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JNTRODUÇÂO AO

CULTO
CRISTÃO
James F. White

INTRODUÇÃO AO CULTO CRISTÃO

SEMINÁPIO Oíf^ÓRDIA
São Le peido
- 6 I 3 U '' T E G A -

Seminário Coneórdia
i

V-

I E P G ßSinodal
1997
Traduzido do original Introduction to Christian Worship, edição revis-
ta. © 1990 Abingdon Press, Nashville (TN), Estados Unidos da América.

Os direitos para a lingua portuguesa pertencem à

Editora Sinodal Sumário


Rua A m a d e o Rossi, 467 Seminário Concórdia •
93030-220 São Leopoldo - RS
Tel.: (051) 590-2366 Biblioteca Prefácio (Edição de 1990) 5
Fax: (051) 590-2664 Sist. n , 96^99. Prefácio (Edição de 1980) 7
Capa: Editora Sinodal Capítulo 1: Que Queremos Dizer com "Culto Cristão"? 11
O Fenômeno do Culto Cristão 12
Tradução: Walter O. Schlupp Data tZ-lOr IO' Definições de Culto Cristão 14
Revisão: Gabriela Kirst
O Linguajar Cristão sobre o Culto 19
Nelson Kirst
Diversidade na Expressão do Culto Cristão 24
Luís M . Sander Constância nos Tipos de Manuais de Culto 30

Coordenação editorial: Luís M . Sander Capítulo 2: A Linguagem do Tempo 37


A Configuração do Tempo Cristão 38
Série: Teologia Prática - Auxílios Litúrgicos 1 Teologia a partir do A n o Cristão 53
Funcionamento do Ano Cristão 56
Publicado sob a coordenação do Fundo de Publicações Teológicas/
MsSuto Ecumênico de Pós-Graduação (IEPG) da Escola Superior de Capítulo 3: A Linguagem do Espaço 66
Teologia (EST) da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil A s Funções do Espaço Litúrgico 68
História da Arquitetura Litúrgica 73
(IECLB). -_
Música e Espaço Litúrgicos 83
Arte-finalização e impressão: Editora Sinodal A r t e Litúrgica 89

Capítulo 4: Oração Pública Diária 95


CIP - B R A S I L C A T A L O G A Ç Ã O N A P U B L I C A Ç Ã O
Bibliotecária responsável: Rosemarie Bianchessi dos Santos CRB 10 797 Histórico da Oração Pública Diária 96
Reflexões Teológicas 107
Considerações Práticas 109
W5851 W h i t e , James F.
Introdução ao culto cristão / James F. Capítulo 5: A Liturgia da Palavra 111
W h i t e ; tradução de W a l t e r Schlupp Histórico da Liturgia da Palavra 111
- São Leopoldo : Sinodal, 1997. Teologia da Liturgia da Palavra 123
267 p. Questões Pastorais 126
Tradução do o r i g i n a l : Introduction to
Christian Worship Capítulo 6: O Amor de Deus Tornado Visível 131
ISBN 85-233-0437-1 O Desenvolvimento da Reflexão sobre os Sacramentos 133
Nova Compreensão dos Sacramentos 146
1. Teologia prática. I. Título.
CDU 24
Capítulo 7: Iniciação Cristã 153
O Desenvolvimento da Iniciação Cristã 153
Teologia da Iniciação Cristã 165
Aspectos Pastorais da Iniciação Cristã 172
Capítulo 8: A Eucaristia
O Desenvolvimento da Prática Eucarística .
Compreensão de Eucaristia
A ç ã o Pastoral
Prefácio
Capítulo 9: Jornadas e Passagens
Reconciliação
Ministério junto aos Enfermos ( E d i ç ã o de 1990)
Matrimônio Cristão
Ordenação
Profissão ou Comissionamento Religioso ..
Sepultamento Cristão

Notas
P assada mais uma década em que lecionei culto cristão, fico estupe
fato com quantas mudanças os últimos dez anos trouxeram para o
mundo, para a igreja, para a ciência litúrgica e para as minhas próprias
perspectivas. Uma nova edição parece necessária para que este livro
Bibliografia continue atendendo adequadamente a seus leitores e suas leitoras.

Abreviaturas O próprio mundo aproximou-se mais daquilo que parece ser uma
era de paz e um futuro de esperança. A igreja mudou em vários
índice Remissivo sentidos, e uma das mais importantes mudanças é a ampla aceitação
de novas práticas no culto, as quais, em certas igrejas, acabaram
sacramentadas pela inclusão em novos manuais de culto. A t é mesmo
os livros católicos romanos pós-Vaticano I I estão sendo editados em
novas versões, como o recente Ritual de Exéquias (1989); igualmente
traduções dos últimos livros revisados (Ritual de Bênçãos, Cerimonial
dos Bispos) finalmente saíram do prelo (1989). Outras igrejas produzi-
ram novos manuais de culto, como The United Methodist Hymnal
(1989) e The Preshyterian Hymnal (1990), que fazem com que livros
anteriores fiquem obsoletos.
A ciência litúrgica também não parou no tempo. Durante a última
década fomos supridos com mais estudos acadêmicos sobre o culto do
que em qualquer década anterior. Diversas editoras estão pela primeira
vez apresentando títulos sobre culto em seus catálogos. Provavelmente
há mais liturgistas nos Estados Unidos hoje do que na soma de todas as
outras épocas da nossa história. A minha própria ótica a respeito de
muitas coisas mudou na medida em que, após 23 anos de docência em
seminário, passei a ensinar aqueles/as que estão agora lecionando em
seminário ou brevemente passarão a fazê-lo. Aprendi muito com meus
alunos e minhas alunas e fico feliz em constatar que suas contribuições
para a igreja e para o mundo acadêmico se ampliam cada vez mais.
Muito do que aprendi durante esses últimos dez anos acarretou as
mudanças que se encontram nestas páginas.
Fico maravilhado e ao mesmo tempo perplexo pelo sucesso deste
livro, que superou em muito as minhas expectativas. A o que parece, ele
se tornou o compêndio sobre culto mais amplamente usado em seminá-
rios americanos, tanto católicos romanos quanto protestantes, e até
mesmo ortodoxos e carismáticos. Isto me intimida um pouco; eu não
gostaria de alterar qualquer que seja a fonte do seu atrativo. Mas quero,
sim, torná-lo mais útil para todos/as. Por isso tentei adaptá-lo mais aos
católicos romanos e a uma gama mais diversificada de protestantes.
Prefácio
Isto exigiu certas mudanças estruturais. A g o r a há mais material sobre
culto e justiça, bem como capítulos à parte sobre a oração diária e
sobre a liturgia da palavra. A seção sobre a reconciliação foi transferida ( E d i ç ã o de 1980)
do capítulo sobre a iniciação para o capítulo final, acrescentando-se ali
mais material sobre o comissionamento ou profissão religiosa. Essas
alterações, assim espero, farão com que o material seja mais fácil de
acompanhar.
N o livro faço referência às edições atuais de cerca de 50 dos manuais D epois de passar 20 anos lecionando, a gente necessariamente acaba
por formar uma opinião sobre algumas questões. Daqui a duas
décadas tenho certeza de que o meu juízo a respeito de certos assuntos
de culto mais amplamente usados na A m é r i c a do Norte de fala inglesa e
nas Ilhas Britânicas. Essas referências se encontram em tabelas ao estará mais maduro. Mas, a meio caminho andado, esta parece ser uma
final de cada seção em questão. Os cerca de 600 termos em negrito se boa ocasião para reunir o que ensinei e antever aquilo que ainda
revelaram úteis para estudantes ao recapitularem o vocabulário básico preciso aprender. A experiência de escrever este livro é um maravilho-
necessário para o estudo do culto. Cada termo é definido no contexto. so exercício de condensar num único volume tudo que fiz ao longo de
Pensei em incluir ilustrações. Hesitei, entretanto, não só pelo que isto vários anos. Quando embarquei neste ministério, havia poucos que
lecionavam culto cristão. Atualmente, nada me dá prazer maior do que
teria significado para o preço, mas também pelo fato de cada ilustração
ter tantos/as companheiros/as novos/as neste trabalho com os/as quais
ser tão específica culturalmente, que ela tende a limitar a imaginação a
posso compartilhar os resultados do labor que desenvolvi até hoje e
si própria, quando em quase todos os casos eu gostaria de retratar uma
visualizar o futuro para onde eles/as irão. Espero que este livro lhes
grande variedade de possibilidades. Muitas vezes se pode fazê-lo mais ajude em seu ensino, até que encontrem maneira melhor de interpretar o
facilmente sem fotografias do que com elas. culto cristão. Com Pedro Lombardo posso dizer: "Se alguém conseguir
Gostaria de agradecer a diversos/as estudantes por suas contribui- explicar isto melhor, não ficarei com inveja."
ções, particularmente a meus assistentes de pós-graduação, Michael
Moriarty e Grant Sperry-White, que foram muito além de checar deta- Tentei expor nestas páginas de forma tão sucinta quanto possível
lhes, apresentando sugestões concretas para importantes melhorias. tudo aquilo que considero ser informações essenciais para munir al-
Agradeço igualmente a Nancy Kegler, Sherry Reichold e Cheryl Reed guém dos elementos necessários para o ministério da liderança no
por sua habilidade em produzir um manuscrito claro a partir de meu culto. Tentei incluir tudo que realmente se precisa saber para planejar,
original desordenado. Por fim, tenho uma grande dívida para com preparar e conduzir um culto cristão, deixando fora os detalhes referen-
minha esposa, Dr Susan J. W h i t e , por sua habilidade acadêmica em
8 tes aos costumes ou aos manuais de culto pertinentes à denominação de
melhorar o manuscrito e pela paciência com o autor tantas vezes preo- cada um/a. A s informações contidas neste livro deveriam ser relevantes
cupado. Que esta nova edição venha prestar um bom serviço às igrejas. por igual tanto para pastores/as ou sacerdotes quanto para membros
leigos de comissões de culto. Naturalmente terão que complementar
este material com sua familiaridade com seus próprios costumes ou
Universidade de Notre Dame
manuais de culto.
18 de setembro de 1989
James F. W h i t e Para facilitar essa tarefa, fiz referência neste livro aos manuais de
culto mais amplamente usados, ou seja, àqueles usados pela maioria
dos cristãos de língua inglesa nos Estados Unidos. Alusão freqüente é
feita aos manuais católicos romanos revisados, particularmente o ritu-
al, o sacramental e o pontifical. O novo Lutheran Book oí Worship foi
publicado justamente quando estas páginas foram iniciadas, e é bem
provável que o novo Book oí Common Prayer americano receba aprova-
ção final pouco antes da publicação deste livro. Assim sendo, pude fazer Embora boa parte do livro seja de natureza acadêmica, todo ele está
referência a ambos. Como estou profundamente envolvido na edição do direcionado para o aspecto pastoral no sentido de fortalecer a liderança
Supplemental Worship Resources da Igreja Metodista Unida, foi possí- de culto nas comunidades cristãs. Boa parte está formulada de maneira
vel fazer referência àqueles volumes já publicados e àqueles ainda por descritiva a fim de descrever o que foi e por que, porém a maioria dos
serem publicados, bem como ao Book of Worship de 1965. Remeto o/a capítulos são concluídos com uma seção normativa sobre o que deveria
leitor/a também ao Worshipbook presbiteriano de 1970 e ao Services of ser, e por que o deveria, nas igrejas hoje em dia. A s seções descritivas
the Church (1969) e ao Hymnal (1974) da Igreja Unida de Cristo. fornecem o pano de fundo para as partes normativas. Qualquer pessoa
A ocasião é adequada para se resumir o que foi realizado na onda de encarregada de liderança no culto tem a responsabilidade de tomar
revisões litúrgicas pós-Vaticano II, quase completas atualmente. N o muitas decisões. Entretanto, essas decisões só podem estar bem infor-
túmulo do papa Martinho V estão gravadas as palavras: "Sua época foi madas quando se basearem em todos os fatores relevantes. Por isso em
de felicidade." Esta parece ser uma descrição apropriada da situação cada capítulo as informações históricas e teológicas precedem as se-
ecumênica do culto na nossa época. Podemos v e r na última década e ções pastorais. Quando normas pastorais para ações são enunciadas,
meia de revisão litúrgica um período de felicidade em que as igrejas do isto sempre é feito em termos daquilo que os cristãos têm praticado e
mundo se aproximaram mais compartilhando suas riquezas de culto como têm refletido a respeito dessas práticas. O culto cristão, da mes-
umas com as outras. Não há evidência maior das conquistas ecumênicas ma forma como a ética cristã, é um assunto tanto descritivo quanto
do nosso tempo do que a reaproximação ocorrida no culto cristão nos normativo. Decisões específicas precisam ser tomadas localmente em
anos 60 e 70. Assim sendo, é possível agora escrever uma introdução ao função das pessoas e dos lugares, porém tentei esboçar normas amplas
culto cristão que, assim espero, atenderá tanto a católicos romanos dentro das quais se possam tomar decisões pastorais.
quanto a protestantes. Não é fácil condensar toda uma disciplina nas páginas de um livro de
O estudo do culto cristão pode oferecer a qualquer pesquisador/a modestas dimensões. Quase cada parágrafo representa material que
interessado/a um recurso valioso para a compreensão do próprio cris- poderia preencher um livro inteiro ou vários livros. Tive que reduzir
tianismo. N ã o há maneira melhor de se descobrir o cerne do cristianis- livros a parágrafos, capítulos a frases, dando pouco espaço para funda-
mo do que tornar-se mais ciente daquilo que os cristãos fazem quando mentar afirmações. Essa frustração foi ligeiramente atenuada pela rela-
se reúnem para o culto. Tanto a pessoa cristã quanto a não-cristã ção da bibliografia afim ao final do livro e nas notas. Muitos livros
podem aprender muito sobre a tradição religiosa dominante na cultura essenciais estão citados nas notas, e essas referências não são repeti-
ocidental ao incrementar seu conhecimento sobre o culto cristão. das nas bibliografias. Tive que me concentrar em prioridades de interes-
Este livro pretende ser uma introdução ao culto cristão. Mas é tam- se mais amplo, eliminando todas as outras. U m número desproporcio-
bém uma interpretação do assunto. Não hesitei em arriscar novas nalmente reduzido destas páginas discute o culto nas igrejas ortodoxas
percepções e interpretações a que eu próprio cheguei. Outras pessoas orientais, uma vez que a maioria de minhas leitoras e meus leitores
podem e hão de refutar algumas delas. Aquilo que for válido nessas representa a cristandade ocidental e terá interesse maior em sua pró-
interpretações permanecerá; o que não o for será substituído por al- pria ascendência linear do que numa linha colateral. Pouco se encontra
guém mais perceptivo. Experimentei e aprimorei ao longo dos anos a aqui sobre a liturgia do bispo, que interessa a uma minoria reduzida (e
organização básica do assunto e vários detalhes ao usá-los com minhas não oprimida). Também os interesses específicos de congregações mo-
alunas e meus alunos. É estimulante antever que outras pessoas desen- násticas receberam pouca atenção.
volverão interpretações mais satisfatórias nos próximos anos. Muita Concentrei-me nas práticas e conceitos da igreja dos primeiros qua-
pesquisa ainda precisa ser feita em estudos litúrgicos. Muitas áreas tro séculos. Se se sabe quais foram as decisões tomadas pela igreja
ainda são misteriosas, como as origens do culto sinagogal, as fontes do neste período e seu porquê, todo o resto é simples. Boa parte da cristan-
Dia de Reis (Epifania), os detalhes do ofício das catedrais, o cânone dade hoje em dia se encontra num estágio de resgate das práticas e
romano entre Hipólito e Ambrósio e a gênese do culto dominical normal conceitos dos primórdios. O futuro é que julgará se romantizamos
usado nas tradições americana reformada, metodista e das igrejas li- demais ou não o período inicial. Seja como for, o conhecimento das
vres. Se este livro puder induzir outras pessoas a ficar na expectativa decisões tomadas no período inicial é essencial para se compreender
prazerosa por pesquisa vindoura, terá sido uma bem-sucedida introdu- todos os desdobramentos subseqüentes.
ção e interpretação. A fim de facilitar o estudo, coloquei nomes e termos centrais e algu-
mas datas em negrito. Boa parte da introdução a qualquer assunto
consiste na familiarização com o vocabulário básico. A s palavras e
expressões essenciais para os estudos litúrgicos são tornadas mais
conspícuas, de modo que os/as estudantes possam fazer a recapitula-
ção verificando sua familiaridade com tais termos. Capítulo 1
Hoje em dia estamos mais conscientes do que nunca de quão rapida-
mente nossa linguagem está mudando. Isto é particularmente evidente no
caso de termos que indicam identidade sexual. A resolução futura dessas
mudanças ainda é incerta, e termos que usamos hoje ainda têm caráter
Que Queremos Dizer
provisório. Alguns dos que adotei indubitavelmente parecerão desconhe- com "Culto Cristão"?
cidos e duros. Mas a infelicidade é melhor do que a injustiça, e apenas o
tempo dirá que termos virão a prevalecer no que se refere a Deus. Tenho
que solicitar que meus leitores e minhas leitoras sejam indulgentes com
termos provisórios enquanto evolui o uso no vernáculo.
Este livro representa a contribuição de muitas pessoas que deram de
si para torná-lo uma obra melhor. Sou grato às seguintes pessoas: Dr.
P ara se falar de modo inteligente sobre '!ciillQ_ cristão", é preciso
decidir primeiro o que o termo significa exatamente. Não é uma
expressão fácil de definir. Mas enquanto não se fizer uma reflexão
H o y t L. Hickman, Dr. Richard Eslinger e Elise Shoemaker, da Seção sobre o que distingue o culto cristão autêntico, é fácil confundir esse
sobre Culto da Junta de Discipulado da Igreja Metodista Unida; meus culto com acréscimos irrelevantes de culturas atuais ou passadas em
colegas da Perkins School of Theology, professor H. Grady Hardin, que os cristãos celebraram culto.
professor V i r g i l P. Howard e decano Joseph D. Quillian, Jr.; professor E m primeiro lugar, a própria palavra "culto" já é exasperadoramente
Don E. Saliers, da Candler School of Theology; Arlo Duba, do Princeton difícil de se definir. O que distingue o culto de outras atividades huma-
Theological Seminary; professor W i l l i a m Crocket, da Vancouver School nas, particularmente daquelas que se caracterizam por sua freqüente
of Theology; Louise Shown e I r m ã Nancy Swift, do St. John's Seminary, repetição? Por que o culto é uma atividade diferente das tarefas diárias
por lerem e comentarem com muita propriedade o manuscrito. Ainda ou de qualquer ato habitual? Mais especificamente, qual é a diferença
estou aprendendo muito com meu professor de seminário Paul W. Hoon, entre o culto e outras atividades que se repetem na própria comunidade
que continuou a ensinar-me por meio de seus comentários e suas corre- cristã? Por exemplo, o que distingue o culto da educação cristã ou de
ções a respeito destas páginas. O professor Decherd H. Turner, Jr., obras de caridade?
diretor da Bridwell Library, tem dado muito de si para ajudar muitas
E m segundo lugar, depois de resolver o que queremos dizer com
outras pessoas a abraçarem a carreira acadêmica. Reconheço sua cons-
"culto", como vamos determinar o que torna t a l culto "cristão"?
tante generosidade dedicando este livro a ele.
Nossa cultura está cheia de vários outros tipos de culto. Diversas
Bonnie Jordan fez prodígios ao decifrar meu manuscrito a uma dis- r e l i g i õ e s orientais foram introduzidas em muitas comunidades.
tância de 1.900 milhas e transformá-lo em cópia limpa e ordenada. Muitas praticam culto, porém obviamente ele não é cristão. Quais
Minha esposa e filhos foram muito negligenciados durante esses dias características distintivas tornam " c r i s t ã o " este ou aquele culto?
em que mereciam mais da companhia que dediquei exclusivamente à A l i á s , será sempre " c r i s t ã o " todo culto celebrado pela comunidade
máquina de escrever. Peço o seu perdão e espero ficar mais humano cristã?
agora que estas páginas estão concluídas.
Nenhuma dessas questões é fácil de se resolver, mas elas certamente
precisam ser examinadas. E não são pura e simplesmente assunto
Passumpsic, Vermont especulativo de interesse apenas teórico. A definição do que caracteri-
5 de março de 1979 za especificamente o culto cristão é uma ferramenta prática vital para
qualquer pessoa que tenha a responsabilidade de planejar, preparar ou
conduzir o culto cristão. Em anos recentes, o aparecimento de muitas
formas novas de culto fez com que este tipo de análise básica se tornas-
se ainda mais crucial para as pessoas encarregadas do ministério do
culto. Elas precisam constantemente participar de decisões ao servi-
rem à comunidade cristã através da condução do culto. Quanto mais „ções, elas têm demonstrado notável durabilidade. Uma maneira de des-
prática é a decisão, tanto mais necessária se torna muitas vezes a crever o culto cristão é simplesmente alistar (como faremos agora)
fundamentação teórica. Será determinado ato, como por exemplo o voto essas principais estruturas e ofícios. Não precisamos entrar em gran-
de lealdade à bandeira nacional, adequado dentro de um culto cristão? des detalhes aqui, uma vez que a maior parte dos outros capítulos do
Ou estará fora de lugar? Deveriam outros atos, como a celebração da livro o farão de forma bem mais aprofundada.
adoção de uma criança, que não temos habitualmente incluído no culto, Mesmo dentro do. Novo Testamento vemos indicações da existência
ter um lugar na vida cultual da igreja? Ou é algo impróprio no culto de uma estrutura semanal do tempo. Essa estrutura foi elaborada cedo,
cristão? Somente tendo uma definição funcional de "culto cristão" é que em diversos calendários anuais para comemorar eventos na memória da
se pode enfrentar esse tipo de problema. comunidade cristã: a morte e ressurreição de Cristo, por exemplo, e
Explorarei três métodos para esclarecer o que queremos dizer com atos em memória de diversos mártires locais. Posteriormente elabora-
"culto cristão". Tenho sentido cada vez mais que a abordagem mais ram-se horários diários para a oração pública e particular. A programa-
adequada é a fenomenológica, a qual simplesmente relata e descreve o ção temporal diária, semanal e anual continuam sendo componentes
que os cristãos em geral fazem ao se reunir para o culto. Embora este importantes do culto cristão; a sua utilização será estudada no capítulo
possa parecer o método mais simples e direto, a observação cuidadosa 2. Mas, tendo em vista nosso objetivo imediato, j á podemos dizer que o
é essencial se quisermos entender exatamente o que significam de fato j3ulto cristão é um tipo de culto que se baseia fortemente na estruturação
as estruturas ou ofícios que os cristãos usam repetidas vezes para o do tempo para cumprir seus objetivos.
culto. A maior parte deste livro se concentrará na descrição do desenvol- Da mesma forma como julgaram necessário estruturar o tempo, os
vimento, da teologia e do uso de estruturas ou ofícios que estão efetiva- cristãos sempre acharam conveniente organizar o espaço para abrigar
mente em prática. E m segundo lugar convém explorar algumas defini- B possibilitar seu culto. Embora diversas formas tenham sido experi-
ções de maior abstração, as quais uma série de pensadores cristãos mentadas ao longo dos séculos e em diferentes culturas, as exigências
usaram para expor o que entendem ser o culto cristão. E um terceiro em termos de espaço e mobiliário também têm sido notavelmente con-
método consistirá em examinar algumas das palavras-chave que os sistentes. A elas nos dedicaremos no capítulo 3.
cristãos escolhem com maior freqüência (em diversos idiomas) p a r a v
' Antigo e contínuo é o uso de um pequeno número de tipos básicos de
expressar o que experimentam como culto. Esses três métodos deve- ofícios. Em primeiro lugar estão os ofícios de oração pública diária.
riam forçar-nos a refletir sobre o que queremos dizer quando falamos Eles podem tomar várias formas (como veremos no capítulo 4), mas a
de "culto cristão". E finalmente, antes de aceitarmos definições demasi- função de oração e louvor faz deles um componente característico do
ado simples, precisamos considerar também alguns dos fatores que culto cristão.
proporcionam tanto diversidade quanto constância ao. culto cristão.
Outro tipo de ofício tem seu foco na leitura e pregação da Escritura,
sendo por isso muitas vezes denominado 'liturgia da palavra". É conhe-
cido como o culto dominical protestante habitual; também é a primeira
- O Fenômeno do Culto Cristão -- parte da eucaristia ou ceia do Senhor. Examinaremos as formas deste
tipo básico de ofício no capítulo 5. Ele constitui um tipo constante, que
U m a das melhores maneiras de resolver o que queremos dizer com muitos cristãos identificariam como sua experiência primordial do que
culto cristão é descrever as formas exteriores e visíveis através das é culto cristão.
quais os cristãos praticam culto. Esta abordagem encara todo o fenôme- Praticamente toda comunidade cristã tem meios de distinguir entre
no do culto cristão como ele poderia se apresentar a um observador as pessoas que fazem parte dela e as estranhas. Em termos de culto,
desvinculado e alheio tentando entender o que é que os cristãos fazem isto ocorre em várias cerimônias de iniciação cristã. O batismo é o mais
ao se reunir. amplamente conhecido desses ritos, porém a catequese, confirmação,
Isto fica mais fácil pelo fato de que, apesar de ocorrer em diferentes primeira comunhão e várias formas de renovação, afirmação ou
culturas e épocas históricas, o culto cristão tem utilizado formas nota- reafirmação do compromisso batismal também são partes importantes
velmente estáveis e permanentes. Designaremos essas formas como do processo ritual. Nos últimos anos a maioria das denominações cris-
estruturas (como um calendário para organizar o culto ao longo de um tãs teve que repensar sua teologia e prática para o preparo de um
ano) ou ofícios (como a ceia do Senhor). Apesar de constantes adapta- cristão, conforme veremos no capítulo 7.
Desde os tempos do Novo Testamento temos testemunho de cristãos dizemos é um esforço contínuo, sujeito a revisão à medida que nossa
reunindo-se para celebrar o que Paulo chama de "ceia do Senhor" (1 Co compreensão do culto cristão amadurece e se aprofunda.
11.20). Para muitos cristãos esta é a forma arquetípica do culto cristão. O professor Paul W. Hoon deu uma grande contribuição para os
Somente uma pequena minoria evita celebrá-la em formas exteriores. estudos litúrgicos em seu importante livro The Integrity of Worship,
Em muitas igrejas ela é uma experiência semanal ou mesmo diária. O publicado em 1971. Escrevendo a partir da tradição metodista, Hoon
capítulo 8 se ocupará das formas e do significado da ceia do Senhor. preocupa-se com "discernimento teológico bem como sensibilidade para
Finalmente, existe uma variedade de ritos pastorais comuns, sob culturas". Do princípio ao fim ele enfatiza o centro cristológico do culto
uma ou outra forma, a quase todas as comunidades cristãs cultuantes. cristão, o qual "por definição é cristológico, e a análise do significado
A l g u n s deles assinalam etapas na jornada da vida que podemos ou não do culto também precisa ser fundamentalmente cristológica" . Tal culto
1

