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CORREIO BRAZILIENSE,

OU

ARMAZÉM LITERÁRIO.

VOL. XXV.

LONDRES:

IMPRESSO POR R. GREENLAW, 36, HOLBORN.

1820.
CORREIO BRAZILIENSE

OU

ARMAZÉM LITERÁRIO

JULHO DEZEMBRO, 1820


Xll
Hipólito chama a atenção para o fato de não ouvir falar na
convocação de deputados do Brasil. Se estes não forem convoca-
dos, diz ele. "ei rei será o soberano de ambos os reinos, mas eles
serão os reinos desunidos de Portugal e do Brasil. [...] a diversi-
dade de instituições políticas, principalmente as essenciais, não
pode deixar de ocasionar diversidade de caráter, de interesses e
de máximas; e dois povos, ainda que sujeitos ao mesmo sobera-
no, colocados em tais circunstâncias, é impossível que continu-
em unidos por longo tempo".
Mais adiante, diz considerar inútil a proposta do imperador rus-
so, no sentido de que as Cortes européias exijam do governo espa-
nhol uma desaprovação formal do modo pelo qual a Constituição
de 1812 fora restabelecida. "Grande parte das instituições políti-
cas da Europa, derivadas do sistema feudal, são de todo incompa-
tíveis com os costumes e idéias do nosso século; e portanto não
podem subsistir. Assim, ou os governos as hão de alterar por si
mesmos, ou convulsões violentas, seja das tropas seja do povo, as
derribarão, sempre que a ocasião se apresente." Tal não ocorreria
se os governos se antecipassem, adaptando as instituições políti-
cas às mudanças dos costumes nas nações. Como ele mesmo lem-
bra no início do volume, "nossa intenção sempre tem sido, traçar a
linha de limites, entre a correção dos abusos, e a total subversão
da ordem e s t a b e l e c i d a ; ainda que t e n h a m o s contra nós os
partidistas de ambos os extremos"
No noticiário internacional, Hipólito ressalta a correspondên-
cia entre o governo de Buenos Aires e a França em torno do projeto
de se criar na América espanhola uma monarquia encabeçada pelo
príncipe de Luca, então com 18 anos e da família dos Bourbons.
Por trás desse projeto estava o apetite do governo francês pelas
províncias do Prata, o desejo dos aliados na Europa de sufocar as
idéias republicanas da América e a necessidade de se opor aos
interesses da Inglaterra na região.
Dentre as novas publicações em Inglaterra, Hipólito mencio-
na a ironia da edição da Arte de Furtar do padre Antônio Vieira,
dedicada a Targini, o tesoureiro de d. João VI. Também registra o
lançamento das \otas sobre o Rio de Janeiro, de John Luccock, e
da Mitologia Egípcia, de James Cowles Prichard. Anuncia ainda
o aparecimento em Londres do jornal The Catholic Advocate, com
o objetivo de "defender os interesses dos católicos na Inglaterra
e Irlanda; no sentido de uma tolerância geral, a qual não tem
sido até aqui atendida"
CORREIO BRAZILIENSE

OU

ARMAZÉM LITERÁRIO.

VOL. X X V .

LONDRES:

IMPRESSO POR R. GREENLAW, 36, HOLBORN.

1820.
CORREIO BRAZILIENSE
DE JULHO 1820.

Na quarta parte nova os campos ara ;


E se mais mundo houvera là chegara.
CAMOF.N8, C. V I I . O 1 4 .

POLÍTICA.

R E Y N O US1DO D E PORTUGAL, BRAZIL, E ALGARVES.

Decreto de perdaõ aos desertores no Brazil.

Constando na minha Real Presença pelas repetidas re-


presentaçoens dos Governadores e Capitães Generaes, e
participaçoens dos Chefes dos corpos, as muitas de6er-
çoens que se commettem, esquecendo-se os soldados da
honra e brio militar, e encontrando facilidade na passa-
gem de umas para outras provincias, e azylo em alguns
districtos, sem que os Commandantes delles, e officiaes
de ordenanças, e milícias cumpram com a obrigação que
tem de OB prender, e remetter aos seus respectivos cor-
pos : hei por bem que em todas as Provincias do Brazil
e observe exactamente a ley de seis de Abril de mil
V o t . XXV. N°. 146 B
4 Política.
settecentos sessenta e cinco; ficando sugeitos á condem»
naçaõ dos vinte mil réis, e perda do posto os Capitães
de ordenanças, quando forem também Commandantes
do districto, ou qualquer outro official seja de ordenan-
ças, seja de milícias, que esteja exercitando o referido
Commando do districto, aonde for encontrado, ou de-
clarar que esteve acolhido, qualquer desertor, No caso
porém que o Commandante tenha dado parte ao Gover-
nador da Provincia, dos desertores que estão no seu dis-
tricto, por lhe ser necessário maior força para os pren-
der, nesse caso se deverá attender â escusa, como ella
merecer, para o relevar da imposição das referidas pe-
nas : e quanto aos receptadores, se observará o que foi
determinado por ordem minha na Portaria de onze de
Julho de mil oitocentos e dezoito: e ordeno que esta de-
terminação principie a ter vigor três mezes depois que
for publicada no Quartel General de cada Provincia; e
durante este tempo concedo perdaõ da pena a todos os
desertores que se apresentarem, os quaes voltarão a ser-
vir nos seus corpos; e aquelles que tiverem deserção an-
tiga, ou alguma justa causa de isenção, se me dará
parte: Findo porém o referido prazo, se procederá na
fôrma das sobredictas leys, impondo-se as penas estabe-
lecidas na ordenança de nove de Abril de mil oitocentos
e cinco aos desertores da tropa de linha, e aos das milí-
cias as penas estabelecidas no parrafo duzentos e cinco
do Regimento de vinte de Fevereiro de mil settecentos e
oito. O Conselho Supremo militar o tenha assim enten-
dido, e o faça executar, expedindo as ordens necessá-
rias. Palácio do Rio-de-Janeiro, em dezenove de Janeiro
de mil oitocentos e vinte.

Com a Rubrica de Sua Majestade.


Política. 5

Decreto para os repairos das fortalezas.


Sendo-me presente o grande trabalho, e despeza com
que se tem reparado, e municiado as fortalezas ; e sendo
necessário dar providencias sobre a sua conservação:
addicionando os parrafos sessenta e cinco, sessenta e seis,
sessenta e sette, e sessenta e oito do Regimento do Exer-
cito de vinte de Fevereiro de mil settecentos e oito, sou
servido determinar: que os Governadores ou quasquer
Officiaes Commandantes de praças, fortalezas ou batarias,
sejam obrigados a fazer conservar em bom estado a ar-
tilheria, reparos, e palamenta pertencente á sua praça.
Quando aconteça qualquer ruína nas muralhrs, quartéis,
armazéns, estacadas, e semelhantes, que poderem logo
fazer concertar pelos soldados artífices, ou por faxina, o
deverão mandar fazer; e quando forem obras maiores,
pedirão ao Governador da Provincia as ordens, e os
meios para as mandarem apromptar, com a avaliação da
despeza que for necessária. Todos os seis mezes faraõ
pintar com composição as peças de ferro, e mais ferra-
gens, que fôr preciso resguardar do tempo; e pintar a
oíeo, ou aicatroar todos os reparos, e madeiramentos,
que se costumam assim resguasdar: e mandarão fazer a
folha da despeza, que, sendo approvada pelo General,
será paga pelas Junctas da Fazenda. Aonde for necessá-
rio fazer construir armazéns, ou telheiros ao pé das bata-
rias, para estarem em resguardo as peças, que naõ fo-
rem precisas nas mesmas batarias, mando que se con-
ertruaõ, no lugar que o Governador da Provincia destinar
como mais próprio, e o commandante ficará obrigado á
conservação, e ao resguardo das peças na forma declarada.
O commandante, que for achado em culpa, ou omissão
a este respeito, será removido do commando, e conforme
o caso, terá a pena ao meu Real arbítrio. Nas fortalezas
g Política.
aonde, ou por necessidade, ou por utilidade houver bata-
rias fluctuantes, ou barcas artilherias seraõ reputadas per-
tencerem ás mesmas fortalezas ; e o commandante será
responsável pela sua conservação e resguardo, e se faraõ
os telheiros necessários para esse fim. O que com tudo
naõ impedirá a inspecçaõ, que a esse respeito deve haver
pela repartição da Marinha. Para que sejaõ effectivas
estas Providencias, hei por bem crear no Conselho
Supremo Militar desta Corte uma Commissaõ Geral das
fortalezas e postos de Guerra, que será exercitada por
um dos conselheiros que eu nomear, o qual deverá ter a
seu cargo a Inspecçaõ Geraldo Reyno do Brazil, ficando
sempre em seu vigor a determinação do parrafo cento e
sette do sobredicto Regimento, e mandará fazer pelos Of-
ficiaes, que proporá no Conselho; cada um dos quaes
irá á Provincia, ou Districto que lhe fòr determinado,
para fazer a inspecçaõ, e dará conta ao Conselheiro Com-
missario, o qual sem perda de tempo a fará presente no
Conselho, e este me consultará com as observaçoens,
que merecer, tanto para eu providenciar o que for neces-
sário, como para eu louvar ou punir os Commandantes.
No Districto da Corte está inspecçaõ se fará todos os
seis mezes, e na Provincia do Rio-de-Janeiro todos os
annos. Nas mais províncias a inspecçaõ se fará pelo
Commissario Geral todos os três annos, entretanto os
Governadores das Provincias faraõ a que lhes pertence,
pelo sobredicto parrafo cento e sette, cada seis mezes no
Districto da respectiva Capital; e todos os annos na
Provincia. Poderão ser nomeados quaesquer officiaes, e
de qualquer Arma, attendendo-se somente, pararecahir a
escolha, ao merecimento, intelligencia, e mais qualida-
des necessárias para o bom desempenho da Commissaõ,
um ou mais para a mesma Provincia; sendo temporária
a Commissüõ, e amovivel, como parecer ao Conselheiro
Política. [7]
Commissario, e approvar o Conselho. Os Officiaes man-
dados pelo Commissario Geral teraõ os vencimentos no
tempo de sua Commissaõ, que tem os officiaes Engenhei-
ros em commissaõ activa, e o Conselheiro Commisario
vencerá uma gratificação de sessenta mil reis por mez, em
quanto eu naõ mandar o contrario. O Conselho Supremo
Militar o tenha assim entendido, e faça executar, expe-'
dindo para esse effeito os despachos necessários. Pala-
lacio do Rio-de-Janeiro, em vinte e dois de Janeiro de
mil oitocentos e vinte.
Com a Rubrica de Sua Majestade.

Decreto creando dous Escrivaens na Ouvidoria do Pará.

Constando na Minha Real Presença que os negócios


da ouvidoria Geral da comarca do Pará naõ tem o ne-
cessário e prompto expediente, que convém ao interesse
publico, e particular dos meus fieis Vassallos habitantes
daquella comarca, por haver um um só Escrivão para
todas as dependências da referida ouvidoria, que sendo
muitas, complicadas e laboriosas naõ pode bastar para as
expedir, retardando-se por estes motivos os processos e
mais negócios, que tem crescido com o augmento da
povoaçaõ e riqueza: e convindo atalhar e prover de re-
médio estes inconvenientes, e estorvos do bem do meu
Real Serviço, e proveito das partes: hei por bem crear
mais dous officiaes de escrivão da mencionada Ouvidoria
Geral do Pará ; e ordenar que entre os três se repartam
por distribuição regular na fôrma da Ley do Reyno todos
os processos eiveis e crimes e cartas de seguro; ficando
privativos doprimieiro, os negócios da Policia, Juncta de
Justiça e degradados; do segundo tudo que pertencer ao
Juizo dos feitos da Coroa, Fazenda, e Fisco Real; e ao
rg] Política.
terceiro a décima do bairro da Campina, e carta de
usanças com os processos respectivos. A Meza do De-
sembargo do Paço o tenha assim entendido e faça exe-
cutar com os despachos necessários.
Palácio do Rio-de-Janeiro, em quatro de Janeiro de mil
oitocentos e vinte.
Com a rubrica d* El Rey nosso Senhor.

Decreto por que se estabelece uma Alfândega na cidade


do Natal.
Tendo pelo meu Decreto da data deste mandado es-
tabelecer uma alfândega na cidade do Natal, capital da
Provincia do Rio Grande do Norte, para que os habi-
tantes delia, gozando da franqueza do commercio, que
tenho concedido a este Reyno, possam directamente com-
commerciar com todos os povos, meus vassallos, ou es-
trangeiros: e convindo dar providencias para que pela
má fé, e dólo de alguns se naõ perca a reputação da boa
qualidade do Algodão, da mesma Provincia, e se naõ
diminua consequentemente a sua extracçaõ: hei por
bem crear na mesma cidade uma casa de inspecçaõ para
o exame do Algodão, que for exportado do Porto da
mesma Cidade, a qual se regulará pela de Pernambuco, e
observará o que for determinado para a regulação desta.
A Real Juncta do Commercio, Agricultura Fabricas,
e Navegação deste Reyno, e Dominios Ultramarinos
o tenha assim entendido, e faça executar com os despa-
chos necessários.
Palácio do Rio-de-Janeiro, em três de Fevereiro de
mil oitocentos e vinte.
Com a Rubrica d' El Rey Nosso Senhor.
Política.

Decreto sobre as pessoas, que podem ser cadetes.

" Tomando em consideração os repetidos requerimen-


tos, que tem subido á Minha Real Presença, a pedirem
o ser reconhecidos Cadetes pessoas, que ainda que mere-
cem a Minha Real Attençaõ, naõ se acham com tudo nas
circumstancias da ley : sou servido, que os filhos de offi-
ciaes de patente das tropas de linha do exercito do
Brazil, ou de pessoas condecoradas com o habito de al-
guma das ordens, possaõ ser admittidos como segundos
Cadetes; e os de outras pessoas, que tiverem alguma con-
sideração civil, ou pelos seus empregos, ou pelos seus
cabedaes, se possam admittir nos Corpos de linha como
soldados particulares. E hei outrosim por bem que nos
Corpos de milícias possam também haver praças de sol-
dados particulares para aquellas pessoas que pelos seus
bens, ou por outros respeitos mereçam essa consideração.
O Conselho Supremo Militar o tenha assim entendido, e
o faça executar, expedindo para esse effeito os depachos
necessários. Palácio do Rio-de-Janeiro em quatro de
Fevereiro de mil oitocentos e vinte.

Com a Rubrica de Sua Majestade."

VOL. XXV. N°. 1 4 5 .


jo Política.

BUENOS-AYRES.

Processo original justificativo, contra os réos accusados


de Alta Traição no Congresso e Directorio, mandados
julgar pelo artigo scptimo do Tractado de Paz, assig-
nado por este Governo com os Chefes das Forças Fede-
raes de Sancta Fé e Banda Oriental, em 23 de Feve-
reiro do corrente anno de 1820.
Buenos-Ayres, na Imprensa de Alvares.
Nota.
Este processo comprehende somente o que he relativo
ao delicto de alta traição, de que he accusado o Con-
gresso e Directorio. Por peças separadas se daraõ os
que devem formar-se particularmente sobre a ultima re-
belião, roubos públicos, e queixas particulares, que oc-
currêram.

O Governo ao Povo.
Cidadãos!—Nada teríamos adiantado como glorioso
golpe, que se acaba de dar aos traidores assassinos do
paiz e de seus filhos, se o novo Governo marchasse pe-
las mesmas sanguinárias pizadas de sua tyrannia. Longe
de nós esses dias de sangue, e de lucto para tantas famí-
lias beneméritas, em que a vida, a honra e a segurança
dos mais recommendaveis cidadãos, se viram sugeitas á
mais espantosa espionagem de delatores assalariados, e
ao despejo e vingança de traidores e assassinos, que ti-
nham jurado, em seus conselhos secretos, inutilizar o
sangue derramado em dez annos de uma lucta tam glori-
osa á liberdade, sacrificando junctamente com seus de-
fenores todas as mais desgraçadas geraçoens, que tem
Política. U
compromettidas, aos pérfidos proveitos de sua baixa
ambição.
O Governo se vio desgraçadamente obrigado a descar-
regar sobre estes criminosos os primeiros inevitáveis
golpes de seu poder: e ainda que a magnitude e publici-
dade de seus crimes parece que o authorizávam a come-
çar por seu castigo e acabar pelo processo que o justifi-
casse, he necessário que o nosso comportamento para
com elles, se deve causar a amargura de suas infelizes
famílias, de que elles mesmos se esqueceram quando os
comettêram, possa pelo menos inspirar a todos os habi-
tantes uma absoluta segurança e confiança no império
das leys, que foi até agora desconhecido, e suífocado
pelo poder arbitrário destes desnaturalizados.
Para este fim, cidadãos, ordenou o Governo que os
accusados se puzessem ante a ley, para que respondam
por ella aos povos de suas confianças. Naõ se pôde o
mesmo Governo dispensar de prover á sua segurauça,
nem permittir que se illudisse a justiça, com descrédito
da authoridade. Brevemente se apresentará à vossa vista
o tribunal respeitável, que deve conhecer deste delicado
negocio. Mas entretanto está ja aberto o juizo publico,
sobre que deve recair sua decisaõ; e o Governo quer que
seja tam publico e conspicuo, como o foram os delictos,
que condiga com a magnitude dos crimes que se julgam,
com o character dos delinqüentes, com o interesse e dig-
nidade dos povos aggravados e com a justificada impar-
cialidade com que se propoz marcar seus procedimentos.
A justiça naõ necessita reserva alguma; e a sua pu-
blicidade naõ se consulta, publicando uma sentença, que
se desse sobre processos misteriosos einquisitoriaes, com
que tantas vezes se tem sacrificado a innocencia. Os
réos seraõ accusados publicamente, com os documentos
justificativos de seus crimes: estes teraõ toda a authenti-
12 Política.
cidade prescripta pela mais escrupulosa legislação: suas
excepçoens e defezas se copiarão com fidelidade; cada
cidadão será informado diariamente, pela imprensa, de
todos os passos da causa; e cada um, com o processo
na maõ, pronunciará em sua casa, com liberdade e co-
nhecimento, antes que os juizes dem sua sentença. En-
tretanto o Governo, com todos estes documentos, redu-
zirá a sua política a dizer ás naçoens do universo, que
nos observam—Vede e julgai.
Os amigos, os parentes, os subalternos, os honrados
partidistas da liberdade, que tantas vezes ouviram jurar
estes homens por uma honra que naõ tinham, e pelo
mais sagrado da terra, que naõ havia tractado existente
com a Corte do Brazil ^ Como éra fácil penetrar a cap-
ciosidade desta linguagem ? { como creria alguém, que
eram tam impudentes ? <; nem que complicidade se lhes
pôde arguir em tam pérfidos desígnios ? Deseancai, cida-
dãos, nestas justas consideraçoens de um Governo libe-
ral : e estai certos de que o rayo da justiça só ameaça e
só cairá sobre os authores de vossos males. Buenos-
Ayres 14 de Março de 1820.
M A N U E L DE SARHATEA.

Auto de Cabeça de Processo.


D. Manuel de Sarratea, Governador desta Provincia
de Buenos-Ayres.
Por quanto, pelo artigo septimo do Tractado de Paz e
Aliiança, concluído entre este Governo e os de Sancta-Fé
e Entre Rios, aos 23 de Fevereiro ultimo, se estipulou,
entre outras cousas, sugeitar a um juizo publico todos os
indivíduos da precedente Administração, no qual, julga-
dos solemnemente pelos excessos de que se acc usara, fi-
Política. 13
cassem justificados os poderosos motivos, com que os
povos procederam a depôllos e condignaniente satisfeita
a vingança publica e particular dos cidadãos, feitos vic-
timas, com todo o Estado, das depredaçoens e tyrannia
interior, com que o tinham arruinado, conduzindo-o a
uma impotência e degraduaçaõ, que facilitasse por fim o
cumprimento dos tractados secretos, iniciados com cor-
tes estrangeiras, naõ para o reconhecimento da indepen-
dência e liberdade proclamada sobre as bazes da consti-
tuição, mas sim tornando a submettèllo a um principe
da Casa de Bourbon, com tudo o mais de que por esta
ordem se accusa o Congresso e Directorio dissolvido.
Por tanto, e para que este acordo, em que se interessa a
honra e a dignidade das provincias atraiçoadas, tenha o
deu devido cumprimento, e sejam os delinqueutes postos
ante a ley, disse S. S. que devia mandar e mandava.
l.° Que por cabeça de todo o procedimento em conti-
nuação deste acto, se ajuncte testemunho devidamente
authorizado das actas secretas, relativas, que se acharam
nos livros do Congresso, escrupulosamente examinados
para este fim ; cujo testemunho para maior authentici-
dade seja cotejado e legalizado por todos os escrivaens
públicos do Ayuntamicnto.
2.° Que» devendo intervir um accusador fiscal, para sus-
tentação do juizo, e o qual seja encarregado das acçoens
publicas dos povos aggravados ; nomeava para este offi-
cio ao Dr. D. Joaõ Bautista Villegas, que deverá prestar
o juramento de seu cargo em devida forma, na sua pre-
sença ante o escrivão do Governo, como autuario da
causa.
3.° Que naõ tomando este Governo mais parte na causa
do que substancialla até a pôr em estado de sentença,
pela mesma gravidade delia, conforme o concordado com
a honoravel Juncta de Representantes, deixandoaos povos
14 Política.
o juizo ultimo sobre o que resultar dos autos; para pro-
nunciar esta sentença se convidem as provincias interes-
sadas, livres do inimigo, para que cada uma nomeie um
juiz de sua parte, que deverá apresentar-se nesta cidade,
no dia 20 de Abril próximo futuro, sendo-lhe pagas as
despezas de qualquer fundo que tiver a provincia, com a
cláusula de ser reimbolçada e abonada á custa dos culpa-
dos : ou, de outra maneira, se este modo lhes nao agra-
dar, se remetta a cada uma seu deputado ou deputados
com o processo concluído, para que o julgue por si
mesma.
4.° Que para o primeiro caso, o Governo se encarrega
de tomar todas as medidas opportunas, a fim de facilitar
tudo quanto for necessário para a reunião deste tribunal,
e commodidadee publicidade do juizo.
5.° Que para que todos os cidadãos, povos e provinci-
as do território da Confederação se informem a funda-
mento de uma causa, que tam immediatamente lhes toca,
naõ menos do que para dar-lhe toda a publicidade que
convém, ante as naçoens, que nos observam, se dessem
diariamente ao publico pela imprensa todos os autos das
assentadas literalmente, de sorte que seja fácil a cada
um o ter em seu poder o processo todo interio até á sua
conclusão, cujas copias se encarregará de passarão Edic-
tora da Gazeta o Escrivão da Causa, para os dictos fins.
E por este seu acto cabeça de processo, assim o pro-
videnciou, mandou e assignou S. S.—Em Buenos-Ayres,
aos 14 de Março de 1820. Ante mim, de que dou fé.
MANOEL DE SARRATEA.
D. JOSÉ RAMON DE BASAVILBASO,
Política. 15

Communicaçaõ do Supremo Director ao Congresso.

Secretíssimo.
Soberano Senhor!—Ha alguns dias que se recebeo a
annexa communicaçaõ do Enviado Extraordinário em
França, D. José Varentin Gomez.
Chegou ao mesmo tempo o Americano D. Mariauo
Gutierrez Moreno, e se annunciou que conduzia offici-
os para o Governo de Chile de seu Duputado naquella
Corte, D José Yrisarri, com as mesmas proposiçoens,
e com especial encargo de manifestar a este Governo o
objecto de sua commissaõ. Suspendi por esta causa o
transmittir a Vossa Soberania a communicaçaõ do En-
viado Gomez, para o fazer com outros conhecimentos,
segundo o que resultasse da entrevista com Gutierrez Mo-
reno. Havida esta aos 23 do corrente, he com effeito
certa a sua commissaõ, e assegura outro sim, que os De-
putados Ribadavia e Gomez o encarregaram, com o maior
encarecimento,fazer presente a este Governo que naõ deixe
escapar occasiaõ tam favorável, e de tam conhecidas van-«
tagens ao paiz. Com estes dados remétto a Vossa Sobe-
rania a Nota, lembrando, para a resolução, o triste estado,
emque se acham as Provincias, e a sorte que se lhes depara,
supplicando ao mesmo tempo se sirva Vossa Soberania
tomar em consideração este assumpto, com preferencia
a qualquer outro; pelo grande interesse que envolve;
porque ha occasiaõ próxima de instruir sobre a maté-
ria o Enviado do Gomez; e, segundo a resolução que se
adoptar, poderá suspender de todo a expedição Hespa-
nhola, projectada contra esta parte da America; e por
que o commissionado Gutierrez Moreno, para continuar
em sua viagem para Chile, só espera a decisaõ de Vossa
Soberania. Deus guarde a V. Soberania muitos annos.
16 Política.
Buenos-Ayres, 26 de Outubrode 1819- Soberano Senhor.
—JOSÉ RONDEAU.—Soberano Congresso Nacional das
Provincias Unidas da America do Sul.

Communicaçaõ do Enviado em Paris, D. José Valen-


tia Gomez, ao Secretario de Estado na Repartição de
Governo.

E m officio de l ò do passado avisei a Vossa Senhoria,


que estava convidado a uma conferência por S. Ex a . o
Ministro dos Negócios Estrangeiros. Vários accidentes
a retardaram ate o 1.° do corrente. Ainda que tinha re-
flectido profundamente sobre o objecto, a que poderia
dirigir-se, naõ pude j a mais prever o que na realidade
teve, e passo a levar à consideração de V. S.
Depois de S. E x a . me haver feito um longo arrazoado,
sobre os grandes desejos do Ministério, pelo feliz resulta-
do da gloriosa empreza, em que se achavam empenhadas
essas provincias, e ao mesmo tempo sobre os considerá-
veis embaraços, que o impediam adoptar uma marcha de-
terminada, aetiva e manifesta para as proteger, passou a
dizer-me, que, oecupando-se de seus verdadeiros interes-
ses tinha chegado a convencer-se, de que estes se
achavam intimamente ligados com a forma de Go-
verno que lhe dessem, debaixo de cujo influxo pu-
dessem gozar tranquillos dos benefícios da paz, e que
elle cria que naõ devia ser outra senaõ a de uma mo-
narchia constitucional, fixando-se em um Principe da Eu-
ropa, cujas relaçoens acereseentassem ao Estado nova
respeitabilidade, e facilitassem o reconhecimento de sua
independência nacional. Que, penetrado destas ideas, ti-
nha chegado a oceurrer-lhe um pensamento, que conside-
rava feliz; e Ia a expòllo com a maior sinceridade propon-
Política. 17
do-me um Principe, cujas circumstancias particulares
eram as mais oportunas para que sealhanassem todos os
obstáculos, com que poderia tropeçar um projecto simi-
lhante, attendidos os differentes interesesses das princi-
paes naçoens da Europa e a variedade das vistas políti-
cas de seus respectivos gabinetes. Que esteéra o Duque
de Luca, antigo herdeiro do Reyno de Etruria, e paren-
te pela linha materna da augusta dynastia dos Bourbons.
Que considerava que a sua eleição naõ infundiria zelos
nas cortes priucipaes, antes encontraria o melhor acolhi-
mento em seus Soberanos, principalmente nos Imperado-
res de Áustria e Rússia, abertamente decididos por
sua pessoa, e em maior gráo pelos interesses geraes
do continente. Que a Inglaterra naõ encontraria mo-
tivo justo, e descente para resitir a isso. Que Sua
Majestade Catholica naõ olharia com desagrado que um
sobrinho seu se assentasse no throno de umas provincias,
que haviam sido de seu domínio, de quem poderia
esperar algumas consideraçoens ao commercio da Penín-
sula, ao menos as que fossem compatíveis com a indepen-
dência absoluta da nova naçaõ, e política de seu Gover-
no. Porém que particularmente S. M. Chiistianissima,
cujos sentimentos lhe eram conhecidos, a olharia com
especial complacência, e empregaria a seu favor seus al-
tos respeitos, e sua poderosa influencia com os outros
Soberanos, sem poupar ao mesmo tempo quantos meios
estivessem em seu alcance para a proteger: ja com os
auxílios de toda a classe, que se fizessem necessários, ja
pelo arbítrio de convencer a S. M. Catholica a que desis-
tisse da guerra, em que se achava empenhado com essas
provincias.
S. Ex a . dcm orou-se em varias outras observaçoens, que
seria difficil referir por menor; mas particulamente nas
do character pessoal de Sua Alteza o Duque de Luca,
VOL. XXV. N°. 146. c
18 Política.
recommendando-me os princípios de sua educação, aná-
loga â illustraçaõ actual da Europa, e á liberalidade de
suas ideas, inteiramente contrarias ás que dominam o
animo de S. M. Catholica, com bem notável extravio da
política adoptada pelos demais soberanos, para o gover-
no dos povos de sua dominação.
Devo confessar sinceramente, que fiquei interiormente
surprendido, ouvindo a indicação de um Principe, sem
repeitabilidade, sem poder, e sem forças para presidir
aos destinos de uns povos, que se tem feito dignos da
expectaçaõ da Europa, e que tem comprado a sua liber-
dade com o caro preço de tantos e tam extraordinários
sacrifícios; porém em quanto S. Ex». se alargava em suas
longas reílexoens, eu me preparava para dar tal resposta,
que, sem ferir directamente seu amor próprio, deixassse a
cuberto seus sagrados interesses, e posto em punctual
execução o artigo septimo de minhas instrucçoens.
Disse pois a S. Ex*. que por desgraça naõ me achava
competentemente authorizado para o determinado nego-
cio, que acabava de propor-me, e que além disto estava
persuadido de qne naõ seria bem aceita do Governo das
Provincias Unidas qualquer proposição, que naõ invol-
vesse como bazes essenciaes a cessação da guerra com a
Hespanha, a integridade do território do antigo Vice-
reynato, incluindo-se particularmente a Banda Oriental,
e, se fosse possivel, os auxílios necessários para fazer mais
respeitável a situação actual do Estado. Que nada disto
se poderia prudentemente esperar da eleição de S. Alteza
o Duque de Luca, que outro sim tinha a desfavorável cir-
cumstancia de achar-se solteiro, e por conseqüência sem
succesaÕ, por cujo motivo ficariam essas Provincias ex-
postas a um interregno, sempre perigoso, e regularmente
funesto.
Lisongeava-me de ter destruído inteiramente o projec-
Política. ig
to por este meio indirecto, e a favor de umas razoens
tam respeitáveis por si mesmas, cuja força devia pezar
no juizo do Ministro; porém ainda naõ tinha bem aca-
bado a minha resposta, quando S. Ex». se apressou a
dizer-me, que, longe de lhe haver eu apresentado o me-
nor inconveniente em minhas justas reílexoens, tinha
com ellas chamado sua attençaõ, para indicar-me mais'
por extenso suas consideráveis vantagens. Accreseentou
que seria do particular cuidado de Sua Majestade Chris-
tianissima, obter de Sua Majestade Catholica a termi-
nação da guerra, e o reconhecimento da independência
dessas provincias. Que o Principe de Luca poderia con-
trahir matrimônio com uma das Princezas do Brazil,
debaixo da condição expressa de evacuar a Banda Ori-
ental, renunciando a toda a solicitude de iudemnizaçaõ
da parte desse Governo, por cujo meio se asseguraria
também a successaõ á coroa. Que Sua Majestade Chris-
tianissima contribuiria com auxílios de toda a espécie,
os mesmos que teria proporcionado em igual caso, para
um Principe do sangue, e que sobre tudo (tomou a repe-
tir-me) se empregariam todos os meios possíveis para
fazer com que se realizasse o projecto, e com elle a pros-
peridade desses povos.
Ouvidas estas novas expressoens, cri dever responder
outra vez, a Sua Excellencia, que naõ me achava com-
pletamente authorizado para deliberar por mim mesmo ;
e que daria conta circumstanciada a meu Governo, pe-
dindo as instrucçoens necessárias. O Ministro conveio
nisto facilmente, repetindo-me, que, em quanto eu naõ
recebia as ordens competentes, elle moveria a negocia-
ção, até a pôr no melhor estado possivel, lisongeando-se
do melhor resultado, pelo que respeita os gabinetes que
deviam intervir neste negocio. Acompanho esta a V-
Senhoria, com uma memória, que, com allusaõ ao mes-
20 Política.
mo objecto me foi entregue posteriormente por um par-
ticular, como contendo as ideas do Baraõ de Reneval,
considerado nesta Corte, como ja disse a V. S. em outra
occasiaõ, chefe da diplomacia Franceza.
Tenho referido a V. S. com a prodigalidade, que me
foi possivel, os pontos principaes desta conferência.
Naõ he da minha competência expressar opinião, sobre
as vantagens ou desvantagens, que pôde prometter este
projecto às Provincias Unidas da America Meredional.
As primeiras authoridades, encarregadas de seus desti-
nos e de sua prosperidade, o pezaraõ com a sabedoria e
madnreza, que characterizam suas deliberaçoens, e quan-
do estas me sejam conhecidas, será do meu dever prestar-
lhes a minha punctual obediência, e empregar todos os
meios, que se acharem ao meu alcance, para levâllas â
sua devida execução. Sem embargo, naõ deixarei de
fazer algumas observaçoens, sobre a tendência, que pôde
ter esta novidade inesperada, e o gráo de sinceridade,
com que pôde ter sido concebida.
Tinha j a dicto a V. Senhoria na minha nota official de
28 de Abril, que nos planos adoptados na Sancta Aliian-
ça, para conservação dos thronos, entrou como uma de
suas bazes a diminuição dos governos republicanos; em
virtude do que foram extinctos no Congresso de Vienna,
os de Hollanda, Veneza e Gênova, ao mesmo tempo que
se tinha afTectado, que iam a ser restabelecidos todos
os Estados da Europa á condição, que tinham antes da
revolução da França.
Disse também entaõ, que me parecia, que, entre os
Soberanos do Congresso de Aix-la-Chapelle, havia u m a
convenção secreta de conduzir os povos da America a
essa mesma deliberação, para quando se observasse, que
a Hespanha tinha tocado o seu desengano, e renunciado
o seu projecto de reconquista, e que El Rey de Portugal
Política. 21
promovia este pensamento, por meio de seus ministros,
com particular interesse.
Accrescentei, que cria impossível, para este caso,
toda a combinação a respeito de um Principe das dynas-
tias das cinco grandes potências, pela divergência de seus
interesses, e ciúmes de seus respectivos poderes, e que
temia que viessem a fixar em algum outro das naçoens
de segunda ou terceira ordem, e aquém poderiam pro-
metter auxílios especiaes, para fazer effectiva a idéa.
Assim pensava eu, quando apenas lançava minhas pri-
meiras vistas sobre os gabinetes da Europa, e começava
a observar suas marchas políticas. Parece-me, que co-
meço a ver realizadas aquellas ideas no actual comporta-
mento do Ministério Francez, e que a sua proposta naõ
be mais do que uma anticipaçaõ, para o momento que
se vê aproximar-se do ultimo triumpho de nossas Pro-
vincias, e da desesperaçaõ da Hespanha, que, na expe-
dição, que prepara, esgota todos os seus recursos, e deve
renunciar até à esperança de outra empreza, que possa
ser digna deste nome.
O Primeiro Ministro me fez a proposição que deixo
indicada, sem manifestar, a meu modo de pensar, aquel-
la exigência, que geralmente acompanha os negócios, que
se agitam por grandes interesses do momento: e, quando
lhe indiquei, que naõ me achava completamente authori-
zado, prestou prompta e fácil acquiescencia, para que se
esperasse, e deixasse correr todo o tempo necessário, até
receber ordens sobre este particular: tempo este, que,
disse S. Ex a ., empregaria elle lentameute, em preparar
a negociação com os de mais gabinetes, que deviam in-
tervir nella.
Parecia natural, que, alistando-se uma expedição em
Cadiz contra essas Provincias, fosse o primeiro passo
convencer a S. M. Catholica a que lhe dera outra direc-
22 Política.
çaõ. Naõ deixou de significar-me o Ministro, que se
practicaria esta diligencia; porém até o presente naõ se
me tem dado a menor idéa de seu resultado, nem parece
fácil que possa ser convencido o Rey Fernando. He
certo que os navios saíram para o mar Pacifico, e o
aprésto da esquadra continua com o mesmo ardor, que
d antes.
A marcha, que até o presente tem seguido o Governo
Francez, também naõ parece de accordo com estes sen-
timentos pela liberdade das Provincias da America Me-
redional, que tantas vezes me tem protestado S. Ex a .
Em Bordeaux se construíram vasos de guerra, e se freta-
ram transportes para a expedição, a pezar das reclama-
çoens da Câmara de Commercio. No Senegal se acha
detido o valor de uma preza, com sua carga, de um de
nossos corsários, sem que tenham bastado as reclama-
çoens feitas pelo Cavalheiro Ribadavia, e repetidas por
mim para sua entrega. Naõ foram suficientes todos os
arbítrios, que se tem lembrado, para determinar o Minis-
tério á nomeação de um Cônsul nessa Capital, ou ao me-
nos a confirmação official do que desempenha provisio-
nalmente as funcçoens de Agente do Commercio, Mais
de uma vez se tem repellido os esforços da Câmara dos
Deputados, que tem querido reclamar do Ministério um
comportamento mais decidido, a favor das Provincias do
Rio-da-Prata, e mais protector do commercio Francez.
Tudo isto se procura cohonestar com a posição deli-
cada da França. Porém ^ que sabemos, se no Rey
obram os interesses de Familia, e no gabinete os de uma
perfeita intelligencia com a Hespanha, para afastálla da
influencia da Inglaterra, que he o objecto dos cuidados
de todos os Governos do Continente, e particularmente
da França ? Naõ obstante; tanto estas suspeitas tem de
acionaveis ; porque recaem sobre o projecto original nas
Política. 23
presentes circumstancias; quanto será evidente a since-
ridade, com que se promoverá, quando comecem a fra-
quejar as emprezas de Hespanha; porque entaõ vaõ a
obrar de continuo motivos da maior gravidade. Interessa
a todos os Estados do Continente, que nas Provincias do
Rio-da-Prata se levante um throno, sobre o qual se assen-
te um monarcha, independente da influencia da Ingla-
terra, ja para contrabalançar, com o tempo, seu poder
colossal no mar, ja para diminuir nellas a introducçaõ
de seus effeitos, pela livre entrada dos das outras naço-
ens. A França, particularmente, quererá dar essa saída
ás suas manufacturas, disputando a preferencia aos In-
glezes. El Rey Christianissimo se lisongeariadas conside-
raçoens, que eram de esperar de um Principe de sua
dynastia, elevado ao throno por sua influencia, e a favor
dos grandes auxílios, que promette. Talvez está nas
vistas de Sua Majestade brindar o Imperador Francisco
com o Estado de Luca, em que pedería ser accommoda-
do o Duque Carlos Francisco, filho dos Ex-Imperadores
Nepoleaõ e Maria Luiza. El Rey Christianissimo fica-
ria tranquillo nesse caso, vendo fixados os destinos de seu
rival, e compromettido por um tractado o Imperador de
Áustria.
A cessaõ das Floridas aos Americanos do Norte, foi
bem aceita por todos os Governos da Europa, se se ex-
ceptua o da Inglaterra, e talvez negociada pelo Ministro
de Rússia na Corte de Madrid. Pelos mesmos princípios
seria de sua geral approvaçaõ o enthronizar na America
do Sul um Principe das dynastias do Continente. Esta
me parece ser a tendência, que tem o projecto do Pri-
meiro Ministro, e que tenho tido a honra, de refirir por
menor a V. Senhoria; e pois se podem aproximar esses
momentos, em que se terá de deliberar mais seriamente
sobre a sorte futura desses povos, faz-se indispensável
24 Política.

que V. S. se sirva anticipar-me as suas instrucçoens. Cri


que a proposta de um Principe, nas circumstancias sobre-
dictas, exceptua de algum modo o artigo Septimo das
que recebi; e ainda naõ tenho perdido de vista o seu
cumprimento, julguei mais prudeute uma resistência in-
directa, que se podia conciliar com as delicadas circum-
stancias do momento, e com as ordens de qualquer natu-
reza, que se me possam communicar a este respeito ; es-
pero que V. S. se dignará pôr na alta consideração de S.
E x a . o Director Supremo o meu comportamento nesta
parte, e significar-me se foi digno de sua approvaçaõ.
Deus guarde a V. S. muitos annos. Paris 10 de Junho
de 1819.
V A L E N T I N GOMEZ.
Senhor Secretario de Estado do Governo
e Negócios Estrangeiros.

Memória a que se refere o officio do Enviado.

Senhor!—O Governo Francez toma o mais vivo inte-


resse na situação em que se acha Buenos-Ayres, e está
disposto a esforçar-se de todos os modos possíveis, para
facilitar os meios de erigir-se em uma Monarchia Con-
stitucional; pois he esta a única forma de Governo,
que pode convir a seus interesses recíprocos, e afian-
çar a Buenos-Ayres para o futuro, todas as garantias
necessárias; tanto para com as potências da Europa,
como para com as vizinhas ao Rio-da-Prata.
O Governo Francez^ obrigado por circumstancias po-
líticas a obrar com a maior circumspecçaõ, a fim de
evitar os obstáculos, que se possam apresentar, princi-
palmente da parte da Inglaterra, no progresso de tam
importante negociação, naõ manifestará immediatamente
Política. 25
por modo notável o desejo de formar relaçoens com o Go-
verno de Buenos-Ayres; porém naõ omittirá occasiaõ
alguma favorável de dar provas convincentes do inte-
resse, com que olha para elle.
Por conseqüência, e para chegar ao objecto, que tanto
desejam os Americanos do Sul, isto he, a sua independên-
cia da coroa de Hespanha, e fundar a bazes de sua con-
stituição de maneira solida e invariável, e que os ponha
em condição de tractar com todas as potências, o Go-
verno Francez propõem dar os passos necessários, para
obter o consentimento de todas as Cortes Europeas, para
por sobre o throno da America Meredional o Prin-
cipe de Luca e Etruria, a quem se dará o necessário
auxilio, tanto em forças marítimas, como em tropas ex-
pedicionárias ; de maneira que elle naõ somente se possa
fazer respeitar, mas também soster-se, em caso necesario,
contra toda a potência, que se quizer oppôr à sua ele-
vação.
Este Principe, de dezoito annos de idade, he da famí-
lia dos Bourbons ; e, ainda que ligado com a de Hespa-
nha, naõ ha temor de que seus princípios sejam con-
trários aos interesses dos Americanos do Sul, cuja causa
elle sem duvida abraçará com enthusiasmo. Possue qua-
lidades tam eminentes quanto se podem desejar, tanto no
moral, como na sua educação militar, que se tem con-
duzido como maior cuidado, e pôde offerecer em todos
os respeitos a mais lisongeira perspectiva. Para segurar
e consolidar a sua dynastia, se propõem, que, se o Prin-
cipe convier ás Provincias Unidas, se solicite para elle
uma aliiança com uma Princeza do Brazil: o que apre-
sentaria incalculáveis vantagens a ambos os Governos, os
quaes, unidos pelos laços do sangue, os estreitariam ainda
mais entre si. Outra vantagem, e naõ de menor conside-
V O L . XXV. N°. 146 D
26 Política.
raçaõ, seria obrigar o Brazil a renunciar a posse da Banda»
Oriental, sem requerer compensaçoens; e a formar entre
ambos, um tractado de aliiança offensivae defensiva. Pelo
que respeita os Estados-Unidos, como elles nada tem mais
a temer do que a Inglaterra, e como he de seu interesse
viver em boa intelligencia com a America Meredional, he
evidente, que os obstáculos, que elles poderão apresen-
tar ao estabelicimento de um Governo Monarchico, se-
riam sem grande difficuldade vencidos. Por outra parte
o Governo Francez se encarregará das negociaçoens di-
plomáticas a este respeito, e promette dar ao Prin-
cipe de Luca todo o apoio, auxilio e protecçaõ, que da-
ria a um Principe Francez. Rogo a V. que apresente
a seu Governo estas proposiçoens, que creio lhe saõ
vantajosas, e porque nenhum outra forma lhe pôde con-
vir melhor. Assegura-se que um partido poderoso deseja
O estabelicimento de uma republica nas Provincias Uni-
das. Rogo á V. que me permitta sobre isto uma observa-
ção, que creio nao ser fora de propósito, nas circumstan-
cias presentes. Naõ entrarei nas particularidades, sobre a
differença de possessoens, em que se acham em todos os
respeitos os Estados-Unidos da America Septentrional e a
America Meredional. Vos mui bem o sabeis, naõ he ne-
cessário por conseqüência que eu empregue muita Lógica .
em convencer-vos disto: vos sabeis mui bem, que ne-
nhum Estado se pôde organizar em Republica senaõ he
mui limitada sua èxtençaõ, seus custumes puros, sua
civilização geral. O que constitue a força de uma repu-
blica, e o que assegura a sua duração, he a harmonia
de todas as classes, e o sincero desejo em cada particu-
lar de contribuir para o bem geral: em uma palavra he
necessário, que possua virtudes mui raras no nosso século.
Assim pois, a America Meredional, isto he o paiz de
Buenos-Ayres e Chili, carece da maior parte dos elemen-
Política. 27
tos necessários para este fim; a sua extençaõ he mui
grande; a civilização está ainda na sua infância, e bem
longe de ter chegado a seu desejado termo, as paixoens
e o espirito de partido estaõ em continua lucta; em uma
palavra, a anarchia tem chegado a seu cumulo, em muitos
pontos, que deviam estar sugeitos a Buenos-Ayres, como
he evidente pela situação da Banda-Oriental, que por
causa de sua posição naõ pôde estar separada sem oc-
casionar guerras inextinguiveis. Neste estado de cousas
naõ vejo outro caminho; para segurar a felicidade do paiz,
e pôr fim á contenda de poderes, que paralyzam
em grande parte os meios do Governo, e para unir e
ligar entre si todos os partidos na mesma causa; que ha
nove annos a esta parte tem custado ja tam grandes sa-
crifícios; naõ vejo, digo,outro meio,senaõ ode uma mo-
narchia constitucional e liberal, que, garantindo a felici-
dade do povo, e os seus direitos em geral, o traga a
contrahir relaçoens amigáveis com todas as potências da
Europa; cousa que naõ pode desattender-se, em virtude do
commercio. Sendo isto assim, teria o paiz um governo ao
mesmo tempo bem consti tu ido e reconhecido pelas outras
potências. A agricultura, de que carece, chegaria aquelle
estado, de ser uma das fontes de riqeza e de abundância.
As artes e as sciencias floreceriam: o resíduo da população
Europeaaugmentaria aquella, que hoje em dia he insufi-
ciente para esses immensos territórios, que presentemente
saõ desertos, e naõ apresentam á vista do viajante obser-
vador senaõ esterilidade, mas que se podem converter
nas mais férteis terras. Os thesouros que as minas con-
tém podiam igualmente ser lavrados, e trazidos â luz
algum dia, naõ somente com incalculável vantagem das
rendas, mas contribuindo também para a felicidade de
outros muitos povos.
Penso que todas estas consideraçoens, saõ mais que
28 Política.
sufficientes, para determinar vosso Governo a adoptar o
plano proposto; porque alcançar á sua pátria uma sorte
feliz, he adquirir direito â sua gratidão, e á immortali-
dade; títulos estes os mais gloriosos, e os únicos que pôde
desejar a ambição de homens virtuosos.
Eu sei, também, que ha nas Provincias Unidas con-
siderável partido inclinado aos Inglezes, e permitti-nic,
que faça algumas observaçoens e supposiçoens a este
respeito. Supponhamos que a Inglaterra colocava um
principe de sua família no throno da America Meredio-
nal; e que pela ascendência, que tem adquirido na Eu-
ropa, em conseqüência das dilatadas guerras, que sempre
tem pago, e que convinham a seus interesses, para naõ
succumbir ella mesma aos golpes, que a esmagavam, pu-
desse proteger o paiz contra novas guerras, e dar-lhe uma
força phisica, que lhe assegurasse o seu poder <jCrer-se-
hia por isto que o povo seria mais feliz? <j Em que con-
siste a felicidade de um povo, tal como o das Provincias
Unidas, que portam longo tempo tem trabalhado para
obter aquella independência, que deve constituir a sua
gloria, e assegurar-lhe uma felicidade, a que tem direito
de aspirar, depois de seus grandes sacrifícios ?
I o . N o estabelicimento dos direitos que a natureza
requer e naõ reprova.
2 o No livre exercieio da religião que professa, e cujas
verdades sane reconhecer e apreciar.
3.° No character nacional, que constitue o bom espi-
rito social, que distingue ja os habitantes da America
Meredional de muitas outras naçoens; que naõ tem
ainda adquirido aquelle gráo de civilização, em que con-
siste a felicidade geral das naçoens.
,3 Que pode esperar, em qualquer destes artigos, da Ing-
laterra, ou de um Principe imbuído, até o ponto de fana-
tismo, dos princípios de sua naçaõ ? Haveria para te-
Política. 29
mer, senaõ a ruina da religião Catholica, dominante no
paiz, pelo menos o seu envilicimento; ou talvez guerras
civis por causa da religião, accompanhadasde calamida-
des do povo. Alem disso o character nacional, formal-
mente opposto ao dos Americanos civilizadados, occasi-
naria actos contrários a felicidade social; e fazendo-se
odioso aos do paiz irritaria do seu amor próprio, im-
pellindo-os por vingança, senaõ a destruir a naçaõ, que
os occasionasse; ao menos a enfraquecêlla por tal manei-
ra que poderiam manejar as rendas sem obstáculo.
Por esta pintura, que infelizmente naõ he senaõ mui
verdadeira, vedes que, bem longe de ter estabelecido
sobre bazes sólidas o edifício, que tam bom principio
teve, se destruiriam seus alicerces, e um povo, que indu-
bitavelmente merece melhor sorte, cairia outra vez na
escravidão.
E m recapitulaçaõ, eu diria, que se consultardes a fe-
licidade de vosso paiz, naõ o entregareis nas maõs da-
quelles, que o reduzirão á escrivadaõ, e destruirão a sua
prosperidade nascente, comprada â custa de tantos sa-
crifícios. Por outra parte, recebendo para soberano um
Principe, que a França propõem, naõ haverá razaõ para
temer o abatimento da religião. Pôde confiar-se em achar
nelle o mais solido apoio, izento daquelle fanatismo, tam
nocivo a todas as religioens; aquelle espirito liberal, livre
da licenciodade, tam contraria aos interesses de todo o es-
tado civilizado; todas as qualidades, que podem assegu-
rar á America Meredional completa prosperidade: e, em
uma palavra, um Príncipe, que, vindo a ser um Ameri-
cano nem terá nem pôde ter outro objecto mais do que
fazer florecer a agricultura, as artes, as sciencias, e o
commercio, e por este meio assegurar-se da affeiçaõ de
seus subditos.
Penso, pois, que, nestas circumstancias, he necessa-
30 Política.
rio que vosso Governo tome promptamente uma resolu-
ção, a fim de naõ deixar escapar uma occasiaõ mais favo-
rável do que outra qualquer que se possa apresentar,
para sua felicidade, e augmento de seu commercio.

Extractos das Instrucçoens Secretas, dadas a Mr.


Yrigoyen, a fim de negociar um tractado com o General
Lecor, Commandante das tropas do Brazil em Monte-
Vedio ; e determinadas na sessaõ secreta do Congresso
de Buenos-Ayres, aos 4 de Septembro, 1816.

Secretíssimo.

Para o interessante fim de ser informado a fundamento


das vistas políticas do gabinete do Brazil, e segurar por
este meio o feliz êxito desta missaõ, o Enviado se porá
em communicaçaõ com D. Nicolas Herrera ; isto feito
lhe manifestará os seus plenos poderes para tractar com
o Commandante em chefe da Expedição Portugueza, o
Tenente General D. Frederico Lecor, obrando com toda
a franqueza, que requer a importância do negocio, no
qual se deve mostrar boa fé, animada por um interesse
pela paz e felicidade do povo deste paiz.
Logo que se estabelecerem estas communicaçoens, tra-
balhará o Commissario por informar Herrera, assim
como o General Lecor, do verdadeiro estado deste paiz,
obliterando de seus espíritos as exaggeradas ideas, que
possam entreter, sobre o estado de desordem, em que
elles suppoem que nós estamos, dando-lhes a entender,
que, depois da inauguração do Congresso, nomeação
do Supremo Director, organização dos Exércitos com
Política. 31
officiaes de honra, e outras varias reformas, tem a anar-
chia quasi inteiramente cessado. Como o povo em ge-
ral, os seus chefes, e mais especialmente os generaes dos
exércitos, estaõ penetrados da mais profunda obediência
e submissão á Soberania, e que, se, em algumas partes
restam ainda algumas desordens, saõ estas as ultimas fa-
iscas de uma chama, que se acaba agora de suffocar, e
que, longe de ameaçar algum perigo, faraõ com que se
extingua de todo.
Notar-lhe-ha, que o povo deste paiz, temendo as vistas
que o Gabinete Portuguez pode ter sobre este lado do rio,
está por isso inquieto, e esta inquietação lhes faz expressar
o desejo de auxiliar o General Artigas, por cuja razaõ o
Governo destas Provincias deseja anxiosamente receber
provas da sinceridade e favoráveis sentimentos do dicto
Gabinete, taes que possam tranqüilizar o espirito dos ha-
bitantes ; e com estas vistas somente se manda um official,
com uma bandeira de tregoas, a requerer do General Le-
cor explicaçoens, a respeito de sua expedição militar a
este rio, e ao território da Banda-Oriental, naõ obstante
as profissoens de amizade que o Congresso tem recebido
de S. M Fidelissima. Para este fim o Commissario lhe
deve dar a entender, que, se o objecto do Gabinete Por-
tuguez he somente reduzir á ordem a margem Oriental,
de nenhum modo lhe será permettido tomar posse de
Entre-Rios; porque este território pertence a Buenos-
Ayres, e o Governo nunca o renunciou, nem cedeo â
margem Oriental.
Explicar-lhe-ha, também, a grande popularidade do
Congresso nestas provincias, e a confiança, que o povo
põem nas deliberaçoens do mesmo Congresso; e que
naõ obstante as ideas ultra-democraticas, que se tem ma-
nifestado em toda a revolução, o Congresso, assim como
32 Política.
a parte solida e illuminada do povo, e na verdade a ge-
neralidade deste, estaõ dispostos a favor de um systema
constitucional ou monarchia moderada, sobre as bazes da
constituição Britannica, adaptada ao estado e circum-
stancias do paiz ; de tal maneira que assegure a tranquil-
lidade e ordem do interior, e ligue mais estreitamente,
suas relaçoens e interssses com os do Brazil de sorte
que os identifique do melhor modo possivel.
Procurará convencêllo do interesse e vantagens, que
resultam destas idéas a favor do Brazil, declarando-se
este o protector da liberdade e independência destas pro-
vincias, restabelecendo a família dos antigos Incas, e li-
gando-a com a de Bragança, sobre o principio de que,
por uma parte estando unidos ambos os Estados, o Con-
tinente Americano augmentará muito sua importância e,
de maneira que poderá contrabalançar o antigo mundo,
e cortar os laços, que retardam os passos da política, e
impedem o seu natural progresso para seus altos desti-
nos; e por outra parte, a obstinada revolução deste paiz,
determinada a existir em nenhum outro character senaõ
como naçaõ, apresenta obstáculos difficultosos e insupe-
ráveis á sua sugeiçaõ, assim como as grandes, e quasi de-
sertas distancias, em que as cidades se acham situadas,
impedem o transporte de exércitos de umas para outras,
os meios exclusivos de continuar a guerra de partidári-
os contra qualquer inimigo; gênero este de guerra, que
tendo arruinado os exércitos do paiz, e impedido a mar-
cha do que occupava o Peru, naõ obstante o seu peculi-
ar conhecimento do paiz destruirá por fim todos os exér-
citos estrangeiros, por maiores que sejam suas forças: a
antipathia, que presentemente existe entre os habitantes
destas Provincias e os do Brazil, geralmente produzida
entre paizes vizinhos, que tem differentes Governos e
Política. 33

linguagem, e fomentada entre nós peos Hespanhoes


assim como a diversidade de character, custumes, hábi-
tos e ideas, derivados das differentes leys, que nos tem
governado desde a conquista, e a revolução, que temos
experimentado.
Se, depois dos maiores esforços, que o Commissario
deve fazer, para obter a acquiescencia na primeira propo-
sição, ella for regeitada, proporá a coroaçaõ de um dos
Infantes do Brazil nestas provincias, ou a de qualquer
outro Infante estrangeiro, com a condição que naõ seja
de Hespanha, o qual, formando connexaõ com uma das
Infantas do Brazil, possa governar este paiz, debaixo
de uma Constituição representativa em Congresso. No
caso que o Governo Portuguez aceite alguma das propo-
siçoens offerecidas, deverá emprehender o remover todas
as difficuldades, que se levantem da parte da Hespanha,

VOL. XXV. N° 146.


34

COMMERCIO E ARTES,

Edictal da Juncta do Commercio em Lisboa,annunciando


os direitos sobre as Laas na Suécia.

Com Avizo da Secretaria de Estado dos Negócios Es-


trangeiros Guerra e Marinha, de 30 de Maio próximo
passado, baixou k Real Juncta do Commercio Agricul-
tura Fabricas e Navegação a copia de um edictal publi-
cado pelo Conselho Real do Commercio do Reyno de
Suécia, e transmittido pelo nosso Cônsul Geral em
Stockholmo, cujo theor he o seguinte:—" Nós Presiden-
te e Membros do Conselho Real do Commercio, fazemos
saber, que Sua Majestade, por carta de 23 de Fevereiro
ultimo annunciou ao Conselho Real, que houvera por
bem de ordenar, que os direitos de Alfândega sobre as
laãs importadas no Reyno, e vindas de Hespanha e Por-
tugal assim como também sobre a laã fina de Saxonia
seraõ pagos daqui em diante á razaõ de 40 schcllings de
Banco d'Hamburgo por cada schipound. O que fazemos
publico pelo presente em conformidade da ordem do Rey.
para que assim se cumpra por todas as pessoas a quem
pertencer. Stockholmo 13 de Março 1820.—Assignados
A. N. Edelcrantz. A. B. Van Sydow."
Commercio e Artes. 35

E para que chegue a noticia de todos se mandou aífi-


aar e publicar o presente em Lisboa, a 12 de Junho de
1820.
J O Z E A C U R S I O DAS N E V E S .

Mappa das exportaçoens e importaçoens do porto de


Bristol nos mezes de Janeiro, Fevereiro, e Março deste
anno para os portos de Portugal e Ilhas.
Gêneros exportados de Bristol.
Para Lisboa. Porto. Madeira. Total.
Sal alcalico Quintaes H li
Pedra hume 52 52
Arcos de Ferro 120 120
Cascas d'arvore 24 24
Folhas de cobre 15$ 15*
Estanho 12 12
Cobre manufacturado 34| 10 45
Garrafas de vidro 468| 105 663|
Chumbo em barra 479| 100 579|
Chumbo de munição 522 200 722
Tintas 310 310
Pregos de ferro 120 120
Ferro manufacturado 434£ 5 4931
Arenques Barris 153 153
Carne 20 20
Manteiga 66 66
Tripas 1 1
Cerveja 2 2
Âncoras de ferrq 12 12
Cadêas 15 15
Gigos de louça 10 10
Dúzias de Pelles 50 50
Pedras de amolar 2 2
Gegngivre arraiei;: 4
36 Commercio e Ai •tes.

Aguardente gallões 514 514


Folhas de lata 20400 20400
dúzias 300 300 000
Luvas 347 347
Folies 2 2
Cavallos 4 4
Peças de pannos dei laâ 724 724

Gêneros importados para Bristol dos seguinte portos.


De Lisboa, 367 caixas de laranja.
Do Porto, 111 pipas de Vinho, 52l£ caixas de laranja,
14 caixas de fruta seca, e 1 caixa de cebollas.
De Faro, 37 toneladas de cortiça.
Da I. da Madeira, 99 pipas de vinho.
Das I. dos Açores, 5500 caixas de laranja.
Total—210 pipas de vinho, 6388-§ caixas de laranjas,
14 de fructas secas, e 1 de cebollas, e 37 toneladas de
cortiça.
í 37 )
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
L O N D R E S , 25 de Julho, de 1820

Gêneros. Qualidade. Preços. Direitos.

Bahia por lb . | l s . 2$p. a i s . 3p


í Capitania. . .
1 Ceará l s . 4p. a l s . 5p. 8s. 7p. por 00 II».
Alrodam . .J Maranham ... l s . 24p. a l s . 3p. em navio Po rtugitez
1 Minas novas . l s . Op. a 1». 2p. ou Inglez.
f Pará l s . Op. a l s . 2 P .
^•Pernambuco • 1». 4Jp. a ls. 5p.
Anil Rio 5 por lb.
Redondo. . . 43s. a 48a.

Arroz
J Batido
Mascavado . .
Bra /.i 1
49>. a Ms.
318. a 38*. Livre de direitos po r
exportação.
Cacáo Pará 55s. 65s
CaHe Rio 118s. 126t.
Çebn Rio da Prata 3s. 2p. por 1121b.
Chifres. Rio (lande por 123 48*. 52s. 5s. por 1121b,
(A 8ip.
Rio da Preta, pilha < B 7p. 7|P-
'C 5p.
Í BA 10 p. por coaro
i Rio Grande -]
<C
Pernambnco, salgados
Rio Grande de cã vai Io
Ipecacuanha Brazil por lb. 14». Op. à 15s. 6p, 4s.
Óleo de cupaiba I por 1121b.
l s . 2p. a l s . 4p, 2s.
Orucu 4s. Op.
Páo Amarelo. Brazil I20s, a 130s. i direitos pagoa pelo
Páo Brazil . . . . Pernambuco 5 comprador.
Salsa Parrilba. Pará . . . l s . 9p, 2s. , direitos pagos pelo
( em rolo.. > comprador,livre por
Tabaco I em folha. * exportação
Tapioca.......Brazil.. 18p. 6£ porlb.

Câmbios com as seguintes praças.


Rio d« Janeiro 54 l i a m li in MO 37 6
Lisboa 50 Cadiz 34$
Porto 49| Gibraltar 30
Paris 25 80 Gênova 433
Amsterdain 12 Malta 45

Espécie Seguros.
Ouro cm barra £ 3 17 10J Brazil. Ilida 25s. Volta 3Us
Peças de 6400 reis Lisboa 15s. 9 . 20a
Dobroens Hespa- Porto 20s
nhoes por Madeira 15s. 9 20s
P e z o s . . . . dictos onça. Açores 20s.
Prata em barra 0 $ Rio da Prata 42». 42»
Bengala tio» 62»
LITERATURA E SCIENCIAS

NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.

Tcchnical Memory ; preço l i . 6d. Litihas Históricas,


para a Memória Teclinica de Grey; com varias addicço-
cns, principalmente no que saõ applicaveis á Historia
Moderna. Este opusculo se pode considerar como in-
troducçaõ k obra do Dr. Grey.

Galiffe^ Italy and its Inhabitants, 2 vol. 8.vo preço


A Itália e seus habitantes, nos annos de 1816
e 1S17; com unia vista de suas maneiras, custumes, the-
atros, literatura, artes polidas; e alguma noticia de seus
dialectos. Por Jaimes A. GalifFe, de Genebra.

Chronicle of the Times. 18." preço, com mappa, lòs.


Clironologia dos últimos cincoenta annos , desde 1770 ai.é
18-20; precedida da mais ampla chronologia conhecida
desde os mais antigos registros, atè 1770.

Gatitrcss^s Short-hand, 12.mo preço 5s. Introducçaõ


practica ;< Sc.encia de escrevei abreviado (shorl-hand,)
Literatura e Sciencias. 39
sobre os princípios do ingenhoso Dr. Byron. PorGui.
Hierme Gautress.

Hortas Cantabrigensts. 8.vo preço 10*. 6d. Cathalogo


das plantas digenas, e exótica», cultivadas no Jardim
Botânico de Cambridge. Por James Donn. Curator da
Universidade, Sócio das Sociedades Linneana e de Horti-
cultura. Nova Edicçaõ mui accrescentada, por Frede-
rico Pursh.

Bristed's America and Her Resources. 8.T0 preço 14J.


Resenha da capacidade e character do Povo dos Estados-
Unidos, na Agricultura, Commercio, Literatura, Mo-
ral, e Religião, Por JoaõBristed, Conselheiro em Nova
York.

Millers Modem History. 8.vo preço 2 4 Í . Liçoens


sobre a Philosophia da Historia Moderna, explicadas na
Universidade de Dublin. Por George Miller, D. D.

Tytler's Considerations on íwdia. 8.™ preço 18í


Consideraçoens sobre o presente estado politico da índia,
comprehendendo observaçoens sobre o character dos
indígenas, tribunaes civis e criminaes, administração da
justiça, estado das propriedades de terras, condição dos
camponezes, policia interior, &c. Por Alexandre Fra-
zer Tytler.
40 Liíerativra e Scie«c?os.

PORTUGAL.

Saio a luz: Grammatica da Língua Portugueza, que


tendo por bazes os princípios da Grammatica Geral, ser-
virá de introducçaõ âs outras línguas, com pouco mais
«Io que a substituição de vocábulos estrangeiros a voca
bulos Portuguezes: ordenada por Sebastião José Guedes
Albuquerque. Preço 250 reis.

Agricultura das vinhas, c tuuo que pertence a ellas,


até ao perfeito recolhimento do vinho, e relação das suas
virtudes e da cepa, vides, folhas, e borras: composto
por Vicencio Alarte, Agricultor; tirado tudo dos Autho-
res, que escreveram sobre a Agricultura, e das experi-
ências, que pôde colher.

Máximas Politico-Moraes. Preço 240 reis.

Verificação do Baixo de Manuel Luiz em frente do Ma-


ranhão.

Carta dirigida a Sua Excellencia Ministro da Mari-


nha e das Colônias de França, por Mr. Roussin, Capi-
tão de Mar e Guerra.
A bordo da Fragata Ia Bayadere, em
Cayenna, a 15 de Fevereiro de 1820.
Excellentissimo Senhor:—Pelas minhas ultimas cartas
te rã Vossa Excellencia visto os resultados da minha na-
vegação desde o Cabo de S. Roque atê o Maranhão, e o
apontamento do que me restava fazer para terminar os
trabalhos hydrograficos de que estava incumbido,
Literatura e Sciencias. 41

Tinha eu feito entrar nestas ultimas operaçoens a in-


vestigação do Baixo de Manoel Luiz, indicado pelas
cartas na proximidade do Maranhão, mas de que naõ
ha conhecimento algum exncto no paiz. A natureza
deste perigo, a absoluta incerteza em que se estava sobre
a sua situação no surgidourode um porto mui freqüenta-
do, os numerosos naufrágios que oceasiona, e que, se-
gundo as minhas indagaçoens nos livros de chancellaria
de diversos consulados, sobem a 4 por anno, de 1814
para c á ; tudo excitou o mni desejo de o achar, e am-
bicionei livrar o Maranhão de tam formidável inimigo, e
coroar com este successo o útil e generoso trabalho em.
prehendido pela França nas costas do Brazil, a bem de
todos os navegantes.
Naõ podia porém eu dissiinular-me as difficuldades
desta empreza; as correntes saõ violentas nesta paragem,
e naõ sabia em que sentido teria a corigir as minhas der-
rotas, e até que distancia poderiam sobre ellas influir as
marés, que reynam perto de terra. Além disto, naõ se
podia tirar inducçaõ alguma razoável de todos quantos
indícios eu recolhia; naõ se me apontavam latitudes nem
longitudes senaõ de três ou quatro léguas de difFerença ;
naõ havia concordância nem sobre a situação, nem sobre
a distancia, nem sobre a extensão do perigo; só um
homem, actualmente primeiro Piloto do Maranhão, me
disse o vira ha 32 annos ; mas éra em idade em que naõ
se fazem observaçoens. ü que me parece quasi certo
he que o baixo naõ sobresaia á flor d'agua, e que éra
precizo estar mui perto delle para o perceber.
Participei ao Capitão General do Maranhão o meu pro-
jecto, e Sua Excellencia se mostrou penetrado do servi-
ço que eu queria fazer á sua Provincia.
Bem regulados os nossos relojos, e determinado o pla-
no do nosso ancoradouro no Maranhão, parti a 16 de
V O L . XXV. N» 146. *
42 Literatura e Sciencias.
Janeiro; sò me restavam duas âncoras nos turcos: esperei
que isto me bastaria.
Dirigi-me succesivamente, com as precauçoens que o
caso requeria, pelos diversos parallellos que se me tinham
indicado; só chegava a elles gradualmente e de dia, re-
tirando-me â noite aos pontos em que me persuadia ter
mais probabilidade de segurança; mas fácil he conhecer
que as correntes podiam lançar grandes incertezas nestas
derrotas de noite, necessariamente afastadas das observa-
çoens, e que naõ havia momento em que naõ houvesse
razaõ para as mais vivas inquietaçoens. Dez dias se
passarão em investigaçoen3 infructuosas; só tinha chega-
do a conhecer, e poder apreciar, tudo quanto podia alte-
rar as minhas derrotas. A 27, ja eu tinha exhaurido
quasi todas as probabilidades nos pontos designados pelas
informaçoens e pelas cartas, quando pelas duas horas da
manhaã, saltando a sonda de 25 a 12 braças, fundiei logo
para esperar o dia, Desaferrei ao nascer do Sol a 28:
cobri de sondas um espaço de duas milhas quadradas ao
redor de nós; as alviçaras que eu tinha promettido aos
primeiros que descobrissem o baixo excitaram o zelo,
entretanto nada vimos.
Começava por tanto a afastar-me para tornar a seguir
o curso ordinário das minhas pesquizas, quando um dos
vigias gritou que via pela popa um baixo: era na diiec-
çaõ d'onde nós vínhamos. Virei immediatemente, mas
custou-nos muito a verificar o dicto do vigia: passaram-
se quasi vinte minutos sem tornar a apparecer o baixo;
por fim o devisei, e fundiei a 400 toezas delle em 15 bra-
ças d'agua. Eraõ dez horas da manhaã, expedi duas
lanchas; um quarto de hora depois da sua partida esta-
vam ancoradas em cinco pés d'agua naõ tendo achado
senaõ doze logo a um tiro de pistola avante do Navio
Literatura e Sciencias. 43
Tive assim a viva satisfacçaõ de ter finalmente achado o
baixo de Manoel Luiz.
O ternpo, que esteve todo o dia bom, favoreceo todas
as nossas operaçoens; as de Latitude deram-na com diffe-
rença de menos de vinte segundos. Obtivemos a Longi-
tude com igual exactidaõ, de tarde, por meio de 20 se-
ries de observaçoens de ângulos horários, feitas por Mrs.
Depéronne, Givy, e por mim, com três círculos diffe-
rentes. As lanchas bordejaram até a tardinha sobre o baixo,
para se conhecer a sua forma, natureza, extensão, e ex-
tremidades ou cabeços,
Este escolho he da natureza mais perigosa que se po-
de encontrar no mar. He um banco de pedras agudas
e quasi tônicas entremeadas de arêa; tem três milhas
de comprimento de Leste quarta de Sueste a Oeste quar-
ta de Noroeste, e meia milha do norte ao Sul. Estas
rochas ou pedras estaõ separadas por intervallos maiores
ou menores ; nos quaes se achaÕde 8 a 12 braças de fundo,
ao passo que os cocorutos dos penedos estaõ ao lume
d'agua. Naõ pode por tanto o Navio que nelles bate
ter tempo de soccorrer-se, e deve logo ir ao fundo ; um
dos de que eu tenho a relação, a Galera Ingleza Venus,
naufragada em 21 de Maio de 1814, desappareceo em
menos de doze minutos, e apenas teve a equipagem
tempo de desatracar as lanchas, e de se meter nellas.
Este parcel naõ rebenta senaõ instantaneamente, e só na
baixa mar, e assim mesmo os cachoens saõ mui pequenos,
assemelhaõ-se ao remoinho que faz uma baleia. Durante
toda a enchente da maré naõ vimos alli o menor signal
de fundo alto, a pezar de estarmos só a 400 toezas do
baixo; todo Navio que navegar por cima daquelle sitio
sem sondar de continuo infallivelmenre se ha de perder.
A lancha, que eu tive alli ancorada todo o dia, achou que
o mar subia alli 12 pés, a preiamar foi pelas três horas e
44 Literatura e Sciencias.

meia e faltavam dous dias para a Lua cheia ; por tanto


he a maré de cinco horas. A enchente levava seis décimos
de milha por hora ao sudoeste; a vasante caminhava
para o nordeste com a mesma ligeireza.
Segundo as nossas observaçoens, que podemos afiançar,
a Latitude deste Baixo he de 0 o 52' 27" Sul, e si Lon-
gitude 0 o 1' 30" Leste do Meridiano do Forte de Santo
Antônio do Maranhão* ; isto he, com mui pouca diffe-
rença, a vinte e seis léguas ao Norte do ponto de parti-
da que tomaõ todos os navios que saem do Maranhão
a três léguas a Leste do pequeno monte Itacolumi; a
declinaçaõ da Agulha achou-se ser O 0 57' N . E.
Comparando esta situação com a que indica a Carta
d* Arrowsmith, o erro he de cinco léguas na Latitude e
sette na Longitude ; relativamente ao roteiro Francez, o
erro na Latitude he o mesmo. Similhante differença
naõ só explica as numerosas desgraças de que este peri-
go ha sido causa, mas pode fazer julgar incrível que naõ
tenham acontecido muitos mais.
Sem outro motivo mais que o de uma rotina consagra-
da pelo tempo, os navios saem do Maranhão para a
Europa fazem-se Norte $ de Noroeste largando a terra;
os que tem escapado fizeram esta derrota; mas todos os
que se tem perdido, e cujos processos-verbaes tenho visto,
asseguram que também a fizeram. Por conseguinte as
correntes tem salvado uns, e perdido os outros; e a in-
certeza sobre a posição do perigo obsta a que se mude
uma derrota, que assim mesmo funesta como tem sido a
alguns, sáe bem com tudo ao maior numero. Dever-se-
ha à França uma illustraçaõ que tanto se desejava; e o
Maranhão por certo lhe será por isto muito obrigado.
Rogo a Vossa Excellencia desculpe as miudezas em

* Longitude ao Oeste do Merediano de Paris 46" 36' 14".


Literatura e Sciencias. 45
que entrei; podem parecer deslocadas em uma carta,
mas a sua importância me pareceo (exigia fossem sabi-
das quanto antes; e naõ posso por outra via permittir-me
o fazellas publicas.
Accetai, e t c —
(Assignada) ROUSSIN.

ECONOMIA POLÍTICA DE SIMONOE.

CAPITULO VII.
Das Colônias.
(Continuado de Vol. XXIV. p. 852)
Desde 1625, epocha da primeira fundação das colônias
nas Antilhas, até 1664, os colonos Francezes foram qua-
si abandonados pela Metrópole; e he talvez em parte a
este abandono, e á absoluta liberdade de commercio,
conseqüência desse abandono, que elles deveram a sua
primeira prosperidade. Os Hollandezes faziam entaõ
quâsi todo o commercio das ilhas Francezas, as cidades
de Flessinguen e de Middlebourg enviavam ali naquella
epocha mais de cem vasos.
Porém o mesmo ciúme, que tem constantemente dic-
tado todos os monopólios, levou Luiz XIV a crear, em
1664, para expulsar os Hollandezes daquellas paiagens,
uma Companhia Real nas índias Occidentaes, á qual
concedeo, em toda propriedade, o Canada; as Antilhas,
a Acadia, as ilhas de Terra Nova, a ilha de Cayenna, a
Terra Firme da America Meredional, desde o Marignon
até o Orinoco; e as costas do Senegal e de Guiné, com
o privilegio exclusivo de negociar em todas estas para-
gens, tanto directamente da Europa para a America,
46 Literatura e Sciencias.

como no trafico da escravatura dos negros de África para


a America.*
Desde entaõ naõ puderam mais negociar os colonos
Francezes, nem com seus antigos conrespondentes, os
Hollandezes, nem com todo o resto de seus compatrio-
tas Francezes, ã excepçaõ dos vasos da Companhia.
Esta emprehendeo um commercio tam vasto, com qua-
renta e cinco navios, e bem depressa foi em declinaçaõ.
Temos visto que os Hollandezes enviavam cem, só para
as Antilhas; pode-se comprehender quanto a Compa-
nhia se aproveitou pela diminuição da concurrencia para
augmentar o preço relativo de todas as mercadorias, que
vendia, e diminuir o de todas as que comprava; isto he,
augmentar as despezas, e diminuir as rendas da colônia,
Mas este mal, por mais prodigioso que fosse, naõ éra
comparável com o que occasionava a privação absoluta
de saida, para as mercadorias coloniaes, e de importa-
ção para aquellas, que a America necessitava. Cem va-
sos naõ bastavam para este duplicado transporte na in-
fância das colônias; dos quarenta e cinco da companhia,
provavelmente naõ havia vinte que tocassem nas ilhas,
na epocha em que adquiriam vigor. Felizmente foi esta
companhia dissolvida no fim de nove annos; aliás naõ
pôde duvidar-se que teria arruinado absolutamente os
nossos estabelicimentos noGolpho do Mexico.f

* Vêjam-se as cartas patentes de 11 de Julho de 1664.


f Irumediatamente antes da Revolução, entravam annual-
mente no porto de Cape-Françaís, 160 vasos, sornmando em
seu porte de 150 até 4000 e 5000 toneladas ; entravam outros
tantos nos outros portos de S. Domiogos: 200 tocavam cada
anuo em Martinica, &c, de sorte que o commercio total das ilhas
Francezas occupava cerca de 700 ou 800 vasos. Dict. de le
Geog. comm. de J. Peuchef.
Literatura e Sciencias. 47
O Commercio com as ilhas ficou livre para todos os
Francezes em Dezembro de 1674. A França que se re-
cobrava entaõ do esgotamento que lhe tinham causado
suas guerras civis, dava passos rápidos para a riqueza, e
se achava nesta epocha em estado de abraçar o commer-
cio á que era chamada: quarenta annos mais adiante
fazia ja o das antilhas com 200 vasos. Com tudo a ex-
clusão dos estrangeiros diminuía consideravelmente a
troca das mercadorias entre a America e a Europa, com
grande prejuízo de uma e outra. Quanto á America, re-
duzindo o numero dos compradores, se restringia certa-
mente a sua producçaõ, e se punha obstáculo ao rom-
pimento de novos terrenos, ás novas plantaçoens, e á
multiplicação dos colonos. Quanto à Europa, priváva-
se de uma parte de seus gozos, e se lhe fazia pagar a
outra parte muito mais caro.
Uma colônia nova he dotada de tam grande vigor, que
se eleva muitas vezes a pezar dos erros daquelles, que
lhe dam as leys; ella pode quasi sempre pagar impostos
mui consideráveis, sem que estes absorvam a totalidade
do excedente de suas rendas a suas despezas, ou suas
poupanças annuaes. Entre tanto naõ se cobraram das
colônias senaõ impostos mui moderados em proveito do
Fisco*; porém cobraram-se impostos exorbitantes em

* A colônia de S. Domingos pagava de contri-


bui çoens £. 5:000.000
A de Martinica 800.000
A de Guadaloupe 800.000
Total £. 6:600.000
Cayenna, Sancta Luzia, as Ilhas de França, e de Bourbon,
naO pagavam contribuição alguma. (Neck. Adm. des Fin. T.
L Ch. 13.) Porém a carestiaoccasionada pelo regimen exclusivo
48 Literatura e Sciencias.
proveito dos negociantes, dando a estes o duplo monopó-
lio do consumo da colônia, e da compra de seus produc-
tos. Por longo tempo, e até 1722, pelo menos, o com-
mercio das colônias Francezas na America dava um
lucro de cem por cento, e ainda mais. Savary, author
do Diccionario de Commercio, o mais judicioso e o
mais exacto escriptor, que a França tem nestas matéri-
as, assegura que, no seu tempo havia 400 por cento a
ganhar nas fitas e modas, que se levavam a Quebec*
Ora, as colônias Francezas nao eram assas remotas, para
que a distancia pudesse legitimar um lucro tam prodigi-
oso, Se o negocio houvesse sido absolutamente livre
provavelmente haveria decahido de 20 a 25 por cento.
N a õ creio que o lucro que fazem os Inglezes no seu
commercio do Canada chega a mais de 20 por cento.
U m imposto sobre o consumo, que se eleva ao triplo do
valor do artigo importado, he sem duvida o maisexhor-
bitante, que jamais se pagou: e pois os consumadores o
podiam supportar sem se arruinarem, he mui mal que o
naõ pagassem ao fisco, antes do que a mercadores, que
naõ tinham nenhum direito para o receber.
As colônias do continente da America, podem suppor-
tar os lucros exorbitantes do monopolista Europeo; por
que em muitos respeitos podem passar sem elles : quasi
tudo o que he necessário á vida se colhe no Continente,

das mercadorias importadas para o consumo das colônias, che-


gava, pelo menos, a 25 por cento do seu valor, uma parte do
qual somente cedia em proveito do negociante, o resto se perdia
em inúteis despezas de transportes. Os plantadores, por outra
parte, experimentavam, por causa do mesmo regimen, uma
perca considerável nas mercadorias coloniaes, que vendiam.
* Dicc. do Comm. T. IV. p. 1016.
Literatura e Sciencias. AQ
e quanto aos objectos de luxo, os habitantes só fazem
delles moderado consumo; ainda dado que se causasse
damno mui considerável a estas colônias, quer excluindo
do seu commercio todas as outras naçoens, quer submet-
tendo o Canada, a Louisiana e a Cayenna ao monopólio
ainda mais oppressivo de uma Companhia, o primeiro
destes três paizes naõ dixava de prosperar, e os outros
dous naõ succumbiam debaixo deste regimen destructor.
Naõ teria sido o mesmo se se lhe tivessem submettido
por longo tempo as Antilhas e S. Domingos: estas ilhas
tirando da Europa os objsctos de primeira necessidade, e
lendo precisão de um commercio maritimo muito mais
activo, pagavam também muito mais freqüentemente
o lucro do monopolista, proporcionalmente á sua ri-
queza.
O monopólio do commercio da America fazia igual-
mente mal â naçaõ, que o tinha arrogado a si, porque,
assegurando a um commercio distante cem por cento de
lucro, por meio do monopólio, attrahia para este muito
mais capital, que sem isto houvera admittido; tirava-se
pois às manufacturas, á agricultura e ao commercio in-
terior ; uma parte dos fundos que lhe davam vigor: mu-
dava-se o lucro legitimo que faziam estes capitães, em
uma extorsão arrancada a Francezes: em fim impelliam-
se para uma via, em que a circulação éra muito mais
lenta, e em que, em igualdade de sommas, elles man-
tinham muito menos trabalho productivo.
Quando o commercio entre a metrópole e as colônias
se exercitava com a maior actividade, por meio de um
capital circulante de mais de 150 milhoens; ainda quea
perca resultantedo monopólio fosse entaõ mais considerá-
vel âs colônias, doque o seria hoje em dia, que a sua pro-
ducçaõ e o seu consumo se acham tam prodigiosamente
diminuídas, com tudo poder-se-hia hesitar em dar o con-
V O L . XXV. N° 146.
50 Literatura e Sciencias.
selho de renunciar a esse commercio, pelo temor de
paralyzar, ao menos momentaneamente, as numerosas fa-
bricas, que trabalhavam para as colônias; e que taivez
naõ poderiam supportar a rivalidade livre dos estrangei-
ros. Porém hoje em dia, ja as nossas fabricas naõ tra-
balham para as ilhas; uma longa guerra tem suspendido
as suas relaçoens ; e quando este mercado se naõ tornasse
a abrir senaõ para as mercadorias Francezas, que só po-
dem vender a um preço relativo livre, nenhum artista
perderia com isso o seu paõ de cada dia; nenhuma loge
se fecharia, somente se naõ abririam outras de novo sem
necessidade; a França naõ tomará sobre si a pezada obri-
gação de fazer aquillo para que ella naõ pôde bastar,
e naõ tirará às artes e â agricultura os capitães, que ellas
empregam mais utilmente, e que naõ bastam para as ne-
cessidades actuaes das fabricas, que ja trabalham.
Ainda quando o commercio fosse perfeitamente livre,
nos venderíamos sempre ás colônias os nossos vinhos, e
nossas águas ardentes, os panos daquelles de nossos de-
partamentos, que trabalham mais barato do que a Ingla-
terra, as nossas modas, as nossas sedas, nossos relógios,
muitas outras mercadorias, em que levamos vantagens
aos estrangeiros. Por outra parte, os colonos tirarão o
trigo de que nesessitam, e ogado directamente daAmeri-
ca, e em vasos Americanos, e continuarão a comprar
aos Inglezes muitas mercadorias, que acham na Inglater-
ra a melhor mercado doque entre nós.
Se considerarmos a posição de cada uma das nossas
colônias, veremos que a política nos aconselha o renunciar
com ellas o systema exclusivo. He preciso usar certo ma-
nejo com a Martinica, a única que escapou ás convulsoens
revolucionárias, e ficou rica : de outro modo ella terá de
sentir o ter voltado para a dominação Franceza, e os mais
ricos plantadores sairão dali, para seguir os Inglezes, de
Literatura e Sciencias. 51
baixo de cujo governo prosperaram. A Guadoupe e S.
Domingos, arruinadas pelas conseqüências de uma eman-
cipação, executada com tanta demência, que até houve
a barbaridade de ajunctar os escravos, que ella libertava,
naõ teraõ por longo tempo consumadores ricos; mas es-
tas ilhas seraõ felizes, se formarem relaçoens de commer-
cio com os estrangeiros, e se nelles acharem os capitães
necessários, para curar as feridas.que lhes causou a guer-
ra. A constância dos Francezes das ilhas da Reunião
merece o reconhecimento nacional; he provêllos a elles
e prover ao mesmo tempo aos interesses da Republica
nos mares da índia o fazer florecer a sua navegação cos-
teira. O meio mais seguro de achar ali corsários, em
alguma nova guerra, he deixallos exercer livremente o
commmercio durante a paz.
Portanto, se se quizer que as nossas colônias tornem
a recobrar-se rapidamente dos desastres, que lhe causou
a guerra civil, que a sua população cresça, e que ellas
augmentem realmente a força e a riqueza da França,
deve-se fazer livre o commercio em todos os seus por-
tos, e admittir nelles os vasos de todas as naçoens; mas
pode-se, sem o temor de ser oppressivo, fazer pagar um
considerável direito de entrada ás mercadorias, que ali se
introduzirem, em quaesquer vasos que forem ; esta taxa
naõ fará tanto mal á industria, como lhe faria o monopó-
lio nacional, e será muito mais proveitosa.
Além do monopólio, que se assegura aos negociantes
nacionaes contra os colonos, se tem pretendido a demais
regular o seu commercio de maneira desvantajosa; he
assim que se tem muitas vezes prohibido aos vasos do
trafico da escravatura trazer em retorno mercadorias para
a Europa; e que se tem estudado, em muitasoccasioens,
prohibir aos negociantes o commercio de uma colônia
com outra, obrigando-os desta maneira a voltar com suas
52 Literatura e Sciencias.
náos vasias, depois de terem desembarcado suas merca-
dorias, o que obriga a pagar dobrado frete, o de ida e de
volta, e he para elle um augmento de despeza, que naõ
serve de proveito a ninguém, nem ao mercador, que naõ
exige senaõ o reembolço dos seus gastos de duas viagens,
nem ao dos marinheiros, que naõ recebem suas soldadas,
senaõ em razaõ do trabalho inútil, que tem feito, e naõ
gratuitamente.
Até se tem desanimado, quanto se tem podido, o esta-
belicimentode fabricas nas colônias, e até mesmo ficariam
mui alegres se pudessem haver impedido que produzis-
sem trigo ou vinho, a fim de as ter em uma absoluta de-
pendência da metrópole, e augmentar o numero dos ob-
jectos, que estes dous paizes poderiam trocar entre si
como se qualquer paiz naõ offerecesse tantas mais occa-
sioens de trocas, quanto he mais rico e mais povoado, e
como se a colônia deS. Domingos, por exemplo, devesse
fazer menor commercio com a França, quando houvesse
chegado ao ponto de prosperidade, a que he chamada pela
extençaõ e fertilidade de suas terras, do que faz hoje em
dia. Por fim, ainda quando isto devessesucceder, como
S. Domingos faz parte da Republica Franceza, he para
desejar que seus habitantes se multipliquem e se enri-
queçam ; e por esta mesma razaõ, que naõ obtenham de
paizes distantes o que podem ter mais perto, e a melhor
mercado; como também, que naõ procurem fazer dentro
em si, o que podem obter de fora a melhor mercado. O
systema de economia política deve extender-se ás colôni-
as, assim como â metrópole, a inteira liberdade do com-
mercio, para que o vendedor se contente com o preço
relativo livre, o comprador com o preço intrínseco, e
que ambos achem nisso sua vantagem: o primeiro fazen-
do entrar no preço um lucro, que faz parte das rendas
nacionaes: e o segundo, poupando neste preço uma des-
Literatura e Sciencias. 53
peza, que faz parte da despeza nacional. Mas he, par-
tindo destes mesmos princípios, que se conhece a neces-
sidade de modificar, segundo as circumstancias, as leys
fiscaes. As colônias podem supportar impostos, mais
consideráveis talvez do que a metrópole ; mas os que se
impõem sobre o consumo, naõ podem ser os mesmos
que assentam bem no nosso caso; visto que os objectos
que entre nós saõ susceptíveis de alfândega, naõ saõ
muitas vezes nas colônias susceptíveis senaõ de excisa
e vice versa: sendo o que o seu clima produz, justamente
o que falta no nosso. Conviria, logo, que a Assemblea
de cada colônia indicasse os objectos mais susceptíveis
de serem taxados na sua importação, e que â custa disso
comprasse uma liberdade absoluta para o commercio.
O abandono do systema exclusivo procuraria ás colô-
nias Francezas outra vantagem ; ellas estaõ perfeitamente
ao capto de fazerem o commercio de contrabando com
as colônias Hespanbolas, um dos mais ricos e maislucro-
sos do Universo. Regioens immensas, de admirável fer-
tilidade, e que, a pezar de serem menos prosperas que as
outras colônias do Novo Mundo, saõ com tudo povoadas
de ricos habitantes, pertencem na America á coroa de
Hespanha, esta mantém o seu monopólio com mais seve-
ridade, que nenhum outro Governo da Europa, e no en-
tanto nem o capital, nem a industria de Hespanha saõ de
modo algum proporcionados ao commercio, que ella se
quer arrogar exclusivamente. Todas as trocas deste Im-
pério immenso com o Oriente e Phillippinas, se tem por
longo tempo feito com dous galeoens somente, que par-
tem cada anno de Acapulco para Manilha: quasi todos
os de México e Peru se faziam com um só galleaõ, que
partia de Acapulco para Lima: em fim o commercio en-
tre a Europa e a America Hespanhola, se fazia com oito
galeoens, e doze até dezeseis navios mercantes ou de re-
54 Literatura e Sciencias.
gistro, que partiam de Cadiz para o Peru, e quatro ga-
leoens com doze ou quinze vasos; mercantes, que par-
tiam anriualmente de Cadiz para o México. Se o com-
mercio fosse livre, apenas bastariam dous mil vasos,
para fazer todas as trocas destas vastas e ricas regioens.
Temos visto, que se podiam achar sophismas para justi-
ficar todos os outros monopólios, e que os Governos po-
diam ser conduzidos ao erro, por meio de raciocínios
capciosos, sobre uma matéria que elles naõ entendem, e
que de sua natureza he abstracta: mas a politica de Hes-
panha, que por três séculos se tem obstinado em esma-
gar o commercio, e arruinar seus subditos em ambos os
hemispherios, sem proveito, nem do fisco, nem de ne-
nhuma classe de particulares, he uma cousa absolutamen-
te inexplicável.
Foi em 1778, que se concedeo ás colônias continen-
taes de Hespanha a liberdade do commercio. Porto-Ri-
co começou a gozar delle desde 1765 e as outras poses-
soens Hespanholas, em differentes epochas, todas poste-
riores a esta. Esta liberdade naõ he outra cousa, senaõ
a suppressaõ dos entrávez, que se puzéram, em tempo
de PhillipelL, ao commercio entre a metrópole e suas
colônias ; a communicaçaõ destas ultimas com todos os
outros Estados, naõ he interdicto menos severo; o que
fornece o mais vasto e mais rico mercado do Universo,
daõ deixa de ser por isso o povo mais destituído de capi-
tães, de manufacturas, ede actividade, que ha na Euro-
pa : de sorte que he absolutamente impossível, que o seu
commercio seja de forma alguma proporcionado á exten-
çaõ de seus Estados, que devia vivificar.
Resulta desta desproporção entre as necessidades do
commercio, e seu estado actual, que todas as mercadorias
da America destinadas á Europa, o ouro, a prata, as pé-
rolas, o cacáo, o annil, a cochinilha, &c. saõ infinitamente
Literatura e Sciencias. 55

abaixo de seu preço nos estabelicimentos Hespanhoes;


que todas as da Europa, de que os consummadores Ame-
ricanos tem necessidade, se vendem por muito mais do
que valem; e q u e os vasos de contrabando, que fazem o
commercio furtivo entre as naçoens da Europa e os co-
lonos Hespanhoes, ganham cem e duzentos por cento.
He verdade que o seu trafico se torna perigoso, pela vi-
gilância dos guarda-costas, ou dispendioso pela necessi-
dade de os peitar, assim como aos Governadores dos
portos de mar; mas em toda a occasiaõ he sempre o con-
sumidor quem paga o seguro do contrabando, assim, a
naçaõ, que arroga a si o monopólio, concede por esta im-
prudência lucros ainda mais consideráveis aos commer-
ciantes das naçoens rivaes, do que reserva para os seus
próprios.
A mudança, introduzida em 1778 no regimen das co-
lônias Hespanholas, naõ deixou de lhes ser extremamente
favorável e de lhes augmentar muito sua prosperidade,
no curto espaço de tempo, que decorreo, deste entaõ até
á guerra marítima. Tanto quanto se pôde crer nos re-
gistros pomposos das importaçoens e exportaçoens, e nes-
tes cálculos de secretarias, que se dam como factos inne-
gaveis, a differença entre o anno de 1778, e de 1788, he
a seguinte*

Exportação da Hespanha para a America


em 1778. Moeda de França £. 19.000.000
Ideml788 • • • 76:000.000
Retornos da America para a Hespanha em
1778 . . . 18:000.000

* De Pradt, Trois ages des colonies Vol. 1. p, 219.


56 Literatura e Sciencias

Idem em 1788* . . 201:000.000


Direitos de entrada e saída em 1778 2:000.000
Idem em 1788 . . 15:000.000

* Tam grande desproporção entre o valor das importaçoens e


o das exportaçoens da America Hespanhola pôde ser facilmente
explicado. Primeiramente he preciso notar, que se compre-
Iiendem entre os retornos para a Hespanha, 50 milhoens pela
somma das contribuiçoens, que o Rey cobra dos seus dominios
do ultrarmir, e outra somma talvez igual, que he devida annual-
mente a grande numero de proprietários de terras, de senhores
e de pequenos príncipes, todos domiciliados em Hespanha, e
cujas possessoens iminensas estaõ situadas na America. De-
pois, como ja temos visto, Liv. 1. cap. 7., produzindo todo o
commercio vantagem aos dous paizes que commercêam entre si,
e comprehendendo-se os gastos dos portos e das alfândegas, e os
lucros dos negociantes no preço das mercadorias importadas em
retorno, todas as vezes que se avaliam os objectos trocados se-
gundo o seu preço no lugar aonde saõ carregados, acha-se que
a importação excede muito a exportação. A carregação que
se faz em Cadiz para a America, vale naquella cidade 76 mi-
lhoens ; mas se a isto se accrescentar o lucro mercantil, aug-
mentado pelo monopólio, os gastos de porto e da alfândega Hes-
panhola, cuja pauta lie mui subida, e até monta, em alguns
artigos, a 70 por cento no valor ; ver-se-ha, que as mercadorias
vendidas nos portos da America valem, pelo menos, uma por ou-
tra, 50 por cento mais ; demos-lhes 114 milhoens, com os
quaes comprará um retorno para a Europa, que, quando for
vendido, valerá também 50 por cento mais: grande parte deste
retorno será em moeda, cujo augmento de valor se naõ pôde ex-
primir em números, e deve achar-se inteiramente na primeira
operação, ou na cessaõ a um preço menos elevado nas mercado-
rias com que se faz a compra.
Por fim, os cálculos das secretarias, bem como as outras ba-
zes numéricas da arithmetica política, saõ sugeitos a tantos
erros e inexactidoens, que he preciso considerállos antes como
hypotheses do que como factos.
Literatura e Sciencias. 57
Como as mesmas causas de inexactidaõ e de erro de-
vem ter influído n'um e n'outro calculo; como, pelo
menos, o do producto das alfândegas, deve ser fundado
em factos positivos; esta comparação, sem nos dar a me-
dida do commercio da Hespanha, nos dâ uma aproxima-
ção da influencia, que teve sobre sua prosperidade, a li-
berdade que se lhe concedeo, por mais circumscripta
que fosse. O augmento, que lhe daria a plena liberdade
do commercio, seria ainda mais considerável, naõ so-
mente em razaõ da pouca actividade da marinha Hespa-
nhola, e da pouquidade dos capitães, de que esta naçaõ
pôde dispor porém mais ainda em razaõ do character
vagaroso e desleixado, que o Governo e a Religião lhe
tem imprimido, tanto nas colônias como na metrópole,
e que se naõ pôde destruir senaõ pela sua mixíura com
outras naçoens, ou pela actividade dos negociantes aven-
tureiros, que correm por esses vastos paizes, para descu-
brir os thesouros, que estes encerram e chamar seus ha-
bitantes, pela offerta de gozos e de riquezas, a lavrallos
em serviço do universo. O gênio dos lnglezas e dos Hol-
landezes levado ao Peru e ao México faria mais a favor
destes dous paizes, do que os capitães mercantis destes
dous povos opulentos.
A naçaõ, que mais poderia ganhar na libertação do
commercio de suas colônias, he a Hespanhola. Se ella
substituísse direitos de entrada moderados, â prohibiçaõ
que se esforça em manter, tiraria de seus estados do
novo mundo uma renda tam considerável, que ella só
bastaria para dar todo o seu vigor a este Governo ja ha
tanto tempo exhausto. Mas a Hespanha tem um prodi-
gioso caminho que andar, antes de regular a sua econo-
mia política, pelos princípios da razaõ.
(Continuar-se-ha.)
VOL. XXV. N*. 146. H
58 Literatura e Sciencias.
Esprit des Institutions Judiciaires de V Europe par Mr.
Meyer.

(Continuado de Vol. XXIV. p. 590.)


N o capitulo 16.° tracta o A. daquella parte da juris-
dicçaõ dos Parlamentos, exercitada pelo que se chama
Arrets de regf.em.ent,r(o que conresponde ao que se pôde
chamar em Portuguez casos julgados, ou " Assentos da
Casa da Supplicaçaõ.") e Enregistrement des bois, que
naõ podemos explicar por termo análogo, na legislação
Portugueza.
Os Parlamentos da França, porém, naõ se limitavam,
nos seus Arrets de reglement, a interpetrar authentica-
mente as leys, como succede em Portugal com os assen-
tos da Casa da Supplicaçaõ, mas constituíam também di-
reito novo. Esta attribuiçaõ parece derivar-se da pri-
meira formação dos Parlamentos, que eram, como te-
mos visto, assembleas legislativas ; e, ainda depois de al-
terada a sua natureza, ficaram exercitando este poder,
sem que os reys lho disputassem, posto que os mesmos
reys pudessem depois confirmar ou derogar o direito
assim constituído.
O A. conclue, que esta perogativa dos Parlamentos
lhes provinha de sua instituição originaria; por isso que
as outras authoridades judiciaes, ainda superiores, naõ
tinham esta faculdade de fazer arrets de reglement.
Quanto ao direito de registrar as leys, assim se explica
o A. a p. 171-

" As leys emanadas do Soberano eram registradas nas notas


de todos os tribunaes, e publicadas nas suas audiências; mas
éra isto ainda um dos privilégios das Cortes do Parlamento, que
as leys se naõ reputavam obrigatórias, senaõ desde o momento em
Literatura e Sciencias. 59

que eram registradas nestas Cortes; e esta observação he essen-


cial para characterizar a natureza particular da jurisdicçaõ dos
Parlamentos Os Parlamentos tinham entendido o direito
de registrar, naõ somente verificando a forma e authenticidade
dos edictos e ordenaçoens, mas até mesmo a examinar o seu
contheudo; e assim apresentavam aos Reys representaçoens,
sobre o que julgavam naõ convir á situação das provincias; pu-
nham restricçoens e modificacoens ao registro ; exercitavam de
facto uma censura sobre o poder legislativo, e heisto o que se fará
mais conspicuo, quando nos occuparmos do Parlamento de Paris,
de suas pretençoens com os pares, contra a authoridade Real, e
com os Reys, contra os pares,

Como tam extensa authoridade se naõ pôde deduzir


somente do desejo, que tivessem os Reys e Gram Senho-
res de conservar as leys registradas nos seus respectivos
Parlamentos, o A. faz nascer do tempo em que as assem-
bleas senhoriaes se dividiram em duas secçoens; uma,
que continuou as funcçoens legislativas com o nome de
Estados; e outra com o nome de Parlamento, para as
funcçoens judiciaes mas a quem se reservou o cuidado
de aconselhar ao Rey os meios mais convenientes de exe-
cutar as ordenaçoens Reaes, nas diversas provincias. E
allegando povas desta opinião, regeita também outras,
que attribuem este direito dos Parlamentos á guarda dos
archivos, a necessidade do consentimento dos Altos-Ba-
roens, e á deliberação dos antigos Parlamentos.
No cap. 11. expõem o A. a matéria do Parlamento de
Paris; da Corte dos Pares; e das Remontrances ou Re-
presentaçoens.
De todas as cortes soberanas, que instituio Phillipe
Bello, o Parlamento de Paris foi quem teve mais exten-
sa jurisdicçaõ; porque estava na Capital e mais próximo
para dar a El Rey os conselhos que precisasse, sem de
60 Literatura e Sciencias.
mora. Alem disto o Parlamento de Paris éra continua-
ção daquelle que os Capetos tinham no seu Ducado de-
França. Mas nem por isto convém o A., como querem
alguns, que deste Parlamento de Paris emanassem as ou-
tras cortes soberanas de todo o Reyno; por que o A. in-
siste em que os Parlamentos das provincias dimanáram
da mesma fonte e tiveram a mesma authoridade separa-
damente que o de Paris, pois todos foram uma secçaõ
da assemblea suprema, que em cada provincia existia
com o nome de Parlamento ou de Estados e com o exer-
cício das funcçoens legislativas e judiciaes.
Quanto á Corte dos Pares, quando os sette grandes vas-
sallos da coroa elegeram d'entre si um para Rey, em
lugar dos descendentes de Carlos Magno, os outros seis
senhores se formaram em uma espécie de Conselho Pri-
vado do Rey ; e assumiram depois o nome de Pares de
França. Os Reys,para diminuirá sua influencia, uniram-
lhes mais seis pares ecclesiasticos, e estes doze pares
compunham entaõ de direito a Corte, que o Rey ajunc-
tava para consultar, tanto sobre a administração do Rey-
no, como para julgar as causas, que eram reservadas
à sua Corte.
Pouco a pouco foram os reys augmentando a um nu-
mero indefinito os Pares, e os doze antigos naõ vieram
a ter senaõ um titulo nominal, nas ceremonias da Co-
roaçaõ. Mas a comparação desta alterçaõ na França,
com a correlativa em Inglaterra, he tam interessante,
que a daremos nas mesmas palavras do A. a p. 197»

" Havia uma differença considerável, entre os Pares France-


zes e os da Gram Bretanha, a qual devia sua origem á direcçaõ
que tomara, relativamente aos subvassallos, a marcha dos negó-
cios administrativos do Reyno. Na Inglaterra, os subvassallos
Literatura e Sciencias. 61

dos grandes feudos naõ participavam no Governo, senaõ pelo


intermédio do Alto-Baraõ, que tiuha assento na Câmara Alta do
Parlamento : os do dominio Real, a que se uniram depois todos
estes grandes feudos, faziam parte das associaçoens ou villas
a que os communs foram admittidos em epochas mais recentes ;
formavam a Câmara Baixa do Parlamento: pertencendo á naçaõ;
cessavam de fazer parte do seu grande feudo, e ficava dissolvido
o grande laço do systema feudal: tinham assento, ao menos por
seus representantes, no Grande Conselho da Naçaõ, mas aban-
donaram as assembleas dos Conselhos do Feudo: uma reunião
dos Estados Geraes da Naçaõ substituía os Estados das provin-
cias, e os subvassallos, cedendo aos Altos Baroens as vantagens
de ser Par, confundiam-se com o Terceiro Estado. Em França
os Pares formavam o Gram Conselho administrativo e judicial
do Rey ; cada um convocava no seu feudo os Estados, isto he, a
sua Corte senhoria!, a que chamava todos os seus vassallos : os
vassallos immediatos da Coroa, que naõ tinham assas poder,
para hombrear com os pares, naõ entravam no Conselho, mas
naõ podiam ser excluídos das convocaçoens dos Estados Geraes,
quando se desejava que elles consentissem em sacrifícios extra-
ordinários : abatidos ao nível dos subvassallos, e naõ podendo,
como na Inglaterra, serem representados, por terem associa-
çoens entre si, vinham ein pessoa aos Estados Geraes, como os
subvassallos do dominio, com quem os tinham confundido; e os
Estados Geraes da França, em vez de serem compostos de Câ-
maras, como o Parlamento Inglez, foram compostos de Ordens.
O Clero havia-se, ja muito d'antes, constituído em ordem separa-
da, e a razaõ era evidente: naõ tinha podido adquirir em
França o poder, que alcançara na Inglaterra e na Alemanha,
aonde os ecclesiasticos tinham grandes feudos da coroa; para
terem alguma influencia éra preciso que se reunissem; os Pares
Ecclesiasticos, que só tinham essa dignidade de Pares da von-
tade dos Reys, e naõ, como em outros paizes, em conseqüência
de suas possessoens, reuniram-se antes a esta ordem que á ou-
tra dos Pares: e esta divisão natural entre os mesmos Pares os
impedio de reunir-se contra os subvassallos. Na Gram Bi«ta-
62 Literatura e Sciencias.

nha, os Pares, tanto ecclesiasticos como leigos, formavam uma


authoridade formidável, e mantinha a balança entre os subvas-
sallos e as communs: em França naõ eram senaõ os principaes
membros da ordem do clero e da nobreza ; conjunctamente com
os ecclesiasticos naõ Pares e subvassallos, eram oppostos ao
Terceiro Estado."

Desta maneira a Corte dos Pares se achou isolada nesta


revolução geral, tendo os tribunaes permanentes o co-
nhecimento de todos os negócios judiciaes. A ignorância
dos Pares, em matérias de ley, fazia que fosse necessário
ajunctarem-se-lhe letrados, quando tinham de julgar casos
importantes; estes adjunetos eram os membros do Parla-
mento de Paris, como os mais próximos. Foi assim que
pouco a pouco o Parlamento de Paris se identificou com
a Corte dos Pares.
O Parlamento de Paris pretendeo mais, posto que
sem razaõ, que representava os Estados geraes em todo o
sentido: os Reys conviéram de algum modo nisto; por-
que sendo os membros do Parlamento creaturas suas,
podiam os reys nelle manejar muitos negócios, melhor
do que nos Estados Geraes; e a naçaõ também naõ se
oppunha a isto, vendo que a opposiçaõ das três ordens
umas ás outras, nos estados geraes, causava sempre confu-
são na marcha dos negócios.
No cap. 12. expõem o A. os meios de que se serviram
os soberanos de França para conter os mesmos parlamen-
tos a quem tinham dado grandes poderes. Para isso se
inventaram as hltres de jussion ou ordens especiaes
d' El Rey; lettres de cachet, ou mandados de prizaõ e
desterro; com que os membros individuaesdo Parlamen-
to se continham sempre em terror e intimidados. Mas
alem disto havia outras medidas, que se dirigiam contra
toda a corporação do Parlamento,
Literatura e Sciencias. 63
Quando El Rey ajunctava os Pares e Altos Baroens, ap-
parecia com grande fausto, e sentava-se em um throno,
que se chamou lit ; e daqui veio charmar-se esta sessaõ
lit de justice. Nestes lits de justice, pois, faziam os Reys
registrar as suas ordenaçoens, a que o Parlamento se ti-
vesse opposto; e supposto que o mesmo parlamento appa-
recesse na Corte dos Pares, éra ali admittido mera-
mente para aconselhar os Pares nas matérias de ley.
Os Reys substituíram depois a esta Corte dos Pares
o Conselho Privado, cujos membros eram eleitos por El
Rey, sem attençaõ â dignidade de Par, ou a outra qual-
quer ; e entaõ claramente o Parlamento de Paris, naõ ti-
nha superioridade alguma, nem de graduação nem de
jurisdição, aos outros Parlamentos do Reyno.
No cap. 13. explica o A. as classes dos Parlamentos
e o Parlamento de Meaupeou. Da exposição do A. se
vê, que, naõ obstante o cuidado, que tinham os reys, em
fazer sentir aos Parlamentos a inferioridade de sua situa-
ção, sempre elles oppunham alguma barreira ao poder
arbitrário dos monarchas; e como pareciam ser uma po-
tência intermediária entre o Soberano, e o povo, ganha-
ram muita ascendência na opinião publica: tanto mais
que, depois de se porem em desuso os Estados Geraes,
eram os Parlamentos os únicos corpos, que se attrevíam
a fazer representaçoens a El Rey, contra a suas ordena-
çoens, que pareciam injustas ou inconvenientes.
Luiz XIV., picado do que fizera o Parlamento, du-
rante sua minoridade, logo que assumio o Governo trac-
tou o Parlamento com o mais estudado desprezo, até o
ponto de Ir assistir nelle de botas, e com chicote na maõ;
por fim ordenou, que o Parlamento naõ pudesse fazer-
lhe representaçoens contra algum de seus edictos, senaõ
oito dias depois de lhe haver dado execução.
O descrédito em que cato Luiz XIV. pelos fins do seu
64 Literatura e Sciencias.
reynado, augmentou muito o respeito do Parlamento na
opinião publica; assim,logo que morreoLuiz XIV., mos-
trou o parlamento grande energia, que apoiada pela Na-
çaõ lhe permittio que annulasse o testamento do defunc-
toRey, ea Regência do Reyno foi conferida, por uma re-
solução do Parlamento; o qual também declarou inva-
lida a ordenança de Luiz XIV., que tinha prohibido as
representaçoens contra seus edictos.
Durante a ruinoiidade de Luiz XV., o Parlamento
naõ só reassumio todas as suas antigas attribuiçoens, mas
os Parlamentos todos se uniram distribuindo-se em
classes, de que éra a primeira o Parlamento de Paris; e
fizeram assim a mais decidida opposiçaõ ás medidas do
Ministério.
Esta uniaõ, se fosse bem seguida, teria sem duvida mu-
dado o Governo da França de Monarchico para Aristocrá-
tico. Porém os Parlamentos, soberbos com a ascendência
que haviam adquirido, começaram a faltar â justiça;
daqui se originaram queixas nos povos, e os homens
instruídos indagaram os defeitos dos procedimentes judi-
ciaes, e publicaram suas ideas a este respeito, a pezar da
falta de liberdade de imprensa.
Perdida assim a força moral dos Parlamentos, pôde
o Ministério crear Conselhos Superiores, independentes
dos Parlamentos, para conhecer em ultima instância de
causas judiciaes, com menos despezas dos litigantes, e
menos demoras. O povo approvou este melhoramento; e a
favor desta sancçaõ publica pôde o Ministério supprimir
muitos Parlamentos das Provincias, e por fim o mesmo
de Paris, sem encontrar esta medida difficuldade no-
tável.
Mas a pezar disto, faltava aos novos corpos de magis-
tratura, aquelle respeito, que a antigüidade tinha gran-
geado aos Parlamentos, o povo chamou por escarneo ao
Miscellanea. 55

tribunal de justiça, que substituio o Parlamento de Paris,


Parlamento de Meaupeou, nome do Chanceller, que
conduzira esta inovação. Luiz XVI., abolio estes Con-
selhos, e tornou a reviver os Parlamentos, modificando,
lhe porém a authoridade, que foi extincta de todo pela
revolução.
(Continuar-se-ha.)

MISCELLANEA.

G U E R R A DO R I O - D A - P K A T A .

Officios de vários Commandantes nas margens do Uru-


guay.
IllustrissLmo e Excellentissimo Senhor.—Tenho a hon-
ra de transmittir a Vossa Excellencia o officio, que me
dirigio o Brigadeiro José de Abreu ; por meio delle co-
nhecerá Vossa Excellencia os felizes resultados, que se se-
guiram â derrota, que soffreo Artigas da batalha de Ta-
quarembó; aquelle golpe de mão desorganizou inteira-
mente os planos formados na ultima desesperaçaõ, em
que se achava aquelle rebelde, por motivo de encontrar
sempre obstadas as tentativas por um punhado de fieis
Portuguezes, que neste período, mais que nunca, tem sus-
tentado ajusta causa, que os impelle a grandes emprezas.
Pelos dados, que offerece a referida participação, ha
V O L . XXV. N° 146. 1
66 Miscellanea.
toda a probabilidade que Fructuoso Ribeiro, desprezan-
do o chamamento de Artigas, e destituindo-se da maior
parte das suas tropas, retrogradou com 100 homens, com
a idéa sem duvida de ir appresentar-se a alguma das au-
thoridades do exercito, que opera na Capitania de Monte
Video ; porque, se as suas vistas ainda fossem hostis, naõ
desmembraria a sua Pátria, e pelo contrario procuraria
antes reforçala mais, a reunir-se a Artigas da maneira
que este intentava.
Neste momento acabo de receber, pelo conducto do
Brigadeiro José de Abreu, a copia da participação, que
ao Tenente General Curado dirigio o Sargento Mór Bento
Manoel Ribeiro, em resulta da commissaõ, de que foi en-
carregado: tenho a honra de a dirigira Vossa Excellen-
cia, a fim de que possa conhecer mais individualmente os
detalhes daquella operação, e também para Vossa Excel-
lencia ficar mais certo de que he com todo o fundamento
a supposiçaõ, que formo, da apresentação de Fructuoso.
Quanto aos Charruas, que naõ quizeram seguir a Artigas
para além do Uruguay, he esse um arreigado custume,
que tem elles de jamais passarem para aquelle lado;
porque domiciliados, como estaõ, ha tantos annos, nos
campos desta parte, nunca particaram transferirem-se
para outros.
Deos guarde a Vossa Excellencia Quartel General na
Capella d' Alegrete, 17 de Fevereiro de 1820. Illustrissi-
mo e Excellentissimo Senhor Thomas Antônio de Villa-
nova Portugal.
C O N D E DA F I G U E I R A .
IHustrissimo e Excellentissimo Senhor. Tenho a ho-
ma de participar a Vossa Excellencia que neste instante
chega a este campo um Miliciano, irmaõ do Major Bento
Manoel Ribeiro, com um vaquiano mandado pelo dicto
Major, e conta o seguinte. Que logo se soube naquella
Miscellanea. <57
columna da derota de Artigas em Taquarembó por uns
insurgentes agarrados. Em conseqüência desta noticia
mandou o Tenente General Curado sair o mesmo Major
Bento Manoel com quinhentos homens a atacar Fructuoso
Ribeiro, ao qual naõ encontrou, e sabendo que o dicto
Fructuoso tinha o seu trem em Daimam com grande gu-
arniçaõ ; caminhou a atacar e tomar o dicto trem; o qual
já naõ achou. Constando-lhe porém que Artigas tinha
mandado chamar a Fructuoso, para passar com elle para
o outro lado, e que naõ querendo este obdecer, enviara
uma partida ao Daimam, que levou para o salto o trem
de Fructuoso, e agente, Bento Manoel seguio, e alcançou
o trem no dicto salto, eo tomou ; e havendo já deste lado
pouca gente, porque a maior parte havia passado com
Artigas; dispersou os que havia, matando uns, e pas-
sando outros a nado para o outro lado, e Fructuoso Ri-
beiro voltou para a campanha com cem homens unica-
mente. Determinou em conseqüência o Major Bento
Manoel mandar a divisão para a columna, e elle com ou-
tros cento e tantos homens seguir Fructuoso, e atacallo
no caso que elle se naõ fosse apresentar, como todos sup-
punham. Na marcha de Bento Manoel para Daimam,
tendo feitohalto no arroio deMolhas, vieram também pas-
sar bem perto as partidas de Lopes Xico, e Ramos, que
vinham de retirada a passar o Uruguay; e Bento Manoel
de manhaã marchou a atacallos, e elles fugiram, e se der-
ramaram de sorte, que só poderam os nossos apanhar um, e
matar outro, e os mais seguiram a passar o Uruguay por
onde poderam, e naõ consta que haja mais inimigos deste
lado do Uruguay, senaõ Fructuoso com cem homens, e o
resto dos Charruas, que já naõ vem a ser cousa alguma, de
maneira quea derota que Vossa Excellencia fez a Ar-
tigas os afugentou a todos. Também diz o dicto Milici-
ano, que o Major Bento Manoel tinha ordem para se re-
68 Miscellanea.
colher logo, e que se dizia que era para marchar toda a
Cavallaria da columna do Tenente General Curado para
a barrado RioGy, a reunir-se com a Cavallaria de Monte
Vídeo para limpar a campanha do Rio Negro para Ia.
He quanto tenho que pôr na respeitável presença de
Vossa Excellencia, que Deos guarde por muitos annos.
Acampamento noCatalã 15 de Fevereiro de 1620.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Conde da Fi-
gueira Governador e Capitão General,—O Brigadeiro
José de Abreu.

Copia da Parte, que dá o Maior Bento Manoel ao Vx-


cellentissimo General Curado.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. Participo a


Vossa Excellencia, que naõ encontrei o Commandante
Castro em Queguay, porque, contra a ordem de Fructuo-
so, marchou a reunir-se com Artigas. Fructuoso se achava
nas pontas do Queguay com cem homens Botanlis. Em
Queguay Xico surprehendi o Capitão Ibanhez com uma
guarda, que escoltava as bagagens do Major Duarte.
Tomaram-se-lhe carretas, algum fardamento e armamento,
e tudo que se naõ pôde levar, mandei inutilizar e quei-
mar. Constou-me que Lopes Xico, e Ramos se achavam
muito immediatos, procurando reunir-se a Artigas: man-
dei atacallos; fugiram, e dispersaram-se, e em guerilhas
foi morto um Official de Ramos, por nome Narcizo da
Costa; tomaram-se algumas cavalhadas e carretas de
Ramos, que mandei queimar. Por um próprio que apa-
nhei, vindo naquelle mesmo dia de Artigas, soube que se
achava em Carumbi, reunindo tudo quanto podia para
passar ao outro lado do Uruguay; e me pareceo que naõ
Miscellanea. 69
devia perder um momento em sequillo, e o fui alcançar
no Uruguay, no passo entre os dois saltos. Já tinha to-
da a tropa da outra banda, mas sempre tomei 2.000 caval-
los, mais ou menos, e 10 carretas de Fructuoso, que le-
vavam uma grande ferraria, e muitas famílias,as quaes,
a pezar de terem ordem de Fructuoso para voltarem, A r-
tigas havia mandado que seguissem por força. Apre-
sentaram-se-me dous soldadados da Divisaõde voluntários
Reaes, e outra de guerilhas de Coritiba, que tinham sido
prisioneiros pelo inimigo, assim como um Soldado de in-
fanteira da Legiaõ de S. Paulo, que tinha sido disperso
em Queguay. Lopes Xico j á se reunio a Artigas, e
passou também. Ramos com alguma pouca gente tam-
bém procura passar. OsCharruas em numero de 80 com
famílias e cavallos se retiram dos lados do Arunrunguá.
Fructuoso se reúne com Duarte pelas pontas do Que-
guay, em numero de 150 homens: ha todos os indícios
de que elle se apresenta. Faço seguir o Capitão José
Rodrigues com .'{50 homens, conduzindo 28 prisoneiros,
entre estes o Capitão Ibanhez, cavalhadas, carretas, e fa-
mílias para o acampamento, pelo caminho, que levou da-
qui a columna; eeu com 200 homens sigo as pontas de
Queguay a decidir Fructuoso a apresentar-se, ou a ba-
têllo. Nestes 8 até 10 dias hei de estar no acampa-
mento. H e quanto tenho a honra de levar á respeitá-
vel presença de Vossa Excellencia, que Deos guarde.

Campo em Daimam 13 de Fevereiro de 1820.

BENTO MANOEL RIBEIRO


70 Miscellanea.

Refiexoens sobre as novidades deste mez.


HEYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Estado actual de Portugal.


Occupamos-nos no N.° passado, em discutir a questão agita-
da, sobre o futuro destino, que convém a Portugal; e como as
opinioens oppostas ás nossas parecem ter tido alguns advogados
entre os estrangeiros, naõ será inútil, que, voltando á matéria,
examinemos alguns argumentos, que se tem produzido de novo
sobre o mesmo assumpto.
Antes de passar a diante declaramos, pela centésima vez; que,
expondo os males de revoluçoens súbitas, naõ approvamos, nem
ainda desculpamos as faltas, e os erros de administração, que pre-
cisam de remédio e reforma ; a nossa intenção sempre tem sido,
traçar a linha de limites, entre a correcçaõ dos abusos, e a total
subversão da ordem estabelecida ; e ainda que tenhamos contra
nós os partidistas de ambos os extremos ; uns, que naõ querem
reforma ou alteração alguma, outros, que se naõ contentam com
menos do que a total annihilaçaõ de todas as formas actualmente
em uso ; desejamos, com tudo, que nossas opinioens sejam defi-
nidas ; para que a contraríedade, que encontrarmos, pelo me-
nos naõ seja fundada em falta de intelligencia de nossos princí-
pios.
Que alguns ralhadores, ou políticos de botequim, se enfadem,
por nós havermos dicto, que a Corte do Rio-de-Janeiro deve
adoptara Política Americana, he erro desculpavel, em quem naõ
alcança a mais ; porque julgam que entendemos por Política
Americana e Ministério Braziliense, o serem os Ministros nas-
cidos no Brazil, ou talvez no Rio-de-Janeiro ; se he que naõ li-
mitam seu pensamento a que os Ministros, que formassem aquel-
le Gabinete nascessem juncto á fonte do Carioca.
Mas se de boa vontade deixamos o desabafo de fallar á tóa a
essa gente, que, andando ás apalpadelas, só por accaso poderi-
am atinar com as opinioens, que Estadistas pronunciam, naõ
Miscellanea. 71
podemos consentir que passe da mesma sorte o que dizem ho-
mens de reputação, que, sendo bons juizes da matéria, falha-
ram por fundarem seus raciocínios em factos, de que só tive-
ram erradas informaçoens. Desta classe he sem duvida Mr. De
Pradt; e como seu dictame he de considerável pezo no mundo
politico, convém examinar o que elle disse sobre a nossa ques-
tão.
Mr. De Pradt, pois, em um opuscuto, que recentemente pu-
blicou, sobre " a actual revolução de Hespanha e suas conse-
qüências," traz uma passagem que vamos examinar, porque
parece muito ter favorecido a opinião daquelles Portuguezes,
que recommendam a separação de Portugal do Brazil : e diz
assim :—
*' Naõ he por uma conquista material, que a Hespanha pôde
influir sobre Portugal, mas sim por uma conquista moral. Pa-
rece que o espirito de im providencia tem até agora governado
Portugal, e que tem preparado seus destinos, assim como os de
outros paizes. El Rey está ausente, e deixou de ser Portuguez
para ser Braziliano. Ja naõ pôde voltar á Europa, sob pena
de perder o Brazil. Consequentemente Portugal está ja para
sempre abandonado por seu Soberano ; e, como tal, condemnado
a soflrer uma regência eterna. Todo o dinheiro de Portugal vai
agora para o Brazil, quando d'antes do Brazil vinha a Portugal
Todos os seus negócios saõ agora decididos no Bra-
zil ; isto he, a uma distancia immensa ; e os recrutas de Lisboa,
Coimbra e Porto estaõ condemnados a ir morrer a Pernambuco
e Monte-Vedio. E para que nada faltasse ao systema, nomeou-
se para o commando do exercito Portuguez um General Inglez,
o Marechal Beresford; porém naõ lhe deram um exercito Inglez
para o sustentar. Ja em 1817 houve militares Portuguezes,
que intentaram expulsállo, e dar á sua pátria um Governo na-
cional. E pergunto agora ; < éra possivel combinar, ou accu-
mular, para assim dizer, mais razoens, para que Portugal quei-
ra seguir o exemplo de Hespanha ? Com tudo, Portugal nunca
será conquistado pela Hespanha ; porque ha incompatibilidade
entre os dous povos. Além de que, como sempre toda a causa
72 Miscellanea.
grande produz seu prompto effeito, deve inferir-se, que os
acontecimentos de Hespanha, excitando fortemente a attençaõ
de Portugal, naõ tardarão muito em induzíllo a acabar por uma
vez com este estado amictivo, em que se acha. Procurará ter
um rey, que resida no paiz, e que seja independente do Brazil;
e porá o novo throno ao nível dos mais thronos constitucionaes,
que se vaõ levantando na Europa. Naõ nos causaria admiração,
que este movimento fosse feito pelo exercito, visto o exemplo
que lhe deo o exercito Hespanhol. O exercito Portuguez naõ
tem mais vontade de ir ao Brazil, do que o Exercito Hespanhol
tinha de ser transplantado á America. Ha além disto em Por-
tugal um motivo mais, que naõ havia em Hespanha ; e he o
haver ali um General estrangeiro ; cousa sempre odiosa e insul-
tante aos olhos de qualquer naçaõ "
Se Mr. De Pradt houvera consultado a Historia Portugueza,
naõ attribuíra á residência d'El Rey no Brazil queixas, que
nenhuma connexaõ tem com essa residência.
Começa Mr. De Pradt dizendo, que El Rey deixou de ser
Portuguez, para se fazer Braziliano.
Saõ isto vozes vagas, a que mal se pôde fixar determinado
sentido; porque, se nisto considera somente o lugar da residên-
cia d'El Rey, esta residência naõ determina o character d'El
Rey, em ser Portuguez ou Braziliano, nem também essa resi-
dência, só de por si, decide do character de suas medidas.
Nós temos sustentado, em outros N° s ., que o Ministério da
Corte do Rio-de-Janeiro deve adoptar uma Política Americana;
e se El Rey se mudasse á manhaã para Lisboa, insistiríamos
ainda, que o Ministério da Corte de Lisboa deveria adoptar a
mesma Política Americana, que recommendamos. Logo a re-
sidência d'El Rey, no Rio-de-Janeiro ou em Lisboa, naõ deve,
segundo nós, characterizar El Rey ou suas medidas de Brazili-
ano ou de Portuguez, (pondo estes nomes em contraposição um
do outro.)
A razaõ porque assim recommendamos a Política Americana,
resida El Rey aonde residir, he porque julgamos que naõ se de-
vero considerar Portugal e Brazil como dous Estados separados,
Miscellanea. 73

mas como partes da mesma Monarchia; e, suppondo esses


Estados assim constituídos, a razaõ, porque recommendamos a
Política Americana, he, que, nas circumstancias actuaes do
Mundo Politico, a maior consideração da Monarchia deve re-
sultar de sua influencia nos negócios Americanos, e naõ de
suas ligaçoens com o systema Européo. O Brazil, na Ameri-
ca, pôde ser o primeiro Estado em grandeza, entre seus vizi-
nhos : Portugal, na Europa, nunca será senaõ uma potência
mínima, na contemplação dos mais Estados Europeos. Daqui
concluímos, que a Política geral, que deve adoptar o Governo do
Reyno Unido, deve ser aquella, que dictar a parte mais influen-
te da Monarchia, e de que mais bem possa resultar ao todo.
Donde se segue, que, seja aonde for a residência d'El Rey, a
Politica que deve seguir-se, para os interesses da Monarcliia
toda, deve sempre ser a mesma.
Quando de Pradt diz, que El Rey, por isso que reside agora
no Rio-de-Janeiro deixou de ser Portuguez, se expõem a que
lhe retorquamos, que se El Rey voltar a residir em Lisboa, seja
temporária, seja constantemente, deixará de ser Braziliano;
principio, que naõ se pôde admittir, unia vez que se admitta a
unidade da Monarchia ; e que toda ella seja regida pela mesma
política, e pelos mesmos princípios de administração. Do con-
trario teríamos de ver mudado o syctemu de governo da naçaõ,
todas as vezes que as circuinsíancias exigissem a passagem
d'El Rey de uma província para outra.
Segue, depois, Mr. De Pradt com a queixa de que o dinhei-
ro de Portugal vai agora para o Brazil, quando outrora vinha do
Brazil para Portugal. Naõ sabemos quaes foram os cálculos esta-
tísticos, em que Mr. De Pradt fundamentou esta asserçaõ; mas,
racionando pelos principies geraes de economia política, a
salda do dinheiro de Portugal paia o Brazil, ou do Brazil para
Portugal, naõ deve depender do lugar aonde El Rey reside,
mas sim da natureza das transacçoens mercantis entre aquelles
dous Estados.
Por vários annos, antes da mudança d'El Rey para o biaaif,
V O L . X X V . N° 140. K
74 Miscellanea.
ia o dinheiro de Portugal para Pernambuco, para ali comprar
algudaõ. A razaõ disto naõ éra o lugar da residência d'El Rey,
pois elle residia entaõ em Lisboa; mas succedia assim ; porque
as exportaçoens de Pernambuco paia Portugal eram mais impor-
tantes do que as importaçoens de Portugal em Pernambuco, o
que necessitava o pagamento do balanço em dinheiro.
Se os productos, que de Portugal se levarem ao Brazil, impor-
tarem em mais do que os productos que em retorno vierem do
Brazil a Portugal, por força ha de vir dinheiro para pagar o ba-
lanço : mas, se os productos do Brazil forem mais importantes
que os de Portugal, na sua troca, he também forçoso, que vá
de Portugal o dinheiro para pagar o balanço; e os princípios
de economia política mostram, que assim deve succeder, resida
El Rey aonde residir.
Agora, se a queixa fosse, que o Governo naõ busca os me-
ios de favorecer esse commercio de Portugal, e que essa falta
no balanço commercial dos dous paizes se podia remediar sem
detrimento de nenhum delles ; tal queixa seria attendivel; e nós
mesmo a temos por mais de uma vez produzido; mas attribuir
a balança desfavorável do commercio em Portugal á residência
d'El Rey no Brazil, he desconhecer o verdadeiro estado do com-
mercio entre os dous paizes, e as causas, que operam para a
sua presente situação relativa.
Tem-se allegado, que os fidalgos, que acompanhavam a Cor-
te, tirando para o Rio-de-Janeiro as rendas, que tem em Por-
tugal, fazem com isso uma fonte por que se esgota e passa o
numerário de Portugal para o Brazil; ora isto he attribuivel á
residência d'El Rey no Rio-de-Janeiro.
A este argumento respondemos; 1.° que as rendas desses pou-
cos fidalgos, he cousa mui insignificante, comparada com o
commercio do Brazil, para que pudesse influir no seu balanço.
2." Que nem mesmo essas poucas rendas dos fidalgos iriam em
numerário para o Brazil, se a balança do commercio fosse van-
tajosa a Portugal; porque nesse caso fazia mais conta aos mes-
mos fidalgos e seus agentes o fazerem as remessas em gêneros
do que em numerário. Logo aqui mesmo se enganam os que
produzem este argumento; porque tomam o effeito pela causa.
Miscellanea. 75
Vai o dinheiro porque o balanço he desfavorável; e naõhe oba-
lanço desfavorável porque vai o dinheiro.
A terceira allegaçaõ de Mr. De Pradt he, que os negócios
de Portugal se vaõ decidir ao Brazil, e que as recrutas de Lis-
boa, Coimbra e Porto vaõ servir no Brazil.
Se Mr. De Pradt consultasse a historia Portugueza, acharia
a cada pagina, que a circumstancia de irem tropas de Portugal
ao Brazil naõ resulta da residência d'El Rey ali. De Portugal
foram sempre tropas para a índia, residindo El Rey em Lisboa.
De Portugal foram constantemente tropas para o Brazil, e ainda
agora existem ali os regimentos de Bragança, Moura, e Chi-
chorro, que de Portugal foram para o Brazil, ha mais de 30 an-
nos, e entaõ residia El Rey em Lisboa: se essa, pois, foi sem-
pre a practica (* como se pôde attribuir agora á estada d'El Rey
no Brazil, a saída das tropas de Portugal para a America ?
O mesmo dizemos, a respeito de ser um general estrangeiro,
quem commanda o exercito de Portugal. Repare Mr. De Pradt
na historia de Portugal, e achará os nomes de Schomberg, Lipe,
Goltz, e outros, que todos foram generaes estrangeiros, que
commandáram o exercito de Portugal, estando El Rey em
Lisboa. Condemne-se a practica como m á ; ou argumente-se
contra a existência de causas, que a tem feito necessária; mas
succedendo isso sempre, quando El Rey estava em Lisboa, naõ
se attribúa agora uma practica antiga á residência d'El Rey no
Brazil.
De Pradt, julgando incompatível com o gênio das naçoens
Hespanhola e Portugueza a sua uniaõ em um só estado, decide-
se por que Portugal estabeleça o seu Governo independente. Os
do partido Hespanhol, que saõ pela uniaõ, querem que essa
antipathia das duas naçoens esteja extincta, e que os interesses
mútuos devem levar ambos os povos a formarem uma só naçaõ.
Deixamos por óra esta hypothese, para seguirmos com a de Mr.
De Pradt.
Se suppozermos Portugal uma Potência separada do Brazil, e
deixada inteiramente a seus recursos, he impracticavel que pos-
»a obter meios com que resista á ambição de Hespanha. He
76 Miscellanea.

absurda a idea de que em uma guerra, entre duas potências


tam desiguaes, possa Portugal manter-se em similhante con-
tenda.
Se argumentarem, que alguma potência estrangeira protege-
rá Portugal, para impedir que a sua accessaõ á Hespanha nua-
mente demasiado o poder desta ; entaõ essa potência auxiliadora
será de facto a que governe Portugal, posto que este seja no
nome independente.
A demais, quando algumas potências da Europa se oppuzé-
ram á uniaõ de Portugal com Hespanha, éra em tempo em que
ambos os reynos possuíam importantes colônias, cuja reunião
debaixo de um só sceptro causava justo zelo ás demais naçoens
Europeas j mas suppondo Portugal sem Brazil, e a Hespanha,
como se acha, privada de grande parte de suas antigas colônias,
j á naõ he da mesma importância o impedir que Portugal se uma
á Hespanha ; e assim mui precário seria o apoio estrangeiro,
com que os Portuguezes quizessem contar,sobre este fundamen-
to, para se oppôrem á ambição e poder dos Hespanhoes.
Mas ainda mantida a independência de Portugal, debaixo da
protecçaõ de algum estrangeiro, os Portuguezes fariam na Eu-
ropa a mais triste figura, emparelhando na Soberania com Es-
tados vizinhos ou aluados, a quem naõ poderiam sequer arreme-
dar na grandeza.
Outra, porem, e mui diversa he a prospectiva, quando se
considera Portugal unido com o Brazil, e este mantendo no no-
vo mundo a graduação e influencia que lhe competem. Entaõ
os interesses políticos e commerciaes da America faraõ um con-
trapezo aos da Europa; e tendo nisso o Brazil sua devida parte,
Portugal gozará igualmente dessa vantagem.
Se o Brazil ganhar na America aquella ascendência, que sua
posição e recursos lhe dam direito a esperar, Portugal partici-
pará da mesma consideração no Mundo, como parte integran-
te da Monarchia, e se ambição de Hespanha naõ achasse obstá-
culo na pequenhez e fraqueza de Portugal, teria com tudo de
hesitar, antes que provocasse a inimizade do Brazil, apoiado,
Miscellanea. 77

na nossa hypothese, pelas combinaçoens políticas do resto da


America.

Relaçoens do Brazil com a America Hespanhola.

Pela manifestação dos documentos, sobre a proposta negocia-


ção entre França e Buenos-Ayres, de que fallaremos ao depois,
he claro, que se aproxima a passos largos a epocha, em que naõ
será indiflerente ás potências Europeas a sorte da America Hes-
panhola.
Do papel, que copiamos a p . 30, e que contém as instruc-
çoens dadas pelo Governo de Buenos-Ayres ao Commissario,
que enviara a tractar com o General do Brazil em Monte-Vedio,
tiramos alguns factos, que induzem a mui sérias reílexoens,
Primeiramente, manifesta-se, o que nós ja tínhamos avançado
em outros N 08 - de que ha um poderoso partido nas Provincas
de La Plata, que deseja estreitar suas ligaçoens politicas com o
Brazil. O plano ali proposto éra o estabelicimento de uma Mo-
narchia, e o casamento do Monarcha com uma Princeza do Brazil.
Achamos mais, que o Governo de Buenos-Ayres naõ olhava
com ciutne, o apoderar-se o exercito do Brazil da margem Ori-
ental do Rio-da-Prata; provavelmente porque os mesmos de
Buenos-Ayres estaõ persuadidos de que a occupaçaõ daquelle
território éra essencial á segurança e tranquillidade das frontei-
ras do Brazil. E a prova de sua sinceridade está, em que o Go-
verno de Buenos-Ayres recommendava a seu Commissario, que
insistisse na circumstancia de naõ passar o exercito do Brazil ao
território de Entre-Rios. Com isto se contentavam.
Julgamos que o Gabinete do Rio-de-Janeiro naõ attendeo a
estas proposiçoens; porque naõ vimos nenhum resultado practi-
co dellas ; mas de certo se abi io uma porta a negociaçoens, de
que na Europa se devia ter mui pouca idea, quando as Potên-
cias Aluadas apresentaram a sua celebre nota contra a occupa-
çaõ de Monte-Video : porque, se soubessem da opinião que en-
trelinham os de Buenos-Ayres, longe de accusar de ambição a
S. M. Fidelissima, teriam muito louvado sua moderação.
78 Miscellanea.

He natural, que as Potências Europeas se tenham mais ou


menos desenganado, de que a posse de Monte-Vídeo he de abso-
luta necessidade para abrigar o Brazil, contra os effeitos da anar-
chia, que reyna entre seus vizinhos : assim o julgamos; porque
naõ ouvimos mais fallar das conseqüências da tal Nota, e as tro-
pas do Brazil tem continuado na posse da Banda-Oriental.
Mas essa moderação d'El Rey, em naõ querer influir nos ne-
gócios de Buenos-Ayres, e contentar-se unicamente com a pos-
se militar dos territórios, que cobrem suas fronteiras, cessará
daqui em diante de ir de acordo com a política, quando se des-
cobre que a França meditava projectos de estabelecer uma Mo-
narchia em Buenos-Ayres, debaixo dos auspícios Francezes, pa-
ra neutralizar os interesses Inglezes, e sem communicar suas
vistas ao Gabinete do Rio-de-Janeiro; posto que fizesse parte
do plano o casamento do Monarcha de La Plata, com uma Prin-
ceza do Brazil.
Nestas circumstancias, dizemos, que janaõ pôde S. M. Fide-
lissima deixar de tomar uma parte activa nos negócios de Bue-
nos-Ayres, porque, se naçoens estrangeiras estaõ promptas a re-
conhecer a independência de Buenos-Ayres, com tanto que se
admittam os planos, que essas naçoens suggerem, naõ vemos
porque o Brazil, que he o mais vizinho, e o mais interessado
em que cesse a guerra, e se estabeleça algum systema de Gover-
no permanente na America Hespanhola, uaô tenha direito de
tentar as mesmas ou similhantes vias de negociaçoens.
Deve ser matéria de profunda meditação para com o Gabinete
do Rio-de-Janeiro, que a França, assignando em Março de
1817, a Nota contra a occupaçaõ de Monte-Vedio, em Junho
de 1819, estava fazendo planos para reconhecer a independência
de Buenos-Ayres. Observe-se a differença; o Brazil occupava
Monte-Vedio, como medida indispensável, para cubrir e prote-
ger suas fronteiras ; e isto até sem ciúme do único Governo re-
gular estabelecido na vizinhança, que éra o de Buenos-Ayres :
a França propunha-se a reconhecer a independência de La-Plata,
contra a Hespanha, sem que pudesse allegar para isso outro in-
teresse seu, senaõ aquelle mui remoto de pdr obstáculos aos pro-
Miscellanea. 79

gressos da influencia Ingleza na America. E esta mesma


França, que assim intenta gratuitamente arrancar á Hespanha
a sua colônia de Buenos-Ayres, he a que ha pouco tinha preten-
dido pugnar pela integridade da Hespanha, formalizando-se com
as demais potências aluadas, contra a occupaçaõ necessária de
Monte-Vedio, da parte do Brazil.
Se o Brazil, portanto, naõ tivesse sobejas razoens, para to-
mar a dianteira no reconhecimento dos Governos independentes
da America Hespanhola, a França lhe fornece agora argumento
assas convincentes, para fazer adoptar esta linha de comporta-
mento.

Pelo ultimo paquete vindo do Brazil sabemos, que Lord B-


resford chegara ao Rio-de-Janeiro aos 3 de Maio, na fragata
Spartan, havendo feito sua viagem desde Lisboa no curto espaço
de vinte dias.

AMERICA HESPANHOLA.

Pelas noticias ultimamente recebidas do Rio-da-Prata, sou -


bemos mais particularmente das causas e effeitos da revolução
acontecida no Governo de Buenos-Ayres.
O partido, que depôz o Supremo Director Rondeau, e colocou
em seu lugar Sarratea, apenas estava em posse da Governança
por dez dias, quando o General Balcarce pôde em seu turno
derribar aqueile partido dominante : Sarratea porém tornou a su-
bir em breve tempo ; e para se justificar das medidas que tinha
adoptado contra seus predecessores, recorreo á publicação de do-
cumentos, em que sedescubriram factos da maior importância,
e que aâectara naõ só o passado Governo de Buenos-Ayres, mas
também outras potências estrangeiras.
Foram estas circumstancias publicadas, por ordem do Cover-
no de Buenos-Ayres, em um quaderno, que contém. 1." Uma
proclamaçaõ ao Povo assignada pelo Governador da Pro-
So Miscellanea.
vincia, Sarratea : 2.° Uma communicaçaõ do Supremo Director,
que foi, ao Congresso: 3." Um oflticio do Enviado em Paris Gomez
ao dicto Supremo Director; conimunicando-lhe a conferência,
que teve com o Ministro Francez, em que este lhe propoz o pro-
jecto de estabelecer uma monarchia nas Provincias de La Plata,
e para Rey o Principe de Luca : 3.* Uma memória do Baraõ de
Reneval, em que se desenvolve o mesmo projecto: 5.° As minu-
tas da sessaõ secreta do Congresso, em que se descutio esta
matéria: 6.° As minutas de outra sessaõ secreta do mesmo
Congresso, em que se resolveo e decidio a final sobre o nego-
cio.
Publicamos de p. 10 em diante os quatro primeiros documen-
tos, reservando para o N.° futuro os três últimos; mas accres-
centamos a p. 30 outra peça, que também recebemos de Bue-
nos-Ayres, que saõ as insttncçoens dadas pelo Supremo Director
Pueyrredon ao Commissario que mandou a Monte-Vedio, para
tractar com o Governo do Brazil, pelo intermédio do General
Commandante das forças Brazilienses na margem oriental do
Rio-da-Prata.
Dos documentes, pois, que deixamos apontados, se fez o
corpo de delicto, para instituir um processo criminal contra a
Administração, e a historia do crime de que he aceus ada, se
resume ao seguinte.
Em Junho de 1819, Gomes, o Enviado de Buenos-Ayres em
Paris, foi convidado para uma conferência com o Ministro Frau-
cez dos Negócios Estrangeiros, e o mesmo Ministro communi-
cou ao Enviado de Buenos-Ayres um projecto para a consolida-
ção do Governo de La Plata.
A memória, em que este projecto se continha, he a qne deixa-
mos copiada a p. 2 4 ; e seguramente ainda se naõ publicou
um dodumento de igual importância para a America Hespanho-
la, e consequentemente para o Brazil; quer se considerem os
motivos do projecto, quer o seu objecto e conseqüências.
A proposição éra o estabelicimento de uma monarchia consti-
tucional nas provincias de La Plata ; e para Monarcha o Duque
de Luca, ex-Rey ou Principe Real de Etruria. Os motivos ai-
Miscellanea. 81
legados eram a favorável inclinação do Governo Francez pelas
provincias de La Plata; o desejo dos Aluados na Europa, de
accabar com as ideas republicanas da America; e a necessidade
deseoppór aos interesses da Inglaterra naquella parte do Mundo.
Estas proposiçoens chegaram a Buenos-Ayres aos 26 de Ou-
tubro passado; e Roudeau, que entaõ éra o Supremo Director, as
submetteo ao Congresso, em uma secçaõ Secreta. Aos 3 de
Novembro o Congresso discutio a matéria, e o resultado foi re-
solver-se que se naõ podia dar uma decisaõ final, sem aj unc-
tamento das duas Câmaras; e éra grande objecçaõ a este plano
ser o Monarcea proposto parente tam próximo da família reynan-
le em Hespanha. Suggerio-se ao mesmo tempo, que se devia
communicar o projecto ao Governo Inglez.
Destes documentos, com que o actual Governo de Buenos-
Ayres pretende criminai- o Governo que lhe precedeo, naõ po-
demos tirar cousa alguma, que se construa em crime da parte
de Rondeau. Este Director Supremo recebêo proposiçoens da
Fiança, para o reconhecimento da independência das Províncias
de La Plata, com a condição de se estabelecer ali um Governo
Monarchico. Rondeau commetteo estas proposiçoens á delibe-
ração e decisaõ da única authoridade existente, que podia to-
mar conhecimento e resolver uma questão, que incluía a forma
de Governo do paiz. Até aqui, o que apparece dos documentos
publicados; e se naõ ha mais do que isto naõ vemos que Ron-
deau pudesse obrar de maneira mais legal nem mais conforme a
seus deveres.
O grande objecto, que os povos daquelles paizes tem em vis-
ta nesta guerra, como consta de seus manifestos, he a indepen-
dência do poder da Hespanha. A França offerecia reconhecer
e apoiar essa independência, mas com a condição, de que se
adoptasse tal e tal forma de Governo. O Supremo Ditector, co-
mo mero executivo, naõ se achou authorizado a aceitar uma con-
dição, que, decidindo da forma de Governo, éra além das facul-
dades do Poder Executivo; e remetteo por tanto a proposição ao
Congresso. Aonde está nisto a culpa naõ o vemos; antes nos
VOL. X X V . N° 14(5 L
82 Miscellanea.

parece isto um comportamento mui coherente da parte de Ron-


deau.
Agora, se o Congresso resolveo ou naõ como devia he outra
questão á parte. Mas tomemos a hypothese de que o Congresso
decidio mal i Qual he a authoridade que pôde processar um
Congresso nacional ? A nosso entender nenhuma; um Congresso
nacional posterior, pôde devrogar o que tiver feito outro anteri-
or, mas naõ pôde formar-lhe crime por qualquer de suas deciso-
ens.
Como o Congresso representa a naçaõ, dizer, que um Cou-
gresso he responsável a outro por suas decisoens, he o mesmo
que dizer, que a maioridade de uma naçaõ convocada em assem-
blea geral, pôde accusar de criminosas as decisoens dessa mesma
naçaõ, convocada em outra assemblea anterior. O que seria
uma naçaõ julgando-se e castigando-se a si mesma.
Deixando porém estas theorias do direito; o facto he, que
Sarratea, para assegurar o seu partido, e fazer odioso o partido
de Putyrredon, que he o mesmo de Rondeau, publicou os docu-
mentos, de que indubitavelmente se prova certa disposição nas
pessoas influentes em Buenos-Ayres ; para organizar um Gover-
no, que se aproxime mais ao Monarchico, do que aquelles em
que até aqui se tem pensado; as fallas de Bolívar, e os procedi-
mentos do Governo de Chile dam a conhecer, queestes sentimen-
tos a favor da Monarchia naõ se limitam unicamente a Buenos-
Ayres : a questão porém he qual seja o gráo de generalidade,
que esta opinião tenha, nas differentes secçoens da America Hes-
panhola independente.
Da publicação destes documeutos tiramos também, que a
idea de formar uma Mouarchia nas Provincias de La Plata,
como se acha suggerida no opusculo, que ha alguns mezes pu-
blicamos, intitulado " As Provincias de La Plata erigidas em
Monarchia;" naõ éra idea tam absurda como alguns quizéram
persuadir; pois vemos agora provado authenticamente, naõ só
que havia em Buenos-Ayres pessoas de consideração, que se in-
clinavam ao estabelicimento de uma monarchia naquelle paiz»
Miscellanea. 83
mas que o Governo Francez se offerecia a apoiar essas ideas, e
propunha para Rey um Principe da família dos Bourbon*.
Depois disto, se a França achava que éra justo e politico re-
conhecer a independência das Provincias de La Plata, naõ pode-
rá agora oppór-se a essa iudependencia, quando outras potên-
cias instem por ella ; porque naõ será razaõ bastante, para se
arredar de seus princípios, o recahir a escolha ou no Principe
que os Ministros Francezes propunham, ou em outro qualquer.
A descuberta destas negociaçoens da França, e principal-
mente a suggestaõ de que a escolha do Duque de Luca levava
em vista n diminuir a influencia da Inglaterra, deve despertar o
Governo Inglez, que achará neste projecto novo motivo para se
ingerir na marcha dos negócios da America Hespanhola. E se
com effeito concordarem na independência, e os do paiz convie-
rem no estabelicimento de uma Monarchia, as mesmas razoens,
que allegava a França para propor o Duque de Luca, devem
induzir a Inglaterra a oppôr-se a essa eleição. Neste caso,
tam longe está de ser absurda a idea do Author acima citado;
que o Infante D. Sebastião he o único Principe, que parece es-
tar izento das objecçoens, que contra os outros se produzem.
Que a Inglaterra se naõ descuidará daqui em diante deste ne-
gocio, se conhece, de que o Commandante da esquadra Ingleza
no Rio-da-Prata, logo que se publicaram em Buenos-Ayres os
documentos de que se tracta, julgou-os de assas importância
para mandar um navio expresso, que os trouxesse ao Governo
Inglez : e a memória do Governo Francez, que publicamos a
p. 24, e que se diz ser escripta por Mr. de Reneval, ou antes
os seus sentimentos, causou na Inglaterra assas sensação, para
ser objecto de discussoens no Parlamento.
O Dr. Lushington, membro do Parlamento Inglez, fez uma
moçaõ para que os Ministros apresentassem as informaçoens
que tivessem, a respeito do que se passara em Buenos-Ayres.
A moçaõ foi regeitada, mas no decurso do debate se fizeram al-
gumas asserçoens, que he importante notar.
Mr. Makintosh pareceo dará entender, que, tendo a Hespa-
84 Miscellanea.

nha agora um governo constitucional, mudava a questão entre


ella e as colônias revoltadas.
Mr. Canning, um dos Ministros, respondendo a Mr. Makin-
tosh, observou, que a opposiçaõ deste membro provinha mais
de ódio á Hespanha do que de amor pela America. Que elle,
Mi- Canning, inimigo de piophetizar, naõ prognosticaria que
effeito teriam as medidas da assemblea popular em Hespanha,
sobre as provincias Hespanholas ; porém olhando para a histo-
ria, elle (Mr. Canning) podia asseverar que, quaes quer que
fossem os benefícios, que um districto metropolitano pudesse
tirar de uma assemblea popular, o estado das provincias, sob
tal assemblea, sempre foi estado de soffrimento. Se portanto
elle (Mr. Canning) estivesse animado por ardente solicitude pela
causada America Meredional, longe de retractar opinião algu-
ma, que tivesse formado sobre esta matéria durante a existência
do passado Governo da Hespanha, a mudança daquelle Governo o
induziria a aftirmar-se na mesma opinião com decupla vehemen-
cia.
Aqui achamos, pois, nos sentimentos de ura Ministro Inglez,
e cuja habilidade ninguém disputa, a mesma opinião, que, por
varias vezes, e ainda no nosso N.° passado, temos expressado,
de que as formas de Governo livre na Metrópole, naõ melhora-
rão o estado de servidão das Colônias. E, como Mr. Canning
notou, a historia prova esta proposição ; e nós allegamos ja
com o exemplo dos Hollandezes, dos Romanos e de outras na-
çoens.
O Committé, porém, da Camaia dos Pares, na Inglaterra, a
quem se referio o exame do estado do commercio estrangeiro,
dirige sua attençaõ ás fabcidades, que tem offerecido varias sec-
çoens da Amerida Hespanhola, para o commercio Inglez; e
dizem que vários negociantes de cabedal, interessados naquelle
trafico, tem jasido examinados perante o dicto Committé.
Aos 15 de Abril Sarratea continuava á frente do Governo,
mas os negócios estavam em termos mui precários. Alvear,
que ha alguns annos atras teve o Supremo commando, e depois
de ser dimittido residio no Rio-de-Janeiro e em Monte-Vedio,
Miscellanea. 85

formou planos para derribar seus iivaes e foi ter a Buenos-Ay-


res, aonde houve entaõ outro conflicto de partidos. Sarratea
pôde manter-se no seu lugar, e continuou os procedimentos cri-
minaes contra os da Administração passada. Carrera formava
um partido, para causar uma reacçaõ em Chili, aonde tem mui-
tos amigos.
Sarratea graugeava o favor dos Inglezes, que o consideram,
ou affectam considerar, como o único homem capaz de resta-
belecer a ordem, e conduzir os negócios do paiz com regulari-
dade.
De tudo isto concluímos, que está mui próxima a epocha, em
que a independência da America Hespanhola deve ser reconhecida
pelas Potências Europeas: qual será a forma de Governo, deve
depender da opinião daquelles povos, dos planos das pessoas
mais influentes, e principalmente do estado relativo dos partidos
políticos no paiz,
Pelo que respeita o Brazil, o seu interesse na pacificação da
America Hespanhola he tam evidente, que pôde Sua Majestade
Fidelissima, sem o menor temor de ser accusado de ambição im-
própria, obrar como primeiro mediador, e propor de sua parte
os planos, que julgar convenientes, e pedir para elles a concur-
rencia das demais potências.
Em um officio do general Montillo, commandante da expedi-
ção de Margarita, datado de 4 de Junho, a bordo da esquadra
de Brion ; depois haver referido a acçaõ, em que 700 de sua
gente repulsaram dous mil Hespanhoes, diz o seguinte:—
" Esta vantagem me deo as maiores esperanças de poder avan-
çar contra Sancta Martha, e cooperar com a divisão de Urdaneta,
na conquista daquella praça; porém as minhas tropas, que por
longo tempo haviam estado descontentes, pelas privaçoens que
soflriam, e particularmente pela falta de pagamento, que eu
absolutamente lhe naõ podia dar, recusaram marchar um só pas-
so adiante, sem que eu lhe satisfizesse tudo quanto se lhes devia.
Eu representei-lhes a difficuldade de cumprir com o que deseja-
vam, e instei que marchassem para Sancta Martha, empenhan-
do-me em dar-lhes tudo quanto se tomasse naquella praça. Isto
86 Miscellanea.
naõ produzio effeito, e ameaçaram queimar e saquear La Hache,
e desertar para os Hespanhoes, aonde estavam seguros, que se-
riam liberalmente pagos. Os Hespanhoes, porém, se haviam
retirado para tam longe, depois da sua derrota, que naõ éra
possivel alcançállos. Representei-lhes entaõ a sua situação,
que èra impossível, que ficassem ali, ou que saíssem do lugar,
sem a cooperação da esquadra, e propuz-lhes, que, como a
marcha por terra para Sancta Martha éra impracticavel, fossem
ali ter por mar. Consentiram nisto, mas naõ antes de incendia-
rem parte da povoaçaõ, e roubarem os miseráveis habitantes de
Rio-de-la-Hache. Eu tinha anticipidamente posto um embargo
em todos os vasos no porto, a cujo bordo levara as tropas em
botes ; e tendo concertado d'antemão a matéria com o Almirante
Brion, cada partida, que vinha para bordo, éra separadamente
desarmada, e mettida em prizaõ. Quando todos estavam em-
barcados, mandei-os informar, de que eu me negava a toda a
communicaçaõ com tropas, que tinham por tal maneira abando-
nado as regras de disciplina, que pediam seu pagamento em um
momento, que sabiam ser impossível satisfazer a seu requirimen-
to, e que ameaçavam queimar e destruir as casas e roubar seus
amigos e aluados, como vingança da negativa. Elles ficavam
em liberdade, disse-lhe eu, de ir para onde quizessem, que as
suas armas estavam seguramenre depositadas em terra, e que a
Republica ja naõ precisava de seu serviço. Todos foram para
a Jamaica.

ALEMANHA.

Na sessaõ décima terceira da Dieta Germânica expôz o Presi-


dente, que S. M. o Imperador da Áustria, coincidindo inteira-
mente com o sentimentos, que haviam ultimamente expressado
os Plenipotenciarios junetos em Vienna, a respeito da necessi-
dade de facilitar a communicaçaõ commercial eutre os differen-
tes Estados da Confederação, lhe ordenava instar com a Dieta,
para que se remeltessem sem demora instrucçoens completas,
Miscellanea. 87
contendo todas as particularidades. S. M. pensa que dos pon-
tos que se devem tractar, sobre um accordo permanente e soli-
do entre todos os membros da Confederação he o estabelicimen-
to de um commercio livre em toda a sorte de graõ e gado, se-
gundo os ja expressos desejos da Dieta. Todos os membros
foram unanimes em resolver, que se informassem suas respecti-
vas Cortes da proposição do Presidente, e que se lhes requeres-
seui promptas instrucçoens sobre esta matéria.

ARGEL.

Os Argelinos saíram ao mar com uma esquadra de duas chalu-


pas de guerra, dous brigues, uma escuna e uma galé, e parece
se destinam a hostilidades contra Toscana. Diziam alguns,
que este preparativo éra dirigido contra Tuues, com quem os
Argelinos estaõ em guerra; mas outros pensam, que he um cor-
so contra todas as potências, principalmente Italianas, que naõ
tem feito tractados de paz com Argel.

ESTADOS-UNIDOS.

O Contracto, para um imprestimo publico de dous milhoens de


dollars, foi effectuado pelo Banco dos Estados-Unidos ; porque
este offereceo os termos mais favoráveis; posto que a somma
total offerecida por diversos montasse a mais de seis milhoens.
A fragata Constellation foi esquipada e preparada, para cru-
zar no Mar Pacifico por três annos, e proteger ali o commercio
dos Estados-Unidos.
Faziam-se os preparativos necessários para fazer o Census da
população, que segundo a Constituição se deve alistar todos
os dez annos; e o ultimo Censo, foi feito em 1810.
88 Miscellanea.

FRANÇA.

A Camaia dos Pares aprovou a ley das eleiçoens, como lhe


viera da Câmara dos Deputados, por uma maioridade de 141 vo-
tos, contra 50.
Mr. Canilh, Relator da Commissaõ de Finanças, communicou
á Câmara dos Deputados, que as rendas da França excediam
agora ás que se cobravam em 1789, em 300:000.000 de francos;
melhoramento este, que o Relator attribuia á igualdade com que
eram distribuídos os impostos ; porque, antes da Revolução,
grande porçaõ da propriedade éra, em todo ou em parte, izenta
de tributos.
Os fundos para as pensoens, que recebem os membros da Le-
giaõ de Honi a, parece que vaõ a soffrer alguma alteração, se-
gundo um projecto, que apresentou á Câmara dos Deputados Mr.
Beugnot. Segundo isto cada um dos soldados recebera somente
metade da sua pensaõ, que dantes éra 250 francos. Os offi-
ciaes teraõ 1.000 francos, os Commandantes 2.000; os Gram
Officiaes 5.000 : e os Gram Cruzes 5.000; ou pensaõ especial.
Mr. Hyde de Neuville, Embaixador da França nos Estados-
Unidos, chegou inesperadamente a Paris, havendo saído de Wash-
ington com toda a Legaçaõ Franceza. Como naõ se declarou a
causa desta importante medida, que em casos ordinários annun-
cia a ruptura entre duas naçoens, o rumor tentou logo dar-lhe
explicação. Conjecturou-se, que o Ministro Francez se dava
por offendido, em conseqüência de ter o Congresso dos Estados-
Unidos passado um Acto, pelo qual se impunha um direito de
18 dollars por tonelada, a todos os navios Francezes, que entras-
sem nos portos dos Estados-Unidos; julgando-se, ao tempo em
que o tal Acto se passou, que tal imposição montava a uma
prohibiçaõ commerciol. Mas esta medida naõ se originou nos
Estados-Unidos, que esta providencia somente adoptáram em
expediente de reciprocidade ; declarando, ao mesmo tempo,
que o alterariam, logo que a França adoptasse regulamentos
mais favoráveis aos Estados-Unidos do que os presentes. He
Miscellanea. 89
logo improvável, que estes arranjos commerciaes fossem julga-
dos motivo bastante, para se despedir abruptamente o Embai-
xador Francez.
Por uma decisaõ da Còrte-Real de Paris, de 8 de Julho, se
declarou valido o casamento de uma mulher estrangeira com um
Francez, no serviço militar da França ; bavendo-se tentado an-
nular taes cazamentos, por naõ haverem sido solemnizados com
as formalidades, que requer o Código, a respeito do estado civil
dos Francezes, no serviço militar da França, em paizes entran-
geiros.

A sessaõ da Câmaras fechou os seus trabalhos aos 22 de


Julho, por um Decreto Real, apresentado pelo Ministro do In-
terior, depois de cuja leitura se separaram os Membros immedi-
atameute.

HESPANHA,

As Cortes fizeram aos 20 de Julho o seu ajunctamento preli-


minar, em Madrid, para arranjar o seu modo de proceder.
Como naõ existia a Deputaçaõ permanente, que requer a Consti-
tuição, o Ministro do Interior fez as suas vezes, lendo a lista dos
Deputados. Depois se elegeo o Presidente e Vice-Presidentes.
A assemblea passou depois a verificar os procedimentos das
Junctas Electoraes. Leo-se também a representação, que fez
um Hespanhol Americano, contra a validade da nomeação de
Deputados Provisionaes, para representarem as provincias ul-
tramarinas.
No domingo 9 de Julho abrio El Rey as cortes, cujo ceremo-
nial copiamos do seguinte :

VOL. XXV. N». 146. M


09 [90] Miscellanea.

Extracto da Gazeta Extraordinária de Madrtd, de 10


de Julho, contendo a cerimonia da abertura das Cortes.
" Chegou a memorável epocha, em qne se deviam preencher
os desejos da naçaõ Hespanhola: o feliz dia, em que um povo.
determinado a preservar a liberdade, e a dignidade do throno,
vio seu adorado Rey dar outra decisiva e irrefragavel prova de
suas vistas paternaes, do amor, que tem a seus subditos, e do
sério desejo que o anima de concurrer, de concerto com as Cor-
tes, em fundar e consolidar a felicidade publica por meio de
uma constituição essencialmente dirigida ao bem de todos : a
feliz hora, em que Fernando VII, unindo os seus sentimentos
com os do povo Hespanhol, se apresentou ante o augusto Con-
gresso nacional, no acto solemne de jurar a Constituição da mo-
narchia. Havendo-se feito previamente todos os arranjamentos
necessários, para a celebração desta solemne cerimonia; El Rey
fixou as 10 horas da manhaã de hontem, Domingo 9 de Julho,
para ir ter á salla das Cortes. S. M. saio de seu palácio acom-
panhado de sua augusta esposa e dos Infantes, seguido por sua
corte em carruagens de estado. Quando chegou á salla das Cor-
tes foi recebido por duas grandes deputaçoens dos representan-
tes nacionaes. Consistia uma de 22 membros, a qual acompa-
nhou a Raynha para a tribuna, que lhe estava preparada, para
que pudesse, em companhia dos Infantes, gozar do espectacu-
lo de tam solemne cerimonia. A outra deputaçaõ, composta
de 32 membros, incluindo dous Secretários, foi nomeada pa-
ra acompanhar El Rey. Quando Sua Majestade entrou puzéram-
se de pé todos os membros ; assim como o corpo diplomático,
na tribuna á direita do throno. Os Conselheiros de Estado, os
Generaes, e Magistrados occupavam as outras tribunas : a im-
mensa multidão, que enchia as galerias, nao se pôde conter
que naõ bradasse os vivas em altas vozes. El Rey tomou o seu
assento sobre um magnífico throno, a cujos lados estavam as
insígnias Reaes. Logo que El Rey se assentou, se sentaram tam-
bém os Infantes, o Presidente das Cortes, e todos os Deputados.
Miscellanea. 91
Depois de uma breve pauza se levantou o Presidente, e, com os
Secretários, foi receber o juramento d' El Rey, que foi prestado
da maneira prescripta pela constituição. D. José Espiga, Arce-
bispo Eleito de Sevilha, como Presidente das Cortes ; se dirigio
a El Rey por uma falia (que publicaremos no N°. seguinte.)
Immediatamente depois lêo El Rey a sua falia, em vos clara e
intelligivel, e com toda a dignidade própria a seu character:
(publicaremos também esta falia no N°. seguinte.)
O Presidente fez a sua replica; e concluindo assim as cere-
monias desta augusta solemnidade, Suas Majestades e os Infan-
tes se retiraram das Cortes com o mesmo séquito, com que tinham
entrado, resoando as aclamaçoens de viva El Rey e as Cortes.
As ruas por que passou a procissão estavam alinhadas pelos
diversos corpos da guarniçaõ de Madrid, e milícias nacionaes,
tanto de infanteria como de cavallaria. A presença de Suas Ma-
jestades e Infantes, o esplendor do cortejo, o brilhantismo das
equipages, o gosto da tapeçaria, com que estavam ornadas as
janelas, o numeroso concurso do povo, que quasi impedia o pro-
gresso da procissão; os repetidos applausos de todas as classes
de pessoas, que exclamavam enthusiasticamente Viva El Rey,
viva a Constituição, viva o Rey Constitucional, &c. e sobre
tudo a lembrança do objecto da magnífica ceremonia; tudo con-
curreo a fazer este dia ornais glorioso da naçaõ Hespanhola, e
appresentar um espectaculo, que será objecto da eterna admira-
ção dos séculos vindouros.
A sessaõ das Cortes continou, depois da partida de Sua Ma-
jestade ; e por moçaõ do Deputado Conde de Toreno, se nomeou
uma commissaõ, para minutar uma memória em resposta á falia
de sua Majestade. Para este fim foram escolhidos os Deputados
Conde de Toreno, Torrero, Martinez de Ia Rosa, Tapia, Temes,
e General Quiroga. Com estes actos solemnes, se abriram as
Cortes."

Na sessaõ de 10 e 12 de Julho resolveram os Cortes a repli-


ca á falia d' El R'ey; e depois o Conde Munoz Torrero fez uma
92 Miscellanea.
proposição para revogar o Decreto das Cortes de Março 1812,
pelo se qual excluio da successaõ ao throno o Infante D. Fran-
cisco de Paula, e a Infanta D. Maria Luiza, Ex-Raynha da
Etruria, Palanea propoz também que accrescentasse uma
cláusula, pela qual ficasse excluída da successsõ a Archidu-
queza Maria Luiza; a fim de que a progenie de Bonaparte naõ
pudesse reynar em Hespanha.
Por noticias de Madrid, de 29 de Junho, consta, que se pren-
deram em Burgos dous indivíduos, D. Balthasar Casqueiro, e
D. Francisco Ramires, os quaes viajavam pelas provincias, e
annunciávam, que Madrid se achava em grande agitação; que
El Rey havia fugido, e que os habitantes se declararam contra
a guarniçaõ. Na bagagem destes indivíduos se acharam alguns
cartuchos de pólvora ; 24 folhas de circulares, e uma " guia de
estrangeiros." Diz-se mais, que a casa, em que se alojaram,
tinha a reputação de naõ ser affecta ao novo systema de cousas.
Em Madrid mesmo correo a noticia, de que se preparava uma
contra revolução, que arrebentaria naquella cidade aos 28, ha-
vendo geral matança, (á imitação das Vésperas Sicilianas) e ti-
rando El Rey para Burgos, aonde se ajunctariamas antigas Cor-
tes: o plano, porém, se dizia também fora descuberto, e por
isso frustrado. He certo que este rumor do que se pretendia fa-
zer em Madrid, quadra bem com o que os dous prezos em Bur-
gos annunciávam como ja executado. A proclamaçaõ do Tenen-
te General Velasco, Governador de Madrid, e Commandante em
chefe da Milícia Nacional, publicada no diário de 2 de Julho,
parece fortalecer muito este rumor; porque acaba com estas pala-
vras.
" Aventuro-me a assegurar, ao povo desta heróica cidade, e
o augusto Congresso, que está ao ponto de confirmar os altos
destinos da Hespanha, que nem a liberdade daquelle, nem a se-
gurança deste seraõ compromettidas, em quanto se occupar nas
deliberaçoens, que requer a Constituição da Monarchia, a que
temos jurado fidelidade, a qual saberemos manter a todo a risco,
sendo a nossa divjza a Constituição, um Rey Constitucional ou
a Morte.
Miscellanea. 93

Os Hespanhoes entretem ainda lisongeiras esperanças de que


suas colônias revoltadas se lhes tornem a submetter; como se vê
da seguinte noticia:—
" Madrid 23 de Junho. Recebemos as mais agradáveis noti-
cias de nossas provincias transmarinas : o partido republicano
de Venezuela mandou deputados aos Generaes Realistas, para
representarem, que logo que se jurar em Caracas a Constituição
de 1812, estaõ promptos a depor as armas, e submetter-se ás
authoridades constitucionaes. Foi o Congresso de Venezuela,
que está em Angostura, quem mandou estes deputados. O Ge-
neral Bolívar e suas tropas estaõ animados pelo mesmo espirito
de conciliação. Em Buenos-Ayres, também, os principaes ca-
beças tem mostrado a sua convicção da necessidade de uma mo-
narchia constitucional."
He apenas necessário dizer, que esta noticia se naõ estriba em
facto algum conhecido.
A expedição destinada ás colônias, e que fora aparelhada em
Cadiz ; consiste em uma fragata, e doze vasos menores de guer-
ra ; e leva a bordo Commissarios paia os Governos de Terra-
Firme, Lima, México, e Buenos-Ayres. A maior parte saõ
Capitaens de Marinha, encarregados de importantes communica-
çoens, segundo se diz, do Governo Hespanhol para os insur-
gentes.

NÁPOLES.

