Sei sulla pagina 1di 839

CORREIO BRAZILIENSE

OU

ARMAZÉM LITERÁRIO

JULHO - DEZEMBRO, 1816


«I
Ira
h
II;
de
It*
I).
ca
ca
de
da
u
CORREIO BRAZILIENSE
DE JULHO, 1810.

Na quarta parte nova os campos ara,


E se mais mundo houvera Ia chegara.
CAMOENS, c . v n . e. 14.

POLÍTICA.
Documentos officiaes relativos ao Reyno Unido de Por-
tugal dos Algarves e do Brazil.

E D I T A I , D A J U N C T A DA S A Ú D E .

Lisboa, 21 de Junho.
A J U N T A da Saúde Pública faz saber, que por Aviso
expedido pela Secretaria de Estado dos Negocio* Es-
trangeiros, da Guerra e Marinha, em data de 7 do corrente,
lhe foi communicada a gazeta de Amsterdam de 24 de
Mayo próximo passado, na qual. vem incluído um artigo
de Haarlem de 22 do mesmo mez, cujo theor he o seguin-
t e — " O Conselho d'Estado, governador do Norta de
Hollanda, authorizado para o fazer assim em similhantes
casos, participa sem demora a quem poder pertencer, que
conforme as noticias recebidas de Christiansand, em data
de 10 do presente, em Siindfior, distante trinta e seis horas
da parte do Norte da Cidade de Bergen, julga ter appare-
cido uma perigosa, e contagiosa doença, que ataca as pes-
soas, fazendo-as morrer em menos de doze horas ; e dizem
que procede de algumas relíquias de um naufrágio, de
pessoas que vierao parar á costa. Assim se acha necessário
avisar a todos os negociantes, e pessoas marítimas para se
Voi.. X V I I . No.98. A2
4 Politica.
livrarem daquella Costa da Norwega, c naõ terem com-
municaçaõ cora as embarcações, que de lú vierem, c po-
derem ser encontradas no mar. No mais Sua Magestade
mandou já tomar todas as providencias necessárias para o
dicto rim."—Em conseqüência pois deste desagradável, e
perigoso acontecimento, a Junta recorre sem perda ile
tempo ás seguintes providencias para por meio dellas
evitar a communicaçaõ deste novo flagello, que ameaça a
segurança da saodé pública do Reyno.
1. Saó considerados como contagiados deste flagello
todos os portos da Norwega inelusivamente os da Tinmark ;
especificamente—Bergen, Stavangcr, Oroutliein, Chris-
liaii.suud, 11a Ilha de Tosscn, Ctiristiania, Cbristiansanil,
Laitrwigen, Risocr, Tonsberg, Abbcfiord, Frcdcrick-
Shall, Frcdcrickstadt, e o pequeno porto de Wareii^cr.
2. As embarcações procedentes dos portos comprehen-
didos no artigo antecedente, naõ se admittem em nenhum
porto do Reyno ; e quando sueceda que cheguem a entrar
cm algum dos portos do Reyno, seraõ obrigadas a saliir
com as cautelas, que as suas circumstancias especifica*, e
a> do porto, em que tiverem entrado, rccommeiidarcin, ou
fizerem necessárias, prevenindo primeira todos os portoi
do Reyno ; e apenas se lhes concede lançarem fora cartas,
ou papeis, que tragam a seu bordo, para serem cutregues
ás repartições, ou pessoas, a quem se dirigem, depois de
purificados pelos desiiifuclantes mais enérgicos, que aclu-
aliiienlc se praticam em similtiautcs casos; ficando rcslrin-
gida esta mesma liberdade ao porto de Lisboa, pelo perigo
que roubaria á segurança da saúde pública, se este nu-
liudroiissimo ramo Ac policia externa de saúde se pcrinit-
tisse em qualquer outro porto do Reyno.
3. Saõ considerados como muito suspeilosos tlisle con-
tagio totlos os porto» ria Julland na Dinamarca, especifi-
camente—Homens, Sabic, .Nickiopirg, Alburg, Mariager,
Arhusen, Freilcricia, líilicii, Kingkiepmg, Wcile, ion-
Politica. 5
ningen, Husum, Hoyer, Flensborg, Apenrede, Hadersle-
ben, e a Ilha de Nordstrand :—Todos os portos da costa
occidental da Snecia, especificamente — Gothenburg,
Marstrand, Uddevall, Kongsbaka, Warburg, Falkcnlierg,
Halmstadt, Lageholm, Engeihorm, Helsingborg, Malmo,
Landseron, Ystad, Falsterdo ;—e o porto de Amai, per-
tencente ao Lago Venere.
4. As embarcações procedentes dos portos comprehen-
didos no artigo antecedente, saõ admittidas só, e exclusi-
vamente no porto de Lisboa, debaixo de uma quarentena
rigorosa.
5. Saõ considerados como levemente suspeilosos deste
contagio todos os portos das Ilhas Dinamarquezas, especi-
ficamente na Ilha de Fyen; os portos de Odenseo, Asseus,
Suenborg, Nieborg, Faborg, na Ilha de Alsen; o porto de
Sonderborg, na Ilha tle Langeland, o porto de Rudkio-
ping : na Ilha de Laland, os portos de Naskou, Saxkio-
bing, Rodbye, Nisted; na Ilha de Falster; o porto de
Niektoping: na Ilha de Moen, o porto de Steege: na
Zeeland, os portos de Copenhagne, Wordingborg, o
pequeno porto dcNestued, Skilskiocr, Korsor, Niekioping,
ELsenor, Kiogc, Fririicsborg, Frcdericsund ; todos os
portos do Holstein, especificamente Lubeck, Travcmunri,
Neustadt, Gluckstat, Meldorf, Hciligenafcn, Rcndsborg,
Kiel porto pertencente á Rússia. Todos os portos Suecos
das provincias de Bleking, e de Smalaod, especifica-
mente ; os portos de Carlscrona, Carlsliam, Christiaxistadt,
Calmar: a Ilha de Oeland : a Ilha de Gothland com o
seu porto de Wisby ; e a Ilha de Bornholm com os dous
portos de Ronde, e Ncxoc.
6. As embarcações procedentes dos portos comprehen-
didos no artigo antecedente, saõ admittidas só, e exclusi-
vamente no porto de Lisboa debaixo de uma observação
de 10 dias.
7. As providencias que ficam adoptadas nos seis artigos
7
6 PolitiCmU
antecedentes, seraõ reduzidas n sua fiel observância de-
baixo das medidas, cautelas e responsabilidades, que se
eslalieleeôrani peloe artigos 8, 9, e 10, do edital de 30 de
Março do corrente anno.
E para que chegue á noticia de todos, e se nn6 possa
allegar ignorância, se mandou atfaxar o presente edital em
Iodas as praças, c lugares públicos dos porto» do Reyno
para ser cscrupulosauiente observado, era quanto naõ for
dispensada, ou modificada por outro a sua litleral obser-
vância.— Lisboa, 19 de Junho, de 1816.—Luiz Antonio
Rebello da Silva.

ÁUSTRIA.
(Puhlicáram-sc quatro patentes imperiaes, ou decretos
relativos ás finanças. O primeiro, ordena, que se naõ
ponha cm circulação papel-moeda, que tenha circulação
forçada ; e estabelece o modo por que se ha de extinguir
o antigo.)
Resumo do decreto, para extincçaõ do papel-moeda.
As árduas convulsoens, que acommettêrnm a Europa,
pelos vinte e cinco annos passados, nos obrigaram, desde
o principio de nosso reynado, a tomar parte nas continuai
guerras deusoladoras, que puzérara em perigo a segurança
e independência do Império—objectos de inestimável
valor tanto para os soberanos como para os povos. Con-
seguintemente, para a nossa independência e segurança
naõ podíamos nem devíamos poupar esforços alguns.
A dcsenvoluçaõ de toda a força do Estado, porém, oc-
casionou despesas, que excediam muito os meios dos que
haviam de pagar os tributos. Invocamos a confiança do
nosso povo. O papel, representando o valor do ouro, nos
habilitou a prover ás urgentes necessidades do Estado, c a
manter o perigoso conflicto, CUJA renovada terminação
tornou a pôr a Monarchia de posse daquellas provincias,
que lbe foram arrancadas; e confirmou d? novo a sua se-
Politica. 7
gurança e independência. O nosso primeiro cuidado tem
lido restabelecer as nossas desordenadas finanças; e desde
as ultimas negociaçoens de paz nos temos empregado era
preparar os meios necessários para obter este fim.
O resultado tem conrespondido a nossos esforços; e ex-
perimentamos particular satisfacçaõ em poder tomar me-
didas, que nos conduzirão a este objecto, sem infringir os
direitos e legitimas pretençoens de nossos fieis vassallos.
As medidas, que temos adoptado, saõ fundadas na livre
cooperação do nosso bom povo: e descançamos na sua
confiança, que de si mesma se unirá aos arranjamentos que
temos publicado, e que se justificarão completamente por
seus resultados.
Para o futuro naS se porá em circulação papel-moeda,
qoe tenha valor forçado nos pagamentos: nem se aug-
mentará o que ja está em circulação. Se algumas circum-
stancias extraordinárias exigirem despezas, além dos re-
cursos ordinários do Estado, a administração da repartição
de Finanças tomará as medidas necessárias para cubrir as
despezas por novos recursos, e meios extraordinários, sem
introduzir, em caso nenhum, papel moeda, que tenha cir-
culação forçada.
O papel-moeda existente poderá ser trocado no computo
de dous septimos, por notas do novo banco, que se ha de
erigir; e essas notas do banco seraõ trocadas por dinheiro
da convenção, em sua somma total; e no computo de cinco
septimos de sua somma total; e a extensão de cinco sep-
timos, por assignados nas dividas do Estado, vencendo
juro de um por cento, em dinheiro da convenção. Poderá
também o dicto papel-moeda ser empregado como capital,
entrado no novo banco; com esta intelligencia, porém,
que por cada acçaõ (consistindo o capital em 50.000
acçoens) se adiantarão 2.000 florins em papel, e 200
florins e dinheiro da convenção. A vantagem dos possui-
dores do papel moeda consiste na segunda alternativa,
• Política.
1*. no gozo das vantagens, que o banco apresenta; e í*.
no rédito de ÍJ por cento de juros em dinheiro de con-
venção, que seraõ pagos pelo banco em obrigaçoens, que
o banco expedirá para esse objecto.

Decreto, para estabelicimento do banco.


O banco sen* denominado " Banco Nacional Austriaco
privilegiado." Começará as suas operaçoens, logo que
se tiverem tomado sufficiente numero de acçoens ; e até
aquelle periodo fará as suas transacçoens, começando qo
1*. de Julho, trocando as notas por acçoens, e será condu-
zido por uma direcçaõ provisional. Para este fim se es-
colherá d'entre a deputaçaõ para a extincçaõ do papel-
moeda, c d'entrc os principaes negociantes e banqueiros,
oito directores provisionaes do banco, cujo officio será
fazer todas as preparaçoeus necessárias para o seu com-
pleto estabelicimento. Esta direcçaõ provisional se con-
respondera immediatamente com o Ministro de Finanças,
e, pelo que respeita a extincçaõ das nota*, dirigirá o
banco, até que se tenham tomado mil acçoens; sendo a
somma de cada uma 2.000 florins, em papel-moeda, e 200
florins era dinheiro da convenção.
Logo que estiver completo o numero de acçoens, o banco
ficará sendo propriedade dos possuidores das acçoens ; e
começarão as operaçoens a que elle he destinado, como
estabelicimento especialmente privilegiado. Os dictos
accionistas nomearão, d'cntre si mesmos, um committé de
50 membros, que junctamente com os directores provi-
sionaes do banco, e commissarios, que nós houvermos
de nomear, esboçarão um systema completo de regula-
mentos para o banco, o qual será submettido á nossa ap.
provação.
O banco U-iá authoridade para estabelecer, em qualquer
parte da Monarchia, que julgar conveniente, ramificaçoena
Politica. 9
do mesmo banco : e nenhum outro banco, além deste pri-
vilegiado poderá obrar como banco de cambio.
O banco circulará notas pagaveis ao portador, de 5, 10,
50, 100, e 1000 florins, que seraíí pagas, quando forem
apresentadas, em dinheiro da convenção; sendo, porém,
as dietas notas do banco declaradas reconhecido modo de
pagamento, e favorecido pela ley. Mas nas transacçoens
entre os indivíduos, ninguém será obrigado a recebêllas;
e por outra parte seraõ usadas em pagamento dos tributos
ao Estado; e os cobradores dos direitos as receberão como
moeda corrente.
O papel-moeda, que for entrado ao banco por acçoens,
naõ tornará, em caso algum, a ser posto era circulação;
mas sim, de tempos a tempos, será queimado, na presença
de uma deputaçaõ dos accionistas, e dos commissarios,
que hemos de nomear ; recebendo o banco da administra-
çaõ das Finanças obrigaçoens, que vencerão o juro de 2 |
por cento; e estes juros seraõ divididos, como prêmio,
pelos accionistas.
A moeda, que se pagar pelas acçoens, constituirá os
fundos de um futuro banco de câmbios, por n-eio do
qual se descontarão as letras de cambio e outros bilhetes
commerciaes de casas de negocio bem abonadas. Porém o
banco naõ emprestará dinheiro com hypolecas, até qüe
estejam em plena actividade as suas aperaçoens para a
extincçaõ do papel-moeda, e dos câmbios; e atê que
possua sufficiente somma de dinheiro corrente para ambos
estes fins.
O banco consistirá em 50,000 acçoens, cada uma nas
sommas acima especificadas ; e continuará a receber sub-
scripçoens, até que aquelle numero esteja completo; e
terá o direito exclusivo de preparar e porem circulação as
notas do banco, por cujo pagamento ficam responsáveis,
além de todo o dinheiro, que se achar no banco, todas as
minas da Monarchia.
V O L . X V I I . N o . 98. B
10 Politica.
O terceiro decrelo serve de nppentliz aos dous prece-
dente, econtem um regulamento para restabelecer a ordem
na circulação da moeda: deeigna as vendas, que ficam
separadas, e que podem ser pagos nas notas do banco ; e
as pequenas sommas, qtie se pagarão em dinheiro da con-
venção. Estas rendas, saõ, os direitos d'alfandega nn
importação e exportação, cm totlos os dominios hereditá-
rios de S. M. ; o direitos provenientes dos processos judi-
ciaes ; alem dos direitos políticos e douriniciaes ; em
toda a extençaõ da monarchia; o tributo das loges,
introduzido n s provincias d'Aleiiianha ; o tributo pes-
soal ou capttaçaõ, que pagam os vassallos Alemaens de
S.M. ; e o imposto sobre os Judeus.

O quarto decreto diz respeito ao valor da pequena


moeda de cobre, em circulação, que se manda receber
nos pagamentos, como dinheiro da convenção.

INGLATERRA.

Falia do Orador da Casa dos Communs, a S. A. R. o


Principe Regente, no encerramento du Sessaõ do Par-
lamento, aos 2 de Julho, 1810.
SENHOR l—No encerr imento de uma sessaõ laboriosa,
nós os Coramuneiros, fulelissimos vassullos de S. M. nos
apresentamos ante Vossa Alteza Real, com o nosso ultimo
Bill dos subsídios.
No decurso de nossas deliberaçoens, obedecendo ás
ordens de V A. R. examinamos os diversos tractados c
convençoens, que st- nos oprezentáram. Vimos nelles a
tranquillidade da Europa restabelecida sobre at bazes do
Govemo legitimo, pelos mesmos conselho» que presidiram,
c fizeram o plano das medidas denotlailas, providontes e
comprehctisivas, começadas nas negociaçoens de Chau-
3
Politica. 11
mont, levadas i madureza no Congresso de Vienna ; e
completadas na paz de Paris. Temos visto também a
sabia e generosa política das Potências Alliadas, que, re-
nunciando a todos os projectos de desmembraçaõ da grande
e antiga monarchia de França, se contentaram com adop-
tar aquellas medidas de precaução, que podem proteger
eficazmente o mundo, contra a renovação de seus passados
soffrinientos; e nos alegramos mui especialmente de que
este importante encargo fosse confiado, de commum con-
sentimento, ao mesmo viclorioso commandante, cujos tri-
umphos te:u tam varonilmente contribuído para a gloria
de sua Pátria, e para a felicidade geral do gênero humano.
Nos nossos negócios domésticos, a grande c súbita
transição de um estado de guerra extensa, para a nossa
presente situação, produzio necessariamente muitos males
consideráveis, e difficuidados, a que naõ faltamos era
applicar a nossa mais anxiosa attençaõ. Aos apertos dos
interesses agricultores temos prestado aquelles auxílios im-
mediatos, que se puderam descubrir, esperando também)
que elles possam diminuir diariamente, e confiando muito
na cicatrizanfe influencia do tempo. Para beneficio do
commercio, e commodidade geral de todas as classes de
vassallos de S. M. se providenciou bater-se nova moeda ;
e de vários modos por disposiçoens e indagaçoens prepara-
tórias, temos empregado muito do nosso trabalho, no
melhoramento geral da condição do povo, seu alivio, e
sua instrucçaõ.
N o ajuste de nossos.arranjamentos financiaes; as despe-
zas para os serviços dos nossos estabelicimentos militar e
civil; tem sido consideradas relativamente aos recursos
pecuniários deste anno; e entre as mais importantes destas
medidas, que affectam os interesses unidos da Gram Bre-
tanha e Irlanda, he a ley que passamos para consolidar os
rendimentos de ambas as porçoens do Reyno Unido.
Porém, Senhor, no meio de todos os nossos vaiios, e
B2
12 Politica.
importantes negócios, domésticos e estrangeiros, naõ lia
nenhum em qne esta naçaõ jamais tomasse mais profundo
interesse, do que no que diz respeito ao esplendor c digni-
dade do throno, e felicidade da Casa Real, que reyna
sobre nós. Penetradosdesles sentimentos, temos trabalhado,
por um novo arranjamento da lista civil, cm separar aquellas
rendas, que saó especialmente assignada* á mantença do
estado Ri ai, pondo-as daqui em diante fora do alcance
de quaesquer despezas incidentes, que pertencem mais pro-
priamente a outros e tlifferentes ramos do serviço publico :
e no mesmo espirito de lealdade c affeiçaõ saiulanos, cora
satisf<cçaõ cordeal, o venturoso casamento, pelo qual a
paternal escolha de V A. R. tem gratificado os desejas
universaes da naçaõ; e tem adoptado para a familia tio
nosso Soberano um lllustre Principe, cujas alta» qualidades
ja o tem feito amável ao povo, entre o qual elle tem fixado
o futuro destino de sua vitla.
Estes saõ, Senhor, os objectos a que os nossos pensa-
mentos e trabalhos se tem principalmente dirigido ; o para
completar os subsídios» que he do nosso especial dever e
privilegio providenciar, agora apresentamos a Vossa Al-
teza Real um Bill, intitulado; " Um Acto para conceder
a Sua Magestade certa somma, no fundo consolidado da
Gram Bretanha; e applicar certo? dinlieiros, nelle men-
cionados, ao serviço do anuo, de 1816; e para apropriar
os subsídios concediJos nesta sessaõ do Parlamento ;" pari
o quul Bill pedimos, com toda a Imunidade, o Real
assenso de Sua Magestade.

Falia do Principe Regente.


My Lords e Cavalheiros.
Naõ p<>*so encerrar C s , a sessaõ do Parlamento, sem ex-
pressar outra vez o meu profundo sentimento, na conli-
nuaçaÕ da lamentável indisposição de Sua Majestade.
Politica. 13
O cordeal interesse, que tendes manifestado no feliz
acontecimento do casamento de minha filha a Princeza
Carlota, com o Principe de Saxonia-Coburg, e o liberal
provimento, que tendes feito, para o seu estabelicimento,
apresenta uma prova mais de vossa aífeiçaó e amor á
pessoa e familia de Sua Majestade; e exige os meus mais
ardentes reconhecimentos.
Tenho o prazer de vos informar, que dei o consentimento
Real a um casamento entre a filha de Sua Magestade, a
Princeza Maria, e o Duque de Gloucester; e estou per-
suadido de que este acontecimento será altamente agra-
dável aos vassallos de Sua Majestade.
As seguranças, que ten ho recebido, das disposiçoens paci-
ficas c amigáveis das potências, que entraram na ultima
guerra, e da sua resolução de executar inviolavelmente os
termos dos tractados, que eu vos annunciei na abertura da
sessaõ; promettem a continuação daquella paz taõ es-
sencial aos interesses de todas as naçoens do Mundo.
Cavalheiros da Casa dos Communs.
Eu vos agradeço os subsídios, que tendes outorgado para
o serviço deste anno ; e sou sensível aos benéficos eflèitos,
que se pôde esperar resultem do saudável systema de
providenciar para elles de maneira, calculada a sustentar o
credito publico.
Os arranjamentos, que tendes adoptado, para desem-
baraçar a lista civil de seus cargos, e fazer que, para o
futuro, o seu rendimento seja igual á despeza, aleviando-a
de uma parte dos encargos a que estava sugeita, me saõ do
maior prazer e satisfacçaõ ; e vos podeis estar seguros de
que nada se omiti irá de minha parte, para dar pleno eíFeito
aquelles arranjamentos.
O provimento que tendes feito, para consolidar os rendi-
mentos da Gram Bretanha c Irlanda, sem duvida produ-
zirão as mais felizes conseqüências, reunindoe adiantando
os interesses do Reyno Unido; e deve offerecer mais outra
U Política.
prova da constante disposição do Parlamento em aliviar as
difficuldades, e promover o bem da Irlanda.
My Lord e Cavalheiros.
As medidas aque me vi obrigado a recorrer, para sup-
pressaõ dos tumultos c desordens, que infelizmente oceor-
rêram cm algumas partes do Reyno, produziram o mais
saudável effeito.
Lamento profundamente n continunçaódeqticUes apertos
c penúrias, que as circumstancias do paiz tem inevitável-
menntc trazido a muitas classes dos vassallos de Sua Ma.
jestade.
Estou plenamente persuadido, que, depois dos árduos
soffrimenlos porque tem passado, no tlccursoda cruel con.
tenda, cm que estivemos empenhados e o final bom suc-
cesso, que accompanhou os seus gloriosos e perseverantes
esforços, posso descançar com perfeita confiança no seu
espirito publico, c fortaleza, em suppoitar-sc nestas dificul-
dades, que espero se acharão provir de causas de natureza
temporárias ; e que naõ podem deixar de ser essencial-
mente remediadas, pelo progressivo melhoramento do
credito publico; c pela diminuição, que já tem tido
lugar, nos encargos do Povo.

FRANÇA.

Resumo da Ordenança sobre o modo de admittir, educar


e promover os candidatos, para o Officio de Vice-Con-
tules.
Sendo os consulados destinados para a protecraõ do
commercio e navegação de nossos vassallo-., nos paizes es-
trangeiros, e para administrar a justiça, c u policia aos
dictos nossos vassallos, c uiinistrar ao Governo ni informa-
çoens, que o habilite ni a promover o commercio estran-
geiro; lie evidente, que taes otlicio^ nuõ pódera ser pro-
priamente servidos, a menoj que as pessoas nome mim para
Politica» 15
os consulados tenham adquirido, por estudos convenientes,
e adequada experiência, o conhecimento positivo do
direito publico, e da legislação e negócios commerciaes.
Os artigos I o . e 2 o ; nomeam os candidatos, para Vice-
Consules, que se devem collocar com os Cônsules Geraes,
e Cônsules, tanto no Levante como em outros paizes ; fixa
o seu numero a 12 ; e destina 24.000 francos para as des-
pezas deste estabelecimento.
Pelos artigos 3°. e 4". se determina que a idade dos
candidatos deve ser desde os 20 até os 25 annos; e
passarão por exames sobre as suas qualificaçoens. Os
candidatos para Vice Cônsules viviraõ e comerão em casa
dos Cônsules, recebendo estes em consideração disso a
somma annual de 500 francos ; a qual se ha de descontar
do salário assignado aos Candidatos.
(Segue-se dahi,o systema de regulamentos, formalizados
pelo duque de Richelieu, Ministro dos Negócios Estran-
geiros ; cora que estes candidatos se devem conformar, e
segundo os quaes devem ser educados : saõ os seguintes.)
ART. 1. Os candidatos devem provar, que tem acabado
os seus estudos na faculdade de Letras, e que tem ouvido
o curso de liçoens, em Paris, do código de Commercio.
2. Os candidatos devem também provar, que sabem ao
menos uma das três línguas Alemaã, Ingleza, ou Hespanhola;
serem instruídos no curso de Arithmetica de Bezout,
poderem medir os vasos, fazer planos, e fixar a latitude e
longitude dos lugares.
3. Os filhos e sobrinhos dos Cônsules seraõ preferidos
aos outros candidatos, se tiverem as qualificaçoens pre-
scriptas.
4. Os candidatos Vice-Consules seraõ postos debaixo
da direcçaõ e authoridade dos Cônsules, com quem resi-
direm.
5. Os consoles teraõ cuidado de cultivar nos seus edu-
candos os sentimentos de Religião e de moral; assim co-
1g Politica.
mo aquella dignidade e elevação de character, que deve
pertencera homens destinados a servir a El R e y , e a hon-
rar o nome Francez, em paizes estrangeiros.
6. Os estudos dos educando*» teraõ por objecto, 1*. O
conhecimento tloque constittie o officio de Cônsul : elles
faraõ unia analyse das ordenaçoens, regulamentos, e in-
strucçoens relativos ás funcçoens tios Cônsules, seja no que
respeita ns suas relaçoens com as authoridades estrangei-
ras, seja no exercicio da justiça e policia a respeito de
seus compatriotas, mercadores, marinheiros, e outros ; ou
naquelle ramo de atlminislruçaõ, que lhes possa ser dele-
gado, a respeito dos nt^sos estabelicimentos commerciaes
e serviço da nossa marinha. 2 . O conhecimento dos in-
teresses commerciaes de França, a respeito tios paizes em
que residem : elles estudarão e analyziraõ os melhores
livros sobre a matéria de commercio, e economia politica :
as obras estatísticas sobre a França, e paiz tle sua residên-
cia ; as instttuiçociiH, leys, e regulamentos desse paiz, cm
suns relaçoens directas ou indirectas com o commercio :
os tractados e convençoens de commercio, feitas por
aquella potência com outras naçoens, e particularmente
com a França.
7. Os educandos estudarão a lingua do paiz aonde resi-
dem, e se faraõ mestres delia, tendo jn disso algum conhe-
cimento. Os que se mandarem para o levante estudarão
o Turco, e o Grego.
8. Os educandos ajudarão os Cônsules no exercicio de
suas funcçoens; seraõ empregados em transcrever a con-
respondencia, e as memórias.
9. N o fim do cada anno, o Secretario tle lotado dos
Negócios Estrangeiros assignara uma matéria, sobre que
os educandos seraõ obrigados a escrever uma memória,
que deverá estar acabada no mez de Agosto do anno se-
guinte. Esta memória será transmitlida ao Secretario de
Politica. 17
Estado, e o habilitará a julgar da capacidade e applicaçaõ
do educando.
10. Os educandos seraõ mandados recolher, se faltarem
á subordinação aos Consules-geraes, e cônsules ; se o seu
comportamento apresentar irregularidades, inconsistentes
com as qualidades moraes, que requer o officio de Cônsul;
se, a pezar das admoestaçoens dos Cônsules, elles se aban-
donarem á dissipaçaõ ou indolência habitual; se casarem
sem o consentimento d'El Rey.
11. Os educandos naõ poderão ser apresentados a £ 1
Rey, para serem nomeados para os lugares de vice-cousu-
les, em quanto naõ tiverem estado dous annos como edu-
candos. Os que se tiverem dtstinguido por seu bom com-
portamento, applicaçaõ, e capacidade, seraõ promovidos
em preferencia ; sem attençaõ á senioridade.

Ordenança conferindo a Legiaõ oVHonra aos Príncipes


de Sangue.
Luiz, &c. Desejando dar novo lustre á Real Ordem
da Legiaõ d'Honra, e solemnizar a festividade de nosso
Augusto antecessor, Henrique IV Patrono da Ordem.
Temos ordenado e ordenamos o seguinte : —
Art. 1. Conferimos a Gram Cruz da Legiaõ de
Honra a
O nosso amado Irmaõ, Monsieur.
O nosso amado sobrinho o Doque d'Angouleme.
O nosso amado sobrinho o Duque de Berri.
O nosso primo o Duque de Orleans.
O nosso primo o Principe de Conde.
O nosso primo o Duque de Bourbon.
Art. 2. O nosso Gram Chanceller da Real Ordem da
Legiaõ de Honra he encarregado da execução da presente
ordenança.
(Assignado) Linz.
(Contrasignado) RICHELIEU.
VOL. X V I I . N o . 98. c
|g Politica.

Ordenança mandando adaptar as formulas das leys ao


Governo actual.
Luiz, &c. Estamos demasiadamente convencidos dos
inales, que pode causar ao Estado a instabilidade das leys,
para que pensemos agora era uma revisão geral dos cinco
Códigos, que estavam era vigor no nosso Reyno ; quando
promulgamos ao povo a Carta Constitucional; e somenre
a nós reservamos propor leys parciaes, para reformar tudo
aquillo, que fosse susceptível de melhoramento : porém
se taes reformas só pódcni ser a obra do tempo, e o fructo
de longas mcditaçoens, he indispensável supprimir, desde
agora, as denorainaçoens, expressoens, e formulários dos
differentes Códigos, que naõ concordam com os principios
de nosso Governo ; e que lembram tempos e circumstan-
cias, cuja memória desejamos poder abolir. Por estas
causas, com o parecer de nosso Conselho, e relatório de
nosso Chanceller, temos ordenado e ordenamos o se-
guinte :—
Art. 1. As denominaçoens, expressoens, e formulários,
que trazem á Icinbrt.nçu os differentes governos, anteriores
á nossa volta para o Reyno, saõ e ficam riscados do có-
digo civil, do código dos processos civis, do Código de
Commercio, do código dos processos criminaes, e do có-
digo penal; e daqui em diante seraõ substituídos por de-
nomiuaçoens, expressoens, c formulários, conformes ao go-
verno estabelecido pela Carta Constitucional.
2. Em conseqüência prohibimos ás nossas Cortes de
justiça, tribunaes, prefeitos, subprefeitos, conselheiros
de prefeitura, e a todos os outros nossos oflicinc-s c sub-
ditos, que empreguem, nas cilaçorns, que tenham de
fazer de alguma ley, ordenação, decreto ou acto qual-
quer, as denominaçoens e expressoens tuppren&a* pelo ar-
tigo precedente.
3. Publicar-se-ha immediatamente, debaixo da direc-
Politica. 19
çaõ do nosso Chanceller, encarregado interinamente da
pasta da repartição da Justiça, uma nova ediçaõ dos di-
versos Códigos, contendo as alteraçoens aqui ordenadas.
4. Nesta nova ediçaõ, continuará a ser textualmente a
mesma substancia e forma da expressão, cm todos os arti-
gos, que estaõ actualmente em vigor. E até conterão
aquelles artigos dos differentes códigos, que tem sido ab-
rogados ou modificados por leys posteriores; porém em
uma nota, ou na margem, se mencionarão as leys, que as
alteram ou modificam; e estas leys seraõ impressas no
fim dos dictos códigos.
5. As novas ediçoens dos códigos seraõ submettidas á
nossa approvaçaõ, e cada uma será inserida no bulletim
das leys; depois do que será permittido a todos os li-
vreiros o publicar por sua conta as ediçoens, que lbe pa-
recer. (Assignado) Luiz.
Julho 17, 1816.

PAIZES-RAIXOS.

Decreto sobre o Culto Catholico.


Nós, Guilherme, pela graça de Deos, Rey dos Paizes-
Baixos, Principe d'Orange-Nassau, Gram-Duque de
Luxemburgo, &c. &c. &c.
Vista a Concordata concluída entre o Governo Francez
e a Sancta Sé, a 26 de Messidor do anno 9». ; e juncta-
mente os Artigos orgânicos e relativos á ella, da mesma
data, promulgados ao mesmo tempo pela ley de 18 Ger-
minal do anno 10*. ; vista a Bulla de S. Sanctidade, dada
em Roma a 18 das kalendas de Septembro, de 1801, pela
qual a dieta Concordata foi ratificada e publicada com a
notificação a todos os Ecclesiasticos de a ella estreitamente
se conformarem em todo o tempo e sem contradicçaõ;
Vista a Bulla de S. Sanctidade em data de 3 das kalendas
c2
20 PotitiCmU
de Dezembro, de 1801, publicada pela Resolução de 29
de Germinal do anno 10°., a qual, em virtude dos artigos
orgânicos acima mencionados, institue o Arcebispado de
Malinas, tal qual ao presente existe, e os seus suftraganeos,
os Bispados de Namur, Touniai, Gante, e Liege, suppri-
rnindo o Arcebispado entaõ existente de Camhrai, e seus
suffiaganeos, os Bispados de Tournai e de Namur, e o de
Malinas, e os Bispados suffragancos de Liege, Ypres,
Gante, Ruremonde, e Bruges ; vistas as modificações fei-
tas nos artigos orgânicos pelo decreto de 20 de Fevereiro,
e pela nossa R solução de 7 de Março, de 1815 ; consi-
derando que o exercicio do culto publico no Arcebispado
de Mal mas, e Bispados seus suffraganeos, a authoridade
espiritual dos Ecclesiasticos, a sua circumscripçaõ territo-
rial, e o pagamento das congruas e pensões continuara a
ser regidas conforme os disposições enunciadas pelos so-
bredictos actos, e que a fruição das dictns prerogativas se
alliga necessária mente á repulsa dos abusos de que os Ec-
clesiasticos poderiam fazer-se culpados no exercicio de
suas funoções, e que por estes actos se acham previstos;
mas que a este respeito a mudança das circumstancias po-
líticas tem feito necessário desiguar positivamente as au-
thoridades e os funccionarios, que, no estado actual das
cousas, deveram substituir os que existiam no tempo do
regimen Francez, ao menos até á época cm que se houver
concluído nova Convenção com 8. Sanctidade; temos
determinado, e determinamos o seguinte :
Art. 1*. As funcções attribuidaa pelos actos acima men-
cionados ao Conselho d'Estado da França, ao Conse-
lheiro d*Estado incumbido de todos os negócios concer-
nentes ao Culto, ao Ministro dos Cultos c aos Prefeitos
Franceses, saõ interinamente confiados, a saber, á Com-
missaõ do Concelho d'Estado encarregada dos negócios
concernentes ao Culto Catholico, residente cm Bruxellas
todo o que era da jurisdicçaõ do Conselho d'Ectado da
7
Politica. 21
França; ao Director Geral dos negócios concernentes ao
Culto Catholico, tudo o que estava a cargo do Conselho
d'Estado, incumbido dos negócios concernentes ao Culto e
aos Ministros dos Cultos; e aos Governadores das Provin-
cias, tudo o que estava confiado aos Prefeitos Francezes.
2° O Director Geral dos Negócios concernentes ao
Culto Catholico vigiará particularmente em qne todas as
determinações, assim como as formulas prescriptas pela
Concordata, e pelos Artigos orgânicos, sejam estreitamente
observadas, salvas as modificações feitas pelos decretos ou
resoluções lormacs, a fim de se poderem reprimir ou cas-
tigar os abusos commettidos por Ecclesiasticos no exerci-
cio das suas funcçõcs.
3: Todas as authorísaçôes ou permissões, que, em vir-
tude da Concordata e dos Artigos orgânicos, nos devam
ser pedidas, ser-nos-haõ apresentadas por via do sobredicto
Director Geral. Elle nos fará igualmente todas aquellas
propostas que julgar necessárias nas circumstancias.
4°. A Commissaõ do Conselho d'Estado residente em
Bruxellas, os nossos Ministros da Justiça e do Interior,
e o Director-gerat dos Negócios concernentes ao Culto
Catholico, saõ encarregados, cada um no que lhes toca,
da execução do presente Decreto, e o Nosso Ministro da
justiça o transmittirá ás duas Cortes Superiores de Justiça,
e aos Tribunaes estabelecidos nas Provincias Meridionaes,
recommendando respectivamente ás authoridades, que o
cumpram sem demora, connivencia, ou dissimulação.
Dado em Haia, a 10 de Maio, de 1815. Terceiro do
nosso reynado.
(Assignado) GUILHERME.

R E P U B L I C A DAS ILHAS I O N I C A 8 .
Corfu, 21 de Abril, 1816.
Aos 23 deste mez, o Baraõ E. Theolofcy, Presidente do
Senado de Corfü, pronunciou, perante um grande con-
22 Politica.
corso de pessoas de todas as classes, que por causa da so-
lemnidade do dia se tinham ajunctado na igreja de nosso
illustrissimo Sancto, uma eloqüente oraçaõ em Grego, que
tocou profundamente os ouvintes, e encheo de alegria os
seus coraçoens. Para satisfazer os desejos de muitos que
a ouviram, assim como de outros, que naõ estiveram pre-
sentes, damos a traducçaõ delia, que he com tudo mui
inferior ao original. Daremos uma idea desta oraçaÕ pe-
los seguintes notáveis extractos.
" O tractado de Paris, estipulado entre dous ministros
de Inglaterra e dous da Rússia, um dos quaes he nosso
mui estimado patrício, nos fez felizes, bonrando-nos com
a protecçaõ da Inglaterra.
" Desde os tempos mais remotos, que Homero cantou,
nenhum periodo houve taõ a propósito para nos fazer fe-
lizes.
" Lédc a nossa historia, nos historiadores antigos e mo-
dernos ; lembrai-vos do que nos tem acontecido, durante
os 30 annos passados ; e vereis que temos passado a me-
lhor parte de nossas vidas em feudos e discórdias, ou de-
baixo de Governos arbitrários e fluetuantes. Algumas
vezes como subditos de naçoens estrangeiras, que nos des-
prezavam ; outras vezes protegidos por naçoens, que sin-
ceramente desejavam a nossa felicidade, porém demasiado
longe para poderem contribuir para ella.
Passou depois a provar, que na presente situação das
Ilhas, nenhuma potência lhes pôde dar com soa protecçaõ,
tantas vantagens como a Gram Bretanha, por causa de
sua riqueza, de sua força marítima, de seu extenso com-
mercio, esua eminência na agricultura, artes e manufac-
turas.
" Nenhuma das naçoens Europeas nos tem feito a justiça
que merecemos, em tal gráo como os escriptores Inglczcc
cm suas obras ; somente elles viram c reconheceram em
nós aquellas boas qualidades, que os Francezes, os Ale-
Politica. 23
maens, os Italianos, os Russianos tem tantas vezes procu-
rado depreciar em suas obras.
« Nenhuma he taõ versada na nossa lingua, como a In-
gleza.
** Alegrai-vos, pois, habitantes das Ilhas Ionicas, com o
vosso futuro destino. O Lord Gram Commissario de S.
M. Britannica está a chegar; bem depressa vereis Sir Tho-
maz Maitland, cujo nome se naõ pôde pronunciar sem
veneração: com elle entram nas nossas Ilhas a segurança,
e a felicidade.
" Elle removeo todos os obstáculos do commercio de
nossos portos, e outra vez abundarão entre nós os manti-
mentos.
" Elle tornou a abrir os nossos templos, e ordenará a res-
tituição de sua propriedade.
" As medidas adoptadas por elle, e cuidadosamente exe-
cutadas pelo Major-General Phillips, fizeram parar as de-
vastaçoens da peste, e nos fazem esperar que a vejamos de
todo extirpada.
" Elle vos restituirá o vosso Bispo, e a ordem ecclesias-
tica terá o seu estabelecimento legal.
" A nossa Igreja orthodoxa florecerá, e terá preferencia
sobre todas as outras.
" As leys aristocráticas nao conromperaõ mais os vossos
custumes ; mas vos tereis leys livres e justas, como as que
governam as grandes naçoens ; e vós vereis que se esco-
lhem, para as executar, os mais sábios e mais rectos ho-
mens, os pays e os amigos do povo.
" A vossa industria revivirá; melhorar-se-ha a vossa
agricultura: vós podereis exportar os vossos productos,
em vossos vasos, e uma bandeira inconquistavel segurará
o vosso commercio contra todo o insulto.
" Abertos para nós os portos da Inglaterra, elles nos offe-
receraõ vantagens particulares. As nossas cidades flore-
ceraÕ; o nosso paiz será o empório dos negociantes dos
24 PoKtica.
artistas e doe sábios. Estabelecer-se-haó hospil**" para
os pobr« e enfermos ; e escholas publicas para instruc-
çaõ da nossa mocidade; assim como livrarias, que distri-
buirão os thesouros da literatura antiga e moderna. O
illustre Soberano, que nos protege, fazendo-nos dignos de
seus favores, nos fará dignos de nossos antepassados, e nós
vi viremos perfeitamente felizes."

Proclamaçaõ dè Sir Thomaz Maitland, sobre o azylo nos


templos.
Entre os vários, e grandes deveres, confiados à admi-
nistração de S. Ex'., por seu benigno Soberano, nenhum
he mais importante em si mesmo, do que a conservação de
todos os direitos, privilégios e prerogativas da religião
dominante e tolerada.
Sempre foi, e sempre será, uma fixa máxima da po-
litica tia Gram Bretanha, e um priucipio invariável de
seu comportamento, tanto a respeito daquelles paizes, que
estaõ debaixo de sua immediata soberania, como dos que
se acham sob a sua exclusiva protecçaõ, garantir e manter
os differentes estabelicimentos religiosos ; por serem encen-
ei ai me te connetos com ns principios viLtes do bom go-
verno, da moral, e da felicidade.
S. Ex» , imbuído desta verdade, e tendo observado, com
pezar que os Francezes, com aquella impia indifferença,
que distinguio a sua carreira revolucionaria, agora feliz-
mente acabada, tiraram por força muitos do* lugares sa-
grados, destinados ao culto publico dt Mi» cidade, c os con-
verteram para uios militares e outros ; c havendo S. Ex*.
entendido, pelo relatório que lhe tez, lia ires dia», a alta
policia, cuja constante assiduidade mereci* o maior louvor
que alguns oíficiae* daquella reparação, levados de selo
extremo, haviam emrado era uma igreja da religião domi-
nante, para prender uma pec^soa, suspeita de grave de-
Política. 25
licto ; e que naõ existe regra geral expressa, sobre este
objecto ; S. Ex'., cm conseqüência disto, determina o se-
guinte : —
1". Que sejam evacuados todos os lugares de culto pu-
blico, e entregues aos respeitáveis cabeças da respectiva
religião a que pertencerem.
2 o . Que nenhum soldado, official de policia, ou outro in-
divíduo qualquer, presuma ou pretenda, por qualquer
pretexto que seja, seguir pessoa alguma, seja qual for o
delicto de que se ache suspeito, dentro do sanctuario ou
interior de qualquer igreja ; mas se limitarão unicamente
a pôr em torno da igreja as sentineDas, que forem neces-
sárias, para prevenir a fugida da pessoa suspeita, partici-
pando ao mesmo tempo o negocio ao Governador, que to-
mará as medidas necessárias, para entregar tal pessoa nas
maõs da justiça, pela intervenção do cabeça daquella re-
ligião, a que a igreja pertencer.
A presente será impressa em Grego e Italiano, e publi-
cada para conhecimento de todos.
Por ordem de S. Ex*.
W . M. M E Y E R , Secretario Publico.
Palácio de Corfu, 19 de Março, 1810.

Proclamaçaõ do General Maitland, sobre a intelligencia


da Constituição das Ilhas Ionicas.
Pouco tempo depois de haver chegado a estes Estados, S.
Ex*. descubrio, com profunda magoa, que existia, entre as
pessoas removidas do Senado pelo decreto de 92 de Maio,
certa disposição para manter pretençoens, que saõ em
contravenção directa do tractado de Paris ; um tractado,
que foi negociado e concluído pelos Soberanos Alliados,
com o objecto unanime de segurar a felicidade e liberdade
das Ilhas Ionicas.
O quarto artigo daquelle tractado diz expressamente,
VOL. X V I I . N o . 98. D
2b' Política.
" que até que se ar range a carta constitucional c seja de-
vidamente ratificada, continuarão cm vigor as Constitui-
çoens existentes nas differentes ilhas, c naõ se fará nisso al-
teração alguma, excepto por ordem da 8. M. Britannica
em Conselho."
Assim he expressamente declarado, que até que seja
definitivamente arranjada e ratificada a Carta Constitu-
cional dos Estados Unidos, continuarão ns differentes
Ilhas a ser governadas pelas suas respectivas constitui-
tuiçoens, assim como existiam ao tempo da assignatura do
tractado.
As pessoas excluídas do Senado mantém agora, em
contratlicçaÕ de factos tam notórios, que naõ existia mis-
tas ilhas outra Constituição mais que a de 1803; e que as
constituiçoens, outorgadas depois ás outras ilhas, saõ nul-
las e tle nenhum effeito ; c que o Senado de Corfu éra
actualmente o corpo representante de todos os Estados
Ionicos.
Contra taes asserçoens ; contra uma interpretação taõ
falsa, tanto da letra como do espirito do citado artigo, se-
ria absolutamente inútil empregar a linguagem da razaõ,
ou applicar os principios da conciliação. De facto, ellas
saõ sustentadas por uma espécie de infutuaçaõ, a que so-
mente iguala a sua falsidade.
Nestas circumstancias se achou S. Ex*. na necessidade
de solicitar a attençaõ de S. M. para estn questão ; c foi
S. M. servido fazer saber a sua vontade, a este respeito,
pôr uma ordem em Conselho.
S. Ex*. tinha recebido noticias officiaes desta ordem e
de seu objecto, quando publicou a proclamaçaõ acima
lembrada, de 22 de Maio ; porém naõ podia citar us pa-
lavras delia, por naõ ler ainda recebido o documento offi-
cial. Agora que esta decisaõ, dada cm CotibcJho, lhe
chegou á maõ, S. Ex*. deseja que se proclame immedia-
tamente a sua substancia, para informação do publico.
Politica. 27
(Este documento insere o Relatório ao Conselho, e ao
depois os artigos do tractado relativos a este objecto e
continua assim :—)
" E como a dieta Carta Constitucional nem está ainda
arranjada, nem devidamente ratificada, Sua Alteza Real,
tomando em consideração as proposiçoens, que lhe fôram
submettidas, e observando que éra conveniente declarar as
intençoens de S. M. a respeito da Administração provi-
sional das dietas Ilhas, he servido ordenar, em nome e a
bem de S. M. com e pelo parecer de seu Conselho Pri-
vado ; e fica pela presente ordenado, que os Governos
existentes nas dietas Ilhas, na data da assignaturado dicto
tractado, continuarão em força como Governos provisio-
naes, era cada uma das dietas Ilhas, até que a dieta carta
constitucional seja arranjada e devidamente ratificada ; a
menos que todos ou alguns daquelles Governos recebam
alguma alteração em virtude de alguma ordem expedida
por S. M. em Conselho, da maneira e forma providen-
ciada no dicto tractado. Também ordenamos, e fica
consequentemente ordenado, que todas as pessoas, que ti-
verem sido deputadas, nomeadas ou eleitas antes ou de-
pois da data da dieta ordem, como membros de algnm
Senado ou Conselho qualquer, que exista ou possa existir
na Ilha de Corfü, durante a existência de taes Governos
provísionaes, podem e devem ser excluídos, a menos que
naõ sejam naturaes desta Ilha. H e outrosim ordenado,
pela presente, que esta ordem continuará em vigor, até
que a dieta Carta Constitucional seja arranjada e devida-
mente ratificada ; a menos que tal ordem seja revogada
ou alterada por outra ordem era Conselho, como se pro-
videnceia no dicto tractado. O Muito Honrado Conde
Bathurst, um dos Principaes Secretários de Estado de
S. M. dará as ordens necessárias, na conformidade da pre-
sente."
D2
28 Commercio e Artes.
E a presente será impressa em Grego e Italiano, c pu-
blicada para informação geral.
Por ordem dr S. Ex*.
GUILHERME M E V B R , Secretario do Governo.
Palácio de CorfA, em 29 de Maio, de 1816.

COMMERCIO E ARTES.

Estado decadente do Commercio de Portugal.


mPím. GAZETA de Lisboa de 28 de Junho, mencionou al-
gumas noticias da Inglaterra, sobre o numero de obreiros
despedidos das fabricas de Birmingham e outras ; e por
occasiaõ disto sato-se com a seguinte reflexão.
<(
Desejamos que as pessoas, que se entretrm em descrever as
desvantagens do Commercio e recunos do nosso pais, sem en-
trarem, nem serem capazes de entrar, nestes assuinptos de Eco.
nomia Politica, fuçam redexaÕ DOS artigos, que acima ficam
transcriptos, tanto a respeito dos Eitados Unidoi, que taei
pessoas julgam uma voragem do dinheiro da Europa, cuja
importação he tam superior á exportação, • cujo excesso naS
pôde ser tuprido seoaS em numerário, e do embaraço de
suas finanças; como relativamente £ Saina, Alemanha, e In.
glaterra, aonde tantas emigraçoens saõ um aignal da falta de
emprego para aquellas peisoss; e de»U falta hr necessária con-
seqneDCÍa a pobreza das classes laboriosas; entretanto que Isto
também demonstras diminuiçaS em alguns dos ramoi do com-
mercio daquelles psires. Com éit* reflexão e comparação
deve certamente cessar a lamúria dos que na3 sabem senaõ
dixer mal d u coutas de casa, e louvar ai de fora."

Temos tido, por mais de uma vez, occasiaõ de obser-


Commercio e Artes. 29
var, a respeito desta gazeta de Lisboa, e outras publica-
çoens Portuguezas do mesmo gênero, que se achara sem-
pre cora uma promptidaõ infinita para referir o que se
passa de máo em outras partes do mundo, e alegar com
isso para exemplo de Portugal. He bem verdade que os
Ministros e Governos de outros paizes taõbera daõ cabe-
çadas, mas dahi naõ deve o Gazeteiro de Lisboa argumen-
tar, que, para se seguir aquelle exemplo, os senhores d o
Governo Portuguez sejam obrigados a ir de propósito le-
vantar um muro, para terem em que marrar com a cabeça.
He certo que os termos da pacificação geral fôram mui
des vantajosos, pelo que respeita a Inglaterra. O partido
da opposiçaõ, no Parlamento e fora delle, bastante tem
clamado contra isso; e bem claramente predicéram os
políticos as difficuldades, em que se veria a Inglaterra, em
conseqüência da linha de comportamento que adoptára na
paz geral, era que tudo se sacrificou para segurar os Bour-
bons em França.
He verdade também, que a intollerancia de muitos G o -
vernos da Europa, as persegniçoens civis, o pezo dos tri-
butos desnecessários, &c. ; tem occasionado a estrondosa
emigração, que se observa de todas as partes da Europa,
de gente, que procura refugiar-se nos Estados Unidos da
America.
Mas i como quer o Gazeteiro de Lisboa, que nós con-
cluamos daqui, que Portugal deva cair nos mesmos erros 5
desprezar o seu commercio, as vantagens, que possue, e
que os outros naõ tem ; para se desculpar depois com os
males, que também soffrem as outras naçoens ?
Recommenda o Gazeteiro, que se faça a comparação da-
quelles paizes com Portugal, e cessará a lamúria dos que
nao sabem senaõ dizer mal das cousas de casa. Os males
dos outros naõ servem de nos mostrar que estamos bem ;
mui principalmente quando o nosso mal tem remédio seu
privativo, qne naõ pertence ao dos outros. Porém faça.
30 Commercio e Artes.
mos a comparação ; e veremos s? dahi nos resulta a oon-
solaçaõ, que suppoem o Gazeteiro de Lisboa.
A Inglaterra empenhou-se em uma de guerra de vinte
annos, o que Portugal naõ teve. A Inglaterra fez a paz,
sem cuidar na segurança de seu commercio ; e a iramensa
divida publica, que por esses motivos contrnhio, naõ lhe
permitte abaixar os tributos, que saõ agora uma das prin-
cipaes fontes da miséria publica : Portugal naõ tem essa
divida publica ; porque felizmente naõ tinha credito, nin-
guém lhe fiava, c portanto por necessidade naõ tem cre-
dores, que se comparem com os da Inglaterra. A Ingla-
terra naõ tem producçoens naturaes de valor importante;
senaõ he o carvaõ, estanho e algum cobre : Portugal tem
producçoens suas de riquíssimo valor. A Inglaterra fun-
dava as suas riquezas na sua industria, e na exportação de
suas manufacturas ; e na navegação; as outras naçoens
tem tido o cuidado do prevenir esta superioridado In-
gleza, fomentaudo cada uma as suas próprias fabricas ;
logo hc isto outra fonte da miséria, e falta tle emprego
dos trabalhadores, em Inglaterra, que naõ deve comparar-
se com Portugal; porque este naõ exportava manufacturas,
para o estrangeiro.
Desta comparação e parallelo resulta, que Portugal naõ
tem razaõ para soffrer os encoramodos, que padece a Ingla-
terra ; porque naõ existem a seu respeito as mesmas causas,
e o mal que se observa provém da ignorância dos que
governam ; cm naõoccurrer ao que tem remédio.
E por exemplo. A Inglaterra tem perdido o emprego
de 10.000 fabricantes de chita ; porque nos paizes, para
onde exportava as suas chitas, se estabeleceram fabricas,
que diminuíram a necessidade de usar destes artigos In-
glezes. Portugal deixa tle empregar muitos fubricanlcs de
chitas ; porque dentro dos seus Estados se promove a
entrada deste artigo vindo do Estrangeiro. A razaõ de
differença he clara : a Inglaterra naõ pôde impedir o seu
Commercio e Artes. 81
mal ; porque elle depende dos regulamentos das naçoens
estrangeiras : Portugal pode remediar este seu mal; porque
de seus próprios regulamentos depende a entrada das fa-
zendas estrangeiras e a annihilaçaõ de suas fabricas.
A navegação Ingleza (outro exemplo) diminue ; porque
em toda a parte do mundo se está favorecendo a nave-
gação nacional, em preferencia da estrangeira, e assim
naõ podem os Inglezes ir Ia fazer o commercio, que até
aqui tinham em suas maõs pela força marítima, que em-
pregavam na guerra : pelo Contrario Portugal vê a sua
navegação diminuída; porque deixa aos estrangeiros fazer
o seu negocio de cabotage, e naõ dá superioridade alguma
de vantagcn, aos seus navios e commercio, considerado em
comparação do estrangeiro.
Por tanto, se a Inglaterra padece be por causas que naõ
está em seu poder remediar ; se Portugal soffre he porque
feixa os olhos a seus interesses.
Vamos ainda a um ponto em que Portugal erra tanto
como quasi todos os paizes da Europa ; e vem a ser a
intolerância civil e religiosa, que afugenta os nacionaes,
e naõ convida os estrangeiros. Nisto convimos, que
Portugal naõ he singular, e ainda se acham talvez exem-
plos peiores, tal he a Hespanha; e peior que o Governo
Hespanhol he difficultoso de considerar ou de imaginar
outro. Mas porque as demais naçoens vaõ erradas, naõ se
segue que os Portuguezes naõ tenham o direito de se
queixar da parte que lhe toca, quero Gazateiro do Governo
lhe chame lamúria quer naõ.
O anno passado requerêram alguns Negociantes de
Lisboa, que se tornasse a impor a prohibiçaõ de admittir
no Reyno o arroz do estrangeiro, cujo despacho se tinha
facultado, com o pretexto da munição dos exércitos. Naõ
havendo ja esta razaõ, a renovação das ordens anteriores
éra naõ só necessária para favorecer o cousummo de um
32 Commercio e Artes.
artigo nacional, mas também para que os navios vindos do
Brazil acliss«em carga, visto que o algudaõ se exporia di-
rectamente para Inglaterra.
O tribunal da Fazenda consultou, que se continuasse a
admittir o arroz estrangeiro, até que este artigo se ven-
desse nas tendas a 35 reis o arratel, como tfanteséra:
sem se lembrar que o trigo naõ custava entaõ 400 reis, e
todos os mais artigos tem subido á proporção; que os
fretes naõ podem abaixar ; e que o maior preço pelos gê-
neros nacionaes be sempre lucro que fica em casa. Qui-
zeramos que algum dos nossos conrespondentes nos infor-
masse do estado em que isto se acha.
Os homens públicos em Portugal, saõ ordinariamente
empregados pelo favor da Corte, c a proporção dos pa-
drinhos que tem; porque nem o Soberano, nem os seus
ministros tem meio algum de conhecer os homens tle mereci-
mento ; quando estes naõ querem fazer de cortezaõs, met-
tendo-se á cara dos Ministros, e passando pelas humilia-
çoens das salas de espera. Depois, pela mesma razaõ, os
homens empregados, naõ tem meios de saber as necessi-
dades do povo, nem averiguar as causas da miséria publica.
2 Qual he o remédio disto I
No exemplo de que tractamos, que he o commercio,
fácil he o acertar; deixando que os negociantes publiquem
as suas ideas; permittindo, que as suas queixas, bem ou
mal fundadas, se façam patentes a todo*. Entaõ a verdade
apparecerá; todos os homens instruídos poderão julgar
das causas da decadência do commercio, e o mesmo Go-
verno será instruído pela vóz publica.
Se o Ministro se uconselha particularmente com algum
indivíduo; ou aindacomalguma corporação, authorizada,
como he ajuncta do Commercio, iwõ só corre risco de
obter ura conselho errado ; mas estabelece com isso pode-
rosos defensores do erro, qoe saõ aquelles, que, havendo
Commercio e Artes. 33
dado a sua opiaõ ao Ministro, por orgulho, por teima,
ou por outros motivos peiores, empregam toda a força da
authoridade, que lhe provem de seus lugares, para sustentar
o que disseram.
Naõ he assim quando se ouvem os pareceres dos
demais indivíduos publicamente; uns refutara os outros,
sem temor de prepotência; porque a disputa he entre
iguaes, e desta concurrencia de opinioens resulta saberem-
se os factos ; e comparando os diversos raciocínios, se
conhece entaõ de que parte está a verdade. Sem esta
faculdade da parte dos indivíduos particulares, de fallar,
escrever e representar livremente as suas queixas, a verdade
naõ chega ao pê do throno senaõ tarde e a más horas» se
he que alguma vez Ia chega.

Contracto do Tabaco.
O monopólio do tabaco, que tem enriquecido a mais de
um individuo, nos tem offerêcido occasiaõ para instarmos,
repetidas vezes, sobre a necessidade de aproveitar este ramo
das rendas publicas em beneficio do Etado, e naô con-
sentir que só seja em proveito dos particulares monopo-
listas.
A primeira vez, que expuzemos ao publico o abusivo
modo da arremataçaõ do Contracto do tabaco; porque
esta matéria nunca se tinha feito publica pela impressa em
Portugal, causaram as nossas observaçoens grande ruído.
Os Contractadores chamaram-nos intromettidos, por fallar»
nos do que nos naõ importava. Os do Governo, que
sabiam as razoens porque deviam proteger os Contracta-
dores, assaltaram-nos logo com o nome de jacobino e revo-
lucionário ; incendiario, que deseja tirar as cousas da boa
ordem em que estaõ. Os Desembargadores da Juncta do
Tabaco, também acharam muito mal feito, que depois
d'elles haverem consultado a favor do tal Contracto, se
Y O L . X V I I . No. 98. E
34 Commercio e Artes.
puzcsse o Correio Braziliense a bacharelar, contra a sua
opinião. Os do povo, que naõ querem ter o trabalho de
pensar, admiraram-se que o Correio Braziliense assim fal-
lasse ; porque se o que dizia fosse verdade, ja alguém o
teria dicto dantes. Assim causou o que nós dissemos do
Contracto uma geral desapprovaçaõ do Correio Braziliense,
naquellas classes de pessoas.
Os homens pensantes e imparciaes naõ julgaram assim ;
e nós deixando os outros com as suas teimas, continuamos
a clamar contra o Contracto ; quando elle teve de se arre-
matar a segunda vez. O que escrevemos entaõ, ja naõ
causou tanta admiração : uns diziam que talvez fosse ver-
dade o que trazia o Correio Braziliense ; porque a resposta
que lhe dera o Investigador éra mais para atirar com
chufas ao Redactor, do que para convencer o publico com
argumentos. Outros diziam, que sempre éra bom provai
que o Correio Braziliense éra mentiroso, pondo a lanços
o contracto, e dando assim a conhecer ao publico, que,
naõ havendo quem lançasse nelle, os ganhos dos con-
tractadores naõ eram os que espalhava o Braziliense. O
mesmo Governo foi desse parecer, que éra necessário por
o contracto a lanços para tapar a boca aos falladores.
O modo, porém, de se escapar a uma justa compe-
tência foi pôr o Contracto a lanços taõ tarde, que nenhum
arrematante, a naõ serem os actuaes contractadores, que
poderiam (cr tomado as suas medidas, tinha tempo de
mandar as ordens á Bahia para as compras do tabaco,
antes da saffra seguinte ; assim ninguém be quiz arriscar a
lançar no Contracto, para evitar o perigo de naõ poder
fornecer o tabaco conforme os ajustes.
Nestes termos naõ havendo arrematantes, tornou-se a dar
o Contracto aos antigos Contractadores, os quaes modes-
tamente o aceitáiara por fazer senriço a El Hiy. Mas o
Correio Braziliense, sem se cançar com estas repetidas
tramóias ; tomou a expor estas circumstancias da falta do
Commercio e Artes. 35
tempo na arremataçaõ ; e tanto se gritou com isto; que
por fim veio ordem a Lisboa, para se fazer a arremataçaõ
do Contracto com a devida anticipaçaõ. He possivel,
qoe ainda desta vez se naõ consiga todo o bem, que dese-
jamos ; porém, como ja começa a abalar esta velha e
ruinosa fabrica, devemos ter mui boas esperanças de a ver,
antes de muito tempo, cahir por terra.
Convém portanto explicar o que se esta fazendo em
Lisboa, em cumprimento da ordem do Rio-de-Janeiro,
para se arrematar o Contracto do tabaco cora a devida an-
ticipaçaõ.
Puzéram-se editaes, annuncicando o tempo em que se
receberiam os lanços; pois tal éra a ordem Regia: mas
taõ escondidos ficaram os taes èditaes, que nenhum dos
nossos Correspondentes pôde achar uma sô copia para
nolla remetter. £ com tudo apparecéram alguns pertur-
badores da boa ordem estabelecida, que offerecêram dar
mais pelo Contracto cem mil cruzados. Isto escandalizou
muito a Juncta do Tabaco ; porém ficaram atônitos,
quando os mesmos lançadores offerecêram mais a quinta
parte dos lucros do contracto, no caso de haver lucros ;
para o que offereciam-se também a patentear os seus livros,
a pessoas, que de ordem Regia os examinassem.
Os que offerecêram este lanço fôram Jozé Diogo de
Bastos, Raton, Clamouse, e Rocha do Porto. Sobre o
qual mui cavalheiramente perguntou Quintella, na quella
mesma noite, em uma assemblea em que se achava, e na
presença de um dos Governadores do Reyno, se o tal Rocha
éra Thomas da Rocha Pinto ; on a casa de Roxe ? A
pergunta parecia de zombaria, mas tendia a produzir o
effeito de mostrar a insignificancia de uma casa de com-
mercio, que até naõ he bem conhecida. Vamos ao resto.
Apparecêrem logo novos lançadores, por parte de Bra-
hamcamp e seus sócios, que offerecêram as mesmas con-
diçoens, e mais duzentos e cincoenta mil cruzados.
E2
3$ Commercio e Artes.
Uy, Senhores Contractadores antigos ; pois ja lhes faz
conta augmentar os lanços? Ja *• ossos senhorias nao tem
medo de perder uo contracto ; e arremataho só por lazer
serviço a S. Majestade l
Naõ para aqui o negocio. Estes contractadores, naõ
puderam concordar entre si, sobre qual delles serta o caixa;
porque naõ queriam que fosse Brahamcamp ; assim naõ foi
adiante o que projectaram ; e no entanto, no terceiro dia de
lanços, estava dobrada a primeira offerta : isto he o lanço
estava ja em 200 mil cruzados.
O prazo estava a tindir, quando Brahamcamp apre-
sentou um requirimento dizendo, que tinha ainda que of-
ferecer. Com isto se sospendeo a arremntaçaõ na Juncta,
até obterem novas instrucçoens do Governo.
Na manhaã seguinte foi o Secretario Salter a ('asa de
Quintella ; c posto que nos naõ deva importar muito con-
ferências particulares, com tudo esta visita naõ deixou de
ser em occasiaõ critica.
Com effeito a deshavença entre Brahamcamp e Quintella
desmanchou uni pouco os planos dos antigos Contracta-
dores ; mas no entanto decidio o Governo, que se tor-
nasse a pôr o contracto a lanços, e que preceilt-ssc o Edic-
tal, com toda a publicidade na forma das Ordens Regias.
Deste Edictnl pudemos ter copia ; e he o seguinte : —
" A Juncta da Administração Tabaco, em cumprimento
do Avizo de 25 do Corrente, que ultimamente lhe loi ex-
pedido, põem de novamente a lanços o mesmo contracto,
para se arrematar na forma do uso do Reyno e systema
até agora seguido; e os que se propuserem á mia arre-
mataçaõ apresentarão os seus lanoçs na mesma Juncta nas
tardes dos dias 6,9, e 13 do Julho próximo futuro.
Lisboa, 26 de Junho, de 1SI6."
" LOUBENÇO ANTÔNIO I>K A R A Ú J O . "
Commercio e Artes. 37
He importante explicar as palavras deste edictal, que
puzemos em Itálicos " na forma do uso do Reyno e sys-
tema até agora seguido." O uso do Reyno nunca foi ar-
rematar estes monopólios em basta publica, como agora
se pretende : o uso do Reyno éra dar o ministro d'Estado
o monopoilo ao que lá se chama os meninos bonitos. • A
que se refere, portanto, a expressão de pôr o contracto a
lanços na forma do uso do Reyno ?
A explicação deste enigma he a seguinte. Como uma
das offertas dos novos lançadores éra, que, alem do que
offereciam de mais que os passados, dariam também a
quinta parte dos lucros; acharam os sábios que na matéria
tiveram voto; qne éra mui indecoroso ao Soberano ser as»
sociado nos lucros com os particulares negociantes : assim
para se livrar El Rey da vergonha de metter no Erário mais
a quinta parte dos lucros do Contracto; se tornou a pôr o
Contracto a lanços na. forma do uso do Reyno ; isto he,
sem que se aceite a offerta de alguma parte dos lucros.
A outra questão he a respeito do tempo, que deve durar
o Contracto; e porque um dos partidos declarou, que
a naõ se fazer a arremataçaõ por nove anuos, naõ lança-
ria ( o outro partido disse, que se a arremataçaõ fosse por
três annos, lançaria mais ; com tanto que naõ fosse obri-
gado a manifestar os lucros.
A Juncta da Administração do Tabaco tem toda a razaõ
de querer, que a arremataçaõ se faça segundo o uso do
Reyno ; porque a naõ ser assim, a primeira cousa, que os
novos contractadores haviam de requerer, éra a abolição
da Juncta, que lhes naõ servia de nada, e causava uma
despesa de quize ou desasseis contos de reis ; e como a ley
da própria conservação he geral no universo, mui bem
fazem os Desembargadores da Juncta, em votar que naõ
se alterem os usos do Reyno; visto que essa alteração pode
causar a morte da dieta Juncta. Ergo deve conservar-se
o systema até agora seguido.
38 Coaisxercio e Artes.
Agora observamos mais, que se naõ declara cousa al-
gnraa a respeito do sabaõ c do rape. Donde podemos con-
cluir que esta ommissaõ he para algum fim. E suppo-
nhamos, que os afilhados levara o contracto J comprehende-
se nelle o sabaõ e o rape ? Supponhamos, que os com-
petidores dos afilhados saõ os arrematantes ; pertence-lhe
ou naô, e sabaõ e o rape ? Aqui haõ de variar os doutores,
segundo os casos.
As condiçoens da arremataçaõ de um monopólio tam im-
portante para o Erário, uma vez qne os do Governo naõ
sabem ou naõ querem saber como haõ de cobrar o direito
por este artigo, senaõ continuando o monopólio, devem
ser públicos, e ao menos, ja que o mal do monopólio ex-
iste, seja com o maior proveito possivel para o Erário, a
Mas o uso do Reyno he que os direitos sobre o tabaco,
sobre o sabaõ, &c. se cobrem por monopólio ; he verdade,
que assim he ; e he verdade que nos desejávamos ver co-
brado o direito sobre estes artigos, on por excisa, como
na Inglaterra; ou por outros modos; mas ja qne assim he
o uso do Reyno, e systema atê agora seguido, dé o Erário
esses lucros ao raouopolista, que mais offerecer para a Real
Fazenda. Façam-se as arremataçoens publicas; declarem-
se as condiçoens, que se esperam ; e diga-se que artigos
comprehenderá o monopólio.
Foi por via da Inglaterra, que se soube primeiramente
em Lisboa, qoe o Governo no Rio-de-Janeiro, queria fazer
a experiência de administrar o Contracto por conta do
Erário, a fim de averiguar, quaes eram os verdadeiros
lucros dos monopolistas. Isto fez com que Quintella, o
seus companheiros offerecesaem mais 200 mil cruzados, e
que se lhes desse a elles o contracto, som se esperar pela
decisaõ do Soberano. Agora acerescem mais outros 200
mil cruzados.
i E naõ presta o contracto; e o Correio Braziliense me-
rece ser queimado por andar a fallar em taes coutas ?
2
Commercio e Artes. 39
A nossa opinião, por diversas vezes explicada, tem sido
sempre e ainda he, que, mesmo no caso em que os mo-
nopolistas pagassem ao Erário uma somma equivalente aos
seus lucros ; ainda assim éra mais conveniente ao Estado,
que essa quantia fosse cobrada por um direito de alfândega,
na importação do gênero ; e deixar aos particulares ma-
nufacturar o tabaco da forma que cada um quizesse, e ve-
dêllo pelo preço que pudessem alcançar; porque assim se
dividiam por muitas pessoas industriosas os lucros, que se
concentram só nos monopolistas ; excita-se a competência
entre os fabricantes a qual fabricara melhor, e os consum-
midores comprarão aquelles, que mais barato venderem.
Quando o tabaco chamado Rape se fabricava em Lisboa
da folha terceira, que de refugo vem da Bahia, e que se
vendia a 800 reis a libra, éra freqüente o contrabando do
Rape da França, que sahindo ás vezes por metade do preço
do de Lisboa, e outras vezes pela terça parte, offerecia tal
lucro ao contrabandista, queeste arrostava todos os perigos
das tomadias. Este rape de França he fabricado com o
tabaco de Virgínia, que a industria Franceza, com a
mixtura de outras folhas, leva ao ponto de perfeição, que
lisongea o olfato dos que usara deste cheiro, naõ obstante
que o tabaco da Bahia he superior ao de Virgínia.
Martinho de Mello, conhecendo isto, trabalhou quanto
pôde por aperfeiçoar o tabaco nacional, mas nunca foi
apoiado pelos contractadores, nem pela Juncta; porque o
lucro certo, e o privilegio exclusivo, produzem sempre a
inércia, em vez de fomentar o aperfeiçoamento do artigo ;
visto que o monopolista está seguro da venda, quer o ar-
tigo seja bom quer máo. Tanto isto he assim, que offere-
cendo um sugeito ao Contractador Quintella a descuberta
do methodo, por que se podia fazer o Rape em Lisboa
igual ao Francez, disse o Contractador, que daria por
isso cincoenta moedas, quando o Mestre, que offerecia a
descuberta, exigia emprego e sallario perpetuo. Daqui
40 Commercio e Artes.
naõ resultou outra cousa senaõ obterem os Contractadores
permissão de importar tabaco de Virgínia, com o pretexto
de o mixtnrar com o da Bahia, c com manifesta deterio-
ração do gênero nacional.
Por estes pretensos serviços dos Contractadores se lhes
permittio augmentar o preço do Kapé a 1.200, <* 1.600
reis a libra ; o que opera como novo imposto ao urtigo, e
por conseqüência mais pezatlo tributo ao povo, sem que
dahi resultasse maior rendimento ao Erário. Chegou a
tal ponto o abuso, que até mandaram os Contractadores
buscar á França, e introduziram em Portugal Rape já
manufacturado; sem haver no Governo quem reflectisse
nos males que dahi resultam á naçaõ, e que o melhor
modo tle augmentar o consummo do gênero, e por isso ac-
crescentar os rendimentos do Erário, he fazer o tabaco me-
lhor, e vendado pelo preço mais barato possível.
Havia o Bispo da China obtido da Raynha, D. Maria I.
que Deus haja, uma ordem para que os Contractadores
lhe mandassem todos os annos uma pequena porçaõ de
tabaco (parece que eram 32 libras) para fazer presentes a
certos Mandaiins, e facilitar com isso as suas negociaço-
ens. Passados alguns annos deixaram os Contractadores
de fazer a remessa, queixou-se o Bispo, deram-se novas
ordens ; estas naõ foram executadas ; «• os contractadores
pediram ser aliviados daquella pensaõ. O Governo de
Lisboa, naõquizdccidir a questão, remetteo o negocio para
o Rio-de-Janeiro. Assim com arecusaçaõ desta insificante
remessa, para li.is taõ úteis, se pretendeo fazer crer a pe-
núria dos Contractailores, que naõ podiam dis|>crisar 32
libras de tabaco.
Exaqui as grnndes vantagens, que pode esperar o Estado
de eugortlar monopolistas particulares a custado povo, e
em deterioramenlo da industria geral.
C •« 3
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil em
Londres, 25 de Julho, 1816.

Gcncros. Qualidade. Qautldade Preço de Direitos.

ASSUCAR. branco . . . IIS lib. ">5s. Op 65s. (lp Si. I4s. 7Jd.
trigueiro , 42s. Op 46s. Op
mascavado 37s. Op 41». (lp
Algodão1 , Rio . libra Ss.Td. pMOOlih.
Bahia . . . K.Tlp 2?. Ò'p eut navio Inglez
Maranhão . ls. l l p <<!s. Op ou Portuguez
Pernambuco Ss. l p Ss. Sp S5s. 6d. em na-
Minas novas vio doiitras ca-
D*. America melhor . . . . Ss. 2p 2s. 8p çoe ns.
Annil Brazil ls. 9p 4>. Op 4}d. por libra.
Arroz 119 lib. It. Os. Ofá.
Cacao . . . . Para fios. Op. 76s. Op .ls. 4d. por libra.
Caffé Rio libra .. 56 s. Op. 6-ls. Op Ss. 4d. por libra.
Cebo Bom II* lib. 4Hs. Op. t9s. Op. .<ia.2d.pM 12 lib.
Chifres . . , . . grandes . . . . 1SS . . . . 40s. Op. lis. Op. 5H. 6p. por 100.
Couros de Boy Rio grande libra . . 0s. 5 j p . Os. 8p. 9Jd. por couro.
Rio da Prata Os. 6p. Os. 8}p.
D*, de Cavallo 3s. Op. 6s. Op.
Ipecacuanba boa libra 9s. Op. 9s. 6p. 3s. 6d. por libra.
Quina pálida . . ls. Op. l s . típ. Is.ljd. por lib.
ordinária 1>. 5p.
mediana Ss. Ip. Ss. Sp.
ána Ss. Op. Ss. 6p.
vermelha 6a. 6p. Ms. 9p
amarctla ls. Sp. 1*. 4p
rbata . . . 2s. Op.
torcida . 4s. 6p. 5s. Op
Pao Brazil tooel, 115/. 120/. 4/. a tonelada.
Salsa Parrilha 2s. Sp 4s.0rl
Tabaco.... rolo libra . . . '
Os. 4p. 44 4 a4 d ' S 3 s . i n i p . lib. exciie
c3/.16s.9d.alf.I0Olb.

Prêmios de Seguros.
BRAZIL .... . Ilida 2 tiuineos por cento;
Vinda 2 i 2*
LISBOA E PORTO ..Ilida I] (íuineos.
Vinda I \ (l uineos.
MADEIRA Ilida SO Sir. vinda 30 S b \
AÇORES Mula Ij (íuineos a 2.
..Vinda o mesmo.
Rio DA P R A T A . . . I l i d a 3 G \ ;
vinda o mesmo

a
VOL. X V I I . N o . 98.
[ 42 ]

LITERATURA E SCIENCIAS.

NOVAS P U B L I C A Ç O E N S EM I N G L A T E R R A .

JFLEYyES on Classical Instruction, 12mo. preço 3s.


Ensaio sobre o methodo mais efficaz tle obter Instrucçaõ
Clássica; junctamente com uma noticia de sua applica-
çaõ practica : em que se exemplifica sistematicamente o
principio geral d o novo modo de educação. Por K.
Kcynes.

Ho/me» on Coal Wtnes, 8vo. preço lOs. Gd. Com es-


tampas. Tractado sobre as minas de carvaõ em Durliam
e Nortliumberl;.nd, com noticias sobre as camadas ou
strata daquelles condados ; e contém inlormuçocns sobre
as explosoens oceasianadus pelos fluidos aeriformes infla-
raaVeis, que tem succediilo muitas vezes duiante os ultimou
vinte" annos : suas causas, e meios propostos paru os reme-
diar, e para o mollioramento geral tio systema das .-ninas,
por novos inethodos de ventilação. Por J . R. 11. Iloltnc.
. o
Bingleys Useful Knowledgc, 3 vol. ISmo. preço 11. 1#.
Conlicciracntos uteis, ou exposiçoens familiares tbts diffe-
rentes producçoens da Natureza, que principalmente se
empregam para o uso dos homens, nos reynos iiiimr.il,
vegetal e animal. Illustrados com numerosa» estauipus,
que fazem esta obra própria para estudo, e para cotutiltur.
Pelo Rcv. Guilherme Bindley.

Parkin'- Monastic Remains, 2 vol. 8vo. preço Al.


Cora mais de cem estampas. Ruínas Monasticas <• de
habitaçoens de poderosos Senhores, com outros intcrt-Miin-
Literatura e Sciencias. 43
tes fragmentos de antigüidades, na Inglaterra, Gales, e
Escócia. Por G. J. Parktns, Esc.

Macmloch on making Wine, 12mo. preço 7s. Notas


sobre a arte de fazer vinho, com suggestoens para a appli-
caçaõ de Réus principios ao melhoramento dos vinhos ca-
zeiros. Por Joaõ Macculocb, M. D .

BullocVs Isle of Man, 8vo. preço 15s. com uma


estampa do Castello de Peel, e um mappa. Historia da
ilha de Man ; com uma vista comparativa do estado actual,
e passado da sociedade, custumes, e maneiras ; e contem
também anecdota» biographicas de pessoas eminentes, con-
nexas com aquella ilha. Por H. A. Bullock; residente
por dez annos naquella ilha.

SmitV» Flora Britannica;. 12mo. preço 7s. Corapeu-


dinni Florae Britannicae. Authore Jacobo Eduardo
Smith, Equ. Aur. M. D. Societatis Linnaeanas Prceside,
&c. &c.

Ring's Answer to Dr. Kinglake, 8vo. preço 5s. 6d.


Resposta ao D r . Kinglake ; mostrando o perigo do tracta-
mento refrigerante na moléstia da Gota. Por Joaõ Ring;
Membro do Collegio Real de Cirurgioens em Londres, e
das Sociedades Médicas em Paris.

Ottleifs Inquiry into Engraving, 2 vol. 4to. preço


81. 8*. Investigação sobre a origem e historia primitiva
da gravura, em cobre, e em páo; com uma noticia dos
gravadores, e suas obras, desde a invenção da chalcogra-
phia por Maso Finiguerra, até o tempo de Marco An-
tonio Raimondi; e incluindo observaçoens, sobre alguns
F2
44 Literatwra e Sciencias.
dos primeiros livros, ornados com eslampas abertas em
páo. IIlustrada cora numerosas copias de exemplos raros
desta arte ; c enriquecida com impressoens tle gravuras
em páo originaes de Alberto Uurer. Por Gflilherme
Young Otlley, F - S . A.

WootVs FooUtept to Draxring, 4to. grande, preço 1/. 1*.


Passos para o desenho, conforme as regras da perspectiva,
explicadas em diálogos familiares, e il lustradas por vinte
estampas de liçoens progressivas; calculadas para com-
binar o conhecimento da perspectiva com a practica do
desenho ; e conduzir o principiante imperceptivelmt nle
ao conhecimento das principaes regras desta útil arte.
Por Joaõ George Wood, F. S. A. Leitor em Perspectiva.
e
Kerr on Circulation of the Blood, Ifmo. preço 4s.
Observaçoens sobre a doutrina Ilarveyana da circulação
do sangue. Por George Kerr.

Frost'* Art of Stoimming, 8vo. preço 8s. Nadar Sci-


entificamente : serie de instrucçoens practicas, sobre nm
plano original e progressivo; pelo qual se obtém facil-
mente a arte de nadar, com toda a vantagem da força na
água. Acompanhada de 12 estampas abertas em cobre,
comprehendendo 26 figuras, que exhibera e illustrnm a
acçaõ e postura, em todos os ramos daquella inapreciavel
arte. Por Joaõ Frost.

Vaudoncourt, Memoirs of the lonian Islands, 8vo.


preço 15». Memórias da Ilha» Ionicas; consideradas
nos pontos de vista commercial, jxjlitico, e militar; em
que se descrevem as vantagens de sua posição, assim como
as suas relaçoens em o continente Grego ; e inclue a vida
e character de A U Pacha, o actual governador da Giecia .
Literatura e Sciencias. 45
junctamente uma vista comparativa da geographia antiga
e moderna do Epiro, Thcssalonia, Morea, parte da Mace-
donia, &c. Cora um grande mappa original. Pelo
General Guilherme Vaudocourt; e traduzida do original
manuscripto por Guilherme Walíon.
O mappa que accompanha a obra comprehende as sette
ilhas, Albânia Meredional, parle da Macedonia, o Epiro,
Thesaalonia, Livouia e Morea.

PORTUGAL.
Tractado de câmbios; offerecido aos Estudantes da
Real A ula do Commercio, para terem um verdadeiro co-
nhecimento deste ramo de commercio, o mais difficuUoso e
importante ; e se faz também digno de todos os negocian-
tes : preço 400 reis.

Triumpho do Clero Portuguez em geral: 1-. parte; e


do da cidade de Évora em particular 2*. parte ; contra a
memória politica, inserida no N°. 37 do Investigador Por-
tuguez em Londres : preço 300 reis.

JVova Grammatica Latina, composta por Miguel lie


Bourdiee, Reitor do Collegio Francez estabelecido em
Lisboa no Pateo do Porsili, juncto ao soccorro: preço 720
reis.

Collecçaõ Systematica das Leys Militares, pertencentes


á tropa de linha, em dous volumes de 4to. o primeiro
comprehende a constituição do exercito: o segundo a sua
disciplina tanto em paz como em guerra. Preço 4.000
reis.

O JVo. 1°. do Jornal das Bellas Artes, ou Mneraosine


Luzitana. Contém este N*. uma breve memória sobre a
batalha do Bussaco : uma descripçaõ da vista de Lisboa:
um artigo sobre a construcçaõ naval Portugueza, &c.
4(> Literatura c Scicucias.
Consta de trrs folhas este |» » . , cm bello typo ; e por
isso custa avulso 100 ICI> : tis números sc^ililllcs serão tle
duas folhas, e a 120 reis.

Abertura da Academia Real das Scienrias.


Lísln-a, I». tle J u l h o .
Sepunda feira 24 de .Iiinho, relebrou a Academia Keal
das Sciencias de- Lislioa a sua Sess u"> publica t o m IIHM-.-
tencia tio Corpo Acadêmico, c numeroso concurso tle Pes-
soas litternt.is. A brio a Sessaõ o lllustrisúmo e K x t e l -
Icntissimti M a t q u t z de Borba, seu Vice-Presidente, lendo
um conciso e eloqüente Discurso, em que mostrava, quanto
importa ao Fslado a cultura tias Sciencias, animando a
Academia a proseguir constante nus suas e m p u / a s liieia-
riag. Leo depois o Vicc-Secrt lario Francisco tle Mello
Franco outto Dist urso, em que dava conta dos trabalhos
e tarefas Acadêmicas desile 25 de J u n h o , de ISJ5, até ao
dia 24 de .)unho, de ISIG. Seguio-se o Sócio .lustiniano
de Mello F r a n c o , a q u e m , por ter acabado tle Secretario
d a Instituição Naccinica, competia tlnr conta tios piogic.s-
sos, qu<* a Instituição lizeru tanto cm Lisboa, t o m o nas
Províncias, durante o c s p ' ç o do tempo acima dicto. Le-
ram-se depois as seguintes Memórias: O So< i<> J o a q u i m
José da Costa de Macedo leo uma sobre as verdadeiras
E p o c h a s , e i n q u e principiai.nu as nossas navegações no
Oceano Athlaiitico; o S o n o I i.mcisi o Manoel Trigoso
leo o 1'iuli^'n tia Cruuimatica 1'lnlosophiiM tio falU-culo
Professor tle Khetorica na 1'iiiveisnlndc tle Co ii-bra J e -
ronynio Soares Barbosa ; o SDCIU Seb.tstiaõ Francisco de
Mendo T r i g o s o leo uma Memória acerca de um verme,
que actualmente existe vivo no olho de um c a v a l l o ; o
Sócio J o s é Maria Soares foi incumbido ti • ler paitc de
uma Memória do Sócio Francisco Soares F r a n c o sobre a
identidade do systema muscular na cconomi i animal, o
Sócio J o a q u i m Pedro Fragoso leo ultimamente uma Me-
Literatura e Sciencias. 47
morta sobre as Queimadas no Alémtéjo, e sobre o modo
de as acautellar, e remediar.

NOVO M E T R O N O M O .

Carta ao Edictor.
SENOR !—Como he provável, que alguma considerável
porçaõ de vossos Leitores se interessem pela invenção, que
faz o objecto desta carta ; e de que anticiparaos grandes
vantagens para a musica em geral, nós vos ficaremos obri-
gados, se a inserirei» na vossa publicação periódica, o
mais cedo que for possivel.
Tractamos do Metronomo de Mr. Maelzel; ou instru-
mento para bater o compasso; cujo objecto principal he
ministrar aos compositores os meios de indicar com pre-
cisão, e conforme a um padrão universal, o gráo de ra-
pidez que se requer para cada tempo de sua composição :
e com isso escusar a necessidade de recorrer aos termos
vagos e insuficientes de Adagio, Allcgro, Presto, &c.
Ha muito tempo que tal instrumento éra um desideratum
por toda a Europa, e se tinham feito varias tentativas para
o construir, que naõ fôram bem succedidas; por fim ap-
parecêo o Metronomo de Maelzel, que nos parece ter al-
cançado tudo quanto se desejava. He elegante, portátil
e de preço racionavel: simples na construcçaõ ; a escala
hc fundada na divisão do tempo em minutos ; e he uni-
versalmente intelligi vel; as pancadas audíveis, que bate,
podem regular-se para o mais vagaroso adagio, assim como
para o mais rápido presto.
Os melhores compositores do /íbntinente,* tem ja adop-

* Em Vienna, o» Seahores Salieri, Weigt, Gyrowetz, Beethoven,


Hummel, Gelinek, &c. Em Paris, os Senhores Mehul, Berton,
Cherubiai, Paer, Le Sueur, Boyeldieu, Catei, Spontini, Nicolo,
Pleyel, Kreutzer.
48 Literatura e Sciencias.
lado a escala mclronomica, indicando o tempo de seus
movimentos ; e a republica musica pôde cm fim esperar ter
um padrtiõ universal de medida musica em toda a Kurupa ;
e para contribuir-mos com a nossa parte para este desejável
fim, declaramos por este modo publicamente a nossa in-
tençaõ de marcar o tempo, daqui em diante, em todas as
nossas compo-siçoena, segundo a escala de Mr. Maeliel.
Também nos parece que o Metronomo offerece as maiores
vantagens aos principiantes, que aprendem Musica; porque
bale o compa-so com precisão nmthematica, em qualquer
gráo tle velocidade, que se ponha o ponteiro; e serve de
perfeita guia ao discípulo, durante a ausência do mestre.
O único motivo que temos, para pedir-vos a publicidade
desta carta, he o adiantamento da sciencia, que professa-
mos ; e naõ duvidamos, Senhor, que os vossos Leitores
Músicos -sejam stilücicntcmonlc sensíveis á importân-
cia da matéria, para nos julgarem plenamente justifi-
cados, em havermos adoptado este modo de expressarmos
os nossos sentimentos.
Temos a honra de ser,
Senhor, vossos obedientes criados,
T . Attwood, A. S. Klengel,
II. R. Bisliop, F . Lalour,
Joaõ Brilham, J . Mnzzinghi,
Muzio Clemcnti, Fertl. Ries,
J . B. Cramcr, W m . Shield,
F. Di/t, J . P. Viotli,
J . G . Grat ff, Sam. W r b b e ,
G. K. Grifliin, S. W c s l e y ,
Fred. Kalkbrenncr,
Londres, Julho 1816.
Literatura e Sciencias. 49
Economia Politica de Simonde.
(Continuada de Vol. XVI. p. 591.)
LIVRO PRIMEIRO.
Dos Capitães.
CAPITULO PRIMEIRO.
Origem da Riqueza National.
O principio ou a fonte commum de todas as riquezas
dos homens he o trabalho ; he elle quem cria umas, e que
dá o valor a outras. A accumulaçaõ do trabalho produc-
tivo de uma naçaÕ hc, pois, o que constitue o seu capital;
e lhe dá, ao mesmo tempo, o direito, ou, para melhor
dizer, o meio, de fazer executar um novo trabalho igual
ao primeiro em valor : de sorte que uma naçaÕ he rica em
razaõ da obra que tem feita, ou da que pode exigir, que
be a mesma cousa.
Esta definição da riqueza nacional, que serve de fun-
damento a todo o systema de Adam Smith, precisa de ser
aclarada. Nós perdemos facilmente de vista, em os bens
de que fazemos uso, a industria que os produzio; portanto,
he necessário mostrar que ha um trabalho, que he suscep-
tível de accumulaçaõ ; outro que naõ o he ; e que o pri-
meiro, a que se dá o nome de produetivo, está realmente
accumulado nos objectos, em quem reconhecemos algum
valor.
Que seria a terra e que seriam os seus habitantes, sem o
trabalho accumulado do homem ? Podemos observar a
primeira ainda virgem, cm um dos mais bcllos climas do
universo. O continente austral, que se chama a nova
Hollanda, eslá tal como sahio das maõs da natureza ; os
seus habitantes nao lhe tem mudado o aspecto ; nus, des-
garrados, e tímidos, vagam perseguidos pela fome sobre
uma terra inculta, posto que própria para se cobrir dos
fructos mais exquisitos, e das mais abundantes searas : em
VOL. XVII. No. 98. o
50 Literatura e Sciencias.
em ver de obterem isto delia, so fundam a esperança tia
sua subsistência m* producto da caça : perseguem e des-
troem continuamente os animaes, que saõ o seu único recur-
so ; e, impedindo tlcste modo a sua reproducçaõ, tornam
inútil o único presente, que a fecundidade da sua terra
lhes pode fazer, uma vez que naõ seja ajudada tle cultura.
Em vaõ se cobre cila tle vegetaes ; cm vaõ andam os ho-
mens sotterratlos na herva, que os prados cobre ; nunca a!i
a cnça selvagem hc proporcionada aos pastos, que se lhe
oíTereccm, e deminuc á proporção que a povoaçaõ aug-
ineiita ; pondo assim limites á miiltipliçnõ dacspccic huma-
na, como esta os poem constantemente á sua.
Qual he a riqueza destes povos miseráveis ? naõ hc de
cerfo a sua terra, que aliás pudera valer mais doque n
nossa-, ina-s o seo trabalho. Elles caçara, e o producto da
sua caça os nutre, c os veste, e nos tendoens c nos ossos dos
animaes lhes fornece ns suas armas e a sua melhor ferra-
menta ; em fim, a caça fnllos viver, e constituca sua renda.
Entre lanto, como cadaselvnge nnõ cuida senaõ de s i ; como
tudo faz para si, c nada para os outros ; como repousa
logo que acaba de satisfazer as suas primeiras necessidades ;
est» s povos consomem catla anno tudo quanto produzem ou
quanto apanham; naõ economizam, nem enriquecem
nunca. Só depois que os homens comtneçam a prover ás
suas necessidades por meio de trocas ; e que catla um,
dedicando-se a uni gênero particulur de industria, fornece
tios outros uquillo que faz melhor que elles, cm troco
do que elles tazem melhor doque elle, he que commeçam
a extender a sua ambição além do presente momento, c
produzem pelo seu trabalho mais do que querem actual-
mente consumir.
Quando os n.embros tle umn sociedade, animados pela
facilidade que acham de fazer estas trocas, adoptam a de-
terminação de se repartirem em differentes profissoens,
produzem a revolução mais importante de quantas pode
Literatura e Sciencia». 51
ter nm povo que caminha para a civilaçaõ. Esta hc que
fixa a primeira época da accumulaçaõ do trabalho ; porque
dá pela primeira vez ao artífice o desejo e os meios de pro-
duzir nm supérfluo além do seu consumo. Este desejo
naõ existia para elle em quanto naõ conhecia as trocas,
porque nada via além das suas necessidades actuaes ; e
mesmo quando pudesse fazer provisoens de caça, por ex-
emplo, para varias semanas, estas provisoens vir-lhe-hiam
a ser inúteis, se lhe nao servissem para viver em descanso
em quanto durassem. Mas, desde o instante que, por uma
so espécie de trabalho, achou meio de prover a todas as
suas necessidades, logo lhe deve nascer o desejo de aceu-
mular infinitamente os productos desse trabalho, uma vez
que vé a possibilidade de o fazer, seja para se segurar de
nunca mais ter precisão, ou para buscar recreios na satis-
facçaõ das necessidades factícias que logo principia a ter.
O artífice adquire, com o desejo de trabalhar mais, os
meios de o fazer com maior ganância; porque, naõ se
empregando já unicamente para seu serviço, em uma so
operação, mas sim para uso de outras pessoas, mais as fa-
culdade produetivas de sua industria se augmentaraõ.
Para isso concorrem três diversas causas : a I a he adquirir o
artífice maior dexteridade no trabalho a que se destina uni-
camente ; a 2*. he naõ perder tempo em passar de um tra-
balho para outro; e a 3*. he, que a simplificação do tra-
balho, de que se encarrega, lhe da logar de inventar
machinas, que ou lho possam facilitar, ou mesmo dispen-
sallo de uma parte delle.
A divisão dos officios começa no segundo ou terceiro
periodo da sociedade. Entre os povos pastores, ou entre
os agrícolas, existe desde que o mesmo homem já naõ he
labrador, artífice, e pastor ao mesmo tempo; e multiplica-
se infinitamente ã proporção que a sociedade faz pro-
gressos: cada ollicio se subdivide, e cada obreiro faz
Q2
52 Literatura e Sciencias.
tanta mais obra quanto a sua operação hc mais simpli-
ficada.
Entre os povos, que apenas vaõ sahindo da barbaridade,
o mesmo artífice trabalha comniumentc todos os metaes ;
e a sua habilidade para mancar o martello, e fazer uso do
fogo para forjar c derreter, hc o fructo de uma primeira
repartição do trabilho. O caçador selvagem, que deve
primeiro que tudo pensar todos os dias cm mattar a tome,
por muita precisão que tenha de armus e ferrumentns,
nunca aprenderá por si a extrahir os melões da terra, e
ainda menos, a forjados c a pôllos em obra.
A proporção que os homens se multiplicam c se enri-
quecem, cessa o mesmo artífice de trabalaar em todos os
roctaes : logo de entre aquelles que forjam o ferro, se
separam os ferreiros, os serralheiros, os ferradores, os cs-
padeiros, &c. Sec. para formarem outras tantas profissoens
á parte; a final vemos concorrerem vinte c cinco officiaes
diferentes para fazerer um alfinete, de maneira que ura
lhe fax a cabeça outro lha corta, outro lhe faz o bico, &o.
Todas as vezes que se divide um officio, cada official
adquire um novo grão de dexteridade, na parte
cm que ?-e occupa exclusivamente ; cada qual poupa
o tempo que perderia em quanto se passa de uma
occupaçaõ a outra; e cada um nperfeiçoa o» seus in-
strumentos: ou mesmo achando-o no trabalho reduzido
á t)|>eraçaõ mais simples, descobre uma machina que lho
suppra ; vindo deste modo uma machina inanimada a ser
um obreiro produetivo. Hc deste modo que a manufac-
tura dos alfinetes se tem facilitado a ponto de vinte al-
fineteiros fazerem cora toda a facilidade ccn(o-c-viute-mil
por dia ; c t>c um homem, que uaõ entendesse nada do officio,
quisesse fazer um alfinete, ainda que habilidade lhe nnõ
faltasse, rustar-lhr-hia muito a fazer um. O mesmo he
cm todas as outra» profissoens, cm que se tem repartido
Literatura e Sciencia». 53
o trabalho por muitos officiaes ; e o producto da industria
humana já multiplicado prodigiosamente pela divisão dos
officios, ainda he susceptível de ser multiplicado mais.
Depois que os homens viram que por esta repartição dos
seus trabalhos podiam produzir mais do que no estado sel-
vagem, em que toda a sua industria apenas chegava para
poderem existir, começaram a economizar e a accuroular
uma parte dos fructos dos seus suores, e das suas retidas.
Lancemos os olhos sobre a terra que habitamos, e con.pa-
remolla com a terra selvagem, e entaõ julgaremos se assim
he ou naõ.
Separemos na nossa imaginação todos os trabalhos, que
tem sido precisos para produzir o paõ que comemos , e do
padeiro, o do moleiro, o do labradôr, o dos homens que
inventaram e aperfeiçoaram a sciencia da agricultura, o da
quelles que descobriram, no deserto onde elle cresça sem
ser conhecido, a propriedade nutriente do seu graõ; e
acharnos-hemos por fim com uma planta selvagem e de
nenhum valor, único presente que a terra faz á especeie
humana : portanto, cada um daquelles, cujo trabalho con-
correo para nos procurar o paõ, deixou-nos traços do seu
trabalho, de que nós nos aproveitamos; cada um delles
creou um valor, ou o accumulou sobre a sua producçaõ.
O que primeiro descobrio as propriedades do trigo, e
inventou a sua cultura deo um valor á terra inculta, porque
a fez susceptível de se cobrir de um producto útil; a quelle
que roteou o campo, em que o trigo foi colhido, realizou
igualmente o seu trabalho, e o seu valor se acha no preço
au mentado da terra melhorada. O caseiro que semeou
esta terra roteada acrescentou o valor do seu trabalho ao
dos seus predecessores ; e a seara, que elle obteve, devia
conter uma retribuição para o proprietário da terra roteada
e outra para elle, como labrador. O trigo, pois, que elle
levou ao mercado, representava todos estes trabalhos aceu-
mulados, e o paõ contém mais a compensação do mo-
64 Literatura r Sciencias.
leiro e do padeiro. Ilc desta sorte que os trabalhos se ic-
alizam, e que se vé uns accumularein-se c fixarcm-sc em
um immovel, como os dous primeiros, c os outros augraen-
tarem o valor dos moveis que o immovel produzio, como
os três últimos.
Se as mesmas producçoens da terra recebem do trabalho
o valor que tem, com maior razaõ as producçoens das
artes : separai de umas e das outras o trabalho, que lhes tem
accumulado as idades anteriores, e nada ficará que possa
considerar-se riqueza entre os homens.
Porem saõ todos os trabalhos susceptíveis de accumu-
laçaõ ? Naõ : ha muitos que naõ se empregam sobre ob-
jectos materiaes, ou que ao menos naõ os alteram de ma-
neira que lhe augmentem o valor. Onde iremos buscar,
por ememplo, o valor accumulado das marchas c contra-
marchas de um exercito, dos estudos de um jurisconsulto,
ou de um medico ; dos discursos de um pregador, ou dos
sons agradáveis de um musico r E mesmo quando o artí-
fice trabalha em alguma cousa material, o barbeiro o
guarda-roupa, e outros, augmentam estes com o seu tra-
balho o valor daquillo que preparam ou arrumam ? ao
mesmo tempo que o relojoeiro accresccnta o valor do seu
trabalho ao das matérias primas de um relógio ; o tccclaõ
ao do seu fio ; o çnpateiro ao do seu cabedal; o assim
muitos outros. Pode-se, portanto, chamar com boa rnzud
produetivo o trabalho, que se paga a si mesmo, que produz
debaixo de uma nova forma um novo preço que custou ; e
improductii o n quelle, que naõ deixa signal tle si, c que
deve constantemente ser pogo pelo producto de outro tra-
balho.
Ha um signal certo e invariável, pelo qual se pode. co-
nhecer se um trabalho lie ou n iõ produetivo : o qui* o he
conbe<e-M- ; porque depois de feito podf--»<- sempre dar cm
troco por alguma cousa, ou por outro trabalho por fazer;
e do improductivo nada fica tmceptivcl de trocar-»'' ou
Literatura e Sciencia». 55
de occasionar a existência de algum objecto real. Qual.
quer destes trabalhos, antes de estarem feitos, podem con-
siderar-se do mesmo valor; o musico poderá ganhar tanto
como o relojoeiro, e o salário de um e do outro podem
trocar-se por um novo trabalho ; mas o que pagou ao re-
lojoeiro seu trabalho acha-se com um relógio nas maõs,
que pode dar a qualquer pelo mesmo preço; e o que pagou
ao musico nada recebeo com que possa fazer o mesmo.
No primeiro caso ha dous valores por um trabalho ; a saber
o preço do relógio que recebeo o relojoeiro, e o relógio
que recebeo o comprador : c no segundo naõ ha mais que
ura, que he o pagamento que recebeo o musico; porque
os sons que o ouvinte recebeo em troco, acabados de pro-
duzir já naõ tem valor. O primeiro pagador fez uma
troca; o segundo uma despeza. A mesma regra pode ap-
plicar-se aos trabalhos dos pedreiros, carpinteiros, dos que
trabalham em barro, &c. que se fixam sobre um immovel:
os que acerescentam ao valor deste immovel saõ produc-
tivos ; c os que dieta a fantasia, e que nada acerescentam
ao seu valor, que seja troca vel, naõ o saõ.
Nenhum animal he dotado desta disposição para fazer
trocas; he própria só dos homens; e, como já acima
dissemos, he a causa do aperfeiçoamento do seu trabalho,
por ser ella que oceasionou a separação das profissoens.
Em conseqüência desta divisão, cem homens, que repar-
tiram entre si as profissoens de labrador, pastor, moleiro,
padeiro, tecelaÕ, carpinteiro, e pedreiro, produzem era
um anno mais mantimento, vestuário e casas, do que os
mesmos cem podem utilizar no mesmo espaço de tempo.
Se elles naõ abandonam o trabalho, depois de haverem
provido a todas as suas necessidades, fica-lhes um supér-
fluo, que naõ podem destinar para seu uso, o que os resolva
a dispor delle para uso de outros, mediante certas condiço-
ens. Se hoje lhes naõ falta nada, talvez lhes falte para o
futuro; e poder-lhes-ha convir trocar o producto de ura
56 Literatura e Sciencias.
trabalho feito, por um trabalho para fazer. O trigo, por
exemplo, tlesle nnno, pelo do anno que vem ; OU, uma
ves que haja introduzida no commercio uma mercadoria
commum, a que se chama numerário, ou dinheiro, entaõ
convir-llies-ha trocar o seu supérfluo por esta mercadoria
commum, porque a todo tempo lhes eqüivalera a ura
escripto obrigatório para qualquer homera industrmsu
lhes fazer trabalho, ou para obter o fructo do seu
antigo.
No primeiro periodo da civilisaçaõ, quando uma naçaõ
naõ hc composta *e naõ de caçadores, nuõ hn distioeçaõ
de ricos nem tle pobres, e cada um de seu» membros cuida
per si mesmo em satisfazer as suas próprias necessidades.
A divisão das profissoens, fuzeudo possivel n accumulaçaõ
das riquezas, introduzio pela primsira vez esta desigual,
dade na sociedade. Quando ella coromeçou, era rico
aquelle que, depois de ter provido ao seu consumo pela
troca dos fructos do seu trabalho, ficava-lhe ainda um su-
pérfluo; e era pobre aquelle que naõ tinha de aute-maõ e
de seu, de que subsistir em quanto trabalhava, até quo a
sua obra estivesse acabada e em estado de se trocar.
Como todo homem forçosamente lia de consumir ante»
de produzir, o artífice pobre acha se na dependência do
rico, e nem pode viver nem trabalhar uma vez que naõ
obtenha mantimentos e mercancias jú existentes, em troco
tlaqucllas, que elle promette dr produzir pelo seu trabalho.
Este mercado, ou coutracto, naõ pode ser gratuito, por-
que eutaó toda a \autageni estaria do lado do artífice po-
bre, uma vez que o rico naõ lucrasse nelle; e para que
este se resolvesse afazrll», era precisoconvir cm que, toda
vez que elle Irocasir trabalho leito por trabalho para lazer
«te deveria ser de valor superior ao oulro : ou, por ou-
tros termos, que o proprietário tio supérfluo accumu-
lado obteria um lucro proporcionado á quantia adian-
tada.
5
Literatura e Sciencias. 57
Logo que os proprietários do supérfluo accumulado,
(que daqui em diante chamaremos capital) viram que o
podiam augmentar, trocando-o por trabalho por fazer,
multiplicaram estas trocas o mais que puderam, e tiveram
sempre cuidado em naõ suspender a faculdade productiva
de seus capitães, pondo-os de morto.
Ha dois modos de os por a render; o primeiro he fixai-
los na erecçaõ ou aperfeiçoamento de uma machina qual-
quer, por meio da qual facilitem ou multipliquem o traba-
lho humano. Nunca a palavra machina teve uma accep-
çaÕ mais extensa do que lhe eu quizera dar neste logar;
porque desejava comprehender debaixo deste nome, desde
o arado até o mechanismo mais complicado ; ate á terra
cultivada, que nas maõs dos homens he uma machina
productiva; até ao mesmo artífice, que quando elle he
formado com uma instrucçaõ apropriada ao seo estado,
com um avanço de capitães, pode comparar-se a um officio
vivo ; porque faz duas vezes mais obra doque outro.
O segundo modo, que os proprietários de capitães tem
de empregar com vantagem as suas riquezas he, fazellas
circular debaixo da forma de mercadorias, applicaveis
para uso dos homens; dando-as ao consumidor em troco
de um trabalho de que poderão outra vez trocar o fructo;
e cada um destes mercados produz um augmento das suas
riquezas, que constitue a sua renda. Destas duas maneiras
de collocar os capitães he que nos vamos agora occupar.

[Conünuar-se-ha.J

V O L . X V I I . No. 98.
C *> ]

MISCELLANEA.
KDVCAÇAÕ BLBMENTiB.

N \ 4.
Emprego» das differentes Classes de menino» na Eschola.
Primeira Classe.
liiSTA classe he composta dos meninos mais novos, e que
entram para ella sem saber cousa nenhuma, e a quem he
preciso ensinar o alphalieto, e fazer decorar as oraçoens da
cartilha : o seu lugar lie nos bancos mais próximos ao
mestre ; e diante dos quaes estaõ as inezas cubertos de
arêa.
Como cada um dos indivíduos desta classe precisa ser
instruído separadamente, naõ podem haver nesta clasnc
mais de vinte meninos para cada decuriaÕ. A primeira
operação he ensinar-lhes as letras do alphabeto, e para isso
se servem, nas novas escholas, de um engenhoso methodo;
que consiste em fazer que os meninos escrevam as letras do
alphabeto cm uma grande taboa negra, que está suspen-
dida diante delles, como uma espécie de púlpito, e cuberta
de arca : o decuriaõ escreve tom o dedo a primeira letra
diante tio discípulo, e este a copia logo, da maneira, qu*
lhe diz o decuriaõ ; JKW este modo aprende o menino a ler
a a escrever sem despeza de pcnnas, papel ou tinta ; e tu
lhe ensinam ao mesmo tempo a» duas operaçoens, manual
e íntellec tual de conhecei e fazer a» letras: operaçoens,
que, nas eschola» ordinárias, saõ dislincla», e requerem
dous tempo».
Quando se tem corrigido a-, letras ctciiptas pelos me-
nino», o tlecuriaò pas»a por cima da arca uma taboinha
P-»ra a alizar, e dispõlla a servir para nova escripU. As-
sim além da» outras utilidades se poupa o tempo dos mc-
7
Miscellanea. 59
ninos, e se evitam distracçoens, que occorem, com o ar-
ranjamento do papel penna, e tinta.
Quando os meninos tem por esta maneira aprendido a
escrever e conhecer todas as letras do alphabeto, tanto
pequenas como maiúsculas, se lhe põem diante uma
grande carta do A, B , C ; grudada n'um papelão : entaõ
elles nomeam e escrevem as letras na arêa, imitando as da
carta, o que lhes imprime definitivamente na memória, a
figura das letras. O decuriaõ lhes pergunta os nomes das
letras salteadas; e aqui começa nesta classe o systema
fundamental da eschola, de se adiantar ou retrogadar era
classe, conforme o gráo de aproveitamento dos meninos, e
os progressos que fazem.
Calcula-se que os meninos precisam cerca de três sema-
nas, ao mais tardar, para conhecer bem todas as letras;
e dez semanas, quanto muito, para as escrever bem na
arêa.
Logo que tenham copiado sufficiente numero de vezes
as letras da carta, se lhe tira esta de diante, e se lhes faz
escrever as letras de memória ; até ficar certo, que as sa-
bem todas perfeitamente.
Do mesmo modo se procede para os fazer escrever, co-
nhecer e pronunciar algumas syllabas simplices, como Ba,
be, b i ; que elles deverão imitar, e soletrar; mas ter-se-
ha sempre cuidado de lhes naõ dar novas liçoens, sem que
elles estejam perfeitos nas precedentes. Porém, para que
se naõ fatiguem com demasiadas repetiçoens, se interrom-
perá esta occupaçaõ, fazendo-os aprender de t ó as ora-
çoens e o cathecismo. NaÕ se lhe fará repetir mais de
três ou quatro palavras ao mesmo tempo, e se interrompe-
rão, fazendo continuar ao seu vizinho; a fim de estar
certo de que todos estaõ attentos, e que naõ repetem ma-
chinalraente o que acabam de ouvir. Esta instrucçaõ ele-
mentar dura ordinariamente três mezes, ao mais, ainda
com os meninos de menor talento.
H2
60 Atiscellanea.
O methodo de escrever na nría, qne fixa a atfençaôdo»
meninos» o*, diverte ; e he tle grande economia nas escho-
l.is publicas. O Dr. Bell achou este methodo praclicado
na índia, destle tempo immemorial, c elle foi o primeiro,
que o nitrodiizio na Kurnpa.
Cm menino menos instruído deve sempre ser collocado
ao pé dtiuiro, que saiba formar ns letras melhor; e os
que naõ a*, uaõ snln-m absolutamente fazer, as escreverão
sempre depois tio decuriaõ ter escripto a Iclra, para o imi-
tarem immcdiniamenlc, continuando assim até que possa
escrever a letra por si mesmo.
As niftmas letras tio alphabeto se devem dividir em
classes, secundo as suas analogias tle figura : primeira-
mente as letras que constam de linhas rectns, como I, II,
T , L, í' : depois ns que exigem a formação de um an-
gulo, como A, V, M, N , Z , K, Y , X ; dahi ns que con-
stam de curvas; como O, U, C, J , (í, I), P,B, R, Q,
S. Estas classes de letras se nprendem melhor, em con-
seqüência da siinilhança tia figura. A maior tlidiculdatle,
cm ensinar estas letras, (acorre naquellas, cuja forma he
mui similhante, e unicamente tlistint Ia pela variedade de
posição; p, q, b, d, freqüentemente se tomam uma por
outra; poi ém fazendo nuibai no mesmo tempo, os meni-
nos facilmente apreiitlein a tlisliiigiiilla». A demais, elles
-aõ Iodos empregados ao mesmo tempo, em rscrevéllai, c
lie c.iriu»ti tibsci v.ir, como totlos os meninos levantam o
dedo ao mesmo tempo, e escrevem catla um a sua letra
imitando os que menos s*boiu, os seus vizinhos que melhor
escrevem.
lia outio iiiclhodo tle ensinar o alfabeto, que he e»crc-
ventlo-o cm letras mui grandes, em um papel grudado em
papcLó, c (K-ndurado n i parede. Oito meninos, da classe
do» q U l csi rcveiu ua arêa, formam um cenncirciilo cm
i rno drsta caria, e--t.ut.lo de pe conforme os seus nume-
'" • '- -• 3 , «!vc. ate 8. t s t e s numero» estaõ pintados em
Miscellanea. 61
um pedacinho de papelão, pendurado ao botaõ da vestia ;
ou ao pescoço por um cordel. O menino mais aprovei-
tado, tem o N*. 1., e além disso uma tira de couro dou-
rado, como insígnia honrosa de merecimento. Este me-
nino he sempre a quem o decuriaõ pergunta primeiro as
letras salteadas, apontando com o ponteiro para uma letra,
e perguntando? " que letra he esta?" cm quanto elle
responde acertadamente conserva o seu lugar, e insígnia
de honra ; porém logo que erra, perde o numero e a de-
coração, que se dára ao menino seguinte, que responde com
acerto.
Este plano promove uma constante emulação ; e em-
prega constantemente a attençaõ do decuriaõ ; porque
elle naõ pôde olhar para outra parte em quanto pergunta
as letras aos meninos, sem que a sua distracçaó seja logo
percebida, pelos que aspiram ao prêmio. O decuriaõ
naõ somente tem obrigação de ensinar ; mas ver que os
subdeenrioens de sua classe ensinem também com o mesmo
cuidado. Se um menino, quando be perguntado, chama
ao A, B ; o decuriaõ naõ lhe diz, " isso naõ he B , " sim-
plesmente manda ao menino seguinte que diga o nome da
letra, e corrija o erro do precedente. Estes dous metho-
dos da carta no papelão e escrever na aréa, saõ usados al-
ternadamente todos os dias, servem de corrigir um ao
outro, e de variar o emprego dos meninos, que sempre se
fatigam mais, e esgotam a attençaõ, continuando, por muito
tempo, no mesmo exercicio. As letras de conta se apren-
dem do mesmo modo.
O ensino da primeira classe, portanto, he intimamente
connexo com a escriptura ; mas na segunda classe começa
pela escripta ; e he necessário attender a esta distineçaõ;
porque na segunda classe aprendem os meninos a escrever
na pedra o alphabeto, e depois syllabas de duas letras, ba,
be, bi, & c . ; aprendendo também a soletrar estas syllabas
62 Miscellanea.
em cartas conrespondentcs grudadas era papelão, e pen-
duradas na parede.

Segunda Classe.
Esta classe consiste principalmente dos meninos, que,
tendo aprendido a escrever na área todas as letras do ai-
phabeto, e figuras tle conta ; c a distinguillas perfeita-
mente no papel, estaõ capazes tle passar para esta classe,
comparativamente superior.
Aqui aprendem a soletrar syllabas de duas letras, c a
escrever na pedra, com o ponteiro, ns mesmas syllabas,
que aprendem a soletrar na carta. O decuriaõ manda es-
••rever, ix>r exemplo, a sillaba mi ; todos o> meninos a es-
crevem com o ponteiro na pedra, ao mesmo tempo, e a
soletram ; depois voltam as pedras para a parte tle fora ;
para que o decuriaõ as veja: este vai ao longo do banco
olhando pira todas as pedras, e notando as que naõ estaõ
Ivm 1-scrip'as : dahi manda voltar ns pedras para dentro ;
limptllas com a rqionja ; e prepni.tr para escrever nova
syllaba.
A pedra, em que os meninos escrevem, deve ser a pedra
negra, ou sclusin, commumente usada para este» fins;
com oito poli-.ríttl ts de longo, e quatro de largo, com seu
caixilho tle páo ; e um cordel por que está pendurada ao
pescoço tio menino : o ponteiro tle pedra, tom que se es-
t r o e, ileveiá lambem rstai alado á pedra por um cordel
de sutlii ieule cumprimento, para se poder usar sem ficar
solto. N i parte 8ii|H*rior da pedra deve haver um alpha-
beto gr.i-.ado de maneira permanente; o qual servirá de
traslado aos meninos.
Segundo o methodo antigo se ensinava aos meninos a
soletrar qualquer palavra, começando pela primeira »vl-
laba, c repelindo depois »empre, com as outras syllabas,
que soletravam, as s\ llab is precedentes ; o que perde tem-
po considerável, íatiga os meninos, cansa distracçaõ c de-
Miscellanea. 63
mora, em vez de adiantar, os seus progressos. Pelo con-
trario, pelo novo methodo, se dá aos meninos um perfeito
conhecimento de todas as syllabas, fazendo que as palavras
naõ sejam mais do que um composto de duas, Ires ou qua-
tro syllabas, que nao precisam mais do que ser divididas
para serem logo soletradas. Assim se acha que os meninos
sabem ler, logo que sabem as syllabas ; assim como se sabe
dançar, logo se sabe dar os passos. Saõ elementos tios
elementos, e uma marcha proporcional á intelligencia do»
meninos, e ao gráo de attençaõ de que elles saó susceptíveis.
Este methodo permitte ainda seguir a leitura com a escrip-
tura ; porque naõ ha mais difficuldade em escrever uma
syllaba cujas letras se vêm ; do que em a pronunciar,
quando se conhecem as letras.
As liçoens desta classe, pelo que respeita á arithmetica,
se limitam unicamente a escrever as letras de conta, e a
entender o seu valor abaixo de cem, pela uniaõ de duas
letras.

Memória sobre o estado actual da Ilha de S. Miguel, sua


agricultura, e recursos.
Por um habitante da mesma Ilha.
1. As tristes conseqüências dos vagarosos passos, que a
agricultura tem dado na ilha de S. Miguel, desde o seu
descobrimento, que excede três séculos, e o interesse pu-
blico, me instam a fazer a este respeito as seguintes re-
ílexoens, as quaes, se naõ forem bastantes para banir a
actual indolência, ao menos poderão ter a utilidade de
mover algum homem sensato : a discorrer com mais acerfo,
e com efficacia tal, que promova o bem commum ; ficando-
me sempre a desculpa, que supro quanto posso a falta
de forças, com os desejos de ser útil aos meus nacionaes.
2. A ilha de S. Miguel, em que me acho estabelecido,
uma das nove dos Açores, está situada em 365". ôO7 longi-
64 Miscellanea.
tutle ; e 3S-. IO latitude N o r t e ; e por ésía vantajosa
posição he naturalmente fértil, pois n-iõ está sugeita a ex-
cessivos colore-, nem frios ou geadas; que ou esterilizam
as terras, ou destruem os fructos, ou produzem ambos os
sobredictos effeitos.
3 . Tem esta ilha, na sua maior extençaõ, de Leste a
a Oeste, 1S léguas Portuguezas ; e na sua largura, que
lie mui desigual, tluas a tres léguas. Consequentemente he
a sua superfície quadrada de 45 léguas, com pouca dilTe-
rença.
4 . Os seus terrenos mctlem-se por varas, alqueires, e
moios: catla vara tem doze palmos em quadro; cada
alqueire tem duzentas varas cm (piadro ; cada moio tem
sessenta alqueires. N a villa da Ribeira-Grande medem-se
alguns poucos terrenos por vara de dez palmos ; e o
alqueire tem 200 dessas varas ; mas esta naõ lie a medida
geral. O alqueire quasi que conrespoude á geira do nosso
Portugal.
5 . A légua Portugueza tem 2 8 . 1 6 8 palmo*; de comprido
(diecionario das moedas) r, sendo a ilha 45 léguas em
quadro. {% 3 ) vem a ter 20.682 moios de terreno, omittinde
umas pequena* fracçoens.
6. Sendo a producçaõ ordinária de graõs de 34.000
moios, e produzindo regularmente cada um alqueire de
terra 15 alqueires de graó, segue-se que estaõ applicados
a esta cultura l2 2 6 6 moios de terreno, com pouca diffe-
rença. Vinhas, pomares, casas c estradas, poderão coro-
prchender 3.500 moios, pouco mais ou menos.
7. Donde se segue, que, estando, pelo calculo sobre-
dicto de aproximação, apenas utilizada a quarta parte da
Ilha, e sendo a agricultura o fundamento dos soccorros
neces ario» ás humana» precisoens, cumpre empregar todos
os meios, que parecerem próprios, para qne ella se pro-
mova ; c a terra nos felicite com a abundância, a qual in*
parece se poderá conseguir nesta ilha pelos seguinte» meioi.
Miscellanea. 65
8. Seja S. A» R. servido crear mais nesta Ilha um lugar
de Letras, com o predicamento, que competir, e titulo de
Jnspector d'Agricultura, que será provido em bacharel de
experimentada aptidão, e constituição capaz de supportar
as continuadas jornadas, que em todos os tempos deve
fazer pelo interior da Ilha, para assistir ás divisoens, de-
marcaçoens, plantaçoens, estradas e mais diligencias si-
milhantes, para que for requerido, e precisarem da sua
presença, sendo particulares, ou para melhor execução
sendo publicas : e será sempre preferido o bacharel, que
tiver testemunho d'alguma das faculdades naturaes da
Universidade de Coimbra.
9. Como os planos para o melhoramento da agricultura
precisam de tempo; porque sem elle a natureza nada
produz, e o de três annos, ordinário nos lugares de Letras,
he diminuto para dentro nelle se perceber beneficio, e
completarem os projectos, que o Inspector, tiver adoptado
pela experiência adquirida nos primeiros annos do seu
lugar ; será de seis annos o seu tempo ordinário; porque
no fira delles ja se conhecem as conveniências, ou descon-
veniencias, que somente se percebem com o tracto do
tempo ; e se evita que um successor, amante da novidade,
e sem conhecimento do terreno, que o antecessor tinha
adquirido nos primeiros annos de serviço venha contrariar
disposiçoens principiadas, e que no pequeno lapso do
triennio naõ tenham ainda mostrado os seus effeitos, que
ja se deverão conhecer no sexennio; e entaõ segundo elles
mais difficil ou própria será a mudança. Os dictos seis
annos seraõ prorogados, pelo mais tempo que for do Real
agrado, se as Câmaras desta Ilha, e a mais saã parte delia
pedir a reconducçaõ do dicto Ministro, assim como seraõ
abreviados se se mostrar ter elle prevaricado no seu Of-
ficio.
10. Terá um escrivão, que será proposto pela Câmara
da cidade de Ponta-Delgada e provido pela Meza do De-
V O L . XV11. No. 98. x
66 Miscellanea.
zembargodoPriço. na foi ma custumada ; no qual escrivão"
concorrerão as qualidades tle agilidade para acompanhai
o seu Ministro, uns diligencias sobredictas, c os mais, que
elle lhe ordenar; e d e perfeito conhecimento tia cultura
do paiz : escreverá todos os papeis, que se tracUirem pe-
rante o seu Ministro; c o mais, que elle lhe ordenar do
Serviço. Mais haverá um Meirinho, nomeado pelo In-
spector. Nos impedimentos dos dictos officiaes, ou ainda
para os ajudar, accresccndo trabalho para que elles naõ
sejam bastantes, servirão outros officiaes de qualquer juizo,
que o Inspector pedir oficialmente aos respectivos minis-
tros.
11. Terá o Inspector 800.000 reis de ordenado; o
Escrivão 400.000; e o Meirinho 300.000; pagos pelo
rendimento da Alfândega desta Ilha ; e os mais salários,
que pertencera respectivamente ao Juizo da correiçnõ.
12. Tudo o que for a bem da agricultura; como as
plantaçoens das madeiras, nos sertoens próprios para ella»,
e borda dos caminhos ; a sementeira das batatas lnglezas;
íxentas de pagar dizimo nos primeiros dez annos, &c;
competirá ao Inspector, o qual será muito exacto na
execução das leys agrárias, que forem compatíveis com o
estado da terra, como a de 20 de Junho de 1774, e outras;
fazendo vigorar especialmente a Ordenação do liv. 4. tt.
43 ; e as posturas agrárias das Câmaras, ficando-lhe cumu-
lativa com as Câmaras e Magistrados a jurisdicçaõ qne
elles ja tem, tocante a agricultora; e entre os dictos terá
prevenção o que primeiro principiar e continuar sem
interrupção qualquer acto rural. Terá o luspector juris-
dicçaõ coactiva, e correcciouul, no que toca a agricultura,
e nella terá alçada competente ao seu predicamento; e
versar/t a »ua jurisdicçaõ sobre as pessoas e bens, na forma
abaixo declarada.
13. Quanto ás pessoas. St-ra braços naõ pode haver
cultura ; por este motivo S. A. li. será servido izentur eita
Miscellanea. 67
Ilha de recrutas, á excepçaõ daquellas, que os Ministros
de Policia devem fazer nos vádios, que forem inhabcis
para a vida do campo : todos os mais naturaes delia naõ
se poderão embarcar sem faculdade por escripto do dicto
Inspector, na qual se especificarão os motivos, que
obrigam a concedêlla, esó por muitourgentes ejustíssimos
seconcederá a homens campestres, ou aquelles que raciona-
velmcnte se deverem empregar no louvável exercicio da
agricultura. Faltando a dieta faculdade, Be naõ passará
passaporte, sendo punidos os transgressores cora a pena
da ley de 4 de Julho, de 1758, a qual também se verifi-
cará nos mestres dos navios, donos, e agentes, que a
titulo de tripulação embarcarem algum individuo desta
Ilha, sem a sobredicta faculdade.
14. Os reos de pena de sangue sairão para soffrer o devido
castigo. Porém os de degredo ou galés, sendo homens
braçaes e mechanicos, deverão cumprir a pena nesta Ilha,
até a terceira transgressão exclusive; dobrando-se-lhes
pela segunda vez o tempo de degredo, etriplicando-se-lhe
o das galés ; os quaes tempos crescerão na mesma por por-
çaõ no caso de reincidência, no qual todos traraõ grilhão,
e os das galés sempre, e trabalharão em rotear os matos, e
nas obras mais penosas. O Inspector distribuirá uns e
outros, era pregando-os primeiramente nas obras publicas,
nas quaes seraõ pagos, conforme o seu merecimento, pelos
dinheiros das Câmaras, de que abaixo faltaremos ( -j 3 2 ) :
e naõ havendo similhantes obras, os distribuirá pelas dos
particulares. Os réos de galés e reincidentes de degredo,
que traraõ grilhão, na forma sobredicta, pernoitarão,
sentlo commodo (o que fica ao arbítrio dos donos das
obras) e jazerão nos dias vagos, nas cadeias mais próximas
aos trabalhos ; e os donos das obras assignaraõ termo de
os entregar, logo que ellas forem acabadas, com pena de
serem punidos, como receptatlores de criminosos, segundo
a sua malicia e crime dos reos ; impondo-se-lhes as penas
i2
68 .Miscellanea.
da ley de 2S de Julho, de 1751 ; os mais reos devera*
soffrer a pena da ley no lugar aonde ella determine.
15. Também se deveraõ extinguir os mendigos, que
ordinariamente o saõ por modo de vida ; e para isso nin-
guém poderá mendigar sem licença por escripto do In-
spector, o qual unicamente a concederá oo» que tôrera
totalmente inúteis para os trabalhos do campo ou das
obras publicas; ás quaes applicarft os capaze6, que men-
digarem; c naõ as tendo os distribuirá pelos trnbulhos dos
particulares, para serem pagos conforme o seu mereci-
mento. Os transgressores seraõ punidos, pela primeira
vez, com 30 dias de cadêa, da qual sairnõ todos os dias
para os dictos trabalhos, c pernoitarão na cadêa mais
próxima do lugar do trabalho : pela segunda vez a mesma
pena, com grilhão no pé, dobrando.se-lhe a pena em
cada transgressão. O mesmo practienrá com os publica-
mente ociosos.
16. Similhante faculdade do Inspector precisarão
todos os moços, que se dedicarem á vida ecclesiastica,
tanto secular como regular; por ser esse um dos meios
com que se enfraquese a população, e por conseqüência a
agricultura : e, para que £sta faculdade se conceda com
acerto, seraõ obrigados todos os professores a dar annual-
mente ao Inspector, uma lista jurada dos seus discípulos;
com informação tia bua applicaçaõ, ou negligencia ; c por
ésla lista se dirigirá o Inspector, para fazer applicar n
empregos ruraes os que achar serem próprios pata estes
fim ; e tendo grande vigilância, que se naõ pretenda, com
a capa de estudo, atlistracçaõ ou indolência da mocidade,
que, t-onsummindo inutilmente os melhores annos de sua
vida, fica depois sem pirstimo algum entregue a vicios ;
ou, para acabar iniseiavt Imeitte em terras estranhas, de-
sertando desta Ilha, aonde podia subsistir, c ser útil com o
seu trabalho, se tivesse a educação como devfira.
17. O meio de augmentar a população hc o promover os
Miscellanea. 69
casamentos, os quaes se facilitarão, applicando-se para
dotes de 100.000 reis, aquelles que a Misericórdia éra obri-
gada a dar para profissoens de freiras; os quaes se daraõ an-
nualmente a moças honestas, preferindo sempre as parentas
pobres dos institui dores, que por falta d'outro dote naõ
acharem casamento ; e seraõ entreges á vista da certidão
do matrimônio, ainda que de presente se achem applicados
para outros fins os dictos dotes deixados para freiras :
tendo applicaçaõ os dotes vencidos, e que ainda naõ esti-
verem conferidos. O Inspector, será nesta parte vm dos
executores da ley de 16 de Outubro de 1806; poderá
examinar as contas das Misericórdias, e, achando omissão,
fará distribuir os dotes na forma sobredicta.
18. Quanto aos bens. Attendendo á utilidade publica,
naõ se accumularaõ nas maõs de cada lavrador mais do
qne dous moios de terra, para que a possa tractar e estimar
como sua, que por isso produzirá muito mais do que
actualmente; para o que terá oito rezes e dahi para cima.
Os senhorios poderão também cultivar três moios de terra,
a mais será toda aforada in perpetuum, ou ao menos por
três vidas, na forma abaixo ( % 2 0 ) ; e teraõ escolha da-
quella com que quizerem ficar, antes de aforada • e po-
derão arrendar estes três moios, que lhe ficam, a quem
lhes parecer, por arrendamentos amoviveis a seu arbítrio,
regulados pelas regras de direito ; ainda que estes rendeiros
ja tenham os outros dous moios sobredictos ; o que se per-
mitte aos senhorios, em attençaõ ao seu dominio ; cora
tanto que os rendeiros cultivem devidamente.
19. Havendo porém justos motivos, para se accumula-
rem, em uma mesma maõ, mais do que os dictos dous mo-
ios de terreno, o Inspector e as câmaras do districto do
terreno, ouvindo os supplicantes e interessados, resolverão
como parecer justo ; com tanto que se naõ aceumulem mais
do que outros dous moios; porque entaõ será necessário
70 Miscellanea.
recorrerá Juncta do commercio, que decidirá, precedendo
as sobredictas diligencias por informe.
20. Naõ obstante os prejuisos, que resultam dos vincu»
los, e que se acham ponderados no luminoso proeraio da
ley de 3 de Agosto, de 1770, está vinculada uma grande
parte d u possessoens desta Ilha, com evidente detrimento
da lavoura ; porque, pela desigualdade da repartição dos
terrenos, uns senhorios de grandes porçoens as cultivam
por si muito mal; outros, naõ as querendo ou naõ" podendo
cultivar, as arrendam a rendeiros temporários, os quaes
unicamente cuidam em as cançar, para tirarem dellas
grandes interesses, naõ as alimpando, nem tapando perfei-
tamente ; visto que a experiência lhes tem mostrado, qoe,
se as alimpam, muram, ou fazem algum outro beneficio
de proveito futuro, logo apparecem atravessadores, qne
fazem cora que se lhes acerescente a renda, ou sejam des-
pedidos ; para evitar estes males os rendeiros desanimados
so tractam de colher de presente sem olhar para o futuro.
A fim de que cessem os inconvenientes, que resultam deste
procedimento, o Inspector aasignnrá nos senhorios rario-
navel prazo peremptório, para que dentro delle aforem,
pelos preços presentes, ou in perpetuum, ou ao menos por
três vidas, os arrendamentos aos actuaes rendeiros ; que-
rendo-os estes ; e, naõ os querendo, os aforem a novos cul-
tores ; cujo contracto será celebrado perante o Ioipector,
exhibindo-se titulo legal, por onde conste do preço pre-
sente, para se continuar de futuro. O mesmo practicará
com os senhores, que cultivarem maior terreno do que ot
três moios do S 16 ; os qu us aforarão os dictos excessos,
pelos preço» em que forem avaliados, segundo o» prédios
vizinho<i. Passando o tiicf> prazo, sem que un» e outro»
senhorios tenham cumprido a parle, que lhes toca, o In-
spector logo uforará, tt mo lhe parecer melhor (naõ ob-
stante o % 21., que naõ comprehende esta esperte, em pena
da conluiuacia dos senhorios) aos actuaes rendeiros, na
Miscellanea. 71
forma sobredicta, os bens presentente arrendados, e os ou-
tros terrenos cultivados pelos senhorios, além dos três mo-
ios, como se ignorasse o sed arrendamento ; faxendo o In-
spector avaliar judicialmente os aforamentos, em praça
publica, ao maior lanço dado presentemente, e sem eraula-
çoens ; o mesmo practicará com os arrendamentos, em que
naõ quizerem ficar os actuaes rendeiros; e de que os se-
nhorios naõ tiverem disposto, conforme a este $., no prazo
que lhes tiver sido fixado. As terras naõ vinculadas tam-
bém seraõ aforadas, como fica dicto nas outras; havendo
cuidado em que se naõ accumulem em uma só maõ maiores
terrenos do que os ja prescriptos: e, para maior facili-
dade e certeza, os proprietários seraõ obrigados a entregar
ao Inspector um mappa jurado de todas as suas rendas e
prédios, com as declaraçoens que forem necessárias.
21. Os aforamentos anteriormente feitos ficarão era seu
vigor nos dous moios (-3 18) os quaes seraõ escolhidos pelo
foreiro ; e, havendo excesso, este se regulará pelo % ante-
cedente. Os novos foreiros entrarão logo nos bens, que
estiverem arrendados por contractos annuaes, que ainda
durarem, depositando as melhorias que houver, pelo jura-
mento dos interessados, para serem liquidadas ; e, no caso
de revelia, procederá o I nspector a louvamento, deposito
e introducçaõ do novo foreiro.
22. Aos senhorios compete decitlir, se os seus bens de-
vem ser aforados perpetuamente ou em vidas ; e, naõ de-
cidindo no prazo, qve lhe for assignada pelo Inspector,
este decidirá como parecer justo. Os bens aforados vita-
liciamente, findo o tempo, ficara na livre administração dos
senhorios, para disporem delles dentro de um anno, na
forma constante deste plano, intervindo nova avaliação,
para serem satisfeitos, conforme a direito, as melhorias oa
damnos. Os senhorios sempre aceitarão as disposiçoens,
que o Inspector esta authorizado para poder fazer, de seus
bens, e sempre teraõ* preferencia os novos foreiros, que os
5
72 Miscellanea»
senhorios quiserem introduzir, tendo os requisitos necessá-
rios. Naõ apparecendo os senhorios, ou seus procurado-
ndores, tendo sido convocados, »e procederá as suas re-
velias.
23. Os bens dos senhorios auzentes seraõ aforados cm
praça, na forma sobredicta, pelo Juizo da Inspecçaõ, no-
meando-se pelo Juizo competente curador, que assista aos
dictos actos ; porque assim o pede o favor du agricultura :
bem entendido, que a arremataçaõ só procede nos três mo-
ios de terreno facultado aos senhorios, nos dous moios tia
mato, quintas, e vinhas dos Sh 18 e 24, e 2 9 ; porque oi
demais terrenos se devem aforar na forma sobredicta, aos
rendeiros actuaes ; ou quaesquer outros lavradores, pela
renda actual , e só no caso de naõ haver quem os queira
por este preço, deverão ser avaliados c arrematados,
fazendo os cortes contra o novo foreiro. Este aforamento
será feito sobre um ou mais corpos de terreno, que com-
prehenda três moios. Succcdendo vir o auzente, c que-
rendo cultivallos por si, e ao dicto mato, vinhas e quintas ;
ou mandando procuração, que regule a forma da sua ad-
ministração, naõ siiido contraria ao que hc concedido aos
outros senhorios, se praclicará com os auzentes o mesmo
que com os senhorios presentes : ficarão sem eíTcito estes
aforamentos, c se pagarão aos foreiros os melhorias.
24. As quintas e vinhas fiquem na livre administração
de seus donos, que se contentarão cm conservar as exis-
tentes, sem que possam fazer novas plantaçoens, excepto
em terrenos incapazes do produzir graó, cujo conheci-
mento dependerá d' averiguação, que fará o Inspector,
por vestoria, com homens peritos, ouvindo o Procurador
do Concelho do Districto, que servirá tle Fiscal; c, con-
cordando-sc na dieta plantação, a concederá com esta»
previas diligenciai, c d'outra sorte naõ; pcl is razoas
seguintes.
25. Quanto ás Quintas. As larangeiras, nesta Uhs,
Miscellanea. 73
produzem muito fructo, e bom, quasi espontaneamente,
em terreno incapaz para graõs ; e por esta razaõ; se naõ
deve prodigalizar o bom terreno nesta cultura, quando ha
muito próprio para ella, e que para nenhuma outra serve:
também porque faltarão para os outros ramos da primeira
necessidade oa braços necessários ; pois o trafico da laranja
occupa muita gente ; e, finalmente, porque as quintas ex-
istentes, dentro em dez annos, em colheita regular, haõ de
carregar acima de 200 navios de mil caixas cada ura ;
sendo as laranjas, aqui, melhores do que as de Portugal, e
mais baratas ; porque os proprietários das quintas naõ fa-
sem com ellas as grandes despezas, que se fazem no Reyno;
necessariamente os estrangeiras as haõ de vir aqui procu-
rar, e ha de decair esta negociação no Reyno ; cujos in-
convenientes cessarão^ reduzindo-se esta cultura a termos
proporcionados, e com elles florecerá este commercio na
nossa Ilha, principalmente se se empregarem os meios se-
guintes.
26. O primeiro meio be crear uma companhia de nego-
ciantes nacionaes, e naturalizados, que ec encarreguem
desta negociação ; e assim ficarão nas maõs dos nossos os
grandes interesses, que vemos passar ás dos estranhos.
Naõ se expõem aqui algumas idêas convenientes a este es-
tabelicimento, por serem alheias do presente assumpto.
27. O segundo meio he o fazer-se nesta Ilha Porto
Franco, de todas as fazendas, que de Inglaterra vierem
por troco de laranjas, que daqui saírem; a exemplo da
Ilha da Madeira com os seus vinhos: com faculdade de
poderem ser reexportadas para as outras Ilhas dos Açores
somente a troco de gêneros próprios dellas. D: ste modo
cessarão os inevitáveis contrabandos, crescerá o rendimento
desta alfândega consideravelmente, os compradores se avan-
çarão a maiores compras, que naõ podem fazer com mo-
eda, ou fazendas de ley, que sejam coiisumiveis nesta
Ilha ; por se precisarem para ella mudo menos do que o
V O L . XV11. No. 93. K
71 Miscellanea.
producto da laranja ; e se promoverá o gyro do commer-
cio entre esta* ilhas, ficando livres tle umas para outras a
importação e exportação dos gêneros produzidos nellas,
pagando os competentes direitos.
2S. Quanto ás vinhas. Os vinhos ordinariamente, nesta
Ilha, saõ inferiores, c naõ chegam para o seu consumo ;
ao mesmo tempo que algumas das ilhas circumvizinhu
•blindam neste gênero, em boa qualidade e preço. O es-
tado pois das cousas nos ensina, que troquemos por este
gênero, de que somos faltos, aquelles em que abundamos;
isto he as fazendas lnglezas, que naõ podem ser consumi-
das nesta ilha, e adquiridas na forma do S 2 7 ; e com esta
epcculaçaõ vem as nossas laranjas a ser a moeda com quo
adquirimos o vinho de que precisamos, sem ser necessário
que saia metal. £ as Câmaras prudentemente regulem o
numero de tavernas, que deve haver, de vinhos tis
fora ; de sorte que se naõ perca a cultura dos vinhos desta
Ilha.
29. Os matos, que oecupam uma boa parte desta Ilha,
podem produzir muito paõ : para isto ac deverão aforar,
pelo preço, que se mostrar ser a renda ou valor actual;
com obrigação dos colonos roslarem c reduzirem a cultura
•stas terras. Advertindo, que nunca se accumularaõ cm
uma só maõ mais do que dez moios de mato, para ferem
tractados na forma sobredicta. Os senhorios poderão con-
servar também para si vinte moios com as mesmas condi-
çoens. Ser i applicavel a estes prédio», quanto poderem
t. r, as doutriuaa dos S •) '"> 18, li), 20, e 21 ; c uqui-llcs
matos, impróprios para a cultura de paõ ou pasto, deve-
rão ficar na maõ do hcnhorio, para uur delles como lhe
parecer ; havendo cuidado que se naõ destruam os lugares,
que so presta ni para mato.
30. O Inspttoi designará, com peritos, lugares para
pasta», quando as partes naõ concordarem entre ni.
Jl. Pela» mcBuias justíssimas razoens, quo o» corpos de
Miscellanea. 75
maõ morta estaõ prohibidos de adquirir, parece que o estaõ
também de augmentar as suas rendas: pelo que, em favor
do publico, o Inspector fará reduzir o pagamento das ren-
das de similhantes corpos na forma segninte. A terceira
parte na própria espécie, e as duas partes pelo preço cor-
rente nos tempos dos aforamentos, com tanto que estes naõ
excedam a quarenta annos; visto que d'nntes se aforavam
os prédios a gêneros, em quantidade módica; porque estes
pagavam na própria espécie ; naõ obstante quaesquer es-
cripturas ou cláusulas, ainda que sejam irritantes.
32. O dicto Ministro vigiará sobre os prédios urbanos,
fazendo que se conservem em estado de habitação ; e tam-
bém terá, cumulativamente com as Câmaras, inspecçaõ
sobre as estradas, a mais obras publicas, necessárias ou
úteis á agricultura : c como similh antes trabalhos por jus-
tas razoens notórias aos moradores desta Ilha se naõ podem
(ou custumam ordinariamente) fazer por ajuste mas sim
por jornaes, deverão as Câmaras desta Ilha por manda-
dos approvados pelo Inspector, nos actos das respectivas
folhas, dispender annualmente até a décima parte do seu
rendimento, se sobejar da despeza dos expostos, águas, e
ordenados : quando naõ, somente o sobejo, para ser em-
pregado nas dietas obras ; e se formalizarão contas bem
especificadas do emprego desta despeza.
33. Estará sempre devassa aberta a respeito dos omis-
sos na devida cultura, que lhe estiver incumbida, na forma
do fj 20 ; e seguintes : e se procedera contra elles arbitra-
riamente, segundo a omissão ou malicia, e nunca a pena
será menor de dous mil reis por cada alqueire, que se nao
achar devidamente cultivado; a qual pela segunda vez
será paga da cadêa, com expulsão da propriedade, e
perca das melhorias, que nella tiver, até o valor de dez
mil reis; e dahi para cima seraõ satisfeitas pelo novo
colono. Sendo nobres será dobrada a pena pecuniária em
lugar da cadêa, que se naõ practicará com elles; porém
K2
76 Miscellanea.
todo o mais. Esta pena será metade para o accusador, e
metade para as obras publicas. Da imposição desta pena
c de todos os mais procedimentos do Inspector, que exce-
derem a sua alçada, haverá recurso para a KelaçaÕ, com
suspensão por um anno somente, em todo o caso improro-
gavcl ; menos que se naõ mostre impedimento sem culpa
das parles.
34. O lns|>cctor remctferá anmwlmente tluai idênticas
relaçoens accompaidia<la» de mappas; uma para a Secre-
tarli de Estado tios Negócios do Reyno, c outra para a
Kcal Juncta tio Commercio, as qiiae» exponham com todu
a iudividuaçaõ o estado tia agricultura desta Ilha no anno
antecedente, a sua producçaõ c individual progresso, esta-
ção ou retrocesso de cada ramo do cultura ; expondo ss
causas; os meios que tem practicado para a melhoraçaõ
dos ramos decadentes, e o seu resultado. Haverá na Câ-
mara de Ponta-Delegada um livro particular, para serem
registradas estas relaçoens annuaes, cujo registro será
assignado pelo Inspector, e será patente a todas a» pessoas,
que o quizerem ver : e todas poderão formar memórias
sobre o seu assumpto, confirmando, modificando, ou con-
trariando concludente e urbanamente a» ideas do Inspector,
no qual ellas seraõ dirigidas, para usar dellas conforme o
merecimento que lhes achar; ou á lieal Juncta do Com-
mercio, para a» mandar examinar, e fazer pôr era execução,
»e as julgar dignas. Naõ se passará certidão de corrente
ao dicto Inspector, sem mostrar ter cumprido com as
ordens da dicla Juncta neste artigo, e ter-lhe enviado
annualmente as relaçoens.
35. Haverá outro livro, particularmente destinado para
se lançar toda a receita e despeza, que o Inspector mandar
faacr; o qual lançamento será assignado por ella e seu
escrivão, que o escreverá. Da mesma forma se escreverão
em outro todas as ordens, que o Inspector passar. A
Miscellanea. 77
despeza destes livros sairá da metade das penas do tj 32.
Estes livros seraõ examinados na residência do Inspector.
36. A utilidade do plano, que se pôde formar sobre
estes imperfeitos apontamentos, he evidente, pelo infalível
augmento da cultura das terras, que fará abundar os seus
fructos, e consequentemente a riqueza do paiz, donde nasce
a commodidade dos particulares; e o acerescentamento
das rendas Reaes, e especialmente dos dizimos, que ren-
dendo actualmente sessenta e quatro contos, e duzentos e
vinte moios de trigo, em poucos annos renderão mais uma
terça parte, que muito excederá a despeza, que se fas* com
os ordenados dos officiaes novamente empregados.
37. Queira o Ceo, que estas informes ideas sejam bem
aceitas, e se executem, em quanto naõ apparecerem outras
melhores, ás quaes voluntariamente me sugeitarei conven-
cido da melhoria ; e sem obstinação de defender as minhas
proposiçoens, no que se mostrar serem defeituosas *, que
supposto ja o pareçam por atacarem os livres direitos dos
proprietários, com tudo o reparo cessa, attendendo-se á
utilidade publica, que deve prevalecer á particular.
Ilha do Senhor S. Miguel, 24 de Outubro, 1810.

INGLATERRA.
Processo contra o Tenente-general Gore.
F o i este processo uma acçaõ, que poz Carlos Perkin
Wyatt, Esc. contra o Tenente-general Gore, Governador
da Provincia do Canada Superior, por haver publicado
um libello famoso, falso e malicioso; e por ter suspendido o
dicto Wyatt do seu Officio de Medidor-geral das terras da
Coroa naquella provincia, sem motivos sufficientes ; pelo
que soffreo consideráveis damnos.
O advogado Best, que dirigia a accusaçaõ; disse que
havia três fundamentos no libello da demanda, para qne o
A. puzesse esta acçaõ: 1° que sendo o A. Medidor-geral
das terras da Coroa ua província, do Canada Superior, fôra
78 Miscellanea.

suspenso do seu lugar pelo Reo, oqual éra entaõ Governa-


dor-general tia mesma província, sem que paru isso bou-
v o s c justa causa ou razaõ : 2*. Que depois de assim haver
suspendido o A., escrevera cartas ao Secretario de Estado
da Repartição das Colônias, contendo taes representaçoens,
que fizeram coinque o A. nunca mais fosse restituido ao
seu otticio : e 3*. Que o R. publicou contra o A. ura
falsi-simo e infame libello. A ultima parte tio caso, disse
elle que o poderá provar com as mais completas e cabaes
provas ; e conseguindo isso, quaesquer que fossem as dif-
ficuldade-., que houvesse tle encontrar nas outras parles do
caso, teria direito de pedir para o seu cliente ampla indem-
nizaçaõ. A respeito do segundo fundamento de accusaçaõ,
elle diria canditlamente, que a devia perder ; porque naõ
podia sustentar com provas aquella parte. Tinham-se pe-
dido ao Governo as cartas, que o Governatlor-general
escreveo ao Secretario de Estatlo ; porém o Governo naõ
au quiz dar, c portanto i\,\õ podia apparecer a prova no
tribunal. Elle uaõ se queixava, nem o seu cliente inten-
tava queixar-se tio Governo ossim obrar. Sem duvida ha-
veria razoens sufficientes para naõ deixar apparecer us car-
tas ; a t lie podia conceber muitos caso-,, cm que a pru-
dência exige, que taes cartas se naõ façam publica».
Portanto linntar-sc-hia, ao primeiro e terceiro fundamento
da accusaçaõ ; e ambos uaõ linha duvida, que poderia
provar, tanto á satisfacçaõ tio tribunal, como do jurado,
Mostr tva-se tjue o Reo Mispcndéra o A. de »cu officio, e
por constqueucia que o privara tle seus emolumentos;
fazendo ibsu, t oiiiotlle advogado provaria, maliciosamente,
e sem iirnhuiii.i justa t ama ou pretexto. A ley a este
respeito he clara e explicita. O Governador de qualquer
provii o a ou colônia pôde, se quizer, demittir uma pessoa
de »• u lugar, siispeutlclla do exercício de »eu» deverei;
me»mti ainda que naõ haja razaõ sufficiwite para isso ; coro-
taulo que appareça que o Governador ua quelle tempo
Miscellanea. 79
julgou, que havia razaõ sufficiente ; e que assim o fez oo
exercicio do que considerava ser o seu dever, para com o
Governo que o nomeara Governador. Portanto amenos
qoe elle advogado naõ pudesse provar, no caso presente,
qoe o General Gore tinha suspendido Mr. Wyatt, sabendo
que naõ havia causa bastante para tal suspençaõ ; e fa-
zendo isso por motivos de malicia e perseguição ; naõ
tinha direito a pedir indemnizaçoens. Elle advogado
conhecia bem a difficuldade de produzir taes provas, e ha
uma que nunca se poderia obter, se naõ fosse um folheto,
que elle advogado tinha em suas maõs, o qual desenvolvia
ao mesmo tempo as razoens do extraordinário comporta-
mento do General Gore. Neste folheto (cuja publicação
constitue o libello, que serve de fundamento á ultima
parte desta accusaçaõ) dá o Governador as razoens por
que suspendco o A.; e provar-se-ha naõ só que todas essas
razoens eram falsas, mas que o General Gore sabia que
ellas eram falsas, ao tempo em que as allegava. Se um
homem faz o que naõ tem direito para fazer ; e se pôde
mostrar que elle sabia que naõ tinha direito de assim obrar,
ao momento cm que obrava, a conclusão obvia que dahi se
tira he- que elle obrava por motivos maliciosos. O advo-
gada leo entaõ extractos do folheto, que éra em forma de
uma carta a Lord Castlereagh, queixando-se do compor-
tamento de certos indivíduos facciosos e turbulentos, cujas
intençoens eram pertubar a paz e tranquillidade da pro-
vincia. Entre esses indivíduos se incluía o A., juncta-
mente com o Juiz Thorpe, Mr. Wilcox, e outros. O
folheto parecia ser em justificação do comportamento do
Governador, em resposta ás queixas de Mr. Wyatt, e de
outros indivíduos. Tendo narrado a natureza de seus
procedimentos, como pessoas desaffèctas e sediciosas,. pas-
sava a reprehender o seu desaforo, em trazer similhantes
queixas perante o publico, altudiudo ás petiçoens, que elles
tinham apresesentado ao Parlamento. Em oura parte do
7
90 Miscellanetu
folheto se dizia ; que o A. lançara fôra de seu lugar um
homem velho, que tinha servido por muitos annos ; mera-
mente porque votara pelo partido do Governo (allegaçaõ
completamente falsa ; porque o indivíduo de que se tracta
solicitou permissão de largar o seu lugar) e além disso
afirmava, que o A. havendo obtido uma data de terras de
1. 200 acres, lançou a vista sobre 200 acres junetos ao
Niagara, que um homem chamado Young tinha roçado c
cultivulo; o qual Young tinha sido sargento no regimento
dos Rangers. O A. suppondo que o titulo, que Young
tinha as terras, éra tlefeituoso, começou a machinar, da
maneira mais oppressiva e injusta, roubou aquelle idoso
veteranode suas bem merecidas recompensas, e reduzio-o k
mendit idade. Young morreo pouco depois, e deixou
numerosa familia, em grande pobreza. Este caso foi ex-
posto ao General Gore, que mandou devaçar disso, c pôde
por fim desmanchar a bem urdida trama. " Quero," con-
tinua o Governador, no seu folheto, " depois de taes actos,
pôde duvidar da justiça, e propriedade de demittir de seu
officio similhante pessoa ?" Aqui temos, disse advogado,
a prova tios motivos porque o A. foi demittido de seu lu-
gar ; e com tudo elle tlenodadamentc nega os factos , por-
que pode provar a sua asservaõ ; que nem uma só palavra
desta allci-açaõ, a respeito da» (erras do Niagara, éra sa-
bida do Gem-ral Gore, ao tempo em elle tuspendeo Mr.
Wyatt. \lc verdade, que se mandou proceder ao depois a
uma averiguação ; mais isso foi depois tle Mr. Wyatt «star
suspenso, ter deixado aquella província, c achar-se na
viagem para lugtaterra. Portanto, deve haver alguma
outra razaõ, que o Governador se naõ atrevia a produzir ;
vi»to tpie no --eu folheto tiAsiguou mua, que éra falsa.
Quanto ao ca»o tias terras cm Niagara, naõ tinha elle he-
sitação em declarar, que o Governo em Inglaterra, depois
de ter examinado todns a» circiniuiaiit ias, desonerou com-
pletamente Mr. Wyatt de toda a impulaçaó, que a tal
Miscellanea. 81
transacçaõ podia trazer contra a sua honra e character.
Pelo qoe respeita a accusaçaõ contra Mr. Wyatt, de que
elle éra uma pessoa desafecta e sediciosa, e empregada em
perturbar a tranquillidade publica ; elle chamaria pessoas
de alto character naquella provincia, Mr. Thorpe o Juiz ;
e o Procurador Geral da Coroa na província, para provar
qoe o seu comportamento éra o mais exemplar. Também
se insinuava, que o A. tinha intrigado com os índios; mas
elle podia exbibir ao jurado o chefe de uma daquellas tri-
bus, vassallo Britannico, o qual provaria, que naõ havia
fundamento para tal accusaçaõ. Pelo que respeita o
ultimo fundamento desta acçaõ, qne he o libello in-
fareatoi io, e as partes delle, que se tinham lido, naõ
havia justificação, que se lhe pudesse oppor. Se n'um
homem commum seria grande crime circular taes libellos
escandalosos e falsos, quanto maior se naõ deve considerar
no Governador de uma provincia, cujo primeiro dever he
manter as as leys, a abater os libelistas. E com todo o
General Gore se aventurou a circular o libello mais ca-
lumniador, que jamais se publicou. Accusava o A.
de grande abuso de seu officio, de ser traidor ao Governo,
e de se ligar com pessoas desafèctas. Que o libello éra
falso, devra elle tomar por concedido; porque o Reo naõ
tinha tentado alguma justificação, o que podia ter feito se
pudesse provar a verdade de suas assersoens. ; E quando
foi que o General Gore se nao dedignou de se fazer li-
bellista ? Depois do A. ter sido demittido do seu lugar;
depois de estar arruinado ; depois de ter sahido da pro-
víncia, foi entaõ que o Reo representou esta ignóbil parte ;
que mandou imprimir e circular o libello ; e que tentou
destruir de todo o character de um homem, que ja tinha
arruinado por seu impróprio, e desarrazoado comporta-
mento. O officio, de que o A. foi privado, rendia-lhe
cerca de L000 libras por anno ; e até elle naõ limpar o
Vor,. XVII. No. 98. x.
82 Miscellanea.
seu nome das negras imputaçoens, que lhe tinha feito o
Reo, nunca poderia ter outro emprego dado pelo Governo.
Estes eram os factos do caso, que passaria a provar pelas
testemunhas.
Mr. Guilherme Frith apparecêo como testemunha; Unha
sitio Procurador Geral da Coroa, na provincia do Canada
Superior, desde o anno de 1807 ; até 1811. O A. deixara
a provincia antes de elle ali chegar em 1807. O officio
de Medidor-geral éra de grande importância e confiança.
As suas obrigaçoens consistem em regular os arrendamentos
das terras, medulas, e registrar na sua secretaria as datas
das terras. O ordenado he de 300 libras por anno; os
emolumentos montam a muito mais. Lembra-se a teste-
munha de que em uma conversação cora o General relativa
aMr. Wyatt . .
Aqui o interrompeo o tribunal, e observou, que Mr.
Frith naõ devia communicar nenhuma parte da conversa-
ção, que elle considerasse ser cm conseqüência do otficio
publico, que exercitava na provincia.
A testemunha continuou dizendo, que tendo ido fallar
ao Governador, pelo fim do anno 1809, o mandaram en-
trar para a livravia do Governador. Que em quanto ali
estavar o General Gore tirou o folheto de que se tracta
de uma caixa, que parecia conter muitos mais, e o deo a
tlle testemunha para que lesse. Naõ se lembra se houve
alguma conversação nessa occasiaõ. Elle tinha ja visto
outros exemplares do mesmo folheto, nas maõs de diffe-
rentes empregados do Governo.
A cariado, pelo advogado do Reo (Mr. Lins) a teste-
munha disse, que nunca tinha visto a sunima do folheto,
na gazeta chamada Guardiun, cujo edictor éra favorá-
vel a Mr. Wyatt.
Examinou-se entaõ o Dr. Thorpc. Elle cxercilou a
situação de Juiz da província do Canada Superior. O A.
Miscellanea. 83
restdioali por algum tempo, durante aestada da testemunha
no Canada. Lembra-se do tempo de sua suspensão ; mas
naõ se lembra de que houvesse algum exame ou indagação
official ; a respeito do arrendamento das terras em Niaga-
ra. A gazeta Guardian apparecêo pela primeira vez, de-
pois de Mr. W y a t t ter deixado aquella provincia. Antes
de se estabelecer aquella gazeta naõ havia outra imprensa
senaõ a do Governo.
O advogado Best, ia a chamar, para examinar como
testemunha, ao Coronel Norton, um chefe de índios, com
quem se havia de provar, que nunca existira intelligencia
alguma, entre as naçoens Indianas e o A . ; porém Mr. Lens,
que éra o advogado do R. fez objecçaõ a que se exa-
minasse esta testemunha, a objecçaõ foi recebida pelo tri-
bunal.
Aqui concluio o caso da parte do A.
Levantou-se entaõ o advogado Mr. Lens, a fazer a de-
feza do R., e contendeo, que o A. naõ tinha por forma al-
guma provado que o General Gore obrasse por motivos de
malicia e injustiça, quando suspendeo o A. de seu officio.
De facto, nem ao menos se tentava mostrar, que tivesse ha-
vido querellas ou inimizades entre o Governador e Mr.
W y a t t , antes deste facto ; nem que o primeiro tivesse ja-
mais expressado intenção de privar o segundo de seu of-
ficio, fossem quaes fossem as circumstancias. Faltando as-
sim toda a prova de presumpçaõ 4- que outra causa se pode
assignar para a suspensão de Mr. Wyatt, senaõ a existên-
cia de certas causas, que fôram ultimamente participadas
ao Governo em Inglaterra, para sua consideração e deci-
saõ ? Com effeito assim obrou o Governador : e até o dia
de hoje ainda o Governo naõ restituio Mr. Wyatt, ao seu
lugar. Seguramente se naõ houvessem fundamentos jus-
tos ou sufficientes para o que obrou o Governador Gene-
ral, deveria suppor-sequeoA. teria podido segurar a pro-
tecçaõ do Governo de S. M . , e que teria sido restituido a
L 2
84 Miscellanea.
seu antigo officio. Tal naô houve. Todo este negocio
t**m dormido desde 1807 ; e depois de passarem 9 annos,
durante os quaes, sem duvida, tem havido a devida inda-
gação da matéria, naõ se julgou o Governo justificado em
restituir Mr. Wyatt; oo mesmo tempo que o Geral Gore
foi immediatamente restituido. Elle advogado conside-
rava, que este facto, somente, éra resposta sufficiente ao
primeiro artigo de accusaçaõ, que imputa ao R. motivos
maliciosos e sem fundamento, na suspensão que fez ao A.
Agora quanto ao libello, o Jurado determinaria, que porçaõ
de injuria ou damno soffreo o A., que se possa razoavel-
mente attribuir aquella publicação ; a qual só apparecêo
dous annos depois da suspensão ; e, de facto, depois delle
ter deixado aquella terra. Deve lembrar-se aqui lambem,
que o tal libello nunca teve extensa circulação. Foi dado
meramente em um quarto particular, e a um individuo,
que occupava um alto emprego publico ; o que acciden-
talmente tinha sido chamado pelo Governador. Elle ad-
vogado admittia, que houvera sido muito melhor, que o
R. nunca tivesse publicado tal cousa ; porém naõ apparece
que por este modo de publicação se pudesse ca mar grande
damno. O advogado expressou mais o seu sentimento de
que a testemunha (Mr. Frith) que éra entaõ Procurador
Geral da Coroa, quando se lhe deo o libello, naõ exerci-
tasse aquella discrição, que se podia esperar de seu lugar,
e aconselhasse immediatamente o Governador a supprimir
Ioda a ulterior publicação do folheto. Tal comporta-
mento éra o que deveria ter seguido Mr. Frith ; e, se as-
sim o ti/esse, ter-se-hia sufifocado no principio o mal de
que se faz queixa agora.
Mr. Frith levantou-se e fallou ao tribunal. Disse, que
havia grande delicadeza a observar ; quando se fazem re-
presentaçoens de contrariedade a um Governador de
provincia. Sua Senhoria entendia o que elle queria
dizer.
Miscellanea. 85
Um dos Juizes (Sir V. Gibbs) — Eu naõ entendo o que
quereis dizer. O que sei he, que um Procurador Geral da
Coroa neste paiz, e espero que seja o mesmo nas colô-
nias, deve fallar (ao afFoitaraente aos que o consultam,
como se expressam estes a elle.
Mr. Frith.--Assim fiz eu, mas respeituosamente.
Sir V. Gibbs. — Sim, sim ; o mais respeituosamente que
vos parecer. Quero somente observar; que o advogado
do Reo naõ disse cousa alguma, que haja de excitar sen-
timentos desagradáveis no espirito de Mr. Frith.
Mr. Best (advogado do A.)—My Lord a testemunha
na sua deposição disse, que elle tinha aconselhado ao Go-
vernador General, que naõ circulasse o libello, quando
V. S. o interrompeo.
Sir V- Gibbs.—Nem elle tal disse, nem eu o inter.
rompi. Mas eu lhe farei a pergunta outra vez £ Acon-
sel hastes vós o General Gore a que naõ publicasse o li-
bello ?
Mr. Frith.—Penso que sim—penso que he mui natural
que o fizesse.
Sir V Gibbs.—Exactamente—essa he a resposta que
eu ja tinha. £ Como posso eu receber, em prova, o que
diz um cavalheiro, que pensa.
Mr. Lens (advogado ao R.) continuou, e observou, que
se Mr. Frith depois de ter levado para sua casa o libello,
e de o ter lido, voltasse ao Governador, e lhe representasse
o que devia, sem duvida se houvera parado toda a circu-
lação ulterior.
Mr. Frith tornou a fallar ao tribunal, e disse —naõ me
lembra que adoptasse aquelle methodo. Eu observei ao
Governador, que como éra provável que Mr. Wyatt naõ
voltasse outra vez a provincia, seria melhor naõ fazer
cousa alguma, que transtornasse as suas vistas futuras.
Sir V Gibbs. — i Circulou elle o libello depois disso ?
Mr. Frith. —Naõ que eu saiba.
2
86 Miscellanea.
Mr. Lens, continuou ; c insistio em que se naõ provava
ter-se mostrado o libello a nenhuma creatura humana
senaõ a Mr. Frith ; e, portanto, perguntava ao jurado se
éra este um dos casos, em que se devesse dar indemniza-
çaõ exemplar ? s Que injuria ou dnmno tinha padecido
Mr. Frith ? Elle advogado lamentava que o General Gore
tivesse sido assas imprudente para publicar o papel de
qne se tractava ; e lamentava isso tanto mais por naõ ter o
General recebido o devido conselho da pessoa que éra
competente para o dar, e obrigada a isso. Com estas ob-
servaçoens deixaria o caso ao Jurado.
Sir V Gibbs.—Fez entaõ a recapitulaçaõ do custume
ao Jurado; começou com algumas observaçoens a respeito
de M \ Frith, a fim de remover de seu espirito qualquer
sentimento desagradável, que daqui lhe resultasse. Elle
deveria saber, que o methodo e decurso das cousas seguido
a respeito de sua deposição, éra o que se practicava, c éra
permittido em todas as Cortes de justiça. Naõ se havia
dicto couso alguma, de que elle se devesse julgar ofleodido;
e acerescentaria, que na sua deposição naõ havia nada,
que fosse reprehcnsivel. A respeito do merecimento geral
da causa, naõ lhe parecia (a elle Juiz) que se linha pro-
vado a primeira parte da accusaçaõ ; porque naõ havia no
folheto alguma passagem por onde se mostrasse ou con-
cluísse, que os fundamentos ali alegados, fôram os que
motivaram a suspensão de M'. Wyatt. Do facto, o
folheto parecia ser somente a re.sjiosta u alguma cousa, que
tinha publicado o I)'. Thorpe, e outros. A publicação
do folheto éra um crime contra as leys, que se naõ pocb i
defender; e, em tanto quanto isso assim he, (em o A.
direito a esperar a sentença a seu favor. Pertence porém
ao Jurado o avaliar o gráo de damno, que be provável
que soffrcsse o chorar ter de M'. Wyatt, em conseqüência
da pubtuaçaõ deste folheto ; tendo sempre ua lembrança
Miscellanea. 87
a maneira de sua publicação, e a sua limitadíssima circu-
lação.
O Jurado retirou-se por breve tempo; e arbitrou os
damnos em 300 libras.

Exéquias de Sua Majestade Fidelissima.


Sexta-feira, 12 de Julho se fizeram as exéquias solemnes,
na Capella Portugueza, em Londres, de S. M. Fidelissima,
a defuncta Raynha de Portugal. A capella estava forrada
de preto, e decorada da sejuinte forma. Sobre a capella
mor e altar haviam sanefas e baudinellas pretas, e nas
paredes de ambos os lados escudos com as armas de Por-
tugal. No centro da capella estava erigida a eça, e sobre
ella o túmulo cuberto com um rico panno de veludo preto;
e quatro escudos com as armas de S. M. Sobre o túmulo
estava, em uma almofada, a coroa e sceptro; e nos de-
gráos da eça 18 tocheiros, e dez grandes plumas pretas:
do centro do tecto da capella pendia um docel circular,
com sanefas, plumas, escudos, e cyfras. O púlpito estava
cuberto de preto, e nelle a (lixo o escudo das armas de S. M.
A tribuna eslava toda forrada de preto, e ornada com
escudos d'armas, cyfras, e placas. Todos os assentos,
grades, e pilares, que sustentam as galerias estavam tam-
bém cubertos de panno preto, e rodeava tudo uma sanefa
continuada : nos pilares estavam fixos escudos, cyfras, e
placas de espelhos. Em ambas as paredes lateraes havia
dous grandes escudos de armas, e uma continuação de
coroas, cyfras, e placas de espelhos, &c.
A musica, que se cantou pelos músicos da capella e
outros, éra dos seguintes compositores.
Introitus—Requiam Aeternam—David Perez.
Kyrie Eleison—Portugal.
Tractus -—Absolve Domine—Dicto.
G»~..»..<• r-«* T „ ÇMozart, e o canto chaÕ
Sequentta-Dtes I r e . \ p o r ^ N o y d o
88 Miscellanea.
Offertoriuin—Domine Jesu Christe—Portugal.
Sanctus—Mozart.
Agnus Dei—Haydn.
Responsiorum—Libera—David Pcreze Pergolezi.
Rcquiescat—N. Novello.
Prelúdio no Orgaõ—Marcha em Saul—Handel.

ITÁLIA.
Roma, I a de Maio.
T E N D O a Sanctidade de Nosso Senhor Pio V i l . feliz-
mente Reinante dispensado da Entrada publica S. Exc.
9 Senhor Conde de Funchal, Embaixador extraordinário
de S. A. R. o Principe Regente do Reino-Unido de Portu-
gal, do Brazil, e dos Algarves, junto da Sancta Sé, e tendo
concedido ao mesmo se dirigisse na manhaã de Terça feira
30 de Abril á sua Audiência publica, fez S. Exc. partici-
par isto mesmo aos Eminentíssimos Senhores Cardeaes, ao
Excellentissimo Corpo Diplomático, Prelados, Príncipe»,
e alta Nobreza ; pelos quaes foram mandadas á residência
de S. E x c , no palácio do Senhor Duque de Fiano, as car-
ruagens, com os seus Gentishomens, para o Cortejo, e
foram estes tractados com exquisitos refresco».
Pela volta das dez horas, partio da sobredicta residência
o Senhor Embaixador encaminhando-se para o Pontifício
Palácio Quirinal. Eis-aqui a ordem do noblissimo cor-
tejo : Hia adiante um criado abrindo o passo, c após ette
outro criado com oguarda.sol franjado de ouro; seguia-se a
vistosa berlinda onde hia a grande almofada, e traz ella
do*e criados com fardas ricas agaloadas de prata.—Se-
guia-se após estes uma bellissinia Estufa lustrosamente or-
nada, onde hia o Excellentissimo Senhor Embaixador em
uniforme rico, com todos os seus Hábitos e Insígnia».
Hiam nu carroagem com S. Exc. os MonsenboresGuerrieri
Arcebispo de Alhcnas, Serlupi Auditor da Rola, c Fro»ini
Camerario. Aos lados desta, além do Decano, c .Sub-Dc-
Miscellanea. 89
cano vestidos de preto, caminhavam os Pagens luzidaraente
vestidos de veludo com guarniçaõ de ouro. Seguiam-se a
estes Os Guardaportões com suas bandas ricas, e dois
Volantes esplendidamente adornados com barretinas em
que se via o escudo das armas do Regio Embaixador.—
Vinham depois mais três carroagens elegantes, na primeira
das quaes hia o Senhor Cavalheiro Alvares ex-Encarre-
gado dos Negócios de S. M. Fidellissima, o Senhor Cava-
lheiro Suterman Mordomo da Legaçaõ, Monsenhor Nadini,
e o Senhor Cavalheiro João Gherardo Rossi. Na segun-
da carroagem da coiuativa hiam o Senhor Francisco Pe-
reira Arquivista, o os Senhores Innocencio da Rocha
Galvão, e João Theodoro W y s , Secretários, e o Gentil-
homem da Corte o Senhor Giuntotardi. Na ultima car-
roagem hiam os Senhores Hypolito da Costa, Camillo
Silveira, e os dous Adjutantes da Câmara de S. Exc.—
Succedia a estas uma numerosa comitiva de carroagens
dos Eminentíssimos Cardeaes e da Nobreza.
Com este luzidissimo accompahamento, caminhando
sempre em meio de immensa multidão de povo de todas as
classes, chegou o Embaixador de S. M. Fidellissima ao Pa-
lácio Apostólico Quirinal, onde, com a formalidade do
estylo, foireeebido pela familia Nobre de Sua Sanctidade,
e depois foi introduzido por dous Mestres de ceremonias
Pontifícias à Audiência do Summo Pontífice Reinante
Pio VIL
Depois de haver beijado o Pé, e a Maõ, e de ter sido
admittido ao abraço, começou em genuflexaõ o seu cumpri-
mento, apresentando ao Sancto Padre as Credenciaes do
seu Real Principe Regente. Acenou S. Sanctitade ao il-
lustre Portador dos Soberanos sentimentos, que se levan-
tasse, e sentasse. Prosegnio elle, sentado, o seu discurso,
expondo a nobre occasiaõ da extraordinária Embaixada,
naõ dirigida a outra cousa mais que a congratular Sua
Sanctitade em nome do Principe Regente pelo seu feliz e
VOL. X V I I . N o . 98. M
90 Miscellanea.
fausto regresso a Roma, e pela desejada e applaudida re-
cuperação dos Estados Pontifícios, assim como também
para dar um novo testemunho publico tio filial respeito,
summa devoção, e fidelidade daquella generosa Real
Corte para com a Sancta Sé, implorando a Apostólica ben-
ção para o Sereníssimo Principe Regente, para a Regia
Corte, e para todos os Subditos do Reino-Unidodc Portu-
gal, do Brazil, e dos Algarves.
O Santo Padre respondeo com affectuosissimos senti-
mentos, manifestou o sincero agradecimento de seu animo
por este acto de religiosa veneração prestado á Sancta Sé, e
fazendo um publico e distincto elogio do Sereníssimo
Regente, e de toda a Real Familia pelas brilhantes e re-
petidas provas de sua piedade Christaã, * encarregou o
Senhor Embaixador de assegurar cada vez mais ao Se-
reníssimo Principe de seu paternal affecto, e da sua reci-
proca inclinação a toda aquella Fidelissima Real Corte.
Proferio finalmente S. Sanctidade obsequiosas expressões
de estima, e affeiçaõ para com a mesma Pessoa do Senhor
Fmbaixador pelas muitas virtude», que, além de sua
nobilissima ascendência e talentos, o fazem acecito, c dis-
tincto.
Terminada a resposta do Summo Pontífice, conservou-»*
o indvtoReal Interprete na audencia do Sancto Padre, em
quanto este se dignou admittir suecessivamente toda» as
pessoas do seu cortejo a beijar o Pé.—Daqui passou S.
Exc. a visitar o Eminentíssimo Senhor Cardeal Consalvi
Secretario d'Eilado do Nosso Soberano.

* Notlii 21 «le Novembro, de 1802, por ordem tis irieims Hesl


Curte, o Conde de Som* e Holileio, Kmbaixador Kxtraordinariv ds
S>- M. Fidelitsima dingio-ie - Audiência publu - de S. Sanctidade. a
congratular a SJ-IIH Padre em nome do S> r e n m i m o Regente pela
*u. exaltação ao Pontiticado, r para dar um publico testem un li» de
tua filial >enc<4c.<> c rc-.|>ea<>.—(Notm éê mesmo DUria és Roma
dandt eopimmot a prctcnU rtlaft.)
Miscellanea. 91
Depois dirigio-se com o memo séquito o Senhor Em-
baixador a venerar a sacrosanta Patriarchal Basílica Vati-
cana do Principe dos Apóstolos, onde ao sahir deixou uma
abundante esmola aos pobres.—Dahi passou S. Exc. a
visitar o Excellentissimo Senhor Cardeal Mattei, Decano
do Sacro Collegio, que, em companhia de vários Prelados
lhe sahio ao encontro á Sala, e o introduzio na Câmara das
visitas, aonde se entretiveram era conversação : e neste
meio tempo fez S. Eminência Reverendissima servir um
profuso refresco ao Senhor Embaixador, e ao numeroso
cortejo.
Restituio-se S. Exc. á sua habitação, onde deo um
lauto jantar áos Prelados, e Fidalgos Nacionaes, que o ha-
viaõ obsequiado no Cortejo, sendo em numero de 40.—
Depois do jantar mandou repartir outra copiosa esmola
aos pobres, e ao passar a Musica e tambores da Milicia
Pontifícia, além da costumada propina, lhe mandou dar
um generoso refresco.—No mesmo dia á noite recebeo o
Excellentissimo Embaixador no seu Quarto vistosamente
illuminado, as visitas, chamadas de amizade, e lhes fez
servir contínuose delicados refrescos.

Eis aqui o Discurso pronunciado por S. Exc. ao Santo


Padre, e que na Relação se a ponta.
<< Beatíssimo Padre :—Os sinceros sentimentos de Reli-
gião, naõ menos que de summa veneração para com a
Sancta Sé, que o Principe Regente do Reino-Unido de
Portugal, do Brazil, e dos Algarves, meu Augusto Amo,
professa, assaz se deram a conhecer ao Mundo inteieo,
quando a primeira participação da felicíssima Exaltação
de Vossa Sanctidade ao Solio Pontifício, Elle expedio um
Embaixador Extraordinário, a fim naõ so de dar um pu-
blico testemunho do seu filial respeito ; mais também de
M2
92 Miscellanea.
expressar todo o júbilo que o seu fiel coraçaÕ experimen-
tava em ver terminadas as perseguições contra a Igreja, o
dissipadas as tenebrozas msquinaçoens com qoe a Iropie-
dade pretendia em vaõ apagar, e interromper a gloriosa
successaõ do Principe dos Apóstolos nesta sua Suprema
Cadeira.
44
Devo agora para louvor do Principe Regente meu
Amo accrescentar, que ainda mesmo no meio daquellas
yicissitudes, a que Elle, com os outros Soberanos da Eu-
ropa, se vio sujeito, jamais perdeo de vista o bem da
Igreja, quando seja digno de ter aquelle glorioso titulo de
Fidellissimo, por esta Sancta Sé concedido aos illustres
Soberano» seus predecessores. Porém Elle, que nos pri-
meiros Glorioso Podtificado havia admirado o zelo, e a
moderação Apostólica, com que Vossa Sanctidade conseguio
reconduzir ao grêmio da Igreja povos extraviados e per-
dido» : e que no» successivos tempos mais calamitosos ob-
servou, e admirou igualmente a heróica firmeta, e a angé-
lica resignação taõ altamente por V. Santitade patenteadas
no meio da mais longa, e mais injusta perseguição, se-
guida da mais atroz violência ; c que vio, como naõ cu-
rando nem do seu damno próprio, nem das privaçoens de
toda a espécie, havia deste modo conservado intacta a
honra da Sancta Sé, e illibada a dignidade do Sumrao Sa-
cerdote : Penetrado por tudo isto da mais profunda vene-
ração para com a Sagrada Pessoa de Vossa Sanctidade, naõ
podia deiraçaõ ao receber a fautissima certeza da restitui-
ção do sempre Venerando Vigário de Jc»u Christo á sua
Suprema Sede, e a reintegração de Vossa Sanctidade na
posse de todos o» Estados Pontifícios ; renovando deste
modo um glorioso testemunho da sua generosa obediência
filial.
44
Determinou-se pois 8. A. R. a enviar-me i Sagrada
Pessoa de Vossa Sancidade em qualidade de Embaixador
Miscellanea. 93
Extraordinário, e fim de manifestar a Vossa Sanctidade
toda a extensão dos seus religiosos, e aíTectuosos senti-
mentos. Que um tal pensamento, e resolução sejaõ dignos
de um Principe Magnânimo, Pio, e Filho obediente da
da Igreja, ninguém o pode duvidar ; mas talvez poderá
haver quem faça algum reparo sobre a escolha de um Ora-
dor inhabil,para exprimir dignamente os sentimentos que
em seu peito nutre o seu Soberano, e aquelles que saõ tam-
bém próprios das relevantes circumstancias desta Missaõ.
Seja com tudo permittido, Beatíssimo Padre, ao mesmo
Orador o justificar a escolha delle feita por motivos
que redundaõ em máximo louvor do seu Augusto So-
berano.
Quando no anno de 1807, submettidas, ou pacificadas
as Potências do Norte, e occupada perfidamente a Hespa-
nha, e Portugal, parecia subjugada quasi toda a Eu-
ropa, prévio S. A. R . (naõ foi vaõ o seu receio) que
estaria imminente á Igreja Catholica novo e ainda
maior perigo: e de facto, ainda bem S. A. R. se naõ
havia posto em salvo, tomando aquella generosa reso-
lução, que já forma época na Historia, de transferir
a Sede da Monarquia para outro hemisfério; quando
lhe chegarem as primeiras noticias dos insultos feitos a
legitima authoridade na mesma Capital do Mundo Ca-
tholico, e depois, do sacrilego at tentado commettido
contra a sacrosanta pessoa de Vossa Sanctidade.
Bem sabia que as portas do abysmo jamais haviam de
prevalecer contra a Igreja; mas em que tempo, e com
que remédios a Providencia a quereria salvar, era então
vedado ao humano entendimento o penetrallo. Por tanto,
Beatíssimo Padre, naquelles mesmos momentos em que,
apenas firmada a Sede da Monarquia na America, sollicito
volvia seus paternaes cuidados aquelle valoroso e fiel povo,
que por um temporário e inevitável sacrifício se vira na
94 Miscellanea,
necessidade de deixar como em victima ao inimigo;
aquelle seu paiz natal, berço da Monarquia, pátria de tan-
tos Heroes e Soberanos illustres pela piedade e pelo valor;
e entretanto que S. A. R. parecia unicamente applicado a
dar e procurar poderosos auxílios aos seus fieis e valoro-
síssimos Vassallos Portuguezes, os quaes por instincto de
Lealdade, concorrendo nos mesmos intuitos do seu amado
Principe, se esforçavam em sacudir o jugo do Usurpador:
nestes gravíssimos momentos, digo, deanxiedadee pertur.
baçao, que teriam bastado para abater uma alma menos
forte e menos pia, foi quando S. A. R. repetidas veses or-
denou ao seu Enviado em Londres, de vivamente recom-
mendar, e apoiar os interesses do Sancto Padre, e dos Esta-
dos Pontifícios juncto daquelle Governo, e daquella po-
derosa NaçaÕ, cuja situação insular, e innata energia sem-
pre pareceram justificar a metáfora, com que a Gram-Bre-
tanha foi comparada nestes últimos tempos a um inações-
sivel rochedo, poeto no meio das violentas vagas da Re-
volução Franceza.
O Orador, quedebilmente agora exprime os sentimentos
que animaõ o Real coração, teve a fortuna de ser nesse
tempo o Ministro encarregado de tão magnânima e pia
commissaõ-, e Vossa Sanctidade se ha dignado de reco-
nhecer o zelo por ri Ir demonstrado na execução dos Sobe-
ranos preceitos. Razaõ porque, quaesquer que ser possam
os defeitos do Orador, pareceo a S. A. R. que estes fica-
riam todos saneado» pela sua attençaõ de fazer recabir a
escolha na mesma pessoa, que já fôra mais de uma vez o
órgão dos seus sentimentos de adhesaõ ao» intere»sesde V.
Sanrtida Ir ; e todos quantos tem a felicidade de poder
contemplar dr perto como no Throno Pontifício »e reúnem
as qualidade» mais amáveis ao exercício de todas ai vir-
tudes Apostólicas, facilmente hão de crer, que a delicada
sensibilidade drS. A. R. será bem capaz de encobrir a in-
Miscellanea. 95
suficiência do Orador no expressar dignamente os senti-
mentos do Soberano, que elle tem a honra de representar.
Confiado nesta única, mas nobre esperança ; e pedindo
humildemente para o Principe Regente seu Augusto Sobe-
rano, para toda a Real Familia, para todos os Subditos
Portuguezes, e para si mesmo a BençaÕ Apostólica, se in-
clina a beijar os sagrados Pés.
(N. B. Em outro numero do mesmo Diário de Roma se
annuncia, que no dia seguinte ( 1 . . de Maio,) recebera
também S. Exc*. á noite visitas dos Cardeaes, Corpo Di-
plomático, & c . ; e que no dia 2 de Maio, dera o primeiro
jantar diplomático, ao qual assistiram vários Cardeaes, o
Principe de Saxonia-Gotha, os Ministros Estrangeiros,
& c , &c. admirando-se neste jantar 44 grande profusão,
magnificência, e delicadeza."

Reflexoens sobre as Novidades deste Mez.


REYNO UNIDO DE P O K T U G A L DO BRAZIL. E DOS
ALGARVES.

População. Nova Capital no Brazil.


Indicamos no nosso N*. passado algumas breves noçoens;
sobre a necessidade de promover a immigracaÕ de estrangeiros
no Brazil; e fomentar os estabelecimentos de terra dentro,
edificando uma nova cidade, para ser a capital e sede do Governo
do Brazil. O Leitor nos permittirá ainda outravez o faltarmos
desta matéria, que julgamos de grandíssima conseqüência, paraa
prosperidade daquelle paiz.
O systema, que recommendamos, de favorecer a immigraçaÕ
de estrangeiros, tem sempre em vista o facilitar-lhes todos os
meios de se estabelecerem no interior do paiz ; deixando os
96 Miscellanea.
portos demar, os rios eas costas, sem este immediato patrocínio;
porque pela natureza das cousas estes lugares obtém por si
mesmo concurrencia de habitantes.
O grande ponto deste plano seria, depois de escolhido o
lugar mais apto para a capital; abrir as estradas dali para
todas as provincias; e edificar as aldeas ao longo dessas estradas,
em distancias convenientes, e nos lugares fornecidos de água,
madeira, e pedra.
O Brazil naõ tem necessidade de ter mendigos ; e portanto
os que ap parecessem se deveriam empregar na abertura dessas
estradas, junctamente com os destacamentos de tropas, segando
deixamos indicado.
A residência do Governo na capital deve necessariamente
levar ali concurso de gente de todas as partes. As passagens
dos rios, seja em barcos, seja cm pontes, deve ministrar nma
fonte de rendimento para a mesma abertura das estradas ; arre-
matando-se estas passagens a quem por ellas mais desse; e
fazendo com qne as pontes, caminhos, &c. sejam construídos,
nao por conta da Fazenda Real, mas sim por companhias de
indivíduos particulares, a quem se dém os lncros provenientes
do que pagam os viajantes, que passam por essas pontes,
estradas, &c.
A vantagem deste modo de proceder he mui considerável.
Em primeiro lugar, arrematando-se essas passagens todos os
annos, oa de dous cm dons annos, em publica atmoeda, o Go-
verno está seguro de obter a maior somma possivel. Em segando
lugar, as companhias de particulares, que em prenderem aquelles
trabalhos, os administrarão como cousa sua, c com a devida
economia; quando que, sendo isso feito por conta do Governo,
os empregados, que forem nomeados para taes inspecçoens,
cuidarão cm cobrar os seus salários, sem se importar com o de-
mais, o que a experiência nos ensina todos os dias.
Seria desnecessário entrar aqui nas particularidades destes
arranjamentos, nem explicar as differentes formas, porque se
podem pôr em practica; mas daremos um exemplo.
Supponhamos, que se quer arematar a passagem de um rio,
Miscellanea. 97
que atravessa a estrada da capital para Bahia. Por-se-ha a
lanços, descrevendo quanto deverá pagar naquella passagem
cada homem, cada besta, cada carro. &c. E se arrematará
isto a quem se obrigara abrir, e ter em bom reparo, uma porção
de estrada de cada parte do rio. O lançador que offerecer a
abertura e concerto de maior extensão de estrada, cobrando o
que se estipular pelas passagens, será aquelle aquém se arremate
o contracto.
Haverá, porém, lugares, em que se nao possa applicar este
methodo ; porque requererão despezas tam consideráveis, que
para ellas naõ baste o que razoavelmente se pode exigir dos
passageiros. Hc nestes casos, que o Governo deve contribui*;,
pagando aos trabalhadores, empregando os mendigos e os soldados
licenciados ; fazendo também isto por meio da arremataçaõ a
indivíduos, em hasta publica.
He ordinariamente juncto aos rios, aonde se acham as me-
lhores situaçoen» para edificar povoaçoens; e um destacamento
de tropa», juncto com os trabalhadores na estrada; e as
pequenas datas de terras aos que as quizerem cultivar, formarão
em breve outras tantas aldeas, nos lugares em que se emprehen-
deretn taes obras.
Porem em todos os casos he necessário evitar cuidadosa-
mente as administraçoens por conta da Fazenda Real, e a
ingerência do Governo, excepto nas cousas que forem de abso-
luta necessidade. Se uma companhia de particulares empre-
hende a abertura de alguma estrada juncto a um rio, como no
exemplo que temos figurado; nao he preciso outra ingerência
da parte Govemo, senaõ que o seu engenheiro marque o rumo
da estrada e suas dimensoens, que tire um mappa ropographico
dos orredores; qne nelle designe as datas aos indivíduos, sempre
com a condição de as perderem, seasnao cultivarem dentro do
tempo limitado; e qne estes mappas, datas, e confrontaçoens
sejam registradas e depositadas nos archivos competentes; para
segurar os titulos das propriedades a seus legitimos donos.
Julgamos que seria de sununa utilidade, empregar o Governo
todas as sommas, que lhe pudessem restar de outras repartiçoens,
m comprar instrumentos de agricultura, que se repartissem
VOL. XVII. No. 98. w
98 Miscellanea.
pelos novos colonos, sendo estes obrigados a pagallos, dentro
em certo numero de annos, a pagamentos annuaes. Estes paga-
mentos se poderiam receber em gêneros, como os dizimos; e
serviriam para o mantimento das tropas, e dos trabalhadores
empregados nas obras publicas. Assim o Governo nao perderia
cousa alguma das despezas feitas nestes avanços ; e o pagamento
nao se faria oneroso ao novo colono.
Quanto aos trabalhos da capital; parece-nos, que ali se deve-
riam empregar exclusivamente os criminosos condemnados a
galés, em toda a parte do Brazil; porque com facilidade se
podiam fechar durante a noite, na prisaõ destinada a este ser-
viço ; quando que nas estradas publicas, principalmente as
distantes de povoaçoens, o custo de guardar os prezos, e o
perigo de sua fuga, saõ muito maiores que o proveito de seu
trabalho.

Expedição contra o Rio-da-Prata.


As ultimas noticias chegadas do Brazil nos informam, que
estava a dar á vela do Rio-de-Janeiro uma expedição, que con-
sistia em quatro para cinco mil homens, das tropas, que tinham
ido de Portugal; e o destino deste exercito se conjecturava
ser o Rio-da-Prata; entre outras razoens; porquo as tropas
do Rio-Grande, também de quatro a cinco mil, tinham ja feito
um movimento de avançada, contra as fronteiras do Uruguay;
donde se concluia com toda a probabilidade, que estes exércitos
se destinavam a tomar posse da margem septentrional do Rio-
da-Prata; e do território comprehendido entre este rio, o
Paraná, e as fronteiras do Brazil, na Capitania do Rio-Grande.
O território, de quo falíamos acha-se dominado por um dos
chefes revolucionários, chamado Artigas ; o qual, sendo um
contrabandista nas fronteiras limitroplies do Rio-Grande e
Montevideo; foi nomeado pelo antigo Governo Hespanhol,
tenente de Belendengos, que he uma espécie de tropa de policia,
empregada a perseguir e prender contrabandistas.
Como mestre daquelle mesmo officio ninguém sabia melhor o
modo de apauhar os Contrabandistas; e, quando aconteceo a
6
Miscellanea. 99
revolução de Buenos-Ayres, deram a este partidário um com-
mando considerável; e pouco depois se declarou Governador
em chefe do território Hespanhol ao Norte do Rio-da-Prata;
sem obedecer á Juncta Revolucionaria de Buenos-Ayres; nem
a El Rey de Hespanha.
A Juncta de Buenos-Ayres mandou um Exercito contra
Artigas, que alcançou sobre elle algumas victorias; mas aquelle
exercito foi obrigado a retirar-se para marchar a outro destino,
contra outro chefe independente chamado Goyeneche, que
fazia a guerra contra os do Buenos-Ayres pela parte do Peru;
e Artigas tornou a ficar de posse de seu território.
Três supposiçoens se podem daqui formar, para explicar os
motivos da expedição, que vai do Brazil contra aquelle terri-
tório.
Uma, que o Governo do Brazil vai de acordo com Artigas ;
e que este lhe deseja entregar o território, que commanda.
Outra, que El Rey de Portugal vai a tomar posse daquellas
terras, em conseqüência de ajustes, e de intelligencia com EI
Rey de Hespanha.
Terceira, que nao ha nisto nenhum ajuste, e que a Corte
do Rio-de-Janeiro, obra de seu motu próprio, tomando este
território, para se livrar de um vizinho incommodo; porque
Artigas favorece a deserção dos soldados Portuguezes; porque
abriga os escravos, que fogem do Brazil; e porque naõ cuida
em cohibir nem o commercio illicito entre as duas naçoens, nem
os crimes que commettem os subditos de ambas as partes.
Em qualquer destas hypotheses ; se a Corte do Brazil mos-
trasse ficar satisfeita unicamente com a posse do território, que
temos descripto, e que se acha governado por Artigas, a Juncta
de Buenos Ayres se daria por mui contente, vendo-se por esse
meio livre de tao formidável rival, como he Artigas. Mas se
os de Buenos-Ayres virem, que as vista do Governo Portuguez
se estendem além daquelle objecto, de necessidade se haõ de
pôr em campo contra os Portuguezes.
Em todos os casos Artigas está perdido ; porque he impossível,
que ache dentro do pequeno território, qne commanda, recursos
bantantes para se oppôr à preponderante força Portugueza, que
N 2
100 Miscellanea.
ovai atacar: e de fora naõ tem quem lhe dè auxílios; porque
os de Buenos-Ayres lhe tem tal ódio, que nunca se uniraõ com
elle* nem o gênio de Artigas deixa a menor razaõ para suppôr,
que elle se submetteria ao Governo de Buenos-Ayres, que he
a única hypothese em que poderia esperar o seu apoio.
As tropas Portuguezas do Rio-Grande, entraram ja por
Missoens, passaram o Uruguay, e iam a atacar Corrientes;
que he o principal posto fortificado, que Artigas tem no Paraná.
Depois, vindo por este rio abaixo, nao terão difficuldade em
tomar S'1- Fé, que he a chave da passagem para a margem
Meredional do Rio-da-Prata; assim ficará inteiramente cortada
a retirada de Artigas para o interior do paiz; ainda que elle
ali tivesse, o que nao tem, amigos que o acolhessem, e pro-
tegessem.
Se Artigas for com suas tropas de Montevideo a oppôr-se a
estes planos dos Portuguezes ; deixa Montevideo, Colônia do
Sacramento, Maldonado, e toda a margem do Rio-da-Prata
daquella parte, sem forças para restitir ao desembarque de
cinco mil homens, que por mar ali chegarão do Rio-de-Janeiro;
e apertado entre dous exércitos, cada um delles superior ao seu,
Artigas naõ tem meio algum de resistir.
NaÕ queremos com tudo dizer, que as tropas Poshiguezas
poderão tomar posse daquelle território ás maõs lavadas. Ar-
tigas he um chefe de partidistas, de summa actividade e valor ;
em parte nenhuma do Mundo se entende, melhor do que na-
quelle paiz, a pequena guerra; que se denominou agora na
Hespanha guerrilhas; e os ataquaes desta natureza saõ capazes
de fatigar os melhores exércitos regulares, como experimen.
taram os Francezes na Hespanha, na guerra passada.
As conseqüências, porém, desta conquista dos Portuguezes,
qu« pelas razoens, que temos dicto, suppómos quasi infallivel,
devem ser objecto de nossas observaçoens, a seu tempo.

Freiras em S. Miguel.
Na parte da conrespondencia, neste N°., achará o Leitor a
narraçaS de um facto, acontecido na Ilha de S. Miguel; que he
Miscellanea. 101
digno de lêf-se, e de meditar.se. Elle prova qnam justas saõ
ai nossas ideas, a respeito dos conventos de frades e freiras.
A nossa opinião a respeito das ordens mouachaes, naS he
ignorada de nossos Leitores ; porque temos sido nisso mui de-
cididamente claros. Consideramos os conventos como azvlos
mal úteis, para onde se retirem as pessoas de ambos os sexos, a
quem uma verdadeira vocação, ou o desgosto do mundo, faça
necessário um retiro daquella natureza. Em Inglaterra, aonde
nao ha estes refúgios, os suicídios saõ freqüentemente o resul-
tado desta falta.
E com tudo, nada he mais horroroso do que o cruel expedi-
ente de algum pays de familias, que para favorecer o filho ou
filha mais velho , mettem os demais nestas prizoens perpétuas,
enganando.os em idade, em que nao saS capazes de escolha; e
sustentando estes aleivosos procedimentos até com a força ar-
mada do Governo.
O easo presente he o de duas meninas, que na tenra idade de
7 ou 8 annos deviam ser fechadas n'um convento, aonde sem
ver outra cousa mais do que as instituiçoens do Convento, e
obedecendo ás ordens de suas mestras; chegam a idade de
profissão ja feitas freiras, e a cerimonia do veo nao he senaõ
uma mera formalidade, para lhes tirar toda a esperança de
«ahir daquella prizaõ ; porque quanto ao mais, freiras eram
desde a idade de 7 annos,
Este roubo, feito ao Estado, de crianças, que assim se forçam
a ser freiras, tem sido de algum modo obviado, pela necessidade
de obter licença Regia, antes que alguma menina seja por esta
forma emparedada. Mas o DeaÕ de Angra, nao obstante as
leys em contrario, violentamente introduzio duas meninas no
Convento de S. Miguel; e porque as freiras nao quizéram
obrar contra as leys, foi ao Convento com uma tropa de sol.
dados, mandou que os portamachados arrombassem as portas,
preudeo a abbadessa, e vi et armis, fez entrar as meninas no
Convento.
i Se as freiras naõ queriam receber as educandas (ainda sem
fallar na ley a seu favor) que utilidade pôde ter o Governo, em
as obrigar a isso, usando até da tropa ? Os Conventos devem
102 Miscellanea.
ter suas leys particulares, ou compromissos, assim como as
mais irmandades, e por ellas se devem regular: se um sócio, em
qualquer corporação particular, offende os mais, estes devem
queixar-se aos mioistros de justiça; e naõ somente sendo a of-
fensa contra as leys do Estado; mas ainda mesmo contrariasas
suas leys ou estatutos particulares, pôde e deve o magistrado
obrigar o individuo, qne quebrantou as leys, a reparar o
damno que fizesse com isso a seus collegas : faltando á obser-
vância dessas leys.
Porém prestar o Governo a força armada, para introduzir
violentamente duas meninas n'um Convento de freiras, he ab-
surdo indesculpável, repugnante a toda a boa legislação, e con-
trario a todos os interesses do Estado.
Olhando para este caso, somente pelo que pertence a utili-
dade publica, e ao que nos parece ser o principio mais justo
de legislação, sobre as ordens monasticas, naõ podemos deixar
de descer desta consideração a observar o padre DeaÕ, que
representou tam notável papel nesta farça.
Jamais vimos um exemplo tam conspicuo de hypocrisia, do
que a Pastoral, que vem copiada na narrativa, que publicamos
sobre esta matéria. O tal Padre Deaõ, por favorecer os seus
empenhos, atropella as leys, mandando admittir no convento as
meninas, que naõ tinham nem idade competente, nem licença
Regia. Porque as freiras resistem a isto, enfurece-se o DeaÕ;
pede o auxilio de tropas, arromba as portas do convento, mette
nelle as crianças, que estava empenhado em fechar ali; atira
com as freiras no cárcere; insulta-as;—em fim mostra em todo o
seu procedimento a ira, o furor, o orgulho, e todas as mais
paixoens que lhe ferviam u'alma—e vem com uma suave pasto-
ral, com o nome de Jezus Christo, com o Apóstolo amado,
com a sancta amargura de seu coração, e com todo o resto da
bateria da mais refinada hypocrisia.
Ehepara sustentar procedimentos desta natureza, que o Go-
verno presta o seu braço armado—e que haja quem supponlia
ser justo obrigar, por meio da força, a que as pessoas illudidas
continuem a ser victimas de sua illusaõ ; e que nao haja meio
Miscellanea, 103
de salvar, pelo arreprendimente, mesmo uma resolução, tomada
em momentos inconsiderados!

Monie-pio literário, em Lisboa,


Copiaremos, no numero seguinte, o Compromisso oa Estatutos
particulares de uma sociedade estabelecida em Lisboa, para for-
mar um fundo applicavel a remir as necessidades das familias de pes-
soas literatas, que, tendo sorvido o publico com seus estados, naõ
tenham adquirido bens sufficientes para o estabelicimento de
•nas familias.
Ha na Inglaterra grande numero de sociedades estabelecidas
para similhantes fins, e uma justamente para este das pessoas
literatas. O Governo naS tem nisto inspecçaõ ; e somente no
caio de que as pessoas nomeadas, pelos sócios, para administrar
a sociedade, naS compram com as leys a que ss sugeitam, pôde
haver recurso aos magistrados, que saõ entaS obrigados a fazer
executar o compromisso.
Como naõ tivemos lugar para inserir neste N". o com-
promisso, reservamos para o N°. seguinte fazermos sobre elle
algumas observaçoens; porque nos parece o plano mal ntil, e
digno de ser imitado por outras classes de cidadaSs.

Embaixada para Roma.


A p. 91, damos a falia que fez a Sua Sanctidade, o Em-
baixador, que S. M. Fidelissima mandou a cumprimentar o
Papa, pelo sen restabelicimento e volta para Roma.
Nada nos parece mais próprio do qne estes cumprimentos de
civilidade de um Soberano Catholico, ao cabeça de sua Igreja,
o qual he ao mesmo tempo um dos Monarchas da Europa ; e
ainda qoe taes cerimonias sejam acompanhadas com despesas
consideráveis, assim o requer o esplendor da monarchia, e &
dignidade Real.
Mas ao mesmo tempo nada podia ser taõ inferior ao objecto,
como a falia do tal Embaixador, comparada com o apparato
104 Miscellanea.
da missaõ, e com o objecto a que se destinava; porque, em vez
de conter o elogio dos sentimentos de seu Soberano, que o in-
duziram a dar este passo, e um louvor á pessoa de Sua
Sanctidade, a quem o obséquio éra destinado; o Embai-
xador empregou a maior parte de sua esfarrapada oração em
fallar de si mesmo; e esforçar-se em provar, que elle éra a
pessoa mais própria, que seu Soberano podia escolher para en-
carregar desta commissaõ.
O principal fundamento, em que o Embaixador se estribou,
para se elogiar a si mesmo, e provar que a escolha de sua no-
meação nao podia recahir em melhor pessoa ; be, que, durante
a sua residência em Inglaterra, como Embaixador de Portugal,
tivera ordens para apoiar os interesses do Sancto Padre.
Essas ordens, como he bem de suppôr, fôram geraes a todos
os Ministros de Portugal, em todas as Cortes da Europa; por.
que, sendo nascidas do desejo, que tinha S. M. Fidelissima, de
mostrar o seu respeito ao Summo Pontífice, apoiando os seus
interesses, naõ podia limitar-se unicamente a representaçoens
á Corte de Inglaterra.
E se todos os Ministros Portuguezes deviam obrar da mesma
maneira, sobre este negocio, naS vemos como daqui se siga,
que o Conde da Funchal, um desses Ministros, devesse por
força ter a preferencia nesta missaõ.
Se S. Ex a . rerlectisse, no modo por que se comportou em
Londres, acharia facilmente os motivos porque foi nomeado
para esta embaixada; depois da grande repugnância qne mos-
trou em sair da Inglaterra.
Mas supponhamos, que tinha o Embaixador razaõ; que a
sua pessoa éra a mais apta, a mais capaz, a mais própria; tudo
quanto se quizer de bom, em fim que tinha nm direito exclusivo,
inquestionável, inherente a elle para ir a esta embaixada; se-
guramente a sua modéstia lhe deveria ensinar, qne lhe naõ es-
tava bem ser elle que blazoneasse desses merecimentos pró-
prios, em uma falia destinada a cumprimentar o chefe da Ig-
reja, por ordem de seu Rey. O menos, que se pôde dizer nisto
he, que he uma presumpçosa arrogância, mixtarar o seu nome e
Miscellanea. 105
as suas qualidades pessoaes, com os nomes e acçoens dos Sobe-
ranos, de quem devia fallar em seu cumprimento.
Talvez esta seja a ultima vez, que elle tenha occasiaõ de se
estender, em publico, nos seus próprios elogios; a menos que
$èja na falia de despedida; e entaõ recommendariamos a S.
Ex"., que, para acabar com a mesma limpeza a sua carreira di-
plomática, se alargue quanto puder cm louvor do excellente
modo, por que se conduzio nesta embaixada de Roma; dando
com isso o final divertimento a seus ouvintes.

CONGRESSO DOS SOBERANOS.

As gazetas da França o da Alemanha Teferem, que o Con-


gresso dos Soberanos, que assignâram a Sancta Aliiança, terá
lugarem Carlsbad, em vez de Toeplitz, como se premeditava, e
que assistirão á conferência mais Soberanos do que a principio
se suppunha. Um artigo de Carlsbad diz, que El Rey de Ba-
viera será um dos Monarchas, que entrará naquelle Congresso;
e que ali se esperava o Imperador de Rússia, • o Imperador de
Áustria por todo o mez de Julho.

ALEMANHA.

