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Universidade Anhanguera-Uniderp

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Rede LFG

Curso de Pós-graduação Lato Sensu TeleVirtual em


DIREITO DO CONSUMIDOR

Disciplina
Contratos de Consumo

Aula 12
Índice
Leitura Obrigatória 1...p. 01
Leitura Obrigatória 2...p. 12
LEITURA OBRIGATÓRIA 1
Bruno de Almeida Oliveira
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

A APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR


AOS CONTRATOS DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO

Como citar este texto:


OLIVEIRA, Bruno de Almeida. A aplicabilidade do Código de
Defesa do Consumidor aos Contratos do Sistema Financeiro
da Habitação. Disponível em:
http://www.procon.go.gov.br/procon/imprime.php?textoId
=000727. Material da 12ª aula da Disciplina Contratos de
Consumo, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato
Sensu TeleVirtual em Direito do Consumidor – Anhanguera-
Uniderp|Rede LFG.

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O tema tratado diz respeito à admissibilidade da aplicação das disposições do Código
de Defesa do Consumidor Lei nº 8.078/90, aos contratos do Sistema Financeiro da habitação
(SFH), buscando, sobretudo, a harmonização dos princípios constitucionais que conferem ao
cidadão o direito a moradia e determinam que o Estado promova a proteção ao consumidor,
dentre outros direitos e garantias fundamentais inscritos no corpo da lei máxima do Brasil e
que dela emanam.
Como se sabe, o sistema de financiamento habitacional, tem origem na Lei nº 4.380,
de 21/08/1964, que trazia em seu bojo o princípio norteador de equivalência entre a
prestação do financiamento da casa própria e a renda do mutuário, com vistas a criar um
sistema equilibrado e justo, que satisfizesse o anseio geral de aquisição de moradia,
principalmente das camadas sociais menos favorecidas economicamente, sem que, para
tanto, houvesse comprometimento severo da renda familiar.
Porém, como também é de conhecimento geral, durante as décadas seguintes, anos
70 e, principalmente, no curso dos anos 80 a chamada década perdida, o sistema foi sofrendo
diversas e significativas alterações, muito em razão do imenso descontrole da economia do
país e dos diversos e malsucedidos planos macroeconômicos, consolidando-se nos anos 90
numa legislação intrincada e complexa, tendente a dificultar o acesso dos necessitados ao
sistema e, em muitos casos, torná-lo perverso àqueles que ainda amortizam seus
financiamentos.
Desde a segunda metade da última década do século XX, tendo o governo federal
assumido o paradigma neoliberal, o SFH sofreu modificações drásticas que, em verdade,
consolidaram o espírito de privatização dos investimentos em infra-estrutura no país, no qual
foram incluídos os financiamentos habitacionais, pelo que, para muitos, o sistema
simplesmente deixou de existir, sendo substituído pelas regras do credito privado,
sabidamente menos acessíveis a coletividade e onde desaparece por completo o aspecto
social primitivo do sistema.
Assim, na intenção de recuperar a iniciativa de promover a facilitação da aquisição
da casa própria, razão de ser primeira do SFH, e de buscar dar efetividade ao direito social a
moradia previsto no caput do artigo 6° da Constituição Federal, pretende-se inserir no
sistema vigente, ou no que dele restou, o princípio da proteção ao consumidor, implantado
expressamente em nosso sistema jurídico pela própria CF/88 e positivado com a edição da Lei
nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Passando-se a tratar o mutuário como consumidor, e o agente financeiro como
fornecedor, utilizando-se a lógica da Lei nº 8.078/90, pretende-se alcançar o desiderato de
justiça social, almejado nos primórdios do sistema de financiamento habitacional, encarando-
se de frente o problema e focando-se em seu principal objetivo: propiciar aos cidadãos a
aquisição da casa própria, de forma médica, que não comprometa o exercício da cidadania,
sem que isso, no entanto, inviabilize economicamente o sistema.
Essa é, inclusive, a principal crítica daqueles que entendem inaplicável o Código de
Defesa do Consumidor (CDC) aos contratos do SFH; levantando a hipótese de inviabilização
econômico-financeiro do sistema como um todo, com a aplicação dos princípios e regras
consumeiristas, acabam por manter a forma perversa com que ele vem se sustentando. A
custa de juros e encargos exorbitantes, fatores de correção mal aplicados, entre outras
mazelas financistas, o sistema, na forma em que é atualmente aplicado, gera saldos
devedores e, por conseguinte, contratos, impagáveis. Em muitos casos, ao final do prazo de
financiamento, paga-se o imóvel mais de três vezes, ainda restando imenso saldo devedor a
ser quitado, o que por si só demonstra a lógica equivocada que tem norteado o sistema.
Portanto, o que se pretende no presente trabalho é resgatar aquilo que pode ser
chamado de coerência inicial do sistema, por meio da integração das disposições do CDC e,
sobretudo, dos princípios afetos às relações de consumo, resgatando a possibilidade da
aquisição da casa própria sem comprometimento dos demais projetos de vida dos mutuários,
retratando o resgate do conceito amplo de cidadania.

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1. O direito a moradia
A publicação da Emenda Constitucional número 26, em 15/02/2000, que deu nova
redação ao artigo 6° da Constituição brasileira, passou a abrigar expressamente em seu rol de
direitos sociais o direito a moradia. Porém, antes mesmo desta inclusão, o artigo 23, que
define a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em
seu inciso IX, já garantia este direito:

Art. 23. E competência comum da União, dos Estados, do Distrito


Federal e dos Municípios:
IX. promover programas de construção de moradias e a melhoria
das condições habitacionais e de saneamento básico.

Ora, se é competência comum a todos os entes federados a promoção de programas


de construção de moradias, bem como promover a melhoria das condições habitacionais e de
saneamento básico, mostra-se clara a preocupação constitucional com o direito de morar dos
brasileiros. As competências estabelecidas na Constituição, em verdade, determinam deveres
a serem desincumbidos pelos entes federados, de forma particular ou compartilhada,
exatamente nos moldes ali desenhados. E, neste norte, se é dever de todos os entes que
compõem a Federação propiciar as condições para a construção de moradias e, da mesma
forma, tornar melhores as condições habitacionais dos cidadãos, clara está a definição de um
direito a moradia consagrado pela lei máxima do Estado a toda a coletividade. Assim, pode-se
entender sem embargo que o direito à moradia é garantia constitucional introduzida pelo
Poder Constituinte Originário e explicitada pelo Poder Constituinte Reformador, que a incluiu
expressamente no rol de direitos sociais.
O que é importante salientar, sobretudo, é que o direito a moradia é um direito de
estatura constitucional, o que deverá sempre ser levado em consideração no momento de
interpretação das diversas normas infraconstitucionais que regulam os programas públicos de
construção e de aquisição de unidades habitacionais, bem como os contratos particulares que
envolvem a compra de imóveis residenciais.
É sobre esse enfoque que deverá ser tratado o problema dos programas de
financiamento governamental direcionados a aquisição da casa própria, invariavelmente
regulados por normas de cunho financeiro, que, por certo, não deverão prevalecer sobre o
objetivo último dos programas, a realização do ditame constitucional de garantia de moradia
e de programas que tornem acessível aos brasileiros a construção da sua morada ou a
aquisição desta já construída, de forma facilitada e menos onerosa possível.

