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O Conceito de Parafrenia e a Sua Actualidade1

Nuno Borja Santos*

Resumo: A EVOLUÇÃO DO CONCEITO


Este trabalho inicia-se com uma revisão his- O aparecimento do termo
tórica do conceito de parafrenia, apontando Na Prússia, L. Kahlbaum (1828-1899), de-
a contribuição de Kraepelin e o posterior fendeu em 1863 uma tese em que pugnava
esquecimento deste diagnóstico ao longo do (e elaborava) por uma classificação baseada
século XX. Seguidamente, um estudo recente nas ciências naturais e no empirismo1. Aqui,
suportando a validade deste diagnóstico é identificou a demência, que considerava
referido. Conceitos como “parafrenia tardia” um estado de défice psíquico consequente
e parafrenia afectiva são também menciona- à instalação de um determinado processo e
dos. Nas conclusões, é discutida a relevância que se opunha aos enfraquecimentos psíqui-
actual do diagnóstico de parafrenia. cos primitivos.
Estas demências podiam ser de três tipos:
Palavras-Chave: Parafrenia; Esquizofrenia; a neofrenia, sempre que o processo se ori-
História. ginasse na infância, e a parafrenia, quando
tal ocorresse na adolescência e adultícia. Na
The Concept of Paraphrenia and Its última, distinguiu duas formas: a paraphre-
Actuality nia hebetica – correspondente à demência
precoce de Morel e característica da puber-
Abstract: dade – e a paraphrenia senilis – próxima
This paper initially reviews the historical das actuais demências senis2. Como vemos,
development of the concept of paraphrenia, o termo “parafrenia” é aqui usado de uma
stressing Kraepelin’s important contribu- forma diferente, se não oposta, da actual.
tion, as well as the progressive fading out Para Kahlbaum, referia-se a doenças mentais
of this diagnosis during the XXth century. que tendiam a verificar-se nas idades transi-
Then, a recent study supportting the validity cionais da vida3.
of the diagnosis of paraphrenia is pointed
out. Concepts, such as “late paraphrenia” Os autores franceses
and “affective paraphrenia”, are mentio- Em 1895, V. Magnan (1835-1916), que tentou
ned. In the conclusions, the relevance of dar uma dimensão nosográfica ao conceito de
paraphrenia diagnosis is discussed. degenerescência de B. A. Morel (1809-1873),
dele excluiu, entre outras entidades, a mania,
Keywords: Paraphrenia; Schizophrenia; a melancolia, a paranóia e o delírio crónico
History. de evolução sistemática. Estas entidades

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1 Comunicação apresentada no World Psychiatric Association International Congress (Julho 2006, Istambul),
integrada no Workshop “Return to Kraepelin”.
* Assistente Graduado: Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca.
O Conceito de Parafrenia e a Sua Actualidade

opunham-se às psicoses degenerativas, por Entretanto, em 1912, G. Ballet (1853-1916)


estas serem caracteristicamente atípicas e publicara a sua descrição da psicose alucina-
mal sistematizadas. Mas foi o facto de Magnan tória crónica cuja característica principal é o
e seus seguidores nem sempre se apoiarem predomínio das alucinações e alterações da
no carácter evolutivo – por exemplo, incluí- posse do pensamento como “motores” para
am, na degenerescência, a idiotia e a imbeci- a construção delirante4. Referenciou ainda a
lidade - que os levou a ser ultrapassados pela riqueza alucinatória, a ausência de demência
escola kraepeliniana. Outro dos seus erros e a maior frequência na mulher7. Desta teo-
terá sido o de ligar a degenerescência à here- rização surge a noção de delírio enquistado
ditariedade2, como, aliás, já o fizera Morel1. – hoje mais abrangente –, que significava
De facto, sabe-se hoje, que algumas entidades estar quiescente, sendo apenas activado pelo
por Magnan excluídas da degenerescência, reaparecimento alucinatório1. Em 1927, G.
têm uma forte predisposição hereditária. de Clérambault (1872-1934) define o seu
Mas o delírio crónico de evolução sistemática, conceito de psicose à base de automatismo
descrito por Magnan e Gerente como um qua- mental - quadro em que integra a psicose
dro iniciado com um período de incubação alucinatória crónica -, em que a síndrome
seguido de delírio de perseguição e grandeza de influência é vista como desencadeadora
pode incluir-se no conceito de parafrenia que da experiência delirante, que lhe é, pois,
viria a definido por E. Kraepelin (1856-1926) secundária. Curiosamente, como faria Krae-
e que chegou aos nossos dias2. A fronteira pelin em relação a alguns tipos de parafrenia,
entre este delírio e a demência precoce foi es- não deixa de notar uma exaltação do humor
tabelecida por Séglas, em 19001. Mas o termo nestes doentes8.
“parafrenia” só entraria na escola francesa, Mas, na parafrenia kraepeliniana, como ve-
com o adjectivo de “fantástica”. O conceito remos, a relação dinâmica entre alterações
de “parafrenia fantástica” de Kraepelin, que da percepção e posse do pensamento, com o
adiante abordaremos, foi retido pelos autores delírio, já não surge, sendo apenas definida
franceses4 e corresponde sensivelmente, ao negativamente, pela exclusão da evolução
delírio de imaginação fantástica de Dupré e demencial 1.
Logre 5, posição que não é aceite por todos6.
Todavia, H. Ey (1900-1977), na segunda Kraepelin
metade do século XX, ainda divide as psico- Apenas na 8ª edição do seu tratado (1908-
ses crónicas em sistematizadas (paranóia), 1915), Kraepelin individualizaria o conceito
fantásticas (parafrenia) e autistas (esquizo- de parafrenia9. Na 6ª edição (1899), ao refe-
frénicas) 5. rir-se à paranóia, aponta, como dado assente

