver sobre isso, especialmente, os já citados estudos de
Luciano Martins, op. cit., e de Cardoso, "Hégémonie bourgeoise
et indépendence économique", op. cito Note-se que nos capltulos
anteriores apresentamos outros quadros que mostram o tipo de
origem dos capitais com os quais se formaram as empresas In-
dustriais controlados pelos empresários que entrevistamos.
124 PoLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Apresentaremos, apenas, algumas informações que ajudam a


caracterizar os empresários estudados e que, nesse nível geral
e inicial de análise - pois mais adiante retomaremos o tema -
servem, à guisa de "hip6tese externa", para caracterizar o con-
texto social no qual atuam os empresários industriais.
Comecemos ãnalisando a ocupação dos pais e avós dos
empresários. estuâados, para verificar a procedência das hi·
p6teses sobre suas origens sociais:
QUADRO N.o 1

OCUPAÇAO PRINCIPAL DOS PAIS E AVOS PATERNOS


QUANDO O EMPRESARIO TINHA 15 ANOS
(BRASIL)

PAIS AVOS
Ocupaçdo Principal Emp. Emp. Emp. Emp.
Grandes M61Ua8 Grandes M61Ua8

Grandes empresá.rios
e capitalistas 60% 34% 34% 26%
Empresários médios
e profissionais li-
berais 26% 34% 40% 36%
Empregados e traba-
dores 14% 26% 10% 8%
NS-NR 6% 16% 30%
TOTAL 100%(50} 100%(50) 100% (50) 100% (50)

QUADRO N.o 2

OCUPAÇAO PRINCIPAL DO PAI QUANDO


O ENTREVISTADO TINHA 15 ANOS
(ARGEN'l'INA)

Ocupaçc1o PrincIpal
Comerciantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22%
Industriais ............................. 21 %
Profissionais Liberais 14%
Agrários .... ',' . • . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . 11 %
Combinações Anteriores 18%
Outros 14%
TOTAL 100% (168)
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS
12'
A comparação entre estes dados e os resultados obtidos
em investigações em países de "desenvolvimento originário"
mostrará que os empresários no Brasil e na Argentina se re-
crutam em camadas relativamente: mais altas de população. 8
Mesmo controlando-se as variáveis relativas à ocupação dos
av6s e ao nível econômico da família quando o empresário
tinha 15 anos, confirma-se a tendência a resultados que indi·
cam uma origem social não-popular:

QUADRO N.o 3

RELAÇAO DAS ATIVIDADES DO PAI


COM AS ATIVIDADES ATUAIS DO ENTREVISTADO

Relação das Ativi-


dades do Pai Argentina Brasil {Grandes}
Mesmas atividades 31% 48%
Atividades distintas .. 69% 52%

TOTAL 100% (168) 100%(50)

QUADRO N.o 4

SNTUAÇAO ECONOMICA GERAL DA FAMtLIA


QUANDO O ENTREVISTADO TINHA 15 ANOS
(BRASIL)

SituaçiI.o Económica Empresas Empresas


da FamUia Grandes Médias

Muito boa . 32% 20%


Boa . 42% 46%
Regular . 20% 24%
Má . 6% 10%

TOTAL . 100% (50) 100%(50)

8 De resto, a tendência a um recrutamento social dos em-


presários a nlvel mais alto nos palses que, quanto à industriali-
zação, como diz Hlrschmann, são "late late", se confirma para
o Chile pelos dados de Dale Johnson, pág. 96, na pesquisa já
126 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

Da mesma forma, lembrando sempre que se trata de uma


caracterização geral e inicial, o padrão familístico de controle
dos empreendimentos industriais parece prevalecer, principal-
mente nas empresas brasileiras:

QUADRO N.<\ 5

MEIOS PELOS QUAIS OS ENTREVISTADOS COMEÇARAM


A MANTER RELAçoES COM AS EMPRESAS

Argentift1J.
Brasil
(GraMes)
Brasil
(Médios)
I
Porque é proprietário
da empresa ........ 27% 68% 40%
Por indicaçAo de dire-
tores ou sócios .... 11% 6% 12%
Porque tinha algum
parente ........... 9% 8% 18%
Por mandato ou re-
presentaçAo da fa-
núlia o •••••••••••• 4% 12% 8%
Por contrataçA.o direta 29% 12%
Representando grupos 4% 8%
de acionistas 12% 1%
Combinações •••• 0 ••• 8% 2% 1%
NS-NR ••••••• 1 •••••

TOTAL 100% (168) 100%(50) 100% (50)

Seria difícil manter, diante dos quadros apresentados, a


idéia de que atualmente os fatôres referidos de origem social
"comprometida" - seja com a oligarquia, seja com a massa
popular - impedem a cristalização de um ponto de vista com-
patível com os interesses de classe do empresariado. Ao con-
trário, os dados mostram que começa a existir um empresaria-
do recrutado no interior dos grupos empresários e que, se al-

indicada. A análise do nivel de educaçAo dos empresários ( que


nAo faremos neste trabalho) tndicarã, da mesma maneira, uma
tendência a maior escolaridade no caso dos empresários latino-
-americanos do que em paises da Europa ou nos E.U.A. Para
essas comparações, ver o trabalho de Bendix e Lipset, BocíaZ
JlobUUy in Industrial Bociety, Universtty of California Presa,
Berkeley. 1963.
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLÍTICAS 127

gum "elitismo" vai manifestar-se em suas aspirações e atitudes,


haverá que propor hipóteses de explicação mais complexas que
a simples "origem social". Por certo, esta ainda pesa no com-
portamento empresário, mas requer sua qualificação. De for-
ma análoga, parece claro que existem fatores de diferenciação
quando se compara o empresariado argentino com o brasileiro
e, no interior deste último, os industriais que controlam gran·
des empresas e aqueles que controlam as médias. Convém,
entretanto, tomar com prudência a primeira dessas distinções.
No caso dos empresários brasileiros apresentados nos quadros
anteriores, consideram-se somente os que têm maioria de ações
em empresas predominantemente nacionais. Em duas palavras:
a "burguesia nacional". No caso argentino, como se assinala
na nota 11, consideram-se empresários de outro tipo. É pro-
vável que mesmo controlando-se esses fatores, ainda se encon-
tre no Brasil um padrão mais familístico de controle empresa-
rial do que na Argentina, embora por motivos técnicos não
nos seja possível avaliar com os dados disponíveis até que
ponto isso é verdadeiro.
No conjunto, entretanto, os quadros mostram que os em-
presários entrevistados tendem a ser "de segunda geração".
Se eventualmente seus avós foram operários, na geração de
seus pais deu-se um processo de ascensão social. E,pelo con-
trário, se foram proprietários rurais, seus pais já tinham inte-
resses eéonômicos urbanos. As ligações porventura existentes
entre sua visão do mundo e os interesses das classes rurais ou
da massa popular deverão ser explicados, portanto, mais em
termos da situação de interesses e dos paradigmas valorativos
por eles sustentados do que por intermédio de "hipóteses ex-
ternas" do tipo das aludidas que insistem na origem social e
na falta de "sedimentação histórica" da burguesia industrial. I

I Convém esclarecer que isso não significa que a "origem


social" seja um fator desprezivel na análise. Apenas, para ga-
nhar maior sentido, deverá ser determinado num contexto es-
trutural e valorativo mais complexo. Como esse não é o tema
deste estudo, não discutiremos a questão aqui.
128 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Os EMPRESÁRIOS E A IDEOLOGIA NACIONAl.-POPULISTA

Os dados disponíveis sugerem, entretanto, que se o em-


presariado nacional, 10 em termos de tendência geral, não vive
a relação entre empresário industrial e proprietário rural e
entre empresário industrial e operariado do modo suposto pe-
las ideologias nacional-populistas de desenvolvimento, isso não
significa que o empresariado se considere totalmente identifica-
do com o conjunto das classes proprietárias, nem que deixe
de preocupar·se coIJ1. o operariado como força social e política.
Com efeito, nas pesquisas realizadas a partir de 19.5.5 na Ar·
gentina, Brasil e Chile, ainda uma vez se confirma que alguns
dos atributos com que se caracterizava o comportamento dos
industriais não encontram apoio nos dados. Assim, quando
se avalia as reações dos empresários industriais com respeito
a duas das questões politicamente decisivas na caracterização
das expectativas nacional-populistas - a atitude diante dos in·
teresses agrários e diante áa participação política dos setores
operários - as respostas tendem a concentrar-se em altema-
tivas que indicam a persistência da visão elitária e tradicional.
Nas perguntas relativas ao reconhecimento da existência de
um conflito entre os interesse~ agrários e os interesses indus-
triais e nas perguntas sobre a inclusão de setores operários nas
alianças políticas que favoreceriam os propósitos dos empresá-
rios, as tendências manifestas foram predominantemente "não-
·Populistas". À pergunta "Às vezes se diz que os setores rurais
(agrícolas, cafeeiros ou, no caso argentino, pecuários) e o se-
tor industrial têm interesses divergentes e mesmos opostos.
Isso é verdade?" provocou as seguintes respostas:

10 De agora em diante, salvo referência expressa, conside-


raremos para o caso da Argentina as informações disponiveis
somente para os entrevistados que puderam ser assimilados aos
brasileiros quanto às caracter1sticas de controle pessoal de ações
e de controle nacional do investimentoj cf. anexo explicativo cor-
respondente.
IDEOLOGIA E ALIANÇAS PoLÍTICAS 129
QUADRO N.o 6

CONFLITO ENTRE OS INTERESSES


AGRÁRIOS E INDUSTRIAIS 11
Bra8U Brasil
Argentina (Gramde8) (Médios)
_----------I~-
Reconhecem a existên-
cia de conflito . 44%
Negam a existência de
conflito o ••••••••••• 54%
NS-NR . 2%
TOTAL . 100%(50)

QUADRO N.o 7
GRUPOS COM OS QUAIS O SETOR INDUSTRIAL
DEVE CONTAR POLITICAMENTE (EM 1.° LUGAR)
(BRASIL)

Grandes Industriais
Industriais Médios

Grandes industriais
Banqueiros e financistas ·.
·. 32%
24%
14%
32%
Militares ............... .·. 12% 8%
Altos funcionários ....... . .. 8% -
Empregados ••••••••••
·.
Profissionais liberais ..... . ·.
0 •• 6% 8%
4% 4%
PoUticos ............... · .. . 2% 10%
Comerciantes ........... . .. 2% -12%
Operários ••••••••••

Outros grupos e combinações


••
· 0 •••
. 2%
8% 4%
TOTAL o
·.
••••••••••••• 100%(50) 100%(50)

11 Sobre os industriais considerados neste e nos quadros se-


guintetl, ver o apêndice em que se discute os critérios de sele-
çl.o. No caso partiCUlar deste quadro, consideramos apenas os
industriais argentinos que se relacionavam com as empresas como
proprietários. Nos quadros em que os totais de entrevistados al-
cançam 168 casos para a Argentina, isso significa que incluimos
todos os informantes (proprietários, "managers" de empresas
estrangeiras e presidentes de câmaras empresariais). Mais adi-
ante, trabalharemos somente com, no máximo, 71 industriais
argentinos, total que corresponde àqueles que sl.o empresários
em empresas ou grupos econOmicos nacionals, isto é, quando no
minimo 80% das ações pertencem a grupos locais.
130 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

No nível geral e não-qualifkado em que esses quadros


resumem as dimensões da ideologia dos industriais com relação
à aceitação de dois dos temas caracteristicamente nacional-popu-
listas, poderia parecer que existe uma forte tendência a recha-
çar os operários como eventual aliado político mas, simultanea·
mente, um grau de recusa menor quanto ao reconhecimento do
segundo tema da referida ideologia,· isto é, da existênciJ de
um conflito agro-industrial. Convém esclarecer, entretanto, que
o graáient das alternativas mostra que a consideração dicotô-
mica do reconhecimento ou não do conflito agro-industrial es-
çonde a intensidade das reações:

QUADRO N,o 8

EXISTEM INTERESSES DIVERGENTES ENTRE


OS SETORES RURAIS E O SETOR INDUSTRIAL!

BraaU Braoril
(Granàe8) (MMioa) ArgentiM •

Sim ......... i1.0% 16% 20%


As vezes ..... 28% 32% 20%
Nlo o ••••••• 60% 50% 51%
NS-NR o ••••• 2% 2% 9%
TOTAL ...
-100%(50)
- - -
100%(50)
--
100%(188)

• Os totais neste caao incluem empresários 88sociadOll com


grupos estrange1ro.s, funcionArios de empre... eatran-
gélras e dirigentes de sindicatos e federações patronala.
Nas respostas Bim incluem-se 88 alternaUv88 "totalmente
certo" • "a maior parte das vezes 6 verdade".
Nas respostas computadaa como n40 incluem·se "raramente
6 verdade" e "nA.o há divergênci88",

Por outro lado, determina-se mais precisamente a tenden-


da predominante quando se procura saber como reagem os
empresários diante do problema no qual se entrecruzam as
duas dimensões que estamos considerando: a reforma agrária.
Efetivamente, o tema da reforma agrária, tal como era propos·
to pela ideologia nacional-populista, sugeria, ao mesmo tempo"
a reação contra o predomínio dos "interesses rurais tradicio-
nais" e a ampliação do mercado e conseqücntemente a incor·
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS 131
poração de parte da massa rural à classe operária, isto é, a
um setor social menos amorfo politicamente e com maior capa-
cidade de consumo:
QUADRO N.o 9
OPINIAO SoBRE A REFORMA AGRARIA COMO SOLUÇA0
ADEQUADA PARA AMPLIAR O MERCADO INTERNO
(BRASIL)

Grandes Médios Total

!nadequada ...... 86% 56% 71%


Pouco adequada o o o • 4% 8% 6%
Adequada o ••••••• 4% 14% 9%
Muito adequada o o o 6% 22% 14%
- - -- --
TOTAL ...... 100% (50) 100% (50) 100% (100)

Ainda quando seja possível encontrar elementos de jus-


tificação para crer na existência, ao nível ideológico, de uma
oposição agro-industrial, não se pode inferir que, na pugna
entre as classes proprietárias, o operariado ou a "massa" apa-
reçam como aliados estratégicos. É bem verdade que as di-
ferenças de reação entre os grandes industriais e os industriais
médios apontam um problema de orientação diferencial que
se evidencia no quadro abaixo:
QUADRO N.o 10
REFORMA AGRARIA COMO SOLUÇA0
PARA AMPLIAR O MERCADO
(BRASIL)

Tamanho da Empresa
Média Grande

Inadequada 00000 o "0 000 000 o 64% 90%


Adequada . o, 00 00 •••••• 00 00 o 36% 10%

TOTAL 100% (50) 100%(50)

As diferenças percentuais e a distribuição de casos em cada


célula mostram uma relação significativa entre tamanho da em·
1.32 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

presa e juízo sobre a utilidade da reforma agrária como s0-


lução para os problemas de mercado. Retenhamos por agora,
. entretanto, apenas a indicação mais geral dos dados apresenta-
dos: a escolha da reforma agrária como meio para solucionar
os problemas do mercado é pouco freqüente entre os indus-
triais considerados. O reconhecimento por uma parte mino-
ritária, porém expressiva, de industriais, de que existe um
conflito agro-industrial implicaria apenas uma oposição se-
cundária de interesses, quando se considera o contexto político
no qual devem fazer opções. Essa oposição parett antes li-
mitar-se ao plano econômico, como a análise de sua nature1JZ
revela. Com efeito, ao considerar-se as respostas às perguntas
abertas sobre as justificativas das escolhas indicadas nos Qua-
dros 9 e 10, deparamos com o seguinte resultado:

QUADRO N.O 11

TEMAS NOS QUAIS SE MANIFESTAM


DIVERG2NCIAS ENTRE OS INTERESSES AGRARIOS
E OS INTERESSES INDUSTRIAIS
(BRASIL)

Indt18trla8 Indústria8
GrandQ Médiaa

1. Disputa de créditos . 18% 16%


2. Taxa de cAmbio . 10% 6%
3. Fixaçlo de preços de matérias-
-primas e peças de produtos
industriais consumidos pela
indústria . 8% 10%
4. Luta na determinaçlo de ta-
rifas alfandegárias . 4% 2%
5. A modernizaçAo da agricultu.
ra interessa mais à. indústria
do que aos setores rurais .. 6%
6. Outras e NS-NR . 60% 60%

TOTAL 100% (50) 100%(50)

Entretanto, na percepção da "situação de poder" atual-


mente vigente na sociedade e na percepção do prestígio social
de distintas categorias sociais, começam a marcar-se certas di-
ferenças:
QUADRO N.o 12

PODER REAL QUE ~ OS GRUPOS ATUALMENTE

I Brasil
(Grandes)

Em 1.° lugar Em 1.° lugar Em 3.° ZUgar De menor


poder
I BraaU
(M6diu)

Em 1.° lugar
I
O. NS-NR ................... - - 4:% 4:% -
1. Empregados .............. 32% -
2. Grandes industriais ..... 10% 16% 18% 4:% 14:%
3. Militares ..... 0 .............
64:% 12% 4:% 2% 68%
4:. Operários ................ 22% 2%
5. Prof. liberais .............. 6% 2% 6% 10% -
6. Ind. médios .............. 2% 2% 4:% -
7. Pol1ticos ................... 24:% 14:% 4:% 2%
8. Banqueiros ............. 12% 18% 36% 10%
9. Cafeicultores .............. 4:% 14:%
10. Comerciantes .............. 2% 4:% 2% -
11. Altos funcionários públicos 8% 24:% 8% 2% 4%
--- --- --- --- - -
TOTAIS .................. 100%(50) 100% (50) 100%(50) 100%(50) 100%(50)

Pergunta: A lista abaixo reúne os nomes de alguns grupos sociais.