O Sistema Financeiro da Habitação


O SFH, é um programa governamental instituído na década de 60, pela Lei nº 4.380,
de 21 de agosto de 1964, que objetivava propiciar a população, sobretudo a população
carente, à aquisição da casa própria. Nas palavras de Laerte Vieira Gonçalves Neto (2002), o
sistema pode ser entendido como "um conjunto de normas (legais e infralegais), órgãos,
instituições e recursos financeiros voltados para um objetivo social". Arnaldo Rizzardo o
define da seguinte maneira:
Cuida-se do contrato de mútuo para a aquisição da casa própria
ou de abertura de crédito para construção de unidades
habitacionais. O crédito é aberto com o fim específico de ser
aplicado na construção de casas ou de edifícios de apartamentos,
destinados às pessoas sem moradia.
As leis formuladoras do sistema expressam tal desiderato.
(RIZZARDO, 1999, p. 117)

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O sistema, que já esta na iminência de completar seus 40 anos, funcionou a
contento durante um longo período, mas as diversas alterações que foi sofrendo com o passar
dos anos, fruto das mudanças de concepções de política habitacional e macroeconomia,
parecem lhe ter tirado a essência social e socializante inicial. O SFH foi extremamente
modificado ao longo dos anos e, com as diversas mudanças que abalaram ano apos ano a
economia do país, foi significativamente transfigurado, tomando-se finalmente uma pequena
sombra do grande programa de inclusão social que um dia foi, ou se imaginou ser. Assim,
pois, hoje em dia, o SFH não é mais a primeira opção para as famílias que desejam adquirir a
casa própria, eis que suas regras já se encontram extremamente próximas das regras do
mercado em geral, que, por certo, não oferece o crédito com intuito de promover ascensão
social, mas tão somente o de lucrar com os juros dos financiamentos.

3. O Código de Defesa do Consumidor

A proteção ao consumidor é, hoje no Brasil, um direito de indubitável importância.


Fruto do movimento consumerista, com origens alienígenas e que, aos poucos, foi se
integrando ao ordenamento jurídico nacional, pela via dos precedentes jurisprudenciais, o
direito do consumidor aqui atingiu seu auge com a promulgação da Constituição Federal, em
1998.
A carta política brasileira prevê expressamente que o Estado deverá promover, na
forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5°, XXXII) e que este será objeto de especial
proteção no contexto da ordem econômica, elevando a defesa do consumidor ao patamar de
princípio norteador da atividade econômica no país (art. 170, V).
Prevista no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a Lei n º
8.078, de 11 de setembro de 1990, é atualmente o instrumento que serve a efetividade do
princípio constitucional da defesa do consumidor e veio para codificar o sistema de proteção
ao consumidor. É uma lei moderna, festejada e considerada internacionalmente como
exemplo de norma de proteção a um dos mais importantes momentos da vida social humana:
o ato de consumo. É necessário ressaltar a natureza principiológica das normas de defesa do
consumidor que, como visto, emana do próprio dispositivo constitucional que confere, de
forma expressa, especial proteção aos consumidores, enquanto parte mais frágil da relação
de consumo e, pois, mais sujeita às práticas abusivas ou desleais dos maus fornecedores. Essa
garantia serve, ainda, como norma reguladora da atividade econômica, que deverá se
desenvolver com respeito ao citado princípio, influenciando de forma decisiva no sistema de
concorrência do mercado, até mesmo como diferencial competitivo. Assim, as disposições do
microssistema de defesa do consumidor, positivaram o horizonte jurídico a ser levado em
consideração pelo Direito brasileiro, que deverá sempre observar na interpretação das normas
jurídicas que envolvam relações de consumo o princípio de garantia da proteção ao
consumidor. Essa é a posição, dentre outros, de Nelson Nery Junior (2001):

O CDC, por outro lado, é lei principiológica. Não é analítica, mas


sintética. Nem seria de boa técnica legislativa aprovar-se lei de
relações de consumo que regulamentasse cada divisão do setor
produtivo (automóveis, cosméticos, eletroeletrônicos, vestuário
etc.). Optou-se por aprovar lei que contivesse preceitos gerais,
que fixasse os princípios fundamentais das relações de consumo.
E isto que significa ser uma lei principiológica. Todas as demais
leis que se destinarem, de forma especifica, a regular
determinado setor das relações de consumo deverão submeter-se
aos preceitos gerais da lei principiológica, que é o CDC.

Assim, sobrevindo lei que regule, v.g., transportes aéreos, devem obedecer aos
princípios gerais estabelecidos no CDC. Não pode, por exemplo, essa lei específica,

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setorizada, posterior, estabelecer responsabilidade subjetiva para acidentes aéreos de
consumo, contrariando o sistema principiológico do CDC. Como a regra da lei principiológica
(CDC), no que toca a reparação dos danos, e a da responsabilidade objetiva pelo risco da
atividade (art. 6°, n° VI, CDC) essa regra se impõe a todos os setores da economia nacional,
quando se tratar de relação de consumo. Destarte, o princípio de que a lei especial derroga a
geral não se aplica ao caso em análise, porquanto o CDC não a apenas lei geral das relações
de consumo, mas, sim, lei principiológica das relações de consumo.
Pensar-se o contrário é desconhecer o que significa o microssistema do Código de
Defesa do Consumidor, como lei especial sobre relações de consumo e lei geral,
principiológica, a qual todas as demais leis especiais setorizadas das relações de consumo,
presentes e futuras, estão subordinadas." (NERY JUNIOR, 2001)
Como se vê, as normas chamadas "leis de ocasião", comumente derivadas de lobbies,
bancados financeira e ideologicamente por setores específicos e a eles destinadas, na maioria
das vezes, com o claro intuito de apenas retirá-los do campo de incidência do CDC, diante da
lei principiológica, deixam de ter eficácia plena, eis que sua interpretação necessariamente
deverá se nortear pelos princípios estabelecidos por aquele. Exemplos recentes são as normas
que pretenderam instituir o indigitado "CDC Bancário" (Resoluções nº 2.878/01 e 2.892/01 do
Banco Central do Brasil), as quais, por imperativo jurídico, jamais poderão prevalecer sobre
as disposições da Lei nº 8.078/90. Portanto, leis especiais que porventura disciplinem
segmentos de mercado através do qual se travam relações de consumo, deverão se
adequarem aos princípios instituídos no CDC. Podem ampliar direitos, mas nunca restringi-los.
Da mesma forma, por se tratarem às regras do Código de normas de ordem pública, como se
verá adiante, estas também terão influência na aplicação da legislação que lhe é anterior, ao
regular as relações continuativas, de trato sucessivo.
Esse é o caso da legislação reguladora do SFH. Mesmo constituindo legislação
especial, destinada a regular um determinado segmento do mercado os financiamentos para
aquisição de unidades habitacionais, deverá ser aplicada com o devido acatamento do
princípio da proteção ao consumidor, que e, como já dito, regulador da atividade econômica
em geral, bem como apelidar-se-ão as normas de proteção ao consumidor, dado o seu
inegável caráter principiológico. Quanto à conceituação dos componentes da relação jurídica
de consumo, o CDC, em seu artigo 2°, dá a definição de consumidor, verbis:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire


ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único Equipara-se a consumidor a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo.