repetir: ofícios de perdão e reconciliação, ou ofícios de cura e bênção é profundamente encarnacional por ser governado por todo o evento de
para os doentes e moribundos. Outros são ritos de passagem como Jesus Cristo. Q-culto-cristão está vinculado diretamente aos eventos da
casamentos, ordenações, profissão religiosa ou funerais. Muitos desses história da salvação. Cada evento nesse culto está ligado diretamente
ritos pastorais são ofícios ocasionais celebrados apenas quando a oca- ao tempo e à história enquanto cria pontes para eles e os traz para
sião assim exige. Muitas etapas e experiências da vida são comuns a dentro do nosso presente. O "núcleo do culto", diz Hoon, " é Deus agindo
todas as pessoas, sejam elas cristãs ou não. Ofícios ocasionais para para dar sua vida ao ser humano e para levar o ser humano a participar
assinalar essas jornadas ou passagens encontraram lugar permanente dessa vida". Por isso, tudo que fazemos como indivíduos ou como igreja
no culto cristão. Exploraremos esses ritos pastorais no capítulo 9. é afetado pelo culto. A vida cristã, afirma Hoon, é uma vida litúrgica.
Obviamente, essas sete estruturas e ofícios básicos não cobrem todas Hoon sustenta que " o culto cristão é a auto-revelação de Deus em
as possibilidades do culto cristão, mas descrevem efetivamente a vasta Jesus Cristo e a resposta do ser humano", ou uma ação dupla: a ação de
maioria de casos em que esse culto ocorre. Podem-se acrescentar a elas "Deus para com a alma humana em Jesus Cristo e a ação responsiva do
diversos encontros para oração, concertos sacros, reavivamentos, novenas ser humano através de Jesus Cristo". Por meio de sua palavra, Deus
e uma ampla gama de devoções. Mas na maior parte do cristianismo "revela e comunica seu próprio ser ao ser humano". As palavras-chave
todos estes elementos são claramente subsidiários em relação aos sete na compreensão de Hoon a respeito do culto cristão parecem ser "reve-
mencionados e são até certo ponto dispensáveis. Conseqüentemente, l a ç ã o " e "resposta". N o centro de ambas está Jesus Cristo, que revela
nossa exposição neste livro se ocupará sobretudo das sete estruturas e Deus a nós e por meio do qual damos a nossa resposta. Trata-se de uma
ofícios básicos, mencionando ocasionalmente outras possibilidades. relação recíproca: Deus toma a iniciativa dirigindo-se a nós por meio de
Assim, nossa primeira resposta para a pergunta: "Que é culto cris- Jesus Cristo e nós respondemos por meio de Jesus Cristo, usando uma
t ã o ? " é simplesmente relacionar e descrever as formas básicas que ele variedade de emoções, palavras e ações.
assume e dizer que estas são as que melhor o definem. M a s precisamos O pensamento de Peter Brunner, teólogo luterano que lecionou por
investigar também outras abordagens. muitos anos na Universidade de Heidelberg, é paralelo ao de Hoon em
muitos aspectos, porém ele se expressa em termos bastante diferentes
em sua importante obra Worship in the Name of Jesus. Brunner desfruta
da clara vantagem de usar o termo alemão para designar o culto,
Definições de Culto Cristão
Gottesdienst, que tem tanto a conotação de serviço de Deus aos seres
humanos quanto a de serviço dos seres humanos a Deus. Brunner apro-
Nossa intenção ao examinar as várias maneiras como diferentes veita essa ambigüidade e fala da "dualidade" do culto. O cerne do livro
pensadores cristãos falam sobre o culto cristão não é fazer um estudo consiste em dois capítulos intitulados "Culto como serviço de Deus à
comparativo, mas estimular a reflexão. A melhor maneira de se enten- comunidade" e "Culto como serviço da comunidade perante Deus". Nes-
der o significado de qualquer termo é observá-lo em uso, ao invés de dar ta dualidade vemos similaridades com os conceitos de revelação e respos-
uma simples definição. Portanto, daremos uma olhada por sobre os ta de Hoon, porém mais uma vez é necessário cautela, uma vez que Deus
ombros de pensadores protestantes, ortodoxos e católicos para ver é atuante em ambas. Do início ao fim, é Deus sozinho que torna o culto
como usam o termo. Nenhum dos seus variados usos do termo exclui possível: "A dádiva de Deus evoca a entrega humana a Deus." 2

outros. Freqüentemente eles se sobrepõem, mas cada uso acrescenta


novas percepções e dimensões, complementando assim o resto. Este A autodoação de Deus ocorre tanto em eventos históricos passados
esforço de dizer o que queremos dar a entender e de dar a entender o que quanto na atual "realidade-palavra do evento" no qual até mesmo a obra
humana da proclamação é, a rigor, ação de Deus. O mesmo se aplica aos
todos os seus graus e tipos, é a resposta da criatura ao Eterno." O ritual
sacramentos, nos quais, por meio das nossas ações, é Deus que atua.
p~eTò~qual se expressa todo culto público emerge, diz ela, "como uma
Brunner cita Lutero, que declara, a respeito do culto, "que nele nenhu-
ma outra coisa aconteça exceto que nosso amado Senhor ele próprio emoção religiosa estilizada". O culto se caracteriza pela "concepção do
fale a nós por meio de sua santa palavra e que nós, por outro lado, cultuante a respeito de Deus e sua relação com Deus". O culto cristão se
falemos com ele por meio de oração e canto de louvor". Os seres huma- distingue por ser "sempre condicionado pela crença cristã; e particular-
nos respondem aos atos divinos de revelação falando a Deus pela ora- mente pela crença sobre a natureza e a ação de Deus, resumida nos
ção e pelos hinos "como ato da nova obediência conferida pelo Espírito grandes dogmas da trindade e da encarnação". Outra característica do
Santo". A oração, diz Brunner, " é a permissão que Deus dá a Seus filhos culto cristão é seu "caráter profundamente social e orgânico", o que
de juntar suas vozes à discussão das Suas questões". Assim sendo, a significa que ele nunca é um empreendimento solitário.
dualidade do culto, para Brunner, é encoberta por um foco único, que é Longe de ser culto em geral, " o culto cristão", declara ela, " é uma
a atividade de Deus tanto em se nos autodoar quanto em instigar nossa ação sobrenatural, uma vida sobrenatural" implicando "uma resposta
resposta às suas dádivas. bem definida a uma revelação bem definida". O culto cristão tem um
caráter concreto, pois somente por meio do "movimento do Deus perma-
Como nossos outros pensadores, o professor Jean-Jacques von Allmen
nente em direção a sua criatura é dado o incentivo para o mais profun-
afirma a base cristológica do culto cristão em seu importante livro O
Culto Cristão: Teologia e Prática. Escrevendo dentro da tradição refor- do culto do ser humano e é feito o apelo para seu amor sacrificai (...)
mada, este ex-professor da Universidade de Neuchâtel na Suíça defende Oração e (...) ação são maneiras pelas quais ele responde a essa mani-
vigorosamente a compreensão do culto cristão como a recapitulação festação da Palavra." 4

daquilo que Deus já fez. O culto, diz ele, "resume e confirma sempre de Idéias um tanto semelhantes são expressas a partir da perspectiva
novo a história da salvação cujo ponto culminante se encontra na inter- ortodoxa pelo falecido professor Georg Florovsky: " O culto cristão é a
venção encarnada do Cristo. Nesse resumo e confirmação reiterados, o resposta dos seres humanos ao chamado divino, aos 'prodígios' de
Cristo continua sua obra salvadora por meio do Espírito Santo" . Tal
3
Deus, cuhiiinandono ato redentor de Cristo," Florovsky faz questão de
5

culto está estreitamente ligado à crônica bíblica dos eventos salvíficos. enfatizar a natureza comunitária desta resposta ao chamado de Deus:
Ele proporciona uma síntese renovada do que Deus fez e uma antecipa- "A existência cristã é essencialmente comunitária; ser cristão significa
ção renovada do que ainda virá a ser. estar na comunidade, na igreja." É nesta comunidade que Deus atua no
culto, tanto quanto os próprios cultuadores. Como resposta à obra de
A descrição de von Allmen a c e r c a do culto da igreja apresenta
Deus tanto no passado quanto em nosso meio, " o culto cristão é primor-
outros aspectos importantes. Q culto é a "epifania da igreja", a qual,
dial e essencialmente um ato de louvor e adoração, que também implica
visto que resume a história da salvação, capacita a igreja a "tornar-se
grato reconhecimento pelo amor abrangente e bondade redentora de
ela mesma, tomar consciência de si mesma e se confessar entidade
Deus" .
6

específica". A igreja ganha sua identidade no culto na medida em que


sua verdadeira natureza é tornada manifesta e ela é levada a confessar Essas idéias são reforçadas por outro teólogo ortodoxo, _Niko.s_A..
sua própria essência. Porém o mundo também é profundamente afeta- Nissiotis, que enfatiza a presença e as ações da trindade no culto.
do pelo culto cristão. O culto é ao mesmo tempo ameaça de juízo e Declara ele: " O culto não é primordialmente iniciativa do ser humano,
promessa de esperança para o próprio mundo, mesmo que a sociedade mas ato redentor de Deus em Cristo por meio do seu Espírito." Da 7

secular professe indiferença em relação àquilo que os cristãos fazem mesma forma que Brunner, Nissiotis enfatiza a "absoluta prioridade de
quando se reúnem. O culto cristão contesta a justiça humana e aponta Deus e seu ato", que os seres humanos somente podem reconhecer. Pelo
para o dia em que todas as conquistas e fracassos serão julgados, poder do Espírito Santo, a igreja como corpo de Cristo pode oferecer o
oferecendo, porém, esperança e promessa pela afirmação de que, e m culto que é agradável como ato tanto proveniente da trindade quanto
última análise, tudo está nas mãos de Deus. Para von Allmen, o culto direcionado para ela.
cristão tem três dimensões-chave: recapitulação, epifania e juízo. Em círculos católicos romanos tem sido comum descrever o culto
Escrevendo a partir da tradição anglo-católica, Evelyn Underhill pu- como "a glorificação de Deus e a santificação da humanidade". Esta
blicou seu clássico estudo Worship em 1936. Ela expressou uma série expressão provém de um motu próprio clássico de 1903 sobre música
de concepções de que j á tratamos, apresentando, porém, algumas per- na igreja, de autoria do papa Pio X, no qual ele falou do culto como
cepções distintas. Seu livro principia com as palavras: "O culto, em sendo para "a glória de Deus e a santificação e edificação dos fiéis" . O8

papa Pio XII repetiu esta expressão em sua encíclica de 1947 sobre o
culto, intitulada Mediator Dei. A mesma definição aparece com fre- seu poder para salvar. O que Cristo realizou no passado volta a ser
qüência na Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Vaticano II, de concedido à pessoa que presta culto, para que o experimente e aproprie
1963, que " e m mais de 20 passagens corrige a definição anterior de no tempo atual. É uma forma de viver com o Senhor. A igreja apresenta
liturgia e fala primeiro da santificação do ser humano e então da o que Cristo realizou por meio da nova representação desses eventos
glorificação de Deus" . Esta inversão de ordem lança a insistente per-
9 pela comunidade cultuante. A pessoa participante do culto pode assim
gunta: o que tem precedência, a glorificação de Deus ou tornar santas as voltar a experienciá-los para sua própria salvação.
pessoas? Muitos dos debates sobre o culto em anos recentes têm girado Cada uma dessas diversas definições é apenas uma estação no trajeto
em torno dessa questão, que é particularmente pertinente para os músi- do/a próprio/a leitor/a rumo a uma compreensão pessoal do culto cristão.
cos de igreja. É preciso ficar aberto para descobrir outras definições e chegar a uma
Deveria o culto ser a oferta dos nossos melhores talentos e artes a compreensão mais profunda das mesmas, à medida que se continua a
Deus, mesmo que em formas inusitadas ou mesmo incompreensíveis fazer experiências e refletir sobre o que define o culto cristão.
para as pessoas? Ou deveria, antes, articular-se em linguagem e estilos
familiares de modo que o significado seja captado por todos, embora o
resultado seja artisticamente menos impressionante? Felizmente essas
O Linguajar Cristão sobre o Culto
alternativas são falsas. Glorificação e santificação formam uma unida-
de. Ireneu nos diz que a glória de Deus é um ser humano plenamente
Outramaneira útil de esclarecer o que queremos dizer com "culto
vivo. Nada glorifica a Deus mais do que um ser humano tornado santo;
cristão" 6 verificar""algumas palâvras-chave que a comunidade cristã
nada tem maior probabilidade de tornar santa uma pessoa do que o
escolheu para falar sobre seu culto. Muitas vezes essas palavras eram
desejo de glorificar a Deus. Tanto a glorificação de Deus quanto a
de origem secular, mas foram escolhidas como o meio menos inadequa-
santificação das pessoas caracterizam o culto cristão. Tensões aparen-
do de expressar o que a comunidade reunida experimentava no culto.
tes entre elas são superficiais. O uso que Hoon faz dos conceitos de
revelação e resposta lança luz sobre isto: é preciso abordar as pessoas Há uma rica gama dessas palavras em uso no passado e na atualida-
em termos que elas possam compreender, e elas precisam expressar de. Cada palavra e cada idioma acrescentam nuanças de significado que
seu culto em formas que tenham integridade. Tanto a abordabilidade complementam os outros. Um rápido apanhado dos termos mais ampla-
quanto a autenticidade fazem parte do culto. A l é m disso, pessoas artis- mente usados com relação ao culto em diversas línguas ocidentais pode
ticamente ingênuas muitas vezes criaram arte elevada pela sinceridade mostrar as realidades que estão sendo expressas.
de sua expressão. Já nos deparamos com uma palavra importante, o termo alemão
Outra maneira de se falar sobre o culto cristão tornou-se comum em GoÉüesdiensíwTrata-se de uma palavra da qual a língua inglesa poderia
anos recentes. Trata-se da tendência a descrever o culto cristão como "o ter inveja. Para reproduzi-la, é necessário um punhado de palavras do
mistério pascal". Boa parte da popularidade deste termo se deve aos vernáculo: "o serviço de Deus e nosso serviço para Deus". O equivalen-
escritos de Odo Casei, O.S.B., monge beneditino alemão falecido em te a "Deus" (Gott) pode-se discernir, porém menos familiar é dienst.
1948. A s raízes desse termo são tão antigas quanto a igreja. O mistério Pessoas viajadas a reconhecerão como a palavra que identifica postos
pascal é o Cristo ressurreto presente e ativo em nosso culto. "Mistério" de gasolina em terras germânicas. Serviço é o equivalente mais aproxi-
neste sentido é a auto-revelação divina daquilo que ultrapassa o enten- mado, e é interessante que também em inglês esta palavra é usada
dimento humano, a revelação do até então oculto. O elemento "pascal" é tanto para referir-se a serviço no sentido de culto quanto a postos de
o ato redentor central de Cristo em sua vida, ministério, sofrimento, gasolina. " S e r v i ç o " significa algo feito para outros, não importa se
morte, ressurreição e ascensão. Podemos falar do mistério pascal como estamos falando de serviço doméstico, serviço municipal de água e
a comunidade cristã compartilhando os atos redentores de Cristo ao esgoto ou serviço social. Ele reflete o trabalho prestado ao público,
celebrar culto. mesmo que geralmente a troco de ganho particular. Em última análise
ele vem do termo latino servus, um escravo que era obrigado a servir
Casei discorre sobre a maneira em que os cristãos vivem, por meio do
outras pessoas. O termo oficio^ do latim officium, serviço ou tarefa,
culto, "nossa própria história sagrada". Quando a igreja comemora os
também é usado para designar um serviço de culto. GaUQsdienstrsSler.
eventos da história da salvação, "o próprio Cristo está presente e age
te um Deus que "eavaziourse a si mesme-e assumiu a-eondição de servn".
por meio da igreja, sua ecclesia, enquanto ela age com ele" . Assim,
10

(Fp 2.7), bem como nosso serviço para tal Deus.


esses mesmos atos de Cristo voltam a tornar-se presentes com todo o
É pequena a distância entre este conceito e aquele expresso pelo línguas, como domenica no italiano (dia do Senhor, domingo), Pasqua
nosso termo moderno liturgia. Com demasiada freqüência confundido (Páscoa) ou crisma, do que em seus equivalentes ingleses.
com elementos cerimoniais, "liturgia", assim como " s e r v i ç o " , é de ori- O termo inglês worship também tem raízes seculares. Ele vem do
g e m secular. P r o v é m do termo grego leitourgía, composto de palavras termo do inglês antigo weorthscipe - literalmente weorth ("worthy" [=
que designam trabalho (ergorí) e povo (laós). N a Grécia antiga a liturgia "digno"]) e -scipe ("-ship" [-sufixo: "dade"]) -, significando a atribuição
era um trabalho público, algo executado em prol da cidade ou do de valor ou respeito a alguém. Ele era e continua sendo usado como
Estado. Seu sentido equivalia a pagar impostos, embora a liturgia pu- forma de tratamento para vários prefeitos de cidades importantes na
desse implicar tanto serviço doado quanto tributos. Paulo fala das Inglaterra. O ofício matrimonial da Igreja da Inglaterra contém desde
autoridades romanas literalmente como "liturgos [leitourgoi] de Deus" 1549 aquele maravilhoso voto: "With my body I thee worship". O senti-
(Rm 13.16), e de si próprio como " u m liturgo [leitourgòn] de Cristo do neste último caso está em respeitar ou apreciar outro ser com o
Jesus para os gentios" (Rm 15.16, tradução literal). próprio corpo. Infelizmente semelhante franqueza nos perturba, e o
Liturgia é, então, um trabalho executado pelas pessoas em benefício termo desapareceu dos ofícios matrimoniais americanos. Outros vocá-
de outras. Em outras palavras, trata-se da quintessência do sacerdócio bulos do inglês como revere (reverenciar), venerate (venerar) e adore
de todos os crentes compartilhado por toda a comunidade sacerdotal (adorar) derivam-se em última análise de termos latinos que designam
dos cristãos. Denominar "litúrgico" um ofício é indicar que ele foi medo, amor e oração.
concebido de modo que todas as pessoas que participam do culto to- O Novo Testamento usa diversos termos para referir-se ao culto,
mem parte ativa na oferta conjunta do seu culto. Isto poderia se aplicar
sendo que a maioria deles também tem outros significados. Um dos
tanto a um culto quacre quanto a uma missa católica romana, contanto
mais comuns é latreía, muitas vezes traduzido para o inglês por service
que a comunidade participasse plenamente num ou noutro. Mas não
ou worship [ou "culto", em português]. E m R m 9.4 e Hb 9.1 e 9.6 esse
poderia descrever um culto no qual a comunidade fosse meramente
uma platéia passiva. Nas igrejas ortodoxas orientais, o termo "liturgia" vocábulo refere-se ao culto judeu no templo, ou pode significar qualquer
é usado no sentido específico de eucaristia, porém os cristãos ociden- obrigação religiosa, como em Jo 16.2. Em R m 12.1 ele costuma ser
tais usam a qualificação "litúrgico" para designar todas as formas de traduzido simplesmente por "worship", "culto", tendo significado seme-
culto público de natureza participativa. lhante em Fp 3.3.
Uma percepção fascinante aparece no termo proskyneln, que tem a
O conceito de serviço, então, é fundamental para entender o culto. Um conotação física explícita de se prostrar em deferência ou submissão.
conceito um tanto diferente se apresenta por trás do termo comum ao Na narrativa da tentação (Mt 4.10; Lc 4.8), Jesus diz a Satã: "Está
latim e às línguas românicas que é culto. N o inglês, cult tende a sugerir escrito: 'Ao Senhor teu Deus adorarás [proskynéseis] e só a ele presta-
algo bizarro ou um modismo, mas em línguas como o francês e o rás culto [latreúseis]''." N u m a famosa passagem (Jo 4.23), Jesus diz à
italiano ele tem uma função respeitada. Sua origem é o termo latino samaritana que chegou o tempo em que os verdadeiros "adoradores
colere, termo agrícola que significa "cultivar". Tanto o francês le culte adorarão o Pai em espírito e verdade". Sob várias formas proskyneln é
quanto o italiano il culto preservam esta palavra latina como o termo usado repetidas vezes ao longo desta passagem. Numa passagem me-
usual para designar o culto. É um termo rico, muito mais rico do que a nos conhecida (Ap 5.9), os 24 anciãos "se prostraram e adoraram"
palavra inglesa worship, uma vez que capta o caráter mútuo da respon- (prosekynesan). Este verbo sublinha a realidade corpórea do culto.
sabilidade entre o agricultor e sua terra ou animais. Se não dou ração e
água para as minhas galinhas, sei que não haverá ovos; a menos que eu Dois termos interessantes, thysía e prosphorá, são ambos traduzidos
tire o inço da minha horta, não haverá verdura. É uma relação de por "sacrifício" ou "oferenda". Thysía é um termo importante no Novo
dependência mútua, um engajamento vitalício com o cuidado e o atendi- Testamento e nos primeiros pais da igreja, embora seja utilizado para
mento à terra e aos animais, relação esta que quase se torna parte da designar tanto o culto pagão, por exemplo "sacrifícios a demônios" (1 Co
essência do agricultor, particularmente daqueles cujas famílias cultiva- 10.20), quanto o culto cristão, como em "um sacrifício v i v o " (Rm 12.1) ou
ram a mesma terra geração após geração. Trata-se de uma relação de "sacrifício de louvor" (Hb 13.15). Prosphorá é literalmente o ato de ofere-
dar e receber, certamente não em medida igual, mas pela vinculação cer ou levar diante de. Trata-se de um termo predileto em 1 Clemente,
recíproca. Infelizmente a língua inglesa não faz prontamente a conexão quer referindo-se à oferta de Isaque por Abraão, quer àquelas do clero ou
óbvia entre "cultivar" e "culto" que encontramos nas línguas românicas. de Cristo, "sumo sacerdote das nossas oferendas" (36.1). Hebreus 10.10
À s vezes encontramos conteúdos mais ricos nas palavras de outras fala da "oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas".
Ambas as palavras desempenham um papel significativo, embora contro- fundamentais não são necessárias em devoções onde o indivíduo esta-
verso, no desenvolvimento da teologia eucarística cristã. belece a disciplina. ("Devoção" v e m de um termo latino que designa
Termo bem menos proeminente na literatura neotestamentária é "voto".)
threskeía, que significa "culto" ou "ofício religioso" (como em A t 26.5; A relação entre culto em comum e devoções pessoais é importante.
Cl 2.18 e T g 1.26). Sébein significa "prestar culto" (em Mt 15.9; Mc 7.7; Embora o tema do presente livro seja o culto em comum e pouco se diga
A t 18.3; 19.27). E m Atos, outro uso deste verbo designa os tementes a a respeito de devoções pessoais, deveria ficar claro que o culto em
Deus, gentios que freqüentam o culto da sinagoga (13.50; 16.14; 17.4,17; comum e as devoções pessoais dependem um do outro. Como nos diz
e 18.7). Outro termo do Novo Testamento apresenta usos importantes Evelyn Underhill:
na descrição do culto. Homologein tem uma variedade de significados,
como confessar pecados (1 Jo 1.9), "se confessarmos nossos pecados", O culto [em comum] e o culto pessoal, embora na prática um geralmente
declarar ou professar publicamente (Rm 10.9), "se confessares com tua tenda a ter precedência sobre o outro, deveriam se completar, reforçar e
boca que Jesus é Senhor", ou louvar a Deus (Hb 13.15), "o tributo dos checar mutuamente. Apenas onde isto ocorre é que efetivamente encontra-
lábios que reconhecem o seu nome". remos a vida normal e equilibrada de devoção cristã plena em sua perfei-
ção (...) Nenhuma alma - nem mesmo o maior dos santos - pode compre-
E s s e s t e r m o s de outras l í n g u a s podem e x p a n d i r a i m a g e m ender plenamente tudo o que isto tem a nos revelar e exigir, ou alcançar
unidimensional do termo "culto". Todos merecem ser ponderados para com perfeição essa riqueza equilibrada de resposta. Esta resposta preci-
perceber o que outros experimentaram em diversos tempos e lugares. sa ser obra da igreja inteira, dentro da qual as almas em sua infinita
variedade desempenham cada qual um papel e contribuem com esta
Alguns termos do vernáculo ligados ao culto precisam de certa elucidação.
parte para a vida total do Corpo.
11