Os Napolitanos acabam de representar uma scena, similhante


á de Hespanha, no principio deste anuo ; e por isso que he a
segunda, tal vez mais importante do que a primeira, em suas
conseqüências para toda a Itália, e para o resto da Europa.
Além de documentos authenticos, referiremos aqui este acon-
tecimento em resumo, segundo as noticias, que nos pareceram
mais bem averiguadas.
Havia no Reyno de Nápoles grande descontentamento, pelo
pouco que se animava a industria e o commercio: e este descon-
94 Miscellanea.
tentamento se fez mais patente, por causa do imposto chamado
Fundaria. Fosse para prevenir os eflèitos desta desafeiçaõ ma-
nifesta do povo, fosse para outros fins (alguns querem que fosse
para preparar um exrrcito que se mandasse á Hespanha a favo-
recer El Rey contra as Cortes) o certo he que se organizou um
campo militar em Sessa. Aqui as tropas concertaram suas me-
didas, naõ para apoiar as vislas do Governo, mas para favore-
cer os sentimentos do povo. 0 plano para a explosão foi tam
bem arranjado, e occultado com tal segredo, que, por uma car-
ta de um official de primeira graduação, que vimos, nos consta,
que este mesmo official contava coma mais cega obediência, e
indisputável firmeza destas tropas.
Com tudo, um corpo de Cavallaria, postado em Nola, em nu-
mero de 150 homens, repentinamente largou o seu [tosto, e mar-
chou para as montanhas de Avellino : marcharam logo a unir-se-
Ihe vários destacamentos de infanteria, eseguiram o seu exem-
plo todos os paizanos, que puderam obter uma espingarda, ou
outra qualquer arma ; sem que se pudesse saber se este movi-
mento éra effeito de arranjo prévio, se mera conseqüência do ex-
emplo. Como quer quer fosse, toda esta gente assim misturada
tomaram posse dos passos da Apulia: acharam ali uma caixa mi-
litar, que continha 22.000 ducados, tomárara-a, e deram ao th» -
soureiro que a linha um recibo em forma.
Chegou logo a Nápoles a noticia desta rebelião, e o Rey man-
dou um General, que fosse ter com os amotinados, e averiguasse
delles suas vistas. Convocou-se Conselho de Estado, para deli-
berar, sobre o melhor modo de proceder naquelle aperto: mas
em quanto assim deliberava o Conselho, na tarde de 5 de Julho,
dous regimentos, um de infanteria outro de diagoens, aquartela-
dos fora da cidade a uma milha de distancia, desfilaram com
suas armas e bagagem, e na mais perfeita ordem de marcha,
para se unirem aos insurgentes.
El Rey recebeo uma intimaçaõ do Quartel-General dos revol-
tosos, informando-o de que desejavam ter uma Constituição li-
vre, similhante á que se tinha adoptado na Hespanha. Fizeram-
se preparativos para suffocar a rebelião, mas, sondando-se o es-
Miscellanea. 95
pirito das demais tropas, achou o Governo, que todas estavam
imbuídas do mesmo espirito, e que naõ pelejariam contra seus
camaradas. O Rey, sendo informado disto, cedeo ás circum-
stancias, e declarou que consentiria na proposição.
Mandáram-se estaõ correios, (na manhaã de 6) a todas as tro-
pas, aununciando-lhe a resolução d' El Rey, e se affixáram
edictaes pela cidade, declarando a intenção do Soberano, de
publicar dentro em oito dias uma Constituição ou forma de Go-
livre, pela seguinte :—

Proclamaçaõ.

" Tendo-se manifestado o desejo geral do Reyno das Duas


Sicilas, por um Governo Constitucional, consentimos nisto, de
nossa plena e interior vontade; e promettemos publicar as bazes
no espaço do oito dias."
" Até a publicação da Constituição, continuarão em vigor as
leys existentes."
" Tendo assim satisfeito á vontade publica, ordenamos ás
tropas, que voltem para seus corpos, e todos os indivíduos para
as suas occupaçoens ordinárias."
(Assignado) FERNANDO.
O Secretario de Estado, Ministro, Chanceller
(Assignado) MARQUEZ TOMMASI.
Nápoles6 de Julho de 1820.

A primeira conseqüência desta resolução de S. M. foi a de-


missão dos Ministros, que se naõ podiam suppôr favoráveis á
mudança; e formação de outro Ministério pelo seguinte :

Decreto.

Fernando, &
Temos resolvido decretar e decretamos o seguinte :—
Art. I o . Nomeamos Secretario de Estado Ministro dos Ne-
gócios Estrangeiros, o Duque de Campo Chiaro.
2. Nomeamos Secretario de Estado, Ministro de Graça e Jus-
96 Miscellanea.

tíça e dos negócios Ecclesiasticos, o Conde de Carmadoli, D.


Francisco Riccardi, e durante a sua ausência temporária, o Con-
selheiro de Chancellaria, Baraõ D . Francisco Magliano, será en-
carregado da pasta.
3. Nomeamos Secretario de Estado, Ministro das Finan ças
o Marquez D. Felice Amati.
4. Nomeamos Secretario de Estado, Ministro Chanceller, o
Marquez D. Guacchino Forreri: e na sua ausência, seraõ as
suas funcçoens desempenhadas pelo Regente mais antigo do Su-
premo Conselho da Chancellaria.
5. Nomeamos em lugar do Capitão General, Nugent, o Te-
nente General Baraõ D. Miguel Carascosa.
6. Em quanto se naõ nomea Secretario de Estado, Ministro
do Interior, o Duque de Campo Chiaro executará suas func-
çoens.
7. Todos os Ministros Secretários de Estado, saõ encarrega-
dos da execução do presente decreto.
(Assignado) FERNANDO.
O Secretario de Estado, Ministro, Chanceller,
(Assignado) MARQUEZ TOMMASI.

Parece que a mudança total do Ministério naõ bastou para


tranquillizar o publico espirito, e El Rey mesmo resiguon, naõ
a coroa, mas o Governo, ao Principe Herdeiro, pelo seguinte :—

Acto de cessão d'El Rey ao Duque de Calábria.


Fernando, &c. 8cc.
Meu muito charo e amado Filho, Francisco, Duque de Calá-
bria.
Em conseqüência de indisposição, e por conselho de meus
Ministros, vendo-me obrigado a abster-me de toda a applica-
çaõ séria, julguei que faltaria ao meu dever, e seria culpado
diante de Deus, se, nestas circumstancias, naõ providenciasse
Miscellanea. 97
ao governo do Reyno de tal maneira, que os mais importantes
negócios pudessem seguir seu curso, e que a minha indisposição
naõ fosse nociva á causa publica. Tendo determinado, por estes
motivos transferir o encargo do governo, até o momento em que
Deus for servido restituir-me ao Estado de saúde, necessário pa-
ra o supportar, naõ posso melhor fazer do que confiar-vos, meu
charo e amado filho, o Governo; tanto porque sois o meu legiti-
mo successor, como pelo conhecimento que tenho de vosso es-
pirito e capacidade.
Em conseqüência, de minha plena e inteira vontade vos faço
e constituo meu Tenente-General, no meu Reyno das Duas Si-
cilias, como ja fostes no território de Nápoles, e no outro além
de Pharos, e vos transmitto e concedo com a illimitada cláusula
de Alter Egot o exercício de todos os direitos, prerogativas,
preeminencias e faculdedes, da mesma maneira que seriam exe-
cutadas por mim mesmo em pessoa. E, em ordem a que minha
vontade seja universalmente sabida e executada, ordenei, que
este papel, assignado por meu punho, e sellado com meu Real
sêllo, se guarde e registre pelo nosso Secretario de Estado, Mi-
nistro, Chanceller, e que vos façais transmittir uma copia delle
a todos os Conselheiros e Secretários de Estado, a fim de que
conste a quem pertencer.
(Assignado) FERNANDO.
Nápoles 6 de Julho 1820.
Depois deste Decreto publicou El Rey a seguinte proclamaçaõ
uotando o que entendia pela Constituição, que desejava adop-
tar, em conformidade dos desejos da naçaõ.
Proclamaçaõ.
Fernando, &c,
Havendo concedido a nosso amado Filho todas as faculdades
necessárias para prover ao Governo de nosso Reyno, declarando-o
nosso Tenente General com o Alter Ego ; tem elle j a arranja-
do as bazes da Constituição que promettemos, tomando por mo-
delo, a que adoptou o Reyno de Hespanha em 1812, que foi
sauccionada por S. M. Catholica, no mez de Março proxime
VOL XXV N.° 146 N
98 Miscellanea

passado, salvo as modificacoens, que os Representantes nacio-


naes, constitucionalmente convocados, julgarem conveniente
propor, a fim de a adaptar ás circumstancias particulares do
nossos Estados. Confirmamos este acto de nosso amado filho, e
promettemos observar a Constituição, ejurállade maneira so-
lemne, na presença da Juncta Provisional, que, conforme ao
que se estabeleceo em Hespanha, será nomeada por nosso amado
Filho e Tenente General, e ao depois na presença do Parlamento
Geral, logo que estiver legalmente juncto.
Ratificamos, também, pelas presentes, todos os actos subse-
quentes, qne fizer nosso amado filho, para a execução da Con-
stituição, e em conseqüência das faculdades e plenos poderes,
que lhes temos confiado. Declaramos, que tudo que assim for
feito será olhado por nós, como se nós mesmos o fizéssemos de
nosso próprio motu.
(Assignado) FERNANDO.
Nápoles 7 de Julho, 1820.
Desta proclamaçaõ deduzimos, que havia ja em Nápoles,
quem tivesse preparado d' antemão uma Constituição ; porque
he impossível que o Principe pudesse arranjar tal cousa em 24
horas; nem ainda ter tempo de meditar nas suas bazes, que an-
nnnciou na seguinte :—

Proclamaçaõ do Duque de Calábria.

Fernando &c.
Nós Francisco, Duque de Calábria Tenente-General do Rey-
no, com Alter Ego.
Em virtude do acto, datado de hontem, por que Sua Majes-
tade, nosso Augusto Pay, nos transmittio com a clausura illimi-
tada de Alter Ego, o exercício de todos os direitos, perogativas,
preeminencias e faculdades, da mesma maneira, que podem ser
exercitadas por Sua Majestade.
Em conseqüência da decisaõ de S. M. de dar uma Constitui-
ção ao Estado, desejando manifestar os nossos sentimentos a
todos os seus subditos, e seguir ao mesmo tempo seus ananimes
Miscellanea. oo
desejos; temos resolvido decretar e decretamos o seguin-
te:—
Art. 1." A constituição do Reyno das Duas Sicilas será a
mesma, que foi adoptada para o Reyno da Hespanha em 1812,
e sanccionada por S. M. Catholica, em Março de 1820, salvas
as modificacoens, que a representação nacional, convocada con-
stitucionalmente, considerar conveniente e próprio propor, a
fim de a adaptar ás circumstancias particulares dos Estados de
S. M.
2. Reser-va-mos para nós adoptar e fazer saber todos os ar-
ranjamentos, que forem necessários, para facilitar e accelerar
a execução do presente decreto.
3. Todos os nossos Ministros Secretários de Estado saõ en-
carregados da execução do presente decreto. Nápoles 7 de Ju-
lho de 1820.
(Assignado) FRANCISCO.

Decreto para a formação de uma Juncta Provisional de


Governo.
Fernando, &c. &c.
Nos Francisco, Principe Hereditário e Tenente-General
Reyno, em virtude da authoridade, que nos foi concedida por
nosso Augusto Pay e Soberano.
Tendo no nosso acto de 6 do corrente proclamado para nossos
Estados, e promettido jurar a constituição, formada em 1812
para a Hespanha. Desejando solemnemente cumprir nossa pro-
messa, e convocar, com a menor demora possível, o Parlamen-
to nacional do nosso Reyno, segundo as formas da sobrdicta
Constituição. Desejando que todos os actos, que houverem de
preceder a convoçaõ do Parlamento, emanem de Pessoas honradas
com a confiança publica. Temos resolvido decretar e decre-
tamos o seguinte•:—
Art. 1°. Haverá uma Juncta Provisional, composta de quinze
membros, perante a qual, e perante todos os Príncipes da nossa
Família, prestaremos juramento á nova Constituição da Mo-
100 Miscellanea.

narchia ; e este juramento será repetido ante o Parlamento Na-


cional, depois de sua legitima convoçaõ.
Até a inauguração do Parlamento Nacional, consultaremos a
Juncta Provisional sobre todos os negócios do Governo, e pu-
blicaremos todos os actos, concordados com a Juncta.
3. Em ordem a que a escolha dos que haõ de compor a Juncta
recaia.em pessoas as mais elegiveis por seus merecimentos, e
mais capazes de satisfazer nossos desejos, e os da naçaõ, no-
meamos o Tn. General D. Giuseppe Parisi, o Cavalheiro D.
Malchior Delfico, Tn. General D. Floristano Pepe, o Baraõ D.
Davide Winspeare, e o Cavelheiio D. Giaciuti Martucci, os
quaes junctos em Committé nos apresentarão uma lista de 20
pessoas, das quaes escolheremos dez, e estes, unidos áos acima
nomeados, formarão a juncta encarregada das funcçoens sobre-
dictas.
O Nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros he encarregado
de execução dopresente decreto. Nápoles 9 de Julho, de 1820.

O General Pepe entrou em Nápoles aos 9 de Julho, com parte


do seu exercito, a que se chamou exercito constitucional, e a-
doptaram o tope tricolor, (vermelho, preto e azul) e também se
arvorou a bandeira das mesmas cores, que o Principe mandou
usar a todo o exercito.
Com tudo parece que naõ ha temor de que se perturbe a tran-
quillidade publica, ou commettam actos de violência.

Além deste successo de Nápoles, prevalesce o rumor de que


outros Estados da Itália estaõ em grande agitação. Dizem que
da Lombardia se fizeram propostas ao Governo Francez, pedin-
do-lhe um auxilo de 4.000 homens, que seraõ pagos pelo paiz ;
grandes famílias de Veneza, e outras partes de Itália, entram
nestes planos, que naõ saõ de submetter-se aos Francezes, mas
de estabelecer a completa independência da Itália. Dizem mais
que Lyons he o foco destas negociaçoens, mas o Imperador da
Áustria, deve necessariamente oppor tudo quanto possa, a com-
binaçoens, que ameaçam seus Estados Italianos,
Miscellanea. \o\

RÚSSIA.

O Conselho, que tem a seu cargo superintender os estabelici -


mentos do credito publico, teve uma cessaõ aos 29 do passado,
que se abrio com uma falia do Ministro de Finanças, Conde
Gourieff. Este referi o, que os Estabelicimentos do credito pu-
blico continuaram seus trabalhos durante o anno de 1819, com a
mesma actividade e zelo, que nos dous annos precedentes, co-
mo se mostraria pelo exame das contas. Porém, dando conta
succinta das transacçoens do anno passado, apresentou um re-
sumo das contas, que naõ tivemos lugar de copiar neste Nu-
mero.

TURQUIA.

A revolta do Ali Pacha, a quem Parga fora cedida, causa as


maiores inquietaçoens ao Gram Senhor. O Pacha de Scutari
marcha contra o rebelde, com um exercito de 20.000 homens,
e dizem que ja tomara ao rebelde Pacha de Janina as praças de
Tirana, Eurozo, e Cavaglia ; por lhas entregarem os Governa-
dores ; mas a questão naõ se decidirá em quanto os dous exerci-
tos naõ vierem a contacto.

SUÉCIA.

Cartas de Stockholmo de 16 de Junho annunciam, que se pu-


blicara naquella cidade um Decreto Real, com data de 17 de
Maio, pennittindo o trafico em casca de carvalho, que até ali
se limitava aos curtidores, e mais obreiros em couros, a todos
os habitantes do Reyno, sem excepçaõ.
Expedio-se também outro decreto Real, para se estabelecer
uma alfândega na ilha de Gronso, em frente de Sodertelge;
aonde, desde o primeiro de Septembro próximo futuro, se exa-
minarão todos os vasos, que vierem de paizes estrangeiros,
antes que se lhes permitia proceder para Stockholmo.
El Rey de Suécia intentava visitar a cidade de Bergen, pela
primeira vez, depois da uniaõ da Norwerga á Suécia.
( 102 )

CORRESPONDÊNCIA.
Carta de Um Portuguez Velho ao Redactor, sobre os
Negócios de Portugal.
Senhor Redactor do Correio Braziliense!
Naõ ha desgraça maior para um Soberano, e para uma Naçaõ,
do que entregar os seus interesses e destinos a uma roda falta de
senso commum. Apparecêo, como sabe, um certo opusculo,
com o titulo de Piéces Politiques, em que vinha uma carta,
em extracto, datada de Lisboa 20 de Abril passado. Esta carta
continha absurdos, e inconsequencias, que ja mais homem pu-
blico se deveria metter a decifrar; por quanto, ou tinham fun-
damento as asserçoens avançadas ou naõ : Se tinhaõ; seria mais
prudente ao supposto cúmplice naõ mexer em tal, antes comprar
toda a ediçaõ, como ja se diz fizera a outra, para se naõ desen-
volverem mais cousas ; e no segundo caso, seria melhor deixar o
absurdo a si mesmo, e naõ o querer fazer recommendavel. Poi-
quanto havia e ha muita gente, que naõ sabia nem sonhava, que
em Portugal houvesse uma familia tam gigantesca e voraz, que
pudesse engulir e fazer desapparecer os direitos indisputáveis de
unia Familia Real tam numerosa, como he a que hoje reyna em
Portugal.
Porém o que he mais extraordinário he, que éra preciso que
ainda um Braziliano estabelecido ein Londres se naô tivesse
desgrudado do seu estabelicimento, para se metter nesta transac-
çaõ, do modo como sempre custuma fazer em tudo aonde entra,
e sair como sala o cavalleiro da triste figura. Apparecêo a dieta
carta a 16 de Maio; e o Braziliano estabelecido cuidou em des-
perdiçar naõ menos de algumas 30 moedas, com uma carta, que
dirigio ao seu favorito jornal Inglez, Times, em que se mette
logo a dizer ao povo Inglez (que nem de tal sabia, nem tal lhe
importava) que se ia por uma acçaõ em Paris ao author da carta
publicada nas Pieces Politiques. Isto ou porque
ou porque queria ser um campeão obrigado. O certo he que
expedio conselhos ou ordens para a Legaçaõ de Paris. E que
taes se poderão esperar quando estiver senhor do protocóllo:
Conrespondencia. 103
Começando em fazer expor o M. a transacçoens risonhas ; e a
mais algumas cousas. Chegaram as ordens de Londres ; e co-
meçou-se a fazer um espalha lato nos jomaes, dizendo-se que o
Embaixador tinha denunciado o tal opusculo das Pieces Politi-
ques, em conseqüência das calumnias, que continha contra seu
Soberano, e contra elle mesmo Embaixador! No meu ver, naõ
acho calumnias contra o Soberano, acho sim falta de considera-
ção, e delicadeza. O author da carta, quanto a mim, agente
embuçado do Rocio, dá como unia grande noticia, que os legí-
timos e immediatos herdeiros do throno Portuguez, na falta dos
descendentes da Casa de Bragança, saõ a Família do Cadaval;
que o mesmo que dizer, que segundo as Cortes de Lamégo,* o
Duque de Cadaval succederá na falta de successaõ da Família
Reynante, assim como um Senhor Portuguez succederá na falta
de successaõ deste, ou mesmo o Juiz da Vintena,f na falta de
Senhor Portuguez (no caso que se verificasse outra invazaõ.de
Portugal, e que todos os Senhores fossem para a França com o
Exercito, ou na Deputaçaõ) conforme as leys fundameutaes do
Reyno. Vindo a estar assim o Duque de Cadaval hoje na mesma
probabilidade de reynar, em que estaria iToulro tempo á falta de
fidalgos o Juiz da Vintena ! Portanto, depois do que o Author
aqui confessa, o resto saõ inconsequencias e naõ libellos: libel-
lo se poderia sim chamar contra o Secretario do Governo de Por-
tugal, e os suppostos sócios. Porém assim he tudo ! Principi-
am por tirar a carpuça, e querer pólla aonde naõ cabe, nem
para onde foi feita.
O certo he, que se começaram a dar passos bem infelizes, e
em mal calculados. Fez-se dar busca á Casa de um Portuguez,
em todos os seus papeis: estabeleceo o Embaixador ; naõ sei

* Isto naõ be exacto; porque, segundo as Cortes de Lamégo, fartando


filhos ao Rey succedia o irmaõ, mas naõ o filho do irmaõ. Redactor.
\ Para que alguém nos naõ aceuse de que os nossos Conrespondentes
•urprendem a nossa religião, declaramos, que cremos em nossa consciên-
cia, que o Juiz da Vintena de que aqui se tracta para Rey, no caso que
os Fidalgos todos vam para França, naõ he o Jniz da Vintena das Águas
Livres, o qual, ao que parece por sua Catholica doutrina, he homem hon-
rado; posto que algumas vezes, por sua mesma confissão, tenha ja dado
noticias erradas, e marrado coutra um carneiro, que de certo naõ conhe-
ceo ; por que o tal Juiz andava entaõ fora de casa em noite muito escura,
e sem lenterna ou archote, falta esta, que he bem contra a sua dignidade
como Senhor Juiz que he.
104 Conrespondencía.

ainda com que authoridade, uma meza ou tribunal de inquisição,


em casa do Cônsul, em que elle éra o Presidente, e o Promotor
o Buchelier attaché, que vendia água ardente no Exercito !
Chamáram-se alguns Portuguezes, porém destes protestos ver-
baes naõ resultou que riso, e escarneo; e alguns depoimentos
que de certo naõ haõ de apparecer.
Fóraõ ter com o impressor, a ver se podia denunciar quem
lhe tinha dado o manuscripto; respondeo fora o edictor res-
ponsável, que se achava na Hollanda. Mas naõ obstante, co-
mo na falta deste he o impressor o que responde, ja este foi ci-
tado, ainda que muitos julgam que haverá arranjo eaccommoda-
mento, visto que principiou a exhalar máo cheiro a excavaçaS do
novo Herculaneo, aonde se principiaram a descubrir raridades,
mas todas fétidas. No entanto descubriram-se cousas raras.
Ora aqui tem como he tudo, em que se mette o Brazileiro
Estabelecido. Dá por páos e por pedras, como fazia D. Qui-
xote; e o gigante a quem queria cortar a cabeça, naõ era
que um ódie de vinho ! Ha uma carta datada de Lisboa,
quero que seja supposta; o curso ordinário, em qualquer
paiz, he, no caso que a publicação seja libello, perseguir
o edictor. Porém naõ : como aqui entrou o Cavalleiro da Triste
Figura, éra preciso que se seguisse a sua marcha. Começa-se
por atacar o fantoma e desperdiçar o vinho, e deixa-se a reali-
dade. O fantoma he a impossibilidade de poder provar aonde
foi feita a carta. No entanto a torto e a direito, e sem a menor
reflexão, vaõ-se perseguir aquelles, que naõ constituem senaõ
suspeitas, por isso que saõ Portugezes e nada affeiçoados ao
Embaixador. Quando porém apparecem ataques e libellos diri-
gidos direitamente contra El Rey, calla-se ; ou conta historias.
Porém isto he pela razaõ ja dieta por um seu Conrespondente ;
que, quando se falia mal de El Rey, naõ lhes importa muito;
quando porém lhe chegam ao vivo, ou faliam do proprietário da
casa aonde vam ser recebidos, dizem entaõ, halto lá! que isso
he fallar contra El Rey e sua Soberania ; ergo todo oespalhafa-
to, e toda a metralha da judicatura; e o mais he, paga á custa
d'El Rey.
Sou seu muito ven., &c.
HUM PORTUGUEZ V E I H O .
CORREIO BRAZILIENSE
DE A G O S T O 1820

Na quarta parte nova oa campos ara;


E ae mais mundo houvera lâ chegara.
C A M O E N 9 , (J. t l l . C 14.

POLÍTICA.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL, BRAZIL, E ALGARVES,

Resolução Regia, pelo Conselho da Fazenda em Lisboa,


sobre os processos contra os Contrabandistas.
Sua Majestade El Rey Nosso Senhor,pela sua immedi-
ata resolução de vinte quatro de Fevereiro do corrente
anno, tomada em consulta do Conselho da Fazenda de
dezoito de Junho de mil oitocentos e dezoito, foi servido
declarar, além de outras providencias recommendando a
maior vigilância, e vigor para cohibir contrabandos, e
para castigar Contrabandistas, que o Administrador Ge-
ral da Alfândega Grande do assucar, e o Provedor da
Casa da índia, assim como o Superintendente Geral dos
Contrabandos, podem, e devem mandar proceder as bus-
VOL. XXV. N.° 147. o
106 Política.

cas, varejos, e apprehensoens de mercadorias nestes Rey-


nos defezas, ou descaminhadas aos Reaes direitos, como
os foraes, e regimentos respectivos lhes permittem, e que
feitos os Autos competentes, sejam elles remettidos à Su-
perintendência Geral dos Contrabandos, e descaminhos
dos Reaes direitos, para os ulteriores procedimentos le-
gaes, que no dicto juizo devem continuar até final senten-
ça.
E para que assim conste geralmente, se manda a so-
bredicta Real resolução fazer publica por esta fôrma.
Lisboa quatorze de Junho de mil oitocentos e vinte.
D. M I G U E L A N T Ô N I O D E M E L L O .
JOAQUIM Jozé DE SOUZA.

Resolução Regia, pelo Conselho da Fazenda, em Lisboa,


sobre as Franquias.

Sua Majestade El Rey Nosso Senhor por sua immedi-


ata resolução de vinte quatro de Fevereiro do corrente
anno, tomada em consulta do Conselho da Fazenda de
dezoito de Junho de mil oitocentos e dezoito, foi servido,
além de outras providencias, ampliar as que jà antes se
achavam dadas pelo Alvará de tieze de Novembro de
mil oitocentos e seis» a respeito de concessão de Franqui-
as, permittindo que o prazo dellas, depois de concedidas,
possa ser prorogado por mais um termo, o que se deverá
entender precedendo verificação, e conhecimento de
causa justa, como j á tinha sido declarado no decreto de
nove de Septembro de mil settecentos quarenta e sette.
E para constar geralmente, se manda fazer publica a
sobredicta Real resolução por esta fôrma. Lisboa qua-
torze de Junho de mil oitocentos e vinte.
D. M I G U E L A N T Ô N I O D E M E L L O .
J O A Q U I M JOZE DE SOUZA.
Política. 107

HESPANHA.

Falia do Presidente das Cortes a El Rey, na abertura


da sessaõ, dos 9 de Julho de 1820.

As Cortes, em período menos illuminado, mas de


grandes e sublimes virtudes, preservaram as leys funda-
mentaesdo Reyno, a gloria e o esplendor do throno, e a
prosperidade nacional: porém aquella sabia constituição,
que unia o Reyno e a naçaõ por grandes e nobres senti-
mentos de affeiçaõ e lealdade, declinou gradualmente, e
caio por fim em esquecimento e a naçaõ veio a ser o
theatro da ambição, e o Rey o instrumento de más pai-
xoens. Porém o dia do nascimento de Vossa Majestade
foi a aurora do restabelecimento de Hespanha, e mais
de vinte milhoens de habitantes vêm no seu joven Prin-
cipe o digno suecessor de S Fernando. Elles se davam
a si mesmos os parabéns, por estas lisongeiras esperan-
ças, quando, ao mesmo tempo que se concebeo no seio
da naçaõ o sacrilego projecto de extinguir vossos sagra-
dos direitos, um vil impostor introduzio perfidamente
suas legioens, e tirou dos braços dos fieis Hespanhoes
seu amado monarcha, no momento em que elle acabava
de ser colocado sobre o throno de seus gloriosos pro-
genitores. Despertou entaõ o leaõ Hespanhol, e um
grito geral e uniforme deo espirito e vigor aos valorosos
filhos de Pelayo; e em quanto os bravqs guerrilheiros
avançavam com seus peitos de bronze, e expeliram as
hostes do tyranno de seu paiz natal, os pays da pátria, a
quem a vos geral das provincias tinha chamado, restabe-
leceram a Constituição da Monarchia Hespanhola, que,
declarando solemnemente a pessoa do Rey sagrada e in-
violável, tem mais firmemente fixado a coroa na Real
cabeça de Vossa Majestade, tem-vos assegurado contra
108 Política.
os artifícios de qualquer valido, e habilitado assim Vossa
Majestade a obrar mais livremente em beneficio de
vosso povo e a bem do Estado.
Os beneméritos filhos da pátria conceberam, que naõ
podiam melhor conresponder â confiança, com que as
provincias os tinham honrado, nem offerecer ao seu Rey
tributo mais bem aceito, do que consolidar um throno
vacilante, colocando-o sobre a solida baze de uma ley
fundamental, que, sendo a herança deixada por nossos
antepassados, e a expressão da sabedoria, justiça e von-
tade publica, fechava as portas igualmente a toda a vil
lisonja, e injusta aggressaõ. Segurava a administração
da justiça, estabelecia um justo systema de economia
publica, e sanccionava o respeito, obediência e venera-
ção, devidos ás leyse á authoridade Real. Assim senti-
ram os Representantes da Naçaõ em Cadiz. Eu os vi,
Senhor, dirigindo ao Céo seus profundos gemidos, pelo
cruel captiveiro de seu Rey: eu os vi, como orphaõs,
derramando lagrimas de dor e angustia, e humilhados
ante o Cordeiro de Deus, rogando pela volta de tam amá-
vel pay, para sua numerosa e desconsolada familia. Eu
os vi, cubertos de alegria e deleite desabafar seus oppri-
midos coraçoens, quando souberam que o Todo Podero-
so tinha ouvido suas ferventes supplicas, e que o anjo
tutelar da Hespanha tinha descido a quebrar as cadêas
impostas pela tyrannia. Taes eram seus generosos senti-
mentos, quando o sórdido interesse, a ambição cavilcsa,
a calumnia atroz e a vingança insaciável, depois de me-
ditar na obscuridade suas detestáveis conspiraçoens, se
atreveram a aproximar-se ao throno, e a prophanar sa-
crilegamente o sanetuano da majestade. Porém, Senhor,
lancemos um véo sobre estas lugubres provas da fraque-
za humana.
Chegou em fim o feliz dia, em que se levantou no ho-
Política. 109
rizonte Hespanhol uma brilhante estrèlla, que dissipou
as densas nuvens, formadas pela intriga e malevolencia,
e a sagrada verdade resplandeceo com tal brilhantíssimo,
que excitou a admiração de uns, e o respeito de outros,
a confusão de muitos, e a convicção de todos. A feliz
Hespanha vê outra vez junctas aquellas cortes, que fize-
ram tam gloriosos os reynados de seus Alfonsos e de seus
Fernandos; e a mais virtuosa das naçoens, esquecendo
arfrontas, perdoando injurias, se emprega somente em
restabelecer o governo constitucional, em dar testemu-
nhos de gratidão e veneração a seu Rey, sentado agora em
seu augusto throno, no meio do congresso nacional, de-
pois de haver prestado o juramento solemne, pelo qual
se fez maior do que o filho de Phillippe, pela conquista
dos reynos Orientaes.
Magnânimo Rey! Os nobres a leaes Hespanhoes saõ
sensíveis aos numerosos males de que vós os salvastes por
este generoso acto, pelo qual se esmagou ogeniodo mal,
preparado a accender a tocha da discórdia entre nós.
Tudo faz esperar, que se extinguira o germen pernicioso,
e que em seu lugar criará raízes uma eterna paz e concór-
dia. Desapparêçam para sempre os temores, os ciúmes,
as desconfianças, que almas criminosas tem excitado no
coração do melhor dos reys ; e únam-se todos em roda
do throno com aquella fraternal aliiança, que segura a
ordem, produz a abundância, mantém a justiça e preserva
a paz. E permitti-me, Senhor, como fiel orgaõ deste
Congresso, e da NaçaÕ que elle representa, offerecer-vos
a devida homenagem de sua fidelidade, e dos honrados
sentimentos que a animam.
Assim como nossos illustres antepassados sempre foram
o mais firme apoio do throno e do monarcha, assim a
mesma Hespanha, sempre prompta a dar brilhantes tes-
temunhos de lealdade e amor a seus reys, solemnemente
110 Política.
vos promette que seus filhos, que mostraram, na guerra
sanguinária, exemplos de fidelidade desconhecidos das
geraçoens passadas, faraõ sacrifícios dignos de heroes
Hespanhoes, e da admiração das idades futuras.

Resposta de Sua Majestade.

Aceito as expressoens e os sentimentos de amor e leal-


dade, que as cortes manifestam para comigo, por meio
do orgaõ de seu Presidente, e espero com seu auxilio,
ver livre e feliz, a naçaõ, que tenho a gloria de governar.

Falia de S. M. ás Cortes.

Senhores Deputados!
Chegou por fim o dia, objecto de meus ardentes dese-
jos, em que me vejo rodeado, pelos representantes da
heróica e generosa naçaõ Hespanhola, e em que um jura-
mento solemne tem completamente identificado os meus
interesses e os de minha familia, com os interesses de
meu povo.
Quando o excesso dos males produzto a clara manifes-
tação da vóz da naçaõ, antes disso obscurecida por la-
mentáveis circumstancias, que devem ser riscadas de
nossa lembrança, determinei immediatamente abraçar o
desejado systema, e prestar o juramento â constituição
política da monarchia. sanccionada pelas Cortes geraes
e extraordinárias no anno de 1812. Entaõ recebeo a
coroa, assim como a naçaõ, seus legítimos direitos,
sendo a minha resolução naõ menos espontânea e livre do
que conforme aos meus interesses e aos do povo Hespa-
nhol, cuja felicidade nunca cessou de ser objecto de
Política. 111
meus sinceros desejos. Unido assim indissoluvelmente
o meu coração, com os coraçoens de meus subditos, que
saõ também meus filhos, o futuro somente me apresenta
imagens agradáveis de confiança, amor e prosperidade.
Com que satisfacçaõ se contemplará o grande especta-
culo, até aqui sem exemplo na historia de uma naçaõ
magnânima, que tem passado de um estado politico para
outro, sem convulsão nem violência, sugeitando seu in-
thusiasmo á guia da razaõ, em circumstancias, que tem
cuberto de lucto, e inundado de lagrimss outros paizes
menos afortunados.
Dirige-se agora a attençaõ geral da Europa para os
procedimentos do Congresso, que representa esta tam
favorecida naçaõ. Delle se espera prudente indulgência
pelo passado, e illuminada firmeza para o futuro, e que
ao momento, que confirma a felicidade da presente gera-
ção e das futuras, sepultarão no esquecimento os erros
da epocha precedente. Espêra-se também, que se ex-
hibiraõ exemplos de justiça, beneficência e generosidade,
virtudes estas, que sempre distinguiram os Hespanhoes,
que a constituição recommenda, e que tendo sido religio-
samente observadas durante a aífervescencia do povo,
devem ser ainda mais estrictamente practicadas no Con-
gresso de seus representantes, revestidos com o carac-
ter circumspecto e tranquillo de Legisladores.
He tempo agora de emprehender o exame do estado
da naçaõ; e de começar aquelles trabalhos, indispensáveis
para a applicaçaõ dos remédios convenientes aos males,
produzidos por antigas causas, e augmentados tanto pela
invasão do inimigo como pelo errôneo systema do perío-
do seguinte
As contas das rendas publicas, que o Secretario de
Estado, a quem pertence esta repartição, vôs ha de apre-
sentar, excitarão o zelo das Cortes, em procurar e esco-
112 Política.
lher, entre os recursos, que a naçaõ ainda possue, os que
forem mais adaptados para occurrer ás obrigaçoens e in-
dispensáveis encargos do Estado. Esta indagação servi-
rá para confirmar cada vez mais a opinião, de que he es-
sencial e urgente estabelecer o credito publico, sobre as
immutaveis bazes da justiça e da bôa fé, e a escrupulosa
observância do preenchimento de todas as obrigaçoens, o
que dará satisfacçaõ e socego aos credores e capitalistas,
nacionaes e estrangeiros, e ao mesmo tempo alivio ao the-
souro. Eu cumpro com um dos mais sagrados deveres,
que me impõem a dignidade Real, e o amor do meu po-
vo, recommendandoencarecidamente este importante ob-
jecto á séria consideração das Cortes.
A administração da justiça, sem o que nenhuma so-
ciedade pôde existir, tem até aqui dependido quasi ex-
clusivamente da honra e probidade dos juizes: porém,
sendo agora sugeita a princípios conhecidos e estabe-
lecidos, presta aos cidadãos novos e mais fortes funda-
mentos de segurança; e he de esperar ainda maiores
melhoramentos, quando nossos códigos, cuidadosamente
corrigidos, obtiverem aquella simplicidade e perfeição,
que os conhecimentos e experiência do século, em que
vivemos, saõ capazes de dar-lhe.
Na administração interior se experimentam difficul-
dades, que procedem de abusos velhos, aggravados du-
rante estes últimos tempos. A constante applicaçaõ do
Governo, e o zelo com que seus agentes, e as authorida-
des provinciaes trabalham, para estabelecer o simples e
benéfico systema adoptado pela Constituição, vam dimi-
nuindo os obstáculos, e com o tempo aperfeiçoarão uma
repartição do Estado, que tem tam essencial influencia no
bem e prosperidade publica.
O exercito e a marinha pedem mais particularmente a
minha attençaõ e solicitude. Será um de meus primeiros
Política. 113
cuidados, promover a sua organização e estabelecêlla da
maneira mais conveniente para a naçaõ, combinando,
quanto possivel for, as vantagens de forças tam impor-
tantes, com aquella economia, que he indispensável, e
descançando no patriotismo c boa vontade do povo, e na
sabedoria de seus representantes, a quem sempre recor-
rerei com inteira confiança.
He de esperar, que o restabelicimento do systema con-
stitucional, e a lisongeira perspectiva, que este aconteci-
mento offerece para o futuro, removendo os pretextos de
que a maligninidade tem podido tirar vantagem nas pro-
vincias ultramarinas, alhane o caminho para a pacifica-
ção daquellas, que estaõ em estado de agitação ou dis-
túrbio, e faça desnecessário o emprego de outros quaes-
quer meios. Os exemplos de moderação, e o amor da
ordem, que mostra a Hespanha Peninsular, o justo orgu-
lho, que pertence a tam digna e generosa naçaõ, e as sa-
bias leys, que se promulgam conforme a Constituição,
contribuirão pera este fim, e para o esquecimento de ma-
les passados, e uniraõ mais todos os Hespanhoes ao re-
dor de meu throno, sacrificando ao amor de sua pátria
commum todas as lembranças, que possam romper ou en-
fraquecer aquelles laços fraternaes, por que devem estar
unidos.
Nas nossas relaçoens com as naçoens estrangeiras pre-
valece, em geral, a mais perfeita harmonia, á excepçaõ
de algumas poucas diíferenças, que, ainda que naõ te-
nham perturbado actualmente a paz, tem dado occasiaõ a
discussoens, que se naõ podem terminar, sem a concur-
rencia e intervenção das Cortes do Reyno. Taes saõ as
difíerenças pendentes com os Estados-Unidos da Ameri-
ca, a respeito das Floridas, e a designação dos limites
da Louisiana. Existem também disputas, occasionadas
V O L . XXV. N« 147. P
114 Política.
pela occupaçaõ de Monte-Vedio, e outras possessoens
Hespanholas. na margem esquerda do Rio-da-Prata;
porém, ainda que uma complicação de varias circum-
stancias tem atê aqui prevenido o ajuste destas differen-
ças, espero que a moderação e justiça dos principios,
que dirigem nossas operaçoens diplomáticas, produzirão
um resultado conveniente á naçaõ, e conforme ao syste-
ma pacifico, cuja conservação he agora a geral e decidida
máxima da política Europea. A Regência de Argel tem
indicado o desejo de renovar seu antigo systema inquieto
de aggressoens. Para evitar as conseqüências, que po-
dem resultar desta falta de respeito ás estipulaçoens ex-
istentes, o tractado defensivo negociado em 1616 com o
Rey dos Paizes Baixos providenciou a uniaõ das respec-
tivas forças marítimas no Mediterrâneo, destinadas a
manter e segurar a liberdade da navegação e commercio.
Portanto, como he do dever das Cortes consolidar a
felicidade geral, por meio de sabias e justas leys, e com
isso proteger a religião, os direitos da coroa, e os dos
cidadãos; assim também pertence a meu officio vigiar
na execução e cumprimento dessas leys, e especialmente
das leys fundamentaes da Monarchia, em que se concen-
tram as esperanças e desejos do povo Hespanhol. Este
será meu mais grato e constante dever. O poder que a
Constituição outorga a authoridade Real, será empregado
no estabelicimento e inviolável preservação dessa Consti-
tuição, e nisso consistirá o meu dever, o meu deleite, e
a minha gloria. Para acabar e aperfeiçoar esta grande e
saudável empreza, depois de implorar humildemente o
auxilio e guia do Author de todo o bem, requeiro a ac-
tiva cooperação das Cortes, cujo zelo, intelligencia, pa-
triotismo e amor à minha Real pessoa, me levam a espe-
rar, que concurreraõ em todas as medidas necessárias,
Política. 115
para alcançar tam importantes fins, justificando assim a
confiança da heróica naçaõ, por quem foram eleitos.

Replica do Presidente.
As Cortes ouviram com singular satísfacçaõ a sabia
falia, em que Vossa Majestade expressou seus nobres e
generosos sentimentos, e descreveo o estado da naçaõ.
As Cortes apresentam a Vossa Majestade seus mais res-
peituosos agradecimentos, pelo ardente zelo com que V.
M. promove a prosperidade geral, e promettem cooperar
com a intelligencia de V. M., e contribuir, por todos os
meios possíveis, para o alcance dos importantes objectos
para que foram convocadas.

BUENOS-AYRES.

Continuação dos documentos publicados pelo Governo,


para o processo dos réos por alta traição.

Primeira sessaõ secreta do Congresso, em Quarta feira


27 de Outubro de 1819.

Reunidos os Senhores Deputados na salla das sessoens


as dez da manhaã deste dia, e feito signal pelo Senhor
Presidente, se abrio e lêo uma nota, com a qualidade de
secretíssima, do Supremo Director do Estado, datada
do dia anterior, incluindo uma communicaçaõ dirigida
de Paris pelo Enviado Fxtraordinario, juncto ás Potên-
cias Europeas, D. Jozé Valentin Gomez, datada em 18
116 Política.
de Julho próximo passado, ao Secretario de Estado nas
repartiçoens de Governo e Relaçoens Estrangeiras. Con-
cluída a leitura da dieta Nota, se procedeo á do dicto
Deputado. Nella, depois de expor, que tinha sido con-
vidado a uma conferência pelo Ministro dos Negócios
Estrangeiros de S. M. Christianissima, e tendo-a no dia
1.° do mez, em que data a sua communicaçaõ, manifesta
a proposta, que lhe fizera o dicto Ministro, de estabelecer
nestas Provincias uma monarchia constitucional, collo-
cando nella o Duque de Luca, antigo herdeiro do Reyno
de Etruria, e parente por parte materna da dynastia dos
Bourbons: contando com que esta eleição encontraria o
melhor acolhimento nos Soberanos das Cortes principaes,
e particularmente nos Imperadores de Áustria e de Rús-
sia, abertamente decididos pela pessoa do Duque, e em
maior gráo pelos interesses geraes daquelle Continente; e
com que a olharia S. M. Christianissima com especial
complacência, e empregaria a seu favor seus altos respei-
tos e sua poderosa influencia com os demais Soberanos,
sem poupar ao mesmo tempo quantos meios estivessem a
seu alcance para protegêlla, ja fosse com auxílios de toda
a qualidade, que se fizessem necessários, ja pelo arbítrio de
convencer a S. M. Catholica a que desistisse da guerra,
em que se achava empenhado com estas Provincias. Ma-
nifesta depois o reparo que oppuzéra, de que se nao acha-
va competentemente authorizado para este negocio, e a
demais, que naõ seria bem aceita deste Governo toda a
proposição, que naõ envolvesse como bazes essenciaes a
cessação da guerra com Hespanha, a integridade do ter-
ritório do antigo Vice-reynato, incluindo-se particular-
mente a Banda Oriental, e os auxílios necessários para
fazer mais respeitável a situação actual do Estado; o
que se naõ poderia prudentemente esperar da eleição do
Duque de Luca; que, outro sim, tinha a desfavorável
Política. llf
circumstancia de achar-se solteiro, e por conseqüência
sem successaõ. Que, tendo-lhe opposto estes reparos, o
Ministro accrescentou, que seria do particular cuidado
de S. M. Christianissima alcançar de S. M. Catholica a
terminação da guerra, e o reconhecimento da indepen-
dência destas Provincias; que o Principe de Luca pode-
ria contrahir seu enlace matrimonial com uma das Prin-
cezas do Brazil, com a expressa condição de que este
Governo evacuasse a Banda Oriental, renunciando de sua
parte a toda a preterição a indemnizaçaõ : por cujo meio
se asseguraria também a successaõ â coroa: que S. M.
Christianissima contribuiria com auxilíos de toda a espé-
cie, e os mesmos que teria proporcionado em igual caso
para um Principe do sangue: e que, sobre tudo, se em-
pregariam todos os meios possíveis para fazer que se rea-
lizasse o projecto, e com elle a prosperidade destes po-
vos. Conclue o Deputado Gomez, com que tendo ouvi-
do estas novas ex posiçoens, respondeo ao Ministro pela
segunda vez, que naõ se achava completamente authori-
zado para deliberar por si mesmo, e que daria conta ao
Governo, exigindo as instrucçoens necessárias, com a
qual proposta se conformou aquelle facilmente, offere-
cendo entretanto mover por sua parte esta negociação,
até pôlla no melhor estado possivel. Faz, depois, algu-
mas observaçoens sobre este importante e delicado as-
sumpto, e acompanha uma memória, em que se apoia o
mesmo pensamento, a qual assegura ter-lhe sido entregue
posteriormente, por um particular, como que continha
as ideas do Baraõ de Reneval, considerado naquella
corte como chefe da diplomacia Franceza. Concluída a
leitura de ambos os documentos, e a fim de proporcio-
nar-se o tempo necessário para meditar sobre este delica-
díssimo negocio, a salla resolveo, que se suspendesse seu
exame até o sabbado immediato, cltando-se os Senhores
116 Política.
Deputados, que naõ tinham concurrido na presente ses-
saõ.
Neste estado se leo outra nota secreta do Supremo Di-
rector, da mesma data da anterior, acompanhando 09
N.o* de um até quatro, de communicaçoens que se lhe
pediram do General San Martin, edo Governo de Chilet
relativas ás causas porque se suspendeo a expedição pro-
jectada contra Lima, e passaram em commissaõ aos Se-
nhores Deputados Funes e Saeuz, para que informassem
a salla. Com o que terminou a sessaõ.—Pedro Francisco
de Uriarte, Vice-Presidente.
A margem: Senhores Presidente e Vice-Presidente—
Gallo.—Saenz.—Guzman.—Malavia.—Bustamante.—Zu-
danez.— Pacheco. —Funes.—Carrasco.— Lascano.—Via-
niont.—Rivera.—Dias Velez.—Chorroarin.—Azevedo.

Segunda.

Sessaõ secreta de Quarta Feira 3 de Nobembro de 1819.

Reunidos os Senhores Deputados na salla das sessoens


á hora do custume, se tornou a tomar em consideração o
ossumpto, que fitou pendente nas duas anteriores, sobre
a proposta do Ministro das Relaçoens Estrangeiras da
Corte de Paris, feita ao Enviado Extraordinário deste
Governo, juncto ás potências Europeas, o Dr. D. José
Valentin Gomez, para o estabelicimento de uma monar-
chia constituí ional nestas Provincias, sob a direcçaõ do
Principe de Luca, segundo se expressou mais largamente
na acta secreta de 26 de Outubro anterior. Occupado
seriamente o Congresso da gravidade, delicadeza, e tran-
scendência deste negocio, sem esquecer os termos em
que o propõem o Supremo Poder Executivo, na sua nota
Política. HO
official de 26 do mesmo Outubro, se apresentou logo á
sua consideração, por uma parte, a incompatibilidade,
que envolve a proposta com a forma da constituição po-
lítica do Estado, que está ja sanecionada e publicada,
aceita pelos povos sem contradicçaõ, e que o Congresso
e elles tem jurado solemnemente sustentar e observar; e
por outra a falta de faculdades para variálla, naõ sendo
debaixo das formas, que ella mesma prescreve, para con-
sultar melhor sua estabilidade e permanência. Mas, no
conceito de que a dieta proposta do Ministro de Estado
da França naõ sáe da esphera de um simples projecto de
negociação, que seguramente virá a ser encontrado pela
Gram Breranha, a quem naõ pôde convir, que uma po-
tência continental e da primeira ordem, como a França
sua antiga rival, cujos interesses políticos e mercantis
combinados com os da Áustria, Prússia e Rússia conspi-
ram de um modo bem perceptível a contrabalançar a pre-
ponderância do poder Britannico, adquira um ascenden-
te decisivo sobre estas Provincias, pelo estabelicimento de
um Principe, que apresentando-se-nos, ou dando-se-nos
esperança de que será mantido por aquellas potências, he
Í6SO somente, em quanto parece, destinado a conciliar, ou
mais propriamente a subordinar os interesses da America
á influencia da política continental Europea: naõ foi dif-
ficil responder, que naõ se tractando hoje em dia de ap-
provar nem de ratificar um tractado, pelo qual se varie
e transtorne a constituição adoptada, mas unicamente
um mero projecto de negociação, o interesse do paiz, a
política, e as mesmas extraordinárias criticas circum-
stancias, de que nos achamos rodeados, sem recursos
para concluir uma guerra tam desastrosa e prolongada,
estando, no meio disto, ameaçadas com as formidáveis
forças, que prepara o obstinado e implacável orgulho Hes-
panhol, nos impõem o dever de tirar daquella pi opôs-
120 Política.
ta o melhor partido possivel, a beneficio da independên-
cia política do paiz: ja interessando por este motivo a
Corte de Paris, para que empregue sua poderosa influen-
cia com o o gabinete de Madrid, a fim de que se suspen
dam os preparativos da grande expedição, destinada à
subjugaçaõ destas Provincias, em que insiste com tena-
cidade El Rey Catholico; ja inclinando o Ministro de
França a que por este interesse comece a tractar com
nosso Governo, se vá pouco a pouco acustumando a reco-
nhecèllo, e acabe por fim de vencer a repugnância, que
sempre tem os ministros de testas coroadas, a entreter
relaçoens com os Enviados de republicas nascentes, a
quem por todo favor apenas se consideram existentes de
acto, quando por sua proposição nos suppoem ja o Mi,
«isterio de Paris, ao menos tacitamente, em aptidão e
com direito para dispor de nossa sorte e da das Provín-
cias, por meio de um tractado; ja podendo lançar maõ
do arbítrio de fazer deixar ver, destra e occultamente a
proposta da França ao Ministro da Gram Bretanha, a fim
de o decidir ao reconhecimento de nossa independência
absoluta, e para que nos ajude a sustentai Ia, e ultima-
mente ganhando tempo (ao menos em quanto por meio
da negociação se alcança entreter ou suspender a expedi-
ção ou armada Hespanhola) para regular o nosso interior,
preparar nossa defeza, estabelecer nosso credito no exte-
rior, e pôr-nos em um pé de respeitabilidade, que pro-
porcione maiores vantagens, neste ou n'outro qualquer
tractado; cujo resultado em ultima analyzc virá sempre
a ficai sugeito à approvaçaõ do Senado, com duas terças
partes dos votos, conforme a Constituição; a qual tam-
pouco pode ser variada em nenhum de seus artigos, e
muito menos na forma essencial do Governo, senaõ pelo
consentimento das duas Câmaras, expressado pelo modo
e forma, que prescreve a mesma constituição : sobre éa-
Política. 1£1
fcas c outras sérias e mui detidas observaçoens, dirigida s
todas a consultar o bem do paiz, sustentar a Constitui-
ção, e deixar illesas as faculdades da próxima Legislatu-
ra, para que obre neste gravíssimo negocio do modo que
mais convier a fixar a sorte das Provincias, e affiançar a
sua solida e permanente felicidade, classificada em primei-
ra ordem, se pôz a votos a proposição seguinte <j Se se
admitte o projecto (de que se tracta) condicionalmente,
ou naõ? Verificada a qualificação, resultou approvada a
affirmativa. Salvaram seus votos os Senhores Zudaflez e
Villegas, ordenando a salla, que se pedissem os seus aos
Senhores Dias Velez, Azevedo, e Lazcano que naõ ti-
nham assistido á sessaõ.
Ao depois se procedeo a nomear uma commissaõ, que
apresente em projecto as condiçoens, debaixo das quaes
se ha de admittir aquelle, e designado o numero de três
Senhores Deputados para a Commissaõ, resultaram elei-
tos os Doutores Bustamante, Funes e Saenz. Com o
que terminou a sessaõ, A margem. Senhores Presiden-
te, Vice-Presidente.—Charroarin.—Carrasco—Pacheco.
Uriarte.—Soiilla. —Viamont—Guzman.— Rivera.—Zu-
dadez,—Bustamante.—Funes.—Saenz.—Galla.
Em sessaõ de 3 de Novembro do presente anno de
oitocentos e dezeuove, em que se ventilou e decidio a
proposta feita pelo Ministério Francez, de admittir para
Rey destas Provincias Unidas o Principe de Luca, o
meu voto foi o seguinte.
Naõ estando nas minhas faculdades contrariar a von-
tade expressa de minha Provincia pelo Governo Republi-
cano, manifestado nas instrucçoens a seus Deputados
para a Assemblea Geral Constituinte; nem variarem seu
principio fundamental a Constituição do Estado; meop-
ponho á proposta, feita pelo Ministério Francez, de ad-
mittir o Duque de Luca para Rey das Provincias Uni-
VOL. XXV N ' 147. Q
122 Política.
das. E sem embargo de estar persuadido, que este
projecto humilhante e prejudicial á felicidade nacional
ha de abortar no seio mesmo da França: considerando
as vantagens que pôde proporcionar-nos a sua communi-
caçaõ, com copia da memória do Baraõ de Reneval, ao
Gabinete da Gram Bretanha e aos Estados Unidos da
America Septentrional, opino, que, sem perda de um
momento, se lhes participe, assim como os motivos em
que se funda, e suas conseqüências. Que os Encarrega-
dos de Negócios Gomez e Ribadavia, para ganhar tempo,
entretenham o Ministério Fiancez, quanto seja possivel,
antes de o desenganar; porém que sendo apertados a com-
municar-lhe o ultimatum do soberano Congresso, passem â
Inglaterra (naçaõ mais formidável para a America, que
todas as do Continente Europeo) a pôr em movimento
os preciosos recursos, que lhes tem apresentado, este
negocio. E que o Deputado mandado ao Governo de
Chile, por seu Enviado em Paris, com officios relativos
a este mesmo assumpto, continue sua viagem, sem que
seja necessário communicar-lhe o resolvido. Salvo meu
voto ao pé da letra.—Jaime de Zudafíez.
Na mesma sesaaõ o Senhor Deputado D. Alexo Ville-
gas votou do modo seguinte: Sem entrar por agora no
exame das vantagens ou inconvenientes do projecto, sou
de parecer; que, sendo a sua admissão diametralmente
contraria á constituição, que se acaba de jurar, naõ ha
authoridade no Congresso para o adoptar, e até creio, que
se o projecto he vantajoso ao paiz, pôde abortar pelo
mero facto de o Congresso Soberano o adoptar, sem ob-
servar as regras prescriptas pela Constituição no capitu-
lo que tracta de suas reformas; e muito mais estando
tam immediata a reunião da Legislatura Constitucio-
nal.
Na mesma sessaõ, e pelo mesmo assumpto foi o meu
Po/itica. 123
voto, que se admittisse o projecto constitucionalmente,
debaixo das instrucçoens, que se derem aos Enviados;
sendo o meu voto pela affirmativa, com absoluta refe-
rencia ás condiçoens, que julguei por minha parte esse-
cialissimas, as quaes, se naõ saõ approvadas pela sanc-
çaõ geral, estou pela negativa, e tenho resalvado meu
voto.—Dor. José Miguel Dias Velez.

Terceira sessaõ secreta aos 12 de Novembro, 1819.


Estando os Deputados junctos na sua salla das sessoens
á hora do custume, os membros do committé encarrega-
do de minutar o projecto das condiçoens, com que se
havia de admittir a proposição feita pelo Ministro dos
Negócios Estrangeiros, na Corte de Paris, com as vistas
de estabelecer nas Provincias-Unidas uma Monarchia
Constitucional, matéria plena e deliberadamente d icuti-
da nas três sessoens precedentes, e sua admissão condi-
cional, resolvida na ultima; informaram a Salla, de
que estavam promptos a apresentar o relatório dos traba-
lhos do Committé. O projecto foi apresentado por es-
cripto, e sendo lido três vezes, fizéram-se algumas obser-
vaçoens geraes, e ao depois se procedeo a examinar sepa-
radamente cada uma das condiçoens, que nelle se con-
tinham.
Fazendo-se isto a respeito da primeira, a qual dizia;
" Que S. M. Christianissima emprehenderia obter o con-
sentimento das cinco potências alliadas da Europa, e
também o da mesma Hespanha:" foi approvado com a
addiçaõ de que se requeresse especialmente o consenti-
mento da Grani Bretanha. Os Senhores Zudanez, Dias
Velez, Rivera e Uriarle deram os seus votos nos termos
entrados nos jornaes.
124 Política.

Sendo examinada a segunda condição, que diz; " Que


vencidas estas diffículdades S. M. Christianissima em-
prehenderá também facilitar a aliiança matrimonial do
Duque de Luca com uma princeza do Brazil, tendo esta
aliiança por baze a renuncia, da parte de S. M. Fidelissis-
sima, de todas as suas pretençoens, aos territórios possuí-
dos por Hespanha, conforme as ultimas linhas de demar-
cação concordadas; assim como ás indemnizaçoens,
que possa ter de requerer, por causa das despezas, que
tem incorrido nesta empreza, contra os habitantes da
margem oriental do Rio-da-Prata; " approvou-se com a
qualificação de que, em lugar de margem septentrional
se inserisse margem oriental; e na ultima parte as pala-
vras " Rio-da-Prata" fossem supprimidas.
A terceira e quarta condiçoens foram entaõ examina-
das, em devida ordem, e approvadas nos seguintes ter-
mos.
Terceira; que a Erança se obrigará a fornecer ao Du-
que de Luca, todo o auxilio que elle possa requerer, para
estabelecer uma monarchia nestas provincias, e fazella
respeitar; e nella se deve comprehender, pelo menos,
todo o território contido nos antigos limites do Vice-rey-
nato do Rio-da-Prata, incluindo as provincias de Monte-
Vedio, com toda a Margem Oriental, Entre-Rios, Cor-
rientes, e Paraguay.
Quarta; Que estas provincias reconhecerão por seu
Monarcha o Duque deLuca, sob a constituição política,
que tem adoptado, á excepçaõ daquelles artigos, naõ
adaptados à forma de um governo monarchico hereditá-
rio, que será reformado da maneira constitucional ali
prescripta.
O Quinto, que diz; " Que havendo concordado as po-
tências da Europa na coroaçaõ do Duque de Luca, isto
se realizará, ainda que a Hespanha persista em sua deter-
Política. 125

minaçaõ de tornar a conquistar estas províncias" ; foi da


mesina-soite approvado, qualiíicando o seu votoo Depu-
tado Zudanez.
A sexta condição; " Que no caso sobredicto a França
auxiliará a vinda do Duque de Luca, com toda a força
que a em preza requer, ou porá este Governo em estado
de se oppôr aos esforços de Hespanha, ajudando-o com
tropas, armas, vasos de guerra, e um imprestimo de três ou
quatro milhoens de pezos fortes, pagaveis na terminação
da guerra, e restabelicimento da tranquillidade no paiz,"
foi approvada com a qualificação, de que em lugarde três
ou quatro milhoens, se inserissem três mais, e o Deputa-
do Dias Velez qualificou seu votou.
Immediatamente depois se procedeo a examinar, em
devida ordem, a septinia, oitava e nona condiçoens,
que foram approvadas nos seguintes termos-
Septima, que por nenhum principio se dará effeito ao
projecto, se houver razaõ paia recear, que a Inglaterra,
olhando com deprazer para a elevação do Duque de
Luca, estiver disposta a oppôllo, ou frustrallo pela força.
Oitava, que o tractado, que deve effectuar o Ministro
dos Negócios Estrangeiros da França com o nosso Envia-
do em Paris, será ratificado no termo fixo para este fim,
por S. M. Christianissima, e pelo Supremo Director des-
te Estado, com o prévio consentimento do Senado, se-
gundo as formas constitucionaes.
Nona, que com estas vistas o nosso Enviado estipula-
rá o tempo necessário, em ordem a que este negocio de
tam alta importância, se possa devidamente concluir; e
conduzirá o mesmo com toda a circumspecçaõ, reserva,
e precaução, que pede sua delicada natureza; assim
como lambem em ordem a prevenir que o projecto
aborte, e guardar-se contra as fatais conseqüências, que
teriam lugar, se transpirasse prematuramente; por causa
126 Política.
das malignas observaçoens e interpretaçoens, que os ini-
migos da felicidade do nosoo paiz naõ deixariam de
fazer sobre elle.
Havendo-se requerido os votos daquelles membros,
que naõ assistiram na sessaõ precedente, quando a pro-
posição "se se devia ou nao admittir condicionalmente
o projecto de que se tracta," foi decidido; communica-
rem-se estes, assim como que o Senhor Dias Velez tinha
qualificado o seu voto. Depois do que se fechou a ses-
saõ. Assignâram á margem os senhores Presidente,
Gallo, Funes, Lazcano, Zudanez, Sorilla, Uríarte, Pacheco
Bustamante, Azevedo, Guzman, Carrasco, Chorroarin,
Rivera, Dias Velez, Saenz.
O acima he conforme com as actas secretas, transcriptas
nos jornaes do Congresso Soberano, desde paginas 128 até'
134 contidas em um grande livro de folio, encadernado
em Morocco amarello: e ainda que ha algumas cousas
riscadas e alteradas na pagina 141, saõ ellas devidamen-
te authorizadas, e tudo certificado na margem: que os
três votos qualificados, ali inseridos, saõ os mesmos que
se contém no verso da folha 11 e 12 de um livro distinc-
to posto no fim, e temos também contrasignado o do Dr.
Alexo Villegas, que parece naõ ter sido assignado. E
em obediência das ordens do Governador da Provincia
contidas no seu decreto de 14 do presente mez authoriza-
mos e assignamos o mesmo, em Buenos-Ayres em 19 de
Março,de 1820.
(Assignado) D. J O L E R A M O N DE BASAVILBASO.
Principal Notar io do Governo.
D. JOAÕ J O Z E R O C H A . Notario Publico.
M A R I A N O G A R C I A DE ECHABUZ,Notario
Publico,
T H O M A Z JOSÉ B O I S O , Notario Publico.
N A R C I S O DE Y R A N Z U A G A , Notario Publico.
Política. 127

O Procurador Geral ao Governador.

O Procurador Geral, nomeado para proceder na accu-


saçaõ da presente causa, participa, que a fim de realizar
os justos desejos proclamados pelo Governo, e em ordem
a que se ponham em execução: debaixo das mais escru-
pulosas formas legaes, e que o publico seja informado
de todos os termos do processo, como nem uma nem ou-
tra cousa se possa fazer com propriedade; sem publicar
e annexar a este auto, naõ somente as instrucçoens, que
levou para França o Enviado D. Jozé Valentin Gomez,
juncta mente com as que lhe foram ao depois transmitti-
das pelos poderes Executivo e Legislativo, em virtude
de um acto deste de 12 de Novembro proxime passado;
mas também o tractados com a Corte do Brazil, a que
allude a proclamaçaõ de 14 do corrente; assim como os
actos que se lavraram a este respeito, os poderes e instruc-
çoens conferidas a D. Mauuel Garcia, Enviado juncto á
mesma Corte, junctamente com todas as mais communi-
caçoens, que lhe dizem respeito; V. Ex», he portanto
requerido a ordenar, que os dictos documentos se forne-
çam, alem de outros quaesquer que o Procurador Geral
possa ao depois julgar ncessarios. Buenos-Ayres 23 de
Março de 1820.
D. JOAÕ BAUTISTA VILLEGAS.
(O sobredicto foi approvado pelo Governador, o os do-
cumentos mandados entregar.)

Sessaõ Secreta de 4 de Septembro de 1816.


Tendo-se ajunctado os Deputados do Congresso na sal-
la de suas sessoens, ás nove horas e meia ma manhaã de
12S Política.
hoje (estando presentes os membros, cujos nomes vaõ
notados na margem) mandando o Presidente guardar si-
lencio, discutiram-se primeiramente os objectos mencio-
nados nos jornaes, o Secretario leo entaõ o piojeclo de
instrucçoens, minutado pelo eoniinitté encaregado de as
organizar, e que as tinha apresentado alguns dias antes,
mas naõ se tinham podido examinar até agora. Haven-
se tomado em consideração o seu conthcudo, com toda a
deliberada circumspecçaõ requerida pela natureza de um
negocio, provavelmente o mais importante que se podia
apresentar aos soberanos representantes do povo da Ame-
rica Meredional, e concordando-se unanimemente em
duas addiçoens, cada um dos membros presentes expres-
sou a sua opinião a respeito das cláusulas, que restavam
no dicto projecto, de suas instrucçoens, por meio de um
voto, cujo resultado final foi, que se sanecionou em todas
as suas partes, e nos termos em que foi concebido, com
duas addiçoens acima mencionadas, e com uniaestipula-
çaõ de se lhe acerescentarem outros quaesquer artigos,
que ao depois se julgassem necessários, assim como para
reformar ou revogar qualquer cláusula ou cláusulas, con-
forme a exigência das circumstancias; tudo o que se de-
terminou por uma maioridade de vinte e dous votos, e o
theor das dietas instrucçoens he os seguinte :—*
Secretíssimo.
Para o interessante fim de ser fundamentalmente in-
formado das vistas políticas do Gabinete do Brazil e se-
gurar por este meio o feliz êxito de sua missaõ, o Envia-
do se porá em communicaçaõ com D. Nicholao Herrera;
leito isto, mostrará seus plenos poderes para tractar com
o coininamlaiite cm chefe da Expedição Portuguc/a, o

* Estas instrucçoens foram ja copiadas, mas naõ por extenso,


tio X". precedente a p. 30.
Política. 129
Tenente General D. Frederico Lecor, obrando com toda
a franqueza, que requer a importância do negocio, em que
deve patentear a boa fé, animada pelo interesse da paz e
felicidade do povo deste paiz.
A baze principal de toda a negociação deve ser a liber-
dade e independência deste paiz, representado em Con-
gresso, que este tem solemnemente proclamado, e as
provincias tem jurado defender, a todo o sacrifício.
Debaixo do principio que, no fim de mais de seis an-
nos de revolução e sacrificios, será impossível separar
qualquer parte do paiz, o Commissario trabalhará por ob-
ter de D. Nicholao Herrera as mais exactas informaço-
ens, sobre tudo quanto diz respeito ao objecto de sua
missão, e particularmente sobre o meio de se chegar e
tractar com o General Lecor, de quem exigirá os arran-
jamentos, que fez Garcia com o Governo do Brazil: os
quaes, por segura via, transmittirá ao Supremo Director
do Estado, com toda a brevidade possivel, ajunctando
uma conta das observaçoens, que tiver feito, sobre o es-
pirito, propriedade ou impropriedade do mesmo; e se o
General Lecor lhos naõ der, porque talvez os naõ tenha em
seu poder, o Commissario obterá delle as informaçoens
ou idéas, que elle disso possa ter, e as transmittirá ao
Supremo Director, com a conta acima indicada.
Logo que estabelecer as suas communicaçoens, o Com-
missario trabalhará por informar Herrera, e o General
Lecor, do verdadeiro estado deste paiz, obliterando de
seus espiritos as exaggeradas idéas, que possam ter do
estado de desordem, em que nos suppoem ; dando-lhes a
entender, que, depois da inauguração do Congresso, da
nomeação do Supremo Director, da organização dos ex-
ércitos, e varias outras reformas, a anarchia tem quasi
cessado de todo; porque o povo em geral, seus chefes, e
VOL. XXV. N°. 147
130 Política.
mais especialmente os generaes dos exércitos, estaõ pene-
trados da mais profunda obediência e submissão á Sobe-
rania, e que, se, em algumas partes, restam algumas pe-
quenas desordens, saõ ellas as ultimas faíscas de um in-
cêndio recentemente apagado, e que, longe de ameaçar
algum perigo, faraõ com que seja de todo extincto.
Manifestar-lhe-ha o respeitável pé em que se acham
nossos exércitos, os esforços das provincias, que os aug-
mentam diariamente; e, debaixo da direcçaõ do Soberano
Congresso, as bem fundadas esperanças, que temos, de
fazer progressos em Chili, cujos habitantes, enthusiastas
e cheios de desesperaçaõ contra o inimigo, que os oppri-
me, esperam anxiosamente o nosso exercito, superior ao
de Lima em subordinação e disciplina, e de nenhuma
maneira inferior em numero, e que bem cedo emprehen-
dera recobrar aquelle paiz ; também os nossos meios de
expulsar do alto Peru as legioens, que o occupam, naõ
saõ menores, porque os delles se diminuem continua-
mente, pela constante guerra de partidários, que os natu-
raes do paiz lhe fazem, ajudados por varias divisoens do
nosso exercito, commandado por officiaes de credito,
bem informados do paiz, e que chamam a attençaõ do
inimigo para todos os lados, surprendendo-o continua-
mente com seus destacamentos, e impedindo-lhe descer
para esta parte, naõ obstante as desgraças de Vilcapugioi
Ayouma, e àipesipe; de tudo o que resulta, que o exer-
cito de Sancta Cruz, e as outras divisoens apontadas,
augmentam tam consideravelmente, que he possivel que
ellas, só de por si, bastarão para destruir o inimigo, e
obrigàllo a desistir de sua empreza de sustentar-se no
Peru.
Notar-lhe-ha, que o povo deste paiz, temeroso das
vistas do Gabinete Portuguez, nesta parte do rio, está
inquieto, e esta inquietação lhes causa o expresso desejo
Política. 131
de auxiliar o General Artigas; por cuja razaõ o Governo
destas provincias deseja anxiosamente receber provas da
sinceridade do dicto Gabinete, e taes que possam tran-
qüilizar os espíritos dos habitantes, com estas vistas so-
mente, se manda um official com uma bandeira de tre-
goas, para pedir ao General Lecor explicaçoens, a respe-
ito de sua expedição militar a este rio, e contra o terri-
tório da Banda Oriental, naõ obstante as profissoens de
amizade, que o Congresso tem recebido de Sua Majes-
tade Fidelissima.
Para este fim o Commissario lhe deve dará entender,
que, se o objecto do Gabinete Portuguez |he somente re-
duzir á ordem a margem oriental, de nenhum modo se
lhe permittirá tomar posse de Entre-Rios ; pois este ter-
ritório pertence á Provincia de Buenos-Ayres, e nunca
o Governo o renunciou, nem cedeo a margem oriental.
Explicar-lhe-ha também a grande popularidade do
Congresso nestas províncias, ea confiança, que põem em
suas deliberaçoens ; e que, naõ obstante as ideas ultra"
democráticas, que se tem manifestado por toda a revolu-
ção, o Congresso, assim como a parte solida e illuminada
do povo, e na verdade a generalidade deste, estaõ dis-
postos a favor de um systema de monarchia moderada e
constitucional, adaptada ao estado e circumstancias do
paiz, de tal maneira, que possa assegurar a tranquillidade
e ordem do interior, e estreitar mais suas relaçoens e in-
teresses com os do Brazil, de maneira que os identifique
do melhor modo possivel,
Procurará convencêllos do interesse e vantagens, que
resultam destas ideas, a favor do Brazil, declarando-se
este o protector da liberdade e independência destas pro-
vincias, restabelecendo a Familia dos antigos Incas, e li-
gando-a com a de Bragança, sobre o principio, que, sen-
do ambos os Estados unidos, por uma parte, o continente
132 Política.
Americano augmentará muito em conseqüência, e de
maneira que poderá contrabalançar o Mundo Antigo, e
cortar os laços, que retardam os passos da política, e
impedem o seu natural progresso para seus altos desti-
nos ; epor outra parte, a obstinada revolução deste paiz,
determinado a naõ e.xistir de outra maneira que naõ seja
no character de naçaõ, apresenta obstáculos difficliltosos
e insuperáveis á sua subjugaçaõ; tanto pelas grandes e
quasi desertas distancias, que medêam entre as cidades,
o que impede o transporte de exércitos, de umas para
outras; como pelos meios exclusivos que possuem, de
conduzir contra qualquer inimigo uma guerra de partidá-
rios; gênero este de guerra, que, tendo arruinado os ex-
ércitos, que estavam no paiz, e impedido a marcha do
que occupava o Peru, naõ obstante o seu particular co-
nhecimento do paiz, virá por fim a destruir todo o exer-
cito estrangeiro, por maiores que sejam suas forças: a
antipathia, que existe presentemente entre os habitantes
destas províncias e os do Brazil, produzida geralmente
entre paizes vizinhos, que tem differentes governos e lin-
guagem, e animada entre nôs pelos Hespanhoes; assim
como a diversidade de character, custumes e hábitos, e
idéas, derivadas das diflerentes leys, que nos tem gover-
nado desde a conquista, e as rf voluçoens, que temos ex-
perimentado.
Se depois dos mais afincados esforços, que o Commissa-
rio deve fazer, para obter á acquiescencia na primeira
proposição, ella for regeitada; proporá entaõ a coroaçaõ
de um dos Infantes do Brazil nestas províncias, ou a de
qualquer outro Infante estrangeiro, o qual, formando
uma connexaõ com uma das Infantas do Brazil, possa
governar estas províncias debaixo de uma Constituição,
que o Congresso ha de apresentar. No caso em que o
Goveruo Portuguez aceite alguma das proposiçoens, esse
Política. 133
mesmo Governo emprehendcrá remover todas as difficul-
dades, que se possam levantar da parte da Hespanha.
Se nenhuma das precedentes proposiçoens for admitti-
da, o Commissario se esforçará, pelas razoens apontadas
nestas instrucçoens, em os convencer da impossibilidade
de que este paiz adopte outro qualquer plano, e o Com-
missario deve lembrar vigorosamente ao Governo do Bra-
zil, os males, que resultarão de uma empreza, que nun-
ca se poderá ter como honrada aos olhos da justiça e das
naçoens civilizadas, e que trará sobre si o ódio e execra-
ção deste paiz, assim como do Continente da Europa; e
de tudo dará parte ao Soberano Congresso, por meio do
Supremo Director.
Se, durante o curso destas negociaçoens, se fizer al-
guma queixa, a respeito do auxilio que o Governo des-
tas provincias presta ao General Artigas, o Commissario
dará disso tatisfacçaõ, respondendo, que o Governo senaõ
tem podido dispensar disso, em razaõ de naõ haver garan-
tia publica do Governo Portuguez, que assegure este paiz,
das justas, pacificas, e desinteressadas vistas do Brazil; e
assim, por um comportamento contrario, Buenos-Ayres
ficaria em perigo de excitar a desconfiança do povo, o
qual, entrando em uma convulsão geral, frustraria as vis-
tas de ambos os Governos, dirigidas a colocar estas pro-
vincias em um estado de paz, e fixar as bazes de sua
eterna felicidade, estreitando mais as relaçoens entre am-
bos, ou identificando seus interesses da maneira mais
conforme a suas respectivas circumtsancias.
Pelo que respeita os outros incidentes, que se podem
originar desta negociação, e naõ saõ expressos nestas in-
strucçoens, o Commissario regulará o seu comportamento
pelos princípios e espirito dellas, assim como pelas ou-
tras informaçoens, que se lhe deram, obrando com toda
a prudência e circumspecçaõ, quea importânciae delica-
deza deste negocio requer, e tendo sempre em lembrança,
134 Política.
que qualquer ponto da Commissaõ, que lhe he confiada,
sobre que se possam fazer convênios, naõ pode ser posto
em execução plena, senaõ depois das deliberaçoens do
Congresso, segundo o que elle se julgará obrigado a apre-
sentar ante a Soberania, por meio do Supremo Director,
qualquer tractado ou convênio que emprehender, em
ordem a obter a sua sancçaõ.
Tucuman, 4 de Septembro de 1816.

Aimda mais secreto.


Como o Commissario deve obrar com toda a informação
conducente ao objecto de sua missaõ, elle terá uniforme-
mente em lembrança as communicaçoens officiaes, que
se lhe fizeram, assim como as confidenciaes, que Garcia
passou aos ex-directores Alvarez e Balcarce, e as deste ao
primeiro, sobre as relaçoens do Governo destas Provinci-
as com o do Brazil, e de que o Supremo Director lhe
dará copias por extenso.
Naõ obstante a franqueza que o Commissario deve
mostrar para com Herrera, trabalhará com toda a devida
prudência, circumspecçaõ e segredo, por se informar de
pessoas de veracidade, sobre o comportamento publico
de Garcia e Herrera no Brazil, e das intençoens e senti-
mentos, que possam mostrar para com esta Corte, e para
com a de Hespanha, e dará disso a devida informação
ao Congresso, por meio do Supremo Director expres-
sando os fundamentos das opinioens, que formar sobre
este objecto. Pela mesma razaõ, e até que esteja perfei-
tamente covencido dos sentimentos e bòa fé de Herrera,
naõ fará uso de mais franqueza para com elle, do que
julgar essencialmente necessário.
Trabalhará cautamente por descubrir, se ha alguns
tractados e convençoens entre os gabinetes do Brazil)
Política. 135
Hespanha e Inglaterra, para a subjugaçaõ da America,
ou deste território, ou para outro qualquer intento, e
quaes saõ as vistas destes gabinetes, e de tudo fará rela-
ção ao Soberano Congresso, pelo canal acima indicado.
Se se requerer do Commissario, que estas provincias
se incorporem com o Brazil, elle se opporá abertamente
a isso; manifestando, que suas instrucçoens se naõ ex ten-
dem a um caso deste gênero; e produzirá as razoens
que lhe occurerem, a fim de provar a impossibilidade da
medida, e os males, que dahi resultariam ao Brazil. Se,
porém, depois de haver exhaurido toda a sorte de argu-
mentos, insistirem sobre este ponto, observar-lhes-ha,
como de si mesmo, e como sendo o mais a que estas pro-
vincias poderiam vir a consentir, que, formando-se em
um Estado distincto do Brazil, reconheceriam como seu
Monarcha a S. M. Fidelissima, em quanto elle conservar
a sua corte neste continente, porém isto debaixo de uma
constituição, que o Congresso lhe apresente: e em apoio
destas ideas, se alargará em todas as razoens apontadas
nas instrucçoens separadas, que lhe saõ dadas, e n'outras
que se possam oíferecer; porém, qualquer que for o re-
sultado desta discussão, deve communicállo immediata-
mente ao Congresso, por meio do Supremo Director.
Desde que o Commissario se puzerem communicaçaõ
Com D. Nicholâo Herrera, procurará com grande segre-
do informar-se das forças Portuguezas e das de Artigas,
observará os movimentos e progressos de ambos, e se-
gundo o que puder deduzir de suas observaçoens, verá
se he prudente accelerar ou retardar as negociaçoens, no
entanto que estas provincias se habilitam a augmentar
suas forças, e melhorar sua situação, ganhando vantagens
do lado do Peru e Chili; porém se as armas Portuguezas
avançarem rapidamente, trabalhará por concluir os tracta-
dos, seja restabelecendo a familia dos Incas, connexa
136 Política.
com a de Bragança, seja coroando nestas provincias um
Infante do Brazil, ou qualquer outro estrangeiro, excepto
um Hespanhol, conforme as qualificaçoens requeridas
nas instrucçoens separadas, que se lhe ministram na data
desta.
Se observar, que o General Lecor procura ganhar tempo,
por um comportamento ambíguo, boas palavras, propo-
siçoens inadmissíveis, até que tenha obtido vantagens so-
bre o povo da Banda Oriental, e pôr-seem estado dedic-
tar-nos a ley, mandará immediatamente avizo ao Congres-
so, pelo canal sobre dicto, assim como a Garcia, a fim
de que este possa obrar, com taes informaçoens, de ma-
neira conveniente, a respeito do gabinete do Brazil.
Finalmente, como pôde acontecer, que o Commissario
tenha de fazer algumas communicaçoens extremanente
particulares, que se naõ devam expor aos perigos com-
muns; ordena-se-lhe, que, neste caso, use da cyfra, que
lhe dará o Supremo Director do Estado. Tucumam
4 de Septembro de 1816.
(Seguiam-se as qualificaçoens dos votos de alguns
membros, e as assignaturas necessárias para legalizar o
acto, copiadas dosjornaes do Congresso.

Sessaõ secreta de 27 de Outubro, 1816.

Tendo-se ajunctado extraordinariamente na salla das


sessoens do Congresso, os Deputados nomeados á mar-
gem, depois do Presidente fazer signal de silencio, o
committé encarregado de minutar as respostas ao Supre-
mo Director, sobre as relaçoens estrangeiras, fez o relató-
rio de seus trabalhos, consistindo em dous officios a Sua
Excellencia, e um diploma para o Commissario D. Mi-
guel Yrigoyen. No primeiro destes officios, se determi-
Política. 137
na que o Supremo Director faça as seguintes variaçoens
nas instrucçoens secretas, que aos 4 de Septembro se
passaram, para servir de guia ao Agente Secreto.
Que no sexto artigo das instrucçoens secretas, que co-
meça.—" Dar-lhes-ha a entender, que o povo," &c. e
conclue com " os amigáveis desejos de Sua Majestade
Fidelissima," em vez da cláusula que diz, " para o fim
somente de os tranqüilizar, se substitua o seguinte:"
pois com as vistas de os tranqüilizar manda o Governo a
D. Miguel Yrigoyen, para juncto da pessoa do General
Lecor, a pedir-lhe explicaçoens, a respeito da expedição
Portugueza, em ordem a que com esta capa possa me-
lhor cubrir o principal objecto de sua commissaõ parti-
cular."
Que no septimo artigo, que principia assim ; " Com
estas vistas," e acaba, " naquella margem»" em lugar
do verbo " tomar posse" se substitua o termo " estenden-
der-se ali."
Que no segundo artigo das instrucçoens ainda mais
secretas, que diz assim : " se se requerer do Commissa-
rio" e acaba, " por meio do Supremo Director se supri-
mirá a passagem, que diz " Se porem depois," &c. atê
"o resto para se tomar em consideração :" e o acima foi
uniformemente approvado.
No segundo officio, lido pelo secretario, se compre-
hendiam as resoluçoens do Congresso, determinadas em
vários votos, relativamente ás ultimas communicaçoens
de D. Manuel Garcia, ao que o Committé accrescentou
no 4.° artigo, que o dicto Garcia requeresse do Ministério
do Brazil uma declaração por escripto, asseverando, que
o Governo do Brazil naõ cooperará nem auxiliará directa
ou indirectamente o Governo Hespanhol, na subjugaçaõ
destas provincias, manifestando-lhe as apprehensoens e
VOL. XXV. N.o 147. s
138 Política.
desconfiança, criadas pelo dèscanço e falta de queixas,
da parte do Ministro Hespanhol, relativamente aos pre-
parativos de Sua Majestade Fidelissima, destinados á in-
vasão destas provincias, e ao mesmo tempo as ordens
dadas pelo gabinete de Madrid, para o acantonamento de
tropas dentro do território do Brazil, esperando achar ali
apoio e recursos, sem a protecçaõ daquelle governo.
O quinto artigo, naõ obstante o que se determinava
previamente, foi lançado nas seguintes palavras. " Quin-
to, que Garcia igualmente recebesse instrucçoens, para
que Vossa Excellencia fosse informado do resultado das
medidas, que se mandam seguir nos artigos precedentes:
que, depois de manifestar tudo a Yrigoyen, se lhe entre-
guem na forma original, guardando copias, a fim de que
o dicto Yrigoyen possa remetter os originaes a Vossa
Excellencia.
(Seguiam-se as assignaturas, e reconhecimento do No-
tario Publico.)

NÁPOLES.

Decreto, instituindo um Committé de Segurança pu-


blica.
Era virtude da authoridade, que nos foi transferida
por El Rey nosso Augusto Pay e Soberano; considerando
que a mantença da ordem he o uniforme desejo do povo,
e a baze principal daquella uniaõ, sem a qual naõ pôde
existir nem opinião publica nem força publica ; desejan-
do adoptar as mais efficazes medidas, para executar a
nova constituição, proclamada por El Rey, nosso Augus-
to Pay, e por nós; Temos decretado e decretamos o se-
guinte:—
Artigo !.• Nomear-se-ha, para a nossa fiel cidade de
Política 139
Nápoles, e para a sua provincia somente, um Committé
temporário de Segurança Publica. Este Committé será
composto das pessoas abaixo nomeadas; a saber;—
O Inspector Geral e Commandante da Guarda de Segu-
rança; os Conselheiros da Corte Suprema de Justiça,
Nicoláo Lebetta; Joseph Laghezza; Paschal Borrelli;
Gregorio Muscari; Donato Colleta; e Pedro Antônio
Reggiero.
2. Os poderes do Committé saõ:—
(a) Determinar segundo as circumstancias o serviço da
Guarda da Segurança Interna.
(b) Dirigir o emprego dos actuaes agentes de Policia,
para a mantença da tranquillidade publica, até que se
forme um regulamento deffinitivo para a prevenção e re-
pressão dos crimes.
Em todos os procedimentos, relativos aos poderes as-
sim concedidos, o Committé será apoiado pela Guarda de
Segurança Interna, Gens cVArmerie, e Fuzileiros Reaes.
A nenhum destes corpos se permittirâ, que faltem á obe-
diência do que lhes prescrever o Committé.
3. Todos os nossos Ministros Secretários de Estado,
cada uma na sua repartição, saõ encarregados da execu-
ção do presente decreto.
Nápoles 7 de Julho.
(Assignado.) FRANCISCO. Vigario-Geral,

Proclamaçaõ do Vigario-Geral do Reyno, sobre a revolta


de Sicilia.

Fernando I. pela Graça de Deus e a Constituição da


Monarchia, Rey do Reyno das Duas Sicilias, Rey de
Jerusalém, Infante de Hespanha, &c. &c.
140 Politica-
Francisco, Duque de Calábria, Principe Hereditário e
Vigario-Geral.
Palermitanos!—Vos, a quem eu chamo meus filhos,
sois os primeiros a submergir-vos na sediçaõ e desordem,
contra os nobres princípios, que sempre distinguiram
vossa naçaõ. Em um momento esquecestes os deveres
de homens e de cidadãos. Tendes obrado em opposiçaõ
a vossos interesses, e à causa publica. A mais penosa
reflexão para mim he, que, ao momento em que me se-
parei de vós, e antes que se pudesse experimentar o effei-
to de minhas medidas para a diminuição de vossos car-
regos e melhoramento de vossa condição, vos esqueces-
tes de minha constante affeiçaõ, e dos sacrifícios, que
tenho feito por vos. Antes do que acreditar, que me en-
ganava nos signaes de amor e fidelidade, que sempre rne
tendes mostrado, desejo considerar vossos erros como
obra de instigadores. Porém o mal naõ he daquelles, que
naõ tem remédio. Voltai á ordem, ao respeito pelas
leys, e obediência a El Rey. A profunda dor, que tem
afiligido e meu coração, he de algum modo aleviada of-
ferecendo-vos perdaõ. Guardai-vos de persistir nos hor-
rores de revolução; considerai que esses horrores podem
cenduzir-vos aonde naõ desejais ir. Se pensais que algu-
ma cousa he preciso para vossa felicidade, confiai em
mim, que nunca deixei de merecer vossa confiança.
Imitai o exemplo de vossos irmaõs de Nápoles. Elles
vos poderão dizer se as intençoens d'El Rey e as minhas
naõ tem conrespondido com seus desejos. Tenho a
maior anxiedade por averiguar o quehe mais conveniente
â vossa condição, e á segurança e felicidade da naçaõ.
Mas naõ posso dirigir a minha attençaõ para os vossos
interesses, a menos que desterreis de vós as desgraçadas
formas de sediçaõ, que tendes assumido. Deponde as
armas, e naõ me obrigueis a recorrer a medidas, que se-
Política. 141
riam penosas a meus sentimentos. Submettei-vos ás leys
e aos magistrados. Convencei-me de que sois capazes de
apagar completamente vosso crime. Eu vos promêtto
solemnemente, que perdoarei a todos, e naõ inquirirei
nem a causa da revolta, nem os instigadores, se agora pres-
táreis ouvidos â minha vóz, e sentireis remorsos por ha-
vereis retribuído tam mal â minha affeiçaõ.
Nápoles 20 de Julho, 1820.
FRANCISCO. Vigario-Geral.

RÚSSIA.

Nota do Ministério Imperial Russiano, ao Ministro Hes-


panhol Residente.
Petersburgo 20 de Abril, 1820.
A nota, que o Cavalheiro de Zea Bermudez dirigio ao
Ministério de Rússia, em data de 19 de Abril, foi apre-
sentada ao Imperador.
Constantemente animado pelo desejo de ver que se
mantém e florecem junctamente na Hespanha, a prospe-
ridade do Estado e a gloria do Soberano; Sua Majestade
o Imperador naõ pôde ouvir sem profunda afflicçaõ os
acontecimentos, que deram occasiaõ á nota official do
Cavalheiro Zea.
Ainda que estes acontecimentos fossem considerados
somente, como deploráveis conseqüências de erros, que,
desde o aano de 1814, pareciam pressagiar uma catastro-
phe na Península, com tudo nada podia justificar as ag-
gressoens, que entregam os destinos de qualquer paiz a
criais violentas. Demasiadas vezes tem similhantes de-
sordens annunciado dias de lucto aos impérios.
O futuro da Hespanha apparece outra vez debaixo de
142 Política.

lugubre e perturbado estado. Em toda a Europa deve


despertar-se uma bem fundada desinquietaçaõ; porém,
quanto mais sérias saõ estas circumstancias, e quanto
mais capazes saõ de serem fatacs á tranquillidade geral,
de que o mundo apenas tem provado os primeiros fructos,
menos pertence ás potências, que garantem aquelle benefi-
cio universal, o pronunciar separadamente, com precipi-
tação, e segundo vistas limitadas ou exclusivas, um juizo
definitivo, sobre as transacçoena, que marcaram o princi-
pio do mez de Março, em Hespanha.
Naõ duvidando que o Gabinetede Madrid dirigio com-
municaçoens similhantes a todas as Cortes Alliadas, Sua
Majestade Imperial crè facilmente, que toda a Europa
está a ponto de fallar, em voz unanime, ao Governo Hes-
panhol a linguagem da verdade; e consequentemente a
linguagem da amizade, igualmente franca ebem intencio-
nada
No entanto, o ministério Russiano naõ pôde dispensar-
se de ajunctar algumas consideraçoens, sobre os factos,
anteriores ao que o Cavalheiro Zea de Bermudez referlo
em sua nota. Como elle, o Gabinete Imperial invocará
o testemunho daquelles factos; e, citando-os, lhe fará
saber os princípios, que o Imperador se propõem seguir,
em suas relaçoens com S. M. Catholica.
Sacudindo o jugo estrangeiro, que a revolução France-
za lhe tinha imposto, a Hespanha adquirio indelével
titulo á estimação e gratidão de todas as potências Euro-
peas.
A Rússia lhe pagou o tributo destes sentimentos, no
tractado de 8 (20) de Julho, 1312.
Depois da pacificação geral tem a Rússia, de concei-
to com seus aluados, dado mais de uma prova do inte-
resse que toma para com a Hespanha. A conresponden-
cia, que teve lugar entre as diversas Cortes da Europa,
Política. 143
attesta os desejos, que o Imperador sempre formou, de
que a authoridade do Rey se consolidasse em ambos os
hemispherios, pelo meio de puros e generosos princípios,
e com apoio de vigorosas instituiçoens, tornadas ainda
mais vigorosas, pelo modo regular de seu estabelicimen-
to. As instituiçoens, que emanam dos thronos saõ cort-
servativas; mas se nascem entre as perturbaçoens, so-
mente produzem novocháos. Declarando a sua convic-
ção neste ponto, o Imperador somente falia segundo as
liçocns da experiência. Se olhamos para o passado,
grandes exemplos se apresentam á meditação das naçoens
e dos soberanos.
S. M. persiste na sua opinião; os seus desejos naõ tem
mudado; disto dá elle aqui a mais formal segurança.
Pertence agora ao Governo da Península o julgar, se
instituiçoens impostas por um destes actos violentos, fa-
tal patrimônio da revolução, contra que a Hespanha luc-
tou com tanta honra, podem realizar os benefícios , que
ambos os mundos esperam da sabedoria de S. M. Catho-
lica e do patriotismo de seus conselhos.
O caminho, que a Hespanha escolher, para buscar este
importante objecto, as medidas por que procurar destruir
a impressão produzida na Europa pelo acontecimento
do mez de Março, devem determinar a natureza das
relaçoens, que S. M. Imperial conservará com o Gover-
no Hespanhol, e a confiança, que elle sempre desejará
mostrar-lhe.

Memória dirigida a todos os Ministros da Rússia, so-


bre os negócios da Hespanha.

OCavalleiro de Zea Bermudez apresentou ao Gabinete


144 Política.
Imperial anota annexa, relativa aos acontecimentos,que
acabam de succeder na Península, e de que ja estávamos
informados, pelos officios de nossos agentes nas Cortes
Estrangeiras.
Mr. de Zea, neste documento, se limita a informar-
nos, que a Constituição, promulgada pelas Cortes no an-
no de 1812, foi aceita por El Rey, e expressa o desejo
de saber como o Imperador olha para esta mudança de
Governo.
Se se considerar a distancia, que nos separa da Hespa-
nha, e dos listados, que melhor podem pezar com madu-
reza a natureza dos desastres, que a ameaçam, prompta-
mente se reconhecerá, que a posição do Ministério Im-
perial, a respeito do representante da naçaõ Hespanhola,
he difficultosa e delicada.
A revolução da Península fixa a attençaõ dos dous he-
mispherios; os interesses, que vai a dedidir, saõ os inte-
resses do Universo; e se jamais o Imperador desejou,
que as opinioens de seus aluados regulassem a sua delle,
certamente foi na occasiaõ, em que a nota do Cavalhei-
ro de Zea impo/. aS. M. Imperial a obrigação de pronun-
ciar sobre um acontecimento, que involve, talvez, o futu-
ro destino de todas as naçoens civilizadas. Existia, po-
rém, esta obrigação ; porque, hoje em dia, toda a maté-
ria duvidosa vem a ser instrumento da melevolencia.
Portanto, a necessidade de responder a Mr. Zea éra
evidente; mas nesta importante conjunetura parecêo na-
tural, que, antes de pronunciar uma opinião, o Impera-
dor considerasse o objecto a que se propuzéram as Po-
tências Aluadas, nas suas relaçoens com Hespanha; que
consultasse ae vista», que ellas tinham expressado á mes-
ma Potência; e que tomasse por sua guia os princípios
da política Europea. Isto éra o que S. M. Imperial éra
obrigado a fazer; isto he o que se fez.
Política. 145
Desde o anno de 1812, mais de um documento diplo-
mático attesta a generosa solicitude, que as diversas
Cortes da Europa tem constantemente manifestado a fa-
vor da Hespanha. Ellas applaudlram a nobre perseve-
rança, com que seu intrépido povoresistio o jugo estran-
geiro. Fizeram honra a sua sabedoria, quando os Hes-
panhoes se bandeáram com um throno constitucional,
para os mais charos interesses de sua pátria; que eram
os interesses de sua independência. Finalmente, desde
o período em que a Providencia restaurou Fernando VII
ao seu throno povo, nunca deixaram de reconhecer, que
instituiçoens sólidas eram somente quem podia segurar
em suas bazes a antiga monarchia Hespanhola.
Os soberanos Alliados fizeram mais. No decurso de
longas conferências, relativas ás Hifferenças no Rio-da-
Prata, e á pacificação das colônias, fizeram com que
fosse suficientemente entendido, que estas instituiçoens
deixariam de ser um meio de obter paz e felicidade, se,
em vez de serem outorgadas pela bondade como conces-
são voluntária, fossem adoptadas pela fraqueza, como
único recurso para a salvação.
Examinemos, por outra parte, as grandes transacço-
ens, que estabeleceram a Aliiança Europea. Qual he o
objecto dos ajustes, que se renovaram aos (3) 15 de No-
vembro, de 1818?
Os Monarchas Alliados acabavam de obliterar os últi-
mos traços da revolução da Fiança; mas aquella revolu-
ção parecia prestes a produzir novas calamidades.
Portanto a obrigação dos monarchas éra, e foi o seu
desígnio, prevenir que a mesma tormenta arrebentasse do
mesmo horizonte pela terceira vez, e dessolassea Europa.
Com tudo como se naõ fossem sufflcientes os receios,
que entaõ excitava e ainda excita o estado da França,
V o i . XXV. N.« 147. T
146 Política.

como se os governos e naçoens só entretivessem leves


duvidas somente a respeito de sua futura condição, foi
necessário que o gênio máo escolhesse novo theatro, e
que a Hespanha, em seu turno, fosse offerecida como ter-
rível sacrifício. A revolução, portanto, mudou o seu
terreno, mas os deveres dos monarchas naõ podem ter mu-
dado a sua natureza: e o poder da insurrecçaõ naõ he
menos formidável, nem menos perigoso, do que teria sido
em França.
Em uniformidade, por tanto, com seus alliados, S.
M. naõ pôde deixar de desejar ver, que se conceda á Pe-
nínsula, assim como a suas provincias transmarinas, um
governo, que o Imperador considera, como o único que
pôde justificar alguma esperança, neste século de cala-
midades. Mas em virtude de seus ajustes de (3) 15 de
Novembro 1818, Sua Majestade he obrigado a marcar,
com a mais estrenua reprovação, as medidas revolucio-
nárias, postas em acçaõ, para dar novas instituiçoens
à Hespanha. Tal he a duplicada idéa, que se acha desen-
volvida na resposta annexa, que o gabinete de Rússia
dêo ao Cavalheiro Zea, por ordem de Sua Majestade Im-
perial. O Imperador naõ duvida, que seus augustos al-
liados approvarão o seu contheudo, e talvez tenham ja
dirigido sentimentos análogos á Corte de Madrid. De
facto os mesmos desejos tem talvez inspirado a mesma
linguagem: e convencidos, como Sua Majestade, de
que o crime deve sempre produzir fructos perniciosos,
sem duvida tem elles deplorado, como o Imperador, o
ultragem que recentemente manchou os annaes da Hes-
panha. Repetimos; este ultragem he deplorável. He
deplorável para a Península; he deplorável para a Euro-
pa; e a naçaõ Hespanhola deve agora dar o exemplo de
um facto expiatório, ao povo dos dous hemispherios.
Em quanto isto se naõ fizer, o infeliz objecto de sua des-
Política. 147
inquietação somente os pode fazer temer o contagio de
suas calamidades. E com tudo, no meio destes elemen-
tos de desastre, e quando tantos motivos se combinam
para aíiligir os amigos reaes do bem das naçoens, ainda
se pôde olhar para melhor futuro. ,; Haverá alguma
medida sabia e redemptora, cujo effeito seja recon-
ciliar a Hespanha com sigo mesma, e com as outras po-
tências da Europa ?
Naõ nos attrevemos a affirmallo; porque a experiência
nos tem ensinado a considerar quasi sempre como illu-
saõ, a esperança de um feliz acontecimento. Mas, se
podemos confiamos cálculos, que o interesse pessoal pa-
rece indicar; se nos he permettido presumir, que as
Cortes consultarão o interesse de sua própria conservação,
pode-se crer, que ellas se apressarão a extirpar, por uma
medida solemne, tudo quanto he culpavel, nas circum-
stancias, que acompanharam a mudança de administra-
ção na Hespanha. Nisto se identificam os interesses
das Cortes com os interesses da Europa. O soldado des-
encaminhado, que os protegeo, pôde amanhaã atacàl-
los: e o seu primeiro dever para com seu monarcha, pa-
ra com sua pátria, e para com sigo mesmos parece ser,
provar que nunca consentirão em legalizara insurreição.
Estas esperanças naõ saõ destituídas de algum funda-
mento. O Imperador, porém, está bem longe de as
nutrir; e se admitte a possibilidade de um resultado tam
útil, o faria depender da unanimidade, que se manifestar
na opinião das principaes potências da Europa, quanto
ao acto por que os representantes do povo Hespanhol
devem assignalar a abertura de suas*deliberaçoens. Esta
unanimidade, sempre poderosa, quando toma o charac-
ter de um acto irrevogável, talvez leve com sigo a con-
vicção aos espíritos dos mais eminentes membros do go-
verno de Sua Majestade Catholica; e as Cortes aluadas
148 Política.
parece que teriam fáceis meios de imprimir em sua lin-
guagem tam respeitável uniformidade.
Os seus ministros na França, tem até aqui tractado,
em seu nome, com um plenipotenciario da Corte de Ma-
drid. <;Naõ podem elles agora representar-lhes em com-
mum, observaçoens, cujo resumo fosse o seguinte, e que
lembrasse ao Governo Hespanhol o comportamento as-
sim como os princípios políticos dos Monarchas Allia-
dos?
" Os Monarchas," diriam os cinco Ministros, " nunca
cessaram de desejar a prosperidade da Hespanha. Sem-
pre a desejarão. Tem desejado, que, na Europa assim
como na America, instituiçoens conformes aos progres-
sos da civilização, e ás necessidade do século, procurem
a todos os Hespanhoes longos annos de paz e de felicida-
de. Desejam o mesmo neste momento. Tem desejado
que todas estas instituiçoens sejam uma bençaõ real, pe-
la maneira legal com que forem introduzidas. Agora
desejam o mesmo.
" Esta ultima consideração dará a conhecer aos Minis-
tros de Sua Majestade Catholica, com que sentimentos
de afflicçaõ e dôr os dictos Monarchas souberam dos
acontecimentos de 8 de Março e dos que o precederam.
Na opinião dos Monarchas Alliados, a salvação da Hes-
panha, assim como a felicidade da Europa, requerem
que este crime seja desapprovado, esta mancha apagada,
este máo exemplo exterminado. A honra de tal repara-
ção, parece que depende das Cortes. Deplorem, pois,
reprovem estrenuamente os meios empregados para esta-
belecer o novo modo de Governo no seu paiz; e conso-
lidando uma administração, sabiamente constitucional, ad-
optem as mais rigorosas leys contra a sediçaõ e a revolta."
" Entaõ, e só entaõ, poderão os Gabinetes Alliados
manter relaçoens amigáveis com a Hespanha."
Política. 149
Estas observaçoens, urgidas em commum pelos repre-
sentantes das cinco Cortes demonstrarão daqui em dian-
te ao Ministério Hespanhol, o comportamento que os
Governos Alliados observarão, no caso em que as conse-
qüências do 8 de Março perpetuem na Hespanha a per-
turbação e a anarchia. Se estes saudáveis conselhos fo-
rem ouvidos; se as Cortes offerecerem a seu Rey, em
nome da naçaõ, um penhor de obediência; se alcança-
rem estabelecer, sobre bazes duráveis, a tranquillidade
da Hespanha, e a paz da America Meredional, a revolu-
ção será desfeita, no momento em que julgava ter obtido
um triumpho.
Se, pelo contrario, se realizarem receios, talvez dema-
siadamente racionaveis, ao menos haverão as cinco Cor-
tes desempenhado um dever sagrado: ao menos uma
nova occurrencia terá desenvolvido os princípios, indica-
do o objecto, e manifestado o fim da aliiança Europea.
O Imperador espera as respostas das Cortes de Vienna,
Londres, Berlin e Paris, ás communicaçoens, que seus
ministros lhes tem dirigido sobre esta matéria. Elle as
informa de que a presente Memória he a instrucçaõ, que
mandou expedir a todos os seus ministros sobre os negó-
cios da Hespanha.
( 148 ) [150]

COMMERCIO E ARTES,

PORTUGAL.

Edictal da Juncta do Commercio em Lisboa, sobre os di-


reitos dos navios Portuguezes na Inglaterra.

Constando na Real Juncta do Commercio.Agricultura,


Fabricas, e Navegação, por officio do cônsul desta naçaõ
Portugueza em Bristol, Antônio Baraõ de Mascaranhas,
datado em três de Abril ultimo, que desde a convenção
de 1.812 entre o nosso Governo, e o Britannico até 1818,
tem os navios Portuguezes pago ali os direitos de porto,
como os estrangeiros, estando por isso o Governo Britan-
nico na obrigação de pagar as difierenças, e ficarem os
navios Portuguezes no mesmo pé que os Navios Britan-
nicos: manda o referido tribunal participar aos proprie-
tários de navios, que estiverem nas dietas circumstan-
cias, que podem mandar receber as quantias que lhes
competirem, dirigindo-se para isso ao mencionado cônsul,
que por serviço da naçaõ se offerece gratuitamente a en-
carregar-se dos documentos dos interessados, e procurar-
lhes o seu embolço.
E para que chegue á noticia de todos, se affixou o pre-
sente. Lisboa 27 de Junho de 1820.

(Assignado) J O Z E A C C U R S I O DAS NEVES.


Commercio e Artes. 151

Edictal, pela Juncta de Commercio em Lisboa, sobre as


indemnizaçoens lnglezas, pelos navios Caveira, e Se-
nhor da Cana-Verde.

A Real Juncta do Commercio, Agricultura, Fabricas, e


Navegação, em conseqüência do Aviso Regio de 17 do
corrente mez, expedido pela Secretaria d'Estado dos Ne-
gócios Estrangeiros, e da guerra, manda annunciar aos
proprietários, e carregadores do Brigue Caveira, tomado
pela Fragata Ingleza Inconstante, na sua viagem da Bahia
para o Cabo Lopo Gonçalves; como também aos propri-
etários, e carregadores do Navio Senhor da Cana Verde,
tomado pela Fragata Ulysses na sua viagem de Pernam-
buco para S. Thomaz, que na commissaõ mixta estabele-
cida na Corte de Londres, em conseqüência do Artigo
IX da Convenção addicional ao tractado de 22 de Janei-
ro de 1815, se julgaram illegaes as prezas dos referidos
Navios, adjudicando-se aos donos do primeiro a somma
de 12:277 lib. est. 15 s. 3 d. por perdas, damnos, e juros
até 31 de Maio do corrente anno, e aos do segundo a
somma de 5:708 lib. 13 s. 1 d. para sua indemnizaçaõ;
de cujas quantias poderão ser embolsados naquella Corte,
dirigindo-se a seus procuradores, ou correspondentes.
Epara que os interessados possam ter conhecimento do
referido se afixa o presente. Lisboa 21 de Junho de
1820.
JOZE A C C U R S I O DAS N E V E S .

Edictal, pela Juncta do Commercio em Lisboa, sobre as


indemnizaçoens Francezas.

Todos os Portuguezes, vassallos destes Reynos, que


forem interessados nos Navios e cargas destruídos e quei-
152 Commercio e Artes.
mados nos mezes de Julho, Agosto, e Septembro de
1805 pela esquadra Franceza do Vice-Almiraute d'Alle-
mand, devendo authorizar uma pessoa da sua confiança
na Corte de Paris, a fim de receber o que lhes tocar, no
rateio dos juros do Capital, applicado para o pagamento
das duas reclamaçoens admittidas pela convenção de
25 de Abril de 1818, podem dirigir-se á Secretaria da
Real Juncta do Commercio, Agricultura, Fabricas, e Na-
vegação onde se lhe faraõ as competentes participaçoens a
este respeito, em conseqüência das ordens de Sua Majes-
tade. Os referidos Navios queimados e destruidos saõ
os seguintes: Pastorinha, Capitão Joaquim da Rocha
Marques; Correio do Mar, Capitão Euzebio de Aguiar;
S. Joaõ Baptista, Capitão Jozé Gomes; Hercules, Capi-
tão Luiz Franco; Potsdam, Cap. Idolkerts Gerts; Wel-
vaarem, Capitão G. Éden; Diana, Capitão Ulrieh Jan-
sen; Freundechaft, Capitão Joaquim Christ Wodruk;
Jeune Marcus, Capitão H. Eleven; íris, Capitão Pedro
Thanssen ; N. Senhora do Campo, Capitão Jozé de Cam-
pos; Hrohn Princessin Maria, Capitão Lars Grenager.
E para que chegue á noticia de todos se mandou affi-
xar o presente edictal. Lisboa 19 de Junho de 1820.
JOZE ACCURSIO DAS NEVES.
( 153 )
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LONDRES, 25 de Agosto, de 1820

Qualidade Direitos.
Gêneros.

.Bahia por lb
í Capitania
I ceara . . . . . . 8s. 7p. por 100 l b .
Algodam . . < Maranham . . . em navio Portuguez
1 Minas novas . ou Inglez.
f Para
^" Pernambuco •
Anil.... . . . . R i o 5 por lb.
Redondo . . .
Assucar .
Í Batido
Mascavado . Livre de direitos por
exportação.
Arroz Brazil
Cac&o Pará
Caffe Rio
Cebo Rio da Prata 3s. 2p. por 1121b.
Chifres. Rio Gande por 123 5s. por 1121b.
,A
Rio da Prata, pilha < B
t c
10 p. por couro
9 i Rio Grande ] B
O
O
Pernambuco, salgados
• Rio Grande de cavallo
Ipecacuanba Brazil por lb. 4B.
2s.
I por 1121b.
Óleo de cupaiba
Orucu
P&o Amarelo. Brazil-. } direitos pagos pelo
Pão Brazil . . . . Pernambuco J comprador.
Salsa Parrilha. Pará } direitos pagos pelo
_ (em rolo.... f comprador,livre por
Ta co
l em folha... ' exportação
apioca . . . . . . . B r a z i l . . . . 6* porlb.

Câmbios com as seguintes praças.


Rio de Janeiro 54 Hamburgo 37 6
Lisboa 49 Cadiz
Porto 493 Gibraltar 30
Paris . 25 70 Gênova 43J
A ms ter dam 12 6 Malta 45

Espécie Segu ros.


Ouro em barra £ 3 17 10* Brazil. Hida 25s. Volta 30s
Peças de 6400 reis 3 14 6 Lisboa 15s. 20s
Dobroens Hespa- Porto 20s
nhoes por Madeira 15s. 20s
Pezos.. ..dictos onça. Açores 20s.
Prata em barra Rio da Prata 42s. 42s
Bengala 60s 62s

VOL. XXV. N°. 147


{ 154 )

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artes mechanicas e manufacturas. Por W. A. CadelI,
Esc. F. R. S.
156 Literatura e Sciencias.

PORTUGAL.

Saio á luz: Historia de Portugal. Neste Epitome,


que merece a estima do publico, diz o Edictor da Gaze-
ta, se descreve concisa, mas elegantemente, tudo o me-
morável, que os Portuguezes tem obrado na Europa,
África, Ásia e America, desde a entrada dos Carthagine-
zes na Península, 547 annos antes do nascimento de
Christo até o reynado do Senhor D. Joaõ VI. Em 1 vol.
em 8 ro . preço 480 reis.

Lisboa 2 de Julho.
No dia 24 de Junho celebrou a Academia Real das Sci-
encias uma sessaõ publica, a que assistio um grande e lu-
zido concurso. Abrio a sesssaõ o Illustrissimo e Excel-
lentissimo Marquez de Borba,- Vice-Presidente, com um
breve discurso, a que se seguio outro do Secretario, Sebas-
tião Francisco de Mendo Trigozo, dando conta das trans-
acçoens e trabalhos acadêmicos no anno decorrido. Se-
guiram-se as leituras das seguintes memórias:—" sobre o
encanamento do Rio Vouga e suas utilidades," pelo cor-
respondente Joaquim Baptista;—" sobre a mina de fer-
ro novamente descoberta em Ytaubira do Campo na Ca-
pitania de Minas-Geraes," pelo correspondente Roque
Schuch;—" sobre a resolução das equaçoens de grãos
superiores ao quarto," pelo sócio Francisco Simõens
Margiocho ;—*« sobre a vida e escriptos de Fr. Bernardo
de Britto," pelo correspondente Fr. Fortunato de S. Boa-
ventura: " memórias acerca da vida do Cardeal D. Jorge
da Costa, pelo sócio Francisco Nunes Franklin.—Seguio-
se um discurso histórico, em que o actual Secretario da
Instituição Vaccinica, Jozé Maria Soares, deo conta dos
Literatura e Sciencias. 157
trabalhos da mesma Instituição no anno próximo passa-
do; e rematou a sessaõ com a abertura do bilhete, que
acompanhava a memória premiada, sobre os Apparelhos
distilatorios, que se achou ser do sócio Antônio de Araú-
jo Travassos, e com a leitura e distribuição do novo pro-
gramma para 1822.
Publicou a Academia no decurso deste anno as obras se-
guintes :—Elementos de Geometria^ por Francisco Ville-
la Barbosa, 2." ediçaõ 1. V. em 8.°—Elementos de Hygi-
ene, por Francisco de Mello Franco; 2." ediçaõ, 1. V. em
4.°—Dissertaçoens Chronologicas e criticas sobre a Histo-
ria e Jurisprudência de Portugal, por Joaõ Pedro Ribeiro,
tomo IV., parte l.a em 4.°—Indece Chronologico remis-
sivo da Legislação Portugueza, pelo mesmo; tomo VI.
parte 1.*, em 4.°—Tractado de Trignometria rectilinea e
esférica, por Mattheus Valente do Couto, em 4.°—Efe-
mérides Náuticas para 1821, calculadas por Antônio Di-
niz do Couto Valente, 1. V. em 4.°—Princípios de Musi-
ca, por Rodrigo Ferreira da Costa; parte 1.*, 1. V. em
4.°—Historia e Memórias da Academia Real das Scien-
cias, Volume 6.", parte 2.*, em folio.

DESCUBERTA DO CONTINENTE ANTÁRTICO.

Extracto das gazetas lnglezas.


Esta importante descuberta, que deve produzir incal-
culáveis vantagens para o nosso commercio no mar do
Sul, foi feita o anno passado por Mr. Smith, Mestre do
navio William, de Bligth, em Northumberland. Os nos-
sos traficantes no mar do Sul, que durante as hostilida-
des entre este paiz e a Hespanha, se achavam sugeitos ás
maiores difficuldades e privaçoens, ficarão agora indepen-
158 Literatura e Sciencias.
dentes da Hespanha ou outra qualquer potência, que pos-
sua a America Meredional. Mr. Smith correo por 200
ôu 300 milhas ao longo deste continente, que forma gran-
des bahias, cheias de baleias de espermacette. As cartas
e sondas, que o descubridor fez, estaõ nas maõs de nos-
so Governo. A seguinte breve conta da descuberta, foi
aqui publicada.
Mr. Smith, Mestre do William, de Blighth, em
Northumberland, e traficante entre o Rio-da-Prata e
Chile, trabalhando por facilitar a sua passagem em torno
do Cabo de'Horne, o anno passado, correo a maior latitude
do que he usual em taes viagens; e na latitude 62." 30'. e
Long. Oeste 60, descubrio terra. Como as circumstan-
cias naõ admittiam exame circumstanciado, elle defferio
isto até á sua volta de Buenos-Ayres; e entaõ fez outras
observaçoens, que o convenceram da importância desta
descuberta. Fazendo saber isto em Buenos-Ayres, des-
pertou-se a especulação, e os Americanos-Unidos, que
se achavam naquelle lugar, anxiosamente desejaram ob-
ter todas as informaçoens necessárias, para se aproveita-
rem da descuberta, que viram ser própria a dar vastas
vantagens a um povo commercial. O Capitão Smith,
porém, éra demasiado Inglez, para apoiar suas especula-
çoens, dando-lhes a conhecer de todo o seu segredo, que
tanto lhes convinha possuir; e determinou-se a quea sua
pátria somente gozasse as vantagens de sua descuberta;
e voltando para Valparaiso, em Fevereiro proxime passa-
do, empregou em averiguar a descuberta o mais tempo,
que foi compatível com o seu objecto principal, que éra
uma viagem a salvamento, e bem suecedida. Correo em
rumo de Oeste ao longo de costas, que ou eram um con-
tinente, ou numerosas ilhas, por 200 ou 300 milhas, for-
mando grandes bahias, abundantes de baleias de esper-
macette, e outros animaesmarinhos. Tomou muitas son-
Literatura e Sciencias. 159
das, e rumos, cartas, e pespectivas das costas; e, em
uma palavra, fez tudo quanto o mais experimentado na-
vegante, despachado de propósito para fazer a descrip-
çaõ das costas, poderia fazer. Chegou a desembarcar, e
da maneira usual tomou posse da terra para seu Sobera-
no, e deo á sua acquisiçaõ o nome de New-South-Shet-
land. O clima éra temperado, a costa montanhosa, ap-
parentemente deserta, porém naõ destituída de vegeta-
ção: porque em muitos lugares se viam faias e pinheiros:
em uma palavra, o paiz tinha as mesmas apparencias da
terra nas costas de Norwega. Depois de se ter satisfeito
de todas as particularidades, que o tempo e circumstan-
cias lhe permittiam examinar, deo á vela para o Norte,
em seguimento de sua viagem. Chegando a Valparaiso,
communicou a sua descuberta ao Capitão Shireff, do na-
vio de S. M. Andromache, que ali se achava. O Capitão
Shireff, conheceo immediatamente a importância da com-
municaçaõ, e naõ perdeo tempo em fazer os arranjamen-
tos necessários, para proseguir a descuberta; e despa-
chou incontenente o William, com ofFiciaes da Andro-
mache, e neste ponto deixou a expedição a ultima carta
recebida de Chile; aonde havia as maiores esperanças
das vantagens, que daqui resultariam ; e se a nossa infor-
mação he exacta, o Governo recebeo uma narrativa cir-
cumstanciada deste acontecimento. Tomando uma
apressada vista das chartas do oceano Atlântico e Pacifi-
co, se verá que, posto que o Capitão Cook penetrou a
latitude muito mais alta, e consequentemente tirou a sua
conclusão de naõ haver observando mais nada do que
grandes massas de gelo, ver-se-ha também, que o seu
merediano éra 46 gráos mais a Oeste de New-South-
Shetland; deixando vasto espaço por explorar, no paral-
lelo de 62; entre este e a terra de Sandwich, na longitude
de cerca 28 Oeste. Outra vez chegou a 67, ou cerca dis-
160 Literatura e Sciencias.
so; porém na longitude de 137, a 147 Oeste. Perouse
naõ subio a mais do que 60.° 30. ; Van Couver a cerca de
55.°; outros navegantes passando o estreito de Magalha-
ens e de Le Maire; e a maior parte delles passando o
mais juncto que podiam do Cabo de Horne, a fim de,
como suppunham, abreviar a passagem para o mar Paci-
fico; estas circumstancias explicam razoavelmente, como
esta importante descuberta se demorou para tam tarde.

ECONOMIA POLÍTICA DE SIMONDE

(Continuada de p. 57)
CAPITULO XIII
Dos tractados de commercio.

Desde que por infelicidade do commercio e da indus-


tria, assim como do consumidor, todos os Governos da
Europa entraram na mania de querer favorecer os nego-
ciantes; cessando o principal estudo dos Estadistas de se
dirigir para os meios d* augmentar a força da naçaõ e a
felicidade dos cidadãos, limitou-se a achar os meios de
comprar barato e vender caro. Emprehendêram-se guerras
de commercio para alcançar por meio dellas tractados
de commercio; prodigalizou-se o sangue eosthesouros
das naçoens, para que alguns particulares achassem mais
lucro em suas especulaçoens ; tem-se visto grandes per-
sonagens, Embaixadores respeitáveis, representar tal pa-
pel, que os bons negociantes olhariam como muito abaixo
de si; isto he, requestar seus frequezes para os indu-
zir a comprar de sua naçaõ ; e por uma conseqüência
deste mesmo espirito do nosso século, que aspira sempre
ao que he extraordinário, achou-se naõ sei que grandeza
Literatura e Sciencias. 161
na attençaõ minuciosa, que os Governos prestavam a ba-
gatelas.
Naõ quero com isto dizer, que a legislação commer-
cial d' uma naçaõ naõ possa vir a ser prejudicial a seus
vizinhos; principalmente quando estes tem chegado a um
gráo de opulencia, em que se pudessem entregar ao
commercio exterior. Como o commercio livre he vanta-
joso a ambas as pessoas, que contractam, todas as vezes
que se lhes impede contractar, se faz mal a uma e a ou-
tra; todos os regulamentos das naçoens Europeas, que
saõ desvantajosos a seus subditos, o saõ também pela
reacçaõ, aos que negociam com elles. Por exemplo
quando os Hespanhoes excluíram as naçoens Europeas
de suas colônias na America, naõ somente fizeram mal
a seus colonos e a si mesmos; fizéram-o também aos
fabricantes estrangeiros, que haveriam trabalhado para
elles com mais actividade, e por sommas mais conside-
ráveis do que o fazem hoje em dia.
Este lucro, que se lhe tira, naõ he compensado pelo lu-
cro superior, que fazem os contrabandistas, no seu com-
mercio furtivo. Mas, além de que se pôde duvidar, se
estes inconvenientes saõ iguaes aos que traz com sigo uma
guerra de commercio, naõ he para sustentar uma preten-
çaõ tam racionavel, como he a liberdade do commercio
que se tem dado batalhas, ou negociado tractados ; he
para extorquir de outros povos vantagens desarrazoadas,
e muitas vezes onerosas ao que as concede, eao mesmo
tempo inúteis aos que as obtém.
Os negociadores, que concluíram tractados de com-
mercio, naõ se propuzéram todos ao mesmo fim: uns
procuraram a seus negociantes um monopólio, no paiz
com quem traficam; outros, sem considerar tanto os
interesses dos negociantes, quizêram assegurar-se da fre-
VOL. XXV. No. 147 x
162 Literatura e Sciencias.
quezia dos paizes, com quem se suppunha favorável a
balança do commercio ; outros em fim mais racionaveis
naõ se propuzéram a outra cousa mais do que abrir às
producçoens de seu paiz um mercado livre e extenso, em
um paiz vizinho, para multiplicar as trocas e animar a
industria. Examinemos o effeito destas três sortes de
tractados.
Para obter aos negociantes nacionaes o monopólio de
um paiz estrangeiro, naõ se adiantará até o ponto de
exigir que a naçaõ, com quem se tracta, exclua de seus
mercados todo o outro negociante: mas tem-se obtido, e
pôde ainda obter-se alguma izençaõ dos primeiros direi-
tos, que pagam todas as outras naçoens, ou que sobre-
carreguem as outras naçoens de direitos superiores aos
que paga a mais favorecida. He assim que os negocian-
tes Suissos obtiveram desde o anno de 1571, pelo tracta-
do do Corpo Helvetico com Carlos IX, serem izentos de
todos os direitos da alfândega do Rey em todas ou quasi
todas as mercadorias com que commerceiam: he também
assim que os Portuguezes obtiveram pelo seu tractado
de 1703 com Inglaterra, que examinaremos depois em
outro sentido, que os vinhos de França pagariam sempre
na sua entrada em Inglaterra, um terço mais que os vi*
nhos de Portugal.
Tal estipulaçaõ desarranja o equilíbrio do commercio,
e estabelece uma espécie de monopólio; tira a uns o que
dá de lucro a outros; etudo considerado causa mais perda
que proveito.
Se a naçaõ favorecida he absolutamente libertada do
imposto que pagam as outras, como succedia aos Suis-
sos por sua capitulação com a França, o fisco perde to-
dos impostos, que pudera ter recebido do commercio
desta naçaõ; o preço das mercadorias Suissas se acham
por isso menos subidos, que os preços dessas mesmas
Literatura e Sciencias. 163
mercadorias importadas pelos Alemaens ou outros estra-
geiros; podendo os primeiros cedellas ao consumidor
a melhor mercado; naõ porque abaixassem o seu preço
intrínseco ; porque nem o seu numeio, nem seus capitães
eram proporcionados ao numero dos consumidores, e as-
sim naõ podiam elles sós bastar a servillos. Obrigavam
portanto os outros negociantes a abater alguma cousa de
seu preço, ao mesmo tempo que elles se elevavam ao
seu nível: tudo quanto faziam pagar de mais do preço
intrínseco, aos Francezes, pelas mercadorias que lhes
vendiam, éra para estes uma perda; porque éra um lu-
cro para o monopolista, de que se aproveitavam os nego-
ciantes Suissos, em vez de ir para o Fisco.
Naõ ha duvida que os negociantes Suissos ganhavam
com uma izençaõ, que augmentava seus lucros; mas para
saber se a sua naçaõ tinha nisso alguma vantagem, he
preciso conhecer qual éra nessa epocha o estado de seus
capitães, e estar seguro de que ja entaõ ella tivesse su-
perabundantes para a sua circulação interior; de outra
maneira tirando para um commercio estrangeiro mais
fundos doque teria feito sem este favor, podia-se fazer
maior mal á naçaõ em geral, doque se faria bem a alguns
particulares; porque se podia fazer com que as fabricas
e definhassem, e se arruinasse a agricultura do paiz,
aonde o capital Suisso naõ mantinha senaõ obreiros Suis-
sos, para pôr em actividade, por uma circulação mais
lenta, menor numero de obreiros, ametade Suissos ame-
tade Francezes.
A vantagem, que o tractado, negociado por Mr. Me-
theuen, deo aos Portuguezes sobre os Inglezes, he de
outra natureza. Naõ sao os mercadores Portuguezes que
saõ mais favorecidos, mas sim as mercadorias de seu
paiz; de maneira que, em vez de attrahir os seus capitães
para fora de Portugal, fixam-se nelle em maior numero,
164 Literatura e Sciencias.

favorecendo ali a cultura da vinha. O ódio dos Inglezes


contra os Francezes lhes tem feito passar além da promes-
sa, que tinham feito a Portugal.; porque, reunindo todas as
imposiçoens sobre os vinhos, o de Portugal, que entra no
porto de Londres em um navio Inglez, apenas ali paga me-
tade do que paga o vinho Francez; e estes impostos saõ tam
exorbitantes, que ja naõ deixam escolha ao consumidor,
entre os vinhos dos dous paizes: o imposto somente he
tam superior ao preço da compra e aos gastos do porto
de ume outro vinho, que estas ultimas circumstancias saõ
as que menos influem na venda. Os Inglezes, para favorecer
Portugal, se obrigai am a pagar a preço mais subido, um
vinho que, em geral, estimam menos, e a transportallo
para sua terra coin maiores despezas; antes do que ad-
mittir os que lá se lhe levam. Toda a perca, que a In-
glaterra faz a este respeito, naõ cede em proveito de Por-
tugal ; a única vantagem real, que a este resulta do trac-
tado, he que, fazendo a necessidade da Inglaterra levan-
tar o preço intrínseco, os seus negociantes tiram dos
Inglezes o lucro do monopolista; e acham, ou pelo me-
nos podem achar, maior lucro na cultura das vinhas, do
que na desenvoluçaõ de outro qualquer ramo de indus-
tria.
Com tudo, este tractado, que Mç. Methuen concluio
com Portugal, em 1703, he considerado por algumas pes-
soas comofructo da mais admirável política, da parte da
Inglaterra, a qual obteve nesta occasiaõ, que se revogasse
a prohibiçaõ de seus panos, e que fossem admittidos em
Portugal, no mesmo pé que os das outras naçoens. Os
que assim julgam, naõ apreciam no commercio, senaõ a
vantagem de tractar com naçoens, que paguem em ouro
ou prata, e cujo balanço he, a seus olhos, sempre favorá-
vel; tal he Portugal, que naõ tem por principal mercado-
ria senaõ os metaes preciosos que tira do Brazil. Seja
Literatura e Sciencias. 165
qual for o preço porque se obtenha tam boa frequezia,
julgou-se que se naõ devia regatear com ella.
Entretanto, de todas as vantagens, que se podem pro-
curar ao commercio,a mais futil ea mais vaã, he a de
vender a uma naçaõ, que paga em numerário, e naõ com
outras mercadorias. Creio ter sufficientemente demon-
strado, no primeiro livro desta obra, que o ouro naõ éra
o que constituía a riqueza real d'uma naçaõ ; mas que éra
somente o signal desta riqueza; signal por meio do qual
se transportava de uma maõ para outra, e se punha em
actividade ; que se se pudesse amontuar em um só paiz
todo o numerário do Universo, e impedir que dali saisse,
este numerário o naõ faria mais rico; que se, para o ob-
ter, se tivesse trocado pela riqueza real, ou pelos objec-
tos, que servem ao consumo dos homens, o paiz se em-
pobreceria muito com similhante troca, pois o valor do
numerário se naõ proporciona nem a seu pezo, nem a
sua quantidade; mas ao valor da riqueza mobiliária, que
faz circular; que umanaçaõ, que fosse privada da rique-
za real, naõ teria senaõ o seu signal, se naõ pudesse tro-
car este signal nas naçoens vizinhas, veria cessar a sua
industria e os seus meios de existir ; que, em fim, o nu-
merário naõ tinha valor, senaõ em quanto se dispunha
delle; pois naõ se pôde guardar sem perda, nem empre-
gar em seu devido uso.
Temos visto igualmente, que por uma conseqüência
necessária da avidez de toda a pessoa que detém o nume-
rário, para o naõ deixar estar ocioso em suas maõs, nun-
ca havia em paiz algum mais numerário do quea quanti-
dade necessária para facilitar a circulação de sua riqueza,
tanto mais que esta quantidade naõ muda senaõ imper-
ceptivelmente; ainda qnando a riqueza total muda mui-
to, deve tornar a sair todos os annos de cada paiz, pouco
mais ou menos, tanto numerário quanto entrar; de sorte
166 Literatura e Sciencias

que se naõ se tracta senaõ do numerário na balança do


commercio, ella deve sempre ser igual, exportando cada
paiz, com mui pouca differença, tanto quanto importa;
donde resulta, que, se se importa muito de certo paiz, ge
exportará muito para os outros. Se, por exemplo, a In-
glaterra recebe, como se tem pretendido, 50.000 libras
esterlinas cada semana, em ouro, pelo paquete de Lis-
boa, deve exportar cada semana 50.000 libras esterli-
nas para ás índias, America, Levante, Alemanha, Itália
e França. Com effeito, como se tem dado o nome de ba-
lança favorável ao resultado de um commercio, que pro-
duz o retorno em numerário, e de balança desfavorável,
a do commercio, que occasiona a exportação de espécie,
os que se tem occupado com este futil calculo constante-
mente declararam na Inglaterra, que a balança de seu
commercio com Portugal éra favorável, e a do commer-
cio com todas as outras naçoens, desfavorável.* Notare-
mos de passagem, que estes cálculos saõ tam inexactos
como inúteis : os Inglezes tem sempre crido, que a ba-
lança éra contra elles no seu commercio com a Fiança, e
os Francezes naõ viram com melhores olhos o seu com-
mercio com a Inglaterra. Segundo os princípios do sys-
tema mercantil, porém, he impossível, que ambas estas
naçoens perdessem ; segundo a razaõ, naõ se pôde duvi-
dar, que ambas ellas ganhassem.
O ouro, que os Inglezes exportam de Lisboa, naõ he
tanto uni lucro, que elles tirem de Portugal, he uma mer-
cadoria, que tem comprado, e tam bem paga, como
qualquer outra, que o commercio possa obter em troca :
elles certamente naõ deram menos de seus estofos, ou de
suas quincalharias, para ter mil livras esterlinas em ouro,
do que para ter o seu valor, no mesmo lugar, em vinhos,
laranjas, ou outras mercadorias do crescimento de Portu-
gal : o seu lucro na venda he precisamente o mesmo.
Literatura e Sciencias. 167
Mas» no retorno para Inglaterra, obtém um lucro na ven-
da dos vinhos, que trazem, convém pois que também
tenham algum lucro no numerário, quando com elle for-
mam a sua carregação; de outro modo perderiam carre-
gando este retorno em vez de qualquer outro. Com effei-
to, o ouro obtido em Portugal da primeira maõ, vale ali
menos que nas outras partes; e se faz um lucro na sua
exportação, que se proporciona exactamente ao lucro,
que se poderia fazer na exportação de outra qualquer
mercadoria do paiz. Deixar-se-hia de fazer tal commer-
cio, se este lúcio naõ fosse igual ao que produz outra
carregação; naõ se faria outra exportação senaõ esta, se
este lucro fosse mais considerável que os outros. Desde o
momento em que que se achassem meios de impedira re-
exportaçaõ do ouro, que vem aos Inglezes de Lisboa, ces-
saria logo a sua importação; porque em vez de haver
lucro em tal commercio, só haveria perda.
(Continuar-se-ha)

Esprit des Institutions Judiciaires de V Europe,par Mr.


Meyer.
(Continuado de p. 65)

No cap. 14 passa o nosso A. a tractar a matéria curiosa


dos Processos secretos, sua origem, e sua iufluenciaem
França.
Temos visto pelo discurso desta obra, que os procedi-
mentos judiciaes, em todas as naçoens descendentes dos
antigos Germanos, eram públicos; ao principio quando
eram feitos por todo o povo em suas assembleas; de-
pois quando as deliberaçoens se faziam nos placita, por
deputados escolhidos pelo mesmo povo; dahi quando
a estas assembleaes só asssistiram classes privilegiadas ;
168 Literatura e Sciencias.
logo os processos secretos devem ter uma origem diversa
das instituiçoens primitivas e consecutivas destas naçoens,
que muito importa averiguar.
O segredo nos processos também naõ se podia dedu-
zir dos Romanos; porque a publicidade éra recommen-
dada em suas leys por tal maneira, que a sentença naõ
pronunciada em publico éra nulla e ninguém éra obriga-
do a obedecer-lhe (L. 6. Cod. de sententiis.). O direito
Canonico he também expresso sobre a publicidade dos
processos (cap. 31. X, de Simonia; Cap. 24. X, de accu-
sationibus.
O A. pois attribue a introducçaõ dos processos secre-
tos ao estabelicimento da Inquisição, que, como he bem
sabido, tevê lugar êm França no Condado de Toulouse;
e ainda assim naõ foi logo de seu principio, que os In-
quisidores recorreram a esta medida, verdadeiramente
diabólica, dos processos secretos. Eis aqui o que diz o
A. a p. 244.

" Foi o Papa Bonifácio VIII., que, sob pretexto do perigo,


que podiam incorrer os accusadores ou as testemunhas contra um
hereje poderoso, permittio aos Inquisidores proceder sem forma
de processo, e sem publicar os nomes das testemunhas ou dos
accusadores, em casos graves : deixou-se somente aos Bispos
Diocesanos ou aos Inquisidores o julgar da necessidade de re-
commeudar o segredo: ao mesmo tempo que, em todos os casos
lhes deviam assistir alguns jurísconsultos. O perigo das teste-
munhas éra somente um pretexto desta disposição tam estranha,
mas bem depressa tiraram a mascara, e uma constituição do
Papa Inocencio VI. declarou, que a presumpçaõ no perigo exis-
tia de direito, de sorte quê o processo secreto veio a ser geral em
matérias de heresia."

Se os juizes nos processos houvessem continuado a ser


Literatura e Sciencias. 1Q0.
tirados, como nas epochas precedentes, de varias classes
do povo, e mudando-se nos diversos casos, naõ seria este
procedimento tam perigoso como agora, que os tribunaes
eram compostos de membros permanentes ; porque estes
guardavam melhor o segredo, tiuhain mais interesse em
preservar aos abusos, de que lhe resultava influencia e po-
der; e, substituindo suas vontades particulares á do le--
gislador, e suas interpretaçoens cerebrinas á expressa
determinação da ley, formavam assim uma classe do esta-
do, independente, oppressora, e ingovernável.
O A. nota, com razaõ, que, por um accaso singular, a
epocha da primeira origem destes processos secretos coin-
cidio com o estabelicimento dos tribunaes permanentes
em França. Estes tribunaes foram destinados por Phil-
lippe Bello para se oppôr ás usurpaçoens do Papa Boni-
fácio VIII., mas naõ só tinham esses tribunaes membros
ecclesiasticos, mas imitaram os procedimentos secretos
dos Inquisidores ; e os Reys apoiaram estas atrozes ino-
vaçoens: primeiro; porque assim excluíam melhor os
vassallos e subvassallos, de exercitarem alguma influencia
nos julgados; e segundo; porque como auxilio destes
processos oceultos podiam acabrunhar, com apparencias
de justiça, aquelles de quem se queriam desfazer.
Uma vez admittida esta forma de processo, nos tribu-
naes superiores, e conhecido quam favorável éra á autho-
ridade judicial, os Parlamentos á transmittíram aos justi-
ças interiores, que também agora ja naõ eram bailios e
senescaes leigos, mas sim legistas interessados no aug-
mento da authoridade e influencia de sua classe.
Mas a mesma razaõ, que induzia os letrados a favorecer
os processos secretos, persuadia também os nobres a fa-
zer-lhes opposiçaÕ, porque se viam privados do direito
de julgadores, que haviam gozado; os homens livres, e os
VOL. XXV. N.» 147. Y
170 Literatura e Sciencias.
membros das communs resentíam-se, vendo-se sentencia-
dos por juizes, que olhavam como illegaes, por isso que
ja naõ eram de teus pares. Logo ao principio se fizeram
patentes abusos terríveis, em conseqüência do segredo
tam favorável a elles, e assim tardou muito tempo, antes
que se admittisse geralmeute em França.
Ainda que o processo secreto fosse admittido pelos
Parlamentos, logo ao principio de sua instituição, com
tudo as justas causas de opposiçaõ impediiam, que esta
forma se recebesse em muitas provincias, aonde os pro-
cessos continuaram públicos; até que em 1539, depois
de uma lucta de quasi dous séculos se fez geral em toda
a França; notando o A. a p. 249 ; que o Chanceller Po-
yet, aquém se attribuio esta ordenança, foi o primeiro
victima delia.
As conseqüências do processo secreto foram com effei-
to taes, que perverteram, naõ somente a ordem judicial,
mas até os princípios da jurisprudência criminal; e esta
matéria he de tam transcendente importância, que dare-
mos por extenso o que diz o A. de p. 250 em diante."

" A introducçaõ do processo secreto, trouxe com sigo gran-


des mudanças na administração de justiça: a prohibiçaõ de ex-
por aos accusados as testemunhas, que depunham contra elles,
ou pelo menos restricçoens de os sugeitar ao acariamento, fazia
impossível o debate ou discussão, que he o melhor modo, senaõ
o único, de conhecer a verdade entre duas declaraçoens oppostas;
os juizes, obrigados a dar as sentenças segundo as deposiçoens,
separadas da contrarie dade do accusado; sobre os interrogatóri-
os feitos na ausência das testemunhas, e de combinar jade me-
mória, ja em feitos escriptos, os elementos de sua convicção,
se achavam sem meios de formar uma convicção intima, naõ po-
dendo firmar sua sentença na consciência, e deposiçoens, que
lhes eram submet tidas, naõ tendo direito de abrir as discussoens
necessárias para imprimir no espirito uma certeza moral, viam-
Literatura e Sciencias. 171

se obrigados a recorrer a uni expediente digno das subtilezas


casuisticas. Começaram por interpretar mal uma passagem du
Escriptura, que " a verdade está na boca de duas testemunhas,"
para deduzir daqui, que o testemunho de duas pessoas consti-
tuía uma prova completa; como se a grande probabilidade, que
substitue a certeza, em tudo que naõ he susceptível de demon-
stração mathematica, pudesse ser adquirida da mesina maneira
em todos os casos : applicou-se o espirito de calculo ás provas
judiciaes, e como duasr testemunhas formavam prova plena, con-
cluíram que uma só testemunha fazia semi prova : quízeram re-
duzir a um valor numérico todas as provas, os iudicios, as pre-
suropçoens; como se todos os números imagináveis fossem bas-
tantes, para exprimir as combinaçoens possíveis: em fim, naõ
podendo satisfazer a consciência moral do juiz, forjaram uma
chimera, uma consciência jurídica, que se submettêo ás re-
gras de direito, e aos cálculos de probabilidade. Assim se pre-
tendeo illudir a gente, e disfarçar os defeitos dos processos, que
impediam a convicção intima, submettendc-se a um corpo de
doutrina falsa, que podia prestar-se ás conclusoens mais absur-
das e mais arbitrarias."
" Quanto mais grave éra a matéria do processo, e quanto me-
nos satisfeitos estavam os juizes da convicção jurídica, que sub-
stituía a convicção moral, e que snbmergida em um montaõ de
regras, muitas vezes contradictorias, sempre absurdas, suffoca-
varu a voz da razaõ, e o grito da consciência ; em matérias cri-
minaes, principalmente quando se tractava da pena de morte, ou
d'outro castigo rigoroso, desconfiavam de raciocínios, que se di-
rigiam ao espirito, sem tocar o coração. A prohibiçaõ da pu-
blicidade, dava lugar ás suspeitas d'arbitrariedade, demasiada-
mente bem fundadas, mas que se queriam sempre prevenir,e que
devia ser insuportáveis aquelle, que se sentia superior a este vi-
cio; foi logo necessário imaginar um meio que assegurasse o
publico da justiça das condemnaçoens. Fôraro, pois, estas
consideraçoens, que deram origem ao principio de que ninguém
podia ser condemnado a qualquer pena que fosse, oa ordinária
ou de morte, senaõ depois de ter confessado o seu crime ; e este
172 Literatura e Sciencias.

principio foi admittido, com differentes modificacoens, em to-


dos os paizes aonde se recebêo o procedimento secreto, Naõ se
embaraçavam com os motivos, que houvessem occasionado essa
confissão; esqueciam-se de que a confissão naõ he senaõ uma
das espécies de prova, e que o crime do que nega obstinada-
mente, pôde ainda assim ser constante e reconhecido: naõ se
buscava senaõ o meio de acalmar a consciência, e de tubi ir a
responsabilidade do juiz aos olhos do publico."
" Desde o momento em que a confissão do accusado se julgou
necessária para a sua pena ou condemnaçaõ, foi preciso segu-
rar-se dos meios de obter esta confissão, todas as vezes que ha-
via suspeitas contra o accusado, ou que elle éra designado por
suspeitas, carregado de presumpçoens, ou mesmo accumulado
de provas, e persistia em negar o facto: estes meios foram os
tormentos preparatórios, em todas as suas variedades. Basta no-
mear uma instituição tam atroz, para despertar todo o horror,
que lhe he annexo: em todos os paizes da Europa se tem abolido
de nome, se exceptuarmos alguns pequenos Estados, aonde uma
marcha retrograda de ideas os tornou a restabelecer ha pouco
tempo, para vergonha do gênero humano, do século presente, e
dos que puderam suggeiir similhantes ideas. Ainda quando se
tivesse einprehendido a tarefa de reproduzir tudo que éra antigo
i para que éra parar em um modo de processo, novo em si mes-
mo, em comparação do que haviasubstituido, e que senaõ acha
nos tempos mais remotos ? Os tormentos preparatórios, em tanto
quanto consistiam na tortura phisica, foram abolidos em França
por uma declaração de 24 de Agosto de 1780; e assim o foi ao
depois quasi em toda a parte; mas naõ se extirpou senaõ uma
parte domai : a tortura moral, os soffrimentos de toda a espécie,
que sotTre um accusado, a separação total da sociedade, até que
confessasse seu crime, continuou em toda a parte."
" Ha longo tempo que se tem dicto tudo sobre a tortura, tanto
sobre o seu uso como preparatório, procurando obter pela força
dos tormentos a confissão do accusado, como em prefacio, com
o fim de extorquir do condemnado a indicação de seus com-
plices: a incerteza das leys, a este respeito, e a sua inconse-
Literatura e Sciencias. 173

quencia, deviam mostrar seus defeitos : umas vezes a tortura éra


applicada com reserva das provas ; isto he que, o accusado podia
ser condemnado, a pezar de sua negativa: outras vezes classifi-
cava-se no numero das penas as mais graves. Muitas vezes re-
presentava-se a tortura como um meio de achar o que se tinha
feito; outras vezes como castigo imposto ao accusado por sua
obstinação em negar factos provados, ou verosimeis, como ob-
servaremos depois."
" Disse-se tudo, em epocha mais recente, sobre o modo de
extorquir uma confissão sem violência directa; os escriptores
mais eloqüentes se tem levantado contra o segredo das prizoens,
contra as privaçoens de toda a espécie, contra os vexames mo-
raes de que se cercam aquelles, que naõ querem confessar o
crime de que saõ accusados; mas o que principalmente impor-
ta observar he, que, sem tribunal permanente, naõ ha doutrina
sobre a quota de provas; e sem processo secreto naõ ha tortura
preparatória, nem phisica nem moral; pelo contrario, a perma-
nência do tribunal traz com sigo as questoens, sobre a força das
provas; o procedimento secreto he inseperavel da tortura. Os
processos por jurados preservaram a Inglaterra da falaz doutrina
do calculo das provas, a publicidade excluio sempre a idea da
tortura, da qual nunca se tractou senaõ no Conselho Privado,
que, constituindo-se em corpo judicial, se ingerio nos processos
criminaes. Rigorosamente fallando, poderíamos dispensar-nos
de ponderar o gráo de crença, que se deve dar a cada argumento,
ainda ante um tribunal permanente ; porém desde o momento
em que se admitte o processo secreto, a tortura preparatória he
de direito: teremos lugar ao depois de ver porque maneira, em
muitas partes da Alemanha e dos Paizes-Baixos, houve precisão
de supprir a falta, que a suppressaõ nominal desta tortura cau-
sava no systema do processo criminal; veremos que, na França
moderna, aonde somente he publica uma parte da instrucçaõ,
v
eio a ser indispensável uma espécie de tortura moral, naquella
parte da instrucçaõ, que precede a discussão publica."

O A. concluo este capitulo, dando a razaõ porque abra-


174 Literatura e Sciencias.
çando-se na França o processo secreto nas causas crimes,
naõ succedeo o mesmo nas causas civis. Explica o A.
isto dizendo, que os Reys tinham nas causas crimes um
interesse directo em influir no castigo de muitos indi-
víduos ; e por isso protegeram a introducçaõ do processo
secreto, contra toda a opposiçaõ, que se lhe fez: mas
esta opposiçaõ venceo nos processos civis; porque nestes
mais raras vezes importava a El Rey o êxito da decisaõ,
e assim se contentavam de que nesses processos fossem
os juizes pessoas de sua nomeação, como eram os juizes
permanentes.
(Continuar-se-ha.)

MISCELLANEA.

Decreto a favor de Álvaro Xavier Botelho ex-Conde de


S. Miguel.

Attendendo a ter sido Álvaro Xavier Botelho senten-


ciado em um momento de nunca vista perturbação,e em
circumstancias extremamente difnceis, e de geral descon-
fiança, Bem que por isso pudesse entaõ comparecer, para
ser ouvido em sua defeza, como he de Direito Natural,
que sempre tenho guardado a meus vassallos: hey po-
Miscellanea. 175
bem declarar supensos os effeitos da Sentença, em que
fora julgado, dispensando o lapso do tempo permittir que
que solto seja admittido a justificar-se, no mesmo pro-
cesso e juizo. Os Governadores do Reyno de Portugal
e dos Algarves o tenham assim entendido, e façam exe-
cutar. Palácio do Rio-de-Janeiro, 28 de Fevereiro de
1820.
(Com a Rubrica d' El Rey N. S.)

Portaria dos Governadores de Portugal.

Sendo presente a El Rey Nosso Senhor a conta do


Desembargador do Paço Juiz da Inconfidência, o Doutor
Antônio Gomes Ribeiro, sobre a impossibilidade, que
occuria, para se executar o Decreto de 28 de Fevereiro
do corrente anno, em que o mesmo Senhor houve por
bem declarar suspensos os eflèitos da sentença em que
fora julgado Álvaro Xavier Botelho, dispensado no lapso,
e permittindo que solto seja admittido a juslificar-se no
mesmo processo e juizo; consistindo aquella imposibi-
lidade na falta deste Processo, que com todos os mais
papeis do Juizo da Inconfidência, e outros, foram con-
sumidos no incêndio acontecido na casa de sua resi-
dência, na noite do dia 30 de Agosto de 1814. Manda
Sua Majestade, que o sobredicto processo seja reforma-
do pelo modo que for possivel; e por quanto lhe foi igual-
mente presente na sobredicta conta a necessidade de
novos ministros, por serem falecidos os desembargadores
Nicolau de Miranda Silva e Alarcaõ, José do Casal Ri-
beiro, Bento Joze Saraiva do Amaral, e Miguel Pereira
de Barros, que foram adjunetos para a mencionada sen-
176 Literatura e Sciencias.
tença: He servido nomear, em lugar destes, os Doutores
Jozé Antônio de Oliveira Leite de Barros, Desembarga-
dor do Paço ; Luiz Dias Pereira, Deputado da Meza da
Consciência e Ordens; e os Desembargadores dos Ag-
gravos da Casa da Suplicaçaõ, Joaõ Manuel Guerreiro
d'Amorim, e Joaõ de Carvalho Martins da Silva Ferrão.
O mesmo Desembargador do Paço Juiz da Inconfidência
o tenha assim entendido e faça executar. Palácio do
Governo, em 10 de Julho de 1820.
(Com as Rubricas dos Governadores do Reyno.)

Petição ao Governo, para que se publique o decreto


acima na Gazeta de Lisboa.
Senhor! Álvaro Xavier Botelho naõ pôde deixar, por
segunda vez, de dirigir a Vossa Majestade as suas sup-
plicas, para que se mande por na gazeta de Lisboa o Real
Decreto de 28 de Fevereiro do corrente anno, que Sua
Majestade expedio a seu favor, para que os Senhores Go-
vernadores deste Reyno o fizessem cumprir e executar.
Quando por algum motivo naõ se deva publicar na gaze-
ta o sobredicto Decreto, parece ao que supplica, que ao
menos se deverá sempre fazer na gazeta algum annuncio
do que Sua Majestade determina no mesmo Decreto.
Tem mais aindaontra razaõ para esta supplica, que dirige
a Vossa Majestade, vendo que o Desembargador Pedro-
sa, Juiz do Fisco, continua a encher as esquinas das ruas
desta capital com annuncios para arremataçoens de bens
da casado banido ex-Conde de S Miguel; estes annuncios
j a posteriores, naõ só ao Real Decreto, mas mesmo á che-
gado doSupplicante a esta capital ; por todos estes moti-
vos he que o que supplica—Pede a Vossa Majestade, e
espera que deífirira á sua supplica, com a justiça que
custuma. E receberá mercê.
Miscellanea. 177

Refiexoens, sobre as novidades deste mez.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Guerra do Rio-da-Prata.

As desordens de Buenos-Ayres, que mencionamos no nosso


N.° passado, e de que daremos ao depois, neste N.° mais algu-
mas noticias, porad no mais claro ponto de vista possivel, a ne-
cessidade que tinha e tem a Corte do Brazil, de cubrír suas f ron-
teirrs, com a occupaçaõ militar da Banda Oriental.
He principio indubitavel, que todo o Governo tem obrigação
de garantir a seus vizinhos, contra as hostilidades dos indiví-
duos subditos desse Governo, e quando o naõ queira, ou naõ
possa fazer, fica sugeito ás conseqüências ; isto he, a que o vi-
zinho use da força para se garantir a si mesmo, e proteger-se
contra as hostilidades.
A Hespanha naõ tem podido reprimir as hostilidades, que Ar-
tigas e outros, que chamava seus subditos, na margem oriental
do Rio-da-Prata commettiam nas fronteiras do Brazil, logo a
Corte do Rio-de-Janeiro naõ tinha outro recurso senaõ usar de
suas armas, para rebater os aggressores.
A natureza daquellas fronteiras, que se designam por uma
linha imaginaria, tirada por campinas abertas e de vastíssima
extençaõ, fazia impossível, que se cubrisse o território do Bra-
zil, sem que as suas tropas se adiantassem a occupar todo o ter-
reno, até os rios da Prata e Uruguay, aonde podiam impedir os
passos aos invasores.
Parece-nos logo, que aquella occupaçaõ militar, se fez neces-
sária, pela culpa, negligencia ou impotência da Hespanha, a
qual em todo o direito está obrigada a pagar naõ só os damnos
que causararam ao Brazil, esses que o Governo Hespanhol re-
clama como seus subditos, mas as despezas incurridas para re-
V O L . XXV. N.» 147. z
178 Miscellanea.
pii mir esses males ; sem o que naõ pode demandar a restituição
daquelle território, que o Governo do Brazil occupa.
A anarchia, que reyna presentemente nas provincias de La
Plata, justifica, em noss omodo de julgar, a continuação daquella
posse militar; porque só quem naõ conhece a posição geogra-
phica do paiz poderá suppôr, que o Goveruo do Brazil abando-
naria aquelle território, sem expor de todo os seus subditos nas
fronteiras do Rio-Grande.
Que o passado governo de Fernando VII formasse tam injustas
pretençoeus, naõ lie de admirar; mas que o presente Ministé-
rio, que se characteriza de liberal, faça ainda do comportamento
do Brazil motivo de queixas, he o que mal se comporta coiu as
máxima , que agora proclama a naçaõ Hespanhola.
Daremos, no nosso N.° futuro, o resumo da convenção provi-
sional. que se fez entre a Corte do Rio-de-Janeiro e o Governo
de Buenos-Ayres, tal qual publicou Sarratea ; e entaõ faremos
sobre isto as observaçoens, que lhe dizem respeito.
No entanto, diremos de avanço, que por aquella mesma con-
venção se prova, que o Gabinete do Brazil naõ tinha em vista
fazer couquistns de terras, que naõ precisa, mas simplesmente
cubrir as suas fronteiras, contra as irrupçorns de um povo vi-
zinho, que vivia e vive sugeito a todas as desordens da anarchia:
e a acquieucia da parte de Buenos-Ayres, naquella convenção,
prova lambem, que o Governo das províncias de La Plata estava
convencido das siucerasiiitençoeiis do Gabinete Braziliense.
Naõ só seria injusto, mas até ridículo, pretender a Hespanha,
que, uaõ havendo ella impedido as desordens de Monte-Vedio,
com o que tanto sofTria o Brazil, fosse a Corte do Rio-de-Janeiro
obrigada a empregar um exercito para socegar aquella província,
e depois entregalla ja tranquillizada á Hespanha, sem mais ceri-
monia do que uma ordem da Corte de Madrid.
Quauto ás ameaças de Hespanha, naõ vemos porque o Brazil
deva fazer caso algum disso; e com tudo, naõ he pela insigniA-
cancia do poder Hespanhol, nas circumstancias actuaes, que o
Brazil deve seguira linha de compoi lamento, que recommtnda-
Miscellanea. 179

mos, mas sim porque a justiça do caso isso pede. como provam
as consideraçoens apontadas, e que por mais de uma vez lemos
expendido neste Periódico.

Degradados de Nápoles para o Brazil.

Pelas ultimas noticias do Rio-de-Janeiro tivemos uma expli-


cação circumstauciada sobre o destino dos Degradados de Ná-
poles, que se disse e publicou por toda a Europa eram destina-
dos a augmentar a população do paiz.
Foi esta circumstancia motivo de se ridicularizar o Governo
Braziliense; daqui se tiraram amargos sarcasmos contra a gen-
te do Brazil; e nisto se fundaram novas calumnias contra El
Rey.
i Que fizeram, neste caso, os Diplomatas, representantes d*
El Rey na Europa ? Negaram redondamente o facto; disseram,
que naõ havia tal ajuste entre as Cortes do Rio-de-Janeiro e
Nápoles ; e que taes degradados nunca sairiam de Nápoles para
os dominios Portuguezes.
Eis senaõ quando ficam desmentidos, por chegarem actual-
mente a Lisboa os taes degradados, e á face de todo o mundo
continuarem sua viagem para o Brazil.
Eis novas rizadas, contra agente do Brazil, eis novas calumi-
nias contra El Rey ; e mettendo-nosa nós em frota sem bandei-
ra, novas apoupadas ao Correio Braziliense, porque também
éra Braziliense, e reduzido a collega desses calcêtas de Nápoles.
E o Braziliano em Londres callado como nabo em sacco ; e
os mais Diplomatas Fortuguezes na Europa, deixando lavrar o
effeito dessas injurias e apodos.
Mas <• qual éra o facto? Os taes degradados de Nápoles,
eram criminosos, condemnados a gales, por certos periodos, e
pelos ajustes das duas Cortes, passados para angmentar os pre-
sídios e povoaçoens da costa d' Affrica, para onde sempre se
mandaram os malfeitores Portugueezs.
E : naõ éra racionavel esperar, que os Representantes da na-
180 Miscellanea.

çaõ Portugueza explicassem este facto, para desfazer a idéa


com que se insultou a El Rey e ao Brazil, de que este paiz
ia a ser povoado com os malfeitores de Nápoles ?
i Naõ deveriam esses Diplomatas, em vez de negar o facto ín
totó,como fizeram, a principio, ou calar-se, quando os Degradados
chegaram a Lisboa, dizer a verdade, e mostrar que os degrada-
dos de Napoies na costa d' Afinca podem ser ali tam úteis, co-
mo os degradados Inglezes em Sierra Leoa, ou em Botany
Bay?
< Naõ deveriam expor, que he mais útil á humanidade, e
ao mundo em geral, que os malfeitores de certa classe vaõ me-
lhorar a população Africana, e povoar aquelles paizes, do que
aprodecerem nas prizoens de Napoies ?
Como quer que seja ; os Degradados de Napoies naõ saõ
destinados a augtnentar a população do Brazil. Eis aqui o
facto : e recolham outra vez os seus sarcasmos, os seus dictéri-
os, as seus investivas os senhores, que tanto se gloriaram em
atirar-nos com ellas. Quanto a nós, temos verdadeiro prazer
em ver verificada a nossa primeira opinião, que por mais que
• eprovemos muitas medidas do Ministério do Brazil, nunca o
julgamos capaz de fazer tal affronta aquelle paiz. E nos
contentamos com dizer isto.

Estado actual de Portugal.

Quando uma naçaõ delibera para adoptar qual quer medida


publica, naõ somente deve considerar se tem direito de fazer o
que intenta, mas também se lhe convém ou naõ obrar em conse-
qüência desse direito.
Ha um partido, que abertamente advoga a separação de Por-
gal do Brazil; e esse partido subdivide-se depois em dous ra-
mos ; um que deseja que Portugal faça para si um Governo á
parte ; outro que inculca a sua uniaõ com Hespanha. Posto que
ja tenhamos tocado neste assumpto, he elle de tanta importân-
cia, que a repetição naõ se faz escusada.
Os que sustentam a idéa de que Portugal forme para si um
Miscellanea. 181
governo separado e independente, ainda se naõ fizeram cargo
de considerar as difficuldades, que se opporiam a tal projecto.
Primeiro; o poder e forças d' El Rey, que por mais pequenas,
que se supponhatn, e na verdade saõ mui inferiores ao que po-
diam ser, graças a seus ministros, nenhum dos do partido da in-
dependência dirá, que saõ de todo nullas : óra essas forças ne-
cessariamente ha de empregar El Rey em reprimir, o que, pelas
leys actuaes, terá nesse caso o direito de chamar uma rebe-
lião.
Segue-se, depois, o partido, que El Rey deve ter mesmo
dentro em Portugal; porque os taes independentes naõ se devem
cegar ao ponto de naõ ver, que o partido que seguiria a causa
d' El Rey, em umalucta desta natureza, naõ pôde ser objecto
insignificante.
Depois vem a consideração dos Alliados, e principalmente da
Inglatena; a qual, com duas fragatas, bloqueando o porto de
Lisboa, e interceptando a entrada dos mantimentos, poria todo
o Reyno ao ponto de morrer de fome.
O outro plano, da uniaõ de Portugal com Hespanha, além de
estar sugeito ás mesmas difficuldades, terá contra si a bem co-
nhecida antipathia dos Portuguezes contra os Hespanhoes. Esta
circumstancia semearia de espinhos e abrolhos a marcha de um
exercito Hespanhol, que se dirigisse a subjugar Portugal.
Contra isto ainda naõ apparecêo argumento ; mas esperamos,
que se nos diga, que Portugal sofTre grande penúria, que a sua
agricultura, seu commercio, sua industria estaõ arruinados; e
que nenhum remédio dá a isso o Ministério, seja por ignorância,
seja por desleixameiito ; e que o povo naõ deve continuar nesse
estado de miséria e sotíiiraento.
Seja isso assim ; e com effeito assim o he em grande parte :
mas o que nós dizemos he, que essa mesma miséria de Portugal
he um universal obstáculo, para que se possa fazer indepen-
dente ; e que o emprehender uma guerra, em tal estado, em com
taes difficuldades, naõ pode ser o meio de recobrar gráo algum
de prosperidade.
E nlaõ, nos retorquiraõ, naõ ha remédio senaõ padecer e sof-
182 Miscellanea.

frei até que morramos todos á míngua. Bem longe disso: gr


naõ houvesse meios de remediar os males, até nem nos occupa-
riamos em considerar os meios, que se devem seguir, nem as
objecçoens ás ideas indicadas por asses partidos. Em termos de
desesperaçaô naõ ha philosophia.- mas naõ estamos nesse caso.
Ainda aquelles, que mais se inflammara contra a administra-
ção actual, e queuos seus defeitos fundamentam as idéas da in-
dependência de Portugal, convém nas boas qualidades pessoaej
d* El Rey, e no seu desejo de fazer a seus subditos o maior
bem possivel. Tomando pois isto por um facto geralmente re-
conhecido ; que impedimento pode haver, para que o povo de
Portugal cogite, proponha, e requeira aquellas medidas, que
julgar, que saõ conducentes para o melhoramento de sua si-
tuação.
Se El Rey tem a bondade, que geralmente nelle se reconhece,
uma vez que se lhe demonstre a vontade da naçaõ, e os meios
practicos de annuir a ella, toda a opposiçaõ de Ministros igno-
rantes ou conrompidos, naõ poderia impedir a sua adopçaõ.
Dos Governadores do Reyno, e seus actuaes Secretários, nada
esperamos ; porém nenhuma ley, nenhuma ordem do Soberano
impede, que o Senado de Lisboa, que as Câmaras das cidades e
Villas, que os Conselhos, que as corporaçoens dos negociantes
e outras, em fim que os mesmos indivíduos, façam petiçoens a
El Rey, que lhe indiquem os males que soffrem, as causas
desses males, e os remédios, que suppoem adaptados, para os
curar ou alleviar.
Só os fautores da anarchia poderão asseverar, que o primeiro
remédio, que se deve tentar nos males públicos, he a força e re-
sistência aberta á authoridade consistuida. Se tal fosse o prin-
cipio de direito publico, nenhuma sociedade civil poderia existir
tranquilla.
Mas, para o povo da Portugal saber o que deve pedir, e o que
lhe convém propor, he preciso que indague as causas dos inales,
que soffre; porque só assim poderá atinar com o remédio ade-
quado. Consideienios, por exemplo, a diminuição do com-
mercio.
Miscellanea. 183
Os lucros, que os commerciantes de Portugal tiravam do
monopólio do commercio, que exercitavam no Brazil, fez cora
que se empregassem nesse commercio os fundos, que aliás de-
veriam alimentar a agricultura e as fabricas. A abertura dos
portos do Brazil ás naçoens estrangeiras, privou Portugal desse
monopólio, e, perdendo esse lucro, se achou sem agricultura
nem fabricas ; conseqüência funesta de seu mesmo antigo mo-
roonopolio. < Ora como se remedea este mal, pela separação de
Portugal do Brazil ?
Saõ estes os pontos, que desejamos ver discutidos desapaixo-
nadamente pelas pessoas intelligentes, e expostos ao publico
sem dtclamaçoens ; porque estamos certos, que, quando estas
matérias se puzerem em sua verdadeira luz, entaõ se lhe atina-
rá com o remédio ; do contrario, um erro traz apóz de si outro
erro, e nada bom se pôde esperar.
Tem-se divulgado, que S. M., em sua anxiedade para pro-
mover o bem de Portugal, medita mandar extinguir a Inqui-
sição, reformar muitos tribunaes, e instituir o Governo do
Reyno em uma personagem Real, ajudada por um Conselho.
Apenas isto está' em rumor somente, quando ja se grita con-
tra a inefficãcia de tam parcial rememedio; e ao mesmo tem-
po naõ ouvimos senaõ murmúrios confusos, sem que o povo
ou alguma parte conspicua delle ponha suas queixas, em for-
ma distincta e intelligivel.
Nós convimos, em que a abolição da Inquisição naõ he favor
ao povo ; porque a sua existência, principalmente depois de s e
ter o tribunal dissolvido em Goa, e reconhecido inadmissível no
Brazil, he um borraõ, uma vergonha ao Governo; portanto
a extincçaõ da Inquisição he um bem, que o Governo faz a si
mesmo, livrando-se do mais negro feirete, que pôde manchar
a memória de um Soberano. O mundo todo tem ja decidido
esta questão.
Mas a reformaçaõ do Governo, tendo 4 frente uma persona-
gem Real, pôde ser principio de grandes vantagens a Portugal,
se o Conselho for composto de pessoas idôneas : porque a serem
184 Miscellanea..

os Conselheiros os actuaes Governadores, ou outros que taes,


naõ pôde delles provir reforma que útil seja.
Se a administração da justiça forma em Portugal graude
fundamento de queixa, a residência da Corte no Brazil nada tem
com isso ; e senaõ, perguntem os Portuguezes aos Brazilienses,
que tal lhes vai por lá a administração da justiça, residindo
El Rey no Rio-de-Janeiro; e a resposta os convencerá de que
a melhoria na administração da justiça requer reformas mais
essenciaes, do que as que se fizeram no rey nado de D. Sebas-
tião ; e que sem essa reforma, resida El Rey aonde residir, as
cousas naõ tomarão diverso caminho.
Mas sobre tudo, o ponto; que mais aperta, he a penúria de
Portugal; e como ninguém contenderá, que, se El Rey voltas-
se agora para Lisboa, seria possivel tornar a conceder a Portugal
o monopólio do commercio do Brazil, a volta d' £1 Rey naõ re-
mediaria o mal, se naõ se adoptassem outras medidas, que saõ
igualmente factíveis estando S. M. no Rio-de-Janeiro. Nisto he
em que devem insistir os homens amantes de sua pátria; enaõ
pensar em medidas de aberta rebelliaõ, que por mais justifi-
cada que fosse, seria sempre desastrosa em seu êxito.
Temos neste artigo evitado dar uma opinião, sobre a justifi-
cação da medida, a que ee allude, da separação de Portugal;
porque só nos propuzemos tractar da conveniência ou discon-
vencia de taes ideas. com os verdadeiros interesses dos Portu-
guezes, mas nem por isso deixaremos desde ja de declurar aber-
tamente o nosso sentimento, sobre a comparação, que se tem
feito, entre a situação actual de Portugal e da Hespanha.
Naõ seguiremos aquelles, que, tendo accumulado Fernando
VIL de todas as injurias atrozes, que a língua podia expressar,
se desfazem presentemente em panegiricos de suas virtudes, em
que afiectam agora acreditar; como se fora possivel, que um
homem tam infame meu te perverso, iam radicalmente execrável,
como elles o pintavam, se tornasse era vinte quatro horas um
anjo entre os mortaes.
Reprovando, como sempre reprovamos, o Governo passado de
Fernando VIL, nunca julgamos que fosse preciso para explicar
Miscellanea. 185
os males desse Governo, recorrer somente á perversidade do co-
ração do Soberano; assim também naõ julgamos que seja agora
de razaõ attribuir a elle unicamente os melhoramentos, que se
observam na Hespanha; antes dizemos (sem que seja preciso
usar das descomposturas, que lemos em vários escriptos; que
hoje em dia louvam Fernando VIL), que, se este monarcha se
tornar a achar nas mesmas circumstancias, rodeado dos mesmos
conselheiros, e servido pelos mesmos ministros, que entaõ tinha,
tornará a obrar da mesma maneira.
Ora i que comparação se pôde fazer entre o Soberano de. Por-
tugal, e Fernando VII ? ^ Dissolveo El Rey de Portugal algumas
Cortes, que existissem, e mandou prender seus membros mais
patriotas ? < Reviveo uma Inquisição, que a naçaõ tivesse abo-
lido ? i Regeitou as petiçoens ou representaçoens de alguns de
seus subditos, ou mandou-os encarcerar, por haverem feito taes
representaçoens ?
Mas os partidistas da separação de Portugal do Brazil, e sua
uniaõ com Hespanha, querendo que nos esqueçamos absoluta-
mente de tudo quanto antigamente fez Fernando VII, nos faliam
somente das Cortes, como quem nos atira com poeira aos olhos.
Quaesquer que sejam os benefícios, que a Hespanha espere
de suas Cortes, se ellas governarem um paiz alheio, debaixo
de qualquer forma que possa ser, nós lhe applicaremos o dicto
de Homero, em toda a sua extençaõ. " Naõ me apiaz o rey de
muitas cabeças." E naõ seria a circumstancia de haverem nas
Cortes de Hespanha meia dúzia de Deputados Portuguezes,
quem faria com que os Hespanhoes, nesse rey de muitas cabe-
ças, naõ olhassem para Portugal como um paiz estrangeiro, ou
perdessem a lembrança da sugeiçaõ de GO annos, e de que delia
se libertaram uma vez os Portuguezes.

Processo em Paris, sobre as Pieces Politiques.

Segundo o razoamento, que levamos acima, que he conforme


princípios, que temos sempre seguido; éra natural que des-^
Vnr YYV \r»li|ií
186 Miscellanea.
approvassemos, como fizemos, os sentimentos, que se conti-
nham na carta, inserida no folheto intitulado Pieces Politiques,
de que por varias vezes se tem feito mençaõ neste jornal; ja em
observaçoens nossas ; ja em communicaçoens de nossos conres-
pondentes.
Mas porque desapprovamos o contheúdo da tal publicação,
naõ nos julgamos necessitados-a louvar os procedimentos, que
houveram em Paris a este respeito; e que achamos noticiados
no seguinte paragrapho das gazetas Francezas :—
" A corte das Assizas, na sua sessaõ de 27, sentenceou Mr.
Bosquet Descham ps, o qual deixou a causa á revelia, a três
annos de prizaõ, e muleta de 5.000 francos, por um libello in-
famatorio contra El Rey de Portugal, e contra o Embaixador
de Sua Majestade, na Corte de Frarfça, contido em um folheto
intitulado Pieces Politiques, de que o réo se aceusou serauthor.
Correard, o publicador, que também foi processado a instâncias
do Embaixador Portuguez, foi absolvido pelo jurado, pela pre-
sumpçaõ de que poderia compor e publicar as passagens crimi-
nosas, sem entender o sentido das iniciaes, que constituíam o
libello."
O Braziliano Estabelecido em Londres havia ja annunciado,
na carta que dirigio ao Edictor do Times, e que nós traslada-
mos a p. 591 do Vol. XXIV, que se instituiriam em Paris pro-
cedimentos judiciaes contra o Author daquella producçaõ. 0
nosso Conrespondente, na carta que publicamos, a p. 102
deste Volume, diz, que os taes procedimentos em Paris se in-
stituíram por ordem ou a instigaçaõ do tal Braziliano estabele-
cido em Londres; e refere alguns dos procedimentos prelimi-
nares ao do tribunal, em Paris.
Seja ou naõ correcto o nosso conrespondente: naõ entramos
nisso : elle que sé justifique, se tal jnstificaçaõ lhe convém.
Mas assumimos que he correcto o facto da publicação do tal
folheto " Pieces Politiques, porque o lemos e temos, tal qual
nos veio de Paris : e também assumimos que he correcto o facto
do processo judicial, que se annuncia, no extracto das gazetai
Francezas, que copiamos acima. Advertindo, porém, que a sen-
Miscellanea. IS7

tença naõ declarou, que a publicação éra libello contra S. M.