Vê-se, de modo claro, que a lei procurou dar ao consumidor um conceito meramente
econômico, evitando digressões de ordem sociológica, psicológica, ou filosófica, dentre outras
possíveis, para que se pudesse tutelar situações concretas e bem delimitar o campo de
atuação do Direito do Consumidor.
Torna-se necessário salientar ainda que o conceito legal de consumidor, acima
transcrito, tem como característica restritiva à aquisição ou utilização do bem como
destinatário final. Essa especial característica ser ou não aquele que adquire ou utiliza
determinado produto ou serviço seu destinatário final, pode ser interpretada de várias
formas.
A questão reside, pois, em saber se um sujeito que adquire ou utiliza o produto ou
serviço como profissional deve ou não ser considerado, para os efeitos do Código, seu
destinatário final.
Uma das soluções para esse problema traz consigo os conceitos de destinatário final
fático (aquele que retira o produto da cadeia de produção) e destinatário econômico (aquele

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que adquire para si, sem intuito de recolocação no mercado). Por isso, somente estariam sob
a proteção do CDC os chamados consumidores não profissionais, ou seja, aqueles que
adquirem ou utilizam produtos e serviços para si ou para seus familiares. Tal interpretação,
que reforça os aspectos de vulnerabilidade e hipossuficiência de uma das partes da relação de
consumo, tem inspiração na chamada corrente finalista do consumeirismo. Essa concepção se
opõe a chamada corrente maximalista, que procura identificar nas normas do CDC um novo
regulamento para o mercado de consumo, e não normas orientadas para proteger somente o
consumidor não profissional. Prevalece, hoje, na jurisprudência nacional, o entendimento da
corrente finalista, representado por importantes estudiosos do Direito do Consumidor no
Brasil, dentre os quais citamos Bejamin, Tomasetti, Grau e Pasqualotto. Da lição de Claudia
Lima Marques, também ilustre representante da corrente finalista, trazemos o seguinte
trecho:

Para os finalistas, pioneiros do consumeirismo, a definição de


consumidor e o pilar que sustenta a tutela especial, agora
concedida aos consumidores. Esta tutela só existe porque o
consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais no
mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4°, I. Logo, convém
delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não a
necessita, quem é o consumidor e quem não é. Propõem, então,
que se interprete a expressão "destinatário final" do art. 2° de
maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC,
expostos nos arts. 4° e 6°. (MARQUES, 1999)

Consideramos mais adequada à realidade das relações de consumo e à proteção


necessária ao consumidor a definição finalista, por ser centrada na vulnerabilidade e
hipossuficiência do consumidor destinatário final fático e econômico do produto ou serviço,
em relação ao fornecedor, o outro pólo da relação de consumo. Essa definição é suficiente
para a garantia dos princípios consumeiristas, é completada pelas definições do parágrafo
único coletividade de consumidores e do art. 17 consumidor por equiparação, além das
definições de consumidor bystander (MARQUES, 1999) e de agentes equiparados a
consumidores (CDC, art. 29).
Os consumidores-profissionais, por sua vez, poderão encontrar guarida suficiente nas
disposições das leis comerciais e, principalmente, no Novo Código Civil. Ressalta-se ainda
que, havendo demonstrada hipossuficiência ou vulnerabilidade, o CDC poderá ser aplicado às
relações de consumo travadas entre fornecedor e consumidor-profissional, utilizando-se,
conforme o caso, o conceito abstrato do artigo 29.
O fornecedor, o outro sujeito da relação jurídica de consumo, é conceituado pelo
art. 3° do Código, como toda "pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços".
Nesse ponto, é visível a preocupação da lei em introduzir um conceito bastante
amplo de fornecedor, procurando abarcar todos os possíveis componentes de uma relação de
consumo. 0 próprio Poder Público é relacionado como fornecedor para os efeitos da proteção
legal ao consumidor, lembrando-se que a lei é anterior a onda de privatizações ocorridas no
Brasil, a partir da segunda metade da década de 90, e que, naquela ocasião, era ele um dos
maiores fornecedores do mercado de consumo, principalmente no que diz respeito à
prestação de serviços. Sobre o assunto, escreve Jose Geraldo Brito Filomeno:

Fala ainda o art. 3° do Código de Proteção ao Consumidor que o


fornecedor pode ser público ou privado, entendendo-se no
primeiro caso o próprio Poder Público, por si ou por suas
empresas públicas que desenvolvam atividade de produção, ou

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ainda as concessionárias de serviços públicos, sobrelevando-se
salientar neste aspecto que um dos direitos dos consumidores
expressamente consagrados pelo art. 6°, mais precisamente em
seu inc. X, é a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos
em geral. (FILOMENO, 2001, p. 30)

O parágrafo 2° é também bastante claro ao conceituar e relacionar as atividades


consideradas como serviço, incluindo expressamente as de natureza bancária, financeira e de
crédito.
A despeito das opiniões contrárias, normalmente provenientes de representantes dos
próprios bancos e de suas entidades representativas, a exemplo da ADI 2591/STF, que busca a
exclusão dos serviços bancários do campo de incidência do CDC, parece-nos cristalino o
objetivo da lei de incluir os serviços desta natureza na sua esfera de proteção.
Esse objetivo, espelho do que se verifica na maioria das legislações que regulam o
consumo ao redor do mundo desenvolvido, justifica-se até mesmo porque os contratos
bancários configuram típicos contratos de adesão. Como afirma Cláudia Lima Marques (1999),
o contrato bancário "e o contrato de adesão por excelência, é uma das relações consumidor-
fornecedor que mais se utiliza do método de constratação por adesão e com "condições
gerais" impostas e desconhecidas". Também esta a opinião de Jose Geraldo Brito Filomeno
(2001), que sintetizou a conformação dos serviços bancários como relações de consumo,
elencando quatro circunstâncias características: "a) por serem remunerados; b) por serem
oferecidos de modo amplo e geral, despersonalizado; c) por serem vulneráveis os tomadores
de tais serviços, na nomenclatura própria do CDC; d) pela habitualidade e profissionalismo na
sua prestação".
Portanto, caracterizados consumidor e fornecedor particularmente o fornecedor de
serviços de natureza bancária, financeira e de crédito passamos ao estudo da aplicabilidade
desses conceitos ao SFH.

4. A aplicabilidade do CDC aos contratos regidos pelo SFH

Como foi visto, os contratos do SFH tem natureza bancária, sendo necessário o
intermédio de uma instituição financeira para que o interessado possa ter acesso ao crédito
que lhe garantirá a aquisição de um bem determinado: o imóvel para a sua moradia.
Examinada a capacidade financeira do proponente, futuro mutuário, bem como sua
adequação subjetiva ao sistema, o banco aprova ou não a proposta de financiamento. Em
caso positivo, nessa proposta constam o valor financiado, o número de parcelas, a forma de
atualização e correção das mesmas e do saldo devedor, dentre outras condições, tudo de
forma previamente determinada pela instituição financeira e configurada num contrato de
adesão, cabendo ao interessado apenas assiná-lo.
Assinado o contrato, estabelece-se o vínculo entre as partes, cabendo ao banco o
fornecimento do numerário pré-acertado (crédito) para aquisição do imóvel e ao mutuário o
pagamento das prestações do financiamento. O banco, durante o prazo de duração do
contrato, deverá manter uma prestação continua de serviços, dentre os quais Alcio Manoel de
Souza Figueiredo (2000) destaca:

I. obrigatoriedade de manter-se o binômio prestação/salário,


com a conseqüente revisão das prestações pelo agente
financeiro;
II. renegociação e adequação das prestações mensais ao
comprometimento da renda familiar;

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III. emissão das prestações mensais, através de SLIP's para
pagamento junto ao agente financeiro;
IV. Obrigação de manter demonstrativo da evolução do saldo
devedor do financiamento, discriminando o valor mensal das
quotas de amortização, juros, seguros, FCVS e CES; etc.
(FIGUEIREDO, 2000)