Tem-se publicado em Darmstadt varias patentes, a respeito


das cessoens territoriaes, feitas pela Convenção de Frankfort.
A primeira contem a cessaÔ, que faz o Gram Duque á Prus.
sia, do Ducado de Westphalia, e dos condados de Wittgenstein
e Bcrlcbóurg.
A segunda diz respeito ao juramento de fidelidade dos habi-
tantes do território cedido ao Eleitor de Hesse.
Pela terceira cede o Gram Duque a El-Rey de Baviera qua-
tro bailliados, situados nos principados de Linange, e Loewen.
stein-Wertheim.
Outras duas patentes tem por objecto tomar posse dos ter-
ritórios recebidos em troca, pelas sobredictas cessoens; que
VOL. X V I I . No. 98. o
106 Miscellanea.
saõ a cidade de Mayence e sen território, com Kastel, e Kos-
theim ; o circulo de AIzei, os cantoens de Worms e Pledders.
heim, e o principado de Isembourg; á excepçaõ de algumas
aldeas cedidas as Eleitor de Hesse. O Gram Dnque assegura
a seus novos vassallos as mesmas vantagens, que elles d'antes
gozavam, entre outras, a igual distribuição dos impostos, a li
berdade de consciência, e da imprensa, &c.; e manter a ex-
tincçaõ do regimen feudal, dizimos, e corvées. Os funcciona-
rios públicos continuarão provisionalmcnte em seus lugares.
A ultima patente, re-estabclece os Landgraves de Homburg
nos sens antigos direitos, no bailliado daquelle nome, á excep-
çaõ da Commum de Petcrwels, que fica unida ao Gram Ducado
de Hesse.
Sua Alteza Real o Gram Duque de Hesse, assumio o titulo
de Gram Duque de Hesse e do Rheno Superior.

O direito ao Ducado de Bouillon, que, pelo Acto do Con-


gresso de Vienna, se tinha referido a uma Commissaõ de Árbi-
tros, foi decidido no 1*. de Julho, nas conferências, que se fize-
ram em Leipsick, a favor do Principe Carlos Alain de Rohan.
Montbason ; por uma maioridade de 4 votos contra 1 ; con.
sistindo a Commissaõ de cinco pessoas.

ÁUSTRIA.

O casamento entre o Principe Leopoldo de Napoies, e a


Archiduqneza Maria Clementina de Áustria, terá lugar em
Schoenbrunn aos 27. Depois disso irá o Imperador de Áustria
para a Galicia, aonde se avistará com o Imperador de Rússia;
Dizem que, dali, partirá o Imperador Alexandre a abrir a Dieta
do sen novo Reyno de Polônia, em Warsovia.
Por um tractado concluído entre Áustria e Prússia, esta
Potência adquire novas possessoens na margem esquerda do
Rheno, que lhe cede a Áustria: os destrictos cedidos saõ os
cantoens de Sarbourg, Merzig, Warden, Otteveiller; hc que
formavam parte do antigo departamento do Sarre.
Miscellanea. 107

ESTADOS U N I D O S .

Os Estados Unidos nomearam Mr. Pinkney, para seu Mi-


nistro juncto á Corte de Nápoles ; e partio de Annapolis, aos 7
de Junho, com o commodoro Chauncey, que he o comman-
dante da esquadra, que os Americanos Unidos fazem tençaÕ de
conservar no Mediterrâneo; a fim de fazer com que os Mouros
executem as condiçoens dos tractados em que entraram.
A legislatura do Estado de Massachusetts passou um acto
para separar de si o districto de Maine, que se formará em
estado independente, annexo á UniaÕ, com a approvaçaõ do
Congresso. Esta parte do Estado de Massachussets, chamada
o districto do Maine, estava separada, por lhe ficar entre meio
0 Estado de New-Hampshire ; assim este novo arranjamento naõ
pôde deixar de convir aos povos de ambos os Estados, assim
como também á UniaÕ em geral.
As gazetas de Nova-York, de 10 Junho, dizem, que dous
commissarios da Marinha Americana, os Commodoros Rodger
e Porter, partiram para a bahia de Chesapeake, a fazer uma
minuta investigação da entrada daquella bahia, com as vistas
de averiguar a possibilidade, e o custo de a defender por meio
de baterias, erigidas no meio e nas costas conrespondentes da
bahia. Alem deste grande objecto, se julgava que os Commis-
sarios examinariam os portos de Norfolk, York, &c. a fim
de escolher a situação mais vantajosa, para um extenso deposito
naval.

FRANÇA.

O Duque de Wellington, commandante em chefe das tropas


alliadas, deixadas em França para vigiar na execução dos
tractados, apparecêo inesperadamente em Inglaterra; dizendo
que vinha, por causa de sua saúde, a tomar as águas de Chel-
tenham.
A viagem de uma personagem de tanta conseqüência, deo
lugar a varias conjecturas e rumores: atribmio-se isto a varias
o 2
108 Miscellanea.
causas mas ha bem poucos que pensem, que a moléstia do Duque
seja o motivo de sua vinda a Inglaterra.
J a ninguém duvida, que a França está fazendo consideráveis
preparativos militares ; e sabe-se, ao mesmo tempo, que o
Governo tem grande difficuldade em pagar as contribuiçoens a
que se obrigara.
Dizem que as instrucçoens particulares do Duque de Wel-
lington saõ de fazer marchar as tropas alliadas para Paris, caso
as contribuiçoens nao sejam pagas a tempo.
O Prefeito de Lisle expedio uma circular, mandando recolher
alguns soldados, que se achavam com licença sem tempo; e
que serão destinados a servir na Legiaõ do Norte, que se está
organizando com muita actividade. Nesta circular dirigida aos
sub-prefeitos observamos a seguinte passagem.
•>' Naõ se tracta agora de levar a guerra a paizes distantes;
nem mesmo de defender o nosso território, ou castigar re-
beldes : a integridade da França, a duração da paz, a estabili-
dade do throno saõ garantidas pela fé dos tractados, pelo inte-
resse e honra de todos os Soberanos, pela necessidade que todos
tem de descanço, pelas vantagens que o povo começa a sentir,
pelo desejo nacional, e, sobre tudo, pela veneração universal,
que inspira o mais justo, o mais sábio dos reys; este principe
tam desejado e amado, que Deus nos tem duas vezes restituido,
para nollo conservar para sempre. Com tudo a França pre-
cisa um exercito, cujos corpos possam todos dar um constante
exemplo de fidelidade e devoção : um exercito que possa ser o
escudo do Monarcha, e a gloria da NaçaÕ. • Em que outra
provincia he a mocidade mais digna de tal destino, do que os
numerosos filos do Norte ? El Rey e a honra chama por elles.
A ignomínia existe na desobediência, j Haverá algum Francez,
que possa hesitar na escolha ?
Aos 14 de Julho, El Rey, depois de ouvir missa, entrou no
gabinete do Conselho, estando presentes S. A. R. Monsieur, e
e o Duque e Duqueza de Berry, foram introduzidos, pelo Se-
cretario da guerra, os Marachacs de França abaixo nomeados,
que suecesivamente prestaram o juramente de fidelidade nas
maõs d'El Rey. O Duque de Cornegliano, Conde Jourdan,
Miscellanea. 109
Duque de Trevito, Duque de Tarentum, Duque de Reggio,
Duque de Albufera, Conde Gouviou St. Cyr. Duque de Coigny,
Conde Beurnonville, Duque de Feltre, Duque de Valmy, e
Conde Perignon.
Os marechaes de França, que, ou por moléstia, ou por
outras razoens naõ assistiram, para prestar o juramento de
fidelidade, fôram—Massena, DuquedeRívoli; Davoust, Duque
de Auerstadt; Victor, Duque de Belluno; Lcfebvre, Duque
de Dantzic; Conde Serrurier, e Conde Vio menil.
Estes repetidos juramentos de fidelidade, prestados por ho-
mens, que tem jurado fidelidade a quantos Governos tem tido
a França, durante a sua revolução, e que se tem voltado con-
tra esses Governos, logo que tem achado conveniente servir aos
Governos subsequentes; tem dado motivo a que muitas pessoas
ridicullzasscm muito esta cerimonia.
Nôs convimos nisto, em parte, mas achamos naquelle proce-
dimento mais alguma cousa do que mera formalidade. Con-
jectnramos daqui, que El Rey de França intenta empregar os
Marechaes tanto antigos, como os que nomeou de novo, em
organizar o seu exercito; e isto naõ pôde combinar-se com a
idea de profunda paz, e sentimentos pacíficos em todos os gabi-
netes da Europa.
Pelo decreto, qne vai copiado a p. 17, El Rey conferio a
Ordem da Legiaõ de Honra a todos os Príncipes do Sangue;
medida que traria com sigo o signal da maior incohcrcncia, se
nao fosse a consideração de que ella he destinada a fias ulte-
riores.
El Rey, por outro decreto, que apparecêo posteriormente, e
cuja data se naõ publibou, conferio aos mesmos Príncipes do
Sangue, a decoração de Gram-Cruz da Ordem de S. Luiz.
Alem de. que os Príncipes da Familia de Bourbon naõ po-
diam julgar-se condecorados, recebendo uma Ordem inventada
por Luciano Bonaparte; fundada para vigorar o republica-
nismo em França ; c cujos membros fôram os assaninos do
Duque d'Enghien, e os mais acermimos perseguidores da Fa-
mília dos Bourbon» ; El Rey data esta ordenança, que confere
a Ordem a seus parentes, no vigésimo primeiro anno de seu
110 Miscellanea.
reynado, incluindo neste periodo o reynado de Bonaparte, e o
tempo da Republica, em que esta mesma ordem foi instituída.
Naõ hc, portanto, possivel explicar este comportamento por
meio algum, que o faça racionavcl, e congruente com seus prin-
cipios, senão suppondo que a França se teme seriamente dos
Alliados, e que por este passo tenta o Governo reunir a seu
partido os militares espalhados pela França, e que se pretende
tornar a incorporar.
A questão he, que Potências tomarão o partido do Rey de
França e quaes seraõ contra elle, no caso de ruptura. A
Rússia tem todo o interesse em sustentar o Rey dos Paizes
Baixos, que nunca poderá conservar a Flandres sem o auxilio
de Potências estrangeiras. A' Inglaterra importa diminuir a
influencia da Rússia na Hollanda. Assim a Rússia e a Ingla-
terra haõ de tomar partidos oppostos; e ja se vè daqui qual
he a serie de combinaçoens, que seguirão as demais Potências.
Talvez vejamos, nestes tempos de suecessos extraordinários,
antes do veraõ que vem, a Inglaterra e França ligadas contra
a Rússia e Hollanda; e o que mais he, o continente da Ame-
rica envolvido nestas coutendas—
Quanto ao interior da França, parece que os espíritos-nao
se acham ainda inteiramente socegados; como se vè da seguinte
circular do Director das alfândegas em Grenoble, transmittida
pelo Prefeito do Isere, aos Mayoraes das Communs.

" Grenoble, 2 de Julho, 1«16.


" Ha uma classe de homens, que naõ podendo achar em si
mesmos aquella paz de que tem sido privados, pelos crime*,
que os enegrecem, olham com inveja para a segurança que as
pessoas bens dispostas gozam; e que elles trabalham cm per-
turbar espalhando rumores tendentes á revolta, ou a enfraque-
cer os sentimentos de amor e respeito, devidos por tantos titu-
los ao nosso amado Monarcha.
44
Ha também outra classe de pessoas, que naÕ podem deixar de
obter a reprovação de todos os bons Francezes. SaÕ estes os
homens, a quem nada aflecta, que soffrem que se diga tudo, e
se faça tudo, ainda que freqüentemente elles poderiam, com
Miscellanea. 111
uma só palavra, prevenir o mal, que a insensibilidade permitte
que se commétta.
(' Lisongeo-rnc de que as pessoas empregadas na vossa divisão
saõ animadas por sentimentos mais justos e legitimos; porém
como pode haver alguns, que nao conheçam a plena extensão
de seus deveres, os Inspectorcs-Geraes me tem expressamente
encarregado, de vos ordenar, que façaes saber a todas as pes-
soas que estaõ debaixo das vossas ordens, que como cidadãos,
e pessoas pagas pelo Governo, saõ elles obrigados individual-
mente, e sem distineçaõ de graduação, a informarem nao só os
seus superiores na repartição das alfândegas; mas também os
magistrados locaes, de tudo quanto vier ao seu conhecimento,
que possa ser contrario á segurança do Estado, e ao respeito
devido a Sua Majestade. Intimai-lhe, que o seu comporta,
mento deve ser tal, que os faça o terror dos agitadores; e que
a menor hesitação, a menor demora de sua parte, será grande
crime, que eu me verei obrigado a trazer ao conhecimento da
ley. Lembrai-lhes também, incessantemente, que todo o offi-
cial do Governo deve proclamar altamente a sua devoção a
El Rey, por cuja pessoa, e por sua pátria deve estar preparado
a fazer todos os sacrifícios até o da mesma vida.
44
Os bons sentimentos, que vos guiam, me dam o seguro
penhor, de que vós nao deixarei» de empregar meio algum dos
que estaõ em vosso poder, para inspirar os mesmos sentimentos
nos officiaes subalternos de vossa RepartiaaÕ, e fazêllos con.
formar-se punctual e promptamente com os regulamentos aqui
apontados, cuja execução encarrego á vossa responsabilidade.
Rogo-vos que me annuncieis a recepção desta.
Tenho a honra de vos saudar, &c.
(Assignado) + B A D O N , Director das Alfândegas.

El Rey promulgou uma ordenação, para reorganizar a Gu-


arda Nacional: o regalamento mais importante desta ordenação
he o que sugeita as promoçoens ao Ministro do Interior, quan-
do até aqui só dependiam do seu commandante em chefe que he
Monsieur. Este acontecimento he olhado como um passo para
diminuir a influencia do Usltra- realistas; e como prova de que
a Corte deseja attrahir a si a boa vontade das tropas.
5
112 Miscellanea.
Alem disto, o Ministro do Interior notificou aos Prefeitos,
que nenhum Mayoral, Adjuncto ou Conselheiro municipal po.
dera ser demitlido por arretes especiaes, mas sim dor motivos
declarados, e accusaçoens sustentadas por factos ; o que im.
pedirá consideravelmente os effeitos da espionagem, e delaçoens
secretas.

HESPANHA.
Apparecêo em Londres uma lista de navios Hespanhoes, que
os corsários de Buenos-Ayres tem aprezado juncto a Cadiz; e
as cartas particulares daquella cidade dizem, que o Governo se
acha sem forças ou meios de fazer sahir ao mar vazos de
guerra, com que possa reprimir aquelles insultos.
As gazetas Francezas trazem uma curiosa noticia de Hespa-
nha, aununciada em uma carta de Madrid, de 17 de Maio; e
he o seguinte extracto dafalla, que fez o Jezuita, nomeado para
abrir a aula de Malhematica.
44
Todos os males," disse o Professor, 44 que a Europa tem
soffrido por estes 30 annos passados, tem sido effeito dos ga-
bados conhecimentos do século passado; e que levaram os ho-
mens á irreligiaõ e á rebelião. Eu, portanto, somente vos ex-
plicarei a Anthtnetica, a Álgebra, e a Geometria; porque
temo que o resto das Mathematicas só sirvam de vos conduzir
ao atheismo e materialismo."
Continua a carta dizendo, que todas as pessoas presentes,
que seriam 120, se escandalizaram com similhante proposição.
N o segundo dia só apparecéram na aula 30 pessoas ; no ter-
ceiro, quatro, e no quarto dia um só discipulo.
Esta falia do tal Jezuita contém um longo commentario,
breve como he, da DeducçaÕ Chronologica. Hespanha he sem
duvida o paiz da Europa mais próprio para arreigar estas dou-
trinas Jezuiticas.

A Raynha de Etruria parece que tem por fim consentido,


em ceder, a favor de Áustria, as suas pretençoens aos Ducados
de Parma e Placencia.
Miscellanea. 113
INGLATERRA.
A p. 10, copiamos a falia do Orador da Casa dos Com-
muns a S. A. R. o Principe Regente; ea falia deste ; mandando
fechar a sessão do Parlamento.
Depois disto chegaram noticias dos estabelicimentos Ingle-
zes na índia, que daõ por certo nova guerra entre os Inglezes,
e algumas potências da peninsula Indiana.
O Soberano do Nepaul, com quem Lord Moira tinha feito o
tractado de paz, depois da ultima guerra, morreo antes que o
tractado fosse ratificado ; e suecedeo-lhe no throno sen irmaõ,
que recusou ratificar o tractado, e entrou em conrespondencia
com Scindia e com o Rajá de Berar; que se preparam para
atacar os estabelicimentos da Inglaterra naquella parte da
índia.

Segunda-feira 22 de Julho, se celebrou em Londres, o Ca-


samento do Duque de Gloucester, sobrinho d'EI Rey, com a
Princeza Maria, filha de Sua Majestade. Esta aliiança, sum-
mamente grata á Familia Real, tem merecido a geral approva-
çaõ da Naçaõ, pelo bom nome, qne tem aquelle Principe e a
Princeza ; de que se pôde agourar a sua felicidade domestica;
assim como o lustre da Familia reynante, e a satisfacçaõ do
povo em geral, que de taes unioens sempre resultam quando
os Príncipes assim alliados merecem os elogios, que o publico
instruído nunca deixa de offerecer em similhantes oceasioens.

A p. 77, publicamos o processo contra o Gen. Gore, Go-


vernador do Canada Superior, por ter suspendido de seu officio
Mr. Wyatt, o Medidor-geral da Provincia.
O motivo porque copiamos este caso, com alguma extensão,
foi para dar a conhecer a nossos Leitores no Brazil, uma idea
do modo porque se administram as leys na Inglaterra, e o como
he possível fazer com que os Governadores, e outros homens
públicos nas provincias distantes da Monarchia, se abstenham
de procedimentos injustos, ainda nos casos que saõ de sua le-
gitima competência.
VOL. XVII. No, 98. *
114 Miscellanea.
Os Governadores das provincias, nos estabelicimentos In-
glezes, tem sempre um Conselho, que saõ obrigados a consultar
em todos os casos de importância. Além disto ha duas assem-
bléas eleitas pelo povo ; uma composta de personages da maior
consideração, que tem funcçoens análogas á casa dos Pares no
Parlamento Britannico; outra composta de proprietários de
bens de raiz ; e que se assime-lha á Casa dos Commums.
Nestas duas corporaçoens se fazem as leys particulares para o
Governo da Provincia, que precisam também da approvaçaõ
do Governador em Conselho ; e em certos casos da approvaçaõ
d'El Rey; como acontece em Portugal com as posturas das
Câmaras.
Depois disto resta ainda ás partes, que se julgarem aggrava-
das pelo Gevernador, pôr contra elle uma acçaõ nos tribunaes
da Inglaterra, aonde o processo he sempre publico ; e a deci-
saõ do facto verificada pelo Jurado; na forma ordinária de
todos os processos.
Similhantes procedimentos, nem saõ, nem ninguém, em In-
glaterra reputa que sejam, contra a dignidade Real. El Rey
nomeia para Governador de provincia, uma pessoa que sup-
poem idônea: para prevenir os abusos sujeita esse Governador
a ouvir o parecer da um Conselho; e a outras formalidades uteis;
e como, ainda assim, pôde haver uma applicaçaõ injusta da au-
thoridade delegada, as partes tem ampla faculdade, e toda a fa-
cilitaçaÕ dos meios, de expor as suas queixas publicamente per-
ante os tribunaes ; e pedir a compensação dos damnos ou in.
jurias, que tenham soffrido; obtendo a decisão por meio de
um jurado imparcial.
Notaremos aqui também outro caso, acontecido neste mez
em Londres; que prova o modo da administração da justiça,
nos recursos contra os superiores ; e he um caso mui singular.
Por uma ley, ou acto âo Parlamento, todas as vezes, que se
aprehende algum individuo comettendo distúrbios, e seja vaga-
bundo, sem modo de vida conhecido, ou provado ; o magis-
trado, segundo as circumstancias do caso e da pessoa, deve
mandar prender o vagabundo por um espaço de tempo que naõ
Miscellanea. 115
exceda um mez; e açoitallo particularmente na Cadea. A p -
parecêo, neste mez, um individuo nestas circumstancias perante
o Lord Mayor, que he o Principal Magistrado de Londres ; o
qual, uaõ julgando necessário mandar açoitar o delinqüente, o
condemnou unicamente á prizaõ por um mez.
Este individuo mesmo, logo que saio de cadea, poz uma ac-
çaõ contra o Lord Mayor, no tribunal superior, pedindo com-
pensação de percas e damnos, pela prizaõ ter sido illegal, pois
naõ cumprira o Lord-Mayor com a determinação do Actodo
Parlamento, visto que omittio a pena dos açoites.
O tribunal conheceo mui bem a pouca vergonha, e Impudente
desaforo do queixoso, em alegar contra o Lord Mayor uma des-
obediência da ley, que consistia unicamente na clemência com
que obrara a respeito do queixoso; e no entanto naõ teve
alternativa senaõ declarar que o Lord Mayor tinha obrado
illegalmente, e dirigir ao Jurado, que determinasse, qual éra a
compensação que tal individuo merecia pelo damno e injuria
de que se queixava.
O Jurado cumprio com a ley, attendendo igualmente á natu-
reza da injuria, e se contentou com arbitrar um ceitil de con-
demnaçaõ, que o Lord Mayor devia pagar ao queixoso.

ORDEM DE MALTA.

O Veneravel Bailio Miariari tem entrado em negociaçoens


com o Imperador de Áustria, para obter a cessaõ da ilha de
Lissa, para a Ordem de Malta. Esta ilha está situada quasi
no meio do mar Adriático, tem um bello porto, algumas forti-
ficaçoens, e he susceptível de boas defezas. Dizem, que o Im-
perador concordou ja em fazer a cessão, e que as negociaçoens
só pendem a respeito das condiçoens.

POTÊNCIAS BARBARESCAS.

A Inglaterra resolveo mandar uma esquadra ao Mediterrâ-


neo para reprimir os insultos dos piratas da Barbaria. O AI-
P2
116 Miscellanea,
mirante Lord Exmouth volta com parte da esquadra que tinha
estado ali; e se lhe ajunctam outros vasos, entre os quaes saõ
o Hebrus, Granicus, Heron, e Mu tine. O Imprcgnable, e
Saperb estaõ também municiados mas falta-lhe gente.
O navio bombardeiro Belzebub está também prompto; e
leva grandes morteiros; o maior destes he das seguintes dimen-
çoens, que daraõ uma boa idea do effeito, que pode ter o poder
deste morteiro.
pés. polegadas.
Comprimento do morteiro 4 0
Calibre . . 1 1
Diâmetro da boca 2 11
Toneladas, quintaes. arr. lib.
ou 113 lib.
Pezo , 5 1 0 18
Ditto do leito 1 0 0 0
pés. polegadas.
Calibre da Câmara • 0 «4
Profundidade D". 1
Comprimento até a boca . 2 0
Exige para cada carga 24 lib. de pólvora.
Os navios desta expedição teraõ amarras de ferro, e appa-
ratos para fixar estas amarras na popa e proa; caso seja ne-
cessário fundear em frente de baterias inimigas. As lanchas e
botes levarão pequenos morteiros c carronadas.
A náo Queen Charlotte, de 110 peças, he a que tem a ban-
deira do Almirante Lord Exmouth; e vai na expedição outra
bella náo que he a Minden, de 74 ; a Promethus foi ja para o
Mediterrâneo, levando as cartas de officio para o Almirante
Penrose, que está em Malta. O Albion será a náo para o Al-
mirante Penrose, e assim haverá na expedição sette náos de
linha.
O total da expedição Ingleza, sob o commando do Almirante
Lord Exmouth acaba de dar á vella, e consiste dos seguintes
vasos, além da esquadra, que tem em Malta o Almirante Pen-
rose.
Miscellanea. 117

Queen Charlotte de 100 peças.


Albion 74
Impregnable 98
Superb 74
Minden 74
Leander 50

Fragatas.
Severn 40
Glasgow 40
Hebrus , 36
Granicus 36

Chalupas.
Britomart; Mu tine ; Heron, Prometheus, Cordelia.

Bombardeiras.
Belzebub ; Herla; Fury; Infernal.
Dizem alguns, que ao Imperador de Rússia se devem estes
preparativos contra os piratas de Barbaria. S. M. Imperial
tem feito deste negocio um artigo importante em todas as ne-
gociaçoens, em que tem ultimamente entrado com outras na-
çoens ; e consente em que as outras potências contribuam par
a despeza da expedição, que se está preparando na Inglaterra.
Também se diz, que uma esquadra Hollandeza acompanhará
a Ingleza.

RÚSSIA.

S. M. Imperial, por um Ukase dirigido ao Senado, em data


de 23 de Mayo, (Estilo antigo) ordenou, que se continuasse a
observância do tractado de commercio, concluído entre a Rús-
sia e Portugal, aos 27 de Dezembro, de 1798 ; e que expirava
ao 1*. de Junho desto anno; e que ficará em vigor até o 1°. de
Janeiro, de 1817.
Nós annunciamos já Isto no nosso N°. passado, por uma
circular do Ministro de S. M. Fidelissima, em Londres.
118 Miscellanea.
Dizem que a Rússia fez novo tractado de aliiança com os Es-
tados Unidos, pelo qual concederam os Americanos ao Impe-
rador de Rússia dous portos nas costas da America do mar Pa-
cifico.

SUÉCIA.

A Dieta em Christiana, que na Norwega se denomina


Storking, tem sido prorogada cinco ou seis vezes, e por fim
dissolvida; sem que se fizessem públicos os resultados de suas
deliberaçoens. Nem se quer se sabe, se será ou naõ adoptado
o plano de finanças que foi discutido na Dieta.
El Rey de Suécia, que ha muito tempo andava enfermo, e
achacoso, está perigosamente mal; e declararam os médicos,
que S. M. uaõ poderia sobreviver muitas semanas; esta circum-
stancia fez com que o Principe da Coroa deixasse appressada.
mente a Norwega; e voltou para Stockholmo.
Agora se fez mui publico o facto, que ha alguns mezes an-
nunciamos como mero rumor; de que o Governo Russiano
tinha em vista intrometter.se na questão da successaõ á Coroa
de Suécia, oppondo-se ao actual Principe da Coroa, c mettendo
em seu lugar o filho do Ex-Rey ; porém acerescentam também,
que se desvaneceram taes projectos, e que existe presentemente
a melhor intelligencia entre o Imperador de Rússia, e o Principe
da Coroa de Succia.

WURTEMBERG.

Uma gazeta Alemaã nos dá a seguinte conta dos tributos,


que se pagam naquelle reyno. Em 1800, as rendas publicas
montavam á somma de 1:226.437 florins; pagos por uma popu-
lação de 650.000 almas, em um território de 150 milhas qua-
dradas. O actual reyno, com uma população de 1:386.66$
almas, em um território de 380 milhas quadradas, pagou em
tributos, em 1815, a somma de 6:328.090 florins: portanto, com
uma população dobrada, o augmento dos tributos he o quin-
tuplo. Se, continua a mesma gazeta, mettermos em conta
outros pagamentos e encargos públicos, como dizimos, muletas,
6
Conrespondencia. 119
&c, avaliando isto em 4 milhoens, e as taxas de parochia, c
das communs, em dous milhoeus e meio, terem osuma somma
total, que dá mais de nove florins por cabeça, em homens,
mulheres, e crianças.
As disputas, entre El Rey e os Estados de Wurtemberg,
estaõ ainda bem longe de alguma acommodaçaÕ amigável. Os
Estados, entre outras representaçoens e queixas, apresentaram,
aos 18 de Junho, uma Nota a El Rey, a respeito do estabelici-
mento de um novo fundo de amortização : reconhecera as bené-
ficas intençoens do decreto de Sua Majestade, mas apontam
vários defeitos no plano, e declaram que todoshe inconstitu-
cional c arbitrário ; incompatível com os direitos dos Estados ;
e portanto o regeitam e invalidam definitivamente. Aos 24, El
Rey dirigio um rescripto aos Estados, em que, depois de re-
provar asperamente o seu modo de proceder, e repetir o desejo
que tem de dar ao reyno uma Constituição livre e durável, lhes
diz, que elles nao tem direito de se introroetter com o Governo ;
mas que se devem inteiramente limitar a ajudar a formar a tal
Constituição ; e que, portanto, naõ prestará attençaõ alguma
a qualquer Nota, Queixa, ou Representação da parte delles,
que se naõ limitar absolutamente a este objecto.

CONRESPONDENCIA.

Narrativa das violências practicadas pelo Rev>™. Deaõ


da Sé de Angra, contra as Religiosas do Convento
de S. Joaõ Evangelista da cidade de Ponta Delgada,
na Ilha de S. Miguel.
ACHANDO-SE vaga a Sé de Angra, servia o Deaõ, ex officio, de
Prelado das Religiosas do convento de S. Joaõ Evangelista da Ilha
de S. Miguel. Quiz este Ecclesiastico introduzir no dicto convento
duas meninas como educandas, filhas de Bento Jozé de Medeiros,
morador na mesma ilha. Conseguio isto, que éra contra as ordens
Regias, promettendo á Abbadessa, que dentro em um anno apre-
sentaria a necessária dispensa d'El Rey. Passou o anno da promessa ;
e representaram as freiras, que nao podiam conservar as meninas no
Convento; porque segundo os cânones, e bulla da confirmação de
lâO Conrespondencia.
seu mosteiro, naõ podem receber meninas senaõ da idade de 12
annos, e estas tinham uma 7, e outra 8 : e que ainda que tivessem a
idade competente, he necessário licença expressa, ou da Juncta do
Melhoramento das ordens Religiosas, ou d'El Rey. Naõ atendeo a
isto o DeaÕ, e portanto foram as freiras abrigadas, em cumprimento
de suas leys, a mandar as meninas para casa de seus parentes.
0 Deaõ, que reside em Angra, informado disto, foi ter á Ilha de
S. Miguel, trazendo uma ordem do General para metter as meninas
no Convento á força armada se fosse necessário; e intimou-se esta
ordem ao Governador e Corregedor de S. Miguel t e tornaram as
meninas a entrar no Convento.
Queixaram-se as freiras disto ao tribunal competente, a Juncta
do Melhoramento, e esta expedio uma provizaõ para que as meninas
fossem logo lançadas fora do Convento. 0 Deaõ, a quem foi coro-
roettida a execução da Provisão naõ a quiz cumprir; e passou a
seguinte pastoral.
" Jozé Maria de Bettanrourt Vasconcellos Lemos, Fidalgo Capelão
da Casa de S. A. R., Freire Conventual da Ordem dos mijitares de
S. Bento d'Aviz, Deaõ Presidente da Sancta Igreja Cathedral de
Angra, e Prelado Ordinário dos Mosteiros de Nossa Senhora da
Conceição da dieta cidade de Angra Ilha Terceira, e do de S. Joaõ
Evangelista desta cidade de Ponta Delgada, Ilha de S. Miguel, Sede
Episcopal Vacante. Juiz Executor das Dispensas Apostólicas, &c.
" A' Reverenda Madre Abbadessa, e mais Religiosas do referido
Mosteiro de S. Joaõ Evangelista, desta cidade de Ponta Delgada;
saúde e paz em Jezus Christo nosso Redertiptor ; e o mais proveitoso
exemplo e mercê.
" Sendo a charidade o principal c mais interessante mandamento
da sua divina ley, e a mais respeitosa obediência aos superiores,
nella sempre smnraamente recommendada, e sellada com o sagrado
exemplo do mesmo nosso Salvador, diante das authoridades da Judéa,
he com a mais profunda magoa do meu coração, que tenho visto,
dentro desta casa religiosa, violados aquelles dous principaes funda-
mentos da sua ley sanetissima. Nestes últimos tempos o maligno
espirito da discórdia e da rebelliaõ, que foi desde o Céo até á terra a
origem de todos os males, tem procurado estabelecer-se no centro
deste sagrado Claustro, que, sendo dedicado ao Sancto Evangelista,
tinha nisto mesmo ainda mais estreita e rigorosa obrigação de res-
plandecer nos exemplos do amor fraternal, que elle com tanto des-
vello recommendou, e pregou aos seus amados filhos em Jezus
Christo: e he tanto mais acerbe a minha amargura, quando consi-
Conrespondencia. 121
dero, que doas innocentes, na idade de dez a doze annos, Barbara
Caetana, e Maria Claudia, recolhida* neste Mosteiro por authori-
dade legitima, tem rido as victimas escolhidas para o desenvolvi-
mento do ódio e falta do fraterno amor, qne me obriga hoje a
ftllar & dieta Reverenda Madre Abbadesm e mais Religiosa* deite
Mosteiro.
" Recolhidas aquellas innocentes neste sagrado azylo, aondo
deveriam deivelar.se todas ai que as excediam em idade, para lhes
darem oi bons exemplos de paz, de charidade, e de obediência,
sanctas e brilhantes virtudes, qne fazem o explendor e o adorno do
nma habitação verdadeiramente religiosa, e da profissão monastica,
a que ellas ce destinavam; tem vindo aprender aqui, tó com oa
factos a seu respeito practicados, as liçoens diametralmente op-
posto».
" Constituído pois eu, pelos destinos da Sancta Providencia, pro
tempore, na prelazia deste Mosteiro i e devendo-me as suas Reli-
giosas inteira obediência, pelos votos, que solemnemente fizeram na
sua profissão, decidi, como entendia, a insignificante questão, que
se havia desgraçadamente suscitado sobre ai prestaçoens, com que o
Mosteiro devia contribuir aquellas duas donzellas • mandando prac-
ticar o que me parecia expresso nai eccriptnras de teu padroado, e
nas bullas de sua confirmação, e ordenando qne a minha decisaõ se
publicasse em plena Communidade, e se guardasse no archivo, para
a todo o tempo constar, e delia se poderem interpor os recursos com-
petentes, no caso de qualquer se achar offendida.
" A obediência e respeito, com que esta minha deliberação foi
recebida, foi o facto escandalosissimo de algumas Religiosas particu-
lares, que, sem authoridade ou sciencia da Reverenda Madre Ab-
badessa, que entaõ existia, se abalançáram ao desatino de lançaram
todavia fora da clausura as dietas meninas, qne nella haviam
entrado, por legitima authoridade: procedimento, que nem a
mesma Abbadessa, ainda que quizesse, podia practicar, por aquella
regra, a todos conhecida, de qne só quem abre as portas da clausura
para o ingresso,* he que também as pôde abrir para a sabida.
" Mandei immediatamente corrigir este desacerto, recolhendo as
dietas meninas a este Mosteiro, donde naõ deveriam ter saldo, por,
aquella maneira, sem legitimo mandado. Consta-me, que esta pro-
videncia na6 foi recebida, com a cordialidade qne exigia a doçura do
meu procedimento, esquecendo-se as Religiosas, que nisto tiveram
parte, de que a desculpa, que eu por aquella vei dei ao seu facto
VOL. XVII. No. 98. o
122 Conrespondencia.
Iam estrondoso, considerando-o mais filho do erro, qne de culpa, as
Obrigava a conresponder-me com unia inteira abnegação d'outras
similhantes rebelioens ; para que me poupassem a indispensável ne-
cessidade de desembainhar a espada dos castigos, que eu tinha da-
quella vez occultado Ora a Reverenda Madre Abadessa e mais
Religiosas me dispensarão de referir aqui todos os resultados funestos
e ruinosos as consciências de cada uma, eque magoam acerbamente
o meu coração: permittam-me que cubra com um denso vêo taes
horrores; basta que ellas os conheçam ; e por isso deixo de per-
petuar sua memória, relatando-os nesta minha carta pastoral.
" Filhas minhas muito amadas em Jezus Christo, a minha vóz
somente se levanta, para reprehender, quando absolutamente lhe
naõ he permittido nem louvar, nem disfarçar estes máos exemplos
de procedimentos de factos, practicados por quem deve obede er,
contra os decretos daquelles, a quem toca a authoridade para mandar,
tem sido a funesta origem de tantos males, nos nossos dias, que nin-
guém pôde ser desculpado, quando os imita.
" O altar igualmeute que o throno gritam sobre a minha consci-
ência, para que extirpe até a ultima semente desta planta venenosa,
que autos estragos lhe causou ; e eu naõ posso deixalla vegetar
neste Mosteiro, por agora entregue á minha prelazia, sem me fazer
responsável a Deus e ao Soberano do maior de todos os crimes, com
que um e outro podem ser offendidos.
" As desobediências e procedimentos de facto da parte das Reli-
giosas deste Mosteiro, contra as determinaçoens do Prelado, a quem
devem obedecer, saõ ensaios para a desorganização da ordem reli-
giosa e politica no meio da sociedade, para a qual eu nem directa
nem indirectamente, nem próxima, nem remotamente, quero con-
correr.
" Portanto estranhando e reprovando os factos acima referidos,
como os mais oppostos ã charidade Christiaã, que neste Claustro
deve resplandecer, e à obediência, que nella Se deve guardar; or-
deno a todas as Religiosas deste Mosteiro, debaixo de preceito formal
de sancta obediência, que se abstenham de todo e qualquer facto
inquietador da paz e tranquillidade, que neste Mosteiro devem gozar
as mencionadas meninas, comminando aquellas, que transgredirem
este meu preceito, á prizaõ e suspensão (ipso facto) de todos os em-
pregos, que da religião tiverem ; e da vóz activa e passiva nas elei-
çoens religiosas, pelo tempo de seis annos futuros, além das mais,
que a gravidade e circumstancias dos casos oceurrentes exigirem.
Conrespondencia. 123
E á Reverenda Madre Abbadessa, Definitorio, e Escrivaã ordeno,
outrosim, debaixo da mesma pena de suspensão (ipso facto), de
todos os seus empregos e dignidade, e de inhabilidade para terem
outros, que inteiramente cumpram e guardem as minhas determina-
çoens acima referidas sobre a subsistência das mencionadas meninas,
em quanto por outra authoridade à minha superior naõ forem corri-
gidas; declarando illegaes todas as despezas, que se fizerem de fu-
turo com as Religiosas, uma vez que outras iguaes naõ sejam feitas
com as dietas meninas, eque ellas naõ estejam inteiradas de pretéritos
de tudo o que as Religiosas tem recebido, e ás meninas se tem fal-
tado ; fazendo também responsável o. Procurador Geral do Mosteiro,
a quem esta será igualmente lida, pelo cumprimento, ou transgressão
desta minha disposição, devendo elle, pelos recebimentos que fizer,
inteirar as dietas meninas de tudo quanto vir prestar ás Religiosas,
uma vez que naõ veja se lhes satisfaz igualmente a ellas; porque essa
sua despeza lhe será levada em conta, como por mim expressamente
determinada. E á Reverenda Madre Abbadessa, e Definitorio or-
deno, outro sim, debaixo das mesmas penas, de suspensão e inhabili-
dade, que procedam com as referidas penas contra toda e qualquer
Religiosa, que ousar ofiender ou insultar as dieta» meninas, por
aciute a esta minha disposição. A mesma Reverenda Madre Abba-
dessa e Definitorio fiquem na intelligencia, que assim o poder militar
do Governo, como o eivei da sua Correiçaõ foram por mim depre-
cados, e se acham promptos para lhes darem todo o auxilio da força,
que se lhes fizer necessário, para sustentar a obediência e respeito
devido ás minhas ordens, e disposiçoens acima dietas, e para manter
a interna tranquillidade do Mosteiro, contra quaesquer motins, as-
suadas, e tumultos, que nelle se practicarem, em ódio ás referidas
meninas, e que a mesma Correiçaõ foi outro sim deprecada, para
compellir, pelos meios da sua jurisdicçaõ, o dicto Procurador Geral do
Mosteiro, a inteirar as dietas recolhidas de tudo aquillo, que lhes
tenho mandado assistir, quando por ellas lhe seja requerido, na falta
de inteiro cumprimento desta minha pastoral. E conhecendo eu,
que a brandura e docilidaJe, que he natural ao sexo feminino pôde
ter grande parte nos males, que justamente me affligem e magoam,
tendo as Religiosas máos conselheiros, que em vez de dissipar pro-
curem nutrir as suas dissençoens; ordeno mais t que nenhum requi-
rimento, representação DU carta me seja dirigida sobre a matéria,
que traclo de remediar, ou seja pela Reverenda Madre Abbadessa ou
Definitorio, ou maioria da Communidade, ou finalmente por qual-
quer das Religiosas, sem que traga a assignatura de algum dos
124 Conrespondencia.
Advogados, habilitados para isso nos Juizos Ecclesiastico ou Civil
desta cidadei querendo assim que o conselho presida, em vez das
paixoens, no meio desta religiosa habitação. A's dietas D. Barbara
Caetana, e D. Maria Claudia ordeno também, e muito recommendo
todo o respeito e consideração, para com todas as Religiosas deste
Mosteiro, a fim de que por sua boa indole e virtudes concorram pela
sua parte para a concórdia, que desejo estabelecer. Ordeno final-
mente, que esta minha pastoral seja lida em plena communidade, no
termo de viute e quatro horas; que seja conservada no archivo do
Mosteiro, e que a Reverenda Madre Abbadessa me envie por certidão
em forma, na qual se declare, que foi lida, e guardada na forma
transcripta, e registrada no livro competente.
" Eu espero na mizericordia do Senhor, que as perturbaçoens
passadas sejam substituídas de futuro, pela sancta paz e suave har-
monia, que deve animar as verdadeiras esposas de Jezus Christo.
Espero que a minha alma terá ainda muitos motivos de consolação
por este respeito, em recompensa dos sacrifícios que tenho feito,
expondo a minha vida aos encommodos e perigos do mar, a fim de
preencher as obrigaçoens da minha prelazia; e abençoando com
ternura e cordialidade de pay todas as Religiosas deste Mosteiro, rogo
humilde e fervorosamente ao nosso Divino Salvador, que as tenha em
sua sancta guarda. Dada em o Convento de S. Agostinho desta cidade
de Ponta Delgada, aos 30 de Abril, 1816.
0 Deaõ, Jozê Maria de Bettencourt Vasconcellos
Lemos.
O Deaõ léo as freiras, no seu parlatorio, eu locutorio, em plena
Communidade, a sobredicta pastoral, estendeo-se em reprehensoens
verbaes; e as freiras appeüárani das detcnninaçoens do Deaõ, qne
mandou escrever a appellaçaõ sem suspensão; mas passados três
dias resolveram as freiras em acto.de comuuinidade expulsar as
meninas, e aos 3 de Maio as enviaram outra vez para casa de sua tia.
Nesse mesmo dia o Deaõ aprestou-se com uma tropa de soldados,
deo cerco ao Mosteiro com tambor batente, mandou avançar com
bayonetas caladas, e os portamachadns arrombar as portas, as freiras
assustadas fugiram para o corpo da igreja ; vencido assim pelo Deaõ
o importante corpo mulheril, passou o iuvicto Deaõ a gozar de sua
conquinta; encontrou as freiras no Coro, descompôllas, fez entrar
as meninas de novo no convento; e mandou prender nos cárceres,
sem limitação de tempo, a Abbadessa, Vignria, &c. embarcando-se,
no mesmo dia, depois deste tiiampho, para a Ilha Terceira.
CORREIO BRAZILIENSE
D E AGOSTO, 1816.

Na quarta parte nova os campos ara,


E se mais mundo houvera Ia chegara.
CAMOENS, C. Vil. e . 1 4 .

POLÍTICA.
REYNO UNIDO DT PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Nota do Ministro Russiano, sobre a prorogaçaõ do Trac-


tado de Commercio com Portugal.
O ABAIXO assignado, Secretario de Estado de S. Majes-
tade o Imperador de todas as Russias, em resposfa á nota,
que íbe dirigio no 1°. do corrente mez o Senhor CommeH-
dador de Saldanha da Gama, Enviado Extraordinário, o
Ministro Plenipotenciario de S. A. R. o Príncipe .Regente
de Portugal, tem a honra de o informar, que levou ao
conhecimento de S. Majestade Imperial os seus differentes
officios, tendentes a abrir negociações para a renovação do
tractado de commercio entre a Rússia e Portugal, cujo termo
se acha próximo a findar. Tomou S. Magestade cm ma-
dura consideração esta abertura, c em quanto naõ manda
annunciar aò Senhor Commendador de Saldanha uma reso-
lução diffiiiitiva a este respeito, tem o mesmo Senhor con-
sentido, por uma justa consideração dos prejuizos, que
poderiam soffrer as relaçoens commerciaes dos dous paizes,
era conseqüência de uma simultânea interrupção das esti-
VOL. XVII. No. 99.
126 Politica.
pulaçõesdo sobredito tractado, que elle se conserve em seu
vigor até ao I o . de Janeiro do anno próximo. Por cujo
motivo o Ministério das Finanças, informado desta proro-
gaçaõ, acha-se ao mesmo tempo encarregado de expedir as
ordens correspondentes aos officiaes das Alfândegas nos
portos do Império; e o abaixo assignado se lisonjêa de
que o Senhor de Saldanha, dará da sua parte os passos
necessários, para que iguaes medidas, dictadas pela reci-
procidade, e pelas considerações devidas aos interesses dos
respectivos vassallos, sejam igualmente adoptados nos
estados de S. A. R. o Principe Regente de Portugal: e
tem a honra de offerecer ao Senhor Commendador de Sal-
danha as reiteradas seguranças da sua distincta considera-
ção.
(Assignado) NESSELRODE.

St. Petersburgo, 14 de Maio, de 1816.

Avizo á Juncta do Commercio do Rio-de-Janeiro, sobre a


Ilha de Sancta Helena.
Tendo-se assentado e resolvido entre os Soberanos Allia-
dos, em conseqüência dos últimos acontecimentos succe-
didos na Europa, que a Ilha de Sancta Helena fosse o lugar
da residência futura do General Napoleaõ Buonaparte, e
que, era quanto elle ali existisse, fosse prohibida a quaes-
quer navios, ou embarcações estrangeiras, toda a commu-
nicaçaõ com a referida ilha; julgou S. A. R. o Principe
Regente meu senhor conveniente mandar remetter á Real
Juncta do Commercio, Agricultura, Fabricas, e Navegação
deste reyno e dominios ultramarinos, a copia inclusa por
traducçaõ da nota circular, que o ministério Britannico
fez passar ao ministro de S. A. R . na corte de Londres
sobre este objecto, a fim de que a mesma Juncta faça con-
2
Politica. 127
star ao corpo do commercio o seu contetído para sua devida
intelligencia.
Deos guarde a V. S.
Marquez DE A G U I A R .
Senhor Luiz José de Carvalho e Mello.
Paço em 30 de Janeiro, de 1816.
Traducçaõ.
Circular.—O abaixo assignado, um dos principaes se-
cretários de estado de Sua Magestade tem a honra de com-
municar ao Senhor Freire, para informação da sua corte,
que em conseqüência dos últimos acontecimentos succedi-
dos na Europa julgou-se conveniente, e determinou-se de
acordo com os soberanos alliados, que a ilha de Sancta
Helena será o lugar designado para a futura residência do
General Napoleaõ Buonaparte, debaixo daquellas regula-
ções, que possam ser necessárias para a perfeita segurança
da sua pessoa; e para este fim resolveo-se, que todos os
navios estrangeiros ou embarcações quaesquer, seraõ ex-
cluídas de communicarem, ou aproximarem-se aquella
ilha, em quanto ella continuar a ser o lugar da residência
do dicto Napoleaõ Buonaparte.
O abaixo assignado roga ao Senhor Freire, haja de
aceitar a segurança da sua alta consideração.
(Assignado) BATHURST.
Senhor F R E I R E .
Secretaria dos Negócios Estrangeiros, 26 de Agosto, de
1815.
CAMILLO MARTINS L A G E .

Portaria do Governo de Portugal, sobre os incêndios dos


pinhaes, Scc.
Tendo sido presentes ao Principe Regente Nosso Senhor,
era conta do Intendente Geral da Policia, da data de 21 de
R2
128 Politica.
Maio próximo passado, os meios, que lhe pareciam prcfe*»
riveis para se evitarem, quanto fosse possivel, os incêndios,
que se lançavam nos pinhaes, vinhas, e herdades, nas diffe-
rentes provincias do reyno, com gravíssimo prejuizo dos
seus respectivos proprietários; visto que as repetidas
ordens, e providencias, que se haviam dado ao dicto res-
peito naõ eram sufficientes para ao menos se minorar o mal,
quando totalmente o naõ podessem extinguir : Ha o mesmo
Senhor por bem determinar, que na provincia da Estrema-
dura, e comarca de Setúbal se observem interinamente as
providencias seguintes:
1*. As Justiças da cabeça do julgado, sejam juizes de
fora, ou ordinários, deverão formar uma lista exacta de
todos os trabalhadores, que houverem nos seus districtos,
tanto dos que trabalharem na cultura dos campos, como
dos que se occuparem nas cidades, villas, e lugares,
fazendo companhias separadas em cada vintena dos que
forem nellas moradores, e sujeitos aos J uizes respectivos,
bem como nas cidades, e villas, em que residirem, para
que possam acodir promptamente aos fogos que houverem,
tanto nos próprios districtos, como nos que apparecercm
até á distancia de uma legoa.
2*. Logo que se descobrir qualquer incêndio, o Juiz da
cabeça do julgado, assim como todos os Juizes dos distric-
tos, que ficarem a distancia de uma legoa da sua existência,
deverão concorrer pessoalmente ao lugar do fogo., acom-
panhados dos escrivaens, e mais officiaes respectivos, e de
todos os trabalhadores, que se acharem alistados ; c o Juiz
do lugar, em que começar o incêndio, mandará logo fazer
sio-naes, que se façam conhecer, seja por toque de sinos,
seja por bozinas, que devem ter, para avisar tanto as jus-
tiças confinantes, como os trabalhadores, a fim de acodirem
promptamente ao lugar incendiado.
3 a . Os trabalhadores, que forem alistados, teraõ obriga-
ção, ouvindo o signal que annunciar a existência do incen-
Politica. 129
dio, e achando-se nas cidades, villas, e lugares, de con-
correrem immediatamente á porta da residência do respec-
tivo Juiz, ou de quem suas vezes fizer, para todos partirem
para o sitio do incêndio; e quando estejam nos trabalhos
do campo, deverão logo informar-se do lu<-;ar aonde este
he, e caminhar sem demora para ali receberem as ordens
das respectivas Justiças, indo uns, e outros munidos com
os Instrumentos próprios para o trabalho a que saõ cha-
mados, debaixo da pena, naõ o cumprindo assim, de pa-
gar cada um que faltar, a quantia de dous mil réis, que
será applicada para as despezas do Conselho, a que per-
tencer o multado.
4». Seraõ obrigados a acodir na dieta forma todos os
Trabalhadores, que se acharem a distancia de uma legoa
do lugar do incêndio, ainda que residam em differentes
districtos, debaixo da mesma pena de dous mil réis, em
que seraõ condemnados na conformidade da Providencia
antecedente.
5*. NaÕ acodindo os Trabalhadores logo ao lugar do
incêndio, e allegando que os Donos dos Prédios, ou seus
Feitores, e Amos iníluiram para que naõ concorressem
promptamente ao mesmo lugar do incêndio, ficarão
aquelles sempre sujeitos ás mesmas penas, e estes respon-
sáveis pelo prejuizo, que causar o incêndio, como auxilia-
dores delle.
o". NaÕ será admittida escuza alguma, á excepçaõ de
quando se provar legitimo impedimento, moléstia, ou au-
sência.
7a. Os Trabalhadores, que concorrerem para a extinc-
çaõ dos fogos, seraõ sempre pagos do seu jornal, ou pelos
Proprietários daquelles Prédios próximos do incêndio, que
naõ chegaram a receber prejuizo, em razaõ das fadigas
dos mesmos Trabalhadores em atalhar o fogo, fazendo-se a
este respeito um arbítrio pelos Juizes da Cabeça do J u l -
gado com os respectivos Louvados, na proporção do lu-
130 Politica.
cro, que tiveram por naõ serem reduzidas a cinzas as suas
Propriedades, ou pelos que ficarem pronunciados, e vie-
rem a ser condemnados pela culpa de lançar o fogo ; de-
vendo os referidos Juizes na occasiaõ de avaliar o pre-
juizo, que este causar, fazer entrar em despeza os Salários
dos Trabalhadores, queacodiram, ajunctando para isso re-
lações assignadas, para se lhes pagar conforme os preços
correntes ; naõ devendo retardar-se de forma alguma este
pagamento, nem deixar de se fazer primeiro que algum
outro.
8 a . Todas as CondemnaçÕes, que se impozerem, seraõ
cobradas pelas Justiças das Cabeças dos Julgados a que
pertencerem os Trabalhadores, que foram, a bem do pa-
gamento dos jornaes daquelles que o vencerem, quando
naõ chegarem, ou deixarem de ter lugar os dous modos de
pagamento declarados na Providencia antecedente, appli-
cando-se o remanescente, quando o haja, para as despezas
dos respectivos Conselhos.
9». Os Escrivaens da Cabeça do Julgado, e os do Dis-
tricto, em que houver o incêndio, como também os que
Tesidirem dentro de uma legoa contada ao lugar do fogo,
logo que ouçaõ signal de que o há, teraõ obrigação de se
apromptar, procurando a residência do seu Juiz para dali
se encaminharem ao lugar do incêndio, incorrendo na sus-
pensam de seus Officios quando faltem, recuzem, ou in-
fluam para que com toda a promptidaõ se deixe de acodir
ao fogo posto.
10a. Seraõ obrigados os Escrivaens, logo que cheguem
ao lugar do incêndio; a tomar em relação todos os Traba-
lhadores alistados do seu Districto, que compareceram
nesse acto, fazendo apontamento dos que faltarem, cuja
relação se deverá verificar logo que o fogo esteja apagado,
tanto para effeito de se condemnarem os que naõ compa-
recerem, como para conhecimento dos que deixaram de
se appresentar promptamente para se lhes diminuir nos
Politica. 131
Diários, e se lhes arbitrar o que deveram vencer em pro-
porção do trabalho que fizeram ; e sendo a dieta Rela-
ção assignada pelo Escrivão, será entregue ao respectivo
Juiz.
11 a . Os Juizes da Cabeça do Julgado, sempre que ti-
verem noticia que ha incêndio no seu Listricto, deverão
pessoalmente acodir com os seus Officiaes, e trabalhadores
alistados, como fica declarado na Providencia 2*. naõ só
para fazerem as diligencias, que as Leys recommendam,
como para dirigir, e combinar com os outros Juizes, que
apparecerem, sobre o modo mais fácil, e prompto de ex-
tinguir o incêndio, sendo privativo do seu Cargo receber
as Listas de todos os Trabalhadores, que se empregaram
no incêndio, naõ só para regular os Salários, que se lhes
devem pagar, como para tomar conhecimento dos que fal-
taram, e se applicarem as CoudemnaçÕes para os Jornaes
que se vencerem, quando naõ cheguem os meios aponta-
dos na Providencia 7*.
12». E porque succede freqüentes vezes principiar o
incêndio nas Estradas Reaes, lançado pelos Viajantes, e
Almocreves, para naõ serem tara facilmente surprehendi-
dos pelos Saltcadores, seraõ constrangidos os Proprietá-
rios dos Pinhaes, e grandes Matas situadas nas dietas Es-
tradas, a cortarem, e desbastarem na distancia de doze
passos de cada lado da Estrada aquellas Matas, ou Pi-
nheiros, que possam servir de embuscada aos Ladrões, e
Malfeitores, dentro do prazo de trinta dias, contados da
publicação desta, debaixo da pena de ser mandado fazer
á sua custa este corte pelas Justiças dos respectivos Dis-
trictos, e de lhes serem imputados os incêndios, que come-
çarem por similhantes em buscadas.
13*. Haverá o maior cuidado na exacta observância
das Providencias da Ord. L \ 5'. Tit*. 86. §. 7*. ; sendo
obrigados os caçadores, pastores, e carvoeiros a pagar pelos
seus bens, quando se naõ ache que outrem foi o incendia-
132 Politica.
rio, todo o damno, que o fogo tiver feito ; devendo para
esse fim serem naõ só encoimados os pastores, mas também
os gados, que forem achados na infracçaõ, com a pena de
mil réis por cada cabeça de gado vaccum, e cem réis por
cada carneiro, ovelha, cabra ou chibarro; e as coimas
executadas nos mesmos gados, sendo citados para as vêr
condemnar pelos maioraes, que as guardarem, tanto pelo
que respeita aos gados do termo, como pelo que respeita
aos de fora.
14». E por que similhantes damnos costumam ser causa-
dos em muitas occasiões por effeito de interesse de terceiras
pessoas, sem advertência do prejuizo publico, nem parti-
cular dos donos dos prédios, faz-se necessário, que nos
livros das câmaras se tome assento dos gados, que pastam
nos seus districtos, e juncto deste haja de declarar o pastor
o seu nome, o sitio aonde ha de apascentar, e o tempo que
se demorará. Da mesma forma se deverá praticar com os
carvoeiros, e caçadores, ficando uns, e outros sujeitos ao
resarcimento dos damnos dos fogos em quanto ali apascen-
tarem gado, fizerem carvoarias, ou caçarem ; c além desta
reparação do damno ficarão obrigados á satisfação das
despezas da diligencia de que tracta a providencia 7 a . em
falta de réos do delicto, descobertos por prova directa,
todos aquelles contra quem se provar que se occuparam
nestes exercícios, nao se tendo antecedentemente manifes-
tado á câmara, e obtido licença delia, na qual se imporá
impreterivelmente ao individuo, que a impetrar, a obriga-
ção de acompanhar-se sempre no exercicio de apascentar
gado, de preparar carvaõ, ou de caçar, de uma bozina,
para com ella dar signal do incêndio, sempre que o desco-
brir começado.
15 a . As providencias dadas para os incêndios das cou-
tadas no alvará de 29 de Agosto de 1783, seraõ applicaveis
geralmente ás mais terras, ficando sujeitos os que se acha-
rem apanhando, e conduzindo cinzas das queimadas, a
Politica. 133
perderem os carros, e bestas destinadas para a dieta n-
ducçaõ, além de serem prezos por oito dias ; e as justiças
faraõ cavar, e confundir com terra as referidas cinzas, com
pena de suspensão de seus officios, e de serem tidos como
anxiliadoresde taes extracções, se assim o naõ cumprirem)
cujos effeitos apprehendidos, e cavalgaduras, seraõ arre-
matados em praça publica, com applicaçaõ de metade
para as despezas do Concelho, e outra metade para quem
os denunciar.
16*. Os que se acharem apanhando lenha das queimadas,
sem licença de seus donos dada por escripto, ou forem
encontrados com lenha conhecidamente de queimadas, que
naõ mostrem pertencer-lhes por meio legitimo, ainda
mesmo que sejaõ vistos já fora das dietas queimadas, ficam
sujeitos âs penas estabelecidas na providencia antecedente,
e com as mesmas applicações.
17*. Seraõ permittidas licenças aos que as pedirem, tendo
terras suas, ou que tragam de renda, para porem fogo, e
queimarem restolbos, moitas, ou mato para as suas lavou-
ras, e sementeiras, ou para porem bacelo, e fazerem adubos,
como se costuma praticar, ordenando os Juizes, que derem
as licenças, nos seus despachos, que os donos das terras
que as pedirem sejaõ obrigados a ter as vigias necessárias,
e homens prompíos para atalhar o fogo, se acontecer sepa-
rar-se dos terrenos, que pertendem queimar, ficando assim
mesmo responsáveis por todo o prejuizo, que disso resultar
aos seus vizinhos.
18a. Além das referidas providencias, que os Juizes da
cabeça de cada julgado faraõ descrever nos livros da câ-
mara para por elles se regularem, nos casos de incêndio,
tirarão os mesmos Juizes as devassas, quea ley lhes in»
cuiube, remettendo todos os mezes uma certidão do estado
das mesmas devassas ao corregedor da comarca, na fôrma
das Reaes ordens, que lhes tem sido communicadas pela
Intendencia geral da policia.
VOL. X V I I . No. 99.
134 Politica.
19*. Os corregedores das respectivas comarcas averi-
guarão se no seu districto se cumprem exactamente as
referidas providencias, e daraõ logo parte na dieta Inten-
dencia, quando encontrem alguma falta, ou omissão na
observância de todo o referido.
E manda que o Intendente Geral da Policia o tenha
assim entendido, e faça executar com as ordens necessárias.
Palácio do Governo, em 2 de Julho, de 1816. Com três
Rubricas dos Governadores do Reyno.

LISBOA.
Edictal da Juncta da Saúde.
9 de Julho.
A Juncta da Saúde Pública faz saber, que por Aviso ex-
pedido pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangei-
ros, da Guerra e Marinha, em data de 28 de Junho próximo
antecedente, lhe foi communicada a noticia official de se
ter manifestado na cidade de Cagliari, capital da Ilha de
Sardenha, uma terrível moléstia, da qual se acbavaõ ata-
cadas 680 pessoas no dia 24 de Abril próximo passado ; e
entre estas, 200 em grande perigo de v i d a : Em conse-
qüência pois deste desagradável e perigoso acontecimento,
a Juncta recorre, sem perda de tempo, ás seguintes provi-
dencias, para por meio dellas evitar a communicaçaõ deste
novo flagello, que ameaça por mais um lado a segurança
da saude pública do reyno.
1. Saõ considerados como contagiados deste flagello
todos os portos da Ilha de Sardenha, especificamente—
Cagliari, Ogliastro, Terra Nova, Stagno, Oristagni,
Alghieri, Porto Tore, CapoFrasque, Ilha Santo Antioche:
Todos os portos da Ilha de Corsega; especificamente,
Ajaccio, Girelate, Bonifácio, Calvi, Saõ Fiorenzo, Alga-
giola. ContiuuaÕ a ser comprehendidos nesta mesma
classe todos os portos especificados no artigo I . do edictal
Política. 135
de 30 de Março, do corrente anno, por continuarem os
motivos porque alli foram considerados como taes.
2 As Embarcações procedentes dos Portos comprehen-
didos no Artigo antecedente, naõ se admittem em nenhum
Porto do Reyno : e quando succeda que cheguem a entrar
em algum dos Portos do Reyno, seraõ obrigadas a sahir
com as cautellas, que as suas circumstancias especificas, e
as do Porto era que tiverem entrado, recommendarero, ou
fizerem necessárias, prevenindo primeiro todos os Portos do
Reyno; e apenas se lhes concede lançarem fora as cartas
ou papeis, que tragam o seu bordo, para serem entregues
ás Repartições, ou pessoas, a quem se dirigirem, depois de
purificados pelos desinfectantes mais enérgicos, que actual-
mente se pratiçaõ em similhantes casos; ficando restringida
esta mesma liberdade ao Porto de Lisboa, pelo perigo que re-
sultaria á regurança da Saúde Pública, se este rnelindro-
sissimo ramo de Policia externa de Saúde se permittisse
em qualquer outro Porto do Reyno.
3. Saõ considerados como muito suspeitosos desse con-
tagio os Portos da Ilha d'Elba ; especificamente, Porto
Feraio, e Porto Longon. Na Toscana o Porto de Liorne:
Na Campanha de Roma, Sancto Stefano, Civita Vechia,
Fiumicino, e Porto Dansa : No Reyno de Tunis, Biserta,
Tunis, Galipoli, Susa, e Monaster : ISo Senhorio de Al-
ger, Alger, Bonna, Bougic, Arzeni, Storo, Ilha Taburgo,
Oran, Tenes, e Marsalquivir. Continuam a ser compre-
hendidos nesta mesma classe todos os Portos especificados
no Artigo III. do Edictal de 80 de Março, do corrente
anno por continuarem os motivos por que alli foram con-
siderados como taes.
4. As Embarcações procedentes dos Portos comprehen-
didos no Artigo antecedente, saõ admittidas só, e exclusi-
vamente no Porto de Lisboa, debaixo de uma quarentena
rigorosa.
5. As AmbarcaçÕes precedentes dos Portos de Itália
s2
136 Politica,
que nao ficam expressamente nomeadas no Artigo I I I . ; as
que procederem da Ilha de Malta; e as que procederem
em geral dos Portos de Barbaria, que naõ ficam expressa-
mente nomeados no sobredicto Artigo III., saõ admittidas
só, e exclusivamente no Porto de Lisboa, debaixo de uma
quarentena de 20 dias.
6. Os Artigos VI. e V I I . do Edital de 30 de MaTço,
do corrente anno continuam na sua literal observância.
7. As Providencias, que ficam adoptadas nos seis Arti-
gos antecedentes, seram reduzidas á sua fiel execução, de-
baixo das medidas, cautellas, e responsabilidades, que se
estabeleceram pelos Artigos VIII., I X , e X , do Edictal
de 30 de Março, próximo passado.
E para que chege á noticia de todos, e se nao possa al-
legar ignorância, se mandou affixar o presente Edictal em
todas as Praças, e Lugares Públicos dos Portos do
Reyno, para ser escrupnlosaraeiite observado, em quanto
naõ for dispensada, ou modificada por outro a sua literal
observância.
(Assignado) L u i z ANTÔNIO REBELLO DA SILVA.
Lisboa, 3 de Julho, de 1816.

FRANÇA.

Ordenança sobre certas annuidades da Legiaõ a"Honra.


L u i z , &c.—Haveudo-nos sido representado, que exis-
tiam nos cofres dos sêllos, e nos da nossa Ordem Real da
Legiaõ d'Honra, obrigaçoens chamadas annuidades, que
foram assignadas em beneficio dos dictos cofres ; ja por
titulares de dotaçoens situadas fora du uosso Reyno, ja
por viuvas de titulares, a quem se Unham concedido pen-
soens sobre estas dotaçoens, e que os titulares das dietas
dotaçoens e pensoens tem cessado de gozar das mesmas ;
temos ordenado e ordenamos o seguinte.
Art. 1.—As obrigaçoens chamadas annuidades, que es-
taõ vencidas e naõ pagas, ou que para o diante se vence-
Politica. 137
rem, havendo sido assignadas em pagamento de reclama-
çoens feitas aos cofres dos sellos e da nossa Real Ordem da
Legiaõ d'Honra, por titulares de dotaçoens, cuja proprie-
dade esta situada fora do presente território de nosso Rey •
no, e pelas viuvas de titulares, a quem se tenham assig-
nado pensoens sobre as dietas dotaçoens, saõ e continua-
rão a ser annuladas; revogando a este respeito todos os
estatutos, que forem de contraria natureza.
2. A nullidade, e extincçeõ pronunciada pela presente
ordenação naõ dará lugar ao re-embolço das dietas annui-
dades, que até aqui tiverem sido pagas pelos titulares das
dietas dotaçoens ou pensoens, ou por cuja conta se tives-
sem feito algumas reservas.
(Assignado) Luiz.
Dada no Palácio das Thuillerias, aos 24 de Julho, de
1816.

HESPANHA.

Decreto, para estabelecer a educação publica nos con-


ventos dos frades e freiras.
A Historia de todos os Povos demostra cora evidencia,
que as mais assizadas leys e os mais bem meditados regu-
lamentos saõ iii8ufficientes, para obterá fruição dos fins da
Sociedade, quando pelo decurso do tempo, ou por acon-
tecimentos extraordinários chegam os costumes a um certo
gráo de relaxaçaÕ. Por isso os mais profundos pensado-
res nestas matérias tem estabelecido por principio incon-
cusso, que o único meio de evitar este mal, ou de cortar
seus progressos, se por desgraça chega a introduzir-se, he
o de attender com o maior esmero ao digníssimo objecto da
Educação publica. Por meio desta se insinuara, nos ten-
ros corações da mocidade de ambos os sexos, aquelles saõs
principios com que depois no decurso da vida resistem
aos seduetores impulsos do excessivo deleite, e aos sophis-
138 Politica.
mas do erro, que saõ a origem da perversidade dos cos-
tumes. Bem penetrados destas verdades os meos augus-
tos Predecessores formaram em diversos pontos da Monar-
chia vários estabelecimentos, cujos vantajosos effeitos ex-
perimentou feliz a naçaõ por uma dilatada serie de annos.
Chegada a época da terrível crise, que todos havemos la-
mentado, o turbilhão da maldade, que inundou de sangue
nossas formosas Provincias, destruio, com igual furor, to-
das as fundações, qne tantos desvélos haviam custado
aquelles Soberanos. Os desmoralizados invasores, ao
passo que destruíam por um lado, edificavam por outro
com o seu exemplo e com sua desenfreada libertinagem os
cimento» da corrupção geral dos costumes. Poucos annos
de taõ desgraçada desordem bastaram para abrir uma bre-
cha immensa na publica moral, e se por fortuna houve in-
finitas pessoas que formadas já na virtude souberam resis-
tir aquella torrente, muitas outras, especialmente entre a
débil juventude, cederam aos nimiamente fortes impulsos
do vicio.—Apenas fui restituido pela Providencia ao
throno de meus Progenitores, notei com summa dôr estes
resultados, e julgando desde logo pelos rápidos progres-
sos de taõ grave mal, que chegaria a ser irremediável se
naõ se atalhasse com promptns e eficazes remédios, cuidei
em conter os já viciados, mediante uma naõ interrompida
vigilância sobre a sua conducta, e attender ao futuro com
o restabelecimento das Casas de Educação. Naõ me per-
mittiram as estreitas circumstancias do Erário realizar as
minhas idéas com aquella presteza, que requeriam os males,
que tractava de remediar; e para supprir de algum modo,
mandei formar quantas escolas fosse possivel para a pu-
blica instrucçaõ e formação dos costumes. Convidei além
disso os Religiosos das diversas Ordens do Reyno a que
as estabelecessem nos seus Conventos, e ainda qüe corres-
ponderam immediatamente aos meus desejos com um zelo
« com uma actividade qne promettem os melhores effeitos,
Política. 139
impedindo a natureza dos seus institutos que attendessem
& educação do sexo, que tanto influxo tem no bem e no
mal do Sociedade, ficava um vácuo nesta parte que assaz
era sensível ao meu coração. Foi a minha mente encar-
regar às Religiosas taõ digno objecto ; porém o sagrado
de seus claustroB e de suas místicas occupações exigia uma
authorisaçaõ Pontifícia, por cujo motivo me dirigi ao
Sancto Padre, por meio do meu Ministro Plenipotenciario
era Roma, expondo-lhe a graveza do mal e a necessidade
do Temedio. Persuadido Sua Sanctidade de taõ justas
considerações mandou á Sagrada Congregação de Emi-
nentíssimos e Reverendissiroos Cardeaes da Sagrada Ig-
reja .Romana, que dirigisse ao meu Capellaõ Mór e Pa-
triarca das índias o seguinte Decreto :
**• Illustrissimo e Reverendissimo Senhor e Irmaõ : En-
tre as maltas e saudáveis providencias tomadas pela Ma-
jestade d'El Rey Catholico cm beneficio de seus Reynos,
merece o maior louvor o ter posto toda a sua attençaõ e
esforço em corrigir e reformar os costumes dos seus sub-
ditos relaxados com a passada desordem. Para este effeito
expoz o piedosíssimo Monarca ao nosso Sanctissimo Pa-
dre Pio V I I . , por via do Cavalheiro D. Antônio de Var-
gas, sujeito do maior zelo, e seu Ministro Plenipotenciario
juncto da Sancta Sé, com quanto ardor desejava que se
applicassem saudáveis remédios a este mal cada dia mais
grave; e que naõ lhe parecendo haver outro mais efficaz
que o de imbuir nos tenros ânimos dos meninos de ambos
os sexos os saÕs e iocorruptos princípios do Catholicis-
mo, teria adoptado o meio de estabelecer Casas publicas de
Educação, de que carecem muitas Cidades, se as passadas
desgraças naõ tivessem feito impossível attender a gastos.
ta6 crescidos ; que por esta consideração tinha procurado
excitar os Religiosos Regulares, os quaes haviam já dado
principio ao seu trabalho na instrucçaõ dos meninos ; mas
que desejava S. M. animar as Sagradas Virgens á educa-
140 Politica.
çaõ das meninas, para cujo effeito pedia á Sé Apostólica
que concedesse faculdades aos Arcebispos, Bispos, e mais
Prelados das Hespanhas para estabelecerem Escolas nas
paragens e Mosteiros que julgassem conveniente, ficando
sempre em vigor os votos com que aquellas virgens se con-
sagraram a Deos, e as Regras de cada Ordem Religiosa,
dispensando somente as occupadas nestas Escolas naquel-
les artigos, cuja rigorosa observância poderia ser obstá-
culo ao exercicio do ensino.
Esta ardente caridade e zelo de taõ grande Rey, que
tem dado tantas e taõ singulares provas do seu Catholi-
cismo e do seu respeito á Sancta Sé, communicada ao
nosso Santo Padre em 29 de Março, do presente anno, pelo
fnfrascrito Sub-Secietario da Sagrada Congregação dos
Eminentíssimos e Reverendissimos Cardeaes da Sancta Ig-
reja Romana, qne tracta dos assumptos e consultas
dos Bispos e Regulares, nao podia deixar de mover o ani-
mo do Summo Pontífice ; e Sua Sanctidade, approveitando
esta occasiaõ de adherir a seus rogos, mandou escrever-
vos esta Carta para vos communicar que Sua Sanctidade,
depois de haver ponderado a petição d'El Rey Catholico,
tendo em consideração as circumstancias dos tempos, lu-
gares, e outras, e naõ sendo menos ardentes os desejos de
sua Beatitude de vêr restabelecidos em Hespanha os an-
tigos bons costumes, tem determinado conceder por meio
de vós faculdades aos Arcebispos, Bispos, e mais Prela-
dos, como realmente volla da, para que possais communi-
car e dar aos sobredictos Arcebispos, Bispos, e mais Pre-
lados, a cujo cuidado estaõ confiados os Claustros das Re.
ligiosas nos dictos Reynos, todas as faculdades conveni-
entes e necessárias, para que estas possam e devaõ estabele-
cer Escolas em seus Mosteiros a vosso arbítrio, do modo e
forma que prescre verdes em quanto durar a necessidade, e
naquellas paragens e Conventos era qne julgardes no Se-
nhor serem convenientes; com tanto que permaneçaó in-
7
Politica. 141
tetros e invioláveis os votos solémnes e as regras de cada
Ordem Religiosa, exceptuando aquelles artigos que, po-
dem accommodar-se com o trabalho da educação, dos
quaes consente Sua Sanctidade que (precedendo as dero-
gações opportunas e necessárias, e dignas de especial
mençaõ) possais isentar somente aquellas Religiosas, que
se oecupam diária e cuidadosamente na educação, dis-
pensando-as do Officio divino com commutaçaõ em algum
cutro exercício espiritual, e devendo-se entender estas
dispensas só naquelles dias, em que se empregarem na
educação das discípulas.
Procurareis exceptuar deste encargo aquelles Mosteiros,
que por seus votos particulares de observância mais rigo-
rosa, por costume approvado, por preceitos ou por outras
causas estaõ de todo separados do tracto secular • porém
se nesses sítios naõ houver outros Couventos aptos para o
effeito, e a necessidade o exigir, podferáõ também as suas
Religiosas empregar-se na Educação.
Encarregareis aos mencionados Arcebispos, Bispos, e
prelados que animem as sagradas virgens a esta obra, que
abrange os mysterios da Fé, a formação dos costumes, e
rudiraentos dos lavores do sexo taõ necessários na Socie-
dade, fazendo-lhes entender quaõ agradável he esta em-
preza ao Suramo Pontífice e ao Rey, o qual, naõ menos
por sua magnanimidade e illustrada Religião, que pêlo
bem dos seus Subditos, cuidará em que, corregidos os cos-
tumes, e restabelecidas as cousas no fiorentissimo Reyno
das Hespanhas, voltem todas as Religiosas à completa ob-
servância de seus respectivos institutos.
Espera finalmente S. Sanctidade que os mesmos Prela-
dos conseguirão com a sua prudência, que as Religiosas
entendam, que, dedicando-se por mandado, e com animo
tranquillo ás oecupações de Martha, nada teraõ perdido
dos méritos de Maria, &c.
Visto e approvado pelo meu Real Conselho este Decreto
VOL. X V I I . N o . 99. T
142 Politica.
tenho determinado se ponha em pratica para se conseguirem
os expressados fins. Assim o tereis entendido, o commu-
nicareis a quem competir, e disporeis na parte que vos
toca o necessário ao seu cumprimento. Rubricado por
S. M. No paço a 8 de Julho, de 1816.
A. D. P E D R O CEVALHOS.

INGLATERRA.

Tractado de paz com o Rajá de Nepaul.


Tractado de paz, entre a Honrada Companhia das ín-
dias Orientaes, e Maharajá Bikam Sah, Rajá de Nepaul;
ajustado pelo Ten.-coronel Bradshaw, por parte da Honra-
da Companhia, em virtude dos plenos poderes, que lhe
foram concedidos por S. Ex a . o Muito Honrado Francisco
Conde de Moira, Cavalheiro da nobilissima Ordem da
Jarreteira, um dos do Honradíssimo Conselho Privado de
S. M., nomeado pela Corte dos Directores da dieta Hon-
rada Companhia para dirigir e superintender todos os seus
negócios nas índias Orientaes:—e pelo Seree Gooroo
Gujraj Misser, e Chunder Seekur Opadeeah, da parte do
Marajá Griraaur Jode Bikram Sah Behauder Shumshees
J u n g ; em virtude dos poderes, que para esse effeito lhes
fôram concedidos pelo dicto Rajá de Nepaul:
Por quanto se havia rompido a guerra entre a Honrada
Companhia das índias Orientaes, e o Rajá de Nepaul: e
porquanto estaõ as duas partes mutuamente dispostas a
restabelecer as relaçoens de paz e amizade, que antes das
ultimas differenças haviam por longo tempo subsistido
entre os dous Estados, se concordou nos seguintes termos:
A R T I G O 1. Haverá perpetua paz e amizade entre a
Honrada Companhia das índias e o Rajá de Nepaul.
2. O Rajá de Nepaul renuncia as suas pretençoens ás
terras, que fôram objecto de discussão entre os dous Esta-
Politica. 143
dos, antes da guerra, e reconhece o direito da Honrada
Companhia á Soberania daquellas terras.
3. O Rajá de Napaul cede, por este acto, á Honrada
Companhia das índias Orientaes, em perpetuidade, todos
os territórios abaixo mencionados ; a saber :
Primeiro. Todas as terras baixas, entre os rios Rair e
Rapti.
Segundo. Todas as terras baixas (á excepçaõ do
Bootcoul Khaas) que existem entre o Rapti e o Gunduck.
Terceiro. Todas as terras baixas entre o Gunduck e o
Coosah, aonde se tem introduzido a authoridade do Go-
verno Britannico, ou onde está ao ponto de ser introduzida.
Quarto. Todas as terras baixas entre o rio Meilchec e
o Teesah.
Quinto. Todos os territórios da parte de dentro das
colinas, para o nascente do rio Meilchec, incluindo o forte
e terras de Naggree, e o passo de Nagarcote, que vai de
Mornng para as colinas, junctamente com o território que
existe entre aquelle passo e Naggree. O dicto território
será evacuado pelas tropas de Goorka dentro em 40 dias
da data desta.
4. Para o fim de indemnizar os Cheler c Barahdars do
Estado de Nepaul, cujos interesses padecem pela alienação
das terras cedidas no artigo precedente; o Governo Bri-
tannico convém em dar pensoens até á somona total de
duas laças de rupias por anno aquelles chefes que escolher
o Rajá de Nepaul, e nas proporçoens que o dicto Rajá
fixar. Logo que se faça a escolha, se expedirão Sunnunds
sob sêllo e signal do Governador General, para as respec-
tivas pensoens.
5. O Rajá de Nepaul renuncia, por si, seus herdeiros e
successores, toda a pretençaõ ou connexoens, com os
paizes que existem ao poente do rio Kali; e se obriga a
naõ ter negócios alguns com aquelles paizes, nem com seus
habitantes.
T 2
144 Politica.
6. O Rajá de Nepaul se obriga a naõ molestar ou per-
turbar o Rajá de Siccem, na posse de seus territórios; e
convém em que, no caso de se levantarem algumas disputas
entre o Estado de Nepaul e o Rajá de Siccem, referir-se á
arbitraçaõ do Governo Britannico, a cuja decisaõ o Raja
de Nepaul se obriga a submelter-se.
7. O Rajá de Nepaul se obriga, por este acto, a naõ
receber nem reter em seu serviço algum vassallo Britannico,
nem subdito de algum Estado Europeo ou Americano, sem
o consentimento do Governo Britannico.
8. Em ordem a segurar e melhorar as relaçoens de ami-
zade e paz, estabelecidas por este entre os dous Estados*
fica concordado, que residirão nas respectivas Cortes,
ministros acreditados de cada uma das partes.
9. Este tractado, que consiste em nove artigos, será
ratificado pelo Rajá do Nepaul, dentro em quinze dias da
da data deste ; e as ratificaçoens seraõ entregues ao Ten.-
coronel Bradshaw, que se obriga a obter e entregar ao
Rajá, a ratificação do Governador-general, dentro em
vinte dias; ou antes »e for possivel.
Dado em Segowley, aos 2 de Dezembro, de 1815.
L . S. L Sêllo verme-} P A R I S BRADSHAW, Ten.-Cor.
L . S.< lho do Rajá b. GOOROO G U J B A J MISSER.
L . S . / d e Nepaul. \ C H U N D E R SECKUR O P A O E E A H .

Publicado por Ordem de S. Ex 1 . o Governador-gene-


ral, cm Conselho.
(Assignado) J. ADAM, Secr. do Governo.

ORDEM G E R A L .

Por S. Ex". o Governador-general em Conselho,


Forl William, 15 de Maiço ? 1816.
O Governador-general, em Conselho, he servido orde-
nar, que se dê uma salva Real, e três descargas de mus-
Politica. 145
queteria, em todos os postos principaes do exercito, em
honra da conclusão da paz entre o Governo Britannico e o
Rajá de Nepaul.
(Assignado) J. ADAM, Secr. do Governo.

SUÉCIA.

Falia de S. A. R. o Principe da Coroa, no encerramento


da Dieta, em Cristiania, aos 6 de Julho, 1816.
SenhoreB Membros do Storthing 1
Tem decorrido um anno, desde o dia em que, em virtude
da Constituição, vos ajunctastes para preencher as funcço-
ens, a que tostes chamados pela escolha de vossos conci-
dadãos. A assemblea nacional de Norwega tem declarado,
que estaõ acabados os seus trabalhos ; e eu satisfaço a um
dos meus deveres, que he mui agradável ao meu coração,
expressando aqui os sentimentos d'El Rey, para com o leal
povo Norweguez.
Também me he mui agradável, Senhores, o ter de annun-
ciar-vos da parte de S. M., que, continuando a estar em
paz com todas as potências, as relaçoens de amizade, que
nos unem com os Estados mais visinhos, Rússia, Prússia,
e Inglaterra, adquirem de dia em dia maior vigor. Vos
sabeis, de maneira mui particular, as relaçoens que tendes
com o Governo, de quem fostes antigamente subditos.
He com prazer que vos informo, que a negociação com
Dinamarca, a respeito dos brigues de guerra, e paquebotes,
foi concluída pelo Almirante Fabricius, com plena satis-
facçaõ de ambos os Governos. O Commissario üinamar-
quez rennnciou as pretençoens, que tinha Dinamarca aos
vasos de que se tracta, em consideração de uma somma de
dinheiro, cujo primeiro pagamento se fará do fim do anno
de 1817.
El Rey tem visto com satisfacçaõ a confidencia com que
os Norvegas pegaram na maõ fraternal, que lhe apresenta-
146 Politica.
ram os Suecos. Algumas pessoas impacientes esuspeitosas
tinham presumido, que naõ poderia subsistir por um anno
aquella perfeita harmonia, entre El Rey e a Assemblea dos
Representantes. Vós tendes provado o contrario. Vós
tendes provado, que a boa fé e a justiça produzirão sempre
unioens duráveis.
El Rey estava apercebido das difficuldades, que vós
encontrastes, na nova entrada que tinheis de trilhar. O pa-
triotismo saudou com ardencia a aurora da liberdade
Norwegueza ; porém éra somente pelo progresso do
tempo, que se podiam unir as liçoens da experiência, e o
triumpho da razaõ sobre os prejuizos. Vós tendes ultima-
mente adquirido a faculdade de fallar sobre os vossos di-
direitos. Vos tendes discutido os vossos interesses e pre-
rogativas sociaes; e devemos esperar, que felizes resul-
tados sejam, para o futuro, o fructo de vossos trabalhos.
O meu primeiro desejo foi participar delles com vosco;
peréin a minha auzencia, oceasiouada pelo desejo de dar-
vos uma prova da minha estima e confiança, deve ter pro-
vado, ao mesmo tempo, aquelles que poderam invejar a
vossa liberdade presente e o vosso destimo futuro, quam
longe estava o Governo de desejar exercitar algbraa in-
fluencia em vossas deliberaçoens.
O primeiro dever dos Representantes de um povo he,
conhecer e apreciar devidamente a sua situação. Naõ nos
enganemos a respeito da nossa; pelo que toca os re-
cursos que o paiz nos apresenta. O producto das nossas
minas e dos nossos matos he limitado : o nosso commercio
padece obstáculos; e he com difficuldade que podemos
obter da terra colheitas incertas. E no entanto ; quantos
objectos prescriptos pela humanidade, patriotismo, pru-
dência, e até pela necessidade, faltam ainda por completar ?
Deste gênero saõ os hospitaes nas provincias : um hospital
para os defensores da pátria, a cujos avançados dias hc do
nosso dever prestar consolação e conforto; armazéns paro
Politica. 147
nos proteger contra os eflèitos de más colheitas, e para
nos cubrir contra acontecimentos externos. Quanto aos
meios de obter estas cousas, confiemos naquella Providen-
cia, que, na uniaõ das naçoens Scandinavias, nos deo o
primeiro penhor de sua Divina protecçaõ.
A natureza, negando aos filhos do Norte as vantagens,
que concedeo aos habitantes de climas mais brandos, com-
pensou isto por dons preciosos—energia d'álina, e amor
da liberdade. Para guiar a estes nobres objectos ella no-
meou a sobriedade, a industria e o trabalho; c para com-
pletar os seus benefícios, faz retumbar em seus coraçoens
aquella vóz interna, mil vezes repetida pelos túmulos, e
pela lembrança do seus maiores, que lhes grita ; " Sede
pobres, mas independentese respeitados." Possa esta voz
ser sempre sagrada para vós 1 Entaõ achará a Liberdade
sempre herdeiros no Norte ; entaõ a paz no interior, e o
no exterior, seraõ a herança de vossos descendentes, muito
depois de vós havereis deixado de existir. A Deus Se-
nhores.
Resuma, cada um de vós, voltando para suas casas, as
tuas antigas occupaçoens , sejam ecclesiasticas, adminis-
trativas ou judiciaes ; tornem os cultivadores, a empregar-
se novamente em tudo quanto diz respeito á agricultura;
e o negociante nos meios de fazer prosperar o seu com-
mercio. Os meus bons desejos vos seguirão em vossas oc-
cupaçoens, e rogo a Deus que vos guie, com sua poderosa
eprotectora maõ.

Resposta da Dieta.
Senhor!—Chegou o momento, que ha tanto tempo éra
o objecto dos desejos do Naçaõ, e de Storthiug : termi-
naram as nossas deliberaçoens.
He com uma boa fe cordeal, que temos constantemente
trabalhado em dar aos negócios públicos um resultado,
148 Política.
conforme aos desejos, e communs esperanças d' El Rey e
da Naçaõ. Tivemos sempre em vista este objecto, naõ
obstante os obstáculos, que se nos opposéram pelas dificul-
dades das matérias, pela sna complicação, pelas novas cir-
cumstancias e formas a que éra necessário attender. Forti-
ficados pela consciência da pureza de nossas intençoens, e
pelo zelo que temos empregado no preenchimento de
nossos deveres para com a nossa amada pátria, e para
com um Governo sábio e paternal, submettemos os nossos
trabalhos ao juizo de nossos contemporâneos, e da poste-
ridade.
Ainda que tivéssemos de lamentar, que algumas de nossas
resoluçoens, que nós julgávamos de considerável importân-
cia, naõ houvessem tido naquelle momento o desejado
effeito, comtudo lisongeamo-nos de ter feito alguma cousa
para o bem do Reyno.
A constituição, que serve de garantia a nossa liberdade
legal; a uniaõ da peninsula Seandinavia debaixo de um
sábio Governo, que assegura a nossa condição politica; as
bases, que temos trabalhado por fixar, de parte dos nosso-
arranjamentos internos ; e as medidas, que podemos espe-
rar para o futuro, quando as assembléas nacionaes tiverem
adquirido maior experiência, nos fazem esperar a futura
felicidade da Norwega. Ouça o Ceo os nossus rogo!
Vós, Senhor, segundo o desejo da NaçaÕ, oecupaes
presentemente o lugar de Vice Rey ; e vós nobre Prín-
cipe, que segundo as esperanças, que S. M. nos tem dado,
em breve o exerci tarei s ; estais ao ponto de voltar para nm
povo composto de nossos irmaõs. O pezar, que temos, de
naõ ver mais prolongada a vossa estada entre nós, he com-
pensado somente pela convicção de que vós sereis, juncto
ao throno, o interprete da Naçaõ, e o protector de seus
direitos.
Concidadãos, Membros doStorthing;—Depois de haver
terminado os nossos difficeis e importantes trabalhos esta-
7
Politica. 149
mos aos ponto de voltar para nossas casas. Esforceroonos
cada um de nós, por varonil comportamento, e prudentes
discursos, em derramar em torno de nós o respeito ás leys,
e ordenanças do Estado; e a confiança e affeiçaõ aos que
o governam. Porém, sobre tudo, demos as graças ao Ora-
nipotente, que nos tem permittido gozar aquella paz e
felicidade, que tantos outros paizes tem desejado em
vaõ.
Deus guarde a El Rey e ao seu Reyno.

WURTEHBERO.
Memorial dos Estados a Sua Majestade.
Temos sido informados com certeza, de que Vossa Ma-
jestade tem ordenado uma leva de recrutas de 900 homens.
Esta ordenação foi expedida, sem que os Estados tivessem
nenhuma communicaçaõ official délla, em profunda paz,
sem nenhuma razaõ plausível; a tempo em que está ainda
em pé uma força militar, calculada para otempo de guerra,
eque excede muito os meios do paiz: quando os tra-
balhos do campo requerem imperiosamente os braços de
tados os trabalhadores ; quando tudo indica a necessidade
de diminuir as despezas do Estado, e quando a miséria,
que existe entre o povo, he tal, que he impossível descre-
velia. Elles souberam com grande susto, que a sua penú-
ria, que parecia haver chegado ao seu maior auge, havia
ainda de ser augmentada.
Os elementos, de dia em dia, privam o cultivador do
prospecto, que até aqui o tinha snpportado prevenindo a
desesperaçaõ; mas estas misérias augmentam diaria-
mente, e excitam o temor da mais tremenda extremi-
dade. Em taes circumstancias os abaixo assignados naõ
podiam ter esperado tal ordenação : nella vêm uma nova
e triste prova, que os convence da pouca razaõ que tinham,
para fomentar, no espirito dos povos, esperanças de al-
VOL. XVII. No. 99. u
150 Politica.
<ruma mitigação em sua sorte ; e de que voltasse outravez
a ordem politica solidamente confirmada ; porque, ainda
que se debandasse igual numero de tropas, o povo via,
que, depois desse debandamento das tropas, as que ficavam
excediam muito os meios do paiz; e naõ podia assim ficar
satisfeito de que esse beneficio naõ havia de ser inutilizado
pela medida de novas levas de gente. Em conseqüência,
os Estados se vem obrigados a rogar encarecidamente a
S. M., que se sirva condescender em revogar a dieta
ordenação.
H e verdade que V- M. declarou aos abaixo-assignados,
pelo rescripto de 24 de Junho," que se naõ receberia, nem
se responderia a nenhuma petição ou representação, que elles
apresentassem, a naõ ter por objecto o seu peculiar negocio,
que he a Constituição." Porém naõ obstante que essa
declaração seja de taõ pouca satisfacçaõ aos Estados
assim como a todo o povo, nem por isso deixam os abaixo-
assignados de se supporem desligados das obrigaçoens,
que os seus deveres lhes impõem. Se elles se deixassem
ficar mudos expectadores da execução da sobredicta me-
dida, elles teriam sido tanto mais culpados da violação da-
quelles deveres, quanto estes tem sido reconhecidos da
forma mais authentica, tanto por Vossa Majestade e pelo
povo, como por seus representantes. No rescripto de 21
de Julho do anno passado, V. M. expressou que naõ tinha
duvidas, a respeito do direito dos abaixo assignados, em
protestar quanto ás levas de tropas : em outro rescripto da
mesma data, V. M. até declarou da maneira mais formal,
que as negociaçoens entre o Governo e os Estados, sobre as
queixas do paiz, eram independentes das discussoens sobre
a Constituição ; e naõ deviam soffrer demora. Os direitos
do povo, e os dos Estados, de fazer representaçoens ante o
vosso throno, naõ precisam de novas provas. Se, peta
nova convocação, dos Estados, assim como pelos rescriptos
de Vossa Majestade de 16 de Outubro, e 13 de Novembro,
Politica. 151
de 1815, o povo tinha de ser abandonado ao poder arbi-
trário; se os seus representantes naõ separarem os direitos
dos deveres ; se, ainda mesmo sem novo compacto consti-
tucional, elles naõ podem oliiar para o infeliz povo Wur-
temburguez como um povo sem direitos; se, por todos os
seus procedimentos, naõ só os que se referem meramente
ás negociaçoens sobre o restabelicimento da Constituição,
elles tem trabalhado por manter um estado de direitos, que,
até independentemente de toda a constituição primitiva,
existe entre todo c qualquer Governo e o povo, que he
representado por Estados :—naõ se deduz daqui nenhum
fundamento plausível para aceusar a sua assemblea de ter
espirito revolucionário.

HANOVER.
Patente do Principe Regente, pela qual declara a cessaõ
do Ducado de Lauenbvrgo á Prússia.
George, Principe Regente em nome e a bem de Sua
Majestade George III, pela graça de Deus, Rey do Reyno
Unido da Gram Bretanha e Irlanda, Rey de Hanover,
Duque de Brunswick e Lunebuig, &c.
Na final libertação da Alemanha de um jugo estrangeiro,
effectuada pelo auxilio das Potências Alliadas, era o nosso
mais anxioso desejo tomar a unir debaixo do nosso sceptro
todas as possessoens da nossa casa em Alemanha, e con-
servallas inseparáveis; e para poder remunerar os vasallos
dellas, pela lealdade e affeiçaõ, de que elles nos tem dado
as mais assignaladas provas, mesmo debaixoda opressão
de uma occupaçaõ estrangeira. Este esforço, que,
em todos os tempos, temos preferido ao engrandeci-
mento do território de nossos Estados, tinham também
por seu objecto especial a conservação indivisível do
ducado de Saxe-Lauenburg, cujos habitantes tinham
sempre, e especialmente nos últimos tempos calamitosos,
u2
152 Politica.
debaixo de um jugo estrangeiro, dado indubitaveis provas
de sua devoção e aflecto a nós e a nossa Casa: e para o
alcance deste objecto nós o fièrecemos promptamente o fazer
todos os sacrifícios, que fossem compatíveis coma verda-
deira felicidade dos nossos Estados Alemaens como um
todo.
Como, porém, he uma das conseqüências das diversas
mudanças, que tantos dos Estados Europeos tem sido
obrigados a soffrer, pelo aperto das circuinstâncias ; que,
para a confirmação das futuras relaçoens territoriaes da
Alemanha, nem se desprezassem as opinioens das Potências,
com cujo auxilio se libertou o nosso paiz de um jugo es-
trangeiro ; nem que se separassem os interesses da Ale-
manha, e seus differentes Estados, do que éra necessário
para a execução dos differentes tractados concluídos entre
as Potências Estrangeiras, e para a manutenção da tran-
quillidade geral, que delles dependem ; assim dahi se
seguio, que ficasse connexa com as importantes conseqüên-
cias da felicidade de nossos outros Estados da Alemanha,
em geral, a cessaõ ao Rey de Prússia da quella parte do
Ducado de Saxe-Lauenburg, que fica na margem esquerda
do Elbe. Este consentimento de nossa parte foi tam im-
periosamente necessário, que qualquer ulterior demora, que
nisso puzessemos, naõ seguraria aos nossos vassallos desta
parte a sua connexaõ com o nosso sceptro.
Nestas circumstancias, e convencido de que he do nosso
dever fazer este sacrifício, por mais árduo que elle seja a
nosso coração, para utilidade do todo, temos resolvido, em
conformidade de um tractado, concluído com El Rey de
Prússia aos 29 de Maio do anno passado; e ao depois
modificado por outro tractado de 23 de Septembro se-
guinte, ceder, e pôr á disposição de S. M. Prussiana,
aquella porçaõ do Ducado de Lauenburg situada na mar-
gem direita do Elbe, á excepçaõ do Cantaõ de Nenhaus e
do território incluído entre elle e Mecklenburg; por quem
Politica. 153
elle tem de ser immediatamente cedido e traspassado a
Sua Majestade El Rey de Dinamarca.
Temos ao mesmo tempo estipulado a manutenção de
todos os actuaes direitos e privilégios da dieta porçaõ ce-
dida do ducado de Lauenburg • e particularmente o recesso
concluído com os Estados delle aos 15 de Septembro, de
1702, e ratificado por S. M. El Rey aos 21 de Junho de
1765; assim como também, que o novo oecupante tome
sobre si as dividas do Estado, e o prompto e justo paga-
mento dos gastos e dividas contrahidas durante a occupa-
çaõ dos Francezes.
Temos dado commissaõ e poderes a Joaõ Christiano
Duriug, Commendador da nossa Ordem dos Guelfos, para
que ponha em execução a sobredicta sessaõ, e para que,
em nosso nome absolva os Estados e habitantes, era geral,
do juramento de fidelidade e homenagem, porque ate aqui
se achavam ligados á nossa casa ; e ao mesmo tempo que
elle lhes recommenda, que mostrem a mesma fidelidade
e affeiçaõ ao seu novo Governante, que até aqui tem mos-
trado a nós e á nossa Casa, tios lhes communicamos a se-
gurança de que a lembrança de sua lealdade e effeiçaõ a
nós e a nossos antepassados, nunca se riscará de nossos
coraçoens.
Por ordem especial de Sua Alteza Real o Principe
Regente.
C. Von DECXEN,
Von BRBMER,
Von ABNSWALDT.
Hanover, 16 de Julho, 1816.

PAIZES-BAIXOS.
Memorial dos Estados Provinciaes de Liege, á Segunda
Cornara dos Estados Geraes.
Altos e Poderosos Senhores 1—do momento em que a at-
tençaõ dos Estados Geraes he chamada para a organiza-
154 Politica.
çaõ do systema de tributos, no momento em que El Rey
submette á vossa deliberação os planos de seu Ministério,
sobre este importante e delicado ramo da administração, he
do dever daquelles, que S. M. tem chamado a formar os
Estados Provinciaes, o apresentar-vos o tributo de suas
meditaçoens, revelar-vos as suas anxiedades, e fazer-vos
conhecer os desejos do povo. Este dever he também uma
das mais importantes funçocns constitucionaes dos Estados
Provincionaes; e julgamos que, preencbendo-o, conre-
spondemos á confiança de S. M. De todos quantos re.
speitos se lhe podem prestar, a verdade he a que elle
dá mais valor, e que he mais agradável ao seu co-
ração.
Estamos convencidos da necessidade de supprir ás ne-
cessidades do Estado, e invariavelmente daremos o ex-
emplo dos sacrifícios : mas, a fim de que a divida dos
cidadãos para com o Estado seja paga sem queixumes,
he necessário que se observe a ordem natural das contri-
buiçoens, e que a sua repartição seja feita entre todos os
membros do Estado com aquella igualdade, sem a qual
naõ pôde haver justiça. He neste ramo especialmente,
que o Governo se deve mostrar pay commum de todos
os cidadãos, e trabalhar pelos convencer de que, vi-
vendo debaixo das mesmas leys, tem direito ás mesmas
vantagens.
Nesta matéria dos tributos, ha um pequeno numero de
ideas simplices, de principios fundamentaes, de que se
naõ pode o Estadista afastar sem grandes inconvenientes.
Assim, devem impor-se tributos aos productos estrangeiros,
em preferencia aos nacionaes : os objectos de luxo e
mero commodo, antes que os de primeira necessidade ;
e também, ao mesmo tempo que pôde submetter-se aos
tributos o que entra no consuromo doméstico, os artigos
de exportação e o alimento da industria devem ficar
izentos: estes saõ os únicos meios de obter um balanço
Politica. 155
favorável. A questão que se offerece agora he, se o plano
do Ministério he ou naõ conforme a estas ideas e prin-
cipios ? Propôrem-se segeitar o sal a um direito de mais
de 3 florins por 100 libras: a cerveja a um tributo de 1
florim e 14 soldos por hectolitro : e vinho a 24 florins por
pipa : os espíritos ardentes estrangeiros a 40 florins ; e os
nacionaes a 53 florins por pipa ; ao mesmo tempo que o
chá, café, assucar, algudaõ, cacáo, e outros productos
coloniaes estrangeiros saõ quasi izentos de direitos.
Tal systema nos parece destructivo de toda a confiança,
pernicioso á agricultura e ao commercio : parecenos cal-
culado a nutrir uma fatal rivalidade, encadeara industria
e fazer o nosso terreno e a nossa industria tributários aos
estrangeiros. Em primeiro lugar carrega particularmente
sobre o consummo de algumas das provincias do Reyno,
em quanto outras ficam quasi izentas. Em um paiz de
certa extençaõ, o consummo varia, segundo os custumes e
usos : a sciencia da legislação consiste, em pezar devida-
mente estas matérias; taxando os artigos por tal maneira,
que se possa manter a igualdade ; e que a differença das
necessidades dos habitantes naõ seja causa da exempçaõ
de alguns e de sobrecargos em outros. A cerveja he um
artigo de uso geral, nas províncias do Sul: o chá he prin-
cipalmente consummido nas provincias do Norte : entaõ
i porque se naõ ha de establecer ura balanço, taxando o chá
ea cerveja na mesma proporção, em relação ao seu valor. ?
I Porque se naõ ha de lançar antes uma parte destes ex-
orbitantes direitos sobre os productos coloniaes, que está-
vamos acustumados a comprar pot taõ alto preço, em vez
de carregar com elles a cerveja, o sal, e outros artigos de
primeira necessidade, como se pretende no plano dos Mi-
nistros ? i Porque ha de obter uma izençaõ, que nada
justifica, o tabaco, que he um artigo, cujo uso he mera
creatura do habito, e naõ da necessidade ?
O relator do plano dos tributos naõ pôde dissimular,
7
156 Politica.
que seria próprio favorecer a uso da cerveja, bebida sau-
dável, e pouco própria a fomentar o excesso da bebedice:
l como acontece, entaõ, que a par desta judiciosa obser-
vação se acha um regulamento, que eleva o tributo sobre a
cerveja a mais de 50 por cento de seu valor médio nas
provincias? i He a isto que chama favor ? Este direito
he exhorbitante ; assim como os outros, e o he em tal grão,
que o resultado enganará os que o propuzéram : elle
acabará interiamente com as fabricas de cerveja, naquellas
partes, aonde os direitos actuaes, posto que muito menores,
ja as tinham diminuído bastante.
O imposto sobre o vinho hede 40 por cnato do seu valor
médio : a genebra do paiz cento por cento de seu valor
ordinário. A proposição de taõ pezados direitos só se
pôde explicar pelo total esquecimento de grade numero de
artigos, cujo consummo he menos necessário á vida; e
parece que o objecto destas medidas he concentrar as con-
tribuiçoens, em vez de as estender, e de as fazer communs
a todos. Porem ao menos naõ se devia perdoar aos espí-
ritos ardentes estrangeiros, nem deviam estes receber
alguma vantagem, na competência, que éra inevitável; e
com tudo, neste plano, elles tem a quarta parte de menos
nas impossiçoens ; e a genebra fabricada nos paizes vi-
zinhos ao Reyno, sendo admissível, como os espíritos ar-
dentes estrangeiros, ameaça, com uma repentina e desas-
trosa annihilaçaÕ, os lambiques nacionaes, tam úteis a nossa
agricultura.
Propôem-se, contra o exemplo de todas as naçoens es-
trangeiras, e particularmente da Inglaterra, impor um di-
reito sobre o carvaõ, o que causaria rápida diminuição em
nossas fabricas. De toda a parte se tem feito representa-
çoens ; porém a Provincia de Liege deve especialmente
temer as calamidades, que resultariam deste imposto. As
manufacturas de pannos, de pregos, de armas, e de ferro
em geral, as de pedra hume, cobre, e zinco, constituem
Política. 157
haõ somente a riqueza, mas a existência de nossa provin-
cia ; e todas estas forjas, todas estas fabricas, dependem
do uso do carvaõ. Augmentando-se o preço daquelle
combustível (e tal seria o effeito do proposto tributo) rora-
per-se-hia toda a balança, e se daria a superioridade aos
estrangeiros. O Reyno, cercado por industriosas provin-
cias, veria passar para suas maõs o capital das fabricas, e
se substituiria ao que presentemente he objecto de lucrativa
exportação, uma ruinosa importação. Este engano, em
matérias de tam grande interesse, he inconcebível em um
século, em que a competência da industria he um dos mais
csienciaes ramos da política ; e quando o gênio dos ho-
mens se tem applicado, com tam bom successo, em sup-
prir as faltas da natureza, c as desvantagens da posição.
A Inglaterra faz esforços perpétuos, para supprir, pelos
melhoramentos nas artes mechanicas, o que lhes nega o
seu terreno e sua população : o carvaõ, por meio de seus
engenhos de vapor, tem vindo a ser o movei universal de
suas fabricas, i E quererão os povos dos Paizes-Baixos
privar-se dos recursos, que se apresentam á sua industria,
pela fácil extracçaõ do baixo preço do carvaõ? Se a Ze-
lândia, a Hollanda, c Frizelandia tiram a sua opulencia
do commercio e navegação, a Provincia de Liege, e algu-
mas outras da Belgia, devem a sua prosperidade à sua in-
dustria fabricante.
Estes dous interesses tem igual direito á protecçaõ;
porque saõ igualmente preciosos ao Estado : com esta
differença porém, que o commercio marítimo deve sempre
ser precário, em quanto existir uma naçaõ superior no
mar: ao mesmo tempo que as nossas fabricas, fundadas
nos recursos de nosso território, e na industra de seus ha-
bitantes, apresentam uma baze muito mais solida.
Estas penosas verdades nos fôram extorquidas, por um
sentimento de dever, pelo conhecimento das necessidades
do povo, pelo desejo de prevenir as calamidades, qne um
VOL. X V I I . N o . 99. x
158 Commercio e Artes.
máo systema deve ocasionar, e especialmente pela necessi-
dade de estabelecer o Reyno sobre a baze de uma uniaõ
franca e desinteressada. Esta uniaõ só pôde ser estabele-
eida e mantida por uma igual distribuição dos encargos
públicos : os zelos perturbam as familias, assolam as ci«
dades e solapam os fundamentos sobre que descança a se-
gurança do Estado. A uniaõ de todos os vassallos he a
verdadeira garantia da prosperidade das naçoens.

COMMERCIO E ARTES.

Edictal da Juncta do Commercio, sobre as reclamaçoens


que se haõ de fazer da França.
Lisboa, 26 de Julho.
]\_' REAL Juncta do Commercio, Agricultura, Fabricas,
e Navegação, baixou o seguinte
AVISO.
Havendo Sua Majestade authorisado o seu Ministro,
ou Encarregado de Negócios na Corte de Paris, para so-
licitar do Governo d ' E l Rey Christianissimo a devida in-
demnisaçaõ dos interessados nos Cascos, e Cargas dos na-
vios Portuguezes, que no anno de 1806, foram queimados
pela Esquadra do Almirante Francez Willaumer com o
objecto de evitar, que o rumo da mesma Esquadra fosse
denunciado ás esquadras lnglezas, que decorriam o Ocea-
no em seu alcance, tendo intervindo naquella occasiaõ
promessa do referido Almirante de serem os respectivos
donos, e carregadores dos navios queimados, plenamente
indemnisados pelo Governo de França, e sendo taes in-
Commercio e Artes. 159
demnisações comprehendidas, por paridade de razaõ, nas
do §. 9°. do Art. 2*. da Convenção de 20 de Novembro,
de 1815, relativa ao exame, e liquidação das reclamações
a que tem direito os Vassallos das Potências Alliadas con-
tra a França : He o Mesmo Senhor Servido Ordenar, que
a Real Juncta do Commercio, Agricultura, Fabricas, e
Navegação proceda quanto antes ás diligencias necessá-
rias, a fim de se conhecer, verificar, e legalizar com a con-
veniente authenticidade o valor do Casco, e Carga de cada
uma das embarcações Portuguezas, que assim foram quei-
madas, cumprindo, que á medida que os interessados forem
apresentando á Juncta os respectivos documentos em de-
vida fôrma, vaõ sendo estes immediata, e suecessi vãmente
remettidos a esta Secretaria d'Estado, para serem trans-
mittidos ao dicto Ministro ou Encarregado de Negócios.
O que participo a V. S*. para o fazer assim presente ua
Joncta, e se dar à execução.
Deos guarde a V- S".
D. M I G U E L PEREIRA F O R J A Z .
Senhor Desembargador
JOAÕ DE SAMPAIO F R E I R E DE A N D R A D E .
Palácio do Governo, em 17 de Julho, de 1816.
Em observância do sobredicto Aviso, todos os interes-
sados devem concorrer no mesmo Tribunal, com a brevi-
dade possivel, com os seus documentos, e reclamações.
E para assim constar, se mandaram affixar Editaes.
JOSÉ ACCURSIO DAS N E V E S .
Lisboa, 24 de Julho, de 1816.

Observaçoens sobre o Edictal acima.


Pelo tractado de Paris, de 30 de Maio, 1814, artigos
18 e seguintes (veja-se no Corr. Braz. vol. xii. p. 799,) se
ajustou, que o Governo Francez pagaria a todas as Po-
tências Alliadas as sommas, que os anteriores Governos da
x2
160 Commercio e Artes.
França lhes devessem, a titulo de contracto, subsídios,
&c.
Depois, na Convenção sobre a liquidação dessas recla-
maçoens (vêja-se no Corr. Braz. vol. xv. p. 675,) se de-
terminou, que as potências, que tinham a fazer taes recla-
maçoens da França nomeariam duas commissoens, uma
de Liquidação, para averiguar a legalidade das reclama-
çoens ; outra de Arbitraçaõ, para decidir, no caso de se
levantarem duvidas na commissaõ de Liquidação, desem-
bargando as duvidas, que occurrercm.
Portugal tem a reclamar da França, entre outras cousas,
o valor dos navios e cargas, pertencentes a vassallos Por-
tuguezes ; e que o Almirante Francez Villaumer mandou
queimar, no anno de 1806, para impedir que por elles
fosse a sua derrota conhecida da esquadra Ingleza : como
isto se fez, estando a França em paz com Portugal, pro-
metteo o Almirante, que o Governo Francez pagaria estas
percas e damnos. Para as averiguar publicou a Juncta
do Commercio em Lisboa o edictal, que deixamos copia-
do acima; e para servirem nas commissoens, que os trac_
tados exigem nestas reclamaçoens, nomeou S. M. Fidelis-
sima os seguintes.
Para a Commissaõ de Arbitraçaõ, Francisco Jozé Ma-
ria de Brito: Jacome Ralton : e Ambrozio Joaquim dos
Reys.
Para a Commissaõ de Liquidação Bernardo Daupias:
e Joaquim Andrade.
O edictal da Juncta naõ falia senaõ de reclamar o valor
dos navios e cargas, queimados pelo almirante Francez
Villaumer ; porém nós julgamos, que a contribuição de
Junot em Portugal está precisamente incluída na letra c
espirito daquelles tractados, e que naõ terá esquecido nas
instrucçoens, que a Corte do Brazil tem dado aos dictos
Commissarios das reclamaçoens.
Daqui se vê agora mui claramente, com quanta razaõ
Commercio e Artes. 161
nos queixamos de haver o Conde de Funchal, no tractado
de Paris, cedido a Cayenna, até decidindo a sua entrega
sem estipular o tempo necessário para se obter a ratifica-
ção do tractado.
Felizmente, a Corte do Brazil desapprovou o que fez
aquelle indigno Ministro, e reteve até agora a Cayenna,
com muita razaõ; porque he o único penhor, que tem
em seu poder de que a França cumprirá com as estipula-
çoens que prometteo.
E com effeito, se a França tirou todo o partido da fra-
queza de Portugal, para lhe extorquir injustas contribui-
çoens a titulo de promessas de paz, que eram violadas logo
que se queria obter do Governo Portuguez mais dinheiro ;
naõ ha motivo algum para que S. M. Fidelissima deixe
de se aproveitar agora da fraqueza em que está a França,
para exigir delia a justa retribuição dos roubos que lhe
fez.

Decadência do Commercio de Portugal.


As observaçoens, que fizemos no nosso N° passado,
sobre o paragrapho da Gazeta de Lisboa, em que se inten-
tou paliar a bem manifesta decadência do Commercio de
Portugal, devem ser aqui ampliadas, principalmente pelo
que respeita o commercio de Lisboa.
A pezar da fanfarronada do Gazeteiro, a Regência de
Portugal está taõ persuadida, e tem tanta razaõ de saber
da decadência do Commercio em Lisboa, que esta matéria
tem sido objecto de sérias discussoens entre os Governa-
dores do Reyno ; e o meio, que lhes pareceo mais obvio,
para impedir o progresso da pobreza do Reyno, foi a pro-
hibiçaõ de exportar moeda de qualidade alguma; e agora
se tracta de prohibir até a exportação do ouro e prata,
mesmo em obra, ou jóias de qualquer natureza.
Estas tentantivas, e projectadas medidas dos Governa-
162 Commercio e Artes.
dores de Portugal, só servem de mostrar, que elles estaõ
persuadidos da existência do mal, apezar do que manda-
ram publicar por seu Gazeteiro ; e o que nós agora temos
a dizer sobre isto he, que o remédio, que o Governo pro-
jecta, he de si mesmo um mal, e que naõ pôde servir de
remediar o outro mal. Também tocaremos de passagem no
icmedio único, que pode ter a decadência ilo commercio,
a que os Governadores pertendem obstar, prohibindo a ex-
portação do ouro e prata.
Os Governadores do Reyno, pasmados pela conta que
se lhe apresentou da exportação da moeda, mandaram
consultar, sobre isto, a Juncta do Commercio, e esta quiz
ouvir a vários negociantes ; valendo-se, no caso de aperto,
do plano, que tantas vezes se lhe tem recommendado, de
ouvir as pessoas inteiligentes em cada um dos ramos; mas
ainda que a Juncta isto agora fez, procedeo, como sempre,
puxando para a parte d o a r r o x o ; isto he, fazendo essas
consultas em particular, para depois atribuírem a si o me-
recimento do bom conselho que alguém der.
Como o mal que se apresentava éra a exportação da
moeda, lembrou logo, como remédio, a prohibiçaõ dessa
exportação;—remédio a qne sempre se recorreo nos Go-
vernos despoticos e ignorantes, aonde os Satrapas julgam,
que as suas ordens tem força de mudar a natureza das
cousas; porque, com o habito de olhar para a sua vontade
como ley suprema, até chegam por fim a persuadir-se,
que os mesmos elementos saõ obrigados a obedecer-lhe.
Mostrarem os pois aos Governadores do Reyno, que a sua
prohibiçaõ naõ pôde ser obedecida, senaõ em mui pequeno
gráo; e que nesse gráo em que for attendida, está taõ
longe de ser de utilidade ao Reyno, que concorre para a
maior ruína do Commercio.
A razaõ porque qualquer naçaõ exporta para outra o
dinheiro, he porque naõ tem gêneros seus bastantes, e de
que a outra careça, para dar em troco dos que delia re-
Commercio e Artes. 163
cebe; o que era economia politica se chama pagar o ba-
lanço do commercio.
Assim, quando uma naçaõ naõ tem gêneros sufficientes
para satisfazer com a permutaçaõ os que recebe da outra,
ou ha de pagar o balanço a dinheiro, ou ha de passar sem
esses gêneros; porque os estrangeiros de certo lhos naõ
daraõ de graça.
Portanto a prohibiçaõ de exportar a moeda, se fosse
possivel a sua perfeita execução, montaria justamente ao
mesmo, que prohibir o uso desses gêneros estrangeiros, a
que a tal moeda servia de pagamento; prohibiçaõ ab-
surda, quando taes gêneros saõ de primeira ou ainda de
segunda necessidade. Dopde se segue que a prohibiçaõ
da exportação do dinheiro, só serve de estagnar aquelle
ramo de commercio, a que tal dinheiro se propunha fo-
mentar, sem que a naçaõ possa obter o gênero, que pre-
cisa, e que com tal dinheiro se destinava a comprar.
Se o negociante, ou consumidor, achar no seu paiz o
gênero de que necessita, certamente o naõ mandará com-
prar fora pelo mesmo preço; logo o remédio está em fazer
com que haja o gênero em casa, taõ bom como no estran-
geiro; e, se sair mais caro, impor ao outro tal direito de
entrada, que o ponha alguma cousa ainda mais caro que o
similhante artigo obtido no Reyno.
Porém, além disto, a moeda he um artigo de tam fácil
exportação por contrabando, que o Governo nunca seria
capaz de fazer executar á risca as suas prohibiçoens a este
respeito, e todas as precauçoens, que tomasse, serviriam
unicamente de vexar os negociantes, sem nunca obter o
fim proposto.
Temos outro elemento a considerar nesta matéria, que
he peculiarmente applicavel ao Commercio de Lisboa, a
quem a prohibiçaõ total da exportação do ouro e prata,
deve muito arruinar ; e pela razaõ seguinte.
Grande parte da moeda, exportada de Lisboa, e que
164 Commercio e Artes.
entrava nas listas de exportação feitas pelo Juiz da saca
da moeda, que tanto assustou os Governadores do Reyno,
éra moeda que tinha vindo de Hespanha. Essa moeda
exportaram os negociantes de Lisboa para a índia e ou-
tros paizes; e com ella compraram fazendas, que trouxe-
ram a Lisboa, e dali as levaram depois a vender aos Hes-
panhoes, que dellas necessitavam.
A prohibiçaõ da exportação dessa moeda Hespanhola,
sendo exactamente executada, deve por termo aquelle
gyro; e longe de ganharem os Portuguezes com isso cousa
alguma, ficam perdendo a commissaõ da negociação,
que lhe passava pelas maõs, o frete dos seus navios, as sol-
dadas dos seus marinheiros, os salários dos carregadores,
e infinidade de outra gente, a quem este trafico dava occu-
paçaõ em Portugal; e ultimamente perde o Erário os di-
reitos da alfândega, que as fazendas de tal gyro pagavam
na sua importação em Lisboa. Demos disto um ex-
emplo.
Custa na China uma peça de ganga, um cruzado: na
Hespanha pagam por ella dous cruzados ; logo sendo ella
trazida da China pelos Portuguezes; e introduzida na
Hespanha por via de Lisboa, o cruzado de lucro deve ficar
em Portugal, distribuído pelo negociante, marinheiro,
fabricante de navios, barqueiro, &c. &c. e nos direitos da
da alfândega. Este lucro seria absolutamente perdido
para Portugal, se o negociante de Lisboa naõ pudesse ex-
portar dali a pataca Hespanhola, com que fosse á China
comprar a tal peça de ganga; porque naõ tem outro
meio de fazer aquelle gyro de commercio.
He pois evidente, neste caso, que prohibir a exportação
daquella pataca, he impedir os lucrosque o Reyno obteria
daquelle commercio ; e fundamentar a prohibiçaõ na re-
gra geral de que he bom naõ exportar dinheiro ; he taõ
racionavel, como prohibir ao lavrador que deite á terra o
trigo, que semeia, e julgar desperdício, ou perca, á se-
2
Commercio * Artes. 165
mente, que para este fim sáe do celeiro, e sem o que he
impossível ter colheita.
Isto que dizemos, a respeito das fazendas da índia, he
também applicavel, em alguma extençaõ, ás fazendas de
outros paizes, que fazem o transito de Portugal para serem
vendidas na Hespanha; aonde a falta de credito, os vexa-
mes do Governo, e a desconfiança geral naõ permittem,
que os negociantes estrangeiros façam por si mesmos
aquellas especulaçoens, que se tornam mais seguras com o
entreposto de Lisboa.
Adiantamos o mesmo principio da exportação do di-
nheiro, até ao que se leva para o Brazil; naõ só porque
aquelle paiz, sendo parte da Monarchia Portugueza, naõ
deve causar zelo a este respeito, pois a riqueza de uma
provincia redunda em vantagem de todas as mais; mas
porque a exportação da moeda de Lisboa para algumas
praças do Brazil he taõ essencial, que, a naõ se permittir
essa exportação, deve diminuir muito a communicaçaõ
commercial dos dous paizes, com a ruina manifesta do
commercio de Lisboa,
Portugal naõ tem gêneros bastantes para dar em permu-
taçaõ pelos algudoens de Pernambuco; logo lie necessário
que mande para lá dinheiro para o comprar. Mas esse
dinheiro que sahio para Pernambuco está taõ longe de em-
pobrecer o Reyno, que lhe procura os lucros resultantes
desse algudaõ vindo de Pernambuco ; porque he evidente
que os negociantes naõ haõ de mandar o seu dinheiro para
o Brazil, senaõ para terem os lncros da torna viagem, e das
especulaçoens subsequentes; e a riqueza que assim adqui-
rem esses negociantes ; he, por conseqüência, riqueza
que adquire o Estado, resultada daquella exportação da
moeda, em primeiro lugar.
Muitas cidades ha e tem havido (Amsterdara, Hambur-
go, Gênova, &c.) que obtiveram chegar a grande auge de
prosperidade, sem riquezas nenhumas suas, e com mui
VOL. X V I I . No. 99. T
166 Commercio e Artes,
pequena navegação, mas valendo-se da industria de faze-
rem de seus portos c empório do commercio de outras
naçoens. He logo summamente impolitico, que se afu-
gente de Lisboa o coimiiercio até de outras provincias da
mesma monarchia Portugueza; o que effectivãmente se
practica, prohibindo se que vá o dinheiro de Portugal
pagar em Pernambuco, o algudaõ, que tem de se vender
a o depois em Lisboa.
Consideremos por este lado a medida da prohibiçaõ da
exportação da moeda para o Brazil. Segue-se dessa pro-
hibiçaõ, que o algudaõ de Pernambuco será vendido a
outras naçoens, que lá o forem comprar ou a troco de suas
mercadorias, ou a dinheiro. Portugal perde os lucros,
que tiraria das transacçoens sobre o tal algudaõ serem
feitas cm Lisboa; e naõ pôde ganhar o ficar com a moeda;
porque necessariamente a ha de dar em pagamento dos
gêneros estrangeiros, em cuja pcrnuitaçaõ alias empregaria
0 tal algudaõ, que a nao ser a prohibiçaõ houvera de ter
recebido de Pernambuco.
Naõ seria certamente politico obrigar os Portuguezes a
que trouxessem sempre os seus productos do Brazil a ven-
der a Lisboa ; mas he também muito contra os interesses
da monarchia inventar medidas, como esta da prohibiçaõ
da exportação da moeda, pela quaes se impede indirecta-
mente, que o commercio daquelles portos do BrnzLl venha
fazer-se em Lisboa ; porque taes medidas privam o porto
de Lisboa de vantagens, que por isso mesmo haõ de passar
necessariamente para os portos estrangeiros.
Esta prohibiçaõ da exportação do ouro e prata vem a
ser um absurdo indesculpável; quando se tracta de joyas.
1 Que mais quereriam os Portuguezes do que o supprirem
com joyas todos os mercados da Europa ? As riquezas
que assim adquiririam, coin os lucros da maõ d'obra,
commis-soeus, &c. seriam immensas : mas ja que he impos-
sível terem tudo isto, hc um absurdo, como dicemos,
Commercio e Artes. 167
privarem-se da parte desses lucros que podiam ter, com a
improvidente medida de prohibir a exportação do ouro e
prata em joyas.
O Governo de qualquer paiz deve estar persuadido, de
que lhe naõ compete ensinar no negociante como ha de
obter os seus lucros. Um homem de negocio de Lisboa
naõ se desacommodaria em procurar patacas Hespanholas
em Lisboa, mettêllas a bordo do seu navio, fazer sahir este
a comprar escravos em África, mandados vender no Rio-
da-Prata ; e trazer dali uma carregação de couros e pa-
tacas—nao faria tudo isto, dizemos, se naõ tivesse a proba-
bilidade de ver, no fim desta expedição mercantil, mui
augmentada a sua fazenda e riqueza : e naõ he preciso
que digamos, que quanto mais ricos forem estes indivi-
dous, mais rica será também a naçaõ.
Agora será preciso responder nos que suppozerem, que
avançamos um paradoxo, quando recommendamos, que se
permitia a exportação da moeda de Portugal; porque
a regra geçd he, que tanto mais rica será a naçaõ, quanto
menos ouro e prata exportar.
Nós admittiraos também esta regra; porém contende-
mos em que o modo de a verificar, naõ he prohibindo a
exportação daquelles metaes, mas sim diminuindo a neces-
sidade dos gêneros estrangeiros, e augmentando os artigos
que se possam exportar: assim he que queremos, que se
previna a exportação do ouro e prata, mas naõ com a pro-
hibiçaõ directa, que hc sempre em desvantagem do com-
mercio.
Daqui fica ja claro, que o expediente, que propomos,
para impedir a saida do ouro e prata do Reyno, he pro-
mover a agricultura cm todos os seus ramos : c as fabri-
cas na maior extençaõ possivel; porque, em quanto no
Reyno naõ houverem productos ou gêneros, que sejam
bastantes para se permutarem pelos que se recebem do es-
trangeiro, o balanço ha de necessariamente ser pago a di-
v 2
168 Commercio e Artes.
nheiro e todas as prohibiçoens a este respeito naõfaraÕ mais
do que aggravar o mal, promovendo o contrabando.
Durante o ministério do Marquez de Pombal 6e facilitou
a exportação dos vinhos para Rússia. Com este expedi-
ente adquirio o Reyno um capital em paiz estrangeiro, que
lhe servia, ja para pagar os gêneros que obtivesse da mesma
Rússia; ja para o fazer passar a outros paizes, para sal-
dar contas, sem ter necessidade (em tanto quanto éra o va-
lor desses vinhos) de exportar o dinheiro do Reyno.
As pescarias era Portugal, evitando a necessidade de ob-
ter o peixe salgado da America, fôram outro expediente
para reter no Reyno o ouro ou prata, que devia aliás satr,
para pagar o peixe salgado do estrangeiro.
Naõ he necessário enumerar aqui as fabricas, que se
procurou introduzir no Reyno, durante aquelle ministério;
basta dizer, cm geral, que o systema do Marquez de Pom-
bal, de augmentar os objectos que se podiam exportar, e
diminuir a necessidade de obter os gêneros de fora, éra o
mais efficaz, para impedir a saída do ouro e prata.
E naõ deve esquecer aqui; que a naõ exportação do
ouro e prata, naõ constitue por si mesmo a prosperidade
da naçaõ, mas he simplemente nm índice ou signal de que
essa prosperidade existe. Portanto, prohibir que se ex-
portem os metaes preciosos be querer que exista o effeito
sem que haja a causa.
Quando a agricultura de uma naçaõ he bem attendida,
tem os povos abundância de mantimentos ; quando tem
muitas fabricas, ha muita gente empregada; e por conse.
quencia augmenta-se a população; quando abundam os
comestíveis, os vestuários, e os gencros mesmo de luxo, a
naçaõ naõ depende dos paizes estrangeiros, e nestes casos
naõ tem necessidade de exportar ouro ou prata para obter
os gêneros; porque os tem em casa ; e portanto a naõ ex-
portação do ouro ou prata he o índice da prosperidade e
abundância, de que a naçaõ goza.
Commercio e Artes. 169
A situação geograpbica da monarchia Portugueza exige
necessariamente uma marinha de guerra, para unir e
proteger as provincias dispersas em ambos os hemispherios.
Esta marinha de guerra naõ se pode obter sem marinha
mercante ; c daqui resulta a necessidade de promover a
navegação nos dominios Portuguezes : óra deixamos ja
apontados dous exemplos, cm que a prohibiçaõ da expor-
tação da moeda tornava impossível a expedição ma ri li ma
do negociante, que quizesse mandar comprar algudaõ em
Pernambuco para o vender na Europa, ou escravos na
África para os vender no Rio-da-Prata. Notamos isto
para exemplo ; porque os casos da mesma natureza saõ
numerosíssimos.
De boa mente convimos ; em que he trabalhoso este
meio de reter a moeda no Reyno; mas o outro mais fácil,
e que lembra a todo o ignorante, que he, a prohibiçaõ di-
recta de exportar o ouro ou prata, naõ somente senaõ pode
executar em toda a sua extençaõ, mas até na parte em que
se executa fica servindo de impedir, em vez de promover,
a industria e prosperidade do Reyno.
i Mas como se obterá isto em Portugal ? Assim.
Impondo pezados direitos, no Brazil, sobre os productos
estrangeiros, que se podem obter de Portugal; como saõ
os vinhos.
Impondo pezados direitos, em Portugal, sobre os pro-
ductos estrangeiros, que se podem obter do Brazil; como
he o arroz.
Impondo, em toda a monarchia, pezados direitos, nos
artigos de luxo estrangeiros.
Facultando a exportação de todos os manifactos de Por-
tugal, seja para o Brazil seja para outro qualquer paiz.
(vêja-se sobre isto o Alvará de 4 de Fevereiro, de 1811.)
Extinguindo e abolindo os embaraços, que existem a re-
speito da navegação; tanto nos direitos que pagam, como
170 Commercio e Artes.
nas formalidades dos despachos : de que se sem apontado
vasios exemplos, em diversos N ° ' . deste Periódico.
Outra vez repetimos, que naõ julgamos fáceis estes
meios ; pelo contrario, elles exigem trabalho, talento e
constância da parte do Governo; mas para isso nos su-
geitamos a ser governados ; isto he, para que os Gover-
nantes trabalhem em nossa utilidade ; e naõ para que
vivam no ócio, e na indolência.

Contracto do Tabaco.
A continuação deste monopólio, depois do clamor que
sobre isto se tem feito, he ja tam escandalosa, que até os
mais vis aduladores do Governo se naõ atrevem a defen-
dêllo. Quem tal diria ! O Investigador Portuguez mesmo,
no seu No. 62, p. 256, se declarou abertamente contra o
Governo de Lisboa, incluindo o Principal Souza (he
verdade que ja naõ está em Londres o Conde de Funchal;
por tanto, diz o rifaõ ; " agora frades agora, que anda o
guardião por fôra.) pelos procedimentos que tem practi-
cado sobre a arremataçaõ deste Contracto. Veremos depois
que o Investigador advogou esta causa de má vontade,
pelo mal que a defendeo.
Achamos porém publicadas as condiçoens, que offere-
cêram os negociantes rivaes dos actuaes contractadores, e
dizem que o seguinte papel he copiado que elles apresen-
taram á Juncta do Tabaco.

Pnmeira proposta.
1. O Abaixo assignado Diogo Ratton, Fidalgo Cavalei-
ro da Casa de S. A. R. e negociante desta praça, se pro-
põem fazer um serviço muito relevante ao mesmo Senhor,
pelo qual espera da sua Real benignidade, que conhecido,
Commercio e Artes. 171
haja de o tomar na sua Regia contemplação, para o at-
tender como for servido.
2. Esta lembrança hc filha das repetidas conversas, quu
elle teve com seu pay, Jacomo Rattnn, sobre este assumpto
quando antes de sua deportação viviam junetos : e isto cm
razaõ de ter sido um dos principaes estudos do dicto sen
pay a economia politica, pela precisão que tinha de o
fazer, para desempenho do lugar que servia, de Deputado
do Tribunal da Real Juncta do Commercio, que tantos
annos teve a honra de occupar.
Foi sempre um ramo das rendas Reaes, que mereceo
muito a sua attençaõ, o contracto geral do tabaco c das
saboarias, e o modo porque se poderia fazer mais produe-
tivo ao Real Erário ; e, ao mesmo tempo, o Governo pu-
desse conhecer fia sua administração, e de seus lucros, pa-
ra que assim naõ continuasse a ser uma espécie de patri-
mônio de um pequeno numero de negociantes, sem que se
habilitassem outros, para haver para o futuro a necessária
concurrencia na sua arremataçaõ.
3. Para este fim tem formado uma companhia de nego-
ciantes honrados, c abonados desta praça, e da do Porto,
dos quaes tem procuração bastante, e tendo combinado os
seus próprios interesses com os da Real fazenda, se pro-
põem augmentar o rendimento do contracto gerai do ta-
baco e saboarias, c fazer conhecer ao Governo, qual seja o
seu verdadeiro, e effectivo rendimento, na forma e com as
condiçoens seguintes. A saber.
Ia. Que o contracto geral do tabaco e saboarias, lhe ha
de ser arrematado por nove annos, que haõ de principiar
em o 1*. de Janeiro, 1818, e haõ de acabar em o ultimo de
Dezembro, de 1826 ; pelo mesmo preço e condiçoens, que
o trazem os actuaes contractadores, fazendo as mesmas
despezas da arremataçaõ que elles fizeram ; pagando to-
das as propinas que estaõ cm practica, sem alteração al-
guma ; assim como se obrigarão á mesma forma dos pa-
172 Commercio e Artes.
gamentos cm mezadas, e quartéis, nos dias determinados
sem nenhuma differença.
2*. Que além do dicto preço e condiçoens, por que os
trazem os actuaes contractadores, que todas faz certas, of-
ferece á Real fazenda a quinta parte dos lucros, que se li-
quidarem annualmente ; para o que se obrigará a com-
panhia a trazer sempre a sua cscripturaçaÕ ein dia, com
toda a regularidade ; para no fim de cada anno se fazer
um balanço geral, pelo qual se venha no conhecimento dos
dictos lucros, e quinze dias, depois de fechado o dicto ba-
lanço annual, entrará no Real Erário com a somma, que
importar a dieta quinta parte.
3*. Que quando, porém, sueceda haver perdas (o que Deus
naõ perraitta) ou haver lucros tam diminutos, que a quinta
parte delles naõ preencham cem mil cruzados, a compa-
nhia se obrigará a preenchêllos á sua custa; e a entrar com
elles sempre annualmente no Real Erário, na dieta forma,
quinze dias depois do balanço.
4'. Que para desvanecer toda e qualquer duvida, que
se possa offerecer a respeito do comportamento e boa fé
da companhia, ou delles contractadores, se lhe nomeará
um Fiscal por parte da Real fazenda, que diariamente ex-
amine c fiscalize a exacçaõ da escripturaçaÕ, e do balanço
annual, para o qne lembra Alexandre Antonio das Neves,
por ja se achar aprovado por S. A. R., ou outro qualquer
de reconhecida probidade, e conhecimentos necessários, á
eleição do Governo.
5*. Que, no caso de haver perdas, estas recairão sempre
sobre a companhia, ou sobre elles contractadores, sem que
dellas possam pedir indemnizaçaõ, salvo o cazo de invazaõ
do inimigo, o que Deus taõ permitta.
(Assignado) D I O G O RATTON.
Lisboa, 18 de Junho, 1816.
Nomes dos sócios e fiadores do sobredicto Diogo Rat-
ton: a saber; em Lisboa, Nicolao Clamouse, Browne &
Commercio e Artes. 173
C*. Joze Diogo de Bastos. No Porto, a Casa de Bernar-
do Clamoose Browne and C\, que se compõem dos se-
guintes sócios, Pedro de Clamouse Browne, Joaõ Luiz de
Ia Roque, Manuel de Clamouse Browne, Francisco de
Clamouse Browne.

Segunda proposta feita em 22 de Junho, ultimo dia da


arremataçaõ.
O abaixo assignado Diogo Ratton, Fidalgo Cavalleiro
da Casa Real, e negociante desta praça, por si, e em nome
dos sócios, que representa, de quem he procurador bas-
tante, como pela procuração juncta, á vista dos lanços,
que hoje tem havido, offerece a este Regio Tribunal em
accrescentamento das propostas, que ja fez, em 18 do
corrente, as condiçoens seguintes, para assim melhor
conseguirem lhes ser arrematado o contracto geral do ta-
bace e saboarias. A saber ;
1*. Que em lugar da 5*. condição, mencionada nas pro-
postas de 18 do corrente, a qual naõ foi approvada, seja
ella riscada e concebida na forma seguinte :—" Que, no
caso de haver perdas (o que naõ he de esperar, nem Deus
tal permitta) estas recairão sempre sobre elles contracta-
dores, sem que dellas possam pedir indemnizaçaõ."
2*. Que em lugar dos cem mil cruzados, que ja se tem
obrigado em fazerem certo o rendimento da quinta parte
de interesse da Fazenda Real, agora offerecem e se obri-
gam a fazer certo o rendimento da dieta quinta parte de
mais outros cem mil cruzados, o que prefaz a total quantia
de duzentos mil cruzados annuaes, para entrar com elles
no Erário, quinze dias depois de fechado o balanço an-
nual.
3*. Que elles naõ se consideram na precisão de maior
abonaçaõ do que a que tem, mas havendo emulos, que po-
deraõ suscitar essa duvida perante a Real prezença, para
VOL. XVII. No. 99. z
174 Commercio e Artes.
a desvanecer, se for necessário, naõ teraõ duvida dobrar o
deposito morto, que existir no Real Erário, de duzentos
mil cruzados; levando o dicto deposito morto a quatro
centos mil cruzados, pagando-se-lhe do exceço deste capi-
tal morto o juro, á razaõ de seis por cento por anno, livre
de décima, como he de justiça, e se lhe levarão em conta
os dictos juros, sendo descontados no producto da quinta
parte, que produzir o interesse da Real fazenda.
4*. Que esse mesmo deposito naõ parecendo bastante,
nesse caso, fazendo-se-lhe certa a arremataçaõ do contracto
geral do tabaco e saboaria, debaixo de todas estas suas
condiçoens, ás quaes se obrigara, naõ teraõ duvida de
nomearem maior numero de sócios de igual ou maior abo-
naçaõ, para assim se desvanecer toda e qualquer duvida, e
também para confusão dos seus emulos.
5*. Que em todas as presentes condiçoens, e as mais
que apresentaram em 18 de corrente, naõ levam princi-
palmente em vista outro objecto, que o de fazer conhecer
ao Governo, o verdadeiro e effectivo rendimento do re»
ferido contracto geral, e portanto fazer um dos mais re-
levantes serviços, que cabe na possibilidade do abaixo as-
signado.
Mas quando haja quem proponha quaesquer outras con-
diçoens, que pareçam ser mais vantajosas á Real fazenda (o
que elle e seus sócios naõ podem deixar de duvidar) pelo
presente protestam serem ouvidos, na certeza, que ninguém
tem maiores desejos de servir a S. A. R. com todo o des-
interesse, franqueza, e honra, augmentando por esta forma
os recursos da Real fazenda.
(Assignado) DIOGO RATTON.

Notamos ja no nosso N*. passado, que depois de se haver


dado o Contracto aos negociantes, que fizeram as pro-
postas acima copiadas, foi à Juncta do Tabaco um avizo
da Regência de Lisboa, pelo qual se reputou nulla a ar-
Commercio e Artes. -1&
retnataçaõ, e se mandou pôr o Contracto outra vez a lanços.
0 Avizo de que se tracta também o achamos publicado da
maneira seguinte :—
u
IIlm\ e E x " . Snr.—O principe Regente N . S. man-
da remetter á Juncta da Administração do Tabaco o in-
cluso requirimento do Baraõ do Sobral, para que o Con-
tracto do Tabaco seja novamente posto a lanços, para se
arrematar na forma do uso do Reyno; e he servido, que
a Juncta, tornando a pôr o dicto contracto na praça, aceite
os lanços que houverem tanto na forma proposta por Joze
Diogo de Bastos, como segundo o systema até agora se-
guido. O que V. Ex*. fará presente na mesma Juncta
para que assim se excute. Deus guarde a V Ex". Pa-
lácio do Governo, em 25 de Junho, de 1816.
(Assignado) JOAÕ ANTÔNIO SALTER DE MENDONÇA.
S/ir. Conde de Peniche.

Temos desenvolvido varias vezes, e ainda.no nosso N.


passado, os males que tem feito ao Re yno o Monopólio do
tabaco; mas naõ desejamos ver deffendida a verdade com
argumentos falsos O Investigador, querendo reprehender o
Governo por ésla segunda ordem, para se tornar a arre-
matar o Contracto diz o seguinte :—
(p. 25T,) " Nós naõ sabemos o que as leys e usos do Reyno (se al-
guns ha que devam citar-se) dizem a este respeitoi sabemos com tudo,
que as leys de Portugal e as de todas as naçoens dizem —que quando
se faz um contracto, pede a honra, a boa fé, e a dignidade dos que o
fizeram, que elle se cumpra. Tivesse embora a Juncta da Adminis-
tração, por ignorância ou qualquer circumstancia. deixado de fazer
O que devia: ella estava authorizada par eontractar, contractou, e
assignou o ajuste ; este he logo valido e legal. He o mesmo, que se
um procurador particular tivesse feito cousas contra a vontade de
quem lhe deo a sua procuração: o que este pode fazer he retirar-lha,
e nunca mais se tornar a fiar nelle» mas no entanto he responsável
pelos ajustes que se fizeram em seu nome. Destruídos estes princi-
Z2
17(5 Commercio e Artes.
pios com elles acabou toda a confiança e credito publico, e ja naS ha
que fiar na palavra dos particulares nem dos Governos."

Começam os Redactores por dizer, que naõ sabem o


que as leys do Reyno dizem a este respeito ; mas ninguém
receberá está declaração como escusa; porque os Redac-
naõ se deviam a metter a fallar do que confessam igno-
rar ; e causar com isso mais mal á causa, que desejam de-
fender.
A questão naõ he aqui se, pela legislação de Portugal e
de todas as naçoens, os homens saõ obrigados a cumprir
com seus ajustes, em regra geral. A questão he, se o Go-
verno de Lisboa tinha razaõ bastante para se arredar do
primeiro ajuste, e tornar a pôr o Contracto a lanços. Ha-
vendo para isto razaõ bastante, tanto as leys de Portugal,
como de todos os mais paizes civilizados, permittem, que
as partes se arredem do contracto, e em muitos casos o de-
claram nullo.
Neste mesmo mez de Agosto aconteceo em Londres,
que havendo-se arrematado a grande propriedade, que in-
clue a Casa da Opera, em leilaõ publico, por ordem do
Chanceller Mor, e perante um dos Mestres da Chancel-
laria, com todas as solemnidades da l e y ; mandou o
Chanceller depois declarar nulla a arremataçaõ, e pôr de
novamente a propriedade a lanços ; porque se omittio al-
guma cousa na descripçaõ da propriedade, que éra impor-
tante para se lhe conhecer o valor.
Pelas leys Portuguezas, ha muitos casos em que naõ só
as partes se podem arredar dos contractos, mas até se de-
claram nullos ; entre outros exemplos vêja-se a Ord. do
Liv. 4. tt. 13, in pr. e tj. 6. que extende a legislação
a todos os contractos; e especialmente no §. 7, aonde
falia especificamente do cazo da arremataçaõ, em praça
publica.
Commercio e Artes. 177
He pois demonstrado que tanto na legislação pátria co-
mo na estrangeira ha casos, em que se podem desmanchar
os ajustes, e mesmo annullar as arremataçoens em praça
publica; e he desnecessário asseverar o contrario, que he
uma falsidade, para ter que dizer contra o monopólio do
tabaco; e como ha casos era que he permittido a todos o
arredar-se dos seus ajustes, a questão aqui deve ser • seo
Governo Portuguez estava ou naõ nas circumstancias de o
fazer cora justiça e razaõ ?
Este ponto o tractaremos em outra occasiaõ.
C 178 ]
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LOJVDRES, 20 de Agosto, de 1816.
Gêneros. Qualidade. Quantidade Preço de Direitos
f Redondo.... 112 lib. 56s. Op 60s. 0p.\
ASSUCAR < Batido 44s. Op 48s. Op.' I
( Mascavado . . 38s. Op 40s. Op. I Livre de direitos por ex.
Arroz Brazil 20s. Op. 28s. Op. ' ) portaçaS.
Caffé Rio 54s. Op S4s.
Cacao
Cebo
Pará
Rio da Prata
CrOs. Op G5s.
49s. Op 50s.
:J
3s. 2p. por 1121b.

f
Pernambuco. libra... 2 s . • P 2s.
Ceará 26. èP- 2s.
Bahia ls. llp 2s.
Maranhão .. Is. l l p . '8s. Tp. por lb. 100 em na-
Pará vio Portuguez ou Inglez.
Minas novas
Capitania. ..
An n il Rio 3s. 6p. 4s. 6p. 4|p. por lb.
Ipecacuanha Brazil 9s. 6p. lOs. 6p. 3s. 6|p.
Salsa Parrilha Pará 3s. 8p. 4s. 2p. ls 2*P.
Óleo de cupaiba 3s. 6p. 9p. ls UJp.
Tapioca Brazil 8p. 12p 4p.
Ourocu ls. 6p. 2s. Sp. direitos pagos pelocompdor
Tabaco . em rolo 4p. 5p. > Livre de direitos por e».
Í em folha . . . .
ÍA
4p.
9p.
5p.J portaçao.
9Jp
j
'Rio da Prata pilha < B 8p. 8ip
(C 6íp. 7p.
CA v9|p. por couro em navio
Couros \ Rio Grande <B Portuguez ou Inglez.
c
(
Pernambuco salgados
-Rio Grande de cavalho couro • • 4s. 6p. Ts. 6p.
Chifres RioGrande. 12|3 38s. 6p. 40s. 6p. 5s. 6jp. por 100.
Páo Brazil Pernambuco Tonelada 115/.
Páo amar rello . . . . Brazil
r.
120/. ) direitos pagos pelo com
7s. 0p.| 8s. Op. J prador

Esp<
ecie.
Ouro em barra £%
Peças de 6400 reis.
Dohroens Hespanhoes, por onça.
Pezos dictos
Prata em barra
Câmbios.
Rio de Janeiro 58| Hamburgo 36
Lisboa 55$ Cadiz . . . . 34
Porto 55i Gibraltar.. 31
Paris 25 90 Gênova . . .
Amsterdam 12 6 43*

Prêmios de Seguros.
Brazil Hida 2 Guineos Vinda 2 a2£Gnineo8.
Lisboa )
Porto J .... U
•5 li.
Madeira 1 •í.
Açores 21.
Rio da Prata 2 .
3i. 3 .
Bengala 3
C 179 ]

LITERATURA E SCIENCIAS.

NOVAS P U B L I C A Ç O E N S EM I N G L A T E R U A .

UANIELES Oriental Scenery, 3 vols. 4to. preço 181.


I8s. Architectura, Antigüidades e Paizagem do Hindos-
tan; com 150 estampas. Por Thomaz e Guilherme Da-
niell. Compendiado da edicçaõ de folio, e corrigido pelos
mesmos authores.

Howship on the Urinary Organs, 8vo. preço 15s. Ob-


servaçoens practicas sobre as moléstias dos orgaõs urina-
rios; particularmente as da bexiga, glândula próstata, e
urethra J illustradas com casos, e quatro estampas illumi-
nadas. Por JoaÕ Howship : Membro do Real Collegio
de Cirurgioens, em Londres, e da Sociedade Medico Ci-
rúrgica

Salisbury's Botanist, 2 vols. 12mo. preço I2s. O


Companheiro do Botânico ; ou Introducçaõ ao conheci-
mento da Botânica practica, e usos das plantas, que ou
crescem selvagens na Gram Bretanha, ou se cultivam para
os fins da Agricultura, Medecina, Economia rural, ou Ar-
tes; em novo plano. Por Guilherme Salisbury.

Conversations on Political Economy, 12mo. preço 9s


Conversaçoens sobre a Economia Politica, em que se ex-
plicam de maneira familiar os elementos desta Sciencia.
Pelo Author das Conversaçoens sobre Chimica.

Lawrence'» Comparative Anatomy, 8vo. preço 6s. In-


troducçaõ á Anatomia Comparativa e Pbisiologia; em duas
7
180 Literatura e Sciencias.
Licçoens Introductorias, explicadas no Real Collegio de
de Cirurgioens, aos 21 e 25 de Março, de 1816. Por
Guilherme Lawrence: Professor de Anatonica e Cirurgia
do Collegio.

Narrative qfa Residence at Tripoli, 4to. preço 2l. 8s.


Narrativa de dez annos de residência em Tripoli, na Bar-
baria. Tirada da conrespondencia original, que se con-
serva na familia do falecido Ricardo Tully, Cônsul Britan-
nico ; e comprehende memórias e anecdotas authenticas
do Baxá reynante, sua familia, e varias pessoas de distine-
çaõ ; e uma conta dos costumes domésticos dos Mouros
Árabes e Turcos. Com um mappa e varias estampas illu-
ininadas.

Florisfs Manuel, I2mo. preço 4s. 6d. Manual do Fio-


rista; ou suggestoens para a construcçaõ de um jardim
de flores ; com observaçoens sobre o melhor methodo de
prevenir os estragos dos insectos. Com duas estampas.
Pela Authora dos Diálogos sobre Botânica.

Scudamore on the Gout, 8vo. preso 12s. Tractado


sobre a natureza e cura da gota; comprehendendo uma
vista geral do estado mórbido dos orgaõs digestivos, e do
regimen ; com algumas observaçoens sobre o Rheumatis-
mo. Por Carlos Scudamore, M. D.

Jansorís View of Barbary, 12mo. preço 5s. Vista da


condicçaõ actual dos Estados da Barbaria ; e exposição de
seu clima, terreno, producçoens, população, manufacturas,
forças militares e navaes de Morroco, Fez, Argel, Tripoli
e Tunes; e a descripçaõ do seu modo de fazer a guerra;
com anecdotas do seu cruel tractamento dos christaõs es-
cravos. Por W . Janson. Illustrada com um novo e cor-
Literatura e Sciencias. 181
recto mappa Hydro-geographico desenhado por J. J.
Assheton.

PORTUGAL.
o
Sahio a luz : o 2 . tomo do Guarda-livros Moderno, ou
curso completo de instrucçoens elementares sobre o Com-
mercio, tanto em mercadorias, como em banco. Preço
1800 réis.

Formulário Farmacêutico, adoptado nos paizes milita-


res da França. Por M. M. Parmantier, &c. Traduzido
por Caetano Jozé de Carvalho. Boticário em Lisboa.
Preço 480 réis.

O I*. N°. do Negociante Perfeito. Obra que tracta de


Commercio e Geographia. Preço 60 reis.

O Io. tomo do Novo Methodo de Educar os Meninos e


Meninas, principalmente nas villas e cidades : tracta da
Grammatica e da lingua Portugueza, desde o primeiros
elementos da palavra pronunciada, até os últimos preceitos
da palavra escripta. Por Fr. Jozé da Virgem Maria.

Epicedio á memória da Augustissima Senhora D. Maria


Primeira, Raynha de Portugal, do Brazil, e dos Algarves.
Por Joaquim Pedro Lopes.

A, B, C, Escola de Meninos. Contem todas as letras e


monosyllabos, que os meninos devem soletrar antes de
principiarem a lêr, e quinze exemplares de escripta de di-
versas proporçoens, necessários para aprenderem a escre-
ver o character de letras do melhor gosto. Preço 600 reis.

Collecçaõ dos cincos mappas do Mundo: a saber, o da


VOL. XVII. No. 99. 2A
182 Literatura e Sciencias.
Europa, Ásia, África, America, e o de todo o Globo
Nas margens de cada mappa se acha um diccionario geo-
graphicodos seus respectivos nomes, em que para facilitar
a invenção se apontam os gráos de longitude e latitude da
sua situação, e em terceira columna o numero d'habitantes-
que contém as suas mais principaes povoaçoens, o Estado a
que pertence, &c. Nas margens de cada frontespiscio se
apontam os seus principaes Estados, a Religião dominante
de cada um, e o numero de habitantes que contém.
Preço 2000 reis.

Descuberta importante para as minas de Carvaõ.


Occupamo-nos com este objecto; porque o Investiga-
dor Portuguez N°. 62, p . 178, traz um artigo, que pôde
servir de grande prejuizo se naõ for refutado ; e vem a ser
a recommendaçaõ, que aquelle Jornal faz da descuberta
de Sir Humphrey Davy, para prevenir as explosoens, oc-
casionadas pelo gaz inflammavel, que existe nas minas de
carvaõ.
Como aquelle Jornal tem presumpçoens de Scientifico,
quem lesse a sua memória julgaria, que a descuberta de
Sir Humprey éra a ultima nesta matéria, e geralmente
approvada; quando que nenhuma das cousas he assim.
E como naõ suppómos, que se intentasse de propósito en-
ganar os leitores, em ponto tam interessante, e de que
podem depender as vidas de muitos, atribuímos isto á ig-
norância dos Scíentificos Redactores, que propondo-se a
dar novidades scienti ficas, naõ sabem o progresso e mar-
cha das descubertas, nos objectos de que se propõem
tractar ; He melhor naõ fallar das matérias do que fallar
nellas sem conhecimento de causa.
E se os Redactores estaõ ao facto destas cousas, o que
por lhes fazermos justiça naõ suppómos, deveriam infor-
mar os seus leytores do que se tem passado a respeito da
6
Literatura e Sciencias. 183
descuberta de Sir Humphrey, e que he bem sabido era
todas as sociedades literárias da Inglaterra.
Esta matéria foi discutida na Sociedade das Artes em
Londres, quando se conferio a Mr. Ryan a medalha de
ouro e uma bolça com cem guinés, pela sua descuberta
sobre o modo de ventilar as minas de carvaõ, e livrállas
do gaz inflammavel. Copiaremos aqui o relatório do
Comitté encarregado deste exame, e que foi approvado
pela Sociedade em geral; factos notórios, c que naõ ha
ninguém em Londres, que freqüente as companihas dos
homens de letras, que os possa ignorar, pois até correm
impressos.

Relatório sobre as lâmpadas de segurança nas minas de


carvaõ, pelo Presidente do Committé.
Tendo empregado tempo considerável em examinar as
minas de carvaõ em Durham eNorthumberland, e traba-
lhado por me aproveitar de todas as informaçoens, que,
sendo publicadas, possam tender a dar maior sesegurança
ás pessoas empregadas no perigoso trabalho das minas,
peço licença para offerecer algumas observaçoens, sobre
as lâmpadas de segurança. Tenho examinado estas, uni-
formemente com precançaÕ; e tal miudeza, que só pode
justificar-se pelos terríveis effeitos, que devem resultar, de
introduzir em uma mina instrumentos, que naõ saõ capa-
zes de contender com as circumstancias, que sempre ali
existem.
A lâmpada isolada, original invenção do Dr. Clanny,
naõ podia produzir perigo algum, hevendo cautella e
firmeza, porem em outras circumstancias, como succede
nas minas, éra susceptível de virar-se, e perder a água,
que forma a sua válvula; isto remediou elle agora e fez
o apparato muito mais portátil. Este sugeito, cujos in-
defatigaveis trabalhos, por oito annos, a favor dos minei-
ros, lhe da direito á gratidão da Sociedade, inventou de-
2A2
184 Literatura e Sciencias.
pois outras lâmpadas, e acabo de receber uma, feita para o
fim de arder ou com azeite ou com g a z ; porém naõ a
tendo eu experimentado, nem visto experiências, que com
ella se fizessem ; deixo, presentemente, de dar sobre ella
a minha opinião.
A lâmpada, feita por Mr. Ryau, acautella que se entorne
a água, tendo-a perfeitamente segura, e pondo-lhe um
vidro cylindrico, quç a cerca e está fixo no fundo por
um caixhilho. Nesta lâmpada o ar ou azote, que aboia
na superfície do ar, e que por meio de foles he ali enviado
para a combustão, be dali expellido para baixo por um
tubo a travez da água, e embaixo se escapa por uma vál-
vula. Esta lâmpada difiere consideravelmente da outra
do Dr. Clanny no feitio ; porem Mr. Ryan me pedio que
dissesse, que tinha adoptado o mesmo principio do Dr.
Clanny.
Examinei a lâmpada de Mr. Stephenson, quando elle a
apresentou ã Sociedade Literária e Philosophica de New-
castle. Esta lâmpada tinha certo numero de orifícios em
um fundo de cobre, por onde recebia o ar para a com-
bustão, e éra extremamente leve e portátil. Quando vi o
apparato e seu inventor, que naõ podia dar a razaõ do seu
principio, admirei-me de que elle se tivesse aventurado a
entrar na mina com similhante lâmpada ; posto que acre-
dito, que elle assim o fez; e naõ obstante que, em taes
casos, sempre desejo ver demonstrada a ley e operação
da natureza.
A alteração, que Sir Humphey Davy fez nesta lâmpada,
formando os orifícios com um tecido em forma de rede,
em vez de os abrir com um punçaõ, naõ melhora, na minha
opinião, aquella invenção ; porque nao acho, que, mesmo
este babil chimico, possa dar a razaõ, porque a chama
naõ haja de sair pelos taes orifícios, posto que pequenos.
Mr. Ryan diz, que nunca permittiria a trabalhadores
debaixo de sua inspecçaõ a usar do engenho de aço, por-
Literatura e Sciencias. 185
que he bem sabido que causa explosão, do que estaõ sem-
pre temerosos os que o usam. Quando Mr. Buddle e
Mr. Ryan desceram á mina de Hepburn, Mr. B. naõ se
atreveo a approximar-se a vinte varas de distancia na ex-
cavaçaõ; agora pergunto eu i em que situação está o mi-
neiro, que naõ tiver outra lâmpada, e estiver fazendo o
corte da excavaçaõ ?
Quando voltou para Londres, Mr. Ryan tomou uma
pequena lâmpada, das de Sir H . Davy, que expoz áo
hydrogenio carbonizado, e achou que naõ causava explo-
são ; assoprou-lhe algum pó de carvaõ; que a lâmpada
teria de encontrar, nas minas, aonde ha sempre uma con-
tinuada atmosphcra de poeira de carvaõ. Acendeo a lâm-
pada, pola sobre um tubo de gaz, e atirando-lhe com o
pó do carvaõ achou que acendia o gaz, que estava pela
parte de fora. Repetio a experiência varias vezes, e sem-
pre com os mesmos resultados.
Sabendo que nas minas se usa da pólvora para quebrar
o carvaõ, e que se entorna grande parte delia ; elle mis-
turou com pó de carvaõ alguma pólvora, que regular-
mente causava explosão.
Mencionando-me Mr. Ryan estas circumstancias, con-
cordou em que as experiências naõ eram ainda conclusi-
veis, por terem sido feitas com uma lâmpada, que somente
tinha uma polegada de diâmetro ; porém, tendo procurado
outra de Mr. Newman em Lisle Street, fui hontem com
Mr. Ryan á manufactura de gaz em Dorset Street, aonde
experimentamos a lâmpada, variando muitas vezes as cir-
cumstancias, na presença de Mr. J . Wentcroft, Mr. May,
Mr. Pitcher, e Mr. Moris, os quaes todos atestam as ex-
periências.
Experimentei a lâmpada, primeiro sobre um pequeno
tubo de gaz, com pó de carvaõ e pólvora; que acendeo o
gaz da parte defóra ; depois com pó de carvaõ somente,
que, depois de repetidas experiências, produzio os mes-
186 Literatura e Sciencias.
mos resultados, e deixou uma inílammaçaÕ no fim do
tubo.
Invertendo uma chicara, das que se usam para cha, so-
bre o cylindro, demaneira que fizesse uma leve com-
pressão sobre o gaz, produzio por varias vezes explosão
com o carvaõ.
Fui depois ter â loge de um boticário, e ali forcei al-
gum gaz, que se continha n'uma bexiga, contra um dos
lados do cylindro ao mesmo tempo que apertava levemente
do lado opposto o gaz, que se continha em outra bexiga ;
em breve tempo se inflamraon o gaz que estava de fora :
eu comparo isto com o que succede na excavaçao ; posto
que a força, que nós podíamos usar, éra mui inferior á
que se produz pela velocidade da excavaçao, quando
arrebenta debaixo da terra.
Tenho entrado com alguma extençaõ nestas particulari-
dades ; para dar occasiçaõ a que pessoas scientificas ellu-
cidem mais a matéria. E considero, que o systema de
ventilação de Mr. Ryan he calculado para obviar, no
maior gráo possivel, todos os perigos que resultam da ex-
istência do bydrogenio carbonizado, e gaz ácido carbô-
nico, nas minas.
Achei, que a chama do pavio naõ podia penetrar o cy-
lindro de tecido ; porém que este éra penetrado pela in-
ílammaçaÕ do gaz, quando havia corrente de ar.
Induzio-me a fazer estas experiências com mais parti-
cularidade, a circumstancia de se ter dicto na Casa dos
Communs, que Sir H. Davy tinha direito a um prêmio do
Parlamento, pela invenção de sua lâmpada; assim como
pelo desejo que tenho de mostrar, que as objecçoens, que se
acham contra o seu plano, naõ saõ fundadas em prejuizo
pessoal, mas na convicção de sua falta de segurança; ao
mesmo tempo que assevero, que ó Dr. Clanny, e Mr. Ste-
phenson tem a preferencia na invenção, e por conseqüência
o direito á gratidão da pátria, neste caso, &c.
(Assignado) J , H. H. HOLMES.
Literatura e Sciencias. 187

BRAZIL.
Prelecçoens Philosophicas sobre a Theorica do Discurso e
da Linguagem, a Estética e Dicecsina, e a Cosmologia.
Por Silvestre Pinheiro Ferreira. Rio-de-Janeiro,
1813.
No vol. xiii. p . 460, deste Periódico, annunciamos ja
esta obra; e demos uma breve idea das oito Prelecçoens,
que até entaõ tinham apparecido. Agora, neste mez de
Agosto, nos chegaram ás maõs as outras Prelecçoens,
desde a nona até a vigessima segunda, a que acompanha
uma traducçaõ das Cathegorias de Aristóteles ; pelo mes-
mo Author.
Na prelecçaõ nona ; e primeira das que tivemos o gosto
de ler por esta vez; começa o A. a examinar a philoso-
phia dos antigos e modernos Authores ; e dá principio á
matéria pelas Cathegorias de Aristóteles, como aquelle que
sem duvida tem a primazia ; a qual abundantemente se
mostra, nesta sua obra das Cathegorias; aonde se encon-
tram as mais bellas regras de raciocinar, e fallar com
justeza. Esta prelecçaõ nona explica os principios e jus-
tifica as razoens em que Aristóteles fundou as suas catego-
rias, ou distribuição das ideas em differentes classes ; pelo
que vem esta prelecçaõ a ser mui importante, naõ só para
entender o que o A. diz para o diante ; mas para facilitar
a intelligencia da mesma obra d'Aristoleles.
Nada he mais justo do que a importância que o A. dá
(§ 315) á nomendatura das sciencias: os conhecimentos,
que qualquer homem adquirisse por sua experiência e por
sua meditação, findariam com elle, se naõ pudesse com-
municallos aos demais homens por termos intelligiveis:
assim vemos, que muitos remédios, descubertos pelos anti-
gos, se nao podem usar, ja porque a descripçaõ dos medi-
camentos naõ he intelligivel, já porque ás mesmas enfer-
midades naõ saõ suficientemente characterizadas: e nada
188 Literatura e Sciencias.
contribue mais para a clareza, na communicaçaõ de nossas
ideas, do que a boa nomenclatura.
E com tudo, apenas podemos convir com o A. quando
elle leva isto ao ponto de dizer (322) que " as sciencias
nada mais saõ do que o conhecimento do valor das pala-
vras e phrazes, que constituem a particular nomendatura de
cada uma dellas."
Segundo o mesmo A. (^ 10) a nomenclatura das scien-
cias naõ he senaõ um dos cinco elementos de que ellas se
compõem ; e por isso he difficil de entender porque o A.
neste lugar reduza as sciencias unicamente ao conheci-
mento da nomenclatura. Se nós tivéssemos de diffinir a
sciencia meramente por um dos ciuco elementos, que o A.
lhe assigna, diríamos antes, que " as sciencias nada mais
saõ do que o conhecimento dos factos, sobre que cada
uma dellas se versa." Assim aquelle que soubesse maior
numero de factos seria o mais sábio; mas se julgamos esta
nossa difíiniçaõ defeituosa, por naõ abranger quanto he
necessário, muito menos podemos adimittir a do A., que,
conrespondendo com a nossa no demais, em lugar dos
factos põem a nomenclatura.
Nós conhecemos na America Septentrional, em New-
Jersey, um índio mudo, c que naõ sabia lêr nem escrever.
Este homem éra o curandeiro de sua tribu, e tinha feito
um extraordinário estudo de botânica, e dizem, que tinha
aprendido de sua mãy o conhecimento das virtudes de
muitas plantas; e o mais notável he, que, havendo feito
uma espécie de erbolario, ou collecçaõ de plantas secas, as
tinha classificado, em parteleiras, na sua cabana, segundo
a configuração das raízes, e dahi segundo os usos á que as
destinava; como vomitorios, purgas, antídotos para mor-
deduras de cobras, &c.
Deixando de parte o pequeno gráo de perfeição; ou,
para melhor dizer, a imperfeição da sciencia daquelle
índio, he evidente, que elle possuía em algum gráo ás
Literatura e Sciencias. 189
sciencias da botânica e da matéria medica, sem conheci-
mento do valor de palavras e de phrases ; porque as naõ
tinha; e éra mudo. Se porém o tal Índio quizesse com-
municar essa sciencia, que tinha adquirido, entaõ as pa-
lavras e phrases lhe seriam necessárias ; e tanto melhor
daria a conhecer aos outros o que elle sabia, quanto mais
correctas e mais bem diffinidas fossem as palavras e phra-
ses, que para isso usasse, porque em fim concordamos
perfeitamente com o que o A. diz ($ 323) de que as diffini-
çoens, axiomas, theoremas, e problemas abrangem todas
as partes de um tractado de qualquer sciencia; posto
que naõ sejam a mesma sciencia; pois esta, quanto a nós,
consiste no conhecimento que tem o que a possue, e a
quem chamamos sábio, dos factos, que lhe saõ relativos, e
de um bem dirigido raciocínio, na sua combinação. Neste
sentido he impossível admittir a distineçaõ, que o, A. faz,
($ 538) entre conhecimentos e sciencia: porquanto o
mesmo A., quando tracta de distinguir o estado das scien-
cias do gráo de conhecimentos do sábio escriptor (ç 633),
chama sciencia a massa de doutrinas espalhadas por todos
os escriptos, que delia tractam."
A prelecçaõ décima contem explicaçoens ao segundo
aphorismo das Cathegorias d'Aristóteles; por occasiaõ
disso mostra a importância de bem entender os termos de
Aristóteles horaonymo, e synonymo; assim como os do A.
equivoco, e uoivoco; porque traduz os de Aristóteles. A
undecima prelecçaõ continua ainda com o segundo apho-
rismo : e na duodecima passa ao terceiro e quarto» A
décima terceira prelecçaõ oecupa-se com os aphorismos 5*.
e8™.
O A., tractando nesta ultima prelecçaõ a utilissima ma-
téria dos systemas ; c havendo dado aos systemas natural,
e artificial, os nomes de exegetico e diagnostico; inter-
rompe a sua série de explicaçoens sobre os aphorismos de
Aristóteles; e no $ 494, final desta prelecçaõ, diz as ma-
VOL. X V I I . No. 99. 2B
190 Literatura e Sciencias.
terias que se propõem tractar para o diante, do seguinte
modo : —
" Mais teria eu a observar-vos, sobre a arte e a historia dos sys»
temas. Porém o apontado basta por ora, para o fim de vos desen-
volver a doutrina de Aristóteles, e mostrar-vos na applicaçaõ a este
assumpto, a grande comprehensao de suas utilidades. E portanto,
reservando para mais opportuna occasiaõ o voltar á doutrina dos
systemas, passarei a fallar de outra applicaçaõ por extremo interes-
sante das quatro quandes cathegorias de que tractamos, bem como
das três mencionadas nos três aphorismos de Aristóteles; e vem a ser s
a de estabelecer uma espécie de harmonia entre os differentes idiomas -
facilitar o estudo das linguas estrangeiras; e resolver de um modo
indirecto o grande problema de uma lingua universal: ou ao menos
de um modo de conrespondencia geral entre todas as oraçoens; ao
que os modernos tem dado o nome de passigraphia: na seguinte pre-
lecçaõ tractarei destes differentes usos, a que os philosophos naõ
tem prestado toda a attençaõ, que a importância das suas incalculá-
veis vantagens, no tracto social, lhes devera ter aconselhado."
O A. satisfaz ao diante (% 583) a objecçaõ, que aqui se-
ria mui obvia, de interromper a analize das Cathegorias
d'Aristoteles,estendendo-seem todas as seguintes prelecçoens
(14 a ., ate 22 a .) no parallelo entre as sciencias phisicas e
mathematicas com as moraes, para examinar qual dellas se
acha mais adiantada.
A composição e publicação immediata das prelecçoens,
que naõ permitte a escolha das matérias ; e a considera-
ção de que estas prelecçoens philosophicas, sobre as sci-
encias em geral, naõ eram destinadas a servir de curso
elementar de Philosophia; saÕas razoens do A. para naõ se-
guir uma ligação methodica das ideas, que, sé existisse,
haveria mostrado, que o A. trabalhava sobre ura plano
systematico, em que a distribuição das matérias fosse con-
forme ao arranjamento que o A. tivesse adoptado. Porém
segundo esta declaração do A. parecenos que o Leitor so
deve esperar disserlaçoens sobre vários pontos das sci-
encias, e destinadas para aquella classe de pessoas, que,
Literatura e Sciencias. 191
tendo ja feito um curso de estudos, possue os principios, e
entende a linguagem das sciencias.
Nós naõ podemos aqui deixar de observar, que O A.
mostra vasta amplitude de conhecimentos, nos exemplos de
que se vale, para explicar os seus principios. A cada
passo se acham exemplos tirados dos termos técnicos da
Historia Natural, da Medecina, de todos os ramos das
Mathematicas, da Jurisprudência, &c. Ora he evidente,
que a classe de homens estudiosos, que se tenham appli-
cado ao conhecimento geral das sciencias, ainda sem passar
muito além da nomenclatura, he uma classe bem limitada
de pessoas ; c se fallarmos da mocidade, aquém o A.
dirige as suas prelecçoens, os indivíduos, que possam ter
os conhecimentos, que os exemplos de que se usa nestas
prelecçoens prcsupôem, saõ na verdade rarissimos. O A.
mesmo convém, que pudera ter tirado os seus exemplos,
se quizesse, de cousas triviaes ; e que estivessem portanto
ao capto do commum dos ouvintes de suas prelecçoens;
mas aprouve-llie obrar de outra maneira.
O parallelo do progresso das sciencias em que o A, en-
tra, desde a décima quarta prelecçaõ em diante, merece
bastante attençaõ, naõ só pela importância da matéria, mas
também pelo methodo e arranjamento com que o A. tracta
esta questão.
Havendo o A. reduzido a cinco os elementos das sci-
encias ; a saber, factos, nomenclatura, systema, theoria e
methodo, procede a comparar, as sciencias naturaes com
as moraes, em cada uma destas cinco divisoens, para
chegarão resultado de saber, quaes dellas se acham mais adi-
antadas, e em que parte ou partes destes elementos existe
o tal adiamento; e para provar a necessidade de examinar
a questão com estas distineçoens, se explica com o exemplo
da medecina. (§ 437)
" Be assim, que a medecina, rica em factos, he pobríssima em
nomenclatura • e os mesmos factos acham-se ali até o presente isola-
2 B 2
Í92 Literatura e Sciencias.
dos, sem sustenta. Porém muito mais feliz do que outras Sciencias
no que respeita a theorica, pode apontar sobre as causas, razoens, e
effeitos da maior parte dos symptomas senaõ tudo, ao menos, o que
mais nos importa conhecer He evidente, que, estando taõ atrazada
em nomenclatura, e taõ destituída de systema ; nem mesmo podem
estar lançadas as bases para o methodo, ou, como alguns se explicam,
para uma Philosophia Medica.'"
Tara se entender o bem deduzido parallelo, que o A.
faz das sciencias, he mui essencial ter em vista as divisoens,
e subdivisoens, que dellas faz; assim como as deffiniçoens,
que lhes ajuncta (desde o § 507 até % 512); aqui transcre-
veremos esses lugares do A. antes de dar-mos a nossa
opinião sobre o seu parallelo.
" §507 Abordemos á proposta questão do parallelo das sci-
encias Moraes com as sciencias Phisicas e Mathematicas, debaixo
deste mesmo ponto de vista. E primeiro que tudo fixemos os limites
década uma daqueltas sciencias."
" Appellidara-se pois Phisicas aquellas, que tractam das proprie-
dades dos corpos. Todas as outras intitulam-se Moraes como j s
acima notamos (§495). O campo das primeiras abraça todos os phe.
nomenosnaí inlellectiia.es da Natureza: o destas ultimas naõ se estende
além de uma parte dos phenomeuos do Reyno Animal; quero dizer
aquelles, cujo complexo constitue o que se chama Intelligencia."
" 508. £ ainda he de advertir, que, supposto a alçada das sciencias
denominadas Moraes comprehenda todos os phenomenos da Intelli-
gencia ; de facto póde-se dizer, que até ao presente se acha unica-
mente limitada â Psycologia do Homem. Mas he certo, e convém
fazer-vos notar, que cada uma das innumeraveis familias do Reyno
Animal offerece á sciencia uma nova ordem de intelligencias. E sem
duvida enriqueceria a Psycologia com a descuberta de novos entes o
Philosopho que descrevesse com mais exactidaõ e miudeza, do que
até agora se tem feito, algumas das immensas variedades de entes sen-
sives, que o altento observador contempla extasiado nas differentes
classes de animaes, que povoam o universo, desde o homem até ao
Poljpo."
" 509. Tanto as sciencias Phisicas como as Moraes se dividem em
Positivas e fíypotheticas; e tanto umas como outras saõ históricas ou
theoreticas."
" 510. A parte histórica das sciencias Phisicas affeclou-se o nome
Literatura e Sciencias. 193
de Historia Natural. E á theoretica os de Phisica e de Chimica, na
maneira que expuzemos nos •}§ 156, e 160, advertindo que, quando
assim se contrapõem phisico e chimico, significa o mesmo que me-
chanico."
" 511. Quanto ás sciencias Moraes, distinguindo-as igualmente
naquellas mesmas rubricas, denominaremos umas Sciencias Moraes
Históricas, (ou Historia Natural dos Entes Intelligentes) : e as outras
thepreticas $ que vem a ser a Lógica, a Grammatica, a Esthetica e a
Diceosina.
" 512. Assim como as sciencias Phisicas, logo que saem da es-
phera dos phenomenos, que nos offerecem os corpos da natureza, e
simplificando os objectos e as expressoens, se remontam á vasta re-
gião das hypotheses, se appellidatn Sciencias Mathematicas; do
mesmo modo as Sciencias Moraes, partindo dos phenomenos
intellectuaes, que a experiência nos mostra, criam um mundo hypo-
thetico, edam origem a uma nova ordem de sciencias, que eu de-
nominarei Sciencias Moraes Hypotheticas,e que se poderiam chamar
as Mathematicas das Sciencias Moraes; porque também aqui, por
meio da abstracçaõ e simplificação dos objectos, se chega a deduzir
daquellas hypotheses certas formulas, que, supposto naõ representem
os objectos moraes, taes como elles saõ na natureza, servem com
tudo para os virmos a conhecer por approximaçaõ. E para isso naõ
temos mais do que substituir ás expressoens geraes, e indetermina-
das daquellas formulas, as expressoens determinadas, que a sciencia
Moral Histórica nos offerecer, para o caso que se tractar. Quantas
questoens, por exemplo, naõ resolvemos nós cada dia, com a citação
de uma sentença, de uma máxima, de um provérbio ? Pois estas
nada mais saõ do que expressoens geraes, de que a questão que ven-
tilamos he um caso particular; bem como o saõ das formulas da
Mathematica as questoens, que, pela citação detlas, se resolvem."
Discorrendo o A. pelas differentes sciencias, segundo a
divisão que dellas fez ; e em cada uma dellas pelos cinco
elementos, que deixamos apontado; em todos elles acha
que a preferencia está da parte das sciencias moraes ; e
nos que somos perfeitamente de acordo com a opinaõ do A.
somente pudemos notar neste parallelo, que o A. apontando
a maior parte das faltas, que, em cada um dos cinco ele-
mentos, se observam nas sciencias Naturaes ou Phisicas,
naõ se encarrega sempre do mesmo trabalho, pelo que re-
194 Literatura e Sciencias.
speita as sciencias Moraes; o que notamos, naõ por aceu-
sar o A. de parcialidade, mas porque nos parece que a
comparação seria cabal mente entendida, se a pardas faltas
das Sciencias Naturaes viessem os defeitos das Sciencias
Moraes ; e immediato ás vantagens das Sciencias Moraes
viessem expostos também os melhoramentos das sciencias
Phisicas. Explicaremos com um ou outro exemplo o que
dizemos.
Comparando o A. as sciencias, pelo que respeita a sys-
tema, na prelecçaõ J9 ; desenvolve com a maior clareza
cinco differentes espécies de systemas; expõem mui judicio-
samente os systemas artifial e natural, nota os defeitos
dos systemas nas sciencas naturaes, e decide-se pelas
moraes.
Do % 641 em diante toma para segundo exemplo o es-
tado da Jurisprudência ; e lembra o que ha nesta matéria
de bom pelo que respeita ao systema. Mas nós deseja-
ríamos ver comparados o melhor systema de Historia Na-
tural, com o melhor systema de Jurisprudência, para vêr
entaõ qual destes systemas conrespondia melhor aos seus
fins.
Supponhamos que a comparação éra feita entre a Histo-
ria Natural de Linneo, e o Digesto i Qual destas duas
obras classifica melhor os seus objectos ? Qual tem as di-
visoens mais adaptadas á natureza das matérias i Qual
offerece mais auxilio á memória pela ligação dos differentes
assumptos uns depois de outros ?
Quando o A., notando os defeitos do systema de Linneo,
aponta o acharem-se connexos em uma divissaõ o bugie
e a balea; nos teria muito satisfeito, se notasse também,que
os escravos, no Direito Romano, saõ considerados como
cousas e naõ como pessoas, e que por tanto os titulos sobre
os escravos naõ devem entrar na divisão daquelles em que
se tracta de pessoas.
Pelo que respeita a nomenclatura, quando o A. mortra
Literatura e Sciencias, 195
os defeitos da nomenclatura nas sciencias naturaes ; po-
deria também ajunctar logo os grandíssimos defeitos da
nomenclatura na jurisprudência; e que tem sido mo-
tivo de tam bem fundadas queixas de muitos Juriscon-
sultos.
O A. leva esta súperidade das sciencias Moraes ao
ponto de dizer, pelo que respeita a linguagem, que " naõ
constando as línguas vulgares senaó de palavras e de
phrases, cujo valor tem sido determinado e fixado pelo
uso dos povos, naõ pode jamais ser incerto, ainda que al-
gumas vezes possa ser difficil de definir."
Era para desejar, que o A. lembrasse também aqui as
immensas duvidas que occorrera todos os dias, em conse-
qüência da incerteza do valor das palavras e phrases.
Continuamente he necessário recorrer á decisaõ de juizes
ou de árbitros, para dar alguma intelligencia ás disposi-
çoens testamentarias, ainda quando o testador se tem es-
forçado por expressar claramente a sua vontade. As pa-
lavras de que usaõ os indivíduos nos seus contractos, saõ
constantemente a causa de demandas, para averiguar o
seu valor ; e na legislação Romana este inconvemente foi
sentido a tal ponto, que se determinaram certas formulas
das quaes deviam os contractantes usar, sobpena de serem
nullos seus contractos ; formulas que outros legisladores
acharam ser remédio quasi tám pernicioso, como a mal a
que se propunham curar : e assim se puseram outra vez
essas formas ou em desuso, ou sugeitas a muitas excepçoens
e modificacoens.
As mesmas leys, cujas palavras saõ ponderadas com to-
do o cuidado, offerecem exemplos de tanta incerteza na
sua intelligencia, como as expressoens do testador, ou do
contractante.
Isto posto naõ será fácil o provar, em toda a sua exten-
çaõ, que nas línguas vulgares o valor das palavras naõ
pôde jamais ser incerto.
196 Literatura e Sciencia».
O A. fazendo-se cargo de responder a alguma objecçaõ
contra a jurisprudência, diz, (S 646) que he preciso naõ
confundir os erros dos Sábios, com o estado das sciencias;
mas nos julgamos, que nao ha outro modo de comparar o
estado dai sciencias, senaõ comparando os coriíeos de cada
uma dellas um com outro, seja em todos, seja em parte
dos elementos das sciencias. H e por isso que neste paral-
lelo desejávamos ver comparado Linneo com oDigesto,
Tournefort com Coufucio, Boheraave com o Koran. Ou
olhando para os authores novíssimos desejaríamos ver com-
parados o systema nomenclatura e methodo de Cullen, na
Medecina, com Bentham, na Legislação.
Mas nem por isso, que desejávamos ver o parallelo, que
o A. se propôs a fazer das sciencias, exemplificado de
escriptor a escriptor, differimos em opinaõ quanto á con-
clusão, que a vantagem se acha da parte das sciencias
Moraes ; e tanto somos nisto da opinião do A. que naõ
podemos convir na expressão do % 647 (se elle se deve
entender como soa) " de que nenhum dos que escreveram
sobre a Jurisprudência abraçou o plano de recopilar em
um só corpo e tractar methodiamente da Nomenclatura e
Systema da Sciencia:" Porquanto, na nossa opinião isso
fizeram quanto ao Direito Romano, os compiladores das
Institutas deJustiniano,e depois delles Heinecio; e quanto
ao Direito universal Bentham, e outros : a questão he, se
elles fizeram as suas recapitulaçoens com tanto methodo,
taõ boa nomenclatura, e taõ bem aranjado systema, como
Linneo na Botânica, Cullen na Medecina Chaptal na Chi-
raica, &c.
Concluiremos agora esta breve noçaÕ das matérias, que
o A. se propõem tractar nestas Prelecçoens, copiando o
modo porque elle se exprime, sobre a causa da alternativa,
que se tem experimentado em todas as naçoens do mundo,
passando do estado de ignorância ao de instrucçaõ, e deste
outra vez ao estado de ignorância. Ha sem duvida outras
Literatura e Sciencia». 1-97
causas, que a historia nos ensina terem produzido, em al-
gumas naçoens, a fatal passagem das luzes para as trevas,
ott do estado de civilazaçaõ para o da barbaridade, mas
a causa, que o A. assigna, tem sido algumas vezes a única ;
em outras, tem obrado em concurrencia com as demais ;
e se acha taõ enérgica c succinctamente deduzida, que
temos grande prazer em a expor aos nosros Leitores pelas
mesmas palavras do A. (§ 573)
" O vulgo, qualquer que seja a naçaõ, conserva-se sempre em um
destes dous estados. Em quanto o numero dos homens de letras e
de educação he limitado, o vulgo permanece naquella infância de
conhecimentos, a que se chama barbaridade. E depois que, espa-
lhando-se a instrucçaõ, se forma entre os homens de letras e o vulgo
uma classe media, composta de homens encyclopedicos ou charla-
taens $ isto he; que de todas as palavras scienlificai tem idea informe
e estropeada; entaõ começa o império das homonymias ou equí-
vocos."
" 574. Ora como similhante sciencia consista toda em um jogo
de palavras, cousa fácil, e ao alcance de todo o mundo; cresce tanto
mais rapidamente o numero dos adeptos, quanto he agradável a sur-
preza, cora que conduzidos pelo mágico charlatão de metaphora em
metaphora, aprendem e se habituam a discorrer sobre qualquer ma-
téria que se offerece i por quanto dado um thema, isto he uma pro-
posição, em que se affirma ou nega algumas cousa, vara-o sueces-
sivatnente transformando, pela substituição dos synonimos e horao-
nymos, década amadas palavras do mesmo thema: de modo, que
cada nova forma em que elle apparece, por virtude destas suecessi-
vas substituiçoens he uma nova conclusão : he para elles uma nova
verdade, tanto mais notável e preciosa quanto mais paradoxal ou
fora da natural expectaçaõ. Por esta arte o charlatão confunde-se aos
olhos do vulgo com o sábio, naõ só pelo estylo e linguagem, de que
•e serve; mas até pela deducçaõ de novas, e admiráveis conclusoens,
que recebe como outras tantas verdades. Mas aos olhos do vulgo o
charlatão deve apparecer tanto mais superior ao sábio, quanto forem
mais espantosas as conclusoens, que elle deduzir dos seus errôneos dis-
cursos."
" 674. Cresce pois com o numero dos sábios o dos charlat&ens *.
com a differencia porem que a proporção cresce sempre, e com rá-
pido progresso em favor destes: bem depressa a numerosa cohortt
VOL. X V I I . N o . 99. 2 c
198 Literatura e Sciencias.
dos falsos sábios, naõ podendo fazer triumphar seus erros pela per-
suasão, recorre á força : guerras de opinião devastam os Estados *, e
o vulgo, confundindo outra vez os verdadeiros com os falsos sábios,
proscreve de envolta os bons com os máos conhecimentos : mas naõ
podendo banir de uma vez todos os conhecimentos, capitula, e faz
escolha. Ora a verdade he inflexível, naõ sabe capitulai*; a verdade
he uma só, naõ pode haver escolha. A verdade he pois banida, e
dos erros voltam a dominar aquelles, que parecem menos compatíveis
com os erros, que acabam de fazer a desgraça dos poros. Assim
passam alternativamente as naçoens das trevas da barbaridade ás luzes
da razaõ, e destas tornam a cair, sempre conduzidas pela maõ de
charlatanismo, no cahos da ignorância."

Economia Politica de Mr. de Simonde.


[Continuada de p. 57.]
CAPITULO II.

Dos Capitães Fixos.


Deixámos dieto que o primeiro modo por que os ricos
podem empregar os seus capitães com ganância, be fixando-
os de sorte que ajudem as forças produetivas do trabalho.
Toda a naçaõ civilizada possue capitães fixos deste modo
em grande quantidade; e esta he uma das causas a que
se deve attribuir a superioridade dos productos de sua in-
dustria aos de uma naçaÕ selvagem.
O primeiro trabalho produetivo, que o homem fixou, foi
destinado a beneficiar a terra. A sua fecundidade he fonte
de riquezas tanto mais abundante, quanto melhor o ho-
mem sabe como ha de obter delia, aquillo de que tem pre-
cisão. Pode-se, com Mr. Canard, considerar a desco-
berta da arte de obter colheitas, como o resultado do tra-
balho do homem; he o fructo das primeiras experiências
do primeiro cultivador. Nesta hypothese, nunca houve
trabalho mais produetivo que o seu, porque a sua inven-
gaõ, que talvez se deva tauto ao acaso como á diligencia,
0
Literatura e Sciencias. 19*
deo origem ao valor de toda a terra. O homem activo faz
algumas vezes destas descobertas felizes, que mudam a
sorte do gênero humano ; e como he pelo seu trabalho que
elle vem a dár nellas, podem olhar-se como fructos delle.
Mas este fructo he, como se vê, de natureza differente da-
quelle, que, proporcionando-se ao tempo e aos meios em-
pregados pelo obreiro, se acha realmente no valor dos
objectos produzidos.
Depois desta primeira descoberta pode-se a terra ficar
considerando como uma obreira productiva; o homem
poem-a a trabalhar, ella opera, e o valor do seu trabalho
accumula-se no valor das suas producçoens. O direito de
pôr ao trabalho esta obreira tam útil, he o que se chama
propriedade do chaõ. O valor do seu trabalho, primeira
origem da renda dos immoveis, pertence aquelle que se
acha apoderado da superfície de uma porçaõ de terreno, e
do qual o direito he reconhecido pelos seus concidadãos.
Quando a povoaçaõ cresceo nas naçoens civilizadas, já os
que vinham achavam o território repartido por differentes
donos: Os que assistiram á primeira repartição das ter-
ras tiveram a vantagem sobre os outros ; e mesmo quando
naõ cultivavam a terra, que lhes coubera em sorte, essa
terra era avaliada em razaõ da propriedade virtual, que
tinha de fazer um trabalho produetivo, sendo posta em ac-
çaõ. He por isso que nas naçoens civilizadas, a terra in-
culta também tem seu valor.
Vai, porem, muito do preço da terra inculta ao do solo
roteado; he neste ultimo que commeça a accumulaçaõ
real do trabalho produetivo do homem. He preciso para
tornar fértil um terreno selvagem, para o minar, murar, e
fazer-lhe plantaçoens, um trabalho tanto mais considerável,
quanto mais aperfeiçoada a agricultura se acha; e o pro-
prietário, ou alguém por conta delle, faz este trabalho,
cujo Valor total se ajuncta ao do immovel.
Como a sua efficacia naõ se limita a um so anno, mas
2Q%
200 Literatura e Sciencias.
dura quasi para sempre ; e a terra, depois de estar acostu-
mada á cultura, vem a produzir mais ; o direito de pro-
priedade ou de cultivar uma terra melhorada, fica sendo
mais precioso do que o de cultivar uma terra virgem, por-
que produz mais a seu donno; e s e este o chega a ceder a
outrem, he por um preço muito maior. A retribuição,
pela qual o proprietário do solo larga este direito ao seu
rendeiro, he o que se chama renda das terras, ou o ganho
liquido da cultura. He, portanto, em parte uma com-
pensação pelo direito de propriedade da terra inculta; e
em parte uma producçaõ do trabalho accumulado nella,
para a pôr cm estado de se poder cultivar.
O trabalho que o agricultor faz depois, para pôr imme-
diatamente a terra em acçaõ, so se accumula na colheita
de um ou mais annos ; e se fixa sobre o solo, naõ he se-
naõ momentaneamente, até que o recobra nas suas produc-
çoens. Pertence, portanto, á classe dos capitães circu-
lantes.
Depois do trabalho que se fixa no roteamento das terras,
o que se fixa na construcçaõ das habitaçoens faz um dos
capitães nacionaes mais importantes e viziveis. Naõ
quero dizer que a muitos respeitos as casas naõ possam ser
consideradas antes como objectos de consumo, que como
um capital fixo : a casa he uma das necessidades do ho-
mem, e he para elle uma despeza da mesma forma que o
be o mantimento; mas, como a agricultura, as artes, e o
Gommercio naõ poderiam existir sem os edifícios destina-
dos a recolher os labradores, os artífices, os commercian-
tes, os seus instrumentos e os seos productos, o custo da
sua habitação, a venda do trabalho empregado em a con-
struir, ha de accrescer naturalmente ao valor do producto
da sua industria ; de sorte que esta parte dos edifícios, que
he destinada para habitação e officinas de artífices pro-
ductivos, forma uma porçaõ de capital nacional fixo, e
Literatura e Sciencia». 201
«ontribue para augmentar o valor do trabalho, qne a naçaõ
fizer dali por diante.
Outros edifícios ha que produzem por si mesmos dés
que saõ postos em acçaõ. Estes saõ artífices materiaes
creados pela industria humana : o seu trabalho, da mes-
ma sorte que o da natureza, se realiza no valor dos objec-
tos que criam ou modificam. Os moinhos, as forjas, as
serras, os fornos, e, em geral, todas as maquinas, perten-
cem a esta classe, uma vez que estaõ construídas, a sua
renda ou o seu aluguer representa o valor, que o trabalho
accumulado nellas augmeata no trabalho annual do ho-
mem.
O capital fixado nos edifícios ou nas maquinas naô fica
ali para sempre, como o que se fixa nas terras ; deminue
gradualmente, á proporção que o edifício se consume, e vai
achar-se nos objectos produzidos pela industria dos que o
habitavam. O capital empregado nas ferramentas e in -
strumentos da agricultura e dos officios mechanicos ainda
menos tempo subsiste; alguns ha que duram annos, e ou-
tros apenas alguns mezes, e vai entrar no valor de todas as
mercadorias produzidas por essas ferramentas: de sorte
que estas mesmas saõ em parte objectos de consumo, e em
parte capitães fixos.
Como os mesmos objectos se reputara em mais estando á
ma5 dos consumidores, do que estando distantes; convi-
nha á sociedade fixar uma parte dos seus capitães em fa-
cilitar os transportes. A esta classe dos trabalhos accu-
mulados pertencem, de uma parte, as estradas, os cana es, e
os portos; e da outra, os carros, e as embarcaçoens : a
renda de uns e outros se recobra uo augmento do valor
das mercancias, postas por meio delles no logar aonde d e -
vera ser consumidas.
Uma naçaõ he rica em proporção do numero que pos-
sue de obreiros productivos ; e esta he a ultima espécie
de capital fixo. He preciso que o trabalho da idade viril
202 Literatura e Sciencias.
de um artífice compense o consumo de toda a sua vida s
porque na sua infância gastou-se muito com elle, e muito
tempo se passou antes de elle estar capaz de fazer algum
trabalho, ou ao menos, antes de fazer trabalho equivalente
á sua despesa: consumio os alimentos e mercadorias, que
haviam sido produzidas pelo trabalho de outros artífices.
Todos os que hoje existem foram creados e tem vivido do
trabalho dos seus predecessores; se o seu numero, se tiver
augmentado, he forçoso que houvesse previamente uma
accumulaçaõ de trabalho para os alimentar e vestir. Esta
accumulaçaõ se fixa e se realiza na sua existência. A
proporção que as suas forças vitaes se consumem, recobra-
se a dieta accumulaçaõ de capital pelos productos do seu
trabalho.
Quando morrerem os que formam a geração actual, se
tiverem estado toda a sua vida assíduos nas suas officinas,
todo o seu consumo se terá recobrado, e nada se haverá
perdido.
Aquelles artífices, que tem adquirido uma habilidade
particular para o trabalho, seja applicando.se, nos annos
em que poderiam trabalhar, a adquirir uma industria mais
productiva; seja empregando no mesmo objecto um capi-
tal, isto he, a somma do trabalho dos outros; estes, digo
eu, tem fixado em sua própria vida maior quantia de
trabalho accumulado ; e nem por isso a naçaõ deixará de
ser mais rica, possuindo um so artífice distincto, que mui-
tas vezes lhe causará mais proveito que 10 ou 100 artífices
ordinários : naõ somente porque elle produzirá mais annu-
almente, mas até porque lhe custou mais a formar. *

* A habilidade adquirida pelos artistas improduetivos lambem faz


parte do capital fixo ; porque os meios de procurar regalos e fazer
serviços aos homens devem ser contados entre as riquezas nacionaes:
se, pois, fizermos o inventario da riqueza de uma naçaõ, poremos a
habilidade dos seus jurisconsultos, dos seus médicos, dos seus come-
Literatura e Sciencias. 203
O valor real do capitai fixo he o trabalho que está ac-
tualmente accumulado nelle ; e a sua renda be a quantia
que elle augmenta no valor annual do trabalho humano.
Porem, como o capital fixo naõ pode separar-se quando se
queira dos objectos em que está accumulado; ou elle ali
fique para sempre, ou se extráha gradualmente no valor
dos gêneros que por meio delle se obtém, quando se tracta
de o avaliar, olha-se menos para o que custou, do que
para o que poderá inda render. Ora a relação que ha
entre a renda e o capital fixo que ella suppoem, depende,
como a diante se verá, da relação que existir entre o lucro
e o capital circu lante; de sorte que o valor do terreno dos
immoveis varia com os lucros do commercio. Se, por
exemplo, succede que, por um progresso de augmento
da riqueza nacional, o lucro do capital circulante abate
de 20 por cento a 10 por cento por anno, o valor capital
dos immoveis comparado com a venda que daõ será do-
brado : naõ porque elles contenham na realidade mais ca-
pital accumulado; mas porque o seu rendimento, pela
proporção admittida naquelle periodo da sociedade, re-
presentará mais.
De todas as fontes de renda, que vimos de enumerar, so
uma he por sua natureza inexgotavel, e d'onde o trabalho
accumulado pelo homem naõ pode jamais sair todo em
algum espaço de tempo maior ou menor. Esta he a que
representa a propriedade virtual, que a terra tem, de pro-
duzir, logo que he convenientemente posta em acçaõ. Esta

diantes, e dos seus músicos, na mesma linha dos seus artífices de toda
espécie.
Isto naõ destroe a distineçaõ entre as duas classes de artistas, por-
que continuando o mesmo inventario, por-se-hia na parte do mo vi-
vei, ou do capital circulante, os productos dos artífices, e até os vi-
veres por consumir, que saem de suas loges ; mas naõ se metteriam
lá as sentenças dadas, as junctas e visitas dos médicos, nem as repre-
sentaçoens, nem os concertos com que o povo se diverte.
204 Literatura e Sciencias.
parte da renda, como já dissemos, naõ he verdadeiramente
um fructo do trabalho humano, mas sim a compensação
de um privilegio; e resulta da espécie de monopólio que
disfructamos proprietários de terras sobre todos os seos
concidadãos.*
Os artífices, e aquelles que possuem trabalho accumu-
lado nunca poderiam obter colheitas, se os proprietários
do solo lhes naõ alugassem o trabalho de terra para con-
correr com o seu. Desta espécie de monopólio resulta,
que o aluguer do trabalho da terra naõ he tam proporcio-
nado á sua força productiva, como á necessidade que delle
ha, ou maior ou menor concurrencia a elle; e que a ren-
da de um campo fértil vale pouco em ura deserto, ao mes-
mo tempo que a de um campo estéril se estima em muito
nas vizinhanças de uma cidade rica e populosa.
0 monopólio he, pois, a base da parte da renda, que se
pagaria pela terra inculta, em quanto a outra parte, que
representa o trabalho que o proprietário tem accumulado
sobre o seu solo, segue a mesma marcha, e he sujeita ás
mesmas regras que a renda dos outros capitães fixos.

* Este monopólio he necessário, e conveniente á sociedade,


porque naõ poderiam as terras ser bem cultivadas se se dividissem por
todos os cidadãos, tam pouco se naõ fossem dadas em propriedade.
C 205 ]

MISCELLANEA.
EDUCAÇÃO ELEMENTAR.

N-.5.
Emprego dos meninos nas differentes classes.
Terceira classe e seguintes,
\JS MENINOS, que chegam ao ponto de conhecer bem
as sylabas de duas letras, entram na terceira classe aonde se
lhes ensinara as sylabas de três letras; justamente pelo
mesmo methodo; e isto constitne os estados da terceira
classe; assim como o conhecimento dos números na com-
binação de três letras de conta.
A quarta classe aprende as syllabas de quatro letras; e
os algarismos também até quatro letras.
A quinta classe estuda as palavras de muitas sylabas,
soletrando sylaba por sylaba, e mui devagar, mas com o
acento próprio da palavra, e imitando o decuriaõ. As
syllabas precedentes naõ se repetem depois das subse-
quentes. Por exemplo Re-li-gi-aõ consta de quatro syl-
labas, que o menino pronuncia rc, li, gi, aõ, sem que fa-
tigue a atenção, nem restrague a intelligencia e o tempo,
com a desnecessária repetição das syllabas. Por este me-
thodo adquire a liçaõ da palavra em menos tempo, e
aprende ao mesmo tempo o acento, que lhe deve dar.
Quanto á arithmetica, o estudo dos algarismos se leva
nesta classe até cinco letras, e se aprende também a for-
mação das fracçoens.
A sexta classe consta dos meninos, que, lendo bem as
palavras, podem ja ler algum livro. Tem-se escripto em
Inglaterra varias obras para este fim; como resumos da
Bíblia, Cathecismos, contos moraes, &c.; e as palavras
saõ lidas sem primeiro repetir as syllabas separadamente.
Vot. XVII. No. 99. 2D
206 Miscellanea.
N a escripta cessam os meninos de escrever na pedra, e
principiam a escrever em papei ; mas para evitar a des-
peza do papel ; que be um artigo considerável nas escholas
gratuitas, inventaram em Inglaterra o uso de um papelão
envernizado com certo verniz, que admite bem a tinta;
mas que se limpa lavando as letras com uma esponja hu-
medecida com água ; o que faz com que o papelão sirva
para muitas escriptas.
Nesta classe começam os meninos a aprender as opera-
çoens de arithmetica ; e portanto daremos aqui o methodo,
que nisto segue Mr. Lancaster, posto que ha outros, que
se dizem ser igualmente úteis e fáceis.
Segundo o methodo antigo, o mestre escreve em um
livro ou papel, para cada discípulo, as somas que elle
deve somar, multiplicar, &c. os menimos vaõ para os seus
lugares, aondem fazem a operação, e depois o mestre ex-
amina se está correcta.
Os defeitos deste methodo consistem; na despeza do
p a p e l ; no tempo que perdem o mestre e os discípulos ; e
na duvida de que a operação foi feita pelo mesmo discípu-
lo ou por outro. Tudo isto se remedeia escrevendo os me-
ninos as somas, quem o decuriaõ manda escrever a todos
ao mesmo tempo, usaudo da pedra em vez de papel; e
fazendo a operação immediatamente á vista do decuriaõ.
Por este methodo o decuriaõ á frente do seu banco,
manda a todos os meninos escrever uma soma, por ex-
emplo 6 4 0 ; por baixo desta outra, 320; e por baixo
desta outra 160 ; dahi manda soinmar as três addiçoens, e
todos os meninos, logo que acabam a operação, voltam
a pedra para fora, para a inspecçaõ do decuriaõ.
Por este modo o decuriaõ vê em primeiro lugar,
quaes saõ os meninos mais expeditos em fazer a
operação; c, em segundo lugar, observa os erros de
cada nm para os corrigir. Daqui provém também a fa-
cilidade de conhecer o gráo de melhoramento dos meninos
2
Miscellanea. 207
para a divisão das classes de arithmetica, assim como de
leitura e escripta ; porque deve sempre haver o cuidado,
de naõ demorar em uma classe inferior, o menino, que tem
feito assás progressos para ser posto na classe comparativa-
mente superior.
O mesmo methodo he exactamente applicavel ás outras
operaçoens de diminuir, e repartir ; porque naõ ha mais
do que o decuriaõ ensinar a todos os meninos a um tempo,
aquilo que nas escholas ordinárias se ensina a cada menino
individualmente. A differença de fazerem todos a mesma
operação, com os mesmos algarismos, naõ altera em cousa
alguma o adiantamento dos meninos, como he manifesto,
ao mesmo tempo que poupa um incançavel trabalho ao
mestre.
Quanto ás operaçoens da somma, e diminuição, os meni-
nos começam por aprendêllas uos papeloens da parede
como as letras do a, b, c ; assim, formando os meninos
um circulo de oito ao redor da carta, em que estaõ os al-
garismos, o decuriaõ lhes pergunta individualmente ; por
exemplo - 9 c 9 quantos saõ ?; o menino deve responder,
18. Se o menino naõ responde acertadamente, a mesma
pergunta se faz ao menino seguinte : assim se dividem as
classesd'arithmetica como as de lêr, com as mesmas distinc-
çoens, números, prêmios, &c. e só depois qne os meninos
podem bem responder a estas perguntas entram na opera-
ção desommar na pedra, como fica dicto.
Como em todas as operaçoens d'arithmetica he necessá-
rio começar por poucos algarismos, e Silos auginentando â
proporção do adiantamento dos discípulos, assim na classe
de sommar se deverão fazer subdivisoens dos meninos, que
sommam addiçoensdeduas, três, quatro, &c. letras de conta.
Nestas novas escholas ha livros, em que se acham ex-
emplos de muitas contas em todas as operaçoens ; e cada
decuriaõ tem um livro destes, para por elle dictar aos
discípulos as parcellas sobre que tem de fazer as opera-
2 D 2
208 Miscellanea.
çoens ; e assim sem ter o trabalho de fazer elle mesmo a
operação, olhando simplesmente para o resultado no livro,
decide se a operação dos discípulos está ou naõ correcta.
Donde se vê, que naõ he necessário que um menino seja
mui provecto cm arithmetica, para poder servir de de-
curiaõ nestas classes d'arithmetica; dictar as somas para
as operaçoens, e decedir se as que fizeram os discípulos
estaõ ou naõ certas. Além de que um decuriaõ gasta o
mesmo tempo em ensinar dez, que em ensinar vinte dis-
cípulos.
Outro methodo para os meninos trabalharem as opera-
çoens, he em circulo ao redor do papelão aonde estaõ es-
cripta s as parcellas que se devem sommar. Cada um dos
meninos copia aquellas parcellas para a sua pedra; e faz
a somma : dahi o decuriaõ pergunta ao primeiro menino
qual he a somma total; se este responde errado; o decuriaõ
naõ o emenda mas pergunta ao menino segundo, o qual, se
diz a somma certa, he premiado com tomar o primeiro lugar,
e decoração honorífica; que conserva até qne responda
alguma vez errado ; porque entaõ he substituído pelo que
primeiro depois delle disser a somma certa.
Seria agora desnecessário decorrer por todas as classes,
tanto de lêr e escrever como de contar; porque os exem-
plos dados mostram bem o systema das divisoens, a dimi-
nuição do trabalho do mestre, e a economia do tempo dos
discípulos. As mesmas regras saõ applicaveis a todas as
classes, e a mesmas vantagens se seguem em todos os pe-
ríodos da educação elementar.
Ainda mais, estas mesmas regras se tem applicado no
ensino de outros objectos ; como he, por exemplo, nas
escholas de meninas, no ensino da custura, aonde este
novo methodo se tem applicado com iudizivel vantagem.
Resta-nos agora examinar a econômica e arranjo geral
adoptado nestas novas escholas ; que muito contribue
para a boa ordem aproveitamento dos discípulos, e rc-
Miscellanea. 209
ducçaó do tempo necessário para os meninos aprenderem
as primeiras letras. Isto será o objecto dos ensaios se-
guintes.

Reposta aos Folhetos de Jozé Agostinho de Macedo.