Precisamos fazer uma distinção clara entre dois tipos de culto: o


culto em comum e devoções pessoais. O aspecto mais claro do culto em O culto em comum precisa ser complementado pela individualidade das
comuin_é_gjje_s^Jraía_d^_culto ofertado pela comunidade reunida, a devoções pessoais; estas precisam ser equilibradas pelo culto em co-
assembléia cristã. Dificilmente se pode exagerar a importância do reu- mum,.
nir-se. Por vezes o termo judaico "sinagoga" (reunir-se) também foi U m termo amplamente usado em anos recentes é celebração. Ele é
usado para referir-se à assembléia cristã (Tg 2.2), porém o termo princi- freqüentemente usado em contextos seculares e parece ter desenvolvido
pal para designar a assembléia cristã é a igreja, a ekklesía, aqueles certa vagueza que o torna um tanto sem sentido, a não ser que seja
chamados para fora do mundo. Este termo, com a acepção de "assem- utilizado com um objetivo específico, de modo que se saiba o que está
bléia", "congregar", "reunir", "encontrar-se" ou "ajuntar-se", é usado sendo celebrado. A o se falar da celebração da eucaristia ou celebração
repetidamente ao longo do Novo Testamento para designar a igreja do Natal, o conteúdo pode estar claro. Desde os anos 20 o termo tem
local ou universal. Um dos aspectos mais facilmente esquecidos do sido associado a noções indefinidas do tipo celebração da vida, da
culto em comum é que ele começa com a reunião de cristãos espalhados alegria, de um novo dia ou outros objetos igualmente vagos. Parece
em um lugar para formar a igreja em culto. Geralmente encaramos o ato melhor usá-lo para descrever o culto cristão somente quando o objeto
de reunir-se como mera necessidade mecânica, mas ele é em si mesmo está claro, de modo que haja conteúdo e forma definidos. O culto cristão
parte importante do culto em comum. Reunimo-nos para encontrar-nos está sujeito a normas pastorais, teológicas e históricas; muitos tipos de
com Deus bem como com nossos próximos. celebração facilmente escapam a todas elas.
A s devoções pessoais, por sua vez, geralmente, mas nem sempre, Ritual é um termo básico para descrever o culto cristão. Trata-se de
ocorrem em separado da presença física do restante do corpo de um termo traiçoeiro, uma vez que significa coisas diferentes para pes-
Cristo. De forma alguma isto quer dizer que não estejam ligadas ao soas diferentes. Para muitos, ele com freqüência sugere vazio (daí a
culto de outros cristãos. Efetivamente, tanto as devoções pessoais expressão "ritual vazio"), uma rotina de repetições sem sentido. Antro-
quanto o culto em comum são plenamente comunitários, uma vez que pólogos usam o termo de modo sofisticado para descrever atos repeti-
ambos compartilham do culto da comunidade universal do corpo de dos que são socialmente aprovados, como por exemplo uma cerimônia
Cristo. Porém o indivíduo que pratica devoções pessoais pode deter- de naturalização, um potlatch *, ou costumes de sepultamento. Liturgos
minar seu próprio conteúdo e ritmo, mesmo ao seguir uma estrutura usam o termo para designar um livro de ritos. Para os católicos roma-
amplamente usada. E m contraposição a isso, para que o culto em nos o termo "ritual" se refere ao manual de ofícios pastorais de batis-
comum seja possível, é preciso haver consenso sobre estrutura, pala- mos, casamentos, funerais, etc. N a tradição metodista, "ritual" tem sido
vras e ações, caso contrário o caos seria a conseqüência. Tais regras usado desde 1848 para referir-se a todas as cerimônias oficiais da
igreja, incluindo a eucaristia e os ofícios de ordenação, além dos pasto- em nosso século Percy Dearmer, William Temple, Walter Rauschenbusch
rais. Ritos são as palavras efetivamente pronunciadas ou cantadas num e Virgil Michel. Porém apenas em anos recentes é que grande número de
culto, embora às vezes este termo seja usado para designar todos os cristãos passou a observar o escândalo da injustiça das formas de culto
aspectos de um ofício. Também pode referir-se a grupos religiosos que marginalizam amplos segmentos de freqüentadores do culto por
como os católicos de rito oriental, cujo culto segue um padrão distinto. causa do gênero ou outras distinções humanas. Isto resultou em esforços
Os ritos diferem do cerimonial, que são as ações executadas num culto. para mudar a linguagem de textos litúrgicos e hinos que tendiam a
O cerimonial geralmente está explicitado nos manuais de culto por tornar invisíveis as mulheres, refazer prédios que excluíam as pessoas
meio das rubricas, isto é, instruções para execução do culto. Embora portadoras de deficiência e dar acesso a novas funções àquelas pessoas
atualmente também se empreguem outras cores, as rubricas muitas que anteriormente não eram bem-vindas para nelas servir.
vezes são impressas em vermelho, como o indica o nome derivado do
Estreitamente ligado a isto está o esforço para levar a sério a diversi-
termo latino que designa a cor vermelha. Outro aspecto essencial é a
estrutura de cada ofício, chamado ordo ou ordem (de culto). Ordem, dade cultural e étnica existente na igreja em nível mundial. Isto implica
rito e rubricas, isto é, a estrutura, as palavras e as instruções são os respeito pelos dons e pela variedade de diferentes povos como expres-
componentes básicos da maioria dos manuais de culto. sões legítimas do culto cristão. O termo técnico para descrever este
processo é inculturação; sua realidade é a aceitação da diversidade
como uma das dádivas de Deus para a humanidade e a disposição de
incorporar essa variedade às formas de culto. A música muitas vezes é
um dos melhores indicadores da diversidade de expressão cultural.
Diversidade na Expressão
Quão limitados fomos nós ao enfatizar expressões européias de louvor
do Culto Cristão cristão, quando o mundo inteiro canta a glória de Deus? Novos hinários
tendem a refletir cada vez mais a diversidade cultural, porém a maior
— Até aqui abordamos os fatores comuns que nos permitem falar do parte deles ainda tem um longo caminho a andar até ser um espelho da
culto cristão em termos genéricos. Certamente existe unidade básica variedade de pessoas, mesmo numa única nação.
suficiente para podermos fazer muitas afirmações gerais e esperar que A preocupação com o culto e a justiça tem assumido muitas formas,
elas se apliquem à maioria senão a todo culto de pessoas cristãs. Entre- todas com um fator comum: enfatizar o valor individual de cada cultuante.
tanto, precisamos equilibrar essas afirmações gerais de constância con- Naqueles lugares em que alguns são negligenciados ou relegados a um
siderando a diversidade cultural e histórica que também é parte impor- status inferior por causa da idade, gênero, deficiência, raça ou origem
tante do culto cristão. A constância, como já vimos, é enorme; a diversida- lingüística, estas injustiças estão sendo reconhecidas e atenuadas. Mas
de é igualmente impressionante. O culto cristão é uma mistura fascinan- é lento o processo de conscientizar-se de práticas discriminatórias para
te de constância e diversidade. Basicamente usamos as mesmas estrutu- então tentar encontrar as maneiras mais equitativas de reformulá-las. O
ras e ofícios por dois mil anos; entretanto, pessoas do outro lado da resultado é que o culto cristão se torna mais complexo e diversificado
cidade também as praticam, mas à sua própria maneira característica. na medida em que tenta refletir uma comunidade mundial. Por isso,
E m anos recentes nos tornamos muito mais sensíveis para a importân- mesmo permanecendo válido o que dissemos a respeito da constância,
cia dos fatores culturais e étnicos na compreensão do culto cristão. as expressões culturais dessa constância estão se tornando cada vez
Emergiu daí uma forte preocupação com a ligação entre culto cristão e mais diversificadas em nosso tempo.
justiça. E m certo sentido, isto não é nada novo para alguns cristãos. Já N a realidade, a diversidade não é nada novo no culto cristão, embora
desde o movimento quacre no séc. 17 tem havido uma forte consciência talvez seja uma importante inovação encará-la de modo positivo. Mes-
entre os membros da Sociedade dos A m i g o s de que o culto não deve mo nos primeiros textos litúrgicos enxergamos maneiras diferentes de
marginalizar pessoa alguma por causa de sexo, cor ou mesmo servidão. afirmar as mesmas realidades, quer nos princípios teológicos, quer nas
Com efeito, a insistência quacre na igualdade humana deriva-se direta- necessidades humanas. A s diferenças são reflexos da variedade de
mente da sua compreensão do que acontece na comunidade cultuante. povos e lugares. Os diferentes livros litúrgicos proporcionam rotas
Isto significa naturalmente que mulheres e escravos deviam falar no paralelas para cobrir a mesma jornada. Entretanto, eles variam em
culto, o que até então fora prerrogativa exclusivamente masculina. estilo e detalhes da mesma forma como pessoas diferentes em lugares
O teólogo anglicano do séc. 19 Frederick Denison Maurice fez avançar variados diferem naqueles pontos que as tornam distintas, sua língua e
nosso pensamento sobre culto e justiça da mesma forma como o fizeram história, por exemplo.
Comparemos duas passagens com funções idênticas de duas das
liturgias mais amplamente usadas no mundo. A primeira pertence á missa
católica romana pré-Vaticano II, do prefácio comum da oração eucarística:

Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças,


sempre e em todo lugar, Senhor, Pai Santo, Deus eterno e todo-poderoso,
por Cristo, Senhor nosso.
A outra é a mesma passagem conforme consta na liturgia de São João
Crisóstomo:

E justo e digno celebrar-vos, bendizer-vos, dar-vos graças e adorar-vos em


todos os lugares do vosso domínio. Porque vós sois um Deus inefável,
incompreensível, invisível, inacessível, subsistindo eternamente, vós e o
vosso unigénito Filho e o vosso Espírito Santo.

Ambas dizem a mesma coisa, porém o estilo e o espírito são bastante


diferentes. A linguagem da primeira foi comparada à retórica legal dos
tribunais romanos, a da segunda, ao esplendor da corte dos imperado-
res bizantinos. Claramente estamos lidando com dois estilos diferentes
de expressão.
Os liturgistas classificaram as várias liturgias eucarísticas antigas em
famílias litúrgicas distintas. A semelhança das famílias humanas, elas
apresentam características comuns. Algumas talvez pertençam à família
alexandrina, denominada segundo Marcos, uma vez que colocam as
intercessões no meio do segmento de abertura da oração eucarística.
Outras, como o rito romano, usam palavras características para introdu-
zir as palavras da instituição: "o qual, no dia antes de sofrer", ao passo
que outras famílias, como aquela denominada segundo João Crisóstomo,
preferem a expressão "na noite em que foi entregue". Assim como se
podem reconhecer os filhos e filhas ou irmãos e irmãs de determinada
pessoa pelas semelhanças faciais, pode-se aprender também a identificar
a família litúrgica da qual provém determinado texto.
Diferentes povos e lugares em torno do mundo mediterrâneo e na
Europa setentrional deram suas próprias características lingüísticas ao
culto cristão. Algumas características desapareceram, muitas vezes por
causa da estereotipação que o processo de impressão tornou possível no
séc. 16. Mas uma grande variedade ainda persiste, particularmente na
ortodoxia oriental, e até mesmo dentro do catolicismo romano, embora
isoladamente em lugares como Milão, na Itália, ou Toledo, na Espanha,
ou nas igrejas católicas de rito oriental. Nesses ritos díspares temos um
reconhecimento franco da verdadeira catolicidade, isto é, universalidade
da igreja. Aquelas que poderiam parecer sobreviventes curiosas e singu-
lares são na verdade vozes de diferentes povos e lugares acrescentando
sua própria contribuição característica ao louvor a Deus.
É comum identificar sete famílias litúrgicas clássicas oriundas de dominantes apresentam coerência suficiente, o que nos permite distin-
diversas áreas do mundo antigo. Cada uma dessas famílias usa os guir uma tradição específica .12

mesmos ofícios de culto e os mesmos tipos de manuais de culto, mas


cada qual mostra peculiaridades individuais de estilo e expressão. Elas Não é fácil diferenciar essas tradições geograficamente, uma vez que
exemplificam a diversidade dentro da constância. elas se sobrepõem em grau considerável. Os puritanos, anglicanos e
quacres viveram lado a lado, embora não muito alegremente, na Ingla-
É mais fácil dar a volta ao redor do mundo mediterrâneo em sentido terra do séc. 17. Podemos mapear as nove tradições do culto protestan-
anti-horário (diagrama 1), aqui apenas para uma breve enumeração des- te no diagrama 2:
sas famílias, uma vez que voltaremos a elas em maior detalhe no capítulo
8. A primeira família encontramos centralizada em Alexandria, no Egito,
sendo que o exemplo mais notável é conhecido como a de São Marcos. A s TRADIÇÕES PROTESTANTES DE CULTO
Hoje em dia ela tem sobreviventes coptas e etíopes no Egito e na Etiópia.
A Síria Ocidental incluía os centros eclesiásticos de Jerusalém e Antioquia. Ala esquerda Centro Direita
Uma liturgia que provavelmente funde aquelas usadas nessas cidades
preserva o nome tradicional de São Tiago, primeiro bispo de Jerusalém. Séc. 16 Anabatista Reformada Anglicana Luterana
Os padrões litúrgicos da Armênia preservam muitas características dos Séc. 17 Quacre Puritana
primeiros tempos e provavelmente derivam-se em última análise desta Séc. 18 Metodista
família da Síria Ocidental e a ela pertencem. A Síria Oriental ao redor de Séc. 19 Fronteira
Edessa foi o antigo centro de uma família muito característica cujo Séc. 20 Pentecostal
principal exemplo é o rito denominado segundo os Santos Addai e Mari.
Cesaréia, na Ásia Menor, era o domicílio de São Basilio, e a liturgia Diagrama 2
denominada segundo ele (com uma versão alexandrina anterior) deriva-
se do padrão sírio-ocidental. Igualmente de origem sírio-ocidental é a A s rupturas mais radicais com o culto medieval tardio estão indicadas
assim chamada liturgia bizantina ou liturgia de São João Crisóstomo, por grupos na coluna da ala esquerda; os grupos mais conservadores
patriarca de Constantinopla no séc. 4. A partir de Constantinopla ela se da Reforma, em termos de preservação da continuidade, aparecem na
espalhou por boa parte do Império Bizantino e da Rússia. Somente o rito ala direita; os grupos centrais são mais moderados.
romano, outrora conhecido como rito de São Pedro, se encontra em uso
mais amplo. Ele é o rito dominante do catolicismo romano. Uma grande e O culto luterano, originado em Wittenberg, floresceu nos países
misteriosa família, agálica, compreende o sétimo clã, o clã ocidental não- germânicos e escandinavos no séc. 16, expandindo-se desde então por
romano com quatro ramos da árvore familial: o milanês ou ambrosiano, o todo o mundo. O culto reformado teve sua gênese na Suíça (Zurique e
moçárabe, o céltico e o galicano. Genebra) e França (Estrasburgo), mas espalhou-se rapidamente pelos
Países Baixos, pela França, Escócia, Hungria e Inglaterra. Os anabatistas
A persistência dessa diversidade nos mundos ortodoxo e católico começaram na Suíça por volta de 1520. O culto anglicano, como indica o
romano até os dias de hoje, apesar de ocasionais esforços de supressão nome, era o culto da igreja nacional da Inglaterra e representava muitos
e padronização, é um triunfo para as diferenças étnicas e nacionais. Ela dos acordos políticos necessários para uma igreja nacional. A tradição
representa a capacidade das pessoas de preservar expressões e formas puritana (e separatista) foi um protesto contra acordos que pareciam
de pensamento que lhes são caras e naturais. contrários à vontade de Deus revelada na Escritura.
A diversidade caracterizou o culto protestante desde o início. O culto A tradição mais radical foi o movimento quacre do séc. 17. A silencio-
protestante pode ser dividido em nove tradições litúrgicas protestan- sa espera dos quacres por Deus sem auxílio de sermões, cânticos ou
tes. Não é tão fácil distingui-las com base nos textos de liturgias escrituras realizou uma ruptura drástica com o passado. O metodismo,
eucarísticas como é o caso das famílias litúrgicas católica romana e no séc. 18, combinou muitas vertentes, tanto antigas quanto da Refor-
ortodoxa, embora certas tradições protestantes possam ser facilmente ma, tomando empréstimo particularmente das tradições anglicana e
definidas em termos de manuais de culto. Alguns grupos, como os puritana. A fronteira americana fez surgir outra tradição, especialmen-
quacres, não têm liturgias. Mas podemos falar de tradições litúrgicas te desenvolvendo formas de culto para os que haviam perdido o contato
distintas, isto é, de hábitos e suposições sobre o culto herdadas e com a igreja. Essa tradição da fronteira é a que predomina hoje no
passadas de geração em geração. Em cada caso certas caraterísticas protestantismo americano e é particularmente conspícua no evangelismo
televisivo. Os Estados Unidos também foram o berço da tradição (1 Co 13) e visam um único objetivo: edificar a igreja (1 Co 14.26). Os dons
pentecostal no séc. 20. Negros e mulheres estavam entre os primeiros recebidos pelos cristãos são concedidos para ser compartilhados na
líderes a fomentar esta tradição. comunidade, não para ser mantidos no isolamento.
A coexistência de diversas tradições permitiu às pessoas buscarem O culto cristão dos primeiros tempos parece ter implicado certa
as formas de expressão para o culto que achassem mais naturais. N a espontaneidade. A maior parte dessa espontaneidade havia aparente-
Inglaterra do séc. 18, aqueles que se sentiam demasiadamente restritos mente desaparecido por volta do fim do séc. 4, tendo ressurgido apenas
pelo Livro de Oração Comum afluíam aos atos religiosos celebrados em algumas tradições da Reforma. O culto pentecostal no séc. 20
improvisadamente na tradição puritana. E aqueles que achavam esse enfatizou as inesperadas possibilidades do culto espontâneo. A ausên-
culto demasiadamente clerical podiam encontrar um tipo diferente de cia de manuais de culto ou de folhetos impressos em algumas igrejas de
liberdade entre os quacres. Outros eram atraídos pelos hinos fervoro-
forma alguma garante espontaneidade. E m muitas congregações, a
sos e pela vida sacramental calorosa dos primeiros metodistas. Pessoas
repetição estabeleceu firmemente uma estrutura de culto que é seguida
diferentes podiam encontrar um canal para suas diversidades de ex-
com alto grau de previsibilidade. Por outro lado, tradições que usam
pressão escolhendo a tradição que lhes parecesse mais conveniente. A o
mesmo tempo, porém, um alto grau de constância existia ao longo de manuais de culto dão espaço cada vez maior hoje em dia a elementos de
gerações dentro de cada tradição. espontaneidade, particularmente em intercessões.
Se falamos pouco, no presente livro, sobre a espontaneidade no culto,
não é porque ela seja de pouca importância, mas simplesmente porque,
sendo tão efêmero seu testemunho, torna-se exasperadoramente difícil
Constância nos Tipos de Manuais relatá-la. Mas deveria estar claro que culto e manuais de culto de forma
alguma são sinônimos. Os manuais de culto somente podem oferecer
de Culto fórmulas-padrão. É preciso haver um equilíbrio sadio entre tais fórmu-
las e os elementos não-escritos e não-planejados que somente a esponta-
Boa parte do estudo do culto cristão gira em torno do estudo dos neidade pode oferecer.
diversos manuais de culto usados por certas igrejas. Como as necessi-
Com este alerta, vejamos o que os manuais de culto podem dizer-nos
dades são muito semelhantes, certos tipos de manuais de culto se
sobre a constância no culto cristão. Praticamente todo culto utiliza a
repetem em muitas famílias e tradições litúrgicas diferentes. É tenta-
Bíblia, a qual inclui ela própria muitas partes escritas para fins cultuais.
dor, porém perigoso, identificar o culto com livros. Livros efetivamente
Os quacres são uma exceção neste tocante, porém o conhecimento
são usados para muitos cultos, talvez para a maioria deles, e por certo
bíblico entre eles compensa a sua falta de efetiva leitura da Bíblia no
são a evidência de culto mais fácil de ser estudada e analisada. Porém
culto público. A maioria dos protestantes e católicos romanos também
boa parte do culto está baseada na espontaneidade, que é o elemento
utilizam um hinário. A l é m disso, os católicos romanos e diversas tradi-
mais difícil de ser estudado. Vários tipos de culto contêm diferentes
ções de culto protestantes empregam, freqüentemente ou sempre, um
proporções tanto de fórmulas fixas para palavra e ação encontradas em
manual de culto. E m suma, um ou mais livros são considerados requisi-
livros quanto da espontaneidade que aumenta e diminui conforme atua
tos para o culto na maior parte da cristandade.
o Espírito e que não está sujeita ao meio impresso. Embora pouco
venhamos a dizer sobre a espontaneidade, ela é um ingrediente impor- Os livros que examinaremos são manuais de culto. Eles dão uma
tante no culto de hoje em muitas igrejas ocidentais. visão vívida da constância no culto cristão. Muito embora eles variem
entre si, os conteúdos apresentam semelhanças notáveis. Apesar de
Onde o movimento carismático atingiu as pessoas, entre os pentecostais
haver diferenças em famílias e tradições, necessidades comuns e recur-
clássicos, e em muitas igrejas negras, exclamações espontâneas são
sos semelhantes para atender a essas necessidades são perceptíveis.
parte vital do culto. O culto quacre é a própria espontaneidade, embora
exemplifique a necessidade de uma liberdade autodisciplinada para que N a igreja antiga, uma variedade de livros eram usados por diversas
a espontaneidade possa trazer seu melhor fruto. A espontaneidade não é pessoas que exerciam ministérios de liderança num mesmo culto. Tan-
simplesmente soltar as pessoas para a introspecção individual ou para to os leigos quanto os clérigos tinham ministérios reconhecidos para
falar. Trata-se de usar os diversos dons de diferentes pessoas para o exercer, assim como livros adequados para capacitá-los a desempenhar
benefício de toda a comunidade reunida. A s palavras de Paulo sobre o seus papéis específicos no culto. A idéia de colocar tudo em um livro e
culto espontâneo seguem-se imediatamente a seu capítulo sobre o amor este apenas nas mãos do clero é um produto medieval que pouco tem a
seu favor. Atualmente há uma inversão da mentalidade do livro único e
uma volta ao uso de vários livros para leitores, comentadores, líderes de festas, ou para cada ofício das horas. Partes musicais apareciam no
canto, líderes de oração e sacerdotes ou pastores. Existe, afinal de antifonario e no hinário. Um lecionário continha, por fim, coletâneas
contas, uma diversidade de papéis ministeriais na condução do culto, das leituras da Escritura .
14

papéis que podem ser compartilhados entre várias pessoas quando


Tudo isso parece complicado, e realmente era, mas cada pessoa
livros adequados estão à disposição.
precisava dominar só certas partes, encontradas no livro adequado.
A invenção da impressão criou uma situação antes desconhecida, a Tudo isso mudou com o tempo, muito embora não até que tivessem se
possibilidade de padronização litúrgica. Nos inícios do séc. 16 havia cerca passado muitos séculos. Então começaram a ter sucesso os esforços
de 200 variedades de missais em uso nas paróquias e ordens religiosas para reunir toda essa biblioteca num único livro, o breviário. O advento
européias. Tanto os catóücos romanos quanto muitos protestantes se con- das ordens franciscana e dominicana no séc. 13, as quais precisavam
venceram de que a uniformidade htúrgica representava um avanço. Assim estar constantemente a caminho, disseminou o uso do breviário, atra-
sendo, o primeiro livro de orações anglicano de 1549 decretava que vés do qual um indivíduo isolado podia ler todos os ofícios diários. Isto
"doravante toda a região deverá ter apenas um uso". Efetivamente a mes- também foi estimulado pelas necessidades da vida na cúria romana.
ma coisa foi feita ao se padronizar os livros católicos romanos até a última Porém o breviário representa uma perda tremenda no tocante à varieda-
vírgula, com exceções permitidas apenas para algumas poucas dioceses e de de ministérios e ao culto em comunidade. A Liturgia das Horas de
ordens religiosas . Essa tendência de padronização em Roma reprimiu os
13
1971, que substituiu o breviário romano de 1568, procura devolver esses
manuais de culto em chinês no séc. 17 e outras adaptações à cultura nativa ofícios tanto ao uso leigo quanto ao clerical.
que poderiam ter fortalecido enormemente a missão na China e alterado de
A Reforma, por sua vez, comprimiu o breviário ainda mais nos dois
modo drástico a história posterior.
ofícios diários de Lutero ou naqueles que constam no Livro de Oração
Hoje em dia tanto os protestantes quanto os católicos romanos consi- Comum. Saltério, calendário, lecionário e oração matutina e vespertina
deram a padronização um objetivo falso. O que pode ter sido libertador passaram a compartilhar o espaço com outros tipos de culto. Estas
no séc. 16 parece restritivo no séc. 20. Esforços feitos em nosso tempo medidas fizeram com que todos os tipos de culto se tornassem acessí-
estão tentando desfazer a clericalização medieval, que comprimiu todos veis à pessoa sentada no banco da igreja, porém significaram uma
os livros litúrgicos em documentos clericais, e a padronização do séc. drástica redução na oferta de opções.
16, que tornou todos os livros idênticos, seja para o clero, seja para os
A história dos livros para a iniciação e para os ritos de passagem é
leigos. Uma variedade de ministérios em várias culturas exige uma
bem diferente. Originalmente muitos deles apareciam no sacramentário,
abordagem muito mais pluralista dos livros litúrgicos. Hoje já podemos
livro do sacerdote para celebrar a eucaristia e outros sacramentos. Ele
constatar um genuíno pluralismo litúrgico com diversas rotas alternati-
continha todas as orações apropriadas para várias ocasiões e épocas. O
vas de autoridade equivalente disponíveis na mesma denominação reli-
batismo e a confirmação, por exemplo, ocorriam na Vigília Pascal nos
giosa. Assim sendo, o número de livros litúrgicos está se proliferando e
livros mais antigos, e as ordenações tendiam a acontecer durante a
podemos mencionar apenas alguns típicos.
Quaresma. A o longo do tempo, o batismo e outros ritos foram retirados
O principal livro para a estrutura temporal é naturalmente o calen- aos poucos dos sacraméntanos, elaborando-se livros separados para os
dário. Sua brevidade não deveria ocultar sua importância. Ele governa diversos ofícios. A revolução na prática da penitência, por exemplo, levou
aqueles elementos que mudam com os dias ou com as épocas do ano a que se compilassem penitenciais para orientação do pastor e do peni-
eclesiástico na oração pública diária e na eucaristia, aparecendo em tente. Os "benedicionais" formavam coletâneas de bênçãos diversas de
breviários e missais. A l g o semelhante é o martirológio, um livro com pessoas e objetos, sendo certas bênçãos reservadas apenas para bispos e
os atos dos mártires e outros santos, arranjados na seqüência do calen- outras para sacerdotes. A última coletânea é o Ritual de Bênçãos (1989).
dário de acordo com o dia da sua morte.
Com o tempo esses diversos ritos de iniciação e passagem entraram
Os atos religiosos que giram em torno da oração pública diária em coletâneas conhecidas diversamente como pastorale, manuale,
fizeram surgir toda uma coleção de livros, especialmente aqueles elabo- sacraméntale, agenda ou rituale. Litanias, hinos, orações e rubricas
rados no culto monástico. Diversos tipos de livros permitiam original- para procissões encontraram um lugar no processionale. As igrejas da
mente que pessoas diferentes exercessem suas funções individuais. O Reforma geralmente incorporavam muitos desses materiais num sim-
mais importante era o saltério, com salmos e cânticos arranjados de ples manual de culto. Por exemplo, o Saram Manuale oferecia a maior
diversas maneiras em edições diferentes. Alguns estavam estruturados parte do ofício matrimonial do Livro de Oração Comum. Algumas igre-
de acordo com a recitação semanal dos salmos, ou de acordo com jas ainda utilizam os termos antigos, como no Pastor's Manual publica-
do pela Igreja dos Irmãos em 1978. O Rituale Romanum de 1614 era na igrejas católicas romanas, embora não inclua materiais atualmente en-
verdade uma coletânea de dez livros separados: regras gerais e ritos contrados no pontifical ou ritual, como era o caso dos primeiros
para o batismo, a penitência, a administração da eucaristia, os doentes sacramentários. Porém existem outros ministérios na eucaristia além
e moribundos, o sepultamento, o matrimônio, bênçãos, procissões e daquele do celebrante. U m lecionário ou comes provia o leitor,
exorcismos. Desde o Vaticano II a maior parte desses ritos foi revisada e
subdiácono ou diácono de listas do início e final das leituras proferidas
publicada em livros separados. Atualmente não existe um ritual católi-
na missa. Mais tarde as leituras foram incluídas por inteiro . Os músi-
15

co romano em um único volume.