Fidelissima, e dizem-nos que a condemnaçaõ só foi segundo a
ley, por naõ comparecer o accusado.
Isto posto, dizemos, que ninguém poderia lêr a tal carta das
Pieces Politiques, e decidir que he um libello contra El Rey de
Portugal, senaõ um tribunal Francez, na epocha presente; e
ainda assim isso se naõ fez ; por outra parte, ninguém podia
intentar uma acçaõ de libello contra o edictor, ou supposto au-
thor, senaõ os Godoyanos de Portugal, debaixo do fundamento
de que éra um libello contra Sua Majestade Fidelissima.
O tal folheto accusava certas pessoas em Portugal, de tramarem
uma conspiração contra o Soberano: esta he a summa da carta,
seu fim, sua pontaria. Ora < contra quem he este libello, con-
tra as pessoas que saõ accusadas de fazerem a conspiração con-
tra El Rey ? ou contra El Rey ?
Claro está, que, se ha libello, he contra as pessoas a quem se
imputa um crime, e naõ contra El Rey, a quem sé naõ imputa
cousa alguma.
Agora o Braziliano ou Italiano estabelecido em Londres, leva
as cousas pelo lado que lhe faz conta; o outro em Paris diz
Amen; e resolvem vingar-se de quem lhe descubrisse podres
fossem falsos fossem verdadeiros; e na forma antiga, ja appro-
vada dos Godoyanos, cobrem-se com a capa d'El Rey, que em
tudo isto nada mais tem do que pagar as despexas.
Mas concedamos de barato á fraqueza humana, que estes Il-
lustres senhores, inocentemente usaram desta porta travessa (á
Italiana) para se vingarem do homem que os calumniou. Mas
quando naõ puderam colher ás maõs o verdadeiro author,de quem
se queriam vingar, fazer recair a perseguição contra o tal Des-
champs (que naõ sabemos quem seja) que elles mesmos estaõ
persuadidos nada tem com a tal producçaõ, e nem se quer a te-
nha lido ; he vingança tam inútil como a do caõ d'Alciato, que
mordia as pedras com que lhe atiravam ; e he acçaõ digna, naõ
da antiga nobreza e cavallaria de Portugal; mas daquella, que
assignou uma petição a Napoleaõ, para que lhe desse um Rey a
Portugal,
188 Miscellanea.
Bem, Senhores Godayauos, querem vingar-se de seu inimigo,
yalhám-se do nome d'El Rey, valham-se do dinheiro de S. M.
para proseguir sua vingança ; ja aqui em Londres também se
gaitou o dinheiro d'El Rey em taes emprezas; concede-se-lhe
tudo isso; mas, uma vez que naõ puderam agarrar o objecto
de sua vingança, descarregarem o golpe contra o outro, que
naõ éra mais do que o testa de ferro, perdoem-me Vossas Excel-
lencias, mas naõ posso dispensar-me de lhe dizer, que isto he
vingança mui baixa, e mui vil.
Mas olhando para a parte seria da questão : e fora da zomba-
ria, que sempre nos excita a lembrança de certos indivíduos, de
quem nós fazemos menos caso do que elles fazem de nós: a ver-
dade he, que ainda que a tal producçaõ das Pieces Politiques,
fosse um libelo contra El Rey, naõ éra preciso fazer a bulba
judicial que se fez. Naõ só o Correio Braziliense mas outros
escriptos, e o mesmo Braziliano em Londres, refutaram o es-
cripto de que se tracta, e sobejamente desfizeram o effeito, que
as Pieces Politiques poderiam ter produzido na opinião publi-
ca.
Taes procedimentos contra a imprensa, sempre saõ desvanta-
josos, principalmente quando todos vêm, que naõ he EI Rey,
mas os indivíduos, quem tem de defender-se, e que o nome do
Soberauo só serve de capa para uma vingança inútil.

Ex-Conde de S. Miguel.

Publicamos, a p. 174, um decreto de graça especial ao ex-


Conde de S. Miguel, pelo qual se mandam suspender os effeitos
da sentença contra elle proferida, pelo crime de alta traição, aos
21 de Novembro, 1811; e que solto seja admittido a justificar-
se.
Naõ mencionamos este facto, para accusarmos de impróprio,
Miscellanea. 189
um acto de clemência d'El Rey ; porque o direito de perdoar he
a mais bella, e, na nossa opinião, a mais grata prerogativa do
Soberano. Ninguém usa desta prerogativa com mais liberali-
dade do que S. M. Fidelissima ; ninguém o iguala no exercício
do poder applicado á beneficência.
Menos podíamos achar que reprovar, neste caso especial ;
porque a graça naõ se extende a perdaõ absoluto, mas á permis-
são de ser admittido a justificar-se ; o que (suppondo o ex-Con-
de innoceute) naõ he mais do que uma graciosa dispensa nas
formalidades das leys.
Mas naõ podemos deixar de brigar, contra o modo por que os
Ministros d'El Rey, põem em execução as benéficas intençoens
de seu Soberano, como se fosse fadário, que até as cousas boas
sejam feitas com máo modo.
Primeiramente, quanto ao Decreto. Allega-se, como razaõ
da graça, " que a sentença fora dada em momento de nunca
vista perturbação, em circumstancias extremamente difficeis,
&c."
Ora se esta he a razaõ da graça, concedida a Álvaro Xavier
Botelho, he uma razaõ tam genérica, que abrange a todos os
condemnados, que naquella epocha foram processados ou punidos.
Outra cousa porém seria, se quem lavrou o Decreto attribu-
isse este acto, ou á clemência d'El Rey, que tem a prerogativa
de conceder o perdaõ aos crimes que lhe aprouver, e naõ a to-
dos ; ou a circumstancias especiaes, que se lhe allegassem nes-
te caso particular.
Este motivo seria tanto mais plausível, quanto he notório»
que entre os Portuguezes, que naquella epocha se passaram ao
partido Francez, ha alguns, que naõ só fizeram a guerra a sua
pátria, mas que fizeram fogo contra os seus nacionaes, e coro-
mettêram crimes de atroz traição; quando outros desses mesmos
Portuguezes naõ foram mais do que victimas passivas de cir-
cumstancias, que naõ podiam remediar.
Mas esta generalidade em escusar todos os criminosos, se faz
ainda mais escandalosa, pelo notório facto de que alguns desses
190 Miscellanea.
mais perversos até estaõ gozando de pensoens do Governo, ob-
tidas pelos empenhes dos mesmos embaixadores d'El Rey na
Europa, que eram os que mais deviam punir pela honra de seu
amo, e que com estes factos apparecem no mundo, com geral
desgosto dos vassallos fieis, na luz de padrinhos de malfei-
tores.
Além disto, a allegaçaõ de que as sentenças se devem annti-
lar; porque foram dadas em momento de perturbação, lança
uma geral suspeita na administração da justiça ; suspeita, que,
por mais bem fundada que seja, mui mal convém o achar-se
lançada em um Decreto, que deve ser assignado pelo Sobe-
rano.
Quanto á execução, começa por duvidar-se em Lisboa, so-
bre o modo de dar effeito ao Decreto ; porque se queimaram os
autos, com outros papeis de importância em casa do Juiz da
Inconfidência, s E he assim que os Governadores de Portugal
tem cuidado de papeis de tam alta ponderação; que se deixam
expostos a taes perigos na casa de um particular ?
Depois disto, vem na petição do sentenceado, que publica-
mos a p. 176, o facto de que, naõ obstante o Decreto, por que
El Rey manda suspender os effeitos da sentença, o Juiz do Fis-
co continua a expor á venda os bens do sentenceado. < E he
assim, que os Governadores de Portugal executam um Decreto
de seu Soberano, pelo qual se lhes ordena a suspençaõ dos effei-
tos da sentença ?
Por ultimo, e naõ era menos conta, vem a repugnância do
Gazeteiro de Lisboa, em publicar o Decreto, que de sua natu-
reza he um documento publico, e quede facto se tinha já annun-
ciado, por um edictal do Juiz da Inconfidência.
Se a insignificante gazeta de Lisboa só pôde publicar os De-
cretos do Soberano, que permittirem os Governadores de Por-
tugal ; bem se pôde dizer a que gazeta de papel pardo está
agigantadamente elevada, a par das authoridades superiores, que
se julgam com direito de glosar as ordens d ' El Rey.
Bem se pôde aqui, naõ somente applicar, mas até ampliar o
dicto de ou trem, que assim escrevia ao Secretario de Estado.
Miscellanea. 191
" Sou verdeiramente grato a El Rey, pela liberal merece, que
Sua Majestade me fez, pelas mesquinhas maõs de Vossa Excel-
lencia."

AMERICA HESPANHOLA.

A confusão de La Plata, naõ cessou pelas medidas adoptadas


por Sarratea. Este chefe de partido caio, e tornou-se a levan-
tar três vezes, durante breve periodo de tempo, e quando par-
tiram as ultimas noticias, que temos do Rio-da-Prata, havia
elle fugido, e occupava o Governo de Buenos-Ayres D. Ilde-
fonso Ramos, que apenas tinha forças physicas ou moraes, com
que pudesse manter-se.
Sarratea commetteo os maiores erros, quando se apoderou do
Governo; porque, perseguindo tam violentamente seus predeces-
sores, irritou por tal maneira os ódios dos partidos, que tornou
mui dificultoso o restabelicimento da tranquillidade interna do
paiz. Tentando processar os membros do Congresso passado,
pelas transacçoens, que se contém nos documentos, que publi-
camos no nosso N°. passado e concluímos neste de p. 115 em di-
ante, atacou a inviolabilidade, de que esses membros se achavam
revestidos, e destruio o respeito, que convinha aquella assem-
blea, para ser obedecida de boa vontade pelo povo. Publi-
cando as negociaçoens e actas secretas, excitou desconfianças,
tanto no paiz, como nos Governos estrangeiros, que seraõ in-
curáveis, sem os mais extraordinários remédios.
Os membros do passado Governo, que Sarratea tinha prezo,
foram soltos ; alguns, dos que tinham fugido para Monte-Vedio,
regressaram. Alvear e Carrera capitaneam, por óra, os do par-
tido vencedor em Buenos Ayres ; a facçaõ de Sarratea, no inte-
rior, fortifica-se com tropas de linha, e milicias, Eis aqui ele-
mentos mais que bastantes, para a ruína de todas aquellas pro-
víncias.
Pelo meado de Abril se descubrio em Chili uma conspira-
ção, machinada por numerosos partidistas de Carrera, contra o
Governo actual do paiz. Em conseqüência da descuberta, fô-
192 Miscellanea.
Tam muitas pessoas banidas para a ilha de Juan-Fernandes e
para Valdivia, lugares usualmente escolhidos para este fim:
entre outros foi Ramirez, rico proprietário de Chile. Ainda an-
sim naõ ficou extincto o espirito de partido: e parece, que o
motivo immediato da irritação foi o impor o Governo algumas
contribuiçoens, para occurrer ás despezas da expedição, que
preparava contra o Peru.
Segundo as mesmas noticias de Chile, parece que, naõ ob-
stante as commoçoens internas nas provincias de La Plata, o
Governo Chileno tornava a reviver a ameaça de invadir o Peru ;
e para este fim o General San Martin ajunctava as tropas em
Rancagua. Contra este projecto, porém, estava a falta de di-
nheiro, e a grande damnificaçaõ da esquadra, em conseqüência
das perdas na tomada de Valdivia.

ALEMANHA.

O Governo Austríaco dirigio aos Gabinetes da Confederação


Germânica uma nota confidencial, relativa á revolução de Ná-
poles. O Observador Austríaco, mencionando isto, diz ; " Este
interessante documento he concebido no espirito de patriotismo,
e lavrado em linguagem enérgica, bem calculada a aquietar a
anxiedade, que sentio pela tranqüilidade da Itália.
O Principe Cariati, Ministro do novo Governo Napolitano
juncto ao Imperador de Áustria, teve uma audiência particular
do Secretario de Estado, Principe de Metternich, mas naõ foi ad-
mittido em seu character publico, dando-se em razaõ, que El
Rey de Napoies e sua familia se suppunham estar em constran-
gimento; e assim se diz, que o principe Cariati fora mandado
sair de Vienna.
O Imperador marcha para a Itália 32 batalhoens de infanteria
Hungra, formando uma força effectiva de cerca de 30,000 ho-
mens de infanteria e 30 esquadroens de cavallaria.
O Baraõ de Borstett, Ministro dos Negócios Estrangeiros de
Miscellanea. 193
Baden,dirigio, por ordem do Eleitor, uma nota ao Principe de
Metternich, immediatamente depois da conclusão das conferên-
cias em Vienna, a fim de solicitar daquelle Ministro uma expli-
ca aõ da opinião do Gabinete Austríaco, a respeito da linha
de comportamento, que os outros Estados da Alemanha devem
seguir para com seus vasallos Alemaens. A respecta do
Principe de Metternich contém a plena exposição das vistas do
Imperador.
Neste documento, o Principe, depois de fazer justiça ás leaes
eilluminadas intençoens do Eleitor, se alarga sobre as prodigi-
osas vantagens, que tem resultado á Europa do Congresso de
Carlsbad, e das conferências de Vienna; diz que estas, posto que
naõ tam conspicuas, naõ seraõ menos benéficas em seus resul-
tados ; e se naõ se tem adoptado medidas mais decisivas, esta
circumstancia se compensa pela unanimidade, que de outra ma-
neira se naõ teria obtido. Mas o Ministro insiste mais particular-
mente (e de facto todo o teor da communicaçaõ he para este ef-
feito) que os Soberanos da Alemanha naõ devem perder de vista
a necessidade de preservar intactas as instituiçoens existentes
tanto antigas como modernas: de naõ admittirem melhora-
mentos especulativos, e de se opporem firmemente á mais
leve inovação a menos que sua necessidade seja rigoro-
samente demonstrada, e que a vontade do Soberano seja per-
feitamente sem restricçaõ, e livre de toda a influencia exterior.
" Preserva o que existe," diz o texto deste documento, " naõ
somente he a política mais solida para o presente, mas o meio
mais judicioso e provável de recobrar o que se tem perdido."
O Principe desapprova a facilidade, com que alguns dos Estados
Meridionaes da Alemanha tem concedido constituiçoens ; e ob-
serva, que, aonde se tem feito as maiores concessoens, os que
se chamam a si mesmos Liberaes, saõ os mais descontentes, e
o Governo exposto ás mais immoderadas pretençoens. O Prín-
cipe expressa, em termos vigorosos, a sua convicção dos males
que a desenfreada licenciosidade da imprensa tem produzido; po-
rém considera que a segurança da Europa nos imminentes peri-
BB
VOL. X X V . N M 4 7 .
194 Miscellanea.

gos do século presente, ainda se pôde manter, pela inviolável


uniaõ das grandes potências, a quem naõ tem ameaçado a me-
nor nuvem, e que naõ parecem capazes de deterioramento. Este
facto, que he irrefragavel, pode ainda intimidar os facciosos, e, em
todo o caso, desfará suas machinaçoens. O Principe faz entaõ
rerapitulaçaõ destas consideraçoens, que declara terem a plena
concurrencia do Imperador; e accrescenta, que, qualquer potên-
cia, que adoptar este systema politico, terá o indubitavel direito
de pedir o auxilio da Confederação, em caso de necessidade, e
o da Áustria lhe será cordealmente concedido.

FRANÇA.

Uma Ordenança Real, de 26 de Julho, impõem o direito de


90 francos por tonelada, em todos os vasos dos Estados-Unidos,
que entrarem nos portos Francezes da Europa, além da décima
addicional. Exceptuam-se porém os vasos, que tiverem saldo
dos Estados-Unidos, antes dos 15 de Maio. E este direito ces-
sará, logo que se annulle o Acto do Congresso de 15 de Maio.
Por outra Ordenança se determina, que, desde os 15 de Ou-
tubro próximo futuro, ate os 21 de Março 1821, se conceda um
prêmio de 10 francos, por cada cem kilogramas, aos algudoens
de ambas as Américas, importados era França, em quaesquer
vasos, excepto os dos Estados-Unidos.
A questão política, que se agita agora em França com maior
ardor he sobre o modo de pôr em execução a nova ley das elei-
çoens; e copiaremos sobre isto o seguinte artigo do Conititution-
nel.
" Em todas as companhias se ventila, a conjectura de se dis-
solverem ou naõ as Câmaras ; e se o systema electoral, creado
nesta ultima sessaõ, será applicado em toda a «ua extençaô.
A questão se tem tornado matéria de partidos, e de todos os
lados se acham argumentos pró e contra. Naõ he da nossa com-
petência examinar o que fará o Ministro, nesta occasiaõ; «\
além disto, o que nós dissermos provavelmente naõ pezará mui-1
Miscellanea. IP»

to nas suas deliberaçoens ; mas naõ será inútil o offerecer a nos-


sos leitores o estado das opinioens nesta matéria."
" As três divisoens, que existem nas Câmaras, existem tam-
bém em todas as assembleas particulares, aonde se discutem
questoens políticas. Somente as maioridades saõ differentes.
O Centro, que he tam numeroso no Palácio Bourbon, he quasi
imperceptível em muitas companhias. O lado direito, está em
sua maior força no Faubourg St. Germain ; e o esquerdo he mui
considerável na Chaussée d^Antin, e no bairro influído pelo com-
mercio. Destas três divisoens, a do meio pronuncia a favor de
uma renovação parcial dos membros da Câmara. A ley a favor
de que votaram naõ lhes parece assas segura, para que se arris-
que immediatamente a sua total execução. Temem haver sido
enganados, e muitos delles pensam, que o presente momento
naõ he favorável para um experimento deste gênero."
" O lado direito, tendo maior confiança no que chama a sua
força, e suas doutrinas, naõ participa nestes temores. Naõ he
isto porque naõ veja a tendência do espirito publico, mas por-
que conta sempre sobre certos planos de compressão, que lhe
parecem appropriados para segurar o triumpho das doutrinas da
unidade. Somente pedem Realistas para presidir nos collegios,
e sentem-se assas inclinados a experimentar sua fortuna. Os
sette indivíduos de Mr. Chateaubriand se lhes apresentam í
vista, tomo remédio para o espirito liberal, que se move, e,
com aquelle apoio, se entregam ás aventuras dos antigos Caval-
leiros."
" O lado esquerdo parece ser de opinião, em alguns respeitos
differente, em outros respeitos similhante a esta. Os deste lado
consentiriam de boa vontade na renovação integral da Câmara,
mesmo com Presidentes Realistas ; porém repugnam á idea de
outro qualquer meio de influencia, se naõ os que resultam da
natureza das cousas, e que saõ conformes aos princípios de li-
berdade. O lado esquerdo se distingue por uma inteira confian-
ça na França. Os deste lado naõ faliam de compressão de opi-
nioens, de castigar doutrinas, de interceptar a manifestação do
espirito publico. Incessantemente repetem, deixem ir as cousas
igfj Miscellanea.

por si mesmas; deixem que a naçaõ obre em liberdade. Em


todos os tempos, quando se tracta de consultar a vontade da na-
çaõ, solicitam a mais ampla latitude de exprtssaõ. Naõ repug-
nam, por tanto, ao grande experimento de que se tracta. E
com tudo, muito se tem trabalhado para os privar de sua influ-
encia, pela nova ley ; elles confiam assas na naçaõ, para dese-
jarem sua inteira execução ; ainda que se adoptassem os dous
estados da eleição, elles haveriam usado a mesma linguagem.
A sua política nem he obscura nem complicada. Somente
exigem, como Ajax, contender á luz do dia. Se podemos accres-
Ceutar uma opinião, parece-nos, que, na situação em que se acha
o Governo, he altamente importante, que elle saiba se o novo
systema be approvado pela maioridade. Se tem as bazes sobre
área, ou sobre rocha."
No meio destas agitaçoens políticas se tramou uma conspira-
ção nas tropas de Paris, cujo fundamento e ramificaçoens naõ
saõ ainda conhecidos, no entanto daremos o seguinte extracto
do Moniteur, em que esta conspiração se annuncía.
" Pari* 20 de Agosto. Ha algum tempo que o Governo tinha
informaçoens, de que se empregavam artifícios para seduzir as
tropas a uma revolta. O Governo estava satisfeito de que o
bom espirito, que anima os soldados Francezes, destruiria pro-
jectos formados por certos homens, sempre promptos a sacri-
ficar sua honra e o socego de sua pátria a seu orgulho e cubi-
ça: o Governo vigiava seus procedimentos. Estes loucos cre-
ram, que eram sufficientemente poderosos para derribar o throno e
as instituiçoens protectoras, que a França deve a seu Rey. Cer-
to numero de officiaes de patente e inferiores dos corpos da
guarniçaõ de Paris, foram seduzidos. Até alguns da Guarda
Real se deixaram levar paia a conspiração. Hontem á noite,
concordaram estes officiaes, entre si, ajunctar-se nos quartéis,
formar os soldados e marchar contra o palácio de nossos Reys, e
proclamar como Soberano algum membro de familia de Bona-
parte ; porém muitos dos que elles haviam tentado seduzir, com
suas pérfidas proposiçoens, naô hesitaram em ir ter immediata-
menle com seus chefes, e descubrir-Hies a conspiração, que
Miscellanea. 197

estava ao ponto de arrebentar. O Governo naõ pode delongar


mais. Os que haviam tomado parte nesta criminosa conjura-
ção, foram presos pela Gens d'armerie. Parece que uma parle
do plano dos conspiradores éra tomar posse do castello Vincenes,
Um incêndio, que em breve tempo se apagou, arrebentou ali ás
três horas da tarde. He racionavel suppôr, que isto se destina-
va a crear desordens, e favorecer o ataque. A França tem direi-
to de esperar, que tal attentado será punido de maneira, que inti-
mide todos os que, esquecendo-se de seus deveres e de seus jura-
mentos, queiram voltar contra a ordem social aquellas armas, que
se lhes confiaram para sua defensa. Nada se deve negligenciar,
que possa assegurar os authores e cúmplices de uma conspiração,
que, dirigida contra o Throno e contra a Charta, atacava ao mes-
mo tempo todos os membros do Estado, em seus mais charos
sentimentos e melhores direitos. O mais elevado tribunal, o que
a Charta, com saudável previdência, encarregou de previu ir as
tentativas contia a segurança do Estado, sem duvida será cha-
mado a julgar o maior crime, que a ley tem de castigar. Abri-
gado contra toda a influencia, superior a toda a guggestaõ sinis-
tra, aquelle augusto tribunal, melhor do que nenhum outro, re-
conhecerá a innocencia, despedirá suspeitas mal fundadas, ao
mesmo tempo que descubrirá os culpados, quem quer que elles
sejam. A cidade de Paris goza da mais perfeita tranquillidade.
Os cidadãos souberam, ao mesmo instante, a existência da con-
spiração, e a prizaõ de seus authores."
Gazetas posteriores de Paris asseveram, que o numero dos
officiaes culpados naõ passa de vinte cinco, e nenhum acima da
graduação de capitão. He porém notável, que só 25 homens se
attrevessem a pór em practica uma conspiração, para a total sub-
versão da Monarchia.
El Rey publicou uma ordenança convocando a Câmara dos
Pares, para sem demora, como Corte de Justiça, processar os
prezos accusados pela recente conspiração.
l
98 Miscellanea.

HESPANHA.

A proposição para reintegrar em seu direito de successaõ i


Coroa, o Infante D. Francisco de Paula e a tx-Raynha de Etru-
ria, foi adoptada unanimemente; mas o decreto naõ faz men-
ção da ex-Imperatriz de França Maria Luiza.
Nomeou-se um tribunal extraordinário de 30 membros, para
processar os 69 membros das Cortes, que aconselharam a Fer-
nando VIL, o destruir a constituição em 1814.
Na sessaõ das Cortes de 11 de Julho, se fez uma proposição,
para augmentar o numero dos Deputados das provincias ultra-
marinas, segundo as contas mais authenticas da população das
colônias.
Fez-se nas Cortes, no dia 23 de Julho, uma proposição, para
impedir a fundação de novos conventos, permittir a seculariza-
çaõ dos religiosos, que a desejarem, e declarar a propriedade
ecclesiastica, propriedade nacional. Esta proposição, feita por
D. fullano Sancho, ficou reservada para futura discussão. 0
mais he que, na sessaõ de 27, se apresentou uma petição de
certos frades de Baeza, pedindo que se extendesse á sua ordem a
secularizaçaõ do clero regular.
A Commissaõ, nomeada pelas Cortes, para indagar e fazer o
seu relatório, sobre os negócios ecclesiasticos, propoz o se-
guinte :
1. Que para o anno que vem, se cobrassem os dízimos pelas
municipalidades, debaixo da direcçaõ de deputaçoens provin-
ciaes, sem a intervenção do clero.
2. Que as municipalidades pagassem, desde o anno de 1821
em diante, somente a metade do que até aqui pagavam.
3. Que do producto dos dízimos se pagassem em cada pro-
vincia as despezas das igrejas, segundo um regulamento, que
para isso se deve fazer.
4. Que do remanescente se sustentem os estabelicimeBtos de
instrucçaõ publica, de beneficência e de charidade.
5. Que as sobras se ponham á disposição do Governo, e for-
mem um dos artigos da receita publica.
Miscellanea. 199
6. Que a commissaõ de Finanças proponha os meios para a
subsistência do clero regular.
O seguinte he um resumo do relatório, que fizeram os diffe-
rentes Ministros, sobre a situação actual du Hespanha, em suas
diversas repartiçoens ; e como seria incompativel com os nossos
limites dar por extenso os relatórios, contentamo-nos com este
abstracto copiado das gazetas Francezas.
Repartição do Estrangeiro. O Ministro dos Negócios Es-
trangeiros annunciou, que as relaçoens da naçaõ, com as potên-
cias estrangeiras, eram perfeitamente pacificas e amigáveis, ex-
cepto a respeito dos Estados-Unidos, e da Corte de Portugal.
Com esta, observou o Ministro, existiam algumas differenças,
sobre a tomada de Monte-Vídeo; e cora os Estados-Unidos sobre
o tractado das Floridas : mas os princípios de moderação e justi-
ça, que dirigem as nosas operaçoens diplomáticas, nos dam razaõ
para esperar, que estas differenças se ajustarão de maneira ho-
norífica para a Hespanha, e que naõ alterarão nem ainda leve-
mente o systema de paz estabelecido na Europa.
Interior. O Ministro do Interior referio por menor todos os
ramos da administração publica, connexos com esta repartição,
e especificou os meios adoptados para seu melhoramento. Esta
repartição do Governo requererá mais longo tempo em sua orga-
nização ; porque tudo deve eer regenerado, na conformidade do
relatório sobre a economia política, e administração civil do
Reyno, em ordem a dar novo estimulo á agricultura, commer-
cio, fabricas, e artes ; e para promover a prosperidade geral da
naçaõ.
Colônias. O Ministro das Colônias em seu relatório, sobre
a situação da America, referio miudamente entre outras cousas,
as medidas adoptadas por El Rey, para reconciliar as differenças
existentes, e para a reunião das colônias com a metrópole. Ne-
gou que fossem verdadeiros os rumores, de se contemplar uma
expedição para a Ameiica, e explicou o que tinha dado lugar a
estes falsos rumores.
Justiça. O relatório do Ministro de Justiça abraçou somente
o período subsequente aos 9 de Março, deste anno. Deo conta
200 Miscellanea.

dos decretos assignados por El Rey, para consolidar o systema


constitucional, e fazer observar as leys ; expôz o estado dos tri-
bunaes da Corte e outras partes do Reyno: e referio o que ja se
tinha feito para o estabelicimento de Juizes de Primeira Instân-
cia, conforme a divisão de districtos, adoptada pelas Cortes.
Disse, que se tinha disposto de alguns benefícios ecclesiasticos,
para remunerar certos indivíduos nomeados, que haviam soffrido
perseguiçoens, por causa de sua adhesaõ ao systema constitu-
cional. Demoróu-se muito sobre as medidas adoptadas a res-
peito do clero regular, que representou como igualmente vanta-
josas aquella classe e ao corpo total da naçaõ ; e referio os ar-
ranjamentos ja feitos, para prevenir o augmento dos conventos
los Jezuitas, permittindo somente um nas cidades em que ha-
via mais de um, e tirando de suas maõs a instrucçaõ publica.
Finalmente o Ministro defendeo as medidas, que se havl.ini
idoptado para segurar-se das pessoas dos deputados, que assig-
nâram a representação, no anno de 1814, e a respeito dos quaes
ficou reservado ás Cortes o pronunciar a sentença.
Guerra. O relatório do Ministro da Guerra produziu a mais
lolorosa impressão. Parece, que esta repartição se acha na
nais deplorável condição ; que he indispensavelmente necessário
íffectuar immediatamente uma reforma no exercito, e mudar a
sua organização: que a í o r ç a militar existente, comprehenden-
lo todas as armas, he de cerca de 53.705 homens, exclusivo du
Guarda Real, e 7.083 de cavallaria; que, naõ obstante a re-
Jucçaõ de 10.000 officiaes, o numero, que ainda ficou, éra além
:le toda a proporção para o exercito; que se tinham diminuído
eonsideravelmedte os corpos da Guarda Real; e que a falta de
linheiro, e distribuição parcial do soldo, tinha reduzido os offi-
:iaes á maior penúria; que a maior parte delles havia estado por
annos a meio soldo, ainda que em serviço activo, que o exercito
está em estado de vergonhosa nudez; que na cavallaria somente
ipiinze regimentos tem os seus fardamentos e petrechos em tole-
rável condição; que o fardamento e armamento da infanteria
laõ eram uniformes, e geralmente máos; que tinham somente
57.000 espingardas, 6.000 das quaes ja se naõ podiam usar-
Miscellanea. 201
que a cavallaria tinha 10.000 carabinas, e que nas pistolas e
espadas naõ havia uniformidade ; e que os arreios somente eram
tegulares em sette regimentos.
Decreveo depois o Ministro o deplorável estado da artilheria;
que se achava absolutamente desprovida de todo o material; e o
supprimento de muniçoens, que tinha, éra apenas sufficiente
para um só dia de serviço em batalha. Os corpos de milícia,
levantados em 1818, apresentam uma força de 33'809 homens,
commandados por 140 chefes ; a guarniçoens, castellos, &c. es-
taõ no mais miservavel estado; e o mesmo acontece ás forta-
lezas nas costas. A educação militar naõ tem tido mudança; e
a repartição de instrucçaõ theoretiea e practica dos militares,
naõ precisa de reforma. As baixas e reformas, que se tem con-
cedido a officiaes tem poupado algumas somtnas ; e o numero dos
inválidos he de 7.838 homens.
Recapitlou entaõ toda a força da Península ; a da infanteria,
incluindo milícias, disse que consistia em 87.779 homens: ca-
vallaria em 6.338; e a despeza de todo o exercito avaliou em
352:007.000 reales.
Entrou depois nas particularidades dos estabelicimentos colo-
niaes. As ilhas de Porto Rico, S. Dominigos e Cuba gozam
de profunda tranquillidade. No México existem somente al-
guns bandos de insurgentes, que naõ causam apprehensoens;
mas lie necessário manter aquelle paiz em pé de guerra. A
devastação, que tem produzido as revoluçoens, sente-se mui
severamente na America Meredional, que experimenta os effei-
tos de uma guerra excitada pela ambição de estrangeiros. Ainda
que he impossível dar idea exacta das forças mitares naquelles
paizes, o ministro auniniciou, que desde 1815, naõ menos do
que 42.177 homens de todas as armas, se transportaram para ali,
5.000 dos quaes furam de Porto-Rico.
As forças na Ilha de Cuba, incluindo a milícia, montam a
10.995 homens, e 977 cavallos •• as da America Septentrional,
chegam a 41.036 de infanteria e cavallaria, que occupam uma
extensão de 82.142 milhas quadradas. Ultimamente, ajunctando
V O L . XXV. N°. 147. c c
202 Miscellanea.
as tropas que estaõ nos outros postos da America Septrional
consistindo em cerca de 10.178 homens, que formam a guar-
niçaõ das Phillipinas, se achará que o exercito nas colônias
monta a 96.578 homens, e 8.419 cavallos. As guarniçoens na
America estaõ no peior estado possivel.
Marinha. O Ministro da Marinha, no seu relatório, expôz
a miserável condição, a que se acha reduzida esta Repartição,
insistio afincadamente na necessidade de reger este importan-
tíssimo ramo, e de o augmentar ao maior ponto possivel, con-
struindo o maior numero de navios, que as finanças permittirem.
Referio-se a uma proposição, que se fez nas Cortes passadas,
de augmentar a esquadra até 23 navios de linha, 20 fragatas,
18 corvetas, 26 brigantins, e 18 chalupas de guerra.
Finanças. O Ministro da Fazenda entrou era longo e com-
plicado discurso. Deo conta do estado do Thesouro aos 9 de
Março; explicou quaes eram os recursos disponíveis, e notou
os modos practicaveis de supprir as faltas. Propoz algumas
modificacoens nas dotaçoens da Familia Real, e solicitou a ap-
provaçaõ das Cortes para um imprestimo de 40:000.000, que El
Hey abriria, e para o qual só se tinham assignado 5:000.000.
Descreveo o miserável estado das Finanças, indicou o modo de
melhoiar o systema, e as difficuldades, que se oppunham á re-
forma. Especificou os abusos; e um dos principaes éramos
impostos meramente temporários, e que na Hespanha nunca se
tornavam a tirar. Daqui a necessidade de consultar as opinio-
ens e habilidades de differentes pessoas, antes que se submet-
tesse novo plano de contribuiçoens. Explicou as causas, que
se oppunham ao estabelicimento de contribuiçoens directas, e
mencionou a indisposição do clero, da nobreza, e das pessoas
em empregos públicos, em contribuir as suas porçoens, como
um dos principaes impedimentos. Demonstrou a necessidade
de uma refoima, e de dar publicidade a tudo quanto respeita as
Finanças. O Ministio concluio o seu relatório notando a inexac-
tidaõ e inutilidade das leys sobre as alfândegas ; a perniciosa e
má tendência da repartição dos correios, e das leysprohibitivas:
propoz a uniaõ das repartiçoens dos Correios e da Fazenda; e
Miscellanea. 203
reprovou o absurdo das leys penaes, a respeito do systema das
Finanças
Finanças.

Total das rendas. Despezas em Producto


ordenados,&c. liquido.
Reaes de Vell. M. R. Vn. M. R. Vn. M.

Alfândegas 107:256.279-18 10:616.324- 5 96:841.710-32


Direito da laS 17:671.698-32 953.359.30 16:718.339- 2
D* Provinciaes 141:87501117 23:143.906-11 118:729.105- 6
Catastro,Equi-
valenteeTalla 57:471.543, 9 1:511.514-12 55:960.028-31
Tercias Reales 3:699.978-31 166.241- 7 3:533.737-24
Tabaco 72.100.915-10 26:683.763-33 45:556.417-11
Sal 64:821.957- 8 27:448.069- 4 37:755.385-19
Chumbo 4:647.053- 4 1:114.675- 1 3:532.378- 3
Pólvora 3:696.348-33 294.322-32 3:402.026- 1
Rentillas 243.865- 5 128.123-18 858.603-21
Sêllo 11:103.479- 0 364.767- 0 10:738.612- 0
Barracamento 17:356.328-19 504.419-18 17:305.909- 1
Noveno 24:657.671- O 24:657.671- 0
Escusado 19:022.480-0 19:022.480-0
Das Canárias 3:463.801- 0 3:463.801- O

Total 549.786.411-16 92:475.487- 1 458:056.205-15


Incidentes 21:326.048- O
Total em Reales de Vellon 479:382.253-15

A estas rendas se accrescentam as seguintes :—


I o . Patrimônio Real. Naõ se sabe ainda a somma.
2. Direitos para pagar os juros da divida publica, igual a
um terço dos direitos de alfândega. Desde o anno de 1808, se
suspendeo o pagamento dos juros, e estas rendas entraram no
thesouro.
204 Miscellanea.
3 . Dízimos, recebidos pelo clero. Naõ se sabe a somma.
4. Cáes e direitos commerciaes, recebidos pela Juncta do
Commercio, applicados a exigências locaes.
Total das rendas . . 549:786.411-16
Despezas e sallarios . . 92:475.487- 1

Producto liquido . . 479:382.253-15


Despeza publica sem incluir os juros da divida 946:273.843- O

Déficit . . 466:891.590-

Daqui se vê que a despeza tem sido quasi o dobro da receita


annualmente.
Da exposição dos Ministros, nas differentes repartiçoens he
manifesto, qual deve ser a tarefa de reduzir a ordem o chãos, em
que se achava a Hespanha; e com tudo, os Hespanhoes parecem
indefatigaveis em seus trabalhos, e o Governo assim como as
Cortes em adquirirem por sua assiduidade a confiança da naçaõ-
As gazetas Francezas noticiaram um formidável movimento
de contra-revoluçaõ na Galliza; cujo foco tinha sido nas frontei-
ras de Portugal; e tendo por cabeças o Medico Barcia, e o Ca-
pitão Cicero Blanco, alcançaram armar em seu favor grande nu-
mero de camponezes : diziam riiais, que o Duque dei Infantado,
que se refugiara em Portugal, e residia em Valença do Minho,
estando em combinação com o Arcebispo e clero de S. Tiago
de Compostélla, tramara estra contra-revoluçaõ para deitara
baixo o partido das Cortes. O Governo, que se estabeleceo
para organizar esta contra-revoluçaõ, intitulou-se a Juncta
Apostólica.
Qualquer que fosse a extençaõ desta revolta, em breve se dis-
sipou, mandando o Chefe Politico de Galliza algumas tropas,
que dispersaram os insurgentes, a ínaior parte dos quaes se re-
fugiou em Portugal. Isto consta de um officio do Chefe Politico
de Galliza, datado de Corunha aos 17 de Julho, e recebido em
Madrid aos 2 1 , pelo Ministro do Interior, a quem éra dirigido.
Miscellanea. 205

NÁPOLES.

A revolução Napolitana, parece que tem encontrado alguma


opposiçaõ; e a maior pi ova disso he, que se julgou necessário
instituir uma Commissaõ extraordinária de Policia, com o nome
de Committé de Segurança Publica, como se vê pelo decreto,
que deixamos publicado a p. 138. Este nome, fazendo-nos
lembrar a sua origem na revolução Franceza, naõ nos dá agouro
agradável.
O Committé, logo que começou suas funcçoens, expressou ao
Principe, Vigario-Geral do Reyno, que o povo necessitava da
Constituição; e em conseqüência nomeou S. A. R. uma commis-
saõ, para traduzir do Hespanhol para o Italiano, a constituição
de Hespanha de 1812.
O Principe Vigario-Geral publicou um decreto para a convo-
cação do Parlamento, no I o . de Outubro. Como os princípios,
sobre que esta assemblea se he da organizar, saõ os da constitui-
ção Hespanhola, he escusado referir as particularidades. O
numero dos Deputados para o Reyno Unido se calcula segundo
a hypothese de que aSicilia continuará unida ; e se toma em
o numero de 9 8 : 74 para representar a população Napolitana,
que chega a 5:052.361 almas ; e os outros 24 o povo da Sicilia,
que consiste em 1:681.873 almas. Assim a população de todo
o Reyno dá o resultado de 6:734.234 habitantes.
A proclamaçaõ, que acompanha este decreto, convida todos
os cidadãos a esquecer-se do espirito de partido; a considerar a
importância de suas funcçoeus, como eleitores; e. visto que o
futuro Parlamento será revestido do poder de fazer aquellas mu-
danças na constituição, que forem necessárias para a adaptar ás
necessidades e situação da Monarchia, o decreto ordena, que
os eleitores só nomeiem homens probos e virtuosos.
No dia seguinte ao em que El Rey, o Principe Hereditário, e
o Principe Leopoldo juraram a constituição; cousa de 300 ho-
wens do reçirnento Farneze, que tinham ordem de ir guarnecer a
206 Miscellanea.
fortaleza de Gaeta, recusaram marchar; foram porém tomados
por alguma tropa de cavallaria mandada contra elles, mas naõ se
fez isto sem haverem algumas mortes.
Este distúrbio em Napoies foi cousa de pouco momento, mas
em Palermo, capital da Sicilia, houve outro mui sério como se
se veda seguinte narrativa, tirada das mesmas gazetas Napoli-
tanas.
Logo que se soube na Sicilia da revolução de Napoies, se arvo-
rou em Palermo a bandeira tricolor Napolitana, o Vice-Rey e
mais authoridades reconheceram a nova ordem de cousas, e toda a
cidade naõ apresentou mais do que uma scena de alegria e festivi-
dades. No dia seguinte 15 de Julho, lembráram-se os Sicilianos
de sua antipathia nacional, contra os Napolitanos, e aj une taram
á bandeira tricolor uma tira amarela, que he a côr de Sicilia. O
General Church,um official Inglez no serviço de Napoies, rasgou
este signal de independência, e com seu indiscreto zelo de tal
modo irritou o povo, que este incidente foi causa de sérias des-
graças. A populaça atacou a casa do General Church, a guarda
fez fogo ao povo. A multidão soltou os facinorosos das cadeas:
e seguio-se geral saque, roubos e mortes, dizendo-se que o seu
numero chegou a 2.000, alem de 3.000 feridos. Nomeou-se
uma guarda cívica para acalmar a sediçaõ ; mas esta medida naõ
produzio effeito. A populaça armada tomou as fortalezas, apos-
sou-se dos armazéns e muniçoens ; e por fim elegeo-se uma junc-
ta provisional de governo, como único meio de parar aanarchia.
As poucas tropas, que esta Juncta pôde encorporar, para man-
ter sua uthoridade, naõ foram capazes de resistir ao furor po-
pular.
Nestes termos o Principe Vigario-Geral do Reyno expedio a
proclamaçaõ, que publicamos a p. 189, e despachou navios com
algumas tropas, para sustentar a Juncta Provisória, que também
confirmou, por entanto, no Governo da Sicilia. Estas e outras
medidas se esperava que produzissem o restabelicimento de
tranquillidade.
A nova constituição foi proclamada em Messina, no meio das
acclamaçoens dos habitantes. Em Palermo a scena he bem dif-
Miscellanea. 207
ferente, aos 19 de Julho ainda se combatiam os partidos conten-
dentes. O resto das tropas, que tinham ganhado posse do Cas-
teliamare, aos 17, foram dali expulsadas aos 18, depois de vio-
lenta canhonada, e retiráram-se para um outeiro, d'onde faziam
fogo contra os insurgentes. No interior da ilha havia também
dous partidos, um que deseja formar a Sicilia em Estado inde-
pendente, outro que contende pela continuação da dynastia Na-
politana, com a constituição de 1812.
As cartas de Sicilia de 26 de Julho, dizem, que aos 20 se
achava restabelecida a tranquillidade em Palermo, nas outras
partes da ilha naõ tinha havido commoçoens. Alguns nobres,
que tinham recusado admittir a constituição de Napoies presta-
ram a ella juramento, e a demais se entregaram como reféns, e
se acham no Castello de Sant-Elmo.

ROMA.

Os sentimentos políticos, que excitaram a revolução de Ná-


poles, parece que se extendem a outras partes da Itália; e pri-
meiramente se sentiram seus effeitos nos Estados Ecclesiasti-
cos. Em Benevente arrebentou uma sediçaõ, que sem duvida
éra apoiada pelos Napolitamos, como se deduz do seguinte edic-
to do Principe Vigário Geral de Napoies.

Fernando 1. &c. Nos Francisco, Principe Hereditário, Vi-


gário Geral do Reyno.
Tendo recebido informação de um movimento, que houve na
cidade de Benevento; e desejando evitar, com o maior cui-
dado possível, tudo quanto possa de qualquer maneira pertur-
bar a boa intelligencia com Sua Sanctidade, e prevenir que
qualquer habitante deste Reyno se intrometia nos negócios do
Estado de Benevento, fazemos saber a todo o nosso amado
povo, que, para preservar a sua independência, he necessário
208 Miscellanea.
respeitar a independência dos outros Governos, e evitar religio-
samente tudo quanto possa comprometter a boa intelligencia
com a Corte Pontifícia. Ordenamos, em conseqüência, que
nenhum habitante deste Reyno se attreva a introduzir gente
armada nos Estados Vizinhos, nem a ingerir-se de qualquer
maneira nos seus negócios. Os que obrarem em contravenção
desta ordem, seraõ castigados com todo o rigor das leys,
segundo o artigo 117 e seguintes do Código Penal.

Napoies, 12 de Julho, 1820.

(Assignado) FRANCISCO. Vigário Geral.

Contrassignado pelo Secretario de Estado, Ministro de


Justiça.
RICCIARDI.

Uma carta de Napoies do I o . de Agosto diz, que os dous


principados de Benevento e Pontecorvo, entraram em uma ne-
gociação com a Corte de Roma, pela mediação de Napoies, pe-
dindo concessoens e novas instituiçoens, antes de voltar á su-
geiçaõ do Papa ; mas o Governo Pontifio exigio, que seentregas-
sem sem condiçoens, e o resultado foi, que ambos os Estados
se declararam Governos independentes.
Por uma carta de Roma, de 20 de Julho, se sabe que em
Ponte Corvo houvera aos 4 do mesmo mez uma commoçaõ
popular similhante á de Benevento ; e com o auxilio de algu-
mas milicas Napolitamas, que lhe ficaram vizinhas, expulsa-
ram o Governador.
Pela natureza do Governo Pontifício nos parece evidente, que
a Corte de Roma naõ tem forças bastantes, para supprimir com-
moçoens, que tudo indica um progresso de se fazerem geraes:
mas, por outra parte, esta mesma circumstancia será o melhor
pretexto, para o Imperador de Áustria se ingerir na disputa,
enviando tropas em auxilio do Papa ; e nesse caso a indepen-
Miscellanea. 209
dencia de toda a Itália deve ficar mais precária do que nunca
Com effeito ja se diz, que parte das tropas Austríacas, que
marcham para a Itália, se destinam a tomar posse de Ancona.
Pôde porem duvidar-se, até que ponto as outras potências da
Europa consentirão, nesta influencia exclusiva do Imperador de
Áustria na Itália.

RÚSSIA.

Copiamos a p. 141 a resposta do Imperador de Rússia, ao


Ministro Hespanhol, o Cavalheiro Zea; e a circular do Gabi-
nete Russiano ás outras Cortes Aluadas. Estes documentos tem
feito grande bulha no mundo, e tem servido de fundamento
para vários ataques contra o charaeter e ideas liberaes do Impe-
rador de Rússia. Naõ podemos deixar de dizer, que taes cri-
ticismos nos tem parecido demasiado severos.
Diz o Imperador, e confessa, que o Governo Representativo he o
único, que dá esperanças de introduzir na Hespanha a prospe-
ridade e a tranqüilidade. Ate aqui naõ teraõ de que se queixar
os partidistas das ideas liberaes, e nem nos, que também os se-
guimos.
Mas declara-se o Imperador contra a idéa, de que taes refor-
mas se devessem fazer pelas tropas : aqui se dividem as opinio-
ens. Os que tem atacado o Imperador de Rússia, julgam este
sentimento contrario ao liberalismo do nosso século; nós po-
rem julgamos mui natural, e mui razoável a objecçaõ do Im-
perador; e mui bem fundados os temores, que elle exprime,
sobre as conseqüências funestas de tal exemplo. Se os soldados
saõ os que haõ de dictar a forma de Governo, he impossive
esperar regularidade nem deliberação na formação das leys ; e
ninguém, que conhece a historia Romana, ou a practica dos Ja-
VOL. X X V . N.° 147. DD
210 Mizcellanea.
nizaros,póde duvidar dos horrores que se seguiram á eleição
dos Imperadores Romanos, pelas cohortes Pretorianas. nem a
anarchia, que tam repetidas vezes promovem os Janisaros de
Constantinopla, sempre que se intromettem a decidir, quem
deveoccupar o throno do gram Sultaõ.
Agora quanto ao remédio, que o Imperador de Rússia pro-
põem, contra o máo exemplo do que succedeo em Hespanha,
naõ vamos do accordo coin o Gabinete Russiano; e menos ainda
nos agrada o passar-se por alto nestes documentos, a causa
porque a introducçaõ dessas instituiçoens na Hespanha foi
effectuada pelas tropas.
Se as instituiçoens, a que o Imperador allude, eram o único
meio de segurar a tranquillidade e prosperidade da Hespanha,
éra do dever do Rey o têllas effectuado; e, naõ fazendo isso,
expoz a sua naçaõ a que as tropas ou o povo o fizessem de um
modo tumultuario, perigoso, e sempre accompanhado de funes-
tissiinos males; os quaes, se, por uma excepçaõ rara, naõ ac-
contecéram na Hespanha, eram tanto de temer, que mui culpado
devemos suppôr El Rey, por se ter exposto ao quasi certo peri-
go, que succedessem.
Quanto ao plano do Gabinete Russiano, de convidar as mais
Cortes Europeas, a que exijam do presente Governo Hespanhol
uma desapprovaçaõ formal do modo por que a constituição de
1812 foi restabelecida, parece-nos de todo inútil.
Grande parte das instituiçoens políticas da Europa, derivadas
do systema feudal, saõ de todo incompatíveis com os custumes
e ideas do nosso século ; e por tanto naõ podem subsistir. As-
sim, ou os Governos as haõ de alterar por si mesmos, ou convul-
soens violentas, seja das tropas seja do povo, as derribaraõ,
sempre que a occasiaõ se apresente.
Se, no furor das commoçoens, se substituirem a essas institui-
çoens antigas, de que falíamos, outras naõ adaptadas ás idéas
e custumes actuaes, por mais bellas, por mais perfeitas que se-
jam na theoria, nunca se poderão por em practica : exemplo a
França, que durante esta revolução tem feito innumeraveis ex-
Miscellanea. 211

perimentos, e constantemente se tem visto obrigada a dar passos


retrogados.
Observamos, que os melhoramentos nas instituiçoens políticas
de Rússia, desde o tempo de Pedro Grande, tem sido progressi-
vos e daptados ao adiantamento de sua civilização, e por isso
duradoiros: assim desejaríamos que o actual Imperador, quan-
do exprime aquella verdade, a que de tam boamente subscreve-
mos, que " estas instituiçoens deixarão de ser um meio de ob-
ter a paz e felicidade, se em vez de serem outorgadas pela bon-
dade como concessão forem adoptadas pela fraqueza como único
recurso para a salvação ; " o dicto Imperador ao mesmo tempo in-
sistisse na necessidade de que essas instituiçoens se outorgassem
a tempo de prevenir o serem depois adoptadas pela fraqueza; o
que todo o Governo prudente pôde alcançar, fazendo que as in-
stituiçoens politicas, sigam a passo as mudanças dos custumes
nas naçoens.
CORREIO RRAZILIENSE
DE SEPTEMBRO 1820.

Na quarta parte nova os campos ára;


E se mais mundo houvera lá chegara.
CAMOENS. c . v i l . e 14.

POLÍTICA.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL, BRAZIL, E ALGARVES*

Alvará ampliando o de 25 de Abril ISIS; a favor da in-


dustria dos Povos.
Eu El Rey faço saber aos que este Alvará com força
de ley virem, que, tendo-me representado os Governa-
dores do Reyno de Portugal, e outras pessoas do meu
Conselho, e zelosas do meu serviço, e dos interesses re-
cíprocos do Reyno Unido, ser muito convenient ampli-
ar as disposiçoens do Alvará de vinte e cinco de Abril
de mil oitocentos e dezoito, tanto para occorrer a algum
abuso, que se possa introduzir, como para favorecer,
quanto he compatível com as outras urgências do Estado,
o progresso da cultura e industria dos povos; e confor-
mando-mecom o seu parecer: sou servido determinar:
Voi. XXV. V. 148. EE
214 Política.
1.° Que todo o vinho estrangeiro pague por entrada nos
Portos do Brazil, além dos direitos estabelecidos pela>
Tarifa ordenada no sobredicto Alvará, um direito addi-
cional da quantia de oito mil réis por pipa de cento e oi-
tenta medidas. Este direito será applicado para as des-
pezas militares, e de estabelecimentos públicos: será co-
brado pela alfândega, e remettido ao erário, do qual irá
entrando no banco do Brazil, para eu o mandar destinar
como melhor convier.
2.° E porque se tem observado abuso no favor da quar-
ta parte dos direitos do vinho, agoa-ardente, e azeite
Estrangeiro, vindo em embarcaçoens Portuguezas, por
se deixar a producçaõ Nacional, para se transportar a
Estrangeira: hei por bem mandallo suspender, ficando
nesta parte reformada a Tarifa do sobredicto Alvará.
3.° Hei outro sim por bem determinar, declarando, e
Tevogando o privilegio concedido à Companhia da agri-
cultura das vinhas do Alto Douro, pela mudança que
tem havido de circumstancias; que o privilegio, que tinha
para algum dos portos do Brazil, se fique entendendo, e
observe a respeito do vinho legal, e de embarque, e cora-
prehenda a todos os Portos do Brazil; o qual somente a
Companhia poderá transporter directamente, ou por es-
calla para qualquer dos portos, e o poderá vender enva-
silhado, ou engarrafado, à convenção das partes, sem su-
geiçaõ a taixa. E que o vinho chamado de ramo fique
permittido a qualquer Lavrador, ou negociante Portu-
guez o remettéllo e vendei Io nos Portos do Brazil, como
lhe convier, e por quaesquer consignatarios, pagando os
direitos estabelecidos.
4.o Determino que o trigo Estrangeiro, assim como o
milho, cevada, senteio, e farinha Estrangeira, que en-
trar pela fóz nos Portos de Portugal e algarve, pague,
como direito de entrada, a dizima em espécie. A arre-
Política. 215
cadaçaõ se fará pelo Terreiro de Lisboa, e nas outras
partes pela alfândega; e naõ se entenderá comprehendida
a vendagem do Terreiro de Lisboa, de vinte réis por al-
queire de farinha, destinada à manutenção daquelle esta-
belecimento. E este direito da dizima em espécie, ou o
seu preço, quando estiver em contracto, terá a mesma na-
tureza e applicaçaõ, que tem a décima; por ser justo nao
somente que a este subsidio, que se acha diminuto, a o
cresça algum outro rendimento; mas também que o seja
por este gênero, que se achava isento do direito geral da
dizima por entrada, com oppressaõ dos Lavradores do
Reyno, que pagam dízimos dos seus fructos. Permitto po-
rém que nos annos de carestia possa hever convençoens
sobre a quantidade deste deireito com os importadores
dos sobredictos gêneros.
&°. Ordeno que o Sal da producçaõ de Portugal e Al-
garve pague metade dos direitos por entrada nos portos
do Brazil. O mais Sal Portuguez continuará a pagar o
mesmo direito de oitenta réis por alqueire, medida do
Rio-de-Janeiro, que actualmente paga. E o Sal Estran-
geiro pagará direito dobrado. E por esta disposição se
naõ entenderão alteradas as diversas contribuiçoens, que
tiver em alguns lugares.
0°. Ordeno outro sim, que o Atum, Sardinha, ou outro
qualquer Peixe da Pescaria de Portugal, ou Algarve,
seja livre de direitos de entrada nos portos do Brazil, e
dominios Portuguezes. Assim como também o pano de
Linho, Linhas, e Burel, e a Saragoça fabricados em Por-
tugal : apresentando as competentes attestaçoens do Ma-
gistrado do lugar, ou da Alfândega por onde se expor-
ta te m.
7°. E por quanto he também necessário que as rendas
do Estado se naõ desfalque m pela urgência das despezas,
a que ellas saõ destinadas, quando também convém di-
216 Política.
rninuir as que fazem mais gravame: hei por bem de-
terminar: que a agua-ardinte dei consumo nas Cidades,
Villas, e Povoaçoens do Brazil pague mais um direito
de oito mil réis por pipa de cento e oitenta medidas,
além dos direitos, que actualmente paga. Naõ se en-
tenderá por este motivo abolida a prohibiçaõ, que em
alguns districtos ha, ou possa haver das vendas daAgoa-
ardente por miúdo, em razaõ da desordem, que occasio-
na entre os escravos. E exceptuo desta imposição as
Provicias do Rio Grande de Saõ Pedro, Santa Catharina,
Saõ Paulo, e Matto Grosso.
8. Hei outro sim por bem abolir a imposição chamada
Subsidio Militar, de seis centos e quarenta réis por ca-
beça de Gado Vacum, que se pagava nas Provincias do
Ceara, Rio Grande do Norte, Parahyba, e Pernambuco;
pois que pelas outras rendas do Estado tenho mandado
occorrer ás despezas da tropa, e milícias.
9. Para evitar alguns inconvenientes, que tem occorido
na observância do parágrafo treze do sobredicto Alvará
de vinte e cinco de Abril de mil oitocentos e dezoito, de-
termino, que para serem admittidos nos portos Portu-
guezes os navios de qualquer naçaõ Amiga ou Alliada,
deverão appresentar o Passaporte, ou documento legal,
segundo o uso estabelicido em cada uma dellas, que le-
galize a Naçaõ, a que pertence, é o destino da sua via-
gem : e manifesto das alfândegas, ou declaração authen-
tica de toda a carga, que trazem a seu bordo; e este
virá reconhecido, e certificado pelos Cônsules ou Vice-
Cônsules Portuguezes do porto donde sahirem; e onde
naõ houver Cônsules, ou Vice-Consules, viraõ authen-
ticados por aquella Authoridade Civil, ou Commercial,
que poder tenha para o fazer; sem o que naõ seraõ ad-
mittidos, e seraõ mandados sahir. E os Navios Portu-
guezes, que sahirem para algum porto, deverão igual-
Política. 217
mente levar o manifesto da carga, reconhecido, e certifi-
cado pelo Cônsul ou Vice-Consul da Naçaõ,aquém per-
tencer o Porto para onde se destinam. Pelo que porém
pertence aos Navios Inglezes, se continuará a observar o
que se acha convencionado.
10°. E as sobredictas determinaçoens principaraõ a ob-
servar-se do primeiro de Janeiro do futuro anno de mil
oitocentos e vinte e um em diante.
Este se cumprirá como nelle se contém: pelo que
mando â Meza do Desembargo do Paço, Presidente do
meu Real Erário, Regedor das Justiças, Conselho da
minha Real Fazenda, Governador da Relação e Casa do
Porto, e a todos os Tribunaes, Ministros de Justiça, e
mais pessoas, a quem pertencer o cumprimento deste
Alvará, o cumpram, e guardem sem embargo de quaes-
quer leys, ou disposiçoens em contrario, que todas hei
por derrogadas, como se de cada uma fizesse expressa
mençaõ. E valerá como carta passada pela Chancellaria,
posto que por ella naõ ha de passar, e que o seu effeito
haja de durar mais de um anno, naõ obstante a Ley em
contrario. Dado no Palácio do Rio-de-Janeiro em trinta
de Maio de mil oitocentos e vinte.
REY.
Thomaz Antônio de Villa-Nova Portugal.

Provisão, pelo Conselho da Fazenda no Brazil, sobre a


franquias dos nayios.

Dom Joaõ Por Graça de Deos, Rey do Reyno Unido


de Portugal, e do Brazil, e Algarves, d'aquem, e d'alem
Mar em África, Senhor de Guiné, etc. Faço saber aos
que a presente provisão virem: que, sendo-me presente o
methodo irregular, com que em algumas alfândegas des-
te Reyno, e domínios, se procede nos despachos dos na-
vios que tocamos respectivos portos por franquia: fui
218 Política.

servido ordenar ao Conselho da minha Real Fazenda, que


expedisse as ordens necessárias a todas as sobredictas
alfândegas, para que nos casos de entrada de navios
quaesquer por franquia, que descarreguem alguma carga
epertendam com o resto seguir também por franquia para
outro porto, ou cm ultima derrota, se observe a regra de
dar ao Mestre do Navio o manifesto original, e uma lista
da carga que despachar, em carta de officio, dirigida pelo
Juiz da Alfândega donde for assim despachado o Navio
para o Juiz da Alfândega do porto a que se destinar; a
fim de que por estes documentos authenticos alli se pos-
sam fazer as combinaçoens a final necessárias; evitando-
se o extravio, e desagradáveis contestaçoens, que do con-
trario podem ter lugar. E para que esta minha Real
determinação tenha o seu devido effeito no expediente
das sobredictas alfândegas, a mandei fazer publica por
meio desta. El Rey Nosso Senhor o mandou por seu
especial mandado, pelos Ministros abaixo assignados, do
seu Conselho, e do de sua Real Fazenda. Manoel Jozé
de Souza França a fez no Rio-de-Janeiro, aos treze de
Março de mil oitocentos e vinte. Antônio Feliciano
Serpa a fez escrever.
L u i z B A R B A A L A R D O DE MENEZES.
D O U T O R PRANCISCO X A V I E R DA SILVA CABRAL.
Por Aviso do Ministro e Secretario de Estado Thomaz
Antônio de Villanova Portugal de 28 de Fevereiro de
1820; e despacho c> Conselho do 1.° de Março do dicto
anno.

Avizo ao Conselho da Fazenda em Lisboa, sobre o des-


pacho das mercadorias Inglesas, na Alfândega.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.—Pertendendo


os negociantes Inglezes, que se despachassem nas Alfan*
Política. o\g

degas Portuguezas todas as mercadorias Britannicas, pelo


valor que apresentassem seus donos, ainda que o tivessem
na pauta, e que se naõ observasse a practica de separar-
se de uma caixa, ou fardo, suspeito de fraude, só aquel-
la mercadoria; que pela sua qualidade agradasse aos offi-
ciaes das alfândegas, por ter prompta venda, e ganho
certo, deixando as mais, que naõ estaõ nessas circunstan-
cias, e serviaõ de surtimento: El Rey Nosso Senhor
houve por bem mandar, que, na conformidade do trac-
tado de commercio de 1810, naõ só se continuasse a re-
gular o despacho das dietas mercadorias pelas pautas ex-
istentes, quando riellas tem valor designado, e por factu-
ras juradas nos casos em que o naõ tem, mas igualmente
se observasse a practica de tomarem os officiaes das alfân-
degas as fazendas a que o despachante designa valor, quan-
do elles o consideram lesivo, deixando na mesma caixa
ou fardo outras, em que naõ acham a mesma lesaõ, pois
de outra sorte se estabeleceria um meio certo de fraudar-
se a regra, tornando nullo o seu effeito. Mandou outro
sim, a pezar das conhecidas difficuldades que ha de se
fazerem boas, e que prehencham convenientemente o fim
a que se destinam, as pautas que se devem fazer, dar as
suas Reaes ordens ao Juiz d'Alfândega do Rio-de-Janeiio
para dispor, e arranjar previamente tudo quanto seja ne-
cessário para este trabalho, a fim de que se haja depois
de proceder á reunião dos árbitros Portuguezes e Ingle-
zes, segundo as disposiçoens do artigo 15 do mesmo
tractado. O que por ordem do mesmo Senhor Vossa
Excellencia fará presente no Conselho da Fazenda para
sua intelligencia, procedendo nesta conformidade pela
parte que lhe toca. Deos guarde a Vossa Excellencia.
Palácio do Governo em 29 de Julho de 1820.
JOAÕ A N T Ô N I O SALTER DE MENDONÇA.
SENHOR VISCONDE D E BALSEMAÕ.
290 Política.

Portaria dos Governadores de Portugal sobre os direitos


de exportação do Sal.
Tendo novamente representado a El Rey Nosso Se-
nhor as villas de Setúbal, Palmella, e Alcacer do Sal,
que em conseqüência do augmento dos direitos na expor-
tação do sal, ordenado pelo Alvará de 25 de Abril de
1818, tinham inteiramente desapparecido daquelle porto
os Navios Estrangeiros, que alli o vinham buscar: prefe-
rindo para esse fim os Portos de Hespanha, França, e
Gram-Bretanha, onde além de naõ pagarem direito al-
gum, saõ convidados com prêmios proporcionados ás
porçoens que levam; e sendo indispensavelmente neces-
sário occorrer-se á imminente total ruína deste precioso
ramo de commercio, ainda antes de baixara consulta,
que a este respeito se acha affecta a Sua Majestade,
manda o mesmo ^enhor, como providencia interina, que
o direito de todo o sal que se exportar para fora do Rey-
no Unido, fique reduzido a 300 réis por cada moio, in-
cluídos os 3 por cento paia as fragatas : que o sal expor-
tado em Navios Portuguezes para paizes Estiangeiros
pague somente 200 réis por moio, também incluídos os
dictos 3 por cento; e que o preço do sal assim transpor-
tado naõ exceda ao de 1.000 réis por moio. O Conselho
da Fazenda o tenha assim entendido, e faça executar.
Palácio do Governo em 5 de Agosto de 1820.
Com três Rubricas dos Governadores do Reyno.

Portaria dos Governadores de Portugal, sobre a matri-


cula das equipagens dos navios.
Tendo chegado ao Real conhecimento de Sua Majes-
tade os estorvos, que soflre o commercio da praça do
Política. 2-21
Porto com a duplicidade das matrículas das equipagens
dos navios nacionaes, e com as visitas das differentes au-
thoridades, que se practicam alli na saída dos mesmos
navios; e desejando o mesmo Senhor remover, a benefi-
cio do commercio dos seus vassallos, tudo o que des-
necessariamente possa impeccUo, ou molestállo: he ser-
vido ordenar, que as duas matrículas das equipagens dos
navios, que naquella cidade estaõ em uso, se reduzam a
uma só, a qual deve fazer-se pela Intendencia da Mari-
nha, na forma do Alvará de 2 de Julho de 1807 ; e bem
assim, que as visitas a bordo de cada navio Portuguez
na sabida fiquem substituídas por uma única visita, que
satisfaça aos objectos, que se tinham em vista, e que fará
pessoalmente o Intendente da referida Marinha, quando
o navio estiver de todo prompto para navegar, e j á com
piloto practico a bordo; tudo debaixo do regulamento,
que será com esta assignado por D. Miguel Pereira For-
jaz, Secretario do Governo na repartição da Marinha.
As authoridades, a quem o cumprimento desta Portaria
pertencer, o teraõ assim entendido, e executarão, cada
uma pela parte que lhe toca. Palácio do Governo em 13
de Julho de 1820.
Com três Rubricas dos Governadores do Reyno.
Registada a folhas 237 do livro 2.° das leys; Alvarás, e
Decretos do Conselho do Almirantado, e Juncta da Fa-
zenda da Marinha.

Regulamento para a matricula dos equipagens dos na-


vios nacionaes na cidade do Porto, e para a visita dos
mesmos navios na sahida.

I. A matricula, que ha de continuar a fazer-se pela In-


tendencia da Marinha, deverá ser lançada em um livro
V O L . XXV. N". 148. ir
2-2-2 Política.
para este effeito destinado, contendo muito distincta-
mente os uomes, filiaçoens, idades, naturalidades, e sig-
naes de cada indivíduo, e igualmente as soldadas, ou or-
denados, que for vencendo cada um, segundo o ajustado
com o capitão, dono, ou consignatario do navio; e rece-
bendo se a estes respeitos as declaraçoens, que derem os
próprios indivíduos, e conjunctamenteo Capitão, ao qual
se dará um duplicado da mesma matricula, em tudo con-
forme com a do livro, e sendo ambas assignadas pelo in-
tendente, e Escrivão, e pelo Capitão, ou mestre da embar-
cação.
II. A visita que deve fazer o Intendente, quando o Navio
estiver prompto para poder sair, ha de praticar-se com
assistência do Escrivão, e Meirinhoda Intendencia, e do
Patraõ Mor. O Capitão apresentará neste acto todos os
Despachos, e mais papeis, que está ordenado, e em uso
para a legitimidade da Navegação Portugueza; fiscali-
zando o Intendente, se estaõ em regra, porá o seu—Visto
—em todos os que achar conformes: entram essencial-
mente no numeio dos dictos papeis o passaporte do Na-
vio, passado por esta Secretaria de Estado, e os dos Pas-
sageiros, se os levar o Navio, expedidos também por
uma das duas Secretarias de Estado, conforme o destino
do mesmo Navio, ou para os Dominios de Sua Majestade,
ou para portos Estrangeiros; e examinará com par-
ticular cuidado, o Intendente, se vai alguém a bordo
fora da tripulação sem passaporte; executando o que a
tal respeito está determinado nas leys do Reyno, e ordens,
que saõ de todos conhecidas.
III. Na mesma visita se conferirá a matricula com a
Equipagem, e se passará a revista dos sobrecellentes, que
se declararão no verso da Matricula, segundo a lotação do
Navio, e verificação dos que este levar; e só com a appro-
vaçaõ, e o—Visto—em todos os papeis dar-'i o Intendente
Política. 223
o—Passe—, que he da sua authoridade, para a fortaleza
do registo deixar sahir o Navio.
IV. Achando-sé alguma irregularidade essencial, e se
para verificar se foi emendada, o Intendente julgar quehe
precisa nova visita, terá o arbítrio de proceder a ella, o
que com tudo naõ fará sem motivo justo.
V. Concluida a visita, naõ poderá o Navio ter mais
communicaçaõ com a terra, nem receberá mais alguém a
seu bordo, salvo com licença do Intendente, a quem só
desde entaõ fica sugeitooNavio ; mas naõ deixará o mes-
mo Intendente de satisfazer a qualquer authoridade, nos
termos da sua competência, relativamente ao Navio, ou a
alguma das pessoas nelle embarcadas; e podendo retirar
para esse fim o—Passe—-já por elle dado, em quanto a
embarcação naõ tiver sahldo; se assim o achar conve-
niente.
VI. Naõ se procederá á Visita sem o preparo para ella,
entregando-se na Intendencia a importância dos emolu-
mentos, consistentes em os mil e seiscentos réis estabele-
cidos para cada um dos três officiaes na visita dos so-
brecellentes, e nos dous mil e quatrocentos réis para o
Intendente, além do cruzado novo também do estillo
para o escaler. Na secunda visita, quando deva ter lu-
gar, os emolumentos seraõ de metade do que he dado
para a primeira: e fica prohibido receberem os Offi-
ciaes mais cousa alguma pela Visita, nem ainda a titulo
de gratificação voluntária, sob pena de suspensão, ede in-
habilidade para mais servirem.
VII. As embarcaçeons costeiras saõ isentas da visita
da Intendencia, e das Matrículas, como foi já ordenado
em Aviso desta Secretaria de Estado do 1.° de Julho
de 1815, em quanto Sua Majestade naõ mandar o con-
trario.
Palácio do Governo em 18 de Julho de 1820.
D. M I G U E L P E R E I R A FOKJAZ.
221 Política.

Proclamaçaõ dos Governadores de Portugal, sobre a re-


volução na cidade do Porto.

Portuguezes! O horrendo crime de rebelliaõ contra o


poder, e authoridade legitima do nosso Augusto Sobe-
rano, El Rey Nosso Senhor, acaba de ser commettido na
cidade do Porto.
Alguns poucos indivíduos mal-intencionados, halluci-
nando os chefes dos corpos da tropa daquella Cidade, pu-
deram desgraçadamente influillos, para que, cobrindo-se de
opprobrio, quebrassem no dia 24 do corrente o juramen-
to de fidelidade ao seu Rey, e ás suas bandeiras, e se at-
trevessem a constituir, por sua própria authoridade, na-
quella cidade um Governo a que dam o titulo de Governo
Supremo do Reyno.
Bem conheciam os perversos, que maquinaram esta con-
spiração, que só poderiaõ conseguir extraviar coraçoens
Portuguezes occultando-lhes, debaixo de apperencias de
um juramento illusorio de amor e fidelidade ao seu Sobe-
rano, o piimeiro, e tremendo passo que lhes fizeram dar,
para o abismo das revoluçoens, cujas conseqüências po-
dem ser a subversão da Monarquia, e a sujeição de uma
Naçaõ, sempre zelosa da sua independência, k ignomínia
de um jugo estrangeiro.
Naõ vos illudais pois, fieis e valorosos Portuguezes, com
semelhantes apparencias: he evidente a contradicçaõcom
que os revoltosos, protestando obediência a El Rey Nosso
Senhor, se subtrahein á authoridade do Governo, legiti-
mamente estabelecido por Sua Majestade, propondo-se,
como declaram os intrusos, que a si mesmos se constituí-
ram debaixo do titulo de Governo S upremo do Reyno, a
convocar Cortes, que sempre seraõ illegaes, quando nao
forem chamadas pelo Soberano; e a annunciar mudanças
Política. 225
ealteraçoeus, que, quando muito, deviam limitar-se a pedir,
por isso que só podem emanar legitima, e permanente-
mente do Real consentimento.
O nosso Soberano nunca deixou de prestar-se a solici-
taçoens justas, que se dirigem ao bem, e prosperidade de
seus vasallos.
Agora mesmo, pela embarcação de guerra entrada hon-
tem no porto desta capital, acabam de chegar providen-
cias, que seraõ promptamente publicadas, patenteando a
solicitude verdadeiramente paternal, com que se digna
attender ao bem deste Reyno; o que augmenta ainda
mais se he possivel, o horror que a todos deve causar o at-
tentado commetido na cidade do Porto.
Os Governadores do Reyno estaõ dando, e continuarão
o dar todas as providencias, que taes circumstancias im-
periosamente dictam, e que lhes saõ prescriptas pelos mais
sagrados deveres do seu cargo.
Quando porém alguns motivos de queixa, e de justas
representaçoens lhes sejam expostos, elles se appressaraõ
a levallos respeitosamente á Real Presença, lisongeando-se
de que os mesmos indivíduos, já envolvidos em tam crimi-
nosa insurreição, reflectiraõ nas desgraças em que vam pre-
cipitar-se, e voltarão arrependidos à obediência do seu
Soberano, confiados na clemência inalterável do mais
Piedoso dos Monarcas.
Entretanto esperam os Governadores do Reyno, que esta
fidelissima naçaõ conserve constantemente a lealdade, que
foi sempre o seu mais prezado timbre; que o exercito, cuja
heroicidade foi, ha tam pouco,admirada pela Europa toda,
se apresse em apagar a mancha, de que a sua honra está
ameaçada, pelo extravio desses poucos corpos, que incon-
sideradamente se deixaram hallucinar: e que a maioria
da tropa Portugueza conserve, a par da reputação do seu
226 Política.

valor inalterável, a virtude, naõ menos distineta, da sua


fidelidade.
Portuguezes! a conservação intacta da obediência a El
Rey Nosso Senhor he a obrigação mais importante para
todos nós, ao mesmo tempo que he o nosso mais patente
interesse. Haja pois firmeza nestes princípios: concor-
raõ todas as classes para manterá tranquillidade publica,
e promptamente vereis restabelecida a ordem, que os
mal-intencionados se arrojaram á tentativa de transtor-
nar.
He o que vos recommendam, em nome do nosso Ado-
rado Soberano, os Governadores do Reyno. Lisboa no
Palácio do Governo em 29 de Agosto de 1820.
C A R D E A L PATRIARCHA
M A R Q U E Z D E BORBA.
C O N D E DE PENICHE.
C O N D E DA F E I R A .
A N T Ô N I O GOMES RIBEIRO.

Ao Real Erário se expedio o Aviso seguinte:

Illustrissimo e excellentissimo Senhor.—El Rey nosso


Senhor em conseqüência das representaçoens dos Gover-
nadores do Reyno, sobre a falta de rendas, que o Erário
Regio experimenta para occorrerem ás urgentes despezas
do Estado: foi servido determinar, em quanto naõ dava
novas, e efficazes providencias, que o Banco do Brazil sus-
pendesse por ora os Saques mensáes sobre o Erário de
Lisboa, pela assistência da Tropa da divisão dos Volun-
tários Reaes, estacionada em Monte Video; ficando esta
despeza annual de seiscentos contos de reis, a cargo do
Erário Regio do Rio-de-Janeiro. O que participio a
Política. 227
Vossa Excellencia para que assim o tenha entendido, e
faça executar pela parte, que lhe toca.
Deos guarde a Vossa Excellencia, Palácio do Governo,
em 29 de Agosto de 1820.
ANNTONIO GOMES R I B E I R O .

Senhor Marques de BORBA.

Edictal pelo Conselho da Fazenda em Lisboa, sobre a


taixa do sal exportado de Setúbal.

Sendo presente a El Rey Nosso Senhor a Consulta do


Conselho da Fazenda de 11 do corrente, sobre as duvidas
quecomeçam a suscitar-se a respeito da taixa do Sal, que
se exportar do Porto de Setúbal para Paizes Estrangeiros,
estabelecida na Portaria de 5 ; e naõ podendo ter intelli-
gencia diversa da que lhe dá o Conselho, manda Sua Ma-
jestade declarar, que a taixa de mil réis por moio do que
se exportar de Setúbal para os mencionados Paizes, he so-
mente restricta ao sal fabricado nas marinhas de Setúbal,
e Rio Sado para a Roda, pois que esta Roda unicamente
regula nas sobredictas Marinhas, e naõ nas outras do
Reyno. O mesmo Conselho o tenha assim entendido, e
faça executar. Palácio do Governo em 16 de Agosto de
1820.

Com três Rubricas dos Governadores destes Reynos.

E para que assim haja de constar, se faz publico por


esta fôrma. Lisboa 17 de Agosto de 1820.
L Á Z A R O DA S I L V A F E R R E I R A .
J O A Q U I M J O Z E D E SOUZA.
228 Política.

AMERICA HESPANHOLA.

Cláusulas do tractado entre os Governos do Brazil e de


Buenos Ayres, na forma de 16 Artigos addicionaes, ao
Assignado em Maio de 1812.
2. Sua Majestade Fidelissima declara novamente, que a
sua presente ou futura occupaçaõ dos pontos militares,
na margem oriental do Rio-da-Prata, em proseguimento de
Artigas, naõ tem outro objecto mais do que sua própria
segurança e preservação ; e que de similhantes actos naõ
pretende deduzir nenhum direito do dominio, posse per-
petua e muito menos conquista: mas que quando ces-
sarem os sobredictos motivos, procederá a uma transac-
çaõ amigável, com as authoridades, que entaõ existirem
em Buenos-Ayres, pela parte das Provincias Unidas, para
tractar dos termos em que se deve abandonar o mesmo,
e entrar em convençoens, que sejulguem mutuamente ne-
cessárias e úteis para a futura e permanente tranquillidade
de ambos os Estados vizinhos.
8. Os subditos de ambos os estados teraõ livre accésso
nos territórios de cada um, como se fossem pessoas, que
pertencessem a outro qualquer paiz neutral.
10. He concordado, que os navios de guerra e mercan-
tes de ambos os Estados entrarão livremente nos portos
um do outro; porém, como a prohibiçaõ de entrar e su-
bir pelos rios do interior, he geral a todosos estrangeiros,
ella se extenderá aos Portuguezes, a menos que naõ seja
em seguimento de Artigas.
15. Ambas as partes contractantes se obrigam a obser-
var o mais profundo segredo, a respeito dos artigos em
que aqui se concorda, e cuja publicação se naõ julgue
prudente. Portanto, quando, naõ obstante todas as pre-
cauçoens adaptadas pelas dietas provincias, algum dos
Política. 229
artigos secretos for divulgado, o Governo das dietas Pro-
víncias se obriga a contradizer a existência dos dictos
artigos, empenhando a sua dignidade nisso se for neces-
sário.
Artigo 1.° O Governo das Provincias Unidas porá im-
mediatamente em liberdade todos os vassallos Portugue-
zes, que, em virtude da proclamaçaõ publicada em Bue-
nos-Ayres aos 2 de Março, foram removidos para o de-
posito em Lujan; e levantará o embargo, que se tenha
posto nas propriedades Portuguezas, de qualquer deno-
minação que sejam.
3. O Governo das Provincias Unidas se obriga a retirar
immediatamente todas as tropas, com seus respectivos
armazéns, que se houverem mandado em auxilio de Ar-
tigas, ou seus partidistas; e naõ lhes fornecer para o fu-
turo auxilio algum; e, ultimamente, naõ admittir o dic-
to Chefe, ou seus partidistas armados, no território da
margem Occidental, pertencente ao Estado. E se acon-
tecer que entrem por força, e naõ haja meios de os expel-
iu* promptamente, o dicto Governo das Provincias pode-
rá solicitar a cooperação das tropas Portuguezas para este
fim, que se lhe concederão na proporção de uma terça
parte das tropas fornecidas pelas dietas provincias; e
obrarão debaixo do commando do Chefe nomeado por
estas.
4. O dicto Governo também se obriga a indemnizar,
em conformidade dos regulamentos navaes, poi qualquer
damno feito a vasos Portuguezes, e que se prove terem
sido capturados desde os 26 de Maio, 1812, atê o tempo
presente: por corsários authorizados com patentes expe-
didas pelo dicto Governo, ou por seus vasos de guerra
sendo Sua Majestade Fidelissima obrigado a fazer o mes-
mo de maneira reciproca, e dar-se-haõ as ordens mais
VOL. XXV. N.» 148. co
230 Política.
peremptórias aos corsários de ambos os Estados, a fim
de prevenir a continuação de similhantes actos de hosti-
lidade, a respeito do que ambos os Governos receberão
mutuamente devida informação.
5. O dicto armistício continuará em plena força e vi-
gor, tanto da parte de Sua Majestade Fidelissima, como
da do Governo das Provincias do Rio-da-Prata.
6. Em ordem a prevenir enganos e difficuldades nas
operaçoens das tropas de Sua Majestade Fidelissima, he
concordado, que se lhes naõ permittirá ir no alcance de
Artigas, e seus partidistas, alem das margens do Urugu-
ay, &c.
7. Ambos os Governos se obrigam, durante este armis-
tício, a naõ fazer nem permittir tentativa alguma, directa
ou indirecta, que possa ser nociva á tranquillidade dos
habitantes, que occupam o território contido dentro das
linhas notadas pelo artigo precedente.
8. Em reciprocidade do artigo 3.° a que oGoverno das
Provincias Unidas se obriga ; Sua Majestade Fidelissima
de sua parte se obriga a naõ emprehender aliiança algu-
ína contra ellas, a naõ prestar muniçoens, mantimentos
ou outro algum gênero de auxilios a seus inimigos, e
mesmo a naõ lhes permittir passagem nem porto em seus
domínios, nem em qualquer território occupado por suas
tropas.
11. No caso em que infelizmente se renovem hostili-
dades entre as partes contractantes, he concordado, que
o rompimento do armistício agora existente será official-
mente notificado seis mezes antes, permittindo-se aos sub-
ditos de cada um dos Estados, que residir nos territórios
do outro, o ficar ali, se o seu comportamento os naõ fizer
suspeitos, ou retirar-se livremente, com toda a sua pro-
priedade e capital.
12. Pelo que respeita as pessoas criminosas, desertores,
Política. 231
e escravos fugidos, ambos os Governos instituirão pro-
cedimentos, segundo o direito das gentes e practica rece-
bida entre as naçoens civilizadas e neutraes.
13. He declarado, que os ajustes dos presentes arti-
gos teraõ o mesmo effeito de um solemne tractado de
paz.
14. Ainda que o comportamento de S. M. Fidelissima,
posto que justo e legal, se considera opposto ás presentes
exigências, em que S. M. Catholica se acha collocado, o
que pôde occasionar uma ruptura; he concordado, que
neste caso haverá entre os dous Governos uma aliiança
defensiva, que se publicará conjunctamente, com o so-
lemne reconhecimento da independência das Provincias
Unidas do Rio-da-Prata, porS. M. Fidelissima, no mo-
mento em que a dieta occurrencia tiver lugar.
16. Os presentes artigos addicionaes e secretos teraõ a
mesma força e vigor, que se fossem inseridos palavra por
palavra no dicto acto, porque se concluioo armistício de
26 de Maio de 1812.

Carta do General Morillo ao Soberano Congresso de Co-


lumbia.

Sereníssimos Senhores!—Vossas Altezas Sereníssimas»


estando sem duvida informados dos acontecimentos, que
oceurrêram ultimamente na Península, e do triumpho da
vontade geral da naçaõ, para restabelecer a Constituição
da Monarchia Hespanhola, como foi sanecionada em
Cadiz, no anuo de 1812, pelo voto unanime dos represen-
tantes de ambos os hemispheiros, e havendo eu recebido
ordens positivas do Rey constitucional de ambas as Hes-
panhas, para entrar em uma liberal e justa accommoda-
çaõ, que refina toda a familia de maneira, que goze dos
232 Política.
benefícios de nossa regeneração política, e ponha termo
aos fataes effeitos da desavença, que se origina no desejo
de ser alleviada daquella oppressaõ, que se tem julgado
erroneamente ser peculiar a estas regioens, mas que, de
facto, he universal em todo o Império. Apresso-me a in-
formar a Vossas A ltezas, que tenho aberto communica-
çaõ com o Commandante em Chefe Militar de vosso
Governo, e seus officiaes; e proposto uma suspensão de
hostilidades, até que se possa effectuar uma reconcilia-
ção, para cumprimento do que, o Brigadeiro D. Thomaz
de Cires, Governador da Provincia de Cumana, e D.
Jozé Domingo Duarte, Intendente do Exercito, e Super-
intendente Geral da Fazenda, tem commissaõ para trac-
tar com Vossas Altezas, sobre bazes de equidade, pró-
prias, e mutuamente vantajosas. No entanto tenho dado
ordens aos meus officiaes, para que ponham immediata-
mente em effeito a suspensão de hostilidades, e que se
conservem nas posiçoens, que occúpam agora, a menos
que sejam atacadas.
Como Chefe militar, obediente aquella subordinação
por que a minha carreira se tem sempre guiado, fiz a
guerra; e agora, como reconciliador, me submêtto gos-
tozamente á mesma subordinação, e mostro aquelles
princípios de liberalidade, sobre que El Rey e a naçaõ
me tem authorizado a obrar, em ordem a restabelecer a
paz e reconciliação de um povo, por natureza Hespa-
nhol, e que, pela concurrencia de circumstancias, tem
direito a participar no gozo da reforma, effectuada em
nossas instituiçoens políticas.
Vossas Altezas devem perder de vista, como eu faço a
este momento, os horrores da guerra; e fixemos as nossas
vistas somente na doce e deleitavel esperança de unir fi-
lhos a pays, irmaõs a irmaõs, amigos a amigos, e Hespa-
nhoes a Hespanhoes, a quem uma fatalidade tem dividi-
do: e para este fim unamo-nos em saudar uma Constitui-
Política. 233
çao conciliatória, que melhoraremos por mutuo consen-
timento, conforme dictar a judiciosa experiência das
cousas. Ella iguala a representação nacional de cada po-
vo : um naõ depende do outro, e consequentemente to-
dos saõ livres e independentes. Nos seus votos reside a
authoridade de formar as leys. a que se ha de obedecer
e aquelles regulamentos de economia política, para o me-
lhoramento da agricultura, commercio, artes, e toda a
espécie de industria, sem aquellas odiosas distincçoens,
que a estreita política dos séculos passados tinha adop-
tado.
Os Commissarios apresentarão a Vossa Alteza os prin-
cípios de reconciliação, e eu estou inteiramente persua-
dido, que a affeiçuõ e boa vontade estabelecerão a frater-
nidade, ainda que Vossas Altezas, pela apprebensaõ do
que se tem passado nas epochas de fúria e desesperaçaõ,
naõ concordem de uma vez nas propostas da naçaõ, que
se originam no desejo de que está animada, de fazer os
seus triumphos geraes a todos os paizes Hespanhoes nas
quatro partes do globo, aonde chegaram suas antigas leys,
e aonde suas novas instituiçoens seraõ mais promptamen-
te recebidas.
Que agradável metamorphosis para nós todos, quando
nos pudermos unir, e eu me puder apresentar sem o ap-
parato de guerra, e meramente como um pacifico cida-
dão Hespanhol, unindo-me nas expressoens geraes de ale-
gria, pela victoria reciprocamente ganhada sobre nossas
paixoens. Até que isto que faça, Vossa Alteza naõ po-
derá graduar a differença entre o General e o cidadão,
que tem a constitucional honra de ser.
De Vossas Altezas Sereníssimas
obedientíssimo criado
PABLÒ MORILLO.
Quartel General de Caracas
17 de Junho, 1820.
234 Política.

Resposta do Congresso ao General Morillo.

Excellentissimo Senhor!—O Congresso Soberano es-


pecialmente convocado para o fim de ver a carta, que
Vossa Excellencia lhe dirigio do Quartel General de Ca-
racas, em data de 17 de Junho próximo passado, infor-
mando-o de que o Brigadeiro D. Thomaz de Cires,e D.
José Domingo Duarte tinham commissaõ de proceder
para esta capita], a fim de solicitar a uniaõ destes paizes
com a Monarchia constitucional da Hespanha, e que
aquelles Senhores produziriam os princípios de reconci-
liação proposta pela naçaõ, deliberou aos 11 do corrente
em sessaõ publica, e em resposta transmittoa Vossa Ex-
cellencia o seguinte decreto:—
" O Soberano Congresso de Columbia, desejando esta-
belecer a paz, ouvirá com prazer, qualquer proposta, que
se lhe faça da parte do Governo Hespanhol, com tanto
que tenha por baze o reconhecimento da Soberania e in-
dependência de Columbia, enaõ admittirá nenhuma, que
naõ contiver aquelle principio tantas vezes declarado
pelo Governo e povo desta Republica.
O Presidente do Soberano Congresso tem a honra de
ser.
De Vossa Excellencia muito obediente criado
O Presidente do Congresso
FERNANDO DE PENALVER.

Felipe Depiano. Secretario.


Nova Guianna, 13 de Julho, 1820.
A S . Ex». D. Pablo Morillo.
Política. 235

ALIiMANHA.

Acto final das Conferências Ministeriaes feitas para


completar e consolidar a organização da Confederação
Germânica.

Os Príncipes Soberanos e as cidades Livres d' Alema-


nha, considerando a obrigação que tomaram, quando se
fundou a confederação Germânica, de firmarem e aper-
feiçoarem a sua uniaõ, dando os necessários desenvolvi-
mentos às disposiçoens fundamentaes do Acto Federati-
vo ; considerando, outro sim, que, para tornar indissolúveis
os estreitos vínculos, que reúnem a totalidade dos Esta-
dos da Alemanha em um systema de paz e de benevolên-
cia reciprocas, naõ deviam demorar-se mais cm satisfazer,
por meio de deliberaçoens communs, a obrigação, que se
haviam imposto, e a necessidade geralmente 6entida, no-
mearam para este effeito Plenipotenciarios, a 6aber, etc.
(segue-se a longa lista dos plenipotenciarios), os quaes,
reunidos em Vienna em conferências de Gabinete, depois
da troca de seus plenos-poderes, achados em boa e devida
forma, maduramente examinaram e combinaram os intui-
tos e as proposiçoens dos seus respectivos Governos, e
depois deste trabalho, definitivamente conviéram nosarti-
tigos seguintes:
Art. 1. A Confederação Germânica he a uniaõ federa-
tiva dos Príncipes Soberanose das Cidades Livres d' Ale-
manha, uniaõ que repousa no direito publico da Europa, e
formada para manutenção da independência e da inviola-
bilidade dos Estados, que nella se comprehendern, assim
como para a segurança interior e exterior da Alemanha
em geral.
2. Quanto ás suas relaçoens interiores, esta confedera-
ção forma um corpo d' Estados independentes entre si, e
236 Política,

ligado por direitos e deveres livre e reciprocamente esti-


pulados. Quanto ás suas relaçoens exteriores, ella con-
stitue uma potência collectiva, estabelicida em um prin-
cipio de unidade política.
3. A extensão eos limites, que a confederação tem pre-
scripto ao exercício do seu poder, estaõ indicados no
Acto Federativo, que he o pacto primitivo, e a primeira
Ley fundamental desta uniaõ. Enunciando o objecto da
Confederação, este Acto determina ao mesmo tempo os
seus direitos e as suas obrigaçoens.
4. O direito de desenvolver e completar o pacto fun-
damental, quando assim o exija o objecto, que elle ha con-
sagrado pertence á reunião dos Membros da Confedera-
ção. Entretanto as resoluçoens, que se houverem de to-
mar para este effeito, naõ poderão nem achar-se em con-
íradicçaõ com os princípios do Acto Federativo, nem
afastar-se do character primitivo da uniaõ.
5. A Confederação he indissolúvel pelo mesmo prin-
cipio da sua instituição: por conseguinte nenhum dos
seus membros tem a liberdade de separar-se delia.
6. Naõ abrangendo a Confederação, conforme a sua in-
stituição primitiva, senaõ os Estados que actualmente
formaõ parte delia, naõ pode ter lugar a admissão de um
novo membro, senaõ quando ella for unanimemente jul-
gada compatível com as relaçoens existentes, ecom o in-
teresse geral dos Estados confederados.
7. A Dieta Federativa, formada pelos Plenipotenciarios
de todos os Estados, representa a Confederação no seu
todo; e he o orgaõ constitucional e perpetuo da sua
vontade e da sua acçaõ.
8. Os Plenipotenciarios da Dieta saõ individualmente
dependentes dos seus respectivos Soberanos, e responsáveis
só para com elles pela fiel excuçaõ das suas instruc-
Política. 237
çoens, assim como em geral pelo exercício de suas fuuc-
çoens.
9. A Dieta Federativa naõ cumpre as suas obrigaçoens,
nem exercita o seu poder, senaõ nos limites que lhe saõ
assiguados, tanto pelas disposiçoens do Acto Federativo,
assim como pelas leys fundamentaes posteriormente es-
tabelecidas na conformidade deste Acto, e na falta des-
sas leys pelo objecto da uniaõ, tal qual se enunciou no
acto Federativo.
10. A vontade geral da Confederação manifesta-se pelos
accordaõs da Dieta, dados nas formas legaes; e será con-
siderado legal c obrigarorio todo o accordaõ (ou deter-
minação) que, nos limites da competência da Dieta, se
houver votado livremente, depois de uma deliberação,
quer em conselho permanente (Conselho dos dezesette),
quer em assemblea geral, segundo o que está regulado a
este respeito pelas disposiçoens das Leys fundamentaes.
11. Regra geral, as resoluçoens relativas á direcçaõ dos
negócios communs da Confederação tomaõ-se no Conselho
dos desesette, e com pluralidade absoluta devotos. Esta
forma terá lugar em todos os casos, em que se tracta de
applicar piincipios geraesjâ estabelicidos, ou pôr em ex-
ecução leys ou resoluçoens precedentemente adoptadas;
ella será em geral seguida em todos os objectos de delibe-
ração, que se naõ acham exceptuados pelo Acto Federa-
tivo, ou por posteriores regulamentos.
12. A Dieta naõ se forma em Conselho geral senaõ nos
casos especificados expressamente pelo acto federativo,
e outro sim quando se tracta de alguma declaração de
guerra, ou da ratificação de algum tractado de paz, ou
também da admissão de algum novo membro na confede-
ração. Se em algum caso particular houver dúvida so-
bre a forma que se ha de escolher, o Conselho dos deze-
VOL. XXV. No. 148 nu
238 Política.

sette tem o direito de decidir a questão. As resoluçoens


da assemblea geral exigem a maioria de dous terços dos
votos.
13. Nenhuma decisaõ da pluralidade de votos pode ter
lugar nos casos seguintes:—1.° Para adoptar novas leys
fundamentaes, ou modificar as existentes; 2." para as in-
stituiçoens orgânicas, que servem de meios de execução
para objectos directamente ligados ao reconhecido fim da
confederação: 3.° para a introducçaõ de um novo Mem-
bro da Confederação; para os negócios de religião.—Naõ
poderá entretanto haver decisaõ definitiva sobre objectos
desta natureza, sem que os membros, que se oppòem ao
parecer da maioria tenham communirado os motivos cia
sua opposiçaõ, e sem que estes motivos hajam 8Ído devi-
damente examinados e discutidos.
14. Pelo que em particular respeita às instituiçoens or-
gânicas, naõ só a questão prévia, se houver lugar para
tractar delia nas circumstancias dadas, mas também as
bazes e as disposiçoens essenciacs dos planos apresentados
para esse effeito, seraõ decididas em assemblea geral, e
com unanimidade de votos. Se a decisaõ for favorável ao
projecto, as deliberaçoens sobre as particularidades da
sua execução seraõ da alçada do Conselho permanente, o
qual decidirá, á pluralidade de votos, todas asquestoens
a isso relativas, e poderá, se o julgar conveniente, no-
mear entre os seus membros uma commissaõ encarregada
de conciliar as difTerentes opinioens ; satisfazendo quanto
for possível aos interesses e aos intuitos de cada Go-
verno.
15. Nos negócios em que se tracta dos direitos indivi-
duaes (jure singulorum,) e que naõ respeitam aos Esta-
dos considerados como membros da uniaõ, mas em sua
qualidade de Estados independentes, naõ se poderá to-
mar resolução alguma obrigatória, sem olivreaesensoda-
Política. 239
quelles, que nella saõ especialmente interessados. O mes-
mo acontecerá no caso em que se exijam de algum Esta-
do da Confederação prestaçoens ou contribuiçoens par-
ticulares, naõ comprehendidas nas obrigaçoens communa
a todos.
16. Quando as possessoens de alguma das casas sobe-
ranas da Alemanha passarem por successaõ a outra casa
destas, pertence ao Corpo da Confederação decidir, se o
novo possuidor deve gozar dos direitos annexos ás dietas
possessoens na assemblea geral, visto que no Conselho
pei manente nenhum Membro da Confederação pode ter
mais de um voto.
17. A Dieta he chamada a conservar intacto o espirito
do acto federativo, pronunciando, na conformidade do
objecto da uniaõ, sobre as dúvidas que possam suscitar-
se em uma ou outra das disposiçoens deste acto, e asse-
gurando-lhe a sua justa applicaçaõ em todos os casos em
que seja preciso interpretallo.
18. Sendo a manutenção inviolável da paz no seio da
Confederação um dos principaes fins desta uniaõ, toda a
vez que a tranquillidade interior do Corpo Germânico for
ameaçada ou perturbada de qualquer modo, tomará a
Dieta as resoluçoens necessárias para a conservar, ou
para a restabelecer, conformando-se para este effeito com
as disposiçoens enunciadas nos artigos seguintes.
19. Logo que se receiem, ou com effeito tenha havido,
vias de facto entre os Membros da Confederação, a Dieta
procederá a medidas provisórias para prevenir ou suspen-
der toda a em preza tendente a obter justiça por meios
violentos, primeiro que tudo vigiará no estado de posses-
são.
20. Quando a Dieta se achar no caso de eu
dever, a requerimento de algum Membro da Confedera-
ção, e for duvidoso o estado de possessão, he especial-
240 Politiea.
mente authorizada a convidar um dos Governos confede-
rados, situado na vizinhança do território contestado, pa-
ra que faça summariamente, e sem demora, examinar
pelo seu Tribunal Supremo de Justiça o facto da ultima
posse legal, e as circumstancias que deram motivo à quei-
xa ; ficando salvo à Dieta o assegurar por todos os meios,
que estaõ A sua disposição em similhante caso, a execu-
ção da sentença pronunciada pelo dicto tribunal, se o
Estado, contra quem ella se der, livremente se naõ ren-
der â intimaçaõ que se lhe dirigir para esse effeito.
21. Em todas as desavenças submettidas à Dieta em
virtude do acto federativo, tentará a Dieta primeiramente
o meio da conciliação mediante uma Commissaõ que
disso seja encarregada. Se o negocio se naõ poder apla-
nar por este meio, procurará a Dieta a sua decisaõ por
uma sentença austregal (de Juizes árbitros) observando
(em quanto se naõ convencionar de outro modo) as regras
prescriptas sobre as jurisdicçoens austregaes pela resolu-
ção de 16 de Junho de 1817, assim como as instrucçoens
particulares que receber com o presente acto.
22. Quando conforme á mesma resolução, o Tribunal
Supremo de um Estado Confederado se tenha escolhido
para servir de Tribunal (ou Conselho) Austregal, a elle
he que unicamente pertence e direcçaõ do processo, e a
decisaõ do negocio em todos os seus pontos principaes
e accessorios, sem que possam concorrer ali nem a Dieta
nem o Governo do paiz. Este ultimo todavia, se lho re-
querer a parte quiexosa, deve tomar as medidas necessá-
rias para accelerar a sentença.
23. Na falta de outras regras de decisaõ pronunciará
o Conselho Austregal segundo as authoridades jurídicas
subsidiaramente admittidas em cousas desta natureza pe-
los antigos Tribunaes do Império, naquillo em que se
Política. 241

achar serem applicaveis ás relaçoens actuaes dos Estados


confederados.
24. A instituição do Juizo Austregal na Confederação
nadaderoga nas Juridiçoens A ustregaes estabelecidas por
pactos de famílias, ou por outras convençoens anteriores;
e sempre será livre aos Governos confederados convenci-
onarem á sua vontade Austregaes ou commissoens par-
ticulares, quer para algum caso especial, quer para todas
as contestaçoens que entre elles possaõ occorrer.
25. A manutenção da ordem e da tranquillidade dos
Estados confederados pertence unicamente aos Governos.
Entre tanto o interesse commum da confederação e a
obrigação dos seus membros de se prestarem mutuamente
soccorros, admittem como excepçaõ a este principio a co-
operação geral, no caso de algum Governo experimentar
resiteucia formal, no de manifesta rebelliaõ, e no de mo-
vimentos perigosos que ameacem ao mesmo tempo mais
de um Estado da Confederação.
26. Quando em algum Estado da Confederação for com-
promettida a tranquillidade publica por actos de resis-
tência formal ás authoridades estabelecidas, e houver ra-
zaõ para recear que o movimento sedicioso se communique
aos Estados vizinhos, ou quando com effeito rebente al-
guma rebelliaõ, e o Governo desse paiz, depois de haver
exhaurido todos os meios que lhe offerece a sua pró-
pria legislação, invocar o auxilio da Confederação, deverá
a Dieta mandar conduzir os mais promptos soccorros para
o restabelicimento da ordem legal. Se neste ultimo caso
o Governo em questão estiver notoriamente em estado de
naõ poder reprimir a rebelliaõ, e impedido ao mesmo tem-
po pelas circumstancias de reclamar os soccorros da con-
federação, nem por isso a Dieta deixará de tomar, naõ ob-
stante o naõ ter sido a isso expressamente chamada, as
medidas que julgar convenientes. Estas medidas cm caso
&4'J Política.

nenhum poderão estender-se a mais que até o termo quo


o Governo a que se presta o auxilio julgar deve por si
próprio indicar para as fazer cessar.
27. O Governo que houver recebido similhante soecoro
devera informar a Dieta dos Motivos que deram lugar aos
distúrbios, assim como das medidas que haja adoptadas
para estabelecer e firmar a ordem legal.
28. Quando a tranquillidade publica se achar ameaçada
cm vários listados confederados por associaçoens e ma-
quinaçoens perigosas, contra as quaes só podem offerecer
uma barreira sufficiente medidas comniuns, a Dieta porá
em deliberação e decretará estas medidas, depois de se
ter convencionado com os Governos mais immediatamente
expostos ao perigo.
29. Se em algum Estado confederado oceorrer o caso
de negação ou suspençaõ de Justiça, e a parte lesada
naõ poder obter o saneamento dos sens aggravos pelos
meios ordinários e legaes, tem a Dieta obrigação de re-
ceber as quiexas, que se lhe dirigirem a este respeito, de
as examinar no sentido da constituição e da Legislação
do paiz a que ellas se referrem, e de solicitar o Governo
que as provocou a prover nisto nas formas judiciaes.
30. Se acontecer que se naõ possa fazer justiça ás re-
reclamaçoens suscitadas por particulares, por motivo de
ser duvidosa ou contestada entre vários Estados confe-
derados a obrigação de satisfazer a ellas, a Dieta, em as
partes interessadas lho requerendo, procurará em primei-
ro lugar um arranjamento amigável, e se este naõ produ-
zir eíleito, e, em um prazo que se deve lixar, os Estados
a que toca o negocio se naõ poderem entender em algum
compromisso, ella fará decidir a questão preliminar por
um Juizo Austregal.
A Dieta tem o direito e a obrigação de vigiar na execu*
çaõ do Acto Federativo e das outras leys fundamentaes
Política. 243

dos assentos ou resluçoens, que tiver tomado em virtude


da sua competência, das sentenças dadas pelos tribunaes
Austregaes, das decisoens de arbítrios tomadas em con-
seqüência da sua intervenção, e dos arranjamentos de
mutua vontade effeituados sob sua mediação, assim como
na manutenção dasgrantiasespeciaes de que a confedera-
ção se ha encarregado. Se os .outros meios constitucio-
naes naõ bastarem para este effeito, recorrerá entaõ ás
medidas de execução propriamente dietas, observando
estreitamente a marcha coordenada em separado do pre-
sente Acto.
32. Sendo cada Governo da confederação obrigado a
fazer que se executem as leys e resoluçoens cominuns, e
naõ estando a Dieta authorizada para intervir nos negócios
interiores dos Estados confederados, naõ podem as medi-
das de execução ser dirigidas senaõ contra os próprios
Governos. Ha excepçaõ nesta regra, quando algum Go-
verno em caso de hrsufliciência de seus próprios meios,
tiver reclamado o auxilio da confederação, ou quando a
Dieta nas conjuneturas previstas no art. 26, houver con-
corrido para o restabelecimento da ordem publica sem ser
para isso requerida. Entretanto no primeiro caso sem-
pre se procederá de acordo com o Governo a que se presta
o auxilio, e o mesmo succederá no segundo caso, tam de
pressa o Governo em questão haja recuperado a sua au-
thoridade.
33. As medidas de execução seraõ decretadas e reali-
zadas em nome da Confederação. Para este effeito, at-
tendendo a dieta ás circunstancias locaes e ás relaçoens
particulares, encarregará um ou mais Governos, naõ in-
teressados no negocio, de quanto diz respeito a estas me-
didas; determinará ao mesmo tempo as forças militares
que se haõ de empregar, o a duração do seu emprego,
calculada secundo o objecto da execução.
244 Política.
34. O Governo, que receber similhante commissaõ, de
que he obrigado a encarregar-se como de um dever fede-
rativo, nomeará para esse effeito um commissario civil,
que dirigirá directamente as medidas da execução, con-
formando-se á instrucçaõ especial, coordenada em conse-
qüência das disposiçoens da Dieta pelo Governo de quem
elle recebe os seus poderes. Se a commissaõ tiver sido
dada a vários Governos, a Dieta designará aquelle que
deve nomear o commissario civil." O Governo revestido
da commissaõ instruirá a Dieta dos resultados da execu-
ção, e lhe annunciará o seu termo assim que o seu objec-
to houver sido completamente preenchido.
35. A Confederação Germânica tem o direito, como
potência collectiva, de declarar a guerra, fazer a paz, con-
trahir allianças, e negociar tractados de toda a espécie.
Com tudo, segundo o objecto da sua instituição, como se
acha declarado no art. 2.° do acto federativo, ella so-
mente exercita estes di rei tos para sua defensa própria,
para a integridade e segurança do seu território, e para a
inviolabilidade de cada um dos seus membros.
36. Tendo os Estados confederados contrahido, pelo
art. 11 do acto federativo, a obrigação de defender con-
tra todo ataque a Alemanha no seu todo, e cada um dos
seus co-Estados em particular, e de reciprocamente se
garantirem a integridade das suas possessoens compre-
hendidas na uniaõ, nenhum Estado confederado pode ser
lesado por uma potência estrangeira, sem que alesaõse
estenda ao mesmo tempo e no mesmo gráo a toda a Con-
federação.
Por outra parte, os Estados confederados se compro-
mettem a naõ darem motivo a provocação alguma da
parte das Potências estrangeiras, e a nenhuma practi-
carem para com ellas. N o caso de algum Estado estran-
geiro se queixará Diela de alguma lesaõ,que tenhaexpe-
Política. 245
rimentado da parte de algum Membro da Confederação,
a Dieta, depois de haver verificado o facto, tomará as me-
didas necessárias, para que seja dada satisfacçaõ prompta
e sufficiente por aquelle que causou a queixa, e para que
se afaste a tempo toda a complicação hostil.
37. Quando occorrerem desavenças entre uma Potên-
cia estrangeira e algum Estado da Confederação, e o ul-
timo reclamar a intervenção da Dieta, esta examinará a
fundo a origem da contenda e o estado real da questão.
Se deste exame resultar que o direito naõ esteja da parte
do Estado confederado, a Dieta se valerá das mais serias
representaçoens, para o mover a desistir da contestação,
recuzar-lhe-ha a sua intervenção, e consultará, em caso
de necessidade, os meios convenientes para a manutenção
da paz. Se o exame prévio mostrar o contrario, a Dieta
empregará os seus bons officios do modo mais efficaz, e
os estenderá até onde for preciso para assegurar á parte
reclamante satisfacçaõ e segurança completas.
38. Quando o avizo de algum Membro da Confedera-
ção, ou outras premissas authenticas, induzirem a crer
que um ou outro dos Estados confederados, ou toda a
Confederação se acham ameaçados de ataque hostil, a
Dieta examinará sem demora alguma, sehe real o perigo,
e pronunciará sobre esta questão no menor espaço possi-
vel. Se o perigo for reconhecido, a resolução que o de-
clarar será seguida immediatamente do decreto relativo
às medidas de defensa, a que neste caso se ha de logo re-
correr.
A resolução, e o decreto que a acompanha saõ da com-
petência do Conselho Permanente, procedendo á plurali-
dade de votos.
39. Quando o território da Confederação for invadido
por alguma potência estrangeira, o estado de guerra fica
VOL. XXV. N \ 148. 1 1
246 Política.
estabelecido pelo facto da invasão, e seja qual for a deci-
saõ utterior da Dieta as medidas de defensa proporciona-
das ao perigo devem ser adoptadas sem demora.
40. Se a Confederação se vir obrigada a declarar for-
malmente a guerra, esta declaração naõ pode emanar se-
naõ da assemblea geral, procedendo, segundo a regra
estabelecida, á maioria dos dous terços dos votos.
41. A resolução pronunciada em Conselho permanente,
sobre a realidade do perigo de um ataque hostil, faz to-
dos os Estados confederados solidários (obrigados in soli-
dum) das medidas de defensa que a Dieta houver julgado
necessárias. Do mesmo modo, a declaração de guerra,
pronunciada em assemblea geral, constitue todos os Es-
tados confederados partes activas na guerra commum.
42. Se a questão prévia relativa à existência do perigo
for decidida negativamente pela maioria dos votos, aquel-
les dos Estados confederados, que naõ forem do parecer
da maioria, conservam o direito de concertarem entre si
medidas de defensa communs.
43. Quando o perigo e a defensa só forem relativos a
tal ou tal Estado confederado, e uma ou outra das partes
litigantes apellar â mediação de Dieta, esta, se julgar a
proposição compatível com o estado das cousas, e com a
sua própria attitude, e se a outra parte consentir nisso,
se encarregará da mediação; bem entendido que dahi
naõ resultará prejuízo algum ao proseguimento das me-
didas geraes para a segurança do território da Confedera-
ção, e menos ainda demora alguma na execução das que
já se acharem decretadas.
44. Declarada a guerra, he livre a qualquer Estado
confederado fornecer ft defensa commum maior força
do que a do seu contingente legal, sem que este augmen-
to com tudo o authorize a formar quaesquer pertençoens
a cargo da Confederação.
Política. 247
45. Se em uma guerra entre Potências estrangeiras, ou
por outros acontecimentos, houver motivo de recear al-
guma infracçaõ na neutralidade do território da Confede-
ração, a Dieta determinará sem demora em Conselho
permanente as medidas extraordinárias, que julgar própri-
as para a manutenção desta neutralidade.
46. Quando algum Estado confederado, que tenha pos-
sessoens fora dos limites da Confederação, emprehender
uma guerra na sua qualidade de Potência Europea, a
Confederação, cujas relaçoens, e cujas obrigaçoens essa
guerra naõ prejudicar, ficará absolutamente estranha a ella.
47. No caso de um tal Estado se achar ameaçado ou
atacado nas suas possessoens naõ comprehendidas na
Confederação, esta naõ he obrigada a tomar medidas de
defensa ou parte activa na guerra, senaõ depois de a Di-
eta haver reconhecido em Conselho permanente, e á plu-
ralidade dos votos, a existência de algum perigo para o
território da Confederação. No ultimo caso, todas as
disposiçoens dos artigos precedentes teriam igualmente a
sua applicaçaõ.
48. A disposição do acto federativo pela qual, quando
a guerra he declarada pela Confederação, nenhum dos
seus membros pode entabolar negociaçoens particulares
com o inimigo, nem assignar a paz, ou algum armistício,
he indistinctauiente obrigatória para todos os Estados
confederados, quer possuam, quer naõ, paizes fora do
território da Confederação.
49. Quando se tractar de negociação para concluir a
paz ou algum armistício, a Dieta confiará, a direcçaõ
especial disso a uma Juncta, que estabelecerá paia esse
effeito; nomeará igualmente Plenipotenciarios para trac-
tarem das negociaçoens, conforme as instrucçoens de que
foram munidos. A acceitaçaõ e a confirmação de um
248 Política.
tractado de paz só podem ser pronunciadas em assemblea
geral,
50. Relativamente aos negócios estrangeiros em geral,
a Dieta tem obrigação: l.° de vigiar, como orgaõ da
Confederação, na manutenção da paz e das relaçoens de
amizade com os Estados estrangeiros; 2.° de receber os
Enviados das Potências estrangeiras accreditadas juncto
da Confederação, e de nomeallos, se parecer necessário,
para representarem a Confederação juncto das Potências
estrangeiras; 3.° de conduzir negociaçoens, e concluir
tractados pela Confederação, quando houver lugar paru
isso; 4.° d'interpor os seus bons officios juncto dos Go-
vernos estrangeiros, a favor dos Membros da Confedera-
ção que os reclamarem, e de os empregar ao mesmo tem-
po juncto dos Estados confederados, em negócios em qoe
alguns Governos estrangeiros requeiram a sua interven-
ção.
51. A Dieta he igualmente encarregada de prover nas
instituiçoens orgânicas, que se referirem ao systema mili-
tar da Confederação, assim como nos estabelicimentos de
defensa, quea segurança do seu território exigir.
52. Como, para alcançar o fim da Confederação, e
para assegurar a administração dos seus negócios, os Es-
tados que a compõem devem fornecer contingentes pecu-
niários, entra nos attributos da Dieta: 1.° fixar a somma
das despezas constitucionaes ordinárias, em quanto isto
poder practicar-se em geral; 3.° indicar as despezas ex-
traordinárias, que exigirem as precisoens da Confedera-
ção conforme as resoluçoens da Dieta, estribadas nas leys
fundamentaes, e determinar os contingentes necessários
para cobrir estas despezas; 3.° regular a proporção ma-
tricular conforme a qual deve cada um dos Estados con-
federados contribuir para as despezas communs; 4.' di-
Política. 249
rigir a cobrança, emprego, e contabilidade dos contin-
gentes.
53. Ainda que o acto federativo, garantindo a indepen-
dência dos Estados, haja afastado, por principio geral,
toda a interposiçaõ do poder federativo na organização e
administração interior destes Estados, convieram todavia
os Membros da Confederação, na segunda parte do acto
federativo, em algumas disposiçoens particulares relati-
vas, quer à garantia de certos direitos confirmados pelo
dicto acto, quer a vantagens communs aos subditos de
todos os Governos Alemaens. A Dieta he obrigada a
fazer executar as obrigaçoens contrahidas em virtude
destas disposiçoens, quando for sufficientemente compro-
vado pelas declaraçoens das partes interessadas, que fica-
ram sem execução. Com tudo a applicaçaõ aos casos
particulares das leys e ordenaçoens geraes decretadas em
conformidade das dietas obrigaçoens, ficará reservada só
aos Governos.
54. Como em virtude do art. 13 do acto federativo, e
das declaraçoens posteriores, que a este respeito se fizeram,
deve haver assembléas de Estados (Ajunctamentos de
Cortes, segundo a nossa fraze Portugueza) em todos os
paizes da Confederação, a Dieta vigiará que em nenhum
Estado confederado fique sem effeito esta estipulaçaõ.
55. Pertence aos Príncipes Soberanos da Confederação
regular este negocio de legislação interior, em beneficio
dos seus respectivos paizes, attendendo aos antigos direi-
tos das assembléas d'Estados, e ás relaçoens actualmente
existentes.
56. As constituiçoens das assembléas d'Estados, que
estaõ actualmente em vigor, naõ poderam ser mudadas
senaõ por meios constitucionaes.
57. Sendo a Confederação Germânica, á excepçaõ
das cidades livres, formada por Príncipes Soberanos
•250 Política.

exige o fundamental principio desta uniaõ, que todos os


poderes da Soberania fiquem reunidos no Chefe Supremo
do Governo, e que a cooperação dos Estados (ou das
Cortes) nenhum poder tem de os restringir no exericio
destes poderes, senaõ naquelles casos especialmente deter-
minados pelas Constituiçoens do paiz.
58. Nenhuma Constituição particular pode, nem con-
ter, nem restringir os Príncipes Soberanos confederados
nos deveres que a uniaõ federativa lhes impõem.
59. Nos paizes aonde está reconhecida pela sua Consti-
tuição a publicidade das deliberaçoens, deve providen-
ciar-se por um regulamento de ordem, que, nem nas
mesmas discussoens, nem quando ellas se publicarem, se
excedam os limites legaes da liberdade das opinioens,
em detrimento do socego do paiz, ou de toda a Alema-
nha.
60. Quando algum Membro da Confederação solicitar
a garantia geral da Constituição das assembléas d i s t a -
dos estabelecidas no seu paiz, está authorizada a Dieta a
cncarregar-se disso. Por este passo adquire ella o direito
de manter essa Constituição, quando uma ou outra das
partes interessadas reclamar a sua garantia, e de aplanar
as desavenças, que possam suscitar-se na sua interpreta-
ção ou na sua execução, quer por via de mediação, quer
por decisaõ de árbitros, uma vez que a dieta Constitui-
ção naõ haja providenciado outros meios de conciliar as
desavenças desta natureza.
61. Fora do caso da garantia especial, e da manuten-
ção dos princípios acima declarados, relativamente ao
art. 13 do acto federativo, a Dieta naõ está authorizada
para intervir em negócios relativos ás assembléas dista-
dos, nem nas discussoens que possam oceorrer entre es-
tas assembléas c os seus Soberanos, em quanto estas dis-
cussoens naõ transgredirem os limites além dos quaes se
Política. 251

confundiriam com os casos designados pelo art. 26, cu-


jas disposiçoens, assim como as do ait. 27, teriam para
logo applicaçaõ.
O que se estabelece no presente artigo naõ se entende-
rá derrogar o art. 46 do acto do Congresso de Vienna de
1815, relativo á Constituição da cidade livre de Frank-
furt
62. As disposiçoens precedentes relativas ao art. 13 do
acto federativo, se appliçaõás cidades livres, Membros
da Confederação, quanto o permittem as suas Constitui-
çoens e relaçoens particulares.
63. A Dieta he chamada a vigiar no exacto e inteiro
cumprimento das estipulaçoens conteüdas no art. 14 do
acto federativo, relativamente aos antigos Estados do
Império mediatizados, e a que se denominou Nobreza
immediata da Alemanha. Os Soberanos, nos paizes dos
quaes se acham encorporadas as possessoens dos Prínci-
pes, Condes, e Senhores, mediatizados, saõ obrigados para
com a Confederação pela invariável manutenção das re-
laçoens de direito publico fundadas pelas dietas estipula-
çoens. E ainda que as contestaçoens particulares, que se
possam suscitar sobre a applicaçaõ dos decretos expedi-
didos, ou das convençoens passadas em conformidade do
art 24 do acto federativo, devam ser submettidas á deci-
sam das authoridades competentes dos Estados, em que
estam situadas as possessoens dos mediatizados, nem por
isso estes conservarão menos o direito, toda a vez que
naõ obtenham justiça pelos meios legaes e constitucionaes,
ou que mediante interpretaçoens arbitrarias se cause pre-
juízo aos direitos, que lhes saõ assegurados pelo acto fe-
derativo, de interporem recurso na Dieta, a qual, aconte-
cendo esse caso, será obrigada a receber a queixa, e a
ftzer-lhes justiça, se a achar bem fundada.
64. Quando os Membros da Confederação propiizerem
252 Política.
á Dieta medidas de bem público, cujo desempenho só
possa ter lugar pela concordância de todos os Estados
confederados, e a Dieta reconhecer por principio a utili-
dade das medidas propostas, e a possibilidade da sua
execução, empregar-se-ha com desvelo nos meios de as
realizar, e dará todos os passos necessários para obter em
seu favor o livre e unanime consentimento dos Governos
da Confederação.
65. A Dieta continuará a tractar dos objectos que pe-
las estipulaçoens dos artigos 16, 18, e 19 do acto federa-
tivo estam submettidas à sua deliberação, a fim de che-
gar de commum accordo a regulamentos tam uniformes
quanto a natureza desses objectos admittir.
O presente acto será levado à Dieta, mediante uma
proposição presidencial, como resultado de um inviolável
comprometimento entre os Governos confederados, para
em conseqüência das suas unanimes declaraçoens se con-
verter alli, por uma resolução formal, em ley fundamen-
tal da Confederação, a,qual ley terá a mesma força e va-
lor que o acto federativo do anno de 1815, e será estrei-
tamente observada e executada, como tal, pela Dieta.
(Seguem-se as assignaturas.)

Carta confidencial do Principe Metternich, Primeiro


Ministro de Áustria, ao Baraõ Berstett Principal Mi-
nistro do Gram Duque de Baden.

Vossa Excellencia exprimio o desejo de Sua Altezn


Real o Gram Duque, de saber, em geral, mas de maneira
precisa, as idéas do Gabinete Imperial, sobre o estado
politico da Alemanha. Este convite da parte de um
Principe, que diariamente da as mais louváveis provas
de sua firme inclinação, em proteger sua felicidade, e seu
Política. 253

profundo conhecimentos dos elemento que a compõem,


me honra tanto, quanto me impõem o dever de com-
municar a Vossa Excellencia, sem reserva, o ponto de
vista, em que nós consideramos o actual Estado das
cousas. O tempo vai andando, no meio de tempestades;
trabalhar por fazer parar sua impetuosidade seria vaã
tentativa. A firmeza, a moderação, a prudência e a
unlao de forças exactamente averiguadas, ainda restam
no poder dos proteetores e amigos da ordem. Isto con-
stitue presentemente o dever de todos os oberanos, e dos
Estadistas bem intencionados; e somente merecerá esse
titulo, quem, depois de ter examinado o que he possivel,
e o que he justo, naõ permittir que seja desviado do no-
bre objecto, a que possam tender seus esforços, ja por de-
sejos inefficazes, ja por abatimento de espirito.
Este objecto determina-se facilmente. Nos nossos
dias naõ he mais nem menos do que manter o que existe :
obter isto, he o único meio de preservar as presentes van-
tagens, e tal vez o mais próprio para recobrar o que ja se
tem perdido. A este fim se devem dirigir todos os esfor-
ços e todas as medidas de todos os que estaõ unidos por
commum principio e por commum interesse. Os elemen-
tos combustíveis, que de tam longo tempo se haviam
preparado, foram incendiados entre os annos de 1817 e
1820. O falso caminho que seguio o Ministério Francez
durante aquella epocha; a tolerância, que se permittio
na Alemanha, ás mais perigosas doutrinas ; a indulgência
que se mostrou para com audazes reformadores; a fra
queza em representar os abusos da imprensa; finalmente
a preciptiaçaõ com que se deram constituiçoens represen-
tativas nos Estados Meredionaes da Alemanha: todas
estas causas tem dado a mais fatal direcçaÕ apartes, que
cousa nenhuma pôde satisfazer.
V O L . XXV. N". 148. KK
254 Política.
Nada prova melhor a impossibilidade de satisfazer
estas partes, do que a observação de que as suas mais
activas operaçoens tem tido lugar no Estado, aonde se
tem mostrado a maior indulgência ás suas vistas e pre-
tençoens.
O mal tinha chegado a tal ponto, antes do Congresso de
Calsoad, que uma insignificante complicação política
h ouvéra sido bastante para derribar inteiramente a ordem
social. A sabedoria do systema, que as grandes Cortes
adoptáram, as preservou dos perigos, que ainda poderi-
am ser fataes. <j Qual, pois, em tal caso, deveria ser a
marcha de um Governo illuminado? Propondo esta ques-
tão, presuppomos a possibilidade de salvação, e nos julga-
mos perfeitamente authorizados em tal esperança. Exa-
minando os meios p e q u e podemos obter tam sublime fim,
vemo-nos reconduzidos outra vez ao ponto donde parti-
mos. Para concertarmos aos poucos o edifício, que
ameaça cair, devemos ter seguro alicerce. Assim, para
assegurar um futuro mais feliz, devemos, pelo menos,
estar seguros do presente. A manutenção, portanto,
do que existe agora, deve ser o primeiro, assim como o
mais importante de nossos cuidados. Por isto naõ enten-
demos somente a antiga ordem de cousas, que se tem
respeitado em alguns paizes, porém igualmente todas a»
novas instituiçoens legalmente creádas.
A importância de as manter com firmeza e constância,
se pôde ver pelos ataques, que se lhe tem feito, com uma
fúria talvez maior do que contra nossas antigas insti-
tuiçoens. No tempo presente, a transição do que he
antigo para o que he novo, he acompanhada de tanto
perigo, como a volta do que he novo para o que se tem
abolido. Ambas podem igualmente conduzir a uma ex-
plosão das calamidades, que he essencial evitar a qual-
quer cuato
Política. 255
Naõ desviar, de alguma maneira, da ordem existente
das cousas, qualquer que seja a fonte de que se originem,
naõ tentar mudanças ainda que se julguem absolutamen-
te necessárias, excepto com inteira liberdade, e depois
de uma resolução maduramente pezada, tal he o primei-
ro dever de um Governo, que está inclinado a resistir
aos males deste século. Sem duvida tal resolução, por
mais justa ou natural que seja, excitará uma obstinada
opposiçaõ; porém he evidente a vantagem de ser collo-
cado, sobre uma base conhecida e reconhecida; porque
estando neste forte terreno, será fácil parar, ou anticipar
em todas as direcçoens os incertos movimentos do inimi-
go. Olhamos paia a objecçaõ, que se pôde fazer, isto
he, que, entre as constituiçoens até aqui concedidas na
Alemanha, ha algumas, que se naõ fundam em base al-
guma, e consequentemente naõ tem ponto de apoio, em
que se estribem. Se tal fosse o caso, os demagogos,
sempre indefatigaveis, naõ teriam deixado de as minar.
Toda a ordem, legalmente estabelecida, contém em si
mesma o principio de melhor systema, com tanto que naõ
seja obra do poder arbitrário, ou de louca cegueira (co-
mo aquella geralmente das Cortes de 1812.) Pôde outro
sim dizer-se, que uma Charta naõ he uma Constituição,
propriamente dieta: ésla he formada pelo tempo, e de-
pende sempre dos conhecimentos e inclinação do Gover-
no dar a desenvoluçaõ do regimen constitucional tal di-
recçaõ, que possa separar o bom do máo, consolidar a
authoridade publica, e preservar o socego e a felicidade
da massa da naçaõ, contra toda a tentativa hostil. Segu-
ram-se agora a todos os Governos dous grandes meios de
salvação os quaes, com os sentimentos de sua dignidade
e de seu dever, estaõ resolutos a naõ destruir-se.
Um destes meios consiste na cabal convicção de que
naõ existe entre as potências Europeas má intelligencia, c
256 Política.

que naõ he de presumir que alguma possa existir, te-


gundo os princípios invariáveis dos Soberanos. Este
facto, que está posto alén. de toda a duvida, confirma a
nossa posição, e responde pela nossa força.
O outro meio, he a uniaõ formada no decurso dos úl-
timos nove mezes, entre os Estados Alemaens: uniaõ,
que, com a bençaõ de Deus, a nossa fii meaa a fidelidade
far.iõindissoluvel.
As conferências emCarlsbad, e os decretos, quedima-
nàram dellas, tem obrado de maneira mais poderosa e
saudável, do que talvez nos attreveriamos a confessar,
quando ainda temos os sentimentos daquelles embaraços,
que nos agitam, e quando podemos somente calcular su-
perficialmente todas as vantagens, que temos obtido.
Medidas tam importantes como estas só podem ser
apreciadas em toda a sua extençaõ, quando soubermos
todos os seus resultados. A epocha, que immediatamen-
te se segue, naõ nos pôde apresentar todos; mas pode-
mos apreciar os eflèitos produzidos pelas resoluçoens de
28 de Septembro, calculando o progresso provável, que
os inimigos da ordem teriam feito sem ellas. Os resul-
tados das conferências de Vienna, ainda que de ordem
mais elevada, teraõ eflèitos menos brilhantes, porém
mais profundos e duráveis. A consolidação da uniaõ
Germânica offerece a cada um dos Estados, que a com-
põem, uma garantia efficaz, uma vantagem inapreciavel
nas presentes circ umstancias, e uma de que naõ temos
sido com certeza asbegurados, excepto pelas conseqüên-
cias. A bòa fé e moderação, com que esta importante
obra se conduzio, pôde, por uma parte, fixar-nos em cer-
tos pontos, e nos impede que adoptemos medidas mai»
denodadas e enérgicas; mas, por outra parte, suppondo
possivel tal caminho, seria necessário para esta obra umi
Política. 257
condição premeira ; isto he, a livre convicção e a sincera
confiança de todas as partes contractantes.
Nada compensaria tal defeito, que existiria em toda
a tentativa, para pôr em execução determitiaçoens feitas
com taes auspícios. Em geral, a força moral da confe-
deração éra tam necessária como a sua força legislativa;
e os progressos, que tem feito a convicção da utilidadee
necessidade desta uniaõ, saõ, na nossa opinião, o resul-
tado mais importante e mais feliz.
As regras, que os Governos Alemaens teraõ de obser-
var daqui em diante, se podem apontar em poucas pala-
vras:—
1. Confiança na duração da paz Europea, e na unani-
midade dos princípios, que dirigem as altas potências
aluadas.
g. Uma CBcrupulosa attençaõ a seu systema de admi-
nistração própria.
3. Perseverança na mantença das bases legaes das con-
stituiçoens existentes, e uma firme determinação de as
defender com força e prudência, contra todo o ataque
individual.
4. O melhoramento das faltas essenciaes nestas consti-
tuiçoens: sendo este melhoramento feito pelos Governos,
e fundamentado em razoens sufficientes.
5. No caso de insufficiencia de meios, uma nppellaçac
para o auxilio da Confederação; auxilio este, que cada
membro tem o mais sagrado direito de exigir; e que,
segundo as presentes estipulaçoens, naõ pode agora ser
recusado.
Tal he, segundo nós, o único caminho verdadeiramen-
te saudável, legal e seguro. Sobre taes princípios se
fundão systema politico do Imperador; e a Áustria,
tranquilla no seu interior, possuindo uma respeitável
força moral ephisica, naõ somente fará uso delia para
258 Política.
sua própria conservação, mas estará sempre prompta a
dispor delia, em vantagem de seus confederados, quando
o dever e a prudência pedirem o seu exercício.
Tenho a honra de ser, &c.
( Assignado.) METTERNICU.

«ESPANHA.

Memorial dos Generaes Riego, Banos e Arco Arguero


ás Cortes.
Quando os Generaes, que estaõ á frente do exercito de
observação, se lembram de que a elles e a seus com-
panheiros em armas he devido o primeiro impulso con-
stitucional ; que elles foram os primeiros, que fizeram
resôar o grito da liberdade; que elles apressaram e até
mesmo creàram os acontecimentos extraordinários, a que
os Hespanhoes devem uma pátria; e de que El Rey de-
riva sua grandeza e seu poder; e, finalmente, em conse-
qüência do que a naçaõ tem visto o ajunctamento de «uai
Cortes; estes mesmos generaes naõ hesitam em levar aos
pés do throno seus desejos, e suas solicicitudes.
O capitão General da Andaluzia, em data de 8 do cor-
rente, communica uma ordem do Ministro da Guerra ao
Commandante em Chefe daquelle Exercito. A ordem
pronuncia a sua dissolução, e dispersa, por vários pontos,
os corpos que o compunham.
Explicar ao nosso Congresso nacional a imprudência
desta medida precipitada, seria duvidar dos conhecimen-
tos e sabedoria de nossos legiladores. O Congsesso naõ
ignora, que as circumstancias actuaes saõ ainda difliculto-
sas e precárias. Apenas tem começado suas importantes
deliberaçoens, e o tempo somente he que pôde assegurar
a estabilidade de nossas instituiçoens constitucionaes,
Política. 259
dando-lhes uma força capaz de resistir aos ataques da ma-
levolencia: esta malevolencia deve crescer de dia em
dia, por causa do estabelecimento de um systema dif-
ferente do que se abrogou. As regras, que devem prece-
der e determinar a organização de uma força nacional,
ainda naõ foram sugeitas â primeira discussão. O systema
financial, que deve ser a baze da Administração; refor-
mas de toda a qualidade, que naõ deixarão de excitar
descontentamento e opposiçaõ entre as classes ricas; todas
estas grandes questoens ainda se haõ de resolver. A ley
fundamental do Estado; a segurança publica; saõ amea-
çadas por associaçoens protegidas no exterior, que tem
sua fonte em paizes estrangeiros.
A justiça nacional, ainda naõ alcançou aquelles, que,
em 1814, vilmente atraiçoãiam a confiança de sua pátria,
e abusaram de sua augusta missaõ. Ainda estaõ im-
punes aquelles, que no dia dez de Março fizeram correr o
sangue dos patriotas nas ruas da heróica cidade de Cadiz.
Neste estado de cousas, sem communicar com o Con-
gresso nacional, com quem estaõ identificados todos os
nossos interesses, se despachou uma ordem pela Secre-
taria de Guerra, para desbandar o nosso exercito, que
proclamou a liberdade; que jurou enterrar-se debaixo
das ruínas de sua pátria, antes do que abandonar suas
armas, primeiro do que vissem a mesma pátria completa-
mente feliz e regenerada.
He o tempo presente favorável ? As Cortes sem duvida
concederão, que este feliz momento de depor as armas,
ainda daõ he chegado; que a medida, que o ordena, he
prematura; que he acompanhada por um séquito de fa-
taes conconsequencias, perigozas á liberdade publica,
cuja preservação he o único objecto dos desejos do exer-
cito e de seu chefe.
Esperamos da sabedoria do Congresso, que reflectirá
maduramente na importância deste negocio, e que nos
2'td [260] Politira.
naõ porá na perigosa alternativa, <le faltai ao nosso prin-
cipal objecto, que he a segurança de nossa pátria (objec-
to a que naõ cessamos de aspirrr, desde o primeiro dia de
nossa feliz e gloriosa empreza) ou de desobedecer a uni
Ministro orgaõ do poder desordenado, e cuja ordem
compromette a liberdade nacional, ganhada por nossos
esforços.
(Assignados) R R F A E L . DEL R I E G O
M I G U E L L O P E Z BANOS.
P H I L L I P E DE A n c o ARGUEJIO.
S. Fernando, 11 de Agosto de 1820,

Memorial a El Rey.

SENHOR !•—Desejamos, que os que cercam a Vossa


Majestade conhecessem plenamente a sinceridade de nos-
sos sentimentos, e desejaríamos, com igual bôa fé, pro-
mover a felicidade da Hespanha, seguindo as veredas,
que o Céo milagrosamente se dignou abrir-nos; deseja-
mos, que elles quizessem, assim como nós, que Vossa
Majestade visse a sua gloria e a sua prosperidade aug-
mcntaiem-se na linha de comportamento, que adoptou
com tanta nobreza, para a felicidade de sua naçaõ; desta
naçaõ, que tem tam bem provado a todo o universo, o
amor em que arde por vossa augusta pessoa.
Pois, Senhor, se isto assim he, sem temer interpreta-
çoens sinistras, presumiríamos depositar, no seio de
Vossa Majestade, todos os nossos sentimentos, e a nossa
franqueza fará que elles sejam recebidos com generosa
indulgência. Uma ordem Real de 14 do corrente, que
desbanda o corpo de observação, foi communiçada aos
8 pelo Capitão General de Andaluzia, D. J. 0'Donqjhu.
Esta ordem excita o temor de que o nosso requirimento
Política. -261
naõ seja recebido tam favoravelmente como deve ser.
Receamos que uma maõ hostil dirige as operaçoens do
Ministério, e leva a naçaõ á sua ruína; receamos que
comprométte a Vosa Majestade, ao exercito e a nós mes-
mos, que nada desejamos mais do que o estabelecimen-
to de um systema constitucional. Este systema, Se-
nhor, assegura a Vossa Majestade, uma grandeza e um
poder, que naõ tendes achado no systema contrario; por-
que Vossa Majestade tem tido demasiada triste expe-
riência, á custa da honra Hespanhola, naquelles annos
de aflicta memória, quando estáveis cercado e enganado
por ministros ao mesmo tempo ignorantes e perversos.
Dizemos, Senhor, com franqueza, que uma occulta
maõ gula à destruição inevitável, tanto a naçaõ como a
Vossa Majestade; porque excita desconfianças, indignas
de Vossa Majestade e de nós; a nossa boa fe he irritada
por suspeitas, que as ordens ininisteriaes naõ tentam dis-
farçar.
Em ordem, Senhor, a preservar a affeiçaõ que os nos-
sos concidadãos nos testificam, e a bondade com que
Vossa Majestade nos honra, devemos permanecer fieis
aos princípios, que temos proclamado, quando abraça-
mos a causa da nossa pátria, e de Vossa Majestade. A
historia nos ensina, que muitas vezes tem custado caro
dizer a verdade aos reys; naõ porque elles sejam inimi-
gos da verdade, mas porque ella contrasta os interesses
de seus cortezaõs.
As mesmas façanhas de Cid, que nunca se dirigio a
outra cousa mais do que ã gloria de seu Principe, foram
objecto dos sarcasmos dos validos de palácio, e castiga-
das por aquelles, que as deviam premiar. Porém nós
naõ podíamos ver com indifferença o nosso paiz, sub-
mergido na confqsaõ pela ignorância, se naõ pela perver-
sidade, de um ministério, que nos pucha para a borda
VOL. XXV. No. 148 xx
262 Política.
do precipício, pôc-m a perigo a segurança do Estado,
obriga-nos a relaxar as leys da disciplina, e surprende a
Vossa Majestade, para dar ordens contrarias a seu servi-
ço, e perigosas á tranquillidade publica. O nosso com-
portamento prova, que naõ devemos ser objecto de algu-
ma sorte de desconfiança. As tropas, que temos a hon-
ra de commandar, merecem as bençaõs e o amor de Vos-
sa Majestade, e de todos os Hespanhoes. A despeito da
opposiçaõ, que experimentamos a cada passo, e das in-
trigas, que incessantemente contrariam nossos mais ino-
centes movimentos, naõ ha um indivíduo no exercito,
que corra algum perigo de ser accusado de inimigo de
sua pátria e de seu Rey. Ja fomos experimentados, e
ainda daremos provas convincentes de nosso bom com-
portamento, para podermos contar d'ante maõ com a es-
timação da posteridade. Ajunetou-se o Congresso; mas
ainda naõ tem podido realizar as reformas, que a naçaõ
exige. Estas reformas necessariamente haõ de ser op-
postas por aquelles, que estaõ acustumados a viver das
calamidades publicas; aquelles, que naõ podem suppor-
tar a idea de ver que os Hespanhoes adquirem, por
meio de novas instituiçoens, os conhecimentos, que
d'antes lhes faltavam ; aquelles, que naõ podem ver a
diflusaõ das incontestáveis verdades, que a virtude e o
trabalho saõ as melhores genealogias; as verdadeiras
fontes daquella prosperidade, que deve ser procurada
pelo homem bom, pelo Hespanhol digno deste nome.
O dia dez de Março ainda está impune. A justiça
nacional ainda naõ alcançou aquelles, que em 1S14 vil-
mente atraiçoaram a confiança de sua pátria, e abusaram
de sua augusta missaõ, enganando a Vossa Majestade, e
desencaminhando vossa razaõ, a tal extençaõ, que vos
fizeram recompensar com tormentos e morte a generosa
devoção dos Hespanhoes, cm favor de Vossa Majestade,
quando estava caplivo nas maõs de vossos pérfidos ini-
Política. 2G3
migos; aquella devoção, cujo objecto éra consolidar a
liberdade publica sobre taes bazes, que naõ fosse possi-
vel, ao depois, que algum de nossos príncipes fossem a
victima de ministros ignorantes ou corruptos. Mil regu-
lamentos indispensáveis tem ainda de ser submettidos á
primeira discussão. A ley fundamental do Estado, e a
segurança publica estaõ ameaçadas por associaçoens pro-
tegidas por estrangeiros, e por inquietaçoens internas,
cujas causas se podem traçar a influencia estrangeira.
Nestas circumstancias quiz o Ministro dissolver o ex-
ercito de observação; aquella salvaguarda da representa-
ção nacional, pela qual nós pelejamos por Vossa Majes-
tade; e as novas instituiçoens, que ainda estaõ bem longe
do estado de perfeição e solidez, necessários para apre-
sentarem verdadeira garantia do socego geral.
Uma vez dissolvido este corpo do exercito, Vossa Ma-
jestade ja naõ tem defeza alguma, contra os inimigos de
vossa pessoa, e da naçaõ. Se abandonamos esta posição,
donde fizemos tremer os mãos ^ que vasto campo se abri-
rá ás culpaveis esperanças daquelles, cujos projectos cri-
minosos somente a nossa uniaõ previne ? Senhor, a des-
graça da inocência provem da seducçaõ dos perversos; e
o bom coração de Vossa Majestade ja foi seduzido por
conselhos pérfidos : como Vossa Majestade declarou em
sua proclamaçaõ de dez de Março próximo passado.
jQuem pôde assegurar a Vossa Majestade, a seus minis-
tros, ou a nós, de que a dissolução deste corpo naõ pro-
cede de uma trama contra a liberdade de nossa pátria e
preservação de Vossa Majestade no throno?
Animados, Senhor, pelo mais vivo interesse pelo bem
geral, que interessa essencialmente a Vossa Majestade,
assim como á Real Familia; convencidos de que o bom
character, que temos adquirido entre nossos concidadãos,
e até no mundo, deve ser preservado intacto, izento de
*oda a suspeita de traição ou fraqueza: que o nosso si-
261 Politica.

lencio seria um crime, quando a nossa pátria está »o


ponto de cair nas maõs de seus inimigos, que pronuncia-
riam a dissolução do exercito, rogamos a Vossa Majes-
tade seja servido attender a esta exposição ; a ponderar
as conseqüências da ordem Real, communicada ao exer-
cito pelo Ministro da Guerra; a suspender o seu effeito;
e a apreciar o Ministro, pelo passo que deo nesta occasi-
aõ, que pôde ser a origem de incalculáveis desgraças.
Em nosso nome, e no do exercito.
(Assignados) R A F A E L DEL R I E G O .
L O P E Z BANOS.
ARCO ARGUERO.

Relatório do Commissario, nomeado para devassar das


desordens cm Cadiz aos 10 de Março de 1S2Ü.

Em ordem a satisfazer a impaciência geral, sobre a con-


clusão do processo, que S. M., aos 21 de Março proxime
passado, ordenou que se instituísse, relativamente aos sue-
cessos, que aconteceram em Cadiz, aos 10 e 11 do mesmo
mez, requeri ao Governo, que desse ao publico noticia dos
progressos que nisso se faziam; e S. M., annuindo á
minha proposição, e authorizando-me para esse effeito,
me apresso a referir, que, ainda que a devassa esteja so-
mente em forma summaria, com tudo, dá toda a luz neces-
sária, para guiar com certeza nosso juizo, sobre aquelles
infelizes acontecimentos, fixar a opinião sobre as causas,
que os produziram, e sobre o character das pessoas, que fi-
guraram, em bem diversos modos, naquella scena de san-
gue e dessolaçaõ, que he digna de eterna lembrança. Se-
guindo estrictamente a marcha prescripta pelas leys, que
regulam a ordem dos processos, leys invioláveis, que saõ
a única salva guarda da liberdade; collocando-me acima
Política. 2Q.',
de toda a influencia das paixoens, e attendando somente
á vóz da justiça, tenho trabalhado incessantemente por
chegarão fim de minha importante commissaõ; mas,
pela mesma razaõ, tem sido do meu dever ouvir todos
aquelles, que posso esperar revelem os mysterios de ini-
qüidade, que inundaram Cadiz de sangue e lagrimas, aos
10 de Março; e por outra parte, éra justo interrogar to-
dos os actores naquella lamentável catastrophe, em que
o numero dos executores foi muito maior do que o das
victimas. He fácil conceber o numero de declaraçoens,
que se tem feito, e sem duvida com um gráo de vanta-
gem proporcional ao cuidado, que tem havido. A for-
mação da causa está próxima a seu complemento e o
processo está em tal estado, que naõ está mui distante o
momento, em que juizes dignos de confiança publica pro-
nunciarão a sentença. N a õ h e licito anticipar o seu j u i z o ;
nem a circumspecçaõ própria do meu character legal me
permitte denunciar os cruéis authores das desgraças de Ca-
diz; sendo mui fácil confundira illusaõ de opinioens com
a malícia, os erros com os crimes, a imprudência com o
engano, e a franqueza com a perverversidade. Lembro ao
publico, que a demora nos procedimentos judiciaes, he
um tributo devido á justiça; e para assim dizer, o preço
porque se compra a segurança do cidadão; que as for-
mas judiciaes saõ o escudo da liberdade; a precipitação
o mais perigoso escolho no caminho da justiça: por tan-
to, exhorto-os a que confiem no meu zelo, e na rectidaõ
do Governo, a quem esta confiada a protecçaõ de seus
direitos, e o castigo dos crimes.
(Assignado) GASPAR HERMOSA. Juiz
da Devassa.
(Coronel Fiscal.)
Sau Lucar de Barrameda
20 de Agosto de 1820.
( 266 )

COMMERCIO E ARTES.

Edictal da Juncta do Commercio em Lisboa, sobre as in-


demnizaçoens lnglezas, pela Galera Dido.

A' Real Juncta do Commercio, Agricultura, Fabricas


e Navegação baixou o seguinte

Avizo.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.—Havendo o
Ministro de Sua Majestade na Corte de Londres partici-
pado, que a Commissaõ Mixta estabelecida naquella ci-
dade, em virtude do artigo nono da Convenção addicio*
nal ao Tractado de 22 de Janeiro de 1815, havia recente-
mente dado uma sentença a favor da galera Dido, de que
fora Capitão Caetano Alberto da Silva, adjudicando
aos proprietários a indemnizaçaõ de Libras esterlinas
11.649-14-2; he o mesmo Senhor servido mandar fazer esta
communicaçaõ à Real Juncta do Commercio, Agricultu-
ra, Fabricas e Navegação, para que lhe dê a conveniente
publicidade, para conhecimento das pessoas a quem pos-
sa interessar. O que participo a Vossa Excellencia, para
o fazer presente no Tribunal, e assim se cumprir. Deus
guarde a Vosa Excellencia Palácio do Governo, em 20
de Julho, da 1820. D. Miguel Pereira Forjaz.—Sflr. Cy
priano Ribeiro Freire.
Commercio c Artes. 267

E para assim contar se mandaram fixar Edictaes.


Lisboa 27 de Julho de 1820.

(Assignado-.) JOZE A C C U R S I O DAS N E V E S .

Mappa das Embarcaçoens, que entraram e sahiram do


porto do Rio-de-Janeiro no anno de 1819.

Estrangeiras.

Entraram. Sahii

AllemaSs 3 3
Americanas 61 70
de guerra 2 2
Cidades Anseaticas
is 4 2
Dinamarquezas 2 2
Hespanhoes 0 1
Francezas 32 27
de guerra 3 2
Hanoverianas 1 0
Hollandezas 14 13
de guerra 2 2
lnglezas 159 175
de guerra 15 16
Paquetes 13 13
Prussianas 2 0
Russas 6 5
de guerra 4 4
Sardas 1 1
Suecas 16 11

340 349
268 Commercio c Artes.

Portuguezas de gnerra.
Fragatas 2 3
Brigues 19 . 20
Escorias 22 . 22
Corvetas 5 6
Charruas 3 5

Total 51 56

Mercantes.

Portos da Europa
Navios 33 . . 21
Bergantins 22 . 16
Escunas 2 . .
Dictos d'Africa
Navios 19 . . 15
Bergantins 30 . . 37
Escunas 2 . 1
Corvetas 3 . 2
Dictos d'Ásia
Navios 7 , 6
Bergantins 2 . I
America do Sul, excepto do Brazil
Navios 3 • 4
Bergantins 19 • . 16
Escunas 4 • 4
Sumacas 27 • . 26
Total 173 149

Somma total 564 554


Commercio e Artes. 269

Portuguezas nos portos do Brazil.


Entraram. Sahiram
Alagoas 3 3
Akobaça 1 9
Assú 1 4
Assumar 1 0
Bahia 28 . 22
Benevente 6 7
Cabo frio 65 . 69
Campos 230 . 223
Cananéa 7 4
Capitania 37 . 38
Caravellas 18 7
Coreripe 1 1
Gruparim 6 4
Guaratiba 1 0
Iguape 2 8
Ilha Grande 71 . 56
Itamaracá 2 0
Itapacoroia 3 0
Itapemerim 10 6
Laguna 21 . 20
Macahé* 47 54
Maugaratiba 7 15
Maranhão 4 5
Pará o 1
Parati 84 80
Pernambuco 22 21
Porto Seguro 1 O
Paranagoá 26 26
Rio de Contas 1 1
Gio Grande e Porta-
legre 108 105
VOL, X X V . N» 148. MU
270 Commercio e Artes.

Rio de Ostras 14 14
Rio de S. Francisco 10 8
Rio de S. Joaõ 87 90
Santa Catharina. 24 26
Santos 64 61
S. Matheus 9 4
Sepitiba 13 12
Tagoahi 35 43
Taipú 3 O
Ubatuba 19 5
Somma 1092 1043

Total Geral 1656 1597

N. B. Neste numero naõ se comprehendem as embar-


caçoens arribadas.
( 271 )
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LONDRES, 25 de Septembro, de 1820

GenerM. Qualidade. Preços. Direitos.

.Bahia por lb l s . l£p. a l s . 2 | p .


I Capitania. .
1 Cea i á l s . 4p. a l s . 5p. 6s. 7p. por 100 l b .
Aljodani . .J Maranham .. ls. 2Jp. a ls. 3£p em navio Po rtuguez
j Minas novas l s . Op. a l s . 2|>. ou Inglez.
(Pará l s . Op. a l s . 2p.
^Pernambuco l s . 3p. a ls. 3|p.
Anil Rio 5 por lb,
Redondo . . . 43s. a 48s.
} Batido . . . . .
Mascavado .
49s. a 58s.
34s. a 38s. .Livre «te direitos por
Arroz Brazil exportação.
Cacáo , .Pará 55s. a 65s
Caie Rio , 128». a 133».
Cebo Rio du Prata 3s. 2p. por 1121b,
Chifres. Rio Gande por 123 48s. a 5s4. 5s. por 1121b.
CA 8Jp. a 9*p.
Rio da Prata, pilha 1 B
f C
CA 7Jp. a 7jp. 10 p. por couro
kRio Grande ] B 6p. a 6Jp.
<C 6p. a ô | p .
Pernambnoa, salgados
• Rio Grande de cavallo
Ipccacuaaha Brazii por lb. 14s. Op. á l ã s . 6p 48. >
Oieo de cupaiba,,
Orucu
l s . 2p. a l s . 4p
4s. Op
2s. J por 1121b.
Páo Amarelo. Brazil 120s. a 130s. ) direitos pagos pelo
Pao Brazil . . . .Pernambuco 5 comprador,
Salsa Parrilha. Pará . . . l s . 9p, a 2 s , . . . i direitos pagos pelo
Tapioco 5 em rolo. > comprador,livre por
I em folha. ' exportação
Tapiaca.... "..Brazil 18p. rij por lb.

Câmbios com as seguintes praças.


Rio de Janeito 54 Hambuigo 37 6
Liihoa 48* Cadiz 34*
Porto 48* Gibrallar 30
Paris 25 70 Genora 43*
Amitrrdain 12 7 Malta 45

Espécie Seguros.
Ouro em barra £ 3 17 1 0 | Brazil. Hida 30s. Volta 30B
Decai de 6400 reis 3 14 6 Lisboa 25s.
/ por 30s
Pobroeni Hespa- Porto
nhoes \ onça. 30s
Madeira 20i
PPZO» dicloi
Açores 20a,
Prata em barra Rio da Prata 42i. 42»
Bengala 60i «2i
I 272 )

LITERATURA E SCIENCIAS.

N O V A S P U B L I C A Ç O E N S EM INGLATERRA.

HoldredCs Álgebra ; preço 7*. Novo methodo de re-


solver equaçoens com brevidade e facilmente, em que se
acha, sem reducçaõ previa, a quantidade incógnita.
Com um Supplemento contendo outros dous metbodos
sobre os mesmos princípios. Por Theophilo Holdred.

Soortsbyys Arciic Regions. 2 vols. 8T0. preço 2/. 2Í.


com 24 estampas. Noticia das regioens Árticas, com a
historia e descripçaõ da pescaria das baleas no Norte.
Por Guilherme Scoresby. F. R. S.

Henen's Principies of Military Surgery. 8™ preço


18Í. Princípios de Cirurgia Militar, comprehendendo
observaçoens sobre o arranjamento, policia e practica
dos hospitaes, e sobre a historias, tractamento e anoma-
lias da Varíola e Siphilis, illustrado por casos, dissecço-
ens, e estampas. Por Joaõ Henen, M. D. Inspector dos
Hospitaes.

Appleton's Early Education. 8T0. preço 10í. 6d.


Primeira Educação, ou o manejo das crianças, coniide-
Literatura e Sciencias. 273
rado com as vistas de seu futuro character, &c. Pela
Senhora A ppleton, Authora da Educação particular, &c.

Wilks' History of Mysor. 3 vols. 4to- preço 61. 6s.


Esboços históricos da Iudia Meredional. Tentativa para
traçar a historia do Mysor, desde a origem do governo
Indico até a extincçaõ da dynastia Mahometana em
1799; fundada em authoridades Indicas, colligidas pelo
Author, durante vários annos, que officiou como Agente
Politico na Corte de Mysor. Pelo Coronel Mark Wilks.

Nichoirs Recollections. 8T0. preço 12Í. Reminiscen-


cias pessoaes e políticas, connexas com os negócios pú-
blicos, durante o reynado de George III. Por Joaõ Ni-
cholls, Membro da Casa dos Communs nos XV., XVI.
e XVIIL Parlamentos da Gram Bretanha.

Dissertation on the passage of Hannibalover the Alps.


8T0, preço, com 4 mappas, 12*. Dissertação, sobre a pas-
sagem dos Alpes por Hannibal. Escripta por um Mem-
bro da Universidade de Oxíord.

Parleis Treatise on Heat, preço 2s. 6d. Tractado


sobre o calor, chama e combustão. Por T. M. Parley.
0 objecto deste tractado he mostrar, que o calor naõ he
propriedade da matéria; que a chama he um elemento
e única causa do calor na natureza, &c.
274 Literatura e Sciencias.
Viera Arte de Furtar. Nova edicçaõ da Arte de Fur-
tar escripta pelo Padre Antônio Vieira; dedicada pelo
edictor ao Illustrissimo Senhor F. B. M. Targini, Viscon-
de de S. Lourenço, Londres 1820. Na othcnia de T. C.
Ha nsa rd. Preço 12Í.

PORTUGAL.

Saio ã luz: Fábulas moraes de Mr. de La Fontaine,


traduzidas em verso lyrico Portuguez. Por B. M. C. S.
ou Belmiro Transtagano.

ECONOMIA, P O L Í T I C A D E SIMONDE.

CAPITULO VIU.
Dos tractados de Commercio.
(Continuado de p. 167)
O commercio das matérias finas naõ merece, mais do
que os outros, os favores do Governo; por que elle naõ
procura á naçaõ mais vantagens que os outros, nem aug-
menta mais as suas rendas. Pelo contrario, como naõ
he senaõ um commercio de transporte, que consiste em
tirar os metaes d'um paiz, para os reexportar para outro,
sem nunca os applicar ao uso próprio do paiz commerci-
ante, fica na classe daquelles, que contribuem menos â
prosperidade do Estado; porque os dous capitães, que
substitue alternadamente, saõ ambos estrangeiros, e põ-
em em movimento menos industria nacional do que ne-
nhum outro.
O Governo Francez será talvez convidado a negociar
Literatura e Sciencias. 275

algum tractado de commercio com a Hespanha: este


paiz, assim como Portugal, distribue numerário a toda a
Europa, e quando tenha recebido o que para elle se ac-
cumúla na America, terá também grande quantidade
para exportar.* Se o Ministério Francez prestar ouvi-
dos aos fautores do systema mercantil, talvez se nao occu-
pe senaõ dos meios de favorecer a entrada das patacas
Hespauholas no nosso paiz, Temos visto que a super-
abundancia das espécies em Hespanha, tinha ali feito
abaixar o seu valor relativo, o que he o mesmo que en-
carecer tudo quanto por ellas se pôde trocar; de sorte
que a prohibiçaõ de exportar o numerário lhe tinha
occasionado uma perda habitual, sobre o valor com que
ella paga a maior parte de suas compras, além do nume-
rário, que he a principal mercadoria, que ella destina á

* A Hespanha vendia cada anno muito numerário, e entretanto


parecia estar sempre desprovida delle; este êxito pôde mui bem
estar com o baixo preço das matérias finas : duas cousas con-
correm a explicállo. Primeiramente, a Hespanha ficou tam po-
bre, tem tam pouco commercio e as trocas saõ ali tam pouco
freqüentes, proporcionalmente á sua extençaõ, que naõ tem ne-
cessidade para a sua c irculaçaõ, senaõ de uma massa de nume-
rário muito menor do que ontro qualquer paiz. Em regundo lu-
gar, a Hespanha tem de tal modo multiplicado a sua moeda de
cobre, que este deve necessariamente expulsar do paiz o ouro e
a prata: logo que a quantidade de moeda de cobre cessa de ser
proporcionada á massa total do numerário, produz necessaria-
mente o mesmo effeito do papel moeda, do que naõ differe, sen-
do o seu valor igualmente fictício, independente do trabalho,
que nella se accumula, e desconhecido fora dos Estados de um
só Soberano. Tudo quanto temos dicto, Liv. I. cap. VI. do
papel moeda he applicavel á moeda baixa ou de cobre, e basta
para fazer comprehender, como esta expulsa do paiz as espéci-
es de ouroe prata, que circulam em concurrencia com ella
276 Literatura e Sciencias.
exportação. Ajustando que a Hespanha revogue esta
prohibiçaõ, se obteria uma vantagem para esta naçaõ al-
uada, sem causar àFrauça nem lucro ném prejuízo; mas
se ao depois se fizessem esforços para reter nas nossas
fronteiras, este numerário que entrasse, far-se-hia á Fran-
ça o mal que a mesma prohibiçaõ faz à Hespanha; far-
se-hiá com que abaixasse o preço do dinheiro, ou, o que
he o mesmo, far-se-hia levantar o preço da maõ d'obra,
e o de todas as mercadorias, que se trocam por este di-
nheiro, e se participaria com a Hespanha de uma perda,
que hoje em dia ella somente padece.*
O Governo Francez annunciou aos negociantes, que naõ
se achava ainda disposto a concluir tractados de com-
mercio; sem duvida teve razaõ em pospòr isto, para ter
tempo de conhecer as verdadeiras necessidades da Fran-
ça, e de distinguir a gritaria de alguns fabricantes do
desejo geral do commercio e dos consumidores; porém
se, depois deste estudo prévio, vier a conclusão, he de
esperar que naõ será sobre as bazes estreitas e mesqui-
nhas, de que acabamos de dar conta, e que o favor, que
procurará ao commercio, será o de ser livre, e entregue
a suas próprias forças.
O projecto de libertar o commercio he aquelle a que
se propõem a terceira classe dos negociadores, de quem
ainda temos de fallar. O commercio he uma vantagem
para cada particular assim como para cada naçaõ, seja no
momento em que compra, seja no em que vende: no
primeiro caso, procura-lhe aquillo de que tem necessidade,

* Segundo o Dicc. de Peuchet, Tom. IV. p. 410, na epocha,


que procedeo a revolução Franceza ; a França tirava da Hespa-
nha annualmente espécies de ouro ou prata, pelo valor da
C2-.500.000 francos. He provável que dentro em pouco» annos
este coinmeicio se restabeleça no mesmo pé.
Literatura e Sciencias. 277
a preço relativo mais baixo do que o houvera obtido sem
o commercio; no segundo caso, he-lhe preciso vender
o qne tem de mais, a preço mais alto do que teria feito
sem seu soccorro: a primeira operação diminuc as suas
despezas, a segunda augmenta as suas rendas. Quanto
mais livre e extenso for o commercio, tanto melhor po-
derá a França comprar a bom mercado das outras na-
çoens, o que lhe for necessário para seu consumo, ou
que pôde applicar para seu uso, e por conseqüência se-
raõ tanto maiores as poupanças, que poderá fazer em
suas despezss. Por outra parte, quanto mais se multi-
plicar o numero dos freguezes, que delia comprarem o
que produz de supérfluo a seu consumo, tanto mais ella
produzirá para elles, na razaõ do augmento de suas ne-
cessidades, e tanto mais ella poderá ao mesmo tempo
levantar o seu preço relativo, na razaõ do augmento do
numero dos compradores, comparado ao dos produc-
tores; de sorte que se augmentaraõ as suas rendas, ja por
uma producçaõ mais considerável, ja pelo maior lucro
desta producçaõ. He pela razaõ de que o conimercio
faz a vantagem das duas partes contractantes, que a sup-
pressaõ de todos os entrávez, que diíhcultum a circula-
ção de uma província a outra, contribue poderosamente
á prosperidade de ambas. Se forem supprimidos os ob-
stáculos, que coarctam a passagem das mercadorias de
um Estado para outro, far-se-ha ao commercio da Euro-
pa o mesmo serviço, que se tem feito ao commercio in-
terior da França, tiazendo-se ás fronteiras todos os es-
criptorios das arrecadaçoens, que impedem a circulação
interior das provincias.
Quando duas naçoens, contractando um tractado de
commercio, convém abolir os entrávez, que difncultiini
sua communicaçaõ, sem proveito do Fisco, fazem com
VOL. XXV. N*, 148. SN
278 Literatura e Sciencias.

q u e todos tenham um beneficio igual, ainda que um del-


les c o m p r e ao o u t r o m u i t o m a i s d o q u e lhe vende. Neste
caso o beneficio d o p r i m e i r o será principalmente a van-
tagem d o consumidor, d i m i n u i n d o as despezas: o bene-
ficio d o segundo será p r i n c i p a l m e n t e em vantagem do
productor e em a u m e n t o das r e n d a s ; * mas se naõ con-

* He nesta cathegoria, que se deve arranjar o tractado de


commercio concluído entre a França e a Rússia aos 11 de Janeiro
de 1787. Os principios, que dirigiram os negociadores neste
ultimo, e no outro entre Inglaterra e a França, concluído pou-
co tempo antes, saõ os mesmos. Entretanto os effeitos dos
dous tractados naõ se fizeram sentir igualmente, porque a
França naõ pôde entreter com a Rússia senaõ um commercio de
natureza bem differente do que fazia com a Inglaterra. Pelo
tractado de Petersburgo os mercadores Russianos, que nego-
ciassem em França, ficavam izentos dos direitos do frete, e dos
de 20 por cento sobre as mercadorias desembarcadas em Mar-
seilhes, suas ceras e seus cebos obtém uma reducçaõ de 20 por
cento nos direitos expressos na tarifa, e os seus ferros saõ ad-
mittidos no mesmo pé das naçoens mais favorecidas : (Art. X,
X I , e XII.) Em retribuição, o Imperador da Rússia concede
áos Francezes nos seus portos as mesmas vantagens, que a seus
próprios subditos, e diminue os direitos recebidos nos vinhos e
saboens da França. (Art. XII.) Este tractado naõ estipula nada
quanto ás manufacturas de uma ou outra naçaõ, em quanto o de
20 de Junho de 1766, entre a Inglaterra e a Rússia estabelece,
que os direitos sobre os panos e estofos Inglezes seraõ fixos de
maneira moderada. O tractado de Petersburgo podia ser muito
mais vantajoso á França e á Rússia ; porque podia dar a seu
commercio reciproco muito maior liberdade. Tal qual éra con-
tribuía ja, sem duvida, a augmentar as rendas, e diminuir as
despezas de uma e outra naçaõ. Dava aos Russianos mais fa-
cilidade de obter bom preço por suas matérias primas, e de se
prover sem demasiado gasto dos productos do terreno ou da in-
dustria Franceza : dava aos Francezes mais facilidade de se
Literatura e Sciencias. -J79

sideramos senaõ a extensão, q u e se dá ao m e r c a d o d o


vendedor, todo o t r a c t a d o d e c o m m e r c i o , cuja base he a
liberdade, he constantemente vantojoso aos productores
de ambas as n a ç o e n s , q u e contractam ; porque n u n c a
acontece que u m a n a ç a õ c o m p r e d e outra unicamen-
te a credito ou numerário, e sem lhe vender a l g u m a
cousa em retorno. Q u a n t o aos productores, estes sem-
pre nisso acham a maior vantagem, q u e pertence â na-
çaõ mais pequena e mais pobre das d u a s ; porque o m e r -
cado, que lhe he aberto, he tanto mais vantajoso, q u a n -
to he mais vasto e mais rico.
Naõ posso dispensar-me de e x t r a h i r , por occasiaõ
disto, o discurso porque Mr. P i t t defendeo no Parlamen-

proverem, a baixo preço, das matérias primas, que lhe fornece


o Norte, e de vender ali de maneira proveitosa os seus vinhos e
os seus saboens. Mas os que adoptam o systema mercantil
consideram as vantagens, que a Rússia tira deste tractado,
antes como percas; ao mesmo tempo que olham como de
grande vantagem, e de alta importância, os que dali re-
sultam para a França: assim o tractado com a Rússia he alia-
mentente approvado, pela mesma gente, que condemna o da
Inglaterra. Nos olharemos para ambos como vantajosos;
ambos estes coramercios como proveitosos ; entretanto aquelle,
dos dous, que melhor convém, hoje em dia, á naçaõ Franceza,
naõ he o commercio Russo, mas o commercio Inglez ; porque o
primeiro consiste principalmente em vendas a credito, e em
contas a dinheiro de contado, o que constitue um empréstimo de
capitães Francezes á Rússia; e appresenta o que os calunia-
dores políticos chamam um balanço favorável : ao mesmo tempo
que o commercio com a Inglaterra, vista a taxa dos juros e o
estado das fabricas nos dous paizes, debaixo das apparencias
de um balanço desfavorável, se compõem de vendas a dinheiro
de contado, e de compras a credito; de tal sorte que a França
attrahe a si, a titulo de empréstimo, uma somma considerável dos
capitães Inglezes.
280 Literatura e Sciencias.
to aos 12 de Fevereiro de 1787, o tractado de commer-
cio, que acabava de concluir com a França: este discurso
he igualmente curioso por sua bôa lógica, e pela com-
paração, que delle se pode fazer, com o comportamento
subsequente deste Ministro, quando entrou de novo na
administração.
Naõ he verdade, disse elle, que uma naçaõ deva ser a
inimiga natural e inalterável de outra; esta inimizade
naõ he confirmada pela experiência das naçoens, nem
pela historia dos homens; he calumniar a constituição
das sociedades políticas, e suppôr a existência de uma
malignidade infernal no character humano. Os Fran-
cezes, na maior parte das suas guerras com elles, foram,
he verdade os aggressores, mas a sua franqueza na nego-
ciação actual merece da nossa parte igual confiança. Se-
ria ridículo esperar que os Francezes consentissem em
ceder-nos vantagens, sem obter compensação; assim o
tractado concluído com elles lhes será sem duvida vanta-
joso, mas o será ainda mais para nós. A França obtém
para os seus vinhos e suas outras producçoens a entra-
da em um rico e vasto mercado: nós obtemos para as
nossas manufacturas a mesma vantagem, mas em grão
muito mais superior. A França adquire oito milhoens
de consumidores, nòs adquirimos vinte e quatro milhoens:
he preciso aproveitar o momento, em que duas naçoens
estaõ dispostas a formar relaçoens tam vantajosas. A
França deve aos benefícios da Providencia, o melhor ter-
reno, o mais bello clima, as mais ricas producçoens; ella
possue mais do que nenhum outro paiz, em suas ferieis
vinhas, suas abundantes colheitas, tudo quanto pôde fa-
zer a vida feliz. Por outra parte, a Inglaterra, menos fa-
vorecida pela natureza, deve â sua feliz liberdade, á sua
constituição, â igualdade de suas leys, e á segurança, que
ellas procuram, o haver-se elevado ao mais alto ponto de
Literatura e Sciencias. 281
grandeza commercial, e de se ter posto em estado de for-
necer â França as commodidades da vida, em troco das
preciosas producçoens de seu terreno.*
0 tractado de commercio asignado aos 26 de Septem-
bro, 1786, éra com effeito, ainda que tenha excitado al-
gumas queixas, vantajoso a ambas as naçoens ; e éra para
os productores de cada uma, como observa Mr. Pitt, (que,
assim como os demais políticos, conta aqui por nada o in-
teresse dos consumidores) na razaõ da extençaõ do mer-
cado, que offerecia a uma no paiz da outra; isto he, na
razaõ da população e da riqueza da naçaõ com quem
contractava. O principio geral deste tractado éra a ad-
admissaõ mutua da importação e exportação das merca-
dorias de um e outro paiz, mediante uma contribuição
módica e proporcionada a seu valor ; e que se pagaria na
entrada.f Os Francezes tinham tido a condescendência

* Lloyd's History of England f íom the peace in 1783. Chap.