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pelos autores coevos, a ocorrência de delírio Na descrição da parafrenia sistemática fala


e alucinações como a característica essencial da instalação progressiva de um delírio de
da doença. Mas noutra passagem do mesmo perseguição que se vai tornando mais eviden-
texto, afirma que, em sua opinião – hoje te; em alucinações, especialmente auditivas
aceite pelas modernas classificações –, as (descreve um caso de um doente que só as
alucinações são excepcionais e frustes, na refere em casa); em ideias de influenciamen-
paranóia. Adianta mesmo que, em nume- to em que inclui alucinações somáticas; no
rosos casos, elas são reactivas a situações aparecimento, passados alguns anos, de um
momentâneas de tensão, experienciadas pelo delírio de grandeza relacionado com as ideias
paciente10. Neste volume não se refere à para- persecutórias; em alguns casos, do surgir
frenia, tal só vindo a acontecer na 8ª edição9. de um delírio erótico; de pseudomemórias,
Os casos correspondentes à doença, que mais onde poderão caber aquilo a que hoje chama-
tarde individualizaria com esta designação, mos confabulações, recordações delirantes
ficavam pois incluídos na demência precoce e interpretações delirantes da memória; do
ou na paranóia10. Foi, no entanto, tornando- humor, que tende a passar de depressivo, no
se claro para Kraepelin que aquilo que desig- início, para disfórico, posteriormente, como
nara como demência precoce poderia ter um
consequência da evolução do delírio; da pre-
início mais tardio, chegando à conclusão, na
servação da capacidade de trabalho; da não
8ª edição, que 0,2% dos casos ocorria após os
evolução demencial.
60 anos 9.
Em termos epidemiológicos, Kraepelin apon-
Aqui, refere-se também a “um grupo relativa-
ta para 60% dos casos no sexo masculino,
mente pequeno de casos, com vários pontos
comuns com a demência precoce, mas que mais de metade entre os 30 e 40 anos e 20%
devido a um desenvolvimento mais ligeiro entre os 40 e 50 anos. Refere ainda casos
das perturbações da emoção e volição, a har- isolados antes dos 25 e depois dos 50 anos.
monia interna da vida psíquica fica conside- Não confere especial relevo ao papel da here-
ravelmente menos afectada ou, pelo menos, ditariedade.
limitada a certas faculdades intelectuais”. Em relação ao diagnóstico diferencial, afir-
Considera ainda difícil a delimitação deste ma que a conservação da personalidade é o
grupo com outros semelhantes e divide-o aspecto que mais distingue a parafrenia das
em quatro grupos que denomina de parafre- formas paranóides da demência precoce, em-
nias sistemática, expansiva, confabulatória e bora admita que esta questão é discutível por,
fantástica. A primeira corresponde sensivel- no último caso, a deterioração não ser, ami-
mente aquela que ficaria tradicionalmente úde, muito evidente. Refere mesmo que, no
conhecida pelo nome de “parafrenia”. início da doença, a delimitação é, por vezes,