Assim, verificam-se as duas atividades principais dos agentes financeiros: conceder


o crédito e a prestação contínua de obrigações durante o período de duração do contrato.
Novamente tomando a lição de Arnaldo Rizzardo (1994), citamos:

Existe, no contrato de financiamento da casa própria, uma


prestação de serviços, dirigida a atividades a consumidores, isto
é, aos que necessitam da casa para a moradia. Trata-se de uma
atividade que certos bancos exercem, prestada ao público, desde
que preenchidos alguns requisitos ou satisfeitas certas
formalidades.
Assim, nota-se que não constitui o contrato um negócio particular
regido pelo Direito comum. A atividade financeira, neste setor, é
controlada pelo Estado e programada por inúmeros diplomas
específicos.
Por ser dirigida ao público, ou oferecida a quem tem necessidade
dela, cuida-se de uma relação de consumo. (RIZZARDO, 1994, p.
46)

Não é outra a opinião de Claudia Lima Marques (1999):

Muitas preocupações têm surgido no Brasil quanto ao contrato de


financiamento com garantia hipotecária, e os contratos de mútuo
para a obtenção de unidades de planos habitacionais. Nestes
casos o financiador, o órgão estatal ou o banco responsável,
caracteriza-se como fornecedor. As pessoas físicas, as pessoas
jurídicas, sem fim de lucro, enfim todos aqueles que contratam
para beneficio próprio, privado ou de seu grupo social, são
consumidores. Os contratos firmados regem-se, então, pelo novo
regime imposto aos contratos de consumo, presente no CDC.
(MARQUES, 1999, p. 203)

Todos os dados expostos demonstram que, no caso específico de financiamento


regido pelo SFH, a interpretação sistemática dos dispositivos do CDC autorizam classificar a
relação como de consumo.
Considere-se, assim, o que dispõem o já citado artigo 3º, §2º e os artigos 29, 52 e 53,
do CDC, respectivamente:

Art.3°.(...)
§ 2° - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de
consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista.

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Art. 29. Para fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se aos
consumidores, todas as pessoas, determináveis ou não, expostas
as práticas nele previstas.
Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolvam a
outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor
(...)."
Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis
mediante pagamento de prestações (...).

Como se vê, os dispositivos citados denotam claramente que as atividades de


empréstimo, regidas pelo SFH, para aquisição de imóvel, submetem-se aos princípios e regras
do Código.
De fato, nos contratos mencionados, pode-se identificar, de um lado, um fornecedor
e, de outro, um consumidor, os quais atuam da seguinte forma:
O agente financeiro, ao pactuar o contrato de financiamento pelo Sistema Financeiro
da Habitação, exerce duas atividades: a primeira, a concessão do crédito. A segunda, a
aprovação de financiamento ao mutuário, obedecendo às normas do Sistema Financeiro da
Habitação e a prestação de um serviço contínuo com prazo de duração equivalente ao número
de meses do financiamento.
Com efeito, as atividades do agente financeiro estão sedimentadas em ambos os
conceitos estabelecidos nos § § 1° e 2° do art. 3° do CDC: o produto: a concessão do crédito;
o serviço: aprovação do financiamento e a prestação de serviço continuam até o termo final
do contrato. Assim, o agente financeiro empresta o dinheiro ao mutuário para que este possa
adquirir a moradia própria, pagando o referido financiamento em um determinado número de
prestações mensais, ou seja, o mutuário e o "destinatário final" do crédito tornado do agente
financeiro. (FIGUEIREDO, 1999, p. 42).
Assim, diferentemente dos demais contratos de mútuo para aquisição de imóvel em
que a definição do mutuário como consumidor dependerá do exame do caso concreto, nos
contratos regidos pelo SFH, aquele figura sempre como destinatário final, fático e econômico,
pois necessariamente usa o crédito para aquisição de casa própria. Não há outra opção.
É importante lembrar, ainda, que o fato de as normas reguladoras do SFH
constituírem legislação especial não afasta a aplicação dos ditames do CDC, dado o seu
caráter principiológico, o que antes determina que sua interpretação seja norteada pela
garantia de proteção ao consumidor. Por todas essas razões, é de se considerar o mutuário do
SFH como consumidor, e o agente financeiro, fornecedor de serviços (e também de produto).
Portanto, aplicam-se as disposições do CDC aos contratos de financiamento habitacional
regidas pelo SFH.

O aspecto temporal
Sabe-se que o CDC, datado de 11 de setembro de 1990, é posterior ao SFH (1964).
Torna-se, pois, necessária uma ponderação acerca da sua aplicabilidade aos contratos de
financiamento da casa própria, já em curso, quando da entrada em vigor do CDC.
Acima, já se discorreu sobre o caráter principiológico das normas de proteção ao
consumidor, o que, rememorando, faz com que a legislação incidente sobre setores
específicos do mercado deva se adequar aos ditames do microssistema consumeirista no que
disser respeito às relações de consumo ali travadas. A isso deve se acrescentar que, já em seu
artigo primeiro, o CDC prescreve que as normas pertinentes à defesa do consumidor são de
ordem pública e interesse social. Como se sabe, dizer que uma norma é de ordem pública,
significa que suas disposições são inderrogáveis por vontade das partes, embora se admita a
disposição de certos interesses de caráter patrimonial. As normas de ordem públicas têm
também como característica sua aplicação imediata, o que vai exatamente ao encontro dos
contratos que aqui nos propusemos a discutir. Os contratos de financiamento de imóveis pelo
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SFH são de execução continuada no tempo (trato sucessivo), e um considerável número desses
contratos foram celebrados antes do nascimento do CDC. Nas palavras de Arnaldo Rizzardo
(1994):
A ordem pública se manifesta ou é realizada se todas as relações
jurídicas por ela afetadas, não importando o momento de sua
formação, receberem o mesmo tratamento, de modo a se
amoldarem a um padrão preconizado de jurídico pelo
ordenamento que passou a vigorar. E desde que um diploma cria
ou cristaliza um sistema de deveres e direitos que são de todos,
ou que interessa a universalidade das pessoas, é ele de ordem
pública, denominando-se estatuto legal.(...)
A lei de interesse público concentra em um novo sistema
jurídico, uma ordem antes já defendida e mesmo obedecida.
Impõe, ao surgir, determinada conduta padronizada, ou um
comportamento uniformizado de todos os cidadãos de um país. O
consumo é uma prática comum, da qual ninguém fica excluído,
pois todos consomem. Diferente o caso de vir uma lei
disciplinando unicamente a venda de terrenos urbanos, cujo
regime deve respeitar os contratos formalizados antes de sua
vigência. A menos, no caso do estatuto legal, que sobrevenha ou
exista uma lei especial, a qual trata particularmente de certas
condutas. (RIZZARDO, 1994, P. 43)

Assim, também no aspecto temporal, e indubitável a aplicabilidade das disposições do


CDC aos contratos efetuados conforme as regras do SFH, celebrados anteriormente a entrada
em vigor da Lei nº 8.078/90, ressalvado apenas o ato jurídico perfeito, ou seja, os contratos
já cumpridos e findos. Como dissemos, tratando-se de norma de ordem pública, sua
aplicabilidade e imediata e deverá, assim, incidir exatamente para adequar os instrumentos
em execução ao novo paradigma por ela instituído.