Presbitero Secular.
Eu detesto a arrogância, e a soberba, e o caminho corrompido,
e a boca de duas línguas, Frov. Cap. 8. V*. 13.
Senhor: livraa minha alma dos lábios iníquos, e da lingua enga-
nadora. Psalra. 119. Vo. 2.
Estas poucas palavras seriam sufficientes para uma com-
pleta refutaçaõ dos vossos Folhetos. A reposta, que dei
ao Opusculo, em que pertendestes ostentar erudição,
deveria ter fechado os vossos beiços iníquos, e a vossa boca
de duas línguas. Mas como querereis tirar do nosso si-
lencio a vaidade de um triunfo, eu vou mostrar ao mundo
o vosso abominável caracter, e a innocencia de homens,
que taõ cruelmente tendes, e estaes perseguindo.
Se medito sobre as abortivas producçoens do vosso en-
genho, attino com as suas cauzas. Primeira: Porque
naõ sendo admittido â Sociedade, a pezar dos maiores
empenhos, e esforços, publicastes os Folhetos como um
rasgo do vosso animo vingativo. Segunda : Escrevestes á
medo o primeiro, eaté occiiltasteso nome ; mas vendo que
aos pres-oens dos cegos tinha sido a sua venda lucrativa,
multiplicastes as compoziçoens de Barruel e os vossos
aditamentos em razaõ de utilidade. Terceira : Vistes ap-
provado o vosso primeiro ensaio pelas Authoridades Con-
stituídas, entaõ apparecéram os Folhetos com o vosso re-
speitável nome. Que gloria tendes ganhado !
Vos naõ sois juiz establecido por alguma Authoridade,
e por conseqüência naõ tendes ura poder legitimo para vos
erigirdes em Julgador. Há Tribunaes, a que pertence o
210 Miscellanea.
exame, tanto no que diz relação á Politica, como do que
respeita á Religião. Naõ pertencendo á alguma destas
classes, que direito tendes para levantar uma voz estron-
doza, e declamar contra erros, revoluções, heresias, re-
bcllioens, e impiedades, que só tem existência na vossa
imaginação afogueada ? Quero suppôr-vos por um in-
stante munido de Authoridade, e que saõ verdadeiras as
vossas ficçoens. Neste cazo a Religião Christaã, de que
fazeis tanto alardo, mas que professaesde nome, vos manda,
que tenhaes compaixão, e que vos humilheis. Com-
paixão dos seus desvios ; humiliaçaõ porque podeis cahir
nos mesmos. Saõ verdadeiros todos estes crimes, de que
aceuzaes os Pedreiros Livres : Naõ deveis uzarde injurias,
e de insultos para combater o erro, e persuadir a verdade.
Attendei ao que vou dizer: Nunca a verdade deve ser
persuadida por meios violentos, e cruéis. Esta máxima
hé para vos um paradoxo. Ella com tudo hé emanada da
Sancta Religião de Jesus Christo. Este o espirito da sua
ley. Que será pois doque sem missaõ se erige em disf,emi-
nador de imposturas, e de calumnias ? Este Apóstolo da
mentira, que só tem uma Religião apparente, e que per-
tende com ella authorizar o seu insensato fanatismo, e a
sua cruel perseguição, dirá sem remédio, com os infelizes de
que falia, a Escritura ;—logo nós nos extraviamos do ca-
minho da verdade.*
Sois um compilador das extravagâncias, que achastes
escriptas. Sem talento, e sem estudos para uma composi-
ção seguida, aonde á uma eloqüência grave se ajuntem
pensamentos sólidos, toda a vossa applicaçaõ tem sido re-
colher quantas injurias encontrastes dispersas em Escriptores
ignorantes, fanáticos, e mal intencionados, t Chilon de

* Ergo erravimus á via veritatis, Sapient. Cap. 5. V». 6.


+ A guerra hé sempre funesta â Religião, e á Sociedade. Esta
guerra, que principiou pelo Continente, e veio fazer da Peninsula
Miscellanea. 211
Sparta, um dos sette sábios da Grécia, se fez memorável
pelas suas virtudes, e pelas máximas da moral mais
pura : Máximas, qoe eram a expressão dos seus cos-
tumes graves, e austeros. Elle fez insculpir no Templo de
Delphos em letras de ouro este celebre Oráculo.—Co-
nhece-te ati, ati mesmo.—* Sc o tivesseis lido, evitarieis
dar ao publico folhetos, que se naõ conformam com a
vossa conducta, c caracter. Sim, a primeira das virtudes
hé o conhecimento próprio. Este conhecimento vos en-
cheria de susto ao pegar ua penua ; e a humanidade naõ
soffrería.
Chamais á sociedade dos P. L. uma seita infame : Hé
delírio. Naõ há cousa mais difficil, e mesmo extraordi-
nária, que a mudança de religião. Os principios, e máxi-
mas, que bebemos com o leite, adquirem com o tempo o
mais obstinado affêrro. A natureza habituada reziste á
força, que se lhe applica em contrario. O arbusto tenro
cede á maõ, que o indireita. Sobre a arvore annoza toda
a violência hé inútil. Observai esse grande numero de
seitas, que em todos os séculos tem derramado a aflição, e
amargura sobre a Igreja de Jezus Christo. Vede quanto
saõ raros os que abrem os olhos á luz da verdade, e abjuram
os seus erros. Se perguntaes as cauzas, saõ muitas, que

um theatro de calamidades, e de horrores, tem por toda a parte des-


serainado a ignorância, e embrutecido a razaõ. O espirito assustado
pelas desgraças actuaes, e imminentcs naõ lê, naõ inédita e naõ dá
um só passo no conhecimento das sciencias úteis. A estas tem sue-
cedido um tropel de periódicos frivolos, que tem deslustrado as Na-
ções, e ecelipsado a sua gloria. Mas Portugal tem excedido á todas
nestas Compoziçoens superficiaes, e irrizorias. Sem applicaçaõ, e
sem estudos a» producçoes do espirito saõ bagatellas e desvarios. Eu
naõ quero maior prova do que o trabalho, em que tendes consumido
o tempo. Gritaes contra os P. L.; quereis revoltar a Naçaõ inteira
contra a Sociedade; dezejarieis ver todos os Sócios numa só cabeça
para dar cabo delles . . . . Que fructos gloriozos do vosso talento !
Que homem útil ao gênero humano !
* Chilon Diccionaire Histoiique. Condillac Tora. 4. Cap. 18.
212 Miscellanea.
simultaneamente concorrem. A educação, as máximas, e
exemplos paternos ; a authoridade de pe&soas respeitáveis,
que seguem, e ensinam a seita; o interesse, e a honra, que
resultam da conservação dos cargos; e outros motivos re-
unidos fazem, que o homem naõ examine prova alguma,
e presista convencido de ser verdade, o que realmente hé
illusaõ. Ora como pertendeis persuadir nos vossos folhe-
tos, que milhares de indivíduos deixam instantaneamente a
religião de seus paiz, e abraçam uma seita pernicioza, e
infame 1* Succede algumas vezes, que este, ou aquelle
individuo muda de religião, ou para conseguir algum em-
prego honrozo, e lucrativo, ou arrebatado de paixão vio-
lenta para ver coroadas as suas pertenções n'um casamento,
a que aspira. Mas sem sahir de Portugal, três a quatro
mil homens actualmente na sociedade desprezaram a reli-
gião de Jezus Christo, única, em que há salvação, e se
alistaram na imaginada seita dos pedreiros livres ? Simi-
lhante credulidade indica vergonhoza estupidez. Este só
argumento bastaria a dissipar as vossas preocupações, se
naõ tivesseis cuberto o entendimento com o espesso véo do
fanatismo. Para confuzaõ vossa, e convencer-vos da ig-
norância com que fallas, reforço o argumento ajuntando
a reflexão seguinte. Para esta sociedade o amigo convida
os seus amigos; o irmaõ os seus irmaõs, e o pay os seus
filhos. Ora hé factível, que a amizade, o amor fraterno,
e a submissão filial chegera ao ponto de obedecer cega-
mente contra a consciência; contra verdades ja radicadas
no coração ; e mais que tudo contra um habito inveterado
na observância de uma ley até entaõ seguida ?
Esta multidão de obriculas contra os P. L. he um sonho,
que tivestes. Ainda sonhando escreventes; e o resultado
foi apparecer um tropel de frioleiras, e disparates. Sabeis
* Homens de religioeos differentes ajuntando-se, naõ podem unir-
se em pontos de religião. Cada um tem seus princípios; e suas
máximas, que defenderá ate a effusaõ de sangue.
Miscellanea. 213
muito bem, que tudo o que se apresenta em sonhos parece
realidade, e a alma para assim dizer, como a dormecida com
o corpo nada entaõ reprova, e tudo crê. Por isso o sonha-
dor lhe parece estar voando, precipitar-se dos rochedos
sobre as ondas, apresentar-se em duello, fartar-se em ban-
quetes voluptuosos, assistir á orquestas &c. & c . ; mas
acordando fogem estas imagens vaãs, e enganadoras.
Porem vos unicamente sonhando com os P. L. vedes que
elles se ajuntam ; que estaõ com espadas nuas; que assas-
sinam ; que faliam contra a religião, e contra o principe;
que saõ perturbadores da sociedade, e a peste do gênero
humano; nesta variedade de objectos, vos, que sois som-
nambulo pegaes na penna, e escreveis todos estes sonhos.
Como ainda estaes dormindo tendes por realidade as qui-
meras, que vagaÕ pela vossa fantezia. Sc algum dia aca-
barem o vosso somno, e os vossos sonhos vos envergonha-
reisde ter dado ao publico as mais irrizorias extravagâncias.
[Continuar-se-lia.]

Rio-de-Janeiro, 6 de Abril.
Por Decreto de 31 de Janeiro deste anno, foi S. M.
Servido tendo consideração ao reconhecido merecimento
do Cavalleiro José Corrêa da Serra, de o nomear seu Mi-
nistro Plenipotenciario junto dos Estados Unidos da Ame-
rica.

Quinta feira 4 do corrente, desembarcaram as tropas


ultimamente chegadas de Lisboa, tendo á sua testa o Illus-
trissimo e Excellentissimo Tenente-general Carlos Frede-
rico Lecor, acompanhado do seu Estado Maior Pessoal, e
dos pertencentes ao Quartel Mestre General; marcharam
em columnas por pelotões, tendo a primeira Brigada á sua
frente o Brigadeiro Jorge de Avillez, e a segunda o Briga-
deiro Pizarro, cora seus Ajudantes de Campo; foraÕ-se
VOL. XVII. No. 99, 2 E
214 Miscellanea,
mettendo em linha de batalha, e formaram em esquadra,
pelo terreno assim o permittir. Feitas as continências á
Suas Magestades e A A. RR. mandou o Excellentissimo
Tenente-general metter em columna, unir, e passaram as
tropas em continência por defronte das janellas, em que
estavam SS. MM. e voltaram aos seus lugares. Mandou
entaõ o dicto tirar barretinas, e chapéos, e disse três vezes
Viva El Rey ; o que foi repetido por toda a tropa ; que
logo depois embarcou, passando os Generaes e Officiaes a
terem a honra de beijar a Mão de S. M.
Tudo isto se executou na melhor ordem, acompanhado
de excellente musica; e as tropas Portuguezas mostraram
pelo sen ar marcial que eram os illustres vencedores da Pe-
ninsula.

Quartel-general do Rio Comprido, 4 de Abril, de 1816.


Rio-de-Janeiro, 10 de Abril.
Sua Magestade El Rey Meu Senhor Foi Servido deter-
minar a parada, que hoje se fez dos quatro batalhões de
Voluntários Reaes do Principe, para dar ás tropas desta
Divisão do exercito de Portugal um testemunho lisonjeiro
da Sua Real Approvaçaõ e Satisfacçaõ, e para as honrar
taõ immediatamente depois da sua chegada com a Sua
Presença, e com a Sua Regia e Pessoal Inspecçaõ, Honra,
e Bondade, que o Marechal General está bem certo, que
ha de ser plenamente apreciada pelas mesmas tropas.
Sua Magestade Dignou-Se benignamente de Ordenar
mais ao Marechal General que communicasse a esta Divi-
são quanto Sua Magestade eslava satisfeito, assim como os
Seus Agradecimentos pela Lealdade, e Amor patenteados
pelos indivíduos de todas as classes, que compõem para
com a Augusta Pessoa de Sua Magestade, e por o Seu
zelo para cora os interesses da Sua Coroa na offerta volun-
ária, que taõ zelosamente fizeram era a conjunetura actual,
Miscellanea. 215
e que lhes da direito ao nome, com que foi honrada esta
Divisão com tanta verdade, como propriedade, o de—
Voluntários Reaes do Principe.—
Sua Magestade deo também Ordem ao Marechal Ge-
neral, para que expressasse ao Tenente-general Lecor, aos
Officiaes Generaes, Officiaes, Officiaes inferiores e Solda-
dos dos Batalhões, que fizeram hoje Parada, a Sua Real
Satisfacçaõ, e o gosto, com que a apparencia regular e
militar do Corpo ; Ordem, cuja execução causa o maior
prazer ao Marechal General.
Sua Magestade houve por bem Mandar que se desse
hoje aos Soldados dobrada raçaõ de Etapa.—Assignada
pelo Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Marechal Ge-
neral Marquez de Campo Maior.
(Assignado) SEBASTIÃO P I N T O DE ARAÚJO CORRÊA.
Marechal de Campo e Ajudante General.
Lisboa, 19 de Julho.
O Brigadeiro Antonio Hippolyto da Costa, por Decreto
de 9 de Dezembro, de 1815, íbi remunerado com uma
Commenda pelos seus relevantes serviços, como melhor se
verá do seguinte honroso Aviso:—
O Principe Regente Meu Senhor, sendo-lhe presente
que Antonio Hippolyto da Costa, Brigadeiro de Seus
Reaes Exércitos, depois de haver muito co-operado com
reconhecido zelo e patriotismo para a memorável Restau-
ração do Reyno do Algarve, servira no Seu Exercito no
decurso de toda a Campanha, com grande valor e intelli-
gencia, distinguindo-se especialmente com a Brigada do
seu commando nas Batalhas do Bussaco e Albuera, nos
sitios feitos á Praça de Badajoz, no lugar de Alva de
Tormes, cujo ponto defendeo por quatro dias, na Batalha
de Vittoria, no dos Pyrencos em 30 de Julho, de 1813, em
que foi gravemente ferido, tornando ainda mal convaleci-
do para o Exercito, onde depois teve a gloria de se ver
2E2
216 Miscellanea.
taõ dístinctamente elogiado na Ordem do Dia de 25 de
Dezembro do dicto anno, pelos seus valorosos esforços á
testa da sua Brigada na Batalha de 13 do mesmo mez,
merecendo sempre até á conclusão da guerra os maiores
louvores dos Generaes seus Superiores : Por taõ assignala-
dos Feitos, c em remuneração de taõ relevantes Serviços, e
de todos os mais que tem feito aíé ao presente desde 18 de
Julho,de 1789, em que foi remunerado pelos que antece-
dentemente havia practido: Ha por bem fazer-lhe Mercê,
alem de outra, de uma Commenda da Ordem de S. Bento
de Aviz, da lotação de duzentos mil réis, que se achar
vaga, ou houver de vagar em sua vida; de que se lhe
passarão os despachos necessários.
Marquez de AGUIAR.
Palácio do Rio-de-Janeiro, em 23 de Fevereiro, de
1816.
Foi também promovido a Marechal, e Governador da
praça de Peniche.

FRANÇA.

Tribunal Correctional; sessaõ de V. de Agosto.


Escriptos sediciosos.
O Procurador d'El Rey começou uma acçaõ contra o
Abbade Vinson ; o qual pedio licença para lêr um papel,
em que se continham os motivos; porque desejava, que
o processo se adiasse para outra secçaõ.
O Presidente.—Antes que comeceis a vossa defeza, he
necessário que respodais aos interrogatórios, que se vos
devem fazer.
Abbade Vinson.—A citação que me foi mandada se in-
timou estando eu auzente, e naõ ha senaõ quinze dias. Eu
naõ tive tempo para preparar os meios de defeza; e naõ
posso responder ás perguntas.
7
Miscellanea. 217
Procurador d'El Rey. Em 1816 o Sieur Vinson fez
imprimir, vender e distribuir uma obra, em que desen-
volve os princípios mais perigosos, e mais capazes de ex-
citar novas perturbuçoens no Estado. A obra tem este
titulo. " A Concordata explicada a El Rey, segundo a
doutrina da Igreja, e os direitos canonicos dos legitimos
bispos da França ; seguida de ura esboço histórico da re-
moção do nosso Sanctissimo Padre Papa Pio V I I . ; dos
seus soffrimentos, sua coragem, e principaes aconteci-
mentos de seu captiveiro. Pelo Abbade Vinson, com esta
epigraphe." Se existe na Igreja Catholica nm Bispo
universal, segue.se, que nós ja naõ somos bispos. Se naõ
conservarmos para cada bispo a sua própria jurisdicçaõ
; que outra cousas fazemos senaõ confundir e destruir a
ordem ecclesiastica, da qual nos, como soberanos pontí-
fices, devemos ser os mais fies protectores ?—" Senhor,
cercados por sacrilegas ruínas,"—e acaba com, " os al-
tares de S. Luiz."
E como em muitas passagens o Sieur Vinson ataca tanto
o artigo 13 da ley da concordata, do mez de Julho, de
1801, como o artigo 9 da Charta Constitucional de 4 de
Junho de 1814; e, por exemplo, denuncia como ladro-
ens, despojadores sacrilegos, transgressores ira penitentes
de todas as leys divinas, &c. e ameaça com a eterna con-
demnaçaõ os leygos, que possuem bens da Igreja, aliena-
dos desde 1791 :—
E como o Sieur Vinson tem assim publicamente espa-
lhado sustos, a respeito da inviolabilidade da propriedade
chamada Nacional, e que saõ actos sediciosos, contra o
que se acha providenciado nos artigos 8°, 9*, e 10*, da
ley de 9 de Novembro, de 1815 ; e como, finalmente, a
obra de Sieur Vinson deve ser considerada uma provoca-
ção directa ou indirecta do acima mencionado gênero de
culpa, por causa da perigosa, e errônea doutrina, que
218 Miscellanea.
professa, e da sua formal opposiçaõ ás leys políticas, civis
e penaes, porque somos governados.
E como o processo naô pôde ser publico sem perigo,
Solicito, que se diffira o processo para daqui a oito dias;
e que tenha entaõ lugar, as portas fechadas.
O Presidente expressou o consentimento da Corte de
Justiça a esta petição ; e a requirimento do Abbade Vin-
son, concedeo, que a demora fosse de quinze dias.

Carta do Duque de Otranto ao Duque de Wellington.


M Y LCRD!—Todas as cartas, que recebo de Paris,
mencionam abondade de vossos sentimentos em meu favor.
De todas as partes ouço, que vós, em todas as occasioens,
livre, e inequivocamente fazeis justiça á minha admiração.
A minha gratidão me iuduz n'este momento a exceder os
limites de sua usual expressão. Resolvi mandar-vos al-
gumas linhas de reconhecimento, e fazer-vos conhecer
algumas causas secretas do ódio de meus inimigos; e,
sendo possivel, accrcscentar alguma cousa aos sentimentos
de vosso respeito, e ao interesse, que vos tendes testem un.
hado para comigo, naõ pude chegar á conclusão, a mi-
nha alma se sentio impellida a pôr tudo patente ante vós:
tenho-vos escripto um livro, possa elle ser recebido por
vós cora bondade, e lido com indulgência. Em outra
occasiaõ examinarei a ley de condemnaçaõ, que foi pu-
blicada ; assim como a intenção de me incluir nella, sem
se aventurar a pronunciar o meu nome. He necessário
estar de todo cego para esperar que El Rey, que da ma-
neira mais solemne e inviolável soffreo, que se extendesse
a mim uma excepçaõ, naõ se irritasse, se lhe fosse apre-
sentada, para a sua signatura, uma ordenação, em que se
incluísse o meu nome entre o numero dos banidos, por
virtude de uma ley, que me naõ nomêa. Naõ he possível
que eu concilie a carta d'El Rey, em que elle me chamou
Miscellanea. 219
para o Ministério da Policia, cm que elle me nomêa seu
Ministro em Dresden, com uma ordenação de extermínio,
assignada pela mesma maõ.
A. posteridade perguntará a causa desta estranha con-
tradicçaõ, e naõ quererá suppôr que os motivos, que naõ
impediram EI Rey a receberme-no seu Conselho, e na sua
inteira confiança, no momento de perigo, me removessem
delle, e me banissem da minha pátria, quando se crêo
que estava acabado o perigo, i Quem poderia descançar
no sagrado da palavra Real, se as Câmaras tem o direito
de abrogar e annihilar os seus effeitos ? Quem acreditaria
na Constituição, se as Câmaras tem o direito de excluir
um de seus Membros, e julgállo até sem pronunciar o seu
nome ? Depois de tal violação, aonde acharia a Europa
um Governo em França ?
(Assignado) O Duque de O T R A N T O .

Carta do Duque de Otranto ao Duque de Wellington.


Um Legislador da antigüidade, celebre por sua sabe-
doria, Solon, depois de longas convulsoens, quando vol-
tou a ordem de cousas, collocou a reconciliação e a paz
publica debaixo da protecçaõ e garantia do Ceo. My
Lord, eu recommendei este exemplo a El Rey, para sua
imitação. Appéllo para o vosso testemunho, cujo pezo
descança tanto no vosso character como na vossa repu-
tação.
Os males saõ grandes. Era necessário naõ ser enganado
a respeito dos remédios : disso dependia a nossa felicidade
e a nossa existência social; a minha vóz foi suffocada
pela vóz das paixoens, e os conselhos da moderação fôram
representados como ciladas, e homens insensatos, nos des-
manchos de seus entendimentos, calumniáram ao mesmo
tempo a minha administração no tempo da Republica, no
de Napoleaõ, e no de Luiz XVIII.
220 Miscellanea.
Eu naõ desejaria occupar a Europa com a minha longa
e laboriosa administração, se ella naõ estivesse connexa
com o conhecimento da verdade. Representarei os factos
em ordem, e sem sophismas : muitos saõ desconhecidos,
outros desfigurados: produzirei as cauzas de nossos
grandes acontecimentos : tenho visto de perto as molas
secretas, que puzéram as paixoens em movimento: ex-
plicarei aquella revolução porque a França se mudou de
uma antiga monarchia para uma Republica, e veio a ser
o império de Napoleaõ, e depois o reyno dos Bourbons.
Em quanto me emprego nesta importantíssima obra (por
que cila servirá de materiaes para a historia) conheço que
me he necessário crer que ella será olhada como nova
prova de meu amor por minha pátria.
Porem, My Lord, o tempo foge, e eu naõ sei se as
cousas mudarão, antes que a minha memória esteja
prompta. No entanto satisfarei os desejos daquelles, que
urgentemente me pedem, que illumine a opinião publica
sobre relaçoens, que me dizem respeito pessoalmente, e
que tem sido estranhamente desfiguradas. Ninguém me-
lhor do que V. S. pode fazer justiça aos meus sentimentos
e principios. Desde os 19 de Junho, dia em que tive
pela primeira vez a honra de conresponder-me com vosco,
até o momento em que deixei Paris, todo o meu compor-
tamento está patente ante os vossos olhos. Eu sei My
Lord, que vós, em todas as oceasioens, solemne e com-
pletamente, me fazeis a justiça, que invoco, he por esta
razaõ, que tomo a liberdade de vos dirigir a narração,
que intento fazer, para qüc vós acheis nella novas armas
para minha defenza. De nenhum modo temo augmentar
os vossos direitos á minha gratidão ; sinto que o meu co-
ração he assas rico para as satisfazer.
As circumstancias a respeito de que as informaçoens se
desejara, saõ—Ia. Sobre a volta d'El Rey: 2°. Sobre a
minha aceitação do Ministério de Policia: 3". Sobre a or-
Miscellanea. 221
denança de 24 de Julho : e 4 o . Sobre a minha missaõ para
Dresden, e as circumstancias, que me impediram de entrar
na Câmara dos Deputados.
Eu éra Presidente do Governo Francez, quando os ex-
ércitos das Potências Alliadas avançaram para Paris.
Napoleaõ tinha abdicado: porem ainda se achava no
Etiseo; e desejava ser considerado como General á frente
do Exercito Francez: esta offerta nao podia ser aceita,
1:100.000 bayonetas estrangeiras tinham penetrado o
nosso território por todas as partes, e nós naõ tínhamos
100.000 homens em armas. Portanto resolveo-se a retirada
do exercito, e convidou-se Napoleaõ para que saísse de
Malmaison, para onde se tinha retirado, e que se embar-
casse para os Estados Unidos.
Elle podia interpretar mal as minhas urgentes represen-
taçoens para este fim : na adversidade, a alma he facil-
mente accessivel ás suspeitas ; mas eu pelo menos estou
certo de naõ ter merecido nenhuma. Eu naõ o tinha ser-
vido, como os cortezaõs, eu naõ segui o exemplo delles,
abandonando-o com a sua boa fortuna. Ninguém apre-
ciou mais do que eu, o poder de seu gênio, mas, ao mes-
mo tempo, ninguém estava mais convencido de que a sua
presença devia submergir a França no mais profundo
abysmo de miséria, eu, portanto, o conjurei a que dei-
xasse o Continente. O exercito Francez, recordando-se de
suas glorias, naõ contava os seus inimigos, mas ardia com
impaciência de se medir com elles : somente aquelles,
que, como vós, My Lord, conhecera o seu valor, sabem
apreciar o merecimento da resignação, que elle mostrou
na retirada.
Na temível crise, em que nos achávamos, éra diffical-
toso abraçar um partido sem excitar suspeitas. Em
França, o povo estava mui divido na escolha do Monar-
cha, que devia sueceder a Napoleaõ ; éra para temer que
a reacçaõ e a vingança seguisse a volta dos Bourbons; o
VOL. XVII. N o . 99. 2F
222 Miscellanea.
povo nao se podia persuadir de que uma dynastia, que
tinha soffrido tanto pela Revolução, podia sinceramente
perdoar-lhe; os males que se temiam podiam ser imagi-
nários, mas estes eram precisamente os mais perigosos;
porque elles naõ tem limites, e naõ ha remédio para elles,
Todos aquelles, que, durante os últimos 28 annos,
tinham adquirido, na carreira civil ou militar, conside-
ração, propriedade e reputação, olhavam para a volta dos
Bourbons como um acontecimento de cruel e tristes ap-
prehensoens : um partido desejava um principe estrangeiro,
que conGrmaria mais imparcialmente o que estava estabe-
lecido J outro se declarava por uma Regência ; porém tal
Regência, que governasse era nome da mulher e filho de
Napoleaõ, daria demasiado credito á idéa de que o mesmo
Napoleaõ éra quem governava ; isto teria exposta a França
e a Europa a reciprocas apprehensoens. Uma parte de
França chamava o Duque de Orleans; as qualidades pes-
soaes deste Principe, a lembrança de Jemappe, e outras
victorias da Republica, com que a sua primeira mocidade
estava connexa; ura interiamente novo compacto social,
que êra natural e fácil concluir com elle, e o seu nome de
Bourbon, que se naõ podia vantajosamente empregar nas
negociaçoens com as Potências Estrangeiras; estas e outras
causas mostravam, na escolha delle, um prospecto de
descanço, mesmo aquelles que nelle naõ achavam alguma
felicidade. Outros insistiam nos principios da legitimi-
dade , porém applicávam-nos falsamente; este principio
naõ he outra cousa senaõ uma ley politica, peculiar a
cada naçaõ aonde ella he recebida; ella confere a cada
paiz grandes vantagens; porque previne as desordens e
perturbaçoens ; porém quanto ao direito das gentes naõ he
ley. A legitimidade entre os Soberanos naõ he senaõ uma
conseqüência do reconhecimento de cada um delles: a
guerra e a conquista revogam ou abolem este reconheci-
mento,e consequentemente esta legitimidade: he disto prova
Miscellanea. 223
a partição da Polônia. Napoleaõ podia ser ou naõ ser le-
gitimo (elle o éra, porém, para com todos os Soberanos
excepto Luiz XV111.) e com tudo havia de ser derribado.
Com os principos, que agora predominam na Europa,
seria necessário fazer a guerra contra aquelle soberano, que
quizesse obrar como Napoleaõ; mais, o principio de le-
gitimidade, ainda considerado meramente como uma ley
politica he sugeito a importantes excepçoens. Montesquieu
suppoem, que a relação entre uma dynastia e urn povo
pôde vir a ser tam intolerável, que esta ley deva ser mu-
dada absolutamente a fim de salvar o mesmo paiz.
A minha conrespondencia com os Membros dos Altos
Alliados, e com os generaes de seus exércitos, será annexa
á minha Memória : ella mostrará, quanto eu sei vindicar
a dignidade da naçaÕ. Houveram, nas negociaçoens,
pequenas differenças, que eram de intenção, e naturaes : eu
esperava, que as minhas provas dariam mais pezo a cada
uma das minhas pretençoens. Por mais desesperada que
seja a situação dos negócios, sempre lia pontos secundários
de que se pôde lançar maõ; porque, na perca da inde-
pendência, ha varias gradaçoens de desgraça. Forma-se
uma opinizõ mui falsa da situação, em que eu me achava
quando se me fazem reproches, de naõ ter insistido no di-
reito da naçaõ de escolher o seu Príncipe, e fixar-lhe as
condiçoens do seu poder. Ambas as questoens foram de-
cidas pela força das circumstancias ; o presente ja naõ está
na minha raaÕ : tudo teria sido fácil, se Napoleaõ abdi-
casse no campo de Maio ; a sua demasiado tardia remoçaÕ
nos fez curvar ao jugo dos acontecimentos. E u creio que
a necessidade me livra de toda a culpa.
Naõ se tem bem concebido qual éra a difficuldade real:
os que desejavam remover os Bourbons imaginavam, que
a escolha do Principe, que havia de governar a Frauça,
éra cousa de um interesse subordinado ; deveriam ter visto,
que a questão havia de ser considerada de outra maneira.
2 F 2
224 Miscellanea.
Affirmam, que eu decepei a enérgica disposição do ex-
ercito: os que isso cren-i, naõ sabem a disproporçaõda
nossa força ; novos milagres de valor só teriam servido
para ariscar a flor do nosso exercito ; e ao mesmo tempo
teríamos expolto a capital a todos os horrores de umu in-
vasão armada. O maior perigo de um paiz he a disso-
lução de todos os laços sociaes, que destroe ao mesmo
tempo a prosperidode publica e particular, e nao deixa
esperança de algum prospecto futuro.
Entre este conflicto de opinioens se aproximava Luiz
X V I I I . a Paris ; aonde quer que estavam os exércitos es-
trangeiros éra elle proclamado; daqui éra de prever, que
o mesmo espirito produziria as mesmas apparencias na ca-
pital. El Rey estava em S. Denis, quando eu tive a pri-
meira conferência com V- S. em Neuilly. Eu naõ pro-
curei desculpar aquelles, que tinham atraiçoado o throno;
porém affirmci, que desde o momento em que o seu throno
foi restabelecido, éra do in lei esse d'El Rey amalgamar
todos cm um systema seguido de brandura e de esqueci-
mento : o que, em um estado bem ordenado de cousas, he
sabedoria, pode ser loucura era ura momento de confusão,
varias pessoas, de quem se suspeitava traição, tinham sido
meramente desencaminhadas, pelos devios, a que a crisis
os tinha conduzido. A prudência requeria muita circum-
specçaõ a seu respeito ; em quanto qualquer pessoa crê,
que naõ tem largado o caminho de seus deveres, ha ainda
a possibilidade de o trazer a elle.
As minhas vistas, My Lord, obtiveram a vossa appro-
vaçaõ : as ideas de moderação pareceram ganhar mais
força, á proporção que vós tosteis o orgaõ dellas ; nas in-
comparaveis relaçoens, e considerando os altos empregos em
que nós estávamos, esta entrevista devia ter uma influencia
poderosa, talvez na sorte eterna da França e da Europa.
N o dia seguinte eu usei da mesma inguagem para com El
Rey, quando tive a honra de o vér, em S. Denis, e lhe
Miscellanea. 225
entreguei uma carta, em que lhe disse com franqueza tudo
quanto me pareceo mais adaptado para ganhar todos os
coraçoens, unir todos os partidos, e pôr-nos uniformes com
os desejos dos Monarchas. A minha linguagem aberta e
franca pareceo fazer alguma impressão em El Rey : elle
conheceo, que nos precisávamos descanço, a fim de tornar
a colligir os elementos da ordem, que o tempo e as des-
graças tinham dispersado : que éra necessário cubrir todas
as faltas com uma illimitada benevolência, e empregar
todos os meios possíveis, para augmentar todos os senti-
mentos de sinceridade. Esta conversação, que eu pro-
curei circular entre o publico, deo razaõ a presumir, que
nós tínhamos chegado ao fim de nossos trabalhos e de nos-
sas dissençoens ; porém o povo. Francez desejava alguma
cousa mais do que presumpçoens. Somente o positivo
pode garantir o que o naõ be.
Alguns me aceusam por ter aceitado d'EI Rey o Minis-
tério de Policia. Indubitavelmente éra cousa segura para
mim, depois da capitulação, o retirar-me dos negócios
publios ; mas éra ainda mais seguro fazer face aos aconte-
rimentos. Aquelles que tinham acompanhado a £1 Hey,
na sua adversidade, voltaram com fortes opinioens antici-
padas, a respeito de nossa situação: elles estavam em
terrível erro. O tempo, que destroe tudo naõ tinha podido
destruir os seus prejuizos, alguns trouxeram cora sigo a
sua rotina antiquada, como se fôra experiência ; s Naõ
seria entaõ na minha situação o mais sagrado dever, fazer
face a essas nuvens, e trabalhar pelas dissipar? i Seria le-
var a simplicidade demasiado longe, quando eu esperei,
que, espalhando a luz sobre todos os objectos, pudesse
acalmar os sentimentos hostis, moderar as opinioens,
ainda dos homens mais violentos, e submetter cada um
aos seus deveres, para impedir as reacçoens ? He bem
sabido aonde principiam as reacçoens ; porem ignora-se
quando se pôde mandar que ellas parem: ao menos a
226 Miscellanea.
primeira ardencia descarregou sobre mim somente, e nem
se desenvolveo, nem cxtendeo, senaõ depois que eu saf de
Paris. A minha entrada para os negócios foi um acto
de imolaçaõ própria—um sacrifício real.
Para um homen desconhecido e vaõ, um Ministério pôde
ter encantos, ainda quando he acompanhado de perigos ;
porque elle naõ os vê ; mas para mim ja naõ podia ser ob-
jecto de ambíçaõ; tudo éra confusão, estorvo e perigo.
Quando a gente vio que eu aceitava o Ministério poderia
crer, que eu intentava illustrar a minha morte como tinha
honrado a minha vida.
Se eu tivesse algumas vistas pessoaes eu teria inflamado
mais a generosa indignação do exercito, em vez de o sup-
primir. Eu naõ teria tremido na contemplação da dís-
tracçaõ e do sangue, que havia encher Paris. Nisto po-
deria a ambição achar ainda o seu interesse : no partido
que abracei, só se pôde ver a resolução de um homem bem
disposto.
He bem comprehensivel, que a baixa ambição se teria
contentado com entrar para a administração, com a con-
dição de vir a ser nm dócil instrumento do partido. Porém
na elevação, a que a minha consciência e a estimação do
publico me tinham elevado, eu naõ podia estipular outra
condição para meus serviços senaõ o interesse nacional.
Lea-se a minha carta a El líey, em S. Denis, no momento
em que eu aceitei o Ministério : ella foi impressa no Mo-
niteur. j Coraprometti eu os meus principios ? i Dá a
minha linguagem esperança a algum partido, de que eu o
deixaria predominar como conquistador ?
Julgue-se das minhas acçoens e das minhas palavras,
naô comparativamente de um tempo com outro, mas se-
gundo o padraõ do que se disse e se obrou em torno de
mim, quando eu fullei c obrei, se eu naõ pude governar
os acontecimentos, pelo menos, tenho certamente feito tudo
para abrandar a violência da sua careira. c* Naô tenho eu
Miscellanea. 227
lido visto constantemente entre o oppressor eoopprimido ?
Porém, nao me farei mais generoso do que sou. A expe-
riência dos tempos metem mostrado, que a gente he muitas
mais vezes moderada, activa, e racionavel na adversidade
do que na prosperidade.
Eu achei-me entre dous partidos: um me accusava por
ter servido a El Rey, o outro me fazia urn crime de ter es-
tado no serviço de Napoleaõ.
Este ultimo partido ja se esqueceo de que o temia meno»
á proporção que eu me achava mais próximo delle. j Que
lhe disse eu, quando elle voltou da ilha de Elba? Con-
jurci-o a que naõ vilipendiasse a NaçaÕ, com amnestia»
sem fundamento; e incessantemente lhe repeti, que elle
parecia ignorar tudo.
Toda a minha carreira, como Ministro, tem provado
uma cousa; que eu dei aos meus deveres para cora a pá-
tria a preponderância sobre tudo o mais. He somente á
reputação, que eu gozava na opinião da Naçaõ, que saõ
devidos os serviços que fiz, debaixo de vários Governos,
qne se suecedêram uns aos outros, e que fôram á ruína;
porque (atrevo-me a asseverállo) regeitáram a verdade,
queen tive a coragem de lhes apresentar patente.
Eu confundi-me com a accusaçaõ, que se me fez, de ter
enganado a El Rey, a respeito do amor de seu povo.
! Que baixa lisonja! Naõ se envergonha essa gente de
dizer a um Principe illuminado e judicioso, que, depois
de 25 annos de ausência elle tinha repentinamente vindo a
ser o objecto do amor universal, do amor de uma naçaõ,
cujas geraçoens, varias vezes renovadas, tinham sido edu-
cadas nas paixoens e na convulsão, e em principios taõ
oppostos ao amor dos Bourbons! Que confiança, usar de
tal linguagem, depois de testemunhar o que se passou, na
entrada de Napoleaõ em Paris, depois que elle voltou de
Elba, quando os Bourbons naõ acharam um só lugar de
refugio na França 1 Naõ, E u naõ fui perjuro, quando
228 Miscellanea.
pedi a El Rey, qne tranquillizasse o espirito dos po-
vos, por ideas de segurança: naõ havia outros meios
de fortalecer o Estado, e dar segurança ao throno.
0 perdaõ éra uma parte da justiça; quem pode negar,
em nossos dias, que as tormentas políticas naõ saõ conse-
qüência de calculas, e a obra de alguns indivíduos, c que
tudo o mais he involuntariamente levado pelo turbilhão ?
A tolerância tem seus inconvenientes; porém poderiam
tam complicadas circumstancias, a capitulação, que se
acabava de assignar, admittir outro tractamento, outro
systema? Todas as medidas de severidade, depois das
proclamaçoens d'El Rey, que se tinham publicado, pare-
ciam desmentir a palavra, que elle tinha dado. Naõ se
confiaria em cousa alguma, se a Convenção concluída
hontem naõ fosse valida no dia seguinte.
1 Em que momento éra isso mais necessário, do que
quando todos deviam estar convencidos de que a palavra
d'El Rey éra sagrada e irrevocavel ? A mais leve a mais
insignificante apparencia de qualquer violação das obriga-
çoens contrahidas, havia de ferir todos os sentimentos; a
suspeita de ter sido enganado devia apossar-se de todos os
espíritos, e a confidencia seria banida de toda a parte,
para sempre.
El Rey só podia mostrar generosidade e regularidade.
Ura único acto arbitrário teria lançado os fundamentos a
uma perigosa opposiçaõ. 1 Como castigar ? j Aonde
parar ? E se naõ ha limites ; Como haverá descanço de-
pois da confusão ? Era necessária plena e illimitada am-
nestia; por isso mesmo, que éra impossível o castigo; a
menos que se naõ ficasse exposto ás maiores difficul-
dades.
Com tndo, fiz sair eu de Paris todos aquelles, cuja pre-
sença seria imprópria. Mandei-lhes dar passaportes, e (eu
o confesso) até procurei a alguns os meios de se retira-
rem, do qac se achavam destituídos.
6
Miscellanea. 229
Esta medida naõ agradou : a adversidade nem sempre
dá juizo: naõ se podia comprehender que fosse possivel
reynar sem uma lista de proscripçoens : entaõ, como
agora, cada um deseja ver na lista os seus inimigos. O
Ministério deixou nella somente aquelles nomes, que se
naõ podiam riscar.

[Continuar-se-ha.]

INGLATERRA.

Extracto da Exposição feita á Câmara des Communs


pelo Committé encarregado de se informar dos Decretos
e Regulamentos que existem nos Estados Estrangeiros
relativamente a seus vassallos Catholicos Romanos, nas
matérias Eeclesiásticas.
Os diversos Documentos mencionados foram obtidos em
virtude de instrucçóes dadas por Lord Castlereagh, em
1812 e depois, aos Ministros de S. M. nas Cortes estran-
geiras.—O Committée se abstem de fallar de tudo aquillo
que diz respeito ás controvérsias Theologicas.—A atten.
çaÕ do Committé se dirige a dois objectos: 1*. A' nomea-
ção ou eleição do Clero Catholico principalmente na Or-
dem Episcopal; 2°. A's restricções postas á missaõ dos
Rescritos dô Papa ; a que está addicta a jurisdicçaõ de ap-
pellaçaõ exercida pelo Supremo Magistrado Secular. Um
3*. titulo comprehende outros assumptos de disciplina Ec-
clesiastica. Faz-se distineçaõ entre os regulamentos em
vigor nos Estados que estaõ em communhaõ com a Sé de
Roma, a saber ?s Igrejas Grega e Russiana, e os das Con-
fissões de Augsburgo e da Helvécia.

1.—Áustria, Bohemia, Hungria.


Os Bispos Anstriacos saõ nomeados ou indicados pelo
Imperador, e esta nomeação tem lugar de eleição ou pos-
VOE. X V I I . No. 99. 2G
230 Miscellanea.
tulaçaõ pelos Cabidos das respectivas Cathedraes, e tem o
mesmo effeito, sendo obtida depois disso, pelo Ministro da
Áustria em Roma, a confirmação do Papa. O Arcebispo
de Olmutz he a única excepçaõ neste modo, tendo o Ca-
bido desta Sé o direito de escolher Arcebispo.
Na Hungria, nomeia o Imperador todos os Bispos, e
estes entram a exercer as suas funcçÕes no que toca á ju-
risdicçaõ, antes de serem confirmados pelo Papa. Naõ he
assim em outras partes dos Estados do Imperador.
Na Áustria o Regium Placitum (ou Regio Prazme) he o
direito de requerer que todos os Estatutos e Decretos Ec-
clesiasticos sejam submettidos ao Estado antes de se pu-
blicarem : saÕ exceptuadas as absolvições, quando saõ con-
cedidas pelo Penitenciário de Roma, quando naõ dizem
respeito senaõ á consciência, quando o caso naõ admitte
demora, ou quando periga a reputação de alguém.
Nenhum vassallo Austriaco pode ser excommungadosem
o consentimento do Imperador.

H.-—Arcebispados Eleitoraes de Moguncia, Trévers, e


Colônia ; Arcebispado de Saltzburgo, Congresso d'Ems.
Em Agosto de 1706, foi celebrado em Ems um Con-
gresso por todos os Eleitores Ecclesiasticos, e se co-orde-
náraõ 23 artigos de regulamento, reconhecendo a inde-
pendência da Igreja d'Alemanha a respeito das usurpaçoes
da Corte de Roma.—Nestas resoluções se sustenta a au-
tiga disciplina da Igreja Alemãa no que diz relação ás no-
meações e eleições para os Benefícios Ecclesiasticos ; e se
declara : " Que nenhuns Breves, Bullas ou Decretos Pon-
tifícios sejam obrigatórios para com os Bispos em quanto
estes naõ houverem regularmente notificado o seu assenso
formal."

IIL —Estados d? Itália ; Milanez, e Lombar dia Austríaca.


O Arcebispado de Milaõ, os Bispos de Pavia, Cremona,
2
Miscellanea. 231
Lodi, e Como, saõ da nomeação e apresentação immediata
do Imperador d'Áustria, o qual com tudo, a respeito dos
quatro últimos Bispados, deve principalmente nomear os
Sujeitos que podem ser recommendados pelo Papa.—Nes-
tes Estados o direito Soberano do Regium Placitum fica
em plena força e vigor.

IV.—Estados Veneziano».
Nestes Estados, durante a sua independência, os dous
Patriarcas de Veneza e de Aguila eram escolhidos pelo
Senado;—-quando vagava uma Se Episcopal, enviava o
Senado a Roma os nomes de três Ecclesiasticos, e a Bulla
da instituição pedida era enviada pelo Papa aquelle cujo
nome era o primeiro na Lista.—Nestes Estados existem a
respeito do Regium Placitum (ou Regio Prazme) os mes-
mos regulamentos que ha nos já mencionados.

V.—Toscana.
Quando vaga um Bispado, apresenta o Governo de Tos-
cana ao Papa os nomes de quatro indivíduos, recommen-
dando ao mesmo tempo, pelo orgaõ do Ministro em Roma,
aquelle que he mais particularmente designado para oc-
cupar a Sé vaga.—Existe ali também o Regium Placitum.

VI.—Napoies e as Duas Sicilias.


Em Napoies ha presentemente uma negociação relativa
á nomeação dos Bispos.—Na Sicilia a nomeação pertence
exclusivamente á Coroa.—O Regium Placitum existe em
um e outro paiz.

VII.—Sardenha, Piemonte, Saboia.


Por um Breve do Papa Nicolao V., de 1451, tem o So-
berano a regalia de nomear todos os Bispos. Estendeo-se
á Saboia por uma Concordata, em 1727.—O Regium Pla-
citum he inteiramente reconhecido.
2o2
232 Miscellanea.
VIII.—França.
Pela Pragmática Sancçaõ de S. Luiz, em 1268, eram
eleitos os Bispos de França pelos Deoens e Cabidos; porém
naõ eram valiosas estas eleições sem a licença de eleger
dada pelo Rey.—-Pela Concordata concluída em Bolonha
entre o Papa LeaÕ X. e o Rey Francisco I. em 1515 (que
abolio a Pragmática) tinhaõ os Monarcas Francezes o di-
reito de nomear Bispos para todos os Bispados da França.
O Regio Prazme está alli estabelecido.
I X . —Hespanha.
As nomeaçoens para todos os Benefícios Ecclesiasticos
pertencem ao Rey. Apresenta todas as Sés vagas, e requer
que sejaõ immediatamente enviadas as Bullas necessárias
ao Prelado novamente nomeado.—Todos os Rescripos e
Bullas saõ snbmettidos ao Regio Prazme.
X.—Portugal e Brazil.
IL Coroa sempre reclamou e manteve as suas prerogativas
no que respeita á nomeação dos Bispos, assim como na in-
troducçaõ dos Rescriptos do Papa.
XI.—Suissa.
E m Coira, naõ tem a Corte de Roma direito de entrevir
na nomeação dos Bispos; e qual se faz livremente segundo
os 24 Cânones. Depois da eleição dá a Corte de Roma
o Placet.—No Vaiais propõem o Cabido á Dieta quatro Su-
jeitos, dos quaes ella escolhe um e o apresenta ao Papn, o
qual primeiro o rejeita, e depois o nomeia de sua própria
authoridade.—Nos Cantões Catholicos, os Mosteiros im-
mediatos escolhem o seu próprio Prelado, sem a menor in-
fluencia da parte dos Governos, dependendo a sua confir-
mação da Sé Apostólica.—O Regium Placitum está em
vigor na Suissa.
XII.—Igreja Grega e Império da Rússia.
O Arcebispo de Mohilow e todos es outros Bispos saõ
Miscellanea. 239
nomeados pelo Imperador e confirmados pelo Papa.—O
Regium Placitum existe na Rússia.

XII.—Dinamarca.
Naõ ha alli Bispos Catholicos Os Sacerdores Catho-
licos recebem as suas nomeaçoens d o Bispo de Hildesheim,
que exerce por delegação a authoridade de Vigário
Apostólico a respeito de vários Estados em que elle naõ
reside.
X I Vi—Suécia.
O Rei authorisa, " por diploma," os Vigários Apostó-
licos para exercerem as suas funcçoens no Reyno, confor-
mando-se aos Edictos de tolerância. Naõ ha alli regula-
mento para o exercio do Regium Placitum.

XV.—Prússia.
A nomeação para o Episcopado pertence geralmente á
Coroa; mas quando a nomeação do Bispo naõ tem sido
reservada á Coroa, exerce o Cabido o direito de eleição.
—O Regium Placitum está em vigor na Prússia.
XVI.—Paizes-Baixos.
Ha presentemente negociaçoens relativas a novos regu-
lamentos entre o Papa e o Rey.
XVII.—Hamburgo.
Naõ ha alli Bispos Catholicos, e naõ se deixa publicar
edicto algum do Papa.
XVIII.—Saxonia.
Depois da Reforma, naõ ba alli Bispo Catholico ex-
cepto o Confessor do Rey, que tem authoridade de Vigário
Apostólico. Naõ se obtiveram informaçoens algumas a
cerca do Regium Placitum.
234 Miscellanea.
X I X . — H a n o v e r , Hessia, Baden.
Estaõ actualmente entabolatlas negociações a respeito
dos regulamentos Ecclesiasticos.

X X . — C a n a d a e Colônias lnglezas.
O Rey de Inglaterra nomeia para cada Sé que vaga, e o
Bispo he depois confirmado pelo Papa.
O Appeodix contém documentos relativos ás Eleiçoens
pelos Cabidos.

Refiexoens sobre as Nunndades deste Mez.


B E Y N O U N I D O OB P O R T U G A L , B R A Z I L B ALGARVES
Guerra do Rio-da-Prata.
(Com um mappa.)
O Jornal Pseudo-Scientifico, no N°* 62, declarou-se contra
a medida da guerra no Rio-da-Prata, dizendo, que ao Brazil
nada convinha senaÕ a paz; e cimo aquelle Jornal tem tantas
vezes diversificado em opinião com o nosso, reprovando nós
algumas medidas do Governo do Brazil; naõ será cousa que
lhe pareça feia defendermos nós aquelle Governo, quando
as suas medidas saõ desapprovadas, sem razaõ, pelo mesmo
Scientifico.
Os nossos Leitores, que naõ tenham visto o tal N* 62. do
Scientifico, talvez lhes cnste a crer, que similhante Jornal,
digna creatara Roevidíca, e cortezao por essência, ousasse re-
provar uma medida do seu mesmo partido, e da corte e Govemo,
de quem tem sido o mais rasteiro clogiador. Porém aos qni
fizerem similhante reparo só temos de lembrar, que isto he mui
natural; e que seria muito para admirar, que um Jornal, insti-
tuído pelo Conde Funchal, fosse conseqüente em seus prin-
cipios, ou. 6ol ao partido, que abraçou.; porque essa conse-
qüência com sigo mesmo, ou estabilidade de character, nunca
a observamos nem no Insfituidor do tal Jornal, nem em pessoa
alguma, que com elle obrasse: assim teria notável aberração
Corr.£rwí. Voljml? $g.

U.tl-1-jJ.
Miscellanea. 236
ila regra, se este Jornal instituído, e conduzido como tem
údo, continuasse a defender coherentemente o partido, qne o
i intenta.
Voltou pois o Scientifico acazaca, justamente em um ponto,
em que os seus padrinhos, e mantenedores precisavam do apoio
de sua vozerla, para os ajudar a fazer qne a guerra fosse me-
nos impopular do que he ; e esta deserção dos Scientificos he
ainda mais digna da censura; por ser justamente em ponto,
em que a razaõ está da parte do Governo do Brazil, como
provaremos. Pelo que he bem de suppôr, que os taes Scien-
tificos escolheram de propósito esta occasiaõ de se fazerem
populares, á custa do character de seus protectores, e dos de
seu partido; nao obstante a sem razaõ com que argúem o
Governo do Brazil.
Eis aqui o fira dos trabalhos e dos gastos suggeridos pelo
Conde de Funchal; eis aqui o apoio Scientifico, qne elle pro-
curou com sua habilidade ao Governo do Brazil; defensores,
que voltaram a cazaca quando eram precisos—em fim projectos
Funchalenses.
Nós porém, que nao estamos dispostos, naõ precisamos,
nem desejamos procurar a aura popular, nem estamos acustu-
mados a cortejar o favor de ninguém, tractaremos de expor os
motivos, que julgamos haverem determinado a Corte do Rio-
de-Janeiro a invadir o território de Montevideo; e, se os mo-
tivos forem os que suppómos, mui justificado julgamos aquelle
Governo por obrar como obra; n.iõ tendo a Jornal Pseudo
Scientifico dado outra razaõ do seu dicto, seuaÕ o ipse dixit,
de que ao Brazil nao convinha fazer guerra a ninguém. As
guerras trazem comsigo grandes males, mas nem por isso
deixam de ser necessárias muita* veses. Entre os indivíduos as
disputas decidem-se recorrendo aos magistrados ; e por tanto
ne alguém se determinasse a nunca ter demandas, fossem quaes
fossem as injurias ou damnos que lhe tfzcssem, acharia em breve
que o mundo naõ possue as virtudes, qu-: aquella determinação
B-dge, para se viver socegado. Entre as naçoens nao pôde
haver essa decisaõ de magistrados • e assim também, aquelle
poro que se determinar a aunca ter guerra, sejam quaes forem
236 Miscellanea.
as injurias que lhe fizerem, será sempre o escarneo das outras
naçoens, e acabará por ser escravo.
Amittindo-se pois que a guerra he algumas vezes necessária;
resta-nos o mostrar, que no caso presente ha motivos, que
justificam aquella medida no Governo do Brazil.
Informados, como nós estamos, do incommodo que a vizi-
nhança do general Artigas tem causado ao Brazil, achamos mui
racionavel, que a Corte do Rio-de-Janeiro tentasse a conquista
de todo o território ao Norte do Rio-da-Prata, e a Leste do
Paraguay.
He indubitavel que a addiçaÕ daquelle território ao Brazil,
lhe procura limites mui naturaes, e izentos de controvérsias;
mas naõ bastava isso para que a Corte do Brazil tivesse direito
de invadir os paizes vizinhos. Menos poderia justificar a
guerra, a utilidade da aquisição ; porque, além de que essa
utilidade nunca dá tal direito a naçaÕ alguma; tal utilidade
nao existe, fadando simplesmente do valor do terreno, a respeito
do Brazil; aonde o que sobram saõ terras, sem que haja habi-
tadores que as cultivem.
Mas a justiça, que suppómos, e com que nos parece se deve
defender a medida desta guerra no Rio-da-Prata, provém da
necessidade, que tem El Rey de Portugal, de proteger os seus
subditos, naquella parte do Brazil, contra os repetidos incom-
modos, que lhe causam os Insurgentes debaixo do Governo de
Artigas; e no que concordam exactamente os outros Insur-
gentes de Buenos Ayres. Examinando a origem deste mal se
vè, que elle nao tem outro remédio senão a guerra.
Pelo tractado de Madrid, que fez o embaixador D. Fran-
cisco Ignocencio ; pay do outro celebre negociador Conde de
Funchal; entre outros muitos despropósitos e mostras da igno-
rância daquelle ministro, foi o deixar um campo neutral, entre
os territórios de Hespanna e de Portugal; campo, que, nao
podendo ser occupado por nenhum dos Governos, naõ podia
deixar de servir de couto aos contrabandistas e facinorosos de
ambas as partes. Outro mal que causou D. Francisco com
aquelle tractado, foi deixar para os Hespanhoes os povos
das Missoens, o que punha por aquella parte os habitantes de
Miscellanea. 237
ambas as naçoens em demasiado contacto uns com outros, por
nao serem os limites bem demarcados, por conhecidos rios, ou
outras divisoens naturaes.
No tempo do antigo Governo Hespanhol se remediava o
grande inconvenieute do Campo Neutral, mandando ambas as
naçoens partidas de soldados de cavallo a explorar aquelles
territórios; e supposto que as taes partidas militares pouco
fizessem, além de receber peitas dos contrabandistas, com tudo
sempre atemorizavam de algum modo os facinorosos ali refu-
giados.
Agora, Artigas nao attende a isto ; e como tem necessidade
desses mesmos contrabandistas e facinorosos, para apoiar as
suas pretençoens ao Governo do paiz, qne se naõ fundamenta
em outra cousa, sao baldadas todas as representaçoens do Go-
verno Portuguez, para que elle contenha em ordem os seus sol-
dados. Isto he tanto mais temivel ao Governo Portuguez,
quanto Artigas, nem quer, nem pôde, ainda que quizesse,
manter boa disciplina entre seus soldados.
Constam as tropas de Artigas de bomens alevantados, con-
trabandistas por officio, e malfeitores por habito : nao tem
outra paga senaõ o que obtém com a pilhagem, nao ja contra
os seus inimigos somente, mas até contra os mesmos povos, que
vivem sugeitos ao Governo de Artigas; e este general nao
pôde conduzir taes tropas por outro meio, que nao seja o que
empregam os cabeças de salteadores, que vém a ser, deixando
os de seu bando fazer quanto querem, e capitaneando-os uni-
camente ao combate, quando se tracta da defensa commum.
Os escravos, que fogem do Brazil, os desertores, os facino-
rosos saõ todos bem acolhidos pelas partidas de Artigas no
campo neutral; e se o Governo do Brazil nao puzer cobro a
isto, com tempo, tomando occupaçaõ militar daquelle terri-
tório, o campo neutral se povoará, dentro em bem pouco
tempo, de homens levantados, que se faraõ temíveis com suas
correrias, e que pela natureza do paiz, e modo de vida de seus
habitantes, seraõ ao depois inconquistaveis pelas forças, que o
Brazil lhe pôde oppôr.
Veja-se no mappa a contiguidade daquelle campo neutral
VOL. XVII. No. 92. 2H
238 Miscellanea.
aos estabelicimentos Portuguezes; considere-se a qualidade de
gente, que infecta aquelle território ; aonde nao chega a juris-
dicçaõ de nenhuma das naçoens; reflicta-se na impossibilidade,
quando naõ seja a falta de vontade, em Artigas, de tranqüili-
zar aquelles povos—e se achará que a Corte do Rio-de-Janeiro
nao tem outra alternativa, senaõ tomar posse militar daquelle
paiz. Ora isto he o que se chama fazer a guerra.
Depois deste motivo, que resulta do miserável arranjo da-
quelle tractado, que estipulou a existência do tal campo neu-
tral; ha outro, que vem a ser os Povos das Missoens.
Quando a Hespanha declarou a Portugal a guerra, que fina-
lizou com o tractado de Badajoz, e depois com a paz geral
d'Amiens, tomaram as tropas Portuguezas do Rio-grande vá-
rios povos das Missoens, que pelo citado tractado de Madrid
tinham ficado a Hespanha. Portugal nunca restituio esta con.
quista, e muito máo tempo éra de a restituir, quando as pro-
vincias vizinhas se achavam em estado de revolução.
Os insurgentes commandados por Artigas, assim como os
outros pertencentes a Buenos-Ayres; de quem os primeiros
saõ inimigos declarados ; e os de Sancta F é , aonde ha um Go-
verno separado, que nem obedece ao de Montevideo, nem ao
de Buenos-Ayres, todos concordam na idea de tirar aos Por-
tuguezes esta sua conquista das Missoens; ede certo o teriam
ja feito, se tivessem podido acommodar as rixas, que tem
entre si.
A entrada dos insurgentes nas Missoens, deixa-lhes o campo
aberto até o território do Rio-pardo, ponto de grande impor-
tância na capitania do Rio-grande ; donde se segue que, para
segurar a posse das Missoens, he necessária a posse de todo o
paiz na margem esquerda do Paraná ; principalmente as pas.
sagens deste rio em Corrientes e Sancta F é ; porque saÕ as
chaves de todo aquelle território.
N o estado pois actual das cousas he impossível obter a ne-
cessária segurança da provincia do Rio-grande, tanto da parte
do campo neutral como da parte das Missoens, sem que por
meio da guerra se tome occupaçaõ militar de todo o território
de que tractamos.
Miscellanea. 239
Creaçaõ de novos Lugares de Letras no Brazil.
por alvará com força de ley, dado no Rio-de-Janeiro aos 5
de Dezembro, de 1815, se creou na villa do Penedo, commarca
das Alagoas, um lugar de Juiz-de-fóra do crime, eivei e orfaõs,
com o mesmo ordenado, aposentadoria, e propinas, que vence
o juiz-de-fóra da villa do Recife de Pernambuco; e pelo mes-
mo alvará se erigiram em villas as povoaçoens de Maceió e
Porto-das-Pedras; creando-se para cada uma dellas os offi-
ciaes respectivos, e determinando os termos, qne lhes hao de
pertencer.
Ja em outros N o s . dicemos a nossa opinião, sobre a escu-
sada multiplicação de Lugares de Letras ; e, se nos aceusarera
de repetiçoens, responderemos, que he a repetição do mal,
quem nos obriga a repetir a queixa.
Aqui achamos o exemplo de três villas, nma em que se esta.
belece Juiz-de-fóra, outras em que bastam os Juizes-Ordina-
rios. Se se averiguar a razaõ de differença naS se achará ou-
tra, senaõ a maior ou menor população daquellas villas ; ou,
por outros termos, que as villas de menos habitantes naõ
produzem bastante rendimento para sustentar Juiz-de-
fóra. De maneira que, o que se consulta nao he a melhor
ou peior administração de Justiça; porém sim o maior ou
menor rendimento do Juiz-de-fóra.
De outro modo, se para a Justiça ser bem administrada, na
villa rendosa, he preciso que haja Juiz-de-fóra, também este he
necessário na villa menos rendosa; pois tanto em uma como
em outra podem oCcurrer os mesmos casos para a decisaõ do
Juiz.
Ha alguns annos, que, tocando nesta matéria, citamos o ex.
emplo da Inglaterra, depois tornamos, por occasiaõ similhante,
a lembrar a mesma practica Ingleza; e agora pela terceira vez
nao podemos deixar de metter á cara do Governo do Brazil o
estabelicimento dos Justiças na Inglaterra. Os Juizes Supre-
mos na Inglaterra (exceptuando o paiz de Gales) saõ única,
mente doze, distribuidos nos três tribunaes supremos; o Crimi-
nal chamado Kings-bench; o Civil, chamado Comtnon-pleas ,*
2 H 2
240 Miscellanea.
e o da Fazenda Real, chamado Exchequer. Os Juizes além
de attenderem as causas nos seus respectivos tribunaes, vaõ
quatro vezes no anno fazer a correiçaõ das provincias, distri-
buindo entre si por turnos, e em rotação de dous em dous jui-
zes, as commarcas ou Condados, em que tem de fazer a correi-
çaõ, em cada estação do anno.
Desta pouquidade dos Juizes Letrados se segue, que o res-
peito, que se tem aos seus lugares, he igual ao das maiores per-
sonagens do Reyno ; elles saõ muitas vezes mandados chamar á
Casa dos Lords para darem o seu parecemos debates, sobre a
formação das leys, que respeitam a administração da Justiça;
e o Juiz mais antigo do primeiro tribunal, que he o Criminal,
chamado Kings-bench, he sempre nomeado Lord e Par do
Reyno, com titulo que fica sendo hereditário em sua familia.
He verdade que, sendo os processos na Inglaterra de viva
vós, e nao por escripta como em Portugal, se despacham as
cansas com summa brevidade; e como, por essa razaõ, um juiz
pôde despachar muitos processos em um dia, menos juizes vem
a ser precisos do que em Portugal; aonde para se evitar este
mal seria necessário introduzir a mesma forma de processos
verbaes da Inglaterra.
Mas ainda assim mesmo, sem recommendar uma reforma de
tal magnitude, julgamos que o numero de magistrados letrados
he excessivo em Portugal, e faltando dos Juizes-de-fora, nao
sô o seu numero he demasiado, porém he inútil para a adminis-
tração da Justiça, e pernicioso ao respeito que se deve conser-
var á magistratura; assim como incommodo ao Governo, que
tem deacommodar tantos pretendentes; e pezado aos povos, que
tem de pagar os tributos para a sustentação de empregados
inúteis; inúteis dizemos, por que seus officios podiam ser exer-
citados pelos homens ricos, que seraõ Juizes Ordinários, mera-
mente pela honra do lugar.

DINAMARCA
A p. 151, publicamos a Patente do Principe Regente de
Hannover, pela qual elle cede, como agora se dáá Dinamarca, o
Miscellanea. 241
ducado de Lauenburg. A entrega foi feita em Ratzburg por
um Commissario Prussiano, aos 27 de Julho. Esta cessaõ he
em conseqüência de se haver dado á Prússia a Pomerania, e a
Norwega á Suécia. A porçaõ pois de Lauenburg, que per-
tencia a Hannover foi em primeiro lugar cedida á Prússia.
Estes documentos só tem de interessante, o constituírem parte
do direito publico da Europa: como taes saõ necessários na
nossa colecçaõ.

ESTADOS UNIDOS.

A expedição, que saio dos Estados Unidos, para ir a Cartha-


gena exigir a soltura dos Americanos, que os Hespanhoes ali
tinham prezos por commerciarem com os insurgentes, nao so-
mente obteve o seu fim, mas até alcançou a soltura de alguns
Inglezes, que se achavam na mesma situação ; porque o Gene-
ral Murilho, nao menos do que o Dey de Argel, nao gosta dos
argumentos, que os Americanos produzem, acompanhados da
artilheria de seus navios de guerra.

FRANÇA.

A rapada ligeireza com que os Francezes passam de um


extremo a outro, se verefica mui galantemente nesta occasiaõ,
n'um objecto da maior seriedade; que he o da Religião- A
reintroducçaÕ dos Jezuitas foi seguida pela de outras ordens
monasticas; e a respeito dos frades de Ia Trappe, achamos nas
gazetas Francezas a seguinte carta do Ministro do Interior ao
Marquez de Villeneuve, Prefeito do Cher :—
" Monsieur Prefeito 1—Depois de longa dispersão, os restos
dos antigos frades de Ia Trappe se ajunctáram de todas as par-
tes do Mundo, entre as ruínas de sua antiga abbadia. A sua
propriedade tinha sido vendida, e a maior parte dos edifícios
alienados ou demolidos. A benevolência somente supprio a
M. Delestranges, o seu respeitável Abbade, com os meios de
tornar a comprar alguns edifícios, aonde estes bons padres tem
242 Miscellanea.
edificado de novo um telhado, debaixo do qual se acha mui
mal abrigada a sua velhice. A sua virtude lhes tem attrahido
homens de varias classes e até guerreiros, que voluntariamente
vam a participar de suas austeridades. A ordem de Ia Trappe
conta ainda cousa de trinta membros."
" Penosa como he a sua vida, consistindo somente em priva-
çoens, ainda assim estaõ ao ponto de carecer mesmo com que a
sustentar: o telhado que os cobre deverá cair por terra, se a
charidade nao vier em seu soccorro ; e he para o fim de evitar
a necessidade de tornar a recorrer á hospitalidade estrangeira,
que Mr. Delestranges solicita permissão de fazer uma colecta
de esmolas em França."
" Julguei que éra do meu dever, M. Prefeito, authorizar o
petitorio de M. Delestranges. Elle nao pôde deixar de ser in-
teressante aos bispos, e eu vos rogo, que lhe ministreis toda a
facilidade, que depender de vossa administração.
" Recebei as seguranças de meus mais distinetos sentimentos
(Assignado) " LAINE."
Mas naõ pára aqui, nem he por este acto de protecçaõ do
Governo aos frades de Ia Trappe, que nós queremos mostrar a
excessiva affectaçaõ com que os Francezes se querem mostrar
mui devotos nas matérias de religião, que ha tam pouco eram
tam solícitos em perseguir.
NaÕ contentes com introduzir n'uma comedia o sacrifício
de Abraham ; a dança, que no theatro acompanhou essa co-
media, éra tirada da historia de SansaÕ. SansaÕ dança um
solo, carregando ás costas as portas de Gaza. Dalilah corta,
lhe os cabelos nos intervallos de uma jiga escoceza; e os Phi.
listeos cercam e aprisionam a sua victima no meio das evolu-
coens de uma contradança.
Chamam a isto os Francezes, voltar aos principios de uma
pura Religião!
A p. 216. publicamos a accusaçaõ feita contra o Abbade
Vinson, cujo processo, assim como o do Abbade Fleury, por
similhante crime foi adiado por quinze dias, e para se fazer en-
taõ em segredo; ou a portas fechadas.
Miscellanea. 243
O Abbade Vinson he mui conhecido na Inglaterra, como
clérigo Francez emigrante, e protegido dos Duques de Angou.
Irene, e Berry. He natural que a esta circumstancia devesse
elle o ter de se lhe fazer o processo em segredo, visto qne o
Governo naõ se pôde eximir de tomar conhecimento de sua
obra, que toca grande numero de Francezes, pela parte mais
capaz de excitar nova revolução, tal qual he o temor de se
perderem as propriedades alienadas no tempo da passada revo-
lução.
Politicamente fallando, julgamos que he mni importante dar
ao clero bens e rendas sufficientes com que se mantenham, do
contrario será quasi impossível achar homens de educação, que
preencham as importantes funcçoens «"eclesiásticas ; e cuidem
na educaçaçaS e moral do povo. Porém religiosamente fal-
tando, naõ achamos nenhuma passagem na Sagrada escriptura,
por onde se dè aos ecclesiasticos melhor titulo aos seus bens,
do que tem as outras corporaçoens, ou indivíduos no Estado.
Se julgamos pois justo e próprio, que se providenceie uma
congrua sustentação aos ecclesiasticos, nao se segue daqui que
os seus bens naõ estejam á disposição das leys, assim como o
está a propriedade de todos os mais cidadãos. Logo naõ ha
mais razaõ para que se restitua a propriedade ecclesiastica
Franceza, alienada durante a revolução, do que a propriedade
dos Nobres, e de muitas instituiçoens caritativas, que fôram
alienadas, durante a mesma epocha. Convém que o Governo
providenceie rendas para todos estes estabelicimentos necessá-
rios, mas o clero deve entrar na regra geral; muito principal-
mente quando a seu respeito houve a sancçaõ do chefe da sua
Igreja, em uma Concordata solemne. Mas naõ ha argumen-
tar com gente, que alega com direitos divinos, para o que lhe
'-- conta, e ao mesmo tempo prcttnde ser o interpetre da di-
vina vontade.
Publicou.se nas gazetas Francezas, que trinta tenentes-gene-
r
* « ; cora o titulo de Inspectores d'arraas, e secenta mare-
chaes de campo, com o titulo de Sub-inspectores d'armas en-
traram era serviço activo. As gazetas Hollandezas menciona-
ram o rumor de que o Governo Francez pretendia levantar,
244 Miscellanea.
por conscripçaõ, no mez de Septembro, recrutas para o exercito
em numero de 60.000 homens. A nos parece.nos isto mui na-
tural, quanto a leva; mas que o modo seja o da conscripçaõ,
contra que tanto fallou o mesmo Rey de França, e que pro.
metteo nunca empregar, he o que nos parece digno de alguma
duvida.
O Governo julgou, que éra assáz importante esta noticia,
para a mandar contradizer officialmente no Moniteur, asseve-
rando que tal promoção nao existira. A pezar disto as noti-
cias de Bruxellas, de 10 de Agosto, dizem, que haviam chegado
aos Departamentos Francezes do Norte dous tenentes-generaes,
e quatro marchaes de campo, com grande numero de officiaes
superiores de engenharia e artilheria. Trazem elles ordem
para examinar as fortalezas oecupadas pelas tropas Francezas,
a artilheria, os arsenaes e as tropas de todas as armas; e para
accelerar e promover o recrutamento do exercito. Havia al-
guns dias antes disto, que se tinham posto em serviço activo
vários officiaes, que estavam a meio soldo. Também se afflr-
mava, que o Governo Francez intentava estabelecer terceira
linha de alfândegas, a fim de prevenir mais efficazmcnte o con-
trabando das mercadorias prohibidas, qne vem dos Paizes-
Baixos.
Em noticias de Lisle, de 8 de Agosto se refere, que o Prefeito
daquelle departamento escrevera uma carta circular aos Subpre-
feitos e Maioraes, em que, depois de fallar geralmente da boa
intelligencia, que reyna, entre os habitantes daquelle departa.
meuto, e as tropas aluadas, cuja discipliua louva, diz o segu-
inte :-—
" E com tudo tem acontecido haver rixas individuaes, e até
crimes sérios, que em alguns lugares tem perturbado esta pre-
ciosa harmonia. Sem duvida he difficil conservar constante-
mente uma perfeita tranquillidade, no meio de grandes corpos
de homens, pertencentes a differentes naçoens, c que naõ fal-
iam a mesma lingua : a inhabilidade, ou ainda mesmo a diffi.
culdade de se explicarem dá muitas vezes occasiaõ a más iutel-
Hgencias, cujas conseqüências bem depressa se lamentam
Porém a nós compete o prevenir as desordens em tanto quanto
isso he possivel, e nao omittir cousa alguma, para manter o es-
Miscellanea. 245
pirito de reciproca boa vontade. Sc algum militar estrangeiro
for accusado de insulto, offensa ou crime a respeito de um
Francez; será isso denunciado ao commandante do destaca-
mento a que o individuo pertencer; porém nao poderá ser
prezo pelas authoridades Francezas, excepto no caso de ser
apanhado em flagrante delicto, ou se os generaes ou officiaes
do exercito aluado requererem a nossa intervenção, ou a da
«endarmeria R e a l ; o u s e forem soldados estrangeiros em es-
tado de deserção ; os quaes nesse caso deverão ser prezos e en-
tregues ao commandante mais próximo das tropas alliadas, se-
gundo o artigo addicional da Convenção Militar de 20 de No-
vembro, de 1815."
" Vários exemplos nos tem convencido de que o culpado
sempre vem a soffrer o castigo, que tem merecido, segundo as
leys de sua naçaõ. O mesmo methodo tem de seguir os chefes
das tropas alliadas, a respeito dos Francezes, que se fizerem
reos de algum crime ou offensa, para com os militares, que
estiverem debaixo do commando daquelles chefes : os accusa-
dos deverão ser entregues aos Procuradores d'El Rey, os quaes
tem recebido instrucçoens, sobre o comportamento que devem
seguir em taes casos. O Promotor da Justiça aceusará o cul-
pado, com justa severidade ; c os tribunaes teraõ cuidado em
que nao sejam violadas impunemente nem á fé dos tractados,
nem as leys do Estado."
El Rey publicou uma ordenança, pela qual determina, que
todos os indivíduos particulares (com certas excepçoens) que
tiverem armas, as entreguem aos respectivos Mayoraes. O
preâmbulo rèfere-se aos decretos e regulamentos, expedidos a
este respeito, desde o anno de 1774 até o tempo presente,
como se isto fosse matéria de mero regulamento ordinário í
porem a publicação de tal ordenança neste tempo nao pode
deixar de considerar-se como indicativa do temor que tem o
Governo, de deixar as armas nas maõs dos particulares.
Dizem que M. Richelieu, M. de Cazes e M. Lainé fizeram
a El Rey uma representação em estylo similhante ás de Fouché,
sobre o estado interno da França. A representação hé uma
espécie de relatório mostrando os procedimentos arbitrários das
V O L . X V I I . N o . 99. 2i
246 Miscellanea.
Cortes de justiça Prevetaes, os máos effeitos das execuçoens
nos Departamentos do Sul; e invectiva contra a practica in.
quisitoria de procurar e aliciar victimas, remunerando os de-
nunciantes ; e pinta com negras cores os abusos, que nisto se
tem commettido em nome de Sua Majestade. O relatório con*
clue recommendando a demissão de vários Prefeitos e Juizes,
em que El Rey concordou.
Corre que El Rey de França, em nma conferência, que
tivera com o Gen. Pozzo di Borgho, mostrara que se admirava
de que o Imperador de Rússia julgasse necessário mandar re-
forços de tropas para o seu contingente no exercito de occu-
paçaõ. O Embaixador Russiano respondeo a isto, que seu
amo naõ podia olhar com indiferença para os preparativos mi-
litares, que se estavam fazendo em França, e para o dillace.
rado estado das diversas facçoens políticas, que ameaçavam
uma convulsão, em que os Estados estrangeiros, ainda os mais
distantes, podiam ser involvidos; e aproveitou o Embaixador
aquella occasiaõ de communicar a El Rey uma carta do Im-
perador a esse respeito. O Rey, depois de ler a casta, termi-
nou a conferência, remettendo o Gen. Pozzo di Borgho para o
Conde d'Artois, o qual daria as explicaçoens necessárias, que
se desejassem. Consequentemente foi o Embaixador Russiano
ter com Monsieur, o qual, havendo lido a carta, e sem fazer
observação nenhuma sobre o seu coutheudo, disse, " e quem
me diz a mim que esta carta vem do Imperador de Rússia ?"
O Gen. Pozzo di Borgho, replicou " <• E quem diz a V. A. R.
que eu sou o Enviado do Imperador de Rússia ?"
Entre as provas da instabilidade do character Francez, acha-
mos nas mesmas gazetas Francezas a seguinte anecdota. Na
ultima viagem, que o Duque de Angouleme fez ás provincias,
foi recebido aquelle Príncipe emLons le Saulnier com grandes
demonstraçoens d'alegria. Entre as principaes personagens,
que lhe saíram ao encontro, o Prefeito era o mais conspicuo;
e querendo dar acclamaçoens ao Duque, gritou vivas, mas por
engano disse " viva o Imperador:" lembrando-se, porem, da
personagem que tinha presente, gritou outra vez, <( Mon
Miscellanea. 247
Dieu! Vive le Roi." Assim se vê, qne os Francezes estaõ
promptos para approvar tudo, dar acclamaçoens a todos, com
tanto que isso sirva, para a utilidade do momento, i Quem,
depois disto, poderá descançar nas suas demonstraçoens de
fidelidade á casa reynante ?

HESPANHA.
As noticias particulares de Madrid referem, que aos 19 de
Julho, pela meia noite, fôram tirados das prisoens solitárias
em que se achavam em Ceuta os seguintes prezos d'Estado,
Arguelles, Alvarez Guerra, Merino, Rico, Goycoche, Serrano,
Calvo, Puga, Mesequer, Perez Rosa, e vários outros partidis-
tas das Cortes. Todos elles fôram aquella mesma hora mettidos
abordo de um xaveco; carregados de ferros; e o xaveco se
fez logo a vela sem ninguém saber para onde. Diziam uns,
que os prezos seriam lançados ao mar (porque tudo o que he
máo se suspeita de Fernando VII.) outros, que seriam lança-
dos em terra na ilha dezerta de Cabrêra, juncto a Majorca,
para que ali morressem á fome.
El Rey de Hespanha acaba de dar um passo mui impor-
tante a favor do despotismo, naõ ja em administração, mas
na Constituição do Estado. Havia no reyno de Navarra uma
Commissaõ permanente de Deputados do Povo, a cuja revisão
e approvaçaõ eram submettidas todas as leys e ordens Regias,
antes de se porem em execução naquelle Reyno. Agora man-
dou El Rey uma ordem pasa ser promulgada ; e sem o consen.
timento dos Deputados do Povo, os quaes se oppuzéram a isto.
0 Vice-Rey (Espeleta) prende-os todos em uma noite, pôllos
cm prizoens incommunicaveis, e acabou com isto peremptoria-
raente, e pela simples ordem de um Vice Rey a mais importante
parte da Constituição de Navarra, que tinha escapado invio-
lável a todas as concussoens dos mais despoticos Soberanos da
Hespanha.
0 general Abadia, que estava encarregado da inspecçaõ
das tropas destinadas a uma expedição contra as colônias, foi
demittido daquelle lugar, e partio para Valencia, aonde deve
2i2
248 Miscellanea,
residir debaixo das vistas do Capitão General Elio. Lardiza-
bal, ex Ministro de Estado, foi também desterrado de Madrid,
ficando sugeito á inspecçaõ do CapitaÕ-general Eguia.
As queixas do exercito e marinha pelas faltas de pagamento,
obrigaram o Ministro da guerra a expedir uma ordem do dia
circular, em que se promette aos soldados o terem os seus
pagamentos na mesma proporção dos empregados na lista civil.
Esta ordem confessa, que muitos officiaes de marinha e do ex-
ercito tem morrido de fome e á mingua. Mas ainda assim
esta promessa vai mui pouco ao ponto; por queos mesmos
empregados civis naõ recebem a quarta parte do que lhes he
devido.
Tudo na Hespanha ameaça a dissolução do Estado, por sua
própria fraqueza : a expressão das noticias, que dali vem he,
que a machina politica parará por si, quando as suas differen-
tes partes começarem a quebrar de fraqueza, acontecimento,
que naS pôde estar mui distante.
Eis aqui a copia daquella incrivel ordem do dia :—-
" O Secretario de Estado e da Marinha deo parte a El Re; Nosso
Senhor, de que no Departamento do Fero), o tenente da armada
Real, D. Jozé Labradores, um capitão de fragata, D. Pedro Quevedo,
e um official de Fazenda, morreram de fome, e á mingua: e que
um capitão de mar e guerra, dous commandantes de fragata, e mui-
tos outros de várias classes estavam moribundos, e obrigados ajazer
sobre palha: nesta occasiaõ, elle além disto manisfestou a S. M.,
que a causa da deplorável situação destes meritorios, leaes e dignos
membros da marinha, procedia da maneira desigual, em que a pe-
quena propriedade, que se continha no Real Thezouro, éra distribuí-
da entre os criados d'EI Rey, pelos que dispunham dos fundos do Es-
tado. E havendo-se movido o animo de S. M. no mais alto gráo,
ouvindo o relatório e observaçoen s do dicto Secretario, foi servido
resolver e ordenar, que sejam observadas rigorosissimamente ai suas
Reaes ordens, a respeito de serem os membros da marinha pagos
em igual e regular maneira, cora o resto das pessoas empregadas pelo
Estado: de sorte que se a esta meritoria classe senaõ pagar mais do
que metade, terça ou quarta parte de seu soldo mensal, nenhuma
outra pessoa poderá receber maior proporção ; quer pertença á
repartição do Thesouro, quer ao Militar, Civil ou Ecclesiastico. 0
que participo a V. E. de Ordem Real," &c.
Miscellanea. 249
A p. 137, deixamos publicado o decreto, pelo qual El Rey
encarrega a educação da mocidade de ambos os sexos aos con-
ventos de frades e freires. Esta medida, depois da admissão
dos Jezuitas, e do restabelicimento da Inquisição, nos mostra
bem as intençoens de Fernando VII. Em outro qualquer paiz
teríamos julgado, que esta medida de aproveitar os religiosos
para educar a mocidade, ao menos nas primeiras letras, seria
de summa vantagem ao Estado; porém, considerando o fa-
natismo d'El Rey catholico, os seus esforços para arraigar a
ignorância em sua pátria, e o aborhecimento do clero a tudo que
saõ conhecimeutos úteis, nos faz olhar para o decreto, que men-
cionamos, como baze do systema com que se intenta reduzir a
Hespanha a uma naçaÕ de frades.
Se nós sentíssemos alguma veneração ou respeito por Fer-
nando VII. aconselharíamos, que desistisse de tam terrível em-
preza; mas como as cousas vam, desejamos, que elle continue,
e obre ainda peior; porque elle mesmo trará o remédio ao mal.
Apresse-se pois Fernando V I I , com a sua obra; aperte cada
dia mais e mais as medidas, que vai seguindo, que quanto mais
pressa nisso se der, mas cedo acabará a sua tarefa.

COLÔNIAS HESPANHOLAS.

Temo-nos ha muito tempo deixado de publicar as noticias


sobre a guerra civil nas Colônias de Hespanha; pela falta de
documentos officiaes daquelles paizes, aonde as hostilidades saÕ
levadas ao ponto de que nenhum dos partidos dá quartel ao
outro, e as noticias confusas, que nos chegam, nao mostram
nenhum plano seguido de operaçoens, nem de uma parte nem
da outra.
Agora, porém, recebemos as gazetas de Buenos Ayres, em
que achamos a noticia official da inauguração do Congresso
das Provincias Unidas do Rio-da-Prata, aos 24 de Março, na
cidade de Tucuman.
Em quanto isto ali se passava os de Buenos-Ayres tentaram
uma accommodaçaõ com Artigas, o qual propôs como preli-
minar de toda e qualquer negociação, a demissão do Director
250 Miscellanea.
Interino do Estado D. Ignacio Alvarez; foi esta condição
aceita, e outro Director Interino do Estado nomeado pela
Juncta chamada de Observação e pelo Cabildo. Este novo
Director he D. Antonio Gonzalez Balcarce, o qual expedio a
sua primeira proclamaçaõ aos 18 de Abril; e participaram isto
ao Congresso Geral, em Tucuman.
Por oito annos se tem entretido os povos daquellas provin-
cias, com fallar de theorias sobre os principios abstractos de
Governo; disputando com a espada as suas differentes opinioens;
enfraquecido-se com esforços inúteis, e repeditas mudanças
de governo; e só se lembram destes arranjamentos essenciaes,
quando um inimigo poderoso lhe bate á porta com a intenção
de acommodar os distúrbios. Qual será o resultado deixamos
ja apontado em outro lugar.
Ha outras noticias, que mui deproposito deixanos de publicar,
e dizem respeito ao que está obrando o General Bolivar em
Caracas. Os nossos Leitores facilmente conhecerão, que os
nossos motivos, para nao fallar nessas matérias, saõ a contem-
plação do estado presente do Brazil. Desejava.mos que o
Governo ali tomasse medidas sérias para acabar a escrava-
tura. . . . . .

INGLATERRA.

O tractado de paz entre o Governo Britannico e o Rajá de


Nepaul foi concluído em Segouley aos 2 de Dezembro, 1815;
e ratificado pelo Govemador-Gencral em Conselho, aos 9 do
mesmo mez ; e finalmente ratificado pelo Rajá de Nepaul. As
ratificaçoens fôram devidamente trocadas, entre o Major-
General Sir David Ochterlony, Cav. Comm. de Bath., agente
do Governador-General, e os agentes acreditados do Governo
de Nepaul, no acampamento Britannico, juncto a Muckuam-
pore, aos 4 de Março, e se publicou na índia o mesmo trac-
tado, que deixamos transcripto a p. 142.
Miscellanea. 251

NÁPOLES.

El Rey de Nápoles publicou um decreto, em data de 17 de


Julho, pelo qual ordena a plena execução das leys, que prohi-
bem aos vassallos de S. M. o pedir á Sancta Sé dispensas, bre-
ves, ou ordens algumas, relativas ás matérias espirituaes e ec-
clesiasticas, excepto em cousas, que respeitem unicamente a
casos de consciência, sem ter primeiro obtido permissão do
Soberano. Alem disto, as dispensas, breves e ordens doSummo
Pontífice, ainda concedidas depois da previa permissão Regia,
naõ poderão ter effeito sem obterem o placito Regio; e como
taes mandados Pontifícios saõ commumente dirigidos aos Ordi-
nários prohibe-se a estes, que os executem, sem que vejam o
Placito Regio; e se comminam graves penas, contra os que
evadirem as leys a este respeito.
As noticias do Continente dizem, em um artigo de Vienna,
que, depois da morte do actual Rey das Suas Sicilias, se sepa-
rarão as duas coroas de Napoies e Sicilia; passando a primeira
ao Principe Leopoldo, que acaba de se casar com uma Ar.
chiduqueza Austríaca; e a segunda ao Principe Francisco,
actual herdeiro d'El Rey. O Ministro Napolitano em Londres,
vendo que as gazetas lnglezas copiavam esta noticia, a mandou
desdizer officialmente pela seguinte nota :—

" Great Cumberland-street, 24 de Agosto, 1816.


" Ao EDICTOR, &C.
" Senhor! Requeiro-vos, que contradigais, da maneira mais ine-
quívoca, o rumor que tendes publicado no vosso papel de hoje,
sobre a separação das coroas de Napoies e Sicilia; e a intenção de
que o segundo filho de S, M. Siciliana succeda na coroa de Napoies,
quando Deus for servido levar deste mundo Sua preseute Majestade.
Tal disposição seria um flagrante acto de injustiça para com o Prín-
cipe Hereditário ; e El Rey meu amo nunca privará seu digno e
amado filho do que lhe he devido, pela ley de successaõ, e pelo di-
reito de nascimento.
" Sou, &c.
(assignado) " CASTELCICALA."
252 Miscellanea.
Naõ obstante esta contradícçao formal, ainda nos restam
alguns escrúpulos; porque o Ministro Siciliano so falia do que
sabe officialmente; e quanto a razaõ, que dá, para o acredi-
tarmos, de que seu amo naõ faria tal injustiça, a seu próprio
filho, nao parece mui convincente; porque El Rey pôde ser
obrigado, talvez contra sua vontade, a entrar nesse arranja-
mento.
A Áustria desejava, mais que nada, tornar a entrar na posse
de seus territórios Italianos: consegnio isto na paz geral; e
agora todos os políticos Austríacos dizem, que para segurar
estas possessoens Italianas precisam do Reyno de Napoies.
Para o centro da Itália se tem mandado tropas Austricas:
Austriaco he o General Nugent, que El Rey de Napoies
agora acaba de nomear para commandar o seu exercito; e
Austríaca he a Princeza, que cazou com o filho segundo d'El
Rey, preconisado pelos rumores para aquella coroa. A carta
do Ministro Siciliano, portanto, naõ se faz cargo de responder
a estes motivos de conjectura.

POTÊNCIAS BARBARESCAS.

Um artigo de Gênova refere, que o Dey de Argel trouxera


para a cidade 6 000 escravos, que empregava nos trabalhos
das fortificaçoens, apressando-se em concertar as partes que
mais necessitavam de defeza: acerescentou dous bastioens ex-
teriores, e formou de ambos os lados da cidade campos entrin-
cheirados, contemplando um desembarque. O Dey se achava
em pessoa á frente dos trabalhadores; e tinha mandado tirar a
artilheria de alguns vasos para a assestar pelas muralhas; as
quaes dizem que ficariam guarnecidas com 1.500 peças de vá-
rios calibres. He incrivel a actividade do Dey; elle vive na
sua barraca de campanha, armada sobre as muralhas ; e al-
gumas vezes dorme no acampamento fora da cidade. Os Arge-
linos mostram o maior enthusiasmo. Somente os Francezes
saõ respeitados naquelle lugar; e todo o ódio dos Bárbaros
parece dirigir-se contra os Inglezes; e a populaça tem com-
mettido novos insultos contra indivíduos desta naçaÕ. O Dey
Miscellanea. 253
passa revista ás tropas mui freqüentemente ; anima-as, e faz
pelas enthusiasmar : a populaça beija os seus vestidos e as suas
armas, e conclue diariamente por levállo em triumpho para o
seu palácio. Tudo annuncia, que a defeza será igual ao vigor
do ataque; mas he de esperar que os foguetes de Congreve
possam abater a insolencia daquelles Bárbaros. He de presumir
que o Dey será auxiliado pelo Imperador de Mor roços. Este
Musulmano, que faz alarde de sua politica, dizem que faz
zombaria de Lord Exmouth, por nao se aproveitar das vanta-
çens que tinha na sua expedição passada. He de esperar que
o Almirante Inglez obre agora de maneira, que tire ao Mar-
roquino a vontade de rir.
Outra noticia de Cagliari refere, que o navio Inglez, Kent,
fôra atacado e tomado por dous corsários Mouros, abordo de
um dos quaes se achava o sobrinho do Dey de Argel, Hassan
Yusuf. Este bárbaro depois de haver insultado os Inglezes,
que havia feito prisioneiros, disse ao capitão, que as Potências
da Barbaria tinham mais ódio aos Inglezes do que medo dos
tigres do deserto ; e que desejavam que a sua illa se submer-
gesse debaixo das ondas, como elle tinha tido a felicidade de
ver submergir.se o seu navio.

SUÉCIA.

A p. 145, trasladamos a falia do Principe da Coroa de


Suécia ao Storthing de Norwega, e a resposta daquella assem-
blea, terminando a sua sessão. O Principe saio de Stock-
holmo, para este fim, acompanhado do Duque de Sudermania,
aos 23 de Junho : e chegou a Christiania aos 23.
Aos 6 de Julho se fez a cerimonia do encerramento da Dieta;
e a falia que fez o Principe era em Francez, e foi traduzida e
repetida na lingua Norwegueza, por seu filho o Duque de
Sudermania.

VOL. XVII. No. 99. 2E


254 Miscellanea.

WURTEMBERG.

Os Estados do Reyno apresentaram ultimamente a El Rey


vários memoriaes, que tem excitado bastante a attençaõ do pu-
blico. Um delles se oppóem á leva extraordinária de 900
homens, que El Rey ordenara ; e o deixamos copiado a p. 149,
por ser interessante nao só quanto á matéria, mas também
quanto a linguagem por que se exprime, pois mostra o aze.
dume que existe entre El Rey e os Estados.
A segunda representação he contra a nova organização dos
departamentos do interior, e contra as medidas de finanças,
que o Governo tem adoptado sem consultar os Estados. A
terceira pede a El Rey que nomee uma commissaõ para se in-
formar da situação actual do Reyno, e aconselhar as medidas
que se devem adoptar, para melhorar a condição da maioridade
dos cidadãos, cujas misérias o memorial representa no maior
auge.
[ 255 ]

CONRESPONDENCIA.

Catalogo das Obras de J. D. Bomtempo, publicadas em


Londres.
Umas variaçoens para Piano-forte, sobre o Minuete Afandaga-
do. Preço 480 reis.
Um segundo grande Concerto para P. f. Preço 1,280 reis.
Uma Fantasia para P. F. sobre o motivo conhecido de Paiseilo Nel
cor piu non mi sento. Preço 800 reis.
Ura terceiro grande Concerto, para P. f. com acompanhamentos
para uma orchestra completa. Preço 1,680 reis.
Cappriccio e God save lhe King, com variaçoens. Preço 800 reis.
Três grandes Sonatas para P. F. a terceira com acompanhamento
de Violino obrigado. Obra 9. Preço 1,920 reis.
Hymno Lusitano com Coros, e acompanhamento de uma Orchestra
completa. Preço 4,800 reis.
Marcha de Lord Wellington tirada do Hymno Lusitano, e arran-
jada em Dueto, para Piano-forte. Preço 480 reis.
A mesma musica do IIj. mno Lusitano arranjada para Piano-forte
com palavras Italianas adaptadas. Preço 1,600 reis.
Acompanhamentos para uma Orchestra completa, da mesma mu-
sica. Preço 1,600 reis.
Primeira grande Symphonia, para uma Orchestra completa. Pre-
ço 1,280 reis.
A mesma arranjada em Dueto para P. f. Preço 96o reis.
Quarto grande Concerto para P. f. com acompanhamentos para uma
Orchestra completa. Preço 1,680 reis.
Uma Sonata para P. f. com acompanhamento (ád libitura) para Vi-
olino. Obra 13. Preço 640 reis.
Grande Fantazia para P. f. composta de uma Introducçaõ, Canta-
wile, Agitnto; motivo com variaçoens, fugato, Graciozo, Allegro
brilhante, e final. Obra 14. Preço 800 reis.
Duas Sonatas para Piano f. com acompanhamento de Violino.
Obra 15. Preço 1,200 reis.
6
256 Conrespondencia.
Um grande Quintelto para P. f. dous Violinos Alto, e Violoncello.
Obra 16. Preço 1,280 reis.
Uma Waltz para P. f. Preço 160 reis.
Marcha Portugueza para P. f. Preço 240 reis.
A Paz da Europa, Cantata a quatro vozes, com Coros, e acom-
panhamento de P. f. obrigado. Preço 3,200 reis.
Três Sonatas para P. f. com acompanhamento (ad libitum) para
Violino. Obra 18. Preço 1,200 reis.
Elementos de Musica, e Methodo de tocar Piano-forte, com Ex-
ercícios em todos os Gêneros, seis Liçoens progressivas, trinta Pre-*
ludios em todos os tons, e doze estudos. Obra offerecida á naçaõ
Portugueza. Preço 1,920 reis.
Estas Obras se a chaõ em Londres na Loje de Clementi e Comp,
Cheapside, N°. 26. Em Lisboa, na rua larga de S. Roque, N°. 55.
N. B. Em breve tempo sahiraõ á luz as obras seguintes.
A Opera d'Alessaudro ín Efeso.
Uma grande fantasia para P. f.
Quinto grande Concerto para P. f.
CORREIO BRAZILIENSE
DE SEPTEMBRO, 1816.

Na quarta parte nova os campos ara,


E se mais mundo houvera Ia chegara.
CAMOENS, C. VII. e . 1 4 .

POLÍTICA.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL ALGARVES E BRAZIL.


Portaria do Governo de Lisboa, sobre o pagamento dos
Officiaes reformados.

. H A V E N D O El Rey Nosso Senhor tomado era Considera-


ção os meios mais efficazes de facilitar o pagamento dos
Militares Reformados, que envelheceram,e se incapacitaram
no Seu Real Serviço, e igualmente o do Monte-Pio, a que
tem direito as familias dos Officiaes fallecidos : E que-
rendo contemplar com a distineçaõ, de que se faz digna, a
uma Classe de Vassallos, que com tanto valor, fidelidade,
e gloria defendeo os sagrados Direitos de Sua Real Coroa,
Tealçatido com illustres feitos a fama ganhada por nossos
Maiores no campo da Honra : He Sua Magestade Servido
Ordenar:
I* Que em todos os Cofres, e Arrecadações, cujos Ren-
dimentos tem a natureza de Rendas Reaes, e que entram no
Erário Regio, comprehendidos os das Commendas vagas,
e nas execuções e prestações da Real Fazenda, se acceitem
daqui em diante em pagamento, e como dinheiro as Ce-
VOL. X V I I . N o . 100. 2L
258 Politica.
dulas ou Valles passados pelos três Thesoureíros Geraes
das Tropas do Centro, Norte, e Sul, e pela Pessoa com-
petente, authorizada pela Juncta da Fazenda da Marinha,
provenientes de Recibos de Soldos de Reformados, Pen-
sionistas, e Monte-Pio, que estiverem vencidos, desde o
primeiro de Janeiro de mil oitocentos e nove, e se forem
vencendo até ao fim do anno corrente, daquelles interes-
sados e seus Cessionários, que quizerem aproveitar-se
desta providencia, ou que naõ possam esperar pelos paga-
mentos ordinários, e possíveis das respectivas Thesoura-
rias; ficando porém inhibida a acceitaçaõ das referidas
Ced ulas nos Contractos, cujos Contractadores tiverem anteci-
padamente pago os preços delles ; pois naõ devem receber
em diversas espécies daquellas em que fizeram os paga-
mentos ; nem seraõ admittidas nos Rendimentos da Casa
e Estado das Senhoras Raynbas deste Reyno; da Sancta
Igreja Patriarchal: da Basílica de Santa Maria Maior; da
Bulla da Cruzada, e do Subsidio Litterario, por terem de-
terminadas applicaçoens.
I I . Que a sua admissão nos pagamentos feitos á Real
Fazenda, será permittida até ao fim de Março próximo
futuro ; e as que forem enviadas ao Real Erário, depois
deste prazo, pelos diversos Exactores, Rccebedores e The-
soureíros, faraõ elles constar legalmente, que as acceitáram
dentro do referido tempo; contendo as mesmas Cédulas, ou
Valles os pertences, como se pratica com as Apólices dos
Reaes Empréstimos.
I I I . Que para fazer também extensiva esta providencia
aos Reformados, Pensionistas, e Pessoas comprehendidas no
Monte-Pio, que tem os seus Assentamentos nas diversas
Pagadorias Militares do Reyno, e que quizerem gozar deste
indulto, apresentarão por si, ou por seus Cessionários, a
cada um dos Thesoureíros, a que pertencerem as pagado-
rias, os Recibos dos seus vencimentos, authorizados com
as assignaturas dos respectivos Pagudores, para a vista
2
Politica. 259
daquelles documentos os mencionados Thesoureíros das
Tropas expedirem as Cédulas ou Valles com as preven-
ções e formalidades, que fazem o objeclo de ouíra Portaria
da data desta, expedida a fim de que conste com le-
galidade a maneira por que se praticaram estas trans-
acçoes.
IV". Que as entregas, que se fizerem no sobredicto Erário
Regio dos mencionados Titulos, sejam sempre accompa-
nhadas de Certidões na fôrma do estilo practicado cora as
Apólices dos dictos Reaes Empréstimos.
V. E sendo mais que sufficientes para satisfacçaõ das
referidas Cédulas ou Valles as dividas activas do Estado,
vencidas até ao fim do anno de mil oitocentos e doze, naõ
solvidas antes por embaraços superiores a todos os esforços,
naõ seraõ as mesmas Cédulas admittidas em rendimentos
dos já declarados no primeiro artigo, que tenhao a sua
origem no principio do anno de mil oitocentos e treze cm
diante.
As Autboridades a quem competir, o tenham assim en-
tendido, e cumpram pela parte que lhes toca. Palácio do
Governo, em 13 de Agosto, de 1816.
Com as Rubricas dos Governadores do Reyno.

FRANÇA.

Ordenança à"El Rey, determinando a convocação de nova


Câmara de Deputados.
Luiz, &c. A todos os que as presentes virem saúde.
Depois que voltamos para os nossos Estados, cada dia nos
tem demonstrado a verdade do que proclamamos, naquella
solemne occasiaõ, que a vantagem dos melhorameníos he
acompanhada de perto pelo perigo das innovaçoens : esta-
mos convencidos de que as necessidades e desejos de nos-
sos subditos se unem em preservar intacta aquella Carta
2L 2
260 Politica.
constitucional, que he a baze do Direito Publico Francez,
e a garantia da tranquillidade geral.
Temos portanto julgado necessário reduzir a Câmara
dos Deputados ao numero determinado pela Carta, e
chamar para ella somente homens da idade de mais de 40
annos ; porém, a fim de effectuar esta reducçaõ de maneira
legal, lie indispensável convocar de novo os Collegios
Electoraes, em ordem a proceder â eleição da Câmara dos
Deputados.
Por estes motivos, tendo ouvido os nossos Ministros,
temos ordenado e ordenamos o seguinte:—
Art. I. Nenhum dos artigos da Carta Constitucional
será revisto.
2. A Câmara dos Deputados he dissolvida.
3. O numero de Deputados para os Departamentos hc
fixo segundo o artigo 36 da Carta, e na conformidade da
tabeliã annexa.
4. Os Collegios Electoraes das Redondezas (Arrondis-
sements), e Departamentos, continuarão a ser compostos
na forma em que fôram reconhecidos, e taes quaes deviam
ser completos pela nossa ordenança de 21 de Julho
de 1815.
5. Os Colégios Electoraes de Redondeza, se ajunetaraõ
aos 25 de Septembro do presente anno. Cada Collegio
elegerá um numero de Candidatos igual ao numero de De-
putados para o Departamento.
6. Os Collegios lilectoraes de Departamento se ajuneta-
raõ aos 4 de Outubro. Cada um escolherá, pelo menos
metade dos Deputados, d'entre os candidatos apresentados
pelos Collegios de Redondeza. Se os Deputados do De-
partamento formarem um numero impar, a divisão será
feita a favor da porção, que se ha de escolher d'entre os
candidatos.
Aquelles Collegios de Departamento, que tem de no-
Politica. 261
mear um só Deputado, teraõ faculdade de o escolher ou
d'entre os da lista de Candidatos, ou de outras quaesquer
pessoas.
7. Toda a eleição, em que naõ estiverem presentes ame.
tada e mais um dos Membros do Collegio, será nulla, e
invalida. A maioridade absoluta dos Membros presentes
he necessária para a validade da eleição dos Depu-
tados.
Se os Collegios das Redondezas naõ tiverem completado
a eleição do numero de Candidatos, que saõ authorizados
a escolher, os Collegios de Departamento poderão, com
tudo, proceder nos seus deveres.
8. As minutas da Eleição seraõ examinadas na Câmara
dos Deputados, que pronunciará sobre a regularidade das
eleiçoens. Requerer-se-ha dos Deputados escolhidos, que
apresentem certidoens de nascimento, provando que tem
chegado á idade de 40 annos : e extractos dos roes,
devidamente authenticados pelos prefeitos, provando que
pagam pelo menos mil francos de taxas directas.
9. Elles contarão :
Pelo marido, as contribuiçoens pagas por sua mulher,
ainda que seja por propriedade sua delia :
Ao pay as de seus filhos infantes ;
As da viuva ; que naõ tornou a casar para o filho que
ella escolher.
Ao genro, as de sua sogra, sendo viuva, cuja filha única
elle tenha casado;
Ao filho, e genro as do pay e sogro, se elles lhe transferi-
rem o seu direito.
10. Ajunctar-se-haõ os Collegios, e se faraõ as eleiçoens
segundo as formas e regras prescriptas para os collegios

11» A sessaõ de 1816 se abrirá aos 4 de Novembro de


presente anno.
262 Política.
12. Saó revogadas as resoluçoens da ordenança de
13 de Julho, 1815, que forem contrarias á presente.
O nosso Ministro e Secretario de Estado do Inferior,
Le encarregado da execução da presente Ordenança.
Dada no Castelo das Tuillerias, aos 5 de Septembro,
de 1816 ; no 22 anno do nosso reynado.
(Assignado) Luiz.
O Ministro Secretario d'Estado do Interior.
(Assignado) LAINE.

Ordenação, nomeando os Presidentes dos Collegios de


Departamento.
Luiz, &c. Temos nomeado e nomeamos os seguintes
Presidentes dos Collegios de Departamentos.
Departamentos. Nome e graduação dos Presidentes,
Ain - Camillo Jordan. Proprietário.
Aisne Baraõ de Courval. Deputado na
Câmara passada.
AUier - Desroys. Ex-Mayoral de Moulins.
Alpes (Basses) - Gravier. Deputado na Câmara
passada.
Alpes (Haules) Aneles. Prim". Preside. da Corte
Real em Grenoble.
Ardeche - - Marquez de Latourétte, Ex-Prefeito.
Ardennes - Desrousseau. Deputado na Câ-
mara passada.
Arriege - Calvcl Madaillan. Dicto.
Aube • Labriffe (o Conde). Dicto
Aude - Catelan. Dicto.
Aveyron • Bergon. Conselheiro d'Estado, Di-
rector das matas.
Bouches-du-Rhone - Barthelemi. Banqueiro em Paris.
Politica. 263

Calvados Hautefeuille (o Conde). Deputado


na Câmara passada.
Cantai - Tournemine. Dicto.
Charente Rastignac (Marquez). Proprietário.
Charente-Inferieur Jounneau. Deputado na Câmara
passada.
Cher Augier (Baraõ). Dicto.
Correze - Faucand. Dicto.
Corsica - Peraldi (d'Ajacio). Proprietário.
Cote-d'Or Maleteste (Marquez). Deputado na
Câmara passada.
Cotes-du-Nord Courson de Villevalio. Coronel na
Guarda Real.
Crcuse - Michelet. Deputado na Câmara
passada.
Dordogne Maine-Biran. Dicto.
Doubs Meyronet de S. Marc. Procurador
d'El Rey ern Besançon.
Drome - Conde de Ia Porte. Marechal de
Campo.
Eure Terneaux. Negociante, Coronel d*
guarda Nacio mal.
Eure-et-Loir - Lacroix-Fraiuv-lIe. Ex-chefe dos
Advogados em Paris.
Finistere - D'Augier. Contra-almirante, De-
putado na Câmara passada.
Gard - Briehe (Visconde). Tenente-ge-
neral.
Garoune (Haute) Bastard de 1'Estang. Presidente da
Corte em Lyons.
Gero O Conde Fesenzac. Sênior Tenente-
general.
Gi ronde Ravez. Advogado.
Herault Montcalm (Marquez). Deputado
na Câmara passada.
264 Politica.
llle-et-Vilaine - Moreau. Administrador dos Cor-
reios.
Indre Barbancois. (Marquez.)
Indre-et-Loir - Destouches. Prefeito do Seine-et-
Oise.
Isere Planelli de Lavalette. Deputado
na Câmara passada.
Jura Jobez. Dicto.
Landes - Poisere de Cere. Dicto.
Loire-et-Cher SarrazLn (conde). Ex-membro da
Assemblea Constituente.
Loire O Conde Vougy. Deputado na
Câmara passada.
Loire (Haule) - Chabron de Solilhac. Dicto.
Loire (Inferieur) Dufou. Ex-Mayoral de Nantes.
Loiret Baest. Deputado na Câmara pas-
sada.
Lot Bessieres (o Cavalheiro). Negoci-
ante.
Lot-et-Garonne Dijeon (Conde). Deputado na Câ-
mara passada.
Lozere - Dumanoir. Contra Almirante. De-
putado na Câmara passada.
Mame (Haute) Becquey. Sub-Secretariod'Estado.
Dicto.
Mayenne- Pasquier (Baraõ). Dicto.
Meurthe - Bouteiller. Presidente da Corte em
Nancy.
Morbillan Gaetan de Ia Rochefoucault. Pro-
prietário.
Moselle De Wendel. Deputado na Câmara
passada.
Nievre - Chabrol Chamiane. Proprietário.
Nord - Jumilhac (Marquez). Tenente-ge-
neral.
Politica. 265
Oise 0 Duque d'Estissac. Marechal de
Campo.
Orne - - - O Principe de Broglie. Dicto.
Pas-de-Calais - Blanquart de Bailleul. Procurador
d'El Rey em Douay.
Puy-de-Dome Montaignac (Marquez). Proprie-
tário.
Pyrenées (Basses) - Faget de Baure. Presidente da
Corte Real e Deputado na Câ-
mara passada.
Pyrenées (Orientales) Arnaud. Dicto.
Rbin (Bass) Levrault. Conselheiro de Prefei-
tura.
Rliiu (Haut) - De Serre. Presidente da Corte Real
e Deputado na Câmara passada.
Rhone - Cotton. Deputado na Câmara pas-
sada.
Saone (Haute) - Gramont (Marquez). Dicto.
Saone-et-Loire Ganay (Marquez). Dicto.
Sarthe Labouillerie. Dicto.
Seine Bellart. Dicto, Procurador d'El
Rey.
Seine-et-Marnc Saint Criq. Director-geral d'Alfân-
degas.
Seine-et-Oise - Jumilhac-Chapelle (Baraõ). De-
putado na Câmara passada.
Seine-Inferieur Beugnot (Conde). Mininistro d'Es-
tado.
Deux-Sevres Chauvin Boissavary. Deputado na
Câmara passada.
Somtne Morgan. Dicto.
Tarn-et-Garonne VialettedeMortarieu. Ex-Mayoral
de Montauban.
Var . . Gallois. Ex-Deputado.
Vauclose Daramon. Proprietário.
VOL. X V I I . No. 100. 2M
266 Pohhca.
Vandée - Dufougerais. Deputado na Câmara
passada.
Vienne Nieul (Conde). Proprietário.
Vienne (Haute) Bourdeau. Procurador d'El Rey
em Rennes.
Vosges - - Falatieu (Joseph). Deputado da
Câmara passada.
Yonne - Jacquinot. Procurador d'El Rey
em Paris.
(Assignado) Luiz.
LAINB.

HESPANHA.

Documentos relativos á prizaõ do Vice Cônsul dos Estados


Unidos em Cadiz, por ordem do Governo Hespanhol.
N \ 1.
Carta do Cônsul Americano ao Governador de Cadiz.
Cadiz, 14° de Maio, de 1816.
S E N H O R !—Quando voltei para esta cidade, aos 11 do
corrente, me deram a mais extraordinária informação, de
que Mr. Meade um cidadão dos Estados Unidos, e seu pro-
consul em minha ausência, tinha sido requerido a pagar a
Sua Majestade certa somma de dinheiro, ou dar fianças
idôneas, approvadas pelo Consulado desta cidade, para o
dicto pagamento; e na falta de ambas as cousas, que fosse
a sua pessoa posta em custodia : que, naõ approvando o
dicto Consulado a fiança de Mr. Meade, V. Ex 1 . o mandou
prender no castello de St». Catalina, aonde continua de-
tido, debaixo de uma guarda militar.
Naõ me he possivel, Senhor, expressar a minha surpreza
com este ultragem, depois de ter visto pelos mais irrefra-
gaveis documentos, apresentados ante mim por Mr. Meade,
que S. M. Catholica tinha, pela própria signatura de seu
punho, reconhecido, que a somma, de que se tracta, de-
Politica. 267
via ser considerada como depositada no Real thesouro ; e
em que, em data de 14 de Agosto do anno passado, se com-
municou ao predecessor de V. Ex a . uma ordem Real, nas
seguintes palavras:—
« S. M. foi servido ordenar, por seu Real decreto, sob
signatura de seu punho, que, no entanto, e até que se re-
alizem os fundos deste deposito, o Governador ou subde-
legado das rendas Reaes em Cadiz, suspenda todos os pro-
cedimentos ulteriores contra Mr. Meade, e que o processo
se remetta ao Conselho Supremo, e que o pretexto allegado
pela pessoa, que pede o dinheiro, que produzio esta or-
dem, éra que Mr. Meade estava a ponto de fugir desta ci-
dade, e que por isso éra necessário segurar-se da pessoa de
Mr. Meade :"
V. Ex a . deve vêr o pouco fundamento, que deve haver
para tal assersaõ; porém, ainda admittindo que fosse ver-
dadeira, deve parecer naõ menos extraordinário, que um
cidadão dos Estados Unidos fosse prezo pelo pagamento
de uma somma de dinheiro, que S. M. mesmo admitte ter
em sua maõ. O caso he certamente o mais extraordiná-
rio, que se pôde achar na historia da Europa : e Eu, no
meu lugar, como Cônsul dos Estados Unidos da America,
e reconhecido como tal por S. M. Catholica, sendo espe-
cialmente encarregado pelo meu Governo de vigiar e pro-
teger os cidadãos de minha, naçaõ, peço licença a V. Ex*.,
da maneira mais respeituosa, para protestar, como pro-
testo solemnemente, contra a detenção e prisaõ da Mr. Ri-
cardo Meade, um cidadão dos dictos Estados Unidos, o
qual estava, quando foi prezo, encarregado e desempe-
nhando os deveres do meu officio consular, nesta cidade :
e,também, por ser absolutamente contrario ao 7m°. e 20"*0.
artigo do tractado de Commercio, que existe; entre os
Estados Unidos e S. M. Catholica. O sobre-dicto Mr. Ri-
cardo Meade está actualmente prezo em um lugar, que até
aqui tem sido unicamente usado como masmorra, com
2M 2
268 Politica.
sentinella constantamente á vista ; e tudo isto meramente
porque elle se naõ quiz submetter ao pagamento de uma
somma, que S. M. tem reconhecido estar em sua maõ.
Portanto, Eu naõ posso fazer menos do que declarar
a Ex*., que como este acto deve ser olhado por meu Go-
verno com notável desapprovaçaõ, me deve ser permittido
valer-me do meu character official, no seu mais pleno sen-
tido e extensão, para pedir a libertação de Mr. Ricardo
Meade : e, no caso em que V. Ex% se naõ considere ple-
namente authorizado para o fazer, em conseqüência desta
prizaõ ter sido feita por ordem superior, que me dizem
expressar-se assim, " que, no caso que elle naõ pague, ou
naõ dê fiança pela somma, se ponha a sua pessoa em cus-
todia." Eu me apresento, e, sem hesitação, empenho,
tanto o meu character publico como particular, em que
responderei pela pessoa de Mr. Meade, para que lhe seja
permittido voltar para a casa de sua habitação, pedindo
ao mesmo tempo que V. Ex". seja servido conceder-lhe o
seu passaporte, a fim de que elle e sua familia possam ir
a Madrid, e representar ali a peculiar dureza de seu caso
a S. M. Catholica, e defender os seus direitos sob a pro-
tecçaõ do Enviado Extraordinário e Ministro Plenipoten-
ciario de minha naçaõ ; e no caso de que V. Ex*. se naõ
considere sufficientemente authorizado para conceder os
passaportes necessários até Madrid ; peço que lhe seja
permittido, debaixo de minha responsabilidade, oficarem
sua casa, até que receba resposta da Corte; assim como
noticia da chegada do Ministro Plenipotenciario, que se
espera dos Estados Unidos, Tenho também de solicitar
a V. E x \ , que seja servido ordenar, se me dem copias au-
thenticas da Ordem Real, e de todos os procedimentos
que delia se seguiram, assim como da carta official ao
Governador do Castello, aonde está prezo Mr. Meade ; e
também desta carta, a qual declaro, que he o meu protesto
formal; e da determinação ou decreto, que V. Ex% for
Politica. 269
servido expedir sobre isto; a fim de que eu possa re-
metter tudo para Madrid, por um Correio extraordinário,
para informação do sobredicto Ministro Plenipotenciario
dos Estados Unidos, que ali se espera brevemente.
(Assignado) JAIMES LEANDRO CATHCART.

N». 2 o .
Resposta do Cap*. General de Andaluzia, datada de
Cadiz, 16 de Maio, de 1816.
SENHOR !—A prizaõ de Mr. Ricardo Meade teve lugar,
em conseqüência de um decreto do Real e Supremo Con-
selho de Guerra, com o parecer e consentimento de S. M.
o qual ordenou, que, se a somma requerida naõ fosse im-
mediamente depositada na thesouraria do Consulado, ou
afiançada com plena satisfacçaõ daquelle tribunal, se
practicasse a sua prizaõ: e que elle naõ pôde fazer nem
uma cousa nem outra, he circumstancia de que vós pareceis
estar plenamente informado, pelo que eu observo na vossa
carta official de 14 do corrente, a qual contém uma serie de
raciocínios absolutamente desnecessários, emprehendendo
provar, que eu naõ devia ordenar a prizaõ de Mr. Meade
por ser isso contrario aos tractados, e á justiça de sua
causa, &c. tudo o que se poderia representar de maneira
mais decorosaá authoridade suprema, aonde se originou o
decreto de sua prizaõ; e naõ a mim, que sou um mero of-
ficial executor : nem eu posso conceber porque seja re-
querido a dar-vos copias officiaes dos procedimentos, que
vós requereis, havendo as mesmas sido ja dadas a Mr.
Ricardo Meade; como parte mais immediatamente inte-
ressada. Este tribunal está bem longe de ter aggravado o
caso de Mr. Meade ; antes pelo contrario tem toda a dis-
posição de lhe conceder todas as facilidades em seu poder,
consistentes com a fiel execução de suas ordens, que lhe
prohibem a permissão de ir para Madrid : porem se vós
ficareis responsável por Mr. Meade, em plena extençaõ, eu
7
270 Politica.
representarei isso ao Consulado, e se elle considerar que
isso satisfaz, entaõ poderei ordenar o que for de justiça e
de direito.

N°. 3o.
Carta do Cônsul Americano ao Governador de Cadiz.
Cadiz, 17 de Maio, de 1810.
S E N H O R !—Em resposta á carta de V. E x \ datada de
16 do corrente, a respeito da prizaõ de Mr. Meade, um
cidadão dos Estados Unidos, seja-me permittido represen-
tar a V. E x \ , que, além das instrucçoens, que tenho de
meu Governo, sempre tem sido, e he o meu desejo, tractar
as authoridades constituídas, juncto as quaes resido, com
aquelle docôro e respeito, que lhes saõ devidos; porém
V. Ex". se naõ admirará, que, como representante de
minha naçaõ, eu deva arguir com aquella energia, que
convém ao presente caso, quando vejo um cidadão dos
Estados Unidos, e um de seus mais respeitáveis sugeitos,
tractado como criminoso, e tido até agora prezo em uma
masmorra, com sentinella a vista, que lhe naõ permitte
sair á distancia de dez passos da porta de sua prizaõ,
quando se practica tal procedimento com um cidadão da
naçaõ que eu represento, faltaria ao meu dever para com
meu Governo e para commigo mesmo, se naõ usasse de
meus maiores esforços para averiguar a causa, e obter os do-
cumentos, efficiaes pelos quaes possa averiguar, se este in-
dividuo tem comettido crime, que mereça tal tractamento;
e particularmente quando vejo, por papeis originaes, que
o caso he absolutamente de natureza civil, e actualmente
pendente ante um tribunal commercial, naõ posso fazer
menos do que expressar a V. Ex a . a minha surprezaaos
procedimentos, que se practicáram com este sugeito, por
nenhuma outra razaõ mais do que por elle recusar o pagar
a mesma somma segunda vez, tendo-a elle ja depositado,
Politica. 271
segundo as ordens de um tribunal competente, no thesouro
de S. M., como se reconheceo formal e solemneraente sob
o signal do punho de S. M., com a determinação de S. M.
que se ajunctassem fundos de outros recursos, para o ex-
presso fim de re-embolçar o Real thesouro.
Tenho requerido a V. Ex*. que se communicassem os
procedimentos, que tiveram lugar, em conseqüência da
ultima ordem Real, que ordenou a prizaõ da pessoa de
Mr. Meade. V- Ex*. responde, que naõ he obrigado a
dar-me isso; porque ja fôram dados a Mr. Meade. Como
representante de minha naçaÕ, tenho de dar contas ao En-
viado Extraordinário e Ministro Plenipotenciario de meu
Governo, de qualquer occurrencia que succeda nos limites
de minha jurisdicçaõ, relativa a cidadãos da minha naçaõ,
e igualmente ao Governo do meu paiz; e, anxioso de des-
empenhar o meu dever, com aquella precisão que exige um
negocio taõ extraordinário e de tanta publicidade, e que in-
volve naõ menos do que a liberdade de um cidadão America-
no e os direitos do meu paiz; hedo meu indispensável dever
repetir o meu requirimento, que V. Ex*. seja servido orde-
nar, que o escrivão encarregado deste negocio me dê copias
authenticas da dieta ordem Real, e de todos os outros pro-
cedimentos, que tiver havido até esta data, incluindo as
ordens do Governador do castello de St». Catalina, aonde
Mr. Meade está prezo, cujas despezas eu pagarei.
Eu observo, que V. Ex*. naõ pôde annuir a meu requi-
rimento de permittir que Mr. Mead volte para sua casa,
e menos conceder-lhe passaporte para Madrid ; e sois ser-
vido acerescentar, que se eu ficar por fiador, na plena ex-
tensão de minha responsabilidade vós apresentareis isto ao
tribunal do Consulado, e, sendo approvado, dareis as or-
dens necessárias. Tenho offerecido, e repito a minha
offerta outra vez a V. Ex". de que estou prompto a em-
penhar a rainha responsabilidade, em toda a sua extensão
e sentido, pela pessoa de Mr. Meade, sendo tudo quanto
272 Politica.
a Real ordem exige, fazendo-me responsável, tanto na
minha qualidade publica como na particular, de que elle
se naõ auzentará desta cidade, antes da terminação do ne-
gocio de que se tracta.
(Assignado) JAIMES LEANDRO CATHCART.

N-. 4 o .
Replica do Capitão General a Mr. Catheart.
Cadiz, 20 de Maio, de 1816.
SENHOR]—Em conseqüência da vossa carta de 17 do
Corrente expedi a rainha ordem, cuja copia aqui achareis
para vossa informação.
Cadiz, 20 de Maio, de 1816.
S. Ex*. O Capitão General de Andaluzia, Governador
civil e militar desta cidade, tendo visto e examinado os
procedimentos, assim como a ultima carta official do Côn-
sul dos Estados Unidos, a respeito do caso de Mr. Ri-
cardo Meade, foi servido ordenar, que se apresentasse ao
Consuldado desta cidade uma copia do ultimo paragrapho
da dieta carta official, para que, com o pleno conheci-
mento que elle tem da resolução tomada pelo Real e Su-
premo Couselhode Guerra, que ordena, que a fiança que
se receber de Mr. Ricardo Meade seja de sua plena satis-
facçaõ, seja servido significar se approva a que agora of-
ferece o sobredicto Cônsul, tanto na sua publica qualidade
como na particular; e, obtida a sua resposta, se ordenará
outro sim o que respeita ás instrucçoens dadas ao governa-
dor do castello de St». Caí ali na, assim como á pro-
priedade de dar copias autlienliçadas dos procedimentos
em que taõ fortemente se insiste : no entanto se lhe dará
copia desta ordem, acompanhada de uma carta official,
para que até este ponto seja elle informado para seu go-
verno.
Politica. 273
Assim decretado e adoptado, com o conhecimento e
approvaçaõ do Auditor de Guerra, e assignado por S. Ex*.
o Governador.
LINARES.
RODRIGUEZ PELAEZ.
Verdadeira copia do original registrado, em obediência
das ordení do Real e Supremo Conselho de Guerra, para
pedir e obter de Mr. Ricardo Meade, certa fiança por este
tribunal, agora certificado, o principal escrivão da repar-
tição de guerra nesta cidade : em prova do que puz o meu
signal sos 20 de Maio, de 1816.
(Assignado) J O S E F RODRIGUEZ P E L A E Z .

N*. 5°.
Carta do Governador do Castello de Sta. Catalina, ao
Governador-general.
Castello de S'\ Catalina, 18 de Maio, 1816.
0
Ex *». S E N H O R !—D. Ricardo Meade foi conduzido a
esta fortaleza, aos 2 do corrente, pelo Ajudante D. Sebas-
tião Ortiz, como informei a V. Ex*. na minha participa-
ção official do mesmo dia : e, em conseqüência da ordem
de3, foi aqui deixado na qualidade de pessoa debaixo de
prizaõ. Alguns dias depois elle observou-me, que se V.
Ex*. requeresse officialmente ser informado de se achar
elle ou naõ suficientemente seguro na fortaleza, que eu lhe
faria mercê de responder na affirmativa, para que elle naõ
fosse mudado; ao que respondi com a minha custumada
franqueza, que o meu comportamento havia de ser inteira-
mente governado pelo lheor de minbas ordens, e que se
filas exigissem a segurança de sua pessoa, eu naõ podia
deixar de o mudar para uma das casas próprias para esse
fim; porque nunca quiz correr o risco de me implicar por
pessoa alguma, nem quereria que corresse algum risco o
VOL. X V I I . No. 100. 2N
274 Politica.
official da guarda. Aos 13 recebi a carta de V. Ex*., da-
tada de 11, a que alludo, e desejando remover todas as
duvidas, que se podiam levantar, sobre a fugida de Mr.
Meade, V- Ex*. ordenava que o informasse, se o quarto,
em que elle estava prezo nesta fortaleza, éra suficientemente
seguro, sob a responsabilidade das pessoas encarregadas
de sua guarda; no que eu lhe communiquei francamente
a ordem, e que éra indispensável que elle fosse removido
para o quarto que lhe éra destinado, como representei a
V. Ex*. na minha nota de 14. Porém devo observar, que
naõ he uma masmorra, como as que se usam para crimi-
nosos sentenciados a castigo capital, como tam fortemente
exaggera o Cônsul dos Estados Unidos da America; pelo
contrario, he um quarto decente, caiado, com uma grande
janella, e tal que he segundo as circumstancias occupado
por pessoas de todas as classes ; e, se Mr. Meade se naõ
prejudicasse pela sua sensibilidade exaltada com a prizaõ,
devia reconhecer, que o tenho tractado com tal amizade,
respeito e consideração, qual he compatível com a neces-
sária segurança de sua pessoa,como ordena o Supremo Con-
selho ; porque he um facto, que elle pôde passear todo
o dia acompanhado de seus parentes e amigos, sem ne-
nhuma outra mortifiençaõ mais do que a de estar fechado
de noite, o que eu naõ posso evitar ; pois ainda que sup-
ponha, pelo respeitável character de Mr. Meade, que es-
taria igualmente seguro passeando nas ruas de Cadiz, ou
prezo no mais apertado calabouço, com tudo naõ ha ley
pela qual eu possa persuadir o official da guarda, que a sua
responsabilidade naõ augmentaria, se o prezo tivesse a plena
liberdade da fortaleza, que pela sua localidade muito fa-
cilitaria a sua fugida, se a intentasse, o que tem aconte-
cido com outros.
O Cônsul dos Estados Unidos veio aqui antes de hontem
e me aceusou de que V. Ex*. ignorava absolutamente, que
Politica. 275
Mr. Meade estava em estreita prizaõ: e eu nao pude
deixar de observar pelo seu tom imperioso, que elle tinha
tomado este negocio com muita ardencia, tudo o que peço
licença para communicar a V Ex*. em resposta á carta
official de V. Ex*. datada de hontem, pedindo, em con-
seqüência, que V- Ex*. tenha a bondade de me instruir,
em que qualidade continua Mr. Meade nesta fortaleza.
Deus guarde a vida de V Ex*. muitos annos.

N \ 6'.
Decreto official do Consulado.
Temos visto a communicaçaõ official de V- Ex*., da-
tada de hontem, e tendo plenamente considerado o seu
contheudo, somente podemos informar a V- Ex*. que a
fiança proposta pelo Cônsul dos Estados Unidos, como
ali se explica, naõ he, nem em sua natureza nem em seu
objecto, tal que possa ser approvada ou admittida neste
tribunal.
Deus guarde a V. Ex*. muitos annos.
(Assignados) M I G U E L DE MASSOU.
NJCOLAÓ B L A N A .
MIGUEL DE CARRASGUEDA.

Decreto do Capitão General.


Cadiz, 22 de Maio, de 1816.
S. Ex". o Capitão General D . Francisco Xavier de Oso,
Marquez de Castelldorius, vendo plenamente os procedi-
mentos e resolução passada no tribunal do Consulado,
assim como a explicação dada pelo Governador do Cas-
tello de Sta. Catalina, sobre as differentes representaçoens
feitas pelo Cônsul dos Estados Unidos, a favor do cidadão
de sua naçaõ Mr. Ricardo Meade. S. Ex*. declara, que
sentindo-se obrigado a observar fielmente o theor da Real
2 N2
276 Politica.
ordem do Supremo Conselho de Guerra, a que tem obede-
cido, e mandado que seja estrictamente executada ; redu-
zida, em substancia, á alternativa de que se deposite a
somma em litígio, ou que a ella se dê fiança á satisfacçaõ
do Consulado desta cidade, e que na falta de ambas as
cousas, se prenda e guarde a pessoa do dicto Meade; e naõ
tendo elle cumprido a primeira parte, e naõ satisfazendo
o tribunal do Consulado quanto à segurança offerecida
pelo dicto Cônsul, fica por esta declarado, que a sua li-
bertação e soltura se naõ pôde conceder, debaixo da dieta
fiança ; e porquanto vem a ser um imperioso dever segurar
a pessoa do dicto Meade, no castello de S**». Catalina, que,
pela sua localidade exige todas as precauçoens adoptadas
pelo seu Governador, e sendo estas mui compatíveis com
a humanidade e respeito devido ao dicto Meade, e pro-
vavelmente seriam mais aggravadas, se elle fosse mudado
para outra prizaõ para maior segurança, o que requereria
as mesmas precauçoens; decreta S. Ex*. que elle continue
aonde se acha, nas circumstancias acima mencionadas, se
elle naõ preferir a prizaõ Real (cadea commum) e que esta
resolução seja communicada ao Cônsul dos Estados Uni-
dos, sendo-lhe dadas copias destes procedimentos, e de
todos os outros que elle pede, á excepçaõ da Ordem Real
do Supremo Conselho, a qual contém expressoens, que
indicam segredo; e se elle se quizer queixar daquelle Su-
premo Tribunal elle resolverá se lhe deve ou naõ dar co-
pias de seus procedimentos. Assim decretado e ordenado
com o conhecimento e approvaçaõ de D . Rafael Linares e
Quadrado, auditor de Guerra.
(Assignados) CASTELLDORIUS.
LINARES.
J O S E F RODRIGUEZ PELAEZ.
O sobre dicto saõ copias verdadeiras da conrespondencia
official e original dos procedimentos, como se acham nos
meus registros, na conformidade da Real ordem do Su*
Politica. 277
premo Conselho de Guerra, e deste tribunal, e escriptorio,
que está a meu cargo, ao que me reporto, em conse-
quenciadas ordensali contidas, doque tudo se daraõ copias
ao Consnl dos Estados Unidos, accomganhadas da se-
guinte carta de S. Ex*.
(Assignado) J O S E F RQDRIGUEZ P E L A E Z .

Cadiz, 24 de Maio, de 1816.


Pelas copias inclusas dos procedimentos sereis informado
da determinação que tomou o tribunal do Consulado, assim
como o Governador do Castello de S ta . Catalina deste lugar,
e também da minha; adoptada em conseqüência, que exige
a prizaõ e detenção de D . Ricardo Meade, um cidadão
de vossa naçaõ.
(Assignado) El Marquez de CASTELLDORIUS.
Ao Cônsul dos Estados Unidos da America, nesta cidade.

NÁPOLES.
Documentos sobre a disputa com os Estados Unidos.

Carta do Marquez de Gallo, Ministro dos Negócios Es-


trangeiros em Napoies, a Mr. Degen, Cônsul Ameri-
cano.
Napoies, 9 de Julho, 1809.
SENHOR!—Havendo El Rey tomado em conside-
ração a vossa Nota de 28 de Maio, relativa á escuna
Americana Kait, Cap. Thomsou, que saio de Baltimore
para Napoies, com uma carga de café, e provida com os
papeis necessários em devida forma, tem decidido, que
seja o dicto vaso restituido ao capitão Thomson, o qual
pode fazer livre uso da mercadoria e propriedade, que elle-
contém. Ao mesmo tempo tem S. M. decidido, como
medida geral, que todos os vasos Americanos, que che-
garem a este Reyno, directamente carregados e destinados
a seus portos, sejam ali admittidos livremente, com tanto
278 Politica.
que venham munidos com os certificados de origem, e
papeis de viagem ; e que naõ seja em contravenção dos
Reaes decretos de 20 de Dezembro, 1806, e 9 de Janeiro,
de 1808, relativos ao commercio Inglez, e ao das Potências
Nentraes, os quaes decretos devem ser mantidos em pleno
vigor.

WURTEMBERG.
Decreto do Ministro de Estado, dirigido aos Chefes das
differentes Repartiçoens, sobre os procedimentos, que
tem havido, a respeito da Constituição do Reyno.
Por varias representaçoens, feitas aos Ministros de Es-
tado tem elles visto, com admiração, as errôneas ideas,
que tem naõ somente prevalecido entre grande parte dos
vassallos de S. M. mas que tem sido fomentadas e disse-
minadas pelos chefes de Repartiçoens e Communs, a res-
peito das transacçoens, que tem tido lugar relativamente
á Constituição do Reyno : ideas que tem representado
como suspeilosos actos de S. M., originados nos mais
puros e benéficos motivos.
Ha muito tempo, que S. M. tem publica e inequivoca-
mente pronunciado a sua determinação, de collocar a pros-
peridade de seu povo sobre bazes permanentes, por meio de
uma Constituição, adaptada ás suas relaçoens, preservan-
do ao mesmo tempo o Governo Executivo, na sua firme
e regular carreira, livre de ingerências da parte da pre-
sente Assemblea dos Deputantados, constituída unicamento
para deliberar a respeito da Constituição.
Ainda que S. M. nesta determinação se naõ movesse por
forma alguma, nem pelas demonstraçoens de impaciência
daquelles que pensavam, que os procedimentos tinham sido
demasiadamente prolongados, nem pelo juizo prematuro
de outros, que expressavam as suas duvidas de um resulta-
do proveitoso, nem ainda mesmo pelas transacçoens alheias
7
Politica. 279
deste êxito, que tem tido lugar ; com tudo S. M. tem tra-
balhado com anxiedade, em tanto quanto he possivel, para
corrigir as vistas errôneas, que entretem a parte bem dis-
posta de seus vassallos, e refutar, com verdade e franqueza,
aquelles que imaginam, que naõ podem melhor servir a
sua pátria doque representando todos os actos do Governo
n'uma luz falsa e injusta.
Para este fim os chefes das repartiçoens saõ informados,
pelo presente acto, da situação dos nossos negócios, para
que assim possam instruir, rectificar e tranqüilizar aquelles,
que estaõ debaixo de sua administração.
Desde a introducçaõ do plano de Constituição, annun-
ciado aos 15 de Março do anno passado, que tendia á uniaõ
dos antigos com os novos dominios de S. M . em um todo
bem regulado, tem os Estados, entaõ convocados, causado
demoras; e por isso, depois de varias vicissitudes, se abri-
ram os procedimentos actuaes, na conformidade dos prin-
cipios contidos no Rescripto de 13 de Novembro do anno
passado, e no Ponto Fundamental que lhe éraappenso ; o
fim de S. A. R . tem invariavelmente sido a acceieraçaõ e
feliz terminação desta importante obra: e ainda que éra
de prever, que o complemento deste objecto requeria con-
siderável espaço de tempo; pois involvia naõ somente a
adopçaõ daquellas partes da antiga Constituição, que eram
compatíveis com o bem do Estado, na que se fazia de novo»
e o satisfazer as vistas e expectaçoens dos differentes mem-
bros do Estado, mas também o prevenir todas as futuras
apprehensoens, e falsas concepçoens, por uma explicação
distincta dos mútuos deveres e relaçoens; com tudo S. M .
nunca deixou de aproveitar todas as occasioens de promo-
ver, com a maior actividade, o progresso da obra.
Além disso, S. M. informando-se, em Abril deste anno,
do resultado dos procedimentos, expedio, com as vistas de
os accelerar, vários Monitorios, como testemunham os
280 Política.
Rescriptos de 26 de Maio, e 9, e 21 de Agosto, deste anno,
dirigidos ao Committé para os negócios dos Estados: e
quanto S. M. está ainda anxioso pelo final arranjamento
deste negocio, se tem inequivocamente mostrado nas in-
strucçoens dadas ao Committé Real, para que façam um
relatório de seus progressos duas vezes por semana.
Mas, por outra parte, as differentes representaçoens dos
Estados, estranhas á obra da Constituição, e seus esforços,
antes de seu acabamento, para se metterem de posse dos
direitos dos Estados do paiz, cuja verificação só pôde
começar com a nova Constituição, nao somente distrahe
por muitos modos os Membros do Committé Real de seu
principal objecto; mas também deve obrar geralmente em
forma prejudicial á natureza dos procedimentos. Foi a
respeito destes passos, que S. M. expressou o seu sério
desprazer, e pelos quaes se vio ultimamente obrigado, no
Rescripto de 24 de Junho deste anno, a fazer saber á As-
semblea dos Estados, que naõ tomaria em consideração
nenhum de seus memoriaes e representaçoens, que naõ
fossem exclusivamente limitados ao estabelicimento da
Constituição, único destino daquella Assemblea.
Alem disto, he da natureza dos procedimentos de nego-
ciaçoens, que em nenhum caso he possivel ás authoridades
do Governo effectuar uma terminação mais breve da obra,
se os Estados naõ forem a igual passo com ellas. He tam-
bém sabido, que a declaração do Committé dos Estados, a
respeito dos pontos mais importantes da Constituição; a
saber, o que he relativo aos tributos e organização dos Es-
tados, só ha mui pouco tempo he que fôram transmittidos
aos Commissarios Reaes; e que, se os funccionarios Reaes
nao subemettem estes pontos a uma exacta e attenta con-
sideração, naõ somente obram contra os seus deveres para
com El Rey e a Pátria, mas se expõem ás mais justas accu-
saçoens, da parte dos Estados; e tanto mais quanto estes,
Politica. 281
em sua resposta á Nota dos Commissarios Reaes aos Pleni-
potenciarios dos Estados, em 28 de Junho deste anno, naõ
hesitaram declarar o seguinte:—
"A culpa da demora naõ he imputavel á falta dos bons
progressos, no negocio, mas unicamente á convicção de
que o primeiro e superior dever dos Estados he, o conti-
nuarem tam importante obra, como sangre frioedelibera-
ção Alemaã : e por mais que a Assemblea dos Estados par-
ticipe nos sentimentos de S. M . , quanto ao desejo de que o
povo entre expeditamente na fruição de seus direitos, com
tudo o Committé dos Estados naõ pôde nisso achar justifi-
cação para proceder com demasiada pressa, em negocio,
que deve servir de ley para séculos; porque isso naõ ser-
virá de desculpa, ante a posteridade, aos traços de preci-
pitação, que se desêjam,para poupar as despezas de uma
sessaõ."
Em primeiro lugar, aos 13 do mez, os Estados entrega-
ram vários papeis, relativos aos direitos públicos dos cida-
dãos, communs, e corporaçoens, á legislação, e á proprie-
dade da Igreja Catholica; e elles tem ainda de declarar
os seus sentimentos, a respeito da administração da justiça
civil e criminal, poder do Governo nas matérias de policia,
instituiçoens de educação, matas e caçadas; do que se
pôde facilmente vêr, que credito merece a asserçaõ de que
os Estados tem feito tudo quanto está de sua parte, e que a
conclusão somente espera o assenso de S. M.
No entanto, porém, S. M. tem pensado sobre o modo,
porque seria menos inconveniente a seus fieis vassallos a
demora, inseparável de uma obra de tanta magnitude, e
destinada para a mais remota posteridade; fornecendo
aos dictos seus vassallos meios de deduzir dali toda a ale-
gria e satisfacçaõ possíveis, mesmo antes do acabamento
do todo. Com estas vistas destinou a actual contribuição
Franceza, para a fundação de um estabelicimento, desti-
nado a pagar a divida publica, cujos bons effeitos deveriam
VOL. XVII. No. 100. 2 o
282 Politica.
ser tanto menos mal entendidos pelos Estados, quanto
expressamente se reservara a concurrencia da futura As-
semblea constituída dos Estados.
Pelos regulamentos relativos a impedir o estrago da caça,
se obtinha o objecto, mais efficaz e rapidamente, do que
segundo as antigas providencias, chamadas Commun-
Wildschuetzen ; e se prohibia aos guardas das tapadas, da
maneira mais expressa, que commettessem excesso algum.
Quanto á constituição dos lugares de Chancellaria
(Kauzleistellen) tem-se introduzido melhoramentos essen-
ciaes; e pelo que respeita ás queixas sobre vários outros
objectos, que tem sido representados a S. M., tem-se reme-
diado os aggravos, em tudo quanto elles se tem achado
que eram verdadeiros.
Se, nao obstante os desejos que tem S. M. de aliviar o»
encargos de seu fiel povo, por todos os modos possíveis,
naõ tem até agora podido abaixar a proporção dos impos-
tos ; isto tem em parte sido necessária conseqüência dos
acontecimentos passados, que apertam também em maior
gráo sobre outros Estados ; e deve-se trazer á lembrança,
que, ainda sem diminuir os tributos, o thesouro tem sido
privado de sommas consideráveis, pelo favor, que se man-
dou practicar com as classes inferiores, de pessoas sugeitas
aos tributos, e especialmente pelo atrazamento daquelles,
que estavam em melhores circumstancias e mesmo, em
parte, pelas classes superiores do povo, ao mesmo tempo
que, naõ somente se tem pago sommas consideráveis âs
communs, em compensação de reclamaçoens originadas
em tempos antigos, mas também, em conseqüência da es-
cassez (em vez de tirar partido dos altos preços, como os
proprietários de terras; augmentando por isso as rendas)
se tem repartido dos armazéns Reaes grande quantidade
de mantimentos ; parte a preço módico, e parte a troco de
obrigaçoens de compensação futura, e parte também sem
nenhum equivalente. 7
Commercio e Arte». 283
Nestas circumstancias, por mais penoso que seja a S. M.
Real vêr mal representadas suas vistas paternaes, por tam
vários modos, e por maior que seja a responsabilidade
aque se sujeitam aquellas pessoas, que para isso contribuem
de alguma maneira, com tudo elle continuará com inflexí-
vel seriedade, do modo aqui designado, a usar de seus
maiores esforços, para obter, no mais breve tempo possivel,
o objecto a que se dirigem unanimemente os seus desejos, e
os desejos de todos os amigos da Pátria.
Decretado em Stuttgard, aos 22 de Agosto, de 1816.
O R E A L MINISTRO DE ESTADO.

COMMERCIO E ARTES.
PORTUGAL.
Edictal da Juncta do Commercio em Lisboa, sobre os
regulamentos da Saúde no Baltico.
XJOM Aviso da Secretaria d'Estado dos Negócios Estran-
geiros, Guerra, e Marinha, de 29 de Julho próximo pas-
sado, baixou á Real Juncta do Commercio a copia de um
officio, que dirigio o Ministro da Rússia na Corte de Madrid
ao Ministro de Portugal D . José Luiz de Souza; cuja
traducçaõ he a seguinte :—Senhor. Em conseqüência das
medidas de precaução, adoptadas ultimamente na Rússia,
nenhum navio poderá ser recebido nos portos do Baltico,
e do Mar Branco sem um certificado de segurança do
Governo Dinamarquez, ou documento comprovativo de
ter feito quarentena, ou seja na Norwega, ou na Inglaterra.
Quanto aos navios procedentes dos paizes, que naõ estaõ
bocados da peste, nem mesmo suspeitos delia, mas que
tiverem a seu bordo carregações susceptíveis de commu-
nicar uma moléstia contagiosa, naõ poderão ser admittidos
na Rússia senaõ depois que a authoridade respectiva tomar
as suas informações, sobre o estado da saúde da equipagem,
2o 2
284 Commercio e Arte».
e verificada a natureza das doenças, e das mortes aconteci-
das durante o seu ultimo transito: e no em tanto similhan-
tes navios ficarão debaixo de observação, e naõ poderão
ter alguma communicaçaõ com os outros, nem com algum
ponto da costa. Se se apresentar um navio, que nem possa
produzir o certificado do Governo Dinamarquez, nem
provar authenticamente haver feito a quarentena em um
dos Lazaretos da Inglaterra, ou da Norwega, ou que tiver
a seu bordo producçoes susceptíveis da propagação dos
germes de uma moléstia contagiosa, será obrigado a affas-
tar-se das costas com as precauções ordenadas. Como
naõ ha Cônsul da Rússia em Lisboa, apresso-me neste
momento a communicar a V- Ex*. as sobredictas disposi-
ções, rogando-lhe queira facilitar o seu conhecimento aos
negociantes e navegadores Portuguezes : e aproveito esta
occasiaõ para reiterar a segurança da muito distincta con.
sideraçaÕ com que tenho a honra de ser de V- Ex*. hu-
milde e obediente creado—Tatistcheff—A. S. Ex 1 . Mon-
sieur de Souza.—Madrid, 19 de Julho, de 1816.
E para que chegue á noticia de todos se mandou affixar
o presente Edital. Lisboa, 9 de Agosto, de 1816.—José
Accursio das Neves.

Decadência do Commercio de Portugal.


Dissemos no nosso N*. passado, tractando desta matéria,
que a exportação ou naõ exportação do ouro e prata, eram
os symptomas porque se conhecia a abundância ou escassez
dos gêneros necessários ou úteis á vida, produzidos ou ma-
nufacturados no paiz; d'orrde se segue, que, para impedir
aquella exportação, he necessário promover dentro do
Reyno a producçaõ ou fabrico de gêneros, que bastem
J)ara se trocarem pelos que vierem do estrangeiro: isto
posto ja se naõ exportará o ouro nem a prata.
A vantagem desta permutaçaÕ de gêneros promovem os
governos instruídos, fomentando directamente a industria
Commercio e Artes. 285
do interior, e desviando indirectamente a competência do
exterior, por meio de bem pensados c bem calculados di-
reitos da alfândega. E neste ponto he muito necessário
advertir, quanto ao Commercio de Lisboa, os males que
se seguem da existência dos direitos chamados do Consu-
lado, que pagam as fazendas em sua exportação.
Os direitos nesta repartição cresceram gradualmente,
com vários pretextos, até 5 por cento; e depois, para a
guerra e para os negócios do Mediterrâneo, se lhe aceres-
centaram mais 3 por cento. Mudaram as circumstancias,
mas continuam os direitos ; deixando também de se cum-
prir o Alvará de 4 de Fevereiro, de 1811; do que resultam
males gravíssimos; porque estes direitos de consulado re-
caem principalmente nas fazendas, que de Portugal se
exportam para o Brazil, conservando-se livre a exportação
dos gêneros coloniaes.
O direito de consulado na saida, quando os portos do
Brazil eram privativos ao commercio de Portugal, obravam
como direitos de entrada, em geral, no Reyno ; mas logo
que o commercio dos portos do Brazil se abrio ás naçoens
estrangeiras, similhante direito de exportação em Portugal
só serve de pôr ao negociante do Reyno, que leva fazendas
dali para o Brazil, em peior condição, que o estrangeiro,
que naquelle mercado concorre com elle; porque, suppondo
que o gênero custa o mesmo preço tanto ao negociante
Portuguez como ao Estrangeiro, este pôde vender o seu 8
por cento mais barato que o Portugnez, que tanto importa
o que pagou de direitos no consulado: assim a continuação
dos direitos de consulado serve de fazer decair o commer-
cio de Lisboa, na proporção de 8 por cento, comparado com
0
dos estrangeiros ; e por tanto em 1 2 | annos deve o es-
trangeiro adquirir o dobro da propriedade do Portuguez;
quando ambos continuem a commerciar nas mesmas cir-
cumstancias.
Se taes 8 por cento se naõ pagassem por direito de saida
286 Commercio e Artes.
no Consulado, muitas fazendas estrangeiras destinadas ao
Brazil, fariam escala por Lisboa, e ali ficariam naô só os
direitos de entrada, mas os outros lucros, que sempre resul-
tam do negocio de transito ; quando que, pela mal enten-
dida economia de querer ganhar estes direitos de saída,
afugentam dali os negociantes, qne vam levar as suas fazen-
das directamente ao Brazil, e, cuidando o Governo ga-
nhar, perde, além desses direitos de saída, as direitos de
entrada, e os lucros de tranzito, que alias teria, se naõ afu-
gentasse as fazendas com o ameaço deste direito do Con-
sulado.
Diraõ alguns, que, nesse caso, nao devendo as fazendas
pagar duas vezes os direitos de entrada, havendo elles
sido cobrudos em Lisboa, ficava o Brazil sem esse rendi-
mento.
Nos suppómos, que o Errario de S. M. he só um; e que
as differentes partes da machina politica obram simnlantea
e uniformemente : sendo assim, deve ser perfeitamente in-
differente a El Rey, em que alfândega da monarchia se
tenha cobrado o direito, porque de qualquer parte se pôde
passar a somma para outra, em que se necessite, por meio
de letras. O Erário deve ser um só, a somma das rendas
publicas uma só, e deve ser absolutamente igual o resul-
tado seja qual for a parte da Monarchia, em que se cobra-
rem as rendas, destinadas ao serviço geral, e seja aonde
for que a despeza se faça para o beneficio do todo.
Outra cousa diria-mos, se os rendimentos das alfândegas
fossem de natureza local como saõ as posturas das câmaras
&c.; porque, em taes casos, a natureza dessas contribui-
çoens pede, que ellas se dispendam aonde foram cobradas.
Ha, porém, nisto ainda outra consideração de grande
importância, que devia mover o Governo a desejar, que as
fazendas destinadas ao Brazil passassem por Lisboa, se isso
se pudesse sempre fazer sem constrangimento do Com-
mercio. Esta consideração, he a utilidade de fomentar a
navegação nacional; porque nesse caso se nao devia per-
Commercio e Artes. 287
mittir, que outros vasos se empregassem, neste commercio
de Portugal ao Brazil, senaõ os nacionaes.
O absurdo destes direitos de exportação no consulado,
he summamente manifesto, nas fazendas da Índia: estas,
quando o Brazil éra vedado ao commercio estrangeiro, naô
podiam ir ali se naõ de Portugal, logo o direito de saída
no Consulado obrava unicamente como direito mais pezado
para o consumidor do Brazil, que naõ tinha remédio senaõ
pagállo; porque naõ podia obter de outra forma os gêneros
da índia. Mas hoje em dia, que os pôde ler directamente
dali, ou por via dos estrangeiros, be peior que inntil con-
servar este direito de exportação em Lisboa ; porque nin-
guém quererá Levar de Lisboa ao Brazil fazendas da índia,
pedendo-as obter de outra parte, a 8 por cento mais barato ;
e assim so serve este direito de afugentar absolutamente de
Lisboa este ramo de commercio, concurrendo assim para a
decadência geral da quelle porto.
O commercio de transito he um daquelles, que os Go-
vernos devem ter mais melindre em taixar; porque he
aquelle que os tributos mais facilmente afugentam, e vem
o Governo a perder os direitos que lhe pretendia impor,
e os lucros, que de certo teria, se com taes direitos naõ
obrigasse os negociantes a procurar outra carreira.
Isto pelo que respeita os direitos de exportação no Con-
sulado, sobre fazendas estrangeiras ; porém, quando se
tracta dos gêneros ou manufacturas de Portugal, expor-
tadas para o Brazil, este direito de exportação he taõ in-
justo e impolitico, que realmente deve envergonhar o Go-
verno Portuguez, por se ter até aqui descuidado de pensar,
como devia, nesta matéria.
i Que quer dizer um direito de exportação nos produc-
tos que saem de Portugal para o Brazil, se naõ um meio
de os pôr em condição inferior, aos similhantes estran-
geiros, que com elles concorrerem nos mercados do
Brazil ?
Em uma palavra, mudando «se absolutamente o systema
288 Commercio e Artes.
commercial do Brazil, com a abertura de seus portos aos
Estrangeiros, tem o Governo de Portugal tido o descuido
de naõ examinar nem alterar os regulamentos antigo?, pelo
longo espaço de oito annos, quando a sua applicaçaõ he
absolutamente incompatível com o estado actual das cou-
sas ; e tem por todo este tempo servido de ir arruinando
a fazendo decahir a importante navegação de Portugal ao
Brazil.
Por um Avizo da Secretaria de Estado de Lisboa, datado
de 25 de Fevereiro, de 1811 (Veja-se o Corr. Braz. vol.
vi. p . 328), se ordenou, que os gêneros, que se expor-
tassem, pagassem unicamente os direitos de 4 por cento
por baldeaçaõ, a fim de augmentar o commercio e navega-
ção tanto de Portugal como do Brazil.
O decreto, expedido no Rio-de-Janeira aos 2Q de Ja-
neiro, de 1811 (veja-se o Corr. Braz. Vol. VI. p. 466),
reduzio estes direitos de baldeaçaõ a 2 por cento, em to-
dos os productos do Brazil, que se re-exportassem de Lis-
boa ; admittindo-se neste decreto os principios, que dei-
xamos expendidos.
Naquelle mesmo lugar,, em que copiamos esses docu-
mentos, demos ao Governo o devido louvor, por ter adop-
tado estas medidas, e lembramos alguns pontos, em que
ellas se podiam ainda aperfeiçoar. A esse lugar remette-
mos o Leitor.
Isto, porém, naõ mereceo do Governo a attençaõ que
lhe éra devida ; e mostraremos esta falta em um exemplo,
que ja apontamos em outra occasiaõ, e para diverso fim.
As chitas lnglezas pagam 16 por cento de entrada, em
Portugal e no Brazil. Os pannos, em que se estampam as
chitas pagam 15 por cento de entrada, e mais 3 por cento
logo que tem manufacturaçaõ; logo temos que os fabri-
cantes Portuguezes, que se oecupam em estampar as chitas,
se acham mais opprimidos do que os estrangeiros, com 4
por cento, e portanto naõ podem concurrer no Brazil a
vender, as suas manufacturas com estrangeiros, que tem
Commercio e Artes. 289
sobre elles o favor desses 4 por cento ; e além disto, caso
alguém se arrisque a levar as suas chitas ao Brazil, o Con-
sulado carrega-lhe mais 3 por cento de saida; exaqui uma
desavantagem total de 7 por cento ; sem faltar nas des-
pezas dos fretes, e outros motivos de. prefencia dos es-
trangeiros.
Os negociantes deviam ter ampla faculdade de fallar,
de escrever, e de representar estas matérias, em que elles
saõ ptacticamente mais instruídos, que nenhum dos empre-
gados públicos; e ainda que Be achem muitas de suas
queixas desarrazoadas, desse concurro de opinioens deve
resultar o conhecer o publico, e a final os mesmos que
governam, quaes saõ os abusos, que merecem reforma;
mas quer a infelicidade dos Portuguezes, que para taes
cousas se publicarem seja precizo usar da imprensa In-
gleza; a qual por justos direitos naõ deve servir para
fomentar o bem dos outros, mas sim o de sua própria
naçaõ : com o que parece, que Portugal quer de propósito
conservar-se na escuridão; como se os empregados do
Governo realmente tivessem inveja de ver promovida, e
instigada a prosperidade publica.
O Leitor verá quam necessária he a reforma nas reparti-
noens, que respeitam o commercio, pelas quatro differentes
formas de despacho na alfândega de Lisboa, a respeito dos
couros, que ali se importam.
Couros importado» para consummo do Reyno.
Direitos por cada couro 60 reis.
Comboy - - 100
Fragatas - - 9
Consulado - - 9
Donativo - 12
Obras - - 5
Contribuição - - 8
Marcas - - 2
Total - - 205 reis.
VOL. XVII. No. 100. 2 P
290 Commercio e Artes.
Para as fabrias do Reyno, por Resolução de 6 de Maio,
de 1795, e Alvará de 28 de Abril, de 1809.
Donativo - 12 reis.
Fragatas - - 9
Obras - - 5
Contribuição - 8
Ordenados - 10
Total - 44 reis.

Para fora dos Reyno por terra.


Donativo - - 12
Fragatas - 9
Obras - 5
Contribuição - - - 8
Marcas - - 2
Ordenados - 10
Total - 46

Para fora do Reyno por mar.


Avaliados commumente em 3.000 reis, conrespondem
os dous por cento a 60 reis por COUTO.
Alem disto dos que se exportam por mar exigem os
officiaes da alfândega o seguinte.—
Os da Balança pela baldeaçaõ - 2,400 reis.
O Feitor - 2.400
O Termo - 2.400
Avaliador - - 1.200
Porteiro e Almazem - - 2.400
Marcas e Escrivão - - 1.200
Conducçaõ e guia - - 1.880

Total - - 13.680
Commercio e Artes. 291
Accresce ainda a isto a despeza de 600 reis por dia para
o guarda-de-bordo, em quanto a embarcação naõ s á e :
donde se segue, que naõ he possivel exportar ou baldear
100 couros, porque fariam a despeza de 220 reis cada ura,
que he maior do que depachando-os para terra; e fica
assim neste caso a providencia da baldeaçaõ mais nociva
do que o mal, para o negociante, e uma pequeníssima
parte destes direitos he a que vem a entrar no Erário ; as-
sim se perde a exportação de pequenas quantidades de
couros, que alias se fariam nas erabarraçoens pequenas
para Ayamonte, Galiza, &c. ; o que tam pezados tributos
fazem impossível; como se vê do seguinte calculo :—
100 Couros avaliados a 3.000 reis pagam pelos
dous por cento - 6.000
Emolumentos da baldeaçaõ - - 13.680
Guarda, pelo menos 3 dias, a 630 reis 2.400

reis 22.080

Isto conresponde a 220 reis por couro, quando o des-


pacho para o consummo do paiz, no seu maior rigor naõ
excede a 205 reis por couro.
Naõ he vergonhoso aos homens, que estaõ á frente do
Governo ignorar estes cálculos, que todos os negociantes
sabem muito bem, por ser esse o seu officio: mas he se-
guramente culpa mui grave nos do Governo, o naõ pro-
curar, sobre estas importantes matérias, as informaçoens
necessárias, das pessoa? que as podem dar, em vez de ou-
virem um ou outro parazita como o Jozé Accursio, que
apenas tem habilidade para chamar sua, uma ou outra
idea, que apanhou de orelha ; e que por isso que naõ co-
nhece as cousas a fundo, representa tudo confusamente, e
dahi defende a torto e a direito, com a authoridade da
Juncta do Commercio os despropósitos, que fôram ouvidos
pelo Governo corao oráculos, ás escondidas ; e de que
portanto naõ resulta outro bem senaõ os prêmios, que se
2 P 2
292 Commercio e Artes.
daõ ao supposto inventor, que obra por trás das cortinas;
e cujo merecimento naõ consiste em outra cousa senaõ em
ter paciência, para exercitar os calcanhares pelas sallas
de espera.
i Que cousa éra mais fácil do que reduzir as quatro dif-
ferentes formas do despacho da alfândega, no exempio que
puzemos, a uma só, constante e geral ?
Arbitrando-se um valor médio aos couros, fossem grandes
ou pequenos, deduzir desse valor os 2 por cento chamados
de baldeaçaõ ; a fim de que o negociante pudesse sem de-
mora verificar a sua especulação de exportação, no mo-
mento em que a concebe favorável. Nos que se destinam
ao consummo da terra, se lhe accresce o direito estipulado;
o qual se restitue na exportação por via de drawback.
Vejamos o que poderia ganhar o Governo com este systema
simples, fundando-nos nas exportaçoens de 1814 e 1815;
dous annos em que esta exportação de couros foi mui
diminuta.
1814. 1815. Termo médio. Pagaram.
Exportados por mar 271.752 311.455 291.603 a 60r . 17:496.180
Por terra - 35.529 28.765 32.147—46— 1:478.762
Fará fabricas do Reyno 28 864 32.864 32:965—44— 1:450.460
Para consumo do paiz 4.594 5.276 4.935—205—1:011.675

339.940 383.360
339.940
Total de 2 annos 723.300 361.650 Total 21:437.077
Termo médio de 361.650 — a 65, importa 23:507.250

Lucro da Fazenda Real 2:070.173

Este lucro da Real Fazenda, deve por conseqüência


ser proporcional ao consummo e exportação do gênero;
pelo que be necessário remover todos os embaraços no ex-
pediente do despacho, a fim de que o gyro da importação
e exportação se faça o mais rápido que for possivel; pela
bem conhecida razaõ de que quanto mais embaraços hou-
Commercio e Artes. 293
verem em Portugal para esta exportação tanto mais se
aproveitarão disso os estrangeiros, para fazerem elles
o que poderiam haver feito OB negociantes de Lisboa, e
tanto proporcionalmente perde o Governo em seus rendi-
mentos, na diminuição desses direitos d'atfandega, qne alias
cobraria.
O mesmo dizemos do algudaõ, e de todos os mais pro-
ductos, que se devera re-exportar de Lisboa, com toda a
Tacilidade, fazendo-se assim daquelle porto o empório do
coramereio da America Portugueza, em vez de nutrir com
elle escalas estrangeiras.
Agora, depois de termos apontado estes vários exera-
perlos de deterioração do commercio de Portugal, resul-
tantes da falta de attençaõ e inércia do Governo ; notara-
mos outro, que (se estamos bem informados do facto) he
alguma cousa peior que desmaséllo; e monta a violação
dus leys e costumaria na desobediência ás ordens mais
bem pensadas do Soberano. Falíamos do Commercio da
índia, e exportação das manufacturas do Reyno.
O % 36 do Decreto de 4 de Fevereiro, de 1811, (Veja-se
o Corr. Braz. Vol. VII. p. 420), diz assim:—
" As fazendas conhecidas pelos nomes de elefantes, ba-
fetas, callepaties, doties, doreas, garrazes, laccoreas, bi-
zamputs, e toda sas mais qualidades de pannos de alu udt-õ,
caças, e metins brancos, e mais fazendas brancas da Índia,
que se despacharem, para se tingir, pintar, estampar, ou
bordar nas fabricas nacionaes, gozarão da reslituiçaõ da
metade dos direitos, que tiverem pago de entrada, nos
portos de quaesquer dos meus domínios, quando voltarem
ao sello, depois de tinctas, estampadas, pintadas, ou bor-
dadas."
" S 40. Todas as manufacturas de fabricas nacionaes,
que forem despachadas dos portos de Portugal, Brazil,
Iliias dos Açores, Madeira, Ilhas de Cabo Verde, cosia.
de África Occidental, e ilbas adjacentes, pertenceutes á
294 Commercio e Artes.
minha Real Coroa, seraõ izentas de todos os direitos de
saida, nem pagarão direitos de entrada, em qualquer
porto dos meus dominios, apresentando os proprietários
certidoens autbenticas das competentes alfândegas, que
declarem e certifiquem ser de fabricas nacionaes."
Daqui se segue, que a falta de favor, que experimentam
as fazendas da Índia, exportadas de Lisboa para o Brazil,
naõ só he impolitica, mas directamente contra a ley, que
temos citado.
O Governo do Brazil podia fazer mais : isto he, podia
impor nas fazendas da índia, importadas no Brazil por
estrangeiros, Iam altos direitos, que montassem a uma
prohibiçaõ; pois essa faculdade ao menos lhe ficou, ainda
depois do infeliz tractado com Inglaterra, de 1810; mas
em quanto o naõ faz, o Governo de Lisboa naõ devia in-
comraodar mais este gênero de commercio nacional com
regulamentos, que saõ uma manifesta infracçaõ da ley ;
principalmente, quando esta matéria lhe tem sido mais de
uma vez representada pelos negociantes de Lisboa, que se
empregam naquelle commercio.
[ 295 ]
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LOWDRES, 20 de Septembro, de 1816.
Gêneros. Qualidade. Quantidade Preço de Direitos
( R e d o n d o . . . . 112 lib. 52s. Op, 66s. Op^
ASSUCAR -{Batido . . . . . 4Is. Op, 44s. Op.
( Mascavado . . 38s. Op. 40s. Op. ^Livre de direitos por er-
Arroz Brazil 42s. Op, 45s. Op, portaçaõ.
Caffé R''° 57s. Op, 66s. Op.
Cacao Pará....... 65s. Op. 75s. Op.
Cebo R i o d a Prata 52s. Op, 54s. 0p.'3s. 2p. por 112 1b.
Pernambuco. libra. 2s. lp. 2s. 2p.'

Annil
Ipecacuanha
{ Ceará
Babia
Maranhão . .
Pará
Minas novas
Capitania...
Rio
Brazil
2s.
ls.
ls.

3s.
9s.
èp.
llp,
llp.
2s.
2s.
I p.
lp.
2s. Op. )8s. 7p. por lb. 100 em na-

6p lOs. 6p 3s. 6|p.


vio Portuguez ou Inglez.

6p. 4s. 6p 4|p. por lb.

Salsa Parrilha Pará 3s. 8p 4s. 2p. ls. 2ip.


Óleo de cupaiba 3s. 6p. 9p. ls. l l i p .
Tapioca Brazil 8p llp. 4p.
Ourocu ls. 6p 2s. 3p. direitos pagos pelo compdo r
jem rolo 4p 5p. Livre de direitos por ex-
Tabaco , 4P portação.
em folha . . . . 5p.
9p 9Jp.
,K 8p
•Rio da Prata pilha < B 8*p
6|p 7p.
(C \ 9|p. por couro em navio
CA Portuguez ou Inglez.
Couros ( Rio Grande <B
(C
Pernambuco salgados 4s. 6p 7s. 6|>..
.Rio Grande de ravalho couro
Chifres Rio Grande. 123 38s. 6p 40s. 6p. 5s. 6Jp. por 100.
115/. 120Í. ) direitos pagos pelo com
Páo Brazil Pernambuco. Tonelada 6s. 5p 7s. Op. J prador.
Páo amarrello . . . . Brazil .

Espécie.
Ouro em barra =£3 19 0
Peças de 6400 reis 3 19 0
Dobroens Hespanhoes 3 14 6 > por onça.
Pezos dictos 0 4 10J
Prata em barra 0 0 0
Câmbios.
Rio de Janeiro 594 Hamburgo 36 11
Lisboa 55 Cadiz 34
or
E !° -*.;.'"!".""".' 55 Gibraltar 38 |
Parir; 2 6 Gênova 43i
Amsterdam......'."""'''' ] \ \ \" j2
Prêmios de Seguros.
Brazil Hida 2 Guineos Vinda 2 a2fGuineos.
Lisboa)
Porto \
Madeira 2 2 .
Açores 3 .
Rio da Prata 3 4
Bengala H 3*
[ 296 ]

LITERATURA E SCIENCIAS.
NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.

JFoRSTER^s Flora Tunbrigensis, 8vo. preço 9s. Flora


Ttinbrigensis, ou Cathalogo das plantas selvagens, nas
visinhanlins de Tur.bridge Wells, arranjado segundo o
systema de Linneo, da Flora Britannica de Sir J . E. Smith.
Por T. F . Forster.

Accum on Chemical Re-agents, 12mo. preço 8s. En-


saio practico sobre os re-agentes chimicos ; illustrado com
uma serie de experimentos; calculados para mostrar a
natureza geral dos re-agentes chimicos; os eflèitos, que
produz a acçaõ destes corpos: os usos particulares a que
se podem applicar, nos vários fins da sciencia chimica; e
a arte de os applicar com bom successo. Por Frederico
Accum, Chimico operário.

Faringtorís Views of the Lakes, 4to. preço 81. 8s.


Elegantemente impresso, com um mappa illuminado. Os
Lagos de Lancashire, Westmoreland, e Cumberlaud, de-
lineados em 43 gravuras, pelos mais eminentes artistas.
Por José Farington.
Com descri pçoens históricas, topograpbicas e pictures-
cas ; rt-sulfado de uma viagem feita no veraõ do anno de
1816. Por Thomas Hartwell Horne.

Galt's Life and Stndies of West, 8vo. preço 7s. A.


vida e estudos de Benjamin West, Escudeiro. Presidente
da Academia Real, antes da sua chegada a Inglaterra.
Por Joaõ Galt.
Literatura e Sciencias. 297
BelVs Surgical Operations, Part I. 8vo. preço 6s.
Observaçoens cirúrgicas ; ou relatório de trimestre de
casos de cirurgia. Part I. illustrada com estampas. Por
Carlos Bell.
O objecto desta obra be illustrar os princípios de cirur-
gia, por observaçoens feitas n'um hospital publico, e n'uma
eschola d'anathomia; aonde tudo eslá patente á inspec-
çaõ, e aonde, consequentemente, se fazem as narrativas dos
casos, na presença de muitos observadores. O Author
naõ intenta publicar mais de três volumes de casos. Estes
espera elle que abracem toda a practica de cirurgia, e sir-
vam de livro para consultar na historiadas moléstias cirúr-
gicas, e na miúda relação dos symptomas.

Emigranfs Guide, 8vo. preço 2s. 6d. Guia dos emi-


grantes ; ou pintura da America; que exhibe uma vista
dos Estados Unidos, despida do colorido democrático;
tirada do Original, actualmente na maõ de Jaimes Madi-
son, e dos seus vinte um Governos. Igualmente um esboço
das provincias Britannicas, delineando as suas belezas
naturaes; e attracçoens superiores. Por um velho pintor
de scenas.

Report of the Committee on Education, 8vo. preço


15s. Relatório do Commité Selecto da Casa dos Com-
muns, nomeado para inquirir o estado actual de educação
das classes de gente inferior na Metrópole ; com o 1*. 2 o .
3°. e 4 o . relatório das minutas dos depoimentos das teste-
munhas, examinadas perante o Committé. Mandado im-
primir por ordem da Casa dos Communs. Ao que se
fjuncla um appendix ; e um index methodico.

Bistorical Memoirs of Barbary, 18mo. preço 2s. 6d.


Memórias históricas da Barbaria, e seu poder marítimo,
pelo que respeita os roubos no mar; incluindo um esboço
VOL. X V I I . N o . 100. 2a
298 Literatura e Sciencias.
d'ArgeI, Tripoli e Tunes, maneiras e custumes dos habi-
tantes, vários ataques, que se lhe fizeram principalmente
o de Carlos V. era 1541; o de Inglaterra em 1635, e 1670;
o de França, e bombardeamento de Argel por Ou Quesne,
em 1683; e o de Hespanha em 1775 e 1784. Ao que se
ajuncta um calculo do presente estado de defeza da costa
de Barbaria, e os tractados originaes feitos por Carlos II.
em 1662 (e depois repetidas vezes renovados) com Argel,
Tripoli, e Tnnis.
Com uma estampa da cidade de Argel, vista do mar.

System of the School Society of London, 8vo. preço


6s. Manual do systema da Sociedade de escholas Bri-
tannicas e Estrangeiras, para ensinar a ler, escrever, con-
tar, e custura, nas escholas elementares.

Webster'» Mechanical Philosophy, 8vo» preço lOs.


Elementos de Pholosophia Mechanica e Chimica. Illus-
trados com numerosas estampas abertas em madeira. Por
Joaõ Webster.

PORTUGAL.
Saio á luz o 3*. tomo do Diccionario Geographico de
Portugal, preço 400 reis : e uma collecçaõ de mappas de
Portugal e Algarves, por 400 reis, para intelligencia do
mesmo Diccionario.

Saio á luz, o 4o- N°. do Negociante Perfeito.

Reportorio Geral, ou indice alphabetico das leys ex-


travagantes do Reyno de Portugal, publicadas depois das
Ordenaçoens, comprehendendo também algumas anterio-
res, que se acham em observância. Tomo l*. que con-
tém a letra A até 1, preço 3.800 reis.
Literatura e Sciencias. 299
Collecçaõ systematica das leys militares de Portugal.
Esta collecçaõ he dividida em três partes. A primeira
das leys pertencentes á tropa : a segunda das leys perten-
centes ás milicias : e a terceira das leys pertencentes ás
ordenanças.
Primeira parte, dous volumes: o 1 \ tracta da consti-
tuição do exercito, e comprehende os titulos seguintes:—
organização do exercito, composição dos corpos, uniformes,
armamento, fornecimento, arsenal Real do exercito, the-
sourarias, transportes, officiaes reformados, soccorros das
viuvas, recompensas, tractamentos, privilégios. O 2'.
volume tracta da disciplina tanto em paz como em guerra;
comprehende os titulos seguintes: Generaes, governadores
de praças, serviço dos engenheiros, ajudantes d' ordens,
coronéis, majores, capitaens, cadetes, auditores, aggrega-
dos, graduados, desertores, castigos, continências, guar-
das dos generaes, leys geraes para todos os militares.
Segunda parte ; um volume; composto dos titulos se-
guintes :—Constituição, organização dos corpos, força dos
corpos, uniformes, armamento, fornecimento, districtos,
propostas, recrutamento, honras e privilégios ; disciplina,
livros, licenças e passagens, baixas e reformas, castigos,
exercícios, serviço.
Terceira parte; comprehende os titulos seguintes: —
Organização das ordenanças, eleiçoens dos officiaes, uni-
formes, privilégios, recrutamento.
Todas as leys, comprehendidas nestas três partes, saõ as
que se achara era actual vigor; e transcriptas de maneira,
que com surama facilidade se ache a ley que se precise;
bem como em poucas horas pôde qualquer official ver as
obrigaçoens mais essenciaes do seu posto. Preços a I a .
parte 4.000 reis ; a 2o 500 reis ; a 3 a . 1.000 reis.

Ephemerides Astronômicas, calculadas para o merediano


do Observatório Real da Universidade de Coimbra, para
2 Q2
300 Literatura e Sciencias.
uso do mesmo Observatório, e para o da Navegação Por-
tugueza : Vol. 13°. para os annos de 1819, e 1820.

HISTORIA DO BRAZIL.
Annuncio ao Publico.
O Redactor do Correio Braziliense se está empregando
em escrever a Historia do Brazil, desde o seu descobri-
mento, até a epocha em que para ali se mudou a Corte e
Familia Real Portugueza.
Para isto tem ajunctado uma numerosa biblioteca, de
livros tanto Portuguezes como estrangeiros, em que se
tracta de alguma cousa da America; naõ se tem poupado,
nem a despezas, nem a trabalhos, para obter de todas as
partes as informaçoens necessárias.
Porém ainda assim naõ sobram materiaes, para fazer a
connexaõ dos differentes períodos, e ligar a historia das
differentes capitanias ; assim como noticias locaes, e mo-
dernas, que se nao podem achar nos authores, que até
agora tem escripto sobre aquella matéria.
Pedio, portanto a todos aquelles Portuguezes, seus
amigos, ou que julgou interessarem-se em ver ellucidada
a historia do Brazil, que lhe enviassem as noticias, que
pudessem obter a este respeito, para o que lhe indicou os
seguintes pontos ; que aqui publica ; temendo que alguma
de suas cartas naõ cheguem ás maõs a que eram des-
tinadas.
I o . Os livros Portuguezes, antigos, que tractam do Bra-
zil, alguns dos quaes, por sua escassez e raridade, o Redac-
tor naõ tem podido obter.
2 a . Listas dos Governadores, de cada capitania, com as
datas de seus governos, e familias a que pertenceram;
ajunctando a cada um os factos notáveis, que houverem.
3s Copias das Ordens, e Providencias Regias, destina-
das a cada capitania, ou governo.
4°. Listas dos Bispos das differentes cidades e datas de
Literatura e Sciencias. 301
sua instituição; com os factos notáveis na vida de cada
um, relativos á historia Ecclesiastica.
5\ Noticias sobre os tempos em que se formaram as
differentes freguezias; nomes de seus parochos, e popu-
lação.
6". Bullas Pontifícias, que tenha havido, sobre os ne-
gócios ecclesiasticos do Brazil.
7a. Genealogias das principaes familias das pessoas il-
lustres, que fôram donatários, e primeiros povoadores das
differentes capitanias.
8*. Noticias estatísticas, incluindo população, agricul-
tura, fabricas, artes, &c.

Economia Politica de Mr. Simoude.


(Continuada de p. 204.)
CAPITULO III.
Do Capitães Circulantes.
Já vimos como ha dous modos de fazer render um capital
accumulado; um que he fixando-oou empregando-o, como
mostrámos no capitulo precedente; e outro fazendo-o
girar; e deste he que tractaremos agora.
O proprietário de um capital pode dar a um official os
productos de um trabalho concluído, consistindo em gêne-
ros applicaveis ao uso e consummo dos homens, por um
trabalho para fazer, com um lucro proporcionado á quantia
adiantada. Este he o contracto que se exprime mais sim-
plezmente dizendo, que o capitalista fornece o necessário
a um obreiro produetivo, que trabalha para elle : ou ainda
mais simplezmente dizendo, que lhe paga o seu salário:
"ias cumpre notar aqui, que todas as vezes que se emprega
um official produetivo, e que se lhe paga um salário,
troca-se o presente pelo futuro ; o que se tem, pelo que se
ha de ter; o alimento e o vestuário que se lhe dá já, pelo
producto do trabalho que logo fará. O dinheiro naõ
302 Literatura e Sciencia»,
entra neste contracto senaõ como um signal; e representa
sempre uma riqueza movei, applicavcl à serventia e con-
summo do homem ; e este he que he o verdadeiro capital
circulante.
O numerário he como uma ordem ou lettrn, que o ca-
pitalista dá ao artífice sobre o padeiro, carniceiro, alfaiate,
&c. para que estes lhe dem os comestíveis e mais artigos
de consummo, que já tle alguma sorte pertencem ao ca-
pitalista, porquanto possue o seu representante. O artífice
leva esta ordem a uma loge, onde a tmea por aquillo de
que tem precisão para viver. O que lhe pagou o seu sa-
lário, d.mdo-lbe dinheiro, quilou-se mui siraplezraenle o
cuidado de lhe fazer elle mesmo o provimento necessário *
mas o effeito he exactamente o mesmo ; sempre he elle
quem fornece ao official o mantimento, e aquillo de que
elle precisa, em troco da obra que espera, que elle lbe
faça.
Ora, o artífice que naõ tem trabalho accumulado, ca-
pital seu, nem cou-,a em fim de que se alimente e se vista,
naõ somente acha vantagem em trocar o que pode fazer,
mas que inda naõ tem, por aquillo de que necessita, e que
outro actualmente possue ; mas até este he o único meio
que elle tem de existir. Oa parte do capitatista, pelo
contrario, naõ somente naõ ha vantagem em trocar um
sacco de trigo, por exemplo, este anno, por outro a re-
ceber para o anno que vem ; mas antes pode haver incon-
venientes : porque, fazendo-o, separa-se da sua proprie-
dade, priva-sc de dispor delia livremente, e talvez corra
mesmo alguns riscos. Para se fazer um contracto, entre
estas duas classes de homens, he preciso que aquella, que
delle tira todas a vantagens, as reparta com a outra que
delle tira so inconvenientes. Os artífices podem-o fazer
facilmente; porque ja vimos que a sociedade, quanto mais
se auginenta em população e riquezas, tanto mais, por meio
da divisão dos officios, o trabalho de cada artífice produz
Literatura e Sciencias. 303
de sobejo além do seu consumo : deve, portanto este ceder
uma parte desse supérfluo aquelle que o emprega e o sus-
tenta: e muitas vezes acontecerá que lho ceda todo, e
ainda fique mui satisfeito de por esse meio haver ô que lhe
hc necessário. E as duas classes da sociedade, achando
desta sorte vantagem mutua em taes contractos, prucuram-
se uma á outra: os capitalistas cuidam muito em dar o
que hoje tem pelo que haõ de receber daqui a tempos ; e
os artífices buscam também achar quem lhes de o que ac-
tualmente precisam, pelo tiabalho que faraõ para o diante.
Aos lucros que provém ao capitalista he que se deve
attribuir a conservação da riqueza nacional. Porque, se
elle naõ tirasse lucro de fazer trabalhar a gente iiulustriosa,
naõ tractana de lazer mais trocos doque os necessários para
o seu consumo; e gastaria suecessivaraente o seu cabedal
com sigo mesmo, sem produzir cousa alguma, até se acabar.
Os lucros do capitalista devem ser sempre proporciona-
dos ao capital que emprega ; porque, da mesma sorte que
te naõ tiraria proveito de fazer trabalhar artífices, se os
productos do seu trabalho naõ valecem mais que o que
elles consomem; também se naõ tiraria mais proveito de
empregar um cabedal considerável doque um menor, se os
lucros naõ fossem proporcionados á somma destinada á
empreza.
Quanto ma;s se augmenta a população e a riqueza, tanto
mais impossível he fazer-se algum trabalho sem que um ca-
pital o ponha em movimento. Com o progresso da civili-
çaõ augmentam-se as necessidades dos homens : ora já se
• í qne he preciso um capital para adiantar ao official com
<jne as suppra, até que os productos do seu trabalho se
vendam ; também he preciso outro para lhe procurar as
matérias primas, e os instrumentos, sem os quaes naõ pode
trabalhar; e, emfira, muitas vezes he preciso outro para
prover ao seu sustento e á sua instrucçaõ, até estar em es-
tado de fazer a obra de que se encarregara. Portanto, o
7
304 Literatura e Sciencias.
capital que o pôs em movimento naõ he outra cousa se-
naõ os alimentos, o vestuário, a ferramenta, e as matérias
primas, que elle consummio ; e naõ o dinheiro que as re-
presenta : porque, se ha todas estas cousas e naõ ha di-
nheiro, nem porisso deixará elle de trabalhar muito bem ;
mas se houver dinheiro, e elle o nao puder trocar por to-
das estas cousas, ser-lhe-ha impossível trabalhar.
Um homem activo e industrioso naõ achará, pois, occu-
paçaõ alguma útil, se previamente naõ obtiver um capi-
tal que o sustente, em quanto ella dura, e até que esteja con-
cluída ; outros capitães, que tenham posto à sua disposi-
ção as matérias primas, as ferramentas, e memo a scien-
cia necessária para a sua obra ; e além destes, o capital
de um negociante, que se encarregue de a levar ao con-
summidor, logo que esteja acabada, e que no entanto lhe
adiante o seu dispendido.*
O relojoeiro que destina parte de seus relógios para os
consummidores das Índias, se naõ achasse um capital jà
empregado no commercio da relojoaria, e prompto a
reembolçallo do seu despendido, ver-se-hia obrigado, logo
que tivesse acabado as seus relógios, a procurar outro ca-
pital para fazer as despezas necessárias para os mandar
para as índias; c outro para continuar a trabalhar durante
a viagem, até estarem vendidos, pagos, e o valor posto
em sua casa : ou, como este gyro se naõ faz em menos de
dous ou três annos, ainda que elle tisesse os fundos necessa-

* Quasi todos os artífices possuem algum pequeno fundo, ou tra-


balho accumulado, com o qual supprem a si mesmos as coutas de
seu consummo durante um dia, uma semana, ou mais tempo, até
que o seu salário ou a sua obra lhe seja paga. Porem este fundo,
ordinariamente naõ lhe chega para esperarem pela permutaçaÕ ou
venda da obra; mas, ou lhes seja bastante ou naõ, todavia a posses-
são do fundo lhos faz reunir em si mesmos a dupla capacidade de
capitalistas, e de obreiros productivos : o que em nada se oppóem
aos principio» desenvolvidos no texto.
Literatura e Sciencia». 305
lios parar fazer o primeiro relógio, seria obrigado a fechar
a loge, se naõ fosse sempre tendo paia continuar durante
este longo espaço de tempo. Todo trabalho he, pois,
fructo de um capital. Assim, mui inútil seria cm uma
naçaõ augmentar a necessidade do primeiro, sem ao mesmo
tempo augmentar o segundo, que só elle pode fazer accu-
dir à obra as classes industriosas: máxima importante,
freqüentemente esquecida, e que teremos occasiaõ de ad-
vertir moitas vezes.
O capital fixo naõ pode snpprir à falta da riqueza mo-
vei. Supponhamos uma naçaõ, que tivesse sido extrema-
mente rica, que tenha, por conseguinte, fixado um capital
immenso em beneficiar a ferra, em construir habitaçoens,
fundar fabricas e machinas, formar artífices industriosos.
Supponhamos, depois, que vem uma invasão de bárbaros
immediatamente depois da colheita, lança maõ de toda a
riqueza movei, e abala com quanto he susceptival de trans-
portar-se. Ainda que estes bárbaros levando toda a sua
preza, naõ destruíssem as casas nem as officinas ; nem po-
dessem tirar às terras a sua fertilidade, nem aos artífices
restantes a sua industria, todo o trabalho cessará logo:
porque, para restituir à terra a sua actividade, he preciso
arados e bois para a labrar, graõ para a semear, e sobre
tudo paõ para sustentar os labradores até a colheita próxi-
ma. He preciso, para que as fabricas trabalhem, graõ
ao moinho, ferro na forja-, e por toda a parte alimento para
o trabalhador: em fim, a massa dos homens industriosos
precisa ferramentas, matérias primas, c alimentos. NaÕ
>e trabalhará, portanto, na proporção da extençaõ dos
campos, do numero das fabricas, e dos artífices ; mas em
proporção da pouca riqueza movei, que tiver escapado aos
bárbaros. Todos os que naõ puderem obter uma porçaõ
delia, cm vaõ pedirão que trabalhar, e perecerão de fome.*

* Küta doctrina he, como se vé, directamente contraria à


dos economistas, que pretendem que oi proprietários de terras
Vot. XVII. No. 100. 8R
306 Literatura e Sciencias.
A China, e o Indostaõ tem-se visto muitas vezes em
casos similhantes de invasão. He entaõ que o dinheiro
enterrado pelos habitantes se desenterra; de sorte que
sahidos os bárbaros, pode o numerário ser tam abundante
como antes da invasão; mas nem o numerário, nem os
capitães fixos podem supprir a verdadeira riqueza movei,
e só um uso se pode fazer delle, que he exportallo todo
para comprarem fora o mobilhamento da naçaõ. Querer
impedir esta exportação do numerário seria condemnar
todos os habitantes á inacçaõ, e â fome, que seria o resul-
tado de tal medida.
Dependendo pois todo o trabalho produetivo dos pro-
prietários da riqueza mobiliária, nunca haverá algum sem
que estes participem no seu producto. A sua porçaõ he o
que se chama o lucro, por opposiçaõ ao salário, que hc a
porçaõ do artífice. Estas duas partes, reunidas á renda
do immovel, que produziu a matéria prima, constituem o
preço da obra; e a proporção entre ellas he fixada pela
sua concurrencia respectiva.
Se ha muitos capitães em circulação, destinados a fazer
trabalhar, mais os capitalistas levantam o salário dos obrei-
ros, luetando uns contra os outros para os attrahir a si; e
antes querem ter menos lucro ou menor parte do seu tra-

gozam de uma independência absoluta a respeito dos capitalis-


tos ou proprietários de moveis i que a condição destes últimos he
necessariamente precária; e que todo o poder politico he também
necessariamente ligado â possessão da terra. Pode suppor-se, dizem
elles, uma liga entre os proprietários para excluírem os capitalistas
de um paiz, e estes seriam obrigados a sujeitar-se a isso, uma vex
que aquelles naõ violassem as suas leys t (Garnier, nota XXXII. p.
306) mas também se pode suppôr a exclusão* completa dos capitalis-
tas com a dos seus gêneros todos, ou somente a anniaílaçaõ de toda
a propriedade movei; e a conseqüência seria, que todos os proprie-
tários, ou quiaessem ou na. violar suas leys, seriam em cinco dias
vindimados pela fome, e as suas propridade* achar-s«-hiam de repente
•em valor de espécie alguma.
Literatura e Sciencias. 307
bnllto supérfluo, doque deixar de empregar os seus capitães.
E pelo contrario, quanto maior he o numero de artífices a
pedir que trabalhar, em proporção ao capital que os deve
por em movimento, mais estes artífices abatem as suas pre-
tenções, e maior parte do supérfluo de seu trabalho consen-
tem em abandonar ao capitalista, menor em fim he o salá-
rio que pedem, porque antes querem limitar-se ao simplez
necessário trabalhando, do que naõ terem que trabalhar
nem de qne viver. Portanto, a concurrencia dos capitães
determina a proporção do lucro ao preço total; e a con-
currencia entre os artífices determina a proporção do salá-
rio ao mesmo preço ; mas de uma e outra banda ha limites
immoveis, que esta dupla concurrencia naõ pode fazer
passar.
Seja qual for o numero de obreiros que houver, em pro-
porção ao capital que os deve sustentar, nunca se poderão
contentar com menor salário do que lhes for absolutamente
necessário para viver; a morte seguir-se-hia logo á misé-
ria, e o equilíbrio restabelecer-se-hia togo por meto deste
contrapezo tam temível como efficaz.*
E também da outra banda, seja qual for o numero ou o
valor dos capitães destinados a manter o trabalho, nunca
poderão ser reduzidos a naõ darem proveito algum liquido:
porque se no seu paiz naõ achassem emprego, em que os
podessem fazer girar com lucro, pôllos-hiam logo a render
nos paizes estrangeiros; e pelo emprego fora de uma parte
das riquezas da naçaõ restabeleceriam o equilíbrio interior.
Se te podesse suppôr que a terra toda naõ offerecesse
legar onde se empregassem com vantagem; ou se o Go»

• No que he absolutamente necessário ao artífice para viver he


preciso comprehender, naõ somente o requisito para a sua própria
subsistência, mas também os alimentos que elle deve fornecer a seus
filhos. Que a miséria oceasione a mortandade entre os homens feitos,
ou que impétsa que os tilhos possam nascer ou poisam viver, destroe
igualmente a povoaçaõ.
2*2
308 Literatura e Sciencias.
verno achasse meio de por obstáculos ao commercio exte-
rior, e ao emprego de capitães fora dos limites da naçaõ,
os donos prefeririam entaõ gastallos em objectos de luxo
e consummillos sem produzirem, mas de maueira que re-
galassem os seus sentidos, ou lisongeassera a sua vaidade,
antes do que fazellos consumir por obreiros productivos,
que em nenhum tempo podem lisongear a sua vaidade
nem os seus sentidos, e que no caso supposto lhes naõ da-
riam proveito algum. De sorte que empregando-se assim
uma quantidade de capitães, cm manter ura trabalho im-
produetivo, seria consumraida, sem ser substituída por
outra, e a sua dissipaçaõ restabeleceria o equilíbrio.
Em quanto os capitães destinados a manter o trabalho
grangeain proveito ao seu proprietário, este sente uma ne-
cessidade habitual de os fazer circular, a fim de viver do
seu lucro, e de poder consagrar às suas commodidades os
rendimentos do seu cabedal, e naõ o seu principal. Nem
desanimará ainda que os lucros dos seus fundos diminuam,
uma vez que naõ cheguem a ser absolutamente nada, por-
que até esse tempo naõ pode o rico resolver-se a comer o
seu capital.*
Admiro-me de que o já citado Canard tenha supposto o contrario,
e annunciado que a accumulaçaõ do capital faz diminuir o desejo ou a
necessidade de empregar cada um os seus fundos em melhorar as fontes
da renda. Refutarei de passagem uma observação daquelle author,
que parece havello conduzido a esta supposiçaõ. Observa elle, que a
gente industriosa naõ accumula senaõ para ao depois disfruetar a sua
riqueza e fazer paragem; e daqui parece concluir, que acaba por gos-
tar quanto tem ajunetado; o que de facto naõ be assim. Em geral,
o homem industrioso, em trabalhar, propoem-se adquirir uma somma
sufficiente para viver de suas rendas descançado e satisfeito. Tanto
que alcança o fim desejado, algumas vezes succede qoe faz ponto ali;
mas o mais ordinário he crescer-lhe a ambição com o augmento do
cabedal: porem ainda que ás vezes o vejamos sacrificar a. vaidade, e
dispender mais do que os seos meios lhe permittem, quasi que naõ ha
exemplo d'homem, que, levando maõ do trabalho, diga cem sigo mes-
mo, agora naõ torno a fazer mais nada, vou viver das minhas rendas-
e comer o cabedal que tenho ajunetado.
Literatura e Sciencias. 309
Naõ somente era todos os paizes os dissipadores saõ mui
raros mas, se estudarmos os costumes de cada naçaõ, ob-
servaremos por toda parte o espirito de economia augmen-
tar-se com a diminuição dos lucros mercantis. Em
Hollanda chegou ao maior gráo que podia ser, contentan-
do-se os negociantes com o ganho mais arrastrado. Pelo
contrario, o luxo e amor da ostentação sufibeavam todo o
espirito de economia entre os negociantes em Cadiz, cujos
lucros eram inda assim as as consideráveis para fazerem
subir a 10 por cento a taxa do juro.
Em França, fiiialmeute, e diminuição do capital, e o
augmento dos lucros do commercio tem augraentado o luxo
e diminuído o poupar dos negociantes. Esta he a marcha
da natureza : e com effeito, quando o capitalista vé de-
minuir o lucro, que forma a sua renda, deve muito mais
cuidar em o manter ou augmentar, do que em dissipar o
capital de que elle lhe provém. E quando, pelo contrario,
vé augmentar os seus lucros e as suas rendas, entaõ mais
de pressa dá largas ao desejo de dispender e procurar re-
creios, e naõ se lhe dà tanto de augmentar um capital,
que já he sufficiente para as suas necessidades.
He verdade que a accumulaçaõ dos capitães oceasiona
muitas vezes o luxo e a priguiça dos que os possuem ; de
sorte que, se os ricos naõ podessem dispensar-se do tra-
balho de cuidarem por si mesmos de fazer render ou seu ca-
pital, talvez que o desleixo e a prodigalidade fossem o re-
sultado immediato da sua fortuna. Entaõ ver-se-hiam os
capitães diminuir, depois de se haverem formado, e a so-
ciedade descahir da sua prosperidade tanto mais de pressa,
quanto mais rapidamente a havia adquirido. Porem as
riquezas accnmuladas podem muito bem ser empregadas
e
m beneficio da sociedade p<>r outras maõ» sem serem as
dos ricos; por meio de dar a juros e a interesse ; e he, era
parte, % este contracto, que se deve a sua conservação.
310 Literatura e Sciencias.
Todos os proprietários e conservadores de capitães po-
dem, debaixo desta consideração, dividir-se em duas clas-
ses : uma, a daquelles que os manejam por si mesmos ; e ou-
tra, a daquelles que os emprestara a outras pessoas mais ac-
tivas que elles, as quaes se incumbem de os fazer girar, asse-
gurando-lhes nos lucros deste giro uma parte que se de-
signa pelo nome de juros. O uso tem reservado exclu-
sivamente para os que pertencem a esta ultima classe o
nome de capitalistas. A primeira comprehende os homens,
que consagram os seus capitães ao aperfeiçoamento da
agricultura, ou os labradores, os que emprebendem manu-
facturas, minas, pescas, ou que põem em movimento um tra-
balho produetivo qualquer; ou, em fim, aquelles que fa-
cilitam a outros a obra, que tem emprehendido, re-crobol-
çando os fabricantes ou labradores de seus capitães, ou
destinando o seus ao ccmmercio.
Todos os contractadores de bens moveis de toda a
espécie, ou lhes pertençam de propriedade, ou os hajam
adquirido por empréstimo contraindo, saõ constantemente
animados do desejo de fazer render seus capitães; todos
tendem a tirar delles o maior lucro possivel, e com este
intuito fazem por manter o trabalho, ou por trazer a girar
o seu cabedal no commercio, on nas especulaçoens que
lhes parecem mais lucrativas. Naõ que elles tenham em
vista unicamente o lucro pecuniário ; mas accumulam ou
apoderam-se de todas as diversas vantagens de cada gênero
de trabalho, na consideração que lhes anda anncxa, da se-
gurança, da promptidaõ das re-entradas, do ajuste de te-
rem os seus capitães perto de si, e quasi delaixo de seus
olhos; assim como, de outra parte, também carregam com
todos os incommodos e inconvenientes, como saõ a im-
mundice, o cheiro, o estrondo, a fadiga, a dependência,
e algumas vezes a infâmia. A vista de todas estas conside-
rações reunidas fazem uma avaluaçaõ media, pela qual s*
governam para todas as outras.
Literatura e Sciencias. 311
He por isto que o lucro ordinário de uma manufactura
ou de um commercio decente, c á maõ, he de 10 por cento
por anno; o de um proprietário cultivador, mais feliz,
mais socegado, c respeitado, naõ poderá montar a mais de
6 por cento; e ja o de um negociante para a America re-
putar-sc-ha a 15 porcento, porque os retornos saõ mais va-
garosos e incertos; e, assim por diante, se reputara a 20
por cento o de um negociante para as índias, cujos retor-
nos ainda saõ mais arriscados ; e a 30 o do segurador de
contrabandos, cujo risco he continuo ;* o de um taberneiro
que nunca he senhor em sua casa, eque se constitue creado
do publico e dos borrachos. Pela mesma regra, o que tem
os seus almnzens cheios de peixe salgado, ou de azeites,
terá direito de exigir em compensençaõ do fétido e da por-
caria alguma cousa mais do qne aquelle que, negociando
em tecidos, naõ lida senaõ com fazendas asseadas e ele-
gantes. Entretanto, todos estes lucros se reputarão iguaes,
servindo os inconvenientes de cada profissão de contraba-
lançar a disproporçaõ.
Os contractadores em capitães distribuem-se nestes di-
versos ramos de trabalho, segundo suas ínclinaçoens, ou
gundo saõ mais ou menos aptos para vencer a repugnância
que alguns delles lhes inspiram. Mas, desde o momento
cm que esta igualdade de vantagens for destruída, porque

* Um leitor pouco attento julgará ver, talvez nos mesmos exem-


plosqueeu dou,indicação de uma proporção inteiramente differente :
porá a objecçaõ, que em um paiz rico as terras naõ rendem senaõ 3
ou 4 por cento; que de outra parte, em geral, o seguro do contraban-
do se faz á razaõ de 10 p, c,: porem naõ se lembra que o lucro deve
calcular-se em relação ao capital empregado somente. O labrador
naõ deve ganhar 6 p. c. sobre o valor da sua terra, mas somente sobre
o capital que empregara era a cultivar. O contrabandista naõ re-
cebe senaõ 10 p. c. sobre o preço das fazendas que faz entrar por
fraude; mas o seu ganho sobe a mais de 30 p. c. se se compara ás
suas despezas, e a somma que serve de garantia aos negociantes que •
empregam.
312 Literatura e Sciencias.
ura monopólio, ou algum outro favor concedido a um
delles, o torne mais lucrativo; ou, pelo contrario, que
algum imposto diminua suas vantagens ; os proprietários
de capital circulante, que naõ estaõ de forma alguma mais
pegados a um ramo de trabalho do que a outro, largam o
que acham desfavorável e pegam de algum dos outros;
ou, pelo contrario, açodem ao ramo privilegiado, até que
pela sua concurrencia de um lado, e o seu abandono do
outro, restabeleça o equilíbrio.
Os capitalistas, que querem dispensar-se absolutamente
de todos os inconvenientes annexos á circulação de suas ri-
riquezas, e que nesta idea, em vez de pretenderem o ren-
dimento por inteiro que poderiam ter, se contentam com
uma parte nos lucros daquelles a quem os emprestam, saõ
indifferentes ás vantagens e aos inconvenientes de uni ramo
de commercio particular, e regulam-se, no que haõ de pe-
dir, pelo lucro médio das emprezas mercantis : nem mes-
mo attendem á segurança do commercio que emprehende
o que pede emprestado, mas á segurança do empréstimo,
e á facilidade que teraõ de se fazer re-embolçar, quer o seu
devedor ganhe ou perca na empreza.
Todo o contracto, que se estipula entre os homens, he o
resultado de uma lucta entre os contractantes ; porque sen-
do os seus interesses oppostos, trabalha cada qual pelo seu
e contra o do seu adversário ; e as duas partes naõ concor-
dam senaõ depois de haverem dividido a differença entre
ambas, em proporção ás suas forças respectivas. Ora estas
forcas saó sempre na razaõ inversa do numero dos contrac-
tadores, e do seu desejo de contractar; o primeiro aug-
menta a concurrencia que as pessoas interessadas na mesma
cousa fazem umas ás outrus; o segundo apressa-as a con-
cluir. O interesse d'um capital, por exemplo, se deter-
mina pelo resultado de uma lucta entre duas classes de
pessoas: as que emprestam, que querem disfruetar sem
trabalho; e os que tomam emprestado, cujos fundos nao
2
Literatura e Sciencias. 313
bastam para o seu trabalho, mas que o querem fazer, e
que se acham em circurastacias de offerecer segurança suf-
ficiente pelo capital que recebem. Ora bem se vé, que,
quanto maior for o numero dos qnequerem pedir emprestado
em proporção ao dos capitalistas, e mais estes últimos pu-
derem augmentar as suas pretençoens (suppondo o desejo
de concluir igual das duas partes)se se quizer prever qual
será o valor médio do interesse em qualquer naçaõ, ou ex-
plicar as suas variações de um paiz a outro, convirá in-
dagar e determinar quaes sejam as circumstancias, que in-
fluem sobre o numero dos contractantes, e sobre o seu de-
sejo de concluir o mercado. A vista do que ellas saõ de
multiplicadas, sentir-se-ha que se naõ pode taxar o juro
em uma naçaõ, pelo thermometro único da sua prosperi-
dade.
A primeira causa que deve augmentar o numero dos
que emprestara, e por conseqüência diminuir ns suas forças,
he o augmento da riqueza movei da naçaõ: com effeito,
tanto mais esta se vai augmentando, mais razaõ ha para
crer que uma parte delia se accumulará nas maõs de al-
gumas pessoas, que naõ teraõ inclinação de fazer uso delia
para si. Toda via, outras causas poderão inflnir também
para crescer o numero, taes como o prejuizo desfavorável
que uma mudança nos costumes nacionaes pode annexar
ás profissões lucrativas; os progressos da ociosidade, da
molleza e do luxo, que mesmo quando o capital da naçaõ
naõ experimenta variação alguma, induzem cada dia um
grande numero de ricos a renunciar ao commercio e ás es-
peculações, para entrarem na classe de capitalistas, e por
conseguinte augmentarem a concurrencia que assim fazem
uns aos outros.
Por outra parte, o desejo dos capitalistas de contractar
também pode deminuir-se por differentes causas j enfra-
quecer-se-ha, por exemplo, se a religião fizer considerar
e empréstimo a juros como usurario ; se o Governo naõ
VOL. X V I I . No. 100. 2s
314 Literatura e Sciencias.
proteger os que emprestam; se o recobramento dos fundos
naõ for facilitado pela administração de uma boa e prompta
justiça; se a propriedade he mal segura; se o commercio
for exposto a freqüentes avarias, que podem arruinar ao
mesmo tempo o que empresta e o qoe recebe; e em fim,
se a má fé he commum, e se a maior parte dos devedores
inspiram pouca confiança.
Entaõ, os capitalistas, desgostados por todas estas cir-
cunstancias, custa-lhes mais a largar os seus fundos; e para
os resolver a isso será preciso assegurar-lhes maior parte
nos lucros que se poderão obter.
O numero e o desejo dos que pedem emprestado pode
também crescer por differentes causas: he bem certo qne
nem todos os que contrahem empréstimos he para pôr em
movimeuto algum trabalho produetivo, e dar actividade
à industria. Os dissipadores que pedem emprestado para
manter os seus gastos profusos; e o Governo que faz uso
do mesmo expediente para oceorrer as depezas extraordi-
nárias do Estado, fazem uns e outros concurrencia aos
que pedem para objectos de industria; e como as suas ne-
cessidades saõ ainda mais urgentes, naõ so diminuem as
suas forças pelo augmento do seu numero, mas também
pelo seu desejo de contractar ser maior.
Pelo que respeita aos que contrahem empréstimos, para
applicarem os fundos, que recebem, para a manutenção de
alguma espécie de trabalho, o seu numero e os seus desejos
saõ modificados, ja pelo caracter e prejuizos nacionaes,
que elevam ou abatem o estado daquelles que se dedicam
ao commercio e às manufacturas, comparativamente ao
dos obreiros improduetivos e ociosos; já, e muito mais,
pelos lucros que podem esperar das emprezas a que se
querem entregar; quanto mais considerável elle he, maior
se lhesfigurao mercado para que trabalham, e mais o de-
sejo de ter parte nesse lucro os torna fáceis, para se sujei-
tarem às condições e vantagens, que exigirem os capital**-
7
Literatura e Sciencias. 315
tas* porque estes últimos saõ os únicos que os podem pôr
em estado de também as obterem para si mesmos.
Em geral, pode-se muito bem considerar a diminuição
do juro como nm signal da prosperidade nacional;
seja porque indica augmento da riqueza circulante; ou
seja porque dá logar a suppôr, que o lucro mercantil tem
diminuído na mesma proporção; e que na repartição
que se faz entre o obreiro e o que o emprega, o pri-
meiro tem ganhado o que o segundo tem perdido; de
sorte que a classe mais numerosa e mais interessante da so-
ciedade naõ está reduzida ao simplez necessário, pelo lu-
cro dos capitalistas. Comtudo, também pode mui bem
acontecer que o interesse se sustente nas mesmas propor-
ções, ou mesmo que augntiente, sem que esta alteração seja
signal de uma diminuição do valor dos capitães nacionaes,
e indica somente que um mercado mais extenso, ou um
commercio mais vasto se tem aberto para a naçaÕ, que he
chamada a ter maior industria, saõ-lhe precisos mais fun-
dos para a por em acçaõ ; e que por conseguinte o luero
pode ter augmentado, sem que os salários tenham soffrido
diminuição.
O juro esteve em França por mais de um século, e
desde o tempo de Colbert até a época da revolução, a cin-
co por cento, pouco mais ou menos ; e cntretinto os capi-
tães Francezes haviam-se augmentado consideravelmente
durante este intervallo ; mas eram empregados era manter
uma industria mais vasta, e em dar actividade a um com-
mercio cada vez maior. Para que o juro dos fundos
abaixasse em França seria preciso qu<" o angnienlo da sua
riqueza fosse mais rápido doque a extençaõ dada à sua in-
dustria. Mas, quando um Estado ainda está longe de
checar ao cume, da sua prosperidade, cada dia se lhe pa-
tenteara novos ramos de industria e de commercio; e bem
que os seus capitães T.ira em augmento, as suas neces -ida-
des augmentam algumas vezes ainda mais de pressa; ou os
2 s2
316 Literatura e Sciencias.
luceros do commercio, e o juro dos fundos, seguem o pro-
gresso destes últimos. He o que acontece de um modo
bem evidente nos Estados Unidos da America, aonde o
juro e o lucro mercantil naõ tem soffrido diminuição algu-
ma, a pezar da rapidez extrema do accrescimo da ri-
queza publica.
Como acontece freqüentemente que as diversas causas
que temos enumerado, c que determinam o numero e as
necessidades dos que pedem empréstimos e dos que os
fazem, se contrapczam entre si, o resultado he pela maior
parle, que estas duas classes repartem em porções iguaes
os lucros do commercio; e tanto assim, que quando o
juro, está a 5 por cento, pode-se mui bem suppôr que
o lucro ordinário do fabricante ou do negociante he de 10
por cento. Mas algumas das causas moraes que temos in-
dicado, reunem-se em alguns paizes, em Hespanha, por
exemplo, para abaixarem muito o juro dos capitães, re-
lativamente ao lucro do commercio.
Convirá lembrar ultimamente, que o capital que gira,
assim como o que se empresta, naõ he o dinheiro amoe-
dado, mas as mercancias para o uso dos homens, fructos
do seu trabalho, trocaveis por um trabalho para fazer, e
que saõ algumas sezes, mas naõ sempre, representados pelo
numerário.
Acontece freqüentíssimas vezes no commercio, que uma
commandita,* uma entrada nos fundos, ou ura eredito, se
fazem em mercadorias, e naõ em dinheiro. Também
acontece mui freqüentemente entre os cutivadores, que
os avanço do proprietário ao labrador, se fazem em
graõs, em forragens, era gado, e em instrumentos de
laboira: o effeito, entretanto, he o mesmo. Todas

* No commercio. Contracto entre dous sócios dos quaes um for-


nece o dinheiro, e o outro tracta do negocio. Termo de Jurispru-
dência Franceza.
Miscellanea. 317
as vezes que um capital se põem em circulação, pouco
importa que o dinheiro seja ou naõ o signal; o trabalho
commeça, e a producçaõ substitue com abundância o
consumo.
[Con ti n u ar-se-ha. ]

MISCELLANEA.