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difícil, sendo necessário aguardar pela evolu- A distinção da demência precoce seria seme-
ção. Mas aponta como factores que tornam lhante à da parafrenia sistemática. Kraepelin
mais provável o diagnóstico de parafrenia, o afirma que estes doentes não seriam manía-
aparecimento tardio das alucinações, a elabo- cos, visto a excitação ser menos intensa e não
ração mental do delírio, as reacções emocio- se deixarem influenciar no seu delírio. Este e
nais exacerbadas, a ausência de perturbações as alucinações seriam, por outro lado, persis-
volitivas e a conservação do bom senso e da tentes e o aparecimento da doença seria mais
racionalidade. tardio que o da loucura maníaco-depressiva.
No que respeita à separação da paranóia, A parafrenia confabulatória caracteriza-se, se-
admite a dificuldade da questão, até por os gundo Kraepelin, pelo “papel dominante que
limites desta se encontrarem mal definidos. as falsas recordações nela desempenham”. O
Porém, refere que, aqui, a construção de- delírio é de perseguição e exaltação. Como
lirante tende a formar-se mais lentamente, característica aponta o facto de os doentes,
mas a estender-se com grande estabilidade. de forma insólita, confirmarem que as suas
A parafrenia expansiva é definida por Krae- experiências extraordinárias não tinham sido,
pelin como um “desenvolvimento de uma outrora, por eles, notadas. Contam até que o
megalomania exuberante com predomínio assunto fica, por vezes, esquecido e que, de
de humor exaltado e uma ligeira excitação”. forma súbita, o voltam a recordar. Chegam
Segundo o autor, o delírio de grandeza, para até, em alguns casos, a fazer crítica às con-
além da ideação megalómana, envolvendo fabulações, para, no entanto, mais tarde, as
bens materiais, podia assumir a forma de retomarem. O humor é exaltado, amiúde,
delírio erótico, sobretudo nas mulheres ou, denotando irritabilidade. Pode surgir verbor-
noutros casos, de ideias religiosas de exal- reia, usando trocadilhos verbais. Ocasional-
tação. O delírio persecutório não seria tão mente, tomam atitudes concretas, no sentido
preponderante como na parafrenia sistemá- de se precaverem dos seus perseguidores ou
tica. O aparecimento das alucinações seria de realizar alguma missão de que se julgam
bastante precoce e de tipo oniróide. Também incubidos. Todavia, na maioria dos casos, a
frequentes seriam as pseudomemórias. O hu- actividade confabulatória vai estiolando com
mor seria expansivo. o decurso do tempo.
Esta patologia, de acordo com Kraepelin, se- Kraepelin aponta a raridade desta patologia,
ria encontrada predominantemente no sexo razão por que afirma ter dificuldades em sa-
feminino e, em três quartos dos casos, entre ber a evolução. Mas adianta que a proporção
os 30 e os 50 anos. Como no caso precedente, parece ser igual nos dois sexos e que o início
a hereditariedade não seria relevante. se pode dar entre os 20 e os 50 anos. Em

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relação à personalidade pré-mórbida, aponta de um sono. Não obstante, esta actividade