cos dependiam do gradúale para as partes cantadas da eucaristia . O 16

Em nenhum outro ponto a constância do culto cristão tem sido tão que chamaríamos de rubricas era registrado, nos primórdios, em diver-
evidente como nos ofícios pastorais encontrados no ritual. Os metodistas sos ordines, que também tratavam de ofícios atualmente encontrados no
americanos continuam se casando com quase os mesmos votos usados pontifical ou ritual, bem como da eucaristia. Também aqui atuavam
pelos católicos ingleses no séc. 14. A s necessidades humanas básicas forças semelhantes às que influenciaram o breviário, o ritual e o
para as quais o ritual presta assistência são comuns: nascimento, casa- pontifical. A o final do período medieval, o clero havia ficado com todos
mento, doença e morte. A o longo do caminho precisamos do perdão e da os livros, uma vez que as leituras, partes musicais e rubricas foram
invocação da bênção de Deus para as pessoas e coisas ao nosso redor. reunidas no missal, de modo que um único homem podia "rezar" a
A história dos ritos referentes ao bispo é semelhante. A s orações missa sozinho. A partir do final do séc. 10, o missal simplesmente fazia
para ordenações ocorriam originalmente nos sacramentários e nos eco ao monopólio clerical do culto, que já se instalara por intermédio de
ordines (coletâneas de instruções). De forma gradativa, por um proces- diversas outras forças. Com exceção de algumas poucas dioceses ou
so ainda não plenamente compreendido, os ritos especiais dos bispos ordens religiosas, o séc. 16 estandardizou o missal. O Missale Romanum
vieram a ser coletados num volume especial, o pontifical. N a última de 1570 sofreu pouquíssimas modificações (à exceção de novos dias
parte do séc. 13, o bispo Guilherme Durand, de Mende, na França festivos) por 400 anos, até a publicação da revisão do Vaticano II. Mais
meridional, editou um pontifical que veio a dar forma a todos os uma vez as leituras foram relegadas a um volume em separado, o
pontificais subseqüentes que surgiram no Ocidente. Nele havia ofícios lecionário, e voltou-se a encorajar outras pessoas além do celebrante a
para a bênção ou consagração de pessoas diversas, como confirmação, exercer funções ministeriais na missa.
tonsura, ordenações, as bênçãos dos abades, das abadessas, a consagra- Os conteúdos do missal provaram ser não menos essenciais para os
ção de virgens, a coroação de reis e rainhas, etc. A l é m disso, havia ritos reformadores. A maior parte deles produziu sua própria ordem da mis-
para a bênção ou consagração de objetos como igrejas, uma mesa de sa e a incorporou em seus manuais de culto, por vezes acompanhada de
altar, vasos, vestimentas, sinos, cemitérios e assim por diante. E final- coletas e leituras apropriadas para os vários dias do ano eclesiástico.
mente havia uma variedade de ritos para excomunhão, reconciliação de Até mesmo na fronteira americana os metodistas preservaram um míni-
penitentes, consagração de óleos sagrados, procissões e similares. mo irredutível de formas fixas para a eucaristia. Os conteúdos do mis-
Parte desse material, como os ofícios de ordenação, aparece como sal são o que existe de mais universal no cristianismo e oferecem um
ordinal em manuais de culto protestantes. Muitos manuais de culto fascinante estudo de constância.
contêm ritos para confirmação bem como para bênção e consagração Assim sendo, os conteúdos dos livros litúrgicos parecem testemu-
de pessoas e objetos diversos, como ofícios para a instalação de profes- nhar as constancias que estamos procurando. A Reforma apenas arre-
sores/as de escola dominical ou para a colocação de pedra fundamental. matou os processos de compressão e padronização já bem encaminha-
O pontifical católico romano foi revisado desde o Vaticano II. Não existe dos no catolicismo romano. Alguns dos reformadores conseguiram so-
paralelo protestante para uma coletânea tardia chamada Caeremoniale car em um único volume o calendário, o breviário, o ritual, o processional,
Episcoporum, uma compilação de rubricas e instruções sobre cerimo- o pontifical e o missal. Vários martirologios protestantes foram ampla-
niais para bispos, de 1600. Uma nova revisão deste texto foi publicada mente usados para a leitura devocional. O povo e o clero partilhavam os
recentemente, sob o título Cerimonial dos Bispos. mesmos livros. Os resultados, seja no Livro de Oração Comum, no
A outra coletânea principal de livros é a que trata da eucaristia. Já "Livro de Ordem Comum", no Sunday Service ("Culto Dominical") de
nos deparamos com o mais importante desses livros, o sacramentário, John Wesley, ou vários outros, têm semelhança notável em seu consenso
que incluía orações apropriadas a épocas e eventos diversos para serem sobre os pontos essenciais do culto cristão.
usadas pelo sacerdote. O termo "sacramentário" foi reavivado em anos Naturalmente existem diferenças entre livros do mesmo tipo. O estu-
recentes para designar o abrangente livro usado na mesa do altar em do comparativo dos ritos é conhecido como liturgiologia e se tornou
uma ciência altamente especializada nos últimos cem anos. O fato
marcante, porém, continua sendo o notável grau de constância existen-
te entre esses livros de épocas e lugares diferentes no que diz respeito
às profundas necessidades humanas refletidas no culto.
Este rápido apanhado do fenômeno, das definições e dos termos- Capítulo 2
chave do culto cristão, juntamente com a exposição da diversidade e
constância em tal culto, ajudará o/a leitor/a, assim espero, a refletir
sobre o que ele ou ela entende por culto cristão. Mais estudo, mais A Linguagem do Tempo
experiências de culto e a reflexão contínua ajudarão a ampliar esta
compreensão.

O calendário constitui a base para a maior parte do culto cristão,


com exceção dos ocasionais ritos de jornada ou de passagem. Nada
se presta melhor para começar nossa investigação sobre as estruturas
básicas do culto cristão do que uma introdução à maneira como os
cristãos utilizam o tempo como linguagem para expressar seu culto.
A centralidade do tempo no culto cristão nos diz muito tanto sobre o
próprio cristianismo quanto sobre o culto cristão. Ela nos diz que o
cristianismo é uma religião que leva o tempo a sério. E na história que
Deus se torna conhecido. Sem o tempo não há conhecimento do Deus
cristão, pois é por meio de eventos efetivos acontecendo no tempo
histórico que ele se revela. Deus opta por tornar conhecidas a sua
natureza e vontade através de eventos que ocorrem dentro do mesmo
calendário que mede a vida diária de homens e mulheres comuns. A
auto-revelação de Deus acontece dentro do mesmo curso temporal em
que ocorrem os eventos políticos: " N o s dias de Herodes, rei da Judeia"
(Lc 1.5) ou "quando Quirino era governador da Síria" (Lc 2.2).
Quando nos deparamos com religiões nas quais o tempo é ilusório ou
insignificante, damo-nos conta de quão crucial é o tempo para a fé
cristã. O cristianismo não fala da salvação em termos genéricos, mas
da salvação realizada por meio de ações específicas de Deus em tempos
e lugares definidos. Fala de eventos culminantes e de um final do
tempo. N o cristianismo os significados últimos da vida não são revela-
dos através de declarações universais e atemporais, mas por meio de
atos concretos de Deus. N a plenitude do tempo, Deus invade a história
humana, assume nossa carne, cura, ensina e come com pecadores. Há
um cenário histórico e espacial específico para tudo isso: "Celebrava-se
em Jerusalém a festa da Dedicação. Era inverno. Jesus passeava no
templo, no pórtico de Salomão" (Jo 10.22-23). E quando sua obra está
realizada, Jesus é morto num dia específico, relacionado com a festa da
Páscoa daquele ano em particular, e ressurge no terceiro dia. Tudo isso
faz parte do mesmo tempo que nós habitamos, tempo medido por um
dispositivo espacial, o calendário, o tempo em que compramos verdu-
ras, lavamos o carro e ganhamos o sustento.
A centralidade do tempo no cristianismo se reflete no culto cristão. A mesma coisa se aplica à igreja. A igreja mostra o que mais importa
Esse culto, como o resto da vida, se estrutura com base em ritmos para a sua vida pela forma como observa o tempo. A q u i mais uma vez o
repetitivos da semana, do dia e do ano. A l é m disso, o culto reflete um uso do tempo revela prioridades de fé e de prática. Uma resposta para a
ciclo do tempo de vida, o qual discutiremos no capítulo 9. Longe de pergunta: " E m que acreditam os cristãos?" poderia ser: "Repara como
tentar fugir do tempo, o culto cristão usa o tempo como uma de suas administram o seu tempo!" Como é que os cristãos têm administrado o
estruturas essenciais. Nosso tempo presente é utilizado para nos colo-
tempo?
car em contato com os atos de Deus no tempo passado e futuro. A
salvação, como a experimentamos no culto, é uma realidade baseada A s partes mais antigas do Novo Testamento estão imbuídas de uma
em eventos temporais através dos quais Deus nos é dado. O uso do percepção do tempo como kairós, o tempo presente certo ou oportuno
tempo permite aos cristãos comemorar e voltar a experimentar os pró- em que Deus realizou uma nova dimensão da realidade: "Cumpriu-se o
prios atos em que se baseia a salvação. tempo e o reino de Deus está próximo" (Mc 1.15). Não obstante, já
dentro do próprio N o v o Testamento percebemos o início de uma tendên-
O tempo é também uma linguagem de comunicação em nossa vida cia a olhar para trás, a lembrar o tempo passado no qual coisas tinham
diária (como quando habitualmente nos atrasamos para compromissos acontecido. A esperança escatológica, isto é, a crença de que o tempo
desagradáveis). Trata-se de uma forma de comunicação usada com final estava por chegar, parece estar desvanecendo quando Lucas escre-
significados consideravelmente diferentes em culturas diferentes. (Em v e seu evangelho e quando inicia a escrita da história da igreja com o
algumas culturas, atrasar-se para um compromisso é sinal de respeito livro de Atos. A lembrança passa a ser quase tão importante quanto a
para com alguém importante, dando a entender que ele ou ela é uma antecipação, mesmo antes de terminar o séc. 1.
pessoa obviamente muito ocupada.) O cristianismo se baseia numa
A s prioridades da fé da igreja antiga são reveladas pela forma como
percepção humana natural do tempo como transmissor de significado
os cristãos dos sécs. 2, 3 e 4 organizavam o tempo. Isto não era sistemá-
ao falar fluentemente a linguagem do tempo em seu culto.
tico ou planejado, mas era simplesmente a resposta espontânea da
Para se entender como as estruturas do culto cristão falam através da igreja aos "fatos que entre nós se realizaram" (Lc 1.1). O mesmo tipo de
utilização do tempo, precisamos explorar as experiências passadas dos resposta, o manter vivas as memórias, também estimulou a escrita dos
cristãos em estruturar o culto com base no tempo, os arrazoados teoló- evangelhos para que outros pudessem seguir "as tradições conforme
gicos para assim proceder e como o tempo funciona na prática corrente. nos transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares
Pelo estudo dessas dimensões históricas, teológicas e pastorais pode- daqueles fatos e ministros da palavra" (Lc 1.2). A estruturação do tempo
mos chegar a uma compreensão funcional de como o tempo proporciona
não foi tão sistemática quanto os esforços dos evangelistas para ofere-
o fundamento de uma parte tão abrangente do culto cristão.
cer "uma exposição em ordem" (Lc 1.3), mas teve uma influência quase
tão consistente em moldar as memórias cristãs quanto os evangelhos
escritos. Assim sendo, para os cristãos a Páscoa é um evento anual
A Configuração do Tempo Cristão tanto quanto uma narrativa escrita. O Natal é muito mais uma ocorrên-
cia anual do que uma história de nascimento.
A maneira como usamos o nosso tempo é uma boa indicação do que Qual foi a fé da igreja dos primeiros quatro séculos testemunhada
consideramos de importância primordial na vida. Sempre poderemos pelo uso que a igreja fez do tempo? Tratava-se acima de tudo da fé na
ter certeza de encontrar tempo para aquelas coisas que consideramos ressurreição de Jesus Cristo. Em segundo lugar, tratava-se da confian-
mais importantes, embora nem sempre admitamos perante os outros ou ça na presença duradoura do Espírito Santo, conhecido e experimenta-
até perante nós mesmos quais são nossas prioridades reais. Seja para do na igreja santa. E tratava-se da crença que testemunhava aqueles
ganhar dinheiro, para a ação política ou para atividades em família, sinais pelos quais Deus se manifestara em carne humana como Jesus
encontramos tempo para colocar em primeiro lugar aquelas coisas que Cristo. Isto pode não ser uma síntese sistemática da fé cristã, mas
mais nos importam. O tempo fala. Quando o damos a outros, na verdade indica claramente o cerne da fé da igreja antiga, uma fé revelada pela
estamos nos dando a nós mesmos. Nosso uso do tempo não só mostra o maneira como a igreja observava o tempo.
que é importante para nós, mas também indica quem ou o que é mais Havia até mesmo uma estrutura trinitária implícita: crença no Pai
significativo para nossa vida. O tempo, então, e x p õ e escancarada e tornado manifesto, no Filho ressurreto e no Espírito Santo habitando a
involuntariamente as nossas prioridades. Ele revela o que mais valoriza- igreja. Entretanto, não se deveria levar isto longe demais, uma vez que
mos pela forma como alocamos esse recurso limitado. se trata de algo mais implícito do que explícito. Mas as prioridades são
claras. A história de como a igreja antiga observou o tempo pode ajudar- O domingo era um dia de culto para os cristãos, mas não ainda um dia
nos a reconsiderar nossas prioridades hoje em dia à luz daquelas do de descanso. Isto foi efetivado pelo imperador Constantino em 321. "To-
período heróico do cristianismo. dos os juízes, cidadãos e artesãos descansarão no venerável dia do sol.
Os indícios iniciam não pelo ano cristão, mas pela semana cristã, Mas os camponeses podem dedicar-se à agricultura, sem empecilho." 6

principalmente com o testemunho do domingo. E a história realmente A semana tinha uma forma ainda mais diferenciada para a igreja
começa com o primeiro dia da criação, quando "Deus disse: 'Haja luz'; e antiga. Lucas fala do fariseu que disse: "Jejuo duas vezes por semana"
houve luz. (...) Houve tarde e manhã, o primeiro dia" (Gn 1.3-5). Todos os (18.12). Mas a Didaqué, com toda a seriedade, determinou aos cristãos:
quatro evangelhos se esmeram em declarar que foi na manhã do primei- "Vossos jejuns não (...) sejam ao mesmo tempo com os hipócritas; com
ro dia, isto é, no dia em que iniciou a criação e Deus "separou a luz e as efeito, eles jejuam no segundo e no quinto dia da semana; vós, porém,
trevas", que foi descoberto o túmulo vazio. jejuai na quarta-feira e na sexta" . Razões comemorativas para tal ha-
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Em pelo menos três lugares o Novo Testamento indica um tempo viam aparecido na época em que se escreveu (provavelmente na Síria) o
especial para o culto, provavelmente o domingo. Paulo disse aos cris- documento As Constituições Apostólicas, do final do séc. 4: "Jejua (...)
tãos de Corinto para separar dinheiro para a coleta no primeiro dia da no quarto dia da semana, (...) tendo Judas então prometido traí-lo por
semana (1 Co 16.2). E m Trôade, depois de falar até a meia-noite do dinheiro; e (...) na [sexta-feira], porque neste dia o Senhor sofreu a morte
sábado, Paulo partiu o pão (presumivelmente a eucaristia) e continuou na cruz." H á indícios de que alguns dos primeiros cristãos também
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conversando com os cristãos ali até a madrugada de domingo (At 20.7 e tinham certa consideração pelo sábado como "a comemoração da cria-
11). João nos diz que "achava-se em espírito" e que isso aconteceu "no ção", obra da qual Deus descansara no sétimo dia. Tertuliano, norte-
dia do Senhor" (Ap 1.10). A o final do séc. 1, o termo "dia do Senhor" se africano do início do séc. 3, nos diz que havia "alguns poucos que se
transformara num termo cristão para designar o primeiro dia da sema- abstêm de ajoelhar-se no sábado". Todos esses outros dias eram menos
na. Inácio, bispo de Antioquia, escreveu por volta de 115 d.C. aos importantes do que o domingo.
cristãos em Magnesia, falando daqueles que deixaram de observar " o O domingo sobressaía acima de todos os outros dias como o aniversá-
sábado [sétimo dia judaico], mas viviam segundo o dia do Senhor, no rio semanal da ressurreição. N a igreja antiga o domingo também come-
qual nossa vida se levantou por Ele e Sua morte" . 1
morava a paixão e morte do Senhor, mas era, antes de mais nada, o dia
A Didaqué, uma ordem da igreja escrita em fins do séc. 1 ou no início em que o Salvador ressuscitara dos mortos. Mesmo hoje o domingo tem
do séc. 2, admoesta os cristãos literalmente: "Reuni-vos no dia do Senhor, precedência em relação à maior parte das outras observancias. Cada
para a fração do pão e (...) celebrai a eucaristia" . Até mesmo pagãos
3 domingo dá testemunho do Senhor ressurreto. É o dia do Senhor, o dia
perceberam que "num dia combinado eles [cristãos] costumavam reunir- do sol levantado das trevas, o início da nova criação. Tertuliano nos
se antes do raiar do dia", embora Plínio, o administrador romano da conta que os cristãos nunca se ajoelhavam no domingo, " o dia da
Bitínia, que escreveu estas palavras por volta do ano de 112, dificilmente ressurreição do Senhor". Os domingos do Advento e da Quaresma
tenha entendido isto como uma reunião para a ceia do Senhor . 3 permanecem dias de alegria, embora se encontrem em períodos
penitenciais. Cada domingo testifica a ressurreição. Cada domingo é
Outro termo apareceu em meados do séc. 2. Escrevendo em Roma, o
uma pequena Páscoa semanal, ou melhor, cada Páscoa é um grande
apologeta do séc. 2 Justino Mártir dizia a seus leitores pagãos por volta
domingo anual. A primazia do domingo e da ressurreição é clara.
do ano de 155 que "celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque
foi o primeiro dia, em que Deus, transformando as trevas e a matéria, Até mesmo o dia comum transformou-se para a igreja antiga numa es-
fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, trutura de louvor. A Didaqué instruía os cristãos a rezar o Pai-Nosso "três
ressuscitou dos mortos" . Os cristãos cedo adotaram o termo pagão
4 vezes ao dia". Em fins do séc. 4, Crisóstomo admoestava cada cristão
"dia do sol", comparando a ressurreição de Cristo dentre os mortos com recém-batizado a iniciar o trabalho diário com uma oração pedindo pela
o nascer do sol. M e s m o hoje os idiomas inglês e alemão falam em "dia força para fazer a vontade de Deus e a finalizar o dia prestando "contas ao
do sol" [Sunday, respectivamente Sonntag], ao passo que o francês e o Mestre de todo o seu dia, e pedir perdão pelas suas quedas" . O dia9

italiano [bem como o português] se referem ao "dia do Senhor" [domin- cristão, portanto, muito cedo desembocou num ciclo diário de lembrar
go]. A Carta de Barnabé chamava o domingo um "oitavo dia, isto é, o Cristo ao longo do labor cotidiano em meio a preocupações mundanas.
começo de outro mundo (...) no qual Jesus ressuscitou dos mortos" . Os
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Os cristãos adotaram o sentido judaico do dia como tendo início ao
temas de uma nova criação e da luz são importantes dimensões na anoitecer ("veio a noite, veio a manhã, o primeiro dia" - Gn 1.5). Desta
celebração cristã do domingo como dia da ressurreição. forma, a véspera de uma festa (por exemplo, véspera do Natal, véspera
da Páscoa e véspera de Todos os Santos) faz parte do dia litúrgico que modificar esta atribuição usual, referir-nos-emos sempre a ele como seu
continua ao raiar do dia e termina com o ocaso do sol. Os cristãos autor.
fizeram relativamente pouco uso do mês como ciclo repetitivo, embora
outrora os anglicanos o usassem como base para leituras diárias dos Nos inícios do séc. 4 a igreja finalmente convencionou que, diferente-
Salmos e alguns protestantes atualmente o usem para celebrações mente da Páscoa judaica, que podia incidir em qualquer dia da semana, a
mensais da eucaristia. Páscoa cristã sempre deveria ser celebrada num domingo. Anteriormen-
te a controvérsia quartodecimana implicara um longo debate entre aque-
Assim como a semana e o dia testemunhavam Jesus Cristo, também les que observavam a Páscoa em domingo e aqueles (os quartodecimanos)
o ano cristão (ano litúrgico ou ano eclesiástico) se tornou uma estrutu- que seguiam a datação judaica, o que muitas vezes resultava numa
ra para comemorar o Senhor. Assim como o domingo era o centro da celebração em dia útil. A resolução dessa controvérsia reconhece clara-
semana, também o ano enfocou o evento da Páscoa como seu elemento
mente o significado simbólico do domingo: "Jamais o mistério da ressur-
central. A Páscoa fora o centro do ano judaico, como comemoração da
reição do Senhor dentre os mortos deveria ser celebrado em qualquer
libertação da escravidão; ela não era menos importante para os cris-
outro dia senão no dia do Senhor, (...) somente nesse dia deveríamos
tãos. Paulo adotou propositalmente a linguagem da festa dos pães
ázimos ou asmos (a Páscoa) judaica: observar o final do jejum pascal." Desta forma as comemorações sema-
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nais e anuais da ressurreição se reforçavam mutuamente.


Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois de A o longo do séc. 4, o antigo dia unificador da Páscoa, que comemora-
fato sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imola- va todos os eventos dos últimos dias de Jesus, incluindo a crucificação e
do. Por isso celebremos a festa, não com o velho fermento, nem com o a ressurreição, foi dividido em comemorações distintas. Essa dissolu-
fermento da maldade e da malícia; e, sim, com os asmos da sinceridade e
da verdade. (1 Co 5.7-8.) ção aparentemente ocorreu primeiro em Jerusalém, onde o tempo e o
espaço convergiam nos locais da vida e do ministério de Jesus. Sentia-
Esta passagem é o principal indício da observância da Páscoa pela se certa necessidade de fazer uma comemoração em separado de cada
igreja do Novo Testamento. A antiga comemoração judaica da liberta- evento no lugar sagrado onde ocorrera, a fim de atender as multidões de
ção foi agora completamente renovada em Jesus Cristo. A escravidão e peregrinos que chegavam de todas as partes do mundo. Garimpou-se a
redenção eram lembradas, porém no novo sentido de libertação do Escritura em busca de indícios sobre a ocasião e o local de todos os
pecado e da morte por meio do que Cristo fizera. eventos da última semana de Cristo em Jerusalém. Temos uma boa
A igreja dos sécs. 2 e 3 freqüentemente observava a Páscoa com noção da evolução desse processo até o ano de 383, que está registrada
ofícios que significavam a feitura de novos cristãos através dos atos do nos escritos de uma mulher espanhola chamada Etéria. Suas anota-
batismo, imposição das mãos, unção e primeira comunhão. Assim como ções, aparentemente feitas para que ela pudesse palestrar para amigos
a Páscoa judaica tinha comemorado a libertação da escravidão através e m casa, sobreviveram e nos dão uma imagem clara de como a Jerusa-
da passagem pelo Mar Vermelho, Paulo encarava o batismo como um lém do final do séc. 4 desenvolvera a sua maneira de observar o tempo.
sepultamento com Cristo, no qual "fomos sepultados com ele na morte Etéria nos conta que aquilo que atualmente chamamos de "Domingo
(...) para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos (...) sejamos da Paixão/de Ramos", ou seja, o primeiro dia da Semana Santa, era o
unidos com ele na semelhança da sua ressurreição" (Rm 6.4-5). Nos três "domingo em que se entra na semana pascal, aqui chamada 'septimana
primeiros séculos, a paixão, morte e ressurreição de Cristo eram come- maior' (...) todo o povo caminha à frente do bispo, entoando hinos e
moradas em conjunto na Páscoa. Tertuliano nos diz que " o dia mais antífonas e repetindo sempre: 'Bendito seja o que vem em nome do
solene para o batismo é por excelência o dia da Páscoa, em que é Senhor.'" Havia ofícios menores nos três dias seguintes, exceto na quar-
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consumada a paixão do Senhor, na qual somos batizados" . U m docu-


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ta-feira, quando o presbítero lia sobre a trama de Judas para trair Jesus e
mento dos inícios do séc. 3, Tradição Apostólica, nos conta que aqueles "as pessoas murmuram e lamentam durante esta leitura". Na quinta-
que estavam para ser batizados jejuavam na sexta-feira e no sábado e feira, depois de todo o mundo ter recebido a comunhão, todos "conduzem
então começavam uma vigília que durava toda a noite do sábado para o o bispo para Getsêmani". E na sexta-feira, celebravam-se cultos em
domingo. A o cantar do galo, na hora da ressurreição na manhã de Gólgota, onde fragmentos da madeira da cruz eram venerados por todas
Páscoa, eles eram batizados sob as águas e com Cristo se levantavam as pessoas. Elas passavam em procissão pela cruz e a beijavam.
como que dentre os mortos. A Tradição Apostólica geralmente era A o final do século, essa recuperação da datação bíblica estava com-
atribuída a um cristão romano do séc. 3, Hipólito. Embora isto atual- pleta, e Agostinho declarou como aceito o fato de que "está claro, a
mente esteja aberto a questionamento e a pesquisa posterior possa vir a partir do evangelho, em quais dias o Senhor foi crucificado e repousou
na sepultura e ressurgiu" e que a igreja tem "uma exigência de obser- por um período - o tempo pascal. N ã o pode haver dúvida sobre a
var esses mesmos dias" . A antiga Páscoa unificadora tinha sido sepa-
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centralidade da ressurreição na vida e na fé da igreja antiga.
rada em comemorações distintas: Quinta-Feira Santa (Endoenças), O mais significativo avanço no calendário do séc. 4 foi o desenvolvi-
Sexta-Feira Santa, Sábado Santo (Sábado de Aleluia) e a Vigília Pascal mento adicional da Semana Santa e da Semana da Páscoa em Jerusa-
na véspera da Páscoa, além do Domingo da Paixão/de Ramos e os três lém, muito provavelmente sob a liderança de Cirilo de Jerusalém,
dias menores da Semana Santa. E essa tem sido a observância dos bispo de 349 a 386. Etéria nos dá um relato completo do que estava
cristãos desde então. Isto resulta na Semana Santa, começando com o sendo feito em Jerusalém pouco antes da morte de Cirilo. Por fim as
Domingo da Paixão/de Ramos, segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, práticas jerosolimitas se tornaram comuns a todo o cristianismo e
Quinta-Feira Santa, Sexta-Feira Santa e Sábado Santo (Sábado de representam alguns dos mais antigos tesouros litúrgicos da igreja. Os
Aleluia). O termo inglês Easter [Páscoa] vem do inglês antigo eastre, ritos da Semana Santa comemoram os momentos culminantes do minis-
festival pagão da primavera; as línguas românicas ainda usam formas tério e da morte de Jesus em Jerusalém.
derivadas de Pascha. O Dia da Páscoa é o início da Semana Pascal,
durante a qual novos cristãos recebem instrução. Esses ritos empregam as formas mais dramáticas usadas no culto
cristão. Efetivamente o teatro medieval derivou-se do culto do Dia da
E m estreita conexão com a Páscoa há dois períodos: a Quaresma e o Páscoa, porém por fim tornou-se complicado demais para permanecer
longo tempo pascal. A s origens da Quaresma são controversas. Era cos- nos santuários. Era natural que Jerusalém fosse o lugar onde se desen-
tume pensar que a Quaresma se teria originado como o intensivo perío- volveram esses ritos dramáticos, em pleno cenário dos eventos que
do final de preparação para aqueles catecúmenos (convertidos que esta- levaram e se seguiram à morte e ressurreição de Jesus. Desde que
vam sob treinamento) que tinham sido separados, após considerável Constantino havia tornado o cristianismo respeitável, peregrinos afluí-
preparo, para serem batizados na Vigília Pascal. Novos indícios mostram am para ver aqueles lugares com os próprios olhos. Tudo o que faltava
uma vertente possivelmente anterior, um jejum de 40 dias no Egito, após para o realismo litúrgico era combinar as épocas e lugares menciona-
a Epifania, associado aos 40 dias que Cristo passou no ermo, os quais se dos na Escritura com cerimônias apropriadas. Jerusalém as amalga-
seguem imediatamente à narrativa de seu batismo nos evangelhos si- mou no séc. 4 e moldou a forma do culto cristão desde então. Reavivados
nóticos . Seja como for, foi no Concílio de Nicéia de 325 que pela primei-
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de forma mais completa em 1955, sob Pio XII, os ritos da Semana Santa
ra vez se fez referência à Quaresma como "40 dias", fazendo-a preceder foram reformados após o Vaticano II, aparecendo agora também em
imediatamente a Páscoa. Em cerca de 350, o bispo Cirilo de Jerusalém muitos manuais de culto protestantes.
dizia aos batizandos: "Tendes um longo período de graça, 40 dias para
arrependimento." N a época de Agostinho, a Quaresma se tornara um
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tempo de preparação para todos os cristãos, batizados ou não, naquela


