Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
1 Comunicação apresentada no World Psychiatric Association International Congress (Julho 2006, Istambul),
integrada no Workshop “Return to Kraepelin”.
* Assistente Graduado: Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca.
O Conceito de Parafrenia e a Sua Actualidade
difícil, sendo necessário aguardar pela evolu- A distinção da demência precoce seria seme-
ção. Mas aponta como factores que tornam lhante à da parafrenia sistemática. Kraepelin
mais provável o diagnóstico de parafrenia, o afirma que estes doentes não seriam manía-
aparecimento tardio das alucinações, a elabo- cos, visto a excitação ser menos intensa e não
ração mental do delírio, as reacções emocio- se deixarem influenciar no seu delírio. Este e
nais exacerbadas, a ausência de perturbações as alucinações seriam, por outro lado, persis-
volitivas e a conservação do bom senso e da tentes e o aparecimento da doença seria mais
racionalidade. tardio que o da loucura maníaco-depressiva.
No que respeita à separação da paranóia, A parafrenia confabulatória caracteriza-se, se-
admite a dificuldade da questão, até por os gundo Kraepelin, pelo “papel dominante que
limites desta se encontrarem mal definidos. as falsas recordações nela desempenham”. O
Porém, refere que, aqui, a construção de- delírio é de perseguição e exaltação. Como
lirante tende a formar-se mais lentamente, característica aponta o facto de os doentes,
mas a estender-se com grande estabilidade. de forma insólita, confirmarem que as suas
A parafrenia expansiva é definida por Krae- experiências extraordinárias não tinham sido,
pelin como um “desenvolvimento de uma outrora, por eles, notadas. Contam até que o
megalomania exuberante com predomínio assunto fica, por vezes, esquecido e que, de
de humor exaltado e uma ligeira excitação”. forma súbita, o voltam a recordar. Chegam
Segundo o autor, o delírio de grandeza, para até, em alguns casos, a fazer crítica às con-
além da ideação megalómana, envolvendo fabulações, para, no entanto, mais tarde, as
bens materiais, podia assumir a forma de retomarem. O humor é exaltado, amiúde,
delírio erótico, sobretudo nas mulheres ou, denotando irritabilidade. Pode surgir verbor-
noutros casos, de ideias religiosas de exal- reia, usando trocadilhos verbais. Ocasional-
tação. O delírio persecutório não seria tão mente, tomam atitudes concretas, no sentido
preponderante como na parafrenia sistemá- de se precaverem dos seus perseguidores ou
tica. O aparecimento das alucinações seria de realizar alguma missão de que se julgam
bastante precoce e de tipo oniróide. Também incubidos. Todavia, na maioria dos casos, a
frequentes seriam as pseudomemórias. O hu- actividade confabulatória vai estiolando com
mor seria expansivo. o decurso do tempo.
Esta patologia, de acordo com Kraepelin, se- Kraepelin aponta a raridade desta patologia,
ria encontrada predominantemente no sexo razão por que afirma ter dificuldades em sa-
feminino e, em três quartos dos casos, entre ber a evolução. Mas adianta que a proporção
os 30 e os 50 anos. Como no caso precedente, parece ser igual nos dois sexos e que o início
a hereditariedade não seria relevante. se pode dar entre os 20 e os 50 anos. Em
outro lado, a paranóia é vista como uma Em consequência desta concepção, a parafre-
perturbação constitucional e não passível de nia cai no campo da esquizofrenia. Contudo,
evolução demencial9. Assim, com a sua 8ª também o facto de Kraepelin ter descrito a
edição, Kraepelin acaba por se aproximar da parafrenia menos em termos qualitativos que
escola francesa1. em diferença de grau (menor perturbação
formal do pensamento e maior preservação
De Bleuler à actualidade dos afectos), pode ter contribuído para o seu
Em 1911, com a expressão “esquizofrenia”, apagamento, como entidade nosológica, ao
E. Bleuler (1857-1939) rompe com o concei- longo do século XX.
to kraepeliniano, já que deixa de considerar Mas, dado decisivo para o esquecimento da
a evolução demencial como requisito para o parafrenia enquanto entidade nosológica, foi
diagnóstico, rejeitando a ideia de que uma um trabalho efectuado por um dos discípulos
única característica seja suficiente para de Kraepelin (W. Mayer) que reviu, em 1921,
definir uma doença. Por outro lado, coloca 78 pacientes por ele diagnosticados como pa-
a ênfase na relação dinâmica entre os sin- rafrénicos, tendo verificado que mais de me-
tomas, preocupando-se mais em encontrar tade tinham “evoluído” para esquizofrénicos,
uma perturbação primária para a doença que concluindo que aquele quadro apenas reflec-
com a descrição clínica, afirmando até, que tia um início mais tardio da doença. Por sua
esta podia variar ao longo do tempo. Sustenta vez, K. Kolle, em 1931, concluiu que de 66
que uma eventual entidade situada entre a es- paranóicos (entre os quais 19 diagnosticados
quizofrenia e a paranóia, não constituía uma por Kraepelin), apenas quatro não tinham
entidade separada da primeira. Não obstante, desenvolvido vivências delirantes primárias,
admitiu que ao grupo das esquizofrenias – e além de ter inferido uma associação genética
daí o plural – faltava uma unidade etiológi- com a esquizofrenia, dados que foram ao en-
ca11. contro das teses bleulerianas. Contudo, tanto
Mas este alargamento do conceito, que no caso da parafrenia como no da paranóia,
permitiu o englobar da parafrenia, vem na esta associação parece ser mais débil que en-
sequência do seu pensamento, que pressupu- tre esquizofrénicos “puros”, ainda que mais
nha a dificuldade em marcar as fronteiras da forte do que na população em geral, embo-
esquizofrenia. Blueuer admitia, por exemplo, ra, em relação à parafrenia, faltem estudos
que não eram claros os limites desta doença controlados12. Todavia, e voltando à questão
com a alucinose alcoólica, a psicose manía- de alguns parafrénicos terem “evoluído”
co-depressiva, as psicoses da motilidade e a para esquizofrénicos, fica por esclarecer que
paranóia11. designação dar aos restantes que, apesar de
conforme a idade de início é mais tardia 5. Ey, H. Manuel de Psychiatrie. 5eme ed.