Solicitamos que os ordene de
acordo com o poder real que t~ esses grupos na sociedade brasileira, indicando os três de
maior poder e aquele que tem menor poder.
134 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

Os militares aparecem de longe como o grupo conside-


rado de maior poder, resposta compreensível considerando-se
a data das entrevistas. Por outro lado, o empresariado tende
a desqualificar os operários como "grupo de poder". Entre-
tanto, essa desqualificação, no nível geral de determinação que
uma resposta desse tipo implica, perde muito de sua força, pois
as opiniões convergem diretamente para o grupo que ostensi-
vamente domina no momento e exclui outros grupos, como os
cafeicultores ou os comerciantes, que aparentemente deveriam
estar contidos na visão dos empresários sobre o sistema de do-
minação. Com isso não se quer negar a veracidade das afir-
mações das páginas anteriores sobre a falta de apoio empírico
para as ideologias que atribuem ao empresariado uma tendência
favorável à aliança com os setores populares urbanos, pois se
vê claramente que na representação dos grupos de menor po-
der a incidência sobre os operários· é forte. Apenas a análise
requer maiores qualificações para que se possa extrair a signi.
ficação real dessa percepção polar na qual se atribui muito
poder às "classes econômicas" e - excluindo-se o papel evi-
dente dos militares - se representa, no pólo oposto, os assa-
lariados como grupos sem expressão significativa de poder.
Chama a atenção,ademais, a pouca importância relativa
atribuída aos cafeicultores e a posição ambígua com relação aos
banqueiros. Estes em nenhuma resposta aparecem como "de
menor poder", mas também em nenhum caso surgem como os
que atualmente têm poder de forma prioritária.
Quando os entrevistados são chamados a avaliar o poder
real desses mesmos grupos na fase tipicamente desenvolvimen-
tista e até certo ponto populista, mudam, na forma esperada,
as avaliações quanto ao Poder dos militares, dos políticos e
deles próprios; e sustentam que o operariado tinha, então,
mais poder:
QUADRO N.o 13

PODER REAL QUE TINHAM OS GRUPOS HÁ 10 ANOS


(Periodo Kubitschek)

Bra.ril BmaU
(GrafI46B) (Jl4tUt1A)

Bm 1." lugar Em I.D lugar/Bm ~.o lugar


Dtlmenor
poder EM 1.0 lugar

O. N-S: N-R 6 .............. 2% 10% 16%


1. Empregados ............ 2% 32% -
2. Grandes industriais ..... 26% 22% 18% 2% 22%
3. Militares ................ 10% 8% 20% 6% 2%
4. Operários 2% 8% 6% 10% 2%
-2%
o ............. 0

5. Prof. liberais o ........... 2% 2% 12%


6. Ind. médios ................. 4% 6%
7. PoUticos ................ 50% 14% 16% 52%
8. Banqueiros ............. 8% 26% 22% 2% - 2%
9. Cafeicultores ........... 6% 4% 12%
10. Comerciantes ........... 2% 2% 4% 6% -
11. Altos funcionários públicos 2% 6% 6% 2% 16%

TOTAIS ................
--
100% (501
- -
100% (riO)
--
100% (50)
- -
100%(50)
- -
100%(50)
136 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

As hipóteses de explicação são mais ou menos fáceis de


serem avançadas - pois a prosperidade do período de expansão
industrial permitia uma relação menos cortante e oposta entre
operários e patrões - mas o significativo a reter, em qualquer
caso, é a estrutura de relações entre as escolhas feitas. Nesse
sentido, considerando-se a ordem das respostas e tomando-se
grandes indústrias como ponto de referência, tem-se o seguinte
resultado:
QUADRO N.o U

PODER REAL QUE TmM OS GRUPOS NA SOCIEDADE COM RESPEITO AOS GRANDES INDUSTRIAIS
(Brasil - Gratide8)

MUi-
tare8
Opero-
rios
Poli-
ticos
Banquei- CafeicuZ- Comer-
T08 rores ciantes
Altos
Func.
I Empre-
ga408

1. Estão sempre abaixo .......... 16%


I
I
II
42% 22% 24,%
I 4,0% 32% 28% I 58%
2. Estão sempre acima. ........... 26% 2% 24% 36%
I 2% II 4% 8% I 2%
3. Estão abaixo atualmente e esti-
veram acima há 10 anos ...... 2%
I

I 6% 22% 4% 2%
.
I
2% 2%
II -
4. Estão acima. atualmente e esti-
1
veram aba.ixo há 10 anos ..... 46%1 2% 8% 16% 2%
I
2% 26% I 2%
5. Não corresponde ou não consi-
dera as categorias em questão .. 10% 4,8% I 24,% 20% 54,%
~ 36%
I
I
38%
TOTAL .................... 100% 100% 1100% 1.00% 100% 100 100% 1100%
(50) (50) (50) (50) (50) 1
I' (50)
% (50) (50)
I
QUADRO N.o 15
PODER REAL QUE T~ OS GRUPOS NA SOCIEDADE COM RESPErrO AOS GRANDES INDUSTRIAIS
(Bra8il - Médios)

MUi- Operá- Poli- Banquei-


ros
cafeicul-I Comer-
tore8 ciame8
Altos
FUM.
IEmpre-
ga408
taru rios ttcoS

38% -I 56%
1. Estão sempre abaixo ........... 18% 56% 28% 32% 44% I ~~%

2. Estão sempre acima ........... 20%


I
I 10% 28%
I
I 20% - II 2% 4% \ 2%

3. Estão abaixo atualmente e esti-


veram ac~ma há 10 anos .......
II - 20%
I
I
I 6% 8%
I
I - 4%
II 2%
2% I
I I
4. Estão acima atualmente e esti- I I I I
veram abaixo há 10 anos ...... 3~170 4% 6% I 14% 4% I - 10% I 2%
I I I
5. Não corresponde ou não escolheu
as categorias em questão ...... 26% 30% 18%
I
I 28% 44%
I
I 54%
I
4~% II 38%
I 100%
TOTAL .................. I
100% 100% 100% I 100% 100% 1 100 % 100%
(50) I (50) (50) I (50) (50) I (50) (50) (50)

I I I
IDEOLOGIA E ALIANÇAS PoLfTICAS 139

A análise desses quadros revela dimensões menos claras


nos resultados dos quadros anteriores: indiscutivelmente são
os militares, políticos e banqueiros que constituem o pólo de
referência de poder dos entrevistados. Se no momento os mio
litares estão acima dos grandes industriais na escala do poder
e os políticos abaixo (intercambiando estes últimos sua posi.
ção com os altos funcionários) , os banqueiros estão sempre
bem colocados. Parecem constituir na representação dos in·
dustriais a classe dominante. Em contrapartida, os cafeiculto-
res são por eles representados de forma consistente como gru-
po de menor poder relativo que os industriais. O operariado,
da mesma forma, aparece como grupo subordinado, superado
em sua posição de pouca força relativa apenas pelos empregados.
Essa imagem dos banqueiros como o setor social privi.
legiado na sociedade reaparecerá sempre nos dados obtidos.
Serão os banqueiros os que em primeiro lugar (24% das res·
postas) terão sido favorecidos pelo desenvolvimento, seguidos
pelos operários (18%) e pelos próprios industriais (16%)
(as outras categorias, isoladamente, não ultrapassam 8%).
Mantém-se também a imagem do cafeicultor como relativamen·
te pouco favorecido pelo desenvolvimento (2 em cada uma das
3 escolhas possíveis), imagem que persiste nas respostas a
uma pergunta que implica a avaliação dos grupos dentro das
classes produtoras que desfrutam de maior prestígio; os cafei·
cultores foram assinalados apenas por um entrevistado e os
banqueiros reuniram 58% das respostas.
Os dados apresentados levam, pois, à reconsideração da
visão que se tem quanto à representação que os industriais
mantêm sobre a sociedade em que vivem. Reconsideração essa
que requer uma análise minuciosa dos matizes que as repre·
sentações assumem, pois, como vimos, se os dados globais indi·
cam algumas diferenciações, no geral manifestam uniformidade
e tendência à homogeneidade, pois os estereótipos primam nas
respostas às questões mais corriqueiras. Fez-se necessário, por·
tanto, buscar algo mais do que o sinal de sim e não com que
os entrevistados marcavam suas escolhas. E torna-se necessá·
rio analisar também as tendências que se manifestam nas re·
lações entre distintas respostas, assim como convém estudar
a ordem em que as preferências se manifestam e ainda os pa-
drões de inclusão ou exclusão de certos conteúdos valorativos.
140 POLíTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Talvez por este caminho se possa determinar as "estruturas


ideológicas", latentes nas verbalizações. dos entrevistados.
As POLARIZAÇÕES SIGNIFICATIVAS
NAS IDEOLOGIAS DOS EMPRESÁRIOS
Os dados apresentados sugerem que dois tipos distintos
de agentes sociais parecem provocar uma polarização nas ava-
liações dos empresários: o operariado e os banqueiros. Por ou-
tro lado, como a análise comparativa entre os empresários bra-
sileiros e argentinos requeria a homogeneização da variável
"empresário nacional", porque os dados disponíveis para os
brasileiros se limitam a este grupo, procuramos fazer a análise
da significação desses dois focos de polarização das verbaliza·
ções dos empresários controlando nos empresários industriais
nacionais a variável "grau de associação com o exterior". Note-
-se que a escolha do ponto de partida da análise - a estrutura
das respostas obtidas com referência ao operariado e ao setor
financeiro - não derivou arbitrariamente das hipóteses exter·
.038. Embora estas pudessem ser deduzidas das análises estru·
turais dos capítulos anteriores, preferimos buscar a cristalização
das oposições significativas existentes nas representações dos
industriais no nível de sua própria ideologia. A correspondên-
cia entre esta estrutura e a estrutura objetiva das relações so-
ciais, posto que não derivou de elucubrações lógic~edutivas,
foi utilizada como um momento de análise das sociedades in·
dustriais dependentes, como parte de um "todo" estruturado
e hierarquizado. Pelo mesmo caminho, como veremos em se-
guida, se vai determinar a significação emprestada pelos em-
presários às diferenças entre uma visão nacional do processo
de desenvolvimento e uma visão internacionalizada. A desco-
berta dessas dimensões como experiência ideológica real, como
conteúdo vivido de forma concreta, e não apenas como uma
dimensão ideológica que poderia ter sido teoricamente imputa-
da às categorias estruturai$ básicas, servirá como elemento de
validação da análise te6rica dos capítulos anteriores.
Tomemos em primeiro lugar o problema das orientações
ideológicas com respeito ao operariado. Quando, no caso bra-
sileiro, se perguntou pela importância de uma série de itens,
entre os quais a "aliança com o operariado" para o fortaleci·
mento, a longo prazo, da indústria brasileira, as respostas obti-
das foram as seguintes:
----.

QUADRO N.o 16

DO PONTO DE VISTA DOS INTERESSES E DO FORTALECIMENTO DA INDÚSTRIA A LONGO


PRAZO, O QUE TEM MAIOR IMPORTANCIA

Em 1." Lugar Em 1.° Lugar Mencw Import4ncia


Empresas Empresas Empresas Empresas Empresas Empresas
Grand.efl Medias Grand.efl Medias GratU1.es Medias

1. Fortalecimento do bloco oci-


dental ....................... 24% 20% 18% 16% 18% 24%

2. Coesão das .classes produto-


ras, inclusive o setor agrário 68% 68% 20% 22% 2% -
3. Coesão das classes produto-
ras, excluindo-se o setor agrâ-
rio ............................ - - - 2% 18% 18%

4. Aliança com a classe média 2% 4% 28% 20% 24% 20%

5. Aliança com o operariado o' 4% 6% 22% 32% 24% 26%

6. Outras e nAo corresponde o •• - 6% 6% 8% 6%

7. NS-NR o ••••••••••••••••••• 2% 2% 6% 2% 6% 6%
- - --- --- --- --- --
TOTAL ................. 100%(50) 100%(50) 100%(50) 100%(50) 100%(50) 100% (SO)
- ,
142 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

A primeira vista, e sem margem para dúvidas, se revela


neste quadto uma espécie de "isolacionismo político" das clas-
ses produtoras, consideradas como mola para o desenvolvimento.
Note-se que se trata "das" classes produtoras, incluindo-se ne-
las o setor agrário. Outra vez se confirma que a oposição en-
tre interesses agrários e interesses industriais é secundária na
visão política dos industriais. E, por outro lado, a consciên-
cia da industrialização como parte de um processo que depende
do mercado externo revela-se também clara: o fortalecimento
da indústria dependeria de uma política de união das classes
produtoras e do fortalecimento do "bloco ocidental", dimen-
são nitidamente ideol6gica, pois no conjunto dos itens propos-
tos essa opção se singulariza por sua inespecificidade. final-
mente, reaparece a ambivalência com respeito ao operariado:
24% no total das escolhas favoráveis; 24% (proporção mais
elevada entre todas as demais) dentre as escolhas consideram
este item como de menor importância.
Considerando-se que praticamente todos optaram em pri.
meiro ou em segu.ndo lugar pela coesão das classes produto-
ras, inclusive o setor agrário, e que a aliança com a classe mé-
dia distribuiu-se aleatoriamente, buscamos determinar os pon-
tos de relação entre os dois itens que pareciam polarizar mais
as respostas, o operariado e o bloco ocidental. Para isso, cons-
truímos uma escala, considerando dois itens de uma pergunta
e atribuindo scores O e 1, conforme a resposta tivesse sido ne-
gativa ou positiva. Não se considerou, na escala, a ordem da
escolha. As perguntas foram:
"Do ponto de vista do interesse da indústria, a longo pra·
zo, o que tem maior importância?
"1.0 item} o fortalecimento do bloco ocidental (não - O;
sim - 1)
"2.0 item) uma aliança com o operariado {não - 1;
sim - O)."
Como resultado, tivemos:
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS 143
DI9TRIBUIÇAO DOS "SCORES" NA ESCALA
DE ORIENTAÇÃO IDEOLOGICA·

Oriento
Oriento Oriento
Nacional-
Apolittca Interna
Populista
(score 1) (score B)
(score O)

Grandes empresários . 16 13 20
Médios empresários 20 13 16
TOTAL ... ·.... 1 36 26 36

• Para a escala dos empresários grandes, teve-se um


R.M.M. =.63, C.R. =.99 e C.R. - R.M.M. =.36; para os
médios um R.M.M. =.62, C.R. =.99 e C.R. - R.M.M. =.37.

Esses índices hierárquicos, formados como quase-escalas


de tipo Gutmann, isto é, "de estrutura latente", se metodolo-
gicamente pecam pelo número limitado de itens considerados,
teoricamente são de grande significação: entre os empresários
nacionais, apesar de que a maioria absoluta prefere uma alian·
ça ao nfvel da própria classe, as possibilidades de aliança com
o operariado e de aliança com o "bloco ocidental" apresentam·
-se latentemente como possíveis e mutuamente exclusivas, pois
os operários que mencionavam ser favoráveis ao Ocidente ex·
cluíam a menção aos operários como aliados e vice-versa. O
grupo "apolítico" somou um score 1 porque nio mencionava,
simultaneamente, Ocidente ou operário. Apesar de todas as
limitações que as considerações feitas com base nos resultados
globais impõem, pareceria ser legítimo sustentar que subsiste
uma orientaÇão de cunho "nacional·populista" e outra de tipo
"internacionalizante". Entre essas duas tendências, surge re·
sidualmente um empresariado "técnico", que não assume como
valor a politização do comportamento e que prefere rechaÇM
ambas alternativas. A serem verdadeiras essas polarizações, elas
deverão incidir sobre outras dimensões da ideologia empresa·
rial, o que de fato ocorre como adiante se verá.
Com respeito aos empresários argentinos, posto que me·
todologicamente consideramos mais correto fazer os "construc·
tos" anaHticos em função das próprias escolhas feitas e não
144 POLfTICA B DssBNVOLVIMBNTO EM SocmDADB5 DEPBNDENTIlS

a partir de "hip6teses externas", não seria possível manter a


mesma dicotomia entre uma dimensão populista e uma dimen-
são internacionalista, porque os dados disponíveis não contêm
esse tipo de informação.
, Pode.se, entretanto, analisar as pautas de escolhas feitas
. para a seleção dos aliados que permitiriam levar adiante uma
política compatível com seus interesses.

QUADRO N.o 17

COM QUE GRUPOS DEVE CONTAR O SETOR


INDUSTRIAL PARA LEVAR ADIANTE SUA POLrrICA?
(CONSIDERAM-SE OS 3 GRUPOS MAIS IMPORTANTES)
(ARGENTINA)
N.o de Vezes Que N.o de VezeB Que
Mendonam Nilo Mend<mam

1. Grandes industriais .•..... 31 35


2. Militares . 5 61
3. Operários . 34 32
4. Pollticos . 16 50
5. Banqueiros ou financistas 28 38
6. Grandes produtores agro-
pecuários . 17 49

Outra vez, por trás da pauta predominante de uma pre-


ferência de alianças no interior das classes produtoras, aparece
latentemente o operariado como foco de polarização das esco-
lhas .com uma intensidade igual à dos próprios grandes em-
presários. Apenas, no caso da Argentina, não só o operariado
aparece mais claramente como "fator de poder", como a p0-
sição do setor agropecuário é mais débil que a do setor dos
"cafeicultores" na ideologia dos industriais brasileiros. As in·
dicações do quadro acima revelam que se está longe de uma
visão na qual (como no caso dos brasileiros) 68 % das pre-
ferências concentravam-se numa aliança entre as classes produ-
toras, incluindo-se os agricultores.
Quando se busca est;lbelecer as pautas de inclusão-exclusão
entre os diversos grupos de empresários argentinos, verifica-se
que é possível estabelecer três tipos básicos de relação entre
as escolhas feitas: 1.0) os que escolheram aliados exclusiva-
mente entre as classes proprietárias; 2.°) os que incluíram po-
IDEOLOGIA B ALIANÇAS PoLÍTICAS

líticos OU militares numa possível aliança que favoreceria aos


interesses industriais, e 3.°) os que mencionaram operários.
Essa ordenação não se obteve por técnicas nas quais se proce-
de como se fora um escalograma. Ela responde a um campo
de opções possíveis em que se passa de uma política puramen-
te de elite do gênero "economicista" até uma política "popu-
lista", para cuja caracterização em nossa análise bastou uma
simples menção - independentemente da ordem de escolha
- dos operários como aliados possíveis. Entre esses dois
p6los estão os industriais que percebem ser necessário englobar
em seus esquemas de aliança alguns setores sociais estratégicos,
como os militares e os políticos, mas que excluem a participa.
ção dos operários. Nas pautas de escolha efetivamente ocorri·
das tem-se uma distribuição de escolhas do seguinte tipo:

QUADRO N.o 18

GRUPOS COM OS QUAIS DEVEM CONTAR


OS INDUSTRIAIS PARA LEVAR AVANTE SUA POLlTICA
(ABGBN'1'INA)

Alianças com outros setores das classes produtoras 25%


Aliança com setores poUticos e militares além das
cla8ses produtoras 20%
Alianças que incluem operários .................• 48%
NS-NR . 7%
TOTAL 100%(71)

Em comparação com escolhas feitas em questões seme-


lhantes pelos industriais brasileiros, a distribuição é a seguinte:
146 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCI'EDAaIlS DEPENDENTES

QUAD» N.o 1&

GRUPOS COM OS QUAIS DEVEM CONTAR


OS INDUSTRIA!S PARA LIBV.&R ADlANTI!: SUA POLrrICA
(BRASIL)

Emp. Média8 •Em)). Grandes Bmp.


Brasileiras Brasileiras Argfmtfxas

1. Alianças com
outros l18tons
das claaaes
produtoras .. 32% 36% 25%
2.. Aliancas com
oa setores
pollticos além
dos anterio-
res ........ 22% 18% 20%
3. Alianp.a q,ue
incluem o ope-
rariado o ••••• 42% 46% 48%
NS-NR ........ 4% - 7%
TOTAL ....
-100%
-(50) -- -100%(71)
-
- 100%(50)

Os. quadros apresentados indicam, p0is, que a idéia ini-


cial de uma concentração de respostas que demonstrava a coe-
são do grupo industrial e uma visão política compartida por
todos' necessita ser qualificada. Não que os elementos ele ho-
mogeneização do comportamento empresarial deixem de atuar
persistentemente e, em conseqüência, de proporcionar uma
ideologia. C;Qmum. Mas essa ideologia comum se fragmenta
diante de algumas alternativas cuja existência se perfila pouco
a pouco ~la determinação dos fatores que 1'elllmente bmam
a trama dos interesses polítiros dos empr.esátio.., tal como
estes os expressam em suas ideologias.