"parte do ano (...) adjacente (...) e contígua à paixão do Senhor". Ela inicia Ofícios da Semana Santa
num dia que, bem mais tarde, veio a ser conhecido como Quarta-Feira de
Cinzas, por causa da imposição de cinzas na fronte de todos os cristãos, BAS, 296-334 MDE, 134-54 Também: Lent, Holy
prática esta que remonta pelo menos a fins do séc. 11. Os domingos da BCP, 270-95 Sac, 196-263 Week, Easter:
Quaresma não são contados como parte dos 40 dias. BofW, 185-243 SWR #8, 50-200 Services and
Bem mais importante era o tempo pascal, os 50 dias a estender a BOS, 55-100 TP, 99-105 Prayers, 1986
celebração da Páscoa até o Dia de Pentecostes. Os grandiosos 50 dias HCY, 125-214 WB, 144-149 (Igreja da
(originalmente chamados de "Pentecostes") eram, no início, bem mais LWA, 39-90 Inglaterra)
importantes do que os 40 dias da Quaresma. É desconcertante que os
cristãos modernos se concentrem na Quaresma, tempo de pesar, em vez
da Páscoa, tempo de alegria. Agostinho nos diz que "esses dias após a Os ritos plenamente desenvolvidos incluem, no Domingo da Paixão/de
ressurreição do Senhor formam um período não de labor, mas de paz e Ramos, uma procissão de abertura com ramos de palmeira e uma leitura
alegria. É por isso que não há jejum e se ora em pé, sinal da ressurrei- dramatizada (geralmente com vários leitores) de uma das narrativas da
ção. Esta prática é observada no altar em todos os domingos, e o Aleluia paixão segundo os evangelhos. A Quinta-Feira Santa, nas catedrais cató-
é cantado para indicar que nossa futura ocupação não será outra senão licas romanas e anglicanas, começa com a missa do crisma, na qual são
o louvor a Deus." A ressurreição era e é comemorada por um dia a
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consagrados os três óleos sacramentais usados nas igrejas paroquiais
cada semana - o domingo; por uma festa a cada ano - o Dia da Páscoa; e ao longo do ano: óleo de oliva para o batismo, crisma (óleo de oliva e
bálsamo) para a confirmação e óleo de oliva para a unção dos enfermos. sábado contareis 50 dias: então fareis nova oferta de manjares ao Se-
A unidade dos sacerdotes com seu bispo é atestada pela presença de nhor" (Lv 23.16). Em algum ponto durante o séc. 1 d.C, o Dia de
sacerdotes representantes da diocese neste culto. O Tríduo Pascal (três Pentecostes veio a refletir para os judeus a concessão da lei no monte
dias) se estende do pôr-do-sol na Quinta-Feira Santa até o pôr-do-sol do Sinai. Paulo contrasta isto com a concessão do Espírito: "E se o ministé-
Dia da Páscoa, constituindo os três dias mais santos do ano cristão. A rio da morte, gravado com letras em pedras, se revestiu de glória (...)
noite da Quinta-Feira Santa é assinalada na maioria das igrejas por uma como não será de maior glória o ministério do Espírito?" (2 Co 3.7-8).
eucaristia que comemora a dádiva de Cristo ao conceder este sacramento Para os cristãos o Dia de Pentecostes comemorava o aniversário da
nessa data, bem como os eventos subseqüentes da sua paixão. Muitas igreja, quando, com o ruído de um vento, línguas de fogo pairaram
vezes se inclui o lava-pés (Jo 13.3-17) e na conclusão do culto pode ocorrer sobre os discípulos e eles começaram a falar em outras línguas (At 2.1-
o desnudamento da igreja, no qual todos os panos, cruzes e imagens são 41). O livro de A t o s é uma crônica do trabalho da igreja imbuída do
removidos ou encobertos até a véspera da Páscoa. Espírito, em seus primeiros anos.
Tradicionalmente a ceia do Senhor não é celebrada na Sexta-Feira O Dia de Pentecostes também começou como festa unificadora, inclu-
Santa ou no Sábado Santo (Sábado de Aleluia), exceto na Igreja Refor- indo originalmente a comemoração da Ascensão. Tertuliano sugere que
mada da Holanda. O antigo rito da Sexta-Feira Santa inclui a liturgia da Cristo ascendeu aos céus em Pentecostes . E na primeira metade do
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palavra com longas intercessões, adoração da cruz (beijá-la ou ajoe- séc. 4 Eusébio fala da "augusta e sagrada solenidade de Pentecostes
lhar-se diante dela), o canto dos impropérios (baseado em Lm 1.12) e [isto é, os 50 dias], que se distingue por um período de sete semanas,
possivelmente distribuição da comunhão com elementos consagrados selado por aquele dia no qual as Sagradas Escrituras atestam a ascen-
na Quinta-Feira Santa. U m rito hispânico do séc. 17, oriundo do Peru, são do nosso Salvador comum para o céu e a descida do Espírito
as Três Horas, baseia-se nas últimas sete palavras de Jesus na cruz. O Santo" . E m outras palavras, por quase quatro séculos o Dia de Pente-
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ofício de trevas pode ocorrer em qualquer um dos últimos três dias da costes comemorou tanto a ascensão de Cristo quanto a descida do
Semana Santa, ou em todos eles, com a recitação de salmos juntamente Espírito Santo. A o final do séc. 4 essas duas comemorações haviam
com leituras bíblicas, ou de uma narrativa da paixão, em ambos os sido separadas. A s Constituições Apostólicas descrevem os 40 dias
casos acompanhada do gradativo apagar das velas num grande candela- após a Páscoa como o tempo adequado para "celebrar a festa da Ascen-
bro especial. são do Senhor". Mais uma vez o testemunho bíblico foi tomado em
A véspera da Páscoa alcança o clímax de todo o ano com a Vigília sentido literal ao ser interpretado como meio de datar temporalmente
Pascal, quando a igreja se reúne na escuridão para celebrar a ressurrei- eventos passados. Neste caso, A t 1.3 e sua menção de um período de "40
ção. Tradicionalmente isto inclui o acender de uma nova chama e de dias", durante o qual Jesus ensinara aos seus discípulos, parece ter
uma vela grande especial, o círio pascal, o cantar do antigo Exsultet sido a fonte usada para se precisar a data da ascensão. Onde antes
pascal, a recitação de nove leituras bíblicas, do Antigo Testamento em houvera uma festa, ao final do séc. 4 havia duas: Dia da Ascensão e Dia
sua maioria, a bênção da água para batismo ou renovação de votos de Pentecostes. Cristo estava no céu, e o Espírito Santo habitava a santa
batismais, ou ambos, e a celebração da eucaristia pascal. igreja na terra. Tratava-se de uma realidade diária que a igreja podia
E m tempos antigos a Semana Pascal era dedicada à instrução dos experimentar, não de uma abstração.
recém batizados a respeito do significado dos sacramentos, à assim O terceiro evento principal do calendário ao final do séc. 4 era a
chamada catequese mistagógica. Coletâneas do séc. 4 dessas preleções Epifania. Suas origens são obscuras; elas certamente não eram judai-
catequéticas sobrevivem, sendo atribuídas a Cirilo de Jerusalém, cas, mas talvez egípcias. A data pode estar relacionada com a crença de
Ambrósio, João Crisóstomo e Teodoro de Mopsuéstia. Essas preleções que Jesus foi concebido na data de sua morte, às vezes suposta como
são documentos muito importantes para a recuperação tanto das práti- sendo 6 de abril, colocando-se seu nascimento em 6 de janeiro.
cas de diversos centros cristãos quanto das diferentes interpretações A Epifania significava várias coisas, e todas elas tinham uma relação
que eles dão aos sacramentos. No domingo subseqüente à Páscoa, os com os inícios da manifestação de Deus através da obra de Jesus Cristo.
novos cristãos abandonavam suas vestes brancas, uma vez que agora Esta festa referia-se ao nascimento de Cristo (com o qual iniciam dois
eram membros plenamente iniciados e instruídos do corpo de Cristo. evangelhos), aos magos (no Ocidente), ao batismo de Jesus (com o qual os
O segundo lugar em importância nos primeiros séculos era ocupado outros evangelhos iniciam) e ao primeiro milagre, a respeito do qual o
pela celebração de outro evento, o Dia de Pentecostes. Tal como a Evangelho de João diz: "Com este deu Jesus princípio a seus sinais, em
Páscoa, era também uma festa judaica: "Até ao dia imediato ao sétimo Caná da Galileia; manifestou [ephanérosen] a sua glória e os seus discí-
pulos creram nele" (2.11). O tema comum de todos esses eventos é Jesus U m processo semelhante àquele que havia subdividido a Páscoa numa
Cristo manifestando Deus aos seres humanos. Apropriadamente a igreja série de comemorações operou-se também com o Natal. Como menino
antiga muitas vezes chamava este dia de "A Teofania" (manifestação de judeu, Jesus provavelmente teria sido circuncidado e recebido um nome
Deus), prática esta ainda continuada por algumas igrejas ortodoxas ori- no oitavo dia após seu nascimento. Conta-nos Lucas: "Quando se comple-
entais. O prólogo do quarto evangelho coloca o tema: " O Deus unigénito, taram os oito dias para a circuncisão do menino, foi-lhe dado o nome de
que está no seio do Pai, é quem o revelou" (1.18). Aparentemente, em Jesus" (2.21). Correspondentemente, a comemoração em 1° de janeiro se
algumas igrejas o dia 6 de janeiro assinalava o início do ano, simbolizado tornou conhecida como festa da Circuncisão ou do [Santíssimo] Nome
pelo início da leitura de um evangelho nesta data .18

de Jesus. Os católicos romanos atualmente observam-na como Solenida-


A Epifania passou por uma divisão na primeira metade do séc. 4, de de Maria, Mãe de Deus. Lucas 2.22-40 traz a história da Apresenta-
provavelmente iniciada em Roma. A primeira menção que temos (exceto ção no Templo (ou Purificação ou Candelária), um evento que teria
entre os cismáticos donatistas) a respeito da nova festa, o Natal, ocorre ocorrido em 2 de fevereiro, 40 dias após o seu nascimento. Discerniu-se
num documento romano do ano de 354, que reflete um costume de mais que a Anunciação mencionada em Lc 1.26-38 teria acontecido nove meses
ou menos 336. Ele assinala o dia 25 de dezembro como "naíus Christus antes do Natal, ou 25 de março. Isabel estava então grávida de seis meses
in Betleem Iudeae". Esta data competia com uma festa pagã relativa- e a subseqüente Visitação de Maria a Isabel (registrada nos w . 39-56) foi
mente nova, do Sol Invicto, quando o sol torna a se fortalecer no solstício fixada em 31 de maio, ou pouco antes do nascimento de João Batista,
de inverno. (No séc. 4 o calendário juliano estava defasado em quatro identificado como tendo acontecido em 24 de junho (três meses após a
dias.) A o s poucos, a nova festa do Natal tomou parcialmente o lugar das Anunciação). O nascimento de João se deu no solstício de verão, quando o
comemorações da Epifania. Crisóstomo disse a uma comunidade de sol vai se enfraquecendo até o nascimento de Cristo: " À medida que ele
Antioquia no Dia do Natal de 386: "Este dia (...) [o qual] nos foi trazido cresce eu preciso decrescer" (Jo 3.30). Todos estes desdobramentos são
agora, não muitos anos atrás, desenvolveu-se tão rapidamente e trouxe combinações de Lc 1 e 2 com obstetrícia.
tanto fruto." No Dia da Epifania subseqüente ele explicou: "Pois este é
20
O ano litúrgico cristão, em particular o ciclo temporal (datas móveis
o dia no qual ele foi batizado e tornou sagrada a natureza das águas. (...) e o ciclo do Natal), estava basicamente completo ao final do séc. 4. A
Por que é este dia chamado, então, de Epifania? Porque não foi ao história subseqüente é principalmente a história do contínuo desenvol-
nascer que ele se tornou manifesto a todos, mas ao ser batizado; pois vimento do ciclo santoral (aquelas datas fixas que comemoram o faleci-
até este dia ele era desconhecido das multidões." 21
mento de santos, à parte das datas baseadas no Natal). Essas datas
A Epifania, então, é mais antiga do que o Natal e tem um significado iniciaram cedo; o "Martírio de Policarpo" menciona a comemoração de
mais profundo. Pois, em vez de simplesmente ser um aniversário do um mártir do séc. 2. Basicamente tais observancias eram comemora-
nascimento de Cristo, ela testemunha todo o objetivo da encarnação: a ções de heróis e heroínas da fé locais. Diz-nos Tertuliano: "Sempre que
manifestação de Deus em Jesus Cristo, iniciando tanto com seu nasci- se aproxima uma comemoração, fazemos oferendas para os mortos
mento quanto com o começo de seu ministério (o batismo, ao ser ele como homenagens de aniversário." Afinal de contas, o nascimento de
23

proclamado "meu Filho amado"). E os poderosos sinais e ensinamentos, alguém para a eternidade (morte) era muito mais importante do que o
narrados nos evangelhos à medida que Jesus realizava essa manifesta- seu nascimento para dentro do tempo. O ciclo temporal ficou cada vez
ção, oferecem uma oportunidade no período após a Epifania para come- mais obscurecido pelas comemorações de santos, principalmente de-
morar aquelas obras e ensinamentos de Jesus que conduziram aos pois que relíquias de santos começaram a ser levadas de um lugar para
eventos finais em Jerusalém. outro. A lista dos dias dos santos locais posteriormente veio a ser
complementada com nomes de santos de outras regiões.
U m concílio realizado na Espanha no ano de 380 decretou que "a
partir de 17 de dezembro até o Dia da Epifania, que é 6 de janeiro, Poucos acréscimos significativos ocorreram após o séc. 4. O Domin-
ninguém tem a permissão de se ausentar da igreja" . Este é um prece-
22 go da Trindade, que é o domingo após o Dia de Pentecostes, foi introdu-
dente para o Advento numa época em que o próprio Natal ainda era zido por volta do ano 1000. Diferentemente de outras festas, ele repre-
desconhecido na Espanha. No séc. 5, um período de 40 dias para a senta um doutrina teológica não-relacionada a um evento histórico. N o
preparação da Epifania estava sendo praticado em partes da Gália. séc. 9 o dia I de novembro foi designado, no Ocidente, como Dia de
o

(Este era um paralelo da Quaresma, e começava mais ou menos quando Todos os Santos. Ele tinha precedentes anteriores na primavera, porém
o Advento começa atualmente.) Por fim Roma adotou um Advento de a sua colocação na estação da colheita por parte da igreja galicana foi
quatro semanas antes do Natal. aceita por Roma em cerca de 835. Nessa época também a Assunção da
Bem-Aventurada Virgem Maria era observada em todo o Ocidente em 15
de agosto. N o séc. 13, a quinta-feira após o Domingo da Trindade mos as festas da Purificação [Apresentação] e da Anunciação como
começou a ser observada como Corpus Christi. Bem mais tarde, desdo- festas de Cristo, da mesma forma como a Epifania e a Circuncisão." A 26

bramentos ocorridos no catolicismo romano levaram à observância com- partir do ciclo santoral, a Igreja da Inglaterra reteve material para
pulsória da Imaculada Conceição em 8 de dezembro (séc. 18), Sagrado comemorar apenas aqueles santos mencionados na Bíblia e o Dia de
Coração (séc. 19) e Cristo Rei [do Universo] (séc. 20). Todos os Santos.
Recapitulemos. João Crisóstomo, num sermão feito em 386, resume A Igreja da Escócia foi mais radical. Em seu Book of Discipline de
efetivamente o ano litúrgico: 1560 ela condenou todas as "festas (como as chamam) dos apóstolos,
mártires, virgens, do Natal, Circuncisão, Epifania, Purificação e outras
Pois se Cristo não tivesse nascido na carne, ele não teria sido batizado, o
apreciadas festas de Nossa Senhora. Coisas estas que, pelo fato de não
que vem a ser a Teofania [Epifania], nem teria sido crucificado [alguns
textos acrescentam: e ressuscitado], o que vem a ser a Páscoa, nem teria terem nenhum mandamento ou base nas Escrituras de Deus, devem ser
enviado o Espírito, o que vem a ser Pentecostes. 24 totalmente abolidas deste âmbito, em nosso juízo; afirmando ainda que
os obstinados mantenedores e propagadores de tais abominações não
No séc. 4, das três grandes festas primitivas - a Epifania, a Páscoa e o deveriam escapar da punição do magistrado civil." Oitenta e cinco
27

Dia de Pentecostes - se haviam desmembrado datas afins: Natal, Sexta- anos mais tarde, The Westminster Directory fazia eco ao mesmo senti-
Feira da Paixão e Ascensão, além de outras datas menores. mento: "Dias festivos, vulgarmente chamados de dias santos, que não
Gregory Dix interpretou esses desdobramentos como sinal de que a têm base alguma nas palavras de Deus não devem ser continuados." 28

igreja do séc. 4 estava "se reconciliando com o tempo" e perdendo sua Entretanto, insistia que se observassem dias de "solene jejum público"
fervorosa expectativa do final dos tempos . Porém essa reconciliação
25 ou "de ações de graças públicas", conforme o garantiam o julgamento
com o tempo era inevitável. A s pessoas querem saber, visualizar, expe- ou as graças de Deus.
rimentar por si próprias; este é um desejo humano muito normal. O John Wesley (1703-1791), o pragmático de sempre, aboüu "a maioria dos
culto se desenvolve a partir de nossa humanidade. Assim sendo, o que dias santos (...) uma vez que atualmente não respondem a nenhuma finali-
ocorreu no séc. 4 foi que a igreja desenvolveu uma forma mais dramáti- dade de valor" . Seu calendário incluía os quatro domingos do Advento, o
29

ca de expressar as realidades centrais experimentadas pelos cristãos - Dia do Natal, até 15 domingos após o Natal, "o domingo anterior à Páscoa",
manifestação, ressurreição e o Espírito presente. O fervor escatológico a Sexta-Feira Santa, o Dia da Páscoa, cinco domingos após a Páscoa, o Dia
se havia arrefecido muito antes da paz da igreja sob Constantino. da Ascensão, o domingo após o Dia da Ascensão, o Domingo de Pente-
Porém a imaginação dos cristãos dirigida para o passado não era costes, o Domingo da Trindade e até 25 domingos após a Trindade. Os
menos frutífera e intensificou sua percepção da encarnação. O sucesso diários de Wesley revelam uma apreciação pessoal pelo Dia de Todos os
dessas inovações do séc. 4 se mostra em sua vívida presença entre nós Santos. Tanto o calendário de Wesley quanto as suas leituras logo se
até mesmo hoje em dia. Obviamente elas mostraram que correspondem perderam entre os metodistas americanos.
tanto à fé cristã quanto à experiência humana.
Interesse renovado pelo ano eclesiástico entre os protestantes ameri-
E m suma, o ano eclesiástico é um reflexo muito satisfatório da vida canos ocorreu nos anos 20 e 30 deste século, período em que as aborda-
e da fé da igreja antiga e continuou a ser usado com poucas alterações gens estéticas ao culto tenderam a aumentar. U m esforço no sentido de
desde então. Esforços modernos para sistematizá-lo e organizá-lo nun- rearranjar o ano foi feito na forma de um novo período, Kingdomtide
ca foram muito satisfatórios. E verdade que o antigo ano eclesiástico ["tempo do Reino"]. Ele parece ter sido amplamente promovido pelo
deixa amplas lacunas no tempo, principalmente depois do Dia de professor Fred Winslow Adams da Boston University School of Theology.
Pentecostes. P o r é m seu ponto forte está na sua firme apreensão do Kingdomtide originalmente apareceu numa publicação do Conselho
cerne da experiência cristã e em sua capacidade de refletir de forma Federal de Igrejas, The Christian Year, publicado em 1937 e 1940. A
vívida o fato de Cristo ter tornado Deus manifesto, de Cristo ter primeira edição sugeria a observância de Kingdomtide nos seis últimos
ressuscitado dos mortos e de Cristo ter enviado o Santo Espírito para meses do ano eclesiástico; em 1940 isto foi dividido em Whitsuntide
habitar na santa igreja. ["tempo de Pentecostes"] e Kingdomtide .30
Hoje em dia os metodistas
Os reformadores do séc. 16 abordaram o calendário de diversas unidos têm as opções de observar todo o período seja como Kingdomtide
maneiras. Martinho Lutero (1483-1546) purificou-o dos dias dos santos ou como tempo após Pentecostes. Uma experiência algo semelhante foi
procurando "celebrar apenas em dias do Senhor e em festas do Senhor, brevemente tentada pelos presbiterianos americanos. Eles experimenta-
abolindo completamente as festas de todos os santos. (...) Nós considera- ram uma sugestão feita em 1956 por Allan McArthur, um pastor esco-
cês, de se ter um período de "Deus P a i " no outono . A p ó s quatro anos
31

de uso experimental, a experiência foi abandonada. Teologia a partir do A n o Cristão