II. §27.
f Na maior parte dos objectos manufacturados esta contri-
buição naõ passava de dez a quinze por cento de valor das mer-
cadorias. A quinquilheria e gazes eram taxadas a dez por
cento (§ vi. do tractano Art. 6 e 10) os algudoens, as modas a
porcelaina e os vidros pagavam 12 por cento de valor (Art. 9.)
as batistas 5 shillings por meias peças de sette varas e três quar-
tas (Art. 8.) Os direitos sobre os vinhos águas ardentes, vina-
gres e azeites, ainda que muito diminuídos, naõ o foram tanto :
uns igualavam, outros até ultrapassavam o valor original da mer-
cadoria. (Art. 1. 2.3. e 4.) O direito sobre a cerveja foi fixado
a 30 por cento (Art. 5.) Se a reducçaõ dos direitos cobrados
pelos Inglezes sobre as bebidas fornecidas pela França, tivessem
sido proporcionadas á reducçaõ dos direitos cobrados pela
França sobre as mercadorias de fabrica Ingleza, he provável que
as importaçoens de ambas as partes tivessem igualada as expor-
taçoens ; ao mesmo tempo que, segundo as contas das alfande-
282 Literatura e Sciencias.
de consentir em que os Inglezes, para manter o tractado
de Methuen naõ fizessem pagar aos vinhos de Portugal se-
naõ dous terços dos direitos de entrada que os Francezes
pagavam ; o que naõ éra justo, porém só lhes éra desfa-
vorável, em tanto quanto estes direitos eram mui subi-
dos.
(Continuar-se-ha.)
gas Francezas, se calcula que as importaçoens de mercadorias
lnglezas subiram.
no anno de 1787 a 58:500.000 francos.
1788 63:000.000
1789 58.000.000
E as exportaçoens das mercadorias Francezas para a Inglater-
ra montaram
em 1787 a 38:000.000
1788 34:000.000
1789 36.000.000
Deve notar-se, que em 1789 a Inglaterra forneceo á França
18:000.000 em graõs, farinhas ou lugumes. Deduzindo este
artigo, puramente accidental, do valor das vendas de Inglaterra,
ella se acha, com pouca differença ao nível do valor de suas
compras.
Em 1789, o preço dos juros éra com poucadiffrença o mesmo
na Inglaterra e na França: os nossos capitães antes da revolu-
ção eram sufficientes á nossa industria; naõ havia, pois, razaõ
para que fosse sempre a Inglaterra quem desse o empréstimo, e
a França quem sempre o recebesse : depois que o movimento
extraordinário produzido pelo tractado de commercio, se hou-
vesse acalmado, se restabeleceria dentro em pouco tempo o
equilíbrio entre as compras e as vendas.
Naõ succederla o mesmo, hoje em dia, nas nossas relaçoens
com a Inglaterra: temos muita necessidade da receber delia
imprestimos de capitães, e ella tem demasiado interesse em im-
prestar-nos, para que as suas vendas a credito naõ excedam
suas compras, em somma tanto maior, quanto suas relaçoens
commerciaes com ella forem também maiores.
Literatura e Sciencias. 283

Esprit des Institutions Judiciaires de V Europe,par Mr


Meyer.

(Continuado de p. 174)
O Capitulo quinze desenvolve a matéria importante
do Ministério publico. Os Reys e os Senhores, com-
mettiam a Presidência das Cortes judiciaes a commis-
sarios seus delegados. Quando se instituíram os Par-
lamentos, além do Presidente do Parlamento, havia Pre-
sidentes para as suas differentes secçoens; e outro sim
se nomearam Procuradores d' El Rey, que olhassem por
seus direitos; o que éra tanto mais necessário, quanto os
presidentes eram pela maior parte nobres de alta gradua-
ção, totalmente ignorantes das leys; como se vê ordina-
riamente em Portugal hoje em dia, aonde os fidalgos
que presidem nos tribuuaes, possuem conhecimentos na
razaõ inversa de sua extensa genealogica.
Por esta maneira se instituio o Ministério publico, ou
uma espécie de funeçaõ media entre os juizes e o inte-
resse publico, que éra advogado pelos procuradores d' El
Rey. Estes, além do que se podia propriamente chamar
interesse publico, tinham também o cuidado do que im-
portava individualmente ao Rey ou ao Senhor Suzerano,
e por isso se chamaram Procuradores Fiscaes. Vejamos
as mudanças, que desta circumstancia resultaram á or-
dem judicial; segundo as palavras do A. a p. 265.

" As muletas faziam considerável parte das penas, e ao mes-


mo tempo um ramo das rendas reáes ou senhoríaes. Os procu-
radores dos senhores, ou dos reys, naõ só estavam encarregados
da cobrança destas reudas, mas também da accusaçaõ dos cri-
minosos ; e por isso o que se chamava Ministério publico ficou
284 Literatura c Sciencias.

na posse de promover os processos criminaes, de buscai os de-


linqüentes, e de olhar pela mantença das leys peuues, tendentes
a proteger a ordem social e da tranqnillidude publica."

Ja vimos que nos tempos antigos, em todos os proces-


sos tanto criminaes como civis, naõ se conheciam senaõ
duas personagens, Author e Reo; agora vemos, que, nos
casos crimes, além do accusador, que éra a pessoa lesada,
apparecia o procurador do Rey, como representando o
publico, que se suppunha offendido, no mal que se tinha
feito a qualquer indivíduo da sociedade. Antigamente
tal éra o amor do bem geral, que qualquer indivíduo,
íi* uma acçaõ que a todos importava, naõ só podia ser
o accusador, mas naõ faltava nunca quem apparecesse
tomo accusador, e isto éra bastante garantia, para que
naõ se perdessem os interesssses geraes. Isto succede
ainda agora na Inglaterra. Mas desta epocha em diante
ficaram os procuradores d' El Rey sendo os promottores
da Justiça, ja de per si somente, ja em combinação
com a parte lezada.
He claro, que estes promottores da execução das leys
deviam em breve adquirir grande influencia; e com tudo
o ministério publico naõ augmentou o poder dos reys de
França tanto quanto se poderia suppôr.
O A. aponta duas causas, que concurrêram a impedir
o augmento do poder Real: primeira, a independência dos
lugaresjtidiciacs, e segunda a divisão da França por certo
numero de Cortes de justiça, todas igualmente soberanas,
eque naõ tinham um ponto commum de reunião. Como
cada divisão tinha o seu Ministério publico, e estes naõ
tinham communicaçaõ uns com outros, naõ podiam obrar
de concerto, nem de maneira uniforme em promovera
extençaõ do poder Real.
Mas a instituição do Ministério publico, naõ tiiouo aos
Literatura e Sciencias. 285
indivíduos o direito de accusaçaõ, porém mod ficou-o
da maneira, que o A. exprime a p. 273.
" A liberdade da accusaçaõ naõ ficou abolida pelo estabeli-
cimento de um magistrado encarregado da accusaçaõ ex officio;
éra unicamente a popularidade ; isto he o direito, que, entre os
antigos, tinha cada cidadão de reclamar a mantença dos direitos
da sociedade, tomada collectivamente, e de proseguir a vindicta
de toda a transgressão; popularidade, que presuppuuha um
interesse directo em cada cidadão, na causa publica; uma iden-
tidade de interesses públicos e particulares de cada indivíduo;
uma parte indivisa da soberania, e que, conveniente ao espiri-
to de uma republica, ou de uma monarchia representante, éra
incompatível com a soberania absoluta, a que tendiam as insti-
tuiçoens Francezas."

Deve notar-se aqui, que os Reys de França intentando


augmentar o seu poder, e destruir as authoridades inter-
mediárias, que lho pudessem restringir, naõ tinham ne-
cessidade, para sua grandeza de intrometter-se com os
direitos dos indivíduos ; e nisto se distinguiam as insti-
tuiçoens Francezas das outras dictadas pela aristocracia,
que coarctavam a liberdade particular, ainda nas relaço-
ens mais intimas dos indivíduos.
No Capitulo 17, tracta o A. dos Juizes Cônsules, que
constituíram uma jurisdicçaõ totalmente alheia das in-
stituiçoens judiciaes nos tribunaes da monarchia. Esta
jurisdicçaõ ainda que proveniente dos Edictos Reaes, éra
exercitada por negociantes, nomeados d'entre si mesmos,
e versava sobre constestaçoens cm materiaes commerci-
aes, sem a intervenção do Governo. Estas instituiçoens
naõ eram conhecidas nem na Inglaterra, nem nos Paizes
Baixos, nem mesmo nas cidades Hanseaticas, que eram
por assim dizer meros ajunctainentos de negociantes.
Voi, XXV. N°. 148. oo
286 Literatura e Sciencias
O A. explica esta apparente incongruência no systema
politico dos Reys de França, quando tudo se destinava a
augmentar o poder Real, pela máxima seguida, depois
de Luiz o Gordo, de crear communidades, cheias de
privilégios, por mein das quaes se neutralizasse a influen-
cia dos Baroens, e grandes Senhores do Reyno. Um dos
privilégios, concedidos a estas communidades, foi terem
magistrados de sua de sua eleição; a esta circumstancia,
mais do que nenhuma outra, fazia com que as cidades e
villas procurassem metter-se debaixo da protecçaõ do rey,
e se livrassem do jugo dos senhores territoriaes.
Quando, porém, a consideração destas communidades
cresceo ao ponto, de se achar por ellas diminuída, e
quasi annihilada a prepotência dos Baroens, foi necessá-
rio suflbcar também a independência destas communs:
fez-se isto gradualmente, commençando pelos princípios
do século 1 6 ; debaixo de vários pretextos, e por diffe-
rentes causas, que o A. desenvolve miudamente neste
capitulo, mas que seria demasiado extenso proseguir.
Porém, entre outros expedientes, se seguio a mesma
tática da divisão de interesses; e como se tinham conce-
dido privilégios ás communidades, para as separar dos
Baroens, assim se concederam agora privilégios a certas
classes dos cidadãos, para os separar dos outros. Favo-
receram-se pois os negociantes, a fim de lhe dar interes-
ses diversos, e algumas vezes oppostos aos outros conci-
dadãos; e se lhes concedeo o privilegio, debaixo do pre-
texto de favorecer o commercio, de nomearem de'ntre si
magistrados, que decidissem suas causas commerciaes,
reservando com tudo appellaçaõ às cortes de justiça so-
beranas.
Esta invenção conrespondeo por tal maneira ás vistas
dos Reys, que em menos de quatorze annos, o que até
entaõ fora privilegio especial aos negociantes de Tou-
Literatura e Sciencias. 287
louse e Rouen, veio a ser ley geral do Reyuo, pelo Edic-
to de 1563. Mas tomaram-se precauçoens, para que naõ
adquirissem estas novas jurisdicçoens influencia alguma,
que fizesse sombra ao Rey. Assim, foram estes magis-
trados somente feitos annuaes, e prohibio-se a sua re-elei-
çaõ limitou-se sua jurisdicçaõ aos negociantes, e aos
negócios mercantis; deixáram-se sugeitos a uma appella-
çaõ; e em fim só tiveram direito de conhecer da execu-
ção de suas sentenças.
A este mesmo systema de divisão, nas communs, at-
tribue o A. a incorporação dos officios, que vinham a
ser outras tantas sociedades diversas da mesma commu-
nidade em que viviam, e por meio das quaes os reys po-
diam formar o seu partido, e supportallo por um jogo de
interesses diversos, que impediam a uniaõ do todo
contra quaesquer planos do Governo. Exemplifica-se
isto, nos Estados Geraes de 1580, quando as Communi-
dades recusaram prestar-se aos pedidos, que El Rey ti-
nha feito; e por isso a incorporação dos officios se fez
gera), pelo Edicto de 1581.
Para melhor mostrar a connexaõ destas medidas, diri-
gidas todas ao mesmo fim, que o A. lhe attribue, de di-
minuir a authoridade e influencia das communidades,
por meio desta subdivisão de interesses; o A. dá, em
uma nota, a serie chronologica dos Edictos a este respei-
to.
1549. Primeiras jurisdicçoens consulares.
1563. Edicto, que generaliza estas jurisdicçoens.
1566. Suppressaõ das justiças communaes.
1581. Edicto, que protege osjurandos.
1614. Ultima convocação dos Estados Geraes.
(Continuar-se-ha.)
( 288 )

MISCELLANEA.

REVOLUÇÃO EM PORTUGAL.

Declaração, e votos das Authoridades Ecclesiasticos.


Civis e Militares, Nobreza, e Povo da Praça de Elvas.

Aos 30 dias do mez de Agosto de 1820, nesta praça e


cidade de Elvas foram congregados, no Quartel General
do Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Tenente Ge-
neral Joaõ Lobo Brandão de Almeida, as Authoridades
Ecclesiasticas, Militares, Civis, Nobreza, e Povo delia,
representado pelo senado da Câmara; e sendo todos
junctos foi proposto pelo dicto Senhor Tenente General,
que no dia de hontem á noite tinha recebido pelo Capi-
tão do Regimento de Cavallaria N.° 11, Antônio de Li-
ma Barreto Praça, um officio assignado por Francisco
Gomes da Silva, como Secretario da Juncta Provisional
do Governo Supremo do Reyno, instalada na Cidade do
Porto no dia 24 do corrente Agosto, com uma proclama-
çaõ a todos os Portuguezes, convocando-os a que a re-
conhecessem como tal: e de commum accordo apprc-
vassem o chamamento das Cortes, e a nova Constituição,
que depois se seguiria para o Governo destes Reynos,
com outra proclamaçaõ similhante aos soldados, e com a
forma do juramento que todos deveriam prestar, exigin-
do-se no mesmo officio a prompta execução de tudo. K
logo foram lidos, perante todos, os citados documentos, e
acabada a sua leitura foi proposto a votos, qual deveria
Miscellanea. 289
ser a deliberação, e quaes as providedcias que ao dicto
respeito se deviam adoptar. Uniformemente se deliberou,
que, uma vez tendo jurado todos fidelidade e obediência
ao nosso Augusto Monarca o Senhor D. Joaõ VI., e na
sua ausência aos Senhores Governadores do Reyno, aos
mesmos pertencia decidir sobre o presente objecto; de-
vendo em conseqüência ser-lhes participado, pois que a
todos como vassallos, obrigados á fé que juraram, só
competia obedecer. E outro sim se assentou, que o Pre-
sidente da Câmara, convocando a esta, tomasse as medi-
das, que lhe parecessem mais congruentes, para manter a
paz, e o socego de todo o povo, fazendo-lhe ver os pre-
juízos e tristes resultados do contrario systema, assim
como pertencia aos Senhores Commandantes dos Corpos
Militares desta Praça, fazerem conservar os seus Subal-
ternos na mesma obediência, e subordinação ao actual
Governo, a que até ao presente se tem prestado, em quan-
to pelo mesmo naõ for determinado o contrario. O que
tudo assim assentado se mandou aqui escrever, e todos
protestaram cumprir e assignâram.—Elvas 30 de Agosto
de 1820.
{Asssgnados)—Joaõ Lobo Brandão de Almeida, Te-
nente General Governador de Elvas. Maximiano de
Brito Mozinho, Brigadeiro e Tenente Rey da Praça
d'Elvas. Caetano Antônio de Almeida, Brigadeiro Go-
vernador do Forte da Graça. Joaõ da Silveira de Lacer-
da, Brigadeiro. O Conego Joaõ Antônio de Figueiredo,
Provizor e Governador do Bispado. Francisco Jozé da
Silveira Falcato, Desembargador Provedor. Joaquim
Jozê de Almeida e Freitas, Major do Real Corpo de En-
genheiros Commandante, e pelos officiaes do seu Com-
mando. Antônio de Gouvêa da Maia, Major do Regi-
mento N.° 17. Manoel Bernardo da Silva Reboxo, Ma-
jor do 17 dicto. Manoel Vicente Nunes, Major do 8.*
tffO Miscellanea.
de Infanreria. O Conego Jozé Antônio Ferreira de
Mello, Vigário Geral do Bispado. Francisco de Paula
Biquer Tenente Coronel do 17.° Regimento por mim, e
pela Corporação. Jozé Chrysogono de Freitas Araújo
Tenente Coronel de Cavallaria, N.° 3 por mim, e pela
Corporação. Joaõ da Cunha Preto, Major de Artilheria
N.° 3 por si, e sua Corporação. O Corregedor Pedro
Jozé Lopez de Almeida. O Superintendente das Alfân-
degas Antônio Filippe da Silva Cambiasse O Juiz de
Fora, Amaro Jozé de Araújo Velasco Camizaõ. O Ve-
reador Jozé Innocencio d' Assa. O Vereador Joaõ Jozé
da Silveira Falcato. No impedimento do Vereador 2.°.
Antônio Vellozo de Mello. O Procurador do Conselho
Jozé Pedro Peieira. O Escrivão da Comarca, Frascisco
Antônio Franco Barroet.

Copia do Officio que o Doutor Corregedor da Comarca


de Villa Real dirigio á intendencia Geral da Policia
cm data de 28 d* Agosto ultimo.

Iílustrlssimo Senhor Intendente Geral da Policia da


Corte e Reyno.—Ante-hontem me achava eu em Mon-
dim de Basto principiando a Correiçaõ d'aquellas Villas,
mais adjacentes com muito socego, quando recebi o Of-
ficio do Excellentissimo Conde de Amarante General
desta Provincia, que consta da Copia N°. 1. Immedia-
mente me puz em marcha para esta Villa, e cheguei
aqui nesse mesmo dia. Achei tudo em perfeita tranqüi-
lidade, e tenho toda a bem fundada esperança de que
jamais se perturbará aqui o socego. Hoje recebi o Of-
ficio da Copia N°. 2, e já se deram as providencias, que
elle determina; por aqui soam ainda em confuso os acon-
tecimentos do Porto do dia 24, e se limitam ao levanta-
Miscellanea. 2gi
mento da tropa, e creaçaõ de uma Junta Provisional. V.
S» deverá já estar mais completamente informado a este
respeito, e eu me naõ descuidarei em tomar as medidas
que julgar opportunas, e em participar o que recrescer,
mas posso affirmar com segurança, que aqui naõ ha mos-
tras de lavrar o contagio.
Deos guarde a Vossa S* muitos annos. Villa Real
27 de Agosto de 1820.
O Corregedor Delegado, JOAÕ ANTONÍO F E R E I R A
DE MOURA.

Copia do Documento No. 1. a que se refere o Officio


que â Intendencia dirigio o Doutor Corregedor da Co-
marca da Villa Real em data de 27 do mez passado.

Illustrissimo Senhor:—Os acontecimentos do Porto me


fazem marchar a toda a pressa para Chaves; e V. S pelo
bem do serviço de El Rey Nosso Senhor, deve immedia-
tamente marchar para Villa Real, para couservar a tran-
quillidade e socego naquella Villa, emquanto eu naõ
volto a ella, o que deverá sueceder em poucos dias.
Deos guarde a V. S. Quertel General em Villa Pouca,
25 de Agosto de 1820.
CONDE DE A M A R A X T E .
Sa. JOAÕ A N T Ô N I O F E R R E I R A D E M O U R A .

Copia do Documento No. 2, a que se refere o Officio


que á Intendida Geral da Policia dirigio o Doutor
Corregedor da Comarca de Villa Real, em data de 27
do mesmo mez passado.

Illustrissimo Senhor:—Como he do nosso dever naõ ter


communicaçaõ com as terras, que estaõ insurgidas, e co-
HQt Miscellanea.
mo o Porto lie a cabeça da insurreição, deve V. S. fazer
suspender o Correio, que vai para aquella cidade, ficando
em guarda, e deposito as Cartas ou Bolça, que para ella
se dirijam; e como he necessário que continue a haver
conrespondencia com a capital, V. S. ordene ao Correio
assistente de Villa Real estabeleça um Correio para a Ci-
dade de Viseu, pelo qual remetterá as Bolças que saõ
pertencentes a Lisboa, e Província da Extremadura, e
Alemtejo.
Desta minha dou parte ao Governo, e de que V. S. he
o responsável pela fazer cumprir, como Ministro de Po-
licia.
Deos guarde a V. S. Quartel General de Villa Real 2b*
de Agosto de 1820.
CONDE DE AMAKANTE.
Sr. JOAÕ ANTÔNIO F E R R E I R A DE MOURA

Proclamaçaõ dos Gorertiadores do Reyno, para o cha-


mamento de Cortes.

Portuguezes! Os Governadores do Reyno, persuadidos


do perigo imminente que corre a Naçaõ e a Monarquia,
se se prolongar a crise produzida pela sublevaçaõ da Ci-
dade do Porto. E usando das faculdades extraordiná-
rias, que pelas suas instrucçoens lhes saõ concedidas
em casos urgentes, pepois de ouvirem o parecer de gran-
de numero de pessoas do Conselho de Sua Majestade, e
conspicuas entre as diversas classes da Naçaõ, resolve-
ram, em nome de El Rey nosso Senhor, convocar Cortes,
nomeando immediatamente uma commissaõ destinada a
proceder aos trabalhos necessários, para a prompta re«
uniam das mesmas Cortes.
Misctllanea. 2p3

Esperam os Governadores do Reyno que uma medida,


que tam decididamente prova a terminação de se atten-
der ás queixas, e ouvir os votos da Naçaõ, reunirá im-
mediatamente a um centro legitimo, e commum, a Nação
inteira, e que todas as classes de que a mesma se com-
põem reconhecerão a necessidade de uma tal uniaõ, para
evitar os males imminentes da anarchia, da guerra civil,
e talvez da dissolução da Monarchia.
Lisboa no Palácio do Governo, em o primeiro de Sep-
tembro, de mil oitocentos e vinte.
CARDEAL PATRIARCHA.
M A R Q U E Z D E BORBA.
C O N D E DE P E N I C H E .
C O N D E DA F E I R A .
ANTONIOGOMES RIBEIRO.

Officio do Tenente General Conde de Amarante.


Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.—A' uma da
noite, amanhecendo para o dia 27 deste, se me apresen-
tou um Capitão de Infanteria N.° 6 com duas cartas, uma
para mim e outra para o Marechal de Campo Manoel da
Silveira Pinto da Fonceca, e como vi nos sobrescriptos
ser da Juncta revolucionaria do Porto, e mostrando ser
de serviço nacional, quando por mim, e pelos bons Por-
tuguezes, he só reconhecido o serviço Real, pois pela
Graça de Deos temos Rey, naõ quiz abrillas, e fechadas
as remetto a Vossa Excellencia, para que se sirva levallas
ao conhecimento do Governo de Sua Majestade Fidelis-
sima.
Atê este momento ainda naõ recebi resposta dos offici-
os que escrevi aos Senhores Generaes da Beira e Minho.
VOL. XXV. N.» 148. PP
294 Mizcellanea.
A Tropa desta provincia penso tella reunida dentro de
mui poucos dias, e logo que isto succeda, e esteja prom-
pta a marchar, marcharei com toda ella para Villa Real,
aonde espero as Ordens de Vossa Excellencia.
Para Villa Real já mandei marchar um Destacamento
do regimento de Infanteria N.° 12, e hoje mesmo orde-
no ao Commandante de Infanteria N.* 24 mande marchar,
para aquella Villa 200 homens, para se poderem guardar
de qualquer tentativa as estradas que se dirigem ao
Porto.
O Capitão, que me trouxe as cartas que remetto, fica
prezo no Corpo da Guarda desta Praça, e igualmente as
Ordenanças, que o acompanhavam lambem ficam prezas
até que Vossa Excellencia ordene o seu destino.
Deos guarde a Vossa Excellencia. Quartel General de
Chaves ás 2 da noite, amanhecendo para o die 27 de
Agosto de 1820.
C O N D E DE A M A R A N ^ E .
Ill mu . e E x m o . Senhor Francisco de Paula Leite.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.


Conforme o que tive a honra de participar a Vosgn
Excellencia de Villa Real em data de 24 deste, marchei
naquelle mesmo momento para esta Praça, e esta manhãa
desgraçadamente achei verificadas as minhas suspeitas
do levantamento do Porto, e ainda para maior desgraça
minha vi, que entrou nelle meu Irmaõ Antônio da Silvei-
ra, homem louco, ja como tal connecido.
Naõ temo que este acontecimento manche a minha
reputação, pois a minha conducta tem sido e seríi sem-
pre de ser Fiel a El Rey Nosso Senhor, o que farei co-
nhecer pelas minhas acçoens; mas que he um pezar o ver
Miscellanea. 295
que um homem, que me he addido pelo sangue se es-
quecesse de mim, e de seus avós. Peço a Vossa Excel-
lencia que faça constar ao Governo o que acabo de dizer,
e que se houver alguma pessoa, que intente manchar a
minha reputação, eu estou prompto a justificar a minha
conducta.
Tenho mandado reunir todos os Corpos desta provin-
cia, e tenho feito espalhar nella a proclamaçaõ que re-
metto. Eu intento reunir toda a Tropa da 1." e 2.* Linha
em Villa Real, e tenho aberto communicaçaõ com os
Generaes da Beira e Minho, da qual ainda naõ he tempo
de receber respostas; e tendo a tropa reunida, esperar
as Ordens de Vossa Excellencia. Tenho mandado cortar
toda a communicaçaõ dos Correios com o Porto: e que as
bolsas dessa Capital sejam remettidas por Vizeu, tendo
eucarregado da execução desta ordem o Corregedor da
comarca de Villa Real, como Delegado da Policia. Es-
pero que Vossa Excellencia ordene aos Correios, que a-
promptem aquelles extraordinários, que forem necessá-
rios.
Nesta Provincia se necessita de um Corpo de Artilhe-
ria para o Parque, que há nella, de 12 peças, e como o naõ
posso haver do Porto, por aquelle Regimento ser uni dos
Revolucionários, dou esta parte a Vossa Excellencia, es-
esperando me mande alguns officiaes, e soldados desta
arma e mesmo de que meio me hei de servir para a
tropa ser municiada com Etape, logo que saia dos seus
quartéis.
Deos guarde a Vossa Excellencia. Quartel General de
Chaves 26 de Agosto de 1820.—Illustrissimo e Excellen-
tissinio Senhor Conde da Feira.—De Vossa Excellencia.
—Subdito muito obediente
CONDE DE AMAKANIE.
2?Jo* Miscellanea.
Proclamaçaõ.
Francisco da Silveira Pinto da Fonseca, Condi
Amarante, do Conselho de Sua Majestade Fideliss
Gram Cruz da Torre,e Espada,ede S. Fernandona '
panha, Commendador das mesmas ordens, e da deC
to, Nosso Senhor, das honras de Nogueira, de S. Cypri
Tenente General dos Reaes Exércitos, e Governadoi
armas da Provincia de Trás os Montes.
Transmontanos valorosos e fieis, hea terceira vez,
as circumstancias me fazem convocar-vos ás armas
sempre tive a satisfacçaõ de vos ver correra defendi
sagrados direitos do Nosso Augusto Soberano, o Sei
D. Joaõ VI., Rey do Reyno Unido de Portugal Braz
Algarves: em 1808 fostes vos quem rompeo o captivi
que os exércitos de um pérfido invasor nos tinha lançs
mas desgraçadamente nada temos feito; pois se naõ
mos inimigos exteriores, temos entre nós homens
biciosos, loucos, e perdidos, que infelizmente, coi
nome de Portuguezes, querem mudar de governo, e
especiosos, e falsos motivos nos querem induzir a
traidores ao Rey, e perjuros ao sagrado juramento,
lhe dêmos, e semeando a anarchia na naçaõ, nos ]
mettem grandes bens, com taes mudanças; mas leml
vos de quaes foram os que os Francezes revoluciona
causaram â França, onde só se viram mortes, incen
e roubos, e por fim uma destruidoraguerra; mas a v
fidelidade he tam conhecida, que naõ he necessário
pertalla com razoens. Eu estou decidido, pelos pri
cipios da honra, do dever, e da religião, a sacrificar
a ultima gota do meu sangue em defensa dos sagn
direitos de El Rey Nosso Senhor: estou certo que t
sentimentos seraõ os de vós todos. He um crime r
nhecer o Governo revolucianario do Porto: as Camí
magistrados, e todas as authoridades, assim militi
Miscellanea. 297
como civis, as deveram repellir, e naõ reconhecer tal
Governo.
TransmontanoB, conservemos a nossa fidelidade, e seja
o nosso grito geral
Viva El Rey, e vivam os Portuguezes honrados, que
lhe forem fieis.
Quartel General de Chaves 26 de Agosto 1820.
CONDE DE AMARANTE.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor:


Achando-me com licença de Vossa Excellencia em
Villa Real, á vista dos acontecimentos que tiveram lugar
no Porto, eu naõ posso ir tomar o Commando da minha
Brigada, por ser a Brigada daquella cidade, por tanto
como vassallo fiel, participo a Vossa Excellencia, que eu
me tenho unido ao Tenente General Conde de Amarante,
para seguir o partido de El Rey Nosso Senhor, onde es-
pero as ordens de Vossa Excellencia.
Deos guarde a Vossa Excellencia. Quartel General de
Chaves 26 de Agosto de 1820.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Francisco de Pau-
la Leite.
Manoel da Silveira Pinto. Marechal de Campo.

Proclamaçaõ.
Os Governadores do Reyno de Portugal e Algarves, aos
Corpos de Exercito extraviados.

Valorosos Militares que vos deixastes illudir! De-


pois de terdes sustentado com o vosso sangue os direitos
da Religião, do throno, e da Pátria; depois de haverdes
29S Miscellanea.

no meio dos perigos e privaçoens assombrado as Naçoens


da Europa com os gloriosos feitos, que praticastes em
uma guerra sem igual, he no seio da Paz, no centro das
vossas famílias, enos vossos próprios lares, que uma cap-
ciosa sedueçaõ vos faz perder o merecimento, que tanto
vos custou a adquirir, manchando vossa até agora illibada
fidelidade.
Os Governadores do Reyno, se usassem da força, e dos
meios que S. M. depositou nas suas maõs, e que saõ sus-
tentados pela lealdade, e briosa conducta as tropas das
Provincias de Traz-os-Montes, Beira, Estremadura, e
Alemtéjo, e Reyno do Algarve, aonde as sugestoens, que
tem sido dirigidas pela supposta Juncta Suprema, foram
recebidas com o desprezo de que eram dignas, em breve
vos fariam conhecer a que triste situação vos arrastaram
os authores do vosso extravio; porém certos no amor
Paternal do nosso Piedoso Monarca, e do quanto lhe seria
penoso o fazer derramar sangue Portuguez, vos conce-
dem, no seu Real Nome, um completo perdaõ.
Considerando que os Officiaes e Soldados dos Corpos
extraviados delinquiram, mais por obediência aos seus
Chefes, do que por intenção de se subtrahirem ao legitimo
Governo do seu Soberano, naõ offerecem prêmios aos
que voltarem aos seus deveres, por ser indigno do nome
Portuguez, que um tal estimulo seja quem faça voltar
ás suas obrigaçoens Tropas, que nunca forammercena-
rias; mas offerecem a clemência do seu Monarca, e um
perfeito esquecimento da inconsideraçaõ commettida, a
todos os que promptamente abandonarem o partido
injusto a que desgraçadamente ?e deixaram ligar, e se
reunirem aos corpos fieis, que lhes ficarem mais próxi-
mos.
Os officiaes dos Corpos Extraviados, que promptamente
concorrerem pai a fazer restituii á devida obediência os
Miscellanea. 299

os mesmos corpos seraõ naõ só perdoados, mais se terá


com elles a especial contemplação, que merecer a ma-
neira da sua resolução.
Lisboa no Palácio do Governo, em 2 de Septembro de
1820.
CARDEAL PATRIARCHA.
MARQUEZ DE BORBA.
CONDK DE P E N I C H E .
C O N D E DA F E I R A .
ANTÔNIO GOMES R I B E I R O .

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor:—Apreso-me a


participar a Vossa Excellencia, que neste momento
acaba de chegar o Pagador do Batalhão de Caçadores
2, com a agradável noticia, que o Senhor General Charn-
palimaud, o Tenente Coronel Aadok, e o Capitão Ricar-
do, partiram às ouze horas da manhãa do dia de hoje em
direitura á Praça de Abrantes, em conseqüência de ter
chegado a Thomar o Capitão do Regimunco N° 20 de
Infanteria, D. JoaÕ, dando-lhe parte de ter desemparado
o Commando do Corpo, e da Praça o Tenente Coronel
José Pinto Saavedra, e que por conseqüência o Corpo es-
tava em uma grande confusão. O Senhor General, a
quem pertence toda e a maior consideração, tomou logo
a deliberação de fazer prestar ao dicto D. Joaõ o jura-
mento de fidelidade, de que se tinha desgraçadamente des-
viado, esta acçaõ foi feita na na frente do Batalhão onde
depois de prestado juramento, o Senhor General lhe man-
dou entregar a sua espada.—Estou persuadido que a esta
hora o Senhor General Champalimaud, terá tido a gloria
muito particular de fazer prestar aquelle corpo o jura-
mento de fidelidade, como practicou com o Capitão.
Logo que tenha mais alguma noticia immediatamente
300 Miscellanea.
a transmiti irei a Vossa Excellencia. Deos guarde a
Vossa Excellencia. Quartel em Torres Novas, 2 de Sep-
tembro de 1820.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Francisco de
Paulo Leite.
Domingos Bernardino Ferreira de Sousa, Briga-
deiro no commando da 4m Brigada de Caval-
laria.

El Rey Nosso Senhor He Servido Nomear o Arce-


bipo d' Évora, o Conde de Barbacena, do seu Conselho,
o Tenente General Conselheiro de Guerra Mathias José
Dias Azedo, e os Desembargadores Antônio José Guiaõ,
e Antônio Thomás da Silva Leitaõ, ambos do seu Con-
selho, para formarem a Commisaõ, qne deve tractar dos
trabalhos necessários para a convenção das Cortes, a que
S.M. manda proceder, ordenando o mesmo Senhor, que os
membros nomeados se reunam desde logo no Real Ar-
cbivo da Torre do Tombo, e se occupem sem interrup-
ção dos referridos trabalhos. Palácio do Governo em o
Io, de Septembro de 1820.
Com as Rubricas dos Senhores Governadores do Reyno.

Copia do officio, que á Intendencia Geral da Policia di»


rigiram os Juizes Ordinários da Villa de Punhete em
data de 2 deste mez.

Illustrissimo Senhor:— Segundo o nosso officio da ma-


nhaã do dia 30 d'Agosto próximo passado, elevamos &
presença de V. S.» o acontecido nesta villa com o desta-
camento do Regimento de Infanteria N.° 20, para que
V. S.» viesse no seu conhecimento: agora porem, cheios
Miscellanea. 301

da maior satisfacçaõ e regozijo, com os puros sentimen-


tos de um verdadeiro amor ao nosso augusto Soberano
participamos a V. S.» que agora mesmo acaba de chegar
a esta villa o Excellentissimo Senhor General Champali-
maud, residente em Thomar, acompanhado de alguma
officalidade, e na praça publica desta villa, por um offi-
cial da sua comitiva, foi lida a proclamaçaõ dos Excel-
lentissimos Senhores Governadores do Reyno, entre mil
vivas a El Rey Nosso Senhor da parte do povo desta
mesma villa, e expressando todos um verdadeiro zelo, e
puro amor ao nosso Augusto Soberano, tendo-se primei-
ramente arrancado aquella proclamaçaõ, que este referido
destacamento tinha a (fixado na manhaã do dia 30 de
Agosto na praça publica desta villa.
He em conseqüência com um espirito verdadeiramente
patriótico, e inundados de uma verdadeira alegria, e
amor ao nosso Soberano, que elevamos novamente á pre-
sença de V. S.a este gostozo, e suramamente apreciável
contecimento, para darmos verdadeiras provas da nossa
submissão ao Regio Throno.
Deos guarde a V. S.a Punhete na tarde do dia 2 de
Septembro de 1820.—Illustrissimo Senhor Intendente Ge-
ral da Policia da Corte e Reyno.—Os juizes ordinários,
Francisco Ignacio dos Santos Cruz, Jacinto de Souza Fal-
cão,

Copia do Officio, que â Intendencia Geral da Policia di-


rigio o Doutor Juiz de Fora da Villa d'Abrantes em
data de 2 do corrente.

Illustrissimo Senhor:—Depois do meu officio de 30 do


passado, em que participei a V. S.« os acontecimentos,
VOL. XXV. N°. 148. QQ
302 Miscellanea.
que haviam tido lugar nesta villa até aquella data, depois
delia tinha o Governador da praça feito todas as disposi-
çoens para se retirar delia com o Regimento, e tanto, que
requizitou cincoenta cavalgaduras maiores, para estarem
promptas hoje por noite. Aconteceoporém ter observa-
do descontentamento em alguns dos officiaes, e sendo
em conseqüência convocados todos os da guarniçaõ, de-
terminaram, e manifestaram o seu arrependimento pela
causa que haviam tomado, e ás nove horas de hoje, reu-
nido o Regimento em parada, no meio de acclamaçoens.
e vivas a El Rey Nosso Senhor, foi lida a proclamaçaõ
dos Excellentissimos Governadores do Reyno, de 29 do
passado, e affíxoda n'aquelle mesmo lugar em que o esta-
va ainda a outra do Governo do Porto, que foi arrancada
e rasgada, e depois voltou o Regimento aos seus quartéis
e continua a fazer o serviço da praça.
Deos guarde a V. S.a Abrantes 2 de Septembro de
1820.—Illustrissimo Senhor Desembargador do paço In-
tendente Geral da Policia da Corte e Reyno.—O Juiz de
Fora, Joaquim Jozè de Moura.

Estas mesmas noticias acabam de se receber pelo Ge-


neral Champalimaud em officio da mesma data dirigido
ao Ajudante General.
Do Tenente General Joaõ Lobo Brandão de Almeida
se recebeo o seguinte officio.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor:—Tive a honra
de receber o officio de V. Ex». de 31 do mez próximo
antecedente, às 5 horas menos um quarto da manhaã de
hoje, que me foi entregue pelo correio de gabinete Gre-
gorio de Souza, o qual communiquei com pouca demora,
em primeiro lugar aos Brigadeiros Maximiniano de Brito
Mosinho, e Joaõ da Silveira Lacerda, e depois da parada
Miscellanea. 303
ás 9 horas da manhaã, foram reunidos no meu quartel
novamente os mesmos, e todos os mais Chefes Militares
e authoridades ecclesiasticas, e civis, e sendo lido o offi-
cio de Vossa Excellencia, foi ouvido tudo com o maior
regozijo e applauso possivel; e contentes e satisfeitos em
verem, que Sua Majestade approvava a sua leal conducta
me pediram, para que eu rogasse a Vossa Excellencia,
levar à presença do mesmo Augusto Senhor os seus res-
peitosos agradecimentos, e protestaçaõ de continuada
obediência á suprema authoridade, que o representa nes-
te Reyno, e unindo eu a estes os meus leaes sentimentos,
exulta o meu coração em ver sempre approvada a minha
conducta pelo mesmo Senhor, e nesta firmeza estou cer-
to de nunca desmerecer; e beijando respeitosamente as
maõs a Sua Majestade, fazemos votos a Deos pela conser-
vação da vida do nosso augusto Monarcha e Senhor, pela
uniaõ de toda a uaçaõ à sua obediência, e que assim seja
salva a Pátria do perigo em que se acha.
Aqui tudo está no maior socego.
Deos guarde a Vossa Excellencia, Elvas 2 de Septem-
bro de 1820.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Conde da Feira.
Joaõ Lobo Brandão de Almeida, Tenente General Go-
vernador de Elvas.

Proclamaçaõ.

Habitantes da Cidade do Porto, e mais Portuguezes, que


a seu exemplo vos deixastes illudir!—Os Governadores
do Reyno, únicos depositários legítimos da Authoridade
Regia, na ausência do nosso Amado Soberano, acabam de
dar a naçaõ inteira a prova mais evidente dos paternaes
sentimentos do mesmo Senhor, adoptando em seu Real
304 Miscellanea.
Nome a resolução de convocar Cortes, na persuasão de
que esta medida encherá de satisfacçaõ a todas as pro-
vincias do Reyno, e sobretudo aquelles, que fundam nesse
desejo o extravio a que foram arrastados. Elles espe-
ram que uma tal resolução será o signal da geral uniaõ e
concórdia, persuadindo-se que só porintençoens sinistras
ou por uma hallucinaçaõ manifesta, haverá quem possa
recusar obediência ao Governo, legitimo representante de
El Rey Nosso Senhor, quando este adopta o meio legal
de attenderàs queixas, e desejos da Naçaõ, e está firme,
e sinceramente determinado a affectuar com a maior
promptidaõ possivel a resolução que tomou.
Portuguezes que fostes illudidos! Mostrai aos vossos
Compatriotas, mostrai à Europa toda, que o vosso ex-
travio momentâneo naõ foi motivado, nem por falta de
lealdade, nem por projectos ambiciosos, e naõ presteis
ouvidos às instigaçoens pérfidas, que talvez se vos façam;
lembrai-vos de que o primeiro dever, o primeiro voto de
todo o bom Portuguez, he o de manter independente a
Monarchia, assim como indissolúvel a sua unidade.
Os Governadores do Reyno afiançam solemnemente, em
nome de Sua Majestade, inteira amnistia a todos aquelles
que de prompto entrarem nos seus deveres e se submet-
terem ao legitimo Governo; declarando outro sim, que
em todo o caso, bem seguros dos leaes sentimentos dos
bons Portuguezes de que se compõem a grande maiori-
dade briosa Naçaõ, estaõ determinados a fazer reconhe-
cer por todo o Reyno a authoridade de Sua Majestade.
Lisboa no Palácio do Governo, em 2 de Septembro de
1820
CARDEAL PATRIARCHA
MARQUEZ DE BORBA.
CONDE DE PENICHE,
CONDE DA FEIRA
ANTÔNIO GOMES RIBEIRO.
Miscellanea. 305

Portaria.

Tendo El Rey Nosso Senhor defirido à representação


do Conde de Barbacena, alliviando-o da commissaõ que
deve tractar dos trabalhos necessários para a convocação
das Cortes, em attençaõ ás suas moléstias; he servido
nomear, em seu lugar, o Doutor Joaquim Jozé Ferreira
Gordo, do seu Conselho, e prelado da Santa Igreja Patri-
arcal de Lisboa; e Secretario o Doutor Manoel Borges
Carneiro, que se reunirão desde logo no Real Archivo da
Torre do Tombo, na forma da Portaria do 1.° do corren-
te da copia juncta. Palácio do Governo, em 4 de Sep-
tembro de 1820.
Com as Rubricas dos Governadores do Reyno.

Copia do Officio, que á Intendencia Geral da Policia


dirigio o Juiz Ordinário da \illa do Sardoal em
data de 31 de mez passado.

Illustrissimo Senhor:—Hontem fui surprehendido por-


um Capitão do regimento N.° 20, acompanhado de Sol-
dados do mesmo regimento, o qual entrando em minha
casa me fez ir com elle a casa do Capitão Mór, a quem
fez saber as ordens que trazia do Governador de Abran-
tes (o Tenente Coronel José Pinto Sávedra) para affixar
uma proclamaçaõ, que se diz da Juncta do Governo Su-
premo Interino do Porto. E elle mesmo affixou a pro-
clamaçaõ, eu chamei logo a Câmara, nobreza, e Povo,
para fazer ver a todos a obrigação que tínhamos de per-
manecer firmes nos nossos juramentos de fidelidade á
religião, ao nosso Augusto Soberano, e á Pátria; todos
assim o prometteram, e assignâram em Câmara; e eu o
306 Miscellanea.
participo a V. S.* para que me diga o que devo mais
fazer.
Mando um próprio levar este por me naõ fiar nos Cor-
reios.
Deos guarde a V. S.a Sardoal 21 d* Agosto de 1820—
Illustrissimo Senhor Desembargador Intendente Geral
da Poticia.
O Juiz Ordinário, Francisco Xavier d' Almeida Pi-
menta.

Portaria
>
El Rey Nosso Senhor, por puros effeitos da Sua Real
compaixão, he servido perdoar o crime de primeira, e
segunda deserção simples a todos os Indivíduos do seu
exercito, que se acharem sentenciados ou ainda por sen-
tenciar, e aquelles, que, por igual motivo, estiverem
jà cumprindo as suas sentenças: E ordena que postos
em liberdade, sejam logo restituidos aos seus respectivos
corpos ou a qualquer outro em que o tenente General
Commandante Interino do exercito julgar conveniente
empregallos, durante as actuaes circumstancias, a fim
de continuarem no seu Real serviço. O conde da Feira
do Conselho de Sua Majestade, Secretario dos Negócios
Estrangeiros, e da Guerra e Marinha, assim o tenha en-
tendido e faça executar, expedindo as Ordens necessá-
rias. Palácio do Governo, em quatro de Septembro de
mil oitocentos e vinte.
Com as Ruhricas dos Senhores Governadores do
Reyno.
Miscellanea. 307

Proclamaçaõ
Os Governadoves do Reyno ao Leal e Valoroso Exer-
cito Portuguez.
Chefes, Officiaes, e Soldados do heróico Exercito Por-
tnguez, que fostes o assombro da Europa, terror dos ini-
migos, e o firme esteio da Independência da nossa Pátria,
escutai agora a voz dessa mesma Pátria, que vos clama,
que depois de ha verdes salvado pelo vosso valor, na porfio-
sa luta da guerra, a salveis pela vossa lealdade inabalá-
vel dos horrores da guerra civil e da anarchia.
Sim, generosos Soldados Portuguezes, he em nome da
nossa Pátria, em nome do nosso Rey: que os Governado-
res do Reyno hoje vos faliam.—Elles confiam da grande
maioridade do Exercito Portuguez a conservação da
tranquillidade publica, da unidade da Monarchia, e da
obediência ao legitimo Governo; e deplorando a ceguei-
ra momentânea de uma parle desse mesmo Exercito,
que desgraçadamente se deixou hallucinar, lhe offerecem
uma completa amnistia, persuadidos de que o vosso
brioso exemplo lhe abrirá os olhos, e a reunirá ao único
centro legitimo, donde podem emanar a felicidade e a
liberdade da naçaõ Portugueza.
Soldados, os Governadores do Reyno, interpretando
os sentimentos do nossso Augusto Soberano, acabam de
convocar Cortes, e trabalham com a maior actividade em
accelerar o seu ajunctamento: brevemente vereis reuni-
dos os três Estados do Reyno, conforme as Leis Funda-
mentaes da nossa Monarchia; he esse o único meio legal
de consultar os votos da naçaõ, de attenderás suas quei-
xas, e de adoptar as medidas permanentes e necessárias
para restabelecer o antigo edifício da nossa Constituição,
deteriorado pelo decurso do tempo; El Rey, e os Três
308 Miscellanea.
Estados do Reyno, Clero, Nobreza, e Povo, saõ as ma-
gestosas columnas que o devem sustenlar.
Naõ nos deixemos pois illudir pela ambição, que se
disfarça debaixo dos especiosos pretextos: todos quere-
mos os melhoramentos necessários para a prosperidade
da Monarchia; mas queremos uma reforma, e naõ uma
revolução, cujos effeitos seriam a subversão dessa mesma
Monarchia, a dissolução das differentes partes, que a
compõem, e por fim a sua sujeição a um jugo estranho
ficando assim baldados os esforços com que no campo
de batalha defendestes a sua independência.
Soldados, naõ presteis ouvidos às suggestoens dos ma-
lévolos, que por todos os meios procuram inspirar-vos
uma injusta desconfiança do Governo, e excitar o Exer-
cito, a quem só compete defender El Rey, e a naçaõ, a
dictar pela força Leis, que só devem emanar, para serem
providas e permanentes dos deputados dessa mesma na-
çaõ e do throno. Os Governadores do Reyno vos alfian-
çam, e o tempo brevemente vos provará, que elles estaõ
firmemente determinados a effectuar a solemne promessa
que fizeram : naõ acrediteis os que insidiosamente vos in-
sinuam, que o Governo intenta ganhar tempo com o anun-
cio da convocação de Cortes, e chama para impor silen-
cio á voz dos Portuguezes, o auxilio de tropas estran-
geiras : os Governadores do Reyno vos asseguram, que
elles, nem esperam, nem pedirão, nem estaõ dispostos a
receber um tal auxilio: elles detestam a idéa de ver o
sangue dos seus Concidadãos derramado n'uma guerra
civil, e só confiam que os ajudareis a cumprir o seu mais
sagrado dever de manter illesa a unidade do Governo,
que lhes está ligitimamente commettido. Continuai a ser
pela vossa lealdade, como pelo vosso valor, o exemplo, ea
inveja das naçoens Estrangeiras : a maior felicidade vos
espera; oSoberanoea naçaõ vos deverão a sua seguran-
Miscellanea. 309

ça e os nossos vindouros abençoarão os vossos nomes.


Viva El Rey Nosso Senhor !
Lisboa, no Palácio do Governo, em 6 de Septembro
de 1820.
CARDEAL PATRIARCHA,
MARQUEZ DE BORBA.
CONDE DE PENICHE.
CONDE DA FEIRA.
ANTONONIO GOMEZ RIBEIRO.

Quartel General da Rua da Cruz do Valle, de Septem'


br o de 1820.
Ordem Do Dia
0 Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Tenente Ge-
neral Francisco de Paula Leite, commandante Interino do
Exercito, manda declarar para conhecimento dos Senho-
res Generaes e commandantes dos Corpos, que se acham
nomeados o Senhor tenente General Conde de Amarante
commandante em Chefe das tropas Leaes da Beira, e pro-
vincias do Norte, e o Senhor Marechal de Campo Conde
de Barbacena, Commandante do Corpo de Exercito, que
se forma na provincia da Estremadura, para pôr os povos
desta Provincia ao abrigo de qualquer perturbação, e
conservar livres as communicaçoens com a Provincia da
Beira.

Copia de um Officio dirigido pelo Tenente General encar-


regado do Governo das armas do Alemtéjo ao Tenen-
te General Commandante Interino do Exercito, em
data de 4 de Septembro de 1820.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor:—Tenho a
VOL. XXV. No. 148 RR
310 Miscellanea.

a honra de transmittir a Vossa Excellencia, para co-


nhecimento do Governo, os juramentos, e protestos que
novamente se tem ratificado no meu Estado Maior, e no
da Praça de Estremoz, no Corpo das Ordenanças, eda
Nobreza e Fovo, assim como o da 5.* Brigada de Infan-
teria, e 2.° de Cavallaria, e á medida que for recolhendo
outros os farei remetter a Vossa Excellencia,aquém pro-
protesto sem o menor receio a intimidade e adhesaõ de
toda esta Provincia em geral a Sua Majestade El Rey
Nosso Senhor, e ao Governo que o representa.
Deos guarde a Vossa Excellencia. Estremoz 4 de Sep-
tembro de 1820.
Visconde de Souzel Tenente General.
Illustrissimo e Excellentissmo Senhor Francisco de
Paula Leite.
Seguem-se os juramentos do General e seu Estado
Maior, do Governador da Praça e Officiaes avulsos, que
alli se achaõ, do Corpo das Ordenanças, da Câmara
Nobreza, e Povo de Estremoz, do Regimento N.° ò de
Cavallaria, e Deposito Geral da mesma arma, do Regi-
mento N.*1 2 e 8 de Cavallaria, e da 5.» Brigada de Infan-
teria composta dos regimentos N.° .5 e 17-
Por um expresso que hontem â tarde chegou a esta
Capital, se recebeo officio do Tenente General Antônio
Marcellino da Victoria, datado de Viseu em dois de Sep-
tembro corrente, dando parte da boa ordem em que se
acham as tropas da Província da Beira animadas de senti-
mentos de lealdade para com seu Soberana

Portaria dos Governadores do Reyno.


Sendo notoriamente sabidas as circumstancias actuaes
do Reyno, depois dos acontecimentos que tiveram lugar
na cidade do Porto, e dos quaes um dos funestos resulta-
dos tem sido a diminuição dos rendimentos do Real Era-
Miscellanea. 311
rio; sendo tanto mais para attender a este importante
objecto, quanta he a urgência das despezas, que já tem
occasionado, e necessariamente hao de motivar os sobre-
dictos acontecimentos : Em attençaõ ao referido, e naõ
podendo duvidar-se de que as Pessoas das differentes
classes da Monarquia tenham a intenção de se prestarem
a contribuir, por Donativo voluntário, com as quantias
que couberem nas possibillidades de cada uma, reconhe-
cendo, como primeiro, e importantíssimo, o dever de
dar demonstraçoens evidentes do seu zelo, em fornecer
os meios para sustentação da Tropa, e de habilitar o Go-
verno a proseguir vigorosamente, como está decidido, nas
medidas de utilidade geral, que tem sido publicadas,
para evitar divisoens na Monarchia, e sal valia da pertur-
bação e risco a que foi conduzida pelo erro e hallucinaçaõ
daquelles que se extraviaram, e que promptamente o de-
verão reconhecer, submettendo-se ás disposiçoens adopta-
das para o bem e prosperidade de todos: Manda El Rey
Nosso Senhor, que no mesmo Real Erário se estabeleça
um Cofre separado em que se recebam os Donativos, que
assim se offerecerem. E sendo rambem de esperar que
estes sentimentos de patriotismo se manifestem nas Pro-
vincias do Reyno, que tanto utilisam na independência
e conservação da Monarchia, poderão as Pessoas das
mesmas Provincias remetter os seus Donativos em direi-
tura ao referido Erário, ou entregallos nos seguros dos
Correios, que mais commodoslhes forem, sem que se lhes
peça nem façam, despeza alguma.
Determina Sua Majestade outro sim, que nas Gazetas
dos últimos dias de cada semana se publiquem os nomes
e quantias das pessoas que tiverem concorrido ; publi-
cando-se esta e remettendo-se transumptos delia onde se
fizer necessário. As authoridades a que competir o te-
nham assim entendido, e cada uma dellas o cumpra mui
312 Miscellanea.
exactamente pela parte que lhe toca. Palácio do Gover-
no cm 6 de Septembro de 1820.
Com três Rubricas dos Senhores Governadores do Rey-
no.

Portaria.
Manda El Rey Nosso Senhor, que o perdaõ de primei-
ra e segunda deserção simples, que por Portaria expedi-
da em data de quatro do corrente mez, houve por bem
concedera favor dos indivíduos do seu exercito, seja am-
pliado aos da Brigada Real da Marinha em Lisboa, que
se acharem em idênticas circumstancias. O Conde da
Feira, do Conselho de Sua Majestade, Secretario doGo-
Governo encarregado das repartiçoens dos Negócios da
Marinha, Estrangeiros, e da Guerra o tenha assim enten-
tendido, e expessa as ordens necessárias. Palácio do
Governo em 6 de Septembro de 1820.
Com três Rubricas dos Governadores do Reyno.

Carta de chamamento das Cortes, pelos Governadores do


Reyno.
Presidente, Vereadores, Procuradores desta cidade de
Lisboa, e Procuradores dos Mestéres delia. El Rey
Nosso Senhor, pelos Governadores dos seus Reynos e
Portugal, e Algarve, vos envia muito saudar. Havendo
nós já annunciado a necessidade, que ha nas actuaes ur-
gentes circumstancias, de se convocarem Cortes, para
neilas se tractarem, e discutirem com os Três Estados dos
dictos Reynos cousas mui importantes ao serviçode Deos,
do mesmo Senhor, e bem dos seus povos; determinámos
em seu Real Nome convocallas nesta cidade de Lisboa,
para o dia 15 de Novembro do presente anno de 1820.
Pelo que muito vos encommendamos que, logo que esta
Miscellanea. 313

virdes, ellejais dous procuradores, que tenham as quali-


dades, e circumstancias, que para tal acto se requerem,
os quaes viraõ munidos de procuração bastante (como
sempre foi uso, e custume) para com elles, e com os das
outras cidades, e villas, que também mandamos vir ás
dietas Cortes, se practicar, communicar, e assentar em
tudo aquillo que parecer mais conveniente aos referidos
fins: e trarão outro sim quaesquer lembranças, que vos
parecer serâõ mais interessantes ao bem geral da naçaõ,
e ao particular desta cidade, e se apresentarão com a
conveniente anticipaçaõ ao Secretario do Governo da re-
partição dos negócios do Reyno, a quem entregarão a
mencionada procuração. E confiamos de vós que assim
na elleiçaõ dos mesmos procuradores, como em tudo o
mais quetoca a esta matéria, procedereis com a considera-
ção que ella merece. E por quanto he notório que os
povos fizeram grandes despezas, e soffreram muitas vexa-
çoens por occasiaõ da guerra passada, e he vontade do
mesmo Senhor fazer-lhe merece em tudo o que se offere-
cer, mandaremos que os referidos procuradores, bem
como os das outras terras do Reyno, sejam ajudados nas
despezas, que houverem de fazer nas dietas Cortes, con-
forme a necessidade de cada lugar. Escrita nesta cidade
de Lisboa no Palácio do Governo, em 9 de Septembro de
1820.
CARDEAL PATRIARCHA.
MARQUEZ DE BORBA.
CoNDK DE PENICHE.
C O N D E DA F E I R A .
ANTÔNIO GOMES RIBEIRO.

Para o Bispo Conde reformador Reitor.

Excellentissimo eReverendissimo Senhor:—S.M. con-


3i 4 Miscellanea.
siderando quanto importa ao estado regular, e proveitoso
das sciencias a tranquillidade, que actualmente he incom-
patível com o estado de perturbação, em que se acha este
Reyno, he servido que a abertura das Aulas dos Estudos
da Universidade de Coimbra, que devia ter lugar no anno
lectivo, que haveria de começar no principio de Outubro,
do presente anno, fique suspensa até nova ordem, em
quanto naõ for restabelecida a tranquillidadee concórdia,,
que he de esperar seja brevemente o resultado das provi-
dencias, que se tem adoptado. O que participo a Vossa
Excellencia para que assim o fique entendendo, e faça
executar, dando a este fim as ordens necessárias, e do
estylo, em casos similhantes.
Deos guarde a Vossa Excellencia. Palácio do Gover-
no, em 9 de Septembro de 1820.
A N T Ô N I O GOMES RIBEIRO.

Para o Senhor Conde de Palmella.


Illustrissimo e Excellentissimo Senhor:—Sendo da
maior importância que Vossa Excellencia continue a
prestar a Sua Majestade, na assistência que tem feito ás
deliberaçoens deste Governo desde o dia 28 de Agosto
próximo passado, o serviço mais interessante, que nas
actuaes circumstancias lhe pode fazer; espera o mesmo
Governo que Vossa Excellencia queira demorar-se por
algum tempo nesta capital, e assistir às suas sessoens.
tomando parte em todas as decisoens, que sefizeremne-
cessárias. E previno ao mesmo tempo a Vossa Excellen-
cia de que para segurar a sua viagem para a Corte do
Rio-de-Janeiro, logo que esta possa ter lugar, se manda
já apromptar a Fragata Pérola, como anteriormente
havia determinado. Deos guarde a Vossa Excellcn-
Miscellanea. 31â
cia muitos annos. Lisboa, no Palácio do Governo, em
o de Septembro de 1820. De Vossa Excellencia o mais
attento e fiel cativo.
C O N D E DA F E I R A .

Illustrissimo e Excellentisssimo Senhor.—Em conse-


qüência do desejo que Vossa Excellencia me manifesta,
em nome dos Senhores Governadores do Reyno, no Of-
íiicio que me dirigio com a data de hoje, differirei a
minha partida para a Corte de Rio-de-Janeiro até que
se ache prompta a Fragata Pérola, o que espero poderá
effeituar-se no espaço de poucos dias.
Entretanto naõ seria nem justo, nem conforme á minha
inclinação, o escusar-me de tomar publicamente sobre
mim a porçaõ da responsabilidade, que me cabe actual-
mente, pelas deliberaçoens a que o Governo me faz a
honra de me chamar.
Permitta Deos, que eu tenha a consolação de poder
levar brevemente ao Nosso Augusto Soberano a noticia
bem grata para o seu coração paternal, do restabelici-
mento completo da concórdia em Portugal, assim como
a certeza de que adherindo os Senhores Governadores do
Reyno aos desejos unanimes da Naçaõ Portugueza, inter-
pretaram desse modo as intençens sempre benéficas de
Sua Majestade.
Deos guarde a Vossa Excellencia muito annos. Lis-
boa, em 9 de Septembro de 1820.
De Vossa Excellencia muito attento de fiel servidor.

CONDE DE P A L M E L L A .
316 Miscellanea.
Proclamaçaõ.

O Conde de Barbacena ás tropas do seu commando.

Soldados! Tornando a ser vosso Companheiro de ar-


mas, senaõ me proponho a gloria de concorrer outra vez
agora na cooperação, e no testemunho dos vossos triunfos
contra inimigos invasores, alcançaremos outro naõ menos
glorioso contra a guerra civil, e contra a anarchia, que
por uma funesta hallucinaçaõ, e discórdia de antigos cama-
radas, ameaça a nossa Pátria, e que já se acha ressentida
por muitos dos fieis cidadãos da cidade do Porto, nossos
compatriotas. Esta causa que nos move, grandemente
nos afflige, mas também os meios discretos de persuasão
e de clemência, de que somos depositários, e instrumen-
tos, que pertendo empregar de preferencia aos queminis-
ministra o vosso reconhecido valor, assim como a bem
fundada esperança de se conseguir o objecto, que noshe
determinado, também grandemente nos consola.
O Governo único legitimo do Reyno, certificado da
benevolência do nosso Poderoso, sempre Benigno Sobera-
no, que elle representa, considerou o incrível comporta-
mento, que deplorámos, dessa pequena parte da brioza
naçaõ Portugueza, como um delírio devido aos prestígios
de mal intendidas doutrinas, affiançando-lhe solemnemen-
te em Nome de Sua Magestade, inteira amnistia, se de
promto entrarem nos seus deveres.
Procuremos todos os modos, aproveitemos todas as
conjuncturas de chamar á sombra protectora das nossa9
Bandeiras, que pela vossa fidelidade, e pelo vosso patrio-
tismo, naõ menos que pelo vosso valor, tremulam sem
mácula, a esses valorosos Militares, que se deixaram il-
ludir; será o nosso intento facilitar-lhe esse benéfico re-
fugio, e teremos a satisfacçaõ, que nos he permittida, de
os receber tom perfeito esquecimento do crio passado :
Miscellanea. ,'í!7

uma indurecida renitencia fica somente sendo crime. Sol-


dados ! Com a subordinação aos vossos Chefes, que naõ
he qualidade nova nos vossos ânimos, prestai sempre a
devida obediência, e plena confiança no Governo, que
bem segurodos vossos entimentos esta determinado a fazer
reconhecer, desde Lisboa em todo Reyno, a authoridade,
que S. M. entregou á sua lealdade, e sabedoria, tomando
desde a já por divisa o grito que do coroçaõ nasce—
Viva El Rey Nosso Senhor—Viva a Sua Real Familia, e
Augusta Dynastia—Viva a leal naçaõ Poitngueza, e
viva o único legitimo Governo, que, na ausência de S. M.
he depositário de sua Regia Authoridade. Quartel de
Aleoentre, 9 de Septembro de 1S20,
Conde de Barbacena, Francisco, Commandante do
Corpo de Exercito formado na Província da Estremadu-
ra.

1.* Proclamaçaõ
Publicada na revolta da cidade do Porto.
Soldados!—Uma só vontade nos uma: caminhemos á
salvação da pátria. Naõ ha males que Portugal naõ
sotfra; Naõ ha soffrimento, que nos Portuguezes naõ es-
teja apurado. Os Portuguezes, sem segurança em suas
pessoas e bens, pedem o nosso auxilio, elles querem li-
berdade regrada pela ley. Vós mesmos,- victimas dos
males conimuns, tendes perdido a consideração, que o
vosso brio e vossas virtudes tem merecido. He necessá-
ria uma reforma, mas esta reforma deve guiar-se pela
razaõ e pela justiça, naõ pela licenciosidade. Coadjuvai
a ordem, cohibi os tumultos; abafai a anarchia, e crie-
mos um Governo Provisório, em que confiemos; elle
chame as Cortes, que sejam o orgaõ da Naçaõ, e ellas
preparem umaConstituiçaõ, que assegure os nossos di-
reitos. O nosso Rey D. Joaõ VI., como bom, como be-
nigno, ha de abençoar nossas fadigas, como amante de
um povo, que o idolatra. Viva o nosso bom Re).
VOL. XXV. N \ 148.
318 Miscellanea.
Vivam as Cortes, e por ellas a constituição. Porto em
Conselho Militar, 24 de Agosto de 1820.
(Assignados) S E P U L V E D A , Coronel do Reg. N.° 18
C A B R E I R A , Coronel d'Artilheira.
T t . Cor. do Reg. N, p 6
Major das Milícias de Maia
Major das Milícias do Porto
2.3 Proclamaçuõ
Acabou-se o soffrimento! A Pátria em feros: a vossa
consideração perdida: nossos sacrifícios baldados; um
soldado Portnguez próximo a mendigar uma esmola!—
Soldados o momento he este: viemos à salvação da
Pátria: voemos á nossa salvação própria.—Camaradas,
vinde comigo; vamos com nossos irmaõs organizar um
Governo Provisional, que chame as Cortes, a fazer uma
Constituição, cuja falta he a origem dos nossos males.
He necessário desenvoivêllo; porque cada qual de vôs
o sente. He em nome, e conservando o nosso Augusto
Soberano, o Senhor D. Joaõ VI., que ha de governar-se.
A nossa sancta líeligiaõ será guardada! Assim como
nossos esforços saõ puros, assim Deus ha deabençoàllos.
Os soldados, que compõem o bravo exercito Portuguez,
haõ de correr a abraçar a nossa; porque he a sua causa.
Soldados a força he nossa ; naõ devemos, portanto, con-
sentir tumultos : a cada um de nós deve a Naçaõ sua segu-
rança e tranquillidade. Tende confiança n'um Chefe,
que nunca soube ensinar-nos senaõ o caminho da honra
toldados! naõ deveis medir a grandeza da causa, pela
singeleza dos meus discursos: os homens sábios desenvol-
verão um dia este feito, maior que mil victorias. Santi-
fiquemos este dia ; seja de hoje em diante o grito do
nosso coração; Viva El Rey, o Senhor D. Joaõ VI:
Viva o Exercito Portuguez: Vivam as Cortes, e por ellas

a Constituição Nacional.
(Assignado J
Miscellanea. 319
Auto da Câmara Geral.
Elogo, estando reunidos todos os abaixo
assignados pelos Illustrissimos membros do Conselho Mi-
litar acima mencionados, foi representado, que, sendo
evidentes os soffrimentos de todas as classes, e tendo de
esperar-se a cada momento um rompimento anarchico,
que levasse a naçaõ a todos as males, que este monstro
semêa na sociedade; elles animados do mais vivo desejo
de prestar serviços á Naçaõ, de salválla, de fazêlla re-
ganharosseus verdadeiros direitos; e caminhando outro
sim sobre a baze firme, e inabalável de manter fidelidade
e vassalagem ao nosso Grande e Muito Poderoso Mo-
narcha, o Senhor D. Joaõ VI., se deliberaram a propor,
como tem proposto, o seguinte:—
Que se formará uma Juncta Provisória, depositaria do
Supremo Governo do Reyno, composta das seguintes
pessoas, e do Vice-presidente, que essa mesma Juncta ele-
ger; a saber:—
Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno.
Presidente.—Antônio da Silveira Pinto.
Vogaes. Pelo Clero. O Deaõ Luiz Pedro de Andrade
Brederode.
Pela Nobreza.—Pedro Leite Pereira Mello.
Francisco de Souza Cirne de Madureira.
Pela Magistratura.— O Desembargador Manuel Fer-
nandez Thomas.
Pela Universidade.— O Dr. Fr. Francisco de S. Luiz-
Pela Provincia do Minho.—O Desembargador, Joaõ da
Cunha Soutomaior. Jozé Maria Xavier de Araújo.
Pela Provincia da Beira.—Jozé de Mello Castro e Ab-
reo. Roque Ribeiro de Abranches Castello Branco.
Pela Provincia de Traz-os-montes.—José Joaquim de
Moura. Jozê Manuel de Souza Ferreira e Castro.
Pelo Commercio Francisco Jozé de Barros Lima.
Secretários com voto.—Jozé Ferreira Borges. Jozé da
Silva Carvalho. Francisco Gomes da Silva.
320 Miscellanea.

Que esta Juncta governará em nome do Senhor Rey


D. Joaõ VI. Que ella manterá a sagrada Religião Catho-
1 ica Romana, que temos a felicidade de professar. Que
a Juncta he erecta para convovar Cortes representativas
da Naçaõ, e nellas formar uma constituição adequada u
nossa sancta religião, aos nossos bons usos, e ás leys, que
na actualidade das cousas nos convém.
A qual proposição foi aceita unanimemente, por todos
canonicamente firmada a eleição, sem perturbação al-
guma, e a aprazimento reciproco. E logo neste mesmo
acto, acabada a eleição, foi deferido em nome do Con-
selho militar, o seguinte juramento, por maõ do Corortel
Commendador Sebastião Drago Valente de Brito Cabrei-
ra, e do Coronel Bernardo Corrêa de Castro e Sepulveda,
a o l > r . Juiz de Fora do Cível, que depois o deferio ao
mesmo Conselho Militar, e a todas as mais pessoas, que
neste acto assignam, segundo suas respectivas attribui-
çoens, principiando por todos os membros, que com-
põem a Illustrissima Câmara: o qual Juramento he do
theor seguinte:—
Formula do Juramento.
" Juro aos Sanctos Evangellos obediência á Juncta
Provisional do Governo Supremo do Reyno, que se acaba
de instaurar, e que, em nome d' El Rey nosso Senhor D.
Joaõ VI, ha de governar até a installaçaõ das Cortes, que
deve convocar, para organizar aConstituiçaõ Portugueza:
Juro obediência a essas Cortes, e â Constituição, que fi-
zerem, mantida n Religião Catholica Romana, a Dynastia
da Sereníssima Casa de Bragança."

E sendo em particular dirigida a palavra aos Excelen-


tíssimos Bispo da Diocese, e Governadores das Justiças c
das Armas, todos expressaram os mais lisongeiros senti-
mentos de approvaçaõ, e adhesaõ ao systema, c procedi-
Miscellanea. [321] 32
mentoadoptado, como legitimo e único meio de salvar a
naçaõ.
E logo convocados o Presidente da Juncta, e mais
membros presentes (porque muitos ainda estavam fora da
cidade) lhes foi deferido ojuramento, a saber: ao Presi-
dente, pelo Juiz de Fora do Cível; e por aquelle aos de
mais. E terminando este acto com toda a regularidade,
ordem e júbilo, que cabe em tam grande feito, por todos,
as vozes dos Coronéis Cabreira e Sepulveda, foram repe-
tidos das janellas dos Paços do Conselho:—Viva o nosso
bom Monarcha, o Senhor D. Joaõ VI!—Viva a nossa
Religião sagrada!—e Vivam as Cortes e a Constituição
por ellas!—E desta forma houveram por finda esta Vere-
açaõ, de que mandaram lavrar o presente Auto, que foi
assignado, &c.

A Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno aos


Portuguezes.
Se na agitação porfiosa, que commoveo as naçoens da
Europa, e abalou os thronos, o vosso exercito salvou a
Pátria, immortalizando o seu nome, elle naõ se mos-
tra hoje menos benemérito delia, acabando de arran-
câlla do abysmo, em que se achava precipitada, e próxi-
ma quasi a perder até a sua representação nacional.
Uma administração inconsiderada, cheia de erros, e de
vícios, havia accarretado sobre nós toda a casta de males;
violando nossos foros e direitos, quebrando nossas fran-
quezas e liberdades, e profanando até esses louváveis cus-
tumes, que nos characterizâram sempre, desde o estabe-
licimento da monarchia, e que eram por ventura o mais
seguro penhor de nossas virtudes sociaes.
0 amor da pátria, sacrificado ao egoísmo, naõ foi mais
do que um nome vaõ, na boca desses homens ambiciosos,
que occupa vam os primeiros lugares da Naçaõ, e que só
J22 Miscellanea.

tinham por fito medrar nas honras e nas riquezas, em


prêmio do seus crimes, ou da falta de luzes e expe-
riência, com que dirigiam as cousas do Estado.
Assim vimos nós desappareccr desgraçadamente nosso
commercio, definhar-se a nossa industria esmorecer a agri-
cultura, e aprodecer nossa marinha.
Poucos dias mais bastavam para perdermos até o ul-
timo vaso mercante, e para acabar de todo a navegação,
pela qual fomos tam poderosos no tempo de nossa pas-
sada gloria: sulcavamos entaõ os mares devasando as
suas costas, freqüentando seus portos, e espalhando por
a Europa espantada e invejosa as preciosidade do Oriente
e as riquezas de ambos os mundos.
Estancadas por tal modo as fontes da prosperidade
nacional, devia ser e foi uma conseqüência necessária a
perdição de nossos mais charos interesses; e para cu-
cumulo de desventura deixou de viver entre nós o nosso
adorável Soberano. Portuguezes! desde esse dia fatal
contamos nossas desgraças, pelos momentos que tem du-
rado a nossa orfandade. Perdemos tudo, e até haveria-
mos perdido nosso nome, tam famoso no universo, se
naõ mostrássemos que ainda somos os mesmos, pela
constância com que temos soffrido tantas calamidades
e misérias, e pela heróica resolução, que hoje havemos
tomado. Nossos avós foram felizes; porque viveram nos
séculos vetiturosos, em que Portugal tinha um Governo
representativo nas Cortes da Naçnõ; e obraram prodí-
gios de valor, em quanto obedeciam ás leys, que apro-
veitavam a todos; porque a todos obrigavam. Foi entaõ
que elles fizeram tieinera África, que conquistaram a
a índia, e que asombraram o mundo conhecido, ao qual
acrescentaram outro, para dilatar ainda mais o renome
de suas proezas. Nunca a Religião, o throno e a pátria
receberam serviços tam importantes; nunca adquiriram
nem maior lustre, nem mais solida grandeza; e lodo*
Miscellanea. 323

estes bens dimanávam perenemente da Constituição do


Estado; porque ella sustentava em perfeito equilíbrio, e
concertada harmonia, os direitos do Soberano e dos vas-
sallos, fazendo da naçaõ e de seu chefe uma só familia
em que todos trabalhavam para a felicidade geral.
Tenhamos pois essa constituição, e tornaremos a ser
renturosos. O Senhor D. Joaõ VI., nosso adorado Monar-
cha, tem deixado de a dar, porque ignora nossos dese-
jos : nem he ja tempo de pedir-lhe; porque os males, que
soffremos e mais ainda os que devemos recear, exigem
um promptissimo remédio.
Imitando nossos maiores, convoquemos as Cortes
e esperemos de sua sabedoria e firmeza as medidas, que
sò podem salvamos da perdição, e segurar nossa existên-
cia política. Eis o voto da Naçaõ: e o exercito, que o
enunciou por este modo, naõ fez senaõ facilitar os meios
de seu cumprimento, retardado ja em demazia pela timi-
dez, ou pela desunião dos amantes da pátria. Nos glo-
riosos campos de Ourique o exercito levanta a vóz, e
apparece a Monarchia: hoje no berço de Portugal o ex-
ercito levanta a voz, e salvada destruição e da ruína este
precioso deposito, confiado á sua guarda, e sustentado
pelo valor do seu braço invencível, depois de muitos
séculos de existência.
Portuguezes! O passo, que acabais de dar para a vossa
felicidade futura, éra necessário, e até indispensável:
e a vossa desgraçada situação plenamentejustificao vos-
so procedimento, Naõ vos intimideis por tanto; porque
de certo naõ atraiçoaes os sentimentos de vossa natural
fidelidade. Nenhuma ley ou instituição humana he feita
para durar sempre, e o exemplo de nossos vizinhos bas-
taria para nos socegar. O mundo conhece bem, que a
nossa deliberação naõ foi effeito de uma raiva pessoal
contra o Governo, ou de uma desaffeiçaõ â Casa Augusta
de Bragança.- pelo contrario, nós vamos por este modo
324 Misrel/auea.
estreitar mais os laços de amor, e de respeito, c de vas-
6allagem, com que nos achamos felizmente ligados à
Dynastia do immortal Joaõ I V . : e as virtudes, que ador-
nam o coração do mais amado de seus descendentes, nos
affiançam, que elle ha de unir os seus aos nossos esfor-
ços, felicitando um povo, que tantas acçoens de heroísmo
tem practicado, para lhe segurar na frente a coroa do
Luso Império.
A mudança, que fazemos, naõ ataca as partes estáveis
da Monarchia. A religião sancta de nossos pays ganha-
rá mais brilhante explendor, e a melhora dos custumes,
fructo também de uma illuminada instrucçaõ publica,
até hoje por desgraça abandonada, fará a nossa felicida-
de, e das idades futuras.
As leys do Reyno, observadas religiosamente, segura-
raraõ a propriedade individual; e a naçaõ sustentará a
cada um no pacificio gozo de seus direitos, porque ella
naõ quer destruir, quer conservar. As mesmas ordens,
os mesmos lugares, os mesmos officios, o sacerdócio, a
magistratura, todos seraõ respeitados no livre exercício
da authoridade, que se acha depositada nas suas maõs.
Ninguém será incommodado por suas opinioens, ou
conducta passada; e as mais bem combinadas medidas
se tem tomado, para evitar os tumultos, e a satisfacçaõ
dos ódios, ou vinganças particulares.
Portuguezes! Vivei certos dos bons desejos, que nos
animam. Escolhidos para vigiar sobre os vossos desti-
nos, até o dia memorável, em que vós, competentemente
representados, haveis de estabelecer outra forma de Go-
verno, empregaremos todas as nossas forças, para con-
responder à confiança, que se fez de nós: e se o resulta-
do for, como esperamos, uma Constituição, que segure
solidamente os direitos da Monarchia, e os vossos, po-
deis accieditar será ella a maior e a mais gloriosa recom-
pensa de nossos trahalhos e fadigas.
Miscellanea. 315
Porto, e Paço do Governo, em 24 de Agosto, de
182a
(Assignado por todos os da Juncta Provisória)

Nota official sobre os officiaes Inglezes.


Illustrissimo Senhor!—O memorável acontecimento,
que restituio a Portugal a sua graduação entre as naçoens,
que justamente reclama, naõ permittio que a Juncta Pro-
visional do Governo Supremo, em um momento de tanta
importância, e que requer as mais promptass e efficazes
medidas expressasse aos officiaes Inglezes que occupam
postos no Exercito, quanto deseja mostrar, a justa e
bem merecida consideração, em que tem seus eminentes
serviços; e quam feliz seria em pensar que se julgava
authorizada a remunerallos dignamente. Porém, na im-
possibilidade de assim obrar, sente que be um de seus
primeiros deveres, no exercício da authoridade, que lhe
he confiada, ordenar que vós, Senhor, deciareis a todos os
dictos officiaes, e a cada um delles em particular, que
conservarão as suas honras, privilégios e distincçoen»
pertencentes a seus postos, assim como os seus soldos,
que lhes seraõ punctualmeute pagos, até o ajunctamen-
to das Cortes.
A Juncta ordena também, que Vossa Excellencia lhes
de a entender, que na conformidade da vontade geral da
naçaõ Portugueza, cujos desejos regulados por sua gene-
rosidade e gratidão saõ sem limites, fará com que se dê
aquelles officiaes que o desejarem, os meios necessa-
sarios para que fiquem no paiz com toda a decência e
commodidade; a menos, que elles tomem a resolução de
partirem para o seu paiz, ou para qualquer outro.
VOL. XXV. N.« 148. ri
326 Miscellanea.
Que a Juncta, porém espera, que elles se conduzirão,
nas presentes circumstancias, com aquella delicadeza e
ciicumspecçaõ, que convém a homens, que por educação
tem aprendido a apreciar o respeito devido à vontade de
toda uma naçaõ, que tem tam solemnemeiite declarado
sua firme resolução de manter seus direitos.
Deus guarde a Vossa Excellencia. Palácio do Go-
verno em 26 de Agosto de 1820.
FRANCISCO GOMEZ DA SILVA.
Ao Illustrissimo Senhor Sebastião Drago Valente de
Brito Cabreira, Commandante em Chefe da força armada
desta Divisão.

Proclamaçaõ.

A franqueza he a primeira das virtudes de um Gover-


nojusto; vós portanto sabereis tudo quanto nós sabemos,
e cuja certeza vos asseguramos. Os antigos Governado-
res do Reyno proclamaram, que uns poucos de homens
se mettéram a mudar a antiga ordem de cousas, e que por
esta razaõ ninguém nos deve obedecer. Vós sabeis a que
ponto elles estaõ enganados ou procuram enganar; porque
vós sabeis perfeitamente bem com que rapidez o grito
que levantantes foi repetido em toda a parte. Naõ te-
mais. Em Lisboa sois considerados como heroes e ver-
dadeiros patriotas; e os seus habitantes, que desejam
imitar-vos no socego com que proclamastes vossa inde-
pendência, somente esperam a chegada de alguma força
para se declararem, sem temor de soffrer alguns males, e
sem se verem na necessidade de os infligir. Cidadãos do
Porto, temos forças; temos meios de sustentar a nossa
causa. Ella he justa; e he também a causa de nossos vi-
zinhos, os Hespanhoes: e por esta razaõ suas tropas oc-
Miscellanea. 327
cupam ja as fronteiras de Galiza, aonde estaõ promptas a
auxiliar a nossa independência. Desejaríamos dever so-
mente a nossos esforços a liberdade que vamos a gozar;
mas os inimigos da naçaõ até nisto desejam obscurecer a
gloria a que tem tantos títulos. Cidadãos do Porto naõ
temais cousa alguma. Deus he com nosco.
Porto, oo Palácio do Governo, em 2 de Septembro de
1820.
(Assignado) ANTÔNIO DA SILVEIRA P I N T O
DA FONCECA. Presidente.
SEBASTIÃO DRAGO VALENTE DE
BRITO CABREIRA. Vice Preci-
dent<\

AMERICA HESPANHOLA.

Officio do Governador Gabriel de Torves ao General


Bolívar.
Vossa Excellencia sabe, e reconhecerá no seu coração,
como eu faço, que as disputas de familia tendem sem-
pre, por um impulso natural, à fraternal reconciliação,
particularmente quando os principaes agentes obram de
bòa fé e tem em vista a felicidade publica. A naçaõ Hes-
panhola, cujos filhos Europeos e Ultramarinos tem esta-
do ha tanto tempo em disputas, obteve por fim o per-
manente estabelicimento da Constituição de 1812, que
naõ pode deixar de ser um laço de reunião, ou meio de
a effectuar; os indivíduos de qualquer sociedade naõ po-
dem aspirar a mais do que a obter um Governo liberal,
justo e sábio, cujo objecto naõ pôde deixar de ser mani-
festo naquelle código fundamental, de que vos mando
«ma copia, junetamente com a proclamaçaõ de Sua Ma-
328 Miscellanea.
jestade, manifesto da Juncta Provisional, e regulamentos
para a convocação das Cortes.
Este systema, que removerá todas, ou a maior parte
das queixas das dissidentes colônias, dá aos habitantes da
America uma participação na eminente gloria, a que com
toda a probalidade a naçaõ será elevada. Ao mesmo tem-
po que, por outra parte, se a Hespanha, em conseqüência
desta desunião, perder tam grande porçaõ de seu poder,
a America despovoada, e principalmente este Reyno, naõ
pôde deixar de descubrir, quam impossível lhe he sup-
portar-se só de per si, por falta de uma população pro-
proporcionada á extençaõde seu território, e ao pequeno
progresso, que tem feito na informação geral, na agricul-
tura, industria, commercio, relaçoens estrangeias, e to-
dos os outros elementos necessários para formação de
uma naçaõ, sem poder, em conseqüência destas differen-
ças, e das da côr e raça de seus habitantes, aproveitar-se
do exemplo, que lhe dam as naçoens, que se tem respec-
tivamente separado dos Estados a que pertenciam. Se,
nos dictos documentos, nestas minhas suggestoens, ou
n' outras melhor calculadas por vós mesmo, Vossa Ex-
cellencia achar alguma cousa capaz de promover recon-
ciliação e reunião, e consequentemente receber e jurar a
Constituição, e mandar às Cortes o numero de Deputados,
conrespondente ao districto agora occupado pelas forças
debaixo do Commando de Vossa Excellencia, este Su-
premo Governo está authorizado a considerar tudo co-
mo ajustado, e publicará uma completa amnistia pelo
passado, que, durante o presente systema, naõ pôde deixar
de ser religiosamente observada. Vossa Excellencia terá
a gloria de ser um dos primeiros authores da termi-
nação das presentes calamidades deste paiz, digno de me-
lhor sorte, e o Governo reconhecerá e premiará o mereci-
mento de tam benéfica resolução.
Porém se occurrerem a Vossa Excellencia algumas dif-
Miscellanea. 329
ficuldades, que se possam obviar por convençoens con-
clusivas ou provisionaes, o Supremo Governo Nacional,
que se me devolveo, está prompto para abrir conferên-
cias, por meio de deputados, para o fim de as superar:
ou se Vossa Excellencia, ou o Governo, a que pertenceis,
preferir communicaçaõ directa com a Corte, e mandar
commissarios, com plenos poderes, para explicar os seus
desejos a Sua Majestade, eu lhes darei os necessários pas-
saportes, na intelligencia de que estou authorizado a as-
segurar a vossa Excellencia, que Sua Majestade ouvirá
as proposiçoens, e concederá tudo quanto for compatível
com a majestade e bem da Monarchia.
Porém em todo o caso, e quando vós naõ querais receber
e jurar immediatamente a Constituição, e mandar depu-
tados para as Cotes, pôde haver outros pontos de arranja-
mentos prévios, e uma tregoa ou cessação de hostilidades
seria desejável para este fim. Isto proponho eu a Vossa
Excellencia, que seja ajustado, por meio de deputados,
Sobre a baze de ser sem prejuízo ás vantagens respectivas
de ambas as partes, e que nada se tente, no entanto, que
possa comprometter as operaçoens futuras.
Porem se, a despeito de tudo, a guerra deve continuar,
este governo Superior, segundo as ordens, que recebeo, a
continuará nos princípios de humanidade e direito das
gentes, evitando todo o ultragem, se Vo9sa Excellencia
de sua parte adoptar um caminho similhante.
Finalmente, o Supremo Governo Nacional, de cuja
pura e cordial bôa fé se daraõ sempre os mais positivos
testemunhos, me authoriza a assegurar-vos, que practi-
carios princípios de rectidaõ, que saõ essenciaes ao be-
néfico systema, que tem adoptado; e se infelizmente,
naõ resultar delle o effeito saudável, que a naçaõ e El
Rey sinceramente se propõem, daraõ á Europa e ao mun-
do um irrevocavel testemunho da maior moderação; e
330 Miscellanea.
nenhuma alternativa restará mais do que a força para sub-
jugar os obstinados, e será empregada com justiça e pro-
priedade, sem sugeitar o Governo à responsabilidade
pelas desgraças futuras, que teria incorrido, se naõ hou-
vesse adoptado esta medida.
Faço esta communicaçaõ a Vossa Excellencia, por
este officio, dirigido ao Commandante das forças imme-
diatamente opposto a esta cidade, e espero a vossa res-
posta no espaço do 4o ou 50 dias.
Deos guarde a Vossa Excellencia.
G A B R I E L DE TORRES,
Carthagena 20 de Julho, 1820.
Ao Commandante em Chefe
das forças dissidentes, neste
Reyno.

He da maior importância ao bem publico, e ao inter-


esse dos indivíduos na guerra, neste Reyno, que o officio,
que vos mando com uma bandeira de tregoas, chegue im-
mediatamente ás maõs do Commandante em Chefe. Es-
pero, portanto, quando for informado de sua recepção,
saber também que foi remettido.
G A B R I E L DE TORRES.
22 de Julho, 1820.
Ao Commandante das forças
dissidentes, em frente desta
Cidade.

Extracto de uma carta do Almirante Brion, datado do


Quartel General em Barranquilha, aos 8 de Julho
1820.

Tenho a satisfacçaõ de referir, que expulsamos os


Hespanhoes para os muros de Carthagena, depois de ter
Miscellanea. 331
tomado toda a frota Hespanhola no rio de Magdalena, a
qual constava de 27 barcas canhoneiras, a maior parte
dellas de calibre 12, e compridas de 24: também todas
as muniçoens de guerra, e um immenso parque de arti-
lheria de bronze, obuzes, morteiros e uma bateria com-
pleta. O exercito de Antioquiaja se nos unio ; assim
como também 2.500 homens do exercito do Norte, na
provincia da Sancta Martha. 2.000 homens mais deste
exercito estaõ em marcha, com o Presidente à sua frente;
e esta semana chegarão de Antioquia mais 1.000 regu-
lares ; de maneira que as tropas effectivas de linha mon-
tarão a 4.000 homens; alem de 5.000 milicianos. Esta
provincia levantou-se quando aqui entramos, naõ ficando
um só homem que uaõ corresse às armas. O exercito do
Norte, debaixo do commando do General Urdaneta,
obra era Sancta Martha, Rio de Ia Hache e Maracaibo.
A nossa força no Magdalena he presentemente de 42
vasos de guerra, e temos aberta a communicaçaõ com
todo o interior; esperamos dali immensas sommas de
ouro; porque naquelles paizes ha muita falta de fazen-
das.
0 porto de Savanilla foi declarado aberto para o com-
mercio, e se estabeleceo ali uma alfândega. He uma
bella enseada, e protegida por uma forte bateria; edificar-
se-ha ali immediatamente uma communicaçaõ por um
Canal com o Magadalena.

(Assignado) BRION

P. S. 0 Quartel-General do exercito Principal está em


Turbaco.
332 Miscellanea.

Refiexeens sobre as novidades deste mez.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Dizem alguns naturalistas, tidos por demasiado crédulos, que


os ratos, por um instiucto natuial, fogem das casas em que
habitam, quando ellas estaõ para cair. A partida do Marechal
Beresford para o Brazil fazendo-nos lembrar esta circumstancia,
naõ deixou de dar-nos mais um pressagio do que ia a succeder
em Portugal, e por isso dissemos no nosso N." 144. p. 534,
(fallando da partida do Marechal para o Brazil) " Veremos o
que succede em quanto volta, e o que resultará dessa volta."

Revolução do Porto.

Pelas 9 da noite do dia 23 para 24 de Agosto, segundo o plano


previamente concertado, se congregaram na casa do Coronel do
Regi mm to de Artilheria N.° 4, Sebastião Drago Valente de
Brito Cabreira ; o Bacharel Jozé Ferreira Borges ; o Tenente
Coronel do Regimento de Infanteria N.° 6. Domingos Antônio
Gil de Figueiredo Sarmento; o Tenente Coronel commandante
do Corpo de Policia, Jozé Pereira da Silva Leite de Berredo; o
Major de Milícias do Porto, Jozé de Souza Pimentel; o Aju-
dante de Milícias da Maya, Tiburcio Joaquim Barreto Feio, que
depois foi substituído, pelo Major do mesmo Regimento Jozé
Pedro Cardoso da Silva ; e entaõ, formado o Conselho, assenta-
ram, que as forças ficariam ás ordens dos dous Coronéis, que
deviam fazer o rompimento convencionado: o que elles aceita-
ram. Tomadas as medidas precisas, e reunidas as tropas d'an-
temaõ, leo o Coronel C:\brtira a proclamaçaõ N / 1.*, que dei-
xamos copiada a p. .'317.
No dia seguinte, 24, pela maiihaS mui cedo, ajunctaram-se
as tropas no campo de Sancto Ouvidio, e ali leo o Coronel Sepid-
veda a proclamaçaõ N.° 2. (p. 318) Deo-se uma salva de 21 ti-
ros; e n'um altar preparado no tampocelebiou missa o capelão
Miscellanea. 35S
do Regimento d'artilheria ti.* 4 ; e prestaram os presentes ju-
ramento, cuja formula, fica copiada a p. 321.
Isto feito marchou a tropa para a Praça Nova, e entraram na
casa da Câmara os chefes militares, e mandaram chamar todas
as pessoas principaes da cidade. Vieram ali o Bispo, o Gover-
nador das Armas, o Senado da Câmara, o Juiz do Povo, a Casa
dos Vinte e Quatro, os Juizes de Vara Branca, as pessoas da
governança, e cidadãos principaes ; e entaõ se lançou o Auto de
Câmara Geral, que deixamos copiado a p. 319.
Depois disto ajuncta nomeou para Vice-Presidente o Corouel
Sebastião Drago Valente Brito Cabreira ; e expedio o manifesto
ou proclamaçaõ á naçaõ, que copiamos a p. 321.
Diz o rumor, que esta revolução começara antes do período
contemplado, que éra aos 13 de Septembro, porque os conspi-
rados se descubrirain ao Conde d'Aniarante, esperando ganhállo
a seu partido, mas elle deo parte aos Governadores do Reyno
em Lisboa, que despacharam o Marechal Manuel Pamplona Car-
neiro Rangel, para que tomasse o commando das tropas no Por-
to, e prendesse os conjurados. Um destes, Manuel Fernandes
Thomaz, teve aviso do que se passava, comniunicoii-o aos ou-
tros, e resolveram declarar-se instantaneamente.
No entanto, que o General Rangel caminhava para sua com-
missaõ, soube em Aveiro, que o Porto ja estava levantado, pe-
lo que retrogadou a Coimbra, com o batalhão 1().° de Caça-
dores; mas sabendo, que o Coronel Silveira lhe vinha no alcance,
com o Regimento 22 de infanteria, deixou os Caçadores, e foi
para Lisboa.
0 Coronel Sepulveda chegou logo depois a Coimbra, aonde
reorganizou os Caçadores, coin mais outras tropas de seu bando.
Entaõ se declarou Coimbra pela Juncta Provisória, o que ja ti-
nham feito varias outras villas e cidades.
Quatro dias depois do levantamento do Porto, tiveram delle
noticia os Governadores do Reyno, chamaram a Conselho de
Estado, a que assistio o Conde, de Palmella ; e destas delibera-
çoens resultou a proclamaçaõ, que copiamos a p. 224,
VOL. XXV. N".l 48. uu
334 Miscellanea.
Quanto á proclamaçaõ dos Governadores do Reyno, attríbula-
se ella aos talentos do Conde de Palmella: nós a supporiamos
antes obra do Padre Jozé Agostinho, que por muito tempo tem
sido o coadjutor literário dos Senhores Governadores do Reyno.
Até naõ merece esta proclamaçaõ, que se lhe faça analyze.
O certo he que no outro dia (29) pela manhaS se achou rasga-
da a tal proclamaçaõ, ou bezuntada de iiuiiiundicie, em todos os
lugares públicos aonde tinha sido affixada. A esta falta de res-
peito se seguio mandarem os Governadores esqui par a toda a
pressa os navios de guerra, que se achavam no porto; c ainda
que esta medida fosse mui natural nas circumstancias, o povo a
attribuio logo, a preparativo dos Governadores, para se retirarem
ao Rio-de-Janeiro.
No entanto que isto se passava em Lisboa, a província do Mi-
nho seguia a revolução do Porto, commandando as tropas o Ma-
rechal Gaspar Teixeira de Magalhaens e Lacerda. A brigada9
e 11, e caçadores 12 éra commandada por Antônio Lobo Teixei-
ra de Barros ; e a brigada 3 e 15, e Caçadores 6, por Joaquim
Telles Jordaõ ; estando toda a divisão ás ordens do Brigadeiro
Antônio de Lacerda Pinto da Fonceca.
A cidade de Braga declarou-se pela insurrecçaõ aos 28 de
Agosto; Ponte de Lima aos 2 6 ; Vienna aos 27, proclamando
todos a Constituição, qne naõ se sabe ainda qual seja.
No 1.* de Septembro chegou ao Porto a Proclamaçaõ dos Go-
vernadores do Reyno, c em resposta a ella publicou a Juncta ou-
tra proclamaçaõ, que copiamos a p. 326: e na noite de 2 se fe»
uma leva para augmentar as tropas, que se destinavam a mar-
char contra Lisboa.
A Lisboa, porém, chegaram officios do Conde de Amarante,
Governador das armas, na provincia de Tras-os-montes, datados
de Chaves, aos 25 de Agosto, (e que deixamos copiados a p. 291)
em queaununciava os preparativos, que fazia para marchar con-
tra os revolucionários, chamava louco conhecido por tal a seu
irmaõ, que entrara na revolução : e incluía também o Conde a
copia de uma proclamaçaõ, que publicará contra os revoltosos.
Ao mesmo tempo tiveram os Governadores officios, na mesma
Miscellanea. 33á

tendência, do Corregedor de Villa Real, do Governodor das


armas da Provincia da Beira, e do Governador de Elvas, em que
todos se mostravam promptos a apoiar a authorídade d'El Rey,
esenGeverno. Copiamos estes officios com outros documentos
de p. 293 em diante.
Naõ obstante estas noticias, que mostravam terem os Gover-
nadores do Reyno ainda um partido a seu favor, publicaram el-
les, no dia 1° de Septembro, uma proclamaçaõ, em que pronaet-
tiam convocar as Cortes ; cedendo assim á torrente da revolução
Veja-se p. 292. Seguindo-se a isto nomear a Commissaõ pre-
paratória das Cortes, pela portaria, de p. 300, substituindo
depois outro membro, em lugar do Visconde de Barbacena,
p. 303.
Ultimamente passaram-se as Cartas de chamamento das Cor-
tes, para se ajunctarem em Lisboa aos 15 de Novembro ; e a
p. 312 damos a que se dirigio ao Senado da Câmara de Lisboa,
ordenando-lhe, que elegesse os seus dous procuradores, e lhes
desse instrucçoens.
Neste documento notamos, que os Governadores do Reyno
mudaram a fraze e estylo, que tam impropriamente tinham adop-
tado desde o principio de sua administração. As suas ordens
eram expedidas, fallando como se fosse El Rey, que as escrevera
ou assignara; agora faliam os Governadores em seu próprio
nome; como se convocassem as cortes de sua própria authori-
dade.
As noticias da revolução de Portugal foram publicadas nas
gazetas lnglezas, com algum estrondo, mas naõ apparecêo ne-
nhum paragrapho do Braziliano Residente em Londres, nem
para as contradizer, nem mesmo para as explicar ou suavizar;
pelo que suppômos que o tal Braziliano ja aqui naõ reside; ou
estará enfermo; se isto he, damos-lhe os pezames pelas suas
moléstias ; e lhe recommendamos, que incumba alguém a que
laça as soas vezes, escrevendo para os jornaes Inglezes ; por
qne decerto a revolução em Portugal naõ he bagateüa, que se
dente ficar no tintei ro.
336 Miscellanea.

Até aqui os factos, qne narramos segundo as melhores noti-


cias, que pudemos alcançar. Agora, porém, faremos algumas
observaçoens sobre estes procedimentos e suas conseqüências,
O concurso de causas, que tinham motivado o descontentamen-
to dos Portuguezes, éra tam manifesto, que nada podia escure-
cer : os malignos serviam-se disto, paracalumniar injustamente
El Rey : os Governadores naõ davam passo algum para impedir
o mal imminente : e os homens principaes da naçaõ, emprega-
dos por El Rey, fugiam de cooperar para o próprio remédio com
um egoismo, por naõ dizer outra cousa, verdadeiramente escan-
daloso.
Por exemplo o Conde de Palmella. Foi este fidalgo nomeado
Secretario de Estado ; e espeiava-se por elle na Còite do Rio.de-
Janeiro, como os Judeus esperam pela vinda do Messias: o Con-
de sabia, ou devia saber, pois ninguém o ignorava, que éra da
mais urgente necessidade adoptar promptissimas medidas, para
aquietar as fermentaçoens, que existiam em Portugal, mas em
vez de ir para o Brazil a promover, ou ao menos ajudar, os planos
que El Rey contemplava, deixou-se ticar em Londres por três
annos, fazendo viajens a Paris, sob vários pretextos ; e até se
diz, que El Rey, para o induzir a partir, he mandara pagar as
dividas, que montavam a sommas enormes.
Em um saio de Londres, mas foi para Lisboa, aonde chegou
a tempo para assistir ao enterro, dando-se em razaõ, que ia pa-
ra achar-se presente ao casamento da irmaS; como se tam futil
causa se pudesse pôr cm competência com a magnitude dos ob-
jectos, que se deviam tractar no Rio-de-Janeiro, c de que de-
pendia a salvação da Monarchia.
Mas naõ pára aqui o Conde de Palmella, em faltar á obediên-
cia a El l»<y. Na gazeta de Lisboa se publicou uma carta do
Conde da Feira, que assigna agora os papeis do Governo, junc-
to com os Governadores, sem sabermos cora que bullas. Esta
carta, dirigida ao Conde de Palmella, roga-lhe, que naô vá para
o Brazil; c o Conde de Palmella, responde, que a pezar dos
seus desejos, vista esta requisição se deixará ficar, (veja-se p.
314.)
i A quem illudirá uma pantomima desta natureza ? Depois
Miscellanea. 337

reremos, como esta repugnância do Conde tni ir para o Rio-de-


Janeiro, quadra com outras circumstancias.
A par deste comportamento egeistico do Conde de Palmella,
vem o procedimento dos Governadores do Reyno. Tudo amea-
çava a prompta dissolução de sua authorídade, se naõ se tomas-
sem medidas as mais decisivas, para contentar os Portuguezes,
principalmente depois do exemplo da Hespanha, mas nada fi-
zeram, senaõ prohibir que se naõ escrevesse nem fallnsse sobre a
revolução Hespanhola, como se fosse possivel o ignorar-se, em
Portugal, o que estava passando no outro lado de suas abertas
fronteiras; e como se taes medidas restrictivas naõ fossem de si
mesmas novo motivo, para se contrastar a liberdade Hespanhola
com a servidão Portuguesa.
Succede em fim a revolução do Porto, no dia 24 de Agosto, e
tam mal servidos eram os Governadores em Lisboa, que só delia
aoubéram aos 28. Aos 29 publicaram sua proclamaçaõ, decla-
rando, que as Cortes, convocadas pela Juncta Provisória, sem-
pre seriam illegaes; porque só El Rey tem o direito de as con-
vocar; e naõ obstante isto, quatro dias depois, aos 2 de Septem-
bro, se erigem esses Governadores em Rey, proclamando que
Iam convocar as Cortes.
Dizem os Governadores, nessa proclamaçaõ de 1 de Septem-
bro, que assim obram em virtude dos poderes e instrucçoens,
que tem, para os casos urgentes. Se taes poderes tinham £ por-
que naõ uzáram delles a tempo ? Se a convocação das Cortes éra
medida conveniente, para impedir o perigo imminente, em que
«e achava o Reyno, deviam couvocállas, antes de arrebentar a
revolução; porque entaõ appareceria como acto gracioso, o que
loinente he agora concessão extorquida ; entaõ um acto de jus-
tiça ou benevolência, lhes attrahiria respeito; agora uma conse-
qüência de temor só fará desprezível sua authoridade, entaõ as
Cortes, chamadas com deliberação, poderiam ser dirigidas, se-
gundo as vistas do Governo, para que naõ adoptassem senaõ re-
formas graduaes : agora obrando-se com a precipitação, a que a
revolução impelle, o Governo será levado pela torrente a qual-
qier extremo, que a convulsão o arrojar,
338 Miscellanea.

A revolução actual só he a manifestação do descontentamento


que muito d'antes existia; e se a convocação de Cortes he adap-
tado remédio desse descontentamento; ja também muito d'antes
deveriam os Governadores do Reyno ter proposto essa medida a
Sua Majestade. Nada disso fizeram.
Se, porém, a convocação das Cortes naõ éra o próprio remé-
dio, para acalmar a inquietação, que ha tanto tempo se obser-
vava em Portugal i que justificação poderão alegar os Governa-
dores do Reyno, para ter agora recorrido a tal medida ?
e" Que com isso pararíam a revolução e manteriam sua autho-
ridade ? Ridícula esperança ! um acto do Governo, dictado pelo
temor, nunca lhe conservou a authoridade ; porque nunca lhe
pôde conciliar o respeito dos subditos.
i Que se seguio de facto a esta medida dos Governadores e do
seus conselheiros ? Logo que se soube em Trás os Montes, que
os Governadores cediam á revolução, e chamavam Cortes, se fez
Conselho em Chaves, aos 6 de Septembro, em que foi resolvido re-
conhecer, no dia 7, a Juncta do Porto. Esta publicou, aos S,
uma proclamaçaõ, em que ludibriava a medida dos Governadores,
e marchou para Coimbra, para dali se passara Lisboa, a tomar
posse do Governo Geral do Reyno. Eis o fructo das resoluçoens
dos Governadores : exactamente o que se devia esperar.
Naõ podemos dar neste N.° a proclamaçaõ da Juncta do Por-
to do dia S; que na verdade he um chefe d'obra, em expor o
Governo de Lisboa, seu Conselheiro Conde Palmella, e o
systema, que tal gente seguia.
Nós exporemos esta miserável facçaõ em suas próprias cures
em outro N.°.
A Meza do Desembargo do Paço, que até aqui nada tinha
proposto, para o melhoramento dos negócios públicos, depois
das medidas do Governo, se saio com uma representação, para
approvar o que tinha feito o partido dos Governadores; o resumo
desta Representação, copiado da Gazeta de Lisboa, he o se-
guinte :—
" A Meza, pois, expoz na dieta representação, que animada
Miscellanea. 339
dos mais puros sentimentos de lealdade, de amor, e de inteira
dedicação á Soberana Pessoa de Sua Majestade, ao bem do seu
Real serviço, e ao interesse geral da Monarchia, naõ podia nas
actuaes circumstancias, em que se acha este Reyno, deixar de
concorrer com a expressão da sua dôr, pelos acontecimentos, que
desde o dia 24 de Agosto ultimo na Cidade do Porto tem abys-
mado o mesmo Reyno, em um violento estado de crise; unindo a
este doloroso sentimento por tam desastrosos, e deploráveis sue-
cessos o reconhecimento da confiança, que a todos justamente
inspira a promptidaõ, a energia, e o acerto das providencias,
que os Governadores do Reyno tem adoptado."
" Expõem a mesma Meza que taes, e tain judiciosas provi-
dencias, eram as únicas, que, dando a conveniente direcçaõ ao
espirito publico, vivamente agitado pelas opinioens dominantes
do século, como parece naõ poder duvidar-se, podiam salvar o
Reyuo de uma inteira subversão, que a todos cobriria de oppro-
brio, e de calamidades."
" Penetrada intimamente d'esta convicção, teve a Meza por
um dos seus principaes deveres levar ante o throno Augusto de
Sua Majestade, com a homenagem pura de sua lealdade, a ex-
pressão fiel do applauso, com que tem sido aceitas as referidas
medidas, adoptadas pelos Governadores do Reyno, e exprimindo
assim o conceito, que forma da gravidade do perigo, e dos meios
empregados para conservar a preciosa herança, que dos Se-
nhores Reys, Augustos predecessores de Sua Majestade, passou
por ventura nossa ás reaes maõs do mesmo Senhor, une-se, como
deve, desta sorte á voz do Governo, parecendo-lhe que as mes-
mas medidas sustentadas com firmeza, e perseverança saõ as
mais próprias para salvar o Reyno do risco em que se acha pre-
sentemente."
" Expõem finalmente a Meza que uma só circumstancia faria,
o complemento, e poria o remate a tudo : era o de agradar á
Divina Providencia, que Sua Majestade, na alta sabedoria de
«eus Conselhos resolvesse restituir a este Reyno a sua Real pes-
*«•» ou a do Sereníssimo Principe Real seu Augusto filho: que
ne «egurainente este o voto universal de toda a naçaõ, e a Meza
340 Miscellanea.
iiiterpondo-o, naõ hesita em supplicar humildemente a Sua Ma-
jestade, que se digne realizallo, concedendo a todos os seus fieis
vassallos de Portugal esta graça, que sobre todas quantas provi-
dencias se tem adoptado, e possam ainda adoptar, deve servir a
consolidar todas as instituiçoens, extinguir até a lembrança das
divisoens, dar nova vida, e vigor á Monarquia, animar comple-
tamente todo o systema da administração, e derramar sobre to-
dos os coraçoens os seutimentos de paz, de uniaõ, e de concór-
dia, de que tanto se necessita."
Até aqui o Desembargo do Paço, mas deve notar-se, que ao
piimeiro romper da commoçaõ se acharam ja pessoas obrando,
como representantes das três provincias do Minho,Taz-os-montes
e Beira, e o novo systema seguido logo depois, por cidades e
villas dessas três Provincias. Fatal cegueira, pois, a de quem
suppóz em Lisboa, que os elementos da revolução naõ eram ge-
raes por todo o Reyno ; e que também o remédio devia ser de
natureza geral. Mas até que a revolução arrebentou, naõ appa-
recêo nenhuma Representação da Meza do Dezembargo do Pa-
ço.
A commoçaõ, que arrebentou em Portugal, naõ pôde causar
admiração a ninguém ; porque tudo a anuunciava depois de
muito. Que isso se fizesse sem derramamento de sangue, he
circumstancia, que se deve julgar mais feliz, do que talvez
houvesse o direito de esperar : e por isso naõ ficarão menos cul-
pados tio tribunal da razaõ, aquelles, que, podendo impedir o
perigo, naõ o fizeram.
Que tudo tendia em Portugal para a revolução, que começou
no Porto aos 24 de Agosto, he cousa que até os cegos conhece-
ííain por ser naõ só visível mas palpável. Mas se os Ministros
d'EI Rey tomaram algumas providencias para prevenir o perigo
immineiite, he i> que naõ apparece ; porque até o dia de hoje
ainda naõ sabemos que existisse cousa nenhuma desta natureza.
Pelo contrario temos razaõ de dizer, que o dinheiro d'EI Rey
he estava dando a pessoas, quu trabalhavam o que podiam por
derribar a authoridade d<> mesmo Rey. Naõ disputaremos aqui
nem os seus motivo1;, nem as <<>n»eqiiencins : mas lá hc um pou*
Miscellanea 341

co árduo, que o dinheiro d*El Rey se empregue em fomentar


medidas de opposiçaõ a elle mesmo. Por havermos atacado os
abusos, que se deviam destruir, nos chamaram jacobinos, es-
ses mesmos homens, que agora nos apregoam de cortezaõs, por-
que dizemos que seria muito melhor que taes abusos naõ fossem
reformados por meio de revoluçoens : essas incongruências saõ
naturaes a injustos aggressores.
Mantemos ainda a mesma opinião. Se quem pôde remediar
os abusos naõ o faz ; he culpado, porque naõ previne os perigos:
se o remédio dos abusos se fizer por commoçoens populares, sem
desastres, he accaso, que nas regras ordinárias da prudência naõ
deve entrar em calculo.
Mas ; que diremos de empregados públicos, que ha muito
tempo tinham mandado assoalhar, por aquelles a quem davam
pensoens, a necessidade de mudar em Portugal todas as bazes
do edifício social: que fomentaram a publicação da chronologia
das Cortes, que faziam alardo de proteger, apparecer em publi-
co, promover o perdaõ, e dar pensoens aos mais escandalosos
traidores da pátria, no tempo da invasão inimiga ?
Se taes eram alguns dos principaes servidores d'EI Rey, a
ninguém deve admirar qne elle seja mal servido; e talvez mais
agradecimento deva El Rey aos que tramaram a revolução do
Porto; porque se ella tinha de sueceder, melhor he que caísse
em maõs, que livrem a naçaõ ou da anarchia dos democratas, ou
do despotismo de uma degenerada aristocracia.
He preciso combinar alguns factos, para virmos a descubrir a
vistas ocultas de certa facçaõ aristocrática. Nos mesmos escrip-
tos, em que vemos recommendada a necessidade da revolução
e dai mudanças em Portugal, vemos também uma constante
declamaçaõ contra El Rey, por conceder títulos de nobreza, e
principalmente por elevar a grandes empregos, homens, que
na6 saõ da classe dos fidalgos. Aqui se vê que, quern faz fal-
lar esses pregadores, he o partido desses aristrocatas.
«Donde tirou o Marquez de Marialva, o Conde de Palmella,
ou outro qualquer titulo das famílias Aristrocratas a sua nobre-
VOL X X V . N M 4 8 . xx
M2 Miscellanea

za, senaõ da concessão dos Reys ? E que mais direito tem ne-
nhum membro dessas famílias, desfiguradas por vergonhosas
bastardlas, de que tiram sua origem, a serem titulares, do que
Pedro, Paulo, Sancho, ou Martinho, a quem El Rey por sua
affeiçaõ particular, ou por serviços feitos á sua pessoa ou ásua
familia, faz entrar na classe da Nobreza ?
Daqui fica manifesto, que o partido que nos tem quebrado os
ouvidos com a necessidade de mudar as bazes do edifício social,
com a prostituição dos títulos a guarda roupas e pessoas insig-
nificantes, com os empregos diplomáticos em pessoas de classes
differentes desses fidalgos, naõ aspira amais do que a metter-nos
pelos olhos essa aristocracia rançosa, que de nada serve, e que
nas oceasioens dos apertos, ou tem tomado o partido dos inimi-
gos, porque lhe parecèo o mais forte, ou se tem mettido no es-
curo fugindo ás difficuldades.
Se esses que assim faltam, tem realmente em vista o desappro-
var, que pessoas naõ nobres sêjain elevadas a empregos impor-
tantes, principalmente na diplomacia ; para que estaõ tam car-
iados a respeito de pessoas taes como um Guerreiro, a quem dam
o tractamento de Excellencia ? < Que serviços, que estudos,
que talentos saõ os desse diplomático nascido das ervas, senaõ
o de ser um humilde instrumento do partido Roevidico ? Entre-
tanto, note-se, os mesmos que lhe dam Excellencia, saõ os que
nos ímpurram a necessidade de mudar as bazes do edifício so-
cial em Portugal; os que louvam os traidores da pátria, e os que
acham culpa em El Rey por elevar pessoas, que naõ saõ da
classe da grandeza.
He assim que, correndo em Londres a noticia, de que o Ab-
bade Corrêa éra ehamado ao Rio-de-Janeiro, para Ministro de
Estado, tiveram alguns biltres addictos á Embaixada Portugue-
za a iinpiickncia de d:/.«-r, que o Abbade sóiiía para dizer missa
a EI Rey. Porque se levantou esta antiphona, seguiram logo
outros a psalmodia, insinuando que o Abbade só sabia de sua
botânica.
Comparando, pois, todos estes factos, naõ nos resta a menor
duvida, de q»ie o? principaes motores da revolução, se devem
Miscelluttf* 34^

achar n'um partido aristocrático, que se lisongeava de poder


dar aos negócios de Portugal a direcçaõ, que lhe aprouvesse,
sem consultar a El Rey. Talvez um fidalgo, que manejasse as
cousas por de traz da cortina, tivesse em vista ser o Presidente
das Cortes ; mas jogando, como l.i dizem, com páo de dous bi-
cos, ir para o Rio-de-Janeiro a propor novos planos, quando as
cousas naõ saíssem ao som de seu padár.
Mas parecenos, que depois da confusão, que elles machina-
ram, os aristocratas se acharão completamente enganados. O
partido popular sem duvida ficará décima; 1.° porque tem o
talento de sua parte ; e segundo, porque o partido aristocrata
naõ tem a menor consideração entre o povo.
Esta nossa conjectura se corrobora com uma observação ; e
he, que no plano da revolução, como apparaceo no Porto, naõ
se admitte, nem a opinião daquelles, que recommendávam a
separação de Portugal do Brazil; nem se lembra o outro absurdo
caminho da sugeiçaõ a Castella ; que alguns alvitristas tinham
propalado.
Temos ja em outros N.°» precedentes, exposto o irracionavel
d'ambos estes partidos, que naõ tiveram seguito na revolução do
Porto; mas ainda assim, os aristocratas, faltando pela bocado
Dezembargo do Paço, em sua Representação, insistem em que
El Rey volte para Lisboa (o que sabem ser impossível nas con-
juncturas actuaes) ou que maude o Principe Real. Isto clara-
mente he lançar os fundamentos para futuras queixas ; e para
passar a confusão também ao Brazil: mas, nisto, outra vez se
acharão enganados os aristocratas, ainda que mandem o Conde
de Palmella ao Rio-de-Janeiro, para lá fomentar suas ideas ; por
que El Rey naõ pôde negligencear os interesses geraes e perma-
nentes da Monarchia, para attender ás vistas temporárias de
meiaduzia de famílias aristocratas, que, havendo por longo
t«mpo pizado a naçaõ, lhes parece agora que poderão também
P'*ar em El Rey. Sua Majestade terá sempre por si, como merece
' ** v o t o s da naçaõ ; o que se faz bem patente nesta mesma
revolução.
S*ja.»ns agora per,wittido fazer alguma eWrvaçaõ, sobre a
344 MiseelUmea

influencia, que terá no Brazil, a medida dos Governadores de


Portugal convocarem as Cortes daquelle Reyno, com a precipi-
tação, que fizeram, sem plano premeditado pelo Governo, e sem
vistas do interesse geral da Monarchia.
Se nas Côites de Portugal naõ entram Procuradores do Brazil,
El Rev será o Soberano de ambos os Reynos, mas elles seraõ os
os Reynos desunidos de Portugal e do Brazil; porquanto, uma
vez que as medidas políticas em Portugal dimanem de suas Cur-
ti s, e no Brazil só d"El Rey, he impossível que haja a unidade
de systema, sem a qual os dous Reynos só seraõ unidos de
nome.
Alem disto, os Brazilienses naõ poderão ver com olhos tran-
quillos, e sem natural ciúme, que seus con-vassallos em Portugal
tenham Curtes, e naõ as haja no Brazil. Ora o estado de in-
strucçaõ no Brazil está bem longe de lhe permittir, que tenham
lá Cortes como as de Portugal. Exemplo, a difflculdade, que
tem havido na America Hespanhola, de achar homens capazes de
formar governos btm organizados : todos se suppoem políticos;
todos arrostam com os negócios do Estado; e ninguém ou quasi
ninguém ha com assas conhecimentos da sciencia de Governo,
para dará devida direcçaõ aos negócios públicos.
Estas consideraçoens saõ da mais transcendente importância,
para a tranquillidade do Brazil. O exemplo de Portugal, e as
ideas do nosso século a favor das formas representativas de Go-
verno, devem necessariamente mover os espíritos no Brazil, que
naõ tendo, como fica dicto, assas fundamentos, caso adquira o
poder de obrar, só produzirá confusão e calamidades.
Parece-nos, logo, que o remédio devia ser a adopçaõ de medi-
das taes, que satisfazendo de algum modo a opinião geral, des-
sem aos povos instituiçoens constitucionaes moderadas, adapta-
das ao estado de civilização e instrucçaõ do paiz, deiiando a
sua desenvoluçaõ para o diante, seguindo os progressos da in-
strucçaõ do povo.
O Governo, e mais ninguém, pôde fazer isto; porque uma
vez que a reforma naõ seja iniciada e conduzida pelo mesmo Go-
verno, mas sim deixada aos accasos da commoçaõ, ninguém
Miseellauea 345

pode segurar a moderação, nem ainda prever os resultados, que


produzirá a confusão, no meio da concussaõ dos partidos, e das
desordens da anarchia.
Quando, porém, assim falíamos, sobre as medidas conveni-
entes, para conservar unidos os Reynos de Portugal e Brazil,
temos em vista o interesse de Portugal, e do Soberano, que o he
de ambos aquelles Estados; porque quanto ao Brazil, elle naõ
mais, nem tanto, necessita de Portugal, do que os Estados-
Unidos precisam da Inglaterra.
Portanto o Correio Braziliense deve ser propriamente enten-
dido, em seus desejos patrióticos, que naõ saõ de certo guiados
por prejuizos locaes. Se o Brazil nada precisa de Portugal, com
tudohe em sua honra, que seu Rey continue a sêllo também de
Portugal; assim desejáramos, que uma vez que os Governadores
de Portugal se portaram como se tem portado, e saõ convocadas
as Cortes, taes instituiçoens se adoptassem, que fossem favorá-
veis á verdadeira, e naõ nominal, uniaõ dos dous Reynos, e que
naõ causassem ciúmes de uma parte ou d'outra, para que assim
a uuiaõ fosse permanente.
Acabamos de ler em um escripto Portuguez, que a indepen-
dência de Portugal do Brazil, como estado separado, éra inadmis-
sível; porque " por sua posição e forças, comparativamente pe-
quenas, seria constantemente um boneco ou em maõs de um pro-
tector, ou de um rival." Esta proposição he a que temos de-
monstrado em alguns dos nossos N.os precedentes.
Do Brazil naõ se pôde dizer o mesmo ; mas ainda assim insis-
timos no grande decoro dessa uniaõ dos dous Reynos, e por
isso, e nnõ por prejuizos locaes, outra vez repetimos, desejaríamos
ver adoptadas taes instituiçoens políticas, que abrangessem os
interesses de ambos os Estados, e que assim os ligassem em um
só corpo politico, que se pudesse naõ só chamar, mas de facto
considerar, como Reyno Unido.
Quanto mais instituiçoens diversas se estabelecerem em am-
hos os Estados, quanto menor será sua uniaõ : a diversidade de
instituiçoens políticas, principalmente as essenciaes, naõ pôde
deixar de occasionar diversidade de character, de interesses e de
346 Miscellanea.
máximas ; e dous povos, ainda que sugeitos ao mesmo Soberano
colocados em taes circumstancias, he impossível que continuem
unidos por longo tempo.

A Juncta Provisória saio do Porto aos 14 do Septembro, dei-


xando ali três de seus Membros encarregados do Governo; e par-
tio para Coimbra, aonde se ajunctavam as tropas, que haviam
marchar sobre Lisboa. Achavam-se estas forças divididas em
dous exércitos, que, segundo as noticias do Porto se distribuíam
da maneira seguinte :—
Primeiro Exercito.
Commandante era chefe, Cabreira.
D." em Segundo, Sepulveda.
Infanteria; N.o»6; 1 1 ; 18; 22.
Cavallaria, parte do N.° 6, e 9.
Caçadores, N.° 6 ; 9 ; 13 ; 11.
Artilheria parte de N." 4.
Milícia do Districto.

Segundo Exercito.
Commandante em chefe, Gaspar Teixeira
D.° em Segundo, Lacerda.
Infanteria, N . o s 3 : 9 ; 1 2 ; 21 ; 23 ; 24
Cavallaria, parte de 2 ; 6 ; e 12.
Caçadores, 7 : 8 ; 12.
Artilheria, parte de N." 4.
Milícias da Beira.

Salinas de Setúbal.

A portaria dos Governadores de Portugal, que publicamos


a p. 220 prova indubitavelmente a ignorância dos princípios de
Economia Política, com que aquelles Senhores obram na imposi-
Miscellanea. 347

caõ dos direitos; pois ali confessam, que foi necessário a ex-
periência dos factos, para se desenganarem do mais obvio prin-
cipio nesta parte da legislação ; naõ souberam, que um pezado
imposto na exportação do sal fazia com que este producto do
território de Portugal naõ pudesse competir nos mercados
estrangeiros com o sal de outros paizes, senaõ quando
viram que ninguém ia a Setúbal comprar o sal, que se
podia ter mais barato em outros portos. Parece que só
quando a verdade he palpável estes cegos a conhecem ; as
luzes do entendimento, se as tivessem, lhes fariam conhecer
taes verdades, antes que se tocassem com os dedos da expe-
riência. Mas assim vai tudo, com qi?em naõ tem os princípios
tlieoreticos necessários, sendo a desgraça muitas vezes tal, que
quando a liçaõ da experiência chega, ja naõ ha lugar para o re-
médio, restando somente, um arrependimento infruetifero. Nós
até nos envergonhamos de referir o Leitor par o lugar do Correio
Braziliense, em que tam estrenuamente reprovamos aquella im-
politica imposição sobre o sal; porque he matéria tam sabida,
que nenhnm merecimento tem o politico, que tal absurdo aponta.
Diremos porém aqui, que apontando certo sugeito a D. Miguel
Forjaz (hoje por esses e outros que taes serviços Conde da
Feira) o que o Correio Braziliense dizia a respeito do sal; a res-
posta, que deo, foi esta: esse tolo e perverso do Correio Brazi-
liense naõ sabe o que diz: o Estado precisa rendas, para oceurrer
ás despezas necessárias, e essas rendas naõ se obtém sem tri-
butos."
Muito bem, Senhor Conde da Feira; saõ necessários os impos-
tos, mas o Ministro, que entende do seu ofticio, naõ os lança de
maneira, que destrua o mesmo artigo sobre que recáe a imposi-
ção ; porque com isso annihila aquelle ramo de industria na na-
çaõ, e torna de nenhum proveito a imposição.
Mas, se o Correio Braziliense éra o tolo ; para que se abolio
agora a imposição na exportação do sal ?
Quanto ao epitheto perverso, naõ he tempo agora de ajustar-
mos contas.
348 Miscellanea.
Exportação da casca de Sobreiro.
Como appendice i imposição de um tributo no sal, que ope-
rava como prohibiçaõ para sua exportação ; achamos a seguinte
prohibiçaõ, para que se naõ exporte a casca do sobreiro, no se-
guinte :—

Edictal pelo Conselho Fazenda.


A El Rey nosso Senhor foi presente, em Consulta do Conse-
lho da Fazenda de 30 de Agosto de 1819, a representação do
Procurador da Fazenda em que ponderava a ruiua, que se seguia
á conservação das matas e montados o excessivo corte de sobreiros
para descascar, assim como á industria nacional, na exportação
para fora destes Reynos da dieta casca, necessária para a labora-
çao das fabricas de curtumes. E Sua Majestade, tomando na
sua Real consideração o que na citada consulta foi ponderado ;
houve por bem, por sua immediata resolução de ciuco de Janei-
ro do corrente anno, declarar prohibida a exportação da dieta
casca de sobreiros para fora destes Reynos. E para constar, se
manda fazer publico por este modo, Lisboa 25 de Agosto de
1820.—D. Miguel Antônio de Mello—Joaquim Jozé de Souza.

Ja auounciauios em outros N.°» os entiávez, que se tinham


posto a este ramo da agricultura de Portugal. Naõ contentes
com isso, annihila-se agora inteiramente, prohibiudo a sua ex-
portação ; como se os recursos da industria Portugueza sobre-
pujassem tanto, que fosse preciso supprimir alguns de seus ra-
mos.
Entregue em taes maõs a prosperidade da Naçaõ, naõ éra pre-
ciso ser adivinhador para prognosticar o seu fim. Orahe preciso
conceder, que esta suppressaõ da industria, pela mais crassa
guorancia dos princípios de Economia Política, naõ tem nada
de commum com a residência d'EI Rey no Brazil, no que se tem
concentrado todas as queixas.
Miscellanea. 349

AMERICA HESPANHOLA.

As ultimas noticias, que temos de Venezuela, se contém nas


gazetas de Jamaica (Kingston Chronicle) de 30 de Julho ; que
dizem o seguinte:—
" Os Independentes, commandados por Montillo, estaõ de
posse de todo o reyno de Sancta Fé, excepto a cidade de Cartha-
gem, e parte da provincia de Sancta Martha; computa-se a sua
força a 2.600 homens, 400 dos quaes saõ Inglezes. O quartel
general de Montillo está em Turbaco, e a guarda avançada cou-
sa de 4 milhas distante daquella cidade. Brion está em Savanil-
la, a sua força consiste em um brigantim, e duas escunas, e de-
clarou Carthagena em bloqueio "
" A cidade de Carthagena tem sufficiente força para repellir
oa Independentes, se elles tiverem a temeridade de os atacar.
Ha naquella praça 1.600 homens de tropa regular; e consistem
•o regimento de Leon, parte do regimento de Valencia, e 300
artilheiros: os corpos de milícia e voluntários sobem a mais de
2.000 homens : as fortificaçoens estáõ em bom estado ; e estaõ-
se concertando os quartéis: tem mantimeutos e muniçoens suf-
flcientes para seis mezes. A casa da Inquisição serve de arma-
zém dos mantimeutos; e o Governador mandou, que todo o
habitante, qne se naõ pudesse prover de mantiinento para seis
mezes, saísse da cidade ; e em conseqüência ficou a população
reduzida,de 12.000 habitantes, que éra, a 5.000. Queimaram-
se todas as casas de madeira, situadas em uma ilha a Leste da ci-
dade, afimde prevenir, que os inimigos ali se pudessem alojar,"
" 0 Governador mandou o Capitão Belmonte, com bandeira
de tregoas, levando um officio ao Commandante em chefe do ex-
ercito independente, propondo-lhe, por ordem d'El Rey, uma
amnecua Peh> passado, e segurança aos officiaes, de que conser-
variam a soa graduação, no exercito Hespanhol, que presente-
mente tem no serviço dos Independentes. Montillo a brio a car-
ta, e aos 22 mandou a resposta por um official Inglez, dizendo,
Vot. XXV. No. 148 YY
3.">0 Miscellanea.

intentava citiar brevemente a cidade, e se escusava de responder


ás propostas feitas em nome d'EI Rey : mas que, se o Governa-
dor quisesse render a cidade, entaõ poderia tractar com as au-
thoridades, que se nomeassem para arranjar as disputas, entre a
America e a Metrópole."
A p. 327 deixamos copiada a carta do Governador de Cartha-
gena ao General Bolívar. A bandeira de tregoas chegou a Bar-
ranquilla, quartel general de Montillo, aos 26 de Julho. Bolí-
var parece que accedeo á proposição do armistício, porém ac-
crescentou, que se havia intenção de offerecer quaes quer ter-
mos, que naõ incluíssem o completo reconhecimento da indepen-
dência de Columbia, naõ seriam taes termos attendidos. Reque-
reo uma resposta cathegorica a este ponto, do contrario começa-
ria as hostilidades em oito dias.
Estas proposiçoens, do Governador de Carthagena, concordam
exactamente com as do General Morillo ao Congresso de Colum-
bia, que deixamos copiadas a p . 2 3 1 ; e a resposta do General
Bolívar he nos mesmos termos, que a do Congresso, como o
Leitor verá a p. 234.
He claro, pois, que a independência da America, he ainda
a determinada resolução daquelles Americanos Hespanhoes ; e
se a moderação das offertas da Hespanha naõ os induzio a mudar
de desejos, naõ vemos que haja forças com que elles se obriguem
á sugeiçaõ.
A p. 330 damos também o extracto de uma carta do Almiran-
te Brion, em que se referem algumas das operaçoens de guerra
daquelle paiz,
De Buenos-Ayres se diz, que igualmente recusaram, naõ ob-
stante o estado de anarchia daquellas provincias, as proposiço-
ens de Hespanha, concordando todos os partidos oppostos; no
principio commum de serem independentes.
Miscellanea. 351

Extraeto de uma curta de Buenos-Ayres, datada de \6


de Junho

"O estado politico deste paiz parece catarem tanta duvida co-
mo o de Hespanha. Alvear e Carrera estaõ juncto a Sancta Fé,
mas naõ se sabe exactamente as forças que tem com sigo, prova-
velmente naõ excedem 1.000 ou 1.200 homens. Se elles forem
auxiliados, como se diz, pelo chefe Ilamirez, Governador de
Entre-Rios ; e Lopez, Governodor de Sancta Fé, sem duvida te-
raõ ja começado a sua tentativa contra esta cidade, para pór
Alvear á testa do Governo ; porque Carrera deve ter neste lugar
pessoa, que lhe seja completamente fiel, antes que tente realizar
suas vistas em Chili. Mas todos estes planos saõ presentemente
frustrados por Aitigas, que atacou e derrotou uma partida de
400 homens das tropas de Ramirez, em Entre-Rios, e apossou-
se do Arroio de Ia China ; depois marchou para a jurisdicçaõ de
Comentes, para onde se diz que partira também Ramirez com
um corpo de tropas. Suppoem-se que se for bem suecedido
annihilará Artigas. Estas duas provincias estaõ no estado de
aoarchia e confusão. O porto de Baxada de Sancta Fé está fe-
chado, e naõ se permitte a nenhum vaso passar o rio dali para
baixo."
" Aqui estamos ainda quietos, mas todos esperam mudança.
Eu inclino-me a crer que Alvear virá a ser o Governador neste
lugar; porque tem grande partido a seu favor."
Aos 20 de Junho morreo o General D. Manuel Belgrano em
Buenos-Ayres. Aos 23 entrou o General Sole nas funcçoens de
Governador e Capitão Ceueral daquella provincia ; havendo sido
previamente proclamado ein Luxan, pelas tropas, que ali com-
mandava, e algumas milícias. Naõ houve nisto distúrbios.
Alvear, q ue he o seu competidor estava com suas tropas no inte-
rior.
Sentimos naõ poder dar a integra da convenção entre a Corte
Ri-de-Janeiro, e o Governo de Buenos-Ayres; deixamos
Porem copiados a p. 228 os artigos mais importantes, e na ordem
352 Miscellanea.

por que foram discutidos no Congresso na sessaõ de 10 de De-


zembro, 1817.
Este documeuto prova a todas as luzes, que as vistas do Ga-
binete do Brazil, naõ eraai de fazer conquistas, mas de segurar
suas provincias; que naõ desejava hostilidades, mas sim uni-
camente obrar na defensiva, e ser neutral; reservando-se somen-
te o caso, em que Hespanha, declaiando-se aggressora, quizesse
atacar a neutralidade do Brazil.

ALEMANHA.

Deixamos copiada a p. 225 a nota, que o Principe Metternich


dirigio, em nome do Imperador seu amo, ao Ministro de Baden,
e que temos razaõ de suppôr fosse circular, a todos os Priiicipes
da Confederação Germânica. Dizem que ha outras duas nulas
do mesmo Gabinete, sobre os negócios de Napoies ; uma dirigi-
da ás Grandes Potências Aluadas, outra aos Soberanos da Itá-
lia,
Assevéra-se, que o Gabinette Austriaco despachou, no 1."
de Septembro, uma • nota official ao Gabinete de Napoies, em
que explica o motivo de ajunctar suas tropas, e annuncia, que,
nesta medida, naõ se propõem a mais do que a manter a tran-
quillidade das provincias Austríacas, e a paz da Península.
He claro, que este tom de fallar he mui differente doque o
Gabinete Austriaco usou ao principio da revolução de Hespanha
e de Napoies ; e he provável, que para isto influísse a declaração
de Rússia, que mencionaremos ao depois : devendo advertir-se,
que também essa declaração Russiana he em tom bem differente
da primeira nota, que se dirigio ao Cavalheiro Zea.
Mas, alem da opinião de Uussia, a Áustria tem outro motivo
para se naõ ingerir por agora na revolução de Napoies ; e he, o
estado de fermentação, em que se acham as mesmas piovincias
Austríacas, de que he preciso cuidar, antes de entrar em uma
guena contra o presente Governo de Napoies.
Miscellanea. 353

Por noticias de Vienna de 6 de Septembro se diz, que ha um


grande espirito de revolta nas provincias de Lombardia e Veneza.
Nos Estados do Papa se interceptai um cartas, pelas quaes se
veio uo conhecimento de que o partido üos Carbonuri tem entra-
do no plano de revolucionar toda a Itália, uo case de uma guerra
com a Áustria: assim o Gabinete de Vienua está informado, de
que o menor revez de fortuna, n'uma guerra contra Nápoles,
daria azo a uma sublevaçaõ geral em seus dominios Italianos.
Naõ obstante tudo isto o novo Embaixador de Napoies, o Du-
que de Gallo, que se dirigia a Vienna, teve ordem em Clagen-
furth, aonde se achava, de despejar os Estados Austríacos.
As tropas Austríacas estaõ ja de posse das cidades de Bolo-
nha, e Commachio, no território do Papa; e no entanto um ar-
tigo de Vienna de 20 de Agosto diz, que o Governo Austriaco
recebera de duas das Cortes Aluadas a declaração de haverem
determinado naõ reconhecer nem a Constituição nem o novo sys-
tema adoptado pelo reyno de Napoies ; mas julgamos, que esta
resolução he anterior á que agora apparece de naõ se ingerirem
as potências, nos negócios internos das outras.
O Baraõ de Frimont, que éra o Commandante em chefe, nas
provincias Venezianas, foi nomeado para o commando supremo
do exercito da Itália ; cuja lista o faz subir a 72.678 homens de
infanteria, 5.831 de cavallaria, e 2.000 de artilheria.
0 temor, porém, de commoçoens, nas provincias Austríacas
da Itália, se mostra bem pelo seguinte :—

Em Vc.ieza se affixou a seguinte proclamaçaõ.

A seita dos Carbonari, que se tem espalhado nos paizes vi-


zinhos, tem trabalhado por fazer prosely tas nos Estados de Sua
Majestade o Imperador e Rey. As pesquizas sobre este ponto
tem conduzido á descuberta das vistas tam perigosas como cri-
minosas daquella associação, que seus chefes naõ revelam a to-
nos os membros de sua confederação. Por expressa ordem de
334 Miscellanea.

Sua Majestade se fazem publicas estas vistas, a fim de que todas


os seus subditos se considerem admoestados. O preciso objecto
a que tende a Uniaõ dos Carbonari, he o transtorno e destruição
dos Governos. Como os que se tem associado na causa dos
carbonari, ainda que na» conhecessem os seus fins, se tem feito
culpados do crime de alta traição, segundo o código pena); e
como aquelles que naõ tem impedido o progresso daquella socie-
dade, ou que tem deixado de denunciar seus membros, se fazem
cúmplices do dicto crime, desde o dia da publicação desta»
ninguém poderá alegar ignorância dos desígnios dos Carbonari,
como pretexto de justificação. Em conseqüência, todos os que
se alistarem nesta sociedede, ou que deixarem de impedir seus
progressos, ou de denunciar seus membros, seraõ daqui era di-
ante processados, segundo as formas estabelecidas pelas leys.

(Assignado) O Governador, CARLOS, Conde d'Inzaghi.


O Vice Presidente, CARLOS, Marquez del-
Magne.

Veneza 25 de Agosto, 1820.


(Similhante proclamaçaõ se publicou em Milan.)

FRANÇA.

A conspiração em Paris, que annunciamos no nosso N.° pas-


sado, se diz agora ter sido um plano, para chamar ás armas as
tropas, durante a noite, dizer-lhes que El Rey tinha morrido, e
proclamar o filho de Bonaparte, atacando o Palácio das Thuilbe-
rias, e a Família Real. O Moniteur observa, que por alguns
dias antes se tinha espalhado o rumor da morte d'El Rey, em
Mentz, Lyons, Bourdeaux e outros lugares. Foi somente na
noile de 19 do mez passado, que o Governo soube de todo o pro-
jecto, e se mandaram prender os conjurados. Foram prezo»
Miscellanea. 355

nessa noite 24: a saber, 4 officiaes da Legiaõ de Ia Meurthe;


13 da Legiaõ do Norte ; 5 do Segundo Regimento das Guardas ;
e 2 da Legiaõ do Baixo Rheno. Um capitão Nantel, que se diz
ser o chefe dos conspirados da Legiaõ de Meurthe, fugio : sub-
seqüentemente prenderam-se mais sette, incluindo um Tenente
Coronel, a meio soldo, e outros quatro officiaes da Legiaõ de
La Meurthe. Fugio também outro official, contra quem havia
ordem de prizaõ. Em Cambraia vários da Legiaõ de La Seine
formaram o projecto de levar a Legiaõ a Paris, para ajudar a in-
surreição. Ja se disse, que nove destes officiaes fugiram, sa-
bendo que a conspiração estava descuberta. Outros três foram
prezos. Expediram-se também ordens de prizaõ contra um Te-
nente General a meio soldo, e um capitão reformado, que eram
accusados de passar varias vezes de Paris a Cambraya, como
iim de seduzir os officiaes da Legiaõ de La Seine. O capitão foi
prezo em Cambraya, porém o Tenente Coronel fugio. Outro
Tenente Coronel a meio soldo foi prezo em Epinal. A Legiaõ de
La Seine marchou de Paris para Avesnes, aonde vários officiaes
da mesma, que haviam sido seduzidos foram prezos. O Moni-
teur, donde copiamos isto, conclue referindo os modos porque a
conspiração se veio a descubrir, e enumerando os corpos, que se
mostraram ávidos em manifestar sua affeiçaõ a El Rey, e á pá-
tria.
Nós porém naõ podemos lèr estas relaçoens, na gazeta official,
sem concluirmos daqui a existência de um fermento no exercito
de França, que he impossível desconhecer.
0 Gineral Coutard, commandante de 13.» Divisão Militar, e
M. de Chanlieu, Prefeito de Finesterre, chegaram a Brest aos
30 de Agosto. No dia seguinte expediram uma ordem, para
que os cidadãos, que formavam parte da Guarda Nacional, des-
bandada por uma ordenança d'El Rey, entregassem as suas ar-
mas na municipalidade; e dirigiram também uma longa procla-
m
»çaõ aos habitantes, promettendo, em nome d'El Rey, uma
«mnestiapelo passado, e ameaçando a maior severidade, em caso
de repetição de desordem.
350 Miscellanea.

HLSPAMIA.

Os negócios politicos da Hespanha continuam em marcha


Tegular, a pezar da complicada e extensa esphera de operaço-
ens, que naturalmente occupa a attençaõ do Governo e das Cor-
tes. Porém no meio disto ha um incidente, que merece obser-
vação particular; porque he urna prova do perigo, que ha, na
ingerência da força armada, na administração política de qual-
quer naçaõ.
O exercito, que se achava na Islã de Leon, foi o que fez
arrebentar em Hespanha a revolução, que a serie de circum-
stancias tinha por alguns annos preparado na Hespanha; mas
a conservação deste exercito, como corpo distincto, e com os
mesmos officiaes, dava occasiaõ a recear, que, se occurresse
de novo alguma occasiaõ de perturbação, esse mesmo exercito
se acharia disposto a querer dictar ao Governo, as medidas,
que se deveriam seguir. Com estas consideraçoens de prudên-
cia, resolveo o Governo Hespanhol dissolver aquelle corpo.
Expedio-se uma ordem, nomeando o General Riego, para
Capitão General da Galliza, e dissolvendo o exercito de obser-
vação, que estava na Islã, debaixo do seu commando. Esta
medida produzio as Representaçoens, da parte deste exercito,
que deixamos copiadas a p. 2 5 8 ; e que saõ importantíssimas,
pelo estranho predicamenlo, em que deixavam o Governo Hes-
panhol : o qual se disse, que julgaria prudente revogar a ordem,
e mandar que ficasse em pé aquelle corpo de tropas, que assim
dictava a seu Governo.
Com tudo o Governo insistio na nomeação de Riego para Ca-
pitão General da Galliza, e elle foi ter a Madrid, para se op-
pòr a estas medidas : o que fez até ao ponto de querer produzir
comnioçoens populares no theatro. O Governo, poiéni, o man-
dou positivamente retirar para Oviedo, lugar de seu nascimento,
e privado de suas honras militares. Alem disto, nooutrodia a-»
Miscellanea. 357
Cortes decretaram, por uma grande maioridade, a sirpprfssar»
da licenciosidade nas sociedades patrióticas.
0 Governo mandou também para Zamora o Coronel S. Mi-
guel, ajudante d'ordens do General Riego, e author du pro-
clamaçaõ do General. O General Velasco, Governador de Ma-
drid foi mandado para Valladolid. Manzanaros Coronel d'Ar-
tilheria, foi para Catalunha ; e o Capitão Nunes paia S'. Sebas-
tião.
Riego, alem dos documentos, que copiamos a p. 258, pu-
blicou também um papel; como esboço de uma falia, que pre-
tendia fazer nas Cortes; porem he evidente, que quanto mais
este official se empenhasse em contrariar as ordens do Governo
tanto mais mostrava a necessidade de se desbundar o corpo, que el-
le commandava. Nas Cortes muiios membros louvaram os passa-
dos serviços de Riego, mas todos conviéram no perigoso exem-
plo, que dava esta sua insubordinação.
Uma das queixas deste exercito, ou de seu commandante, éra,
que ainda se naõ tinham castigado os authores da matança de
Cadiz, aos dez de Março; nem os deputados, que protestaram
contra as Cortes em 1814. Estas queixas, naõ se limitam aquel-
le exercito somente.
Na sessaõ das Côites de 29 de Agosto, Valdillo, Deputado de
Cadiz, observou o anxioso desjo, que o Congresso Nacional
de Hespanha mostrava, para saber o estado do processo, instituí-
do contra os perpetradores da matança de Cadiz; como represen-
tante daquella cidade, com as vistas de satisfazer a curiosidade
publica, leo um relatório impresso do Coronel Gaspar Hermosa,
encarregado da preparação, em que se dizia, que o processo
summario estava quasi acabado, e que em breve se faria conclu-
so para a sentença.
Este relatório deixamos copiado a p. 264.
Na eessaõ do mesmo dia se fizeram três importantes proposi-
çoens, pelo Deputados Flores Estrada, Quiroga, e Palarea.efô-
nun submettidas ao segundo Committé de Legislação ;—Ia. Q u e
»»Cortes procedessem a tomar as resoluçoens necessárias, a fim

V o i . X X V . N - . 148. ir.
358 Miscellanea.
de que o Governo seui demora pudesse ordenar o castigo daque-
les, que tomaram parte directa na destruição do Código Nacional.
2 a Que as Cortes fizessem arranjamentos, a fim de que o Com-
mitté encarregado dos procedimentos contra 69 Deputados, cha-
mados Persas, e que assignâram a representação ao Rey em
em 1814, apresente o seu relatório, dentro de um período espe-
cificado. 3 . a Que os Secretários do Governo apresentem sema-
nalmente ao Congresso uni relatório sobre os negócios de Cadiz.
C,aiagoça Burgos e Galliza.
Na sessaõ de 9 de Septembro, o Ministro de Justiça entregou
ás Cortes, três petiçoens, que achara nos archivos de suaSecre-
taria, e tinham sido apresentadas a El Rey por três dos Depu-
tados chamados Persas (os que apresentaram a El Rey o protes-
to contra as Cortes cm 1814) e nestas petiçoens cada um dos
taes Persas solicitava, como prêmio de seu zelo, um beneficio
ecciesiastico: observou-se, que os requerentes preferiam os
Cabidos de Toledo e outros mais pingues. Os documentos fo-
ram remettidos á commissaõ relativa aos Persas.
Naõ temos lugar de mencionar o grande numero de providen-
cias, que as Cortes tem adoptado; porém lembraremos as se-
guintes como as mais notáveis.
Expedio-se um decreto, restabelecendo varias providencias
das antigas Cortes, pelas quaes varias prebendas, e outros bene-
fícios simples ecclesiasticos se applicarara ás necessidades do
Estado; assim como a abolição da tortura, e outros muitos re-
gulamentos importantes.
Também se mandou uma circular a todos os Governadores das
Provincias Ultramarinas, ordenando-lhes, que remettessem im-
mediatamente relatórios das suas respectivas provincias, especi-
ficando o estado de cada uma, para que o Governo possa formar
idea exactadas opinioens, que ali existem.
A fira de abolir mais efficazmente a Inquisição, mandou-se
venderem hasta publica a propriedade daquelle estabelicimento,
começando pelo sumptuoso palauo do Inquisidor Geral em Ma-
drid ; e do outro em que se faziam as sessoens do Tribunal, «
Miscellanea. aoy

continha os cárceres secretos, com varias casas, situadas na


capital. O producto destas vendas será applicado a pagar a di-
vida nacional.
El Rey approvou o decreto das Cortes, pelo qual se determi-
nou a expulsão dos Jezuitas, e o restabelicimento dos Conegos
de Sancto Isodoro, no Convento, que aquelles occupavam.
Na sessaõ de 30, o Deputado Jener fez a seguinte proposi-
ção:
" Propotiho que as Cortes convidem El Rey, para que dê o
patriótico exemplo de não tiazer outros vestidos, para seu uso,
senaõ os de manufàciuias nacionaes, e de naõ usar de produc-
çoens estrangeiras, senão nos casos indispensáveis, e quando
cousa nenhuma similhante se fabrique entre nós : que S. M. or-
denes todas as pessoas de Palácio, que se conformem com este
convite; e que esta seja uma regra invariável no exercito. Pro-
ponho, alem disto, que os Deputados obrem segundo o mesmo
principio."
Quanto a esta proposição do Deputado Jener, estamos be ra
longe de lhe dar approvaçaõ .- he ella o resultado de prejuizos
antigos, e bem contraria aos princípios de Economia Política,
que hoje illuiniuam o mundo; mas ao mesmo tempo deve con-
fessar-se, que tal prejuízo, a favor do monopólio das fabricas
nacionaes, naõ he peculiar a Hespanha.

INGI.ATKRRA.

A fragata Creola; que conduzia Lisboa o Conde de Palmella,


tem deficarnaquella paragem ; e para ao barrado Tejo partiram
dePorUmouth.aos 14, a fragata Active,Cap. Sir J.A. Gordon :
a fragata Liffey, cap. Honorable Duncan. Outros navios se
estaõ preparando para o mesmo destino, de maneira que a esqua-
dra Ingleza destinada a obrar nas costas de Portugal será tom
posta dos seguintes vasos:—
360 Miscellanea.
Corqueror, de 74 peças, Cap. Stanfell: Minden, de 74,
Cap. Patterson: Lifley, de 50, Cap. Honr.—Duncan: Active
46, cap. Sir J. A. Gordon ; Creole, 42, Cap. A Mackenzie.
Cartas de Corfu annunciam, que se descubrira era Zante uma
conspiração contra o Governo Inglez nas Ilhas Ionias.

NÁPOLES.

Por noticias de Napoies de 20 de Agosto se diz, que as nego-


ciaçoens com a Deputaçaõ de Palermo se tinham rompido, e os
membros voltado para a Sicilia, á excepçaõ dos Príncipes de
S. Marco e Partellaria, que ficaram em Napoies, temendo-se do
furor popular em Palermo.
Em conseqüência desta ruptura das negociaçoens, continuou
a guerra civil em Sicilia, sendo a cidade de Palermo a capital
o partido, que deseja fazer a Sicilia independente de Napoies, e
Messina a capital do outro partido, que he pela continuação da
uniaõ daquelles dous Estados.
A Juncta da Segurança Publica em Palermo dirigio, aos 24
de Julho, uma circular a todas as Municipalidades de Sicilia,
urgindo-as a perseverar no plano de fazer aquella Ilha indepen-
dente de Napoies, e mandar cada uma seu Deputado a Palermo,
em ordem a formar uma Câmara independeneente do Governo
Napolitano. A cidade de Messina naquella epocha, éra o prin-
cipal lugar dailha, aonde éra reconhecido o Governo Napolita no
Em Napoies se publicou uma longa proclamaçaõ á Naçaõ Bri-
tannica, conjurando-a a que supportassea revolução Napolitana.
Isto saõ, nem mais nem menos, palavras atiradas ao vento.
No entanto os dous partidos contendentes em Sicilia vieram
as maõs, juncto ao monte Babaurra, aonde houve uma renhida
batalha, depois da qual foi tomada Caltanasetta. Esta cidade
e porto tinha sido primeiro tomada pelo partido Palermitano;
depois retomada pelos habitantes ; e ultimamente tornada a ga-
Miscellanea. 361

nhar pelos primeiros, que commetteram grande carniceria na


cidade.
A Juncta de Palermo, em uma proclamaçaõ, de 14 de Agosto,
declarou que as suas intençoens eram, a completa separação do
Governo Napolitano. Depois dividio a ilha em quatro districtos
militares. Palermo, Girgenti, Messina, e Siracusa; determi-
nando armar em cada uma destas provincias a população, na
proporção de dous homens, por cada cem almas.
0 General Austriaco, Nugent, que commandava o exercito
Napolitano, ao tempo da Revolução, escapou-se de Napol»
para Malta: depois foi ter a Liorne, em uma escuna Ingleza. s

RÚSSIA.

Noticias recebidas, por varias partes, concordam em dizer,


que o Gabinete Russiano mudou suas intençoens a respeito da
revolução de Hespanha; e se assevera que o Imperador mandara
entregarão Ministro Hespanhol outra nota, differente em sub
stancia, da primeira communicada ao Cavalheiro Zea ; nesta de-
clara o Imperador, que está tam longe de querer ingerir-se nos
negócios internos de qualquer naçau independente, que seudo
El Rey de Hespanha membro da Sancta Aliiança, tem justo
direito a seus invariáveis bons desejos. O Imperador acrescen-
ta, que verá com satisfacçaõ as ulteriores desenvoluçoensda. or-
dem de cousas estabelecida na Hespanha; e que tudo quanto
pode contribuir á felicidade da naçaõ Hespanhola lhe excitará
sempre o mais vivo interesse.
Um artigo de Bruxellas de 12 de Septembro, referindo-se a
'nforroaçoeiis de Frankfort em data de 7, dá a importante noti-
«•a. de que o Baraõ d'Anstett, Ministro Plenipotenciario de
Rússia, na Dieta AlemaS, fizera uma declaração para o seguin-
tefim;—
362 Miscellanea

" O Imperador de Rússia naõ reconhece em Potência alguma


o direito de se ingerir nos negócios de outros Estados, com a
causa de inovaçoens introduzidas no governo desses Estados. S.
. Imperial declara, que na sua próxima entrevista com seu al-
liado, o Imperador de Áustria, está bem longe de ter por ob-
jecto o concertar medidas ou meios, tendentes a reprimir a nova
ordem de cousas na Hespanha ou Nápoles."
Um artigo de Warsovia, de 4 Septembro diz o seguinte:—
" Circulam aqui, neste momento, novidades políticas da
mais alta importância, para o systema da Europa. Falla-sede
um novo projecto, para o restabelicimento do Reyno de Polônia.
Affirma-se, que ja se começaram negociaçoens, que interessam
todos os Polacos, entre as Cortes de Rússia, Áustria e Prússia.
Se ellas concordarem no restabelicimento do Reyno da Poloi ia,
em toda a sua integridade, este Estado pôde ainda tornar a pre-
encher na Europa o objecto, a que parece particularmente des-
tinado, por sua posição geographica. Virá a ser outra vez uni
importante pezo na balança da Europa ; e o importante anteuiu-
ral do Norte.

TURQUIA.

As hostilidades do Pacha de Joanina contra a Porta tem con-


tinuado, sem que apparêça vantagem decidida de nenhuma das
partes. Os destiladeiros de Titola paia o território de Joannína
estaõ ainda occupudus pelas tropas de Ali Racha, mas a cidade
de Tilolu rendeo-se ás tropas do Sultaõ. O Castello de I.epan-
to também está na posse do Gram Senhor, e a guarniçaõ consta,
de 200ü Albanezes que A li Pacha ali tinha posto, abiio as portas
as tropas do Gram Sultaõ.
CORREIO BRAZILIENSE
DE OUTUBRO 1820.

Na quarta parte nova os campos ára;


E se mais mundo houvera lá chegara.
CAMOESS, (.'. vn. e 14.

POLÍTICA.

HEYNOUNinO DE PORTUGAL, BRAZIL»; S ALGARVES.

Caria dos Governadores do Reuno ú Juncta Suprema do


Porto.

Os Goternadores do Reyno á Juncta que se formou na


Cidade do Porto, e se intitula Suprema do Reyno.

Oi Governadores do Reyno, considerando que o dever


mais sagrado, que lhes foi imposto pelo nosso Augusto
Soberano, he o de manter a paz entre os habitantes deste
Reyno, e de preservar illesa a unidade da coroa, assim
corooa independência da Monarchia, usaram dos pode-
res extraordinários, que> lhes saõ confiados por El Rey
Nosso Senhor, para casos urgentes, e interpretando os
seus pateraaes sentimentos, resolveram, em seu Real
VOL. XXV. N.« 148. :iA
364 Política.
nome, convocar as Cortes, que deverão ajuuctar-se em
Lisboa a 15 de Novembro do presente anno.
He hoje o dia em que se expedem a todas as Câmaras
do Reyno as cartas de chamamento paia a eleição dos
seus respectivos procuradores, conforme os usos, e cos-
tumes da naçaõ: seja pois hoje o fausto dia da concórdia,
para todos os coraçoens Portuguezes. Os Governadores
do Reyno comprehendem nos seus puros desejos, e nas
suas esperanças bem fundadas, a mesma Juncta, que se
acha estabelecida na Cidade do Porto, e naõ hesitam em
lhe dirigir, assim como a todas as mais classes, e indiví-
duos da naçaõ Portugueza, palavras de conciliação.
Esqueçam para sempre as accusaçoens, as recrimina-
çoeris, e os erros, que, voluntariamente, ou naõ, possam
haver-se commettido, e comece unia nova éra de harmo-
nia, e de mutua confiança, pelo enlace, que existirá entre
o Soberano, e os procuradores da naçaõ, em seu Real
nome legitimamente convocados.
Possuídos de taes sentimentos, naõ podem deixar os
Governadores do Reyno de repetir o que ja solernneinen-
te annunciàram, declarando, que naõ deverão recear,
nem ódios, nem vinganças, nem castigos, por motivo
dos últimos acontecimentos políticos, os Portuguezes, de
qualquer classe que sejam, que ouvirem a voz doGoverno,
e se reunirem logo a este centro legitimo, e commum.
Ao receber a primeira noticia dos acontecimentos do
dia 24 de Agosto, da cidade do Porto, os Governadores
do Reyno naõ poderam deixar de qualificar com severida-
de a conducta de militares, que rompiam os vínculos da
disciplina, e de uma Juncta, que, elegendo-se a si mesma,
sem observar nem apparencias de legalidade, sem poderes
emanados de El Rey, sem missaõ alguma conhecida dos
povos, se intitulava Governo Supremo do Reyno, e se
arrogava até mesmo o direito de convocar Cortes. Porém
3Si
Política.
ao mesmo passo que os Governadores do Reyno censura-
ram como o deviam fazer,actos tam illegaes.e imprudentes,
naõ deixaram de conhecer que a maior parto, e talveí
mesmo todos os indivíduos, que assim se compromettiam,
poderiam ser a isso movidos, ou por huma nimia exalta-
ção de sentimentos, alias putos, ou por astuciosas intrigas
estranhas, que elles mesmos desconheciam. Por isso tomou
o Governo a única resolução, que podia salvar a pátria dos
horrores de uma guerra civil, e convocou effectivamente
Cortes, as quaes recebem dos representantes do Soberano
um character de legalidade, que nunca poderiam ter
aquellas, que foram annunciadas pela Juncta do Porto.
Vós sois Portuguezes; e este titulo glorioso, que vos
pertence.basta para affiançar que naõ cabe em vossos pei-
tos a falsidade, nem a dissimulação: sede pois fieis às
vossas próprias declaraçoens, e coherentes com vós mes-
mos: vós proclamastes a Santa Religião Cath olica Ro-
mana ; todox nós a temos gravada nos nossos coraçoens:
proclamastes o Augusto Soberano que nos rege, e a sua
dynastia; toda a naçaõ o reconhece, e está inabalável
nestes sentimentos de lealdade; as Cortes, ellas já se
acham convocadas em nome do Soberano: a Constitui-
ção; esta mesma convocação vo-la assegura, fundada nas
leys primordiaes desta Monarchia, que regeram os nossos
maiores, na epocha da sua prosperidade, e dos seus tri-
unfos. Se isto pois, que vós proclamastes, he só o que
sinceramente quereis, nada mais resta já a desejar; e só
feita agora, que, desprendendo-vos de uma authoridade,
que exerceis sem titulo algum legal, e, desde agora, atê
sem pretexto algum, deis, ao mundo, e â posteridade,
uma prova evidente de que naõ sois movidos por paixo-
ens oceultas, nem ambiciosas; de que as vossas declara-
çoens foram sinceras, e de que naõ quereis expor o Rey-
no ao perigo, que resultaria da prolongaçaõ de uma con-
366 Política.

tenda entre as suas provincias, nem abrir caminho a que


as Naçoens Estrangeiras, que sempre haõ de respeitar a
nossa independência, em quanto estivermos unidos, inten-
tem prevalecer-se das nossas divisoens. Olhai que naõ
ha tempo a perder para pararmos á borda do precipício•"
já os cidadãos se acham armados, em opposiçaõ uns aos
outros; os Commandantes das Tropas, que vos estaõ su-
jeitas, ameaçam as cidades e villas da perda dos seus foros
e privilégios; ameaçam os officiaese soldados, que senaõ
unirem a elles, de serem julgados e castigados como
traidores !—Um so passo mais, eis-uos mimei sos na guer-
ra civil, inundados do sangue dos nossos Irmaõs, ame-
açados de uma série de revoluçoens, que só teraõ fim
com a dissolução da Monarchia.
A vós, e unicamente a vós, seraõ imputaveis tama-
nhos males; sobre vós pezará, alè á Posteridade mais re-
mota, tam enorme responsabilidade, se naõ ouvirdes as
vozes, que hoje vos dirigem os Governadores do Reyno.
Elles naõ tam outra ambição mais do que a de salvar a
Naçaõ, e de assegurar a sua felicidade, nem se recusa-
rão a admittir representaçoens algumas, que possam con-
duzir a tam impoitante, e desejado fim; e esperam que a
Providencia, abençoando os seus esforços, apressará o
dia venturoso, e por elles especialmente apetecido, em
que possam restituir nas Reaes Maõs do nosso Soberano
o sagrado e importante deposito que lhes confiou.
Lisboa no Palácio do Governo, em 9 de Septembro de
1820.
CARDEAL PATRIARCHA.
M A R Q U E Z DE B O R E A .
CONDE DE PENICHE.
C O N D E DA F E I R A .
ANTÔNIO GOMES RIBEIRO.
Política. 3671

proclamaçaõ da Juncta Provisória no Porto, em respos-


ta â dos Governadores do Reyno em Lisboa.

Povo Portuguez!—A Juncta Provisória do Governo


Supremo agora mais que nunca tem necessidade de fal-
lar-vos com sinceridade e franqueza, que cumpre a ho-
mens honrados e a bons Portuguezes.
Ella naõ precisa de justificar perante vós os motivos
das suas resoluçoens, e dos assíduos trabalhos, que tem
emprehendido, com o mais sublime enthusiasmo, e con-
stância, pela vossa causa, e pela salvação da nossa amada
Pátria: a pureza de nossas intençoens, a regularidade de
seus procedimentos, a firmeza invencível em sustentar e
cumprir suas promessas, e o incessante desvelo, com que
se tem empregado em levar ao fim o grande edifício
organização publica, devem ser-vos conhecidos pelos pa-
peis, pelos factos, e pelo testemunho dos numerosos po-
vos, que mais de perto observam suas operaçoens.
Os Governadores de Lisboa no dia 26 de Agosto foram
informados do acontecido nas Provincias do Norte, e do
ardente enthusiasmo, que rapidamente se Ia propagando,
ficaram ainda por mais três dias indifferentes observa-
dores da opinião publica, e dos effeitos de nossos cla-
mores: e só quando puderam saber, que os dous Gene-
raes de Traz-os-montes e Beira se haviam ligado entre si,
para reprimir o espirito nacional tam altamente pronun-
ciado, para agrilhoar mais os povos, e para os conservar
na extrema abjecçaõ e miséria, a que tinham chegado,
h
e que levantaram a vóz da sua até entaõ adormecida fi-
delidade, e se lembraram de proclamar, que um milhaõ
de Portuguezes, que desejavam ser felizes, eram rebeldes
368 Política.
ao seu Rey: que uma Juncta, que apoiava e promovia
tam incontestável direito éra intrusa: que os seus úteis e
gloriosos trabalhos eram um transtorno da ordem publica:
que as Cortes somente podiam ser convocadas por El
Rey: e que toda a naçaõ devia esperar em silencio provi-
dencias tantas vezes requeridas e promettidas, e outras
tantas vezes denegadas aos nossos votos e aos nossos bra-
dos.
Naõ pudemos suppôr, que os Governadores de Lisboa
intentassem, com tam absurdos princípios e capciosas
frazes, desunir os Portuguezes, armállos uns contra os
outros, e accumular aos nossos males o mal extremo da
guerra civil. Elles saõ homens, e em peitos humanos
naõ cabe tam negro e vil projecto. Mas, esta seria por
certo a inevitável conseqüência de suas temerárias expres-
soens, se nos ânimos Portuguezes naõ faltassem mais alto
as vozes sagradas da natureza, da religião, do patriotis-
mo, e da nobre e bem regulada liberdade.
A Juncta do Governo Supremo naõ se assustou com
esta capciosa medida dos Governadores de Lisboa; por-
que conhece os vossos coraçoens, e está 6rme em seus
princípios. Ella naõ he rebelde ao seu Rey; porque o
ama, e tem jurado firmar e manter a independência e
gloria do seu throno, que os Governadores do Reyno des-
lustravam, por sua administração inepta, e deixavam
minar por odiosos partidos. Ella naõ he intrusa; por-
que foi estabelecida pelo voto unanime de um povo nume-
roso, que quiz subtrahir-se â sua ultima e ja quasi inevi-
tável ruina. Ella naõ transtorna a ordem publica, antes
a quer restituir.
Ella.... mas que necessidade ha de expor-vos o que
vós sabeis ou tendes observado ?
A Juncta proseguirá firme em seu caminho, e vósja
Política. 369

tendes visto os mais felizes effeitos de sua constância he-


róica e inexpugnável. As bravas tropas de Traz-os-
montes e Beira tem desamparado successivamente os
seus dous Generaes, e estaõ ao presente unidas, quasi
sem excepçaõ, á sancta causa da Pátria, que juramos
defender. O General Silveira ja prestou juramento de
fidelidade a esta mesma causa. Os povos das três pro-
vincias do Norte tem podido desenvolver sem obstáculo
o nobre espirito que os anima, e vam marchar ao encon-
tro de seus irmaõs, que com enthusiasmo igualmente
unanime os esperam.
Os Governadores de Lisboa naõ ignoram estes últimos
acontecimentos, tam contrários ás suas esperanças, quan-
to oppostos á conservação do seu poder e da sua admi-
nistração. Buscam portanto agora outro artificio mais
insidioso, mas igualmente inútil, para alienar vossos
ânimos, e para vos persuadir que nelles achareis os remé-
dios, até agora em vaõ esperados, da publica desgraça.
Dizem, que vam convocar as Cortes, pelas particu-
lares instrucçoens, que tem d'El Rey nosso Senhor, para
os casos urgentes!
Notai bem, illustres Portuguezes! A 29 de Agosto
ninguém tinha o poder de convocar as Cortes senaõ El
Rey. Os povos, que as pediam eram rebeldes. Entaõ
ainda havia esperanças de desvariar as opinioens, de re-
primir o espirito publico, de semear a discórdia. A 2 de
Septembro ja os Governadores de Lisboa tem instruc-
çoens particulares para convocar as Cortes em casos
urgentes. ^ E que maior urgência que a desgraça pu-
blica, ha tanto tempo geralmente sentida e lamentada?
i Que maior urgência que os clamores geraes da Naçaõ,
tantas veses e por tantos modos repetidos em particulaar
e em publico ? ^ Que maior urgência que a funesta di-
viBaõ dos Portuguezes em três partidos bem conhecidos.
370 Política.
e nuuca reprimidos dos Governadores de Lisboa? Que
maior urgência, que o grito de uma provincia inteira, que
se levanta do abysmo, e que pede soccorro ? Mas
esta provincia entaõ éra rebelde; porque ainda havia es-
esperanças de a reprimir e assolar. Os clamores geraes
eram vozes de insubordinação, e como taes, castigados e
suffocados. Os partidos eram entretenimento de ociosos,
que o Governo olhava com indifferença. A desgraça da
Pátria naõ lhes tocava os coraçoens; porque se naõ fazia
sentir em seus elegantes e soberbos palácios.
Elles querem convocar as Cortes! Mas de que ma-
neira ? i Para que fim ? Com que intençoens ? Será
accaso para verem regulado pela justiça, e por conseqüên-
cia diminuído, o seu poder? ^Será para remediarem a
malversação dos administradores das rendas publicas, e
as derramarem em beneficio da agricultura, da industria
e do commercio nacional ? Será para resuscitarem a nos-
sa marinha de todo extincta? £ Será para estabelecerem
leys justas, que mantenham em paz os povos, que lhes
amancem seus direitos, que reprimam os abusos e os
crimes, ja quasi naturalizados entre nós, que restitúam a
ordem publica, e que assentem sobre bazes firmes a geral
felicidade?
Será para determinarem bem expressamente os direi-
tos sagrados da Naçaõ, e para traçarem os justos limites
do poder e da obediência? i Será em fim para nos da-
rem uma Constituição estável, qual a desejamos, que
seja o baluarte inexpugnável da liberdade publica, e o
solido fundamento de um throno justo?
Ah! Naõ vos enganeis, Portuguezes! Se estes fos-
sem os intuitos dos Governadores de Lisboa, ha muito
tempo que os teriam executado; porque ha muito tem-
po que as nossas necessidades saõ extremas. Elles mes-
mos nos dizem, que as instrucçoens d' El Rey a isso os
3
Política. 7l
authorizavâm em casos urgentes. E nao éra urgente a
miséria publica ?
Vai estabelecer-se, dizem elles, ou ja esta estabeleci-
da uma Commissaõ de pessoas escolhidas para consul-
tarem o methodo de convocar e celebradas Cortes! Pes-
soas escolhidas por elles, e da sua confiança! Pessoas
que estaõ debaixo da sua influencia! Pessoas que de cer-
to haõ de espaçar seus trabalhos, até que a Naçaõ se
ponha em discórdia ; até que um exercito estrangeiro
venha talvez subjugar-nos; e fazer mais pezados nossos
ferros; atéfinalmenteque por medidas de rigor e severi-
dade, se possam illudir os votos nacionaes, e a naçaõ
volte a ser submergida em um abysmo ainda mais pro-
fundo !
Naõ illustres Portuguezes! Naõ valorosas tropas Na-
cionaes! Naõ vos deixeis enganar! Ja sabeis o que
deveis esperar das pomposas promessas dos Governado-
res de Lisboa.
Quem até agora, foi indifferente á vossos males conti-
nuará a sèllo daqui em diante. Quem até agora frustrou
suas promessasi e nossas esperanças, naõ muda de syste-
ma era três dias. O tyrannico despotismo, que chega
a reprimir ou enfraquecer os primeiros esforços da li-
berdade, toma-se sempre mais pezado e mais auda-
cioso.
Firmeza e constância saõ as virtudes quea Pátria
de vós demanda nesta occasiaõ. Firmeza e consstancia
saõ as virtudes, que haõ de levar ao fim os nossos pro-
jectos, e de que a Juncta do Governo Supremo ha de
dar-vos o mais digno exemplo, até derramar a par de vós
a ultima go ta de seu sangue, e morrer com honra de-
baixo das ruínas da liberdade publica.

Voi.xxv.flo < M 9 . 3B
372 Política.

Carta da Juncta Provisional do Supremo Governo do


Reyno aos Governadores de Lisboa.

