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RESUMO DO LIVRO: SENNETT, Richard, A cultura do novo capitalismo.

Rio
de Janeiro: Record, 2006. P.11-79; 165-180
Publicado em 18 de outubro de 2012 por holbeinmenezes
Por Holbein Menezes
1- INTRODUÇÃO
Com o intuito de contextualizar sua visão sobre a cultura do novo capitalismo, o
autor nos leva a uma breve revisão histórica sobre o sistema econômico ocidental,
seus pilares conceituais e sua evolução na base do tempo, fundamentando-se nos
pensadores tradicionais que analisaram e o conceituaram.
Esta brevíssima, mas, importante excursão histórica, nos leva a perceber como as
instituições que sustentaram a sociedade capitalista no inicio do século XX estão
em transformação. As diferenças entre os novos e os velhos paradigmas se
contrastam ao redor do conceito de burocracia, na forma concebida por Max
Weber, como elemento central da sociedade capitalista.
Neste contexto maior, o autor analisa as mudanças nos modos de conceber a
cultura, esta, num sentido antes antropológico do que artístico. Modificações que
teriam suas origens na crise das instituições e no crescimento das desigualdades
econômicas. Sob este aspecto, em que as instituições se fragmentam e as
condições sociais se tornam instáveis, emerge um conjunto de desafios às
subjetividades humanas.
O primeiro dos desafios diz respeito ao tempo, ou a uma relação de curto prazo.
Quando as mudanças permanentes inviabilizam planejamentos de longo prazo, “o
indivíduo pode ser obrigado a improvisar a narrativa de sua própria vida, e mesmo
a se virar sem um sentimento constante de si mesmo”.
O segundo desafio diz respeito ao talento, ou a como desenvolver suas
capacidades potenciais em uma cultura onde novas capacitações são exigidas a
cada momento, onde “os trabalhadores precisam atualmente se reciclar a cada
período de oito a doze anos”. Em lugar do artesanato, a cultura contemporânea
impõe seu conceito de meritocracia que abre espaço para habilidades potencias
em detrimento das realizações passadas
Em decorrência disto, identificamos o terceiro desafio, que enseja permitir que o
passado fique para traz, criando uma espécie de “presentificação”, isto é, descartar
as experiências já vividas. As modificações culturais desencadeadas no
capitalismo contemporâneo impelem à busca de seres ideais: “uma individualidade
voltada para o curto prazo, preocupada com as habilidades potenciais e disposta a
abrir mão das experiências passadas”.
O estabelecimento deste paradigma cultural do novo capitalismo foi percebido
através de pesquisas desenvolvidas pelo autor a partir da década de 1970 nos
Estados Unidos. As mudanças estruturais descritas por Sennett não tem fronteiras
nacionais, sendo notado que o declínio do emprego vitalício não deve ser
identificado exclusivamente na América, igualmente, o fato é que o
desmantelamento das grandes instituições não advém de uma mão invisível; “a
nova economia continua apenas a ser uma pequena parte da economia como um
todo. Ela efetivamente exerce profunda influencia moral e normativa, funcionando
como padrão avançado da maneira como deve evoluir a economia de maneira
geral”.
O autor nos convida a refletir sobre três temas: i – como as instituições vem
mudando; ii – qual a relação do medo de se tornar supérfluo ou de se tornar
ultrapassado em uma “sociedade da capacitação”; iii – em que o comportamento
em relação ao consumo tem a ver com as atitudes políticas.
2 – BUROCRACIA
Segundo Sennett, as transformações das instituições modernas produziram efeitos
colaterais no mercado de trabalho, e surgiram num momento em que as se
multiplicaram as desigualdades, seja pelo “desaparecimento” dos modelos
clássicos de emprego, seja pela globalização das economias. “Tudo o que é solido
se desmancha no ar”, cita o autor se referindo a uma celebre formulação de Karl
Marx sobre o capitalismo.
Desde a época de Marx a instabilidade parece ser a única constante do
capitalismo. O sociólogo Joseph Schumpeter inclusive cunhou a famosa frase
“Destruição Criativa” descrevendo sucintamente como um novo paradigma é
estabelecido quando da destruição do anterior. Os estudos destes sociólogos
permitiram a Max Weber no fim do século XIX compreender a organização
capitalista como um mecanismo militarizado. Para Weber as corporações
funcionam cada vez mais como exercito, onde todos possuem seu posto, e, cada
posto sua função definida.
Segundo Weber, todas as formas de racionalização da vida institucional procedem
originalmente de uma origem militar, cujas normas de fraternidade, autoridade e
agressão tem caráter igualmente militar, embora os civis não tenham consciência
de que pensam como soldados. Como economista político, Weber entende que o
exercito constitui um modelo mais lógico da modernidade que o mercado.
Sob este aspecto, a burocracia se torna um modelo explicativo mais aperfeiçoado
para o capitalismo do que o mercado. “O tempo está no cerne do capitalismo
social militarizado: um tempo de longo prazo, cumulativo e, sobretudo, previsível.
Esta imposição burocrática afeta tanto as instituições quanto os indivíduos”.
A organização deste modelo capitalista social concebido por Weber tornava
possível uma previsibilidade em relação ao tempo: as pessoas podiam fazer de
suas vidas narrativas estáveis e planejar em longo prazo suas carreiras
profissionais. Sob o regime da estabilidade, essa organização capitalista
organizava-se tal como uma pirâmide racionalizada. “A pirâmide é ‘racionalizada’,
ou seja, cada posto, cada parte tem uma função definida”.
Sob esta ótica, é possível perceber que o modelo da pirâmide dominou as
organizações, entre elas, o estado previdenciário. O sistema focalizava cada vez
mais a estabilidade e a autopreservação institucional, deixando de lado a efetiva