uma tendência à introspecção. delirante pode coexistir com um comporta-
Em termos de diagnóstico diferencial, Krae- mento sensato e razoável.
pelin admite que esta doença tem pontos de As narrações dos doentes são caracterizadas
contaco com a demência precoce (devido a por uma linguagem prolixa, ocasionalmente
alguma involução que, com os anos, pode com neologismos, com jogos de palavras,
ocorrer) e com aquilo que designa como ma- aqui e ali com descarrilamentos e abundante
nia crónica (pela presença de sintomas afec- em superlativos, o que vem na linha da gran-
tivos). Em todo o caso, não se mostra seguro diosidade e sofrimento experienciados pelo
que a parafrenia confabulatória pudesse, no paciente. Nas descrições escritas, é típico o
futuro, constituir um grupo à parte. uso frequente de letras maiúsculas, a ausên-
A parafrenia fantástica consiste, para Kraepe- cia de pontuação, a conjunção do passado e
lin, numa “produção luxuriante de delírios presente e a ocorrência de letras isoladas.
absolutamente extraordinários, incoerentes O humor não sofre variações consideráveis,
e em mudança”. Refere, como sintomas ini- embora possa haver uma tendência à disfo-
ciais, a depressão e a ideação suicida, segui- ria.
dos do aparecimento insidioso de um delírio Kraepelin considera ser esta doença mais
persecutório, de alucinações auditivas e so- frequente no sexo masculino, com 60 a 70%
máticas, embora, por vezes, também visuais e dos casos, sendo que a idade de aparecimento
de ideias de influenciamento. Alguns doentes tende a situar-se entre os 30 e os 40 anos.
contam que outros indivíduos entram no seu Kraepelin, contudo, não deixa de considerar
corpo, sendo frequente a temática sexual que a evolução demencial é possível, com um
expressa de forma bizarra. É característca a acentuar da incoerência discursiva. Porém,
extravagância do delírio que pode, aliás, en- mantém esta patologia como grupo indepen-
volver outros indivíduos, a própria sociedade dente, dada a peculariedade da sua clínica.
e, mesmo, relações interplanetárias. A gran- Apesar da individualização do grupo das pa-
diosidade pode igualmente ocorrer. Também rafrenias, Kraepelin não deixa de considerar
aqui podem surgir falsas recordações, com esta doença como mais próxima da demên-
frequência mutáveis, sem encadeamento co- cia precoce que da paranóia. Isto, tanto
erente e que ocorrem no momento. Os falsos por razões etiológicas – as duas primeiras
reconhecimentos podem igualmente ter lugar constiuíam a “Endogene Verblodung” (en-
nestes doentes, levando, por vezes, à confu- fraquecimento endógeno) –, como clínicas,
são acerca do local onde se encontram e, ao visto não excluir que algumas parafrenias
remitirem, provocar a sensação de despertar pudessem ter uma evolução demencial. Por

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O Conceito de Parafrenia e a Sua Actualidade

outro lado, a paranóia é vista como uma Em consequência desta concepção, a parafre-
perturbação constitucional e não passível de nia cai no campo da esquizofrenia. Contudo,
evolução demencial9. Assim, com a sua 8ª também o facto de Kraepelin ter descrito a
edição, Kraepelin acaba por se aproximar da parafrenia menos em termos qualitativos que
escola francesa1. em diferença de grau (menor perturbação
formal do pensamento e maior preservação
De Bleuler à actualidade dos afectos), pode ter contribuído para o seu
Em 1911, com a expressão “esquizofrenia”, apagamento, como entidade nosológica, ao
E. Bleuler (1857-1939) rompe com o concei- longo do século XX.
to kraepeliniano, já que deixa de considerar Mas, dado decisivo para o esquecimento da
a evolução demencial como requisito para o parafrenia enquanto entidade nosológica, foi
diagnóstico, rejeitando a ideia de que uma um trabalho efectuado por um dos discípulos
única característica seja suficiente para de Kraepelin (W. Mayer) que reviu, em 1921,
definir uma doença. Por outro lado, coloca 78 pacientes por ele diagnosticados como pa-
a ênfase na relação dinâmica entre os sin- rafrénicos, tendo verificado que mais de me-
tomas, preocupando-se mais em encontrar tade tinham “evoluído” para esquizofrénicos,
uma perturbação primária para a doença que concluindo que aquele quadro apenas reflec-
com a descrição clínica, afirmando até, que tia um início mais tardio da doença. Por sua
esta podia variar ao longo do tempo. Sustenta vez, K. Kolle, em 1931, concluiu que de 66
que uma eventual entidade situada entre a es- paranóicos (entre os quais 19 diagnosticados
quizofrenia e a paranóia, não constituía uma por Kraepelin), apenas quatro não tinham
entidade separada da primeira. Não obstante, desenvolvido vivências delirantes primárias,
admitiu que ao grupo das esquizofrenias – e além de ter inferido uma associação genética
daí o plural – faltava uma unidade etiológi- com a esquizofrenia, dados que foram ao en-
ca11. contro das teses bleulerianas. Contudo, tanto
Mas este alargamento do conceito, que no caso da parafrenia como no da paranóia,
permitiu o englobar da parafrenia, vem na esta associação parece ser mais débil que en-
sequência do seu pensamento, que pressupu- tre esquizofrénicos “puros”, ainda que mais
nha a dificuldade em marcar as fronteiras da forte do que na população em geral, embo-
esquizofrenia. Blueuer admitia, por exemplo, ra, em relação à parafrenia, faltem estudos
que não eram claros os limites desta doença controlados12. Todavia, e voltando à questão
com a alucinose alcoólica, a psicose manía- de alguns parafrénicos terem “evoluído”
co-depressiva, as psicoses da motilidade e a para esquizofrénicos, fica por esclarecer que
paranóia11. designação dar aos restantes que, apesar de