Illustrisimos e Excellentissimos Senhores.—Nin-


guém melhor que Vossas Excellencias sabe o triste es-
estado de miséria e oppressaõ, em que se achava a nos-
sa infeliz pátria, e quanto seus passos eram rápidos e
precipitados para uma total subversão. Nós nos pou-
pamos ao dissabor de recordar individualmente males tam
universaes, tam notórios, e tam pungentes a coraçoens
Portuguezes.
Vossas Excellencias sabem igualmente, que, para cu-
mulo de nossas desgraças, se haviam formado e iam
engrossando em Portugal, nessa própria cidade, na pátria
da honra e da lealdade, três diversos e oppostos partidos
que com o apparente intuito de salvar a Naçaõ, mas em
realidade para conservarem ou promoverem seus parti-
culares interesses, urdiaõ o indigno projecto, ou de nos
entregarem a uma Naçaõ estranha, ou de nos manterem
debaixo da vergonhosa tutella de outra, ou dederribarem
do throno nosso adorado Soberano, para lhe substituírem
o Chefe de uma illustre casa Portugueza, cuja lealdade
com tudo se recusaria, sem duvida, a tam intempestiva
honra.
Quaesquer que fossem as imaginadas vantagens destes
projectos, elles tendiam essencialmente a roubar-nos a
nossa independência, e a riscar da lista das Naçoen9
um povo leal e bravo, que tem figurado entre ellas com
tanta gloria: e quando menos a lançar do throno Portu-
guez uma Familia Augusta, que o poãsue por titulo»
tam legítimos, e que por sua clemência, bondade e amor
Política. 373
de seus povos tem adquirido os mais sagrados direitos á
nossa obediência e fidelidade.
Vossas Excellencias, a quem o nosso adorado Soberano
confiou o Governo destes Reynos, a felicidade dos Por-
tuguezes, e a segurança do seu throno e Soberania, naõ
tem tido energia.ou poder,nem para adoçar aquelles males,
nem para dissipar estes projectos. Nós naõ ousamos
suppôr a vil prevaricação em ânimos nobres e Portu-
guezes.
Que restava pois a uma naçaõ sempre honrada, gene-
rosa e cheia de brio ? Nenhum outro recurso senaõ o de
empregar em seu beneficio os meios extremos, a que re-
corre, e tem direito de recorrer qualquer simples indi-
víduo, que vè atacada a sua própria existência, ou estan-
cadas todas as fontes da sua prosperidade.
Naõ podemos, por tanto, vêr sem grande admiração e
magoa, que Vossas Excellencias tam inconsideradamente
ousassem qualificar de rebelliaõ o sagrado enthusiasmo
de tantos illustresfilhosda pátria, que, avivando em seus
coraçoens o fogo do patriotismo, que tantas desgraças ti-
nham suffocado, mas naõ extinclo, levantaram o primeiro
clamor da honra, da liberdade e da independência Nacio-
nal, e nenhum outro fim se propozéram senaõ salvar de
indelével mancha estes preciosos ornamentos da Naçaõ
Portugueza.
Ao character de um Governo justo, conscio de suas pu-
ras intençoens, e amante da pública felicidade, cumpre
fundar suas resoluçoens sobre as bases da mais apurada
circuinspecçaõ, e da mais exacta e fiel verdade: seja-nos
porém permittido dizer a Vossas Excellencias, que uma
e outra cousa parece haver-se totalmente preterido na
Proclamaçaõ, que Vossas excellencias publicaram contra
esta Juncta, e contra os numerosos Povos de algumas
374 Política..
Provincias que a desejavam, a applaudtram e lhe prestá-
tam sua obediência.
Se o verdadeiro e illuminado zelo a dictasse, ha muito
tempo que este nobre sentimento se teria manifestado em
úteis providencias, que melhorassem a situação dos Por-
tuguezes, e dissipassem os partidos, que os Iam dividin-
do, enfraquecendo sua força morai, e levando-os á sua
total ruína. Ha muito tempo que Vossas Excellencias
teriam attendido, ou levado á presença do Soberano as
multiplicadas representaçoens, que lhes foram feitas pelo
zelo dos Portuguezes sobre a situação publica, e que
para opprobrio nosso somente serviram de engrossar os
nossos Periódicos impressos em as naçoens estrangeiras,
e de dar ao mundo novos argumentos da funesta indifie-
rença daquelles que nos governavam.
Naõ ignoram Vossas Excellencias qual seja actual-
mente o espirito público em Portugal. A proclamaçaõ
porém, que tende a desvairallo e a pôllo em fatal discór-
dia, pôde atrahir sobre toda a naçaõ males incalculáveis,
cujos eflèitos e termo se naõ podem prever; mas que pro-
vavelmente recahiraõ em grande parte sobre Vossas Ex-
cellencias e faraõ agora e na posteridade responsáveis
da ultima desgraça da pátria.
Este mal, que, até considerado em remota perspectiva,
assusta os bons coraçoens, ainda pôde evitar-se ou repa-
rar-se, mantendo Vossas Exellcencias em pazessa capital,
e cessando de excitar os espíritos desprevenidos, até que
se possa desenvolver sem risco o sentimento de lealdade
e independência, que anima a todos os Portuguezes. Nos
lho intimamos assim em nome da Pátria, da humanidade,
e da religião.
A nossa resolução esta definitiva e irrevogavelmente
tomada: nós sustentaremos á custa das próprias vidas a
Política. 375
san<*a causa, que havemos emprehendido, e um milhaõ
de Portuguezes, que a seguem, naõ retrocederão facil-
mente na carreira que começaram, muito mais quando
esta carreira he a da honra, e quando ao fim delia se lhes
apresenta a immortalidade.
Nós tomamos por testemunhas a nossa amada Pátria,
a Europa, o mundo inteiro, e o Autor e Senhor do Uni-
verso, que as nossas intençoens saõ tam puras como fir-
mes, e que sô a Vossas Excellencias seraõ imputaveis
as fataes conseqüências de tam indiscreta e arriscada op-
posiçaõ.
Nosfinalmentedesejamos que Vossas Excellencias at-
temlam nossas expressoens, como dictadas pelo amor
da Pátria, pela franqueza de homens livres, pelo amor da
humanidade e da paz, e pelo mais perfeito desinteresse.
Deos guarde a Vossas Excellencias. Porto, e Paço do
Governo 3 de Septembro de 1820.
Presidente. Antônio da Silveira Pinto da Fonseca.
Vice-Presidente. Sebastião Drago Valente de Brito Ca-
breira.
Bernardo Corrêa de Castro e Sepul-
veda.
Luiz Pedro de Andrade e Brederode.
Deaõ.
Pedro Leite Pereira de Mello.
Manoel Fernandez Thomaz.
Francisco Jozé de Barros Lima.
Jozé Maria Xavier de Araújo.
Joaõ da Cunha Soutto-Mayor.
Secretários. Jozé Ferreira Borges.
Jozé da Silva Carvalho.
Francisco Gomez da Silva.
379 Política.

Officio em resposta ao do Governo Interino estabelecido


em Lisboa, da data de 22 de Septembro, publicado na
Gazeta Extraordinária de 24.

Illustrissimos e Excellentissimos Senhores:—A Juncta


Provisória do Governo Supremo do Reyno recebeo hontem
ãs onze da noite, em Pombal, o officio, que lhe dirigio o
Governo Interino estabelecido em Lisboa; e tendo de
continuar a sua marcha para esta Cidade de Leiria, e re-
unir aqui as seus membros, naõ lhe foi possivel respon-
der ao referido officio com a brevidade que desejava, e
que a importância do seu assumpto exigia.
A Juncta Provisória observou com mui particular sa-
tisfacçaõ sua, em cada uma das expressoens do dicto offi-
cio, outras tantas provas da cordialidade, franqueza, e
generoso accordo de princípios, e interesses, de que a
Juncta Interina se acba animada para com ella; e naõ
pôde deixar de testemunhar por este motivo, e da manei-
ra mais solemne e authentica os seus sinceros agradeci-
mentos á Juncta Interina, por cujas muito patrióticas
disposiçoens accresce o maisfirmee solido apoio às espe-
ranças da naçaõ.
A Juncta Provisória do Governo Supremo do Reyno,
devendo experimentar ainda na sua marcha ulterior o
inevitável retardamento de alguns poucos dias, e desejan-
do por outra parte proceder com circumspecçaõ e madu-
reza sobre o modo de verificar-se a designação dos repre-
sentantes da Cidade de Lisboa, e provincias do Sul, sus-
pende ainda por ora a resolução deste ponto; e logo que
chegue a Alcobaça, para onde parte no dia 26, partici-
Política. 377

para à Juncta Interina os seus pensamentos sobre o refe-


rido objeeto com inteira franqueza ; pois que em tudo
deseja merecer a sua approvaçaõ, e está prompta a es-
cutar os seus avisados conselhos.
A Juncta Provisória previne a Juncta Interina, que a
marcha das tropas, para as vizinhanças de Lisboa, he uma
medida absolutamente necessária nas presentes circum-
stancias, eque somente entrarão na capital aquellas, que
de commum accordo se julgar conveniente que acompa-
nhem a Juncta Provisória, tanto para seu decoro, como
para participarem do espectaculo da alegria publica, e
dos justos applausos, que merece o seu patriotismo.—
Paço do Governo em Leiria, aos 24 de Septembro de
1820.

Presidente Antônio da Silveira Pinto da Fonseca.


Vice-Presidente, o Commendador Sebastião Drago Va-
lente de Brito Cabreira.
Manoel Fernandez Thomaz.
Fr. Francisco de S. Luiz.
Jozê Joaquim de Moura.
Roque Ribeiro de Abranches Casttl-
Branco.
Secretario. J0zi Ferreira Borges.
J»zé da Silva Carvalho.
378 Política.
Extracto da Gazeta Official de Lisboa, referindo a re-
volução do Governo naquella cidade.

Lisboa 15 de Septembro.
Viva El Rey D. Joaõ VI. ! Viva a Dynastia da Real
Casa de Bragança I Viva a nossa Sancta Religião !
Vivam as Cortes, que haõ de fazer a nossa nova Con-
stituição.

Eis o brado, que hojeresoou nesta capital, entre os tran-


sportes do mais vivo enthusiasmo; chegou o momento de
suffocar, pela unanimidade de votos da Naçaõ, o germen
de civis discórdias; já saõ livres de acanhados terrores
as vozes dos Portuguezes; conseguio-se em fim uma justa
e moderada liberdade neste dia, duas vezes memorável,
por ser o da nossa restauração e livramento de um pér-
fido jugo estrangeiro, e por ser o de uma regeneração,
que nos torna dignos da sociedade das Naçoens Euro-
peas, e da nossa antiga e immarcecivel gloria. A leal-
dade Portugueza existe pura e illibada para com o nosso
Augusto Monarcha, e Real a Dynastia de Bragança: vam
mais estreitos laços unir o Rey com a Naçaõ, a qual, por
seus deputados em Cortes, ha de alcançar o remédio ef-
ficaz a seus males, e mostrar-se digna do seu Monarcha.
Poz-se este grande acontecimento em practica com a
maior ordem e tranquillidade, do modo que passamos a
expor com a brevidade que o tempo permitte.
Seriam cinco da tarde, quando marchando dos seus
quartéis os regimentos de linha da Guarniçaõ da cidade,
commandados por seus Chefes, entoando vivas aos sa-
grados objectos acima annunciados, se dirigiram á grande
Praça do Rocio, onde, uns após outros, se viram em breve
reunidos todos os corpos das três armas de linha, e milí-
cias, para isso avizadas, apinhando-se alli ao mesmo tem-
Política. 379

po ímmenso povo de todas as classes. Achava-se à testa


das tropas o Excellentissimo Marechal de Campo Conde
de Resende. Foi expedida uma ordenança a toda a pressa
a participar ao muito Honrado Juiz do Povo, que o Po-
vo o chamava; e logo elle, com o 6eu escrivão, se en-
caminhou, em uma sege fechada, pela Rua Áurea até o
Rocio, em cuja entrada, abrindo as cortinas, e sendo
visto do povo, foi acolhido por este com os maiores ob-
séquios, em altos vivas, até entrar no Palácio do Governo,
onde depois se apresentou o Excellentissimo Conde de
Resende.
NaÕ se ouvia entaõ mais que uma unanime voz do Po-
vo, que queria vér installado um Governo interino, com-
posto de homens abalizados e beneméritos, dando sua ap-
provaçaõ ou desapprovaçaõ aos que se hiam nomeando,
é assentando-sefinalmentenos seguintes, que sem dúvida
emtodaa Naçaõ gozam de bem merecidos créditos, por
sua honra, sciencia, e patriotismo: a saber; os Illustrissi-
mos e Excellentissimos Principal Freire, Conde de S.
Paio, Conde de Resende, Conde de Penafiel, Teneute Ge-
neral Mathias Jozé Dias Azedo, e Hermano Braancamp;
mostrando o povo tanto a sua influencia nesta approva-
çaõ e escolha, que entrando-se em duvida ao ouvir o no-
me de Braancamp se seria o pay ou o filho, e Vindo o
maito Honrado Juiz do Povo verificar isto, declarou o
povo ser o filho; e assim se mandaram logo chamar os
nomeados, apresentando-se logo alli os quatro, que esta-
vam na cidade, e mandando-se próprios aos Excellentissi-
mos Principal Freire, e Tenente General Azedo, que se
achavam fora da Capital.
Expedíram-se immediatamente ordens para diversos
pontos essenciaes; entre outras, foram as principaes, que
o caso exigia, as seguintes: aos Commandantes das Tor-
*« de Belém, e da Barra se ordenou naõ deixassem sahir
VOL XXV. N \ 149. 3 c
380 Política.
navio algum sem ordem do novo Governo; foi ordem ao
Castello para dar uma Salva Real; officiou-se ao Conde
de Barbacena para sobreestar em qualquer movimento, e
conservar as tropas nas posiçoens em que se achassem,
até nova ordem : expediram-se officios ao Governo do
Porto, e Exercito do Norte, dando-se-lhe parte doque se
acabava de concluir, convidando-o a obrar de commum
accordo com o novo Governo, para se promover com
plena unanimidade de sentimentos o bem geral da Naçaõ.
Tudo isto se practicou com tal ordem, promptidaõ, e re-
gozijo, como se foram cousas muito de antemão assenti-
das. Nunca brilhou mais o circumspecto character Por-
tuguez ; a pezar do extraordinário júbilo, que muitas
vezes em outros povos degenera em distúrbios, naõ se
ouvia a mínima expressão indecorosa, ou de insulto; os
vivas a Sua Majestade, à Religião, ás Cortes, à Tropa, e á
Naçaõ, eram o que unicamente interrompia esta scena eter-
namente memorável.
Era entrada já a noite, e como por encanto apparecêo
illuminada toda a cidade; gyravam os ranchos pelas ruas
e praças; congratulavam-se os Cidadãos: " Somos Portu-
gueze?, (diziam) recuperamos a dignidade nacional: .su-
birão directamente ao throno os nossos votos; naõ seraõ
baldados os justos clamores da Naçaõ. A nossa uniaõe
o nosso amor â ordem; as virtndes sociaes do illustre
Povo Portuguez, tudo se dirigirá constantemente a um
fim, á prosperidade da Naçaõ. As nossas Cortes seraõ
dignas do século em que existimos, buscaráõ os meios
de consolidar a nossa existência política, e faraõ que
seja unicamente a Ley quem se escute, e se faça obede-
cer.
Longo tempo ha que desempenhamos a difficil tarefa
da redacçaõ da Gazeta; estreitados, por obediência, a no-
ticias insignificantes, entiamos veidadeiro degosto em
38X
Poliftca.
occultar aos nossos compatriotas muitas noticias estran-
geiras essenciaes: já nos achávamos ultimamente antho-
risadosa sahir deste acanhado circulo; e agora commulto
maior razaõ poderemos annunciar essas not.c.as, unica-
mente ligados aquella prudente moderação, que be neces-
sária nas Gazetas officiaes.

Proclamaçaõ do Governo Interino em Lisboa.

Portuguezes! O Governo interino, estabelecido em


Lisboa, que vós designastes com votos unanimes, e espon-
tâneos, perante os Corpos Militares desta guarniçaõ, pe-
nhorado da vossa escolha, deseja corresponder á vossa con-
fiança. A tranquillidade publica, a segurançaindividual, a
manutenção da propriedade, a confiança no Governo, o res-
peito às leys, e ás authoridades constituídas, saõ os únicos
meios de conseguirmos a nossa regeneração. Esta deve ser
obra da sabedoria dos deputados, e representantes da Na-
çaõ nas Cortes. Entretanto nada se altere; nenhuma
perturbação manche a gloria, que vos cabe, pelo vosso
comportamento na presente crise. Portuguezes ! vós sois
um exemplo único na historia. A vossa fidelidade à Au-
gusta Casa de Bragança, o vosso amor o mais puro ao mais
Amável dos Soberanos, a vossa constância na adversi-
dade, a vossa firmeza nos princípios de fidelidade á re-
ligião, ao throno, e ás leys, a despeito das mais vivas
concussoens, vos constitue um povo de heróes. Sim, Por-
tuguezes, esquecer longos males, triumphar das próprias
paixoens, e procurar sem desvio, e com enthusiasmo o
bem da Pátria, eis o que characteriza os heroes, e a qua-
lificação, que vos pertence, entre as Naçoens cultas. Vós
tendes dado o primeiro passo para a vossa felicidade
382 Política.
mas he preciso que naõ vos desvieis do trilho, que segui-
ram os nossos maiores. N a õ confundais a liberdade com
a licença. Aquella he obra da razaõ, esta he effeito do
desatino. A Europa, e o mundo inteiro pôde aprender
de vós a recuperar a liberdade, reformar as leys, cimen-
tar a ventura das geraçoens presentes e futuras, sem der-
ramar o sangue de vossos irmaõs, sem perturbação da
ordem, sem perder de vista a dignidade da Naçaõ.
Portuguezes ! Confiai nos nossos desejos e vigilância.
O Governo attenderá ás vossas justas representaçoens,
assim como espera uma cooperação efficaz da vossa parte
na obediência ás leys, e á authoridade em que se acha
constituído.
E vós, Exercito valoroso, que, immortalizando o vosso
nome, haveis duas vezes salvado a Pátria, acabai a vossa
obra. A ' vossa honra, á vossa gloria compete ser a
guarda do throno e das leys. A empreza, que começastes
em nome do nosso adorado Monarcha, e da Pátria, deve
ultimar-se com o mesmo esplendor. Vós promettestes
aos vossos compatriotas auxiliar a sua regeneração. Com-
pete-vos pois defender a naçaõ dos males da anarchia,
e desempenhar a promessa solemne, que os bravos Militares
Portuguezes naõ sabem fazer em vaõ. Palácio do Gover-
no interino em dezesete de Septembro de mil oitocentos e
vinte.
Viva a Relegiaõ, viva El Rey, viva a Constituição.
P R I N C I P A L DECANO.
CONDE DE SAMPAYO.
C O N D E DE R E Z E N D E .
CONDE P E N A F I E L .
M A T H T A S JOZE D I A S A Z E D O .
H K R M ANO J O S E B H A N C A M P DO SOBRAL
Política. 383

Lisboa 18 de Septembro.
O Governo Interino querendo desde a sua instalação
mostrar a franqueza com que procede, expõem ao conhe-
cimento do publico o estado da receita e despeza do Erá-
rio regio, de que resulta infelizmente uma differença
(ainda quando fosse exactamente cobravel a receita se-
gundo o orçamento) de 48:687.472 réis, que naõ pode ser
preenchida senaõ por meios extraordinários, os quaes
necessariamente se devem buscar no patriotismo da Na-
ção, a que o Governo ha de recorrer pelos modos que
parecerem mais conducentes ao fim mais sagrado da ad-
ministração publica, qual he o de satisfazer à risca as
despezas correntes do Estado.

Orçamento do que com muita contingência será possivel


entrar no Real Erário desde 16 até 30 de Septembro
do corrente anno de 1820, e do que se costuma pagar
durante o mesmo tempo.

Receita. Escriptos Papel Metal Totaes

Décimas de
Lisboa e Ter-
mo
5:000.000 5.000.000 10:000.000
Alfândega Gran-
de do Tabaco
e Casa da ín-
dia pelos pri-
meiros 15 di-
as deste mez 6:500.000 10.-000.000 10:000.000 26-500.000
Dieta e ditta
por anticipu-
i.uô dos te-
Kundr» dicto, ttooooM ft0flO.0OOI2.HMO.O0O
384 Política.

Casas de arre-
cadação pelos
primeiros 15
dias deste
mez 7:500.000 7:500.000 15:000.000
Dietas por
anticipaçaõ
dos segun-
dos dictos 4:000.000 4:000.000 8:000.000
Próprios da
Coroa 1:000.000 1:000.000 2:000.000
Anno de Mor-
to 500.000 500.000 1:000.000
Commendas 1:500.000 1:500.000 3:000.000
(1) Contrac-
to do Ta-
baco 55:000.000 30:000. 000 85:000.00
Da Casa da
Moeda 3:000.000 3:000.000
Contracto da
Fruta 4:000.000 4:000.000 8:000.000
Diversos e
pequenos
rendimen-
tos avulsos 4:000.000 4:000.000 8:000.000
Do Cofre de
Malta pedi-
dos ultima-
mente 10=000.000 10000.000 20:000.000
Do dicto d*
Água livre
pedidos ulti-
mamente 2=500,000 2500.000 5=000.000

6:500.000 111:000.000 89:000.000 206.500.000


Política. 385

Saldo existeate
e desponivel
no dia 15 8:404.986 7:086.600 6:120.942 21:612.526

14:904.986 11&086.600 95:120.942 228:112.528

Despeza Escriptos Papel Metal Totaes

(2) Para um
mez de Soldos
á officialidade
em Lisboa 19:000.000 19:000.000 38:000.000
Para o Pret do
Centro dos
últimos 15 di-
as do mez 15:000.000 15:000.000
(3) Para a Re-
partição do
Commissaria-
do
D 40:000.000 20:000.000 60:000.000
rara o Arsenal
do Exercito 10:000.000 5:000.000 15:000.000
Para Obras
MÍ1ÍtarM
n 4.O00.000 2:000.000 6:000.000
Para a Mari-
nha com o
titulo de con-
'WaÕ 10:400.000 5:600.000 16:000.000
rara um mez
de Feria á
dieta
Pam o H o s . 10:000.000 10:000.000 20:000.000
tal
6 0MO 600 000
P«ramnmez ° - 1:200.000
de Soldoa á
Brigada, e
Preu
1:300.000 1:700.000 3:000.000
386
Política.
Para Jornaes
da Obra do
Palácio d'
Ajuda nas 2
semanas 3.200.000 3:600.000 6:800.000
Para Particu-
lares do servi-
ço entregues
a Joaõ Lou-
renço de An-
drade 1:000.000 1:000.000 2:000.000

(4) Para os
Criados das
Cavalhariças
Reaes 1:400.000 1:600.000 3:000.000
Para Manti-
mento das
Reaes Cava-
lhariças por
conta 2:500.000 250.000 250.000 3:000.00
Para continuar
o 4.° Quartel
de Ordenados 12:000.000 700.000 300.000 13:000.000
Para Jornaes
das Obras Pu-
blicas 2 se-
manas 1:500.000 1:500.000 3:000,000
(4) Para Jor-
naes da illu-
minaçaõ da
cidade 800.000 800.000 1:600.000
Para a Juncta
dos Provi-
mentos 2.000.000 2:000.000 4:000.000
387
Política.

pagameno de
um Quartel
ao Baraõ de
Teixeira, por
conta do Em-
préstimo de
800:000.000 17:500.000 17:500.000 35:000.000
réis
(5) Para a letra
de Argel que
se acha em
poder do dicto
Baraõ de Te- 19:200.000 19:200.000
ixeira
Paia continua-
ção de paga-
mentos pela
Pagadoria do
Erário, que
consisto em
pequenos Or-
denados, e
Pensoens 4:000.000 2:000.000 6:000.000

Para pagamen-
tos pela Me-
za do Erário
que se possam
mandar fazer,
como saõ
Despezas de
Legaçoens.de
Secretarias de
Estado, e ou-
tras muito di-
versas 4.000.000 2:000.000 6:000.000

14:500.000 131:650.000 130:050.000 266:800.000

V01.XXV. N \ 149. 3 n
388 Política.

Observoçoens.

Nota N. 1. Os 85:000.000 de rs. que o contracto


do tabaco deve declaram os respectivos Contractadores
ser-lhes quasi impossível de inteirar.
2. No presente mez recebeo a officialidade do Centro
os soldos conrespondentes a dous mezes.
3. Podendo-se realizar ao commissariado o que lhe vai
lançado no orçamento, teria recebido no fim do mesmo
mez corrente 142:151.212 rs.
4. Jornaes e vencimentos de mezes que por uma prac-
tica muito antiga saõ satisfeitos correntemente todas as
semanas.
5. Mandou-a apresentar, e naõ tem insistido pelo paga-
mento,
A repartição da thesouraria, ou contadoria, deve dar
ainda neste mez um calculo do que precisar para o mez
futuro, segundo os mezes de Soldos e Prets, que se qui-
zerem pagar no dicto mez futuro. O mesmo devem fa-
zer as mais repartiçoens.
Adverte-se que os ordenados do 4o quartel do anno
próximo passado estaõ ainda a pagamento.
Lisboa 16 de Septembro de 1820.

Officio do Governo Interino de Lisboa â Juncta Provi'


sional do Porto.

Illustrissimos e Excellentissimos Senhores:—O Gover-


no Intereino estabelecido em Lisboa por voto unanime
do povo, e perante os corpos militares desta Guarniçaõ,
instalado no dia quinze do corrente mez, bem convencido
do patriotismo, e fidelidade do Povo, do exercito, e do
Política. 389

Governo proclamado nessa cidade do Porto, querendo


fazer cessar toda a divisão, que possa retardar o com-
plemento da vontade geral da naçaõ, que tanto anhela
ser legitamente representada em Cortes, e por outra
parte estando na mais sincera disposição de cooperar
para a effectiva reunião dos ânimos a bem da causa
pública: se dirige ao mesmo Governo do Porto, partici-
pando-lhe a resolução, em que está, de se entender com
elle, e de commum accordo deliberarem sobre o modo
mais ascertado de chegar ao fim, que a naçaõ se propõ-
em. Por tanto he da maior urgeneia, para segurar a
tranquillidade pública, que se verifique a desejada uniaõ,
e para este fim seria muito conveniente, que sem perda
de tempo se abrisse um caminho prompto á reciproca
intelligéncia de ambos os Governos, para que entre si
desempenhem o Cargo, que lhes impõem a vontade na-
cional. Assim o espera este Geverno do assignalado
patriotismo, com que se tem distinguido o Governo, e
habitantes dessa illustre cidade.
Lisboa em 17 de Septembro de 1820.
PRINCIPAL DECANO.
CONDE DE SAMPAYO.
CONDE DE REZENDE.
CONDE DE PENAFIEL.
MATHIAS JOSÉ DIAS AZEDO.
HERMANO JOSÉ BRANCAMP DO SOBRAL.
FILLIPPE FERREIRA DE ARAÚJO E CASTRO.

Copia do officio dirigido ao Cônsul e encarregado dos Ne-


gócios d' Hespanha.

e s t l ^ 0 a S 8 Í g n a d °' S e C r e t a r Í 0 d o G o v e r n o f e r i n o
"abelecdoem Lisboa, tem a honra de communicar ao
390 Política.

Senhor D. José Maria de Pando, ConsuL, e encarregado


dos negócios do Reyno de Hespanha, que no dia 15 do
corrente mez foi installado o mesmo Governo por um
voto geral, e espontâneo, do povo desta capital, perante
os corpos militares da sua guarniçaõ, proclamando ao
mesmo tempo com os mais decididos applausos, e con-
stante respeito á nossa sancta Religião, o nosso Soberano
o Senhor Rey D. Joaõ VI, a dynastia da Real Casa de
Bragança, e a Constituição, que houverem de fazer as
Cortes; o qual acontecimento em nada altera as rela-
çoens, que subsistem entre as duas naçoens.
O abaixo assignado aproveita esta occasiaõ para apre-
sentar ao Senhor D. José Maria de Pando os protestos
da sua respeitosa attençaõ.
Palácio do Governo, em 18 de Septembro de IS20.
O Baraõ de M O L D E L O S , Secretario do Governo.

Escrer>eo-se nesta conformidade aos seguintes.

Ao Delegado Apostólico ; ao encarregado dos Negó-


cios de S. M. Britannica; ao Cônsul Geral da Naçaõ
Sarda ; ao Cônsul Geral e encarregado de Negócios da
Corte de Paris; ao Cônsul Geral e encarregado de Ne-
gócios da Corte de Vienna d' Áustria; ao Cônsul e en-
carregado dos negócios dos Estados Unidos da America
Septentrional; ao Cônsul Geral e encarregado de Negó-
cios da Corte de Berlin; aos Cônsules e encarregados dos
negócios das cidades Livres da Alemanha, e aos dos
Paizes Baixos, da Rússia, da Dinamarca, e da Toscana:
ao Cônsul do commercio da Confederrçaõ Suissa, ao
Vice Cônsul das duas Sicilias; e ao encarregado dos
Negócios Consulares da Suécia.
Política. 391

Para José Rebcllo Palhares.

Em resposta ao officio de Vm. na data de 18 de Sep-


tembro, ordena o Governo interino estabelecido em Lis-
boa se levante o embargo posto â sahida das embarca-
çoens no dia 15 de Septembro, ficando restabelecido o
estylo ordinário até ordens ulteriores.
Deos guarde a V. m. Palácio do Governo em 18 de
Septembro de 1820.
Baraõ de M O L L E L O S . Secretario do Governo.

Illustrissimo e Excellentifsimo Senhor:—Sendo pre-


sentes ao Governo interino estabelecido em Lisboa, que
em data de 16 e 18 de Septembro lhe dirigio o Conselho
do Almirantado, manda o mesmo Governo approvar
as medidas a que se referre o ultimo, relativas a ordem
que expedio por terra ao Chefe de Esquadra Intendente
da Marinha do Porto, para que fizesse recolher os Ber-
gantins, que se achavam com a commissaõ de bloquear
aquella Barra. O que se participa a Vossa Excellencia
para o fazer presente no mesmo Conselho.
Deos guarde a Vossa Excellencia. Palácio do Gover-
no Interino em 18 de Septembro de 1820.
Baraõ de M O L L E L O S .
Senhor P E D U O D E M E N D O N Ç A D E M O U R A .

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. Em virtude


da representação, que fazem alguns negociantes desta
praça, de que muitos navios estaõ próximos a chega-
rem por momentos aos portos de Lisboa e do Porto, e d e
392 Política.
que he possivel serem tomados pelos Corsários; e dese-
jando o Governo interino estabelecido em Lisboa reme-
diar a males tam urgentes e de que podem seguir-se fu-
nestas conseqüências. Ordena que o Conselho do Al-
mirantado faça immediatamente aproniptar, e sahir uma
Fragata, e mais alguns vasos, que possam obstar aos Pi-
ratas, a fim de protegerem qualquer tentativa contra os
referidos navios; e espera que sobre este importante ob-
jecto se tomem as mais enérgicas providencias
Deos guarde a Vossa Excellencia. Palácio do Gover-
no Interino em 18 de Septembro de 1820.
Baraõ de MOLLELOS, Secretario do Governo.
Senhor P E D R O D E MENDONÇA DE MOUHA.

A authorizaçaõ com que o Marechal de Campo Povoas


marchou no dia 13 de Septembro para a Juncta Pro-
visional he a seguinte.

O Marechal de Campo Álvaro Xavier da Fonseca Cou-


tinho e Povoas he incumbido pelos Governadores do
Reyno de se transportar com a maior brevidade á Cidade
do Porto para apresentar á Juncta, que se acha estabeleci-
da na sobredicta cidade, a carta, que lhe he dirigida pelo
Governo, tendente a abrir caminho á reconciliação, que
he tanto de desejar, para evitar os maiores males a este
Reyno: vai outro sim authorizado para ouvir as proposi-
çoens, que se lhe fizerem para tam saudável fim, e entrar
na discussão daquellas que lhe parecerem admissíveis.
Os Governadores do Reyno confiam da conhecida honra,
capacidade, e zelo do mesmo Marechal de Campo Po-
voas, que desempenhará esta importante commissaõ co-
Política. 393
mo he de desejar a bem do Real serviço, e da Monar-
chia.
Lisboa, Palácio do Governo em 9 de Septembro de
1820.
O CARDEAL PATRIARCHA.
MARQUEZ DE BORBA.
CONDE DE PENICHE
CONDE DA F E I R A .
ANTÔNIO GOMEZ R I B E I R O .
Chegando o dicto Marechal de Campo no dia 15 a Lei-
ria, expedio aos postos avançados a seguinte participa-
ção.
O Marechal de Campo Povoas previne o Senhor Com-
mandante dos postos avançados, que elle vai entrar nelles
como parlamentario do Governo do Reyno em Lisboa ao
Governo instalado na cidade do Porto. Deseja pois que
seja recebido como tal, e que o Senhor Commandante
faça a participação a quem competir, para poder continuar
a sua marcha.
Leiria 15 (ao meio dia) de Septembro de 1820.
ÁLVARO XAVIER DAS POVOAS.
Em conseqüência desta participação foi recebido mili-
tarmente em Pombal, e marchando no dia 16 para Coim-
bra, foi encontrado pelo Major do Regimento de Infanteria
N. 22, que tinha sido encarregado de o conduzir a Coim-
bra : logo que chegou á ponte, uma ordenança de policia
participou ao Major, que conduzisse o dicto Marechal de
Campo ao Paço do Bispo, onde já se achavam os dous
deputados da Juncta Provisional, Manoel Fernandez
Thomaz, e Roque Ribeiro de Abranches, a quem foi
apresentado. Entaõ lhes communicou a commissaõ de
que hia encarregado pelo Governo; apresentou a autho-
rliaçaõ acima transcripta, e entregou a carta do Gover-
no para a Juncta Provisional, cujo sobrescripto dizia :
394 Política.
A'Juncta que se formou na Cidade do Porto.—E receben-
do-a o deputado Manoel Fernandez Thomaz, lhe disse
que estavam a chegar o Presidente e mais deputados da
Juncta Provisional, e que logo que chegassem, e a carta
se abrisse, lhescommunicariam a sua decisaõ,
A's oito horas e meia da noite recebeo o dicto Mare-
chal de Campo, por um Ajudante d'ordens, no Collegio
de S. Jeronymo, onde estava aquartelado, o officio se-
guinte:
A Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno
me determina, que eu por este officio exija de V. S. a re-
messa das suas credenciaes originaes, ou por copia au-
thentica, para levallas ao conhecimento da mesma Juncta,
a fim de que possa deliberar curnpi idamente sobre o ob-
jecto da missaõ de V. S.: authorizando-me ao mesmo
tempo para assegurar a V. S. a prompta restituição dei-
las.
Deos guarde a V. S.—Coimbra, Paço do Governo aos
16 de Septembro de 1820.
JOZE FERREIRA BORGES.
Senhor Marechal de Campo ÁLVARO XAVIER DAS PO-
VOAS.
A este officio respondeo o mesmo Marechal cora o se-
guinte.
Tenho a honra, em resposta ao seu officio. que me lie
entregue neste momento, de enviar a V. S. a minha au-
thorizaçaõ, ou chamada credencial, para V. S. levar ao
conhecimento do Governo. Terá V. S. a bondade de
restituir-ma quando esteja satisfeito o fim porque me lie
exigida.
Deos guarde a V. S.—Quartel em o Collegio de S. Je-
ronymo 16* de Septembro de 1820.
Illustrissimo Senhor Jozé Ferreira Borges.
Álvaro Xavier da Fonseca Continho
e Povoas, M, de C.
Política. 395
Pelas onze horas e três quartos da noite recebeo final-
mente o mesmo Marechal de Campo o officio seguinte.
Tendo sido presente â Juncta Provisional do Governo
Supremo do Reyno a carta que V. S. na tarde de hoje en-
tregou a um dos seus deputados ; e havendo ordenado
que eu exigisse de V. S. as suas chamadas credenciaes,
para a vista dellas poder deliberar cumpridamente sobre
o que conviesse: depois de madura reflexão, resolveo naõ
aceitar a referida carta, nem admittir conferência alguma
com V. S.: 1.° pela forma imprópria com que V. S. se
apresentou aos postos avançados do Exercito Nacional e
Real, denominando-se com o titulo de Parlamentario,
que de nenhum modo lhe compete pela natureza ostensi-
va da sua commissaõ: 2." por ver que nos sobredictos
dous papeis se naõ dam á juncta as qualificaçoens, que
pelo reconhecimento e voto unanime da naçaõ lhe com-
petem, naõ sendo compatível com a dignidade da Juncta
Provisória, e nem mesmo com o decoro dos Senhores
Governadores de Lisboa, estabelecer-se negociação al-
guma de qualquer gênero que seja; com uma Juncta, a
quem se recusam os títulos de uma representação legiti-
ma: 3,° finalmente porque a Juncta Provisional) do Go-
verno Supremo, tendo sobejamente declarado ao publico
os seus intentos, nada tem que propor em particnlar aos
Senhores Governadores de Lisboa, a quem só pertence
fazer as proposiçoens, que julgarem convenientes â sua
particular situação.
Em conseqüência, a Juncta Provisional do Governo Su-
premo Governo do Reyno ordena, que V. S.* saia desta
cidade ás quatro horas da manhaã seguinte, para o que se
apresentará á porta do Quartel, em que V. S.» se acha, um
official, que o deve acompanhar até os postos avançados.
Inclusas achará V. S.a as suas dietas credenciaes, e
VOL. XXV. N». 149. 3E
396 Política.
carta, na mesma forma em que V. S.a entregou uma e outra
cousa.
Deos guarde a V. S. a —Coimbra, Paço do Governo aos
16 de Septembro de 1820.
JOSÉ FERREIRA BORGES.
Senhor Marechal de Campo Álvaro Xavier da Fonseca
Coutinho e Povoas.
A's quatro horas da manhaã do dia 17 se pôz em mar-
cha o dicto Marechal de Campo, com um Capitão de Ca-
vallaria, que o acompanhou até Pombal; e chegou a esta
capital na madrugada do dia 19: foi apresentar-se ao Go-
verno Interino estabelecido em Lisboa, a quem deo con-
ta do resultado da sua commissaõ, e entregou os docu-
mentos que tinha recebido.

O Governo Interino estabelecido em Lisboa expedia a se-


guinte.
Portaria.

Sendo necessário nas actuaes circumstancias satisfazer


aos ardentes desejos do publico, e facilitar a impress.iõ, e
leitura dos bons livros, e papeis Nacionaes, e estrangeiro?,
para que se naõ retarde a noticia dos acontecimentos in-
teressantes, nem a communicaçaõ de idéas úteis para se
dirigira opinião publica, segundo os princípios de unia
bem entendida liberdade civil; em quanto pelo poder
legislativo em Cortes, a quem compete, se naõ fixa uma
regra invariável sobre este objecto assas importante,
manda provisionalmente o Governo Interino estabelecido
em Lisboa, que uma commissaõ composta dos censores
Sebastião Francisco Mendo Trigoso, Reverendo Lucas
Tavares, Pedro Jozé de Figueiredo, e Reverendo Jozé
Portelli, concorrendo diariamente em uma das casas da
Política. 397
impressão Regia, e conformando-se com a instrucçaõ,
que será com esta assignada pelo respectivo Secretario
do Governo, e depois de vencida a approvaçaõ, seja au-
thorizada para conceder as licenças necessárias, naõ só
á impressão dos escriptos nacionaes, mas também â mais
prompta expedição dos Estrangeiros. As authoridades
a quem competir o tenham assim entendido, e o façam
executar sem demora.
Palácio do Governo em 21 de Septembro de 1820.
Principal Decano.
Conde de Sampaio.
Conde de Rezende.
Conde de Penaficl.
Malhias Jozè Dias Azedo.
H erma no Joze Braamcamp do Sobral.
Joze Nunes da Silveira.
Luiz Monteiro.
Francisco de Lemos Bettcncourt.
Bento Pereira do Carmo.

Avizo.

O Governo Interino estabelecido cm Lisboa manda que


a Commissaõ de censura nomeada por Portaria na data
deste se regule no sentido da primeira proclamaçaõ do
mesmo Governo de 17 do corrente, tendo em vista os
princípios adoptados unanimemente por toda a Naçaõ
Portugueza, de sermos fieis â Religião Catholica Roma-
na, a El Rey Nosso Senhor, e Sua Augusta dynastia, e á
Constituição, que haõ de fazer os representantes da naçaõ
em Cortes, devendo a mesma commissaõ ter em particu-
lar consideração, que a impressão naõ seja vehiculo de
paixoens particulares, e de princípios subversivos da or-
398 Política.
dem e tranquillidade publica, nem de doutrinas ou ainda
expressoens, que possam alterar a harmonia, e relaçoens
políticas, que felizmente subsistem com as outras Naço-
ens, mas sim um meio de illustrar o verdadeiro patrio-
tismo, e de consolidar a moderação, fraternidade, e ge-
neroso esquecimento dos males passados. O que partici-
po a V. m. por ordem do mesmo Governo.
Deos guarde a V. m. Palácio do Governo, em 21 de
Septembro de 1820.
FILLIPPE FERREIRA DE ARAÚJO E CASTRO.
Senhor Sebastião Francisco Mendo trigozo, Reverendo
Lucas Tavares, Pedro Jozé de Figueiredo, e Jozé Portelli.

Ao Real Erário baixou a Portaria do theor seguinte.

O Governo Interino estabelecido em Lisboa, querendo


que o producto dos donativos seja applicado com toda
a regularidade, e exacçaõ ao seu destino, e de um modo
digno da confiança publica, e que corresponda ao assig-
nalado patriotismo dos contribuentes; determina que no
Erário Regio, se estabeleça uma caixa separada para esta
recebedoria, de que seraõ clavicularios os negociantes da
praça de Lisboa Pedro Jozé da Silva, e Francisco Antô-
nio Ferreira, e escripturario Carlos de Mattos Pegado,
ordenando-se competentemente a escripturaçaõ respecti-
va, e dando no fim de cada semana uma relação das
quantias recebidas, e das pessoas que contribuírem, para
se publicar nos periódicos, sem dependência de outra al-
guma licença, ou despacho. O Conselheiro Thesoureiro
Mór do Real Erário, o tenha assim entendido e o cum-
pra pela parte que lhe toca.
Política. 399
Palácio do Governo em vinte um de Septembro de mil
oitocentos e vinte.
Principal Decano.
Conde de Sampayo.
Conde de Rezende.
Conde de Penafiel.
Mathias Jozé Dias Azedo.
Hermano Jozé Brancamp do Sobral.
Jozé Nunes da Silveira.
Luiz Monteiro.
Francisco de Lemos Bettencourt.
Bento Pereira do Carmo.
Registada a folhas trinta e uma verso—José Lopes de
Oliveira.

Relação dos Donativos voluntários offerecidos pelas pes-


soas abaixo declaradas para as actuaes urgências do
Estado.
1820. Ap. Gr. Papel Metal Totaes.
Sept. 18 Anselmo Jozé
Brancamp 6:000.000 6:000.000
19 Collegiada de
V. Viçosa 300.000 300.000 600.000
— Thetonio Jozé
Leite 100.000 100.000
20 Manoel Jozé
Vaz 50.000 50.000 100.000
— Jozé Lopez
Bandeira 100.000100.000 200.000

Somma Rs. 6:000.000 550.000 450.000 7:000.000


400 Política.
Observação.
O sobredicto Anselmo Jozé Brancamp, além da referi-
da apólice de 6:000.000, offereceo, e entregou uma peça
de brilhantes de três fitas de engastes, que vem a ser a
guarniçaõ de um pente grande, e tendo esta cento e dous
brilhantes cravados em transparente, avaliada em
1:500.000 rs. no estado presente.

Officio da Juncta Prov isoria do Governo Supremo do


Reyno áo Governo Provisório de Lisboa.

Illustrissimos e Excellentissimos Senhores:—A Juncta


Provisória do Governo Supremo do Reyno, desejando
conciliar os interesses da causa publica, e o bem do es-
tado com todas as particulares circumstancias, que lhe
pareceram dignas da sua attençaõ, e dar ao mesmo tem-
po á Juncta Interina estabelecida em Lisboa, ao povo
desta grande capital, e á naçaõ inteira, uma prova naõ
equivoca de seus puros, e desinteressados sentimentos :
depois de madura reflexão julgou conveniente unir a si
todos os membros do Governo Interino, para comporem
com ella um só corpo, e dividir este em duas secçoens,
na forma que consta da portaria inclusa.
A Juncta do Governo Supremo, pensa que esta medida,
adoptada, e combinada com a mais perfeita imparciali-
dade, acabará de remover todo o gênero de suspeita so-
bre a sinceridade de suas intençoens, e procedimentos, e
conciliará todos os ânimos, trazendo-os ao único ponto,
que nas presentes circumstancias deve unir todos os Por-
tuguezes, á salvação da nossa cara Pátria, e á sua futura
felicidade.
A Juncta Provisória vai a continuar sem demoraasua
marcha par a capital, que M!> tem sido retardada por cir-
Política. 401
cumstancias inevitáveis, que de nenhum modo dizem res-
peito ás reciprocas relaçoens, que ha entre ella, e o Gover-
no de Lisboa, nem tam pouco foram causadas por motivo
algum que alterasse ajusta confiança, que a Juncta tem
nos honrados, e leaes habitantes de Lisboa.
Ajuncta nada tem mais no coração do que merecer
igual retribuição de confiança e seguridade, e ver-se quan-
to antes no meio de seus irmaõs, para as demonstraço-
ens do seu júbilo, e pagar-lhes o tributo do mais cordeal
reconhecimento.
A Juncta deseja que os seus sentimentos aqui expres-
sados sejam immediatatamente presentes ao Publico por
meio da imprensa.
Alcobaça, em Juncta de 27 de Septembro de 1S20.
Presidente, Antônio da Silveira Pinto da Fonseca.
Vice-Presidente, o Commendador Sebastião Drago Va-
lente de Brito Cabreira.
Jiernardo Corrêa de Castro e Sepul-
veda.
Fr. Francisco de S. Luiz.
Manoel Fernandez Thomaz.
Roque Ribeiro de Abranches Castel-
Branco.
Jozé Joaquim de Moura.
Francisco Jozé de Barros Lima.
Secretários Jozé da Silva Carvalho.
Francisco Gomes da Silva.
Jozê Ferreira Borges.

Portaria,

A Juncta provisória do Governo Supremo do Reyno


tendo respeito aos votos públicos manifestados na capi-
402 Política.
tal, e aos méritos pessoaes de cada um dos indivíduos,
que compõem o Governo Interino, ora estabelecido cm
Lisboa: resolveo unir a si os membros do mesmo Go-
verno para ficarem compondo com ella um só corpo,
encarregado provisioriamente da direcçaõ dos negócios,
e administração pública, e dos trabalhos preparatórios
â convoçaõ das Cortes, em cuja epocha deverão cessar
infallivelmente os seus trabalhos, e dissolver-se o mesmo
corpo, como solemnemente se ha promettido, e jurado.
Considerando porém que uma associação tam nume-
rosa he absolutamente incompatível com a simplicidade,
regularidade, e unidade de um Goveruo, e imprópria para
a prompta expedição, que nas presentes circumstancias
requerem os negócios das suas differentes repartiçoens:
resolveo outro sim dividir aquelle corpo em duas Sec-
çoens : uma que continuará a denominar-se—Juncta Pro-
visional do Governo Supremo do Reyno ;—e que terá pri-
vativamente a seu cargo a administração publica em to-
dos os seus ramos; e outra que se denominará—Juncta
Provisional preparatória das Cortes,—cujo objecto será
preparar, e dispor com a maior brevidade possivel tudo
o que se julgar necessário para amais prompta convoçaõ
das Cortes, e regularidade, e boa ordem da sua celebra-
ção.
A Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno
he composta dos Seguintes Membros.

Presidente.
O Principal Decano.

Vice Presidente.
Antônio da Silveira Pinto da Fonesca.
Política. 403
Deputados.
O Conde de Penafiel.
Herrnano José Braancamp do Sobral.
O Desembargador Manoel Fernandes Thomaz.
O Doutor Fr. Francisco de S. Luiz.
O Bacharel José Joaquim Ferreira de Moura.

Encarregado dos Negócios do Reyno, e Fazenda.


O Deputado Manoel Fernandez Thomaz.

Encarregado dos Negócios Estrangeiros.


O Deputado Herrnano José Braancamp do Sobral.

Secretario dos Negócios da Guerra, e Marinha com


voto nos objectos da sua Repartição.
O Tenente General Mathias José Dias Azedo.
Ajudantes.
Do Deputado, Encarregado dos Negócios do Reyno,
e Fazenda.
O Bacharel José Ferreira Borges.
O Bacharel José da Silva Carvalho.

Do Deputado, Encarregado dos Negócios Estrangeiros.


Roque Ribeiro de Abranches Castello-branco.

Do Secretario dos Negócios da Guerra, e Marinha.


O Coronel Bernardo Corrêa de Castro e Sepulveda.

A Juncta Provisional preparatória das Cortes he com-


posta dos seguintes Membros:—
O Conde de Sampayo.
O Conde de Rezende.
O Baraõ de Molellos.
VOL. XXV. N.» 149. 3F
404 Política.
O Coronel Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira.
O Coronel Bernardo Corrêa de Castro e Sepulveda.
O Deaõ da Sê do Porto Luiz Pedro de Andrade Bre-
derode.
O Desembargador do Paço Manoel Vicente Teixeira
de Carvalho.
Pedro Leite Pereira de Mello.
O Desembargador da Casa da Supplicaçaõ Joaquim
Pedro Gomez de Oliveira.
Francisco de Sousa Cirno de Madureira.
O Desembargador do Porto Joaõ da Cunha Soto-maior.
O Bacharel Francisco de Lemos Bitancourt.
Luiz Monteiro.
O Desembargador Filippe Ferreira de Araújo e Castro.
O Bacharel José Maria Xavier de Araújo.
O Coronel de Milícias José de Mello de Castro e
Abreu.
Francisco José de Barros Lima.
O Bacharel José Manoel Ferreira de Castro.
José Nunes da Silvem.
O Bacharel Francisco Gomes da Silva.
O Bacharel Bento Pereira do Carmo.
O Bacharel José da Silva Carvalho.
O Bacharel José Ferreira Borges.

Está Juncta para melhor arranjo de seus trabalhos se


dividirá em duas ; na primeira das quaes se tractará de
tudo o que diz respeito á convocação das Cortes; ena
segunda de tudo quanto possa servir de illustraçaõ aos
objectos, que neltes se devem discutir.
Da Primeira será Presidente o Conde de Sampayo—
Vice-presidente o Conde de Rezende, e Secretários o
Baraõ de Molellos, e o Desembargador Filippe Fereira
de Araújo e Castro—E da segunda será Presidente o
Política. 405
Coronel Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira.—
Vice-presidente o Desembargador Joaõ da Cunha Sotto-
maior, e Secretários o Bacharel Francisco Gomes da Sil-
va, e o Bacharel Bento Pereira do Carmo.
A Juncta de accordo com todos os seus membros se re-
serva o poder de associar aos trabalhos destas suas com-
niissoeiis aquellas pessoas, que por suas luzes, e amor da
pátria se julgarem aptas para cooperar no desempenho
dos grandes objectos dos seus trabalhos.

Presidente. Antônio da Silveira Pinto da Fonseca


Vice-Presidente. o Commendador Sebastião Drago Va-
lente de Brito Cabreira.
Benardo Corrêa de Castro e Scpulveda
Manoel Fernandez Thomaz.
Roque Ribeiro de Abranches Castello-
branco.
iozé Joaquim Ferreira de Moura.
Fr. Francisco de S. Luiz.
Secretários. Jozé da Silva Carvalho.
Francisco Gomez da Silva.
Francisco Games da Silva.
Jozé Ferreira Borges.

Illustrissimos e Excellentissimos Senhores :—O Governo


Interino estabelecido em Lisboa acaba de receber, com
a estimação que merece, o officio e portaria inclusa,
que lhe dirigio a Juncta Provisória do Supremo Governo
do Reyno na data de 27 do Septembro, em que lhe par-
ticipa a resolução, que havia tomado de unir a si todos
os Membros do Governo Interino, para comporem comei-
la um só corpo. Reconhecendo neste arranjamento o desejo
sincero de accelerar a desejada uniaõ, e conservar a tran-
406
Política.
quillidade pública, este Governo Interino porá todos os
seus esforços em conresponder ao conceito, e confiança
da Juncta Provisória do Supremo Governo do Reyno, e
espera que esta medida conciliará todas a vontades em
um centro de unidade, a fim de se occuparem somente da
Pátria, e sua futura felicidade.
O Governo Interino recebe com particular satisfacçaõ
a noticia da próxima chegada da Juncta Provissoria do
Governo Supremo do Reyno, e mostrará em toda a occa-
siaõ os sentimentos da perfeita cordialidade, que o ani-
mam, e de que sempre dará as mais evidentes provas.
Lisboa, Palácio do Governo em 28 de Septembro de
1820.
Principal Decano.
Conde de Rezende.
Conde de Penafiel.
Mathias Jozé Dias Azedo.
Herrnano José Branéamp do Sobral.
Joaquim Pedro Gomes de Oliveira.
José Nunes da Silveira.
Francisco de Lemos Bettencourt.
Bento Pereira do Carmo.
BaraÕ de Mole lios.
Filippe Ferreira de Araújo e Castro.

Proclamaçaõ

O Governo Interino, no feliz momento, em que vai fra-


ternalmente unir-se á Juncta Provisória do Supremo Go-
verno do Reyno faltaria aos seus sentimentos, e ao seu
mais grato dever, se naõ expressasse à tropa, e a todas
as classes do generoso povo de Lisboa, quanto conresponde
a sua expectaçaõ o socego e tranquillidadade, que tem in-
Política. 407
alteravelmente reynado desde o memorável acontecimen-
to do dia 15 de Septembro.
Admirável e fiel em todos os tempos, tem excedido os
limites da grandeza, um povo que depois do decidido,
e enérgico movimento para a liberdade, sabe reprimir o
seu enthusiasmo, entregando a mais importante das cau-
sas a pessoas da sua confiança.
Agradecimentos sinceros vos dam bravos guerreiros, e
generoso povo, aquelles a quem vos entregastes: certos
nas nobres qualidades, que vos adornam, elles contam
com a vossa tranquillidade futura, e vos affiançam este
supirado bem, persistindo constantes no plano da mo-
deração.
He chegado o instante em que o Governo interino aca-
ba, naõ por terminar a sua existência, mas para reunir-
se em um so corpo com os primeiros, que levantaram o
glorioso estandarte da regeneração. No Governo Supre-
mo do Reyno considerai os membros do Governo Interino
dirigindo de commum accordo com os varoens illustres,
a quem tocaram os primeiros passos, na estrada da feli-
cidade, os negócios que vos respeitam, e a todo o Rey-
no.
A manhaã do primeiro de Outubro fará epocha memo-
rável na historia Portugueza, por ser aquella em que se
effectuou a reunião mais cordeal, toda encaminhada ao
bem publico desta naçaõ, grande por feitos de interna
fama em todas as partes do mundo, e maior pela resolu-
ção firme que tomou, e pela serenidade com que a execu-
tou.
Portuguezes : a obra em que vos empenhastes he gran-
de ; ella naõ esta acabada: nos diversos períodos, que se
seguirem, conservai a tranquillidade, que tem respirado
em vossos movimentos ; ponde a vossa inteira confiança
no Supremo Governo do Reyno: respetai a subordinação
408 Política.
e a ordem ; tudo será felizmente ultimado; e vós alean-
çareis o mais brilhaute prêmio da vossa resolução, e pa-
triotismo.
Palácio do Governo em o 1." de Outubro de 1820.
Viva a Religião, Viva El Rey, Viva a Constituição.
G. Principal Decano.
Conde de Rezende.
Mathias José Dias Azedo.
Joaquim Pedro Gomes de Oliveira.
José Nunes da Silveira.
Bento Pereira do Carmo.
Conde de Sampaio.
Conde de Penafiel.
Herrnano José Braamcamp do Sobral,
Luiz Monteiro.
Francisco de Lemos Bettencourt.
Baraõ de Mole lios.
Filippe Ferreira de Araújo c Castro.

Proclamaçaõ do Governo Provisional depois de sua en-


trada em Lisboa.

Os membros da Juncta Provisional, que foi estabeleci-


da na Cidade do Porto no faustissinio dia 24 de Agosto,
suspiraram desde entaõ por virem ao seio da capital, ao
seio desta grande e honrada cidade de Lisboa abraçar seus
irmaõs, ouvir as leaes expressoens do seu ardente enunca
desmentido patriotismo; prestar e aceitar recíprocos tes-
temunhos da mais perfeita unanimidade de interesses e
sentimentos, e ver consolidada por este meio a magnífica
obra da publica regeneração.
Nunca em seus coracoens entrou o mais leve receio de
Política. 4o9

que os illustres habitantes da capital desdissessem do cha-


racter Portuguez, ou desmentissem as grandes idéas, que
a historia nos tem tranmittido desta respeitável naçaõ, a
qual por seus gloriosos feitos he invejada dos povos mais
civilizados, e considerada pelos homens imparciaes como
a pátria do heroísmo, e o exemplar das mais sublimes
virtudes.
O feliz e sempre memorável dia quize de Septembro,
em que a capital desenvolveo toda a energia do seu zelo
pelo bem da pátria, e todo o enthusiasmo do mais nobre
patriotismo, começou a realizar as esperanças da Juncta;
mas o dia primeiro de Outubro excedeo-as de uma mane-
ira, que naõ tem exemplo na historia, nem cabe nas ex-
pressoens da mais apurada eloqüência.
Os Membros da Juncta Provisional observaram, com
grande sensibilidade, as extraordinárias demonstraçoens
de applauso, com que foi festejada a sua entrada nesta
capital, portoda a qualidade de classes e pessoas delia; e
a sua gloria foi completamente coroada pelo gracioso
acolhimento, que encontrou dos illustres membros do
Governo Interino, com quem ao presente se acha unida
tanto pelos vínculos do respeito e veneração, que deman-
dam suas pessoaes qualidades, quanto pela perfeita una-
nimidade de princípios e interessses relativamente ao
grande objecto da felicidade publica.
Os Membros da Juncta Provisória, cheios de prazer e
satisfacçaõ, e animados dos mais puros sentimentos, pa-
gam com gosto o devido tributo do seu reconhecimento
a todas as classes, ordens, e pessoas da capital, e em es-
pecial aos illustres Membros do Governo Interino, e jul-
gam naS ter outro meio mais próprio de desempenhar-se
da honrosa divida que tem contrahido, do que trabalhan-
do com incessante desvello, e empregando todas as suas
410 Política.
forças nafelizconsummaçaõda gloriosa, posto que árdua,
erapreza, que he ao presente o único alvo a que se diri-
gem os ardentes desejos de todos os Portuguezes.
Lisboa 2 de Outubro de 1820.
Com as assignaturas de todos os Membros do Governo
Provisional, que entraram em Lisboa no dia 1.° de Outu-
bro.

Para o Bispo Conde de Arganil Reformador Reitor da


Universidade de Coimbra.

Excellentissimo e Reverendissimo Senhor—A Juncta


Provisional do Governo Supremo do Reyno determina,
que a Universidade de Coimbra se abra no dia 15 do cor-
rente, para na mesma se continuar & freqüente exercício
das suas cadeiras: o que participo a Vossa Excellencia
para sua intelligencia, e para que assim se execute.
Deos guarde a Vossa Excellencia. Palácio do Gover-
no em 2 de Outubro de 1820.
MANOEL FERNANDEZ THOMAZ.

A' Juncta Provisória do Supremo Governo do Reyno :


(falia do Juiz do Povo de Lisboa—em Sacavem.)

Illustrissimos e Excellentissimos Senhores.—A Casa


dos vinte e quatro, como representante dos grêmios, e po-
vo desta capital, em nome de todos os seus habitantes,
agradece do fundo dos seus coraqoens a Vossas Excellen-
cias o honrado, e decidido patriotismo, com que Vossas
Excellencias, arrostando generozamente tam sublimes, e
árduas fadigas, libertaram a pátria, quebrando-lhe os du-
Política. 411
ros ferros que a tirannizavam, para lhe abrir o delicioso
caminho da cara e doce liberdade: estes mesmos sagra-
dos princípios, gravados nos leaes coraçoens de todos os
Lisbonenses, lhes prescreveram os puros desejos, que
arriscadamente desempenharam, naõ temendo o despo-
tismo, que, no memorável dia 15 do passado mez, glorio-
samente amiihilaram. Queiram pois Vossas Excellen-
cias, cujos nomes ficarão em eterna lembrança de todos
os presentes, e futuros habitantes desta cidade, aceitar
benignos os puros votos, e as sinceras expressoens de re-
conhecimento, e gratidão, que elles cheios de prazer offe-
recem, em quanto se retarda o feliz momento de com a
própria boca expressarem os justos sentimentos de seus
gratos coraçoens.
Deos guarde as preciosas vidas de Vossas Excellencias
por muitos annos. Lisboa o 1.° de Outubro de 1820.—
Como representante dos 24.

O Juiz do Povo, JOAÕ ALVES.

Portaria.

Sendo necessário, que nas actuaes circumstancias se


empregue toda a vigilância a bem da segurança, e da
conservação da paz, e socego publico, assim da capital,
como do Reyno; e con vindo muito que para conseguir
fim tam importante se tomem as medidas mais efficazes,
emais promptas, que sem duvida naõ saõ compatíveis
com as delongas, e demoras, que de ordinário acompa-
nham as participaçoens, informaçoens, e ordens, que por
escripto secostumaõ dar á Intendencia Geral da Policia,
para serem communicadas pelo expediente delia; encar-
Vox XXV. N-. 149. 3 G
412 Política.
regamos desta repartição, e de todos os objectos, que se
acham na sua administração o Desembargador Filippe
Ferreira de Araújo e Castro, para que na qualidade de
Membro do Governo possa propor pessoalmente, e haver
logo a resolução sobre tudo o que julgar conveniente para
a mais pontual observância das leys, e regulamentos, que
ha sobre esta matéria-, dando aquellas providencias, que
mais acertadas lhe parecerem para o bom excito da causa,
em que a naçaõ felizmente se acha empenhada: ficando
por tal modo suspensa, em quanto as Cortes naõ resol-
verem outra couza, a commissaõ que tinham o Desem-
bargador do Paço Joaõ de Mattos Vasconcellos Barboza
de Magalhães, e os Desembargadores seus Ajudantes,
visto que por falta da referida qualificação naõ podem
continuar no exercito delia. As authoridades a quem
competir o tenham assim entendido, e o executem pela
parte que lhes toca. Palácio do Governo em 6 de Outubro
de 1820.
Com as Rubricas dos Membros da Juncta Provisional
do Governo Supremo do Reyno.

Portaria.

Considerando que a execução literal do paragrapho


quarto do Alvará de 30 de Maio de 1820, relativo aos
direitos de entrada do Trigo, Milho, Cevada, Senteio, e
Farinha Estrangeira nós Portos de Portugal, e Algarve,
pode ter uma influencia nociva sobre o bem publico,
sem melhorar os interesses da Fazenda, antes com mani-
festo prejuízo delles: A Juncta Provisional do Governo
Supremo do Reyno manda suspender o effeito do mesmo
paragrapho 4o do referido Alvará, em quato se naõ dam
Política. 413
mais adequadas providencias sobre objecto de tanta im-
portância, ou as Cortes Nacionaes se naõ ajunctam, para
sobre elle resolverem em geral o que convém ao inte-
resse público. Considerando-se entretanto subsistentes, e
em vigor, as ordens por que até agora se regulava a im-
portação de graõs estrangeiros. O Conde de Peniche, In-
spector do Terreiro publico o tenha assim entendido, e
faça executar. Palácio do Governo em 6 de Outubro de
1820.
Com as Rubricas dos Membros da Juncta Provisional
do Governo Supremo do Reyno.

Avisos.
Para Joaquim Annes de Carvalho.
A Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno
tem nomeado a V. m. de commum accordo com a Juncta
Preparatória das Cortes, para deputado pela Provincia
de Alemtéjo, e com exercício na mesma juncta: e ordena
que V* m. venha logo a esta cidade, e se apresente ao
Presidente da sobredicta Juncta Preparatória para as
Cortes.
Deos guarde a V. m. Palácio do Governo em 6 de
Outubro de 1820.
MANOEL FERNANDES THOMAZ.

Para o Prelado de Thomar.

A Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno


tem nomeado de commum accordo com a Juncta Provi-
sional Preparatória das Cortes, para Deputado pela Pro-
414 Política.

vincia de Alémtéjo e com exercício na mesma Juncta


Provisional Preparatória a Joaquim Annes de Carvallo,
Freire Conventual do Convento de Thomar. O que par-
ticipo a V. S. de Ordem a Juncta Provisional do Gover-
no Supremo do Reyno, para que assim o tenha enten-
dido,
Deos guarde a V. S. Palácio do Governo em 6 de Ou-
tubro de 1820.
MANOEL FERNANDES THOMAZ.

Para José Francisco Fernandes Corrêa.


A Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno
tem nomeado a V. m. de commum accordo com a Juncta
Provisional preparatória das Cortes, para deputado pela
Provincia de Alémtéjo, e com exercício na mesma juncta :
E ordena que V. m. venha logo a esta cidade e se apre-
sente ao Presidente da sobredicta Juncta Provisional pre-
paratória para as Cortes.
Deos guarde a V. m. Palácio do Governo em 6 de
Outubro de 1820.
M A N O E L F E R N A N D E S THOMAZ.

Para Manoel Christovas de Figueiredo Mascarenhas.

A Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno


tem nomeado a V. m. de commum accordo com a Juncta
Provisional preparatória das Cortes para deputado pelo
Reyno de Algarve, e com exercício na mesma Juncta,
com o outro deputado o Coronel Sebastião Drago Va-
lente de Brito Cabreira, que he ja um dos Presidentes da
Política. 415

Commissaõ para a convocação das Cortes, na conformi-


dade da Portaria de 27 de Septembro, próximo passado
datado de Alcobaça: E ordena que V. m. venha logo a
esta cidade, e se apresente ao Presidente da sobredicta
Juncta provisional preparatória das Cortes.
Deos guarde a V. m. Palácio do Governo em 6 de Ou-
tubro de 1820.
M A N O E L FERNANDES THOMAZ.

A Juncta Provisional preparatória das Cortes, toman-


do por base dos seus trabalhos e desejo de acertar, e a
justa consideração, que he devida ao merecimento em qual-
quer classe ou indivíduo que elle exista, tem determina-
do consultar naõ só as corporaçoens Scientificas» e os
homens conhecidos pela sua profissão Literária, mas
também acolher com toda a cordialidade quaesquer
trabalhos, que lhe forem dirigidos pelas pessoas a quem
a sua moléstia impede de figuarem com ostentação Scien-
fica. E porque o primeiro objecto he determinar-se o
melhor, eo mais prompto modo de organizar a Represen-
tação Nacional em Cortes, a Juncta deseja ouvir a opini-
ão mais illustrada, a fim de se conciliar a facilidade, e eco-
nomia da convocação, com a legitimidade, que só pôde
deduzir-se do consentimento da Naçaõ e da conveniente
expressão da vontade geral: a communicaçaõ de quaes-
quer trabalhos sobre esta matéria deve fazer-se, no prazo
de vinte dias, e pelo expediente do Secretario da mesma
Juncta Provisional preparatória das Cortes.
Lisboa em 6 de Outubro de 1820.
F I L I F P E FERREIRA DE ARAÚJO ECASTBO.
416 Política.
Illustrissimos e Excellentissimos Senhores da Juncta
Provisional de Governo Supremo do Reyno.—A gloriosa
regeneração política de Portugal, a concorde uniaõ dos
dous Governos, e o di ctoso futuro, que nos espera, tem
enchido do maior jubil o o coração dos Portuguezes. Os
públicos regozijos, e o onthusiasmo geral he prova irre-
fragavel desta solida ve rdade.
Os Membros da Assemblea Portugueza faltariam ao seu
dever, e ao honrado character de verdadeiros, e leaes
Portuguezes, se naõ dessem uma publica demonstração
do intenso prazer de que estaõ possuídos, celebrando
tam fausto motivo, com um Bailie, que pertendemdar
no dia 12 do Septembro, dia que também he o do An-
niversario do Principe Real o Sereníssimo Senhor D
Pedro.
Por tam plausível occasiaõ tem a honra de apresentar-
se na presença de Vossas Excellencias, nas pessoas dos
abaixo assignados, protestando a sua adhesaõ a tam glo-
riosa causa, felicitando os Heroes da Pátria por tam hon-
rosa em preza.
MANOEL DOS PASSOS OTTONE.
MANOEL R I B E I R O GUIMARAENS.

ALEMANHA.

Circular do Gabinete de Áustriat ás differentes Cortes


da Alemanha.
Os ultimentos acontecimentos no Reyno de Nápo-
les tem provado, mais clara e impressivamente do
que nenhumas outras occurrencias precedentes deste
gênero; que ainda mesmo em um Estado regular e bem
governado, no meio de ura povo quieto e temperado, «a-
Política. 417

tisfeito com o seu goveruo, a envenenada influencia de


seitas revolucionárias podem causar as mais violentas
convulsoens, e uma revolução repentina. Porque he cla-
ramente demonstrado, que as intrigas dos Carbonari so-
mente, sem impulso externo, até mesmo sem plausível
pretexto, causaram aquelles movimentos sediciosos, que
induziram S. M. El Rey de Napoies, em um momento de
embaraço, a depor o Governo, e dissolver toda a authoridade
existente, e proclamar uma constituição absolutamente
estranha a seu paiz; e ainda naõ experimentada, mesmo
no paiz que lhe deo nascimento; em outras palavras a
anarchia como ley.
S. M. o Imperador está convencido de que este inespe-
rado acontecimento terá feito a mais viva impressão em
todas as Cortes Alemãas. Elle ensina por um memorável
exemplo, quam perigoso he contemplar com indiffe-
rença e deprezo, as operaçoens de associaçoens se-
cretas, e de conspiraçoens mettidas na escuridão, e
quam sabiamente tem obrado os príncipes Alemaens em
oppôr a vigilância e o vigor aos perigosos symptomas
destas perniciosas tentativas. S. M. o Imperador acha-
se especialmente interessado nestes infelices aconteci-
mentos, por suas relaçoens pessoaes e políticas; por sua
mui próxima affinidade com vários dos Príncipes Itali-
anos, e pela posição geographia de seus dominios. A
ordem politica de cousas, estabelecida em 1815, sob a
garantia de todas as potências Europeas, fez com que a
Áustria fosse natural guarda e protectora da tranquilli-
dade publica na Itália. O Imperador está firmemente
resolvido a cumprir esta alta vocação; conservar todo o
avanço de movimentos tumultuarios, distante de suas
fronteiras, e das de seus vizinhos, naõ soffrer infracçoens
violentas dos direitos e relaçoens dos principes Italianos,
assegurados por tractados, e se os meios legaes e admi-
418 Política.
nistrativos nau ministrarem sufficiente protecçaõ, recor-
rer ás medidas mais enérgicas. Felizmente a presente
situação das Potências Europeas, e o espirito de paz,
que as anima todas, he um penhor de que taes medidas
naõ conduzirão a hostilidades políticas ou guerras entre
os Estados. Se a força (da qual S. M., cujo amor da jus-
tiça da moderação 6aõ bem conhecidos, naõ procederá
a usar, senaõ na extrema necessidade) for inevitável,
nunca será empregada contra o poder legitimo, mas so-
mente contra rebeldes armados. Mesmo neste caso, se
assume a possibilidade com a maior reluctancia. S. M. o
Imperador naõ reclamará a immediata accessaõ ou au-
xilio de seus Alliados Alemaens. As medidas requisitas
para manter a paz e a ordem na Itália, ficam inteiramen-
te além da esphera da cooperação da Confederação Ger-
mânica, como se acha fundada no Acto Federal, e longe
de desejar afastar-se dos princípios estabelecidos em com-
mum sobre este ponto; pelo contrario, S. M. está prompto
a fazer todos os esforços e sacrifícios, em ordem a afastar,
da maneira mais efficaz, a contingência de tal coopera-
ção, e de todo o perigo, que possa induzir a isso, remo-
vendo tal perigo das fronteiras dos territórios da Confe-
deração Alemaã. Por outra parte, he certamente im-
portante e desejável, que, em quanto a Áustria dirige
seus cuidados e esforços, para tam útil e saudável empre-
za, possa descancar com plena confiança, na impertur*
bavel tranquillidade no interior da Alemanha. E com
quanto a sorte da Itália possa occupar a attençaõ do Im-
perador, S. M. nada menos tomará o mesmo vivo inte-
resse nos negócios de Alemanha, e satisfará, na plena ex-
tençaõ, os seus deveres como membro da Confederação.
Porém inspira a S. M. indizivel satisfacçaõ, econfiançaa
todos, o poder dizer a si mesmo, que em quanto as Còr-
Política. 419
tes Alemaãs forem guiadas por aquelle vivo sentimento
dos deveres, que lhes impõem a presente terrifica situa-
ção do mundo politico, epor aquelle espirito de unidade,
firmeza e sabedoria, tam evidentemente manifestado na
ultima negociação em Vienna, e expressado da maneira
mais cheia de dignidade, no fim dessas negociaçoens, por
alguns dos primeiros Governos Alemaens: nada ha que
temera respeito da nossa pátria commum; reserva-se
grande gloria para a Alemanha, se ella achar na prudên-
cia e firmeza de seus Príncipes; na inviolável manuten-
ção de suas existentes constituiçoens; nos fieis sentimen-
tos de seus povos; na poderosa garantia de sua uniaõ, os
meios e a energia, que precisa para manter, neste terro-
rifico tempo, a sua paz interna, as suas instituiçoens
legaes, a sua independência, a sua dignidade, e o seu an-
tigo character. S. M. está convencido de que nenhum
de seus nobres Alliados Alemaens será insensível a tal
gloria, e elle se julgará feliz, se puder algum dia recla-
mar parte delia na consciência de se naõ ter poupado a
esforços, nem sacrifícios, para promover tam grande e
glorioso fim.

RÚSSIA.

Palia de S. M. o Imperador, na abertura da Dieta de


Polônia aos 13 de Septembro, de 1820.
Representantes do Reyno de Polônia!—He com real
satisfacçaõ, que me acho pela segunda vez entre vós,
com prazer vos renovo a segurança de que sigo o impulso
do meu coração, e ponho em effeito um de meus mais
ardentes desejos, quando vos ajuncto aqui para cooperar
VOL. XXV. No. 149 H
420 Política.
na mantença e desenvoluçaõ de nossas instituiçoens soci-
aes.
A minha confiança em vós foi origem destas institui-
çoens, a vossa confiança em mim as consolidará.
O meu objecto, quando eu vôllas dei, foi combinar o
poder Soberano, com o poder intermediário; e com os
direitos e necessidades legaes da sociedade.
Considero estes laços como indispensáveis; mas para
serem duráveis requerem um apoio, da falta do qual tudo
neste mundo degenera e decáe.
Naõ nos esqueçamos de que as instituiçoens deste gê-
nero saõ somente obra humana. Como o homem, pre-
cisam de apoio na sua fraqueza, e de guia contra o erro :
e, como elle, somente podem achar tal apoio e tal
guia, na moral Christaã, e em suas divinas doutrinas.
Tendes permanecido Polacos; trazeis este honroso
nome ; mas, ja uma vez vos disse, que somente a appli-
caçaõ dos princípios de moral e beneficência vos podem
restituir tam honroso direito. Segui, portanto, de vossa
parte, aquellas saudáveis doutrinas ; tirai de suas fontes
aquelles sentimentos de probidade, que ellas vos pres-
crevem, tanto para com vosco como para com os os ou-
tros : tirai dellas aquelle amor da verdade, que só se di-
rige á verdade, e que ouve e falia somente a sua lingua-
gem, entaõ me apoiareis poderosamente, consolidando a
obra de vossa regeneração.
Tenho-vos faltado pallavras de verdade ; porque he a
verdade o que de vos exijo. Desejo ouvilla de vossas bo-
cas: que a ouça com franqueza, porém também com
compustura e cordialidade.
A pparecer-vos-ha em plena luz, quando a buscardesna
realidade, e naõ em vaas abstracçoens, logo gue julgarei»
de vossa situação, segundo o testemunho dos aconteci-
mentos, e naõ segundo theorias, que nos nossos dias,
Política. 421
quer trazer a publico a ambição derrotada ou nascente.
Ultimamente, a verdade marcará vossas opinioens,
sempre que vós attenderes somente á vóz dos grandes
interesses» que vos estaõ confiados; e sempre que bani-
res de vossa lembrança toda a acrimonia, todo o objecto
parcial, e vos mostrareis assim dignos de vossa honrosa
missão.
Entaõ, e naõ antes disso, tereis cumprido o vosso dever;
eu cumpro agora com o meu.
Os meus Ministros vos apresentarão um esboço de to-
das as medidas de organiçaõ e administração, que se tem
adoptado nestes dous annos. Sem duvida reconhecereis
com allegria, o bem que ellas tem effectuado, quando o
comparardes com aquelles males, cujos enganos se de-
viam riscar. O desejo de obter este objecto, talvez naõ
tem sempre seguido o caminho, que prescrevia a forma
de administração, que promptamente vos dei. Talvez,
também, necessidades urgentes e simultâneas tem cau-
sado por suaconcurrencia um augmento nas despezas ne-
cessárias.
As minhas vistas, porém, naõ tem mudado: e he a minha
firme vontade, que, para o futuro, se sigam os regula-
mentos uma vez estabelecidos, e se tenha o mais escru-
puloso cuidado em economizar os recursos dos que pa-
gam as contribuiçoens.
Os dejesos, que me manifestastes foram considerados
com a maior seriedade. Ouvireis, como elles tem sido
ja satisfeitos em parte; e para o futuro se satisfarão em
outra parte. Ouvireis, porque foi necessário demorar a
astisfacçaõ de alguns, e abandonar outros. Entre aquel-
les, que o Governo tem voluntariamente concedido, saõ
os projectos de ley, que vos seraõ apresentados.
(S. M. enumerou entaõ algumas destas propostas leys,
422 Política.
que deseja sejam plenamente examinadas, quando forem
submettidas á sua consideração; e conclue assim:—)
Representantes do Reyno da Polônia!—Mostrai á vos-
sa pátria, que, apoiados por vossa experiência, vossos
princípios, e vossos sentimentos, sabeis como manter
uma independência pacifica, uma liberdade pura, sob a
protecçaõ das leys. Mostrai aos vossos contemporâne-
os, que esta liberdade he amiga da ordem ede suas bên-
çãos; que voscolhereis 03 seus fructos; porque sabeis
como resistir, e resistireis sempre, às insinuaçoens da
inveja, e perigo do exemplo.
Ha paizes, aonde o uso e abuso estaõ postos em uma
e mesma linha; aonde o espirito do mal excita a vaã ne-
cessidade de servil imitação, e tenta recobrar outra vez
seu terrível mando. Ja predomina em uma parte da Eu-
ropa, ja amontoa aquelles crimes e convulsoens, uns sobre
outros.
Naõ obstante estes infelizes acontecimentos, o meu
systema de Governo ficará sempre o mesmo. Tenho de-
duzido os seus princípios do mais profundo sentimento
dos meus deveres.
Cumprirei sempre escrupulosamente esses deveres.
Mas isto se naõ faria perfeitamente, se eu fechasse os
olhos ás grandes verdades, que a experiência nos ensina.
Sem duvida a idade em que vivemos requer leys pro-
tectoras, como bazes e garantias da ordem social. Po-
rém a nossa idade também impõem aos Príncipes o dever
de preservar aquellas leys da maligna influencia de paixo-
ens, sempre inquietas e sempre cegas
A este respeito recáe sobre vós, assim como sobre mim,
grande responsabilidade. Ordena-vos seguir fielmente
o caminho, que vos prescrever o vosso juizo, e o recto
sentimento do dever, ordena-me *avizar-vos francamente
dos perigos, que vos podem cercar afimde defender contra
Política. 423

elles vossa Constituição, obriga-me a julgar das medidas,


que sou chamado a decidir, segundo suas conseqüências
reaes; naõ segundo as appellaçoens com que o espirito
de partido trabalha algumas vezes por adornállas. Ulti-
mamente obriga-me, em ordem a prevenir a producçaõ
do mal, ou a necessidade de remédios lentos, para des-
arreigar as sementes da destruição assim que apparece-
rem.
Esta he a minha inalterável resolução. Nunca nego-
ciarei a respeito de meus princípios, nem me submette-
rei ja mais a consentir em cousa alguma, que lhe seja
opposta.
Polacos! Quanto mais firmemente se consolidarem
os paternaes laços, que vos unem perpetuamente á Rússia
quanto mais penetrados estivereis das consideraçoens,
que elle6 em vós despertam, tanto mais se entenderá
e facilitara a carreira, que vos tenho aberto. Alguns
passos mais, sob a guia da sabedoria e da moderação,
caracterizadas, pela confiança e probidade, e ohegareis á
meta de vossas esperanças. A experiência de que a tran-
quilla operação de vossa liberdade consolida vossa exis-
encia nacional, e estabelece uma indisoluvel communhaõ
de felicidade entre as nossas duas naçoens, me dará en-
taõ dupla recompensa.
( 424 )
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LONDRES, 25 de Outubro, de 1820

Generoi. Qualidade. Preços. Direitos.

Bahia por l b . l s . l&p. a l s . 2£p.


Ç Capita iia. .
1 Ceará , 2p. ls. 5p. 8s. 7p. por 100 lb.
Açodam . . J Maranliam .. lp. ls. 3èp em navio Po rluguei
1 Minas novas l s . Op. ls. 2|». ou Inglez.
I Pará l s . Op. ls. 2p.
^•Pernambuco l s . 2p. ls. 3|p
Anil. ...Rio & por lb
. Redondo . . , 43s. a 48s.
Assacar . < Batido 49s. a 58s.
Mascavado 34s. a 38s. . Livre de direitos por
Arroz Brazil exportação.
Cacáo Pará.. 55s. 65s
Cafte Rio.. 122s. 125».
Cebo Rio da Prata 3s. 2p. por 1121b.
Chifres. Rio Gande por 123 50s. 60s. 5». por 1121b.
_ A 8*P- e*p.
Rio da Prata,a, pilha < B

7èp. a 7jp. 10 p. por couro


i Rio Grande

Pernambuco, salgados
i
] 1*
C
6p. a 6JP.
Sp. a 6jp.
Rio Grande de cavalto
pecacuanha Brazil por lb. J4 8 . op à 15s. 6 P 4s.
Óleo de cupaiba .1 i s . 2p. a l i . 4p 2«.
|porlUlb.
Orucu I 4s. Op
Pão Amarelo. Brazil 120B, 130s. ) direitos pagos pelo
Pao Brazil . . . . Pernambuco j comprador,
Salsa Parrilha. Pará ' 1». g p , a 2s, 2 direitos pagos pelo
_ . Cem rolo., > comprador,livrc por
Tapioco ^e m fo,ha ' exportação
Tapioca Brazil., 18p, <i4 porlb.

Câmbios com as seguintes praças.


Rio de Janeiro . . 64 Rambuigo 37 8
Lisboa . • 50 Cadiz . 364
Porto . 5« Gibraltar 30
Paris . • 25 80 Geuovu 43}
Ainsterdam . 12 7 Malta 45

Espécie Seguros.
Ouro cm barra £3 17 10 Brazil. Ilida 30». Volta .ini
Deças de 6400 reis 3 14 6 Lisboa 25s. 30i
Pobrocns Hespa- por Porto 30i
nhoes - 4 10 .onça. Madeira 20i
P e z o s . . . .dictos 4 11 Açores 20».
Prata em barra Rio da Prata 42*. « i
Bengala GO» 62i
( 425 )

LITERATURA E SCIENCIAS.

NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.

Johnson's Essay on the uses of saltfor Agricultural


purposes. preço 3s. Ensaio sobre os usos do sal, para
os fins da agricultura e horticultura; com instrucçoens,
segundo as mais modernas authoridades, para o seu em-
prego como estrume, e no mantimento do gado. Por
CuthbertW. Johnson.

Mc. Gregor*s calculation of the solar Ecclipse in Sep*


tember 1820: preço 3s. Calculo analytico do eclipse
solar, aos 7 de Septembro de 1820. Por D. Mc. Grego r.

Blaire*s Canine Pathology t preço 7*. 6d. Pathologia


Canina, ou descripçaõ completa das moléstias dos caens;
com suas causas, symptomas e methodo curativo; sendo
tudo o resultado da pratica do author, durante 20 annos
de extença experiência; enriquecida de numerosas notas
sobre o tractamento geral destes animaes; e precedida de
um capitulo introductorio, sobre as qualidades moraes
do Caõ. Por DelabereBlaine, Cirurgião Veterinário.
42G Literatura e Sciencias
Ellistsorfs on Prussian Acid, preço 5.?. 6d. Numerosos
casos, para illustrar a eíficacia do ácido Hydrocyanico ou
Prussico; nas affecçoens do estômago, com um relatório
sobre a sua eíficacia nas moléstias peitoraes e outras, em
que se tem ja recommendado; e alguns factos relativos
á necessidade de variar a doze dos remédios segundo
as circumstancias; e o uso do ópio na diabetes. Por
Joaõ Ellistson, M. D. Medico assistente no Hospital de
S. Thomaz, &c. &c.

Bigland*s History of the Jews: preço 4Í. 6d. Com-


pêndio da histórica dos Judeus, particularmente destina-
da ao uso das escholas e gente moca. Par Joaõ fiig-
land.

MilVs British índia, 6 vol. 8.*° 3/. 12s. Historia da


índia Britannica. Por James Mill, Esc. (Segunda Edi-
çaõ accrescentada.)

Atkinson's Orttithology. hW» preço 8s. Compêndio da


Ornithologia da Gram Bretanha, relativamente á Anato-
mia e Phisiologia dos pássaros. Por Joaõ Atkinson,
Membro de Real Collegio de Cirurgioens, &c &c.

Annals of Oriental Literatura. O N.* 1. e 2." dos


Annaes de Literatura Oriental. Contem 1.° Descripçaõ
de Asam, com algumas noticias relativas aos territórios
vizinhos; por Francis Hamilton M. Di l. Comparação
analytica das línguas Sanscrit, Grega, Latina, e Teutoni-
Literatura e Sciencias. 427
ca, mostrando a identidade original de sua estructura
grammatica; por F. Bopp. 3. Traducçaõdo Mahabha-
rata, antigo poema épico dos Hindus. 4. Traducçaõda
Geographia de Idrisi. 5. Anthologia Persiana; por
Gulchin: traducçaõ do Shah Nama de Firdausi. 6 Tra-
ducçoens originaes do Chinez. Preço de Cada N.° fís.

Moubratfs On breeding Poultry, Sfc. preço 6». Trac-


tado practico sobre a criação e ceva de toda a sorte de
aves domesticas, faizoens, pombas, coelhos; incluindo
também uma interessante narrativa do methodo Egyp-
ciaco de chocar os ovos por calor artificial, com algumas
experiências modernas sobre o mesmo. Por Bonington
Moubray, Esc.
Nesta terreira edicçaõ (1820) vem addictamentos, so-
bre a criação e manejo dos porcos, vacas de leite, &c.

ECONOMIA POLÍTICA DE SIM0NDE,

CAPITULO VIII.
Dos tractados de Commercio.
(Continuado de p. 282)
Mr. Pitt, expondo as vantagens comparativas do trac-
tado de commercio, para a Inglaterra e para a Prança,
tinha feito estudo em alçar as primeiras e abater as se-
gundas: naõ via de uma parte senaõ oito milhoens de
consumidores, e da outra vinte e quatro milhoens. De
facto a França obtinba um mercado tam vantajoso como
a Gram Bretanha; além de que naõ se percebe de masia-
do a razaõ porque elle naõ fazia entrar em seu calculo
9
VOL. XXV. N. 49. 3I
428 Literatura e Sciencias.
que a Inglaterra só, d'entre os três reynos unidos, abria
um mercado muito mais rico â França, do que esta lhe
offer^cia. Os consumidores ricos tem necessidades mui-
to mais extensas do que os consumidores pobres, e fa-
zem compras muito mais consideráveis. A demais, os
subditos da Gram Bretanha, em um e outro hemispherio,
vera a ser indirectamente consumidores da França; por-
que todos os productos de nosa industria, que podem
convir à índia ou ás colônias lnglezas, teriam sido com-
pradas para ellas pelos Inglezes, desde o momento em que
naõ fossem sobrecarregadas de direitos.
A França pôde produzir uma quantidade prodigiosa de
vinho, alem do seu consumo: muitas vezes produz além
do que o commercio pôde dispor, ao ponto de fazer aba-
ter o preço relativo desta mercadoria abaixo de seu pre-
ço intrínseco, e isto he o que tem freqüentemente redu-
zido ã miséria os fabricantes de vinhos, e os proprietá-
rios das vinhas; porém, se o vasto e rico paiz, que avi-
zinha com a França, e que poderia com tanta vantagem
aproveitar-se de seus vinhos, lhe fosse aberto, o seu pre-
ço relativo se manteria sempre, e a cultura da vinha,
que he,entre todas as outras, aquella, cujo producto bru-
to he mais considerável, proporcionalmente â extençaõ
do terreno, a que põem em movimento mais maõd'obra,
que faz viver a mais numerosa população, seria anima-
da; porque daria um producto liquido ao menos igual ao
de qualquer outra cultura: todas as encostas, que hoje
em dia sô estaõ cubertas de ervas inúteis, poderiam ser
convertidas em vinhas, e povoadas de habitaçoens;
maior necessidade de trigos, para nutrir tantos homens
empregados nas vinhas, animaria também a cultura desta
mercadoria, e nem os maninbos nem os baldios fariam
vergonha ao nosso systema de agricultura. A popula-
ção da França cresceria, mas somente na razaõ do aug-
Literatura e Sciencias. 4t9
mentode suas rendas, e por conseqüência de uma manei-
ra, que naõ seria pezada. Taes saõ as esperanças, que
se poderiam fundar na libbertaçaõ de nosso commercio
com a Inglaterra, assim como também o augmento de
nossa exportação de vinhos para a America, até que este
vasto continente seja assas povoado, para que o preço
excessivo da maõ d'obra naõ obste ali a cultura da
vinha: tal éra o beneficio, que poderíamos receber do
tractado de commercio de 1786. Mas os Governos tem
sempre prestado menos attençaõ ás reclamaçoens dos
camponezes e proprietários de terras, do que ás dos ne-
gociantes: seja porque os primeiros naõ eram animados
pelo espirito de corporação, e por isso mais diffícilmente
formavam idéa de seus próprios interesses; seja por que
se empenhavam com menos calor em proseguiilos; e se
distingutam por maior desinteresse, do qual davam dia-
riamente provas, sacrificando suas vantagens, ao que
suppunham ser vantagem do commercio.
Os emprezarios de muitas manufacturas se queixavam
amargamente, de que abrindo-se a entrada das manufac-
turas lnglezas na França, se faziam decair os lucros, que
elles deviam ao monopólio. Todas as fabricas, cuja exis-
tência éra artificial, que trabalhavam caro, e cujo valor
intrínseco éra mais subido, que o preço relativo livre,
foram, com effeito, fechadas, ou pelo menos diminuídas
em seu trafico. Ainda que essas fabricas naõ fossem nu-
merosas, e que os seus producto fossem cousa de pouca
monta, comparados ao producto total da industria Fran-
ceza; os seus clamores se fizeram ouvir de um cabo do
Império ao outro. Se se tivesse comparado a industria,
em tempo que padecia, com a industria, cuja prosperi-
dade se t inha augmentado, se acharia, qua os fabrican-
tes, que clamavam, naõ produziam no anno quinze mi-
lhoens de mercadorias; ao mesmo tempo que a França
430 Literatura e Sciencias.
produzia, em anno tommum, pelo calculo mais mode-
rado ao menos trezentos milhoens de vinho* ; e que esta

* Suppondo que o numero de estrangeiros, que bebem vinho


da França, naõ faça mais do que compensar o dos Francezes,
que usam outra qualquer bebida, que naõ sejam os vinhos de
nosso crescimento, podemos partir de um consumo de trinta mi-
lhoens de indivíduos. Ora, naõ se pode certamente avaluar o
consumo annual de cada individo em bebiba, uns pelos outros,
em valor menor de 10 francos, o que dá, quando muito uma ca-
nada fpinteJ de vinho, por semana, a cada um. O consumo
annual da França, em bebidas, será, poi.s, de 300 milhoens, e
nós o suppomos igual á sua producçaõ. Esta poder-se-hia
mais que dobrar. Neste calculo naõ se tracta de exportação,
mas sim de producçaõ ; porque as manufacturas, que se temem
da liberdade do commercio, e ás quaes nós comparamos os vi-
nhos, naõ podem ser exportadas; pois achariam nos paizes es-
trangeiros a concurrencia dos Inglezes, da qual se procuram
abrigar, no seu paiz.
Quanto a exportação dos nossos vinhos e aguas-ardentes para
Inglaterra; sobio no anno de 1788 ao valor del3:500.000 francos,
e se, pelo tractado de commercio, se tivesse obtido, como éra
justo,que os vinhos de França fossem admittidos com as mesmas
condiçoens dos de Portugal; a importação annual de 12.000
toneis de mar, de vinho do Porto na Inglaterra, haveria sido
substituída por uma importação, pelo menos igual, de vinhos de
França. Estes doze mil toneis saõ pagos pela Inglaterra com
um milhaõ e meio de livras esterlinas.
Por fim, nada he mais difticultoso de determinar, do que a
quantidade de vinho produzida annualmente na França. A
mais baixa avaliação, que conheço, he a que refere o Abbade
d'Expil!y, sem a odoptar, e partindo da supposiçaõ de uma ex-
tençaõ de 1-600.000 geiras furpensj destinadas á cultura da
vinha, dá em producto 6: 400*000 moios de vinho ; os quaes a
30 francos somente valem 192:000.000. O mais subido he tal-
vez o do Marechal de Vauban, que, partindo d'outro calculo ap-
Literatura e Sciencias. 431
producçaõ éra tanto mais favorecida, quanto a primeira
desanimada. De resto temos examinado no Capitulo II.
deste livro as reclamaçoens destes fabricantes, e temos
feito ver, que, longe de ser preciso estudar na conserva-
ção das vantagens, que lhes dava a nossa tarifa das al-
fândegas, esta vantagem éra uma perda para toda a na-
çaõ, e que éra preciso destruir; naõ somente se por isto
se pudesse obter um favor â industria, infinitamente mais
extenso; mas ainda quando senaõ obtivesse retorno, mas
somente em consideração do mal, que occasiona a nossos
consumidores, cujo interesse, como temos demonstrado,
he o mesmo da naçaõ.
Devemos esperar, que naõ esteja longe o momento,
em que a França dará ás outras naçoens o exemplo de
libertar junctamente o commercio de uma e outras; em
que as convidará sem escrúpulo para seus portos, e em
que naõ pedirá outro favor ás naçoens vizinhas ou ri vaes,
senaõ aquelle de naõ desattender a suas vantagens, impe-
dindo as dos outros. A Suissa he, até o dia de hoje, a
única naçaõ um pouco considerável, que tem adoptado
constantemente, como regra de comportamento, esta po-
lítica philantropica. Jamais houve tarifa de alfândegas,
nas repartiçoens dos diversos Estados da Suissa: jamais
ali se procurou favorecer a industria nacional, pela ex-
clusão da estrangeira; e â custa dos consumidores. To-
das as portas do Estado estaõ abertas; e se ali se
cobram direitos, saõ portagens para o concerto das estra-
das e naõ alfândegas. Jamais se fundou ali fabrica algu-
ma, que naõ pudesse manter a mais livre concurrencia;
porém também todas as da Suissa prosperam, e naõ con-

proximativo, sobre a extençaõ das vinhas, dá á França 36:000.000


de noios de vinho, os quaes a 30 francos valem 1:080:000.000
*h> francos.
432 Literatura e Sciencias.
tribuem menos para a vantagem do consumidor, do que
para a do fabricante. Os capitães da Suissa tem seguido
a direcçaõ natural, que temos indicado no primeiro livro.
Tem, primeiro que tudo, alimentado a agricultura, e a
tem elevado talvez ao mais alto ponto de perfeição, a
que tem chegado em nenhum paiz do mundo. He neces-
sário lembrar, a rudez do clima, que habitam os Helvé-
cios, e quantos obstáculos encontram, no rigor das neves
e na agrestia do terreno. Elles naõ tem podido, como
nas bellas planícies da Lombardia, ou nos felizes outeiros
da Toscana, fazer que uma colheita succeda a outra;
porém souberam sempre conhecer o que éra mais próprio
a suas terras, e naõ exigiram senaõ isto, e o obtiveram
em tal gráo de perfeição, a que naõ tem sabido chegar
outro algum povo. Mais de metade da Suissa naõ pôde
produzir senaõ herva; porém em nenhuma parte se tem
entendido tam bem a arte de fazer a terra produzir em
abundância a boa herva, conservar os fenos com todo o seu
sabor e virtude, criar bom gado, e tirar grande partido
de seu leite. Algumas colinas de terreno alias estéril se
acharam próprias para as vinhas, e cubriram-se com el-
las ; e naõ existem no universo melhores vinhas, cuja
cultura seja mais bem entendida, e cujo producto seja
mais prodigioso, e reembolce mais regularmente os gas-
tos exorbitantes, que se fazem sem pezar, para as lavras
da terra, do que as das margens do lago Leman, e prin-
cipalmente no paiz de Vaux. Poucas terras saõ própri-
as para o trigo, naõ se tem procurado produzillo nas que
repugnam a isso, porém, quando tal se exige, prodigaliza-
se tal cuidado, que se obtém a segurança de abundante
colheita.
Depois que a mais productiva de todas as industrias,
a agricultura, ficou completamente saciada de capitães,
os Suissos destinaram os seus a coninicrciar com seu&
Literatura e Sciencias. 433

productos: dedicáram-se consideráveis fundos a este ne-


gocio: poder-se-hia julgar disto, sabendo, que só o pe-
queno Cantaõ de Schwitz, que naõ tem senaõ quinze lé-
guas quadradas de superfície, e quasi metade desta ex-
tençaõ he oecupada de rochedos estéreis ou de eternos
gélos, exporta cada anno pelo seu porto de Brumen,
3.000 vacas de tam bella cria, que se naõ vendem a me-
nos de quinze Luizes, umas por outras: de sorte que a
sua exportação somente em gado, que passa quasi todo
para a Itália, monta a 1:080.000 francos. Deve acrescen-
tar-se a exportação de queijos, madeira e lenha, que he
considerável. Os outros cantoens, fazem também um
commercio immenso nas producçoens da terra.
Para facilitar os transportes, os Suissos tem aberto, em
todas as direcçoens, estradas, que atravessam suas monta-
nhas: naõ se podem passar, sem admirara immensidade do
trabalho que as lavrou, e sua perfeita conservação! porém
estes industriosos montanhezes naõ podiam vencer com-
pletamente a natureza : muitas de suas estradas naõ saõ
practicaveis para carros: esta difficuldade tem encare-
cido os gastos das conducçoens. As mercadorias mais
preciosas saõ as que melhor podem supportar estes gas-
tos consideráveis, e he sem duvida por esta razaõ, que
conveio aos Suissos, quando emprehendêram fabricas,
adoptarem as de preço mais subido, e que se podem trans-
portar mais longe; os relojos e as joyas de Lode e de
Chaux-de-Fond, as chitas e as tellas d* algudaõ de Ap-
penzell, de Saint-Gall, de Zurich, &c. vam procurar con-
sumidores até ás extremidades da Europa.
O commercio do interior, cuja importância he tam
grande, e que nunca se avalia em sua verdadeira estima-
niaçaõ, he levado na Suissa ao mais alto gráo d' activi-
dade, £ Qual deve ser a admiração do viajante, que
P*Ia primeira vez passa pelas margens do Leman, e que
434 Literatura e Sciencias.
encontra de duas em duas léguas pequenas aldeas, flore*
centes, aonde todos os habitantes respiram abastança,
saõ bem nutridos, bem vestidos, bem alojados, e aonde
todas as casas contém armazéns e loges, que naõ rece-
ariam a comparação com as das cidades mais mercantis
da França. Todo o commercio he ali igualmente livre, o
de importação naõ he visto com máos olhos: assim o
consumidor Suisso pôde obter a melhor mercado os seus
vestidos, os seus instrumentos, e tudo quanto vem de fo-
ra, do que nenhum outro povo da terra.
Depois que todas as vias de circulação se encheram de
capitães, estes superabundavam ainda, e os Suissos, além
do commercio estrangeiro de importação e de exportação,
emprehendéram o de transporte. Capitães de Neufcha-
tel de Basilea, de Lausana, de Genebra, eram destinados
a fazer as trocas dos Francezes, entre si, ou com outras
naçoens: os das cidades deZurich, Schaffhausen,eSaint
Gall faziam o mesmo serviço aos Alemaens: os de Al-
torff, de Luzerna, de Coire, e uma multidão de aldeas,
espalhadas nos declives meridionaes dos Alpes, faziam
o mesmo para com a Itália, e acha-se um numero prodi-
gioso de ricos negociantes Grisoens, que saem de aldeas
pouco conhecidas. Em todos estes Estados se vêm co-
lônias Suissas e Genebrazes, colônias de gênero bem dif-
ferente daquellas, de que temos fallado no capitulo pre-
cedente ; porque naõ vem estabelecer se, em outros po-
vos, senaõ para ajudar suas riquezas e sua industria.
A Suissa, cruelmente devastada por uma guerra tam
injusta como ruinosa, recobrou-se, no meio de seus des-
astres, com uma força, que ninguém delia esperava. Em
todo oCantaõ de Schwitz, theatro da derrota dos Russi-
anos, nada se encontrava senaõ ruínas: Stantz, e Strautz-
stadt no Underwald, que tinham sido barbarmente in-
cendiadas, estaõTeedificadas ein mais de metade: oCan-
Literatura e Sciencias.. 435
taõ de Ury, aonde um incêndio geral, mas accidental, ti-
nha aggravado as infelicidades da guerra, reparou com
actividade suas percas: os de Berne, de Luzerna, de Fri-
bourg, e do mesmo Vallais, estaõ prestes a esquecer-se
de seus males passados, com tanto que se naõ redobrem
por novas calamidades. A Suissa he ainda rica, e o ca-
pital prodigioso, que ali tinha accumulado a industria
humana, fecha todas as ferridas, que se lhe tinham
aberto. O seu exemplo he um mui grande, para se ci-
tar a favor da liberdade do commercio, e da abolição de
todas as barreiras, que debaixo do pretexto de balanços
favoráveis e desfavoráveis impedem a entrada dos produc-
tos de uma industria estrangeira.
He verdade que naõ he á liberdade do commercio, mas
á liberdade civil, que se deve attribuir a longa prosperi-
dade da Suissa; era ella effeito do Governo mais sábio,
mais igual, mais paternal, que o universo tem ainda co-
nhecido. Mas entre os benefícios de um Governo tam res-
peitável, o de ter libertado a industria de todos 03 en-
traves, e de todos os monopólios, a que as estreitas vistas
dos outros Governos o tem sugeitado, naõ éra um dos de
menor importância. Possa o povo Suisso tornar a ter a
felicidade de que he tam digno! e possamos nós apren-
der delle, qual heo preço de toda a espécie da liberdade.*

* 0 Author viajou pela Suissa varias vezes ; porém he segundo


o que vio, e viajando no Outubro do anno X, com dous homens
distinctos, que a Republica acaba de perder, o illustre Dolomieu,
e o amável Prefeito de Leinan A. M, d' Eymar, que falia boje
em dia. Entretanto as novas convulsoens da Suissa, e as cala-
midades do Vallais, devem roubar cada dia algum resto desta
antiga opulencia, que ainda entaõ admiravam os viagantes.
(Continnar-se-ha.)
Voi,. XXV, N". 14.O. 3 K
436 Literatura e Sciencias.

Espirit des Institutions Judiciaires, de C Enrope, por


Mr. Meyer.

(Continuada de p. 287.)

N o capitulo 17, entra o A. na matéria da Venalidade


dos Empregosi cujo primeiro objecto foi ministrar aos
reys de França, meios de prover a necessidades pecuniá-
rias momentâneas, mas que ao depois produzio outros
effeitos mui diversos, e d e permanente importância.
Posto que o A. reconheça, (em uma nota a p. 292)
que ja em tempo de S. Luiz se vendiam lugares dejuizes,
com tudo traça este custume d o rey nado de Luiz XII.
Tudo se chamou officio, e fazia-se pagar a toda á gente
a permissão de se empregar fosse em que fosse: desde
o lugar de general das finanças, até o de cabeleireiro e
barbeiro, todos se venderam em nome do Rey e publica-
mente. Os que assim compravam os officios podiam
passatlos a seus herdeiros, ou vendi lios a outrem: em
fim ficaram os officios sendo uma espécie nova de pro-
priedade.
Francisco I. achando-se em grande necessidade de di-
nheiro vendco os lugares de magistratura, creando vinte
conselheiros no Parlamento de Paris, e trinta nos das Pro-
vincias. Isto encontrou alguma opposiçaõ da parte dos
conselheiros, que occupavam aquelles lugares por seu nas-
cimento, ou merecimento pessoal, mas El Rey superou a
difficuldade. Quanto ao character de similhante intro-
ducçaõ, o A. assim se explica a p. 294.

" He inútil dizer cousa alguma sobre o abuso da venalidade


dos empregos e a opinião publica tem-lhe feito justiça; e ne-
nhum outro paiz senaõ a França vio ja mais um opprobrio tam
Literatura e Sciencias. 437

vergonhoso para a magistratura. Se Plataõ, Suidas e outros


authores antigos, condemnáram o uso de vender os empregos, e
sobre tudo as funcçoens judiciaes. pelo menos naõ fallavam se-
naõ de vendas clandestinas, da corrupção daquelles, que tinham
de fazer a proposição ou a nomeação dos empregos; mas naõ ha
outro exemplo d'uma venalidade confessada publicamente, e
exercitada naõ somente á vista e com o conhecimento do Gover-
no, mas pelo mesmo Soberano. Basta ler os argumentos que
um author celebre, (Montesquieu, Esprit des lois, lib. 5. cap.
19.) que tomou sobre si justificar tudo quando se practicava em
França, allega em favor desta venalidade, para se convencer de
que fraqueza saõ todos os raciocínios com que se tem procurado
escusálla."

Vejamos agora as conseqüências. Como pela venda


dos lugares ficavam estes sendo propriedade dos que os
compravam, naõ podendo ser removidos, a menos que se
achassem culpados de crime, que os fizesse declarar in-
dignos da magistratura; daqui se seguia que os officiaes
do Parlamento eram inamoviveis e independentes do
Rey, visto que este, em razaõ da renda do lugar, nem os
podia privar dos mesmos lugares, nem ainda impedir
que os transmitissem a seus filhos. Eis aqui uma con-
seqüência benéfica de um abuso vergonhoso: mas ouça-
mos o A. a p. 226.

" Estes magistrados podiam tudo, sem temer de desagradar


a Corte; e, á excepçaõ d'um pequeno numero que ambicionava
os favores do Rey, eram independentes: esta independência
fazia-se hereditária nas grandes famílias da toga, e os parlamen-
tados de pays a filhos adquiriam uma firmeza ordinariamente
devida ao espirito de corporação, mas que fazia as vezes do sen.
timento d'altivez, que a bberdade inspirava a um Senador de
4g8 [438] Literatura e Sciencias.
Roma, ou a um Arimano Franco. Alem disto, os homens de
toga, que tinham assento no Parlamento naõ tinham favores,
que esperar d'El Rey: separados de toda a outra carreira,
o lugar de chanceller ou de guarda dos sêllos, éra o único
que apresentava a perspectiva de os tentar; mas este lugar único
éra tam elevado, que poucos podiam aspirar a elle."

Segunda conseqüência desta venalidade aponta o A.,


que se deduzia do alto preço, porque os encargos se ven-
diam, e do pouco, que comparativamente rendiam : isto
fazia que os lugares do Parlamento se achassem occupa-
dos por pessoas pertencentes a antigas famílias parla-
mentares, que tinham recebido de antepassados liçoens
de altivez, e mamado com o leite os princípios funda-
mentaes destas companhias; os novos Conselheiros ne-
cessariamente haviam de ser gente assas rica para poder
comprar taes cargos; e por isso tanto melhor podiam
seguir e imitar o espirito de independência de seus col-
legas.
O A. lembra outra circumstancia, e he, que, tanto mais as
necessidades dos reys os obrigavam a vender mais luga-
res, quanto o maior numero dos parlamentares os habilitava
a meterem-se em multiplicidade de negócios, e até mesmo
nas intrigas da Corte, o que de outra maneira naõ teriam
tido tempo de fazer, se o seu numero fosse somente li-
mitado ao que éra preciso para o expediente de sua»
funcçoens judiciaes.
Este abuso, pois, de venderem os lugares do Parlamen-
to, fez esta corporação independente d o R e y . e habilitou-a
a poder oppòr-se a muitas medidas, perigosas ao Reyno,
a tempo que naõ havia corporação alguma, que pudesse
obrar de similhante maneira; chegando ao ponto de re-
cusar o registro, e por conseqüência a execução dos Edic-
tos Reaes; e supposto que isto nem sempre prevenisse
Literatura e Sciencias. 439
os abusos ou remediasse os inales, com tudo as suas re-
presentaçoens mesmo aos monarchas Franzeses, que fo-
ram os mais absolutos, naõ deixaram de obviar muitos
inconvenientes.
Naõ eram só os lugares de juizes no Parlamento, que
se vendiam; o mesmo succedia aos advogados, e ao lugar
de procurador d' El Rey ; assim os mesmos, que falla-
vam em nome do Rey, eram delle independentes, como
proprietários de seus lugares, e quando todas estas classes
se reuniam, ficava o Rey sem meios nem se quer para re-
presentar ou allegar o que éra de sua vontade.
Está claro, que tal direito publico, fundado na venali-
dade dos empregos, naõ podia deixar de ser mui incon-
conveniente como o A. se explica a p. 301.

" Os Parlamentos conservavam, com o espirito de corporação,


umafirmezainviolável, ou para melhor dizer uma obstinação
invencível, a favor dos princípios uma vez adoptados, quaes-
quer que fossem as mudanças, que occurressem nas circumstan-
cias, ou nos progressos das luzes. Se os Parlamentos oppu-
nham uma resistência louvável a edictos oppressivos, naõ repul-
savam com menos vehemencia todas as novas invençoens; e as
sentenças dadas a favor das doutrinas de Aristóteles, ou contra
a inoculaçaõ das bexigas, as requisitei ias, e as sentenças de
laceraçaõ contra as obras dos mais famosos escriptores, provam,
que naõ he aos conhecimentos destas corporaçoei s, nem á supe-
rioridade de suas vistas, que saõ devidos os grandes serviços,
que os Parlamentos fizeram á França."

Os Reys e seus ministros naõ ignoravam que a força


moral dos Parlamentos lhes provinha de serem proprie-
tários dos lugares, e assim tentaram desapossállos, por
mais de uma vez, mas foi somente no rey nado de Luiz
440 Literatura e Sciencias.
XV. que se deo o golpe, que muito dantes se esperava.
Pelo edicto de 18 de Septembro de 17i>3 se creou em
Paris uma commissaõ, chamada Câmara Real, para jul-
gar as causas, que se lhe apresentassem. Isto mostrou,
que a authoridade dos Parlamentos ia a findar; mas estes
reuniram-se a fazer causa commum; tinham por si a
opinião publica e o custume; e, cuidando os Parlamentos
que intimidariam a Corte, muitos de seus membros re-
signaram, e de 200 presidentes e conselheiros, que havia,
cento e oitenta perderam seus lugares, o que muito esti-
mou o ministério. Mas o accidente imprevisto, que so-
breveio poucas semanas depois, do attendado para assas-
sinar El Rey, distrahio de tal sorte a attençaõ do Governo,
que fez com que o Parlamento reasumisse suas funcçoens,
sem que ninguém se lheoppuzesse. Mas por fim,em 1771,
foram os Parlamentos, ja abalados pelas precedentes mu-
danças, abolidos de todo, sem haver maior opposiçaõ.
Luiz XVI. os restabeleceo, e duraram até que a revolu-
ção os acabou.
N o capitulo 18, tracta o A. de outra inovação na ad-
ministração da justiça, que he a Restricçaõ da prova
testemonial: e reconhecimento dos tabeliaens. Naõ po-
demos melhor explicar a causa desta mudança do que
nas palavras do mesmo A. p . 306.

" Antigamente, quando a escriptura éra uma arte pouco ge-


ral, a maior parte das questoens de facto, que se apresentavam
nos tribunaes, e que naõ eram abandonadas ao juizo de Deus,
ja pelas provas do fogo, ja pelas da agoa, ja por duello, ou por
outras siniilbantcs, naõ podiam ser decididas senaõ pelo dicto de
testemunhas ; éra raro que uma das partes estivesse nascircum-
Literal tira e Sciencias. 441

stancias de obter provas por escripto. Naõ somente se provavam


iodos os factos por testemunhas, mas até a authenticidade des-
tes mesmos actos se naõ podia demonstrar d outra maneira; as
pessoas mais elevadas em dignidade naõ sabiam escrever ; davam
a prova de seu consentimento fazendo qualquer signal, ordina-
riamente uma cruz ; e daqui veio a denominação de signar ou
assignar, em vez de subscrever ; e o de signatura ou assignatu-
ra, pelo de subscripçaõ: algnmas vezes punham o seu séllo com
as armas nelle gravadas; isto foi o que fez dar a este sêllo, equi-
valente da subscripçaõ ou assignatura. o nome de signete, ou
sinnete."

A difficuidade de distinguir taes assignaturas, e saber


as que eram falsas ou verdadeiras: ou de saber se o sêllo
tinha ou naõ sido afflxado pela pessoa a quem perten-
cia, ou por outrem, fez com que se desse antigamente
tanto pezo ao lugar do guarda dos sellos; e também mo-
tivou o regulamento de haverem tabeliães ou notarios pú-
blicos, que reconhecessem a authenticidade das assignatu-
ras, dando assim aos instrumentos por escripto fé pu-
blica. Assim se tornou a introduzir um dos princípios
das antigas leys Romanas, que naõ admittlam prova de
testemunha, contra a prova por escripto.
As leys Francezas passaram ainda além disto; por-
que, pela ordenança de Moulins, determinaram, que
se naõ recebesse prova testemunhai, além de certa somma,
senaõ em certos casos exceptuados, em que a prova por
escripto éia impossível. He isto mesmo o que admitti-
ram as ordenaçoens de Portugal Liv. 3. tit. 59. aonde
se determina, que todos os contractos, de qualquer na-
tureza e condição que sejam, assim perpétuos como tem-
poraes, sobre bens de raiz, que passarem de quatro mil
442 Literatura e Sciencias.
reis, e sobre m oveis, que passarem de sessenta, se haõ de
fazer por escriptura publica.
O A. observa aqui, que, supposto esta alteração na
jurisprudência parecesse estranha, a quem estava ac-
custumado a ver provar tudo por testemunhas,e mesmo
que produzisse algum inconveniente na practica, com
tudo, tem esta legislação o merecimento incontestável de
prevenir uma multidão de demandas, e de pôr freio ao
abuso dos juramentos, que he importante naõ sejam de-
masiado freqüentes, ainda mesmo quando conformes á
verdade.
O A. porém ignorava a legislação de Portugal, quando
disse a p. 309, que esta legislação só existia na França
moderna, e na parte Hespanhola dos Paizes-Baixos.
Conclue o A. este livro no Cap. 19, com uma recapitu-
laçaõ das vantagens e inconvenientes de cada instituição
da França, tanto em sua origem como em suas conseqüên-
cias.

(Continuar-se-ha.)
( 443 )

MISCELLANEA.

Entrada a Juncta Suprema em Lisboa.


Lisboa 5 de Outubro.
Hoje pelas onze horas do dia, ao estrondo de uma
salva real do Castello de S. Jorge, tivemos o gosto de ver
chegar a esta capital a divisão das tropas do Norte, (e
parte das do Sul), a qual entrou na Praça do Rocio,
(onde se achava postado o Reg. d* Infanteira N. 4. da
Guarniçaõ de Lisboa), por baixo do Arco triumphal erec-
toá sahida da rua do Amparo, donde se lançavam flores,
e foguetes do ar á chegada dos diversos corpos. Vinha
ã frente destas briosas tropas Sua Excellencia o Mare-
chal de Campo Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacer-
da, Commandante dos Exércitos do Sul e Norte, com o
seu luzido Estado-maior; efazendo entre os vivas docir-
cumstante povo e tropa postada, as devidas continências
ao Governo, cujos membros se achavam na varanda do
Palácio, e a seu lado o muito honrado Juiz do Povo com
seu Escrivão, passou a postar-se juncto do Portaõ do Pa-
lácio, e foram desfilando as tropas do modo seguinte pela
sua frente.
Abriam a marcha três EsquadroenS do Regimento de
Voi,. XXV N°. 149 3L
444 Miscellanea.
Cavalleria N. 2, três do N. 5, e um do N. 10. Vinha
depois um parque de artilheria de 5 peças de campanha
e 1 obuz (do Reg. d' Artilheria N. 4), ao qual se seguiam
quatro Batalhoens de Caçadores. Apparecendo entaõ o
Commendador Coronel Sebastião Drago Valente de Brito
Cabreira, foi recebido com enthusiasmo'pelo publico,
reconhecido ao muito que a nossa boa causa deve á sua
enérgica cooperação
Proseguio a marcha das tropas do modo seguinte: um
Batalhão de Caçadores com a Brigada de Infanteria N.
6 e 18, outro com a Brigada 9 e 2 1 ; segundo parque de
artilheria como o precedente; outro Batalhão de Caça-
dores, 1 Batalhão do Regimento de Infanteria N. 11, e
outro d' Infanteria N. 12; os Regimentos N. 22, 3, 24, e
1 Batalhão do N. 15. Após estes vinha outro parque de
5 peças, e cobriam a marcha 2 Esquadroens de Cavallaria
N. 6. e 3 do N. 12. O bello porte de todas estas tropas,
que entravam no seio da Capital a gozar dos applausos
dos seus habitadores, lhes grangeava sinceros vivas de
reconhecimento, quaes se deram aos seus dignos Irmãos
d' armas da guarniçaõ desta cidade no memorável dia 15
de Septembro.
Acabando de desfilar as tropas, e achando-se o illustre
Commendador Cabreira na Varanda do Palácio do Go-
verno, fez dalli uma breve falia ao povo, e levantando os
vivas aos sagrados objectos da Religião, d' El Rey e sua
Augusta Dynastia, das Cortes, e da desejada Constitui-
ção, mostrando inflammado seu coração em transporte
de júbilo, foi correspondido pelos vivas cheios de enthu-
siasmo do immenso povo alli presente, o qual, a sahir do
Palácio o mesmo Chefe, o levou entre vivas quasi nos
braços para lhe manifestar deste modo mais o seu rego-
zijo e satisfacçaõ.
Os vivas ao Excellentissimo Principal Decano, Presi-
Miscellanea. 445
dente do Governo, varaõ caro por suas virtudes a todos
os Portuguezes, eram repetidos com a maior effusaõ de
coração, sendo naõ menos fervorosos os que se davam aos
outros Senhores do Governo. A constante allegria, o in-
alterável socego do povo em geral, saõ sem duvida um
admirável testemunho da confiança, que ha de ver em
breve um feliz resultado da grande empreza, que se
tomou de fazer prospera e segura a existência desta
Monarchia.
A illuminaçaõ espontânea, que fizeram os habitantes
da cidade, a multidão do povo que passeava pelas ruas,
e os applausos festivos nos theatros, completaram o pra-
zer deste allegre dia.

Quartel General em Sacavem, no 1.° d" Outubro 1820.

Ordem do Dia.

Por Ordem do Supremo Governo do Reyno.

Sua Excellencia o Senhor Marechal de Campo Com-


mandante em Chefe dos Exércitos do Sul e Norte man-
da declarar-lhes, que a parte do Governo do Reyno, que
se acha em Lisboa, e o muito Honrado Juis daquelle fiel
povo, era nomedellé, acaba de convidar o exercito de en-
trar na capital do Reyno, e a abraçar alli os seus dignos
Irmaõs d' Armas da guarniçaõ: achando-se porém a reta-
guarda do Exercito ainda distante, precisando toda a
tropa descanço, e tempo para se preparar com o seu cos-
tumado asseio, e bizzarria a gozar o dia de gloria, e pra-
zer, em que verá o frueto dos seus heróicos trabalhos na
alegria, e satisfacçaõ daquelle povo, e exercito, e dignos
446 Miscellanea.
do fraternal auxilio, que lhe prestamos, para a nossa com-
mum regeneração, naõ poderá entrar antes do dia 3, ou
4 de Outubro.
Sua Excellencia exige a mais rigorosa disciplina, efaz
responsáveis os Senhores Commandantes de Brigada, e
Corpos, da mais pequena falta delia; e espera do zelo
dos Senhores officiaes, e do bom espirito da tropa, que
este exercito, que primeiro quebrou os ferros da sua Pá-
tria, se lhe naõ faça pezado, e se mostre pelo seu com-
portamento digno do bom acolhimento que recebe dos
seus compatriotas.
Previne Sua Excellencia, que devendo unicamente
uma brigada augmentar a guarniçaõ, e devendo isto fazer-
se por turno, nenhum official tem direito a pedir quartel
na cidade, se naõ os que pertencerem á brigada, que esti-
ver na guarniçaõ.
JOSÉ DE SOUSA PEREIRA S. PAYO,
Ajudante General.

Reflexoens sobre as novidades deste mez.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Revolução de Portugal.

Havíamos no nosso N." passado feito o resumo da revolução'


de Portugal, segundo as melhores noticias, que pudemos obter;
e deixamos a Juncta Provisória do Supremo Governo do Reyno
em Coimbra, dirigindo-se a Lisboa; e nesta cidade os Governa-
dores do Reyno, tractando de convocar as Cortes.
Neste estado se achavam as cousas, quando os Governadores
do Reyno escreveram á Juncta Provisória a carta, que publica-
mos a p. 363; propondo-lhe que se submettesse por bons modos
a seu mando ; mas este passo só servio de dará Juncta Provi-
Miscellanea. 447
seria mais uma occasiaõ de mostrar o desprezo, com que olhava
para os Governadores do Reyno, o que fez em sua proclamaçaõ,
p. 367, e depois na carta a p. 372.
A Juncta Provisória estava ja em Coimbra, quando os Gover-
nadores do Reyno resolveram ainda dar outro inútil passo, e foi
mandar o Marechal Povoas fazer com ella tractados de ajustes.
lias dos documentos publicados de p. 392 em diante se vê,
como esta abertura foi tractada: com effeito os Governadores
parece que naõ propunham medida alguma, e só queriam ouvir
as proposiçoens da Juncta; assim esta valeo*se de uma falta de
de formalidade no sobrescripto, e no modo porque o Mare-
chal se annunciou, para naõ abrir a Carta; recambiou-a
fechada, e mandou sair o mensageiro de Coimbra, dentro em
poucas horas.
Depois de todos estes passos humilhantes e contradictorios, os
Governadores do Reyno naõ possuíam ja a menor força moral, e
suas medidas vacilantes tinham desanimado até seus mais accer-
rimos partidistas.
Por fim no dia 15 de Septembro as tropas da guarniçaõ de
Lisboa marcharam de seus diversos quartéis para a praça do
Rocio, clamaram por novo Governo, ajunctou-se uma multidão
de povo, que se unio no mesmo grito, mandaram buscar o Juiz
do Povo, e por intervenção deste foi nomeado outro Governo.
As particularidades deste successo, ficam referidas a p. 378,
conforme o que publicou a Gazeta de Lisboa, no dia 16 de Sep-
tembro.
Em tudo isto naõ apparecem os Governadores do Reyno, nem
os seus Secretários, nem o sen Coadjuctor Conde de Palmela;
parece que até nem se sabia de sua existência, senaõ porque o
novo Governo) movido de compaixão por suas pessoas, e para
evitar desordens» lhes mandou por guardas ein suas casas, para
os proteger contra algum insulto popular.
0 novo Governo, que se intitulou provisório, mandou logo
pôr um embargo para que naõ saíssem navios de Lisboa; e de-
pois, examinando o Erário, publicou a conta, que copiamos a p.
383; e como achou o Erário exhausto, pedio uma subscripçaõ
448 Miscellanea.

voluntária, a qual foi conrespondida com numerosos donativos,


tomando-se as devidas precauçoens, para que elles fossem apuli-
cados aos fins, que se destinavam; e expediram ao povo a pro-
clamaçaõ a p. 381.
Feito isto mandaram a carta, que fica copiada a p. 388, á
Juncta Provisória, que tinha ja saído, ou estava a ponto de
sair de Coimbra : e chegando a Alcobaça expedio a resposta,
que se acha a p. 400, e a portaria de p. 401, pela qual unlo a si
o Governo Interino de Lisboa, e se dividio em duas secçoens,
uma encarregada da Administração do Reyno, outra da convo-
cação das Cortes.
O Governo Interino de Lisboa, aceitando as medidas da Juncta
Provisória, esta marchou para Lisboa aonde fez a sua entrada
publica, aos 5 de Outubro, da maneira que se vè pelo extracto da
gazeta copiado a p. 443 ; e apparecendo os membros do Governo
ás janellas do Palácio, foram saudados com as acclamaçoens do
innumeravel povo, que enchia a praça, e expediram a proclama-
çaõ copiada a p. 408.
Vejamos agora uma pequena parte do contraste, entre o anti-
go e novo Governo.
Os Governadores do Reyno, em sua primeira proclamaçaõ,
tractaram de rebeldes a Juncta do Porto e seus sequazes. Le-
galmente fallando, qualquer opposiçaõ armada contra as autho-
ridades constituídas he uma rebelliaõ ; mas o modo porque os
Governos custumam e devem tractar as rebellioens, depende in-
teiramente das circumstaucias,
Quando os rebeldes constituem uma parte considerarei da
Naçaõ, ja naõ se pode considerar a rebelliaõ como se fosse tenta-
tiva de algmn indivíduo ou poucos indivíduos, contra a ordem
geralmente recebida ; entaõ temos uma dissençaõ civil, e quan-
do naõ fosse o direito (que mal se pôde considerar achando-se
a naçaõ em revolução) a prudência pede, que os Governos fa-
çam a devida distincçaõ, entre estes dous casos tam essencial-
mente differentes.
Mas os Governadores de Lisboa, sem considerar a magnitude
da revolução, tractáraiu os Portuenses de rebeldes : e logo depois
Miscellanea. 440
sem cuidar em medidas, que vigorassem o seu partido, cedem d
revolução, chamando Cortes, e indicando assim, que elles eram
os que tinham andado errados, e que a Juncta Provisória éra a
que obrara com acerto. Esta declaração, portanto, devia ser o
golpe mortal a seu partido.
Depois, escrevem a esses que tam pouco antes haviam tracta-.
do como rebeldes, a carta de p. 363, em tom tam humilde, que
naõ podia ter outra resposta senaõ o desprezo ; e ainda assim
tem asimpHcidade de exigir, que a naçaõ tenha nelles confiança!
Ora; que confiança se podia pôr em homens, que mostravam
tiiui inconseqüente character ?
Mas todo o Governo estava montado neste systema de illusaõ
e engano ; e por isso cahio o seu poder, como, quando corre a
cortina do theatro, desapparecem as vistas. A gazeta de papel
pardo, que no dia 15 pela manhaS declarava, que èra só um par-
tido astucioso, que procurava com falsidades inspirar desconfian-
ça do Governo, essa mesma gazeta, no mesmo dia pela noite,
preparava o artigo, que publicou na manhaS seguinte, que éra
chegado o momento de suffocar, pela unanimidade dos votos da
naçaõ, o germen de civis discórdias. E taes eram os podres
esteios em que se apoiva tal Governo!
Os interessantes documentos, que se acham de p. 389 em di-
ante, mostrarão a actividade tanto do Governo Provisório de Lis-
boa, como da Juncta, que, como mostra o documento de p.
401, se dividio em duas secçoens ; mas além disto notaremos
algumas das medidas em particular, e primeiramente, quanto á
escolha de pessoas.
Quando os Governadores do Reyno se viram nos apertos, pela
revolução do Porto, desapparecêo o nome de seu Secretario Sal-
ter, tal vez se puzosse na lista dos doentes; e, para o substituir,
nomearam os Governadores ao Dezembargador Antônio Gomez
Ribeiro.
De todos quantos homens podiam lembrar, naõ havia outro
que fosse mais geralmente detestado, ja por seu character indi-
vidual, ja porqne fora antigamente encarregado da commissaõ,
para devassar d'uma supposta sublevaçaõ da província das Mi-
450 Miscellanea.
nas no Brazil, ja porque fora o Juiz, que condeiniiaia o infeliz
Gomez Freire. Deixemos de parte a questão, se o ódio geral
contra o character deste indivíduo éra ou naõ bem merecido;
mas perguntamos i se uma pessoa tam geralmente mal vista, éra
própria para o lugar de Secretario do Governo, em um momento
mais do que todos, em que esse Governo precisava de popula-
ridade ?
Agora o contraste ; os membros do novo Governo Provisori o
em Lisboa foram nomeados tumultuariamente, he verdade, e
sem as formalidades, que se observaram no Porto, mas só se
escolheram aquelles, que tinham a aura popular.
Sobre tudo esse Goyerno Provisório teve logo para seu Secre-
tario o Desembargador Felipe Ferreira de Araújo e Castro; ho-
mem geralmente conhecido por sua probidade, seus talentos,
seus estudos ; naõ havia ninguém que naõ conhecesse as boas
qualidades e aptidão daquelle indivíduo para os maiores empre-
gos, excepto os Governadores do Reyno, que deixavam na ob-
scuridade tam conspicuo merecimento. Assim soube logo a
revolução aproveitar-se de uma pérola, que d'antes estava atira-
da ao monturo ; e de Secretario do Governo Provisório passou a
ser membro da Juncta Suprema, depois da uniaõ, como se vedo
officio a p. 411.
Naõ se achava no Governo antigo, para pôr í frente do Erá-
rio, senaõ um marquez de Borba, que nunca servira em reparti-
ção alguma, nem mostrara jamais que houvera feito alguns estu-
dos, que para tal emprego o qualificassem ; ainda independen-
temente de seu character moral. A revolução achou logo o Des-
embargador Manuel Fernandez Thomaz, cujos talentos érani ju
mui conhecidos, e que foi posto nesta repartição pela seguinte'

Portaria.

" Sendo indispensável, que no Erário haja Administiadm


Geral, com a jurisdicçaõ da Presidência delle ; determina a
Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno, qne o Depu-
tado da mesma Juncta Manuel Fernandes Thomaz, encarregado
Miscellanea. 4S1

dos Negócios do Reyno e Fazenda, sirva o referido lugar de Ad-


ministrador geral do dirto Erário ; o qual o terá assim entendido
e executará, expedindindo as participaçoens, que se fizerem
necessárias. Palácio do Governo em 4 de Outubro de 1820."
" Com as Rubricas dos Governadores do Reyno."
Seria impracticavel correr por todos os indivíduos do novo
Governo, para mostrar como cada um delles tinha a aura popu-
lar ; basta notar, que de nenhum delles se soube aproveitar o
passado Governo.
Agora, quanto ás medidas ; a primeira e amais importaute
he o ciiamento de Cortes, e o novo Governo, dando a isto o pe-
70 requerido pela opinião publica, e havendo-se dividido a mesma.
Juncta em duas secçoens, ficou uma dellas incumbida das medi-
das necessárias para esta convocação, exclusivamente de todos
os mais negócios ; naõ se podia por tanto tractar com mais gra-
vidade, nem dar maior respeito para com o publico a essa medi-
da da Convocação de Cortes.
Pelo contrario os Governadores do Reyno declararam o chama-
mento de Cortes; mas tam intempestivamente, e de maneira tam
pouco calculada a inspirar confiança, .que uinguem créo na sin-
ceridade da medida ; attribuiram-a todos a conselho artificioso
do Conde de Palmela, riram-se do modo, porque tal medida se
propunha pôr em execução, e ficaram os Governadores 110 mes-
mo estado de fraqueza moral em que dantes se achavam.
Ja deixamos copiado a p. 383 o mappa do estado em que o
Governo Provisório achou o Erário ; mas, depois de se nomea-
ram clavicularios, pela portaria p. 398, para guardar o Cofre dos
donativos voluntários, ese publicaram listas dos contribuintes, e
no que achamos uma contribuição de Évora.
A demais, na gazeta de Lisboa de 4 de Outubro, se publicou
circunstanciadamente a receita e despeza do Erário, desde 1(>
até 30 de Septembro. As particularidades das contas publicas
em tam breve período, naõ saõ em si de nenhum interesse geral;
mas servem de maneira mui conspicua, para attrahir ao Governo
a confiança da Naçaõ, principalmente na crise actual.
VOL, XXV. N.°. 1J0. 3M
452 Miscellanea.
Sobre este ponto tam essencial, nuõ disseram nada os Gover-
nadores do Reyno, nem lhes suggerio medida alguma o seu con-
selheiro Conde de Palmela ; e por uma razaõ bem obvia; por-
que lhe podiam lançar em rosto, que o mesmo Conde fora quem
pugnara, para que a Administração dos Diamantes estivesse em
Londres e naõ em Lisboa ; e assim com muita razaõ se poderia
duvidar da sinceridade de suas profissoeus de patriotismo.
A Juncta Provisória havia também publicado ja, no Porto, um
mappa demonstrativo da receita e despeza do Cofre do Thesouro
Publico; desde 26 de Agosto até 6 de Septembro; em que se
mostrou um saldo existente em Cofre de 52:052.839 reis: publi-
caçoens estas, que, mais que nenhumas vigoram a confiança do
publico.
Mesmo depois, a commissaõ de Governo, que ficou no Porto,
publicou uma conta mensal da receita e despeza com as seguin-
tes palavras no topo .-—
" Vede aqui, pela primeira vez, a couta regular do dinheiro
publico recebido no thesouro nacional, donde veio, como se dis-
pendeo, e que balanço resta. Comparai a Administração nova
com a antiga, e conhecereis o merecimento da nova Era, que
começou aos 24 de Agosto passado."
Mandou o Governo Provisório no dia 20 de Septembro expedir
um Avizo á Juncta do Commercio, para que participasse por
edictal, que estavam a sair a cruzar até a altura das ilhas a fra-
gata Lealdade e escuna Constância, que daraõ comboio aos na-
vios, que quizereiu delle aproveitar-se. Assim se começou a
tirar, ainda da pobreza em que se achava o Erário, meios de
proleger o commercio.
Depois se expedio o seguinte.

Avizo.

" O Governo Interino estabelecido em Lisboa manda, que V.


S. faça proceder sem perda de tempo a uma vizita das Cadeiaf,
a fim de se sentenciarem os culpados, na conformidade das ley»»
enviando a esta Secretaria de Estado a conta de se haver assim
Miscellanea. 453
executado, com o mappa dos condemnados, ou absolvidos, cir-
cumstancias notáveis de uns e outros, para que possa constar a
erfectiva observância das leys, e verificar-se assim a prompta
punição do crime, como a ju ta protecçaõ, que se deve áinno-
cencia. O que participo a V. S. de ordem do mesmo Governo
para que assim se execute. Deus guarde a V. S. Palácio do
Governo em 27 de Septembro de 1820.
F E L I P E FERREIRA DE A R A Ú J O E CASTRO.

Senhor Antônio Jozé Guiaõ.

Naõ podia escapar ao novo Governo, os entrávez, queo passa-


do punha á Imprensa, assim nomeou logo uma Commissaõ de
Censura, como se vê pelo documento p. 396.
0 contraste, pois, dos dous Governos salta aos olhos, nem
sabemos como possa obscurecer-se; e na participação feita aos
ministros estrangeiros (p. 389) assim como nas demais providen-
cias, se manifesta uma dignidade de procedimento, que em vaõ
se buscará na Administração de Forjaz e Companhia. Compáre-
se mesmo o procedimento militar; veja-se a ordem dia a p. 445
no exercito na Juncta Provisória; e leia-se a proclamaçaõ do
Conde de Barbacena, que copiamos no N.° passado p. 316.

Causas da revolução em Portugal.

Pareceria incrivel se naõ nos fosse demonstrado, o desvario


com que os partidistas do antigo systema de Governo tem queri-
do explicar as causas da presente revolução, desviando-se sem-
pre da verdadeira, enganando-se a si, e procurando enganar os
outros, com o mais deeidido e grave perigo, tanto do Governo
como da Naçaõ.
Tem-se attribuido a revolução até ás bruchas; e isto nos com-
mumea mui gravemente de Lisboa, alguém que tem pretenço-
ens de politico, e que talvez depois de isto lêr deixe de nos im-
portunar mais com sua conrespondencia. O argumento de que
454 Miscellanea.

usa he, que só por arte do diabo se podia fazer uma revolução
tam geral, sem que houvesse nem motivo justo de queixa, nem
combinaçoens previas.
O Padre Jozé Agostinho, com outros sandeos de sua laia, tem
accusado os Sebastianistas, que na inocência de suas opinioens
só poderiam ser assaltados pela mordaz disposição de tal energú-
meno.
Outros em fim, como o Conde da Feira, naõ tem duvida era
jurar, que a revolução he obra dos Pedreiros Livres e de mais
ninguém. Nem nos devemos admirar, que haja cm Portugal
quem assim pense, quando agora mesmo está o Imperador
d'Alemanha pregando uma Cruzada, contra os Framaçons, Car-
bonari, Místicos, &c. e queixando-se mui peculiarmente dos
jornaes e outras obras literárias, a quem as actuaes revoluçoens
se attribuem.
Mas i aonde estavam os pedreiros livres e os jornaes na Hes-
panha ? i Aonde os de Portugal ? t' Aonde nos mostrarão,
quer em Hespanha, quer em Portugal, essas pretensas sociedades
de Carbonari, ou outras de tendência política? No entanto,
ue todos os jornaes eram rigorosamente prohibidos, excepto os
que o Governo mantinha para nelles publicar só o quesuppunha
ser-lhe favorável, no entanto que o tracto social dos homens éra
pesquizado e esquadrinhado ao mais intolerável ponto, a fim de
que nem sombras restassem de associaçoens políticas ; arrebenta
a revolução, e apparece logo geral, tanto em Hespanha, como
em Portugal.
Agora, que naõ foram os jornaes que tal effeito produziram, he
evidente; porque taes jornaes naõ havia. Seriamos Pedreiros
livres. Mas estes haviam de apparecer depois de declarada a
revolução, quando ja naõ tinham que temer a perseguição do
extincto Governo: mas naõ apparece o menor symptooia disso.
Se se ajunctam em suas loges ainda, a practicar seus ritos e suas
ceremonias, de certo os seus calumniadores os naõ mostraram na
Hespanha ou em Portugal, tomando parte alguma nos negócios
políticos depois da revolução. Ora < he crivei, que se os effeitos
revolucionários fossem filhos dessas associaçoens dos Framaçons,
Miscellanea. 455

quando tivessem conseguido a mudança, deixassem de apparecer


figurando n'uma obra que éra sua ?
Naõ examinaremos aqui até que ponto o Gabinete de Áustria
crê, ou naõ crê, nessas patranhas, que apregoa sobre os Fra-
maçons ; mas em Portugal estamos persuadidos, que os mesmos,
que imputam aos Framaçons ideas revolucionárias, e que os ac-
cusam de ser origem dos sentimentos desfavoreis ao Governo,
naõ crem nisso que dizem, faliam assim por hypocrisia, e co-
nhecem que saõ calumniadores. Eis aqui a prova.
Entre outros estratagemas, que lembraram ao Conde da Feira
e seus coadjuctores, para oppór um dique ao espirito revolucio-
nário, que se manifestara abertamente no Porto, foi o solicitar
que se reunissem em loges alguns poucos Framaçons, que havia
em Lisboa, e procurar com sua influencia a creaçaõ de uma opi-
nião publica, opposta ás ideas da revolução.
Claro está, que os Framaçons, em Lisboa, saõ tam poucos,
que, ainda que seu systema pacifico lhes permittisse, o que posi-
tivamente lhes prohibe, metter-se nas commoçoens políticas,
naõ podiam ter pezo algum em contrabalançar a opinião publica
de todo o Reyno, nem essa opinião éra cousa que se desfizesse
em três dias ; mas a mesma tentativa, só de per si, prova a má
fe com que esses Godoyanos calunmiávani e calumniain os Fra-
maçons, contra a verdade de que estaõ persuadidos.
Parece evidente, que um tam pequeno numero, como he o dos
Framaçons em Portugal, ainda que elles realmente trabalhassem
por causar a revolução, naõ éra capaz de produzir tam geral
sublevaçaõ ; para explicar tam extensivos efTeitos, he preciso
achar causas proporcionalmente geraes, mas a indagação das
verdadeiras causas, he o que naõ faz conta aos Godoyanos; e por
isso se apegam a esses ridículos subterfúgios.
He manifesto que os custumes de Portugal tem mudado prodi-
giosamente, durante os cincoenta annos passados : ; e cuidou
o Governo daquelle Reyno em mudar as suas instituiçoens polí-
ticas, de maneira que as adaptasse a esses custumes assim mu-
dados ? Naõ.
450 Miscellanea.

Eis aqui pois uma causa geral, que devia pôr toda a naçaõ
em directa opposiçaõ com seu Governo.
Porem desçamos a um exemplo na Administração. As ren-
das do Erário naõ eram adequadas ás despezas do Governo ;
nem se podiam augmentar; porque a pobreza da Naçaõ naõ
admittia a imposição de novos tributos. Logo, naõ havia outro
remédio, senaõ cortar por todos os estabelecimentos públicos,
que naõ fossem da primeira necessidade.
Mas o Governo naõ pensou jamais em tal medida de economia;
continuaram os gastos da mesma forma, com um déficit, que
por força augmentava todos annos. Por conseqüência todo o
Reyno se resentia desta penúria do Governo, que naõ podia dei-
xar de acabar em uma banca rota. Eis aqui um motivo mais
que bastante, para excitar o descontentamento geral contra o
Governo, porque este mal éra geralmente sentido por todos, di-
recta ou indirectamente.
Ajunctem a isto os abusos na Administração da justiça; a
existenria de um exercito, em tempo de paz, que nem a popu-
lação nem as rendas do Erário podiam manter, sem vexame ge-
ral ; e outros muitos erros de igual tendência, e digam-nos i se
estas causas geraes naõ explicam melhor a revolução, do que os
jornaes, que naõ havia, ou meia duzía de Framaçons, que nem
tinham, nem podiam ter, porsua pequenhez, alguma influencia
na opinião publica, senaõ em quanto, por ser uma classe per-
seguida, érain mais um motivo de queixa, contra as oppressoens
injustas do Governo ?
Nem he matéria indifferente, antes sim mui importante, ex-
aminar quaes saõ as verdadeiras causas do descontentamento
publico; porque, dando-se ouvidos a exposiçoens factícias e im-
pertinentes, se perde de vista a verdadeira origem do mal; e,
sendo esta desconhecida, naõ he possivel atinar com o remédio ;
e por fim chega a crise, quando j a nenhum remédio aproveita.
Agora duas palavras sobre as

Conseqüências da Revolução.

Quando em uinn Naçaõ appaircr nova ordem de cousiis poli-


Miscellanea. 457

ticas, effeito de commoçaõ popular, he impossível determinar


as conibi naçoens, que resultarão de suecessos imprevistos; e com
tudo he licito conjecturar, com o auxilio da historia, e pelo
conhecimento das circumstancias presentes, o que se acha ainda
envolto na obscuridade do futuro.
A naçaõ, que vio derribado um Governo, durante cuja admini-
stração observava e padecia tantos males, naturalmente se
enche de alegria e de enthusiasmo; porque se persuade, que
todas as suas diffieuldades devem desapparecer, com o Governo
que as naõ tinha remediado; e naõ temos a menor duvida de
que o Governo actual muito fará para isso, e que o chamamento
de Cortes produzirá um espirito de energia nacional, que, sem
esta circumstancia, seria impossível esperar ein Portugal.
Eis aqui a parte favorável do quadro ; mas as pessoas pru-
dentes, e que se naõ deixam levar do enthusiasmo cego (e neste
numero da gente cordata contamos os membros da Juncta do
Governo Supremo Provisório) naõ podem deixar de prever as
difficuldades, que resultam a Portugal deste mesmo estado de
cousas melhorado, em tantos respeitos, como dissemos acima.
A mesma Juncta Suprema do Porto, na carta, que escreveo
aos Governadores do Reyno, e que deixamos copiada a p. 372,
reconhece a existência de partidos, que nós tínhamos indicado
antes em vários números deste Periódico, fundados em infor-
maçoens particulares, e nos rumores públicos. Sobre isto assim
se explica a Juncta nessa carta.
" Vossas Excellencias sabem igualmente, que, para cumulo de
nossas desgiaças, se haviam formado e iam engrossando em Por-
tugal, nessa própria cidade, três diversos e oppostos partidos,
que, com o aparente intuito de salvar a naçaõ, mas em reali-
dade para conservarem ou promoverem seus particulares inte-
esses, urdiam o indigno projecto, ou de nos entregarem a uma
naçaõ estranha, ou de nes manterem debaixo da vergonhosa tu-
tella de outra, ou de derribarem do throno o nosso adorado So-
berano, para lhe substituírem o chefe de uma illustre Casa Por-
tugueza, cuja lealdade com tudo se recusaria, sem duvida, a
tam intempestiva honra."
4á8 Miscellanea.

Esse partido Hespanhol, cuja existência fica iudubitavcl por


este documento, manifestou-se por muitos modos, e naõ foi
menos conspicuo o dos elogios, que se prodigalizaram em Por-
tugal e fora delle, pelos Portnguezes desse partido, naõ somente
á Constituição Hespanhola, mas até ao Rey Fernando, que al-
guns desses mesmos panegiristas haviam pouco d' antes pintado,
como um Satanaz encarnado.
Um escriptor Portuguez em Londres, copiou passagens de
authores Portuguezes antigos, para provar, que se devia des-
vanecer a aiitipathia nacional entre Portuguezes e Hespanhoes;
e até inventou o exdruxolo nome de Lusos-Hespanhoes-Con-
stitueionaes, para dar designação a essa supposta uniaõ, de
Portugal com Hespanha.
Talvez até isto se negue, e se chame " notável descaramento
em mentir;" mas nem por isso he menos verdade; nem pôde
admirar, que quem sustentou as doutrinas do servil Investiga-
dor, e depois se tornou tam accerimo Campeão dos direitos po-
pulares , pregássse a sugeiçaõ de Portugal a Castella, e, quan-
do vio a revolução de Portugal seguir caminho diverso, se volte
outra vez como catavento, segundo a parte de que sopra o fa-
vor.
Mas quando se tracta de descaramento em mentir, perguntamos
i se naõ foi no Investigador Portuguez Vol. XXII. p. 217, que
se publicaram as Cortes de Laniego, copiadas por exteuso da
obra de Brandão ? e, f se esse Investigador naõ éra o Jornal da
Embaixada Portugueza em Londres ? e { quem éra o tal Ministro
nessa epocha? Ora leiain-se os commeutarios do Investigador
a p. 223, desse mesmo volume, sobre as actas das dietas Cortes,
e conhecer-se-ha a tendência desse jornal da Embaixada Portu-
tugueza em Londres.
j Naõ f< i o mrfiiio Investigador a p. SC5 do mesmo vol., que
publicou as actas das Cortes de Coimbra, em 1385, para darse-
guuda prova da soberania nacional, que se propunha estabelecer,
como aquella de que dependenia a soberania Real ? i E quem
éra o ministro Portuguez em Londies, que entaõ protegi»
aquelle j oi uai ?
Miscellanea. 459
O modo com que taes senhores tem querido provar, que aris-
tocratas Portuguezes naõ podiam fomentar taes partidos, he
usando do argumento theologico, tirado de um texto da Escrip-
tura aonde se diz que por virtude de Belezebub se naõ podiam
fazer milagres paraderribar Belzebub. Argumento este, que só
se podia esperar da eschola de um militar-theo logo.
Mas estando demonstrado, pela carta d:i Juncta Provisória, a
existência do partido, que queria entregar o Reyno á Hespanha,
ou fazèllo potência independente do Brazil, naõ lia contradic-
çaõ em que os aristocratas de tal partido fomentassem surda-
mente a revolução, e depois se amargurem contra ella, quando
levou o caminho popular, que naõ éra o que elles desejavam.
E senaõ vejam como explicam pelo seu texto theologico» o
facto do Duque de Orleans, um grande aristocrata Francez, ser
promotor da revolução de França, e depois destestando-a quan-
do veio a servictima delia.
Como quer que seja, esse partido Hespanhol, naõ pôde deixar
de constituir uma das difficuldades do actual Governo de Por-
tugal; principalmeute se a intriga Hespanhola obrar depois da
reunião das Cóttes; porque a mesma liberdade da imprensa,
que por força se ha de ampliar mais ou menos em Portugal, a
mesma faculdade illimitada de fallar era Cortes, que por força
haõ de gozar os deputados, ainda que em si mesmo sejam
um bem, saõ com tudo um meio de que os partidos se podem
servir, como se servem em outras partes, para adiantar suas
vistas particulares e sinistras.
A estas difficuldades, que o Governo tem de encontrar, ac-
cresce a outra de transcendente importância, que he o modo e
maneira de continuar a uniaõ de Portugal e Brazil; uniaõ a que
parecem estar resolvidos os do Governo Provisório em Portugal;
e que também parece ser a idea de toda a gente sensata, a pezar
dos desvairados planos de meia dúzia d'alviíristas.
A difficuldade de continuar nessa uniaõ resulta de uma varie-
dade de circumstancias, que seria demasiado longo especificar ;
mas basta lembrar, que, havendo Cortes em Portugal, e naõ as
havendo no Brazil, esta disparidade, na mais essencial institui-
VOL. X X V . N«. 149. 3 N
400 Miscellanea.

çaõ politica, deve traçar uma linha de divisão, em vez de for-


mar um laço de uniaõ entre os dous povos.
Naõ deve aqui esquecer, que, nesta mesma occasiaõ, dt pois
de ja declarado o systema da revolução, qiiü he continuar Por-
tugal unido com o Brazil, estaõ esses escriptores, a que alludi-
mos, ou por ignorância ou por fins sinistros, nttribuindo aoBra-
zil os males que soffria Portugal ; e exaqui meios e modos de
soprar a discórdia, de fomentar as divisoens, que só podem ser
úteis ás vistas do partido, que queria entregar Portugal a Hes-
panha, ou do outro, que desejava realizar o sonho, de fazer de
Portugal uma naçaõ á parte, e cheia de grandeza, e respeitada
no mundo. Mas vejamos como a mesma Juncta do Porto carac-
terizou esses partidos, na carta, que copiamos a p. 372.
" Quaesquer que fossem as imaginadas vantagens destes pro-
jectos, elles tendiam essencialmente a roubar-nos a nossa inde-
pendência, e a riscar da lista das naçoens um povo leal e bravo,
que tem figurado entre ellas com tanta gloria: e, quando menos,
a lançar do throno Portuguez uma Familia Augusta, que o pos-
sue por títulos tam legitimos, e que por sua clemência, bondade
e amor de seus povos, tem adquirido os mais sagrados direitos á
nossa obediência e fidelidade."
Nestas expressoens reluzem sentimentos patrióticos, bem dif-
ferentes desses Luso-Hespanhoes-Constitucionaes : que pas-
sando de Investigadores a Campeoens, e dahi a partidistas da
sugeiçaõ á Hespanha, assopram ainda o fogo da desuuiaõ, im-
putando ao Brazil os males, que tem sofTrido Portugal.
i Que culpa tem o Brazil de que os Governadores de Portugal
desattendessem as urgentes necessidades do Reyno ? i Porven-
tura veio algum filho do Brazil governar Portugal, para que pe-
los actos desse individuo fosse accusado todo o seu paiz ? Nem
um só. Portuguezes dos quatro costados foram sempre todos os
Governadores do Reyno, e todos os seus Secretários e Conselhei-
ros. Se quizerem levar a queixa mais longe, e attribuirem os
males todos de Portugal ao Gabinete do Rio-de-Janeiro; outra
vez lhes retorqoimos que naõ ha nesse Gabinete um sô Ministro
filho do Brazil; e o Primeiro Ministro até no nome he Portugal.
Miscellanea. 461

dConi que justiça, pois, se aceusao Brazil dos males de Por-


tugal ? Se a queixa fosse contra o systema do Governo, contra
os indivíduos, que o compõem, na Europa ou na America, o ar-
gumento seria sensato, mas uma accusaçaõ contra o Brazil he
tam sobre maneira injusta, que só pode ter por fim provocar a
retorçaõ, excitar os ódios, e crear divisoens só úteis ao partido
. da dominação estrangeira, que temos acabado de descrever, com
as mesmas palavras da Juncta.
Se o nosso fim fosse retorquir, e animar a contenda i que sé-
rie de males lhes naõ poderíamos alegar, feitos pelos Portugue-
zes no Brazil ? Mas nunca nos deixaremos levar de taes provo-
cacoens.
Desejamos correr o veo sobre scenas tristes, e somente mos-
trar, que a existência destes partidos, constituirão uma das
grandes diflículdades, com o que o novo Governo tem de luetar.
Naõ temos duvida de que esse mesmo Governo cuidará em su-
pitar taes partidos : tanto mais quanto vemos, que uma das ac-
cusaçoens, que faz ao Governo passado, he a de naõ haver repri-
mido esses partidos antipatrióticos. Quanto aos escriptores de
cata-vento, naõ temos duvida que assim como inventaram o
nome de Luso-Hespanhoes-Constitucionaes, gritarão contra
essa antipatriotica uniaõ, logo que o Governo Provisório e a na-
çaõ se mostrarem, como se mostram ja, decididos pela uniaõ do
Brazil; mas o Governo deve guardar-se da byprocrisia de taes
virn-casacas.
Devemos ainda acerescentar, que até temos lido ein. escrip-
tos, cujas ligaçoens com esse partido Hespauhol naõ seria difricil
traçar, que " a opinião prevalente he, que a Juncta em Lisboa
declarará uma Constituição similhante á de Hespanha, como
passo preliminar para a uniaõ dos dous paizes, em forma de
confederação, ou de algum systema livre de Governo para toda a
Península."
Que naõ he tal a opinião prevalente, se conhece bem das de-
claraçoens da Juncta, que deixamos apontadas ; mas inculca-se
isso assim, para o fim desse partido ; e portanto destas mesmas
lalsas representaçoens se conhece a necessidade de estai em guai-
462 Miscellanea.
da contra as insidias de partidos antipatriotas, cujo tini he des-
truir a independência nacional.
Por mais geraes, que sejam as causas do descontentamento da
Naçaõ, por mais culpados, que hajam sido, os Governadores do
Reyno, tin naõ remediar isso a tempo, nem por isso deve o Go-
verno perder de vista o grande perigo que ha, em que os intri-
gantes, fuudando-se nesses mesmos factos, inventem exaggera-
çoens, supponbam causas falsas, e irritem os ânimos a favor de
diverso .'partidos, que, produzindo uma confusão ao depois irre-
mediável, venham a concluir na subversão do Estado.
Queremos de tudo isto concluir, que, se o Governo de Portugal
tal qual se acha, e ao depois de formadas as Cortes, naõ se
guardar das insidias desses partidos, que, como todos sabem,
foram primeiro intentados por aristocratas degenerados, e depois
seguidos por ignorantes ou facciosos palradores, corre Portugal
o risco de fazer uma separação total ou parcial do Brazil, fican-
do enlaõ uma potência tam acanhada, que mal poderá figurar no
inundo com mais graduação do quea provincia da Audaluzia, e
nesse estado de abatimento fácil preza será da Hespanha, quan-
do terá um fim, que de certo naõ merece, o nome Portuguez, e
até a linguagem Portugueza na Europa será extincla.

Comportamento dos Empregados Públicos.

Temos visto publicado, que o Ministio de Sua Majeslade fi-


delissima ein Hollanda, Brito, tomara sobru si negar passaportes
a indivíduos ea navios, que se destinavam a Portugal.
Lemos também, que o Ministro Portuguez em Hamburgo, naõ
só publicara uma proclamaçaõ aos Portuguezes, coiilra a revolu-
ção de Portiií^il, mas diiigiia aos Ministros Estrangeiros um
piotesto contra ella, de st u motu próprio.
Sabemos de Fiança, que o Embaixador ern Paris, o Marquez
de Marialva, recusara também dar passaportes para Portugal, o
que causou em Baiona violentas diputas, entre proprietários de
navios, c o Cônsul Portuguez.
Miscellanea. 4^3

Pela Carta que inserimos abaixo, na Conrespondencia, se verá,


que o Encarregado de Negócios em Londres, Guerreiro, pas-
sou ainda mais longe, porque tentou pôr El Rey em Quarentena,
recusando remetter-lhe cartas e periódicos, que se mandavam
a Soa Majestade; levando essas cartas e esses periódicos, no-
ticias, que éra importante que Sua Majestade soubesse pela via
da imprensa, ja que por outros canaes lhe naõ deixam saber o
que se passa.
Ora ; que tristes reílexoens se naõ offerecem, vendo estes
agentes diplomáticos tomar sobre si, evidentemente sem ordens
algumas, medidas de hostilidade contra Partugal !
Mais, um Encarregado de Negócios d'El Rey recusar directa-
mente o enviar a seu Soberano as cartas, que se lhe remettíain,
e continham noticias, se desgradaveis, importantíssimas, para
a salvação da Monarchia.
Ministros, negando passaportes a vassallos Portuguezes, que
desejavam regressar-se a suas casas, e á sua pátria, sem que
contra elles se allegasse crime nem accusaçaõ alguma.
Ministros, que negaram de seu próprio alvedrio passaportes
a navios, que iam commerciar a Portugal, quando uma das quei-
xas daquelle povo he, que o seu commercio se annihila pela
improvidencia do Governo ; dando assim esses ministros a mais
bem fundada prova ás queixas daquelles povos; e isto sem que
para tal tivessem ordem de seu Soberano.
A causa disto he a impunidade, com que se tem visto tantos
empregados públicos desobedecerem a ordens positivas de sua
Corte, chegando a insolencia ao ponto de que até um Guerreiro
intente fechar a porta ás communicaçoens com seu Soberano,
recusando a seu aibrtrio naõ remetter as cartas, que lhes saõ di-
rigidas pela Legaçaõ; quando o sagrado do sobrescripto parece-
ria bastante, para que Guerreiro mostrasse a taes cartas o mais
profundo respeito.
He escusado querer occultar factos tam escandalosamente pú-
blicos ; as conseqüências de tal proceder nos empregados,
obrando cada um como lhe parece, sem esperar por ordens ou
"Wtrucçoens; mais, obrando em manifesta violação de seus de-
'eves na falta de respeito ao Soberano ; naõ podem deixar de
464 Miscellanea

produzir uma anarchia, que faz impossível que dure o Governo,


se as cousas se naõ remediarem a tempo.
Quando vimos D . Miguel Forjaz feito Conde da Feira, seudu
tam publico em Portugal o partido Hespanhol, que ali reynava
e reyna ; e as nenhumas medidas, que o mesmo Forjaz tomou
para o reprimir, naõ podemos deixar de prever, que as cousas
se approximávam ao fim que tiveram.
Vem a poz isso a carta, que elle escreveo ao Conde de Palmei-
la, e que houve bom cuidado de publicar, junetamente com a
resposta na gazeta de Lisboa; naturalmente se offerece a ques-
tão i porque se publicaram taes cartas na gazeta, contra todo o
custume daquelle Governo ?
O Conde de Palmella naõ duvidou dizer na sua resposta, que
tomava sobre si a parte da responsabilidade, que lhe tocava,
pelas medidas do Governo de Lisboa, a que elle assistia coino
conselheiro. Agora que todas essas medidas se mostram ter
sido as mais impróprias, e absurdas ^ poderá o Conde recusar-
se a que o publico o chame a contas, por essa responsabilidade,
a que elle ue offereceo?
Tomemos, no sentido que o Conde de Palmella quizer, a sua
expressão de ser necessário mudar as bazes do edifício social;
qualquer que fosse a mudança que elle tivesse em vista < por-
que naõ foi ao Rio-de-Janeiro, para a iconselhar ? Naõ somente
podia fazello, mas foi expressamente mandado ir, por seu Sobe-
rano, para esse expresso fim, de ser ouvido, e cooperar nas me-
didas, que se queriam adoptar, e que a necessidade da occasiaõ
requeria: em vez disto foi-se metter em Lisboa ; e naõ temos
razaõ de lhe lançara culpa, pela responsabilidade a que elle
voluntariamente se submetteo ?
A desgraça consiste, em que a responsabilidade dos emprega-
dos públicos, sobre o que tantas vezes temos insistido, naõ
passa de meras palavras, a sua eíficacia ainda a naô vimos
na practica. Cada empregado publico obra como lhe parece, <•
se vê dos exemplos acima citados ; tomando-se ao mesmo tem-
po os mais repreheusireis meios, para impedir que as noticias
cheguem ao conhecimento d' El Rey.
Miscellanea 465

As conseqüências estaõ á vista; e pôde dizei se, que ainda


airóra vai a procissão no principio.

AMERICA HESPANHOLA.

Publicou-se em Londres uma carta do General Morillo, o


Commandante Realista ein Caracas, dirigida a um dos Generaes
Independentes, Montillo, em data de 17 de Julho passado, em
que convida os Americanos Hespanhoes aunirem-se outra vez
com a Hepanha Europea.
Igualmente se publicou a reposta em que Montillo recusa a
proposição, nos termos mais decididos ; falta de tempo e de
lugar, nos impedem dará integra destes documentos neste N°.
Achamos também as seguintes noticias de Carraoas, em uma
carta do Almirante Briou, datada do quartel-general de Baran-
4uilIa, aos 8 de julho,
" Depois da minha ultima, tenho a satisfacçaõ de dizer-vos,
que fui mui bem succedido em reduzir os Hespanhoes ás mura-
lhas de Carthagena e Sancta Martha, tendo tomado toda a frota
Hespanhola, no rio de Magadalena, cerca de 27 barcas canhonei-
ras, a maior parte com peças de 12, 18, e compridas de 24 ; e
também todas as muniçoens de guerra, e um immenso parque de
artilheria de bronze, morteiros, obuzes e uni trem de bater
completo."
" O exercito de Antioquia, se nos unio, assim como também
2.500 homens do exercito do Norte, na Provincia de Sancta
Martha; mais 2.000 homens deste Exercito estaõ em marcha com
o Presidente Bolívar á sua frente ; e devem alem disso chegar-
nos esta semana 1.000 homens dos regulares d'Antioquia, de ma-
neira que teremos em tropas effectivas de linha 4.000 homens,
alem de 5.000 de Milícias. Esta provincia se levantou em armas,
logo que aqui chegamos. A nossa força no Magdalena he pre-
sentemente de 42 vasos de «ueiia a está aberta a nossa com-
4G0 Miseellanta

municaçaõ com todo o interior, esperamos que desçam para aqui


immensas sommas de ouro, porque no interior ha grande falta
de fazendas, vinhos, &c. O porto de Savanilla foi declarado
aberto, e se estabeleceo ali umu alfândega. He uma bella en-
seada, e bem protegida por uma forte bateria, e se edifícará ali
brevemente uma povoaçaõ: communica por um canal como
Magadalena."
A anarchia no interior das provincias de La Plata apresenta
um lamentável quadro daquelle paiz. A provincia de Santiago
dei Esteio está em guerra com Tucuman: a de San Juau he con-
tra Mendonza, &c. e ha tempos que está interrompida a com-
municaçaõ entre Buenos-Ayres e Chili. Carrera continua seus
preparativos contra 0'Higgins e San Martin, e estava em liga
com Alvear.
O Brigadeiro Solei foi proclamado em Luxan chefe do Esta-
do de Buenos-Ayres, e intentava-se que elle se opuzesse ás for-
ças, com que Alvear pretendia apoderar-se do Governo, e paia o
que ia marchando para a capital. As principaes authoridades, ou
por se naõ satisfazerem com aquella escolha de Soler, ou porque
se temessem das Conseqüências, resolveram fugir para a Colônia
do Sacramento. Os dous exércitos porém se encontraram
juncto da capital, e depois de uma sanguinolenta batalha, deci-
dio-se a victoria a favor de Alvear. Soler, inteiramente abando-
nado de sua gente, fugio também para a Colônia. Um de seus of-
ficiaes de graduação superior, chamado Pagola, pôde recolher-
se a Buenos-Ayres, antes que Alvear ali chegasse, e havendo
ajunctado200 homens fez alevantar o povo, e dispóllo a resis-
tir Alvear. Este chefe occupava Corrales de Miserere aos 8de
Julho, na distancia de meia milha de Buenos-Ayres.
O exercito de Albear éra composto do corpo, que antigamente
se denominava o exercito do Peru, debaixo do commando do
General Belgrano, que he morto; os Chilenos ajunctados por
Carreia, alguma cavallaria de Sancta Fé, e emigrantes de Bue-
nos-Ayres.
O que se seguio a isto achamos exposto em uma carta do Rio'
d< -.funeivo, de 22 de Agosto, no extracto seguinte :
Miscellanea. 467
" Segundo as noticias de Buenos Ayres de 22 do passado, a
invocação dos sentimentos populares obrou maravilhas. O co-
ronel Pagola tem algum merecimento em salvar ura pequeno cor-
po ; porém naõ éra elle a pessoa, a quem se havia de confiar o
supremo commando. D. Marcos Balcarce foi nomeado Gover-
nor da Provincia, e os enthusiasticos esforços da população fo-
ram triumphantes. Naõ he verdade que o exercito do Peru se
ajunetara a Alvear; pelo contrario ficou estacionarioem Cor-
dova, aonde conserva boa ordem e disciplina. Alvear e Carrera,
depois de haverem perdido algum tempo nas immediaçoens de
Buenos Ayres, descubríram a sua fraqueza, e a força da opinião
publica contra elles ; e portanto retiráram-se para Luxan. No
entanto completaram-se os preparativos militares em Bnenos-
Ayres, de maneira que puderam os Generaes Rodriguez, Do-
rego, La Madrid e Rondeau sair a campo. Se alcançarem cor-
tar a communicaçaõ entre Alvear, Carrera, e o Governador de
Sancta-Fé, julgo que ja naõ haveria obstáculo para o ajuncta-
mento de um Congresso geral e central. A notieia da invasão
dos Portuguezes Entre-Rios, naõ se verifica : Ramirez está em
pé amigável com elles, e lhes pedio auxilio de sua fiotilha e
um destacamento contra o inimigo commum, Artigas, em caso
de necessidade. O General Lecor deo as ordens necessárias,
porém naõ se poraõ em execução agora ; porque Ramirez der-
rotou Aguiar, um dos chefes subalternos de Artigas, sem auxilio
estrangeiro. Aos 21 de Junho se tomaram a Alvear 268 pri-
sioneiros, que vieram para Buenos-Ayres."
Na provincia de Entre-Rios, dous chefes, antigamente amigos
de Artigas tem combatido, com suecessos vários entre si. Aguiar
surprendeo um pequeno corpo, pertencente a Ramirez, Gover-
nador de Entre-Rios, e dispersou-o; mas depois foi este chefe
atacado e derrotado, pelo mesmo Ramires em pessoft-
Segundo as noticias de Buenos-Ayres o 0'Higgius e Chaca-
buco chegaram ambos a V a lparaiso, posto que os Hepnnhoes
tivessem espalhado, que o primeiro daquelles navios havia nau-
V O L . X X V N°. 140 3 o
468 Miscellanea.
fragado em Valadivia, e o segundo fora capturado em frente de
Guyaquil.
Em Valparaiso se poz um embargo preparativo para a salda
da expedição, contra Peru ; e que constava de 3.000 homens,
e intentava sair no principio de Agosto. Ainda que o povo de
Lima naõ se mostrasse temeroso desta expedição, o Vice-Rey,
aprecatado, mandou a fragata Prueba com 600 homens para
Guyaquil, e ordenou a formação ali de um campo de 4.000
homens, a fim de impedir a juncçaõ das forças de Chili com as
de Nova Granada : mas declarou que suspeitava que a expedi-
ção de Chile éra contra Lima, e portanto convocou um ajuncta-
mento geral, e pedio authoridade para organizar lG.OOOhomens,
que protegessem a capital.
Recebemos também em Londres gazetas e cartas de Chili ate
Junho passado. A expedição contra o Peru se diz por estas
noticias constar de 6.000 homens, commandados pelo General
San Martin, e estava próxima a sair, dentro em poucos dias ;
dizendo-se em Chili, que os Hespanhoes, excepto nas vizinhan-
ças de Lima, naõ tinham forças capazes de fazer a menor re-
sistência. Asseveram mais estas noticias, contra o que nos as-
seguram os Hespanhoes, que em Lima o povo está prompto para
se revolucionar, logo que lhe chegue o auxilio de Chili; porque
o partido da indepeudencia ali pedio e déram-se-lhe 10.000 ar-
mamentos, que vam na esquadra, e officiaes para os disciplinar
e commandar.
Segundo estas contas tem os Hespanhoes em todo o Peru de 12
a 13 mil homens, mas espalhados por um immenso território, e
pela maior parte separados uns dos outros, por distancias de
muitos centos de leguaes, e por caminhos máos e cordilheiras de
montes impervios. De Cordova estava para marchar uma for-
ça de 3 a 5 mil homens, que se dirigiria por Tucuman, Salta
e Jujuy, a fim de atacar o alto Peru (Potosi, Cochabamba, La
Paz, &c.) Os Hespanhoes, dizem estas cartas, estaõ na mais
crítica situação, divididos entre si mesmos, eproroptos a dilace-
rar-se, se naõ fura o medo dos patriotas e de uma immensa po-
Miscellanea. 4(59

população de ne gros, que vigia o momento de queb ai as ca-


deias de sua escravidão.
limadas cartas de Chili pinta os seus negócios nestas pala-
vras :—
" O Vice-Rey de Lima tem estabelecido um systemade espio-
nagem, tanto publico como particular, que tem lançado um véo
de tristeza em toda a sociedade, e q uasi destruído toda a com-
municaçaõ e confiança entre os homens. Muitos dos mais res-
peitáveis habitantes naturaes do paiz estaõ prezos; o Vice-
Rey achou que éra necessário recorrer a violentas extor-
suens, a fim de satisfazer a avidez de seus satélites, os quaes,
prevendo que a sua colheita está quasi findando, trabalham
pi.r fazer provimento para a tormenta que esta a descarre-
gar; e trabalham por meio de liberalidades, em ganhar a
fidelidade dos poucos naturaes do paiz, que ainda estaõ uni-
dos á causa de Hespanha. O commercio esta parado, pois
naõ se vê bandeira Hespanhola nestes mares, e está aca-
bada toda a com munição com a metrópole. Os inimigos da in-
dependência da America, sem duvida naõ triumpharam pouco,
vendo as infelices scenas, que ultimamente se passaram em
Buenos-Ayres. Aqui tudo está tranquillo, e a pezar do máo
exemplo quasi invariavelmente dado pelos governantes Hespa-
nhoes, cuja política nunca se estendeo além da necessidade do
momento, e a obter o seu objecto, fosse por que meios fosse, o
Governo de Chili está persuadido do principio, sobre que obra,
de que a bôa fé he a única baze da prosperidade nacional ; e o
povo se tem inteiramente despido do ciúme dos estrangeiros e
dos melhoramentos estranhos, que mesmo no centro da Europa,
tem conservado a Hespanha muitos séculos atraz de seus vi-
zinhos. Quanto ao commercio, o que acontece invariavelmente,
quaudo se abre novo campo á especulação Ingleza, tem aconte-
cido aqui; ao principio eiitupio-se o mercado, e perdeo-se muito
dinheiro; consequentemente todos se desanimaram, e, naõ man-
daram nada mais: agora realmente todas as fazendas tem sido
consumidas, muitos artigos saõ desejados, e enormemente caros.
Os bebedores de vinho estaõ desconsolados, e vem-se obrigados
Afjo Miscellanea.

a fazer uso do que ha no paiz, que he mui ordinário, visto que


naõ se pôde ter outro. A fragata Hespanhola Prueba compa-
nheira do Sant-Elmo, que indubitavelmente foi a pique no mar,
aproveitou-se da opport unidade de sair de Lima para Guayaquil,
com um comboy e reforços para aquella guarniçaõ, em quanto
a nossa frota e tavaem Vai paraíso, preparando-se para a expedi-
ção. He um pouco singular, que até mesmo tendo falhado o
ataque com os foguetes contra os navios de Callao, e havendo os
distúrbios, que houveram em Buenos Ayres, se produzisse
um effeito tam favorável ao objecto da expedição, visto que o
Vice-Rey do Peru adormeceo, na opinião de que estava seguro,
ao ponto de que se descuidou de tomar aquellas medidas de de-
feza, que alias indubitavelmente tomaria; e até desbandou dous
corpos de milícias em Lima,"
O Leitor j ulgará destas noticias contradictorias, que nos che-
gam, qual deve ser o estado politico daquelle paiz : quanto a
nós somos de opinião, que o Chili prospera como deve, naõ ten-
do em seu território um só inimigo contra quem contenda, nem
sendo inquietado por facçoens domesticas : nisto parecem con-
vir todas as noticias, quaesquer que sejam os presagios sobre o
bom ou máo successo de sua intentada invasão do Peru.