Conclusão

Diante do exposto, podemos concluir que os contratos regidos pelas regras do SFH
estão sujeitos às regras contidas no CDC.
No conceito de consumidor se enquadra o mutuário do SFH; este, necessariamente,
utiliza-se dos serviços de concessão de crédito e financiamento como destinatário final, fático
e econômico. Fica vinculado a aquisição da casa própria e não poderá empregar o crédito
concedido de outra forma, recolocando-o na atividade econômica. Não ha opção. Do outro
lado, o agente financeiro encaixa-se na definição legal de fornecedor; coloca no mercado e
oferece a todos, indistintamente, o serviço de concessão de crédito para a aquisição da
moradia, concedendo-o conforme analise própria e enquadramento as normas que regem o
SFH. Deverá ainda prestar serviços durante todo o prazo de duração do contrato.
0 intuito do CDC foi procurar submeter às suas regras de cunho principiológico e
norteadas primordialmente pelo princípio da boa-fé objetiva, uma gama diversificada e ampla
de operações de consumo que ocorrem diariamente no mercado nacional. Em todos os
dispositivos do Código, lei de ordem pública, o que se vê é a tentativa de enquadrar o mais
possível de situações (atos de consumo) ao seu regramento. Enfim, busca evitar práticas
nocivas, mas com vistas também a harmonizar os interesses envolvidos, buscando tornar sadio
o mercado de consumo e possibilitar sua expansão e o conseqüente desenvolvimento da
atividade econômica.
Os contratos firmados entre mutuários e agentes financeiros são tipicamente de
adesão, não permitindo aos primeiros efetuar qualquer alteração em suas cláusulas eles
simplesmente aderem aos termos ali contidos, normalmente desconhecendo as minúcias da

10
vinculação a que estão se submetendo, o que também torna necessária uma interpretação
que leve em conta a proteção do consumidor.
A vulnerabilidade e hipossuficiência do contratante também ocorrem. A necessidade
de adquirir a moradia leva o mutuário a se submeter a regras que desconhece ou não entende
e que podem lhe causar prejuízo. Por outro lado, a instituição financeira, que capta os
recursos a um custo sensivelmente baixo, busca obter a maior contrapartida possível, com a
garantia agravante de que o imóvel financiado também respondera por eventual
inadimplemento. Isso demonstra a necessidade de se utilizar o CDC para de fato harmonizar
as relações entre as partes dessa relação contratual, procurando sobretudo manter a vida do
pacto, apenas modificando-o naquilo que se mostrar excessiva-mente dificultoso ou oneroso
ao consumidor e, de forma oposta, demasiado vantajoso para o fornecedor. Até mesmo
porque espera-se que um contrato deva ser igualmente profícuo para ambos os contratantes.
Ressalte-se, ainda, que a jurisprudência, principalmente a do STJ, vem, através de
inúmeros precedentes, decidindo ser possível, e ate mesmo desejável, a aplicação das regras
do CDC aos contratos regidos pelo SFH, capazes de corrigir injustiças e desigualdades devido à
delegação de uma tarefa de cunho eminentemente social a iniciativa privada.
Como foi dito na introdução deste trabalho, o que se espera, com a aplicação do CDC
aos contratos regidos pelo SFH, e a sua humanização. Procura-se o resgate da inicial função
social do sistema, dando ao cidadão, sobretudo aquele de baixa renda, a oportunidade de
adquirir a sua casa própria, sem que isto signifique o sério comprometimento da renda de sua
família, inviabilizando uma vida digna e a consecução de outros projetos.
Esperamos, com este breve trabalho, ter contribuído para o desenvolvimento do tema;
e que a sua leitura desperte nos operadores do Direito o sentimento de que é necessário
considerar o SFH, primordialmente, como um programa de inclusão social; e que, aplicando-
lhe as disposições do CDC, seja possível realizar, sem maiores percalços, o sonho que leva os
mutuários a ingressar no sistema: adquirir a casa própria.

11
Universidade Anhanguera-Uniderp
Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Rede LFG

Curso de Pós-graduação Lato Sensu TeleVirtual em


DIREITO DO CONSUMIDOR

Disciplina
Contratos de Consumo

Aula 12

LEITURA OBRIGATÓRIA 2

Marco Aurélio Leite da Silva


Analista judiciário da Justiça Federal

SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO:


ANÁLISE E PROPOSTA DE SOLUÇÃO

Como citar:

DA SILVA, Marco Aurélio Leite. Sistema Financeiro da


Habitação: análise e proposta de solução. Disponível
em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6353.
Material da 12ª aula da Disciplina Contratos de Consumo,
ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu
TeleVirtual em Direito do Consumidor – Anhanguera-
Uniderp|Rede LFG.

12
Introdução
Nos últimos tempos multiplicou-se intensamente o número de ações que discutem
contratos avençados sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação. Tais ações têm em
comum a premissa de que o valor das prestações bem como do saldo devedor vem sendo
calculado de forma lesiva aos mutuários.
Não deve passar despercebido que as ações inicialmente aforadas em geral não
abordavam a evolução do saldo devedor, certamente porque os contrato mais antigos
contavam com cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS. Tais
contratos garantiam ao mutuário que o imóvel lhe seria adjudicado com o pagamento da
última prestação avençada, independentemente da existência de resíduo. O mutuário
contribuía com o FCVS e, assim, ficava livre de qualquer responsabilidade para com o saldo
devedor ainda existente depois do pagamento da última prestação. Bastava a esse mutuário,
portanto, discutir o valor da prestação, pouco lhe importando o que ocorreria com o saldo
devedor.
Depois de algum tempo o FCVS foi extinto para os novos contratos, pelo que o
mutuário passou a assumir o resíduo contratual. Desde então as ações aforadas abordam
diretamente a evolução do saldo devedor, combatendo-lhe a forma de reajuste, tanto quanto
combatem o valor das prestações cobradas.
Basicamente o que se tem é que o critério de reajuste do valor das prestações do
financiamento difere do critério de reajuste do saldo devedor, de modo que se estabelece a
impossibilidade de amortizar, com os valores que são pagos mês a mês, o próprio saldo
devedor. Se, por um lado, é verdadeiro que a Matemática Financeira garante o fechamento
das contas em quaisquer sistemas de amortização, é também absolutamente verdadeiro que
somente assim se dá desde que tudo transcorra de acordo com o rigor desses sistemas
matemáticos, que, ressalte-se, não prevêem um índice para o reajuste das prestações e outro
índice para correção do saldo devedor.
Equivale a afirmar que o Sistema Financeiro da Habitação por si só, ainda que
consideremos todas as variantes que sucederam-se através do tempo, tem em sua origem a
trinca oculta e interna que após algum tempo de operação leva a alavanca inapelavelmente
ao cisalhamento e à quebra.
Façamos uma pequena imagem.
Imagine-se um muro a ser edificado, somente podendo-se dar por encerrada a obra
quando todos os tijolos tiverem sido usados. A cada mês mais tijolos são trazidos para que o
operário trabalhe, sendo que apenas aqui e acolá outro trabalhador chega para ajudar na
construção. É claro que enquanto chegarem tijolos novos com aumento não correspondente
do número de operários será impossível chegar-se ao fim da obra.
Mas imaginemos ainda um pouco mais.
Além da carga nova de tijolos todo mês, a quantidade de tijolos, em períodos que
dependem de outros fatores, como a necessidade do Governo em manter os empregos nas
olarias, também aumenta, impondo-se cotas ainda superiores. O número de operários na
construção do muro só vez por outra aumenta, e sempre em proporção muito abaixo da taxa
de aumento de tijolos que são trazidos.
É óbvio que um sistema como esse levará rapidamente à impossibilidade do nosso
imaginário muro ser dado como terminado.
Se é assim, por justiça e mesmo por bom senso, o homem médio certamente
perguntaria: mas... quando combinaram fazer o muro, não imaginaram qual seria um
tamanho mínimo suficiente? E aí é que está um dos pontos importantíssimos, desnudado por
meio de nossa simplória parábola. Ninguém contrata a construção de um muro, nem se deixa
contratar, sem que se fixe o quanto deva ser feito para que se repute cumprida a tarefa.
Veja-se que pouco importa que aqui se exemplifique com uma simbólica avença de
empreitada. Sim, é claro que o contrato de financiamento imobiliário tem suas características