As VARIANTES FUNDAMENTAIS DAS IDEOLOGIAS EMPRESARIAIS:


A ESCOLHA DOS ALIADOS DE CLASSE

A partir das dimensões consideradas até aqui, é possível


distinguir pelo menos três variantes na ideologia empresarial.
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS 147

Estas, para dar-lhes um nome que é traiçoeiro, porque as pri-


meiras e principais reações dos empresários são, como se viu,
elitistas e isolacionistas, poderiam ser chamadas, respectiva-
mente, de "populistas", "economicistas" e "internacionalistas".
Essas dimensões diferenciadas da ideologia política dos empre·
sários se estabelecem com os dados disponíveis sobre os in-
dustriais brasileiros. Noutros "constructos" que estabelece·
mos foi possível distinguir outras variantes de ideologia em·
presarial a partir da tendência à aceitação ou à rejeição de alia·
dos para a consecução das políticas julgadas favoráveis aos in·
dustriais. Nesse caso também se pode pensar em três alter-
nativas:
a) uma tendência "economicista" ou "isolacionista" quan·
do se limita a escolha de aliados a grupos situados exclusiva·
mente no âmbito das "classes produtoras";
b) uma tendência a aceitar a ampliação dos grupos de
onde se recrutariam os aliados para além dos limites das clas·
ses produtoras, inc1uindo-se entre eles, momeadamente, mili-
tares e políticos;
c) a tendência a aceitar a inclusão das próprias classes
trabalhadoras nas alianças políticas a serem constituídas.
O conteúdo significativo dessas orientações ideológicas
deve ser precisado na própria análise. Nesse sentido, as rela·
ções e opções feitas pelos que participam de cada um desses
tipos de escolhas políticas poderá iluminar o significado que
essas ideologias encerram.
Comee,:mos analisando as relações entre algumas variá·
veis pertinentes e as escolhas feitás por cada um dos três tipos
referidos de polarização ideológica construídos a partir das
alianças de classe assumidas como necessárias (no âmbito das
classes produtoras; com participação de políticos e militares,
e com participação de operários), pois, nesse caso, há a possi-
bilidade de comparar, a partir do mesmo critério, os empresá-
rios brasileiros com os argentinos.
Vejamos como os empresários que seriam classificados em
cada uma dessas três pautas de preferência na orientação das
alianças políticas percebem a existência de um conflito de in·
teresses entre a indústria e o setor agropecuário:
QUADRO N.o 20

PERCEPÇAO DE CONFLITOS lIlNTRIC IN'rERdSES INDUSTRIAIS E AGROPECUARIOS,


SEGUNDO TIPOS DE ALIANÇA POLtTICA DEFINIDOS

ABGBNTINA
I BRASIL

~. Alfclllça.a •. AliGtIÇa.! 8. Incluem 1. AliGtIÇa.! I. AIÍ4nÇ4o! 8. IftCluem


Iaomftte cl de 1 maCs tTabaU&a- somente cl de 1
CI8 "clo.8BeB polUic08 dores tias CI8 "cla8BeB polfticOB
ma'"tTGbcIllwJ-
cIorl!IIlt tIG8
prodvtoreut" fi mUltares alianças produtoreut" fi mUUGrN Glb&çaa

Percebe coibtllto ........... 24% (4) 43% (6) 38%(~3) "%(15) 47% (9) 46%(20)

NIo percebe cODfUto ••..•• 76%(13) 57% (8) 62%(21) 56%(19) ~%(10) 54%(23)

TOTAL ............... 100%(17) 100%(14) 100%(34) 100%(34) 100% (19) 100%(43)

Incluem-se, no caso doe exnpresArlos braa1lell'Oll, médios e grandM.

I,
IDEOLOGIA B ALIANÇAS PoLíTICAS 149

Começam a perfilar-se algumas diferenças entre esses gru·


pos de. orientação ideológica. Se bem ~ verdade que, no con·
junto, a maioria não percebe oposições de interesse, parece
que na Argentina essa tend~ncia, como se comentou anterior·
mente, ~ mais nitidamente visível do que no Brasil. E em con·
junto são os industriais do primeiro grupo, isto ~, os que re-
cusam a id8a de alianças polfticas a1~m dos limites das "clas·
ses produtoras", os que menos percebem - como era de espe-
rar - as oposições. Entretanto, apesar de que as diferenças
percentuais não chegam a ser significativas, não se verifica a
tend~ia à oposição entre a dimensão "populismo" (tal como
a qualificamos e com as reservas feitas) e a percepção positiva
de oposições entre os setores industriais e os agropecuários.
Quando se busca estabelecer as variações de opção de cada
um desses tr~s grupos na avaliação do "eixo atual do poder".
tem-se a distribuição seguinte:
150 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 21

INCLUSÁO OU EXCLUSÁO DO "EIXO ATU~L DO PODER"


DOS SEGUINTES GRUPOS
(ARGENTINA)

t. Alianças so- B. Alianças de 3. Incluem tra--


G7'1lPOS mente clas 1 mais polUicos balhadores nas
classe8 pro- e militare8 alianças
dutoras

,AgropecudrlO8
sim 65% 79% 69%
não 35% 21% 31%
Banqueiros
sim 71% 33% 35%
nlo 29% 67% 65%
POlltiC08
sim 29% 79% 50%
não 71% 21% 50%
Trabalhadore8
sim 29% 50% 70%
nlo 71% 50% 30%

Pergunta: "Alista abaixo reúne os nomes de alguns grupos


sociais. Solicitamos que os ordene de acordo com o poder real
que tém esses grupos na sociedade brasileira (ou argentina),
indicando os de maior poder e aquele que tem menor poder."
Além dos grupos indicados acima, mencionavam-se empregados,
grandes industriais, militares, profissionais liberais, industriais
médios, cafeicultores, comerciantes e altos funcionârios. No
quadro acima consideraram-se as escolhas feitas em 1.°, 2.°
e 3.° lugar, por um lado, e, por outro lado, a menção em 4.°
lugar e a Jião-referência.

Outra vez, confirma-se a tendência a um comportamento


verbal nitidamente diferencial do primeiro grupo com relação
aos outros dois: percebem na ordem atual predomínio dos seto-
res agropecuários como todos os demais, porém a esse predo-
mínio acrescentam os banqueiros em detrimento dos políticos
e dos trabalhadores. Da mesma forma, os "populistas" come·
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS 151
çam a distinguir-se daqueles que aceitam a necessidade de uma
ampliação de base do poder, porém não a estendem aos gru-
pos trabalhadores, preferindo aliar-se aos políticos ou milita-
res. Entretanto, pareceria ser que a tendência à escolha no
aliado político se associa à representação sobre o poder real
que o eventual parceiro teria na sociedade. Assim, menos do
que caracterizar uma "concepção de desenvolvimento", essa
escolha caracteriza uma "política realista" que, no limite, é
oportunista.
IVejamos se essa hipótese se confirma, quando se tomam
em consideração dimensões da ideologia empresarial que são
nitidamente relacionadas com uma "visão política do desen-
volvimento". Dentre estas a que parece provocar maior pola-
rização diz respeito ao papel que o Estado deve desempenhar
no processo de industrialização. Com base em respostas a
uma pergunta que permita múltiplas escolhas 12 foi possível
estabelecer dois tipos de escolhas que, para batizar de algum
modo, diríamos que caracterizam respectivamente as preferên-
cias por um tipo de "industriatização liberal" e por uma in-
dustrialização onde o Estado é mola importante no desenvol·
vimento e, em conseqüência, .seria possível falar de uma ideo-
logia proptiamente "desenvolvimentista". As opções entre
esses dois tipos de preferência foram, globalmente, as seguintes:

12 A pergunta se formulava da seguinte maneira: "Va-


mos ler a seguir uma lista. Gostariamos de saber sob qual das
seguintes formas o Estado deveria, na sua opinião, atuar para
favorecer a atividade industrial. Propomos que nos diga apenas
se o Estado deveria, para cada uma dessas formas, dispensar
muita atenção, alguma, pouca ou nenhuma." Dava-se a seguir
uma série de itens de todo tipo, desde a regulamentação eco-
nômica até a intervenção direta de vários tipos, inclusive na
"ordem social". Ao todo somava 14 itens. Uma aná,lise de cor-
relação entre os itens revelou que o item que se constituia em
indicador do papel "desenvolvimentista" ou não do Estado, em
relação aos demais itens, era o relativo à ação do Estado na
"formação de novas indústrias".
152 PoLfncA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 22

Tipo de Estado Preferido BNZ8U ArgentifUI

Empresá-
Grandes
rios Médios

Estado liberal •••••••• 0 •••• 28% 48% 52%


Estado "desenvoIvfmentlsta" 72% 52% 37%
NS-NR - - 11%
- - - - --
•• 0.0 •••• • •• ••••• •

TOTAL •• 0.0 •••••••• 100%(50) 100%(50) 100%(71)

Vê-se, por aí, que a disposição dos industriais argentinos


para aceitar um papel ativo do Estado na condução do desen-
volvimento é nitidamente menor que a dos brasileiros, atitude
que seria esperada a partir da caracterização estrutural do tipo
do desenvolvimento de cada um dos dois países feita no capí-
tulo anterior. E, por outra parte, existe uma correlação entre
tamanho da empresa e visão desenvolvimentista do Estado, para
o caso dos brasileiros, resultado também esperado.
Entretanto, quando se analisam as variações múltiplas en-
tre essa dimensão da ideologia dos empreendedores e a dimen-
são política no nível selecionado de "alianças de classe", os
resultados são os seguintes:
QUADRO N.O 23

RELAÇAO ENTRE TIPOS DE ALIANÇAS POLrl'ICAS E FORMA DE P ARTICIPAÇAO DO ESTADO


NO DESENVOLVIMENTO, SEGUNDO O PAIS E O TAMANHO DA EMPRESA

ARGENTINA BRASIL BRASIL


Tipo (GRANDES EMPBBSAS) (EMPBBSAS MtJDIAS)
de
Estado AIGtIçIJ AHtJftÇlJ AlitJftÇlJ AlitJftÇlJ AUtJ"çlJ AUtJftÇIJ AHtJtIÇIJ AHtJtIÇIJ AH/JtIçG
1.
• 8 1.
• 8 1.
• li

Estado liberal ... 50% 58% 58% 44% 56% 48% 25%

II I 27% 33%

- I-44%
- I-52%
Estado desenvol-
vimentista •.•• 50% 42% 42% 75% 73% 67%
-- -- -- -56% - -- -- --
TOTAL ...•.
100% 100% 100% 100% I 100% I 100% 100% 100%
I
100%
154 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

Essa tabela mostra, por um lado, que a dimensão "tama-


nho das empresas" incide consideravelmente sobre a variável
estudada e, em segundo lugar, porém mais importante em nossa
argumentação, mostra que a escolha de aliados no interior das
classes produtoras não significa recusa de um papel ativo do
Estado e, mostra simultaneamente, que a aceitação de "traba-
lhadores" como aliados eventuais não implica aceitação de um
papel mais ativo do Estado no desenvolvimento. Isso confirma
a hipótese anterior de que a eleição do "aliado de classe" se
faz ao nível tático, com mira a uma política definida e que
essa política se define em função de elementos de decisão dis-
tintos de uma "ideologia desenvolvimentista". Pareceria líci·
to imaginar que a utilização do Estado, sob controle, não é
estranha à visão política de industriais que se propõem a uma
dominação "de classe" até mesmo sem a mediação de um sis-
tema policlassista de alianças polfticas.
Quando se deixa de considerar questões tão carregadas
de conteúdo ideológico como a anterior e se orienta a indaga-
ção para questões mais de instrumentação das políticas pro-
postas, as distinções relativas às preferências das alianças de
classe voltam a ter a "significação esperada". Assim, ao con·
siderar-se a efetividade atribuída aos sindicatos e organizações
patronais de classe 13 com relação a certos itens importantes para
a "política de classe" no nível das relações "de classe" - e
não ao nível político da Nação - têm-se resultados do se·
guinte tipo:

13 Pergunta: "Que eficiência têm esses órgãos de classe


para lidar com problemas do interesse da indústria do tipo: .....
Davam-se 4 alternativas: muita, alguma, pouca, nenhuma. No
Quadro n. a 24 as alternativas aparecem dicotomizadas.
QUADRO N.o 2'

RELAÇÁO ENTRE A AVALIAÇÃO DA EFIC~CIA DOS SINDICATOS, SEGUNDO ÁREAS DE


ATUAÇÁO E OS TIPOS DE ALIANÇA ESCOLHIDOS
(ARGENTINA)

Concorr6ncia. Nacional Concorr6ncia. Estrangeira Politica 8alarial


E~
tloa
8indiclltos
Aliança
1
Aliança
S
Aliança
3
Aliança
1
Aliançll
S
I Aliança
8
Aliançll
1
Aliança
S
Aliançll
8 I
Efetiva .. .
' 44% 31% 1 53 % 69% 69% 62,5% 62,5% 69% 76%
1 I
Pouco efetiva 56% 169% 'I 47% 31% \ 31% 37,5% 37.5% 31% 24%
TOTAL ..
- - 1-
100% (16) 1100% (13) 1100% (32) 100% (16) (100% (13) 1100% (32)
-- -- --
100%(16) 100%(13) 100%(32)
i I
156 PoLfTICA B I>BsBNvOLVIMENTO EM SocmDADBS DEPENDENTES

Por esses dados verifica-se que o grupo disposto a uma


aliança com os trabalhadores é precisamente o grupo que, dD
comparação com os outros, avalia a ação sindical patronal como
mais efetiva para assegurar a conco"lncia nacional e a polltica
salarial. Noutros termos, revela-se como o grupo cujo enfren·
tamento com as outras classes parece encontrar-se melhor re·
gulamentado, ao menos a julgar por sua avaliação dos sindi-
catos patronais. Não se pode afirmar que, no que respeita à
concorrência estrangeira, as diferenças sejam significativas. Po-
rém, quando se avalia os resultados dos outros dois grupos,
vê-se que as opiniões sobre a eficácia dos sindicatos para a re-
gulamentação da concorrência, interna e externa, são opostas,
especialmente no caso do grupo favorável à aliança com p0-
líticos e militares que considera muito pouco efetiva a regu-
mentação interna. Noutros termos: nem os operários nem os
concorrentes são aliados válidos porque há que enfrenu-los,
parcialmente, graças ao apoio de terceiros, para impor uma re-
gulamentação interna adequada.
No caso do Brasil, as mesmas questõel permitem estabe-
lecer o quadro seguinte:
QUADRO N.o 25

RELAÇAO ENTRE A AVALIAÇAO DA EFIcmNCIA DOS SINDICATOS, SEGUNDO AREAS


DE ATUAÇAO E OS TIPOS DE ALIANÇA ESCOLHIDOS
(BRASIL)

Conc~ Nacional Concorrmcia EBtr4ngeira PolUica Salarial


AvaHaçcJo
Alim&ça
1
I AUança

I AZimlça
8
Aliança
1
I Aliança

I Alia.nça
8
Aliança
1
I AUança

I Aliança
8

Efetiva •••• 25% 56% 158% 56% 30% , 42% 56% 35% 151%
I
Pouco efetiva 75% 44% 142% 44% 70% ~% 44% 65% 149%
I
TOTAL •• 100%(20) 100% (30) 1100% (40) 1 1 00%(32) 100%(20) 1%(41) Iloo'7o (34) 100%(20) 11oo%(~)
I' I' I'
As diferenças nos totais devem-se à. variaçl.o no nttmero de respostas obtidas em cada item.
Incluem-se empresirlos de grandes e médias empresas.
158 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Em comparação com o quadro anterior se nota uma ten-


dência geral a considerar menos satisfat6ria a ação sindical
por parte dos empresários brasileiros. E percebe-se, ademais,
que o "calcanhar de Aquiles" do sindicato varia de grupo para
grupo. No caso dos industriais que supõem ser suficiente uma
aliança entre as classes produtoras para impor sua política, a
ação sindical parece ser extremamente pouco efetiva ao nível
do mercado interno e relativamente efetiva com respeitO" aos
outros problemas considerados. A orientação dos que apela-
riam, em seu sistema de alianças, para outros grupos, mas não
para os trabalhadores, indica, entr~anto, o contrário: é no
campo da concorrêacia externa que o sindicato se mostra ine-
fetivo, enquanto os empresários que aceitam a participação
operária, como os argentinos, mantêm um nível' de avaliação
mais homogeneamente favorável aos sindicatos no âmbito in·
terno, e revelam sua opinião negativa quanto ao âmbito externo.

As VARIANTES FUNDAMENTAIS DAS IDEOLOGIAS


EMPRESARrAIs: A ORIENTAÇÃO INTERNACIONALISTA
E Â ORIENTAÇÃO POPULISTA

Se, em vez de considerarmos os grupos que se constituem


em função de escolhas dos aliados de classe, reorganizamos
nossa informação em vista da polarização Ocidente-operário
(que só foi possível construir com os dados disponíveis para
o caso do Brasil), confirma-se a possibilidade de reconstituir
analiticamente eixos estruturais de orientação ideológica, ape-
sar da homogeneidade que os resultados globais manifestam.
Assim, relacionando dois ou três problemas, têm·se os seguin-
tes resultados:
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS

QUADRO N.o 26

RELAÇÃO ENTRE ORIENTAÇÃO IDEOIAGICA


E PERCEPÇÃO DE CONFLITOS ENTRE INTERESSES
INDUSTRIAIS E AGROPECUARIOS
(BRASIL)

1. Inclm I.Incoo S. Ezcl",


Ocidente Operários Ambos

Percebt!' ......... 37% tt% 56%


Não percebe 63% 56% 44%
TOTAL 100%(35) 100%(36) 100% (2l1)

QUADRO N.o 27

RELAÇÃO ENTRE ORIENTAÇÃO IDEOLOGICA E OPINIÃO


SOBRE REFORMA AGRARIA COMO MEIO
PARA AMPLIAR O MERCADO INTERNO
(BRASIL)

~nclui
Ocidente
t. Inclui
Operários
S. E:eclui
Ambos

Inadequado e pouco
adequado 89% 5&% 88%

Adequado e muito
adequado 11% .2% 12%
TOTAL .... 100% (35) 100%(36) 100%(26)

Pelos dados acima vê-se que a escolha dos operários como


aliados importantes para possibilitar o desenvolvimento da in·
dústria a longo termo e a conseqüente exlusio de preocupa-
ções com o fortalecimento do bloco ocidental constitui um
poderoso aglutinador ideológico. Com efeito, essa escolha
por alguns empresários implica aceitar a reforma agrária em
muito maior p!!Gpo.rção (embona com uma mamria contrátia
a ela) do que os industriais que Dio a fizeram; por outro lade,
160 POLfTICA E DEsENVOLVIMENTO EM 'SOCIEDADES DEPI!NDENTES

a inclusão do Ocidente no esquema de referência ideológico está


associada mais fortemente com uma percepção menor de 0po-
sições entre interesses agrários e industriais.
Correspondentemente, quando se passa do nível da opi-
nião para o nível da ação, vê-se que cada um desses três es-
tratos orientou seu comportamento com relação à ALALC den-
tro de expectativas compatíveis com os resultados anteriores.
Os de orientação chamada por n6s em páginas anteriores de
"economicista", isto é, menos politicamente polarizados, foram
também os mais eficazes na consolidação de uma política de
intercâmbios econômicos com o exterior (a medir-se pelo in-
teresse de participação na ALALC); os "populistas" tenderam
a interessar-se menos por esse tipo de ação, e os que conside-
ram o fortalecimento do Ocidente como um valor básico, sem
mostrar a mesma eficácia dos "economidstas", não deixaram
de marcar sua diferença em confronto com os populistas, in·
teressando-se mais pela expansão do mercado:
QUADRO N.o 28.