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minoritários, permaneceram com o primei- Janzaric, em 1957, voltou a referir o início


ro diagnóstico. Aliás, como vimos, o próprio tardio da doença (após os 60 anos), apon-
Kraepelin tinha já admitido que, em alguns tando a raridade desta condição, embora
casos de parafrenia, a evolução podia ser sublinhando a organicidade que tendia a
demencial9. verificar-se13.
Mas Kolle começou a utilizar o termo em ter- Contudo, Lewis, em 1970, e Kolb, em 1973,
mos etários, referindo-se à parafrenia como vieram afirmar que na parafrenia falta a “sis-
esquizofrenia das idades médias da vida. Ali- tematização quase lógica” observada na para-
ás, já em 1913, K. Kleist se referira à paranóia nóia15, o que é reforçado por A. Munro, para
involutiva, doença que tenderia a ocorrer quem, naquela, não se observa a estabilidade
em mulheres, na 5ª década de vida e como de encapsulamento do delírio16. Não obs-
resultado de “características hiperparanóicas tante, autores como Leigh defendem que a
pré-psicóticas da personalidade”13. parafrenia se trata somente da esquizofrenia
Manfred Bleuler, em 1934, cunhou o termo que se inicia após os 60 anos, altura em que
“esquizofrenia tardia” para aquelas psicoses a doença cursa com uma relativa preservação
que se iniciam após os 40 anos, com sinto-
da personalidade. O próprio Kraepelin admi-
matologia próxima das restantes esquizofre-
tira que a doença – apesar da denominação
nias e em que tenham sido excluídos factores
“demência precoce” – se pudesse iniciar
orgânicos, embora reconhecesse que os mais
mais tardiamente. Mas o acima referido tra-
idosos tinham um menos acentuado embota-
balho de Mayer marcou o fim da investigação
mento afectivo e menos alterações formais do
pensamento14. Temos então que a linguagem original acerca da parafrenia, pelos menos
dos psiquiatras da primeira metade do século em termos clínicos e epidemiológicos, quase
XX se encaminhava para uma dissolução do até ao fim do século XX, à excepção dos que
conceito de parafrenia. se debruçaram sobre a parafrenia tardia,
Também S. Arieti, em 1955, argumentou a conceito a que adiante nos referiremos15.
favor da inexistência da parafrenia15, embora Ainda de acordo com Munro, muitos casos de
reconhecesse que, em comparação com a parafrenia acabam por cair em categorias re-
esquizofrenia, a deterioração era mínima. siduais – que considera heterogéneas - como
O próprio Leonhard, que referiu existir na “psicose atípica”, “psicose não especificada”
parafrenia uma preservação do afecto, não ou “doença esquizoafectiva”. Tal acontece,
a separou claramente da esquizofrenia16. sobretudo, quando o quadro ocorre até à
Porém, utilizou sempre o diagnóstico em ter- idade média da vida, a partir da qual muitos
mos fenomenológicos e não etários, tal como psiquiatras mantêm o termo “parafrenia”17.
Kraepelin o fizera. Na classificação americana, em 198018, a

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paranóia comporta a parafrenia, facto a que and hallucinations. 5) Only partially