EDUCAÇÃO ELEMENTAR.

N \ 6.
Disciplina das escholas. Prêmios.
xS ESTE artigo temos de observar três cousas ; os prêmios
os castigos, e a averiguação das faltas. Nas escholas mui
numerosas faz-se suraraamente difficil ao Mestre attentar por
estas cousas com a necessária exactidaõ ; e o methodo, que
sobre isto se tem adoptado nas novas escholas, tem a grande
vantagem de obviar todas as difficu Idades, facilitar o tra-
balho do mestre, e melhorar muitíssimo a condição moral
dos discípulos.
Ninguém ignora quam grande seja o estimulo da emu-
lação em todas as idades do homem ; e quanto os prêmios
de distineçaõ servem para despertar a energia do espirito,
em uma louvável competência : os prêmios pois destas es-
cholas saõ fundados nestes principios, e a experiência tem
amplamente demonstrado a sua utilidade.
A leitura e escripta dos meninos esta sujeita, como te-
mos visto, á inspecçaõ constante do subdecuriaõ da classe;
muitas vezes he examinada pelo decuriaõ geral; e o mestre
de vez em quando attende também ás classes. Segundo o
resultado desta constante inspecçaõ, saõ os meninos collo-
cados oa sua classe pelos números 1, 2, 3, &c. tirando-se
318 Miscellanea.
a precedência unicamente do seu merecimento; e os nu-
meros estaõ pintados em um pedacinho de papelão, que o
menino traz pendurado ao botaõ da vestia; e logo que
qualquer menino excede aoque lhe fica superior, dando-lhe
quináo em alguma resposta, muda o lugar com elle e
toma-lhe por conseqüência o seu numero. Assim, por ex-
emplo, se o menino N". 7, naõ pôde responder a uma
pergunta; e o menino N°. 8, respondeo a ella certo, este
toma logo o N°. 7, e dá ao que o tinha o N°. 8. O me-
nino que obtém ser N°. 1, traz, além do N°. uma tira de
couro dourado, aonde está escripta a palavra mereci-
mento ; ou merecimento em ler, merecimento em escrever,
merecimento em arithmetica; conforme for o gênero, em
que elle se houver distingnido. Esta distineçaõ honorífica
também se perde perdendo o N°. o que succede logo que
outro lhe der quináo. Os menios ordinariamente se delei-
tam com estes signaes de aprovação, e trabalham ás inve-
jas uns dos outros para os obter e conservar.
Quando os meninos acabam a liçaõ entregam os seus N°.
e marcas de distineçaõ ao decuriaõ; porem aquelles meninos
que tem além disto recebido o prêmio extraordinário de
trazer certa pintura ao pescoço, grudada n'uni papelão, tem
jus, quando a entregam ao decuriaõ, depois da liçaõ, para
receber outra pintura similhante, que fica sendo sua :
prêmio que muito satisfaz aos meninos mais novos, e he
mui ambicionada de todos.
Estas pinturas, além de servirem de prêmio, saõ também
outra fonte de instrucçaõ, pelas inscripçoens nellas escrip.
tas, contendo sentenças moraes, que os meninos se esforçam
em ler e entender ; e explicar uns aos outros. Os prêmios
de brincos, como pioens, cavallinhos, &c. naõ saõ taõ
próprios; porque satisfazem os meninos naquelle gênero até
que ficam saciados ; ao mesmo tempo que nas pinturas se
recebe grande varidade de liçoens e de divertimentos, que
podem mudar em cada premiu ; e com o mesmo custo nas
Miscellanea. 319
estampas, sempre mais baratas, do que qualquer outro
objecto que se escolha para premiar os meninos.
Algumas das estampas saõ feitas por maneira, que se
podem cortar em varias partes, e dar cada uma dellas a
differentes meninos, com igual satisfacçaõ delles ; dema-
neira que a medíocre somma de um shilling, ou 15 reis,
chega para dar cem prêmios destes.
Também se daõ prêmios unicamente de escriptos, em
pedacinhos de papel, aonde está impressa uma passagem em
verso ou prosa, historia, & c . ; prêmio mui interessante
pela applicaçaõ, que excita no menino para o ler.
A distribuição destes prêmios, nas escholas numerosas,naõ
pôde deixar de ser feita pelos decurioens; e pelo que res-
peita o lêr e contar, facilmente pôde o decuriaõ decedir
do merecimento relativo dos meninos; porque tem a regra
geral de fazer mudar para o lugar do que responde errado
oprimeio seu inferior, que lhe deo quináo. Na compara-
ção do merecimento da escripta, porém, este trabalho he
mais difficil; e por isso devem os mestres ter grande cuida-
do em escolher meninos de bom discernimento, para serem
decnrioens, e distribuírem os prêmios, na classe da es-
cripta. Nas escholas pouco numerosas poderá o mestre
fazer esta inspecçaõ da escripta de todos os discípulos ;
porém he isso impossível em grande multidão de meninos,
pelo que em taes casos o mestre se limitará á boa escolha
de decurioens, e a examinar de vez em tempos, se os de-
curioens decidem com justeza do merecimento compara-
tivo da escripta dos discípulos.
Em algumas escholas ha ainda outra sorte de prêmio,
que heem dinheiro; distribue-se este aos meninos que so-
bresáem, dando-lhes um bilhete, em que está escripto o
valor do prêmio; por exemplo 5 reis, \0 reis, &c. ; o
menino que continua por trcs ou quatro vezes, sem perder
0 seu N°. 1, da classe, recebe este bilhete ; mas se outro
lho tira pelo exceder, antes de chegar ao determinado nu-
320 Miscellanea.
mero de vezes, caso o torne o primeiro a alcançar, prin-
cipia a contar do novo as vezes, que he necessário para
obter o prêmio, que lhe he pago, apresentando o bilhete ao
mestre, com a certidão do decuriaõ. Estes prêmios os
limitam ordinariamente á classe de arithmetica.
A emulação nestas escholas naõ só se applica como esti-
mulo entre menino e menino na mesma classe, mas entre
uma classe e outra classe; no que se interessa ja a compe-
tência dos decurioens, em procurar o adiantamento de suas
respectivas classes, e exista um espirito de partido, tra-
balhando todos os meninos em sustentar a honra da dis-
tineçaõ de sua classe.
A classe mais adiantada occupa o mais honrado lugar
na eschola ; cuja honra naõ consiste em outra cousa, se-
naõ em que aquelle lugar he designado como tal; bem
como os números entre os meninos de uma classe. A classe
que excede a outra occupa o seu lugar de preferencia; e
a decisaõ tem lugar examinando a escripta de todos os me-
ninos de uma classe, com todos os meninos de outra; fa-
zendo a comparação de dous a dous ; e vendo no fim em
qual das classes houve maioridade nas preferencias.
O espirito de partido e de corporação he taõ sensível
nestes exemplos, que ordinariamente se observa ser maior
a alegria dos meninos, na elevação de sua classe sobre
outra, do que na preferencia individual, que obtém, sobre
o companheiro da mesma classe : a industria, portanto,
que este methodo excita, he proporcional ao efeito do es-
timulo; e summamente vizivel nos esforços dos decuri-
oens, em excitar cada um os meninos de sua classe, ja com
reproches aos remissos, ja com louvoures aos applicados.
Quando este concurso tem lugar, he tal o interesse dos
decurioens, que naõ cuidariaõ de outra cousa se os dei-
x assem, pelo que estes exercícios se fazem mais raras vezes;
para evitar o pôr a eschola em demasiado fermento. Or-
dinariamente os árbitros saõ tirados dos mesmos meninos
Miscellanea. 321
mais provectos em numero de doze, e presididos pelo
mestre. Os meninos escolhidos para esta funcçaõ de
juizes do facto, ou como lhe chamara nos tribunaes da
Inglaterra, para jurados, inspira aos meninos certo ar de
importância, que os move a decidir com a maior rectidaõ
que podem, e tende consideravelmente a destruir um dos
peiores vicios da educação tanto publica como particular,
que he o habito de mentir, para occultar as faltas de seus
camaradas.
Nas escholas ordinárias o mestre parece ser um ente de
ordem differente, e portanto ha entre os meninos uma
conspiração geral para o enganar; daqui vem esta dissi-
mulação taõ geral na infância, que suffoca muitas vezes as
sementes das mais elevadas virtudes. E se a principa
vantagem da educação publica he, apresentar uma ima-
gem da Sociedade, naõ pôde esta vantagem ser completa,
sem que as differentes relaçoens de superiores e inferiores,
julgados e julgadores, sejam practicadas entre os me-
ninos : pelo contrario a única differença entre mestre e
discípulos, só traz á idea obediência cega, um proceder
de escravo, ura temor do despotismo, d' onde se deve
seguir a dissimulação, a mentira, e outros vicios, que pro-
duzindo habito na infância, nem ainda a maior reflexão
da idade provecta chega a poder remediallos.
O merecimento e naõ o capricho do Mestre be o meio
da promoção ; e a authoridade dos decurioens e dos ár-
bitros, saõ os anéis da cadea, que ligam os superiores
aos inferiores, pelos lugares intermediários, a que todos
tem o direito de aspirar ; e essa consideração diminue o
pezo da authoridade, ao mesmo tempo que o desejo de
•W* a ella promovido estimula o zelo ; e a rotação dos
empregos, obtidos segundo o merecimento, e por árbitros
imparciaes, destróe a tendência aos ódios, e abhorreci-
mento do mestre ; tam geral n' outras escholas.

VOL. XVII. No. 100. 2i


322 Miscellanea.

Resposta aos folhetos de Jozé Agostinho.


[Continuada de p. 213.]
A avareza, e a má fé constituem o vosso caracter. Nao se
pode ler sem horror os crimes de que accuzaes os P . L.
implorando o Ceo, e a terra para fartardes no castigo de
homens innocentes a vossa insaciável vingança. Vejo
misturadas com mil puerilidades impertinentes as falsas
supposições de Barruel, para denegrir a gloria da Socie-
dade. Vos sois uma copia servil daquelle mercenário es-
criptor. Tudo quanto ajunctastes da vossa cabeça respira
fogo, perseguição, e crueldade. Que bella linguagem de
um Sacerdote ! E com ella pertendeis conciliar os applau-
zos dos prezentes, e dos vindouros ? Mas, para vergonha
vossa, e para subterrar um taõ audacioso intento, porei aos
vossos olhos um Imperador PagaÕ, e confrontarei as suas
grandes acçÕes com os horrores da vossa conducta. Anto-
nino, este Imperador taõ famigerado pelas suas virtudes,
hé agora o espectaculo, que eu aprezento para vossa con-
fuzaõ. A Historia, fiel relatora dos suecessos, o descreve
como o Pay da Pátria, o amigo dos homens, e o bem fei-
tor da humanidade. Dotado de um coração por extremo
bom, julgava perdido o dia, em que naõ fazia algum bene-
ficio. Aos ambiciosos, que lhe inspiravam desejos de
conquistas, respondia com brand ura natural, que apreciava
mais a vida de um Cidadão, que a morte de mil inimigos.
Reflecti agora no excesso da sua caridade. Quando o
Phylosopho J ustino, que de pouco tinha abraçado a Reli-
gião lhe aprezentou uma Apologia dos Christaõs cruel-
mente perseguidos na Azia, elle ordenou por um Edicto
publico naõ só o perdaõ dos seus suppostos crimes, mas
ainda mais um castigo severo contra os seus accusadores.
Notai agora, que elle era gerado no seio do paganismo, e
vos Ministro de um Deos summamente bom, antes Reli-
gioso no Claustro Augustiniano, aonde a oraçaõ, o silencio,
e os bons exemplos deveriam ter-vos inspirado o amor do
Miscellanea, 323
próximo, o perdaõ dos inimigos, e a beneficência para
com os vossos similhantes.
Se tendes pegado na penna para escreveres, naõ hé zelo.
Escreveis, porque sois pago, ou effectivamente, ou na es-
perança. Promessas lisongeiras de honras, e de fortuna
saõ capazes de attrahir corações baixos ao exercício de ac-
çSes indignas. Affectais amor da Religsaó, e caridade
para com o próximo, e estes motivos especiosos cobrem a
malícia mais tenebroza, e refinada. A acrimonia, e o fel,
cm que estaõ envolvidas as vossas expressões, convencem
todo o homem sensato de que saõ virtudes fingidas. A
verdadeira caridade naõ respira este hnmor raivozo, este
modo altivo, esta declamaçaÕ ardente, e fogoza, que acom-
panham sempre o vosso caracter. Nenhuma virtude sem
estar fundada no alicerse da humildade. Uma alma
cheia de Deos lamenta as desgraças do próximo, naõ
rompe em invectivas. * No original tudo hé paixaõ,
furor, e injustiça. As vossas traducçÕes apparecera tisna-
das do mesmo mal. E que naõ pôde a inveja sobre cora-
ções empestados do seu veneno !
Se pois o vosso zelo naõ hé animado pela caridade, hé
um zelo falso. Elle só serve para cobrir com artificiosa
mascara o vosso refinado ódio. Gritais contra crimes

* Quereis que a vossa collecçaõ de mentiras seja para a povo um


Sjmbolo de eternas verdades. Para as inculcar, e persuadir, tomais,
como o Camaleão, differentes cores. Ora sois um bypoerita affec-
tando virtudes *. Ora mostrando um zelo ardente em favor da Reli-
ginõ, o que so hé acrimonia impetuosa do vosso gênio, e do vosso
mal talhado coração. Umas vezes fingis derramar lagrimas pela
perda de tantas almas, que tem abraçado a infame Secta da Maçona-
ria i mas saõ lagrimas similhantes ao pranto das Carpideiras, que
nos enterros choravam por dinheiro. Ontras vezes pedis ao Ceo raios
para consumirem, a malvada caterva de homens sem Religião, e
semfidelidadeao Soberano.
2 T 2
324 Miscellanea.
suppostos. Voltai uns olhos de reflexão sobre a vossa
alma, e os achareis verdadeiros. Naõ fallo da vossa con-
ducta moral: Eu naõ sou constituído nem para a exami-
nar, nem para a julgar. Offereço em prova da minha as-
serçaõ os vossos Folhetos. As vossas malignas invecti-
vas, e mais que tudo o facinorosó desejo de ver sacrifica-
dos milhares de innocentes saõ effeitos terríveis, e abomi-
náveis de uma alma negra, e atroz.
Se me dais liberdade pergunto. Estes vossos escriptos
servem de algum bem á Religião, e ao Estado ? Venturoso
trabalho, que naõ teve outro fim, senaõ a ostentação, e a
vaidade de querer parecer um verdadeiro Christaõ, defen-
sor do Principe, e da Pátria, sendo realmente o inimigo
da humanidade, e dos seus similhantes. Obra, cuja futi-
lidade o homem de juizo reconhece, ao simples exame
de incohcrencias, de repugnancias, de falsas supposições,
e de horrores, que só podiam gerar-se num cérebro es-
quentado, e propenso á loucura. Sem duvida, quando es-
crevestes, tinheis ou na imaginação, o u á vista, uma destas
torrentes caudalosas, que tudo arrastam, destroem, e deixam
por toda a parte os espectaculos funestos do estrago, e da
ruína. NaÕ parecem differentes os vossos desejos, quando
pedis a morte de milhares de pessoas, banhando-vos ante-
cipadamente de prazer pela sua desgraça, que infeliz-
mente para o vosso coração deshumano, e feroz nunca po-
derá acontecer.
Ainda mesmo provados esses crimes horrorosos, que
imputaes á Sociedade dos P . L . , procedeis contra elles de
um modo anti-Christaõ. Naõ se ganha ja mais o pecca-
dor ou scisraatico, ou hereje a fim de rejeitar os seus erros,
e voltar á Religião, lançando sobre elle os temíveis raios
da perseguição, e do furor. Um zelo cheio de doçura, e
de beneficência hé o único hyman, com que elle pode ser
gostozamente attrahido. Esta attracçaõ tem mais império
sobre o coração humauo, que a força violenta de um rigo-
Miscellanea. 325
roso castigo.* Mas como podeis vós dar lições desta ca-
ridade, se a naõ tendes ? As vossas palavras sahem da
boca inficionadas do ódio, que está concentrado no vosso
coração. Clamaes pela Religião offendida, e vós sois
delia um escandaloso infráctor. A ley de Jezus Chisto
naõ só manda ter amor ao próximo, mas até mesmo nos
obriga pela pureza de sua moral a querer bem aos nossos
inimigos.t Os Farizeos, tendo as almas cheias de crimes,
e sendo toda a sua sciencia um montaõ de superstições,
violavam sem escrúpulo os mais sagrados Preceitos da Re-
ligião, e denegriam com calumnias a reputação dos ou-
tros. Com tudo tinham de si mesmos a orgulhosa, e falsa
persuasão de que eram em extremo virtuosos, e sanctos.
Vós sois um digno discípulo destes homens, famosos pela
sua extravagante condncta.
Vós julgais a Sociedade como um aggregado de mon-
stros, e estes de differentes naturezas. Chamais a impul-
sos da vossa caridade Christaã, á uns, Materialistas, á ou-
tros, Deistas, aquelles, Apóstatas, á estes, Atheos. Se na
Sociedade se falia em Religião, naõ me ensinareis como
se conserva ella há tantos Séculos ? Podem por ventura
unir-se os sentimentos de homens, cuja crença, e naõ
crença seria logo uma origem de ardentes disputas, de in-
sultos, e de rupturas escandalosas ? O insensato Atheo
diz, que naõ há Divindade. O Materialista, pondo-se na
classe dos animais, attesta, que tudo acaba com o corpo.
0 deista confessa que existe o Supremo Creador do Uni-
verso, e a feito nega a Revelação Divina. Ora deponde
a vossa maligna prevenção, e fallai com sinceridade.
Pode subsistir esta Sociedade, se nella há uma só palavra

Kegle genei ale : en fait de changement de religion, les invita-


tions sont plus fortes, que les peines. De PEsprit des Loix. Liv. 25,
Cap. 12.

t Math. Cap. 5, N*. 44.


326 Miscellanea.
em ponto de Religião ? Sustentando este paradoxo sois
obrigado a dizer, que o tigre, o leaõ, o urso, a onça, e
outros animaes análogos na ferocidade, podem conservar-se
no mais aprazível ajunctamento. Eisaqui, sem o presen-
llnles, o abismo, em qne vos lançou a anciã de divertir
o povo com as vossas enfeitadas calumnias.
O povo certamente naõ decide sobre os horrores, que
imputaes ã Sociedade. Elle gosta de tudo o que tem um
certo ar de novidade. Saõ os homens sábios, qoe tem fat-
iado da Sociedade com os maiores elogios; e Pessoas de
grande authoridade, representação, e caracter, que ali
tem sido admittidas, cujos votos devem preponderar ás
calumnias, com que infamais uma Instituição taõ bella, e
taõ útil. Confesso, que as Assembléas, e Associações oc-
cultas justamente saõ prohibidas. Quando se ignora, qual
seja o seu fim, hé perigozo o consentillas. Muitas vezes
se fermentam no silencio das trevas conjurações funestas
ao Estado. Mas naõ deve ser comprehendida nestes Ajune-
tamentos a benéfica Sociedade, ainda que ás vezes ooc*
turna, dos P. L.—Ouvi, e ouçaõ os qne vos applaudem,
o celebre Baraõ de Bielfeld nas suas Instlutições Políticas.
Esta ordem está espalhada por toda a terra, e subsiste de-
pois de muitos Séculos nos paizes mais polidos. Ella naS
se tem jamais ingerido nos negócios do Estado; e tem
feito sempre todo o bem á Republica, e aos Cidadãos.
Há tantos Soberanos, Pessoas de taõ alta Grandeza, tantos
Magistrados, tantos Ecclesiasticos, que saõ membros desta
Sociedade, que o Estado nada pode temeT destas Assem-
bléas, antes sim muitos sujeitos, e principalmente muitos
pobres acbaõ nella todo o soccorro, e alivio. *
[Continuar-se-ha.]

* Cet Ordre est repandn par toute Ia Terra, il subsiste depois bieo
des Siecles dans les pais les plus policéa; il me s'est jamais ingere
dans les afiaires d'Etet * il n'a jamais fatt que du bien a Ia Bepn-
Miscellanea. 327

Compromisso de um Monte-pio que em seu commum bene-


ficio, e de suas mulheres, filhos, pays e irmaãs instituem
os Professores e Mestres, assim Regios, como os parti-
culares licenciados na Corte, sob a invocação da virgem
Soberana e Immaculada da Conceição protectora des-
tes Reynos, e em especial dos estudos, e letras, que
nelles florecem: e ordenado pela mesma Corporação
para delle se servirem, debaixo dos auspícios de Sua
Alteza Real o Principe Regente Nosso Senhor. Seu
Primeiro Author Joaquim Antonio de Lemos Seixas e
Castle-Branco, Professor Regio na Corte de Lisboa.

Omnium societatum nuJla prawtantior est,


•ulla firmior, quam cum viri boni moribus
similes, sunt familiare conjuncti.
Cie. de Offic. L. 1. Cap. XVII.
Introducçaõ ao Compromisso,
fj 1. Quem, reflectindo na instabilidade das coisas uma-
nas seriamente, debilidade de nossas forças assim phisicas,
que moraes, riscos de uma vida mortal, e as conseqüências
todas, que daqui se podem deduzir, naõ teme, e treme
4 vista de um futuro duvidoso, depois de uma cangada
velhice, consumidas as forças, e tolhidos os meios de ad-
quirir a necessária subsistência ? A raznõ pois natural
mesmo nos insinua a precaver a nossa desgraça antes que
ella aconteça : e he sem dúvida esta providencia do ho-
mem a que tem dado lugar a tautos estabelicimentos de
piedade, que se observaõ na Europa civilizada ; e que o
»«á aieda hoje do presente Compromisso de um Monle-

Mqne, et á ces Citoyens ; il j a tant de Souverains, tant de Grands,


tant de Magistrats, tant d'EccIésiastiques qui sont JVlembrcs de cett«
Societé, que PEtat ne peu rien craindre de ces Assembleés, mais
qu'a ucontraire beaucoup de sujets, et surtout de pauvrçs n'ont que
dubiená en attendre. Inst. Politq. Tom. I*. de Ia Police Cap. 7.
s*l.
tf.28 Miscellanea.
Pio, que os Professores e Mestres, assim Regios, eomo os
particulares Licenciados dos Estudos, e Escolas menores
na Corte, querendo cimentar os laços em que já se unem
como Membros de uma mesma Corporação, cujos tra-
balhos se reúnem em um mesmo fim, que he a Educação,
e Instrucçaõ publica da Mocidade, e isto debaixo do mais
sólido fundamento, e base a mais firme, qual he a uniaõ
Christaã em Jesu Christo, e o amor reciproco para com
o próximo ; assim e do mesmo modo que oppôr algum re-
paro ás calamididades, que antevém, resolveram de una-
nime accordo establecer desta época em o futuro, para o
fim de soecorrerem delle aquelles de seus concorrentes,
que ou a decrepitez da idade, ou alguma outra molés-
tia tenha inhabilitado de suas funeçoes, procurando evitar,
deste modo que elle fique exposto á maior indigencia, e
mendicidade ; e por sua morte, suas mulheres e filhos de-
samparados.
\ 2. Ora para se formar um igual estabelecimento lie
necessário que todos os interessados contribuam para elle,
que haja um Cofre seguro, cm que se reservem os fuitdo»
desta Sociedade para se repartirem em tempo opportuno a
qualquer dos Compromissarios, que se ache nas circum-
«'ancias da applicaçaõ do seu soccorro : precaver as fraudes
e abusos, que o decurso, e a diuturnidade dos tempos
possa introduzir : quem fiscalize e ministre tanto a arreca-
dação, applicaçaõ, e manutenção do Cofre; como a regra
certa, constante e invariável, que deve seguir-se tanto no
geral como no particular de sua Administração, Eco-
nomia, &c. e eis o que nos propomos nos seguintes Capí-
tulos.

CAPITULO 1.—Titulo do Monte-Pio.


He este Monte-Pio privativo dos Professores c Mestre»
assim Regios, como dos particulares Licenciados dos Estu-
dos, e Escola» menores na Corte, que o instituem para si
Miscellanea. 329
e seus futuros successores : e como tal querem que seja
sempre reconhecido sem que possa jamais por motivo, ou
principio algum variar de nome, nem altera-lo com mu-
dança, on accrescentamenlo de letra: Graça esta, que em
especial supplicamos a Sua Alteza Real Real, por conser-
varmos a gloria da sua Instituição: assim como a de nos
permittir, naõ sermos jamais associados a outra qualquer
Instituição, qoe possa, ou venha no fnturo a imaginar.se,
ainda que seja debaixo do mesmo, ou equivalente plano ;
mas só sim o de existir sempre per si, e debaixo da mesma
Regra, Conducta, e o Titulo, &c. com que o temos esta-
belecido, e esperamos de confirmar.

CAPITULO II.—Das Pessoas que tem direito forçoso,


ou. gracioso para serem admittidas ao Monte-Pio.
S I. O Titulo deste Monte-Pio dá bem a conhecer, que
sóficadevolvido aos seus Instituidores, isto he, aos seus
Professores, e Mestres assim Regios, como particulares Li-
cenceados dos Estudos, e Escolas menores na Corte, nm
Direito forçoso á sua admissão a este Compromisso ; mas
porque o nosso desejo he o de ser prestavcl a todos, exten-
dendo no maior número possivel o commum beneficio deste
Monte-Pio, e muito principalmente entre Collegas a quem
a mesma Profissão, e gênero de vida parece unir de mais
perto, c naõ he justo por tantofiquemprivados desta van-
tagem todos os qne, em conseqüência de seus diversos des-
tinos, saõ obrigados a residências alheias e remotas, sejaõ
no Termo, Provincias do Reyno, e seus Senhorios conforme
«* diversos locaes, que ou o seu arbítrio, ou já era fim o
Svttema» e Plano Geral d'Educaçaõ de nossa Monarquia
lhe tem determinado ; portanto he de nossa vontade li-
vre
» e espontânea que os Professores, e Mestres assim Re-
gios, como os particulares Licenceados, sejaõ do Termo
de Lisboa, ou fôra delle de qualquer Provincia do Reyno,
Senhorios, &c. tenhaõ á sua admissão um direito em tudo,
VOL. XVII. No. 100. 2u
330 Miscellanea.
c por tudo igual ao dos próprios Instituidores, que para
isso desde agora lho outorgaõ, e cedem de uma vez para
sempre.
h 2. Que este mesmo direito se entenda a respeito de
qualquer que ten ha exercido o Magistério, ainda que de pre-
sente naõ continue seu exercicio por algum motivo; menos
ode suspensão pela Real Junta em quanto naõ provar por
documento autlienticod'ella, que naõ foi por immoralidade,
ou devassidaõ de costumes.
tj 8. E porque na classe dos Estudos e Escolas, pelo
que pertence á sua Real direcçaõ, ha infinitos empregados,
aos quaes em iguaes circunstancias ás nossas vivendo de
ordinário de precários soldos, e ordenados, julgamos que
faríamos prazer se lhes déssemos accesso a este Compro-
misso ; por tanto julgamos necessário declarar, como com
effeito declaramos, qne pelo presente § se devolve um di-
reito gracioso para poder requerer sua admissão a este
Compromisso a todos os empregados da Real Junta da Di-
rector ia Geral dos Estudos, ou sejaõ na Secretaria d'ella,
ou já era fim em qualquer de suas Commissões, Estabeli-
cimentos, Collegios, &c.
$ 4. Pelo mesmo motivo, e com muita mais razaõ, que
nestes últimos deve dar-se um em tudo igual, e mesmo
gracioso direito a todo o homem de letras publicamente
estabelecido, como saõ Advogados, Ministros, Escrivães,
Tabelliães, &c. todo e qualquer Empregado nas Reaes
Contadorias, Secretarias, Arquivos, Conselhos, &c. e que
seus Privilégios igualem aquelles dos Instituidores, ou qoe
elles Instituidores julguem nesta parte dispensar; pois que
se uns saõ aqui contemplados como necessários instru-
mentos para manutenção das mesmas Escolas, e Estudos,
os últimos só podem e devem reputar-se creaturas, e filhos
d'ellas.
Miscellanea. 331
CAPITULO 111.—Habilitação para o Monte-Pio.
Todo o que se achar nas circumstantias declaradas nos
^. 1. 2. 3. e 4. do Capitulo segundo, e pertender ser
concorrente a este Monte-Pio deverá dirigir-se por seu
requerimento ao Provedor da Meza da Administração do
Cofre do Monte-Pio dos Professores, e Mestres sejaõ Re-
gio», ou particulares Licenceados na Corte, para ser ad-
mittido, devendo outro sim declarar sua Profissão, Em-
prego público, Residência, e Idade, ajuntando os que
ficaõ comprehendidos nos h\ 1. e 2. o seu Titulo taõ so-
mente, e os outros além deste, por onde provem e conste a
Ugitimidade do allegado em seus ditos requerimentos, nma
Certidão do corrente, e outra do Parrocho.—de vita et
moribus.—da mesma sorte qne aos primeiros se requer
quando se bablitaõ para o Magistério, e na conformi-
dade do Edital de convocação de Oppositores ás Cadeiras
vagas pela Real Junta da Directoria Geral dos Estudos,
datado de 31 de Janeiro, do anno de 1800. E sendo de-
feridos, em o primeiro dia de conferência se apresentarão
nella para Matricular-se pagando a Jóia, que se lbe ar-
bitrar na conformidade deste Compromisso, e a qual se
carregará ao Thesoureiro do Cofre, e pagando-se-lhe o
Titulo conveniente, e do estilo a todos os Compromissarios,
para que a todo o tempo conste o direito, que ao mesmo
Cofre tem, e seu beneficio.
CAPITULO IV.—Da Jóia.
%. 1. Todo o compromissario no acto da Matricula
será obrigado a pagar uma jóia a arbítrio da Víeza da Ad-
minibtraçao do Cofre do Monte-Pio, regulando-se sem-
pre esta pela differença das idades em tantos concorrentes,
e qualidades de seus prestimos.
S 2. Mas esta regra de conducta só terá lugar três
mezes depois do estabelecimento deste Monte-Pio, contados
2 u 2
332 Miscellanea.
desde o dia da sua publicação em diante, depois de obtida
a approvaçaõ, e Authorisaçaõ de Sua Alteza Real: sendo
agora uma mesma Jóia igualmente para todos: medida
que pareceo conveniente guardar-se naõ só por equidade,
e justiça; mas ainda pela utilidade, que delia deve re-
sultar ao Monte-Pio, facilitando os meios de maior concor-
rência a elle em seus primeiros fundamentos.
§. 3. N o futuro mesmo deverá haver summo cuidado a
este respeito; pois além de muitas judiciosas reflexões,
que deixamos a fazer sobre este ponto á Meza da Admi-
nistração do Cofre do Monte-Pio, eque seria impossível
precaver na providencia humana, assim como he limitada,
todavia advertiremos que pelo que toca aos Concorrentes
providos em Cadeiras de Concurso, como he necessário,
que ellas vaguem para dar-se o caso do seu provimento,
parece que já mais poderia arguir-se a um tal de omissão,
pelo respeito á idade, ainda que nella se mostre adiantado;
antes que em seu favor pôde bem suppor-se que se mais
cedo a obtivesse, mais cedo teria concorrido : naõ poden-
do nunca attribuir-se-lhe a culpa aquillo que só o hedesua
pouca ventura. Mas se um tal fosse já particular Liceu-
ceado, entaõ naõ mereceria a indulgência que lhe conce-
demos, e que deve ser igualmente applicavel a outro qual-
quer Concorrente provado o propinquo estabelecimento.
§4. Da proporção destas medidas, pelo que toca ao arbítrio
da Jóia, naõ se julgue pois que nossa intenção he a de sobre-
carregar os Concorrentes a este Monte-Pió, sendo so sim o
de regular-nos precavendo do modo possivel no futuro to-
do o dolo, ou malícia da parte daquelle, que podendo ter
contribuído á muito tempo, para o accrescimo, e aug-
mento do Cofre, de propósito o naõ tem feito por sórdida
avareza, ou uma mal entendida economia, podendo-se pre-
sumir de ura tal ainda entaõ, quando o faz, que naõ he
fundado em alguma razaõ da caridade Christãa, ou amor
do próximo; mas só sim na intenção de disfructa-lo, por-
Miscellanea. 333
que a um similhante pôde bem apropriar-se-lhe aquelle
Texto de S. Paulo.—Siquis non vult operari, nec mandu-
ceí—Se algum naõ quer trabalhar, naõ coma : (11. Thes-
sal. 10) e escusa de vir defraudar o patrimônio de pobres,
que se o tem adquirido he á força de operar para elle.

CAPITULO V.—Das Contribuições dos Compromissarios.


§ 1. Todo o Compromissario fica responsável um mez
contado depois do dia de sua Matricula em diante, e to-
dos os mais que se seguirem conforme o seu computo ás
prestações mensaes para o Cofre do Monte-Pio, que será
obrigado a satisfazer ao Thesoureiro delle no primeiro dia
de Meza, ou conferência depois do seu vencimento, co-
brando um recibo geral, que sirva a todo o tempo de
clareza para a sua descarga.
% 2. Como pode sueceder porém que algum, por
qualquer incidente, seja impossibilitado de cumprir a esta
satisfacçaõ, c que a falta seja por isso involuntária, con-
cede-se um prazo de três mezes de espera a um tal, findo
o qual no caso de nao ter satisfeito ainda ou por si, ou
por seu bastante Procurador, ou ao Continuo, a quem na
forma deste Compromisso authorizamos para fazer simi-
lhantes cobranças ; será elle notificado por Aviso expe-
dido pelo Secretario da Meza da Administração do Cofre
deste Monte-Pio, para o fim de apresentando-se em Meza
dar na primeira conferência conta dos motivos, que lhe
assistem para a falta do prompto pagamento de suas Con-
tribuçoens mensaes : os quaes se forem todavia justos, a
Meza deverá deferir a elles ; mas se pelo contrario ou se
provar revelia, porque nesse caso será entaõ banido para
sempre desta Sociedade, e perderá a Jóia, e Entradas, que
tiver no Cofre em beneficio do Monte-Pio. Advertindo-
» porém, que qualquer que seja o motivo, que possa dar
causa à Meza da Administração do Cofre para a expulsão
de um dos Concorrentes a elle, todavia elle naõ poderá
nunca proceder desta maneira abitraria, mas só definitiva-
334 Miscellanea.

mente por resolução tomada em Meza á pluralidade de vo-


tos, de que se lavrará o competente Termo, e nunca sem
que primeiramente seja ouvida a Parte interessada, ou se
prove nella revelia.
[Continuar-se-ha.]

FRANÇA.
Processo do Abbade Vinson.
Paris, 4 de Septembro. Ainda que o processo do Ab-
bade Vinson, author da Concordai expliqueê au Roí,
teve lugar hontem, como cousa de Policia Correctional, e a
portas fechadas, com tudo ajunctou-se muita gente para
ouvir a decisaõ, sabendo que a sentença por força havia
de ser publica.
Mr. Emery, o Advogado d'El Rey requereo, que se
supprimisse a obra, e que se declarasse seu author cul-
pado de instigaçoens sediciosas, contra a ley de 1815.
Mr. Roussaible, Advogado, fallou a favor do Abbade
Vinson.
A s 5 horas a Corte pronunciou a sentença, que,em sum-
ma, he a seguinte :—
Considerando ; 1*. Que o Sieur Abbade Vinson, he, se-
gundo a sua mesma confissão, author da publicação de que
se tracta :
2°. Que em todo o decurso daquella obra o Abbade
Vinson, desattendendo o artigo 9 da Carta, e o artigo 13 da
Concordata, tem characterizado de pilhagem, e roubo ma-
nifesto a venda dos domains nacionaes ; e os seus compra,
dores e possuidores, ainda mesmo os do presente dia, la-
droens sacrilegos : que elle tem trabalhado por assustar
as consciências dos dictos possuidores, ameaçando-os com
a vingança do Ceo ; e mantendo que o Papa e os Bis-'
pos naõ podiam legalizar a confiscaçaõ dos bens da
Igreja. 1
Considerando, que, em outra passagem, elle censur;
Miscellanea. 335
severamente o procedimento do nosso Sancto Padre o
Papa, e o Corpo da igreja Gallicaua, que elle designa
debaixo do nome de Concordataire, e denomina scisma-
tica; qac, obrando assim, o Abbade Vinson, quaesquer
que tenham sido as suas intençoens, tem instigado o povo
Francez a violar a ley do Reyno, mantida, ao menos pro-
visionalmente, pela charta, etem faltado ao respeito a El
Rey, e tem até fomentado a desobedencia á sua authori-
dade:
Portanto, o tribunal supprime a obra, sentencea o Sieur
Abbade Vinson a três mezes de prizaõ ; podendo o Procu-
rador d'El Rey fazer a este respeito, um arranjo com os
superiores ecclesiasticos do Abbade Vinson ; e outro sim
o condemna em 50 francos de muleta, e a continuar por
dous annos debaixo da superintendência da Alta Policia ;
e fixa a somma da sua fiança em 300 francos ; e ordena
outrosim que pague as custas.

Carta do Duque de Otranto ao Duque de Wellington.


(Continuada de p. 239.)
Rogo aos que me aceusam por ter assignado a ordena-
ção de 24 de Julho, que se supponham naquelle periodo.
Se mefossepossivel riscar alguns dos nomes, que nella se
incluem, inserindo o meu no seu lugar, eu naõ teria hesi-
tado um momento. Porém julguemos sem prejuizo a si-
tuação das cousas.
Todos os espíritos se achavam de antemão penetrados da
idea de que o throno tinha sido derribado, em conseqüên-
cia de uma extensa conspiração ; que grande numero de
pessoas estava involvido na intriga, que tornou a pôr Na-
poleaõsobre o throno ; que a maioridade entretinha contra
o Governo certa aversão, cuja desenvoluçaõ poderia al-
gum dia perturbar a Europa.
Eu tenho combatido este erro com todas as minhas forças,
ede lodosos modos possíveis ; elle éra, porém, tam ge-
ral, etinharaizes tam profundas, que os mesmos, que érara
336 Miscellanea.
mais intressados em dissipállos guardavam o silencio
Processos solemnes tem justificado as minhas palavras, e
os meus escriptos.
O numero das pessoas affeiçuadas a Napoleaõ naõ éra
mui grande. O povo desejava nova ordem de cousas;
porém temia o seu despotismo; e a fim de empregar a
opinião publica foi obrigado a annunciar, que a Inglaterra
e a Áustria o supportávam : as suas proclamaçoens fizeram
crer ao povo, que elle voltava ainda maior homem, com
os fructos da reflexão durante o seu extermínio; que estava
curado de sua ambição, depois de ter experimentado
todas as suas inesperadas e terríveis desgraças, que
contra elle haviam trazido os accasos, e os acontecimentos
da guerra.
Os Francezes mudam-se com extraordinária facilidade,
e depressa adq u^rem confiança: elles creram que Napoleaõ
começava agora nova vida, e novo reynado, depois de
ter, durante um anno, ouvido na ilha de Elba, como
n'um túmulo, tudo quanto a verdade assim como o ódio
disse na Europa de seu primeiro reynado e de sua pri-
meira vida.
A idea de uma conspiração tinha-se espalhado por to-
dos aquelles, que desejavam as proscripçoens. A minha
demissão, antes que eu tivesse provado a falsidade e per-
versidade disto, teria feito milhares de victimas. Eu
tomei a resolução de assignar a ordenação de 24 de Julho,
a fim de reprimir a reacçaõ e de diminuir o numero da-
quelles que ella desejava sacrificar. Se eu me tivesse reti-
rado, ter-nie-hiaõ imputado todos os males, que preveni,
deixando-me ficar no meu posto.
Era ordem a apreciar cabalmente o meu comporta-
mento, observe-se, naõ que as paixoens adquiriram a
ascendência, mas que lugar me assignâram essas pai-
xoens, qual hc a primeira victima que ellas marcaram.
Leam-se outra vez os meus relatórios a El Rey ; (elles
Miscellanea. 337
tem sido mutilados ; e os publicarei genuínos, eu sçm al-
teraçoens) procurem-se nelles as causas do excessivo ódio
de que eu sou objecto. A naçaõ os tem entendido. En-
trarei em algumas particularidades, a fim de responder aos
que tem achado, que os meus relatórios a El Rey naõ eram
assas respeituosos, e que a minha administração naõ éra
vantajosa no seu serviço.
Menos me importa que me accusem de ter dicto a
El Rey cousas serias e ainda mesmo árduas, do que de lbe
ter dado consolaçoens mal fundadas e vaãs, ou incertas
esperanças, i Quam dignos de compaixão saõ os Prín-
cipes ? Os seus palácios retumbara com alegrias, e o povo
o diz e deseja para todos, excepto para elles.
Como éra do meu dever descubrir, sem algum paliativo,
a intenção do Estado, éra necessário que, antes de ne-
nhuma outra cousa chamasse a attençaõ do Rey para os
males mais próximos, e para os perigos que cercavam o
seu poder. O throno estava abalado pelos alicerces; e éra
altamente importante naõ errar, a respeito das cousas. se-
cretas e profundas, que eram somente as que conduziam
a taes acontecimentos ; e podiam ainda preparar outros si-
milhantes, se naõ fossem conhecidas.
Expliquei portanto a S. M. todas as difficuldades, que
se oppunham ao firme estabelicimento de sua authoridade.
O maior interesse de qualquer naçaõ hc, que o seu Go-
verno seja immutavel; porque os laços que unem as
partes do corpo social (obra de séculos) apenas podem
tornar a ganhar a sua solidez original, quando uma revo-
lução tem tido tempo de os dissolver. He também quasi
sem exemplo, que uma Monarchia, interrompida na sua
duração, se possa tornar a restabelecer ; ao menos he im-
possível, depois de uma interrupção de vinte e cinco an-
nos, edificalla de novo como d'antes éra, particularmente
em uma naçaÕ, cujas ideas saõ sugeitas a tam rápidos
movimentos. Acha-se entaõ apenas uma pequen parte
VOL. XVII. N o . 100. 2 x
338 Miscellanea.
dos elementos de seu antigo poder: seus principios, leys,
interesses, ja naõ saõ os mesmos, elles se tem unido com o
decurso do tempo e progressos dos conhecimentos.
Entre os obstáculos tenho distinguido aquelles, que se
originam do nosso actual estado de guerra, e os que pro-
cedem das nossas infelizes dissençoens domesticas. A
exposição dos primeiros apresentava as maiores difficul-
dades. Eu naõ temia apresentar ante os Soberanos Allia-
dos verdades úteis, e dirigir a sua attençaõ á representa-
ção de nossas desgraças. As tropas estrangeiras, que in-
undaram a França, pareciam dar occasiaõ a duas ob-
servaçoens oppostas : por uma parte ellas preenchiam os
nossos desejos trazendo-nos a paz ; e, neste pouto ds
vista, ellas tinham tanto direito á nossa gratidão como á
nossa confiança. Por outra parte os excessos de alguns
corpos acarretavam sobre nós todas as misérias, que po-
dem cair sobre uma naçaõ. A volta d'El Rey, por cir-
cumstancias, que lhe eram inteiramente extranhas, viria a
ser a mais infeliz era da nossa historia ; e o mesmo throno
seria como derribado por uma maõ, quando a outra o
tinha levantado.
Taõ sérias consideraçoens me tinham obrigado a repre-
sentar a El Rey, as conseqüências tam fataes ao respeito
que a naçaõ lbe devia ter, e que se seguiriam deste ines-
perado systema de gradual occupaçaõ de nossas provincias,
quando naõ se lhe fazia opposiçaõ alguma; e daquellas
medidas violentas continuadas em uma guerra, que prin-
cipiara generosamente para tam elevado objecto. O amor
de um povo para com seu Governo, sempre soffre pelas
desgraças do paiz.
Requeria-se alguma coragem para fazer estas verdades
conhecidas: ellas produziram um saudável e prompto
melhoramento na nossa condição. Os meus serviços a este
respeito nem ao menos fôram mencionados; naõ se tinham
exigido serviços deste gênero.
Miscellanea. 339
Até para o interesse das Potências Alliados foi do meu
dever fazer-lhes a mesma pintura. Quanto o character
Francez possue de energia, particularmente em ele-
mentos para uma respentina explosão de soa força, naõ
lhes éra suficientemente conhecido ; e a este respeito te-
riam ellas razaõ de se queixar doroeusilencio.
£u tinha de fallar a Soberanos generosos e de altos es-
píritos ; eu podia aventurar-me a observar-lhes, qoe, na
nossa idade illuminada, a victoria naô basta para justificar
todos os abusos do poder. Ninguém faz mal a si ex-
presando sentimentos nobres e elevados, perante grandes
Príncipes; muitos tem sido egregiamente enganados, pen-
sando entregar-me ao ódio das naçoens estrangeiras ; a
minha linguagem foi julgada conforme os deveres, que
me incumbiam.
Em outro relatório sobre a situação da França, em
que a considerei relativamente á sua desunião politica,
tive de escolher entre duas cousas, que naõ se podiam de
fotma alguma conciliar: ou supprimir a verdade, ou
dizêlla inteiramente. Eu naõ hesitei; perigava o bem do
Principe, a quem eu servia ; eu tinha simplemente de con-
sultar o meu dever, pintei os differentes partidos como
elles eram ; mostrei a sua fraqueza ; fiz patentes as suas
vistas, e submissão que delles se devia esperar, e as con-
cessoens que elles esperavam. Representei as duas grandes
facçoens, que nos perturbam, e cujo conflicto traria o
Estado ao maior perigo. Se assim se engana aos grandes
da terra, he preciso confessar, que he ura novo modo de
enganar. Eu naõ tenho descuberto a El Rey os nomes dos
Bealistas, que se declararam contra a sua authoridade, e
n
egociaram com Napoleaõ. Eu naõ desejei levantar a
cortina • aquelles, cuja honra foi salva, poderão voltar á
virtude.
Havia somente dous meios de servir a El Rey ; aug-
2K2
340 Miscellanea.
mentar o seu poder phisico ou o moral. O poder phisico
he algumas vezes necessário, para supprimir as desordens;
mas naõ he sufficiente para estabelecer uma ordem du-
rável de cousas.' Veremos se a este respeito eu fiz tudo
quanto estava em meu poder. Na minha Memória repe-
tirei ainda algumas observaçoens, que fiz, sobre o Exer-
cito, a Guarda Nacional, as Câmaras, Opinaõ Publica, &c,
Devo confessar, que a Administração, a que eu perten-
cia, possuía juizo, amor do que éra bom, grande habilidade
para os negócios ; porém os novos trabalhos sobre o pas-
sado lhes fez esquecer demasiado os perigos do futuro :
vários de nossos actos careciam de precaução ; faltava-nos
energia, uniaõ contra nossos opponentes, e uma idea com-
mum em nossos trabalhos. Queixavam-se da pouca ener-
gia da Policia ; porque se naõ dirigia unicamente contra
aquelles, que se desejava ver arruinados. Com tudo man-
tinha-se cm respeito toda a espécie de má disposição :
nada ficava sem castigo: o exercito estava inquieto mas
obedecia : nos trabalhávamos por trazer todos os partidos
á submissão, ao sacrifício de suas ideas exaggeradas, á
ordem. Naõ bastava moderar as paixoens no Sul do Rey-
no : ellas deviam estar encadeadas. Eu repeti aos magis-
trados daquellas partes o que a consciência do gênero hu-
mano nos diz tantas vezes, que naõ ba senaõ uma van-
tagem, de que naõ precisamos separar-nos: a Justiça.
Eu disse a El Rey, que, no meio das reacçoens, naõ havia
tranqüilidade publica, nem throno, nem naçaõ.
Se a multidão receber o exemplo da violência daquelles
que lhe devem dar o exemplo de moderação, deve esperar-
se, que ella derribará todas as barreiras entre ella e os
crimes. Quando a licenciosidade e a servidão tem alter-
nativamente inflamado as paixoens de um povo, ha mui
poucos homens, que altendam á vóz da razaõ. i Que im-
porta aquelles, que voluntariamente deixam ao furor e
Miscellanea. 341
raiva governar em vez das leys, que se arisque a indepen-
dência do seu paiz, e que estremeça o throno? i Que
lhos importa o lucto das familias, as execraçoens publicas,
com tanto qne elles possam satisfazer ás suas vinganças ?
Parece que ha dias, em que a lembrança do passado, o
aperto do presente, e a esperança ou temor do futuro pro.
duzem nas cabeças dos homens toda a sorte de desordens e
loucura, i Que scena naõ apresenta a França aos olhos
da Europa ? Quando as prisoens estaõ cheia?», quando el-
las se tem acerescentado, poderá esta severidade dar á au-
thoridade d'El Rey tam durável solidez como ella teria se
a França se tivesse tranquillizado por ideas de segurança
e brandura ? i Que se fará, quando os homens fallarem
uns com os outros, o que he sempre o caso depois da op-
pressaõ ? Se uma parte do povo tem sido dsencaminhada,
impedillo-ha a perseguição e a desgraça a que naô tome
parte em nova rebelião ? Todas as cousas humanas tem seus
limites; a paciência he susceptível somente de certo gráo
de submissão. Um povo naõ pôde permanecer socegado,
quando lhe põem constantemente diante a idea de nm fu-
turo, que o drshonra ou o ameaça. Até o seu descanço,
caso se pudesse manter, seria somente um estado de con-
strangimento.
Eu fui encarregado de vigiar pelo apoio do throno, e
segurança do Estado. NaÕ se deve crer que estes deveres,
depois de tam grandes mudanças no nosso espirito publico,
nas nossas instituiçoens, e nas nossas maneiras, se podiam
preencher pelos mesmos meios. Tudo se tem mudado
durante os progressos da civilização. Tem feito um feliz
progresso ; porém também nos tem levado a novos desvios.
Naõ se acha ja a mesma submissão; nada está no mesmo
wtado. Trabalhos de novo gênero tem sido produzidos
Pelo conflicto antes desconhecido das opinioens políticas:
e em quanto a segurança do Estado e a tranquillidade
publica estaõ expostas a mais perigos, a suppressaõ delles
6
342 Miscellanea.
tem perdido em celeridade e mesmo em vigor, pelas ga-
rantias concedidas á liberdade do individuo. Ja se naõ
pode governar o gênero humano da mesma forma. Os
meios de ganhar influencia sobre o povo, os maiores resul-
tados a que um Governo pôde chegar, tem soffrido em
igual gráo. A Religião e a moral naõ saõ senaõ um fraco
auxilio das leys : a opinião publica, ingrediente inteira-
mente novo na ordem social, tem adquirido tanta conside-
ração e poder, que se tem feito a rival do Governo. A
obediência, que tem agora os seus direitos, se exerce no
maior gráo para defender esses direitos. Pode-se castigar
a opposiçaõ, porém mostra-se mais abilidade em a con-
quistar. O poder pode fazer com que as ordens sejam
executadas : porém a linguagem da violência possue mui
pouca consideração, se naõ he supportada pela persuasão,
e fundada na razaõ. A fim de ser ouvido pelos diferentes
partidos he necessário entrar nestas paixoens, fallar a cada
um na sua linguagem. J a naõ ha uma eloqüência uni-
versal.
No meio de tantas difficuldades a Policia ha mister de
novos meios e acoroçoamento. Ainda que em geral a sua
esphera de acçaó he extensa, havia pontos cm que a fize-
mos desnecessária. -t De que serve ao Governo Real
aquella inquieta e mesquinha pesquiza das relaçoens do-
mesticas, expressoens inconsideradas, e até os contos, que
nenhuma ley pode castigar ?
Nos nossos dias ja se naõ tracta de buscar a dissatisfac-
çaõ de indivíduos, nem mesmo de expressoens atrevidas.
Ha mais tolerância nas nossas maneiras do que havia anti-
gamente. A liberdade publica pode dizer-se que veio a
ser nova consciência, a que se naõ pôde fazer violência;
serve como de antemural á liberdade das opinioens. Porém
deve observar-se o soffrimento, a intriga, e a força. A es-
pionagem naõ deve violar o azylo do cidadão; mas seja
qual for a elevação de sociedade civil, que o plano de algum
Miscellanea. 343
crime tenha originado; basta os operários, que saõ neces*
«arios em sua execução, para o descubrirem, c estes naõ se
podem achar naquella elevação.
Naturalmente se queixam todos da violação dos segredos
da conrespondencia particular. Esta medida de policia
be odiosa, e inútil quando he sabida. Eu a tenho con-
stantemente regeitado. Foi inventada por cabeças fracas,
que naõ conheciam a extençaõ dos meios, que tinham á sua
disposição.
I Com que indagaçoens pois se occupava a Policia ?
Com buscar os criminosos e malfeitores, que a ley designa.
I Que resultados lbe fazem honra ? Quando concorda
com as primeiras causas, que de dia em dia augmentam os
progressos da immoralidade, sa descobre os mais inconsi-
deraveis movimentos, que ameaçam a desordem publica ;
•e alcança o informar-se das necessidades do povo, do ob-
jecto de suas inquietaçoens, dos motivos de seus temores,
das queixas secretas e dos descontentamentos, que mostram
que a sua fidelidade está abalada-; mas particularmente
daquellas terríveis expressoens de miséria e desesperaçaõ,
que hetaÕ terrível nos indivíduos como na massa do povo,
e conduz rapidamente os homens fracos ao crime, e as na-
çoens conrompidas á rebelliaõ.
A Policia he um officio magisterial politico, que, além
de suas funcçoens particulares, deve trabalhar por medidas
irregulares, mas justas, legaes e benéficas, em augmentar a
fortaleza e recursos do Governo. A publicidade dos pro-
cedimentos do poder governante limita naturalmente a
«ua efficacia. Emprega-se muito em grandes objectos ;
outros perdem-se na multidão, e lhe escapam.
Na ordem da sociedade nem tudo he externo, nem tudo
he visível. No meio deste mundo publico, ha para assim
dizer um mundo oceulto. O poder ordinário do Governo
naõ penetra ali, o resultado fica muito alem de suas
vias.
344 Miscellanea.
Os partidos porém naõ tem tal policia. Elles precisam
communicaçoens de delaçoens confidenciaes, descripçoens
de pessoas, intrigas, e grande numero de bagatellas incon-
sideravcis, a que dam grande importância.
As propricdadadcs de todos os officiaes de policia saõ
apenas sufficientes para os complexos movimentos de uma
macbiha, que pôde servir de submergir na ruína homens
honrados e respeitáveis, mas que naõ serve de cousa al-
guma ao Estado.
^ j A que tendeo a importância que se deo á fugida de La-
valette ? Esta fugida claramente provou, que o Governo
naõ pôde ter olhos nem ouvidos, e pôz o sacrifício heróico
de uma mulher moça, n'um ponto de vista ainda mais
elaro.
Digam o que quizerem, o povo toma a sensibilidade por
magnanimidade e generosidade. A desgraça he objecto
que enternece. He bem verdade, que todo o Governo tem
direito de perseguir o seu inimigo -t mas aonde está a neces-
sidade de fazer ruido, quando se naõ podia guardar se-
guro, nem apanhállo depois de ter fugido? A execução
deste direito naô he taõ pura como he legal; e nas opi-
nioens, o poder nem sempre leva cora sigo a opinião.
Admirável effeito do poder da moralidade : os tempos
futuros se occuparaõ com as circumstancias em que M.
Lavalette foi arrancado à morte ; e todos os esforços da
authoridade naõ poderão alcançar o deshonrar aquelles,
que o cercaram, na sua nobre e efficaz compaixão. Quem
naõ for inexorável e inhumano naõ recusará a sua appro-
vaçaõ ao resultado de sua coragem ; elles fôram criminosos
ante a ley, mas cumpriram - com um voto da humanidade.
Muitas vezes se me tem feito cargo de naõ ter informado
a El Rey do que os Cortezaõs, os Ministros, os Ministros
Estrangeiros, faziam diariamente; do que se passava no
interior das familias, &c.
Esta he a policia de um cortezaõ, que deseja agradar;
Miscellanea. 345
ou de um agente subordinado, que he obrigado a recorrer
a taes meios, para se fazer de conseqüência—nao he a
minha.
A tranquillidade dos Estados naõ depende de cousas, que
affectam somente as classes superiores da sociedade, ou a
natureza das disposiçoens, que ali se observam.
A ambição dos grandes naõ tem influencia politica, a
menos que naõ seja unida com algum interesse popular.
As suas intrigas, as suas conspiraçoens, saõ impotentes e in-
fructiferas, a menos que naõ sejam favorecidas pela activa
co-operaçaõ da multidão.
Nenhnraa opposiçaõ nos conselhos públicos, nenhuns
partidos secretos saõ para temer, quando o Monarcha tem
de sua parte a affeiçaõ e força do povo.
O descanço do Estado depende do estado intellectual
das classes trabalhadoras, de que consiste o povo, e que
formam a baze do edificio politico. Este estado deve ser,
se me posso explicar assim, o único objecto dos cuidados e
da vigilância de uma boa policia.
A multidão estará sempre socegada, quando se attender
aberta e honradamente aos seus interesses : quando se re-
mover tudo que possa enfraquecer a sua confiança-, offender
inutilmente os seus prejuizos, conromper o seu modo de
pensar e obrar, e desencaminhar a sua ignorância e credu-
lidade.
Porque se desprezaram estes principios, porque uma
policia obsequiosa e insensata observava quasi exclusiva-
mente os passos dos grandes, em vez de attender ao povo,
aconteceo que, no meio da prosperidade, opulencia, e paz
naõ pôde supprimir as primeiras efervecencias da Revolu-
ção, cujos materiaes, comtudo, tinham estado augmentando
e amadurecendo pelo espaço de quarenta annos, sem serem
observados, ou ao menos, sem que se lhe oppuzesse algum
obstáculo.
VOL. XVII. No. 100. 2 Y
346 Miscellanea.
Naõ temos fatiado da pessoa do Monarcha elle deve
ser objecto de uma observação particular. A minha dou-
trina naõ podia convir aquelles, que desejavam fazer da
Policia, naõ uma repartição de magistratura, que envolvia
debaixo de urna protecçaõ commum todos os partidos que
se tinham formado na revolução ; e todos que tinham
contendido contra ella; mas uma inquisição, que re-
movesse as suas denuncias secretas—o meu systema éra
extremamente degostoso para aquelles, que queriam in-
famar o passado, a fim de o perseguir e castigar arbitra-
riamente e por oífensas perdoadas. As liçoens da historia
estaõ perdidas, ellas porém deveriam ser lembradas; nem
tudo vai bem com um comportamento hypocrita ; ganha-
se a confiança dos homens somente com a rectidaõ ; ella
he tam necessária para o exercicio dos direitos como para
o preenchimento dos deveres. Mas ,* de que serve exa-
minar o passado, se delle naõ tiramos instrucçaõ para o
presente, se observamos nelle somente as faltas dos outros,
e nunca as nossas : façamo-nos mais prudentes e maiores,
se pudemos fazéllo. Meninos velhos ! hoje calcamos aos
pés o que hontem admirávamos. e* Quando vireis por fim
a ser racionaveis, quando aprendereis a observar e a jul-
gar ? Alguns daquelles, que faliam agora com desprezo
de tudo quanto se tem passado nos trinta ou vinte e cinco
annos passados, fôram actores bem subordinados, e actores
desconhecidos na verdade, na maior parte das scenas das
nossas revoluçoens. Com o auxilio de sua obscuridade,
elles confessariam ou negariam as suas partes, segundo as
circumstancias perraittissem ; porém elles representaram
ura papel assim como os outros ; apparecêram sobre o
theatro ; a mesma consideração que elles gozara nos
seus communs, por mais inconsideravel que seja, devem-
na aos lugares, que occupàram debaixo de Napoleaõ.
Muitos tem feito bem : naõ temam de o confessar: o bem
Miscellanea. 347
sempre adorna a vida, em qualquer periodo, que elle se
tenha feito. Era vez de lutar, e desejar apparecer como
se o negassem, elles devem confessar com todo o mundo,
que as tempestades políticas, assim como as da natureza,
naõ produzem mal somente. He uma extravagante tenta-
tiva procurar obscurecer tudo quanto se tem feito, que he
grande ou útil nas nossas Revoluçoens. Ninguém se pôde
enganar a respeito do que se passou nestes 25 annos. O
mundo está cheio disso.
Se o povo foi subjugado por Napoleaõ, mostram mui
pouco juizo os que procuram menoscabállo : quanto mais
o abatem mais se abaixam a si mesmos. O viajante ri-se
com compaixão, quando vê a grande despeza, que se tem
feito para destruir as águias nos monumentos, que elle re-
novou ou creou; como se a memória das acçoens fosse
destruída junctamente com as águias!
Seria mais racionavel explicar e justificar o tributo de
admiração, que se lhe prestava.
No principio do Governo de Napoleaõ tudo era mila-
gre, a sua gloria tinha enchido todas as naçoens, os mais
elevados assim como os mais baixos ; elle naõ somente
possuía o gênio das batalhas, elle possuía ademais uma
sciencia que he mais útil do que a fortaleza nos combates
—elle sabia o modo de a empregar. A sua providencia
parecia fazêllo senhor dos acontecimentos—previam-se os
obstáculos, tudo parecia calculado d'ante maõ para os
vencer. Os tractados eram concluídos tam rapidamente
como se ganhavam as batalhas. -t Em que tempo brilhou
a França, com maior esplendor ? : Quando possuio ella
mais poder, do que quando os Soberanos reconheceram
Napoleaõ—quando todas as solemnidades da Religião o
consagraram sobre o throno ?
No interior, parecia esquecer-se todo o resquício de dis-
córdia e desunião ! Parecia terem-se reconciliado tam vá-
rios e tam complicados interesses ; todos os partidos vi-
2Y 2
348 Miscellanea.
viam junetos pacificamente. As diversas persuasoens re-
ligiosas dividiam entre si os templos e os altares, umas
cora outras i Quem entaõ naõ procurava ter o favor de ser
olhado por Bonaparte ? Aquelles que entaõ se abaixavam
ante elle até o pó da terra, saõ os que menos o confessam.
No exterior, Napoleaõ tinha acabado a guerra nas pri-
meiras batalhas; todos os Soberanos desejavam viver em
paz com elle. No caso de hostilidades, o amor da gloria
teria unido toda a mocidade Franceza debaixo de seus es-
tandartes e louros : porque a mocidade tinha aprendido a
considerar o heroísmo como uma necessidade e um prazer.
A sorte de Napoleaõ éra assas rica em factos notáveis
para admiração, a gente, que era mais capaz de admirar
do que de julgar, cria de a causa disto existia além da
terra. O seu império tomou a apparencia de duração, e
quasi as propriedades daquelle character sagrado, que o
tempo imprime nas obras, sobre que passa a sua rápida
carreira. Todo o seu poder, que parecia eterno, se tinha
destruído a si mesmo, no excesso de sua ambição, a espe-
rança e o temor de o ver reviver o seguiram para a ilha
de Elba; tudo, My Lord, ficou submergido, e submer-
gido para sempre no campo de Waterloo,
Uma cousa leva a precedência a todas as outras ; honra:
aquelle, que, nos dias de sua grandeza, éra o arbitro da
Europa, vio, quando quiz fazer jogo de sua palavra,
quando quiz jogar com a prerogativa de seu throno, como
se armavam, em igual gráo, a justa indignação dos mes-
mos Soberanos, e das mesmas naçoens, cuja confiança elle
tinha ganhado, se armavam, digo, para derribar o poder
arbitrário, que nem podia ser paralyzado pela opinião,
nem regulado pelo juizo, nem sancionado por seu mesmo
interesse. Napoleaõ achou-se em taõ critica situação,
que, bem como todos os que abusam do seu poder, foi obi
rigado a ser sempre victorioso, para evitar que naõ fosse
esmagado pela vingança.
Miscellanea. 349
Possa o que lhe aconteceo servir-nos de instrucçaõ!
para que, depois de ter escapado de um abysmo, naõ se-
jamos devorados por outro. Os mais oppostos extremos
produzem os mesmos phenomenos nos estabelicimentos
políticos, e submergem as naçoens em igual miséria.
Logo que um poder illimitado se acha ou nas maõs de
um ou nas de muitos, a deterioração moral dos indivíduos,
e a fraqueza do Estado seraõ sempre a sua conseqüência.
Para isto naõ he necessário despotismo, nem perigos, pôde
proceder unicamente do rayo, que cáe do Céo, ou da tor-
rente dos erros populares, que se naõ destroem ao menos
estragam.
Eu previ a tempestade, que devia causar o modo de elei-
ção de uma das Câmaras. Eu desejei que a actividade
dos Deputados, que parecia ser destructora, fosse inter-
rompida pela formação de Assembléas Comraunaes. A
abolição deste primeiro antemural de nossas liberdades
produzio a destruição de tudo o mais. O homem, antes
de pertencer ao Governo e ao Estado, pertence ao lugar
em que nasceo. N o seio de sua familia se origina e des-
envolve o seu primeiro sentimento pelo paiz, e o interesse
da Commum he o primeiro elemento de todos interesses
políticos. Os que tomara por concedido, que todos os
homens podem ser unidos por certo numero de formas com-
plicadas ; que podem ser governados, pela publicação de
alguns principios abstractos, ignoram tanto o coração hu-
mano como as fontes do poder: pôde dizer-se que elles
tem estudado a anatomia das constituiçoens livres, somente
em systemas mortos. A obediência forma a medida e os
limites do poder ; as instituiçoens positivas unem os ho-
mens entre si; quanto mais se multiplicam as relaçoens
usuaes, que existem agora entre elles, íanto mais se aug-
menta a sua confiança efortíileza; tantos mais meios tem o
Governo, e tanto mais forte e poderoso he; porém pelo
350 Miscellanea.
estabelicimento dos Governos municipaes se pôde amalga-
mar o throno com o povo. As municipalidades saõ as
primeiras unidades na ordem da representação nacional,
subindo até á Legislatura, e a s ultimas na ordem do poder
executivo, que desce a ellas, e acaba com ellas.
E u , porém, diminui o numero de muitas pequenas Com-
muns, que naõ podiam tocar e contrabalançar umas ás ou-
tras, sem se obstarem mutuamente, sem conferirem auxilio
reciproco. A natureza das cousas e dos homens requer, e
até exige, que os corpos civis e políticos naõ sejam nem
demasiado grandes, nem demasiadamente pequenos. Na
ordem da Sociedade, assim como na natureza, uaõ devem
haver gigantes nem pigmeos.
Tenho-me deixado levar, My Lord, por estas indaga-
çoens, que snõ além do objecto da minha carta, e de que
devo tractar cm primeiro lugar, na minha Memória.
O systema, que começou a ser predominante, e que to-
dos os dias adquiria mais forças, me obrigou a retirar-me
dos negócios públicos, assim como ja me tinha retirado
no tempo de Napoleaõ, logo que me pareceo impossível
servir de algum bem. El Rey tinha podido tornar a to-
mar posse do throno. Entre o ruído da trovoada, eu naõ
julguei, que elle se pudesse ali conservar. A corrupção
e a inexperiência saõ a minados Estados: a virtude e
os talentos a sua conservação. Eu pedi a S. M. que
aceitasse a minha resignação ; entreguei em suas maõs a
carta, que continha os motivos deste passo ; El Rey fez-
me a honra de responder, que consideraria nisso : esperei
alguns dias pela resposta ; e, como naõ recebi resposta,
tomei a liberdade de escrever segunda carta, em que tor-
nei a explicar os meus motivos—todas as minhas aprehen-
soens sobre o futuro, que ameaçavam ao mesmo tempo o
seu throno, a sua dynastia, e a independência da minha
pátria. Entaõ aceitou S. M. a minha resignação; e teve
a bondade de dar-me, em uma carta escripta de seu pro-
Miscellanea. 351
prio punho, a segurança, de que se naõ esqueceria de
meus serviços—e que eu naõ perderia cousa alguma de
minha propriedade, em conseqüência de minha demissão.
Nada mais me restava senaõ escolher o lugar do meu
retiro. Quando alguém tem a infelicidade de ser celebre,
faz importante o mais inconsi dera vel lugar para que se re-
tire. Eu resolvi, pelo menos, segurar-me contra a ca-
lumnia, pela simplicidade de minha vida, pela solidão e
pela felicidade domestica.
EI Rey mandou-mc offerecer um lugar de embaixador;
e eu preferi a Saxonia. Tinha tido a felicidade de conhe-
cer o seu Soberano, sua invariável integridade, que lhe
procurou no throno o amor geral, quando delle foi remo-
vido: a estima foi a razaõ desta preferencia. Até o ulti-
mo instante de minha vida me regosijarei com a memória
dos testemunhos de bondade, que recebi deste Principe
depois da minha chegada a Dresden. He particularmente
na desgraça, que apreciamos devidamente o valor da be-
nevolência. Devo também acerescentar, que em todas as
relaçoens cm que me achei, em conseqüência da minha
missaõ, com o Duque de Richelieu, experimentei
tudo quanto um homem de honra e de sentimentos pôde
fazer, para suavizar a injustiça, qne todos os seus esforços
naõ puderam prevenir. Pergunta-se £ porque, quando eu
deixei o Ministério, naõ entrei na Câmara dos Deputados,
para a qual vários cidadãos eleitores, entre outros os de
Paris, me tinham elegido ?
i Poderia eu contender com alguma vantagem, contra
os excessos da reacçaõ, que augmentavam diariamente?
Leain»se os debates da Câmara, e se verá, o que en podia
esperar desta contenda. Um homem de espíritos elevados
Mr. D'Argcnson, tentou levantar a sua vóz para apontar
as causas e authores das perturbaçoens no Sul da França.
Gritos furiosos o impediram de proseguir; a verdade foi
repulsada da tribuna da naçaõ. « Que bom successo se
352 Miscellanea.
podia esperar em uma assemblea, em que o partido da ex-
aggeraçaõ ganhava influencia, quando este partido consi-
derava a mais intolerável anarchia, como instrumento ne-
cessário para o restabelicimento da ordem ? i Que se po-
deria dizer a homens, que viam a fortaleza e poder d'El
Rey na violência, e a traição na linguagem da moderação?
Chamado para fallar sobre os maiores interesses da naçaõ
2 que meios se possuem para ser ouvido por aquelles,que pen-
sam, que tem somente de deliberar, sobre o orgulhode alguns
indivíduos ? e- Que podia eu acerescentará tudo quefizco-
mo Presidente do Governo de França, como Ministro, para
urgir, para conjurnr estes homens violentos a que sacrifi-
cassem a sua vingança pessoal ao bem geral, e que pen-
sassem somente no bem do todo. A respeito delles, tenho
exhaurido tudo quanto pôde interessar um amigo de sua
pátria, e naõ cesso de lhes repetir do meu desterro, as mi-
nhas ultimas palavras, quando deixei Paris :—" Como se
ha de ninguém atrever a fallar do triumpho de um par-
tido, quando o mesmo cairá ou affectará tudo!" Naõ ha
esperanças de nossa independência nacional, nem de ver-
dadeira honra, senaõ he na uniaõ."
O animo, que o espirito de extravagância deo ás reac-
çoens, annunciou logo a intenção de fazer uso dellas, O
Deputado, que leo ura libello na tribuna, nos podia facil-
mente informar sobre a origem daquelle acoroçoamento,
se elle dissesse aonde obtivéra o libello, e quem éra o seu
author.
Em vaõ teria eu contado com o apoio da parte solida
da assemblea. Esta parte possue talentos, vistas justas,
razaõ, e até forma a maioridade; mas ha nella muitos ho-
mens tímidos, que se deixara levar pelo temor de causar
maiores males ao paiz com sua resistência, do que com
sua submissão : algumas vezes saõ aterrados por phantas-
mas de nossas revoluçoens, cujas molas estaõ destruídas;
outras vezes saõ ameaçados com as bayonetas estrangeiras.
Miscellanea. 353
He absurdo suppôr, que nenhum partido possa obter
o menor auxilio de fora ; se a conseqüência forem ajustes
particulares mais fortes do qne os ajustes geraes da Rea-
leza. Ja naõ saoos Soberanos, que triumpham da França.
Um partido, pois, triumpha da Naçaõ ; as guerras civis
somente mudaram de lugar: os ultra-realistas saõ os ven-
cedores, e todo o resto da França he vencido.
j Que vantagem se pôde tirar de entregar o Governo a
um partido ? O túmulo bem depressa encerrará o seu Go-
verno : o mesmo terror o naõ poderá supportar; porque
o terror se desvanece ao primeiro relâmpago da segurança.
Outro partido entrará em seu lugar, e. prevalecerá £ Que
será da França, que será da Europa, se nós formos despe-
daçados pela mudança dos partidos, e pelas victorias mo-
mentâneas desses partidos.
j Aonde, em tal estado de cousas, acharemos a Naçaõ?
Ja naõ ha interesse geral ; todos os laços da existência so-
cial estaõ dissolvidos, o coraçnõ do Estado acha-se ferido;
ja naõ ha outra cousa senaõ a sombra de um paiz. Lem-
brai-vos da Inglaterra, My Lord, que deve somente ao
oceano, que a cerca, a sua segurança contra as nossas tor-
mentas e desordens, que eram communs a todas as naço-
ens ; lembremo-nos de que o oceano esteve ao ponto de ser
atravessado. A nossa felicidade lhe seria mais vantajosa
doque a nossamiseria. Porém será demasiado tarde para
a prevenir, quando a naçaõ liver suecumbido a ella.
Eu de boa vontade olho para a imagem e emblema dos
Soberanos, a quem a nossa sorte está agora confiada, na
mesma diversidade, que a antiga myt ologia representava
com duas faces : uma voltada para o passado, outra para
o futuro. Os Soberanos naô erram ó segunda vez o seu ge-
neroso objecto: as nossas revoluçoens naõ tornarão a dis-
turbiir a Europa ; nós ganharemos a garantia da nossa
independência; porque garantiremos a nós mesmos o nosso
descanço. Longe de mim o pensamento, de que lia um
VOL. X V I I . No. 100. 2 z
354 Miscellanea.
partido, que se fará o terrível instrumento da destruição da
França.
Eu naõ nego a meus inimigos a justiça, que devo a
todos os homens. O espirito de partido be mais repre-
hensivel do que criminoso. Aquelles, que tem trazido
a Monarchia á borda do precipício, imaginam talvez
que a tem salvado ; a sua ignorância em matérias de
Governo he uma descuberta, que ainda elles tem para
fazer.
Nos negócios humanos a gente soffre muitas vezes ser
levada aos mais lamentáveis excessos; pelos nomes que
tem consagrado. Permitta o Ceo, que a palavra legitimu
dade, naõ custe tantas vidas como custou a palavra igual-
dade. O mal he quasi sempre feito debaixo de algum
pretexto sagrado. Felizmente o erro naõ he immortal,
como a verdade : tudo na terra tem fim.
Eu naõ me sinto capaz de justificar-me totalmente, a
respeito do que se me argue, de naõ ter entrado na Câ-
mara dos Deputados. Eu devia ter apparecido na tri-
buna ; ainda que fosse somente para dar occasiaõ a exer-
citar-se com a minha pessoa, mais um exemplo de actos
tyrannicos e violentos : a rainha missaõ para Dresden
pôde apparecer como o resultado do que eu previ; e com
tudo, naõ me deixaram obrar por mim mesmo, e evitar
estes ataques.
My Lord, aos de J9 de Junho eu escrevia V. S. " que
a Republica nos tinha dado a conhecer os excessos da li-
berdade—o Imperador os fdtaes excessos do poder : o meu
desejo he igualmente remoto destes excessos—achar a in-
dependência, a ordem e a paz.1' Repito a este momento
o mesmo desejo. Possam os excessos de todo o gênero ter
chegado á cadêa. Os excessos de todos os partidos saõ
similhantes, uma vez que se despertam as paixoens : os
mais nobres sentimentos podem ser exaggerados a tal graó,
que sejam perniciosos.
Miscellanea, 355
Eu naõ me qneixo, nem me admiro de ser banido da
França; por aquelles, que eu ajudei a yoltar para França.
Eu conheço a maldade do coração humano, e estou
acustumado aos caprichos da fortuna. Na situação da vida
em que estou, he sempre um pensamento contrario, que
naõ está no poder de homem algum mudar a natureza
das cousas. A falsidade nunca pôde vir a ser verdade.
Está acabada a minha vida politica : toda a minha am-
bição está satisfeita, visto que tenho obtido entre os Fran-
cezes uma estimação, que seguirá a toda a parte o ineu
nome, e a minha pessoa. A justiça e a vóz dos séculos
decidirá se naquillo, que tem trazido tantas desgraças á
minha pátria, a culpa estava de todos os lados ou naõ, e de
que lado éra maior.
Repito a Vossa Graça as seguranças da minha alta con.
sideraçaõ»
(Assignado) O Duque de OTRANTO.

INGLATERRA.

Expedição contra os Argelinos.


Londres. Secretaria do Almirantado, 15 de Septembro,
1816.
Chegou hontem á noite a esta Secretaria o Capitão Bris-
bane da naõ de S. M. Queen Charlotte; e trouxe os officios
do Almirante Lord Exmouth, G. C. B., dirigidos a Joaõ
Wilson Croker, Esc ; que saõ os seguintes.
Queen Charlotte, na Bahia de Argel, 28 de Agosto.
SKNHOR 1—Em nenhuma das vicissitudes de uma longa
rida, no serviço publico, houve circumstancia alguma, que
produzisse no meu espirito taes impressoens de gratidão e
alegria corno o acontecimento de hontem. Ter sido um dos
humildes instrumentos, nas maõs da Providencia Divina,
para trazer á razaõ um Governo feroz, o destruir para
2z2
356 Miscellanea.
sempre o insupportavel e horrido systema da escravatura
Christaã, naõ pôde jamais deixar de ser uma fonte de de-
leite e cordeal consolação atodosos indivíduos, que foram
assas felizes pára serem nisto empregados. Espero que
me será permittido, com taes impressoens, offerecer os
meus sinceros parabéns a Suas Senhorias, pelo completo
bom successo, que obtiveram os galhardos esforços da
frota de S. M. no seu ataque hontem contra Argel; e
pelo feliz resultado, que elle boje produzio, na assignatura
da paz.
Assim, uma guerra naõ provocada, que existio por dous
dias, foi acompanhada de uma completa victoria, e ter-
minada com a renovação da paz para Inglaterra e seu Al-
uado, El Rey dos Paizes Baixos, com as condicçoens die-
tadas pelafirmezae sabedoria do Governo de S. M. e or-
denada pelo vigor de sua medidas.
Devo justamente os meus agradecimentos, pela honra e
confiança, que no meu zelo fôram servidos pôr os Mi-
nistros de S. M., nesta importante occasiaõ. Os meios,
que elles aprontaram, fôram adequados aos meus desejas;
e a rapidez de suas medidas faliam por si mesmas. Naõ
ha mais do que cem dias, que en deixei Argel com a frota
Britânica, sem suspeitar nem saber das atrocidades, qne se
tinham commettido em Bona: chegando aquella frota a In-
glaterra, foi naturalmente desbandada; e outra creada e es-
quipada, com proporcionados recursos; e, ainda que im-
pedida em seus progressos, por calmas e ventos contrários,
derramou a vingança de uma naçaõ insultada, castigando
as crueldades de um Governo, com promptidaõ sem exem-
plo, e summamente honrosa ao character nacional, anxioso
de resentir-se da oppressaõ ou crueldade, todas as vezes
que estas se praclicam debaixo de sua protecçaõ.
Provera a Deus, que no alcance deste objecto naõ tivesse
de lamentar profundamente a grande perda de tantos of-
ficiaes e gente valorosa: elles derramaram profusamente
Miscellanea. 357
o seu sangue em unia contenda, qne foi peculiarmente
marcada por taes provas de heroísmo, qne desperta-
ria a todos os sentimentos nobres, se eu me attrevésse a
referillos.
Suas Senhorias estarão ja informados, pela chalupade
S. M. Jasper, de meus procedimentos até 14 do corrente,
em que levantei ferro de Gibraltar, depois de uma angus-
tiada detenção, cansada por ventos contrários, que duraram
quatro dias.
A frota, completa era todos os seus pontos, com addic-
çaõ de cinco barcas canhoueir s, esquipadas em Gibraltar,
partio com o melhores espíritos, e com o mais favorável
prospecto de chegar ao porto de seu destino em três dias s
porém um vento contrario destruio as esperanças da breve
chegada, que en desejava mais anxiosamente, em conse-
qüência de ter ouvido, no dia qne sai de Gibraltar, que
se tinham erigido consideráveis fortificaçoens novas, na6
somente era ambos osflancosda cidade, mas também im-
mediatamente na entrada do molhe: desta circumstancia
temia eo, que o Dey tivesse descuberto a rainha intenção
de encubrir o principal ponto que projectava atacar, des-
cuberta que elle poderia ter feito, pelos mesmos meios qne
elle soube da expedição. Esta nolica me foi confirmada
na seguinte noite pelo Prometheus, que eu tinha despachado
para Argel, a fim de trabalhar por trazer dali o Cônsul,
disfarçado em uniforme de guardamarinha, sua mulher e
filha, deixando um bote para trazer o filho ainda criança,
qne viria n'uma alcofa, com o cirurgião, o qual julgou
que o tinha bem arranjado, mas a criança chorou ao
passar dos portoens ; e, em conseqüência, o cirurgião, 3
guardas marinhas, e por todos 18 pessoas fôram prezos, e
postos cm escravidão, nas masmorras do custume. A
criança foi mandada no dia seguinte pelo Dey e devo
lembrar-me disto como solitário exemplo de sua humani-
dade.
358 Miscellanea.
O Capitão Dashwood confirmou mais, que tinham vindo
do interior 40,000 homens, e todos os Janizaros, que es-
tavam em guarniçoens distantes; e que todos estavam
indefatigavelmcnte empregados nas baterias, barcas ca-
nhoneiras, & c . ; c fortificando por toda a parte as defensas
marítimas.
O Dey informou o Cap. Dashwood, de qne elle sabia
perfeitamente, que o armamento éra destinado contraArgel,
e lhe perguntou se éra isso verdade; elle respondeo, que se
o Dey tinha tal informação, tanto sabia um como o outro,
e provavelmente pelo mesmo canal—as gazetas publicas.
Os navios estavam todos no porto, e promptas 40, ou
50 barcas canhoneiras e de morteiros, com outras mais em
adiantado estado de preparação. O Dey tinha mettido o
Cônsul cm estricta prizaõ, e recusado entregallo ou promet-
ter a sua segurança pessoal; nem queria ouvir uma só
palavra a respeito dos officiaes e gente, que tinha prendido,
nos botes do Promethens.
Pela continuação das calmas e ventos contrários naõ pu-
demos fazer terra a Oeste d'Argel, senaõ aos 2 6 ; e na
manhaã seguinte, ao romper do dia, avançou a esquadra
para a vista da cidade, ainda que naõ taõ próximo como
eu intentava. Como os navios ficaram em calma, aprovei-
tei esta occasiaõ para mandar um bote com bandeira de
tregoas, a cuberto do Severn, com as propostas do que
tinha de exigir, em nome de S. A. R. o Principe Regente,
do Dey de Argel (do que envio copia) ordenando ao offi-
cial, que esperasse duas ou três horas, pela resposta doDey;
e depois desse tempo, se naõ tivesse resposta, devia voltar
no navio da bandeira parlamentar: encontrou-o juncto ao
molhe o Capitão do porto, o qual, quando se lhe disse
que se esperava a resposta dentro de uma hora, respon-
deo, que éra isso impossível. Disse-lhe entaõ o official
que esperaria duas ou três horas ; ao que o outro observou,
que duas horas eram muito sufficientes.
2
Miscellanea. 359
A este, tempo, levantando-sc urna briza do mar, tinha
ja a frota chegado á bahia, e estava preparando os botes
e flotilha para o serviço, até cerca das duas liorus, quando
observei que voltava o meu official trazendo o signal de que
vinha sem resposta, depois de esperar mais de Ires horas ;
immediatamente fiz signal para saber se estavam promptos
todos os navios, e respondendo-se na afirmativa, a Queeu
Charlotte fez-se na volta de terra seguida de toda a frota,
para os seus postos destinados : a náo da bandeira capi-
tanea, indo na vanguarda, segundo a ordem prescripta,
anehorou na entrada do molhe, na distancia de cerca de
50 yardas. Até este momento se naõ tinha dado fogo a
uma só peça, c eu principiei a suspeitar, que se haveria
resolvido a plena acquiescencia aos termos, que havia tan-
tas horas estavam nas suas maõs: neste periodo de pro-
fundo silencio se nos atirou do Molhe um tiro de bala, c
dous mais dos navios, que se lhe seguiam : a Queen
Charlotte respondeo promptamente, estando-sc amarrando
ao mastro de um brigue que estava encalhado na praia na
boca do molhe, e qne nós tínhamos mandado adiante para
guia de nossa posição.
Assim começou o fogo tam animado e bem sustendado,
como creio que jamais se vio, desde um quarto antes das
três até as nove horas da noite, sem intermissaõ, c que
naõ cessou de todo senaõ ás onze e meia.
Os navios que me seguiram fôram tomando as suas posi-
çoens admirável mente bem, e a sangue frio, com preci-
são mesmo além de minhas esperanças; e em nenhuma oc-
casiaõ vi que a bandeira Britannica recebece mais zeloso e
honroso apoio. Era-me impossível absolutamente ver a li-
nha além dos navios que immediatamente me rodeavam;
porém éra tam bem fundada a minha confiança nos valentes
officiaes, que tinha a honra de commandar, que o meu
espirito estava perfeitamente livre para attender a outros
objectos ; e somente sabia que estavam em seus postos, pe.
360 Miscellanea.
to destructor effeito de seu fogo contra as muralhas e ba-
terias, a que estavam oppostos.
Cerca deste tempo tive a satisfacçaõ de ver a bandeira do
Vice-Al mirante Van-Capellen, no posto que lhe tinha des-
tinado; e pouco depois, a intervalios, o resto de suas fra-
gatas, continuando bem MI p portado fogo no flanco das
baterias, contra que elle se tinha offerecido cubrir-nos;
porque eu naõ tinha podido, por falta de espaço, trazêllo
para a frente do molhe.
Ao pôr L\O sol recebi ura recado do Contra Almirante
Milne, informando-me da grande perda que soffria o lm-
pregnable, havendo perdido 150 homens em mortos e fe-
ridos ; e pedindo-me que, se fosse possivel, lhe mandasse
uma fragata para divertir parte do fogo, a que elle estava
sugeito.
Levantou logo anchora o Glasgow, que estava juncto
a mim, porém as descargas tinham acalmado o vento, e
ella foi obrigada a tornar a fundear, tendo obtido uma po-
sição algum tanto melhor que a precedente.
A este tempo tinha eu mandado ordem, pelo capitão
Rcade dos Engenheiros, para que o vaso de explosão, en-
carregado ao Tenente Fleming e Mr. Parker, viesse para
o Molhe ; porém havendo o Contra-Almirante pensado,
que elle lhe faria grande serviço, se arrebentasse a explo-
são juncto á bateria, que lhe ficava em frente, mandei or-
dens a este navio para esse fim, o que foi executado. Or-
denei também ao Contra-Almirante, que, estando ja incen-
diados muitos dos vasos, c certa a destruição de todos, eu
considerava que tinha executado a mais importante parte
de minhas instrucçoens, e que fazia todos os preparativos
para retirar os navios, e que desejava que elle assim obras-
se a respeito de sua divisão, com a maior presteza possivel.
Houveram momentos horrorosos, durante o conflicto, que
naõ posso tentar descrever, oceasionados pelo fogo dos na-
vios tam perto de nós ; e eu por longo tempo resisti ás
Miscellanea. 361
persuasoens dos que se achavam junetos a mira, para que
fizesse uma tentavia contra a fragata mais exterior, dis-
tante cousa de 100 yardas, no que por fim acquiesci; e o
Major Gosset, a meu lado, que estava anxioso por desem-
barcar o seu corpo de mineiros, pedio-me encarecida-
mente permissão para acompanhar o Tenente Richards na
lancha deste navio. A fragata foi instantaneamente abor-
dada, e em dez minutos éra uma completa lavarêda : um
galhardo guardamarinha na barca de foguetes No. 8 ; pos-
to que se lho tivesse prohibido, levado por seu ardente es-
pirito de seguir em apoio da barca, foi terrivelmente ferido
e o official seu companheiro foi morto, assim como nove
de sua equipagem. A barca, remando com maior celeri-
dade soffreo menos, e só perdeo dous homens.
As baterias do inimigo juncto á minha divisão caláram-
se cerca das dez horas, achando-se n' um completo estado
de ruina e destroço ; e se reservou quanto foi possivel o
fogo dos navios, para poupar pólvora, e responder ás
poucas peças, que de vez em quando ainda nos atiravam ;
ainda que um forte no angulo superior da cidade, a que
se naõ tinha podido dirigir a nossa artilheria, continuou a
incommodar os navios atirando bombas por longo tempo.
Neste intervailo concedeo a Providencia a meus anxiosos
desejos o usual vento de terra, commum nesta babia; e
completaram-se as minhas esperanças. A gente estava toda
empregada em alar e rebocar para fora; e, com o auxilio
do brando terral, deo toda a frota á vela, e veio anchorar
fora do alcance das bombas, ás duas horas da manhaã;
depois de doze horas de incessante trabalho.
A flotilha de barcas de morteiros, peças, e foguetes, sob
a direcçaõ de seus respectivos officiaes d'artilheria, parti-
cipou em toda a extençaõ de seu poder, das honras deste
dia, e fez mui bom serviço : foi pelo seu fogo, que todos os
navios do porto (â excepçaõ da fragata exterior) fôram in-
cendiados, extendendo-se as chamas rapidamente por todo
VOL. XVII. N o . 100. 3 a
362 Miscellanea.
o arsenal, armazéns, e barcas canhoneiras, exhibindo um
espectaculo de tam horrorosa magnitude, e interesse, que
nenhuma penna pôde descrever.
As chalupas de guerra, que tinham sido destinadas para
ajudar e auxiliar os navios de linha, e preparar para a sua
retirada, naõ somente preencheram mui bem o seu dever,
mas aproveitaram todas as oceasioens de fazer fogo nos
intervallos ; e estavam constantemente em movimento.
As bombas fôram mui bem dirigidas pela Real Artilhe-
ria de Marinha; e ainda que atiradas directamente por
cima de nós, naõ sei que acontecesse accidente algum a
nenhum navio.
Foi tudo isto conduzido em perfeito silencio, e nunca
ouvi em ponto nenhum da linha nem se quer um grito de
vivas; e que as peças foram bem servidas e dirigidas, se
verá por muitos annos, e será lembrado para sempre por
estes bárbaros.
A conducçaõ deste navio, pelos mestres da frota e desta
náo, para o seu posto, excitou os louvores de todos : o pri-
meiro tem sido meu companheeiro em armas por mais de
20 annos.
Havendo assim narrado, ainda que imperfeitamente, os
progressos deste breve serviço, aventuro-mc a esperar, que
os serviços humildes e devotos á causa, meus e dos offi-
ciaes e gente de toda a descripçaõ, que tenho a honra de
commandar, seraõ recebidos por S. A. R. o Principe Re-
gente, com sua custumada graça. A approvaçaõ de nos-
sos serviços por nosso Soberano, e a boa opinião de nossa
Pátria, aventuro-me a asseverar, que será recebida por
nós todos com a maior satisfacçaõ.
Se eu tentasse nomear a suas Senhorias os officiaes, que,
em tal conflicto, se fizeram, em differentes períodos, mais
conspicuos do que seus companheiros, a muitos faria in-
justiça : e espero que naõ haja official na frota, que tenho
a honra de commandar, que duvide dos agradecidos sen-
Miscellanea. 363
timentos, que sempre nutrirei era meu peito, pelo seu des-
aiesurado e illimitado apoio. Nenhum official ou outro
homem limitou os seus esforços á precisa linha de seu
dever ; todos se mostraram anxiosos em tentar o serviço,
que achei mais diííieil restringir que excitar; e eiu
nenhuma parte foi este sentimento mais conspicuo, do-
que no meu Capitão, e nos oflicines, que se achavam
immediatos á minha pessoa. A minha gratidão e agra-
decimentos, saõ devidos a todos, que estiveram debaixo
do meu commando ; assim como ao Vice-Almirante Ca-
pellcn, e officiaes da esquadra da S. M. El Rey dos Paizes
Baixos ; espero, que elles acreditarão, que a lembrança
de seus serviços nunca acabará senaõ com a minha vida.
Em nenhuma occasiaõ vi mais energia e zelo ; desde o
mais moço guarda marinha até o da mais alta graduação :
todos pareciam animados por uma só alma; de que com
o maior prazer darei restemunho a Suas Senhorias, sempre
que o meu testemunho possa ser útil.
Tenho confiado este despacho ao Contra-Almirante
Milnc, meu segundo no commando, e de quem tenho re-
cebido, durante todo o serviço, que me foi confiado, o
mais cordeal e honroso apoio. Elle esta perfeitamente
informado de todas as transacçoens da frota, desde o prin-
cipio de meu commando, e he plenamente competeute
para dar a Suas Senhorias satisfacçaõ em todos os pontos,
que me tenham escapado, ou que naõ tenha tempo de
referir. Espero que delle tenha obtido a sua estima-
ção e attençaõ ; e sinto que delle naõ fosse conhecido a
mais tempo.
Os papeis necessários, juncto com os defeitos dos navios
- listas dos mortos e feridos, acompabam este officio ; e
sou feliz em poder dizer, que os Capitaens Ekins e Coode
vaõ indo bem, assim como os demais feridos. Pelas no-
ticias de terra, ouço qne a perca do inimigo em mortos e
feridos he de 6 a 7,000 homens.
3 A 2
364 Miscellanea.
Recommendando os meus officiaes e frota ao favor e pro-
tecçaõ Suas Senhorias.
Tenho a honra de ser, &c.
(Assignado) EXMOUTH.

Abstracto geral dos Mortos e Feridos, na esquadra com-


mandada pelo Almirante Lord Exmouth, no ataque de
Argel, aos 27 de Agosto, 1816.
Mortos.
15 officiaes : 88 marinheiros: 19 soldados de marinha :
1 artilheiro marinheiro: 1 das tropas de foguetes: 4 ra-
pazes :
Feridos.
59 officiaes: 459 marinheiros: 106 soldados de mari-
nha : 5 artilheiros manheiros: 14 sapadores e mineiros : 4
das tropas de foguetes: 31 rapazes: 12 supranumerarios.
Total mortos - - 128
feridos - - 690

818

Equadra Hollandeza.
Total mortos - - 13
• feridos 52

Total Geral - 883

Memorandum.
A destruição, que se causou aos Argelinos, foi de 4
fragatas de 44 peças ; 5 corvetas grandes de 24 a 34 pe-
ças ; e todos os barcos de peças e morteiros ; vários brigues
e escunas mercantes; grande numero de vasos de varias
descripçoens,pontoens, barcaças, &c. armazéns, arsenaes;
toda a madeira, e muniçoens navaes, em grande parte:
muitas carretas de peças, e aparelhos de navios de todas as
qualidades.
Aliscellauea. 365
Carta do Almirante Lord Exmouth ao Dey oVArgel.
Navio de S. M. Britannica, Queen Charlotte,
Bahia de Argel, 28 de Agosto, de 1816.
SENHOR !—Pelas vossas atrocidades em Bona, contra
indefezos Christaõs ; e por vosso indecente desrespeito ás
proposiçoens, que vos fiz hontem, em nome do Principe
Regente da Inglaterra; a frota, debaixo do meu comman-
do, vos tem dado um assignalado castigo, com a destruição
da vossa esquadra, armazéns, arsenal, e metade de vossas
baterias.
Como a Inglaterra naõ faz guerra para destrucçaõ de
cidades, eu nao desejo fazer recair vossas crueldades pes-
soaes nos innocentes habitantes do paiz ; e, portanto, of-
fereço-vos os mesmos termos de paz, que vos mandei hon-
tem, em nome de meu Soberano : sem aceitares estes ter-
mos, naõ podeis ter paz com a Inglaterra.
Se receberdes esta offerta como deveis, dareis três tiros
de peça; e se naõ fizereis este signal considerarei, que
vos a recusais, e renovarei as minhas operaçoens, quando
me convier.
Offereço-vos os termos acima, com tanto que nem o
Cônsul Britannico, nem os officiaes ou gente taõ aleivosa-
niente captivados nos botes de um navio de guerra Britan-
nico tenha soffrido algum tractamento cruel, assim como
lambem os escravos Christaõs; e repito o meu requiri-
mento, de que o Cônsul officiaes e gente, me sêjám remet-
tidos, na conformidade dos antigos tractados.
Tenho a honra de ser, &c.
(Assignado) EXMOUTH.
A Sua Alteza o Dey de Argel.

Memorandum Geral.
Queen Charlotte, na Bahia d'Argel, 30 d'Agosto.
O Commandante em Chefe se julga feliz em poder in-
formar a frota, da final terminação de seus vigorosos es-
forços pela assignatura da paz, com as seguintes condi-
366 Miscellanea.
çoens, dictadas por S. A. R. o Principe Regente da In-
glaterra, e confirmada por uma salva de 21 tiros.
1. A abolição, para sempre, da escravatura Christaã.
2. A entrega, também á minha bandeira, de todos os
escravos nos dominios do Dey. seja qualfor a naçaõ a que
pertencem, á manhaã pelo meio dia.
3. A entrega, também á minha bandeira, de todo o
dinheiro recebido por elle, para remissão dos captivos, desde
o principio deste anno ; e também á manhaã pelo meio dia.
4. Tem-se feito reparação ao Cônsul Britannico, por
todas as percas, que elle tem soffrido, em conseqüência
de sua prizaõ.
5. O Dey tem feito as suas desculpas na presença de
seus Ministros e Officiaes, e pedido perdão ao Cônsul, nos
termos dictados pelo Capitão da Queen Charlotte.
O Commandaiite em Chefe abraça esta occasiaõ de
tornar a agradecer publicamente aos Almirantes, Capitaens,
Officiaes, Marinheiros, Soldados da Marinha, Artiiheira
Real da Marinha, Sapadores, e Mineiros Reaes, e Real
Corpo de Fogueteiros, pelo nobre apoio, que de todos
elles recebeo, em todo este árduo serviço; e be servido
ordenar, que Domingo que vem se façam solêmnes acçoens
de graças ao Deus Todo-Poderozo, pela assignalada in-
tervenção de de sua Divina Providencia, durante o con-
flicto, que houve aos 27, entre a frota de S. M., e os fe-
rozes inimigos do gênero humano.
Exige-se que este Memoranoum seja lido a todas as com-
panhas dos navios.
Aos Almirantes, Capitaens, Officiaes, Marinheiros,
Soldados de Marinha, Reaes Sapadores, e Mineiros, Real
Artilheria da Marinha, e Real Corpo de Fogueteiros.

Carta do Almirante ao Secretario do Almirantado.


Queen Charlotte, na Bahia da Argel, 1 de Sept.
SENHOR'.----Tenho a honra de vós informar para o co-
nhecimento de Suas Senhorias, que mandei o CapitaÕ Bris-
Miscellanea. 307
bane com as segundas vias dos meus officios; porque
temo que o Almirante Milne, no Leander, que foi encar-
regado dos originaes, tenha longa viagem, havendo o ven-
to começado do poente, poucas horas depois, que elle se
fez a vela.
O Capitão Brisbane, a que sou muito obrigado, pelos
seus esforços e hábil auxilio, que delle recebi, durante todo
este serviço, poderá informar a Suas Senhorias em todos
os pontos que eu ten lia omittido.
O Almirante Sir Charles Penrose chegou demasiado
tarde, para participar no ataque d'Argel, o que muito la-
mento tanto pelo que me respeita, como por elle ; os seus
serviços seriam para desejar em todo o sentido.
Tenho a satisfacçaõ de referir, que todos os escravos na
cidade d1 Argel, e suas iramediatas vizinhanças, se acham
embarcados; assim como também 357.000 patacas para
Napoies, 25.000 para Sardenha. Os tractados seraõ as-
signados amanhaã, e espero poder dar á vela dentro em
um ou dous dias.
O Minden saio para Gibraltar a concertar-se, e dali se-
guira para seu ulterior destino.
O Albion será concertado em Gibraltar, para receber a
bandeira de Sir Charles Penrose. O Glasgow, será obri-
gado a recolher-se comigo. Tenho a honra de ser, &c.
(Assignado) EXMOUTH.
A Joaõ Wilson Croker, Esc.

PORTUGAL.
0 Comissário em Chefe do Exercilo annuncia o sequinte.
Lisboa, 24 de Agosto.
Merecendo a Sua Magestade huma particular attençaõ
todas as dividas contrahidas por occasiaõ da Gurra, que
gloriosamente terminou, e naõ sendo possivel pagarem-se
todas ao mesmo tempo estabeleceo-se a ordem de antigüi-
dade, para segundo a mesma serem pagas. O Commis-
sario em Ciiefe do Exercito, desejando que todos os Cre-
368 Miscellanea,
dores conheçam, que a referida ordem naõ se altera na Re-
partição, que tem a seu cargo, quer facilitar-lhes as épo-
cas de seus pagamentos, sem trabalho, nem dependência
dos Empregados, que os houverem de fazer; e por isso
faz publico aos referidos Credores, que dentro em dous
mezes, contados da data deste annuncio, devem apresen-
tar os titulos, que tiverem desde o anno de 1812, sejam de
Gêneros, e Transportes, ou de outras despezas accessorias
a estas duas classes de divida : Os de Trás-os-Montes ao
Deputado Francisco Luiz Ferreira, em Chaves: os do
Minho ao Assistente Commissario Antonio Vicente Tei-
xeira de Sampaio, no Porto: os da Beira-Alta ao Deputado
Commissario Geral José Maria de Mendonça Mexia Al-
meida Barbarino, na Guarda : os do Alem-Tejo ao Depu-
tado Paulo Gomes de Abreu, em Elvas : os do Algarve ao
Deputado Joaquim Ramalho Ortigão, em Faro : os da
Gorte e Estremadura, sendo divida contrahida pelo Depo-
sito e Remessas, ao Encarregado José Joaquim Alves;
sendo pela Administração dos Provimentos á Tropa, a
Clemente Eleuterio Amado ; e sendo divida geral, que
naõ tenha Departamento a que pertença, ao Pagador do
Commissariado, para que recebidos os referidos Titulos
nas Repartições competentes depois de feita a conta do seu
importe, relacionados, e numerados por ordem de anti-
güidade, serem entregues aos mesmos Credores, a fim de
quando se publicarem os pagamentos pelos números das
Relações assim feitas, saber cada hum dos Credores, a
vista do numero de seu titulo, e dos dinheiros, que se fo-
rem consignando, quando tem lugar o pagamento de sua
divida ; e previne aos referidos Credores, que nao entrará
a pagamento aquelle titulo, que naõ estiver em Relaçáo,
ou que naõ forem conformes os números, bem como findo
o termo de dous mezes, os titulos, que depois se apresen-
tarem, seguirão o numero, em que estiver a dieta Relação,
ainda que sejaõ mais antigos.-—Lisboa, 22 de Agosto, de
1816. 6 D O M I N G O S J O S É CABDOZO.
Miscellanea. 369

Refiexoens sobre as Novidades deste Mez.


REYNO U N I D O DE P O R T U G A L , BRAZIL E ALGARVES.

Guerra do Rio-da-Prata.
Espalhou-se um rumor em Inglaterra, de que a expedição,
que sairá do Rio-de-Janeiro para o Rio-da.Prata, arribara a
S". Catharina, c que ali recebera ordens para nao continuar o
seu destino ; em conseqüência de representaçoens do Gabinete
Inglez.
Os Jornalistas de Londres, que haviam desapprovado aquella
expedição, pela julgarem contraria aos interesses da Inglaterra,
acharam mui natural e justa esta supposta ingerência de seu
Governo, e se gloriaram (lc que, ao menos pelo presente, se
frustrassem as vistas da Corte do Brazil.
Os motivos, que presumimos haverem determinado a S. M . F i -
delissima naquella empreza, sao tam racionaveis e tam j u s t o s ;
que nao podemos descubrir razaÕ sufficiente, com que a Ingla-
terra pudesse persuadir o Gabinete do Rio-de-Janeiro a largar
por maõ o que intentava ; e de tal modo explicamos esta maté-
ria no nosso N°. passado, que naS julgamos necessário dizer mais
cousa alguma neste ponto.
Porém, se os Jornalistas Inglezes suppoem, que o seu Go-
verno devia oppor-se á expedição, de que se tracta, por motivos
de interesse de sua Naçaõ, o seu juizo he muito errado, e só
poderia originar-se na falta de conhecimentos do verdadeiro
estado das cousas, ou em nao reflectir com justeza nos in-
teresses de ambas estas Naçoens, tam intimamente alliadas.
Deixaremos de parte a incoherencia de tal procedimento da
parte da Inglaterra, em se ingerir nos planos políticos da Corte
do Brazil, relativamente ás Colônias de Hespanha ; quando o
Governo Inglez tem tantas vezes declarado, que se nao deseja
nem deve iatrometter com a política interna dos outros Go-
vernos; principio, que os Inglezes tem applicado constante-
mente a respeito destas mesmas colônias Hespanholas, e que
Lord Castlereagh tam decididamente annunciou na Casa dos Com.
rauns, quando foi accusado de consentir nas extravagantes me-
didas oppressivas de Fernando V I I .
VOL. XVII. No. 100. 3B
370 Miscellanea.
Porém, quanto aos interesses da Inglaterra, naõ vemos como
pudesse ser-Ihe prejudicial, que S. M. Fidelissima tractasse de
segurar os seus estados do Brazil, tomando posse do território,
que fica na margem septentrional do Rio.da-Prata.
A importância do commercio Inglez, no Brazil, deriva a sua
consideração, da prosperidade e soergo daquelle paiz; porqne,
quanto mais rico c mais florocente for, tantos mais meios
terá de comprar á Inglaterra as fazendas, que necessita, e em
cuja venda tem os mesmos Inglezes o seu maior interesse.
Considerando o commercio, que os Inglezes fazem agora no
Rio-da-Prata, nao podia a Inglaterra deixar do melhorar tnnito
a sua condição naquelle negocio, apossaodo.se os Portuguezes
da margem septentrional, ou território de Monte-video; por.
quo esta circumstancia devia necessariamente fazer cessar a
guerra civil, tranquillizar os povos, fomentar a industria, e ha-
bilitar os habitantes a comprar aos Inglezes maior porçaõ de
suas fazendas, do que podem fazer actualmente, no seu presente
estado de distúrbios e inquictaçoens publicas.
As fazendas lnglezas, que se consomem no território do Rio-
da-Prata, tanto saõ necessárias aos povos no seu estado actual,
como se precisariam seos Portuguezes governassem em Monte-
video. Se o Governo do Brazil permitte a importação das fa-
zendas lnglezas ; porque dellas ali necessita, pula mesma razaõ
deverá extender essa permissão ao território de Monte-video,
achando-se este debaixo de seu dominio; assim a Inglaterra nau
podia perder cousa alguma nesta mudança ; antes sim ganhar a
differença, que se devia seguir no commercio, á maior prospe.
ridade do Brazil, e do território de Monte-video.
A utilidade do commercio Inglez, se acha nisto conforme aos
interesses políticos da NaçaÕ, na consideração da estreita alii-
ança. que ha entre Portugal e Inglaterra; porque, sendo a
posse do território ilc Monte-video tam importante á tranquil-
lidade do Brazil, como temos mostrado, naõ pode deixar de
utilizar-se a Inglaterra com a segurança de seu aluado, que lhe
poderá servir tanto mais, e ser tanto menos pezado, quanto
mais recursos tiver em si para sustentar a sua dignidade e inde-
pendência.
Miscellanea. 371
Também julgamos que a Inglaterra se naõ deveria oppôr aos
planos da Corte do Brazil, por principios de justiça universal ;
ainda que nisto quizesse fundamentar a sua ingerência na po-
lítica interna de naçoens estrangeiras, contradizendo suas mes-
mas declaraçoens ; porque, da boa intelligencia, que reyna,
entre as cortes do Rio-de-Janeiro e de Madrid, fica manifesto,
que a expedição do Rio-da-Prata éra feita com o consenti-
mento d'El Rey de Hespanha; e todas as noticias concorrem
em persuadir-nos, que neste arranjamento convinha uma grande
parte dos povos, e mais judiciosas pessoas do paiz; porque
olhavam para a expedição do Brazil, como seguro meio de
terminar as suas discórdias civis. Nestes termos, havendo a
concurrencia do antigo Governo, e a vontade dos habitantes, naõ
sabemos que pudesse* S. M. Fidelissima combinar mais justos
titulos aquella acquisiçaÕ, nem que pudesse produzir mais pon-
derosas razoens, para nao admittir naquelle negocio a ingerên-
cia de naçoens estrangeiras.
Resta considerar o ultimo motivo, que se tem allegado, para
justificar esta intervenção da Inglaterra, que he o temor ex-
presso pelos taes jornalistas, de que o Reyno do Brazil se faça
demasiado poderoso.
A grandeza c importância daquelle paiz, resulta de sua situ-
ação gcographica, da riqueza de suas producçoens, e da bon-
dade de seu clima : nao está no poder das naçoens estrangeiras
annihilar estas vantagens do Brazil; e somente ellas podem ser
diminuídas, pela indolência de seus liabitatlores, ou pelos des-
cuidos de seu Governo. A guerra civil do seus vizinhos, que
se pretendia suffbcar com esta expedição, incommodará os ha-
bitantes das provincias do Brazil, que lhe ficam contíguas, e
nesse sentido retardará os progressos da prosperidade nacional,
"aquella parte; porém, quanto ao todo, nunca poderá ter in-
fluencia bastante para que se julgue de assas importância a sua
conservação, a fim de com isso impedir o augmento da riqueza
e Poder nacional do Brazil, ainda que taõ immoral consideração
pudesse ser admittida pela justiça da Naçaõ Ingleza.
Julgando, pois, absolutamente inattendiveis os raciocínios
3 B 2
372 Miscellanea.
dos Jornalistas Inglezes a este respeito, esperamos, que, sejam
quaes forem os motivos porque a expedição se acha actualmente
demorada em S'*. Catherina, a Corte do Rio-de-Janeiro se naõ
descuidará em grangear a boa vontade dos povos, que habitam
ao Norte do Río-da-Prata, e que, pela natureza das cousas haõ
de irremissirelmente, mais dia, menos dia, vir a fazer parte do
Brazil.

As Princezas do Brazil, destinadas a casar com El Rey de


Hespanha, e seu IrmaÕ : saíram do Rio-de-Janeiro aos 3 de
Julho, e chegaram a Cadiz aos 4 de Septembro.
Corre também, que o Principe do Brazil casará com nma
Princeza de Áustria ; e dizem que virá rezidir a Lisboa. Tal
he o rumor na Alemanha.

Administração Interna do Brazil.


A continuação dos governos militares, nas Capitanias, e os
Juizes-de.fora, saõ duas instituiçoens, que desejamos ver re-
formadas no Brazil; porque as julgamos mui oppostas á felici-
dade dos povos, e aos melhoramentos do paiz ; e próprias so-
mente de um governo temporário de conquistas; o que naõ
pôde ter lugar nas presentes circumstancias do Brazil.
Julgamos de primeira necessidade, que se adopte um systema
regular de administração, tanto para a formação das leys como
para sua execução. Agora he justamente o momento de lançar
os fundamentos a uma fabrica politica, que seja duradoira. O
actual Monarcha deve imitar aquelles Soberanos, qne a historia
nos mostra terem presidido com sabedoria á formação de novos
Estados. Para isto naõ he necessário ir buscar exemplos em
Solon, Numa Pompilio ou Alfredo, entre os Gregos, Romanos,
ou Inglezes, ou outra alguma naçaÕ estrangeira das antigas ou
modernas. Portugal nos pôde fornecer Monarchas dignos de
imitação, em D. Affonso Henriques, D . Sancho e D. Diniz.
O primeiro cuidado de todos os legisladores, que immortali-
záram o seu nome dando forma de Governo ou de administra-
Miscellanea. 373

çao a novos Estados, foi a divisão do território, c dos magis-


trados territoriaes, e a designação de suas funcçoens tanto na
parte legislativa como na executiva.
No Brazil nao ha mais do que cuidar cm acommodar bem
ao paiz as leys a custumes de Portugal, sem pessar em inova-
çoens, que poderão naõ ser congenies com a educação dos
povos, nem com o systema geral da legislação Portugueza.
Segundo o espirito da legislação de Portugal, e letra das leys,
as menores porçoens de território saõ presididas pelos Juizes da
Vintena: destes se formam os Concelhos; dahi as Câmaras;
certo numero das quaes constitue uma Comarca, presidida por
um Corregedor ; assim como as comarcas, que saõ convenientes,
se põem junctas em uma provincia.
He portanto um desvio das leys, dos costumes e do systema
de Governo Portuguez, fazer que as divisoens do território, que
devem ser presididas por aquelles magistrados territoriaes, que
lhes competem, sejam governadas por commandantes militares,
nem ainda por Juizes.de.fòra, porque taes Governadores fô-
ram sempre em todos os paizes do mundo, em todos os tempos,
e em todas as formas de governo, flagélos públicos, e déspotas
em suas alçadas.
0 Governo Portuguez nao he nem nunca foi despotico, mas
sim monarchico absoluto ; e por tanto os ministros, que tem
siiggcrido ou suggerem medidas, tendentes a fomentar o despo-
tismo, sao tanto réos de lesa Majestade, como a quelles que in-
tentassem introduzir na Monarchia Portugueza a forma repu-
blicana, ou outra differente da que as leys fundamentaes, e os
costumes dos povos requerem.
Julgamos pois, que éra agora, que o Governo do Brazil de.
via cuidar nestas divisoens de território, e estabelicimento das
Câmaras, no pé em que devem estar ; em vez de conromper
"•ais a forma de administração, com a introdução deJuizes.de-
-°ra, como se vai fazendo. Quanto aos Governadores maiores
e menores, que se acham espalhados por todo o Brazil, basta
dizermos, que no Reyno de Portugal elles naõ existem, se
nao nas praças d'armas, e ahi somente para governar os sol-
dados.
374 Miscellanea.
A abolição dos magistrados letrados ; porque saõ imiteis, e
a inteira annihilaçao dos Governadores militares ; porque saõ
perniciosíssimos á tranqüilidade e felicidade publica, salvaria
ao Estado dous formidáveis esgotadouros de suas rendas ; por.
qne os juizes ordinários, c mais magistrados territoriaes, po-
dem servir quasi de graça, e somente pela honra de suas oceu-
paçoens.
O pezo e consideração, qup, por este meio, se dá ás câmaras,
he quem anima os povos a possuir-sc de patriotismo, e interes-
sar-se pelas cousas publicas, perdendo o fatal egoísmo, que
sempre resulta de considerar o individuo, que se lhe diGculta
o figurar entre os seus, nos negócios públicos. Desta sorte os
antigos Rey de Portugal, nao somente acharam nas provincias,
nas comarcas, nos termos, &c. quem executasse com prompti-
daõ as suas ordens, mas quem os aconselhasse, c dissesse o que
convinha ao bem dos povos, em suas memórias e representa-
çoens, que eram apresentadas ao Soberano pelos procuradores
dessas diversas corporaçoens.
Sem estas ramificaçoens, que se deduzem da bem entendida
divisaS de território e de magistrados territoriaes, naõ podem
as ordens do executivo passar do throno ás Provincias, destas
ás Comarcas, e depois ás Câmaras, &c ; nem as suggestoens
para a legislação podem passar das Câmaras ás Comarcas,
destas ás Provincias, e dahi ao throno ; sem que interveuham
actos arbitrários, e irregularidades de procedimentos, que sem-
pre saõ em detrimento do bem publico.
E se nos disserem, que essas cousas se podem arranjar para o
futuro, a nossa resposta hc, que isso ou se naõ poderá ao de.
pois fazer, senaõ com sumuia difficuldade, ou talvez se naõ po-
derá absolutamente por em practica.
Quando Mahomet estabeleceo entre seus sequazes uma for.
ma de governo perfeitamente despotica, poderia dar-lhes outra,
por exemplo, similhante á das naçoens do Norte, como os Ger-
manos, Suevos, Saxonios, e outros, que destruíram o Império
Romano, e estabeleceram governos fundados nas hierarchias
de nobres, ou espécies de republicas; mas depois dos Maho-
metanos estarem habituados ao seu governo despotico, quem
Miscellanea. 375
lhes qnizer ir agora pregar com um governo republicano oa
monarchico racionavrl, téra os mesmos agradecimentos, quo sa
for aos Estados Unidos da America recommendar, que adop-
tem o governo de Constantinopla.
Se nós estivéssemos persuadidos de quo El Rey de Portogal
estava determinado a estabelecer esta forma de Governo, que
reprovamos, entaõ deixávamos desde ja de fallar em tal
matéria, porque éra tempo perdido. Porém nos estamos con-
vcucidos de que a adopçaõ das medidas, que saõ tendentes a
um desvio do espirito da legislação Portugueza, procedem de
mera falta de attençaõ nos Ministros, tanto mais desculpavel,
quanto o abuso naõ começou com otles. Acharam em prac-
tica, quo as cidades grandes do Brazil tinham governadores
mais gordos, as povoaçoens menores governadoritos mais ma-
gros : que quando alguma villa ia crescendo em riquezas se lhe
mettia um Juiz-de fora, para a sangrar de forma, que nao
houvesse alguma pletora do ouro ou prata: assim vaõ os Mi-
nistros seguindo o mesmo custume, sem atteutar pulas conse-
qüências, e perdendo o momento em que as cousas se podiam
estabelecer no pé de administração, que he conveniente ao bem
dos povos, c cohermite com a legislação do paiz.
Naõ pedimos, nem desejamos, inovaçoens, antes nos queixa-
mos de que os Ministros sigam o plano de inovar sem melhora-
mento. A Ordenação do Reyno naõ falia de jurisdicçaõ de
Governadores, e falia bastante da jurisdicçaõ dos Juizes terri-
riaes, até dos da vintena. Logo os que põem Governadores
militares a governar o povo estaõ fazendo inovaçoens; e nós,
que pedimos em vez desses governadores e Juizes-dc-fóra os
magistrados territoriaes, queremos somente o custume velho, e
encostar-nos ás ordenaçoens, e mais leys antigas do Reyno.
Dizem alguns, que os Governadores no Brazil fôram esta-
belecidos, em tempos dos melhores Reys de Portugal, assim
como o fôram na índia e mais dominios Portuguezes, ergo naõ
he inovação, antes se deve reputar cousa boa; e exemplo dig-
no de se continuar a seguir.
Assim he que os Governadores fôram introduzidos nesse
tempos; e entaõ também (ou antes disso) tivemos governado
376 Miscellanea.
res em Ceuta, Mazagara, e outras praças na Costa d'África em
terras de Mouros. Mas e* porque um Rey antigo, que formou
um presidio, lhe pôz um alferes para governador, segue-se da.
hi, que, quando esse presidio veio a ser cidade, e essa cidade
capital de uma grande provincia, sempre se deve continuar a
ter o mesmo alferes a governar todos os interesses militares
civis, &c. &c. da Provincia?
O argumento dos nossos adversários nao prova nada; por-
que he tirado de circumstancies mui differentes.
Ao Brazil nada mais falta do que este arranjamento interno,
e uma boa administração das rendas publicas, para se pôr a
pár das outras grandes naçoens com quem deve hombrear.

Contracto do Tabaco em Portugal.


O Contracto se arrematou por fim a novos contractadores,
com o considerável augmento de 161:000.000 de reis. Dese.
jatnos ver este gênero de commercio alfandegado ; como todos
os mais; e nao por estanco ou monopólio. Porém do mal o me-
nos ; ja que ha monopólio, seja o lucro para o Erário Regio.
No N" seguinte, em seu lugar competente, daremos a necessa.
ria informação a este respeito.

Administração da Justiça em Portugal.


Achamos, na Gazeta de Lisboa, o seguinte annuncio, que
falia por si, sem precisar commentos. He o caso de um ho-
mem condemnado á morte, pelo supposto crime de alta-traição;
sem que houvesse corpo de delicto, identidade de pessoa, nem
se quer conhecimento do nome. Quando se requereo primei-
ramente á Regência, que remediasse taõ flagrante injustiça;
respondeo um de seus- Membros ; u que para nao fazer mais
bulha melhor éra deixar ficar a cousa assim.'' Agora, porém,
resolveram.se a mandar revogar a sentença. Os Deportados
da Septembrizaida clamam ainda pela mesma justificação; mas
suppómos que o tal Governador, ** deixa-os ficar como estaõ,
para naõ fazer mais bulha."
6
Miscellanea. 377

Quem duvidar, que o seguinte padrão de infâmia foi copiado


da Gazeta de Lisboa; se tirará da duvida examinado o N # .
205; de 29 de Agosto, 1816.
« José Pereira Pinto, Capitão que foi do Regime nto de Infan-
teria No. 11, tendo marchado para França em 1808, no Corpo
de Tropas Portuguezas, que o intruso governo fez partir para
aquelle Reyno, foi, por engano de pessoa, condemnado por
Sentença proferida no Juizo de Especial Commissaõ, por I n .
confidencia, aos 16 de Março, de 1811, na equivocada supposi-
çaõ de haver voltado á Península encorporado no Exercito
Francez de Massena : acaba elle de justificar plenamente a sua
innocencia, provando do modo o mais anthentico, que nunca
repassara os Pyrenéos; pelo que uma nova Sentença, profe.
rida-no mesmo Juizo aos 13 de Julho, deste presente anno de
1816, julga nulla a primeira pelo erro com que fora concebida,
procedido do appellido de Pereira, e declara ao mesmo José
Pereira Pinto innocente, e restituido ao seu credito, e reputa-
ção, ordenando junctamente que para ser taõ solemne e pu-
blica esta reparação, quanto o fôra a nodoa oceasionada pela
primeira Sentença, se faça publica pela imprensa a segunda
Sentença, qne o tem restituido á felicidade da estima publica.—
Sendo a conclusão da Sentença final (que o mesmo pretende
mandar imprimir, como ella lhe concede) a seguinte:— u E
como da Devassa, Summario, e mais Documentos acima indi-
cados, se nao prova que aquelle Pereira ou Pereirinha, que se
conceituou na Sentença embargada com o nome de José Pe.
reira Pinto, fosse o Embargante, ao que taõ somente servio de
fundamento a comparação daquelle appellido com o de que usa
o mesmo Embargante; e as averiguações, que pela Thesouraria
das Tropas das Provincias do Norte se fizeram, e naõ ultima-
ram, como acima fica demonstrado: ficam por isso mesmo, e
pelos Documentos, que o mesmo Embargante offerece em sua
defeza, desvanecidos os fundamentos, porque foi julgado Réo
de Alta Traição, e como tal condemnado á morte, e mais pe.
nas declaradas na Sentença, devendo, pela prova que delle re-
sulta, ser declarado innocente, e restituido ao seu credito e re-
putação, que se achava maculada uo publico, nao devendo
VOL. X V I I . N o . 100. 3 c
378 Miscellanea.
ficar por motivo algum em silencio a sua innocencia, denegriu».
nao só pela natureza do crime, e sua má fortuna, mas igual-
mente pi Ia Ley, da qual (porque he a sua única protectora en-
tre taõ grande mal) vem a resultar a necessidade legal de repa-
rar ao Embargante, a felicidade da estin.a publica, que tinha
perdido: reparação esta que deve ser tanto mais solemne
quanto publica foi a sua nodoa, e infâmia oceasionada pela
dieta Sentença. Por tanto e o mais dos autos, declaram o mes-
mo Embargante José Pereira Pinto, Capitão que foi do Regi*
mento de Infanteria N°. 1 1 , sem culpa, antes pelo contrario o
julgaÕ innocente, reformando para esse fim a Sentença embar-
gada, e declarando-a, em quanto ao mesmo Embargante, de
nenhum effeito, pelo erro com que foi concebida ; e mandam
que para que conste, se faça publica esta Sentença pelo meio da
imprensa para que chegue á noticia de todos a sua innocencia,
única reparação que julgam proporcionada á publicidade do
supposto crime, que se lhe imputou, e pague as custas ex
causa.
Como Regedor,
SALTER.
TEIXEIRA HOMEM.
ARAÚJO.
MIRANDA.
BACELAR.
DOUTOR PEDROZA.
SILVA.

ESTADOS U N I D O S .

A p . 266, publicamos os documentos relativos a prizaõ de


Mr. Meade, em Cadiz, exercitando aquelle sugeito as func-
çoens de Vice-cônsul dos Estados Unidos. Abaixo, no artigo
da Hespanha, daremos a nossa opinião a este respeito.
Mr. Pinkney, Embaixador destinado a S. Petersburgo, mas,
que foi primeiramente mandado a Napoies, para exigir daquelle
Governo a restituição de certas propriedades confiscadas, em
tempo que ali éra Rey M u r a t ; acha-se ainda em Nápoles,
Miscellanea. 379
apoiado com uma esquadra Americana de que he capitanea a
nâo Washington. El Rny de Nápoles deseja que se remetta a
questão á decisão das Potências Alliadas, que assignâram o
tractado de Vienna.
A immensa emigração, que da Europa se dirige aos Estados
Unidos tem assustado tanto os Governos Europeos, que se tem
tomado todas as medidas para a impedir, sem com tudo recor-
rer a uma prohibiçaõ formal; porque esta, além de sua difficil
execução, traz com sigo o desdouro de confessar, que existe em
todos paizes da Europa uma multidão de gente, que prefere o
expatriar-se por toda a vida, e ir residir aos Estados Unidos,
antes do que continuar a viver em sua pátria, com os actuaes
systemas de Governo.
Entre outros meios de desanimar estas emigraçóens para os
Estados Unidos, se tem adoptado a medida de publicar con-
stantemente noticias dos incommodos e misérias a que se sugei-
tam os emigrados, que chegam aos Estados Unidos.
Recentemente se publicou em Inglaterra uma obra, intitu-
lada " Guia de Emigrantes ;" em que se pinta a situação dos
Europeos, que chegam aos Estados Unidos, com as cores mais
deploráveis. He porém conhecido de todo o mundo, que muita
gente vai da Europa para os Estados Unidos, com a deliberada
intenção de se sugeitar ao captiveiro temporário, a que ali
chama Bond, para com este ajuste voluntário ter com que
pagar a passagem; e com pleno conhecimento desta circum-
stancia, assim como dos meios de vida, que se lhe facultam ao
depois; o que acham comparativamente superior á existência
que tinham em suas respectivas terras.
Como prova do augmento de população nos Estados Uni-
dos, damos aqui o resumo da população da cidade de Nova-
York, segundo o censo de 1816 feito no mez de Agosto.

Homens 51.878
Mulheres 48.741

Total 100.619

3c2
380 Miscellanea.
Excesso do anno passado 3.137
Estrangeiros 6.985
Negros, &c. livres 7.774
Dictos escravos 617
Em 1712 a população de Nova-York, que só tinha três
ruas, éra de 5.840 habitantes; em 1731 toda a provincia con-
tinha 43.058 brancos e 7 2 3 1 negros. Em 1756 a cidade con-
tinha somente duas casas de três andares, uma dás quaes estava
alugada por 40 libras por anno: em 1800 as casas na mesma
rua se alugavam por 200 a 600 libras por anno, em 1742, o
porto só tinha dous navios empregados no commercio de Lon-
dres, e ás vezes um para Bristol; e 1799 o total das exporta-
çoens desta cidade chegavam a 18:719.527 dollars; ou
3:785.560 libras esterlinas; e em 1774 (quando éra colônia
Ingleza) as exportaçoens da cidade eram de 531-000 libras es-
terlinas. Em 1756 Nova-York tinha um só livreiro ; uma es-
chola de latim, e nenhum collegio : em 1800 tinha mais de 30
livreiros, muitas escholas de latim e um Collegio, com o nome
de Universidade.

FRANÇA.

A p. 259, copiamos a ordenança d'El Rey de França; pela


qual elle dissolveo a Câmara dos Deputados, e mandou proce-
der á eleição de novos membros ; e a p. 262, copiamos a outra
ordenança, pela qual S. M. nomeia os presidentes, para o
collegios electoraes dos Departamentos.
Segundo esta ordenança de 5 de Septembro, os 86 departa-
mentos do Reyno elegerão 258 deputados. A população de
França, segundo os cálculos estatísticos mais modernos, chega
a 29:409.000 almas ; assim cadadeputado representará 114.000
indivíduos.
Explicaremos a importância destas ordenanças, pela grande
influencia que ellas podem ter na tranqüilidade interna da
França, e consequentemente no socego geral da Europa.
Quando El Rey de França, depois do seu segundo restabeli-
cimento, mandou convocar a Câmara dos Deputados, o partido
Miscellanea. 381
Ultra-Realista, que obra debaixo da influencia dos Príncipes
da Familia Real, alcançou nomear uma maioridade de Deputa-
dos, que eram da sua facçaõ, c accresccntar o seu numero alem
do que devia ser, segundo o espirito da Carta Constitucional.
Daqui se seguio, que nem El Rey nem seus Ministras pude-
ram levar adiante as medidas de conciliação, que se julgavam
necessárias, nem puderam obstar ao systema de reacçaÕ, de
que Fouche se queixa na sua carta ao Duque de Wellington,
que oeste N°. acabamos de publicar a p. 335. El Rey mudou
oi Ministros, mas nem com isso pôde melhorar a situação das
cousas, e o partido dos Príncipes, chamado Ultra.realista,
continuou a sua influencia; causando inquietação no interior,
e temores nas Potências Estrangeiras. Os Franceses agita-
vam-se, vendo, em todas as medidas publicas, passos para an-
uular as vendas da propriedade confiscada no tempo da revo-
lução. Os estrangeiros prognosticavam dahi nova rebelião em
França, que necessariamente provocaria a hostilidades mili-
tares.
Puzérara-se em jogo todas as intrigas políticas, e El Rey,
depois de prolongada hesitação, cousentio em dissolver a Ca-
mara do Deputados, e proceder a nova eleição, na esperança
de obter a escolha de outros membros, menos sujeitos á influ-
encia do partido dos Príncipes da Família Real.
As diversas facçoens da França representam esta medida
com oppostas cores. Os Ultra-realistas dizem, que El Rey se
vai tornar a metter nas maõs dos Revolucic.iistasseus inimigos;
que nisto teve parte a influenciada Rússia, a qual protege Car-
not, e outros homens conhecidaraente autimonarchicos; qae o
escrúpulo alegado, de que a forma da eleição passada, e nu.
mero de Deputados he contra a Charta Constitucional, naõ he
se naõ um pretexto ; porque bem violada tem sido essa Charta,
»a suppressaõ da liberdade da imprensa, na falta de responsa-
bilidade dos Ministros; nas ordenanças que El Rey tem feito
sobre matérias, que saõ além da execução das leys, o que uni.
camente lbe compete pelo artigo 14 da dieta Charta ; &c.
0 partido, chamado Constitucionalista, e qae obteve d*El
Rey o consentimento para a elciçaÕ de nova Câmara de Depu-
382 Miscellanea.
tados, alega ; que esta medida serve de tranqüilizar os espíritos
dentro da França, confirmando a idea de que El Rey sincera-
mente deseja manter a posse das propriedades publicas, adqui-
ridas e alienadas durante a Revolução, e no que se interessa
grandíssimo numero de proprietários de terras: que o artigo
importante desta ordenação, pelo qual El Rey declara, que
nenhum dos artigos da Charta Constitucional soffrerá revisaÕ,
tende a dar estabilidade á presente Constituição do Estado, e
permanência á forma de Governo, segurando assim os espiriteis
contra as ideas de novas e perigosas mudanças; que os antigos
membros da Câmara dos Deputados intentavam, com os maii
Ultra-realistas, voltar inteiramente ao antigo regimen, mudan-
do tudo quanto se tinha feito durante a revolução, e que taes
projectos submergeriam a França em Dovas revoluçoens; epor
fim, que as Potências estrangeiras naõ consentiriam em alterar
a Charta Constitucional, cuja conservação unicamente preve-
niria a necessidade de tornar a desembainhar a espada, e en-
trar em novas hostilidades, se na França se declarasse outra
vez o espirito de revolução.
Como querque seja o partido Constitucionalista obteve, com
esta ordenança, a mais completa victoria sobre os seus oppo-
nentes; o que se conhece mui claramente pela lista dos presi-
dentes dos Collegios Electoraes dos Departamentos. Nenhum
dos Príncipes foi nomeado; acham-se muitos nomes de pes-
soas, que figuraram conspicuameute na revolução; e se acha
nas graduaçoens dos indivíduos um, cuja graduação de diz ser,
Ex-membro da Assemblea Constituente ; o que he um reconhe-
cimento expresso dos procedimentos e formulas da Revolução.
E comtudo, a estabilidade deste systema depende inteira-
mente do êxito das novas eleiçoens - porque, no caso de naõ
ser a maioridade dos Deputados eleitos favorável ás vistas dos
Ministros, estes seraõ obrigados a largar os seus lugares, e en-
taõ deverão seguir-se todas as conseqüências, que se temiam da
continuação da Câmara passada.
Nada prova mais claramente a ascendência do partido do-
minante do que a persegniçaÕ contra o Visconde Chateau-
briand, um dos mais acerrimos defensores da Realeza, adhe-
Miscellanea. 383
rente d'El Rey Luiz X V I Í I . ; e decidido sectário da facçaõ
dos Príncipes; e, por conseqüência, um dos mais conspicuos
coripheos dos Ultra-reajistas. Eis-aqui a ordenação do mesmo
Rey contra este seu partidista.

Ordenança Real.
Luiz, &c.—Havendo o Visconde de Chateaubriand, em uma
obra, que imprimio, excitado duvidas, a respeito de nossa von-
tade pessoal, manifestada pela nossa ordenança de 5 do pre-
sente mez de Septembro, temos ordenado e ordenamos o se-
guinte :—
O Visconde de Chateaubriand cessará de ser, desde este dia
em diante, contado entre o nnmero dos nossos Ministros de
Estado.
Dada no nosso Castello das Thuillcrias, aos 20 de Septem-
bro, &c.
(Assignado) Loiz.
(Contrassignado) O DUQUE DE RICHELIEU.
Chateaubriand heum fanático pela Realeza; e talvez, como
acontece aos fanáticos em outras cousas, mistura muita hypo-
crisia, com o seu pretendido zelo pelas monarchias. Porém
seja como for, escreveo elle uma obra, institulada De Ia Mo-
narchie selon Ia Charte, em que duvidava da razaõ ou justiça,
com que El Rey tinha mandado dissolver a Câmara; e dizia
que tal naõ podia ser a vontade de S. M.
Chateaubriand tinha direito de fazer e escrever o que fez e
escreveo ; porque segundo essa tal Charte, todos podem escre-
ver o que quizerem, imprimir, e publicar, ficando somente su-
geitos ás conseqüências; isto he a serem accusados, processa,
dos, e julgados, se no escripto se achar alguma cousa contra as
leys.
Assim o riscar o nome de Chateaubriand da lista dos Minis-
tros d-Estado, como castigo do que elle escreveo a favor da
Realeza, he obrar contra a constituição, punindo o A. sem
que houvesse, como a Charta requer, accusaçaõ, processo, e
sentença.
0 declarar ser crime, na tal obra, a expressão de que a or.
384 Miscellanea.
denança d' El Rey, para dissolver as Câmaras, naõ he obra de
sua vontade, mas sim effeito dos Conselhos dos Ministros, he
outra violação dessa Charta; porque segundo ella fica estabe-
lecido, que os Ministros saõ responsáveis pelos actos do Mo-
narcha; logo pede a mesma Charta, e o decente modo de fallar,
segundo a phrase dessa Charta, que se imputem aos Ministros
e naõ a El Rey, todas as censuras, que se houverem de fazer,
contra algum acto do Governo. E no entanto he por estas
mesmas expressoens constitucionaes, que se castiga Chateau-
briand. Talvez estas inconsequencias persuadam ao fanático
Chateaubriand a nao ser tao Ultra-realista como he.
Daqui, pois, se vè, que a França continua a ser governada
por facçoens, como tem sido em todos os períodos de sua revo-
lução ; atê aqui tinham a ascendência os Ultra-realistas; agora
governam os Constitucionaüstas, ou, como lhe chamam os seus
adversários, os Revolucionistas.
Fouche, na sua carta ao Duque de Wellington, que acaba-
mos de pnblicar neste N ° , descreve a situação interna da
França em cores tam naturaes, que he impossível duvidar dos
factos que elle refere, e em que se funda para os planos que
propõem. Achamos também nesta carta, que os Relatórios
publicados em seu nome, e cuja authenticidade tanto disputa-
ram os do partido opposto, saS verdadeiramente de Fouche;
supposto que publicados com alguma inexactidaÕ, que o mesmo
Fouche se propõem emendar, publicando-os de novo com sua
correcçaÕ.
He impossível ler esta carta de Fouche, comparando-a com
os seus relatórios sobre o estado interno e externo da França,
sem ficar persuadido da instabilidade do actual Governo Fran-
cez ; e do espirito de desorganização, que reyna naquelle paiz;
assim como da inetücacia das medidas, que até aqui se tem
adoptado para o remediar.
O resentiiui nto dos emigrados, que se recolheram a França
com El Rey, naõ lhes permUtia acommodarem-se com o que
achavam estabelecido pela revolução ; e a sua falta de pene-
tração os persuadia, qqe poderiam fazer outra revolução a seu
Miscellanea. 385
favor, destruido o que tinha feito a revolução anterior, sem
que isso arriscasse a segurança e tranquillidade publica.
Fouche combate este erro; e naõ podemos deixar de sup-
pôr, que á impressão que fez a sua carta he devida a mudança
da Câmara dos Deputados, que os actues ministros intentam ;
mas he mui problemático o êxito que terá a decedida opposiçaõ
dos dous partidos, que mais meios tem para se disputar o poder.
Seja qual for o vencedor, sempre a França ficará sendo gover-
nada por uma facção, e esta solapada por outra; e sendo
para ambas o patriotismo consideração secundaria ao grande
e primário objecto de adquirir o poder do governo ou de o
conservar.
0 estado deplorável das finanças Francezas, he um grande
embaraço para o Governo actual; o qual tem feito todos os
esforços, para pagar, até aqui punctualmente, a contribuição
aos aluados, como se vê da seguinte noticia, que foi publicada
oficialmente no Moniteur.
" Os Commissarios das quatro Potências Alliadas, encarre-
gados de examinar a execução dos arranjamentos pecuniários,
entre ellas e a França, se ajunctáram com os Commissarios
Francezes, aos 7 do corrente, no Thesouro Real, a fim de pro-
ceder á verificação dos pagamentos, feitos na conformidade
destes arranjamentos.
" Por esta verificação se averiguou, que a Frauça tinha
pago o que devia, até os 31 de Julho, de 1816. E portanto,
que nao havia fundamento para reclamar delia sommas algu-
mas, das que eram devidas até aquella data; e que por isso
convinha, que se nao fizesse applicaçaõ alguma dos sette mi-
lhoens de annuidades, creadas como garantia destes pagamen-
09
; e que, portanto, ficassem as dietas annuidades intactas,
nas maõs dos depositários.
" Os pagamentos, depois dos 31 de Julho, tem continuado
diariamente com a mesma exactidaõ, e no fim de seis mezes se
fará segunda verificação, na conformidade da primeira: a fim
de authenticar até aquelle periodo o desempenho do thesouro.
A p. 334, Damos a sentença, que se proferio contra o Ab-
bade Vinson, pelo crime, que annunciamos no nosso N°. pas-
VOL. X V I I . N o . 100 3 D
386 Miscellanea.
sado. A sentença foi de uma brandura, igual ao grande pa-
trocínio do réo; mas ainda assim prova, que o Governo naõ
pôde absolutamente escusar-se de castigar o Abbade, para acal-
mar os sustos, que a obra de Mr. Vinson devia naturalmente
causar aos possuidores de bens nacionaes.

HESPANHA.
A prizaõ do Vice-cônsul Americano, que residia em Cadiz, tem
causado bastante sensação nos Estados Unidos. Este Vice-côn-
sul, Mr. Meads, havia feito contractos com o Governo Hespa-
nhol, durante o tempo das Cortes, e he credor ao dicto Governo
de 300.000 patacas. Fernando V I I . como éra de esperar de sua
justiça, naõ quiz pagar esta divida do Governo precedente;
posto que ella fosse incorrida para lhe restituir o throno ; o
cônsul foi obrigado a fazer publica esta falta de palavra no
Governo Hespanhol; porque essa publicidade éra o único
meio que tinha de se justificar para com seus credores. Fer-
nando V I L como se podia esperar de sua amável clemência,
mandou logo prender o Cônsul, em prisaõ rigorosa. He ne-
cessário confessar, que S. M. Catholica segue bem de perto o
código de seus vizinhos em Argel; e que portanto merece
iguaes louvores, e sem duvida obterá do Governo Americano
os mesmos agradecimentos que ha pouco se enviaram d'Ame-
rica, ás Potências de Barbaria.

Grande sensação tem feito na Inglaterra a noticia, de ter •


brigantim Inglez Lady-Warren, de que éra capitão Mr. Wil-
liams, e que vinha de Buenos-Ayres com uma carga de couros,
laã, &c. sido aprezado pelo corsário Hespanhol Feroz, e man-
dado como preza para Cadiz; aonde metteram em prizaõ in.
commnnicavel os passageiros Lezica, e JoaÕ Facund Salus,
donos da carga.
Nos naõ vemos por que este negocio deva causar nenhum
sussurro em Inglaterra; pois todo elle nos parece mui con-
forme aos principios adoptados pelo mesmo Governo Inglez.
—O Governo de Fernando VII. he legitissimo e pode por isso
Miscellanea. 387
fazer as injustiças que quizer,—os Colonistas Hespanhoes re-
beldes sem desculpa—a demais em guerra aberta com Hespanha
ninguém deve commercear com os portos inimigos, que se
suppoem por esse facto em bloquio—ergo.
Os Inglezes que commerceam em Buenos-Ayres—faltam ao
respeito ao Soberano legitimo daquelle paiz—negoceam com o
seus inimigos—e com portos que por isso se devem suppôr blo-
queados—ergo os vasos britânicos aprezados em tal negocio
devem ser considerados boa preza.
Mas ainda isto se naõ vereficou ; e o provável he, que o
Amabilissimo Fernando VII. mande restituir este vaso, se for
propriedade Ingleza; e que os Inglezes para obterem o seu
vazo deixem ficar na prizaõ os taes passageiros, que se diz se-
rem habitantes de Buenos-Ayres. Assim os Inglezes ganha-
rão, com a tal capitulação, ficar com a sua propriedade, e El
Rey de Hespanha ganhará ficar com os taes rebeldes, para se
vingar delles, como fez com os outros, que os Inglezes lhe en.
tregaram de Gibraltar.
Neste Mundo todas as maldades tem seu termo. O Podero-
síssimo Napoleaõ, está na gaiola de S ta . Hellena para exemplo.

COLÔNIAS HESPANHOLAS.

Uma carta de Cadiz annuncia a morte do General Miranda,


depois de uma prizaõ de perto de quatro annos, em directa
contravenção da capitulação, pela qual elle se havia rendido
ás forças Hespanholas. A vingança contra elle extendeo.se
até depois da morte, nao permittindo os frades que se lhe desse
decente sepultura, e queimando toda a roupa de sua cama e
vestuário. Talvez isto fosse para occultar os signaes de uma
morte que se poderia suspeitar violenta.

INGLATERRA.

Deixamos copiada a p. 355, carta official do Almirante Lord


Exmouth, em que elle participa o resultado da sua expedição
contra Argel.
3 D 2
388 Miscellanea.
Resume.se nisto : chegou a expedição a Argel no dia 26 de
Agosto ; e propôs o Almirante os seus termos de paz, que nao
fôram aceitos pelo Dey; no seguinte dia (27) bombardeou o
Almirante a cidade, e incendiou a esquadra Argelina; no outro
dia (28) submetteo-se o Dey a todas as condiçoens propostas.
Nada pode ser mais brilhante, mais decisivo, mais rápido.
O Almirante Hollandez, Van-Capellen, que obrou conjuncta-
mente com o Inglez, participou o mesmo a seu Governo; e
pela identidade das narrativas naõ julgamos necessário copiar
esta.
Se a parte militar da expedição nos parece summamente
gloriosa ás armas lnglezas, naõ nos podemos julgar igualmente
satisfeitos com a negociação, que se seguio á mais completa hu-
miliaçaõ do Dey e Governo d'Argel; porque nem vemos que o
Dey fosse obrigado a pagar as depezas de um armamento, que
só foi occasionado pela injustiça do Mouro; nem achamos
outra garantia de sua promessa, na abolição futura da escra-
vidão dos Christaõs, senaõ a sua palavra, ha tam pouco tempo
violada ; e a falta de meios, por algum tempo, em quanto naõ
puder restablecer a sua esquadra.
O Governo d'Argel tem um dos mais ricos thesouros que se
conhecem ; consta de moedas d'ouro dos melhores cunhos da
Europa; e principalmente de sequinos Venezianos. Aquelle
thesouro tem sido accumulado de tempos a tempos pelos resga-
tes de infelizes Christaõs, iunocentemente reduzidos á escravi-
dão por aquelles bárbaros. E t* porque, no momento de seu
abatimento, se devia conservarão Mouro tal thesouro, fructo de
suas piratarias, e meio de futuras offensas?
A Inglaterra tinha o direito de ser paga até o ultimo ceitil,
pelas despezas de seu armamento ; e além disso receber uma
indemnizaçaõ pela perda de sua gente ; em quanto isso he re-
paravel com pensoens ás viuvas; &c. e nao vemos porque se-
jam os Inglezes obrigados a pagar tributos, para os gastos
desta guerra, quando o Dey, que os occasionou, he assaz rico
para satisfazer esta divida.
Quanto á falta de garantia, para a observância das promessas
do Dey, talvez ainda isso appareça do tractado, que se naõ
Miscellanea. 389
publicará antes da convocação do Parlamento; mas do resumo
notificado á Esquadra por Lord Exmouth, nada consta de ga-
rantias; o que nos parece tanto mais notável, quanto o motivo
desta guerra foi haver o Dey quebrantadoas promessas, que ha-
via feito a este mesmo Lord Exmouth, cem dias antes deste
ataque.
A completa annihilaçaÕ do actual Governo de Argel he
tanto mais necessária á tranquillidade das Potências Christaãs,
e segurança da navegação do Mediterrâneo ; porque os Argeli-
nos eram os que guiavam a politica dos outros estados da Mou-
rama, Tunes, Tripoli, e Barca, no que respeita a escravi.
daõ, e piratarias contra os Christaõs ; porque Morrocos ha
muito que tem discontinuado a practica de ser pirata por
otficio.
A demais, a destruição do Governo d'Argel, e a tentativa
de mudar os custumes de seu povo fazendo-os passar, como
em Morrocos, de piratas a agricultores, naõ padecem difficul-
dades da parte dos povos; porque estes nao tem parte no Go-
verno, o qual he composto de uma facçaõ de estrangeiros ; isto
he de Turcos, que havendo-se originariamente introduzido ali
como officiaes do Gram Senhor, rebelaram-se quasi abertamente
contra elle ; fôram elegendo seus successores para o Governo,
e reforçando continuamente o seu poder, com recrutas da Tur-
quia ; que por interesse e systema trazem sempre oprimidos os
naturaes do paiz.
E com tudo, posto que se nao estabelecesse desta vez, sobre
bazes e garantias permanentes, a tranquillidade do Mediter-
râneo ; estas promessas do Dey d'Argel, e sua momentânea
fraqueza, podem dar lugar a pensar-se nos gabinetes ChriataÕs
algum plano combinado,que sedestineafazer duradoira a vanta-
gem da paz no Mediterrâneo, e a extincçaõ do bárbaro systema
da escravidão.

NÁPOLES.

Como os Estados Unidos da America mandaram a Napoies


o Embaixador, que vai em seu caminho para residir juncto á
390 Miscellanea.
corte de Rússia, fez-se publico, que o objecto daquella missaõ
a EI Rey das Duas Sicilias era o pedir indemnizaçoens por
certas propriedades Americanas, confiscadas em Napoies,
quando éra ali Rey Murat. Pelo que julgamos conveniente ex-
plicar aqui o fundamento desta disputa.
Em 1809 entrou no porto de Napoies uma escuna Ameri-
cana vinda de Baltimore, com uma carga de café. A escuna,
chamada Rait, e de que éra capitão F. Thomson, foi seqüestra-
da pelo Governo Napolitano; porém fazendo o Cônsul Ame-
ricano representaçoens sobre isto, foi a escuna e sua carga li-
bertada, e o cônsul recebeo do Ministro Napolitano a carta
que deixamos copiada, entre os documentos officiaes desto
N . a. p. 277.
Quando se soube desta carta nos Estados Unidos, apressáram-
se muitos negociantes em mandar navios a Napoies, aonde
foram obrigados a descarregar em terra ricas carregaçoens,
pretextando o Governo para isso, a formalidade da quarentena.
Quando o numero de vazos, que tinham assim descarregado,
chegou a trinta, o Governo, pretendeo haver recebido uma or-
dem, de Napoleaõ e mandou vender as cargas em leilão; e os vasos,
com algumas excepçoens, fôram também vendidos, e os que se
naõ venderam foram armados em guerra para o serviço do
Governo. Por exemplo a escuna Rait, que está ainda consti-
tuindo parte da marinha de Napoies.
A somma, resultante destas confiscaçoens e vendas, chega a 4
or 5 milhoens de ducados Napolitanos, e foi principalmente
applicada áinfructuosa expedição contra Sicilia.
Fundado nestes factos pede o Governo dos Estados Unidos,
que o actual Rey de Napoies o indemnize, pela injustiça, que
obrou com aquellas tomadias, o Rey queentaÕ éra de Napoies
Murat.
Parece-nos, que toda a naçaÕ he responsável ás outras, pelos
actos de seu Governo. A mudança de Governo, em qualquer
naçaõ, he um acto de arranjamento doméstico, que nada deve
influir sobre as obrigaçoens contrahidas com as Potências
Estrangeiras; de outro modo, quando uma nacaÕ quizesse
livrar.se dos ajustes, que tivesse contrahido com outras Poten-
Miscellanea. 391
cias, naõ tinha mais que mudar o seu Governo, podendo este
alegar, que naõ éra obrigado a pagar as dividas do seu ante-
cessor- Ja se sabe, que, neste caso, naõ pôde entrar a questão
se o Governo que contrahio a obrigação, on aquelle de quem
se exige a satisfacçaõ, he legitimo ou nao, nem se o he de
facto, se de direito: as naçoens estrangeiras naõ podem ser
juizes nesta matéria.
E comtudo ; lá nos parece um pouco árduo, que o Governo
Americano tivesse demorado por tanto tempo o pedir esta di-
vida, até que o Governo de Napoies passou para outras
maõs!
Também nos parece digno de reparo, que o embaixador dos
Estados Unidos, nomeado para ir a S. Peterburgo, fosse o que
se apresentasse em Napoies, para pedir esta divida velha. Com
effeito he um pouco torcido o caminho de Washington para S.
Petersburgo tendo de passar por Napoies. Os Americanos de
certo conhecem caminho mais curto !!
Como quer que seja, o Marquez de Circello Ministro
dos Negócios Estrangeiros, apresentou uma Nota aos Ministros
Estrangeiros, sobre as pretençoens dos Americanos, que pa-
rece serem fundadas no artigo 72 do Acto do Congresso de
Vienna; mas a isto responde o Governo Napolitano, que
aquelle artigo (veja-se o Corr. Braz. Vol, X V . p. 165.) so-
mente estipula pelo que respeita os Paizes Baixos, e que se naõ
pode por analogia applicar aos Soberanos Legitimos, que fô-
ram estabelecidos. Os differentes Ministros, que receberam a
Nota, naõ deram a ella resposta; mas remetteram-a a suas
respectivas Cortes. Dizem que Mr. Pinkney pede decidida-
mente a cessão de um porto, e o rumor designava, entre ou-
tros, o de Siracusa. A linguagem geral na Europa he, que,
havendo o Acto do Congresso de Vienna emanado da unanime
vontade dos Soberanos, nao pode sem o seu consentimento ser
alterado, e que todos elles se opporaõ ás pretençoens dos Es-
tados Unidos, em uma causa, que deve ser olhada como a causa
da Europa.
392 Miscellanea.
PAIZES BAIXOS UNIDOS.

Os Bispos de Gand, Tournay c Namur aprezentáram a El


Rey um breve do Papa, datado do I o . dè Maio deste anno.
Pediram ao mesmo tempo a S. M. que fizesse tudo quanto es-
tivesse em seu poder, para reconciliar os deveres de seus sub*
ditos Catholicos, a respeito do juramento que a Constituição
requer, e que as suas cerimonias lhes impõem, com o que elles
devem a S. M. Accrescentáram a isto, que éra injustamente
que elles tinham sido representados como perturbadores da
tranquillidade publica; c que, pelo contrario, elles aada mais
desejavam de coraçaÕ, do que a manutenção da paz, tranquil-
lidade, e concórdia; e portanto cem alegria, e conforme as
vistas do povo, rogavam encarecidamente a S. M. que aceitasse
as medidas, que lhe propunha Sua Sanctidade.
El Rey enviou uma mensagem ás Câmaras dos Estados, com
um projecto de ley, para reprimira licenciosidade da imprensa,
no que respeita os Soberanos Estrangeiros. O motivo disto
he, que os Francezes desaffectos a El Rey Luiz X V I I I ; uns
porque o nao acham assas Realista, outros porque o suppoem
demasiado Realista, valem-sc da imprensa nos Países? Baixes
para publicarem as suas opinioens, que eram obrigados a sup-
primir em França.
El Rey dos Paizes Baixos observa mui galantemente nesta
mensagem.
" Que a Constituição faz a todas as pessoas'responsáveis
pelo que publicarem; e que os limites desta responsabilidade se
acham no código penal.—Que muitas pessoas tem julgado, que
os regulamentos a este respeito nem eram assas precisos nem suf-
ficientemente completos para proteger, contra a insolencia das
pessoas mal intencionadas, o Governo de um paiz, aonde a cen-
sura dos livros, as prizoens arbitrarias, e outras restricçoens
saõ e devem ser permittidas.—Que em quanto a probidade e
a moderação fossem os traços characteristicos do character na-
cional, naõ podia haver razaõ para temer as conseqüências do
conflicto entre a verdade e o erro; e que S. M. naõ achava
razaõ para se restringir a expressão das opinioens sobre o
7
Miscellanea. 393
Governo interno, ou para que se fizesse alteração alguma nas
leys a este respeito Porém que o caso éra mui differente a
respeito dos insultos, por meio da imprensa, a Governos e So-
beranos vizinhos com quem S. M. estava unido em amizade.
Que este abuso tinha crescido a grande ponto dentro em pou-
cos mezes ; e que as muitas queixas, que se tinham feito, mos-
travam, que éra tempo ja de pôr termo a isto. Que S. M. por-
tanto propunha a seguinte ley:—
*' Todos aquelles que nas suas publicaçoens insultarem o
character pessoal dos Soberanos e Príncipes Estrangeiros, re-
conhecidos por S. M. e em termos d'amizadc com elle ; ou que
duvidarem da legitimidade de seus Governos, ou fizerem odiosos
os actos de seus Governos, seraõ castigados, pela primeira vez
com a muleta de 500 florins; ou, na falta de pagamento, com
seis mezes de prizaõ': e pela segunda vez, com prizaõ de um até
três annos."
2. '' Os impressores, &c. seraõ sugeitos ás mesmas penas, a
menos que nao descubram o author, de maneira que elle possa
ser convicto e punido. Os impressores perderão, além disso,
a sua licença pela primeira vez por três mezes, e pela segunda
por seis annos, com a confiscaçaõ de todos os exemplares da
obra prohibida."
3. " Naõ servirá de desculpa, o terem os artigos, que formam
o delicto, serem copiados extrahidos ou traduzidos de outras
obras ou papeis."

WÜRTEMBEnG.
Publicamos a p. 278 uma declaração official, que he como
manifesto d'El Rey, para se justificar com seus subdictos, e com
as potências estrangeiras, sobre as disputas, que tem tido com
os Estados.
Mas aceresse agora outro motivo de discórdia, entre El Rey
eos Estados, e vem a ser, a prizaõ arbitraria de um rico ne-
gociante chamado Seyfford. Os Estados tomaram este caso
com grande calor ; dizem que aquelle procedimento he contra-
rio á forma das leys, e requerem que o negocio seja remettido
aos juizes ordinários.
VOL. XVII. No. 100. 2E
394 Miscellanea.

José Agostinho ; e o seu Espectador.


Recebemos os N ° \ 1, e 2°. do segundo semestre desta folha,
que se imprime em Lisboa, uma vez por semana; e ha muito
tempo, que nao lemos cousa, que nos excitasse tal rizada, como
esta producçaõ de Jozé Agostinho, que he verdadeiramente o
melhor catnrra literário que temos visto. Na classe dos es-
criptores he exactamente o mesmo que o pantalaÕ, arremedan-
do o bailarino, que dança na corda: o chorrilho de disparates,
a niixturia de objectos, o Ímpeto das cxpressoeus, tudo imita a
verbosidade de alguns loucos, cujo desarranjo do cérebro se
mostra em sua loquacidade desvairada; e que quando practi-
cam violências, e mixturam cousas de religião nas suas fallas,
se lhe chama muitas vezes energúmenos; na supposiçaõ de que
he o diabo, quem falia por elles.
Se considerássemos unicamente o tal energúmeno Padre, e o
seu folheto; contentar-nos-hiamos com o momento de rizo, e
de divertimento que nós causou a sua leitura, mas a parte que
nisto tem o Governo de Lisboa, faz-nos olhar para esta cho-
carrice impressa por uma face de maior seriedade, no que re-
speita o dicto Governo. E por isso explicaremos a historia
de uma controverria em que Jozé Agostinho he patrocinado
pelo Governo.
Metteo-se-lhe em cabeça escrever um poema, que institulou
o Oriente, e tomou por assumpto o mesmo objecto de Camoens.
Bastava esta temeridade para characterizar a loucura do A ; e
a leitura de vinte ou quarenta destes versos obram como prohi-
biçaõ efficaz para se ler o resto. E com tudo houve em Lis-
boa, quem tivesse a paciência de o l ê r ; e o máo gosto de jul-
gar, que valia a pena de lhe fazer uma analize, c apontar algun*
de seus despropósitos.
Até aqui, nada ha de máo. Jozé Agostinho tem o direito
de delirar que he poeta, e publicar aquillo, que só elle chama
um poema; e o critico tinha também direito de empregar a
suas horas vagas em se divertir com analizar os disparates do
louco.
Mas o que julgamos digno de severa observação hc que o Go-
7
Miscellanea. 395
verno de Lisboa, permitta a Jozé Agostinho vingar-se do seu
critico, escrevendo e imprimindo contra elle quantas injurias
lhe parece ; e negar constantemente a licença de imprir, quando
o rival de Jozé Agostinho lhe intenta responder.
Esta parcialidade do Governo, supposto que seja á cerca de
um objecto taõ ridículo, he mui reprehensivel; e só a podemos
explicar pelo interesse que acham os membros mais fanáticos do
Governo, cm empregar o Jozé Agostinho, para que escreva
contra os Framaçoens.
A protecçaõ, assim conferida a este ex-frade, he tanto mais
escandalosa; quanto elle he sujeito de taõ má índole, que pou-
cas pessoas haverá em Lisboa, de reputação mais denegrida.
Expulso do convento de que éra frade, por crimes da mai9
baixa natureza; má lingua por officio ; delator por interesse ;
hypocrita por systema ; he um montaõ de vicios, que todo o
homem honrado se deve envergonhar, de que elle seja visto em
sua salla de espera, nem ainda entre seus criados.
0 Governo de Lisboa naõ pôde ter escusa, em conceder a
este homem permissão de insultar o seu critico, impedindo que
este lhe responda. A matéria da controvérsia he sobre uma
producçaõ de Jozé Agostinho, que elle assevera quesaÕ versos,
e versos muito bons, o outro diz o contrario : nao na nisto nem
a disculpa de que saõ escriptos políticos, ou religiosos ; para
o Governo impedir que se responda ás injurias de Jozé Agos-
tinho.
Esta parcialidade a favor de Jozé Agostinho, ja o Governo
mostrou, quando aquelle energúmeno escreveo alguns versos,
que intitulou, o Poema dos Burros: nesta obra atacou muitas
pessoas, e entre outras os Ministros do Rio de-Janeiro, Mar-
quez d'Aguiar e Conde da Barca. Tirou.se disto uma devassa
pela Policia, e sahio pronunciado o Ex-frade, até porque se
achou o manuscripto em sua própria letra; c com tudo, aba.
fou-se o negocio, sem que possamos descubrir outra causa, senaõ
escrever elle contra os Framaçoens, em auxilio da Gazeta da
Lisboa, que he o papel official do Governo.
Nesta Gazeta se procuram as oceasioeus todas de fallar con-
tra os Pedreiros Livres, ainda sem que isso venha a propósito,
396 Miscellanea.
nem que se proponha algum artigo a este respeito. Por exemplo.
Annunciou o gazeteiro, que tinham fugido de Malta dous ge.
neraes Francezes, que ali se achavam retidos; e daqui saio com
a precária conjectura, que naturalmente áe tinham escapado por
auxilio diís Pedreiros Livres ; e atira o Governo de Lisboa com
esta conjectura ao Mundo cm sua Gazeta official, sem se
lembrar, ou talvez sem saber, que o Governador de Malta hc
framaçaÕ; e que o seu Magistrado Assessor nao só he
framaçaõ, mas Gram Mestre Provincial das Loges nas ilhas
Ionias, como consta dos Almanacs impressos, e que por isso
só quem he ignorante porque o quer ser, pode deixar de saber
c verificar estes factos. Estes dous sugeitos, pois, gozando da
mais pura reputação em sua naçaÕ, e para com seu Governo,
sao assim involvidos na accusaçaõ da Gazeta official de Lisboa,
que os Framaçoens favoreceram a fugida daquelles Francezes
de Malta.
Estas inepcias dietas pelo energúmeno do Jozé Agostinho,
nao tem pezo, e só provocam o riso das pessoas sensatas ; po.
rém o Governo de Lisboa deve seguramente ser mais melindroso
de sua reputação, do que proteger a publicação de taes insinua,
çoens sem fundamento, que involvem o character de pessoas
respeitáveis; principalmente quando isto apparece nasua Gazeta
Official.
CORREIO BRAZILIENSE
DE OUTUBRO, 1816.

Na quarta parte nova os campos ara,


E te mais mundo houvera Ia chegara.
CAMOENS, C. VII. C 14.

POLÍTICA.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Nota do Encarregado dos Negócios de Portugal em


Paris dirigida ao Duque de Richelieu, Ministro Secre-
tario aVEstado dos Negócios Estrangeiros.
\J ABAIXO assignado .Encarregado dos Negócios de
S.A.R. o Principe Regente de Portugal, do Brazil, e dos Al-
garves tem a honra d:: transmittir a S. Ex*. o Seiír. Duque
(ta Richelieu, Ministro Secretario de Estado dos Negócios
Estrangeiros, um Exemplar da Ley Pragmática, pela
qual o seu Augusto Amo houve por bem elevar seus Es-
tados do Brazil á preeminencia de Reyno, e constituir em
um só Corpo politico seus Estados da Europa e da Ame-
rica, debaixo do titulo de Reyno-Unido de Portugal, do
Brazil, e dos Algarves.
Esle Acto, que combina todos os interesses da Monar-
chia Portugueza, e a consolida para sempre, Foi previsto
por todas as Poteneias da Europa no Congresso de Vien-
VOL. X V I I . No. 101. 3 P
898 Política.
na, e o seu voto geral acaba de sersolemnemcnte realizado
pela sobredicta Ley Fundamental.
O abaixo assignado recebeo ordem nao somente para
communicar ao Governo Francez um acontecimento taõ
fausto para a tranquillidade dos dous Mundos, mas tam-
bém para representállo como o mais vantajoso a estreitar
os vinculos de amiz-ide e boa intelligencia cmre ambas as
Coroas, e a dilatar as relações commerciaes dos dous
paizes.
A alta sabedoria de El Rey Christianissimo reconhecerá
sem duvida os saudáveis effeitos desta sancçaõ de S.A.R.
o Principe Regente de Portugal, do Brazil, e dos Algar-
ves, pelo que respeita á tranqüilidade e prosperidade da
America, e á vantagem do commercio Europeo nos Esta-
dos Portuguezes reunidos em um só Reyno.
O abaixo assignado tanto se felicita por ter de annun-
ciar este successo a S. Exc*. o Duque de Richelieu, quan-
to se lisongêa na esperança de que elle merecerá nova-
mente o applauso de S. M. Christianissima, e augmentará
a estima e confiança reciproca dos dous Augustos Sobe-
ranos.
O abaixo assignado aproveita esta occasiaõ de reiterar
ao Senhor Duque de Richelieu os protestos da sua alta
consideração. Paris, 26 de Fevereiro, de 1816.
(Assignado) O Cavalheiro BRITO.
A Sua Excellencia o Duque de Richelieu.

Resposta.
El Rey soube com satisfacçaõ da sabia medida, que tomou
S; A. R. o Principe Regente de Portugal, de constituir
seus Estados em Reyno Unido de Portugal, e do Brazil, e
Algarves.
S. M. tem os mais vivos desejos de que uma resolução
taõ própria para mais ligar entre si todas as partes da-
quella Monarchia haja de surtir todo o seu effeito ; e con-
Politica. 8Í>9
sidera este arbitrio de S. A. R. como um novo testemunho
da previdência e judiciosa politica do seu Governo ; co-
mo d.mdo uma mais alta e justa idéa da importância e
extens õ do seu Reyno, e como prestando a cada um dos
Estados, que o compõe, a garantia do interesse igual, que
S.A. R. toma na prosperidade de todos os Seus Vassallos.
Esta declaração das vistas e amigáveis disposições de
S. M. serve de resposta á Nota, que ao abaixo assignado
Ministro Secretario de Estado dos Negócios Estrangeiros
dirigio em data de 26 do corrente o Senhor Cavalheiro
Brito, Encarregado dos Negócios de S. A. R. o Principe
Regente do Reyno Unido de Portugal, do Brazil, e Al-
garves, a quem tem a honra de renovar as asseverações da
sua distineta consideração.—Parts, 29 de Fevereiro, 1816.
(Assignado.) RICHELIEU.
Ao Senhor Cavalheiro Brito, Encarregado dos Ne-
gócios do Reyno Unido de Portugal, do Brazil, dos Al-
garves.

Nota do Enviado de Portugal em Londres a Lord Cas-


tlereagh, Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O abaixo assignado Ministro Plenipotenciario de S. A.
R. o Principe Regente do Reyno Unido de Portugal, do
Hraz.il, c Algarves, havendo recebido agora mesmo um
despacho, de sua corte em data de 23 de Dezembro passa-
do, tem a honra de parücipállo, como se lhe ordena, a S.
Exc». my Lord Visconde Castlereagh, Principal Secreta-
rio d'Estado na Repartição dos Negócios Estrangeiros : e
se persuade que naõ poderá mais exactamente cumprir as
ordens do Principe Regente seu amo, doque transmittindo
a S. Exc 1 . uma copia e traducçaõ fiel do mesmo despacho,
juntamente com a ley, pela qual o Brazil foi declarado
Reyno unido ao de Portugal e dos Algarves.
S. A. R. o Principe Regente do Reyno Unido de Por-
3 F 2
400 Politica.
tugal, Brazil, e Algarves está intimamente persuadido, de
que S. A. R. o Principe Regente do Reyno Unido da
Grã Bretanha e Irlanda verá que esta Real resolução con-
solida a monarchia Portugueza em utilidade reciproca da
aliiança, que felizmente subsiste entre ambas as coroas.
O abaixo assignado roga a S. E x \ my Lord Castle-
reagh de aceitar os protestos da sua mais alta considera-
ção.
(Assignado) CVPRIANO RIBEIRO FREIRE.
A. S. Exc*. My Lord Castlereagb.
Londres, 16 de Fevereiro, de 1816.

Resposta.

O abaixo assignado, Principal Secretario d'Estado de


Sua Magestade na repartição dos Negócios Estrangeiros,
tem a honra de aceusar a recepção da nota de M'. Freire
de 16 do corrente, transmittindo-lhe por ordem de seu
governo a copia de um despacho que tinha recebido, e
acompanhava uma ley, pela qual S. A. R. o Principe Re-
gente de Portugal foi servido crear os seus dominios do
Brazil em Reyno, e unillo ao de Portugal, debaixo do
titulo ou denominação de—Reyno Unido de Portugal,
Brazil, e Algarves.
O abaixo assignado poz esta communicaçaõ na presença
de S. A. R. o Principe Regente, e recebeo ordens de S.
A. R. para rogar ao Senhor Cypriano Ribeiro Freire, de
aproveitar a primeira opportuuidade de levar ao conheci-
mento do Principe Regente de Portugal, as congratulações
de sua Alteza Real sobre este acontecimento, o de repetir
as seguranças de satisfação, que sente sua Alteza Real em
um arranjamento, que parece ao Principe Regente de Por-
tugal calculado a promover a prosperidade e felicidade do
Reyno Unido de Portugal, Brazil, e Algarves.
O abaixo assignado roga ao Senhor Cypriano Ribeiro
6
Politica. 401
Freire, de aceitar as seguranças da sua distincta con-
sideração.-—Secretaria d'Estado dos Negócios Estran-
geiros, 20 de Fevereiro, de 1816.
(Assignado) CASTLEREAGII.
Senhor Cypriano Ribeiro Freire.

Officio do Cap. General de Pernambuco agradecendo


ao P. R. a denominação de Reyno do Brazil.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.—No dia 30 de
Março chegou a este porfo a Sumaca Estrclla, pela qual
recebi o aviso Regio, que' V. E. me expedio em 29 de
Dezembro do anno passado, com a Carta de Ley de 16 do
mesmo mez e anne, monumento eterno do amor de-S. A. R.
pira com os seus vasallos, e da sabedoria, que preside
nos seus Conselhos.
A illuminaçaõ desta Villa, e Cidade de Olinda ; sal-
va» de Artilheria, Fortalezas, e Embarcações embandei-
radas, saõ as demonstrações, que estamos dando do nosso
prazer, e contentamento ; c no terceiro dia havemos de
render a Deos as devidas graças ; e pedir-lhe,quc abençoe
c faça indissolúvel a Uniaõ dos Ires Reynos, e que elles
sejam longos annos governados por um Soberano taõ Sábio
c Justo.
Os meus votos, como bom patriota, e como encarregado
da felicidade dos habitantes de Pernambuco, saõ votos de
antigo Portuguez, e os mesmos, que faria o descobridor
do Brazil, se hoje vivesse ; mas naõ podendo irconsagral-
os aos Reaes Pés de S.A. II., com o mais profundo res-
peito e acatamento peço a V E. queira beijar por mim, e
pelos fieis Pernambucanos, a Real Maõ do Mesmo Augusto
Senhor por taõ alto beneficio.
Deos Guarde a V E. muitos annos.—Recife de Per-
nambuco, em 2 do Abril, de 1816.
CAETANO P I N T O DE M I R A N D A MONTE-NEGRO.
illustrissimo e Excellentissima» Senhor Marquez de Aguiar.
402 Politica.
Havendo o Senado da Câmara da Cidade da Bahia en-
viado dous dos seus actuaes Veriadorcs, Manoel José de
Araújo Borges, e Pedro Bettamio, para vire.n aos pés do
Throno render os seus (nuncasobejos) agradecimentos, pela
Munificencia sem par, com que S. M. exaltou o Brazil ao
predicamcnto de Reyno : O Mesmo Senhor dignou-se
aprazar o dia 0 do corrente para dar audiência aos referi-
dos Veriadores ; o primeiro dos quaes se expressou na Au-
gusta presença de S. M. da maneira seguinte :
Senhor.—O Senado da Câmara da Bahia, por si, e cm
nome dos habitantes daquella Cidade nos envia aos Au-
gustos Pés de V. M., para que penetrados do maior acata-
mento, e da mais viva gratidão, tenhamos a honra de beijar
a Munificente Maõ, que elevou o Brazil á preeminencia
de Reyno.
O Sublime Throno de V. M. está solidamente firmado
nos corações agradecidos daquelles fieis vassallos : e elles
pedem ao Ceo, que conserve a preciosa vida de V. M,,
em quanto durar o çeu profundo reconhecimento (que será
eterno^ por taõ altas c generosas Mercês.
Permitta-nos V. M. que ponhamos aos Regios Pés o
Officio do Senado.
E. S. M., com benignidade verdadeiramente paternal,
lhes tornou " Acceito e aprecio muito as demostrações de
agradecimento e de fidelidade de taõ fieis vessallos."

Officio do Senado da Bahia.


Senhor—Na gloriosa regeneração, que V. A. R. pelo
beneficentíssimo Diploma de 16 de Dezembro, de 1815)
houve por bem fazer do Brazil; a Bahia, Senhor, muito
singularmente por suas felices circunstancias assás reco-
nhece os preciosos fructos, e incomparaveis vantagens,
que V. A. R. com a sua paternal MaÕ taõ benignamente
lhe reparte.
Por isso o Senado da Câmara desta Cidade da Babia,
Politica. 403
assim qne recebeo taõ feliz noticia, immediatamente correo
ao Templo, e deo Graças ao Altíssimo na solemne func-
çaó, que a esse fim com toda a pompa, e possivel magni-
ficência fez celebrar.
E para levar aos pés do throno de V. A. R., os puros
votos do mais eterno reconhecimento por uma taõ singular
graça ; o Senado da Câmara nomeou logo dous dos seus
octuaes Vereadores Manoel José de Araújo Borges e Pedro
Bettamio,osquaes,deputados em nome do senado e do povo
da Bahia, possam ter a fortuna de beijara Paternal Sagrada
Maõ de V. A. R. pela devida felicidade, e taõ alta preemi-
nencia, a que V. A. R. se dignou elevar estes seus vastos
Dominios da America, com taõ assignalado Diploma.
Rogamos pois aos Ceos, que taõ liberalissimo Principe
nos deram, o immortalizem e nos concedam a conservação
da Preciosa Vida de V. A. R. e de toda a Real Familia
por longos séculos. Bahia em Câmara aos 15 de Março,
de 1816— e eu Manoel Ezequiel de Almeida a escrevi no
impedimento do Escrivão do Senado.—Presidente—Anto-
nio Jourdan.—Vereadores—Manoel José de Araújo Bor-
ges, Manoel José Freire de Carvalho, e Pedro Bettamio.
—Procurador—Thomé Affonso de Moura.

Falia do Enviado da Câmara da Cidade de S. Paulo


a Sua Majestade El Rey Nosso Senhor.
Senhor.—Enviados pela Câmara da Cidade de S. Pau-
lo, nós temos a honra de fazer presentes á Augusta Pessoa
de Vossa Majestade os sentimentos de amor, e de reco-
nhecimento, de que se acham penetrados os habitantes da-
quella Cidade, pela deliberação, que Vossa Majestade
acaba de tomar, elevando á dignidade e preeminencia de
Reyno este Estado do Brazil. A Carta de Ley, de 16 de
Dezembro, de 1815, constitue uma das épocas mais glo-
riosas da felicíssima Regência de Vossa Majestade. Tes-
temunhas oculares, nós ousamos affirmar a Vossa Majes-
404 Política.
tade que os habitantes da Cidade de S. Paulo tem unani-
memente reconhecido a importância do beneficio, que
acabam de receber, e fieis imitadores de seus antepassados,
que serviram aos Augustos Predecessores de Vossa Majes-
tade, com valor e lealdade em oceasiões rnui assignaladas
na historia do Brazil; elles emprrgaraÕ todas as snas
forças para se mostrarem sempre os mais fieis vassalhos de
Vossa Majestade, e assim se faraõ dignos da honra, cpre-
eminencia, a que vem de ser elevada a sua pátria.
Resposta de Sua Majestade.
Fazei vêr nos povos de S. Paulo qne Eu lhes agradeço
muito, e reconheço a sua lealdade, e o muito bem que
me servem.

Senhor.—A Câmara da Cidade de S. Paulo em seu


nome, e como Representante dos habitantes da mesmi Ci-
dade, ousa dirigir a V . A. R. pelo meio, que lhe he pos-
sivel, as mais firmes protestações de respeito, de amor, e
de reconhecimento, motivadas naõ só pelos innumeraveis
benefícios, que V. A. 1.1. tem derramado sobre esta ventu.
rosa Capitania, mas uiuifo especialmente por aquelle, com
que acaba de remataj* a Gloria, e a Ventura deste Estado
do Brazil, elevando -o á Dignidade, e Cathegoria de Reyno
Unido ao de Portugal e Algarves. A Carta de Ley, de
16 de Dezembro, de 1815, que constituc o acto desta me-
morável uniaõ, fará uma das épocas mais brilhantes nos
fastos do Brazil, 'assim como he um monumento eterno da
Grandeza e d a (iloria, que acompanham as Acçóes todas
d e V . A . R.
Quando poi« a voz geral do Povo do Brazil tem feito
soar as mais sinceras e affectuosas expressões do seu reco-
nhecimento, naõ he justo fiquem em silencio os habitantes
desta Cidad e.
Gratos á Providencia Divina, e fieis aos seus deveres,
elles come çarara já a manifestar espontaneamente o seu
Politica. 405
jubib; porém cumprindo-lhes dirigir ao Ceo fervorozas
suppiicas pela conservação da preciosa vida de V. A. R.,
da qual depende essencialmente a Felicidade Publica,
esta Câmara implora de V. A. R. a Graça de poder so-
lemniznr o Anniversario de um taõ assignalado beneficio,
com uma festividade celebrada na Cathederal daquella
mesma Cidade.
Assim se irá transmiti!ndo de geração em geração á
mais remota idade, naõ BÓ a Memória de um Príncipe
Justo e Grande, que tem feito as delicias do seu Povo,
como também este testemunho aathentioo da nossa gra-
tidai.
Deos guarde e prospere a Augusta Pessoa de V. A. R.
por felices e dilatados annos, como haõ mister os seus fieis
Vasallos. S. Paulo, em Câmara de 21 Fevereiro, de 1816.
—Joaõ Gomes de Campos, Joaõ Lopes França, Joaõ
Gonçalves de Oliveira, Antonio Cardozo Nogueira, An-
tonio José de Brito.

Tendo a Câmara da Cidade Marianna enviado a esta


Corte o Coronel Fernando Luiz Machado de Magalhães
da Governança da mesma Cidade para ter a honra de bei-
jar a Benéfica Maõ de Sua Majestade em seu nome e de
todos os habitantes da dieta Cidade pelo grande e impor-
tantíssimo Beneficio, que o mesmo Augusto Senhor houve
por bem conferir-lhe, elevando o Brazil á dignidade de
Reyno Unido ao de Portugal e dos Algarves; Su^i Majes-
tade se dignou assignar o dia 17 de Abril para dar audi-
ência a este Deuputado ; o qual, tendo a honra d*e ser ad-
mittido a cila, dirigio a Sua Majestade a seguinte falia :
" Senhor.—Como Deputado da Câmara da Leal Ci-
Qade Marianna, e em nome da JNobreza e Povo da mesma
Cidade e seu termo, tenho a honra de pôr na Augusta
Presença de Vossa Majestade os nossos fieis sentimentos
VOL. XVII. N o . 101. 3 G
406 Politica.
de gTatidaõ e de reconhecimento pela especial Mercê, que
Vossa Majestade se dignou fazer aos seus fieis Vassallos,
elevando o Brazil á dignidade de Reyno Unido ao de Por-
tugal e Algarves : Mercê esta, que será sempre indelével
nos nossos corações e de todos os Brazileiros, naõ só pelos
grandes bens e prosperidades, que delia nos resultaõ, mas
também por ser ella um effeito de Paternal Desvelo; com
que Vossa Majestade se digna promover a nossa felici-
dade.
«< Aceite V. M. estes ingênuos sentimentos do nosso amor
• gratidão, que era nome de todos humildemente apresento
a V. M . , regando a Deos que para felicidade nossa e de
toda a NaçaÕ dilate o felicíssimo Reynado de V. M. por
muitos e mui longos annos."
S. M. se dignou benignamente responder.—" Estou
bem persuadido dos sentimentos de lealdade e gratidão
dos Meus Povos da Cidade Marianna, que muito aprecio."

Officio da Câmara.
Senhor.—Aos Pés de V. A. R. prostrados o Juiz Presi-
dente, Vereadores e Procurador da Câmara da Leal Ci-
dade Marianna, cheios do maior respeito e acatamento, elles
por si,e em nome daNobreza e Povo da mesma Cidade e seu
Termo, depois de tributarem os mais sinceros puros votos de
obediência, fidelidade e amor á Augusta Pessoa de V. A.R.
em reconhecimento do Paternal Decreto, e da incompara-
vel Beneficência, com que V A . R. tem feita por tantos
modos prosperar o Estado do Brazil, felicitando-o ulti-
mamente com a sua elevação á preemincncia e cathegoria
de Reyno Unido ao de Portugal e dos Algarves, pela sabia
e providente Carta de Ley de 16 de Dezembro, do anno
próximo possado; vaõ submissa c affectuosamente agra-
decer esta taõ grande Mercê e Beneficência; qne ja tinhaõ
applaudido penetrados da maior gloria e alegria com os
públicos festejos, que lhes foram possíveis em demonstra-
ção de seu júbilo e gratidão.
Politica. 407
E porque era razaõ dos seus cargos naõ podem elles Juiz,
Vereadores, e Procurador da Câmara cumprir pessoal-
mente este dever, e conseguir a honra de beijar a Augusta
e Benéfica Maõ de S. A. R., como ardentemente desejam ;
deputaram para o fazer em seus nomes ao Coronel Fer-
nando Luiz Machado de Magalhães, da Governança desta
Cidade, e apresentar ao mesmo tempo na presença Au-
gusta de V. A. R. todos estes votos do seu reconheci*
mento, gratidão, e lealdade.
O Ceo felicite por longissimos annos a preciosa vida de
V. A. R., e de toda a Augusta e Real Familia, como ha-
vemos mister.
Na leal Cidade Marianna, em Câmara de 16 de Março,
de 1815.
Vereador que serve de Juiz de Fora Presidente,
MIGUEL MARTINS CHAVES.
Vereadores, MANOEL IGNACIO VALADAÕ.
JOAQUIM JOSÉ DA SILVA BRANDÃO.
Procurador, PEDRO VIDIGAL DE BARROS.

Pastoral do Bispo Vigário Apostólico do Funchal}


ordenando que a elle se façam as denuncias, nos crimes
ecclesiasticos.
Dom Frei Joaquim de Menezes e Attaide, da Ordem
de Santo Agostinho, por Mercê de Deus, e da Santa Sé
Apostólica, Bispo de Meliapor, do Conselho de Sua Alteza
Real, o Principe Regente Nosso Senhor, Seu Pregador, e
Vigário Apostólico do Bispado do Funchal Ilha da Ma-
deira, Porto Santo, e Arguim.
A todos os nossos Subdictos de um, e outro sexo, que
esta nossa Pastoral virem, ou delia tiverem noticia, Saúde,
e Páz em o Senhor. A Religião Sanctissima de Jezus
Christo, infalível em seus Mistérios, e invariável nos seus
Dogmas, mais de uma vez tem sido atacada pelo choque
3Q2
408 Politica.
do erro, e da herezia. Firmada sobre a Pedra da verdade
indefectível, e collocada na eminência de um monte ex-
celso, e sublime, ella he superior aos ataques dos seus
inimigos, e conta os seus triunfos pelo numero dos seus
combates. Assim como foi intimada sem ferro, e sem fogo,
assim he conservada sem violência, e coacçaõ. O seu
Autor subjugou o Mundo com o Lenho da Cruz, e os que
receberam delle aMissõ Divina levam adiante de si a bran-
dura, e caridade. Estes saõ os fortíssimos baluartes, que
deffendem o Sagrado Desposito da doutrina, do qual, sem
merecimentos nossos, somos um vigilante Fiscal, pelaunçaõ
sagrada, que nos constituio guarda desta porçaõ da vi-
nha do Senhor Deus de Sabaoth. Rezidindo em Nós e
Direito de fiscalizar os negócios essenciaes a esta Religião,
lambem em Nós rezide o poder de corrigir o protervo,
de admoestar o incauto, e de firmar o vacilante. NaÕre-
conhecemos nesta Dioceze outra alguma Authoridade, que
conheça destes negócios, na qualidade de Pastor do reba-
nho, que a Mizericordia Divina nos confiou. Devemos
reassumir nesta paTte aquelle direito, que sendo essencial
ao Episcopado, he necessário para a conservação da Fé.
Esta, tanto he atacada pelo fanático supersticioso, como
pelo hereje contumaz. Se he offendida pelo scismatico,
também he perseguida pelo bypocrita. Uns, e outros saõ
objecto do nosso pastoral cuidado; uns, e outros mere-
cem nossas attençoens Vigilantes. Para que este Divino
Deposito se conserve puro, e firme, como se há conservado
no meio de vós. Exhortamos a todos os nossos Diocezanos
de qualquer condição, que sejam, e lhes mandamos com
pena de excommunhaõ mhaior latae Sententiae, as Nós re-
zervada, para o que os prevenimos com as três admoesta-
çoens Canonicas, hajaÕ de denunciar no espaço de trinta
dias perante Nós, toda, e qualquer pessoa, que sentir mal
da Religião Catholica Romana, na certeza, que verifi-
cando-se a matéria da denuncia, usaremos com os denun-
5
Politica. 409
ciados daquella Religioza prudência, que Jezus Christo
nos deixou escripta, sempre euidadoos em remediar, e
nunca propensos a destruir. £ para que chegue á noticia
de todos, mandamos com preceito de Obediência, que esta
seja lida, e publicada na primeira Dominga da Quaresma,
na Saocta Igreja Cathedral, e nas Collegiadas desta cida-
de, e fixada no lugar costumado, expedindo-se pela Nossa
Câmara as copias circulares para as rnais Igrejas do Bis-
pado, onde será registrada nos livros dos Provimentos, e
publicada na primeira Dominga ou dia Sancto. Dada no
Funchal sob nosso signal, e sello de Nossas Armas, em os
vinte e nove de Fevereiro, de mil oito centos e dezasseis.
Manoel Joaquim Monteiro Cabral. Escrivão da Câmara
a escrevi. (L.S.) J. BISPO.
Pastoral porque V . E x \ Rm*. exhorta a todos os Dioce-
zanos deste Bispado, e lhes manda com pena de excommu-
nhaõ maior, lata; Sententiae, prevenindo-os com as três ad-
moestações Canonicas, para que hajaõ de denunciar dentro
de trinta dias, toda, e qualquer pessoa, que sentir mal
da Religião Catholica Romana, na forma acima declarada.
Para Vossa Excellencia ver.

Avizo Regio, approvando o procedimento do Governo


Interino do Funchal, contra o Commissario da Inquisi-
ção de Lisboa.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. Tendo sido
presente o Sua Alteza Real o Principe Regente meu Se-
nhor, o Officio do Governo Interino em data de vinte e
três de Janeiro do presente anno, em que deo conta da
impugnaçaõ, que fizera ao Commissario da Inquiziçaõde
Lisboa, naõ consentindo que elle afixasse os editaes, que
pertendia publicar, merecco a positiva a provação de Sua
Alteza. Real o judicioso arbítrio daquelle Governo, nao
AJ O Politica.
somente pelos motivos ponderados, nó já citado officio,
mas porque isto se conforma muito ás Suas Reaes intenço-
ens. O que participo a Vossa Excellencia para sua intel-
lencia.
Deos Guarde a Vossa Excellencia.
(Assignado) Marquez de A G U I A R .
S E N H O R F L O R E N C I O J O Z É C O R R Ê A DE MELLO.
Palácio do Rio de Janeiro, em vinte e seis de Agosto,
de mil oito centos e quinze.

Pastoral do Bispo Vigário Apostólico no Funchal,


extinguindo e reprovando as denuncias secretas anôni-
mas, nos crimes Ecclesiasticos.
D . Frey Joaquim de Menezes e Attaide, da Ordem de
Sancto Agostinho, por mercê de Deus e da Sancta Sé
Apostólica, Bispo de Meliapor do Conselho de S. A. R. o
Principe Regente N . S., seu pregador e vigário apostó-
lico do bispado do Funchal Ilha da Madeira, Porto Sancto
e Arguim.
A todos os Diocesanos do Bispado do Funchal saúde e
paz em o Senhor.
O Ministério Apostólico, que recebemos de Deus, sem
merecimentos nossos, naõ só nos constituio pay no meio
de vós, mas também nos constituio juiz vingador do crime.
Nós mais nos gloriamos premiando o merecimento do que
punindo os excessos criminosos ; e quando as culpas exi-
gem uma demonstração severa, o nosso espirito sofre por
extremo, e naõ podemos occultar a violência, com que ex-
ercitamos a parte dolorosa do nosso Ministério. Persuadi-
dos da fragilidade da natureza humana, nós naõ somos
aturdidos com o estrondo das culpas e dos peccados: a
malicia, que forma habito no coração do culpado, he a
que chama nossa admiração, e desafia uma cholera sancta
para a imposição da pena. Culpas, que nascem e mor-
Politica. 411
rem no coração do homem, saõ remediadas com aquella
dôr, que se protesta no tribunal da penitencia ; e os crimes
que escandalizam os homens pela sua publicidade saõ ob-
jecto da punição publica, que se naô impõem sem pro»
cesso. Preterir esta forma de julgar, he offender o di-
reito escripto no coração de todos, e contradizer as leys,
que regem as sociedades do mundo. Quando fomos un-
gidos á face dos altares foi para fazer observar a ley, e naõ
para destrutlla; e chamar-nos a um acto, que a irregula-
ridade torna monstruoso, he querer authorizar um crime
por quem o deve castigar. Nós nmas vezes temos sido
inquietados com cartas fechadas, e sem nome, denuncian-
do pessoas de todas as ordens, e até por crimes, cuja puni-
ção naõ he da nossa competência. Outras vezes verbal-
mente se nos denunciam estas e aquellas culpas, com o
pretexto de zelo e piedade ; e, quando procedemos a uma
imparcial averiguação sobre as pessoas denunciadas, en-
contramos o monstro da intriga, e a serpente da impostura
espargindo o mortal veneno sobre aquelles indivíduos*
que pertendem desacreditar por aquelles meios. Mais de
uma vez descubrimos uma pessoa virtuosa, que a denun-
cia embrulhava no vicio e no escândalo; e com bastante
horror do nosso espirito conhecemos, que naõ se duvidava
firmar com juramento a falsidade da denuncia, e dolo da
accusaçaõ. Em poucos momentos víamos uma familia
em perturbação, um ecclesiastico em deshonra, e um ci-
dadão em desasocego; porque, ainda que as informaçoens
procedessem no maior segredo, o falso delator, sempre á
lerta, éra o primeiro a publicar o progresso da denuncia,
como fructo da sua malicia. Este modo de aceusar, sen-
do contrario á ley de Deus, e á ley dos homens nem deve
ser apoiado nem tam pouco admittido. Denuncias sem
nome de seu author saõ libelos infamatorios, inventados por
uma malicia infernal, para arrancar a caridade do proxi-
412 Politica.
mo, e plantar o ódio entre os irmaõs. Portanto nós de-
claramos, que denuncias sem serem assignadas com as for-
malidades necessárias naõ seraõ tidas por nós em conside-
ração alguma; e mandamos, que nos nossos auditórios se
naõ proceda contra pessoas denunciadas por aquella ma-
neira, nem se tome conhecimento de querellas ou accusa-
çoens além da forma ordenada nas leys do Reyno e consti-
tuiçoens deste Bispado. E , quando seja necessário proce-
der correccionalmente, como pay, he indispensável que
em carta fechada e assignada pelo delator, se aceuse o
culpado para nos informarmos das suas culpas. Esta
será publicada nas Igrejas deste Bispado, á missa conven-
tual do primeiro dia festivo, e depois de registrada nos
livros de similhantes, será affixada nos lugares do cus-
tume. Dada no Funchal sob nosso signal esêlo de nossas
armas, em o primeiro de Julho, de 1816. Manuel Joa-
quim Monteiro Cabral, Escrivão da Câmara, a escrevi.
( L . S.) J . BISPO.
Pastoral; porque V- Ex*. R-". ha por bem declarar,
que as denuncias sem serem assignadas com as formalida-
des necessárias, naõ seraõ tidas em consideração alguma ;
e manda, que nos auditórios do Juizo Ecclesiastico se naõ
proceda contra as pessoas denunciadas por aquella ma-
neira ; tudo na forma acima declarada.

Edictal da Juncta da Saúde de Lisboa,


A Juncta da Saúde Publica, conhecendo por uma parte
quanto importa á segurança da Saúde Publica do Reyno, c
ã certeza das Especulações Commerciaes, que os Povos
se achem cabalmente instruídos sobre o estado progressivo
de Saúde Publica nos Paizes Estrangeiros ; e pela outra
procurando sempre appropriar a situação ultima de má
Saúde Publica nos mesmos Paizes Estrangeiros as medidas
Politica. 413
de precaução, a que he indispensável recorrer em justa
combinação da precisa segurança da Saúde Publica do
Reyno,edo possivel desembaraço do Commercio externo:
por isso faz saber quaes saõ os Paizes actualmente conta-
giados, e mais, ou menos suspeitosos de contagio ; e quaes
saõ as Providencias, que hão de ser escrupulosamente ob-
lervadas acerca de huns e outros.
1. Saõ Paizes actualmente contagiados de Peste Oriental:
os Portos do Egypto, e com especial commemoraçaÕ o
Porto de Alexandria: Constantinopla : a ilha de Rbodes:
Smyrna : a ilha de de Cephalonia, e o vasto Porto de
Salonico, Capital de Macedonia, com os demais Portos da
Macedonia.
2. As Embarcações procedentes dos Portos, comprehen-
didos no Artigo antecedente, naõ se admittem em nenhum
Porto do Reyno ; e quando sueceda que cheguem a entrar
em algum dos Portos do Reyno, seraõ obrigadas a sahir
com as cautelas, que as suas circumstancias especificas, e
as do Porto, em que tiverem entrado, recommendarem, ou
fizerem necessárias ; prevenindo primeiro todos os Portos
do Reyno : e apenas se lhes concede lançarem fora cartas,
ou papeis, que tragam a seu bordo, para serem entregues
ás repartições, ou pessoas, a quem se dirigirem, depois de
purificadas com os desinfectantes mais enérgicos, que ac-
tualmente se praticam em similhantes casos ; ficando res-
tringida esta mesma liberdade ao Porto de Lisboa pelo pe-
rigo, que resultaria á segurança da Saúde Publica, se este
meliodrosissimo Ramo de Policia Externa de Saúde se per-
mitisse em qualquer outro Porto do Reyno.
3. Saõ Paizes actualmente muito suspeitosos do conta-
gio da Peste de Levante : a Ilha de Corfu : todos os Por-
tos das Ilhas Jonicas : todos os Portos da Moreia : e em
geral todos os Portos pertencentes ao Continente do Domí-
nio Turco : e saõ actualmeute muito suspeitosos do con-
tagio da Febre Amarella todos os Portos da Ilha da Cuba
VOL. X V I I . N o . 101. 3H
414 Politica.
na America Septentrional, e com especial commemoraçaó
o vasto Porto da Havana.
4. As Embarcações procedentes dos Portos comprehen-
didos no artigo antecedente, saõ admittidos só, e exclusi-
vamente no Porto de Lisboa debaixo de uma quarentena
rigorosa.
5. Saõ Paizes menos suspeitosos de contagio : todos os
Portos do Reyno de Napoies dentro e fora do Golfo Adri-
ático : todos os Portos da Ilha de Sicilia : todos os Portos
pertencentes aos Estados de Veneza : todos os Portos de
Itália, e Ilhas de Itália era geral: todos os Portos das Ilhas
de Sardenha, e Corsega.
6. As Embarcações procedentes dos Portos comprehen-
didos no artigo antecedente, saõ admittidas só, e exclusi-
vamente no Porto de Lisboa debaixo de uma quarentena
de 12 dias.
7. As Embarcaçoens procedentes dos Portos Barbarescos
até á Embocadura do Estreito de Gibraltar, saõ admitti-
das só, e exclusivamente no Porto de Lisboa debaixo de
uma quarentena de 20 dias.
8. As Embarcações procedentes da Praça de Gibraltar,
e do Porto de Algeziras, que he banhado com as mesmas
águas : e as que procederem dos Portos de Marrocos, que
ficaõ fôra da embocadura do Estreito de Gibraltar, saõ
admittidas só, e exclusivamente no Porto de Lisboa de-
baixo de uma quarentena de 5 dias.
9. As Embarcaçoens procedentes dos Portes do Meio
dia da França, e as que procederem da Costa de Levante
da Hespanha, saõ admittidas a livre prática em todos os
Portos do Reyno.
10. As Embarcações procedentes dos Portos de Trieste;
de Ancona ; de Veneza ; de Napoies ; de Gênova; de
Liorne ; Marselha; de Malta; de Messina na Sicilia; e
de Porto Mahon, saõ admittidas a livre prática em todos
os Portos do Reyno, quando os seus Capitães ou Com--
Politica. 415
mandantes no acto das suas Entradas verificarem por Car-
tas de Sande limpas, pelas facturas das suas carregações,
e por Certificados em fôrma, que ou carregaram em qual-
quer dos sobredictos portos todas as mercadorias, que tra-
tem a seu bordo, ou fizeram quarentenas, e obtiveram prá-
tica em qualquer dos indicados Portos ; por quanto a cir-
cunspecção do serviço de Saúde, e o justo credito, que
merecem os lazaretos existentes em todos, e cada um dos
mencionados Portos, descançam inteiramente sobre a segu-
rança da Saúde Publica : Quando porém uo acto das En-
tradas se naõ verificar pelos Documentos acima especifi-
cados, que as sobreditas Embarcaçoens, e toda a sua Carga
procedem originuriamente de qualquer dos mencionados
Portos ; ou nelles fizeram quarentena, e obtiveram practica,
ou se conheça que pelas suas viagens largaram, ou rece-
beram Carga em outros Portos depois de sahirem dos pri-
meiros, entaõ seraõ as embarcações sugeitas á sorte, que
lhes pertencer, ou Pelo Porto da sua originaria procedên-
cia no primeiro caso, ou pelos Portos, em que largaram,
ou receberam Carga no segundo caso.
11. Para que as Providencias, prescriptas nos 10 Arti-
gos antecedentes, sejaõ exactamente observadas em todos
os Portos do Reyno, convocar-se-ba em todos, e cada um
dos mesmos Portos uma conferência entre as Authoridades
Militares Civis, e respectivos Guardas Mores da Saúde,
celebrada pela fôrma determinada no Titulo 3o. do Regi-
mento Provisional das quarentenas de 27 de Julho de
1807, na qual se adoptem de commum acordo as medidas
especificas de segurança, que forem exactamente precisas
em cada um dos mesmos Portos para a fiel execução das
Providencius, que assim ficam estabelecidas : repetindo as
mesmas Conferências todas as vezes, q»e a gravidade dos
casos occurrentes as possa recomniendar como necessárias,
ou proveitosas para a Publica segurança.
12. Para zelar a mais escrupulosa execução dos Regi-
3 H 2
416 Politica.
mentos de Saúde; a das Providencias comprehendidas na
presente Edictal; e a das que tiverem sido adoptadas in-
dividualmente nos Portos do Reyno, nas Conferências de-
terminadas no Artigo antecedente, depois de se terem feito
publicas por Edictaes em cada um dos mesmos Portos,
teraõ os Magistrados Territoriaes de todos os Portos de
mar uma Devassa sempre aberta, na qual indagarão naõ
sô as transgressões, que se perpetrarem contra qualquer
dos sobredictos Regimentos, e Providencias; mas muito
principalmente sobre o modo, por que as cumprem, e
observam os responsáveis encarregados da sua execução.
13. Para que se possa obter com o desejado successo o
importantíssimo fim, que se propõe o Artigo antecedente,
admittir-se-haõ Denuncias mesmo em segredo ; applican-
do-se em favor do Denunciante a terça parte da pena pe-
cuniara, em que tiver incorrido o transgressor, a qual o
Denunciante receberá no Juizo, em que tiver feito a De-
nuncia, immediatamente que ella se ache plenamente veri-
ficada.
Tudo em conformidade das Soberanas Ordens de S.
Majestade, expedidas pela Secretaria de Estado dos Ne-
gócios Estrangeiros, e Marinha, pelas quaes tem sido
Servido approvar, e sanccionar expressamente o que fica
estabelecido neste, e no artigo antecedente.
E para que chegue á noticia de todos, e senaõ possa
allegar ignorância, se mandou affixar o presente Edital
em todas as Praças, e Lugares Públicos dos Portos do
Reyno ; deixando por elle expressamente modificados, e
revogados os Edictaes de 30 de Março, e de 3 de Julho
do corrente anno; ficando outrosim o presente Edictal na
sua inteira observância, em quanto naõ for modificado,
ou revogado por outro posterior.—Lisboa, 11 de Setem-
bro, de 1816.—Luiz Antonio Rebello de Silva.
Politica. 417
ARGEL.
Declaração de S. A. o Dey, abo/indo para sempre a escra-
vatura Christaã.
Declaração de Sua Alteza Sereníssima Ornar, Baixa,
Dey e Governador da guerreira cidade e reyno de Argel,
feita e concluída com o Muito Honrado Eduardo BaraÕ
Exmouth, Cavalleiro Gram Cruz da Honradíssima Ordem
Militar do Banho, Almirante da Esquadra Azul da Frota
de S. M. Britannica, e Commandante em Chefe dos navios
e vasos de Sua dieta Majestade, empregados no Mediter-
râneo.
Em consideração do profundo interesse, manifestado
por S. A. R. o Principe Regente da Inglaterra, para a
terminação da escravatura Christaã, S. A. o Dey de Ar-
gel, em signal de seu sincero desejo de manter inviolável
as suas relaçoens amigáveis com a Gram Bretanha, e de
manifestar a sua disposição amigável e seu profundo res-
peito para com as Potências da Europa; nenhum dos
prisioneiros será mettido em escravidão; mas sim tractados
com toda a humanidade, como prisioneiros de guerra, até
que sejam regularmente trocados, segundo a practica Eu-
ropea em similhantes casos; e que, na terminação das
hostilidades elles seraõ restituidos aos seus respectivos
paizes sem resgate ; e por esta se renuncia formalmente, e
para sempre, á practica de condemnar á escravidão os
prisioneiros Christaõs.
Dada em duplicata, na guerreira cidade de Argel, na
presença do Todo-Poderoso, aos 28 dias de Agosto, no
anno de Jezus Christo 1816; e no anno da Hegira 1231,
e no 6°. dia da lua de Shavat.
(Selo do Dey)
(Assignado) E X M O U T H , (L. S.)
Almirante e Commandante em Chefe.
(Assignado) H. M ' D O U E L , (L. S.)
Por Ordem do Almirante.
(Assignado) J o s . GRIMES, Secretario.
418 Politica,
ESTADOS UNIDOS.