ÁUSTRIA.

Entre as confusas noticias sobre as vistas do gabinete Aus-


triaco a respeito de Napoies, achamos o seguinte em um artigo
de Genoa.
" A forca Austríaca na Itália, no computode 50. 000 ho-
mens, foi dividida em dous corpos, um dos quaes, de2G.OOO ho-
mens estava no território Veneziano, e o outro, de 24.000ho-
mens na Lombardia, o Imperador de Áustria dizem que offert-
céra ao Papa uma guarniçaõ Austríaca, mas elle, para segu-
rança dos Estados Ecclesiasticos, preferio fazer uma leva deho-
mens de 18 annos até 60, capazes de pegar em armas ; o que
Miscellanea. 471
consta de um artigo de Ancona, de 13 de Septembro ; esta leva
se executava rigorosamente; mas concedia-se um alistameuto
voluntário, dando-se o prêmio de cinco coroas. As tropas Aus-
tríacas na Itália, e as que para ali marchavam, se puzeram no
pé de guerra desde o 1." de Septembro. Quasi todos os regi-
mentos de Infanteria, que ao principio se destinavam, para o
encainpamento de Pest, foram depois mandados para a Itália.
Por um artigo de Vienna de 14 de Septembro se diz, q ue * P o r
um tractado especial, os Soberanos da Confederação Germânica
mandariam tropas, para se unirem ao exercito Austríaco na Itá-
lia; e com tudo também se diz, que a determinação final, sobre
os negócios de Napoies, dependerá do resultado das deliberaço-
ens de um novo Congresso de Ministros das grandes Côi tes, que
se haõ de ajunctar em Vienna. O Gabinete de Vienna, segun-
do diz um artigo de Napoies, transmittio ao Governo Napolitano
uma nota Official, datada do 1." de Septembro, em que explica
os motivos, que o tem determinado a ajunctar um exercito con-
siderável na Itália, e accrescenta, que estas medidas de precau-
ção naõ tem outro objecto mais do que a mantença da tranquil-
lidade no Reyno Lombardo-Veneziano, e a paz em toda a Pe-
nínsula."
A. p. 416 damos a nota official, que a Áustria transmittio
ás Cortes Alemaás sobre os negócios de Napoies.
Aehamos nas gazetas lnglezas, debaixo do titulo de Conres-
pondencia do Danúbio, em 3 de Outubro de 1820, a seguinte
exposição da política Austríaca actual —
" S. M. Imperial e Apostólica, o Imperador de Áustria, re-
metteo por fim aos Soberanos da Sancta Aliiança, uma longa
Nota, em que lamenta os rápidos progressos do espirito inova-
dor dos tempos, o que S. M. attribue à destructora influencia
das sociedades secretas, e ás perniciosas obras de alguns poucos
de escriptores scepticos, cujo objecto, diz o Monarcha, he a
inteira subversão de todas as authoridades constituídas, assim
como de toda a ordem moral e social. O Imperador procede en-
taõ a recommendar a seus augustos alliados, a immediata extir-
472 Miscellanea.

paçaõ nos seus differentes Estados, de todas as sociedades se-


cretas, aspecialmeute Frcimaurey, Illuminatí, Fregeistery e
Misticismus. S. M. expõem depois aos differentes Soberanos,
mui por extenso, as occurrencias, que succedéram em Nápoles,
tudo o que elle altribue ás intrigas fomentadas nas loges dos
Framaçons, debaixo do nome de Carbonari; e se demora mui
emphaticamente no imininente perigo a que os Soberanos se ar-
riscam, tolerando em seus dominios sociedades, que saõ capa-
zes de derribar o poder Real, eos Governos mais bem consolida-
dos. O Imperador passa despois a informar os membros da Sanc-
ta Liga, depois de um longo e elaborado proemio, dos motivos
que o induziram a ajunctar tam grande força militar na Itália.
Declara que, soffrer os revolucionistas de Napoies he incompa-
tível com a dignidade de sua coroa, e com a tranquillidade e
bem de seu povo, que deve pela dupla obrigação da consangüi-
nidade e política do Estado, restabelecer a ordem em toda a Pe-
ninsnla da Itália, e proteger o Cabeça da Igreja ChristaS, con-
tra as machinaçoens dos revolucionários demagogos, que o cer-
ram. O Imperador conclue cumprimentando seus altos alliados,
pelo bom espirito que se mostra em todos os Estados do Norte da
Europa, e declara a sua determinação de restabelecer immediata-
mente a antiga ordem de cousas na Itália."
Na mesma communicaçaõ se diz, que as tropas Austríacas
continuavam a marchar para a Itália de todas as partes ; e tinham
saldo coin o mesmo destino vários parques de artilheria dos arse-
naes deVienna. O Landwehr teve ordem para sair a campo imme-
diatamente, e se suppoem que, pelo meado deste mez, as forças
Imperiaes na Itália montarão a mais de 200.000 homens. Um
dos exércitos he formado nas fronteiras do Piemonte, e o outro
nos confins dos Estados Ecclesiasticos. Falla-se em que Sua
Alteza o Feld-Marechal Principe Nugent será o Generalissimo
das tropas Austiiacas, em vez do Marechal Principe Carlos de
St hwartzemberg. O Principe Nugent, quando chegou a Vienna,
teve uma audiência particular do Imperador, que durou quatro
horas ; tem tambein tido diariamente longas conferências com o
Miscellanea. 473

Primeiro Ministro, Principe von Metternich. Observa-se a


maior actividade na repartição de guerra Austríaca, e toda a for-
ça militar com o Landwehr excedem 900.000 homens effectivos :
a repartição da Policia foi triplicada; todas as gazetas estran-
geiras saõ prohibidas. O Imperador, a encarecidos peditorios
de seu irmaõ o Archiduque Rudolpho, Cardeal, Principe Arce-
bispo de Olmutz, expedio um decreto aos 20 do passado, para
o restabelicimento da Ordem dos Jezuitas, era todos os dominios
Imperiaes : dirigio-se uma ordem ou mandato do Conselho Áu-
lico Imperial ao Principe Luiz Tocaffe, Vice Rey dos Reynos de
Gallicia e Lodymiria, dando-lhe instrucçoens para restabelecer
os Jezuitas expulsos da Rússia, na posse immediata de todos os
seus antigos collegios, escholas, noviciados, nos Estados Aus-
tro-Polacos. Os Jezuitas expulsos da Hespanha haõ de resta-
belecer-se nos Reynos de Lombardia, Veneza e Dalmacia. Os
Soberanos de Áustria, Rússia e Prússia teraõ a sua entrevista
pelos fins deste mez; emTroppau, na Silezia. S. A. R. o Prin-
cipe Antônio de Saxonia chegou a Vienna, em seu caminho
para Madrid, a visitar sua filha a Raynha de Hespanha.

FRANÇA.

S. A. R. a Duqueza de Berri deo á luz um Principe. aos 29


de Septembro; a quem se deo o titulo de Duque de Bordeaux;
acontecimento este que causou geral alegria em toda a Corte.

HESPANHA.

S. M. considerando a multiplicidade e importância dos objec-


tos, que ha a tractar nas Cortes, usando da faculdade, que lhe
da o artigo 107 da Constituição prolongará a sessaõ por mais
wn mez.
474 Miscellauea.
A Commissaõ especial das Cortes encarregada de examinar o
negocio dos 60 Deputados, que em Abril de 1814 assignâram a
representação aS. M., aconselhando-o a que destruísse o syste-
ma Constitucional, fez o seu relatório, na sessaõ de 28 de Sep-
tembro. Diz a Commissaõ, entre outras cousas, que, tendo
achado neste caso, muitas circumstancias, que podem mitigar o
rigor da justiça, e dar lugar á clemência, a Commissaõ decidio
em adoptar uma medida geral, ainda que com algumas restric-
çoens; e naõ achando outros meios senaõ o do rigor para atemo-
rizar, e o da indulgência para conciliar, éra de opinião, que o
primeiro, como menos nobre, e menos conforme á generosidade
e elevados sentimentos do Corpo Legislativo, naõ éra o que se
devia escolher. Em conseqüência a Commissaõ propõem a sua
opinião, disposta em cinco artigos; que os dictosex-deputados
sejam absolvidos pela presente ley, de todo o procedimento legal
contra elles, mas que fossem obrigados a recolher-se ao seu do-
micilio usual respectivo, aonde ficarão retidos, e sem voz activa
ou passiva nas eleiçoens.
Os que se naõ conformarem com este regulamento, deverão
apparecer ante a justiça e estar pelo resultado: porém naõ se
entende que por isto fiquem desonerados das obrigaçoens, em
que possam ter incurrido, para com pessoas particulares. D.
BernardoMoozo Rozales he exceptuado das precedentes disposi-
çoens, declarando-se que ha fundamento para instituir contra elle
procedimentos judiciaes.
O projecto de ley, apresentado ás Cortes por Goroli, sobie
as sociedades politicas, contém os seguintes artigos:—
1.° Todos os Hespanhoes teraõ direito de fallar sobre os ne-
gócios políticos, conformando-se com as disposiçoens das leys.
2." Toda a assemblea naõ authorizada pela ley cessará imme-
diatamente.
3." Naô se faraõ ajunetamentos senaõ em virtude da permissão
da authoridade local, que tomará as medidas necessárias para
garantir a tranquillidade publica.
4.° E com tudo, estas sociedades, authorizadas pela compe-
tente authoridade, se naõ olharão como corporaçoens.
Miscellanea. 475

Na sessaõ de 21 de Septembro começou a discussão sobre o


relatório da commissaõ especial, nomeada para examinar as pro-
posiçoens do Deputado D. Vicente Sancho sobre a reformados
conventos : o primeiro artigo he o seguinte :—
« Seraõ supprimidos todos os mosteiros das ordens mona-
chaes; incluído os do Claustro Benedictino de Aragaõ e Catalu-
nha assim como também os conventos e Collegios das quatro Or-
dens Militares."
O debate extendeo-se á sessaõ do dia seguinte, quando a pro-
posição foi approvada por 107 votos, contra 32. Depois, nas
sessoens seguintes se approváram outros artigos; e o 10.° de-
termina, que se naõ professem mais noviços, nem se recebam
outros ; nem se formem mais conventos.
Nas sessoens de 5, 6, 7, e 8, d' Outubro, o principal ob-
jecto de discussão foi a ley sobre a liberdade da imprensa ; as
contribuiçoens directas, o projecto de ley para o melhoramento
dasprisoens, e melhor tractamento dos prezos; e a proposição
para um imprestimo de 230 milhoens, a fim de cubrir o déficit
das rendas publicas.

INGLATERRA.

Na Câmara dos Pares, aos 5 de Outubro, se perguntou ao


Ministro, se o Governo Inglez tinha feito alguns ajustes para
intrometter-se nas revoluçoens de Napoies e Hespanha, ou se o
Governo Inglez intentava ingerir-se, nos negócios internos da-
quelles Estados.
Lord Liverpool, como primeiro Ministro, respondeo pela ne-
negativa, mas como houvesse duvida sobre o modo de entender
a sua resposta, elle se explicou depois por este modo.
" Que julgava necessário levantar-se outra vez, para obviar al-
guma falta de intelligencia. Desejava repetir; que naõ éra da
VOL X X V . N°. 149. 3 P
476 Miscellanea.

política deste paiz, a este tempo, e nas presentes circumstan-


stancias, ingerir-se nos negócios internos de outro paiz; que
este paiz naõ éra parte directa, em nenhuns ajustes de tal na-
natureza, e que naõ tinha directa nem indirectamente instigado
medidas algumas, da qualidade a que se alludia, da parte de
outros governos. Isto dizia elle distinctissimamente, com a re-
serva de que naõ prenderia a discrição do Governo deste paiz,
dizendo que caminho poderia para o fututo seguir, em circum-
stancias possíveis ou occasionaes. Tudo quanto desejava éra,
qne, o que tinha dicto, se tomasse nos termos, em que elle se
tinha expressado, e naõ nos termos de outra pessoa, por mais
respeitável que ella fosse."
Avizam de Portsmouth, que as fragatas Active e Liffey, que sa-
íram no dia 16 de Septembro com ordens selladas, e se suppu-
nbam irem para Lisboa, passaram por Gibraltar para o Mediter-
râneo, aos 27,
Do mesmo lugar informam, que a fragata Beaver, Capitão
Mariatt se aprontava para levar o Conde de Palmella de Lisboa
para o Brazil; ficando assim a Creole com a esquadra em Lisboa
que consiste agora no Vengeur de 74, Capitão Maitland; Liffey,
de 50, Cap. Duncan; Active, 46, Capitão Sir J. Gordon; e
Creole, 42, Capitão M'Kenzie.

NÁPOLES.

O Parlamento Napolitano abrioa sua sessaõ no 1.° de Outubro,


achando-se El Rey presente em pessoa; mas lèo a falia d' El
Rey o Principe Vigário Geral, que ao depois também disse al-
guma cousa em seu próprio nome. O Presidente do Parlamento,
Mr. Galdi, respondeo á falia do throno, em nome da assemblea.
Depois disto o General Pepe deo a sua demisaõ, que El Key
Miscellanea. 477

aceitou, expressando a sua approvaçaõ pelo comportamento do


General.
O Parlamento dividio-se depois em nove Commités, para dis-
cutir por partes os differentes objectos de legislação.
O Jornal Constitucional das Duas Sicilias diz o seguinte :—
0 Duque de Gallo, o Embaixador Siciliano, que fora obriga-
do a parar por algum tempo em Clagenfurt, em seu caminho
para Vienna, queixou-se ao Principe Metternich sobre isto, e
recebeo daquelle Ministro a seguinte resposta:— " Depois de
uma revolução, que derribou os alicerces do edifício social, e
ameaçou ao mesmo tempo a segurança dos thronos, a firmeza das
constituiçoens estabelecidas e a tranquillidade das naçoens, S.
M. o Imperador obraria inconsistentemente com os princípios,
que o tem invariavelmente guiado, se reconhecesse a missaõ do
Duque de Gallo."
O mesmo jornal menciona, que o Imperador de Rússia re-
cusara receber o Principe de Cimitele, embaixador do governo
constitucional de Napoies. Parece pois, continua o jornalista
Napolitano, que a nossa reforma política será o principal ob-
jecto das deliberaçoens do, Congresso em Troppau. Esperemos
que noçoens mais exactas illuminem os Soberanos Alliados, do
que ao presente parecem guiállos."
Pelo que respeita a guerra civil em Sicilia, as seguintes saõ
as noticias, que daquelle paiz nos tem chegado.
O General Florestan Pepe, chegou a Cefalu, 40 milhas de
Palermo, aos 12 de Septembro ; ou aos 16; porque nm artigo
de Napoies de Septembro, diz assim:—" recebemos noticias de
Messina, que o General Florestan Pepe entrou em Cefalu aos
16, e o Coronel Costa em Alimena. Em Palermo a Juncta,
para tranqüilizar o povo, annunciou-lhe. que o Principe Villa-
franca estava munido de extensos poderes, para tractar com o
General Pepe. Dizem também, que a Juncta offerece ra ura ar-
mistício ao Commandante de Trapani, assegurando-lhe, que es-
tava a ponto de entrar em negociaçoens com o Governo de Ná-
poles."
ffiL [478] Miscellanea.

Soube-se depois, que o Exercito Napolitano tomara aos 20, o


forte de Sol tanto, e no mesmo dia toda a esquadra Palerniitana,
de barcas canhoneiras, foi tomada pelos Napolitanos.
Aos 7 de Outubro se recebeo em Napoies noticia pelo tele-
grapho, de que os Pale rmitanos se tinham submettido á authori-
dade Real, e que as tropas Napolitanas estavam de posse das for-
talezas, e se cuidava em desarmar os revoltosos. Naõ achamos
que os Palermitanos obtivessem algumas condiçoens, como a
principio se disse, mas parece, que o General Pepe recusou até
conceder um armistício, ou entrar em negociaçoens em Palermo,
allegando, que o seu único objecto éra restabelecer a tranquilli-
dade ; e os Pr.lermitanos divididos entre si, e sem o apoio do
resto da ilha, naõ poderam oppór mais resistência.

RÚSSIA.

A p. 419 copiamos a falia do Imperador a de Rússia á Dieta


de Polônia : esta falia consiste mais na recommendaçaõ de prin-
cípios geraes, do que na proposição de algumas medidas em
particular.
Na Dieta houve um debate mui vivo por três dias succesivos
tobre a adopçaõ de um novo Código criminal, que propuzéram
os Ministros do Imperador; e que por fim foi regeitado por
120 votos contra 3 . As objeçoens fundavam-se principalmente
na falta de segurança individual, e de liberado geral, que se
manifestava em todo o Código, epecialmente na composição
dos tribunaes criminaes, aonde se naõ admittiara os jurados.
Uma gazeta Ingleza do partido ministerial (Courrier 9 Ou-
tub.) publicou o seguinte :—
" Dizemos por authoridade, que naõ he verdade o que ap-
parecêo no Courrier de 19 do passado, e que foi copiado de um
Miscellanea. 479

jornal de Bruxellas; a saber, que o Baraõ d'Anstett, Ministro


Plenipotenciario Rusiano, na Dieta de Frankfurt, tinha feito
uma communicaçaõ confidencial, para o seguinte effeito :— " O
Imperador de Rússia naõ reconhece em potência alguma o di-
reito de se ingerir nos negócios de outros Estados, por
causa das inovaçoens introduzidas no governo desses Estados.
S. M. Imperial declara, que a sua próxima entrevista com seu
Alliado o Imperador de Ausi tia, está bem longe de ter por ob-
jecto o concertar medidas ou meios tendentes a supprimir a
nova ordem de cousas na Hespanha ou Napoies."—Naõ ha o
menor fundamento para este rumor, naõ se havendo feito tal
communicaçaõ á Dieta da parte do Ministro Russiano."
( 480 )

CONRESPONDENCIA.

Senhor Redactor do Correio Braziliense !

Sem me querer metter mais em questionar ao despotismo


a razaõ do seu proceder, sobre a sua conducta; toda a via es-
crevi aos meus conrespondentes a fim de procurarem ao Senhor
Guereiro, a razaõ porque se tinha recusado a remetter a Sua
Majestade o que até ali se tinha mandado regularamente ao mes-
mo Senhor. Isto, além disso, com o fim de dar mais uma occa-
siaõ aos seus Leitores de ajuizarem como El Rey se acha bloque-
ado e servido.
Ora pôde suppôr, que sendo esta applicaçaõ feita ao mesmo
covil, deveria a resposta ser da mesma cathegoria : isto he falsi-
dades e inconsequencias !
1.* Diz que naõ tem conhecimento, ou por outra, que naõ
reconhece que eu tenha character algum official: isto he ; 1.*
que o meu Diploma naõ pôde ter fé, visto naõ ser d' accordo do
cnnloio oa ser sancionado por elle : 2.° Que as credenciaes» e
diplomas de Sua Majestade naõ valem nada, assim como as or-
dens, quaesquer que sejam como se tem visto !
2." Diz que, em quanto ao que se mandava para Sua Majes-
tade, naõ recebera instrucçoens algumas officiaes para isto!
Como se fossem precisas ordens d'El Rey para se lhe mandar
qualquer carta, ou embrulho pela mala das suas legaçoeus!
Conrespondencla 481

Veja que impostura ! muito mais tendo-se mandado atê agora


o que se remettia á Legaçaõ; e demais diz, que se eu naõ julgo
próprio de as mandar pela Legaçaõ Portugueza em Paris, aonde
me acho, que a posta está aberta para as receber ! Ora aqui
tem aonde se vê bem a educação regular, que teve este Senhor,
e a Lógica e Mathematica, que estudou, e as razoens forçadas,
que daõ os da Soberania.
Remettem-se a El Rey folhetos, que se publicam em Londres,
e que tem ido até agora pela Legaçaõ ; e agora diz que devem
vir aqui á Legaçaõ de Paris, para de cá irem á Legaçaõ de Lon-
dres, e de Ia entaõ para Sua Majestade ! Eis aqui o máximo da
trapalhada! !
E acaba em dizer, que naõ quer conrespondencia alguma co-
migo, nem de minha parte, e que toda a carta, que se lhe re-
metta voltará sem se abrir ! A isto respondo, que a prova de
que naõ quero alguma cousa com elle, he ter-me dirigido ao seu
Jornal; e se elle me naõ reconhece character algum official,
tenho nisso a maior satisfacçaõ, por sermos heterogêneos ; e que
desde que vejo, que um Encarregado dos Negócios de Sua Majes-
tade, deixa de executar as suas ordens, e até o quer governar,
o naõ reconheço, que por um cogumelo da ramificação do con-
cloio que tanto trabalhou por confundir as cousas.

Sou, &c.

H. J.de A . C .
Paris, 23 d'Outubro de 1820.

Inconsequencias e regalias natas do Conselheiro Pal-


mella.
Senhor Edictor do Correio Braziliense !

Peço-lhe queira inserir no seu Jornal estas pequenas observa-


çoens, que vem ad rem, Ja sabe o que o Conselheiro Palmella,
482 Conrespondencia.

fez, em 1818, com a tua carta do Brazileiro estabelecido em


Londres ! que saindo a campo creio, com o fim de mostrar ao
publico Inglez (que he o que hoje importa) uma cousa, saio-se
com outra; e nada menos do que declarar, que a expedição de
Morillo tinha sido d'acordo com a Corte do Brazil, e que por se
ter faltado ao que se tinha estipulado he que a dieta Corte do
Brazil seguio outro plano ! A outra, na mesma carta, he, que
os Brazileiros tam longe estavam de serem mal tractados, pelo
Governo que se via e conhecia predilecçaõ para com elles, a res-
peito dos Portuguezes da Europa ! Eis aqui o que he dar por
páos e por pedras : porém naõ tem mais na sua maõ.
Em 1820, querendo mostrar, ja se sabe ao publico Inglez,
que naõ éra verdade, que El Rey tivesse passado o decreto, para
fixar a sua residência no Brazil, saio-se a declarar, que toda via
éra preciso mudar as bazes da Monarchia Portugueza ! E
indo o tal Brazileiro estabelecido em Londres para Lisboa, a ti-
tulo do interessante casamento da manai Como vio Ia, que os
obreiros que elle tinha despertado o naô reconheciam por seu ar-
chitecto, e mestre ; mas no entanto que a sua pregação se confir-
mava, voltou-se para o entulho, a verse ainda com ascaliças e
tijolo velho podia supportar a casa, que elle no seu risco e plano
tinha querido deitar abaixo! Fazendo as fosqoetas, que se
tem presenciado, nas memoráveis producçoens dos dias 28 de
Agosto e seguintes até a sua morte.
Eis aqui o homem, que com falsas bullas foi ao Congresso, e
que com as mesmas tem imposto a muita gente.

Sou seu, &c.


AMIGO VELHO.
CORREIO BRAZILIENSE
D E N O V E M B R O 1820.

Na quarta parte nova os campos âra;


E se mais mundo houvera lá chegara.
fIAMOENS , c. v i l . e 14.

POLÍTICA,

REYNO UNIDO DE POUTUGAr-, BRAZ1X, E ALGARVES.

Patente extraordinária de S. M. ao Marechal Lord Be-


resford.
D. Joaõ, &c. Faço saber que, sendo mui dignos da
minha Real contemplação os grandes e assignalados servi-
ços, que me ha feito o Marquez de Campo Maior, Mare-
chal General, e Commandante em chefe do meu Exercito
de Portugal, e querendo dar-lhe um novo testemunho pu-
blico da particular consideração, em que os tenho, e do
apreço e confiança que merece; hey por bem, por graça
especial, elevâlloao eminente posto de Marechal General
juncto á minha Real Pessoa; determino em conseqüência,
que fiquem debaixo da sua immediata authoridade todos
Vor..XXV. N°. 150. 3 Q
484 Política.
os corpos militares das três linhas, c os objectos militares
que tenderem á disciplina, armamento, recrutamento do
Exercito, estado das praças, e quaesquer fortificaçoens,
feitas ou a fazer, para a defeza do Reyno de Pottugal e
dos Algurves, Arsenaes Reaes do Exercito, e Fundiço-
ens, trem, obras publicas militares, authoridades e repar-
tiçoens civis do Exercito, Collegio Militar, e tudo quan-
to for execução, regulamentos, leys, e quaesquer diplo-
mas, que fixam ou para o futuro fixarem a regra militar,
para todos ou para qualquer dos objectos referidos; re-
mettendo-me immediatamente todas as propostas e par-
ticipaçoens de qualquer natureza que sejam, para eu lhe
dirigir as minhas Reaes resoluçoens, pelo Ministro e Se-
cretario de Estado competente; e quando as propostas
para promoçoens forem feitas fora do Reyno aonde Eu •fi-
zer a minha residência, poderá dar exercício dos seus pos-
tos aos Alferes, Tenentes e Capitaens, que propozer, até
que baixem as minhas resoluçoens a esse respeito: final-
mente ordeno, que em qualquer parte do meu Reyno
Unido, em que se ache o dicto Marechal General, Juncto
â minha Real Pessoa, fora dos districtos da sua immedi-
ata jurisdicçaõ, os Governadores e Generaes se prestem a
quanto elle exigir, para conhecimento do estado de disci-
plina, economia dos corpos, ou do estado das fortificaço-
ens, existentes ou precisas, a fim de me informar do que
achar, ou se dever corrigir ou acerescentar. E mando a
todas as authoridades, ou sejam civis ou militares, e a to-
dos os meus vassallos de todas as classes, a quem possa
competir obedecer ou coadjuvar ao referido Marechal
General Juncto á minha Real Pessoa, para o desempenho
das obrigaçoens e authoridades, que por esta Carta Pa-
tente lhe imponho, e concedo, assim o façam sem duvida
alguma. E esta será registrada em todos os lugares aonde
Política. 485

deva constar esta minha Real Determinação. E m firme-


za, &c. Dada aos 29 de Julho de 1820.
E L R E Y , com guarda.
RODRIGO PINTO GUEDES.
L U I Z DA M O T A F E O .
Por decreto de 24 de Junho de 1820, Joaõ Valentim.

Termo do Juramento, prestado pelos Fidalgos ao Governo


Provisório de Portugal.

Aos onze de Outubro de 1820, neste Palácio do Gover-


no e perante a Juncta Provisional do Governo Supremo
do Reyno, compareceram as pessoas abaixo assignadas,
para por si, ou como Procuradores bastantes de outras,
por virtude das procuraçoens, aue mostraram, darem o
juramento, que lhes fora determinado por Avizo de 6 do
corrente, elogo cada umadellas, pondo a maõ direita, no
livro dos Sanctos Evangelhos jurou na forma, que pri-
meiramente por mim foi lida em voz alta, na presença de
todos, dizendo:—
" Juro aos Sanctos Evangelhos obediência à Juncta
Provisional do Governo Supremo do Reyno, que se acha
instaurado, e que em nome de El Rey nosso Senhor, o
Senhor Rey D. Joaõ VI, ha de governar até a instituição
das Cortes, que devem convocar-se para organizar a con-
stituição Portugueza; juro obediência ao mesmo Senhor
Rey, D. Joaõ VI. a essas Cortes e á Constituição que fi-
aerem, mantida a Religião Catholica Romana, e a Djmas-
tia da Sereníssima Casa de Bragança,

(AssignadosJ Duque de Cadaval.


Duque de LatToens.
4«6 Política.
Marquez de Alvito.
Marquez de Arbrantes
Marquez de Subagoza.
Marquez de Abrantes, D. Jozé,
Como Procurador do Marquez de Castello-
melhor; Marquez de Abrantes, D. Jozé.
Marquez do Louriçal.
Marquez de Fronteira.
D. Nuno Caetano Alvares Pereira de Mello.
Marquez deTancos.
Conde de Sampaio.
Conde de Povolide.
Conde de Lumiares.
Conde da Cunha.
Conde de Oeiras.
Conde do Redondo. Por mim e por meu
Pay.
Conde de Bobadella: e pelo Conde da Feira.
Conde de Castro Marim.
Conde de S. Lourenço.
Conde da Atalaia.
Conde de Almada.
Conde de Peniche: D. Manuel, como Procu-
rador de meu pay, o Senhor Conde de Pe-
niche, D. Caetano; e como Procurador do
Marquez de Valença.-
Conde Armador Mor.
Como Procurador do Conde de Alva, o Pre-
gador Regio, e Clérigo Beneficiado, Frau-
cisco Joseph Carrera.
Por mim e como tutor do Conde de S. Vi-
cente ; D. Joseph Maria Almada Castro
Noronha Lobo.
Política. 487
Como Procurador do Excellentissimo Mar-
quez de Pombal; Joseph Antônio de Amo-
rim do Valle.
Fernando de Almeida; Trinchante Mor.
Por mim e por meu filho, Visconde de Fonte
Arcada.
Visconde da Bahia.
Visconde de Ervadoza.
Como Procurador dos Viscondes de Jerume-
nha, e do Baraõ de Teixeira; Carlos Da-
niel Deodaly de Lacerda; Prelado Patri-
archal.
Viconde de Estremoz.
Visconde de Manique do Intendente.
BaraÕ do Sobral.
Baraõ de Mollellos.
Por meu pay o Baraõ de Beduido, Joaõ Ma-
ria de Lacerda.
Baraõ do Rio Seco
Baraõ de Quintella.
Marquez de Ponte de Lima.
Conde de Ficalho.
Como Procurador do Conde de Sabugal
Conde de Ficalho.
Conde de Soure,
Como Procurador do Conde de Barbacena
Conde de Soure.

Do que tudo, eu Manuel Fernandez Thomaz, Membro


da Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno,
encarregado dos Negócios do Reyno, e fazenda, fir lavrar
por ordem da mesma Juncta este termo, que assignei,
com os outros Membros delia, e de tudo se extrahio uma
488 Política.
copia authentica também por mim assignada, para se
remeter ao Real Archivo da Torre do Tombo e nelle ser
guardado, ficando o original na Secretaria de Estado dos
Negócios do Reyno.
MANUEL FERNANDEZ THOMAZ.
G. P R I N C I P A L DECANO.
A N T Ô N I O DA S I L T E I R A P I N T O DA FONCECA.
CONDE DE P E N A F I E L .
M A T H I A S JOZE D E A Z E D O .
H E R M A N O J O Z E B R A A N C A M P DO SOBRAL.
F R . F R A N C I S C O D E S. LUIZ.
JOZEPH JOAQUIM F E R R E I R A DE MOURA.

E no dia 13 fizeram o mesmo juramento por seus pro-


curadores bastantes o Conde de Barbacena, Francisco
Furtado de Castro do Rio de Mendonça: e o Visconde
de Souzel.

Provisão pelo Conselho da Fazenda em Lisboa.

D. Joaõ por Graça de Deus Rey do Reyno Unido de


Portugal e do Brazil e Algarves d' aquém e d'alem Mar
em África, Senhor de Guiné, &c. Faço saber a vós Cor-
regedor da Commarca de Santarém, que pela occasiaõ da
Juiníta das imposiçoens dessa Villa pertender lhe hou-
vesse de confirmar certas propinas ou salários, que ti-
nham constituído de novo aos officiaes daquella mesma
Juncta e arrecadação, se ir.e ftz presente em Consulta do
Conselho da Real Fazenda de 20 de Abril de 1819, em
respeito às averiguaçoens a que mandou proceder sobre
aquelle negocio, e de que tudo houve vista ao Conse-
lheiro Procurador da Minha Kcal Fazenda, que a mesma
Política. 4S9
imposição estava sendo baslantementegravosa aos povos,
e que naõ redundando disso maior interesse â Real Fa-
zenda, ella se podia dizer que só recaia em interesse par-
ticular das pessoas engarregadas daquella Inspecçaõ;
porque, tendo-se constituído meios de exigir a despeza
das apozentadorias quando os meus Augustos Predeces-
sores, sua Real Familia e mais séquito da Corte, que os
accompanhava, Iam a essa Villa, conforme o Regimento
de 2 de Novembro de 1462, fora depois reduzida a som-
ma, que deveriam pagar, a um contracto celebrado com os
povos pelo encabeçamento certo e annual de l:78õ.000reis,
confirmado pelo Alvará de 23 de Abril de 1733, exigindo-
se por isso determinada quantia do consumo da carne,
pescado, e do sal, formando-se desta uma espécie de es-
tanco e do vinho, que depois, quanto a este, foi excluído,
e que somente no caso de naõ chegar em os outros rendi-
mentos ao computo do cabeção, se faria proporcional
derrama pelos lavradores daquelle gênero: porem que,
tendo sido muito mais excessivos aquelles rendimentos
ao compacto do cabeção estipulado, se consumia uma
quasi ií>;ual quantia em ordenados, e varias propinas,
que sendo effeitos particulares, ao passo que éra gravado
o publico naõ vinha a redundarem utilidade do Estado:
e merecendo todos estes objectos, como todos os mais
que me foram ponderados na referrida consulta, a minha
Real consideração, fui servido, por minha Real resolu-
ção de 7 de Janeiro deste corrente anno de 1820, deter-
minar o seguinte:
1. Hey por bem extinguir a mencionada Juncta das
Imposiçoens, com todos os seus empregados de sua de-
pendência, revogando para isso todas as leys, regimentos,
ou provisoens, que a tivererem constituído, como se de
cada uma dellas fizesse pura e expressa mençaõ, sem em-
490 Política.
bargo da ordenação em contrario, ficando porém a mesma
Juncta obrigada a completar a sua administração deste
corrente anno, para depois dar as suas contas, e sereni-
lhe abonadas nellas todas as despezas competentes do
costeamento, assim como do mesmo modo as gratifica-
çoens, attendidas as causas, que a referida Juncta expo-
zera tinham havido para as conceder.
2. Que este encabeçamento de 1:785.000 reis das Apo-
sentadorias se una ás das sizas, quanto â sua arrecada-
ção, por naõ se condsiderar differença de razaõ, sendo na
proporção, que respeitar às terras obrigadas a ambos os
encabeçamentos, ficando por isso obrigado o Corregedor
da Commarca a arrecadar aquelle computo, na mesma
conformidade, que pela ley de 22 de Dezembro de 17(>1
se lhe incumbe o das sizas, e remettendo-o para o Real
Erário com a devida separação, abatendo porém delia os
pagamentos, com que se acha gravada a mesma Imposição,
de que sempre se ha de formar folha neste conselho, que
do anno futuro em diante ha de também ser expedida
ao Recebedor Geral das Sizas, a quem fica competindo
o recebimento e guardado mesmo cabeção.
3. Que dos impostos estabelecidos para segurar este
encabeçamento fique somente subsistindo o das carnaes,
para se cobrar nos talhos, podendo-se arrematar, quan-
do a Câmara daquella Villa entenda que assim convém
pela mesma forma que arremata as correntes, ou quando
fique em administração regular, entaõ esta, pondo pessoa
capaz, que faça a arrecadação, que deverá ir entregando
ao dicto Recebedor Geral das Sizas, fazendo-se a devida
escripturaçaõ; extincto por tanto desta forma o que res-
peitava ao imposto, que se recebia do sal, abolido por
isso o seu estanco, e na mesma conformidade o do pes-
cado fresco, ou salgado e do vinho.
Política. [491] 3f)i

4. Que supposto existir em cofre, de sobras, que tem


havido, a quantia liquida de 7=155.727 reis, as quaes de-
veriam supprír as faltas, que pudessem haver nos annes
suecessivos, naõ sendo por ora essas mesmas sobras neces-
sárias; se determina, que tudo o que se liquidar e ficar de
sobras no fim deste corrente anno, haja de passar por em-
préstimo para o cofre das obras da valia deAIpiaça; e
do que assim passar, como do que j a tenha passado, pa-
ra qualquer outra estação, se haja de dar conta neste
Conselho, quando assim se liquidar, para se determinar
ao Cofre, a que se ha de ir fazendo os pagamentos do
mesmo empréstimo. E finalmente como ficando somente
a importância daquelle cabeção, para se haver de exigir
pela venda da carne, formareis relação do que por aquelle
ramo tem rendido nos seis annos próximos passados, e
convocando a Câmara, Nobreza e Povo concordarão no
meio de segurar o computo da imposição por aquelle
ramo com seu gravame augmentado, quando se veja, em
vista das dietas relaçoens, que naõ he bastante o de um
real,que até agora delia se exigia ; e me informareis a
respeito de tudo, assim remettendo as dietas relaçoens,
com as respostas, que aquelle respeito derem os convo-
cados. E portanto, assim que receberdes esta, indo á
Câmara, tendo feito convocar aB pessoas que lhes respei-
tam, lhe intimareis esta minha Real determinação, parti-
cipada na presente provisão, e do mesmo modo seraõ
convocados os da Juncta daslmposiçoens, e a fareis logo
registar nos livros da misma Camaia, devendo também
ficar no seu cartório esta mssma Original Provisão: as-
sim como também deverão passar para o mesmo cartório
da Câmara todos aquelles livros e mais papeis, que res-
peitavam atê agora á Juncta, recebendo-se por competen-
te inventario, quando finalizar a conta no fim deste cor-
VOL XXV- N°. 150. 3 R
482 [492] Política.
rente anno, como fica determinado, e devendo entaõ tam-
bém nessa occasiaõ dar conta do que assim se practicar.
El Rey Nosso Senhor o mandou pelos Ministros abai-
xo assignados, do seu Conselho, e do de sua Real Fa-
zenda. Jozé Pedro Coelho Mayer a fez em Lisboa aos
7 de Outubro de 1820. Antônio Xavier da Gamma Lo-
bo a fez escrever.
D. M I G U E L A N T Ô N I O DE M E L L O .
J O A Q U I M J O Z E D E SOUZA.

Portaria, sobre a arrecadação de certas rendas publicas


na cidade do Porto.
Fazendo-se indispensável, que na cidade do Porto se
conserve inteiramente a Commissaõ do Thesouro, que ali
se acha estabelecida, de maneira que naõ se altere a uni-
dade da arrecadação dos rendimentos, que determina a
ley de 22 de Dezembro de 1761: ordena a Juncta Provi-
sional do Governo Supremo do Reyno o seguinte.
].° Que no Cofre da sobredicta Commissaõ, que fica
com responsabilidade immediata ao Erário, entrem todos
os rendimentos das três provincias do Norte, â excepçaõ
dos que saõ applicados à Juncta dos Juros dos emprésti-
mos ; os que pertencem à Sancta Igreja Patriarchal; ao
Subsidio Literário; e os da Casa e Estado das Senhoras
Raynhas destes Reynos; porque tem applicaçoens cer-
tas nesta C a p i t a l : e bem assim naõ entrarão no Cofre da
indicada Commissaõ os rendimentos, que foram contrac-
tados com a cláusula de ser pago o respectivo preço em
escriptos; pois as condiçoens de contractos formam ley
que naÕ deve ser alterada.
2. Que em todas as semanas deverá a mencionada Com-
missaõ remetter ao Administrador Geral do Erário um
Política. [493] 483
balanço circumstanciado, em que se mostre as quantias,
que se receberam, em que espécie, de que exactores, os
rendimentos de que procedem, eos annos a que respeita-
rem ; e o que se tiver dispendido, para avista dos fundos
existentes o mesmo Administrador Geral por ordens por
elle assignadas, a quem fica privativamente pertencendo
esta jurisdicçaõ lhe dar o destino conveniente, segundo o
exigirem as circumstancias, e a urgência publica. Iguaes
balanços devera enviar a dieta Commissaõ ao Contador
Geral das Provincias, para que conste o Estado das con-
tas dos Ministros, e exactores, a fim de promoverem e
fazerem entrar na dieta Commissaõ os restos, que os mes-
mos Ministros e exactores estiverem devendo. A Com-
missaõ terá também authoridade de expedir officios aos
mencionados Ministros, que elles cumprirão, para que
apurem e remêttam ao Cofre delia os fundos que existi-
rem, e os que deverem receber.
3. Que a conrespondencia com os Ministros e mais ex-
actores da Fazenda deverá continuar como d'antes, pela
dieta Contadorla Geral, entendendo-se esta officialmente
com a referida Commissaõ ; pois que o estabelicimento
delia naõ evita o exame e fiscalização das contas e rendi-
mentos, que tudo pertence pela ley â mencionada Conta-
dorla.
4. Que os Ministros e exactores deverão continuar
como até agora a remetter ao Erário as tabellas dos seus
Cofres,de 15 em 15 dias, e igualmente a indicada Commis-
Mõ, pelos dinheiros que ella deve receber, vindo os origi-
naes lançamentos e arrolamentos para a indicada Conta-
doria Geral, aonde pertence o exame dos erros de calculo,
e
a combinação com os dos annos antecedentes, mandando-
«euma certidão dos mesmos lançamentos e arrolamentos,
para a mencionada commissaõ, e outra para o Conselho
d
» Fazenda.
484 C 494 ] Política.
5. Que os Ministrose exactores deverão dirigirão Erá-
rio, no termo certo e prefixo de 15 dias, pelo seguro do
Correio, os conhecimentos originaes das entregas, que
fizerem na dieta Commissaõ do Porto, a fim de se reduzi-
rem a conhecimentos em forma do Erário, depois de
combinados os documentos com os balanços semanaes
que a Commissaõ ha de remetter á dieta Contadoria Ge-
ral das Provincias.
6. Que achando-se estabelecido, para commodidade do
ensino publico, que os professores e mestres das aulas e
escholas, residentes nas provincias, recebam os seus orde-
nados nas Provedorías a que respeitam: e havendo-se
portanto permittido aos Provedores, que, naõ chegando o
rendimento do Subsidio Literário, possam applicar para
pagamento dos quaiteis, o producto dos outros rendimen-
tos da sua inspecçaõ, e na falta delles recorrerem aos Cor-
regedores para lhes supprirem, e pelos seus cofres, com
a somma necessária, passando os competentes conheci-
mentos em forma, deverá a Commissaõ nesta intelligencia
levar em conta aos Exactores aquellas importâncias, que
nesta conformidade mostrarem haver entregue ou appli-
cado.
E que na dieta Contadoria Geral se abrirá contaà men-
cionada Commissaõ. O debito delia será formado pelas
sommas que receber, e constarem dos balanços; e o cre-
dito será formado pelos documentos originaes de despeza
que remetter acompanhados da ordem, que o Erário para
esse effeito lhe ha de ter expedido, e dos mais documen-
tos, de que se tracta no paragrapho antecedente O Ad-
ministrador Geral do Erário o tenha assim entendido, e
faça cumprir e observar, passando para esse effeito as or-
dens necessárias. Palácio do Governo em 9 de Outubro
de 1820.
Com seis rubricas do Vice Presidente e Deputa-
Política. [495] 435

dos da Juncta Provisional do Governo Supremo


do Reyno.

Portaria nomeando Presidente da Commissaõ do Thesou-


ro no Porto.

A Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno,


julgando conveniente que a Commissaõ do Thesouro esta-
belecida na Cidade do Porto tenha um Presidente: ha por
bem nomear a Antônio Maya, para provisoriamente exer-
cer a dieta Presidência. O Administrador do Erário Re-
gio o tenha assim entendido e faça executar com as ordens
necessárias.
Palácio do Governo em nove de Outubro de 1820.
Com 6 rubricas do Vice Presidente e Deputados
da Juncta Provisional do Governo Supremo do Rey-
no.

Portaria sobre os despachos dos navios na Alfândega.

A Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno,


tendo consideração a naõ se acharem ainda em execução
as determinaçoens do Alvará com força de Ley, dado na
Corte do Rio-de-Janeiro em 30 de Maio do presente anno,
segundo o paragrapho décimo do mesmo Alvará, que
para principiar a execução delle aprazou o dia primeiro
de Janeiro do anno próximo, e considerando também a
incerteza, em que depois da promulgação do Alvará de
25 de Abril de 1818 tem estado até agora a execução do
paragrapho 13 delle, relativa á legislação nas Alfândegas
destes Reynos dos despachos dos papeis e navios e suas
carregaçoens, procedentes dos portos estrangeiros:—or-
487 [496] Política.

dena que nas alfândegas destes Reynos sejam admittidos


á descarga todos os navios das naçoens amigas, que, con-
duzindo mercadorias licitas, apresentarem os seus papeis
conforme ao estylo anterior ao sobredicto Alvará de 1818;
ficando interinamente suspensas as disposiçoens, tanto do
dicto paragrapho 13 do Alvará de 1818, e do nono do
Alvará de 30 de Maio deste anno, como todas as mais
que nestes últimos annos se tem publicado sobre esta ma-
téria ; ficando porém em seu vigor o que se acha deter-
minado para a admissão das mercadorias de producçaõ e
industria da Gram Bretanha: em conseqüência dos trac-
tados e ajustes feitos com esta naçaõ.—O Conselho da
Real Fazenda o tenhaassim entendido, e passe logo as or-
dens necessárias a todas as Alfândegas nesta conformi-
dade. Palácio do Governo, aos 13 de Outubro de 1820.

Com sette rubricas do Membros da Juncta Provisional


do Supremo Governo do Reyno.

Portaria, sobre a Administração do Correio.

Sendo preciso remediar os graves inconvenientes, que evi-


dentemente se tem manifestado na Administração doCor-
reio Geral, e sendo necessário examinar se convém mais
o fazer reformas na mesma Administração, ou arrendar
este ramo das rendas publicas: determina a Juncta Provi-
sional do Governo Supremo do Reyno, que uma Commis-
saõ, tomando a seu cargo fazer estes exames, proponha
os meios mais proporcionados para que ou de um ou de
outro modo se obtenha o importante fim de combinar com
autilidade publica os interesses da Fazenda. Parapresidir
a esta Commissaõ nomêa ajuncta Provisional do Governo
Supremo do Reyno ao Deputado da mesma Juncta Jozé
Joaquim Ferreira de Moura e para Membros da referida
Política. [497] 487
Commissaõ a Jozé Barreto Gomez ; actual Administrador
do Correio; e Antônio Gomez Loureiro; ficando suspensa,
por esta forma, aSub-inspecçaõ do mesmo Correio Geral
de que a referida Commissaõ se encarregará entretanto.
Palácio doGoverno, em 18 de Outubro de 1820.
(Com as assignaturas dos Membros da Juncta Provisio-
nal do Governo Supremo do Reyno.)

Avizo ao Conselho da Fazenda, sobre os leiloens da Casa


da índia.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.—Sendo presen-


tes no Governo Interino estabelecido em Lisboa as duas
consultas do Conselho da Fazenda, datadas de 11 e 20 do
corrente, a primeira sobre a portaria de 9 do dicto mez,
à cerca das assignaturas dos leiloens da Casa da índia, e
a segunda a respeito do requirimento, em que os Nego-
ciantes da Praça desta Cidade pedem se naõ altere a
practica, sempre seguida naquelles leiloens. Ordena o
mesmo Governo, que prevaleça a practica antecedente
de se fazerem os referidos leiloens, na forma que reque-
rem os Negociantes, posto que a inovação feita pelo
Conselho naõ encontre directamente os Decretos de 10
de Julho de 1771, e l 4 de Agosto do 1773. O que Vossa
Excellencia fará presente no sobredicto Conselho, para
que assim o fique entendendo, e faça executar com os
despachos necessários. Deus guarde a Vossa Excellen-
cia. Palácio do Governo em 28 de Septembro de 1820

F E L I P P E F E R R E I R A DE A R A Ú J O E CASTRO.

Senhor Visconde de Balsemaõ.


488 [498] Política.

Portaria sobre a Inspecçaõ do Terreiro Publico.

Constando os muitos e graves abusos, introduzidos na


administração do Terreiro Publico, abusos de que resul-
tam tantos inconvenientes ao bem da Agricultura e do
Commercio Nacional, sendo preciso tomar conhecimen-
to desta importante matéria, e ao mesmo tempo emendar
desde logo o que carecer de mais prompto remédio: a
Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno re-
solveo crear uma Commissaõ composta de três Membros,
para esta tomar sobre si, tudo quanto diz respeito á In-
specçaõ e Administração do mesmo Terreiro Publico;
observando rigorosamente as leys estabelecidas., dando
todas as providencias, que lhe parecerem mais adaptadas,
para de prompto se evitarem os abusos existentes, ou ou-
tros, que se pretendam introduzir, e informando sobre
todos os melhoramentos, de que esta administração for
susceptível, para interinamente se tomarem as medidas
convenientes a este respeito, até a próxima convocação
das Cortes. Saõ nomeados para esta importante Com-
missaõ, Joze Francisco Braamcamp de Almeida Castello-
branco, Manuel Joaquim Jorge, e Francisco Antônio dos
Santos. O Conde Inspector Geral do Terreiro Publico o
tenha assim entendido. Palácio do Governo, em 9 de
Outubro de 1820.
(Com as rubricas dos Membros da Juncta Provi-
sional do Governo Supremo do Reyno.)

Portaria, sobre o introducçaõ dos escriptos impressos em


língua Portugueza, nos Paizes Estrangeiros.

Attendendo á indispensável necessidade, que ha, de


Política. [499] 489

vulgarizar entre nós os conhecimentos úteis, e de fazer


circular com facilidade os livros, papeis ou periódicos
impressos nas naçoens estrangeiras, de cuja leitura se
possa seguir uma maior extensão de luzes, e ampliar-se
a esphera da Instrucçaõ Nacional, coarctada até agora
dentro de mui estreitos limites. Ordena a Juncta Pro-
visional do Governo Supremo do Reyno; 1.* Que fique
por óra suspensa a prohibiçaõ que se havia posto, à en-
trada e publicação dos periódicos escriptos em língua
Portugueza, nas Naçoens Estrangeiras. 2.° Que para
mais prompta expedição das licenças, que saõ necessá-
rias para a entrada e publicação dos livros estrangeiros,
hajam de combinar-se as três Authoridades, aquém por
ora incumbe este negocio, nomeando cada uma um de
seus Censores, e ordenando-Ihes, que, ajunctando-se em
dias certos, e examinando em commum as facturas, que
se lhe apresentarem, proponham immediatamente o seu
juizo á Meza do Desembargo do Paço, a qual naõ retar-
dará a licença, ou despacho competente, para que naõ
sinta embaraço ou demora notável este importante ramo
de commercio. 3.* Finalmente qne aos mesmos Censo-
res seja recommendada, pelas dietas três competentes
Authoridades, a razoável franqueza, e justa liberdade,
com que se devem regular em suas Censuras, de maneira
que se facilitem todos os meios da propagação das luzes,
e dos conhecimentos úteis. As mesmas authoridades o
tenham assim entendido, e o executem, pela parte que
lhes toca. Palácio de Governo, em 13 de Outubro de
1820.
(Com as rubricas dos Membros da Juncta Provisi-
onal do Governo Supremo do Reyno.)

VOL. XXV. X". 1Ò0. 3 s


éOO Política.

FRANÇA.

Proclamaçaõ &" El Rey, sobre a eleição dos Deputados.

Luiz, pela graça de Deus Rey de França e Navarra, &c.

Francezes!—Ao momento em que a ley, que serve de


garantia a completa independência de vossos votos, que
assegura mais igual representação de vossos interesses,
está ao ponto, pela primeira vez, de ser posta em execu-
ção; desejo que ouçais a minha vóz. As circumstancias
saõ ponderosas. Olhai para o vosso interior, e para o que
vos cerca; tudo vos mostra vossos perigos, vossas ne-
cessidades, e vosso dever. Tem-se-vos obtido uma li-
berdade forte e legitima: he fundada nas leys, que
emanam do meu amor pelo meu povo, e da minha
experiência dos tempos em que vivemos. Com
estas leys, depende de vós o assegurar o 6ocego, a glo-
ria, e a felicidade de nossa pátria commum; vós
o desejais; sabei mostrar esse desejo, pelas vossas
eleiçoens. A liberdade só se pôde conservar, pela sabe-
doria e lealdade; exclui do nobre officio de deputa-
dos OB fomentadores dos distúrbios, os creadores da dis-
córdia, os propagadores dos ultragens, que deteriraen-
tam o meu governo, a minha familia e a mim mesmo;
e se vos perguntarem porque os regeitais, mostrai-lhes
esta França tam abatida ha cinco annos, e agora tam mi-
lagrosamente restabelecida: chegando em fim o termo
de receber o prêmio de tantos sacrifícios, de ver dimi-
nuídos os seus imposto?, e aliviada em todos os ramos a
despeza publica. Dizei-lhes, que naõ he quando tudo
florece, quando tudo prospera, quando tudo se melhora
Política. 501
na vossa pátria, que vos arriscareis a suas insensatas
loucuras, ou abandonareis a seus perversos desígnios, as
vossas artes, avossa industria, as cearas dos vossos cam-
pos, as vidas de vossos filhos, a paz de vossas famílias:
em fim. uma felicidade, que todas as naçoens da terra
envéjam. De toda a parte se apresenta uma multidão
de cidadãos para os vossos votos , que saõ sinceros e ze-
losos amigos da Charta, igualmente affeiçoados ao throno
eà pátria, igualmente oppostos ao despotismo e á anar-
chia. Escolhidos d'entre estes, os vossos deputados co-
operarão comigo em manter aquella ordem, sem a qual
nenhuma sociedade pôde existir; e eu me unirei com
elles em preservar aquellas liberdades, que sempre acha-
ram um azylo no throno de meus antepassados, e que
duas vezes vos tenho restituido. O mundo espera de
vós altos exemplos; e vós lhos deveis tanto mais, quanto
vós mesmos os tendes feito necessários. Apresentando às
naçoens o espectaculo daquella liberdade, que tam pode-
rosamente afíecta o espirito, tendes-Ihes dado o direito
de esperar de vôs uma conta dos erros, a que os podeis
ter induzido. Ensinai-lhes, pois, a evitar os escolhos,
que tein cercado vossa carreira; e provai-lhes, que naõ
he sobre fragmentos e ruínas, mas sobre a justiça e res-
speito pelos direitos, que se fundam, e fazem firmes, as
instituiçoens livres. He assim que, levando a dianteira
na civilização, a França, no meio das agitaçoens, que a
cercam, deve ficar socegada e confiada. Unida com o
seu Rey, a sua prosperidade he superior a todo o ataque;
somente o espirito de facçaõ a pode comprometter. Se se
attrever a mostrar-se, será reprimido; dentro nas Câma-
ras, pelo patriotismo dos Pares e dos Deputados; fora das
Câmaras, pela vigilância dos magistrados, firmeza de tu-
do que se achar armado para protecçaõ e mantença da
502 Política.
paz publica; e sobre tudo, pela minha inalterável deter-
minação.
Francezes!—Tendo-me dado um recente testemunho
da nobreza e generosidade de vossos sentimentos; tendes
participado nas consolaçoens, que a providencia ultima-
mente concedeo a mim e â minha familia. Seja este pe-
nhor de perpetuidade, que o Ceo deo á França, feliz pe-
nhor da reunião de todos os que desejam sinceramente as
instituiçoens, que vos tenho dado, e com ellas a ordem,
a paz, e a felicidade da pátria.
Dada no Castello da Tuilherias, aos 25 de Outubro de
1820.
(Assignado) Luiz.

HESPANHA.

Circular do Ministro de Graça e Justiça, aos Bispos.

A consideração, que merecem, por sua alta dignidade


os M. R. R. Arcebispos, e R.R. Bispos, e mais Prelados
do Reyno, os tem feito sempre exercer grande influencia,
tanto sobre a grande massa do povo, como sobre o Clero
secular e regular. Esta força moral, considerável e in-
teressante em todos os tempos e circumstancias, ainda o
he muito mais nas crizes grandes da Sociedade, e espe-
cialmente no transito de um systema de Governo a
outro, pois que entaõ se pòemem conflicto, e se oppòem
enfie si as paixoens, e os mais encontrados interesses.
Felizmente os Prelados Hespanhoes, que se tem sempre
distinguido por suas virtudes e talentos, tem sabido em
geral fazer um adequado uso delia nesta epocha, para
sempre gloriosa e memorável, cooperando com telo pa-
Polir i ca. 503
triotico e Christaõ, para o estabelecimento da ordem, e
systema constitucional, em que ei Rey e a naçBÕ cy-
phram a sua prosperidade e a sua gloria, e merecendo por
isso o elogio e reconhecimento dos seus concidadãos.
Mas naõ tem faltado infelizmente alguns, que, longe de
imitarem este exemplo, se tem obstinado, e parece obsti-
narem-se em o contrariar, obrigando portanto o Governo
a dictar contra elles providencias, mais ou mcnoos seve-
ras, segundo os difTerentes casos, e a velar sobre a sua
conducta, segundo as respectivas causas, que para isso
tem dado.
Uma das cousas, que, neste ponto, tem chamado mais
particularmente a attençaõ de S, M. tem sido o ver que
alguns destes Prelados tem passado a declarar aos seus
Diocesanos, que, sem embargo de se ter abolido a Inqui-
sição, subsistem em sua força e vigor as suas prohibiçoens
de ler e reter livros, adiantando-se até renovarem por si
mesmos a observância dos índices formados por ella, e a
mandarem que se lhes denunciem e entreguem todos os
livros e papeis compiehendidos nos taes índices e outros
Edictos posteriores. Tam notório excesso da suas facul-
dades, tam manifesto esquecimento de quanto nesta parte
dispõem os Cânones e Breves Potificios, as Leys da Re-
copilaçaõ, e o Real Decreto de 9 de Março ultimo, que
renovou o das Cortes Extraordinárias, de 22 de Feve-
reiro de 1813, naõ pôde no conceito de S. M. attribuir-se
a outra causa, que á falta de luzes nos dictos Prelados,
para distinguirem os limites dos dous poderes ecclesias-
tico e Secular. Ter-se-haõ persuadido que assim como
toca à authoridade da Igreja julgar da doutrina, que se
ensina de palavra, ou se contêm em determinados livros,
e o prohibir aos fieis, sob penas espirituaes, a leitura da-
quelles, que contiverem doutrina condemnada; lhe com-
pete do mesmo modo a faculdade de permittir ou pro-
504 Política.

hibir a sua impressão, introducçaõ no Reyno, sua cir-


culação, retenção ou emprego, como também a de formar
índices dos que estiverem prohibidos e fora de commer-
cio; sendo certo que tudo isto he próprio e privativo
do Poder Temporal, que nesta parte tem determinado,
segundo as circumstancias, o que tem julgado mais con-
veniente, fazendo nestes últimos tempos as variaçoens,
que as luzes do século, e as actuaes necessidades da na-
çaõ tem exigido. Para evitar pois se repitam simi-
lhantes exemplos, e as funestas conseqüências, que delles
se poderiam originar, e também para que se proceda
com a devida uniformidade na prohibiçaõ dos livros, em
quanto se naõ fôrma e publica, como ley do Estado, o
índice dos prohibidos, tem S. M. resolvido, depois de ter
ouvido a Juncta Provisional e o Conselho de Estado,que
se previna a todos os Prelados das Hcspanhas, que se
regulem pelo contexto literal do artigo 2 o do dicto De-
creto de 2 Fevereiro de 1813, pelo qual se abolio a In-
quisição, e dos que estabelecem a liberdade da imprensa.
O que por ordem Regia commúnico a V, para
sua intelligenciae exacto cumprimento, na parte lhe toca.
Madrid—de Septembro de 1820.

Decreto para o reconhecimento da Divida Publica.

D. Fernando VII. pela graça de Deus e pela Constitui-


ção da Monarchia Hespanhola, Rey das Hespanhas, a to-
dos os que as presentes virem eentenderem, sabei; que
as Cortes tem decretado o seguinte:—
As Cortes, usando da faculdade, que se lhes concede
pela constituição, tem decretado. I o . A Hespanha re-
conhece como legitima a divida contrahida pelo seu
Governo, com varias casas de negocio Hollandezns, ctn
Política. 505

diversas epochas, e cujo valor capital sobe a trinta e uni


milhoens 135.000 florins. 2 o . A Hespanha principiará a
pagar pela Thesouraria os juros deste Capital, a que está
obrigada, desde o prazo, que se vence no I o de Janeiro
de 1821, servindo de garantia para seu pagamento todas
as rendas do Estado. 3°. A Hespanha reconhece como
legitima a divida, que resulta contra ella pelos juros
vencidos do dicto Capital, e naõ pagos até o dia de hoje.
4". As Cortes authorizam o Secretario do Despacho da
Fazenda, para que, pondo-se de accordo com os credores,
ou com os que fizerem as suas vezes, apresente á appro-
vaçaõ das Cortes o meio mais adequado de pagar estes
atrazados, consultando ao mesmo tempo a maior utili-
dade da Naçaõ. Madrid 11 de Septembro de 1820.
Conde de Toreno, Presidente—Joaõ Manuel Subrié,
Deputado Secretario.—Antônio Dias de Moral, Deputa-
do Secretario.
Por tanto mandamos aos Tribunaes de Justiça, &c.
(Com a rubrica de Sua Majestade,)
Palácio em 15 de Septembro de 1820.
A. D. Jozé Canga Arguelles.

NÁPOLES.

Resumo da Convenção Militar, entre o General Florestan


Pepe, e as authoridades de Palermo.

A r t 1.° As tropas seraõ aquarteladas fora da cidade,


na situação, que o General Napolitano julgar convenien-
te. Todos 03 fortes e baterias se entregarão as tropas
Napolitanas.
506 Política.
2 . A maioridade dos votos dos Sicilianos, legalmente
convocados, decidirá, se a representação nacional das
Duas Sicilias deve ser unida ou separada.
3. A constituição Hespanhola de 1812, confirmada em
1820, será reconhecida na Sicilia com aquellas modifica-
coens, que o Parlamento quando se a junctar, julgar
próprio adoptar.
4. Cada cidade ou districto elegerá ura deputado, para
o único fim de expressar a vóz publica, se o Parlamento
Sicilano deve ou naõ unir-se ao de Napoies.
5. Entregar-se-haõ os prisioneiros Napolitanos, de
qualquer graduação que sejam.
9. O Parlamento, unido ou independente, he somente
quem pode alterar as leys existentes: e até que elle se
ajuncte, se observarão as leys antigas, tanto nesta capital
como nas outras partes da ilha. S. A. R. o Vigário Geral
será convidado a modificállos de todos os modos possíveis,
para o alivio do povo.
7. Restabelecer-se-haõ as armas e effigies do Rey.
8. Cubrir-se-ha com um véo tudo o passado, tanto pelo
que respeita as cidades, como aos indivíduos, que toma-
ram parte nos acontecimentos passados: consequente-
mente, todos os deputados, que se acham fora, teraõ
permissão de voltar para suas casas.
Uma Juncta escolhida, e composta dos mais respei-
táveis cidadãos governará em Palermo provisionalmente,
até que S. A. R. faça saber a sua soberana vontade. O
Principe Paterno será o Presidente, e o commandante das
forças Napolitanas um dos membros.
Ratificada a bordo do Cutter de S. M. Britannica, Ra-
cer, Carlos Thurtell Commandantes no Porto de Palermo,
aos 5 de Outubro de 1820.
(Assignados.) Principe P A T E R N O . Presidente.
FLORESTA NO P E P E . Ten. Gen.
í 507 )
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LONDRES, 25 de Novembro, de 1820

Gêneros. Qualidade. Preço». Direitos.

Bahia por l b . l s . )i(). a l s . 2£p.


rCapitania. . .
1 Ceará l s 2p. a l s . 5p. 8s. 7p. por 100 l b .
Algodam . .J Maranbam . . . l s l p . a l s . 3 | p em narioPo rliigiit-z
1 Minas novas . l s . Op. a l s . 2p. ou Inglez.
f Pará l s . Op. a l s . 2p.
>• Pernambuco • l s . 2p. a ls. 3fp.
Anil Rio.... 5 por lb
Redondo . . . 43». a 48s.
} Hatido
Mascarado . .
49s. a 58s.
34s. a 38s. Livre de direitos por
Arroz Brazil exportação.
C a c â o . . . . . . .Pará 55». a ti5s
Cafle Rio 122s. a 125s.
Cebo Rio da Prata 3a. 2p. por 1121b.
Chifres. Rio Grande por 123 50s. a 60s. 5s. por 1121b.
<A »4p. a 9J P .
Rio da Prata, pilha < B
C
S • ' o.
<A 7èp. a 7 | p . 10 p. por couro
i Rio Grande ] B 6p. a 6}p.
<C *p. a 6Jp.
Pernambnco, salgados
Rio Grande de cavallo
lpecacuaaha Brazil por lb. 14a. Op. â 15s. 6p, 2*' | por 1121b.
Óleo de cupaiba l s . 2p. a l s . 4p
Orucu || 4s. Op. „
Pio Amarelo. Brazil 12üs. a 130a. > direitos pagos pelo
Pao Brazil . . . . Pernambuco 5 comprador,
SaUa Parrilba. Pará ls. 9p, a 2a. , direitos pagos pelo
Tabaco Vm?\l £ comprador,! ivrc- por
( em folha ' exportação
18p. 6J porlb.
Tapioca Brazil
Câmbios com as seguintes praças.
Rio de Janeiro . 54
£ fl Harobuigo 37
Lisboa , »H Cadií
Porto . 37i
51è Gibraltar 30
Pari, 25 55 Genora 44»
Ainsterdam 12 7 Malta 45

Espécie Seguros.
Ouro em barra £ 3 17 10 Brazil. Hlda 30s. Volta 30
Peçns de 6400 reis 3 14 6 Lisboa 25a. 30
Dobroens Hespa- Porto 30
nhoes 4 lfJ Madeira
jezos....dictos 4 \\ 20,
Açores 20s.
"rata em barra
Rio da Prata 42* 42s
Bengala 60s
VOL. XXV. N \ 150. 3 T
( 508 )

LITERATURA E SCIENCIAS.

N O V A S PUBLTCAÇOENB EM INGLATERRA.

Leslie's Description of his Instruments: preço ls.


Descripçaõ dos Instrumentos, destinados a extender e
melhorar as observaçoens Meteorológicas. Por Joaõ
Leslie Esc. Professor de Philosophia Natural na Univer-
sidade de Edinburgo.

Faulkner' On the Plague, 8. T0 preço 12s. Tractado


sobre a peste, destinado a provar o sen contagio, por
actos colligidos durante a residência do Authorem Malta
quando ali apparecêo aquella enfermidade em 1813: com
observaçoens, sobre a sua prevenção, character, e tracta-
mento. Ao que se ajuncta um Appendix, contendo as
minutas do depoimento do Author, dado perante o Com-
mitté do Contagio na Casa dos Communs. Por Sir Ai-
thuro Brooke Faulkener, M. D., &c.

Be»tson's New Agricultural Implement. 8.Vo preço


Descripçaõ de um novo instrumento de Agri-
cultura, pelo qual a força de um cavallo executa varie-
Literatura e Sciencias. 50<)
dade de operaçoens na cultura, na proporção de três
acres por dia. Pelo Major Alexandre Bentson.

Capués Operation of the Stone: preço 8s. 6d. His-


toria da grande operação da extracçaõ da pedra da be-
xiga, por uma incisaõ acima do púbis; com observaço-
ens sobre a sua vantagem. Por J. C. Carpue. Membro
do Collegio de Cirurgioens, &c.

Luccock,s Notes on Rio-de-Janeiro. 1 vol. 4*°- com


mappas e planos: preço 2/. 1 2 Í . 6d. Notas sobre o Rio-
de-Janeiro e parte meredional do Brazil, tomadas duran-
te a residência de dez annos naquelle paiz, desde 1808
até 1818: com um Appendix, descrevendo os signaes
por que os navios entram no porto do Rio-Grande-do-SuI;
e numerosas tabellas de commercio, e um glossário de
palavras Tupis. Por Joaõ Luccock.

Aniiuncia-se em Londres uma nova gazeta de semana,


intitulada The Catholic Advocate. He o objecto deste
papel defender os Interesses dos Catholicos na Inglaterra
e Irlanda; no sentido de uma tolerância geral, a qual
naõ tem sido até aqui attendida. Naõ temos duvida,
que sempre que os Catholicos Romanos se mostrem tole-
rantes nos paizes, em que tem a ascendência política, a
mesma tolerância receberão em outras partes, aonde es-
taõ no partido mai6 fraco. Desejamos todo o bom suc-
cesso às vistas philantropicas dos Catholicos, que tem en-
trado na empreza deste novo Jornal.
510 Literatura e Sciencias.

PORTUGAL.

Saio ã luz: Versos por occasiaõ do regosijo publico


pela nova Constituição.

O Tejo: Elogio dramático aos annos do Sereníssimo


Senhor D. Pedro d'Alcantara, Principe Real, &c. Por
Castilho.

Sentimentos de Amor e Reconhecimento ao Supremo


Governo do Reyno.

E X P E D I Ç Ã O P A R A A D E S C U B E R T A DO MAR ÁRTICO.

Officio do Tenente Guilherme Eduardo Parry, comman-


dante do navio de S. M. Hecla, ao Secretario do Al-
mirantado em Londres, datado de
Navio de S. M. Hecla, na Costa Occi-
dental de David Strait, Lat. 70°, 40'
N. Long. 69°. 17- Oeste, 5 de Septem-
bro, 1820.
Senhor!—Aproveito a inesperada occasiaõ, do navio
Lee, de HulI, pescador de baleas, para vos communicar
para informação dos Lords Commissarios do Almirantado,
que os navios de S. M., empregados, debaixo das minhas
ordens, alcançaram descubrir uma passagem, pelo estrei-
to de Lancaster, para o mar Polar, e penetraram, duran-
te o veraõ de 1819, até a longitude de 1124 grãos, Oeste
Literatura e Sciencias. 511
de Grenwich, entre os paralellos de 74 e 75 gráos de La-
titude Norte.
Neste espaço se descubriram doze ilhas, e se lhes poz
o nome de Nova Geórgia, em honra de S. M. A expe-
dição passou o inverno em um porto, no lado occidental
da maior destas ilhas, (a que se chamou Melville) na La-
titude de 74°. 47'. N. e Longitude 110*. 47'. O.; e pro-
cedeopara o Occidente, immediatamente que se rompe-
ram os gelos, no principio desta estação, achando-se os
navios em perfeita condição, e os officiaes e equipagem
em boa saúde, e com toda a perspectiva de conseguirmos
a final a nossa empreza.
Porém, na ponta de Sudoeste da ilha de Melville, a
quantidade e magnitude do gelo se achou crescer tanto,
que por 16 dias (tendo-se ja passado a terça parte da es-
tação navegável no mar Polar) foi impossível penetrar
para o Occidente, além do meridiano de 113°. 47'. O.
Em ordem, portanto, a naõ perder tempo, determinei
experimentar o que se podia fazer n'uma latitude mais
ao Sul, e para este fim voltei a traz ao longo da borda da
neve, que até aqui formava uma continua barreira, para
o Sul de nós, a fim de buscar alguma abertura, que pu-
desse favorecer o plano, que tinha em vista; neste traba-
lho também me vi frustrado; e estando a estação ja tam
adiantada, que entrou em duvida, se com os recursos que
nos restavam poderíamos perseverar no objecto da em-
preza, com esperanças de bom successo, consultei os
principaes officiaes da expedição, que foram unanime-
mente de opinião, que nada mais se podia fazer, e que,
por isso, éra prudente voltar para Inglaterra.
Nas circumstancias actuaes éra-me impossível naõ con-
vir nesta opinião; e espero que a relação circumstanciada
de nossos procedimentos, que terei brevemente a honra
de apresentar a Suas Senhorias, se acharão de grande sa-
512 Literatura e Sciencias.
tisfacçaõ; e que, posto que nossos esforços naõ tenham
sido coroados com um completo bom successo, naõ ser-
virão de descrédito á honra naval de nossa Pátria.
Peço-vos, que sejais servido informar a Suas Senhorias,
que, tendo-me proposto a fazer as mediçoens da costa
Occidental do estreito de David, antes da minha volta, e
desejando perder o menos tempo possivel do que resta
da estação, que he favorável para a navegação destes
mares, naõ julguei próprio deter a expedição, para o
fim de transmittir, pelo Lee, mais plena conta desta via-
gem. Portanto accrescentarei somente, que tendo con-
cluído o objecto, que tenho agora em vista, espero che-
gar a Inglaterra, na primeira semana em Novembro.
Tenho a honra de ser, &c.
(Assignado) W. E. PARRX. Ten. e Com.

ECONOMIA POLÍTICA DE SIMONDE.

(Continuada de p. 435)
CAPITULO IX.
Dos Portos Francos.
He tempo de chegar em fim a algum expediente, em-
pregado pelos Governos da Europa, para favorecer o
Commercio, que naõ tem obrado em fim contrario ao que
os Governos se propunham. Temollos visto combater no
interior e no exterior a favor dos monopólios; pensaram
elles também algumas vezes em chamar a liberdade a seu
soccorro, e he isto no estabelecimento dos Portos Fran-
cos, que os Legisladores do commercio fizeram uso de
seu auxilio.
Literatura e Sciencias. 513
Um porto franco he um porto, em que he livre a todos
os mercadores, de qualquer naçaõ que sejam, descarregar
suas mercadorias, e retirallas, quando as naõ podem ven-
der, sem pagar nenhum direito de entrada ou de saída.
Deve-se attribuir o estabelicimento destes portos fran-
cos, ao desejo de favorecer o commercio de transporte,
o qual, como temos visto, he considerado, pelos sectários
do systema mercantil, como o mais vantajoso de todos;
tendo estes tomado o effeito da opulencia de uma naçaõ
por sua causa.
Quando, como temos dicto, muitas vezes, os primeiros
cannaes da circulação estaõ repletos de capitães, a agri-
cultura, as manufacturas e o commercio nacional j a naõ
offerecem emprego proveitoso a sommas mais conside-
ráveis, os capitalistas, antes do que deixar ociosos seus
fundos, os destinam a fazer as trocas de outras naçoens:
levam ao Norte os vinhos, as frutas e os azeites do Meio-
dia; e ao Meio-dia as madeiras, os canhamos e os
ferros do Norte: sem que a sua naçaõ tire outra van-
tagem desse commercio que o lucro que elles mesmos
fazem nisso; naõ substituindo nunca os seus capi-
tães senaõ capitães estrangeiros, e naõ pondo em movi-
mento senaõ industria estrangeira. Entretanto, logo que
uma naçaõ he assas rica, para que este commercio seja
para ella o mais lucrativo de todos, convém que ella o
faça, sob pena de ver ociosos seus capitães, e de perder
uma parte de suas rendas.
O Commercio de transporte pôde muito bem fazer-se
em direitura, pelos Hollandezes, por exemplo dos por-
tos do mar Beltico para os da Itália, sem descarregar as
mercadorias em parte alguma, durante a viagem, entre-
tanto o mercador, que o emprehende se acharia assim na
impossibilidade de nunca ver a mercadoria em que trafi-
ca. Naõ poderia fazer as compras senaõ com grande
514 Literatura e Sciencsas.

difficuldade, intentando que suas mercadorias levantassem


de preço para as vender; ou vigiando a occasiaõ de en-
viar as dos paizes aonde esse levantamento de preço fosse
mais considerável. He por estas consideraçoens, que os
negociantes Hollandezes, que faziam o maior commercio
de transporte do universo, descarregavam nos armazéns
da Hollanda tam grande numero das mercadorias, que
transportavam de uns paizes a outros, que se poderia
com bom direito chamar aos portos de sua Republica, o
mercado geral do mundo commerciante. Os armazéns
das mercadorias das índias, do Levante, da Hespanha e
do mar Baltico, que se achavam em Amsterdam, as da
America em Flessigen; os dos vinhos da França em
Middelbourg e Rotterdam : os das manufacturas lngle-
zas, também em Rotterdam ; e os do eoinmercio da Ale-
manha em Dordrecht. Todas estas mercadorias estran-
geiras eram logo reexportadas para o estrangeiro, para
prover âs necessidades das outras naçoens; e os negoci-
antes Hollandezes, para ter a vantagem de possuir suas
mercadorias debaixo de seus olhos, e em seus armazéns;
para esperarem ali a occasiaõ favorável de as vender, su-
geitavam-se a pagar direitos de entrada e de salda, que
se cobravam na Hollanda, todas estas mercadorias tinham
pago, com effeito, dous por cento de seu valor, na sua
introducçaõ no porto, e deviam pagar ainda um por cen-
to, na sua reexportaçaõ: entretanto, o seu valor naõ aug-
mentava aos olhos do consumidor estrangeiro, por terem
sido depositadas nos armazéns dos Hollandezes; por isto
naõ as pagavam mais caras, do que se viessem em direí-
tura do paiz de seu crescimento; éra preciso, pois, que
esta differençade três por cento, assim como os gastos de
carregar e descarregar, se achasse na facilidade, que dava
ao negociante, para se aproveitar das occasioen6, e espe-
rar a boa sorte, a divisão do commercio em dous ramos
Literatura e Sciencias. .'>I5
independentes, um da Hollanda para o Baltico, outro da
Hollanda para a Itália.
Os Venezianos, que em outro tempo faziam um com-
mercio de transporte immenso, e que ainda o fazem mui
considerável, tinham igualmente na sua cidade um depo-
sito de todas as mercadorias do Levante e do Meio-dia
da Europa, entre tanto cobravam também um direito de
entrada de um por cento, e um direito de saida de meio
porcento, em todas as mercadorias com que se traficava
em seu porto.
Apezar destes dous exemplos, conheee-se mui bem,
que todo o direito cobrado das mercadorias, que entram
no lugar destinado a servii de escala ao commercio estran-
geiro, deve ser essencialmente nocivo a este commercio.
A naçaõ, que o emprehende, j a t e m desvantagem, quan-
do lia que manter a cone urrencia <la naçaõ a quem for-
nece as mercadorias, se esta faz o mesmo commercio de
importação e consumo por sua própria conta: naõ pôde
sustentar-se nesta concurrencia, senaõ contentando-se
com menor lucro, que os negociantes importadores:
porém se uma parte deste lucro lhe lhe tirada porem
uma imposição, naõ tem meio algum de se fazer re-
embolsar pelos consnmidon'S, e deverá em breve renuu-
ciarà tarefa de os prover. A experiência tem prova-
do, que o commercio de transporte dos Hollandezes po-
dia supportar um imposto de 3 por cento, em tempo em
que elles eram quasi os únicos povos da Europa, cujo
capital fosse assas considerável para o emprender: he du-
vidoso, que possa hoje em dia supportar tam subido di-
reito; pelo menos he certo que nenhum outro povo me-
nos rico o poderá pagar.
Entretanto as alfândegas de quasi todas as outras na-
çoens cobram direitos mui superiores a estes, raras vezes
saõ menores de 10 por cento, muitas vezes sobem con-
VOL. XXV. No. 150 3 u
516 Literatura e Sciencias.
sideravelmente acima disto. Seria absolutamente impos-
sível, que as mercadorias desembarcadas hoje em dia
em Nantes, em Bourdeaux, &c. depois de terem pago os
direitos segundo a tarifa, pudessem ser depois reexpor-
tadas c vendidas a estrangeiros; seria isto mesmo im-
possível, a respeito de todas aquellas, que ficassem su-
geitas ao imposto, ainda quando se tivesse teduzido a
alfândega a naõ ser mais do que uma contribuição. A
perca do negociante sei ia demasiado considerável; por-
que, naõ estando os estrangeiros sugeitos ao nosso mo-
nopólio, o nosso preço accidental naõ regula o preço re-
lativo.
Para obviar este inconveniente, tomaram muitos Go-
vernos o partido de pôr algumas cidades ou alguns portos
de mar, fora do Estado, se nos he permittido exprimir
assim,ou ao menos fora do districto de suas alfândegas;
de tal sorte quo o seu imposto se percebe, naõ para entrar
nessas cidades, mas para passar dellas ao resto do Estado.
Os Inglezes, com o mesmo fim, practicãram outro ex-
pediente, que foi de tornarem a pagar na saída, com o no-
me de draubach, o imposto que se tinha cobrado na en-
trada. Esta restituição he algumas vezes designada de-
baixo do nomo de Prêmio, pelos economistas Fran-
cezes.
As principaes cidades, a quem se concedeo o privi-
legio de Porto Franco, saõ Bayona, Dunkerque, Mar-
seilles, Gênova, Liome, Ancona, e Trieste: assim que
ficou segura sua franquia, logo se vio, que os capitães
se multiplicavam ali, e as ultimas destas cidades vieram
a ser deposito de todo o commercio do Mediterrâneo.
Jamais o bom suecesso conrespondeo tam plenamente
ás vistas do Governo. Mr. Herrenschwand tomou este
acto de prosperidade dos portos francos para clamar
contra elles. " O estabelecimento prematuro dos Portos
Literatura c Sciencias. 517
Francos," diz alie " tende directamente a fazer decair a
Naçaõ, do gráo de prosperidade de que gozava, ao mo-
mento em que se abriram os portos Francos ; porque
os commerciantes nacionaes, para poderem emprehender
o commercio exterior de transporte, a que saõ convidados
pelos postos francos, saõ obrigado» a retirar gradualmente
os seus capitães, ja tios ramos do commercio interior, j a
dos do commercio externo do consumo*." Mas nesta
occasiaõ, como em muitas outras, Mr. Herrenschwand,
adoptando os princípios de Adam Smith, se engana nos
factos, de que faz appliiaçaõ. O estabelicimento de um
porto franco naõ convida nenhum capital a fazer o com-
mercio de transporte ; porque naõ lhe assegura nem mo-
nopólio, nem beneficio superior a outro qualquer : sim-
plesmente o desonera de uma perda, que este commercio
naõ poderia supportai.
A marcha geral do mundo commercial, cm que naõ pôde
liaver nem privilegio exclusivo, nem monopólio, offerece
necessariamente lucro menos considerável, que o mercado
de um paiz particular, aonde faltam os capitães, e aonde os
capitalistas se aproveitam de seu pequeno numero, para
levantar o preço ou taxa de seus ganhos. Quando Luiz
XIV. concedeo, ao mez de Março da 10'6"O uma franqueza
geral ao porto de Marseille, naõ deo, nem por isso podia
dar, alguma vantagem aos Marseillezes sobre os Hollan-
dezes, queja estavam de posse do commercio de transpor-
te. Se estes últimos se contentavam naquella epocha
com um lucro de 1-0 por cento, eque os primeiros achas-
sem 15 ou 16 nas manufacturas de Provence.no commer-
cio interior ou no commercio externo de consumo; naõ
se pôde crer que os Marseillezes renunciassem a um lucro
mais considerável, para se contentarem com outro mcuor

* Herr. Disc. sui Ia popul. p. 94.


518 hito('ineu c SiÍI ixias
u lim de se aproveitarem da franquiado seu porto. Cuin
effeito, o commercio de Marseülc, em tanto quanto éra
feito por Francezes, naõ éra commercio de transporte,
mas commercio exterior de consumo, umas vezes directo,
outras em circuito. Entretanto, se aconteceo que os
Marseillezes naõ adiassem em nenhum commercio
nacional os mesmos lucros, que podiam achar no com-
mercio de transporte, seria isso uni signal certo de que
eram mais ricos do que todas as naçoens, com que se adia-
vam em concurrencia, e por conseqüência, que se acha-
vam em estado de fazer o commercio de transporte. A
proporção dos lucros para o capital decresce, como te-
mos visto, na razaõ do augmento dos capitães; e a naçaõ,
que se contenta com menores lucros, deve sempre ser a
mais rica.
Longe de que o estabelicimento do porto franco tenha
feito passar prematuramente os capitães para o com-
mercio de transporte, o mais das vezes ha o effeito con-
trario, que he o de attrahir capitães estrangeiros para o
commercio interior. As naçoens capitalistas, que andam
sempre em busca de novo trafico, em que possam em-
pregar seus fundos superabuiidautes, olham para todos os
portos francos como para sua segunda pátria. Com ef-
feito acham-se em Liorne, em Gênova, em Ancona, em
Trieste, e mesmo em Veneza, colônias de ricos negoci-
antes Hollandezes, Inglezes, Hamburguezcs, Ocnebrezes,
Levantinos, que ali tem fixado sua habitação, c que fa-
zem desses portos o centro de 6eu commercio. Além
dos fundos, que lhe pertencem fie propriedade, nego-
ciam elles muitas vezes com capitães, que tem obtido
de seus paizes, por meio de seu credito. Cinco sextas
partes dos capitães do commercio de Liorne, saõ estran-
geiros na França : he provável, que sueceda o mesmo nos
outros portos francos, excepto porém o de Gênova: pur
Literatura e Sciencias. 519
que esta Republica tem accumulado, ha muito tempo,
capitães immensos, que ella naõ pode empregar senaõ no
commercio exterior.
Os estrangeiros, que se estabelecem nos portos francos,
naõ se limitam a fazer ali o commercio de transporte:
acham-se ali vantajosamente situados para o commercio
de exportação e de importação; de sorte que os seus
capitães substituem alternadamente os da naçaõ aonde
se acham estabelecidos, e os dos estrangeiros: a certeza
de achar um mercado tam próximo, tam vasto, e tam
bem fornecido, augmenta a rapidez da circulação nas
provincias vizinhas, e lhe procura grandes vantagens, tan-
to para os consumidores como para os artistas. Os ne-
gociantes estrangeiros, domiciliados nos portos de mar,
até se deixam muitas vezes levar da tentação de tirar o
seu capital do commercio exterior, para o destinar uni-
camente a manter a industria do paiz, aonde se tem esta-
belecido : he assim que vi em Liorne, capitães conside-
ráveis de Inglezes e de Alemaens, empregados por ne-
gociantes daquelles dous paizes, em romper terras; equc
os Marseillezes, que a revolução tinha obrigado a refu-
giar-se igualmente em Liorne, empregaram nas vizinhan-
ças daquella cidade os fundos, que haviam tirado da
França, estabelecendo ali grande numero de saboarlas, e
outras manufacturas*. Em geral todo o paiz, vizinho a

* A liberdade do commercio éra apreciada ein seu justo valor,


pelo bemfeitor da Tosr.ana, o Gram Duque Pedro Leopoldo.
Elle confieu a conseivaçtiõ de seus princípios á guarda das soci-
edades scienliricas, e das Academias de Florença; estas tem-se
feito um dever de os fazerem populares, submettendo-os repeti-
das vezes ao exame de sábios, e á meditação de amigos do paiz.
A Academia Real dos Guorgofilos, propoz, em 1791, com este
fim, o problema seguinte, que deo origem a grande uuineio de
520 Literatura c Sciencias.
um porto franco, fica cm breve tempo saturado de ca-
pitães; porque os que os estrangeiros ali depositam,

bons escriptos. " S e in uno stato suscettibile di aumento di


populazioue e di produzione «li generi dul suo território, sia piu
vantaggioso e sicuro mczzo, per ottenere i sopradetti lini, il
dirigere Ia Legislazione a favo ri re le mainfatture, com qualche
vincolo sopra il commercio dei generi greggi ovvero il rilasciare
detti generi, nell' intera e perfetta liberta di commercio natu-
rale ?"
A memória da Francesco Meiigolti, intitulada " il Colbertis-
mo," e coroada aos 13 de Junho de 1702, sustenta a causada
liberdade do commercio. Por fim, o Priucipe Philosoplio, que
tinha dado a este commercio a sua liberdade, a segurou ainda
mais, dando-lhe por apoio a affeiçaõ do povo, fundada na expe-
riência de sua prosperidade. Ao tempo da Republica Floren-
tina, a Toscana tinha sido submettida ao regimen das prohibi-
çoens. As que limitavam o commercio dos graõs, occasioná-
ram grande numero de fomes, e particularmente a de 1766, que
causou uma grande mortandade, principalmente em Sienne e
em Arezzo, e á qual se naõ pôde dar fim, senaõ abolindo todos
os entrávez. A saida das cedas cruas, das IaSs e dos couros,
he ainda na verdade prohibida, porém os capitães mercantis tem
de tal modoaugmentado no paiz, depois que elle goza de maior
liberdade, que estes diversos objectos se vendem ali tam caros
como nos Estados vizinhos, de maneira que a prohibiçaõ he ab-
solutamente inútil, e naõ peza sobre o productor como uma con-
tribuição. Os tributos, que saõ em grande numero, saõ todos
cobrados a favor do Fisco, e nenhum apoia um monopólio mer-
cantil, assim como neuhnm poèm obstáculo á prosperidade na-
cional. Aproximando a Tosiüiia á Fiança, pode-se comparar o
effeito dos dous regimes ein animar o commercio. Ao momento
em que se assignou a paz marítima, o porto de Liorne ficou
cheio de vasos, correram para ali os capitães mercantis, reani-
máram-se as manufacturas ; as encommendaS para o sabaõ, pa-
pel, &.c. suecediam-st rapidamente umas ab outias, e o cultm-
Literatura e Sciencias. 521

trashordam rapidamente para o commercio interior, ma-


nufacturas e agricultura, se estes diversos ramos lhe
offerecem maiores lucros que o commercio de transporte.
A abertura de um porto franco procura aos consumido-
res do interior do paiz outra vantagem de alta importân-
cia, que he a de diminuir o avanço do imposto, que tem
de reembolçar sobre os objectos, que consomem. Quan-
do se paga na alfândega, pelas mercadorias taxadas,
um direito á sua entrada no porto, o negociante impor-
tador adiante esta imposto, mas reembolça-se depois
delle com um lucro proporcionado, pelo negociante em
grosso, este pelo negociante em retalho, e este terceiro
pelo consumidor. Este triplo avanço, naõ calculando
senaõ a 10 por cento, accrescenta 33 francos dez centi-
mes por cento, á somma do imposto que o consumidor
he forçado a reembolçar; mas se o importador descarre-
ga suas mercadorias em um porto franco, elle a vende
também a negociantes em grosso, que se encarregam de
fazer a sua distribuição pelos Iogistas, da naçaõ. Nem
um nem outros fazem avanço do imposto, que se naõ de-
sembolça senaõ ao momento em que a mercadoria sáe do
porto franco, para ser transportada aos armazéns, aonde se
deve vender a retalho. Estaõ o consumidornaõ tem que

dor, nas aldeas mais remotas, sentiu os effeitos da prosperidade


geral, pela diminuição do preço de tudo que comprava; pelo
augmento do valor de tudo que vendia. Na Franca, pelo contra-
rio, se depois deste feliz acontecimento os negociantes de alguns
portos de mar empreheudèrain expediçoens para paizes distantes,
naõ foi senaõ por meio de sacrifícios penosos, que obtiveram os
capitães necessários: em toda a parte se sentia o vácuo, e a
tensaõ da necessidade, e os negociantes da maior parte das cida-
des do interior se admiravam de que a paz, longe de animar o
commercio, tivesse suffocado.o fraco movimento, que ainda lhe
r
estava. Ali! Reflicta o Governo, que deseja ardentemmU: o
522 Literatura e Sciencias.
reembolçar senaõ um avanço de dinheiro, que he o do
mercador de retalho; de sorte que naõ sáe da bolça do
contribuinte senaõ dez por cento mais do que o que en-
tra no thezouro publico: e se como faz a Inglaterra, a al-
fândega concede um credito de seis ou nove mezes ao ne-
gociante em grosso, para pagar a sua contribuição, este,
fazendo com que goze deste favor o negociante de retalho;
este ultimo naõ exige do consumidor nada, além do re-
embolço do imposto cobrado sobre o consumo: de sorte
que se obtém assim por meio do porto franco, o mesmo
fim, que se deveria ter em vista em todos os impostos,
que he naõ fazer pagar ao contribuinte se naõ o menos
que he possivel, além do que entra no thesouro publico.
Também assim abaixando-se consideravelmente o preço
das mercadorias taxadas, se contribuio para a prosperi-
dade da França, quando se abrio o porto de Liorne, cujas
franquias saõ perfeitamente bem reguladas.
A franqueza de um porto produz, he verdade, uma des-
igualdade na repartição dos impostos sobre o consumo,
naõ sendo os que habitam o porto franco sugeitas á taxa,
que pagam os seus concidadãos. Esta leve desigual idade
produz apenas alguma differença nas rendas do Estado.
A franqueza de um porto pôde contribuir também a fa-
cilitar o contrabando, e a entrada de mercadorias pro-
hibidas no paiz: esta he objecçaõ de C. Magnicm*; e he
também a principal das de C. Mosneron no seu relatório
de 2Sde Maio de 1792, sobre os inconvenientes das fran-
quias; e ella terá força, em quanto o Governo continuar
a fazer monstros para 03 combater; e que der actividade

bem, que naõ chora nenhum sacrifício para o obter a seu povo,
sobre a rotina a que se entrega; e aproveite-se das liçoeni mu-
das, mas enérgicas da experiência.
* DePinfluence qui peuvent avoir les douanes, &c. p. 30.
Literatura e Sciencias. 523
ao contrabando, fazendo-o necessário ao consumidor, e
lucrativo ao negociante, e que naõ apresentar outro esti-
rnulo ao commercio senaõ um monopólio igualmente
ruinoso ao consumidor e ao productor. Se se suprimirem
todas as prohibiçoens, se procurar-mos elevar nosso
commercio, naõ a abater o de nossos rivaes, se nao houver
direito algum de entrada assas exorbitante para determi-
nar a evitállo a todo o risco, por meio do contrabando;
naõ se verá que a abertura de um porto franco diminue
as rendas nacionaes. Pelo contrario, a administração
das alfândegas, sabendo melhor de que parte devem espe-
rar os ataques dos contrabandistas, e em que pontos se
deve prevenir, oppor-se-ha com melhor successo a suas
fraudes. As duas cidades de Bayonna e de Dunkerque
reclamam ardentemente o restabelicimento de suas fran-
quias, e o Administrador das alfândegas as somma antes de
pretender refutar os factos e princípios, que serviram de
baze à opinião dosCommittes de Marinha e de Commer-
cio, conforme â qual se passou o decreto de 11 de Nivose,
anno III. Tendo provado, ao que me parece, que a im-
portação das mercadorias estrangeiras, que uma falsa
política tem feito prohibir, éra em beneficio para o con-
sumidor, e naõ fazia prejuízo ao commercio, creio ter
suficientemente respondido a somma de C. Magniem.
Com effeito ha poucos paizes a que convenha, hoje em
dia, mais do que à França, o multiplicar seus portos
francos: tem ella necedidade, naõ de fazer por si mesmo
o commercio de transporte, mas de que se faça para ella,
que se approximem seus productores aos armazéns, aonde
possam desfazer-se de suas mercadorias, que se appro-
xime igualmente de seus consumidores o mercado, aonde
possam prover-se do que recessitam, a fim de que o capi-
to!» que lhes resta, seja supprido pela rapidez de sua cir*
VOL. XXV N°. 150 3x
24 [524] Literatura e Sciencias.
culaçaÕ, no valor, que lhe falta, a fim de que o fabricante
Flamengo naõ tenha necessidade de enviar seus panos
mais longe doqueDunkerque, para os trocar por fundos,
que o ponham em estado de começar de novo o seu tra-
balho, e que o negociante, que fornece os nossos mercados,
naõ seja obrigado a ir buscar, para nós, os assucares,
os estofos, &c. mais longe do que a mesma cidade; de
sorte que, com a mesma somma possa, em certo tempo
dado, fornecer-nos a maior quantidade*. He do nosso
interesse, também, attrahir os capitalistas estrangeiros
nos nossos portos, e facilitar-lhes os meios de ali se fi-
xarem, naõ para augmentarem a nossa população com al-
guns centos de indivíduos, mas para fazer crescer o capi-
tal, que põem em movimento a nossa industria, com todos
os capitães, que elles possuem, ou que o seu credito lhes
ministrará em seu paiz. Bem de pressa os mercadores,
que se domiciliariam nos nossos portos, comparariam os
lucros de seu commercio, com os que se poderiam espe-
rar do apeifeiçoamento de nossas manufacturas, ou de
nossa agricultura, e se estes dous empregos apresentas-
sem maiores vantagens, os capitães dos Inglezes seriam
logo destinados apor em movimento uma industria Fran-
ceza; porque, naõ devemos esquecer-nos de que os ne-
gociantes naõ pertencem a paiz algum, saõ sempre cida-

* Ainda que o commercio dos portos francos se fizesse prin-


cipalmente com capitães estrangeiros, daria grande actividade á
navegação Franceza, far-se-hia nestes portos com que fosse
necessário grande trabalho de mar, e ali se pagaria bem cara a
soldada do marinheiro, os habitantes das costas, portanto, iriam
em multidão para estes portos, a fim de ali exercer a navegação.
Os marinheiros saõ obreiros produetivos, e o seu numero depen-
de sempre do valor do capital, tanto nacional como estrangeiro,
que os põem em movimento.
Literatura e Sciencias. 525
daõs daquelle, aonde ha mais a ganhar, e nenhum ciúme
nacional os impediria de se entregarem entre nós a uma
industria, que os enriqueceria, mas que seria ainda mais
proveitosa para nós. Alguns de nossos portos, no Oce-
ano, estaõ tam próximos da Inglaterra, que os negocian-
tes deste paiz, hoje em dia o mais rico de todos os da
Europa, e aquelle, cujos capitães trasbordam mais para
fora, apenas creriam que se expatriavam, trazendo-nos
suas riquezas, e fazendo-as fructificar entre nós, se naõ
empregarmos todas as nossas forças em repulsar o bem,
que elles nos fariam, procurando sua própria vantagem.
Alem dos portos, que se poderiam franquear, no Ocea-
no, como Antuérpia, Dunkerque, 1'Orient, Ia Rochelle,
e Baionna; além do de Marseille no Mediterrâneo, cujas
immunidades se deviam restabalecer e augmentar * seria

* As franquezas de Marseille naõ eram completas, muitos


negociantes naõ gozavam ali do direito de escala ou deposito; e
os estrangeiros naõ eram admittidos a aproveitar-se da immuni-
dade de seu porto; assim éra este o único do Mediterrâneo,
aonde os negociantes Levantinos se naõ vinham estabelecer, e
que naõ enriqueciam com seus capitães. Mr. Blanc de Volx
(Etat commercial Ch. XY1.) apoiando-se somente nos princípios
mercantis, demonstrou mui bem a importância da franquia de
Marseille, e as vantagens, que o Estado acharia em a fazer
universal. Naõ esqueceremos, entre outros, um motivo que elle
faz valer, em comparação do qual até mesmo o interesse mercan-
til he cousa mui pequena : e he, que o estabelecimento de um
porto franco he o mais seguro preservativo contra a introducçaõ
da peste, com as mercadorias do Levante, que um commercio
clandestino derramaria, em fraude, nas costas de Provence, se
uma escala livre, aonde naõ fossem sugeitas senaõ ao regimen
de Saúde, e naõ aos vexames das alfândegas, as naõ levasse to-
das a Marseille. Guardemo-nos de fazer vantajoso, e talvez
necessário um contrabando, que nos exporia todos os dias ao
mais terrível dos fiagellos.
526 Literatura e Sciencias.
vantojoso, ao que me parece, á Republica, estender as
mesmas franquias a algumas das cidades fronteiras, que
fizeram sempre o maior commercio com o estrangeiro.
Genebra, Colônia, e Strasbourg, parecem ter necessidade
deste favor, para retêrem ali os negociantes capitalistas,
que provem os paizes vizinhos, eque passariam sem du-
vida de Genebra para Lausana, e de Strasbourg, Mayence,
e Colônia, para a margem opposta do Rheno, como ja
começaram a fazer, a naõ se lhes aleviarem os entraves
do commercio de transporte, emquesetem empregado
era todos os tempos, e que se acha hoje em dia para-
lyzado nestas quatro cidades. Naõ acerescentarei cousa
alguma aos meios de pôr em execução este favor, tendo-
me proposto abster-me das miudezas, que pertencem
menos á especulação, que á administração.
Naõ tendo os Inglezes nenhum porto franco nem
querendo entre tanto fazer impossível o commercio de
transporte de seus compatriotas, tem adoptado o expe-
diente de restituir, na salda das mercadorias, o imposto
cobrado deltas na sua entrada ; o que por uma parte he
muito menos vantajoso ao commercio, perdendo o nego-
ciante, pelo menos, os juros do imposto, que tem pago,
ainda que se lhe restitua a somma; e por outra parte, he
muito mais oneroso ao Estado; ja porque esta operação,
multiplicando o trabalho dos empregados, oceasiona
mais despezas; ja porque anima o contrabando mais rui-
noso de todos; sendo as mesmas mercadorias descarre-
gadas, selladas, exportadas, e os direitos reembolçados
de novo muitas vezes. O drawback tem portanto gran-
des inconvenientes, que naõ saõ addictos & abertura de
um porto franco, e entretanto naõ traz ao paiz, como este
outro expediente, os capitães estrangeiros, que possam
vivificar sua industtia.
(Continuar-se-ha.)
Literatura e Sciencias. 527

Espirit des Institutions Judiciaires, de /' Europe, por


Mr. Meyer.

(Continuada de p. 442.)

Foi com grande prazer, que recebemos o quarto vo-


lume desta obra, sai do do prelo, justamente ao tempo
que acabávamos, no nosso N.° passado, de expor a nossos
Leitores o fim do volume terceiro do author. A ana-
lyze do espirito, origem e progressos das instituiçoens
Judiciaes dos principaes paizes da Europa, seraõ sempre
uma colleçaõ histórica da mais decidida utilidade, e da
primeira importância para todos os legisladores.
Este volume tracta das Instituiçoens Judiciaes dos
Paizes Baixos d'onde o author he oriundo, e aonde ex-
erce a profissão d' Advogado; e por isso tanto maior ex-
actidaõ e profundidade se pôde esperar nesta parte de
sua obra.
No capitulo 1.° lança o A. um golpe de vista sobre o
estado politico dos Paizes-Baixos, para mostrar a diffe-
rença entre estes e os reynos, que havia considerado nos
volumes precedentes, porque na Inglaterra e na França,
apezar das commoçocns civis, naõ obstante os augmentos
de território, sempre cada um daquelles reynos se con-
servou como integro e independente; por certas circum-
stancias mais do que pela identidade da linguagem, que
naõ tem causado a mesma uniaõ, nem na Alemanha nem
na Itália; assim diz o A. p. 4.

" Consultando as historias das differentes monarchias, anti-


gas e modernas, he antes á successaõ constante dos Príncipes
de uma mesma Casa; á estabilidade d'uma dynastia; he sobre
tudo á fixação da sede do Governo, que se deve o estabelicimen-
to da verdadeira nacionalidade, a que naõ somente reúne os ha-
528 Literatura e Sciencias.
bitantes das províncias mais distantes do centro da moiiarchia
por um laço reciproco, mas que lhes faz esquecer sua origem
distincta, para naõ ver senaõ a sua relação commum."

O A. extende-se depois nas vantages do estabelicimen-


to continuado de uma capital, e passa a mostrar, que os
Paizes-Baixos nunca gozaram desta vantagem, nem se
quer tiveram o seu território definido, ainda que fosse por
aproximação. Donde tira, que nos Paizes Baixos se naõ
podem achar, como na Inglaterra ou França, instituiçoens
ligadas entre si, que permittam seguir a mesma marcha
no seu exame; esta difficuldade exprime o A. assim
p. 8.

" Sem limites fixos e determinados, sem lingua particular


commum a todas as provincias, sem unidade de Governo; naõ
tinham ellas outro laço de identidade, mais do que a pessoa do
Soberano ; e ainda mesmo nisso, depois da extincçaõ da familia
Carlovingiana, naõ tem tido este leve ponto de contacto, senaõ
durante cousa de meio século : ate o dia de hoje os Paizes Bai-
xos naõ tem nome próprio, e o de Belgia naõ he sufricientemcnte
recebido, para a designação genérica de seus habitantes."

Nesta massa heterogênea de legislação, o A. se naõ pro-


põem a tractar individualmente de cada provincia sepa-
rada, porque isso o levaria a exames mais longos do que
pede o objecto de sua obra, mas limita-se ás institui-
çoens, que saõ communs a todas, ou á maior parte das
provincias, comprehendidas de baixo do nome de Paizes
Baixos; ainda que ás vezes exponha matérias especiaes
de algumas deilas.
Passaremos em silencio o esboço histórico, que o A.
faz deste paiz, desde o tempo dos Romanos até Carlos
Magno, e suecessos vários nos ramos de sua familia e
suecessores, sendo tal a confusão, que o A. mesmo naõ
Literatura e Sciencias. 529
pôde bem distinguir a qual dasfracçoens do império per-
tenciam os Paizes Baixos: bastará notar, que entre muitos
senhores, que vieram a possuir este paiz antes de Carlos
V.; os condes de Flanders e de Hollanda, e os Duques
de Brabante e Luxembourgo, eram os mais poderosos,
quando Carlos V. occupou o Ducado de Gueldres; como
descendente dos Duque de Borgonha,que ainda que des-
cendentes da França tentaram estabelecer-se indepen-
dentes nos Paizes Baixos. He interessante porém a
historia da reunião destas provincias com a coroa de
Hespanha, assim como a sua rebelliaõ e erécçaõ na
Republica chamada das Provincias Unidas.
Começa o A. no Cap. 2. a tractar das instituiçoens ju-
diciaes, expondo a authoridade e usurpaçoens dos com-
muns, ou corporaçoens das cidades, villas e aldeas, que
datam de mui antiga epocha, attribuindo o A. estas reuni-
oens ou associaçoens dos particulares, á necessidade, que
natureza do terreno lhes impunha, de unirem seus esfor-
ços em commum, para impedir os effeitos das inundaço-
ens do Rheno, Mozellee Waal, assim como do mar; para
o que naõ podiam bastar os trabalhos de cada um sepa-
radamente.
Alem disto as numerosas costas da Hollanda foram por
muitos annos expostas ás incursoens dos Piratas bárbaros
do Norte, conhecidos pelo nome genérico de Norman-
dos; e éra este outro motivo de reunião; posto que o A.
aponte estas causas, somente como capazes de produzir
uma uniaõ momentânea; ou, por outras palavras, uma
associação, mais de propiedades do que de pessoas ; naõ
entrando nisso as leys, nem os custumes, nem os usos.
Quando, porém, os motivos, ja explicados nos outros
livros, produziram estas associaçoens no resto da Europa,
"•milhante revolução teve lugar nos Paizes Baixos; mas
achou ali grande conformidade nos usos dos habitantes,
530 Literatura e Sciencias.
e por isso fez rápidos progressos, e taes instituiçoens se
radicaram mais profundamente.
Estas communidades ou corporaçoens de cidades e
villas, na Flandres, eram ja assas poderosas para fazer a
guerra a seu Conde, em 1127 :e no tempo do Imperador
Carlos V., estavam ja tam poderosas, que se vio este Sobe-
rano obrigado a empregar contra Gand todas as forças da
mais poderosa monarchia da Europa; porque a rivalidade,
j a da França, ja da Inglaterra, instigavam estas naçoens
a prestar auxílios, umas vezes ao Soberano, outras aos
vassalos, e assim se fomentava a guerra civil, e augmen-
tava a consideração e poder das communidades ; dizendo
o A. que a opposiçaõ da authoridade do Principe, dos
interesses dos nobres, e da influencia das communs, dam
a chave para a historia de todas as perturbaçoens que
agitaram os Paizes Baixos.
Carlos V., havendo reunido em sua pessoa tantos e
tam poderosos Estados, resolveo aproveitar-se da pri-
meira occasiaõ para abater o orgulho das communidades.
Impoz-se um tributo á cidade de Gand, sem seu consen-
timento, o que éra contrario ás noçoens do governo feo-
dal: a cidade recusou obedecer; o tribunal de justiça de
Malines condenou-a ao pagamento, e para fazer executar
este decreto foi preciso que o Imperador em pessoa, â
frente de formidável exercito, marchasse contra Gand.
a resistência da cidade éra fundada nos privilégios que
tinha, e que o mesmo Imperador havia jurado guardar;
mas o vencedor impos-lhe o mais severo castigo. Este
ataque sobre Gand, devia servir de prelúdio á abolição
do systema, e assim a decisaõ do Pailamento de Malinas
dispoz as coutas para a ordenança, publicada depois pelo
Duque d'Alba, em nome de Phillippe II. pelo qual se
8ubmetteram às decisoens deste Parlamento de Malines
todos os Privilégios das communs.
Literatura e Sciencias 531
No capítulo 3.° explica o A. a matéria das corpora-
çoens dos officios; cujo estabelicimento teve nos Paizes
Baixos a mesma origem, que nos mais Estados da Eu-
ropa, isto he o desejo dos indivíduos de uma cidade, de
se livrarem da oppressaõ que lhes causava a corporação
ou pessoas da governança da mesma cidade; e em prova
disto observa o A. n' uma nota (p. 45) que as corpora-
çoens dos officios em todas as cidades, foram poste-
riores ás corporaçoens das mesmas cidades, instituídas de
commum accordo de todos os cidadão, para se livrarem
da oppressaõ da parte dos senhores Suzeranos.
EBtas associaçoens, segundo o A., ou eram temporá-
rias ou permanentes: se eram fracas tractavam-nas de
conjuraçoens e rebcldias, e como taes eram punidos os
indivíduos que se apanhavam ; se eram fortes ou assas
ricas para comprar seus privilégios dos Suzeranos, fica-
vam-se considerando como associaçoens legaes. Mas ve-
jamos o modo de se instituir uma corporação destas, se-
gundo as ideas do direito naquelle tempo. p. 49,

" Quanto mais garantias se queria dar aos que tinham obtido
chartas de communidade, tanto menos se devia fugir das ideas
geralmente adoptadas. A epocha em que se concederam estas
chartas de encorporaçaõ, éra a do regimen feodal, que naõ co-
nhecia outra relação senaõ a de vassalloe suzerano: éra logo pre-
ciso imaginar uma espécie de ligação, que unisse as communi-
dades aos senhores; foram pois infeodadas ; isto he, conside-
rou-se a commum como um ente moral e abstracto, composto de
todos os associados, e olhou-se para este ente como vassallo do
senhor, capaz dos mesmos direitos, e restricto aos mesmos de-
veres, idea esta que deo lugar a todas as singularidades da nova
instituição. A Commum, como tal, exercitava todos os direitos
feodaes, prestava fé e homenagem ao suzerano, ao tempo de
sua inauguração, fazia o serviço militar, tinha assento nos Es-
VOL X X V . N°. 150. 3 Y
532 Literatura e Sciencias.

tados convocados pelo senhor; pagava os mesmos subsídios;


naõ podia ser sugeita a contribuiçoens sem seu consentimento ;
em fim tinha todos os direitos, assim como todas as obrigaçoens
dos vassallos. Por outra parte, os cidadãos da commum; isto
he os que faziam parte integrante da associação, naõ eram mais
do que os subvassallos desta commum, tomada collectivamente,
e naõ communicavam com o senhor, senaõ pelo entremeio delia."

Como, porém, era muitas vezes necessário, que esta


pessoa moral, ou collectiva, exercitasse certos direitos,
quesó uma pessoa phisica poderia practicar, nomeava-se
para isso algum indivíduo; e essa nomeação éra feita,
algumas vezes pelo mesmo senhor, outras por eleição
dos cidadãos, e outras vezes éra este representante da
corporação um magistrado hereditário.
Este indivíduo, representante da corporação, foi algu-
mas vezes designado pelo mesmo nome (Burgraaf, Cas-
tellaõ, &c.) que tinha o governador da cidade, antes da
sua encorporaçaõ, mas ainda que o nome fosse o mesmo,
suas funcçoens e direitos eram mui diversos. O ciúme
porém das cidades dos Paizes-Baixos contra o poder de
um indivíduo, fez com que de ordinário escolhessem
para representante, naõ uma só pessoa, mas um certo
numero de pessoas, ou committé executivo, Em todo o
caso havia sempre um bailio, que com o nome de substi-
tuto do representante executava todas as suas funcçoens.
Para se oppôr ás oppressoens do senhor, se procurava
a encorporaçaõ da cidade; mas as pessoas, que formavam
o committé de administração, tendiam logo a estabelecer
entre si uma aristocracia, que em seu turno naõ oppri-
mia menos o resto dos cidadãos : e que se fazia intolerá-
vel aos habitantes, que naõ gozavam do direito de
cidade. As communs fizeram ainda mais; ligaram-se
Literatura e Sciencias. 533
com os antigos senhores, obtiveram delles muitos privi-
légios, a até títulos honoríficos, como brazoens d' armas,
&c. tudo com o fim de opprimir os indivíduos.
Os artistas de diversos officios, e o? negoicantes de vários
ramos acharam entaõ necessário encoporar-se entre si,
e a estas associaçoens se chamou Guilda, cujos direitos
de associação se obtinham à força de pagamentos ou
peitas avultadas, umas vezes à commum outras ao senhor
suzerano. Mas estas associaçoens dos officios, origina-
das no abuso das communs, naõ deixaram também de
ser nocivas aos indivíduos, e ao publico: porque obra-
vam sempre no sentido de abarcarem o monopólio de
suas respectivas artes e empregos. Neste lugar faz o A.
uma judieiosa digressão, sobre os males, que produz á
sociedade geral, este monopólio legal, concedido a certas
artes e officios, e no que concordam hoje em dia todos os
melhores publicistas e economistas.
Nesta combinação de elementos disparatados, a com-
mum éra uma espécie de sub-vassallo do suzerano, e os
corpos dos officios eram sub-vassallos da commum. E
por mais absurdo que seja este arranjamento politico,
com elle explica o A., e diz que se podem explicara
maior parte dos acontecimentos da historia dos Paízes-
Baixos, e de muitas de suas instituiçoens administrativas
e judiciaes.
Porém cessaram os motivos destas associaçoens, quan-
do o melhoramento da civilização deixou livre aos ho-
mens sua industria; e ainda assim continuaram as asso-
ciaçoens dos officios, debaixo do pretexto, que éra ne-
cessário examinar e approvar só os mestres hábeis, que
pudessem exercitar e trabalhar em cada officio, e impedir
a demasiada accumulaçaõ de artistas em algum ramo;
assim como providenciar à subsistência das viuvas e or-
534 Miscellanea
phaõs de 6eus membros. Mas a verdadeira causa de se
continuarem taes associaçoens foi o espirito de monopó-
lio, e a ignorância dos Governos, em naõ conhecer nem
as verdadeiras causas, nem a origem de taes associaço-
ens; tudo o mais ai legado foi pretexto.
(Continuar-se-ha).

MISCELLANEA.

Lista das embarcaçoens Portuguezas tomadas, queima-


das, ou roubadas pelos Corsários Americanos Meri-
dionaes, desde o principio das hostilidades até o pre-
sente, extrahida da folha de Lisboa, instituda Preços
correntes de Centazzi.

1817. Agosto. Industria; de Havana para Lisboa.


Dezembro. 3 Embarcaçoens costeiras no Brazil.
5 Dietas — dicto
1818 Março. Nova Aurora; da Bahia, para o
Porto.
Serpente: Sumaca, da Bahia pr a o
Rio-Grande.
Junho. Mont' Alegre; da Bahia para Lis-
boa.
Julho. S. Joaõ Baptista •, do Rio para Lis-
boa.
Miscellanea 535
2. Sumacas, ao pé de Pernambuco,
mettidas a pique.
D. Joaõ Sexto; de Pernambuco a
Lisboa.
S. Anna, de Pernambuco ao Porto.
Globo; de Bengala a Lisboa.
Lord Wellington: do Rio-de-Janei-
ro ao da Prata, no valor de 70.909
patacas, mettido a pique.
Agosto. N. S. da Piedade -, de Lisboa para
Bilbao
Septembro. Nimpha; de Lisboa ao Para.
Luiza; de Lisboa ao Maranhão.
D. Pedro d Alcantura; do Rio a
Lisboa.
D. M. P. Forjaz; do Rio a Lisboa.
Ligeira; de S. Miguel a Lisboa.
1 Embarcação na costa de Portugal
queimada.
Regeneração; de Pernambuco a An-
gola.
Pérola; do Porto ao Rio.
Boa Esperança; do Porto a Per-
nambuco
Outubro, Restaurador; de Lisboa ás Canárias.
S. Francisco de Assis; de Lisboa â
África.
Raynha dos mares ; da Bahia a Lis-
boa.
20 Embarcaçoens da Costa do Bra-
zil.
Novembro. 8 Dietas dicto.
Dezembro. Rey do Brazil, Suraaca.
Carlota; Dicto.
536 Miscellanea
1819 Março. Conde de Cavalheiros; do Porto ao
Brazil.
Aviso; D,° D.°
Flor de Portugal; D.° D.°
Duque de Wellington; do Rio para
Maranhão, queimado.
Maio. Bom Successo; do Brazil a Lisboa.
Hercules; do Rio para Lisboa.
Esperança; de Lisboa a Porto Rico.
Flora; do Porto ao Rio.
Septembro. Duque de Victoria; de S. Miguel
ao Rio.
Três Coraçoens; de Lisboa a Per-
nambuco.
1820. Janeiro, Diligencia; de Lisboa ao Maranhão.
Providencia; de Lisboa a Pernam-
buco.
Março» Feliz Eugênio; de Lisboa a Per-
nambuco.
J. Joaõ Augusto; do Porto a Lis-
boa.
Flor do Brazil; Sumaca.
Melindre: do Maranhão ao Porto.
Julho. Dous Amigos; de Lisboa a Mara-
nhão.
Jardineira; D°. D°.
Agosto. ;Carlota; da Bahia a Lisboa.

Roubados.
1818 Junho. Raynha dos Anjos, apenas saio de
Lisboa para Bengala foi-lhe rou-
bado 22.000 patacas, e mais cou-
sas de valor
Miscellanea 537

Julho. Pernambucano; de Lisboa a Per-


nambuco.
1 Sumaca; de Pernambuco o Rio.
6 Embarcaçoens na costa do Brazil.
1 Sumaca, de Pernambuco ã Bahia.
1 D.* do Rio-de-Janeiro para o da
Prata do valor de 70.000 patacas
Septembro. Genaral S. Payo, do Rio a Lisboa.
2 Embarcaçoens, na costa de Por-
tugal.
Cassador, da Madeira para Lisboa,
Conde de Armarante, de Lisboa ao
Porto
Outubro. Luzitana Feliz,da África â Bahia.
1819. Janeiro. Amizade, da Figueira ao Rio.
1 Embaraçaõ, na costa de Portugal.
Flor da Murta, do Porto de Setúbal.
Março. Pombinha, do Porto ao Brazil.
Triumpho, de Pernambuco a Ma-
ranhão
Prazeres, D.' D.°
Outubro. 1 Sumaca na costa do Brazil.
1820. Março. Principe da Beira, de S. Miguel pa-
ra a Figueira.
Linda, Sumaca, na costa do Brazil.
Um periódico de Lisboa (Mnemosine N° 19) accres-
centa a esta lista o navio S. Joze Protector; e outro que
vinha de Pernambuco para o Maranhão, carregado de
escravos.
538 Miscellanea

A M E R 1 C A - H E S P A N H O L A.

Carta do General Morillo, do General Montillo.


Quartel General de Caracas, 17 de Junho de 1320J

Talvez o felicíssimo acontecimento de Março, na Hes-


panha Europea, naõ tenha ainda chegado á noticia de
V. S. Sua Majestade, sempre attento ao bem de seu ama-
do povo, se despio espontaneamente do poder, que seus
predecessores tinham gozado por três séculos, ejurou a
observância da constituição política da Monarchia, que
fora sanccionada pelas Cortes, aos 18 de Março de 1812,
e que éra da vontade universal da naçaõ. Nunca Rey
algum deo provas tam positivas de rectidaõ e sinceridade
de seus desejos, nem fez tam heróico sacrifício, para a
felicidade de seus subditos. A Península de Hespanha
tomou aquelle celebre juramento em um instante ; e as
provincias da America Hespanhola seguiram o seu ex-
emplo, no meio das acclamaçoens do povo, fazendo, com
seu nobre comportamento, que desapparecessem, como
se devia esperar em taes circumstancias, os horrores da
guerra civil.
As gazetas, que envio a V . S. com esta, provarão estes
factos. El Rey, sentado sobre o A ugusto Throno con-
stitucional das Hespanhas, e no meio de muitas, e pon-
derosas occupaçoens, que a mudança de uma ley funda-
mental traz com sigo, um de seus primeiros passos foi
voltar seus olhos para aquellas provincias da Monarchia,
que tem sido devastadas por uma guerra, cuja origem
foi a fatalidade das circumstancias, j a em erros de calculo,
que fizeram mais horrível a reacçaõ das partes; ja no
lamentável espirito de vingança, que tem occasionado
atrocidades, tanto mais violentas, quantoas relaçoens das
partes eram mais propinquas. NaÕ tem fido outro re-
Miscellanea 539
sultado mais do que a devastação de Venezuela, por prin-
cípios, talvez, inteiramente equívocos. El Rey, penetra-
do de sentimento, tem visto as desgraças destas porçoens
de seu grande Império, e julgou que a felicidade e satis-
facçaõ de seu paternal coração naõ seriam completas, a
mencs que sua beneficência se abrisse, e se pozessem em
acçaõ todos os meios possíveis para terminar estes males.
Portanto, o seu primeiro passo foi dirigir a este povo a
proclamaçaõ annexa, cheia de moderação e bondade,
digna da gratidão de seus subditos, e da admiração dos
estrangeiros. Sua Majestade, em conseqüência, naõ
pondo estreitos limitesa seus generosos desejos, me tem
especialmente authorizado a tractar com os Governadores
dissidentes, de convocar-vos, a fim de saber quaes saõ as
vossas vistas e desejos; e estando convocados, fazer des-
apparecer para sempre a memória dos acontecimentos
passados. Em ordem, portanto, a cumprir com os dese-
jos d'El Rey, e satisfazer aos meus, me dirijo, em data
desta, e por commissarios plenamente authorizados, ás
authoridades, que actualmente governam nos paizes se-
parados, da maneira mais clara, satisfactoria e capaz,
segundo a prudência humana, determinar as dissençoens
de irmaõs. Porém, como he impossível ouvir-vos ou
entender-vos, com as armas na maõ, he necessário sus-
pendellas, e, com a suspensão, produzir aquelle estado
de soe go, que dá lugar á razaõ, e em que cessa o fogo
das paixoens.
Para este fim, nesta data, dou ordem aos comman-
dantes das differentes divisoens do exercito, e forças na-
vaes, debaixo do meu commando, para que façam cessar
as hostilidades de sua parte, ficando no território que
oecupara, e que contem esta necessária suspençaõ, desde
o dia em que V. S. receber esta, até* um mez depois. Po-
VOL. XXV. N°. 150. 3z
540 Miscellanea
rém, naõ sendo igualmente possivel, que esta indispen-
sável medida seja com muni cada ao Governo, de que vòs
dependeis, com a promptidaõ necessária, julguei próprio
dirigir-vos directamente tam interessante communica-
çaõ. Espero que V. S. reconhecerá a franqueza do
meu procedimento, a sinceridade de minhas intençoens,
e a bóa fè d'El Rey, que be unicamente pela reunião
e felicidade da grande familia.
Deus guarde a V. S„ &e.
(Assignado) PABLO MORILLO.

Resposta do General Montillo.


A Sua Excellencia D. Pablo Morillo.

Depois da immensidade de males irreparáveis, que a


atroz e dessoladora conducta dos Generaes Hespanhoes,
que tem conduzido a guerra, trouxeram á infeliz Ame-
rica; depois de Vossa Excellencia ter cuberto de lucto,
e banhado em sangue, todo o reyno e provincia, em que
tem posto o pé, mandando seus mais illustres filhos a pa-
decer nos cadafalços, e pelo aviltante cutello do algoz,
dissipando suas mais amplas riquezas; depois das mais
enormes contribuiçoens, extorquidas de um povo miserá-
vel, que somente tem por objecto a mais ignominiowi
escravidão, ou o projecto de os reduzir ao estado de
annihilaçaõ; finalmente, depois que a mais vergonhosa
prisaõ, osmais injuriosos insultos e os mais mortificantes
vexames tem sido os prêmios, destinados por Vossa Ex-
cellencia para a honra, os talentos, e o saber; as proposi-
çoens de paz e reconciliação, para que Vossa Excellen-
cia me convida no seu officio de 17 de Junho, vem dema-
siado tarde. O Americano tem ja feito saber seus de-
Miscellanea 541
sejos, coin a firmeza com que a continuada experiência
de sua fortuna naturalmente o inspira, e tem jurado ante
os sagrados manes das victimas tam impiamente sacrifica-
das por Vossa Excellencia, confiar seus futuros destinos,
somente ás suas medidas, e daqui em diante naõ esperar
nada senaõ dei Ias. Rcflecti por um momento no pla-
no de operaçoens, que tendes executado na America Me-
riodinal; trazei á vossa imaginação os assasinatos, as con-
fiscaçoens, e a violência de todo o gênero, commetidos
debaixo da salva guarda das mais amplas amnestias, e
com quedeixastes marcadas vossas pizadas em Sancta Fé
e Venezuela, e outras partes de vossa passagem. Voltai
os vossos olhos para aquelles horridos lugares, originaria-
mente destinados á prizaõ de malfeitores, porém agora
o receptaculo dos homens mais illustres, respeitáveis
pays de famílias, e úteis membros do Estado, e Vossa
Excellencia se convencerá, que a mera eTepentina mu-
dança de linguagem, naõ he bastante para remediar os
aggravos e as percas, que temos experimentado, nem
para mudar nossas ideas e sentimentos. Essa lin-
guagem pareceria mais sincera, e menos suspeita, em
outra qualquer bocca, que naõ fosse a de Vossa Excel-
lencia, que, fatiando a vosso Soberano, nos vossos despa-
chos sobre o estado politico da America, e descrevendo
o character de seus habitantes, especialmente os de Ve-
nezuela, claramente lhe apontava, a impossibilidade
de subjugállos outra vez, sem decepar duas terças partes
da população, a qual, sem duvida, forma o principal ob-
jecto de vossos temores. Vossa Excellencia tem excedi-
do isto com uma exactidaõ, que naõ deixa aos que o
empregam razaõ de queixa; e que vai em conformidade
com as ideas geraes de vossa naçaõ. Se uma pessoa da
previdência, informação, e conhecimentos políticos de
Vossa Excellencia tivesse consnltado a historia das re-
542 Miscellanea.
voluçoens, e suas vicissitudes, teria achado que o ver-
dadeiro estadista naõ he um assasino, um salteador, nem
um incendiario.
Por tanto vossa Excellencia naõ se admirará, se, na
conformidade dos poderes, de que me acho munido, e do
desejo geral do povo, que reconhece o Governo da Repu-
blica, e independentemente de quaesquer resolucçoens,
que o Supremo Governo possa adoptar, relativamente ás
proposiçoens de paz e reconciliação, que vossa Excellen-
cia offerece, Eu, pela minha parte, declare distineta-
mente, que naõ concordarei em suspençaõ alguma de ar-
mas, nem entrarei em nenhuma sorte de negociaçoens,
a menos que o preliminar seja o reconhecimento da in-
dependência da America, sobre a qual indispensável
baze se devem fundar todos os tractados subsequentes.
A inviolável observância do Direito das Gentes, e os
sagrados princípios da humanidade, no ulterior prosegui-
mento da guerra, será a ley a que religiosissimamente
me sugeitarei, se ella for igualmente attendida da parte
do meu adversário. Se se adoptar o systema contrario,
farei violência a meus sentimentos, mas imporei a justa
pena de taliaõ. Se, em vez das nossas armas serem co-
roadas em toda a parte pela victoria e pelo triumpho, ti-
véssemos soffrido revezes, e a fortuna se tivesse declarado
contra nós, vós tercieis sempre ouvido de mim a mesma
linguagem, sendo como sou, riaõ o escravo de circum-
stancias parciaes, ou accidentes passageiros, mas patente
á convicção, e aos verdadeiros interesses de ambas nas
naçoens contendentes, uma das quaes se emprega em
subjugar e tyrannizar, e a outra em livrar-se do jugo, e
assim se perpetuará a guerra, que ultimamente termi-
nará na exterminaçaõ de uma dellas ou de ambas. A
Europa e o mundo apreciarão devidamente as nossas
razoens, o nosso comportamento, e a determinação, que
Miscellanea. 543
regulará nossa futura conducta, seja para a paz, seja
para a guerra; e a sua imparcialidade decidirá da jus-
tiça, que recommenda os presentes acontecimentos ã pos-
teridade, assim como á geração existente.
Deus e Liberdade.
MARIANO MONTILLO.
Barranquilla, 28 de Julho de 1820.

Reflexoens sobre as novidades deste mes.


REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Revolução de Portugal.
Este acontecimento he de tal magnitude e importância, para
os interesses de todos os Portuguezes, que naõ da lugar a occn-
par-nos quasi de algum outro, que lhe naõ diga respeito ; nem
quando o pudéssemos fazer éra de esperar, que nossos Leitores
prestassem devida attençaõ, senaõ a matérias immediatamente
connexas com os recentes suecessos daquelle paiz.
Na parte Política e no principio deste N.° trasladamos os do-
cumentos, que nos tem chegado á maõ, pelos quaes se vê os
progressos da revolução; mas começamos pela patente do Mare-
chal General Lord Beresford, por ser o de data mais antiga; e
assim começaremos também por ella as nossas observaçoens.
Quanto ao Marechal General; vinha elle do Rio-de-Janeiro,
munido com os exuberantes poderes, conferidos por esta extra-
ordinária patente, e a bordo da fragata Ingleza, em que fazia a
viagem para Lisboa, vinham também naõ pequenos fundos d'El
Rey, destinados ao pagamento das tropas de Portugal. Soube,
no mar, do acontecimento da Revolução : mas naõ obstante isso
entrou no porto de Lisboa, na fragata em que vinha, e trazia o
dinheiro, e tentou desembarcar, e exercitar os poderes, que sua
nova patente lhe concedia.
544 Miscellanea.

Que o Marechal General desse mostras de querer exercitar sua


authoridade, ainda quando a mudança das cousas fazia esse ex-
ercício obviamente impracticavel, podia desculpar-se, na consi-
deração de que o Marechal julgaria ser de seu dever o mostrar,
que, se naõ entrava no lugar, para que o nomeava a patente,
naõ éra isso culpa sua, mas daquelles, que o naõ quizéram re-
ceber.
Que o Marechal, sabendo da revolução, e devendo conhecer
a irritação universal contra o Governo passado, no que Sua Se-
nhoria tinha tido tanta parte, se viesse metter em Lisboa, tam-
bém tem desculpa; posto que, n'outras circumstancias, tal passo
se pudesse characterizar da mais cega temeridade: terá descul-
pa aqui; porque S. S. talvez contasse, no que se naõ enganou,
com aincomparavel moderação dos revoltados, com a brandura
do gênio da naçaõ ; com a generosidade extrema, que haveriam
de mostrar, como tem mostrado, para todos aquelles, que olha-
vam como seus oppressores antigos. Desta brandura de charac-
ter, desta magnanimidade em perdoar, naõ achará o Marechal,
de certo, exemplos na sua terra, mas contava com achar isto,
como com effeito achou, em Portugal; e por essa razaõ se lhe
pode mui bem desculpar o ir-se metter em Lisboa; aonde lhe
naõ fizeram outro mal, senaõ mandállo sair de uma terra, que o
abhorrecia; e d'onde, por uma coincidência que o devia ferir,
deo a vela no dial8de Outubro, anui versado da morte do illustre
e infeliz Gomes Freire.
Agora, porém, o ter Sua Senhoria ido metter-se em Lisboa,
com o dinheiro que El Rey tinha na fragata, perdoe Sua Senho-
ria, mas naõ achamos modo de o desculpar. Nisto só vemos um
amor próprio, uma confiança em si mesmo, e em sua influencia,
que naõ vemos meio de justificar este passo de metter o dinheiro
d'El Rey na boca do lobo, por mais que desejássemos fazer este
serviço a Sua Senhoria,
Quanto á patente, indica ella uma contradicçaõ, que nos
parece irrecoiiciliavel. Taò extraordinários poderes concedidos
ao commandente das tropas, feito assim absoluto e independente
dos Governadores do Reyno, mostra a olhos vistos, que taes
Miscellanea. 545

Governadores naõ gozavam da confiança da Corte; e se a naõ


gozavam i pára que conservallos em seus lugares ?
Por mais desprezíveis, ou por mais abhorrecidos que fossem
os Governadores, a naçaõ se devia sentir humilhada, na pessoa
de seus Governantes, vendo uma personagem militar, obrando
independente delles, com tam extensos poderes; ainda além da
consideração dessa personagem ser um estrangeiro.
A demais, o absoluto e independente commando, qne se dava ao
Marechal, sobre as milícias e ordenanças, punha de tal maneira
o Reyno todo á sua disposição, que o desgosto devia ser uni-
versalmente sentido; e muito nos enganamos se esta patente ao
Marechal Beresford, naõ fizer uma prominente figura, na justi-
ficação dos motivos da revolução de Portugal.
Sabemos mais, que, mesmo no Rio-de-Janeiro, esta medida
encontrou a mais decidida desapprovaçaõ, da parte de persona-
gens da maior graduação e importância, e de facto, de lá se
mandaram copias da patente, para Lisboa, e para Londres,
acompanhadas das mais amargas queixas contra o Marechal,
por ter solicitado, e obtido, os poderes, que a tal patente lhe
concedia.
Depois deste infeliz documento, publicamos a p. 385, a for-
malidade de prestarem certos titulares o juramento de obediên-
cia ao Governo existente, e á Constituição, que ainda está para
vir; mesmo sem saber se essa Constituição os privará dos títu-
los e privilégios, a cuja consideração deveram o ser chamados
a este acto.
Aquelles, que, como nós fizemos, tiverem posto uma estre-
linha dos nomes dos senhores, que pediram a Bonaparte um
Rey para Portugal, poderão agora pôr a alguns dos mesmos
nomes segunda estrelinha; que formará nova characteristica,
em seus pergaminhos de vanglorias d1 antepassados, da coragem
com que tem defendido os direitos de seu Soberano, e os seus
próprios.
Sejam os primeiros notados, como he devido a sua alta gra-
duação, os Governadores do Reyno, e seu Secretario, Conde
da Feira, por alcunha, Forjaz, por nome : pois o outro Secre-
546 Miscellanea.
tario escapou desta humilhação, provavelmente por sua insig-
niftcancia.
Sirva de cabeceira á lista o Eminentíssimo Patriarcha, pri-
maz daquelle Governo, que tam denodadamente ameaçou aos
rebeldes do Porto; e agora expedindo no dia 3 de Outubro uma
ordem, para que no dia 4 se cantasse um Te Deum em todas
Igrejas, em acçaõ de graças, pela reunião do Governo Supremo
com o provisório de Lisboa, que o tinha derribado a elle e seus
collegas do Governo do R eyno.
Venha na cauda o Secretario Conde da Feira, raettendo-se a
assignar, como Governador que naõ éra, a proclamaçaõ contra
os rebeldes, e agora mandandoseu procurador assignar termo de
obediência a esse, que chamou poucos dias antes rebelde Gover-
do, e jurar uma Constituição, que naõ sabe qual será.
i Que títulos 1 ; Que nobreza de Portugal! < E pôde alguém
admirar-se de que o povo se apoderasse das rédeas do Governo,
vendo-se regido por taes indivíduos ?
Na ordem dos documentos, segue-se depois a provisão, p,
388, expedida pelo Conselho da Fazenda, pela qual se extin-
gue uma arrecadação de certo imposto em Santarém. Tal éra o
arranjamento dos senhores empregados naquella repartição, que
a somma total do tributo, que pagava o povo, naõ chegava para
satisfazer aos que se occupavam na sua cobrança. Estes factos
naõ carecem commento, e por isso reraettemos o Leitor para o
mesmo documento. Alas se abusos tam escandalosos naõ devem
incitar os povos a clamar pelas reformas, naõ ha desarranjo e
desordem dos governantes, que se possa desapprovar.
Á administração do Correio e seus abusos, caio ja nas vistas
do Governo Provisório, como naõ podia deixar de ser, e a serie-
dade com que disso cuida apparece, pelo documento p. 486,
em que se propõem examinar e indagar o estado desta reparti-
ção.
Metade destas medidas, que o Governo passado se propu-
zesse sinceramente adoptar, ninguém teria sequer sonhado na
revolução.
A portaria de p. 485, sobre os despachos dos navios nas alfan-
Miscellanea. 547

degas vem revogando o Alvará de 25 de Abril de 1818, e ode


30 de Maio deste anuo. Este ultimo destinava-se a remediar
o abuso com que mercadorias de outras naçoens se abrigavam
com o nome de lnglezas, para gozar dos privilégios, que o cele-
bre tractado de Commercio Roevidico dava a estas. Mas este re-
médio éra um vexame contra a liberdade do commercio, e por-
tanto um verdadeiro mal, conseqüência do outro mal. Alas por
esta amostra já se pôde ver, como o novo Governo olha para o
tal tractado, e outro sim, como seraõ recebidas em Lisboa as
ordens do Rio-de-Janeiro, que forem oppostas aos interesses de
Portugal.
Meditem os Ministros do Brazil neste exemplo da contrarie-
dade a dous Alvarás, e conhecerão a necessidade de adoptar
desde ja um novo systema, se naõ quizerem ver todos dias com*
promettida a authoridade de seu Soberano ; ainda sem mencio-
nar outras conseqüências mais sérias.
Temos depois o Avizo, p. 487, sobre os leiloens na Casa da
Indiã, por onde se vé, que ja se attende aos requerimentos dos
negociantes, os quaes melhor sabem o que lhes convém, para a
expedição de seu trafico, do que os que governam.
A portaria sobre o Terreiro, p. 488, tem ja produzido algum
bem; porque a Commissaõ annunciou, poucos dias depois de
sua creaçaõ, que se podiam começar a vender, sem inconveni-
ente, os trigos do paiz, com os do estrangeiro.
A decadência da Agricultura éra tam conhecida em Portugal,
que até os mesmos Governadores do Reyno a confessaram por
mais de uma vez. Em uma portaria de i) de Maio passado, re-
solvendo uma Consulta do Conselho da Fazenda, sobre os Ca-
malhoens do rio Mondego, manda continuar a Administração
" etn quanto durarem as calamidades que arruinam presentemen-
te a agricultura destes lieynos."
A Juncta do Commercio, fazendo uma representação ao Go-
verno, sobre este assumpto, produzio as resoluçoens, que men-
cionamos e criticamos em outros N 05 ., e em que apparecêo tanto
V o i X X V . No. 150 4 A
54S Miscellanea.

a dieta Juncta como o mesmo Governo, proferindo as máximas


do mais ignorante despotismo.
Para lodo o remédio da decadência da agricultura, naõ lem-
brou aquelle Governo senaõ cai regar de imposiçoens ou prohibir
de todo a entrada do graõ estrangeiro; naõ se lembrando qut?
o favor e fomento á agricultura, naõ he para segurar o monopó-
lio dos agricultores, mas para que todo o povo tenha o paõ em
abuudancia e barateza; ora a mera medida de prohibir o graõ
estrangeiro, sem acompanhar isto com outras medidas conre.s-
pondentes, éra favorecer o monopólio do agricultor, e causar a
carestía do ma*is necessário alimento do povo.
A mania, (que naõ tem outro nome) de querer sustentar em
tempo de paz um exercito tanto alem do que podiam supportar
as rendas e a população do paiz, éra uma evidente causa da de-
cadência da agricultura; juncto isto com o vexame desnecessá-
rio das milícias e ordenanças, difficuldades de transportes, ke.
Mas o Governo naõ attendendo a nada disto, julgava tudo reme-
diar cora a p voliibiçaõ do graõ estrangeiro.
Existia ha pouco tempo nas provincias grande parte da co-
lheita de 1819, e toda a de 1820; e em Lisboa um deposito de
graõ estrangeiro de 18.308 moios de trigo, l(j.4U8 moios de
milho ; e 3 130 burricas de farinha ; e o arraiei de paõ custava
30 reis, nessa mesma epocha.
Isto mostra o defeito da Administração ; porque naõ éra a
falta de trigo a que fazia a sua carestía, mas sim as oppressoeus
e difhculdades, que sofTria o agricultor, em conseqüência das
quaes lhe ficava o producto de sua colheita por um preço intrín-
seco tam subido, que naõ podia baratear o preço do paõ, sem se
arruinar, e como os estrangeiros de paizes aonde a agricultura
naõ soíliia taes oppiessoens, podiam vender em Lisboa o seu
trigo mais baiato, naõ éra factível que o graõ Portuguez entras-
se em concurrencia com aqnelle, assim se dava occasiaõ ao es-
trangeiro para subir também o seu preço e alçar seu ganho, em
mauifesto detrimento do povo.
Pela publicação dos mappas do Terreiro Publico de Lisboa se
acha, que em uma semana se vendeo ali 539 inoios 34 alqueires
Miscellanea. 549

de trigo, dos quaes somente 29 moios 10 alqueires eram do pro-


ducto do Reyno ou Ilhas adjacentes. Em outra semana de 1077
moios e 28 alqueires, que se venderam, somente 24 moios e 22
alqueires eram do Reyno e Ilhas. Ein outra semana, de 928
moios e 30 alqueires vendidos, 10 moios e 58 alqueires eram do
Reyno e Ilhas; o demais Estrangeiro.
Ora todo o mundo sabe, que as preferencias nesta repartição
eram effeito de mais corrupta admiaistraçaõ, regulaudo-se tudo
por escandalosas peitas. A Commissaõ, pois, agora nomeada
pelo Governo, tende a dar e ja deo em parte, como dissemos,
remédio a este mal inimediato, na Administração do Terreiro •
as outras causas da carestía do paõ, e oppressaõ da agricultura,
dependem d'outras medidas, que ataquem as raízes dos males.
Ultimamente temos de notar a portaria de p . 488, suspenden-
do a prohibiçaõ, que havia, paia a introducçaõ em Portugal
dos Periódicos impressos na língua Portugueza em Paizes Es-
trangeiros.
Pedimos liceuça ao Senhor Conde de Palmella, e aos passados
e presentes Senhores da Legaçaõ Portugueza em Londres, para
louvarmos lambem esta medida do novo Governo de Portugal.
Soas Excellenciaes e Senhorias, Embaixadores e Secretários man-
darão ao Sovela, que nos aceuse de parcialidade neste louvor.
Paciência; soffrereinos a accusaçaõ ; mas naõ pudemos repro-
var esta medida do Governo, porque até os rapazes da imprensa
se ririam de nós ; deixamos essa tarefa da reprovação aos mes-
mos dictos Senhores ; e o mais que podemos fazer he prometter
de lhe naõ responderemos nesta parte.
A p. 534 publicamos a lista das embarcaçoens Portuguezas,
tomadas ou destruídas pelos corsários em nome d*Artigas , um
chefe de bandidos no interior da America Hespanhola, que naõ
possue nm só porto de mar, nem vaso algum seu armado. Mon-
ta o numero dessas embarcaçoens a 38 tomadas ou destruídas, e
26 roubadas.
i Que disculpa nos dam desta perda os Ministros d'El Rey ?
i Tractarlum também disto as negociaçoens do Conde de Pal-
mella com as Potências Estrangeiras ?
550 Miscellanea.
Agora convém dizer alguma cousa, que sem duvida as gaze-
tas de Lisboa naõ diraõ, e que mui provavelmente os ultras
d' ambos os partidos lá chamarão deitar agoa na fervura. Mas
naõ importa o que diraõ ; porque de contrariedades ao que es-
crevemos estamos fartos, e por inconvenientes temporários naõ
sacrificaremos nunca o que julgamos verdades políticas da pri-
meira importância.
Ha duas classes de pessoas, cujos conselhos tem ajudado a
perder todos os governos do mundo. Uma classe he a daquelles,
que formam certa theoria de um bem ideal; e sem considerar o
tempo, o lugar, as circumstancias, querem trazer o mundo todo a
coincidir com o seu systema de Governo : estes podem compa-
rar-se com o alfaite, que havendo feito um vestido mui elegante,
mas que naõ ajusta ao corpo da pessoa para quem foi talhado,
obriga a dar mil tregeitos a ver se o vestido serve; mas arre-
benta por fim ou o pano ou as custuras, e queixa-se o alfaiate,
que a tal pessoa tem o corpo tam mal feito, que se naõ pôde ac-
commodar a tam bem acabado vestido.
A outra classe he composta daquelles, que por indolência, ti-
midez, ou motivos ainda menos perdoaveis, se oppôem a todo o
melhoramento ; e para tal gente nada he melhor, que o estado
presente das cousas ; tudo vai bem, tudo vai o melhor possivel;
assim basta deixar ir as cousas como vam ; a deitem-se a domir
todos os que governam. Para com estes he um louco rematado,
quem lhe propõem a menor reforma, ou o mais insignificante
melhoramento; e tanto mais patente e convencivel he o melho-
ramento proposto, ou o abuso atacado, tanto mais se temem do
resultado. O argumento desta classe he, que se naõ deixem os
custumes antigos; porque desamparallos he corrupção e
ruina.
Contra este argumento temos a dizer, que até as melho-
res instituiçoens do mundo estaõ sugeitas a serem pervertidas,
simultânea ou gradualmente. Logo as reformas neste caso,
naõ saõ desemparo dos custumes antigos, mas uma volta para
elles depois da separação ou alheamento, que tinham causado
os abusos. No outro caso, em que o melhoramento proposto
Miscellanea. 551
introduza novo custume, se este he bom, nada ha que reprehen-
der. Os Romanos, combatendo successivamente todos os povos,
que conheceram, largaram sempre seus custumes, para adaptar
os dos outros povos, que achavam melhores, e nada contribuio
mais para a sua grandeza.
Procedendo destes princípios, naõ podemos deixar de dizer,
que a reforma em Portugal, he da primeira e da mais absoluta
necessidade; mas que o Governo Provisório está mettido «'uma
carreira tremendamente espinhosa, e em que se precisa da mais
consumada prudência e de nada de fanatismo politico.
Naõ he de presumir, que se ob tenham trutas a bragas enxutas.
El Rey naõ ha de ficar tranquillo espectador do que se passa em
Portugal, sem fazer alguns esforços para obstar a torrente da
revolução : e que o deve fazer naõ haverá homem cordato, que
se atreva a negar. Agora se Sua Majestade terá Ministros que
façam essa opposiçaõ a excessos revolucionários, pela maneira
queodevem fazer, e seguindo os princípios de justiça eprudeneia,
que devem guiar tam importantes medidas, he o que só o tempo
nos poderá mostrar.
Que El Rey deseja pôr as cousas no melhor caminho possivel,
he o de que nós nunca duvidamos; e com effeito parece, por
todas as declaraçoens publicas, que o povo de Portugal disso
está também persuadido. Ora esta persuaçaõ heja uma grande
vantagem, no estado actual das cousas. Mas ; obrarão os Minis-
tros n'um sentido uniforme e combinado, e com as vistas de
justiça que dirigem seu Soberano ? Esta he a questão.
Dizem ja qne, em Londres, o Ministro, que para aqui veio.
e que saio de Lisboa, depois de declarada a revolução, trabalha
de concerto com seu predecessor, e com um terceiro (todos nas
vistas do Embaixador, que está em Paris) para fazerem que o
Governo Inglez, e as mais Potências Europeas adoptem certa
linha de comportamento, a respeito de Portugal.
Notamos, no nosso N.° passado, entre as medidas de alguns
dos Ministros Portuguezes em varias Cortes da Europa, á cerca
de Portugal, que o Embaixador em Paris negara passaportes a
Portuguezes, que queriam ir para Portugal. Um daquelles, a
552 Miscellanea.
quem o Embaixador fez esta violência, foi o Commendador So-
dre, o qual illudio as tramas do Embaixador, e veio ter a Lon-
dres.
Aqui pedio tombem passaporte ao Ministro, D. Jozé Maria de
Souza, o qual, obrando nas mesmas vislas do Marquez de Mari-
alva, negou-se a dar o passaporte. Talvez a Embaixada ache
algum Padre Amaro, ou Padre Jozé Agostinho, ou outro qual-
quer Padre periodista, que negue este facto, em elogio da mes-
ma Embaixada; mas estimaríamos, que a negativa apparecesse,
em quanto aqui está o indivíduo, que pôde attestar da verdade
do caso.
Além disto achamos, em um artigo de Stralsund, de 4 de No-
vembro o seguinte:—
" O Embaixador Portuguez, juncto áCórte Prussiana, infor-
mou o Ministério dos acontecimentos do Porto e Lisboa, e re-
quereo," que se expedisse uma ordem a todos os navios desti-
nados a Portugal, para que presentemente naõ saíssem dos por-
tos. " A isto se respondeo, que" ainda que o Governo naõ re-
conheça a nova ordem de cousas em Portugal, naõ pôde, com
tudo, dar passo algum hostil contra aquelle paiz; naõ havendo
ainda nenhuma naçaõ dado exemplo de tal cousa. " O Ministé-
rio expressou também, que uma prohibiçaõ desta natureza en-
contraria muitas difficuldades. Os negociantes e donos de navios
esperam, que tal cousa se naõ conceda em caso algum, a menos
que o Ministro Portuguez naõ se obrigue a todos os vassallos
Prussianos, assegurando a indemnizaçaõ das perdas, que pos-
sam soffrer, em conseqüência de tal prohibiçaõ."
Ora, he evidente, que tudo quanto se fizer, sem ordens do
Rio-de-Janeiro, e sem ser fundado nas combinaçoens daquelle
Gabinete, nao pôde deixar de augmentar a confusão, do que
tirarão todo o partido, as diversas facçoens, que existem em
Portugal. O presente Governo Provisório naõ deve julgar, que
tudo isto he bagatella.
Se o Governo Provisório puzer inteiramente de parte, o que
naõ suppomos, a authoridade d'El Rey, ao ponto de que o So-
berano recorra a medidas coaclivas ; como Portugal só de per si
Miscellanea. 553
nao pode manter-se, necessariamente chamará em seu auxilio a
Hespanha; esta começa ja, como ao diante veremos, a tomar
um pretexto nos negócios de Monte-Vedio, para se embaraçar
com a Corte do Brazil: ajuncte-se a isto o partido Hespanhol
em Lisboa, e ver-se-ha, nesta hypothese, o labyrinto em que se
achará o Governo Provisório.
Os grandes esforços que fez o Conde de Palmella e o Marquez
de Marialva, para mostrar ao mundo que naõ havia em Portugal
um partido, que queria por o Duque de Cadaval no throno da-
quelle Reyno ; o nenhum êxito que tiveram esses esforços, em
convencer o publico do contrario, como se prova atè mesmo pe-
las proclamaçoens da Juncta Provisória no Porto .* o facto de
serem os Duques de Cadaval e Alafoens os primeiros, que jura-
ram obediência a esse Governo Provisório, e á Constituição, que
está para vir, e que nem esses Duques que a juraram sabem
qual será: o outro facto de haver sido o actual Embaixador
em Paris o tutor, como he o tio, daquelles dous Duques, e seu
Conselheiro ; tudo isto mostra, que o Governo Provisório achará
difficuldades em sua carreira, que naõ seraõ tam fáceis de alha-
nar, com he obvio contemplar.
Os aristocratas, que favoreciam esses partidos, e que por seus
suppostos interesses deram azas á revolução, claro está que
seraõ agora contra ella, em tanto quanto naõ se lhes permitte
reger o timaô do Estado. Assim, se até aqui a revolução contou
com elles, daqui em diante terá nelles decidida opposiçaõ.
Os desse partido uniam-se ao grito da naçaõ, de que eram
necessárias as reformas ; mas uniam-se, em quanto esperavam
que elles fossem os reformadores. Agora haõ de negar todo o
apoio ao Governo Provisório, haõ de apellar para as naçoens es-
trangeiras ; haõ de intrigar nos Gabinetes da Europa; haõ de
fingir mesmo que estaõ da parte d'El Rey, tudo a fim de deitar
abaixo a ordem de cousas estabelecidas, em que elles naõ tem
parte, a ver se nova combinação se produz, em que tenham a
supremacia .
E no meio disto, laborando a intriga de Hespanha, para pes-
car nas águas envoltas, e pretextaudo o Gabinete Hespanhol
554 Miscellanea.

disputas com El Rey, e offerecendo protecçaõ ao Governo Pro-


visório, chegar ao desejado ponto, que tem sido o objecto por
que a Hespanha anhelara em todos os tempos.
i Qual he o remédio disto ? Que El Rey cuide seriamente no
remédio dos males, que para com os facciosos servio de pretexto
para fomentar a revolução; e para com os honrados cidadãos
foi causa de a approvarem. Que o Governo Provisório sincera-
mente se preste á obediência d'El Rey, naõ de palavras, mas de
facto. Se ambas as partes obrarem neste sentido, poderão des-
fazer as tramas, que se urdem contra ambas ; do contrario nada
vemos senaõ accumuladas difficuldades, nas quaes por ora o pu-
blico naô pensa; porque está cheio do enthusiasmo, que lhe
provem da alegria de ver derribado tam incapaz Governo como
éra o passado.
Além das razoens geraes, que nos induzem a esta recoramen-
daçaõ, ha para ella uma particular, que nos obriga a deliberar
assim ; e he, na hypothese de que o Governo de Portugal, ou as
futuras Cortes, desejem, como nós desejamos, a continuação
da uniaõ de Portugal coin o Brazil, porque sem a cordeal coope-
ração d'El Rey, he im possivel que tal uniaõ se possa verificar; o
que ja começa a apparecer, nas diversas opinioens, que se tem
manifestado, sobre o modo de representar, em Cortes, as provín-
cias do Brazil.

Depois de escripto e estar no prelo este N.°, recebemos noti-


cias de Lisboa, segundo as quaes havia a Juncta do Governo
Supremo expedido uma circular aos Magistrados Presidentes das
eleiçoens, acompanhando as instrucçoens, para regular as elei-
çoens dos Deputados das Cortes Extraordinárias Constituintes.
O dia 26 de Novembro, foi o qne se fixou para a eleição dos
Eleitores; os quaes deviam concorrer nas cabeças das comar-
cas, para elegerem os Depntados, no dia 3 de Dezembro; e
procederem logo para Lisboa, aonde as Cortes se deviam ajunc-
Miscellanea. 555

tar aos 0 de Janeiro de 1821; em numero de cousa de cem De-


nu tados.
Estas medi das, porém, se tornaram nullas ; por uma opposi-
çaõ dos militares, que desejavam expulsar da Juncta Provisória
alguns de seus membros. No dia 11 de Novembro ajunctaram-
sv as tropas, sob pretexto de uma revista, e debaixo do Conl-
uiando do Marechal Gaspar Teixeira : distribuíram-se cartuchos
á infanteria, e a aitilhería accendeo as mechas; e mandaram
buscar o Juiz do Povo; por cuja intervenção, em vez de lançar
fora da Juncta os seis membros, que se queriam expulsar, se
arranjou o negocio introduzindo na Juncta outros mais, que
foram o Conde de Sampaio, Pedro Leite Pereira de Mello, Jozé
Manuel Ferreira de Souza, e Francisco de Souza Cinte de Madu-
rei i a.
Além disto, desattendidas as determinaçoens publicadas, so-
bre o ajunctamento das Cortes, jurou-se a Constituição Hes-
panhola, e se determinou proceder á eleição de Deputados para
as Cortes, segundo ella determina.
O pretexto desta revoluçsõ foi a demora que haveria no
ajunctamento das Cortes ; mas se se seguirem as formalidades
da Constituição Hespanhola, naõ he possivel que as Cortes se
aj une tem antes dos 6 de Janeiro, como estava determinado.
O estar ja este N° na imprensa, quando estas noticias rece-
bemos, nos obriga a differir, para o seguinte, a publicação dos
documentos, que respeitam estas importantes transacçoens.

Além do dinheiro, que por ordem de S. M. veio para Lis-


boa, a bordo da náo Ingleza Vengeur, chegaram também duas
loiras de sessenta contos sobre Londres, e o aununcio desta
«idade, que seriam remettiáos ao Erário de Lisboa, antes do
fim deste anno, mais 180 contos de reis, o que tudo faz a som-
ma d« 400 coutos de reis, ou um milhaõ de cruzados, com que
£1 Rey mandava acudir ás principaes urgências do Estado,
VOL X X V . N ° . 140 4 B
5òb" Miscellanea.

Partido Roevidico.

Apparecêo o Manifesto Politico do Partido Oligarchico, em


forma de refutaçaõ do Correio-Braziliense, ou justificação
do Conde de Palmella, e de um dos comparças desse partido, um
Senhor Guerreiro, que pelo nome naõ perca.
Naõ quízeram publicar os seus arrazoados em Auto separado
e valêram-se de um folheto, que aqui em Londres se imprime ha
algum tempo, e que promettêra em sua introducçaõ naõ se
metter em altas políticas, por serem cousas fora de seu alcance.
Nesse folheto, pois, saio o Partido Roevidico com a sua produc-
çaõ, que sem duvida he preciosa ; porque discute, e nos dá oc-
casiaõ a discutir, o character publico de seus cabeças; pessoas
que ha algum tempo tem oecupado muitos empregos de alta im-
portância, que nelles se tem portado muito mal; e que no en-
tanto tem querido, e querem ainda, impor ao publico, como
pessoas de relevante merecimento, e a quem a naçaõ deve ser
obrigada, pelos úteis serviços que lhe tem feito.
Quanto ao que dizem do Correiro Braziliense e seu Redactor,
naõ convém que lhes façamos por agora a vontade, mixturando
o que nos diz respeito particularmente, com os objectos de im-
portância nacional; que he o púnto de que naõ devemos soffrer
que nos desviem.
E com tudo diremos aqui duas palavras, sobre o Correio Bra-
ziliense, em um dos pontos de accusaçaõ ; porque interessa ao
publico.
Diz este manifesto, em uma parte, que o Correio Braziliense,
Adam dos Periódicos Portuguezes em Londres, he a eausa re-
mota da revolução : em outra parte diz, que os Periódicos arro-
gam a si o mereci meu to da revolta : mas que tal naõ ha; porque
elles naõ saõ os que tem dirigido a opinião publica; mas sim
esta os tem dirigido a elles.
Naõ nos lembra, que em parte alguma deste Periódico nos
attríbuissemos algum mérito ou demérito á cerca da revolução;
mas quanlo á causa remota, posto que he uatural, que um ho-
mem tam falto de educação literária, como he o Senhor Gutnci-
Miscellanea. 557

ro, naõ entenda esses termos, com tudo, pelo que respeita o
publico, declararemos qual rem sido, e he, a nossa opinião,
sobre essas causas remotas da revolução, que se fez pelo des-
contentamento do povo.
Era causado descontentamento do povo a mà administração :
éra causa desses homens continuarem em sua mà conducta, a
falta de responsabilidade publica nos empregados. Eis aqui
a série de causas e effeitos, que produziram a revolução ; e co-
mo o Correio Braziliense, nunca desejou esta, clamou sempre
por uma reforma, que trouxesse com sigoessa responsabilidade;
mas como isto nunca se fez, chegou a revolução, como necessa-
riamente havia de chegar, fossem quaes fossem os desejos do
Correio Braziliense; continuando a existir a tal falta de respon-
sabilidade.
Como naõ havia esta, se o Thesoureiro cominettia furtos, se
o Governador éra despotico, pouco importava mudar as pessoas;
pois o Thesoureiro feito Covernador obraria despotismos, e o
Governador feito thesoureiro commetteria os furtos; e se em algu-
mas dessas pessoas havia excepçaõ, isso naõ tirara a necessi-
dade da regra geral, em dever existir uma responsabilidade pu-
blica efficaz, que tranquillizasse as suspeitas do povo, a respei-
to de todos os empregados.
Entremos agora no objecto principal do Manifesto.
Começaremos pelo Senhor Guerreiro, deserapachando primeiro
o monturo, por ser elle o que se raetteo a ser o escriptor do ma-
nifesto, a favor desse partido Roevidico, intitulando-se agora o
Commendador Guerreiro, talvez porque lhe tenham dado algu-
ma commenda, como se tal commenda a tal indivíduo produ-
zisse mais effeito, em o recommendar ao respeito publico, do
que o habito de Christo ao Gallego Juliaõ da Neve, em Lisboa,
elevou aquelle botiquineiro a maior respeitibalidade, do que po-
dia aspirar, seivindo ao publico com boa neve: e como se o
mundo ainda naõ soubesse distinguir entre o favor da Corte, e o
prêmio do merecimento.
Diz este manifesto, que falíamos no Guerreiro, só porque
rima com Carneiro, Pelo que respeita a Carneiro, elle que se
558 Miscellanea.

justifique e se defenda, se achar que lhe convém, emas suas


cartas em que o tractou de cogumelo Roevidico, tem mostrado,
que naõ teme medir-se com seu antagonista : quanto a nós, só
nos julgamos responsáveis pelo que nós mesmos dizemos, e as-
sim declaramos, que a menção de Guerreiro, nao he porque
rime ou deixe de rimar com Carneiro ; he sim porque Guerreiro,
he um dos comparças desse partido, e convém que o publico co-
nheça quem saõ os que o compõem, e se acautelle de suas tra-
mas.
Com grande singeleza nos diz o manifesto, que dirá o que
souber contra o Senhor Guerreiro; naõ haja medo que elle dê
em si, naõ he tam louco que o faça, ainda que seja assas ignoran-
te, para nos dar armas com que o bater.
Diz o manisesto, que ignorava a existência de um partido
Roevidico. Mui depressa se esqueceo o Senhor Commendador
Guerreiro, que deve as suas promoçoens a ter sido lambe-pratos
do Conde de Linhares, e mui ignorante deve ser, se até ignora
que aquella familia he conhecida pelo alcunho de Roe-vides.
Esse partido, he o mesmo, que o manifesto diz que Roe-Portu-
gal, como lho mostraremos ; porque ainda naõ temos acabado
com elle.
Continua o Manifesto, fatiando como em nome do folheteiro,
que se tem callado a respeito do Senhor Commendador Guer-
reiro; porque " a este ninguém nega os conhecimentos neces-
sários para exercer o lugar que occupa, que naõ chegou a ob-
tello senaõ por accesso, depois de muitos annos de serviços,
seguindo sempre a mesma carreira, &c."
Isto ninguém o podia dizer do Guereiro senaõ elle mesmo.
Que carreira he a sua ? s quaes os seus conhecimentos ? ,? Aonde
fez os seus estudos ?
Começou no mundo, sem educação literária, pois apenas sabe
lêr e escrever; teve por emprego ser doméstico do Conde de Li-
nhares : a influencia deste o empalmou em Londres para Secreta-
rio de Legaçaõ, e com seu tênue ordenado, se vê um homem rico,
pois aqui se declarou em publico, pela imprensa, o que Guer-
reiro nunca negou, que tinha muitas mil livras no Banco de
Miscellanea. 559
Inglaterra. Agora se a habilidade Diplomática consiste em
um Secretario de Legaçaõ ter ajuuctado muito dinheiro, sem
outros meios, do que o seu tênue salário, naô saõ essas as ha-
bilidades de que a naçaõ necessita nesses empregos.
Taes saõ os princípios, taes os degráos de promoção, que tal
homem chama accesso, depois de muitos annos de serviço !
Mui pouco importaria qual éra a origem desse indivíduo, se
elle tivesse os conhecimentos e a capacidade necessária, para
qualquer encargo que occupasse: mas quando estes faltam, e
elle provoca a inquirição publica, allegandocom o mérito de sua
carreira; he essencial que se saiba, qual essa carreira tem sido;
e porque espécie de serviços se acha elle mettido na roda, dos
que tem arruinado Portugal. Passaremos agora á historia do
tal Partido Oligarchico.
O corifeo desse partido, o I o . Conde de Linhares, para se es-
corar com o apoio Inglez, fez o tractado de Commercio, de
1810, que tem sido a pedra de escândalo, assim como perene
fonte de miséria á Naçaõ Portugueza, bem como o tractado de
Aliiança da mesma epocha.
Sobre este diz o manifesto do Senhor Commendador Guer-
reiro, querendo louvar o Conde de Palmella (a quem ao depois
faremos devida acatadura) que " abolio o tractado de Aliiança
de 1810, do qual alguns artigos eram oppressivos e contrários
à independência da Coroa de Portugal.
Aqui temos o mesmo Senhor Commendador Guerreiro charac-
terizando o tractado, que fez seu defuncto amo o Conde de
Linhares, e declarando que continha artigos oppressivos e con-
trários á independência da Coroa de Portugal. Que tal era a
natureza desse vergonhoso tractado, dessa infame producçaõ de
um Ministro d' EI Rey, que se queria apoiar com a protecçaõ
da Potência Estrangeira com quem negociava, he o que o Cor-
reio Braziliense expoz, logo que elle saio á luz, e pelo que me-
receo, que, por um avizo do mesmo Conde de Linhares, se man-
dassem prohibir em Lisboa, naõ só o Correio Braziliense, mas
todas as abras do seu furioso author. Tal he também hoje em
560 Miscellanea.
dia a opinião de todo o Portuguez, que nessas matérias tem me-
ditado.
Mas o que admiraria he a circumstancia de fazer também
agora a mesma declaração o ex-lambe-pratos do Conde de Li-
nhares, fabricador do tal tractado; e porém a admiração deve
cessar, quando se considera, que ja naõ ha que esperar do
Conde que he morto, por isso se lhe bate, para elogiar o outro
Conde, que está vivo, e de quem se esperam ainda algumas ra-
biscas favoráveis.
Pela morte desse I o Conde de Linhares se seguiram no Minis-
tério do Rio-de-Janeiro dous indivíduos, que por motivos bem
diversos cuidaram em empregar pessoas as mais impróprias, nos
lugares da maior ponderação. Foram estes ministros o Bezera,
e o Conde da Barca.
O Bezerra, como quem tinha sido creatura, em grande parte,
dos Roevides, cuidou em empregar tudo quanto pertencia á sua
pandilha, e nessa redada foi mui attendido o compai ça Guer-
reiro.
O Conde da Barca, que éra inimigo da tal facçaõ, escorou-se,
empregando, e protegendo muitos dos Afrancezados, porque
assim cubria também suas mazelas, e favorecia o partido da
Casa de Ponte de Lima, e Marialva, que tinham abraçado a
causa dos Francezes contra El Rey.
Mortos, porém, aquelles Ministros, seus respectivos sequazes
déram-se as maõs, para se poderem mutuamente suster: uns de-
fendiam o que faziam os outros, e no meio disto continuavam
os males de uma péssima administração em Portugal, aproxi-
mava-se a crise da revolução, e quando EI Rey dava ordens
contavam-lhe historias, como se tem demonstrado, em infinitos
exemplos.
Se continuamos a chamar a esse partido assim amalgamado,
pelo nome de Roevidico. he porque teve seu principio nos três
Gerioens irmaõs, um no Rio-de-Janeiro, outro em Londres, ou-
tro em Lisboa. Triumvirato tam poderoso, que nem depois de
demonstrados os males, que tinham feito á Naçaõ, principal-
mente com o desaventurado tractado de Commercio, tiveram
Miscellanea. 561
outro castigo mais do que a continuação de mercês, a elles e
a seus apaniguados.
Vamos agora ao Conde de Palmella, Corifeo dos Aristocratas
em nossos dias, e principal objecto dos louvores deste manifes-
to.
A primeira vez, que apparecêo este indivíduo na vida pu-
blica, foi assignandoa petição a Bonaparte para que desse um
Rey a Portugal.
Ninguém supporia, que tal qualificação servisse a este fidal-
go, para introducçaõ ao serviço de S. M. Fidelissima; mas,
por efeito daquella fatal estrella, que tem perseguido Portugal
ha tantos annos, foi pouco depois este mesmo homem nomea-
do para Ministro de seu Soberano, juncto ao Govemo Hespa-
nhol, durante as Cortes de Cadiz.
Ja se vê, que o Conde com tal nodoa, havia bem guardar-se
de abrir a boca contra aquella classe de inimigos da Pátria; e
supposto que entre elles houvese uns mais, outros menos cri-
minosos; julgou-se mais prudente fechar os olhos a todos, fa-
zendo-se de vez em quando excepçoens parciaes, sem nunca se
estabelecer uma inquirição geral, pela qual se fizessem as de-
vidas distincçoens, tanto nos castigos, como nas absolvi çoens.
Esta máxima servia a homens poderosos no Rio-de-Janeiro,
que tinham seus parentes implicados na mesma derrota, e as-
sim passou o Conde sem a menor observação.
Depois de sua residência de em Cadiz, foi nomeado para a
Enviatura em Londres. Todo o mundo sabe, que he verdade
o que disse o Correio Braziliense, que o Conde de Funchal uaõ
quiz entregar o lugar ao Conde de Palmella, quando aqui
chegou a Londres. A resistência do Conde de Funchal foi tam
grande, que até lhe veio um Aviso de ameaça, lançado em termos
de lhe fazer as faces vermelhas; e sáe-nos agora o Senhor
Commendador Guerreiro, neste manifesto, declarando, que se o
Conde de Palmella, quando veio para Londres naõ insistio em
entrar no lugar, foi porque teve ordem da Corte para o naõ
fazer.
Quizeramos agora, que este lámbe-pratos do Conde de Li-
562 Miscellanea.
nhares nos explicasse ; para que mandou El Rey o Conde de
Palmella a Londres, se lhe deo ordem para que naõ insistisse
em entrar no seu lugar ?
Isto seria uma contradicçaõ manifesta no proceder d'El Rey ;
mas naô impoita ao Senhor Commendador Guerreiro, que El
Rey appareça coutradictorio, com tanto que se explique de-
centemente a pertinácia do Conde de Funchal, e a suhmissa
paciência do Conde de Palmella ; salve-se a apparente consis-
tência de ambos, e recaia a culpa em quem recair.
De Londres foi o Conde de Palmella inundado uo Congresso
de Vienna, e faz aqui o Senhor Commendador Guerreiro o autcm
genuit dos serviços do Conde.
Naõ entraremos por agora no exame miúdo desses serviços.
em outra occasiaõ d irem os mais alguma cousa, que ttnius a
dizer sobre esse ponto. Mas, perguntaremos, ao Senhor Com-
mendador Guerreiro; i porque carga d'agua attribue elle Guer-
reiro todos os suppostos serviços, no Congresso de Vienna, so-
mente ao Conde de Palmella, quando eram três os Plenipoten-
ciarios de Portugal? A resposta está á maõ; porque he do
Conde de Palmella, que o Senhor Commendador Guerreiro tem
recebido, e naõ dos outros, os favores, que olha como parle, e
espera pelo resto, do prêmio de seus muitos annoa de wn viço.
Falle-se logo no Conde de Palmella, e os outros fiquem-lhes os
nomes no tinteiro, quando se tracta de louvores.
Continuando; diz o Senhor Commendador Guerreiro, que
" bem longe de dizer só A no Congressso, foi o Conde de
Palmella lá declarar, que El Rey nuò ratificava o tractado de
Paris."
Bem, Senhor Commendador Guerreiro Diplomático j quem
fez o tractado de Paris ? O seu passado amigo e protector, ir-
maõ de seu amo. i E que castigo teve, como devia ter, por
fazer esse miserável tractado, que El Rey desappiovou ? Ne-
nhum, nem nisso julga o Senhor Commeudador Guerreiro, que
he preciso fallar; porque isso atiraria com um dus priucipaet>
Roevidts de pernas ao ar ; assim calou-se nisto o Seuhor Com-
Miscellanea. S63

mendader Guerreiro como nabo em saco; mas mette-se a discu-


tir o character individual do Adam dos periódicos Portuguezes, o
que tanto importa ao estado politico de Portugal, como a ques-
tão sobre a qualidade da folha, de que foram feitos os primeiros
calçoens do Adam primitivo.
Justifica o Senhor Commendador Guerreiro, neste manifesto,
o Conde de Palmella, por haver andado de viagem entre Lon-
dres e Paris, por vários annos, depois de nomeado Secretario
de Estado; justificação que se fez necessária, porque o Correio
Braziliense o aceusou de se deixar ficar na Europa, em de vez
de ir para o seu lugar, que éra no Rio-de-Janeiro.
A Justificação consiste, em que o Conde se oecupou, neste
período, em negociar com a Hespanha á cerca da restituição de
Olivença, e o ajuste da disputa sobre Monte-Vedio.
Nada disso podia ser tam importante, como ir o Conde ao
Rio-de-Janeiro representar a El Rey, que o aspecto das cousas
em Portugal éra tam medonho, que requeria o por-se sobre bazes
novas todo o edifício social. O estabelicimento de taes novas
bates éra «em duvida matéria de assas transcendência, para o le-
var ao Rio-de-Janeiro. Mas diz o Senhor Commendador Guer-
reiro, que o Correio Braziliense e outros inimigos do Conde, naõ
o suppunham capaz de fazer bem algum no Rio, e assim naõ foi
o Conde.
Ora mui obrigado, pela parte que nos toca, ao Senhor Conde,
por naõ ter elle ido, em conseqüência da má opinião que delle
tínhamos. Naõ exigíamos delle tam condescendente sacrifício.
Mas passe; ficou na Europa, para cuidar do negocio de Oliven-
ça e Monte Vídeo.
Entaõ, Senhor Commendador Guerreiro j aonde esta Olivença ?
Aonde dantes estava; porque com todas as negociaçoens do
Conde de Palmella, e sua habilidade diplomática, Olivença fi-
coq como d'antes. <• E Monte Vedio ? Nisso também naõ pôde
fazer nada a habilidade diplomática de Sua Excellencia, tudo está
Mtat erat in principio,
Pois olhe, Senhor Commendador Guerreiro, a arvore conhece-
se pelo frueto. Se o Coude de Palmella fosse bom diplomata •
V O L . X X V . N » . 150. 4 c
664 Miscellanea.
ou havia de arranjar o nrgocio de Olivença, ou o de Monte Vídeo,
ou ambos, e se o Commendador Guerreiro tivesse mais juizo,
naõ traria á baila, na justificação e louvor do seu protector, as
duas negociaçoens, em que elle completamente esbarrou, enaõ
fez nada ; porque naõ éra capaz de o fazer. Se nestes poutos
ao menos tivesse o illustre Commendador guardado silencio, te-
ria mostrado algum sizo, e mais disso ninguém tinha direito de
•sperar de suas letras gordas,
O Senhor Commendador Guerreiro, neste manifesto, toca
também no que nós dissemos, meramente como rumor, de que
El Rey tinha mandado pagar as dividas ao Conde de Palmella,
Este rumor nós nem apoiamos, nem julgamos mais digno de
credito do que merece um mero rumor; mas o Senhor Commen-
dador Guerreiro, como pedaço d'asno que he, dá-nos a confir-
mação disto, com a explicação de que este quantum satis veio
a titulo de se pagarem au Coude as tenças, que se lhe deviam de
muitos annos, e que recebeo o Decreto já na véspera de sua par-
tida. Ora obrigado, pela refutaçaõ que fez do rumor.
Nós naõ temos acabado ainda com os serviços do Conde, al-
legadoa pelo Senhor Commendador Guerreiro ; porque naõ cabo
todo ngóra, ficará o resto para outra occasiaõ; e precisamos
passar aos serviços do Conde em Lisboa.
Do que fez o Conde de Palmella em Lisboa, como coadjuetor
dos Governadores do Reyno, he elle responsável, pois se ofTere-
ceo a tomar sobre si essa responsabilidade ; e assim ali o segui-
remos.
Aconselhou primeiro a celebre proclamaçaõ contra os rebel-
des do Porto, que até aqui somente se achou um Sovéla, que a
achasse enérgica, e boa. Esta medida éra altrevida e insensata,
para quem sabia, que a fermentação no Reyno éra universal; e
se o Conde o naõ sabia, éra tam ignorante Diplomata, e tam in-
capaz de ser Ministro de Estado, nesta conjunetura, como o
Forjaz, e seus collegas,
Era attrevida, a medida da proclamaçaõ j porque attentava
com palavras insultontes oppôr-se ao sentimento de toda a na-
Çaõ; éra insensata ; porque, assumindo o tom da maior arrogan-
Miscellanea. 565

cia, naõ foi acompanhada de nenhumas medidas de força coac-


tiva, que pudessem supportar a authoridade do Governo ; e se
liaõ havia meios de preparar a força coacliva, a petulância da
proclamaçaõ, éra manifestamente ronco de insensatos.
A essa trovoada de ameaças vaSs seguio o Conde de Palmella
com a humilhante medida de propor á Naçaõ o chamamento de
Curtes; mas essas Cortes queria o Conde a seq modo : isto be,
Cortes em que figurassem principalmente os Nobres, seus paren-
tes e adherentes, em que elle dispuzesse das cousas a seu padar,
e fazendo assim o seu negocio, ficando em Lisboa, como pri*
meira personagem, fizesse disso mesmo grande apparato de
serviço a El Rey, diclando ao Soberano, e governando a Naçaõ,
que mudando somente a albarda, carregaria sempre com a mes*
ma carga.
Outra vez applicamos o provérbio» de que pelo fructo se
conhece a arvore. < Que surtio dessas artes diplomáticas do
Conde ? Que a Naçaõ escarneceo essa medida do chamamento
de Cortes, a revolução foi a diante, e o Conde ficou a um canto,
como devi car.
Que o Conde naõ tinha em vista o serviço d'El Rey, vê-se
bem por todo o seu comportamento, desde que foi nomeado Se-
cretario de Estado; mas, se faltassem provas, basta o que de-
clarou este manifesto, de que quando scube de sua nomeação
de Secretario dVEstado teve-a por uma mà noticia* El Rey que
lhe dê os agradecimentos, por esses leaes sentimentos.
Mas que elle naõ queria o bem da naçaõ, nem reformas, se-
naõ as que convíessem á Aristocracia, he o que se pôde conhecer
por outros factos.
Esse Coiide de Palmella, que o Senhor Commendador Guer*
reiro e outros da mesma laia nos querem impingir como homem
de ideas liberaes, éra o mesmo que andou aqui a requerer ao
Governo Inglez, que naõ deixasse ir pelo Correio, e que impe-
disse quanto pudesse, a saida, para Portugal, dos Periódicos
Portuguezes, que se imprimiam em Londres ; e fez a estes mais
guerra pela surdina, do qne o Conde de Funchal com os seus
•epalhafatos, nisto naõ vemos outro mérito no Conde de Palmei-
566 Miscellanea.
Ia, senaõ o ser mais Machiavelico, e affectar palavras doces,
com o comportamento mais opposto a que se propagassem as lu-
zes, na supposiçaõ de que taes Periódicos algumas luzes levari-
am a Portugal.
O Conde de Palmella, havendo-se ligado politicamente com
aristocratas, que naõ tinham com elle oulia razaõ de contacto
senaõ o serem aristocratas, fez a demais uma ligação de familia
com o actual Conde de Linhares, esse Esopo em figura, naô ein
entendimento; e com essas escóras pretendêo levar adiante, e
ainda naõ perdeo as esperanças, as ideas de seu engrandeci mento.
Diz o Senhor Commendador Guerreiro, que o Conde devia fi-
car e naõ ir para o Brazil, e que se fosse seria o qne quizéram
seus inimigos ; naõ pensam assim outros; e em prova disso lhe
citaremos a seguinte passagem de um Jornal, que merecèo no
proemio Sovelatico desse manifesto, os mais decididos elogios:
diz assim :—
" Se elle (Conde de Palmella) amasse a Pátria, sobre todas as
cousas, o passo mais acertado, que tal vez poderia ter dado,
seria, tanto que vio a resolução do Povo, provocada por tantos
e escandalosos abusos, embarcar-se immediatamente para o Bra-
zil, e ir expor com franqueza e verdade a El Rey, o que naõ só
tinha acontecido, porém as causas, que irremediavelmente tinha.»
provocado aquella justa e necessária resolução. Mas naõ o fa-
zendo assim, illaqueou-se em ura laberinto, em que seus inimi-
gos nem de propósito o poderiam metter. Bem pôde ser que
em Portugal e no Brazil seus serviços se achem dignos da mesma
recompensa."
Deixando, porém, a disputa entre o Jornalista e o seu elogia-
dor, qual das duas, se a ida ou a estada do Conde, daria mais pra-
zer a seus inimigos ; nós continuamos da mesma opinião, que o
serviço do Soberano e da Pátria exigiam, que o Conde fosse para
o Rio-de-Janeiro, a fazer o que pudesse de sua parte, no Minis-
tério, para dar remédio aos males, que ameaçavam tam clara-
mente uma r.atastrophe ; e se os elogios do Sovela naõ fizerem
adoptar ao tal Jornal outra vez a libre ainarella, sem duvida
também elle continuará da mesma opinião.
Miscellanea. 567
Como quer que seja, dizendo- nos o Senhor Commendador em
seu manifesto, que o Conde devia ficar em Lisboa, naõ nos de-
clara os serviços que ali está fazendo ao Soberano ou á Pátria.
i Estará elle forjando coinbinaçoens com o Senhor Souza, que
veio a toda á pressa para Inglaterra, depois de declarada a revo-
lução ; e com o Senhor Marquez de Marialva em Paris, e com o
Marechal General Juncto á Real Pessoa, para que com o auxilio
da Sancta Aliiança tornem as cousas em Portugal ao feliz estado
em que se achavam antes da Revolução ? < Ou estará combinan-
do novas bazes ao edifício social, que sejam mais conformes a
suas vistas liberaes?.
Isto he o que o manifesto naõ declara, mas o Senhor Com-
mendador Guerreiro, ainda aqui se acha, apezar de ter chega-
do o Ministro, que deve residir em Londres ; e naõ foi até esta
data para a Enviatura de Suécia, a que fora nomeado por seus
serviços, e sua capacidade, como elle mesmo, e mais ninguém,
diz. Talvez espere para ir de Secretario da missaõ extraordi-
nária a Troppau, se para ali for o Marechal General Juncto á
Real Pessoa, exigir os bons officios das Potências Aluadas.
Temo-nos demorado nm pouco mais do que pei mittiam nossos
limites, com esta matéria ; mas naô he possivel sempre reprimir
o ardor, quando se vê a impudencia de taes empregados públi-
cos, e suas fataes conseqüências no destino da Naçaõ, na gloria
do Soberano, e na honra da Pátria.
Se os males soffridos durante a administração de taes empre-
gados, se o êxito que tiveram as cousas em Portugal, se o mais
triste ainda futuro que apresentam os destinos da Monarchia,
naõ fazem abrir os olhos a quem pode remediar taes misérias, e
a mesma gente continua a governar ; entaõ naõ ha remédio que
esperar senaõ o que vier na torrente da revolução ; e

. . . . quo fata trabunt retrahunt que sequamur.