provisão de cuidados. A figura de retórica da “jaula de ferro” transmite a idéia de
uma burocracia montada para dar estabilidade e solidez, podendo sobreviver a
qualquer tormenta. “A contribuição de Weber neste aspecto se constituiu em
conferir um contexto institucional ao impulso subjetivo”, onde se por um lado é uma
prisão (a burocracia), a “jaula de ferro” também se constitui um lar psicológico.
Com o final do século XX, três mudanças importantes nas organizações tenderam
a deslocar os sólidos pilares do capitalismo social militarizado. A primeira mudança
foi o deslocamento do poder gerencial para o poder acionário, ou seja, uma
transferência de poder dos grandes burocratas institucionais para os investidores,
não raro, literalmente estrangeiros, e, muitas vezes indiferentes à cultura existente
no interior das corporações forjadas ao longo do tempo por associações e alianças
de longa vida.
A segunda mudança, em conexão com a anterior, é a preferência pelos resultados
de curto prazo. Emerge a necessidade de mudanças permanentes, atualizações
constantes e reengenharias – “reinventar-se continuamente ou perecer nos
mercados”. Enormes pressões foram exercidas sobre as empresas para
demonstrar mudanças e flexibilidade interna, parecendo muitas vezes tratar-se de
instituições dinâmicas, ainda que funcionassem cotidianamente como grupos
tradicionais moldados em perfeita harmonia com a época da estabilidade.
A terceira mudança que se defronta a “jaula de ferro” está no desenvolvimento das
novas tecnologias, tornando instantâneas as comunicações em escala planetária e
a manufatura. Com o aperfeiçoamento da tecnologia de comunicações, a
informação pode ser transmitida de maneira intensiva e inequívoca desde sua
origem por toda a corporação. Como consequência desta revolução, aconteceu a
substituição da modulação e da interpretação das ordens por um novo tipo de
centralização.
Essas três modificações serviram de condição para uma nova arquitetura
institucional, diferente da sólida pirâmide do capitalismo social do século XX. O
autor sugere uma nova imagem, a metáfora do tocador de MP3, que são
modernos aparelhos reprodutores de musica que possibilitam a seleção do
conteúdo aleatoriamente, utilizando alta capacidade de armazenamento e também
estratégias de controle (o controle é conferido pela utilização de uma
unidade central de processamento). Essa nova geografia do poder, produzida a
partir da arquitetura “MP3”, evita a autoridade institucional e tem um baixo nível de
capital social.
Weber observou que uma pessoa dotada de autoridade suscita obediência
voluntaria, pois, seus subordinados acreditam nela. Para algumas pessoas, no
entanto, a mistura de maior controle central e menor autoridade funciona muito
bem. As organizações modernas desejam atrair jovens com espírito empreendedor
que não tenham muita vontade de representar autoridade.
Os três déficits identificados pelo autor das mudanças estruturais são: baixo nível
de lealdade institucional, diminuição da confiança informal entre os trabalhadores e
enfraquecimento do conhecimento institucional. Estes níveis são colocados em
prova nos momentos críticos dos ciclos econômicos.
3 – O CAPITALISMO SOCIAL EM NOSSA EPOCA
O autor identifica e examina três características principais do capitalismo
contemporâneo, não apenas estabelecendo uma crítica, mas também analisando
proposições alternativas a esses problemas em nosso tempo. Os três valores
críticos examinados pelo sociólogo foram a narrativa, a utilidade e a perícia.
No que se refere à narrativa, o autor registra que, nas instituições do novo
capitalismo, atuando em contextos temporais curtos e incertos, os sujeitos são
privados de planejar sua vida em longo prazo, o que impossibilita a estabilidade de
uma narrativa. Sennett aponta que, na atualidade, três movimentos colaboram
para a desarticulação desse valor: a criação de instituições paralelas.
O papel do sindicato paralelo neste contexto busca transformar a experiência num
fio narrativo, promovendo atividades para aqueles que ainda não estão grisalhos.
Podem também ser notadas as soluções de compartilhamento de empregos, que
permitem as pessoas equacionarem as relações família-trabalho e os programas
de renda básica, que fornecem a cada jovem adulto uma soma de dinheiro para
usar na educação, na compra de uma casa ou numa reserva para momentos
conturbados.
Estas três vertentes estão voltadas para uma dura realidade, a insegurança não é
apenas uma consequência indesejada das convulsões de mercado, estando na
realidade programadas no novo modelo institucional.
Quanto à utilidade, o autor nos mostra os modos pelos quais a sombra da
inutilidade se amplia no novo capitalismo. No entanto, o autor desloca o sentido de
utilidade do trabalho formal para um significado mais amplo onde “sentir-se útil
significa contribuir com algo de importância para os outros”. Isso permite classificar
as participações voluntárias como alternativas de restabelecimento da utilidade
dos sujeitos no novo capitalismo. A própria utilidade é mais que uma troca utilitária,
trata-se de uma declaração simbólica relevante na medida em que partem da
organização politica e social.
O terceiro valor crítico apontado pelo autor é a perícia, que representa o mais
radical desafio em termos de políticas públicas nesta nova ordem. A perícia,
segundo Sennett, restitui aos sujeitos um sentido de compromisso. Ela é a que
mais desafia a individualidade idealizada pressuposta pelas instituições do
trabalho, da educação e da politica. Há a necessidade de reação coletiva aos
valores predominantes nesse novo capitalismo, sendo possível “que a revolta
contra essa cultura debilitada seja a próxima página que vamos virar”.
4 – CONCLUSÃO