.RELAÇAO ENTRE ORIENTAÇAO IDEOLOGlCA E O TIPO


DE MEDIDAS TOMADAS COM RELAÇAO .A. ALALC
,
(BRAS/L)

Inclui Inclui Exclui


Operdrios Ocidente Amb08

Nenhuma medida . 46% 37% 13%


Medidas passivas . 33% 26% 23%
Medidas ativas .. 21% 37% 64%
- -
100%(24)
- -
100%(30)
- -
100%(22)

As VAIlANTES FuNDAMENTAIS DAS IDEOLOGIAS


EMpIlESAlUAIS: O PARCEIRO HEGBMÔNlCO

Da mesma maneira, é possível detectar variações de aIgu.


ma significaçio a putir de outro pólo de referência que a aná·
lise mostrou ser importante na orientação dos cmpres4rios: sua
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLÍTICAs 161

relação com o sistema financeiro. Com esse propósito procura-


mos construir algumas "pautas" de avaliação do sistema fi-
nanceiro e incluímos nelas alguns indicadores de situações de
fato, para saber a que tipo de bancos, oficiais ou particulares,
estavam vinculados os informantes. Retivemos quatro indica-
dores para elaborar essas pautas: 1) apreciação da importância
do crédito para o êxito das empresas; 2) percepção positiva
ou negativa sobre a existência de discriminação por parte dos
bancos privados; 3) idem sobre os bancos estatais; 4) tipo de
banco - privado ou particular - ao qual está mais vinculado
o informante. 14 Elaboramos com base em combinações entre
respostas a esses distintos itens um certo número de pautas e
as reduzimos, finalmente, a três: 1) os que consideram o
crédito decisivo e percebem discriminação nos dois tipos de
banco - oficial e prjvado; os que percebem discriminação
pelo tipo de banco do qual declarou depender mais; 2) os que
se sentem discriminados pelo banco do qual não dependem; os
que não consideram o crédito como decisivo, embora possam
perceber discriminações; 3) os que não se sentem discrimina-
dos, embora eventualmente considerem o crédito como fator
decisivo para suas indústrias. Assim, é possível separar num
extremo um grupo que depende do crédito (isto é, que con·
sidera que o crédito é decisivo) e que se sente discriminado,
e no outro extremo os que não percebem discriminações. Os
resultados dessa separação, para o caso do Brasil, foram os
seguintes:

14' As perguntas que serviram de base para a elaboração


desses indices foram as seguintes: "Para o desenvolvimento
de seus negócios industriais, que setor reputa de importância de-
cisiva: fornecimento de matérias-primas, crédito, distribuição,
know-how, outros"; "Diria que existe discriminação por parte
dos bancos no que diz respeito a facilidades de crédito? (para
os bancos oficiais e particulares)" (dava-se, a seguir, um gra-
dietlit de alternativas); "Do total de créditos de que dispõem, que
percentagens provêm de fontes bancárias oficiais, privadas na-
cionais, privadas estrangeiras, organismos internacionais de cré-
dito?"
162 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 29

APRECIAÇOES SOBRE O SISTEMA BANCARIO


EM FUNÇÃO DA INDÚSTRIA
(BRABIL)

Empresários Empresário8
Grandes Médios

Percebem discriminações . 28% iO%


Intermediários . 30% 16%
Não percebem discriminações . 40% 44%
NS-NR . 2%

TOTAL 100% (50) 100%(50)

Para o caso da Argentina, pudemos estabelecer uma escala


baseada em perguntas ligeiramente distintas sobre as mesmas
dimensões (Existe ou não discriminação por parte dos bancos?
Qual a percentagem de créditos que provêm de bancos oficiais,
privados (nacionais ou estrangeiros)? Considera que os ban-
cos cumprem com as expectativas das empresas industriais?).
Com base nesta escala dividimos também os informantes em
categorias que se' distribuem segundo um gradient de percep-
ção cumulativa e simultânea de discriminação e avaliação da
utilidade do sistema bancário, com o seguinte resultado:
DISTRffiUIÇÁO DOS "SCORES" NA ESCALA
(ARGENTINA)

Bcares
O (não percebem discriminação) 17%
1 . 21%
2 . 21%
3 (percebem fortemente a discri-
minação) . 31%
NS-NR . 10%

TOTAL . 100% (71)


R.M.M~ = .663
C.R. .913
C.R. - R.M.M. = .280
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLfTICAS 163
Para fins de análise, agrupamos estes resultados do se-
guinte modo:
QUADRO N.o 30
APRECIAÇÃO SOBRE O SISTEMA BANCÁRIO,
EM FUNÇÃO DA INDÚSTRIA
(ARGENTINA)

Percebem discriminações . 31%


Intermediários . 42%
Não percebem discriminações . 17%
NS-NR .. ' '" . 10%
TOTAL , '" . 100% (71)

Neste caso, a primeira verificação comparativa aponta para


um comportamento diferencial entre argentinos e brasileiros.
Enquanto apenas 17% dos empresários argentinos não perce-
bem discriminações por parte dos bancos, 40% dos brasileiros
que são "grandes empresários" reagem da mesma forma. Outra
vez, a visão de "interesses comuns" entre as classes produto-
ras parece justificar-se no caso dos brasileiros, pois pelo me-
nos a percepção que eles têm das condições de conflito inter-
setoriais é menos marcada que no caso dos argentinos. Estes
não só distif,lguem mais seus interesses dos setores agrários,
como sentem-se mais discriminados pelos bancos. Por outra par-
te, percebem mais intensamente a existência de um operariado
que atua politicamente como força social. Em conseqüência,
porque vivem numa sociedade onde as relações de classe são
mais definidas, como vimos no capítulo anterior, não apenas
suas ideologias registram esta situação, como operam nela es-
colhas que os distinguem dos brasileiros: o operariado como
um aliado possível - porque forte e porque num contexto
político de oposições múltiplas entre as classes - reaparece
continuamente.
Evidentemente não pretendemos inferir daí que de ftUto
o comportamento político dos empresários argentinos tende a
orientar-se para uma ação comum com os operários. 16 Já dis-
semos e convém insistir: o curso real do processo político não

15 A pesquisa fol felta na Argentina na maior parte dos


casos durante o Governo Dla. Alguns entrevistados responde-
ram imediatamente após o golpe de Estado.

L_
164 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

pode ser inferido de informações de opinião. Estas revelam


apenas dimensões da ideologia que incidem sobre a orientação
do comportamento. Porém, as dimensões ideológicas que são
construídas analiticamente, repetimos, não se confundem com
os conteúdos valorativos manifestos pelos informantes. Como
vimos, por trás das "opções conscientes" é possível encontrar
padrões menos deliberados de reação; a análise desses padrões
nos está mostrando, até agora, que a escolha do aliado depende
da percepção do grau de força real dos atores sociais, embora
essa percepção não apareça como pura ilusão; ao contrário, en·
contra apoio nas análises estruturais e históricas que fizemos.
Conseqüentemente, qualquer processo político que induza à
reavaliação da força relativa dos atores sociais levará o em-
presariado a redefinir seus esquemas de aliança. Essas alian·
ças, como vimos insistindo, revelam sempre uma relação entre
os "interesses da indústria" que se definem em uma situação
dada e as avaliações sobre o papel e a utilidade de outros ato-
res políticos (classes, grupos e instituições) para a consecução
dos referidos interesses. Assim, não é a similitude de interes-
ses entre classes distintas que leva o empresariado à escolha
de seus parceiros politicos: é a força política que os empresá-
rios atribuem a certos gl1lpos que os leva a escolhê·los como
aliados eventuais. Como existe uma relação entre os objeti-
vos visados pelos empresários e a utilidade de certas classes,
grupos ou setores para sua consecução, a escolha aparece como
se fosse determinada por similitude de interesses de classe.
Isso dá a impressão de um processo menos aleatório nas es-
colhas e esconde o fato básico: numa situação de dependência,
o empresariado, na verdade, tem menos uma política do que
"reações adaptativas". Sua escolha está marcada por um seno
tido do que poderia ser julgado como Realpolitik, mas que, de
fato, como a dimensão propriamente politica do empresariado
- isto é, sua "vocação hegemônica" - está estruturalmente
condicionada, transforma-se em reação adaptativa ou, em ter-
mos vulgares, em oportunismo.
A análise das relações entre a ordenação dos informantes
segundo sua apreciação do sistema financeiro e algumas outras
variáveis pertinentes confirma as indicações precedentes: 18

18 Faremos a análise à parte dos empresãrios argentinos


e brasileiros porque os resultados anteriores mostraram que a
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS 165
QUADRO N.o 31
RELAÇAO ENTRE A PERCEPÇAO DA DISCRDMINAÇAO
PELOS BANCOS E NECESSIDADE DO APOIO
DOS BANQUEIROS E FINANCISTAS PARA A REALIZAÇAO
DE UMA POLtTICA FAVORAVEL AOS INDTTSTRIAIS
(ARGENTINA)

Percebem Não Percebem


n;-~m."fJ""e8
• ........ u
,uRrv..
Intermediário8 ,uRr<i,.mlnaçue8
nl_....J· ..

Sim 59% 33% 36%


NlI.o 41% 67% 64%
TOTAL ... 100% (22) 100% (30) 100%(11)

Diante deste quadro, não cabe dúvida, quando se conside-


ram as diferenças percentuais, que existe uma relação entre
perceber discriminação e considerar que se requer a aliança com
o setor financeiro, e, ao contrário, quanto menos se percebe
discriminação, menos se busca o apoio do setor financeiro.
Neste último caso, quando provavelmente se trata de indústrias
mais fortes financeiramente e quiçá mais enraizadas numa es-
trutura de poder próprio, busca-se, aí sim, uma "posição he-
gemônica" É esse grupo o único que majoritariamente per-
cebe a existência de um conflito de interesses com o setor
agrário:
QUADRO N.o 32
RELAÇAO ENTRE A PERCEpÇAO DE DISCRlMINAÇOES
PELOS BANCOS E A EXIST~CIA DE CONFLITO
DE INTERESSES ENTRE O SETOR INDUSTRIAL
E O SETOR AGRARIO
(ARGENTINA)
Percebem Intermediário8 Não Percebem
Discriminaç6e8 Discriminaç6e8
Há conflito .. 27% 33% 60%
Não há con-
flito . 73% 67% 40%
TOTAL . 100%(22) 100% (30) 100%(11)

relação de forças nas quais se movem é efetivamente distinta.


Não seria legitimo manter uma comparação pUl"8Jllente formal
entre dimensões cujo contexto significativo é distinto.
166 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 33

RELAÇÃO ENTRE PERCEpÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO


POR PARTE DOS BANCOS E ESCOLHA
DE PARCEffiOS POLtTICOS
(ARGENTINA)

Percebem Não Percebem


Aliados Intermediários Discriminações
Discriminaçõe.~

Mt.litares
sim 10% 3% 10%
não 90% 97% 90%

Trabalhadores
sim 52% 57% 48%
não 48% 43% 52%

Polfficos
sim 23% 20% 27%
não 77% 80% 73%

Banqueiros
sim 59% 33% 36%
não 41% 67% 64%

Agropecuários
sim 32% 27% -
não 68% 73% 100%

Em conjunto, ademais, é este o grupo que menos percebe


a ação dos sindicatos patronais como efetiva, não importa a
que nível, tanto na regulamentação da concorrência interna
como da externa ou na definição da polític'll salarial:
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS 167
QUADRO N.o 34

RELAÇAO ENTRE PERCEpÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO


PELOS BANCOS E AVALIAÇÃO SOBRE A EFETIVIDADE
DOS SINDICATOS EM DETERMINADAS ÁREAS DE ATUAÇAO
(ARGENTINA)

Percebem Não Percebem


Avaliação Intermediários
Discriminações Discriminaç<'les

Concorr~
nacional
efetiva .... 53% 41% 42%
pouco efetiva 47% 59% 58%
Concorr~cia
estrangeira
efetiva .... 75% 50% 50%
pouco efetiva 25% 50% 50%
pomica
salarial
efetiva .... 80% 61% 55%
pouco efetiva 20% 39% 45%

o resultado do Quadro n.O 34 poderia indicar que esses


empresários são suficientemente fortes para organizar sua po-
lítica independentemente das "associações de classe", as quais,
como vimos, caracterizam-se na Argentina por serem porta-
-vozes do "conjunto das classes proprietárias". Entretanto, os
resultados de outros cruzamentos nos permitem descartar a
hip6tese de que se trataria de "verdadeira burguesia indus-
trial", com vocação hegemônica e descomprometida de interes-
ses não-industriais. Trata-se, antes, de um setor que se sente
seguro diante dos outros grupos sociais, que tende a uma ori-
entação política do tipo chamado por n6s de isolacionista e
"economicista", mas que não compartilha uma "visão moderna"
do desenvolvimento, nem do ângulo interno da empresa, nem
do ângulo das relações entre o Estado e o desenvolvimento,
como pode verificar-se pelos quadros que seguem:
168 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 35

RELAÇÃO ENTRE PERCEPÇAO DE DISCRIMINAÇAO


PELOS BANCOS E EXPECTATIVAS QUANTO AO TIPO
DE ATUAÇAO DO ESTADO NO DESENVOLVTIKENTO
(ARGENTINA)

Percebem N 40 Percebem
Tipo de E8tado
DiBcriminaçÕ68 ltttermeàiárlo8 DiBcriminaçõe8

Estado liberal 39% 62% 70%

Estado desen-
volvimentista 61% 38% 30%

TOTAL ... --
100%
--
100%
--
100%

QUADRO N.O 36

RELAÇÃO ENTRE PERCEPÇÃO DE DISCRIMINAÇAO


PELOS BANCOS E ATITUDE
DO EMPRESARIO NA EMPR1!lSA 17
(ARGENTINA)

Atitude Percebem N40 Percebem


Itltermeàiário8
tia Empré8a DiBcriminaç6e8 DiBcriminaç6e8

Tradicional .. 33% 48% 58%

Moderna .... 67% 52% 42%

TOTAL ... -100%


- -100%
- --
100%

Da mesma maneira, no caso do Brasil é possível averi-


guar até que ponto a atitude diante do setor financeiro - na
suposição sempre de que tal tipo de polarização ideol6gica en-

17 O critério tradicional-racional, neste caso, foi tomado


exclusivamente a partir da formalização ou não de regras de
ingresso e ascenso do pessoal das empresas. Não discutiremos
aqui os limites de validade deSse instrumento de análise porque
o problema escapa à especificidade do tema.
IDEOLOGIA E ALIANÇAS PoLfnCAS 169
cerra um núcleo efetivo de problemas concretos - marca dife·
renças no conjunto da ideologia dos industriais, toda ela, antes
de mais nada, com tendências homogêneas comprovadas pelos
dados recolhidos. Vê-se que também entre os empresários bra·
sileiros aqueles que não se sentem discriminados pelo setor fi·
nanceiro são, ao mesmo tempo, os mais desvinculados (repe-
timos, num contexto de extrema vinculação) ideologicamente
dos outros setores das classes produtivas, a medir·se por re-
sultados indiretos:

QUADRO N.o 37

RELAÇÃO ENTRE PERCEPÇAO DE DISCRIMINAÇAO


PELOS BANCOS E AVALIAÇAO DA REFORMA AGRARIA
COMO MEIO PARA AMPLIAR O MERCADO INTERNO
(BRASIL)

Consideram
a Reforma, Percebem Intermediários NiLo Percebem
Agrária Discriminaç6es DiscrimiMç6es

Adequado ... 15% 26% 29%

Inadequado .. 85% 74% 71%


---I-
TOTAL ... 100% 100% 100%

No conjunto, as respostas a questões similares a esta, onde


se davam alternativas várias para a ampliação do mercado in·
terno (aumento de salários, redistribuição de renda, maior au-
xilio à agricultura e aumento de produtividade), deram te·
suItados do mesmo tipo (isto é, de rechaço por cerca de
70-80% dos informantes), com exceção de dois itens: aumento
de produtividade e auxilio à agricultura. Estes, que espelham
a política de fortalecimento do conjunto das classes proprietá-
rias e de isolacionismo, invertiam a tendência, principalmente
para o item "aumento de produtividade". Evidentemente, as
respostas, neste caso, estão carregadas de estere6tipos ideo-
lógicos, como manifestamente se verifica através da resposta
favorável ao aumento de produtividade, posto que sem redis·
tribuição de renda e sem aumento de salários esse tipo de res·
posta seria justificável tecnicamente apenas para o caso das em·
170 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCII!DADES DEPENDENTES

presas que operam em mercados restritivos e sociedades exclu-


dentes, e não para a maioria dos informantes. Não obstante,
74 inclustriais responderam afirmativamente às vantagens do
al,lmento de produtividade para ampliar o mercado interno,
contra 25, enquanto, por exemplo, no caso da redistribuição
de renda, houve apenas 15 respostas afirmativas contra 84 ne-
gativas, e para o caso do aumento de salários verifica-se ten-
dência similar a esta última: 19 favoráveis e 80 contra.
A medida que se analisam questões assumidas menos es-
tereotipadamente pelos empresários, os cortes propostos com
base na apreciação do setor financeiro voltam a discriminar:
IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLÍTICAS 171
QUADRO N ,0 38

RELAÇÃO ENTRE PERCEpÇÃO DA EXIST~CIA


DE DISCRIMINAÇOES POR PARTE DOS BANCOS
E EFETIVIDADE DOS SINDICATOS PATRONAIS
EM ÁREAS DETEIlMINADAS DE INTERESSE
PARA A INDÚSTRIA

Efetividade
dos Percebem Imermediários Não Percebem
Sindicatos Discriminações Discriminações

Face à intro-
missão do
EstGdo
sim 41% 59% 57%
não 59% 41% 43%
-- -- --
TOTAL ... 100% 100% 100%

Diante da con·
corr~ na-
cional
sim 56% 47% 50%
não 44% 53% 50%
-- - - --
TOTAL .. , 100% 100% 100%

Diante da con-
corr~a es-
trangeira
sim 58% 35% 41%
não 42% 65% 59%
-- - - - -
TOTAL ... 100% 100% 100%

N li poUtica sa-
larial

sim 48% 50% 53%


não 52% 50% 47%

TOTAL ...
-100%
- -100%
- -100%
-
172 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Diante da "intromissão do Estado" e da "concorrência


estrangeira", a percepção ou não de discriminações no setor
financeiro está associada com as escolhas feitas. Não sabemos,
entretanto, qual o grau de especificação dessa associação, pro-
blema que por ora não interessa, na medida em que não bus-
camos estabelecer, neste nível de análise, relações de causa e
efeito e nem tampouco determinar se a relação é ou não "espú-
ria" ou se está "contaminada". Basta-nos verificar que efeti-
vamente é possivel encontrar no contexto geral de uma ideo-
logia empresarial homogênea alguns elementos de diferenciação
e reconhecer neles a expressão de uma "situação estrutural"
que havia sido teoricamente suposta como existente.
Os quadros e as análises apresentados neste capítulo mos-
tram, à saciedade, que efetivamente é possível recuperar ana-
liticamente uma série de dimensões que indicam as linhas mes-
tras de estruturação da ideologia política dos empresários e pa-
recem indicar que existe uma correspondência de fato entre a
estrutura ideol6gica e a estrutura econômica, política e social
dos paises considerados. Examinemos essa relação, entretanto,
com mais atenção.
CAPÍTULO V

DEPENDtNCIA, DESENVOLVIMENTO
E IDEOLOGIA

N O NÍVEL empírico, a confirmação parcial das análises e in-


terpretações que propusemos nos capítulos iniciais não se faz
pela simples verificação de que a estruturação das ideologias
políticas dos empresários encerra efetivamente, como vimos
na capítulo anterior, os mesmos pólos de significação que teo-
ricamente apareciam como cruciais na caracterização das distin-
tas situações de desenvolvimento. É necessário, além disso,
determinar, por um lado, a existência de padrões definidos de
relação entre as empresas industriais e o mercado internacio-
nal do tipo dos que foram supostos teoricamente como exis-
tentes, e por outro lado é necessário mostrar que os tipos de
ideologia caracterizados no capítulo anterior se relacionam de
forma teoricamente esperada com o modo de vinculação das
empresas ao sistema econômico.
Este será o propósito do presente capítulo.