Carta do Secretario do Thesouro ao Cônsul Inglez.


Repartição do Thesouro, 29 de Julho, 1816.
SENHOR !—Tenho a honra de aceusar o recibo de vossa
carta, datada de 16 do corrente, e referindo "que vós
tinheis sido informado pelo Cônsul de S. M. Britannica
em New-York, que existe naquelle porto uma distineçaõ
entre os navios Inglezes e Americanos, desavantajosa aos
primeiros, a respeito das despezas de pilotagem, e propi-
nas qne exigem os guardas, e officiaes da saúde; o que
parece expressamente contrario ás estipulaçoens contidas
em uma cláusula do segundo artigo da ultima convenção
de Commercio." A convenção para regular o commercio
entre os territórios dos Estados Unidos e os de S. M. Bri-
tannica; e o Acto do Congresso relativo á convenção,
constitoe a ley dos Estados Unidos, sobre os objectos
aque elles se referem; e vos sabeis que por esta repartição
se expediram instrucçoens aos Collectores dos direitos das
alfândegas, para assegurar a fiel execução da ley, a favor
dos vasos Britannicos, qne chegam aos portos dos Estados
Unidos. Com tudo pode acontecer, que, segundo os actos
da Legislatura do Estado de Nova-York se houvesse in-
troduzido a distineçaõ, que vós representaes ; introducçaõ
essa destinada a fins locaes, e antecedente á ratificação da
Convenção Commercial; e talvez naõ tenha sido depois
disso annullada ou revogada expressamente, pela authori-
dade, que a estabeleceo. Porém, n'uma vista geral do
nosso systema de Jurisprudência, terá sido objecto de
vossa observação, que as provisoens das leys de qualquer
dos Estados ficam virtualmente suspensas, todas as vezes
qne vem a ser inconsistentes com a Constituição, leys e
tractados dos Estados Unidos; e que qualquer Corte de
Justiça, ou Magistrado de nm Estado, assim como as
Cortes de Justiça e Magistrados Federaes, devem, em
Politica. 419
todos os casos de litígio, decidir nessa conformidade. E
na verdade, sabe-se que, a respeito deste mesmo objecto
da distineçaõ a que vós alludis, e depois da ratificação da
convenção commercial, se pronunciou uma decisaõ judi-
cial, na cidade de New-York, conforme os principios que
ficam estabelecidos. Portanto, Senhor, vós percebereis,
que, se, em qualquer occasiaõ, se tentar por era vigor a dis-
tineçaõ entre navios Britannicos e Americanos, com des-
vantagem dos primeiros, e contra as estipulaçoens da con-
venção commercial, a parte aggravada terá um remédio
adequado naquelles casos ; assim como em todos os casos
de damno e injuria causada com a violação de nossas leys,
appellando-se para a authoridade legal do paiz. Mas por
mais desejável que seja o facilitar a fiel execução da con-
venção, devo acerescentar (depois de ter submettido a vossa
communicaçaõ ao Presidente), que naõ pertence aos de-
veres, nem está ao alcance dos poderes desta Repartição,
regular ou superintender o comportamento das authorida-
des dos differentes Estados.
Tenho a honra de ser, &c.
(Assignado) A. J. D A L L A S .
A Antonio St. John Baker, Esc.
Cônsul Geral de S. M. Britannica.

HESPANHA.

Decreto de perdaõ aos desertores.


Desejando assignalar, com um rasgo de minha Real
elemencia, o feliz dia, em que, completada a paz e tran-
quillidade de meus dominios, dei aos Hespanhoes uma
terna mãy, na minha muito amada e desejada Raynha ; e
naõ podendo gozar plenamente da felicidade, que se me
Prepara hoje, que se torna ainda mais memorável com a
feliz uniaõ de meu amado e augusto irmaõ o Infante D.
Carlos com a Infanta D. Maria Francisca, sem aleviar, em
420 Politica.
tanto quanto as leys e o estado do Reyno permittem, a
sorte dos infelizes, qne gemem debaixo do pezo de seus
crimes. Tenho concedido um perdaõ geral a todos os de-
linqüentes, capazes de o receberem, na Peninsula e ilhas
adjacentes ; e que possam gozar delle sem prejuizo de ou-
trem, ou da justiça publica; e ordeno que, na occasiaõ
conveniente, os meus Conselhos do Almirantado, Guerra,
e índias me proponham immediatamente o tempo em que
esta graça se deve extender aos criminosos militares e da
marinha em todos os meus dominios, e também das pos-
sessoens ultramarinas, que possam haver-se desviado de
seus deveres: reservando para mim o direito de dar a esta
minha mercê a amplitude que dictarem os meus sentimen-
tos, e que he devida ao ardente zelo, com que todos os
meus amados vassallos se ajunetam ao redor do meu
throno. Portanto tenho resolvido :•—
1°. Que deste perdaõ gozem todos os prezos capazes de
o receber, e que se acham nas prisoens de Madrid, ou ou-
tras prisoens Reaes, e que naõ tiverem commettido crimes
de Lesa Majestade divina ou humana ; traição, homicídio
de padres, moeda falsa, incêndio, exportação de artigos
prohibidos, blasphemia, sodomia, suborno e fraude, fir-
mas falsas, resistência á justiça, e malversação de meu po-
der Real, ou dos suprimentos destinados ao exercito, ma-
rinha ou hospitaes.
2. Que este indulto se extenda aos criminosos fugidos
e ausentes, que dentro do termo de seis mezes, estando em
Hespanha, e de um anno estando fora, se apresentarem
ante quaesquer magistrados, a fim de que informando os
dictos magistrados, aos tribunaes aonde as causas pende-
rem, se possa proceder a declarar o perdaõ.
3. Que, na conformidade das excepçoens contidas no
Art. 1, somente se comprehendera no perdaõ, os crimes
commettidos antes da publicação deste decreto, e de ne-
nhum modo aquellos que ao depois se commetterera.
2
Politica. 421
4. Que os culpados condemnados ao trabalho nas guar-
niçoens e arsenaes, que naõ hajam ainda sido remettidos
a seus destinos, e que naõ tiverem sido condemnados pelos
crimes exceptuados no Art. 1, seraõ também comprehen-
didos no dicto perdaõ.
5. Que a respeito dos casos e culpas, em que haja ter-
ceira pessoa aggravada, se naõ declarará o perdaõ, senaõ
havendo quitação da parte, e que nos casos em que se
inclue interesse ou pena pecuniária, também o perdaõ se
naõ declarará sem que a somma seja satisfeita; e que o
perdaõ será valido se o interesse ou pena for applicavel ao
fisco ou denunciante.
Assignado pelo próprio punho de Sua Majestade; aos
20 de Septembro, de 1816.
Ao Duque Presidente do Conselho.

PAIZES-BAIXOS.

Mensagem de S. M. á Segunda Câmara dos Estados


Geraes.
Altos e Poderosos Senhores !—Pela copia juncta veraõ
Vossas Altas Potências as condiçoens com que concluímos
um tractado de aliiança offensiva e defensiva com S. M.
£1 Rey de Hespanha; para a protecçaõ da navegação e
commercio dos subdictos de ambas as partes, contra os
Governos de Tunes, Argel e Tripoli.
O uso desta medida, a fim de prevenir futuras discór-
dias com aquelles Governos, ou frustrar os seus effeitos,
naõ pode entrar em duvida ; porém antes que pudesse ter
lugar a ratificação do dicto tractado, se lhe deo um golpe
profundo e memorável, com a honrosa co-operaçaõ da
marinha dos Paizes-Baixos ; em conseqüência do que naõ
somente desistiram do que exigiam deste Reyno, mas tam-
bém consentiram em regulamentos mais vantajosos, sobre
VOL. XVII. N o . 101. 3i
422 Politica.
as relaçoens consulares, do que até aqui se tinham estabe-
lecido.
Remettemos aqui o tractado de paz concluído aos 28 de
Agosto, pelo Vice Almirante Capellen, com o Dey de Ar-
gel. Recommendamos Vossas Altas Potências á sancta
protecçaõ de Deus.
(Assignado) GUILHERME.
Haya, 1 de Outubro, 1816.

Tractado entre S. S. M. M, o Rey dos Paizes-Baixos eo


Rey de Hespanha.
Em nome da Sanctissima e Indivisível Trindade.
S. M. El Rey dos Paizes-Baixos, e S. M. El Rey de
Hespanha e das índias, animados por igual desejo de pôr
termo ás piratarias das Regências de Barbaria,.e procurar
ao commercio e navegação do Mediterrâneo toda a segu-
rança possivel; desejando fortalecer a sua aliiança cora
um tractado solemne, e fixar a extençaõ e os meios delia,
tem dado os seus plenos poderes para este fim; a saber,
S. M. El Rey dos Paizes Baixos a Mr. Hugues
Zuylen de Nyevelt, Cavalleiro da Ordem do LeaÕ
Belgico, e seu Enviado Extraordinário e Ministro Ple-
nipotenciario juncto a S. M. Catholica ; e S. M. El Rey
de Hespanha e das Índias, ao Senhor D. Pedro Cevallos
y Guerra, Conselheiro de Estado, Cavalleiro da Ordem
do Tozaõ d'Ouro, &c. Primeiro Ministro de Estado, &c;
os quaes depois de terem trocado os seus plenos poderes
concordaram nos seguintes artigos :—
Art. 1. Esta aliiança he puramente defensiva e o seu
objecto he proteger o commercio das Potências, que uella
tem parte.
2 . Esta aliiança subsistirá, em quanto as Regências de
Ajgel, Tunes e Tripoli naõ renunciarem o seu systema
Política. 428
offensivo, para cora a propriedade dos subditos das Potên-
cias Contractantes.
3. Se algum destes for atacado por qualquer corsário
das três Regências, será do dever dos Cônsules das Potên-
cias Alliadas reclamar a reparação do dono, requerendo
ao Governo da parte offcnsora, por meios legaes, e se naõ
sefizerjustiça, as Potências Alliadas concordarão, sendo
necessário, em proceder a represálias, no valor conres-
pondente á offensa commettida
4. Será, considerada como offensa contra as Potências
Alliadas, se uma das Regências se arrogar a si o fazer-se
justiça, capturando a propriedade dos subditos das Po-
tências Contractantes, sem ter previamente tentado outros
meios, ou estabelecido procedimentos para obter justiça e
satisfacçaõ.
5. Como offensa commettida contra as Potências Allia-
das será considerada a prizaõ dos Cônsules, por dividas
de pessoas particulares, ou de seus respectivos Soberanos ;
visto que as Regências devem empregar, para o fim de as
reclamar, os methodos adoptados pelas naçoens civili-
zadas.
6. As Potências Alliadas se considerarão também offendi-
didas, se dellas se exigirem presentes como de obrigação,
ainda que sejam fundados em custume.
7. Quando uma das Potências for atacada pelos Esta-
dos da Barbaria, sem ter provocado o ataque por algum
acto de hostilidade, entaõ terá effeito a aliiança.
8. A obrigação, em que os alliados se constituem, de
defender a parte offendida subsistirá até que se tenha ob-
tido justa reparação, pelo damno causado com tal offensa;
e
também indemnizaçaõ pelas despezas da guerra.
9
« Nenhum dos alliados pôde entrar em negociação
cora o inimigo commum, sem o consentimento do outro.
10. As partes contractantes se obrigam a empregar uma
3i 9
424 Politica.
força sufficiente para defender e proteger o seu commercio
contra as piratarias das Potências da Barbaria.
11. S. M. El Rey dos Paizes Baixos fornecerá, em con-
seqüência, um navio de linha e seis fragatas, e S. M. Ca-
tólica um navio de linha, duas fragatas, um brigue, e
dezasseis barcas canhoneiras.
12. O commando em chefe pertencerá ao official mais
antigo da mesma graduação.
13. Cada uma das Potências satisfará as despezas de
manter as suas respectivas forças, e todas estarão estacio-
nadas nos portos de Hespanha, mais bem situados c de-
fendidos para pre-encher o objecto da aliiança.
14. As forças marítimas dos Paizes Baixos seraõ supri-
das, a preços racionaveis, nos portos de S. M. Catholica,
com todos os artigos de necessidade urgente ; tanto para
os concertos, como muniçoens e mantimentos; pagando
em letras de camhio, á vista, sobre o Governo dos Paizes
Baixos.
15. Os comboys de um porto do Mediterrâneo para ou-
tro, seraõ fixos em periodos certos, e os navios mercantes
pertencentes a subditos das Potências Contractantes seraõ
igualmente protegidos e comboyados.
16 Será estacionada em frente de Argel uma esquadra,
que andará cruzando, para impedir que saiam os corsários
de Argel, e para os interceptar quando se recolherem.
17. Será estacionada outra esquadra em frente de Tu-
nis no caso de guerra.
18. Naõ tendo Tripoli quasi nenhumas forças mariti-
mas, será fácil ás duas esquadras acima mencionadas
conservar este porto em respeito.
19. Quando se declarar a guerra contra uma das Po-
tências da Barbaria, Argel, Tunis, ou Tripoli, os navios
que caírem nas maõs da esquadra, que se achar cruzando,
seraõ immediatamente queimados ou destruídos.
20. As Potências se obrigam a pagar o seu valor aos
Politica. 425
captores; e estas sommas seraõ divididas segundo os re-
gulamentos existentes da Potência, cujos vazos de guerra
tiverem tomado a preza.
21. Se a captura tiver sido feita por navios de guerra
de differentes naçoens, estas Potências pagarão o valor,
segundo o numero de suas respectivas equipagens: cada
Potência pagará este prêmio á sua equipagem.
22. Os prisioneiros de guerra seraõ divididos na mesma
proporção.
23. O presente tractado será communicado ás Cortes de
Portugal, Turin e Napoies, por S. M. Catholica, o qual
as convidará a acceder ao mesmo. S. M. El Rey dos
Paizes Baixos fará a mesma communicaçaõ às Cortes de
Petersburgo, Stockholmo e Copenhagen.
24. O presente tractado será ratificado, e as ratificaço-
ens trocadas em Madrid, dentro em seis semanas, ou antes
seforpossivel.
Em testemunho do qne, nós os Plenipotenciarios abaixo
assignados, em virtude de nossos respectivos plenos pode-
res temos assignado o prezente tractado, e lhe temos afi-
xado o sêllo de nossas armas.
(Assignado.) ( L . S . ) H. D E Z U Y L E N HE N C Y V E L T .
(L. S.) D. PEDRO CEVALLOS.

Artigos Addicionaes,
1. Naõ estando S. M. Catholica actualmente em estado
de guerra com o Dey de Argel, o Commandante das for-
ças navaes Hespanholas irá, com as forças marítimas do
Rey dos Paizes Baixos, até em frente de Argel; e, em
virtude dos artigos 4, 5, 6 e 7 do tractado de hoje, re-
quererá ao Governo Argelino reparaÇaô pelas offensas com.
mettidas contra ambas as Potências Contractantes; decla-
rando ao mesmo tempo, que he da intenção das Potências
observar escrupnlosamente, para com as Potências da
Barbaria, o direito das gentes estabelecido na Europa.
426 Politica.
2. Seo Governo Argelino se recusar a prestar ouvidos
á vóz da justiça, c naófizera reparação requerida, se re-
conhecerá existir entaõ o casus fcederi» do presente, e as
respectivas forças das Potências Contractantes obrarão na
conformidade das estipulaçoens dos artigos, 7, 8, 9,19,
SO, e 21.

Tractado de Paz com o Dey de Argel»


Em nome de Deus Todo-Poderoso.
Tractado de paz entre S. M. o Rey dos Paizes-Baixos e
S. A. Sereníssima Omar Pacha, Dey e Governador das
fortalezas e reyno de Argel, concordado e concluído pelo
Almirante Theodoro Frederico Baraõ Van de Capellen;
Commandante em chefe da esquadra de S. M. El Rey dos
Paizes-Baixos, no Mar Mediterrâneo, e por anthoridade
de S. M.
Art. 1. He concordado e resolvido entre o Baraõ Van
de Capellen, e S. A. o Dey de Argel, qne desde este dia
em diante haverá durável e inviolável paz e amizade entre
S. M. EI Rey dos Paizes Baixos, seus Estados e subditos,
e S. A. o Dey de Argel seus dominios e subditos; e tam-
bém que todos os artigos de paz e amizade concordados c
concluídos desde o anno de 1757, entre Soas Altas Potên-
cias os Estados Geraes e o Governo do Reyno de Argel,
saõ pelas presentes renovados, ratificados e confirmados,
como se aqui fossem todos inseridos palavra por palavra
no presente tractado ; e que os navios de guerra e outros
vasos, assim como também os subditos de ambos os rey-
nos, naõ faraõ uns aos outros damno on offensa alguma;
mas daqui em diante, e cm todos os tempos tractaraÕ uns
aos ontros reciprocamente com todo o respeito e amizade.
2. O Cônsul de S. M. El Rey dos Paizes-Baixos será
recebido em Argel, com o mesmo respeito do Cônsul Bri-
tannico, a fira de regular o que respeita o commercio.
Politica. 427
Ser-lhe-ha concedido o livre exercicio de sua Religião, na
casa de sua residência; tanto para si e seus domésticos,
como para todas as demais pessoas, qne se quizerem apro-
veitar desta vantagem.
Dado em Duplicado, na fortaleza de Argel, em presença
de Deus Todo-Poderoso; aos 28 dias de Agosto, do anno
de Jezus Christo 1816 ; e no anno da Hegira 1231; no
fl\ dia do mez Shavat.
(Assignado) (L. S.) J. F. VAW DE CAPELLEN,
Commandante em chefe da
esquadra de S. M. EL Rey
dos Paizes-Baixos.
(L. S.) H. M'DONELL, exercitando
as funcçoens de Cônsul
Geral.
Defronte estava a assignatura
de OMAB PACHA, Dey e
Governador de Argel.

Mensagem Real aos Estados Geraes, para reprimir a


Liberdade da Imprensa,
Altos c Poderosos Senhores !
O artigo da ley fundamental, que assegura a liberdade
da imprensa, determina positivamente, qne cada um he
responsável pelo que escreve, imprime, publica e circnla.
Em ordem a conhecer a extençaõ desta responsabilidade,
e as formas por que ella se realiza, hc preciso recorrer ás
disposiçoens do Código Penal. Na opinião de muitas
I-^ssoas estas disposiçoens nem saõ suficientemente preci-
sas nem assás completas para proteger, contra os libellos e
calumnias de homens malignos, o Governo de um paiz
aonde a censura de livros, as prizoens arbitrarias, e outros
recursos de uma policia coerciva, saõ e devem ser illegaes.
Porém, em quanto a moderação e a boa fé formarem os
2
428 Politica.
traços distinctivos do character nacional, o êxito da con-
tenda entre a verdade e o erro naõ dá lugar a bem funda.
dos sustos; e nessa confiança naõ vemos que haja razoens
para limitar, por algumas condiçoens, a expressão das
ideas relativas á administração, nem para acerescentar no-
vas leys, ás que ja existem nesta matéria.
Naõ he, porém, o mesmo a respeito dos libelos publica-
dos contra os Governos vizinhos, e contra Soberanos, com
quem vivemos em paz e boa intelligencia. Vossas Al-
tas Potências sabem, que, ha alguns mezes a esta parte,
este abuso tem tdo gradualmente augmentando ; e as rei-
teradas queixas, a que elle tem dado lugar, nos admoestam
que he ja tempo de lhe pôr termo.
Tínhamos desejado, que, no esboço do plano de ley,
que se vos envia com estas vistas, se evitasse cuidadosa-
mente toda a disposição, e mesmo a menor expressão, pela
qual algum de nossos subditos se pudesse julgar restricto
na manifestação das idêas ou vistas, que lhe parecessem
úteis ao bem do Estado, augmento do3 conhecimentos, c
progressos do entendimento.
Mas que pôde ganhar o entendimento, os conhecimen-
tos humanos ou o paiz, de ataques injuriosos ao character
pessoal de Soberanos, nossos alliados; ou da audaz sub*
versaõ de principios, sobre que, nos paizes vizinhos, está
fundada a ordem e tranquillidade publica ?
Manter o povo no gozo de seus direitos c liberdades, he
sem duvida um dos principaes deveres que incumbem a
EI Rey e aos Estados Geraes; porém uma voz naô menos
imperiosa nos chama a olhar pela manutenção das nossas
relaçoens amigáveis com outras naçoens, e segurar o paiz
contra a má vontade de seus Governos. A medida, que
se recommenda agora á attençaõ de Vossas Altas Potên-
cias, merece especialmente ser olhada neste ultimo ponto
de vista ; e a respeito da obrigação em que estamos consti-
tuídos de cuidar em que se naõ attribuam novas agitaço-
Politica. 439
ens e novas subversoens aos habitantes de nm Reyno, cnja
fundação e existência tem tido por objecto a consolidação
da paz e tranquillidade geral.
(Assignado) GUILHERME.
Haya, 12 de Septembro, 1816.

ROMA.
Resumo do Edicto de S. S. para a organização politica
dos Estados Pontifício».
1 de Agosto, 1816.
O edicto de S. Santidade, qoe estabelece nova forma
de Govemo e de Administração, he precedido das consi-
derações seguintes:
" Pensamos, diso Sancto Padre, que a unidade e a uni-
formidade devem ser as bases de qualquer Instituição po-
litica : sem ellas he difficil segurar a solidez do Governo
c a felicidade dos Povos. Quanto mais um Governo se
approxima a este systema de unidade estabelecido por
Dens na ordem da Natureza, e no sublime edificio da Re-
ligião, tanto mais lisonjear.se pode de apropinqnar-se à
perfeição. Esta convicção nos move a procurar, quanto
nos he possivel, a uniformidade de systema em todo o Es-
tado pertencente à Sancta Sé. Esta preciosa vantagem
faltava ainda ao nosso Estado, porque formado da sue-
cessiva reunião de differentes dominios, appresentava um
aggregadodeusos, de leys,ede privilégios contradictorios
entre si, que muitas vezes faziam uma Provincia estranha
das outras, e ás vezes na mesma Provincia separava um
território de outro."
Expõe depois disto o Legislador as tentativas feitas pe-
los Sumtnos Pontífices seus predecessores, e as suas pró-
prias, no principio do seu Pontificado, para reduzir aos
princípios de uniformidade os diversos ramos da Adminis-
tração publica. Estas tentativas, contrariadas pela colli-
saõ dos interesses e pelo aterro aos antigos hábitos, só po-
VOL. XVII. No. 101. 3K
430 Politica.
deram effeituar-se em algumas partes. " Mas a Providen-
cia, sempre admirável, que em sua sapiência dispõe os
negócios humanos de modo que muitas vezes das maiores
calamidades surgem grandes vantagens, parece ter querido
que as desgraças dos últimos tempos, e até mesmo a in-
terrupção do exercicio da nossa soberania temporal, faci-
litassem esta operação, no momento em que a paz tem res-
tabelecido as Potências legitimas : julgamos pois acertado
escolher esta occasiaõ para concluir a obra começada."
Este grande projecto, terminado no espaço de um anno,
desde o estabelicimento do Governo Provisório, submet-
tido ao exame de uma Congregação composta de Car-
deaes, e de outra personagens distinctas, foi apresentado
a S. Santidade, que o sanccionou, depois de lhe haver
feito algumas mudanças e modificações.
" Os nossos desvélos, a nossa sollicitude, accrescenta
o Summo Pontífice, naõ teraõ unicameute por alvo a uni-
formidade dos principios : quizemos também fazer sentir
aos nossos Povos os effeitos do nosso amor paternal, por
uma notável diminuição dos impostos públicos ; e se o
pezo enorme dos encargos já existentes, e o das sommas
para repartir entre as Provincias que compuham o antigo
Reyno da Itália para pagamento das dividas hypotheca-
das sobre o Monte que existia em Milaõ, as quaes sommas
devem ser pagas pelo nosso Erário, já exhausto pelas des-
pezas extraordinárias e inopinadas a que o obrigaram o
cordaõ de saúde, e os soccorros a grande numero de po-
voaçoens, que carecem de subsistência; se todas estas cir-
cumstancias naõ tem permittido ao nosso amor fazer a bem
dos nossos Povos tudo quanto desejamos, ao menos deter-
minámos moderar os tributos tanto quanto o permittem as
obrigações, a que o Governo he absolutamente obrigado
prover."
Politica. 481
Resumo do Titulo I.—Organização do Governo.
O território he dividido em sette Delegações. Em cada
Delegação ha um Delegado, o qual, se for Cardeal; tem
o titulo e as honras de Legado. O Delagado exerce a
jurisdicçaõ em todos os actos do Governo e da administra-
ção publica. Juncto de cada Delegado haverá uma Con-
gregação ou Juncta de Governo, composta de quatro pes-
soas, duas das quaes seraõ da capital do Governo, e
as outras duas das outras terras da mesma : reunir-
se-haõ três vezes na semana, e teraõ voz consultativa
(ou voto em conselho.) Porém a resolução definiti-
va dependerá do Delegado; dever-se-haõ com tudo re-
gistar os votos com as suas razões, enviando copia delles
ao Secretario d'Estado, para que nunca possa ser arbitra-
ria a decisaõ do Delegado, e se vir no cobecimento das
razões que motivaram a mesma decisaõ. Esta Congrega-
ção será renovada de cinco era cinco annos. Os Gover-
nadores dependem do Delegado. Os Delegados deveróÕ
ser Prelados : saõ nomeados pelo Soberano. As jurisdic-
çÕesdos Barões ficam supprimidas nas Marcas, e nas Pro-
vincias de Urbino, de Camerino, e de Benevento.
TU. II e III.—Organização dos Tribunaes Civis e
Criminaes.
Estes dous Titnlos abrangem as jurisdicçoes dos Gover-
nadores, dos Tribunaes de Primeira Instância, d'Appel-
laçaõ e da Rota. Em cada Capital de Delegação haverá
um Tribunal de Primeira Instância composto de cinco
Juizes e de dous Assessores nos de primeira classe, e de
três Juizes e de um Assessor nas outras duas classes. Ha-
verá em todo o Estado quatro Tribunaes de Apellaçaõ,
um em Bolonha, outro em Macerata, e dous em Roma.
Os Juizes teraõ ordenados convenientes e fixos, e naõ po-
derão receber outros emolumentos. Formar-se-haõ com a
possivel brevidade um Código Civil, um Código Criminal,
3x2
482 Politica.
e um Código de Commercio. Entretanto, observa r-se-liaõ
as leys que se achara em vigor. Os tratos, e o supplicio
do empoleamento saõ abolidos.

Tit. IV.—Disposições legislativas.


SaÕ abolidas as leys particularesemunicipaes, á excep-
çaÕ das leys sobre a Agricultura,—Este Titulo contém va-
rias outras disposições relativas ás suecessões de que saõ
excluídas as mulheres. A idade d'emancipaçnõ fixa-se
nos 21 annos completos. Saõ geralmente abolidos os Fi-
dei-Commissos ; mas conservam-se os existentes.

Tit. V.—Organisaçaõ das Communs ou Comarcas.


Em cada Commum haverá um Conselho e uma Magis-
tratura. Na Capital das Delegações compôr-se-ha o Con-
selho de 48 membros ; e os das outras Communs consta-
rão de 36, de 24, e nas terras de menos de 1.000 almas de
povoaçaõ, será de 18. Em todos os Conselhos deverá
haver Deputados do Clero. Todos os Ecclesiasticos po-
dcráÕ ser Conselheiros, e tomarão assento acima dos
Leigos.
A Magistratura compôr-se-ha de um Gonfaloneiro, e
de seis Vogaes, que se denominarão Anciãos, nas Capi-
tães das Delegações. Nas outras Communs haverá quatro,
ou dous Anciãos, segundo a Classe a que essas Communs
pertencerem.
Ficam abolidas todas as imposições, isenções, c censos
feudaes; ficam supprimidas aos Barões todus ns reservas
de pesca, de exeavações, e de minas nas terras de outrem,
que naõ forem expressamente concedidas pelo Soberano.

Tit. VI.—Dos Impostos da Divida Publica, e outro,


objectos relativos á Câmara Fiscal.
Apezar das graves despezas em que o Governo Pontifí-
cio se empenhou nas épocas precedentes, e das recentes
Politica. 433
extraordinárias despezas, no intuito de aliviar cada vez
mais os nossos subditos no pagamento dos impostos; con-
cede-se aos proprietários de bens territoriaes uma dimi-
nuição de 400.000 escudos por anno, a qual será repartida
entre as províncias nas proporções já dadas pelo Cadastro.
Os outros artigos deste titulo dizem respeito á divida
publica, c á liquidação do Monte Pio de MilaÕ.

RÚSSIA.

Circular do Conde Nesselrode aos Embaixadores e Mi-


nistros Estrangeiros.
O Imperador, julgando necessário averiguar em pessoa,
o estado das provincias, que mais soffrêram pela residência
do inimigo; e accelerar com a sua presença a execução
das medidas adoptadas para apagar todos os traços da-
quelles males ; tem determinado emprehender uma jornada
ao interior de seu Império. S. M. tem, consequentemente,
procedido para Moscow. Ao-depois visitará os Governos
vizinhos ; e dahi irá ter a Warsaw, em ordem a fortificar
as medidas de uma administração formada de novo, de-
baixo de seu cuidado, c dar a seus planos a desenvoluçaõ
necessária para estabelecer sobre as mais permanentes
bazes, e sob a protecçaõ da paz, e das convençoens con-
cluídas em Vienna, a felicidade futura de seus novos sub-
ditos.
O Imperador, ordenando ao abaixo-assignado, que noti-
ficasse esta jornada a M \ lhe mandou ao mesmo
tempo, que entrasse nestas particularidades, a fim de pre-
venir alguma interpretação, que pudesse assignar outros
motivos á sua Jornada.
O Imperador tem confiado ao abaixo assignado o hon-
rozo officio de manter, durante a sua auzencia, as relaçoens
ordinárias com o Corpo Diplomático acreditado nesta
Corte. Tem portanto a honra de rogar a. M*.
434 Política.
que lhe dirija todas a communicaçoens, que tiver a fazer
da parte de sua Corte, e que esteja seguro da promptidaõ
cora que as fará chegar á presença de seu Augusto Amo,
juncto ao qual aproveitará todas as occasioens de contri-
buir, em tudo quanto estiver no seu poder, para a consoli-
dação da uniaõ, que taõ felizmente subsiste entre as duas
Cortes.
O abaixo assignado se aproveita desta occasiaõ para re-
novar a M r . as seguranças de sua distineta con-
sideração.
(Assignado) NESSELROUE.
S. Petersburgo, 7 de Septembro, 1816.

Manifesto do Imperador.
Nos Alexandre, pela graça de Deus, Imperador e Au-
tocrata de Todas as Russias, &c.—Na sempre-memoravel
epocha de 1812, quando o paiz foi libertado da invasão
de numerosos e poderosos inimigos ; fôram nossos cuidados
dirigidos com preferencia á antiga capital de Rússia, e re-
solvemos ir ter a ella, e expressar entre seus habitautes os
sentimentos que elles nos inspiravam. O seu amor para
com nosco e para com sua pátria fazia crer, que nenhum
sacrifício éra demaziado. O que elles passaram e soffrêram
penetrou o nosso coração com profunda afflicçaõ. Porém
o Todo Poderoso, que preside ao destino das naçoens,
tinha determinado, que por meio de seus soffriraentos se
salvasse a Rússia e a Europa. O incêndio de Moscow foi
a aurora da libertação dos Estados. Da profanação de
seus sanctos templos se levantou victoriosa a Religião. O
gênio da destruição, que derribou o Kremlin, ficou sepul-
tado debaixo de suas ruínas ; e Moscow, pelo» seus feitos,
sua fidelidade, e sua própria abnegação, deo o exemplo de
heroísmo e grandeza. Profundamente penetrados destas
circumstancias, que estaõ gravadas em nossa memória e
6
Commercio e Artes. 435
nosso coração; mesmo durante a guerra lheextendemos
todos os nossos paternaes cuidados, a fim de ministrar
todos os soccorros possíveis aos seus habitantes prostrados
até á terra. Estes cuidados foram objecto de repetidas
instrucçoens, que transraittimos ao Governador-geral de
Moscow.
Concluída a guerra, depois de termos co-operado para
o equilíbrio geral dos Estados da Europa, e demorado-nos
em S. Petersburgo somente o tempo, que éra inevitavelmente
necessário, resolvemos gratificar os desejos de nosso cora-
ção visitando a nossa capital, taõ honrada por seus feitos,
como por sua antigüidade; informar-nos pessoalmente de
sua situação e necessidades; e reconhecer, á face de todo
o Mundo, os seus memoráveis serviços; que, sanetificados
pela bençaõ divina, e devidamente apreciados pelas Po-
tências estrangeiras, chamam pelo nosso amor e gratidão,
assim como pela da pátria. Em ordem, pois a transmittir
á posteridade a lembrança de seus feitos, ordenamos que o
presente manifesto, publico testemunho de nossa gratidão,
seja depositado nos archivos do Senado de Moscow.
(Assignado) ALEXANDRE.

Moscow, 30 de Agosto, de 1816.

COMMERCIO E ARTES,

Decadência do Commercio de Portugal.


" D E S D É M com que a Gazeta, de Lisboa chamou la-
múrias, ás queixas sobre o estado do Commercio de Por-
tugal, exige, que se naõ deixe ficar cm esquecimento tam
importante matéria.
436 Commercio e Artes.
N o anno de 1811, começaram as qneixas dos Negoci-
antes de Lisboa, sobre a decadência de seu commercio, a
serem levadas ao Governof e por meio do Correio Bra-
ziliense ao publico; sem que até agora tenha resultado
outra cousa mais do que ordens ineficazes, e que convém
que sejam consideradas com alguma miudeza.
As representaçoens dos Negociantes mostram, que o
Commercio de Lisboa necessitava de providencias, que
acautellassem os males de que deve resultar a annihilaçaô
do Commercio daquelle vantajoso porto, cuja situação
geographica be superior a todos os demais da Europa,
para ser o entreposto do Commercio Europeo com o das
outras três partes do Mundo. Entre outras cousas, que
precisavam prompto remédio, se acham os objectos de que
tracta a petição seguinte.

Petição do» Fabricante» em Lisboa, requerendo a execu-


ção dos % 36 e 40 do alvará de 4 de Fevereiro, de 1811.
SENHOR !—Dizem os abaixo assignados, proprietários de fa-
bricas de estamparia, neste Reyno; que, naS obstante a
grande quantidade de fazendas brancas actualmente existentes,
ainda lhe naõ he possivel estampar chitas, que possam compe-
tir em barateza com as lnglezas; por que estas naS só pagam
15 por cento de direitos; sobre favoráveis avaliaçoens; como
as suas tintas naõ saõ tam fixas, como as qae os supplicantes
preparam nas suas fabricas. As fazendas em branco pagam
na Cata da índia 16 por cento, pelo decreto de 1801; e como
se acha sem vigor o artigo 36 do alvará de 4 de Fevereiro de
1811, he evidente a impossibilidade de subsistir fabrica de es-
tamparia cm Portugal; porque toda a sua manufactura vem a
ser mais cara que a estrangeira. O mesmo alvará de 4 de Fe-
vereiro, de 1811, no artigo 40, izenta dos direitos de salda os
gêneros manufacturados neste Reyno ; com tudo o Consulado
os exige sem razaS ; e com a maior injustiça, á face dos sobre-
dictos alvarás de 1801, e 1811; de que tem resultado nm mal
Commercio e Artes. 437
incalculável, naõ só aos estabelicimentos das fabricas, e da
gente, que dellas vive ; como porque diminue o giro do com-
mercio nacional, privando-o das utilidades de suas manufactu-
ras, que podiam servir de paga dos gêneros, que se recebem do
Brazil. A' vista pois de verdades tam conhecidas, os suppli-
cantes, por si, e pela utilidade geral, aproveitando-se das pa-
ternaes bondades Reaes, recorrem a V. M. queira benignamente
attender aos estabelicimentos das estamparias neste Reyno,
mandando-lhe prestar as protecçoens que precisam, para se es-
tabelecerem, vigorarem e crescerem, de sorte que possam pôr
as suas fazendas a par das lnglezas em barateza, porque em
bondade de tintas lhe excedem ; bastando por óra que se exe-
cutem as determinaçoens dos sobredictos alvarás.
P. a V. M. seja servido maodar tomar em consideração esta
supplica, mandando fazer a ordenada compensação dos direi-
tos, ao tempo de se sedarem as suas manufacturas ; ou de qual-
quer sorte que melhor convier, á execução do artigo 36 do al-
vará de 4 de Fevereiro, de 1811; assim como determinar
promptamente a execução do artigo 40 do mesmo alvará, para
animar a exportação ; sem o que taes estabelicimentos naõ po-
dem subsistir ; quando do seu augmento vem as utilidades, que
V.M. teve em vista no alvará referido, cuja execução os Sup-
plicantes rogam em beneficio geral. E. R. M.
Teve a Juncta do Commercio de Lisboa ordem para
Consultar, o Governo, sobre as representaçoens dos Fabri-
cantes. Chamaram alguns negociantes, para darem a sua
opinião na matéria; elegeram-se d'entre elles os que for-
massem uma Commissaõ de seis membros, para reduzir a
escripto as suas ideaes; porém fez-se isso de maneira,
que, passado um anno, nada tinha resultado de tal medida.
A Juncta do Commercio, em conseqüência disso, expedio
a
«eguinte portaria.
Portaria da Juncta do Commercio.
Os negociantes da Praça desta Cidade, que pedem as provi-
dencia», para o melhoramento da navegação e commercio na.
VOL. XVII. No. 101. 3i
438 Commercio e Artes.
cional, sendo convocados e ouvidos, per ante a Real Juncta do
Commercio, em conferência de 25 de Agosto do anno próximo
passado, de 1813; elegeram entre si uma Commissaõ de 6
membros, que se encarregaram de discutir as matérias, e apre-
sentar por escripto as suas memórias, relativas a estes impor-
tantes objectos, com a precisa consiçaÕ, e clareza; a fim de
subirem á prczença de S. A. R. em consulta do Tribunal; e
porque tem decorrido o tempo de um anno, e a dieta commis-
saõ naõ tem satisfeito com o rezultado das suas discussoens;
participa-se a F., que he um dos seis nomeados, e que figura
neste negocio como procurador de todos os Negociantes, que
haja de promover a prompta remessa das referidas memórias;
para que, junctas com as que enviaram os negociantes da
praça do Porto, se possam tomar em consideração, e concluir
esta dependência assas demorada. Lisboa, 25 de Agosto, de
1814.

Vemos aqui nesta portaria, um esforço da Juncta do


Commercio, para fazer recahir a culpa da demora nos
mesmos Negociantes ; tentativa que nos parece absoluta-
mente desarrazoada.
A portaria da Juncta indica, que os negociantes foram
os que nomearam d^entre si a commissaõ dos seis mem-
bros ; que estes aceitaram a nomeação ; e que tinham al-
gum plano para proceder nas suas indagaçoens e recopila-
çaõ de suas representaçoens. Mas esse naõ he o facto.
Alguns dos Negociantes nomeados naõ se achavam pre-
sentes ; naõ se determinou, quem havia de convocar a
commissaõ, nem se devia ser presidida por alguém ; e as-
sim esse corpo sem cabeça ficou por isso mesmo inactivo;
attendo-se todos uns aos OUÍTOS, e naõ podendo progredir
pela falta de plano, o que devia ser o primeiro cuidado
da Juncta.
Houve mesmo quem dissesse, que naõ queria oecupar-se
com isto, porque os Deputados da Juncta, que saõ pagos
Commercio e Artes. 439

e honrados por El R e y , para esse fim eram os que de-


viam trabalhar nestes planos, que se exigiam dos N e g o -
ciantes particulares, e que, uma vez que os dessem, servi-
riam de obter prêmios, para outros, que nisso se naõ tives-
sem occupado. A demora, porém, continuou a sentir-se
por mais de outro anno, de maneira que o Governo de
Lisboa, se vio obrigado a mandar expedir outro Avizo, de
que também nada resultou ; e os negociantes apresentaram
ultimamente o seguinte requirimento; ao que se seguio
o Avizo abaixo copiado.

Petição dos Negociantes.


Senhor!—Os Negociantes, que tem supplicado a V. A. R.
providencias, que destruam os abuzos, e melhorem os usos,
que na ordem actual das cousas saõ opressivos, e tolhem o
commercio e navegação Nacional, naõ podem deixar de signi-
ficar seu grande desgosto, pelo esquecimento em que este nego.
cio se acha, nao obstante ter sido benignamente acolhido por
V. A. R.; mas como, na execução das suas Reaes ordens, se
tem consumido annos inutilmente, sem que seja conhecido ne-
nhum legitimo embaraço, a que este Tribunal naõ possa occur-
rer; he por isso que os supplicantes se dirigem primeiro a elle,
supplicando-lhe haja de attender á necessidade do que tem re-
querido, pelo que diariamente accresce : o que bem mostra a
utilidade, que resultaria de se ter feito, ou de que se faça
promptamente.
P. a V. A. R. haja por bem mandar progredir neste nego-
cio, com a actividade conveniente aos interesses geraes.
£ . R. M.

Avizo á Juncta do Commercio.


El Rey Nosso Senhor he servido, que a Real Juncta do
Commercio Agricultura Fabricas e Navegação destes Reynos,
faça subir á sua Real presença, pela Secretaria de Estado dos
Negócios do Reyno, a consulta, a que mandou proceder, so-
3h2
440 Commercio e Artes.

bre a representação dos negociantes, em que pediam providen-


cias, que regulassem e dirigissem as diversas operaçoens do
Commercio Nacional, segundo a necessidade dos tempos oc.
currentes. O que V. S- fará presente na sobredicta Real
Juncta, para que assim se execute.
Deus guarde a V. S.
ALEXANDRE JOZE FERREIRA. CASTELLO.
Snr. Joaõ de S. Payo Freire d'Andrade.
Palácio do Govemo, em 27 de Agosto, de 1816.

Deste Avizo ainda naõ sabemos que resultasse cousa al-


guma ; posto que houve uma alteração no plano da com-
missaõ de seis negociantes, que foi nomear-se-lhe para seu
presidente o Conservador.
A organização actual da Juncta do Commercio; e
modo da formação da commissaõ dos negociantes saõ, em
nossa opinião, as cansas principaes desta demora, assim
como o mesmo systema tem sido, e será, em quanto se se-
guir, a causa da ruina do commercio.
A Juncta do Commercio he composta de Deputados le-
trados, e Deputados leigos : uns e outros nomeados pelo
Governo; e por conseqüência aquella corporação naõ re-
presenta os Negociantes, mas sim o Governo. A ella se
devem dirigir os particulares como supplicantes ante um
Tribunal Regio ; e delia devem dimanar as ordens e pro-
videncias relativas ao Commercio.
A commissaõ de negociantes, convocada por ordem da
Juncta, e presidida pelo Conservador, nem tem authori-
dade como corporação publica ; porque naõ lhe concedeo
El Rey nenhuma jurisdicçaõ; nem pode ter o vigor e
energia da discussão particular; porque obra debaixo das
ordens do tribunal, e com um magistrado por seu cabeça,
que naturalmente das matérias de commercio nada en-
tende.
Commercio e Artes. 441

O estabelicimento, pois, desta commissaõ de negocian-


tes, naõ parece ser outra cousa mais do que um estratage-
ma, para se livrar a Juncta da responsabilidade que tem,
e da obrigação, que lhe incumbe, de consultar o Governo
sobre todas as matérias, que saõ de sua competência.
Outra cousa porém seria, se os negociantes se ajunctas-
sem de seu motu próprio, se nas suas deliberaçoens naõ
fossem restrictos por authoridades da Juncta ; e se, dando-
se livre curso á concurrencia de seus diversos dictames, se
deixasse apparecer o resultado de sua experiência unida;
ainda que fosse expresso por termos pouco vantajosos;
visto que experiência do commercio naõ he o mesmo que
habito de bem escrever, ou de bem exprimir as ideas.
A portaria de 25 de Agosto, que deixamos copiada
acima, dirigisse a um F . , que chama procurador dos ne-
gociantes, e o encarrega de promover a prompta remessa
das memórias, que da commissaõ de negociantes esperava
a Juncta. Naõ sabemos quem seja o tal F . , nem nos
consta que tal procurador fosse nomeado pelos negocian-
tes; assim julgamos, que elle seja um dos seis indivíduos
da commissaõ, a quem a Juncta se dirige por aquelles ter-
mos, para poder imputar a alguém, seja quem for, com
tanto que naõ seja á Juncta, a demora, que tem havido
neste negocio.
Examinemos, porém, a necessidade que tinha a Juncta
de esperar pelas deliberaçoens dos Negociantes ; e se po-
dia em muitos casos obrar sem que por aquelles resultados
se dirigisse.
O mais, que os negociantes podiam dizer á Juncta,
eram os obstáculos, que o seu commercio padecia ; achar
o remédio para isso éra da obrigação da J uneta. Os
negociantes e fabricantes, em sua representação,
acima copiada, expõem vários desses obstáculos; logo a
Juncta devia proceder a procurar o meio de os obviar.
442 Commercio e Artes.
I Accaso espera a Juncta, que os negociantes lhes ensinem
0 que he do seu dever saber ?
Por exemplo : naquella representação disseram os fabri-
cantes, o que ninguém ignora ser um facto, que por naõ
se achar em vigor o artigo 36 do alvará de 4 de Fevereiro,
de 1811, naõ podiam subsistir as fabricas de estamparia
em Portugal ; visto que os direitos de 16 por cento, que
pagam as fazendas brancas na casa da índia, torna toda a
sua manufactura rnais cara que a do estrangeiro. A vista
desta representação, he claro, que o remédio do mal se
acha promptamente na execução do citado alvará. Logo
1 que espera a Juncta, sobre isto, da commissaõ de nego-
ciantes i i Espera accaso, que se lhe diga, o que he evi-
dente, que convém remediar o mal, com a execução do al-
vará? Se a Juncta precisa até de um conselho desta na-
tureza, he ella absolutamente inútil.
Julgamos, que o attribuir-se esta demora á commissaõ,
he um meio de desculpar a inércia desta mesma Juncta;
porque em outros casos, independentes da Commissaõ, se
tem practicado iguaes delongas. Tal he o regulamento
para a Casa dos seguros, que se lhe encarregou ; e no que
nada tem feito a J uneta : a informação que delia se espe-
rava sobre a exportação da moeda: e em flm a consulta
que se lhe mandou fazer sobre as Avarias, em 1814;
tornada a recommendar em 1815; e repetida em 1816;
como se vê pelos seguintes Avizos.

Avizo á Juncta do Commercio.


O Principe Regente N. S. he servido que a Real Juncta do
Commercio Agricultura Fabricas e Navegação faça expedir a
consulta, a que se mandou proceder, por Avizo de 7 de Março,
de 1814; sobre o requirimento dos Negociantes desta Praça,
relativamente ás avarias ordinárias, em practica, na navegação
Commercio e Artes. 443
destes Reynos com o Brazil. O que V. S. fará presente na so-
bredicta Real Juncta, para que assim se execute.
Deus guarde a V. S.
ALEXANDRE JOZE FERREIRA CASTELLO.
Palácio do Governo, cm 14 de Outubro, de 1815.
S2r. JoaÕ de S. Payo Freire cTAndrade.

Avizo á Juncta do Commercio.


S. M. he servido que a Real Juncta do Commercio Agricul-
tura Fabricas e Navegação destes Reynos, faça subir com ef-
feito a consulta, a que mandou proceder, a requirimento dos Ne-
gociantes desta Praça, sobre o modo de se regularem de uma
maneira certa e legal as avarias, que se acham em practica por
meros usos e custumes na naveçaçaõ e carreira do Brazil. O
que V. S. fará presente na mesma Real Juncta, para que assim
se execute. Deus guarde a V . S .
ALEXANDRE JOZE FERREIRA CASTELLO.
Palácio do Governo, em 5 de Septembro, de 1816.
Snr. Joaõ de S. Payo Freire de Andrade.

Nestes exemplos naõ achará a Juncta do Commercio a


desculpa de esperar pelas deliberaçoens da commissaõ de
Negociantes: mns será conveniente lembrarmos, em breve,
vários pontos, em que a Juncta úo Commercio podia sug-
gerir ao Governo planos de melhoramento; e salvar o seu
credito, havendo cumprido com o seu dever; ainda que o
Governo se naõ quizesse disso aproveitar.
1*. Recommendar o drawback, ou retorno dos direitos
do assucar; quando fosse re exportado manufacturado.
2*. Arranjar de novo os direitos do passo da Madeira ;
demaneira que se pudessem vender aos estrangeiros navios
de construcçaõ Portugueza ; porque a utilidade do Estado
resulta da fomentaçaõ da industria, e naõ dos tributos im-
postos á industria.
S°. Alcviar dos direitos a cera manufacturada, que de
444 Commercio e Artes.
Lisboa se exporta para o Brazil; porque ella paga em
bruto direitos de entrada, em Lisboa, c, em conseqüência
desses direitos e dos do consulado, acham os negociantes
mais conveniência cm a mandar ir de Hamburgo, e outras
praças; perdendo assim Portugal o que deveria ganhar
com aquelle fabrico.
4°. Abolir os direitos de Consulado, em que tantas vezes
temos fatiado, a fim de facilitar cm Lisboa a permutaçaõ
dos gêneros Europeos com os da America; permutaçaõ,
utilissima, que se vai fazer em Gibraltar, Londres, Am-
sterdam, &c. quando podia esse negocio de transito e de
permutaçoeus ser feito em Lisboa; com infinita vantagem
do Reyno.
Hc bem sabido, que ha duas sortes de commercio, que
exigem differentes regulamentos: um he o commercio
directo; outro o commercio de escala: estes convém a
differentes pessoas, e em differentes circumstancias; e o
commercio de escala ou de transito he o que mais facilmente
se afugenta com os impostos ; porque os negociantes o vám
sempre fazer, aonde os regulamentos do porto lhe saõ mais
vantajosos; e o Governo naõ pódc entaõ impedir esta
mudança.
5°. Derrogar o direito de exportação nas seges, que de
Portugal vam para o Brazil; porque pagando estas 8 por
cento de consulado em Lisboa, e 10 por cento no Passo da
Madeira, e ao depois direitos de entrada no Brazil, vem as
carruagens, que de Inglaterra se importam no Brazil, ater
a vantagem de 18 por cento; e o artífice Portuguez perde
em conseqüência os lucros com que podia ficar.
6 \ Aleviar de muitos direitos os navios, que se destinam
ás colônias Hespanholas; aquém se pôde disfarçar a via-
gem, cora o direito de Baldeaçaõ para o Brazil; e utilizar
assim parte daquelle commercio, que está todo nas maus
de duas Potências Estrangeiras.
7*. Arranjar de novo os mal pensados regulamentos de
Commercio e Artes. 445
baldeaçaõ, e os emolumentos opressivos, que em taes casos
se exigem ; com o que se inutiliza na pratica; o que na
theoria se meditava aproveitar.
Perguntáramos, agora, se, em quanto a Juncta espera
pelas deliberaçoens dos negociantes <• tem dado alguns
passos para representar ao Governo, sobre alguns destes in-
teressantes pontos r
He verdade que certos regulamentos, necessários á pros-
peridade do commercio e industria de Portugal, só podem
ter lugar no Brazil. Tal he por exemplo a imposição de
direitos de importação, no Brazil, sobre as fazendas da
índia, quer entrem em navios estrangeiros, quer em nacio-
naes; porque calculando-se assim esses direitos de entrada
no Rrazil se escusa a cobrança pelo consulado de Lisboa,
e se naõ dá aos estrangeiros a vantagem, que tem presente-
mente sobre os negociantes nacionaes de Lisboa.
Porém, ainda mesmo no expediente de medidas, que
dependem do Brazil, tinha a Juncta de Commercio de
Lisboa obrigação de fazer as suas representaçoens; pelo
que observa no Reyno, e que está dentro de sua jurisdic-
çaõ.
I). Miguel Pereira Forjaz, expedio em 5 de Septembro
deste anno ura Avizo á Juncta do Commercio, pelo qual
lhe encarrega de formar nova pauta d'alfândega. Remet-
teo-lhe também quatro exemplares das tarifas de Inglater-
ra, França, Estados Unidos, e Estados Pontifícios; com
promessa de lhes enviar as de outras naçoens, logo que lhe
chegassem. Mas a falta de diligencia da Juncta, nos
pontos, que temos mencionado, naõ nos dám esperanças
de que ella se applique a isto com a brevidade, que se faz
taõ necessária.
A natureza desta obra nao permitte que entremos em
mais particularidades ; mas além de que os pontos acima
indicados dám matéria bastante para amplas reílexoens, a
quem disto se quizer encarregar; mostraremos aiuda mais
VOL. XVII. No. 101. 3M
446 Commercio e Artes.
a defeituosa organização da commissaõ de Negociantes, a
quem se tem imputado as demoras da Juncta; e qual he
o meio de lhe dar efficaz remédio.
Os ajunetamentos dos negociantes, para serem úteis, he
necessário que possuam ampla faculdade de discussão. A
presidência do Conservador he um empecilho, em vez de
ser de alguma utilidade. O nome de Procurador que se
deo a um dos Negociantes da Commissaõ, he uma denomi-
nação irrisória, quando poderia designar um cargo de
grande importância, se o indivíduo fosse nomeado verda-
deiramente por seus collegas, e altendido como requerem
as funcçoens que deve exercitar.
Em Inglaterra os ajunetamentos dos negociantes saõ
diversos ; segundo a natureza e repartição do Commercio
a que se applicam : chamam a estes ajunetamentos Clubs:
c assim ha o Club dos negociantes do Mediterrâneo, do
Brazil, do Baltico, & c . ; e cada ura destes Clubs tem um
Committé, ou comissão de poucos membros, encarregados
do expediente ordinário, e o presidente ou cabeça, que
para este committé nomeam, he o orgara de communicaçaõ
com o Governo; e sempre o sugeito de mais conheci-
mentos, e respeitabilidade, que ha na classe dos membros.
As dbeussoens, nos seus ajunetamentos saõ amplíssima*
mente livres : ouvem-se muitas opinioens, ás vezes as mais
disparatadas ; mas hc com essa liberdade de argumento»
que se fazem patentes a todos as vias da verdade.
Estes ajunetamentos dos negociantes naõ saõ idea nova
da Inglaterra ; e para naõ irmos mais longe, os officios in-
corporados em Lisboa,e de que ainda se acham resquícios
na Casa dos Vinte Quatro, provara que a utilidade destes
ajunetamentos foi bem conhecida em Portugal, em tempos
mais prósperos.
O emprego de negociante tem em nossos tempos adqui-
rido certa importância, que antigamente naõ podia ter; e
assim, se a prudência de nossos maiores julgou conveni-
Commercio e Artes. 447
ente incorporar os officios mechanicos de Lisboa, e até
dar-lhe alguma parte na governança da Cidade ; quanto
mais importante naõ deve isto ser a respeito dos negoci-
antes, que, pela melhor educação de seus membros, pelas
riquezas que manejam, pela influencia do commercio na
industria geral, devera ser seus interesses de muito mais
consideração do que nenhum dos officios mechanicos ?
Mas he essencial que o Governo, para que taes associa-
çoens sejam úteis, se naõ intrometia nus suas delibera-
çoens, e se contente unicamente com ouvir e attender a
sens requirimentos.
Se officio de Corrieiro, por exemplo, se ajunctasse em
Lisboa, para discutir sobre alguma petição á Câmara, a
respeito das solas, e couros, deveria ser presidido pelo
corrieiro, que elles escolhem para seu cabeça, e a quem
chamam o Juiz do Officio. Mandar ao Corregedor do
Bairro, qne presida a esse ajunctamento do officio de
corrieiro, seria por-lhes um embaraço nu ignorância do
cabeça, em vez de facilitar-lhes os seus fins.
O mesmo he exactamente applicavel á presidência da
commissaõ de negociantes pelo Conservador do Com-
mercio.
Se os Deputados leigos da Juncta do Commercio fos-
sem nomeados pelos mesmos negociantes, e sahissem em
turno, depois de servirem certo periodo, a Juncta repre-
sentaria de algum modo a corporação do Commercio;
mas como isso se naõ faz, he preciso promover as associ-
açoens particulares entre os mesmos negociantes, para que
ellas se encarreguem de fazer ao Governo as representa-
çoens necessárias, e solicitar as medidas convenientes, o
que se naõ pôde esperar da industria e do trabalho de ne-
nhum indidivuo; que naõ pôde dixar e seu escriptorio para
ir solicitar o bem geral, sem paga, emolumento, honra,
ou outro estimulo, que lhe sirva de recompensa ao tempo
que nisso emprega, e que rouba a suas oecupaçoens.
3M2
448 Commercio e Artes.

PAIZES-BAIXOS.

Abstraclo da nova Tarifa d'ulf'andega, que deve começar


no 1*. de Dezembro, de 1816.

Importação Exportação
Algodão em rama . . 3 por cento 2 por cento,
Assucar em bruto . . 6 stivers
— mixtiirado com rcfimido 10 Horins
— refinado . . . . 10 florins
Azeite de peixe . . 10 florins
Barba de Balea . . . . 8^ por cento
Cha 10 por cento
Todos os regulamentos an-
tigos sobre este artigo
continuam
Chumbo, era barra 1001b. 2 florins
Cobertores . . . . 10 per cento
Dentes d' Elephante 1001b. 2 florins
Do. de balea . . . . 8 por cento
Especiaria
Gingibre seco 1001b. 6 stivers
D o . de conserva do. 3 florins
Massa . . . 3 por cento
Canella de Ceylaõ lb. 3 stivers
D o . China . . . 3 do.
Cássia lignea . . . 3 por cento
Noz muscada . . . . 3 do.
Pimenta 1001 b. . . 3 florins
Lsianlio em barra 1001b. 5 stivers
Do manufacturado . . 8 stivers
Fazendas d' algodão branco
1001b 30 florins
Commercio e Artes. 449
Importação Exportação.
Chitas pintadas . . 35 ílorins
Feitas de canhamo ou linho
cru 2 por cento
Do. coradas ou pintadas 4 por cento
Do. para pano de colxaõ 12 por cento
G anga fr . 3 por cento
Musselinas . 5 por cento
Ferragem 1001b. . . 8 por cento
Manteiga lOOib. . . . . 30 stivers.
Melado, naõ refinado . . 3 por cento
-— refinado 1001b. . 6 florins
Obras de torneiro . . 6 por cento
Pannos de laã . . 8 por cento
Queijo de Edam e Gouda
1001b. 5 stivers
• de Cummin . . . . 2£ stivers
Cauter 2\ stivers
• Estrangeiro 3001b. 6 florins 1 florin
Ruiva de tinetureiros, fina . . . 10 stivers
—— mediana 1001b. . . 6 stivers
—— com ruti . . . 4 stivers
Sumagre 8001b. . . 3 stivers
Tabaco, Virgínia, Maryland,
e Porto-nco e Ukrmia em
rama 2 por cento
— Marinos 3 por cento
•— Brazil rolo 2\ por cento
— Folha naõ preparada 4 por cento
— Do preparada 8 por cenfo
Tapetes 10 por cento
Uraela 1001b. 8 stivers
450 Commercio e Artes.
Pode introduzir-se, por transito, toda a qualidade de
fazendas, pagando os direitos de importação on expor-
tação, segundo o que destes for o mais subido ; ou pa-
gando 3 por cento sobre o valor das fazendas ; e tendo e
importador a escolha de um destes três modos de paga-
mento.
Haverá armazéns públicos, em que se depositem as
fazendas, com fiança, ou para se reexportarem, ou para
o consummo do interior. As fazendas podem ficar sob
fiança um anno ; passado o qual tempo perdem o di-
reito de transito.
[ 451 ]
Preços Correntes dos principaes Prodvctos do Brasil.
LOWDRES, 20 de Outubro, de 1S16.
Qualidade. Q»-m*idad( Preço de
Gêneros. Direi'o>

f Redondo.. 112 lib. 52s. Op. 66s, 0p.\


AJHJCAU. } Batido . . . lis. Op, 44s. Op. ]
( Mascavado . . 38s. Op, 40s. Op. iLivre de direitos
Arroz Brazil 42S. Op. :>5s. Op. /por exportação.
Caffé Rio 59s. Op, 67». Op. I
Cacao Pará
65s. Op 75s. Op.J
52s. 6p 54s. 0p.'3s.2p. por 1121b.
C«bo Rio da Praia libra... ls. Úp. «s. 2p.

{
Pernambuco.
Ceará 2s. jp .%. lp. 8s. l p . por lb.
Bahia ls. llp 2s. Op. 100 em navio
ls. llp 2s. Op. Portuguez on
Maranhão . .
Pará Inglez.
Minas novas
Capitania. . . Ss. 6p. 4s. 6p. 4}p. por lb.
Aiinil Rio lOs. Op. lis. Op. 3s. 6 | p .
Ipecacuanha Brazil 4s. 6p. 5s. 6p. ls. ü:ip.
Salsa Parrilha Pará Ss. 6p. 3s. 9p. ls. I l j p .
Óleo de cupaiba 8p. llp. 4p.
Tapioca Brazil.... ls. 6p. 2s. Sp. direitos pagos pelo
Ou roeu comprador
etn rolo . 4p. 5p. > Livre de direitos
Tabaco,
Í
em folha ,
;A
4p.
9p.
5p. \ por exportação.

Rio da Prata pilha B 8p. 8ip.


'c 6|p. IP*
< <A . . . . \ P i p . por couro
Couros) Rio Grande <B . . . . ..ein navio Portu-
guez ou Inglez.
h'45. 6p 7s. 6p.
^.Pernambuco salgados 183 38s. 6p 40s. 6p. 5s. 6£p. por 100.
Rio Grande de cavai hn Tonelada 115/. 120/. } direitos pagos
Chifres Rio Grande. Os. 5p ls. Op. ) pelo comprador
Pio Brazil Pernambuco
Páo amarrello .. Brazil
Espécie.
Ouro em barra £ 3 18 6 1
Peças de 6400 reis 3 18 6
Dobroens Hespanhoes 3 14 6 1 por onça.
Pezos dictos O 4 10 I
Prata em barra o 4 114J
Câmbios.
Rio de Janeiro 59J Hamburg 3T 4
Usboa 54} Cadiz 34
Porto 54 Gibraltar 31
*"'» '.'.'.'.'..'.'.'.'.'.'.'.'.'. 26 Gênova 42J
Amiterdam 12 8 Malta 46
Prêmios de Seguros.
Brazil Ilida 2 (iuineos Vinda 2 a i?i Guincos.
Lisboa ) 2 a 2±
Porto J .... 2
Mudei ra 3ia4
Açores 3 4
Rio da Prata 4 5
Bengala 4 4
[ 452 ]

LITERATURA E SCIENCIAS.
NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.

SKETCHES of índia, 8vo. preço 7s. Esboços da Ia-


dia; ou observaçoens descriptivas da paizagem, &c. em
Bengala. Escriptas na Lídia, nos annos de 1811, 1812,
1813, e 1814. Com algumas notas sobre o Cabo de Boa-
Esperança, e 8ta. Helena. Escripta naquelles lugares em
Fevereiro, Março e Abril do anno de 1815.

Report on the Epidemic Fever in índia, 8vo. preço


6s. 6d. Relatório Medico, Geographico e Agrário, por
uma Commissaõ nomeada pelo Governo de Madres, para
inquirir as causas da febre epidêmica, que reynou nas pro-
vincias de Coimbatore, Madura, Dindigul e Tinnivelly,
durante os annos de 1809, 1810, e 1811; sendo presidente
o Or. W Ainslie, Mr. A. Smith segundo membro, e o
Dr. M. Christy terceiro membro. Illustrado com um
mappa do paiz, aonde e reynou a febre.

Koster's Traveis in Brazil, 4to. preço 21. lOs. Via-


gens no Brazil de Pernambuco até Seara; alem de ou-
tras excursoens accidentaes; e uma viagem ao Maranhão.
Representando tudo uma pintura do estado de Sociedade
naquelle paiz, durante um residência de seis annos. Com
estampas dos vestidos e uzos do paiz. Por Henrique
Koster.

Kelly's Essays on the Foetus, 8vo. preço 3s. Ensaio


sobre a evolução espontânea do Foeto. Por Joaõ Kelly.
M. D.
Literatura e Sciencias. 453
Packers Dyefs Guide, 12mo. preço 4s. 6d. Guia do
Tinctureiro ; ou introducçaõ á arte de tingir Unho, algu-
daõ, seda, laã, panos de seda e musselina, & c ; com di-
recçoens para calendrear, lustrar, &c.; com um appen-
diz de observaçoens chimicas e explanatorias; essenciaes
ao conhecimento próprio e scientifico desta arte, segun-
do a practica moderna. Por Thomaz Packer, Tinctu-
reiro.

Agricultural State of the Kingdom, 8vo. preço 9s.


Estado de agricultura do Reyno, em Fevereiro, Março e
Abril, de 1816. Contém o resumo das respostas dadas
a uma carta circular, mandada pela Meza d'Agricultura a
todas as partes do Reyno.

Parry's Nautical Astronomy, 4to. preço lOs. 6d. As-


tronomia Náutica : Comprehendendo direcçoens practi-
cas para conhecer e observar as principaes cstrêllas fixas,
visíveis no hemispherio Scptentriopal. Ao que se ajuncta
nma breve noticia dos mais interessantes phenomenos na
Sciencia da Astronomia. Tudo illustrado com estampas ;
e destinado principalmente ao uso da Marinha Real, e
calculado a fazer mais familiar o conhecimento das estrei-
tos, e a practica de as observar. Por Guilherme Eduardo
Parry, Tenente da Marinha Real.

Armstrong on Tiphus, 8vo. preço lOs. 6d. Illustra-


çoens practicas sobre o Typhus e outras moléstias febris.
Por Joaó Armstrong, M. D.

PORTUGAL.
Sahio á luz: Theoria das faculdades e opera-
çoens intellectuaes e moraes. Author Rodrigo Ferreira da
Costa. Preço 240. Lisboa, 1816.
VOL. XVII. No. 101. S N
454 Literatura e Sciencias.
Pensamentos sobre a Philosophia da Incredulidade;
ou reílexoens sobre o espirito e desígnio dos philosophos,
sem religião do presente século, dedicados a Monsieur, ir-
maõ d'EI Rey de França, pelo Abbade Lamourette; e
traduzidos em Portuguez. Lisboa. 1816, preço 360 reis.

Apotheose da Augustissima Raynha D. Maria 1. de


Portugal; por Nuno Alvares Pereira Pato Moniz. Lis-
boa, 1816, preço 240.

Classes dos Crimes por ordem systematica, com as pe-


nas correspondentes, segundo a legislação actual; Por
Joaquim Jozé Caetano Pereira e Souza ; segunda ediçaõ
accrescentada. Lisboa, 1816, preço 1600 reis.

Economia Politica de Mr. Simonde.


(Continuada de p. 317.)
CAPITULO IV.

Das Rendas e Despezas da Sociedade, e do seu Balanço.


Nos três capítulos precedentes examinamos successiva-
mente a origem da riqueza nacional, e os dous modos
por que ella se pôde accumular; vimos que, ou
ella se fixe, ou que gire, he da sua natureza produzir an-
nualmente um augmento de valor, que he o que constitue
a renda nacional.
Mas he mui importante que nos demoremos mais
sobre este exame, e que resolvamos definitivamente a ques-
tão que se nos apresenta: qual he esta renda nacional?
ou, qual he a porçaõ da riqueza circulante em qualquer
naçaõ, que os indivíduos que a compõem podem consu-
mir no dicurso do anno, sem a fazer abater da sua pros-
peridade actual?
Literatura e Sciencias. 455
Porquanto tendo uma naçaõ assim como um particular
receita e despeza, também como o particular precisa man-
ter o balanço entre ellas. Se as suas despezas forem iguaes
ás suas rendas, a sua riqueza ficará no mesmo ponto, sem
fazer progresso, nem declinar : mas se as despezas forem
menores que as rendas, entaõ a sua fortuna se augmenta-
ra* assim como também, se as despezas forem maiores,
se dissipará. Pode-se, portanto, considerar o balanço
annual das suas rendas e despezas como o thermometro da
sua prosperidade.
Propomos-nos em conseqüência a examinar neste capi-
tulo, qual seja a despeza, equal a renda da sociedade;
como esta renda se reparte pelas diverssas classes ; sobre
que principios se deve calcular o balanço ; e em fim, o
que se deve pensar de um systema, que anda demasiada-
mente divulgado, segundo o qual uma grande despeza se
considera como vantagem nacional, porque espalha muito
dinheiro.
A despeza reunida de todos os indivíduos naõ he a
monta dos seus desembolços em numerário, mas sim a do
seu consumo : porquanto, aquelle que se sustenta do paõ
da sua labra, ou que tem na sua tullia, gasta, ainda que
naõ compre. A despeza da naçaõ he igual á quantidade
de comestíveis, de mercadorias, e de riqueza movei, que
todos os indivíduos, cada uni pela sua parte, applicam
para seu uso, tiram da circulação, e naõ destinam mais
para novas trocas, mas somente para seu consumo ; já
naõ para lucrarem, mas para vivarem e disfruetarem.*

* A depeza dos indi viduos naõ he sempre acompanhada da des-


truição dos objectos que destinam ao seu consumo ; os vestidos,
os trastes, as equipagens, &c. se consomem mais ou menos lenta-
mente s mas naô cessam de existir como os comestíveis desde que
se faz uso delles. Outros objectos, como as baixellas, os paneis, as
jóias, &c. podem durar séculos - Desde o momento em que o ulti-
3 N 2
456 Literatura e Sciencias.
Esta despeza de cada individuo he moitas vezes maior
doque a que elle considera como sua particular; porque
no rol dos seus dispendios naõ somente comprehende o
seu próprio consumo mas também o da gente a quem
élle o fornece : com tudo, se accuraularmos desta maneira
a despeza de todos os membros de uma naçaõ, faríamos
muitos empregos dobrados ; porque contaríamos a despeza
do rico, na qual seria comprehendida a de toda a sua fa-
milia, e depois a de cada um de seus criados,que também
fazem parte da naçaÕ; ao mesmo tempo que, naõ consi-
siderando senaõ o consumo que cada um faz por si, naô"
pode haver nenhum emprego ou despeza dobrada; e a
massa da riqueza inovei, que annualmente se tira da cir-
culação, para ser applicada ao uso de todos os cidadãos,
deve necessariamente ser igual á despeza nacional do
anno.
Eis aqui como podemos formar uma idea exacta da
renda nacional. Vimos que a renda das terras, e a dos
capitães fixos, se fundava no preço dos productos do tra-
balho, e o augmeiitavam ; também vimos que o capital
circulante se trocava por um trabalho por fazer mais con-
siderável; e que, por conseguinte, o lucro deste capital
se achava reunido ao preço deste mesmo trabalho. Por-
tanto, daqui resulta que o producto annual do trabalho,
tornado mais lucatrivo pela accumulaçaõ do capital cir-

ino comprador os destina pasa seu uso, ja naõ fazem parte do capital
circulante, e naõ produzem mais rendimento : saõ separados dos
capitães para passarem ao fundo destinado á despeza.
A prolongaçaõ da sua existência he comtudo uma vantagem: os
particulares, ou a naçaõ, que empregam rendas em objectos desta
natureza, ficam mais ricos que os que as consomem no luxo de
suas mezas ; esta riqueza iinproductiva, e ainda naõ consummida
augmeota a todo tempo os meios nacionaes; e nos dias de calami-
dade, he um recurso que a gente tem, porque se pode trocar por
outra riqueza mais precisa.
Literatura e Sciencias. 457
culante e do capital fixo, deve comprehender toda a ren-
da nacional.*
Notemos agora que uma porçaõ do salário dos obreiros
productivos representa aquella parle da riqueza movei
que be estrictamente necessária para a sua sustentação ;+
esta porçaõ, que vai também necessariamente accumulada
no preço dos productos do seu trabalho, naõ faa parte, a
fallar com rigor, nem da despeza, nem da renda da naçaõ,
pode-se separar de uma e da outra ; he uma quantidade
igual, que, separada de ambas, naõ alterará a sua pro-
porção ; e chaniar-lhe-hemos o salário necessário.
Naõ pôde haver inconveniente algum em separar de
uma e outra parle este salário necessário, porque na reali-
dade naõ se pode considerar como uma despeza nacional.
O que o artífice produetivo destina á sua subsistência he-
lhe fornecido, por especulação, por aquelles que lhe fazem
avanços, certos de que a obra, que elle lhes ha de dar em
pagamento, ha de valer mais doque o consumo do jor-
noleiro representado pelo salário que elles lhe avançam.
Todos os outros indivíduos da naçaõ cousomem, mas o
obreiro produetivo naõ faz senaõ trocas. A mesma naçaõ,
como temos visto m»s capítulos precedentes, líãõ pôde
enriquecer-se senaõ por meio das trocas do presente pelo
futuro.

* Reparar-se-ha, talvez, que eu calculo as rendas nacionaes antes


de fazer mençaõ de outras duas espécies de capitães, que examinare-
mos nos dous capítulos seguintes, & saber, o numerário, e as divi-
das ou o capital immaterial; porém o primeiro, como veremos, he
absolutamente estéril, e naõ produz por si mesmo augmento de
valor ou de renda ; e o segundo que parece que dà aos particulares
uma renda, todavia naõ a dá ao Estado: porquanto o capital imma-
terial naô he senaõ um direito á participação na renda do capital ma-
terial t he, portanto, no acerescimo do capital material e circulante,
que se deve buscar toda a renda da sociedade.
t 0 sustento dos filhos do artífice deve entrar no seu salário ne
cessado.
6
458 Literatura e Sciencias.
Debaixo deste novo ponto de vista, a despeza nacional
já naõ he o consumo annual de todos os indivíduos, mas
o consumo afora o que he requisito para o sustento dos
obreiros productivos, ou o seu salário necessário. Da
mesma forma, a renda nacional já naõ he o producto an-
nual do trabalho, mas o producto que fica depois de se
haver tirado o salário necessário a que elle he devido,que
he a subsistência dos obreiros productivos, que tem pro-
duzido a renda do anno.
Naõ se pôde fazer uma idea mais justa do salário ne^
cessario do que asseniilhando-o ás sementes que o labrador
deposita na terra ; quando as torna a haver na colheita,
naõ tem obrigação de as contar nem nas despezas da fa-
zenda nem nos seus productos ; podemos separallas de
uma e outra banda. Mas á proporção que o labrador
semear, e o capitalista adiantar de salário necessário em
cada um anno, hc que um e outro haõ de recolher em
mais ou menos abundância, dado que todas as mais cir-
cunstancias influentes sêjuu iguaes. Ora estas circun-
stancias influentes saõ, nos dous casos, o effeito mais ou
menos activo dos capitães fixos mais ou menos accumula-
dos : aqui para beneficiar as terras, e facilitar a sua obra;
e acolá para aperfeiçoar o mesmo artífice os seus instru-
mentos, c os seus meios de trabalhar.
Portanto, o augmento do salário necessário he em uma
naçaÕ o signal de sua actividade ir em crescimento; assim
como o augmento das sementeiras he na agricultura o sig-
nal de maior cultura.
O salário necessário deve ser regulado em mercadorias,
comestíveis, e objectos da primeira necessidade para os
officiaes; e entaõ sempre he o mesmo em relação ao traba-
lho que elle põem em acçaõ : isto he, que a mesma quan-
tidade de mantimentos, e de vestuário he sempre necessária
para determinar o emprego permauente de todos as forças
de um artífice : mas comtudo a obra que elle pôde fazer,
Literatura e Sciencias. 459
pelo emprego de todas as suas forças, augmenta com os
progressos da sociedade ; quando pela multiplicação dos
seus capitães os officios snõ mais bem divididos, e cada
qual vai tendo melhores ferramentas de que se servir.
Quando uma má colheita, ou tributos mal entendidos
fazem levantar o preço dos mantimentos, o salário necessá-
rio exprimido em numerário parece mais considerável, e
cie facto he o mesmo: sempre lie a mesma quantidade de
alimentos c de vestuário estrictamente necessários; e da
mesma forma, a pezar desta alteração no valor numérico,
oprodueto do trabalho, que elle põem em acçaõ, he o mes-
mo. Porém, se gentes ociosas, ou obreiros improduetivos
cmprehendercm um trabalho produetivo, a quantidade do
salário necessário será na realidade augmentada, e produ-
zirá para o anno seguinte maior porçaõ de riquezas em seu
trabalho; e neste anno uma deminuiçaÕ na despeza, visto
que parte do seu consumo he tirado da despeza nacional
para ser contado no salário necessário.
Naõ sendo pois a renda da sociedade outra cousa senaõ
o producto annual do seu trabalho, deixando de tora o sa-
lário necessário, que o pôs cm acçaõ, tracta-se agora de ver
como ella se distribuie por todos os cidadãos. A este
respeito pode-se dividir a naçaõ era seis classes, das quaes
três contribuem directamente para a sua renda ; e outras
três naõ tem propriamente parte alguma nella, mas obtém
os seus rendimentos das rendas das outras. Estas ultimas
podem-se reunir em uma s ó ; e charaar-lhe-hemos a classe
improduetiva.
A primeira classe que contribue para a renda nacional
he a dos obreiros productivos ; os quaes, além do salário
necessário, obtém quasi sempre uma parte mais ou menos
considerável do supérfluo da sua própria producçaõ, a qual
podem economizar, ou applicar para o-* seus regallos. A
esta parte chamaremos o salário supérfluo.
Os proprietários da riqueza movei, tanto aquelles que
460 Literatura e Sciencias.
emprestam os seus capitães, como os que os põem cm ac-
çaõ, entram para esta renda com todo o valor dos seus
lucros, ou toda a parte do supérfluo do producto do tra-
balho, qne o artífice lhes abandona, em retribuição dos
seus avanços.
Os proprietários de capitães fixos, e de terras, entram
na dieta renda nacional cora todo o valor que o trabalho
empregado ou fixado augmenta no trabalho annual do
homem, ou por outras palavras, com a sua renda.
Estas três classes, que se poderiam chamar produetivas,
visto crearem a renda nacional, que possuem por inteiro,
devem também em ultima analyse supportar toda a despe-
za ; de sorte que o seu balanço será o balanço da naçaõ. A
principal destas despezas he a de nutrir a classe impro-
duetiva, qne vive absolutamente á custa dellas. Esta
classe be composta de gente mui útil á sociedade e de
gente que lhe lie mui nociva; contam-se nella pessoas do
maior respeito, assim como outras dignas do maior des-
prezo. So na consideração pecuniária be que se podem
reunir debaixo de um só golpe de vista, pessoas que se
assimelbam tam pouco, como saõ os magistrados, os ho-
mens de letras, e os militares de uma banda ; e os mendi-
gos, ladrões, e prostitutas, da outra; com uma chusma de
ordens intermediárias, que, como as precedentes, vivem á
custa das três primeiros classes da sociedade.
A primeira classe, que naõ tem rendas, pode dividir-se em
três secções, porque se serve de três meios differentes para
participar nas das três classes produetivas. A primeira
secçaõ emprega-se em defender os interesses das outras,
obtendo por isso uma parte dos seus bens. As rendas de
um Governo legitimo ; de um estabelecimento militar pro-
porcionado ás necessidades da naçaõ; as dos juizes, dos
advogados, dos médicos, dos ministros da religião, &c.
provém desta fonte. O meio de que a segunda secçaõ
se serve he de vender deleites aquelles, que, tendo uma
Literatura e Sciencias. [461]
renda supérflua, consagram uma parte delia a nutrir o seu
espirito, a satisfazer os seus sentidos, ou a lisongear a sua
vaidade. A esta segunda secçaõ pertencem as rendas dos
phylosophos, dos poetas, dos músicos,* dos comediantes ;
dos cabeleireiros, barbeiros, &c. e em fim, todos os creados
de uma casa. A terceira secçaõ da classe improduetiva
obtém gratuitamente parte dos bens de outras, por meio
da violência, da astucia, ou da piedade. Os Governos
despoticos e injustos; ou mesmo gastadores em demasia,
e todos os seus assalariados ; como também os salleadores
e ladrões de toda a espécie, os mendigos, &c. pertencem a
esta secçaõ.
As tres classes produetivas contribuem todas mais ou
menos, como se vê, para as despezas da classe improdue-
tiva de sorte que todas as despezas desta entram na conta
das outras. Donde se vê que a despeza nacional deve ser
igual á massa de riquezas moveis, que as tres classes pro-
duetivas tiverem consummido com sigo mesmas, ou aliena-
do definitivamente, e sem a esperança de as verem repro-
duzir : o que comprehende os tributos que os cidadãos
destas tres classes tiverem pago ao Governo, as retribui-
ções, que tiverem dado aquelles que houverem contribuído
para os seus prazeres ; e as porçoens de remia tomadas por
força, por astucia, ou cedidas por compaixão ; e bem en-
tendido que esta definição naõ comprehende, pelo contra-
rio, o salário necessário, porque este nunca he uma aliena-
ção definitiva.
As rendas e as despezas da sociedade apresentam* se-nos
entaõ ainda em um terceiro aspecto; as primeiras saõ as

* Os homens de letras e os músicos saõ obreiros productivos,


quando publicam as suas obras; porque o valor do seu trabalho deve
achar-se realizado no do seu manusciipto : e pelo contrario saõ im-
produetivos quando se contentam de dar lições, recitar, ou executar
suas composições. Os pintores saõ em todo caso obreiros producti-
vos.
VOL. X V I I . No. 101. 3 o
462 Literatura e Sciencias.
de uma parte da naçaÕ, que he a única proprietária dellas;
e as segundas saó as da mesma parte da naçaÕ que fornece
ás outras o seu sustento.
Se as despezas das tres classes produetivas, excedem as
suas rendas, deve a naçaõ indubitavelmente empobrecer, a
menos que a classe improduetiva nao faça nas rendas, que
obtém dellas, economias tam consideráveis como o déficit
no balanço das primeiras, e que ella naõ ponha na circula-
ção capitães, que montem aos que estas houverem retirado.
Ora isto naõ he natural que aconteça. Naõ he possivel
que as classes produetivas dissipem os seus capitães, uma
vez que a isso naõ sejam constrangidas pela violência, ou
pela astucia ; e entaõ ás maõs da terceira secçaõ da classe
improduetiva he que passarão os capitães roubados aquel-
las. Esta secçaõ composta dos membros e agentes de um
Governo tyrannico, de salteadores, e ladrões ; nunca en-
thesoura nem poupa, porque conta com procurar novos
fundos pelos mesmos meios, quando os que possue estive-
rem dissipados. Parece que isto he o que acontece em
quasi todas as provincias do Império Ottomano, e mais
particularmente no Egypto, aonde os Mamelucos dissipam
pelo seu fausto naõ só as rendas, mas até os capitães das
classes produetivas. Pelo que respeita os da quarta classe
que accumulam riquezas, ou elles as fixem, ou as façam
girar, entram de facto e por esta parte da sua fazenda, em
uma das classes produetivas, de sorte que saõ comprehen-
didos em o nosso balanço geral.*
. . — — • — ' .

* Mr. Garnier (em a nota XX. p. 181.) notou com razaõ, que certas
profissoens improduetivas se distinguem pela sua inclinação para a
economia. Que os creados, particularmente, com seus pequenos
capitães, fructo de suas poupanças, alimentam uma boa parte do
commercio das cidades grandes, E nesta razaõ pertencem á segunda
classe da sociedade coino capitalistas; e á quinta como creados:
por isso as suas rendas saõ em parte directas, em quanto aos lucros ou
interesse que percebem; e em parte indirectas, em quanto á soldada
que ganham.
Literatura e Sciencias. 463
Supponhamos uma naçaõ que nao tenha habitualmente
commercio exterior; o producto do seu trabalho será con-
seguintemente igual ao seu consumo : porque, se ella pro-
duzisse mais do que podia consumir, naõ fazendo exporta-
ção, uma parte dos fructos do seu trabalho ser-lhe-hia
inútil, abateria o preço, e pararia a producçaõ para o anno
seguinte.
A pezar desta isolaçaõ, e igualdade entre a producçaõ e
o consumo, o balanço entre as rendas e as despezas pode,
comtudo, ser igual, favorável, ou desfavorável. Será
igual se as tres classes produetivas consagrarem ao salário
necessário uma porçaõ de riqueza movei exactamente
igual á que ellas lhe haviam destinado no anno precedente :
porque entaõ deduzindo duas sommas iguaes de duas quan-
tidades iguaes, a saber, o consumo e a producçaõ, os res-
tos seraõ iguaes, e a naçaÕ nem terá perdido nem ganhado :
um salário necessário igual, porá em acçaõ para o anno
seguinte uni trabalho igual, e a renda será a mesma. Será
favorável, se a despeza das tres classes produetivas fôr
menor que as suas rendas; o que naõ pôde ler lugar senaõ
por meio de haverem avançado maior porçaõ de salário
necessário no anno actual, do que haviam avançado no
anno precedente. Sendo o consumo e a producçaõ iguaes,
e toda a differença entre elles sendo, que do primeiro he
preciso separar o salário necessário do anno passado, para
obter a renda; e da segunda he preciso cortar o salário
necessário do anno corrente para obter a despeza : se neste
anno empregarmos maior quantidade de salário necessário,
mais trabalho se fará, e a renda do anno próximo será
maior. Se cada anno se fizer a mesma economia sobre as
rendas, as dos annos seguintes crescerão progressivamente,
» riquezas do Estado iraõ sempre ern augmento, sem que
para isso se precise de commercio algum estrangeiro. E m
nm, o balanço será desfavorável, se a despeza das tres
classes produetivas exceder as rendas ; porque entaõ cada
3 o 2
464 Literatura e Sciencias.
anno avançarão menor salário necessário, e cada anno a
renda nacional demiiiiiirá, sem que a sua mingua se deva
a exportaçõens, ou a que alguma naçaÕ estrangeira obte-
nha parte delia.
Se a naçaÕ, que suppómos, fizer commercio com estran-
geiros, poderá este consistir principalmente na troca das
suas producções por outras de fôra ; e o seu consumo po-
derá ser igual aos fructos do seu trabalho annual: mas
lambem poderá ser que dê parte de suas mercadorias a
credito para fôra, e deste modo empreste ás nações com
quem commerciar: ou, pelo contrario, poderá receber
mercadorias estrangeiras a creciito, isto he tomar empres-
tado das nações com quem traflacar. No primeiro caso a
sua despeza será igual á sua producçaõ afora o salário
necessário que avançara, c os créditos ou empréstimos que
fizera : e no segundo, será igual á sua producçaõ juncta
aos empréstimos que contratura, ou créditos que recebera,
afóra o salário necessário que avançara. Isto deve de ser
assim, pois na primeira supposiçaõ he precisa toda a som-
ma dos seus créditos ou empréstimos feitos aos estrangeiros
para que o seu consumo seja igual á sua producçaõ; e no
segundo, lie preciso que o seu consumo exceda a sua pro-
ducçaõ tanto quanto fora importância das suas dividas.
Como este modo de apresentar o balanço nacional lie
absolutamente novo ; e como importa muito percebello
bem, e he preciso dissipar toda a obscuridade que ainda
talvez o rodee, representaremos em algarismos a renda,
despeza, salário necessário, e credito, que supporemos de
pequenas nações, para explicarmos as differentes alterações
que pode haver no balanço das suas rendas.
Supponhamos que existem tres cantões ou pequenos
povos mercantes, cujo consumo seja exactamente igual;
motando em o anno de 1816 a 10 milhões de cruzados.
Designemos estes tres Cantões pelas letras A. B. e C. Se-
gundo o systema dos economistas, e mesmo de muitos dos
Literatura e Sciencias. 465
mercantes, o consumo he á medida da reproducçaõ; de
sorte que estes tres povos deveram achar-sc no mesmo
gráo de prosperidade. Todavia, vamos ver que, pelo
contrario, com um consumo igual, segundo a sua industria
crescer ou deminuir, e também segundo o estado dos seus
créditos, ou das suas dividas aos estrangeiros, cada um
destes povos pode fornecer um salário necessário maior
ou menor, e gozar de uma renda também maior ou menor.
Supponhamos que o Cantaõ A. naõ commercia para
fora; a sua producçaõ será por conseguinte igual ao seu
consumo. Supponhamos que em 1815 os seus capitalistas
avançaram 4 milhões de salário necessário, os quaes lbe
produziram cm 1816 obra de valor de 10 milhões, e ahi
temos 6 milhões de renda para repartir por todos os seus
habitantes. Se em 1816 o CantaÕ applicar 4:400.000
de cruzados ao salário necessário, seguir-se-ha que por estes
400.000 crusados mais que poupou da sua renda para em-
pregar deste modo, recolherá em 1817 onze milhões de
producto bruto, e 6:600.000 cruzados de renda; e assim
por diante.
Supponhamos agora que o Cantaõ B. commercia para
fora, de sorte que a sua producçaõ exceda o seo consumo,
e que venda para fora o valor de 250.000 crazados mais
do que recebe de fora, de sorte que fique credor desta
somma aos estrangeiros supponhamos mais que o producto
do seu trabalho, montando a 10:250.000, cruzados, he o
fructo de um salário necessário de 4:100.000, cruzados
fornecido em 1815. Era 1816, montando o seu consumo
so a 10 milhões, terá economizado todo o credito que lhe

"ara simplificarmos a matéria adoptámos como proporção con-


stante do salário necessário ao producto bruto que elle da, de 2 a 5.
a
Proporçaõ acha-se pelo calculo feito em alguns paizes aonde a
industria naõ esta em muita perfeição. Em Genebra, e em todas as
cidades industriosas e ricas, a proporção do producto he muito maior.
Um menor salário necessário dá-lhes um producto bruto muito maior.
5
466 Literatura e Sciencias.
devem os estrangeiros. Se elle puder, da mesma forma
que o Canfaõ A., consagrar mais 400.000 cruzados a aug-
mentar o salário necessário, será mais rico que este o valor
de todo o seu credito fora.
Agora supponhamos também que o CantaÕ C. faz com-
mercio com os estrangeiros, mas tal que o seu consumo
exceda a sua producçaõ no valor de 250.000 cruzados ;
de sorte qne receba esta quantia em fazendas de fora, além
das que também receber em troca de outras que exportar
de manufactura ou labra sua : naõ chegando o producto
do seu trabalho a valor, em 1816, senaõ 9:750.000 cru-
zados, segundo a mesma proporção, devemos suppôr que
o salário necessário fornecido por elle em 1815 nao mon-
tava senaõ a 3:900.000 cruzados. Se, como os dous ou-
tros, fornecer em 1816, mais 1.400.000 cruzados, que
o anno precedente em salário necessário, a economia que
fizer nao montará a mais de 150.000 cruzados; em quanto
o Cantaõ A. deverá fazer uma economia 400.000; e o
Cantaõ B . outra de 650.000 cruzados, porque nesta pri-
meira supposiçaõ o balanço destes tres Cantões será como
aqui se mostra :—
Rendas. Despezas. Poupanças.
De A. 6:000.000 5:600.000 400.000
D e B . 6:150.000 5:500.000 650.000
De C. 5:850.000 5:700.000 150.000
Supponhamos mais que os tres Cantões em vez de for-
necerem um salário necessário mais considerável em 1816,
fornecera exactamente o mesmo que era 1815, ficau.ío as
mesmas todas as outras circunstancias, será o seu balanço,
como aqui se vé :—-
Rendas. Despezas. Poupanças.
De A. 6:000,000 6:000,000 000
De B. 6:150,000 5:900,000 250.000
De C. 5:850,000 6:000,000 Déficit 250,000
Literatura e Seiencias. 467
No qual caso o primeiro ficará esfacionário ; o segundo
enriquecerá; e o terceiro arruinar-se-ha.
Supponhamos em fim que os tres cantoens se arruinem,
fornecendo cada um, em 1816, 400.000 cruzados menos
para o salário necessário doque forneceram em 1815, o seu
balanço para o annonetual será como se segue :—
Rendas. Despezas. Déficit.
De A. 6:000.000 6:400.000 400.000
De B. 6:150.000 6:300.000 150.000
De C. 5:850.000 6:400.000 650.000
D'onde se vé que a observação mais importante que se
pode fazer sobre o augmento ou a decadência da prosperi-
dade nacional, be a comparação do salário necessário for-
necido no anno corrente, com o fornecido no anno prece-
dente: pois segundo a differença for nenhuma, ou for
uma quantidade positiva, ou negativa, poderá a naçaÕ
enriqnecer-se ou arruinar-se, mesmo quando a situação do
seu commercio pareça indicar resultados contrários.
Também daqui se mostra que o balanço geral da expor-
tação e importação, que se conhece pelo nome de balança
do commercio, mesmo quando se podesse calcular com
exactidaõ (cousa de difficuldade extraordinária) naõ basta-
ria para se poder pronunciar se uma naçaõ vai em deca-
dência ou em augmento de prosperidade, a menos que se
naô combinasse com a única observação determinante, a
saber, a proporção entre o salário necessário, que se deve
descontar do preço da producçaõ obtida, e o salário ne-
cessário fornecido para a producçaõ por obter.
[Continuar-se-ha.]
[ 468 ]

MISCELLANEA.

EDUCAÇÃO ELEMENTAR.

N°. 7.
Disciplina nas Escholas. Castigos,

" s principaes delictos, que os meninos commeüem nas


escholas, provém de sua viveza, e actividade de disposi-
ção. Poucos meninos obram mal, só por amor d'obrar
mal : os meninos procuram naturalmente com avidez tudo
quanto lhes he agradável; e diz Mr. Lancaster que sem-
pre achou, depois de longa experiência como mestre de
eschola, que os meninos procuram cora igual avidez o es-
tudo, quando este he associado a prazeres innocentes e á
emulação. Assim os prêmios, e naõ os castigos, saõ o
principal estimulo de qne se usa nestas escholas ; mas nem
por isso se abandona inteiramente o meio do castigo, para
reprimir a disposição viciosa dos meninos.
A extrema vigilância, que ha nestas escholas, previne os
delictos, e por conseqüência evita a necessidade de os
castigar. Os muitos decurioens e subdecurioens servem
de ter os meninos sempre empregados, tirando-lhes a occa-
siaõ de se portar mal; e estes decurioens trabalham por
se fazerem irreprehensiveis, para conservar assim, cora o
direito de reprender os outros, a superioridade de charac-
ter, assim como tem superioridade de lugar.
Consideraremos pois aqui tres cousas : primeira, o modo
porque nestas escholas se indagara os delictos; segunda,
as formalidades que precedem a imposição do castigo; e
terceira em que consistem esses castigos.
O decuriaõ deve constantemente olhar para todos os me-
ninos da classe que está a seu cuidado ; e fazer assento de
qualquer menino que observe estar vadio, ou distrahido,
Miscellanea. 469
ou distrahindo os outros. Logo que o decuriaõ descubra
um destes crimes deve fazer a accusaçaõ ; e para evitar o
rumor usam de bilhetes impressos aonde estaõ escriptos
os differentes delictos; por exemplo—« Vi este menino
vadiando,"—ou " Vi este menino fallando com os ou-
tros," &c, Cada um destes bilhetes tem em cima o nu-
mero da classe; Este bilhete he entregue ao mesmo delin-
qüente, o qual he obrigado a lcvallo ao mestre.
Nos casos de pouca importância, como saõ, por exem-
plo, vir tarde para a eschola, falta de aceio, ser priguiçoso,
naõ prestar attençaõ ao que faz, fallar cora os companhei-
ros e distrahillos, & c , o Mestre ou seu ajudante passam
a dar o castigo competente ; o qual consiste, em taes casos,
na reprehensaõ, preterição do lugar, &c. Mas se a natu-
reza do delicto he tal que exige maior severidade de cas-
tigo, entaõ a formalidade tanto do conhecimento do delicto,
como da imposição da pena, he naturalmente differente.
Nos delietos mais graves, como saõ mentir, furtar, ser
desbocado, dar nos companheiros, portar-se iusolcnte-
mente para com os decurioens, &c. ; se escreve o nome
do menino delinqüente n'um livro de capa negra; e o
exame do delicto he entaõ feito com circumspecçaõ.
Todas as semanas se nomea um jurado de meninos,
composto dos decurioens, e ajudantes, e de certo numero
dos discípulos tirados de cada classe. Este jurado se
ajuncta debaixo da presidência do Mestre, e, quando he
possivel, na presença de um ou mais dos governadores ou
Proprietários da Eschola. O menino accusado he con-
duzido ante este jurado ; ali se lhe lê a accusaçaõ, ouve-
se a sua defeza, os meninos, que tem que dizer alguma
cousa a seu favor, saõ também ouvidos; c dahi passa-se a
votos, votando primeiro os mais moços. O Mestre recolhe
os votos, e declara a sentença nessa conformidade.
A experiência tem provado, que os meninos mostram
em similhantes occâsioens uma justiça, que he sempre
VOL. X V I I . N o . 101. 3>
470 Miscellanea.
superior á parcialidade que poderiam sentir por seus ca-
maradas ; e se enchem de tal elevação, vendo-se exercitar
o officio de juizes, que nada os faz desviar do seu dever.
Nem daqui resulta que os meninos adquiram o habito de
serem denunciantes ; porque os accusudores obram em ra-
zaõ de seu officio : nem ha porque as accusaçoens «•ejam
falsas, visto que todos se observam uns aos outros : nem
por que desejem subtrahir-se á authoridade, pois se go-
vernam por turnos uns aos outros : nem por que desejem
fazer mal uns aos outros; porquanto mutuamente saôentre
si juizes e julgados. Assim naõ saõ os meninos nestas
escholas discípulos temerosos ante a ferula do mestre, mas
sim concurrentes occupados a distinguir-se como rivaes :
o trabalho he um brinco, a sciencia uma luta, a authoridade
uma recompensa.
A qualidade dos castigos he proporcionada á natureza
dos delictos ; porém sempre tendo em vista mais a afflic-
çaõ do espirito, pela idea da vergonha do crime ; do que
executando crueldades com a dôr phisica dos castigos cor-
poraes.
Quando a reprehensaõ deixa de produzir effeito por ser
muitas vezes repetida, se põem ao pescoço do menino um
pedaço de páo, com que volta para o seu assento. Se este
castigo naõ basta, ha uma espécie de grilhão de pão que se
póem n'uma perna : e ás vezes se põem dous ou tres, de
maneira que o menino tem difficuldade em andar : neste
estado he obrigado a andar duas ou tres vezes ao redor da
salla, e mostrar-se a seus condiscipulos ; de maneira que o
delinqüente se acha feliz em ver-se livre daquelle trabalho,
e voltar á sua occupaçaõ ordinária. Algumas vezes se
põem os grilhoens em ambas as pernas, e por fim se lhe
ata também um braço; e este castigo he mui próprio aos
rapazes, que deixara sem necessidade os seus lugares para
ir vadiar.
Outro castigo mais áspero he metter o menino em uma
Miscellanea. 471
gaiola, que se suspende no meio da salla, por meia hora,
ou uma hora, segundo a sentença ; ali serve elle de ex-
emplo visível aos demais; e por isso he o mais sensível
castigo que se pódc dar ao menino, que tem chegado á
classe de decuriaõ.
Os meninos, que reiterara suas culpas saõ atados todos
junetos n'uma cadea pelo pescoso; c assim se obrigam a
andar para trns no meio da eschola ; castigo que lhes he
igeominioso, quando se dá ao mesmo tempo em que outros
estaõ recebendo prêmios.
Alem disto ha labeos, que se penduram ao pescoço dos
meninos, e em que se descreve o seu crime; e também uma
mitra de papel com a conveniente inscripçaõ. A isto se
chama proclamar o delicto em publico.
Se o menino vem para a eschola cujo; urna das meninas
vem lavar-lhe a cara em frente de toda a eschola; e he in-
struída a dar-lhe alguns bofetoens, um só castigo desta
sorte faz que os meninos venham todos limpos para a eschola
por todo o mez seguinte.
Ha também outro castigo que he a prizaõ, depois que se
acaba a eschola ; este castigo porém tem um inconveni-
ente; e he, que para prender os delinqüentes he preciso de-
morar também na eschola ou o mestre, ou alguns dos me-
lhores discípulos e decurioens.
A variedade porém destes castigos naõ somente serve
para punir os differentes crimes, mas tem a vantagem de
novidade, com o que se fere mais a imaginação dos meni-
nos. Um só castigo, qualquer que seja, sendo muitas
vezes repetido, faz-se familiar, e perde o seu effeito : só a
variedade pôde continuar o poder da novidade.
He porém necessário ter bastante cuidado em applicar
constantemente a mesma qualidade de castigo ao mesmo
gráo de delicto; porque isto convence os meninos da jus-
tiça de suas sentenças.
Mr. Lancaster observa, com razaõ, que os meninos de
3P2
472 Miscellanea.
grande vivacidade, e esperteza, que se mostraram mais
inquietos em conseqüência de seu temperamento fogoso,
eram os mais próprios para decurioens, aonde os deveres
de seu lugar davam pleno emprego á sua actividade, em
vez de a applicar a fazer mal.
O castigo mais exemplar, que se usa nestas escholas he
ser Baixa de tres caudas (tem-se inventado nomes para os
differentes castigos ; o que he mui útil, e deve ser apro-
priado ao gênio e rifoens de cada lingna.) Ha para isto
nas escholas um certo vestido que se mostra como cousa
mui ridícula ; e o menino sentenciado a este castigo, toma
o tal vestido, e senta-se em um lugar conspicuo da eschola,
com um labeo em letras grandes chamando-lhe o Baixa de
tres caudas.
Muitos castigos desta natureza se podem inventar, se-
gundo as circumstancias do paiz, ideas do tempo, e natu-
reza dos crimes ; em vez de recorrer á crueldade da pal-
matória ou dos açoites, que tem conseqüências funestas na
saúde dos meninos, e naõ produzem a efficacia dos casti-
gos, que operam no espirito dos discípulos.
Em uma palavra, na educação da mocidade he necessá-
rio dirigir o espirito, e naõ atemorizallo: a pena corporal
inspira terror, a pena espiritual conduz á reflexão: a dôr
phisica he temporária ; a afflicçaõ moral he duradoira: a
obstinação resiste ao soffrimento do corpo, mas o ente que
refiecte cede á ignomínia da opinião.

O Investigador, e o Espectador.
Estes dous campeoens do systema de corrupção, estes
doas formidáveis opponentes do Correio Braziliense, appá-
recera de novo em campo com todo o ar de triumpho;
cantando victoria, antes de verem o fim da peleja. Hesi-
tamos sobre qual delles deveria ter a preferencia, na nossa
resposta, pois ambos saõ igualmente dignos do character
Miscellanea. 473
que o publico lhes attribue. Um escreve em Londres outro
era Lisboa, mas ambos convém em sentimentos, ambos en-
tretem as mesmas ideas, e ambos estaõ persuadidos da ne-
cessidade de combater e derrotar as perniciosas opinioens
do Pedreiro-livre, do Jacobino Correio Braziliense. Vir-
tuosa empreza, a destes religiosos patriotas 1
Foija em outro tempo nossa sorte termos dé atacar e
defender-nos destes dous antagonistas; e continuaremos
gostosamente a fazêllo; sem cora tudo occuparmos com
isso demaziadas paginas em nosso jornal; que he preciso
se dediquem a outras matérias. E como aquelles dous
Jornaes saõ similhantes em tudo (excepto no volume) uma
só resposta servirá a ambos; e alcançará também o appen-
diculo do Redactor da Gazeta de Lisboa.
Quanto a este, damos o devido louvor ao Governo de
Lisboa; por se ter aproveitado do que lhe lembramos, naõ
consintindo que aquelle Redactor escrevesse mais na Gazeta
de Lisboa os seus despropósitos sobre os Pedreiros Livres,
nem suas controvérsias com outros Jornalistas. Assim a
ultima catilinaria, que elle escreveo contra o Correio Bra-
ziliense, foi mandada inserir naõ na Gazeta Official da
Corte, mas no Espectador, N°. 3*.; que foi o mesmo que
mandar a tal composição para o hospital dos incuráveis,
que tal se pode chamar em literatura o minguado jornal do
Exfrade.
Muito embora se escreva contra o Correio Braziliense ;
longe de desapprovar, estimamos isso ; mas he ja um me-
lhoramento, que as sandices de tal geiüe naõ a ppareçam na
Gazeta do Governo, aonde tudo que se publica deve ter o
cunho da authoridade official.
O Espectador Portuguez, e o Investigador Portuguez
saõ dous Portuguezes em norne mui próprios para os ata-
ques contra o Braziliense ; e a carta sobre o primeiro, que
adiante inserimos na correspondência, tal medo nos inspi-
rou, que por agora, e em quanto nos durar o susto, tracta-
2
474 Miscellanea.
remos o Energúmeno com alguma brandura; perdoe-nos
pois a pouquidade, qne para a outra vez terá melhor qui-
nhão.
O Investigador (valha-nos a fortuna com tantos adversá-
rios) entrou nesta occasiaõ mui largamente na refutaçaõ do
que delle dissemos; assim também será preciso perder
com elle mais algum tempo; ainda que seja gastar cera
com ruins defuntos: e como nos promette escrever recorda-
çoens, esperamos ter occasioens repetidas de lhe darmos
também nossos lembretes.
A idea de escrever recordaçoens tirou aquelle plagiario
jornal de uma série de ensaios ou observaçoens, que tem
apparecido no Morning Chronicle, com o nome de Re-
miniscences, em que o Edictor, ou o escriptor dos ensaios,
quem quer que he, ataca Mr. Canning pelas opinioens
que seguio em seus escriptos, quando éra redactor de um
periódico; e quando escreveo contra as pessoas, com quem
se une agora em sentimentos políticos. Assim o pobre
Investigador nem gênio tem para inventar um nome, que
dê, ás composiçoens, que pretende fazer contra nós, sem,
qual pirata do Parnaso, roubar as ideas dos ontros.
Ja que falíamos nas Recordaçoens promettidas, antes de
passarmos a pontos mais sérios, mencionaremos o lugar do
Investigador em que elle diz, que nós nem sempre fomos
o inimigo do Conde Funchal; e para isto cita o lugar do
Correio Braziliense, em que se publicou uma falia do
Conde, a favor, em certo modo, do Correio Braziliense.
Nós estimamos tanto que se fali asse neste assumpto,
que até desejamos refrescar a memória do Investigador,
para suas recordaçoens. E assim lhe lembramos, que
essa falia do Conde foi trazida ao Redactor do Correio
Braziliense; por esses mesmos do Investigador; e tam-
bém serviram a seu Amo, que deixaram na officina
do Correio Braziliense essa falia, escripta pelo punho
do Orador. Os mesmos mensageiros, trabalharam por
Miscellanea. 475
persuadir o Redactor do Correio Braziliense, que o Conde
de Funchal e seu irmaõ, o Conde de Linhares, estavam
tam longe de ter as ideas que o Correio Braziliense lhe
atribuía, que eram a seu favor; em prova do que entre
outras cousas apresentaram ao Redactor do Braziliense
naõ só a dieta falia do Conde de Funchal, mas o Avizo
do Conde de Linhares pelo qual dava liberdade á imprensa
no Brazil ; e além disto continuaram, tanto o Conde Fun-
chal como os seus Emissários a escrever para o CorreioBra-
ziliense; e entre outras cousas, vários paragraphos contra
os amigos de Araújo, hoje Conde da Barca ; e contra elle
mesmo.
Por estas apparentes mostras de coincidência de ideas
políticas, louvou o Correio Braziliense, como devia, aquel-
les Ministros, e principalmente o Conde de Linhares;
porque, em fim, se fosse verdade, que elle tivesse esta-
belecido no Brazil a liberdade da imprensa, que cousa de-
veria ter mais bem merecidos elegi os ?
Em pouco tempo, porém, se descubrio a tramóia, com
que tudo isto assim éra representado ao R dactor do Cor-
reio Braziliense; e assentaram os mestres da intriga, que
uma vez, que tivessem induzido o Redactor a dizer bem
dos dous Condes; e admittir no seu Periódico as compo-
siçoens delles e seus emissários, ficava in habilitado para
ja mais fallar contra elles.
Suecedeo porém saber-se, que a noticia da liberdade da
imprensa no Brazil éra taõ falsa, que, muito pelo contra-
rio, o mesmo Conde de Linhares se tinha erigido em Cen-
50r
5 e, quando lhe apresentavam obras para licença de
imprimir, riscava elle passagens, e mcttia outras de sua
cabeça ; de maneira que além de censor éra em parte au-
thor ou conector das obras.
Mas vejamos, em que consiste esta contradição, de que
agora os Investigadors aceusam o Braziliense, depois have-
476 Miscellanea.
rem os mesmos Investigadores induzidocom falsas represen-
taçoens o Brasiliense a inserir os papeis que lhe traziam.
I Que cousa ha mais natural do que dizer o Correio Bra-
ziliense, que o Conde de Linhares obrava, com sumiria
prudência e summa honra, havendo dado a liberdade á
imprensa no Brazil: e dizer delle tudo pelo contrario,
quando se soube, que o tal Avizo impresso, aonde aquella
faculdade se mencionava, fui um mero ardil, para se po-
der mostrar ao Redactor do Braziliense ?
I Que cousa mais natural do que permittir, que se im-
primisse neste Periódico uma falia, que se dizia ter feito a
seu favor o Conde Funchal, e que apparecêo escripta de
seu punho ? *e que cousa mais natural também do que
expor esse homem em suas verdadeiras cores ; quando se
descubrio, que ao mesmo tempo que o Conde de Funchal,
aflirmava que o Correio Braziliense naõ seria proliibido,
seu irmaõ no Rio-de-Janeiro solicitava do Soberano, que
se prohibisse o Corr. Braz. ; e, porque isso naõ pôde ob-
ter, deo ordens á alfândega, para que se furtasse (naõ tem
outro nome) o Correio Braziliense, aonde quer que se
achasse, e se naõ entregasse a seus donos ?
I Que cousa mais natural do que louvar o Conde dt
Funchal, quando elle dizia, que seu irmaõ lhe havia es-
cripto de que o Correio Braziliense senaõ prohibiria ? e
quando se soube que esse mesmo irmaõ estava expedindo
a Lisboa o Avizo, porque mandava prohibir naõ só o
Corr. Braz. mas todas as obras de seu furioso author
(palavras do Avizo) expor esses intrigantes á ignomínia
que merecem ?
Temos pois que indivíduos agora empregados na redae-
çaõ do Investigador, fôram os que communicáram aquella
falia, e outros papeis, para serem publicados no Corr.
Braz—que se esforçaram em persuadir ao Redactor, que
o Conde de Funchal, Conde de Linhares e todos os de
Miscellanea. 477
seu partido, eram os verdadeiros promotores do Correio
Braziliense—que Araújo e todos os seus amigos eram os
peiores inimigos das ideas do Correio Braziliense: e quando
com taes artes conseguiram inserir estas cousas no Cor-
reio Braziliensw, he este mesmo Investigador, que accusa o
Redactor do Correio Braziliense de contradictorio !
Se estas lembranças naõ saõ bastantes para ajudar o In-
vestigador nas suas recordaçoens, cá temos ainda mais
factos, que de boa vontade llios communicaremos para
servirem nas recordaçoens. Mas de certo aquelles que
communicáram taes embustes ao Redactor, do Corr. Braz.
e que com apparencias de amizade e cooperação o estavam
vendendo e procurando arruinai Io; nao saõ os que o de-
vem aceusar agora de contradictorio, quando elle, co-
nhecendo as falsidades, expõem, como deve, a seus au-
thores.
Isto, pelo que respeita a recordaçoens : agora pela con-
trovérsia, sobre a lâmpada das Minas.
Por esta vez servio ao Investigador a liçaõ "que lhe de-
mos ; porque foram os Redactores estudar a matéria ; e
com effeito se valeram de publicaçoens, que sahiram ao
depois, para sustentar o erro em que persistem. E para
melhor mostrar a sua sciencia lá se saíram com um " que,"
do Corr. Braz. na sua opinião mal introduzido, e isto
porque conjecturam, que a traducçaõ está malfeita, sem
que, antes de dará sua decisaõ, fossem consultar o original.
Porém deixando os Investigadores, com a sua grande
descuberta do tal que fora de seu lugar; e attendendo ao
ponto que he importante ; a saber se a tampada de Sir H.
Bavy he ou naõ segura nas min is ; asseveramos ainda,
que tal naõ he ; e tem sido provado, na Sociedade das
Artes, que os Mineiros empregados em limpar as minas
do gaz, e no que tem muitos lucros, obstinadamente se
Oppóem a todos os melhoramentos da ventilação; e para
detrahir de suas vantagens tem louvado a tal lâmpada, a
VOL. X V I I . No. 101. 3Q
478 Miscellanea.
qual mesmo o seu inventor original (que naõ he Sir H.
Davy) confessa, que naõ he própria para o objecto. E
ultimante tem esta controvérsia sido levada a um ponto de
partido, que tende a obscurecer em vez de acclarar a
questão.
Mas supponhumos, que as experiências citadas pelo In-
vestigador a favor da lâmpada, eram feitas sem espirito
de partido; e com tanta imparcialidade, como as outras
citadas por Mr. Holmes, contra a mesma lâmpada : está
claro, que, nesse caso, alguma das partes se teria enga-
nado; porém, na duvida, ; naõ valeria a pena de o In-
vestigador ter pauzado antes de decidir; ou ao menos
referir as experiências de uma e outra parte f
Isto porém naõ fez o Investigador ; só referio a opinião
de uma parte ; e por isso dissemos, que ou o devia ter
feito por ignorância, ou por maldade. Porque uma vez
que o perigo da lâmpada he representado por taõ séria
authoridade, recommendar o seu uso, sem ao menos di-
zer, que havia objecçoens em contrario, he promover te-
raeridades.
Mas como o que temos dicto sem duvida basta para que
os Mineiros de Portugal naõ vaõ ás cegas atraz do Inves-
tigador, as suas experiências lhes indicarão o partido que
devem seguir; porque neste mundo ha mais alguém que
tenha estudado chimica, além dos Scientificos do Inves-
tigador.
Tínhamos outro ponto de rixa, que éra sobre o con-
tracto do tabaco. Aqui deo o Investigador completa-
mente as maõs á palmatória ; porque naõ somente confes-
sou, que tinha dicto ura despropósito, quando a direito;
mas que tinha asseverado uma falsidade quanto ao facto:
como lho explicou um de seus mesmos conrespondentes.
Vamos agora á matéria importante ; porque o que fica
acima he mera bagatélla, quando se compara ao objecto
seguinte.
Miscellanea. 479
O Investigador Portuguez arripiou-se bastante, com o que
dissemos sobre a guerra do Rio-da-Prata. O Collega Es-
pectador ainda naõ apparecêo em campo com a sua tirada
sobre o assumpto ; e assim vamos por óra só com o Inves-
tigador.
Fundam os nossos antagonistas o seu triumpho sobre nós
a este momento, na noticia de que a expedição se suspen-
dera, em conseqüência da opposiçaõ que a isso fez a In-
glaterra; e vem com uma cnfinda de quesitos, se nós sa-
bíamos isto, se consideramos aquillo, & c , e que (Invest.
N". 64, p. 584), " o Investigador Portuguez naõ estava
authorizado para fallar em um ponto taõ melindroso, e
nem sabia os verdadeiros intentos do Governo, naõ que-
rendo dizer parvoices nem approvou nem desapprovou
formalmente a guerra ; " &c.
Por naõ dizer parvoices no que naõ sabia, nem appro-
vou diz o Investigador nem desapprovou a guerra. Se he
parovice decidir-se em opinião, nas suas circumstancias,
o Investigador, dizendo que ao Brazil sô convinha a paz,
disse a parovice de desapprovar a guerra ; porque quem
se decide pela paz, desapprova a guerra : e sem duvida
parovice he aconselhar a paz, e dizer ao mesmo tempo,
que " naõ estavam ao alcance dos motivos da expedição."
Para ser congruente éra preciso, uma vez que o Investi-
gador disse que éra parvoice fallar da matéria, sem co-
nhecimento de causa, e confessando naõ saber nada disto,
que se callasse, e naõ dissesse, que a*paz éra preferível à
guerra. Outros que seguissem a mesma opinião, mas des-
sem delia as razoens que soubessem, iam, quanto a nós,
errados, porém naõ seriam incougruentes.
A impopularidade da guerra he ura dos argumentos
cora que o Investigador quer mostrar, que ella naõ he
útil. E atreve-se este jornal parazita da Corte, a alegar
como argumento de voltar a cazaca contra seu partido, o
dizer que a guerra he impopular!
3Q 2
430 Miscellanea.
Senhor Invcstigadeiro, as medidas de um Governo naõ
saõ boas ou más, por que sejam ou deixem de ser popu.
lares. Bem popular foi em Portugal a perseguição con-
tra os Judeus, ma« porque aquelles horrores eram conve-
nientes aos frades, e ex-frades, que lhes procuravam a
popularidade, nem por isso se segue que tal perseguição
fosse justa, ou política.
Se infelizmente a torrente popular vai contra alguma
medida justa, ou politica, do Goveruo, he do dever dos
escriptores públicos guiar a opinião publica, e nunca fa-
vorecer os erros ou prejuizos da naçaõ, e alegar com elles
para fazer desviar o Governo de seus bons proposisos. O
Governo tem obrigação de promover o bem publico, mas
naõ de fomentar e seguir a falsa opinião do povo. Os dema-
gogos, e os revolucionários saõ que lisongeam em todos os
casos os prejuizos e opinioens do publico, para tirarem
disso partido, pescando nas águas turvas. Promover o
bem publico, e lomentar os prejuizos do povo saõ cousas
mui differentes.
Pergunta-nos o Investigador ; se ponderamos as diffi-
culdades da expedição do Rio-da-Ptata ? E nos lhe per-
guntamos.
i Qual he a empreza importante que nao tem difficul-
dades ? Nos dissemos, e ainda estamos disso convenci-
dos, que a protecçaõ do Brazil, cubrindo as suas frontei-
ras contra os revolucionários das colônias Hespanholas no
Rio-da-Prata, éra necessária. As difficuldades eram pro-
vavelmente venciveis. Logo o Governo éra justificado
na quella empreza, uma vez que ella éra factível e útil.
Outra pergunta nos faz o Investigador dizendo-nos.
^ Estava completamente informado e persuadido o Correio
Braziliense que o Governo do Brazil tinha um erário suffi-
ciente naõ «ó para preparar mas para levar ao fim uma
expedição, que podia encontrar mil difficuldades: e ao
Miscellanea. 481
mesmo passo linha a marinha necessária para defender
seu commercio contra os corsários dos insurgentes?
Temos provado, que sabemos alguma cousa sobre o
Erário do Brazil; eque (ao menos segundo a nossa opi-
nião) tem rendas de sobra, ainda que esta seja a mais mal
administrada repartição no Brazil. i Qne erário tem os
de Buenos-Ayres ? í Que marinha possuem, ou que
meios de a construir, que o Brazil naõ tenha quadrupli-
cado?
Os de Buenos-Ayres poderiam dar lincença aos parti-
culares para armar corsários ; e se no Brazil fizessem
o mesmo, quem teria mais vasos para armar em guerra ; o
Brazil ou Buenos Ayres ?
Outra objecçaõ do Investigador he, que a tropa era
Portugal, desgraçadamente, como elle diz, anda sempre
mal paga. Porém o remédio que se deve aconselhar para
este mal he que se pague á tropa ; e naõ alegar com o
máo pagamento para deixar de se fazer a guerra. Se a
guerra he nessaria, naõ se pode dizer, que ella se naõ
deve fazer; por que be o máo custume de Portugal pagar
mal á tropa Em tal caso, o que se deve dizer he : se a
guerra he necessária faça-se a guerra ; para ella ir bem
deitem-se fora os ministros, que naõ sabem ecconomizar as
rendas publicas para pagar bem á tropa, e nomeem-se
outros, que obrem melhor. O Investigador, pois, alega
com a existência de um mal, que se pôde remediar, para
argumentar com isso, que se deve soffrer outro mal.
Porém vamos ao argumento, que mais põem os nossos
adversários, neste ponto, de crista levantada. A Ingla-
terra oppoz-se a isso: a expedição parou : ganhamos a
victoria
Vis parazitás! Admiradores do superior do momento !
Escravos de quem he poderoso !
Supposanhamos, que a Inglaterra se intromette no que
482 Miscellanea.
lhe naõ pertence ^ que prova isso contra a justiça da causa,
ou contra a politica da medida ?
Diz o Investigador (p. 505.) " Pesou elle (o Correio
Braziliense) na sua alta e profunda sabedoria, se o mes-
mo Governo do Brazil ia também de accordo com o gabi-
nete Britannico : a se uma vez que este ultimo naõ appro-
vasse a expedição, o Gabinete do Rio-de-Janeiro teria
força e constância, para a pezar disso a realizar ?"
Quam fácil he responder a este abjecto contemporiza-
dor ! " Se a Inglattera, diz elle, approvasse a expedição!"
Que! i Deve Portugal estar á espera da approvaçaõ da
Inglaterra, para.decidir das medidas sobre que delibera?
A mesma supposta opposiçaõ da Inglaterra, (para o que
o Investigador naõ tem outra authoridade senaõ o rumor
das gazetas) prova que éra do interesse da Corte do Rio-
de-Janeiro realizar os fins daquella expedição.
Uma das maiores queixas, que temos contra o governo
do Rio-de-Janeiro, he a má administração de suas finanças,
sobre isto temos ja dicto bastante, e ainda contamos dizer
mais, em occasiaõ opportuna. Temos mostrado, pelos
cálculos de receita e despeza ; que no estado ordinário das
cousas pôde o governo attender a todas as despezas, sem
ficar devendo cousa alguma; c a continuada prosperidade
daquelle paiz mais nos faz crer, que, havendo necessidade,
se podem levantar sommas consideráveis, sem causar op-
pressaõ ao povo.
E porque, logo, ha de suppôr o Investigador, que ura
Estado como o Brazil, em taes circumstancias, deve
esperar a approvaçaõ da Inglaterra, primeiro que adopte
as medidas, que julgue convenientes?
Parece que o Investigador segue a opinião daquelles,
que comparara o Brazil ao perqueno reyno de Napoies.
O Brazil he ja um Estado poderoso, em riquezas e produc-
çoens ; e só deixará de figurar no Mundo como Potência
da Primeira ordem, se o seu Governo seguir os conselhos
Miscellanea. 483
do Investigador, e de seus protectores, e julgar, que naõ
deve tomar alguma resolução importante ; sem a previa
approvaçaõ de Inglaterra.
Quando os Estados Unidos sustentaram a sua guerra da
Independência contra a Inglaterra, naõ tinham a popu-
lação, nem os recursos, que possue o Brazil: dir-nos-haõ,
que tiveram o apoio de naçoens estrangeiras : he verdade
l mas quem tolhe o Brazil de se naõ fortificar também
com allianças úteis, para os casos de necessidade ?
Nós estamos bem persuadidos, que a Inglaterra naõ in-
sistiria em se oppor a que á Corte do Rio-de-Janeiro cu-
brisse as suas fronteiras, com a acquisiçaõdo território de
Montevideo ; mas supponhamos, que sim : nem por isso
declararia a guerra aos Portuguezes; e quando o fizesse ;
nem os Estados Unidos, nem a Rússia, por nao fallar em
outras potências, permittiriara ja mais que Inglaterra se
apoderasse da menor possessão Portugueza; mais depres-
sa se tornaria a declarar a guerra na Europa.
Naõ seguiremos o Investigador, em todos os seus argu-
mentos d' água morna, quando diz a p . 506, que naõ de-
approvou absolutamente a expedição, mas teve o grande
merecimento de fallar na necessidade de augmentar a po-
pulação, conservar o exercito, e fortificar as fronteiras.
Aqui temos um modo de fallar, como nariz de cera, que
se acommoda a todos os feitos. Ao Brazil naõ convém se
naõ a paz, mas naõ desapprova absolutamente a expedi-
ção; e he necessário fortificar as fronteiras.
Entaõ, faça-se entender, senhor Investigador i approva
ou naõ approva, que a Corte do Rio-de-Janeiro use dos
meios da força, para cubrir suas fronteiras ? Falle claro,
P»rquc he importante, que o publico, para quem ambos
escrevemos, conheça as razoens porque deliberamos de
differentes modos.
Resta-nos responder á chufa, com que o vira-casaca do
484 Miscellanea.
Investigador diz, que nós nos temos callado a respeito das
Colônias Hespanholas.
Os nossos sentimentos a este respeito naõ saõ segredo;
elles nos tem obtido por varias vezes o chamar-nos o Inves-
tigador, Caraquenho, revolucionário, saguinario: as pa-
ginas do Investigador estaõ cheias destas accusaçoens con-
tra nós; e por que ? Porque foi, e he, a nossa opinião,
que o Governo de Hespenha se portava e se porta pessi-
mamente a.respeito de suas colônias j e que ellas tinham
direito a salvar-se da opressão.
Porem i approvamos nós jamais os horrores da guerra
civil, que desgraçadamente devoram aquelles paizes ?
Temos ha muito tempo deixado de transcrever as noti-
cias, que correra nas gazetas lnglezas, sobre a guerra civil
da America Hespanholas, pelas razoens que temos em outros
N o s . explicado : e a principal he, que naõ temos ne-
nhumas noticias authenticas; e que os rumores, que ordi-
nariamente chegam pelos Estados Unidos, sempre contracti-
dorios, e até inintelligiveis, saõ os mais das vezes inventados
por persoas de ambos os partidos, interessados na propa-
gação dessas falsidades.
Quanto ao facto averiguado he, que a guerra civil na
quelle infeliz território, consta de correrias de pequenas
partidas de homens armados, que nem tropas se lbe podem
chamar, que roubam a torto e a direito amigos e inimigos;
e saõ alternativamente batidos ou victoriosos todos os dias;
sem que haja plano formado de operaçoens algumas-, de-
pois da catastrophe do terremoto, em conseqüência do
qual perdeo Caracas o homem mais capaz que tinham,
que éra o geral Miranda; o qual foi atraiçoadamente entre-
gue aos Hespanhoes em L a Guira, por um official de seu
mesmo exercito.
Nos desejamos ver remediados os males dos Americanos
Hespanhoes, e desejamos-lhe por mais de uma razaõ os
Miscellanea. 485
melhores suecessos; porém nunca louvamos, nem pro-
moveríamos, directa ou indirectamente, os horrores que
deixamos mencionados.
Instiga-nos o Investigador, a que fallemos nisto. De-
nos cá a sua opinião clara e distineta nestas matérias;
assim como nós temos feito sempre, e fazemos agora.
Está na tinta, que tal façam ; palavras vagas, meias
expressoens, nariz de cera, que se acommo e a voltar-se
para todas as partes : he o que se acha no Investigador.
Lembra-nos muito bem, sem precisar de suas recorda-
çoens; que o Investigador teve a providente lembrança
de publicar por extenso, na lingua Pertugueza, a consti-
tuição dos Negros de S. Domingos; e fazer delia presente
ao Brazil, no seu Jornal, que o Sectário de Estado Conde
de Linhares fazia todos os esforços por circular em toda a
parte. Esta publicação causou tal horror a todos os na-
turaes do Brazil, que entaõ se achavam em Londres, que
houve algum delles que fez as mais sérias representaçoens
sobre isto ao Conde de Funchal; entaõ primeiro Peda-
gogo Investigador. Se os Redactores quizerem algumas
noticias sobre isso para as suas recordaçoens nós lhe dare-
mos parte dessas correspondências, que existem em nossa
maõ.
O Correio Braziliense desejou e deseja a felicidade de
Caracas e mais paizes da America ; sem que deseje promo-
ver os horrores das guerras civis; as quaes se teriam se-
guramente evitado, e o paiz estaria feliz ; se ânimos apou-
cados e ignorantes naõ tivessem sacrificado o bem geral a
consideraçoens pessoaes. Mas o Correio Braziliense ainda
naõ fez ao Brazil o presente de uma Constituição para
uma Republica de Negros. Isto ficou reservado exclusi-
vamente ao Scientifico Investigador.

VOL. XVII. N o . 101. 3R


486 Miscellanea.

Compromisso do Monte-Pio Literário de Lisboa.


(Continuado de p. 334.)
% 3. Pode também acontecer, que algum dos Compro-
missarios, seja por impossibilitado, ou por outro algum
principio, lhe faça mesmo mais conta satisfazer as Con-
tribuições a que se tiver ligado por este Compromisso, so-
mente aos Quartéis: e nesse caso he nossa vondade, que
allegado o motivo, e sendo racionavel, se admitta a esta
forma de pagamento, obtendo para isso primeiro faculdade
do Provedor da Meza, que constará sempre por Despacho
proferido em Requerimento para o mesmo fim dirigido á
Meza.
% 4. Igualmente e com muito melhor razão, e maior
beneficio deste Monte-Pio será licito, e permittido a qual-
quer dos Concorrentes, que queira de uma vez entrar
com as Contribuições competentes a um anno, mais, oa
menos adiantadas poder fazello, sem que todavia possa
por essa espontânea entrada requerer algum abatimento,
prêmio, &c.
% 5. Por ultimo advertiremos, que ainda que se faculte
(pela commodidade dos Compromissarios) o entrar no
Cofre com qualquer porçaõ de mais ou menos mezes de
suas Contribuições a qualquer dos Concorrentes, todavia
seja qual for o tempo, conveniência, ou utilidade, que
dahi possa resultar ao Cofre, este pagamento sempre será
feito em metal, e nunca n'oulra espécie como Papel, Le-
tra, &c.; pois que se o fim deste Monte-Pio he ode soc-
correr a pobres e desvalidos, e o soccorro com que hou-
vermos de assistir-lhes, ha de ser sempre em metal, logo
a mesma razaõ mostra, que só nesta fôrma he que se de-
vem exhibir as quantias quaesquer que sejaõ, possam, ou
devam entrar no Cofre.
% 6. A Contribuição mensal, que se tem arbitrado ge-
ralmente para todos, e cada um dos Compromissarios, he
Miscellanea. 487
a de—Quatro centos e oitenta réis—por naõ parecer one-
rosa, antes que fácil a todos de satisfazer; e porque ao
mesmo tempo corresponde ao cálculo, que temos feito so-
bre as Pensões, ou Mantenças, que no futuro venham a
ser appücadas pelos diversos Tencionarios deste Monte-
Pio : e julga-se desnecessário o advertir aqui, que jamais
se lhe poderá dar outra applicaçaõ, que esta naõ seja;
devendo para quaesquer outras determinar-se a Meza, so-
mente regulando-se pelos fundos, que possam ter resultado
da Jóia, a que pelo Capitulo Quarto deste Compromisso
fiscam obrigados todos os seus Concorrentes.

CAPITULO VI.—Das outras obrigações a que estaõ liga-


dos os Compromissarios, alem da Jóia, e Contribuições.
$ 1. Assim como (diz aquelle Grande Patriarcha de
Veneza, S. Lourenço Justiniano) naõ pôde conseguir-se
victoria sem Capitão, nem chegar ao porto desejado sem
Piloto; assim sem obediência he impossível naõ soçobrar
no dilatado mar deste mundo: a obediência só faz triunfar
o homem.—Sicut sine duce non confiditur de victoria, ac
sine gubernatore non pervenitur ad portum, ita absque
obedientia impossibile est in bujus vitae pelago non peri-
clitari: ista enim hominem facit triumphare.—Desejamos
que esta máxima se imprima de tal modo no coração de
todos os Compromissarios, que elles sintaõ a força da sua
importância, e reconheçam, que he da obediência que prin-
cipalmente depende o bom succeso, e conservação deste
Monte-Pio.
h 2. Era conseqüência do que recommendamos como
um primeiro dever a todo e qualquer concorrente a este
Monte-Pio sem excepçaõ, ou reserva alguma, a prática
desta virtude; assim pelo que pertence á execução de
qualquer, ou de todos os Capítulos deste Compromisso,
como a todas e quaesquer ordens, que lhe possam, ou ve-
nhaõ a ser intimadas pela Meza da Administração do Cofre
3a 2
488 Miscellanea.
em quem temos depositado toda a authoridade para isso
necessária, lembrando por esta occasiaõ a uma, e outros
aquelle admirável apothegma de Santo Ignacio de Loyola
—Que a discrição deve estar nos preceitos de quem man-
da, enaõ na humilidade de quem obedece: — Prudentia
non tam est parentis, quam vniperantis.
§ 3. Igualmente fica inhibid , que nenhum dos Com-
promissarios possa jamais eximir-se dos empregos, ue lhe
forem conferidos, seja por modéstia, ou outro algum
principio, menos o de moléstia provada por Certidão au-
thentica de Prático assistente.
§ 4. Antes esperamos, que todos, e cada um dos Com-
promissarios inflam madus de um verdadeiro zelo da con-
servação, e augmento deste Monte-Pio naõ perderá nunca
nenhuma occasiaõ, que possa offerecer-se lhe para pro-
mover-lhe estes meios; ou seja ajudando de suas luzes,
ou de outra qualquer fôrma, aquelles que por entaõ pro-
verem á sua Administração.
$ 5. E ordenamos, que este Capitulo seja lido no acto
da Matricula a todos os Compromissarios para a sua inteira
satisfacçaõ, obrigando-os a prestar juramento sobre o intei-
ro cumprimento, assim delle em especial, como geral-
mente de todos os outros que se comprehendem neste Com-
promisso, e de que o suppómos já instruído : e que todo
o que violar este preceito de modo que de seu máo exemplo
se siga escândalo, seja banido de uma vez para sempre
desta Sociedade com a pena declarada no %2. Capitulo V.
deste Compromisso por Sentença definitiva da Meza da
Administração, assim porque ella conserve sempre era seu
vigor, a authoridade que lhe confiamos illesa; como por-
que em todo o tempo, e lugar conste a rectidaô dos nossos
sentimentos, estabelecendo, e desejando conservar entre
Irmaõs uma Sociedade Santa, na Caridade, e Humildade
Christã, e naõ um congresso de absolutos, ou arbitrários,
onde tudo fosse desordem, e anarquia.
(Continuar-se-ha.)
Miscellanea. 489

Novidades deste Mez.


FHANÇA.

Circular do Ministro de Policia aos Prefeitos, sobre as


eleiçoens.
M. — Naõ fareis exclusão arbitraria das assembléas,
que tiveres occasiaõ de convocar, e para as quaes naõ
deixarêis de chamar todo o eleitor, que naõ estiver legal-
mente destituído de seus direitos civis e políticos. Naõ
vosesquecereis de meio algum de convencer todos os elei-
tores da obrigação, que tem, de acudir aos seus postos, em
uma crise, de que pôde depender o destino da França; e
sem duvida vós tendes provado aos officiaes públicos de
todas as graduaçoens, que este dever he para com elles
ainda mais imperioso.
Vós tereis cuidadosamente illuminado os procedimentos
eas intrigas dos homens de partido; seja qual for a capa
com que se cubram. E naõ vos esquece reis de cousa al-
guma para desfazer os seus projectos. Sobre tudo, naõ
lhes permittireis proferir censuras sediciosas contra actos
da authoridade Real; e, sendo necessário, empregareis
contra elles, com moderação mas com firmeza, aquella au-
thoridade, que S. M. vós tem confiado. Tereis particu-
lar cuidado em que os eleitores gozem completa liber-
dade ; e que por nenhum pretexto se ponha o menor ob-
stáculo ao exercicio de seus direitos políticos. Toda a
medida, todo o ameaço, todo o insulto, toda a tentativa,
que possa ter por seu objecto tirallos dos collegios, deve
ser instantaneamente reprimida cora severidade. Naõ per-
mittireis que se ajunctera tumultos, nas portas ou passa-
gens do lugar da assemblea. A policia interna dos Col-
legios pertence aos presidentes, e vós lhe subministrareis
os meios de a pôr em vigor sem trabalho, sem obstáculo,
e com perfeita segurança. A policia externa está debaixo
490 Miscellanea,
de vossa jurisdiaçaÕ; a vossa providencia, e constante
vigilância assegurarão os seus resultados.

Circular do Prefeito do Departamento do Norte aos


Membros do Collegio Electoral de districto, no seu
Departamento.
SENHOR!—Vos sabeis da Ordenança d'El Rey, convo-
cando os Collegios Electoraes. A minha notificação, da-
tada de 11, indica os dias e lugares aonde se devem ajunc-
tar os de vosso departamento. Tenho a honra de vos di-
rigir u n bilhete, que verefica a vossa qualidade de eleitor
do districto de , e de vos convidar de assistir ao ajunc-
tamento com punctualidade este dever he de demasiada
importância, para que vós deixeis de desejar satisfazêllo,
com anxiedade : assim conresponderaÕ os eleitores ao tes-
temunho de confiança, que nelles tem posto S. M., pela
suu ordenança de 5. Nesla grande occasiaõ também elles
assignalaraõ os nobres sentimentos que os animam, e os
seus votos recairão sobre homens os mais affeiçoados ao
legitimo Soberano e a sua Augusta Familia—sobre homens,
cuja devoção he inseparável da moderação, e que estaõ
convencidos, assim como S. M. " que as necessidades e
desejos da França se unem para preservar intacta aquella
Charta Constitucional, que he a baze do direito publico
em França, e a garantia do descanço publico. Aceitai,
&c. (Assignado) D U P L E I X DE M E Z Y .

INGLATERRA.

Londres. Secretaria do Almirantado, 24 de Septembro,


1815.
O Contra-almirante Sir David Milne, C. C. B. chegou
a esta Secretaria com os officios ori-rinaes do Almirante
Miscellanea. 491
Lord Visconde Exmouth, relativos ao seu ataque contra
Argel ; cujas segundas viasapparecêram ja na gazeta Ex-
traordinária de 15 do corrente (veja-se Correio Braziliense,
Vol. XVII. p. 355)
Trouxe também officios de S. S., em que se referem os
seus procedimentos ulteriores, de que o seguinte he a
surauia :
Aos 28 de Agosto se assignâram os tractados de paz do
Dey de Argel com S. M. ; e com S. M. El Rey dos Paizes
Baixos.
Ao mesmo tempo se assignou um artigo addicional ou
declaração, para a abolição da escravatura Christaã.
(Veja neste N°. p. 417.)
O Dey também, na presença de seu Divan, fez as suas
escusas ao Cônsul Britannico, pelas restricçoens pessoaes,
que lhe tinha imposto, durante as ultimas transacçoens, e
outro sim pagou ao Cônsul a somma de tres mil patacas,
como remuneração pelos damnos e pilhagem commettidos
na casa de sua residência, depois delle prezo.
Depois de se haver negociado o tractado e declaração,
acima mencionados, e de ter o Dey pago 382.500 patacas,
que ultimamente tinha recebido dos Governos de Napoies
e Sardenha, e libertado 1.083 escravos Christaõs, que es-
tavam em Argel, veio ao conhecimento de Lord Exmouth,
que dous Hespanhoes, um delles negociante, e o outro
Vice-Consul daquella Naçaõ, naõ tinham sido libertados,
e se achavam ainda detidos pelo Dey em rigorosa prisaõ,
com o pretexto do que estavam prezos por dividas.
A indagação, que S. S. se julgou obrigado a fazer nestes
dous casos, o satisfez de que a prizaõ do Vice-Cousul éra
se<o fundamento e sem justiça, epor tanto se julgou autho-
rizado a pedir a sua soltura, na conformidade dos artigos
ajustados para a libertação de todos os prisioneiros Chris-
taõs.
Mostrou-se, que o negociante estava prezo por uma ale-
2
492 Miscellanea.
gada divida, em conseqüência de um contracto com o
Governo d'Argel; porém as circumstancias, era que, se-
gundo se provou, foi feito o contracto, fôram compulsivas
ao individuo; e a grande severidade da prizaõ, que elle
soffria, determinou a S. S. a fazer também um esforço cm
seu favor.
Isto fez S. S. requerendo do Dey a soltura daquelle ho-
mem, e offerecendo-.se a afiançar ao Dey o pagamento de
qualquer somma de dinheiro, que se achasse que o nego.
ciante devia a S. A.
O Dey regeitou o requirimento e offerta de S. S., que,
naõ desejando recorrer a extremidades, e á renovação de
hostilidades, propôs que se tirassem os ferros aos Hespa-
nhoes, e se mudassem da miserável masmorra em que se
achavam; e fossem postos debaixo da guarda do Cônsul
Hespanhol, ou ao menos, que se desse ao Cônsul a per-
missão de lhes ministrar aquelles auxílios e accommoda-
çaõ requerida.
O Dey recusou também estas proposiçoens mui positi-
vamente; e entaõ achou Lord Exmouth, que a natureza
particular e pecuniária das transacçoens; porque estas
pessoas estavam prezas, se devia considerar como pretexto
para a continuação de um systema de escravidão cruel e
oppressivo, cuja abolição total, e de boa fé, lhe manda-
vam as suas instrucçoens, que exigisse.
Elle, portanto, informou ao Dey, que havendo S. A.
regeitado todas as condiçoens justas, que se lhe tinham
proposto neste ponto, S. S. tinha determinado insistir na
soltura dos dous Hespanhoes sem condição alguma. E
assim desejava uma resposta, de sim ou naõ, e no caso da
segunda, começaria de novo as hostilidades; e S. S. fez as
suas preparaçoens para isso.
Estas medidas produziram o desejado effeito, e as duas
pessoas foram libertadas, depois, de um longo e áspero
captiveiro; de maneira que naõ ficou em Argel nenhum
Miscellanea. 493
prisioneiro Chrislaõ, á partida de S. S., que foi na noite
de 3 do Corrente, com todos os navios debaixo de suas
ordens.
S. S. participa, que o Contra-Almirante Sir Carlos Pen-
rose, se lhe tinha ajunetado no Ister aos 28, e que tinha
empregado o Contra-Almirante nas discussoens com o
Dey, relativas aos Hespanhoes, e S. S. dá os maiores lou-
vores à prudência, firmeza e abilidade com que Sir Carlos
Penrose se conduzio nesta occasiaõ.
As ultimas cartas de S. S. saõ datadas de Gibraltar, 12
do corrente, e annunciam a sua intenção de velejar breve-
mente para Inglaterra.
Os resgates, tornados a pagar pelos Argelinos, foram
mandados aos Governos Napolitano e Sardo; e os escra-
vos remettidos em transportes Britannicos aos seus respec-
tivos paizes.

iNSTrrrjiçAÕ A N T I - P I R A T I C A .
Annuncio para uma convocação dos cavalleiros,
em Paris.
A assemblea dos Cavalleiros e outros membros da In-
stituição, designada para os 29 de Septembro, terá lugar
nesse dia, na salla do Circulo Inglez, no Hotel Montesson.
1. Ler-se-haõ os Telatorios dos Cavalleiros e outros
Membros assistentes e conrespondentes, que se tem em-
pregado com actividade e bom effeito, nos ulteriores ob-
jectos da Instituição, nas costas e interior de África.
2. Considerar-se-ha o estabelicimento de meios, para
vigiar sobre os prisioneiros de guerra, que os piratas con-
tinuarem a fazer das naçoens, com quem tiverem a insolencia
de dizer, que estaõ em estado de guerra; e que naõ possam
ler nem uma força naval formidável, nem bandeira, nem
representante official juncto ás Regências, para as fazerem
respeitar os principios reconhecidos, e as pessoas, que
caírem em suas maõs. Considerar-se-ha também algum
VOL. X V U . N o . 101. 3s
494 Miscellanea.
meio de naõ perder de vista os captivos, que possam ser
mettidos em suas prizoens, sem ar, nem exercicio, c peior
nutridos do que nunca, debaixo do systema agora reco-
nhecido e admittido nao se alterando o estado destes in-
felizes senaõ no nome, nas maõs de taes senhores.
3. Considerar-se-ha, que medidas se haõ de tomar, e
que meios se haõ de empregar, para recuperar os escravos
transportados violentamente, ou removidos do território do
Dey de Argel; e que naõ podiam gozar das vantagens da
estipulaçaõ feita em seu favor, ainda suppondo a bua fé e
sinceridade pessoal do Dey ; e para reconhecer de ma-
neira conveniente e digna da Sociedade, os serviços de al-
guns Árabes e Mouros, que, pelo favor e debaixo dos aus-
pícios do Imperador de Morrocos, tem libertado escravos
brancos do interior; para o fim de animar esta louvável
practica, e excitallos a continuar no exercicio desta cha-
ritaíiva indagação.
4. Também se considerarão os meios, que se devem
adoptar, para descubrir os esconderijos dos piratas, e pre-
venir a execução do seu conhecido plano, infelizmente ja
reduzido a practica, de naõ fazer mais captivos (visto
que lhe naõ será permittido leduzillos á escravidão, nem
fazêllos trabalhar com as bestas) mas sim assassinar as
equipagens e passageiros dos pequenos vasos, que navegam
pelas costas do Mediterrâneo, e principalmente no Adri-
ático.
5. Examinar-se-haÕ as qualidades e meios de duas pes-
soas (uma das quaes he natural de Mogador, falia o Ará-
bico e varias línguas Europeas :) estas duas pessoas se
offerecem para fazer uma jornada ao interior de África;
e mesmo até Tombuctoo, para facilitar o objecto da Insti-
tuição, e verificar as relaçoens de Joaõ Adams, que nau-
fragou na costa de Morrocos, e foi transportado como es-
cravo para aquella capital do Império Negro, e libertado
pela humanidade e justiça do Imperador de Morrocos.
Miscellanea. 495
Noticias do Exercito Portuguez, no Brazil.
Gazeta do Rio-de-Janeiro, 22 de Maio.
Como S. M. se tivesse transferido ao Sitio de S. Domin-
gos, para o fim de honrar com a sua presença, revistar, e
vêr manobrar a divisão de voluntários Reaes, que desta-
cada do exercito de Portugal, se acha aquartelada no
referido sitio, quiz o mesmo Senhor, por complemento de
honra á mesma divisão, ficar entre aquelles seus vassallos,
nofaustissimo dia 13 do corrente.
Constando esta Real resolução, concorreram ali muitos
mcinbos do Corpo Diplomático, e um grande numero de
pessoas da nobreza para terem a honra de cumprimentar a
S. M. pela solemnidade do dia.
Em observância da ordem do dia, que abaixo publica-
mos, a divisão dos Voluntários Reaes, tendo á sua frente o
General Lecor, se havia postado no Campo de D. Helena,
formando um quadro vasio, em cujo centro se tinham le-
vantado tres barracas.
Ao meio-dia El Rey Nosso Senhor, SS. A A. os Senhores
Principe D. Pedro, e Infante D. Mignel monta rama cavallo
acompanhados de um grande numero de officiaes, gene-
raes, (entre os quaes hia o Excellentissimo Mareclml-Gene-
ral, Marquez de Campo Maior,) e de criados de sua Casa ;
e se dirigiram ao lugar da parada. Seguiram-se cm coches
a Raynha Nossa Senhora, e as Princezas Suas Augustas
Filhas.
SS. MM. e SS. AA. se apeáram defronte das barracas,
que lhes estavam destinadas, e immediatamente as tropas
fizeram as continências devidas, deram as descargas do cos-
tume, e seguidas de muitos vivas ; desfilaram em parada
depois na presença d'El Rey, e da sua Augusta Familia ;
e formando depois quatro columnas cerradas se reuniram á
do centro, e na mesma linha marcharam em frente da bar-
raca de S. M. e fizeram alto em distancia conveniente.
Entaõ o seu desvelado chefe o Excellentissimo Marechal
3s 2
496 Miscellanea.
General, Marquez de Campo Maior, mandou ao Marechal
de Campo o Excellentissimo Marquez d'Angeja, que lesse
o munificente decreto, que abaixo vai transcrito. Este
acto, o único com que S. M. solemnizou o seu faustissimo
anni versario, tem por isso mesmo muito mais subida valia.
Todas as tropas assim o reconheceram, c as fervorosas
acclamações em que romperam, por exuberância dos cora.
ções, saõ a mais ostensiva e a menos equivoca prova da sua
gratidão.
Ao ver o aceio, a firmeza, a boa ordem, a disciplina,
em que se achava toda a divisão, naõ era possivel desço»
nhecer os bravos de Bussaco, Albuera, Salamanca, Victoria,
e Orthez; lugares onde o herdado valor e brio nacional
tanto se estremaram.
As tropas estavam cheias de ufania pela honra singular
de manobrarem na presença do seu Rey, em ura tal dia,
sob o commando do seu Marcchal-General, Marquez de
Campo Maior, e dos seus Generaes Lecor, Pinto, Silveira,
Pissarro, e Velez, officiaes de reconhecido denodo, e que
taõ dignamente se empregam na conservação da disciplina,
com os beneméritos commandantes dos corpos, e mais
officiaes.
Acabada a leitura do sobredicto decreto, recolheram-se
SS. MM. e SS. AA. ásua barraca, aonde os Grandes do
Reyno, e os criados da casa passaram a occupar os seus
respectivos lugares : entaõ S. M. ordenou ao Excellentis-
simo Conde da Barca, ministro e secretario d'Estado, que
estava presente, que fizesse constante ao corpo diplomáti-
co, e a toda a Corte, " que S. M. C. por carta do seu pró-
prio punho, em data de 7 de Fevereiro lhe havia antici-
pado a noticia de que na Corte de Madrid, com a benção
do todo Poderoso, se havia de celebrar naquelle faustissimo
dia o seu feliz desposorio com S. A. a Senhora Infanta D.
Maria Izabel, e o do Sereníssimo Senhor Infante D. Carlos
com S. A. a Senhora Infanta D . Maria Francisca." Isto
Miscellanea. 497
diclo principiou o cortejo. Esta agradável noticia foi
recebida com a mais viva satisfação e alegria: e tantos
motivos de júbilo, reunidos em ura só dia, fizeram com que
elle fosse um dos mais festivos e celebres dias entre nós.
Quando he notório que os Portuguezes de ambos os hemis-
férios tem por timbre um extremoso amor pela sagrada
pessoa do seu Soberano, e de toda a sua Augusta Familia:
quando he notório, que as duas Augustas Esposas saõ,
como as outras Princezas Suas Irmaãs, o objecto da publica
adoração, será bem fácil aquilatar a exultaçaõ geral ao
saber-se de taõ bem ajustada uniaõ.
O espectaculo, que appresentava o Campo de D. Helena
no dia 13 do corrente, era único e tocante : o espectador
extasiado imaginava vêr ali o throno do primeiro Affonso,
o altar do Hymeneo, e os memorados Campos de Albuera,
Victoria, e Orthez; e a simplicidade do ornato, ao mesmo
tempo que quadrava com a natureza do local, dava realce
á magestade do cerimonial.
Durante o cortejo o transporte geral foi interrompido por
alguns instantes, por S. A. o Principe D . Pedro se achar
indisposto por algum tempo ; mas o prompto restabeleci-
mento de S. A. veio augmentar inda mais o regosijo e o
transporte geral.

ORDEM DO D I A .

Quartel-general da Praia Grande, 12 de Maio, de 1816.


Sua Magestade El Rey Meu Senhor, sobre os mui be-
nignos signaes de favor, bondade, e distineçaõ, que se tem
servido patentear á divisão de voluntários reaes do Prín-
cipe, transferindo para dentro dos acantonamentos delia a
sua Kcal residência, j á lisongeando a dieta divisão taõ repe-
tidas vezes com a honra da sua Regia presença, já passando-
lbe revista em pessoa tanto pelo que toca á disciplina
militar, e exercicio cai campo das tropas, que a compõe,
como aos seus quartéis, examinando e informando-se pes.
498 Miscellanea.
soalmente nessa occasiaõ de tudo o que poderia concorrer
para a commodidade do soldado: dignou-se por ultimo
de coroar a honra, que este corpo tem recebido na longa
residência de Sua Majestade neste sitio com a Regia deter-
minação de passar em os seus acantonamentos o faustissimo
dia de amanhã, anniversario do seu nascimento, fazendo
aqui a sua Corte.
O Marechal-general Marquez de Campo Maior ao
mesmo tempo que se congratula com a divisão por este
brilhante restemunho do contentamento de Sua Majestade
com as referidas tropas, aprecia como parte do mesmo
exercito esta elevada honra, que se lhe confere, e se une a
todo o corpo da divisão no seu reconhecimento, e nos
agradecimentos, que tributam por esta taõ lisongeira e dis-
tineta prova da approvaçaõ de Sua Magestade.
As tropas se ajuntaraõ no Campo de D. Helena amanha
ao meio-dia, e ali faraõ a sua grande parada, e teraõ o
gosto de receber a Real Pessoa de Sua Majestade com as
devidas continências, e de tributar-lhe as suas humildes
homenagens.—Assignada pelo Senhor Marechal-general,
Marquez de Campo Maior.—Sebastião Pinto de Aranjo
Correia.—Marechal de Campo Ajudante-general.

Decreto.
Querendo dar á divisão de voluntários Reaes do Principe
uma especial demonstração da minha Real benevolência,
pela boa vontade, com que tem vindo servir-me neste meu
Reyno do Brazil, e pela excellente disciplina, com que
tem executado na minha augusta presença as manobras,
em que, debaixo das ordens do seu illustre chefe o Mare-
chal-General Marquez de Campo Maior, tem sido exerci-
tada pelos seus respectivos generaes, commandantes de
corpos, e mais officiaes; os quaes todos me tem dado em
todas as oceasiões as mais decididas provas de zelo e leal-
dade : sou portanto servido, e me praz fazer mercê naõ
Miscellanea. 499
somente da gratificação de um vintém por dia aos soldados
e músicos da mesma divisão, e do que similhantemente
deve competir aos officiaes inferiores delia, em quanto es-
tiver destacada neste reyno ; mas lambem da restituição
completa da somma, que se lhes deduzio para a compra
de jaquetas de policia, dragonas de franja verde, ponteiras,
e pincéis : e outro sim hei por bem, que á primitiva deno-
minação de Voluntários Reaes do Principe se substituirá
de hoje em diante a preeminente denominação de Voluntá-
rios Reaes d'El Rey. O Marquez de Aguiar, do meu
Conselho de Estado, Ministro Assistente ao Despacho do
Gabinete, encarregado interinamente da repartição dos
Negócios Estrangeiros, e da Guerra o tenha assim enten-
dido, e o faça executar.
Dado no Sitio de S. Domingos, em 13 de Maio, de 1816.
Com a Rubrica de Sua Majestade.

ORDEM DO D I A .
Quartel-general da Praia Grande, 14 de Maio, de 1816.
O Marechal-General Marquez de Campo Maior tem
muito prazer em significar ao Senhor Tenente-general
Carlos Frederico Lecor, commandante da divisão de vo-
luntários Reaes d'El Rey, aos senhores officiaes generaes,
e commandantes dos corpos, que a compõe ; assim como
aos officiaes, officiaes inferiores, e soldados delles a satis-
fação completa, que Sua Majestade expressou com a appa-
rencia militar, arranjo, e disciplina, patenteada pelas tro-
pas em a grande parada, que hontem fizeram na augusta
presença de sua Majestade.
O Marechal-General congratula-se igualmente com as
tropas da dieta divisão, por motivo dos novos signaes de
favor honrosos, e úteis, que Sua Majestade se dignou
conferir-lhes, dando-lhes o nome de voluntários Reaes
d'El Rey, (com que baÕ de ter a honra de denominar-se
daqui por diante) um acréscimo de soldo, e ultimamente
5
ÕOO Miscellanea.
a importância da restituição de descontos consideráveis,
que se lhes haviam feito no soldo. Estes testemunhos da
approvaçaõ, distineçaõ, e liberalidade do Soberano saõ
taes, que nao precisam de amplificaçaõ por palavras, faliam
por si mesmos, e haõ de ser apreciados por todos, e dar
novo estimulo á lealdade, affeiçaõ, e zelo manifestado em
todos os tempos pela naçaõ Portugueza aos seus Soberanos;
e com muita especialidade agora neste ultimo periodo, e
de um modo taõ distincto pelo exercito, de que esta divi-
são fez parte, e faz ainda.
O Marechal-General publica nesta ordem, para inteiro
conhecimento das tropas, uma copia do decreto, que por
ordem immediata de Sua Majestade lêo hontem na sua
Real presença, e á frente da divisão, o Excellentissimo
Senhor Marechal de Campo Marquez de Angeja. NaÕ
será menos lisongeiro para a divisão, nem lhe causará
menos contentamento o saber, que as graças concedidas
neste decreto foram effeito da Regia lembrança, e emana-
ram immediatamente da sua Real vontade.
Marquez de C A M P O M A I O R , Marechal-generaL
S E B A S T I Ã O P I N T O DE A R A Ú J O C O R R Ê A .
Marechal de C A M P O , Ajudante-general.

PORTUGAL."
Ordem do dia do Marechal-general.
Quartel-general do Pateo do Saldanha,
21 de Septembro, de 1816.
Sua Excellencia o Senhor Marechal General Marquez
de Campo Maior tem a honra, e satisfacçaõ de communi-
car ao Exercito a sua volta a Portugal para retomar o
Commando do mesmo Exercito. S. Ex* lembra agora
ao Exercito a sua ultima Ordem do Dia 9 de Agosto de
1815, quando partio para ir á presença de Sua Majestade
E l Rey seu Senhor, e todas as outras Ordens, em que S.
Miscellanea. 501
Ex*. lhe assegurou sempre, que podia firmemente espe-
rar, e confiar na Bondade, e Amor do Soberano, e na
sua natural Munificencia em recompensar o merecimen-
to, e os serviços. Tudo quanto S. Ex". tinha pertendi-
do inculcar a este respeito aos membros da Corporação
Militar, teve o extremo contentamento de ver excedido no
espirito, e desejos de Sua Majestade, para testimunhar
a sua Real satisfacçaõ ao seu Exercito pelos serviços,
que fez durante uma guerra taõ extraordinária, taõ hon-
rosa, e proveitosa para os seus Vassallos Portuguezes. O
Exercito verá as conseqüências do Amor, e Approvaçaõ
do seu Soberano para com elle pelos cuidados, e interesse,
que se manifestam nos arranjamentos, que Sua Majestade
foi servido ordenar no que pertence ao ramo Militar,
onde brilham os signaes do favor, e da munificencia de
ura Soberano bom, e grato a Vassallos beneméritos. Fo-
raõ os desejos de Sua Majestade, que todas as Classes do
Exercito experimentassem, quanto fosse possivel, os effei-
tos da sua Real benevolência, c sem duvida tiveram estes
toda a extensão, que as circunstancias do Reyno permittem;
e S. Ex*. o Sr. Marechal General foi humilde testemunha
de que Sua Majestade até sentio naõ poder em razaõ das
circunstancias extender mais as suas Graças: mas S.
Ex*. está convencido de que o contentamento será g e r a l ;
de que todo o individuo do Exercito se unirá a S. Ex*.,
para exprimir a sua satisfacçaõ, o seu reconhecimento, e
agradecimentos ao melhor dos Soberanos; e de que os
signaes extraordinários da sua Real benevolência, e dos
seus cuidados pelo conforto, commodidade, e interesse
do Exercito seraõ novo estimulo para toda a classe de
Militares procurar conhecer, e executar bem os seus de-
veres, como único meio, que temos de testimunhar a nos-
sa gratidão por tantas mercês: e S. Ex*. he o primeiro
em confessar, que as suas obrigações para com El Rey
VOL. X V I I . N o . 101. 3 T
502 Miscellanea.
seu Senhor saõ as maiores, e impossíveis de serem retri-
buídas, senaõ pelos seus desejos, e esforços por bem o
servir. Em situação quasi igual considera S. Ex*. todo
o Exercito; e esta certo, que este se acha geralmente pos-
suído dos mesmos desejos.
Finalmente o Sr. Marechal-general pôde certificar ao
Exercito de Portugal, que este tem no seu Soberano um
Senhor dos mais indulgentes, ura Pai o mais affeiçoado, e
um Amigo verdadeiro, do qual o maior desejo he recom-
pensar a virtude, e o merecimento. S. Ex'. o Senhor
Marechal-general goza agora da satisfacçaõ de poder
affirmar ao Exercito o conhecimento de tudo o que refere,
adquirido por sua própria experiência, resultado da con-
descendência e favor, que Sua Majestade foi Servido
mostrar-lhe, e que S. Ex". nunca poderá suficientemente
reconhecer ou pagar.
Os Senhores Governadores de Provincias, e de Praças,
e os Senhores Generaes empregados no Serviço, e todos os
mais Officiaes, e pessoas Militares dirigirão as suas com-
municaçoens, e participações aos Chefes das Repartições,
conforme as Ordens do Exercito, para serem presentes a
S. Ex a . o Sr. Marechal-general.
AJUDANTE-GENERAL-
Miscellanea. 503

Reflexoens sobre as Novidades deste Mez.


EEVNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Publicamos de p. 397, em diante as participaçoens officiaes,


feitas às Cortes de França e de Inglaterra, sobre a alteração
de nome do Estado do Brazil; e ao depois vários officios di.
rígidos a S. M- por algumas Capitanias, agradecendo-lhe esta
mercê.
Na nota do Encarregado de Negócios de Portugal, em Pa-
ris, observamos, que a idea desta mudança de nome tinha sido
prevista pelo Congresso de Vienna; e isto confirma o que so-
bre este ponto tínhamos conjecturado, e que indicamos no
Correio Braziliense Vol. X V I . p. 186.
Pelos officios de varias Câmaras a El R e y ; e pelas fallas de
seus enviados, a este respeito, vemos que no Brazil se regozi-
jaram, como éra natural, com esta mudança de nome ; e da-
qui devemos concluir quam agradável será a NaçaÕ, se El Rey
levar isto mais adiante, mudando a administração do Brazil,
de maneira que a faça análoga ao seu presente character de
Reyno, em vez de conservar as instituiçoens, que só podiam
ser admissíveis na passada situação de colônias.
Causou-nos bastante alegria, porém, ver a practica de man-
darem as Câmaras Deputados a El Rey, e de S. M. os rece-
ber, e dar-lhe respostas : he summamente interessante esta com-
municaçaõ entre o Soberano e seus subditos; e talvez deste
pequeno principio se venha a estabelecer algum modo perma-
nente de chegarem a El Rey as representaçoens dos povos, sem
que venham misturadas com as ideas dos Ministros de Estado ;
por cujas maõs tenham de passar.

Inquisição.
A p. 407, copiamos uma pastoral do Bispo do Funchal, se-
guida de um Avizo Regio, e depois outra pastoral do mesmo
Bispo, a respeito dos crimes ecclesiasticos, e dos procedimen.
3 T2
504 Miscellanea.
tos do Commissario da Inquisição na Ilha da Madeira, que
deo lugar aos documentos, que publicamos.
Tem sido constante máxima do sanguinário tribunal da In-
quisição, parar com suas crueldades, todas as vezes que as cir-
cuinstancias dos tempos lhes podem ser desfavoráveis, e soltar
as rédeas á perseguição, logo que se lhe oííerece conjunetura
opportuna.
Assim, no tempo d'El Rey D. Jozé, nao só se deixaram de
divertir com queimar a gente viva, por amor da Charidade
Christaã, mas até espalharam os Inquisidores, que as suas
funcçoens estavam quasi aunihilartas. Apenas, porém, aca-
bou a administração daquelle Rey, quando houveram no Reyno
tres autos-da-fé; e porque estes causaram um escândalo geral
no Reyno, suspenderam aquellas inhumanas tragédias ; e conti-
nuaram os Inquisidores as suas perseguiçoens somente em par-
ticular ; e no profundo segredo de seus cárceres oceultos ; en-
cobrindo assim todas as suas iniquidades, certos de que sepul-
tando suas victimas, sepultavam igualmente as provas de suas
maldades.
O ódio, que inspirou na Europa o despotismo de Buona-
parte, fez com que os povos desejassem e conseguissem destruir
todos os estabelicimentos daquelle tyranno; e como, na res-
tauração dos Governos antigos, pareceo, e ainda parece a mui-
tos políticos do vistas apertadas, que se deviam restituir todos os
abusos passados, julgaram os Inquisidores, que éra favoravela
occasiaõ de tentar também a publica ostentação de sua fatal
authoridade.
A Inquisição de Lisboa, começou manhosamente com passos
vagarosos, e usou do rodeio de mandar ao seu Commissario na
Ilha da Madeira, que publicasse editaes, convidando o povo a
fazer denuncias. A velhaearia dos Inquisidores, em começar
a mostrar o seu rigor na Madeira, fundava-se no machiavelismo
de ver se eram ou nao bem recebidos do Governo e do povo,
os seus procedimentos na Madeira; se o fossem, alargavam-se
e dilatariam os seus horrores ; se o nao fossem, disfarçava.se
facilmente a tentativa, por ser feita só em uma ilha; e conti-
nuava-se com a pretendida idea, que a Inquisição esta muito
Miscellanea. 505
mais moderada; e que a mesma instrucçaõ dos actuaes Inqui-
sidores, faz com que elles nnllinquem, na practica, a jurisdic-
çaõ, que tem unicamente em nome ; visto que a nao querem
exercitar.
Desta vez. porém, nao sortiram effeito as atraiçoadas artes
dos Inquisidores ; porque quiz a for'una, que houvesse na Ilha
da Madeira um Bispo, que teve assas coragem para vindicar os
direitos, que lhe competem como chefe de sua Igreja ; e um Go-
vernador assas patriota para apoiar o Bispo, em suas justas
pretençoens; e ambos de acordo, prohiblram que o Commissario
da Inquisição publicasse os seus editaes, pelos quaes queria fo-
mentar as delaçoens oceultas ; e deram parte do que tinham
feito á corte do Rio-de-Janeiro
O Bispo publicou entaõ um edital seu, em que assevera uma
verdade conhecida por todos os Theologos eCanonistas, de que
os Bispos saõ os pastores supremos, cada um em sua igreja;
pois he facto ornais patente na historia ecclesiastica, que a ju-
risdicçaõ exercitada pelos Inquisidores, he um verdadeiro esbu-
lho dos direitos dos Bispos, e tam conhecido he isto dos mesmos
Inquisidores, que, para darem suas sentenças, mandam pedir a
assistência do Ordinário; formalidade inútil, quanto ao effeito;
porque os Inquisidores nunca fazem caso do Ordinário, que
sendo um voto contra todos os Inquisidores, e decidindo-se as
matérias á pluralidade de votos, vem a presença do Ordinário
a ser de nenhum uso. Mas ainda assim prova, que os Inquisido-
res naõ puderam negar o direito dos Bispos.
A Corte do Rio-de-Janeiro approvou o que fizeram o Bispo
e Governador da Ilha da Madeira, expedindo sobre isto o Avizo
Regio, qne deixamos copiado a p. 409 : com o qne se calaram
os Inquisidores, e tornaram a apregoar ; que a Inquisição ja
naõ he o que éra: e que os actuaes illuminados Inquisidores ja
naS desejam exercitar a sua jurisdicçaõ, c que as sanguinárias
leys, que lhes servem de norma; saõ mera formalidade, de que
elles naõ intentam ja mais fazer uso.
No entanto, a gente perversa da Madeira, suppondo que
aquella pastoral do Bispo lhes dava occasiaõ a pôr em obra
suas vinganças particulares, com a capa de religião, entraram a
506 Miscellanea.
fazer denuncias secretas ao Bispo, o qual se vio obrigado, para
atalhar o fogo da discórdia, a publicar a outra pastoral, que
copiamos a p. 4 1 0 ; pela qual, rejeitando as denuncias secretas
e anonymas, fez parar a torrente dos hypocritas, que ao abrigo
da escuridão, com o pretexto da religião, queriam satisfazer
suas paixoens.
A segunda pastoral do Bispo prova bem, quaes eram os hor-
rores, que se destinavam áiufeliz Ilha da Madeira, se se dei-
xasse ao Commissario dos Inquisidores proceder em seu plano.
Todas as accusaçoens secretas e mesmo anonymas, que a pru-
dência do Bispo rejeitou, e que publicamente desapprovou em
sua pastoral, seriam bem recebidas pelo Commissario da Inqui-
sição : muitos indivíduos seriam prezos, e por conseqüência
remettidos a Lisboa, para ali serem processados : a dessolaçaõ
de suas familias, com esta auzencia; a ruina de seu credito; o
estrago de suas propriedades, eram conseqüências infalíveis,
ainda que esses reos mandados a Lisboa fossem absolvidos eu
declarados innocentes ; e a Madeira teria de experimentar em
1816, os mesmos estragos que naõ ha mais de 15 annos lhe cau-
saram os Inquisidores de Lisboa, com um procedimento simi-
lhante.
Naquella epocha se vio chegar a Nova York, nos Estados
Unidos, um navio da Madeira, com uma bandeira branca, e
nella em letras azues a inscripçaõ " Asilum quwrimus." Este
navio levava parte dos refugiados, que se viram obrigados a
lagar a sua pátria pela perseguição dos luquisidores, e que vio-
lentamente foram contribuir, com suas riquezas e com sua in-
dustria, para o augmento de paizes estrangeiros.
Temos visto assas reformas em Portugal, depois que come-
çamos a escrever este Periódico, para naõ desesperarmos de
ver esta matéria da Inquisição considerada como deve ser por
S. M . : Et Rey naõ pode deixar de reflectir nestes exemplos;
e conhecendo que se naõ fosse o seu providente Avizo, em ap-
provaçaõ das medidas do Bispo, a Ilha da Madeira arderia de
novo com o fogo das prrseguiçoens da Inquisição ; S. M. verá
claramente, que hc preciso estender a sua protecçaõ, a este re-
speito, a todos os Vassallos de seus domínios.
Miscellanea. 507
Está determinado, que no Brazil naõ haverá Inquisição : a
de Goa foi extincta; e se estas medidas se julgaram conveni-
entes para aquellas duas partes dos Estados Portuguezes J por-
que o naõ seraõ também na Europa?
Mas, diraõ os hypocritas e tartufos da Corte, £ que ha de
ser dos crimes ecclesiasticos, nao havendo Inquisidores que os
castiguem? Isto foi seguramente considerado por El R e y ,
quando S. M. decidio, que nem no Brazil, nem em Góa, have-
ria Inquisição : e as leys ecclesiasticas, e a mesma essência da
disciplina, e da doutrina da igreja Christaã, mostra o remédio.
Os bispos tem o direito de punir os seus subditos, por todos os
crimes de religião, com penas ecclesiasticas, das quaes a maior
heaescomunhaÕ. Se taes crimes perturbam o Estado ; entaõ
El Rey tem o direito e o poder de lhe impor penas temporaes ;
e isto independentemente dos Bispos, e muito menos dos Inqui-
sidores. Assim naõ tem esses tartufos de que se fingirem as-
sustados, affectando o medo de que, por falta dos Inquisidores,
fiquem os crimes ecclesiasticos sem castigos.

Guerra do Rio-da-Prata.
Uma gazeta Ingleza, que tem por varias vezes fallado contra
as medidas da Corte do Rio-de-Janeiro, saío ultimamente com
um longo artigo a este respeito (Morning Chranicle, 14th Oc-
tober,) em que ataca mui decididamente o Governo Portuguez;
e diz, " que naõ vê qual seja o direito, a menos que nao seja
a fraude e a violência ; porque o Governo Portuguez se possa
intrometter na disputa entre a Hespanha a suas colônias."
Julgamos necessário mencionar a opinião deste gazeteiro,
aliásjudicioso; porque infelizmente ha Portuguezes que saõ da
mesma opinião.
Se aquelle gazeteiro quizesse reflectir no que tem dicto a este
respeito o Correio Braziliense, teria achado que algumas ra-
zoens se podem alegar, para o Governo do Brazil se intromet-
ter naquella disputa, sem que seja a fraude e a violência : e que
os Redactores daquella gazeta sabem o que diz o Correio Bra-
508 Miscellanea.
ziliense vemos nós do que por mais de uma vez elles tem extra-
hido deste Periódico.
Isto he tanto mais notável; porque aquella mesma gazeta
tem repetidas vezes dicto, que o Governo Inglez se devia in-
trometter nesta questão ; e neste mesmo artigo traz um longo
raciocínio para mostrar, que a Hespanha he quem tem provo-
cado as hostilidades das colônias; pelo mal com que as tem
tractado.
Porém se o Morning Chronicle suppoem que ha casos, em
que a Inglaterra tem o direito de se ingerir na questão entre
Hespanha e suas colônias, seguramente deve admittir o mesmo
direito em uma naçaÕ vizinha, qual he o Brazil, á qual nunca
pôde ser indiiferente a guerra civil entre seus vizinhos, com
quem naõ pôde deixar de ter as maiores relaçoens, tanto na
Europa como na America.
As razoens que aquella gazeta alega, a favor da revolução
Americana, saõ mui ponderosas, principalmente quando alega,
que as colônias Hespanholas nao cuidaram em se fazer inde-
pendentes da Hespanha, senaõ depois que seu Rey as tinha
desemparado, largando a coroa a um dos Buonapartes, a quem
esses Americanos, nem tácita nem expressamente tinham jamais
promettido obediência.
Mas deste principio tira aquelle Redactor uma conclusão
errada; e he, que o Governo do Brazil obra mal, em fazer
guerra aos Colonistas Hespanhoes, a favor das injustas preten-
çoens do Rey de Hespanha.
Esta conclusão he errada, pelo que respeita os motivos da
guerra da parte da Corte do Rio-de-Janeiro. Aquelle Go-
verno naõ se vai metter a ser juiz na disputa entre Hespanha e
suas Colônias: pelo menos ainda ninguém provou, que tal
fosse a intenção da expedição que saio do Rio-de-Janeiro;
antes, pelo contrario, todas as circumstancias sabidas em pu-
blico tendem a mostrar, que o Governo do Brazil, intenta se-
gurar.se contra as fataes conseqüências da guerra ci-
vil entre seus vizinhos ; e a razaÕ está mostrando, que a posse
do território de Montevideo lhe pôde dar esta segurança, que
nenhuma outra precaução pode ministrar: principalmente
Miscellanea. 509

quando he notório, que uma grande parte dos habitantes da-


quelle paiz se conformarão de boamente com similhante ar-
ranjo.
Logo todos os razoamentos, sobre o máo comportamento de
Fernando VII. sua renuncia a Buonaparte, &c.; nao saõ ar-
gumento algum contra as medidas da Corte do Brazil, que se
intromette nisto como vizinha; e pelo que as occurrencias no
paiz podem influir em seus stados. E se nem com tam pode-
roso motivo deve o Governo Portuguez intrometter-se naquella
guerra civil Hespanhola; cntaÕ he o mais contradictorio ab-
urdo dizer, que o Governo Inglez tem direito de fallar se quer,
sobre tal matéria. O Leitor observará que nós nao approva-
mos ou negamos o direito da Inglaterra em entrar na questão ;
nem o direito das colônias, ou de Fernando V I I . : notamos a
inchoerencia, no que respeita o Brazil.

Exercito Portuguez.
A p. 495, damos as noticias officiaes, do que se passou com
a divisão que de Lisboa foi para o Brazil; o modo porque El
Rey recebeo estes beneméritos defensores da Pátria; e como o
Marechal General Lord Beresford, Marquez de Campo
Maior, se alegrou com isso. Este official voltou na fragata D .
Pedro a Lisboa, aonde expedio logo a ordem do dia que copia-
mos a p. 500 : e nos regosijamos de ver premiados os seus ser-
viços. Até lhe concedeo El Rey a inspecçaõ das Milicias, que
tinha o Ministro da Guerra. He triste cousa, que em tempo
de paz nao cuide a uaçaÕ em formar officiaes, de quem se valha
no tempo da guerra, mas nao os tendo seus, e chamando es-
trangeiros, pede a justiça e he da honra nacional traclallos co-
mo 9eus serviços merecem ; pelo que repetimos os louvores a
El Rey por ter desempenhado o character nacional, honrando
ao Marquez de Campo Maior, como elle merece.

VOL. XVII. No. 101. 3 v


510 Miscellanea.

Marinheiros Portuguezes em Inglaterra.


Aos 16 de Outubro se apresentaram, ante o Lord Mayor de
Londres, nao menos de 24 marinheiros Portuguezes, queixan-
do-se de que o Cônsul de sua naçaÕ lhe naõ tinha querido dar
soccorro na necessidade em que se achavam, e que estavam a
morrer á mingoa. O Lord Mayor mandou chamar o Cônsul,
o qual, ouvindo o que se lhe dizia, declarou, que nao se jul-
gava authorizado a dar o soccorro que os marinheiros lhe pe-
diam ; e porque as gazetas ao outro dia referiram este caso, com
os demais de justiça e policia, passados ante o Lord Mayor,
como aqui he custume, o Cônsul escreveo ao Edictor de ura
dos Jornaes diários a seguinte carta:—

Consulado Portuguez.
*l Ao Edictor do Times.—Senhor! Observando, nas novida-
des sobre a Policia, na vossa gazeta de hontem, o caso de ai.
guns marinheiros Portuguezes, que se tinham dirigido ao Lord
Mayor, ficar-vos-hei obrigado, se inserireis uma breve observa-
ção, para corrigir as falsas idéas que poderiam ter occurrido
pela pressa de vosso relator. Quando S. S. me perguntou,
que providencias havia, para os marinheiros desamparados
neste paiz, eu lhe disse; que o caso, em que o Cônsul Portu-
guez tinha authoridade para os soecorrer, éra o de marinheiros
naufragados em navios Portuguezes, nas costas a que se exten-
dia a sua jurisdicçaõ, supriudo-se a esses marinheiros imme-
diatamente, e fazendo-os voltar para o seu paiz. Todos os
capitaens de navios Portuguezes, que navegam para este paiz,
saõ obrigados a tornar a levar a sua equipagem ; e se ha algu-
ma queixa contra o capitão, por se naõ conformar com este
regulamento, remedeia-se isto immediatamente: por conse-
qüência, se ha alguns marinheiros lançados a terra, nao he
possivel que elles estivessem servindo em navios de sua naçaÕ;
e se estavam em vasos de outras naçoens, naõ tem o Cônsul
jurisdicçaõ sobre seus capitaens. Também informei a S. S. de
que, na conclusão da paz, muitas centenas delles tinham sido
Miscellanea. 511
remettidos para sua terra, por motivos de compaixão, e á custa
do Governo Portuguez; porém que eu pensava, que nunca
se poderia admittir como principio, que o Governo Portuguez,
ou outro qualquer Governo, fosse obrigado a cuidar de ho-
mens, que, em vez de andar, como deviam, no serviço de seu
paiz, estavam servindo debaixo das bandeiras de outras naco.
ens; e, em apoio desta observação, accresccntei, que isso naõ
éra conforme aos seus deveres, como vassallos de Portugal;
porque existiam leys antigas, segundo as quaes os marinheiros,
que assim obravam, eram sugeitos a castigo. Que vários ma-
rinheiros, mandados para a sua terra por motivos de compaixão,
tinham voltado para este paiz ; e se nao devia esperar, que o
Governo Portuguez continuasse com taes despezas ; quando as
mesmas pessoas tornavam a apparecer, com o mesmo pretexto
no seu Consulado.
u
Tenho a honra de ser
Senhor. Vosso humilde criado
AEEXANDRE ANDRADE.
Consulado Portuguez, 18 de Outubro, 1816.

Parece-nos na verdade mui árduo, que o Governo Portu-


guez se veja na necessidade de prover ás necessidades de seus
marinheiros, todas as vezes que se lhes antolha saírem do seu
paiz, para servir nos navios estrangeiros ; e por isso concorda-
mos inteiramente nos principios, que o Cônsul Portuguez expôz
ao Lord Mayor.
E com tudo, considerando a utilidade daquella classe de
gente, e a variedade de acontecimentos a que andam expostos;
he do dever do Governo nao se esquecer de meio algum, que
possa induzir a reter no serviço de sua pátria marinheiros expe-
rimentados ; e que podem dar á sua naçaÕ os interesses, que,
com seu trabalho, procuram ás naçoens estrangeiras.

Embaixada Portugueza em Inglaterra,


0 Conde de Palmella apresentou á Corte de Inglaterra as
suas credenciaes, como Ministro Plcnipotenciam e Enviado
3u 2
512 Miscellanea.
Extraordinário, e seu antecessor teve audiência de despedida;
como se vê pela seguinte noticia da Gazeta da Corte :—
•• Carlton li ouse, 3 de Outubro, de 1816.
Hoje Monsieur de Friere, Ministro Plenipotenciario de S.
M. Kl Rey de Portugal e Brazil, teve audiência de S. A. R. o
Principe Regente, para entregar as suas recredenciaes : e o
Conde de Palmella, Enviado Extraordinário e Ministro Pleni-
potenciario, da mesma Corte, teve audiência de S. A. R. para
entregar as suas credenciaes; sendo introduzidos pelo Conde
Bathurst, um dos Principaes Secretários de Estado de S. M. e
conduzidos pelo o ajudante de Mestre de Cremonias, Roberto
Chester, Escudeiro."

Contracto do Tabaco.
Torna a ficar esperado, para a primeira audiência; porque ja
morreo o primeiro contracto, e o successor está introduzido:
assim naõ apressa por óra. NaÕ nos descuidaremos da victo.
Tia, que ja alcançou a naçaõ; nem dos melhoramentos, que
ainda esperamos nesta matéria.

ESTADOS U N I D O S .

A Carta do Secretario do Thesouro ao Cônsul Inglez em


Nova-York, e que transcrevemos a p. 418 ; causou em Ingla-
terra mais queixas, do que, em nossa opinião, devia produzir.
O Secretario Americano naõ nega, que, segundo o ultimo
tractado de Commercio entre Inglaterra e os Estados Unidos,
devam os vasos de ambas as naçoens pagar iguaes direitos de
pilotagem, propinas, &c.; ante-, pelo contrario, mostra que,
ainda que as authoridades locaes de algum dos Estados im.
ponham taes direitos, ficam elles nullos, uma vez que sejam
c o n ' h os tractados concluídos pelo Governo Federal dos Es-
tados Unidos,
Porém, quanto ao modo de obter a parte ofTendida o remé-
dio, contra a extorçaõ de propinas, que saõ illegaes, he que o
Miscellanea. 513
Secretario declara, com razaõ, que naõ compete nem a elle
nem ao Presidente dos Estados Unidos, o mandar de sua pró-
pria authoridade cessar aquelle mal. Em um paiz aonde só
governa a ley, nao ha outro remédio para obter reparação de
damnos, resultantes do injusto procedimento das authoridades
civis, senaõ a appellaçaõ aos tribunaes competentes; e, neste
caso, todo o negociante Britannico, de quem se exigissem mais
direitos au maiores propinas do que aos Americanos, queixan-
do-se elle aos tribunaes desta infracçaõ do tractado, se lhe
mandaria entregar o que houvesse pago de mais, e a parte
contrária seria condemnada nas custas. O Secretario Ameri-
cano até alega em sua resposta, que j a os tribunaes de Nova-
York haviam decidido casos similhantes, na conformidade des-
tes princípios.
Em um Governo livre, como he o dos Estado Unidos, nunca
ce pôde proceder de outra maneira; assim nos parecem mui
deiarrazoadas as queixas, que vimos em algumas gazetas I n .
glezas, a este respeito ; e julgamos mui inconcludente a elaçaõ
que daqui tiraram da má vontade, que os Americanos mos-
tram contra os Inglezes.

FRANÇA.

Tem concluído os Francezes as eleiçoens para a Câmara dos


Deputados; e agora toda a attençaõ se dirige a saber o resul-
tado da nova eleição, sobre o numero de votos que terá cada
partido, e de que parte estará a maioridade.
0 resultado das eleiçoens quanto ao numero he o seguinte.
174 Deputados que serviram na Câmara passada.
60 Deputados novos.
20 Deputados naõ eleitos, por se separarem os eleitores
sem votar.
2 Deputados eleitos para duas partes differentes.
2 Deputados de Corsica, ainda nao eleitos.

258 Total.
514 Miscellanea.
O partido Ultra-realista queixa-se, que os Ministros tem in.
devidamente influído nas eleiçoens : e as cartas officiaes, que
inserimos a p. 489, dam claramente a conhecer isto; nem disso
se faz segredo em França. Quando este partido Ultra-realista
tinha a scendencia no Ministério, El Rey éra para elles o me-
lhor dos Monarchas, e as violaçoens, que se commettiam contra
a Charta Constitucional, se chamavam mudanças de bagatella,
necessárias para supportar o poder Real. Agora gritam deses-
pcradamente contra o partido Constitucionalista, que he o qne
governa ; pelas iníracçoens que elles commettem dessa mesma
Charta, principalmente a violação da liberdade da imprensa, de
que tem sido victima até o mesmo Chateaubriand o mais ultra
dos Realistas.
Assim se continua o proceder dos Francezes, durantetoda
a sua revolução, gritando pelo cumprimento das leys o partido
opprimido ; e obrando despoticamente o partido mais pode-
roso ; mas tendo ambos cm vista o governar sem o freio das
leys.
A nossa decidida opinião he, que seja qual for o partido
triumphante, os Francezes nunca gozarão de uma Constituição
livre, tal qual se podia colligir das palavras de sua Charta Con-
stitucional. O partido Ultra-realista, composto principalmente
dos Príncipes de sangue e Pares do Reyno, grita pela execução
da Charta, na parte que pertence a seus poderes e privilégios,
que temem sejam infringidos : mas pelo que respeita o povo, e
segurança pessoal, ou de propriedade, nunca disso curaram,
quando tinham a ascendência na administração. O partido
Constitucionalista declarou, que se nao fariam alteraçoens na
Charla; porque temia, que as alteraçoens, que se intentavam,
Tendiam a restringir-lhes o seu poder, e augmentar a influencia
das Câmaras : e com essas vistas, affectando supportar a letra da
Charta, diminuíram o numero dos Deputados; porque lhes éra
mais fácil attrahir d seu partido poucos, do que muitos indi-
víduos.
A interpretação dada á Convenção de Paris, pela qual se
reduz a nullid.ide o artigo, em que se estipulou amnestia, he
approvada por todos os partidos, que governam ; e por uma
razaõ beui íacil de explicar: isto he, que, havendo todos os
Miscellanea. 515
Francezes, com raras excepçoens, tomado o lado de Buona-
parte; logo quê o partido dominante se quer ver livre de al-
gum individuo, está á maõ o expediente de o fazer aceusar de
alta traição, por ter obrado contra El Rey.
Assim em Janeiro, de 1816, se tinham prendido mais de
60.000 pessoas; em Março mais de 110.000; e até o tempo
presente tem continuado as mesmas proporçoens. Em quanto
estavam na administração os UJtra-realistas tudo isto parecia
mui bom; agora que estaõ de fora, e que lhes pode cairo
rayo em casa, queixam-se de se continuarem os mesmos proce-
dimentos.
Quanto á Charta Constitucional, todos convém que precisa
de alteraçoens essenciaes ; porém a questão he se no caso de se
admittirem taes alteraçoens, seriam cilas para melhor ou para
peior ? Mas naõ pode duvidar-se, que a resolução da questão
depende de saber quem saõ os que propõem as alteraçoens;
porque uma Tez que se tracta de fortificar partidos, o augmento
do poder dos que governam hc o que se ha de ter cm vista, e
nunca o beneficio do publico.
Como quer que seja todos os rumores concordam, em que
as Potências Alliadas, que estaõ determinadas a sustentar EI
Rey, acharam que o uaõ poderiam fazer, se o governo fosse
conduzido segundo as maxknas dos Ultra-realistas. Resta
agora ver de que tempera sáe a nova Câmara dos Deputados,
cuja sessaõ deve principiar, segundo se diz, em Fevereiro.

HESPANHA.
Copiamos a p. 419, o decreto de perdaõ; pelo qual El
Rey Fernando V I I . quiz assignalar a epocha de seu casa-
mento.
Se o character daquelle monarcha dependesse do que elle diz
de si mesmo, a sua clemência mereceria os maiores louvores ;
porém, infelizmente para M. S., a opinião publica da nossa
idade; e a historia nos tempos fucturos, saõ quem deve julgar
de seus merecimentos ; e apezar do que elle diz, o mundo lhe
fará justiça conforme o que elle obra.
516 Miscellanea.
Parece incrivel a falta de modéstia, com que no preâmbulo
deste decreto EI Rey canta os seus mesmos louvoures, como se
elogia a si, e pinta a sua clemência com taÕ vivas cores; e no
entanto, pretcntendo solemoizar a epocha do seu casamento,
com um perdão geral, tantas excepçoens arranjou, que só per-
doa a quem nunca o offendeo—notável generosidade!
As noticias de Madrid dizem, que os Grandes de Hespanha
se ajunetáram em uma conferência por ordem d'EI Rey, debaixo
da presidência do Infante D. Antonio; e os Grandes que es.
tavam auzentes mandaram as suas procuraçoens. Esta assem-
blea elegeo uma deputaçaõ, que ha de ser permanente; e insti-
tuio a sua secretaria: deverá a assemblea ajunetar-se todos os
annos, por ordem d'El Rey. Dizem igualmente que a Depu-
taçaõ das cidades e villas, que naõ he chamada senaõ para as-
sistir á coroaçaõ dos Reys, será posta cm actividade para com-
pletar a systema representativo.—Credat Judeus.

HAMBURGO.

A negociação com o Governo Francez, relativa á restitui-


ção da propriedade do Banco, está concluída. A somma de
dinheiro, e metaes preciosos, que Davoust tirou do Banco de
Hamburgo, chegava a 16:000.000 de francos. O Governo
Francez porém nao consentio em restituir senaõ 10:000.000 de
francos. Esta offerta foi aceita a final, e os Deputados de
Hamburgo, que eram os Senadores Sillem e Pehmaller estavam
ao ponto de deixar Paris ; ficando ali Mr. Chapeaurouge para
requerer as indemnizaçoens dos particulares, que o Governo
Francez lhes deve, pelas requisiçoens, que fôram obrigados a
pagar aos exércitos daquella naçaÕ.

PAIZES-BAIXOS.

A ley para o estabelicimento da Pauta das Alfândegas foi


approvada nos Estados Geraes, por uma maioridade de 47
votos contra 30. Os deputados das provincias do Sul, sem ex-
Miscellanea. 517
cepçaõ, votaram a favor da ley : os deputados das provincias
do Norte votaram contra, e alguns requerêram, que se inseris-
sem os seus votos nos jornaes das deliberaçoens. A p. 448,
damos um extracto da pauta, contendo os artigos mais interes-
santes.
A importante questão, sobre reprimir a liberdade da im-
prensa, pelo que toca a Governos Estrangeiros está decidida;
e sobre isso se passou o seguinte :—

Segunda Câmara dos Estados Geraes. Presentes 61


Membros.
A Secçaõ Central fez um relatório, sobre o projecto de ley,
para restringir a licenciosidade da imprensa, a respeito das po-
tências estrangeiras. O relatório representou, que as Secço.
ens, ainda que sensíveis á obrigação que tinham, El Rey e os
Estados Geraes, de preservar ao povo o gozo de seus direitos e
liberdades, estavam igualmente Convencidos de que elles de-
viam olhar pela conservação das relaçoens amigáveis com ou-
tras naçoens. Todas as Secçoens tem approvado o principio,
mas tem julgado, que algumas partes do projecto de ley naÕ
eram assas claras. Propuzéram algumas alteraçoens, que El
Rey tem approvado ; e agora se acha assim: —
Art. 1.—--Todos aquelles que, nos seus escriptos, insultarem
ou ultrajarem o rharacter pessoal de Príncipes ou Soberanos
Estrangeiros, que disputarem, ou puzeretn em duvida a legitimi-
dade de sua dynastia e de seu Governo ; ou criticarem os seus
actos em termos offensivos ou injuriosas, seraõ pela primeira
vez, multados em 500 florins ; ou, na falta de pagamento, se-
rão prezos por seis mezes. No caso de reincidência no mesmo
crime, a pena será de prizaõ de um até tres annos.
2. Na mesma pena incorem os impressores, edictores, dis-
tribuidores, e livreiros, que tiverem impresso ou distribuído,
ou feito imprimir ou distribuir os dictos escriptos, a menos que
possam declarar o author, de maneira que nao somente elle
possa ser processado, mas convencido do crime e punido con.
sequentemente.
VOL. XVII. No. 101. 3x
518 Miscellanea.
A pena, que se deve impor aos impressores, cdictores, e li-
vereiros, será acompanhada da perda de sua patente, e da
prohibiçaõ de imprimir ou publicar obra alguma por tres an-
nos, pela primeira vez; e, no caso de repetição, por seis an-
nos ; e, em ambos os casos, coufiscaçaÕ dos exemplares da
obra impressa ou publicada, naõ obstante tal prohibiçaõ.
3. Pelo que respeita os extractos, copias ou traducçoens de
outros papeis ou escriptos : fica a ley como d'antes.
4. Como d'antes, excepto que se insere a palavra distribui-
dor, depois do redactor, compilador e conduetor.
El Rey mandou também communicar ás Câmaras, os tracta-
dos, que tinha feito com Hespanha e com Argel; e os deixamos
copiados na parte Politica deste N*. a p. 4*22, e 426.
O tractado com Argel, contêm as mesmas estipulaçoens, dos
ajustes, que ao mesmo tempo fez Inglaterra com os Argelinos.
O tractado com Hespanha, he para uma aliiança defensiva,
contra as Potências de Barbaria. Notamos, que outras Po-
tências da Europa devem ser convidadas a entrar nesta liga,
sendo as proposiçoens feitas pela Hespanha ás cortes de Por-
gal, Turin e Napoies; e pelos Paizes-Baixos ás Cortes de Pe-
tersburgo, Stockholmo, c Copenhagen.
Algum motivo deve haver, porque as naçoens contractantes
nao se propõem convidar para esta liga nem a Inglaterra nem
a França; duas Potências tam interessadas no commercio do
Mediterrâneo: e esta omissão se faz ainda mais singular;
quando a Inglaterra tem derrotado os Argelinos, e feito estipu-
laçoens, com elles, cujas conseqüências influem em todas as
Potências Europeas.

POTÊNCIAS BARBAIIESCAS.
A associação dos Cavalleiros Christaõs, em Paris; a que
chamam Sociedade Anti-piratica, parece nao sedar por satisfeita'
com o que os Inglezes fizeram a respeito d'Argel. Pelo avizo,
que publicamos a p. 493, se conhece, quaes saõ os pontos, que
aquelles Cavalleiros julgam terem ficado por arranjar, no trac-
tado entre a Inglaterra e Argel, e que se suppoem necessários,
Miscellanea. 519
para segurar as Potências Christaãs contra as violências dos
Governos de Barbaria.
No entanto, o Almirante Inglez, que derrotou os Argelinos
e negociou o tractado, parece estar completamente satisfeito
com os seus resultados; o que se colhe das duas cartas, que. co-
piamos abaixo ; na segunda das quaes, o Almirante até se sup-
poem com direito a exigir o beneficio das oraçoens do Sancto
Padre. Porém como aquelle Almirante he um hereje, as ora-
çoens de Sua Sanctidade naõ poderão, por hora, ser para ou'
tra cousa mais do que para a sua conversão.

Carta de Lord Exmouth a El Rey de Napoies.


Queen Charlotte, na Bahia de Argel, 31 de Agosto, 1816.
SENHOR !—Julgo-me feliz, em poder annunciar-vcs que um
de vossos Cavalleiros de S. Fernando tem sido, graças á Pro-
videncia, um dos instrumentos empregados em destruir para
sempre o systema da escravidão Christaã. As multiplicadas
provas da bondade de V. M. para commigo, .«ao para mini se-
guro penhor da satisfacçaõ que vós sentireis, sabendo o feliz
successo de nossas armas, e que um de vossos Cavalleiros teve
a honra de dirigir os seus esforços.
Seja a saúde e prosperidade de V. M. de tanta duração, co-
mo deseja vosso mui affciçoado criado.
EXMOUTH.

Carta de Lord Exmouth a S. Sanctidade.


Argel, a bordo da Queen Charlotte, 31 de Agosto. 1816.
SANCTISSIMO PADRE!—Tenho a honra de informar a V S.
para sua satisfacçaõ, do bom successo da experi/çaõ contra Ar-
gel, confiada ao meu commando. A escravidão Christaã está
abolida para sempre ; e, em conseqüência, tenho a satisfacçaõ
de tornar a mandar para suas familias 173 escravos, vossos
subditos. Espero que elles seraõ um agradável presente a V.
S., e que elles me daraõ jus á efficacia de vossas oraçoens.
——• EXMOUTH.
3x2
520 Miscellanea.
ROMA.

A p. 420, damos um resumo, que achamos publicado, do


Edicto de S. S., pelo qual o Sancto Padre dá nova forma de
administração, ao governo temporal de seus Estados.
Com efièito nos parece, por estas e outras medidas do Sum-
mo Pontífice ; que de todos os Legitimos restituidos a seus go-
vernos, S. S. he o que se tem mais empregado, no melhora-
mento do governo civil de seus povos. Tem elle estabelecido
uma caixa de amortização para a divida publica ; tracta de re-
formar o plano dos estudos públicos; e propõem-se a tomar
medidas para fomentar a industria nacional, na agricultura,
manufacturas, commercio, e artes liberaes. Se o Summo Pon-
tífice continuar nestes bons propósitos, nao só cumprirá com
os seus deveres de Soberano Legitimo, mas ao mesmo tempo
dará aos demais Soberanos o exemplo, qne delle temos direito
de esperar; como chefe da Sancta Religião, que professa, con-
formando.se, na practica, ás segras, que snas doutrinas pres-
crevem.

RÚSSIA.
O Conde de Nesselrode, Conselheiro Director dos Negócios
Estrangeiros, escreveo uma circular aos Ministros das Potên-
cias Estrangeiras, explicando, que a jornada do Imperador as
partes interiores do Império, naõ tinha outro objecto mais do
que remediar os estragos, que tinham soffrido as provincias,
com a invasão do inimigo ; que S. M. tinha partido para Mos-
cow e Warsaw, e esperava voltar á sua residência pelos 15 de
Outubro : que S. M. desejava indagar por si mesmo o curso da
administração, que de novo tinha estabelecido, a fim de confir-
mar a felicidade de seu povo, sob a protecçaõ da paz, con-
forme se tinha fixado em Vienna; e que o Conde Nesselrode
notificava isto, para destruir os falsos rumores, qne poderiam
attribuir esta jornada a outras mal fundadadas causas.
Nas ultimas Memórias da Academia de S. Petersburgo ap-
parece a analyze de uma obra Estatística; em que se acham os
seguintes resultados.
Miscellanea. 521
Os rendimentos da Rússia, em 1811, importaram em
215:000.000 rublos ; e as despezas chegaram a 274:000.000.
As forças de terra, em 1810, eram 621.165 homens: a marinha,
em 1813 éra de 289 velas, com 4.348 peças cPartilheria. A
igreja Grega, que he a dominante, incluo 4 igrejas metropoli-
tanas, 11 arcebispados, 19 bispados, 26.747 igrejas e maior
numero de conventos. Como a tolerância he g«-ral, havia, em
1811; 3:500.000 Catholicos; 1:400.000 Luteranos; 3.800
Reformados; 9.000 Heruhutters; 60.000 Armeniauos ;
3:000.000 Mahometanos ; 300.000 sequazes do Dalai-Lama; e
600.000 dos adores dos Fetichcs. Ha em S. Petersburgo 14
imprensas, 13 lojes de livreiros estrangeiros, e 30 de Russia-
nos. Em 1815, as fabricas do Império Russiano chegavam a
3.253.
Os esforços do Império Russiano, em augmentar a sua ma-
rinha, saõ, se dermos credito ás novidades das gazetas, iguaes
ao bom successo, que o Governo alcançou, em trazer o exercito
a um pé de grandeza e perfeição, que constituem a Rússia,
neste momento, uma das primeiras Potências militares.
Os meios, que tem a Rússia, para créar uma grande marinha
militar, saõ superiores aos de todas as outras Potências Euro-
peas. Sabe-se muito bem que as repartiçoens da esquadra
Russiana, no Ponto Euxino, e Mar de Azof; assim como em
Cronstadt, estaõ em grande gráo de perfeição ; mas agora se
diz nas gazetas, que em Archangel se tem estabelecido conside-
ráveis estaleiros e arsenaes, e que em Ochatz ha uma marinha
de guerra, que, supposto consista pela maior parte em vazos
pequenos, saõ estes comtudo assas números para a protecçaõ
do commercio Russiano no mar Pacifico, costa do Noroeste da
America, c China. Com estas vistas he que a Rússia concluio
o ultimo tractado com os Estados Unidos da America.
0 Imperador expedio uma ordem em data de 16 de Septem-
bro, pela qual manda suspender os recrutamentos em todo o
Império; e desbandar o sexto corpo do exercito, o qual será
empregado em completar as faltas nos differentes regimentos da
tropa de terra e da marinha; e dá como razaõ disto, a paz
geral, que reyna na Europa. E com tudo o total das forças
522 Miscellanea.
Russianas he assas grande para dar á Corte de S. Petersburgo
um sufficiente apoio em sua inilucucia politica.

SUISSA.

O Governo de Fribnrg publicou uma collecçaõ de leys or-


gânicas de sua Constituição, em AleinaÕ e Francez. A mais
importante parte de seu contheudo he o que se refere ao Tri-
bunal Censorio. Este tribunal he composto de setle membros,
que tem o singular titulo de Secretos. Devem ser de differentes
familias, e ter completado cada um delles os 40 annos de idade.
O tribunal se deve ajunctar todas vezes que os negócios o exi-
girem ; mas regularmente cada anno no anniversario da batalha
de Morat. Os deveres dos Secretos saõ pre-enchidos gratuita-
mente- 'As suas pessoas saÕ invioláveis, e os qne os offenderem
seraõ castigados como perturbadores da tranquillidade publica.
As suas funcçoens abraçam dous objectos principaes ; um he a
manutenção das leys, e outro a superintendência da moral.
Quanto ao primeiro, o tribunal vigia sobre a administração do
Governo : olha que os officiaes, que compõem o Governo, nao
passem além dos limites de sua authoridade ; e que se nao com-
prometia nem a liberdade publica nem a individual; e que se
naõ ponha em execução ordenança alguma, que seja op posta
ás leys. Para este fim possue o tribunal o direito do Veto, a
cujo exercicio deve ceder toda e qualquer authoridade. Quanto
á moral, o tribunal vigia o comportamento publico e particular
dos membros do Governo. He também de sua competência
exigir dos membros do Gram Conselho conta de seu comporta-
mento, e dirigir-lhes exhortaçoens oportunas, suspendêllos, e
até dimittillos, conforme a natureza da culpa. Finalmente este
tribunal examina e determina, se os membros do Gram Conse-
lho, novamente eleitos, tem pre-enchido as condiçoens de ele-
gibilidade, que a ley requer.
Miscellanea. í»23

CONRESPONDENCIA.