13
particulares. Todavia, o bom-senso que há de imperar em toda a Ciência Jurídica enraíza em
princípios comuns que não podem ser abstraídos quer se cogite de um empréstimo, quer de
uma edificação. O fato é que não é juridicamente correto que o agente financeiro pretenda
que o mutuário pague, na prática, ao sabor de circunstâncias alheias e sob riscos que superam
a possibilidade de análise até mesmo dos mais renomados analistas financeiros. O conceito de
"risco", aliás, chega às raias da ironia quando o assunto é financiamento pelo SFH. O risco vem
se tornando não conceitualmente um "risco", mas sim uma certeza de distorção.
Cabe bem destacar, por outro lado, que há uma gama bastante grande de ações
judiciais em trâmite por todo o Brasil, tendo-se estabelecido um sem-número de entidades de
defesa dos mutuários, cada qual com centenas de associados. Contudo, a situação de cada
mutuário não pode ser considerada exatamente a mesma, como se estivéssemos diante de
uma discussão acerca de um direito constitucional difuso ou coletivo, rigorosamente com os
mesmos limites e características para todos. O Sistema Financeiro da Habitação nasceu há
algumas décadas e mudou muitíssimo desde então. Cada contrato firmado pode estar ou não
sob fortes distorções que reclamam corrigenda conforme a época, a duração, a existência ou
não de FCVS e até mesmo consoante a categoria profissional do mutuário (Categorias
profissionais fortes e evidentes por si sós deixavam sob clareza solar o exato percentual de
reajuste dos salários, enquanto que as milhares de outras categorias profissionais menos
representativas da massa de trabalhadores não poucas vezes viam-se brindadas com reajustes
"estimados" para o valor das prestações). Enfim, não se cuida de uma questão de direito
difuso ou de direito coletivo, mas sim de direito obrigacional que vincula as partes
contratantes com as peculiaridades de proteção constitucional que oportunamente serão
destacadas.

Valor da Causa
A primeira conseqüência prática para o processo diz respeito ao critério adotado para
a fixação do valor da causa.
Ao tempo dos contratos com cobertura do FCVS sedimentou-se o entendimento de
que, por se discutir apenas o valor das prestações e não a evolução do saldo devedor, justo
seria considerar o critério de uma anuidade, abstraindo-se o valor do contrato. Assim o
equivalente a doze prestações compunha o montante a ser considerado para a causa.
Corrente ainda mais liberal passou a considerar que o valor da causa corresponderia à
diferença entre o valor cobrado e aquele reputado devido pelo mutuário. Dessarte chegou-se
ao critério do montante duodecimal da diferença entre o quanto cobrado e o quanto
entendido devido pelo mutuário.
Todavia a mudança nos contratos, ao obrigar os mutuários à discussão do saldo
devedor, levou também à alteração do conteúdo econômico da lide. Assim, por se perseguir a
revisão do contrato de modo abrangente, tornou-se adequado o critério do valor do próprio
contrato, isto é, da dívida. Circunstancialmente, na maioria das vezes o Judiciário prefere
continuar com o critério anterior como forma de maior distribuição de justiça social.

A Essência do SFH
A Lei fundamental do Sistema Financeiro da Habitação, conquanto muito tenha-se
alterado desde sua edição, continua sendo a Lei 4380/64.
É de sua ementa:
Institui a Correção Monetária nos Contratos Imobiliários de
Interesse Social, o Sistema Financeiro Para a Aquisição da Casa
Própria, Cria o Banco Nacional de Habitação (BNH), e Sociedades
de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal
de Habitação e Urbanismo e dá outras Providências.

14
Já no artigo 5° ficava disposto que (...) os contratos de vendas ou construção de
habitações para pagamento a prazo ou de empréstimos para aquisição ou construção de
habitações poderão prever o reajustamento das prestações mensais de amortização e juros,
com a conseqüente correção do valor monetário da dívida toda vez que o salário mínimo legal
for alterado.
Eis aí a semente plantada no solo do Direito, oriunda da política habitacional que o
Governo resolvera aplicar para fazer frente ao caos que o País vivia em termos de casa
própria para seus cidadãos. A componente social era tão óbvia que não era vinculação
primeva da norma de regência senão o próprio salário mínimo. O Legislador cuidou de deixar
assente também que o reajustamento basear-se-ia no índice geral de preços mensalmente
apurado ou adotado pelo Conselho Nacional de Economia que reflita adequadamente as
variações no poder aquisitivo da moeda nacional (art. 5°, § 1°, Lei 4380/64). Ainda outra
regra que ficou na mente de todos os que cuidam do assunto é o intervalo estabelecido para a
vigência do novo valor da prestação: 60 (sessenta) dias. Eis o texto:

§ 3º - Cada reajustamento entrará em vigor após 60 (sessenta)


dias da data de vigência da alteração do salário mínimo que o
autorizar e a prestação mensal reajustada vigorar até novo
reajustamento. (art. 5° - Lei 4380/64)

Mas nenhuma regra da Lei em comento mais evidencia a essência do Sistema


Financeiro da Habitação em sua primeira versão do que o parágrafo 5° do artigo 5°:

§ 5º - Durante a vigência do contrato, a prestação mensal


reajustada não poderá exceder, em relação ao salário mínimo em
vigor, a percentagem nele estabelecida.

O critério de reajuste das prestações foi sendo aperfeiçoado através do tempo,


restando três, por assim dizer mais comuns e que abrangem a grande maioria das avenças
hoje existentes.
Basicamente temos o critério da equiparação salarial na modalidade categoria
profissional, na modalidade comprometimento de renda e o sistema de amortização
crescente.
São o PES/CP, o PES/CR e o SACRE.
Qualquer deles pode ser o do contrato hoje existente, já não mais havendo os que
ostentem cláusula de cobertura pelo FCVS.
Outra coisa completamente diferente é o sistema de amortização que tenha sido
adotado no contrato. O sistema mais comum é o da chamada "Tabela Price", sistema esse
também conhecido como "francês". Mas há muitos outros. Há o sistema americano, mais
comum para o mercado internacional, o hamburguês, o sistema de amortizações constantes,
conhecido por SAC, e outros.
O que importa considerar é que o critério de reajuste das prestações não vincula
obrigatoriamente a este ou àquele sistema de amortização, podendo haver contrato que
adote o PES/CP e o sistema SAC, bem como que adote o PES/CP e o sistema francês. Na
prática o que se tem é que há muitos contratos PES/CP sob o regime da tabela Price, mas, é
bom que se destaque, o fato do contrato reger-se pelo critério PES/CP não o vincula
obrigatoriamente ao sistema francês de amortização.
Se o mutuário pretender a modificação das cláusulas estabelecidas no contrato sob a
premissa de que todo contrato PES/CP deve obedecer à tabela Price, deverá prevalecer o
princípio pacta sunt servanda, já que ao mutuário não advém prejuízo tão-só em razão de ter-
se este ou aquele sistema de amortização previsto na avença.
15
Veja-se que há plena liberdade para o mutuário discutir as cláusulas estabelecidas,
abordando a correção ou não dos reajustes realizados, bem como os índices empregados, sem
que, no entanto, possa pretender pura e simplesmente alterar a essência do contrato,
descaracterizando cláusulas livremente estabelecidas.
É óbvio que se ambas as partes contratantes desejassem tal modificação poderiam
simplesmente aditar o contrato originário. Mas unilateralmente, por intervenção do
Judiciário, não é possível violentar-se o ente financeiro infligindo-lhe toda sorte de alterações
só porque se trata de uma rica empresa pública de natureza bancária, como se tal
circunstância pudesse alicerçar uma cerebrina presunção de abuso de poder econômico.
Não.
Bastas vezes o que ocorre é o arrependimento do mutuário que optou por um
determinado regime contratual que não atendeu às suas expectativas. Conquanto a
componente social da questão habitacional seja evidente, não se pode perder de vista que o
ente financeiro somente pode continuar a financiar imóveis se houver cumprimento dos
contratos estabelecidos.