Como um efeito colateral de sua analise, percebemos que o autor joga uma luz nos
fenômeno das redes sociais na internet, que embora não citada e tão pouco estudada nesta
obra, pode muito bem estar desempenhando uma função social para suporte a narrativa da
vida, carente nas instituições formais. O tempo, soberano, se encarregará de dirimir as
duvidas a respeito deste tema e atribuirá a esta nova instituição virtual uma utilidade e
capacidade de subliminarmente compensar as perdas de capital social do novo sistema
econômico.
Roberto Rafael Dias da SilvaI; Elí Teresinha Henn FabrisII

I
Doutorando em Educação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos),
Brasil. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior
(Capes). E-mail: robertoddsilva@yahoo.com.br
II
Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Brasil. E-mail:
efabris@unisinos.br

SENNETT, R. A cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006.

Richard Sennett tem se constituído como um dos mais instigantes analistas sociais
contemporâneos. Temáticas como o trabalho ou as organizações sociais têm
povoado seus intensos e produtivos estudos. O presente livro, A cultura do novo
capitalismo, publicado no Brasil em 2006, é resultado das Conferências Castle, ciclo
de palestras realizadas por Sennett na Universidade de Yale. Tais conferências
tiveram a ética, a política e a economia como assuntos centrais.

O livro parte da perspectiva de que a contemporaneidade tem sido intensa em suas


modificações nos modos de conceber a cultura. Essas modificações seriam
marcadas pela crise das instituições e pelo crescimento das desigualdades
econômicas. Nesse cenário, em que as instituições se fragmentam e as condições
sociais se tornam instáveis, emerge um conjunto de desafios às subjetividades
humanas. O primeiro desses desafios remete à ideia de tempo, ou a uma primazia
do curto prazo. Quando as mudanças permanentes inviabilizam planejamentos de
longo prazo, "o indivíduo pode ser obrigado a improvisar a narrativa de sua própria
vida, e mesmo a se virar sem um sentimento constante de si mesmo" (SENNETT,
2006, p. 13). O segundo desafio está ligado ao talento, ou a como descobrir suas
capacidades potenciais em uma cultura onde novas capacitações são exigidas a
cada momento. O terceiro desafio refere-se a um processo de presentificação, isto
é, de ter a capacidade de deixar o passado para trás. As modificações culturais
desencadeadas no capitalismo contemporâneo implicam a busca de homens e
mulheres ideais: "uma individualidade voltada para o curto prazo, preocupada com
as habilidades potenciais e disposta a abrir mão das experiências passadas"
(SENNETT, 2006, p. 14).

A descrição desse ideal cultural do novo capitalismo (SENNETT, 2006, p. 16) parte
das experiências de pesquisa desenvolvidas pelo sociólogo desde a década de 1970
nos Estados Unidos. Em geral, o livro remete a três temáticas específicas: trabalho,
talento e consumo. Para mobilizar sua analítica, Sennett organizou o livro em
quatro capítulos, que tendem a aproximar-se das temáticas propostas para a
compreensão da cultura do novo capitalismo. Neste texto, descreveremos
brevemente cada uma das seções apresentadas pelo sociólogo e, ao final,
discutiremos algumas produtividades dessas temáticas para as pesquisas
contemporâneas em educação.

No primeiro capítulo, "Burocracia", Sennett descreve as modificações ocorridas nas


instituições contemporâneas que produziram ressonâncias no mundo do trabalho.
Tais ressonâncias emergiram em um tempo no qual as desigualdades se
multiplicaram, seja pela desestabilização dos modelos clássicos de emprego, seja
pelo processo de globalização. Para estabelecer essa análise, Sennett parte dos
estudos de alguns sociólogos clássicos, como Marx e Schumpeter, mas atribui
centralidade às preocupações de Max Weber, em especial, ao modo militarizado de
compreender a organização capitalista desde o século XIX. Weber é um autor que
permite analisar a política do capitalismo social, visto que, tal como observa o
sociólogo, a burocracia se torna melhor modelo explicativo para esse capitalismo do
que o mercado. "O tempo está no cerne deste capitalismo social militarizado: um
tempo de longo prazo, cumulativo e, sobretudo, previsível. Esta imposição
burocrática afetava tanto as regulações institucionais quanto os indivíduos"
(SENNETT, 2006, p. 29).

A organização desse capitalismo social descrito por Weber tornava possível uma
previsibilidade em relação ao tempo: as pessoas podiam fazer de suas vidas
narrativas estáveis e planejar em longo prazo suas carreiras profissionais. Sob o
regime da estabilidade, essa organização capitalista organizava-se tal como uma
pirâmide racionalizada. "A pirâmide é 'racionalizada', ou seja, cada posto, cada
parte tem uma função definida" (SENNETT, 2006, p. 34). Seguindo a análise de
Sennett, nota-se que esse modelo da pirâmide dominou as organizações, entre
elas, o Estado, ao longo do século XX. Outra metáfora weberiana posta em
articulação a essa é a "jaula de ferro", uma vez que a burocracia, com sua
estabilidade e solidez, foi planejada para sobreviver a quaisquer sublevações.

Com o final do século XX, três mudanças importantes nas organizações tenderam a
deslocar os sólidos pilares do capitalismo social militarizado. A primeira mudança
remete do poder gerencial ao acionário, ou seja, uma transferência de poder dos
grandes burocratas institucionais para os investidores. A segunda mudança, em
conexão com a anterior, é a preferência pelos resultados de curto prazo. Emerge a
necessidade de mudanças permanentes, atualizações constantes e reengenharias –
"reinventar-se continuamente ou perecer nos mercados" (SENNETT, 2006, p. 44). A
terceira mudança está no desenvolvimento das novas tecnologias, fazendo
instantâneas as comunicações em escala planetária. Essas três modificações
serviram de condição para uma nova arquitetura institucional, diferente da sólida
pirâmide do capitalismo social do século XX – emerge uma nova imagem: um
tocador de MP3. O MP3 é caracterizado pela flexibilidade (seleciona músicas
aleatoriamente), pela alta capacidade (armazena, em média, dez mil músicas) e
pelas estratégias de controle (o planejamento das ações parte de uma unidade
central de processamento). Essa nova geografia do poder, produzida a partir da
arquitetura MP3, "evita a autoridade institucional e tem um baixo nível de capital
social" (SENNETT, 2006, p. 77).