Carta ao Redactor, sobre a administração do Hospital da


Mizericordia, no Funchal.
SENHOR REDACTOR BO CORREIO BRAZILIENSE,
As vantagens que tem resultado ao bem geral, pelas verdades que
apparecem no seu interessante periódico; que óra nos mostra os
abusos em differentes ramos de administração publica, para que se
conheçam e evitem desvios, que por desgraça tem sido vulgares, cohi-
bindo a depravaçaõ de empregados, que mais olham a seus próprios
interesses do que ao bem geral; ora mostrando o merecimento de
muitos, que devem imitar-se, pelo seu zelo e rectidaõ • nao me deixa
duvida que queira inserir nas suas paginas, os documentos que lhe
transmitto.
Nenhum paiz do mundo baque tenha tido talvez, e conserve ainda
maior numero deestabelecimentos públicos do que he Portugal.* Em
parte alguma tem o Soberano sido taõ liberal em abrir seus cofres para
o proveito da educação publica, e para soccorro dos necessitados.
Immensos fundos tem sido legados por particulares, para fundamento
de Hospitaes públicos: e talvez mesmo Inglaterra, que tanto se jacta
da sua philantropia, (se guardar proporção) veja apparecer suas sub-
scripções como acanhadas, se olharmos aos capitães que tem sido
dotados era dominios Portuguezes em vantagem publica. Porém
nós apparecemos limitados aos olhos pouco analizadores,e elles offus-
çaõ o geral. Com as suas pompozas instituições, sempre gigantescas
quando tocam no capricho e enthuziasmo do seu espirito patriótico.
Oxalá que o mesmo espirito se deixasse espraiar entre nós taõ geral-
mente, pois sendo igualmente protegido, veríamos ressurgir o gênio
Portuguez, sempre grande em si, como mostram todas as épocas da
historia, e todos os climas aonde tem chegado o seu noine ! Se nós
naõ apparecemos igualmente brilhantes e grandes, naõ he por falta de
magníficas instituições; he pelos defleitos na administração dellas: e
pela falta de apoio, e observância de seus primeiros estatutos : pela
nenhuã energia, e muito desleixo de quem as dirige, e pelo veo miste

*Naõ me julguem apaixonado por ser Portuguez. Esta asserçaõ


naõ he minha; já a li em Authores Francezes e Inglezes de boa nota:
sentindo que minha memória me naõ recorde seus nomes 5 pois que
sei que estas alegações estrangeiras, podem com muitos, e sempre
trazem o cunho de imparciaes.
524 Miscellanea.
riczo com que sempre se occultaõ ao publico suas transacções: he
pela falta de fé, e confiança publica que ellas naõ se augmentaõ pro-
gressivamente, e affrouxaõ a generosidade de muitos, quando de bom
grado concorreriaõ para ellas, se naõ temessem que suas subscripções,
longe de animar as faculdades dos povos, fossem manter a inércia, a
priguiça. e es vicios mesmo, daquelles debaixo de cujas garras, agora
ou logo, viriaõ a cahir aquellas doações, resultando o contrario, dos
effeitos saudáveis e proveitosos, que procurara os amigos dahuraani-
dade.
Applicarei um exemplo deduzido dos mesmos documentos, que lhe
remetto, e ainda que limitado, em comparação de muitos de que
podia valer-me, lanço maõ delle como mais próximo, e mais com-
prehensivel.
O Hospital publico do Funchal, erigido inteiramente pelas doações
de particulares, rendeo em um anno, taõ apoucado como o de 1815)
bein perto de 16:000,000 reis.
A força do capital desta Instituição, consiste em prédios rústicos, e
alguns urbanos; os quaes por certo, pelo máo estado de cultura, naõ
chegaõ a produzir 2 | por cento, muito menos naquelle anno, em que
as colheitas foram como nunca mesquinhas, e acanhadas: logo pelo
menos reputaremos aquelle capital em 740:000,000 reis, que juncto ao
immenso edificio, que occupa o mesmo Hospital, naõ pôde ser nunca
menos de dous milhSes de Cruzados ! As grandes Capitães, e Londres
mesmo, que guardem proporções, e que nos mostrem um Hospital, que
offereça fundos taõ consideráveis pela generpsidade e patriotismo
particular, como o Hospital desta Cidade, cujo espaço apenas se de-
viza na imraensa escala do mundo ! As vantagens, que podiaõ resultar
de um tal estabelecimento, já se iam amortizando, por causas que
naõ precizo expor ; pois que nada remediaria nos males commettidos;
mas quero louvar a administração da presente meza, e do provedor
o Ex mo . Bispo D. Frei Joaquim de Menezes Attayde, o qual cora
zelo infatigavel naõ tem perdido de vista todos os meios para pro-
mover a boa arrecadação, e economia daquella caza; e de cujos tra-
balhos se tem visto o mais feliz resultado, em um objecto de tant»
humanidade. Aquella caza, que ha um anno era um lugar abjecto,
e até horrorozo ao pobre enfermo, que arrastrado pela miséria, em
lugar de ir recobrar a saúde, ia geralmente accelerar suas molés-
tias, se toruou em taõ pouco tempo um lugar decente e próprio para
minorar os martírios da vida, aquelles desgraçados, que apenas podem
adquirir o mesquinho sustento necessário á vida. Já se pedem
visitar suas enfermarias, sem o enojo que antes causavaõ• já o doente
encontra, senaõ o luxo e as delicadezas, todo a acceio, e todo 0 ne-
Conrespondencia. 525
cessario para aliviar seus males. Já vemos o provedor aparecer
iimuiladas vezes, e muitas tarde da noite, para vigiar pessoalmente
se os empregados cumprem com seus deveres, e a consolar cora cari-
dade religiosa os iufelezes, que por suas tristes circunstancias, ali
procuram o único alivio, e refugio que lhe resta.
Mas sobre tudo pretendo louvar a practica taõ dezejada, e de que
devem resultar tantos bens, qual a de fazer publico a todos, quaes
foraõ os rendimentos-, e despezas daquella administração. Em fim
apparee o fixado nos lugares públicos do Funchal o mappa N°. 4, que
até agora tinha sido um segredo impenetrável: e que poucos annos
ha, até o era, para os mesmos membros que compunham aquella ad-
ministração! reduzindo se o conhecimento das forças, e despezas
daquella caza a uma ou duas pessoas, a quem convinha o mistério
dellas:—talvez que para os melhores fins; mas fins occultos sempre
se tornam suspeitos. Possam aperfeiçoar-se de todo as molas que
dirigem aquelles fundos da liberalidade publica, e possam os públicos
louvores excitarem mais o zelo e honra daquelles empregados, para
chegarem aquelle estabelecimento â sua perfeição ; assim como ser-
virem de estimulo a todas as repartições que manejam os bens do
publico, que naõ será perdido o meu pequeno trabalho.
Bem cedo tornarei a rogar-lhe para publicar no seu periódico, os
progressos de outra administração dos bens públicos, qual he o dona-
tivo voluntário, que os povos desta ilha daõ para a reedificacaõ
das Estradas. He devido o seu progresso e prosperidade, ao telo do
Exmo. chefe do Estado o Tenente-general Florencio Jozé Corrêa de
Mello, já bem conhecido por seus relevantes serviços, experimentado
e benemérito caracter:—he a elle que devemos o primeiro mappa
da receita e despeza daquelles donativos, que fez affixar publicamente
para conhecimento de todos, no anno de 1815, e que agora se imitou
no Hospital publico: e naõ poderia sem manifesta injustiça roubar-
lhe a gloria de ser o primeiro que rasgou o veo dos mistérios t Na
por que se duvide da boa applicaçaõ que teraõ tido • mas porque
dinheiro que o povo dá, he o mesmo povo, que deve saber em que se
despende; e despender-se somente naquelles objectos para que se
exige. Assim se ganhará a confiança publica, e poderão progredir
vantagens geraes, únicas que constituem a verdadeira riqueza, e in-
dependência do Estado.
Sou
Seu muito attento Criado,
FWNCI&AUPNSE.

VOL. XVII. No. 101. 3 r


526 Conrespondencia.
Representação da Meza da Misericórdia, no Funchal;
ao Governador da Ilha da Madeira.
Illustrissimo e Excellentissimo Seuhor. A Meza da Sancta Casa
da Misericórdia, reflectindo, que vai finalizando o tempo da sua
administração,que taõ ulil tem sido ao publico, pelo zelo infatigavel
do seu Excellentissimo Provedor, Dom Frei Joaquim de Menezes
Ataide Prelado deste Bispado, recorre a Vossa Excellencia para pre-
venirem males futuros. Vossa Excellencia, informado da minado
Hospital dilapidação de seus fundos, péssima administração das suas
rendas, mão tractamento dos enfermos, falta do necessário para o
curativo, e uma negligencia absoluta na maior parte dos emprega-
dos; fez com que aquelle Excellentissimo Bispo acceitasse o Lugar
de Provedor : isto foi bastante para que logo surgisse nm novo Hos-
pital, que pelo aceio, bom tractamento, e provimentos necessários,
serve de admiração aos Estrangeiros, e de espanto aos habitantes:
e quando o Hospital offerecia ao publico um quadro de misérias,
agora lhe offerece objectos de consolação, e prazer. As suas Finan-
ças cresceram pela boa arrecadação, e boa economia das despezas,
demanuira que reformando-se o Edeficio, e provendo-se com fartura
de quanto lbe era necessário para o delicado tractamento dos enfer-
mos, a despeza he menor, que a dos annos antecedentes: a mesma
Fazenda Real tem ntilizado nesta administração, quasi metade, com
a despezaque fazia cornos Militares: desgraçadamente desaparecerá
esta obra edificante, e consoladora: uma vez que aquelle Prelado,
sempre exemplar, e sempre vigilante, deixar o Lugar de Provedor;
porque só a sua muita piedade, virtudes, e sentimentos de huma-
vidade poderiam influir nelle o cuidado de vizitar quotidianamente
e de noite fora de horas, o Hospital,em todas as officinas • naõ se do
diguaudo de pegar cora as suas maõs sagradas nos vazos mais ira-
muudos, para examinar a sua limpeza *. certamente, sem este zelo,
e sem este cuidado nada se podia fazer, e nada se poderá conservar:
e se todos os habitantes desta Ilha amam com admiração seu Pastor,
pelas suas fadigas Apostólicas, ainda mais o amaõ pela caridade ar-
dente com que tem exercido o Lugar de Provedor: se deixar de o
ser he escândalo para o publico, mina para o Hospital, e desolação
para os enfermos. Era taes circumstancias, Vossa Excellencia, que
tanto se interessa por esta Caza queira dignar-se de assim o repre-
sentar ao Principe Regente Nosso Senhor, dando interinamente as
providencias que exige um objecto de tanta consideração. Deus
Guarde a V. Ex». Hospital Real do Funchal, em Meza, treze de Jíaio
de mil oito centos e dessaseis.
Conrespondencia. 527
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Florencio Jozé Corrêa de
Mello Governador e Capitão General deste Estado.
(Assignados.) João Manoel TcUo de Menezes, Manoel
Rodrigues de Oliveira, Francisco Jozé de Oliveira, Manoel Jozé da
Silveira, Tristaõ Joaquim Bittencourt da Caincra, Caetano de Vel-
loza (astell Branco, Filippe Caetano da Costa.
E naõ se comtem mais no próprio ofiicio qus se acha registado no
Copiadór desta Santa Caza a folhas Setenta e selte verso donde fiz
extrahir a prezente áqual me reporto. Funchal treze de Julho de
mil oito centos edezaceis, e Eu Pedro Joze da Costa Escrivão da
Fazenda da dita Caza o fis escrever sobscrevi e assignei.
PEDRO JOZE t i COSTA.

Officio do Governador da Madeira.


Excellentissimo e Rcvereudissimo Senhor. Como a Meza actua
da Santa Caza da Misericórdia tem finalizado o anno da sua Admi-
nistração, edeve proceder a nova eleição aa conformidade do Com-
prumiiso, oceorre-me fazer saber a Vossa Excellencia, para assim o
participar aos Eleitores nomeados, que teudo eu informado na Real
Presença, da ruinaem que encoutrei o Hospital da mesma Caza, pela
dilapidação de seus fundos, péssima admiuistraçaõ de suas rendas; e
por uma absoluta negligencia na maior parte dos empregados, a-
pontandoao mesmo tempo a providencia, que dei, de fazer eleger a
Vossa Excellencia para o Lugar de Provedor, o qual Vossa Excel-
lencia naõ repugnou aceitar, incitado tao somente dos puros estímu-
los da sua ardente carida e ; e tendo felizmente mostrado a experi-
ência o acerto daquella providencia, pelos rczultados bem patentes
a todo o publico, e até úteis á Real Fazeuda, cuja despeza com o cu-
rativo da Tropa tem diminuído consideravelmente, sendo o tracta-
meuto dos doentes cuidado com in.iis aceio, e Vigilância : cumpre,
por tanto, que o Lugar de Provedor naõ entre em eleição, em quanto
Sua Alteza Bcal o Principe Hegente Nosso Seuhor, naõ me fizer
conhecer a sua Real vontade a este respeito ; esperando qne Vossa
excellencia naõ quererá negar-se a continuar este trabalho, no qual
taõ louvaveliucute se têm empregado, dando um exercicio mais e x -
tenso ás suas eminentes virtudes, e zelo Apostólico. Deos Guarde a
Vossa Excellencia, Palácio do Governo Vinte e nove de Junho, de
1316. Excellentissimo e Reverendissimo Senhor Bispo de Meliapor
Vigário Apostólico deste Bispado.
FLORENCIO JOZE CORRÊA DE MELLO.
E naõ se comtem mais no próprio officio existente na Con»
tadoria desta Santa Caza da Mizericordia. donde fiz extrahir apre-
zente & qual me reporto, Funchal treze de Julho de mil oito centos
e dezaceis. Eu Pedro Joze da Costa Escrivão dá Fazenda da dita
Caza o fis escrever sobscrevi e assiguei. P e n s o JOZE DA COSTAj
528 Conrespondencia,
cs
•s
ao t*. ao «* e* eo i
£*-t<o; c i o — 5 ® õ * A fc 2 "S —S «O
.Z«*l"Ot-aÇOOt>:-.
toooteos

eí oí - í ei
I
t> ao uj ri e* oi « •-< -^ c « eí « -tf e* es $5 o os. «
18 M """ f-« *? CS « ^J

í I
•8
"I »

;





tn
-

Si s
I
:
* a

: :: i
• >

•g-=0 I •' : : ; a
1 í 0
*> '
J • • . £
•' ! S
8 1 i 8-
í - . o

es *»
á
45
l
.2
« ^5
JB «
.2 -
"**3 çe
•g 35 _ a os ao «o oo s e?
i O © «5 È- S § o. 00

e on * ooÃo
fr-o ei o®el-íe»^os-;êi**È;-i*á -*• *>

SSÍ^S2gSâe1 **
-*Tt<
00 —I
e
ia a. •* A' eS >-i -J?

•S 2 •
f

i

i



i
i
»
t
i
»
t

* 2£
M5 cs 05
•3 -2. -o
cs
-c
eu
u
~ -a .2: **5 ****
aí BS
g
S Q o
ts -

. qj cr ~ „-- f. vi ~z
& •a t> -n
i Sã 1 = 3-5
. a •-?£ « • - •
a
V li : - a qj qj cj ü cr
Q -4! •S-8 - T 3 T 3 • O TS' !"o-a*o-c-o*a

e .2
'3
E
u
8 e
s
o .ti

li I* Q Q « Q Q Q Q Q Q 'ã g 5
N

Conrespondencia. 529

oSxsoeielouoZo «

o
*>2iS>^ooáo£i>c0QO s
m. , 5 r i <-t r- l"H P-l

I II
— « •o
f-l
I
g «O
e to *>tN I O B © » » I

st ss co
co
3 - 2
ao
a
a. eu
i-«
CS
m
CS
1 «
o. es a. e» «o
a.
ei- —
eo
. CO
•* •
m*

ia
f-i S.H
ao « oo CO
•"t m — FN
•o cs -o O

.1
= •a
*- -3 "o
g :
r§*ii-i CO y * U
B '
ts
' "*5ca
JS .sã
1*21*21- •3 ü 5 cs fl
I s§ S
.1 §.£ S «« ? s "'2
*d —. —S mé —3 m*-a - I "5 —* U> li fc*'g 2
a a c et s « S CS O CS £« •- o 2 cs
tu
OS
JS « JS v JS
f BC •«* CC -CBS-JSK**: ES
tss SiS-s.a
sãJS£

g§«13 eoca

r* e» es -• >Q
— — •— *— JJ
x ao co ao ao et
.' COCOI
r t
- H - » * *
ct rs ç: te « ^**i *QJ
b l. I_ L. L.
co çj
• cs te cs 5
a. o. a. a. a.
Or- « es **
1
ex
2
— m. — — m.
ao
00 x 00 ao op
-. n
aV
--< 1-1 - t
8 •8
t••5
a
o •8 ts i-< 5* es • * «5
—- —4
B "^ 2 2 2 ao ao

gQQPQ —--mm. tJSTH


- X -A
R CO X X
os ao

-•fesí"
530 Conrespondencia.
Carta ao Redactor sobre o Espectador Portuguez.
SEVHOR R E D A C T O R DO B R A Z I L I E N S E .

Muito dó tenho da sua Pessoa ; agora sim, que o seu Correio vai
3 naõ ler quem o leia (sendo cego) porque o Camões da Bombarda,
ex Capellaõ do exercito da Penha, o Presbytcro secular Jozé Agosti-
tinho de Ma-sede tomou a tarefa de analyzar o que V. Mce. escreve
juncto com o seo caudatario, segundo me aflirmaõ, o Gazeteiro de
Lisboa, o homem das lamúrias, e o Bluteau dos nossos dias : agora,
sim i está o edificio por terra; tudo quanto o Correio do Brazil tem
dicto ha tantos annos, e de tanta utilidade, até para os ali notados,
he nada tudo á vista do profundo saber do Energúmeno; que lógica,
que raciocínios, que idéias, que taõ vastos planos, que encyclopedia
de conhecimentos tanto humanos, como deshuraanos, que energia,
que moral, que amor do publico, que actividade incau-
çavel, e ale que cozinheiro!!! á vista deste assombro do Século
XIX. e dos passados séculos—Cessa tudo quanto a Grega Muza
Canta—ninguém mais amigo da sua Familia, nem mais fiel amigo :
sua defuncta May obteve por seus caridosos socorros morrer pobre,
que he o que se leva deste mundo ; e os ossos do Supelveda advoga-
do, se faltassem, fatiariam da amizade, que este bom amigo lhe teve,
Pilades e Orestcs, Scipiaõ e Lelio, Valverde e o seu archote naõ fu-
rão mais unidos. Ninguém mais sábio, nem mais Poeta: um ho-
mem qne escreve que se desunha ; que falia em Aristóteles, Leibnitz,
Newton, Descartes, Meslier, Diderol, Cabaniz, e outros faroes das
sciencias; e meneando Camões enfeixa no acanhado broquel de um
Prólogo, Dante, Petrarcha, Cesaroti, Darwin, Sheakspear, Voltaire,
Homero, Ovidio, Delille, e o Palito Métrico, e outros cuja nomen-
clatura he ja uma sciencia sabêlla ; isto he um sábio naõ vulgar.
Que conhecimentos naõ tem elle de geografia I avistando as Dunas
saltou em Falmoulh, naõ lie isto o que lhe diz elle? ora veja quam
errados vaõ esses feitores de Mappns ; meu amigo que ignorância
-vai pelo mundo ! Ninguém mais medico : Wan-Snithen, Galeno, Zi-
merraan, e os Pedreiros modernos descubriram acazo, que Hypo-
crates foi assa sino, como descubrio elle ? está na tinta. Ninguém
até agora achou o elixir da iminortalidade, porque tanto se tem tra-
balhado em vaõ, mas buscou-o elle em uma colher de mel pela ma-
nhaã em jejum ; isto hc que he saber da diasostica. Quem mais
Orador! Elle se toma do seu assumpto, que parece um possesso, o
rosto se lhe encarniça, a voz naõ abaixa do tora do berro, de modo

5
Conrespondencia. 531
qne une o que Cicero naõ possuio, nem Démosthenes nem Horten-
cio ou do que nos contaõ de Massillou, Bcmrdaloue, Ciceri, Bossuet,
Passionei, Vieira, Gabriel, e vários, os quais por sua melodia, e per-
suasaÕ penetravaõ os mais endurecidos Corações : isto cá he outra
laia penetra bem os ouvidos, e tem convertido surdos, coiza, que
aquelles naõ fizeraõ. Quem mais amante do próximo! elle fez o
Poema dos burros para os louvar, e naõ ha escrito seu em que esta
virtude naõ brilhe fulgurozaII ! Que amor da Pátria? acazo he
pouco ter escripto tanta lógica, tantos poemas, tantas papeletas í
viajar por todos os Conventos da sua Provincia para fallar digna-
mente do seu paiz; extirpar o illuminismo ; abolir a terrível, peri-
goza, e incendiaria seita dos Sebaslianistas, isto naõ presta! I! Quem
mais homem de bem ? ainda mal o trazem nos dentes ja elle os
aguça, e dá dentada• a mansidão naõ he da sua ley,e inal vai ao ho-
mem, que deixa o seu credito em alheias maõs. Quem mais pru-
dente? e mais intrépido quem mais? recólhc-se com as galinhas naõ
por medo, porém para se empregar utilmenteem fazer Sóis, Orien-
te», Occazos, trovoadas, empadas; e o cazo he, que as recolhidas o
tem livrado de bons camarços moléstia contagioza, que se alimenta
com o ar da noite : sua intrepidez he provada até pelos seus canhe-
nbos " Eu, disse ja elle, me deito como um lcaõ ás mais formidáveis
batarias, luteranas" e está dicto, he o que basta. Quem mais eco-
nômico, e humilde? um burro he sufficiente para conduzido aos lon-
ges de seus sermões, e amores: O tu ameno sitio de Odivellas, que
em teu seio encerras esse non plus ultra da confeitaria, aonde a mar-
melada cticóva por sua alvura, e doçura, macio, egosto o nectar dos
Deozes; aonde uma Filha do Copeiro de Uvamba faz esquecer Ve-
nu», Minerva, e Hebe; dize quantas vezes tens visto ufano babando-
K de gáudio—

Dar Ires voltar no ar o dezaforo . . .


Tanto calor ó Muza eu naõ vos peço,
Cumpre outr' hora qu' afantezia escaldes
Correr deixando a mente cm livre proza.

dize quantas vezes naõ tens admirado o garbo, e cavalheirice deste


sábio levar duas léguas d'enfiada em cavalgadura menor co'cheiro
(»ó) de ouvir as agudezas as freirices, e as branduras da sua Dulci-
"«•i e apiado de taõ humilde cavalcata attrahir um immenso au-
ditório
532 Conrespondencia.
Das mais longiquas terras luzitanas
Seges, burros, cavallos, traquitanas....
Quem mais nobre! .. mas para que mais? Senhor Correio deixe-
se do seu empenho, tema as bordoadas do Tejo, bem vê que o par-
tido he muito dezigual: quem pôde lá suster a torrente de um Ho-
•meinsarraõ assim ! V. Mce. acha-se enganado, o meu elogio be ainda
de morte-cór, e bem vê que he necessário metter a viola no saco.
Eu tenho de V. Mcé. o maior dó possivel, tanto trabalho, e ver der-
rihado tudo he zanga, o mais he que os seus nssignantes (olhe que)
ja o saõ do Espectador; cuidado com a impressão que ha de ficar
sem ella, nisto vai muito de credito. Meu amigo perdoe o delírio
de um regular ociozo, e se lhe parecer ingerir esta allegoria será útil
aos leitores para se persuadirem de que a bazofiia, e o attrevimento
nunca ficaõ impunes dentro de uma Naçaõ sabia, e intelligente.
Gouvêa, ,', 1816.
MENCHENIO, Teiguera.
P. S.—Cedo remetterei a Odivelaida, Poema de minha composi-
ção 5 ou os Amores de Recate com Asmodêo.
CORREIO BRAZILIENSE
D E N O V E M B R O , 1816.

Na quarta parte nova os campos ara,


E se mais mundo houvera Ia chegara.
CAMOENS, C VII. e . 1 4 .

POLÍTICA.

EEVNO UNIDO DE P O R T U G A L B R A Z I L E ALGARVES.

Nota dos Plenipotenciarios Portuguezes em Paris


requerendo parte da Contribuição imposta á França
pelos Alliados.
\JS abaixo assignados Plenipotenciarios de S. A. R. o
Principe Regente de Portugal e do Brazil, tem recebido a
communicaçaõ official, que Suas Altezas e Excellencias
os Ministros dos Gabinetes de Áustria, Rússia, Gram Bre-
tanha e Prússia lhes fizeram a honra dirigir, em data de
19 do corrente. Os ahaixo assignados, naõ podem deixar
de approvar as bazes do arranjamento, que as quatro P o -
tências sobredictas julgaram conveniente propor ao Go-
verno de S. M. Christianissima, e em que parece que elles
combinaram, em tanto quanto as circumstancias admit*
tem, o objecto essencial da coaliçaÕ; isto he, o re-estabe-
licimentoda tranquillidade da Europa, sobre fundamentos
sólidos; com a garantia das justas indemnizaçoens, re-
clamadas por todos os Estadoss que tiveram parte na al-
iiança.
VOL. X V I I . N o . 102. 3 z
534 Politica.
Os abaixo assignados agradecem aos Ministros de Áus-
tria, Rússia, Gram Bretanha e Prússia, as seguranças, que
lhes dám, de communicarem a resposta do Governo Fran-
cez, e as ulteriores resoluçoens, a que ella possa conduzir,
para o fim de os pôr em estado de contribuir, segundo o
espirito dos tractados, para o resultado final da negocia-
ção. As quatro Potências, que assignâram o tractado de
aliiança de 25 de Março, seguramente naõ perderão de
vista o factò, de que Portugal accedeo aquella aliiança
por um tractado formal, mas também, na qualidade de
parte assignante e de garantia da execução dos tractados
de Paris e Vienna, devia sem duvida entrar como uma
das partes principaes, em todos os arranjamentos, que
houverem de ratificar qualquer dos artigos dos dictos trac-
tados.
Os abaixo assignados, convencidos da ponderosa natu-
reza das presentes circumstancias, e da importância que as
Potências devem dar á prompta conclusão da negociação,
se absteraõ de impedir os seus progressos, fazendo de sua
parte novas reclamaçoens contra a França; porém, jul-
gando que os sacrifícios pecuniários, que se haõ de exigir
daquella Potência, devem ser destinados naõ somente a pa-
gar as despezas da guerra, mas também a re-embolçar
cada uma das Potências alliadas, dos preparativos e des-
pezas, que os acontecimentos recentes tem causado; elles
reclamam, da parte de S. A. R. o Principe Regeute de
Portugal, o direito de participar na contribuição que se
ha de impor á França ; e, nestas vistas, elles descánçam
na justiça e imparcialidade das Altas Potências, a quem
dirigem as suas reclamaçoens.
Os abaixo assignados, no momento em que se soube
em Vienna da fugida de Napoleaõ Bonaparte, interpre-
tando as intençoens de seu augusto Soberano, e convenci-
dos da força moral, que produziria a intima e immediata
uaiaõ de todas as Potências, assignâram, sem hesitação, as
2
Politica. 535
declaraçoens de 13 de Março, e 12 de Maio; e, por con-
seqüência, desde aquelle momento, em nome de sua Corte,
entraram em obrigaçoens as mais solemnes. Seguindo
constantemente a mesma linha de comportamento, os
abaixo assignados fôram os primeiros que accedêram for-
malmente ao tractado de aliiança de 25 de Março: elles o
comrounicáram immediatamente á Regência de Portugal,
que iocontinente fez todos os preparativos necessários para
pôr o exercito em pé de guerra ; e se aquelle exercito naõ
tinha entrado em campo ao momento em que se termina-
ram as hoslilid ides, isto só se pôde attribuir á assignalada
victoria, que tam repentinamente pôs fim á guerra ; e á
distancia em que se acha o Soberano de Portugal, sem
enja sancçaõ éra evidentemente impossível que um Go-
verno delegado pudesse tomar sobre si a responsabilidade
de mandar marchar tropas para fora do Reyno, em exe-
cução de nm tractado, ainda nao ratificado. Esta cir-
cumstancia, pois, naõ podia annular on affectar em gráo
algum o direito que reclamam os abaixo assignados, de
terem considerados e tractados como todo. os outros mem-
bros da aliiança ; por quanto Portugal estava prompto,
de sua parte, para executar tudo quanto delle se podia le-
gitimamente esperar; e as despt-zas occasinnadas pelos
preparativos de guerra, e sem o auxilio de algum subsidio
estrangeiro, lhes devem ser pagas pela massa destinada a
estas indemnizaçoens,
Se se deseja adoptar a base de naõ admittir á participa-
ção da contribuição, senaõ unicamente as Potências, que
tomaram parte activa na guerra, este principio nos levaria
demasiado longe. Cada uma das Potências Alliadas teia
inquestionavelmente pre-enebidoos deveres a que se obri-
gou, e contribuído para-o feliz êxito daquella guerra,
mais ou menos activamente; segundo as suas posiçoens ;
porém ao mesmo tempo os exércitos Russiano. Austríaco.
Satdo, &c. naõ puderam chegar ao theatro da guerra se-
3 a 2
536 Politica.
naõ depois de estar decidido o seu resultado : o contin-
gente Dinamarquez apenas tinha passado de suas frontei-
ras, quando cessaram as hostilidades ; Portugal, colocado
politica e geographicamente em uma posição ainda mais
distante, nao podia deixar de ser, nestas circumstancias, o
ultimo que chegasse. Porém inquestionavelmente se os
accasos da guerra tivessem sido desfavoráveis, elle se teria
apresentado pre-enchendo os seus ajustes, exposto a sub-
inetter-se a todos os inconvenientes, sem que se pudesse
queixar, ou alegar com sua involuntária inactividade.
I Naõ he justo que, havendo elle neste caso de ter a parte
nas desgraças, tenha agora o direito de reclamar as in-
demnizaçoens, que cabem á sua partilha ?
Os abaixo assignados se tem até aqui limitado a consi-
derar a qnestaõ, debaixo do ponto de vista da ultima
guerra ; porque elles suppoem, que se poderia ter traçado
a regra de naõ admittir outras reclamaçoens. i Naõ seria
próprio, porém, prestar alguma attençaõ, a respeito de
Portugal, aos acontecimentos anteiriores a 1815, e se,
pondo de parte os exemplos, se deseja estabelecer como
principio, que as indemnizaçoens exigidas da França naõ
tem outro objecto mais do que satisfazer as despezas da ul-
tima guerra i naõ seria justo, pelo menos, que as objec-
çoens, que se podem fazer ás reclamaçoens de Portugal,
neste ponto de vista, fossem contrabalançadas por tantas
outras razoens incontestáveis, que elle podia alegar a seu
favor ?
A França extorquio de Portugal, nos annos de 1801 e
1804, a somma de 40 milhoens de francos, para lhe con-
ceder tractados de paz, que immediatamente violou. Os
exércitos Francezes invadiram tres vezes a Portugal, e
commettêram ali as devastaçoens e horrores, que todo o
Mundo sabe. A naçaõ Portugueza sustentou por seis an-
nos uma guerra disproporcionada a suas forças, para sua
própria independência assim como para a da Europa.
Politica. 537
Nofimda guerra se achou o exercito Portuguez no centro
da França, tendo constantemente participado em todas as
fortunas do exercito Inglez. E comtudo, na conclusão'
da paz, S. A. R. o Príncipe Regente de Portugal foi quasi
o único dos Alliados, que naõ recebeo augmento de terri-
tórios, que nao recebeo indemnizaçoens, nem vantagens, e
se vio situado por tal maneira, que até foi obrigado a res-
tituir á França a colônia de Cayenna, que por tantas ra-
zoens desejava reter.
Taes saõ alguns dos titulos, que Portugal podia alegar
a seu favor; e os abaixo assignados se lisougêarn de que
os augustos Soberanos, agora junetos em Paris, apreciarão
toda a sua validade e sentirão quam árduo seria excluir
Portugal de toda a participação nas contribuiçoens, que
se exigem da França. As vantagens, alem disto, que re-
sultariam ás outras Potências desta exclusão seriam mui
inconsideraveis ; porque admittindo-sea esta participação
somente as Potências, que accedêram formalmente ao trac-
tado de 25 de Março, e que tem tropas era França, a ex-
clusão se limitaria a Portugal e Dinamarca.
Os abaixo assignados se aproveitam desta occasiaõ,
para removar a Suas Altezas e Excellenciaes as seguran-
ças de sua alta consideração.
(Assignado) Conde de PALMELLA.
D . JOAQUIM LOBO DA S I L V E I R A .
Paris, 23 de Septembro, de 1815.

Decreto para formação de vm Systema Commercial do


Reyno Unido.
Considerando quanto se faz necessário a formação de
um systema, que regule as relações commerciaes entre os
differentes Domínios da Minha Coroa, e que oceorreudo
aos inconvenientes produzidos por uma longa serie de an-
nos, bem como pelas alterações resultantes dos recentes
538 Politica.
acontecimentos políticos, promova era geral a prosperi-
dade dos Meus Vassallos : E sendo certo que o meio mais
próprio para obter-se um útil resultado, na formação do
sobredicto systema, he o de empregar neste importante tra-
balho Pessoas doutas e versadas em matérias econômicas,
e commerciaes : Sou por tanto Servido ordenar ao Mar-
quez de Aguiar, do Meu Conselho de Estado, Ministro
Assistente ao Despacho do Gabinete; e ao Conde da
Barca, do Meu Conselho de Estado, Ministro e Secretario
de Estado dos Negócios da Marinha e Dominós Ultrama-
rinos, que hajaõ de convocar a conferências, que seraõ
presididas por um ou outro dos referidos Ministros, aquel-
las Pessoas, que, tendo as qualidades acima designadas,
possam dar pareceres úteis, ou informações exactas sobre
cada um dos objectos, que se houverem de tractar: E
ouirosim ordeno, que das Secretarins de Estado, ou de
quaesquer Archivos se forneçam Memórias, Planos, Con-
tas, ou Documentos, e todos aquelles papeis, que pode-
rem contribuir para a elucidação das matérias, que se forem
discutindo ; devendo o resulsado final das conferências,
qne se fizerem sobre cada um dos objectos, subir á Minha
Real Presença, para Eu resolver como julgar mais conve-
niente. Os mesmos Ministros e Secretários de Estado o
tenham assim entendido, e o façam executar.
Palácio do Rio-de-Janeiro, em dous de Junho, de mil
oitocentos e dezeseis.
Com a Rubrica de Sua Magestade.

Alvará sobre as Thesourias do Exercito.


En o Principe Regente Faço saber aos que este Alvará
virem, que tendo mostrado a experiência a necessidade de
estabelecer um methodo de Thesourarias Geraes para o
Exercito, em qne se reuna a exactidaõ na fiscal isaçaõ da
Fazenda Real com o prompto pagamento das Tropas ; e
Politica. 539
naõ tendo a Portaria do Governo de vinte e sette de N o -
vembro de mil oitocentos e onze, que alterou o systema da
Ley de nove de Julho, de mil settecentos e sessenta e tres,
e do Alvará de quatorze de Abril dé mil settecentos e ses-
senta e quatro, pre-enchido completamente estes dous fins
essenciaes, e especialmente o da fiscalisaçaõ : Sou Servi-
do extinguir as Thesourarias, e Pagadorias, que agora
existem, creadas pela dieta Ley, Alvará, e Portaria, e em
seu lugar estabelecer o seguinte :
1. Haverá uma Thesouraria Geral, que se estabelecerá
em a Corte, e Cidade de Lisboa, aonde se faraõ todos os
as entamentos de Praças, que antes se faziam nas diversas
Thesourarias, e aonde existirá toda a contabilidade, que
pertencer ao Exercito pela parte que toca aos Soldados,
a outros objeetos, que pertenciam ás Thesourarias, ou Pa-
gadorias, que ficam extinetas.
2. Esta Thesouraria será dividida em duas classes, uma
de fiscalisaçaõ da Real Fazenda, e outra de Thesouraria,
e Pagadorias.
3. A Repartição da fiscalisaçaõ da Fazenda será com-
posta de ura Contador Fiscal, de um Official Maior da
Contadoria, de Officiaes de Contadoria de diveras classes,
de lnspectores de Revista.
4. A Repartição de Thesouraria, e Pagadoria será
composta de um Thesoureiro, e Pagador Geral, de Fieis,
•u Commissarios Assistentes, que seraõ Pagadores, e de
um numero de Pagadores da segunda Classe, destinados a
assistirem com as Brigadas um em cada uma, os quaes re-
sidirão nos Districtos, em que estiverem aquarleladas as
Brigadas, e seraõ rendidos, quando o Thesoureiro Geral o
achar conveniente.
5. Para que os Pagadores de Brigada possam satisfazer
aos deveres, e pagar aos Regimentos da sua Brigada,
aquarlelados em diversos lugares, e nos dias competentes,
seraõ os Quartéis Mestres dos Regimentos obrigados a
540 Politica.
ajudallos no que for relativo ás obrigações dos Pagadores;
os Chefes dos Regimentos os obrigarão a isso, quando for
necessário, eos sobredictos Pagadores lhe requererem.
6. Os Commissarios, ou Fieis, e os Pagadores seraõ su-
jeitos ao Thesoureiro Geral, e responsáveis pelas suas obri-
gações ; e os Officiaes da Contadoria, e Inspectores de
Revista ao Contador Fiscal. Estes dous Chefes seraõ im-
mediatamente responsáveis ao Real Erário sem intermédio
algum, ficando por isso abolido o lugar de Inspector de
Thesouraria, creado posteriormente ao Alvará de mil sette-
centos e sessenta e quatro ; e nenhum dos Empregados na
Thesouraria, ou Contadoria poderá ter occupaçaõ em ou-
tra Repartição, qualquer que ella seja.
7. Sendo indispensável, que o pagamento dos Soldos, e
de tudo quanto he relativo á segurança do Reyno seja
feito naõ só com promptidaõ, mas com preferencia a todos
os outros objectos, a que estaõ destinadas as Rendas
Reaes; e con vindo evitar os inconvenientes, que resultam
de sahirem sempre do Erário para a Thesouraria Geral
em espécie as diversas sommas, para o pagamento das
Tropas das Provincias : os Governadores do Reyno fa-
raõ immediatamente o calculo das sommas que saõ neces-
sárias para saldar todas as despezas do Exercito, e suas
dependências, separarão das Rendas Reaes a quantia,
que for sufficiente para cobrir a despeza, e faraõ passar ao
Thesoureiro Geral as que lhe pertencerem pelo methodo,
que abaixo se dirá.
8. Succedendo, que por algum motivo naõ previsto
venha a falhar, em todo, ou em parte, alguma das Rendas
destinadas para o pagamento do Exercito, o Administra-
dor Geral do Real Erário lhe substituirá immediatamente
outra, ficando inhibido de fazer pagamento algum de
qualquer natureza, antes de estar pago dos seus soldos
todo o Exercito, e assim a Repartição de Viveres, Forra-
gens, Hospitaes, e outras dependências desta natureza.
Politica. 541
9. Para que a fiscalização da Real Fazenda se possa
fazer regularmente, Iodas as Patentes, e Titulos, por que
se houverem de fazer pagamentos mensaes na Thesouraria,
teram o—Cumpra-se—do General em Chefe; com elle
serão dirigidos ao Thesoureiro Geral, que lhes porá a in-
tervenção, e depois com o—visto—do Contador Fiscal se
lhes assentará Praça na Contadoria, e naõ se pagará a
pessoa alguma por simples recibo parcial, sem que tenha
precedido o assentamento de Praça pela fôrma assim or-
denada.
10. As ordens extraordinárias para pagamento de quan-
tias, que se mandarem pagar pela Thesouraria para objec-
tos do Serviço, seraõ dirigidas ao Thesoureiro Geral, que
lhes porá a sua intervenção; passarão depois ao Contador
Fiscal, para lhes pôr o—visto—(estando em forma) e re-
gisto, c sem isso uaõ seraõ pagas.
11. O Soldo das Praças, que vencem diariamente, será
pago em Prets de quinze era quinze dias, formalizados
pela mesma fôrma, que está determinado, e se practica
actualmente.
14. Os Pagamentos dos Officiaes dos Regimentos se
faraõ pelas relações conforme o modelo—A—feitas pelo
Quartel Mestre de cada Regimento, com o Certificado do
Commandante do Corpo, e entregues ao Pagador pelo
Quartel Mestre.
13. As sommas arbitradas mensal, ou annualmente a
cada Regimento para concerto de Armas, lenha, e outros
objectos, seraõ pagas pelos Pagadores de Brigada á vista
do recibo dos Coronéis, e com o—visto—dos Inspectores
de Revista, posto na occasiaõ, em que passarem Revista
aos Corpos.
14. O Pagamento dos Fardamentos, que deverem fazer
a dinheiro na fôrma do Plano, será teilo de seis era seis
meses pelos Pagadores de Brigada sobre Livranças dos
Chefes dos Corpos, que estes mandarão ao Contador Fis-
VOL. XVII. No. 102. 4A
542 Politica.
cal, o qual, conferindo-as com os Extractos de Revista,
lhes porá o seu—visto—depois de as registar, e as passará
ao Thesoureiro Geral, que as mandará pagar no mez se-
guinte pelo Pagador competente sobre o recibo do Coro-
nel, em que se accusará a Livrança, e Semestre a que per-
tence.
15. O Soldo, e Gratificações dos Generaes, e Officiaes
do Estado Maior, será pago mensalmente pelo Pagador da
Brigada a que pertencerem, ou forem residentes, sobre
uma Relação conforme o modelo—A—e certificada pelo
Commandante da Brigada.
16. Os Governadores de Praças, Majores, e outros offi-
ciaes ali empregados seraõ pagos pelas Relações feitas pe-
los Pagadores das Brigadas, em cujos Districtos estiverem
as dietas Praças, e certificadas pelos Governadores.
17. As Companhias de Veteranos seraõ pagas por Prets,
de quinze dias pelo que pertence ás Praças que vencem
diariamente, e os Officiaes receberão com os das Pra-
ças, em que estiverem.
18. O Pagamento dos Reformados, e de qualquer classe
de Officiaes sem emprego, naó sendo Officiaes Generaes,
do Monte Pio, e outros, que naõ vaõ incluídos nas Classes
acima declaradas, se fará de tres em tres mezes sobre Re-
lações nominaes, formadas na Contadoria Geral pelos as-
sentos de cada um, combinados com as Listas de Revista,
que os Inspectores delia mandarão á mesma Contadoria
todos os Trimestres.
19. As sobredictas relações seraõ formadas por Clas-
ses, e Patentes, e similhantes ao modelo—A—assignadas
pel» Contador Fiscal, e entregues ao Thesoureiro Geral,
que lhes porá a ordem para o pagamento, e as remetterá
aos Pagadores correspondentes até ao dm quinze do mez
seguinte ao do vencimento,
20. Para que na Contadoria se possa fiscalizar com ex-
actidaõ a legalidade dos pagamentos, continuarão os In-
Politica. 543
spectores de Revista a executar o que eslá determinado na
Portaria de vinte e sette de Novembro, de mil oitocentos
e onze, porque foram creados, e mandarão, ou entrega-
rão na Contadoria os Extractos de Revista, e mais cla-
mas, que o Contador Fiscal lhes ordenar, pelo menos de
dous em dous mezes.
21. Nas Revistas porém que os dictos Inepectores pas-
sarem, naõ se apresentarão os Corpos com Bandeiras,
mas taõ somente formados por Companhias, e naõ se lhes
fará continências.
22. Os sobredictos Inspectores de Revista naõ se intro-
metteraõ no exame do estado do Armamento, e mais ef-
feitos, ou no estado dos Cavallos, sustento que se lhes dá,
nem na reforma da distribuição dos gêneros, que recebera,
os Corpos ; por quanto estes exames pertencem aos In-
spectores Militares : a sua obrigação reduzir-se-ha a exa-
minarem a existência das Praças, e o seu vencimento,
tanto pelas Listas, que as Companhias daõ, como pelos
assentos dos Livros de registo, e pelos mais attestados, que
os Commandantes fornecem no acto da Revista.
23. Succedendo haver alguma duvida entre os Com-
mandantes de Corpos, e os Inspectores de Revistas, ou
naõ achando estes os Livros em ordem, daraõ conta ao
Contador Fiscal, que o representará ao General em Chefe
a fim de mandar ao Inspector Geral da Arma a que o
Corpo pertencer, que passe ao Rgimento, levando com-
sigo o Inspector de Revista, e regule o que achar defei-
tuoso, dando logo parte ao General cm Chefe dos defeitos
que achou, e do modo porque os remediou. N o caso do
Inspector Geral naõ poder ir pessoalmente ao sobredicto
exame, será esse feito por um Deputado seu.
24. Para que todos os pagamentos sejam feitos nos seus
tempos competentes, e se evitem as differentes remessas de
dinheiro das Provincias ao Erário, e deste á Thesouraria,
e depois ás Pagadorias, em que a Fazenda Real tem sem-
4 A2
544 Política.
pre prejuízo, e os Povos saõ incommodados com a passa-
gem das diflèrentes Escoltas, que acompanham as conduc-
ções, o Presidente do Erário fará passar differentes Letras
sobre os Recebedores, e Rendeiro» das Rendas Reaes das
Provincias, para serem pagas a differentes épocas. O
Thesoureiro Geral apresentará no principio do anno um
calculo do dinheiro, que necessita em cada Comarca, ou
Districto, e o Thesoureiro Mór lhe completará mensal-
mente as sommas, que elle necessitar com Letras a pagar,
nas Câmaras, em que o dinheiro for necessário, ou nas
suas vizinhanças, havendo a attençaõ de anticipar o Erá-
rio pelo menos um mez do vencimento do Exercito, para
que esse naõ possa soffrer demora no seu pagamento.
25. O Thesoureiro Mór avisará separadamente aos di-
versos Rendeiros, e Recebedores, sobre quem se passarem
as Letras, do dia do seu vencimento, para que tenham
prompta a sua importância, logo que lhes forem apresen-
tadas: estas Letras seraõ recebidas no Erário depois de
pagas como dinheiro em espécie, e fazendo parte das som-
mas, que os sobredictos Rendeiros ou Recebedores devem
metter no Erário.
26. O Thesoureiro Geral remetterá aos diversos Paga-
dores as Letras sufficientes para os pagamentos, que cada
um dever fazer com a anticipaçaõ correspondente á dis-
tancia, em que se acharem, e de fôrma, que possam estar
cobradas no dia prefixo, e as sommas promptas para se
pagar á Tropa.
27. Estas Letras seraõ mandadas seguras pelo Correio:
naõ se levará prêmio do Seguro, e os recibos do Correio
serviráõ para verificar a entrega aos Pagadores, e lhes
servirem de Titulo para a sua responsabilidade ao The-
soureiro Geral.
28. Os Pagadores cobrarão as Letras nos tempos pre-
fixos ; e succedendo que algum Rendeiro ou Recebedor
as naõ pague logo, as protestarão immediatamente perante
Politica. 545
as Justiças do lugar, e as remetteraõ novamente com o
protesto ao Thesoureiro Geral, para as apresentar no Erá-
rio, e lhe sererem levadas em conta, cobrando-se na fôrma
da Ley pelo Erário, e o Thesoureiro Geral supprirá im-
mediatamente com outras ao Pagador, para que naõ haja
falta ao pagamento da Tropa. Quando alguma Letra for
protestada, e possa por essa causa ser demorado algum
pagamento, o Pagador, que fizer o protesto, dará parte ao
Commandante da Brigada, e este o participará ao General
em Chefe, para este saber o motivo, por que se atrazou o
pagamento, e o possa representar ao Governo, senaõ hou-
ver logo providencia.
29. Os Pagadores faraõ os pagamentos aos Officiaes, e
Pessoas, que constarem das Relações mandadas fazer nos
Paragraphos antecedentes deste Alvará, sem exigirem re-
cibos, nem mais clarezas do que a assignatura individual
de cada um dos que receberem, á margem da mesma Re-
lação.
30. Tanto as Relações de pagamentos, como os Prets,
e outras clarezas, ou recibos de dinheiro, que os Pagadores
fizerem, seraõ mandadas pelos dictos Pagadores mensal-
mente ao Thesoureiro Geral; estas Relações, e Titulos
seraõ remettidos seguros pelo Correio, livres de porte, e
seraõ acompanhadas de uma conta corrente assignada
pelo Pagador. Todos estes Titulos seraõ numerados pelo
Pagador, que os remetter, e traraõ a sua antefirma.
31. O Thesoureiro Geral verificará a sua conta com
cada um dos Pagadores, e no mesmo mez passará os Ti-
tulos á Contadoria, indo novamente rubricados, e numera-
dos para na dieta Contadoria serem combinados com os
assentos, e resumo das Revistas de Inspectores para se ve-
rificarem, e se extrahirem duas Contas, uma que o Con-
tador deve dar áo Thesoureiro Geral, em que vá contada a
despeza, q ue fez o dicto Thesoureiro, e lhe sirva para
suadescarga no Erário, e que deve acompanhar os Docu-
3
546 Politica.
mentos, e ser remettida ao Erário pelo mesmo Contador:
com esta conta iraõ as Listas de Revista, e mais Títulos,
que o Erário exigir.
32. Além destas contas formalizará o contador cada
seis mezes um mappa. das despezas ào Exercito com se-
paração de Soldados, de Officiaes empregados, e naõ em-
pregados, Officiaes de Regimentos, Prets, e outras quan-
tias avulsas, sendo estas especificadas em classes cora de-
claração dos motivos ; a qual será apresentada ao Gover-
no para me ser presente. O Contador dará também to-
dos os seis mezes uma igual conta ao General em Chefe.
33. O Contador Geral fará extrahir dos Resumos das
Revistas de Inspectores as Livranças, que forem necessa-
sarias para a verificação das Contas do Commissariado, e
para outras Repartições, e communicarà aos Chefes o que
convier.
34. Sendo necessário pôr desde logo era execução o
que vai ordenado neste Alvará, e naõ se devendo confun-
dir as dividas antigas com o pagamento necessário e indis-
pensável á Tropa, e mais Pessoas, que diária, ou mensal-
mente devem continuar a receber, passarão immediata-
mente para a nova Contadoria todos os Titulos de dividas
antigas, e os Documentos por onde se podem legalizar, e
seraõ pagas pelo methodo, que vai estabelecido para as
correntes ; fazendo porém o Erário uma consignação in-
teiramente separada, que o Thesoureiro Geral irá rece-
bendo, e distribuindo pelas Listas, que formalizará o con-
tador, e que seraõ distribuídas por mezes, começando o
pagamento pelos mezes mais antigos, sem que se possa al-
terar esta regra a favor de classe, ou pessoa alguma, para
naõ confundir as despezas que pertencem immediatamente
ao pessoal do Exercito com aquellas, que saõ da depen-
dência dos Arsenaes. NaÕ se pagarão pela Thesouraria
despezas algumas dos Trens, ou das Praças, as quaes fica-
Politica. 547
raó pertencendo a esta Repartição, exceptuando os soldos
dos soldados, e Officiaes, de Patente, que seraõ pagos pela
Thesouraria.
35. Pelo presente Alvará fica prohibido aos Emprega-
dos na Thesouraria, e Contadoria Geral do Exercito ser-
virem quaesquer outras occupaçÕes, ficando os Chefes das
dietas Repartições immediatamente sujeitos no Erário, e
responsáveis cada um na sua Repartição, abolindo todo e
qualquer intermédio entre os dictos Chefes, e o Erário,
restituindo o Emprego de Thesoureiro Geral ao lugar, em
que foi posto pela Ley de mil settecentos e sessenta e tres
com as alterações agora determinadas, e Creando um
contador Fiscal á similhança do que havia antes do esta-
belecimento d.is Thesourarias, ainda que com obrigações
dilTerentes. E convindo, que pessoas a quem se confiam
Empregos desta importância, tenham uma sufficiente sus-
tentação, Sou Servido Determinar, que o Thesoureiro Ge-
ral vença annualmente dous contos de réis de Ordenado
do seu Emprego, que o Contador Fiscal vença uma igual
quantia, e o Official Maior um couto de réis, e que o Go-
verno taxe proporcionadamente os Ordenados para todos
os outros Empregados, sem que depois os possa alterar
sem Ordem especial Minha ; ficando porém extinetos to-
dos c quaesquer emolumentos que por Ley, ou uso se le-
vassem até agora nas Thesourarias, sem que se possa por
principio algum estabelecer outros em seu lugar.
36. Naõ sendo justo, que as pessoas, que até agora Me
serviram nas Thesourarias, fiquem privadas de Me con-
tinuarem a servir, escolher-se-haõ entre os actuaes Offi-
ciaes de Thesouraria os que forem próprios para Me con-
tinuarem a servir nas novas Contadorias, c Thesouraria,
ficando os outros vencendo o seu Ordenado ate que pos-
sam entrar em occupaçaõ do Meu Serviço, em que vençaõ
igual quantia â que agora percebem, extinguindo-se po-
548 Politica.
rém a PençaÕ que pelo presente Alvará lhes Mando con-
tinuar, logo que vençaõ outro Ordenado.
31. A escolha porem de Contador, Thesoureiro, e Offi-
cial Maior ficará ao Meu Real Arbítrio, sem que fique li-
gada ao que vai estabelecido no paragrapho antecedente.
38. Depois que a nova Thesouraria for estabelecida,
ficará pertencendo ao Contador propor os Officiaes da
sua Contadoria, e os Inspectores de Revista, que o Go-
verno poderá approvar ; o Thesoureiro porem poderá es-
colher agora mesmo os Commissasios e Pagadores, que
desejar entre os actuaes ; e naõ o satisfazendo, ou naõ sen-
do da sua confiança, o participará ao Ministro da Repar-
tição, e depois pertencer-lhe-ha sempre a nomeação dos
Pagadores, ficando responsável por elles.
Este se cumprirá taõ inteiramente, como nelle se con-
tém, sem embargo de quaesquer Leys, Ordens, ou Reso-
luções era contrario, que todas Hey por derogadas para
este effeito somente, como se dellas fizesse expressa men-
çaõ. Pelo que mando ao Conselho de Guerra, Presidente
do Meu Real Erário, Conselho da Minha Real Fazenda,
Marechal General Commandante em Chefe do Exercito,
Governadores de Armas, e de Praças, Officiaes Generaes,
Inspectores Geraes, Thesoureíros Geraes das Tropas, e
mais Pessoas a quem o conhecimento delle pertencer, o
cumpram, e guardem pela parte que lhes toca ; e este va-
lerá como carta passada pela Chancellaria, posto que por
ella naõ ha de passar, e uinda que o seu effeito haja de
durar um ou muitos annos, sem embargo das Ordenações
em contrario.
Dado no Palácio do Rio-de-Janeiro, aos vinte um de
Fevereiro, de mil oitocentos e desescis.
(Assignado) P J I I N C I P E . Com guarda.
Marquez d'AouiAR.
Politica. 549

Officio do Marquez oVAguiar, remettendo aos Governa-


dores do Reyno de Portugal, o Decreto de perdaõ aos
desertores.
Ex-»0. e Rmo. Snr. Subio á Augusta presença do Prin-
cipe Regente meu Senhor o officio dos Governadores do
Reyno de Portugal e dos Algarves N°. 4453 ; no qualsup-
plicam a graça de um perdaõ geral para os desertores do
Exercito desse R->yno ; c, tendo S. A. R. já em vista dar
ao mesmo Exercito novas provas da sua Real clemência,
na occasiaõ em quo a sua situação deve melhorar em mui-
tos pontos, mediante as providencias do novo regulamento,
que mandou dar á execução; foi servido pelo decreto,
por copia incluso, conceder perdaõ de deserção aos offi-
ciaes inferiores, tambores e soldados do dicto Exercito,
debaixo das condiçoens declaradas no mencionado de-
creto, que S. A. R. ordena façam os Governadores do
Reyno publicar, e dar a sua devida execução.
Deus guarde a V Ex*.
(Assignado) Marquez d ' A G U I A R .
Snr. Patriarcha Eleito de Lisboa.
Palácio do Rio-de-Janeiro, em 13 de Março, de 1816.

Decreto de Perdaõ aos Dezertores.


Querendo dar ás minhas tropas do Exercito de Portu-
gal novas provas da minha Real clemência, na occasiaõ
em que a sua situação deve melhorar em muitos pontos,
mediante as providencias do novo regulamento, que fui
servido approvar e mandar pôr em execução: hei por
bem conceder um Perdaõ Geral a todos os officiaes infe-
riores, tambores e soldados, que tiverem tido a infelicida-
de de desertai de seus respectivos corpos, e de se apartar
de suas bandeiras, com tanto porém que naõ estejam cul«
VOL. X V I I . N o . 102. 4B
550 Politica.
pados de outros crimes mais do que os de deserçoens sim-
ples, e que se apresentem nos seus regimentos ou corpos,
ou ao governador da provincia ou praça : a saber, os que
estiverem nos reynos de Portugal e Algarves dentro do
prazo de tres mezes, depois da referida publicação do
presente decreto, naquelles reynos: e os que estiverem
fora dentro no prazo de seis mezes depois da referida pu-
blica çaõ. E porquanto pôde acontecer, que alguns de
taes indivíduos tenham passado a este reyno do Brazil;
sou servido que, em tal caso, lhes aproveite esta graça de
perdaõ geral, uma vez que se apresentem ao governador e
capitão general, ou governador da capitania em que se
acharem, dentro do prazo de seis mezes, contados do dia
da publicação deste decreto, em cada uma das capitanias,
aonde deverão entrar logo a servir nas tropas de linha da
mesma capitania. O Marquez de Aguiar, do Conselho
de Estado, Ministro Assistente ao Despacho, encarregado
interinamente da Repartição dos Negócios Estrangeiros e
da Guerra, assim o tenha entendido, e o faça executar,
expedindo as ordens necessárias
Com a rubrica do P . R.
Palácio do Rio-de-Janciro, em 8 de Março, de 1811.

Portaria dos Governadores de Portugal, interpretando


o Decreto acima.
Havendo representado o Marechal General Marquez de
Campo-Maior, que, em algumas Provincias do Reyno se
entrava em duvida se o Perdaõ, que Sua Magestade foi
servido conceder aos Desertores, pelo Seu Real Decreto
de 8 de Março, de 1816, comprehendia só uma, ou mais
deserções simplices, e ainda mesmo quando estas fossem
aggravadas pelo crime de levarem os dictos Desertores ef-
feitos de Sua Real Fazenda Militar, como armamentos,
fardamentos, munições, e petrechos: Manda Sua Mages-
Politica. 551
tade Declarar, que todos os sobredictos Desertores se
acham comprehendidos no dicto Perdaõ geral; devendo
com tudo os que tiverem levado os sobredictos effeitos ap-
presentarem-se com elles, ou satisfazellos pelos seus ven-
cimentos futuros. D . Miguel Pereira Forjaz, do Conse-
lho de Sua Magestade, e Secretario dos Negócios Estran-
geiros, Guerra, e Marinha, o tenha assim entendido, e
expeça as Ordens necessárias para a sua execução.
Com duas Rubricas.
Palácio do Governo, aos 22 de Outubro, de 1816.

Edictal da Juncta da Saúde de Lisboa.


A Juncta da Saúde Publica faz saber, que pelo Cônsul
Geral Portuguez em Alicante lhe foi dirigido com a data
de 7 do corrente o Officio do theor seguinte:—" Tenho a
honra de participar a Vossa Excellencia; que pelo cor-
reio de hontem vindo de Valencia foi ordenado pela
Juncta Suprema da Saúde, cm conseqüência de Avisos do
respectivo Ministro de Estado, que todas as Embarcações
procedentes de Connecticut; Rhodes-Island ; e Verraont
nos Estados Unidos da America façaõ uma quarentena de
20 dias, por se ter ali declarado a Febre chamada—Spox-
fiver—ou Febre Petechial, e causar os maiores estragos.
A mesma Ordem se extende a todas as procedências das
Provincias da Nova Inglaterra ; da Nova Jersey ; c dos
Portos das Ilhas, que pertencem á sua demarcação. O
que tudo julgo do meu dever participar a V- Ex". para
sua devida intelligencia. Neste Porto goza-se um per-
feito estado de Saúde Publica.
Deos Guarde a V. Ex".
J O A Õ B A P T I S T A A N T O I N E DE Z A Y A . "
Alicante, 7 de Septembro, de 1816.
Em conseqüência pois desta desagradável noticia, pela
qual consta de uma maneira taõ accrcditavel, que a Febre
4 B 2
5õ2 Politica.
Pctechial, ou Typho contagioso se acha actualmente de-
vastando naõ só a Nova Inglaterra, mas também as Pro-
vincias, que lhe ficam próximas; por isso a Juncta imi-
tando as medidas de segurança, que tem adoptado as Re-
partições da Saúde do Reyno de Hespanha, recorre pela
sua parte ás seguintes Providencias, para por meio dellas
evitar a communicaçaõ deste novo flagello, que ameaça
por mais um lado a Saúde Publica do Reyno.
Art. 1.—Saõ considerados como actualmente inficiona-
dos de Febre Petechial contagiosa os Portos da Nova In-
glaterra na America Septentrional; como sejam os da
Provincia de Connecticut; da Nova Hampshire; de Mas-
sachusset; e Ilha de Rhodes : e bem assim os da Nova
Jersey ; e Ilhas pertencentes á sua demarcação.
2. As Embarcações procedentes dos Portos comprehen-
didos no Artigo antecedente, saõ admittidas só, e exclu-
sivamente no Porto de Lisboa debaixo de uma quarentena
de 20 dias para as fazendas susceptíveis; e debaixo de
uma observação de 11 dias para a Tripulação, e passa-
geiros, que trouxerem a seu bordo.
3. As Providencias, que ficam adoptadas nos dous Arti-
gos antecedentes, seraõ reduzidas á sua fiel observância
debaixo das medidas, cautelas, e responsabilidades, que se
estabeleceram pelos Artigos 11, 12, e 13 do Edictal de 11
do corrente mez, e anno.
E para que chegue á noticia de todos, e se naõ possa
alegar ignorância, se mandou affixar o presente Edictal
cm todas as Praças, e Lugares Públicos dos Portos do
Reyno, para ser escrupulosamente observado em quanto
naõ for dispensada, ou modificada por outro, a sua exe-
cução.
L U I Z A N T Ô N I O R E B E L L O DA SILVA.
Lisboa, 28 de Septembro, de 1816.
Politica. 553

Rio-de-Janeiro, 29 de Maio.
A Câmara de Villa Rica enviou a esta Corte o CapitaÕ
Mór e actual Vereador da mesma Villa Antonio Eulalio
da Rocha Brandão, para ter a honra de beijar a Augusta
Maõ de S. M. em seu nome e da Nobreza e Povo, pela in-
comparavel Mercê, que o Mesmo Senhor Se Dignou Con-
ceder-lhe elevando o Estado do Brazil á Pre-eminencia e
Dignidade de Reyno Unido ao de Portugal, e Algarves :
E Dignando-se S. M. assignar o dia 14 do corrente para a
audiência deste Deputado, elle teve a honra de dirigir ao
Mesmo Senhor a seguinte falia.
Senhor.—A Câmara, Nobreza, e Povo de Villa Rica e
seu Termo, Capital da Provincia de Minas Geraes, onde
tenho o honra de servir a V. M. actualmente em Vereador
e Capitaõ Mor, naõ podendo conter os transportes do seu
júbilo pela sublime Munificencia, com que V. M. Se Dig-
nou elevar o Estado do Brazil a Pre-eminencia c Condeco-
ração de Reyno Unido ao de Portugal e Algarves, depois
de concorrerem ao Templo, e nelle renderem uo Omnipo-
tenteas devidas graças por taõ grande Mercê, e de lhe pe-
direm fervorosamente pela Vida e Prosperidade de V- M.
e toda a Sua Real Familia, além de outras publicas de-
monstrações, que deram, do seu contentamento e alegria ;
me enviam da sua parte a protestar na Augusta Presença
de Y. M. os sentimentos da mais cândida e pura gratidão,
e renovar os votos, com que todos acclamamos a V. M.
pelo Soberano o mais Virtuoso, o mais Benigno, e o mais
Digno do amor dos Seus vassallos.
Digne-se pois V M. receber em Seu Paternal Coração
estes protestos de reconhecimento, que elles submissos vem
render a V. M., supplicando tome na Sua Real Conside-
ração esta mensagem como o testemunho mais expressivo
do seu amor, de sua gratidão, e da sua vassallagem.
554 Politica.
Reposta de Sua Magestade.
Estimo muito ter felicitado os Meus fieis vassallos, e me
lisongeio por isso com as demonstrações de contentemento
e gratidão, que a Câmara e Povos de Villa Rica Me aca-
bam de manifestar.

Officio da Câmara.
Senhor.—A Graça incomparavel, que V. A. R. Foi
Servido Liberalisar ao Seu Estado do Brazil elevando-o á
Pre-eminencia e Dignidade de Reyno Unido ao de Portu-
gal e Algarves, he um completo e irrefragavel Testemu-
nho da Alta distineçaõ, com que V. A. R. se digna At-
tender e Galardoar a inalterável fidelidade, o amor, e ad-
hesaõ, que os Povos do mesmo Estado constantemente tri-
butaram aos Seus Augustos Soberanos.
A noticia desta sublime Graça foi, como cumpria, ap-
plaudida por esta Câmara de Villa Rica e pelo Povo, que
ella representa, já rogando no Templo ao Omni potente
pela conserv açaÕ da Preciosa Vida de V A. R. e da Sua
Real Familia, já practicando aquellas festivas demonstra-
ções do seu extraordinário júbilo e contentamento, que es-
tavam ao seu alcance.
A mesma Câmara teve a honra de fazer constar na Au-
gusta Presença de V- A. R. estas demonstrações, suppli-
cando a V A. R. Houvesse por bem permittir, que se so-
lemnisasse todos os annos o Dia 16 de Dezembro ; Dia em
que V A. R. Se Dignou Patentear na Carta de Ley a
Contemplação, em que tem os seus Vassallos da America;
Dia, cuja memória impõem aos habitantes do Reyno do
Brazil, um dever de eterna gratidão, e que será perpetua-
do nos annaes da Historia como um PadraÕ da Inimitá-
vel Beneficência de V- A. R.
Naõ contente porém com aquellas demonstrações, e de-
sejando manifestar inda mais a sua gratidão, designou ao
Capitão Mór da dieta Villa Antônio Eulalio da Rocha
Politica. 555
BrandaÕ, um dos Membros desta Câmara, para em seu
nome e de todos os habitantes da dieta Villa e seu termo ir
protestar aos pés do Throno de V- A. R. a mais rendida
vassallagem, esperando que V A. R. se Dignará conce-
derão mencionado Vereador a honra de beijar a Augusta
maõ de V. A. R., entretanto que esta porçaõ de seus fieis
vassallos fica dirigindo ao ceo as mais ardentes suppiicas,
para que continue a encher das maiores prosperidades a
pacifica e doce Regência, com que V A. R. os tem in-
cessantemente felicitado.
O Juiz de Fora IGNACIO J O S É DE SOUSA R E B E L L O .
Os Vereadores J O A Q U I M F E R R E I R A DA FONSECA
ANTÔNIO E U E A L I O DA ROCHA B R A N D Ã O ,
JOAÕ DE DEOS M A G A L H A E N S G O M E S .

Rio-de-Janeiro, 6 de Julho.
A Câmara da Villa do Sabará dirigio á Augusta presença
de S. M. o officio do theor seguinte :—
Senhor!—A incomparavel beneficência de V. A. R. em
elevar o Estado do Brazil á dignidade de Reyno Unido ao
de Portugal e dos Algarves, tem penhorado por um tal
modo os nossos coraçoens, e os do povo, que consideramos
como dever o mais sagrado levar á Soberana presença de
V. A. R. pela pessoa do Capitão Manuel de Freitas Pa-
checo, os nossos puros agradecimentos ; pedindo nós a
V. A. R. com a maior submissão e respeito, a graça de se
dignar, que elle tenha a honra de beijar a Augusta maõ de
V. A. R., e por tam assignalado beneficio ; e d e assegurar
ao mesmo tempo os votos da nossa mais fiel e constante
vassallagem. Deus guarde a V. A. R. por muitos e dila-
tados annos, como muito desejamos. Sabará, em Câmara
de 30 de Março, de 1816.
(Assignado) O Juiz de Fora. José Teixeira da Fonseca
Vasconcellos. (Vereadores) Manuel de Araújo da
Cunha. Bernardino de Sena e Costa. Manuel Car-
valho Marante. Procurador. Ignacio Antonio César.
556 Politica.
O Capitão Manuel tle Freitas Pacheco, tendo a honra
de apresentar a S. A. R. no dia 2 mez passado e officio de
que foi portador, expressou assim :
Senhor. A câmara da villa do Sabará me envia para
ter a honra de beijar a Augusta maõ de V M., pelo sin-
gular beneficio, que V. M. se dignou liberalizar aos seus
fieis vassallos elevando o Estado do Brazil á preeminen-
cia de Reyno Unido aos de Portugal e dos Algarves:
beneficio este que por sua perennidade fará eterna a gra-
tidão dos habitantes daquella Villa, e seu termo ao pa-
ternal desvelo, com que V- M. promove a prosperidade
geral de seus vassallos.
S. M. se dignou responder-lhe— u SaÕ e seraõ sempre os
meus desejos felicitar os meus fieis vasallos."

ALEMANHA.

Falia do Ministro Austriaco, Conde Buol-Schawenstein,


Presidente da Dieta Germânica, na abertura da pri-
meira sessaõ em Frankfort.
O primeiro de Agosto, de 1806, foi a epocha em que
deixou de existir o primeiro dos Estados da Europa: a
Confederação do Rheno occupou o lugar do Império Ger-
mânico ; e se as naçoens se pudessem extinguir como se
extinguem os Estados; tal houvera sido a sorte dos Ale-
maens.
A Alemanha, repartida em grande numero de Estados
Independentes, formou uma Confederação tributaria a um
paiz, contra quem tinha incessantemente contendido por
séculos, e com quem se reconciliou pela primeira vez,desde
o periodo em que as duas naçoens pagaram reciprocamente
uma á outra o tributo de sua estimação, pela coragem de
que tem dado tam bellas provas, defendendo os seus direi-
tos e dignidade nacional.
Sem fazer extensas indagaçoens de erudição, he bastante
5
Politica. 557
lançar uma vista d' olhos sobre a historia do gênero hu-
mano, ou antes sobre a do indivíduo de todos os climas,
para saber qual he o destino do homem, e como decide
dos Estados e das naçoens.
Examinando maduramente tanto um como o outro, em
todas as gradaçoens de suas differentes formas, em ordem
a apreciar devidamente a sua natureza, e reconhecer as
relaçoens entre o character individual do homem, e o dos
homens, que formam Estados e naçoens pela sua uniaõ,
chegaremos, da maneira mais segura, aquelle ponto da
historia, que nos apresenta os mais elevados periodos dos
Estados, mas que ao mesmo tempo annunciam a proximi-
dade de sua declinaçaõ.
O character do Alemaõ, considerado como homem, in-
dependente de toda a forma de Governo, apresenta distinc-
tamente os elementos e a impressão de seu Governo nacio-
nal ; mas reciprocamente as relaçoens civis e políticas,
em que elle se acha posto, tem uma influencia visível
na existência e vida particular dos indivíduos. Tal
he a ley da uatureza—aquella grande mestra dos ho-
mens, dos Estados e das naçoens. Em conseqüência
desta reciproca influencia, a forma das relaçoens civis
e políticas da vida social, que mais fielmente se assimilhar
ás relaçoens da vida particular, será sempre a melhor, e
mais durável; e conduzirá mais seguramente o corpo so-
cial, assim como os indivíduos, ao mais vantajoso periodo
da existência das naçoens e dos homens.
No Alemaõ, considerado individualmente, achamos um
innato amor das sciencias, seja exactas, seja methaphi-
«cas, seja experimentaes ; das quaes se pôde fazer
applicaçaõ immediata ás circumstancias da vida. Elle
ama as artes, he inventor, industrioso, e o espirito
de commercio o conduz ás mais distantes partes do
globo. Se, apartando-me do meu objecto principal, eu
quizesse dar aqui um esboço da historia das sciencias,
VOL. X V I I . N o . 102. 4 o
558 Politica.
artes, invençoens, industria e commercio i naõ poderia eu
citar Alemaens, que se tem distinguido em todos estes ra-
mos ? Resérve-se para outrem o pagar aos Alemaens este
puro tributo da sciencia,da industria,edo commercio. Com-
tudo, o numero de indivíduos distinctos, nas differentes
repartiçoens das sciencias e das artes, naõ he o que con-
stitue o ápice da elevação das naçoens, em literatura e artes:
naõ ; a única medida exacta da elevação, a este respeito,
nos ministra a diffusaÕ geral dos conhecimentos, em toda
a communidade da NaçaÕ. Longe de mim está, descre-
vendo este character, desejar detrahir nenhuma outra na-
çaõ ; mas por outra parte uma falsa modéstia me naõ im-
pedirá de exprimir a minha firme e cordeal convicção, de
que a Alemanha, a este respeito, pôde ao menos compe-
tir com qualquer naçaõ pela primeira graduação, na cul-
tura da literatura, das artes, e dos negócios da vida com-
mum. O observador exacto, que examina a condição das
provincias mais dissimilhantes de nosso paiz commum,
achará, ainda n' um ponto de vista numérico, um equilí-
brio, que no todo naõ nos he desfavorável, i A quem naõ
saõ as nossas Universidades um orgulhoso monumento da
desenvoluçaõ Alemáa ? Até os estrangeiros, que nem sem-
pre nos pczam com justeza na balança do merecimento,
admittem as grandes vantagens da forma destas nossas in-
stituiçoens scientificas, que tem por objecto a comprehen-
saõ das sciencias, e de todos os seus ramos diversos prin-
cipaes e auxiliares, como um grande todo. i A quem saõ
desconhecidas as numerosas Academias das artes e insti-
tuiçoens de industria, outros tantos viveiros para fomentar
as artes, e para as diffundir por toda a Alemanha, existen-
tes nas differetites provincias Alemaãs ? i Quem deixa de
saber das muitas collecçoens, galerias, museos, nos diffe-
rentes Estados, que unidos junctamente formariam o prime-
iro Museo Nacional do Mundo ? i Quem, pois, escrupuli-
zará agora em pagar aos Alemaens o tributo da alta esti-
mação devida á sua cultura, graduaudo-os eutre as primei-
Politica. 559
ras naçoens? Involuntariamente renuncio á elevada
tarefa de exhibir em grandes traços a pintura, que tenho
somente esboçado. Porem tenho alcançado o meu objecto:
eu desejava unicamente considerar o Alemaõ sem relação
ás suas formas civis. Naõ deve, porém, nunca esquecer,
que os meros conhecimentos naõ saõ o maior louvor:
naõ; diga-se com reverencia ; um alto sentimento da reli-
gião faz, ao mesmo tempo, parte fundamental do charac-
ter Alemaõ.
Quando me volto para as formas civis, reconheço nellas
a mais evidente reciprocidade cora a pintura sobredicta.
Levar-me-hia demasiado longe, se quizesse desenvolver
isto em todas as relaçoens separadas da maneira em que se
mostram ao observador contemplativo. Pronuncie-se, po-
rém, o resultado com verdade i Seriam os Alemaens o
que saõ agora, nas sciencias, nas artes, nas invençoens, na
industria e no commercio, estariam elles agora de posse do
primeiro Museo nacional no mundo, se houvesse somente
uma capital, e se um principe somente reynasse sobre
esta população de mais de trinta milhoens de homens ?
jNaõ resulta um necessariamente do outro? i Naõ he a
maior actividade e diversidade na vida particular tanto o
resultado das differentes formas de governo livres, como
estas cm seu turno saõ do character mais livre do Alemaõ,
em que acham o seu principal apoio ? e- Naõ guiou o
amor das sciencias e das artes aquella peculiaridade em
seu character, que nas sciencias e conhecimentos naõ re-
conhece nacionalidade ? O Alemaõ estima e honra, e tra-
balha por apropriar a si, tudo quanto considera bom e
digno de ser sabido, de qualquer zona, e de qualquer povo
que venha. Elle he justo para com toda a descripçaõ de
merecimento; e como esta peculiariadade de seu cha-
racter acha também o seu apoio nas differentes formas
civis, conduz também á circumstancia, que neste ponto
de vista, a sua modéstia se mostra muitas vezes com as ap-
parencias do mais reprehensivel desprezo de si mesmo.
4c2
560 Politica.
Nesta evidente acçaõ reciproca entre o character e gráo
de cultura do Alemaõ, e das formas polilicas da Alemanha,
estou bem longe de dar louvor, em tanto quanto ellas con-
duzem á extincçaõ de toda á nacionalidade. Naõ ; isto
he exactamente o ápice da elevação a escapar, aonde um
estreito caminho conduz á carreira da decadência, e á
dissolução da existensia nacional Alemaã. Na pintura,
que ao depois tentarei traçar das nossas ultimas e pre-
sentes formas politicas, reservo-me a faculdade de decla-
rar com franqueza a minha opinião sobre esta matéria,
como ministro de uma grande corte Alemaã, nesta assem-
blea de Alemaens.
Ao presente, comtudo, continuarei a seguir o caminho a
que me destino, tocando no ápice decadente da enfraque-
cida nacionalidade. O povo, em sua qualidade individual,
assim como nas suas relaçoens politicas, he obra do tempoj
sim, nenhum povo, atrevo-me a affirmallo, como proposi-
ção geral pôde crear para si a forma da vida publica, em
conseqüência de meras abstracçoens ; e estas, se naõ saõ
mais do que sombras do momento, devem involuntaria-
mente ser o resultado das mais varias influencias : o cha-
racter nacional, a situação geographica, as antigas rela-
çoens locaes, os custumes, a religião, a occupaçaõ pecu-
peculiar de um povo, e também pela maior parte aconte-
cimentos externos e apparenteraente accidentaes, criam a
forma de Estados, e as relaçoens racionaveis das naçoens.
Assim os Alemaens eram um tronco original desta serie
de naçoens, que, naõ obstante, formaram somente um
Estado por breve tempo : a mais antiga divisão original
em varias tribus, no território da Alemanha, conduzio,
mesmo no primeiro germen, ás formas subsequentes. Eu
apenas toco nos differentes períodos de formação, pois elles
se perdem na antigüidade da idade media da Alemanha:
a influencia do triste interregno do século 13° ; a que pôs
fim Rudolpho de Hapsburgo, homem cojo nome todos nós
Politica. 561
pronunciamos com reverencia ; e que como salvador de
sua pátria, tem direito á eterna gratidão dos Alemaens:
alludo meramente ás guerras, que tiveram lugar no nosso
paiz, a influecia do poder espiritual e temporal, que a
este respeito éra rico em conseqüências, e eficaz: da mesma
sorte allulo meramente ás guerras internas tanto civis como
religiosas, nos séculos 16 e 17; e á paz de Wetphalia;
que quasi deo á forma o mais alto gráo de perfeição : ou-
trosim meramente alludo ás differentes ingerências de Po-
tências estrangeiras nas dissensoens Alemaas, para que
possa com a maior rapidez seguir a pintura de nossa de-
cadência e dissolução desde o século 16 atê o 18". Per-
demie-hia aqui em recordaçoens, que o patriota Alemaõ
voluntariamente cobriria com o véo da reconciliação e do
esquecimento, se tivesse somente de tocar em todas as fei-
çoens separadas e em todos os períodos da historia daquelle
tempo. Como contemporarios todos nos sabemos isto; e
no dia da solemnizaçaõ da unanimidade Alemaã, alludi-
mos a isto e lembramonos do passado, meramente para
nos alegrar com a felicidade do presente momento, em
uma roda de Alemaens. Mencione-se somente o resul-
tado : a Alemanha, mesmo desde os seus principios, di-
vidida em vários Estados, porém unida pelo grande laço
da nacionalidade, de que éra symbolo visível a Coroa Im-
perial Alemaã, apenas chegou por esta maneira ao prin-
cipio do século 19.
A terminação da guerra com a França revolucionaria,
na paz de Luneville : os grandes sacrifícios, que a mais
justa guerra obrigou os Alemaens a fazer : o decreto Im-
perial de 1803, que dava indemnizaçoens no interior da
Alemanha, pelo que tinha cedido a uma potência estran-
geira; a Confederação do Rheno, que ultimamente se
formou, e a deposição da Coroa Imperial Alemaã, que
isso produzio ; as formas que tomaram os differentes Es-
tados Alemaens : estas saõ somente as epochas que distin-
562 Politica.
guo por nome, e que me julgo obrigado a citar definitiva-
mente, como grandes destinos a que tem sobrevivido o
povo Alemaõ.
Assim estava a Alemanha antes de nós, e somente em
uma abstracçaõ scientifica pode alguma pessoa desejar
ainda achar nella uma naçaõ, ao mesmo tempo que na
realidade comprehende Estados separados uns dos outros,
e sem nenhum outro laço nacional mais doque o laço que
a ligava como tributaria e commum dependente de uma
potência estrangeira.
A este ínfimo gráo de humiliaçaõ, a que um povo se
pode reduzir, foi obrigada a abater-se uma naçaÕ, que
éra própria para brilhar na primeira classe, se tivesse sa-
bido honrar o laço peculiar da nacionalidade, em tanto
quanto isto éra compatível com as suas divisoens em vá-
rios Estados, e sem perder de vista as vantagens peculia-
res de tal condição. Este triste estado da naçaÕ está
ainda na lembrança de todos nós : porém ao mesmo tempo
nós sabemos o heroísmo, que unio todos os Alemaens em
uma verdadeira uniaõ, em ordem a combater pela sua
independência, e mostrar-se outra vez dignos de nova
uniaõ nacional. Este alto louvor éra merecido; o dia 8
de J unho, de 1815, unio todos os Estados Alemaens em um
laço, que, com reverencia e ufania, chamamos a Uniaõ
Alemaã.
Assim torna a Alemanha a apparecer como um todo;
outra vez como Potência entre as Naçoens.
Ainda que a Alemanha naõ seja chamada a assumir a
forma de uma Monarchia, porém sim meramente a de
um verdadeiro Estado Federal; uma mera uniaõ poli-
tica, offensiva e defensiva, naõ se podia considerar con-
forme a vóz geral deste século. N a historia dos tempos,
hea Alemanha chamada a formar uma Uniaõ Federal, as-
segurando ao mesmo tempo a sua nacionalidade. Esta
he a distineçaõ da Alemanha ; esta a posição da naçaõ
Politica. 563
Alemaã, na communidade das naçoens Europeas. Será
do nosso dever esforçar-nos por adiantar os dous sagrados
objectos : a desenvoluçaÕ do respeito para com os diffe-
rentes troncos, e vários Governos independentes da Ale-
manha ; e uma estimação igual para com o grande e com-
prehensivel universal laço da nacionalidade.
Na minha primeira falia official depois da abertura da
Dieta, tentarei desenvolver a applicaçaõ practica de mi-
nhas vistas: aqui he sufficiente pronunciar o principio,
que deve ser sagrado para todos nós. Será do nosso dever
fortificar os Alemaens na opinião de que, quando as cou-
sas procedem cm sua própria ordem, tal uniaõ federal
será tam benéfica aos indivíduos, como honrosa á naçaÕ,
na communidade Europea.
Nesta sublime pintura de nossa presente situação poli-
tica, sêja-rae permittido tomar uma vista collateral do
passado em toda a Europa, a fim de poder lançar maõ,
em uma roda de Estadistas, dos signaes correctos dos
tempos.
He sabido, que dous grandes erros fundamentaes se ori-
ginaram nas opinioens sobre o direito publico, e a poli-
tica; que se tem alimentado com a Revolução Franceza,
e por seu meio. Estes saõ as parciaes excrecencias de-
mocráticas, a respeito das Constituiçoens dos Estados; e
o desprezo do systema de equilíbrio politico na mutua
communicaçaõ das naçoens livres. O primeiro levou os Es-
tados individuaes â sua destruição : o segundo deve levar,
no caso da grande communidade das naçoens, ao despo-
tismo. Nenhum delles (como para bem da humanidade
nenhum erro he) foi de permanente duração. Em quanto
as naçoens e os príncipes lutavam contra os resultados do
ultimo, ambos elles, considerados como theoria, estavam
ja perdidos na purificada torrente do tempo. Ambos per-
tencem agora somente aquellas apparencias ephemeras,
564 Politica,
que a historia da cultura e dos Estados nos apresenta, co<*
mo liçoens de cautella para a posteridade.
Se faço agora uma peculiar applicaçaõ á Alemanha, e
a Uniaõ Alemaã, do presente resultado destes dous erros,
que fôram mais ou menos sentidos em todos os Estados da
Europa ; todos cahimos presentemente : uma segurança
de que todos os Governos Alemaens honram o verdadeiros
interesses de seus Estados, e que os vassallos nos Estados
da Uniaõ, pondo de parte toda a influencia revoluciona-
ria, teraõ de alegrar-se com as garantias da ordem publica
racionavel; sentimos outro sim, a respeito do grande laço
da nacionalidade, a certa liberdade e independência da
naçaõ Unida da Uniaõ Alemaã.
Neste esboço, que tenho agora tentado, do character
fundamental da UniaÕ Alemaã, naõ posso, concluindo,
deixar de tocar nas relaçoens daquella Corte, cuja cabeça
trouxe antigamente a coroa Alemaã. O acto do Congresso
chama a Sua Majestade o Imperador de Áustria á presi-
dência da Dieta Alemaã. S. M. recouhece nisto a reno-
vada confiança dos Estados Federaes Alemaens, que os
Imperantes de Áustria sempre trabalharam por obter.
Nenhum temor, nenhuma desconfiança perturbará isto
para o futuro ; porque, quem naõ conhece a feliz situação
de Áustria ? uma situação tam própria a justificar a mutua
confiança, que faz com que seja inconveniente e impossí-
vel, que ella entretenha idea de alguma conquista ou
extensão violenta de poder na UniaÕ Alemaã.. O Impe-
rador meu Amo conhece a declarada expressão da vontade
publica, e a seguirá, como sempre fez.
Por expressa ordem de S. M. o Imperador, tenho de
assegurar solemnemente á Dieta, que S. M. se considera
como um membro da UniaÕ; e na mesma condição de
igualdade com os demais ; elle olha para a presidência,
que se lhe concedeo da Dieta, naõ como um verdadeiro
Política. 565
privilegio politico, porém meramente como uma honra,
tendo o nobre destino de conduzir os negócios, que lhe
saÕ confiados.
O poder da monarchia Austríaca naõ entra aqui em
conta : este nunca poderá nem quererá mosfrar-se contra
aUniaõ Alemaã, nem contra os Estados separados ; ecada
um delles assim como a Uniaõ podem descançar firme-
mente, em que todo o seu poder será empregado na con-
servação da independência de toda a forma politica.
S. M. se lisongea, portanto, de que elle pôde descançar
na plena confiança de todos os Estados da Federação.
Os merecimentos dos antepassados de S. M. lhe estarão
sempre presentes, a fim de que a herança de sua casa
possa descer com respeito aos tempos futuros. Sêja-me
agora permittido, no meu character de Plenipotenciario
da Corte Austríaca na Dieta, dizer quam profundamente
sinto a alta importância e o pezo dos meus deveres: e ao
mesmo tempo expressar, quanto aprecio a felicidade de
me achar nesta uniaõ de honrados Alemaens, animados
somente por um sentimento.
O Germanismo de meus sentimentos nunca entrará em
duvida, nem a minha anxiedade nos perpétuos esforços
para promover o bem de nossa pátria commum : eu vos
devo esta segurança, altos e honrados senhores, ainda que
vós todos estivesseis previamente informados de meus ge-
nuínos sentimentos. Permitti-me, pois, que requeira a
vossa inteira confiança; e estai seguros da minha honra
em uma absoluta confiança em vós. Na próxima futura
assemblea tentarei apresentar ao vosso juizo, uma conta da
extençaõ de nossos negócios ; e ao mesmo tempo conven-
cer toda a Dieta, que a conveniente direcçaõ de nossa
actividade he um dos objectos que mais tenho a peito.
Mutua confiança, franqueza, e verdadeiros sentimentos
Alemaens; e podemos estar tam seguros de ura bem suc-
VOL. X V I I . N o . 102. 4 o
566 Politica.
cedido resultado de nossos esforços, como da permanente
e grata lembrança da ultima posteridade Alemaã.

FRANÇA.

Extracto das instrucçoens mandadas pelo Ministério e


approvadas por S. M. ; sobre o modo de conduzir as
Eleiçoens de Deputados para a Câmara.
Paris, 12 de Septembro, 1816.
Quanto a convocação; nada de exclusoens odiosas,
nada de illegaes applicaçoens das disposiçoens da alta po-
licia, a fira de pôr obstáculos aos que tem direito de votar:
vigilância activa, porém inteira liberdade: nada de ex-
tençaõ arbitraria ás determinaçoens authorizadas pela Or-
denança, cuja natureza seja de destruir o effeito de uma
precaução dictada por uma sabia providencia.
Quanto ás eleiçoens, o que El Rey quer he o que devem
querer os seus mandatários. Naõ ha no Estado duas
sortes de interesses; e, para fazer desapparecer até a som-
bra dos partidos, que naõ poderiam existir sem ameaçar a
sua existência, naõ deve haver outros Deputados senaõ
aquelles, cujas intençoens sejam de marchar de acordo com
El Rey, com a Charta e com a Naçaõ, cujos destinos es-
taõ de alguma sorte nas maõs dos Deputados.
Os Deputados, que se tem constantemente apartado
destes principios tutelares, naõ poderiam ser designados
pela authoridade local, valer-se de sua influencia, nem
obter um favor, que se voltaria em prejuizo de causa pu-
blica.
Nada de graça para com a desafeiçaô, que se descobri-
riapor actos manifestos, que publicaria esperanças crimi-
nosas, que creria achar em um grande acto politico e de
justiça uma occasiaõ favorável para o distúrbio e a desor-
dem. A ley de 29 de Outubro fica toda em vigor; mas
Política. 567
mas naõ he para se abuzar delia : he para se servir delia
a propósito, com conhecimento de cansa, e dando conta
exacta de suas operaçoens, que se confiou a administra-
dores illuminados o cuidado de applicar as suas disposi-
çoens.
Elles se opporaÕ á publicação destas correspondências
ardentes, e sempre marcadas com o cunho da exaggeraçaõ,
que os membros das associaçoens secretas estaõ no custume
de remetter debaixo da capa de Realismo.
Na ordenança de El Rey, elles naõ veraõ senaõ a sua
vontade, as necessidades do Estado, e a Charta. Nas
suas incertezas, elles se dirigirão aos Ministros. As suas
perguntas, expressas com franqueza, se daraõ respostas naõ
menos francas; pois as direcçoens estranhas naõ podiam
deixar de os desencaminhar. A sua tarefa he importante,
mas he fácil; porque he claramente indicada ; e porque
elles estaõ seguros do apoio de um Ministério vigilante, e
fortificado pela vontade c confiança d' El Rey.
A confiança que S. M. tem posto nos prefeitos naõ se
achará enganada nestas circumstancias. El Rey espera
delles, que dirijam todos os seus esforços a separar das
eleiçoens os inimigos do throno e da legitimidade, que
quereriam derribar aquelle, e lançar fôra esta; e os ami-
gos insensatos, que a fariam abalar, querendo servir de
outra maneira do que El Rey deseja; e que, na sua seguei-
ra se attrevem a dictar leys á sabedoria do Rey, e gover-
nar em vez delle. El Rey naõ quer alguma exaggeraçaõ.
Elle espera, da escolha dos collegios Electoraes, Deputa-
dos que tragam á nova Câmara principios de moderação,
que saõ a regra do seu Governo e de sua politica ; estes
naõ pertencem a nenhum partido, a nenhuma das socie-
dades secretas ; nem ouvem outros interesses senaõ os do
Estado e os do throno; em fim deputados, que naõ tragam
pensamentos reservados, e que respeitem com franqueza
a Charta, assim como amam a El Rey de coração.
4 D 2
568 Política.
O Ministro e Secretario d' Estado da Repartição da
Policia Geral.
(Assignado) O Conde D E CAZES.
Pela maõ d' El Rey. Approvado.
Luiz.

Falia aV El Rey na abertura da Sessaõ das Cameras


aos 4 de Novembro, de 1816.
Senhores,—Abrindo esta nova sessaõ, me he extrema-
mente agradável ter de regosijar-rae com vosco pelos, be-
neficios que a Providencia Divina se dignou conceder ao
meu povo e a mim.
A tranquillidade prevalece em todo o Reyno : as dispo-
siçoens amigáveis dos Soberanos estrangeiros, e a exacta
observância dos tractados nos garantem a paz externa ; e
se umaentrepreza insensata causou sustos, por um instante,
quanto á nossa tranquillidade interna, isso somente servio
de patentear outra prova da affeiçaõ da Naçaõ e da fideli-
dade do Exercito.
A minha felicidade pessoal se tem augmentado pela
uniaõ de um de meus filhos (porque vos sabeis que meus
saõ os de meu irmaõ) com uma joven princeza, cujas amá-
veis qualidades seguindo as attençoens do resto de minha
familia, me promettem uma feliz velhice, e daraõ, como
espero, á França novos penhores de prosperidade, confir-
mando a ordem de successaõ, primeira baze desta monar-
chia ; e sem a qual nenhum Estado pôde estar seguro.
A estas bençaõs, he verdade, estaõ annexas algumas
quebras. A intemperança da estação tem demorado a
colheita : o meu povo soffre, e eu soffro mais do que elle;
mas tenho a consolação de poder informar-vos, que o mal
he momentâneo, e que o producto da colheita será suffici-
ente para o consumo.
Infelizmente saõ ainda necessários grandes dispendios:
Politica. 669
eu ordenarei que se vos apresente uma fiel conta das des-
pezas, que saõ indispensáveis, e dos meios para occurrer a
ellas. O primeiro de todos he a economia. Eu a tenho
ja posto em practica, em todas as partes da administração,
e trabalho sem cessar para estender a sua operação. Sem-
pre unida em sentimentos e intençoens, a minha familia e
eu faremos, neste anno, os mesmos sacrifícios do anno
passado; e quanto ao mais, descanço na vossa affeiçaõ e
no vosso zelo pelo Estado, e pela honra do nome Francez.
Continuo, com mais actividade do que nunca, as rai-
nhas negociaçoens com a Sancta Sé, e confio que a sua
feliz terminação restabelecerá perfeita paz á Igreja de
França. Mas ainda naõ he isto tudo; e vós concordareis,
sem duvida, commigo na opinião de que naô devemos
restituir ao culto Divino aquelle esplendor, que a piedade
de nossos antepassados lhe tinha dado ; (infelizmente isso
seria impossível;) mas sim assegurar aos Ministros de
nossa sancta Religião um rendimento independente, que
os porá em condição de poder seguir os passos daquelle,
de quem se disse, " que fez bem aonde quer que foi."
Afferrados em nosso comportamento, assim como somos
no coração, aos divinos preceitos da Religião, sejamos
também afferrados aquella Charta, que, sem tocar em al-
gum dogma, assegura á fé de nossos pays a preeminencia,
que lhe he devida, e que, na ordem civil, garante a todos
uma purdente liberdade, e a cada um o pacifico gozo de
seus direitos, de sua condição, e de sua propriedade. Naõ
soffrerei jamais que se faça ataque algum, contra ésla ley
fundamental—a minha ordenança de 5 de Septembro mos-
tra istosufficientamente.
Em fim, Senhores, cessem todos os ódios : sejam os
filhos da mesma pátria, e, atrevo-me a dizêllo, do mesmo
pay, urn povo de irmaõs ; e reste-nos dos males passados
somente uma triste, mas útil lembrança. Tal he o meu
objecto, e para o obter descanço na vossa cooperação;
570 Politica.
mas, sobretudo, naquella franca, e cordeal confiança, que
he a única baze solida da uniaõ, tam necessária entre os
tres ramos da Legislatura. Descançai também nas mes-
mas disposiçoens de minha parte, e esteja o meu povo
seguro de uma inconcussa firmeza em reprimir os esforços
da malevolencia, e restringir o impulso do zelo demasiado
ardente.

Falia de Mr. Jalbert um dos Vigários-geraes, recebendo


a El Rey na Cathedral, antes da abertura da Sessaõ
das Câmaras.
SENHOR !—A Majestade Real, sempre tam alta, appa-
rece ainda mais elevada, no templo do Senhor. O povo,
vendo o Soberano, ante o qual todos se inclinam, inclinar-
se e humilhar-se elle mesmo na presença de Deus, eleva
mais do que nunca os seus pensamentos ao throno do Rey
dos Reys. Deste ponto de vista olham elles para a tor-
rente de Majestade, que desce sobre o Monarcha : uma
vóz do alto, similhante aquella que ouvio o povo d'lsrael,
congregado ao pé do monte Sinai, uma vóz do alto, a
vóz da Religião proclama esta suprema ley—O poder dos
Reys vem de Deus. Tal, Senhor, he o profundo senti-
mento de respeito, com que o Cabido Metropolitano re-
cebe agora o Rey de França, entrando na Casa de Oraçaõ,
entre os príncipes de sua augusta familia, os grandes de
seu reyno, e os deputados dos departamentos. Com a
Majestade, Senhor, descançam em vós a sabedoria, a jus-
tiça e a bondade. De todos os reys o mais desejado, vós
sois também o mais amado.
Nos sabemos, Senhor, a oraçaõ que dirigistes ao Omni-
potente. i Podemos nós esquecer-nos das memoráveis e
piedosas palavras de V- M., dirigidas ao clero de vossa
capital, e a nós ; aquella bella oraçaõ do Psalmo, " Com-
pletai, Senhor, o que haveis começado ; " e a minha oraçaõ
deve também ser a vossa.
Politica. 571
Tendes sido ouvido, Senhor, e sereis ouvido diaria-
mente. O vaso de grande valor, de que falia a Escrip-
tura, que desfigurado pela ferrugem tornou a apparecer
em sua beleza original pela abilidade do artista (Prov. 25),
he Senhor o emblema da França, que de novo torna a ser
objecto da predilecçaÕ Divina, confiada pela sabedoria
de Deus á sabedoria do Rey.

Resposta de Sua Majestade.


Tocam-me intimamente os sentimentos, que o Cabido
Metropolitano me tem expressado, por vosso meio. E u
convido o Cabido a unir com as minhas as suas oraçoens,
a fim de que, pela intercessaõ da Sanctissima Virgem, o
Espirito Sancto se digne derramar a sua luz sobre mim e
sobre as duas Câmaras, que se vam occupar com os desti-
nos do meu Reyno.

NÁPOLES.

Decreto contra as Associaçoens Secretas.


O notório perigo de consentir associaçoens de Pedreiros
Livres, e de outras Sociedades Secretas, nas quaes sempre
n moral, a religião, e os Governos vem a ser, como des-
graçadamente se tem visto desde o meado do século pas-
sado, naõ só objecto de irrisaõ e vilipendio, mas alvo de
surdas maquinaçoens, tem hoje despertado os Governos
sábios, e quasi todos tem procurado reprimir esta gan-
grena da Sociedade geral. Para cortar este mal he neces-
sária toda a vigilância e vigor; e intimamente convencido
o nosso Soberano da necessidade de medidas enérgicas,
expedio, e mandou publicar por todo o Reyno, a 8 deste
mez, uma ley do theor seguinte :—
" Fernando IV. pela graça de Deus, Rey das Duas
Sicilias, de Jerusalém, &c. &c.
" A tranquillidade dos nossos povos naõ he compatível
7
572 Politica.
com a tolerância, no nosso Reyno, das Associaçoens Se-
cretas, que formaõ Seitas. Os esforços que estas Asso-
ciaçoens fazem para envolver em mysterio o alvo de suas
instituiçoens, e os symbolos religiosos que algumas dellas
fazem servir a matérias profanas, espalham justamente a
publica desconfiança de suas operaçoens. Por outra
parte, ainda que taes Associaçoens em seu principio po-
dessem talvez propor-se indifferentes fins, com tudo, pelo
decurso do tempo, e seguindo o impulso das circumstan-
cias, podem facilmente degenerar em unioens criminosas.
Em summa, a contradicçaÕ entre os principios que diri-
gem as differentes Seitas, faz nascer o espirito de facçaõ,
os distúrbios, e as discórdias civis.—Por estas considera-
çoens, querendo estabelecer uma regra geral para a puni-
ção dos delictos commettidos por estas Seitas, e revogar
as disposiçoens particulares tomadas sobre este objecto em
diversos tempos, temos, pela presente ley, ordenado, e
ordenamos o seguinte :—
" A R T . 1. As Associaçoens Secretas, que constituem
uma Seil3, seja de que espécie for, sejaõ quaes forem suas
denominaçoens, seu objecto, e o numero dos seus mem-
bros, saõ prohibidas nos nossos dominios Reaes, e decla-
radas contrarias ás leys.
« 2. Os que contravierem á prohibiçaõ conteuda no
artigo precedente seraõ punidos por um desterro de cinco
até vinte annos. O máximo desta pena se applicará aos
Chefes, Directores, e Administradores da Seita.
u
3. Os que scientemente houverem cedido, ou per-
mittido o uso de sua casa, habitação, ou qualquer outro
lugar que lhes pertença, para a reunião da Seita, seraõ,
só por este facto, punidos com uma muleta de dez até
quinhentos ducados, e tres annos de degredo ; e fazendo
parte da reunião, seraõ além disso castigados conforme se
ordena no artigo precedente.
" 4 . Os que conservarem emblemas, papeis, livros ou
Politica. 573
outros signaes distinctivos da Seita, seraõ, só por este
facto, castigados com prizaõ de um a cinco annos. Os
vendedores, ou distribuidores destes objectos seraõ puni-
dos com o máxima desta pena.
" 5. As disposiçoens do artigo precedente naõ excluem
a applicaçaõ de penas mais graves, no caso de as Asso-
ciaçoens se terem feito culpadas de atlentados contra a
segurança interior ou exterior do Estado, ou de delictos
puniveis nos termos das leys que estaõ em vigor.
" 6. Os réos dos delictos previstos nos artigos prece-
dentes seraõ julgados por Tribunaes para isso destinados,"
&c. &c.—Napoies, 16 d'Agosto.

PAIZES B A I X O S ,
Falia de S. M. na abertura da Sessaõ dos Estados Geraes.
em Bruxellas, aos 21 de Outubro, de 1816.
ALTOS E PODEROSOS SENHORES !—Sinto a mais viva
satisfacçaõ em annunciar-vos, que existe a melhor intelli-
gencia entre este Reyno e as Potências Estrangeiras, e que
tudo nos authoriza a contar com a permanência destas
amigáveis relaçoens.
Por outra parte, naõ podemos deixar de sentir-nos pe-
nosamente affectos, com a extraordinária carestía que tem
havido de mantimentos, neste paiz, assim como na maior
parte da Europa.
Eu examinarei, com extrema attençaõ, os meios que o
Governo pôde oppor a esta calamidade ; porém, em ma-
téria taõ susceptível de exaggeraçaõ, e tantas vezes obscu-
recida pelas paixoens e pelo prejuizo, o ponto mais indis-
pensável he, um exacto conhecimento das particulari-
dades. Tem-se dado ordem para colligir, com o maior
cuidado, todas as informaçoens a este respeito; e a con-
vicção, que dellas resultar, regulará o meu comporta-
mento.
VOL. X V I I . N o . 102. 4E
574 Politica.
Apresentar-se-haõ a Vossas Altas Potências, nesta
sessaõ, varias medidas, tendentes a favorecer a desenvo-
luçaõ da industria e da agricultura, e d e nossas institui-
çoens e obras de utilidade publica. O exame, que dellas
se deve fazer nesta Assemblea, vos ministrará novas occa-
sioens de manifestar aquelle zelo infatigavel, e profundo
conhecimento, dos recursos da prosperidade publica, de
que a vossa sessaõ passada deo tantas provas.
Entre os estabelicimentos, que prescreve a ley funda-
mental, e pára que ainda naõ temos leys, que lhes sejam
applicaveis, nenhum he mais importante do que a milicia
nacional.
Está agora prompto, para ser submettido á vossa deli-
beração, o projecto de uma ley, que ha muito desejava ter
podido apresentar-vos ; e anticipadamente o recommendo
á particular attençaõ de Vossas Altas Potências.
Razoens de interesse geral dérara occasiaõ aos projectos
de troca, de pequenas porçoens de nosso território, por
algumas partes do território Prussiano. Hc esta uma das
oceasioens, em que, pelo Art. 38, da ley fundamental,
deve o tractado ser examinado pelos Estados Geraes. Eu
ordenarei, que se vos apresente, immediatamente, a Con-
venção, que se fez sobre este negocio; e se a vossa ap-
provaçaõ me abilitar a ratificálla, a linha das fronteiras
orientaes do Reyno ficará definitiva e completamente
regulada.
Quando se communicar aos Estados Geraes o mappa
dos rendimentos c despezas do thesouro publico, para o
anno que vem, veraõ Vossas Altas Potências, como espe-
ro, com muita satisfacçaõ, a considerável diminuição,
que, na conformidade de vossos, e meus desejos, se tem
feito nos encargos da administração geral. Em conse-
qüência, naõ será necessário, para cubrir as despezas, ne-
nhum augmento dos meios existentes, nem a creaçaõ de
recursos extraordinários. Ao mesmo tempo, a regulari-
Politica. 575
dade e facilidade na cobrança das rendas, cm quasi todas
as provincias, demonstram a saudável influencia, que a
liberdade do commercio, e de toda a sorte de industria
tem ja exercitado sobre a situação dos habitantes: porém,
nem esta circumstancia, nem algum dos factos, de que he
permittido presumir o constante augmento da solidez do
credito publico, me faraõ esquecer a necessidade de
maiores economias, e o dever, que me incumbe, de naõ
exigir de meus subditos nenhuns sacrifícios, senaõ os que
saó indispensável mente necessários para manter a honra e
segurança do Estado.
Se nos lembrar-mos, Altos e Poderosos Senhores, do que
se tem feito, no momento da maior difficuldade, para
segurar a independência do paiz, e a uniforme acçaõ do
Governo, he-nos permittido esperar, que os esforços, que
ainda temos para fazer, nos conduzirão a resultados igual-
mente favoráveis.
Perseverança para alcançar os nossos fins, franqueza em
concertar as medidas, constante applicaçaõ em fomentar,
em todos os coraçoens, as sementes da concórdia, confi-
ança, e benevolência,—he o que a NaçaÕ Bélgica espera
de nós: e nem o seu Rey, nem os seus Representantes
frustrarão taõ justas esperanças.

Resumo do Tractado entre El Rey dos Paizes Baixos e o


Principe Regente de Inglaterra e Hannover; comnru-
nicado aos Estados Geraes, em Bruxellas, aos 31 de
Outubro, 1816.
AUT. 1. O imposto chamado Droit d'Aubaine e o im-
posto chamado Gahella cVHeredité, e Redevance cTEmi-
gration, naõ seraõ daqui em diante exigidos nem cobra-
dos, quer a herança passe dos Estados de S. M. El Rey
dos Paizes Baixos para os dominios de Hannover, quer,
4 E 2
576 Politica.
deste paiz pa«a aquelle Reyno: e taes impostos ficarão
para sempre abolidos e suprimidos, pelos presentes, no pé
de uma perfeita reciprocidade.
2. Este arranjamento se extende naõ somente aos direi-
tos e impostos, cujo producto vem a ser para o thesouro
publico, mas também aquelles, que até aqui se tenham
cobrado por conta particular de algumas provincias, ci-
dades, aldeas, corporaçoens ou communidades quaesquer;
as quaes, consequentemente, naõ teraõ para o futuro poder
de exigir nem cobrar taes direitos ou impostos.
3. A dieta convenção he applicavel naõ somente a
todos os casos, que possam oceurrer para o futuro, porém
também aquelles que neste momento se adiarem pen-
dentes.
4. Comtudo, como isto diz respeito somente á proprie-
dade, e livre trespasse, os dous Reynos mantém em pleno
c inteiro vigor todas as leys relativas ás obrigaçoeus pes-
soaes e deveres militares ; e nenhum dos dous Governos,
de quem dimana a presente declaração, será limitado a
respeito de sua legislação sobre esta matéria.
Esta declaração foi ratificada por S. M. El Rey dos
Paizes Baixos, aos 6 de Outubro, de 1816; e por S. A. R.
o Principe Regente de Inglaterra e Hannover, aos 20 de
Agosto, de 1816.

ROMA.

Notificação, sobre o instituto, para extinguir a men-


diciade.
Hercules de Santa Agatha na Suburra, Diacono Cardeal
Consalvi, Secretario de Estado de S. Sanctidade o Papa
Pio V I I . Nosso Senhor.
Quanto merecem compaixão, e socorro os verdadeiros
pobres, os quaes sem culpa sua padecem o pezo da mi-
séria, e da afflicta humanidade, tanto saõ inteiramente in-
Politica. 577
dignos aquelles falsos mendigos, que, sendo robustos, e
aptos ao trabalho, fazem vida da mendicidade, usurpam
os recursos dos verdadeiros pobres, e defraudam a socie-
dade da industria nacional. Servem estes taes de des-
douro á religião, de inútil pezo á sociedade, e atascando-
se em vicios, e entregando-se a delictos, transtornam toda
a ordem moral e social. Convém pois segregar dos verda-
deiros os falsos pobres, c depois prover aos primeiros, se
Romanos, em Roma, se do Estado, nas suas respectivas
pátrias, soecorreudo-os, ensinando-os, e applicandoao
trabalho aquelles que delle forem capazes, aonde sirvam
de decoro á religião, e de vantagem á sociedade e ao
Estado.
Ha muito tempo que tam importante objecto em-
penha e occupa os amorosos desvélos do Coração sensível
c generoso do nosso Soberano. E se as difficeis circum-
stancias dos passados tempos poderam atéqui embaraçallo,
impaciente agora de odiíferir mais, deputou uma congre-
gação particular, a qual reflectindo nas normas de Xisto V.
e de Innoccencio X I I . seus gloriosos predecessores, e
buscando ao mesmo tempo luzes na experiência alheia,
e calculando as circumstancias actuaes, suggerisse aquillo
que mais adequado julgasse ao assumpto ; e d e mais fácil
execução.
Concluído o trabalho da deputaçaõ, e submettido ás
superiores luzes de Sua Sanctidade, ordenou logo se expe-
disse a primeira notificação relativa á resenha e classi-
ficação dos Probes roendicantes; mas bem depressa vio
com sua perspicácia e sabedoria, que formar novos, e
grandes Rcclusorios (Casas de reclusão) seria de longo re-
tardamento para a operação, e de intolerável dispendio
para o Erário: e também claramente vio que se viriaÕ
desde o principio a absorver com a assignacaõ dos fundos,
e com a dispendiosa construcçaõ dos grandes Edifícios,
5
578 Politica.
aquelles mesmos recursos que directa e utilmente se po-
dem distribuir no sustento dos Pobres de Jc-su Christo.
Por outra parte a idéa de reclusão he sempre odiosa, e
a separação forçada do Marido da Mulher, e dos Pais dos
Filhos he summamente dura e penosa. Ora a reclusão
só pode agradar ao Publico, quando, restricta a alguns
ramos, apresenta utilidade, como succede a respeito dos
Meninos e Meninas, Velhos, e Enfermos : porém Roma
abunda de Instituições parciaes para todos estes Ramos.
Estes poderão antes e deverão ser entretanto recursos da
grande obra, e como membros do grande Corpo, a que se
assemelha o novo Instituto Geral, que delles se ha de
livremente prover.
Daqui resultará também um benefício ás Instituições par-
ticulares, que ha tempo estavam em decadência ; porque
se lhes dará uma indemnizaçaõ proporcionada aos indiví-
duos, que o Instituto de Caridade lhes enviar, e seraõ
além disso entre elles repartidos aquelles mesmos fundos,
que no decurso do tempo o Instituto Geral houver de re-
ceber da caridade dos Fieis. Ao Instituto naõ convém
possuir, e administrar, por naõ estebelecer um novo Minis-
tério : todos os outros Institutos tem já seus administra-
dores ; nao augmentam por tanto os gravames pela aquisi-
ção de bens, e ficando assim as rendas na sua integridade,
poderá o novo Instituto geral calcular por inteiro a distri-
buição das respectivas indemnizaçoens.
Em ultima analyse, o pio Instituto se formará sobre
dous máximos fundamentos, a saber, de naõ formarReclu-
sorios evitará todas as grandes despezas de edifícios, e
terá no mesmo tempo á sua disposição tantos reclusorios
particulares, quantos lhe forem precisos : naõ possuindo,
terá todavia o fructo de possuir, e naõ administrando
evitará as despezas de Ministério sem perder o proveito.
Sendo esta a idéa geral do Instituto, que S. Sanctidade
Politica. 57g
benignamente acolheo, e approvou como a mais simples»
a mais expedita, e a mais adaptada ás circumstancias,
restava estabelecer os meios, e os recursos necessários para
a execução. Naõ obstante a máxima economia do pro-
jecto, naõ obstante evitarem-se grandes dispendios de Edi-
fícios e Ministério, ainda assim mesmo ha grandes despe-
zas que fazer, e graves pezos que sustentar. Bem conhe-
ceo S. Sanctidade, que, em apertado rigor, o Principado
deveria só proteger, garantir, e coadjuvar com a autho-
ridade. Sem embargo disso, naõ podendo resistir aos
impulsos do seu grande CoraçaÕ para com a classe dos in-
digentes, que faz um dos seus mais charos objectos, man-
dou se haja de subministrar do publico Erário cincoenta
mil escudos annuaes.
Esta somma comtudo naõ se deve considerar senaõ
como a primeira pedra do grande, e despendioso Edi-
ficio. As bases, e os alicerces devem lançar-se, e estabe-
lecer-se pela generosa caridade dos Subditos. Uma obra
que naõ conhece termo tem precisão de recursos illimita-
dos. A caridade he aquella única fonte inexbausta, a
que todos podem chegar sem a secarem, e a única que po-
de prover ás precisoens de todos. Por isso S. Sanctidade,
depois de haver dado um taõ grandioso excitamento, se
volve aos seus amados Subditos, e seguindo aquella or-
dem que a mesma Providencia ha traçado para os unir
entre si, recommenda aos abastados os indigentes como a
menina dos seus olhos ; lembra-lhes que o nome de cari-
dade naõ exclue o dever da mais estreita obrigação, que
os Ricos tem para com os Pobres: a razaõ o aconselha, a
Religião o manda, o adorado Soberano com seu excita-
mento o desperta.
Além disso, ja se exercita este dever, e em Roma espe-
cialmente se diffundem as esmolas em larga copia. Dei-
las participa o Romano, o Provinciano, e o Estrangeiro:
580 Politica.
usurpam muita parte dellas os falsos Pobres, e muitos abü«
sam dellas até ao ponto de lhes servirem para se embria-
garem. Naõ se tracta pois tanto de excitar ás esmolas,
quanto de conservar as que se daõ, e applicallas bem ; e
este he o ponto que o Nosso Soberano recommenda. Ora,
seria a maior incoheren cia, e absurdo, que á vista de taõ
nobre excitameuto, em lugar de alargar a maõ á caridade
assim regulada, e bem ordenada, se deixasse de querer
continuar naquella abundância de esmolas, que atégora
se tem diffundido sem ordem, sem objecto, e quasi po-
deria dizer-se, á força daquella iraportunidade, que a to-
dos perturbava em qualquer lugar de devoção, de diver-
timento, e de commercio. Seria talvez ainda mais absur-
do e incoherente, que clamando agora Iodos contra a
importunidade dos Pobres, de que saõ em toda a parte
investidos, e mostraudo-se promptos a qualquer coopera-
ção para delles serem livres, quando pois se vejam real-
mente livres delles, e tenham ao mesmo tempo a segu-
rança do objecto, e da ordem de uma exacta distribui-
ção, deixassem de querer continuar com as custumadas
esmolas.
Sua Sanctidade julgaria fazer uma injustiça á piedade
dos seus Subditos, e especialmente á generosidade dos
Romanos, se dellas por um momento duvidasse. E por
isso he que encarregou ao Eminentíssimo Cardeal Vigário
coordenasse por meio dos seus Parrocos, e propozesse ao
Publico por uma Notificação contemporânea uma Collecta
Semanal, e Mensal, a qual por outra parte, tanto na
quantidade, como na duração do tempo que se quizer dar,
dependerá totalmente do pleno e livre arbítrio dos Contri-
buentes. Basta que a maõ seja regulada pelo coração, o
coração pelo amor, e se o amor do Soberano se diffundir
no coração dos Subnitos abastados, naõ haverá indigente
que naõ seja soccorulo.
Politica. 581
Mas i qual será a distribuição ? Aos Meninos, e ás
Menias, que carecem de educação, e de alimento seraõ
abertas as Casas de Orfaõs e os Recolhimentos, aos Ve-
lhos e Velhas os Hospícios próprios delles, aos Enfermos
de qualquer espécie, ainda mesmo que sejam chronicas, e
naõ de febre, seraõ abertos os Hospitaes, c supprirá o
novo Instituto Geral as despezas de todos. Os outros seraõ
ensinados a trabalhar, e soccorridos no respectivo domicilio
ou por inteiro, ou com aquella porçaõ que lhes faltar,
por aquelle methodo imparcial e exacto, que no plano
geral será indicado, e individuado. Por este methodo, e
cora esta classificação se dará soccorro a todos os verda-
deiros indigentes, ou sejam dos que mendigam ou dos que
por vergonha se abstem de o fazer. Começar-se-ha pelos
primeiros, tanto porque interessa muito desterrar de Roma
o aíllicto espectaculo de vêr correr as ruas, assediar as
casas, diatrahir a devoção, e offender a reverencia nas
Igrejas uma turba de Pedintes, como porque sendo isto
essencialmente connexo com os systemas da Policia pu-
blica, reclama o mais prompto, e acertado provimento,
para o qual a Deputaçaõ a isto destinada se porá em con-
corrente accordo com a mesma Policia. Nem por isso
comtudo se deixará de cuidar nos outros, os quaes tam-
bém merecem particular attençaõ: mas para isto he real-
mente necessário liberalizar esmolas, que cheguem a todos,
e que para todos sejam sufficientes.
E para que ninguém possa duvidar nem da fiel distri-
buição, nem da ordem exacta e uniforme que se ha de ob-
servar neste pio, e Geral Instituto de Caridade, ou de
publico soccorro, seraõ estabelecidas em Roma 14 Con-
gregações Parroquiaes, ou Prefeitoriaes, (que saõ tantas
quantas as Prefeituras Ecclesiasticas, em que se reúnem as
diversas Parroquias da Cidade) compostas de todos os
Parrocos das respectivas Prefeituras, de Deputados pro-
bos, e de exemplares Matronas, os quaes com a assisten-
VOL. X V I I . No. 102. 4 F
582 Politica.
cia de um Secretario se reunirão tadas as semanas para
tomarem conhecimento das necessidades particulares dos
Pobres da sua Prefeitura e provellos. Estas Congregaçoens
pois se corresponderão com a Congregação directora, que
será composta do Monsenhor Vicegerenlc como Presidente
da mesma, do Monsenhor Substituto da Secretaria de Es-
tado, e de respeitáveis Ecclesiasticos e Seculares tanto
Nobres, como Cidadãos, e se reunirá ao menos um dia
cada semana, com a assistência de um Secretario geral,
e dos Promotores da Obra. Esta mesma Congregação
pois denominada a directoria, que formará centro de todas
as outras, dependerá da Congregação principal, composta
dos Eminentíssimos Cardeaes, Secretario de Estado Inte-
rino como Presidente, Vigário, Pro-Datario, Secretario
dos Breves, Prefeito do Bom Governo; e dos Monse-
nhores Governador de Roma, Thesoureiro, Vice-gerente e
Esmoler do Nosso Soberano. A dieta Congregação prin-
cipal se reunirá duas vezes cada anno com a assistência
igualmente do Secretario Geral, e dos Promotores para
chamar a exame o que a Congregação directora tiver feito
no decurso do semestre ; de modo que a directora ficara
como no meio entre as Prefectoriaes, e a Principal, para
se corresponder com estas, e depender daquella.
Com este methodo se lizonjea Sua Sanctidade, que virá a
firmar-se em todos tal confiança, que superabundem as
esmolas, e venha a Pia Instituição a receber complemento
e esplendor. Assim, Sua Sanctidade, na persuasÕ desta
confiança, que verá inspirada ao publico, quer, que mes-
mo nas Provincias se introduza, e se mantenha, quanto
for possivel, um systema uniforme, e por isso manda,
que em cada districto se estabeleçaõ as Congregações Par-
roquiaes sendo um;*, só a Parroquia, ou Prefeitoriaes Ec-
clesiasticas, se houver mais, como succede em Roma;
que estas Congregações se correspondam com a Congrega-
ção directora que se ha de estabelecer em cada Cidade
Política. 583
Episcopal; e que finalmente as respectivas Congregações
directoras se correspondam com a directora de Roma, a
qual, naquillo que poder ser precizo de providencia su-
perior, recorrerá á Congregação Principal. Para estes
objectos assim como para o regulamento das Collectas,
para a indicação dos outros recursos, para a subsistência
e instrucçaõ dos mendigos, e para tudo o mais que possa
oceorer, se mandarão a todos os Bispos do Estado as Or-
dens relativas e conducentes ao objecto, reservando-lhes a
liberdade de adaptar as disposições ás circumstancias dos
lugares, e das respectivas Populações.
As dietas Congregaçoens, tanto na Capital, como nas
Provincias seraõ organizadas de modo, que precisem de
mui poucos empregados, para evitar toda a despeza,
que naõ for de absoluta necessidade ; mas a escolha dos
mesmos Empregados deverá ser feita na totalidade dos
Pobres, e aquelles que reunirem honestidade, e habili-
dade, quanto mais pobres, tanto mais merecedores seraõ
de ser escolhidos. Assim poderá dizer-se, que aquella
mesma somma que se emprega na mantença dos Emprega-
dos (bem que proveniente do publico Erário) se vai dis-
tribuir em alivio dos Pobres. E as respectivas Congrega-
çoens com o exercitar este primeiro acto daraõ um lumi-
noso testemunho da sua sincera dedicação, e do mais em-
penhado zelo.
Depois de tudo isto ficava uma cousa ainda a providen-
ciar, e he que aquelles Pobres, que, ou do Estado, ou de
fora, vem a Roma, ou com o apparente pretexto, ou com
o verdadeiro motivo de Religião, como por exemplo de
visitar os Lugares Sanctos, cumprir Promessas, ou Peni-
tencias, requerer Dispensas Matrimoniaes, e cousas simi-
lhantes, naõ sejam conf"usamente expulsados como men-
digos Estrangeiros. Porém a isto também se ha de pro-
ver com um methodo simplicissimo. Por systema de Po-
licia deverão deixar á porta, porque entrarem na Cidade,
4 F 2
584 Politica.
os seus Passaportes, e serem acompanhados pessoalmente ao
Palácio do Governo ; o qual, em tendo verificado que saõ
de tal qualidade que naõ tem por si mesmos modo de se
sustentarem, os fará acompanhar á Trindade dos Peregri-
nos, aonde um Commissario da Deputaçaõ da Caridade,
ou da chamada Congregação directora, terá cuidado de
os mandar prover do necessário, e aonde ura Agente e Ex-
pedicionário (Procurador de Bullas, &c. em Roma) da
mesma se encarregará dos seus negócios, e procurará fa-
zellos expedir o mais depressa possivel. Expedidos que
sejam, dará disso parte ao Governo, o qual cuidará em
lhes restituir o Passaporte, e em tomar as opportunas me-
didas para que immediatamente partam.
Espera Sua Sanctidade no Senhor, de quem dependem
todos os bens, que abençoará, e auxiliará as suas rectas
intenções de modo, que á humanidade resulte vantagem,
decoro ã Religião, e seja durável e permanente uma e
outro. Mas para que isto mais facilmente se cumpra, e
se evite ao mesmo tempo toda a confusão, e desordem, se
adverte ao Publico, que sendo vasta a obra, naõ pode
executar-se toda a um tempo: deve portanto effectuar-se
por diversas vezes, e com aquella madureza, que em todas
as suas partes exige.—Dada na Secretaria d'Estado aos
22 de Março, de 1816.—E. Card. Consalvi.
(Seguia-se a lista das Pessoas nomeadas por S. S. para
as CongregaçÕens, &c.)
[ 585 ]

COMMERCIO E ARTES.

CONTRACTO DO T A B A C O .

A. HISTORIA do que se tem passado, sobre a ultima ar-


remataçaõ do Contracto do Tabaco em Portugal,he de sum-
ma importância para a naçaõ Portugueza, e por isso con-
vém que a deixemos registrada com alguma miudeza, nes-
ta parte do nosso Periódico.
Os repetidos clamores, contra os immensos lucros dos
Contractadores, que obrigaram o Governo a fazer demon-
straçoens de uma arremataçaõ publica e formal, produzi-
ram, pela primeira vez, unicamente a confissão da parte
do Governo, de que éra justo pôr em competência dos
particulares, que quizessem lançar, a arremataçaõ destas
importantes rendas do Erário; uma vez, que se deseja ar-
rcndallas. E os contractadores antigos, desdenhando de
seus lucros, e sabendo que, pela falta de tempo, naõ have-
ria quem lançasse, declararam, que somente lançariam no
Contracto por aquella vez, por fazer serviço a El Rey ; e
naõ porque esperassem lucros , e, em prova desta sua as-
serçaõ, declararam mais, que nunca tornariam a lançar
nem embaraçar-se com o Contracto, quando se tornasse a
pôr a lanços.

Representação dos Contractadores do Tabaco ao Govemo.


SBNHOR!—Ordenando V. A. R., que sejamos ouvidos so-
bre o lanço de Jozé Diogo de Bastos e Companhia, para a fu-
tura arremataçaõ do Contracto do Tabaco e Saboarias destes
Reynos, ilhas adjacentes e Macau; cumpre dizermos, que,
sendo muito louváveis no conceito geral as acçoens characte-
risticas de verdadeiro e ferveroso patriotismo, e custumando ser
7
586 Commercio e Artes.
igualmente gloriosas para os cidadãos que as practicam; ex-
traordinariamente acontece, no caso presente, servir o inculca-
do zelo dos referidos lançadores, mais para evidenciar o amor
qae sempre professamos á nossa Pátria, e ao nosso Soberano, do
que para conceituar os mesmos lançadores, movidos a fazerem
a arremataçaõ, qae pretendem, pelo simples desejo do coadju-
varem os interesses da Real Fazenda ; porquanto:
Propõem a arremataçaõ debaixo de tres cláusulas, constan-
tes do seu requirimento, quo a sua inexperiência lhes fez pa-
recer practicaveis, e sufficientes para colherem o melhor resul-
tado da empreza; fazendo por este modo mais brilhante o
serviço, que temos prestado a S. A. R.; sustentando o Con-
tracto nos últimos quatro annos decorridos até hoje; e pro.
pondo-nos ainda a sustentallo, no breve espaço, que falta, para
se completar o proza da nossa arremataçaõ, fazendo frente ás
adversidade», originariamente motivadas pelas notórias des-
graças, que sobreviéram a este Reyno; c acquiescendo á total
annihiiaçaÕ das condiçoens favoráveis, qae S. A . R. nos outor-
gou, e a que se havia proporcionado o grande preço do mesmo
Contracto; sendo alias as dietas annihiladas condiçoens tam
essencíaes para a existência da exclusiva contractada, e a soa
infracçaõ tam ponderosa e conseqüente, como recopiladamente
o vamos a demonstrar.
Pela condição 34*. da nossa arremataçaõ, se estabeleceo,
que, oa Bahia, se observariam os Regimentos da Alfândega e
Juncta do Tabaco, quo regulam a exacta arrecadação do gê-
nero, e a sua exclusiva direcçaõ para o deposito desta Cidade,
e porque naquella Capitania se tornou o promettido estanco em
arbitraria liberdade para se navegar o mesmo gênero para todo
e qualquer porto, mesmo sem excepçaõ dos que expressa e so-
lemoemente fôram vinculados ao nosso Contracto; segue-s*
que ficou annihilada a referida condição, sendo alias tam essen-
cial a sua subsistência, quanto he indispensável que os
Contractadores tenham facilidade na compra do gênero ; cujo
fornecimento faz o principal objecto da obrigação a que se
ligáiam. O triste resultado desta alteração tem sido: Io. -»
repetidas compras de tabaco, que mandamos fazer em Londres
Commercio e Artes. 587
e Gibraltar, cedendo ao gravoso plano, que se propuzéram os
proprietários dos mesmos tabacos, para tirarem o melhor e
mais avultado partido da nossa urgência: e Io. propagar-se o
contrabando neste Reyno, pela facilidade com que se passa o
tabaco de Gibraltar para a provincia do Algarve.
As immunidades outorgadas na condição 42*. a favor dos es-
tanqueiros, tem sido igualmente infringidas, naõ obstante de-
clarar-se na mesma condição, que, sendo applicado o producto
do tabaco á defensa do Reyno, convinha excitar por aquelle
meio o maior disvcllo na indagação e prevenção dos desca-
minhos. A pr< judieiülissima conseqüência desta infracçaõ tem
sido: Io. Eximirem-se muitos dos referidos estanqueiros do
seu exercicio, com espantosa diminuição nas vendas, por se-
rem muitos os lugares em que naõ ha quem as faça: e 2*. pro-
pagar-se o contrabando nesses mesmos lugares; por isso mesmo
que lhes faltam aquelles fiscaes, que pugnavam cumulativa-
mente pelo seu e nosso iuteresse.
A condição 43'. da mesma forma tem sido alterada, na parte
em que declara privilegiados, izentos de todo e qualquer em-
bargo,os transportes empregados nas conducçoens concernentes
ao nosso Contracto; seguindo-se daqui nao so falharem as
vendas naquelles sitios aonde temos ainda quem as faça, pela
impossibilidade de lhes remetter os gêneros, e seguindo-se lam-
bem o nao pequeno detrimento de se dificultar a arrecada-
ção e transporte dos nossos fundos, dispersos por todas as pro-
víncias do Reyno.
Durante a primeira invasão deste Reyno, acontecida infe-
lizmente, no anno de 1807, e pelo conseqüente bloqueio do
nosso porto; providentissimamento ordenou V. A . R., que na
ilha da Madeira se recolhecem aos cofres Reaes os productos
daquella administração do tabaco, cujas contas naõ se liqui-
daram ainda, como he necessário, para ter lugar ajusta indem-
nizaçaõ daquelle consumuio e rendimento.
Na mesma ilha abusivamente se admittio a despacho todo o
sabaõ estrangeiro, que ali aportou, e também deste prejuizo
nao fizemos ainda a opportuna reclamação.
Era conseqüência da segunda invasão acontecida na provin.
sia do Minho, em o anno de 1809, nao só fôram saqueadas as
588 Commercio e Artes.
administraçoens do tabaco de Guimaraens, Vianna, Barcellos,
Valença e Braga; mas outrosim roubado o dinheiro, que
existia na caixa da administração do Porto, aonde se havia re-
unido geralmente e segundo o custume, o rendimento das Co-
marcas dependentes daquella repartição, que saÕ todas as pro-
vincias do Minho e Tras-os-montes, e parte da Beira.
Na terceira das referidas desgraças experimentada no suc-
cessivo anno de 1810, nao só fôram roubadas pelo inimigo
todas as administraçoens do nosso Contracto, estacionadas na
vereda, que seguio aquelle infame exercito, desde a raya do
Norte até a margem do Tejo, a quatro léguas de distancia
desta Cidade; mas dilataram se ainda mais as nossas perdas,
pela privação do rendimento nas terras tenazmente oecupadas
pelo mesmo exercito; pelo diminuto consummo que nellas tem
havido posteriormente, em razaõ da mizeria e devastação dos
seus habitantes ; e porque sendo da mais triste e constante ex-
periência, que similhantes fatalidades, ainda quando parciaes,
custumam produzir transtorno e perturbação geral; seguio-se
daqui o nao se limitarem as nossas perdas ás que motivaram
aquellas immediatas hostilidades; mas o experimentallas sem
excepçaõ em todo o Reyno, ja porque as ponderadas pertur-
baçoens oceasionáram roubos feitos a muitos administradores;
e ja porque outros tiraram dellas pretextos para cohonestarem
o criminoso plano, que se propuzéram de nos fraudarem.
Em todas as derramas incumbidas á Real Juncta do Com-
mercio, para as contribuiçoens extraordinárias de defeza, foi
excessivamente mulctado o nosso Contracto; e temos contri-
buído com as quantias, em que fomos collectados, sacrificando
á causa publica um encargo, que se nao comprehendia nas
obrigaçoens convindas.
Os mordentissimos damnos ja experimentados por effeito
destas infracçoens, e dos accontecimentos que as motivaram;
e as importantes conseqüências, que ainda podem produzir,
tem sido exactamente avaliadas pelo Governo deste Reyno; c
por esta Juncta da Administração do Tabaco, prestando-se
simultânea e promptamente a prevenir a continuação de tam
grandes males por meio das ordens mais efficazes, e das provi-
Commercio e Artes. 589
dencias, que pareciam obvias ; e que sem duvida o seriam, se
os Magistrados e mais authoridades, aquém eram dirigidas, naõ
encontrassem para a sua inteira execução insuperáveis obstá-
culos, derivados das locaes circumstancias, e de infinidade de
oceurrencias extraordinárias, que frustram e inutilizam as mes-
mas providencias, tam opportuna e sabiamente decretadas.
A constante resignação, com que temos supportado tam
longa serie de contratempos e sacrifícios, prova indubitavel-
mente, que nao he nem foi jamais da nossa intenção firmar
interesses no augmento das urgências do Real Erário, e sobre
a mizéria publica dos nossos concidadãos; e pela resolução,
que unanimemente temos adoptado, de naõ intervirmos, por
agora, em nova formal e durável arremataçaõ deste Contracto,
mostramos que o nosso systema também he dictado pela vir.
tuosa prudência, que imperiosamente prohibe a todo o homem
fazer-se cargo da responsabilidade, que naõ pode avaliar, nem
medir pelas suas faculdades ; arriscando por conseqüência um
criminoso inadimplemento das obrigaçoens contrahidas ; o que
seria tam impróprio do nosso character, como punivel pela
natureza do negocio, e ainda mais pelo respeito, que se deve a
uma convenção feita debaixo do Real nome.
Para que nao pareça affectada a impossibilidade que allega.
mos para avaliar o futuro êxito deste negocio, podemos affir-
mar com a ingenuidade que professamos, que sabemos simples,
mente pela diminuição na entrada de dinheiro na caixa, e na
saida de tabaco e sabaõ das fabricas, qne tem havido conside-
rável quebra no rendimento do contracto; mas qual seja a
exacta medida destas diminuiçoens, nao he possivel conhecêlla,
visto que, ja pela real perturbação e impossibilidade de alguns
administradores, ja pelo dólo e malicia de outros, faltam
moitas contas daquelles subalternos, seguindo-se daqui o atrazo
- irregularidade dos nossos livros, e a phisica impossibilidade
para calcularmos a existência dos tabacos e saboens dispersos
por todo o Reyno ; a importância das dividas activas realiza,
veis; o valor preciso dos roubos soffridos, e finalmente o es-
tado presente dos fundos do Contracto. E o que somente
VOL. X V I I . N o . 102. 4G
590 Commercio e Artes.
sabemos e podemos dizer, com inexplicável satisfacçaõ, he,
que até agora tem sido prehenchidas da nossa parte as obriga-
çoens a que nos ligamos; e que, no curto espaço, que ainda
resta para se completar o limite da actual arremataçaõ, espe-
ramos desempenhar todas aquellas, que forem de razaõ e de
direito ; porém se nos podemos propor a esta exactidaõ, no
breve espaço de um anno, que tam somente falta para expirar
o nosso contracto, nao podemos sem temeridade responsabili-
zar-nos além deste limite, e por largo prazo; assim pelas ra-
zoens acima ponderadas, como igualmente porque, em conse-
qüência do estabelecido systema de nos abstermos deste nego-
cio, omittimos todas as disposiçoens, que se fariam essencial-
mente necessárias para a continuação delle; as quaes demandam
tanta anticipaçao, quanta evidenciamos dizendo, que se faz
necessário um corpo de novas condiçoens, perfeitamente com-
binadas com as também novas e actuaes circumstancias oceur-
rentes ; cuja combinação e determinação constitue uma grande,
importante, e dilatada o b r a ; e que saõ outro sim precisas
muitas outras disposiçoens econômicas, comprehendido o for-
necimento, e ordens dirigidas a Macau, para o que naõ pôde
haver tempo, considerada a demora que deve ter a dieta com-
binação e approvaçaõ das novas condiçoens, que devem pre-
ceder á ultimação solemne do ajuste.
Isto supposto, e na fundada consideração de ser tam con-
veniente para a Real Fazenda, como para quaesquer novos
arrematantes do futuro Contracto do Tabaco transferira nova
arremataçaõ por tanto tempo, quanto for necessário para esta-
belecer as novas condiçoens, e para os mesmos novos contrac-
tadores opportunamente tomarem as medidas, e expedirem as
ordens oceurrentes sem acceieraçaõ, mas antes com o acordo
que exige a regularidade do fornecimento publico: E que-
rendo ao mesmo tempo fazer mais um serviço a V . A.R., pro-
pomo-nos a costear o Contracto e continuar as mesmas con-
signaçoens, que actualmente fazemos no Real Erário, por mais
um anno, ou quando muito anno e meio, que tanto bastará
para a execução e regularidade dos referidos delineamentos
preparatórios, que exige a formal e durável arremataçaõ, e
Commercio e Artes. 591
isto debaixo da expressa cláusula de V. A. R. decretar facul-
dade para vendermos neste prorogado e breve iptervallo o
Rape ordinário, que presentemente se distingue com a marca
preta, ao mesmo actual preço de 800 reis por arratel: o outro
melhor tabaco denominado marca vermelha, a preço de 1.200
reis; o mais superior chamado da Princeza, pela sua mais
dispendiosa manipulação, e porque se compõem de folha mais
rara e especial, a preço de 1.600 reis por arratel ; e que igual-
mente nos permitta, que vendamos a preço de 2.000 reis por
arratel, outro ainda mais superior Rape, que a custo de avul-
tadas despezas, e muito repetidas e ja adiantadas experiências,
esperamos com fundada razaõ poder fazer ; o qual destinamos
distinguir com o nome Principe; cujo novo fabrico, bem que
nao poderá ser abundante pela raridade da folha, que lhe he
própria, será com tudo bastante para satisfazer aos consummi-
dores mais caprichosos ; e para mostrar o ultimo gráo de per-
feição, a que o nosso incançavel desvello chegou aquella ma-
nufactura.
Consideramos nesta proposta todo o character de admissível;
ja porque o lembrado augmento, na sua generalidade, e mes-
mo no sen maior termo de 2.000 reis por libra, na pequena
porçaõ de tabaco superlativo e denominado Principe, o naõ
constitue mais caro, ou excedente em valor a qualquer das
qualidades de tabaco de pó chamado vulgarmente Portuguez ;
ja porque o mesmo augmento vem a recair somente na classe
dos consummidores abundantes, que arbitrariamente e sem de-
trimento podem sacrificar maiores preços ao seu appetite ; po-
dendo a outra classe menos caprichosa e rica provêr-se de
rape da marca preta, sem excesso de preço visto que se lhe
conserva o antigo de 800 reis ; nao obstante estar esse mesmo
rape grandemente melhorado, comparativamente á qualidade,
que tinha quando foi arbitrado o dicto preço ; ja porque nao
sendo por sua natureza pungentes estes augmentos, mesmo
com a maioria de 40 reis em libra, que pagam as pessoas que o
compram em latas ; ainda mais suave se deve reputar, conside-
rando-o na maior razaõ, que antigamente se pagava o rape
Francez, que em outro tempo se introduzia clandestinamente
4o2
592 Commercio e Artes.
neste Reyno; e ja, em summa, porque o resultado deste aug-
mento pode vir a servir de padraõ e baliza para graduar o maior
preço, que V. A. R. deverá estabelecer na fatura arremataçaõ
em augmento de suas Finanças.
O exacto desempenho das nossas obrigaçoens, que devemos
ter sempre em vista, antes de nos ligarmos a ellas ; as circum.
itancias geraes, e as particulares deste negocio : e a situação e
character pessoal de cada um de nós, naõ permittem que nos
prestemos a outro algum serviço a este respeito; e para que
V. A. R. naõ deixe de avaliar como tal a prorogaçaõ tempo-
rária que propomos, na consideração de a lembrarmos como
habilitação para o futuro Contracto, desde ja protestamos for.
mal e solemnemente naS intervir na sua arremataçaõ.
A' vista do exposto V. A. R. resolverá, segundo custuma,
•omo Soberano sábio e justo.
Lisboa, 5 de Dezembro, de 1811.

Depois desta solemne declaração dos antigos contracta-


dores, naõ se devia esperar, que elles tornassem a lançar
sobre o Contracto, e coratudo, quando a Companhia
de Diogo Ratton propôs as condiçoens, que transcre-
mos (Corr. Braz. vol. xvii. p. 170), e assignou o-seu
lanço para se lhe arrematar o Contracto, sahio o Baraõ
do Sobral, um dos Contraetadores antigos, com a sua
Companhia, e apresentou um requirimento ao Governo,
para embargar que se nao arrematasse o Contracto á Com-
panhia de Ratton, e offereceudo-se a lançar; como se vê
do seguinte documento :—

Requirimento do Baraõ do Sobral, contra a arremataçaõ


do Contracto do Tabaco, feita a Diogo Ratton.
SENHOR !—Diz o Baraõ do Sobral com a Companhia, que
formara para lançar no Contracto Geral do Tabaco, que ac-
tualmente está em praça ; que, persuadido que devia lançar
sobre as actuaes condiçoens, pois nem mesmo outro systema
estava communicado legalmente, mandou lançar no dia 22 do
Commercio e Artes. 593
corrente, ultimo da praça, e entaõ achou que Jozé Diogo de
Bastos, com a sua Companhia, lançava com plano novo ; a
saber, dando a quinta parte dos interesses para a Real Fazen-
da, e lançando também sobre o actual preço, segurava nesta
um tanto, quando os iuteresses nao chegassem a uma certa
quantia. Isto deo causa a questoens na praça, que fizeram
cessar toda a expectaçaõ ; porque nao estava annunciado por
forma alguma, que os lançadores devessem lançar de um certo
e determinado modo, o novo plano contra o uso do Reyno, e
muito mais neste contracto de que nao ha exemplo : nem
aquelle modo illusorio, que pôde ser sinistro, deve embaraçar
o actual systema de lançar, Sempre usado, próprio do caso, e
que talvez pode utilizar com mais segurança á Real Fazenda,
do que complicando.se com liquidaçoens simuladas, sempre
difficeis, além de repugnar a direito, que o sócio, que goza do
lucro, naõ entre na perda. Nesta consideração, na de ser
este um objecto mui sério, c dever existir na praça um systema
inalterável, que evite questoens, supplica a V . A. R., que,
consultando a Real Juncta do Tabaco, o que entender sobre o
acontecido no dia 22, se digne de eníaÕ resolver, que seja o
estylo, uso antiquissimo do Reyno, para se verificarem os
lanços dos concurrentes, sobre as actuaes condiçoens, atten-
didos somente o maior lanço, e a idoneidade dos lançadores,
de que unicamente o Supplicante e seus sócios estavam persua-
didos, repellido aquelle systema, como de conhecida illusaõ,
quanto basta para nao susteutar.se.
Pede a V. A. R. se digue haver por bem ordenar, que con-
sulte o systema fixo deste importante objecto, para se pôr em
praça nessa conformidade, e se evitar a confusão, que naõ he
compatível com elle. E. R. M c e .

Representação de Diogo Ratton â Juncta do Tabaco,


sobre a arremataçaõ do Contracto, em Resposta ao
Requirimento do Baraõ do Sobral.
SENHOR!—Diogo Ratton e a Companhia, que para ista
formar*, propoz a V . A. R. arrematar o Contracto Geral
594 Commercio e Artes.
do Tabaco, além de outras condiçoens, debaixo das seguiu-
tes:—
1*. De fazer a Real Fazenda Sócia, ou, para melhor dizer
participante de uma quinta parte dos lucros, que se percebe-
cem, além de dar pelo Contracto tanto quanto davam os ac-
tuaes Contractadores. 2 \ De segurar, que esta dieta quinta
parte nunca pudesse ser menos, para a Real Fazenda, do que
cem mil cruzados.
Chegou o prazo, em que devia arrematar-se o Contracto,
propôz-sc o lanço do Supplicante, que dava assim os cera mil
cruzados mais do que o Contracto rendia, alias 40:000.000 de
reis; foi-lhe seu lanço afrontado até 00:000.000 de reis; em
que lho deixaram ; e, quando nao apparecêo nenhuma outra
pessoa, que lançasse, o Supplicante animado de zelo de fazer
maior interesse á Real Fazenda, propoz de seu motu próprio
mais 20:000.000 reis, que, com 60:000.000 faziam 80:000.000
de reis, sobre o preço actual do Contracto.
Nestas circumstancias parecia que éra de justiça, que o Sup-
plicante ficasse com o Contracto arrematado segundo o termo
do seu lanço, que nesta Real Juncta se lavrara, por isso mes-
mo, que, propondo dar á Real Fazenda uma porção igual á
quinta parte dos lucros, que pôde muito bem montar a
100:000.000 reis, ou mais, ainda no caso de naõ existirem estes
lucros, a Real Fazenda sempre seria contemplada com a con-
siderável quantia de 80:000.000 reis sobre o preço actual;
porque anda arrendado o mesmo Contracto.
No entanto, Senhor, aquelles, que levam as cousas por me-
ras rotinas, e se naõ querem cansar com assíduas e melindrosas
analyzes, de que lhes resulta um mais sabido, ainda que mais
pequeno lucro, traçaram, em nome do BaraÕ do Sobral e
Companhia, um requirimento desairoso, e pouco decente de
V . A. R., do negocio, e da verdade desfigurada; o que tudo
produzio o Avizo, que mandou, que o Contracto tornasse no-
vamente á praça, tornando assim sem effeito o termo do lanço
do Supplicante, que, á falta de lançadores, se lavrou nesta
Real Juncta. Eis aqui pois o que he passado. Cumpre agora
ao Supplicante mostrar duas cousas.
Commercio e Artes. 595
Primeira. A calumnia do requirimeuto, c o subterfúgio e
illusaõ, que nelle se suggerio, para se nao effeetuar a arrema-
taçaõ do Contracto no lanço do Supplicante, sem no entanto
(segundo a ley) ter havido novo lanço, e em a terça parte.
Segunda. Quaes saõ as desconhecidas c extraordinárias
vantagens, que o Supplicante grangea á Real Fazenda pelo
dicto seu plano ; sendo a olhos vistos o mesmissimo das arre-
mataçoens até agora seguido neste Reyno, contra toda a pre-
tençaõ do dicto requirimento, que propoz ser-lhe opposto:
analyzemos pois as razoens frivolas, e menos decentes, que no
requirimento se ponderam ; e saõ as seguintes:—
Primo. " Que nao estava annunciado por forma alguma,
que os lançadores deviam lançar de um certo e determinado
modo, ou novo plano, contra o uso do Reyno."
Segundo. *' Que aquelle modo he illusorio, e pode ser siuis.
tro, complicando a Fazenda Real com liquidaçoens simuladas,
sempre difficeis, &c."
Tertio. " Que he repugnante a direito, que o sócio, que
goza do lucro, naõ entre nas perdas."
Estes tres fictícios e sediciosos pontos nao merecem ser at-
tendidos ; porque o primeiro he tanto um subterfúgio e roa-
chinaçaÕ, que, sendo o uso do Reyno, nas arremataçoens dos
Contractos da Real Fazenda, o dállos a quem mais interesse
lhe faz, o que o Supplicante propõem, he o mesmissimo ; porque
lançou mais uma quinta parte do lucro, quo proviesse do mesmo
Contracto, e segurou este lucro, no caso de falência, em cem
mil cruzados certos para a Fazenda Real. O mesmo Baraõ
do Sobral fez subir a segurança deste lucro até cento é cinco-
enta mil cruzados, aliás 60:000.000 ; e ultimamente o Suppli-
cante, quando nao havia quem o aífrontasse a fixou por seu
próprio arbítrio em 80:000.000 reis ; vindo tudo isto a reduzir-
se (tirada a questão de palavra) a que o Contracto ficara DO
lanço do Supplicante por duzentos mil cruzados mais do qoe
actualmente rende; ficando ainda uma vantagem á Real Fa-
zenda, e vinha a ser, qne ella ainda interessaria, além disso,
tudo aquillo, que perante o Fiscal, por ella proposto, se mos-
596 Commercio e Artes.
trasse ter de mais acerescido de lucros, na quinta parte do in-
teresse geral do Contracto.
Portanto V. A. R. vê aqui claramente, a pezar daquelle em-
buste, que o systema proposto pelo Supplicante, em essência e
forma he forma he o mesmissimo das arremataçoens até agora
seguido, e usado no Reyno, e que o interesse resultante he o
maior de todos os propostos, á face do qual, em hasta publica,
todos os lançadores desanimaram, fugindo do meio ordinário,
e guardando-se para o extraordinário e obrepticio, com o qual
destruíram o patriótico esforço do Suppiicanto.
O segundo ponto ou proposição estabelecida no requirimento
he somente filha da intriga, e naô de utilizar a Real Fazenda.
V. A . R. lhe conhecerá o dolo; porquanto, como pode pro.
var-se que o modo proposto pelo Supplicante he illusorio, se
sempre os Contractadores saõ obrigados, mesmo no caso de
naõ haver lucros, a dar por esse, que deve haver, 80:000:000
reis, mais do que a actual arremataçaõ ? Como podem ser si-
muladas e difficeis as liquidaçoens desses mesmos lucros, se a
Fazenda Real ha de ter um Fiscal por ella proposto, escolhido
e pago, que lhe ha de apurar os dictos lucros ? os quaes ou
haõ de apparecer ou nao, e entaõ, no primeiro caso, se pas-
sam dos 80:000:000 reis, vái o excesso com aquella quantia
para o Real Erário; e no segundo caso, se naõ chegam, elle
sempre recebe certos os 80:000:000 reis, que d' antes nao lu-
crava. Portanto, Senhor, está demonstrado, que o systema do
Supplicante nem he illusorio, nem sinistro, nem simulado, co-
mo cavilosamente representaram a V . A. R. ; antes pelo con-
trario he sincero, e o único verdadeiramente interessante, e o
mesmissimo das arremataçoens até agora seguido.
O terceiro ponto ou proposição do requirimento he então
uma ignorância ardilosa e affectada dos principios de direito,
com cuja sophistica existência também quizéram illudir a
V. A. R.; porque a Ordenação, d'onde foram talvez arrastar
cavilosamente aquelle principio, nao comprehende a Real Fa-
zenda, além de que ella naõ hc sócia do Contracto, mas sim a
senhora delle, e que o traspassa; nem mesmo que a compre-
Commercio e Artes. 597
hendêra estava no caso ; porquanto; primeiramente naõ he o
lucro todo para a Real Fazenda, e a perda para o Supplicante
e Companhia (caso de que falia a Ordenação e o Requiri-
mento), mas so sim uma quinta parte delle, restando as quatro
partes: e naõ se pôde dizer porqucm saiba os primeiros prin-
cipios de direito, que a Real Fazenda nao entra na perda, ou
cessaõ de interesses, quando se priva espontaneamente de re-
ceber só ella o ganbo, e todas as vantagens do Contracto,
como única e directa senhora delle. Em uma palavra só pela
mais dolosa machinaçaõ he que se poderia dizer a V. A . R . ,
que a convenção proposta pelo Supplicante éra contra direito ;
porquanto a Real Fazenda, senhora do Contracto, pódc ceder
da administração do mesmo Contracto a um terceiro, por
aquelle interesse, que melhor lhe convier e assentar; entre ou
naõ entre com elle em sociedade de lucros. Chamem-lhe entaõ
sociedade ou convenção; porque sendo a convenção do seu
maior interesse, e o ponto principal d' onde deve partir e real-
mente parte, tudo o mais saÕ questoens de palavras.
Resta agora mostrar quaes saõ as vantagens extraordinárias,
e até agora desconhecidas, que o Supplicante grangea á Real
Fazenda por este plano, que lhe parece o único que se deve
seguir; pelo seu conhecido interesse, e ser cm resultado o mes-
mo das arremataçoens até agora usado, e seguido para os Reaes
contractos.
Re um principio demonstrado em economia de finanças, que
o conhecimento mais aproximado do rendimento de qualquer
gênero, que se dá a administrar de renda a terceiros, concorre,
tudo quanto he possivel, por um lado, para maior concurren-
cia de lançadores; porque sabem mais ou menos quanto pode-
rão lançar sem perda ; e por outro lado para maior augmento
da sua renda ; porque se nao arrendará por dez, o que pode
render vinte ; evitando-se assim, em ambos os casos, o abuso
antisocial da ** locupletaçaÕ de uns com a jactura dos outros;'*
o que nunca se deve permittir. Supposto este principio, vai
V. A. R. a ver, qual he a vantagem extraordinária, eaté agora
desconhecida no Contracto Geral do Tabaco; e vem a ser o
de saber-se pela fiscalização dos interesses do mesmo, qual he
VOL. XV11. No. 102. 4K
598 Commercio e Artes.
o preço porque para o futuro o poderá dar seguramente, e os
lançadores o que poderão offerecer sem perda, a par das van-
tagens commerciaes, que poderão resultar-lhe do mesmo con.
tracto.
Arrancar-se-ha da maÕ de quatro ou cinco monopolistas do
commercio o segredo fatal, pelo qual elles se tem perpetuado
á tantos annos na possessão do mesmo Contracto, e que pode
na sua existência fazer ou que V. A. R, fique summamente le-
sado, mandando arrematar por dez, o que vale vinte, como até
agora parece ter suecedido; ou vice-versa inteiramente perdi-
didos os arremaiadores, que, por desacizado capricho, ou igno-
rância dos verdadeiros interesses deste Contracto, offerecerem
arrematar por vinte o que só vale dez. V. A. R. naõ inter-
essa em nenhum dos ponderados extremos ou na lesaõ da sua
Real Fazenda, ou na perda patrimonial daquelles seus vassallos;
portanto.
Pede a V. A. R. Seja servido tomar na sua Real considera-
ção esta submissa representação do Supplicante, pela qual se
persuade ter demonstrado, 1°. Que o modo proposto he o
uuico de que se deve lançar maõ, attentos os interesses de sua
Real Fazenda. 2". Que o requirimento, que lhe ha pretendido
obstar, he filho da intriga e cavilaçaÕ, tendo só em vista fazer
um ma), sem propor o remédio.
E. R. M.'«*
Lisboa, 9 de Julho, 1816. DIOGO RATTON.

Até aqni podeira parecer, que a companhia de Ratton


lançava no Contracto, por mera oposição aos antigos Con-
tractadores. Mas, além de que os negociantes, conhe-
cendo melhor do que nenhuma outra classe de homens o
valor do dinheiro, naõ se vam expor a perdas tam sérias
meramente por um pique; o êxito desta transacçaõ prova,
que havia mais gente que estivesse persuadida dos grandes
lucros dos contractadores.
Assim houveram outros lançadores, e havendo affron-
tado uns aos outros, se achou, que os maiores lanços offe-
Commercio e Artes. 599
recidos primeiramente eram os seguintes ;—Baraó do
Sobral . . . 1:230:000.000, que vinha a ser 11:000.000
mais do que a arremataçaõ do Contracto precedente.
Diogo Ratton, segurava a quarta parte dos tucros em
120:000.000; alem de 1:180:000.000 reis, o que dava
á Fazendo Real 1:300:000.000 reis, ou mais, se mais fosse
a quarta parte dos lucros.
Quando porém se pôs o contracto finalmente a lanços
nos dias 17, 19, e 20 de Agosto foram os maiores lanços
os seguintes ; arrematando-se o contracto por tres annos.
Baraõ de Sobral & C a . . . 1:305:000.000
Ratton & C * 1:440:000.000
Fonceca&C 1:441:000.000
A Juntca do Tabaco concluio esta arremataçaõ por or-
dem dos Governadores do Reyno, dando vista ao Procu-
dor Fiscal daquella Juncta ; mandou a Fonceca, que
declarasse os seus sócios e findores, e fizesse o deposito
ajustado de 500 mil cruzados : e ultimamente consultou
de novo ao Governo, sobre se daria ou nao o Contracto aos
que deram o maior lanço; como se as ordens anteriores
naõ fossem ainda sufficientes para satisfazer a sua respon-
sabilidade.
Ainda que, no ponto de vista em que tomamos esta
questão, importa mui pouco quem fôram os que lançaram,
com tudo a matéria he em si de bastante momento, para
referirmos os nomes dos indivíduos, de que se compunha
cada companhia; e segundo nos informam saõ os se-
guintes :—
Companhia de Sobral.
O Baraõ do Sobral.
Jozé Bento d'Araújo.
Henrique Teixeira de S. Payo.
Antonio Esteves Costa.
Joaé Nunes da Silveira.
Joaõ Antonio d'A Imeida.
4 H 2
600 Commercio e Artes.
Felix Martins da Costa.
Jozé Antônio Gonçaivez Galvaõ.
Manuel Ferreira Garcez.

Companhia de Ratton.
Diogo Ratton.
Clamouse & C°
Domingos Gomes Loureiro, & filhos.
Jozé Diogo de Bastos.
Beruardo Clamouse Browne & C*.

Companhia de Fonceca.
Viuva Mendes & C \
Jozé Antonio da Fonceca.
Francisco Antonio do Silva Mendes.
Dr. Francisco Antonio de Campos.
Jozé Ferreira Pinto Basto.
Custodio Basto.
Domingos Ferreira Pinto.
Antonio Pinto Basto.
Jozé Luiz da Silva.
Manuel Jozé da Silva Serva.

A primeira observação, que aqui se offerece, he a im-


pudencia do Baraõ do Sobral: o qual declarando, no re-
quirimento acima copiado, que protestava formal e so-
lemnemente naõ intervir mais na arremataçaõ do con-
tracto; agora offereceo mais 110.000.000 do que antes
dera por este contracto: comtanto que a arremataçaõ se lhe
fizesse por seis annos : e, ao depois, vendo que naõ podia
conseguir isto, offereceo o mesmo, somente por tres annos.
Nos cálculos, que em outro tempo publicamos sobre os
lucros dos Contractadores, avaliamos estes em 400 contos
annuaes : o lanço da Companhia de Ratton, os avalua em
mais de 480 contos ; porque assegurava a E l Rey a
3
Commercio e Artes. 601
quarta parte dos lucros, em 120 contos. Daqui se vê
qual éra a hypocrisia dos Antigos Contractadores, quando
affirmárarn que só tomavam o Contracto por mais dous an-
nos, por fazer serviço a El Rey ; como se os lucros de
400 contos annuaes fossem 400 reis; c que pelo incom-
modo da admiuistraçaó fosse necessário levar-lhes isto em
serviço, para depois pedirem commmcndas, cartas de no-
breza, titulos, &c.
Ha cincoenta annos, que o rendimento das imposiçoens
sobre o tabaco, cobrados por meio deste monopólio, se
conferiam particularmente, e sem arremataçaõ publica,
aquelles Contractadores, c se os seus lucros fôram, segun-
do o nosso calculo de 400 contos por anno ; importa isso
na enorme somma de 20:000:000.000 reis. E como se
isso naõ bastasse acumularam-se aquelles negociantes de
honras e disfineçoens ; por se aproveitarem de lucros, que
deviam ter entrado no Erário ; por isso que provém dos
tributos que paga o povo, pelo uso do tabaco, i Que
desculpa podem dar os Ministros, que tem seguido este
systema de monopólio, para haverem assim causado tam
considerável desfalque ás rendas publicas ?
Notamos, cm segundo lugar, o fundamento que alegou
o Baraõ do Sohral, para embargar o lanço da Companhia
de Ralton, pela primeira vez ; dizendo, que as novas con-
diçoens offerecidas (de dar um quarto do rendimento, e a
alteração do tempo) o tinham tomado por surpreza; e q u e
por isso pedia se tornasse a pôr o Contracto a lanços; a fim
de se lhe dar occasiaõ a lançar, e entrar cm concurrencia.
Seja ou naõ seja ésla representação do Baraõ do Sobral
um subterfúgio, ou uma calumnia e illusaõ, como lhe
chamam os seus antagonislas ; a verdade he que, nisto,
tem o Baraõ do Sobral razaõ.
As condiçoens da arremataçaõ deviam ser feitas pelo
Governo, com toda a clareza ; publicadas com toda a
authenticidade e anticipaçaõ necessárias, para que cada
602 Commercio e Artes.
um dos concorrentes pudesse sobre ellas formar os seus
cálculos, ouvir a opinaÕ de seus sócios, participar isso a
seus fiadores, &c,t E naõ se podia nem devia esperar,
que um concurrenfe de tauía importância como o BaraÕ
do Sobral desse os seus lanços debaixo de condiçoens,
que naõ foram publicadas a tempo de elle poder consultar
os seus sócios, que tivesse auzentes, ou meditar com a
madureza, que se requer em negócios de tal magnitude,
para lançar com todo o conhecimento de causa.
Dizem-nos também, como notamos acima, qne a Juncta
do Tabaco naõ quizéra arrematar a final o Contracto aos
que mais deram por elle ; sem consultar primeiro o Go-
verno ; para naõ tomar sobre si a responsabilidade da
idoneidade dos arrematantes ; e até se tem espalhado ru-
mores em Lisboa pondo em duvida esta idoneidade.
Aqui se observa segunda omissão de grande importância
no Governo de Lisboa; que devera, (tendo fixado as con-
diçoens, o que a principio naõ fez) declarar o periodo
dentro do qual admitiria os lançadores a provar a sua
idoneidade, caso esta naõ fosse conhecida ; e dahi em
outro periodo, suficientemente distante, admittir a lanços
os indivíduos ou companhias habilitados a lançar.
Temos por outras vezes notado a incompetência da
Juncta do Tabaco, e a inutilidade de suas funcçoens:
mas o sen comportamento, no que deixamos dicto, prova
bem a justeza de nossa opinião, de que tal Juncta se de-
vera abolir; ainda continuando, como infelizmente con-
tinua o monopólio do Contracto.
A Jurisdicçaõ privativa da Juncta do Tabaco, nas
causas forenses relativas aos Contractadores e seus depen-
dentes, he absolutamente desnecessária; porque nao ha
inconveniente em se deciderem taes causas no foro ordi-
nário ; pois em regra estes privilégios odiosos so poderiam
admittir.se em casos e circumstancias de grandíssima uti-
lidade publica.
Commercio e Artes. 603
Pelo que respeita a administração mercantil do con-
tracto, evidentemente a Juncta he nisso de todo inútil, e
caso se intromettesse em taes matérias so podia servir de
grande embaraço aos Contractadores.
Quanto ao cuidado do que pertence à Fazenda Real,
isso deveria estar incumbido ao Erário ; e o quam pouco
entende a Juncta da matéria de Finanças se conhece de
naõ ter sabido o methodo de conduzir a arremataçaõ ; pois
por naõ declarar anticipadamente as condiçoens, se expôs
ás objecçoens do Baraõ do Sobral ; e por naõ ter averi-
guado, em habilitação, a idoneidade dos lançadores, he-
sitou depois em concluir a arremataçaõ aos que mais lan-
çaram.
Porém ha ainda outra razaõ, para que naõ exista tal
Juncta, com a jurisdicçaõ, que exerce ; e vem a ser a pre-
dilecçuò natural ao Contracto, de quem recebem os seus
emolumentos os Deputados; o que nos negócios de
justiça deve sempre evitar-se com o maior ciudado.
Exemplo.
Os Contractadores naõ podem impedir a exportação do
tabaco, de Lisboa para paizes estrangeiros; havendo suffi-
ciente no Reyao : cobrava-se porém um direito de ex-
portação, maior do que éra devido, segundo o d cri to de
26 de Janeiro, de 1811 ; e a Juneta naõ olhava por isto.
Um individuo resistio a pagar o direito, aJuncTa con-
sultou o Governo, e depois de sua decisaõ expedio a
seguinte:
Portaria.
Ao EicrivaS da Meza Grande, que serve de Provedor da
Alfândega do Tabaco se parricipe; que o Príncipe Rrgrute
N. S. por sua Rial resolução do 15 de Julho do corrente
anno, expedida ao Conselho da Fazenda, e por elle partici-
pada, sobre o requirimento de Jacomo liotto, pertendendo o
despacho de 300 rolos de tabaco; pagando somente 2 por
cento; fundando-se no decreto de 26 de Janeiro, de 1811, a
604 Commercio e Artes.
cujo respeito se fez consulta por esta Juncta; foi servido or-
denar, que o tabaco da producçaõ do Brazil. que se reexpor-
tasse deste porto, e sobejasse do consummo do Reyno, entrasse
na disposição do mesmo decreto, pela generalidade com que he
concebibo.—Lisboa, 10 de Novembro, de 1814.
Com quatro rubricas dos Ministros Deputados da Juncta da
Administração do Tabaco.
Aqui temos, que para se cumprir o Alvará, foi necessá-
rio, que um particular se sugeitasse aos incorri modos de
requerer a sua execução ; e posto que esta decisaõ inclua
em si outra,que os negociantes, que até entsiõ tinham sido
obrigados a pagamentos além dos que o Alvará ordenava,
fôram defraudados, e tinham direito á restituição, a
Juncta nem palavra disse sobre isso ; quando éra a deci-
saõ sobre matéria de justiça e interpretação da ley. E
ainda assim observa-sc, que a Consulta foi deeidida era
15 de Julho, de 1814; e a Juncta nao expedio à sua por-
taria, senaõ em Novembro.
Antes de passar a outro ponto, notaremos mais um ex-
emplo da predilecçaÕ da Juncta a favor do Conlraçto,
que he a decisnÕ sobre o modo de pagamento dos traba-
lhadores, que descarregam dos navios particulares o tabaco
que se importa em Lisboa.
Sobre isto, mandou a Juncta do Commercio executar
as leys, do modo, que esta Juncta o entendia ; e porque
as companhias de trabalhadores estaõ exclusivamente de-
baixo da inspecçaõ desfa Juncta. Mas a influencia do
Contracto fez conique a Janela do Tabaco se metesse
nisto, e consultasse differenlemente da Juncta do Com-
nercio, pelo que o Governo expedio uma portaria derro-
gando o que fizera a Juncta do Commercio. Se a deci-
saõ desta éra ou naõ fundada na justa interpretação das
leys, naõ importa agora examinar; mas a matéria éra
evidentemente de sua competência, até pela ley de sua
creaçaõ; e comíudo a Juncta do Tabaco metteo-se nisto,
Commercio e Artes. 605
e levou a sua avante. Taes-saõ os males que se devem
temer de uma Juncta paga pelos monopolistas, e com
jurisdicçaõ sobre o que lhes diz respeito. Os documentos
aque alludimos saõ os seguintes :—

ProvizaÕ da Juncta do Commercio.


D. JoaS por graça de Deus Principe Regente de Portugal e
dos Algarves, d'aquém c d'alem mar em África e de Guine,
&c.—Faço saber aos que esta provizaõ virem; que, atten-
dendo ás justas representaçoens de F. e F. para effeito de se
eximirem de pagar os salários dobrados, que a companhia da
alfândega do tabaco indevidamente exige dos proprietários dos
navios pela descarga dos volumes daquelle gênero; sobre o
que respondeo por seu Capataz a mesma companhia, e de tudo
houve vista ao Conselheiro Procurador Fiscal. Hey por bem
declarar e ordenar ; que o capataz e homens de trabalho da
dieta Companhia da alfândega do tabaco devem continuar a
perceber o salário pela forma prescripta na Real resolução de
4 de Janeiro, de 1753, como recentemente se ordenou, visto
que os negociantes proprietários dos navios se recusam a qual.
quer outro pagamento anticipade, a que nao podem ser obri-
gados por titulo algum, á face da outra Real resolução de 28
de Maio, de 1813; quo teve em contemplação naõ gravar
mais o commercio e a navegação Nacional; ficando o direito
salvo á mesma Companhia para haver do Contracto do Tabaco
tudo o que lhe competir, e lhe foi concedido, sobre os volumes
destinados ao mesmo Reyno ; o que poderá verificar, logo que
elles passarem da alfândega para a fabrica. Pelo que mando
a todas as Authoridades, e mais pessoas, a quem o conheci-
mento desta pertencer, a cumpram e façam executar inteira-
mente, como vai declarado. O Principe Regente N. S. assim
o mandou, &c.—Lisboa, em 12 de Janeiro, de 1816.

Portaria do Governo derrogando a Provisão da Juncta.


Sendo presente a El Rey N. S. a consulta da Juncta da
Administração do Tabaco, datada de 6 do corrente, sobre o
Voi.. X V I I . N o . 102. 4 i
606 Commercio e Artes.
requirimento do Capataz e homens da companhia da alfândega
do tabaco, os quaes, considerando-se gravados, pelo despacho
da Real Juncta do Commercio de 8 de Janeiro próximo pas-
sado, que mandou receber o salário da descarga, na forma da
Real resolução de 4 de Janeiro, de 1753, contra a de 26 de
Maio, de 1813; que manda pagar, logo na descarga de quaes-
quer volumes de tabaco, que vieram destinados para o Con-
tracto, os cem reis nella concedidos, pedem a effectiva execu-
ção desta ultima resolução. S. M., conformando-se com o
parecer da Juncta da Administração do Tabaco, que he pri-
vativa para todas as matérias, de qualquer qualidade que forem,
tocantes ao tabaco, ha por bem determinar, que os cem reis,
que a referida Real resolução de 28 de Maio, de 1813, conce-
deo aos supplicantes, por cada volume, que descarregarem
para consumo do Reyno, lhes sejam pagos logo pelos pro-
proprietarios ou con signatários dos navios, por estarem ven-
cidos com a descarga, havendo-as do Contracto com os fretes
na forma do custume, visto que assim nunca o commercio fica
gravado, pois que nada paga, que depois naõ receba com os
fretes dos Contractadores Geraes, a quem vendem o tabaco.
£ ordena que a mesma Juncta da Administração do Tabaco o
fique assim entendendo, e faça executar, com os despachos
necessários.
Palácio do Governo, em 12 de Julho, de 1816.
Com tres Rubricas.

Convém agora notar, nas alegaçoens dos antigos Con-


tractadores, a pouca justiça com que elles querem trazer
a seu favor, circumstancias, que ninguém he obrigado a
levar-lhe em conta.
Primeiramente mencionam a necessidade em que se vi-
ram de mandar comprar o tabaco em Gibraltar e em Lon-
dres, porque o naõ havia em Lisboa; sem o que naõ po-
diam supprir o Reyno. Depois alegam as perdas pela
invasão dos inimigos, com o que naõ tinham calculado
em seus ajustes.
Commercio e Artes. 607

O motivo porque os Contractadores naõ acharam tabaco


em Lisboa, para o comnrar, quando delle precisavam,
naõ he outro senaõ o máo tractamento e os vexames, que
esses mesmos Contractadores faziam aos negociantes, que
traziam o seu tabaco a Lisboa : com isso afugentaram este
gênero, que foi ter a Gibraltar, aonde éra bem acolhido.
Logo esta falta de tabaco em Lisboa, e o ter elle ido para
Gibraltar, posto que dahi resultasse incommodo aos Con-
tractadores, está tara longe de lhes servir de alguma des-
culpa, que se lhes deve imputar como crime; porque
assim privaram o Reyuo dessa parte do negocio, que por
seus vexames foi ter a paizes estrangeiros.
As perdas por causa da invasão dos inimigos naõ devem
por forma alguma entrar cm linha de conta, para alivio
dos Contractadores; naõ mais do que os terremotos, in-
cêndios, naufrágios, e outras casualidades, a que as espe-
culaçoens dos negociantes estaõ sugeitas.
Se circumstancias imprevistas tivessem augmentado o
lucro dos Contractadores, além do que elles esperavam,
de certo que nao entrariam para o Erário com o ex-
cedente dos naõ esperados lucros : pela mesma razaõ tendo
perdas, por circumstancias que naõ calcularam, os Con-
tractadores, e nao o Erário, saõ quem as deve soffrer.
Os iramensos lucros, que os Contractadores tem feito,
durante tantos annos, bem os habilitava a soffrer as percas
oceasionadas pela invasão dos inimigos ; e quando assim
naõ fosse, naõ vemos porque estes negociantes sejam ou
devam ser em seus contractos mais privilegiados, que os
demais negociantes.
O negociante, que, por seus mãos cálculos, ou por des-
graças imprevistas, falhou em suas negociaçoens, ou sof-
freo perdas, que o inhabilitem a cumprir os seus ajustes,
ou pagar a seus credores, o remédio que tem he fazer
bancarrota; e em quanto tem com que pague naõ pode
alegar, que os accasos o privaram de lucros, ou lhe ocea-
4 i 2
608 Commercio e Artes.
sionáram perdas. Do mesmo modo os Contractadores, se
a iuvazaõ do Reyno os privou dos lucros, que esperavam,
devem passar por esse incommodo, como os demais nego-
ciantes, e outras classes da Naçaõ.
Em uma palavra ; a arremataçaõ do Contracto nunca
foi feita com intento de servir a N a ç a õ ; mas sim para
obter os lucros daquelle negocio. Contra isso nada dize-
mos ; mas dizemos,, c tornamos a repetir, que se naõ
deve admittir a duplicidade com que os Contractadores
asseveraram, que só tomavam o Contracto, para fazer
serviço, e que se naõ embaraçariam mais com elle; por-
que além de tal proposição naõ ser capaz de illudir senaõ
a quem quer ser illudido; o facto de tornar o Caixa da-
quelles Contractadores a lançar no Contracto, com aug-
mento de lanço, desmente em publico as asserçoens que
tinham feito ao Governo era particular.
Tudo isto prova os embustes com que se tem até aqui
illudido o publico, e quam necessária he a reforma, neste
ramo das rendas publicas, pondo este gênero alfandegado.
Se com effeito os lucros dos Contractadores tem sido,
pelos cincoenta annos passados, o que nos temos calculado
20:000:000.000 reis; naõ deve admirar a ninguém, que
haja muita gente que se enfade de veras e de coração,
contra o Correio Braziliense, que tem ha tantos annos
teimado em expor essas chamadas bagatellas que perde o
Erário.
20:000:000.000 reis daõ de comer a muitos golosos; e,
bem repartidos, podem produzir um exercilo de apani-
guados ; e protectores de grande consideração. No en-
tanto tudo naõ bastou para impedir a publicação dos fac-
tos, do que se seguio a opinião desfavorável, e bem fun-
dada, contra os Contractadores, e dahi a arremataçaõ pu-
blica do Contracto, de que esperamos ainda ver a conse-
qüência natural: isto be a annihilaçaõ do estanco do
gênero.
Commercio e Artes. 609
Digam o que disserem os monopolistas, e os qne se
sustentam das miserins e carregos com que geme a naçaõ—
a publicidade destes factos, he o único caminho, para o
remédio dos abusos.

Novo Systema Commercial nos dominios Portuguezes.


Mal pensavam muitos dos nossos Leitores, quando em-
prendemos, expor os males do monopólio do tabaco em
Portugal, que poderíamos viver assas para ver derribado
aquelle monumento da corrupção do Governo. E poucos
julgavam, que cm tam breve tempo veríamos os homens
públicos inclinados a dar contas de sua administração ;
como ja vimos exemplificado no Hospital de S. Jozé de
Lisboa; pelo benemérito da Pátria D. Francisco d'Almei-
da, que nisto foi o primeiro ; depois seguido pelo Prin-
cipal Miranda seu successor, agora imitado pelo simi-
lhante estabelicimento na Ilha da Madeira. Entre maõs
está também a Inquisição, cuja queda naõ parece distan-
te ; mas um triumpho notável he o decreto, que deixamos
copiado a p. 537.
O systema mal pensado de prohibir totalmente aos es-
trangeiros o commercio nas colônias Portuguezas, trouxe
naturalmente comsigo uma série de regulamentos com-
merciaes, que saõ absolutamente incompatíveis com a mu-
dança da Corte para o Rio-de-Janeiro, e com a abertura
dos portos do Brazil ao Commercio do Estrangeiro.
Esta iiicoberencia de legislação se tornou ainda mais
perniciosa, pelo tractado de Commercio feito com a In-
glaterra ; e temos disto dado repetidos exemplos em vários
N0*. de nosso Periódico. As nossas observaçoens foram
seguidas de mui positivas queixas dos negociantes de Lis-
boa; e, para os accomonodar, a Juncta do Commercio
daquella cidade propos-se a ouvir estas queixas, e a dar-
lhes remédio, o que até agora naõ tem posto em pratica.
610 Commercio e Artes.
O Governo do Brazil, porém, tem confessado a neces-
sidade de emenda na legislação commercial dos dominós
Portuguezes; c no decreto, que citamos, se propõem uma
reforma a este respeito, nomeando uma Juncta, que ouça
as pessoas instruídas na matéria, e proponha a EI Rey os
planos que se julgarem convenientes. He de mui bom
agouro este decreto; porque, sem duvida, o primeiro
passo para as reformas he a confissão de que ellas se ne-
cessitam. Por ora nada mais existe do que esta con-
fissão ; mas daqui se deve seguir, pelo menos, um grande
beneficio, e vem a ser, que ja se naõ pôde reputar crime
escrever e fallar contra os males da legislação e systema
commercial presente. Assim poderão os negociantes fazer
livremente suas representaçoens, poderão as pessoas in-
struídas escrever sobre a matéria ; e a vozeria dos inte-
ressados nos abusos será abatida, com a authoridade da
opinião do Sobreano, que hc preciso uma reforma na le-
gislação commercial do Reyno.
He evidente, que as leys estabelecidas para regular o
commercio Portuguez, antes da mudança da Corte para
o Rio-de-Janeiro, deviam ser revogadas, logo que o com-
mercio do Brazil deixou de ser privativo a Portugal, em
conseqüência da Carta Regia de 28 de Janeiro, de 1808.
Os portos de Lisboa e Porto eram os mais prejudicados com
a falta de attençaõ a este importante objecto; porque ha-
vendo cessado os intereses, que resultavam aos negociantes
daquellas praças, do dereito exclusivo de negociar com
o Brazil, continuaram, naõ obstante, a ficar sugeitos aos
direitos de consulado, e outras desvantagens, que andavam
annexas ao seu direito exclusivo antigo. N o entanto
nunca a Juncta do Commereio de Lisboa, nem o Governo
de Portugal representaram, como deviam, sobre esta ma-
téria.
Temos em vários N " . deste Periódico, c quasi constan-
temente ha oito annos, clamado contra estes inconve-
Commercio e Artes. 611
nrenles, e apontado vários exemplos cm particular, a que
qualquer Leitor pode recorrer, examinando no index de
cada volume a repartição de Commercio; aonde tractamos
destas matérias ; a ainda assim sempre com a brevidade,
que he essencial n'uma obra desta natureza.
A abolição dos direitos de Consulado em Portugal éra
medida de absoluta necessidade, para que as exportaçoens
de Portugal no Brazil pudessem entrar em concurrencia
com as fazendas estrangeiras ; mas o Governo em Lisboa,
nem providenciou nunca cousa alguma sobre isto, nem
fez representaçoens a este respeito; nem appareceram até
agora em Portugal, que nós saibamos, escriptos algums em
que se ventilasse tam importante questão.
Se o motivo porque se nao fallava ou escrevia nesta
matéria, éra o temor de desagradar ao Governo, lembrando-
lhe o que parecia ter-lhe esquecido; esse motivo deve
cessar agora, que El Rey mesmo tem confessado, que ha
necessidade de reforma; e se alguém quizesse publicar em
Lisboa um resumo do que a este respeito se tem dicto no
Correio Braziliense, addir-lhe mais exemplos, ou compor
sobre isto qualquer cousa de novo, seria da parte do Go-
verno uma impudencia indesculpável, se negasse a li-
cença para se imprimir tal obra; depois do que o Sobe-
rano acaba de dizer, no decreto de que tractamos.
O estado actual dos dirietos de importação e exporta-
ção, entre Portugal e o Brazil, tendem directamente a dar
preferencia ao Commercio e Navegação dos estrangeiros :
Í6to he cousa, que nenhuma naçaÕ no mundo admittiria ;
porque ainda que nós sejamos claramente de opinião, que
quanto mais se promove o commercio do estrangeiro,
tanto mais 6e fomenta a industria nacional, com tudo
nunca poderíamos admittir, que fosse justo ou politico dar
a preferencia á industria estrangeira: isto seria sempre
um erro o mais grosseiro, por mais liberal que fosse o
systema de commercio externo que se adoptasse.
5
612 Commercio e Artes.
O estado miserável da legislação actual a este respeito,
se pôde explicar com um exemplo.
Ura negociante Inglez, quer exportar de Inglaterra
para o Brazil uma porçaõ de chitas : o seu Governo, para
o animar, paga-lhe um prêmio, que o negociante recebe,
com nome de drawbuck do algodão :
Um negociante Portuguez quer exportar de Lisboa para
o Brazil uma porçaõ de chitas ; o seu Governo, para o
desanimar, impoem-lhe um tributo, que se paga com o
nome de Consulado.
Esta differença de legislação, salta aos olhos ; e ainda
assim tem este arranjo, ou antes des-arranjo, continuado
por oito annos, sem que a Juncta do Commercio de Lis-
boa, nem os Governadores do Reyno queiram dar a isto
remédio, a pezar de se lhe ter tantas vezes explicado estas
verdades, quasi evidentes.
Parece-nos, comtudo, que he chegado o tempo de se
correr a cortina a esta scena de desmazêllo; e o decreto
de que falíamos deve abrir novos caminhos á industria da
naçaõ.

PAIZES BAIXOS.
Decreto Real, sobre os pezos e medidas; expedido no
Palácio de Loo aos, 21 de Agosto, de 1816.
Tendo tomado em consideração que he de summa im-
portância pôr termo aos inconvenientes que resutamda
variedade dos pezos e medidas existentes neste Reyno,
adoptando, a este respeito, um systema uniforme nas dif-
ferentes partes, applicaveis a todas as operações e aos
misteres do Commercio, e que tenham entre si uma relação
necessária e exacta ; por estes justos motivos, ouvido o
nosso Conselho d'Estado, e de commum accordo com os
Estados Geraes, havemos decretado, e decretamos o se-
seguinte.
Art. 1°. Taõ depressa as circumstancias o permittirem,
Commercio e Artes. 613
e no mais tardar até ao I". de Janeiro, de 1820, será in-
troduzido em toda a extensão do Reyno um único e idên-
tico systema de pezos e medidas.
2°. Depois da introducçaõ deste systema, naõ será per-
mittido a pessoa alguma servir-se de outros pezos nem de
outra-, medidas.
3 o Desde o Io. de Janeiro do segudo anno, que se seguir
aquelle em que tiver lugar esta introducçaõ, naõ se fará
justiça a pertençaõ, ou petição alguma, fundada em actos
que tenham esta data, ou outra data posterior, toda a vez
que estes actos naõ declarem a especificação de seus ob-
jectos segundo o novo systema.
4°. Saõ exccptuados da regra estabelecida no prece-
dente artigo, os testamentos mysticos, e ológrafos (escriptos
pelo punho do testador), assim como os actos passdos
fora do Reyno, ou relativos a objectos situados em
paiz estrangeiro.
5*. No. I o . de Janeiro, de 1817, ao mais tardar, deverá
o systema de pezos e medidas estabelecido pelo presente
Decreto ser comprehendido no ensino de todas as escholas
do Reyno, cm que se dám liçoens de Arithmetica e Geo-
metria, e desde a dieta época, ninguém piderá ser admit-
tido a Mestre de Eschola, sem que esteja suffientemente in-
struído para ensinar a outros este sytema.
6°. O novo sytema de pezos e medidas deste Reyno
terá por baze um comprimento igual á decima-miliones-
sima parte do Arco Terrestre, que se estende do Polo ao
Equador, e que passa por Paris.
7U. Todos os pezos e medidas se refiriraõ a este com-
primento, e todos os múltiplos e subdivisões seraõ de-
cimaes.
8°. Naõ se lhes dará nomes diversos dos que se usaõ
nos Baizes-Baxos, e com preferencia se lhes daráõ as de-
nominações empregadas hoje em dia nos pezos e medidas
que mais se approxirnam aos novos.
VOL. X V I I . N o . 102. 4K
614 Commercio e Artes.
9 . O comprimento mencionado no art 6o he a baze de
a

todas as medidas lineares, e ha se de chamar A una.


10' .A unidade de todas asmedidas de distancia será um
comprimento de mil A unas.
11*. O quadrado da Auna, ou a Auna quadrada, será
a base de todas as medidas de superfície.
12°. O quadrado do décuplo da Auna será a unidade
para as medidas dos (errenos.
13°. A base de todas as medidas de capacidade em
ponto grande será o cubo da Auna.
14". Para o Commercio de retalho, o cubo da décima
parte da Auna formará a unidade das medidas de capa-
cidade.
15*. A baze dos pezos será o pezo de uma quantidade
d'agua pura distillada e reduzida á sua maior densidade,
que eomprehenderá o cubo da décima parte da Auna.
Este pezo se chamará Libra, (ou arratel).
16°. A milessima parte da libra, ou a quantidade
d'agua pura distillada e reduzida á sua maior densidade,
que comprehender o cubo da centessima parte da Auna
formará a unidade para o pezo das cousas preciosas.
17°. Nós regularemos ulteriormente a forma e a figura
dos novos pezos e medidas, e de seus múltiplos e subdi-
visões, assim como as denominaçoens, que se haõ de
adoptar, na conformidade do art. 8°. em cada pezo em
cada medida, e em 6eus múltiplos e subdivisoens respec-
tivas.

Edictal da Juncta de Commercio, em Lisboa.


O nosso Cônsul residente em Amsterdam por Officio
datado de nove de Septembro próximo passado, previne
os negociantes Portuguezes, de que nos seus saques sobre
aquella Praça, declarem expecificamente o prazo do pa-
gamento a tantos dias, ou mezes; naõ se servindo mais
Commercio e Artes. 615
do antigo costume de sucar a uso, e uso e meio ; pois ain-
da que antigamente pela palavra a uso se entendesse o
prazo de dous mezes nas letras de Portugal, Hespanha, e
mais Praças do Sul da Europa, com tudo tem sido esta
matéria objecto de duvidas, e contestaçoens depois qne
pelo artigo 132 do Código de Commercio se estabeleceo o
uso a um só mez, disposição esta que alguns attribuem
ser restricta para as letras de França, e outros geral para
todas as letras.
E para que chegue á noticia de todos, e se evitem ques-
toens, e embaraço de pagamentos que sempre saõ muito
prejudiciacs ao Commercio, se mandou affixar o presente
Lditnl em Lisboa aos 14 de Outubro, de 1816.
JOSÉ ACCURSIO DAS NEVES,

4 K2
[ 616 ]
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LOJV&HES, 26 de Novembro, de 1816.

Gêneros. Qualidade. Quantidade Preço de Direitos

f Redondo.. 12 lib. 52s. Op 65s. Op.N


ASSUCAR . . < Batido . . . l i s . Op. 44s. Op.
(Mascavado 38s. Op, 40s. Op. \Livre de direitos
Arroz Brazil nenhum 03. Op. /por exportação.
Caffé Rio 62s. Op 72s. Op.
Cacao . : . . . . Pará G5s. Op T3s. Op.l
Cebo Rio da Prata 53s. fip 54s. 0p.-ISs.2p. por 1121b.
Pernambuco. libra. ls. l l p 2S. o. I

Annil
{ Ceará
Bahia
Maranhão' . .
Pará
Minas novas
Capitania...
Rio
Ipecacuanha . . BrazU . . . .
ls. IOp
ls. IOp

3s. Op. 3s. 6p.


9s. Op. 9s. 6p.
ls. í o j ,
l s . 10è

í
8s. 7p. por l b .
100 em navio
Portuguez ou
Inglez.

4 | p . por lb.
3s. 6$p.
Salsa Parrilha .|Pará 4s. 6p. Ss. 6p. ls. 2 | p .
Óleo de cupaiba 3s. 8p. 38. 9p. ls. l l | p .
Tapioca Brazil.... 9p, llp. 4p.
Ourocu ls. 6p 2s. 3p. direitos pagos pelo
comprador
em rolo . 3è *-il'* l Livre de direitos
Tabaco , 4^p. J por exportação.
\ em folha 4p.
;A 8Jp.
Rio da Prata pilha ;B 8p. 8ip.
'c

a
Í , Rio Grande
'A
<B
(c
6ip. 7p.
.9Jp. por couro
em navio Portu-
guez ou Inglez.

I Pernambuco salgados 4». Op 6s. 6p.


v R i o Grande de cavalho 123 363. 6p 40s. Op. '5s. 6£p. por 100.
Chifres Rio Grande. Tonelada 115/. 1202, > direitos, pagos
P á o Brazil.-Pernambuco. 6s. 5p 7s. Op. J pelo comprador
P á o amarrello . B r a z i l . . . .
Espécie.
Ouro em barra £3 i 18 6 - |
Peças de 6400 reis 33 18 6 I
Dobroens Hespanhoes 0 0 0 l por onça.
Pezos dictos 0 0 0 1
Prata em barra o o o l
Câmbios.
R i o de Janeiro 59 Hainburg 37 6
Lisboa òí>\ Cadiz 34£
Porto 55 Gibraltar 31
Paris 25 Gênova 43
Amsterdam 40 Malta 46
Prêmios de Seguros.
Brazil Hida 2 Guineos Vinda 2 a 2 | Guineos.
Lisboa )
.... 1 H- 1*
Porto 5
Madeira Ièa2è... H...
Açores li a 2... 2 a 3.
Rio da Prata 3 0 ...
Bengala 4...
[ «7 ]

LITERATURA E SCIENCIAS.

N O V A S P U B L I C A Ç O E N S EM I N G L A T E R R A .

XJLOYLAND^s History qf the Gypsies, 8vo. preço 7s.


Vista histórica dos custumes, hábitos e estado presente
dos Ciganos ; por Joaõ Hoyland.
Esta obra he destinada a desenvolver a origem deste
singular povo, e promover o melhoramento de sua con-
dição.

Whalley's Vindication qfthe University of Edinburg.


8vo. preço 2s. Justificação da Universidade de Edin-
burgo, como eschola de Medecina ; contra as imputaço-
ens de " Um Membro da Universidnde de Oxford," com
nolas sobre a Reforma Medica. Por Lawson Whalley,
M. D. Membro Extraordinário da Real Sociedade Me-
dica de Edinburgo e Medico do Dispensatorio Geral em
Lancaster.

Dictionary qf Living Authors, 8vo. preço 14s. Dic-


cionario dos Authores, que ainda vivem na Gram Breta-
nha e Irlanda, comprehendendo Memórias Literárias e
anecdotas de suas vidas ; e um registro chronologico de
suas publicaçoens.

Musical Biography, 2 vols. 8vo. preço 11. 4s. Bio-


graphia Musica ; ou memórias das vidas e escriptos dos
mais eminentes compositores e escriptores de Musica, que
tem florecido em diversos paizes da Europa, durante os
últimos tres séculos ; e incluindo memórias dos que ainda
vivem.
618 Literatura e Sciencias.
PORTUGAL.
Saio á Luz : Alegação Jurídica, por Paschoal Jozé
de Mello Freire, feita em Coimbra, no anno de 1782, em
que se prova: I o . Que os melancholicos por doença naõ
podem fazer testamento : 2o. Que as leys da amortização
comprehendem as Misericórdias : 3 o . Que o Juizo dos
Resíduos naõ pode ser herdeiro. Illustram-se outros
pontos pertencentes á Jurisprudência. Tirada á luz por
6eu sobrinho Francisco Freire de Mello, e por elle cor-
recta e annotada. Lisboa, 1816.

Elementos da Pratica Formularia; ou breves ensaios


sobre a praxe do Foro Portuguez. Escriptos pelo fale-
cido Doutor José Ignacio da Rocha Peniz.

Extracto das Leys Avizos e Provisoens, Assentos e


Edictaes, e de alguns notáveis Tractados e Proclama'
çoens, publicadas nas Cortes de Lisboa e Rio-de-Janeiro,
desde a partida d'El Rey N . S. para o Brazil, em 1807,
até Julho de 1816; para 6ervir de subsidio á Jurispru-
dência, e Historia Portugueza. Por Manuel Borges Car-
neiro, Ex-Provedor da Comarca de Leiria.
Este extracto, a respeito de algumas leys, he tam com-
pleto, que se pôde escusar ter os textos das leys : mostra
as enérgicas medidas empregadas para a regeneração de
Portugal e do Brazil depois dos notáveis acontecimentos
de 1807 e 1808. Serve de continuação ao estimavel J u -
dice Chronologico do Dezembargador Joaõ Pedro Ri-
beiro: Preço 800 reis. Lisboa, 1816.

Cecília de Chatenai, on o poder e os encantos da har-


monia; em 8vo. preço 360 reis. Lisboa, 1816.

Oraçaõ Fúnebre, que nas solemncs exéquias celebradas


6
Literatura e Sciencias. 619
em memória da muito alta e muito poderosa Raynha de
Portugal a Senhora Dona Maria Primeira, pela Commu-
nidade dos Religiosos Arrabidos, do Convento de S. Pe-
dro d'Alcantara, recitou Fr. Mauuel da Conceição Argea,
da mesma Provincia, Lisboa, 1816.

ECONOMIA POLÍTICA DE SIMONDE.


Cap. 17.
(Continuado de p. 334.)

He somente o salário necessário, e naõ o salário total


dos obreiros productivos, que determina a quantidade de
trabalho entre maõs, e que se recobra por inteiro na pro-
ducçaõ. O salário supérfluo destina-o o artífice ao seu
luxo e prazeres : nmas vezes gasta o seu necessário rigo-
roso, a que tem direito, por bocados e vestidos mais de
seu gosto : outras vezes emprega o supérfluo, que forma a
sua renda, cm sustentar obreiros improduetivos, que con-
tribuam para os seus prazeres: e outras vezes este supér-
fluo he-lhes levado pelos impostos do Governo, para man-
ter outros obreiros improduetivos, que se suppoem úteis
para a sua defeza. Estes differentes empregos do salário
supérfluo, entrara todos igualmente na classe das despezas
nacionaes ; e qualquer que seja a proporção entre o salá-
rio supérfluo e o necessário, se este ficar o mesmo, o valor
da producçaõ naõ padecerá alteração; ainda mesmo que
o artífice naõ possa obter do capitalista salário algum su-
pérfluo ; ou o Governo lho leve todo era impostos. Mas,
em um e outro caso, um homem sensível naõ pode ver
sem magoa a classe mais útil da naçaõ, a que a nutre toda
do fructo de seus suores, privada de todos os seus praze-
res, para os ter gente ociosa, ou que lhe serve de op-
pressaõ.
Quando uma naçaõ se enriquece, o que será sempre sa-
620 Literatura e Sciencias.
Indo sè consagrar cada anno maior porçaõ de riqueza mo-
vei ao fornecimento do salário necessário, e a sustentar
maior numero de obreiros productivos, d'estes, uns forma-
os ella mesmo; outros achama-os de paizes estrangeiros;
e outros cscollic-os dentre os individuos que compõem a
classe improduetiva. Mas para os determinar ao traba-
lho, naõ basta offerecer-lhes o salurio necessário; he pre-
ciso para os ajustarem que os capitalistas lhes offereçam
nm partido mais liberal, dando-lhes uma certa porçaõ de
supérfluo. H e mister offerecer-lhes salário assas consi-
derável para vencer o seu desleixo, ou prejuizos ; e para
fazerem, como na America livre, olhar o trabalho manual
como uma das fontes de renda mais abundantes. Por isso
he que ha mais recreios nas nações que vaõ em augmento
de prosperidade, e que ha maior porçaõ de felicidade para
a classe menos folgada da sociedade, e para entrar na qual
depende da vontade de cada um.*
Como a riqueza movei nunca he produzida senaõ para
ao depois ser applicada ao uso do homem, existe uma re-
lação necessária entre a producçaõ total, e o consumo to-
tal do mundo commerciante: porque, se o producto movei
do trabalho de um anno para todo o gênero humano ex-

* Em St. Petersbourg paga-se o trabalho quasi com tanta libera-


lídade como na America. O menor salário que vence um official or-
dinário naõ bc menos de 1 franco e 50 centésimos. Um bom official
pode facilmente achar quem lhe de 3 francos por dia. Os carpin-
teiros, pedreiros, &c. ganham aiuda muito mais ; e entretanto um
homem pode comer menos mal com 30 ou 35 centésimos, e eis ahi
tem todo o salário necessário, acerescentando mais alguns centésimos
por dia para as outras despezas de primeira necessidade. (Henrique
Storch, Pintura de St. Petersbourg.) Este subido preço da maõ-
d'obra, no centro de um paiz em que o paizano he escravo, e aonde o
trabalho quasi que naõ tem valor, he effeito do rápido augmento
das riquezas na Rússia: effeito que também vem a ser causa por
outro lado.
Literatura e Sciencias. 621
cedesse o consumo do mesmo anno, ficaria um resto para
consumir no anno seguinte, que seria causa de naõ se em-
prehender novo trabalho para aquelle anno, por naõ ser ne-
cessário.* Da mesma sorte uma naçaõ que naõ tiver com-
mercio exterior, naõ podendo exportar as sobras da sua
producçaõ, será obrigada a consumilla toda , porem uma
naçaõ que tiver commercio exterior poderá exportar todas
as sobras, e por conseguinte economizar da sua renda por
dous modos, e por outros tantos augmentar o seu capital.
O primeiro está na maõ de todas as nações, e de todo o
mundo commerciante, como de cada uma de suas partes ;
que be destinar cada anno maior porçaõ do producto do
trabalho para fornecer um salário necessário, e por conse-
guinte preparar maiores rendas para os annos seguintes ;
como um labrador pode augmentar todos os annos as suas
sementeiras á proporção do augmento das suas colheitas,
ou inda mesmo cm proporção superior a este augmento.
O segundo modo de economizar nas rendas naõ pode

* Isto naõ se deve entender absolutamente ao pé da letra. Pode-


se notar em algumas nações, que se enriquecem, alguma quebra no
consumo » e estas negociarem ao mesmo tempo com a producçaõ do
quatro ou cinco annos consecutivos,sem que por isso desanimem do
trabalho; em quanto uma naçaõ pobre naõ negocia senaõ com o
producto do anno passado. A naçaõ rica terá ao mesmo tempo
manadas de carneiros cobertos de laã daquelle anno ; labradores e
negociantes com almazens cheios de IaSs do anno precedente i fa-
bricas aonde se esteja trabalhando com laã de dous annos; almazens
de negociantes por atacado, cujas fazendas foram feitas da laã do
tres annos; e de retalhistas, e alfaiates, cujos pannos teraõ ainda pelo
menos um anno mais. A naçaõ pobre, pelo contrario, como nenhum
dos intermediários, entre o produetor da matéria prima e o consu-
midor, tem bastantes fundos para poder esperar pela boa occasiaõ
de vender, cada um delles precipita todas as suas operações, de sorte
que a laã, que no veraõ cobria as ovelhas, vai cubrir o consumidor
logo no inverno seguinte. O mesmo succede com as outras maté-
rias primas • nas nações ricas passa-se commumeute mais tempo en-
tre a producçaõ eo consumo, do que entre ai nações pobres.
VOL. X V I I . No: 102. 4L
622 Literatura e Sciencias.
convir senaõ a uma naçaõ que tiver commercio exterior,
e que achar nas suas vizinhanças outras nações menos eco-
nômicas e prudentes, que tenham precisão delia; e he
de lhes vender, ou para melhor dizer, lhes emprestar os
sobejos da sua producçaõ : como o labrador a quem a te-
mos omparado, q ue,se tiver á maõ um mercado, venderá
todo o trigo que naõ quizer semear ; se porém o naõ quizer
vender, augmentará a sua familia, e o seu trem de agricul-
tura ; de sorte que o augmento do seu consumo se propor-
cionará sempre ao augmento das suas cotheitas.
O consumo anima certamente a producçaõ; e como o
mercado mais importante para os obreiros productivos he
o do seu próprio paiz, naõ se pode desconvir em que, uma
naçaõ que consumir mui pouca cousa, ha de achar difficul-
dade em dar extracçaõ para fora a todos as suas producçÕ-
es, se ellas forem consideráveis. Naõ he provável que se possa
sustentar por muito tempo uma grande disproporçaõ entre
as producções e o consumo de um povo, senaõ quando o
seu território he mui limitado: assim era Genebra, e as
cidades anseaticas e imperiaes : ao seu espirito de econo-
mia he que umas e as outras tem devido o rápido augmen-
to de suas riquezas. Porem, se naõ podemos lisonjear-nos
de ver um povo grande aproveitar-se das mesmas vanta-
gens, ao menos naõ devemos instigallo a lançar-se no ex-
cesso opposto, e representar-lhe o luxo como se devesse ser
para elle uma fonte de opulencia.
Unia naçaõ naô se enriquece, senaõ quando os particu-
lares, que a compõem, enriquecem, e augmentam o seu ca-
pital com as economias que fizerem nas suas rendas. Em-
quanto ellas fizerem estas economias annuaes, sejam quaes
forem as suas despezas, naõ se poderão considerar como
l u x o ; naõ saõ senaõ a honesta làrgueza que traz comsigo
o seu estado. Mas se este espirito de ordem se deixar in-
vadir pelo amor dos prazeres e da ostentação, e que
olhando á massa dos cidadãos, uns pelos outros, naõ se fa-
Literatura e Sciencias. 623
çam mais economias annuaes, entaõ a naçaõ abandonar-se-
ha a um luxo, que retardará os seus progressos para a pros-
peridade. Se este amor dos prazeres trouxer comsigo dissi.
pações, e as rendas nacionaes naõ bastarem para as despe-
sas, ficará a naçaÕ entregue a um luxo que a arruinará.
Entre os meios que uma politica moderna tem posto em
uso para enriquecer as nações, animar o luxo naõ he dos
menos extravagantes. Se ura Governo puder fazer que
se ajunctem muitos homens ricos, e excitallos a luctar uns
contra os outros pela desenvoluçaõ de maior fasto, cuida-
rá que tem feito muito para a prosperidade das manufac-
turas, e ver-se-ha applaudir de todas as partes, por ter feito
espalhar muito dinheiro. Naõ se duvida de que procu-
rasse aos mercadores uma venda maior doque fariam sem
isso; mas se os compradores pela sua ostentação se posé-
rem na impossibilidade de fazer as economias, que estariam
dispostos a fazer, ou se mesmo excederem as suas rendas,e
pedirem emprestado sobre o seu capital, teraõ feito elles mes-
mos á naçaõ um mal muito mais considerável doque a van-
tagem passageira que occasionaram aos mercadores. O con-
sumo das mercadorias que se tiraram dos seos almazens, fez-
se,hc verdade, com mais promptidaõ doque pelocurso ordi-
nário das cousas ; mas em vez de ser por um modo provei-
toso, fez-se por um ruinoso. Foi como se o Governo
fizesse deitar o fogo aos celleiros dos negociantes de trigos,
e lhes pagasse depois generosamente todo o paõ que con-
tinham. Estes negociantes poder-se-biam achar mui bem
com uma venda similhante, mas a naçaõ perderia de certo.
Em logar de dous valores, isto he o trigo, e o seu importe,
naõ se acharia senaõ com um ; e o trigo em vez de ser con-
sumido de uma maneira proveitosa, tello-hia sido por uma
ruinosa.
Se o luxo, de qualquer natureza que seja, he para uma
naçaõ causa de ruína; ainda se torna peior para os seus
interesses quando consiste em manter obreiros improdueti-
4 L 2
624 Miscellanea.
vos : porque, como já o temos dicto, tudo o que passa da
maõ das classes proprietárias para a classe improduetiva
vai para naõ voltar; porque esta classe naõ dá em troco
cousa alguma susceptivil de se guardar, e de se poder
passar a mais alguém : he uma alienação definitiva da
propriedade nacional. Por isso, quanto maior for o nu-
mero dos obreiros improduetivos, que as classes proprietá-
rias sustentarem, menos será o numero dos obreiros pro-
ductivos que poderão manter. Quanto mais virmos cres-
cer, em uma naçaõ o numero dos tocadores de instrumen-
tos, dos comediantes, penteadores, e escudeiros, &c. mais
se veraõ diminuir os artífices, os fabricantes, e os labra-
dores. De todos os luxos o mais prejudicial he pois
aquelle que, fazendo consistir o fasto e os prazeres em gos-
tos fugitivos, com preferencia aos productos do trabalho
de obreiros productivos e industriosos, naõ abre um mer-
cado a estes últimos, aonde possam vender suas obras, nem
animar seus esforços.
[Continuar-se-ha.]

MISCELLANEA.

Resposta aos folhetos de Jozé Agostinho.


[Continuada de p. 326.]