não é estranha a antiga concepção de para- meets Criterion A for schizophrenia. No
nóia, mais como categoria que como entidade significant organic brain disorder.
isolada. O que foi, em parte, corrigido com Munro, A.16
as de 198719, 199420 e 200021, que deram à
paranóia – agora perturbação delirante – um Para além disso, considera que a doença tipi-
estatuto independente, mas de que excluíram camente se inicia na idade média ou avança-
a parafrenia. O mesmo sucedeu com a ICD- da, embora admita que possa haver casos na
10, em 199322, que deixou de a considerar, terceira década de vida. Trata-se naturalmen-
ao contrário do que ainda fazia a ICD-9, em te de uma doença crónica que pode apenas
1978, embora de uma forma pouco rigoro- ser compensada pelo tratamento. Porém,
sa23. realça que o delírio muitas vezes impede a
boa adesão ao tratamento. Em relação à fre-
Os critérios de Munro quência, estima que a doença represente, em
Munro, em 1991, propôs os seguintes cri- internamento, 10% das esquizofrenias.
térios para o diagnóstico de parafrenia: No que respeita aos factores de risco, aponta
A delusional disorder of at least 6 a inclusão no cluster A das perturbações da
months’ duration characterized by the personalidade e os défices sensoriais, espe-
following: 1) Preoccupation with 1 or cialmente auditivos, não parecendo existir
more semisystematized delusions, often uma ligação significativa à presença de histó-
accompanied by auditory hallucinations. ria familiar de esquizofrenia.
These delusions are not encapsulated
Em termos de estabilidade do dignóstico,
from the rest of the personality as in de-
acredita que a maioria dos parafrénicos
lusional disorder. 2) Affect notably well-
permanece “enquanto tal” mas admite que a
preserved and appropriate. Even in acute
melhoria dos tratamentos para a esquizofre-
phases, there is an ability to maintain
rapport with the interviewer. 3) None of nia pode ter confundido a questão. Contudo,
the following: intellectual deterioration, relembra que após o estudo de Mayer, não
visual hallucinations, incoherence, flat tiveram lugar quaisquer outros no mesmo
or grossly inappropriate affect, or grossly sentido16.
disorganized behaviour at times other A única excepção foi um trabalho de 1999,
than during the acute episode. 4) Distur- em que alguns autores usaram um questio-
bance of behaviour is understandable in nário adoptado das descrições de Kraepelin,
relation to the content of the delusions que submeteram a doentes de dois centros

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psiquiátricos, tendo identificado 33 parafré- As várias esquizofrenias não sistemáticas


nicos, concluindo pela viabilidade do diag- guardavam uma semelhança clínica com
nóstico24. cada uma das psicoses ciclóides: a psicose
de angústia-felicidade com a parafrenia afec-
Outras utilizações do termo “parafre- tiva; a psicose de motilidade com a catatonia
nia” periódica e a psicose confusional com a ca-
Karl Leonhard, no seguimento de algumas tafasia.
ideias de Wernicke e Kleist, que tentavam A complexidade desta classificação levou
relacionar a neuropatologia com a psicopato- a que fosse pouco utilizada. No entanto, o
logia, baseou a sua classificação das psicoses conceito de parafrenia afectiva tornou-se
em grupos de sintomas. É a partir desta con- o mais “popular” entre os psiquiatras, já
cepção de sistema afectado que vai construir que veio preencher uma lacuna que outras
a sua classificação, para a qual observou cer- classificações não contemplavam, embora
ca de 3000 doentes. possa não estar distante da parafrenia con-
Entre 1936 e 1957, Leonhard concebeu então fabulatória de Kraepelin. Segundo Leonhard,
uma divisão das esquizofrenias em sistemá- pode apresentar um curso remissivo ou
ticas e não sistemáticas. Caracterizava as insidioso, começando, em geral com uma
primeiras por um início insidioso, curso pro- ideação delirante de auto-referência. Ocor-
cessual e defeito moderado a marcado com rem igualmente manifestações de angústia
uma síndrome psicopatológica distinta no es- ou êxtase que acompanham a construção de
tado final (com nitidez sintomatológica) e as ideias delirantes. Porém, ao contrário do que
segundas pelo início súbito, curso episódico
sucede na psicose de angústia-felicidade, as
e defeito ligeiro com sintomas psicopatológi-
ideias delirantes, bem como as alucinações,
cos variados entre espisódios (com mistura
que entretanto também surgem, deixam de
indistinta de sintomas). Por sua vez, dividiu
poder ser deduzidas a partir daquelas alte-
as esquizofrenias sistemáticas em 16 subti-
pos (seis parafrenias, quatro hebefrenias e rações afectivas. Estas podem implicar uma
seis catatonias) e as não sistemáticas em irritabilidade, bem como humor exaltado ou
três (catafasia, parafrenia afectiva e catatonia depressivo. O delírio pode ou não ser siste-
periódica). Leonhard, apesar de considerar matizado. Em algumas situações, o quadro
que, em essência, o grupo sistemático nada pode evoluir para uma estruturação fantás-
tinha a ver com o não sistemático, manteve o tica das ideias de grandeza, confabulações,
nome “esquizofrenia” para ambos, por uma falsos reconhecimentos e alucinações em
questão de tradição. várias modalidades sensoriais. Estes doentes