DEPEND~NCIA ESTRUTURAL

Não é necessário, para os fins deste trabalho, fazer uma


caracterização minuciosa do modo de vinculação das empresas
controladas por nossos informantes com o sistema industrial
capitalista. Basta mostrar que, mesmo quando se considera
apenas empresários nacionais,l a análise revela que é possível

1 Isto é, que pelos critérios de amostragem e seleção e por


critérios ex post revelaram controlar pelo menos 80% das ações,
e freqUentemente 100%.
174 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

estabelecer uma graduação cumulativa pela qual liames crescen-


tes de interdependência entre o sistema produtivo internacional
e a produção industrial na Nação se vão constituindo. Os ín.
dices hierárquicos que seguem, organizados à moda de uma
escala tipo Gutmann, mostram a distribuição dos informantes
quando se toma em consideração o tipo de vinculação das em-
presas principais que eles controlam e algumas variáveis que
indicam formas de ligação com o sistema internacional de pro-
dução. Para estabelecê-los, utilizamos as seguintes questões,
no caso da Argentina:

1. "O controle das ações é totalmente nacional?"


O = sim; 1 = não.
2. "Que tipo de relação tem a empresa com firmas es-
trangeiras? "
a) paga patentes; b) remete lucros ao exterior; c)
remete juros ao exterior; d) paga royalfies; e) paga
know-how.
O -= não; 1 sim.
J. "Dentro do total de créditos, que porcentagem pro-
vém de fontes estrangeiras?"
O = até 5%; 1 = +de 5%.

o resultado foi o seguinte:


(ARGENTINA)
Scares
o (sem vinculação) 47% II R.M.M.
1 ...................... 20% = .750
2 ...................... 23% 11 C.R. =- .929
3 (fortemente vinculadas ) 10% II C.R. -R.M.M. = .179

No caso do Brasil, com perguntas semelhantes, e igual cri-


tério de conta~em de pontos, obteve-se:
DEPENDÊNCIA, DESENVOLVIMENTO 'E IDEOLOGIA 175

DISTRIBUIÇAO DOS SOORES NA ESCALA


DE DE~CIA ESTRUTURAL

(BRASIL)

Grandes EmpresfJ8
Scores
Empresas Médias

O (seln vinculação) ........ 42% 76%


1 o •••••••••••••••••••••••• 22%
2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 0 •• 22% 24%

3 (fortemente vinculadas) .. 14%


100% (50) 100% (50)

Grandes: R.M.M. =.68; C.R. =.95; C.R. - R.M.M. =.27


Médias: R.M.M. =.90; C.R. =.99; C.R. - R.M.M. =.09

Note-se, inicialmente, que não se trata de mostrar pelos


escalogramas acima um processo de "desnacionalizaçiio", em-
bora tal processo exista, assim como existe a tendência a que
os setores mais modernos e dinâmicos da economia sejam con-
trolados por grupos internacionais ou pelo Estado. 2 Não se-
lecionamos os industriais por critérios de maior ou menor con-
trole nacional das ações: os empresários analisados neste livro
são todos nacionais. Entretanto, mesmo assim, uma parte das
indústrias controladas pelo setor nacional do empresariado (e
a fortiori ocorre processo semelhante com as que são controla-
das por grupos externos ou a eles se associam em proporções
mais consideráveis do que os empresários aqui estudados) es-
tabelece relações com o sistema internacional de produção e
começa a participar dele. É este fenômeno, que chamamos
nos capítulos iniciais de "internacionalização do mercado inter·

2 Sobre este problema ver os trabalhos de Maur1cio Vinbu


de Queiroz, Luciano Martins e José Antônio Pessoa de Queiroz,
sobre os grandes grupos econômicos brasileiros, publicados na
Revista do Instituto de 0iéncia8 ,sociais, vol. II, n.O I, Rio, 1965,
-e também Cardoso, "Hégémonie bourgeoise et indépendence éc~
nomique", op. cito
176 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

no", que aparece nos índices apresentados - embora, repeti-


mos, a intensidade deste. processo seja maior no caso das em-
presas que não são nacionais. Os escalogramas mostram, no
UJ1Íverso considerado, a proporção de empresas nacionais que
se vinculam com o exterior pelo. pagamento de "gastos tecno-
16gicos" (royalties, patentes, know-how, etc. ), a proporção
das que recebem financiamentos através de fontes bancárias
estrangeiras e internacionais e a proporção das que têm parti-
cipação acionária de empresas ou pessoas radicadas no exterior;
e simultaneamente, como os itens que fornecem essas infor-
mações são "escaláveis", se pode verificar que, lendo-se os re-
sultados de baixo para cima, existe uma tendência cumulativa
no sentido de que as empresas que são em parte controladas
acionariamente por grupos estrangeiros recebem financiamento
externo, e as que recebem financiamento externo paguem "gas-
tos tecnológicos" ao exterior, embora a recíproca não seja ver-
dadeira, isto é, nem todas as empresas que pagam gastos tec-
nológicos são financiadas pelo estrangeiro ou a ele associadas.
Como era de esperar, as empresas grandes apresentam
maior tendência a vincular-se com o sistema internacional de
produção, e portanto a modernizar-se, do qu<; as médias:

QUADRO N.o 1

BRASIL

Tamanho da Empresa
Dependtncla Estrntural
Médio Grande

Sem vinculações . 78% 54%


Vinculada ao exterior . 22% 46%

TOTAL . 100%(49) 100% (50)

Por outro lado, como também era de esperar, ao veri-


ficar-se a distribuição dos tipQs de vinculação com o exterior em
função do ramo de atividade industrial - o que faremos ape-
nas para o caso do ,Brasil, mas não ocorre diferentemente na
situação da Argentina - vê-se que existe uma' clara tendên-
cia de associação entre "setor moderno de produção" (isto é,
OEPEND!NCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 177

que requer alta concentração de' capital sob a forma de inves·


timento tecnol6gico) e "dependência estrutural do exterior"
(ver o Quadro n,O 13 deste capítulo).
Antes de prosseguir com a análise, convém registrar que
os escalogramas revelam uma diferença significativa entre o
modo de vinculação ao exterior das empresas argentinas e bra-
sileiras: enquanto aquelas tendem a estabelecer vínculos fi·
nanceiros sem estar ligadas por liames tecnol6gicos, nas brasi-
leiras a vinculação tecnol6gica se verifica com maior freqüên-
cia e independentemente da vinculação financeira. Estes r~
sultados podem ser interpretados distintamente: tanto podem
significar maior desenvolvimento tecnol6gico aut6ctone por par-
te do sistema industrial argentino, quando podem indicar que
a participação financeira externa se dá mesmo em empresas
não-dinâmicas, o que revelaria menor capacidade de autonomia
do empresariado nacional. Por outro lado, comparando-se as
informações sobre as "empresas grandes" brasileiras e as ar·
gentinas, verifica-se que entre estas últimas apenas 28,5% pa·
gam "gastos tecnoI6gicos", enquanto entre as brasileiras 50%
o fazem, o que da mesma forma indicaria ou .um grande desen-
volvimento tecnol6gico por parte do sistema industrial argen-
tino ou significaria que o setor nacional do empresariado con-
trola os ramos menos modernos e dinâmicos. Como no mo·
mento não dispomos de informações adicionais capazes de con-
firmar qualquer das hipóteses, teremos de limitar·nos na análi-
se a considerar globalmente dois grupos: as empresas que não
apresentam qualquer vínculo com o exterior e as que estão
vinculadas de algum modo. Assim procedendo, além de poder-
mos supor (em vista das informações contidas no Quadro n.O
13) que o setor não-internacionalizado da economia dos dois
países apresenta maior tendência a um baixo nível tecnol6gico
e a concentrar-se em ramos industriais menos dinâmicos, oro
denamos de fato as empresas a partir da dimensão claramente
estabelecida de possuir ou não vinculações com o exterior,
Os dados apresentados até agora neste capítulo descrevem
em parte a situação que conceptualmente chamamos de "de-
pendência estrutural". A descrição. é parcial porque na ver·
dade esse tipo de dependência aparece mais plenamente quan·
do se concentra a atenção sobre o setor propriamente estran·
geiro da economia industrial e sobre o setor nacional a ele li·
178 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

gado. Entretanto, justamente porque o setor analisado é o


menos permeável à internacionalização, a comprovação de que
até nele este processo se verifica e incide, como veremos, nas
orientações políticas dos empresários, constitui, por assim di-
zer, uma prova crucial das hipóteses que sustentamos.
Convém repetir que a "dependência estrutural", tal como
a concebemos, se distingue do conceito de "dependência exter-
na" utilizado pelos economistas e da idéia de que existe um
"setor nacional" e um "setor estrangeiro" nas economias sub-
desenvolvidas. Evidentemente, tanto existe uma "dependên-
cia externa", com graus variáveis, quanto um setor econômico
estrangeiro. Porém, a dependência externa se manifesta por
dimensões econômicas como a relação entre o coeficiente de
importação e o PNB, ou o endividamento crescente dos países
subdesenvolvidos etc., que não estão sendo considerados nesta
análise. E por outro lado, a distinção entre setor estrangeiro
e setor nacional da economia supõe que existe uma diferencia-
ção no modo de comportamento das unidades produtivas e
de quem as controla em cada um dos dois setores. Entreta:.1to,
essa diferenciação parece modificar-se quando a economia in-
terna 'se internacionaliza, isto é, quando passa a operar estru-
turalmente vinculada ao modo internacional de produção in-
dustrial-capitalista, adotando Sllas técnicas produtivas e man-
tendo relações financeiras com ele independentemente do con-
trole acionário nacional ou externo.
A idéia de dependência estrutural vai salientar, precisa-
mente, que esses fenômenos se dão num contexto social e po-
lítico em que as solidariedades, as alianças entre os grupos e
os sistemas normativos por eles compartidos começam a re-
definir-se em função do novo corte estrutural significativo:
pertencer ou não ao setor internacionalizado da economia na-
cional.

ORIENTAÇÕES POLÍTICAS E DEPENDÊNCIA ESTRUTURAL

Verifiquemos esta proposição começando com a análise da


incidência da "dependência estrutural" sobre as orientações ideo-
lógicas caracterizadas no capítulo anterior:
DEPENDÊNCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 179

QUADRO N.o 2

RELAÇAO ENTRE DEPEND:t!:NCIA ESTRUTURAL


E "ORIENTAÇAO POLtTICA"
(BRASIL)

Sem Vinculações Vinculados


com o Exterior ao Exterior

1. Alianças exclusivamente
ao nlvel das classes pro-
dutoras ............... 29% 42%
2. Alianças de 1 mais poli-
ticos e militares ....... 15% 28%
3. Incluem trabalhadores na
aliança ............... 56% 30%
--- ---
100% (55) 100%(43)

Tomamos em conjunto empresários que controlam empre-


sas grandes e médias porque a análise das diferenças percen-
tuais da matriz que considerava tamanho das empresas e
orientação ideológica não revelou diferenças significativas.

As diferenças percentuais e a distribuição das freqüências


indicam sem margem para dúvidas que existe uma associação
entre os dois fenômenos considerados. Convém notar que,
quando se distinguem as gradações no modo de vinculação com
o exterior, as diferenças tornam-se mais significativas ainda, pois,
considerando-se apenas as categorias extremas, isto é, quando
não existe qualquer vinculação com' o exterior, por um lado,
e quando ocorre o maximo de vinculações possível, por outro
lado, tem-se o seguinte resultado:
180 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 3

RELAÇÃO ENTRE DEPEND~CIA ESTRUTURAL


(CASOS EXTREMOS) E ORIENTAÇÃO POLtTICA
(BRASIL)

Vtnculaç40
Nenhuma.
Md<rima.
Vinctdaç40 Considerada

1. Alianças exclusivamente
ao nivel das classes pro-
dutoras .............. 29% 63%
2. Alianças de 1 ma.ls polf-
ticos e militares ....... 15% 37%
3. Inclúem trabalhadores na
aliança ............... 56% -
- -
100% (55)
- -
100% (8)

Além disso, a relação entre "dependênda estrutural" e


"orientação ideoI6gica", medidas pelos indicadores considerados,
aparece delimitada em sua extensão quàndo se inverte a per-
gunta, para saber como se distribuem as freqüências entre os·
que são favoráveis a cada tipo de aliança política:

QUADRO N.o 4
RELAÇÃO ENTRE "ORIENTAÇÃO IDEOLOGICA"
E "DEPEND~CIA ESTRUTURAL"
(BRASIL)
.Favor4Veia a
FavorãveiB AliatllÇa.s entre
Favorávei8 a Alianças a.s Cla.sS6s Pro-
48 Aliança.s a.s ClGases dutora.s MU'-
com Operários entre
Produtora.s tatreS ou Po-
liticos
Sem vincula-
ções com o
exterior " . 70% 47% 40%
Vinculados ao
exterior .. 30% 53% 60%
- -
100%(44)
- -
100%(34)
---
100%(20)
DEPENDftNCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA ·181

Não há dúvida quanto aos resultados: quanto mais vin-


culados ao exterior menos favoráveis às alianças com o opera-
riado e vice-versa. Entretanto, reaparece nesse nível da aná·
lise a tendência anteriormente entrevista no sentido de que
existe um comportamento diferencial entre os que não são fa-
voráveis a uma política "populista": parte deles opta por uma
visão política que exclui "outros grupos sociais", enquanto
outro setor se manifesta favorável às alianças com os setores
que manipulam o Estado e as forças armadas.
De igual modo, as orientações ideol6gicas medidas pelo
índice hierárquico que considera os itens "aliança com os ope-
rários", "fortalecimento do bloco ocidental" e "outros", quan-
do analisados em função da situação estrutural, vão apresen-
tar resultados que não fazem mais do que confirmar ,S
inter-
pretações anteriores. Para não abundar em verificações de
fato que sustentam as mesmas interpretações, sem contudo acres-
centar m.ãis força aos argumentos, Umitar-nos-emos a apresen-
tar uma tabela sobre este tipo de relação:

QUADRO N.o 5

RELAÇAO ENTRE "DEPENDlIlNCIA ESTRUTURAL"


E "ORIENTAÇAO POLtTICA"
(BRASIL)

18em Vinc1daç6e8
com o Exterior
Vinculados
ao Exterior

OrientaçA.o
"nacional-populista 45% 26%

Orientaçl.o
"apoUUca" ............. 27'10 26%

Orientaçl.o
"intemacionallzante" .... 28% 48%

100% (56) 100%(42)

Com menor nitidez, porém na mesma direção, a tendência


à associação entre "orientação populista" e vinculação exclusiva
182 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

ao sistema nacional de produção também se manifesta no caso


da Argentina:
QUADRO N.o 6
DEPEND1tNCIA ESTRUTURAL E ALIANÇAS POLtTICAS
(ARGENTINA)

Sem Vinculações Vinculados


com o Exterior ao Exterior

Incluem trabalhadores nas


alianças .............. 58% 46%

Não incluem trabalhadores


nas alianças ........... 42% 54%
--- ---
100%(33) 100% (35)

As análises comparativas anteriores sobre o modo de vin-


culação do sistema industrial argentino e brasileiro com o ex-
terior haviam salientado que no caso da Argentina a vincula-
ção financeira é mais intensa do que a tecnológica. Como esta
última tem uma importância toda especial na etapa de indus-
trialização restritiva característica das "sociedades industriais ex-
cludentes", é legítimo indagar como se relacionam as orienta-
ções ideológicas ao fazer-se a dicotomização da variável "de-
pendência estrutural" em função de um corte no índice hie-
rárquico apresentado na pág. 162 grupando os entrevistados
que obtiveram scores O e 1 contra os que obtiveram 2 e J:
DEPEND~NCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 183

QUADRO N.o 7
DEPEND1JNCIA TECNOLóGICA DO EXTERIOR
EM RELAÇAO COM ALIANÇAS POLtTICAS
(ARGENTINA)

Sem Vinculações
com o Exterior
Vinculados
aO Exterior
I
Incluem trabalhadores nas
alianças . 60% 30%

Não incluem trabalhadores


nas alianças . 40% 70%

100% (47) 100% (20)

Este quadro revela com maior nitidez a tendência esbo-


çada no qu~dro anterior: quanto mais dependente tecnologi-
camente, menos favorável às alianças políticas com os traba-
lhadores e vice-versa.
Mais uma vez, entretanto, queremos chamar a atenção
para o significado real dessas análises. Não é possível esque-
cer que os índices de orientação ideológica foram construídos
a pãrtir do suposto de que a tendência predominante concen-
trava-se em escolhas que chamamos de "elitistas" e isolacio-
nistas'0 P?r trás dessa tendência buscamos recuperar certas
dimen~ões da ideologia política da burguesia que revelasse pos-
sibilidades latentes de diferenciação. São essas possibilidades
latentes que se expressam nas categorias "populismo", "inter-
nacionalismo", "economicismo", "apoliticismo" etc. Por outro
lado, o que demonstramos neste capítulo até agora foi a rela-
ção entre essas tendências e o modo de vinculação - segundo
indicadores disponíveis - de empresas controladas por in-
dustriais 1zacionais com o sistema internacional de produção.
Portanto, os dados não significam que continua a existir uma
"burguesia nacional" disposta a aliar-se com os "setores popu-
lares" depois que a situação global de dependência assumiu
as conotações descritas no capítulo 111; o que os resultados
da análise permitem afirmar é que no conjunto do empresa-
riado nacional existe um setor que não reorganizou seu modo
184 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

de relação com o sistema de produção depois das modificações


sofridas por este, e que é preferentemente neste setor que se
encontram industriais que orientam virtual ou latentemente suas
escolhas políticas aceitando uma aliança de estilo populista.