A Essência das Distorções


A raiz de toda a problemática situação que se formou está na origem dos recursos
dirigidos ao financiamento da habitação. Conquanto não caiba aqui aquilatar do acerto ou
desacerto das políticas habitacionais adotadas na condução dos recursos, o fato é que o
dinheiro usado para o financiamento da casa própria origina-se dos depósitos da poupança.
Ironicamente, a estabilização da moeda, em se prolongando no tempo, fez com que
boa parte dos brasileiros, até então poupadores, simplesmente deixasse de fugir da inflação e
se lançasse no mercado consumidor. Equivale a dizer que os depósitos em poupança foram
diminuindo ao ponto de provocar a intervenção da equipe econômica do Governo.
Era imperativo atrair novamente o brasileiro à poupança, sob pena de faltarem
recursos para, dentre outras coisas, financiar a casa própria.
Ocorre que para atrair depósitos em poupança só mesmo remunerando as aplicações
realmente acima da inflação, já que a mera recomposição da moeda deixa de ser suficiente
sedução quando há estabilidade econômica. Foi por isso que se adotou a Taxa Referencial –
TR para a remuneração da poupança. Índice mais gordo, fez a poupança novamente
interessante. Assim o governo contornou a falta de recursos para suas finalidades e, como já
bem destacado, para o financiamento imobiliário.
Entretanto, a remuneração da poupança é paga pela entidade bancária, somente
podendo existir encontro contábil que garanta o equilíbrio desse sistema se essa remuneração
puder ser retirada dos financiamentos realizados com os recursos dessa mesma poupança. Eis
aí a cruel verdade econômica que legitima o uso do índice da poupança para o reajuste dos
financiamentos sob o regime do Sistema Financeiro da Habitação – SFH.
No concerto da macroeconomia cogitar-se de justiça social quase sempre implica em
impasses como esse. A coisa toda se agrava se considerarmos que dificilmente haverá
coincidência entre o poupador e o mutuário, de modo que a recuperação pela instituição
bancária da remuneração do capital aplicado na poupança termina por recair sobre aquele
que, no mais das vezes, de nada dispõe para poupar. Porém, ainda assim é preciso que o
Judiciário tenha muita cautela quando o mutuário se apresentar com toda espécie de efetivas
verdades não alinhavadas aos limites da lide, pedindo modificações essenciais do
financiamento avençado perante a instituição bancária.
Há quem ataque a tabela Price com se fosse ela a grande culpada pelas mazelas da
conjuntura habitacional.
Ingênua argumentação.

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O sistema francês de amortização é uma ferramenta matemática que engloba a
capitalização decrescente de juros e a amortização crescente do saldo devedor. Tem-se duas
progressões geométricas, uma de razão direta outra invertida, de modo que os termos
equivalentes, ao serem somados, resultem sempre no mesmo valor. Dessa forma a prestação
é constante mas progressivamente se vai pagando mais amortização e menos juros.
A tabela Price por si só nada distorce, tampouco constituindo qualquer aberração o
fato de haver capitalização de juros. O sistema é matematicamente concebido para zerar
precisamente na última prestação.
No sistema de amortizações constantes, o chamado sistema SAC, a concepção
matemática é outra. Diferentemente do que se dá com a tabela Price, o valor da amortização
é que é constante. Basicamente, o valor da dívida é dividido pelo número de parcelas,
resultando no valor constante a ser amortizado todo mês. Do saldo devedor subtrai-se a
amortização e aí incide a taxa de juros, somada à amortização para compor o total da
prestação. Como todo mês o saldo devedor é amortizado, o valor dos juros também vai
progressivamente diminuindo, de modo que a prestação acompanha tal diminuição. Como
característica comum de todo sistema e amortização, o saldo devedor reduz-se a zero quando
do pagamento da última prestação.
O problema é que em financiamentos longos é preciso incluir uma fórmula de reajuste
a fim de manter o equilíbrio econômico original, aquele do momento da assinatura do
contrato, uma vez que a taxa de juros é pré-fixada e a inflação, mesmo em patamares
menores, a bem da verdade não se dobra a previsões de vários lustros.
No Sistema Financeiro da Habitação tudo isso é verdade e há ainda a pior de todas as
circunstâncias.
É que a política habitacional, desde o início do SFH, concebeu os financiamentos em
que o mutuário pagaria em proporção direta com sua remuneração. Mas eis que o saldo
devedor, dada a origem dos recursos do próprio financiamento, veio a ser reajustado de
acordo com o índice da poupança.
Não é preciso analisar-se toda variante de contrato em cada época. Basta
considerarmos que é impossível fechar uma conta em que os pagamentos são reajustados aqui
e acolá por um índice limitado enquanto que o saldo devedor vai sendo periodicamente
acrescido do índice da poupança.
Pouco importa o sistema de amortização adotado no contrato, como destacado.
Não há como zerar-se o financiamento se o reajuste da prestação ocorre ao
descompasso do reajuste do saldo devedor. Essa sandice matemática só perdura porque, ao
tempo da hiperinflação, no contexto do caos econômico quase equivaliam os reajustes
salariais em comparação com a remuneração da poupança. A estabilidade da moeda apenas
evidenciou aos brados o descompasso das dimensões e épocas dos reajustes das prestações e
do saldo devedor.
Tanto faz considerarmos o critério da categoria profissional ou do comprometimento
de renda, a limitação do reajuste das prestações, ao contrário de ser um benefício ao
mutuário, termina por mais e mais agravar sua situação no contexto do contrato de
financiamento.
Tanto assim que veio a lume o SACRE, que prevê reajustes anuais a fim de recuperar
alguma força de amortização às prestações.
A situação, enfim, amolda-se a uma longa seqüência de circunstâncias que levaram o
sistema habitacional a um labirinto cuja saída é tudo, menos fácil de se achar.
A Caixa Econômica Federal é a entidade gestora do Sistema Financeiro da Habitação,
é certo, mas não foi ela quem criou o sistema, cumprindo-lhe administrá-lo nos limites das
leis que cuidam da matéria. O mutuário ingressou no financiamento até por sedução da
propaganda oficial e diante da óbvia necessidade de adquirir a moradia de sua família.