Em "O talento e o fantasma da inutilidade", segundo capítulo, Richard Sennett dá


ênfase à questão do talento. Procura explorar a maneira como o "fantasma da
inutilidade" articula-se com a questão da educação e da formação, partindo de
algumas questões centrais: "que significa capacitação, ou, de maneira mais
abrangente, talento? Como pode o fato de uma pessoa ser talentosa traduzir-se em
valor econômico?" (SENNETT, 2006, p. 82). O fantasma da inutilidade assumiu sua
primeira forma com o desenvolvimento das cidades, tendo sido explorado
inicialmente por autores como David Ricardo e Thomas Malthus. Na cultura do novo
capitalismo, essa ameaça é mobilizada por três forças: "a oferta global de mão-de-
obra, a automação e a gestão do envelhecimento" (SENNETT, 2006, p. 84). A
oferta global de trabalhadores remete às possibilidades do mercado de buscar
talentos baratos. A automação remete à emergência contínua de novas tecnologias.
A gestão do envelhecimento está na necessidade de formação/capacitação nas
empresas.

Essa perspectiva de produção de algo novo vincula-se tanto ao setor público quanto
ao privado. Isso produz uma ambivalência entre capacitação e inutilidade, o que
encaminha Sennett a pensar os talentos individuais sob as formas da perícia e da
meritocracia. Nos tempos do capitalismo social, a perícia marcava os processos de
produção, isto é, através de autocrítica e autodisciplina, o trabalhador produzia
artefatos qualificados como um fim em si mesmo, pelo prazer de fazer bem feito.
Nas instituições de capitalismo flexível, a perícia não apenas é deslocada, como
também ocupa o lugar de problema. Em instituições voltadas ao curto prazo, não
há espaço para a perícia, emergindo a noção de meritocracia. Sob o modelo da
meritocracia, ocorre uma equiparação entre talento e mérito, na medida em que,
nesse modelo, o talento é visto como aptidão potencial. "Em termos de trabalho, o
'potencial' humano de uma pessoa define-se por sua capacidade de transitar de um
tema a outro, de um problema a outro" (SENNETT, 2006, p. 108). Em síntese,
Sennett argumenta que, nessas instituições, a gestão dos talentos é marcada pelo
jogo ambivalente entre meritocracia e aptidão potencial.

A temática do consumo, seja nas estratégias de marketing, seja na produção das


plataformas políticas, constitui o terceiro capítulo, "A política do consumo". O
sociólogo argumenta que as práticas contemporâneas ligadas ao consumo se
movimentam sob uma "paixão autoconsumptiva" (SENNETT, 2006, p. 128), ou
melhor, uma paixão que se extingue em sua própria intensidade. Cabe ressaltar
que tal mobilizador não se apresenta como um novo acontecimento na cultura do
novo capitalismo, visto que tal acontecimento se movimenta em outros campos,
como a publicidade ou a política.

Sennett explica que a multiplicação contemporânea das práticas de consumo está


afastada de alguns entendimentos que posicionam o consumo como um simples
produtor de exclusões sociais, como uma intensificação das estratégias publicitárias
da indústria cultural ou como uma suposta fragilidade dos produtos fabricados. A
questão é um pouco mais sutil, envolvendo objetivamente a produção de marcas e
de potências que regulam a ação humana tanto no consumo quanto na política. A
ideia de regulação não encaminha para imposições ou violências a um sujeito
passivo, uma vez que ele é ativo nas tramas culturais do consumo do novo
capitalismo. Logo, quando se argumenta sobre a formação de uma sociedade de
consumidores não conseguimos recorrer à imagem de um sujeito que apenas
responde às interpelações ou aos endereçamentos das grandes corporações.

Quando Richard Sennett remete ao consumo de marcas, entende-as no sentido de


diferenciação de produtos construídos em plataforma. Os produtos das grandes
indústrias, como exemplifica o sociólogo com as montadoras automobilísticas, são
possibilidades de notar a construção de produtos construídos sobre uma mesma
base, onde apenas pequenas nuances de estilo e performance os diferenciam. O
outro processo indicado por Sennett é o consumo de potências, produzidas no
sentido de buscas constantes e imediatas de hipervelocidades ou capacidades.
Como exemplo desse processo, o autor indica os iPods, fenômeno do consumo
contemporâneo, que armazenam aproximadamente dez mil músicas de três
minutos.

O sociólogo explica, ainda nessa seção, que as mesmas lógicas que produzem
subjetividades nas práticas de consumo também povoam as atitudes ligadas à
política na contemporaneidade. Sennett aponta cinco maneiras pelas quais o
consumidor-espectador-cidadão é produzido em direção a um estado de
passividade na cultura do novo capitalismo. A primeira maneira está na produção
das plataformas políticas, que são construídas de forma aproximada com as
plataformas de produtos. A segunda maneira está na ênfase atribuída às
diferenças, ancorada em práticas políticas articuladas permanentemente aos jogos
do marketing. A terceira maneira mostra que a produção das políticas é marcada
pela impaciência na obtenção de resultados, de modo que tendem a ignorar as
necessidades humanas. A quarta maneira está no crédito atribuído às políticas de
fácil utilização – ou, como mostra Sennett, "os cidadãos estão deixando de pensar
como artesãos" (SENNETT, 2006, p. 156). A quinta e última maneira apresentada
pelo sociólogo é a aceitação constante dos novos produtos políticos em oferta,
ocasionada pelos problemas de confiança em relação aos partidos políticos, assim
como pelo prevalecimento das ideias de curto prazo em matéria dos processos
políticos.