568 Miscellanea.

Gazetas em Lisboa.

A prohibiçaõ dos jornaes e papeis periódicos, naõ éra nm


dos pequenos males, que soffria Portugal, posto que esta falta
seja commum a outros muitos paizes da Europa ; mas cada qual
queixa-se do mal que lhe dóe.
A experiência tem demonstrado, como diz Mr. Bentham, que
as gazetas saõ um dos melhores meios de dirigir a opinião; de
acalmar os movimentos ardentes, de fazer desvanecer as menti-
ras, e os rumores artificiosos, pelos quaes alguns inimigos do Es-
tado tentem realizar seus máos desígnios. Nestas gazetas a
instrucçaõ pode descer do Governo ao povo, ou subir do poro
ao Governo; quanto maior for a liberdade, que nisso houver,
e tanto melhor o Governo poderá julgar do curso da opinião,
tanto mais estará ao facto de obrar com certeza.
A revolução de Portugal soltou os diques a esta sorte de es-
criptos ; e entre os que nos tem chegado á maõ, saõ O Patriota;
O Liberal; O Portuguez Constitucional; O Observador Im-
parcial; A Mnemosine Constitutional; o Pregoeiro Luzita-
no ; A Regencraçò de Vortugal; e um sem numero de Poesias
avulsas, no que também naõ falhou, com sua Ode, Jozé Da-
niel.
Seria em vaõ esperar, que em uma naçaõ naõ accustumada
a esta sorte de escriptos, se pudessem achar de repente muitos
jornalistas, capazes de desempenhar bem tal occupaçaõ : mes-
mo na Inglaterra, aonde as gazetas fazem tam essencial parte
dos escriptos públicos, pôde dizer-se que se naõ contam maisde
meia dúzia, em Londres, que tenham bem merecida reputação,
Os diversos microscópios, que se tem impresso em Portuguez,
na Inglaterra, tem servido de mostrar, que ainda havendo a fa-
culdade de imprimir, naõ se segue logo que haja muito quem
imprima bem.
Cora tudo, da multiplicidade de jornaes, que se tem começado
a imprimir em Lisboa, naõ pôde resultar senaõ muito bem; P° r -
Miscellanea. 569
que, os que forem bem conduzidos, se acreditarão pouco a
pouco, até que estabelecerão sua reputação e sua influencia, no
publico, o que pôde serde sumraa utilidade ao Governo; os
que naõ forem apoiados por igual merecimento,, annihilar-se-
haõ por sua própria insignificancia, e em fim achar-se-haõ os
jornaes sufncientcs para o numero de leitores que os deseje, e
esses jornaes conduzidos por pessoas, cujos estudos e experi-
ência os qualifique, para tal tarefa, mais cheia de difficuldades
do qne pode conhecer a multidão dos que se arrojam a essa
sorte de trabalhos.
Para conhecer bem a utilidade dos jornaes, escriptos com
liberdade, principalmente quando seus redactores tiverem ad-
quirido a experiência, necessária, he preciso trazer á lembrança
o tempo, em que taes jornaes naõ existiam, e as imposturas cor-
riam surdamente, mas sem contradicçaõ, e o Governo naõ tinha
meio algum nem de saber, quanto mais de contradizer as falsida-
des, que se espalhavam.
Nem se poderá dizer, que basta que o Governo tenha a sua
gazeta, para por ella instruir o Povo. Primeiramente, o Gover-
no naõ tem meios de poder descubrir o homem mais capaz, para
a redacçaõ de sua gazeta : o publico, entre a multidão de ga-
zetas, discernirá em breve quaes saõ as bi;m e as mal conduzi-
das. Depois, ninguém dá credito a elogio, desculpa ou justi-
ficação do Governo, na sua gazeta ; porque lhe falta o charac-
ter mais essencial para ter credito, que he a imparcialidade,
Dahi, esse mesmo redactor da gazeta do Governo está sugeito a
um Censor, que lhe tira até o pouco de independência de racio-
cínio, que podéra empregar, e sem essa independência, naõ ha
gênio que possa desenvolver as ideas, nem escrutinizar a ver-
dade, de maneira que seja útil.
Os charlataens, os pretensos mágicos e feiticeiros, os impostu-
res de toda a sorte, faraõ sempre fraca colheita, aonde os jor-
naes instruírem quotidianamente o povo nos seus interesses: sem
os jornaes mal poderá governo algum pôr o seu povo ao abrigo
de taes fraudes, que se nutrem da credulidade dos enganados, e
que estes mesmos, sepultados em sua ignoiaucia, procuram occuU
570 Miscellanea.

tar ás pesquizas da mais exacta policia; mas os jornaes, abrindo


os olhos aos ignorantes, podem prevenir males desta natureza,
que nenhum poder do Governo he capaz de remediar.
Quanto aos abusos, a imprensa livre remedeia-se a si mesma;
porque naõ pôde haver razaõ para que a mentira, sendo igual-
mente livre como a verdade, prevaleça contra esta ; a discussão
livre fará sempre succumbir o erro.
Restam ainda alguns casos, em que as leys devem interpor sua
authoridade sobre a imprensa, assim como a impõem sobre os
manuscriptos e sobre a falia : mas esses casos saõ poucos, bem
conhecidos, e de fácil remédio.

Degradados de Napoies para o Brazil.


Havíamos dicto, quando tractamos deste assumpto em nos-
so N.° 147 (de Agosto passado) que os Diplomatas em-
pregados por Sua Majestade Fidelissima na Europa, naõ ha-
viam curado de responder aos sarcasmos e dicterios, com que se
atacou o Brazil e El Rey, fundados na falsa asserçaõ, de que os
taes degradados de Nápoles se mandaram buscar, para se mis-
turarem na população do Brazil.
A nossa queixa provinha de naõ termos visto publicado cousa
alguma em justificação d'EI Rey, quando a accusaçaõ tinba
tido a mais extensa publicidade. Agora, para contradizer nossa
asserçaõ, se nos remette um folheto publicado em Paris com
este titulo :
" Observations sur quelques articles calumnieux inseres dans
plusieurs Jounaux de V Earope, contre le Gouvernement du
Bresil. Paris 1820."
Estimamos corrigir, cora esta informação o que tínhamos
dicto, pois neste opusculo, entre outras cousas se refuta a tal
imputarão de que os degradados de Napoies eram destinados a
povoar o Brazil. E com tudo, se esta publicação he em abono
de quem assim intentou a defeza de seu Soberano ; também em
justificação da nossa queixa devemos declarar, que suggerindo
Miscellanea. 571

certo Portuguez ao Marquez de Marialva em Paris, que se devia


responder à calumnia contra El Rey, de querer povoar seus Es-
tados com o refugo de Napoies, o Marquez respondeo, que se
naõ niettia nisso; porque naõ tinha ordem da sua Corte paira tal
fazei, nem sabia se o facto éra verdadeiro. Com tal informação
ante nós, razaõ tínhamos em fazer a queixa, de que os Minis-
tros d'El Rey naõ curavam de justificar seu Amo, ante o publi-
co da Europa.
E ja que tivemos de tocar nesta matéria, naõ podemos deixar
de notar; que havendo nós, depois de ter exacta informação
do caso, por nossos conrespondentes do Rio-de-Janeiro, refuta-
do aquella calumnia nos termos mais positivos ; os Jornalistas,
que tanto tinham ludibriado e escarnecido o Brazil, na suppo-
siçaõ de que os degradados de Napoies eram destinados aquelle
paiz, tiveram depois a candura e imparcialidade, quando viram
a refutaçaõ positiva, de naõ dizer uma palavra sobre a matéria,
e de deixarem passar, sem a menor contradicçaõ subsequente, a
antecedente calumnia, a que tinham dado circulação; na convic-
ção, como cremos, de que fosse verdade. Julgamos, pois, que
o Brazil tem razaõ de queixar-se, de uma reticência tam parcial
da parte de taes Jornalistas ; assim como de agradecer ao indi-
víduo, qne fez publicar em Paris o folheto mencionado, a pezar
do Embaixador de Sua Majestade naquella Corte se haver ne-
gado a contradizer os falsos rumores, injuriosos ao character do
Soberano.

AMERICA HESPANHOLA.

Publicamos, a p. 538, ama carta do General Morillo ao Ge-


neral Montillo, propondo-lhe pacificação, e a resposta deste,
dando a razaõ porque se naõ presta ás proposiçoens do General
Hespanhol. Outras similhantes cartas foram dirigidas a vários
dos Generaes Independentes, contendo as mesmas offertas,
VOL. XXV. N°. 150, 4 o
572 Miscellanea.
e que tiveram a mesma negativa ; contentamo-nos com publicai'
só aquella, porque basta para mostrar o espirito e determinação,
que rey na naquelles paizes.
Cartas de Buenos-Ayres de 26 de Agosto, recebidas por via
do Rio-de-Janeiro, continuam as noticias, que ja tínhamos, da
total derrota de Alvear e Carrera; e accrescentam, que as tro-
pas de Buenos-Ayres tinham subseqüentemente ganhado outras
vantagens sobre os seus adherentes, de maneira que se esperava
que a cidade ficaria por algum tempo livre das tentativas da-
quelles bandos de salteadores, que debaixo do pretexto de sup-
portar a causa do federalismo, tam freqüentemente tem pertur-
bado a publica tranquillidade.
Em uma carta de Valparaiso de 1 de Julho se diz, que os In-
dependentes de Nova Granada tomaram posse do Porto de Bue-
na-Ventura, e alguns outros no mar Pacifico, assim como de
Sancta Fé. Penetraram na provincia de Popayan e intentavam
marchar para Quito. Talvez Guayaquil experimente também
mudança de Governo: como quer que seja, está ja aberta a
communicaçaõ entre Buena-Ventura e está cidade (Valparaiso)
e aqui se acha um Deputado da Republica de Nova Granada,
que em breve partirá para aquelle porto, com grande quantidade
de armamento, e petrechos militares; Iiaveiido-.se ja mandado
extensos suprimentos destes artigos paia a cesta do Peru, que
servirão ao exercito do General S. Martin, quando ali desembar-
car.
As ultimas noticias, qne temos de Chili saõ de 7 de Agosto,
e referem, que a expedição contra o Peru constava de oito na-
vios de gnerra, e quatorze transportes, que dariam à vela, pelo
meado daquelle mez. A terça parte das equipagens eram In-
glezes, a outra terça parte Chilenos, e o resto soldados de
marinha, montando todos a 1.568 homens.
A força militar da expedi jaõ éra de 5.600 homens, sob o
commando do General San Mailin ; e composta dos seguintes
corpos. Os regimentos 4 ; 7 ; e 8 de infanteria das tropas de
Buenos-Ayres: os regimentos de granadeiros, e caçadores,
com 28 peças d'arlilhejia, e a companhia de Cahetes de
Miscellanea. 573
Buenos-Ayres : os regimentos 2 ; i ; e 5 de infanteria ; e o re-
gimento de Caçadores das tropas de Chili.
O primeiro destino desta expedição se dizia ser Arica, um
porto ao Sul de Lima; e he esta a ma'is numerosa e mais bem
esquipada expedição, que ja mais emprehendeo algum dos Go-
vernos Independentes da America Meridional; e assim também
possue melhor prospecto de successo, na árdua em preza, que
se medita.
As mesmas noticias dizem, que o Vice-Rey do Peru achara
seus meios de defeza tam escaços, que despachou um mensagei-
ro confidencial ao Governo Hespanhol, expressando suas du-
vidas a respeito da possibilidade de conservar o Peru em sub-
missão, a menos que a Metrópole lhe mandasse soccorros elri-
cazes.

ESTAUOS-UNIDOS

Uma gazeta dos Estados Unidos nos ministra a seguinte lista


das forças navaes daquella potência ; além do augmento determi-
nado pelo Acto da ultima sessaõ do Congresso , a saber.
3 Navios de 74, Washington, Franklin, Independence.
4 de 44; Constitution, Guerrier, United-States, Java.
3 de 3 6 ; Congresso, Constellation, Macedonia.
6 Chalupas de guerra; Cyane, John Adams, Erie, Hornet,
Ontaiio, Peacok.
2 Brigues ; Spark, Enterpiize.
6 Escunas ; Nonsuch, Lynch, Hornet Despatch, Asp.
6 Canhoneiras, e 4 galés ; uma bateria de vapor; um navio
de concertar; um de armazém.
E quando todos os navios, determinados pelo Acto, para o
gradual augmento da esquadra, estiverem construídos e esqui pa-
dos, a esquadra constará de 12 navios de Linha; 14 fragatas de
44; 3 de 36; 6 chalupas; 2 brigues; 10 esunas ; 6 canho-
574 Miscellanea.

neiras; 4 gales ; 4 baterias de vapor; 1 navio de concerto, e


um de armazém.
Naõ entram nesta conta os vasos, que servem nos lagos do in-
terior ; por serem construídos de madeira verde, que naõ valem
a pena de os manter.
Os Negociantes dos Estados-Unidos tem feito representaço-
ens mui queixosas, contra a nova pauta de direitos da alfânde-
ga, ja approvada pela Câmara dos Representantes, mas que
ainda naõ passou ao Senado. O objecto desta nova pauta he
accrescentaras imposiçoens na entrada das manufacturas estran-
geiras, com o duplo objecto de augmentar as rendas do Esta-
do, e de favorecer as fabricas nacionaes. Os negociantes ob-
jectam contra isto o principio, de que este imposto a favor das
manufacturas nacionaes opera como um monopólio em seu fa-
vor, e em desvantagem de todas as classes dos consumidores, o
que dá uma direcçaõ forçada aos capitães, que talves naõ he a
mais vantajosa á naçaõ ; e que he contraria aos custumes do po-
vo e tendente a favorecer o contrabando.
O embaraço das finanças dos Estados-Unidos dizem as gazetas
daquelle paiz que resultam de um déficit nas rendas, nos pri-
meiros seis mezes do anno de 1820, comparadas com o mesmo
periodo no a.ino de 1810 ; de maneira que se julga indispensável
recorrer a um empréstimo, ou tocar no fundo de amortização.

FRANÇA.

Copiamos a p. 500, a proclamaçaõ d' El Rey, sobre a próxima


eleição de Deputados para a Câmara, segundo a ultima ley para
este effeito promulgada. El Rey neste documento assume o ar
de segurança e satisfacçaõ ; mas ainda assim deixa ver um fun-
do de receios, que se justificam pela opposiçaõ, que se fez á
mesma ley das eleiçoens : quando naõ fossem outros sympto-
mas, que mostram a vacilaçaõ da opinião publica na França,
Miscellanea. 575

quanto á estabilidade da Dynastia dos Bourbons. As quali-


dades pessoaes d' El Rey, sem duvida temperam e neutrali-
zam a violência e guerra surda dos partidos; mas mui precária
deve ser a firmeza e perpetuidade de qualquer Governo, quando
tudo depende da vida de um só indivíduo.
As eleiçoens se suppunham concluir-se a tempo, para que as
Câmaras se ajunctassem aos 15 de Dezembro.

HESPANHA.

As noticias de Hespanha dizem, que estaõ de todo suffocados


os movimentos, que alguns sediciosos tinham incitado contra
El Rey, e alguns dos culpados foram condemnados ao ultimo
supplicio. Entre estes se acha o Tenente General Chaverria,
que fora em outro tempo Ministro de policia, o Conego Barrios
e vários Ecclesiasticos de Burgos. O seu projecto éra appossar-
se da pessoa d' El Rey, e mais membros de sua familia; para o
que tinham forjado ordens falsas superiores, fingido a presença
de personagens de importância e tomado outras medidas, tam
attrevidas na concepção, como impracticaveis na execução.
A p. 504, publicamos o decreto porque a Hespanha reconhece
e se obriga a pagar a divida nacional. Este acto de Justiça he
ao mesmo tempo de consumada política porque ; honra o charac-
ter nacional, e fortifica o credito do Governo para o futuro.
Para extinguir a divida nacional, e satisfazer os seus juros, ap-
plicáram as Cortes os rendimentos dos ducados de Alcudia e
Albufera, e os bens da Duqueza de Alba, assim como a proprie-
dade fixa de Manuel de Godoy. Além disto, os Hespanhoes,
que viverem fora da Hespanha, pagarão pelas propriedades que
tiverem, um vigessimo mais do que as outras pagarem nas taxas
directas.
0 decreto a respeito dos estrangeiros, residentes em Hespa-
nha, contem as seguintes determinaçoens :—
576 Miscellanea.

Art. 1." O território Hespanhol he um azylo inviolável, para


as pessoas, e propriedade de toda a sorte, pertenentes a estran-
geiros, quer residam na Hespanha, quer fora delia, com tanto
que respeitem a Constituição Política da Monarchia, e as ou-
tras leys que governam os Hespanhoes.
2. Bem entendido, que o azylo das pessoas naõ será em con-
travenção de tractados existentes entre a Hespanha e outras
Potências : mas, como as opinioens políticas se naõ podem con-
siderar comprehendidas em nenhum desses tractados, he declara-
do que os estrangeiros, perseguidos por opinioens políticas,
e que se acharem na Hespanha, naõ seraõ entregues pelo Go-
verno, a menos que se achem culpados de algum dos crimes,
enumerados nos dictos tractados.
3. As pessoas comprehendidas no artigo precedente, e a sua
propriedade, gozarão da mesma protecçaõ das leys, que se con-
cede aos Hespanhoes, e á sua propriedade.
4. A dieta propriedade, pertencente a estrangeiros, naõ será
confiscada, seqüestrada, ou apprehendida, sob pretexto de re-
presálias em tempo de guerra, nem por outra qualquer razaõ ;
excepto se a dieta propriedade pertencer ao Governo, que esti-
ver em guerra com a naçaõ Hespanhola, ou seus alliados.

O Governo publicou um decreto, dirigido ás provincias ultra-


marinas, ofierecendo-lhe uma amnestia geral, logo que voltem á
sua obediência, e pTestem o juramento á Constituição política
da Monarchia.
A Deputaçaõ Permanente das Cortes, que segundo a Consti-
tuição deve residir ein Madrid, até o ajunctamento das futuras
Cortes foi nomeada, e consta de quatro Europeos, e três
Americanos.
Na discussão, que houve nas cortes, sobre a ley a respeito das
infracçoens da Constituição, se concordou, entre outros uos se-
guintes artigos.
Art. 5. Todo o Hespauhol de qualquer classe ou condição,
Miscellanea. 577
que, verbalmente ou por escripto, trabalhar por excitar a per-
suaçaõ de que, em Hespanha ou em alguma de suas provín-
cias, se naõ deve observar a Constituição, em todo ou em
parte, será prezo por oito annos em uma das ilhas adjacentes,
debaixo da immediata inspecçaõ das authoridades civis, e per-
dera todos os seus empregos, honras e ordenados. Se o crime
for commettido por um estrangeiro, habitante do território Hes-
panhol perderá igualmente todos os empregos, honras e emolu-
mentos, que possa ter obtido no Reyno, e será prezo por dous
annos, e banido para sempre do território Hespanhol.
Art. 4. Se a pessoa, que assim se julgar criminosa for official
publico ou ecclesiastico, ou regular, no exercício de seu minis-
tério, e o fizer em qualquer discurso ou oraçaõ ao povo, em
pastoral, ou outro escripto official, será decla rado indigno do
nome Hespanhol perderá todos os seus empregos, honras e emo-
lumentos e temporalidades, soffrerá oito annos de prizaõ, e de-
pois será banido para sempre dos territórios da monarchia. O
Cura, Prelado, ou outra qualquer pessoa, que presidir na Igreja
em que o discurso ou sermaõ ao povo for pronunciado ; o Se-
cretario que authorizar a pastoral, edictal ou escripto official ;
o Governador civil, Alcaide, ou Juiz, que o naõ supprimir im-
mediatamente ou naõ proceder contra o culpado, pagará uma
muleta de 30 a 60 piastras á discrição dos Juizes, segundo a im-
portância do caso, e o maior ou menor gráo de culpabilidade.
As quantidade seraõ dobradas nas colônias.
Os outros artigos deste projecto de ley, até o 36 foram discu-
tidos nas sessoens das Cortes de 23 e 24, Pela maior parte saõ
declaraçoens ou corolários dos primeiros cinco artigos : um ou
dous foram regeitados, outros tornados a remetter ao committé
para serem revistos, depois de considerável discussão ; pela ra-
zaõ de que eram characterizados como infracçoens da Consti-
tuição, sendo a liberdade da discussão e da imprensa permitti-
das pela ley.
Na sessaõ das Cortes de 24 o Senhor Magarino apresentou as
três seguintes proposiçoens, relativas áo estado actual das Pro-
víncias do Rio-da-Prata.
578 Miscellanea.

1. Que o Secretario de Estado dos negócios Estrangeiros, em


conseqüência do qne referio no seu memorial, lido na sessaõ de
11 de Julho passado, e na conformidade do que se fez a respei-
to da negociação com os Estados Unidos, a cerca das Floridas,
seja chamado a dar conta ás Cortes, do que se sabe officialmcnte
sobre a occupaçaõ do Monte-Vedio pelas tropas Portuguezas.
2. Que o Ministro dos Negócios das Colônias de conta das
medidas, que tem tomado, para a pacificação daquellas provin-
cias, fazendo-lhe saber as vantagens, que a sua uniaõ com a
Península, debaixo de um Governo Constitucional lhe pôde ob-
ter.
3. Que se nomeie uma commissaõ especial, para examinar a
practica, e propor os meios, que se devem adoptar, tanto para
assegurar o rendimento daquella fortaleza de Monte-Vedio,
como para aleviar, por qual quer meio possivel, as calamidades,
qne sofrVem naquellas regioens os leaes e beneméritos Hespa-
nhoes, que se acham sugeitos pela força a uma facçaõ estran-
geira, e á ambição de estrangeiros.
Estas revoluçoens foram apoiadas pelo Senhor Moreno Guerra;
Mas o Conde Torreno e Vargas Ponce expressaram a opinião, de
que, como o objecto éra de grande importância, devia primeiro
ser discntido em segredo ; e que por isso remettessem as reso-
luçoens á commissaõ de Política.
O Senhor Margarino julgou, que os Secretários de Estado e
das Colônias deviam ser chamados, e ouvidos ante a Commissaõ,
que se havia de nomear, segundo a terceira resolução ; que o foi
approvado.
He claro que o actual Governo Constitucional da Hespanha,
marcha nas mesmas pizadas do governo precedente de Fernando
VII. querendo que o Governo do Brazil lhe conquiste para elle
as colônias, que o Hespanhol naõ pôde por si mesmo subjugar.
Esta modesta pietençaõ naõ envolve nada menos do que a
requisição, de que o Governo do Brazil declare guerra ás Co-
lônias Hespanholas, para as fazer sugeitar á Hespanha; mas
se ha neste pedido alguma justiça ; parece que o Governo Hea-
Miscellanea. 579
panhol devia dirigir-se primeiro ao Gabinete do Brazil o
que naõ faz ; porque o vè agora embaraçado com os suecessos
de Portugal.
Antes que o Governo de Hespanha pedisse esta restituição
ao do Brazil, deveria tam bem obter o consentimento do Go-
verno de Buenos-Ayres, a quem aquelle território se diz per-
tencer ; porque de outro modo he querer que o Governo do
Brazil se faça arbitro do que lhe naõ compete, e que decida se
o território de Monte-Vedio deve ou naõ pertencer á Hespanha,
ou a Buenos-Ayres.
Esta pertençaõ da Hespanha, no estado de hostilidades, em
que Artigas se acha contra o Brazil, he montruosamente desar-
ra oada; porque, alem de exigir que o Governo do Brazil se
mêtta a decidir sobre qual das partas contendentes deve asse-
nhorear-se de Monte-Vedio, quer que o Governo do Brazil aban-
done a defensa de suas fronteiras, sem a menor garantia para sua
segurança.
A injustiça e impropriedade de taes pretençoens he tam ma-
nifesta, que a tentativa só se pôde explicar considerando as cir-
cumstancias actuaes de Portugal; e as proposiçoens allegadas
só apparecem na luz de intimidar o Governo do Brazil, e forti-
ficar o partido Hespanhol em Portugal.
Pela circular, que publicamos a p . 5 0 2 ; he manifesto, que o
clero da Hespanha mal pôde accommodar-se ás mudanças poli"
ticas daquelle paiz; e supposto que este documento limite a ac-
cusaçaõ, que faz, a poucos Bispos somente, com tudo delle
bem se conhece, que a opposiçaõ dos Ecclesiasticos naõ deixa
de ter seu pezo.
O relatório do Committé de finanças que foi apresentado nas
Cortes aos 4 de Novembro, expõem a prenuria do thesouro
publico, e sugere alguns planos, para a remediar ; e particular-
mente um do coronel D. Joaõ de Castilho, que propunha cu-
nhar moeda de cobre na somma dê 3:200.000 reales; de-
pois de longa discussão foi este plano regeitado como incon-
VOL X X V . N ° . 150 4 R
ÒSO Miscellanea.

stitucional e impracticavei. As Cortes porém approváram ou


tro projecto do Committé de Finanças, para estabelecer entre-
pottos, em valios portos da Hespanha e America.
Destes seraõ oito os cie primeira classe na Hespanha ; a saber
Bilboa, Santander, Corunha, Cadiz, Malaga, Alicante, Tarragona
e Barcelona. Dezesette nas America, a um nas ilhas Phillippinas
e Manilha. Na Hespanha e ilhas adjacentes haverão sette
portos de entreposto de segunda classe e dezoito na America.
O Committé de Finanças apresentou o seguiute calculo de
receita e despeza, que foi approvado.

E I R e y e Casa Real 45:090.000


Ministério dos negociosEstrangeiros 12:000.000
D.° do Interior 8:000.000
D", das Colônias 1:368235
Justiça 11:131.110
Fazenda 173:351.669
Guerra 355:450.915
Marinha 96:000.000

Total—reales 702:802.304
Rendas 530.394.271

Deíici t—reales.... 172:408.033

As Cortes terminaram as suas sessoens aos 2 de Novembro,


quando se lêo na ausência d* El Rey uma falia de encerramento
em seu nome ; a qual, por falta de lugar somos obrigados a dei-
xar para o N 8 . seguiute. A auzencia do Rey, que se achava no
Escuriai, foi explicada por moléstia, trndo um defltixo, que lhe
impedia achar-se presente, á cerimonia.

INGLATERRA.

Concluio-se na Câmara dos Pares a inquirição das toslcmu -


Miscellanea. 581
nhas, que seivia de preliminar ao proposto Bill, pelo qual se
devia degraduar a Raynha de sua dignidade, e divorcialla do
Rey. O Bill com effeito passou, por uma maioridade de nove
votos. Mas o Ministro mesmo propoz, que se abandonasse a
medida, por ser a maioridade de votos mui pequena, em ura
negocio de tanta ponderação, e ser a opinião da Naçaõ decidida-
mente contra a medida.
Levaria volumes o explicar a natureza deste intricado negocio,
que por fim naõ interessa a nossos Leitores, sendo uma mera
questão de partidos políticos, peculiar á Inglaterra : na impos-
sibilidade pois de darmos todas as relaçoens necessárias para se
poder entender a matéria, preferimos naõ nos embaraçar com
ella, e tanto mais porque he questão somente de grande impor-
tância á Inglaterra.
Por noticias de Roma de 5 de Novembro se diz, qne a esqua-
dra Ingleza, na Bahia de Napoies, augmeiita em vez de diminuir.
Acaba de reforçar-se com o Vengeur, navio de linha, que saio
de Portsmouth, e tocou em Lisboa na viagem. O Almirante
Inglez esperava diariamente a chegada da fragata Glasgoa de
Gibraltar.
Ha também quem diga, que o Ministro Inglez, em Napoies,
ofTcrecêra ao Rey um azylo a bordo da Esquadra. { Aonde
quererão levar este Rey de Napoies, tirando-o de sua terra ?

NÁPOLES.

As tropas Napolitanas, na Sicilia, entraram por fim em Pa-


lermo. Aos 25 de Septembro, pelas duas horas da tarde, a
guarda avançada do Exercito Napolitano marchou para a dis-
tancia de meia milha da cidade, mas o povo, que tinha to-
mado posse das baterias, fez-lhe fogo. As 3 horas atacaram
** tropas a cidade, pelo jardim publico de Porto Reale ; e co-
582 Miscellanea.
mo a populaça éra nesta parte mui forte, continuou a peleja
sem interrupção por 86 horas. Durante a noilede 25 as barcas
canhoneiras Napolitanas tentaram bombardear a cidade, mas
foram compellidas a retirar-se, porque as baterias lhe fizeram
fogo com baila ardente. Aos 26 foram as tropas Napolitanas
expulsadas de Porto Reale, e se retiraram paia a distancia de
uma milha da cidade, aonde tiveram alguns combates aos 27«
28, com perda considerável de ambas as partes. Aos 29 e 30
houve pouca peleja ; porque o General Pepe pareceo resolver-se
a reduzir a cidade pela fome, cortando-lhe a introducçaõ dos
viveres. No 1.° de Outubro mandou o General Napolitano uma
bandeira de tregoas á cidade, a propor paz ; e depois de um
armistício de cinco dias, se concluio, abordo do Cutter de gm r-
ra Inglez, Racer, a capitulação, que deixamos copiada a p.
505, depois de grandes devastaçoews na cidade e campos vizi-
nhos.
O Parlamento Napolitano, porém, desapprovow a convenção
militar, em sessaõ de 14 de Outubro, e isto por moçaõ do ou-
tro General Pepe, irmaõ do que a tinha assignado. Em conse-
qüência ; o Principe Vigário Geral d'El Rey expedio uma pro-
clamaçaõ, declarando nulla a tal convenção; mandou render o
General Pepe, e foi oecupar o seu lugar o General Coletta,
que levou com sigo uma força de 6.000 homens, para subjugar
os Palermitanos incondicionalmente.
Os cididaõs de Palermo, porém, haviam ja de sua parte cum-
prido as condiçoens da capitulação, rendendo os fortes e bateri-
as, e entregando os prisioneiros Napolitanos, que haviam toma*
do.
O Presidente do Parlamento, em Napoies, declarou, que naõ
havia nada a recear do Congresso de Soberanos em Troppau ;
porém o General Pepe naõ parece ser em todo da mesma opinião ;
porque, na sessaõ de 23 de Outubro, fez uma grande invectiva;
contra o que chamou fraqueza do Goveruo.
" Estamos, disse elle, ameaçados de poderosos inimigos do
nosso regimen constitucional. Os alicerces de nossa liberdaiW
Miscellanea. 583

saõ o sceptrn do Parlamento nacional, c a energia do poder


executivo. O Parlamento confia demasiado, e o executivo he
vagaroso em sua marcha. Nos julgamos que estamos em um
leito de rosas, quando he uma cama de espinhos, e no topo de
um volcano, que está ao ponto de nos devorar. Talvez o nosso
destino ja está decidido em Vienna; suas desastrosas medidas
talvez eataõ a ponto de se effcctuarem contra nos i e que faze-
mos nós ? As fortalezas estaõ desprovidas, as guardas nacio-
naes indisciplinadas, naõ se tem despachado tropas para as fron-
teiras, nem traçado um plano de guerra, e o ardor nacional abate
de dia em dia. Quanto a mim, protesto, que, ao primeiro
signal de guerra, abandonarei esta assemblea, e correrei ao en-
contro do inimigo, defendendo a liberdade nacional até á morte ;
mas agora peço, que o Parlamento se oecupe séria e exclusiva-
mente nos meios de evitar os desastres da guerra injusta, de que
somos ameaçados."
O Presidente porém reiterou a soa asserçaõ, que naõ havia
nada a temer das resoluçoens do Congresso de Troppau.
Dizem que o Governo Napolitano respondeo á declaração do
Gabinete de Áustria por uma Nota, que transmittio a todas as
Cortes da Europa, justificando o seu procedimento.
0 Governo Napolitano contende, que, nem a Áustria, nrm
outro qualquer Estado, tem motivo justo de queixa contra o que
se tem passado no Reyno das Duas Sicilias : que cada Estado
independente tem direito a alterar, melhorar, ou modelar de novo
tuas leys e suas instituiçoens, da maneira que julgar mais pró-
pria a promover sua prosperidade interna ou segurança externa,
«em consultar outro nenhum Governo ; e que nenhum exemplo
allega, de que o povo do Reyno das Duas Sicilias haja commet-
tído alguma infracçaõ dos direitos de seus vizinhos. Pelo que
respeita o tractado de 1815, a que o Governo Austriaco allude
deve isso ser allusaõ ao artigo secreto, no tractado entre o Rey
das Duas Sicilias e o Imperador de Áustria, pelo qual o primei-
ro se obriga a naõ permittir mudanças ou alteraçoens uo seu
Rí-yno, inconsistentes com a ordem de cousas estabelecida nos
584 Miscellanea.
diversos Estados, com quem S. M. estiver em aliiança, ou in-
consistente coma maneira porque saõ governadas as provincias
Italianas da Áustria. Porém os termos deste artigo secreto tem
sido literalmente executados. As reformas, que houve em
Napoies, tiveram por objecto somente o melhoramento interno
daquelle paiz, limitando-se a sua operação a elle, e naõ tendo
relação alguma com qualquer outro Estado; e assim se naõ
podem de nenhuma maneira considerar inconsistentes com a
ordem de cousas estabelecida, na Áustria ou em outro qualquer
paiz. Mas as mudanças em Napoies, foram também em estricta
conformidade com o espirito e com a letra do artigo secreto, de
qne se tracta. Consistiram essas mudanças, em restituir ao po-
vo do Reyno das Duas Sicilias, os direitos de que tinham sido
injustamente privados, assegurando-lhe estes direitos por uma
Coustituiçaõ, fundada em princípios sábiose liberaes.
Nisto, seguramente, naõ podia haver nada inconsistente com
a maneira pôr que Áustria governa as suas provincias de Itália;
porque nunca se pode pretender, que um systema liberal de
Governo he essencialmente inconsistente, cora a maneira por
que taes provincias saõ governadas.

PAIZES-BAIXOS.

Publicou-se em Lille, e ngs departamentos do Norte uma or-


dem, para que todos os viajantes, que se destinassem aos Domí-
nios Austríacos, fizessem uma declaração, para ser inserida nos
passaportes, pela qual constasse do objecto e destiuo da viagem.
E pelo que respeita aos caixeiros e agentes de casas commerci-
aes, devem os seus passaportes outro sim declarar as firmas das
casas, a cujo beneficio viajam, e a qualidade de commercio em
que se oecupam.
S. M. expedio um Decreto, em data de 8 de Novembro , pelo
qual fixa o 1.° de Janeiro de 1821, como a epocha em que se
deve adoptar, por todo o Reyno dos Paizes-Baixos, o novo systema
de pezos e medidas. A introducçaõ deste novo systema, que
he fundado na serie decimal, sem duvida virá a ser de grande
Miscellanea. 585

utilidade a todas as classes de cidadãos, ainda que ao principio


naõ deixará de produzir alguns inconvenientes.

POTÊNCIAS ALLIADAS.

(Extracto de uma gazeta Ingleza.)

Os Jornaes de Paris mencionam, por authoridade de noticias


de Vienna, que o Imperador Alexandre chegou a Troppau na tar-
de de 20 de Outubro, e foi recebido com grande pompa militar.
0 Imperador de Áustria ja ali tinha chegado antes delle, e um
formidável séquito de Secretários, Embaixadores, &c. As
conferências, que se vam a fazer, dizem que respeitam aos ne-
gócios de Hespanha, Portugal e Napoies ; se isto assim he (diz
o Redactor Inglez) he mui feliz que esteja presente na scena S.
M. I. o Imperador Alexandre; porque seu espirito liberal, sem
duvida, se empregará em restringir os perniciosos projectos, e
em illuminar os estreitos princípios, manifestados em uma nota
official, que ha algum tempo se publicou, escripta pelo Prin-
cipe Metternich, sobre as ultimas reformas de Governo no Sul
da Europa. De facto esta moda de fazer Congressos, comas
vistas de regular a política domestica das naçoens, nesses
congressos naõ representadas, ainda que naõ seja absolu-
tamente nova na historia Europea, tem. pela maior parte, sido
tam prejndicial na practica, quanto he barbara e injusta em seu
principio. Naõ ha nem sombra de pretexto, por consideraçoens
de direito ou de interesse, para a ingerência estrangeira com os
dictos Estados do Sul da Europa. Nenhum delles tem ameaça-
do algum throno vizinho ; nenhum tem insultado bandeira ami-
ga ; nem pronunciado princípios de doutrina, que naõ sejam
fundados em justiça essencial. He verdade que as suas revolu-
Çoens se effectuárain pela força militar : único poder interno ca-
paz de obrar na causa da liberdade ; porque o povo estava sub-
jugado e desarmado; e o governo se naõ reformaria a si mesmo
até
a dia de juizo."
Aos 21, 22, 23 e 24 de Outubro, houveram em Troppau
58tí Miscellanea.
conferências, na casa do Principe Metternich, a que se acharam
presentes todos os Ministros das grandes potências, que estaõ
naquella cidade : mas a primeira sessaõ regular de conferências
foi aos 25, e a ella assistiram os Imperadores de Russia e Áus-
tria, e o Principe Hereditário de Prússia. A segunda conferen-
ciafoi aos 2 9 ; e esperava-se que as sessoens continuariam até o
meado de Novembro ; e que entaõ o Imperador Alexandre par-
tiria para Berlin pelo caminho de Breslau e Dresdeu.
Dizem que a commissaõ E uropea de Contas, que ao presente
está em Paris, mudará as suas sessoens para Vienna.
Segundo as noticias de Vienna as confeiencias de Troppau
finalizarão com determinar a lotai annihilaçaõ do presente sys-
tem de Governo em Napoies: mas se he verdade que o Impera-
dor de Áustria tem prompta a marchar para a Itália, uma força
de 70.000 homens, e que alem disso julga necessário formar um
exercito de reserva, juncto ao Adige, de 80.000 homens, isto
prova que a revolução de Napoies naô he obra de um punhado
de facciosos,mas sim effeito da vontade de toda a Naçaõ: mais,
que as mesmas ideas saõ favorecidas pelo resto da Itália ; do
contrario aaô haveria razaõ sufficiente para tam extraordiná-
rios armamentos.
Mas, neste caso, se toda a Itália he da mesma opinião dos
Napolitanos, entaõ em breve tempo conhecerá a Áustria, que
necessita armar outros 150,000 boineus ; porque para subjugar
toda a Itatia, em uma guerra popular, o numero de tropas an-
nuiiciado está bem longe de ser o que se necessita.
Entre os innumeravcis rumores, que se tem espalhado, sobre
o objecto do Congresso dos Soberanos em Troppau, achaniok
em uma gazeta ministerial Ingleza o seguinte, que copiamos por
sua curiosidade.
" Paris 18 de Novembro. Fizéram-me a a merece de me
deixar ler uma caria, datada de 4 do corrente, escripta por uma
pessoa de consideração em Troppau, e cujas relaçoens saõ che-
ias de interesse ; sem duvida podeis estar seguro de que geral-
mente he conecta. Diz, que os Imperadores Alexandie e l*'ro"'
Miscellanea. 587
cisco obiam peileitamenie de accordo; sendo a Nota de Capo
a'lsiiia precisamente no mesmo sentido, e conteúdo as mesmas
recommendaçoens da outra de M. Metternich. Projeclou-seoc-
cupar miliiaimente o Reyno das Duas Sicilias. Concordou-se
que a Rússia daria o exercito, e ella se offereceo a fornecer unia
esquadra ; porém de facto o negocio Napolitano he somente um
episódio : o objecto importante he estabelecer cinco grandes
protectoratos na Europa. 1 / Áustria, para o Sul da Alemanha
e Itália. 2 . Prússia, para o Norte da Alemanha, Dinamarca e
Paizes-Baixos. 3 . Rússia, para a Suécia; e ao mesmo tempo
para garantir á Áustria, e Prússia suas respectivas poiçoens na
Polônia. 4, e 5. França e Inglaterra, para Hespanha e Por-
tugal. Os Ministros de França e Inglaterra declararam, que
uaõ dariam a sua adhesaõ sem consultarem seus Gabinetes. Os
Diplomatas Prussianos, ainda que se suppoem naõ desappro-
várem o projecto, seguiram o mesmo plano ; e Mr. Hardeubeig
despachou um correio ao Rey, pedindo a S. M. que viesse cm
pessoa a Troppau. (As gazetas annuuciáram que elle tinha
partido, mas por indisposição séria; ou, como subsequentes
gazetas disseram, affeiçaõ á Gram Duqueza Nicholas, o pre-
venio continuar a jornada.) Está em agitação uma mudança
de território, e Dantzic, se presume, será unida ao Reyno de
Polônia.

ROMA.
Entre os extraordinários rumores, que tem corrido, sobre a
estado actual da Europa, he o que se contém em uma carta de
Vienna de 5 de Novembro. Diz esta noticia, que o Gabinete de
Áustria recebera do Papa uma communicaçaõ, pela qual S.
Sanctidade responde á ofTerta do Imperador, de mandar tropas
para o Estado Ecclesiastico, a fim de reprimir o ardente desejo
do povo por uma Constituição livre. Diz a noticia, que a
Carta do Papa exprime a gratidão de Sua Sanctidade, pela offer-
*a da Áustria ; porém declara, que he tam sensível ao espirito
do povo, e a seu unanime desejo nesta matéria, que se acha
VOL. X X V N". 150 4r
5S8 ^ss**Miscelianea.

obrigado a abandonar toda a idea, de lhe impor alguma restric-


çaõ militar; e que portanto tiüha o Pontífice ja convocado um
Conclave, para o fim de preparar uma constituição livre, que se
havia submetter a seus subditos.

RÚSSIA.

A leva de recrutas, que se ordenou pelo Ukascdo 1." de Outu-


bro; ra proporção de 4 homens por cada 500 almas, produzio
mais gente do que a principio se calculava. He agora mais nu-
merosa do que nos dous annos passados. Segundo algumas
noticias de Petersburgde 24 de Outubro, o numero de habitantes,
que, segundo o novo arrolamento, estaõ sugeitos ao serviço mili-
tar, he de mais de 18 milhoens, por tanto a leva, na conformi-
dade do referido Ukase, montará a 145.000 homens, sem inclu-
r os atrazados das levas precedentes. ; Para que seraõ tam
immensos exércitos em tempo de paz ?

CONRESPONDENCIA.

Carta do Commendador Sodré ao Marquez de Marialvaí

Paris 30 de Outubro de 1820.


Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.
Tem Vossa Excellencia depois de quatro annos, costantemente
recusado reconhecer-me como Vassalio Portuguez. Tem Vossa
Excellencia piocedido a meu respeito de tal maneira, como se
na minha Pátria eu fora havido por um grande delinqüente. Ou-
sou por fim Vossa Excellencia esquecendo todas aquellas conside-
raçoens, a que o homem de bem está ligado, e em uma epocha
ainda recente, chamar-me o i n f . . . . S , na carta que o seu
ódio e desesperaçaõ lhe dictou escrevesse ao prefeito da Policia
de Paris; carta, que, contendo asserçoens todas alheias do direito,
Conrespondencia. 589
que presta a Vossa Excellencia o seu character diplomático, fez
também vizivel o motivo principal de um similhante expediente,
ou antes miserável desvario, que, ja se vê, éra quiexar-se de eu
ter visto a sempre famosa Madama de Lasúgne, a que se diz ter
outiora sido eleita espoza de V. Excellencia, e delia saber, sem
querer, os factos, &c. que naõ convinha a V. Excellencia, que
eu e apoz de mim a Naçaõ Portugueza viesse a saber.
Quiz mais V. Excellencia por todos os meios implicar-me no
famoso processo das Pieces-Politiques, solicitar a apprehensaõ
dos meus papeis, chamando-me ligado a enredos d'alla política;
e naõ contente com este vergonhoso expediente, que nada pro-
duzio, constituindo-se meu accusador, meu juiz, meu persegui-
dor ; ordenou ao Ccnsul Portuguez em Paris, que abrisse uma
devassa, para a qual chamasse, como fez, quasi todos os Portu-
guezes residentes nesta cidade ; para deporem, e como se sabe
insinuados alguns delles d'ante maõ, como convinha aos intui-
tos dos que inspiraram esta medida, que naõ foram outros senaõ
os de se me representar culpado, por uma maneira extrajudi-
cial, e assim poderem os seus Ex-parceiros (em princípios e ex-
pedientes) de Lisboa, punirem-me lá lambem, e talvez queima-
rem-me.
Sobejos eram sem duvida estes procedimentos de V. Excellen-
cia, para me ministrarem uma provada recridaõ dos seus impar-
ciaes princípios. Capazes foram elles de convencer ao publico,
de que forma tem V. Excellencia sabido sempre usar do charac-
ter de que se acha revestido, quando se apresenta um pretexto
para perseguir, e fazer mal, a um seu compatriota, Mas pu-
dera mui bem V. Excellencia, e talvez em seu próprio e ex-
clusivo interesse, limitar-se a quanto fez, a quanto requereo,
e a quanto escreveo contra mim aos seus Ex-parceiros de Lis-
boa, e para a Corte. Mas naõ. Este termo naõ quadrava com
seu plano: e por isso, sempre fiel a um systema tortuoso e arbi-
trário, quiz, nas circnmstancias presentes, redobrar a sua per-
seguição. Dirigio-se, ha ponco. ao ministro dos negócios Estran-
geiros de França : e reconhecendo-me hoje como seu compa-
triota, pedio, que em caso algum, se me desse passaporte, para
590 Conrespondencia.

sair de Paris. Por isso direi, que, vendo V. Excellencia que


se chamavam as Cortes em Portugal, receou que eu para ali fosse
cooperar como coubesse nos meus meios, e como cumpria aos
deveres e princípios, que em mim influem, a defender os direios
dos meus concidadãos e as prerogativas do meu Soberano.
Senhor Marquez, este expedieute de V. Excellencia he acom-
panhado de singulares circumstancias, as quaes sem duvida exi-
gem, que faça explicita narração dos factos com elle counexos.
No mez do de Angosto tive uma entrevista com o prefeito de
Policia de Paris, e lhe expuz as minhas circumstancias; para
lhe mostrar a precisão, que linha, de ir por algum tempo a Lon-
dres; e que, considerando-me V. Excellencia fora, por assim di-
zer, do seu grêmio anti-nacional, e por seu mero alvedrio, so-
mente me achava eu debaixo da protecçaõ das leys Francezas,
como foragido; pelo que lhe requeria o competente passaporte.
Nesta conformidade escrevi, em 28 do mesmo mez de Agosto ao
efei t o, e a 6 de Septembro se me respondeo, que podia apre-
sentar-me quando bem quizesse, para haver o passaporte que
pedira.*
Demorei-me, e foi somente no dia 18 de Outubro, que pela
primeira e única vez me apresentei para o obter; quando se me
respondeo. fazendo-se me ver nma carta do Ministro dos Negó-
cios estrangeiros, datada de 28 de Septembro, que em conse-
qüência de recommendaçaõ, ja se sabe, e por effeito do pedido
do Marquez de Marialva, se me naõ podia dar o passaporte.
Nesta collizaõ, dirigi-me ao meu amigo Sir Charles Stewart,
a quem pedi um passaporte para Londres, e o que sem hesita-
ção me prometteo dar : indiquei-lhe porem, que me convinha,
que Sua Excellencia com antecedência comrnunicasse a V. Ex-
cellencia este meu pedido; cuidando eu, que, obrando assim,

• Bureau des Passe porta,—Prefecture de Police, Le Chef du Bureau


dea Passeporta a 1' honnenr de prevenir Mr. De Sodré, qu' il peut se
presenter quaod boa lui semblera, áson Bureau, pour obtcnir le Pawe-
port, qu'il à demande pour Loudrea, le 28 Aout, 1820.
(Sig-né) MARESTY.
Paris 6 Sept. 1820.
Conrespondencía. 591

lhe ministrava a occasiaõ de ser uma vez justo e imparcial co-


migo; e até para que pudesse V. Excellencia remediar em parte
os fataes absurdos, a que se tem ultimamente deixado arrastar.
Vi porém a poucos passos, o fructo deste meu generoso pro-
cedimento: vi, repito, o recente officio, que V. Excellencia di-
rigio a este Embaixador. Aiuda me naõ he permittido d' aqui,
analysar naõ somente os impropérios, mas as falsidades, que elle
encerra. Direi somente, que Sir Charles Stewart pensa por isso,
que tem razaõ de ajuizar a meu respeito, como elle me asseve-
rou, mui differentemente daquillo que V. Excellencia deseja
com anxia, que elle julgue : também porque, do proceder politico
deste Diplomático ao de V. Excellencia ha uma distancia, como
a de um a outro polo. Seja ao menos por agora sufficiente
esta comparação,
Pede-lhe V. Excellencia, com encarecimento, que me naõ dê
passaporte, e até faz deste pedido um negocio de Estado, e im-
plora sem pejo nem rebuço, em seu auxilio,a fidelidade e alonga
aliiança. da nossa e a Corte Britannica.
As causaes, que instigam e induzem a V. Excellencia a simi-
lhante procedimento, sendo ja por mim appreciadas naõ escapa-
rão para o depois de o serem também pela naçaõ Portugueza.
Mas fazem desde logo ver, e com plenitude, a que ponto chega
o nobre e generoso proceder de V. Excellencia como amigo do
seu Soberano, como affeiçoado aos seus concidadãos, como
em fim accerrimo defensor do melhor bem e dos mais impre-
scriptiveis direitos e prerogativas da Pátria, em que nasceo. e
donde unicamente deriva e colhe os meios de ser o que ainda
he.
Tendo exposto quanto na presente occasiaõ me occorre á cerca
do procedimento, que experimento da parte de V. Excellencia;
que como fica visto, so me reconhece como seu compatriota,
todas as vezes que me pôde fazer mal; vou assim mesmo nesta
occasiaõ exigir de V. Excellencia, que, ou reconhecendo-me,
como deve, por vassallo Portuguez, me forneça desde logo o
competente passaporte, para eu pela melhor via, que me pa-
re
cer, ir, se continuarem a reger as leys fundamentaes da Mo-
592 Conrespondencia.
narcbia, procurar de tomar nas Cortes o lugar, que estas me
asseguram; ou do contrario, se este expediente lhe he repug-
nante, desdiga e retracte a representação, que contra mim fez
ao Ministro Francez, e ao Embaixador Britannico, deixando-
me, como até aqui, fora do seu grêmio, o qual também para
muitos outros nada tem tido de nacional .- a fim de que eu possa
seguir o destino, que me convém: e me he necessário, até
para recuperar na minha Pátria os meios de minha indispensável
subsistência, e de que me tinham ha tanto tempo privado os
ja derribados déspotas.
Se V.Excellencia me nega, ja de uma ja de outra maneira,
o qne acabo de requerer-lhe, perinitta- me que faça conhecer
sem perda de tempo esta exposição á Naçaõ Portugueza, e que
desde ja proteste e declare, como faço, que are usa rei e perse-
guirei a V. Excellencia perante, o Congresso Nacional, (que
felizmente se dispõem a pugnar pelos direitos nacionaes, assim
como pelos dos individuos cidadãos) por ter V. Excellencia al-
tamente abusado da representação, que tem até aqui e por hora
exercitado : e demandarei a V. Excellencia por me ter perse-
guido, prejddicado e vexado, com todos os meios, que lhe pu-
deram munir as circumstancias, e character de que se acha re-
vestido. Protestando outro sim de requerer e solicitar, qne V.
Excellencia seja condemnado a pagar-me todas as perdas e
damnos, que me causou, com seu procedimento de pura arbi-
trariedade e despotismo.
Esperando e exigindo a prompta resposta desta exposição,
permaneço com os devidos sentimentos.

De Vossa Excellencia

O mais attento Venerador

O COMMENDADOR SODRE.
Conrespondcncia. 593
Sabemos que se está imprimindo uma obra, com o titulo de
Documentos Históricos, & c , em grande parte relativa aos pro-
cedimentos do Marquez de Marialva em Paris. Entre outras
cousas contém as memórias, impressas em França, mas que
foram supprimidas, publicadas por uma Madame de La Sagne,
a qual diz que o Marquez de Marialva lhe promettera cazamento,
mas ao depois, combinando-se o mesmo Marquez com a Policia,
de Bonaparte, fez a essa Senhora a mais inaudita perseguição,
denunciando-a como Agente da Rússia e dos Bourbons.
Quando isso sair á luz terá a naçaõ Portugueza, nestes docu-
mentos, mais uma prova do character e procedimento politico
de certas personagens, que a tem governado ; e do porque aquel-
le paiz tem chegado aos extremos, que todos conhecem.

Carta ao Redactor, sobre o Padre Amaro.

Senhor Redactor do Correio Braziliense.

Como o Padre Amaro achou que éra justo servir ao publico


com um autem genuit dos Periódicos Portuguezes em Londres,
mas disse de si mui pouco, bom será ajudallo nessa tarefa, s up-
prindo o pie elle omittio.
He o tal Padre natural da Ilha de Madeira ; residio por algum
tempo em Lisboa, d'onde fugio perseguido por causa da Maço-
neria: foi para França, aonde sei vio de Ajudante de Caillé, o
qual se achava encarregado por Bonaparte de saber e espiar o
que se passava em casa d'El Rey Carlos IV. Deitado fora desta
Ajudancia, foi para Madrid buscar fortuna, aonde armou varias
loges de Maçoneria, das quaes se fez hábil Thesoureiro, porque
nunca ninguém mas soube do que veio ser dos fundos. A pezar
de ser Pedre, casou-se o Padre Amaro naquella cidade, em se-
gredo, e com justificaçoens falsas, com a amiga de Torre Fresno,
e abalou dali para ir ser guarda armazém do Exercito Francez
contra Portugal, quando o Coronel Freire lhe tirou a mulher,
e
«nToires Novas, justificando-se que o tal Amaro éra Cura,
como juraram alguns dos officiaes Portuguezos, que entaõ se
594 Conrespondencia.

achaxam no mesmo Exercito; deste, e sem mulher, foi para Tou-


louse, aonde enganou todo o mundo, ficou ali devendo mais de
oitenta mil francos ; e em Pó recebeo 25 Luizes para comprar
certas decoraçoens para a loge maçonia, mas desappareceo com
o dinheiro, e ainda estaõ ali esperando pelo Veneravel. Depois
em Paris se naturalizou Francez, em 1819, abjurando a Pátria, e
como Francez solicitou e obteve uma patente de Livreiro, tendo
com tndo alugado a loge em nome de um Mr. Ducos, para as-
sim melhor defraudar, como fez, os credores .* fugio por fim das
garras destes, e he boje em Londres o Padre Amaro, periodista
a soldo de Ex.mo Snr. Commendador de Guerreiro. Memento
homo.
Sou, &c.
GENEALOGISTA.

Naõ teríamos tido a condescendência de publicar esta carta


se naõ fosse por que mostra a miséria, a que se acha rednzido o
partido Roevidico, de se apadrinhar cora taes apologistas; por-
que quanto ao Padre Amaro, bem lhe basta para seu tormento
sua gafeira.
O Redactor.

Um Portuense, no Campeão. Pela mala do Paquete, em


que o Marechal Beresford veio para Inglaterra, naõ recebemos
nem gazetas, nem carta alguma de Portugal. Este incidente,
ou produzido por descuido de nossos Conrespondentes, ou por
outra qualquer causa, nos privou de gazetas de Lisboa, algumas
das quaes deveram ja ter vindo pelas malas antecedentes, do que
resultou naõ sabermos o facto de que o Portuense se queixa: se
elle se dirigisse ao periódico em que notou a ommissaõ, receberia
o acolhimento, que sua justiça pedia ; e estimaremos, que lhe
aproveite o methodo que preferio para a amenda aquella falta.
CORREIO BRAZILIENSE
DE DEZEMBRO 1820.

Na quarta parte nova os campos â r a ;


£ se mais mundo houvera lâ chegara.
CAMOENS , c. v n . e 14.

POLITICA.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL, BRAZIL, E ALGARVES.

Decreto alliviando as ferragens de Portugal dos direi-


tos da importação no Brazil.

Sendo um dos primeiros objectos dos meus paternaes


cuidados fazer restabeler o meu Reyno de Portugal dos
grandes, estragos que experimentou, de uma guerra tam
assoladora, favorcendo os productos da sua industria, para
que tenham extracçaõ certa, e preferencia no amplo e livre
mercado, que em beneficio geral tenho estabelecido neste
Reyno do Brazil; hei por bem que nas alfândegas deste
Reyno do Brazil se naõ cobrem direitos das feragens fa-
bricadas em Portugal, até â nova regulação da Pauta. O
Conselho da Fazenda o tenha assim entendido e faça
executar, expedindo para este effeito os despachos ne-
VOL. XXV. N°. 151. 3o
596 Política.
cessarios a todas as alfândegas. Palácio de Rio-de-Janeiro,
em 3 de Agosto de 1820.

(Com a rubrica de S. M,)

N. B. A mesma izençaõ se decretou aos panos de li-


nho, e outros gêneros de Portugal; por Alvará de 30 de
Maio de 1820.

Portaria sobre a regularidade dos pagamentos dos or-


denados no Errario em Lisboa.

Naõ convindo ao pagamento regular dos ordenados,


juros e tenças, que continue a dispensa, concedida na
Portaria de 28 de Novembro de 1815, para os novos
providos e agraciados poderem cobrar no Erário Regio
a importância de um até dous annos de seus vencimen-
tos, independente do processo legal das folhas; manda a
Juncta Provisional do Governo supremo do Reyno sus-
pender o efYeito da referida Portaria, assim pelo que
respeita os vencimentos posteriores ao ultimo de Dezem-
bro do anno próximo passado, como a qualquer dos an-
nos antecedentes, de que naõ se tiverem feito até â data
desta os respectivos assentamentos. As authoridades a
quem toca assim o tenham entendido e façam executar.
Palácio do Governo, em 18 de Outubro de 1820.

(Com as rubricas dos Membros do Governo Provi-


sório.)
Política. 597

Portaria, sobre o assento do Juiz do Povo na Câmara.

Sendo presente, na Juncta Provisional do Governo Su-


premo do Reyno, a Consulta do Senado da Câmara desta
Cidade, sobre a representação, que lhe dirigio o Juiz do Po-
vo, o qual, fu ndando-sc na Real resolução de 24 de Novem-
bro de 1783, pretende nas acçoens publicas assentar-se em
seguimento aos Procuradores da Cidade, na mesma linha,
em qne se acham os Vereadores e Escrivão da Câmara, e
naõ em differente fileira, como até agora se practicava,
ainda que elle e seu escrivão sempre presidiam aos Mes-
teres, nessa mesma ordem de assentos. E parecendo ao
Senado da Câmara, que naõ obstante haver sido ja escu-
sada, em outro tempo, uma idêntica pretençaõ, com tudo,
uma vez que os sobredictos cargos tinham o seu lugar
em meza, abaixo dos procuradores da cidade, em assen-
tos continuados, naõ éra extraordinário que nas actuaes
circumstancias os tivessem na forma, que o supplicante
requeria. A Juncta Provisional, conformando-se inteira-
mente com aquelle parecer, ordena, que se proceda nessa
mesma conformidade; e assim o manda participar ao Se-
nado da Câmara para sua intelligencia, e devida execu-
ção. Palácio do Governo, em 19 de Outubro de 1820.

(Com as rubricas dos Membros do Governo Provi-


sório.

Portaria, creando uma Commissaõ para liquidar a di-


vida publica.
Sendo a Divida Publica o mais constante objecto dos
cuidados da Juncta Provisional do Governo Supremo do
Reyno, desde o primeiro momento da sua iustallaçaõ; e
508 Política.
desejando ella por uma parte dar aos credores do Estado
a maior facilidade na expedição de títulos, que consti-
tuem a legitimidade de seus créditos, e que sem depen-
dência de outro algum processo possam representar a
obrigação contrahida pelo Estado; e querendo por ou-
tra parte adiantar, quanto couber nas suas forças, os tra-
balhos, que devem ser presentes às Cortes, para á vista
delles poderem deliberar sobre a consolidação e pagamen-
to da mesma divida : tem a Juncta resolvido estabelecer
uma Commissaõ, que terá por titulo;—"Commissaõ
para liquidar a Divida Publica.''
1.° Para vogaes desta Commissaõ, e para o exercício
do seu expediente', saõ escolhidas as pessoas, que estaõ
servindo, e pertencem a alguma das principaes reparti-
çoens publicas, por onde a divida tem sido contrahida,
para que assim haja nella sempre quem possa julgar dos
objectos occurrentes, com perfeito conhecimento de
causa.
2. He Fiscal desta Commissaõ o que o for do Erário
Publico, e elle deverá assistir ás suas sessoens, e ser ou-
vido em todos os negócios, que nella se resolverem. E
porque naõ soffre a boa razaõ, nem as leys fundamentaes
da Justiça, que a Fazenda tenha sempre quem promova
e requeira seus interesses, e naõ haja ao mesmo tempo,
e no mesmo acto, quem sollicite, sustente e defenda os
direitos e interesses das partes, he lambem nomeado um
Promotor, com o muito honroso encargo de representar
o todo dos Credores do Estado, e particularmente a cada
u n i ; promovendo por todos os meios legítimos o bem de
6eus constituintes, o direito que individualmente lhes
assistir, e a approvaçaõ e execução daquellas medidas,
que julgar mais convenientes para o desempenho de seus
deveres.
3. Este Promotor ha de também assistir ás sessoens
Política. 599
da Commissaõ, e ser ouvido em os negócios, que nella
se tractarem. A elle representarão os Credores primei-
ramente seus títulos, para lhes dizer o que falta, a fim de
se poderem julgar líquidos; e só depois delle por este
modo os approvar, rubricando-os para disso haver certeza,
he que poderão ser entregues na Secretaria da Commis-
saõ, aonde em vez delles se dará á parte uma cautclla
impressa, donde conste com toda a especificação a quan-
tidade da divida, numero, e qualidade dos documentos,
que a provam, e o mais que for necessário para verificar
em caso de extravio o direito de cada credor. Esta cautclla
será trocada finalmente pelo titulo da Divida Publica.
4. Todos os credores do Estado, cuja divida contrahi-
da até o estabelicimento da Commissaõ, naõ estiver con-
solidada de maneira, que delia tenham titulo com venci-
mento de juro, que effectivamente recebam* como acon-
tece com as apólices de qualquer dos empréstimos; ou
que naõ tenham letras a prazos determinados, que estejam
actualmente a vencer, requererão na Commissaõ o refe-
rido titulo, o qual fica constituindo obrigação do Estado
para quando tiver lugar o pagamento.
5. Excluem-se desta liquidação da Divida Publica os
soldos, ordenados, salários, jornaes, e mais vencimentos
de igual natureza, pertencentes ao tempo decorrido,
desde o 1." de Janeiro de 1809 em diante, cujo pagamen-
to o Governo porá em dia, á proporção dos meios que
for tendo, entrando em conseqüência na mesma liquida-
ção todos os que desta natureza se deverem até o referi-
do dia 1.° de Janeiro de 1809.
6. A commissaõ procederá ao exame dos documentos,
que se lhe apresentarem para legitimar o credor, e a di-
vida, com toda a circumspecçaõ, e a mais escrupulosa
imparcialidade, tendo em vista prevenir as falsidades,
que se podem practicar. E devendo por tal motivo fa-
600 Politico.
zer-se a liquidação, segundo o methodo prescripto nas
leys da Fazenda: e tendo mostrado a experiência os em-
baraços, que em muitos casos resultam de se ligar estric-
tamente a fiscalização a formulas, que ás vezes foram
estabelecidas com demasiada severidade, a Commissaõ,
nos casos oceurrentes, proporá os meios e medidas, mais
acertadas, para que nem o Estado soffra prejuízo, obri-
gando-se a pagar o que naõ deve, nem as partes sôffram,
nas excessivas, e, por isso, quasi sempre inúteis formali-
dades, que o abuso torna mais intoleráveis, uma oppres-
saõ, que pelo menos as faz arredar de ter contas em qual-
quer repartição publica de Fazenda.
7. Feita a liquidação, o titulo, que a Commissaõ pas-
sar ao Credor, seiá averbado na estação aonde houver
tido origem a divida liquidada; ficando logo cassados, e
como taes averbados também os documentos, e quaes-
quer papeis, com que ella se tenha justificado; conser-
vando-se porém no cartório da Commissaõ para por elles
se tirarem as duvidas que sobrevenham.
8. Como esta liquidação abrange as dividas de qual-
quer qualidade (naõ sendo as exceptuadas no artigo 5.°)
a Commissaõ, logo que for liquidando, irá classificando
cada uma conforme a sua natureza e objecto. O papel
moeda formará um artigo separado, e a respeito delle se
faraõ as diligencias mais activas, de modo que se possa
saber a sua quantidade, e o estado actual da sua circula-
ção.
9. Todos os tribunaes, junctas, e repartiçoens publi-
cas, e todos e quaesquer ministros, e authoridades, daraõ
com promptidaõ quaesijuer informaçoens, ou respostas,
que a commissaõ lhes pedir pelo meio competente.
10. Para o regimen interno da Commissaõ, boa ordem
da entrada, e despacho dos requirimentos, segurança dos
credores, que entregarem documentos, regularidade e
Política. 601
promptidaõ na passagem dos títulos de Divida Publica,
e methodo de escripturaçaõ, fará a Commissaõ os regula-
mentos, que lhe parecerem mais conducentes, e que
apresentará para serem approvados.
11. E como, em conseqüência destas providencias, se
tornam desnecessários os trabalhos da Juncta de Direcçaõ
Geral dos Provimentos de boca para o Exercito, ja ex-
tincta pelo Alvará de 30 de Junho de 1811, ficam ces-
sando inteiramente todas as suas attribuiçoens, poder e
exercício, naõ só quanto â liquidação dos vales, e crédi-
tos da sua repartição, mas quanto às contas dos respec-
tivos empregados subalternos, que serviram debaixo de
suas ordens até â sua extincçaõ, e desde entaõ até agora;
porque a respeito destas contas haõ de dar-se outras pro-
videncias.
12. Todos os referidos empregados, em actual exercí-
cio, nesta capital ou fora delia, seraõ pagos de seus sol-
dos vencidos até agora, fazendo-se relaçoens authenticas
pelo respectivo Secretario, as quaes a Commissaõ fará
subir com sua informação, para se expedirem as ordens
necessárias ao Erário -, procedendo logo a um exame so-
bre o prestimoe qualidade dos mesmos empregados, so-
bre os serviços que tiverem feito, e sua antigüidade na
repartição, para que se possam depois adoptar, na re-
compensa delles, as medidas que a justiça dictar, e forem
compatíveis com as circumstancias do Estado, e nova
ordem das cousas, conservando-se a todas meio soldo, até
M Cortes resolverem o que se deve fazer.
13. Fica, pelas razoens ponderadas, cessando a conta-
doria do Commissariado; e a respeito dos seus emprega-
dos teraõ lugar as providencias dadas no artigo antece-
dente.
Manuel Fernandez Thomaz, Membro da Juncta Pro-
*irional do Governo Supremo do Reyno, Administrador
602 Politica,
Geral do Erário Regio, o tenha assim entendido, e faça
executar. Palácio do Governo em 27 de Outubro de
1820.
(Com as rubricas dos Membros do Governo Provisó-
rio.)
Commissaõ para liquidar a Divida Publica.
Presidente. O Desembargador Joaquim Pedro Gomes
d'01iveira.
Vogaes. Jozé Ferreira Borges.
O Brigadeiro Manuel Ribeiro dAraujo.
Victorino da Silva Moraes.
Alexandre Antônio das Neves.
Jozé Nicolao de Massuellos Pinto.
Joaõ Baptista da Costa Soares.
Promotor. O Desembargador Joaõ Baptista Esteve».
Secretario. O que for escolhido pela Commissaõ.

Portaria, para vigorar a prohibiçaõ de certos estofos de


seda estrangeiros.
Sendo presente na Juncta Provisional do Governo Su-
premo do Reyno, a Consulta da Real Juncta do Com-
mercio Agricultura Fabricas e Navegação, na data de 7
de Agosto próximo precedente, sobre os requirimentos
dos procuradores das corporaçoens de fabricantes de seda
do largo, do lavor e estreito, em que, representando a
desgraçada situação e decadência, a que ellas tem chega-
do pelo contrabando, que se admitte, e por outras mal-
versaçoens, que se practícam, pedem que se estabeleça
um prazo razoável para o consumo das fazendas de seda
prohididas, a fim de cessar a sua introducçaõ, e a ulti-
ma ruina dos supplicantes. E tomando a Juncta Provi-
sional em consideração, que, achando-se ja deferda por
Política. 603
muitas ordens a entrada de taes fazendas neste Reyno, e
havendo-se determinado e declarado em conseqüência da
Real resolução de 19 de Abril de 1817, e por edictal de
22 do mesmo mez e anno, o prazo de dous mezes, para
dentro delles se qualificarem com sobre selo da Real Fa-
brica, a fim de terem consumo, as fazendas de seda es-
trangeira, entaõ existentes, naõ vinha a ser necessário,
nem conveniente, assignar agora novo termo, mas sim cas-
tigar quem com subversão, e falta de respeito ás ordens
estabelecidas, se attrevia a transgredillas. Determina a
mesma Juncta Provisional do Governo Supremo do Rey-
no, con formando-se com o parecer daquella Consulta,
que a Real Juncta do Commercio mande proceder com o
rigor da ley, Contra os introductores de fazendas, que se
acharem em opposiçaõ ás Reaes ordens, expedindo as
maisactivas, e terminantes, a todas asestaçoens, a quem
competir esta fiscalização, para que os respectivos offi-
ciaes e empregados vigiem com o maior cuidado, nas in-
troducçoens e vendas de taes contrabandos, com a ex-
pressa declaração, de que no caso de alguma omissão ou
prevaricação, os culpados seraõ punidos severamente
como auxiliadores de delictos, que de maneira alguma
lhes seraõ perdoados. A Real Juncta do Commercio o
tenha assim entendido e execute. Palácio do Governo,
em 27 de Outubro de 1820.
Com as rubricas dos Membros do Governo Provisório.)

Resolução, pelo Conselho da Fazenda em Lisboa, sobre


os terrenos baldios.
A El Rey nosso Senhor foi presente, em consulta do
Conselho da Fazenda, de 13 de Novembro de 1819, a
VOL. XXV. N». 151. 4H
604 Política.
necessidade de fixar a intelligeneia do Alvará de 11 de
Abril de 1815, quanto aos terrenos, que deveriam consi-
derar-se baldios, para no caso de virem a ser cultivados
poderem gozar dos indultos, concedidos pelo citado Al-
vará, assim como o requirimento do Procurador da Fazen-
da, que requereo a dieta declaração. S. M. tomando na
sua Real consideração, o requirimento e lembranças do
Procurador da Fazenda, e o mais, que na citada consulta
foi ponderado e votado, conformando-se com o parecei
do Conselho, houve por bem declarar, por sua immediata
resolução de 19 de Maio do corrente anno, tomada na
referida Consulta, que por terrenos baldios, e para o ef-
feito de gozarem seus cultivadores dos indultos do Alva-
rá acima citado, se deverão tam somente entender aquel-
les, que se mostrar naõ terem sido cultivados, pelo me-
nos, por tanto espaço de tempo, que exceda a memória
dos nomens, o qual conforme o Direito se computa no
de um século.
E para que assim haja de constar, se manda fazer pu-
blica por esta forma a sobredicta Real resolução, Lisboa,
16 de Outubro de 1820.
D. MIGUEL A N T Ô N I O DE MELLO.
JOAQUIM JOZE DE SOUSA.

Resolução, pelo Conselho da Fazenda em Lisboa, sobre


certas izençoens dos Pescadores do Algarve.
A El Rey nosso Senhor foi presente, em Consulta do
Conselho da Fazenda, de 31 de Agosto de 1813, o requi-
rimento do Juiz e officiaes do Compromisso da Villa
Real de Sancto Antônio, e outros, sobre procedimentos
contra elles practicados pelo Superintendente das alfân-
degas do Algarve, em conseqüência do Alvará de 17 de
Política. «505

Março de 1781, e Portaria de 7 de Novembro cie ISKí.


S. M., tomando em sua Real consideração o expendido,
e votado na citada Consulta, houve por bem, por sua im-
mediata resolução de 12 de janeiro de 1820, tomada na
mencionada Consulta, dar as providencias seguintes.
1. Que aos Patroens fique livre a liberdade de pesca-
rem, durante a temporada da Sardinha na costa de Hes-
panha, sem sugeiçaõ a tirarem os passaportes determi-
nados no Alvará de 17 de Março de 1774, e sugeitos so-
mente á obrigação de apresentarem na alfândega d*» Villa
Real de Sancto Antônio, e outras, no fim da temporada,
relação dos Marítimos, de suas Companhas, e dos que se
ausentaram dellas, largando os barcos, para se impôrem,
aos que se ausentarem dolosamente, as penas que as leys
determinam.
2. Que a pena de suspençaõ, imposta aos officiaes sus-
pensos, fique limitada ao tempo de um anno.
3. Que os direitos chamados da Matança, fiquem re-
duzidos a quinze por cento, e os da exportação a dous
por cento.
4. Que a izençaõ, concedida no Alvará de 28 de Ju-
nho de 1787, comprehenda o peixe rolado, escalado, ma-
rinado, ou de qualquer outro modo preparado, revogada
a cláusula do Decreto de 7 de Agosto de 8790, a respei-
to da Cavalla escalada, ou rolada no mar, para naõ ficar
dependendo de passarem as quarenta e oito horas depois
do desembarque.
ô, Que esta izençaõ comprehenda tanto os pescadores
que venderem na Lota, como os compradores para o des-
tino da salga; ficando porém sugeitos â pena do tresdo-
brodo valor do pescado, no caso de haver fraude.
6. Que a Companhia das Reaes pescarias do Algarve
se incumba do estabelecimento de Fabricas para aextrac-
ÇaÔ de azeite, em contemplação ao que concede S. M. á
606 Política.
dieta Companhia, e para a compensar, que o atum, que
or importado no Reyno do Brazil, naõ pague nelle por
entrada direitos alguns nas respectivas alfândegas, ás
quaes para o dicto effeito tem o mesmo Augusto Senhor
mandado expedir suas ordens.
E para geralmente constai a sobredicta Real resolução,
se manda fazer publica por esta forma. Lisboa 20 de
Outubro de 1820.
D. MIGUEL ANTONIO DE MELLO.
JOAQUIM JOZE DE SOUSA.

Portaria sobre a Intendencia das Obras Militares.


Sendo de necessidade simplificar quanto for possivel a
administração e contabilidade da Intendencia das Obras
Militares e Inspecçaõ dos Quartéis ; a Juncta Provisional
do Governo Supremo do Reyno ha por bem nomear uma
Commissaõ, para desde logo procedera examinar o es-
tado das obras, e despezas concernentes às dietas Repar-
tiçoens, e quanto antes propor, pela Secretaria dos Ne-
gócios du Guerra, os melhoramentos, que a este respeito
lhe parecerem mais convenientes e econômicos, a fim de
se estabelecer um systema menos eompi içado, que deva
seguir-se daqui em diante. As pessoas encarregadas
desta Commissaõ seraõ as seguintes, O Marechal de
Campo graduado, Manuel de Souza Ramos; o Tenente
Coronel do Real Corpo de Engenheiros, Jozé Maria das
Neves Costa: o Major do mesmo Corpo, Manuel Joa-
quim Brandão; o Contador das mencionadas obras, Tho-
mas de Aquino Leal; e o Professor de Architectura Ci-
vil Germano Antonio Xavier de Magalhaens. Servirá de
Secretario o mesmo que o he do Real Corpo de Engenhei-
ros, Ignacio Justino Alvez Chicana; e a Commissaõ no-
Política. 607
meará um ou dous escripturarios da Contadoria das
Obras, para ocoadjuvavem na escripturaçaõ, que tivera
fazer. Todos os empregados neste exercício naõ recebe-
rão mais doque os vencimentos, que actualmente estaõ
percebendo. O Tenente General Mathias Jozé de Azedo,
Conselheiro de Guerra, e Secretario dos Negócios da
Guerra e Marinha, assim o faça executar. Palácio do
Governo, em 3 de Novembro de 1820.
(Com 8 rubricas dos Membros do Governo.)

Portaria, sobre a Thesouraria Geral do Exercito.

Convindo em todos os tempos cuidar efíectivamente


na reparação das fortalezas existentes, e melhorar o sys-
tema defensivo, que dellas depende : a Juncta Provisio-
nal do Goerno Supremo do Reyno manda estabelecer
na Thesouraria Geral do Exercito um cofre separado,
aonde seraõ arrecadados os fundos, que houver por bem
destinar para este fim, os quaes seraõ applicados unica-
mente ás despezas que se fizerem em obras de fortifica-
çaõ, quartéis, paioes, armazéns, ou quaesquer edifícios
militares, que forem necessários nas praças e fortalezas,
que se mandarem reedificar. Este Cofre, que terá três
chaves, será administrado pelas pessoas seguintes: a sa-
ber; o Tenente Coronel do Real Corpo de Engenheiros,
Jozé Maria das Neves Costa, como Fiscal, e revedor de
todas as folhas de despeza; o Commissario Assistente da
mesma Thesouraria Geral, Luiz da Cunha de Carvalho
Roda, com o titulo de recebedor e Thesoureiro; e o pri-
meiro Escripturario da Contadoria Fiscal, Joaõ Ignacio
da Ponte, com o titulo de Escrivão; ficando todos debai-
xo da immediata inspecçaõ da Secretaria dos Negócios
da Guerra. N o caso de serem necessárias mais algumas
608 Política.
pessoas para as empregarem na escripturaçaõ, boa ordem
e distribuição dos pagamentos, seraõ nomeadas d'entre
aquellas, que se occupam nas mencionadas Thesouraria
e Contadoria; e nenhuma das elegidas terá outros venci-
mentos além daquelles, que actualmente estiver perce-
bendo. Os dictos Administradores receberão as instruc-
çoens, que se julgarem convenientes, depois de haverem
proposto o plano, que entenderem se deve seguir, o qual
deverá ser o mais simples, seguro e expedito. Em todas
as. duvidas e embaraços, que oceurrerem, relativos ao
systema da contabilidade, deverão conferenciar com o
Thesoureiro Geral interino do Exercito, Joaquim Joze da
da Veiga de Castro Ferreija. O Tenente General Mathi-
as Jozé Dias Azedo, Conselheiro de Guerra, e Secre-
tario dos Negócios de Guerra, e dos da Marinha, assim
o faça executar. Palácio do Governo, em 3 de Novem-
bro de 1820.
(Com 8 rubricas dos Membros do Governo Provisório.)

Para os Magistrados Presidentes das eleiçoens.

A Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno


manda remetter a V. m. as Instrucçoens, pelas qua-
es se devem regular as eleiçoens dos Deputados das Cortes
Extraordinárias Constituintes, paraque V. m. as cumpra
e execute na parte que lhe diz respeito.—O dia 26 do
corrente mez he por ella designado para se fazer a elei-
ção dos eleitores, que depois na cabeça da Comarca haõ
de eleger os Deputados no dia 3 de Dezembro seguinte,
continuando suecessivamente nos dias immediatos,
quando naõ seja pratícavel acabar no primeiro; mas isso
de tal modo, que naõ haja senaõ a demora indispensável,
e que fique aos eleitos bastante tempo para se prepararem
Política. 609
e virem a esta capital, aonde as Cortes haõ de ter as
suas sessoens.
A importância desta dilligencia per si mesma se
recommenda; e a Juncta confia, em que V. m., mui
convencido delia, empregará os meios todos, para que
se faça com aquella exactidaõ e regularidade, que as
Instrucçoens prescrevem, e que a prudência de V. m. ha
de reconhecer como indispensáveis, para se ultimar com
acerto a grande obra da nossa regeneração política.
A necessidade, que obrigou os Portuguezes a dar este
passo, como único, que podia salvallos de uma total ru-
ína justifica de certo as medidas, que até agora se tem
tomado; e a paz e socego, de que tam felizmente have-
mos gozado, he um bem, e um signal manifesto, com que
aniaõ do Omnipotente premêa o nosso zelo e abençoa os
nossos desejos, porque elles nunca foram, nem saõ outros,
senaõ os de conservar em sua integridade, e pureza a
Sancta Religião de nossos pays, o amor e a obediência ao
mais adorável dos Monarchas o Senhor D. Joaõ VI,
e a mais firme adhesaõ á sua augusta descendência; bus-
cando pelo meio de uma bem entendida, e bem em-
pregada liberdade, formar uma Constituição, que possa
estreitar mais laços tam fortes, etam sagrados, e ao mesmo
tempo desvie a possibilidade de recahirem sobre nós os
males, e as dasgraças, com que uma desastrosa adminis-
tração havia até agora affligido Portugal.
Deviam, portanto, e para essefim, reunir-se as Cortes,
como Reprsentantes da Naçaõ, mas deviam reunir-se de
um modo, que melhor, e mais perfeitamente a podessem
representar.—As Iostrucçens o designaõ, e o Manisfesto
que as acompanha o justifica—. V. m. deve publicallo,
Para que de todos sejam conhecidos,os motivos, que se
tomaram em consideração n* um objecto de tanto pezo;e
610 Política.
a esse fim se lhe remette um numero sufficiente de ex-
emplares.
Depende de V. m. pois, como Magistrado Presidente
da eleição, grande parte do bom resultado delia; procu-
rando que nesse acto se conserve o socego e boa ordem;
e empregando todo o cuidado e vigilância, paraque ella
seja inteiramente livre de suggestoens, de violência, de
engano, e de qualquer manejo, que a torne menos legi-
tima; ficando V. m. bem persuadido de que debaixo de
sua única responsabilidade corre a direcçaõ deste nego-
cio, e que um dia se lhe ha de pedir conta do modo
pouco regular, com que V. m. se tiver conduzido nelle.
A Juncta manda finalmedte, que V. m. remetta a esta
Secretaria dos Negoeios do Reyno a certidão do dia e da
hora em que receber estas ordens.
Deos guarde a V. m. Palácio do Governo em 8 de No-
vembro de 1820.
M A N O E L FERNANDES THOMAZ.

ProclamaçÕ o Governo sobre a convocação das Cortes.

O Governo Supremo do Reyno, tendo dado primeira-


mente as devidas graças ao Eterno Legislador do homem,
se congratula com vosco em meio da sua e da vossa feli-
cidade, por se aproximar o termo de vos congregardes
em Cortes, para que tem a honra de vos convocar. Que
diuturuos tempos se tem passado em vergonhoso silen-
cio, sem que tenha soado aos nosos ouvidos esta palavra
tam familiar a nossos avós! Mas hoje he licito publicar
a face dosCeos, e da terra, o que temíamos dezejar até no
inviolável asylo de nossas recatadas consciências. Suc-
cedeo a voz legal, e magestosa da naçaõ ás mysterio-
Política. 611
sas, e interessadas suggestoens dos áulicos, e brevemente
exercitareis, em solemne, e sublime apparato, as funcçoens
da Soberania, Vós, a quem emudecia a boca, mesmo para
vos queixardes da espoliação de vossos direitos civis.
Resurgindo logo do nada para o ser, estais a ponto de
consolidar vossa existência política, com instituiçoens
dignas de um povo, que, mesmo no meio da sua humilia-
çaõ, confraternizou com os heroes das mais independen-
tes, e bem constituídas da antigüidade. Beneméritos re-
presentantes da vossa supremacia, interpretando, e con-
frontando vossas vontades com a sabedoria da ley eterna,
lavrarão com maõ generosa, e firme a grande carta da
vossa liberdade, e independência, segurissimos penhores da
vossa futura prosperidade. Sacrificado no Altar do bem
Público o egotismo das paixoens e interesses privados,
elles confirmarão em vós essas magnânimas tençoens,
com que vos confundis com a Pátria, e nada quereis sem
a Pátria. Ley e vontade será em vós a mesma cousa ;
direito e justiça, palavrassynonimas; dignidade e igual-
dade, significaçoens reciprocas; interesse e virtude,
qualificação idêntica: sacrifícios e inclinaçoens, hábitos
inseparáveis; e a honra de cidadão, a nobreza mais alta, a
que posa aspirar vossa ambição. Tereis, em uma pala-
vra, Constituição, qual a natureza a copiaria do original
eterno.cujos caracteres naõ he dado á tyrannia apagar,nem
àprescripçaõ dos abusos desfazer,nem à versatilidade das
idades alterar: e o século décimo nono, precursor em suas
acclamaçoens dos que se seguirem, personalizadas nelle
a gloria, e a immortalidade, acompanhará as coroas, que
vos offereccr com estes oráculos sublimes*—Esta obra he
minha; todo o meu gênio a cunhou; nasceo das maduras
meditaçoens dos antigos, e modernos tempos.
Tal código creador, que anima o ser politico, lhe der.

VOL XXV. N°. 151 4 i


612 Política.
rama pelos membros as funcçoens vitaes, lhe equilibra
as forças, symetriza o todo e characteriza as bem pro-
nunciadas feiçoensda naçaõ; debalde o esquadrinhareis
nas reiteradas tentativas das Cortes precedentes. Só á
consumada erudição he concedido entender a Carta enig-
mática, imperfeita, e incoherente de vossos direitos, re-
talhada em mil pedaços, afogados em enormes compli-
caçoens. Que tenebrosa confusão! Legislar, executar,
e julgar, confundem-se naõ raras vezes na mesma pessoa,
como se a imperfeição do homem participasse dos attri-
butos da Divindade, ou se dos caprichos de um devessem
pender os destinos de todos. Nenhumas demarcaçens
bem determinadas limitam as espheras dos vários corpos
activos da sociedade. Faltam barreiras, que resistam às
tentaçoens do Poder Executivo, tam ardentes por seus
incentivos, e efficazes pela facilidade dos meios, quanto
perigosas por suas fataes, e transcendentes conseqüências.
Negam-se foros ajusta independência do pensamento, e
até para a consciência se forjam algemas Propriedade'.
Propriedade! Centro da uniaõ social, quantas vezes naõ
oscila incerta, e quasi tornada nome vaõ, pelo vicio de
leys multiplicadas, e obscuras, a cujo amparo leal, e
omnipotente recorrera. E em que frágil apoio se estriba
a seguarnça pessoal! Pergaminhos, archivos, e usos for-
çados conquistam para as classes e massas attrihuiçoens
monstruosas, nivelados os indivíduos pela igualdade da
escravidão: em uma palavra, a parte torna-se todo, e o
todo nada; privilegio he a ley; Estados se encravam no
Estado; e ao homem, e ao cidadão nenhuma idéa
importante conresponde.
E que outros resnltados menos ingratos, e mais felizes
nos dariam Cortes, que só se chamariam hoje impropria-
mente nacionaes? Convocallas, e dissolvellas, augmen-
tar-lhe, on diminuir-lhe as vozes; attendellas, ou indiffe-
Política. 613
rir-lhes, pendia absolutamente do Chefe, que as presidia,
entre a magnificência da Majestade, poderoso em forças,
Senhor das graças, e opulento em riquezas. Grandes,
prelados, e procuradores d'algumas povoaçoens ministra-
vam os únicos elementos da sua composição. Nem a
nobreza elegia os primeiros, nem o clero os segundos,
nem a massa total do terceiro Estado os derradeiros.
Três Corpos, separados em suas deliberaçoens, offereciam
aos olhos o mui expressivo emblema da parcialidade de
interesses, que os aparcellava em fracçoens, sem conver-
gência, que os impellisse para o contracto de um ponto
commum. Traditçoens marciaes e avoengas, que re-
montavam ás primeiras conquistas, nenhum termo pu-
nham ás indefinidas prerogativas de uns: nem sempre os
outros estremavam suas pertençoens sobrenaturaes das at-
tribuiçoens políticas, que lhes cabiam em sorte: e os
humildes procuradores, captivada sua imaginação pelo
respeito civil, e religioso, costumados a rastejar perante
os mesmos com quem emparelhavam momentaneamente,
desconheciam a dignidade do seu character; e naõ ousa-
vam elevar-se á eminência da sua missaõ. O Congresso
ora figurava como Soberano, ora como supplicante. Con-
sentindo nos tributos, formando queixas, e apresentando
petiçoens, tinha cumprido á letra com as suas credenci-
aes. Concluiam-se as sessoens com esperanças, e pro-
messas, que liberalmente se franqueavam. Que dignos
representantes da Majestade Nacional! Que Augusto
Senado para orgaÕ da Soberania! Que excelsos legisla-
dores, mais do que homens em suas funcçoens, izentos
como a independência, providentes como a divindade,
inflexíveis como o fado, e como a ley venerandos! £ Aon-
de o todo da Soberania essencialmente indivisível? ,1 Que
he da unidade de interesses? <j Quando se identificou o
espirito de corporação com o espirito do bem publico?
614 Política.
i He licito a mandatários exprimir vontades, que se lhe
naõ declararam, tractar negócios, que se lhe naõ commet-
têram, e impor obrigaçoens, em que nem se cogitara ?
^Nascêramos homens indivíduos,ou classes,e ligam-se á
sociedade por cabeças, ou por massas ?
Portuguezes! Naõ foi para resuscitar as antiquadas
formas do feudalismo, e um vaõ simulacro de Cortes,
que nos dias 24 dAgosto, e 15 de Septembro, eterna-
mente memoráveis e gloriosos tomastes a postura terrí-
vel de um povo, que, resgatando-se por sua própria vir-
tude dos ferros, hypotheca suas vidas para segurar sua
liberdade. Todos vos unistes para todos subscreverdes
as condiçoens fundamentaes, em que vos acordardes.
Voltando momentaneamente, por uma ficçaõ política,
para o estado da natureza, naõ careceis para administrar
vossos direitos de alheios tutores, dados á infância, e á
imbecillidade; mas de delegados próprios da vossa una-
nime confiança, dignos de um povo adulto, e emancipa-
do. Se naõ he iIlusória a palavra Constituição, que com
tanta energia pronunciastes, ou nella exprimireis vossas
vontades, ou profanastes sacrilegamente um termo sacro-
santo, figurando de dementes em farças pueris, e escan-
dalosas. Embora a surda voz de um, ou outro, que só
tem abusos por patrimônio, reclame frustraneamente o es-
tylo das Cortes antigas, para elle de tam saudosa memó-
ria ! o clamor geral, de maõs dadas com o bem commum,
decreta, sancciona, e publica outras leys, rotinastempo-
íárias impostas pela prepotência, e continuadas pela ig-
norância, por mais inveteradas que se inculquem, e con-
sagrem, cedem á eternidade de direitos naturaes, e in-
alienáveis. Naõ se liga a vontade do Soberano, nenhuma
prescripçaõ lhe resiste. Naçoens constituídas seguem as
regras, que se prescreveram: um povo, que vai organi-
zar-se, confirma, deroga, e altera como lhe parece. Por-
Política. 615
tuguezes! Collocados no meio de uma atmosphera vas-
ta, e luminosa ; sabendo já lêr no divino código do ho-
mem, e do cidadão; emparelhados com povos, que ha
pouco se refundiram em verdadeiras Naçoens; fortes em
grandes exemplos, em grandes experiências, postos em
espectaculo maravilhoso â observação universal, certo
que marchareis ao nível do illustre século, em que tendes
a ventura de vos constituirdes.
Estes os triunfantes motivos, que convenceram o Go-
verno Supremo a ofierecer-vos nas instrucçoens, que
acompanham esta, novo plano de representação nacional.
Devendo-vos a sua existência, character, dignidade, e
poder, transporia com ingrata infidelidade os limites da
sua Commissaõ, se naõ se cingisse religiosamente a es-
tudar, e servir de interprete ã vossa illustrada vontade.
Feliz, mil vezes feliz, por acha lia perfeitamente ajustada
com a sua própria consciência, com seus princípios inal-
teráveis, com as suas intençoens rectas; e sobre tudo com
a verdade, e justiça, ecom a vossa ventura. Mimoso, e
alentado soccorro lhe foram inumeráveis memórias, pri-
moroso tributo, que o zelo do bem commum se apressou
a oflertar, quaes primicias sagradas no altar da pátria.
Algumas discrepancias pouco consideráveis naõ a tolhem
de entrever claramente, que a grande preponderância dos
sábios nacionaes, unida com o infallivel instincto da clas-
se menos instruída, promette concluir-se efficaz, e feliz-
mente a melhor e maior obra dos povos.
Entre as varias plantas de eleiçoens, que naõ concor-
daram accidentalmente, mereceo a preferencia aquella
que, respeitando a verdadeira, e legitima representação
nacional, simplificava o systema, economisava o tempo.
Qualquer outro de desenho mais complexo accarretarla
com sigo delongas, que, além de serem pouco aceitas á
bem intencionada impaciência do publico, naõ se accom-
616 Política.
modariam com a imperiosa exigência das circumstancias
actuaes. Nem convinha tomar a mais singella, a fim de
precaver que os vários corpos eleitoraes por sua mui car-
regada multidão, dessem azo a tumultos, e confusoens.
Escusaõ-se glosas, ecommentos para desentranhar o espi-
rito, por que se guiou o Governo Supremo, na ordenação
dos outros artigos. Encerram providentes cautellas,
predispostas a desviar astucias, subornos, e surdas ma-
nobras, que possam empecer á liberdade, e acerto das
eleiçoens.
A Juncta Provisional do Governo Supremo remata as
suas instrucçoens applicando-as em geral ás Ilhas adjacen-
tes, ao Brazil, e aos dominios Ultramarinos. A estrei-
teza do tempo, a urgência do estado presente dos negóci-
os, a distancia immensa dos lugares, e outras considera-
çoens de pezo superior, fáceis de se penetrarem, naõ lhe
perniittio que ella desenvolvesse particularidades mais po-
sitivas, e circumstanciadas. Limita-se a rogar a seus
irmaõs Ultramarinos, em nome da pátria, de tam inti-
mas, e sagradas relaçoens, que nos ligam na mesma fa-
milia ; em nome de hábitos que a uns, e a outros nos
saõ tam caros: em nome finalmente dos mútuos, e recí-
procos interesses, que nos prendera, naõ tardem em co-
operar com nosco em um mesmo Congresso,na regenera-
ção immortal do Império Lusitano. Extincto para sem-
pre o injuriozo appellido de colônias, naõ queremos to-
dos outro nome, que o titulo generoso de concidadãos da
mesma pátria. Quanto nos deprimio a uns, e a outros a
mesma escravidão, tanto nos exaltara a commum liber-
dade : e entre o Europeo, Americano; Asiático e Afri-
cano, naõ restará outra distincçaõ que a profiada compe-
tência de nos excedermos, e avantajarmos por mais en-
tranha vel fraternidade, por mais heróico patriotismo, e
pelos mais denodados sacrifícios.
Política, 617
Portuguezes! He esta a vez primeira, que, no largo de-
curso dos séculos, podereis eleger mandatários, em que
se personalize realmente a vontade universal. Tam deli-
cado, e espinhoso ensaio desenganará o velho, e o novo
mundo, se chegastes aquelle ponto de virilidade madura e
nacional, em que as instituiçoens, costumes e character
emancipam naturalmente os povos, tornando-os sem pe-
rigo árbitros da sua liberdade, e independência. Ai de
vos! Se os diuturnos hábitos de uma cega e passiva
obediência vos submetterem indifferentes aos impulsos
dos partidos, ou se a sofreguidaõ e fanatismo pela nova
ordem de cousas vos arrojar pelos despinhadeiros da li-
cença. Apontado está o buril da historia para abrir em
seus fastos a epocha, que o seja, ou de vossa gloria im-
mortal, ou de indelével vituperio. Pendem por momen-
tos os destinos de milhoens de homens da procuração,
que subscreverdes. A Deos, à Religião, á Pátria, ao
Rey, e á infinita serie de vossos vindouros respondereis
pelo uso, que ides fazer de vossos tremendos votos. A
direcçaõ, que agora tomardes, se converterá em exemplo
para as immediatas eleiçosns que se seguirem, e em ley
para todas as outras. Sepultareis a Pátria no momento
em que a perderdes de vista em vossas deliberaçoens, e
com as formas da liberdade vos imporeis tantos tyrannos,
quantos descobrirem o segredo de vossa corrupção, e vi-
leza.
Portuguezes! Na crise, que está immiuente, naõ ha
paixaõ, assim louvável como torpe, que naõ fermente, e
se desenvolva com todas as forças do character, que lhe
he próprio. Subidas ao ápice do enthusiasmo, estudarão
astutas e perspicazes as mais finas artes de illudir vossa
boa fé, e de captivar vossa confiança, pouco versada na
tactica, e manobras das agitaçoens populares. Todos os
vicios pedirão emprestadas mascaras ás virtudes contra-
618 Política.
TIOS, e as farças da hypocrisia patriótica se repetirão in-
numeraveis por todo o vosso território. Só o mereci-
mento modesto, tremendo de ser descoberto, se occul-
ta râ em seumnocente, e retirado azylo. Intrigas surdas,
ataques manifestos, conloios poderosos, tramas subti s
calumnias, satyras, elogios, e até a virtude, e até a re-
ligião, e até a Pátria, tudo se porá em movimento, de tu
do se abusará para o triunfo dos mais reconcentrados in-
teresses. Naõ havêra um so ponto no vosso coração, ou
no vosso espirito, tentados os aflectos, que vos forem
mais intrínsecos, a que se naõ disparem os mais infalli-
vei6 tiros.
Portuguezes ! Vigilância, cautclla, circumspecçaõ.
Naõ esmigalhamos os ferros para nos vendermos servis
aos partidos, e ás facçoens. Profanam-se as sanctas
maõs da liberdade, quando depositam seus votos n'outra
urna que naõ seja o seio da pátria. Considerai, e consi-
derai desde já, e considerai até ao derradeiro momento
das eleiçoens, que ides commetter vossos bens, vossas li-
berdades, vossas pessoas, c todas as relaçoens, que vos
saõ mais caras, até a ultima posteridade, nas maõs de vos-
sos deputados. Seraõ estes os Patriarchas da naçaõ, os
fundadores da Pátria, e os alicerces de Estado. Consi-
derai, e elegei.
Lisboa, e Palácio do Governo, 31 de Outubro de 1820.

Presidente. Principal Decano.


Vice-Presidente. Antonio da Silveira Pinto da Fonseca.
Baraõ de Molellos.
O Coronel Bernardo Corrêa de Castro
e Sepulveda.
O Bacharel Bento Pereira do Carmo.
Conde de S. Paio.
Conde de Penafiel.
Política. 619
O Desembargador Filippe Ferreira de
Araújo e Castro.
O Doutor Fr. Francisco de S. Luiz.
O Bacharel Francisco Gomes da Silva.
Fraucisco Jozé de Barros Lima.
O Bacharel Francisco de Lemos Bi-
tancourt.
Francisco de Souza Cirne de Madurei-
ra.
Herrnano Jozê Braamcamp do Sobral.
Joaqnim Annes de Carvalho.
O Desembargador Joaquim Pedro
Gomes de Oliveira.
O Desembargador Joaõ da Cunha
Sotto-maior.
O Bacharel Jozé Ferreira Borges.
Jozé Francisco Fernandes Corrêa.
O Bacharel Jozé Joaquim Ferreira de
Moura.
O Bacharel Jozé Maria Xavier de
Araújo.
O Bacharel Jozé Manoel Ferreira de
Castro.
Jozé Nunes da Silveira.
O Bacharel Jozé da Silva Carvalho.
Luiz Monteiro.
O Deaõ da Sé do Porto Luiz Pedro
de Andrade Brederode.
O Desembargador Manoel Fernandez
Thomaz.
O Tenente General Mathias Jozé Dias
Azedo,
Pedro Leite Pereira de Mello.
VOL. XXV. N°. 151. 4 ~
620 Política.
Roque Ribeiro de Abranches Castello-
branco.
O Coronel Sebastião Drago Valente de
Brito Cabreira.

Instrucçoens, que devem regular as Eleiçoens dos Depu-


tados, que vam a formar as Cortes Extraordinárias
Constituintes, no anno de 1821.
Capitulo 1. Das Primeiras Eleiçoens.
Art. 1. Para se formar a representação nacional, cum-
pre que haja eleiçoens de Eleitores, e eleiçoens de De-
putados.
2. As eleiçoens dos Eleitores seraõ feitas na Câmara
cabeça do districto respectivo. As dos Deputados seraõ
feitas pelos Eleitores, na Casa da Câmara da Cabeça da
Comarca.
3. Toda a Câmara, seja qual for a força da povoaçaõ
do seu districto, tendo até 600 fogos, dará um Eleitor:
se comprehender 1200, dous: e assim consecutivamente:
com a declaração, que, naõ chegando a povoaçaõ a
1200, mas excedendo a 900, dará dous Eleitores; e da
mesma forma, se naõ chegar a 1800, mas exceder a
1500, dará três Eleitores, e assim em diante na mesma
proporção. Esta regra, applicada ás povoaçoens do
Reyno, produz o mappa N°. 1.
4. O Juiz de Fora ou o Juiz Ordinário com Assessor
preside, e a Câmara assiste á eleição. No impedimento
delles devolve-se a presidência ao Vereador mais velho,
e seu Assesôor, naõ sendo aquelle Bacharel formado.
Aonde houver dous Juizes Ordinários, presidem ambos
com Assessor.
Política. 621
5. Exceptua-se a Cidade de Lisboa, que, sendo divi-
dida por freguezias, o Senado repartirá as presidências
pelos Ministros dos bairros; en'um templo dos da paro-
chia, que mais commodo se julgar, se procederá ás elei-
çoens, com assistência do respectivo parocho, observada
a proporção do mappa N°. 2. Nos lugares do termo de
Lisboa se seguirá a regra geral, presidindo os Ministros
criminaes da mesma cidade, segundo a distribuição le-
gal dos mesmos lugares.
6. Logo que o Presidente receba a competente partici-
pação, nomeará um Secretario hábil, e fará publicar em
todo o districto, por edictaes e pregoens, o dia e hora
em que deva proceder-se á eleição, tomando somente o
tempo necessário, para que todos os vogaes possam con-
correr como convém.
7. Quando a povoaçaõ for tam numerosa, que naõ
possam commodamente tomar-se os votos em um só dia,
seraõ designados differentes, mas successivos e contínu-
os.
8. Feita a reunião para as eleiçoens, celebrará o Paro-
cho missa votiva do Espirito Sancto, e voltando á Casa
da Câmara o Juiz, Vereadores, Procurador do Conselho
e Secretario com os Vogaes, o Juiz recitará uma oraçaõ
análoga ao acto, e adaptada à comprehensaõ dos vogaes,
fazendo-lhes conhecer o fim deste acto, e as qualidades
de que devem ser revestidos os elegendos; e logo lhes
defirirâ o juramento devotarem conforme suas consciên-
cias.
9. Tem voto todos os Chefes de familia, domiciliarios
nos respectivos districtos, que naõ saõ exceptuados.
10. Saõ excluídos de voto os Regulares das Ordens
Monasticas e Mendicantes; os Estrangeiros naõ natura-
lizados; todos os que tiverem incapacidade natural ou
622 Política.
legitima; os creados de servir, naõ sendo chefes de fa-
milia.
11. Saõ elegiveis todos os que podem ser eleitores,
sendo nelles qualidades essenciaes, virtudes e intelligen-
cia.
12. Proceder-se-ha á eleição da maneira seguinte. O
Vogai chegará â Meza da Câmara, e pronunciará o nome
das pessoas, em quem vota, de maneira que seja ouvido
pelos officiaes delia; e logo será escripto pelo Secretario,
declarando o domicilio ao pé do nome. E todos os no-
mes escreverá enfiadamente, de sorte que naõ haja lacu-
na no Acto. Este auto se organizará na forma do mode-
lo N°. 3.
13. Fica eleito o que tiver a seu favor a pluralidade de
votos; no caso de empate a sorte.
14. Os nomes dos eleitos seraõ publicados em edictaes
no mesmo dia, ou no seguinte ao mais tardar. O auto
original fica no archivo da Câmara. Ao Presidente das
segundas eleiçoens se remetterá um translado authentico
concertado pelo Escrivão da Camaia; e ao Eleito se dará
outro idêntico. Em todas estas operaçoens naõ deve
perder-se tempo algum.

Capitulo II. Das Segundas Eleiçoens.

1.5. A presidência da eleição dos Deputados he encar-


regada aos Corregedores ou Provedores ou Juizes de Fora
das respectivas Comarcas, na forma do mappa N \ 4.
16. Exccptuam-se as cidades de Lisboa e Porto, que
teraõ por Presidente, a primeira o Conselheiro Joaõ de
Sampaio Freire de Andrade, e a segunda o Desembar-
gador Manuel Marinho Falcão de Castro.
17. Logo que o Presidente da Eleição dos Deputados
receber o auto da primeira eleição (Art. 14) ordenará im-
Política. 023
med iatamente a reunião dos eleitores na Cabeça da Co-
marca, expedindo-lhes officios, e taxando-lhes o tempo
mais breve, na razaõ das distancias.
18. Os Eleitores apresentarão logo ao Presidente o
auto da sua eleição (Art. 14) e este nomeará d'entre elles
dous; que verifiquem a authenticidade do mesmo auto, e
os destes seraõ verificados por outros dous, que para isso
o Presidenre designará.
19. Reunidos os Eleitores na Casa da Câmara na hora
indicada pelo Presidente, nomearão d'entre si, à plurali-
dade de votos, o Secretario e dous Escrutinadores, os
quaes saõ os primeiros a votar na eleição dos Deputadas.
20. Feita esta nomeação, e ouvida a missa, celebrada
pelo Parocho da freguezía, a cujo districto pertenceo a
Casa da Câmara, o Presidente fará um discurso, sobre a
importância do objecto, que vai a tractar-se.
21. Reunidos em ordem os Eleitores na Casa da Câma-
ra, cuja porta estará aberta, e ao accesso de todo o povo,
haverá uma meza separada, na qual cada Eleitor irá es-
crever o nome do que elege; e pegando da tira de papel
em que o escreveo, a lançará por sua maõ em uma urna;
donde tirados por um Escrutinador, que lendo-o ao Se-
cretario, que o lança no livro das Vereaçoens, ou Autos
da Câmara, o enfiará rubricado pelo Presidente, Escru-
tinadores e Secretario, sendo depois estes nomes fechados
e lacrados, na presença de todos, remettidos official-
mente ao archivo das Cortes, por maõ do Secretario dei-
las.
22. O Secretario, para a organização deste acto seguirá
o modelo N°. 5,
23. Este auto he escripto e assignado em um livro a
esse fim destinado, e que ficará no archivo da Câmara da
Cabeça de Comarca, e outro auto idêntico, com iguaes
624 Política.
assignaturas originaes he entregue ao Deputado, eleito
para seu titulo.
24. Tendo de comprehender a eleição mais do que uni
Deputado, ella se fará separadamente de cada um.
25. A pluralidade faz a eleição. O empate he decidi-
do por sorte.
26. O Deputado deve reunir a maior somma possivel
de conhecimentos 6cientificos, deve ter firmeza decharac-
ter, religião e amor da Pátria. Deve possuir meios ho-
nestos de subsistência, e ser natural ou domiciliario na
Comarca respectiva; e naõ os havendo aqui, poderão ser
eleitos de quaesquer outras Comarcas.
27. So pôde, ser Deputado o que pôde ser eleito
(Art. 9) e que tiver as qualidades apontadas no artigo
precedente.
28. Nenhum Ministro territorial pode ser eleito Depu-
tado de Cortes, pela comarca aonde exercer jurisdicçaõ,
salvo sendo natural delia.
20. Nenhum outro emprego, motivo ou pretexto pôde
tolher de ser eleito: só o impedimento legitimo pôde es-
cusar de servir Deputado ao que for dividamente nomea-
do,
30. N o caso de ser eleito um mesmo Deputado por
duas comarcas, considera-se nomeado pela comarca da
sua residência com preferencia, na falta desta pela da sua
naturalidade; fora destes casos prefere a prioridade da
eleição.
31. Os substitutos seraõ eleitos da mesma sorte que os
proprietários, tendo as qualidades declaradas nos artigos
11 e 26, e servem pelos de qualquer comarca inilistincta-
niente.
32. Todas as comarcas teraõ um substituto; mas se
o numero dos Deputados ordinários de comarcas passar
de três, téraõ dous substitutos, e naõ mais.
Política. 625
33. Os subsistutos somente seraõ obrigados a compa-
recer com aviso do Presidente das Cortes.
34. Cada Deputado vencerá de ajuda de custo a quantia
de 4.800 reis diários, pagos pelo Erário a quartéis adian-
tados, desde o dia que principiar a caminhar para a reu-
nião geral.
35. Os Deputados, Substitutos so tem vencimento tendo
exercicio.
36. O Deputado, munido de seu titulo, comparecerá na
salla destinada para as sessoens das Cortes, no dia que lhe
for marcardo, afim de verificar o seu titulo pelos demais
Deputados, e progredir como desde entaõ convierem.
37. Os Deputados devem infallivelmente achar-se re-
unidos em Lisboa no dia 6 de Janeiro de 1821.
38 As presentes instrucçoens saõ applicaveis ás Ilhas
adjacentes, Brazil e Dominios Ultramarinos.
Palácio do Governo 31 de Outubro de 1820.
611 [626] Política.

Mappa das Freguezias, Fogos, c Habitantes do Reyno


de Portugal com o que lhes cabe de Deputados.

aezias.

ttados.
rincias

COMARCAS. Fogos. Habitantes


o s* D.
4)
0.
Q

Barcellos 329 38.117 146.630 5


Braga 76 11.873 48.910 2
o Guimarães 247 34.111 139.040 5
J3 Penafiel 116 15.840 59.790 2
a Porto 202 50.798 194.490 0
ü Valeuça 49 0.984 20.420 1
Vianna 274 32.818 122.420 4

2 Ú Brangança 266 21.793 85.710 3


^ — Miranda 126 8.299 31.070 1
n o Moncorvo 165 14.203 51.000 2
Villa-Real 180 23.580 94.120 3

ArgAiiil 49 9.808 40.140 1


Aveiro 05 23.000 87.500 3
Castello-Branco 90 15.525 58.700 2
Coimbra 143 43.230 106.980 0
rt" Feira 70 18.50») 72.040 2
i* Guarda 19:$ 26.500 104.520 4
53 Lamego 144 16.575 07.040 2
Linhares 40 4.480 17.220 1
Pinhel 39 4.104 15.040 1
Trancoso 193 21.150 74.430 2
Viseu 109 30.197 151.810 5
Política. íí27

e p u t ;idos
•ovincias

CS

Fie guez
COMARCAS. Fogos Habitantes

o> P

Lisboa e Termo 72 54.954 270.000 9


Alcobaça 22 5.843 22.000 1
Alemquer 50 10.878 42.870 1
CS

u Chaõ do Couce 5 1.490 5.780


3 Leiria 45 10.318 61.180 2
Ourem 17 5.602 24.190 1
I
tre

Riba Tejo 11 3.412 12.940


Santarém 88 20.438 78.630 3
Setúbal 52 16.750 65.560 2
Torres-Vedras 46 12.069 48.750 2
Thomar 66 21.723 79.430 3

Aviz 36 6.294 21.860 1


Béja 61 17.525 64.650 2
o Crato 33 7.235 28.330 1
Elvas 22 7.046 26.850 1
Évora 04 13.906 51.270 2
^ i Ourique 50 13.338 45.730 1
Pottalegre 30 8.497 31.660 1
Villa-Viçosa 51 9.080 32.340 1

CB Faro 21 10.762 39.170 1


l.agos 23 6.704 24.760 1
CS
bo Taviia 20 8.728 31.150 1
<

N. B. A Comarca de Riba-Téjo une-se a Lisboa, e a


de Chaõ do Couce a Thomar.

VOL XXV. N<>. 151 4 L


628 Política.

Mappa da povoaçaõ de Lisboa distribuída por Freguexias


no anno de 1804, e com o numero dos eleitores nâ re-
lação dos fogos que abrange.
Eleitores

FREGUZIAS. Fogos Individuos

Ajuda 3 2.044 11.010


Santo André 1 282 1.510
Anjos 4 2.191 11.810
S. Bartholomeu 1 480 2.500
St. Catharina 3 1.786 9.020
Conceição N. S. da 1 706 3.780
SN. Coração de Jesus 1 783 4.2f0
S. Christovaõ 1 349 1.850
St. Cruz do Castello 1 301 1.930
Encarnarão 4 2.091 11.200
St. Engraeia 4 2.161 11.670
St. Estevão 2 967 5.180
S. Joaõ da Praça 1 490 2.630
S. Jorge 1 340 1.800
S. José .1 1.826 9.840
St. Justa 2 1.240 6.670
St. Isabel 6 3.350 LS.110
S. Juliaõ 1 G96 3.730
Lapa 3 1.623 8.740
Saõ Lourenço 1 576 3.080
St. Maria Bazílira de 1 293 1.590
St. Maria Magdalvna 1 876 4.700
S. Mariinho 1 126 «00
Martyres N. S. dos 1 556 2.970
S. Mamede o 1.187 6.370
St. Marinha 327 1.770
Das Mercês 4í 2.665 14.320
S. Miguel 1 805 4.320
S. Nirloáo 2 1.359 7.320
S. Paulo 2 905 4.80O
Política. 620

Eleitores.
FREGUEZIAS. Fogos. Indivíduos.

Pena N. S. da 3 1.695 9.140


S. Pedro em Alcântara 3 1.825 9.830
Salvador 1 190 1.04O
Santos o velho 4 2.245 12.100
Sacramento S. S. 1 825 4.440
S. Sebastião da Pedreira 1 890 4.780
Soccorro N. S. do 3 1.785 9.610
S. Thiago 1 316 1.680
8. Thomé 1 286 1.530
S. Vicente 1 558 2.980

Total 79 44.057 237.000

Officio do Juiz de Povo do Lisboa ao Illustrissimo e


Excellentisimo Senhor Gaspar Teixeira de Magalhaens
e Lacerda.

Vendo o Povo desta capital, que a Juncta Preparatória


de Cortes naõ accedeo em toda a extensão ao justo re-
querimento, que o Juiz do P«vo de Lisboa, em nome do
mesmo Povo conjunctamente com o exercito, lhe fez, ex-
pondo que era da vontade do Povo, e de absoluta neces-
sidade para o bem da naçaõ, que os Deputados de Cortes
fossem eleitos pelo methodo e com as mesmas circum-
stancias prescriptas na constituição Hespanhola, se en-
cheode magoa, e julgou seus direitos offendidos; e que-
rendo o povo e o exercito evitar, que aquelle acto da
pluralidade da Juncta Preparatória de Cortes fosse avante
em prejuízo da naçaaõ, he por isto que lecorre a Vossa
630 Política.
Excellencia corno General Commandante em Chefe da
força armada do Norte e Sul de Portugal, e hora nesta
cidade, para que se digne de o tomar em consideração.
Por tanto recorre a vossa Excellencia para que reunido
o excercito faça proclamar a Constituição Hespanhola,
a qual, sendo modificada pelas Cortes convocadas á ma-
neira Hespanhola, se adopte, e aproprie aos usos, cos-
tumes e terreno de Portugal, sem que lhe alterem o seu
essencial, e as idéas liberaes que ella contém.
Eis o que confiamos do Patriotismo de Vossa Excel-
lencia.
JOAÕ ALVES.
V E R Í S S I M O J O S É DA V E I G A .

Resultado da Conferência Militar feita no Palcio do Go-


verno cm o dia 11 de Novembro de 1820, a que assis-
tia o Juiz do Povo Joaõ Alves, e seu Escrivão Veríssi-
mo José da Veiga, occasionada pela Representação do
mesmo muito Honrado Juiz do Povo.

Que se jurasse a constituição Hespanhola, e que se


ajunctassem os Deputados em Cortes eleitos em proporção
da população do Reyno, e nomeados como na mesma
Constituição se prescreve, e que depois de reunidos os
mesmos Deputados, se fariam as modificacoens, que
fossem convenientes, naõ sendo jamais para nos tomar-
mos menos liberaes ; vidir-se-ha a população de maneira
que produza cem Deputados.
Que se devem eleger mais quatro Membros para o
Governo.
Que os membros do Governo, que tiverem á seu Car-
go as quatro repartiçoens, a saber; Negócios do Reyno,
Guerra e Marinha, Estrangeiros e Fazenda, 60 teram voto
nos objectos das suas repartiçoens, e naõ poderão ser
empregados em outro ramo publico.
Política. 631
Que os membros empregados nos mencionados quatro
ramos naõ poderão fazer provimento algum, nem outra
qualquer cousa, sem a decisaõ do Governo.
Que nomeam mais quatro Membros para se unirem
aos outros, que actualmente estaõ no Governo, cujas pes-
soas nomeadas saõ as seguintes.
O Excellentissimo Senhor Conde de Sampayo.
Pedro Leite Pereira de Mello.
José Manoel Ferreira de Sousa.
Francisco de Sousa Cirne de Madureire.
Que se entregue o commando de toda a força armada
do Reyno ao Excellentissimo Senhor Gaspar Teixeira de
Magalhães e Lacerda.

Auto de Juramento prestado pelo Governo na sessaõ de


11 de Novembro.
Aos 11 de Novembro de 1820, ajunctando-se no Pa-
lácio do Governo o muito Honrado Juiz do Povo desta
cidade de Lisboa, Joaõ Alves, o seu Escrivão Veríssi-
mo José da Veiga, e os generaes, e commandantes de
corpos, abaixo mencionados, e fazendo convocar os Mem-
bros da Juncta Provisional do Governo Supremo do
Reyno, entrando á sala das sessoens o mesmo Honrado
Juiz do Povo, e seu Escrivão, acompanhados de uma
Deputaçaõ do referidos generaes, e chefes militares,
apresentaram ao Governo a representação por elles as-
signada.
E logo os Membros da Juncta Provisional do Governo
Supremo do Reyno, que foram presentes, junctamente
com os novos nomeados disseram, que accediam a todos
os artigos propostos na dieta representação, e pondo as
632 Política.
maõs nos Sanctos Evangelhos, juraram observar e prac-
ticar, o que nos dictos Artigos se requeria, de que man-
daram fazer este Termo por elles assignado.
V. P. Antonio da Silvera Pinto da Fonseca.
Conde de Saõ Paio.
Conde de Penafiel.
Mathias José Dias Azedo.
Herrnano José Braamcamp do Sobral.
Pedro Leite Pereira de Mello.
Fr. Francisco de S. Luiz.
Manoel Fernandez Thomaz
José Joaquim Ferreira de Moura.
José Manoel Ferreira de Sousa e Castro.

Portaria.

Sendo tam repetidas as queixas, que se tem feito, con-


tra o actual estabelecimento da Juncta da Saúde Publica;
equerendo a Juncta Provisional do Governo Supremo do
Reyno entrar no perfeito conhecimento dos abusos, que
de facto existirem na administração e serviço de um
objecto de tam grave importância; e prover a favor de
todos os melhoramentos de que elle for susceptível: ha
por bem nomear uma Commissaõ encarregada de exami-
nar, corrigir, suspender, ou approvar o que se acha
estabelecido, e propor o plano, que parecer mais apro-
priado á situação dos nossos portos, afim de evitar que
por elles entre no Reyno alguma moléstia contagiosa,
que lavre em os outros paizes, ou que dentro delle ori-
gine alguma epidemia, procedida da falta de cuidado, c
policia sobre muitas cousas que o Povo despreza, e que
atáçam surdamente a saúde dos homens. As pessoas de
que ha decompor-se esta commissaõ seraõ as seguintes;
Política. 633
como Presidente Luiz Monteiro de Lima, Deputado da
Juncta da convoçaõ das Cortes, e como vogaes, Carlos
May Chefe de Esquadra Graduado, Inspector do Arsenal
Real da Marinha, e Deputado da actual Juncta da Saúde,
Luiz José de Carvallo, Desembargador daRelaçaõ de Lis-
boa ; Francisco José de Almeida, Medico da câmara de
S. Magestade; e Francisco Elias Rodrigues da Silveira,
também da faculdade de Medicina; os quaes desde logo
começarão a entender sobre as particularidades este serviço,
o mais interessante á utilidade do publico, providencian-
do em tudo o que for de uma necessidade instante, e
dando immediatamente parte ao Governo pela competente
Secretaria. Ficarão por tanto suspensas inteiramente as
funçoens da Provedoria Mor, e actual Juncta da Saúde.
As authoridades, a quem distribuíam as suas ordens, e
bem assim todos empregados, que ihes seiaõ sujeitos da
mesma sorte, obedecerão a tudo quanto lhes determinar
a Commissaõ. O Tenente General Mathias José Dias
Azedo, Conselherio de Guerra, e Secretario dos Negócios
da Guerra e Marinha, assim a faça executar. Palácio
do Governo, em 10 de Novembro de 1820..
Com sette Rubricas dos Membros da Juncta Provisio-
nal do Governo Supremo do Reyno.

Proclamaçaõ do General em chefe do Exercito do Norte.

Habitantes de Lisboa. O meu caracter de firme, e des-


interessado exige, que vos falle em toda a extençaõ de
franqueza, e que tanto he devida aquelle com que â frente
do vosso exercito foi recebido por vós nesta capital. Ac-
creditai que em toda a minha carreira militar ainda naõ
dei passos, que naõ fossem legitimados. Examinai-os.
634 Política.
As vossas propriedades oflendidas, os vossos direitos
atropelados, a nossa Pátria, e o nosso bom Rey illudido,
foram os imperiosos motivos d' aceitar o commando do
exercito, que primeiro soltou a voz da liberdade permit-
tida na ordem social: naõ desejo elevaçoens contrarias
ao meu gênio, e sereis convencidos, no momento em que
a naçaõ, e o throno naõ tenham que recear dos seus ini-
migos internos.
Sabeis que vós mesmos pelo vosso muito honrado
Juiz e Escrivão do Povo, e que a valorosa tropa da Guar-
niçaõ de Lisboa, haviam insinuado ao Governo Supremo,
temporariamente erigido, os nossos desejos relativamente
ás Cortes; e sabeis igualmente, que a pluralidade de vo-
tos do mesmo Governo abandonou as vossas rogativas:
tranquillo presiste até ao momento em que a vossa magoa
chegou a meu conhecimento, pelo vosso muito honrado
Juiz, e Escrivão do Povo, assim como a representação do
Exercito Nacional.
Julguei do meu mais sagrado dever apoiar a vossa
causa com o movimento, e juneçaõ da tropa do meu
commando, no dia 11 do corrente, e rogar aos meus
bravos companheiros d'armas desta capital o seu applau-
so, e approvaçaõ.
Todos uns, todos soldados, e todos cidadãos da mesma
naçaõ advogamos os vossos direitos oifendidos, e em
uniaõ comvosco prestámos o juramento ás leys estabele-
lecidas pela constituição de Hespanha, com aquellas al-
teraçoens liberaes, que houverem de fazer as nossas
Cortes. Naõ era de suppôr, que a pertinácia dos votos
contra os vossos desejos deixasse de ter o fundamento de
qualquer apoio; tomei as medidas de precaução para evi-
tar os vosos desastres, e as desgraçadas calamidades, que
a malícia dos perversos poderia amontoar sobre os ver-
dadeiros e saõs Portuguezes. A imprevista casualidade,
Política. 635

que haveis notado na Artilheria, naõ offendeo certamente


a vossa circumspeeçaõ, como penetrou meu coroaçaõ
do mais profundo sentimento, e muito principalmente
por subministrar aos malévolos a idéa de subverter a
sanidade das minhas intençoens.
Portuguezes, resta-me a satisfacçaõ, que vós presen-
ciasteis a subordinação e disciplina dos soldados; que
vos respeitaram como Irmaõs, e que passeasteis seguros
por entre as suas bayonetas, promptas, bem como eu, a
derramar a ultima gota de sangue pela religião de nossos
pays, pela Pátria, e pelo Rey. Lisboa 13 de Novembro
de 1820.
Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda, Marechal
de Campo Commandante em Chefe do Exercito do
Norte.

Proposta para ser apresentada á Juncta Provisional do


Supremo Governo do Reyno, que mostra os desejos, e
opinião do Exercito.

A r t 1. O estado actual da Capital, e a opinião publi-


ca demandam, que novamente entrem no Governo os
Deputados que pediram a sua demissão, para o que naõ
concorreo o Exercito, pois que o Exercito com a Naçaõ
o reconheceo até a instalação das Cortes.
2. Que as Eleiçoens para a escolha dos Deputados em
Cortes, sejam feitas pelo mesmo systema, que na Con-
stituição Hespanhola he prescripto, por ser a opinião
geral da Naçaõ e do Exercito, único motivo, que deo oc-
casiaõ â parada geral do dia 11 de Novembro de 1820.
3. Que tudo o mais que se determina na Constituição
Hespanhola se naõ possa pòr em practica; em quanto nao
Vot.XXV. N \ 151, 4M
636 Política.
se ajunctarem os Deputados das Cortes, e adoptarem a
baze delia, fazendo no mais as alteraçoens, que julgarem
convenientes sendo igualmente liberaes.
(Assignados os Officiaes do Exercito que assistiram)

A Juncta Provisional do Governo Supremo do Reyno aos


Habitantes de Lisboa.

Illustres Habitantes de Lisboa. Conhecidos saõ a to-


dos vós os acontecimentos do dia 11 do corrente mez de
Novembro, que presenciastes nesta Capital. O Governo,
que muito em particular participou da profunda mágoa,
que entaõ sentiiam todos os leaes Portuguezes, naõ deve
agora avivar em vossos coraçoens tam penosa recorda-
ção.
Naõ he novo na Historia das grandes commoçoens Po-
líticas, que a boa fé do homem mais distincto por sua
honra, probidade, e zelo patriótico, seja desgraçadamente
illudida porartificiosas prevençoens, que a sua nobre fran-
queza nem ousa suspeitar; e que muitas vezes, a seu
pezar, o conduzem a passos tarn arriscados em sua exe-
cução, quanto funestos em suas conseqüências.
O diall de Novembro offereceo aos Portuguezes cons-
ternados, e subministrarâ á historia mais um exemplo de
tam triste verdade. Mas a benéfica Providencia, que pa-
rece vigiar com especial cuidado sobre este Povo hon-
rado e virtuoso, fez um novo milagre em favor delle, e
no meio do mais ímminente risco desviou de cima de
nós os tremendos desastres, que nos ameaçaram. Tudo
entrou na ordem : tudo se restituio á precedente regula-
ridade : tudo esta em quietaçaõ e socego.
O illustre General, que por um instante se deixou hal-
lucinar, e cujas rectissimas intençoens, e notórios senti-
Política. 637
mentos foram, por maligna influencia desviados do seu
verdadeiro objecto, vem de dar o mais bello exemplo
d' aquella sólida grandeza de alma, que faz o heroe mili-
litar superior ás suas próprias victorias, superior a si
mesmo. Elle sabe, e reconhece, que a gloria das Armas
he inseparável do respeito ás leys, e à authoridade, que
tem a seu cargo fazellas executar.
0 bravo Exercito, que tantos louros tem adquirido em
todo o tempo por seu estremado valor, e que nos memo-
ráveis dias 24 de Agosto, e 15 de Septembro se cubrio de
immortal gloria pelo seu nobre e heróico patriotismo, fez
o seu dever obedecendo. Esta he a divida do Soldado
honrado. A sua reputação he sem mancha aos olhos
dos habitantes de Lisboa, aos*olhos de todos os Portu-
guezes. Elle jamais soube desviar-se do caminho da
honra, nem relaxar os estreitos e preciosos vínculos que
o unem, de uma parte ao Povo, pela unidade de interesses,
pelos direitos de fraternidade; e de outra parte ao Go-
verno, e ás authoridades legitimas, pelo severo dever da
subordinação, e da obediência.
O Governo naõ deve nem pode recusar ao illustre Ge-
neral e a todo Exercito a porçaõ de justo louvor, e
agradecimento, que respectivamente, lhes compete pela
unanime, virtuosa, e activa cooperação, que emprega-
ram na manutenção da boa ordem, e na restituição da
paz publica da capital.
Mas o mesmo Governo, quando deseja elogiar, louvar
e agradecer o espirito de moderação, e prudência, que
o Povo de Lisboa, os dignos e honrados Habitantes da
capital manifestaram em crise tam difficil, naõ acha ex-
pressoens, que igualem os seus sentimentos; porque
nehumas ha também, que pintem com sufficiente ener-
gia a temperança e quietaçaõ deste povo fiel, e ami-
godas Leys, no meio da terrível, e súbita apprehensaõ
638 Lohiica.
de males imminentes, que lhe eram desconhecidos, e da
perda dos bens mais preciosos e mais caros aos verdadei-
ros Portuguezes—a sua liberdade, e a sua dignidade.—
Habitantes de Lisboa! continuai tranquillos, como
tendes feito. Os vossos Irmaõs de todas as Provincias, a
Europa imparcial, o mundo inteiro fará justiça às vos-
sas viitude patrióticas, e vos pagará o devido tributo
de sua admiração. O Governo cada vez mais firme, e
consolidado pelos acontecimentos dos precedentes dias,
e pela cordial e generosa adhesaõ do Exercito, cada vez
mais unido a vós pelo seu dever e gratidão, cada vez
mais penhorado pela -vossa honrosa confiança, susten-
tentarà intrépido os vossos direitos, que saõ os de todos
os Portuguezes; manterá com inviolável fidelidade os foros
sagrados da Justiça, e da virtude; e derramará, se ne-
cessário for, o seu sangue em defeza da Pátria, do
Rey, da Constituição, e da publica liberdade. Lisboa
Palácio do Governo 18 de Novembro de 1820.
Conde de S. Payo.
Mathias José Dias Azedo.
Pedro Leite Pereira de Mello
Fr. Francisco de S. Luiz.
José Joaquim Ferreira do Moura.
Conde de Penafiel.
Herrnano José Braamcamp do Sobral.
Francisco de Souza Cirne de Madureira.
Manoel Fernandes Thomas
José Manoel Ferreira de Sousa e Castro

Aos Illustrissimos e Excellentissimos Senhores Manoel


Fernandez Thomas, Fr. Francisco de S. Luiz, José Joa-
quim Ferreira de Moura, e Herrnano José Braamcamp do
Política. 63£>
Sobral se tinha dirigido no dia 17 do corrente por ordem
do Governo o Officio seguinte:
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor:—A Juncta
do Governo Supremo do Reyno manda remetter ao co-
nhecimento de Vossa Excellencia a copia inclusa da pro-
proposta feita pelo Conselho Militar, congregado no Quar-
tel General do Marechal de Campo Gaspar Teixeira de
Magalhaens e Lacerda ; e espera que Vossa Excellencia
no dia de amanhã 18 do corrente mez, concorra na ses-
saõ que determinou se fizesse, para de novo entrarem to-
dos os seus Membros no exercício das mesmas func-
çoens, de que está dependendo a tranquillidade da Pátria.
Manda também transmittirá Vossa Excellencia as copias
Junctas do Officio, que acaba de receber do Vice Presi-
dente Antonio da Silveira Pinto da Fonseca, e da respos-
ta a elle relativa. Esta feliz reunião he a prova mais
incontestável do verdadeiro espirito da opinião publica.
Deos guarde a Vossa Excellencia. Palácio do Governo
17 de Novembro de 1820.
José Manoel Ferreira de Souza e Castro."

Illustrissimos e Excellentissimos Senhores :—A febre


nervosa, que soffro ha muitos dias, tem-se aggravado de
forma que arrisca a minha vida, segundo o voto do hábil
Facultativo que me tracta, se eu naõ sahir com brevidade
para os ares do campo, aonde possa tomar os remédios
próprios d'esta perigosa moléstia; naõ podendo por isso
continuar as honrosas funçoens, que exercia nesse Go-
Governo, antes de trinta ou quarenta dias; e devendo
ellas cessar legalmente dentro deste espaço de tempo pela
convocação das próximas Cortes; naõ pôde ser julgada
640 Política.
intempestiva, nem mal fundada a demisaõ que agora
peço, para poder ir recuperar em quanto he tempo, nos
ares pátrios, a minha saúde perdida. Vendo a minha
Pátria salva, e 6alvo o Throno da Augusta Casa de Bra-
gança, com o juramento prestado solemnemente aos prin-
cípios e bazes fundamentaes da Constituição Hespanho-
la, assim como ao methodo das suas eleiçoens.
Toda a minha ambição está satisfeita; e nenhum outro
objecto me propuz desde o primeiro momento, em que no
mez de Março próximo passado entrevi a esperança de
ver realizada esta segurança e felicidade da minha Pátria;
accrescendo ao referido o naõ poder fazer falta o meu voto
entre os sábios e importantes votos que ficam: eu me li-
songeio de obter, ou a justa demissão que imploro, ou ao
menos uma licença de quarenta dias, para poder restabe-
lecer a minha saúde.
Resta-me agradecer a VV. EE. por este modo, naõ o
podendo fazer pessoalmente como desejava, o favor e at-
tençaõ com que tam generosamente me honraram, á
qual serei constantemente reconhecido, e votando arden-
temente pela prosperidade de VV. EE., da nossa amada
Pátria, e do nosso Augusto Soberano. Deos guarde a
VV. EE. muitos annos. Casa dos Acyprestes 16 de No-
vembro de 1820.
Antonio da Silveira Pinto.
Illustrissimos c Excellentissimos Senhores Presidente,
e Deputados do Supremo Governo do Reyno.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor: Levando ao


conhecimento da Juncta Provisional do Governo Supre-
mo do Reyno o officio de Vossa Excellencia, a mesma
Juncta me encarrega de dizer-lhe, que sentido o padeci-
mento de Vossa Excellencia, naõ se julga todavia autho-
Política. 641
rizada para aceitar, nem para denegar-lhe sua demissão;
e isto pelos mesmos princípios, que de accordo com
Vossa Excellencia tomou no dia treze por fundamento
de uma igual deliberação, quando quatro de seus benemé-
ritos Membros requerêram similhantes demissoenç, e de
cuja cooperação por nenhuma maneira se privaria, se
lhe fosse licito defirir-lhes negativamente.
O tractamento porém da saúde de Vossa Excellencia
poderá legitimar aquillo, que a Juncta Provisional do Go-
verno naõ pôde conceder; e esta folgará com a boa nova
do restabelicimento de Vossa Excellencia. Deos guarde
a Vossa Excellencia. Palácio do Governo em 17 de No-
vembro de 1820.
José Manoel Ferreira de Sousa e Castro.
Senhor Antonio da Silveira Pinto da Fonesca.

Illustrissimo Senhor Gregorio Gomes da Silva. Com a


minha moléstia se tem aggravado, larguei já hoje a pasta
dos Negócios Estrangeiros, por um officio que dirigi ao
Governo por via de S. E. o Senhor Ministro encarregado
dos Negócios do Reyno, Jozé Manoel Ferreira de Souza e
Castro: consequentemente já naõ posso assignar este
passaporte, que torno a remetter, e muito mais sabendo
agora com muito gosto que S. E. o Senhor Braamcamp
voltou ao Governo. Accrescendo que sou de V. S. atten-
to venerador.
A N T Ô N I O DA S I L V E I R A .
Casa dos Acy prestes 18 de Novembro de 1820.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor:—Apresso-me


«•n participar a Vossa Excellencia, para poder informar
642 Política.

o Governo, que eu recebi com a estimação e respeito


devido a resposta ao meu officio da data de hontem, que
Vossa Excellencia teve a bondade de enviar-me esta tar-
de.
Na impossibilidade de obter a demissão, que a minha
saúde necessita, ou ao menos uma licença de vinte ou
trinta dias para ir tomar os ares do campo, eu me resig-
no a estas circumstancias; e consequentemente no mesmo
instante, em que me for permittido pelo hábil facultativo
que me tracta, irei continuar as minhas funcçoens quanto
for possivel.
Naõ posso também dispensar-me de rogar a attençaõ
do Governo por via de Vossa Excellencia, sobre a pasta
dos Negócios Estrangeiros, que por elle me foi destinada
contra a minha vontade e insuííiciencia, e que aceitei so-
mente por naõ haver quem delia se quizesse encarregar.
A minha moléstia, cuja duração he incerta, e o ter eu
sabido de homens doutos e intelligentes que eu naõ posso
exercer estas funcçoens conjunetamente com aquellas
outras de Vice-Presidente, induz-me a rogar mui respei-
tosamente ao Governo queira dispensar-me da dieta pas-
ta, attentas as razoens ponderadas; e até a mesmo man-
dallo publicar no Diário para intelligcncia do Publico.
Entretanto, renovando o meu respeito e obediência ao
Governo, repito que sou com a mais perfeita estima—
De Vossa Excellencia.
(Assignado) A N T Ô N I O DA S I L V E I R A P I N T O .
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor J O Z E MANOEL
F E R R E I R A D E SOUZA E C A S T R O .

Casa dos Acyprestes 17 de Novembro de 1820.


Política. [643] 633
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor:—Tendo Vossa
F.xcellencia, pedido no dia 16 do corrente a sua demissão,
e na falta delia a licença pelo tempo da existência do ac-
tual Governo provisório; e naõ se podendo duvidar, de-
pois deste passo dado por Vossa Excellencia, e da res-
posta, que em conseqüência delle recebeo, que a sua von-
tade fosse naõ tornar a occupar mais o lugar, que tinha
no mesmo Governo, principalmente depois de ser essa
vontade um resultado dos acontecimentos, que foram pú-
blicos nesta Capital em o referido dia, e nos antecedentes,
constando agora que Vossa Excellencia, sem embargo
disso, projectava voltar hoje ao exercício de suas func-
çoens, que tam solemnemente abdicara, e que j á naõ lhe
era permittido reassumir sem manifesta contradicçaõ com
seu próprio facto, e sem uma inevitável perturbação da
ordem, e socego publico da mesma Capital, ameaçada
de horrorosas calamidades por tam inesperado successo.
A Juncta Provisioriado Supremo Governo do Reyno, em
attençaõ ao referrido, e a que só na certeza de tal abdi-
cação, foi que os quatro Membros do Governo, chamados
novamente a elle, convieram em continuar a servir a Pa-
Patria, na posição em que os deixara o dia 10 do cor-
rente; ordena, (em exercício do poder que a Nacaõ lhe
confiara,) que Vossa Excellencia saia em duas horas
desta cidade para a sua quinta de Canellas, na Comarca
de Villa Real, naõ se demorando em parte alguma senaõ
aquelle tempo, que for necessário para sua commodidade
em jornadas regulares, participando, pela Secretaria com-
petente, a sua chegada; e ficando na intelligencia de que
sem licença da Juncta naõ deve sahir mais da mesma
quinta.
Para segurança da pessoa de Vossa Excellencia, em
quanto naõ sahe da cidade, a Juncta tem dado as provi-
VOL. XXV. N°. 151. 4 N
644 Política.
dencias necessárias, a fim de que Vossa Excelleucia seja
accompanhado até a distancia três legoas com uma
escolta de cavallaria.
Deos guarde a Vossa Excellencia. Palácio do Governo
em 20 de Novembro de 1820.
Manoel Femandez Thomas.
Senhor Antonio da Silveira Pinto da Fonesca.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.—A Juncta


Provisional do Governo Supremo do Reyno, desejando
accelerar, quanto for possivel, os trabalhos, que devem
servir para a mais fácil, e mais prompta organização da
Constituição Política de Portugal, sobre as bases funda-
mentaes da Constituição da Monarchia Hespanhola,
com a modificacoens, e alteraçoens, que forem apropria-
das ás differentes circumstancias deste Reyno; com tanto
porém, que ellas sejam igualmente liberaes: ordena que
Vossa Excellencia faça convocar, sem demora, a Juncta
Provisional Preparatória das Cortes, para continuar, com
a maior actividade, nos mesmos trabalhos, fazendo, quan-
do seja necessário, sessoens extraordinárias, e propondo
tudo quanto lhe parecer conveniente, para que esta im-
portante Commissaõ satisfaça tam plenamente como a
Naçaõ deseja.
E na impossibilidade de continuar a ser Presidente
o Conde de Sampaio, por se achar nomeado para Vice-
Presidente desta Juncta; ella ordena, que Vossa Excel-
lencia presida as referidas Sessoens.
Deos guarde a Vossa Excellencia. Palácio do Go-
verno em 20 de Novembro de 1820.
Manoel Fernandes Thomas
Senhor Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira.
Política. [645] 654

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor:—Tendo Vossa


Excellencia um pleno cconhecimento do que se passou no
dia 11 do corrente, em que os Senhores Officiaes das
da Guarniçaõ desta Capital, e do exercito do meu Co m
mando, me nomearam Commandante em Chefe da Força
Armada, tanto contra a minha expressa vontade, que de-
pois das mais instantes escusas, pedi-lhes ao menos, que
me deixassem ali mesmo escrever ao Supremo Gover-
no do Reyno uma nota (a qual me naõ foi permittida)
em que eu mostrasse os motivos justos que me obriga-
vam a naõ acceitar a sobredicta nomeação: rogo por
isso a Vossa Excellencia, que seja servido levar ao co-
nhecimento do mesmo supremo Governo do Reyno, que
alem da minha falta de conhecimentos para tam alto en-
cargo, assistem-me razoens tam poderosas para a minha
escusa, a bem da felicidade da Naçaõ, que, de nenhum
modo poso acceitar e exercer aquella nomeação.
Deos guarde a Vossa Excellencia.—Quartel General
das Necessidades, 18 de Novembro de 1820.
Gaspar Teixeira de Magalhães Lacerda, Marechal de
Campo Commandante em chefe do Exercito do Norte.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Matthias José
Dias Azedo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.-—Levei ao


cochecimento do Governo Supremo do Reyno o Of-
ficio, que Vossa Excellencia me dirigio em data de
antes de hontem 18 de Novembro. O Governo fica
na intelligencia do seu conteúdo; e observando nas mo-
destas expressoens de Vossa Excellencia uma nova
646 Politka.
prova, naõ só de seus nobres e elevados sentimentos;
mas também do seu reconhecido zelo pela felicidade da
naçaõ, e das puras e rectissimas intençoens, que tem
em pre dirigido, e regulado os procedimentos de Vossa
Excellencia, me ordena, que eu dê a Vossa Exc«llencia
da sua parte o mais expressivo testemunho de louvor, e
agradecimento, e lhe assegura quanto lhe será grata qual-
quer occasiaõ de mostrar o justo apreço, que faz dos rele-
vantes méritos de Vossa Excellencia, como militar, e das
suas generosas virtudes como Cidadão.
Deos guarde a Vossa Excellencia Palácio do Gover-
em 20 de Novembro de 1820.
Mathias José Dias Azedo.
Senhor Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda.

Portaria.
Sendo da maior importância cuidar em restabelecera
organização, e disciplina do Exercito: a Juncta Provisio-
nal do Governo Supremo do Reyno ha por bem crear uma
Commissaõ Militar, para desde logo se oecupar em pro-
por todas as providencias, que julgar convenientes á con-
stituição, serviço, e manutenção dos Corpos de que se
compõem as differentes armas; a fim de que, sendo ap-
provados pelo Governo os projectos, e medidas, que a
mesma Commissaõ lhe apresentar, se mandem logo expe-
dir pela Secretaria do Negócios da Guerra, as ordens
tendenles á sua execução. Os Membros de que será
cemposta esta Commissaõ saõ os seguintes: O Marechal
de Campo Gaspar Teixeira de Magalhaens e Lacerda,
como Presidente: como Vogaes, osMarechaes ileCampo
Jozé de Vasconcellos e Sà, e Álvaro Xavier da Fonseca
Coutiiiho e Povoas, os Brigadeiros Francisco de Pauladc
Política. 647
Azeredo, e Jozé Maria úc Moura, o Coronel Bernardo
Corrêa de Castro Sepulveda, e o Major do Real Corpo
de Engenheiros, Francisco Simões Margiochi; e como
Secretario o Capitão Agostinho .Tozó Freire. A Commis-
saõ assim estabelecida entrará logo no exercício das suas
funcçoens, e proporá os planos e melhoramentos, que a
bem do fim, para que he creada, julgar convenientes.
O Tenente General Mathias Jozé Dias Azedo, Conselhei-
ro de Guerra, e Secretario dos Negócios da Guerra e
Marinha assim o faça executar com os despachos neces-
sários. Palácio do Governo em 20 de Novembro de
1820.
Com as Rubricas dos Membros da Juncta Provisional
do Governo Supremo do Reyno.

Circular, sobre as eleiçoens para as Cortes.

Rcmêtto a V. M. as novas instrucçoens, pelas quaes se


deve regular a eleição dos Compromissarios, Eleitores, e
Deputados das Cortes Extraordinárias, ficando sem effei-
to as que lhe dirigi com aviso de 8 do corrente.
A primeira columna destas instrucçoens he a traduc-
çaõ literal da Constituição Hespanhola, e a segunda con-
tem as modificacoens, que pareceram necessárias, em
nossas particulares circumstancias, ficando em tudo o
mais applicaveis nesta parte os artigos da mesma Cons-
tituição, traduzidos nas referidas instrucçoens.
Os Artigos relativos aos Dominios Ultramarinos, que
agora naõ saõ applicaveis, o seraõ, logo que os seus ha-
bitantes queiram espontaneamente acceder aos votos ge-
raes do povo Portuguez, e para naõ fazer confusão, foi
que nesta parte se fizeram as declaraçoens notadas á mar-
gem.
648 Política.

V. M. deve ficar entendendo, que naõ ha tempo para


fazer perguntas ao Governo, sobre a extençaõ das referi-
das instrucçoens, e he de crer que nem seja necessário
fazèllas; porém quando alguma duvida se offereça, com
qualquer reflexão e conselho de pessoas entendidas, V.
M. pôde ficar nas circumstancias de se deliberar; de
modo que as eleiçoens se façam infallivelmente nos dias
aprazados, e indicados nas instrucçoens.
No caso de naõ ser possivel concluir algumas das elei-
çoens nos domingos, que estaõ aprazados, devera conti-
nuar a fazer-se successivamente, e sem interrupção na
segunda feira, e nos mais dias da semana, de modo que
naõ haja senaõ aquella alteração, que uma imperiosa ne-
cessidade absolutamente exigir.
O lugar para a reunião dos Deputados das Cortes he
esta capital, como ja se acha decidido, e o dia desta re-
união he o mesmo dia d de Janeiro de 1821, como tam-
bém se achava decidido, e indicado nas primeiras instruc-
çoens.
Deus guarde a V. M. muitos annos. Lisboa 22 de
Novembro de 1820.
M A N U E L FBRXANDE6 THOMAZ.

Instrucçoens para as Eleiçoens dos Deputados das Cor-


tes, segundo o methodo estabelecido na Constituição
Hespanhola.

Capitulo I.

Do modo de formar as Cortes.

Artigos da Constituição Hespanhola.

A rt. 27. Cortes saõ: a reunião de todos os Deputados


Política. 649
que representam a Naçaõ, nomeados pelos cidadãos, na
forma que ao diante se dirá.
28. A baze da representação nacional he a mesma em
ambos os hemispherios.
29. Esta baze he a população composta dos indivíduos,
que pelas duas linhas saõ oririados dos dominios Hespa-
nhoes, dos que tiverem obtido carta de cidadão das Cortes,
e dos comprehendidos nas disposiçoens do artigo 21, que
diz assim. " Saõ outro sim cidadãos os filhos legítimos
dos estrangeiros domiciliados nas Hespanhas, que tendo
nascido em dominios Hespauhoes nunca os tiverem dei-
xado sem licença do Governo, e que tendo 21 annos com-
pletos se domiciliarem em qualquer povoaçaõ dos dictos
dominios, exercendo nella algum emprego, officio, ou
occupaçaõ útil.'
30. Para o calculo da Povoaçaõ dos dominios Europe-
os, servirá o ultimo cadastro do anno de 1797, até que
possa formar-se outro; e formar-se-ha o conrespondente ao
calculo dos dominios ultramarinos, servindo entretanto
os mais authenticos cadastros ultimamente formados.
Ad. Para o Calculo da nossa povoaçaõ servirá o Re-
senceamento de 1801, em quanto se naõ forma outro
mais exacto.
31. Toda a povoaçaõ composta de 70.000 almas, como
fica disposto no art. 29, terá um Deputado nas Cortes.
Ad. Para que a naçaõ Portugueza goze de uma repre-
sentação, que preencha cabalmente o seu destino, cum-
que o numero dos Deputados naõ desça de cem : haverá
pois para cada 30.000 almas um Deputado.
32. Distribuída a população pelas differentes Provin-
cias, se em alguma houver um excesso maior que 35.000
almas, eleger-se-ha mais um Deputado, como se o nume-
6õ0 Política.
ro chegasse a 70.000, se porém o excesso naõ passar de
35.000, tal Deputado naõ terá lugar.
Ad. AppUcando este artigo segundo a alteração do an-
tecedente, quer dizer, que cada provincia ha de dar tan-
tos Deputados, quantas vezes contiver em sua povoaçaõ
o numero de 30.000 almas; e que se por fim restar um
excesso que chegue a 15.000 almas, dará mais um depu-
tado; e naõ chegando o excesso da povoaçaõ a 15.000
almas naõ se contará com elle.

3. A provincia, cuja povoaçaõ naõ chegar a 70.000


almas; naõ sendo inferior a 60.000 elegerá o seu Depu-
tado ; se porém for menor, unir-se-ha á immediata para
completar o de 70 requerido. Exceptua-se a Ilha de S.
Domingos, que nomeará sempre um Deputado, seja qual
for a sua povoaçaõ.

Ad. Este artigo naõ pôde ter applicaçaõ a Portugal,


visto naõ haver no Reyno Provincia alguma, que naõ
exceda muito a 70.000 almas.

Capitulo II.
Da nomeação dos Deputados das Cortes.

34. Para a eleição dos Deputados de Cortes se deverão


formar Junctas eleitoracs de Freguezias, Commarcas e
Provincias.

Capitulo I I I .
Das Junctas Electoraes de Freguezias.
35. As Junctas Electoraes de Freguezias, seraõ com-
postas de todos os cidadãos domiciliados c residentes no
Política. 651
território da respectiva Freguezia, em cujo numero seraõ
comprehendidos os Ecclesiasticos seculares.
36. Estas Junctas seraõ sempre celebradas na Península,
ilhas e dominios adjacentes, no primeiro domingo do mez
de Outubro do anno anterior ao da celebração das Cortes.

Ad. Pelo que respeita ao anno de 1820, seraõ celebra-


das as Junctas eleitoraes de Freguezias, no segundo do-
mingo no mez de Dezembro.

37 Nos dominios Ultramarinos seraõ convocadas no


primeiro domingo do mez de Dezembro, 15 mezes antes
da celebração das Cortes, e em virtude de um Avizo,
que paia tal effeito lhes deve anticipadamente ser diri-
gido pela authoridade competente.
Ad. Naõ tem por agora applicaçaõ.
38. Nas Junctas ou assembléas parochiaes, será nome-
ado um Eleitor parochial, por cada 200 fogos.
39. Se o numero dos fogos da Freguezia exceder a 300
c naõ chegar a 400, nomear-se-haõ dous Eleitores; exce-
dendo de 500, ainda que naõ chegue a 600, nomear-se-
haõ três, e assim progressivamente.
40. Nas Paiochias, cujos fogos naõ chegarem a 200,
com tanto que tenham 150, será nomeado um Eleitor;
naquellas em que se naõ achar este numero, os seus mo-
radores se ajunetaraõ aos da Freguezia immediata, para
nomear o Eleitor, ou Eleitores, que lhe conresponderem.
41. A assemblea parochial nomeará à pluralidade dos
votos onze Compromissarios, que devem nomear o Elei-
tor Parochial.
42. Se em uma assemblea Parochial houverem de no-
mear-se dous eleitores parochiaes, eleger-se-haõ 21 com-
VUL XXV. N-. 151 4 o
652 Política.
promissarios, e se três 3 1 ; mas nunca se poderá exceder
este numero de Compromissarios, a fim de evitar a con-
fusão.
43. Para conciliar a maior commodidade das povoaço-
ens pequenas, se observará que a Freguezia de 20 fogos
eleja um compromissario; a que tiver 30 a 40 dous; a
de 50 a 60 três, *• assim progressivamente. As Fregue-
zias, que tiverem menos de 20 fogos se uniraõ ás imme-
diatamente mais próximas, para elegerem um compro-
missario.
44. Os Compromissarios das Freguezias das povoaço-
ens pequenas assim eleitos, se ajunctaraõ no lugar ou
povo, que melhor lhe convier: e sendo ao todo 11, ou 9
pelo menos, nomearão um Eleitor Parochial; sendo 21
ou 17 pelo menos, nomearão dous; e se forem 31, ou
quando menos 25, nomearão 3 Eleitores, ou os que con-
responderem.
45. As assembléas das Parochias seraõ presididas pela
authoridade política, ou pelo Alcaide da cidade, villa ou
aldea, em que se congregarem, com a assistência do Pa-
rocho, para maior solemnidade do acto; mas se em uma
mesma povoaçaõ houverem duas ou mais assembléas em
razaõ do numero das Freguezias, entaõ uma daquellas
Junctas será presidida pela authoridade civil ou Alcáide:
outra por outro Alcaide, e pelas mais authoridades su-
balternas á sorte.

Ad. Segundo a nossa organização política, a presidên-


cia destas Junctas compete ao Juiz de Fora, Juiz ordi-
nário, e na falta destes aos que fizerem suas vezes. Os
Vereadores poderão também presidir, quando assim o
demande o numero das assembléas parochiaes, e naõ bas-
tando os actuaes. seraõ chamados os do anno passado.
Política. ú\53
47. Chegada a hora <la reunião, a qual se fará nas ca-
sas do Conselho, ou no lugar do custume, achando-se
junctos os cidadãos, que tiverem concorrido, se dirigirão
com o Presidente á Igreja Matriz, e nella celebrará o Pa-
rocho a missa solemne do Espirito Sancto, e fará um dis-
curso análogo ás circumstancias.

Ad. Aonde naõ houver casa do Conselho, ou esta naõ


for sufficiente, a igreja será o lugar destinado à cele-
bração destas assembléas.

48. Acabada a missa, voltarão ao lugar donde tiverem


sahido, e nelle daraõ principio á Juncta, nomeando en-
tre os cidadãos presentes, dous escrutinadores e um Se-
cretario.
49. Depois perguntará o Presidente, se algum cidadão
tem de que queixar-se, relativamente a conloyo ou subor-
no, para que a eleição recaia em pessoa determinada, e
havendo queixa deverá publica e verbalmente verificar-se
no mesmo acto. Verificada a accusaçaõ as pessoas, que
tiverem comettido o delicto, perderão o seu voto activo
e passivo. Os calumniadores soffreraõ a mesma pena; e
deste Juizo naõ se admittirá recurso algum.
50. Suscitando-se duvidas, sobre se alguns dos presen-
tes tem ou naõ as qualidades requeridas para poder vo-
tar, a Juncta as decidirá no mesmo acto, e a sua decisaõ
se executará também sem recurso por esta vez, e para
este fim somente.
51. Immediatamente se procederá â nomeação dos
Compromissarios ; para o que cada um dos cidadãos de-
signará um numero de pessoas, igual ao numero dos
Compromissarios; entaõ e para este fim se aproximará da
meza do Presidente, Escrutinadores e Secretários, e este
na sua presença escreverá em uma lista os nomes das die-
tas pessoas, e tanto neste como em todos os outros actos
654 Política.
ile eleição ninguém poderá votar em si mesmo, sob pena
de perder o direito de votar.
52. Findo este acto o Presidente, Escrutinadores, e
Secretario, verificarão as listas, e o Presidente publicará
em alta voz os nomes dos Compromissarios eleitos pela
pluralidade de votos.
53. Os compromissarios nomeados se retirarão a uma
casa separada, antes da dissolução da Juncta, e conferindo
entre si nomearão o Eleitor ou Eleitores daquella Paro-
chia, ficando eleitos aquelles, que reunirem mais de ame-
tade dos votos. Immediatamente se publicará a nomea-
ção na Juncta.
54. O Secretario lavrará termo, que será assignado por
elle, pelo Presidente e pelos Compromissarios entregan-
do-se à pessoa ou pessoas eleitas uma copia do dicto ter-
mo, igualmente assignada, para fazer constar a sua no-
meação.
55. Nenhum cidadão poderá escusar-se destes encar-
gos, por qualquer motivo ou pretexto que seja.
56. Na Juncta Parochial nenhum cidadão poderá en-
trar com armas.
57. Verificada a nomeação dos Eleitores, a Juncta se
dissolverá immediatamente, e ficará sendo nullo todo e
qualquer outro acto em que ella queira intrometter-se.
58. Os cidadãos, que formaram a Juncta, levando o
Eleitor ou Eleitores entre o Presidente, Escrutinadores,
e Secretario, se dirigirão á Igreja Matriz, aonde se can-
tará um Te Deum solemne.

CAPITULO IV.

Das Junctas Electoraes das Comarcas.

59. As Junctas Electoraes de Comarca se comporão


Poliiica. 655
dos Eleitores Parochiaes, os quaes se reunirão na cabeça
de cada comarca, a fim de nomear o Eleitor ou eleitores,
que haõ de concorrer á Capital da Provincia, para ahi
eleger os Deputados das Cortes.
60. Estas Junctas se convocarão e celebrarão sempre
na Peninsula, ilhas e possessoens adjacentes, no primeiro
domingo do mez de Novembro do anno anterior ao em
que se houverem de celebrar as Cortes.
Ad. As Junctas Eleitoraes de Comarca (pelo que toca
ao presente anno) seraõ celebradas no Domingo próxi-
mo seguinte aquelle, em que o tiverem sido as de Paro-
chia.

61. Nas provincias Ultramarinas se celebrarão no do-


mingo do mez de Janeiro próximo seguinte ao mez de
Dezembro, em qne se tiverem celebrado as Junctas das
Parochias.
Ad. Este artigo naõ tem agora applicaçaõ.
62. Para conhecer o numero de Eleitores, que cada
uma das Comarcas deve nomear, ter-se-haÕ em vista as
regras seguintes.
63. O numero dos Eleitores das Comarcas será o triplo
do dos Deputados, que se hajam de eleger.
64. Se o numero das Comarcas da Provincia for maior
que o dos Eleitores pedidos pelo artigo precedente para
a nomeação dos Deputados» que lhes conrespondam,
isso naõ obstante nomear-se-ha sempre um Eleitor por
cada Comarca.
65. Se o numero das Comarcas for menor, que o dos
Eleitores, que devem nomear-se, cada Comarca nomeará
um, dous ou mais, até completar o numero pedido; po-
rém faltando ainda um Eleitor, será nomeado pela Cornar-
òõo Política.
ca de maior população: faltando outro será nomeado pe-
la immediata em maior população, e assim successiva-
mente.
66. Pelo que fica estabelecido nos artigos 31, 32, 33
e nos três artigos precedentes, o censo determina os De-
putados, que conrespondem a cada provincia, e os Elei-
tores de cada uma das respectivas Comarcas.
Ad. O mappa, que vai juncto a estas instrucçoens,
indica o numero dos Eleitores, que conrespondem a cada
Comarca, e o numero de deputados, que conrespondem a
cada Provincia.

67. As Junctas eleitoraes de Comarcas seraõ presididas


pela authoridade civil, ou primeiro Alcaide da povoa-
çaõ cabeça da Comarca; e a elle se apresentarão os Elei-
tores Parochiaes, com os documentos, que legalizam as
suas eleiçoens, para que os seus nomes sejam lançados
nos livros, em que haõ de exarar-se os Actos da Juncta.

Ad. Ao corregedor ou a quem fizer suas vezes toca o


presidir a estas eleiçoens por ser a authoridade, que
entre nós conresponde â indicada neste artigo 07.