Desde o Vaticano II, surgiu um interesse renovado e profundo no
calendário e se desenvolveu uma nova e plena apreciação de como a A maneira como a igreja observou o tempo nos primeiros séculos foi
nossa observância do tempo modela e reflete nossas vidas como cristãos. examinada em detalhes porque, como tantas vezes ocorre no culto
O primeiro marco foi o novo Calendário Romano, que entrou em vigor cristão, se entendermos bem as experiências dos primeiros quatro
entre os católicos romanos em 30 de novembro de 1969, o primeiro dia do séculos da igreja, teremos captado o cerne do assunto. Mesmo assim
ano litúrgico de 1970. Ele é fruto da mais cuidadosa revisão jamais valerá a pena refletir um pouco sobre o que isso significa.
tentada da maneira como os cristãos usam o tempo. A maioria das novas O calendário da igreja antiga centrava-se naquilo que Deus fizera e
reformas católicas romanas foram adotadas ou adaptadas desde então continua a fazer por intermédio do Espírito Santo. U m elemento funda-
pelas principais igrejas protestantes em várias partes do mundo. mental do ano cristão é que tudo já está feito em nosso favor. Tudo que
A mudança católica romana mais radical, a de tratar as semanas precisamos fazer é aceitar o que Deus fez. Então realmente estaremos
após a Epifania e aquelas depois do Dia de Pentecostes não como livres para agir. O ano litúrgico da igreja sublinha a futilidade dos
períodos distintos, mas apenas como partes do "período do ano" (per nossos esforços e exulta sobre as vitórias de Deus em nosso favor. E m
annum) ou tempo comum, não foi adotada pelos protestantes. Certa- suma, o ano eclesiástico é uma lembrança constante das dádivas que
mente trata-se de uma abordagem realista desses períodos com pouco não podemos criar, mas apenas aceitar. Pius Parsch o chamou de " o ano
caráter distintivo. Porém outras mudanças foram amplamente aceitas, da graça da igreja" . A o longo de todo o ano os diversos períodos e dias
32

como por exemplo a observância do domingo após a Epifania como o nos lembram que a salvação é uma dádiva que nos é oferecida em todos
Batismo do Senhor, ou o último domingo do ano como Cristo Rei [do os seus diferentes aspectos. O ano cristão pode ajudar-nos a escolher-
Universo]. A prática luterana de comemorar o domingo antes da Quar- mos nós mesmos nossas reais prioridades. Observar o tempo com os
ta-Feira de Cinzas como Transfiguração do Senhor foi adotada pelos ritmos da igreja antiga pode ser uma forma importante de fazê-lo.
metodistas unidos e muitos protestantes americanos. (Os católicos ro- Nos termos mais breves, o ano da graça da igreja opera de modo a
manos o têm observado em 6 agosto desde o séc. 15.) Pela primeira vez manifestar Jesus Cristo até que ele volte, testemunhando que enquanto
em 400 anos um calendário ecumênico está sendo seguido por protes- isso o Espírito Santo habita a igreja. O ano litúrgico é tanto proclama-
tantes e católicos romanos em todo o mundo. H á uma concordância ção quanto ação de graças. De uma forma bastante semelhante à manei-
básica sobre a maioria das festas principais, atualmente chamadas de ra como uma oração judaica e cristã recita aquilo pelo qual damos
solenidades pelos católicos romanos; menos observância comum das graças, assim o ano cristão proclama e dá graças a Deus pelas suas
festas secundárias e menos ainda de memórias ou dias de santos. O maravilhosas ações. Os cristãos e judeus exaltam a Deus não em ter-
calendário mais recente é o resultado de uma cuidadosa tentativa de mos abstratos, mas recitando as suas maravilhosas obras. Trata-se de
resgatar a estrutura e o significado do mais antigo calendário, aquele um processo de pensar e agradecer pelo qual glorificamos a Deus pela
completado no séc. 4. O novo calendário proporciona um forte testemu- rememoração do que ele fez. O ano litúrgico reflete a própria natureza
nho das prioridades da fé cristã, exatamente como o faziam os mais da oração cristã e nossa relação com Deus. Boa parte da sua força vem
antigos calendários cristãos. através da reiteração, o que também se aplica à oração diária. A n o após
ano, semana após semana, hora após hora, os atos de Deus são comemo-
rados e nossa compreensão dos mesmos é aprofundada. Esses ciclos
O Calendário nos resguardam de uma espiritualidade superficial, baseada em nós
mesmos, apontando, ao invés, para as obras de Deus.
APB, 11-15 HCY, 13-15 SWR, #6, 9-11
ASB, 15-29 LBW, 9-12 TP, 172-91 A observância do tempo, naturalmente, também pode tornar-se um
BAS, 14-33 LW, 8-9 WB, 167-75 expediente idólatra como qualquer outra coisa que é boa. O tempo pode
BCO, 126-32 MDE, 40-45 WBCP, vii-xv ser usado simplesmente para enfeitar nossos cultos e para dar-lhes a
BCP, 15-33 Saa, 58-75 aparência de estar na moda. A observância do ano eclesiástico pelas
WS, 130-36
BofS, 172-82 SBCP, xi-xv razões erradas é pior do que inútil, u m a vez que podemos acabar
prestando culto a nossos próprios expedientes, em vez de a Deus. Mas
quando efetivamente usamos as estruturas do tempo para nos aproxi-
marmos mais de Deus, elas podem servir muito bem a tal objetivo ao g o após a Epifania ou Transfiguração do Senhor, na qual Jesus é mais
nos levarem ao encontro da plenitude do evangelho. uma vez proclamado: "Meu filho amado".
Como é que o tempo nos aproxima mais de Deus? O ano cristão é A Quaresma é o período em que participamos daquela viagem final
uma forma pela qual revivemos por nós mesmos tudo aquilo que impor- para Jerusalém e da natureza autodoadora do amor mostrada na paixão
ta da história da salvação. A o lembrar os eventos passados da salvação, e morte de Cristo. Tudo muda quando Cristo se doa a nós como o
eles se tornam vivos em seu poder atual de salvar. Nossos atos de ressurreto na Páscoa. O tempo pascal começa com a véspera da Páscoa
lembrança trazem de volta para nós os eventos originais com todo o seu e termina com o Dia de Pentecostes. O Dia da Ascensão comemora o
significado. E assim continuamos a "proclamar a morte do Senhor até final da visibilidade histórica de Cristo e o início de sua visibilidade
que ele venha" (1 Co 11.26). Os diversos atos de ensaio da história da sacramental.
salvação renovam para nós os benefícios daquilo que Deus fez em nosso
O tempo após Pentecostes (ou tempo comum, ou Kingdomtide) sinali-
favor nesses eventos passados. O nascimento de Cristo, seu batismo,
za o longo ínterim da igreja da nova aliança até a vinda de Cristo em
morte, ressurreição e assim por diante nos são todos dados novamente
glória. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento nos lembram da conti-
para nossa própria apropriação por intermédio da lembrança comunitá-
nuação das obras salvíficas de Deus. O Último Domingo após Pentecos-
ria desses eventos, de modo a torná-los de novo presentes. Esses even-
tes, ou Cristo Rei, nos leva a antecipar a consumação de todas as coisas
tos deixam de ser simplesmente dados desconexos do passado, para se
quando Cristo vier em glória como Rei de tudo, e todos os fracassos e
tornar parte da nossa própria história pessoal ao revivermos a história
realizações humanas serão enfim tornados insignificantes, o que vem a
da salvação ensaiando-a em nosso culto. Desta forma Cristo morre em
ser uma doutrina altamente confortadora. E então, na semana seguinte,
nossa consciência a cada Sexta-Feira Santa. E em cada Páscoa e a cada
estamos novamente no Advento, quando se reinicia o ano.
dia do Senhor somos testemunhas da ressurreição.
As festas cristológicas menores têm valores evangélicos que esta-
O ano cristão passa a ser um meio vital e revigorante por meio do
mos apenas começando a descobrir. O Nome de Jesus, a Apresentação, a
qual Deus nos é dado. É um dar que jamais se exaure. Cada ocasião, o
Anunciação e a Visitação são cristológicos e chamam a atenção para a
ano, a semana e o dia nos impelem um pouco mais fundo para o
encontro com Deus. Percebemos um aspecto do batismo de Cristo neste plena humanidade de Cristo e para a sua identificação com padrões
ano, outro no próximo ano, mas nunca chegamos ao fundo. Desta forma sociais humanos. O Dia de Todos os Santos também é cristológico. Ele
o ano litúrgico é um meio constante da graça pelo qual recebemos as não se detém nas virtudes dos santos, mas no amor de Cristo que atua
dádivas que Deus nos dá. nas pessoas ao longo do tempo para realizar os objetivos de Deus. O
principal benefício em se comemorar os santos está no reconhecimento
O ano da graça trata do que Deus faz por nós, não dos nossos de Cristo por intermédio deles, do Cristo que nunca nos deixa sem
esforços. Toda a estrutura chama a atenção para a obra de Deus, não a testemunha. Se a comemoração de distintos santos pudesse nos ajudar
nossa. E a obra de Deus é tornada conhecida de diversas maneiras por a perceber isto, então tal piedade poderia novamente servir a um "fim
meio dos eventos e necessidades cambiantes de cada tempo e lugar no valioso".
qual os cristãos prestam culto.
N a vida real da paróquia o ano cristão é apenas u m entre muitos
O Advento é tempo tanto de agradecimento pela dádiva de Cristo a calendários segundo os quais vivem as congregações. Existem vários
nós no passado quanto de expectativa de sua segunda vinda. Ele con- calendários nacionais que acrescentam eventos que muitas vezes me-
tém tanto ameaça quanto promessa. O Natal celebra a autodoação de recem comemoração nas igrejas. Nas Ilhas Britânicas datas como o
Deus no nascimento de Jesus Cristo. O tempo do Natal continua esta Domingo das Mães, a Festa da Colheita ou o Domingo da Lembrança
comemoração até o fim da Epifania.
geralmente são reconhecidas em orações e hinos. Raramente nos Esta-
N o tempo após a Epifania (ou tempo comum) os evangelhos indica- dos Unidos o Dia das Mães, Dia da Independência, Dia do Trabalho e
dos salientam as diversas maneiras com que Jesus Cristo manifestou Dia de Ação de Graças passam desapercebidos. Grupos étnicos man-
Deus a nós ao tornar o Pai conhecido por meio de poderosos sinais e têm sua identidade por meio de outras festas (Dia de São Patrício,
ensinamentos. Estes começam com o Batismo do Senhor (quando a Dyngus Day). A vida da igreja ainda é afetada pelo ano acadêmico, que
filiação de Jesus é declarada e se inicia o seu ministério). Os domingos também determina os planos de férias dos pais. E o ano financeiro é um
após a Epifania continuam com leituras sobre os sinais e ensinamentos fato na vida da igreja que dificilmente pode ser ignorado.
por meio dos quais Jesus tornou conhecida a sua glória manifestando a Mais diretamente, as igrejas locais em geral desenvolvem seu próprio
Deus. Em algumas igrejas este período se conclui com o Último Domin- calendário pragmático, o que proporciona uma estrutura necessária
para a vida congregacional. U m evento anual para muitas igrejas rurais porém a singularidade de cada reunião vai além disso. A vida da
é o D o m i n g o de R e g r e s s o ao Lar, no qual antigos residentes voltam comunidade local, bem como aquela das comunidades nacionais e glo-
para o culto e para uma refeição ao ar livre, muitas vezes perto do bal, nunca é a mesma a cada semana. O culto cristão reflete isto em sua
cemitério onde parentes estão sepultados. Mais comum é o reavivamento afirmação de que cada domingo ou dia especial é uma ocasião diferen-
anual, uma semana de cultos de pregação que muitas vezes se concluem te. O Natal não é a Páscoa, nem o domingo após a Páscoa é a mesma
com a eucaristia. O Dia do Encontro assinala o início do ano da Escola coisa que o domingo antes do Dia do Trabalho, embora os participantes
Dominical; o D o m i n g o da L e a l d a d e conclama a assumir compromissos possam ser mais ou menos os mesmos. Um casamento não é um funeral,
financeiros para sustentar o ministério da congregação; e o auto de embora as flores possam ser semelhantes. N e m mesmo um culto de
N a t a l é um evento anual que envolve todas as gerações. Muitas vezes se domingo à noite é a mesma ocasião que o culto da manhã, uma vez que
reservam domingos para levantar recursos para diversas obras de cari-
as pessoas estão propensas a se comportar de modo mais relaxado. De
dade ou para promover boas causas. Muitas igrejas protestantes obser-
modo semelhante não há duas refeições familiares idênticas. Cada oca-
vam o primeiro domingo de outubro como D o m i n g o da Comunhão
sião de culto é única.
Mundial.
Variedade é, portanto, uma importante característica do culto cris-
Todos estes são eventos importantes na vida das congregações lo- tão, uma vez que o culto está relacionado tanto com o evangelho eterno
cais. Eles efetivamente chamam mais a atenção para a atividade huma- quanto com a vida diária. Uma crítica freqüente ao culto cristão tem
na do que para as ações de Deus, porém salientam certos aspectos do sido a da monotonia. Entretanto, ela só se aplica quando o culto cristão
ministério da congregação junto ao mundo. O calendário pragmático é infiel à sua própria natureza. A maneira mais segura de evitar a
com seu foco sobre nós mesmos sempre precisa do equilíbrio do ano monotonia da repetição constante consiste em regalar-se com a rica
cristão tradicional que aponta para além de nós, para a obra de Deus em variedade inerente ao ano cristão. E a melhor maneira de garantir a
nosso favor. E m última análise é isto que torna possível nossa obra em monotonia é ignorar tão variada gama de possibilidades.
favor de outros. Não existe fonte melhor de variedade e interesse no culto cristão do
que a meticulosa observância do ano cristão. A estrutura do ano é como
um quadro mural ordenado no qual podemos afixar todas as nossas
Funcionamento do Ano Cristão melhores idéias e é um excelente estímulo para a criatividade. A primei-
ra questão a ser levantada ao planejar qualquer culto é: quando estará
Cada ofício do culto cristão é composto de dois tipos de atos de culto: ele ocorrendo no ano cristão? A resposta deveria fornecer a nossa
ordinários e próprios. Os elementos ordinários são aqueles que perma- primeira e melhor pista para orientar nosso planejamento.
necem os mesmos: a ordem básica do ofício e elementos deste como o O calendário, dissemos, é o fundamento da maior parte do culto
Pai-Nosso, as ofertas, o credo e uma doxologia. Os próprios são aqueles cristão. O calendário impresso no diagrama 3 é aquele do L e c i o n à r i o
elementos que mudam diária ou semanalmente. Recitamos leituras dife- Comum utilizado em algumas igrejas norte-americanas e semelhante
rentes, cantamos hinos variados, fazemos orações diversas e (assim àquele de muitas outras . O/A leitor/a provavelmente desejará consultá-
33

esperamos!) ouvimos um sermão algo diferente sempre que nos reuni- lo freqüentemente ao ler o que se segue.
mos para o culto.
A importância dos próprios no culto cristão é que eles proporcionam
variedade e interesse. Embora as partes ordinárias forneçam uma cons-
tância necessária, o culto cristão sem as partes próprias seria de uma
monotonia fatal, uma repetição de exatamente as mesmas coisas sema-
na após semana. E sem as constantes que as partes ordinárias forne-
cem, o culto cristão seria um caos.
A variedade é um ingrediente importante. A boa nova do evangelho é
demasiadamente ampla e profunda para ser abarcada por um único
culto ou mesmo todo um período. Cada vez que uma congregação se
reúne para o culto, trata-se de um evento diferente. Nunca dantes nem
depois estarão exatamente as mesmas pessoas reunidas para o culto.
O CALENDÁRIO COMUM Um calendário um pouco diferente está sendo usado por muitas das
igrejas das Ilhas Britânicas. Ele foi elaborado pelo Grupo Litúrgico
TEMPO DO ADVENTO Conjunto em 1967 . Consiste em nove domingos antes do Natal (inclu-
34

Primeiro Domingo do Advento até Quarto Domingo do Advento indo quatro do Advento), véspera do Natal e Dia do Natal, um ou dois
TEMPO DO NATAL domingos após o Natal, a Epifania do Nosso Senhor, seis domingos
Véspera do Natal, Dia do Natal após a Epifania (ou oito após o Natal) até nove domingos antes da
Primeiro Domingo após o Natal Páscoa (incluindo Quarta-Feira de Cinzas e cinco domingos na Qua-
Véspera do Ano Novo - Dia do Ano Novo ou Santíssimo Nome de Jesus resma), o Domingo de Ramos e os outros dias da Semana Santa e da
Segundo Domingo após o Natal Semana Pascal, seis domingos após a Páscoa, Dia da Ascensão, Pente-
Epifania costes, até 22 domingos após Pentecostes (ou 21 após Trindade), fina-
TEMPO APÓS A EPIFANIA (ou tempo comum) lizando tudo com o Último Domingo após Pentecostes.
Primeiro Domingo após a Epifania (Batismo do Senhor)
E m ambos os casos o calendário está baseado em dois ciclos: aquele
Segundo Domingo após a Epifania até o Oitavo Domingo após a Epifania
que culmina na ressurreição no Dia da Páscoa e aquele que focaliza a
Último Domingo após a Epifania (Domingo da Transfiguração)
encarnação no Dia do Natal. O Advento e a Quaresma servem de tempos
TEMPO DA QUARESMA
de preparação e expectativa; os tempos do Natal e da Páscoa rejubilam
Quarta-Feira de Cinzas
nos eventos que comemoram. O tempo após a Epifania e o tempo após
Primeiro Domingo da Quaresma até o Quinto Domingo da Quaresma
Semana Santa Pentecostes têm significado menos distinto e na realidade funcionam
Paixão / Domingo de Ramos como tempo comum.
Segunda-feira na Semana Santa A l g u n s detalhes são necessários ao se acompanhar o tempo observa-
Terça-feira na Semana Santa do pela igreja. O número de domingos no Advento, na Quaresma e no
Quarta-feira na Semana Santa tempo pascal é constante. Há um ou dois domingos no tempo do Natal.
Quinta-Feira Santa O número de domingos após a Epifania ou Pentecostes (tempo comum)
Sexta-Feira Santa varia, e diferentes igrejas têm meios diversos de escolher as leituras
Sábado Santo (Sábado de Aleluia) bíblicas para os mesmos. Para a maioria dos protestantes norte-ameri-
TEMPO DA PÁSCOA canos o derradeiro domingo do tempo após a Epifania (imediatamente
Vigília Pascal antes da Quarta-Feira de Cinzas) é sempre o Último Domingo após a
Páscoa Epifania (Domingo da Transfiguração). Essas igrejas e os católicos
Noite da Páscoa romanos observam o domingo anterior ao Advento como Cristo Rei
Segundo Domingo da Páscoa até o Sexto Domingo da Páscoa (Último Domingo após Pentecostes).
Ascensão (sexta quinta-feira da Páscoa)
Sétimo Domingo da Páscoa Pode ser útil lembrar que, no tocante aos domingos e dias festivos,
Pentecostes cada tempo, com exceção do Advento, começa e termina com um dia
TEMPO APÓS PENTECOSTES (ou tempo comum ou Kingdomtidé) especial. O tempo do Natal se estende da véspera e do Dia do Natal até a
Domingo da Trindade (Primeiro Domingo após Pentecostes) Epifania; o tempo após a Epifania, do Batismo do Senhor até a Transfi-
Domingos após Pentecostes guração do Senhor; a Quaresma, da Quarta-Feira de Cinzas até o Sába-
Cristo Rei (Último Domingo após Pentecostes) do Santo (Sábado de Aleluia); o tempo pascal, da véspera e do Dia da
DIAS ESPECIAIS Páscoa até o Dia de Pentecostes; e o tempo após Pentecostes, do Domin-
Apresentação (2 de Fevereiro) g o da Trindade até Cristo Rei. Trajes e paramentos brancos geralmente
Anunciação (25 de Março) são usados em todos esses dias especiais, exceto em Quarta-Feira de
Visitação (31 de Maio) Cinzas, Sábado Santo (Sábado de Aleluia) e Dia de Pentecostes.
Santa Cruz (14 de Setembro) A l g u m a s datas podem não ser familiares ou apresentar problemas
Todos os Santos ( I de novembro ou primeiro domingo de novembro)
o
especiais. E m várias igrejas o Dia da Epifania pode ser celebrado no
Dia de Ação de Graças primeiro domingo de janeiro, combinado com o Primeiro Domingo após
o Natal, ou com o Batismo do Senhor. O Batismo do Senhor é uma nova
Diagrama 3 festa para os cristãos ocidentais, embora esteja estreitamente associado
com a Epifania. O Batismo do Senhor incide sobre o primeiro domingo utilização no culto como base da pregação afetou o culto de milhares de
após 6 de janeiro (Epifania). congregações. Antes disso, ocorria com demasiada freqüência que os
O Domingo da Paixão / de Ramos é hoje considerado um único dia, métodos aleatórios de escolha da passagem da Escritura na verdade
no qual geralmente se lê a narrativa da paixão. A Vigília Pascal eliminavam extensas porções da palavra de Deus, reconfigurando a
comumente é celebrada na véspera ou noite anterior ao Dia da Páscoa. Escritura segundo a imagem do próprio pregador. Os ativistas sociais
E o Dia da Ascensão por vezes é comemorado no Sétimo Domingo da talvez preferissem passagens dos livros proféticos, e os conservadores
Páscoa. O Dia de Pentecostes recuperou seu antigo lugar como 50* dia e as passagens mais rígidas das epístolas pastorais. Ambos, entretanto,
último domingo do tempo pascal, todo o tempo outrora conhecido como ao escolher trechos que lhes eram convenientes, estavam, com efeito,
"Pentecostes". O Dia de Todos os Santos, em algumas igrejas, pode ser reescrevendo a Escritura. Liberais e conservadores tinham culpa igual
observado no primeiro domingo de novembro, quando 1 de novembroQ
por corrigir a palavra de Deus segundo suas preferências pessoais.
não é um domingo. O último domingo de outubro, Domingo da Refor-
U m dos mais úteis resultados da era pós-Vaticano I I foi o lecionário
ma, foi suprimido por muitas igrejas. A o invés disso, parece mais
ecumênico. Iniciado após o Vaticano II pela Igreja Católica Romana, o
adequado, hoje em dia, comemorar nosso legado comum com o Dia de
trabalho de vários anos feito por uma equipe de tempo integral e 800
Todos os Santos, em lugar de fazê-lo com uma ocasião divisora.
consultores - protestantes, católicos e judeus - levou-o à sua forma
Para aqueles que observam as festas cristológicas menores, há ou- atual. Publicado como O Lecionário para católicos romanos, trata-se do
tras possibilidades. Para cada uma delas a cor geralmente é branco. O lecionário mais cuidadosamente preparado em toda a história cristã.
Santíssimo N o m e de Jesus ( l de janeiro) lembra a humanidade de
2 Os episcopais (BCP, 888-931), luteranos (LBW, 13-41) e presbiterianos
Jesus e sua plena identificação com a sociedade humana (cf. Lc 2.15-21). (WB, 167-75) fizeram suas próprias versões do mesmo. O Common
A Apresentação (2 de fevereiro) era tradicionalmente denominada de Lectionary, publicado em 1983, é uma tentativa de melhorar cada uma
Purificação da Bem-aventurada V i r g e m Maria ou Nossa Senhora da dessas variantes, particularmente permitindo que longas narrativas do
Candelária, ou das Candeias, uma vez que as velas a serem usadas num Antigo Testamento se desdobrem no tempo após Pentecostes. Ele é
determinado ano eram abençoadas nesta ocasião. Essa data também utilizado por metodistas unidos, presbiterianos, pela Igreja Unida de
pode chamar a atenção para os idosos da nossa sociedade, entre os Cristo, pelos Discípulos de Cristo e outros protestantes norte-america-
quais estavam aqueles, conforme nos conta Lucas, que foram os primei- nos, fazendo com que seja a variante mais amplamente usada do
ros a proclamar o Senhor (Ana e Simeão) (cf. Lc 2.22-40). A A n u n c i a ç ã o lecionário dominical católico romano.
- Dia de Nossa Senhora em certos países (25 de março) - chama a Como funciona o lecionário ecumênico? Trata-se de um lecionário de
atenção para o poder da pessoa mais humilde ao cumprir a vontade de três anos, designados A , B e C. O ano C é qualquer ano, como 1989,
Deus (cf. Lc 1.25-38.). A Visitação (31 de maio), com seu diálogo entre divisível sem resto pelo número 3. O ano eclesiástico inicia entre 27 de
duas mulheres, chama a atenção para a encarnação e contém o Cântico novembro e 3 de dezembro do ano civil precedente, de modo que o
de Maria, o radical Magníficat, que em essência é o credo social do Advento em dezembro do ano civil de 1989 é parte do ano eclesiástico de
cristianismo (cf. Lc 1.39-56). A Santa Cruz ou Triunfo da Cruz (14 de 1990, estando portanto no ano A .
setembro) focaliza o sacrifício de Cristo. Os católicos romanos também
Para cada domingo ou festa estão indicadas três leituras: a primeira
observam outras solenidades: Maria M ã e de Deus ( I de janeiro), José
o

é geralmente do Antigo Testamento, a segunda geralmente de uma


Esposo de Maria (19 de março), Corpus Christi, Sagrado Coração,
epístola, e a terceira, de um evangelho. A p ó s a Páscoa, lêem-se trechos
Nascimento de João Batista (24 de junho), Pedro e Paulo Apóstolos (29
de Atos, uma vez que a história da nova criação inicia com a ressurrei-
de junho), Assunção de Maria (15 de agosto) e Imaculada Conceição (8
ção. Crisóstomo explicou que o livro de A t o s é "a demonstração da
de dezembro). A seqüência das leituras dominicais normais raramente
ressurreição", de modo que Atos é lido durante o tempo pascal, costu-
deveria ser interrompida para observancias especiais sem uma boa
me este que Agostinho também constata na África. Ocasionalmente
razão, uma vez que as leituras geralmente são construídas de modo a
trechos do Apocalipse tomam o lugar da epístola. A o longo de três anos,
cobrir a Escritura de modo abrangente.
quando todas as três leituras são usadas, a maior parte do Novo Testa-
Se o calendário é o fundamento do culto cristão, o primeiro andar mento e grandes porções do Antigo Testamento são lidas.
certamente é o lecionário ou lista de leituras (da Escritura) baseado no
Dois princípios estão em operação aqui. Os textos dos evangelhos
ano cristão. Uma das mais importantes alterações verificadas no culto
refletem os eventos do ano cristão, sendo que as primeiras leituras são
protestante em anos recentes foi a ampla adoção de um lecionário. Sua
mais ou menos dependentes desses textos evangélicos. O principal
A Linguagem do Tempo

ponto fraco do lecionário é que a abordagem cristológica das leituras do


Hinos adequados são relacionados em quase todos os hinários
Antigo Testamento, as quais são escolhidas de modo a se relacionar
denominacionais em função de tempos litúrgicos, festas e ocasiões
com o texto do evangelho, freqüentemente faz injustiça às leituras do
especiais. A maioria dos hinários apresenta índices de passagens
A n t i g o Testamento, apresentandò-as num contexto estranho, defeito
este que o Common Lectionary procura remediar. A s segundas leituras, bíblicas, bem como índices por assunto.
por outro lado, geralmente são lidas na seqüência (lectio continua) de N i n g u é m jamais questionou o fato de J. S. Bach ter composto algu-
cada livro do começo até o fim. Primeira Coríntios, por exemplo, é lida mas das mais esplêndidas obras de música coral e instrumental seguin-
principalmente durante o tempo após a Epifania. No tocante às tercei- do a orientação do lecionário e calendário. Quando bem planejada, a
ras leituras, o ano A está dedicado à recitação do Evangelho de Mateus; música coral pode combinar muito bem com o ministério da palavra ao
o ano B, a Marcos; e o ano C, a Lucas. E m todos os três anos há partes oferecer um comentário musical sobre as leituras. Com demasiada fre-
complementadas com o quarto evangelho. qüência hinos com textos não-relacionados à ocasião atrapalham o
fluxo de um culto cuidadosamente planejado sob outros aspectos. Isto
O lecionário oferece o método mais abrangente que existe para a
de forma alguma é necessário. O uso cuidadoso do calendário e lecionário
leitura de quase toda a Bíblia no culto num período de três anos.
pode ser de grande vantagem para músicos da igreja, uma vez que lhes
Depois disso, é hora de recomeçar. Há três datas excepcionais: no
dá prazo hábil para encomendar e ensaiar música adequada.
Domingo da Paixão/de Ramos e na Sexta-Feira Santa toda uma narra-
tiva da paixão é lida, muitas vezes de modo dramático. Para a V i g í l i a Nada é tão óbvia e profundamente afetado pelas leituras como o é o
Pascal, são propostas nove leituras, sete das quais do A n t i g o Testa- sermão. Vários são os efeitos diretos do uso disseminado do lecionário.
mento. • Ele tornou financeiramente possível a publicação de uma série de auxí-
lios de excelente qualidade para o estudo bíblico, na forma de comentá-
A segunda pergunta a ser feita no planejamento de qualquer culto é: o rios e outros subsídios para melhorar o uso homilético da Bíblia . E m
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que oferece o lecionário? Mais do que qualquer elemento isolado, o