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O Conceito de Parafrenia e a Sua Actualidade

distinguiam-se dos parafrénicos sistemáticos lado, a própria expressão “parafrenia tardia”


por apresentarem maior vinculação afectiva foi em determinadas situações utilizada como
ao delírio, embora fora deste tema pudessem sinónimo de “esquizofrenia tardia”, posição
apresentar embotamento25. com que Roth concordava. Mas o conceito,
A doença caracterizava-se ainda por uma aos poucos, foi sendo usado como significan-
maior frequência no sexo feminino, baixa in- do que a doença se teria de iniciar após os 60
cidência nos pais dos afectados, mas elevada anos13.
nos irmãos (tal como os casos que descreveu Apesar de tudo, na segunda metade do século
do Rei Luís II da Baviera e do seu irmão Otto, XX, foi produzida bastante investigação epi-
que lhe sucedeu), o que o levou a admitir que demiológica, clínica, neuropsicológica, ima-
a transmissão fosse recessiva26. giológica e neuropatológica (com resultados
Em 1952, M. Roth e J. Morrisey descreve- positivos) acerca deste tema que, por versar
ram um grupo de pacientes com mais de 65 uma entidade nosológica distinta da parafre-
anos que apresentavam um quadro – que nia tout court, não abordaremos.
denominaram parafrenia tardia – de delírio
paranóide bem sistematizado, sem sinais CONCLUSÕES
de demência ou de distúrbios afectivos. Não É verdade que Mayer referiu que mais de
existia, igualmente, qualquer deterioração da metade dos parafrénicos de Kraepelin tinham
personalidade ou do intelecto27. posteriormente evoluído para esquizofréni-
A contribuir, de forma negativa, para a difi- cos. Mas, como pergunta Munro, o que fazer
culdade em delimitar esta patologia, temos o com os restantes, que nome dar-lhes?
facto de a palavra “tardia” estar mal definida, De facto, os psiquiatras normalmente apon-
situando os vários autores que abordaram o tam casos de pacientes que cumprem os
tema, o início da doença entre os 40 e os 60 critérios positivos das actuais classificações
anos. Recorde-se que Kraepelin nunca usou o para esquizofrenia, mas que não apresentam
diagnóstico de parafrenia como estando ligado o declínio afectivo e cognitivo que a defini-
a uma dada faixa etária, mas sim em termos ção estrita de demência precoce exigia. As
clínicos. O próprio Roth referiu-se a “doentes implicações prognósticas destes casos são
com mais de 45 anos, comumente com mais totalmente diferentes das daqueles em que
de 60”, que apresentavam sintomas “parafre- a deterioração se verifica, até porque eles, de
nia-like”, mas sem exigir a idade como cut-off facto, também ocorrem, embora com menor
obrigatório. Aliás, descreveu mesmo doentes frequência, antes dos 40 anos. Por outro lado,
com esse quadro clínico, que haviam tido o sabe-se que, na esquizofrenia, este declínio
início da doença antes dessa idade. Por outro tende a ocorrer menos acentuadamente,

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conforme a idade de início é mais tardia 5. Ey, H. Manuel de Psychiatrie. 5eme ed.
(entre outros factores). Podemos então con- Masson Editeurs. Paris. 1960.
ceber um modelo com duas patologias, uma 6. Lanteri-Laura, G., Tevissan, R. Historique
tendencialmente assente numa perturbação des Délires Chroniques et de la Schizophré-
do neurodesenvolvimento, de início insidioso nie. Ency. Méd. Chir. (Elsevier, Paris), Psy-
em idade jovem, com predomínio hereditá- chiatrie. 37-281-C-10, 1996, 8p.
rio e com maior deterioração; a outra mais
neurodegenerativa, de início abrupto e mais 7. Dubertret, C. Gorwood, P., Ades j. Chronic
tardio, com pouco peso hereditário e maior Hallucinatory psychosis and late onset para-
preservação. As formas puras destas patolo- phrenia: the same entity? Encephale. 1997
gias seriam relativamente raras, dada a etio- May-jun; 23(3): 157-67.
logia multifactorial, hoje conhecida; mas com 8. De Clérambault, G. L’ Automatisme Mental.
ambas a ocorreram paralelamente, ao longo Les Empecheurs de Penser en Rond. Paris
da faixa etária, com uma, a primeira – es- 1952.
quizofrenia -, a decrescer e outra, a segunda
9. Kraepelin, E. Obras de Kraepelin: A Demên-
– parafrenia -, a crescer, embora sempre com
cia Precoce (2º Parte) e Parafrenias. Climepsi
um número de casos inferior.
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