A IDEOLOGIA "NACIONAL-POPULISTA"

Contudo, o significado real da opção por uma aliança po-


lítica com os operários deve ser delimitado pela análise das
variações entre esta escolha e opções que reyelem outras di-
mensões do "universo ideol6gico" dos empresários. Com efeito,
para que a interpretação da tendência encontrada ganhe sen-
tido, convém verificar se os empresários favoráveis às alianças
com os operários respOndem às expectativas políticas de uma
ideologia "nacional-populista".
Comecemos, como no capítulo anterior, com a questão dos
çonflitos de interesse entre o setor industrial e o setor agrário.
Havíamos visto que era estatisticamente pouco significativa, en-
tre industriais que assumiam uma ideologia populista, a ten-
dência para perceber mais do que os outros empresários a exis-
tência de conflitos agro-industriais. Vejamos agora, ao intro-
duzir-se a dimensão "dependência estrutural", como se com-
portam os dados.
QUADRO N.O 8

RELAÇA.O ENTRE DEPEND:&NCIA ESTRUTURAL E PERCEpÇAO DE OPOSIÇA.O ENTRE INTERESSES


DA INDúSTRIA E DO SETOR AGROPECUARIO

Bem Vinculoç6e" EBtmturCJiB Muito VincuZCJdoB


IntermediarioB
I com o Eirterior E,tmturCJlmente

ArgentitIU BrCJ8U TotCJl ArgentitlU BrCJ8U TotCJl ArgentitlO BrCJ8U TotCJl


Percebe
oposição 31% (5% (0% 37% 38% 38% (3% 75% 53%
Não percebe
oposição 69% 55% 60% 63% 62% 62% 57% 25% (7%
TOTAL.
-- -- -- -- -- -- -- -- --
100%(32) 100%(56) 100%(88) 100%(16) 100% (3() 100%(50) 100%(21) 100%(8) 100%(29)

No caso da Argentina, consideramos "intennediArios" o 3.° grupo de indice hierárquico correspondente


e somamos o 2.° grupo com o (.0 para compor a categoria "muito vinculados estruturaIrnente".
186 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

Este quadro permite entender um pouco melhor a rela-


ção entre ideologia e dependência na questão dos conflitos en-
tre os grupos agrários e os industriais. É indiscutível que a
maioria dos industriais não reconhece a existência de tais con-
flitos, como havíamos visto, mas aparece claramente também
que são os mais vinculados ao exterior os que mais percebem
estas oposições e, no caso do Brasil, há uma diferença percen·
tual de 30% a comprovar que existe uma clara associação po-
sitiva entre depender estruturalmente e perceber oposições de
interesse entre o setor agrário e o setor industrial.
A análise conjunta das três dimensões (orientação política,
dependência estrutural e percepção dos conflitos agro-indus-
triais) vai mostrar, entretanto, que a ideologia política se não
determina a tendência à maior ou menor percepção dos con-
flitos intersetoriais na burguesia - pois a dependência estru-
tural pesa mais do que ela - não deixa de incidir sobre essa
percepção. Assim, mesmo entre os que dependem estrutural-
mente do exterior, são os "populistas" os que menos percebem
a oposição entre agricultura e indústria, embora entre os não-
-vinculados ao exterior a qualificação populista ou não-populista
praticamente nada discrimine:
QUADRO N.o 9
RELAÇOES ENTRE DEPEND:6:NCIA ESTRUTURAL,
ORIENTAÇÃO IDEOLóGICA E PERCEPÇÃO
DOS CONFLITOS AGRO-INDUSTRIAIS
(ARGENTINA)

Sem Vinculações Vinculados


com o Exterior ao Exterior

<CN40- <CNda_
<CPopulistus" Populistas" Populistas" Populistas"
<C
Percebem con-
flito agro-in-
dustrial • 0.0 32% 29% 47% 35%

Não percebem 68% 71% 53% 65%

TOTAL ....
---
100% (19)
---
100%(14)
--- ---
100% (15) 100% (23)

De qualquer modo, os resultados dessas análises não con-


duzem à idéia de que existe uma relação entre desvinculação
DEPEND~NCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 187

com o exterior ~ populismo ~ opoSlçao aos setores agrá.


rios. Por outra parte, quando se indagou no capítulo ante-
rior se à escolha dos operários como aliados políticos corres·
ponde um! "visão desenvolvimentista" na avaliação do papel
do Estado, os resultados tampouco permitiram avaliar a idéia
de que os empresários de orientação "populista" eram mais
"desenvolvimentistas" e agora é possível mostrar que a "in·
dependência estrutural" não está relacionada significativamente
com maior "desenvolvimentismo":
QUADRO N.o 10
RELAÇAO ENTRE "DEPEND1:NCIA ESTRUTURA,L"
E AVALIAÇAO DO PAPEL DO ESTADO
NO DESENVOLVIMENTO

Bem Vinculações Vinculados


com o Exterior ao Exterior

Argentina Brasil Argentina Brasil


Estado "desen-
volvimentista" 39% 52% 47% 50%

Estado do
"laissez·faire" 61% 48% 53% 50%

TOTAL ... 100%(31) 100% (21) 100% (32) 100% (28)

Consideram-se apenas os empresários brasileiros grandes.

Tampouco é possível sustentar - quase por definição,


posto que a modernização industrial exige maior know-how e
esteé: como vimos, estrangeiro - que o grupo sem vipcula-
ções com o exterior se caracterize por uma orientação racio-
nal ao nível interno da empresa, a julgar pelos indicadores de
que dispúnhamos. Ao contrário, no caso da Argentina, 61 %
dos empresários sem vinculações com o exterior seriam "tradi-
cionais", contra 39% "modernos", enquanto que dos vincula-
dos estruturalmente ao exterior há 53% "tradicionais" contra
47% "modernos".
Em suma, por estes dados o setor do empresariado nacio-
nal que ainda parece aceitar, mesmo que apenas de forma la·

L
tente, uma aliança política com o operariado aparece, ao mesmo
tempo, como "pouco progressista". Tratar-se-ia de um setor
sem uma visão do processo de desenvolvimento de tipo "mo-
derna", isto é, que não veria no Estado mola importante da
transformação industrial nem teria um comportamento "racio-
nal" no imbito da empresa e que m.antém uma visão conser-
vadora sobre os conflitos de interesse com o setor agrário.
Tudo isso em aberta contradição com a ideologia que atribui
• esse setor a missão hist6rica de assumir o cometimento de
"realizar os destinos da Nação".

SISTEMA PRODUTIVO, MERCADO E IDEOLOGIA

Na realidade, é difícil aceitar a hipótese de que um gru·


po com estas características se proponha realmente a uma
política de transformações baseada em alianças polic1assistas.
Nesse sentido, seria conveniente inverter agora os termos da
questão e indagar sobre q papel dos interesses puramente eco-
nômicos como eixos ordenadores da visão do mundo dos em-
presmos "nacional.populistas". O predomínio desses interes·
ses corresponderia na prática à negação da validade dos adje-
tivos nacionalistas e populistas como qualificativos para este
tipo de empresários.
Assumamos como ponto de partida analítico o mesmo
critério que teoricamente havíamos proposto como definidor
das conseqü~ncias da etapa de desenvolvimento excludente, ba·
seado na industrialização restritiva: as diferenças de tipo de
demanda a e portanto de tipos de mercado. A primeira obser-
vação a fazer refere-se à relação entre <> modo pelo qual os in·
dustriais considerados se ligam ao sistema de produção indus-
trial e a importância atribuída à ampliação do mercado fora das
fronfeiras. nacionais. . Com efeito, toda a. teoria de um possível
desehvolvunento naCional baseado na aliança de uma burgue-

a Evidentemente, o perfUdistinto da demanda está condi-


cionado pela estrutura do sistema produtivo, que, como vimos,
surgiu na análise como "variável independente". Entretanto, na
ideologia da burguesia industrial - como representação - essa
estrutura reaparece como necessidade de um tipo especlttco de
mercado.
DEp~ND!NCIA, DEsENvOLVIMENTO E IDEOLOGIA 189

sia empresarial dinâmica com as massas assenta na suposição


de que a industrialização desejada por esta "burguesia revolu-
cionária" requer uma absorção crescente de consumidores no
mercado. Já vimos, no plano ideol6gico, as limitações que tal
política sofre em conseqüência da persistência de idéias que
sustentam a indiferenciação dos interesses de todos os setores
da burguesia e na oposição que os industriais manifestam a
medidas como a reforma agrária e a políticas favoráveis à re-
distribuição da renda. Veremos agora, com base em informa-
ções e não em opiniões, a relação que existe entre, por um lado,
vinculação ou autonomia em face do modo intemacional de
produção industrial e, por outro lado, quais as medidas toma-
das diante da ALALC, que, como se sabe, é a instituição na
qual os empresários latino-americanos e seus governos discutem
e resolvem quais devem ser os acordos preparat6rios para uma
integração econÔmica supranacional. Eis os resultados:

QUADRO N.O 11

TIPO DAS MEDIDAS ADOTADAS PARA INTEGRAR


AS EMPRESAS NA ALALC EM RELAÇAO
COM "DEPEND~CIA ESTRUTURAL"
(A.RGENTINA.)

Bem VincuZaç6es VinculadIJB


com o Exterior ao Exterior

Nenhuma medida 31% 13,5%


Medidas passivas 47% 30,0%
Medidas ativas 22% 56,5%
TOTAL 100% (31) 100,0% (37)

A pergunta que serviu de base a este quadro 9ferecia


cinco alternativas desde "nunca pensou nisso" até "mantém
contatos mercantis com outras emprêsas através da ALALC".
190 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 12

TIPOS DAS MEDIDAS ADOTADAS PARA INTEGRAR


AS EMPRESAS NA ALALC EM RELAÇAO
COM "DEPEND:mNCIA ESTRUTURAL"
(BRASIL)

Se~ Vi1bCulações Vinculadas


Co~ o Exterior ao Exterior
Nenhuma medida 38% 12%
Medidas passivas 24% 30%
Medidas ativas 38% 58%

TOTAL 100%(50 100% (43)

As tendências, nos dois países, são óbvias: quanto mais


a empresa está vinculada ao "modo internacional de produção",
mais atua dinamicamente para ampliar externamente o mercado.
No caso dos empresád?s brasileiros, quando se isola o grupo
mais vinculado ao exterior entre os que mantêm algum tipo de
vinculação, e se verifica como atuou diante da ALALC, vê-se
que todos tomaram algum tipo de medida: 25% medidas pas-
sivas (do gênero "gestões de informação") e 75% medidas
ativas de integração das empresas ao mercado latino-americano
através da ALALC. Ora, as análises anteriores mostraram, por
outro lado, que os grupos estruturalmente mais vinculados ao
modo internacional de produção são os mais "modernos", "de-
senvolvimentistas" etc.; e mostraram que são, ao mesmo tempo,
reticentes quanto à ampliação do mercado interno. Parece,
portanto, que na prática .os setores mais dinâmicos da burgue-
sia industrial preferem limitar o "alcance revolucionário" de sua
atuação à consolidação de liames econômicos entre os núcleos
indüstrializados e de consumo relativamente alto já existentes.
Quando se indaga como se distribuem os empresários por
setor de produção, vê-se, por outro lado, como era de esperar,
que são justamente os industriais ligados aos "setores tradi-
cionais" - alimentação, bebidas, tecelagem - os que depen
dem menos de vinculações com o exterior. Ora, como este
fator incide sobre as escolhas de aliados políticos e sobre o
comportamento efetivo no sentido de buscar ou não saídas para
DEPENDÊNCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 191

a expansão da produção através do mercado externo, percebe.


·se conseqüentemente que são os industriais vinculados ao
"consumo tradicional de massas" os que simultaneamente mais
sustentam medidas de alianças políticas com os operários e
mantêm representações sobre o "Estado", o "Desenvolvimento"
e a "Empresa" de tipo "tradicional" - isto é, não adaptadas
às novas condições sociais da produção industrial.
Os resultados disponíveis que permitem confirmar essa
interpretação referem-se somente ao Brasil e são os seguintes:
QUADRO N,o 13

RELAÇAO ENTRE RAMO DE ATIVIDADE DA EMPRESA


PRINCIPAL· E DEPEND1l:NCIA ESTRUTURAL
(BRASIL)

Alimentação Transportes Produç(J,o de


Bebídas e acessórios insumos in-
TéxtiZ eletrodo- dustriais
Vestuário méstic08 Material elé-
Metalurgia trico
de con:sumo Mec4nica pe-
Artigos sada
de escritório Papel e pa-
e brinquedos pelão, plás-
ticos, quimi-
C08 e pe-
tróleo

Sem vinculações
estruturais com
o exterior .... 71% 56% 44%

Vinculadas ao ex-
terior ........ 29% 44% 56%
--- --- ---
TOTAL .. 100% (41) 100% (16) 100% (41)

• Duas empresas não puderam ser classificadas devido 1


diversidade de sua produção, Constituem "conglomerados in-
dustriais",
192 PoLÍTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 14

RELAÇAO ENTRE RAMO DE ATIVIDADE DA EMPR1IlSA


PRINCIPAL E ORIENTAÇÃO DAS ALIANÇAS POLrrICAS
(BRASIL)

Empresas
de Consumo Empresas de Consumo
Tradicional * Moderno de Massas ou
de Massas de Consumo Industrial

Favorãveis às alianças com 51% 38%


trab&1hadores ......... 49% 62%
Excluem trab&1hadores ..
-100%(41)
- -100%(55)
-
* Considerou-se nesta categoria as empresas cujo pro-
duto principal incide s6bre alimentaçAo, bebidas, têxteis e
vestuário. Todas as demais foram gropadas na. outra cate-
goria. Q = + .30.

o quadro mostra que os empresários das indústrias que


supõem um consumo moderno tendem a rejeitar alianças p0-
líticas com os trabalhadores, porém que o fato de controlar
empresas vinculadas ao "consumo tradicional" não é suficien-
te para explicar a escolha de trabalhadores como aliados, pois
a relação é apenas de '1 % para 49 %. Essa verificação exige
comentários adicionais. Antes de mais nada, na categoria "con-
sumo tradicional" estão incluídas empresas que provavelmente
atendem a um mercado de baixas rendas, pois é evidente que
as demais empresas, pelos menos vinculadas aos transportes,
aos aparelhos eletrodomésticos e à metalurgia de consumo, tam·
~m dependem da ampliação do mercado, mas de um mero
cado de rendas médias-altas e altas. Aparentemente, portanto,
existem outros fatores que interferem na relação entre tipo.s de
mercado e ideologia política.
Os dados disponíveis permitem verificar em parte se efeti-
vamente a associação entre "consumo ampliado de massas" e
ideologia política pode ser precisada, quando se controla a
outra variável em questão, qual seja o modo de vinculação com
o exterior. Vimos que às empresas mais modernas são as
que mais se vinculam ao exterior. Portanto, a maior vincula-
ção ao exterior deve indicar, mesmo no conjunto das indústrias
1>aPEND!NCIA, OBsENvOLVIMENTO B IDEOLOGIA 193

que têm produção voltada para o mercado tradicional ou "de


massa", aquelas que usam t&nicas produtivas mais modemas,
isto é, que se "intemacioD,Jir.am". E de esperar que sejam os
industriais de empresas "internacionalizadas" os menos favorá-
veis às alianças com os trabalhadores, pois seu esquema de de-
senvolvimento suporá um tipo de relação política baseada mais
no fortalecimento das alianças interclasses e na expansão do
núcleo econômico "dinimico-intemacionalizado" da economia
do que no populismo e na ampliação baseada no aumento nu-
mérico dos consumidores. Esta interessaria antes aos industriais
não ligados estruturalmente ao exterior, que buscariam consu-
midores capazes de absorver mereadorias produzidas a um ní-
vel tecnol6gico relativamente modesto. E, por outro lado, é
de esperar que a baixa relação entre "setores industriais di·
nâmico-modemos" e "alianças políticas com os trabalhadores"
apareça ainda mais claramente determinada quando se analisa
em conjunto a relação entre "dependência estrutural, tipo de
indústria e orientação política".
QUADRO N.o 115

RELAÇAO ENTRE DEPEND~CIA ESTRUTURAL,


TIPO DE MERCADO DA IND"OSTRIA PRINCIPAL
E ESCOLHA DE ALIADOS POLtTICOS
(BBABIL)

Bem Vinculaçc5ea Oom VinculaçiSea


com o E:rlerlor com o E:rlerlor
Oonaumo Oonaumo
Conaumo Moderno: Oonaumo Moàenlo:
Traàicional Mercado Traàicional Mercado
"de tnaBaa" Beatritillo I«de m,aaaa" Reatritillo

Favorâveis
a alianças
com traba-
lhadores .. ·157% 152% 38% 27%
Excluem tra-
balhadores
das alianças
politicas .. '3% '8% 62% 73%
- - - - -- --
100%(27) 100% (13) 100% (30)
TOTAL 100%(30)
-
194 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

o quadro confirma as hipóteses anteriores: quando se in-


troduz a diferenciação devida ao tipo de relação mantida com o
sistema internacional de produção, vê-Se que ela especifica e
condiciona as escolhas políticas, precisando, dentro da distin-
ção entre "consumo tradicional de massas" e "consumo moder-
no", quem são os que se manifestam mais favoravelmente às
alianças com os trabalhadores. A relação entre "consumo mo-
derno" e "exclusão dos trabalhadores das alianças políticas"
só tem seu significado precisado quando se distingue se se
trata ou não de empresas "estruturalmente dependentes". Neste
caso, a associação entre "consumo moderno" e "exclusão dos
trabalhadores" é forte; em caso contrário, quando se trata de
empresas não-vinculadas ao modo internacional de produção,
existe uma predominância de opiniões favoráveis às alianças com
os trabalhadores, embora ainda aqui esta preferência aumente
quando se trata das empresas "estruturalmente independentes",
voltadas para o consumo que chamamos tradicional ou "de
massas".
Em conseqüência da análise do Quadro n.O 15, vê-se que
objetivamente a categoria "tipo de mercado" depende da cate-
goria "relação estrutural" (com as reservas assinaladas quanto
aos indicadores disponíveis para caracterizar ambas). Entre-
tanto, para que seja melhor interpretado o efeito que o "tipo
de mercado" preferido exerce sobre a ideologia política, convém
considerar que subjetivamente, isto é, ao nível das representa-
ções mantidas pelos empresários, a expectativa que eles formam
quanto às medidas que implicitamente supõem necessárias para
a ampliação do mercado se constitui num dos pólos mais sig-
nificativos de estruturação das ideologias empresariais. Assim,
uma série de relações que foram analisadas no capítulo ante-
rior e que revelaram organizar-se em função das representa-
ções que os entrevistados mantêm sobre os outros agentes so-
ciais pode ser organizada também em função dessa nova dimen-
são de sua representação do mundo e se verá que as preferên-
rias por cada forma particular de ação econômica se relacionam
com as representações anteriormente apresentadas. Em outras
palavras, as escolhas de aliados políticos - que vimos no capí-
tulo anterior - não são aleatórias quando se considera as re-
presentações dos empresários quanto a seus interesses puramen-
te econômicos de classe.
DEPENDtNCIA. DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 195