segundo lugar, o lecionário forçou muitos/as pregadores/as a pregar
lecionário orienta as escolhas adequadas para qualquer domingo. Isto
sobre uma seleção muito mais ampla de textos bíblicos do que a maio-
se reflete na oração de abertura, no salmo, nos hinos, na música coral e
ria deles/as jamais havia feito. Isto não significa que se deveria pregar
instrumental, no sermão e nos materiais visuais utilizados. A utilização
de um lecionário torna possível o planejamento de cultos com meses e sobre todas as três leituras de uma vez. A s vezes elas se inter-relacio-
até anos de antecedência. Isto o torna particularmente útil para músi- nam bem; na maioria das vezes a segunda leitura segue seu próprio
cos e artistas que precisam de preparação com grande antecedência. rumo. Mas pregar sobre qualquer um desses textos forçará o/a prega-
Como o lecionário molda outras escolhas, é importante examinarmos dor/a a estudar e ponderar muitos trechos da palavra de Deus que não
brevemente seu efeito sobre elas também. lhe são familiares. E em terceiro lugar, qualquer pessoa que de fato
seguir meticulosamente o ano e as perícopes penetrará mais fundo na
Uma oração de abertura às vezes é uma maneira eficiente de se cristologia. Simplesmente não se pode pregar no Batismo do Senhor,
articular a ênfase geral das leituras para o dia e alertar a congregação Transfiguração, Domingo da Paixão/de Ramos, Dia da Ascensão, Dia de
para o evento. O Missal católico romano apresenta orações de abertura Todos os Santos, Cristo Rei, etc. sem ser forçado a tomar uma decisão
(e alternativas) para os domingos e para ocasiões especiais. Os episco- sobre quem dizemos ser Jesus Cristo. Sem essa disciplina, é notável
pais e anglicanos mantêm o antigo termo "coleta" para designar as quanto tempo se pode ficar fugindo desta questão vital. Muitos/as
orações de abertura e os episcopais as apresentam em linguagem "tra- pregadores/as têm concordado que a pregação a partir do lecionário
dicional" e "contemporânea" (BCP, 158-261). "Oração do dia" é o termo melhora o conteúdo dos seus sermões. E muitos/as têm se surpreendido
luterano (LBW, 13-41).
com quão relevantes as passagens prescritas são muitas vezes para o
Salmos são usados no culto como respostas às leituras ou comentári- tempo e lugar das suas congregações.
os sobre elas. Os católicos romanos, episcopais, luteranos e metodistas Finalmente precisamos dizer alguma coisa sobre os recursos visuais
u n i d o s a t u a l m e n t e a p r e s e n t a m l i s t a s de s a l m o s s e l e c i o n a d o s que podem ser derivados do lecionário e calendário. Eles também forne-
deliberadamente de modo a se relacionar às leituras do lecionário. U m cem componentes ordinários e próprios de culto, embora de tipo dife-
salmo serve de resposta, não de leitura, porém se relaciona cuidadosa- rente dos textos verbais. Com o uso de representações, desenhos e
mente às leituras. Os metodistas unidos oferecem respostas cantadas outros recursos visuais podemos, com efeito, ter uma nova composição
do saltério para uso nas congregações (UMH, 738-862). da igreja a cada domingo, da mesma forma como toda a aparência de
uma sala de estar se altera com algumas almofadas cor de laranja no
sofá. E quando é possível fazer projeções, uma parede pode transfor- prédio da igreja durante a Páscoa deveria ser bastante diferente do que
mar-se em qualquer coisa que projetemos sobre ela. "OK, essa semana ele é na Quaresma.
teremos a Capela Sistina, mas para as leituras da semana que vem a
Cartazes, murais, pôsters e outros recursos gráficos podem expres-
floresta amazônica funcionaria melhor." Somos limitados apenas pelos
horizontes da nossa imaginação. sar o evangelho vigorosamente. Fotografias podem ser ampliadas sem
muito custo. Algumas palavras em letras garrafais - "Senhor, quando
Algumas das coisas que aprendemos sobre o culto nos últimos anos foi que te v i m o s ? " (Mt 25.37) ou: " N ã o vos comove isto, a todos vós que
parecem irrevogáveis. Em 1965 poucas igrejas, se tanto, já tinham usado passais pelo caminho?" (Lm 1.12) - podem ser uma poderosa mensa-
um estandarte. Atualmente, a maioria delas usa. Se o evangelho pode ser gem. Tente descobrir poucas porém significativas palavras para qual-
proclamado visualmente, por que não o fazer? Cada nova dimensão acres- quer ocasião - "Paz na terra", "Meu filho", "Ele ressuscitou" - e use-as.
centada à nossa percepção da Boa Nova parece ser um ganho inequívoco. Visite uma loja local de material para artes para ver quantas possibili-
Como é que se faz isso? O conceito mais simples é apenas usar cor. A dades as igrejas têm negligenciado. Bons cartazes e murais não serão
cor ajuda a formar expectativas genéricas para qualquer ocasião. Não esquecidos tão cedo, em especial se criados localmente.
vestimos cores fulgurantes num sepultamento. Tradicionalmente, a cor Certos objetos são comunicativos em diferentes épocas, como uma
púrpura, o cinza e o azul têm sido usados para tempos litúrgicos de coroa de Advento com quatro velas, um véu quaresmal, ramos de pal-
caráter penitencial como o Advento e a Quaresma, embora quaisquer meira e um círio pascal. Símbolos também dizem respeito a diferentes
cores escuras possam ser usadas. O branco tem sido usado para eventos ocasiões: uma estrela, uma coroa de espinhos, línguas de fogo, etc. A
ou épocas com forte significado cristológico, como o Batismo do Senhor ausência de objetos também é uma forma poderosa de comunicação. A
ou o tempo pascal. O amarelo e dourado também são possibilidades para ausência de quaisquer flores e velas durante a Semana Santa pode ser
estas ocasiões. O vermelho tem sido reservado para ocasiões relaciona- muito expressiva.
das ao Espírito Santo (tais como o Dia de Pentecostes ou ordenações) ou
Mas uma palavra de alerta é necessária. Nenhuma dessas cores,
a comemoração de mártires. O verde tem sido usado para tempos litúrgicos
texturas, imagens ou objetos é uma decoração ou ornamentação. Se
de caráter menos pronunciado ou para o tempo comum, como o tempo
forem usadas como tal, passam a ser banalidades que não valem o
após a Epifania ou o tempo após Pentecostes. Essas épocas mais prolon-
tempo ou esforço que consumiram. Porém se forem usadas para acres-
gadas não precisam ficar estagnadas em uma única cor ou tonalidade,
centar uma dimensão a mais à nossa percepção da Boa Nova, podem
assim como a natureza também não mantém um verde monótono. Afinal
muito bem valer considerável esforço e despesa. Muito trabalho é inves-
de contas, a natureza não é estática. Os delicados verdes amarelados da
tido num sermão destinado a ser pregado apenas uma vez. O trabalho
primavera avançam para as tonalidades mais fortes do verão, para então
de um segmento mais amplo da comunidade em recursos visuais para
chegar aos brilhantes amarelos e vermelhos do outono. A ausência de
apresentar o evangelho é um bom plano, muito embora recursos visu-
quaisquer tecidos coloridos entre a Quinta-Feira Santa e a Vigília Pascal
ais, assim como o próprio sermão, talvez sejam usados uma única vez.
representa um uso flagrante do contraste.
Em suma, os cristãos são chamados a proclamar o evangelho da
Muita coisa pode ser feita apenas com cor. Entretanto, estamos nos
salvação por todos os meios disponíveis. O ano cristão e o lecionário
dando conta da necessidade de ser igualmente sensíveis a tonalidades e
baseado no mesmo são dois recursos vitais para tal. Se o acompanha-
texturas. Uma seda púrpura poderia ser menos preferível para a Qua-
resma do que um azul ou cinza em textura rude. E um dourado esplên- mento do tempo junto com a igreja pode fazer com que haja cristãos
dido, de textura fina, poderia ser melhor para a Páscoa do que um melhores, então a exploração de todas as possibilidades que essa disci-
material branco grosseiro. plina pode oferecer vale perfeitamente a pena.

Cores e texturas podem ser usadas eficazmente em tecidos de para-


mentos para púlpitos, estantes (se houver), para as estolas usadas por
ministros ordenados ou para vestes pastorais. À s vezes faixas de pano
podem ser simplesmente penduradas como gigantescos estandartes abs-
tratos. É melhor não esconder a mesa do altar sob paramentos de pano.
Estandartes podem ser pendurados em quase qualquer lugar da
igreja. Cada vez mais se observa o uso de estandartes grandes, de cerca
de 5 m de comprimento. Eles deveriam ser trocados ao longo do ano. O
A Linguagem do Espaço

Qualquer comunidade cristã precisa de um lugar para o culto do


Encarnado. Pode ser qualquer lugar, mas precisa ser em algum local
designado, de modo que o corpo de Cristo saiba onde reunir-se. Os
primeiros missionários nas Ilhas Britânicas simplesmente colocavam
Capítulo 3 uma cruz na ponta de um poste para determinar o local de culto. Com o
tempo esses lugares receberam cobertura e paredes e os espaços assim
abrigados foram organizados para a conveniência e o conforto dos
A Linguagem do Espaço cultuantes. A arte de organizar o espaço chamamos de "arquitetura".
Hoje em dia estamos tão acostumados ao uso cristão da arquitetura
que em muitas línguas o termo "igreja" se refere tanto ao prédio quanto
ao corpo de crentes.

N ão deveríamos ficar surpresos com o fato de uma religião cuja


doutrina fundamental é a encarnação levar a sério em seu culto o
fator espaço. Cristo não somente entrou no tempo humano, mas tam-
A s relações entre a arquitetura e aquilo que os cristãos fazem
quando prestam culto são complexas. A arquitetura eclesial não so-
mente reflete as maneiras em que os cristãos prestam culto, mas
bém veio viver entre nós, ocupando um lugar específico e definido também dá forma ao culto, e não poucas vezes lhe dá forma inadequa-
sobre a Terra, na Judeia. O N o v o Testamento está cheio de nomes de da. A arquitetura reflete o culto cristão ao fornecer o cenário e o
lugares: Jesus esteve em Jerusalém, em Betânia, no Mar da Galileia,
abrigo necessários para que uma comunidade realize seu culto em
no rio Jordão, etc.
conjunto. Isto talvez seja óbvio; nem mesmo uma multidão de torcedo-
O mesmo se aplica também ao restante da história da salvação. O res de futebol ficaria sentada quieta com uma temperatura abaixo de
Deus judaico e cristão é dado a conhecer por meio de eventos que zero. P o r é m ao mesmo tempo que a arquitetura está acomodando o
ocorrem entre homens e mulheres, e não à distância, no monte Olimpo culto, ela de forma sutil e inconspícua também está dando forma a
ou no Valhalla. É o espaço na terra que é santificado, não pelo lugar em este culto. Em primeiro lugar o prédio ajuda a definir o significado do
si, mas por causa daquilo que Deus faz ali pelos seres humanos. N a culto para aqueles que ali se reúnem. Tente pregar contra o triunfalismo
Bíblia, eventos salvíficos geralmente ocorrem em algum campo, fonte numa igreja barroca! Tente ensinar o sacerdócio de todos os crentes
ou rua ordinária de vilarejo. Hoje em dia esses lugares seriam tão com um profundo coro gótico jamais ocupado por ninguém exceto por
comuns quanto um shopping center. O local é indiferente, o evento é clérigos ordenados! E m segundo lugar, o prédio dita as possibilidades
que é crucial. que nos estão abertas em nossas formas e estilos de culto. Talvez
Naturalmente, após o evento o lugar se torna relevante como portador queiramos bom canto da congregação, mas e se a acústica engolir
de significado: o lugar onde algo aconteceu. Jacó teve um sonho num cada som de modo que todos pareçam mudos? Ou será que temos que
lugar remoto e acordou para exclamar que se tratava de um lugar temí- abandonar toda e qualquer esperança de movimento da congregação
vel, a casa de Deus, a porta do céu (Gn 28.17). Seu sonho induziu-o a erigir porque todas as pessoas se encontram cuidadosamente arquivadas
uma coluna e dar ao lugar um novo nome, "casa de Deus", para que todos entre os bancos? L o g o damo-nos conta de que a arquitetura apresenta
passassem a saber do evento. Já vimos como a Jerusalém do séc. 4 deu tanto oportunidades quanto fatores limitantes, abrindo algumas pos-
forma a todo o culto cristão subseqüente pelas comemorações nos luga- sibilidades e fechando outras. Sem prédios poderíamos prestar culto
res e ocasiões em que ocorreram eventos culminantes na vida e morte de apenas com dificuldade; muitas vezes cultuamos com dificuldade por
Cristo. A o s peregrinos que vinham a Jerusalém no séc. 4 ainda se mos- causa deles.
trava o pé de sicómoro em que Zaqueu subira para ver Jesus - o que antes A maneira como o espaço é organizado reflete e dá forma ao culto
fora uma árvore ordinária passou a ser um lugar sagrado. Por fim a cristão, de modo que precisamos examinar por que e como o espaço
Europa acabou ficando pontilhada de lugares de peregrinação onde um fala uma linguagem tão importante para o culto. Assim sendo, o mais
evento tornara determinado local significativo. Todos eles atestam a adequado é interpretar primeiro a teoria, para então estudar a história
eloqüência da linguagem do espaço. Uma religião da encarnação precisa e oferecer conclusões práticas a partir da história da arquitetura eclesial.
ter seus pés firmemente plantados no chão. Deus e a humanidade se Depois analisaremos como o espaço afeta a música eclesial e as artes
encontram num lugar, seja ele tão casual como uma moita ordinária no plásticas.
deserto ou tão magnífico quanto o Templo de Jerusalém.
As Funções do Espaço Litúrgico Autodoação ocorre na fala a pessoas reunidas ao longo de um eixo
horizontal do locutor humano para o ouvinte humano. Se isso fosse
Como é que a organização do espaço reflete o que acontece no culto tudo o que está implicado no culto cristão, então o planejamento do
cristão? Para respondê-lo, podemos usar uma descrição funcional do espaço cultual seria realmente simples. Porém Deus não só coloca a sua
culto cristão como "falar, agir e tocar publicamente em nome de Cristo". palavra em nossa boca, mas também usa as nossas mãos. E é neste
Outra maneira de dizer a mesma coisa é: no culto nós falamos por Deus, ponto que a organização do espaço para o culto cristão se torna compli-
falamos a Deus e falamos um ao outro, bem como estendemos a mão cada. Isto porque precisamos cuidar não só da recepção da palavra,
para tocar outros em nome de Deus. Isto sem dúvida é uma simplifica- mas também da recepção dos sacramentos. A autodoação de Deus vem
ção exagerada daquilo que ocorre no culto cristão, porém torna claro de ambas as formas. Toda boa arquitetura eclesial é um ajuste para
que o culto cristão é ação que exige espaço. Esta percepção crucial não cuidar de ambos os tipos de atividade divina. Toda a história da constru-
está patente em definições mais abstratas. ção de igrejas é a história dos ajustes entre as melhores disposições
para falar em nome de Deus e aquelas mais adequadas para tocar em
Comecemos então afirmando que no culto Deus age autodoando-se nome de Deus. Os sacramentos sempre têm uma escala humana.
por meio de palavras humanas e por meio de mãos humanas, e nós nos
doamos a Deus por meio de nossas palavras e mãos. Tudo que acontece Se o trajeto da voz falada é um eixo horizontal, o lugar da mão
no culto depende de Deus, porém ocorre por meio dos instrumentos da estendida está sobre um eixo vertical. O alcance da v o z humana pode
fala humana e do corpo humano. ser ampliado artificialmente; com o braço humano isto não é possível.
Deus criou cada um/a de nós pequeno/a o suficiente de modo que
Como é que Deus age autodoando-se por meio de palavras? Deus fala possamos alcançar apenas cerca de um metro. Outros precisam v i r até
suas palavras a nós por meio da boca de seres humanos. Isto parece
nós e podem fazê-lo da melhor maneira formando um círculo ao nosso
uma forma estranha de atingir as pessoas; demonstra uma confiança
redor. A imagem que isso projeta é a de pessoas reunidas em círculos
muito maior nas pessoas do que a maioria de nós jamais teria. Mas este
concêntricos em torno de um eixo vertical. Nesse eixo vertical pode
é o procedimento de Deus, conforme o atesta repetidamente a Escritura:
"Eis que ponho na tua boca as minhas palavras" (Jr 1.9), ou, falando a haver uma mesa de altar, uma pia ou piscina batismal, ou simplesmente
irmãos de língua pesada: "Eu serei com a tua boca e com a dele" (Ex uma pessoa. Dali nós podemos estender a mão - Deus pode estender a
4.15). Na fé bíblica não pode haver dúvida de que Deus chama homens e mão por meio das nossas mãos - para a comunidade postada ao redor.
mulheres para falar a palavra de Deus. E m outros termos, precisamos tanto de uma sinagoga quanto de um
cenáculo para o culto cristão. Precisamos de espaço no qual possamos
Agora, alguns requisitos, muito poucos, são necessários para que um tanto projetar nossa v o z quanto estender nossas mãos, sejam mãos
ser humano fale a outros. Um é que, a fim de melhor nos comunicar,
batizando um novo cristão, mãos dando o corpo de Cristo na eucaristia,
deveríamos ter condições de enxergar aqueles a quem estamos falando,
mãos pousando sobre uma cabeça, mãos unindo as mãos de um casal,
com a possibilidade de manter o contato visual. Falamos melhor a quem
mãos abençoando ou reconciliando, ou mãos aspergindo um esquife.
podemos olhar nos olhos, não àqueles que estão de lado ou atrás de nós.
O contato visual faz parte do ir ao encontro dos outros em amor e é uma N ó s não só falamos por Deus, mas também tocamos outros por Deus. E
parte importante da fala. Marcos nos diz: "Jesus, fitando o jovem rico, o precisamos estar próximos o suficiente para realmente tocá-los. Uma
amou" (Mc 10.21). Fitar faz parte de amar. mulher tocou a bainha do traje de Jesus, e poder passou para ela. N ó s
tocamos a cabeça, os lábios ou as mãos de outras pessoas, e poder passa
Em termos espaciais isso implica uma linha direta entre o locutor e o para elas. Porém nosso alcance é limitado por braços que, diferentemen-
ouvinte. Talvez seja necessário que o locutor se encontre em posição te de nossa voz, nenhum microfone pode esticar. N ó s precisamos de
ligeiramente elevada, de modo que as cabeças dos outros não obstruam a íntimo espaço concêntrico para tocar em nome de Deus.
linha de contato visual, porém uma elevação demasiada torna-se uma
Como conciliar o espaço organizado ao longo de um eixo horizontal
barreira visual, um fosso criado pela altura. Pilares, divisórias e outras
com aquele em torno de um eixo vertical? De certo modo este problema
barreiras não devem intervir. A platéia e o locutor devem encontrar-se
contém um paradigma do culto em si, estando a relação Deus-ser huma-
face a face. O melhor espaço para o encontro face a face é organizado ao
no representada pelo eixo vertical e a relação ser humano-ser humano
longo de um eixo horizontal, como se houvesse uma linha reta do orador
pelo horizontal. L o g o mais delinearemos diferentes maneiras como esta
à pessoa no meio da platéia. Esta é a base da sinagoga, onde as pessoas
tensão foi resolvida historicamente.
se reúnem para ouvir a palavra de Deus lida e interpretada, ou de uma
casa de reunião onde os cristãos se reúnem para ouvir o evangelho.
Mas o que dizer ainda sobre as palavras que as pessoas oferecem a espaço este em que indivíduos se tornam comunidade, merece atenção
Deus? Parece haver poucas exigências espaciais para isto; oração e especial ao se projetarem igrejas.
louvor podem ser oferecidos em qualquer lugar em que pessoas possam
O segundo tipo de espaço é o espaço de locomoção. O culto cristão
reunir-se. Antes de mais nada, um prédio de igreja é um local para
exige considerável grau de movimento. Os reavivamentistas do séc. 19 e
pessoas se reunirem. E m termos quacres: onde muitas velas são junta-
os carismáticos de hoje nos lembram que, para mover pessoas espiritu-
das, há mais luz. Os cristãos podem falar a Deus em todos os lugares
onde puderem reunir-se para o culto. Exigências espaciais para esse almente, precisamos movê-las fisicamente também. Os cristãos pare-
ato não são específicas. Outrora as igrejas tendiam a sugerir que Deus cem ser peregrinos inquietos. A s pessoas que se reúnem precisam
estava elevado lá no alto - talvez nos obscuros recessos do vigamento tomar seus lugares; mesmo assim, porém, procissões, casamentos, se-
ou na extremidade do coro. Hoje em dia estamos mais inclinados a pultamentos, batizados, o trazer ofertas e o receber comunhão impli-
sugerir que Deus está no meio dos cultuantes, e não em algum recôndi- cam locomoção adicional, novo arranjo da comunidade cultuante. A
to sagrado e remoto. Certo arquiteto coloca a cruz no meio da congrega- locomoção é parte integrante do culto, de modo que os corredores
ção para afirmar esse fato. Há também poucas exigências quanto ao longitudinais e transversais exigem esmerado planejamento.
espaço no qual se fala um ao outro em nome de Cristo. O acesso ao O maior espaço litúrgico geralmente é o espaço congregacional.
nosso vizinho é tudo que se faz necessário. Basicamente uma igreja é um lugar para pessoas. O templo g r e g o era o
inverso; os pagãos mantinham o dinheiro do lado de dentro e as pes-
Naturalmente não podemos tocar a Deus, mas cada um de nós pode soas do lado de fora. Os cristãos usam o dinheiro para o mundo exterior
tocar outros em nome de Deus. E m anos recentes o gesto da paz nova-
e atendem as pessoas no seu interior. A s casas de reuniões dos quacres
mente se tornou um eminente sinal de reconciliação e amor quando os
consistem quase que exclusivamente em espaço congregacional e tor-
cristãos se abraçam ou se dão as mãos durante o culto. Outras possibili-
nam manifesto o fato de que a presença de Deus é conhecida entre o Seu
dades incluem pronunciar o perdão de Deus após uma oração de confis-
são, ato este que pode ser levado a efeito com as mãos de modo até povo. N u m a importante passagem a Constituição sobre a Sagrada
melhor do que com a voz (um sinal da cruz traçado sobre a testa do Liturgia do Vaticano I I relaciona a seguinte como uma das maneiras em
vizinho, por exemplo). O lava-pés é um gesto dramático ocasional. E em que Cristo está presente nas celebrações litúrgicas da igreja: "Está
cultos de reconciliação o tocar outras pessoas por Deus pode ser prati- presente finalmente quando a igreja ora e salmodia, Ele que prometeu:
cado. Tudo que parece necessário para estes aspectos do culto é o 'Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estarei no meio
acesso mútuo. deles' (Mt 18,20)" (par. 7). Hoje em dia poderíamos acrescentar que
Cristo está presente nos pobres entre nós.
Podemos classificar mais especificamente os componentes espaciais
O espaço do coral pode ser o espaço litúrgico mais difícil de ser
para se falar e tocar em nome de Deus. O culto cristão geralmente
tratado, principalmente quando há incerteza sobre o papel de um coral
precisa de seis espaços litúrgicos diferentes onde o culto se desenrola,
no culto. Esse espaço também pode precisar acomodar instrumentistas
e três ou quatro centros litúrgicos, isto é, móveis ou objetos a partir
ou dançarinos. O papel principal (ou principais) atribuído ao coral
das quais o culto é conduzido. É surpreendente quão poucas e simples
deveria determinar a localização e a disposição desse tipo de espaço.
são as necessidades físicas para o culto cristão. Mas como nunca os
encontramos isolados um do outro, podemos não estar cientes deles Estamos acostumados a falar de batismo em termos de pia, fonte
individualmente. Se um prédio de igreja puder ser comparado à frase ou piscina batismal; com menos freqüência pensamos a seu respeito
completa, está na hora de olhar por um momento para as palavras em termos de espaço batismal. N a pior das hipóteses o batismo é
avulsas que compõem essa frase . 1 uma cerimônia privada separada num canto remoto da igreja. Entre-
tanto, cada batismo é um ato da comunidade inteira, não só por
Em anos recentes temos nos tornado bem mais conscientes da impor- aumentar o número de membros do corpo eclesial, mas por sempre
tância do espaço de encontro como espaço litúrgico-chave. A comuni- voltar a atestar o fato de que aqueles que passaram pelas águas da
dade cristã precisa encontrar-se a fim de prestar culto, e este ato de se morte e da ressurreição estão unidos a Cristo. Da mesma forma
encontrar pode ser a mais importante das atividades da comunidade. N a como a cerimônia do casamento, o batismo envolve tanto a comuni-
época heróica da igreja antiga, o próprio ato de se encontrar produzia dade eclesial inteira quanto o círculo mais íntimo da família e dos
mártires. E m todas as épocas, formar o corpo de Cristo é o primeiro ato padrinhos e madrinhas reunidos como foco especial de amor em
de culto, ato do qual todos participam. Por isso o espaço que marca a torno da pessoa que está sendo batizada. Isso e x i g e acesso e espaço
separação temporária da comunidade em relação ao mundo exterior, para os/as candidatos/as e a comitiva batismal de modo a não impe-
dir a participação da c o n g r e g a ç ã o como um todo. O espaço batismal e os púlpitos sustentam bíblias, as mesas do altar recebem os vasos da
é espaço para pessoas em círculos concêntricos. E m torno da fonte comunhão. A s mesas de altar representadas na arte cristã antiga não
ou da piscina batismal reúnem-se, antes de mais nada, os/as candida- eram maiores do que uma mesa de baralho. Tratava-se de mesas de altar
tos/as e pastores/as, depois as famílias e os padrinhos e madrinhas, sacerdotais bem adequadas para sustentar o que era colocado sobre
e finalmente toda a c o n g r e g a ç ã o . elas, mas não de monumentos para preencher espaço ou criar um foco
O espaço da mesa do altar circunda a própria mesa do altar. Trata-se arquitetônico ou símbolo religioso. N a cultura ocidental seria muito
geralmente do mais conspícuo espaço do prédio, muitas vezes cegándo- inconveniente ter que colocar os recipientes da comunhão sobre o chão,
nos para o fato de que seu papel é servir, e não dominar. Assim sendo, de modo que uma mesa de altar é uma necessidade.
precisamos evitar barreiras como altura excessiva, ou brilho de luz N a igreja antiga a cadeira do oficiante era o centro a partir do qual
demasiado direta, mobiliário excessivamente grande, cercados e outras boa parte do culto era conduzido, além de ser o local da pregação até
maneiras de fazer com que este espaço pareça um ponto sagrado sepa- fins do séc. 4. E m círculos c a t ó l i c o s romanos tem h a v i d o um
rado e remoto. Por estranho que pareça, em muitas denominações com reavivamento da importância da cadeira do oficiante desde o Vaticano
pouca espiritualidade eucarística, este é o local na igreja do qual as
II. Muitos protestantes ainda sentem certa aversão ante a feiúra das
pessoas nunca se aproximam. Ele fica mais distante e alheio do que
inevitáveis três cadeiras de púlpito do séc. 9, para o/a pregador/a,
naquelas denominações em que as pessoas se reúnem ao seu redor
condutor/a do canto e pregador/a visitante respectivamente. Como re-
todas as semanas.
sultado, muitos protestantes hoje em dia relutam em fazer com que a
H á ainda três ou quatro centros litúrgicos essenciais para um culto cadeira clerical seja muito conspícua. A Constituição fala da presença
cristão. Mais uma vez seu uso reflete maneiras como percebemos a de Cristo "na pessoa do ministro", porém é questionável até que ponto
presença de Cristo e m nosso culto. Uma fonte batismal ou piscina uma pessoa viva possa ser identificada com uma cadeira da mesma
batismal é uma necessidade pelo mero fato físico de que a água exige forma em que associamos a água com uma pia batismal, a Bíblia com o
um recipiente. Pode ser uma reentrância no chão (como o revelam os púlpito ou elementos da comunhão com a mesa do altar. Uma cadeira
mais antigos batistérios ainda existentes) ou uma bacia montada sobre não funciona exatamente da mesma maneira, uma vez que a presença
uma coluna. Essa necessidade - de que possa conter água - parece mais de Cristo numa pessoa não precisa de mobília para torná-lo visível.
oculta do que evidente em muitos projetos. A Constituição nos lembra Certamente a cadeira daquele/a que preside é uma conveniência, porém
que "[Cristo] presente está pela sua força nos sacramentos, de tal forma deveria ser projetada e colocada de modo a não sugerir um trono.
que quando alguém batiza é Cristo mesmo que está batizando" (CSL,
Nada mais é necessário. H á certo senso de parcimônia ou economia
par. 7). Sem um recipiente para a água não podemos batizar ou experi-
mentar esta forma da presença de Cristo. de meios no culto cristão, mas com demasiada freqüência enfeitamos o
que já é belo. Outros espaços, outros móveis è objetos (estantes, tribu-
Cristo também está "presente pela Sua palavra, pois é Ele mesmo que nas de oração, balaustradas de comunhão) não são necessários e podem
fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na igreja" (CSL par. 7). confundir, por ocultarem aqueles elementos que são necessários. Aten-
Poder-se-ia sustentar em sentido estrito que um púlpito ou ambão não é do-se ao que é essencial, a moderação e discrição se tornam as mais
uma necessidade, mas uma conveniência. Entretanto, se a leitura e a poderosas formas de afirmação. Os espaços e centros essenciais, e
pregação da palavra de Deus forem entendidas como nova teofania cada somente estes, é que revelam o que é fundamental no culto cristão.
vez que o povo de Deus se reúne, então precisamos de testemunho físico
dessa crença na forma de um púlpito. O púlpito permite que a Bíblia
seja exibida quando não estiver sendo lida, e sustentada de modo que as
mãos do/a leitor/a ou pregador/a estejam livres durante a leitura ou
História da Arquitetura Litúrgica
pregação. Os aspectos visuais dessa forma da presença de Cristo não
devem ser tomados levianamente. Isso significa também que a encader- U m relance sobre como os cristãos arranjaram esses espaços e cen-
nação precisa voltar a ser uma forma relevante de arte para a Igreja . 2 tros litúrgicos ao longo da história pode nos ensinar muito. A relativa
proeminência ou reticência de vários espaços ou centros, sua relação
N ã o há necessidade de enfatizar a importância da mesa do altar para mútua e o traçado dos próprios centros litúrgicos nos dão uma indica-
o culto cristão, porém precisamos ser lembrados que ela não está ção clara das alterações ocorridas na prática e na perspectiva teológica.
presente como foco arquitetônico do prédio nem como símbolo de Cris- Essa variedade indica a diversidade inerente ao culto cristão. Entretan-
to. Ela está ali por ser usada; em suma, assim como as pias contêm água
to, a persistência dos mesmos seis espaços e três ou quatro centros é
um testemunho claro do alto grau de constância existente no culto
cristão. Podemos fornecer apenas um rápido apanhado da diversidade e
constância, mas este esboço dará uma idéia da grande variedade de
arranjos litúrgicos que se mostraram úteis .3