(entre outros factores). Podemos então con- Masson Editeurs. Paris. 1960.
ceber um modelo com duas patologias, uma 6. Lanteri-Laura, G., Tevissan, R. Historique
tendencialmente assente numa perturbação des Délires Chroniques et de la Schizophré-
do neurodesenvolvimento, de início insidioso nie. Ency. Méd. Chir. (Elsevier, Paris), Psy-
em idade jovem, com predomínio hereditá- chiatrie. 37-281-C-10, 1996, 8p.
rio e com maior deterioração; a outra mais
neurodegenerativa, de início abrupto e mais 7. Dubertret, C. Gorwood, P., Ades j. Chronic
tardio, com pouco peso hereditário e maior Hallucinatory psychosis and late onset para-
preservação. As formas puras destas patolo- phrenia: the same entity? Encephale. 1997
gias seriam relativamente raras, dada a etio- May-jun; 23(3): 157-67.
logia multifactorial, hoje conhecida; mas com 8. De Clérambault, G. L’ Automatisme Mental.
ambas a ocorreram paralelamente, ao longo Les Empecheurs de Penser en Rond. Paris
da faixa etária, com uma, a primeira – es- 1952.
quizofrenia -, a decrescer e outra, a segunda
9. Kraepelin, E. Obras de Kraepelin: A Demên-
– parafrenia -, a crescer, embora sempre com
cia Precoce (2º Parte) e Parafrenias. Climepsi
um número de casos inferior.
Editores. Lisboa. 2005.
10. Kraepelin, E. A Textbook for Students
and Physicians. Volume 2. Science History
Bibliografia Publications/USA, a Division of Watson Pub-
lishing International, Canton, MA.
1. Garrabé, J. História da Esquizofrenia.
Climepsi Editores. Lisboa. 2004. 11. Bleuler, E. Dementia Praecox or the
Group of Schizophrenias. International Uni-
2. Sobral Cid, J. Classificação e Sistemática versity Press. New York.
Geral das Psicoses. In: Obras Completas de
Sobral Cid. Vol. I. Fundação Calouste Gulben- 1952.
kian. Lisboa. 1983. 12. Slater, E., Roth, M. Clinical Psychiatry.
3. Berrios, G. E. The insanaties of the third Bailliére, Tindall & Cassel Ltd. 1969.
age: a conceptual history of paraphrenia. J: 13. Riecher-Rossler, U. Late onset schizo-
Nutr, Health Aging. 2003; 7(6): 394-9. phrenia. Schizophrenia Bulletin, 1995, vol.
4. Sutter, J. M., Tatossian, A. Scotto, J. C. Les 21, nº3, 345-54.
Delires Chroniques. Encycl. Méd. Chir. 37299 14. Bleuler, E., Bleuler, M. Psiquiatria. Editora
A-10, 2 1991. Guanabara Kogan S.A. Rio de Janeiro. 1983.
15. Bhugra, D., Munro, A. Troublesome 22. The ICD 10 Classification of Mental and
Disguises: Underdiagnosed Psychiatric Syn- Behavioral Disorders. World Health Organiza-
dromes. Blackwell Science Ltd. Oxford. 1997. tion. 1993.
16. Munro. A. Delusional Disorder: Paranoia 23. The ICD 9 Classification of Mental and
and Related Illnesses. Cambridge University Behavioral Disorders. World Health Organiza-
Press. Cambridge. 1999. tion. 1978.
17. Casanova, M. F., C: Disentangling the 24. Ravindram,A. V., Yatham L. N., Munro,
pathology of schizophrenia and paraphrenia. A. Paraphrenia redefined. Can J. Psychiatry,
Acta Neuropathol. (2002) 103: 313-320. 1999 Mar: 44 (2): 133-7.
18. Diagnostic and Statistical Manual of Men- 25. Leonhard, K. The Atypischen Psychosen
tal Disorders, 3th Edition. American Psychiat- und Kleist Lehre von den Endogenen Psycho-
ric Association. 1980. sen. In: Psychiatrie des Gegenwart. Vol 2 (eds.
19. Diagnostic and Statistical Manual of Men- H. Gruhle, E. Neele, H. Schwab). Springer.
tal Disorders, (third Edition - Revised. Ameri- Berlim. 1960.
can Psychiatric Association. 1987. 26. Leonhard, K. The recessive influence of
20. American Psychiatric Association. Di- affective paraphrenia of King Ludwig and King
agnostic and Statistical Manual of Mental Otto of Bavaria). Nerverazr.1986 Dec; 57(12):
Disorders, 4 th Edition. American Psychiatric 692-7.
Press. 1994. 27. Roth, M., Morrisey, J. Problems in the di-
21. Diagnostic and Statistical Manual of Men- agnosis and classification of mental disorders
tal Disorders, Fourth Edition, Text Revision. in old age. Journal of Mental Science, 1952,
American Psychiatric Association. 2000. 98, 66-80.