Para verificar essas afirmações selecionamos dois tipos


de respostas na questão sobre as medidas necessárias para a am-
pliação do mercado. Num grupo, juntamos os que se mani-
festaram em favor da "reforma agrária" e contra o "auxílio à
agricultura", embora favoráveis também e indiscriminadamente
a algumas das demais medidas propostas como possíveis para a
ampliação do mercado interno (redistribuição da renda, aumen-
to de salários ou aumento da produtividade). No outro grupo
juntamos os' que escolheram as demais categorias, com exclu-
são da reforma agrária.
Supõe-se que desta forma se distinguem analiticamente
dois tipos de orientação, uma favorável à ampliação numérica
ou quantitativa do mercado, pela incorporação de novos con-
sumidores, outra favorável a uma "ampliação qualitativa" do
mercado, -pelo aumento do poder aquisitivo dos atuais consu-
midores. Os resultados dos cruzamentos desses dois grupos
em função de algumas variáveis estratégicas para nossa análise
foram os seguintes:

QUADRO N.o 16

RELAçoES ENTRE OPINIAO FAVORAVEL


À .. AMPLlAÇAO NUMilRICA" DO MERCADO
E DEPEND1DNCIA ESTRUTURAL
(BRASIL)

Sem Vinculados
Fatlordt7fri8
Ovtras Vinculaçóes Estrutural·
R68POstas com o mente ao
Exterior Exterior

Sem vincula-
ç6es com o Favo-
exterior ... 72% 54% ráveis- 23% 12%
VInculados es-
truturaImen·
ao exterior 28% ~6% Outras 77% 88%
TOTAL ..
- - -
100%(17)
-
100%(82)
- -
100%(57)
- -
100%(42)
196 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

Este quadro, que permite ver como se distribuem as res·


postas em suas direções distintas, mostra que, embora no con-
junto, como já havíamos visto no capítulo anterior, os empre-
sários tendam a manifestar-se fortemente contra a reforma agrá.
ria, dentre os que lhe são favoráveis a maioria pertence aos se-
tores não-vinculados ao modo internacional de produção e, por
isso mesmo, aos setores industrialmente menos complexos. E,
por outra parte, em comparação com os setores vinculados es-
truturalmente ao exterior, os setores independentes dessa vin-
culação são também os mais favoráveis à "ampliação numérica"
do mercado.
De igual modo, a análise do cruzamento entre a variável
"orientação política" e as preferências sobre o tipo de amplia.
ção do mercado vai confirmar as interpretações que avançamos
nas páginas anteriores:

QUADRO N.o 17

OPINIAO FAVORÁVEL À "AMPLIAÇA.O ~CA"


DO MERCADO E ORIENTAÇA.O POLn'ICA·
(BRASIL)

~avor4VeÍ8 Outros

Populistas
Outros ..
I 55 %
45%
31%
Favo-
riveis 30% 10%

69% Outros 70% 90%


100%(17) 100%(81) 100% (36) 100% (62)

• Dimensão medida segundo o lndice hierárquico apre-


sentado no capitulo anterior.

Como se vê, entre os favoráveis à ampliação numérica do


mercado existe associação positiva com uma "orientação popu-
lista" em comparação com os demais, e .entre os "populistas"
em comparação com os "nãe»populistas" também existe maior
tendência para uma opinião favorável à aInpliação numérica
do mercado, embora no conjunto, todos,populistas ou não-
-populistas, prefiram outras alternativas.
DuENDtNCIA, DEsENvOLVIMENTO E IDEOLOGIA 197

Tendências na mesma direção foram encontradas na aná·


lise das outras dimensões da ideologia empresarial que vimos
considerando. Assim, com relação à "visão do Estado", a pre·
ferência pela ampliação do consumo através da incorporação
de massas vai estar associada a uma orientação "desenvolvimen-
tista" e nã~liberal (72 % X 28 % ), em comparação com as ~ue
optaram por alternativas de ampliação "qualitativa" do merca-
do (41% X .59%). Com relação à avaliação da conduta dos
informantes no plano interno da empresa, verificou-se. tam-
bém, que os favoráveis à ampliação do consumo de massas são
"modernos", embora a maioria entre estes não seja favorável
àquela poUtica.
Não resta dúvida, diante desses resultados, que a per-
cepção do tipo de mercado con.siderado importante para o de-
senvolvimento - isto é, um mercado ampliado pela "incor-
poração de massas" ou um mercado ampliado pelo incremento
das rendas de grupos restritos - se constitui num eixo im-
portante de ordenação da estrutura ideológica dos empresários.

INTERESSES ECONÔMICOS E PODER

Os pólos propriamente polfticos de organização e estru-


turação das ideologias que apresentamos e discutimos no capí.
tulo anterior nos levaram à verificação de que a burguesia in·
dustrial no nível das relações de poder desenvolve, mais do
que uma política, uma reação adaptativa. Os dados apresen-
tados . neste capítulo estão mostrando, entretanto, que quando
se toma em consideração questões que apontam para o nível
das relações econômicas parece que, ao contrário, as escolhas
feitas pelos industriais permitem advinhar - se não ler nelas
- caminhos mais seguramente trilhados. A correspondência,
neste caso, entre situação estrutural de dependência e tipo de
mercado desejado e entre tipo de mercado e orientação política
revela que a conclusão parcial a que chegamos de que a bur-
guesia industrial de países dependentes não tem vocação poU.
ticahegemônica deve ser completada. Com efeito, essa veri·
ficação não significa que a burguesia industrial deixe de ter uma
ideologia apropriada a seus interesses econômicos. Ao contrá-
rio, estamos vendo neste capítulo que a imagem que os indus-
198 POl,fTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

trlals formam quanto ao tipo de mercado necessário para pros-


seguir o desenvolvimento, quanto ao tipo de participação do
Estado no desenvolvimento e quanto aos seus interesses e alia-
dos políticos não é aleat6ria com respeito às variáveis estrutu·
rais e econômicas que conformam a "situação objetiva de seus
interesses".
Evidentemente, isso não quer dizer que as relações de po-
der deixem de incidir na conformação da visão do mundo da
burguesia industrial dependente; quer dizer apenas que esta in·
fluência é menor do que o peso da "situação de mercado".
Mas ela continua a existir e incide sobre as representações dos
industriais.
Por outro lado, a inexistência de uma "vocação hegem6-
nica" não significa a inexistência de uma política. Apenas, a
polftica que se abre para as classes empresariais na situação de
dependência é uma "política de interesses compartidos" com
as demais classes dominantes. Os conflitos e oposições entre
eles se orientam antes para o nível econômico do que para a
esfera do poder. As ideologias analisadas nos mostraram que
as visões sobre o desenvolvimento econômico e sobre o pro-
cesso polftico mantidas pelos industriais, longe de deixar de
corresponder aos "verdadeiros interesses" da burguesia indus-
trial, correspondem aos interesses reais não de qualquer bur-
guesia industrial, mas de uma burguesia industrial particular-
mente situada, na qual um setor se orienta por valores de um
determinado tipo (ampliação numérica do mercado, alianças po-
lfticas tom os trabalhadores e, ao mesmo tempo, visão tradicio-
nal do Estado, etc.) e outro setor, "internacionalizado", tem
seu p610 de referência voltado noutra direção. Por motivos
distintos, esses dois setores, ao menos a julgar por suas ideolo-
gias, não se propõem ordenar a nação ou o "espaço econômico"
no qual operam a seu talante: têm uma visão de grupo secun-
dário na escala de poder. Mas, em qualquer hipótese, encon-
tram justificações para uma orientação que é simultaneamente
de subordinação política e de dinamismo econômico: parece·
ria ser que desenvolvimento econômico e dependência polftica
aparecem como conceitos compatíveis e mutuamente implicados.
Esta verificação já foi feita ao nível das sociedades glo-
bais: a internacionalização do mercado interno nos países pe·
riféricos abre a possibilidade estrutural' para a compatibilidade
DEPEND~NCIA, DEsENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 199

entre dependência política e desenvolvimento econômico. A


descoberta de uma ideologia política deste tipo entre os em-
presários industriais pacionais que participam do setor inter-
nacionalizado da produção industrial não faz mais do que for·
necer uma degrau de mediação entre a análise estrutural que
supôs possível a relação inferida e o comportamento político
efetivo desse setor da burguesia industrial nos países depen-
dentes. E ao proceder assim, esta análise validou, ao mesmo
tempo, as interpretações teóricas apresentadas que implicavam
transformações nas orientações da ação política na direção que,
efetivamente, transpareceu nas ideologias dos industriais. Evi-
dentemente, como em toda ideologia, o núcleo nacional que
ela encerra é relativo: amiúde, sobre esta base se constroem
justificativas e se fazem suposições ao nível do puro engano.
Ainda uma vez, convém insistir que o tipo de investiga-
ção e análise apresentadas não permite prever o "curso con-
creto da história". Este mantém sua autonomia criadora como
praxis de classes que se enfrentam. Permite, entretanto, bali-
zar os parâmetros dentro dos quais se dá a prática histórica.
E permite estabelecer os "nexos de significação" da ação so-
cial: as ideologias elaboradas analiticamente na investigação
mostram o conteúdo valorativo e os cortes de sentido que po-
larizam as orientações políticas dos empresários. O método
de análise seguido não permite, intencionalmente, determinar
ou estimar as "características do universo considerado" em
termos de uma inferência indutiva. Por isso, não nos preo-
cupamos com a proporção ou o grau em que uma parte da bur-
guesia industrial se orienta por valores nacional-populistas e
está presa a uma situação nacional de produção, enquanto ou-
tra parte se "internacionalizou". Entretanto, pudemos fazer
uma clara distinção qualitativa entre esses dois pólos de re-
ferência como focos de estruturação das ideologias da burgue-
sia industrial e pudemos ainda averiguar que tipos de indús-
trias estruturalmente são mais afins com a sustentação de um
ou de outro tipo de orientação.
Como contraprova das interpretações propostas nos capí-
tulos H e IH, a análise dos capítulos IV e V permite ver tam-
bém que, independentemente das "diferenças nacionais", quan·
do se constitui um setor internacionalizado da produção "na-
cional", as orien.tações políticas e a visão do desenvolvimento
200 POLÍTICA B !>BsBNvOLVIMENTO EM SocmDADESDEPENDBNTBS

dos grupos vinculados a este setor se homogeneizam: o sentido


e as proporções comparativas das respostas dos empresários ar-
gentinos e brasileiros que pertencem à "burguesia intemacio-
nalizada" são os mesmos. Não repetiremos aqui, para não
fastidiar o leitor, os quadros anteriores onde se comprova esta
afirmação. Basta uma releitura para a verificação do que afir-
mamos. Isso quer dizer que, a partir da cristalização de uma
situação estrutural de dependência numa sociedade industrial
periférica, as ideologias políticas das burguesias na Nação, p0-
rém não nacionais, tenderão a uniformizar-se e que a situação
descrita de "ideologia política de interesses compartidos" e de
valorização do mercado como arena da luta entre interesses de
classe tenderá a deslocar para o plano propriamente econ&-
mico a "política" das burguesias industriais nas dependentes.
Este problema requer esclarecimentos adicionais, que serão feio
tos no pr6ximo capítulo de conclusões.
CAPiTULO VI

CONCLUSOES

H AviAMOS começado este trabalho com duas ou três idéias


básicas. A primeira afirmava uma concepção geral tio tipo
de relação entre ideologias e estruturas. A segunda caracteri-
zava, no plano estrutural, formas determinadas de relação en-
tre as classes e de alianças políticas possíveis em distintas "si-
tuações de dependência". A terceira valorizava o conceito de
"sociedades industriais de~ndentes" como um elemeqto para
a interpretação de aspectos parciais - processos de diferencia·
ção estrutural, processos políticos, ideologias etc. - nas .re-
lações entre as classes e no modo de orientação das classes nos
países periféricos ·que haviam conseguido· iniciar a industrializa-
ção. A análise das ideologias· dos empresários argentinos e
brasileiros permitiu que se verificasse o valor explicativo e as
limitações dessas idéias.
Com efeito, sem que tivéssemos .sido obrigados em qual.
quer momento a recorrer a expedientes metodol6gicos como o
implícito "na transformação das ideologias em "componentes
funcionais" de um sistema mais amplo, ou em "reflexo" de
uma situação estrutural, foi possível recuperar analiticamente,
ao nível das pr6prias ideologias} . a indicação da existência dos
modos de relação que havíamos, suposto como característic05
do tipo de desenvolvimentó industrial·dependente que ora se
verifica na Argentina e no Brasil. Substantivamente, seria pos-
sível dizer que em termos de tendência predominante as ideo-
logias políticas do empresariado denotam a existência de uma
orientação homogênea que chamamos de "elitista" e "i~Qla~
cionista", isto é, a tendência a uma política de fortaIecim~nto
do padrão convencional de distribuição do poder e de orienta-
202 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

ção política das sociedades subdesenvolvidas. Entretanto, por


trás desta aparente conformidade, distinguimos alguns tipos de
orientação, que têm muito pouco que ver com a visão de uma
classe industrial puramente conformista: caracterizamos, além
de um grupo de orientação predominantemente econômica e
"apolítica", dois setores tortemente orientados por valores po-
líticos. O sentido desses valores é distinto em cada um des-
ses dois grupos. Enquanto um deles ainda encara, latentemen-
te, uma possibilidade d!' orientação política baseada no "nacional·
-populismo", o outro setor se volta para valores "internacional-
-~esenvolvimentistas" .
Além disso, o conteúdo das orientações econômicas do se-
tor \nacional-populista não é necessariamente "progressista" e
"desenvolvimentista", assim como a uma posição de "burgue-
sia internacionalizante" não corresponde, necessariamente, uma
atitude econômica contrária à expansão do mercado interno, mas
sim uma concepção particular do tipo de expansão requerida
pelo mercado: a esse setor industrial interessa, mais do que a
incorporação de novos grupos ao mercado, a intensificação ex-
ponencial da capacidade ae compra de camadas sociais já in·
tegradas.
Assim, se bem é certo que reaparece na análise a "bur.
guesia nacional", ela não surge munida ideologicamente dos
objetivos e predisposições que a ideologia política vulgar lhe
atribui. E, por outro lado, quando se relacionam as ideologias
políticas com alguns indicadores' objetivos de "dependência es·
trutural", verifica-se que os industriais que poderiam ser qua-
lificados - com a liberdade de expressão e as limitações assi·
naladas no texto - de representantes de uma ideologia "na-
cional-popular" são precisamente os que tendem a controlar os
setores industriais tradicionais, de baixa tecnologia e que de-
pendem de um mercado de massas. Ao contrário, os empresá.
rios que operam na Nação, mas não são "nacionais", se ori·
entam por uma visão "internacionalizante" e tendem a controlar
os setores mais modernos e de maior desenvolvimento tecno-
16gico.
Por outro lado, a correspondência entre o significado das
ideologias e a situação estrutural não indica nada de seme-
lhante a uma falsa consciência da situação verdadeira dos inte-
resses de classe. Antes, aponta para interesses de classe que
CONCLUSÕES 203

não implicam politicamente uma "visão hegemônica". A aco-


modação da burguesia industrial à forma' particular de depen-
dência que ela vive não implica "incapacidade histórica" para
vislumbrar seus verdadeiros objetivos, mas sim o reconheci-
mento prático da impossibilidade histórica de uma política he.
gemônica. A falta de um projeto de dominação só se revela
como carência em comparação com uma suposta necessidade de
existência de tal projeto. Ora, a análise da situação de depen-
dência mostrou que, ao contrário, na estrutura da situação não
está inscrito qualquer projeto político necessário de hegemo-
nia nacional a ser cumprido pela burguesia industrial.
Nessas condições, nem o setor ideologicamente "nacional-
-populista" nem o setor "internacionalizante" expressam em
suas ideologias a "vocação de domínio" que caracterizaria uma
classe ascendente que constrói uma Nação. Ao contrário, como
vimos, desenvolvem ideologias favoráveis a "reações adaptati-
vas" no plano político, que os levam a aceitar, em cada etapa,
compromissos com quaisquer forças politicamente vigorosas. Os
limites para as acomodações possíveis são antes econômicos
- como vimos no capítulo V - do que políticos.
Isso nos levou a formular conclusões parciais que são
aparentemente contraditórias: não só o grupo que se alimenta
por uma ideologia "nacional-populista" é o menos apto estru-
turalmente para uma ação transformadora (dada sua vincula-
ção aos setores menos dinâmicos da economia) e o setor "in-
ternacionalizante" é o economicamente mais "progressista",
como, em conjunto, ambos são politicamente acomodatícios.
Têm, porém, uma política econômica definida que se revela
pela escolha de aliados políticos em função do tipo de merca-
do que lhes pa~ece - ~ é - mais adequado a seus interesses.
Assim - a medir por suas ideologias - não é no plano pro-
priamente político de controle do poder ao nível da sociedade
global que os setores industriais definem sua vocação à im-
posição, mas no plano econômico. Ora, toda a literatura es-
pecializada ressalta o fato de que o empresariado moderno, nos
países altamente industrializados, torna-se, ao contrário, cada
vez mais atuante politkamente e mostra que o controle do
Estado se transforma no instrumento decisivo da política em-
presarial.
204 PoLfTICA E DEsENvOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Entretanto, essa contradição não resulta de uma simples


"inconsistência ideológica". Na verdade, ela não exprime me-
nos do que um aspecto essencial da situação de dependência
a que aludimos.
Com efeito, desde o momento em que o sistema capita-
lista internacional de produção industrial se "internaliza" nas
nações dependentes, deixa de existir uma te1ação necessária
entre "desenvolvimento, ind~pendência nacional e burguesia in-
dustrial". Nessas condições, encarada do ângulo nacional, a po-
lítica empresarial parece ser meramente econômica, porque não
implica um projeto de controle ,hegemônico da Nação. E, vista
de seu verdadeiro ângulo de significação - a reorganização in-
ternacional das alianças políticas e a conseqüente redefinição
do "espaço econômico e político" - aparece como subordi-
nada aos interesses econômicos que freiam veleidades de uma
política autônoma, isto é, de uma luta pela imposição de obje-
tivos próprios. Portanto, na medida em que o sistema econô-
mico se internacionalizar, dar-se-á uma separação entre, por
um lado, as aspirações políticas definidas nacionalmente e a
ação econômica definida internacionalmente e, por outro lado,
entre uma crescente visão econômica do mundo por parte da
bUrguesia 'internacionalizada e uma 'crescente mioimitaçâo do
significado da política interda em termos de alianças policIas-
sistas para' realizar reformas políticas na Nação.
Nas sociedades constituídas ao redor dos pólos mundiais
de dominação tam~m se verifica uma separação relativa entre
Economia e Política, porém o processo tem sentido inverso:
o sistema econÔmico nacional, dentro de certos limites - pois
a expansão dos capitais internacionalmente ~ essencial - re-
quer apenas secundariamente a expansão do mercado interna-
cional e' seu controle, enquanto o sistema político alimenta,
cada vez mais projetos e instrumentos de dominação interna-
cional, mesmo quando desligados, em forma imediata, de in-
teresSes econÔmicos.
Isso indica, uma vez mais, a especificidade estrutural da
situação das sociedades industriais e dependentes.
Entretanto, como se reiterou nos capítulos anteriores, não
deixa de. existir uma dimensão política no comportamento em-
p~sarial. Apenas a política da "nova burguesia" industrial
CONCLUSÕES 205

não pode desconhecer as condições econômicas que lhe são fa-


voráveis. Como estas não requerem ampliação imediata do
consumo de massas e requerem o fortalecimento dos laços eco-
nômicos entre as "ilhas de desenvolvimento" dos países de-
pendentes e o sistema econômico internacional, a política da
burguesia industrial dependente subordina as transformações in-
ternas e as alianças de classe ao objetivo prioritário do desen-
volvimento dependente e internacionalizado.
ANEXOS
ANEXO SOBRE OS PROCEDIMENTOS USADOS
NA COLETA E ANALISE DOS DADOS

o TRATAMENTO empírico e estatístico dos dados que te-


mos à nossa disposição está longe de ser isento de problemas.
Um grande número de questões poderia ser inventariado. En-
tretanto, talvez seja conveniente assinalar somente os mais im-
portantes, entendendo por importantes' aqueles que, de um
lado, estio afetados pelos supostos Msicos dos diversos mode-
los "estatísticos" empregados e, de outro, os que dizem res-
peito à coleta de dados e à construção dos diversos índices e
escalas. A seguir indicaremos, para informação do leitor, al-
guns desses problemas.