Na quarta seção, "O capitalismo social em nossa época", Sennett propõe-se a


examinar três características principais do capitalismo contemporâneo, não apenas
estabelecendo uma crítica, mas também analisando proposições alternativas a
esses problemas em nosso tempo. Os três valores críticos examinados pelo
sociólogo foram a narrativa, a utilidade e a perícia. No que se refere à narrativa, o
autor retoma que, nas instituições do novo capitalismo, os sujeitos são privados de
planejar sua vida em longo prazo, o que impossibilita a estabilidade de uma
narrativa. Sennett aponta que, na atualidade, três movimentos colaboram para a
desarticulação desse valor: a criação de instituições paralelas (ou a ressignificação
dos sindicatos), a partilha de empregos e os programas de renda básica. Quanto à
utilidade, Sennett aponta para os modos pelos quais o fantasma da inutilidade se
multiplica contemporaneamente. Entretanto, o sociólogo desloca o sentido de
utilidade do trabalho formal e aponta que "sentir-se útil significa contribuir com
algo de importância para os outros" (SENNETT, 2006, p. 173). Isso permite
posicionar as participações voluntárias como alternativas de restabelecimento da
utilidade dos sujeitos no novo capitalismo. O terceiro valor crítico apontado por
Sennett é a perícia, uma qualidade inviável para as políticas públicas dessa nova
ordem. Como explica o autor, a perícia restitui aos sujeitos um sentido de
compromisso. Tal como um militante dos anos 1960, Richard Sennett finaliza a
seção (e o livro) marcando a necessidade de reação coletiva aos valores
predominantes nesse novo capitalismo, sendo possível "que a revolta contra essa
cultura debilitada seja a próxima página que vamos virar" (SENNETT, 2006, p.
180).

De modo a finalizar esta resenha, apontamos algumas produtividades desse livro


para as pesquisas contemporâneas em educação, pensando que, de certa forma,
elas funcionarão como recomendações a pesquisadores nesse campo. A leitura da
obra torna-se produtiva no entendimento das instituições emergentes nesse novo
capitalismo, não mais alicerçadas nas pirâmides da burocracia descrita por Weber,
mas interativas e flexíveis como um tocador de MP3. Com Sennett, talvez
possamos pensar em escolas MP3, metáfora útil para pensar a escola e suas
práticas neste tempo. Outra produtividade do livro está nos modos de gestão
curricular da escola contemporânea, posicionados em aproximação do conceito de
meritocracia descrito por Sennett, em detrimento da noção de perícia. Um pequeno
exercício analítico mostra-nos a intensidade dos programas de resolução de
problemas ou de gerenciamento de aprendizagem, estratégias essas que mostram
estreitamente a vinculação entre talento e mérito, visibilizada pelo sociólogo. Por
fim, recomendamos a utilização do texto como possibilidade de entendimento para
as condições de possibilidade da educação nas tramas do capitalismo
contemporâneo.

Texto recebido em 30 de junho de 2009.


Texto aprovado em 1º de março de 2010.
O sociólogo do trabalho Richard Sennett já é bastante conhecido do público nacional,
principalmente pelo sucesso alcançado a partir de duas de suas obras anteriores: A
corrosão do caráter e O declínio do homem público, ambas também publicadas pela
Record. Seu novo livro, originalmente concebido como uma coletânea de um ciclo
palestras efetuadas na Universidade de Yale (Castle Lectures in Ethics, Politics,
and Economics, proferidas durante o ano de 2004), terá provavelmente a mesma
popularização de suas obras anteriores. Três são as razões que justificam essa crença e
que estimulam a sua leitura: a atualidade temática, a linguagem clara e objetiva, e a
discussão acerca de possíveis direções a serem desenvolvidas como forma de
enfrentamento de algumas das contradições do momento atual de desenvolvimento do
capitalismo.
INCERTEZA E FLEXIBILIDADE NA NOVA ERA DO CAPITAL
Por Adriano de Lemos Alves Peixoto
Doutorando no Institute of Work Psychology – University of Sheffield–UK
E-mail: a.peixoto@sheffield.ac.uk
RESENHA • INCERTEZA E FLEXIBILIDADE NA NOVA ERA DO CAPITAL
Tudo isso temperado com uma boa dose de rigor analítico, ainda que não seja uma obra
técnica no sentido estrito do termo.
A constatação de que mudanças cada vez mais velozes e irreversíveis acontecem no
domínio da sociedade e no ambiente de negócios se faz, no âmbito da academia, pela
ênfase no tema da mudança e da inovação organizacional e, no mundo corporativo, pela
busca incessante de novas formas de gestão que assegurem, em curto prazo, eficiência e,
em longo prazo, sobrevivência da organização.
Nesse contexto, de um lado os trabalhadores enfrentam o fantasma do desemprego, a
obsolescência não programada de suas habilidades e a incerteza sobre seu futuro; de
outro, o mundo vive um período de incomparável criação de riqueza e prosperidade.
Na origem desse processo se encontram as transformações detonadas pelas contínuas (e
ainda em andamento) revoluções das tecnologias de comunicação e informação, e o
barateamento dos custos de transportes.
Esse é o quadro que emoldura o novo capitalismo, uma nova forma de organização do
trabalho e, por conseguinte, da sociedade, que tem como característica central a
instabilidade e a desigualdade.
É preciso reconhecer que a idéia de uma nova forma de organização do capital não é
nova. Os movimentos de simplificação do trabalho, de envolvimento do trabalhador nos
processos produtivos e de flexibilização da produção datam do início dos anos 1980. E
no final da década de 1990, diante do crescimento dos níveis de produtividade na
economia americana associados à expansão das empresas “pontocom”, chegou-se a
afirmar o surgimento de uma Nova Economia, cujos precei-