A . C R E S C E N T AI á este juizo imparcial, e sincero as pa-


lavras do erudito Banier. Depoisde referir as calumnias com
que se pertende infamar a Sociedade, elle se exprime deste
modo. Se estas aceusações tivessem fundamento, he
verosimil, que pessoas da mais alta graduação se resolves-
sem a ser membros desta Sociedade, e a participar das
Miscellanea. 625
iuiquidades de uma tropa de malvados ? Ninguém ignora
que se conta entre os Collegas, Reys, Príncipes, Senhores
de um merecimento distincto, Ecclesiasticos condecorados
das mais eminentes dignidades da Igreja Anglicana. AH
nada bá contra a ley, contra a religião, contra o Rey, e
contra os costumes,*'
Vos sois este Balaaõ alugado para deitar maldições.
Mas examinando com attençaõ o facto, descubro nma no-
tável differença entre vós, e elle. O Balaaõ, de que íalla
a Escriptura deitou bençaõ, era Ingar de maldições; porem
vos maldizeis, doque devieis abençoar.t O vosso zelo
furioso nunca pode agradar á um Deos, que severamente
o reprehcndia nos seus discípulos. Chamar fogo do Ceo
para castigo naõ se compadecia com a sua ley toda celes-
tial, de doçura, e de humildade. J Se a sociedade hé
seita como vos dizeis, applacai a Deos sobre os que estaõ
nella com as vossas suppiicas, e lagrimas. Esta obra hé
a da caridade Christaã; a outra hé a de uma alma des-
humana, e perseguidora. §
•Si ces accusations etoient fondées, est il vraisembiabe, que des
personnes du plus haut rang eussent pú se resoudre á se faire mem-
bres de cette Societé, et á participer aux iniquités d'une troupe de
scélérats í Persoune n'ignore qo'on compte parmi les Confréres, des
Róis, des Princes, des Seigneurs d'un mérite distingue, et des Ecclé-
siastiques revêtus des plus hautes .Dignítés de 1'Eglise Anglicane.
II n'y a rien contre Ia Loy, contre Ia Religion, contie le Roi, contre
les raopurs. Histoire Generale des Cerimonies, Moeurs, et Coutumes
Religieuses. Far M\ L'Abbé Banier. Tom. 4. Part 3. Cap. 5.
+ Nunaer. Cap 23.
Í Evang. Luc. Cap. 9. V». 55.
^ Naõ podeis negar esta verdade, que na supposiçaõ da Sociedade
ser taõ criminosa como fingis, deveis com reconhecimento sincero
confessar que reprehendeis o mesmo, em que podereis cahir. Todo
o homem está sujeito ás fraquezas, e defeitos, que reprehende. Se
Deus vos tem livrado, rendei-lhe graças, e naõ percaes o tempo em
vaãs lamentações. Applicai penitencias, gemei diante de Deos; pedi
a conversão desses, que saõ desgraçados ua vossa consideração. Isto
626 Miscellanea,
Confessai ter sido tentação consentida escrever sobre um
assumpto, em que a vossa ignorância hé profunda. Naõ
basta o titulo.—O segredo dos P . L- revelado.—Estas
palavras naõ tem outro fim se naõ impor á multidão.
Naõ foi o vosso Barruel o descubridor do titulo. Antes
delle ja tinha apparecido algumas vezes, e com igual for-
tuna. O homem probo, e sensato tem compaixão da vossa
obstinada mania. Acreditastes com ligeireza, e precipita-
ção quanto tendes l i d o ; ajuntastes a falsos contos outros
da mesma natureza ; transformastes apparencias em reali-
dades ; e cheio de satisfacçaõ estaes vendo sem remorsos
innundado o mundo das vossas mentiras, e calumnias.
Hé lugar bem próprio para dizer-vos cora Salamaõ.
A vara sobre as costas daquelle, que naõ tem senso. NaÕ
me crimineis, de que servindo-me desta expressão do sábio,
falto á caridade. Hé obra de misericórdia ensinar os que
eram.
Descubro uma perfeita analogia entre o vosso mereci-
mento, e o dos cruéis invasores d'America meridional.
Estes monstros, que foram ao México, e ao Peru, serviraõ-
se do plausível pretexto da Religião para ali commetterem
crimes, que ainda hoje fazem arrepiar, e seraõ o escândalo
da razaõ até á ultima posteridade. Estes fanáticos, e
avarcntos, tendo uma cruz na maõ, e n'outra a espada an-
nunciávam um Deos de paz por entre o ruidoso estrondo
da guerra a mais sangninolenta, c assoladora. N o meio
de uma terrível matança o seu único grito era—Jezus
Christo, e ouro.—Bem vedes que se naõ pode conciliar a
luz com as trevas, e o idolo cora a Arca. Pois esta mon-

bé o que pede a caridade Christaã. Mas querer ver a confiscaçaõ


de bens, os castigos mais severos, e a ultima pena em homens sobre
que naõ tendes authoridade alguma, hé o ultimo esforço de uma
tyrannia impotente. Entrai em vos mesmo, e examinai bem se podeis
arremeçar uma pedra sobre a mulher adultera.
* Et virga in dorso ejus, qui indiget corde. Prov. Cap. 10. V . 13.
2
Miscellanea. 627
strosidade se via na pregação daquelles falsos Apóstolos.
Affectavam estabelecer uma Religião Sancta, mas a sua mira
estava posta no ouro dos gentios. Vos naõ ignoraes, que
estes apóstolos da cubiça receberam a justa paga do seu fin-
gido zelo acabando a vida desgraçadamente; c que o ouro
roubado aos infelizes gentios foi ter o seu jazigo no fundo
do mar.*
Agora decedi vós mesmo, se hé necessário fazer a ap-
plicaçaõ. Naõ hé o amor de Jezus Christo, nem a defeza
da sua ley, que vos tem feito pegar na pena contra homens
socegados, amigos do Principe, amantes da Religião, e da
humanidade. O que dizcis hé para servir de pretexto, ou
para melhor me exprimir, de capa aos vossos sórdidos in-
teresses. A palavra de religião sahe continuamente da
vossa boca ; mas a maõ está aberta para o dinheiro. Per-
seguis, calumniaes, e pedis castigo de morte para homens
innocentes, e que nenhum mal tem feito nem a vós, nem á
sociedade, em que vivem. Mas os vossos folhetos estaõ
gritando—dinheiro, dinheiro.—Provo com as vossas mes-
mas palavras. Damos á luz a sexta parte do segredo
revelado, que taõ bom, e constante acolhimento tem mere-
cido ao Publico, t Passaes pela fraqueza de louvar a vossa
mesma obra; e pela baixa lisonja de dar incenso ao pu-
blico. E qual hé o fim. O dinheiro.
Quem vos conhece, e ouve a vossa linguagem logo se
desengana da falsa piedade, com que defendeis a Religião.
Todo o vosso ardor, que parece de uma alma afflicta por
ver um Deos ultrajado, hé um ardor excitado á pouco
tempo, e filho das circunstancias. Barruel escreveo á

• l e s locas* ou Ia Destruction de 1'Empire du Perou por JA».


Marmontel. The History of America by William Robertson.
t Que o vosso ódio tem a mira no dinheiro, prova.se abundante,
mente das vossas mesmas palavras. Banhado de alegria agradeceis
ao publico o consumo dos vossos opusculos; isto hé agradeceis o
dinheiro ja recebido, e repeti* as cajumaias para receber ainda mais.
628 Miscellanea.
muitos annos: E porque o naõ vertestes á impulsos
desse zelo ardente, que agora estais evaporando? A
ley de Jezus Christo abandonada pelos P. L. em todo
este tempo naõ dezafiou a vossa grande fé ? Todo o ho-
mem que pensa descobre a causa do vosso longo silencio, e
das damnosas, e anti Christaãs invcctivas, com que infa-
mais a soeiedade. Se fosseis admittido nella, serieis um
eloqüente Apologista. Fecharaõ-se todas as portas, a que
batestes, sois um calumniador acerrimo.*
(Continuar-se-ha.)

KETNO UNIDO DE PORTUGAL, BRAZIL, E ALGARVES.

Rio de Janeiro, 15 de Junho.


Descripçaõ dos trabalhos practicados no Porto de Per-
nambuco, tendentes a demolir o Banco que alli existe
na entrada logo para o Sul da Barreta.
O Porto de Pernambuco he formado da parte de Leste,
pelo Recife, e de Oeste pela Costa, deixando entre si um
espaço, que constitue o porto, e offerece ás Embarcaçoens
um ancoradouro abrigado, naõ dos ventos mareiros, pois-
que o Recife apenas sobresahe á superficie d'agua; mas
sim dos mares, que todos se quebraõ naquella muralha na-
tural, deixando por isto era socego, como em um rio, as
Embarcaçoens ancoradas, principalmente nas proximidades
do baixo már, em cuja circumstancia o dicto recife inter-
cepta totalmente a communicaçaõ immediata das águas-do
porto com as do oceano.
mm—m——mmm • • ••» mm m. •• I . «mmmmmmm.t i • .

* Uma das provas de que os V. L. naõ admittem homens ja conhe-


cidos pela sua immoralidade e mà conducta, he a opposiçaõ constante,
quefizeramà vossa entrada na dieta sociedade -. he mais um argu-
mento, que tem á seu favor. Todas as vossas diligencias se frustra-
ram, e o único motivo foi o vosso comportamento em quanto Reli-
gioso no Convento da Graça, e o que tivesteis depois, que delle vos
excluíram por taõ escandalosos crimes.
Miscellanea. 629
Na entrada ha uma grande corda, que occupa desde o
picaõ, que fôrma o passo da Barreta, cento e cincoenta
braças para o sul, e para oeste cem braças ; o nível desta
corda relativo á superfice d'agua, antes da origem do tra-
balho era o seguinte ; pouco ao norte do centro tinha sette
ou oito palmos d'agua, e depois hia em doce rampa, até
que juncto ao recife havia dez a onze palmos, e para oeste
quatrocentos e dezeseis palmos, distante da praia tinha
treze a quatorze palmos ; este espaço mais fundo juncto á
praia he quasi inútil para otranzito das embarcaçoens, pois
em conseqüência da effectividade dos venlos marciros^
este pequeno canal ficando a sota vento, qualquer embar-
cação que por urgência alli fundeasse, ficaria com a popa
juncto a praia, sem poder arrear sufficiente amarra para a
sua segurança ; eis o motivo porque o passo das embarca-
çoens, que entram e sahem, he quasi sempre próximo ao
recife, e como alli naõ houvesse senaõ dez a onze palmos
de água, nao podiam no preamar d'aguas vivas ordinárias
passar embarcaçoens, que demandassem mais de dezeseis a
dezoito palmos.*
Projectou-se o profundar mais aquelle lugar para fran-
quear o passo ás embarcaçoens de maior porte, para cujo
fim occorriaõ dous meios, ou augmentar artificialmente a
corrente d'agoa a ponto de fazer a escavação, e profunda-
menlo deesejado, ou demolir aquelle obstáculo empre-
gando maquina, que tirasse a matéria do fundo: para a
execução do primeiro projecto, seria necessário construir
um dique com dimensoens sufficientes, que partisse da

* Os palmos que acima se tractam, saõ palmos Portuguezes, dos


quaes mil trezentos noventa e cinco, eqüivalem a cem pés Inglezes,
esta relação foi adoptada e deduzida dos trabalhos Geodesicos prac-
ticados pelo Doutor t i e r a . As sondas mencionadas saõ referidas no
baixa mar d'aguas vivas ordinárias, que se entende as marés do no-
vilunios, e plenilúnios naõ próximos aos equinocios.—{N. da G. do
Rio.)
V O L . X V I I . N o . 102. 4M
680 Miscellanea.
margem de Oeste perpendicularmente ao Recife, á medida
que este dique fosse avançando, hia comprimindo as águas
contra a muralha firme, e inexpugnável do mesmo Recife,
e em razaõ de se lhes estreitar o leito, augmentaria de
velocidade, originando desde logo a escavação no fundo.*
Porém desta obra resultava um inconveniente capital,
que era a diminuição de espaço que occasionava ao porto,
que na sua maior largura naõ tem mais que 110 braças, e
já he muito escasso, para as numerosas embarcaçoens,
que attrahe o grande commercio, que alli se faz, além de
que seria impracticavel depois de tal obra, como agora
succede em muitas circumstancias, embarcaçoens a bor-
dejar até ao ancoradouro : estas razoens influíram para se
adoptar o segundo projecto, posto que de duvidosa sufici-
ência, e também porque as Regias Instrucçoens assim o
determinaram.
Com effeito no principio de Novembro, de 1814, se
principiou cora uma só maquina a tirar a matéria do
fundo, no fim de Septembro, de 1815, se estabeleceo a
segunda, e finalmente o volume de matéria, que se con-
seguio tirar até o fim do anno de 1815, foraõ 112.256 pal-
mos cúbicos, com que se aterrou o espaço do Arsenal re-
sultando disto o poderem actualmente com franqueza em
occasiaõ de águas vivas ordinárias, entrar e sahir Embar-
caçoens demandando vinte palmos d'agua. Além deste ser-
viço se tiraram do fundo 90 pedras, cada uma com 36
palmos cúbicos de solidez, pertencentes á muralha, que os
Hollandezes construíram no Recife para o altear, as quaes
a continua acçaõ do mar tinha deslocado, e deitado para
dentro do mesmo Recife.
Também se empregaram as Barcas na salvação de duas

* Esta obra era idêntica á que se practicou em Aveiro, aonde com


as águas do rio Vouga se demoliram as dunas, que as separam do
oceano —(N. da G. do Rio.)
Miscellanea. 631
Sumacas, qne profundaram, uma juncto á praia do Brum,
oulra entre a praia chamada do Collegio e o Forte do
Mallo, esta se conseguio tirar inteira, de cujo serviço re-
sultou um grande beneficio ao Porto, pois no caso que se
naõ tirasse, formaria alli um baixo mesmo no lugar, que
serve actualmente de ancoradouro ás Sumacas do Rio
Grande, e ás outras embarcaçoens, quando dcmandaõ
fabricos radicaes : nestes serviços se empregaram os ser-
ventes das maquinas da escavação; estas diversocns oc-
cuparam o espaço de 4 mezes proximamente, isto além dos
dias de inverno, em que o máo tempo naõ permittio o
trabalhar.
He este até o fim do anno de 1815, o estado da minha
commissaõ.
JOAÕ FELIZ P E R E I R A DE CAMPOS, Capitão de
Mar e Guerra.
JOSÉ'CARLOS M A I R I N C K DA SILVA FERRAÕ.
Pernambuco, 18 de Fevereiro, de 1815.

EXERCITO PORTUGUEZ.

Ordem do Dia.
Quartel-general do Pateo do Saldanha,
21 de Outubro, de 1816.
Havendo Suas Excellencias os Senhores Governadores
do Reyno comniunicado ao Ex mo . Senhor Marechal-gene-
ral Marquez de Campo Maior, com o fim de serem pu-
blicados ao exercito os regulamentos, e disposiçoens que
S. M. El Rey N . S. foi servido ordenar, e estabelecer
para o governo futuro do mesmo exercito, respectiva-
mente aos seus diversos ramos, e administraçoens; S. Ex*.
naõ pôde com tudo deixar de chamar a attençaõ do exer-
cito aos benefícios, e aos favores do seu Soberano para
com elle, e aos cuidados paternaes que se mostraõ em
estas regulaçoens de S. M., para aquelles, naô só que o
4M 2
632 Miscellanea.
compõem actualmente, ma3 para com os que devem daqui
cm diante ser chamados para a defensa de sua pátria ; o
que com effeito toca immediatamente a toda a naçaÕ, da
qual o bem, e a felicidade naõ entrou menos em a con-
templação de S. M. quando formou estas regulaçoens, do
que daqueila parte da naçaõ que mais inimediatamente se
acha debaixo das armas. S. M. com a sua benevolência
ordinária, e cora os seus continuados desejos pela felici-
dade de seus vassallos, e para a sua defensa, e segurança
(sem o que nem a prosperidade delles, nem os direitos de
S. M. estarão seguros um momento) deliberou formar o
sen exercito, tanto a respeito da sua força numérica, como
da sua effectiviclade, da maneira menos onerosa á naçaÕ,
e aos indivíduos; combinando haver sempre uma força
sufficiente, e em estado de proteger os seus direitos, e
aquelhs dos seus Vassallos, e attendendo ao que he neces-
sário para o augmento do commercio, agricultura, manu-
facturas, &c. do seu reyno. Para estes objectos o syste-
ma que contém a organisaçaõ do exercito foi estabelecido
de maneira, que os dous terços da sua força total seraõ
regularmente mandados aos seus lares para continuarem
seu commercio, ou os seus trabalhos, naõ retendo por
este modo de suas oecupaçoens ordinárias senaõ um terço
da força total; e certamente jamais Portugal teve por
este modo taõ poucos braços subtrahidos aos trabalhos da
pátria. Deve o exercito, e o publico também observar
com attençaõ os paternaes cuidados, que S. M. mostra no
regulamento respectivo ás ordenanças, sendo este um ramo
essencial do serviço militar, e que formando a baze delle
em Portugal, tem analogia com toda a população do
Reyno. O objecto nisto foi de tornar a levar este ramo
ao seu antigo p é , e intenção, dos quaes em um longo
lapso de tempo se havia apartado por diversas circum-
stancias ; e esta separação tinha chegado a tal ponto, que
o exercito já naõ podia completar-se, qualquer que fosse
Miscellanea. 633
o seu estabelecimenlo, e que os officiaes executores desta
ley foraõ ultimamente obrigados ao recurso odioso, de
recrutarem aquelles, que a ley naõ permittia que fossem
obrigados, senaõ na ultima extremidade. E qual será o
Portuguez que senaõ horrorize de saber, que nnõ só nas
provincias os officiaes das ordenanças foram obrigados a
arrancar das familias as mais pobres, os últimos filhos que
as assistiaÕ, mas que mesmo nesta populosa cidade naõ
podiam escusar-se, naõ só de lançar maõ dos filhos únicos
de pays, e mãys decrépitos, enfermos, e incapnzes de se
sustentarem, mas que mesmo o filho único da infeliz, e
inconsolavel viuva por pobre, e sem ter paõ, foi recrutado,
por naõ haverem outros que nao fossem privilegiados, e
chegando a um tal ponto os abusos a esto respeito, que em
Capitanias Mores aonde haviam mil e duzentas, ou mil e
trezentas ordenanças, alem dos escusados por causas phi-
sicas, ou naturaes, naõ se encontravam sem privilegio
para a I a . linha mais que de doze a trinta homens, e isto
depois de haverem ficado dous annos sem darem recrutas,
por todos chegarem a ter privilégios de um modo, ou de
outro. Em fim as leys benignas feitas por S. M., e por
seus.. augustos antecessores, para repartirem com igual-
dade entre os protegidos a protecçaõ do reyno, e para
limitarem o tempo de serviço do vassallo, que entrava no
exercito para a defensa de seus compatriotas, dos seus
bens, dos direitos do seu Soberano, e de adoçar o tempo
do seu serviço, com a esperança de em uma certa epocha
voltar á sua familia, já naõ podiam ter execução, mm
lugar; e esta parte da naçaõ que entrava no exercito
ficava escrava da outra ; e a naç:ió sabe a consideração
com que ella a olhava para este duro serviço. Foi para
evitar esta extrema injustiça, tap dolorosa á humanidade,
como á bondade, e rectidaõ de S. M., e que este augusto
Senhor quiz ao menos adoçar, que elle fez, e ordenou os
regulamentos actuaes; e nelles nao somente S. M. desejou
7
634 Miscellanea.
que em unia idade vigorosa todo o vassallo que entre na
vida militar voltasse ao seu lar, mas taõ bem pelo systema
de licenças agora doptado, S. M. quiz providenciar, que a
vida do soldado sem interrupção n3Õ lhe tirasse o habito
do trabalho, e da industria, nem o fizesse estranhar seus
parentes, e familias, e o reduzisse por este modo no tempo
da sua baixa a pezar sobre o publico por falta de meios,
ou de inclinação de prover â sua subsistência; por isto
S. M. cuidou, que as suas benignas intençoens tinham o
seu pleno effeito; e como pelos arranjamentos que foi
servido ordenar, todo o soldado pôde ter cada anno, com
pouca differença nove mezes de licença, depois de ser uma
vez disciplinado, elle guardará assim as snas ligaçoens,
tanto com a sua familia, como com o seu lavor ; e no
tempo da sua baixa naõ experimentará mudança alguma
súbita de condição, e naõ terá por fim senaõ de ficar de
todo em sua casa, em lugar de applicar os seus tres mezes
de serviço cada anno ao exercito. Naõ se pôde taõbem
duvidar que esta medida assim como ella tira todos os
motivos de deserção, taõbem desvanecerá os seus effeitos ;
acontecimento este taõ desejadq por S. M. ; naõ só pelo
resultado muito serio para o Reyno de perder tantos dos
seus vassallos, pois que muitos dos desertores fogem para
fora do reyno, mas taõbem para evifar o castigo a tantas
pessoas, que saõ arrastadas a commetter este crime. Taõ-
bem se verá que os braços destinados á defensa da pátria,
naõ continuarão a ser tirados á agricultura, ou ás manu-
facturas, porque, por este systema adoptado por S. M.,
elles servem a ambos estes objectos, ao mesmo tempo que
estaõ promptos a defender a pátria; e S. M. tomou taõ-
bem na sua Real consideração, que isto será um allivio
para todos os seus vassallos de Portugal, naõ só por serem
todos elles pelas leys do reyno, e as naturaes, sujeitos a
serem chamados para a defensa do reyno, mas porque naõ
pôde haver uma só familia nelle, que naõ seja interessada
Miscellanea. 635
por algum parente no exercito ; e que os favores feitos a
esfes, recahiraõ assim sobre todos os seus vassallos, e foi
com o mesmo objecto que S. M. proveo a que os officiaes
do seu exercito, dando meia paga aos licenciados por um
certo tempo, possam ter a possibilidade de se consolarem
de tempos em tempos em a companhia de seus parentes, e
familias sem lhe serem onerosos, o que naõ será menos
agradável a estes últimos.
O Senhor Marechal-general encarrega os Senhores Ge-
neraes de Provincia (bem certo de que nisto se emprega-
rão zelosamente) da justa execução dos regulamentos
sobre o recrutamento, esperando que tanto elles, como os
Capitaens Mores, e todos os officiaes de ordenanças to-
marão o maior cuidado em que as novas regras, e arran-
jamentos para a limitação do tempo do serviço, como as
indulgências para licenças taõ extensas, sejam bem expli-
cadas, e entendidas pelo povo.
Em quanto á diminuição dos Capitaens Mores, e ás
novas divisoens dos districtos, e arranjamentos a este re-
speito, ninguém ignorava a necessidade desta medida
para pôr termo, ou aliviar os abusos sobre o recrutamento,
que pôde para o futuro ser melhor vigiado por aquelles
aquém elle competente ; naõ sendo isto mais, que tornar
a levar este ramo do militar á sua antiga simplicidade, e
igualdade, de onde elle se havia desviado pela successaõ
dos tempos.
As outras mudanças, e arranjamentos, que S. M. foi
servido ordenar para differentes departamentos, tem todas
o mesmo objecto de haverem por limite em tudo o levarem
a uma simplificação necessária a sua boa, e perfeita arre-
cadação (da qual todo o mundo sabe quanto delia por
causa do tempo, e de outras circumstancias, tem estado
taõ afastados) e de diminuírem as despezas, e os abusos.
Se S. M. em a sua bondade se dignou de augmentar os
meios de subsistência, tanto dos officiaes, como dos sol-
636 Miscellanea.
dados do seu exercito, foi em consideração dos seus ad-
miráveis serviços em uma guerra sem exemplo, e durante
a qual jamais de taõ perto a salvação da pátria esteve em
perigo, e para lhes proporcionar seus vencimeutos ás cir-
cumstancias, e carestias do tempo, como debaixo das
mesmas consideraçoens tem sido ultimamente taõ justa-
mente feito a outros departamentos, e empregados neste
reyno ; e toda a classe do exercito será reconhecida á sua
Soberana benevolência, e a naçaõ applaudirá que os seus
defensores ten haõ ao menos uma subsistência medíocre ;
porque, quem pensará em Portugal que quatro vinténs
sejaõ superabundantes para a subsistência de um homem,
quando naõ ha trabalhador que se contente com menos do
triplo, ou quádruplo pelo seu jornal ? He certo, que
estes accrescenlamentos parecem augmentar consideravel-
mente a despeza publica, e elles o fazem na casa de sol-
dos, e gratificaçoens; mas também he verdade, que ha
nestas regulaçoens economias em outros ramos militares
muito consideráveis feitas a respeito do antigo regimen, e
que pódera contrabalançar os augmentos ; e o que mais
he, com o novo systema S. M. terá um exercito de 50 a
60.000 homens, sempre prompto a correr á defensa do
reyno, ainda que geralmente se achem seguindo as suas
occupaçoens ordinárias; e só com a despeza de 25 ou
30.000 homens conservados sempre debaixo das armas;
o que quer dizer, que o exercito custará pouco mais ou
menos ámetade de um exercito da mesma força debaixo
do antigo pé do exercito de S. M. em Portugal ; e uma
consideração de muita importância, e que consideravel-
mente infiuio a S. M. o adoptar o systema actual, foi o
desejo de ter sempre prompto tudo que for necessário para
a defensa de seus vassallos; e a sabedoria de S. M. cal-
culando pela experiência do passado, teve em vista a
incerteza, e perigo de deixar para o ultimo momento o
prover á defensa da pátria, o que será muito incerto, e
Miscellanea. 637
perigoso, porque em primeiro lugar as gentes em taes cir-
cumstancias estaõ em consternação, e um grande recruta-
mento feito, ou intentado em tal tempo, será por este
motivo ineffêctivo ; e se se fizesse o contrario, como se
disciplinaria uma massa taõ grande, quando tudo que saõ
tropas promptas, saõ as que correm ás fronteiras a oppôr-
se ao inimigo, e naõ podendo as recrutas apromptar-se
como deve ser em menos de doze mezes; e em todo o
caso, senaõ he absolutamente impossível recrutar em taes
circumstancias um exercito situado como he o de Portu-
gal, he certo que em um tempo em que tudo deveria ser
socego, e tranquillidade tudo se tornará em confusão e
terror. Nós todos nos lembraremos das funestas confu-
soens que provieram da falta de todos os meios, e insti-
tuiçoens necessárias para a promptificaçaÕ de um exercito
no principio da ultima guerra, ainda que o enthusiasmo,
e lealdade do povo Portuguez foi taõ exuberante, que naõ
foi falta de gente, mas dos meios de aproveitarmo-nos do
seu zelo, a falta dos quaes com a reunião de tanta gente,
finalmente causou tantas doenças, e despezas quasi inúteis
em depósitos, e lugares de ajunetamentos de recrutas, por
naõ haver nada prompto, e ninguém ignora quanto tempo
se gastou antes de poder organisar estes, e qual he o Por-
tuguez que naõ deseja v£r remediado isto para o futuro ?
Em fim, naô será mais tempo de recrutar, e disciplinar
quando já uma guerra está principiada, devendo a naçaõ
de antemão estar preparada para poder-se defender, ou
offender ao inimigo.
A parte conhecedora da Naçaõ, que he toda com poucas
excepçóes, quando se lembrar do que nenhuma pessoa
ignora, isto he, das perdas, e que podem antes ser cha-
mados roubos, causadas aos infelizes officiaes sobre a sua
medíocre paga, e subsistência durante a guerra, e isto
naõ obstante todo o ciudado do governo para as remediar,
achando-se estes, assim como as infelizes viuvas, e orfaõs
VOL. XV11. No. 102. 4N
638 Miscellanea.
em a obrigação de rebaterem, posto que com metade de
perda, e algumas vezes muito mais, para poderem conse-
guir para si, e para as suas familias o paõ do dia, e pela
usura exorbitante, e horrível daquellas gentes, que se de-
nominavam rebatedores, e que infestavam, até no interior
da thesouraria do exercito; e á usura dos quaes naõ havia
nem limites, nem regra, nem consciência, aggravando
assim males que as infelizes circumstancias do tempo
faziam ser impossível em tudo remediar, diz S. Ex*. que
debaixo de similhantes circumstancias, ninguém se admi-
rará de que S. M. com a sua humanidade, e com a sua
Teconhecida justiça tenha desejado prevenir para o futuro
estas conseqüências horríveis, filhas de uma necessidade
absoluta da parte dos officiaes, e viuvas ; o Senhor Ma-
rechal-general a quem chegavam de tempos em tempos, e
continuamente estes clamores, e que naõ ignorava as tristes
conseqüências, teve por isto tanto sentimento, que se vio
muitas vezes no caso de quasi perder a prudência em
favor destes infelizes, para poder alcançar-lhes algum me-
lhoramento ; e posto que o Governo teve sempre, e em
todos os tempos os mesmos sentimentos, e desejos, nunca
jamais se pôde quebrar a cadêa com a qual estes usura-
rios haviam agrilhoado aquelles, que, por qualquer preço
que fosse, estavam em a necessidade de procurar pão para
o próprio dia. Os desejos de S. Exa*. os Senhores Go-
vernadores do Reyno, para fazerem justiça, e adoçarem o
soffrimento desta infeliz classe do exercito, que está taõ
atrazada em os seus pagamentos, se provam pela Portaria
de 13 de Agosto pretérito, e ainda isto naõ foi até ao pre-
sente, com poucas excepçoens, útil senaõ aquelles usura-
rios, e a seus amigos ; porque elles sabem metter-se como
uma muralha entre os necessitados, e a thesouraria mili-
tar, e como a somma das despezas militares naõ pôde
jamais ser senaõ em razaõ das receitas, ou rendas publi-
cas, e das outras despezas do Estado, que mal se segue de
5
Miscellanea. 639
se poder vêr que o militar seja pago, o qual he ordinaria-
mente pobre, e a quem ninguém emprestará senaõ debaixo
dos termos abomináveis dos rebatedores!
O exercito verá com satisfacçaõ outro signal da bon-
dade, e consideração do seu Soberano para com elle,
achando-se reintegrado em os direitos antigos do seu foro;
e he este um ponto, ainda que de muito momento para os
indivíduos do exercito, de muito pouco para com a naçaõ
era geral, a quem deve ser muito indifferente a maneira
de serem julgados os militares, excepto em o interesse que
ella tomará de que cada um conserve os seus direitos, par-
ticularmente os do seu foro ; e S. M. naõ considerou
menos a parte naõ militar da naçaõ, que estava muito ex-
tensamente sujeita a ser julgada por tribunaes militares, e
dos quaes S. M. os isentou, tirando aos tribunaes militares
todo o direito de julgarem os paizanos, e restituindo estes
últimos ao seu próprio foro ; e isto está bem longe de ser
indifferente á naçaõ. Mas eis-aqui o modo porque um
Soberano benéfico, e justo, administra uma igual justiça,
e mostra igual amor a toda a classe dos seus vassallos.
Sua Excellencia o Senhor Marechal General naõ fez
esta espécie de observações sobre os Regulamentos Milita-
res, que Sua Magestade El Rey Nosso Senhor se dignou
ordenar, e que Suas Excellencias os Senhores Governa-
dores do Reyno apresentam agora ao publico, senaõ com
o intento de chamar a attençaõ geral ao seu conhecimento,
satisfeito de que, quanto mais elles forem lidos, e compre-
hendidos, mais as Intenções Benéficas de Sua Magestade
seraõ reconhecidas, tanto pela naçaõ, como pelo Exer-
cito ; porque este ultimo quasi naõ será mais uma parte
separada da primeira, pois que o Soldado daqui em diante
será tanto Paizano, como Soldado, e entregue ainda muito
mais tempo ás suas obrigaçoens domesticas, e particu-
lares.
Sua Excellencia o Senhor Marechal-General, bem vê
4N 2
640 Miscellanea.
que estas observações saõ muito superficiaes; mas os re-
gulamentos mesmos (a.quem está no caso de os procurar, e
que tem o tempo de os lêr) saõ as melhores explicações.
O Senhor Marechal-General naõ tem em vista neste limi-
tado resumo, senaõ aquelles que naõ podem alcançar os
Planos; e sendo taõ obrigado como elle he a El Rey
Nosso Senhor, com infinito gosto se aproveita de todas as
occasiões que o seu dever lhe offerece, de patentear aos
Vassallos de Sua Magestade, o quanto elles gozam do seu
Amor, e dos seus Desvelos, e Cuidados.
Sua Excellencia o Senhor Marechal-General communi-
cará ao exercito, quando elle estiver competentemente au-
thorizado por Suas Excellencias os Senhores Governadores
do Reyno, a época em que pode principiar a pôr em exe-
cução o que toca aos vencimentos mandados nestes Pianos,
o que requer ainda para se poder determinar, muitos cál-
culos, e outras dependências, qae naõ podem deixar de
levar tempo.
Ajudante-general.—MOZINHO.

HESPANHA.
Ceremonias e Etiquetas que se devem observar na entrada
de S. M. a Raynha nossa Senhora, e da Sereníssima
Snr1. Infanta D. Maria Francisco de Assis, em Ma-
drid : Desposorios de ambas as Senhoras; Benções:
Ida a dar graças a Nossa Senhora oVAtocha : Beija-
maõs geraes e dos Conselhos, Src.; recopiladas do
Ceremonial observado em iguaes casos, e ordenadas
segundo a etiqueta do dia, para o maior decoro e obsé-
quio de Sua Magestade e Alteza.

Entrada e recebimento de S. M. como Raynha d*Hespa-


nha, acompanhada de sua Augusta Irmaã, em Madrid
no dia 28 de Septembro.
Tendo ido El Rey nosso Senhor, acompanhado de seu
Miscellanea. 641
Irmaõ e Tio os Sereníssimos Senhores Infantes D. Carlos
e D.Antonio, receber como particulares era Aranjuez suas
Augustas Esposas a Raynha nossa Senhora e a Sereníssi-
ma Senhora Infanta D. Maria Francisca, resta agora rece-
bella na sua Corte como Raynha: para isto sahirâ S. M»
e o Sereníssimo Senhor Infante D. Carlos na véspera a
tarde de Aranjuez para voltarem á Corte a esperar suas
Augustas Esposas, sem mais comitiva que os criados pre-
cisos: a guarniçaõ se porá como de ordinário em armas.
No dia seguinte, dada a ordem por El Rey nosso Se-
nhor para a entrada de S. M. e A., e posta a guarniçaõ
em armas, o corregedor esperará na fôrma do estylo na ju-
risdicçaõ de Madrid, ou a uma légua de distancia, e fará
a S. M. uma falia: El Rey nosso Senhor, acompanhado
do Sereníssimo Senhor Infante D. Carlos, logo que chegue
o PostilhaÕ, sahirá do sen Palácio com a sua comitiva do
custume, augraentada com os gentishomens mais antigos
da Sua Câmara; e passando pela estrada sahirá a meia
légua de distancia a esperar S. M. a Raynha: El Rey
nosso Senhor se collocará ao estribo direito, S. A. ao es-
querdo, e continuarão com as pessoas da sua partida, fi-
cando atrás a que a Raynha trouxer. Assim que chega-
rem aonde os Guardas estiverem formados, sahirá parte da
vanguarda, e os restantes se postarão atrás do Coche de
S. M., naõ permittindo que pessoa alguma a cavallo se
introduza no meio das duas partidas mais qae a comitiva
de S. M.—Ao chegarem SS. MM. ao principio da guar-
niçaõ, que será fora da Porta d'Atocha, se apresentará o
Capitaõ-general a cavallo cora todo o Estado Maior, e ge-
neraes aggregados ã Praça de Madrid, que todos iraõ a
cavallo com uniformes de gala, e continuarão a caminhar
junetos á comitiva de SS. MM. até Palácio.
Chegado o Cortejo á Porta d'Atocha, por onde SS.
MM. naõ de entrar, ali se achará o Senado da Câmara de
Madrid a cavallo, estando adiante os Ministros inferiores
642 Miscellanea.
Vestidos de gala, depois quatro Maceiros com opas de
veludo carmezim com franja de ouro, e suas maças; logo
se seguirão por sua antigüidade o Procurador Geral, Es-
crivães da Câmara, e Regedores com seus uniformes de
grande gala, e sem botas ; entre os dous últimos Regedo-
res o Corregedor, se chegar a tempo, arengará a S.M., e
na sua falta o Decano; por detrás do Alguazil Maior (ou
Vereador mais velho) estarão os Contadores e Thesou-
reíros. Concluída que seja a arenga do Senado tomará
lugar na mesma ordem adiante dos Guardas do Corpo: á
frente do Senado se poraõ oito ou doze soldados de caval-
laria para abrirem o passo, e nesta ordem continuarão,
pela porta d'Atocha, Praça Maior, Rua Maior, Arco do
Palácio, &c. N a escada do Palácio esperarão o Mordo-
mo-Mór, o Sumilher, os Grandes, os Gentishomens d'£l
Rey, os Mordomos da Semana, Chefes e Ajudantes de Câ-
mara, e Senhoras do Toucador. S. M . e A. se apearaõ
cora tempo sufficiente para estarem na escada á chegada
da Raynha, daraõ a maõ ás suas respectivas esposas, e
passando pelas salas da guarda, das columnas, e dos em-
baixadores, as conduzirão ao seu quarto; e S. M. El Rey,
accompanhado dos Sereníssimos Senhores Infantes, se re-
tirará ao seu quarto, aonde ficará até á hora da ceremonia.

Dia da grande Ceremonia dos Desposorios de S. M. e


Altezas.
O dia da entrada e ceremonia dos depositários de S. M.
será annunciado, ao amanhecer, com salvas de artilheria,
e repique geral de sinos.
Dada a ordem por Rey com a antecipação do estylo, e
preparado S. M. para sahir ao salaó do throno, iraõ do
quarto os dous gentishomens mais antigos, co raquatro mor-
domos da semana (camaristas) e dous porteiros da cana
avisar S. M. a Raynha e a Senhora Infanta: ao mesmo
Miscellanea. 643
tempo se postarão juncto ao throno a guarda d'El Rey,
os Porteiros da Cana, Mestres de Ceremonias, que seraõ
quatro Mordomos de Semana, encarregado pelo Mordomo
Mór com approvaçaõ de S. M. de fazerem observar o ce-
remonial com todo o rigor ; o Almoxarife (conserge) do
Palácio com tudo o que for necessário para o acto, e
igualmente os Sumilheres de Cortina, e seis Capellâes de
Honor para o serviço do Pontificai, e alguns com o The-
soureiro e Mestre das Ceremonias com sobrepeliz e bar-
retc, e os Sacristas. No Throno estarão duas cadeiras para
os augusto esposos ; mas a da Raynha estará coberta de
veludo.
Preparado tudo, e tendo voltado a Commissaõ que S.
M. enviara ao quarto da Raynha, sahirá El Rey do seu
quarto na forma seguinte : dous Corregedores da Corte e
Casa, os Moços da Câmara, Porteiros, Gentishomens da
Casa e Meza, Camaristas (mordomos) da Semana,
Grandes, Officiaes Mores do Paço e Embaixadores juncto
de S. M. e AA., atrás os Capitaens da Guarda, Deputa-
dos, &c. A Guarda fará as honras: pôr-se-haÕ quatro
Cadetes juncto ao Throno, e quatro diante delle : abaixo
dos degráos, á direita estarão as cadeiras destinadas para
SS. AA., e juncto ao Altar estará o Patriarca. De ante-
mão estará preparado um altar, á esquerda do Throno,
com cruz e castiçaes, frontal branco, e em cima os para-
mentos do Prelado: se por indisposição naõ poder assistir
o Patriarca, nomear-se-ha outro Prelado, que com as li-
cenças necessárias o execute.
A hora assignalada veste-se o Prelado com araicto, alva,
cingulo, estola, c capa de asperges, com a mitra e o ba-
culo. Quando S. M. entrar no Salaõ todos se poraõ em
pe, menos SS. AA.—Postos todos em ordem sahe o Pa-
drinho, qae será o Sereníssimo Senhor Infante D. Antonio,
acompanhado de quatro Grandes, quatro Camaristas de
Semana, quatro Gentishomens da Meza e dous Porteiros
644 Miscellanea.
da Cana a buscar S. M. a Rainha e a Senhora Infanta, e
com a mesma Comitiva voltará conduzindo S. M. e A . :
S. M. a Rainha no meio, e á sua esquerda o Padrinho, á
direita sua Augusta Irraaá, atrás o Conde de Miranda co-
mo encarregado da entrega, e depois a sua Camareira Mór
e Damas. Ao momento de entrar no Salaõ principará a
musica, e se levantará o Senhor Infante D . Carlos. An-
dará deste modo a Comitiva até ao primeiro degrao do
Throno : entaõ se aproximará o Ministro d'Estado, que
trará escrito o Acto da entrega de ambas as Esposas, que
lera em alta voz nos termos seguintes :—
" N o Palácio Real de Madrid aos . . d e de
1816, em presença da Magestade do Senhor D. Fernando
Septimo, Rey de Castella, deLeaõ, das Duas Sicilias, de
Jerusalém, de Navarra, de Granada, de Toledo, de Va-
lencia, de Galliza, de Malhorca, deSevilha, de Sardenha,
de Cordova, de Corsega, de Murcia, de Jaen, dos Algar-
ves, de Algeciras, das Ilhas Canárias, das Iudias Orien-
taes e Occidentaes, Ilhas, e Terra Firme do Mar Oceano;
Arquiduque d'Austria ; Duque deBorgonha, do Brabante,
e d e M i l a Õ ; Conde de Apsburg, de Flandres, Tyrol, e
Barcelona ; Senhor de Biscaia, e de Molina, &c. : E da
Raynha Nossa Senhora D . Isabel Francisca de Bragança,
Filha dos Muito Altos e Poderosos Senhores Reys de Por-
tugal D. Joaõ Sexto, e D . Carlota Joaquina de Borbon,
Infanta de Hespanha : de S. A. o Sereníssimo Senhor In-
fante D. Carlos Maria Isidro, e da Sereníssima Senhora
Infanta D . Maria Francisca de Assis, lrmaã da Rainha
Nossa Senhora; D. Pedro Alvarez de Toledo, Conde de
Miranda, Grande de Hespanha da primeira Classe, Ca-
valleiro Graã-Cruz da Real e distineta Ordem Hespanhola
de Carlos Terceiro, e da Militar de Sant-iago, Tenente
General dos Reaes Exércitos, Gentilhomem da Câmara
d'El-Rey nosso Senhor, e seu Mordomo-Mór, disse : Que
por acto passado perante D , Pio Ignacio de Lamo Palácios
Miscellanea. 645
dei Valle, Conde de Castanheda de los Lamos, Official
Maior da Primeira Secretaria de Estado e do Despacho,
Cavalleiro pensionista da Real e distincta Ordem Hespa-
nhola de Carlos Terceiro, da Real e Militar da Espada de
Suécia, Commendador da de S. Fernando e do Mérito das
Duas Sicilias Ministro Conselheiro Rey de Armas da In-
signe do Tosaó d'Ouro, Secretario de S. M. com exercicio
de Decretos, e interino do Conselho de Estado, Notario
dos Reynos; executado no dia 5 de Septembro na bahia
de Cadiz, e na paragem assignalada, para esse effeito, por
confins dos Reynos de Hespanha e Portugal, a saber, a
Galeota Hespanhola destinada a receber as sobredictas Au-
gustas Senhoras, e a Náo Portugueza S. Sebastião, em que
vieram do Brazil: D . Francisco de Menezes Silveira e
Castro, Marquez de Vaiada, e Conde de Caparica, do
Conselho de S. M. Fidelissima, Mordomo Môr da Rainha
de Portugal, Gram-Cruz da Ordem Militar de S. Bento de
Aviz, Commendador das de Christo, Sant-iago, e Espada,
&c. ; lhe entregou, eelle se deo por entregue, em virtude
da Procuração especial de S. M. para este acto, das pes-
soas da Rainha Nossa Senhora, e da Senhora Infanta sua
Augusta Irmaã, as quaes o dicto Marquez de Vaiada acom-
panhava e assistia desde o Rio-de-Janeiro, com obrigação
que fez, que logo que chegasse ao lugar onde se achassem
El Rey nosso Senhor, e o Senhor Infante D. Carlos Maria
Isidro, faria a entrega formal da Real Pessoa da Rainha
Nossa Senhora a S. M. El Rey nosso Senhor, e da de
S. A. a Senhora Infanta ao Senhor Infante D. Carlos Ma-
ria Isidro, achando-se presentes, ou a quem tivesse seus
Reaes poderes. E cumprindo o Conde de Miranda com
a obrigação que contrahio, pelo referido acto faz a entrega
das Reaes pessoas nesta forma : a El Rey nosso Senhor da
Raynha nossa Senhora, e ao Senhor Infante D. Carlos da
Senhora Infanta D . Maria Francisca de Assis ; e S. M.
El Rey nosso Senhor disse recebia e aceitava, e com toda
V O L . XV11. N o . 102. 4 o
646 Miscellanea.
a veneração se entregava da Raynha nossa Senhora ; e o
dicto Senhor Infante expressou recebia e aceitava, e com
toda a veneração se entregava da Senhora Infanta sua
esposa, desligando respectivamente S. M. e A., como
logo desligaram, o referido Conde de Miranda da obriga-
ção em que se havia constituído de fazer a S. M . e A. a
entrega das Reaes pessoas da Raynha nossa Senhora, e
Senhora Infanta; e declaravam haver cumprido sua in-
cumbência, e para maior complemento lhe daõ recibo em
forma. S. M. El Rey nosso Senhor e S. A. o Senhor In-
fante D. Carlos o expressaram assim, e o assignâram por
suas Reaes mãos, achando-se presentes como testemunhas
D . liuiz de Borbon, pela Divina misericórdia Presbytero
Cardeal da Sancta Romana Igreja, do titulo de Santa Ma-
ria de Scala, Arcebispo de Toledo, Primaz das Hespanhas,
Chanceller Mór de Castella, Capellaõ Mór da Real Igreja
de Santo Isidro de Madrid, Grande de Hespanha da Pri-
meira Classe, Cavalleiro Gram-Cruz da Real e Distincta
Ordem Hespanhola de Carlos Terceiro, e das de S. Janu-
ário e S. Fernando de Napoies, do Conselho de S. M. &c.
&c. o Marquez de Valverde, Conde de Torrejon, Grande
de Hespanha da Primeira Classe, Cavelleiro Gram-Cruz da
Real e Distincta Ordem Hespanhola de Carlos Terceiro :
e Duque de Sedavi, Grande de Hespanha da Primeira
Classe, Mordomo Mór que foi da Rainha Mãy, Cavalleiro
Gram-Cruz da mesma Real Ordem : o Duque de Monte-
roar, Grande de Hespanha da Primeira Classe, Mordomo
Mór que foi da Sereníssima Senhora Princeza de Asturi-
as, Presidente doConselhode Índias,Cavaileiro Gram-Cruz
da mesma Real Ordem : o Marquez de Ariza, Grande de
Hespanha da Primeira Classe, Sumilher de Corpo de S. M.
por ausência e moléstia do Proprietário, Cavalleiro Gram-
Cruz da mesma Real Ordem : o Marquez de Valmediano,
Grande de Hespanha da Primeira Classe, Sumilher de
Corpo de S. M . , aposentado, Cavalleiro Gram-Cruz da
Miscellanea. 647
mesma Real Ordem; o Marquez de Belgida, Grande de
Hespenha da Primeira Classe, Estribeiro Mor d'EI Rey
nosso Senhor, Cavalleiro Gram-Cruz da mesma Real Or-
dem; e eu D. Pedro Cevalhos, como seu Primeiro Secre-
tario d'Estado e do Despacho."
E concluída a leitura, o Aposentador do Paço e o Al-
moxarife (Conserge) chegaráõ a meza para que S. M. as-
signe, e depois ao Senhor Infante D Carlos : e concluído
isto se dará principio ás ceremonias.—S. M. se levantará
e descerá do Throno ; aproximar-se-haõ os Padrinhos, e
o Prelado, posto immediatamente com milra se sem bacu-
Io, fará a venia a SS. M M . ; e tendo o Primeiro Assistente
o manual, sem voltar costas aos Reys, diz o Prelado : Per-
gunto a Vossas Magestades, olhando para cada um dos
Contrahentes, e lhez faz as perguntas pelas mesmas pala-
vras do Ritual, e recebe os seus consentimentos ; recebidos
os quaes, continua dizendo : Eu da parte de Deos, e t c ,
formando á invocação das tres Divinas Pessoas outras tan-
tas cruzes : depois disto chega a nova Camareira da
Raynha com o Mordomo, e descobrem a cadeira da Ray-
nha : entaõ El Rey, pegando-lhe pela maõ, a assenta á sua
esquerda ; e volta o Prelado a pegar no baculo, e ficando
todos como antes da Ceremonia.
Neste estado SS. AA. or Sr. Infante D. Carlos, e a Se-
nhora Infanta, acompanhados dos Padrinhos, se aproxi-
marão ao Altar. O Patriarca fará venia a SS. MM. e
AA. repitirá as mesmas ceremonias, conduzidas ellas, SS.
MM. se levantarão, descerão do Throno, e abraçarão seus
Irmaõs; e a Comitiva se encaminhará ao quarto d-El Rey
na mesma Ordem em que sahio.
El Rey e SS. AA. acompanharão a Raynha nossa Se-
nhora, e a Sereníssima Senhora Infanta pelo interior á casa
do toucador do quarto da Raynha, aonde já estarão as Da-
mas do Toucador, que seraõ apresentadas á Raynha pela
sua Camareira Mór, e lbe beijarão a maõ ; depois se pe-
4o2
648 Miscellanea.
dirá licença á Raynha pelo seu Mordomo-Mór para lhe
apresentar os seus Criados, os quaes seraõ recebidos por
S. M. na mesma fôrma, e acabado isto se retirarão SS.
MM.

Dia das Benções, que se devem celebrar na Igreja de


S. Francisco, vulgo o Grande.
Passar-se haõ com antecedência os Officios ao Excellen-
tissimo Sr. Patriarca para que dê as ordens competentes á
Communidade de S. Francisco, e faça saber a determina-
ção de S. M., e ao mesmo tempo, que levante a clausura
no dia dos Desposorios.
Na igreja se prepararão todos os assentos que deve oc-
cupar a Comitiva de S. M. segundo se costumava nos dias
de grande Ceremonia e Capella, e também os lugares para
os Embaixadores, Ministros Estrangeiros, e Secretários
do Despacho, e Conselhos, que de cada um assistirão
quatro, por naõ permittir mais o recinto; o Capitão Ge-
neral com os Generaes e Estado Maior ; a Câmara de
Madrid, os Bispos residentes nesta Cidade, Capellaes Ho-
norairos, e todos os Indivíduos da Real Capella : o estra-
do para as Grandes e Senhoras do Toucador, que todas
assistirão com veos na cabeça ; no resto da Igreja se po-
rão cadeiras para os convidados, os quaes entrarão por
bilhetes.—A' entrada da Igreja estarão os Mordomos da
Semana acompanhados de Porteiros para receberem os
Convidados, e dous na Igreja para os dirigirem aos sitios,
e evitar-se toda a desordem que possa acontecer.
Dada a ordem por S. M., e posta a Guarniçaõ em ar-
mas, começará a desfilar do quarto d'El Rey todo o acom-
panhamento de etiqueta, mettendo-se nos coches que lhe
competem, e seguirão o caminho que será—Arco de Pa-
lácio, rua de Almudena, rua do Sacramento, porta Cerra-
2
Miscellanea. 649
da, rua de Toledo, largo da Cevada, e ma de S. Francis-
co. As demais pessoas estarão antecipadamente na Igreja.
Uma salva de artilheria annunciará a sahida de SS. MM.
e AA. do Palácio.
O Patriarca acompanhado dos Capellaens de 1 íonor assis-
tentes esperará sentado á porta da Igreja com pluvial, mi-
tra, e baculo : ao chegarem as Pessoas Reaes, largando o
baculo, e feita a venia a SS. M M . e A A., principiará a
ceremonia como manda o Ritual Romano, e a practica
usada em iguaes casos.
Concluída a ceremonia, dirigir-se-haõ proccssional-
mente ao Allar-môr, e collocados SS. MM. e AA. nos si-
tios competentes, principiará a Missa.
Concluída esta, sahiraõ SS. MM. e AA. na mesma or-
dem e com a mesma Comitiva pela rua de S. Francisco,
largo da Cevada, rua de Toledo, rua Imperial, rua d'Ato-
chaa Igreia de Santo Thomas, e se apearaõ SS. MM. e
A A. só com a Comitiva preciza, a dar graças a Nossa
Senhora d'Atocha, aonde se contará um solemne Te
Deum; e depois voltarão S S . M M . ao seu Real Palá-
cio, passando pelas ruas d'Afocha, Carretas, porta do Sol,
rua maior, e por Santa Maria.
Naquella noite iraõ SS. MM. ao theatro ; e no seguinte
pela manhaã haverá beijamaõ geral, e noimmediato, tam-
bém pela manhaã, beijamaõ dos Conselhos.
O beijamaõ das Senhoras será na noite, que S. M. a
Raynha designar, cujo aviso se fará de antemão.
ü dia de entrada de S. M. a Raynha e A. e os dias se-
guintes, seraõ de gala; haverá illuminaçaõ geral, salvas
de artilheria, segundo a ordem, e repique geral de sinos.
O quarto dia será de meia gala.
650 Miscellanea.
Relação remettida do Pará sobre um novo Hospital de
Lázaros ali estabelecido ultimamente.
Na Cidade do Pará, tinha infelizmente lavrado o ter-
rível mal da Lepra, e muitos miseráveis, tocados delle,
mendigavam de porta em portão necessário sustento, que
escassamente podiaõ alcançar ; porque os habitantes, me-
drosos do contagio, evitavam o mais que lhes era possivel
communicar-se com elles: sem abrigo muitos dormiam pe-
las ruas, e praças publicas, ao rigor do tempo, ou se
acolhiam debaixo de algum alpendre, aonde iam terminar
sens dias.—Nós vimos o latismoso espectaculo tle uma
das tristes victimas deste terrível mal, que, agonizante de-
baixo de um alpendre, nem pôde ter a doce consolação
dos Sanctos Sacramentos ; e outro que eslendido no meio
de uma praça teria a mesma sorte, se a piedade de alguns
fieis, o naõ fizesse conduzir embrulhado em uma esteira
ao Hospital da Caridade, aonde apenas pôde receber os
soccoros espirituaes, e logo depois espirou ; tendo sido
preciso recebello em uma casa separada das enfermarias, e
depois consumir pelo fogo a cama, e lençoes, que havia
occupado.
A Santa Casa da Misericórdia ardia em desejos de reme-
diar taes males ; mas pela falta de fundos e de rendimentos,
naõpodiacdificar, e menossustentar ura Hospital aonde estes
miseráveis se recolhessem, fossem traetados, e evitassem a
communiçaõ com o publico : lembrou-se de haver recurso
ás esmolas dos fieis, sollicitou licença do Excellentissimo
Governo de Successaõ do Estado, para a erecçaõ de um
hospital a uma légua distante da Cidade, que naõ só lha
concedeo, mas se prestou benigno para tudo que fosse favo-
recer um tal estabelecimento—A Santa Casa sollicitou a
concessão de uma Loteria annual, applicando o seu ren-
dimento para o Hospital dos Lázaros, e o Nosso Augustis-
simo e Clementíssimo Soberano foi servido de a conceder
por cinco annos. Os fieis concorreram com as suas esmo-
Miscellanea. 651
Ias, em breve o edificio foi acabado, as enfermarias, dis-
tinctas para homens e mulheres, providas de camas, e bem
arejadas; um grande recinto, ou cerca para os enfermos
passearem; poços, e tanques de água para se banharem ;
cuzinhas, e todos os mais arranjos, separados sempre os
dous sexos; em uma palavra tudo quanto he possivel para
adoçar os males que soffrem aquelles miseráveis.
Finalmente no dia 7 de Julho do corrente anno de 1816
se fez a abertura do Hospital: achava-se elle no maior as-
seio com algums doentes era suas respectivas camas ; ben-
zeo-se o Cemitério e Oratório, em que pela primeira vez foi
celebrado o Santo incruento Sacrifício: o Excellentissimo
Governo do Estado honrou com a sua presença esta solem-
nidade, á qual assistiram também os magistrados, os Chefes
Militares, as principaes Pessoas da Nobreza, e um grande
concurso de Povo. Tinha o Provedor da Sancta Casa, o
Capitão Manuel Gomes Pinto, mandado preparar a casa da
Hospedaria para receber o Excellentissimo Governo, e as
mais pessoas que o acompanhavam ; e no meio da Sala se
via um quadro, que linha insculpidos os dous seguintes
versos de Bocage :
O Homem, favor e asylo ao homem preste,
Mutua beneficência os Entes ligue.
Seguio-se depois o jantar que o Provedor da Sancta
Casa offereceo ao Excellentissimo Governo, e mais convi-
dados ; e foi servido em differentes Mezas com mais de
duzentos talheres; o jantar foi abundante, e delicado,
fizeraõ-se diversos brindes, a saber: a Sua Magestade El
Rey N . S. pelas vistas de piedade e. compaixão, que se
dignou lançar sobre os miseráveis Leprosos concedendo-
Ihes uma Loteria ; ao Excellentisso Governo, pela efficacia
com que tem protegido um taõ útil estabelecimento; ao
Capitão Manoel Gomes Pinto, provedor da Sancta Casa;
a ao Pracurador delia o Tenente Munoel Luiz de Paiva,
pelo zelo, incansável desvelo com que promoveram, e se
652 Miscellanea.
empregaram na edificação daquelle Hospital; a todos os
que com suas emolas concorreram para um taõ necessário
estabelecimento.—Servio-se o Desert, e entaõ foi recitada
uma eloqüente Oraçaõ, em que o Orador demonstrou ener-
gicamente a obrigação que o homem tem de prestar soc-
corro ao seu similhante; a necessidade indispensável
dos Lazaretos ; os benefícios que por elles recebe a huma-
nidade, os males que evita, conclunido com exhortar os
fieis a naõ affrouxarem em soccorrer aquelle estabeleci-
mento com suas esmolas, sem o que naõ pôde subsistir, e
se tornará inútil.—A funçaõ acabou alta noite, tendo ha-
vido sempre a melhor ordem, e um geral contentamento
em todos os circumstantes, para verem concluída uma
obra, que taõ precisa era, e que por muitas vezes tinha
infructuosamente sido tentada.
Miscellanea. 653

Reflexoens sobre as Novidades deste Mez.

REYNO U N I D O D E P O R T U G A L BRAZIL E ALGARVES.

Inquisição.
O Avizo Regio, que publicamos no nosso N°. passado, pelo
qual S. M. approvou o procedimento do Bispo e Governador
do Funchal, os quaes obstáram ás tentativas do Commissario
da Inquisição na Ilha da Madeira, he uma prova nao equivoca
de que o Governo do Brazil olha para o estabelicimento do
Sancto Officio, pela face que elle merece ser visto.
Porém as noticias que se receberam este mez, tanto de Roma
como do Rio-de-Janeiro, nos dam as mais bem fundadas espe-
ranças de vermos em breve tempo annihilado de todo um tri-
bunal, que tam funestos males tem causado em Portugal, e
cuja existência serta sempre o mais decidido embaraço aos pro-
gressos de civilização no Brazil.
De Roma avizam, que o Papa se acha em estado de naõ po-
der negar a El Rey de Portugal a proposição, que lhe fez, de
abolir o tribunal da Inquisição : e do Rio-de-Janeiro nos in-
formam, que aquelle Governo está determinado a decretar a li.
berdade de consciência.
NaÕ he de esperar, que havendo o fanatismo e espirito de
perseguição religiosa oprimido os dominios Portuguezes, desde
a infausta epocha em que nelles se introduzio a Inquisição,
pudesse agora o Govemo fazer nesta matéria uma mudança
total e repentina, adoptando as ideas liberaes dos Estudos Uni-
dos ou de Inglaterra, ou de outros paizes, aonde a liberdade de
consciência he e tem sido uma das primeiras causas da prospe-
ridade nacional. Mas ha melhoramentos que saõ fáceis de in-
troduzir presentemente, vista a disposição em que se acham os
povos; ou ao menos a parte mais instruída da naçaÕ.
A prova disto a achamos no tractado de paz feito com a I n .
glaterra em 1810. Ali, no artigo 9 o ., se declara, que a Inqui-
sição nao será introduzida no Brazil ; e, no arligo 12, do
tractado de Commercio do mesmo anno, se concede aos Ingle-
V O L . X V I I . No. 102. 4 p
654 Miscellanea.
ses plena liberdade de consciência, nos domínios de Portugal,
e o direito de edificarem seus templos, com a única reserva de
que taes templos tenham no exterior O feitio de casas de habi-
tação. A liberalidade do Governo Portuguez estendeo esta li-
berdade, no mesmo artigo, a todos os mais estrangeiros.
A naçaÕ Portugueza recebeo estas declaraçoens liberaes,
com o mais decidido applauso; e, naõ obstante a opposiçaõ
do Núncio do Papa, no Rio-de-Janeiro, que julgou ser do seu
dever proteger o systema da intolerância, a vóz dos fanáticos
foi suffocada com a immensa maioridade dos que altamente se
regozijaram, vendo rayar a luz de uma politica illuminada, na-
quelle Gabinete, que por séculos tinha sido humilde instru-
mento das crueldades da perseguidora Inquisição. A Europa
confuudio-se, vendo assim demonstrada uma verdade, que naõ
éra conhecida; e deixaram de attribuir ao caracter nacional
os horrores das perseguiçoens religiosas, que só provieram da
maldade dos Inquisidores, e da fraqueza do Governo, que naõ
cohibio os ultragens daquella intrigante e sanguinária insti-
tuição.
Obtida pois, desta maneira, a prova incontestável de que o
povo do Brazil olha como deve para estes melhoramentos na
ordem social; só resta que o Governo tome as medidas con-
venientes para os pôr em practica, de maneira que produzam
todo o effeito que delles se pode esperar.
Em primeiro lugar he summamente impróprio, que as decla-
raçoens de que se tracta, consistindo unicamente em pontos de
mera policia interna, sejam feitas em um tractado com uma
Potência estrangeira. Depois, esse mesmo tractado está an-
nulado pelas convençoens de Vienna. Em terceiro lugar, os
artigos dos tractados, a que nos referimos trazem com sigo
saneçoens penaes, que requerem explicaçoens e determinaço-
ens legaes para sua justa execução.
Admittidos, pois, pelo Governo do Brazil, os princípios da
tolerância ; e sendo bem recebidas pela naçaÕ em geral as de-
claraçoens a este respeito; convém agora, que El Rey pro-
mulgue uma carta de ley, com as maiores solemnidades, que se
podem ajunctar a taes documentos públicos, e que nessa ley
Miscellanea. 6Õ5
estabeleça e adopte os principios, que ja tem reconhecido; e
ao mesmo tempo declare as limitaçoens com que admitte a li-
berdade de consciência; o modo porque esta se deve gozar, os
actos, que se devem julgar criminosos, por obstarem a esta liber-
dade; os castigos que se devem impor a taes actos de intole-
rância ; e o modo porque estes crimes devem ser processados e
julgados.
Quanto á negociação com a Corte de Roma, sobre a ex-
tincçaõ da Inquisição ; poucas palavras bastam a este respeito;
porque, hoje em dia, nao ha quem ignore os dous principios
de direito publico, relativos a estas matérias ecclesiasticas: I o .
Que o Soberano nao tem direito de legislar sobre as matérias
de consciência, nem obrigar os seus subditos a seguir este ou
aquelle dogma religioso: 2*. Que nem o Papa, nem outro al-
gum individuo ou corporação de indivíduos sobre a terra, tem
direito a intrometter-se na legislação que algum Soberano pro-
mulgar em seu paiz, para promover o bem temporal de seu s
subditos; Isto posto, as Concordatas entre os Papase os Reys,
devem ser olha das como documentos contrários ao direito pu-
blico ; e feitos sobre matérias em que nao pôde nem deve haver
compromisso; porque se o objecto he meramente temporal,
El Rey pôde legislar sem ter nenhuma obrigação de ouvir o
Papa; e se o negocio he puramente de consciência, legisle o
Papa ou o Bispo, ou quem quer que se suppozer com direito
de legislar nessas matérias, e, se achar quem lhe obedeça, em-
bora nisso governe, comtanto que logo que use da força con-
tra algum cidadão, seja este protegido, como deve ser por seu
Soberano; ecomo he de justiça, reconhecida pela legislação de
Portugal; aonde estes inegáveis principios se acham admitti-
dos como fundamento para os recursos á Coroa; naS obstante
o absurdo, com que se negociaram concordatas, em tempos de
iguorancia, de que se soube aproveitar mui bem a Corte de
Roma.
Convém aqui lembrar, e nunca perder de vista, a necessida-
de que ha de fazer declaraçoens solemnes, sobre estes direitos
Majestaticos ; porque as profissoens da Corte de Roma o dos
4 P 2
656 Miscellanea.
Inquisidores, mostrando liberalidade de ideas ou respeito aos
princípios de direito publico, nao saÕ senaõ fingimentos de hy-
pocritas : para adormecer a vigilância dos Governos ; c deixar
debaixo das cinzas, a faisca de suas pretençoens, com que pos-
sam, em momentos favoráveis, reviver o fogo das persegui-
çoens.
N o Cap. Grandi, De supplenda negl. Prael. exhibc o Direito
Canonico a mais irrefragavel prova desta verdade. Ali se ar-
rogam os Papas o direito de dupôr os Reys: e aquella legisla.
çaÕ he fundada na manifesta usurpaçaõ da Sé de Roma, que
pelo mais abuzivo uso da influencia ecclesiastica se atreveo a
depor do Governo El Rey D. Sancho I I . de Portugal: em nos-
sos tempos nao ha ninguém que nao conheça a illt^alidade de
tal procedimento da parte do P a p a ; e com tudo aquella legis.
laçao se conserva no Código de Direito Canonico, e nao ob-
stante as humilLaçoens que tem sotFrido a Corte de Roma, ainda
ninguém lhe pode arrancar a declaração contraria aquella de-
cisão do chamado Direito Canonico; e isto para que? Para
poder rtvivir a pretençaõ, lot>o que a guerra civil em algum
Estado, ou outros circumstancias favoráveis lhes derem occa-
siaõ a pôr em practica o pretenso direito de pôr e tirar reys a
seu arbítrio. Isto he tanto verdade, que neste canon se fun-
daram os Clérigos do partido de Bonaparte, para argumentar
que o Papa podia ungir, como com effeito fez, em Rey de
França, aquelle chefe militar revolucionário, e excluir assim a
familia reynante ; e foi justamente debaixo dos mesmos princi-
pios que o Papa Estevão no anno de 754- ungio Rey ao usur-
pador Pepino, e mudou assim a dynastia que reynava em
França. Depois disto ^ quem pôde negar a necessidade que ha
de estabelecer, du maneira mais formal eauthentica, estes prin-
cipios de direito publico, úteis á naçaÕ, pelos quaes o Sobera-
no pode legislar o m.uidar o que for a bem de seus povos, inde-
pendente d^ nenhumas concordatas com o Summo Pontífice?
Devemos a.iui lembrar, anticipadamente, aquelles que nos
quizerem chamar Jacobinos, Irreligiosos, Pedreiros-Livres, &C.
por sustentarmos esta doutrina, que El Rey de Portugal he da
Miscellanea. 657
nossa opinião, e se por ella m. rocemos aquelles epithetos, he
preciso, que também pela mesma razão os appliquem a EI
Rey.
A prova de que S. M. lie da nossa opinião a achamos ; 1*.
nas declaraçoens dos tractados acima citados, que foram feitas,
sem concordatas, nem approvaçaõ alguma, directa o indirecta,
que se pedisse á Corte de Roma: 2°. na extincçaõ da Inquisi-
ção de Goa; para o que El Rey UBOU de seu poder Real e
Supremo ; sem que nisto fosse ouvida a Corte de Roma ; e até
El Rey mandou que nos seus Estados da índia se naõ deixas,
sem traços alguns daquelle estabelicimento da Inquisição ; nem
os Inquisidores actuaes fossem mais contemplados em cousa al-
guma, ou pudessem alegar que tinham feito serviço algum ao
Estado ; ou pedir remuneração alguma. O Conde de Sarze-
das, porém, Governador da Índia, imterpretou tam mal esta
ordem Regia, que mandou continuar aos Inquisidores de Goa,
depois de extineta a Inquisição, metade de seus ordenados.
Para que os fidalgos nao percam a posse do custume protervo,
de apadrinhar perversos.
A fingida submissão ás ideas liberaes, de que aceusamos a
Corte de Roma, sempre mostrou a Inquisição, quando achou
em sua carreira perseguidora obstáculos que nao pôde vencer ;
assim usam os Inquisidores agora, que a opinião publica e a do
Governo está contra elles, a mesma linguagem que fallavam no
tempo d'El Rey D. Jozé ; mas sêja-lhes o vento favorável, e
os veremos outra vez accender o facho abominável da intole-
rância.

Guerra do Rio-da-Prata.
As noticias, que nos chegaram de Buenos-Ayres, este mez;
e os raciocínios de alguns Jornalistas Inglezes, sobre os negó-
cios públicos daquella parte do Mundo, exigem que tornemos
a tomar esta matéria cm consideração. E primeiramente,
quanto ao direito que tem a Inglaterra e o Brazil se de intro-
metterem nos negócios das Colônias Hespanholas.
Quando um individuo, ou alguns poucos indivíduos se re-
7
658 Miscellanea.
béüam contra o Governo de seu paiz, este hc sem duvida o
único juiz competente dos rebeldes ; porém quando os chama-
dos rebeldes abrangem uma parte tam considerável dos subdi-
tos, que possam constituir uma naçaÕ ; o caso se suppoem dif-
ferente; e as naçoens estrangeiras podem nisto intrometter-se
com razaõ e justiça.
A historia nos mostra inumeráveis exemplos em prova de
nossa asserçaõ; e os melhores publicistas saõ da mesma o p i .
niaÕ.
Dos tempos antigos referiremos um exemplo; e dous da
nossa idade. DepoÍ9 da morte de SoiomaÕ, dez das tribus de
Israel se rebelaram contra o Monarcha, nomearam outro rey, e
formaram-se em Estado independente, uaõ ficando o outro Es-
tado da naçaÕ, em que reynava o successor de SoiomaÕ senaÕ
com duas tribus: nestes termos, dos reys circumvisinhos uns
tomaram parte c fizeram allianças com os reys d J Israel, outros
com os reys de Judá (que assim se denominaram os dous reynos
depois da separação) cada um segundo julgou que a parte, a
que se alliava, éra a que tinha por si a razaõ.
Em 1640, Portugal se separou da Hespanha de que entaõ
fazia p a r t e : as Potências da Europa intervieram nisto uina3 a
favor de Portugal outras da Hespanha.
Em 1774, varias das Colônias lnglezas se declararam inde-
pendentes, denominando-se os Estados Unidos: as Potências
Estrangeiras metteram-se nesta questão, umas a favor da In-
glaterra, outras a favor das colônias.
Escolhemos estes exemplos por serem tam geralmente sabi-
dos, que nao haverá Portuguez que os ignore. E esta prac-
tica das naçoens he reputada justa e legitima, por todos os es.
criptores de direito publico e das gentes. Bastará citar o que
diz Grotius, De Jure Belli et Pacis, Lib. I I . Cap. 25. § viii.;
e as authoridades com que elle allega.
Isto posto, fallando cm abstracto, tanto a Inglaterra como o
Brazil podem ter direito de se ingerir na questão da guerra en-
tre a Hespanha e suas colônias ; porque naõ he ja um indiví-
duo ou alguns indivíduos, que se rebéllam contra seu Governo,
Miscellanea. 659
mas uma secçaõ mui considerável da naçaÕ, que deseja obrar
independente. O ponto agora está em decidir se ou a Ingla-
terra ou o Brazil, ou ambos tem razaõ bastante para por em prac-
tica, neste caso, o direito que lhe reconhecemos em abstracto.
Pois ainda que todos convenham, que uma naçaÕ tenha direito
de fazer guerra a outra; quando se tracta de pôr este direito
em execução, he preciso examinar se entaõ ha razaõ bastante
para o fazer.
Pelo que respeita a Inglaterra, he perfeitamente indifferente,
que as Colônias Hespanholas estejam unidas, ou separadas, ou
em estado de rebelião com a sua Metrepole ; porque em qual.
quer dessas hypotheses se nao atacam nenhuns direitos da na-
çaõ Ingleza, nem correm perigo de serem atacados. E a única
razaõ, que poderia allegar a Inglaterra para se metter nisto, se-
riam os deveres- da humanidade, julgando que a tyrannia dos
Hespanhoes para com seus colonos éra tam insupporíavel, que
o dever de homens iropellia os Inglezes a proteger os opprimi-
dos. (Este caso he lembrado e admittido por Grotius no lu-
gar citado.) Mas o Governo da Inglaterra nem alega este ul-
timo motivo, nem diz que deseja obrar em conseqüência delle;
antes os escriptores Inglezes (com poucas excepçoens) o que
affirmam he, que a'Inglaterra deve impedir que os Portuguezes
vam ao Rio-da-Prata. Logo, privaudo-se os Inglezes, em seus
argumentos, e por suas acçoens, do único motivo que podia
dar-lbes direito a intrometter se na questão da independência
das Colônias Hespanholas, dizemos que nao devem obstar a
que os Portuguezes obrem nesta matéria conforme o que lhes
for de razaõ e justiça.
Pelo contrario opinamos a respeito do Brazil; porque tendo
demonstrado em outro N* (Corr. Braz. Vol. X V I I . p. 369,)
que os interesses da Inglaterra nao perdiam nada, antes ganha,
riam, se os Portuguezes estivessem de posse da margem Septen.
trionai do Rio-da-Prata; havemos em outra parte (Corr. Braz.
Vol. XVII.-p. 234,) exposto mui ponderosas razoens, para
que o Brazil oecupe aquella posição, tam essencial ao socego e
protecçaõ daquelle reyno.
660 Miscellanea.
Pela ultimas noticias, que chegaram de Buenos-Ayres este
mez, se publicaram factos, que reduzem a certeza os argumen-
tos, que nós propuzéramos em hypothese; e demonstram, com
evidencia, o perigo em que se acha o Brazil, se nao tomar as
precauçoens que temos indicado, apossando-se da margem sep-
tentrional doRio-da Prata. Estas noticias dizem:—
Que o Governo de Buenos-Ayres se declarou independente
—que fez uma ligi com Artigas o chefe de Montevideo—que
muitas das cidades do território da Prata tem Governos inde-
pendentes de Buenos-Ayres—que S. Fé nao obedece a nin-
guém, e que um corpo daquella gente derrotara um exercito
que lhe mandou Buenos-Ayres, para os reduzir á obediência
—que o General de Buenos-Ayres Dias Velles, se rebelara
com 2 0 0 0 homens, porque o nao fizeram Governador de Bue-
nos Ayres.—que Artigas, entre outros damnos que tem feito
aos Portuguezes, ultimamente lhes tomou os navios, que achou
ao alcance de suas forças, e que ali estavam afazer commercio—
que a união ou liga de Buenos-Ayres com Artigas, nao he
para que este reconheça aquelle Governo; mas para melhor
resistir ás forças Portuguezas—que no território da parte Sep-
tentrional do Rio-da-Prata, naõ ha nenhuma forma de Go-
verno estabelecido, governando Artigas de facto, sem que
alegue de quem lhe veio a jurisdicçaõ que exercita, nem que ti-
tulo tem, nem a que legislação obedece.
Taes saõ os vizinhos do Brazil! ; E hc possivel que possa
alguém desapaixonadamente dizer, que isto deve ser indifferente
ao Governo do Brazil ?
Dir-nos-haÕ porém, que, antes do Brazil se apossar pela
força do território de que se tracta, pí>,ra sua justa protecçaõ,
deve propor negociaçoens e pazes. Mas a isto respondemos,
que nao ha com quem se negocie, senaõ com os indivíduos
respeitáveis daquelles povos; os quaes, por estas mesmas no-
ticias se vê, nao tem sido desprezados do Governo T!O Brazil:
a eites tractam os seus opponentes de traidores á pátria, que a
querem vender por carachàs da Ordem de Christo ; prova de
que o Governo do Brazil o> contempla; mas quanto aos Go-
Miscellanea. 661
vemos daquelles paizes, saõ elles tam numerosos e differentes;
tam inconstantes, tantas vezes destruídos, e supplantados por
outros, c tam oppostos entre si mesmos uns aos outros ; que
seria impossível propor alguma ncgociiçaõ em que todos elles
concordassem, c que oíferecesse ao Brazil uma segurança, em
que se pudesse de«cançar.
Se todo aquelle território estivesse debaixo de um Governo,
a Corte do Brazil lhe poderia propor uma troca ou pagamento
por aquella porção de terreno, que. lhe he necessário para sua
segurança ; mas no estado actual de anarchia, cm que o paiz
se acha ,i a quem se IMÕ de fazer essas proposiçoens ? £ quem
he o governo legal de Montevideo; ou ainda mesmo o governo
illegal, que prometta duração, ou seja capaz de cumprir e fazer
cumprir os ajustes, que fizer com a Corte do Brazil ?
A tomadia destes navios Portuguezes cm Montevideo, e outros
damnos que Artigas lhes tem causado, nao saõ approvados, nem
•'•;la parte saa do povo, nem mesmo pelo Governo de Buenos-
Ayres, que só poderia querer unir-se com Artigas, na suppo-
siçaõ de quea Corte do Brazil tinha vistas de conquistar terri-
tórios além do Rio-da-Prata. Neste caso ^ a quem se ha de
podir a indemnizaçaõ dos navios tomados ? • e quem ha de
garantir que se naõ commettam iguaes injustiças para o fu-
turro ?
Concluimos, pois, que, se, no estado actual das cousas, o
Brazil naÕ tem direito de se apossar d'uin território vizinho,
oecupado por um povo sem Governo legitimo a que obedeça,
ou coin quem se negocie; e que ameaça tam de perto a segu-
rança do Brazil; entaÕ he preciso dizer como os Quaqueros,
que nunca ha direito de fazer a guerra, nem de usar da força
armada.

Finaneas do Brax.il.
Se a abilidade de um indi/iduo, eto augmentar suas riquezas,
fosse por si só bastante para qualificar alguém a ser adminis-
trador das finanças de um reyno, sem duvida Targini, BaraÕ
VOL. X V I I . N o . 102. 4a
662 Miscellanea.
do quo querque he que nos naõ lembra, devia reputar-sc um
excellente financeiro.
He verdade, que poderíamos aqui applicar o rifaÕ Hespa-
nhol " Quien cabras no tiene y cabritos vende de algures le
viene." Targini escrevente do Erário, sem outros bens mais
que o seu minguado salário, acha.se elevado a Thesoureiro-mor
do Erário, Baraõ, c homem riquíssimo; administrando um
Erário, que sempre se acha pobre.
Ninguém dirá que estas matérias saõ segredo de Gabinete,
que naõ convém que nenhum do povo examine. O Erário he
o deposita das contribuiçoens do povo: a bem do povo se de-
vem empregar as suas rendas; o Erário rico pode gastar em
cousas que enriqueçam a naçaõ; o Erário pobre nao he capaz
de promover os estabelicimentos nacionaes, que exigem despe-
zas do Governo; logo as circumstancias, que oceasionam a ri-
queza ou pobreza do Erário, naõ devem ser matéria de segredo
de Gabinete, mas sim um ponto, em cujo exame pôde entrar
todo o individuo da naçaõ ; porque a todos isto toca de mui
perto.
Explicaremos, pois, o pouco que por agora intentamos dizer
nesta matéria; suppondo que El Rey mandara chamar Tar-
gini, e tinha com elle uma conferência, sobre o estado actual do
Erário; no que se passava o seguinte dialogo.
Rey. Preciso de uma somma considerável para fortificar as
fronteiras do meu reyuo do Brazil, crear uma boa marinha de
guerra, chamar para este paiz artistas e povoadores da Europa;
diz.ei-me, Thesoureiro-mor, quaes saõ os restos das despezas, e
as poupanças, que tendes feito nas minhas rendas.
Thesoureiro. Restos, Senhor! O Erário naõ tem um real;
V. M. está pobre; as rendas naõ chegam para as despezas.
Rey. i Como pôde o meu Erário estar pobre, sendo eu o So-
berano de um paiz, em que se produz o ouro, os diamantes, o
assucar, o cafle, o arroz, o algodão, e tantos outros objectos
preciosos e em tanta abundância, qae nenhum outro paiz do
mundo o excede ?
Thesoureiro. Senhor, tudo isso será assim, mas as despezas
saõ tam consideráveis, que para ellas naõ chegam as reudas.
Miscellanea. 663
Rey. i Quo despezas temos nós a fazer, que sejam mais
consideráveis, que as de outros Estados de igual grandeza, (por
exemplo os Estados Unidos) aonde o Erário naõ padece a po-
breza, que aqui se allega ?
Thesoureiro. Os Estados Unidos naõ tem Casa Real que
sustentem, nem o Clero, nem eutras muitas cousas, que nós cá
temos.
Rey. Valha-me a fortuna; ahi vem as despezas da Casa
Real em primeiro lugar; pois principiemos por diminuir estas.
Eu commigo nao gasto mais do que outro individuo meu vas-
sallo, e o que ha de mais he para sustentar o decoro da Coros,
com criados, cavallos, carruagens, &c.; e ainda assim enver-
gonho-me de ser puchado em uma carruagem velha, com duas
mulas miseráveis, e dous lacaios esfaimados ; mas disso mesmo
me quero privar, para dar o exemplo de economia ; e espero
quo o meu Thesoureiro-mor fará o mesmo, largando metade do
seu ordenado.
Thesoureiro. Deus tal nao permitia. Os ordenados das
pessoas empregadas saõ mui tênues, a mal lhe chegam para
viver.
Rey. Isso naõ pode ser; pois conto aju netas tes riqueza para
comprar casas, terras, e metter dinheiro nos fundos do Banco
da Inglaterra, se o vosso ordenado vos nao chega para viver ?
Thesoureiro. Senhor, ha outra cousa, que V. M. naõ re-
para, e he, a necessidade de sustentar a dignidade Real, com
os criados, cavallos, carruagens, &c. ; e tudo isto requer des-
pezas.
Rey. Ja me fallastes nisto outra vez. Eu esteu capacitado
de que todos os meus vassallos estimariam, que eu gastasse do-
brada somma na sustentação da dignidade Real; porque isso
mesmo he gloria e esplendor para o Reyno ; com tanto que se
naõ dissipassem as rendas do Erário, que saõ applicaveis a ou.
trás despezas publicas ; mas ja disse, que ainda assim, e para
dar exemplo, quero diminuir essas despezas da Casa Real.
Porém a questão he { como podeis vôs estar tam rico, oaõ
teudo tido bens patrimoniaes, e dizercis ao mesmo tempo, que
os ordenados apenas chegam para viver.
4 Q °
664 Miscellanea.
Thesoureiro. Senhor, eu naõ fallava de mim ; mas sim das
despezas da Casa Real.
Rey. He ja terceira vez que fallacs nisso; estou prompto a
diminuillas—que outras despezas ha que admitiam diminuição?
Thesoureiro. As despezas da Casa Real he certo que saõ
mui consideráveis; porém eu naõ posso aqui de repente
dizer, quaes sejam as outras que se possam diminuir.
Rey. Pois nem ao menos podeis dizer, se podeis ou naõ dis-
pensar parte do vosso ordenado ?
Thesoureir o. So formos a bulir com tudo, por força have-
mos de diminuir também as despezas da Casa Real, e a minha
lealdade e amor a V. M, naõ me permittem que pense cm tal.
Rey. Uma vez por todas, eu sou o primeiro a querer dimi-
nuir as despezas de Casa Real; naõ me falleis mais nisso: sai-
bamos quaes saõ os outros gastos,que se fazem, e podem admit.
tir diminuição.
Thesoureiro. Eu, quanto mim, Senhor, ficarei sem nada, se
V- M. assim o determina.
Rey. Tal nao desejo, quem serve deve ser pago. Mas di-
zci-me i de que viveis, se vos naõ chegam os vossos ordenados,
ou de que viviries se continuasseis a servir sem ordenado ?
Thesoureiro. Das minhas economias.
Rey. Que economias pode fazer, quem naõ tem rendas para
economizar ?
Thesoureiro. Eu cá me arranjaria com as minhas linhas.
Rey. Quizéra eu que applicasseis essas tinhas a traçar al-
gum plano, para que os pagamentos andassem cm dia; e naõ
fosse eu atormentado com ouvir fallar cm rebates do que tem
de pagar o Erário.
Thesoureiro. Senhor os rebates saõ necessários, e os rebeta-
dores gente mui útil.
Rey. Ao Erário naõ podem os rebatedores ser úteis; por
que o Erário sempre paga a divida por inteiro.
Thesoureiro. Mas sao úteis ao indivíduos a quem os reba-
tedores adiantam o pagamento, para depois o receberem do
Erário.
Miscellanea. 665
Rey. Mas o credor do Erário quando rebate paga usuras
horrorosas.
Thesoureiro. Isso naõ pode deixar de ser, pela incerteza
em que está o rebatedor do tempo em que ha de receber a di-
vida do Erário.
Rey. Eis ahi justamente o que Eu queria ver remediado;
pois ainda que o Erário naÕ pudesse pagar em dia, pouíam os
pagamentos fazer-se por ordem alphabetica, datas, ou outras
divisoens, demaneira que todos soubessem quando lhe cabia a
sua vez de ser pago, sem que nem o Thesoureiro-mor, nem
algum outro official do Erário pudesse fazer mercê ou injuria a
ninguém com indevidas preferencias, de que se queixam todos,
e Eu naõ sei, nem tenho meios de averiguar, se com razaõ ou
sem ella.
Thesoureiro. Eu naõ posso impedir, que os calumniadores
emas línguas faltem; nem está no meu alcance faz ar novos
planos de finanças.
Rey. Más línguas sempre houve no Mundo, mas he preciso,
que se tirem os motivos de suspeita, estabelecendo tal ordem
dos pagamentos, qiu ninguém possa fazer preferir os pagamen-
tos de seus afilhados aos de outros que naÕ tem padrinhos. E
quanto aos plano» a este respeito, eu devo espcrállos do The-
soureiro-mor ; porque o seu officio naÕ he outro senaõ fazer
os pagamentos do Erário em boa e devida forma.
Thesoureiro. Crcia V. M. que tudo quanto se diz a res-
peito do máo arranjamento do Erário he sem fundamento. Só
eu sei o que me custa alcançar o dinheiro para os pagamentos ;
pois o Banco naõ me quer nunca ajudar; e até se me dificul-
tam os saques para a Inglaterra.
Rey. Ouvi dizer, qne as ultimas letras, que daqui sacou o
Erário sobre os Administradores dos Contractos Reaes em
Londres, fôram saeadas a quasi 3 por cento mais caras, do
que éra o preço do Cambio na praça { porque razaõ perdeo o
Erário esta difierença.
Thesoureiro. Senhor as despezas da Casa Real obrigáram-
me a fazer esses sacrifícios, para ter dinheiro com que as sup-
prir.
666 Miscellanea.
Rey. Outra vez as despezas da Casa Real ?
Thesoureiro. V. M. prohibio-me que fallasse nas despezas
da Casa Real, quanto ao futuro, mas isto he quanto ao passado,
o que eu digo.
Rey. Quem foi o corretor, que negociou essas letras, com a
differença de 3 por cento.
Thesoureiro. Eu naõ sei que houvesse tal differença de tres
por cento.
Rey. Naõ vos pergunto isso; pergunto-vos quem foi o
Corrector que negociou as letras.
Thesoureiro. Supponho, que foi Samuel.
Rey. Pois manda.mc cá a Samuel, e lhe preguntarei se
houve nas dietas letras a tal differença de 3 por cento demais
do cambio corrente na praça; e se eu achar que tal differença
houve ; quero ser informado da razaõ.
Thesoureiro. Veja V. M. que se nos mettemos nisso, he pre-
ciso examinar as contas das despezas da Casa Real.
Rey. Pois bem; se eu achar, que todas as extravagâncias
das despezas publicas, saõ para a Casa Real; como eu naõ
tenho culpa diso, eu o direi publicamente ao meu Povo; e lhe
declararei que tal naÕ he minha vontade, e elles me acredita,
raõ : deixemos pois isso ; manda-me cá o Samuel, que quero
examinar o negocio das letras.
Thesoureiro. Qual Samuel ?
Rey. Pois naÕ me dissestes, que suppunhas que o Corrector
das letras fora Samuel ? He esse Samuel quem eu quero ex-
aminar.
Thesoureiro. NaÕ sei aonde está, uns dizem que foi para In-
glaterra, outros que está doente ; e outros . . .
Rey. Basta. Chegará o tempo de ajustarmos contas. NaÕ
digo que sejas culpado; porque se o pudera dizer, do meu de-
ver fora castigar-vos ; porém digo, que a repetição quo tendes
feito, em fallar das despezas da Casa Real, e o naõ explica-
res o negocio das letras naÕ he de quem sabe e entende da ad-
ministração das rendas publicas ; mas sim de quem deseja em-
baralhar; e se naõ dereis disto a conveniente satisfacçaõ será
Miscellanea. 667

preciso declarar-vos indigno do lugar que oecupaes. Fazei pu-


blicas as publicas contas ; e com isto mostrareis que entendeis
do vosso officio, e que sois homem honrado; e senaõ cada um
julgará o que lhe parecer.

Participação na Contribuição Franceza.


O Documento, que publicamos a p. 533, foi traduzido do
Inglez, e naõ vimos o original, nem copia authentica; porém
estamos persuadidos de que este papel, á excepçaõ de alguma
variação nas traducçoens, he copia do que apresentaram os
Ministros Portuguezes em Paris ás Quatro Potências Alliadas.
Este documento he importante em nossa collecçaõ, posto
que seja de data alguma cousa antiga; porque elle serve de
Illustrar um ponto interessante relativo á historia Portugueza,
neste periodo notável, cujos factos principaes intentamos re-
gistrar em nosso Jornal, para informação dos vindouros, que
emprehenderem escrever a historia de seu paiz, nesta memorável
epocha.
As Quatro Potências, que tomaram sobre si o arranjar os
negócios de toda a Europa, tentaram excluir Portugal da par.
ticipaçaõ, na contribuição que se exigia da França ; e o pa-
pel, que publicamos agora, contém os argumentos, que usaram
os Ministros Portuguezes, para persuadir os das Quatro Po-
tências a admittir, nos pequenos lucros da Contribuição, a na-
çaÕ Portugueza, que tam largamente participara nas perdas da
guerra
Estas liçoens da historia naÕ devem perder-se de vista;
quando se tractar de fazer allianças.

Exercito de Portugal,
A p. 538, damos o Alvará, pelo qual S. M. deo novo regu-
lamento as thesourarias Exercito, e a p. 631, a Ordem do dia do
Marechal General, em que expõem em summa as vantagens
das providencias de S. M. sobre o Exercito. A esta ordem do
668 Miscellanea.
dia remettemos o Leitor, porque ella faz desnecessárias as nos-
sas observaçoens sobre a utilidade do novo plano, em quanto
o naõ publicamos.
Notaremos porém, que o numero do Exercito agora pro-
posto, naÕ he maior do que em outro tempo calculara o Ge-
neral Gomez Freire d'Andrada, na excellente obra, que pu-
blicou, em 1806; com o titulo de " Ensaio sobre o methodo
de organizar em Portugal o Exercito, relativo á população,
agricultura e defeza do paiz." E vemos que em grande parte
se adoptáram nos novos regulamentos as justas ideas daquelle
distincto official; mas desejaríamos, que o Capitulo X . da-
quella obra fosse attendido com a mais escrupulosa exactidaõ.
Examinando aquelle capitulo se verá, que o licenciamento da
tropa se pôde extender a tal ponto, que os recrutamentos nunca
esgotem a população necessária ao emprego da agricultura e
das artes ; e ao mesmo tempo que os licenciamentos naÕ se-
jam tam dilatados, que afrouxem demasiado a disciplina mi-
litar.

ALEMAHNA.

A Dieta Germânica abrio a sua primeira sessaõ em Frank-


fort aos 5 de Novembro; debaixo da presidência do Conde
Buol-Schaweinstein, como Ministro Austriaco, a quem esta
presidência compete.
O Conde de Buol-Schawenstein abrio a sessão com a falia,
que deixamos copiada a p. 556; aonde, em longa serie de
pomposas expressoens, naÕ diz o Conde uma só palavra sobre
o objecto da Dieta, e entre outras observaçoens impertinentes,
efrazes quasi inintelligiveis, parece buscar meios de louvar o
governo feudal da Alemanha, approvando a sua divisão em pe-
quenos estados ; e chamando a essas formas de governo insti-
tuiçoens livres. O diccionario daquelle nobre Alemaõ deve
conter significaçoens de palavras, mui diversas de nossas ideas,
se os termos instituiçoens livres podem ser naquella lingua ap-
plicaveis ao antigo governo feudal Alemaõ.
Depois da falia do Presidente, expressou também os seus
6
Miscellanea. 669
sentimentos o Plenipotenciario de Prússia, o BaraÕ Humboldt
como representante do Conde de Goltz, o qual por moléstia
naÕ pôde achar-se presente.
Os demais Plenipotenciarios se expressaram também em pou-
cas palavras, excepto o Plenipotenciario do Rey dos Paizes-
Baixos (por Luxemburg) o BaraÕ Von Gagern, o qual fallou
por longo tempo, e alludio mui patheticamente aos nobres
Alemaens, que morreram combatendo pela liberdade de sua
pátria.
Aos 10 de Novembro, se expuzeram na Dieta os objectos
principaes, que devem occupar as suas deliberaçoens ; funda-
das no Acto Federal, de 8 de Junho, de 1815. Os principaes
pontos saõ os tres seguintes.
1*. Que a UniaÕ Federal naÕ seja contraria ás Ideas do
nosso século: mas também que naõ seja mera liga offensiva e
defensiva.
2°. Que se attenda cuidadosamente ás differentes classes de
indivíduos, que soffrem, pelas conseqüências dos passados de.
sastres.
3°. Que a UniaÕ consulte o modo de preencher os seus de-
veres, satisfazendo ás necessidades dos tempos.
Quanto ao primeiro, se disse, que a Dieta tinha de determi-
nar a ordem dos votos; as distineçoens fundamentaes e orgâ-
nicas da Uniaõ : o estabelicimento de uma Constituição repre-
sentativa nos differentes Estados, segundo o artigo 1 3 : os re
gulamentos judiciaes, os estabelicimentos das differentes seitas
ou denominaçoens de Christaõs, e de Judeus; e os regulamen-
tos sobre o commercio de toda a Alemanha.
No gegundo ponto, se considerará, a condição permanente
dos Estados Mediatizados: a divida publica: e as seguranças
da Casa de Thurn e Taxis.
No terceiro ; as connexoens de UniaÕ com as Potências Es-
trangeiras : ordem das deliberaçoens ; e organização externa
da UniaÕ. Depois disso, o estabelicimento de committés para
preparar os negócios, e facilitar assim o expediente antes da
decisaõ geral da Dieta.
V O L . X V I I . N o . 102. 4 it
670 Miscellanea.
ESTADOS UNIDOS.

Pelas ultimas noticias recebidas da America sabemos, que um


brigue de guerra dos Estados Unidos, chamado Firebrand, fôra
tomado no golpho México, pela esquadra Hespanhola, que ia
da Havana para Vera-Cruz, e conduzia o Almirante Apodaca,
nomeado Vice-Rey do México.
He bem sabido, que os Americanos dos Estados Unidos tem
ha muito tempo mostrado, tanto por obras como por palavras
os maiores desejos de ajudar os insurgentes do México : o Go-
verno Federal porém naÕ podia deixar de oppòr-se, ao menos
em apparencias, aos desígnios dos indivíduos, a este respeito;
porque, estando em paz com Hespanha, éra impossível dar ad-
jutorio ás colônias Hespanholas, revoltadas contra a Metró-
pole.
A ignorância do Gabinete de Madrid livrou o Governo Ame.
rlcano desta difficuldade; porque havendo a esquadra do Al-
mirante Apodaca comettido o primeiro acto de hostilidade con.
tra os Estados Unidos, tomando-lhe um de seus brigues de
guerra, deo a provocação que mais podia favorecer as vistas dos
Americanos.
Assim vemos, que em todos os Estados Unidos, desde uma
extremidade até a outra, naÕ ha senaõ nm grito geral, que he
concorrerem todos para ajudar o seu Governo a vingar o que
elles chamam umflagranteinsulto á sua bandeira, declarando
guerra á Hespanha, Em outras circumstancias, este acto de
hostilidade da parte de Hespanha seria causa de se pedirem ex-
plicaçoens ou desculpas, ou indemnizaçoens ; mas os America-
nos naÕ faliam em nada disto, e clamam que o seu Governo
deve recorrer somente ás extremidades, declarando já a guerra
á Hespanha. Isto prova a tempera em que elles estaõ, e o pe-
rigo a que se expôs o Governo Hespanhol; porque tendo os
insurgentes do México o auxilio dos Estados Unidos, e o re-
forço de officiaes experimentados, que da França para ali tem
ido, o resultado naÕ admitte mais duvida alguma.
No caso porém, mais que provável, de declararem os Esta-
dos Unidos guerra a Hespanha, e por conseqüência favorecerem
Miscellanea. 671
abertamente a independência das Colônias Hespanholas, ha
duas Potências, que nisto vem a ser muito interessadas ; e que
he possivel que tomem parte na disputa. Inglaterra e Brazil.
A Inglaterra, rival dos Estados Unidos, deve temer que estes,
ajudando os insurgentes do México, venham a apoderar-se das
Floridas, e talvez de mais terras além da Louiziana. Neste
ponto de vista por força a Inglaterra ha de procurar oppor.se
a que os Estados Unidos se liguem com os insurgentes Mexica-
nos ; a menos que naÕ tenha segurança e garantia de que o
Governo Americano naÕ fará addiçoens de território aos Es-
tados Unidos.
O Brazil nada podia ter que mixturar.se nesta disputa, se naõ
fosse a natural relação, que deve haver, entre os negócios do
México, e as colônias do Rio-da.Prata. Mas o interesse com-
mum daquelles dous distantes pontos da America, os fará re-
unir em seus planos de operaçoens ; e, na hypothese supposta,
os Americanos dos Estados Unidos ministrarão com suas es-
quadras os mais fáceis meios de communicaçaõ.
Se o Brazil estivesse ja de posse do território de Montevideo;
fosse por cessaõ d'El Rey d'Hespanha; fosse por ajustes com
os habitantes daquelle paiz; o que tantas vezes temos recom-
mendado ; naÕ teria agora a Corte do Rio-de-Janeiro alguma
duvida sobre a linha de comportamento, que devera seguir
porque, fortificadas as fronteiras, (o que na nossa hypotheseí
de levar as demarcaçoens ao Rio-da-Prata éra mui fácil; e no
estado actual daquelles limites, quasi impossível) uma perfeita
neutralidade naõ podia deixar de garantir ao Brazil a paz ; e o
gozo de grande parte do Commercio das Colônias Hespanholas;
mesmo depois de suas novas relaçoens com os Estados Unidos.
Uma vez, porém, que o Governo do Brazil tem deixado pas-
sar o momento favorável, naõ se poderá fazer outra cousa se
naõ uzar da prudência de naÕ entrar em altercaçoens com os
Estados Unidos, caso estes, declarando a guerra á Hespanha,
tirem dahi pretexto para se iutrometterem nos negócios do Rio-
da-Prata.

4 »2
672 Miscellanea.
FRANÇA.
El Rey abrio a sessaõ das Câmaras com a falia, que deixa-
mos trasladada a p. 5 7 2 ; e supposto contenha muitas expres-
soens vagas, e que o partido dominante poderá interpretar
como quizer, com tudo ha dous pontos em que El Rey se ex-
plica claramente. Um he que se naõ desviará da máxima de
admittir liberdade de consciência; outro he que naÕ concederá
ao Clero as mesmas riquezas que possuía antes da Revolução.
As respostas usuaes a esta falia, tanto da Câmara dos Pares
como da Câmara dos Deputados, fôram apresentadas a El Rey
aos 15 de Novembro. Deixamos de copiar essas respostas;
porque, na forma do custume, contém uma repetição dos sen-
timentos expressos por El Rey, e quasi pelos mesmos termos.
A deputaçaõ do Clero, que recebeo El Rey, á portada Ca-
thedral, no dia da abertura da sessaõ, aproveitou esta occasiaõ
de offerecer ao Soberano o velho incenso, dizendo que o poder
dos reys procede de Deus. Nós sustentamos ha annos esta
mesma opinião, que ainda conservamos ; e extendemos a todo
o Poder Supremo e Majestatico; porém sem duvida em accep-
çaõ bem differente da que o Clero Francez aqui deseja incul-
car; mas naõ ha para que entremos agora na discussão do
principio ; basta notar aqui qual he o espirito dos partidos em
França.
O primeiro dia, cm que as Câmaras entraram a tractar dos
negócios, depois de ananjarem as matérias de mera formalida-
de, foi em 14 de Novembro, quando o Ministro apresentou a
conta do seu Taleigo, ou calculo de receita e despeza.
Segundo esta exposição, as despezas do anno corrente im.
portarão em 840 milhoens de francos ; e se admitte, que a re-
ceita será menos que a despeza em 314 milhoens de francos.
Para oceurrer a este déficit propõem o Ministro a venda de
matas pertencentes ao Governo; quehe um dos pontos demais
altercaçaÕ entre os partidos.
Até aqui parece que os Constitucionaüstas, ou adherentes
dos actuaes Ministros tem obtido a maioridade de votos cm
ambas as Câmaras, na eleição de Presidentes e outros objectos
Miscellanea. 673
de menor importância; mas, naõ obstante, o partido dos Ul-
tra-realistas he assas considerável.
Pelo que respeita as profissoens de moderação do partido
Constitucionalista, naõ achamos que as suas obras concordem
sempre com suas palavras; porque, além da perseguição, que
tem feito ao Visconde de Chateaubriand, por nenhum outro
crime mais do que a differença de suas opinioens politicas, acaba
El Rey de publicar um decreto, pelo qual exclue o Duquo de
Bourbon e o Duque d'Orleans, de terem assento ou voto na
Câmara dos Pares. Este he o decreto :—
" Os Príncipes de nossa Familia e nosso sangue, que estaõ
agora em França, saõ authorizados, durante apresente sessaõ,
a tomar na Câmara dos Pares a graduação e assento, que lhe
pertencem, pelo direito de nascimento."
Segundo a Charta Constitucional os Príncipes de Sangue saõ
membros natos da Câmara dos Pares ; porém he preciso, que
sêja-jn chamados por Et Rey em cada sessaõ. Os Constitucio-
iialisfas, valendo-se desta disposição, chamaram unicamente os
Príncipes que se achavam em França, pelo que excluíram os
Duques de Bourbon e Orleans, que presentemente se acham cm
Inglaterra.
Corre mui de plano, que Talleyrand se declarara tam aber.
tamente contra os Miniàtros, cm uma assemblea publica, em
casa do Embaixador Inglez em Paris, que El Rey lhe prohibio
a entrada no Paço. Deste incidente conjecturaram alguns,
que naÕ estará distante nova revolução no Ministério; visto
que Talleyrand se tèm sempre mostrado tam prudente em to-
das as revoluçoens, que tem suecedido em França, e as suas
precauçoens tem sempre obtido tam decidida vantagem ; que
elle se naÕ exporia assim em publico, a menos q e naÕ esti-
vesse completamente seguro, de què podia levar a melhor uos
ministros.

HESPANHA.

O Ministro Cevalhos, quê tantas vezes tem sido è-deixado de


ser Ministro em Hespauha, acaba de ser novamente demittido
Ô
674 Miscellanea.
de seu lugar, e banido para Napoies, com o nome de Embai-
xador. O seu successor no Ministério he Pizarro, que foi en-
viado em Berlin.
Estas mudanças de Ministros em Hespanha, bem como suc-
cede nos governos Aziaticos, nem causam admiração no povo,
nem indicam nenhuma mudança de principios no Governo ;
assim o desterro, prizaõ, ou morte de um ministro, só interessa
aos validos da Côtte, ou seus dependentes; porque a utilidade
da naçaõ em geral naõ entra por cousa nenhuma nestes cál-
culos.
O decreto sobre a demissão de Cevalhos he o seguinte.
" Tendo-me pedido com instâncias, ja de palavra ja por es-
cripto, o meu primeiro Secretario de Estado, e de Despacho,
D. Pedro Cevalhos, que o desonere deste Cargo, e do da Se-
cretsria.de Graça e Justiça, que interinamente lhe havia con-
fiado ; sou servido aceitar-lhe a demissão de um e outro; satis-
feito porém da sua fidelidade e amor á Minha Real Pessoa,
quero que continue a servir o seu lugar de Conselheiro d'Es.
tado, reservando-me dar lhe outros encargos análogos ao esta-
do de sua saúde, e conformes ao seu character de Conselheiro
d'Estado, para me naÕ privar dos seus serviços; e ao mesmo
tempo bey por bem nomear para lhe sueceder na primeira Se-
cretaria d'Estado e do Despacho D. Jozé Garcia de Leon y Pi.
zarro, o qual por óra despachará interinamente os negócios de
Graça e Justiça, como fazia D. Pedro Cevalhos. Assim o te-
reis entendido, e o fareis cumprir.
Com a Rubrica d'El Rey.
Palácio, 30 d'Outubro, de 1816.
A o Marquez de Campo-Sagrado.

A p. 640, copiamos o formulário do casamento d'EI R e y ; o


que em certo modo he um documento útil; mas temos de notar
que o Ministro Hespanhol, que lavrou aquelle papel, até errou
o nome da Raynha; chamando-lhe D. Isabel Francisca de Bra-
gança; quando he notório a todos Portuguezes, que o seu
nome he D. Maria Isabel; pois he a quarta filha de S. M. Fi-
Miscellanea. 675
delissima, a que se chama D. Isabel. Tal he a miserrima situa-
ção da Corte de Hespanha, que deixam publicar com um
erro de tanta conseqüência, o documento official do casamento
d'El Rey ; porém nada disto pôde admirar de similhante Go-
verno.
El Rey publicou um decreto em 35 de Outubro, de 1816;
pelo qual mandou, que a Raynha sua Mulher tivesse na Ordem
Real da Raynha Maria Luiza, as pre-eminencias e prerogati-
vas, que pertenciam á Raynha sua Máy, a qual ainda vire em
Roma.
Talvez, se tivermos lugar ao N°. seguinte, publicaremos estes
documentos sobre as decoraçoens da Corte de Madrid.

NÁPOLES.
As disputas, entre o Governo Napolitano e o dos Estados
Unidos, parece que terminaram muito á satisfacçaõ d'El Rey
das Duas Sicilias. O que se espalhou em Londres, como no.
ticlas recebidas pelo Governo Inglez, a este respeito, he o se-
guinte :—
" Mr. Pinckney exigio peremptoriamente a restituição de
vários dos navios tomados por Murat, ou uma completa in-
demnizaçaõ por elles e suas cargas Quanto ao resto, elle of-
fereceo c der todas as pretençoens da parte de seu Governo,
com a condição de que os Estados Unidos tivessem um estabeli-
cimento, em algum porto conveniente nos territórios Napolita-
nos. Elle particularizou Messina, como o mais elegi vel; e
disse, que o requerido estabelicimento comprebenderia um hos-
pital, um deposito de muniçoens navaes, e algumas estaçoens
de telegraphos. O Governo Napolitano, affectando naõ per-
ceber o xiste deste petitorio, expresso em taes termos, posto
que éra impossível deixar de o comprehender, pedio a Mr.
Pinkney que o informasse, se o estabelicimento requerido de.
via ser considerado como negocio reconhecidamente do Go-
verno, ou se havia de ficar simplesmente no pé de um estabeli-
cimento de indivíduos particulares Mr. Pinckney respondeo,
sem hesitação, que se devia olhar como um estabelicimento do
676 Miscellanea.
Governo. O Governo Napolitano, recebendo éstaexplicaçaÕ,
regeitou a proposição in tolo; intimando ao mesmo tempo,
que naõ se faria objecçaõ a que os Agentes do Governo dos
Estados Unidos tivessem muniçoens navaes depositadas nos
dominios Napolitanos; uo mesmo pé dos depósitos mercantis
ordinários. A negociação, quanto aos navios confiscados,
terminou de uma maneira igualmente desagradável para Mr
Pinckney."
Os nossos Leitores observarão aqui que estas noticias vem
de Napoies.
Publicamos, a p. 575, um decreto de S. M. Siciliana, contra
as associaçoens dos Pedreiros Livres, e todas as mais sociedades
secretas. Copiamos este papel da Gazeta de Lisboa, o qual foi
nella inserido, evidentemente, para dar ao energúmeno Jozé
Agostinho uma occasiaõ de se estender no seu Espectador contra
as pessoas, que suppoem Pedreiros Livres; e despregar assim
a sua raiva, por naÕ o terem querido admittir naquella sociedade.
Se as Loges de Portugal fôram, como se diz, unanimes, em
regeitar a petição de Jozé Agostinho, quando elle requereo ser
admittido Framaçon, isto basta para mostrar, que a Sociedade
naõ está ainda tam depravada, que admitta em seu seio um
homem de character tam conhecidamente péssimo, e accusado
no convento de que éra frade, e d'onde foi expulso, de crimes
tam denegridos.
Mas voltando á Gazeta do Governo de Lisboa, aonde tal
decreto foi inserido; achamos aqui outra prova do systema,
que por outras vezes temos notado, de alegar com os abusos,
e medidas erradas das outras naçoens, para com isso cohones-
tar os máos procedimentos do Governo Portuguez. He por
este principio, que se acha sempre na Gazeta de Lisboa, tudo
quando se diz ou se faz em outros paizes, contra a liberdade da
imprensa, contra a reforma dos abusos públicos, e contra a
felicidade dos povos. Assim, na Gazeta, N°. 264, se publicou
uma falia feita nos Estados Geraes dos Paizes baixos, contra a
liberdade da imprensa, mas nupca se copia a menor palavra do
que a seu favor se tem exposto no Parlamento Britannico.
Se naÕ fosse este estudado systema, de querer argumentar com
Miscellanea. 677
os erros alheios, para desculpar a própria ignorância, quando
o Governo de Lisboa manda inserir na sua Gazeta o decreto in
concludente do miserrimo Governo de Napoies, contra os Pedrei-
ros Livres, deveria fazer saber a seus povos, que o Principe
Regente da Gram Bretaaha, acabando de ser Gram Mestre dos
Framaçoens em Inglaterra, assumio o tituio de Patrono da Socie-
dade. Que El Rey de Suécia foi também Gram Mestre da Ordem
até que subio ao throno, e deixou entaõ aquelle lugar, que
ja naõ podia exercitar, pela sua qualidade de Rey, e tomou
o cargo honorífico de Protector da Sociedade. Que o Im-
perador de Rússia, sem duvida um dos mais illuminados sobe-
ranos da Europa, naÕ só he Framaçon, mas favorece a or-
dem mui particularmente. Que El Rey de Dinamarca igual.
mente se porta para com os Framaçoens. Alem disto o im-
menso numero de príncipes Alemaens, todos os da Familia Real
de Inglaterra; e inuumeraveis Nobres de primeira ordem, e
personagens he todas as Jerarchias, que se acham alistados
Framaçoens. Em nada disto falia a Gazeta de Lisboa ; mas
achou, que éra argumento irrespondível o decreto do Rey de
Napoies.
Mas a explicação deste absurdo acha-se, no plano de dar
ao apóstata Joze Agostinho o aportunidade de fallar contra os
Pedrerios Livres, pára iovolver nisto os deportados da Septem-
brizaida, cujos trabalhos e perseguiçoens se querem assim in.
directamente justificar. Porém naÕ he com os escriptos do
energúmeno, que o Governo de Lisboa pôde lavar tam negra
nodoa. Se entre os deportados havia Framaçoens, e se as leys
de Portugal fazem disto um crime, mandassem processar os
réos, provassem o facto, e impuzessem-lhe a pena da ley.
Os castigos ainda continuam, depois de tantos annos de per-
seguição ; e por toda a razaõ naõ faz o Governo mais do que
permittir, que elles sâjam atacados em sua reputação, com os
mais atrozes insultos de accusaçoens vagas nos escriptos do
energúmeno, negando ao mesmo tempo aos injuriados toda a
occasiaõ de se justificarem. Tal he a impartialidade com que
os Governadores do Reyno administram a justiça ; e diz o
VOL. X V I I . N o . 102. 4 s
678 Miscellanea.
energúmeno, que j a o enjoa ouvir fallar na injustiça, que con-
tinuam a soffrer os deportados : mas no poema dos Burros naõ
se falia.

PAIZES-BAIXOS.
O Ministro das Finanças apresentou aos Estados Geraes,
aos 5 de Novembro, as suas contas de receita e despeza, para
o anno seguinte. As despezas do anno de 1816, fôram fixadas,
pela ley de 11 de Fevereiro, em 82 milhoens de florins: o Mi-
nistro propõem agora, para o anno de 1817: 73:400.000 fio.
rins somente ; na seguinte forma.
Casa Real 2:600.000
Corporaçoens, differentes da Administração 1:184.000
Repartição do Secretario d'Estado 306.000
- dos Negócios Estrangeiros 856.780
da Justiça , 3:000.000
. do Interior 1:850.000
. Protestantes e mais cultos 1:300.000
Culto Catholico 1:800.000
. , — Educação publica 1:200.000
— — — Finanças, incluindo juros da divida pu-
blica 24:750.000
Marinha 5:000.000
Exercito 23:000.000
. Diques, canaes, obras publicas 4:500.00o
•• .. Commercio e Colônias.. 1:239.457
Despezas imprevistas 813.763

Total florins 73:400.000


O Miuistro, observando os differentes ramos, em que as des-
pezas publicas tinham diminuído ; notou os que tinham aug-
mentado ; assim disse, que para o serviço dos cultos Protestan-
tes e todos os outros, excepto o Catholico, tinha havido um
augmento de 90.000 florins : e para o culto Catholico um aug-
mento de 200 00 florins.
A repartição de educação também se augmentou 200.000
7
Miscellanea. 679
florins; a de Finanças, de 23:550.000 florins, chegou a
24:750.000.
Os tributos para occnrrer a estas despezas, saõ a taxa sobre
terras, sobre pessoas e moveis, sobre porta; e janellas, e taxas
indirectas sobre o consummo. O Calculo destas rendas o mi-
nistro o elevou a 73:700.000 florins.

RÚSSIA.

Os pregressos, que faz o Império Russiano para a civiliza-


ção, saõ tam rápidos, como honrozos ás pessoas, que estaõ á
frente da Administração daquelle Governo.
O jornal Russiano, intitulado Director Imparcial, de 20 de
Agosto, 1816, trás a seguinte exposição, á cerca da educação
publica no Império da Rússia." O Imperador, " diz aquelle
Jornal," durante a sua viagem em Inglaterra, fixou particu-
larmente a sua attençaõ nos estabelicimentos de educação, fun-
dados nos principios dos novos systemas de Mr. Bell e Mr.
Lancaster. Estes systemas saõ conhecidos pelos bons succes.
sos, que tem invariavelmente obtido. O seu objecto he ampliar
e simplificar os meios de ensinar a arte de lèr e escrever, sobre
um principio calculado para todo o mundo. O seu desígnio
he benéfico; tendo os seus inventores em vista, na desenvolu-
çaõ de suas operaçoens successivas, promover a religião e a
moral. S. M. Imperial concluio que seria vantajoso introdu-
zir na Rússia o novo systema: consequentemente ordenou, que
se escolhessem quatro estudantes do estabelicimento para mes-
tres de eschola de S. Petersburgo, e que tivessem acabado os
seus estudos: e estes moços deveriam ser mandados a Ingla-
terra, a fim de examinarem as escholas primarias, fundadas
sobre os principios de Bell e Lancaster."

" Nenhum systema de educação pôde ser bem suecedido em


paiz algum, a menos que naÕ esteja em harmonia com suas
instituiçoens. O objecto principal desta missaõ he, observar
estes novos methodos, e estudállos com as vistas de os expor
em suas relaçoens com os paizes em que tem de ser estabeleci-
4 s 2
680 Miscellanea.
dos. Estas ideas, uma vez adquiridas e combinadas, natural-
mente conduzirão á intelligencia dos effeitos, que estes syste-
mas produzirão, nos paizes aonde se deseja introdnzillos."
" Os quatro estudantes escolhidos, e que se devem embarcar
immediatamente para o seu destino, saõ, Alexandre Abadow-
sky, Carlos Svenske Matheus Tymayoft, e Theodoro Busse.
S. M. Imperial lhes tem assignado sufficiente pensaõ, c os tem
posto debaixo da immediata direcçaõ de Mons. de Strandman,
Reitor do Collegio em S. Petersburgo, que está juncto á Em-
baixada em Londres."
" Depois de se terem demorado em Inglaterra o tempo suf.
ficiente para obter o objecto de seu destino, e quando tiverem
merecido a plena e inteira satisfacçaõ daquelles, que podem
ajuizar destes primeiros objectos de seus estudos, seraõ pro-
vavelmente authorizados a viajar outros paizes da Europa."
" O exame de outras instituiçoens, fundadas nos mesmos
principios, será o destino principal de sua attençaõ, especial,
mente aquellas, em que se conduzem os filhos da gente pobre,
ao estado de abastança e prosperidade, por meio do amor da
industria, e da practica da virtude: isto terminará os trabalhos
destes quatro estudantes, e será a epocha da volta para a sua
pátria."
Com effeito acham-se ja cm Londres os quatro estudantes
de que acima se falia.
Alem disto achamos, em noticias recentes de S. Petersburgo,
o seguinte artigo, que prova indubitavelmente o melhoramento
da civilização, e a introducçaõ progressiva de ideas liberaes
naquelle Império.
Desde 1809, se imprime em S. Petersburgo um Jornal em
lingua Russiana, que se publica duas vezes por semana, de-
baixo da superintendência do Ministro do Interior. Neste
Jornal, intitulado o Correio do Norte, se discutio ultimamente
a questão da utilidade ou disconvencia da liberdade da ira.
prensa; e se distinguem tres differentes opinioens a este re-
speito. Os partidistas da primeira opinião, diz o Novo Jornal
deS. Petersburgo, affirmam, que a liberdade da imprensa he
o escudo da liberdade nacional; a segurança dos cidadãos; o
Miscellanea, 681
a força do Governo. Os da segunda opinião, mantém, que
a liberdade da imprensa he mais destructora em qualquer paiz
do que a mesma peste. Os da terceira opinião admittem que a
liberdade da imprensa he de certo uso, e utilidade, mas so-
mente debaixo de uma leve censura. Quanto a esta terceira
opinião, diz o Correio do Norte, ja Figaro a decidio a final;
dizendo: Se nos meus escriptos eu naõ me metter com a re-
ligião, nem com a politica, nem com a moral; se naõ disser
cousa alguma das pessoas em empregos públicos, nem de cor-
poraçoens distinctas; nem da opera, nem de qualquer comedia;
em uma palavra, se naÕ disser cousa alguma, a respeito de
nenhuma cousa; entaõ me será permittido exprimir a minha
opinião livremente, debaixo da superintendência de duas ou
tres pessoas discretas. A fim de aproveitar-me desta agradável
liberdade, tenho determinado publicar uma obra periódica in-
titulada Jornal Inútil.
Quanto á liberdade da imprensa em geral, o Correio do Norte
cita o exemplo de Inglaterra, aonde se goza esta liberdade na
sua maior extensão, ao mesmo tempo que naÕ ha paiz em que
cada um dos cidadãos goze de maior segurança, nem de igual
protecçaõ das leys; nem também aonde o Governo seja tam
firme : e ademais naÕ ha paiz aonde se promova mais, por meio
de sociedades de Missionários e da promulgação da Bíblia, a
causa da Religião e da Moral. Os paizes aonde existe a cen-
sura estricta, saõ precisamente aquelles em que os sophistas,
nos seus escriptos, fazem mais mal á Religião e á Moral. A
Inglaterra he, entre todos os paizes, aquelle em que mais se
censuram os erros de econonica politica, e os principios fun-
damentaes do Governo, a respeito do commercio, e manufac-
turas; e naõ somente estas censuras naõ saõ nocivas, mas
até servem de desencaminhar os rivaes da Inglaterra.

SAXONIA.

As noticias, que havemos recebido da Saxonia, nos referem


uma circumstancia do Governo de Cassei, que o põem no ex-
682 Miscellanea.

tremo contrario ao Governo Russiano, no que acabamos de


expor acima.
A Policia aprehendeo, no Correio, vários números do Mer.
curió do Rheno, publicado por M r . Martin; Conselheiro de
Justiça, e natural de Hesse; e se prohibio a entrega daquelle
Jornal ás pessoas a quem vinha destinado; porque continha
um artigo a respeito dos officiaes do Eleitorado de Hesse, que
naÕ éra do agrado do Governo. Com tudo este acto somente
servio de augmentar o desejo de ler 09 números prohibidos.
Em um paiz, cujas fronteiras saõ abertas por toda a parte,
naÕ se pôde impedir a circulação dos escriptos prohibidos ; e
depois de passados alguns dias, todas as pessoas, que se inte.
ressávam de alguma maneira na matéria, estavam sufhciente-
mente informados do que continham os Jornaes prohibidos. A
nova Commissaõ de Censura representou, em uma elaborada
Memória, apresentada ao Eleitor, que o seu edicto, expedido
para estabelecer a censura, naÕ éra susceptível de execução
nos dominios de Hesse ; sem que, primeiro que tudo, se assig-
nassem fundos para a compra de livros, gazetas, ejornaes: e
em segundo lugar se postassem em todos os lugares, e especial-
mente nas fronteiras, officiaes que vigiassem pela execução do
Edicto. O Eleitor expedio agora uma ordem ao Governo,
para que informasse com seu parecer, sobre esta representação
da Commissaõ de Censura ; e ao mesmo tempo lhe indicasse o
melhor modo de dar execução ao Edicto.

WURTEMBERG.
El Rey de Wurtemberg falleceo; e foi succedido pelo
Principe seu filho. A obstinação, com que o Rey defunto se
tinha opposto aos Estados do Reyno, tinha trazido aquelle
paiz á uma situação mui perigosa ; porém com a morte d'EI
Rey devem os negócios públicos mudar muito de face.
O actual Rey, quando Principe, servio varias vezes de me-
dianeiro entre seu Pay e os Estados; e parece, que o theor
geral de suas ideas naÕ tem a mesma tendência ao despotismo,
que mostrava o Rey defunto.
Miscellanea. 683

Daqui se naÕ segue, que o presente Rey naõ mude muito o


seu tom, com a mudança de sua situação : porém sem duvida
a sua subida ao throno suffocará neste momento, uma dis-
córdia, que parecia ameaçar a maior ruína. N o N° seguinte
daremos o primeiro rescripto do novo Monarcha; pelo qual se
pode de algum modo ajuizar de suas intençoens sobre o plano
de politica, que he provável que siga. Este rescri pto he em
resposta a um memorial dos Estados; papeis que nos chegaram
demasiado tarde para apparecerem neste Numero.
C 685 ]

CONRESPONDENCIA.

Carta de um Conrespondente a um dos Governadores do


Reyno.
Iu.m*. e REV"". SR. RICARDO RAYMUNDO NOGUEIRA.
Sabendo,* que V. Sa. he o Protector do P. Jozé Agostinho de
Macedo tenho a honra de dedicar-lhe este meu escripto em defeza dos
Pedreiros Livres. Náo refuto em particular a grande obra, com que
elle quiz aturdir o Publico, e que tem por titulo.—Refutaçaõ dos
Principios Methafizycos, e Moraes dos Pedreiros Livres Illumi-
nados.—Huma sociedade naõ tem aliiança alguma com outra. Se
estes vocábulos são synonimos no seu diccionario,no meu a significa-
ção he mui differente. Sou P. L., naõ o me envergonho deser conhe-
cido como tal. Sou catholico Romano ; Vassallo fiel ao meu Príncipe,
não perturbo a Sociedade Geral, em que vivo; nem a particular;
de que sou Membro. A Religião que professo, me naõ permitte o
proferir injurias. Defendo-me, e à minha Sociedade, respondendo aos
argumentos frivolos, com que hé atacada, e estabelecendo principios,
e verdades, que naÕ tem replica. Naõ he do meu caracter, nem da
honra dos meus Sócios repellir força com outra força. Deos, que hé
o Protector da ianocencia, a defenderá, quando quizer. Só perteudo
de V. S'., pois que a amizade tem muito influxo, que persuada ao seu
Protegido a perigoza empreza de escrever contra uma Sociedade,
que o naõ offende. Se da sua penna naõ cahisse uma tinta cheia dos
engredientes da mentira, e da calumnia, eu, e o s meus sócios soffrer Ía-
mos em silencio tudo quanto o Author escrevesse. Mas querer, que
as suas illuzoes sejaõ argumentos decizivos, e estar suspirando a perda
de homens, que so tem os crimes, que elle finge, desafia a minha
penna para responder, e pôr a salvo a rainha innocencia e a de todos
os meus Irmãos Francmações. O zelo do seu Protegido hê um
zelo falso, nascido de uma supersticioza credulidade. Este zelo naõ
dá honra à Religião, antes sim desacredita o seu defensor enthuziasta.
He uma espécie de loucura, que muitas vezes degenera num fatal
delírio. Assim aconteceo a Pedro Clemente Genovez. Arrebatado

* Espectador N*. do 2 \ Semestre pag. 13 . , com os


Senhores do Governo naõ fallei ainda mais do que á um so, sobre
matérias literárias, de que V. M. naõ entende
VOL. XVII. No. 102. Ax
686 Conrespondencia.
da sua imaginação viva, e ardente tomou por empreza escrever um
livro, cujo titulo hé.—Pedreiros Livres descubertos.—Do enthuzias-
mo cahio em furor, e morreo louco em Chareton.
Sabe muito bem V. S3., que os corações naõ são attrahidos por
ameaças, e insultos. Ainda no caso de existir uma sociedade tara
criminoza como elle julga, o meio de que se serve he muito impróprio.
Na Sociedade ha muitos homens de conhecida virtude, e muitos de
costumes devassos. Os impropérios offendem os primeiros, enaõ
mudaõ o caracter dos segundos. He pois supérflua a sua obra.
Tratados de homens sem Religião e sem fidelidade ao Soberano he de
um orgulho atrabiliário. Naõ saõ estas as lições, que se aprendem
no Evangelho, naõ he esta a Moral de Jesus Christo. He precizo
respeitar a natureza, e a fraternidade. Se elle está persuadido [injusta
persuazaõ !] deque os Alistados na Sociedade Massonica saÕ crimino-
zos, reprehenda o peccado, e chame com doçura o peccador.
Quando hé pelo Espirito de Deos, que se falia, o crime, ou ver.
dadeiro, ou supposto, naõ deve inspirar furor na linguagem. A
caridade naõ conhece expressões cheias d'acriraonia, e de insulto
A alegria no coração pela desgraça do próximo hé sempre uma pro-
va deciziva, que seda ao mundo de insensibilidade, e desbumani-
dade. O facto de um Sacerdote, e de um Levita, de que falia a
Escritura será lido em todo o tempo com notável injuria do seu
caracter. Elles olhando para um desgraçado estendido no chaõ,
cuberto de feridas, e moribundo, se retiraõ sem dar o mais leve
sinal de compaixão. Um Samaritano compadecido do seu deplorá-
vel estado deita vinho, e azeite nas feridas, o conduz á estalagem
na sua própria besta, obriga-se ás despezas da cura, e leva impressa
na sua imaginação a triste imagem deste infeliz, que os ladroens
roubaram, e queriam tirar a vida. Quanto hé bello enxugar as la-
grimas do afflicto !
Este hé o importantíssimo dever da caridade fraterna. NaÕ apren-
demos esta lei; ella nasce com uôsco. Só almas ferozes naõ sentem
o prazer de alegrar-se com os alegres, e de entristecer-se com os
tristes. Hé uma couza espantoza ver no meio do Christianismo al-
mas, que se reputaÕ piedozas, applicar todo o esforço para accen-
der o fogo de uma perseguição. Mas que se admira ! Julgam fazer
nesta acçaõ um sacrifício agradável a Deos. 0 Jezuita Mariana
sustenta, que hé licito matar um tyranno ; e enche-se de prazer nar-
rando a morte do Grande Henrique 4 o . pelo detestável assassino Ja-
ques Ciem ente. Grande damno soffre a Religião quando os esco-
2
Conrespondencia. 687
Ihidos para serem a luz do mundo, deixam cubrir os seus entendi-
mentos das negras trevas da superstição, e do fanatismo !
Aconselhe pois V. S». a este Escriptor,quecesse de publicar obras,
que saõ o seu descrédito, e seriam também dos Sobscríptores, se elles
teudo-as lido antes da impressão as authorizassem com os seus no-
mes. Como vejo assignadas pessoas taõ condecoradas, e respeitáveis
estou persuadido, que sem ainda mesmo suspeitarem sahío àluz uni
tal aborto do espirito humano. Fallo assim em razaõ da malicioza
mistura, e confuzaõ, que alli se faz dos Pedreiros Livres com os
illu minados. Estas Sociedades saõ taõ unidas como o Evangelho,
e o Alcorão. Naõ sei o que hé llluminado, nem pertendo saber.
Se esta Seita existe, e hé tal como elle a descreve, eu pegaria na
penna contra ella, naõ com dicterios, e injurias, sim cora verdadei-
ros argumentos acompanhados de doçura, de conselho, ed'exhor-
taçaõ. Este o methodo, que segue todo o homem sensato. Se co-
nhece defeitos no seu próximo sente um grande prazer em descul-
pallos, Hé só o hyprocrita, a cujos olhos unia aresta parece sempre
uma trave. Daqui nasce a vaS fatuidade, com que se reputa sábio,
e virtuozo para poder a seu salvo tratar os outros de ignorantes, e
viciozos. Daqui nasce este amor próprio, paixaõ cega, que o faz
olhar com indifferença, e muitas vezes coin desprezo para os que o
assombram, e tem sobre elle uma superioridade de gênio, e de re-
putação. Sou com a mais alta consideração e respeito.
De V. S3.
Muito attento, e fiel Venerador.
L. I. S. P. R. F.
CORREIO BRAZILIENSE
DE DEZEMBRO, 1816.

Na quarta parte nova os campos ara,


E se mais mundo houvera Ia chegara.
CAMOENS, c. v n . e. 14.

POLÍTICA.

REYNO UNIDO BE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Regulamento para a organização do Exercito de Portugal


publicado por ordem de Sua Alteza Real.
J C J U O Principe Regente faço saber áos que este Alvará
virem : Que tendo havido considerável alteração na or-
ganização, e disciplina de todos os Exércitos da Europa,
depois dos Regulamentos de dezoito de Fevereiro de mil
settecentos sessenta e quatro; e mostrado a experiência,
que naõ tem sido bastantes as ulteriores providencias dadas
sobre este objecto, e outros pontos concernentes ao governo
do meu Exercito de Portugal, em ordem a conservallo no
pé de força, e disciplina, a que foi elevado pelos assiduos,
e desvelados trabalhos do Marechal General, Marquez de
Campo Maior, a quem hei confiado o seu commando:
E reconhecendo Eu quanto convenha sustentar o refe-
rido Exercito no mesmo pé de força, organização, e dis-
ciplina, tao essencialmente necessária para a defeza do
Reyno, e para perpetuar a gloriosa reputação que mui dis-
tinctamente ganhou entre os Exércitos da Europa, durante
VOL. X V I I . No. 103. 4 o
690 Politica.
a ultima guerra : Sou por tanto servido ordenar, que
tudo que se acha disposto nos trinta e cinco Artigos do
Regulamento, que baixa com este, assignado pelo Mar-
quez de Aguiar, Ministro e Secretario de Estado dos Ne-
gócios do Reyno-Unido, e encarregado interinamente da
Repartição dos negócios Estrangeiros e da Guerra, tenha
força de Ley, e seja literal e inviolavelmente observado,
sem diminuição, ou interpretação alguma, qualquer que
ella seja ; naõ só pelo que respeita ás disposições relativas
á organiçaõ, mas a todas as outras que no sobredicto Regu-
lamento se comprehendem ; esperando do dicto Marechal
General, Marquez de Campo Maior, que, pela parte que
lhe toca, fará exactamente observar tanto o que vai agora
determinado, como as mais Leys Militares existentes, que
naÕ forem oppostas a esta minha Real Determinação, as
quaes devem conseguintemente continuar em pleno vigor
e observância.
E este se cumprirá taõ inteiramente como nelle se con-
tém, sem duvida, ou embargo algum, e naõ obstantes
quaesquer Leys, Regimentos, Ordenações, Alvarás, Reso-
luções, Decretos, ou Ordens em contrario, quaesquer que
ellas sejam; porque todos e todas hei por derogadas para
este effeito somente, como se delles e dellas fizesse especial
mençaõ, em quanto forem oppostas ás Determinações con-
teudas neste Alvará, que valerá como Carta passada pela
Chancellaria, posto que por ella naõ ha de passar, e ainda
que o seu effeito haja de durar mais de um e muitos an-
nos ; e tudo sem embargo das Ordenaçoens que dispõem o
contrario. Dado no Palácio do Rio-de-Janeiro aos vinte
e um de Fevereiro de mil oitocentos e dezeseis.
PRINCPE.
M.irquez de A G U I A R .

Alvará, por que Vossa Alteza Real ha por bem dar


vm novo Regulamento ao seu Exercito de Portugal, em
Politica. 691
•rdem a manlello no pé de força, e disciplina em que pre-
sentemente se acha: tudo na fôrma acima declarada:
Para Vossa Alteza Real vêr.

Regulamento
Para organização do Exercito de Portugal.
Artigo I.—Organização do Exercito.
§ I. O exercito será composto.
At 1 General em Chefe, que o de 12 Batalhões de Caçadores.
commandará. de 12 Regimentos de Cavallaria.
de Tenentes Generaes. de 4 Regimentos de Artilheria.
de 16 Marechaes de Campo. de 1 Batalhão de Artífices En-
de 24 Brigadeiros. genheiros.
de 62 Officiaes de Estado Maior, de 3 Companhias de Artilheiros
de Ajudantes de Ordens, ou Conductores.
de Campo. de 1 Companhia de Guias,
de 1 Corpo de Engenheiros. de Estado Maior das Praças,
de 24 Regimentos de Infanteria.
V I I . Os Regimentos de Infanteria, e Batalhões de
Caçadores, estarão regularmente formados em 6 Divi-
sões e 12 Brigadas, que teraõ os seus Chefes correspon-
dentes.
§ 111. Os Regimentos de Cavallaria estarão forma-
dos em 6 Brigadas com os seus respectivos Chefes, e se
unirão em Divsisões quando necessário for ; reservando-se
para essa occasiaõ a nomeçaõ dos Generaes, que devam
commandar Corpos desta Arma, maiores do que Bri.
gadas.
S IV- A Artilheria estará regularmente formada em
Regimentos, collocados como melhor parecer, para a sua
instrucçaõ, e serviço. N a occasiaõ em que se reunir o
Exercito, ou parte delle, se destacarão desta as Baterias
Ligeiras que parecer, e se uniraõ ás Divisoens de uma e
outra Arma.
§ V. Os Officiaes Generaes seraõ, por via de regra,
•rapregados na fôrma seguinte:
4u2
692 Politica.
Em Ajutante General 1 Em Commandantes ou Generaes
Em Quartel Mestre General I de Provincia . . 7
Em Inspectores Geraes 5 Em Generaes de Divisão 6
Em Chefe de Engenheiros 1 Em Generaes de Brigada 18
§ VI. Haverá, além destes, outros empregados nas
Praças principaes, que pela Ley, estabelecida a este re-
speito, podem ter por Governadores Officiaes Generaes.
§ VII. Todos os Generaes, que naõ estiverem empre-
gados nas CommissÕes acima declaradas, seraõ reputados
naõ empregados.
§ VIII. Os Generaes, que excederem o numero de-
terminado no §. 1. seraõ reputados aggregados.

Artigo II.—Composição dos diversos Estados Maiores.


§ 1. O General em Chefe terá os Ajudantes de Pes-
soa, que julgar necessários.
§ II. Cada um dos Tenentes Generaes terá dous
Ajudantes de Pessoa : cada Marechal de Campo, ou Bri-
gadeiro terá um.
§ III. Os Officiaes Generaes, que naõ estiverem em-
pregados em alguma das Commissões acima apontadas,
naÕ teraõ Ajudantes de Ordens.
§ IV. No tempo de Guerra poderão os Generaes tomar
os Ajudantes de Campo, que julgarem necessários, tendo
para isso permissão do General em Chefe.
§ V- Haverá um Estado Maior do Ajudante General,
que será permanente, e composto na fôrma seguinte.
Deputados . . 4
Assistentes com o Ajutante General . 6
com as Divisões . . . 6
Deputados Assistentes .
Majores de Brigada . 18

§ VI. Haverá igualmente um Estado Maior do Quar-


tel Mestre General, que será também permanente, e com-
posto de
Politica. 693
Deputados . 4
Assistentes . 12
Deputados Assistentes 12
§ VII. Dos Estados Maiores do Ajudante General, e
Quartel Mestre General se formarão os Estados Maiores
das Divisões e Brigadas, repartindo-se os Officiaes acima
declarados, na fôrma seguinte :
Em cada Divisão de Infanteria,
Assistente de Ajudante General 1
Assistente do Quartel Mestre General . 1
Em cada Brigada de Infantaria ou Cavallaria,
Major de Brigada . . . t
Assistente ou Deputado do Quartel Mestre General 1
§ VIII. Os Officiaes de Estado Maior, assim emprega-
dos, faraõ o serviço nas Divisões e Brigadas ás Ordens
dos Generaes dellas; ficarão porém sujeitos aos Chefes das
Repartições a que pertencerem ; corresponder-se-haõ cora
elles, e lhes daraõ conta dos objectos, de que forem encar-
regados.

Artigo III.—Das Commissões que seraõ fixas, e das amo-


viveis, tanto dos Officiaes Generaes, como dos Offici-
aes de Estado Maior, e Ajudantes da sua escolha.
S I. Os Lugares de Generaes de Provincia seraõ fixos,
unicamente occupados por Tenentes Generaes, ou Mare-
chaes de Campo, que teraõ Patentes de taes Commissões.
$ II. Os Commandantes de Divisões seraõ escolhidos
d'entre os Tenentes Generaes e Marechaes de Campo :
naõ teraõ Patentes das suas Commissoens ; a simples no-
meação do General em Chefe, publicada na Ordem do
Dia, lhes servirá de titulo : poderão ser removidos para
outra Divisão, ou substituídos simplesmente por outros,
ficando sem destino, sem que por isso se possaõ julgar of-
fendidos ; porque naõ sendo possivel empregar todos os
Officiaes Generaes, convirá muitas vezes reraovellos, e
7
694 Politica.
substifuillos por oufros, a fim de que geralmente todos se
habilitem ao Commando das Divisões.
§ III. Os Generaes de Brigadas seraõ da mesma sorte
nomeados, e reconhecidos na Ordem do Dia, e também
removidos quando for conveniente empregar outros pelas
razões que ficam dietas.
§ IV. Os Officiaes de Estado Maior seraõ escolhidos
de todas as Armas, com attençaõ ao merecimento taõ so-
mente ; por isso que neste Corpo se necessita de Officiaes,
qae naõ tenham somente a simples rotina.
% V. Os Officiaes deste Corpo teraõ accesso nelle, na
ordem, e proporção dos outros do Exercito ; poderão po.
rém passar para os Corpos da Arma, em que tiverem ser-
vido, todas as vezes que o General em Chefe julgar con-
veniente ; entrando naquelles Postos, que lhe competi-
rem, conforme a sua antigüidade, e merecimento. Os
Officiaes de Estado Maior, empregados nas Divisões e
Brigadas, naõ seraõ fixos : o General em Chefe os fará
render por outros quando convier.
§ VI. Os Ajudantes de Pessoa seraõ escolhidos pelos
Generaes, a quem deverem pertencer, d'entre os Capitães
ou Tenentes de qualquer Arma, que tiverem (pelo menos)
servido, em Regimento da primeira Linha, cinco annos,
sendo em tempo de paz ; e tres no de guerra.
§ VII. Os sobredictos Ajudantes naõ poderão ter rnaior
Patente, do que a de Capitão; mas poderão regressar
para os Corpos da Arma, em que tiverem servido, confor-
me a sua antigüidade, e merecimento, relativo aos outros
do Exercito de igual Patente, e Arma ; e logo que forem
promovidos a Majores effectivos, aggregados, ou gradua-
dos, ficará cessando o seu exercicio de Ajudantes de
Pessoa.

Artigo IV.—Dos actuaes Ajudantes do Governo.


§ L Os actuaes Ajudantes do Governo das differentes
Politica. 695
Províncias, e da Corte ficarão extinctos por este Regu-
lamento, e o seu exercicio acabará desde logo.
§ II. Aquelles d'entre os dictos Ajudantes, que estiverem
capazes de ser empregados cora utilidade nos Corpos de
Linha do Exercito, entrarão nelles em effectivos, ou ag-
gregados, conforme o sen merecimento; e os outros seraõ
empregados em governo de Praças, ou Reformados, con-
siderando para isso a sua idade, estado de saúde, e habi-
lidade.

Artigo V.—Dos Secretários.


§ I. O General em Chefe terá um Secretario Militar da
Patente que escolher, e os Officiaes de Secretaria que lhe
forem necessários.
§ II. Em cada um dos Governos de Provincia haverá
um Secretario, e um Official de Secretaria : na Provincia
da Extremadura haverão dous Officiaes de Secretaria.
§ III. Cada um das Inspectores Geraes terá um Secre-
tario, e um Official de Secretaria.
§ IV. Os Secretários dos Governos das Provincias, e
os dos Inspectores teraõ Patente de Capitão, e os Officiaes
de Secretaria a de Tenentes t seraõ escolhidos e propostos
pelos Generaes e Inspectores, d'eutre os Secretários, que
actualmente existem, ou outros, se estes naõ estiverem nas
circunstancias de eontinuar este serviço.
§ V- As Graduações dos Secretários, e Officiaes de
Secretaria, assim como de qualquer outra Repartição Ci-
vil do Exercito, seraõ honorárias, e inherentes aos Luga-
res, qne occupaõ, qualquer que seja o serviço, que te-
nhaõ feito semelhantes empregados ; ficando-lhes por isso
prohibido todo o accesso de graduação militar, e igual-
mente a passagem para o numero dos Officiaes combaten-
tes, devendo taes Patentes serem reputadas annexas aos
Empregos, e naõ aos Empregados. NaÕ poderão usar de
696 Política.
banda os sobredictos Secretários, e Officiaes de Secretaria,
e nem qualquer outro Empregado Civil, ou pessoa que
tenha graduação honorária.

Artigo VI.—Organização dos Regimentos.


1
Plano e Organização de um Regimento de Infanteria.
Estado Maior.
CORONEL 1
Tenente Coronel 1
Majores 2
Ajudantes 2 C
Pequeno Estado Maior.
QuaTtel Mestre 1
Sargentos de Brigada, ou Sargen-
tos Ajudantes 2
Quartéis Mestres Sargentos 2
Capellaõ 1
Cirurgião Mór 1
Ajudantes de Cirurgia 2
Coronheiro 1
Espingardeiro 1
Mestre de Musica 1
Músicos 8
Tambor Mór 1
Cabo de Tambores - 1
Pifanos 2 24
Officiaes das Companhias.
Capitães 10
Tenentes 10
Alferes 22 42
Officiaes Inferiores.
Primeiros Sargentos 10
Segundos Sargentos 40
Furrieis 10 60
Cabos de Esquadra 60
Anspeçadag 60
Soldados 1:280— 1:400
Tambores 20 R. H.

1:552 24 37:24S
Politica. 697
Composição de um Batalhão de Caçadores.
Estado Maior. Vem 4
Tenente Coronel 1 Ajudantes Sargentos 1
Major . 1—2 Quartel Mestre Sargento 1
Pequeno Estado Maior. Capellaõ 1
Ajudante 1 Cirurgião Mór 1
Quartel Mestre 1 Ajudante de Cirurgia 1 T
Sargentos de Brigada ou 2
7 2
4
N. B. Os dous Alferes, que excedem o numero dos das Companhia»,
saõ destinados pára levar as Bandeiras, que seraõ sempre conduzidas
pelos dous Alferes mais modernos em lugar dos Porta-Bundeiras,
que ficara supprimidos.
Coronheiro 1
Espingardeiro 1
Mestre de Musica 1
Músicos 8
Cometa Mór 1— 12
Officiaes das Companhias.
Capitães 6
Tenentes 6
Alferes 12— 24
Officiaes Inferiores.
Primeiros Sargentos 6
Segundos Sargentos 24
Furrieis 6— 36
Cabos de Esquadra 36
Anspeçadas 36
Soldados 628—600
Cometas 12 B. H.

693 12 8:316

Composição de um Regimento de Cavallaria.


Hom. Cav.
Estado Maior.
Coronel 1 3
Tenente Coronel 1 2
Major 1— 3 2- . 7
VOL. X V I I . N o . 103. 4 x
698 Politica.
Pequeno E. Maior.
Ajudante 1
Quartel Mestre l
Surgento de Brigada 1
Quartel Mestre Sargento 1
Porta Estandartes 4

8 3 8 7
Capellaõ • * 1
Cirurgião Mór . 1 1
Ajudante de Cirurgia • 1
Picador • « 1

Trombeta Mór
Selleiro • 1 1
Coronheiro 1
Espingardeiro • 1
Officiaes das Companhias
Capitaens . 8 8
Tenentes . 8 8
Alferes 8— 24 8- 24
Officiaes Inferiores.
Primeiros Sargentos . 8 8
Segundos Sargentos . 8 8
Furrieis 8— 24 8- 24
Cabos de Esquadra 32
Anspeçadas . 32
Soldados 448—512 446
Trorabetas 8
Ferradores 8— 16 16

H 595 C 331

12 Reg. H 7:140 C 6:372

Composição de um Regimento de Artilheria.


Estado Maior. Vem 2
Coronel I Capellaõ ]
Tenente Coronel 1 Cirurgião Mór . . 1
Major 1—3 Ajudantes de Cirurgia . 2
Pequeno Estado Maior. Tambor Mór . . 1
Ajudante 1 Pifanos . . . 2—9
Quartel Mestre 1--2
Politica. 699
Officiaes das Companhias. Vem 12
Capitães 10
Primeiros Tenentes 10
Segundos Tenentes 10 —30
Officiaes Inferiores.
Primeiros Sargentos . 10
Segundos Sargentos 20
Furrieis 10 —40
Cabos de Esquadra 60
Soldados . 740 —800
Tambores 10
R. H.
8D2 4 3-568

Composição de um Batalhão de Artífices Engenheiros.


Estado Maior. Officiaes Inferiores.
Major 1 —1 Primeiros Sargentos 24
Pequeno Est. Maior. Segundos Sargentos 30
Ajudante 1 Furrieis 6 —60
Quartel Mestre . 1 Cabos de Esquadra 60
Sargento Quartel Mestre 1 —3 An «pecadas 60
Officiaes das Companhia». Soldados 480—600
Capitães 3 Tambores 6
Primeiros Tenentes 3 _ _
Segundos Tenentes 5—11 681

Composição das Companhias de Artilheiros Conductores.


Officiaes 4
Officiaes Inferiores 16
Alveitares, Cometas, e Ferradores, 16
Cabos e Soldados 240

276

Recapitulaçaõ.
24 Regimentos de Infanteria
12 Batalhões de Caçadores Cavallos
12 Regimentos de Cavallaria 6:372

4x2
700 Politica.
4 Regimentos de Artilheria 3:568
1 Batalhão de Artífices En- Cavallos, ou
genheiros muares 6X1
4 Companhias de Artilheiros
Conductores 400 27 6

C. 6:772 H. 57:229

Artigo VIL—CollocaçaÕ dos Regimentos.


§ I. Os Regimentos de Infanteria, Cavallaria, e Ba-
talhões de Caçadores seraõ aquartelados dentro dos Dis-
trictos, em que recrutarem, ou nas Povoações mais vizi-
nhas, conforme a Tabeliã que vai juncta.
§ I I . Succedendo que depois da divisão dos Districtos
se conheça que será conveniente mudar algum dos Cor-
pos, o General em Chefe o participará ao Govenro do
Reyno, e o Regimento será mudado para o Qnartel, que
elle indicar; feita porém a primeira mudança, naõ se mu-
dará Quartel algum, sem ordem expressa de S. A. R.
§ 111. Nas Cidades ou Villas destinadas para Quartéis
fixos dos Regimentos, se aquartelaraõ estes nos Edifícios,
que ahi existirem pertencentes á Coroa ; e na falta destes,
se accommodaraõ interinamente, como melhor convier,
até que se proceda a construcçaõ dos Quartéis próprios,
a que se manda proceder.
§ I V . Em cada um dos Quartéis dos Regimentos de
Infanteria e Batalhões de Caçadores haverá um terreno
destinado para ser cultivado por elles, e applicado para
Hortas.
§ V Nos Quartéis dos Regimentos de Cavallaria ha-
verá um terreno destinado a Hortas, e outro applieado á
cultura de forragem para os Cavallos.
§ VI. No Quartel dos Artilheiros Conductores haverá
também um terreno destinado ao sustento das parelhas.
§ VII. Logo que os Regimentos passarem aos seus
Quartéis, se lhes distribuirão os sobredictos terrenos.
Politica. 701
§ VIII. As terras distribuídas aos Corpos seraõ divi-
didas por Companhias, e cultivadas por ellas, e os seus
productos applicados aos ranchos, conforme o Regula-
mento, que fará para esse fim o General em Chefe.
§ I X . Os terrenos distribuídos aos Regimentos de
Cavallaria dividir-se-haÕ em duas classes, uma qup ser-
virá para Hortas, e em proveito dos Soldados, e outra
para forragem verde e seca dos Cavallos; de cujo pro-
ducto se dará conta ao Coumiissariato.
§ X. Os terrenos, distribuídos ás Companhias de Ar-
tilheiros Conductores, seraõ também divididos em duas
porções, uma para as Companhias, e outra para o sus-
tento das parelhas. O Commissario Geral será encar-
regado desta administração.
§ XI. Os utensílios, que forem necessários para a cul-
tura das Hortas, seraõ pela primeira vez fornecidos pelos
Armazéns Reaes, mas depois seraõ entretidos pelos Regi-
mentos : e os que forem necessários para a cultura dos
terrenos, destinados a forragens, seraõ fornecidos pelo
Commissariato.

Artigo VIII.—Da organização das Brigadas, e Divisões.


•j I. As Brigadas seraõ formadas dos Regimentos que
ficarem aquartelados nas Povoações mais vizinhas, cora-
pondo-se as de Infanteria de dous Regimento- de Infan-
teria, e um Batalhão de Caçadores; e as de Cavallaria,
de dous Regimentos desta Arma.
§ I I . Na organização das Brigadas naõ se atíenclerá
ao numero, por que he designado cada Regimento: o Ge-
neral em Chefe determinará os Corpos, que devem formar
cada uma.
§ III. As Divisões seraõ formadas das Brigadas, que
estiverem mais próximas em quartéis, sem attençaõ á Pro-
vincia cm que ficam aquarteladas.
702 Politica.
Artigo IX.—Das Guarnições.
k I . As Guarnições de Lisboa, Porto, Elvas, Almeida,
e outras, em que naõ houver Companhias de veteranos,
ou fixas, seraõ feitas por Destacamentos de seis mezes.
Estes Destacamentos seraõ de Brigadas inteiras, Regimen-
tos, Batalhões, ou meios Batalhoens, segundo a força de
que necessitar cada uma das Guarnições.
§ I I . O General em Chefe regulará naõ só a força de
cada uma das dietas Guarnições, mas também os Corpos
que as devem fazer, e o tempo em que se haó de render,
fazendo a distribuição de tal fôrma, que se naõ empregue
mais da quarta parte de Exercito nestes Serviços ; e que
haja cada um Corpo de destacar para as Guarnições, que
ficarem mais vizinhas do seu Quartel, quando isto se naõ
encontrar com a igualdade com que o serviço deve ser
distribuído pelas Brigadas.
*j I I I . Succedendo que algum Regimento tenha Quar-
tel fixo na mesma Praça, em que as Guarnições devem
ser feitas por turno dos Corpos, naõ será comprehendido
na Guarniçaõ, no tempo em que lhe naÕ tocar pela sua
alternativa.

Artigo X.—Da obrigação de residir, e das Licenças.


kl. Os Generaes de Provincia, de Divisão, e de Bri-
gada seraõ residentes nos Districtos dos seus Governos,
ou nos Quartéis das suas Divisões, e Brigadas.
k I I . Naõ teraõ Licenças, sem motivos urgentes, que
representarão ao General em Chefe para os fazer presentes
ao Governo, de quem esperará resposta pelo que pertence
aos Generaes de Provincia ; mas aos Generaes de Divisão
e de Brigada, o General em Chefe poderá logo dallas,
participando-as depois ao Governo.
§ 1 1 1 . Os officiaes dos Regimentos, e outros poderão
ser licenciados pelo General em Chefe, a quem ficará per-
tencendo dar similhantes licenças, de tal fôrma que em
Politica. 703
cada um Regimento fique o numero competente para o
serviço e disciplina, em consideração ás circumstancias, e
ao numero de praças.
k IV- Os Officiaes assim licenciados vencerão meio
soldo, quando as licenças naõ excederem de seis mezes em
cado anno; e no caso de excederem este prazo, naõ ven-
cerão soldo algum.
k V. Quando os Chefes dos Regimentos, ou de Com-
panhias estiverem com licença, ou impedidos de sorte que
o Commando passe aos seus immediatos, as gratificações
de Commando pertencerão aos Officias, que os substituí-
rem no governo dos Corpos ou Companhias.
k VI. Os Officiaes Generaes, que commandarem Pro-
vincias, Divisões, ou Brigadas, perderão as gratificações
pelo tempo em que tiverem licença ; estas porém naõ pas-
sarão aos seus substitutos.
§ V I I . As duas terças partes dos Officiaes Inferiores e
Soldados, e ainda mais, se o General em Chefe julgar
conveniente, seraõ licenciadas : as licenças destes seraõ
sem vencimento de paõ, nem soldo.
k VIII. As licenças dos Officiaes Inferiores e Soldados
seraõ distribuídas pelos Commandantes das Companhias
cora a approvaçaõ do Coronel, ou Commandante do
Corpo, de tal fôrma que corraõ por todos os que a mere-
cem pelo seu comportamento, e com preferencia aos Sol-
dados casados, e aquelles que se empregarem na agricul-
tura, e manufacturas.
§ I X . Estas licenças seraõ de tres, seis, nove, e dez
mezes e meio em cada anno; no tempo porém em que os
Regimentos estiverem de guarniçaõ, ou no destinado aos
exercícios, naõ haverá licença alguma de official ou sol-
dado ; ficando positivamente prohibido a todos o estarem
nesse tempo fôra dos seus Corpos.
§ X . Os Chefes dos Corpos permittiraó a todos os
704 Politica.
Soldados e Officiaes Inferiores, que tiverem 24 annos de
idade, licença para se casarem, quando os individuos o
merecerem, ficando assim abolida a restricçaÕ do numero
determinado no Regulamento de 1763.
Artigo XI.—Das Reuniões dos Corpos, e dos Exercícios.
k I. Todos os Corpos se reunirão nos seus Quartéis
seis semanas em cada anno : este tempo será empregado
em exercícios diariamente.
k 11. O General em Chefe, com a approvaçaõ do Go-
verno, regulará as épocas em que se deva cada um Corpo
reunir, tendo attençaõ ás precisões da Lavoura; e por
esse motivo poderão ser differentes as épocas para as re-
uniões em cada Provincia.
§ I I I . Os Regimentos, que em um anno houverem
de fazer guarnições, se reunirão dez dias antes daquelle
em que deverem marchar para os seus destacamentos, e
se licenciarão cinco dias depois do da chegada aos
quartéis.
•5 LV Haverá em cada anno um Campo de instrucçaõ,
que naõ durará mais de trinta dias, e será composto das
Tropas que o General em Chefe julgar conveniente, e no
lugar que elle escolher. Estes Campos seraõ feitos nos
tempos destinados ás reuniões geraes.

Artigo XII.—Do Soldo em tempo de paz.


k Único.
Por mez. Por mez-
Tenente General 120.000 Capellaõ 15:000
Marechal de Campo 75:000 Cirurgião Mór . . 18:000
Brigadeiro 60:000 Ajudante de Cirurgia 15:000
Coronel 54:000 Capitão 24:000
Tenente Coronel 48:000 Tenente 18:000
Major 45.000 Alferes . 15:000
Ajudante : 20:000 Porta Estandarte Alferes 12:000
Quartel Mestre 18:000
Politica. 705
Por dia. Por dia.
Sargento Ajudante 300 Pifano • 80
Sargento Quartel Mestre 240 Mestre de Musica • ii60

Alveitar 300 Musico 260


Tambor Mór , . 120 Coronheiro 80
Cometa Mór de Cavallaria 240 Espingardeiro 80
Cabo de Tambores . 100
Praças das Companhias.
Primeiro Sargento de Infanteria ou Caçadores 160
de Cavallaria 210
de Artilheria . . 200
de Artilheiros Conductores 180
de Artífices Engenheiros 240
Segundo Sargentoi de Infanteria ou Caçadores 120
de Cavallaria 190
de Artilharia . 180
de Artilheiros Conductores 120
de Artífices Engenheiros 210
Furriel de Infanteria ou Caçadores 100
de Cavallaria 130
de Artilheria 120
de Artífices Engenheiros 200
Cabo de Infanteria ou Caçadores 80
de Cavallaria . 110
de Artilheria 100
de Artilheiros Conductores 100
de Artífices Engenheiros 180
Anspeçadas de Infanteria ou Caçadores 65
de Cavallaria 95
de Artífices Engenheiros 150
Soldado de Infanteria ou Caçadores 60
de Cavallaria 90
de Artilheria 90
de Artilheiros Conductores 70
de Artífices Engenheiros 120
Tambor de Infanteria e Artilheria 110
Cometa de Caçadores . 110
Cometa de Cavallaria e Trombeta 170
Cometa de Artilheiros Conductores 120
Tambor de Artífices Engenheiros 110
Ferrador de Cavallaria . • 160
Ferrador de Artilheiros Conductores 169
VOL. XVII. No. 103. 4Y
706 Politica.
Artigo XIII.—Gratificações, que devem vencer os offi-
ciaes Generaes empregados, e mais Officiaes, Officiaes
Inferiores, e Soldados em tempo de Paz.
Por mez.
§ I. General da Estremadura . . 300:000
General do Alem-Tejo . . 250:000
General, ou Commandante das Armas do Algarve,
quando naõ houver Capitão General, ou naõ
estiver residindo . . 100:000
General da Beira . 200:000
General do Porto . 200:000
General do Minho 150:000
General de Trás dos Montes 150:000
Inspector Geral de qualquer Arma 200:000
Governador de Elvas 150:000
Governador de Abrantes 100:000
Governador de Almeida 100:000
Governador de Peniche 100:000
Governador de Valenlença 100:000
Governador do Forte de Ia Lippe 6O.000
Governador de Campo-Maior 40.000
Governador de Juromenha 40:000
Governador de Marvaõ 40:000
Governador de Lindoso 20:000
Governador de Monsanto 30:000
Governador de Cascaes 70:000
§ I I . A cada uma das Praças de Pret, que ficarem
reunidas nos Regimentos nos mezes de licença, se abonará
um vintém por dia, que será mettido nos mesmos Prets
em addiçaõ separada, e com elle cobrada.
k I I I . Nas semanas em que os Corpos estiverem re-
unidos para exercidos, e nas reunioens para as guarnições
vencerão etapa em gênero, de tal maneira que, pelo me-
nos, tres dias na semana seja a dieta etapa de carne fresca.
N a etapa, em tempo de paz, naõ se comprehenderá vinho
ou agoardente.
•j IV- Quando as Tropas vencerem etapa, naõ rece-
berão os vinte réis diários, que acima se mandaõ abonar,
além do soldo.
Politica. 707
§ V. Os Officiaes do Estado Maior General receberão
rações de etapa, e forragens como em Campanha. Os Offi-
cias Generaes empregados receberão forragens para os
Cavallos que lhe competirem.

Artigo XIV.—Gratificação dos OfficiaesGeneraes empre-


gados em Commando.
§ I. Empregados nos commandos das Divisões, ou Bri-
gadas.
Por mez.
Sendo Tenente General 130:000
Marechal de Campo . . 100:000
Brigadeiro . 80:000
Empregados em Commandos de Regimentos, ou Bata-
lhões de Caçadores.
Sendo Coronel. 30:000
Tenente Coronel, ou Maior 25:000
Capitão 20:000

Commandantes de Companhias.
Sendo Capitão 10:000
Subalternos 5:000
§ II. O Ajudante General, e Quartel Mestre General,
e o Secretario Militar vencerão as Gratificações, que lhes
tocarem, segundo ás suas Graduações, além dos cincoenta.
mil réis que tem por estes empregos.

Artigo XV.—Gratificações dos Officiaes do Estado Maior


§ I. Coronel 40:000
Tenente Coronel 35:000
Major 25:000
Capitão 15:000
Subalternos 10:000
§ II. Os Ajudandes de Ordens de Pessoa dos Gover-
nadores vencerão de Gratificação dez mil réis por mez
como até agora venciaõ, e raçaõ para Cavallo.
$ III. Todas as gratificações acima determinadas
4 Y2
708 Politica.
para Officiaes Generaes, ou outros Officiaes seraõ an-
nexas aos Empregos, e naõ passarão para os que os sub-
stituírem, quando os providos nelles estiverem fôra dos
Governos, Commandos de Divisoens, Brigadas, Regimen-
tos ou Companhias, qualquer que seja o motivo; naõ se
daraõ aos Officiaes que no Estado Maior do Ajudante
General, e Quartel Mestre General excederem o numero
que vai determinado.
§ I V . Todos os Empregados, que pela tarifa acima
declarada recebem Gratificaçoens, seraõ obrigados a fazer
as despezas de papel, e outras semelhantes da Secretaria ;
e fica prohibido abonar-se-lhes semelhantes despezas na
Thesouraria Geral.

Artigo XVI.—Das Despezas do Quartel,


k Único.
A despeza de lenha para os Ranchos, azeite para luzes,
vassouras, e outros utensilios necessários para conservação
do aceio dos Quartéis será feita pelos Regimentos, e a cada
um deses se abonará uma determinada quantia, que se
taxará uma vez para sempre proporcionadamente aos pre-
ços em cada Quartel: esta quantia será recebida mensal-
mente pelos Regimentos por via do Quartel Mestre.

Artigo XVII.—Do Fardamento.


k I. Todas as praças de Pret vencerão Fardamento:
o vencimento porém em tempo de paz, será de tres annos:
as meias Fardetas teraõ o vencimento de seis mezes. O
colete ou vestia será de mangas, e terá o seu vencimento
de dezoito mezes.
k 11. O primeiro Fardamento, e Fardeta será dada em
gênero, quando o Soldado assentar praça; e os vencimen-
tos seguintes seraõ contados pelos dias em que cada praça
estiver unida ao Regimento, de fôrma que se naõ julgará
vencida uma Farda ou Fardeta, sem que o Official lnfe-
Politica. 709
rior ou Soldado esteja effecti vam ente servindo no Regi-
mento o numero de dias, que completaõ os annos, ou me-
zes determinados para o vencimento.
§ I I I . N o fim de cada semestre se ajustará a conta
individual com cada uma praça, e se receberá em di-
nheiro a importância da Fardeta, ou parte delia que
tiver vencido, com relação ao numero de dias, que
servio nesse prazo. Cada tres annos se fará uma nova
avaliação da importância, ou custo de cada gênero pelos
preços correntes em Lisboa, e reputando os gêneros de
boa qualidade.
§ IV. O Coronel ou Chefe receberá estas sommas, e as
distribuirá aos Capitães, que as entregarão aos Soldados,
fazendo-lhes comprar os gêneros, que lhes faltarem para
terem a roupa, e utensílios estabelecidos em ordem ; e por
isto ficarão responsáveis. Os Inspectores Geraes examina-
rão com todo o escrúpulo a contabilidade do Fardamento.

Artigo XVIII.—Do Armamento.


§ I. O General em Chefe, de acordo com o Governo,
taxará logo o prazo, que deve durar o armamento, e armas
de cada Regimento de Infanteria, e Batalhão de Caça-
dores.
§ II. Determinarão com o mesmo acordo a somma,
que convirá arbitrar a Cada Companhia para concerto das
armas, corrêas, e mais peças de armamento.
§ I I I . Esta somma será paga aos Commandantes de
Companhias no fim de cada mez; e estes seraõ obrigados
a conservar as armas e armamento em bom estado, e a pa-
gar aos armeiros os concertos, pelo preço, que será taxado
por cada peça.
§ IV. Os Chefes das Companhias entregarão nos arma-
zéns no fim do tempo que se marcar para o vencimento,
as armas que as Companhias tiverem, e receberão outras
novas em seu lugar.
710 Politica.
§ V- Succedendo perder-se alguma arma, o Comman-
dante da Companhia, a que pertencer, pagalla-ha.

Artigo XIX.—Do tempo de Serviço.


§ Único.
Os Officiaes Inferiores, e Soldados naõ seraõ obrigados
a servir um numero de annos determinado: as suas de-
missões em tempo de paz lhe seraõ dadas à proporção das
recrutas que for possivel fazer annualmente; começando
pelos mais velhos, e descendo até aos de trinta annos de
idade ; procurando-se, quanto for possivel, ter o Exercito
sempre composto de homens, que naõ tenhaõ menos de
dezoito annos de idade, nem mais de trinta.

Artigo XX.—Das Demissões.


% Único.
As demissões, que os Officiaes pedirem voluntariamen-
te, seraõ dadas por S. A. R. sobre as informações do Ge-
neral em Chefe, por quem seraõ dirigidas ao Governo si-
milhantes pretenções, e nunca por outra via.

Artigo XXI.—Das Licenças absolutas, ou Baixas dos


Officiaes Inferiores, e Soldados ; e do Recrutamento.
§ I. O General em Chefe mandará formar todos os an-
nos, no tempo que lhe parecer, relaçoens dos Officiaes In-
feriores e Soldados, que estiverem incapazes do Serviço por
doença, e dos que tiverem mais de trinta annos de idade,
classificando estes por annos de idade.
§ II. Estas relações, que seraõ feitas pelos Capitães, e
Commandantes dos Corpos, seraõ ratificadas pelos Pro-
fessores de Medecina, que o General em Chefe determinar,
na parte que pertence á incapacidade por doença, e em
todas pelos Inspectores da Arma a que pertencerem. O
General em Chefe, a quem seraõ remettidas pelos Inspec-
tores» as julgará, e mandará dar baixa aos que estiverem
incapazes, e a tantos homens dos que tiverem idade maior
Politica. 711
de trinta annos, quantos for possivel substituir naquelle
anno com recrutas.
§ III. Logo que o Reyno estiver dividido nos vinte
quatro Districtos, que vaõ determinados no Regualmento
das Ordenanças, determinar-se-haõ os Regimentos, e ou-
tros Corpos, que devem recrutar em cada um delles ; e
esta regra, uma vez estabelecida, naõ se alterará depois.
§ IV. O Recrutamento se fará uma ou duas vezes por
anno em cada Districto : o General em Chefe marcará o
tempo em que se ha de começar, e o dia em que as recru-
tas devem chegar aos Corpos, aonde devem ter praça.
§ V. O General em Chefe, tendo presentes os Mappas
de População, e de pessoas hábeis para serem recrutadas
em cada Districto, e os Mappas de força dos Corpos, assim
como as Listas dos incapazes, e dos que excederem a trin-
ta annos de idade, determinará as Recrutas que deve for-
necer cada districto, e ordenará ao Governador da Pro-
víncia, que expeça as Ordens convenientes aos Coronéis
d'Ordenanças para as terem promptas no dia aprazado,
conforme o que vai determinado no Regulamento das Or-
denanças.
§ VI. O Exercito será levado nos primeiros tres an-
nos, que se seguirem á publicação deste Plano, ao pé
completo, que vai determinado nelle, e em fôrma tal que
no fim do primeiro anno fique com mais um terço da dif-
ferença que ha entre o estado completo daOrganizaçaõ ac-
tual, e d'aquella que vai agora determinada : que no fim
do segundo anno fique com dous terços dessa differença ;
e no fim do terceiro fique inteiramente completo.
§ VII. Os Recrutamentos, que se deverão agora fazer
para levar o Exercito ao pé de força, que vai determina-
do, naõ obstaraõ ao cumprimento da regra geral, decla-
rada para se dar demissão aos Soldados, que tiverem mais
de trinta annos de idade ; se porém o numero de recrutas
naõ for sufficiente para se demittirem todos, demittir-se-
7
712 Politica.

haõ os mais velhos, e peio menos uma quarta parte dos que
excederem á idade marcada.

Artigo XXII.—-Das Reformas.


% 1. Os Officiaes Inferiores, e Soldados, que estiverem
incapazes de continuar o serviço, por feridas adquiridas
na guerra, ou ainda na paz, em occasiaõ de serviço, ou
para adiante se impossibilitarem por similhanfes motivos,
seraõ admitlidos nas Companhias de Veteranos, ou refor-
mados, conforme as suas circunstancias.

Dos Officiaes.
§ I I . Tendo o Alvará de 16 de Dezembro,de 1790, de-
terminado o limite maior das recompensas por via de re-
forma, que deveriam obter os Officiaes do Exercito, na es-
perança de que todos se fizessem igualmente dignos de uma
similhante graça; e tendo depois mostrado a experiência,
que de uma similhante igualdade, resultava prejuizo ao
Serviço, e injustiça para os que serviam com distineçaõ,
ficará o sobredicto Alvará entendendo-se d'aqui por diante
na fôrma seguinte.
" Seraõ reformados pela tarifa determinada no referido
Alvará todos os Officiaes, que se impossibilitarem do Ser-
viço por feridas adquiridas na guerra, e aquelles que, por
um merecimento distincto no cumprimento dos seus deve-
res, merecerem uma reforma com distineçaõ : a reforma de
lodosos outros será graduada conforme o seu merecimento,
ficando o General em Chefe encarregado de propor as
reformas com attençaõ ao que fica dicto, e aos annos de
serviço de cada Official."

Artigo XXIII.—Do Monte Pio.


§ 1. Sendo as Condições com que foi creado o Monte
Pio para as Viuvas, e Filhas dos Officiaes do Exercito,
differentes em quasi todas as Provincias; e convindo naõ
Politica. 713
só dar-lhe a uniformidade, que he indispensável, mas ao
mesmo tempo regular o estabelecimento de maneira que se
preencham os justos fins para que foi concedido, evitando
abusos contrários aos mesmos fins, e onerosos á Real Fa-
zenda, seraõ substituídas as Condições seguintes ás que
presentemente existem, e que saõ por este declaradas nul-
las, ede nenhum effeito.
§ II. Os Officiaes do Exercilo, que quizerem contri-
buir paro. o Monte Pio, cemeçaraõ a pagar o dia de Soldo
mensal desde o dia em que passarem a Officiaes: aquelles,
que pelo menos naõ começarem a contribuir dentro do
primeiro Posto, pagando desde o primeiro mez, naÕ seraõ
admitidos.
§ III. O Monte Pio pertencerá unicamente ús Viuvas,
c Filhas Solteiras dos Officiaes que tiverem contribuído.
§ IV. As Viuvas dos Officiaes, que passarem a segun-
das Nupcias, perderão o Monte Pio.
§ V . , As Viuvas, ou Filhas de Officiaes, a quem perten-
cer o Monte Pio, naõ suecederaõ umas ás outras na parte
que tocar a cada uma.
§ VI. Se alguma daquellas, a quem pertencer o Monte
Pio, professar cm alguma Religião, perderá o Monte
Pio.
§ VII. Fallecendo algum Official Viuvo, que naõ dei-
xe Filhas Solteiras, mas sim um, ou mais Filhos menores,
suecederaõ estes no Monte Pio, que lhe pertencer por seu
Pay,c gozarão delle até a idade de vinte annos, naõ tendo
bens de Coroa e Ordens.
8 VIII. As Filhas ou Filhos naõ legitimos dos Offici-
aes, ainda que reconhecidos sejam, naõ gozarão do Monte
Pio de seus Pays.
. I X . Por Monte Pio entender-sc-ha sempre metade do
Soldo da ultima Patente em que qualquer Official tiver
tido exercicio, e nunca pela da reforma, regulando-se o
vencimento pela tarifa estabelecida em 16 de Dezembro, de
VOL. X V I I . No. 103. 4 z
714 Politica.
1790, e pela anterior para os Officiaes que ficam excluídos
desta tarifa.
§ X . Para que as Viuvas possaÕ gozar do Monte Pio,
fera sempre necessário mostrar, que o seu Casamento pre-
cedeo um anno à morte dos Officiaes, com quem fôram ca-
sadas.
§ X I . No Monte Pio seraõ taõ somente admittidos os
Officiaes Combatentes, e nunca os que tem graduações
Militares, em conseqüência dos Empregos Civis, que oe-
cupam no Exercito.
§ X I I . Ametade do rendimento annual da Obra Pia,
que pelo Alvará de 16 de Dezembro de 1790 foi privati-
vamente consignada para prevenir as futuras precisões das
Viuvas, e Orfans dos Officiaes Militares, entrará todos os
annos na Thesouraria, unir-se-ha á prestação mensal dos
Officiaes, e fará com ella o fundo para o pagamento do
Monte Pio.
§ X I I I . Os Officiaes, que actualmente concorrerem
para o Monte Pio, naõ querendo sujeitar-se às Condiçoens
que vám determinadas, poderão reclamar dentro era seis
mezes as contribuições com que tiverem entrado na ( aixa,
porém depois naõ seraõ admittidos novamente.

Artigo XXIV.—Do Corpo de Engenheiros.


§ I. O Corpo de Engenheiros terá por Commandante
um Official General, e continuará a ser organizado com o
numero de Officiaes e graduações determinadas no Regu-
lamento Provisional de 12 de Fevereiro de 1812.
§ I I . Os Officiaes de Engenheiros seraõ divididos pelas
Provincias, e Praças do Reyno, na fôrma que parecer ao
General em Chefe, com a opinião do Chefe de Engenhei-
ros, a quem pertencerão as nomeações, e applicações de
cada um, e a qualidade de serviço, que for mais análoga
aos seus conhecimentos.
§ I I I . Os { fficiaes assim divididos pelo Reyno teraõ
Politica. 715
sempre correspondência com o seu Chefe, e dar-lhe-haõ
parte dos trabalhos de qne estiverem encarregados pelos
Generaes, a quem estiverem sujeitos, e dos progressos
dos mesmos trabalho* marcados sobre Cartas das Provín-
cias ou Terrenos, sobre que as houverem de fazer, ainda
estando debaixo da inspecçaõ de Chefes Civis, ou na re-
partição destes.
§ IV. Quando por qualquer motivo for necessário em-
pregar um Official Engenheiro fôra das Ordens immedia-
tes do seu Chefe, o Governo passará a Ordem ao General
cm Chefe, que ordenará a execução ao Chefe de Enge-
nheiros, por lhe pertencer esta escolha.
§ V- Os Officiaes Engenheiros empregados nas Reparti-
ções Civis, naõ vencerão gratificação alguma pela Caixa
Militar; as Gratificações, que neste caso lhes pertence-
rem, seraõ pagas pela Repartição por onde se fizerem as
despezas das Obras.
§ VI. Entender-se-haõ por obras Militares, as que se
fizerem nas Praçasv de Guerra, Fortalezas, Fortes, Cam-
pos entrieheirados, levantamentos de Cartas Militares, re-
conhecimentos de terrenos para serem fortificados, e con-
strucçaõ e concerto de Quartéis, quando forem debaixo da
direcçaõ do Chefe de Engenheiros, seja que elle presida
immediatamente a semelhantes Obras, ou que sejaõ diri-
gidas por outros Officiaes, que delle recebam instrucçoens.

Artigo XXV.—Das Praças.


§ I. As Praças de Guerra continuarão a ser classifica-
das na Ordem em que se achaõ, relativamente á Classe de
Officiaes, que podem ser Governadores, como pelo que
pertence ao seu Estado Maior, com as seguintes alterações.
§ II. Palmella será reputada Praça de Guerra com Go-
vernador até Coronel, e Ajudante. A este Governador per-
tencerão os emolumentos, que tinha antigamente o Major
de Praça de Setúbal.
4z 2
716 Politica.
§ I I I . O Goverandor de Valença poderá ser Official
General.
§ IV- A Torre de Belém terá Tenente Governador.
§ V- O Governador de Setúbal ficará extincto.
*j VI. Quando se conhecer por um reconhecimento
mais reflectido, que convenha mudar a Graduação de al-
guma das outras Praças, o General em Chefe proporá a
mudança ao Governo, allegando as razoes delia, e a al-
teração naõ terá lugar em quanto senaõ expedir Decreto,
que altere esta disposição.
ij V I I . Os Governadores, ou Officiaes, e Soldados
das Guarniçoens, a quem pertencerem emolumentos de
ancoragens ou outros, assim como o Governador da Torre
de OitaÕ, continuarão a gozar delles; pois que o estabe-
lecimento, a que foram destinados, naõ teve por ora ef-
feito; e isto naõ obstante as disposições em contrario.
ç V I I I . Os Governadores das Praças, que pela Ley
naõ saõ Officiaes Generaes, seraõ escolhidos d'entre os
Officiaes do Estado Maior, dos de Artilheria, ou de In-
fanteria da I a . Linha, e nunca de Milicias, ou outra
Arma . Os de Praças insignificantes, em que os Gover-
nadores saõ empregados, como em reforma, poderão ser
tirados de todas as Armas, mas nunca de Milicias.

Artigo XXVI.—Da Artilheria.


k l . O Genaral em Chefe, com o parecer do Inspec-
tor Geral de Artilharia, regulará o numero e Classe dos
Officiaes de Artilheria, que seraõ empregados no Arsenal
do Exercito em Lisboa, no Trem do Porto, e nos das di-
versas Provincias, e Praças, e apresentará o Projecto ao
Governo.
•5 II. Neste Projecto viraõ declaradas as Classes de
que se devem tirar estes Officiaes: a fôrma dos seus ac-
cessos (devendo-os t e r ) : as suas obrigações, e responsabi-
lidade.
Politica. 717
k III. Em quanto se naõ regularem os officiaes do
Trem, naÕ teraõ accesso os que ahi se acharem empre-
gados.

Artigo XXVII—Das Milicias.


% 1. As Milicias seraõ conservadas no pé em que actu-
almente se acham, seguindo-se para a su;i disciplina e or-
dem o Regulamenío de 20 de Dezembro de.1808 com as
seguintes alterações. Nenhum Coronel, ou Official de
Milicias poderá pertender pa&sagem, ou accesso para a
Tropa de 1". Linha.
§ II. O General era Chefe poderá reunir por tres dias
qualquer Regimento de Milicias, sem ser obrigado a dar
antecipadamente parte ao Governo.
% III. O General em Chefe escolherá entre os Ma-
jores, ou Capitães dos Regimentos de Linha os Officiaes,
que iraõ servir os postos de Majores nos Regimentos de
Milicias; c entre os Subalternos os que haõ de ir servir
nos mesmos Regimentos como Ajudantes; c os proporá
nas Propostas, que fizer para serem promovidos na dieta
fôrma.
k IV- Estes Officiaes conservarão no Exercito a anti-
güidade, c precedência que ahi tinham, quando foram
escolhidos para ir servir os dictos Postos; e seraõ promo-
vidos na ordem geral do Exercito pelo seu mereci-
mento, e antigüidade, como se cflectivamente estivessem
servindo nos postos de que sahiram para os Regimentos
de Milícias.
k V. Os Officiaes assim escolhidos servirão cm os Re-
gimentos de Milicias pelo espaço de seis annos, se antes
naõ forem promovidos por lhe pertencer pelo seu mereci-
mento, e antigüidade na Escala geral do Exercito; mas
nunca servirão por mais tempo nestes Corpos.
k VI. O General cm Chefe mandará passar Revista
aos Regimentos, quando os Officiaes empregados em Ma-
718 Politica.
jores e Ajudantes tiverem findado o tempo aprazado ; e á
vista das informaçoens sobre o estado delles, e daquellas
que o Inspector Geral lhe tiver dado, proporá os dictos
Officiaes para quelles Postos, que lhe tocarem, conforme
a sua antigüidade, corno se effectivamente tivessem sido
Majores, ou Ajudantes, quando passaram a servir em Mi-
licias.
§ V I I . Aquelles Officiaes porém dos Regimentos, qne,
pela sobredicta revista, e informações, naÕ estiverem em
bom estado, voltarão aos Regimentos, nos postos que ahi
tinham, e mesmo era aggregados, segundo o gráo de indis-
ciplina, em que se acharem os Regimentos de Milicias,
em que tiverem servido, ou seraõ reformados conforme o
seu merecimento.
k VIII. Os Majores de Milicias, que actualmente se
acharem em estado de naõ cumprir com os seus deveres
pela sua idade, ou moléstias, seraõ reformados segundo as
suas circumstancias permittirem: havendo entre elles al-
guns, que pela sua agilidade e merecimento possam entrar
em Majores de Regimentos, seraõ promovidos a este posto,
ou a Governo de Praças, em que os Governadores naõ
tem accesso.
tj I X . As propostas de Milicias continuarão a ser fei-
tas pelos Coronéis, e dirigidas ao Inspector Geral; este
porém as dirigirá com as suas observaçoens ao General em
Chefe, que as mandará com as suas notas ao Governo.
k X. Ao General em Chefe seraõ remettidas todas
aquellas representações, ou outros Papeis, que até agora
pelo Regulameuto de Milicias se mandavam á Secretaria
de Estado.
\ X I . O Recrutamento de Milicias será feito pela
mesma fôrma que vai ordenado para a Tropa de Linha,
com a differença que cada uma Companhia terá o seu
Districto particular para dentro delle recrutar ; seguindo-
se a respeito da escolha das Recrutas para este Corpo o
1
Politica. 719
que se acha determinado no Regulamento de Milicias
cap. 5a. tit. 1°. com declaração de que seraõ comprehen-
didos nos hábeis para Milicias aquelles indivíduos, que
tiverem obtido demissão da Tropa de Linha, tendo as ou-
tras condições especificadas no dicto Regulamento.

Artigo XXVIII.-—Do modo de prover os Postos vagos.


§ I. Os Postos, que vagarem em qualquer Classe do
Exercito seraõ providos em Promoções geraes, que se fa-
raõ uma, ou duas vezes por anno, como se julgar neces-
sário ; com declaração, porém, que ninguém poderá ser
Capitão sem ter sido Alferes, e Tenente, suecessi vãmente
na conformidade do tj 4*. do cap. 13 do Regulamento de
Infanteria; ficando para esse fim sem effeito o Decreto de
24 de Junho de 1806, e qualquer outro uso, e costume
contrario à sobredicta Determinação.
§ I I . O General em Chefe proporá para os Postos de
Officiaes Generaes, que vagarem, aquelles Officiaes, que
julgar devem ser promovidos; dirigindo a Proposta im-
mediatamente pela Secretaria de Estado dos Negócios E -
strangeiros e da Guerra, e pela mesma via mandará todos
os annos uma relação particular de todos os Chefes de Cor-
pos, e Officiaes Generaes, com as informações a respeito
do merecimento de cada um. E quando vagar algum
Governo de Provincia, Inspector, ou Governo de Praças,
das que tem Governadores Officiaes Generaes, indicará
pela mesma via aquelles, que estaõ mais nas circumstan-
cias de serem providos em similhantes Lugares.
k I I I . O General em Chefe á vista das informações
semestres, que os Coronéis lhe devem dar, e sobre as
quaes o Inspector Geral de cada Arma deverá fazer as
observações convenientes, fará a proposta de todos os
Postos, que estiverem vagos nos Corpos, e igualmente a
dos Governadores de Praças, que naõ tiverem Patentes de
Officiaes Generaes, a das Companhias fixas, e a do Corpo
720 Politica.
de Engenheiros. Segundo as regras seguintes, naõ pro-
porá para Alferes pessoa alguma, que tenha mais de vinte
quatro annos de idade, naÕ seguirá para estes Postos a
antigüidade de praça mas taõ somente o merecimento, e
robustez ; preferirá em circunstancias iguaes os Discípu-
los da Academia Militar, que tiverem aproveitado, os do
Collegio da Luz, e os da Universidade de Coimbra,
dando-lhes especial preferencia para Segundos Tenentes
de Artilheria.
•5 IV. As propostas seraõ geraes para cada Arma, sem
que algum Official tenha direito a ser promovido no Re-
gimento em que servir; antes se procurará quanto for pos-
sível promovellos de uns para outros, especialmente os
Capitães, que pnssarem a major, pois que estes lugares
devem sempre recahir nos mais babeis.
§ V. As Propostas de Postos até Coronel inclusive
seraõ mandadas pelo General em Chefe ao Governo, que
approvará os postos até Capitão inclusive, e remetterá
todas á Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e
da Guerra.
•5 VI. O Governador mandará dar exercicio com ven-
cimento de Soldos aos Subalternos, e Capitães, cujos pos-
tos estiverem vagos, e esperará a respeito dos outros pela
Decisaõ de S. A. R .

Artigo XXIX. —Dos Auditores, e dos Conselhos de


Guerra.
§ I. Haverá um Auditor Geral, que será Juiz Relator
no Conselho de Guerra e Justiça ; e por quanto fica sendo
conservado o actual Juiz Relator: esta regra terá somente
lugar na falta deste.
4 IL Era cada uma das Brigadas de Infanteria a Ca»
vallaria haverá um Auditor, que naõ terá Patente alguma
Militar.
§ I I I . Os Auditores seraõ sempre escolhidos d'entre
Politica. 721
os Bacharéis, que tiverem servido um Lugar de Letras
pelo menos; e dado boa residência : seraõ propostos pelo
Auditor Geral ao General em Chefe, que, com a sua in-
formação levará a Proposta ao Governo, para ser presente
a S. A. R. que nomeará aquelle que mais lhe approuver.
§ IV. Os Lugares de Auditores seraõ tríennaes: no
fim de cada tres annos apresentarão ao Auditor Geral
attestaçoens dos Commandantes de Brigadas, e Divisões, e
dos Generaes de Provincia sobre o seu comportamento:
estas attestações com as do Auditor Geral seraõ dadas ao
General em Chefe, que remetterá ao Conselho de Guerra,
onde seraõ julgadas conforme o merecimento de cada um;
e se lhe porá na Carta A postula, para servir por mais
tres annos. Cada tres annos seraõ contados por um Lu-
gar de Letras da Graduação, que suecessivãmente lbe
for pertencendo.
k V. Quando tiverem feito o Lugar correspondente ao
primeiro Banco, o Conselho de Guerra fará presente a
S.A. R. o seu Serviço, para serem promovidos, como for
conveniente.
$ VI. Quando algum Auditor no fim do triennio qui-
zer requerer pelo Desembargo do Paço os Lugares de Ma-
gistratura, a que estiver a caber, apresentará neste Tribu-
nal o titulo, porque servio, com as Certidões correspon-
dentes, julgadas pelo Conselho de Guerra, e será em con-
seqüência attendido no concurso de todos os outros Ba-
charéis de igual Graduação.

Artigo XXX.—Do Foro.


§ I. O Foro Militar pertencerá a todos os indivíduos,
qae presentemente o gozai pelas Leys estabelecidas; e
somente seraõ exceptuados os crimes de Lesa-Magestade
de primeira Cabeça; ficando assim entendido o Alvará
VOL. XVII. No. 103. 5A
722 Politica.
de 21 de Outubro de 1760, e sem vigor as excepçôes pos-
teriormente feitas.
{ I I . Os Alvarás de 20 de Dezembro, de 1784, e 10 de
Agosto, de 1790 ficarão sem effeito na parte em que orde-
naõ que os Paizanos, que resistirem, ou embaraçarem aos
Officiaes das Ordenanças, ou da Tropa de Linha nas suas
deligencias, sejaõ julgados em Conselhos de Guerra. Se-
melhantes crimes ficarão pertencendo ao Foro Civil Cri-
minal, quando os culpados pertencerem a este Foro.
Artigo XXXI.—Da Organização dos Conselhos.
k I. Os Conselhos de Guerra de Officiaes Inferiores, e
Soldados seraõ compostos de um Official Superior, como
Presidente, que naõ será o Chefe do Corpo, do Auditor da
Brigada, como Relator, com voto, e de cinco Officiaes.
§ I I . Os Conselhos de Guerra, em que se honver de
julgar Officiaes, seraõ compostos do mesmo numero de
Vogaes determinado para os Officiaes Inferiores e solda-
dos ; com declaração que os Officiaes, que os compoze-
rem, seraõ de Graduação immediatamente superior á do
Réo, ou pelo menos de igual; e o Presidente será supe-
rior em Patente aos Vogaes.
§ I I I . Quando algum Official Inferior, ou Soldado
commetter crime, por que deva ser julgado, o Chefe do
Regimento o fará saber ao Chefe da Brigada, que no-
meará o Conselho de Officiaes do Regimento, a que o Réo
pertencer, naõ entrando em a nomeação Officiaes, que se-
jaõ da Companhia do Official Inferior, ou Soldado, que
se deve julgar. O Conselho será sempre feito no Quartel
do Regimento. O Brigadeiro ordenará ao Auditor, que
seja ahi presente no dia e hora aprazada: se o Auditor
da Brigada estiver legitamemente impedido, o Brigadeiro
o participará ao Quartel da Divisão, que mandará um
Auditor de outra Brigada.
Politica. 723
S IV- Quando algum Official commetter crime, por
que deva ser julgado em Conselho de Guerra, o Chefe ou
General, debaixo das Ordens de quem servir o tal Offi-
cial, o fará saber ao General era Chefe, que resolverá se
deve ou naÕ proceder-se ao Conselho ; e no caso positivo,
ordenará ao General da Provincia, ou Divisão, que pro-
ceda a nomear o Presidente, o Auditor, e os Vogaes, con-
forme a Classe de que for o Réo.
§ V- Os Officiaes Milicianos e Sargentos, que gozam
do foro em tempo de paz, seraõ julgados em Conselhos
de Guerra, compostos na fôrma acima determinada, de
Officiaes nos Regimentos ou Corpos da 1*. Linha, que ti-
verem Quartel nos Districtos dos Regimentos de Milicias,
ou nas suas immediaçoens.
k VI. Sendo necessário para o bem da disciplina e da
justiça, que os Conselhos de Guerra findem dentro de
vinte e quatro horas, ou quando muito em oito dias, sendo
Capitães, e dar aos Réos os meios de se defenderem, e
evitar toda a nullidade no Processo: o General, que fizer
convocar o Conselho, remetterá a culpa ao Auditor, que
houver de ser Relator, e este fará prevenir o Réo, por
escrito, do delicto de que he accusado, ordenando-lhe que
prepare a sua defeza, e nomêe as testemunhas, que qui-
zer dar para a provar. O Réo fará a nomeação por
escripto dentro de vinte e quatro horas; e no fim deste
prazo, a pessoa que fez o avizo receberá do Réo a relação
das testemunhas, e a entregará ao Auditor : este fará os
deprecados, que forem necessários, e participará ao Offi-
cial, que ordenar a Convocação do Conselho, o dia em
que se podem achar presentes para se dar a ordem aos
Vogaes, e terminar a hora em que o Conselho deve co-
meçar.
•3 VII. O Auditor ajunetará ao Processo a copia do
Avizo qne se tiver feito ao Réo, assignada pela pessoa
que intimar, e duas mais, que estarão presentes, quando
5 A2
724 Politica.
o mesmo aviso se fizer, e assim a relação das testemunhas
assignada pelo Réo. Nos casos em que houver accusador,
o Anditor o mandará avisar do dia do Conselho, e ajun-
tará a Certidão de se haver feito o Aviso.
k V I I I . Entre o Aviso dado ao Réo, e a convocação
do Conselho mediará o tempo nescessario dará que possam
estar presentes no dia determinado as testemunhas, e ac-
cusador, havendo-o. Succedendo que este prazo naõ
possa ser menor de quinze dias, o Auditor o participará
por escripto ao Chefe que fez convocar o Conselho, ex-
pondo as razões, por que se faz necessário prolongallo : o
Chefe dará conta ao General era Chefe, e o Conselho se
fará no dia em que for possivel convocar-se; ajuntando-
se ao Processo a copia da participação com os motivos da
demora, para se conhecer a cansa, porque se naÕ fez no
tempo competente.
§ I X . Logo que o Conselho de Guerra se concluir,
será fechado, e lacrado pelo Auditor na presença do Con-
selho, e entregue ao Presidente que o fará subir ao Gene-
ral em Chefe pela maõ do General, ou Chefe que fez a
convocação do Conselho.
§ X . O General em Chefe examinará cora o Auditor
Geral os Conselhos, que lhe forem remettidos; confir-
mará ou modificará os castigos conforme as circunstancias
em todos os dos Officiaes, cuja pena naõ for de degredo,
baixa, ou outra maior; nos dos Officiaes Inferiores, ou Sol-
dados, quando naÕ exceder de seis annos de degredo; e
fará subir ao Conselho de Justiça os Processos, que no
Conselho inferior tiverem sido Sentenciados em pena
maior do que as mencionadas.
§ X I . Quando porém algum Processo chegar á pre-
sença do General em Chefe com irregularidade tal, que
possa entrar em duvida, se a Sentença assenta em bases
sólidas, o Auditor Geral apontará os defeitos, e o General
Política. 725»
em Chefe remeíterá o apontamento cora o Processo ao
Conselho, ordenando que se convoque novamente para os
supprir, e julgar o Réo á vista do augmento do Processo;
devendo porém dar-se nova audiência ao Réo, quando se
julgue que se lhe deve aggravar a pena.
k XII. As Sentenças proferidas pelo Conselho de Jus-
tiça, e aquellas que forem confirmadas pelo General em
Chefe, como vai determinado, seraõ executadas por Or-
dem delle General em Chefe, a quem se remetteraõ os
Conselhos depois de decididos.
§ XIII. Quando porém as penas forem de baixa do
posto, degredo, morte civil, ou natural, ou de infâmia, e
recahirem em Officiaes, naõ se executarão, sem primeiro
se fazerem saber a S. A. R.
§ XIV. Em tempo de Guerra se ampliará a authori-
dade de General em Chefe, segundo S.tA. R. julgar con-
veniente ao Sen Real Serviço.

Artigo XXXII.—Dos Generaes das Provincias.


§ I. Os Generaes de Provincia seraõ sujeitos ao Ge-
neral em Chefe do exercito, e por elle receberão naõ só
todas as Ordens, que elle lhes pôde dar, porém mesmo
aquelas, que pelo Governo, ou pelo Conselho de Guerra
houverem de lhes ser expedidas; e semelhantemente cora*
municaraõ com o Governo, e com o Conselho de Guerra
por meio do General em Chefe tudo o que for respectivo
ao Serviço Militar das Provincias de que estiverem encar-
regados.
*j II. Nas occasiões em que o General em Chefe esti-
ver fôra da Provincia da Extremadura, poderá o Governo
communicar ao General da Provincia as Ordens que tiver
a expedir-lhe, se forem de natureza que naõ admittaÕ de-
mora ; e o mesmo fará com o General da Provincia do
Alem-Téjo, e Algarve, se o General em Chefe estiver na
726 Politica.
Beira, Minho, ou Tras-dos-Montes, e inversamente. O
Governo porém communicará nesse caso ao General em
Chefe as Ordens, que tiver expedido aos Generaes de
Provincia, a fim de que as faça executar, e tenha conhe-
cimento de todas as que se expedirem para o Exercito.
§ I I I . As Tropas, que forem residentes dentro dos
limites de cada Provincia, seraõ sujeitas ao General delia;
mas este naõ poderá intrometter-se na sua disciplina par-
ticular, econômica, e exercícios, que seraõ privativos dos
Coronéis, dos Commandantes de Corpos, dos Generaes de
Brigada, e General de Divisão, os quaes responderão
gradualmente, e pela parte que lhes toca, ao General em
Chefe.
§ IV. Os Generaes de Provincia seraõ encarregados do
que pertence ás Milícias, ás Ordenanças, e dos Recruta-
mentos debaixo das Ordens do General em Chefe, como
vai prevenido no Regulamento das Ordenanças.
§ V- Seraõ igualmente encarregados os Generaes de
Provincia do socego, e tranquillidade dos seus Governos,
e teraõ toda a authoridade sobre os Ministros, e Cameras,
que lhes he conferida pelo Regimento dos Governadores
das Armas.
§ VI. Sendo o socego de cada uma das Provincias en-
carregado especialmente ao General que a governa, ficará
prohibido a todos os Magistrados, e pessoas de qualquer
qualidade ou emprego, assim como ás Cameras o convocar os
povos dos deus Districtos, ou Jurisdicções, ou parte delles
para se ajuntarem com armas; seja para montarias, seja para
outros objectos ; salvo se houverem para isso obtido licen-
ça dos ditos Generaes, e a tiverem apresentado anticipada-
mente aos Chefes dos Corpos Militares, que residirem
dentro dos Districtos, em que os povos forem convocados;
mormente aquelle que tiver o seu quartel na Villa, ou Ci-
dade, em que se fizer a assemblea, ou uma legoa distante.
Politica. 727
Os Magistrados ou pessoas, que contravierem a esta reso-
lução, seraõ reputados perturbadores do socego publico.
§ VII. Quando os Magistrados necessitarem de força
armada para qualquer diligencia importante, podêlla-haõ
pedir ao General da Provincia, declarando a quantidade;
e este lhes dará, ordenando que seja commandada por
Officiaes. Esta Tropa servirá de auxiliar a diligencia,
estando presente algum Ministro, e naÕ acompanhará sim-
plesmente Escrivães, ou Alcaides.
§ VIII. N a occasiaõ em que a tropa for assim empre-
grada, a disposição delia será sempre do Official que a
commandar, e naõ do Ministro.
§ I X . Os Magistrados porém poderão convocar aquelle
numero de paizanos armados, nunca maior de vinte, que
necessitarem para a conducçaõ, e reconducçaõ de prezos.
§ X . As Cameras continuarão a convocar as pessoas da
governança, e povos para os seus actos de Cainera, naõ
podendo porém apresentar-se armados.
§ X I . Os Capitães Mores, Capitães e Coronéis de Or-
denança poderão igualmente reunir as suas Companhias
nos dias indicados pela Ley ; se estas reuniões porem forem
em lugares, onde haja Tropa aquartelada, deverão dar an-
tes parte ao Chefe desta, e o mesmo seraõ obrigados a fazer
os Chefes, e Officiaes de Milicias, quando se reunirem para
que tenham ordem.

Artigo XXXIII.—Do Chefe de Engenheiros.


§ I . O Chefe de Engenheiros revistará todos os annos as
Praças de Guerra pessoalmente, ou por meio de Officiaes
do seu Corpo, pedindo primeiro o beneplácito do General
em Chefe a respeito da nomeação dos que devem substi.
tuillo nestas Commissões, que seraõ temporárias : exami-
nará o estado das Praças, e dará conta ao General em
Chefe do estado em que as achou, o das obras que em
728 Politica.
cada uma se necessitam, com o seu orçamento, seja que
esta necessidade tenha provindo de ruina ou que as dietas
obras sejam necessárias para augmentar a força das Praças.
§ II. Ao Chefe de Engenheiros pertencerá, debaixo da
Ordem do General em Chefe, fazer os Planos para todas
as obras de Fortificaçaõ, que se quizerem construir; e
para esse fim se aproveitará dos conhecimentos dos Offici-
aes do seu Corpo, qne ouvirá semelhantes objectos, se lhe
parecer; ficando porém a redacçaõ dos dictos Projectos
confiada unicamente ao seu cuidado, como Chefe do Cor-
po, e responsável por elles.
§ III. O Chefe de Engenheiros apresentará ao General
em Chefe todos os trabalhos que fizer; e este achando que
saõ úteis, os levará á presença do Governo, interpondo a
sua opinião, e declarando quaes saõ os que se devem fazer
em primeiro lugar, a fim de que S. A. R. os possa appro-
var, e mandar pôr em execução.

Artigo XXXIV.—Dos Inspectores.


§ I. Os Inspectores das differentes Armas seraõ imme-
diatamente responsáveis ao General em Chefe, pelo que
pertence ao seu Cargo, e a elle dirigirão todas as informa-
ções, e observações, que saõ obrigados a fazer, regulando-
se pelo que está determinado nas Direcçoens aos Officiaes
Superiores a respeito dos exames que devem fazer, e cor-
respondência com os Chefes em todo o que naõ encontrar
o que vai agora determinado, nem as Ordens do General
em Chefe.
§ II. Naõ 6endo possivel aos Inspectores fazerem todos
os annos pessoalmente a Revista de todas as Tropas da sua
Inspecçaõ, proporão ao General em Chefe, entre os Ge-
neraes de Divisão ou Brigadeiros, que se achem emprega-
dos em Commandos, aquelles, que houverem de servir na-
quelle anno como Inspectores de Commissaõ; e com ap-
provaçaõ e ordem da General em Chefe lhe» commetteraõ
Politica. 729
a Revista de Inspecçaõ dos Corpos, que pessoalmente naõ
poderem fazer.

Artigo XXXV.—Do General em Chefe.


§ I. O General em Chefe terá privativamente o Com-
mando do Exercito da I*. Linha, das Milicias, das Or-
denanças, das Praças de Guerra, e de todos os estabeleci-
mentos Militares, á excepçaõ dos Arsenaes do Exercito,
Fabricas de pólvora, e de tudo o que toca a contabilidade,
que ficará pertencendo ao Governo ; dirigindo-se pelo que
vai ordenado, e pelas Leys estabelecidas, na parte em que
naõ estaõ derogadas.
§ II. Todas as Ordens que o Governo houver de expedir
para serem executadas por Militares, seraõ sempre por
via do General em Chefe, e nunca de outra fôrma. Se o
Governo necessitar de qualquer pessoa militar para em-
pregar civilraente, passará a Ordem ao General em Chefe,
para que este ponha tal pessoa á disposição do Governo.
§ I I I . Todas as representações, e reclamações, que os
individuos do Exercito houverem de fazer, seraõ sempre
dirigidas pelo General em Chefe, que as fará subir á Pre-
sença de S. A. R. por via do Governo, quando naõ for da
sua authoridade decidillas ; ficando entendido que as re-
clamações, de que se tracta, saõ aquellas que forem feitas
sobre objectos militares, ou em que se alegarem serviços
feitos no Exercito.
§ IV Ainda que S. A. R. está persuadido de que naõ
haverá motivo de chegarem áSua Real Presença reclama-
ções fundadas em justiça, naõ quer como tudo privar os
seus Vassallos de lhe levarem os seus recursos ; e por isso,
he servido que, havendo pessoas no seu Exercito, que se
julguem aggravadas, lhe poderão dirigir os seus recur-
sos, depois de terem representado os motivos de queixa ao
General em Chefe, pelas vias determinadas nas Ordens ge-
raes ; e quando estiverem convencidos de que naõ saõ de-
VOL. X V I I . ISo. 103. 5B
730 Politica.
feridos, neste caso, pedirão licença ao General em Chefe,
e dirigirão os dictos recursos a S. A. R. que os atenderá,
sendo justos. Declarando porém que mandará castigar
todos os que fizerem reclamações calumniosas; e encarrega
ao General em Chefe de fazer punir todos os indivíduos,
que naÕ seguirem a regra que vai estabelecida, e qne he
taõ essencialmente necessária á conservação da disciplina.
§ V. Ao General em Chefe pertencerá mandar fazer o
reconhecimento das Fronteiras, e formar os Planos de
Campanha, que devem haver com anticipaçaõ ; escolher
os lugares em que se devem edificar Praças ; regular a
sua força; mandar fazer os Planos para ellas; julgar
quaes das antigas se devem conservar, ou augmentar,
quaes convirá demolir ; avaliar a quantidade de Artilhe-
ria, e muniçoens, que deve haver em cada uma dellas; des-
tinar os Lugares em que deverão haver Armazéns de man-
timentos, e especificar sua qualidade, c apresentar ao Go-
verno todos os Planos sobre os mencionados objectos para
serem presentes a S. A. R.
§ VI. A fim de que objectos de tanta consideração
sejam combinados com as forças do Reyno, o Inspector de
Artilheria, e o Chefe do Arsenal lhe daraõ todos os annos
um Mappa da Artilheria, e Munições, que houver em
Armazém, tanto no Arsenal, como em os differentes De-
pósitos, ou Armazéns do Reyno, com a differenaça que
houver de um a outro, e o destino que tiveram as que naõ
existem, como se explicará melhor no Regulamento dos
Arsenaes.
% VII. A Thesouraria Geral dará todos os tres mezes
conta ao General em Chefe das sommas que recebeo, e
em que as dispeudeo, e o General em Chefe será anthori-
zado para mandar pagar aquellas quantias, que conforme
a Ley se devem pagar, assim como regulará a precedência
de pagamentos, quando se naõ fizerem correntemente a to-
dos os indivíduos Militares.
Politica 731
§ VIII. O General em Chefe poderá mandar suspen-
der os Empregados Civis do Exercito, que faltarem aos seus
deveres, seja demorando os pagamentos, ou as datas da
etapa, rações, ou outros objectos, ou alterando as quanti-
dades e qualidades, ou fazendo quaesquer outras infrac-
çoens ; e mandará proceder pelo Auditor Geral, ou outro
ás indagações particulares, que forem necessárias, e de-
pois ás judiciaes, a fim de que os culpados sejaõ julga-
dos em Conselho de Guerra, que lhes nomeará, conforme
a Graduação honorária dos Empregados, e que seraõ em
ultima instância revistos no Conselho de Justiça. Quando
o General em Chefe proceder á suspensão de qualquer
Empregado Civil, o participará logo ao Governo, e o
motivo; a fim de que este possa prover na nomeação de
outro para o substituir , quando for da sua competência.
k IX. O General em Chefe he authorizado para mandar
passar de effectivos a aggregados, primeira e segunda vez,
e pelo tempo de seis mezes, aquelles Officiaes, que pela sua
conducta, e frouxidaõ merecerem este castigo : aquelle
porém que tiver soffrido duas vezes esta pena, reincidir
nus mesmas relaxações, será julgado em Conselho de
Guerra, e expulso.
§ X . O General em Chefe dará cada tres mezes ao Go-
verno um Mappa era resumo da força do Exercito com
um outro Mappa separado de cada Corpo para ser pre-
sente a S. A. R . : e dará outrosim ao Governo quaesquer
Mappas, e clarezas, de que necessitar para se verificar,
ou a contabilidade, ou para ter o devido conhecimento do
estado da força do Exercito.
Palácio do Rio-de-Janeiro, vinte um de Fevereiro, de
mil oitocentos dezeseis.
Marquez de A G U I A R .

5 B 2
732 Politica.

Tabeliã dos Quartéis dos Regimentos de Infanteria, e Batalhão de


Caçadores.