68. No dia determinado, os Eleitores Parochiaes com


o Presidente se ajunetaraõ nos Paços do Conselho e a
portas abertas principiarão pela nomeação de um Secre-
tario, e de dous Escrutinadores escolhidos entre os elei-
tores.
69. Depois apresentarão os Eleitores as suas cartas de
nomeação, para serem examinadas pelo Secretario e Es-
crutinadores, os quaes no dia seguinte deverão informar
se as acharam ou naõ em regra.
As nomeaçoens do secretario e dos Escrutinadores se-
raõ examinadas por uma commissaõ de três indivíduos
Política. 657
da Juncta, nomeados para este effeito, e que igualmente
no seguinte dia informarão sobre este objecto.
70. Neste dia, congregados os Eleitores Parochiaes, se-
raõ lidas as informaçoens sobre as cartas de nomeação, e
tendo-se achado defeito em alguma das qualidades reque-
ridas, a Juncta resolverádiffinitivamente, e em acto con-
tinuo, e a sua resolução se executará sem recurso.
71. Concluído este acto os Eleitores Parochiaes com
o seu Presidente se dirigirão á Igreja principal, aonde a
maior dignidade Ecclesiastica cantará uma missa solem-
ne do Espirito Sancto, e fará um discurso próprio das
circumstancias.
72. Acabado este acto religioso, voltarão â Casa da
Câmara, aonde assentados os Eleitores sem preferencia,
o Secretario lera este capitulo da Constituição; depois do
que oPresidente fará a mesma pergunta de que tractou o
artigo 49; observando tudo quanto nelle se dispõem.
73. Immediatamente se procederá á eleição do Eleitor
ou Eleitores da Comarca, elegendo-os um depois do ou-
tro, e por escrutínio secreto, por meio de bilhetes, nos
quaes esteja escripto o nome da pessoa, que cada um
elege.
74. Recolhidos os votos, o Presidente, Secretario e Es-
crutinadores os apurarão, e ficará eleito aquelle que ti-
ver, quando menos, a metade dos votos e mais um. O
Presidente irá publicando cada uma das eleiçoens. Se nin-
guém tiver tido pluralidade absoluta de votos, os dous em
que houver recaído o maior numero entrarão em segun-
do escrütinio, e ficará eleito o que reunir maior numero
de votos. A sorte decidirá o empate havendo-o.
75. Para ser eleitor de Comarca, he preciso ser cida-
dão, estar em exercício dos seus direitos, ser maior de
25 annos, domiciliado, e residente na Comarca, seja
Qual for o seu estado, ou secular, ou ecclesiaslico secular,
658 Política,
podendo recair a eleição nos cidadãos, que compõem a
Juncta, ou nos que naõ entram nella.
76. O Secretario escreverá n'um livro o acto da Elei-
ção, e o assignará junetamente com o Presidente e Es-
crutinadores; e delle se dará uma copia, igualmente as-
signada pelos sobredictos, a pessoa ou pessoas eleitas
para fazer constar a sua nomeação. O Presidente desta
Juncta remetterá uma igual copia, assignada por elle e
pelo Secretario, ao Presidente da Juncta da Provincia,
aonde se fará notória a Eleição nos papeis públicos.

Ad. A copia do acto das eleiçoens de Comarca será re-


mettida á authoridade civil mais graduada da Capital da
Provincia.
Ad. Em vez da publicação nos papeis públicos, se fará
publica a eleição por edictaes na capital da Província.

77. Nas Junctas Electoraes de Comarcas se observarão


as mesmas disposiçoens, que os artigos 55, 56 57, e 58
prescrevem para as Junctas Eleitoraes de Parochia.

Capitulo V.
Das Junctas Electoraes de Provincia.
78. As Junctas Electoraes de Provincia constarão dos
eleitores de todas as Comarcas delia, os quaes se congrega-
rão na Capital, para ali nomearem 09 Deputados, que
devem assistir ás Cortes, como representantes da Naçaõ.
79. Estas Junctas deverão celebrar-se sempre, na Penín-
sula e ilhas adjacentes, 110 primeiro domingo do mez de
Dezembro do anno anterior ás Cortes.

Ad. As Junctas Eleitoraes de Provincia, respectivas ao


presente anno, teraõ lugar em o domingo próximo sêgkin-
Política. «59
te á celebração das assembléas eleitoraes de Comarca.

80. Nas possessoens altramarinas se celebrarão no se-


gundo domingo do mez de Março do mesmo anno em
que se celebrarem as Junctas de Comarca.

Ad. Este artigo naõ tem por ora applicaçaõ,

81. Presidirá a Estas Junctas a authoridade civil da


Capital da Provincia, à qual se apresentarão os Eleitores
das Comarcas, com os documentos das suas eleiçoens,
para que se notem os seus nomes no livro, em que haõ
de exarar-se as Actas da Juncta.

Ad. Como naõ temos Chefe Politico de Provincia,


cumpre que a Juncta Eleitoral de Provincia eleja d'
etre si Presidente â pluralidade de votos: e presidirá a
esta eleição a authoridade civil mais graduada da Capi-
tal.

82. No dia aprazado, os Eleitores das Comarcas, com


o seu Presidente, se ajunctaraõ nos paços do Concelho,
ou no edifício mais próprio, para acto tam solemne; e
ali, estando abertas as portas, nomearão um Secretario
e dous Escrutinadores, á pluralidade de votos e do nu-
mero dos Eleitores.
83. A Provincia, que naõ deva ter mais de um Depu-
tado, terá pelo menos cinco eleitores para a sua nomea-
ção, para o que este numero se dividirá pelas comar-
cas, que a formarem, ou se formarão as precisas para
este fim.

Ad. Nao ha provincia em Portugal a que seja appli-


cavel este artigo,
V O L XXV. N». 151 4P
CQO Política.

84. Seraõ lidos os quatro capítulos desta Constituição,


que tractam das eleiçoens. Depois seraõ lidas as cer.
tidoens dos Autos das Eleiçoens, feitas nas cabeças de
comarcas, e que foram remettidas pelos respectivos Pre-
sidentes : os Eleitores apresentarão outro sim as certi-
doens das suas nomeaçoens, para serem examinadas pelo
Secretario e Escrutinadores, os quaes no dia seguinte in-
formarão sobre a sua regularidade. As certidoens da
nomeação do Secretario e dos Escrutinadores seraõ exa-
rei nadas por uma commissaõ de três membros da Junc-
ta, nomeados para este fim, os quaes também no dia,
seguinte daraõ a sua informação sobre aquelle objecto.
85. Neste diajunctos os Eleitores se leraõ as informa-
çoens, e, se nellas se tiver achado defeito, ou nos eleitores
carência de algumas das requeridas qualidades, a Juncta
resolverá immediatamente, e sem discontinuar : esta
resolução se executará sem recurso.
86. Immediatamente depois, os Eleitores das Comar-
cas com o seu Presidente, se dirigirão á Igreja Cathedral,
na qual Be cantará uma missa solemne do Espirito Sancto,
e o Bispo, ou na sua ausência a maior dignidade Eccle-
siastica, fará um discurso análogo ás circumstancias.
87. Concluído este acto religioso, voltarão ao lugar
donde saíram ; e estando as portas abertas, sentados os
Eleitores, sem precedendia, o Presideute fará a pergun-
ta do artigo 49, observando tudo o que nelle se dispõem.
88. Isto feito os eleitores, que se acharem presentes,
procederão á eleição do Deputado ou Deputados, ao»
quaes elegerão um depois do outro, aproximando-se da
meza em que se acham o Presidente, Secretario e Escru-
tinadores ; e o Secretario na presença delles escreverá em
uma lista o nome da pessoa, que cada um tiver eleita 0
Secretario e os Escrutinadores seraõ os primeiros a votar.
89. Recolhidos os votos o Presidente, Secretario e Ei-
Política. 661
crutinadores os apurarão, ficando eleito aquelle fobre
quem recair, pelo menos, ametade dos votos e mais um.
Se ninguém reunir pluralidade absolutade votos, os dous
que tiverem tido maior numero entrarão em segundo es-
crutínio, e será eleito aquelle em quem recair a plurali-
dade. A sorte decidirá o empate; elogo feita a eleição
de cada um o Presidente a publicará.
90. Depois da eleição dos Deputados, se procederá á
dos substitutos, pela mesma forma e methodo; e o nu-
mero destes será, em cada provincia, igual ao terço dos
Deputados, que lhe conresponderem. Quando uma pro-
vincia naõ tiver de eleger mais de um ou dous deputa-
dos, elegerá sempre um Deputado Substituto. Estes
concorrerão nas Cortes, ou pela morte do Proprietário,
ou pela sua impossibilidade legalizada pelas mesmas
Cortes, e isto em qualquer tempo que um ou outro acci-
dente se vereficar, depois de feita a eleição.
91. Para ser Deputado das Cortes he preciso ser cida-
dão; e estar em exercício dos seus direitos, ser maior
de 25 annos, ter nascido na provincia, ou ser domiciliado
nella com residência de 7 annos, pelo menos, quer seja
do estado secular, quer do Ecclesiastico Secular, e po-
dendo recair a eleição nos cidadãos, que formam a Junc-
ta, ou nos que naõ entram nella.
92. Outro sim he necessário, para ser Deputado das
Cortes, ter um rendimento annual proporcionado e pro-
veniente de bens próprios.

Ad. Naõ tem agora applicaçaõ este artigo.

93. Fica suspensa a disposição do artigo precedente,


até que as Cortes, que ao diante se deverão celebrar, de-
clarem ter ja chegado o tempo em que deve ter effeito,
designando a quota da renda, e a qualidade de bens, de
662 Política.
que deve possuir; e será reputado constitucional tudo o
que as Cortes entaõ resolverem a este respeito e como se
disso aqui se houvesse feito expressa mençaõ.

Ad. Naõ tem agora applicaçaõ este artigo.

94. Succedendo que a mesma pessoa seja eleita ao


mesmo tempo pela provincia em que nasceo e pela em
que está domiciliado, subsistirá a eleição do domicilio;
e pela Provincia de sua naturalidade representará nas
Cortes o substituto, que lhe conresponder.
95. Naõ podem ser eleitos Deputados das Cortes os
Conselheiros de Estado, e todas as pessoas que oecupam
empregos da Caza Real.
96. Naõ podem da mesma sorte ser eleitos Deputados
das Cortes os Estrangeiros, ainda que tenham Carta de
cidadão passada pelas Cortes,
97. Nenhum funecionario publico, nomeado pelo Go-
verno, poderá ser eleito Deputado das Cortes, pela pro-
vincia, em que exercer as suas funcçoens.
98. O Secretario registará os autos das eleiçoens; e o
Presidente e todos os Eleitores os assignaraõ com elle.
99. Immediatamente todos os Eleitores, sem escusa al-
guma, outorgarão a todos, e a cada um dos Deputados
poderes amplos, conforme o theor seguinte, entregando
a cada um dos Deputados o seu respectivo Diploma para
ser apresentado em as Cortes.
100. Estes poderes seraõ concebidos nos termos seguin-
tes : " Na cidade, ou Villa d e . . . . a o s . . . . d i a s do mez
. . . . d o a n n o d e . . . . n a s salla d e . . ..estando reunidos os
senhores (aqui 6e escreverão os nomes do Presidente e
dos Eleitores da Comarca, que formam a Juncta Eleito-
ral da provincia) disseram perante mim Escrivão abaixo
assignado, e das testemunhas para o mesmo fim chamadas,
Política. 663
que havendo-6e procedido, em conformidade da Constitui-
ção Política da Monarchica Hespanhola, â nomeação dos
Eleitores das Parochias, e das Comarcas, com todas as so-
lemnidades ;>rescriptas pela Constituição, como constou
das certidoens originaes presentes, reunidos os sobredictos
eleitores das Comarcas da Provincia d e . . . . e m o d i a . . . .
do mez d e . . . . d o presente anno, tinham feito a nomea-
ção dos Deputados, que em nome e representação desta
provincia devem achar-se nas Cortes, e que por esta
provincia foram eleitos para Deputados nellas N . N . N .
corno consta do termo exarado, e assignado por N . N . ;
que em conseqüência lhes outorgam a todos em geral e
a cada um em particular poderes amplos, para cumprir
e desempenhar as augustas funcçoens, que lhes saõ com-
mettidas, e para que com os mais Deputados das Cortes,
como representantes da Naçaõ Hespanhola, possam deci-
dir e resolver tudo quanto entenderem, que conduz ao
bem geral da naçaÕ (usando das faculdades determinadas
pela Constituição, e dentro dos limites que ella prescre-
ve, sem que possam derrogar alterar ou variar por qual-
quer maneira que seja nenhum dos seus artigos) e que os
outorgantes se obrigam por si, e em nome de todos os
moradores desta Provincia, em virtude das faculdades que
lhe saõ concedidas, como eleitores para tal nomeados, a
ter por firme e valioso, obedecer, cumprir e guardar tudo
quanto os dictos Deputados das Cortes fizerem, e por
ellas for decidido, conforme a Constituição política da
Monarchia Hespanhola. Assim o disseram e outorgaram
sendo presentes como testemunhas N . N., que aqui assig-
nâram com os Senhores outorgantes do que dou fé."

Ad. Estes poderes seraõ concebidos entre nôs, nós termos


seguintes. " Na cidade, ou Villa de... .aos.... dias....
do mcz,...doanno....na saltas de...-estando reunidos
664 Política.
N. N. N. (aqui se escreverão os nomes do Presidente c
dos Eleitores das Comarcas, que formam a Juncta Elec-
toral de Provincia) disseram perante mim Fscrivaõ abai-
xo assignado, e das teste munhas para o mesmo fim
chamadas, que havendo-se procedido cm conformidade
das instrucçoens e ordens da Juncta Provicional do Go-
verno Supremo do Reyno, á nomeação dos Eleitores das
Parochias e das Comarcas com todas as solemnidadespre-
scriptas nas dietas instrucçoens, como constou das certi-
doens originaes presentes; reunidos os sobredictos Elei-
tores das Comarcas da provincia de. ...em o dia ....do
mez de....do presente anno, tinham feito a nomeação
das Deputados, que em nome e representação desta pro-
vincia devem achar-se nas Cortes ; e que por esta provin-
cia fòrom eleitos para Deputados nellas N. N. N. como
consta do termo exarado e assignado por N. N.; que em
conseqvencia lhes outorgam a todos em gerol e a cada um
em particular poderes amplos para cumprir e desempe-
nhar as augustas funcçoens que lhes saõ commettidos, e
para que com os mais Deputados das Cortes como repre-
sentantes da Naçaõ Portugueza possam proceder á orga-
nização da Constituição Política desta Monarchia, man-
tida a Religião Catholica Apostólica Romana, e a Dynas-
tia da Sereníssima Casa de Bragança, tomando por bazes
fundamentaes as da Constituição da Monarchia Hespa-
nhola, com as declaraçoens, e modificacoens, que forem
appropriadas ás differentes circumstancias destes Reynos,
com tanto porém que estas modificacoens ou alteraçoens
naõ sejam menos liberaes, e ordenando tudo o mais que
entenderem que conduz ao bem geral da N a ç a õ : E que
os outorgantes se obrigaram por si e em nome de todos
os moradores desta provincia, em virtude das faculdades
que lhes saõ concedidas como Eleitores para este fim no-
meados; a ter por firme e valioso obedecer e cumprir e
Política. 665
guardar tudo quanto os dictos Deputados-das Cortes fize-
rem, e por elles for decidido, conforme as Instrucçoens
e ordens da Juncta Provisional do Governo Supremo do
Reyno. Assim o disseram, e outorgaram, sendo presentes
como testemunhas. N. N. que aqui a ssignaram com os
outorgantes do que dou fe."

101. O Presidente Escrutinadores e Secretario envia-


rão sem perda de tempo à Deputaçaõ Permanente de
Cortes uma copia das Actas das Eleiçoens, que elles as-
signaraõ; e publicando as Eleiçoens por meio da im-
prensa remetteraõ um exemplar a cada uma das povoa-
çoens das Provincias.

Ad. Esta copia deve ser mandada ao Governo.

102. Para indemnizar os Deputados, as respectivas pro-


vincias lhes assistirão, conforme o que as Cortes, no 2."
anno de cada Deputaçaõ Geral regularem para a Deputa-
çaõ que ha de sueceder; e aos Deputados do Ultramar
se lhes abonará, alem disso, o que se julgar necessário,
a juizo das suas respectivas Provincias, para as despezas
da viagem, ida, e vinda.

Ad. Aos Deputados se haõ de dar 4.800 reis por dia


desde aquelle em que se puzerem em marcha para a ca-
pital, os quaes seraõ pagos pelo Erário, conforme a reso-
lução da Juncta Preparatória de Cortes.
103. Nas Junctas Eleitoraes de Provincia observar-se-
ha tudo o que dispõem os artigos 55, 59, 57, e 58, excep-
tuando o qne previne o artigo 328.
Ad. Este artigo 328 he relativo ás Deputaçoens Pro-
vinciaes e naõ tem agora applicaçaõ alguma.
666 Política.

Mappa geral dos Eleitores, que cada comarca do Reyno


ha de nomear para as Junctas de Provincia, com respeito
á sua povoaçaõ, e dos Deputados que cada provincia ha
de mandar ás Cortes calculado segundo o theor destas
Instrucçoens.

; Deputa os.
Eleito es.

u. •a
Províncias Comarcas. Capitães.
:

Faro 3
Algarve. Lagos 3 3 Faro
Tavira 3

Aviz 3
Beja 6
Crato 3
Elvas 3
Alemtejo Évora 6 10 Évora.
Ourique 3
Portalegre 3
Vilia Viçosa. 3

Lisboa e Termo 24
Riba Tejo 3
Alcobaça 3
Alemquer 3
Leiria 6
Etremadura Ourem 3 24 Lisboa.
Santarém 3
Torres Vedras. 6
Thomar 9
Setúbal 6
Política. 667

Eleito es.
o
b. T3
ca

; Deput
Províncias. Camarcas. Capitães.

;
Arganíl 3
Castello brauco 6
Guarda 12
Laraego G
Linhares 3
Beira. Pinhel 3 29 Viseu
Trancoso 6
Viseu 15
Feira G
Aveiro 9
Coimbra. 10

Porto 18
Barcellos. 15
Braga 6
Minho. Guimaraens 15 5 Porto
Penafiel 6
Valença 3
Vianna 12

Bragança 9
Trás os Miranda 3 9 Villa Real
Montes. Moucorvo 6
Villa Real 9

VOL. XXV. N" 4Q


668 Política.

HESPANHA.

Falia de S. M., no encerramento da sessaõ das Cortes,


aos 9 de Novembro, elida pelo Presidente na ausência
d'El Rey.
Senhores Deputados!—Tenho a satisfacçaõ de mani-
festar ás Cortes, o prazer que me causa o resultado do
primeiro período de suas sessoens. Durante a sua conti-
nuação tenho freqüentemente experimentado sentimentos
de affeiçaõ, inspirados pelo zelo e sabedoria, com que o
Congresso tem trabalhado por consolidar a felicidade pu-
blica, e o lustre do throno, que he inseparável do da na-
çaõ. Eu mesmo promovi a prorogaçaõ da sessaõ, como
prescreve a nossa ley fundamental, por conhecer que o
estabelicimento de nosso systema politico, ao principio,
requeria mais tempo e maior trabalho; e por estar con-
vencido das vantagens desta prorogaçaõ, pelo que respei-
ta o progresso dos importantes negócios dos mezes ante-
riores. Sou agradecido á generosidade, com que as Cor-
tes providenciaram ás necessidades e decoro da minha
Casa e da Familia Real; e naõ posso deixar de applau-
dir a franqueza e justiça, com que, reconhecendo solem-
nemente as obrigaçoens e encargos do Estado, approva-
ram os indispensáveis meios de os satisfazer; lançando
assim os fundamentos de nosso credito nacional, e pros-
peridade futura. Estas sabias medidas, com outras
destinadas a organizar convenientemente as forças de mar
e terra, a facilitar a circulação de nossas riquezas territo-
riaes, a remover todos os obstáculos, a estabelecer um
plano de finanças, tal qual pode reconciliar os interesses
do Estado com os do povo, tem sido objectos da inces-
sante applicaçaõ e continuados esforços do Congresso, e o
Política. 669
fazem digno da universal estimação da Europa, e da justa
gratidão do Reyno. Ao mesmo tempo, naõ posso dei-
xar de assegurar-vos, que o meu coração se encheo de
prazer, vendo as medidas de prudente generosidade, e
indulgência, com que as Cortes tem trabalhado para cu-
rar as feridas da naçaõ, e apagar a lembrança dos inales
porque ella havia sido dilacerada, abrindo a porta da
reconciliação ao erro e á obstinação, e com tudo deixan-
do ao mesmo tempo a doce esperança de que, daqui em
diante, continuareis animados pelos mesmos nobres senti-
mentos, em ordem a firmar o systema constitucional so-
bre as bazes da fraternidade e reciproco amor de todos os
Hespanhoes.
Por estes meios o solido poder da naçaõ, e da authori-
dade monarchica, por que ella he dirigida, se vai aug-
mentando ; e, ao mesmo tempo que se vám preparando
os melhoramentos na nossa situação interna, adquirimos
mais bem fundados direitos á consideração dos Governos
estrangeiros, os quaes todos continuam a dar-me provas
de suas amigáveis disposiçoens. De dia em dia me dou
cada vez mais os parabéns a mim mesmo, por governar
um povo tam digno e generoso. Tenho cooperado na
gloriosa empreza de sua regeneração, e nos louváveis es-
forços das Cortes, pelos próprios meios da prerogativa
Real: tenho dictadomedidas adaptadas á execução das
leys, e naõ duvido que o tempo dará grande força e vi-
gor ás nossas iustituiçoens, e que as vantagens, ja princi-
piadas a realizar, augmentaraõ progressivamente. Con-
firmado pelas liçoens da experiência, espero assim poder
expressar-me aos representantes da naçaõ, quando, de-
pois de haverem descançado de seus trabalhos e fadigas,
se tornarem a ajunctar na sessaõ seguinte, em ordem a
670 Política.
continuarem o que deixaram pendente; e promoverem,
como até aqui, a prosperidade publica.
S. Lourenço, 7 de Novembro de 1820.

(Assignado) FERNANDO.

NÁPOLES.

Nota do Secretario de Estado dos Negócios Estrangeiros,


do Rey das Duas Sicilias, a S.A. o Principe Metter-
nich, Ministro e Secretario de Estado dos Negócios
Estrangeiros de S. M. o Imperador de Áustria.

Napoies, 1 de Outubro de 1820.

Sua Majestade o Rey do Reyno das Duas Sicilias, de-


pois de ter renovado á face do Parlamento Nacional, o
seu solemne juramento de observar o novo compacto, que
unio, em um só, os interesses de sua augusta dynastia e
os de seu povo, julga que he o seu primeiro e mais im-
portante dever adoptar medidas próprias, que possam
contribuir a consolidar esta obra, e a guardálla contra os
ataques, que possam excitar contra ella falsas combina-
çoens políticas, ou prejuizos sem fundamento.
Por esta razaõ, ordenou S. M. ao abaixo assignado,
Secretario de Estado dos Negócios Estrangeiros, que fi-
zesse, sem demora, a S. A. o Principe Metternich, Mi-
nistro de Estado, das Conferências, e dos Negócios Es-
trangeiros do Imperrdor de Áustria, Rey de Hungria c
de Bohemia, a seguinte communicaçaõ:—
Desde o momento, em que El Rey determinou apoiar
o unanime desejo de seu povo, adoptando para seus Es-
tados a Constituição de Hespanha, um de seus primeiros
Política. 671
cuidados foi notificar ao Gabinete de Vienna, único Ga-
binete com quem havia contractado ajustes, as circum-
stancias, que deram occasiaõ a este acontecimento; e
assegurar ao mesmo tempo ao dicto Gabinete, que isto
naõ podia introduzir mudança alguma nas relaçoens de
amizade e bôa intelligencia, que felizmente subsistiam
entre as duas Cortes,
O Principe Cariati foi encarregado desta hourosa mis-
são ; porém foram infructiferos todos os seus esforços
para a executar, por ter o Ministério Austriaco recusado
receber, por vaiios pretextos, todas as explicaçoens so-
bre os negócios de Napoies. Um fatal prejuízo se apo-
derou de seus Conselhos, e se declarou contra a nossa
reforma política, ainda antes que pudesse formar delia
opinião justa, e quasi ao chegar a Vienna o primeiro ru-
mor somente.
Desejando anxiosamente informar a Corte Imperial de
Vienna, do estado de nossos negócios, El Rey se apres-
sou a escrever de seu próprio punho a S. M. o Imperador,
seu angusto sobiinho e genro. O Duque Nicolâo de
Serra Capriola teve a commissaõ de apresentar a Real
carta a S. M. Imperial, e de annunciar ao Ministério Aus-
riaco o destino do Duque de Gallo à Embaixada de
Vienna, em lugar do Principe Ruftb, o qual, por uma in-
excusavel desobediência ás ordens de seu Governo, tinha
perdido a confiança de seu Soberano e da naçaõ. Infeliz-
mente a missaõ do Duque de Serra Capriola naõ teve me-
lhor suecesso, que a do Principe Cariati. Naõ obteve
elle permissão de ver a S. M. Imperial; e foi-lhe dicto,
que o Imperador se naõ julgava obrigado a responder à
carta d'EI Rey, que tinha recebido, na supposiçaõ de
que o seu conteúdo éra de natureza puramente confiden-
cial. Ao mesmo tempo, o Ministério Austriaco despa-
chou ordens as fronteiras do Império, ordenando que o
672 Política.
Principe de Gallo descontinuasse a sua viagem a Vienna.
Este Embaixador, que estava munido de credenciaes
e de cartas confideneiues, de S. M. para o Imperador, foi
de facto obrigado a parar em Klagenfurth; e tendo diri-
gido as suas representaçoens de queixa ao Ministério
Austriaco, contra um tractamento tam desairoso como
irregular, o Principe de Metternich lhe respondeo por
uma nota, datada de 2 de Septembro passado, que em
conseqüência de uma revolução, que solapa os fundamen-
tas do edifício social, e ameaça ao mesmo tempo a segu-
rança dos thronos, as instituiçoens reconhecidas, e a
tranquillidade das naçoens, S. M. Imperial obraria em
contradicçaõ dos princípios, que tem invariavelmente
seguido, como regra de seu comportamento, se aceitasse a
missaõ, de que o Duque de Gallo se achava encarregado.
Devemos confessar, que quanto mais reflectimos nestas
frazes, tanto menos comprehendemos o seu sentido, espe-
cialmente quado pezamos, attenta e candidamente, os
acontecimentos, que suecedêram em Napoies. Porque
El Rey, livre no seu palácio, no meio do seu Conselho»
composto de seus antigos Ministros, formou a resolução
de satisfazer o unanime desejo de seu povo, concedendo-
lhe um systema mais adaptado ás suas necessidades,
mais conforme aos conhecimentos do século, e que elle
teria conecedido antes, se os desejos do povo naõ lhe ti-
vessem sido oceultados; e ainda assim o Gabinete de
Vienna imagina, que o edifício social he solapado em
seus alicerces! Quando a legitimidade dos direitos
da familia reynante tem sido altamente proclamada, ga-
rantida e confirmada pelo desejo geral da naçaõ; quan-
do esta naçaõ tem mostrado, desde o primeiro momento
de sua mudança política, a mais profunda veneração e a
mais absoluta devoção ao Rey e Família Real, pretende-
se que a segurança dos thronos está ameaçada 1 Quando
Política. 673
he universalmente sabido que temos levado, até um pon-
to de escrúpulo, o respeito pelos direitos, independência,
e instituiçoens das outras naçoens, tendo recusado intro-
metter-nos de nenhuma maneira nos negócios de Bene-
vento e Ponte Corvo, ainda que aquelles Estados estaõ
encravados no Reyno, e os seus habitantes dirigiram a
El Rey os mais urgentes requirimentos, para se tornarem
a reunir a monarchia das Duas Sicilias ; e qnando, na
execução literal de uma estipulaçaõ onerosa, que circum-
stancias extraordinárias nos tinham imposto, pagamos
com a maior punctualidade ao Principe Beauharuois os
cinco milhoens de francos, que o Governo se obrigou a
pagar-lhe, mantem-se, que as instituiçoens reconhecidas
e o socego das naçoens estaõ em perigo!
Felizmente os factos, que acabamos de expor, saõ de-
masiado notórios, para que delles se duvide, e o Gabi-
nete de Vienna naõ tem podido, por longo tempo, se
quer disfarçar o seu reconhecimento. Portanto, nas ex-
plicaçoens confidenciaes, que S. A., o Principe Metter-
nich, tem tido com o Principe de Cimitile, nos atacou
com outras armas. Segundo a opinião deS. A., os Car-
bonari foram os únicos instigadores dos acontecimentos,
que succedêram em Napoies; elles forçaram a inclinação
d'EI Rey e a maioridade da Naçaõ, excitaram o exercito
& rebelliaõ, e proclamaram uma constituição defeituosa,
que naõ offerece garantia de estabilidade.
Taes saõ, em poucas palavras, as novas queixas, que
o Ministro de Áustria urge ao Principe Cimitile, contra
a nossa reforma política. Examinemollas com sangue
frio, e sem acriraonia.
Quando uma seita ou uma facção obtém alguma con-
cessão por meio da força, he da natureza das cousas que
cedo ou tarde se forme uma opposiçaõ, que augmenta, e
que algumas vezes adquire a ascendência sobre o partido
674 Política.
vencedor. No nosso paiz, pelo contrario, longe de per-
ceber os menores traços de dissençaõ, nada se vê senaõ
uma perfeita uniaõ de sentimento, de princípios ede de-
sejos. Illimitada devoção ao Rey esua augusta dynastia,
inviolável affeiçaõ ao systema constitucional, unia reso-
lução de o defender até a ultima extremidade, tal he a
profissão de fé de todos os habitantes das Duas Sicilias.
Naõ exceptuamos os habitantes de Palermo, cuja diffe-
rençade opinião resultou de outros pontos de menos inte-
resse geral; á excepçaõ do que tem acontecido naquella
parte, nenhuma violência, nem a mais leve reacçaõ tem
perturbado a tranquillidade do Reyno. As ordens.do
Governo saõ respeitadas, a justiça he imparcialmente
administrada; os tributos saõ pagos ; a disciplina do ex-
ercito he mantida ; a liberdade individnal e a das opinio-
oens he plena e inteira; e se o exaggerado zelo pelo bem
publico causou ao principio algumas aberraçoens, ellas
desapparecêram em breve, pela firme e paternal voz do
Governo. As eleiçoens dos deputados para o Parlamen-
to, aquelle infallivel thermometro da opinião publica,
bastariam somente para provar, que a naçaõ esta anima-
da por um só sentimento, que he o do seu bem. Ho-
mens distinctos por suas virtudes, serviços e talentos,
foram os escolhidos, de uma extremidade do Reyno até
á outra, para representar a naçaõ. Nestas selecçoens
naõ se mostrou disparidade de opinião. Os melhores ci-
dadãos obtiveram a preferencia. ,: Faltará ainda um ar-
gumento incontestável, de que naõ foi uma seita a que
operou a nossa reforma política? Os que foram os dian-
teiros em clamar pelo novo systema; aquelles, em uma
palavra, que o rumor proclamou como promotores de
nossa mudança política, naõ foram releitos. Poder-se-
ha crer, qne se uma seita effectuasse esta mudança, como
se quer insinuar, naõ haveria aquella seita insistido em
Política. [675] 677
que seus chefes figurassem entre os representantes da
naçaõ? Um argumento ainda mais forte, contra a opi-
nião, que se trabalha por inculcar na Europa, de que o
Governo aqui está á disposição de uma facçaõ, he o que
produziremos do grande exemplo de moderação e longa
amizade, que temos prestado ás naçoens civilizadas,
permittindo que a Legaçaõ e Consulado Austriaco exer-
citassem livremente as suas funcçoens neste paiz, ao mes-
mo tempo que o nosso Embaixador foi obrigado a parar
em Klagenfurth, e o nosso Cônsul foi demittido de Mi-
lam, sem a menor cerimonia, e por meio da Policia. Se
0 Governo fosse em si menos forte, se fosse regido por
uma facçaõ, cujas paixoens saõ sempre impetuosas,
1 teria elle podido reprimir os effeitos do orgulho nacio-
nal, justamente irritado por similhante tractamento?
Quanto aos defeitos que o Ministro Austriaco imputa
á Constituição Hespanhola, observaremos em primeiro
lugar, que nenhuma potência estrangeira tem direito de
chamar bom ou máo aquelle systema, que um Soberano
independente julgou próprio adoptar para seus Estados.
Porem se alguém quizer julgar da estabilidade dos Go-
vernos, pelas instituiçoens que os dirigem, certamente já
naõ he um problema, neste século, se esta estabilidade
se pôde mais facilmente alcançar por um systema arbi-
trário ou constitucional. Indubitavelmente, a Charta de
Hespanha pôde ter seus defeitos, mas os seus princípios
trazem a characteristica da razaõ e de todas as virtudes.
Além disto, a naçaõ tem demasiado interesse em aper-
feiçoar as suas instituiçoens, para naõ applicar sua atten-
çaõ ás modificacoens, que supponha ser conveniente
adaptar ás suas necessidades, no novo systema porque he
governada ; em tanto quanto o acto da proclamaçaõ d'El
Rey deixou ao Parlamento nacional o direito de propor
Vot. XXV. N°. 151. 4 R
678 [676] Política.
quaes quer modificacoens desta natureza. Portanto o
Gabinete de Vienna pôde estar seguro neste ponto; por-
que temos muito a peito dar ao nosso systema toda a es-
tabilidade susceptível nas em prezas dos homens, conven-
cidos de que o primeiro merecimento de um Governo
constitucional, he o de fortificar o Estado contra ascoin-
moçoens occasiouadas pelo despotismo ou pela licencio-
cidade; e a sabedoria dos homens, recommendaveis por
suas qualidades, a que a naçaõ tem escolhido para seus
representantes, apoiados outro sim pela rectidaõ e pater-
naes sentimentos d'EI Rey, he seguia garantia do cum-
primento do que aqui temos avançado.
Teu lio demonstrado plenamente, quam de todo mal
fundadas e injustas saõ as culpas, que se nos imputam,
entraremos na discussão do ultimo argumento, que o Mi-
nistro Austriaco pôde oppòr, ainda que até agora o naõ
tenha produzido.
Existe no tractado assignado em Vienna, aos 12 de
Junho de 1815, entre as Cortes das Duas Sicilias e Áus-
tria, um artigo separado nestes termos:—
" Os ajustes, em que entram neste tiactado Suas Ma-
jestade s, para assegurar a paz interna da Itália, lhe im-
põem a obrigação de preservar os seus Estados e respec-
tivos vassallos, de novas reacçoens, e do perigo de im-
prudentes inovaçoens, que podem ser suas precursoras,
fica por isso entendido, pelas altas partes contractantes,
que S. M. o Rey das Duas Sicilias, restabelecendo o Go-
verno do Reyno, naõadmittirá mudanças algumas, irre-
conciliaveis com as antigas instituiçoens monarchicas,
nem eom os piincipios adoptados por S. M. Imperial
Apostólica, para o governo interior de suas provincias
Italianas."
As phrares vagas e ambíguas deste artigo requerem
uma explicação. He bem sabido, que na diplomacia
Política. [677] 679

o sentido literal dos tractados he o único, que se deve


seguir. El Rey, tendo-sejconformado á intelligencia do dic-
to artigo, ao tempo do restabelicimento do Governo de
Napoies, cumprio com sua promessa. E merece notar-'
se*aqui, que a questão versa na mera intelligencia, e naõ
em alguma condição ou empenho obrigatório por qual-
quer tempo indefinito.
Portanto,; com que fundamento pôde a Áustria impu-
tar a El Rey, como culpa, o ter cedido ao unanime dese-
jo de seu povo, que pedia a Constituição Hespanhola ?
Admittindo, porém, mesmo como hypothese, que o aci-
ii a citado artigo éra obrigatório para sempre, ainda res-
ta a ser provado, em ordem a reclamar contra a sua in-
fracçaõ, que a mudança, obrada na forma do nosso Go-
verno, be em opposiçaõ ás instituiçoens monarchícas
Nós podemos, pelo contrario, manter, que estas nossas
instituiçoens consolidam os thronos, visto que ellas fazem
invioláveis as pessoas dos soberanos, e garantem a legiti-
midade de seus direitos: porém a questão naõ versa aqui
sobre a discussão de theortas. O ponto, que se deve
provar, he,e julgamos têllosuflicienfemente provado, que
a Áustria naõ pôde racionavelmente tirar partido de uma
e&tipulaçaõ, que diz'respeito a differentes circumstancias,
a fim de justificar uma opposiçaõ â nossa reforma polí-
tica.
d A q u e podemos, portanto, attribuir a postura, em
que a Áustria se tem posto, e assume diariamente, contra
nós ? i Qual pôde ser o motivo do augmento, tam exces-
sivo como precipitado, das tropas Austríacas na Itália ?
Em quanto El Rey imaginou, que, dando este passo, o Ga-
binete de Vienna somente tinha em vista a mantença-da
boa ordem e da tranquillidade interior de seus Estados
Italianos, S. M. respeitou o direito, que cada potência
680 [678] Política.
tem.de fazer em seu paiz tudo que lhe paeecer conveni-
ente. Porém, quando a Corte de Vienna obstinadamente
recusa entrar em explicaçoens com a das Duas Sicilias,
e receber os representantes e agentes d* El Rey: quando
o Imperador recusa dar resposta ás cartas confidenciacs
de S. M.;quando o Gabinete Austriaco circula notas entre
as Potências Alliadas, da Confederação Germânica e Go-
vernos Italianos, contra a nova ordem de cousas estabele-
cida em Napoies; quando, em uma palavra,as gazetas de
Vienna e Milam promulgam oficialmente sentimentos
hostis contra nós, que um Governo, que se respeita a si
mesmo nunca houvera authorizado, faltaria 1"1 l\ev aos
sentimentos de sua própria dignidade, ao que deve á va-
lente e generosa naçaõ, cujos destinos a Providencia lhe
tem confiado ; se se mostrasse indifferente a tam inconce-
bível comportamento, da parte de um Governo amigo e
aluado.
Em conseqüência. S. M. ordenou ao abaixo assignado
que se dirigisse a S. A. o Principe Metternich, requeren-
do delle unia explicação possitiva e cathegorica, relativa-
mente ás intenroens destes extraordinários armamentos,
e sobre a postura, que a Áustria tem tomado para com o
Governo Napolitano; postura tam contraria aos laços e
sentimentos de amizade, existentes entre as duas Cortes
quanto discordante dos princípios de fraternidade e des-
interesse, que os soberanos Alliados tem proclamado, na
face de todo o mundo
El Rey, que tem recebido tantas provas rie cordialida-
de e afleiçiiõ ue S. M. o Imperador, seu augusto sobrinho
e genro, naõ duvida q u e a informação explanatoria, con-
tida nesta nota, dissipando as impressoens sinistras, que
algum inimigo do socego da Europa lhe possa havei inspi-
rado, fará com que elle renuncie a todo o projecto hostil,
contra uma naçaõ, que tem admirado de perto suas gran-
Política. [679] 681

des virtudes; porque, certamente, se alguma circumstan-


cia podia macular o esplendor dessas virtudes, séria a
aggressaõ, que a Áustria meditasse contra o Reyno das
Duas Sicilias. A posteridade apenas daria credito a tal
injustiça, a um ultragem tam hostil ao direito das gentes,
e tanto mais odioso, quanto a mesma potência, que se
faria culpada de tal crime, nunca se oppoz a que os Es-
tados de Alemanha, ainda os mais pequenos, formassem
suas próprias constituiçoens; e nunca deo passo algum,
ao menos que seja publico, a respeito da Hespanha, cujo
exemplo nós seguimos.
Portanto, deve attribuir-se a outros motivos a guerra,
que a Áustria emprehendesse contra uma naçaõ pacifica,
oecupada somente de seu próprio bem e anxiosa por man-
ter a melhor intelligencia com todas as potências estran-
geiras, e estreitar as relaçoens particulares, que existem
entre as cortes de Napoies e Vienna.
A alta opinião, que S. M. El Rey das duas Sicilias
tem das qualidades individuaes de S. M. o Imperador de
Áustria, he para elle garantia da justiça e sabedoria, que
presidirão em suas deliberaçoens; elle crê que se naõ
engana em pensar, que, em período naõ mui distante, o
Governo Austriaco se despirá dos prejuizos, que tem con-
tra nós, e que os laços de amizade, que antigamente uni-
am os dons Estados, se ligarão outra vez, para vantagem
reciproca de ambas as naçoens. Porém, se infelizmente
se naõ realizar esta esperança, El Rey e toda a naçaõ es-
taõ determinados a defender, atê a ultima extremidade,
a independência do Reyno e a Constituição, que he o
palladiode nossos direitos, e o mais firme apoio da mo-
narchia legitima; e a sepultar-se debaixo das ruínas de
sua pátria, antes do que subruetter-se a um jugo estran-
geiro. O exemplo da heróica resistência dos Hespanhoes
682 [680] Política.

ao depotismo deNapoleaõ nos animaria; e se as noticias,


que o Gabinete de Vienna recebe de Napoies, saõ funda-
das na verdade, naõ supporá que he exaggerado o que
aqui avançamos.
O abaixo assignado, por tanto, pede a S. A. o Princi-
pe Metternich, que ponha esta nota na presença de S. M
Imperial Romana Apostólica, e que 1 he dê resposta pre-
cisa e com brevidade, em ordem a que possamos saber
como havemos apreciar as intençoens da Corte de Vien-
na.
(Assignado) O Secretario de Estado Ministro
dos Negócios Estrangeiros.
O Duque de C A M P O C H I A R O .

RÚSSIA.

Ukase para um empréstimo de 40:000.000 de rubles

Ao Ministro de Finanças.
Tendo, na conformidade da secçaõ 71 dos regulamentos
da Commissaõ Imperial, para a liquidiçaõ da Divida Im-
perial, determinado abrir um empréstimo de 40:000.000
de rubles; e tendo confirmado as condiçoens concluídas
com Baring irmaõs e Companhia, e Hope e Companhia
de Londres e Amsterdam, para a execução deste emprés-
timo, com o pagamento de um juro annual perpetuo de 5
por cento, ordeno-vos portanto :—
l.o Inscrever a somma de 40:000.000 de rubles de pra-
ta no livro da Divida Imperial, debaixo do titulo de
" Dividas perpétuas,"
2. A somma entrada por conta deste empréstimo, com
Política. [681] 683
as condiçoens estipuladas, será segundo os pagamentos
convertida em assignados do Banco, em ordem a que se
possa cancellar ou queimar uma proporcionada quantida-
de desses assignados.
3.° A somma requerida para o pagamento dos juros
perpétuos, ou dividendo, assim como os 2 por cento,
para a extincçaõ do capital deste empréstimo, deve ser
tirada annualmente dos 30:000.000 de rubles, que se des-
tinaram geralmente das rendas das terras da Coroa, para
a annihiliçaõ dos assignados.

O pagamento dos juros perpétuos se fará na conformi-


dade das condiçoens deste empréstimo, annualmente, des-
de o primeiro de Março de 1821; em dous termos; a
saber, desde o 1.° até os 15 de Março, e desde o 1.°
até os 15 de Septembro, pela Commissaõ Imperial da
amortização da divida.
Varsaw, em 16 de Agosto de 1820.
( 684 ) [682]
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LONDRES, 25 de Dezembro, de 1820

Gêneros. Qualidade. Preços Direitos.

.Bahia por lb ..ls l^p. a ls. 2.;|>


Capitaiiia. . .
Ceará l s 2p. a 8s. 7p. por 100 lb.
Algodam Maranham .. l s l p . a em navio Po rtuguez
Minas novas , l s . Op. a ou Inglez.
Pará l s . Op. a
•Pernambuco • l s . 2p. a
Anil ..Rio 5 por lb
Redondo . . 43s. a
Assucar .

Arroz
J Batido . . . .
Mascarado
• Bia zit . . . .
49$. a
31s. a Livre de direitos po r
expoitaçaõ.
Cacáo Para 5õs. a
Caffe Rio , 122s. a
Cebo Rio da Prata 3s. 2p. por 1121b.
Chifres. Rio Grande por 123 50s. a 5s. por 1121b.
í A »i\>. a
Rio da Prata, pilha < B
i f c
10 p. por couro
.Rio Grande, 6p. a
ãp. a
Pernambnco, saldados
Rio Grande de cavallo
lpecacuanlia Brazil por lb. 14s. Op. ã
Óleo de cupaiba
Orucu
l s . 2p. a
4s. Op. .
£l por 1131b.

Páo Amarelo. Brazil I20s, a [direitos pagos pelo


Pao Brazil . . . . Pernambuco comprador,
Salsa Parrilha. Pará ls. 9p, , direitos pag-os pelo
c
Tabaco em rolo comprador,livre por
^ em folha exportação
Tapioca Brazil , 18p. 6J porlb.

Câmbios com as seguintes praias.


Rio de Janeiro 54^ Hamhuigo
Lisboa 37
514 Cudiz 374
Porto 514 Gibraliai 30
Paris 25 55 Gênova
Amsterdam 12 7 Malta
*H
45
Espécie V Seguros.
Ouro em barra £3 17 10 | Brazil. Ilida 30s. Vol ia 30
Peças de 6400 reis 3 14 6 ' Lisboa 25». 30
Jlnbroens Hespa- po
onr, ' Porto 30
nhoes 4 10 20s
le i ia
Pezos. ..dictos 4 11
Prata em barra Açores 20s. s

Kio da Praia 42». « 5

Bengala 60» 62s


( 683 )

LITERATURA E SCIENCIAS.

NOVAS P U B L 1 C A Ç O E N S EM INGLATERRA.

New-Britain: preço 9s. Narrativa de uma viagem


feita por Mr. Ellis, acerto paiz, assim chamado por seus
habitantes, descuberto no vasto paiz do Missouri, na
America Septentrional, e habitado por um povo de ori-
gem Britannica; e que vive debaixo de um justo syste-
ma de sociedade, donde resulta peculiar independência e
felicidade: também alguma noticia de sua constituição,
leys, instituiçoens, custumes e opinioens philosophicas ;
com uma breve noticia de sua historia, desde o tempo
que saíram da Gram Bretanha.

Hertslefs Commercial Treaties. 2 vol. 8.vo preço


1/. 4Í. Collecçaõ completa dos Tractados e Convenço-
ens, ao presente existentes, entre a Gram-Bretanha e as
Potências Estrangeiras, no que dizem respeito ao Com-
mercio e Navegação; e ao Retardamento e Abolição do
commercio da escravatura. Em Inglez, e nas línguas
estrangeiras. Compillada de documentos officiaes, por
Luiz Hertslet, Esc. Bibliotecário e Guarda da Secreta-
ria dos Negócios Estrangeiros.
VOL. XXV. N \ 151. 4 s
684 Literatura e Sciencias.
Prichard"s Egyptian Mythology: 8.vo preço 1/. 7*.
Analyse da Mithologia Egypciaca, destinada a illustrar
a origem do paganismo, e historia intellectual do gênero
humano, nas primeiras idades, ao que se ajuncta um
exame critico dos restos da chronologia Egypciaca. Por
Jaimes Cowles Prichard. M. D.

Augustus, or the Ambitious Student; preço 9s. O


Estudante Ambicioso, ou breve tentativa para illustrar
alguns dos differentes eflèitos da Literatura, no espirito,
quando se estuda profundamente.

Noblcs Arabic Vocabulary. 4.to preço, 10*. 6d. Vo-


cabulário Arábico, e Index á Grammatica de Richardson;
em que se explicam as palavras, segundo as partes da
oraçaõ; e se traçam os derivados aos seus nomes origi-
naes, nas línguas Hebraica, Caldaica, e Siriaca; coin
tabellas dos alpliabetos orientaes, pontos, e affixas. Por
Jaimes Noble, Professor de línguas em Edinburgo.

PORTUGAL.

Saio á luz: Apologia Dialogai, Visita aos Visitadores,


e Exame aos Examinadores. Conversação entre dous
Boticários, um Provinciano, e outro Lisbonense.
He o seu objecto principal avaliar algumas formulas e
preparaçoens farmacêuticas, que o Boticário Antônio
Jozé de Souza Pinto publicou em uma só folha volante,
que fez distribuir gratuitamente com a Gazeta de 25 de
Septembro de 1817, &c.
Literatura e Sciencias. 685
Dissertação Chyrnico-medica, sobre as causas e effeitos
das enfermidades e seu tractamento. Por Antonio Jozé
de Souza Pinto, Boticário em Lisboa.

Constituição Política da Monarchia Hespanhola, pro-


mulgada em Cadiz, em 19 de Março, de 1812. Tradu-
zida em Portuguez por A. M. F., e i 11 listrada com algu-
mas notas, para melhor intelligencia de alguns artigos:
preço 240 reis.

Plano, em que se apresenta o meio, e mostra a possi-


bilidade de se pagar toda a divida do Estado, sem desfal-
car as rendas publicas actuaes; sem impor tributo novo,
e sem offender direito algum adquirido. Vam incorpo-
radas as objecçoens, que pelo Erário Regio se formaram
em 1818 ; e a resposta às mesmas objecçoens, com um
addictamento ao mesmo plano, por occasiaõ de alguns
outros reparos, que de palavra se fizeram. Por Filippe
Arnaud de Medeiros, Advogado da Casa da Supplica-
çaõ.

Analyze dos artigos essencialmente defeituosos do Re-


gulamento para a organização do Exercito de Portugal,
publicado em 1816.
Com o projecto de um plano de organização para o
mesmo Exercito, illustrada com mappas do estado ac-
tual da povoaçaõ do Reyno, e sua classificação segundo
as idades, sexo, estado, profissão, e sua distribuição nas
respectivas comarcas, enviada para a Corte do Rio-de-
Jnneiro, em 1816; e presentemente publicada por seu
686 Literatura e Sciencias.
Author, o Coronel graduado da Brigada Real da Marinha
Marino Miguel Franzini. preço 240 reis.

Cathecismo Politico Constitucional; ou analyze da


Constituição Hespanhola; cujos princípios podem servir
de auxilio a qualquer nova Constituição, adequada ás
circumstancias actuaes. Nesta obra, ordenada em forma
de Dialogo, naõ só se analyzam todos os capítulos, títu-
los, e artigos da Constituição Hespanhola; mas mostra-
se, com toda a clareza, o que saõ as Cortes, o modos de
as convocar em Hespanha, as suas prerogativas e facul-
dades, quaes saõ ali actualmente os direitos do Rey, e da
Naçaõ, e o modo de administrara Justiça; as contribui-
çoens, e o modo de as impor, Preço 360 reis.

Manual Politico do Cidadão constitucional; em8.ro


preço 80 reis.

Carta de um Vassallo Nobre a seu Rey, e duas respos-


tas á mesma; nas quaes se prova quaes saõ as classes mais
úteis do Estado.
Estas duas respostas saõ mui interessantes; sobre tudo
a segunda, em que se tractam pontos mui essenciaes da
nossa historia, e que he de uma penna bem conhecida,
por suas producçoens em prosa e verso, parece, a pezar
de escripta em 1807, mui análoga ás circumstancias ac-
tuaes. Preço 120 reis.

A verdade exposta a Sua Majestade Fidelissima. Por


Jozé Daniel Rodrigues da Costa. Preço 120 reis.
Literatura e Sciencias. 687
Apontamentos Políticos, sabre os principaes abusos e
defeitos do antigo Governo de Portugal, e meios para
se emendarem.

Política Popular.

Analyze ao Capitulo 42 do tomo segundo da obra intitu-


lada " Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portu-
gal, e da Restauração deste Reyno. Preço 40 reis.

GALVANISMO.

Sir Humphry Davy leo uma memória na Sociedade


Real, sobre a influencia do Galvanismo em magnetizar,
em que Sir Humphry refere varias experiências novas e
curiosas, sobre esta matéria; pelas quaes estabelece cla-
ramente o facto de que o fluido Galvanico, dirigido de
maneira appropriada, he capaz de communicar as pro-
priedades magnéticas a barras de aço. Se as barras ou
cylindros de aço se expuzerem á corrente galvanica,
postas na direcçaõ do eixo magnético, naõ se segue o
effeito; mas se forem collocadas parallelas ao equadorimag-
netico entaõ se magnetizam : ficando a extremidade para
Oeste sendo pólo do Norte do novo magnete,e a outra de
Leste ficando sendo pólo do Sul. E he tam grande a in-
fluencia galvanica em produzir este effeito, que exerce o
seu poder na distancia de algumas polegadas (mesmo 10
ou 12): de maneira que se se mover a barra de ferro em
um circulo, ao redor da direcçaõ da corrente galvanica,
mas conservando sempre o parallelismo com o equador
688 Literatura e Sciencias.
também assim se magnetiza. Estas experiências foram
feitas no Laboratório da Instituição Real, e igualmente
na Instituição de Londres.

ECONOMIA POLÍTICA DE S I M O S D E

(Concluída de p. 526)

Conclusão.
Terminamos aqui as nossas indagaçoens, sobre a ap-
plicaçaõ dos princípios de economia política à legislação
commercial. He este o momento de fazer notar ao Lei-
tor, que em nenhuma parte lhe temos apresentado esta
doutrina machiavellica, que faz hoje cm dia o fundamen-
to do systema mercantil de quasi toda a Europa; dou-
trina que o bom La Fontaine exprimia tam felizmente
em um verso, ein que naõ cria dar um preceito de políti-
ca. Tem-se procurado no commercio.
Son bien premierement,et puis le mal d'autrui.
Os homens naõ tem querido reconhecer, que as regras
da moral eram também as da política: tem suffocado a
vóz de suas consciências, que lhes gritava, que naõ fun-
dassem o seu poder sobre o mal de seus similhantes; e
regeitando esta advertência saudável, desconheceram a
voz da razaõ, que também o repetia; porque esta lhes
gritava com naõ menos força, que nunca arruinariam
a riqueza, naõ impediriam a industria, nao arriscariam a
tranquillidade, naõ destruiriam a liberdade de seus irmaõs,
sem experimentar, no mesmo instante, que uma justa reac-
çaõ vinha atacar sua própria riqueza, sua industria, seu
descanço, e sua liberdade ; sem se convencer que o peior
politico éra o que fazia aos outros mais mal.
Literatura e Sciencias. 689

Sem duvida o Governo deve proteger, mais que todos


os outros, os homens submettidos a seu império, deve ex-
pellir para longe delles as calamidades que os ameaçam ;
porém <; quam longe estaõ de nós os que causam toda a
solicitude dos legisladores da Europa? Elles temem,
que faltem compradores ás fabricas nacionaes; naõ perce-
bem, que as fabricas nacionaes naõ saõ suffícientes para
prover os compradores: temem que os capitães naõ
achem emprego proveitoso, animando as manufacturas ;e
naõ percebem, que as manufacturas se naõ paralyzam
senaõ porque lhes faltam capitães,; temem que os consu-
midores naõ gastem assas; porque as suas necessidades
ponham em movimento as obras de todos os artistas, que
as devem satisfazer: e naõ percebem que gastam dema-
siado, para poder pôr em movimento novo trabalho pro-
duetivo, por meio de suas poupanças. Sem cessar to-
mam precauçoens contra a abundância, e he a penúria
quem os persegue. Em fim naõ sabem ver esta verdade
consolante; a saber, que qualquer que seja o empate,
que Boffra alguma de nossas mercadorias, ja mais o capi-
tal nacional estará ocioso nas maõs de seus proprietários,
e ja mais será por elles empregado em outra maneira do
que em manter directamente ou indirectamente um traba-
lho produetivo esparzindo abundância, por todos os o-
breiros; e repairar pela abertura de nova manufactura
a queda daquellas, que circumstancias contrarias tiverem
abatido.
Eu me julgaria feliz, se pudesse contribuíra attrahir
a attençaõ do Governo da França, para o exame de uma
theorla cuja applicaçaõ pôde ser tam importante ásua
prosperidade. Sem duvida nao tardará muito tempo a
razer para esta parte, como tem feito para todas as ou-
tras, suas vistas reparadoras; e podemo-nos lisongear de
receber bem depressa delle uma legislação commercial,
690 Literatura e Sciencias.

conforme aos progressos das luzes aos princípios de uma


saã economia política, aos sentimentos de beneficência,
que os diversos povos se devem uns aos outros, e ao amor
paternal dos chefes da Republica, para com todos os
Francezes.
Fim.

Index geral dos Capítulos da Economia Política


de Simonde; referindo-se aos volumes e paginas
deste Jornal em que se acham.

LIVRO PRIMEIRO.

Idea desta obra . , Vol. XVI. p. 338


Introducçaõ , . 452
Definição dos termos Scientificos, de que se
faz uso neste tractado . , 587
Cap. 1.° Origem da Riqueza Nacional XVII. p. 49
2. Dos Capitães Fixos . 198
3. Dos Capitães Circulantes . • 301
4. Das Rendas e Despezas da Sociedade e
do seu Balanço 454
. . 619
5. Do Numerário . . 746
Vol. XVIII. p. 53
6. Do Capital immaterial ; ou das obriga-
çoens ou títulos de empréstimos ou divi-
das . . 173
7. Do balanço das tmportaçoens e exporta-
çoens . . . _— 391

643
Literatura e Sciencias. 691
Vol. XIX. p. 40
8. Da rapidez comparativa da circulação da
riqueza movei . . —— 175
9. Da direcçaõ natural dos capitães 394

LIVRO I I . DOS PREÇOS

Cap. 1. Qual he a origem dos preços de cada


cousa . . 526
. . 609
. Vol. XX. p. 70
2. Do preço numérico e do preço real das
cousas . . . 167
. . 272
3. Da conformidade do interesse do consu-
midor com o interesse nacional —— 371
4. Dos impostos, que naõ alteram os preços
e que se lançam ua renda dos immoveis —— 585
- Vol. XXI. p. 65
Dos impostos que alteram os preços das
mercadorias, e que saõ pagos pelos con-
sumidores . . . —— 171
• . 337
." . 451
6. Dos impostos sobre objectos da primeira
necessidade . . • 526
. . 630
7. Da influencia dos outros impostos sobre
a riqueza nacional . Vol. XXII. p. 67
. . 192
8. Das leys que tem por objecto fazer subir
os preços . . ...... 279
. . 414
Das leys que tem por objecto fazer abaixar
os preços . • . —~~~ 500
609
V o t XXV. N°. 151 4x
692 Literatura e Sciencias.

LIVRO I I I . DOS MONOPÓLIOS.

Cap. 1. Da legilaçaõ do Commercio Vol. XXIII. p. 35


2. Da influencia das alfândegas nas manu-
facturas Francezas . . 238
. 389
. . 528
3. Como se obtém o fim a que se propunha o
Legislador, quando estabeleceo a alfân-
dega 618
4. Dos aprendizes dos officios Vol. XXIV. p 43
5 Das mestranças dos officios 139
250
6. Das Companhias de Commercio 365
7. Das Colônias 501
575
Vol. XXV. p. 45
8. Dos tractados de Commercio 160
274
427
2. Dos portos francos 512
Conclusão 688

Esprit des Instituiçoens Judiciaires de í Europe par


Mr. Meyer
(Continuada de p. 534)
No Cap. 4. expõem o A. as mudanças nas relaçoens
entre as communs e as corporaçoens dos officios. O Al
acha difficil fixar a epocha do estabelicimento destas en-
corporaçoens, tanto mais que julga ter esta importante
Literatura e Sciencias. 693
mudança tido lugar aos poucos, e naõ simultaneamente ;
mas a maneira por que isto se operou, se pode colher das
seguintes palavras do A. p. 77-

" 0 primeiro pa £ o que deram estes corpos dos officios, pata


se assegurarem da influencia política, foi absolutamente o mes-
mo, que tinham feito as communs: assim como estas eram iso-
ladas, assim as communidades se isolaram das communs; e o
jurando cessou de ser composto de cidadãos individuaes : como
corpo pretendeo fazer parte integrante da commum, em breve
esta pretençaõ adquiri o consistência.''

O errro politico tanto dos soberanos como das corpo-


raçoens das cidades nesta matéria, consistia em terem for-
mado corporaçoens livres dos artistas, em vez de fazerem
cidadãos livres dos artistas individuaes ; porque a influ-
encia, assim como os votos ja naõ provinham de indiví-
duos mas sim das corporaçoens; e assim faz o A. muiju-
diciosamente esta exposição, a p. 78.

" Esta revolução, que se operou insensivelmente nos Paizes-


Baixos, durante os séculos treze e quatorze, naõ se pôde
comparar melhor doque aquella que se effectuou em Roma, com
a introducçaõ do voto por centúrias nos comícios da Naçaõ: ella
mudou em aristocracia a forma democrática das communs, for-
ma inherente a toda a Sociedade nascente, que deve a sua origem
a uma reunião de pessoas iguaes era direitos; ella assegurou a
cada corporação uma influencia, com pouca differença igual, ou
ao menos independente do numero de cidadãos, de que éra com-
posta; e esta aristocracia Veio a ser tanto mais exclusiva, quan-
to cada corporação tinha achado meios de se completar a si
mesma, e de expeliu, com vários pretextos, todos aquelles que
naõ cotivinham a suas vistas.
694 Literatura e Sciencias
Com tudo, isto se naõ conseguio sem grande opposiçaõ,
ji da parte dos cidadãos individuaes,que por causa destas
corporaçoens perdiam sua influencia, ja da parte dos ma-
gistrados, que viam nestas corporaçoens o germen de
uma efficaz limitação a sua authoridade ; e j a da parte
dos soberanos, que favoreciam óra uns óra outros, segun-
do os interesses do momento lhe dictavam.
Aqui distingue,o A. cinco períodos differentes, na his-
toria destas corporaçoens, que de um passo a outro adqui-
riam maior pezo na administração dos negócios públicos,
mas que seria demasiado extenso referir mesmo em resu-
mo ; bastarádizer, que estas corporaçoens dos officios che-
garam por fim a annihilaros direitos dos indivíduos, por
que só ellas tinham voto, na eleição dos magistrados da
cidade, e em tudo o mais, que respeitava os negócios pú-
blicos, com mais ou menos modificacoens; sendo os ca-
beças dessas corporaçoens os que de facto compunham a
aristocracia governante. Daqui se seguiram os maiores,
abusos, como o A. descreve a p. 87.

" Faltava somente um passo a dar, para fundar uma oligar-


chia tain exclusiva, como he possivel imaginar; e isto naõ tar-
dou a sueceder, logo que os conselhos de cidade obtiveram odi-
ieito de preencher directamente os lugares, que vagavam no seu
corpo ; ou a apresentar os candidatos para essas vacâncias: esta
innovaçaõ fechava para sempre a porta da administração a todo
o que naõ pertencia a uma das castas privilegiadas ; garantia a
esta uma influencia sem limites, e a impunidade por todos os ex-
ressos que obrasse ; livrava os magistrados de toda a responsabi-
lidade, attribuindo a inspecçaõ desuagestaõ aos que tinham os
mesiiios interesses, e os quaes por sua própria vantagem se fa-
ziam cúmplices de todos os abusosde authoridade, e que se a-
(liavam obrigados o oceultar ou paliar, o que naõ éra susceptí-
vel de justificação ; em fim ella sugeitava o resto da commum a
Litcrtura e Sciencias. 695
uma escravidão tam dura, como a do mais absoluto despo-
tismo

Devemos, porem, notar aqui, que uma revolução tam


importante naõ foi sentida, por isso que se fez gradual-
mente, e, o que mais he, com apparenciás de melhora-
mento, no estado social. Porém quando os magistrados
BÔ foram eleitos pelos cabeças das corporaçoens e naõ pe-
los membros da communidade directamente, entaõ ficou
fácil o fazer preferir os interesses desta aristocracia aos
do povo em geral, e tornar nulla a responsibilidade dos
homens públicos, pois estes tinham de ser julgados por
seus mesmos consocios. He a esta nova concatenaçaõ
de interessesaristrocaticos, que o A. attribue todas as des-
vantagens do systema communal.
Nisto nota o A. uma differença essencial, entre as com-
muns e corporaçoens dos Pazies-Baixos e as da Inglaterra.
Neste paiz o titulo de cidadão, pode gozar-se, juneta-
tamentecomo de membro de uma corporação: assim
o Inglez, como vassalio d' El Rey, tem direito de votar
na eleição dos membros do Parlamento do Condado em
que vive, e da cidade ou villa em que tem direito de vo-
to: como indivíduo dessa cidade ou villa tem o direito de
votar na eleição dos magistrados de sua cidade ; ecomo
membro da corporação de oflficio a que pertence, tem
também o direito de votar na eleição de seus cabeças.
Mas nos Paizes-Baixos (com poucas excepçoens) o indi-
duo particular só podia votar na eleição dos cabe-
ças de sua corporação; as corporaçoens eram as que
formavam a naçaõ, e com quem somente o Soberano ti-
nha relaçoens directas.
No cap. 5. tracta ainda o A. do estado geral dos Paizes-
Baixos antes da epocha de 1572, «orno preliminar para a
696 Literatura c Sciencias.

matéria das instituiçoens judiciaes, com que ao depois se


occupa.
Os Senhores feudaes, que governávamos Paizes Baixos
dependentes ou da França ou do Império, eram limita-
dos, como nas demais partes, em sua authoridade; mas
a situação geographica do paiz dava lhes meios de serem
mais independentes; e chamando a seus conselhos os sub-
vassallos, que julgavam mais próprios para os apoiar, de-
terminavam com elles todos os negócios públicos ; posto
que naõ fossem obrigados a seguir esses conselhos senaõ
nas matérias judiciaes; porque nestas a decisaõ dos pares
éra terminante.
Os vassallos e subvassallos naõ eram obrigados a outras
prestaçoens, senaõ as que se continham no contracto de
enfeodaçaõ; mas os Soberanos aproveitávam-se da occa-
siaõ das assembléas geraes, para lhes propor e obter o que
desejavam. Eram os vassallos chamados para ajudar e
aconselhar, e considerando-se as cotninunidades como
vassallos, eram também chamadas da mesma forma, para
estas assembléas, que á imitação de outros paizes se cha-
maram ao depois Estados. A natureza destas assembléas
decreve o A. p. 100. assim:—

" Segundo esta idéa geral dos Estados, parlamentos, ou die-


tas, que se arhavam em todas as monarchia* feudaes da Europa,
he evidente, que as convocaçoens naõ tinham parte alguma di-
recta, nem na legislação, nem na administração. Bem differen-
tes dos antigos placitos dos homens livres ou Arimans, que reu-
niam em si todos os poderes que faziam estalutos e legislavam
sobre todos os pontos, sem que o ÍM.berano ou nmgistiado su-
premo tivesse outio diieito, senaõ o de publicar, debaixo de
seu nome, e de fazer executar os decielos da assemblea ; os Es-
tados feudaes naô faziam mais do quedar ao Soberano conselhos,
que elle padiaadoptai ou regeiiai a seu piazei; e éia somente
Literatura e Sciencias.. 607

na administração da justiça, que elle éra obrigado a guiar-se


pela opinião dos pares. Os parlamentos, em sua origem, naõ ti-
nham, quando muito, senaõ o direito de solicitar juncto ao Prin-
cipe as inovaçoens, que julgavam necessárias, e as alteraçoens,
cuja utilidade éra conhecida ; temos visto exemplos disso na In-
glaterra e na França, e naõ podia ser d'outra sorte nos Paizes-
Haixos; o momento, em que os Estados concediam algum sub-
sidio, éra o mais propicio para obter favores, quer o Soberano se
prestasse a elles, a fim de conciliar os espiritos, quer lhes fossem
impostos como condiçoens; e a idéa de um socorro de dinheiro
se ligava naturalmente com a de uma reforma, ou de um pri-
vilegio, que se solicitava, que se obtinha, e que muitas vezes se
extorquia do Soberano."
O A. leva este principio ainda mais longe: porque diz
que, em taes assembléas, nem o parecer dado ao Sobera-
no, nem o subsidio, êra segundo a maioridade dos votos,
mas sim cada um dos vogaes individualmente, poden-
do cada vassallo de per si recusar o subsidio, ou as con-
diçoens, que lhe eram annexas: mas diz o A. que he
provável, que, em taes casos, o vassallo recusante, sendo
fraco, fosse obrigado pela força a contribuir, e dá exem-
plos de communidades serem multadas, por haverem usa-
do deste direito de recusaçaõ; e daqui provinham as li-
gas e tractados entre os particulares vassallos ou com-
munidades, para seoppórem á violência.
Neste systema feudal, compunham os Estado só os
vassallos immediatos, tanto leigos como ecclesiasticos,
mas depois que na França e na Inglaterra se começaram
aintroduzir nos pai lamentos os communs, omesmosucce-
deo também nos Paizes Baixos, mas por differentes modos
nas diversas provincias: e por exemplo na Hollanda, os
nobres, áimitaçaõ das corporaçoens de officios, se uniram
também em sociedade; a que se chamou a ordem eqües-
tre, e a qual toda naõ tinha senaõ «m voto, como as de-
698 Literatura e Sciencias.
mais communidades, que tinham também cada uma seu
voto. O clero por uma singularidade diflicil de explicar
naõ tinha voto nesta provincia.
Cada provincia, pois, neste systema, estava completa-
mente separada das mais, e ainda quando sujeitas ao mes-
mo Soberano, e Phillippe Archiduque d'Austria, quan-
do herdou por sua mãy a Bourgonha, foi o primeiro que
estabeceo uma Corte de Justiça geral, para todas as pro-
vincias de sua dominação. Carlos V. convocou depois
os Estados Geraes de todas as provincias, e nomeou sua
irmaã, Governadora geral de todos os Paizes-Baixos,
dando-lhe um Conselho, para a ajudar na administração
pesta parte de seus domínios.
Esta uniaõ éra em todos o.-, sentidos vantajosa ao povo,
dando a toda a naçaõ uma unidade e força incompara-
velmente mais repeitavel; mas a isto se oppuzéram sem-
pre os vassallos e corporaçoens poderosas, porque na re-
união se diminuía proporcionalmente sua consideração e
iufluencia individual, assim continuaram sempre obstá-
culos a esta reunião, principalmente quando a Soberania
recaio em Príncipes estrangeiros, e que viviam em paizes
distantes; até que no governo de Phillippe II de Hespa-
nha aconteceo a revolução de 15T2.

(Continuar-se-ha.
699 )

MISCELLANEA.

Abstracto da conta da receita e despeza do Erário em


Lisboa, no mez de Outubro de 1820.

Receita.
Alfândegas e Casas de Aruecadaçaõ . 163:459.509
Décimae contribuição de defeza . 25:995.544
Sizas . . . . 18:304.149
Terças . 10:463.011
Real d ' Á g u a . . 4 716.693
Chancellarias e Sêllo . 10:370.460
Donativos dos 4 por cento . 16:409.774
Subsidio Literário . . 6:007.487
Anno de morto nos Benefícios Ecclesiasticos 3:241.013
Commendas vagas . . 8:948.056
Próprios da Coroa e Almoxarifados . 4:506.404
Cunho da Casa da Moeda . 5:288.223
Mina da Adissa . 291.273
Tabaco, Resto do 3 o quartel deste anno . 25:000.000
. . . . Mezadade Septembro passado 100.000.000
Casa de Bragança . . 20:679.531
Coffre do Terreiro publico . . j .«JOO 000
V O L , X X V . N<\ 151. 4 u
7OÜ Miscellanea.
Dicto, Bulla da Cruzada * • 2:000.000
Dicto de Malta . . • 94:737.735
Remessa do Rio-de-Janeiro pela náo Veugeur 85:561.600
Sobras do pagamento ao Marechal Pamplona para os
soldos dos Caçadores N°. 10 . 885.990
Vários rendimentos pequenos . 1:402.220
Casa da Raynha . . 1:605.749
Rendas da Patriarchal . • 28:354.445
Bazilica de Sancta Maria . . 6:900.000

646:328.866
Saldo do dia 30 de Septembro . 215:678.528

862:007.394

Despeza.

Thesouraria das Tropas . 200:600.000


Commissariado . . 110.800.000
Arsenal do Exercito Feria . . 13:974.543
Obras Militares. . . 10:000.000
Hospitaes M itares . . 3.000.030
Consignação á Juncta das muniçoens de boca 1:907.515
Marinha com o titulo de consignação 27:057.555
Brigada, para soldos e prets . 3:680.000
Feria do Arsenal da Marinha . 20:761.607
Hospital da Marinha . 1:200.000
Pinhaes de Leiria . . 1:800.000
Pensoens particulares do Serviço . 5:628.200
Dietas pelo Thesoureiro Mor do Erário 411.400
Dictos pelas Secretarias de Esatdo . 50.000
Salários a criados das Cavalherices Reaes 5:100.000
Mantimentos para as dietas . 1:500.000
Thesouraria da Casa Real • . 1:626.233
Mezada ao Coveuto de Mafra . 9G0.000
Miscellanea. 701

Reparos no Palácio de Mafra . 400.00o


Obras do Palácio da Ajuda . 13.600.000
Guarda Reposte: Cera no Paço . 417.748
Jardim Botânico . 400.000
Favorecidas por S. M. no Paço d' Ajuda 261.375
Ordenados até Dezembro 1819, e I o . quartel deste 74:427.235
Juros a Misericórdia 8cc. . 5:898.000
Tenças 1.097,500
Pençoens e Ordinárias, pelo Erário 3:552.244
Obras publicas . . 6:000.000
Secretarias de Estado e Tribunaes 4:661.662
Ordenados de Consnles . 900.000
Congruas Ecclesiasticas 473.796
Restituiçoens de dinheiro* entrados no Erário 5:150.000
1 Iluminação da cidade . . 5:052.650
Paõ e Sopa para os prezos nas cadèas . 885.625
Enfermaria dos mesmos . 276.000
Collegio de Sancta Margarida . 1.000.000
Guardas Barreiras . 388.800
Escriptos naõ pagos pelos Assigantes . 4:379.365
Prêmio de 2 por cento ao capitão da Náo Vengueur
pelo que trouxe do Rio-de-Janeiro. 1:711.200
Despezas da mina d'Adissa . 240.677
Gratiticaçoens pelo ajuste de contas no Erário 1:450.000
Diversas despezas mais muidas . 670.000
Despezas pelo cofre da Casa da Raynha 3:800.000
Dieta pelo Cofre da Patriarchal; Mezada 27.954 445
Dieta, Bazilica de Sancta Maria . . 6:900.000

581:947.180
Saldo em 31 d'Outubro . , . 280:060.214

862.007.394
702 Miscellanea.

Carta ao Marechal Gaspar Teixeira de Magalhaens e


Lacerda, extrahida do Astro da Luzitania, Jorna l de
Lisboa.

Tivemos, Exmo. Snr, o gosto de lêr a proclamaçaõ


que V- Ex". dirigio aos habitantes desta capital, e por
occasiaõ disso, nos lembrou tomar a confiança de escre-
ver-lhe esta carta.
Nós naõ temos a honra de conhecer pessoalmente a V.
E x \ , e bem que passasse pela nossa pátria, quando mar-
chava á conquista da cara liberdade, naõ tivemos o gosto
de o ver e de o tractar, entretanto, unindo os nossos sen-
timentos aos da geral opinião, nós acreditamos tanto a sua
boa fé, e as suas patrióticas intençoens, como acreditamos
a existência dos corpos, e nisto só fazemos um acto de
justiça, porque j a mais sacrificamos no altar da mentiro-
rosa lisonja; sem anafar o nosso amor próprio estamos
convencidos de que V- E x \ nos acreditará por um cida-
dão sinceramente amigo do Soberano, da Constituição, e
da nossa Pátria commum: também lhe rogamos se quei-
ra persuadir, que nós naõ temos relaçoens, com alguns
dos indivíduos que formaram até aqui as varias secçoens
do Governo, e muito menos como ex-Secretario M. F. T.
V. Ex tt ., se quizer ter o incommodo de ler o N°. 4 o . do
nosso Jornal, achará nelle uma prova nada equivoca da
nossa asserçaõ. Todos estes títulos me constituem em
direito de fazer á cerca da sua proclamaçaõ os reparos
seguintes:—
Pertende V. Ex.» exculpar-se para com os habitantes
desta cidade, e nas pessoas delles, para com a naçaõ,
dos imprevistos acontecimentos do dia 11, fundado nare-
presentaçaõ do Juiz do Povo. Entretanto, Ex01». Snr-,
Miscellanea. 703
permitta á franqueza, que me he própria, o dizer-lhe,
que naÕ podia procurar um motivo nem mais futil, nem
mais ilicgal. O Juiz do povo de Lisboa, nada mais he
que o presidente da chamada Casa dos 24, composta
dos Juizes dos officios embandeirados, sendo aquelle
Juiz encarregado de promover os interesses próprios
e privativos daquelles officios. V. E x \ sabe muito
bem, que nós temos ha muitos séculos sido governa-
dos por um systema monarchico absoluto, o qual
por sua natureza repelle toda a idea de verdadeira re-
presentação, só própria dos governos democráticos e
mixtos, e por isso o Juiz do Povo de Lisboa naõ po-
dia ser representante, nem ainda da Casa dos 24, quanto
mais de todos os habitantes de Lisboa. Depois dos a-
coiitecimentos do dia 24 de Agosto e 15 de Septembro,
foi reconhecido o direito da representação individual,e em
taes termos o mesmo Juiz do Povo só podia representar
com mandato e procuração dos grêmios, e daquelIas pes-
soas que assim o quizessem, mas taes mandatos, taes
procuraçoens naõ existiam nem em direito se presumem.
A' vista destas refiexoens, ja Vossa Excellencia vê,
que o Juiz do Povo, representando e requerendo a Vossa
Excellencia, representava só pela sua pessoa, como qual-
quer outro cidadão, nem ás suas representaçoens se de-
via dar outra natureza, que legitima fosse; e também fi-
ca manifesto, que Vossa Excellencia, obrando em conse-
qüência dallas, obrou sem fundamento legal; porque
aquelle cidadão podia estar enganado e illudido sobre
suajustiça, eefíectivamente o estava. Mas quando o
Juiz do Povo fosse o representante dos cidadãos de Lis-
boa, quem he que para tam alta deliberação representou
os habitantes das provincias?
O ser Vossa Excellencia commandante das tropas do
Norte e Sul, também o naõ authorizava para tomar a seu
704 Miscellanea.
cargo aquella representação do Juiz do Povo. As illus-
tres e brilhantes qualidades, que constituem a Vossa
Excellencia tam benemérito do Rey e da Pátria, naõ o
elevam na presença da ley acima de subdito, e consequen-
temente naõ podia, nem devia practicar um acto, pelo
qual se mostrava superior ao Governo, que por Vossa
Excellencia e pela Naçaõ havia sido jurado e reconheci-
do, e que ainda que fosse inepto, devia por honra e cha-
racter nosso ser conservado, até que a Naçaõ representa-
da pelos Deputados em Cortes, provesse o que lhes pa-
recesse mais conforme e útil aos nossos interesses: cou-
sas existem, Excellentissimo Senhor, que, ainda que
úteis sejam, se naõ devem abraçar, porque pouco confor-
mes ao honesto.
Vossa Excellencia, practicando aquelles actos, que
Lisboa vio no infausto dia 11 do corrente, deo aos seus
irmaõs d'armas, e que naõ tivessem sentimentos tam
honrados e patrióticos como os de Vossa Excellencia, um
exemplo bem funesto, além de derribar por terra o bri-
lhante edifício, principiado com tanta gloria no dia 24
d'Agosto, e coroado no 1." d'Outubro. Sim, Excellen-
tissimo Senhor, a cidade de Lisboa, Portugal, a Europa,
e o Mundo inteiro, j a mais esquecerão a pavorosa lem-
brança de verem um Exercito, no centro de Lisboa,
prompto como para dar uma batalha, impor as leys a um
Governo reconhecido e jurado, e sobre o qual só a Naçaõ
podia mandar; porque nós, fazendo justiça ao patriotis-
mo de Vossa Excellencia, estamos bem longe de pensar,
que Vossa Excellencia faça consistir nas baionetas, e nos
canhoens, o direito de impor a leyâ sua Pátria, que por
momentos esteve a ser alagada em sangue: um grito, ca-
sualmente dado, podia causar estes horrorosos effeitos :
nunca o anjo da morte esteve tam sobranceiro a Lisboa.
Se nossa sinceridade, e a particular consideração, que
Miscellanea. 705
fazemos da pessoa de Vossa Excellencia, nos annunciou
a fazer estes reparos, também nos animará a dizer-lhe
franca e sinceramente, que Vossa Excellencia, com todas
as suas rectas intençoens, foi o instrumento de unia fac-
çaõ, que nada menos pertende, do que pôr a nossa Pá-
tria no estado lastimoso, de que o valor de Vossa Excel-
lencia e de tantos outros bravos guerreiros a salvaram.
Sim, Excellentissimo Senhor, existe em Lisboa uma
facçaõ, composta de homens, que só tem o fito nas hon-
ras, e nas dignidades, a despeito dos mais caros interes-
ses da Naçaõ e do Rey. Principiou ella fazendo mano-
brar a machina da promoção dos officiaes, para deste mo-
do acarear o Exercito ao seu partido, e como lhe falhas-
se, lançou maõ do pretexto das eleiçoens para os Depu-
tados, fazendo crer que ellas seriam sugeitas á influencia
dos Ministros, sendo estes presidentes, inculcando-as co-
mo mais liberaes, sendo dirigidas pelos Ecclesiasticos,
e nesta conformidade imbuio esse pobre Juiz do Povo.
Nós naõ podemos desacreditar pessoa alguma, nem tam
pouco uma classe tam respeitável como o Clero da Igreja
Luzitana, mas sempre ousamos dizer, que na alternativa
naõ achamos motivos para nos decidir a favor de uns
contra os outros, o que asseguramos he, que a vontade
geral dos povos está decidida a favor daquelles, que respei-
tando os Clérigos e os Ministros, nada dependem delles.
Esta mesma facçaõ, aproveitando-se dos excessos,
quenoexercio de seu cargo commettía o ex-Secretario
M. F. T., mas que certamente naõ saõ tantos, quantos se
dizem, e querendo remover o obstáculo, que lhes apresen-
tava a probidade e saber dos três outros indivíduos, fez
espalhar, que elles se tinham mancomunado, para entrega-
rem sua Pátria óra á Hespanha, ora á Inglaterra, e sobre
isto espalharam mil absurdos. Que calumnia! Um Baraõ
do Sobral recebei ia dinheiro para entregar a sua Pátria!
70o Miscellanea.
Fr. F. de S Luiz. o Dr. Moura, viriam assentar-se nos
Paços do Governo, para representarem o papel de Masca-
renhas, e Álvaro de Castro, que venderam a sua pátria
ao Nero Phillppe I. !!! Essa mesma facçaõ surprehcndeo
a lealdade e patriotismo de V Ex a ., fazendo-o attentar
contra a authoridade de um Governo, reconhecido por
toda a N a ç a õ : porque d' outro modo se naõ pôde qualificar
quanto no Congresso Militar se practicou, pertendendo
lisongeàllo com o titulo de General do Exercito de Por-
tugal, o que V, Ex." regeitou tam generosamente, pois
que nós apenas lemos em sua proclamaçaõ—General do
Exercito do Norte.
Mas, Excellentissimo Senhor, o triumplio desta desas-
trosa facçaõ ainda naõ está completo: o Dt us de Affonso
Henriques ainda naõ entregou Portugal ás maõs dos seus
inimigos, que bem a seu pezar nós deram a Constituição
de Hespanha, que nós reputamos por um grande bem;
com tal apoio pôde V. E x \ ainda salvar-nos. Nós naõ
aconselhamos que empregue a força, que está sob o seu
commando; longe de nós aconselhar crimes, rogamos uni-
camente ponha em practica seu valimento e eíficacia,
paraque as nossas Cortes se ajunetem quanto antes; proteja
as suas deliberaçoens, para que sejam livres, e dignas do
Monarcha e d a Naçaõ a quem pertencemos, e entaõ a Pá-
tria salva lavará, com lagrimas de puro agradecimento, a
nodoa, que os malvados fizeram cair em louros tam bem
merecidos: nossos filhos diraõ um dia—Teixeira salvou
a nossa Pátria da anarchia, e nos preparou os bens, que
disfruetamos.
Sou de V. Ex*. com o mais profundo respeito
Attento Venerador
O R E D A C T O R DO A S T R O DA LUZITANIA*
Miscellanea. 7Q>T

Reficxoens sobre as novidades deste mez-


RliYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Revolução de Portugal.
Findamos com este N.° o segundo volume do nosso Periódico
neste anno, deixando nelle registradas três revolaçoens impor-
tantes, que obraram todas no mesmo sentido; a saber a da
Hespanha, a de Napoies e a de Portugal; argumento irrespon-
dível de que as formas de governo, até aqui existentes na Euro-
pa, naõ concorda.n j a com as ideas do século, e que o accom-
inodar-se a ellas he o mais prudente partido, que podem adop-
lar os Governos, se desejarem evitar as concussoens de revolu-
çueus, operadas pela força do povo, de cujo êxito ninguém pôde
responder.
Mal pensávamos nós, quando no nosso N.° passado refleclia-
nios sobre os perigos e difTículdades, que cercavam o Governo
Provisório de Portugal, que teríamos logo no fim delle e neste
N.° de mencionar um exemplo das vicissitudes das revoluçoens,
que entaõ tínhamos em contemplação.
Um dos primeiros, que figurou na Juncta do Porto, ja lá vai;
e um tal como o primeiro Presidente da Juncta, regeneradora da
Pátria!
Porém, he daqui em diante escusado dizer cousn alguma,
sobre os perigos das revoluçoens, que estas sempTe se devem
evitar, e que para as prevenir deveriam os Ministros d'El Rey
ter anticipado por si as mudanças, qne o povo extorquiria pela
força. He escusado dizer mais uma só palavra sobre o que a
prudente precaução devia ter prevenido: nunca fomos ouvidos
quando era tempo ; e agora ja naõ ha lugar de fallar euiprecau-
çóens ; somos eutrados na revolução, e portanto naõ ha que trac-
tar senaõ sobre o modo como havemos rolar a diante com o rede-
moinho em que andamos, com o menor inconveniente publico
possivel; a prudência humana ja naõ tem que attentai a outra
cousa.
VOL. X X V . N°. l ò l . 4 x
708 Miseellanea.

Contiuuaremos, pois, a resumir os suecessos desta revolução


de Portugal, referindo-nos aos documentos, que publicamos por
extenso na parte Política; porque julgamos ser este methodo o
mais adequado a informar nossos Leitores, nos paizes remotos,
a que o nosso Jornal principalmente se destina, dos acontecimen-
tos, que lhes devera ser interessantes, e que naõ saõ fáceis de
perceber, na leitura de uma multiplicidade de papeis diários,
aonde essas narrativas vem espalhadas.
O Coverno Provisório de Portugal, continuava a dar varias
providencias administrativas, (as principaes copiadas no princi-
pio deste N.°) quando a publica expectaçaõ estava fixada na
convoçaõ das Cô rtes : e com efleitoapparecêo a circular aos
Magistrados Presidentes das Eleiçoens, que deixamos copiada a
p. 608; a proclamaçaõ p. 610 justificando a forma adoptada
para a dieta convocação das Cortes; as instrucçoens, p. 620,
e varias tebellas, que deixamos de publicar, porja naõ terem
uso.
Cuidar-se-hia que estas medidas satisfariam as esperanças de
todos os que obravam no séquito da revolução; mas por um da-
quelles acontecimentos imprevistos nas revoluçoens políticas,
daqui mesmo se tirou motivo para a concussaõ dos partidos, qne
se começaram a desenvolver, e que talvez lançarão as sementes
para futuras discórdias.
Actores oceultos pozéram em jogo o Juiz do Povo, que fez
ao Marechal de Campo Teixeira a representação, copiada a p.
620, e cora o pretexto delia o General ajunetou as tropas, pre-
paradas em estado de combater, assestou-se a artilheria em va-
rias partes da cidade, e n'um Conselho militar se formaram as
resoluçoens p. 630, qne sendo apresentadas ao Governo Provisó-
rio, este se vio obrigado a ceder á força das bayonetas.
Nestas circumstancias se lavrou o auto de juramento p. 631 ;
adoptando o Governo a Constituição Hespanhola, como lhe pres-
creviam os militares : mas na sessaõ de 13 de Novembro resig-
naram os seus lugares os Deputados no Governo Provisório,
Herrnano José Braamcamp do Sobra); Fr. Francisco de S. Lute;
Manuel Fernandes Thomaz ; e Jozé Joaquim Ferreira de Moura.
Miscellanea. 709

Pelo quo ficou encarregado da Repartição dos Negócios do Rey-


no, o Deputado Jozé Manuel Ferreira de Souza e Castro ; dos
Negócios Estrangeiros o Vice Presidente Antonio da Silveira
Pinto da Fonseca; e do Erário o Conde de Sampaio.
Os officiaes militares porém fizeram outro Conselho; aonde se
tomaram as resoluçoens p. 635 contrarias ás primeiras, e insis-
tiram, em que tornassem a entrar para o Governo, os Membros,
que tinham dado a sua demissão : obedeceo-se de novo á tropa.;
expedio-se o Avizo p. 638, chamando os dictos Membros, que
por conseqüência voltaram a seus lugares.
Aqui entrou uma conrespondencia com o Vice-Presidente, a
qual publicamos a p. 639. Queria este sair do Governo, mas
os outros naõ o deixavam : offereceo-se logo para continuar a
servir, mas entaõ naõ o quiz eram, e acabou a conrespondencia
com o Avizo p. 643, pelo qual foi este Vice-Presidente demet-
tido de seu lugar, sem mais formalidade, e desterrado para a sua
quinta; aonde terádescanço para gritar pela regular adminis-
tração de justiça, e contra as máximas do despotismo.
Servío de pretexto a estes procedimentos amotinados contra o
Governo, que a convocação das Cortes naõ éra feita debaixo de
um plano assas liberal; e foi instrumento dos amotinados o Juiz
do Povo de Lisboa, a quem se chamava com todo o respeito o
Senhor Joaõ Alvez, mas que daqui em diante o veremos chamar
simplesmente o Joaõ Alvez, presidente dos Mesteres.
O Governo, passada a commoçaõ mandou á Juncta Prepara-
tória das Cortes o Avizo p. 644, em conseqüência do qual se
expedio nova circular e novas instrucçoens, para a eleição dos
Deputados de Cortes, como deixamos copiado a p. 648 e p. 649.
O Governo expedio sobre estes assumptos a proclamaçaõ p. 636
e o Marechal de Campo Teixeira também a sua p. 631, e escreveo
ao Governo dizendo, que naõ aceitava o lugar, que lhe haviam
offercido de General em Chefe, o que o Governo lhe agradecco ;
645; mas cuidou em formar nova organização do Exercito,
pela portaria de p. 647, ficando á frente da Commissaõ, para
este effeito, o mesmo Marechal de Campo.
Depois disto por uma portaria do Governo provisório, dirigi-
710 Miscellanea.

da ao Presidende da Juncta Preparatória de Cortes, se mandam


tornar a incorporar nesta, e por conseqüência considerar fora da
Juncta do Governo Supremo, os três Membros, Pedro Leite Pe-
reira de Mello, Francisco de Souza Cirne de Madureira, e o
Bacharel Jozé Manuel Ferreira de Castro, que foram ali metti-
dos a instâncias do Conselho Militar; dando-se agora como ra-
zaõ desta mudança, que o outro Conselho Militar do dia 17 de-
clarara, que só desejava alteração no methodo de convocar as
Cortes.
O Astro da Lusitânia, um dos melhores jornaes, que appare-
Cem agora em Lisboa, publicou uma judiciosa exposição, con-
tra o Juiz do Povo, e seu procedimento nesta transacçaõ; ne-
gando, com razaõ, a authoridade que o Juiz do Povo tem assu-
mido; e depois ao Mareehal de Campo Teixeira a carta, que
copiamos a p. 701
Com effeito aquelle magistrado naõ be nada do que o seu nome
indica. Naõ be Juiz, no sentido em que esta palavra denota um
julgador; visto qne elle he mero Presidente dos 24 ofTicios en-
corporados em Lisboa ; nem he do Povo, mas sim dos represen-
tantes desses 24 grêmios, quando se aj une tam para deliberarem
commum, nos negócios de sua competência ; e o povo de Lisboa
consta de muitas outras classes, que naõ pertencem a esses 24
officios, e muito menos se pode aquelle magistrado considerar,
como representante ou procurador authorizado de toda a naçaõ,
naõ o sendo nem ainda do povo de Lisboa.
Pelo Regimento da Vereaçaõ da Câmara de Lisboa, de 29 de
Julho de 1591, os procuradores da cidade tem assento na Meza,
quando o Juiz do Povo, e os Mesteres, pelo paragrapho 2.° do
dicto regimento, só tinham os seus assentos em bancos, abaixo
da Meza, ficando entre ella e os Mesteres, espaço e serventia:
mas agora requererá o Juiz do Povo, e lhe foi concedido, pela
portaria de p. 597, que se asentasse em seguimento dos Procu-
radores da cidade ; dando-se-lhe assim uma consideração, que
naõ tinha, e que de certo por nenhnm principio deve andar an-
nexa a tal lugar.
Msa concedamos, que ao Juiz do Povo competia fazer esses
Miscellanea. 7 11
requirimentos que fez ; seguramente éra ao Governo, e naõ ao
General das tropas a quem se devia dirigir ; e assim todo o pro-
cedimento contra o governo Provisório, e contra as suas determi-
naçoens, sobre a convocação das Cortes, foi uma mera violência
de partido, auxiliado pelas tropas, que por isso alguns dos jor-
naes de Lisboa as compararam ás guardas Pretorianas de Roma,
que punham e dispunham dos Imperadores, como bem lhes pa-
recia.
Por mais razaõ que achemos, no escriptor da Carta, no Astro
da Lusitânia, contra as pretençoens do Juiz do Povo, e contra o
escândalo de virem as tropas dictar ao Governo o que deveria
fazer; naõ podemos deixar de notar-lhe, que por essa rnesmis-
sima ingerência do Juiz do Povo e das Tropas, foi instituído o
Governo Provisório de Lisboa, e se n'uma occasiaõ foi justo
i como se pôde reprovar na outra ?
Estas saõ as anomalias das revoluçoens, e principalmente,
quando se obra sem attender ás formas estabelecidas, porque
entaõ ninguém pôde predizer aonde icaô parar os actos, que se
fazem sem a authoridade de formalidades reconhecidas, ou por
ley ou por custume ; e assim nos parece, que seria o mais pru-
dente esquecer o modo por que se formalizou o Governo Provisó-
rio de Lisboa, por intervenção do Juiz do Povoe da tropa : vis-
to que éra necessário ter algum Governo, e o passado ja naõ ti-
nha força moral para se manter; e naõ entrar em disputa se o
Juiz do Povo tinha ou naõ authoridade de ajunctar-se com as
tropas, e dictar ao Governo Provisório, como devia proceder.
Acabando aqui com o Juiz do Povo; examinaremos o pre-
texto da commoçaõ, que foi, como dissemos, que a forma pres-
cripta para as eleiçoens dos Deputados das Cortes, naõ éra assas
liberal, e que o povo queria a Constituição Hespanhola.
A Juncta Preparatória de Cortes, com a approvaçaõ da Junc-
ta do Governo Provisório, adoptou um plano de convocação
de Cortes, naõ reconhecido por ley nem por custume : portanto
uma representação inteiramente nova: as Cortes se ajunctaríam
aos 6 de Janeiro, 1821, e haviam todas as authoridades jurado,
que obedeceriam á Constituição, que essas Cortes formalizassem.
712 Miscellanea.

Entretanto, por esta instigaçaõ do Juiz do Tovo, e pelo terror


das tropas, jurou o Governo Provisório outra cousa, que foi
adoptar a Constituição Hespanhola, com as modificacoens que
as Cortes lhe fizerem. Assim, se as Cortes naõ quizerem a Con-
stituição Hespanhola ^ a qual dos juramentos se julgará obri-
gado o Governo Provisório ?
O que juraram o Governo Provisório, os Fidalgos, os Magis-
trados, o Clero, 8tc, foi obedecer á Constituição, que as futuras
Cortes fizessem ^ porque authoridade jura agora o Governo Pro-
visório a Constituição Hespanhola, que as taes Cortes ainda naõ
fizeram, nem podiam fazer ou approvar, porque se naõ ajuncta-
ram ainda ?
Mas os mesmos Contra-revolucionarios esbarraram logo com
u m ponto da Constituição Hespanhola, que lhes naõ servia,
porque esta determina um deputado por cada settecentas almas,
o que segundo a população de Portugal lhe daria umas Cortes de
40 deputados, numero assas insignificante e perigoso, para uma
representação da Naçaõ, que tem de formar nova Constituição.
Attendendo a isto ordenou a mesma Juncta militar com o Juiz
do Povo, que o numero de Deputados se elevasse a cem, naõ
obstante a Constituição Hespanhola; mas esse era o mesmo
numero fixado pelo Governo Provisório, e que naõ agradou aos
Contra-revolucionarios; os quaes por fim, em resolução feita
no Quartel-General aos 17 de Novembro, determinaram, que tudo
o mais da Constituição Hespanhola, que naõ respeita as eleiço-
ens, se naõ possa por em practica, em quanto se naõ ajunctar o
Congresso dos Deputados, em Cortes; e se até entaõ se naõ ha
de practiear aCoustituiçaõ Hespanhola ; Que he feito do segun-
do juramento do Governo Provisório ?
Mas o pretexto éra, que o methodo da convocação das Cortes
naõ éra assas liberal, e por isso se gritava pela Constituição
Hespanhola : examinemos isto.
A Juncta Preparatória das Cortes pedio a opinião de todos os
homens, que por seus escriptos, ou de outra maneira, eram co-
nhecidos como literatos em Portugal; e recebeo de muitos as suas
ideas sobre o assumpto.
Miscellanea. 713

Entre outras, nos chegou á maõ uma Memória do Doutor Fran-


cisco Jozé da Almeida, Medico da Câmara; aonde o Author
(que a fez imprimir depois) mostra os mais exactos conhecimen-
tos do Direito Publico, e desenvolve a matéria da convocação
das Cortes, e da futura Constituição de Portugal, com maõ de
Mestre; e sentimos, que os nossos limites nos naõ peimitiam
sequer dar extractos desta exacta, concisa, e luminosa produc-
çaõ.
lUustrada a Juncta Preparatória de Cortes, com estas e outras
memórias, adoptou um plano de escolha de Deputados, com
o intermédio da nomeação popular de eleitores ; como succede,
em alguns casos, nos Estados-Unidos da America ; e fixou o nu-
mero dos Deputados em cem.
Gritou'-se que este methodo naõ éra assas liberal, e que o povo
queria o Hespanhol.
Mas se pelas palavras mais liberal, se entende uma forma
mais democrática, istohe, em que o povo tenha mais immediata
voto na eleição de seus Deputados em Cortes; entaõ a forma
adoptada pela Juncta Preparatória, he mais liberal ou mais de-
mocrática doque a Hespanhola ; porque, segundo o plano da
Juncta Preparatória, o povo nomeava os Eleitores, que deviam
eleger os Deputados; mas segundo o methodo da Constituição
Hespanhola, que se adoptou agora, o povo só elege compromis-
sarios, que haõ de nomear eleitores parochiaes ; estes elegem
depois os eleitores de cominarcas, e estes entaõ saõ os que ele-
gerão os Deputados, ficando assiiii a influencia immediata e
pessoal dos cidadãos removida quatro gTaos, e portanto menos
democrática a eleição e representação popular.
Agora se a maior liberalidade da Constituição Hespanhola
consiste no numero de Te Deums em cada eleição, entaõ o se-
gundo methodo he mais liberal; porque dá três Te Deums para
cada Deputado, ou trezentos Te Deums para todos os Deputa-
dos do Reyno.
Em outro exemplo naõ he tam liberal a forma Hespanhola,
como a que tinha adoptado a Juncta Preparatória, e he em que
714 Miscellanea.

a escolha feita á Hespanhola, deve sempre recair n'um natural


do lugar da eleição, ou em quem ali tenha morado sette annos.
Ora a Juncta Preparatória admittia, o que he muito mais li-
beral, que naõ havendo na commarca sugeito hábil se pudesse
escolher de outra provincia; methodo mnito mais preferível,
além de mais Iliberal.
A representação nacional (como bem observou o Dr. Almeida
na Memória, mencionada acima, e citando De Lolme, sobre a
Constituição Ingleza) naõ he uma juncta de Deputaçoens ditfe-
rentes de varias provincias, mas um todo, representando a naçaõ,
como corporação indivisível. Donde se segue, que qualquer De-
putado be representante, até aonde chega o seu voto, naõ da
provincia aonde foi escolhido, mas de toda a naçaõ.
Se, portanto, o Depntado he representante de toda a Naçaõ,
pouco deve importar a provincia d'onde he oriundo ou aonde vive.
He importante, que a escolha dos Deputados se distribua por
todas as províncias, visto que todos os cidadãos se naõ podem
ajunctar em um só lugar, para fazerem a escolha ; e importa
que cada cidadão tenha voto nella ; mas a mesma razaõ naõ
mi li ta para obrigar a que o escolhido e eleito seja d'entre os elei-
tores.
Pelo contrario, importa muito, que a escolha seja promiscua,
a fim de evitar, que se formem nas Cortes partidos das differen-
tes provincias, que possam oppôr seus interesses locaes, umas
contra as outras ; o que mais facilmente se evita, em uma re-
união de Deputados escolhidos promiscuamente, e constituindo
uma representação indivizivel.
Ha demais outro inconveniente em restringir a eleição aos
naturaes e habitantes da comarca ; porque naõ só he possível,
mas he mui provável, que n'al<ruinasi comarcas haja superabun-
dancia de pessoas capazes para serem Deputados, e que n'outras
venham a faltar.
Os homens literatos, instruídos nos negociou, e com conheci-
mentos do mundo, acham-se ordinariamente nas Capitães, e ci-
dades populosas: nas provincias e pequenas povoaçoens saõ os
homens com essas qualificaçoens muito mais raios; porque
Miscellanea. [715] 707

aíuda que no retiro se achem pessoas de literatura, naõ he ali


que se pôde saber a practica dos negócios públicos.
Seguindo-se, pois, neste ponto, a mais liberal Constituição
Hespanhola, virá a acontecer, que, entre os cem Deputados das
Cortes, se achará uma grande maioridade de provincianos ou al-
deoens, que, sendo tal vez homens honrados e de influencia nas
suas terras, mas sem conhecimento do que se chama o grande
mundo, seraõ todos guiados nas Cortes por um pequeno numero
de homens eloqüentes, babeis, ou astutos, os quaes de facto
governarão o Reyno, principalmente em uma representação Um
pouco numerosa, como he a de cem pessoas ; aonde toda a diríi-
culdade consiste em formar-se um partido que comprehenda 51
votos.
Quanto ao resto da Naçaõ Portugueza fora de Portugal e do
Algarve, o primeiro plano da Juncta Preparatória, somente
dizia no artigo 38, das Instrucçoens, que ellas seriam applica-
veis ás Ilhas adjacentes, Brazil e Dominios Ultramarinos; sem
dizer nem o numero de Deputados, nem o tempo de suas elei-
çoens.
Mas nestas novas instrucçoens á Hespanhola, nem se admitte
a existência de Dominios Ultramarinos, senaõ para di/er que
lhes naõ saõ applicaveis os artigos daCoustituiçaõ Hespanhola,
que lhes podiam ser correlativos.
Esta omissão nos parece um passo decisivo, para a separação
de Portugal do Brazil, o que na verdade sentimos, que venha a
ser um dos effeitos desta revolução.
Mas de toda a confusão destes procedimentos o que parece he,
que o partido aristocrata fomentou a revolução, para governar
o Reyno independente d'El Rey; o partido dos patriotas apro-
veitou-se da revolução, para organizar um Governo Constitucio-
nal, com El Rey i sua frente, o partido Hespanhol vateo-se da
confusão, para propor a adopçaõ da Constituição Hespanhola,
como passo preliminar a suas vistas, Mas tudo isto naõ saõ se-
naõ prelúdios do choque de partidos, cuja desenvoluçaõ veremos
depois nas Cortes.
VOL. XXV, K \ 151. 4 Y
708 [716] Miscellanea.

Houve quem nos arguisse por havermos dicto, que homens


facciosos fomentaram a revolução, a qual, porque promettía re-
tormasalias necessárias,foi approvada pelos cidadãos honrados,
e que éra de suppôr, que El Rey se opporia a seus excessos.
Mas para nos combatei em nestas asserçoens foi preciso inverter,
ou para melhor dizer perverter, nossas proposiçoens.
Para mostrarmos, que motivos de ambição estimularam alguns
facciosos a fomentar a revolução, basta apontar o que o mesmo
escriptor, qne nos argue, diz do character do primeiro Presi-
dente do Governo Revolucionário, do Coronel Serpa, e de ou-
tros ; se com justiça ou naõ, sobre os indivíduos, naõ decidi-
mos, porque naô temos os dados para applicar a estes em parti-
cular, a asserçaõ, que fizemos em geral, sobre a revolução, e
que he, talvez, verdadeira a respeito de todas as revoluçoens.
Mas diz o mesmo escriptor isto :—
" A causa do vergonhoso attentado do dia 11, foi o ambicioso
e hypocrita Silveira, que pretendeo desfazer-se de seus quatro
collegas, os mais virtuosos e instruídos, só para melhor e a seu
salvo levar a vante os sórdidos projectos da elevação de toda a
sua familia (incluso o Coude de Amarante.)"
" O Coronel Serpa, aproveitando-se da occasiaõ de patentear
seus princípios, conduzio o Juiz do Povo á varanda do palácio
do Governo, metteo-o entre luminárias, e entrou a fazer-lhedar
vivas incendiarios e sediciosos, que o innocente povo debaixo
repetia sem lhes conhecer a malícia." (Veja-se o Campeão
Portuguez, N.° 30.)
Depois desta descripçaõ, que aquelle escriptor faz de tam conspi-
cuos eorifêos da revolução, um delles seu primeiro Presidente,
mal podíamos esperar, que nos arguisse por havermos dicto,
que os males da naçaõ só eram pretexto para com os facciosos.
E com isto pôde muito bem estar, que para com os homens
honrados esses males da naçaõ, e o desejo de os remediar, naõ
fossem pretexto, mais sim verdadeira e sincera causa de abraça-
rem e approvárem a revolução.
Que El Rey se deva oppôr, com os meios que estiverem a seu
alcance, aos excessos da revolução, he outra proposição, que nada
Miscellanea. [717] 709
encontra as anteriores, nem tem nada que naõ seja de patriótica
politica.
Se um dos excessos da revolução, por exemplo, for, que Por-
tugal em vez de ser Potência, passe a ser provincia de Hespa-
nha; se a revolução chegar ao furor de querer fazer dos Portu-
guezes Lusos-Hespanhoes-Constitucionaes, parece-nos que he
do dever d'El Rey desapprovar similhantes «xcessos revolucio-
nários, quer possa quer naõ possa impedillos.
He de desejar, e talvez de presumir, que os Membros do Go-
verno Provisório naõ patrocinem as vistas desses Luso-Hespa-
nhoes-Constitucionues, porque tal patrocínio deshonraria qual-
quer Governo patriótico; mas no fogo das revoluçoens naõ se
pôde responder dos suecessos, ainda quando o Governo põem
para isso os meios, que pôde, e tem a seu alcance.
0 motim que suecedeo em Lisboa no dia 11, e que pela confis-
são de todos esteve ao ponto de fazer correr o sangue dos cida-
dãos ; servio para desmascarar a hypocrisia de algums, mas naõ
he provável que todos os facciosos se descubrissem por uma vez.
E com tudo, aqui temos ja uma amostra do que dicemos, das
difficuldades, que tem de encontrar o Governo Provisório, e da
incerteza da marcha dos negócios, nas revoluçoens, quando, ou
por capricho ou por necessidade, se desattendem as formalida-
des, em que consiste a ordem estabelecida.
Aquelles que, com o cabeça de páo do Juiz do Povo, atrope-
laram o Governo Provisório, deviam lembrar-se da grande obri-
gação em que o Reyno está a esse Governo, pela moderação com
que se tem portado, e pelo cuidado com que tem supprimido o
germen da anarchia, que começava a patentear-se, em algumas
partes, como se colhe do seguinte Avizo:—
" Foi presente ao Governo Interino, estabelecido em Lisboa, a
conta de V. m.ces, de 23 do corrente, participando a proposição
que se lhes fez, para que nomeassem Deputados para uma nova
Juncta, que se procurava erigir na cidade de Faro, e a maneira
por que V. m.ce» resistiram a similhantes solicitaçoens; e o
mesmo Governo manda louvar a V. m.cet a sua coudueto e fir-
meza de princípios, para naõ annutrem a taes pretençoens, que
710 [718] Miscellauea.

poderiam ser origem de discórdias, quando fossem attendidas.


O que participo a V. m.ces para sua devida intelligencia. Deus
guarde a V. m.^e* Palácio do Governo, em 28 de Septembro de
1820.

(Assignado) F I L I P P E FERREIRA DE ARAÚJO E CASTRO.

Senhores Juiz, Vereadores, e mais


Officiaes da Câmara de Tavira.
E accrescentamos ainda outro exemplo em differente gênero,
nn seguinte Noticia, publicada em Lisboa.
" Tendo constado ao Governo, que se imprimiram, e puzéram
em venda alguns escriptos, que encerram princípios e máximas
oppostas ás da sancta Religião, que professamos, e até as da
moral universal, encubertas debaixo de expressoens capciosas,
e por isso tanto mais nocivas; ordenou immediatamente, que se
procedesse ao exame das causas, que deram azo a um abuso tam
escandalozo, e tam contrario aos justos sentimentos do Governo,
muitas vezes proclamados, e expressos nas differentes ordens,
que a este respeito se tem expedido; e que os referidos escrip-
tos fossem apprehendidos, aonde quer que se achassem, para
mais naõ poderem entrar em circulação, estando o Governo na
firme resolução de manter com toda a authoridade, que lhe com-
pete, o vigor da Ley, e a boa ordem em matéria tam i m portant
e tam intimamente ligada com a tranquillidade e felicidade pu-
blica."
Uma das mais louváveis medidas do Governo Provisório, he
o projecto de liquidar a divida publica, como consta da Portaria
d e p . 597; porque na verdade, depois da falta de responsabili-
dade dos empregados públicos, o desarranjo das finanças éra o
que mais pezava sobre a naçaõ.
A p. 693 damos em extracto a conta de receita e despeza do
Erário de Lisboa, no mez de Outubro de 1820. O Governo
Provisório ordenou á Juncta da Fazenda do Senado, por Avizo
de 22 de Novembro, e ás demais Repartiçoens, que administram
Cofres públicos, que publicassem mensalmente, pela Imprensa,
contas de sua receita e despeza.
Miscellanea. [719] 711
Por um Avizo de 18 de Novembro, mandou o Governo obe-
decer á Commissaõ do Terreiro Pubfico de Lisboa, as reformas,
queja tinha feito naquella repartição, destruindo os abusos,
que obstavam á prosperidade da agricultura do Reyno; e apro-
vando a proposta de adiantar dos dinheiros do Cofre do mesmo
Terreiro, empréstimos a alguns agricultores.
Além das gazetas, que ja annunciamos, que se imprimiam
em Lisboa, temos agora noticia de mais seis; que saõ, O Libe-
ral, o Amigo do Povo; Astro da Luzitania; Diário do Gover-
no ; Cidadão Artista; e Portuguez Constitucional.

Partido Aristocrata.
Tocamos acima a circumstancia de que no novo plano para a
convocação das Cortes de Portugal, se naõ fez mençaõ das Pro-
vincias Ultramarinas : essa mençaõ, he verdade, naõ traria,
talvez, com sigo resultados practicos; mas a omissão indica,
que ha, entre as pessoas influentes na revolução, quem calcule
sobre a separação do Brazil.
O grito pela Constituição Hespanhola dá a entender os desejos
do partido Hespanhol; e uma gazeta de Lisboa asseverou, que
os mesmos Membros do Governo gritaram das janellas do palá-
cio " Viva a Constituição Hespanhola." Isto foi negado pelo
Diário do Governo ; mas o outro tornou a asseverar o que tinha
escripto.
Estas e outras abei raçoens, que, se possam observar na revo-
lução, attribuimos nós aos máos conselhos do Partido Aristocrá-
tico, que naõ cuidou em atalhar as conseqüências funestas de
uma rebelliaõ aberta, o que se poderia fazer, cedendo a tempo á
toriente da opinião do nosso século.
O grito em Lisboa pela Constituição Hespanhola, formou seu
écho em outras partes, que nos parece alguma ccusa mais do
que mero accaso ; e uma carta «le Madrid de 23 de Novembro,
inserta no Constitucionnel, de 3 de Dezembro, contém o seguinte;
" Depois da chegada de um correio de Lisboa circularam aqui
rumores de singular natureza ' nada menos que a importante me-
712 [720] Miscellanea.

dida adoptada pelo Supremo Conselho de Portugal, de pôr


aquelle reyno debaixo da protecçaõ de Hespanha ; até se asse-
vera, que se urge fortemente uma completa e absoluta uniaõ
entre os dous reynos. Porém he possivel, que este rumor se
originasse no desejo que eutretem muitos Hespanhoes illustra-
dos, de que se effeitue tal uniaõ; porque os dous reynos tem
certa identidade topographica; e porque o bom successo da re-
volução em Portugal, seria uma segurança para a consolidação
da nossa. Portugal, em certo ponto de vista, he como o posto
avançado da Hespanha, se aquelle naõ cubrir ou defender esta
pôde fazer a Hespanha vulnerável. Os nossos interesses, por-
tanto, devem unir-nos aos seus interesses ; as nossas situaçoens
topographicas nos põem em proximidade, o que reciprocamente
multiplica as nossas relaçoens phisicas e moraes. A desfeita,
que soffressem os constitucionalistas Portuguezes, nestas cir-
cumstancias, seria para nós o precursor de difficuldades, que os
inimigos tanto externos como internos naõ deixariam de produzir
em nossas novas instituiçoens. Repito-vos, temos razoens
sufficientes para nos devermos guardar coutra a influencia e ata-
ques do estrangeiro, dirigidos a frustrar a feliz consumação dos
novos destinos de Portugal."
" Tornando á sua situação actual, e fazendo abstracçaõ dos ru-
mores, que correm, he indubitavel, que este paiz soffre grande
crise. Por tudo quanto aqui sabemos parece, que alguns dos
principaes authores e actores desta revolução tem, naõ digo
abandonado absolutamente a causa da liberdade, mas variado
singularmente em sua marcha, e sua direcçaõ ; sabemos que se
excitou grande influencia por certas reuuioens, cujos concilia-
bulos secretos se faziam em casa de distinctos membros de algu-
mas companhias lnglezas ou Irlandezas, que tem estabelecimen-
tos de Commercio em Lisboa. Sabemos que certos Portuguezes,
pensando, sem duvida, que estaõ fazendo um serviço á sua pá-
tria, usam seus maiores esforços, em Londres, para induzir o
Governo Britannico, a que tome parte activa nos negócios de
Portugal. Sabemos que uma personagem diplomática Portugue-
za, que acaba de sair de nossa cidade, e cuja chegada a Pari»
Miscellanea. [721] 713
terá talvez tido lugar, quando recebêres esta carta, naõ
omitte nem exhortaçoens nem rogativas para com Lord
B a fim de persuadir seu Governo a adoptar medi-
das decisivas; sem duvida, a que mande um exercito,
aluado e pacifico, para Portugal, para o restabelicimen-
to da ordem e bom Governo. Sabemos outro sim, que outro
diplomata Britannico,' o qual, depois da revolução de Por-
tugal saio da Itália, com o pretexto do processo da Raynha, se
occupava muito menos com aquelle caso, do que cem a revolução
de Portugal, e suas conseqüências. Quando se pézam e com-
binam estas circumstancias, podemos justamente deduzir, con-
jecturalmente, pelo menos, a inferenuia, de que Portugal naõ
pude tardarem desejar alguma sorte de connexaõ com a Hespa-
nha. Por esta razaõ me apresso a communicar-vos os rumores
produzidos com a chegada do Correio Portuguez."
A chegada do Conselheiro Saldanha a Paris, deixando o seu
lugar em Madrid, he attribuidaa insinuaçoens do Coude de Pal-
mella; e com o fim de reunir em Paris, um Congresso de Diplo-
matas Portuguezes, que se acham servindo de Ministros em va-
rias Cortes da Europa, e conforme o resultado dessas conferên-
cias ir um delles Tropau, representar os negócios de Portugal aos
Soberanos os Alliados, e pedir auxílios para derribar a revolução
Portugueza.
Com effeito, depois que chegou o Paris o Conselheiro Salda-
nha, saio daquella cidade, aos 6 de Dezembro, um dos officiaes,
que se acham banidos de Portugal, por haver sido partidista
Francez, e que recebera certa pensaõ pela Embaixada por al-
gum tempo, partindo agora para Madrid, com sua mulher e
filha ; e disse-se que o objecto da sua missaõ, éra organizar uma
Legiaõ, que se poderá chamar anti-Luzitana, e servir na invasão
de Portugal.
Pareceria incrível, se naõ fosse tam conforme á experiência
diária, que uns poucos de ministros d' El Pcy em várias Cortes
Estrangeiras, tomassem sobre si decidir e obrar sobre matérias
de tanta importância, sem ordem do seu Socerano, e sem saber
7 1 4 [722] Miscellanea.

qual será a sua vontade, a respeito da nova ordem de cousas, qne


teve lugar em Portugal.
Este procedimento hesem exemplo na historiada Diplomacia,
mas he mui conforme com o systema dos empregados públicos
de Portugal, de obrar cada um como lhe parece, e sem temor de
responsabilidade, nem attençaõ á vontade d' El Rey, mas gri-
tando, logo que se lhe nota o abuso de authoridade, que he isso
fallar mal d' El Rey, ainda quando a falta notada seja mesmo a
de desobediência a El Rey.
Esta maneira de decidirem por si os Diplomatas de Portugal, e
obrando em conseqüência de suas decisoens individuaes, naõ só
he arbitraria, e desattenciosa para com o Soberano, mas produzirá
os maiores males á naçaõ, se a decisaõ d'El Rey for, naõ castigar
os Portuguezes como a rebeldes, mas ouvtllos e attendéllos, como
subditos, a quem a imperiosa necessidade das circumstancias
lançou em medidas, a que propellio a uniforme vontade da grande
maioridade de toda a Naçaõ.
Se El Rey olhar para as cousas neste ponto de vista, as medi-
das dos taes Diplomáticos, negando passaportes, tentando blo-
quear os Portos de Portugal, ou fazendo representaçoens ás
Cortes Alliadas, só pôde produzir collizaõ de partidos, e tal-
vez uma guerra civil, com que esses homens dessolaraõ a sua
pátria.
Se, portanto, houvesse ainda alguma duvida, sobre a existên-
cia de um partido oligarhico, que deseja governar soberanamente
Portugal; o projectado conciliabulo de Diplomatas em Paris po-
ria a matéria fora de questão.
Os três Ministros agora em Paris, saõ o Marquez de Mari-
alva, o Couselheiro Saldanha, e o Visconde de Santarém ; mas
esperava-se ali também o Brito, D. José Lobo. &w.
O Conde de Palmella, que se tem apresentado ao Mundo
como campeão do partido Aristocrático, offerecendo-seaté a to-
mar sobre si a responsabilidade pelas medidas dos ex-Coverna-
dores de Portugal, será tomado como orgaõ desse partido, e por
isso examinaremos as suas ideas a este respeito.
Diz o Manifesto Roevidico, a quem tivemos de noticiar
Miscellanea. [723] 715

no nosso N.° passado, que " logo que o Conde de Palmella an-
nuucinu a sua partida, lançaram (o Corr. Braz., &c.) maõ
de todos os meios delles conhecidos, para ver se o podiam intri-
gar e indispor com El Rey e na opinião publica, a fim de qne
elle ficasse impossibilitado de propor cousa alguma, para con-
seguir o que éra da mais urgente necessidade adoptar, para
arquietar as fermentaçoens que existiam em Portugal."
Quando o Conde blazonava, e fazia fallar seus trombeteiros,
de que éra preciso por o edifício social sobre novas bazes, ti-
nha era vista o querer passar por homem de ideas liberaes, e
rapaz de conformar-se, em matérias de governo com as opinioens,
<K> nosso século; mas quem o conhecia de perto, e quem sabia
do qne se passava, naõ podia deixar de lamentar, que tal homem
e á frente de tal partido, pudesse chegar a ter decidida influencia
nos conselhos do Soberano, e nos negócios nacionaes.
Para chegarmos a esta conclusão basta considerarmos o que
elje fez em Lisboa; nas medidas que ali aconselhou, quando
tomou parte nas deliberaçoens dos ex-Governadores.
Naõ queremos noticiar factos particulares, que por isso mes-
mo nos podiam ser disputados, posto que mui verídicos: mas
notando o que he publico, a medida, que o Conde aconselhou em
Lisboa aos ex-Governadores, foi a convocação das Cortes; da-
qui temos razaõ de concluir, que essa medida éra a que elle ti-
nha biazonado, como as necessárias novas bazes do edifício so-
cial.
i Mas que Cortes eram essas do Conde de Palmella ? As an-
tigas Côrt s ; as Cortes, em que os Nobres, com o Conde de
Palmella á sua frente, fizessem tudo. Bellasbazes novas seriam
essas para o edifício da ambição dos Grandes; porém péssimas
para o Rey, e péssimas para a Naçaõ.
0 Conde, recomrnendando a El Rey a medida da convocação
dessas Cortes, usaria do argumento de que isso éra necessário
para aquietar o Povo ; e com o mesmo argumento recommenda-
ria qne El Rey adoptasse, tudo quanto taes Cortes determi-
nassem. Ora essas Cortes antigas nunca foram representação do
VOL X X V . N ° . 151 **
716 [724] Miscellanea.

Povo de Portugal, mas sim dos Nobres, que repetidas vezes se


portaram com a maior insolencia para com os Reys. { E por
que naõ fariam agora o mesmo, debaixo do pretexto de que
assim o queria a naçaõ ?
{ Quem depoz D. Aflonso VI. senaõ os Nobres ? < Quem
conspirou contra o Soberano de Portugal em 1806? O Conde
de Palmella muito bem o sabe: naõ foi o P o v o . . . . mas sim as
famílias de . . . . e de . . . . . .
Entre tanto, eram as Cortes compostas desses Nobres, que o
Conde de Palmella recommendava, com a capa de ideas liberaes,
e da necessidade de novas bazes para o edifício social, que aca-
bariam com fazer El Rey mero cancellario, para assignar as or-
dens desses poucos Aristocratas, que governassem o Reyno.
Quanto á Naçaõ, o povo e os cabeças da revolução conhece-
ram logo, que taes eram as Cortes, que o Conde de Palmella
lhes offerecia, como bazes novas do edifício social; eram as no-
vas bazes nada mais, que as Cortes velhas, em que esses Nobres
seriam os únicos que influíssem ; em que naõ haveria um só De-
putado eleito pelo povo; e em que os Procuradores das Câmaras,
poucos em numero, seriam eleitos por essas Câmaras, presidi-
das por Ministros nomeados pelo Governo, istohe pelos Fidalgos
Governantes do Reyno; e sendo Camaristas aquellas pessoas,
que o Dezembargo do Paço quer que o sejam.
Taes eram as Cortes, chamadas novas bazes do edifício social,
cujo plano os Revolucionários repelllram, e regeitáram com o
maior desprezo, expondo ao publico aastucia dos intrigantes.
Diz o rifaõ, que na terra dos cegos quem tem um olho he rey:
outra liçaõ diz, que na terra dos cegos quem tem um olho he
torto: esta segunda liçaõ será a Targinica, como se pôde con-
cluir do retracto, que acompanha a ultima edicçaõ da Arte de
Furtar, impressa em Londres.
Mas, se o Conde de Palmella, á falta de gente de conhecimen-
tos, na sua classe, passava entre os seus por homem de habili-
dade, pela máxima da primeira liçaõ do provérbio; pela se-
gunda lhe fizeram conhecer os Revolucionários de Portugal, que
conheciam a tortuosidade da sua política; e a revolução da
Miscellanea. [725] 71 f

a conhecer a elle, e a todo o mundo, que se os talentos dos Por-


tuguezes até aqui naõ apparcciam, éra porque essa Aristocracia
os sopitava ; e que ninguém cairá em admittir Cortes constituí-
das pelo Conde de Palmella por tal maneiro, que só sirvam de
pôr freio á authoridade do Soberano, para mais a seu salvo pi-
zar sobre o povo.
A questão, hoje em dia, naõ he se figurarão os nobres, que
ninguém respeita, ou se haverá um Rey, a quem todos querem ;
e cuja authoridade por isso ninguém disputa: a questão he o es-
tabelecer taes formalidades no Governo; que os empregados
públicos estejam sugeitos a uma verdadeira e efficaz responsa-
bilidade. Menos disto nada aceitará a Naçaõ ; e com isto será
sempre salva e respeitada a dignidade do Soberano.
O Portuguez Constitucional de 24 de Novembro, diz isto:—"
" Senhor Redactor!—Naõ pôde bem julgar de minha admira-
ção, quando hontem ouvi dizer em boa sociedade, que alguns
Fidalgos de Lisboa haviam entregado uma representação para
S. M., na qual, expondo-lhe as tristes circumstancias de Poitu-
gal, declaravam haverem jurado a Constituição obrigados pela
força, mas que fariam quanto lhes fosse possivel para empata-
rem o juramento dado, protestando sua adbesaõ ao throno na
forma antiga: isto me affii máram pessoas, que naõ se illudem !
E que lhe parece, Sr. Redactor, será verdade ? oh ! se for con-
firmado um tal perjúrio, que devem esperar Suas Excellencias
da Naçaõ ? Um punhado de homens pretenderão oppôi-se aos
desejos de todos os Portuguezes ? Eu naõ posso tal accreditai í
mas se assim for, terei que dar a fazer a todos os vidraceiros de
Lisboa; porque naõ deve manchar as paginas da nossa presente
historia um só facto escripto com letras de sangue : naõ quero
tomar-lhe mais o tempo, e so lhe protesto, que, a pezar dos Fi-
dalgos de Portugal, e de todos os Fidalgos do mundo, Portugal
terá uma Constituição, he o que lhe pôde affiançar seu admira-
dor.—O Patriota Transtagano.—A vóz publica diz que sim: eu
naõ sei, mas naõ duvido. E quem se encarregaria da entrega ?
F o i . . . . foi . . . . tudo se saberá, e vai sabendo. ** Nota do Re-
dactor do Portuguez Constitucional."
718 [726] Miscellanea.
O Conde de Palmella, que saio de Lisboa no paquete Irlglez,
Montague, para o Rio-de-Janeiro, aos7 de Novembro, foi arri-
bado a Gibraltar. Mas vindo ali ter uma fragata Austríaca, que
de Trieste saia para a China, com escala pelo Brazil, nella se
embarcou o Conde, para seguir sua derrota. Resta vermos, se
elle ainda terá cabimento no Ministério, e quando o tenha,
quaes seraõ as novas bazes, que recommendará paia o edifício
social.

Colonização no Brazil.
Nas gazetas lnglezas se publicou o seguinte extracto de uma
Carta do Rio-de Janeiro em data de 3 de Outubro, sobre o inte-
ressante objecto das colônias Europeas, que passam ao Bra-
zil:—
" Os colonistas Suissos, que o Governo para aqui trouxe,
com grande despeza, e que foram collocados em Cantagallo, pa-
rece que naõ florecem. A justiça d'El Rey he mui bem conhe-
cida, para que seja permittido attribuir a falha à falta das pro-
messas, que elle originariamente fizera; deve, portanto, recahir
a culpa totalmente nos agentes subordinados. O superintenden-
te dos Suissos, que formaram esta colônia, completou o seu nu-
mero, ajustando vagabundos Francezes e Alemaens, em vez dos
virtuosos e pacíficos habitantes dos Cantoens. Estes bandidos,
habituados a uma vida de vadios, recusaram ajudar nos trabalhos,
e se abandonaram a toda a espécie de excessos, o que se fez mui
practicavel, pela ausência do Agente, cujo dever éra residir
entre elles, de maneira que naõ ficou, de facto, nenhuma espé-
cie de Governo interior. Outra causa, que impedia a prosperi-
dade desta colônia, foi o rigor do clima, aonde foram postos, e
que naõ permitte o crescimento dos fructos e outros artigos,
cuja cultura tentaram. Estaõ cercados por guardas, que lhes
impedem sair de seu estreito valle."
" Ascolonias Suissas, projectadas por indivíduos particulares,
e que também existem nos distristos montanhosos, naõ se devem
Miscellanea. [727] 719
confundir com as acima mencionadas. Estas prosperam muito.
" Também colonistas Francezes se aj une taram em grande
numero, nas vizinhanças de Ubatuba, e parece terem escolhido
uma posição favorável. Alguns dos primitivos colonistas vindos
da ilha de S. Domingos se acham entre estes. Alguns colonistas
Inglezes, ainda que poucos em numero, se fitaram nas vizinhan-
ças de Mangará."
Em outra gazeta Ingleza, achamos a seguinte carta, dirigida
ao Edictor:—
" Senhor !—Em resposta a uma breve carta, que apparecêo,
no vosso Jornal, ha alguns dias, permitti-me que vos informe,
que outra colônia de Suissos está a ponto de ir estabelecer-se no
Brazil, sob a direcçaõ de um Baraõ Alemão, e de homens sci-
entificos de Genebra, e que intentam estabelecer-se no extenso
districto do Cantagallo, provincia que Mr. Mawe visitou, ha
cousa de dez annos, em busca de uma supposta mina de prata.
Este viajante achou que o Cantagallo éra de um excellente cli-
ma, o terreno extremamente fértil, e produzindo immensa co-
lheita de graõs, milho, feijaõ de todas as qualidades, mandioca,
vegetaes curinares e também café; mas he demasiado frio para
o assacar : ha naquelle districto muitos ribeiros, aonde se acha
ouro ; mas pela maior parte he cuberto de matos, e algumas ar-
vores de grandes dimensoens. O que faz este districto mais
apetecivel he o ficar a dous ou três dias de jornada do Ric-de-
Janeiro, aonde o gado, aves, graõs, &c. tem prompta venda.
Inquirindo de Mr. Mawe, a respeito daquelle paiz, elle polida-
mente me deo a informação acima, e me mostrou alguns graõs
de ouro puro, e bellas toui malinas, que ultimamente recebeo de
uma mina recentemente aberta naquelle paiz ; mas accrescentou,
que, em geral, os mineiros naô viviam tam azados como os
agricultores. Sou, &c. Assignado—S. Jones."
720 [728] Miscellanea.

AMERICA HESPANHOLA.

Uma carta de Trinidad, de 27 de Septembro, diz o seguinte :


" Está agora neste golpho uma expedição destinada a libertar
Carupano, e a costa vizinha. A guarniçaõ daquella praça, no
computo de 280 homens, desertou da Causa Hespanhola, em
conseqüência de um rigoroso castigo, que se deo a um sargento
índio, porque pedirá a sua baixa, havendo acabado o tempo
por que tinha de servir. O índio morreo pelo tractameuto cruel
que sofTreo, e a indignação dos demais soldados se patenteou em
um motim, que acabou em revolta, promovida por um tal Navas
natural de Guayana, e que tinha sido demittido de seu posto.
Este official procedeo immediatamente a tomar o Castello, e um
brigue, que estava no porto, no qual elle e o batalhão se passa-
ram para Margarita. Vereis pelas gazetas do Orinoco, que o
Coronel Torralva, commandante das tropas Hespanholas em
Barcelona, se declarou a favor da Republica. Todas as cidades
deTucupio, Vale-de-la-Pascua, Onoio e Protrero, nas planices
baixas, seguiram aquelle exemplo; e assim o exercito do Gene-
ral Bermudes se augmentou com mil homens. As cidades de
Guaca e Guanaca, na provincia de Barinas, uniram-se ao Gene-
ral Paez. Bermudes marcha para Cumana. No principio de
Julho passado o Coronel Mariano Montillo estava em Turbaco,
qalro léguas de Carthagena, e o General Baldez em Popayan,
em marcha para Quito. Estes officiaes obtiveram previamente
grandes vantagens sobre os Hespanhoes. Os patriotas estaõ
agora de posse de todo o curso ds rio Magdalena, depois de terem
tomado todos os vasos Hespanhoes que o navegavam. Brion
bloquea Sancta Martha e Carthagena. O General Bolívar está
ainda em Cucuta com 8.000 homens, e vai a marchar para Ca-
racas logo que vier a estação própria, Paez acha-se no Apure,
esperando que abatam as águas das planícies. De vez em quan-
do faz correrias nas posessoens Hespanholas, e conserva Morales
em respeito, na cidade de Calabozo. Morillo tem o seu quartel-
general em Valencia."
Miscellanea. [729] 721
O Correo dei Orinoco de 2 de Septembro diz assim:—
" O General commandante, com todas as tropas realistas na
provincia de Barcelona, se unio aos libertaderes de Columbia
De 300 homens, que desalojaram o Coronel Arana, exGoverna-
dor General de Onoto, do seu commando naquella provincia,
200 abandonaram a causa d'El Rey. Os habitantes de Tucupio
e de Vale-de-la-Pascua, para quem os desertores de Arana se
tinham refugiado, juraram obedieucia á Constituição Provisio-
nal de Columbia. O districto de Guaca, e a cidade de Canagua
na provincia de Varinas, abandonaram também os oppressores
e se uniram aos defensores da pátria. Os habitantes da provin-
cia de Carthagena se apressam a alistar-se entre os defensores da
independência de Columbia. Dizem, e ha fortes razoens para o
crer, que o districto de Guanape, na provincia de Caracas, que
foruece uma quota de 300 soldados, seguio o exemplo de seus
irmaõs de Barcelona, Tucupio, Vale-de-la-Pascua, Guaca e Ca-
nagua."
Uma carta de S. Thomaz, em data de 15 de Outubro diz o se-
guinte :—
" Recebemos noticias de Ia Guyra, asseverando positivamente
o rendimento de Sancta Martha, e que Carthagena se renderia
também ; porque a guarniçaõ e os poucos habitantes, dentro dos
muros, estavam actualmente morrendo de fome e fadiga. A de-
serção éra geral em todas as partes e postos oecupados pelas
tropas de Morillo, O General La Torre foi completamente der-
rotado por Bolívar em Bayladores, e tinha chegado a Caracas,
aonde se ajnnctaría um conselho de guerra, de todos os generaes
e commandantes, e esperavam por Morillo, o qual tinha declara-
do, que naô podia responder pela segurança de Caracas, nein
por uma só hora, a menos que naõ recebesse 2.000 homens de
tropas de Hespanha, que lhe naõ tinham chegado, nem chega-
riam ; porque em La Guyara havia noticias de Hespanha, em que
se referia, que se naõ podiam enviar mais tropas. O povo de Ca-
racas e da Guyara declaravam abertamente sua adhesaõ á glorio-
sa causa da liberdade e independência ; esperava-se confiadamen.
722 [730] Miscellanea.

te, que o estandarte do Washington da sua pátria, o disliucto


Bolívar, entraria neste lugar no decurso de um mez. Esperava-se
também confiadamenle, que na primeira sessaõ do Congresso
dos Estados-Unidos, se proclamaria solemnemente a Soberania da
Republica de Columbia, Banda-Oriental, Buenos-Ayres, Chili, e
Peru. Por um acto tam razoável e justo receberiam elles as eu-
thusiasticasbençaõs de ••mis de treze milhoens de homens li-
vres."
" O resto do Exercito, debaixo do commando de Sua Excel-
lencia o Presidente, está agora em Sta. Rosa de Cacei ta, e con-
siste em 12.000 homens, completamente armados e apetrecha-
dos : esperam somente até que as águas abatam, para cooperar
com a outra parte do exercito, decididamente contra Morillo,
que está em Valencia, na provincia de Caracas, e cujo exercito
naõ consiste em mais de 6.000 homens, 4,000 dos quaes seraõ
Europeos. Nos demais naõ se pôde elle sonfiar. Um dos Gene-
raes, agora sob Sua Excellencia he o Coronel Piggot, um official
Inglez de grande experiência. Os Generaes Paea, Monagas,
Cole, Monte e Torassa, com mais de 4.000 homens, cooperarão
com os exércitos do Presidente, no ataque de Caracas."
Doregoalcançou uma victoria de Alvear,juncto a S. Nidolas,
e tal foi a derrota de Alvear, que foi obrigado a refugiar-se
em Monte-Vedio, aonde meditava novo ataque contra Buenos-
Ayres.
Cartas do Rio-de-Janeiro do 1." d'Outubro dizem, que a re-
volução em Hespanha naõ produzira mudança alguma nas vis-
tas e disposiçoens do Gabinete Braziliense, a respeito de Monte-
Vedio. O General Lecor continuava em seu systema de oppór
a mesma resistência aos movimentos dos Constitucionalistas, e
aos projectos dos Realistas, procurando amigos e alliados entre
os descontentes.
A expedição de Chili saio de Valpaiaiso aos 21 de Agosto, com
nove vasos armados, e treze transportes, tendo a bordo 4.00l) ho-
mens, debaixo do commando do General San Maitin. No mesmo
dia o Director Supremo 0'Higgins expedio uma proclamaçaõ,
declarando acosta do Peru em bloqueio, dcidc a Ponta de Sanei»
Miscellanea. [731] 723
Hellena até Iguaque, c concedendo sette mezes para os vasos
idos da Europa e dos Estados-Unidos, cinco para os do Brazil,
e três para os do Rio-da-Prata.

ESTADOS-UNIDOS.

Concluio-se a eleição dos Membros, que devem compor o Con-


gresso XXII; e se esperava que Mr. Monroe fosse reeleko Pre-
sidente para os seguinte quatro annos.
O Presidente dos Estados-Uuidos, enviou a sua menssagim
do custume, na abertura do congresso aos 14 de Novembro. Este
documento importante, que por sua extensão naõ pudemos co-
piar neste N °, faz ura resumo das relaçoens externas e do esta-
do interno daquelle paiz, o qual expõem a continuação da pros-
peridade, e o augmento de recursos de toda a sorte, em popu-
pulaçaõ, agricultura, commercio, e por conseqüência rendas pu-
publicas, dos Estados-Unidos.
Em Septembro de 1815, quando se concluio a guerra coin
a Gram Bretanha, a divida nacional éra de 158 milhoens de dol-
lars : aos 30 de Septembro, proxime passado, naõ excedia a 92
milhoens, tendo-se pago ein cinco annos dous quintos de toda a
divida : o remanescente no Erário, aos 30 de Septembro, depois
de pagas as despezas annuaes, foi de 1:950.000 dollars.
Accrescêi am á Uniaõ, durante a ultima sessaõ do Congresso,
quatro novos Estados ; a saber Illinois, Alabama, Maine e Mis-
souri, que com os Territórios de Michigan e Arkansau, cuja
crescente população em breve tempo lhes dará direito a serem
Estados independentes, ficará dobrado o numero original dos Es-
tados, que se declararam independentes da Gram Bretanha, aos
4 de Julho de 1774 ; porque entaõ eram 13, e saõ agora 24, 6
com esta addicçaõ seraõ 26.
VOL. XXV. N°. 151 5 A
724 [732] Miscellanr*.

TRANCA

El Rey abrio a sessaõ das Câmaras aos 19 de Dezembro, re-


citando do throno uma falia ; em que intima o augmento da
prosperidade da França, e a esperança da paz interna, por meio
da aliiança, " que inspira confiança, contra os perigos a qne a
ordem social, ou o equilíbrio politico possam ser expostos."
Estas expressoens de S. M. parecem alludir á Sancta Aliiança;
mas o que sem duvida tem imprimido mais confiança a El Rey
he, que a nova ley das eleiçoens habilitou o Governo a ter uma
considerável maioridade de votos na Câmara dos Deputados.
Mui provavelmente, em conseqüência desta circumstancia, se
julgou El Rey em estado de fazer considerável mudança no Mi-
nistério, favorável ao partido dos Ultras ; e por uma ordenan-
ça de 21 de Dezembro nomeou Mr. Lane Ministro d' Estado ;
Mr. Corbieres, Presidente do Conselho de Instrucçaõ Publica;
em lugar de Mr, Laine : e também M. deVillele; todos três
Membros da Câmara dos Deputados.

HESPANHA.

El Rey, com o resto da Familia Real, voltaram para Madrid


aos 22 de Novembro; mas as commoçoens tendentes a uma con-
tra-revoluçaõ, parece que naõ tem cessado de todo.
Em Ávila se prenderam 26 pessoas, aceusadas de conspiração
contra o Governo existente, e entre os prezos se acha o Conego
de Caracas. Em Victoria, o Chefe politico expedio uma procla-
maçaõ, em que se queixa de que um punhado de pessoas faccio-
sas formaram o projecto de rebelliaõ contra o Governo ; e se
diz que á frente delia se achavam Guerque ; ex-com mandante da
reserva de Cantabria, e Gamarro, guarda dos armazéns de sal:
começaram as suas operaçoens interceptando o Correio na entra-
da de Avinez, aos 11 de Novembro.
Miscellanea. [733] 725

O Ayuntainieiito de Madrid mandou imprimir e publicar, a


representação, que fez a El Rey aos 22 de Novembro, na qual,
depois de expressar a Sua Majestade, a sua satisfacçaõ pelas me-
didas, que elle tinha mandado adoptar, contra os perturbadores
da tranquillidade publica; acrescenta:—" Todas as perturba-
çoens, que tem acontecido, piovam incontestavelmente, que os
habitantes desta capital estaõ firmes ein sua denodada resolução,
de morrer, antes do que soffrer algum ataque contra o edifício so-
cial, cujas bazes descançam no sagrado código, que Vossa Ma-
jestade jurou manter; porém as duvidas, que os afHigem e a-
tormentam, quanto ás verdadeiras intençoens de Vossa Majes-
tade, saõ a única causa real de todas estas agitaçoens."
Depois de referir, que os agentes saõ activos em excitar as
desconfianças, e a hostilidade contra o Governo Constitucional ;
proclamando, que o Reyhe secretamente averso a suas medidas,
e que o opporse á sua authoridade, e obstruir suas medidas he
conforme aos desejos de S. M.; contiúa a representação dizendo,
" Esta be a origem do mal. O remédio he obvio. No vosso palá-
cio, ua vossa capella, nas vossas estrebarias, nas residências
Reaes existem aquelles, que se cobrem com o falso pretexto de
obsoluta devoção á vossa pessoa : elles saõ authores destas com-
moçoens; pelo menos o povo disso os aceusa, e em quanto os
factos naõ provarem, que V. M. olha coino seus inimigos pesso-
aes os inimigos das novas instituiçoens, será impossível ás au-
thoridades, por mais zelosas que sejam, prevenir as desordens.
Finalmente, Senhor, deveis ser informado de que, no dia da
vossa volta para a Capital, agentes perversos distribuiram di-
nheiro para desencaminhar o povo, e induzido a destruir o syste-
ma constitucional, invocando o nome de V. M. : nós, portanto,
supplicamos, que tomeis promptas medidas, para desenganar os
que perturbam a tranquillidade publica, em nome do rey."
Haveudo-se asserverado, que vários frades tinham conimetti-
do dilapidaçoens nos conventos, quando viram que se aproxima-
va o tempo de sua dissolução, as Cortes decretaram, que as ven-
das de ínaiitinientos, gado, instrumentos d' agricultura?, feitas
7 25 [734] Miscellanea.

ou começados antes do decreto da suppressaõ dos conventos,


fossem confirmadas ; mas que este favor naõ seria applicavel ás
pinturas, manuscriptos, ou objectos das sciencias e artes, os
qaaes seriam os possuidores obrigados a restituir ás authorida-
des, no mesmo estado em que os tivessem recebido. Os superio-
res dos conventos tiveram ordem de dar conta aos agentes do Go-
verno, do dinheiro resultante das vendas legitmas, para se divi-
dir o pToducto pelos frades residentes nos mesmos conventos,
e em reducçaõ.das pensoens, que se lhes arbitram.
Dizem que o Arcebispo de Valencia, que se declarou altamen-
te contra a authoridade das Cortes, e a favor dos princípios ul-
trainontanos, recebeo ordem para sair do Reyno, e a sua proprie-
dade foi confiscada.
El Rey sancionou vários decretos das Cortes, relativos ao soldo
das tropas, aos bandos de salteadores, e ao casitgodos ecclesiasti-
cos, que se fizeram obnoxios ás leys. O Conselho de Estado
ordenou a apprehençaõ das temporalidades do Arcebispo de Va-
lencia, ordenando que o seu crime fosse processado nos tribu-
naes.
Por um decreto das Cortes de 7 de Novembro, será livre toda
a manufactura de tabaco, desde o I o . de Março de 1821 em dian-
e ; o tabaco importado de paizes estrangeiros e das colônias,
será sugeito a um direito de importação, de 4 reales por libra.
A importação do sal estrangeiro he prohibida.
El Rey deo a sua sancçaõ á organização definitiva do Exer-
cito, o qual em tempo de paz consistirá de 66.828 homens
a saber.

Infanteria 48.358
Cavallaria 12.475
Artilheria 5.000
Sapadores 1.000
Total 66.828

Em tempo de guerra se augmentará a força militar a 124.572


homens. Supprimem-se os três regimentos Suissos; e em caso
Miscellanea. [735] 727

de necessidade o Governo augmentará as milícias a 120,000 ho-


mens.
Aos 11 d Novembro saio de cadiz uma divisão da esquadra
destinada para a America Meredional. A esquadra consiste
nas fragatas Ligera e Viva ; corveta Arethusa; cbalupas Her-
cules e Hyena, debaixo das ordena do Capitão Angel Labade, e
levaram quatro transportes com muniçoens de guerra, mantimeu-
tos, fardamento, petrechos, &c,

NÁPOLES.

O Congresso de Troppau teve a sua ultima conferência aos 20


de Novembro, e saio dali o Rey de Prússia aos 2 1 . O único
resultado certo deste Congresso, foi uma briga entre o Embai-
xador Inglez, Lord Stewart, e o Ministro Austriaco, Principe
Metternich, que acabou por mandarem os Soberanos Alliados
pedirão Governo Inglez, que fizesse recolher Lord Stev.art, e
substituillo por outro Ministro.
Tudo o mais do Congresso de Troppau, a respeito de Napoies,
está ainda envolvido em grande obscuridade : e as noticias sobre
as decisoens do Congresso saõ tam conlradictorias e incertas,
que em cada correio do Continente se recebem novas em oppo-
siçaõ ás precedentes ; e que por isso naõ vale a pena de as re-
ferir.
O Principe Vigario-Geral escreveo uma carta ao Parlamento,
em que declara, que. no caso de invasão, elle se porá á frente do
exercito, do qual alguns corpos estaõ ja nas fronteires, outros
se vam aproximando; e muitos postos se estaõ fortificando. O
Principe insiste na necessidade de disciplinar o exercito, e con-
fia em que o Parlamento lhe submiiiistrará os meios de proteger
a independência nacional.
El Rey de Suécia reconheceo formalmente a nova ordem de
cousas em Napoies, coma consta da seguinte :—
728 [736] Miscellanea.

Carta d'El Rey de Suécia ao de Napoies.

Nós, Carlos Joaõ, por Graça de Deus Rey de Suécia e Norwe-


ga, &c, Ao muito alto e muito poderoso Principe, nosso Irmaõ
Primo e charissimo amigo, Fernando I. Rey das Duas Sicilias,
e de Jerusalém, Infante de Hespanha, Duque de Parma, &c.;
Gram Duque Hereditário de Toscana, &c. Saúde e Prosperi-
dade.
Altíssimo e poderosíssimo Principe, irmaõ, primo, e charis-
simo amigo. Pela vossa carta de 19 de Agosto foi V. M. ser-
vido informar-nos da feliz mudança na forma de vosso Governo,
que recentemente teve lugar nos Estados de V. M., pela aceita-
ção da Constituição Hespanhola, com algumas modificacoens
necessárias. Anxiosamente desejamos que este acontecimento
produza novas vantagens, e uma prosperidade perfeita e durável
a V. M. e a seus subditos. Dando os parabéns a ambos, sobre
isso, estamos persuadidos de que a esperança, que V. M. entre-
tem, do auguiento de pro speridade do povo das Duas Sicilias,
será ouvida pelo Altíssimo, a cuja protecçaõ encommendamos
V. M. e a nova forma de Goveruo de vosso Reyno.
Dada em Stockholmo, no nosso Real Palácio, aos 16 de Sep-
tembro de 1820,
(Assignado) CARLOS JOAÕ.
A. C. Kullberg.
Os Imperadores de Rússia e Áustria, e o Rey de Prússia es-
creveram a El Rey de Napoies, exigindo a sua presença no
Congresso em Layback. S. M. Siciliana commnnicou isto ao
Parlamento, com o consentimento do qual se embarcou El Rey
na náo Ingleza Veugeur, e partio para TriesAe, donde iráa en-
contrar-se com os Soberanos Alliados. Como esta noticia nos
chegou, ao momento que este N." tslava na imprensa, naõ te-
mos lugar de ainpliar-uos mais uet>ta impoitanle matéria.

PA1Z11&-BA1X03
Interessa agóia muito c publico, UOÒ Paizes-Baixos, o novo
( 720 ) [737]

Código Civil, que por ordem dos Estadns-Geraes se lhes apre-


sentou. He dividido em quatro livros, e contém 3.631 artigos,
e o Governo o acompanhou com uma inportante Memória expla-
natoria, em 15 paginas de folio, mostrando os princípios, que
se seguiram na compilação desta útil obra.

CON R ESPONDENCIA
Carta ao Redactor sobre os partidos políticos em Portu-
gal.

Lisboa, 29 de de Novembro 1820.

Naõ tenho duvida, que o infeliz reboliço, que aqui experimen-


tamos no dia I I , lhe será representado com differentes cores,
pelos agentes de diversos partidos; e por isso desejo que tam-
bém saiba o que pensa, quem deseja o bem de -sua Pátria, mas
que naõ tem connexoens com nenhum partido.
Os distúrbios e dissençoens passadas tiveram por causa uni-
camente zelos e ciúmes individuaes, entre os mesmos membros
do Governo Provisório; e naõ, como alguns suppoem, scismas em
opinioens políticas ; mas naõ obstante essas desharmonias exis-
tem em pessoas, que dirigem e podem dar reboque aos negócios
públicos.
Temos ja aqni muitas gazetas, ou como agora se lhe chama,
periódicos, e pelo modo porque cada um escreve, se conhece o
modo de pensar daquelles com quem taes periódicos tem con-
nexaõ.
Ha um partido, sem duvida Hespanhol, mas também sem
duvida naõ he popular, mas encerra em si pessoas mui connexas
como partido governante ;e ainda que os do Governo Provisório,
seja qual for o seu systema, nunca se atreveriam a expor publi-
camente a nossa sujeição aos Castelhanos, com tudo como ai-
730 [738] Conrespondencia.

guns de seus addidos se inclinam a isso, naõ estaõ de todo livres


da imputaçaõ dos murmuradores. Quanto a mim o melhor ar-
gumento em favor dos que compõem o Governo, he, que, se
adoptaram a Constituição Hespanhola, uaõ foi por escolha,
mas que os obrigaram a isso. < E quem os obrigou ? gente que
naõ sabia o que fazia, e movida por outra gente, cujos motivos
podiam ser ocultos e perversos.
O Campeão Portuguez, que se julga orgaõ de certos membros
do Governo, foi citado, e mostrado o outro dia em certa com-
panhia, como produzindo razoens mui justas e políticas para a
nossa sugeiçaõ ou uniaõ como lhe chamam a Castella; e lèo-se
com grande emphasis, varias passagens do tal Campeão no seu
N , ° 2 7 : aonde advoga a uniaõ com Hespanha; e os seguintes
versos do N." 25 cuido que a pag. 58.

Hes infeliz Portugal


Pois promette abrir-te a cova
Quem com tigo se appelida
Antepondo Villa-Nova.
A tua sorte fatal
Pura compaixão me mette :
Hes desgraçado com seis !
Porque uaõ procuras sette ?......

A allusaõ aqui de seis e sette, que todo o mundo conhece ser


deixar nosso Rey e senhor D. Joaõ VI., e procurar D. Fernando
VIL, mui mal está em quvm se intitula Amigo doReyedo Povo;
*•• para lhe dizer tudo, ainda que alguém do Governo aqui maude
aquelle Jornal, o thema por que ha de escrever, contra os de par-
tidos oppostos, uaõ suppouho, que taes ideas lhe demafavor
de nos sugeitarmos a Fernando VIL ; porque tal sugeiçaõ he
tam impopulai, que os que se attrevessem a declarar-se por tal
opinião o povo em breve se livraria delles, por um modo ou por
outro ; mas uaõ he sempre possivel precaver as intrigas oceultas.
O que começa a assustar-nos he, que o Governo Provisiorio
pionelWo chamar as nossas Cortes; mas em vez das nossas
C-oiimpunihnvia. [739] ?.';!

Coitos chamaram-se umas curtes á Hespanhola; o Governo se


diz que foi forçado a isso; e as molas-- occultas desse forçamento
he a cousa que nos desinquieia. Dizem que as Cortes convocadas
agora á Hespanhola, seraõ melhores do que as nossas Cortes ve-
lhas. Deus o permitia,assim o desejam todos o bons Portuguezes;
mas politicamente fallaudo, ja estamos demassiadaraente próximos
da Hespanha, e naõ he preciso aproximarmo-nos mais delia; do
contrario nos succederá como ás borboletas, que tanto se aproxi-
mam do lume até que se queimam.
O que escandalizou a muita gente, foi o deixar-se fora da con-
vocação das Cortes as Ilhas,e o Brazil, e naõ se fazer nenhum es-
forço, para mostrarmos ; que o mesmo bem que queremos para nós
desejamos também para os nossos irmaõs do Ultramar. Posso cer-
tificar-lhe, Senhor Redactor, que com esta tam impolitica falta
só se alegraram alguns intrigrantes, que julgaram que esta cir-
cumstancia irritaria as Provincias do Ultramar contra nós, e se
produziria um rompimento,que taes intrigantes desejam; mas he
de esperar, que os Portuguezes Ultramarinos se naõ deixarão
levar por estes impróprios partos da exhaltaçaõ de momentos de
convulsão, antes considerarão quanto convém a nós todos a uniaõ
de todas as provincias da Monarchia, para nos mantermos com
decência como Naçaõ, entre as mais do Mundo.
O poeta poderia ser bom Portuguez, quer querendo Villa
Nova, quer na5 ; mas naõ pôde nenhum Portuguez aspirai ao
nome de bom Portuguez nem Amigo do Rey e do Povo, se em vez
de D. Joaõ VI. quizer D. Fernando V I I ; o qual os mesmos
Hespanhoes Ia tem ; porque mais naõ pode deixai de ser.
Quanto ao naõ fazer caso das Ilhas, nem do Brazil; so assim
deve pensar, ou quem asseuta que devemos ser provincia de
Hespanha, ou quem lie completa fanático politico; porque tal
he a pobreza e falta de recursos em que nos achamos, que sem
o milho das Ilhas morreríamos de fome, esem o pouco que ainda
vem do Brazil, teriamos de mendigar protecçaõ de alguma po-
tência estrangeira, ainda que fosse o Dey de Argel ; e nos naõ
Vot.. XXV. N M 5 1 . 5B
732 [740] Conrespondencia.

temos nada que possamos dar, nem ás Ilhas, nem ao Brazil,


que de outras potências elles o naõ possam ter melhor e mais ba-
rato. He por isto que eu, e muita gente, que deseja o bem e
quietaçaõ da pátria, estimaríamos, que se pudessem desfazer
(se saõ falsos) os rumores sobre as connexoens de alguns mem-
bros do Governo, com esses fanáticos políticos, a que alludo.
Estas minhas opinioens naõ as publico aqui, porque a mesma
Censura do Governo, que prohibio publicar-se a justificação do
seu Vice-Presidente Silveira, também naõ deixaria imprimir isto
que escrevo; e se peço que naõ publique meu nome, he porque
naõ desejo, que me façam despejar Lisboa, com a mesma ordem
summaria, com que o dicto Vice-Presidente, ou bom ou mao, foi
desterrado pelos seus collegas do Governo. Cesteiro que faz
um cesto pode fazer um cento ; e ninguém me arguirá de querer
precaver-me contra violências de partidos, tendo diante dos
olhos aquelle exemplo.

Sou, &c.

A-
[741]

INDEX
DO VOLUME XXV.

No. 146.

POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarve».


Decreto de perdaõ para os desertores, no Brazil 3
para os repairos das fortalezas . 5
creando dous escrivaens na Ouvidoria do Pará 7
estabelecendo alfândega na cidade do Natal 8
sobre as pessoas, que podem ser cadetes 9
Buenos-Ayres. Processo contra o Congresso e Directorio 10

COMMERCIO E ARTES.

Edictal em Lisboa, sobre os direitos das laãs na Suécia 34


Exportaçoens de Bristol para Portugal e Ilhas 35
Preços correntes em Londres . 37

L I T E R A T U R A E SCIENCIAS.

Novas publicaçoens em Inglaterra. . 38


Portugal . . 40
Verificação do baixo de Manuel Luiz, juncto a Maianhaõ 40
Economia Politica de Simonde . 45
Esprit des lnstitutious Judiciaires pai Meyer 58
734 [742] Ittdc.i.

MISCELLANEA.

Guerra do Rio-da-Prata. OfHcios de vários Comuiau-


dantes uas margens do Uruguay . 65

Rqflexoens sobre as novidades deste mez.


Reyno Unido de Portugal Brazil c Algarves.
Estado actual de Portugal . . 70
Relaçoens do Brazil com a America Hespanhola 77
America Hespunhola . 79
Alemanha , . 86
Argel . 87
Estados-Unidos • . 87
França . . 88
Hespanha . , 89
Napoies. Principio da Revolução . 93
Rússia . , 101
Turquia . . 101
Suécia . . 101

CONREPONDENCIA.
Carta de Um Portuguez Velho sobre Portugal 102

No. 147

POLÍTICA.
Reyno U.udo de Portugal Brazil c Algarves.
Ke
soluçaõ sobre os processos contra os Contrabandistas 105
sobre as franquias dos navios em Lisboa 106
Hespanha. Falia do Presidente das Cortes a El Rey 197
Falia de S. M. as Cortes . H°
Replica rio Presidente . . H6
Indcv. [743] 73»

Buenos-Ayres. Continuação dos documentos sobre o Con-


gresso . . 115
Napoies. Decreto instituindo um committé de segurança
publica . . 138
Proclamaçaõ do Vigário Geral do Reyno 139
Rússia. Notado Ministério Russiano, ao Residente Hes-
panhol . . 141
Memória do Ministério Russiano, i>obre a Hespanha 143

COMMERCIO E ARTES.

Portugal. Edictal em Lisboa, sobre os direitos dos navi-


os Portuguezes em Inglaterra . 148
Edictal em Lisboa, sobre as indemnizaçoens lnglezas 151
Sobre a6 indemnizaçoens Francezas 151
Preços correntes em Londres . 153

L I T E R A T U R A E SCIENCIAS.

Novas publicaçoens cm Inglaterra . 154


Portugal . 156
Sessaõ da Adem ia das Sciencias em Lisboa 156
Descuberta do Continente Antártico 157
Economia Política de Simonde . 160
Espritdes Iristitutions Judiciai i es por Meyer 167

MISCELLANEA.

Decreto a favor da Ex-Conde de S. Miguel . 174

Refiexoens sobre as novidades deste mez.


Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.
Guerra do Rio-da-Prata . l"'
Degradados de Napoies para o Brazil 179
Estado actual de Portugal • 180
Pocesso em Paris, sobre as Pieces Politiques 186
,68
Ex-Conde de S. Miguel .
America-Hcspanhola
73â [744] Index.

Alemanha . • 192
Fiança . • 194
Hespanha . • 198
Napoies 205
Roma 207
Rússia . . 209

No. 148.

POLÍTICA.
Reyno Unido de Portugal Brazilc Algarves,

Alvará ampliando o de 25 de Abril 1818, a favor da indus-


tria dos povos . . 213
Provisão, sobre as franquias dos navios 217
Avizo, sobre o despacho das mercadorias lnglezas 218
Portaria, sobre a exportação do Sal em Portugal 220
sobre a matricula das equipagens dos navios 220
Regulamento para as dietas matrículas . 221
Proclamaçaõ dos Governadores de Portugal, contra a revo-
lução do Porto . 224
Avizo ao Erário, sobre os saques do Brazil 226
Edictal sobre a taixa do Sal em Setúbal 227
America-Hespanhola. Tractado entre o Brazil e Buenos-
Ayres, feito em 1812 . 228
Carta do Gen. Morillo ao Congresso de Columbia 231
Resposta do Congresso ao Gen. Morillo 231
Alemanha. Acto da Couf» deraçaõ Germânica 235
Carta do Priucipe Metternich ao Ministro de Baden 252
Hespanha. Memorial dos Generaes Riego, &c. ás Coites 258
Memorial dos mesmos a El Rey . 260
Relatório sobre as desordens de Cadiz em Março de 1820 264
Index, [745] 737

COMMERCIO E ARTES.
Edictal em Lisboa, sobre indemnizaçoens lnglezas, pela
galera Dido . . 2G0
Mappa dos navios entrados no Rio-de-Jaueiro, em 1819 267
Preços correntes em Londres . 271

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra . 272
Portugal . . 274
Economia Política de Simonde , 274
Esprit des Institutions Judiciaires por Meyer 283

MISCELLANEA.
Revolução em Portugal. Declaração das authoridades em
Elvas . . 28S
Officio do Corregedor de Villa Real ao Intendente da Poli-
cia . . 200
Documentos annexos . 291
Proclamaçaõ dos Governadores do Reyno, promettcndo
chamar Cortes . 292
Officios do Cinde de Amarante . 293
Proclamaçaõ dos Governadores do Reyno ás tropas 397
Nomeação da Commissaõ preparatória das Cortes 300
Officio do Juiz Ordinário de Punhcte 300
do Juiz de Fora de Abrantes . 301
— — do Govsrnadoi de FJvas . 302
Proclamaçaõ dos Govu nadores do R< "no ao povo 304
Portaria alleviando da Commissaõ Preparatória das Cortes
o Conde de Barbacena . 305
OfHcio de Juiz Ordinário do Sardoal . 305
Portaria, de perdaõ aos desertores , 306
Proclamaçaõ dos Governadores do Reyno ao Exercito 307
Ordem do dia, em Lisboa, ao Exercito . 301>
Officio du Governador do Aleniteju 309
738 [746] Index.

Portaria, pedindo uma contribuição voluntária 31o


Carta de chamamento das Cortes . 312
Aviso suspendendo os estudos na Universidade 313
Carta do Conde da Feira ao Conde de Palmella 314
Resposta . . 315
Proclamaçaõ do Conde de Barbacena ás tropas 316
Primeira proclamaçaõ na revolta do Porto • 317
Segunda proclamaçaõ . 318
Auto da Câmara Geral no Porto . 319
Proclamaçaõ do Governo Provisório aos Portuguezes 321
Nota official sobre os officiaes Inglezes . 225
Proclamaçaõ, sobre o estado das cousas publicas 326
America-Hespanhola, Officio do Governador Torres ao
General Bolívar . . 327
Carta do Almirante Brion . . 330

Refiexoens sobre as novidades deste mez.


Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.
Revolução do Porto . . 332
Salinas de Setúbal . . 347
Exportação da casca de sobreiro . 348
America-Hespanhola . . 349
Alemanha . . 352
França . . . 3 5 4
Hespanha . . 356
Inglaterra . . 359
Napoies 360
Rússia . . 361
Turquia . 362
Index. [747] Í3J

No. 149.
POLÍTICA.
Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.
Carta dos Governadores do Reyno á Juecta Suprema do
Porto . . . 363
Resposta da Juncta Provisória do Porto 367
Carta da Juncta Provisional aos Governadores do Reyno 372
Resposta da Juncta ao Governo Provisional em Lisboa 376
Gazeta de Lisboa, revolução em 15 de Septembro 378
Proclamaçaõ do Governo Interino de Lisboa 381
Orçamento da receita e despeza do Erário em Lisboa 383
Gfficio do Governo Interino de Lisboa á Juncta Provisional
do Porto . . 388
• Ao Cônsul de Hespanha . 389
Avizo levantando o embargo nos navios . 391
• •• Levantando bloqueio do Porto . 391
——— Ordenando um Comboy . 891
Authorizaçaõ ao Marechal Povoas, para tractar com a
Jnncta do Porto . . . 392
Êxito desta negociação . . 393
Portaria, em Lisboa, sobre a im prensa . 395
Avizo á Commissaõ de Censura 397
Portaria, sobre a recepção das contribuiçoens voluntárias 398
Relação dos donativos . . 399
Offiicio da Juncta Suprema ao Goveruo Provisório de Lis-
boa . . 400
Portaria da Juncta Suprema nomeando os Membros do Go-
401
verno . * .
Officio do Governo, em Lisboa, á Juncta Suprema 405
406
Proclamaçaõ do Governo em Lisboa .
. do Governo Supremo Provisional em Lisboa 408
VOL. XXV. No. 151. 5 c
740 [748] Index.

Avizo aoReytorda Universidade, para continuar os estudos 410


Falia do Juiz do Povo á Juncta Suprema . 410
Portaria demitindo o Intendente da Policia . 411
sobre os direitos na importação do graõ 412
Avizo chamando para a Juncta, Joaquim Annes de Carvalho 413
chamando para ajuncta Francisco Fernandes Corrêa 414
D°. D°. Manuel Christavaõ de Figueiredo 414
Pedindo a opinião publica . . 415
Alemanha. Circular d'Áustria ás Cortes d'Alemanha 416
Rússia. Falia do Imperador à Dieta de Polônia 419

COMMERCIO E A R T E S

Preços correntes em Londres . . 424

L I T E R A T U R A E SCIENCIAS.

Novas publicaçoens em Inglaterra . 425


Economia Política de Simonde . . 427
Esprit des Institutions Judiciaires de 1'Europe 436

MISCELLANEA.

Entrada da Juncta Suprema em Lisboa . 443


Ordem do dia do Exercito em Santarém . 445

Reflexoens sobte as novidades deste mez.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.


Revolução de Portugal . . . 446
Causas da revolução em Portugal . . 453
Conseqüências da revolução - . 456
Comportamento dos empregados públicos . 462
A merica Hespanhola . . 465
Áustria . . . 470
França . . 473
Hespanha . . . . 478
Index. [749] 741

Inglaterra . . 475
Napoies . . . 476
Rússia . . . 478

CONRESPONDENCIA.
Carta ao Redactor, por H. J. de A. C. . 480
Inconsequenciasdo Conselheiro Palmella . 481

No. 150.
POLITCA.
Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.

Patente extraordinária ao Marechal Beresford 483


Termo de Juramento dos fidalgos em Lisboa . 485
Provisão sobre certos tributos em Santarém . 488
Portaria para a arrecadaçõ das rendas no Porto 491 [492]
nomeando Presidente na Commissaõ do Thesouro
no Porto . . . 495
Aviso sobre os leiloens na Casa da índia . 497
Portaria sobre a Inspecçaõ do terreiro . 498
——— a introducçaõ dos impressos estrangeiros 499 [498]
França. Proclamaçõ sobre a eleição dos Deputados 500
Hespanha. Circular aos Bispos . . 502
Decreto reconhecendo a divida publica . 504
Napoies. Convenção Militar em Palermo . 505

COMMERCIO E A R T E S ,

Preços correntes em Londres . • 507


742 [750] Index.

LITERATURA E SCIENCIAS
Novas publicaçoens em Inglaterra 508
Portugal . 510
Expedição para a descuberta do mar Ártico 510
Economia Política de Simonde . . 512
Espiritdes Institutions Judiciaires, por Meyer . 527

MISCELLANNEA.

Lista das prezas Portuguezas por por Artigas 534


America Hespanhola. Carta do General Montillo ao Gene-
ral Montillo . . 538
Resposta do General Montillo . 540

Rejlexoens sobre as novidades deste mez. •


Reyuo Unido de Portugal, Brazil e Algarves.
Revolução de Portugal .. . . 543
Partido Roevidico . . 556
Gazeta em Lisboa . . . 568
Degradados de Napoies para o Brazil . . 570
America Hespanhola . . 571
Estados Unidos . . . 573
França . . . 574
Hespanha . . . 575
Inglaterra . . . 580
Napoies . . . . 5 8 1
Paizes Baixos . . . . 584
Potências Aluadas . . . 585
Roma . 587
Rússia . . . 588
Index. [751] 743

CONR ESPONDENCIA.
Carta do Commendador Sodré ao Marques de Marialva 588
Carta ao Redactor, sobre o Padre Amaro . 593

No. 151.
POLÍTICA.
Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.
Decreto alliviando de direitos no Brazil as ferragens de Por-
tugal . 595
Portaria, sobre a regularidade dos pagamentos no Erário 596
Sobre o assento do Juiz do Povo, na Câmara 597
Creando uma Commissaõ para liquidar a divida
Publica . . 597
Contra a introducçaõ de estofos de seda estrange-
iros . . 602
Resolução pelo Conselho da Fazenda sobre os terrenos bal-
dios . . 603
Sobre os pescadores do Algarve . 604
Portaria, sobre a Iutendencia das obras militares 606
Sobre a Thesouraria Geral do Exercito 607
Circular para os magistrados Presidentes das eleiçoens para
as Cortes . • 608
Proclamaçaõ do Governo sobre a convocação das Cortes 610
Instrucçoens para as eleiçoens dos Deputados 620
Mappa dos Deputados das Provincias e Comarcas 626
da povoaçaõ e Deputados de Lisboa 628
Officio do Juiz do Povo de Lisboa, ao General Teixeira 629
Resultado da conferência militar em conseqüência delle 60
744 [752] Index.

Auto do Juramento prestado pelo Governo 631


Portaria, sobre a Juncta da Saúde . 632
Proclamaçaõ do General do Exercito do Norte 633
Proposta dos Officiaes do Exercito ao Governo 635
Proclamaçaõ do Governo Provisório ao povo 336
Avizo de chamamento, aos Membros que resignaram 338
Officio do Vice Presidente pedindo demissão 639
Recusaçaõ do Governo a este peditorio . 640
Officio do Vice Presidente o fie recendo-se a servir 641
Resposta do Governo dimittindo o Vice Presidente 643
Avizo á Juncta Preparatória das Cortes . 644
Officio do General Teixeira pedindo demissão 645
Resposta do Governo Provisório . 645
Portaria, sobre a organização do Exercito . 646
Nova circular para a eleiçoens das Cortes . 647
Instrucçoens para o mesmo assumpto . 648
Mappa dos eleitores e Deputados . 666
Hespanha. Falia d'El Rey no encarramento das Cortes 668
Napoies. Nota do Ministro Napolitano ao de Áustria 670

COMMERCIO E ARTES.

Preços correntes em Londres . 682

L I T E R A T U R A E SCIENCIAS.

Novas publicaçoens em Inglaterra . 683


Portugal . . 684
Galvanismo . . 687
Economia Política de Simonde concluída . 688
Index desta obra no Correio Braziliense . 690
Espritdes Institutions Judiciaires de 1'Erope . 692
Index. [753] 745

MISCELLANEA.
Receita e Despeza do Erário em Lisboa no mez de Outubro
de 1820 . . 6 9 9
Carta ao Marechal de Campo Teixeira no Astro da Luzita-
nia . 702

Refiexoens sobre as novidades deste mez.


Reyno Unido de Portugal Brazil« Algarvtt
Revolução de Portugal . 707
Partido Aristocrata . . 711 [719]
Colonização no Brazil . . 71 [718]
America Hespanhola . 720 [728]
Estados-Unidos . . 723 [731]
França . . 724 [732]
Hespanha . , . 724 [732]
Nápoles . . 727 [735]
Países Baixos . . 728 [736]

CONRESPONDENCIA.
Carta ao Redactor sobre os partidos políticos em Portugal 729 [737]

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