ADRIANO DE LEMOS ALVES PEIXOTO


tos contrariariam o paradigma neoclássico aceito até então. De qualquer forma, o
trabalho de Sennett tem o mérito inegável de organizar e sistematizar um pensamento
coerente sobre o tema, dentro de um marco teórico das Ciências Sociais.
A palavra de ordem do novo capitalismo é flexibilidade e o âmbito de sua aplicação são
as instituições, as organizações, as habilidades dos trabalhadores, as relações entre as
pessoas e os contratos de trabalho. O livro aborda justamente as causas e
conseqüências dessas transformações, tendo como enfoque principal a sua dimensão
política, em que a categoria básica de pertencimento social se desloca da cidadania para
o consumo.
O livro se organiza em quatro capítulos, além da introdução. Cada capítulo busca,
primordialmente, responder a um questionamento básico – ainda que haja uma
considerável dose de superposição e permeabilidade entre os capítulos, dada a natureza
do tema. Assim, na primeira parte, o autor busca esclarecer a forma como as instituições
que sustentaram a sociedade capitalista até então estão mudando. As diferenças entre o
novo e o velho se contrastam em torno do conceito de burocracia, na forma
desenvolvida por Max Weber, como elemento central de estruturação e organização da
sociedade capitalista. A burocracia representa estrutura, estabilidade, ordem, tempo de
longa duração, bem como um modelo de inclusão social, na qual cada membro de uma
coletividade tem um lugar e uma função predeterminada dentro de uma ordem social, e
a forma de organização do capitalismo social.
O desmonte das instituições burocráticas, inclusive da grande corporação e do Estado,
liberam um conjunto de forças cuja expressão máxima está na busca de resultados em
curto prazo. Os arranjos flexíveis desmaterializam a produção e a deslocam
geograficamente. Sennett não deixa de reconhecer uma certa ironia do destino ao nos
lembrar que um dos elementos centrais do pensamento de esquerda da geração de
68 consistia justamente no desmonte das grandes burocracias em favor das estruturas
comunitárias.
O segundo capítulo aborda a questão fundamental da transitoriedade das competências e
habilidades necessárias ao trabalhador para que ele seja bem-sucedido nessa nova forma
de expressão do capitalismo e seus impactos e sua perplexidade ao se deparar com um
ambiente de trabalho que a todo instante se transforma e deprecia seu conhecimento. O
conhecimento, a técnica e a experiência que se desenvolvem ao longo do tempo dão
lugar às relações interpessoais e às redes de relacionamento, que se articulam e se
desfazem rapidamente, na medida da necessidade, e à capacidade de aprendizagem de
novas habilidades. As ameaças aos trabalhadores surgem, principalmente, a partir da
globalização da força de trabalho, da automação dos processos produtivos e do aumento
da expectativa de vida da população e seus impactos nos sistemas de previdência.
O terceiro capítulo constrói a relação entre as atitudes políticas e o comportamento do
comsumidor. Na sua base existe o entendimento de que em uma sociedade que se
movimenta cada vez mais rápido, na qual os relacionamentos são cada vez mais
superficiais, não existe tempo suficiente para que haja mediação das divergências e
construção das soluções. A política e o consumo dividem o palco da teatralidade no qual
prevalecem os sentimentos e projetos individuais, e o espetáculo em detrimento da ação
coletiva e do projeto comum.
Finalmente, o quarto capítulo aponta alternativas para a preservação dos principais
valores políticos do chamado capitalismo social. Nesse ponto, a constatação mais forte é
a de que a insegurança e a instabilidade não se apresentam como consequências
indesejadas de um novo modelo de organização do trabalho e da produção, mas são,
antes de tudo, elementos constitutivos, planejados, desse mesmo modelo. Assim, um
projeto político progressista em tal sociedade precisa oferecer a possibilidade de um
elemento concreto que possa servir de integração para os cidadãos. Algo que possa
servir como eixo ao redor do qual as narrativas de vida sejam construídas, já que para o
autor o homem não está preparado para viver em uma sociedade com tal grau de
incerteza sobre seu destino.
A cultura do novo capitalismo em grande medida unifica e sintetiza os trabalhos
anteriores de Sennet sobre o tema, apresentando-se como uma obra de leitura agradavel
e fluida.
Não contém nem explora novas ferramentas metodológicas ou novas categorias
conceituais, mas essa também não é a intenção do autor.
Ainda que os capítulos tenham sido originariamente concebidos de forma independente,
recomenda-se a sua leitura na ordem proposta, pois eles se encontram conceitualmente
encadeados. Em suma, essa é uma obra indicada não somente para aqueles estudiosos
da dinâmica social, mas também para aqueles que operam no cotidiano das
organizações, pois os processos ali apresentados impactam a todos sem distinção.
Sua leitura certamente contribuirá para uma compreensão mais ampla da nossa
realidade social.
Revista aSEPHallus de Orientação Lacaniana Núcleo Sephora de Pesquisa sobre o Moderno e o Contemporâneo ISSN
1809 - 709 X

Revista aSEPHallus de Orientação Lacaniana. Rio de Janeiro, 12(23), 119-122, nov. 2016 a abr. 2017. O novo
capitalismo e seus efeitos no laço social 119 Flávia Lana Garcia de Oliveira