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Uma Solução Possível
Conjugando-se tudo, máxime os comprometimentos econômicos e o cunho social das
lides que se fundam no SFH, a única solução viável juridicamente é a averiguação do valor de
mercado atual do imóvel financiado em comparação com o total comprovadamente pago pelo
mutuário.
Não é de justiça que o mutuário deva desembolsar valor superior ao do bem
negociado.
Por outro lado, conquanto seja também verdade que a CEF limitou-se a gerir o
sistema caótico que herdou do Banco Nacional da Habitação, é uma empresa pública e, como
tal, membro da Administração Indireta, devendo assim arcar com a maior parte do prejuízo
que o sistema gera por conta da política habitacional implementada pela Administração
Direta.
Não há dúvida de que a CEF manifestará inconformismo caso o Judiciário venha a não
admitir que o mutuário continue pagando o financiamento nos exatos moldes do contrato por
reconhecer-lhe a injustiça e o atentado ao princípio rudimentar de que o preço não deve
ultrapassar o valor do bem negociado.
É óbvio que os recursos serão interpostos de imediato, até porque as ações
certamente não ostentam pedido formulado exatamente nesses moldes, ao menos na grande
maioria dos casos.
Todavia, abstraindo-se os rigores científicos da Processualística e com olhos fixos na
realidade forense, é inafastável que, com muito maior freqüência do que se imagina, a tutela
jurisdicional concedida ao fim do processo atende ao quanto pedido na inicial sem contudo
refletir-lhe os exatos contornos.
Nem por isso o pedido é acolhido de modo parcial ou sob o vício dos provimentos
infra, extra ou ultra petita. As causas habitacionais mais e mais são tidas à conta de
demandas de natureza alimentar.
Realmente, o direito à habitação caminha em largos passos em direção ao solo dos
direitos fundamentais do cidadão, aqueles direitos que repousam sobre o dever de
atendimento que toca ao próprio Estado. Não menos evidente é a caracterização do mutuário
como consumidor, juridicamente considerado à sombra da proteção das normas
consumeiristas, de modo que sua hipossuficiência é de absoluta presunção. Ora, daí advém
necessariamente que a tutela jurisdicional do Estado não se poderá obstar por rigores formais
nada adequados à flexibilidade típica da fungibilidade inerente aos direitos de cunho
alimentar.
Busquemos analogias.
Ninguém tem dúvida de que o segurado da Previdência Social, caso peça menos do
que poderia, terá a tutela jurisdicional que melhor lhe atenda às necessidades de acordo com
que prevê a lei. De fato, pouco importa que o pedido restrinja-se à concessão de auxílio-
doença, por hipótese, bastando que se comprove a plena incapacidade laborativa para que o
Judiciário possa condenar o INSS no pagamento do benefício adequado, determinando a
aposentação do segurado.
Esse tipo de flexibilidade, a bem da verdade, já existe no que tange às ações que se
fundam no SFH. É muito comum o juiz liminarmente determinar o pagamento pelos mutuários
do valor incontroverso diretamente ao agente financeiro quando o pedido sumário, na
verdade, buscava o depósito de tais valores.
Ainda nesse contexto, há juízes que liminarmente vedam desde logo a eventual
realização de praceamento extrajudicial do imóvel financiado tão-só diante de pedidos
genéricos dirigidos a medidas administrativas como a não-inclusão dos mutuários em registros
de inadimplentes.
É o Judiciário dando à parte o que melhor lhe cabe sem restrições meramente de
forma diante da natureza alimentar do direito à habitação.
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Aliás, é bom que não se defenda excessivo rigor de forma no que pertine às ações
tocantes à habitação, porquanto não haverá como dar-se solução às milhares de famílias que
demandam em cada Juízo se não se reconhecer a natureza alimentar do direito à habitação,
com todas as conseqüências daí advindas, máxime a presunção absoluta de hipossuficiência
do mutuário.
Em contrapartida, a Caixa Econômica Federal terá a garantia de que a quitação dos
contratos cinge-se estritamente à comprovação de que já foi pago valor suficiente, entendido
esse como o valor de mercado atual do imóvel.
A solução adotada atende, repise-se, à hipossuficiência econômica do mutuário em
termos de proteção consumeirista.
A eventual existência de superávit em favor do mutuário como resultado da
comparação entre o quanto pago e o valor atual de mercado do imóvel não implica no
reconhecimento de crédito como efeito da sentença que for proferida, já que o deslinde da
causa não terá advindo do encontro de contas ou investigação contábil para esse fim.
O desfecho do litígio estará assente no princípio da distribuição da justiça e dos fins
sociais do processo, principalmente porque não se trata do reconhecimento de culpa civil da
CEF, mas sim do reconhecimento de que as distorções do Sistema Financeiro da Habitação
torna injusta a continuidade do financiamento quando o valor pago supre o valor de mercado
do imóvel.
Dessarte, eventual pretensão em busca de diferenças há que fundar-se em nova busca
de tutela jurisdicional, sob fundamentos próprios.
Em suma, a questão se resolve pelo seu aspecto mais simples: o preço não pode
ultrapassar o conteúdo econômico do bem negociado.
Outro aspecto de relevo é o inadimplemento puro e simples que ocorre por parte de
alguns mutuários e que se pretende ocultar sob argumentações variadíssimas acerca das
mazelas do sistema habitacional.
Com efeito, há ações em que os fatos averiguados com a instrução muito mais
evidenciam um crônico inadimplemento das obrigações contratuais por parte do mutuário do
que lesões efetivas que tivesse sofrido caso pagasse as prestações do financiamento. Não se
deve confundir situações díspares como a do mutuário que vem pagando seu financiamento e
se põe diante do juiz para discutir as cláusulas contratuais, em contrapartida ao mutuário que
falta com inúmeros pagamentos, anos a fio, e se lança à Justiça em busca de uma solução
para seu débito.
Mais uma vez a melhor forma de afastar o joio do trigo, verificando-se quem tem
mesmo razão para sentir-se lesado, é o critério da comparação entre o quanto se pagou e o
valor comercial atual do imóvel.
Se o mutuário pagou valor que atinja o valor de mercado, tenha-se por quitado o
débito, sob pena de uma ostensiva sobrevaloração do bem negociado; se não pagou o
bastante, ficando aquém do valor de mercado, deverá cumprir o contrato,
independentemente de se discutir o acerto do valor das prestações, até que aquele valor seja
atingido.
Não será difícil para o Judiciário, através de verificação contábil, fixar o valor a ser
atingido, quantas e de qual valor serão as prestações que faltam, atualizando-se o valor da
dívida restante tão-somente por atualização monetária.
Não mais se cogita de aplicação de índices vinculados à poupança, mas sim de
correção monetária apenas, de forma a preservar o valor do imóvel para que não advenha
excessivo prejuízo à CEF.
Consoante a jurisprudência já assentou em outras plagas, não há direito adquirido a
um determinado índice de correção ou de reajuste, pelo que a correção monetária é de ser
feita pelo percentual oficial. Haverá mutuários que afirmarão nada terem conseguido de
concreto com tal solução, é certo, mas, enfim, se o financiamento ficou em aberto de modo
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que não se atingiu o valor de mercado do imóvel, ao menos esse deverá ser atingido, sendo
justo que esse valor seja preservado, a fim de não se afrontar o ente financeiro de modo
incoerente com o critério fixado em defesa do mutuário.
Ainda assim a vitória do mutuário será de fácil reconhecimento, uma vez que não
mais submeter-se-á a um saldo devedor ilimitado, mas sim a um total que, mesmo sendo
monetariamente corrigido, não poderá ser majorado.

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