ELABORA~O DE DADOS, CoNSTRUÇÃO DE lNDlCES E EsCALAS

A elaboração dos instrumentos de coleta de dados foi pre-


sidida muito mais pelo. desejo de· obter informações sobre o
tema que pelo objetivo de "testar" hip6teses substantivas. Mes-
mo quand"o tal objetivo existiu, via de regra, um desenvolvi-
mento posterior da análise te6rica do problema levou a uma
reformulação daquelas hip6teses, reformulação essa que exigi-
ria uma reformulação do plano de pesquisa. Como essa re·
formulação do plano de pesquisa era totalmente inviável, de-
cidimos aproveitar ao maximo os dados existentes, conscientes
das limitações que essa utilização impunha, tais como:
1. São muito indiretos os indicadores de algumas das di-
mensões que tratamos de detectar e cujas relações estudamos.
2. Os índices construídos CObl base nesses indicadores não
cumpriam, rigorosamente, com muitos dos requisitos te6ricos
exigidos para essa construção, sobretudo no que diz respeito ao
número de itens que devem ser considerados.
210 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

3. Impossibilidade de fazer testes de validez e confiabili·


dade desses índices.
Do ponto de vista estatístico, portanto, muitos são os
pontos discutíveis. Entretanto - e isso está de acordo com
nossa orientação metodológica mais geral - tratamos de bus-
car outros critérios que permitissem a validação dos "cons·
tructos" feitos a partir dos dados. O principal deles foi o da
significação teórica substantiva que esses "constructos" apre-
sentavam.
Um caso especial deste problema' que merece ser discuti·
do como exemplo é o caso das escalas e índices hierárquicos.
Tomemos a "dependência estrutural" como exemplo, por ser
uma das "variáveis" mais relevantes do estudo. Nossa idéia
inicial foi a de tomar um conjunto de indicadores de depen-
dência e estudar a escalabilidade desses diversos itens-indicado-
res. Essa idéia encontra um apoio teórico: cada um dos itens
reflete um grau mais avançado do process.o de "internacionali-
zação" e portanto é teoricamente consistente a idéia de que
existem itens mais fortes e itens mais débeis e, nesse sentido,
quando existe uma resposta 'positiva ao item mais "forte",
isso deve implicar uma resposta positiva aos itens mais "fra-
cos". Semelhante raciodcio justificava a idéia de construir uma
escala de tipo Guttman.
Entretanto, o número de itens disponfveis para • aplica-
ção dessas técnkas não era suficiente. Entre um rigorismo que
levaria a paralisação e uma flexibilidade que poderia mtrepr
resultados positivos, decidimos pela última altematin. Tome-
mos então a resposta a tres perguntas como ineticadol'es:

1.°) Como se distribui, em termos de Mcionelidade do


capital, o controle de sua empresa industrial prindpIl? (Per-
gunta n.o 10.)
A resposta foi dicotomizada recebendo um score de zero
aqueles cujo capital era todo nacional, e um score de 1 os que
assinalavam categorias que indicavam alguma percentagem de
capital estrangeiro.
2.°) Que tipos de relações mantém sua empresa industrial
principal com firmas estrangeiras? (Pergunta n.O ll-b.)
ANEXOS 211

Recebiam um seore de um 1 os que afirmavam pagar pa-


tentes, royalties ou know-how; um seore zero os que não assi·
nalavam nenhuma dessas categorias.
3.°) Do total de créditos de que dispõe, que percentagens
provêm de fontes bancárias? (Pergunta n.O 5.)
Receberam um seore de 1 os que afirmavam que 5 % . ou
mais dos créditos de que dispõem provêm de bancos privados
estrangeiros. Em caso contrário, receberam um seore de zero.
No capítulo V apresentamos o "escalograma" resultante
desta análise.
Os resultados, se interpretados teoricamente, justificam
a utilização dos seores finais obtidos pelos diversos sujeitos
nesse índice hierárquico. O item mais fraco resultou ser aque-
le que indica que as empresas se vinculam ao exterior em vir-
tude dos requisitos técnicos impostos por seu desenvolvimento,
pagamento de roya/ties, patentes e know-how. O item inter-
mediário expressa a necessidade ou não de recorrer ao capital
estrangeiro - através da rede bancária - para a manutenção
ou ampliação da empresa e, finalmente, o item mais forte in·
dica a existência de controle acionário da empresa pelo capital
estrangeiro. ~ útil insistir, além disso, que esses itens são "es-
caláveis" no sentido de que a existência de controle acionário
por parte do capital estrangeiro implica dependência com res-
peito ao suprimento de capitais por parte da rede bancária
estrangeira e implica dependência com respeito à tecnologia.
Essa implicação sem dúvida foi assinalada teoricamente, antes
da análise dos dados. E a relação empiricamente detectada
entre os itens analisados pode considerar-se - de modo indi·
reto é certo - inclusive como a validação "empírica" da aná·
lise teórica.
Do mesmo modo, tratamos de captar algumas das carac-
terísticas ideológicas dos empresários brasileiros seguindo uma
técnica semelhante. No capítulo IV apresentamos o escalo-
grama dos itens utilizados nesta análise.
Para a construção de outras "variáveis", por sua própria
natureza, tivemos que adotar uma técnica distinta da utilizada
na construção de índices e escalas. Tratamos de detectar cepa·
drões': que caracterizassem nossas unidades de análise (empre.
sários). Mais claramente neste caso está a variável ·"reconheci-
212 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

mento de discriminações pelo setor financeiro". Tomamos as


respostas a vários itens e tratamos de agrupá-las qualitativa-
mente de modo a poder caracterizar através "dos padrões" de
resposta o grau de reconhecimento de discriminação. Aqui, mais
do que nos casos de índices e escalas, o critério de agrupação
dos itens - ou das respostas aos itens - não foi empírico,
ou seja, não se tratou de fazer análises de confiabilidade e va-
lidez e sim se estabeleceu a partir da relevância te6rica que
cada item podia ter na caracterização dessas dimensões.
Finalmente, deveríamos chamar a atenção do leitor para
outra característica das "variáveis" que usamos no tratamento
empírico dos dados. Ainda que possa estar explícito nos qua-
dros que apresentamos, as variáveis relacionadas se referem
às vezes a distintas unidades de análise: algumas se referem
à empresa tomada como unidade de análise e outras se refe-
rem ao empresário como ator individual. Os quadros por si
mesmos não podem revelar a naturez.a substantiva das relações
existentes entre esses dois planos ou níveis. Aqui - como
em toda parte - somente o discurso te6rico pode dar sentido
a essas relações.

MODELOS ESTATíSTICOS E SUPOSTOS 1

1. A simples apresentação das freqüências absolutas em


cada uma das subdivisões dos nossos quadros poderia dificul-
tar a visão das tendências que estes quadros podem revelar. Por
esse motivo, decidimos apresentar, e às vezes analisar, as .dife-
renças percentuais. A utilização desse instrumento deve ser
encarada dentro desses propósitos.
2. A utilização de percentagens e á análise das diferenças
percentuais, além dos problemas já assinalados, no nosso caso
apresenta um problema adicional: o tamanho da base sobre a
qual as percentagens são calculadas. . Como sabemos, para que

1 Pars uma discussAo interessante e com a qual concor-


damos sobre as limitações dos modelos estatiaUC08 tradicloDaia
na análise sociol~gica nâo-descritiva, ver S.· M. Lipset, MartiD
Trow e James Coleman, Untem Democracy, Doubleday, Nova
York, 1962, "Methodological Note", eap. pága. ~8048~.
ANBXOS 213

as percentagens tenham alguma estabilidade se exige um ta·


manho mInimo do marginal que serve de base (em geral nun·
ca deve ser inferior a 20 ou 30 casos).
Em muitos dos quadros esse requisito não se cumpre.
Entretanto, o que cabe perguntar é até que ponto seria possí.
vel que fosse de outra forma, dado que trabalhamos pratica·
mente com um universo limitado e não haveria possibilidade de
tomar uma "amostra" maior. Esse problema, de nenhum modo
solucionado, revela uma das muitas limitações das técnicas dis·
poníveis para análise de certo tipo de investigação.
3. Finalmente, pelos motivos já antes apontados, parece·
-nos injustificado tratar de fazer "testes" para saber a que
nível de confiança as diferenças percentuais são significativas.
Com o ~parente pouco rigor que esse procedimento pode ter,
preferimos descobrir na análise concomitante das tendências à
diferença percentual a significação das relações estabelecidas.
Note-se que se trata de um univergo limitado e com muitos
elementos favoráveis à homogeneização. Buscamos, assim, não
perder quaisquer diferenças que, embora estatísticamente não
tivessem sentido, teoricamente revelaram alguma significação.
:g preferível, em nosso modo de ver, adotar essa estratégia -
explidtando seus limites - que adotar uma que no seu apa-
rente rigor esconde limitações básicas.

CoLETA DOS DADOS

Convém deixar claro que não se estabeleceu propriamente


uma amostra dos industriais. O desconhecimento do "uni-
verso" e os problemas que sempre existem parã passar da ca-
racterização da empresa ao "empresário" dificultariam um pro-
cedimento rigoroso. Ademais, como se viu nas análises e como
se explicou neste anexo, o prop6sito da investigação não era o
de "testar hip6teses" e verificar a validade empírica dos resul·
tados e sua possível extrapolação. Não fizemos, a rigor, ex-
trapolações. Assim, as informações que impOrta c6nsiderar
quanto aos entrevistados dizem respeito mais l qualidade dos
mesmos do que à quantidade e ao modo quantitativo de seleção.
Com esta ressalva, damos a seguir algumas informações
pertinentes.
214 POLíTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

No caso dos empresários argentinos, I partiu-se de um


grupo de 168 empresários selecionados do seguinte modo:
1) Preparou-se uma lista das empresas industriais de maior
volume de produção segundo o ramo da indústria, com base
em informações fornecidas pelos setores de Indústria e Orça-
mento Econômico, do Consejo Nacional de Desarrollo (Conade).
Esta lista alcançou 400 empresas.
2) Fez-se uma reorganização da lista de modo a incluir
as três principais empresas de cada ramo industrial. Em muitos
casos foi necessário substituir o critério "volume da produção"
por "valor da produção" ou "volume das rendas". Em alguns
casos a distância entre as três principais empresas indicava a
conveniência de' excluir ou incluir alguma outra empresa, o
que foi feito.
Essa reorganização forneceu uma nova lista de 200 em-
presas que foram classificadas em "nacionais" e "estrangeiras".
3) Nas empresas consideradas pelo critério de seleção como
"nacionais", buscou-se o presidente da diretoria da sociedade
anônima para ser entrevistado. Nas estrangeiras, que tanto
podiam ser filiais de matrizes estrangeiras como empresas ju-
ridicamente argentinas, mas controladas financeiramente por ca-
pitais estrangeiros, ora buScou-se o presidente da sociedade anÔ-
nima, ora o mais alto executivo. Com isso organizou-se um
novo rol no qual havia 120 pessoas que deveriam ser entre-
vistadas prioritariamente e 80 para substituição. O critério para
as prioridades foi a maior participação ~ várias diretorias de
empresas distintas.
4) A este conjunto de empresários juntou-se uma lista de
presidentes de sindicatos empresariais dos ramos de atividade
econômica considerados na elaboração da lista de empresas an-
teriormente referida. Considerou-se a filiação dos sindicatos
a dois tipos de centrais sindicais existentes na Argentina, Vni6n
Industrial Argentina (VIA) e a Confederaci6n General Eco-
n6mica (CGE).
') A partir desses critérios foi possível entrevistar por
cada categoria selecionada o seguinte número de empresários:

2 Para maior detalhes, ver Juan Carlos Marin, EI sector


empresarial de la Argentina (anâlisis preliminar), ILPES, 1967.
ANEXOS 21.5
Preaidentes de sociedades anOnimas "nacionais" 68
Presidentes de sociedades anônimas "estrangeiras" 50
Presidentes de sindicatos da. UIA . 30
Presidentes de sindicatos da CGE . 20
TOTAL '" . 168

6) Para as análises deste trabalho, ora consideramos o


conjunto dos 168 empresários, ora somente os "empresários
nacionais". Neste caso, entretanto, os empresários considera·
dos não são os 68 obtidos segundo critérios de amostragem,
mas 71 empresários que, segundo os resultados dos questioná-
rios, controlavam empresas de capital nacional.
No caso dos empresários brasileiros, a seleção dos entre-
vistados e a aplicação das entrevistas foram feitas numa pesquisa
do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Brasil, di-
rigida por Luciano Martins, com a colaboração do ILPES de
Santiago. A escolha dos empresários foi feita do seguinte modo:
I - Para os empresários considerados grandes: 1. Partiu-
-se de uma pesquisa realizada por Maurício Vinhas de Quei.
rós, que determinara o que se chamou de universo dos grupos
"multibilionários" nacionais, isto é, que possuíam em 1962
capital superior a 4 bilhões de cruzeiros antigos. Deste con·
junto foram selecionados 16 grupos cuja atividade principal era
industrial, tendo sido feita uma atualização da listagem para
196.5.
2. Tomou-se, depois, o universo estimado de 221 unida-
des de grupos bilionários (capital e reserva entre 900 milhões
e 4 bilhões de cruzeiros antigos de 1962) determinado pela
pesquisa referida de Maurício V. de Queirós e escolheu-se 44
grupos industriais.
3. Com base nessa listagem de 60 grupos foram reali·
zadas .50 entrevistas, das quais 34 em São Pau~o e 16 na Gua.
nabara. Das dez recusas havidas, quatro fora~ de grupos mui·
tibilionários.
n - Os empresários brasileiros considerados médios fo-
ram obtidos de uma amostra 3 calculada em 1.50 empresas re·

3 Ver o número já mencionado da Revista do Instituto de


Ciências Sociais.
216 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocnmADES 1>EPENDENTES

presentativas das 8.000 empresas do Rio, de tamanho médio, e


de 240 empresas das 16.000 de São Paulo também considera-
das médias. A partir dessa primeira listagem foram retiradas
22 empresas das 150 do Rio e 28 das 240 de São Paulo. As
empresas consideradas médias possuíam capital e reservas cal-
culados entre 80'e 900 milhões de cruzeiros antigos. A lista
básica:--foi organizada em 1962, porém houve uma atualização
para 1965.
Para os dados e relações analisados neste livro, verifica-
mos a significação das diferenças percentuais das respostas dos
empresários grandes e médios. 56 os apresentamos em con·
iunto sem comentários quando não apareceram diferenças si~i.
ficativas atribuíveis ao tamanho da empresa. Caso contrário,
apresentamos sempre dados que permitem controlar a incidên-
cia desta variável sobre os resultados.

QUESTIONÁRIO

Antes de elaborar os questionários nos quais recolhemos os


dados analisados neste trabalho, realizamos, em- 1963, 30 en-
trevistas em profundidade com empresários argentinos e, en-
tre 1962-1963, cerca de 70 entrevistas com empresários bra-
sileiros. que foram objeto de outra análise em Empresário In-
dustrial e Desenvolvimento Econ6mico no Brasil.
As per~tas analisadas no presente trabalho encontlam-c;e
no texto. Como o questionário utilizado não diz respeito es-
pecificamente ao tema tratado aqui, não nos parece necessário
reoroduzi-Io na íntegra. Este questionário foi elaborado na
Divisão Social do ILPES em 1965 e para sua formulação foi
importante a colaboração de Carlos Figueira, então funcionário
do ILPES. A versão brasileira do questionário foi revista e
parcialmente reelaborada por Luciano Martins, que dirigiu a
pesquisa sobre os empresários brasileiros, e a versão para a
Argentina foi completada por Juan Carlos Marin, que dirigiu
a investigação na Argentina.
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CAPrruLOS DE LIVROS

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Schramm, Wilbur - Communication in modern society, 1946)
CARDOSO, Femando Henrique &: WEFFORT, Francisco - "Sociolo-
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PARSONS, T. - "An outline of the social 8Ystems". (Em Par-
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C G r ~~ f
UMA INTRODUÇÃO A SOCIOLOGIA
WALFRED A. ANDERSON
e
FREDERICK B. PARKER

o presente livro é um manual didático de nível introdutório, para o


estudo da Sociologia. Não apresenta nenhum nôvo sistema sociológico,
oferecendo apenas um esquema de abordagem sistemática da Sociologia,
para uso dos estudantes dessa disciplina.
A organização do texto é a mais simples possível, a começar pela
sua divisão quatripartida: introdução, fundamentos do comportamento
social organizado, a organização das sociedades e a dinâmica das sociedades.
A primeira parte contém uma visão geral do campo; a segunda trata das
bases essenciais da ordem social: ajustamento ao ambiente natural e
cultural, comunicação, indivíduos socializados e o processo estruturador; a
terceira parte empreende uma análise das principais estruturas de relações
humanas, e, finalmente, a quarta parte compõe-se dos capítulos que tratam
dos processos societais em suas diversas formas.
O livro representa tôda a experiência acumulada em muitos anos de
ensino universitário da sociologia, consistindo preocupação fundamental dos
autores evitar que o aluno confunda o que é essencial com o que é
acessório. Por isso, não apresentam tabelas, gráficos, ou outros materiais,
sendo também bastante modesta a soma de dados estatísticos e ainda assim
integrada no texto e apenas o suficiente para esclarecer alguns conceitos.
WALFRED A. ANDERSON foi, durante trinta anos, professor de socio-
logia na Universidade de CorneTI, nos Estados Unidos, e FREDERICK B.
PARKER é, desde 1946, professor e depois chefe do Departamento de
Sociologia e Antropologia da Universidade de Delaware, também nos
Estados Unidos.

A cultura a serviço do progresso social

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