O novo capitalismo e seus efeitos no laço social


Flávia Lana Garcia de Oliveira
Doutoranda e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica - UFRJ (Rio de Janeiro,
Brasil)
Estágio de doutorado sanduíche na Université Paris 7 (Paris, França)
Bolsista de doutorado sanduíche pela FAPERJ (2015-2016) e bolsista de doutorado no Brasil pela CAPES
(Rio de Janeiro, Brasil)
Especialização em Psicologia Clínica Institucional pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto - UERJ (Rio de
Janeiro, Brasil)
Graduada em Psicologia pela UFRJ (Rio de Janeiro, Brasil)
Membro adjunto do ISEPOL (Rio de Janeiro, Brasil)
E-mail: flavialanago@gmail.com
Resenha do livro:
Sennett, R. (2006/2015). A cultura do novo capitalismo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 180p.
Richard Sennett, conhecido sociólogo, historiador e professor universitário norte-americano,
estuda há décadas as consequências do Capitalismo em suas diferentes versões sobre as
relações urbanas, familiares e institucionais. Seus dois livros mais consagrados – A corrosão do
caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo e O Declínio do Homem
Público: as tiranias da intimidade – figuram nas estantes de alguns psicanalistas. O livro A
cultura do novo capitalismo, cuja última edição foi lançada no Brasil em 2015, reúne um ciclo
de palestras realizadas por ele em 2004 na Universidade de Yale. Ao longo de seus quatro
capítulos, o autor investiga as principais características das instituições erigidas em obediência
aos preceitos do novo capitalismo – ou capitalismo flexível –, os ideais difundidos no laço social
em prol de um tipo psicológico adequado às mudanças exigidas, assim como os efeitos
subjetivos frente às novas injunções, as quais colapsam em boa medida os antigos alicerces.
Sennett, segundo ele próprio afirma, abraçou a crítica da Nova Esquerda à grande burocracia
no final da década de 1960, partilhando a crença dos jovens insurgentes de que o desmonte
das instituições tradicionais – inclusive das grandes corporações e governos inflados – seria
capaz de gerar comunidades baseadas em vínculos diretos de confiança e solidariedade. No
entanto, não foi o que aconteceu. No final da década de 1960, ao entrevistar famílias operárias
de Boston, Sennett observou que, longe de serem pessoas oprimidas pela burocracia
institucional, tratava-se de indivíduos enraizados em sólidas realidades, guiados por uniões
estáveis, por grandes corporações e mercados relativamente firmes. O desmantelamento das
instituições não gerou maior senso comunitário, mas sim desorientação e fragmentação. As
instituições, as capacitações e os padrões de consumo mudaram. A partir de novas entrevistas
realizadas nos anos de 1980, Sennett sustenta que tais mutações não libertaram as pessoas,
mas as lançaram em uma condição de deriva.
Vejamos como Sennett interliga esses pontos. Inicialmente ele examina a evolução dos
fundamentos da política do capitalismo social na passagem do século XIX ao XX. Temos aí a
tentativa Revista aSEPHallus de Orientação Lacaniana Núcleo Sephora de Pesquisa sobre o Moderno e o
Contemporâneo ISSN 1809 - 709 X
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de superação do Capitalismo “primitivo”, rudimentar, fadado à extinção pela ausência
generalizada de força e proteção – vide o ambiente das fábricas, associado a uma rotina
embotadora e instável para os empregados, até a má estruturação administrativa das
empresas, que se encontravam frequentemente expostas ao súbito colapso. A “arte da
estabilidade” foi adquirida pelas corporações em um período de cem anos, graças a um giro na
maneira como os negócios passaram a ser estruturados. A análise weberiana permitiu elucidar
que o Capitalismo sobreviveu pela aplicação às corporações dos modelos militares de
organização através de uma racionalização minuciosa da vida institucional imbuída de normas
de fraternidade, autoridade e agressão, embora os civis talvez não se dessem conta de que
estavam pensando como soldados. As corporações passaram a se estabelecer cada vez mais
como exércitos, nos quais todos tinham seu lugar e, cada lugar, uma função definida. Com esse
projeto, assegurou-se a longevidade dos negócios e o aumento do número de empregados. A
burocracia mostrou-se mais eficiente que os mercados. Segundo Sennett, essa busca da ordem
espraiou-se dos negócios para o governo e para a sociedade civil, repercutindo no
estabelecimento de ideais de eficiência governamental com a aquisição dos servidores públicos
em práticas burocráticas, contornando as oscilações da política. Na sociedade civil, as escolas
tornaram-se cada vez mais padronizadas, tanto em conteúdo, quanto em funcionamento.
Sennett ressalta, então, como esse funcionamento burocratizado imprimiu regulações
específicas aos indivíduos, na medida em que constituiu uma narrativa centrada na
temporalidade do longo prazo, na acumulação e na previsibilidade. Tornou-se possível planejar
a vida, definir as etapas de uma carreira, articular um percurso de prestação de serviços a
passos de acumulação de riqueza. Com o emprego vitalício – a famosa “jaula de ferro” de
Weber –, muitos trabalhadores braçais passaram a ser capazes de planejar a construção de
suas casas, por exemplo. A militarização das instituições se respaldava, portanto, em um modo
de subjetivação marcado pela renúncia das satisfações em prol de um ganho futuro e na
hierarquia piramidal que atribuía a cada um seu lugar.
Contudo, essas instituições e suas narrativas vêm se “desmanchando no ar”. Esse arranjo dos
lugares e das funções se desintegra gradualmente. Fato observável no fim do emprego vitalício,
no desaparecimento das carreiras inteiramente dedicadas a uma única instituição ou, ainda, na
esfera pública, com o caráter mais incerto dos programas de amparo e de previdência
governamental. Os governantes hoje têm como meta descartar a rigidez burocrática. Sennett