B et V
O ?o
E
Quartéis Propostos. *T3
CO 93

CQ
To 3
o «
tf
í Belém.
'••1
-L
1*. i 19
'Caçadores 5
Cascaes.
Feitoria.
Lagos. >l'
2a. J 14 Tavira.
l Caçadores 4 Mertola. 4-.J
Braga.
8*. •! 15 Guimarães. I
t Caçadores 6 Penafiel.
Torres Vedras.
4'. i 13
t Caçadores 9
s
Peniche.
Lourinhã.
Extiemôz.
J
5*
r Monte Mór o NOTO. *1
5'. \ 17 Portalegre.
l Caçadores 1 Oliveira de Azimeis. >3*.
6 Porto. I
r
6*. \ 18
Feira. 9*.J
Setúbal. 6
7' \
{Caçadores 11
16
'Caçadores 2
Santarém.
Thomar.
Castello-Branco.
1 >4*.
8
r Abrantes. I
8*. I 20 Fundaõ. 10*. J
{Caçadores 7 Vianna. 7*1
$ 9 Caminha.
9*. I 21 Ponte de Lima.

4
>5*
^Caçadores 12 Figueira.
10 Leiria. I
.1 22 Aveiro.
Caçadores 10 Vizeu.
ll Lamego.
C
11*. 1 23 Trancozo.
£ Caçadores 8 Chaves. >6*.
c 12 Bragança.
12*. 1 24 Villa Real. 12-J
(Caçadores 3
( 733 )

Tabeliã dos Quartéis dos Regimentos de Cavallaria.


Regi entos.
idas.

Quartéis propostos.
n E
M

, 1 Entre Villa Franca


1*. Carregado, e
4 Azambuja.
2 Évora.
2*. 5 Beja.
3 Aveiro.
3*. 6 Monçaõ.
7 Torres Novas.
4*. 10 Santarém.
8 Niza.
5«. 11 Castello-Branco.
9 Chaves.
6*. 12 Bragança.

Portaria dos Governadores do Reyno de Portugal e Al-


garves sobre os pagamentos do Monte-Pio e Reformados.

Sendo um dos lins a que se destinou a Portaria de 13


de Agosto do corrente anno, que El Rey Nosso Senhor
mandou publicar, que os Reformados, e Monte Pio
principiassem a receber de Janeiro próximo futuro em
diante os mesmos mezes, e na mesma occasiaõ, em que
fosse satisfeita a Officialidade cffectiva do Exercito,
ficando os vencimentos anteriores para serem pagos em
Cédulas; E naõ podendo praticar se o priraeno pagamento
mensal em conseqüência do disposto no Alvará de 21 de
Fevereiro do presente anno, que regulou, e providenciou
o systema das Thesourarias das Tropas, estabelecendo
734 Politica.

qne o pagamento dos sobredictos Reformados, e Monte-


Pio seja feito a trimestres, o que retardaria de presente os
soccorros a estas Classes : Attendendo Sua Magestade a
tudo o referido, e a que convém que a nova The-
souraria das Tropas ache todos os pagamentos igual-
ados para de futuro conservar a ordem, e regulari-
dade estabelecida no sobredicto Alvará : Determina que a
mencionada nova Thesouraria pague ás Pessoas compre-
hendidas nas Classes de Reformados, e Monte-Pio, e ou-
tras, os mezes de Novembro, e Dezembro deste anno,
quando pagar á Officialidade effectiva do Exercito os
mesmos mezes, bem entendido sem se atrazar a esta Classe
os vencimentos de Janeiro em diante; pois para isso, e
outros pagamentos ha de receber a nova Thesouraria os
fundos no mez de Dezembro futuro ; ficando para solução
da divida dos dictos reformados, e Monte-Pio até ao fim
de Outubro antecedente, destinados os meios estabelecidos
pela citada Portaria de 13 de Agosto, e pelo Ç. 34 do
mencionado Alvará.
E para que isto se possa executar era ampliação ã mes-
ma Portaria, visto que os vencimentos de Reformados, e
Monte-Pio, e outros dos mezes de Novembro, e Dezembro
vaõ a ser pagos effectivamente, e por isso excluidos das
Cédulas: Ordena o Mesmo Augusto Senhor que os ac-
tuaes Thesoureíros das Tropas remetiam ao novo Thesou-
reiro até ao dia 15 do mez de Dezembro futuro uma Re-
lação de todas as Pessoas comprehendidas nas referidas
Classes de Reformados, e Monte-Pio, declarando o quanto
vencem em cada um dos referidos dous mezes, para á vista
das mesmas Relações proceder a nova Thesouraria ao pa-
gamento dellas; verificando primeiro a identidade das
Pessoas, e a legalidade dos Recibos, no caso de que este-
jam já notados nos seus assentamentos: E ordena outro-
sim, que até ao meado de Fevereiro, do anno que vem
Politica. 735
tenham os mesmos Thesoureíros Geraes remettido ao dicto
novo Thesoureiro as Guias de todas as Pessoas compre-
hendidas nas referidas Classes, pois he espaço sufficiente
para se terem extrahido as mencionadas Cédulas, que só
abrangem vencimentos até Outubro. As Authoridades a
quem competir o tenhaõ assim entendido, e cumpram, e
observem inviolavelmente como se determina.
Com as Rubricas dos Governadores do Reyno.
Palácio do Governo, em 16 de Novembro, de 1816.

HESPANHA.

Decreto sobre a Ordem Real da Raynha Maria Luiza.


Com data de 21 de Abril, do anno de 1792, houve por
bem Meu Augusto Pay o Senhor D. Carlos IV. expedir o
Decreto seguinte:—Para que a Raynha Minha muito
amada Esposa, tenha mais um meio de mostrar sua bene-
volência ás pessoas nobres do seu sexo, que se distingui-
rem por seus serviços, prendas, e qualidades, temos resol-
vido estabelecer e fundar uma Ordem de Damas Nobres,
cuja denominação seja Real Ordem da Raynha Maria
Luiza, e nomeara a Raynha as Damas (ou Senhoras) que
a houverem de compor, em numero de 30, naõ contando
a sua Real Pessoa, nem as outras da Familia Real. Será
o seu distinetivo publico uma Banda de tres listas, a do
centro branca, e as collateraes côr de amora, traçada do
hombro direito ao lado esquerdo; e do seu laço penderá a
insígnia que a Raynha determinar, em cujo contorno es-
tará escrito o mote da denominação da Ordem. Terá
esta por Patrono e Protector o nosso glorioso Progenitor
S. Fernando, em cujo dia, e no de S. Luiz Rey de França,
por ser o do nome da Raynha Fundadora, concorrerão
annualmente ao Paço as Damas da Banda, em forma de
Capitulo, para as receber no beijamaõ particular, oceu-
736 Politica.
pando cada uma segundo a sua antigüidade d'Ordem o
lugar que lhe competir, pela Classe de Grandes e Primo-
gênitas, pelo tractamento de Excellencia as que o tiverem
por seus maridos, e pelo de Senhoria as demais; tendo to-
das por obrigação piedosa de seu instituo a de visitar uma
vez cada mez algum dos Hospitaes públicos de mulheres,
ou outro estabelecimento ou casa de piedade ou asylo
destas, e a de ouvir e fazer celebrar uma Missa por cada
uma das Damas da Ordem que fallecer. E para despa-
char os assumptos que oceorrerem da mesma, nomeará a
Raynha um Secretario, que será o único Msnistro da Or-
dem. Assim o tereis entendido; recebereis da Raynha
sobre isto as demais resoluções que forem precisas, e as
communicareis a quem competir para sua intelligencia e
comprimento. E desejando Eu que a minha muito ama-
da Esposa goze das mesmas pre-eminencias e prerogativas
concedidas no dicto Decreto ã Minha Augusta Mãy, deter-
minei declarallo assim. Tello heis entendido, e communi-
careis as ordens convenientes ao seu cumprimento.
Rubricado pela Real maõ.
A. D. Pedro Cevalhos.
Em Palácio, a 25 de Outubro, de 1816.
Em conseqüência do sobredicto Decreto, houve por bem
a Raynha nossa Senhora manifestar da seguinte fôrma a
sua Real determinação.
Por Decreto de 21 de Abril, de 1792, houve por bem
Meu Augusto Avô e Pai o Senhor D. Carlos IV- authori-
sar a Minha Augusta Avó e Mãy, sua amada Esposa,
para que regulasse os Estatutos e nomeasse as Damas da
Real Ordem que havia instituído com o titulo de Damas
Nobres da Raynha Maria Luiza, cujo objecto era poder
S. M. mostrar a sua benevolência ás pessoas nobres do sen
sexo que se distinguissem por seus serviços, prendas, e
qualidades; em conseqüência deste Decreto, teve El Rey
Politica. 737
Meu Senhor e Meu muito amado Esposo a bondade de
expedir outro no mesmo theor, com data de 15 do cor-
rente, pelo qual se digna declarar-me iguaes pie-eminen-
cias e prerogativas âs concedidas á Minha Augusta Avó e
Mãy no ja mencionado ; e sendo, no uso dellas, a Minha
vontade naõ Me separar em nada, antes sim proseguir tudo
o que esta Senhora com o mais prudente acordo determi-
nou nos Estatutos que co-ordenou para o governo da dieta
Real Ordem, em 15 de Março, de 1794, e também as de-
clarações feitas por meu Augusto Avô e Pay, em data de
29 de Março, de 1796, concedendo tractamento de Excel-
lencia ás Damas da Ordem, e em data de 25 de Outubro
de 1800, fazendo nomeação de Secretario para o assumpto
dos Despachos que nella oceorrerem; em quanto El Rey
Meu Senhor e amado Esposo naõ julgar conveniente outra
cousa, quero que assim se tenha entendido, e que se guarde
e cumpra religiosamente.
£ por quanto El Rey Meu Senhor e Meu muito amado
Esposo se ha dignado conceder a Banda da Ordem a dif-
ferentes Damas, eu designarei o dia, e mandarei dispor o
necessário para a sua investidura, na fôrma dos Estatutos,
dando as ordens competentes a quem convier.
Firmado pela Real maõ.
Eu A R A I N H A .
Referendado, D. PEDRO CEVALHOS.
Em Palácio, a 26 de Outubro, de 1816.

WURTEMBERG.

Memorial da Assemblea dos Estados a S. M. El Rey de


Wurtemberg. Novembro 2,1816.
SENHOR ! O inesperado e repentino falecimento do au-
gusto Rejr Frederico, debaixo de cujo governo, mesmo
neste tempestuoso periodo, se augmentou consideravel-
VOL. X V I I . No. 103. 5 c
738 Politica.
mente o Estado, naõ pôde deixar de fazer a mais profunda
impressão em todo o Wurtemberguez.
Os submissos abaixo assignados apreciam plenamente
a dôr que penetra a V. M., além de contemplar o túmulo
de um amado pay, e por isso tanto mais profunda e viva
he a participação, que elles se aventuram a expressar a
V. M.
No meio destas tristes lembranças, se alegrarão os olhos
de V- M., á vista do grande theatro, a que V. M. be
agora chamado pela Providencia, para a felicidade de seu
fiel povo.
Durante um periodo tristonho e infeliz, foi V- M a ale-
gria e a esperança do paiz. V. M. tomou a mais perigo-
sa, porém a mais nobre parte na grande luta, para o trium-
pho da justiça, e libertação da Alemanha ; e Wirtemberg
naõ foi menos ufano por seus heroes naquella contenda, quan-
do vio no seu Principe Herdeiro a alegre promessa de um
feliz futuro. A V- M. deve o paiz o primeiro passo para
voltar a seus direitos; isto he o reconhecimento das leys
fundamentaes do paiz, que Ei Rey defunto, segundo a sua
mesma declaração, fez, depois de haver consultado com
V. M. Os obedientíssimos abaixo assignados devem con-
siderar isto, como o mais seguro penhor de que V. M.,
cumprindo as promessas porque as naçoens tem soffrido e
derramado sangue, dará um grande exemplo, a todos os
Príncipes da Alemanha; que, debaixo do suave e justo
sceptro de V. M., naõ somente se estabelecerá nova felici-
dade para a presente geração, mas também V . M. comple-
tará o estabelecimento da constituição, com cuja confir-
mação os antepassados de V. M. saudaram sempre o povo,
na sua elevação ao throno, e fixará de novo, sobre bazes
immutaveis a felicidade das geraçoens futuras.
Dificultosa he na verdade a vocação de V. M., para
curar tantas feridas, que tem sido feitas ao paiz em tam
importantes períodos; porém ao mesmo tempo be ura
Politica. 739
sublime trabalho governar este povo, cuja lealdade à casa
de seus Príncipes he elogiada, mesmo na Alemanha.
Tam fiel povo merece todo o amor de V. M. ; feliz po-
dendo estar seguro de que o possue todo.
Praza a Deus que V- M. em companhia de sua augusta
Consorte, cujas raras virtudes dam mais esplendor ao dia-
dema do que delle ella recebe, goze, até a didade a mais
avançada, toda a espécie de felicidades, que somente o
verdadeiro amor, e a racionavel obediência de homens
livres pode obter a um monarcha.
Praza a Deus, que todas as bençaõs do Ceo se derra-
mem sobre a Real Casa de V. M. e sobre todo o paiz.
Estes saõ os sentimentos, que animam os obedientes
abaixo assignados, neste grande momento, que marcará
uma nova éra na historia de Wurtemberg.
Rogamos a V- M. se digne receber benignamente as
expressoens delles.
Recommendando o povo e a si mesmos á graça de V. M.
continuamos a ser, com o mais illimilado respeito, de V.M.
a mais obediente e mais fiel Assemblea dos Estados do
Reyno.
(Assignados.)
AUGUSTUS, Principe Hohenloe, Presid*e.
F A B E R , Vice Presidente.
Stntgard, 2 de Novembro, de 1816.

Rescripto de S. M. á Assemblea dos Estados; datado de


9 de Novembro, de 1816.
AMADOS E F I E I S !
Lemos o vosso Memorial de 2 do Corrente, e vos agra.
decemos as expressoens de vossos sentimentos, no faleci-
mento de S. M. nosso amado Pay ; assim como os vossos
sentimentos de verdadeira affeiçaõ, que mostraes para com
nosco. A verdadeira felicidade do povo, cujo governo
5 c 2
740 Politica.
nos he encarregado pela Providencia: e a sua colocação
sobre bazes imrautaveis, seraõ o nosso único trabalho : e
o conhecimento do que devemos ao nosso bom povo,
estará sempre presente em nosso espirito. Convencidos
de que este objecto, em que nós mesmos colocamos a
nossa maior felicidade, naÕ se pôde obter senaõ por meio
de uma Constituição Representativa, adaptada a todas as
varias relaçoens, nós vos repetimos as seguranças, que
fizemos ao nosso povo, quando assumimos o Governo.
Os trabalhos combinados, sobre a futura Constituição,
que tem tido lugar até aqui, tiveram por baze a Constitui-
ção dos Dominios Hereditários. Tudo que, na nundança
de situação, tender a embaraçar a energia do Governo, e
ao mesmo tempo impedir o fundamento e desenvoluçaõ
da verdadeira liberdade civil, deve ceder ã força do me-
lhor conhecimento, e do poder da necessidade presente.
Quando mais socegada e desapaixonadamente continuar
a obra começada em commum, neste espirito, tanto mais
próximos e mais seguros estaremos do espirito original da
antiga Constituição, como a Convenção de Tubingen de-
clarou adaptada aos tempos
Como nos havemos de esforçar constantemente, e de
todo o nosso coração, e com sincera e firme vontade de
promover a felicidade de nosso bom povo, desta e de to-
das as outras maneiras possíveis; nós voluntariamente
entramos na esperança, ou para melhor dizer, na firme
confiança, de que vós preenchereis a importante vocação,
que vos he assignada, de cooperar no estabelicimento
desta commum Constituição, com o maior zelo de vossa
consciência ; e que vós aprezentareis ao povo da Alemanha
um instructivo e animante exemplo de genuíno patriotismo,
e de inconcussa fidelidade a El Rey e ao povo.
[ 741 ]
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LONDRES, 27 de Dezembro, de 1816.
Gêneros. Qualidade. «Jnantidade Preço de Direitos

f R e d o n d o . . . . 112 lib. 52s. Op 65s, Op.x


ASSUCA* . . < Batido 42s. Op, 44s. Op. 1
( Mascavado . . 38s. Op. 40s. Op. I Livre de direitos
Arroz Brazil nenhum Os. Op. )por exportação.
Caffé Rio 64s. Op, 74s. Op. I V

Cacao Pará 65s. Op, 75s. Op.J


Cebo Rio da Prata 54s. 6p 55s. Op.^Ss. 2p. por 1121b.
*• Pernambuco. libra. .- ls. l l p 2s. Oh
I Ceará 8«. 7p. por lb.
I Bahia ls. IOp ls. 11.
ls. 11. 100 em navio
Algodão... ( MaranhaS . . ls. IOp Portuguez ou
\ Pará Inglez.
I Minas novas
V Capitania... J
Annil Rio 3s. Op, 3s. 6p. 4Jp. por lb.
Ipecacuanha . . Brazil 9s. Op 9s. 6p. 3s. 6 | p .
Salsa Parrilha. Pará 4s. Op 4s. 6p. l s . 2^p.
Óleo de capaiba 3s. 8p. 3s. 9p. ls. l l | p .
Tapioca Brazil 9p llp. 4p.
Ourocu ls. 6p, 2s- 3p. direitos pagos pelo
comprador
em rolo . 4ip i. > Livre de direitos
Tabaco, em folha 4p. 4ép . \ por exportação.
7|p 9P
'Rio da Prata pilha < HP
(C 6p. HP
CA ,9èP* por couro
Rio Grande i B V m navio Portu-
[ guez on Inglez.
ai h
Pernambuco salgados 4s. Op. 6s. 6p. I
••Rio Grande de cavalho 123 36s. 6p. I40s. Op. Ss. 6£p. por 100.
Chifres Rio Grande Tonelada 11M. 120Í. > direitos pagos
Páo Brazil.. Pernambuco . 6s. 5p 7s. Op. J pelo comprador
Páo amarrello. Br
Espécie.
Ouro em barra £ % 18
Peças de 6400 r e i s . . .
Dobroens Hespanhoes
Pezos dictos
Prata em barra
Câmbios IliJ
18
0
4
4
11 por onça.

llio de Janeiro 58J Hamburgo 36 10


Lisboa 55| Cadiz 35
Porto 5õ| Gibraltar 31
Paris 25 Gênova 4SJ
Amtterdam 12 Malta 46
Prêmios de Seguros.
Brazil Hida 2 Guineos Vinda 2 a 2£ Guineos.
Lisboa ) .... 1 1 a){
Porto $
Madeira 2 a2£.
Açores 2{a3. i .
Rio da Prata 3 .... 3*.
Bengala 3£a4. 4.
C 742 J

LITERATURA E SCIENCIAS.

NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.


JLRAVELS above the Cataracts of Egypt, 4(o. preço
1/. ls. Viagens acima das Cataractas do Egypto. Por
Thomas Legh, Esc. Com um mappa.

The Life of Raphael of Urbino, 8vo. preço Ss. 6d.


Vida de Raphael de Urbino, pelo Author da vida de Mi-
guel Ângelo.

Jackson*s Mnemonics, lãmo. 5s. 6d. Novo systema


melhorado da Mnemonica de Jackson ; ou Duas horas de
estudo na arte da Memória, applicada a números, Chro-
nologia, Geographica, Estatísticas, &c.

BelVs Surgical Observations. Parte II ; preço 6A*.


Observaçoens Cirúrgicas de Bell • Parte Segunda ; illus-
trada com estampas. He o relatório de trimestre dos ca-
sos de Cirurgia. Por Carlos Bell.

Memorandums of a Residence in France, 8vo. preço


12s. Lembranças de uma residência em França no in-
verno de 1815 a 1816 ; incluindo notas sobre os custumes
Francezes, e sua sociedade ; com uma descripçaõ das Ca-
tacumbas, e noticias de alguns outros objectos de curiosi-
dade e obras da arte, alé qui naõ descriptos.

DanielVs Picturesque Voyage. N o . 29. preço 10*. 6d.


Viagem picturesca em torno da Gram Bretanha; contendo
uma série de vistas illustrativas do character e feiçoens
prominentes da costa. Com tres estampas iUuminadas.
Por Guilherme Daniell. A . R . A.
Literatura e Sciencias. 743
Esta obra conterá para o futuro tres estampas, bem il-
luminadas, em cada numero ; alem da matéria impressa,
em que ellas se descrevem : a narrativa, desde este pe-
riodo, será continuada por Mr. DanielI, que se adaptará
mais ás estampas, conforme a intenção origual e consti-
tuirá a principal parte da obra. O N° 29 começa o 3a.
volume, que abraçará as ilhas de Escócia, e Montanhas
Occidentaes: districto este mui interessante, em muitos
pontos de vista, e peculiarmente rico em objectos de il-
lustraçaõ graphica.

English Topography. 4to. preço 31.10. Topographia


Ingleza ; ou série de descripçoens históricas e estatísticas,
dosdiíTerentes condados de Inglaterra e Gales. Acompa-
nhada de um mappa correcto de cada Condado, tirado de
mediçoens originaes.
A correcta delineaçaõ dos mappas, que formam este
Atlas Inglez, soífrem comparação com os de qualquer
obra rival; porém naõ tem rival nas copiosas, e compre-
liensivas descripçoens dos Condados, cujo contheudo está
arranjado debaixo dos seguintes titulos. Nome e historia
antiga : situação ; limites ; extençaõ; população, &c. ;
ar; superfície; chaõ ; águas ; e productos ; membros do
Parlamento ; pessoas eminentes, desde os mais remotos
períodos; titulos e honras de brazaõ ; proprietários de
terras; quintas; casas; edifícios notáveis, tapadas, &c. ;
manufacturas ; commercio ; officios ; artes modernas ; e
melhoramentos ; tabellas das feiras, mercados, distancias,
população das villas, &c.

Betry's Genealogia Antiqua: folio, preço 1/. ls. Ge-


ncologia Antiqua, ou tabelas Mithologicas e Clássicas,
compliudas dos melhores Authores fabulosos e historia-
dores antigos. Dedicada, com permissão, as Muito Hon-
rado Lord Grenville, Chanceller da Universidade de Ox-
3
744 Literatura e Sciencias.
ford, e patrocinada por S. A. R. o Príncipe Regente, vá-
rios Cbancelleres de Universidades, Chefes de Collegios
e Mestres de escholas publicas e particulares. Por W .
Berry ; ex-membro do Collegio dos Arautos, em Londres,
e Author de uma introducçaõ ao Brazaõ; e da historia de
Guenisey.
Puigblanch on the Inquisition. 2 vols. 8vo. preço
1/. 10.«. A Inquisição desmascarada; Contendo uma
exposição histórica c philosophica daquelle tremendo tri-
bunal ; fundada em documentos authenticos ; e mostrando
a necessidade de sua suppressaõ. Escripta e publicada
no tempo em que o Congresso Nacional de Hespanha
estava a ponto de deliberar sobre esta importante medida.
Por D. Antonio Puigblanch; e traduzida do Hespanhol
em Inglez; por W . Walton, &c.

A History qf the Jesuits; 2 vols. 8vo. preço 1/. às.


Uma historia dos Jezuitas ; a que se ajuncta uma replica,
a defeza que Mr. Dallas fez daquella Ordem.

Mylne's Astronomy, 8vo. preço 9s. Tractado elemen-


tar de Astronomia, ou fácil introducçaõ ao conhecimento
dos Céos. Destinado ao uso daquelles que naõ saõ muito
instruídos nos estudos Mathematicos. Com qnatro map-
pas das constellaçoens, e uma estampa de figuras, illustra-
tivas da obra Pelo Rev. A. Mylne, A. M.

Donovan on Galvanism, 8vo. preço 12*. 6d. Ensaio


sobre a origem, progressos e estado presente do Gal-
vanismo ; contendo investigaçoens expcrimenlaes e espe-
culativas das principaes doutrinas offerecidas para expli-
cação de seus phenomenos, e exposição de uma hypo-
these. Honrado com um prêmio pela Real Academia
Irlandeza. Por M. Donovan.
Literatura e Sciencias. 745
Grahame on Population, 8vo. preço lOs. 6<7. Inda-
gação sobre o Principio da População ; incluindo uma
exposição das causas e vantagens da tendência a uma
exuberância de numero de gente na Sociedade, defeza
das leys sobre os pobres; e uma vista histórica c cri-
tica das doutrinas e projectos dos mais celebres legisla-
dores c escriptores, relativamente á População, os Po-
bres, e os Estabelicimentos Charitativos. Por Jaime Gra-
hame, Esc.

Watkins' Memoirs ofShcridan, 4to. preço 11. lis. 6d.


Memórias do Muito Honrado Ricardo Brinsley Sheridan.
Tiradas de documentos authenticos, e illustradas por con-
respondencias originaes, e uma variedade de anecdotas
interessantes ; ao que precede uma noticia biographica do
sua Familia. Por Joaõ Watkins, L L . D.

Heminfs Scriptural Map, preço 11. \s. Mappa da


Gcographia da Escriptura e Clássica; com um tractado
explanatorio, aonde se examinam e discutem particular-
mente os documentos da historia sagrada, e antiga CÍYÍI ;
relativamente á origem das Naçoens. T u d o destinado a
facilitar o conhecimento da progressiva colonização da
terra; e por onde se prova, que os mais antigos registros
dos Estados mais antigos saõ derivados da historia Mo-
saica, ou tem analogia com ella. Por T . Heming, do
Collegio da Magdalena, em Oxford.

History of Ceylon to 1815, 4to. preço 21. 12s. 6d. A


historia de CeylaÕ desde o mais remoto periodo até o
anno de 1815, com circumstancias cbaracteristicas da re-
ligião, leys, e custumes do P o v o ; e uma collecçaõ de
suas máximas moraes e provérbios antigos. Por Phila-
tethes, A. M. Oxford.
You X V I I . N o . 103. 5D
746 Literatura e Sciencias.
A isto se ajuncta a Relação Histórica da Ilha por M.
Roberto Knox, com a narrativa de seu captiveiro durante
um periodo de quasi vinte annos.
Estas duas obras, que as3im estaõ unidas em um granda
volume, contém maior diversidade de informaçoens pre-
ciosas, do que nunca se colligio sóbre esta importante
parte do Império Britannico. Toda a sorte de Leitores
achará alguma cousa interessante na presente publicação:
os curiosos seraõ satisfeitos ; os pensadores, instruídos ; s
os indolentes, divertidos.

PORTUGAL.
Saio á luz o primeiro folheto da nova obra de Joz«
Daniel Rodriguez da Costa, intitulada a Roda da For-
tuna. Lisboa.

O Amigo Traidor. Novella com uma estampa ; preço


160 reis. Lisboa.

Obras de Barbuda. 1°. volume, preço 480 reis. Lis-


boa.

Economia Politica de Mr. Simonde.


(Continuada de p. 624.)
CAPITULO V-
Do JVUmerario.
J á vimos quaes saõ as fontes da riqueza nacional, e tam-
bém as da renda.nacional; e ainda naõ tivemos occasiaõ
de fallar do numerário. A razaõ he porque, se este faz
parte da riqueza nacional, he uma parte estéril, que naõ
dá pôr si mesma alguma renda á sociedade.
J á mostrámos, em outra parte, como a força productiva
do trabalho se augmenta pela multiplicação das trocas
entre os artifices; e que a estas trocas he que se deva
Literatura e Sciencias. 747
a accumulaçaõ da riqueza nacional; he, portanto,
da maior importância facilitallas para as multiplicar.
Com efièito, naÕ se podia achar melhor idea que
a de reconhecer como sigal unia mercadoria divisivel in-
finitamente, sem que pela divisão se lhe diminuísse o va-
lor, equo, tendo requerido para a sua producçaõ um tra-
balho grande em proporção do seu volume, fosse mais
fácil de transportar do que quasi todas .as outras mercado-
rias de igual valor ; e, em fim, que fosse, ou ao menos
podesse ser, constantemente da mesma qualidade.
Todas estas vantagens se acham reunidas nos metaes
preciosos, na prata, e ainda mais no ouro; e para as nações
pobres também se acham no cobre. O proprietário de
uma mercadoria de consumo, que lhe era supérflua, logo
vio que lhe convinha trocalla por outra mercadoria para
elle igualmente supérflua, um metal de que naõ tinha ten-
çaõ de fazer cousa alguma, mas que tinha a certeza de que
lhe haviam de acceitar igualmente cm qualquer parte do
mundo; ao mesmo tempo que a mercadoria, que elle actu-
almente possuía, naõ podia fazer conta senaõ ao seu consu-
midor.
O dinheiro he um luxo no commercio, pois naÕ
sendo cousa de se consumir, naõ o compra a gente para
gastar comsigo ; e a naõ ser a convenção universal, que o
faz olhar como signal do trabalho e dos seus productos,
seria quasi inútil. Todavia, o dinheiro custa a produzir
tanto quanto vale no commercio. Bem vemos que se po-
deria adoptar um signal que naõ custasse nada a produzir,
e naõ seria impossível obter delle os mesmos resultados.
O exemplo do banco de Amstcrdaõ, que tendo na sua maõ
as contas de todos os particulares, lhes poupava o trabalho
de pagarem e receberem ; e o exemplo de vários outros
paizes que tem substituído o papel-moeda ao dinheiro,
provam que existem meios de sô passar sem os metaes
preciosos; mas he preciso, p i r a os pôr em practica, que
5 D 2
74S Literatura e Sciencias.
a moral do Governo inspire a mais perfeita confiança, e
naõ pos>a recear-se de o verem multiplicar o signal, para
se apropriar cia realidade. Porem, como esta moral dos
Governos, quando existe, naõ he uma cousa inalterável,
tem as nações feito melhor em converter em dinheiro uma
paite da sua riqueza movei, a fim de facilitarem as suas
trocas ; porque entaõ o signal do commercio tem um valor
intrínseco, e já naõ dependente dos acontecimentos.
Tem pois o dinheiro no commercio dous valores ; um
intrínseco, determinado pela avaliação do trabalho que o
produzio, c composto, como o de todas as mercadorias, de
renda, lucro, e salário; c o outro, relativo ou trocavel,
que he determinado pela necessidade que se tem delle.
No livro segundo veremos que o mesmo saõ todas as mer-
cadorias. Examinemos agora as bases da fixação destes
dous valores do dinheiro.
O valor instrinseco do dinheiro, da mesma forma que o
de todos os metaes, compôem-se I o . da renda da terra que
foi sacrificada para a abertura da mina. 2 o . da de todos
os capitães fixos, que se alienaram irrevocavelmente, seja
na mesma mina, para o abrimento das galerias, e para
todos os trabalhos preparatórios para a extracçaõ do mi-
neral; seja em todas as ofhcinas destinadas para a sua
escolha, fundição, e purificação; ou em todas as ferra-
mentas usadas nestes vários trabalhos; ou em fim no en-
sino dos obreiros para os saberem executar. 3°. do valor
de todo o capital circulante que tem pagado o salário a
todos os obreiros empregados no trabalho das minas, aug-
mentado do lucro ordinário que á mesma época poderam
os capitalistas ter feito em qualquer outra empreza. Estas
bazes, pelas quaes se deve fixar o valor intrínseco do di-
nheiro, saõ as mesmas por que se deve fixar o valor intrín-
seco de toda e qualquer outra mercadoria para o uso dos
homens. Agora, se o valor intrínseco do dinheiro for
Literatura e Sciencias. 749
maior que o seu valor relativo ; se naõ se poder obter por
dlc tanta riqueza movei como elle custou a produzir, en-
taõ lie má especulação fazello extrahir da teria; e os em-
presários de uma mina pobre, qne custar mais a explorar
do que ell i render, achar-sc-haõ no caso do fabricante,
que se vê obrigado a dar a sua fazenda por menos do que
lhe ella esta. Este ultimo poderá ver-se obrigado a isso
por duas causas ; o'i pela concurrencia de outros fabrican-
tes que trabalhem mais barato do que elle; ou por falta
de compradores. Estas duas cousas obrem igualmente
sobr-e o empresário da mina. A concurrencia de outra
mina mais rica que a sua, ou demais fácil exploração, ne-
cessariamente lhe iruporá a ley, seja ella no fim do mun-
do, em razaõ da facilidade que ha de transportar merca-
dorias taõ preciosas, em proporção do seu volume. Por
isso he que as minas do Novo México saõ as que regulam
por toda parte o preço do dinheiro, e que a exploração das
outras naõ se pode sustentar, senaõ porque se olham como
perdidos os primeiros capitães fixos empregados na sua
escavação, e que já se naÕ tira renda delles.
A falta de compradores faz-se sentir igualmente aos pro-
ductores de metaes preciosos, mas he por outro modo que
aos fabricantes. O comprador dos metaes preciosos he a
sociedade humana, composta de todos os povos que os tem
admittido para signal de commercio. Esta, para a sua
circulação, precisa, naõ de um certo pezo, ou de um certo
volume de metaes preciosos; mas que uma certa parte
alíquota da sua riqueza inovei (que logo nos oecuparemos
em determinar) seja coinettida nestes metaes, para repre-
sentar todo o resto. He, portanto, a massa de metaes pre-
ciosos circulante igual no valor a essa alíquota desconhe-
cida : se se dobrar esta massa ficará sempre igual á mesma
alíquota, se a reduzirem a metade, ainda lhe ficará igual;
porque se houver somente mil arrobas de ouro no universo,
750 Literatura e Sciencias.
estas mil arrobas podarão representar toda a riqueza taõ-
bem como cem milhões da arrobas. O comprador dos
metaes preciosos, a sociedade humana, dá sempre o mes-
mo preço pela massa total produzida, seja grande ou pe-
quena; c o preço cm numerário de todas as mercadorias
parece que abaixa ou levanta segundo a producçaõ do
ouro e da prata excede ou falta para o consumo das artes;
e o certo he, que o preço do ouro e da prata saõ os que
abaixam ou levantam e o das mercadorias fica sempre o
mesmo.
A parte da riqueza movei, que he convertida em nume-
rário, cessa de contribuir directamente para o augmento
do capital nacional, e em certo modo he immutavel. As
trocas nem a diminuem nem a beneficiam; consistindo
nisto a differença das cousas que se consumem, e que se
trocam sempre por um valor superior, quando circulam do
capitalista para o obreiro produetivo. D'onde se segue
que seria máo que uma parte demasiadamente grande da
riqueza movei cessasse de ser productiva, por se haver con-
vertido em numerário.
Chamam-se vendas as trocas que se fazem de um valor
qualquer por numerário ; e trocas as que se fazem de um
valor por outro uaõ numérico. Uma venda naõ he senaõ
a metade de uma troca, que se acaba sempre depois por
outra venda, a qual aquelle que passa o dinheiro chama
uma compra: porque, aquelle que se desfaz de uma cousa
de que naÕ tem precisão, naõ a vende senaõ para cora o
dinheiro delia comprar o que houver de mister. D'onde se
vê que sempre conclue uma troca, composta ao menos de
dous mercados; de uma ou mais vendas primeiramente
ou de uma ou mais compras ao depois. Esta facilidade
de dividir uma troca em duas partes, de sorte que, para se
obter de uma pessoa o que se quizer delia, naõ seja pre-
ciso offerecer-lhe uma cousa das que ella necessitar, he a
causa das compras e das vendas terem quasi inteiramente
Literatura e Sciencias. 751
excluído as trocas do commercio, e de todas as cstipula-
ções, que se fazem entre os homens, naõ serem outra cousa
mais do que a troca de um valor qualquer por dinheiro.
Em toda a troca os dous valores, que se daõ um pelo ou-
tro, suppoem-se iguaes, ao menos segundo o curso do merca-
do. O vendedor, poruma somma de mil cruzados, cede uma
mercadoria reputada em mil cruzados. Ora como iodas
as permutações, ou quasi todas, se acham reduzidas a com-
pras ou a vendas, cada traspasse de mercadoria de um
sujeito para outro, suppoem um igual transpasse de valor
em dinheiro daquelle outro para estoutro: o movimento do
capital movei do vendedor para o pagador, he igual ao
do capital numérico do pagador para o vendedor. Sendo
cada troca dividida em duas vendas, e contendo igualmente
dous transportes de mercadorias, oceasionara taõbem
necessariamente dous transportes de dinheiro para as
pagar; e se considerarmos em um golpe de vista
todas as vendas feitas em um paiz durante certo espaço de
tempo, por exemplo um anno, naõ poderemos duvidar de
que os vendedores considerados cm corpo haveraõ recebi-
do, durante esse anno, tantas vezes mil cruzados em nu-
merário, como vezes no mesmo anno os compradores hou-
verem recebido o valor de mil cruzados em mercadorias,
naõ entrando por agora aqui as vendas a credito, que com
effeito naõ saõ vendas, mas empréstimos. Assim parece
que naÕ se poderá mais duvidar da verdade deste princi-
pio, que em toda a naçaÕ o movimento do numerário he
igual ao movimento da propriedade vendida a dinheiro de
contado. Se uma naçaÕ tiver ura dinheiro-de-papel com
que faça commummente as compras e as vendas este he
para ella uma espécie de numerário ; c o movimento de
seus dinheiros, assim de metal como de papel, será taõbem
igual ao movimento da sua propriedade vendida a dinheiro
contado ; e tantos seraõ os que t raspas sarem mercadorias
pelas mesmas quantias.
752 Literatura e Sciencias*
O citado Mr. Canard suppoem " que a massa totalda ri-
queza do mundo commerciante tem um valor igual á som-
ma total do papel-de-crediíoc dinheiro que circula." Este
author parte bem do mesmo principio, e he que todo o
traspasse de propriedade fazendo-se por meio de dinheiro
de metal ou de papel, he forçoso que o movimento da pro-
priedade seja igual ao do numerário : mas he nesta asser-
çaõ que o author se devera ficar, porque era fácil de per-
ceber que o movimento he o momentum dos physicos, que
se compõem da velocidade e da massa. Os momentos seraõ
iguaes se a velocidade for dez vezes maior, e a massa dez
vezes menor de uma parte que da outra. Se o dinheiro
circular mais rapidamente que a mercadoria, he bem claro
que sendo o numero das trocas o mesmo de uma e outra
banda, será necessário menos dinheiro doque mercadorias
para as fazer. Ora naõ somente naõ ha igualdade de veloci-
dade entre estes dous movimentos, mas ha uma grandíssima
disparidade. O capital em terras e productos naturaes,
que o labrador emprega para produzir o trigo, o vinho, o
azeite, e quasi todos os legumes e provisões, naÕ faz senaõ
uma única circulação no anno ; e pelo systema que aqui
refutamos dever.se-hia concluir que o dinheiro, que o con-
sumidor destina para os comprar, naÕ faz taõbem mais que
um so gyro no mesmo tempo. Entretanto he certo que os
onze duodecimos dos consumidores recebem á noite o di-
nheiro com que haõ de comprar o paõ para o outro dia.
NaÕ ha quasi manufactura nenhuma de que o fabricante
obtenha o reembolço do seu dinheiro em menos de tres me-
zes, a contar do dia era que se propôs a fazella; porém, de
todos os seus consumidores naõ ha quasi nenhum que te-
nha guardado tres mezes em caixa, o dinheiro com que lha
ha de comprar.
Todos sabem que se perde em guardar o dinheiro em
caixa, e he esta urna perda que o proprietário pode sem-
pre evitar. Taõbem se soffre perda em ter as fazendas de»
5
Literatura e Sciencias. 753
moradas nos almazens, ou em as trazer muito tempo nas maõs
dos officiaes, mas estas perdas saõ inevitáveis, estaõ na
natureza das coisas, e para as compensar he que o capita-
lista tem direito de exigir um lucro proporcionado sobre
a mercadoria e os fundos que lhe he necessário ter assim
parados. Quando um commercio de fazendas rola sobre
um fundo de cem mil cruzados, basta ao negociante que
tenha ordinariamente mil cruzados em caixa, em quanto
os 99.000 que restam estarão no seu almazem: todavia,
elle certamente faz tantas permutaçõesera numerário como
em mercadorias, nem faz alguma em que naõ seja paga-
dor ou recebedor. Entretanto as suas mercadorias reno-
vara-se apenas uma vez cada anno, em quanto os mesmos
cruzados lhe ficam raramente cinco dias era caixa. Pensa-
se que cm um commercio de banco, em que o dinheiro
parece ser a única mercancia, a proporção do numerário
demorado era caixa deverá ser muito maior; entretanto
uma casa que girar um milhaõ era transacções por anno,
naÕ tem de ordinário, uns dias pelos outros, mais de dez
mil cruzados em caixa: ura centessimode numerário basta-
lhe para a circulação dos capitães, como á casa precedente
para a circulação das mercadorias.
De facto, o dinheiro naÕ amortece senaõ nas maõs dos
consumidores ricos.* Entre os proprietários de terras e

* O ouro e a prata amorlecem também entre as maõs de certoí en-


thesouradores que tem a mania de aferrolhar as suas poupanças, ou
que saõ a isso forçados pelos defoitos do Governo sob que vivem.
Este numerário pode considerar-se como naõ existente na sociedade.
Des de • momento em que deixa de servir para as permutações, j á
naõ ha relação necessária entre o seu valor e o das mercancias que
passam de umas maõs para as o u t r a s ; e por isso fica logo cortado
daquella aliquota desconhecida da riqueza movei, que he igual á
massa dos metaes em circulação.
Qualquer que seja a quantia de ouro e de prata escondida em um
paiz, nem por isso o valor dos metaes que ficam no commercio demi-
VOL. X V I I . N o . 103. 5E
7,54 Literatura e Sciencias.

os capitalistas ha vários que tem adoptado a regra de ter


sempre diante de si a sua renda de seis mezes, ou de um
atino ; mas a somma que demoram na maõ he taõ pequena
em comparação da multiplicidade das trocas, que a penas
se poderá levar em conta; em quanto, como já disse, os
ouze duodecimos dos habitantes da França naÕ conservam
jamais dous dias o seu dinheiro. He verdade que os artí-
fices de ordinário naõ saõ pagos scnaÕ no fim da semmana,
mas nesse mesmo momento comprara as suas provisões e
pagam as suas dividas. He sempre em mercadorias que
elles guardam os seus pequenos cabedaes, e nunca em
dinheiro.
Em íim, segundo o systema de Mr. Canard, de dua»
circulações era sentido inverso, em que toda a riqueza snp-
põe uma somma igual de numerário para a pagar, seria
preciso concluir, ou que toda a venda de immoveis desarran-
jaria este equilíbrio, ou que, visto um immovel poder ficar
na mesma familia durante muitos séculos, uma somma igual
ao valor de todos os moveis da naçaõ, dormiiia nas dif-
ferentes'caixas, até o momento em que uma vez por século,
tal vez, esses moveis mudassem de proprietários.
Tenho-me demorado a combater esta hypothese, porque
o author dilatou-se nella com salifacçaõ, e a expôs de um

nue cousa alguma, nem se trocarão por menor quantidade de mer-


cancias.
O que aferrolha os metaes faz um sacrifício igual ao interesse que
delles lhe poderá provir emprestando-us : a sua desconfiança conti-
nua do Governo poderá resolvello a fazer esse sacrifício, que he
tanto em perda da sociedade como delle • mas toda a somma de nu-
merário que naõ intenta enferrolhar sente que naõ he do seu inte-
resse deixar ocioso: de sorte que, depois de haver tirado da circula-
ção uma parte das moedas do Estado, faz, como outro qualquer,
todo o esforço por dar maior actividade á parte do seu dinheiro que
lho pana pelas maõs e que uaõ quer guardar.
5
Literatura e Sciencias. 755
modo que deve fazer impressão, apoiando-a de urna com-
paração ingenhosa, mas inexacta, que he a circulação do
sangue ; também porque ella concorda com a opinião po-
pular, c ninguém antes delle a havia apresentado com tan-
ta clareza e methodo ; e finalmente porque andaquasi pelo
systema que adoptou o doutor Herrenschwand, em a sua
Economia Politica da Espécie Humana.
J á vimos no principio deste capitulo como procuram o
numerário as naçoens, que tem minas, e o preço por que elle
lhes fica : agora he preciso examinar como podem obter
os metaes preciosos as nações que naõ tem minas. Primei-
ramente he preciso Iembrarmo-nos que nenhuma naçaõ
commerciante he absolutamente desprovida de numerário ;
somente alguma circunstancia extraordinária lhe pode ter
feito exportar uma grande parte, e por conseguinte a falta
de dinheiro poder-se-ha-fazer sentir por toda ella, e pela
mesma razaõ, ser ali o dinheiro mui caro relativamente ao
preço. Desde esse momento naõ se poderá importar no
dicto paiz mercadoria alguma estrangeira sem perda, e
lucrar-se-ha em todas as que se exportarem : a naçaõ naõ
terá portanto, com os estrangeiros outro commercio senaõ
o de lhes vender por dinheiro, e o numerário de todas as
outras nações correra para ella, até já lá ser barato, e o
trabalho ou os seus productos taõ caros como entre as
outras.
As nações do Oriente, os Chinas, e os índios padecem
uma continua falta de numerário, por causa da mania que
tem os habitantes daquelles paizes de enterrarem os seus
thesouros; por isso o dinheiro sempre lá he caro, e o único
commercio que estas nações podem fazer com as Europeas
he o de exportarem suas mercadorias, e importarem di-
nheiro. Com o producto da sua industria compram-nos
parte do das minas de America.
Quando uma naçaõ augmenta a massa do seu numerário
com papel de credito, que da mesma forma que os metaes
5 £ 2
756 Literatura e Sciencias.
se acceita em pagamento de vendas; seja que a ley assim
o ordene, ou em virtude da confiança geral; este numerá-
rio fictício gyra em direcçaõ inversa da mercadoria: o seu
valor juncto ao dos metaes, multiplicado pela rapidez da
sua circulação, he igual ao valor das mercadorias que se
vendem, multiplicado da mesma forma pelo numero das
permutações; mas este valor he exactamente aquelle que
tinha o numerário por si so. A creaçaõ de papel-moeda
faz, portanto, abater o valor do dinheiro comparativa-
mente ao valor das mercadorias, e desde este momento co-
meça o dinheiro a ser exportado. A creaçaõ dos Bancos,
em Inglaterra e em outras partes deminuio immediata-
mente a massa do numerário em circulação.
Era França a creaçaõ dos assignados fez com effeito
abaixar o valor das moedas metálicas. Os assignados per-
diam menos no interior do que fora do reyno; e a diffe-
rença era em geral de 7 a 8 por cento. Quando perdiam 50
em Genebra, naÕ perdiam senaõ 43em Leaõ. 100 francos
em metal em Leaõ valiaõ, pois, menos do que a mesma
somma em Genebra, porque naõ era igual senaõ á quanti-
dade de mercadorias que se poderiam acolá obter por 175
francos em papel; ao mesmo tempo que, mandando a
mesma somma a Genebra, obter-se-hia por ella 200 fran-
cos em papel, e poder-se-hiam receber igualmente 200
francos das mesmas mercadorias vendidas aos mesmos
preços. Esta differença que foi algumas vezes ainda
maior, como fosse sufficiente para pagar o contrabando,
todo o dinheiro que ficara na circulação foi exportado.
Mas, de outra parte, a bandoria universal, e a tyrania
do Governo, havendo redobrado a desconfiança dos de-
tensores de numerário que o podiam accumular, foram
occasiaõ de se solterrar uma quantidade muito maior do
que jamais se houvera feito em tempos anteriores : se bem
que ha motivos para crer, que em todos os tempos se tem
Miscellanea. 757
por este modo roubado á circulação da França sommas
mui consideráveis.
Quando, ao depois, a queda dos assignados fez com que
se tornasse a empregar o metal na circulação, naõ so ficou
logo havendo nenhuma vantagem em o exportar, mas até
pelo contrario o commercio tomou o direcçaõ inversa, e
entrou a especular sobre a importação dos metaes precio-
sos: compraram-os como se compram sempre, isto he,
cora mercadorias, e em troco dos productos do trabalho.
Aquella época tudo em França era objecto de especulação
lucrativa, porque tudo se achava mais baratto em França
do que em outra parte: todavia, pouco tempo bastou para
o commercio restabelecer o equilíbrio. Disse-se entaõ
que a confiança tinha feito apparecer outra vez o nume-
rário : dir-se-hia cora mais exactidaõ, que a necessidade
o havia resgatado; porque aquella época commeçava a
penas a renascer a confiança no Governo.
[Continuar-se-ha.]

MISCELLANEA.

Resposta aos folhetos de Jozé Agostinho.


[Continuada de p. 6*28.]

JlíSTA vossa perseguição aos P. L . faz recordar-me de


um facto histórico muito análogo. Vós naõ ignoraes, que
o Imperador Valentiniano primeiro tomou por collega seu
IrmaÕ Valente, sustentando um as rédeas do Governo no
Occidente, e outro no Oriente. Que males naõ influe em
cérebros fracos o cego fanatismo. Valente supersticioso, e
758 Miscellanea.
cruel persuadido por certo mágico, que o seu sceptro passa-
ria a quem tivesse nome principiado por Theod., mandou
logo matar todos os infelizes, cujo nome começava por
aquellas letras. Nem amizade, nem serviços suspenderam
a tyrannia do fanático Valente.* Vós conheceis muitas
pessoas da sociedade cheias de amor, e fidelidade pelo
Principe; umas, que derramaram ja o seu sangue em de-
feza da Pátria ; outras actualmente no exercito resolutas a
exhalar até o ultimo suspiro : Mas o nome de P . L., tem
de tal sorte desafiado o vosso ardente fanatismo, que em
razaõ só deste titulo pedis sobre elles confiscaçaõ de bens,
extermínio, e a morte.t Valente pôde realizar os seus
desejos. Tinha em seu favor a crueldade, e a força. Mas
um Príncipe cheio de justiça, e humanidade, Religiozo,
e sem supestiçaÕ naÕ sabe o que hé castigar só pelo nome.
Quizestes espalhar por toda aparte o terror; mas ninguém
se assusta.
NaÕ podeis ver realizado o vosso projecto. Nascestes
num século, em que se naÕ mataõ os homens por suppos-
tos crimes. Avossa existência merecia ter o seu principio

* Socr. liv. 4. cap. 19. Sozom. liv. 6. cap. 35. Fleury Hist.
Eccles. tom. 4. liv. 16. § 29. Diction. Hist. Vid. Valens.
t Naõ há paixaõ, que se commnuique ao povo com mais acceie-
raçaõ do que o fanatismo. E vós tratando a Sociedade dos P. L.
como uma seita a mais odioza do mundo naõ tendes outro fim, que
preparar o povo á uma guerra civil. Os suecessos passados saõ
quadros onde podeis ver pintadas as calamidades futuras. Uma ir-
rupção á Portugal pelo inimigo facilitaria mais a sua conquista pela
matança, que o povo faria nos seus Concidadãos, do que pela força
das armas. Muitos fanáticos como vós gritariam :—Morraõ os P. 1,
e os Jacobinos.—A guerra seria contra pertendidos culpados; e o ini-
migo entraria á passo largo, e calcando cadáveres á conquista do
Reyno. Dou por testemunhas os espectaculos horríveis do Porto,
e Braga. Sois um vassallo fiel.' Os que permittem a publicação
dos vossos Folhetos podem intitular-se os Defensores da Pátria, cs
Protectores da Naçaõ, e os amigos do Príncipe i
Miscellanea. 759
naquellas idades tenebrozas, em que o espectaculo de ho-
mens ardendo nas fogueiras regozijava olhos, e corações
ferinos. Os escarneos a que ajuntastes revoltantes insultos
viraõ a ser algum dia o vosso tormento. N o leito da
morte a vossa alma devorada de pezares amargozos, e
remorsos penetrantes clamará pela Mizericordia de Deos,
que agora desprezaes com a vossa obtinada perseguição.
Tendes semeado calumnias ; que esperaes recolher ? O
que se alegra com a ruína de outrem naõ ficará sem
castigo.*
Hé indespensavel naÕ só ao ChristaÕ, mas á todo o ho-
mem, que consulta a consciência, e a probidade julgar
das couzas como ellas saõ em si, e naõ por apparencias,
ruídos vagos, e por prevenções de inveja, e de ódio.
Nada pode dizer-se de solido, e de crivei sobre ura as-
sumpto, que se ignora.t Quando se falia sem a verdade
por guia, o declamador se enreda num tecido de mentiras,
e de erros. O edificio naÕ pode subsistir sem um funda-
mental alicerse. O conhecimento hé a baze do discurso.
Se este conhecimento falta, tudo quanto se profere hé
irrizorio, e desprezível. Se regulasseis pela verdade as
vossas expressões, naÕ farieis apparecer no mundo uma
caterva de sofismas, de imaginaçoens aéreas, e de calum-
nias tantas vezes repetidas^ e outras tantas victorioza-
mente refutadas.

* Qui ruina Iaetatur alterius, non erit impunitus. Prov. cap. 17


Vo. 5.
+ A prudência Christaã exige, que so se dê credito ao que hé
sabido com certeza. Esta deve ser a regra dos nossos juízos. Esta
regra está violada com o maior escândalo pelas invenções da vossa
fantezia. Naõ só iguoraes a Instituição fundamental da Maçonaria,
mas nem ainda tendes o mais leve conhecimento da sua liturgia, e
regulamento. Cheio de prevenção, de malignidade, e de ódio ten-
der faltado muito, e em cada palavra se está vendo escrita uma ca-
lumnia horrível. Hé esta a Religião Christãa, que professais ?
760 Miscellanea.
Hé muito criminoza a propensão, que tendes em fallar
ao acazo de couzas, de que só tendes ideas forjadas na
ofBcina da vossa imaginação atribilaria. Decidindo taõ
ouzadamente, ensinaes aos que lem os vossos Folhetos, e
principalmente aos ignorantes a seguirem as vossas atre-
vidas, e falsas supposiçoes. Vede se he um mal consi-
derável conduzir um tropel de gente á taõ errados juizos.
A vossa caridade chega ao extremo de chamar, e querer
que chamem Apóstatas da Religião, e Vassallos infiéis a
homens virtuozos, gerados no grêmio da Igreja, e que
conhecem, e pratiçaõ milhor do que vós a pureza, e san-
tidade da ley de Jezus Chsisto. Rebaxais nelles só para
realçar com affectaçaÕ, e hypocrezia o vosso merecimento
em virtudes, e letras.* Tal hé o procedimento do homem
vaõ, e que só aspira aos louvores populares. Por falta
de provas positivas recorreis á imputações, e falsos tes-
temunhos cora o sinistro fira de manchar a gloria, que
elles merecem pelas suas sólidas virtudes, e brilhantes
qualidades. Ora hé de um Cidadão de honra cubrircom
fingido zelo o ódio mais refinado, e accuzar homens, que
em todas as repartições de Authoridades Constituídas tem
dado decisivas provas de Regiliaõ, de Patriotismo, e de
Fidelidade ao Soberano ? A prevenção, e o ressentimento
convidaram a vossa penna venal a escrever contra uma
Sociedade pacifica, religioza, e bem fazeja. O dezejo
de agradar aos Governadores do Reyno, e a vaã reputação
a que aspiraes de homem sábio lançaram em vossa alma
todas as sementes de partido, e de ódio. Um homem,

* Sois sacerdote ? Lembrai vos da Parábola do Farizeo, e do Pu-


blicano. Aquelle reputava os homens ladrões, injustos, e adúlteros,
e inclusia nesta generalidade o humilde Publicano, que de longe
naõ ouzava levantar os olhos ao Ceo, e que batendo nos peitos pe-
dia a Deos Misericórdia. Com tudo o primeiro foi condemnado pela
sua orgulhoza prezunçaõ: o segundo justificado pela sua profunda
humilidade. Evaog. Luc. cap. 18.
Miscellanea. 761
que sem attender a perigos iminentes, e inevitáveis per-
turba com os seus escriptos a Sociedade numa grande parte
dos seus escolhidos membros, merece ser perpetuamente
encarcerado onde naõ tenha papel, e tinta, e os seus Fo-
lhetos queimados em publico para perpetuo labeo da sua
memória. Desta sorte a posteridade saberá o justo castigo,
que soffreo um máo Cidadão, e um máo politico.
Isto hé o que deveria acontecer. Mas os vossos escri-
tos tem uma protecçaõ escandaloza. Naõ hé precizo ad-
vinhar, donde emana esta protecçaõ. A couza de si
mesma salta aos olhos. Cidadãos respeitáveis saõ me-
tidos por meras suspeitas nos Cárceres do Santo Officio.
Sem exame de causa, sem processo, e de um modo ille-
gal roubar ao homem a liberdade, bem o mais preciozo
que elle tem, hé ordem de Sultaõ ; hé obra de um Des-
posta. Naõ tarda em conhecer-se a innocencia mas con-
tinua-se 6 sacrifício delia, para salvar do perigo o decoro
da Authoridade. Entaõ, ou se alugou, ou se permittio
á vossa penna mercenária escrever com ampla liberdade
as mais horríveis calumnias. Sim, a temerária, e fanática
empreza das vossas traducções naÕ teve outro objecto se-
naõ dar apparencias de justiça ao attentado anterior.
Sabe-se pelos papeis aprehendidos a verdade; conhece-se
a calumnia; e naõ só se permitte a publicação dos vossos
escriptos incendiarios, mas recebeis louvores dos mesmos,
que os deveriaõ prohibir. A leitura delles se lhes repre-
senta como uma prova relevante de que o castigo dado aos
detentos nos Cárceres da Inquisição era fundado, e bem
merecido. Com tudo alli se descobre, que a engenhosa
invenção dos vossos sofismas envernizados com o belloj
e especiozo pretexto de vingar a Religião, o Principe, e
a Pátria desar.njou. de tal sorte o vosso cexebro, que vos
tornou frenético, e louco. Nestas circunstancias eu me
exprimo com Salamaõ, que hé milhor encontrar a uma
V O L . X V I I . N o . 103. 5 F
762 Miscellanea.
Ursa á qual foraõ roubados os seus filhinhos, do que á
um insensato, que se fia na sua loucura. *
Permitto por um instante, que transformeis essas calu-
mnias em verdades. Nunca devieis proferillas, temendo,
que vos fossem funestas. Há certas verdades duras por
natureza, e que dietas de um modo livre, e irônico escan-
dalizaõ, e saõ as faiscas de um grande incêndio. Plataõ
quiz sustentar uma liberdade filosófica fallando da tyrannia
em Sicilia. Dionisio, que alli reinava, era tyranno. Pla-
tão disse couzas admiráveis sobre o asumpto. Mas á
final sahio assustado da Sicilia, e o tyranno o perseguio.
O fructo das suas eloqüentes, e inflamadas declamações
foi ser vendido na Ilha de Egine.t Vós porem tendes
escrito naõ sô contra homens os mais authorizados da Na-
çaÕ, mas até mesmo contra Soberanos. Bem vedes, que
nao há entre todos um só Dionisio. Elles vos soffrem, e
mostram, que a caridade, ley fundamental da Religião de
Jezus Christo, os obriga a ter compaixão da vossa ce-
gueira, eloucura.
Mais reprehensivel ainda hé o escarneo, e o insulto, com
que trataes homens de representação no Estado, e que
pelos seus serviços mereceram subir aos Cargos mais hon-
rosos da Magistratura, da Milicia, e da Igreja. Ver-
tendo o faüador Barruel o tendes imitado na loquacidade,
e nas calumnias. Quizestes atroar o mundo com merce-
nárias traducções, e em lugar de gloria, tendes ganhado
ignomínia, e desprezo. Alguns análogos no caracter lou-
vaõ a vossa maledicencia, mas nenhum diz, que sois um
homem sensato. Ora quanto proferis de inepcias, e de

* Expedit magis ursae oceurrere raptis faetibus, quam fatuo con-


fidenti in stulticia sua. Prov. cap. 17. Vo. 12.
t Les viés des plus Illustres Philosophes de 1'Antiquité, tom. 1.
Vie de Platon. Condillac tom. 4. Histoire Ancienne, cap. 19.
Miscellanea. 763
frioleiras se reduz á estas memoráveis palavras. Os P. L.
saõ Jacobinos, Apóstatas da verdadeira Religião, inimigos
do Principe, e da Pátria, Materialistas, perversos nas
máximas, e nos costumes, uma Pedreirada, Uma Cafila,
&c. &c. Este o compêndio de todos os escarneos, male-
volencias, e insultos com tinta de fel nos vossos Folheto».
Mas se em um só periodo podieis comprehender a raiva
da vossa cruel perseguição; a que fim tanta verbozidade,
sem nexo, sem coherencia, e taõ indigna de uma boca
Christãa ? Pode com justiça ser-vos applicada a sentença
do judiciozo Horacio. E que dirá um Escriptor, que
tanto promette á boca cheia ? Os montes pariráõ, e delles
nascerá um rediculo ratinho.*
Escarneos, e insultos cauzaõ muitas vezes males sem
remédio, e damnos irreparáveis. Entre alguns suecessos
espantozos originados da irrizaõ, e do desprezo, vos lem-
brarei o facto acontecido na Judea, cujo governo estava
entregue a Ventidio Cumano. Na Festa da Páscoa re-
ceoso de algum tumulto pôs um Regimento debaixo der-
mas. Certo soldado numa postura indecente, e com pa-
lavras affrontozas insultou os Judeos. O povo gritou
contra a insolencia do soldado, e referio a injuria como
feita à solemnidade do dia. Parte se revoltou contra Cu-
mano ; e parte arremeçoa pedras aos soldados. Crescem
o motim, e a sediçaõ. Para applacar esta dezordem na-
scente Cumano chama tropas de reserva. Que difficultoza
empreza ! Hé depois de grande ruina que se suffoca um
fogo ateado. Vinte mil pessoas pereceram nesta horrenda
catastrofe.t
Naõ hé menos prejudicial á conservação dos Cidadãos

* Quid dignum tanto feret hic promissor hiatu ?


Parturient montes, nascetur ridiculus mus.
Horacio na Arte Poética.
T Jes. xx. Antíq. cap. 3.4. D. 11* Bell. cap. 20. p. 794.
& V 2
764 Miscellanea.
a niraia credulidade em pontos de Religião. Se esta cre-
dulidade hé authorizada pelos mesmos, que deviaÕ estar
prevenidos contra a seducçaõ, o mal cresce. Aberto o
dique a innundaçaõ faz estrago. Trazei á memória a
desgraça acontecida no tempo do Imperador Alexandre.
Este Imperador ainda que favorável aos Christaõs era
comtudo incapaz de suspender as crueldades, que em seu
nome se coramettiaõ cm todas as Provincias. Durante o
seu reynado cahio um raio sobre o Capitólio, e consumio
uma parte daquelle grande, bello, e majestozo edificio. O
fogo derreteo a maõ esquerda da Estatua de ouro de Júpi-
ter, a quem os cegos Romanos tributavaõ falçns adoraçoens.
Cuidarão logo os idolatras em applacar a sua di vindadequi-
merica com abomináveis superstições. No tempo do sacrifí-
cio baixa o fogo do Ceo, reduz a cinzas o altar de Júpiter,
e nas suas ruínas morrem subterrados quatro sacerdotes.
Fogem muitos espavoridos, e vaõ encontrasse em lugares
remotos com o Papa Calisto. Este respeitável, e santo
Pontífice rodeado de Clérigos, e de fieis cantava com elles
nos sepulcros dos Martyres louvores a Deos, e celebrava
os Mistérios augustos da Religião. Este Ajuntamento
numerozo, e as sagradas cerimonias, que alli se pratica-
rão, influíram nos idolatras a convicção de que as desgra-
ças acontecidas no Capitólio eraõ effeitos dos seus en-
cantos, c da sua arte mágica. O povo crédulo delatou
logo os Christaõs ; e elles soffieram generozamente o mar-
tyrio. Dizei-me se notaes alguma differença entre vos, e
estes idolatras ? Eu só a descubro, em que elles mataram
os Christaõs; porem os vossos dezejos pela morte dos
P. L. seraõ sempre ineffectivos.*
Deste successo espantozo podeis conhecer quanto hé in-
justo fundar uma acctizaçaõ em ruídos populares. A
multidão se previne em um instante, on contra ou a favor

* Croiset. no mez. de Outubro, dia 14 na vida do Papa S. Calisto.


Miscellanea. 765
de qualquer objecto segundo o modo, porque lhe hé repre-
sentado. Os argumentos estabelecidos em uma semelhante
prevenção offendem a equidade, e o senso commum. Em
qualquer tribunal para se decidir de um facto, attende-
se ao depoimento de testemunhas, que viram, ou ou-
viram a pessoas de virtude, e de probidade. Allegaes
por ventura uma só, que prezenciasse nos P. L. algu-
ma acçaõ contra a Religião, e contra o Estado ? Ou-
vistes a pessoa de honra, e de caracter proferir uma
semelhante assersao ? Logo a injustiça das vossas fanáti-
cas prevenções, e as calumnias, com que pertendeis ex-
citar em todos o ódio mortal eontra nma sociedade inno-
cente saõ provas infalliveis da vossa fereza, e da vossa
raiva. Com o mesmo sêllo devem ser marcados os dic-
terios injuriozos, as ironias insultantes e as imposturas
horrendas, que sabem da vossa boca. Elles só tem por
fim abuzar da crédula simplicidade do povo, e accender
nelle o mesmo fogo da perseguição, de que estaes abra-
zado. Naõ vos injurio dizendo, que o coração do tigre
hé o molde do vosso coração.
Isto se prova tio prazer que sentis pelos males, que
rezultam dos vossos escriptos. Tendes perturbado a harmo-
nia nas familias ; tendes feito olhar com certa frieldade, e
dissabor para muitas pessoas installadas na sociedade; ten-
des inspirado na plebe ignorante uma desconfiança, sobre
a Religião de pessoas até agora conhecidas, e respeitadas
pelas suas letras, e virtudes, pelos seus Empregos Mili-
tares, e Civis ; tendes pedido ao Principe, e ás Authori-
dades castigos, e total extinção de uma sociedade, de
que so saheis o nome, e nada do que estabelece a sua
existência contitucional; tantos males causados pela vos-
sa penna solta, indiscreta, e malfazeja vos Jeizaõ um só
instante tranquillo ? Quizestea agradar a muitos fanáti-
cos da vossa relê ; e que a Religião, e a humanidade
soffraõ pouco importa. Se naõ sois materialista j sim ten-
766 Miscellanea.
des uma alma immortal; como ajustaes as vossas acçoens
presentes com a eternidade futura ?
Se accuzasseis a sociedade só pelo titulo de P. L. vos
farieis um objecto de rizo, e de escarneo. Hoje, e sempre
tem sido esta uma accuzaçaõ irrizoria. Todo o homem,
que pensa, e deduz os effeitos das suas cauzas zomba do
vosso furioso fanatismo. Naõ saõ as vossas declamações,
que decidem da bondade, ou malicia da Sociedade. O
que nella se exercita tem provado em todo o tempo a utili-
dade da sua Instituição. Sabe-se, que a Caridade fra-
terna hé o fim de um taõ interessante estabelecimento.
Esta caridade liga os sócios com laços mais apertados
para se darem mutuo socorro. Passastes em silencio todas
estas couzas ; e para naõ ser i nfructuoso o vosso lisongeiro,
e venal intento ajuntastes ao nome de P. L. os vocábulos
odiosos de Illuminado, e de Jacobino. Por esta novida-
de, que só teve entrada na vossa cabeça vos propozestes
dous fins; agradar aos Governadores do Reyno, e encher
a bolça de alguns tostões. Uma baixa adulaçaõ, e uma
reprehensivel avareza saõ os eixos sobre que gyra a ma-
quina das vossas traducções, e composições. *
O maravilhoso atrahe por algum tempo a attençaõ de
leitores preoecupados, e ignorantes. Mas em fim a ver-
dade dissipa a illusaõ, e triunfa. Vós naõ reflectis nos
males funestos, que poderão acontecer pela incendiaria
leitura dos vossos Folhetos. O que vou dizer, naõ tem
replica; e feliz vos se a triste imagem das calamidades

* No primeiro Folheto occultasles de medo o nome. Mas como


vistes, que um grande numero de ignorantes, é de fanáticos concor-
riaftcompra delle, entaõ novo Campiaõ sahistes ouzado ao campo
de literatura pondo o vosso respeitável nome no frontespicio. Naõ
hê nma assersaS sem fundamento« hé uma verdade, que sahe da
vossa boca—Damos & luz a 6a. parte do Segredo Revelado; que taõ
bom, e constante acolhimento tem merecido ao publico.
Miscellanea. 767
pretéritas, e também immincntcs, que vou pôr aos vossos
olhos, inspirasse na vossa alma a resolução Christaã de
confessardes a face do mundo a injustiça, e crueldade
das vossas calumnias, e perseguição. Nos dias da Igreja
nascente os Discípulos de Jezus Christo tomaram o nome
de Christaõs cm Antioquia, Capital do Egypto. Cuidaram
estes Discípulos em promulgar a ley de seu Divino Mestre,
convencidos da sua verdade, e do seu authentico estabele-
cimento ; ja porque uns tinhaõ visto os milagres; e ja
porque outros os sabiaõ de testemunhas occtilares incapa-
zes de illuzaõ, e de soborno. Esta defeza da ley tinha de
tal sorte excitado o rancor, e ódio dos Judeos, e dos Gen-
tios contra elles, que o só nome de Christaô era um titulo
de castigo, e de morte. Mas se algum conduzido ao Mi»
oistro Executor por ser ChristaS, confessava simples-
mente, que naõ era, sahia logo sem castigo, e mesmo sem
a mais insignificante reprehensaõ. Este procedimento
bárbaro pela confissão do nome, mas cheio de toda a equi-
dade, quando verdadeiramente se negava; tem na consi-
deração das Authoridades Constituídas uma cortrprchensaõ
mais extensa. Por uma prevenção filha da inveja, do ca-
pricho, e do ódio, a confissão, ou negação de ura nome, a
que se considera inherente o crime, soffrem igualmente o
castigo, e a infâmia. A prova hé o facto publico da De-
portação de homens, que tinhaõ feito grandes serviços ao
Principe, e á Pátria. A malignidade os aceuzou de P.
L., e de Jacobinos. Esta ira putaçaõ foi o reclamo da
perseguição, e de castigos arbitrários, c cruéis. Em vaõ
todos clamaram, que naõ eraõ Jacobinos, sim Vassallos
fieis do Augusto Principe Regente de Portugal. Muitos
confessaram o seu arrolamento na Sociedade dos P. L.,
masque ali se naõ comraettia crime algum. Nada lhes
servio de defeza. Como se tinha projectado a sentença
de Deportação, bastou o nome, ou de P. L., ou de Jaco-
bioo. Desta sorte foi faoil realizar sinistros inteutos na
3
768 Miscellanea.
perda de Pessoas, que tinhaõ direito á pertenções de car-
gos, e empregos, a que os maquinadores da ruina arden-
temente aspiravaõ.
Este acontecimento foi um mal, que trouxe com sigo
conseqüências mui funestas. Muitos Cidadãos expatria-
dos; seus suppostos crimes pintados na Prezença do Prin-
cipe com as mais negras cores; uns privados de lugares
de honra, e donde tiravaõ a sua subsistência; outros longe
das snas herdades, deixadas a mercenários, á quem naõ
toca a decadência dellas, sim o sallario, que recebem ; es-
pozas tristes, e consternadas pelo retiro, e auzencia de seus
maridos; filhos, que naõ entrando na discussão da justiça,
oa injustiça do procedimento vacillaõ sobre a fiel vassal-
gem dos seus Progenitores ao Principe, que nos governa:
estes males saõ agora augtnentados a um excesso incrivel
pela publicação dos vossos Folhetos. Este titulo de Ja-
cobino, que ajuntastes ao nome de P. L. convence todo o
homem sensato, que a vossa alma hé inimiga do socego
publico, e da paz entre as familias. Sim uma alma, que
de longe está preparando a desgraça de uma parte escolhida
da Naçaõ ; uma alma, qne só para fazer mal, mistura de
propósito, e sem fundamento algum uma Sociedade inno-
cente com outra, se existe, de uma reputação infame ; esta
alma naõ parece ter sido creada para viver entre os ho-
mens.
Escutai-me por agora com attençaõ. Mas que digo !
Esta attençaõ, que por inadevertencia vos pedia hé á vos-
so respeito um impossível moral. A vossa alma ja se naÕ
perturba á leitura de verdades, que devera ser a vossa
eterna confusão. Faltarei á quem naÕ está endurecido
para as sentir. Notem-se pois as desgraças, que de novo
podem acontecer, e de que Portugal foi um theatro horrí-
vel, e espantoso na invasão dos pérfidos Francezes.* A

* O quadro horrível das atrocidades, praticadas em Braga, e no


Porto, quando o Marechal Soult invadi o a Provincia do Minho, jus-
Miscellanea. 769
Providencia, que tanto tem velado na conservação do
Reyno, onde as tres Nações confederadas por prodígios de
disciplina, e de valor afugentaram para alem dos Perineos
os nossos inimigos cruéis, e devastadores. Esta benigna,
adorável Providencia, como esperamos, conservará no
futuro a Peninsula izenta de uma gente taõ feroz, que a
reduzio ao estado mais deplorável em todo o gênero de ca-
lamidades. Mas quero agora suppôr por um instante, que
Deus irritado pelos novos crimes permit e uma irrupção a
Portugal por alguma Naçaõ inimiga. Entaõ vereis reco-
lhido o fructo dos vossos Escritos n'umn guerra, nnõ em
defeza do Reyno, mas em destruição mutua dos próprios
Cidadãos. N'uma tal consternação lembra menos resistir
ao inimigo, que vingar resentimentos particulares sacri-
ficando á uma enevitavel morte os reputados Jacobinos.
Este nome taõ odioso será o sinal para a carnificina feita
em desgraça dos innocentes, sem haver consideração alguma
á perda do Reyno. E podeis dormir socetrado ?*

tifica este receio. Em vez de se unirem, e defenderem do inimigo


commum, cevávaõ a sua vingança, e ódios particulares, assassinan-
do os seus compatriotas, com o pretexto de Jacobinos. Assim o
praticarão com Bernardim Freire de Andrade, e seu* Ajudantes •
pede a verdade, que se faça justiça á sua honra, e fidelTdadc; elle
nunca foi traidor; nem também General. No Porto todos presen-
ciarão icenaj ainda mais espantozasj e o peôr he, que approvada*
t abençoada* pelo leu Bispo, e Presidente' da Suprema Junta do Go-
verno.
* Estou persuadido, que os Deportados na Fragata Amazona* se.
riaS assassinados cruelmente pelo povo, se ao sahir dos segredos do
Limoeiro, fossem conduzidos ao embarque de dia, e naõ de noite.
Um povo irado, e sem tino hé uma besta feroz. Entre muitos, e
tristes exemplos quero recordar-vos a ingratidão, e furor dos Gregos
contra Sócrates, e Melciades. Vereis, que naõ há serviços, nem vir-
tude*, que o povo respeite. Sócrates o mais sábio da sua Naçaõ ex-
poz muitas vezes a vida peta Pátria. Elle a illustrou com os mais
brilhantes, profundos conhecimentos da Bloi-ueucia, de Phisica, e de
Moral. Sócrates foi calumniado pelos Cidadãos, a quem fazia som-
VOL. X V I I . N o . 103. 5 o
770 Miscellanea.
Tendo pois demolido até aos alicerses o edificio da cari-
dade fraterna passaes a mostrar-vos um verdadeiro anti-
Politico. O Duque da Victoria. este homem celebre,
ainda mais pelas suas virtudes, do que pelos seus triumphos,
o Heroe dos nossos tempos, talvez esteja alistado na Socie-
dade dos P. L. com a maior parte da sua Officialidade.
Retinem por toda a parte os louvores dos Poetas, e as ac-
clamações do povo. O seu nome anda repelido de boca
em boca com admiração, e respeito. A cada passo lhe
levantaõ Arcos Trtunfaes. Illuminações brilhantes, e ous.

brat escarnecido no theatro por Aristophanes como um ímpio; e


em fim condemnado á morte por um povo inconstante, e supersti-
cioso. Sócrates bebe com intrepidez o veneno da Cicuta* e ne tes
momentos, 4 que suecumbe o coração mais forte, elle passeia tran*
quillamente dando lições sobre a immortalidade da alma. Cora nm
semblante sereno, e imperturbável abraça sua Esposa, em seus Fi-
lhos, e dá no meio delles o ultimo suspiro. Toda a Grécia lamenta
a morte deste homem sábio, e justo. Os Athenienses por uma vo-
Inbilidade incomprehensivel se horrorizaõ logo do sen crime abomi-
nável. A consternação hé geral, as lagrimas correm dos olhos de
todo o homem sensível, e virtuoso: os seus accuzailores recebem,
uns na morte, outros no desterro a justa paga do seu delicto. Mas
Sócrates ja naõ existe.
Melciades héo Salvador, naõ só de Atbenas, mas de toda a Grécia.
Os campos de Marathon juncados de cadáveres saõ os tropbeos de
uma incomparavel victoria ganhada sobre Dario Rey dos Persas.
Perde-se o susto deste Império até entaõ formidável. A Republica
de Athenas erige um Monumento o mais lisongeiro á gloria de
Melciades. Elle apparece num Quadro â frente de dez Chefes, onde
estaõ pintadas cora as mais bellas, e vivas cores os seus triumphos, e
a a liberdade da Grécia. Em pouco tempo hé condemnado á morte
por aquelle mesmo povo, aquém tinha salvado a vida. Tjranna ca-
tastrophe! Em cincoenta talentos lhe hé comrautada a pena de
morte. Vive ainda algum tempo • mas uma ferida, que recebera
em Piros defendendo a Republica, terminou os seus dias. Negaõ-lhe
as honras da sepultura em quanto seu Filho naõ apresenta a muleta,
que alcançara da generosa offerta de alguns amigos.
Miscellanea. 771
tosas fazem nas Cidades disputar a noite com o dia.
Muitos com o maior prazer correm a vêllo, beijaõ-lhe as
maõs, e o abraçaõ. Vós mesmo escre vestes uma Epístola,
onde exaltaes os seus insignes triumphos. Como pode
comparecer-se tanta gloria com a ignominiosa affronta de
ajuntardes, ao nome de P. L. os infames cpitetos de Ja-
cobino, e de Illuminado i Vos naõ fazeis differença desta
vocábulos, epor conseqüência pondes o Lord Wellington
como P. L. no catalogo dos Illuminados, e dos Jacobi-
nos. Attesto, sim attesto o Soberano de Inglaterra, e o
Príncipe Regente,* attesto milhões de indivíduos espa-
lhados por todo o mundo para accusarem a vossa má fé, e
calumnia sobre a distineçaõ da Sociedade. Ella hé a
mesma, e idêntica era toda a parte. Derde um tempo
longo, e immemorial as Sociedades Maçonicas do Reyno
trabalhavaõ por si mesmas, sem relação alguma com as dos
outros paizes. Um Illiustre Priucipe foi o que coricorreo
para a inauguração do Oriente Luzitano. Foi de-
baixo dos auspícios deste amável Príncipe, qua elle se
iastallou em Portugal, e de accordo com o Oriente In-
glez. De ambas as Nações se ajunctaÕ, trabalhaó, e se
protegem. A separação, que inventou Barruel, e vós
ad optas tes, hé quimerica. Esta imaginada separação
tinha por fim fazer criminoza a Sociedade, e pedir cas*
tigos apparentemente justos.
Estes saõ sempre os calamitosos effeitos, de um desati-
nado fanatismo. Entre muitos exemplos, que a Historia
nos aprezenta, recordai-vos do furor com que elle se arre-
meçou à um dos maiores Monarcas, que teve a França.

* Vede no Correio Braziliense no mez de Janeiro, de 1813, a So-


lemne Festividade dos Pedreiros Livres em obséquio do Lord Moira.
A* maiores Personagens de Inglaterra ali concorrerão, autbori-
zando esta Assemblea respeitável o Principe Regente. Hé prova de
fatuldade, e de loucura chamar Jacobinos aos P. L.
5 G 2
772 Miscellanea.
Fallo de Henriqae IV., famozo pelas suas acçoens bellicas
e incomparavel pela sua humanidade. Este grande Rey,
que no meio de guerras civiz, e as mais sanguinolentas en-
trou em Paris, Capital do seu Reyno, pulio a Naçaõ, a
enchêo de beneficencias, e a deixou no estado o mais flo-
rescente : este grande Rey, que desprezava a morte no
campo da batalha para conservar o seu povo temido, e
respeitado: este grande Rey, que amava os seus Vassallos
como seus próprios filhos, governando-os com doçura, e
aliviando-lhes toda a carga de subsídios : este grande Rey,
que espalhou ás maõs cheias por entre o seu povo a abun-
dância, a paz, e a alegria, acaba infelizmente a vida assas-
sinado pelo supersticioso, e feroz Ravailhac*
Sempre que o fanatismo toma por pretexto a religião
ultrajada, os males se multipliçaõ, e saõ funestos á hu-
manidade, t Foi este fanatismo cruel de maõs dadas com

* Por muitas vezes o fanatismo conspirou contra a vida do


Grande Henrique. Pedro Barriere tantou acabar os dias deste Mo-
narca Beinfeitor; foi prezo, e morto. Joaõ Chatal o ferio na boca
com uma faca tomando por pertexto o naõ estar ainda absolvido
pelo.Papa do Calvinismo, que tinha abjurado. Pedro Ouin, um
Cura de S. Nicolao dos Campos, um Tapeceiro, e outros muitos me-
ditarão assassinallo. Ravalhac coroou a obra. A perda de um
processo, que o tinha reduzido á maior pobreza; as máximas de um
infernal fanatismo, que inspiravaõ a permissão de matar os que pu-
nhaõ a Religião Catholica em perigo ; o seu caracter sombrio, e a
sua imaginação inflamada, que lhe faziam olhar para o Grande Hen-
rique como Fautor da herezia por ter declarado guerra ao Papa
metteraõ na maõ deste monstro o punhal com que elle trespassou o
maior dos Reys. Quando assim fallo, attendo aos seus grandes ta-
lentos, e ás suas acçoens em beneficio da humanidade. Elle obscu-
receo estas virtudes pelos seus excessos no jogo, e no amor das mu-
lheres. Mezcrai na Historia de França, tom. 7, pag. 616. Racine
no tom. 10. pag. 177.
+ Um Tribunal da Inquisição bem regulado, talvez podesse ser
útil á Fé, e aos Costumes. Mas um Tribunal, onde o interesse, e
uma honra imaginaria conservaõ os Deputados; onde a ignorância
Miscellanea. 773
a vingança, que no anno de 1809 armou laços a Cidadãos
innocentes e os sepultou nos Cárceres da Inquisição de
Lisboa. Alli soffréraÕ por nove mezes castigos rigorosos,
•*•• O D *

e informes sem outro algum crime mais que o nome de P .


L. applicado sem prova, o com falsidade. Mas convinha
dar-se uma sentença, e se deo sem processo, sem formalida-
de, e sem testemunho algum authentico. Naõ servindo
com tudo para a Deportação, que se intentava, o só ti-
tulo de P . L . ; entaõ se lhe ajunetou o de Jacobino. Para
este naõ eraõ precizas provas, bastava a suspeita. Esta
suspeita os arrancou aos Cárceres da Inquiziçaõ para se-
rem exterminados com a maior injustiça, e escândalo.*
Eis aqui perdida a liberdade do homem, o seu bem mais

tem conservado o seu throno, desde a sua Instituição em Portugal ;


onde as paixoeus particulares saõ de ordinário o movei dos procedi-
mentos : onde formalidades arbitrarias de justiça tiraõ aos cidadãos
toda a liberdade de defensa ; onde os acruzadores podem a seu salvo
calumniar, e os aceuzados sem meio algum de mostrarem a sua in-
nocencia; um semelhante Tribunal hé contrario á Religião, e á boa,
• indispensável Policia. Os delatores pela sua impunidade se multi-
plicarão; e a innocencia será cada vez mais perseguida, e atormen-
tada.
* As atrocidades, e tyrannias praticadas por Caligula, e Nero durante
o seu reynado, naõ foraõ mais revoltantes, que as dos Governadores
de Portugal no anno de 1S09; a historia imparcial desta tristíssima
época as levará á Posteridade, e entaõ ella conhecerá, que estes naõ
só excederão na barbaridade aquelles Imperadores, mas que se atre-
veram a atacar os Direitos Magestaticos do Principe Regente de Por-
tugal ; desprezando igualmente as Instrucçoens, que o Mesmo Se-
nhor lhes deixou para governar o Reyno durante a sua auzencia;
e nas quais expressamente lhes determinava o fizessem segundo as
leys estabelecidas no Paiz : elles praticaram escandalozamente o con-
trario, inventando Decretos para saciarem a sua particular vingança,
e poderem prender a seu arbítrio cidadãos innocentes, cujo compor-
tamento tinha sido em todos ostempos mais exemplar que o s e u ; e
conservando-os por nove mezes prezos nos Segredos da Inquisição
nunca consentira, que elles fossem legalmente ouvidos, e processa-
2
774 Miscellanea.
preciozo. Paiz, em que há castigos sobre crimes naõ pro-
vados, o Cidadão naõ tem liberdade, nem ainda mesmo a
sombra delia. Sim, que liberdade pode haver, quando
uma authoridade despotica emprega a força, a violência,
a coacçaõ para fazer effectivos os seus pertendidos fins ?
O homem neste estado, victima de um poder arbitrário, naõ
tem a protecçaõ da leys. A ley hé um corpo de defensa
para o Cidadão. Elle está seguro de ser em todo o cazo,
em todas as circunstancias, e em todas as relaçoens prote-
gido pela ley.* As Authoridades Constituídas devem
considerar-se na obrigação indispensável de vigiar sobre
a tranquillidade do Cidadão. Esta hé a ley fundamental
das leys Politicas. A força só se emprega para fazer vir o
homem â razaõ, e naõ em perturballo da paz, que deve
gozar á sombra das leys. Naõ provado o crime, que se
imputa, hé despotico todo o procedimento contra o repu-
tado criminozo. Entaõ naõ há segurança alguma na So*
ciedade, porque a innocencia está sempre em susto de

dos, como inutilmente requerêram. Este procedimento de um Go-


verno subalterno hé o mais atroz, e despotico ; e todos os Portuguezes
tem direito a queixar-se delle, porque em assim o fazer, naõ faltaõ
ao respeito devido ao seu Soberano, perante quem na qualidade de
Vassallos todos saõ iguais, e sujeitos, á mesma ley.
* O homem solitário viviria sempre em susto. A sua fraqueza, e
as suas precisões lhe inspirariam o desejo de procurar indivíduos da
sua espécie, a que se unisse. Esta uniaõ constituiria uma Sociedade.
Esta Sociedade exigiria leys. A observância destas leys hé a segu-
rança dos Cidadãos. Ora como pode estar seguro o Cidadão num
Paiz, em que fingindo-se, e imputando-se-lhe crimes os mais enormes,
o Calumniador naõ hé punido, antes sim authorisado, e protegido
por um Decreto ? Eschino foi condemnado a pagar uma grande
multa pecuniária por ter accusado falsamente a Otesiphon. Philos-
trato Livro 1°- na vida de Eschino. Um K (Kalumniator) mandado
pôr pelos Romanos na testa do calumniador continha outros muitos
de igual caracter no commettimento de semelhante crime. Hé ex-
presso na ley Rhemnia.
Miscellanea. 775
ser falsamente accuzada, e de soffrer castigos applicados
com injustiça pela prevenção, e pelo ódio.*
He o facto de homens illustres, em letras, e serviços que
foraõ deportados. LSo Estado Monárquico naÕ se deveria
proceder á uma tal deportação sem estarem provados os
crimes, e serem apprezentados ao Príncipe. Sem estas
formalidades de Direito tudo o que se pratica hé absurdo,
e despotico. Ora naõ houve intervallo, que provasse a
observância deste requizito indispensável. A Epiqueia em
suppostos crimes desta gravidade hé inadmissível. Logo
a deportação foi arbitraria, e de um mero capricho, e vin-
gança.t Por desgraça inherente á condição humana, diz
Montesquieu, os grandes homens moderados saõ raros ; e
hé sempre mais fácil seguir a própria força, que suspcn-
dêlla.j E eu accrescento: os grandes lugares servem

* Uma alma, penetrada do dezejo de ver sempre conservada a


ordem nas diferentes classes de Cidadãos, lamenta, que os instru-
mentos delia, se arroguem poderes, que lhe naõ competem, e se
transformem em perturbadores do socego, e da liberdade. Um Go-
verno só he feliz quando tem por principal objecto a felicidade dos
Cidadãos. Esta felicidade consiste na boa ordem que tein a Socie-
dade em todas as suas relaçoens. Estas relaçoens em harmonia daõ
ao indivíduo toda a segurança de viver na sua condição sem temor
de um castigo arbitrário, e violento.
t Os motivos occultos deste attentado, único na Historia Portu-
gueza, algum dia seraõ desenvolvidos com toda a clareza. A mesma
Revolução da França no tempo de Robespierre, naõ aprezenta um
facto taõ informe como este. Hé irrizorio, que um Governo Subal-
terno, ligado â ley da sua criação, se arrojasse a querer iguallar o
»eu Soberano, exercendo amplamente todos aquelles Direitos, que
saõ privativos da Soberania; e até constituindo prizoens d'Estado.
estas so podem ser toleradas ao Monarca, em quem nunca se pre-
zume o abuzo do poder por inveja, e vingança particular.
"£ Par un malheur attaché á Ia condition humaine, les grandes
ho mines moderés sont rares ; et il est toujours plus aisé de suivre Ia
force, que de l'arrêter. Montesq. tom. 3 . liv. 28 cap. 21.
776 Miscellanea.
muitas vezes para dar-se a conhecer o merecimento, que se
naõ tem, e que se deveria ter.
EÍ6 aqui porque naõ só se consente, mas ainda mesmo
se approva essa vossa façanhoza. empreza de escrever á
face de todo o mundo papeis indignos, e revolucionários.
He imperdoável ás Authoridades a permissão de Escriptos,
cujas palavras saõ outras tantas sementes de desgraças fu-
turas, que ellas deveriaõ soffocar á nascença. Mas por
tudo se passa ; pois que as vossas declamaçoens saõ um
argumento especiozo era favor, e comprovação do proce-
dimento anterior, illegal, e funesto.
Porem nada taõ reprehensivcl como o que acrescentaes
a este falso, e odioso argumento. Para criminar a Socie-
dade, e excitar o furor de preocupados, e fanáticos contra
ella, a revolução de Frauça vos suggere um assumpto
victoriozo. Um povo em guerra civil, e devastadora ; um
Rey conduzido á Guilhotina pelos seus mesmos Vassallos ;
as ruas innundadas do sangue de mil victimas infelizes ; o
roubo, a prostituição, o sacrilégio, a impiedade . . . , .
Que espectaculo horrível ! Mas que tem isto com os P .
L . í Entaõ deveis dizer, que os males d'anarquia aconte-
cidos era todos os séculos foraÕ obra dos P . L . Entaõ
as revoluçoens em tantas partes do mundo nos séculos an-
teriores, e posteriores á vinda de Jezus-Christo ; as cruel-
dades a cada momento nas Tribus d'África ; as barbari-
dades da Espanha na conquista do México, e do Peru;
ou naÕ existiram, ou os P. L. naõ tiveraó sobre ellas influ-
encia alguma. Alli naõ havia um sô membro da Socie-
dade. Notai estas vossas incoherencias; e adverti, que o
mentirozo deve ter memória.
Porem eu vos considero mui pouco ao facto, «quando at-
tribuis a revolução Franceza á Sociedade Maçonica. As
primeiras faíscas, que prepararam a incendiaria catástrofe,
e a fogoza insurreição da França foraõ as máximas detes-
táveis dos filozofos entaõ chamados impropriamente Espi-
Miscellanea. 777
ritos Fortes. Estas máximas halucinaraÕ uma grande
parte da Naçaõ e a seduziram. As segundas foraõ os vi-
cios, e crimes do povo em geral, os escandalosos procedi-
mentos dos Grandes, sem que as Authoridades Constituí-
das os suspendessem, e castigassem. Foi uma inficionada
alluviaõ, que corrompeo os costumes. Lede a Historia,
e vereis que estas sempre foraõ as cauzas, ou da decadên-
cia, ou da ruina total dos Impérios. Quero conceder-
vos, que houvessem P . L . entre os motores da Revolução
Franceza,* e que a Sociedade he a mesma era Paris, e em
Lisboa. Por ventura o caracter dos homens hé o mesmo
em toda a parte, e saõ elles capazes dos mesmos crimes.
Entaõ devereis conceder, que commettendo-se roubos, e
mortes entre os Catholicos Romanos sobre todos elles re-
cahe a nodoa destes horrorosos delictos. Se tivesseis Ló-
gica, nunca tirarieis de taõ falsos principios uma seme-
lhante illaçaõ.
He com effeito mui triste, que a Posteridade se recorde,
e ponha na imaginação a scena horroroza de Cidadãos be-
neméritos perseguidos, e ultrajados por um fanatismo, que
nunca pôde ser contido nem pelo merecimenro, nem pela
Authoridade das leys. Este monstro hé sempre indomável,
e quanto mais protegido, tanto mais os seus estragos saõ
funestos.t N a Historia dos desvarios, e superstições dos
povos podereis ler como em certos tempos os homens se

* Se os que fomentaram a revolução da França eraõ P. L. vos o


deverieis provar ; e ainda assim mesmo naõ denegrieisa belleza da
Instituição desta respeitável Ordem ; cujos membros soffreraõ in-
finito na dieta revolução ; porque naõ ignoraes, que a maior parte
dos Emigrados ao serviço da Inglaterra nos Regimentos, que esti-
veraõ em Portugal, pertenciaõ á esta Sociedade : o que refuta vic-
toriozameute a vossa futil, e injusta asserçaõ.
t Se a geração prezeute, ea posteridade se recordar, que entre os-
cinco Governadores do Reyno de Portugalfiguravamtres Padres, naõ
VOL. X V I I . No. 103. 5H
778 Miscellanea.
intimidavaó, e horrorizavaõ dos ecclipses, e d'appariçaõ
dos Cometas; e tinhaõ por infalliveis as provas da agoa
fervendo, e do ferro era braza. Assim vós affectaes pavor
das Sociedades Maçonicas, e reputaes por indubitaveis as
patranhas, e redicularias, que lestes era Barruel ; t tendes
ouvido a fanáticos, o que a vossa imaginação dezanrajada
vos subrninistra.
Os grandes crimes naõ fazem pezo na vossa consideração.
O adultério, o sacrilégio, o roubo, o homicídio, que a ca-
da-passo se coramettem saõ fraquezas, filhas do condição
humann. Mas se algum destes delictos bé commettido
por P . L . ; então se grita, se declama, e se aponta com o de-
do o seu author. J a naÕ hé uma culpa de fragilidade, sim
um crime da Sociedade Maçonica. Ora mostrai-me, eu
vos rogo, um só crime perpetrado por effeito de alguma
resolução tomada em Ajunctamento de P . L.? Amar-se
mutuamente ; repartir d'abundância cem os indigentes,
propor muitas vezes planos de utilidade publica, e parti-
cular, e felizmente executallos : Eis aqui o fantasma, que
vos mette medo. Tendes o caracter dos Tartaros de Gen-
giskan,que julgaram haver grandes crimes nas couzas mais

se deve admirar das desgraças que sotFreram os Portuguezes, em


quanto elles occuparaõ a Publica, Authoridade ; sempre assim suce-
deo em todos os tempos, que elles estiveraõ á frente dos Gevernos;
e para melhor demonstrar esta verdade, transcreverei as mesmas pa-
lavras do illustre Bielfeld—L'experience de tous les siecles nous ap-
prend que Ia plupart des Ecclesiastiques, appelés au Gouvernement
des affàires teinporelles y ont tres mal reussi, qu'ils n'ont jamais su
garder un juste milieu entre 1'audace, et Ia foiblesse, que leur ad-
ministration a eté remplie d'intrigues, de cabales, de persecutions,e
de mille orages qui out fa.it des inaux mirais á Ia Societé.—Bielfield.
Inst. Politiq, Tom. 2. chap. 2. parr. 26.
+ Barruel hé ovosso guia. Um cego conduzindo outro, ambos se
precipitaõ no barranco. Barruel foi expulso da Sociedade. Vos
naõ fostes admittido. Ambos vos teudes lançado ás armas da calum-
nia para uma vingança a mais iujusta, e cruel.
Miscellanea. 77S1
insignificantes; e reputaram sem culpa o comraeltiment
dos maiores delictos.t
H á uma -isscrçaõ vossa, a que eu me conformo sem vio-
lência. Asseverais, que na Sociedade ha homens de uma
conducta perversa, e abominável. E quem o d u v i d a ?
O homem por toda a parte hé homem. Mostrai-me no
mappa d o mundo algum paiz, onde se naõ commettaõ
crime* ? Muitas vezes uma probidade affectada hé um
verniz, q u e está cubrindo corrupção de costumes, e erros
de espirito. E m toes circunstancias hé fácil o engano.*
O Piloto mais destro, e perito d á nos escolhos cubertos de
ondas tranquillas, porque os ignora. Um adepto q u e se
apresente revestido de bellas exterioridades, .e abonado p o r
algum p a d r i n h o illuso h é acceito. Se pelo tempo em
diante tira a mascara, e desenvolve as paixões até eutaÕ
suífocadas, a Sociedade melindrosa neste ponto naõ p o u p a
a correcçaõ fraterna á devassidaó publica dos seus cos-
tumes. N o caso de escandalosa reincidência he infailivel

+ Montesquieu: Jje TEsprit de3 Loix: tom 3. liv. 24. cap. 14.
* A Sociedade dos t \ L. íeni-se enganado muitas vezes na escolha
dos seus membros, mas is',o nada. prova coutra a pureza da sua insti-
tuição ; alias dever-se-hia applicar o mesmo argumento á todas »s
Corporações Religiosas, e ás mais santas Instituições: n'uma e n'ou-
tras tein apparecido homens fracos, ambiciosos, caluinuiadores, e
Apóstatas, que vendo-se conhecidos, e desmascarados, o seu ódio os
arrojou a serem os perseguidores da mesma Mãy, que os protegia, e
alimentava. A Historia tanto Ecclesiastica, como profana nos apre-
senta destes quadros revoltantes. O medo, a inveja, e a vingança,
que em todos os lempos tem sido o movei do coração do homem, e
a causa de todos os seus delírios, e criminosos attentados, apoderan-
do-se igualmente da Maçonaria, produzio entre ella os Barrueis, e os
Apóstatas que levautand<<-lhe os mais falsos testemunhos ; tem per-
tendido indispor todos os Governos contra taõ respeitável Ordem.
A perseguição fez apparecer destes miseráveis taõbem em Portugal,
uo meio da sua revolução; os seus nomes j a suõ conhecidos, porem
a Posteridade os saberá algum dia, para os olhar com o desprezo,
• exacraçao, que elles merecem.
5 H 2
780 Miscellanea.
a expulsão. Para ser admittido sempre precede um rigo-
roso exame sobre a conducta moral do Candidato; e a
sua immoralidade hé um titulo o mais forte, e decisivo
para a sua inadmissaõ.
Hé uma calumnia affirmar, que entrando na Sociedade
se muda de Religião, e se abraça nma seita. Que há
muitos seitas nos Ajunetamentos Maçonicos, e que ali
entraõ muitos, que professaõ a Religião Catholica, hé
uma verdade, que naõ exige prova. Mas hé precisa
muita ignorância no espirito do homem para a fatua per-
suasão, de que possa subsistir á tantos séculos uma Socie-
dade, em que os membros delia naõ estaõ de accordo sobre
os sentimentos de Religião. J á vos fallei sobre este as-
sumpto na minha resposta ao vosso Opusculo: Agora am-
plificarei as razões, que saõ uma prova convincente para
todo o homem attento, e sensato. Ou nesta Sociedade se
disputa sobre a crença, que cada um professa, ou sobre
esta matéria há um profundo silencio. N o primeiro caso
eada um julgando preferível a sua fé, principiariaõ reci-
procas disputas, inflamar-se-hiaõ os ânimos, nasceriaõ os
duellos, e em pouco tempo a Sociedade seria dissolvida de
um modo estrondozo. Lede a Historia da Igreja, e vereis
que as contendas sobre a Religião tem sido mais funestas,
e tem feito correr mais sangue á humanidade do que as
guerras dos heroes ambiciosos. No segundo caso, o ob-
jecto da Sociedade he sobre um bem pacifico. O amor
fraterno, esuas irmãas a caridade, e a beneficência saõ vir-
tudes do homem religioso, e sociavel. Estas virtudes,
que ali o veneno das paixões naõ infecta, tem um exerci-
cio útil em socorro, e alivio da humanidade.
Parece-me ter dado em geral uma plena refutaçaõ aos
vossos folhetos. Responder em particular á cada uma
das inepcias, que ali estaõ dispersas, naõ hé de um carac-
ter sizudo; e eu lamentaria a perda de tempo taõ mal
applicado. Só me resta dar-vos alguns conselhos, que
Miscellanea. 781
me parecem saudáveis, e necessários. Tendes infamado
horrivelmente uma Sociedade de homens, que naõ tem
outro fim senaõ fazer bem â familias consternadas ; cujo
symbolo hé a caridade, principal virtude da Religião;
cuja beneficência tem chegado por muitas vezes ao excesso
de se privarem os Sócios de uma grande parte dos seus
bens para arrancar innocentes a castigos injustos: Tendes
deitado no seu caracter as mais negras cores, querendo
que o mundo os olhe como traidores á Pátria, Vassallos
infleis, sem Religião, e sem probidade. Vacillo muito se
os remorsos, que agora naõ sentis, mas que vos estarão
devorando no leito da morte, seraõ capazes de suspender a
Justiça de Deus. Temes, que preferindo o interesse á sal-
vação, naÕ appareça escrita na vossa alma em caracteres
indeléveis esta formidável sentença. E de que serye a ura
homem o ganhar todo o mundo â custa de si mesmo, e
perdendo-se a si mesmo ?*
Acabo pedindo-vos, que deis toda a consideração ás
palavras seguintes filhas da eterna verdade, que hé Deus.
O homem, que naõ modera a sua lingua naõ será bem
succedido na terra. O homem injusto achar-se-há oppri-
mido de males na morte.t O que anda buscando como
fará ma], será delle oppriinido.J Sabei, que as vossas
obras, se hé que merecera este nome, em pouco tempo se
riscarão da memória, e teraõ a mesma sorte dos fogos vo-
lantes, que na afomosfera lançaÕ um falso claraõ, e de re-
pente desaparecera. Porque o homem dar-se-há a conhe-
cer pela sua doutrina; mas o que hé vaõ, e naõ tem senso

* Quid enim prodest homini, se raundum universum lucretur,


anima; vero suae detrimentum patiatur ? Math. cap. 16. v. 26.
t Virlinguosus non dirigetur in terra: virura injustum inala capi-
•nt in interitu. Ps. 139. v. 12.
í Qui autem invertigator malorum est, opprimetur a beis. Vcor.
«ap.lt. ?. 2T.
7
782 Miscellanea.
cahirá em despreso.* Espero, que tomeis a boa parte
esta minha correcçaõ fraterna, que só tem por fim, fazer
apparecer a verdade: mostrar o vosso engano; ensinar-vos
a caridade Christaã; e intimar-vos a retractaçaõ de tantos
delírios afirontosos, e de tantas calumnias horendas ; re-
tractaçaõ indispensável para o vosso socego neste mundo,
e para mereceres depois a salvação eterna.
VERITAS.

* Doctrina sua noscetur vir: qui autem vauus et excors est, pa-
tebit contemptui. Prov. cap. 12. v. 8.
Miscellanea. 783
Refiexoens sobre as Novidades deste Mez.
REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Regulamento para o Exercito de Portugal.


No principio deste N \ copiamos o Regulamento para a
organização do Exercito de Portugal; e a respeito do qual
julgamos necessário dizer alguma cousa, na parte que toca &
administração civil do Reyno, e custumes da naçaõ, nesta
matéria.
Desde o principio da monarchia Portugueza, se distinguio
sempre a força armada do Reyno em tres linhas; a saber, tropa
paga, milícias, c ordenanças. Naõ examinaremos aqui a
conveniência ou disconveniencia deste systema, pelo qne toca
& soa efficacia na defeza do Reyno; mas he necessário advertir,
qne esta distineçaõ de tropas éra fnndada nos antigos custumes
da naçaÕ, e nas leys que se julgavam fundamentaes do Reyno;
e por tal modo se distinguiram estas tres linhas, qne evidente-
mente se pretendia com isso impedir a demasiada influencia do
despotismo militar, e o crescimento de um exercito incompatí-
vel com a população do Reyno; como se conhece mui bem do
qne a este respeito escrevem os nossos authores ; e particular-
mente Manuel Scvcrim de Faria, na obra qne intitulou Discur-
sos sobre a disciplina militar.
Desta differença de tropas resultava uma importante con-
sideração, que vem a ser, o serem todos os Portugueses obri-
gados a aprender o exercido das armas, e servir com ellas
em tempo de guerra, e conservarem no tempo da paz os
seus direitos civis, Independentes de chefes militares; é por
isto achamos qne algumas inovaçoens deste Regulamento
sa5 contrarias ao pleno gozo dos direitos civis, que os antigos
Portuguezes tinham em vista, quando se lembraram de fazer
aquellas distineçoens de tropas.
O artigo xxxii. deste Regulamento, em que se tracta dos
Generaes das Províncias, he aquelle em qne achamos estabe-
lecidos os princípios contra qne tomos a maior objecçaõ. O
\ 6*. deste artigo dl», que os Generaes de Provincia seraõ en-
784 Miscellanea.
carregados do socegoe tranquillidade dos seus governos; e naõ
contente com isto o Regulamento diz mais, que elles teraõ sobre
os ministrose cameras toda a authoridade, que lhe he conferida
pelo Regimento dos Governadores das Armas.
Tínhamos direito a esperar, que um Regulamento Militar,
feito debaixo da influencia de um official Inglez, como he
Lord Beresford, naõ somente se absteria de tudo quanto fosse
augmentar a influencia do despotismo militar; mas até que
diminuiria aquella que tinham introduzido alguns officiaes
Alemaens, que serviram em Portugal. O Marechal Beresford
sabe muito bem que, na Inglaterra, a força militar naÕ tem a
menor jurisdicçaõ sobre a authoridade civil; e o mesmo Ma-
rechal podia mui bem saber, se o quizesse indagar, que tam-
bém em Portugal, segundo suas leys e custumes, a força ar-
mada foi sempre sugeita á jurisdicçaõ civil; até que as ideas
despoticas dos officiaes Alemaens, a que alludimos, introduzio
no Reyno essas inovaçoens, de que nos queixamos.
Percebemos mui bem, que o Marechal cita aqui neste § o
Regimento dos Governadores das Armas, para se livrar do
ódio de ser elle o inventor deste perigoso augmento da influen-
cia militar ; mas nem por isso deixamos de nos voltar contra
o Marechal, no que achamos de m á o ; visto que a elle atribui-
mos o que ali ha de bom.
Quando nos regosijamos de ver antes um Inglez do que um
Alemão ou um Turco, commandando as tropas de Portugal,
naÕ consideramos por forma nenhuma a sciencia militar do
indivíduo ; porque nao ha razão nenhuma para suppôr, que
um Inglez seja nem mais valente nem melhor official do que o
Alemão ou o Turco ; mas sim nos alegramos na preferencia do
Inglez ; porque julgamos que pela sua educação, nJum paiz
aonde o despotismo he com tanta razão abominado, esse In-
glez naÕ seria instrumento para extender a oppressaõ militar
em Portugal; assim como faria o tal Alemão, ou o tal Turco :
mas se esse official Inglez, com cuja preferencia nos alegramos
pela sobredicta razão, longe de melhorar a condição dos
Portuguezes com as idéas liberaes do seu paiz, vem servir de
instrumento para a annihilaçaÕ da liberdade civil; entam dese-
Itfíscellanea. 785
junos de todo o coração, que se vá outra vez embora para sua
terra, e deixe aos Portuguezes remediar como puderem os
males, que desejamos ver extinetos.
Segundo as leys de Portugal, todos os homens capaxes de
pegar e armas saõ obrigados a servir,, pelo menos nas orde-
nanças ; o recrutamento e disciplina destas fica, pelo k 4". deite
artigo sugeito, aos Generaes das Provincias, debaixo das Ordens
do General em Chefe; logo vem este General em Chefe a ter
nma influencia directa sobre todos os homens do Reyno, capaxes
de pegar em armas, influencia que nunca se concedeo a nenhum
magistrado civil, nem a algum posto militar no Reyno de Por-
tugal ; e que na Inglaterra pareceria até absurdo o íallar-se
nisso; e no entanto he um official Inglez, quem mantém simi-
lhante svstema agora em Portugal.
No § 7*. quando se tractado auxilio de tropas ao magistra-
do ei?il, diz que este auxilio se concederá para diligencias em
que estiver pceseute algum ministro, c naõ acompanhará sim-
pletmente escrivaens ou alcaides. Outra vez lembramos aqui
ao Marechal as leys de Inglaterra, e naS menos as de Portugal:
o auxilio de tropa naS seda cm honra do individuo magistrado,
mas sim quando se julga necessário para a execução das leys ;
e se essa necessidade existe, nunca deve importar a graduação
do official civil, qae pede o auxilio; por quanto se um alcaide,
tendo de fazer nma pinhora, precisa do auxilio militar, dove
este conceder-se, sem que entre cm contemplação a graduação
do alcaide.
No k 8*. diz o regulamento, que, neste caso de se dar auxilio
ao magistrado, a disposição da tropa pertencerá ao official
militar, e naS ao mini tro: nestes termos, como naS se declara
que o official militar deve obedecer ao ministro, segoir-se-ba
sempre qae em taes casos, quem dirigirá a diligencia será o
official militar; e portanto fica escusada a ingerência do ma*
gistrad civil.
A linguagem do % 8*. he na verdade t I, que a sapporiamos
mais procedida de um general da eschola de Napoleaõ; do que
de um official Inglês.
VOL. XVIL NO. 103. 5x
786 Miscellanea.
Primeiramente estabelece este paragrapho o principio dr nm
Governo despotico, determinando que os Generaes das Pro-
vincias saõ os encarregados do socego publico: dahi prohibe
aos magisiiados, cameras, &c. convocar os povos armados;
ainda que seja para roontcrias • e ultimamente determina, qu»
os que o contrario fizerem seraõ reputados perturbadores do
socego publico. Esta ultima phrase constando de palavra»
vagas sem determinar o crime, nem fixar-lhe o castigo, encon-
tra-se repetidas vezes nas ordenanças de Napoleaõ o I. de
detestável memória; mas nunca a temos em nenhuma ley In-
gleza; nem a vimos ja mais assim vagamente proposta na le.
gislaçaÕ de Portugal, anterior á epocha do ministério do
Marquez de Pombal.
E como se começassem agora os magistrados a ser temíveis
ao Governo, pelo k &*• s e determina, que para a condo ça 8 de
prezos, e outras diligencias, naõ poderão os magistrados con-
vocar mais de vinte paizanos armados. NaÕ pára aqui o
Regulamento, pois ue § 10; dà permissão ás Cameras para con-
tinuar a convocar as pessoas de sua governança, com tanto
que naõ appareçam armados ; sendo assim que peta primeira
vez apparece em Portngal, n'ttm Regulamento Militar, pre-
scripto o modo de fazerem as Cameras os seus ajunetamentos,
como se com isto se intentasse indicar, que o Código Militar
he o que ha de comprehender daqui em diante todos os deveres
do cidadão.
NaÕ obstante, pois, esta desmedida influencia, que se dá ao
Militar, neste regulamento, o General em Chefe se põem de
tal maneira independente do Governo do Reyno, que parece
ficar tendo Portugal dnas authoridades distincta» uma da outra;
absurdo que naÕ vemos practieado, nem ainda BOS governes
despotico-militares; porque nesses ha, peto menos, a-eofcereneta
de estar tudo sugeito ao militar; e naõ duas authoridades dts-
tinetas e independentes entre si, n'um so Reyno, como per
este regulamento sa estabelece em Portugal.
N o artigo 27 § 2 , se diz, que o General em Chefe poderá reu-
nir por tres dias qualquer regimento de milicias, tem ser obri-
gado a dar anticipadamente parte ao Governo. Perguntara-
Miscellanea. 787
mos nós ( para que se pôs aqui esta excepçaõ de tres dias t
Porque, se he conveniente, qne o Marechal governe as mili-
cias assim como as tropas da primeira linha, a sua faculdade
de ajunctar e disciplinar as milicias naÕ se deve limitar a tres
dias. Mas daqui o que inferimos he, que se conhecia taxa
bem, ao tempo da formaçaÕ(do Regulamento, que a influencia
do General em Chefe devia limitar-se unicamente á tropa de
primeira linha; e qne para satisfazer contemptaçoens particu-
lares, ss admittio entaõ a excepçaõ dos tres dias; para o que
naõ pôde dar-se, nem neste mesmo Regulamento, razaõ alguma
sufficiente.
Limitar.nos-hemos aos exemplos notados, posto que pode-
ríamos citar outros muitos, de indevida influencia, que por
este regulamento se deo aos Militares ; e as nossas observaçoens
saõ feitas sem a menor relação aos indivíduos, nem do Ma-
rechal, nem dos Governadores do Reyno. Quanto ao Ma-
rechal, excepto a accusaçaõ que lhe fazemos, pela parte que
suppómos haver tido na compilação deste Regulamento,
temos delle tam boa opinião, quanto he má a que entretemos
dos Senhores Governadores do Reyno. Mas he preciso racio.
cinar nestas cousas em abstracto, seja quem for o General em
Chefe, sejam quem forem os Governadores do Reyno.
Se estes naõ merecem a confiança do Soberano, devem ser
mudados e substituídos por outros; mas em quanto oecupam
aquelle lugar devem exercitar toda a authoridado sobre a tropa;
porque a força armada naõ he senaõ um apoio do governo
civil. Do contrario virá Portugal peto tempo a diante a per-
der as suas leys e custumes, ficando tudo sugeito ao militar;
como acontece em Constantinopla, aonde os Janisaros põem
e dispõem do Governo como bem lhes parece.

ALEMANHA.

O theatro mais importante n'um ponto de vista politica, a


este momento, he a Alemanha; aonde se disputa a respeito do
melhoramento das instituiçoens sociaes, naõ com a espada,
5 i 2
788 Miscellanea.
como fizeram os Francezes pelos 25 annos passados, e acaba-
ram por ser escravos de Napoleaõ ; mas com a penna, e com
as astucias dos gabinetes.
A Dieta, em Frankfort, he o centro aonde se enviam as opi-
nioens de todas as Cortes e Governos da Alemanha; mas os
escriptos publicados em todas as provincias saõ o Índice do
modo de pensar da naçaõ em geral.
Na Sessaõ da Dieta de 21 de Novembro, fizeram alguns
Deputados importantes observaçoens, sobre a actual Confede.
raçaõ Germânica, conforme se acha estabelecida pelo Con-
gresso de Vienna. He esta Confederação composta de mo-
narchias, umas grandes outras pequenas ; de cidades livres
absolutamente, e de outras livres condicionalmente, ou com
certas KmitaçoenB; e em fim, de pequenas republicas, ou go-
vernos democráticos.
O Plenipotenciario de Lnxembonrg na Dieta citou a opinião de
Montesqoieu, no seu Espirito das Leys, para mostrar a difficul-
dade que havia em amalgamar governos, cujos principios eram
tam discordes; outros lembraram o exemplo da Suissa, aonde ha,
e tem subsistido por muito tempo, uma confederação de diffe-
rentes Estados, a que se chama Cantoens, uns dos quaes saõ
Aristocráticos, outros Democráticos. Parece que a eleição de
um chefe, na Casa d'Áustria, para servir de centro commum
a este aggregado de differentes Estados da Alemanha, se consi-
dera geralmente como remédio efficaz, aos males que podem
resultar da discordância de princípios essenciaes de Governo,
nos differentes Estados; mas este remédio naÕ deixa de causar
seus zelos e temores; porque, affcctando o Pleuipotcnciario de
Luxemburgo crer e confirmar a declaração, que fizera o Presi-
dente, na sua falia da abertura da sessaõ, de que a Áustria,
assumindo a Presidência, que o Acto da Confederação lhe
concedia, naÕ tinha vistas de ambição, antes se considerava
igual aos demais Membros da Confederação; disse aquelle
mesmo Plenipotenciario de Luxemburgo, que, na Alemanha,
naõ haveria Macedonia; alludindo á historia da Grécia, aonde,
tendo o poder de Phillippe crescido em demasia, em compara-
ção dos outros Estados Gregos, e sendo a Confederação destes
Miscellanea. 789
composta de monarchias, de aristocracias e de democracias, se
aproveitou disto Alexandre para absorver na Macedonia os
demais Estados que haviam sido independentes. Da allusao,
pois, que fez o Plenipotenciario a tal facto, concluímos, que
elle mesmo naõ deixa de entreter receios da A-nstria ; posto
que se mostrasse satisfeito com a declaração do Presidente; a
allegou elle, como razaõ de estar satisfeito, a differença que
ha entre a Confederação da Alemanha e a da Grécia; porque-
esta naõ tinha garantia em potências estrangeiras, como tem a
Confederação Alemaã, em todas as potências Europeas, que
assignâram os tractados no Congresso de Vienna.
Nós, porém, julgamos este argumento especioso de tanto
menos força, quanto a experiência diária nos está mostrando,
que as garantias das potências estrangeiras só duram em quanto
Uso lhe convém ; e nesse caso escusadas saõ as garantias; e
quando a Alemanha se vir nos mesmos apertos em que a Ma-
cedonia pôs o resto da Grécia, esse Plenipotenciario achará
nos garantidores da Confederação o mesmo auxilio, que as
Potências Asiáticas prestaram á Grécia; isto he, aproveitarem-
se das dissençoens domesticas, para tirarem dahi partido.
Mas alem das discnssoent, entre os Governos dos differentes
Estados uns com outros, ha outras discussoens muito mais im-
portantes, que saõ as que existem entre os povos, e sens re-
spectivos Governos. A opinião geral na Alemanha he, que as
Constituiçoens dos differentes Estados devem ser formadas
sobre a baze de Governos Representativos. A isto se oppóem
naturalmente todos os amigos do governo arbitrário ; mas em
alguns Estados tem sido impossível obstar á torrente da opi-
nião publica.
O Enviado de Saxe-Weimar apresentou á Dieta e pedio a
sua garantia á Constituição, que o Gram Duque tinha formado
para seus Estados ; o que ainda naõ pôde conseguir. LM Rey
de Wurtemberg, parece summamente moderado, pelo que se
colhe do rescripto qne copiamos a p. 739 : mas a Corte de
Baviera faz todos os esforços por extinguir, na Alemanha, toda
a idea de constituição, em que entre representação do Povo.
Sobre esta matéria apparecêo vm celebre folheto em Ale.
790 Miscellanea.
manha, intitulado Quadro Político da Alemanha, e se attribue
á penna de M r . Scheffer ; aonde se mantém que o comporta-
mento dos governantes naquelle paiz deve fomentar necessa-
mente uma revolução ; por serem os principios, que desejam
manter aquelles Governos, inteiramente incompativeis com os
progressos dos conhecimentos, e estado actual de civilização
dos povos ; principalmente quando os mesmos governos, para
se libertarem do jugo Francez, despertaram nos povos os sen-
timentos de patriotismo, e o amor da liberdade c independên-
cia, que produzio o desejado effeito de expulsar os Francezes,
mas que os mesmos Governos naÕ poderão agora suffocar;
porque, entre outros expedientes a que em 1812 recorreram os
Principes da Alemanha, foi a formação das sociedades patrió-
ticas chamadas UniaÕ da Virtude ; e as promessas de Governos
Representativos, logo que os Francezes fossem expulsos; o
que naõ esquece.
Promettêram também os Soberanos d'Alemanha aos povos,
nessa occasiaõ de aperto, que fariam entre si uma Confedera-
ção, segundo a qual, deixariam de haver guerras internas; por-
que as disputas entre os Estados seriam decididas pela Dieta ;
que os Alemaens formariam uma só naçaÕ, posto que debaixo
de vários governos; e por conseqüência todo o Alemaõ pode-
ria viver em qualquer parte da Alemanha que quizesse, e
mudar-se para outra, sendo sempre considerado cidadão Ale-
maõ ; que se estabeleceria a liberdade da imprensa, &c.; e
em fim que as constituiçoens dos differentes Estados teriam
a baze da representação popular.
Isto, diz Mr.Scheffer, esqueceo logo aos Principes, que se acha-
vam em Vienna, cuidando em dividir entre si os territórios con-
quistados, quando Napoleaõ voltou de Elba, e pos tudo em con-
fusão ; pegaram entaõ todos cm armas, renovaram os Principes
suas promessas, que tornaram a esquecer, logo que se acharam se-
nhores de Paris. Aqui se apresentou a El Rey de Prússia uma
deputaçaõ dos Estados Prussianos, pedindo o cumprimento de
suas promessas, n'uma Constituição Representativa, e a de-
missão do Landwehr, que se levantara para defender o paiz, e
naõ para fazer guarniçoens em França. El Rey respondeo
Miscellanea. 791
com promessas, mas cuidou em supprimir a sociedade da Uniaõ
da Virtude, que elle mesmo havia fomentado; com o que a tal
sociedade se transformou em outra chamada Uniaõ Germânica,
que continua a existir ; e que por pertencer a ella foi dimittido
do serviço o General Gneissenau, a* quem El Rey devia o»
planos da campanha contra França, c as victorias de Blucher.
Outros homens distinctos foram obrigados a sair da Prússia,
pelo mesmo motivo, mas a UniaÕ Germânica continuou a aug-
nientar.se.
Baviera he dos estados Alemaens, o que mais se oppóem ao
estabelecimento de constituiçoens representativas ; e daqui vem
a intima uniaõ, que tem procurado com Áustria; aonde nao
pôde haver nenhuma idea de representação, ou mudança do
Governo actual. Mas alguns dos pequenos Estados tem adop-
tado o principio da representação dos povos ; como saõ Hesse-
Darmstadt, Saxe-Weimar, Nassau, e vários Príncipes da Casa
de Saxonia; aonde se tem admittido naÕ só a representação
popular, mas a segurança individual, a liberdade de consciên-
cia, o uso da imprensa sem restricçoens, &c.
Hesse-Cassel tem seguido as máximas da Baviera, assim
como ambos tinham sido os mais submissos subditos de Bona-
parte, e que sustentaram o seu partido até á ultima. O mes-
mo succede na Saxonia, e em outros Estados, aonde prohi-
bindo os Governos todos os escriptos que lhe parece, fazem
imprimir e publicar, que os povos da Alemanha naÕ desejara
estas chamadas reformas em politica; e que os escriptores do
partido contrario saõ os que tem esses desejos, que falsamente
attribuem aos povos.
Este estado de cousas naõ pôde, quanto a nós, durar por
muito tempo, sem que haja commoçoens considerabilissimas,
naõ obstante as precauçoens da " Sagrada Aliiança;" por-
que esta differença entre os Governos e a opinião publica,
que se observa agora na Alemanha, foi a que produzi» a revo-
lução em Inglaterra no meado do século 17 ; e a de França
em 1789. Porém os effeitos da explosão causada pelos Nive-
ladores em Inglaterra, e pelos Jacobinos em França, fôram
muito moderados, em quanto viveram os dous Soberanos, que
792 Miscellanea.
por fim fôram victimas naquellas duas contendas; e a razaS
éra, o amor que os povos, em ambos os paizes, tinham ás re-
spectivas dyuastias de seus Soberanos. Isto naÕ pôde agora
esperar-se na Alemanha; porque as trocas e mudanças de povos
e de territórios de uns Soberanos para outros, deve ter feito
os povos indiferentes ás familias reynantes; e, faltando este
laço de amor, dos povos aos Soberanos, que, nos exemplos alle-
gados, servio de principio de moderação, a explosão cm Ale.
manha será de conseqüências muito mais terríveis.
Os do partido dos Governos absolutos negam que os povos
da Alemanha tenham estas ideas que lhes attribuem os escrip-
tores públicos; mas naõ contradizem os factos históricos;
assim, em um artigo escripto em Baviera, masque se-pretende
ter vindo da Alemanha Media, se attribuem taes opinioens á
ignorância em que aquelles escriptores estaÕ do verdadeiro
character Alemaõ.
Este artigo representa a Alemanha, como habitada por um
povo laborioso, pacificio e pio, amante da tranquillidade, e
seguindo como por instincto a ordem e disciplina; inimigo de
intrigas ; e de tudo quanto he disposição revolucionaria. Diz
este artigo (que he datado de 5 de Dezembro) que os Authores
e Jornalistas querem fazer crer ao mundo o contrario disto ;
mas a historia de Prússia em 1789, e 18d6 refuta estas asser-
çoens ; e o que se diz ide Prússia he applicavel ao resto da Ale-
manha. < Quem dá, pergunta o escriptor do artigo, á NaçaÕ
Alemaã a apparencia de estar cheia de fermentação revolu-
cionaria? Uma pequena e desprezível minoridade ; homens
que se naÕ acham no mundo em parte alguma, nem no circulo
dos negócios; que vivem isolados entre os seus livros, e para
quem he perdida toda a experiência dos nltimos 25 annos, ho-
mens, qne, vivendo nas suas theorias arti6ciaes, estranhos á
realidade, na innocencia de seu coração, guizam discussoens
antigas, e imaginam que os negócios do mundo se podem guiar
pelos seus tinteiros. Com estes, homens honrados se ajunctam
outros, que aspiram a inovaçoens, e elevar a classe media, para
obterem honras, distincçoens, influencia e riquezas. Estes saÕ
os que vociferam por Constituiçoens Representativas, e conti-
Miscellanea. 793
nuamente propõem novos projectos, sem qne possam figurar,
na confusão que fomentam ; e toda a classe de escriptores de
que tanto abunda a Alemanha, se pôcm á frente desta gente,
como fazia em França a classe dos oradores. Este artigo acaba
dirigindo-se aos Alemaens, lembrando-lhe as misérias que re-
sultaram da revolução Franceza; atiçados os povos, pelas
suas arvores da liberdade, barretes da liberdade, e depois de-
nuncias, proscripçoens, e guilhotinas. Entretanto he indubi-
tavel a differença da opinião na Alemanha, entre os Governos,
e certas classes do povo.

ESTADOS U N I D O S .

Em uma das Gazetas de Philadelphia, achamos o seguinte


avizo; que he mui conforme á practica daquelle paiz :—
" Chegou de Hollanda no navio Amphitrite, uma carga de
Alemaens, lavradores, jardinciros, oleiros, alfaiates, çapatei-
ros, padeiros, carniceiros, carpinteiros, marcineiros, artífices
de instrumentos músicos, moleiros, teceloens de meias, fer-
reiros, carpinteiros de rodas, custureiras, refinadoresde açúcar,
distiladores, pastores, confeiteiros, tanoeiros, vidracciros, pe-
dreiros, &c. ; criados, rapazes e raparigas, que se desejara
ajustar com obrigação de servir por certo tempo a quem lhes
pagar a passagem. Dirija-se, quem quizer, a bordo do navio;
que está anchorado oa corrente do rio, em frente de Callow-
hill-street."
Copiamos este avizo da gazeta de Philadelphia ; por ser
sobre um objecto, que muito importa ao Brazil, aonde a po-
pulação, que vem da África, como escravos, naÕ pôde com-
parar-se em utilidade, com esta, que os Estados Uunidos rece-
bem da Europa.
Por duas vezes se receberam no Rio-de-Janeiro, dentro em
poucos annos, emigrados, que seriam mui úteis ao paiz: uma
vez foram habitantes das Ilhas dos Açores ; outra fôram Chi-
nezes, vindos de Macau. Os primeiros seriam agricultores
mui úteis - os segundos eram artistas escolhidos; e de ambas
as vezes se perdeo o fructo, que de tal medida se pudera espe-
Voh. XVII. No. 103. 5K
794 Miscellanea.
r a r ; porque naõ se tomaram previamente as medidas necessá-
rias para a accommodaçaõ daquelles emigrados. Os artitas,
que fôram da França tiveram sem duvida a melhor recepção;
porém constavam, pela maior parte, de indivíduos excellentes
na pintura e outras artes polidas, de que o Brazil no seu estado
actual apenas carece: e a demais o governo nao pôde com as
enormes despezas, que se requerem, para sustentar artífices,
que naÕ acham emprego em suas artes, pelo estado de civiliza-
ção, em que se acha o paiz.
O quo se deve, pois, procurar, he, que a emigração para o
Brazil seja feita segundo os mesmos principios, que se practi-
cam nos Estados Unidos, aonde o Governo naÕ concorre para
isto, senão com as leys que promulga. NaÕ hesitamos em
dizer, que, se no Brazil existisse a mesma legislação, vista a
melhoria do clima, a concurrencia da emigração para ali seria
muito maior do que para os Estados Unidos. Neste ponto só
nma cousa se precisa ; e vem a ser, que os estrangeiros estejam
persuadidos de que encontram no Brazil a mesma protecçaõ de
suas pessoas, e de suas propriedades, que se acha nos Estados
Unidos. Outra vez dizemos, naÕ basta que exista essa protec-
çaõ, lie necessário, também, que o Mundo esteja persuadido de
que ella existe, e um só exemplo de castigo arbitrário, uma só
ley incompatível com a segurança pessoal do individuo, basta
para destruir essa confiança, (que julgamos essencial neste caso.
Entre as novidades deste mez achamos uma importante, que
he a disputa entre os Estados Unidos e a Rússia, pela seguinte
oceurrencia.
O Cônsul Russiano foi accusado de commettcr o crime de
força, em uma filha de certo negociante respeitável, na Ame-
rica, a justiça procurou prender o accusado, que se refugiou
em casa do Ministro Russiano ; o qual sustentou, que o Cônsul
naÕ podia ser prezo, em conseqüência de seu character pu-
blico ; e de ser o pretendido crime, de que o aceusavam, uma
conspiração para o arruinar, estando elle innocente.
A isto respondeo o Governo Americano, que os Cônsules
naÕ saõ, pelo Direito das Gentes, reconhecido na Europa,
izentos do foro do paiz aonde residem ; e que e se accusaçaõ
Miscellanea. 795
éra ou naÕ bem fundada; isso éra o que havia de constar do
processo, quando este se fizesse. O Ministro Russiano, naõ
se deo por satisfeito com isto; e replicou, que a naÕ se lhe
entregar o Cônsul, pedia os seus passaportes, e se retiraria
para a sua Corte. Dizem, que o Imperador apoiara estas pre-
tençoens de seu Ministro; porém julgamos impossível, que o
Imperador Alexandre deixe de acommodar-se, quando lhe
chegarem as explicaçoens, qne se diz lhe mandara o Governo
dos Estados Unidos, por um Enviado especial.

FRANÇA.
O Governo Francez, depois de haver convocado nma Câ-
mara de Deputados á sua satisfacçaõ, tem promovido a pro-
mulgação de leys, que, se dirigem a estabelecer gradualmente
aquelle despotismo constitucional, que éra objecto das queixas
dos Francezes antes da Revolução, e que fez o nome de Napo-
leaõ detestado em toda a Europa. A estes projectos se tem
opposto o partido chamado ultra-realista, o que he bem admi-
rável, vistos os principios que professa este partido, e os que
impugnavam muitos dos membros que compõem agora o Go-
verno. Veremos isto nos tres seguintes projectos de ley.
1°. Sobre a liberdade do indivíduo.
" Art. 1. Todo o individuo accusado de fazer planos oa
conspiraçoens contra a pessoa d5El Rey, segurança do Estado,
ou pessoas da Familia Real, poderá, até a expiração da pre-
sente ley, e sem que seja levado ante os tribunaes, ser prezo e
detido, em virtude de ordens assignadas pelo Presidente do
nosso Conselho de Ministros, edo nosso Ministro Secretario de
Estado da Policia Geral.
" Art. 2. Todos os Carcereiros, e guardas de prisoens seraõ
obrigados*a transmittir ao Governador d'El Re-y, dentro em
24 horas, depois de haverem recebido alguma pessoa, preza em
conseqüência do artigo precedente, uma copia da ordem de
prizaõ»: o Procurador d'El Rey ouvirá immediatamente a
parto, se ella desejar ser ouvida; escreverá minutas de suas
5 K 2
796 Miscellanea.
declaraçoens, receberá as suas representaçoens e seus docu.
mentos, e remetterá tudo, por via do Procurador Geral, ao
Ministro de Justiça, para ser participado ao Conselho d'El
Rey, que decidirá sobre isso.
" Art. 3. A ley de 23 d'Outubro, de 1815, he abrogada.
As medidas adoptadas em execução da dieta ley deixarão de
ter effeito, um mez depois da promulgação da presente ley, a
menos que outra cousa se determine, nos casos e debaixo das
formas da presente ley.
" Art. 4- A presente ley deixará de ter effeito, no 1°. de
Janeiro, de 1818."
A isto chamam os ministros Francezes projecto de ley sobre
a liberdade do individuo; determinando que os indivíduos ob-
noxios aos Ministros possam ser prezos sem processo; e que
as suas representaçoens e documentos sejam entregues ao Pro-
curador Geral; isto he aquelle A vogado d'EI Rey, que. no
caso de processo, tem de ser o accusador do prezo. Nenhum
Portuguez, que conhece a equidade da legislação de sua Pátria,
deixará de fazer aqui a comparação das duas legislaçoens, e
tirar a conclusão do quanto os Francezes trabalham por dar
passos retrogados, do estado de civilização, para o de barba,
rismo.
2 o . Projecto de ley. Liberdade da imprensa.
" Art. 1. NaÕ se poderão publicar gazetas, nem outras
obras periódicas, sem authoridade d'El Rey.
" Art. 2. A presente ley deixará de ter effeito, no 1 \ da
Janeiro, de 1818."
Quanto a esta liberdade da imprensa Franceza, escusamos
dizer mais nada, senaõ recommendar ao Gazeteiro de Lisboa,
que copie isto para a sua Gazeta, como exemplo digno de imi-
tação ; e prova da bondade da Administração de sua Pátria,
no que respeita a liberdade da imprensa.
3 o . Projecto de ley. Confiscaçaõ dos escriptos prohibidos,
" Quando, em virtude do artigo 15, da ley de 24 de Outu-
bro, de 1814, se confiscar ou aprehender alguma obra, a or-
dem e minutas da aprehençaÕ seraõ, sob pena de nulidade,
Miscellanea. 797
notificadas, dentro em 24 horas, á parte, a qual poderá, dentro
em tres dias, proceder em opposiçaõ.
" No caso de opposiçaõ o Procurador d'El Rey usará de
toda a diligencia para decidir, dentro de uma semana desde a
data da opposiçaõ, sobre a confiscaçaõ.
" Depois da demora de uma semana, se a confiscaçaõ naõ
for mantida pelos tribunaes, ficará de nenhum effeito. Todas
as pessoas, em cujo poder se tiver depositado a obra aprehen-
dida, seraõ entaõ obrigadas a entregalla aos proprietários."
Este ultimo projecto, pelo menos he conseqüente com os
outros; o que aconteceo bem diversamente em Hespanha n um
caso que vamos a referir. Flores Estrada, um dos membros
das Cortes Extraordinárias, foi processado em Cadiz, estando
auzente, por haver publicado varias obras de grande perigo,
aonde se mantinham heresias (as obras de Estrada nem uma
palavra trazem sobre Religião) e principios democráticos;
sábio o author por isso condemnado a morte, confiscaçaõ de
bens, e que as suas obras fossem aprehendidas e queimadas.
El Rey confirmou a sentença; excepto no que respeita as
obras, que se naÕ aprehenderam nem queimaram ; posto que o
perigo de suas doutrinas fosse o único motivo da sentença, e
condemnaçaõ do Author.
Porém voltando aos negócios internos da França, achamos
outro projecto de ley, que he igualmente importante, e regula
o modo das eleiçoens para os membros da Câmara dos Depu-
tados. Segundo esta ley se extinguiram os collegios Electo-
raes; e se elegerão os Deputados immediatamente pelos votos
das pessoas, qualificadas a votar; que seraõ todos os homens
do districto, que tiverem chegado á idade de SO annos, e paga-
rem tributos directos annualmente na somma de 300 francos :
calcula-se que o numero de taes pessoas naõ excederá, em toda
a França, 140.000.
O projecto para facultar aos estabelecimentos ecclesiasticos
a acquisisicaõ de bens moveis e de raiz, passou em ley na se-
guinte forma:—
Art. 1. *« Todos o Estabelecimentos Ecclesiasticos, reco.
798 Miscellanea.
nhecidos pela ley, poderão, com a authoridade d'EI Rey, acei-
tar toda a propriedade movei, ou pensoens vitalícias, que lhes
forem concedidas por escriptura, durante a vida das partes,
ou deixadas em testamento.
2. " Todos os Estabelecimentos Ecclesiasticos poderão tam-
bém, com a authoridade d'El Rey, adquirir propriedade immo-
vel ou pensoens vitalícias.
3. " A propriedade immovel, ou pensoens vitalícias, perten-
centes a algum Estabelecimento Ecclesiastico, seraõ possuídas,
in perpetuum, pelo dicto Estabelecimento, e seraõ inaliená-
veis, a menos que a alienação se faça com authoridade d'El
Rey."
A impolitica de conceder ás corporaçoens de maõ morta
bens de raiz, he tam conhecida de todos os Governos, que pa.
rece ser esta medida dos Francezes feita de propósito, como nm
dos passos necessários, para fazer retrogradar o estado de ci-
vilização daquelle paiz. Nem se poderá dizer, que esta objec-
çaõ contra as acquisiçoens de bens de raiz pelas corporaçoens
de maõ morta, seja filha das ideas da revolução chamada Fran-
ceza; pois muito pelo contrario achamos na legislação de
quasi todas as naçoens Europeas, regulamentos tendentes a im-
pedir este conhecido mal da possessão de bens immoveis nas
corporaçoens de maõ morta; e, para naÕ irmos mais longe, em
Portugal sempre os Soberanos se esforçaram por acudir a isto
deste tempos mui antigos, como se vê pelas disposiçoens da
Ley Mental; posto que os obstáculos, que se encontravam nos
custumes religiosos do povo, fossem mui difficultosos a vencer.
A revolução, na França, cortou o nó Gordio, e agora El Rey,
em vez de se aproveitar de um successo, que naõ fôra condu-
zido por elle, e que por tanto lhe naÕ podia attrahir o ódio
dos religiosos, tornou a pôr as cousas naõ só antigo estado em
que estiveram, mas ainda em peior condição.
A mais singular circumstancia na adopçaÕ destas medidas,
para estabelecer o poder arbitrário, he o serem todas ellas pro.
postas pelo partido do Governo, composto de pessoas a quem
os seus antagonistas chamam Jacobinos e Democratas; e serem
Miscellanea, 799
estas medidas oppostas pelo partido a que os Ministeriaes cha-
mam Ultra-realistas, e favorecedores do Despotismo.
A opposiçaõ, porém, ao Governo naõ se limita meramente
ás discussoens nas Camarcas, ou intrigas fora dellas; porque
em La Vendeé tem os Ultra-realistas actualmente recorrido ás
vias de força e violência, para se oppôrem a El Rey e seu Go-
verno, como consta das proclamaçoens, que ambos os partidos
tem publicado a este respeito. Acha-se á frente da insurrei-
ção em La Vandée um M. Menars de St. Jean, Inspector de
Guardas Nacionaes, que se diz ser protegido de Monsieur. Os
partidistas deste bando constam principalmente da nobreea
pobre, e camponezes, que parece naõ terem outro plano fixo,
mais do que destruir as propriedades, que se chamam dos bens
nacionaes vendidos ; e algumas vezes roubando também os
viajantes, carruagens de posta, &c.
Este desarranjo interno da França tem naturalmente produ-
zido tal desfalque nas Finanças, que se dá por certo achar-se
o Governo Francez absolutamente impossibilitado de poder
pagar as contribuiçoens ás Potências Alliadas, nos períodos
estipulados. A conseqüência desta falta, diz o rumor, que tem
sido uma discordância de opinião entre os Aluados, querendo
algums, e oppondo-se outros, a que se perdoe ou demorem os
pagamentos da Contribuição Franceza.
Estes rumores parece confirmarem-se, pela repentina che-
gada do Duqne de Wellington a Londres, aos 26 de Dezem-
bro; naõ podendo esta viagem deixar de ter por fim negocio
importante relativamente á França, e ás tropas alliadas, que
o mesmo Duque commanda. O que se suppoem mais provável
(porque o que na realidade he ainda se nao fez publico) he
que El Rev de França, inhabilitado para pagar as contribui-
çoens aos Alliados, pede que se retire da França parte do ex-
exercito ali postado, para o proteger; mas que algumas das
Potências Alliadas saõ de opinião, que se deve continuar toda
aquella protecçaõ ao Rey de França, quer elle a queira quer
naÕ.
gOQ Miscellanea.

HESPANHA.

As noticias de Hespanha referem, que as difficuldades do


Erário tem ali chegado a um cumulo, que parece tocarem o
seu fim. Com effeito os rendimentos das colônias estaõ ex-
tinctos, em conseqüência da guerra civil ; o commercio rende
pouquíssimo, pela quasi annihilaçaÕ do credito publico, e as
contribuiçoens internas, chamadas Rentas, produzem uma
somma insignificante ; porque sendo tiradas do povo miúdo, e
estando todo elle reduzido á pobreza, pela estagnação do com-
mercio interno e externo, naÕ tem com que possa contribuir
para as despezas publicas.
Houve quem suggerisse a El Rey o chamamento de Cortes,
na supposiçaõ de que cumprindo assim S. M . , posto que tarde,
com a promessa que tiuha feito á NaçaÕ, reviviria com isso de
algum modo o credito publico; mas naõ ha probabilidade algu-
ma de que se adopte tal medida; e quando conviessem nisto
os cortezaõs de Hespanha, vista a tempera do Gabinete Hes-
panhol, he impossível esperar, que se resolvessem a obrar com
toda a extensão necessária; e meias medidas naÕ fariam mais
do que augmentar o mal.
O descontentamento geral da naçaÕ faz aquelle Governo
suspeitoso, e desta circumstancia se aproveitam os malévolos
para fazer denuncias, que, ou sejam verdadeiras ou fingidas,
tendem sempre a augmentar os inimigos do Governo. O Gene-
ral Espoz y Mina foi ultimameute involvido em uma destas de-
nuncias, e a graduação e serviços daquelle official naÕ podiam
deixar de trazer a seu favor a opinião do publico, que por isso
mesmo se volta mais e mais contra o Governo.
Formou-se uma Juncta em Madrid, composta de dous Mi-
nistros, e doze Negociantes de primeira ordem, para 0 fim de
procurar um empréstimo de um milhaõ de patacas, hypothe-
cando-se ao seu pagamento o rendimento das Bullas da Cru-
zada, e os direitos de exportação da laã. Os Negociantes
fôram decididamente de opinião, que nas presentes circunstan-
cias senaõ poderia obter tal empréstimo; porque o empréstimo
de meio mil ha Õ, que se pedio o anno passado, ainda se naõ
Miscellanea. 801
pôde completar, e as 50.000 patacas, que se receberam, fôram
applicadas ao pagamento das tropas, as quaes, naõ obstante
isso, estaõ no maior estado de miséria. Os atrazados, de
1815 e 1816, chegam a 35 milhoens, e o calculo comparativo
da receita e despeza pára o anno de 1817 mostra um déficit de
dez milhoens mais, e nesta situação he impracticavel que El
Rey de Hespanha possa obter um credito, que seria fácil a
muitos indivíduos negociantes de Londres, Amsterdam, ou
Hamburgo.
O Gabinete de Madrid, portanto, acha-se na absoluta impos-
sibilidade de accudir com os soccorros necessários ás suas
colônias revoltadas ; e assim o Conselho das índias propôs
a El Rey um plano de reconciliação, cuja baze he o com-
mercio livre em todos os portos da America Hespanhola, com
certas restricçoens. Esta medida se dirige a dous fins; um, o
de satisfazer os desejos dos revoltados; outro, o de obter a coo-
peração das potências estrangeiras.
O único aluado, porém, que ajuda El Rey de Hespanha, na
sua disputa com as colônias, he a crassa ignorância, em que se
acham os seus habitantes, de tudo quanto saõ principios de
governo e de politica, e a presumpçaõ que tem, de que conhe-
cem tudo que lhes he necessário saber. Assim em toda a parte
faliam de Constituiçoens theoreticas, inapplicaveis aos cus-
tumes dos povos; em cada provincia se levantam governos inde-
pendentes, compostos de homens, que apenas sabem lêreescre.
ver, e de alguns clérigos, que entendem o Latim. Cada parti-
dista, á frente de um punhado de guerrilhas, se julga um general
tam instruído como Turene ou Vauban ; mettidos em uma con-
fusão eterna, naÕ fazem outra cousa mais do que assolar o seu
paiz.
Ultimamente o Congresso em México mandou certo commis-
sionado chamado Herrera, para que organizasse o Governo da
província de Texas, no golpho México. Este commissionado
afixou uma proclamaçaõ, deo faculdade a corsários, para an-
dar a corso contra os Hespanhoes, e abrio communicaçoens
com os Estados Unidos. Porém todas as suas declaraçoens
VOL. XVII. No. 103. 5 *
802 Miscellanea.
naÕ constam de outra cousa senaõ de frazes empoladas contra
os Hespanhoes; e a medida de armar corsários deve metter a
estes novos governadores em ruinosas disputas com as potências
estrangeiras; pela impossibilidade cm que naturalmente se de-
vem achar estes governos novos, fracos, e sem vigor moral,
para reprimir os roubos, que a canalha, que de ordinário
se emprega nos corsos, deve cometter contra outras na-
çoens, debaixo do pretexto de fazer guerra aos Hespanhoes;
inconveniente este, que nem as naçoens mais poderosas e mais
bem governadas podem remediar, quando em tempo de guerra
facultam a seus corsários estas hostilidades marítimas.
Por isto dizemos, que o melhor alliado de Fernando V I L
nas suas colônias, he a ignorância de seus habitantes.

RÚSSIA.

O Império Russiano continua a fazer progressos mui rápi-


dos para a civilização e opulencia, naÕ somente por suas
novas connexoens politicas; mas pelo favor que na Rússia se
dá a toda a casta de industria.
Achamos publicada a seguinte noticia, que nos pode dar
alguma idea do Commercio da Rússia, no Baltico ; e naS du-
vidamos ; que igual prosperidade se observe no mar Branco,
mar Negro, e mar da China.
Entre os 9 de Mayo e 20 de Outubro passado, chegaram a
Cronstadt 839 navios mercantes das seguintes naçoens:—Rus-
sianos 44, Britannicos 366, Suecos 37, Norwegas 14, Dina-
marquezes 57, Prussianos 92, Hollandezes 44, Francezes 5,
Hespanhoes 2 , Portuguezes 19, Hannoverianos 9, Mecklem-
burguezes 18, Americanos 62.
[ 808 ]

CONRESPONDENCIA.

Carta ao Redactor, sobre a Ilha da Madeira.


SENHOR REDACTOR DO CORREIO BRAZILIENSE.

M íduira, 20 de Novembro, de 1810.


A Carta da Câmara desta Cidade, escripta ao seu Procurador na
Corte do H iode-Janeiro, e que V. M«*. inserio no seu Periódico de
Junho, N°. 97, na qual a mesma Câmara o informa sobre as suppii-
cas, que ella dirigia a S. M., em favor dos habitantes desta Ilha;
deu-me motivo bastante para fazer taõbem algumas reflexões sobre
o estado actual da minha Pátria, dezejando, como verdadeiro Pa-
triota, vêr atalhados os iminentes' males, que ameaçam a total
ruina delia, e que, pelos fracos recursos deste vexaJo Povo, naõ se
lhe proporcionando meios de os evitar, viraõ a ser a fatal origem da
sua inevitável disgraça.
A felicidade de qualquer naçaõ tanto depende do verdadeiro pa-
triotismo, como dos meios que o Soberano deveempregar para con-
seguir este taõ dezejado fim : no meio da espantoza guerra, ou no
seio de uma inalterável paz, os esforços de um Monarcha, e de um
povo inteiro, devem sempre concorrer para a prosperidade, e gloria
da sua própria Naçaõ, que só por este meio pode conservar seguros
os felices rezultados da sua independência: com esta reunião de
sentimentos, e de esforços bem combinados, zombará da orgulhoza
preponderância de todas aquellas Nações, cuja ambição se queira
extender por todo o Universo. A feliz, ou desgraçada sorte de qual-
quer NaçaS he mais devida ao virtuozo zelo, ou criminosa indecên-
cia dos poderozos membros que a compõem, do que a tudo aquillo
que sobre ella pôde ter influencie, ou seja pelas alternativas da for-
tuna, ou pela protecçaõ, ou inimizade de uma Naçaõ demasiada-
mente poderoza, que por isso mesmo sempre he soberba, e despotica.
Se, por meio de uma bem merecida recompensa a o verdadeio patri-
otismo, cada uma das Nações defendera sua própria causa com
aquelles nobres estímulos de honra, e de gloria, que sempre devem
acompanhar os homens em todas as suas acções, ver-se-ha a prepon-
derância vacilar no meio dos seus criminosos rojectos, e adoptar

5L2
804 Conrespondencia.
aquelle systema de igualdade, que deve reunir a todas as Nações do
Mundo em uma perfeita harmonia.
Assim como cada uma das Nações deve procurar todos os meios
de firmar sobre as mais sólidas bazes uma estável felicidade, prote-
gendo sempre a sua própria causa, da mesma sorte os habitantes de
qualquer Colônia se devem empenhar em promover a felicidade do
seu próprio Paiz. Deveriam todos os Soberanos reputar por um
crime digno de exemplar castigo a relaxada, e indisculpavel omissão
daquelles, que, abuzando das rigorosas obrigações do seu Ministé-
rio, naõ fossem activos em acautelar os males de um Povo inteiro;
intercedendo por elle aos mesmos Soberanos em casos de extrema
necessidade, que exigem um prompto, e efficaz remédio naõ só para
melhorar a desgraçada sorte do mesmo Povo, mas taõbem para evi-
tar a decadência dos interesses do Estado.
Fundada sobre estes sólidos principios a Câmara desta Cidade fez a
S. M. El Rey Nosso Senhor a reprezentaçaõ, mencionada no Informe
dado em sua Carta ao Reverendo Padre Joaõ Quaresma Caldeira da
Silva, cuja Carta a mesma Câmara mandou ao dicto seu Procurador,
para com ella se poder dirigir na Corte do Rio-de-Janeiro em tudo
aquillo que fosse relativo á mesma reprezentaçaõ. A causa, que a
moveo a levar aos Pés do Throno taõ justas deprecações, he de
tanta ponderação como se manifesta da mesma Carta; e se o rezul-
tado dellas corresponder aos desejos de taÕ providente corporação,
a Madeira recobrará a sua antiga prosperidade, e as Rendas da Real
Fazenda deste Estado, sem a menor vexaçaõ do Povo, viraõ talvez
a ser o duplo do que prezentemente se pôde liquidar.
O Povo desta Ilha, infelizmente reduzido á mais deplorável situa-
ção, tanto pelos flagellos da natureza, como pela excessiva carestía
dos viveres, oceasionada pelas tristes revoluções do Mundo, e muito
principalmente pela guerra da America, naõ vê em torno de si mais
do que os funestos desassocegos que nascem da mísera indigencia :
no meio do immenso turbilhão de infelicidades, que por todos os
lados o perseguem, elle a penas tem a consolação de que o seu Be-
néfico, e Augusto Soberano, naõ deixará de concorrer para a salva-
ção de taõ importante porçaõ dos seus fieis Vassallos, auxiliando a
justa causa do seu Povo, e ao mesmo tempo a sua própria causa.
Baldados naõ seraõ por certo os esforços de uma Câmara taõ cir-
cunspecta, pois que ella justamente se lizongêa de ter dado um taÕ
vantajoso passo para conservar a ramificação do bem publico da
Terra de que tanto depende a prosperidade da Real Fazenda deste
Estado.
6
Conrespondencia. 805
Prodigalizar benefícios a quem os naõ merece, nem pelos seus tra-
balhos, nem pelas suas luzes, nem pelas suas virtudes, só serve de
acostumar os homens a uma perpetua desmoralização, que necessa-
riamente ha de perverter a ordem politica da Sociedade, pois jul-
gando-se os ignorantes, e os indolentes com os mesmos direitos que
os sábios, e os activos, para alcançarem o prêmio devido ás Scien-
cias, e ás fadigas, procuram unicamente exercer empregos que elles
naõ podem por si mesmo desempenhar, atraiçoam os direitos daquel-
les que, por uma continuada serie de trabalhos, os tem merecido,
entregam-se á mais crassa ignorância, e só se esforçaõ em adquirir
aquellas honras, e aquellas riquezas, que por titulo algum lhes po-
dem pertencer: mas quando, pelo contrario, se premia o zelo, a
sciencia, e a actividade dos bons Vassallos, estimula-se com este sau-
dável exemplo a todos os coraçoens susceptíveis de uma bem mere-
cida gloria para a adquirirem por aquelles meios de honrosos traba-
lhos, a que se devem dedicar todos os homens para se fazerem úteis
a si, e precizos ao Estado. E quem mais merece uma proporcio-
nada recompensa ao seu zelo, e á sua actividade do que os filhos da
Madeira ? Quem mais do que elles tem desejado promover uma agri-
cultura de tanta fadiga, e taõ dispendroza como interessante às
Rendas de S. M. ? Qual he o Povo, que, à imitação deste, queira ar-
riscar tanto a sua própria vida propondo-se em lugares os mais peri-
gozos a beneficiar aquelles terrenos onde com os seeulos tem fugido
a terra, as plantas, e a vegetação ?
Se a verdade incontestável de que a Ilha da Madeira só pelo ex-
cessivo trabalho, e despeza que exige a sua agricultura, sempre me-
receo que os nossos Augustos Soberanos prodigalizassem beneficies
a todos os seus habitantes, eximindo-os de pagarem uma grande
parte daquelles tributos, que sempre tem sido impostos aos outros
Vassallos dos seus Reynos, e mais Dominios de Portugal; que naõ
devemos nós esperar nas actuaes circunstancias, em que todo este
Povo se acha por extremo opprimido com os numerosos males, que
sobre elle tem recahido desde a espantosa alluviaõ de 9 de Outubro,
de 1803. ? Foi ella que deo principio a uma enorme maça de fataes
suecessos, que parece ter tocado o ultimo extremo das causas natu-
raes contrarias ao augmento, e prosperidade da cultura desta Colô-
nia, e os fracos esforços de todos os seus habitantes j á naõ podem
impedir a sua total ruina. i Que poderão elles fazer era beneficio de
taõ importante agricultura, se ainda naõ poderam apagar o ferrete
da fome, marcado sobre o seu semblante pela escacez, e carestia,
806 Conrespondencia.
antes de dia em dia tem visto desvanecidas todas as esperanças do
seu melhoramento? ; Em que pobreza senaõ ha de achar este nume-
roso Povo vendo destruída a maior parte das suas vinhas, única es-
perança da sua felicidade, naõ só por effeito de arrebatadas cheas,
mas ainda muito principalmente pela irregularidade das estaçoens que
com estragadoras nevoas, e furiosos ventos as tem consumido, na-
quelle mesmo tempo em que ellas promeltiain as mais abundantes
colheitas ? * Que ruínas se lhe naÕ tem seguido no decurso de oito
annos suecessivos, em que tem havido as mais escaças colheitas, con-
tando cora a que actualmente se vai colher como uma das mais demi-
nutas destes mesmos annos ? • A que decadência o naõ tem reduzido
as dispendiosas, e mortíferas moléstias, que tem graçado nos habi-
tantes deste Paiz, originadas das bebidas espirituosas de que diaria-
mente usavaõ aqui os soldados Britannicos, que foram as primeiras
victimas destes venenosos liquidos, os quaes até entaõ estavam cos-
tumados a bebêllas em paizes humidos, e demaziadamente frios,
onde he preciza a applicaçaõ de taes bebidas, para a conservação da
vida, e cujo uso neste clima he de terríveis conseqüências para a
saúde Publica, que era qua nto bastava para ser logo vedada a en-
trada dellas, alem do atrazo, que taõbem fazem ao dispendio dos nos-
sos vinhos no consumo interno do Paiz ?
Ninguém pôde verdadeiramente exprimir o estado de decadência
em que se acha este mesmo Povo ; mas para se fazer uma idéa da
sua geral consternação basta dizer-se, que para pararem inteiramente
as pequenas transacçoens, que ainda entre elle se fazem, seria muito
bastante que a Juncta da Real Fazenda deste Estado obrigasse todos
os devedores fiscaes a entrarem immediatamente nos Reaes Cofres
com tudo o que a elles saõ obrigados s pois que isto faria logo ab-
sorver o pouco dinheiro que gyra nesta Praça; porque os prejuizos
dos Rendeiros tem sido excessivos ; e a pezar disso tem feito todos
os esforços possíveis, para sol verem as suas dividas em prazos menos
dilatados. Finalmente por qualquer dos lados que se possa contem-
plar todo este Povo, naõ se encontra nelle se naõ obstáculos insupe-
ráveis, para se poder dar o mais pequeno passo na continuação da
grande cultura desta arruinada Colônia.
Taes saõ os justos motivos porque a Câmara desta Cidade implo-
rou de S. M., em nome de todo este mesmo Povo, a extincçaõ dos
impostos, com que elle absolutamente naõ pôde contribuir sem um
grande vexame seu ; assim como a especialissima graça de só os
filhos desta Terra poderem exercer os O.Ticios e Empregos públicos
Conrespondencia. 807
delia, tanto seculares, como ecclesiasticos, privilegio que por muitas
vezes foi concedido a estes pelos nossos Augustos Soberanos. Nega-
dos que lhes fossem agora estes unicos recursos para melhoramento
da sua a tcnuada existência, que felicidade restaria a os filhos da
Madeira? Abandonando entaõ as Sciencias, e a cultura como objec-
tos para elles inteiramente inúteis, seria para lamentar mais a sua
desgraça doque a de todos aquelles a quem a vizinha morte vai mar-
cando o fatal termo da sua existência.
Só por um nobre estimulo de gloria, que sempre tem sido insepa-
rável da Naçaõ Portugueza, he que este Povo deseja conservar a
cultura da sua vinha, por ser esta a única que produz o vinho mais
superior de todo o Universo ; pois do contrario elle a teria inteira-
mente abandonado, procurando tirar a sua subsistência de outras
muitas producções de que o terreno he susceptível, eque prestassem
mais promptos, e efficazes soccorros á sua necessidade diária - mas
esta mudança seria para as Rendas de S. M. de um prejuizo incalcu-
lável, e para o Povo seria um bem permanente, porque naõ ficaria
sujeito á importação dos gêneros da primeira necessidade, que, alem
de absorverem todo o rendimento deste mesmo Povo, por causada
sua continuada carestía, ainda assim mesmo he preciso que elle faça
penosos sacrifícios na sua sustentação. Tanto por este motivo, co-
mo pela aspereza do local, he por extremo custoso promover a cul-
tura desta Colônia, que em uma grande parte dos annos naõ chega
a render para os gastos que com ella se faz. A única felicidade des-
tes Lavradores he terem bastantes filhos para os empregarem no fa-
brico de suas terras, pois entaõ com menos despeza as beneficiam ;
mas aquelles que os naõ tem, ou a peuas tem algumas filhas, preci-
zaõ muito ser ajudados com algum empréstimo de dinheiro : a estes
inconvenientes acudiam sempre os Proprietários ricos, no que res-
peitava as suas propriedades, emprestando dinheiro aos Colonos de-
suas terras para estes as poderem beneficiar, recebendo o diminuto
interesse de cinco por cento,em quanto naõ estivessem pagos da sua
divida; mas hoje em tanta consternação se acha o rico Proprietário,
como o mísero Lavrador: e só um empréstimo de dinheiro dos
Reaes Cofres a muitos destes mesmos Lavradores poderá pôr a Cul-
tura desta Colônia no seu antigo estado.
Naõ se pode duvidar de que os rendimentos mais sólidos para a
Coroa de Portugal saõ os Dizimos, e «>s Direitos do Commercio,
muito especialmente naquellas terras, cuja producçaõ dominante he
o vinho. Por um calculo escrupulosamente feito, dando-se-lhe sem-
808 Conrespondencia.
pre os maiores descontos, e que foi apprezentado em Juncta da Real
Fazenda deste Estado, para demonstrar a verdade Juncta da Real
que acerca desta importante agricultura deo o Contador Geral da
mesma Real Fazenda, Francisco Joaõ Moniz, cora o intuito de ver
melhoradas as rendas de S. M. por meio de justas, e sabias provi-
dencias; se prova, que cada pipa de vinho rende para a Coroa 54.175
reis, e que por conseqüência o Lavrador interessa tanto a S. M.
quanto se pode interessar a si mesmo, poisque a pouco mais chega
na sua maõ o rendimento de uma pipa de vinho. Ora tendo este
Povo o mais ardente desejo de ver conservada a agricultura, e o
Commercio, do seu Paiz, que tanto inlerressaõ os Reaes Cofres, naõ
merece elle o poderoso auxilio, e a magnânima protecçaõ do seu
Soberano ? ; Por ventura quererá S. M. negar as suas Reaes Graças
a esta Colônia, sempre protegida por todos os seus Augustos Prede-
cessores, e que tem sido a inveja de Nações estrangeiras, deixando-a
naõ só ficar abatida na sua agricultura, mas até mesmo convertida
em um terreno inútil ? Por certo que estes naõ saõ os seus desejos;
como amante Pay dos seus Vassallos naõ quererá ver a desgraça dos
filhos da Madeira, e como recto Monarca naõ deixará de promover
a prosperidade de uma Colônia, que, a pezar de todos os sacrifícios,
sempre tem sabido conservar livre do jugo, e dominio estrangeiro.
Alem da esperança que anima a tudo este Povo, deque se daraõ as
mais promptas, e activas providencias para promover a industria
territorial,naõ se omittindo objecto algum, quepossa concorrer para
este taõ desejado fim ; ser-lhe-hia por extremo grato vêr taõbem
animado, e protegido o Commercio desta Ilha por aquelles mesmos
meios que ainda ha bem poucos annos tanto concorreram para a pros-
peridade delle, e para os interesses da Fazenda de S. M. O dinhei-
ro a Letra, tirado dos Reaes Cofres, dando-se aos Negociantes,
com a segurança que neste cazo se requer, sempre tem produzido
vantajosos eflèitos: com elle lucra S. M. o Cambio, que pôde mon-
tar a uma quantia considerável, segundo fôr o Capital que exigirem
os mesmos Negociantes • augmenta os Direitos ; porque engrossa o
Commercio, e ao mesmo tempo facilita aos Proprietários, e aos
Lavradores a venda do seu vinho, oquecontribue efficazmente para
augmentar os Dizimos, pois achando todos elles quem promptamen-
te lho compre, remedeam as suas precizões, promovem a agricul-
tura, nella trabalhaõ com incansável disvello como a mais segura
origem da sua felicidade; mas sendo esta uma das providencias re-
comendadas pela Ley da Instituição da Juncta da Real Fazenda deste
Conrespondencia. 809
Estado, de 20 d'Agosto de 1775, e que se pôz em pratica no anno de
1776, foi inteiramente terminada no de 1808, pela difficuldade que
entaõ havia do saque das Letras, em conseqüência da intrusão dos
Francezes em muitos Reynos da Europa; e desde aquelle mesmo
anno até o presente, apezar de ter a referida Juncta lucrado para cima
de 308, contos de reis, por ter girado nesta Praça perto de 1:600 con-
tos que ella desembolçou, e arrecadou no espaço de 32 annos nunca
mais se pôs em observância o que a este respeito determina a referida
Ley. Esta Praça sem um tal soccorro falta-lhe muito o gyro da moeda,
pela grande applicaçaõ que delia se faz para a mesma Real Juncta,
e seria de surama importância, para auxiliar as Casas que de novo se
estabelecem, e aquellas aquém a demora das liquidações pode pôr
em demaziada consternação, que se renovasse este mesmo gyro tan-
to interessante a S. M. como útil ao Publico ; naõ devendo servir de
obstáculo o dizer-se que parte dos interesses sempre saõ difficeis de
arrecadar, porque existindo por fora menos da sexta parte dos que
ficara apontados, nunca he uma divida que se deva reputar perdida,
e ainda que assim fosse nada se perdia do principal, e sempre o lucro
ficava sendo vantajoso.
Naõ posso taõbem deixar em silencio o grande damno que rezulta a-
os Povos desta Ilha da perda da maior parte das águas, que nacsem nas
serras, por causa da despeza, que se deve fazer, em as conduzir a lu-
gares que só com o soccorro dellas se poderão fertilizar, para o que
deveria sair dos Reaes Cofres todo o dinheiro que fosse precizo, para
com elle se abrirem novas Levadas, ou ficassem estas pertencendo á
Coroa, para receber os rendimentos das mesmas águas, ou aos pro-
prietários particulares, que se obrigassem á satisfação do referido
dinheiro, como antigamente se fez na tirada de muitas Levadas, qu»
actualmente existem, cujo desembolço, feito em conseqüência da
dous Alvarás do Senhor Rey Dom Joaõ IV. o primeiro de 13 de Sep-
tembro de 1844, e o segundo de 7 d' Abril, de 1654, foi pago com.
promptidaõ pelos respectivos hereos das mesmas levadas, resultando
daqui naõ só o benefficio publico, mas taõ bem grandes interesses &
Real Fazenda deste Estado. Um objecto de tanta utilidade para esta
Colônia, naturalmente árida por causa da sua situação local, naõ dei-
xando o demaziado declive delia conservar pôr muito tempo a precisa
huraidade na terra, nunca deveria ter passado em taõ profundo es-
quecimento. Se alguns dos primeiros passos, que se derem para a
salvação da agricultura desta Ilha, naõ forem taõbem dirigidos ao
rompimento de novas levadas, sempre será tardio o melhoramento
VOL. XVII. N o . 103. 5M
810 Conrespondencia.
ella • e uma grande parte dos Lavradores teraõ continuados motivos
de lamentar a perda do seu trabalho, vendo perecer sem remédio,
nas estações calmozas, como sempre lhes tem acontecido, todas aquel-
las novas plantas que por muito temp o naõ podem subsistir em um
dessecado terreno.
Deveria igualmente fallar circumstanciadamente de outros objectos
de grande ponderação ; mas para que naõ seja censurado dedemazi-
adamente extenso, he precizo que reprima os excessos d'aqueüa
paixaõ que tenho concebido pelo bem da minha Pátria, que de certo
merece os maiores indultos do nosso Augusto Soberano. Disculpe
V. Mcc. o triste desafogo de um afflicto, que entranhavelmente
deseja o bem geral dos seus Compatriotas, e ao mesmo tempo taõ
bem dezeja ser,
De V. Mcc.
0 seu mais attento Servidor,
IGNACIO JOZE CORRÊA DRUMMOND.

Carta ao Redactor afavor do monopólio do Tabaco.


SENHOR REDACTOR DO CORREIO BRAZILIENSE !
Nunca me persuadi, depois que me entreguei á cultura dos meus
terroens, que me entrasse na cabeça o pegar em penna, para mani-
festar as minhas ideas sobre qualquer ramo de economia publica;
porque nem os meus conhecimentos, por insignificantes, me impu-
nham esse dever (alias dever sagrado para com a Pátria e Estado, em
quem os possue em um gráo superior) nem o meu gênio e cha-
racter me induziam a tal empreza. Entretanto vai o Contracto
dos tabacos e saboarias em praça suscitam-se questoens, éra
este o vasto assumpto de todas as palestras, em que todo o Mundo
fallava e discutia. Referiam-se alguns ao que tinham lido no seu
Periódico, outros ás Recordaçoens de Jacome Ratton, que elle im-
primio nesse paiz, e outros finalmente seus próprios; e, como he na-
tural, diversificavam muito as opinioens, para o que concorreo mui-
to a occurrencia das circumstancias ; por se apresentarem cálculos
de grandes interesses, e ao mesmo tempo o Baraõ de Quintella, que-
rendo abandonar, como de facto abandonou, esta fonte inesgotável
de immensas riquezas. Apresentam-se a lançar em concurrencia
Diogo Ratton, e o BaraÕ do Sobral, aquelle firmado em cálculos
Conrespondencia, 811
abstractos • e este como Contractador e Caixa, fundando os seus era
conhecimentos positivos do negocio em questão. Eis aqui ura mo-
tivo de se complicarem mais as opinioens do publico, e eis aqui o
que disperlou em mim os desejos de conhecer com mais extençaõ
este negocio, e entaõ busquei lêr e meditar sobre tudo o que se ha-
via escripto em tal assumpto.
Achei no seu Periódico, que V. Mce. olhava o contracto um mo-
nopólio, contrario á industria e prosperidade nacional: uma conta
corrente, que demonstrava os luros de 400:000.000 reis, a opinião
de que lucros tam exorbitantes, a favor de uus poucos de monopo-
listas, eram sempre contrários á felicidade geral; e um projecto ou
de se administrar por conta da Fazenda Real, subsistindo o mono-
pólio para reverter a seu favor os lucros calculados, ou de haver estes
mesmos lucros nos direitos d'importaçaõ, o que V. Mce. achava me-
lhor para favorecer a industria e liberdade.
Achei nas Recordaçoens de Jacome Ratton um calculo, que tinha
por baze o numero da povoaçaõ de Portugal, que desta a quinta
parte dava consumo a tabaco, e tirava em ultimo resultado um sal-
do liquido a favor dos Contractadores de 800:000.000 reis; e a con-
selbava por isso que este Contracto fosse administrado por conta
da Fazenda Real, para aproveitar todo o útil; dando logo o seu pa-
recer sobre a maneira de estabelecer a administração.
Louvei no meu coração o enthusiasmo patriótico, qoe tinha diri-
gido as pennas dos dous dignos escriptores, e meditei muito seria-
mente em um assumpto de tanta importância para as rendas pu-
blicas.
O resultado das minhas meditaçoens naõ se conformou com a
primeira impressão, que recebi na leitura das peças, que deixo die-
tas ; mas, nem por isso que differimos em opinião, eu espero me-
recer censura manifestando-o, nem offender levemente o melindre
dos escriptores, cujo fim éra o melhoramento da sua Pátria, nem
mesmo o ser criminado de extenso, pois desejo tocar em tal as-
sumpto, naõ só opinioens, mas o que tem occurrido por incidente
na arremataçaõ deste contracto, esperando ao mesmo tempo que a
sua benignidade naõ negará, no seu Periódico, um lugar á minha
insuficiente opinião, que deixará de o ser, quando seja illustrada
com as suas sabias e profundas reílexoens.

O Contracto do Tabaco he Monopólio.


Os inconvenientes que daqui resultam ou saõ contra os lavra-
dores do tabaco, ou contra os consumidores. Contra os lavradores;
5 M 2
812 Conrespondencia.
porque, naõ podendo vender em plena liberdade; isto he sem as
formalidades, que lhes impunha o Governo, em conseqüência
das condiçoens do Contracto, naÕ podiam obter aquella vantagem,
que alias obteriam. Contra os consumidores; porque da falta de
liberdade provém a falta de industria, desta a inferior qualidade do
gênero, e a necessidade de o comprar por um certo preço, sempre
exorbitante e por conseqüência incommodo.
Desde o anno de 1810, epocha do desgraçadissimo tractado com
Inglaterra, que os lavradores vendem livremente o tabaco da sua
colheita, e que ainda que subsistam de direito as difficuldades, que
haviam anteriormente, naõ subsistem de facto. ;E quaes saõ as
vantagens, que elles obtiveram com isso 1 i Reputam elles por ven-
tura melhor o seu gênero ? Naõ certamente ; pois nunca o tabaco
esteve tam barato. Entaõ os lavradores naõ lucraram; e segui-
ram-se ao contrario graves prejuizos ao Reyno ; porque se estabe-
leceo em Gibraltar um deposito geral, que destruio o nosso com-
mercio nesse artigo com a Hespanha, e daU sáe todo o contrabando,
que infesta todo o nosso território.
Pelo que pertence aos consumidores pelo melhoramento de in-
dustria, he ramo este em que a industria pôde adiantar bem pouco,
ou nada. 0 nosso tabaco em geral he o melhor que se conhece; e
se o rape Francez (único em que admitto preferencia) he alguma
cousa melhor, essa differença vem da folha, e naõ da manufacturaçaõ;
e por conseqüência naõ he da industria, j Porque razaõ ; se o fosse,
naõ teriam as outras naçoens melhor tabaco do que o nosso ? • Por
que motivo se daria entaõ em toda a Alemanha tanto apreço ao
nosso esturrinho, vulgo de D. Vincente, que de facto he muito apre-
ciado ?
Temos agora a tractar sobre a comraodidade do preço ; porém
como o seu parecer naõ éra desfalcar o Estado, nas rendas prove-
nientes deste ramo ; mas sim sobrecarregar o gênero com um im-
posto equivalente, quando tractarmos deste assumpto veremos, o
que se podia conseguir.
Naõ sendo pois o seu intento, que o Estado perdesse rendimentos
alias tam consideráveis, e até tam providentemente estabelecidos em
gêneros de mero luxo ; porque nada tem de necessário, e por isso
tanto menos onerosos do que os estabelecidos em outras naçoens,
alias bem livres, e credoras de grandes elogios na sua administração
publica, em gêneros da primeira necessidade ; examinamos o seu
projecto nos dous arbítrios que offerecia.
Conrespondencia. 813
Era o primeiro, e o que reputava mais conveniente, o impor
na importação do gênero um direito equivalente ao interesse,
que a Fazenda Real tirava de o trazer por contracto; por-
que o Estado lucrava o mesmo e dava a liberdade daquelle com-
mercio, o que éra muito mais útil. Assentava o calculo de
que os Contractadores consumiam 85,000 arrobas, de que lhe fica-
va de interesse 400:000.000 reis. Suppondo legitimo este cal-
culo, e encostando-nos também ao de Jacorae Ratton, que leva
os fundos empregado» no costeamento do Contracto, considerados
preço dvrremataçaõ, direitos, propinas, &c. a cinco milhoens e
tant>> í achar-se-ha, neste supposto, que o lucro de 400:000.000 reis;
isi**0 e 20 por cento, seja exorbitante ? ; Naõ eram os Contracta-
dores, e naõ saõ ainda obrigados á prompta solução dos pagamen-
tos, em todos os casos pensados e impensados ? • He este risco pe-
queno, no estado de incerteza, em que se acha a Europa, e o Mundo
inteiro? Se isto he risco para os Contractadores jnaõ será utili-
dade para o Estado coutar com certeza positiva com a entrada re-
gular de mezadas, e quartéis, para acudir ás necessidades da marcha
regnlar da sua administração.
Porém deixemos razoens de conjectura, e vamos á demonstração;
e tomemos ja por baze o preço, em que se acha arrematado o Con-
tracto actualmente, que he por 1:441:000.000 reis; e que com di-
reitos, obra pia, guarniçaõ da Ilha Terceira, &c, levará o seu pro-
ducto, a favor da Fazenda Real, á quantia de cinco milhoens com
pouca differença. Eis aqui quanto nós devemos impor sobre as
85.000 arrobas, que se julgam necessárias para consumo do Reyno.
Supponhamos estas 85.000 arrobas postas no porto de Lisboa, pelo
custo e frete a preço de 3.000 reis cada arroba, que faz a somma de
255:000.000 de reis; imponhamos agora os cinco milhoens, que a
Fazenda Real utilizava, sobre as 8S.000 arrobas, e acharemos, que
fica importando cada uma em 24.000 reis ; isto he oito vezes mais
do que o seu custo, ainda antes de manufacturado. j Naõ será de
fácil evidencia, que os gêneros, que ocloplicam o seu valor, convi-
dam ao contrabando ? E, se este he inevitável, quando he um exclu-
sivo • de que difficuldade naõ seria, quando fosse livre a circulação !!!
Porém, ou fosse, ou naõ fosse, se fosse possivel evitar o contraban-
do, o publico o naõ teria mais barato ; por isso que o tabaco em
bruto valeria 24.000 reis a arroba, quasi Í00 reis a libra; e se naõ
fosse possivel evitállo, o Estado perderia; porque o que se consu-
misse por contrabando diminuiria nos direitos. Se quizermos re-
814 Conrespondencia.
correr a uma íicalizaçaõ exacta para o evitar, acharemos que tal fis-
calização, sempre difiicil em negócios de interesse particular se torna
moralmente impossível nos de interesse publico, ainda sem coutar
com a indolência dos empregados, e só com a ambição e ardil dos
contrabandistas: e senaõ, haja vista á exacçaõ das alfândegas, e pe-
nas rigorosas do systema continental, o que naõ obstante, sempre
em toda a parte se introduziram fazendas lnglezas, e gêneros colo-
niaes; pois be bem provável, que taes negociaçoens, em que corriam
tanto risco,{uaõ oflerecessem aos que as intentavam o lucro de 800 por
cento, como ésla offerece. He por conseqüência mais do que pro-
vável, que o contrabando se introduzisse em muito maior abundân-
c i a ; já porque sendo livre a circulação; isto he, naõ debaixo da
guia de uma só sociedade, se tornava o tabaco um gênero, como a
assucar, manteiga, caffé, &c.; que um recoveiro qualquer podia con-
duzir para toda a parte ; ja porque • naõ havendo interessados par-
ticulares, a fiscalização seria pouco escrupulosa. Neste supposto,
naõ podendo os negociantes de ley competir em preço com os con-
trabandistas, desprezariam similhante gyro, abandonando o campo
a estes, e o resultado seria uma absoluta perda para a Fazenda Real.
Era o segundo arbítrio, que offerecia, o ser o Cootraclo adminis-
trado por conta do Estado. Se V. M te . se der o incommodo de cha-
mar á sua memória a sorte que teve o contracto do sal, e o das ba-
leas, por similhante motivo, facilmente achará qual seria a do con-
tracto do tabaco, quando tal acontecesse. Embora V. Mce. imagine
reformas de administração, embora se organizem systemas, que in-
culquem a melhor regularidade; elles somente seraõ plausíveis na
theoria • mas a practica será bem differente. Custumes inveterados
custam muito a desarreigar, e lembre-se, para facilmente se conven-
cer desta verdade, do resultado do Correio, do Papel-sellado, e do
Forlorfrauco. Ainda concedendo que esta administração começasse
com a maior regularidade, bem sabe que he sorte geral dos melhores
estabelicimentos o caducarem, e por isso com o correr do tempo se
perderia a exactidaõ ; e julgo que naõ seria prudente que o Estado
se expuzesse a esta perigosa contingência. De que um negocio
certo he preferível a lucros incerto*, nos mostra a experiência todos
os dias na practica dos melhores especuladores, que ordinariamente
seguram os gêneros do seu commercio. i Para que se privariam
elles de uns tantos por cento que dam de prêmio aos seguradores, se
naõ fosse por achar mais conveniente o contar de certo com o resul-
tado das suas fadigas, e especulaçoens, ainda que desfalcado com a
porçaõ, que deram para sua segurança f
Conrespondencia. 815
Supponhamos nós por um pouco, que o Estado propunha a uma
Sociedade de seguros (se fosse possivel) que lhe segurasse esta o
rendimento certo de cinco milhoens, debaixo das mesmas condiço-
ens, a que se sugeitam os Contractadores; isto he, obrigando-se em
iguaes circumstancias, solitas ou insólitas, ao prompto pagamento,
i Acaso o fariam elles por tum prêmio, menor de 20 por cento f
Creio que naõ. t Entaõ, como posso eu achar exorbitante os lucros
de 400:000.000 reis, que V. Mce. arbitrava aos Contractadores, se he
exactamente um prêmio de 20 por cento dos fundos em gyro ? Naõ
contava V. Mc*, no seu calculo, com risco nenhum em fallencia de
administradores e estanqueiros; pois eu estou persuadido, que naõ
será uma quantia indifferente, e exaqui outro prejuizo, a que se su-
jeitaria o Estado, administrando por sua conta; de que o naõ poria
asalvo toda a austeridade das leys, o que bem se prova na practica
da arrecadação da décima, bullas, almoxarifados, &c.
Naõ se me apontará talvez nem um só exemplo em contrario ao
que fica dicto, relativo á má administração publica. Logo éra
arriscar certeza por improbabilidade, o que seria uma indisculpavel
imprudência.
Lancemos agora as nossas vistas ao calculo de Jacome Ratton, e
acharemos que elle ou he exaggerado, ou o author inconseqüente
nog seus principios. Exaggerado se o liquido producto naõ che-
gava a 800:000.000 reis: inconseqüente, se a tanto chegava, em fazer
com que seu filho, Diogo Ratton, com quem o supponho de boa in-
telligencia, lançasse tam pouco no Contracto, relativamente ao seu
calculo, que ficava ainda com maiores interesses, do que os
400:000.000 reis, que tam grande critica tem merecido. A demon-
stração he bem fácil.
Quando Jacome Ratton formou o seu calculo, andava o Contracto
em 1:100.000.000 reis. Na prolongaçaõ de 1816 ao fim de 1817, in-
clusive, augmentáram os Contractadores actuaes 80:000.000 reis.
Lançaram os novos mais 261, tendo Diogo Ratton chegado somente
a 26o; isto he, 340:000.000 reis, sobre o preço em que andava o
Contracto, quando seu pay formou o seu plano. Logo pretendia lu-
crar 460:000.000 reis • isto he, mais 60 contos do que os 400, que se
criticavam,
Naõ posso portanto deixar de notar um dos dous ; ou o Filho, ou
o Pay. O Filho, se quiz com a practica desmentir a theoria de seu
Pay; e este, se teve ingerência na projectada arremataçaõ, que
aquelle intentou, em o naõ fazer observar exactamente aquillo, que
81(5 Conrespondencia.
dava naõ só como certo, nas até muito favorável aos actuaes Con-
tractadores.
He bem provável, que V. M«* naõ ignore, que Diogo Ratton em
uma das suas propostas se offerecia a dar o sabaõ pelo preço antigo ;
isto he com o abatimento de 60 reis em libra, do preço actual. Sem
me embaraçar com o fim particular, que o induzio a fazer tal pro-
posta, absolutamente inadmissível, ja por se oppôr ás leys, que regu-
lam em geral todos os Contractos Reaes, em que somente se pode
fazer interesse á Fazenda no augmento de preço, a que se- elevam,
e nunca em baratear o artigo do Contracto • circumstancia esta que
naõ ignora nem o arrematante de qualquer barca de passagem; já
porque, sendo estabelecido o preço actual por um decreto, só outro
decreto o podia derrogar; e portanto decisaõ do Soberano, em que
o Governo do Reyno naÕ podia interpor a sua authoridade : sem me
embraçar pois com o fim que a tal proposta o induzio, digo, que foi
pouco attento ao calculo de seu Pay.
Calculara este, querendo fazer muito favor aos actuaes Contracta-
dores, que os habitantes de Portugal, sendo tres milhoens em numero,
cada habitante consumia pelo menos um arratel de sabaõ cada anno,
Neste supposto, barateando-o Diogo Ratton 60 reis em libra, se o
chegasse a arrematar, teria contra si, no producto do sabaõ, tres mi-
lhoens de vezes CO reis $ que saõ 180:000.000 reis. Naõ se admit-
tio a proposta, e lançou conforme as condiçoens e preço esta-
belecido. Para ser coherente nos seus principios, para abono da
opinião de seu pay, e para naõ dar idea de especulação particular,
deveria augmentar esta differença de 180 contos sobre o lanço, que
tinha dado, quando fez tal proposta, que fôram 120 contos; porém
elle lançou somente 140 contos mais, e naõ 180. Exaqui a diffe-
rença, que vai das obras ás palavras 1 Portanto, ou seu pay exag-
gerou o producto liquido do Contracto, quando naÕ tinha tençaõ de
figurar neste negocio, (o que naõ indica pureza de sentimentos) ou,
naõ sendo exaggerado, o filho tinha a escandalosa ambição de querer
lucrar mais do que aquillo, que elle via criticar aos outros. Eu
attribuo éita irregularidade de comportamento ao máo conselho
que o dirigio, na marcha deste negocio, o que naõ aconteceria, se
seu pay lhe estivesse ao lado. Tal he o conceito que elle me deve, e
a idea vantajosa, que tenho do seu character e luzes. < Consentiria
elle, estando presente, que seu filho fizesse a proposta de baratear
o sabaõ, e querer com isto ganhar partido popular ? De que estas
eram as suas vistas, ainda quando disto se quizesse duvidar, o pro-
Conrespondencia. 817
varia de sobejo a força com que Joze Diogo de Bastos, seu sócio, o
que lançava em praça, intimava em vóz bem intelligivel, e no
mesmo acto de lançar—" O nosso povo merece contemplação, e
que se lbe faça beneficio"—Este comportamento inculca malicia ou
ignorância: malicia, se o fez por ganhar partido *. o que he bem
impróprio do cidadão pacifico e socegado; e ignorância, se o fez
sem conhecimeto de causa - em qualquer dos casos estou bem certo,
que, se o Pay aqui estivesse, saberia evitar o que o máo conselho
de outro lhe suggerio; pois a sua probidade e intelligencia o abo-
nam. Foi o mesmo máo conselho, quem o induzio* a communi-
car a falsa noticia, de que tendo elle arrematado o Contracto, e
assignado o termo, o Governo queria, faltando á fé, mandar nova-
mente pôr em praça o Contracto, a requirimento do Baraõ do So-
bral. Elle nunca assignou termo, assignou sim o seu lanço, como
he practica invariável, para assim subir por Consulta da Juncta da
Administração ao Governo, e este decidir o que bem lhe aprouvesse.
Entaõ apparecêo o requirimento do Baraõ do Sobral, decidio o Go-
verno, que fosse outra vez â praça: foi com effeito, naõ se decidio
ainda o negocio no segundo prazo, e voltou terceira vez á praça;
e entaõ tiveram a satisfacçaõ todos os amigos da Pátria e do Estado
de ver que elle naõ tinha ido inutilmente ; pois só no ultimo dia de
lanços subio 136 contos de reis, o que fez com que no todo subisse
do preço actual 251 contos, ao mesmo tempo que, quando Diogo
Ratton queria sustentar que o tinha arrematado, somente tinha
subido 80. Ora a differença de 180, que subio mais, he bem at-
tendivel.
Esta demora, na decisaõ do negocio, trouxe ainda uma vantagem,
para o bom resultado delle, e foi a de constar na Provincia todo o
acontecido, e levar ali á evidencia de que o Baraõ de Quintella, e
antiga sociedade largavam o Contracto, o que, a pezar de todas as
apparencias, éra quasi inacreditável; e, por este facto, se reunio
uma sociedade de capitalistas, muito consideráveis, e se decidiram
a entrar neste importantíssimo negocio. Saõ o» sócios, Joze Antonio
de Campos: Francisco Antonio da Silva Mendes: D. Eugenia Cân-
dida da Fonceca: Domingos Ferreira Pinto Bastos: Jozé Ferreira
Pinto Bastos: Antonio Ferreira Pinto Bastos: Joaõ Ferreira Pinto

* Esta asserçaõ he demasiado forte, contra o individuo, e naS


se devia proferir sem prova: a falsa noticia podia ser espalhada por
outrem. Nota do Redactor.
VOL. XVII. No. 103. 5 ir
818 Conrespondencia.
Bastos: Custodio Teixeira Pinto.* Joze Luiz da Silva: e Manuel
José da Silva Serva. Esta sociedade, composta toda de pessoas co-
nhecidamente muito abonadas, offerece ainda uma circumstancia bem
attendivel ao intererse geral; porque, havendo entre elles algums,
cujo gyro naõ conrespondia ás suas faculdades, tinham grandes
sommas em caixa, e o virem ellas entrar em circulação he de certo
vantajoso ao gyro commum.
D'entre todos elles conheço pessoalmente Francisco Antonio de
Campos, que foi do meu tempo da Universidade, aonde adquirio os
melhores créditos, e me consta, que os sustenta ainda, tanto em
literatura como em probidade. Dos outros sei, era geral, o que
a fama me tem trazido aos ouvidos, tudo em seu abono, tanto em
credito mercantil, como em qualidades pessoaes. Um facto particu-
lar os abona na minha opinião, como homens, que olham com in-
teresse para o bem publico ; e vem a ser; que elles se propõem a
estabelecer em Coimbra um collegio para vinte alumnos tirados da
Casa Pia, ou da classe indigente, que por falta de meios naõ podem
muitas vezes cultivar os talentos, com que a natureza os dotou; o
que naõ pôde ser indifferente a quem ja vio por experiência os ho-
mens beneméritos, que um similhante estabelicimento deo à Pátria,
no tempo de Diogo Ignacio de Pina Manique. Offerecem â disposi-
ção do Governo quatro pensoens de um conto de reis cada uma por
anno, para serem destinadas a quatro sugeitos de conhecidos talen-
tos, para irem fôra do Reyno adquirir conhecimentos, que se jul-
guem -úteis á naçaõ. Tudo isto offerecimento gratuito, que naõ
entra nas condiçoens da arremataçaõ. Eu os louvo dentro no meu
coração, e espero, que m i acompanhe nestes sentimentos. Nenhu-
ma paixaõ particular dirigio a minha penna: o meu amor próprio
naõ se offende, se as minhas opinioens forem contrariadas : o meu
desejo lie que prevaleça o que for mais útil ao bem geral: a minha
vaidade nao me leva á temeridade de querer combater as suas
luzes, e profundos conhecimentos; antes com muito prazer me
assigno.
Seu respeituoso,
ADMIRADOR.

O ENERGÚMENO.

Tem-nos continuado a chegar á maõ os folhetos do Jozé Agosti-


nho, tam propriamente denominado o Author Energúmeno; cujas
5
Conrespondencia. 819
producçoens saõ favorecidas pelo Governo de Lisboa, ao ponto de
lhe nomear um Censor especial, a fim de que tam preciosos escriptos
naõ soffram demora em sua publicação. He este censor especial o
Monsenhor Gordo ; a quem desejamos muitas felicidades, no honro-
so, e instructi vo lugar, de lêr e dar licença para se imprimir o jornal
Critico e Literário,que só tractado Braziliense e do Pato. Podemos
assegurar a Monsenhor Gordo, que naõ julgamos de tal influencia
no publico, a obra que elle approva por especial commissaõ, que
supponhamos necessário responder-lhe ; porque nisto naõ conside-
ramos senaõ a astucia de ridicularizar o Correio Braziliense, suscitan-
do-lhe taÕ desprezível adversário ; como se com isto se quizesse fa-
zer crer ao publico, que para responder ao Correio Braziliense só
basta o Joze Agostinho. Na verdade, neste sentido, naõ deixamos
de attribuir algum mercimento á lembrança; pois naõ se poderia dar
ao Correio Braziliense mais ridícula resposta, nem por mais vil indi-
viduo.
Como olhamos porem a cousa por esta face, he claro o partido,
que devemos tomar; e nos contentaremos, quando tivermos alguma
pagina vazia neste Periódico ; enchêlla com alguma galantaria, so-
bre o chocarreio Jozé Agostinho, e suas obras, approvadas por um
censor especial do Governo ; assim publicamos agora o seguinte.

Biographia de Jozê Agostinho por Bocâge.


SONETO.
Felut in spéculo.
Cortando déz sermôens a canivete, (1)
E roubando uma inteira livraria, (2)
Acompanhando a corja que asso via, (3)
E dando á Mãy dois murros uo topete; (4)
De Arrieiro na estrada andando ao frete, (5)
E cozendo Comédias á Maria, (6)
Empregado vilmente como espia (7)
Entregando o Doutor que em caza o mette. (8)
Nos púlpitos fazendo alto berreiro
Sem ley co'as leys mettendo aos outros medo
E á tôa descompondo o mundo inteiro : (9)
Eis como vive com perpetuo enredo
Para tudo o que he máo sempre em terreiro
0 fofo Exfrade, que se diz Macedo. (10)
5N2
820 Conrespondencia.

Annotações.
(l) Jaz o corpo do delicto em um Sermonario Italiano na
livraria de S. Francisco da Cidade.
(9) A dos Paulistas.
(3) O Exercito da Penha.
(4) Quando sahio de pregar, de S. Izabel, pendindo-lhe esmólla.
(5) Sendo procurado pelo Manique.
(6) Maria da Luz, cômica, de quem era amantarraõ.
(7) No tempo de Lucas de Seabra.
(8) O Sepulveda accuzado na Intendencia de Pedreiro.
(9) Sempre foi seu argumentar.
(10) Seu nome todo verdadeiro he Jozé Agostinho Teigueira.
Feito em 1803.

Respostas a Conrespondentes.
X. P. T. Recebemos todos os papeis; e intentamos publicados,
quando houver opportunidade: pois saõ interessantíssimos para com-
pletar a collecçaõ.

Um Inimigo dos perversos. No N°. seguinte

Jfeiçoado. No N<*. seguinte, podendo caber.


[ 821 ]

INDEX
DO VOLUME XVII.

©0. 98.

POLÍTICA.

Documentos relativos ao Reyno Unido.


Edictal da Juncta da Saúde era Lisboa . . p. 3
Áustria. Decreto para extinguir o papel-moeda . 6
Decreto, para o estabelicimento do Banco . 8
Inglaterra. Falia do Orador dos Communs 10
Falia do Principe Regente . 12
França. Ordenança para a educação dos Cônsules 14
Ordença conferindo a Legiaõ d'Honra aos Príncipes 17
sobre as formulas das leys . . 1 3
Paizes Baixos. Decreto sobre o culto Catholico 19
Ilhas Ionicas. Falia do Presidente do Senado . 21
Proclamaçaõ do General Maitland—azylo dos templos . 24
Do. Do. sobre a intelligencia da Constituição . 26

COMMERCIO E ARTES.
Estado decadente do Commercio de Portugal . 28
Contracto do Tabaco . . . ã9
Preços correntes em Londres . • . 4 1
822 Index.

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra p. 49
. Portugal 45
Abertura da Academia em Lisboa 46
Novo Metronomo 47
Economia Politica de Simonde 49

MISCELLANEA.

Educação Elementar, N°. 4 58


Memória, sobre a Ilha de S. Miguel 63
Inglaterra. Processo contra o General Gore 7T
Exéquias de S. M. Fidelissima 8T
Itália. Entrada do Embaixador Portuguez em Roma 88

Reflexoens sobre as Novidades deste Mez.


Reyno Unido de Portugal, tfc.
População. Nova Capital no Brazil 95
Freiras em S. Miguel 100
Embaixador para Roma • • 103
Congresso dos Soberanos 105
Alemanha . . . . 105
Áustria , . 106
Estados Unidos 10T
França . . . . . 107
Hespanha . . . . • 113
Inglaterra . . . . 113
Ordem de Malta . 115
Potências Barbarescas 115
Rússia . . • » • 117
Suécia . . . . . 118
Wurtemburgo . . . . 118
Conrespondencia. Freiras em S. Miguel 119
Index. 823

J0Ü. 99.

POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.


Nota do Ministro Russiano. Commercio com Portugal p. 126
Aviso sobre a ilha de Sancta Hellena . 126
Traducçaõ da Nota de Lord Bathurst . .127
Portaria da Regência de Lisboa. Incêndios nos pinnaes . 127
Edictal da Juncta da Saúde em Lisboa . 134
França. Ordenança sobre a Legiaõ d'Honra . . 136
Hespanha. Decreto sobre a educação publica . 137
Inglaterra. Tractado coin o Raja de Nepaul 142
Suécia. Falia do Principe da Coroa na Dieta . . 145
Resposta da Dieta . 147
Wurtemberg. Memorial dos Estados a S. M. 149
Hannover. Cessaõ de Lauenburg á Prússia . 151
Paizes Baixos. Memorial de Liege aos Estados • 153

COMMERCIO E ARTES.
Edictal da Juncta de Commercio de Lisboa, sobre as reclama-
çoens em França. 153
Observaçoens, sobre o edictal acima . 159
Decadência do Commercio de Portugal . 161
Contracto do Tabaco . 170
Preços correntes em Londres , . 178

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra 179
Portugal 181
Descuberta importante para as minas de carvaõ 182
Brazil. Prelecçoens Philosophicas de Ferreira 187
Economia Politica de Simonde 198
824 Index.

MISCELLANEA.
Educação elementar, N°. 5 , p. 205
Resposta aos folhetos de Jozé Agostinho . 209

Novidades deste Mez.


Brazil. Chegada das tropas de Lisboa . 213
Ordem do dia 224
Avizo a favor do Brigadeiro A. H. da Costa 215
França. Processo do Abbade Vinson 216
Carta do Duque d'Otranto ao Duque de Wellington 218
Inglaterra. Exposição sobre Bispos Catholicos 229

Reflexoens sobre as Novidades deste Mez.


Brazil. Guerra do Rio-da-Prata 234
Creaçaõ de novos Lugares de Letras 239
Dinamarca 240
Estados Unidos 34 •
França 241
Hespanha . 247
Colônias Hespanholas . 249
Inglaterra 250
Napoies 251
Potências Barbarescas . 252
Suécia . 253
Wurtemberg 254
Conrespondencia . . 255

IDO* 100.
POLÍTICA.
Reyno Unido de Portugal Algarves e Brazil.
Portaria do Governo de Lisboa; pagamento de reformados , 257
França. Ordenança para convocar as Câmaras 2.9
Index. 825
Nomeação dos Presidentes dos Collegios Electoraes p. 268
Hespanha. Documentos sobre a prizaõ do V. Cônsul Americano 266
Napoies. Documento sobre a disputa com os Estados Unidos 277
Wurtemberg. Decreto aos Chefes das Repartiçoens . 273

COMMERCIO E ARTES.
Portugal. Edictal sobre os regulamentos da Saúde 283
Decadência do Commercio de Portugal 284
Preços correntes em Londres . 295

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas Publicaçoens em Inglaterra 296
Portugal 298
Historia do Brazil. Annuncio ao Publico 300
Economia Politica de Simonde . . 301

MISCELLANEA.
Educação Elementar, N°.6. . . 317
Resposta aos folhetos de Jozé Agostinho 322
Compromisso do Monte Pio Literário em Lisboa 327
França. Processo do abbade Viuson . 334
Carta do Duque de Otranto ao Duque Wellington 335
Inglaterra. Expedição conlra os Argelinos . 355

Reftexoens sobre as Novidades deste Mez.


Reyno Tnido dePortugal Brazil e Algarves 369
Guerra do Kio-da-Prata 369
Administração interna do Brazil • 372
Contracto do tabaco em Portugal 376
Administração da Justiça em Jfortugal 376
Estados Unidos 378
França 380
3S
Hespanha . . . õ
Colônias Hespanholas SS'7
VOL. XVII. No. 103. 5o
826 Index.
Inglaterra p. 387
Napoies • • . 389
Wurtemburg 393
Jozé Agostinho e o sen Espectador 894

JI30. 101.
POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.


Nota do Ministro Portuguez, em Paris, ao Gov. Francez 397
Resposta do Duque de Richelieu . . . 398
Nota do Ministro Portuguez, em Londres ao Gov. Inglez 399
Resposta de Lord Castlereagh . . . . 400
Officio do Cap. General de Pernambuco . . . 401
do Senado da Bahia a El Rey . . 402
Falia do Enviado da Câmara de S. Paulo a El Rey 403
Reposta de S. M. . . 404
Officio de Câmara de S. Paulo a El Rey . . . 404
Falia do Deputado da Câmara de Mariana a El Rey . 405
Resposta de S. M. . . . 406
Officio da Câmara de Mariana a El Rey . . . 406
Pastoral do Bispo do Funchal, sobre denuncias . . 407
Avizo Regio sobre o Commissario da Inquisição . 409
Pastoral do Bispo dos Funchal: denuncias anonymas . . 410
Edictal da Juncta da Saúde de Lisboa . . 412
Argel. Declaração do Dey abolindo a escravatura . 417
Estados Unidos. Carta do Secretario do Thesouro . 418
Hespanha. Decreto de perdaõ . 419
Paizes Baixos. Mensagem d'EI Rey aos Estados . 421
Tractado com El Rey de Hespanha . . . . 422
Tractado com o Dey de Argel . . . 426
Mensagem d' El Rey, sobre a imprensa . . 427
Roma. Resumo do Edicto sobre a Organização Politica . 422
Rússia. Circular do Secretario d'Estado . . . 433
Manifesto do Imperador em Moscow . • • 434
7
Index. 827

COMMERCIO E ARTES.
Decadência do Commercio de Portugal , p. 435
Paizes Baixos. Abstracto da nova tarifa 443
Preços correntes em Londres 451

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra 452
Portugal . . 453
Economia Politica de Simonde 454

MISCELLANEA.
Educação Elementar, N°. 7""°. 468
0 Investigador e o Espectador . . 472
Compromisso do Monte-pio Literário de Lisboa . 486

Novidades deste Mez.


França. Circular sob re as eleiçoens . 489
Circular do Prefeito do departamento do Norte . 490
Inglaterra. Officios de Lord Exmoush 490
Instituição' Antipiratica 493
Portugal. Exercito Portuguez no Brazil . 495
Ordem do dia do Marechal Beresford : 497
Decreto, remunerando este exercito . 498
Ordem do dia do Marechal Beresford 499
D". D°. havendo voltado a Lisboa 500

Reflexoens sobre as Novidades deste Mez.


Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves 503
Inquisição 503
Guerra do Rio-da-Prata 507
Exercito Portuguez • 509
Marinheiros Portuguzes em Inglaterra . • 510
5 o 2
828 Index.
Embaixada Portugeza em Inglaterra . • p. 511
Contracto de Tabaco . . . .512
Estados Unidos . . 512
Frauça . . . . 613
Hespanha . . . 515
Hamburgo . . . . . . 516
Paizes Baixos . . . . 516
Potências Barbarescas . . . . 518
Roma • > . õ20
Rússia . . . . 520
Suissa . . . . . 522

Conrespondencia,
Carta sobre o Hospital do Funchal . . . 523
Carta sobre a Espectador Portuguez . . 530

390. 103.

POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves,


Nota sobre a contribuição Franceza . . . 533
Decreto para novo systema Commercial . . 537
Alvará sobre as Thesourarias do Exercito . . . 538
Officio remettendo o perdaõ de desertores 549
Decreto de perdaõ dos desertores . . 549
Portaria dos Governadores do Reyno interpretando o decreto 550
Edictal da Juncta da Sande de Lisboa . . 551
Officios da Câmara de Villa Rica a El Rey . . . 553
da Câmara do Sabará a El Rey . . . 555
Alemanha. Aberlura da Dieta falia do Presidente , 556
França. Instrucçoens da Policia, para as eleiçoens . . 566
Falia d'El Rey, na abertura da Sessaõ das Câmaras . 568
Index, 829
Talla de M. Jalbert a El Rey . , , p. 570
Resposta de S. M. • . . . , , 571
Nápoles. Decreto contra as associaçoens Secretas . .571
Paizes Baixos. Falia d' El Rey abertura da Sessaõ . 573
Tractado com Hannover . . . .575
Roma. Instituto para extinguir a mendicidade . 576

COMMERCIO E ARTES.
Contracto do Tabaco em Portugal . , 585
Novo Systema Comercial , 609
Paizes Baixos. Pezos e Medidas novos 612
Uso nas letras de cambio, como se entende . , 614
Preços correntes em Londres . 616

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra . 6IT
Portugal . . 613
Economia Politica de Simonde . 6i9

MISCELLANEA.
Resposta aos folhetos de Joze Agostinho , . 624
Melhoramentos no porto de Pernambuco . . 628
Exercito Portuguez. Ordem do dia . 631
Hespanha. Ceremonial do casamento d'El Rey . . 640
Hospital de Lázaros, no Para . . , 650
Reflexoens sobre as novidades deste mez , . . 652
Brazil. Inquisição . . . 653
Guerra do Rio-da-Prata . . . . 657
Finanças do Brazil . . 661
Participação na contribuição Franceza . . 667
Exercito de Portugal . . 667
Alemanha . . . 668
Estados Unidos . . . . . 670
França . . . . . . 672
Hespanha . . . . . . . 673
830 Index.
Nápoles p. 675
Paizes Baixos 678
Rússia . 679
Saxonia 681
Wurteraberg 682
Conrespendia. Carta sobre Jozé Agostinho 685

J130. 103.
POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.


Regulamento para o Exrecito de Portugal 689
Portaria, sobre o Monte Pio, e Reformados 733
Hespanha. Decreto, sobre a Ordem de Maria Luiza 735
Wurtemberg. Memorial dos Estados a El Rey 737
Rescripto d'EI Rey aos Estados 739

COMMERCIO E ARTES.
Preços correntes em Londres 741

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicacõeus em Inglaterra 742
Portugal 674
Economia Pofitíca de Simonde 674

MISCELLANEA.
Resposta aos folhetos de Joze Agostinho 757

Reflexoens sobre as Novidades deste Mez.


Portugal. Regulamento das Tropas 783
Alemanha 787
Index. 831
Estados Unidos p.793
França . 795
Hespanha . 800
Rússia 802

Conrespondencia.
Carta ao Redactor sobre a Ilha da Madeira 803
Do. Do. a favor do contracto do Tabaco 810
Jozé Agostinho . 818
Respostas a Correspondentes 820

FIM DO INDEX DO VOLUME XVII,


t
Este volume foi fac-similado a partir
de coleção de José Mindlin,
inclusive capas e sobrecapa.
Impresso em Junho de 2002 em papel
Pólen Rustic 85g/m2 nas oficinas da
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
Textos complementares compostos
em Bodoni, corpo 9/11/18.

Potrebbero piacerti anche