sublinha que, de fato, o imenso crescimento da economia mundial só foi possível com esse
avanço liberal do afrouxamento dos controles institucionais sobre o fluxo de bens, serviços e
trabalho. O último meio século assistiu, tanto no Norte global quanto na Ásia e na América
Latina, uma nova geração de riqueza profundamente vinculada à decaída de burocracias
governamentais e corporativas fixas. A perspectiva de Sennett não inclui a variável da
corrupção sistêmica e suas consequências deletérias para a montagem institucional, sobretudo
a pública. Seu enfoque se dirige mais precisamente ao impacto da financeirização da economia,
do poder acionário e da revolução Revista aSEPHallus de Orientação Lacaniana Núcleo Sephora de Pesquisa
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Revista aSEPHallus de Orientação Lacaniana. Rio de Janeiro, 12(23), 119-122, nov. 2016 a abr. 2017. O novo
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tecnológica sobre os ideais veiculados pela sociedade como desejáveis para um indivíduo
adentrar no mercado de trabalho.
Sem os pilares tradicionais, “quando as instituições já não proporcionam um contexto de longo
prazo, o indivíduo pode ser obrigado a improvisar a narrativa de sua própria vida, e mesmo a se
virar sem um sentimento constante de si mesmo” (Sennett, 2006/2015, p. 13). O tipo capaz de
prosperar em condições sociais instáveis e fragmentárias precisaria atender às seguintes
exigências: 1) Individualidade voltada para o curto prazo, ou seja, capaz de migrar de uma
tarefa para outra, de um emprego para outro, sem um laço denso com a sua atividade
presente; 2) Preocupação com as habilidades potenciais, isto é, uma espécie de “frenesi
metonímico” em torno da descoberta de novas capacitações conforme as demandas da
realidade; 3) Disponibilidade em abrir mão das experiências passadas, isto é, uma
“personalidade que mais se assemelha à do consumidor sempre ávido de novidades,
descartando bens antigos, embora ainda perfeitamente capazes de ser úteis, que a do
proprietário muito zeloso daquilo que já possui” (Sennett, 2006/2015, p. 14). É requerida,
assim, uma disposição mental capaz de permitir a livre circulação: “os que prosperam nesse
meio têm um alto grau de tolerância com a ambiguidade. As pessoas precisam ser proativas
diante de circunstâncias ambíguas [...]. O que importa é obter os melhores resultados com a
maior rapidez possível” (Sennett, 2006/2015, pp. 52-53).
A estabilidade e a dependência passam a parecer sinal de fraqueza ou de perda de controle.
Nessa nova ordem institucional, indicam ao mercado que a empresa ou o indivíduo não é capaz
de inovar, encontrar novas oportunidades ou gerir de alguma outra forma a mudança. A
organização incha e se contrai, empregados são atraídos ou descartados à medida que a
empresa transita de uma tarefa a outra. Além disso, a disposição das relações de poder e
comando se caracterizam, para Sennett, pelo misto entre maior controle central e menor
autoridade.
De acordo com Sennett, no final da década de 1990, esse boom começou a ruir. Porém, os
valores da nova economia se expandiram como uma referência para as instituições sociais em
sua totalidade. Sennett destaca que as mudanças estruturais implicadas na eliminação da “jaula
de ferro da burocracia” geram três déficits sociais: o baixo nível de lealdade institucional; a
diminuição da confiança informal entre os trabalhadores e o enfraquecimento do conhecimento
institucional. Desprovido das mesmas condições sociais, o novo paradigma destitui a
gratificação postergada como princípio de autodisciplina: “economizar para o futuro, a essência
da ética protestante, é um projeto viciado pela debilidade dessas estruturas, que já não
constituem mais refúgios de segurança” (Sennett, 2006/2015, p. 75).
Portanto, o livro de Sennett esmiuça através de uma escrita clara, descritiva e enriquecida com
sua “empiria” extraída de inúmeras entrevistas em diversos contextos, o lugar do trabalho no
novo capitalismo. Certamente, o autor não conta com o instrumental psicanalítico para avaliar
os matizes que cada caso pode apresentar em sua singularidade. As coordenadas explicitadas
colocam em relevo a ascensão do capitalismo de consumo, o qual, como designa Dufour
(2005), é cada vez Revista aSEPHallus de Orientação Lacaniana Núcleo Sephora de Pesquisa sobre o Moderno e o
Contemporâneo ISSN 1809 - 709 X
Revista aSEPHallus de Orientação Lacaniana. Rio de Janeiro, 12(23), 119-122, nov. 2016 a abr. 2017. O novo
capitalismo e seus efeitos no laço social 122 Flávia Lana Garcia de Oliveira
mais libidinal, com enorme apelo à posição de consumidor dos sujeitos, inclusive daqueles
pertencentes à classe operária, que passam a integrar mais fortemente o sistema consumidor.
Trata-se de uma versão do capitalismo mais arredia à gestão pulsional proposta pelo
capitalismo de acumulação, balizado pela perda de gozo e pelo ganho do mais-de-gozar através
do exercício profissional, portanto, mais próximo estruturalmente da operação paterna. Trata-
se, além disso, de uma publicação importante para os leitores interessados eminvestigara
função do trabalho e da sublimação na economia libidinal dos sujeitos.
Referência Bibliográfica
Dufour, D.-R. (2005). A arte de reduzir as cabeças: sobre a nova servidão na sociedade
ultraliberal. Rio de Janeiro: Companhia de Freud.
Citacão/Citation: Garcia de Oliveira, F. L. (nov. 2016 a abr. 2017). O novo capitalismo e seus efeitos no
laço social. Revista aSEPHallus de Orientação Lacaniana, 12(23), 119-122. Disponível em
www.isepol.com/asephallus. doi: 10.17852/1809-709x.2019v12n23p119-122.
Editor do artigo: Tania Coelho dos Santos.
Recebido/Received: 20/02/2017 / 02/20/2017.
Aceito/Accepted: 23/02/2017 / 02/23/2017.
Copyright: © 2013 Associação Núcleo Sephora de Pesquisa sobre o moderno e o contemporâneo. Este é
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