A igreja antiga teve que celebrar culto em dependências improvisa-


das durante períodos de perseguição; entretanto, sabemos que prédios
de certa magnificência foram construídos ocasionalmente mesmo en-
quanto o cristianismo era uma religião ilícita. Temos muito pouca
evidência documental ou arquitetônica sobre o cenário arquitetônico
do culto cristão anterior a Constantino. Aparentemente os primeiros N o séc. 4 o cristianismo não só foi legalizado e se tornou respeitável,
cristãos se reuniam com freqüência em casas particulares, geralmente mas também foi adotado pelo imperador Constantino, que cumulou a
as dos membros mais abastados da comunidade. Durante períodos de igreja de presentes magníficos: nove igrejas novas em Roma e outras
perseguição sempre havia o perigo de cristãos poderem ser condenados em Jerusalém, Belém e Constantinopla. O culto nesses esplêndidos
à morte pelo crime de reunião para o culto, ou de serem vítimas de prédios novos combinava com toda a suntuosidade da corte imperial,
multidões que consideravam impatrióticas ou irreligiosas essas reuni- totalmente diferente daquele dos cristãos perseguidos a se acotovela-
ões. A s s i m sendo, era provavelmente de bom conselho usar mobília e rem em reuniões secretas. Os arquitetos do imperador simplesmente
salas normais de família para tal culto, para então recolocá-las imedia- adaptaram um tipo de construção já bem desenvolvido, que era a basílica
tamente em seu lugar. ou tribunal de justiça romano. A basílica civil tinha praticamente as
O caráter doméstico desses locais em casas particulares proporciona- mesmas funções que uma sala do tribunal municipal e um auditório
va certa hospitalidade e intimidade que se perderam quando o culto escolar de hoje. E m sua maioria eram, basicamente, prédios retangula-
cristão veio a público. Mesmo assim, as vantagens desse espaço íntimo res com um espaço semicircular, a abside, numa extremidade oposta a
sempre voltam à tona quando cristãos são perseguidos ou constituem um alongado recinto do povo, a nave. N a abside havia uma plataforma
uma minoria empobrecida: os anabatistas, os amish, os quacres, inclu- com um trono para o juiz, o qual poderia ser ladeado por escribas. A
sive cristãos em certos países hoje em dia, por exemplo. É provável que basílica era basicamente uma construção longitudinal organizada ao
estejamos nos iludindo se pensarmos que esse mesmo sentimento de longo de um eixo horizontal. Esse tipo de construção foi adotado pela
hospitalidade e intimidade doméstica pode ser facilmente imitado em igreja no séc. 4 (figura 2).
edifícios públicos; entretanto, nos enganamos igualmente se esquecer-
mos a necessidade de buscar essas qualidades numa boa arquitetura
eclesial. Essas qualidades moldam claramente o estilo de culto celebra-
do em tais dependências.
Temos um exemplo surpreendentemente bem preservado de uma igre-
ja doméstica em Dura-Europos, às margens do rio Eufrates. Trata-se de
uma casa adaptada permanentemente para o culto cristão nos inícios do
séc. 3 (muito antes de se encerrar a perseguição em 313) e destruída em Figura 2
cerca de 256. As ruínas indicam que uma parede fora removida, integran-
do dois cômodos de modo a fornecer espaço para a reunião eucarística O trono do bispo substituía o do juiz, e os presbíteros se assentavam de
(figura l ) . Numa extremidade há uma pequena plataforma, possivelmen-
4
cada lado dele. Uma plataforma para os cantores se estendia para dentro
te para a mesa do altar e o trono do bispo. Um cômodo no lado oposto da da nave, aqui indicada por linhas contínuas. A mesa do altar geralmente
casa provavelmente era usado como batistério. Tinha uma fonte coberta aparecia próxima à junção da abside com a nave, e um ambão (púlpito)
por um dossel, sendo as paredes decoradas com afrescos. Desta forma, se encontrava na extremidade ou na parte lateral da plataforma. A prega-
mesmo numa época tão antiga aparece uma alocação explícita de espa- ção inicialmente era feita do trono do bispo, e a oração eucarística era
ços para diferentes funções litúrgicas, um padrão que veio a refletir-se pronunciada de frente para o povo, por sobre a mesa do altar. O restante
na maioria dos prédios eclesiais posteriores. do prédio não era obstruído por assentos, podendo a comunidade móvel
deslocar-se para onde pudesse melhor ouvir e ver.
Desde cedo também existiu uma tradição de prédio centralizado, recitação e do canto dos sete ofícios diários e do ofício noturno, e visto
organizado ao redor de um eixo vertical no centro da construção. Um que congregações grandes chegavam a ter mil monges, não causa
tipo separado de construção para o batismo, o batistério, muitas vezes surpresa o surgimento de um tipo de prédio funcional e magnificente,
era projetado nestes moldes, da mesma forma como a capela dos martí- especificamente projetado para abrigar tal culto. O espaço mais impor-
rios, sobre a sepultura ou as relíquias de um mártir. A m b o s estavam tante passou a ser o dos bancos do coral (uma vez que toda a comunida-
baseados no mausoléu. Nova tecnologia para a construção de cúpulas de era um coral), disposto em duas seções paralelas, de modo que os
sobre naves quadradas fez com que, nas igrejas ortodoxas orientais, salmos pudessem ser cantados responsiva e alternadamente. Com efei-
gradativamente se adotassem prédios centralizados em lugar das to, esses corais alongados constituíam uma igreja dentro da igreja,
basílicas alongadas preferidas no Ocidente. Freqüentemente, três absi- muitas vezes isolada da nave por meio de anteparos (figura 4). Para
des são separadas do espaço congregacional central por meio de uma uma congregação monástica, tratava-se de uma disposição funcional.
iconostase (anteparo coberto de imagens de santos), sendo o espaço Uma mesa de altar alta no santuário servia para a missa, e outras mesas
congregacional muitas vezes coberto por uma cúpula (figura 3). O povo
de altar estavam distribuídas pelo prédio para missas particulares.
fica isolado do mistério e magia do culto ao redor da mesa do altar pela
Diversos outros arranjos foram experimentados para congregações
iconostase. Isto cria, nas igrejas ortodoxas orientais, a aparência de
monásticas: um coral em abside ocidental na Alemanha e um espaço
dois cultos simultâneos: no espaço congregacional e no santuário.
fechado por paredes no meio da nave na Espanha, por exemplo. A s
catedrais seguiam o padrão monástico, muitas vezes subdividindo o
espaço interior em compartimentos mais especializados para capelas
onde era rezada a missa das almas.

Figura 3
ícones (imagens) de santos circundam a congregação, lembrando-a de
que está celebrando culto em meio a todas as hostes celestiais.
N o Ocidente as igrejas tenderam a desenvolver-se longitudinalmente,
em parte por causa da tecnologia. (A largura máxima das abóbodas Não deveria nos causar surpresa que essas igrejas altamente especia-
góticas era de cerca de 27 m, porém a repetição de intercolúnios permi- lizadas tenham tido um efeito desproporcional sobre as igrejas paroqui-
tia que uma igreja fosse aumentada no comprimento.) Mas isto também ais, onde a maioria das pessoas celebravam culto no seu vilarejo (figura
era resultado da crescente complexidade nas formas de culto e da 5). Esses prédios também acabaram abrigando grandes coros dotados de
especialização dos sacerdotes e do clero menor, bem como dos integran- anteparos, espaços usados somente pelo clero local e pela família senho-
tes das ordens religiosas. O testemunho mais dramático dessa comple- rial. Porém a congregação não era formada por monges ou clérigos, e sim
xidade e especialização é o recuo da mesa do altar, que foi sendo por leigos, relegados à nave donde podiam vislumbrar a missa sendo
afastada do espaço congregacional até que o espaço da mesa do altar rezada na mesa do altar na outra extremidade do coro. A nave
acabou se localizando na extremidade mais distante do e s p a ç o freqüentemente continha um púlpito ao redor do qual podiam ficar de pé.
congregacional no prédio.

A Idade Média testemunhou o desenvolvimento de tipos de igrejas


altamente especializados: igrejas de romaria, igrejas para congrega-
ções monásticas, igrejas de instituições educacionais, catedrais, igrejas
de pregação e igrejas paroquiais ordinárias. Mas quem exerceu influ-
ência determinante foram muitas vezes as igrejas monásticas. Uma vez
que grande parte do tempo dessas congregações girava em torno da Figura 5
Diferentemente da igreja monástica, cada igreja paroquial continha taram, embora muitas fossem do tipo centralizado. A figura 6 mostra
uma fonte batismal. Os ofícios de batismo e matrimônio, ao final da Idade (da esquerda para a direita) diversos padrões, extraídos de exemplos
Média, começavam num vestíbulo, do lado de fora. E a nave inteira era alemães, holandeses e escoceses.
decorada com uma vasta coleção de esculturas, pinturas e vitrais destina-
dos a instruir e estimular a devoção. Até o séc. 14, a nave não continha
assentos ou bancos. A comunidade móvel deslocava-se para onde melhor
pudesse ver e ouvir. A tardia e gradativa introdução de bancos implicou
que a comunidade se sentasse durante o culto e assim perdesse a mobili-
dade. Chegara o tempo para devoções particulares.
O clero e o povo se divorciaram a tal ponto, que um bispo católico do
séc. 16 chegou a escrever: " O povo na [nave da] igreja pouca atenção
dava ao que o sacerdote e os clérigos faziam no coro. (...) A intenção
nunca foi de que o povo efetivamente ouvisse as matinas ou a missa,
mas de que estivesse presente ali e orasse em silêncio." A divisão entre
5

nave e coro, tão funcional numa igreja monástica, era um desastre nas
igrejas paroquiais, porém mesmo assim imitada zelosamente. A igreja
paroquial medieval se tornara um lugar excelente para devoções pesso-
ais (que constituía efetivamente o principal uso que o povo dela fazia);
entretanto, era um lugar muito precário para um culto litúrgico genuí-
no com aquela "plena, cônscia e ativa participação das celebrações
litúrgicas, que a própria natureza da Liturgia e x i g e " (CSL, par. 4).
A mesma variedade de experimentação continuou nos Estados Unidos
Outra evolução medieval foi a atribuição de significados simbólicos a
do séc. 18. A figura 7 mostra (em cima) uma típica casa de reuniões
cada detalhe do espaço, dos móveis e atos do culto. Esse crescimento
lento e fantasioso muitas vezes revelava uma perda da compreensão do c o n g r e g a c i o n a l , u m dos muitos arranjos e x p e r i m e n t a d o s pelos
caráter funcional e da óbvia finalidade que os diversos elementos ti- anglicanos e (embaixo) uma casa de reuniões quacre, com a divisória
nham no passado. móvel entre as reuniões dos homens e das mulheres indicada pela linha
em ziguezague.
A s reformas protestante e católica trouxeram grandes alterações nas
disposições. Os jesuítas, que não precisavam de espaço coral para rezar
o ofício diário em conjunto, tomaram a frente entre os católicos romanos
na construção de suntuosas igrejas onde a missa podia ser um deslum-
brante espetáculo. A mesa do altar voltou a ser conspícua, sem o espaço
interveniente de um coral. Púlpitos ornamentados eram comuns.
E difícil fazer generalizações sobre os experimentos protestantes na
arquitetura litúrgica, de tão ricamente variados que foram na tentativa de
dar um salto sobre os desdobramentos medievais para alcançar aquilo
que eles, correta ou erroneamente, consideravam ser padrões primitivos
(da igreja antiga) em termos de construção. Era difícil, se não impossível,
ensinar o sacerdócio de todos os crentes num prédio rigidamente dividi-
do em coro clerical e nave leiga. Os prédios medievais foram adaptados
trazendo todos os comungantes para dentro do coro para a comunhão ou
transferindo todo o culto para dentro da nave. Em alguns casos o coro
simplesmente foi isolado com paredes e usado como escola.
Quando os protestantes começaram a erigir numerosos prédios nos
sécs. 17 e 18, foi extraordinária a diversidade de formas que experimen-
Que têm estes arranjos em comum, se é que têm? Nenhum deles tem A figura 10 mostra um arranjo que poderia aparecer tanto numa
um coro; ele praticamente desapareceu das construções protestantes igreja protestante quanto numa católica romana construída hoje. Os
por cerca de três séculos. A o invés, o espaço congregacional é aumenta- protestantes estariam mais inclinados a colocar a pia batismal em
do, ao passo que os espaços do coral e da mesa do altar encolheram ou frente à congregação, embora isto não seja estranho a igrejas católicas
desapareceram. A construção quacre consiste inteiramente de espaço romanas novas. Os católicos romanos mais provavelmente teriam uma
congregacional e de movimentação. U m acréscimo protestante caracte- cadeira do oficiante; os protestantes atualmente estão reagindo a uma
rístico foram as galerias, para que os oradores pudessem ser ouvidos posição demasiado dominante da cadeira clerical. Ambos se inclinam a
por grande número de pessoas. A s galerias também ajudavam a aproxi- buscar formas centralizadas, com a congregação reunida ao redor da
mar toda a comunidade do púlpito e da mesa do Senhor, embora dificul- mesa do altar.
tassem a movimentação. Algumas das características mais pronunciadas da atual construção
O séc. 19 viu uma estranha inversão. O romantismo do movimento de igrejas são resultado da necessidade econômica e de novos métodos
de Cambridge levou muitas igrejas no mundo de fala inglesa a enxergar de construção. Porém outras, como prédios de perfil modesto, espaço
a Idade Média à luz da lua e clamar por um tipo neomedieval de interior não-direcional e flexibilidade na disposição dos bancos ou
construção (figura 8; compare com figura 5). O reavivamentismo, por cadeiras, mostram tentativas deliberadas de recuperar parte da hospita-
outro lado, enfatizando grandes pregadores e corais de massas, plane- lidade e intimidade das igrejas domésticas nas quais os primeiros
jou o arranjo tipo palco para concertos (figura 9). cristãos celebravam.
Que conclusões práticas para nosso tempo podemos tirar desse rápi-
do apanhado da experiência cristã com o espaço litúrgico? Obviamente
existe diversidade suficiente para dificultar generalizações de qualquer
tipo. Mesmo assim, ao encararmos essas experiências com um olho
crítico, em cada uma delas há muito que admirar e muito que deplorar.
Figura 8 Obviamente a nossa época tem padrões de julgamento diferentes daque-
les de outras épocas, porém se aceitarmos a limitação de estarmos
falando a partir de um ponto de vista do final do séc. 20, podemos
elaborar alguns critérios de relevância prática para aqueles que cons-
troem ou remodelam o espaço para o culto cristão hoje em dia.
, Nosso primeiro critério é o da utilidade. Quão bem funciona um
prédio ao ser usado - não admirado, mas usado - pelos celebrantes? A
questão pode ser resolvida observando-se apenas quão adequadamente
o prédio serve para falar, agir e tocar em nome de Deus. Se a fala não
Figura 9 puder ser ouvida por causa de uma acústica terrível, embora o espaço
funcione bem para a música, dificilmente pode-se considerá-lo adequa-
Nos anos recentes houve muitas mudanças, principalmente desde o do. Ou se a fala soar clara, mas a congregação ficar segmentada em
Vaticano II. E m comum, muitas dessas mudanças representam um galerias inacessíveis de modo que a distribuição da comunhão fique
passo em direção a um plano centralizado, embora com as concessões difícil, o prédio será deficiente. Evidentemente é preciso fazer conces-
necessárias para fazer com que a palavra falada funcione bem e mesmo sões entre uma igreja ideal para a pregação e uma igreja perfeita para o
assim permita arranjos concêntricos das pessoas. sacramento. O critério da utilidade cobre todos os usos. Igrejas são
construídas para ser usadas, e não são monumentos para a admiração
dos turistas e o relato dos historiadores da arte.
Boa parte do sucesso do espaço organizado com a maior utilidade
para o culto cristão é resultado da devoção à simplicidade. Somente
quando entendermos o que é básico e essencial no culto é que construi-
remos bem para o mesmo. A parcimônia e a disciplina são cruciais. U m
Figura 10 número excessivamente grande de prédios de igreja foi arruinado pelo
fato de se gastar dinheiro e esforço em demasia em aspectos não- fácil de se obter. Altura considerável parece ser quase que o único fator
essenciais e por falta de atenção para com elementos básicos. Os seis constante associado a tornar belo o espaço de culto. Outras característi-
espaços litúrgicos essenciais e os três ou quatro centros litúrgicos cas de design continuarão a mudar na medida em que arquitetos tentam
constituem o cerne da nossa disciplina da simplicidade. Saber quando construir o melhor espaço possível do qual a sua época é capaz.
parar é de suma importância. É preciso falar de culto antes de se falar Utilidade, simplicidade, flexibilidade, intimidade e beleza parecem
de arquitetura. Comissões de construção de igrejas são notórios maus ser os critérios pelos quais melhor podemos julgar quão adequadamen-
clientes por não cumprirem sua tarefa, decidindo arbitrariamente o que te a arquitetura litúrgica serve à igreja hoje. Estes obviamente não são
a igreja é e o que ela faz em seu culto. Sem essa informação até mesmo os padrões pelos quais as grandes catedrais do séc. 13 foram construídas,
os melhores arquitetos não podem projetar edifícios adequados para o ou mesmo as igrejas dos anos 50 do séc. 20, embora possamos aprender
culto. O máximo que podem fazer é desenhar fachadas muito atraentes. muita coisa com ambos os tipos. Porém a forma direta e honesta busca-
Nosso apanhado mostrou que as circunstâncias do culto cristão e as da em nosso tempo pode mostrar novos caminhos a se somarem ao
necessidades percebidas estão sujeitas à mudança. Os eventos dos variado legado de outrora.
últimos anos, especialmente, também ensinaram-nos a importância da A s pessoas que têm a responsabilidade de construir ou renovar espa-
flexibilidade. Apesar da constância existente no culto cristão, há pode- ço para uma congregação celebrante têm uma maravilhosa oportunida-
rosas forças moldando e mudando as formas exteriores por meio das de de renovar a vida da sua comunidade. Um projeto de construção pode
quais essas constantes são expressas. A s igrejas mais difíceis de se ser o catalisador que torna possível a renovação da igreja. Também
lidar hoje em dia são aquelas construídas há não muito tempo, quando pode ser um puro inferno. O processo (planejamento para a construção)
ainda não havíamos aceito a realidade da mudança no culto. Um novo pode ser mais importante para a vida da congregação do que erigir o
elemento muitíssimo importante hoje em dia em nosso pensamento produto (o prédio). Afinal de contas, a igreja é gente, e não um prédio.
sobre arquitetura eclesial é a franca aceitação da mudança. A idéia Porém o planejamento de uma construção muitas vezes pode ajudar as
romântica de John Ruskin de que "quando construímos, pensemos que pessoas a descobrir ou redescobrir o que significa ser a comunidade da
estamos construindo para sempre" pertence a outra época. E m vez graça de Deus. Muito depende da liderança exercida na orientação do
disso, deveríamos dizer: "Ao construirmos, não amarremos o futuro." processo de planejamento e da disposição para se tomar o tempo neces-
Isto porque sabemos que será diferente, talvez até dentro de pouquíssimo sário para uma preparação adequada.
tempo. Bancos irremovíveis, púlpitos maciços, bancos fixos para o
coral, tudo isso pertence a uma época que não podia nem sequer Mas o prédio não deixa de ser importante também. Depois de
imaginar a possibilidade de mudança. Mas tanto a história quanto a construído, ele continuará a moldar a imagem do culto durante gera-
experiência recente nos ensinaram que aquilo que parece tão verdadei- ções. Embora não seja totalmente verdade que o prédio sempre prevale-
ro e óbvio em determinado período talvez não o seja no próximo. Não cerá, ao menos precisamos reconhecer que ele pode ser um poderoso
tentemos impor irremediavelmente nossa vontade em concreto àqueles aliado ou um formidável inimigo. Suas testemunhas durarão mais tem-
que v ê m depois de nós. Eles também merecem ser ouvidos. po do que seus construtores. Quanto mais cuidadosamente estudarmos
e refletirmos sobre o culto cristão, melhor equipados estaremos para
U m elemento elusivo ao longo do nosso panorama histórico tem sido a ajudar a planejar um prédio que seja um instrumento valioso a nos
necessidade de construções que promovam uma sensação de intimidade. ajudar a falar, agir e tocar em nome de Deus.
Esta certamente existiu na igreja antiga, foi recuperada em muitas tradi-
ções da Reforma e é ardentemente buscada ao se construir hoje. A
sensação de intimidade é importante ao enfatizarmos a participação de
toda a comunidade celebrante. A atual reação contra construções monu- Música e Espaço Litúrgicos
mentais é um sinal saudável de que um povo servidor aprendeu que a
arquitetura deve servir à comunidade, e não a dominar. Isto implica O espaço determina muitas coisas no culto, porém uma das mais
construções menores e menos dispendiosas, que permitam a cada partici- fácil e tragicamente esquecidas é como ele afeta o som. Cada prédio de
pante do culto sentir que está no palco desempenhando um papel impor- igreja forma um ambiente acústico. Cada qual é único. E poucas coisas
tante no culto, ao invés de ser um espectador solitário perdido na platéia. afetam o culto mais profundamente do que a forma como o som se
O espírito humano associa culto com beleza. A beleza é uma qualidade comporta no espaço. O som naturalmente também existe no tempo, e
elusiva, e o consenso sobre quais coisas e lugares são belos nem sempre é poderia muito bem ter sido tratado no capítulo 2. Porém a relação do
som com o espaço precisa ser enfatizada, particularmente por ser es- ta aprecia um pouco de reverberação. Concessões entre os dois geral-
quecida com tanta freqüência no planejamento do espaço litúrgico. mente são necessárias.
Igrejas são construídas para ser usadas. Em geral são fotografadas Embora tenhamos que nos dar conta de que há muitos outros compo-
vazias, sem gente, porém uma igreja funciona principalmente quando nentes audíveis no culto, nossa atenção principal deve ser dirigida à v o z
ocupada pelas pessoas de uma congregação. O próprio ato de as pes- falada e à música. Diremos mais sobre ambas em capítulos subseqüen-
soas se reunirem é um evento sonoro, muitas vezes iniciado por sinos tes, mas pode ser útil dizer algumas palavras neste ponto sobre música
chamando-as do mundo para a igreja. sacra de modo geral, particularmente na medida que é afetada pelo
O som, então, existe no espaço, assim como no tempo. Nossa preocu- espaço. Assim como a arquitetura é a organização do espaço, a música
pação aqui é com todos os sons que existem dentro de uma igreja e com é a organização do som.
a maneira como esses sons agem nesse espaço para dar forma e deter- A principal função da música sacra (música eclesiástica ou música
minar a natureza do culto ali celebrado. Alguns exemplos podem ser litúrgica) é acrescentar uma dimensão mais profunda de envolvimento
úteis. A s grandes dimensões e superfícies rígidas de prédios medievais ao culto. Atualmente é provável que quase toda sala de coral tenha um
de pedra tornaram necessária a prática de cantar as recitações de prosa cartaz com a citação de Agostinho segundo a qual a pessoa que canta
de forma melódica a fim de garantir sua audibilidade. Os salmos geral- ora duas vezes, só que os temores de Agostinho sobre a atratividade
mente eram cantados em uníssono com melodias do cantochão, prática excessiva da música nunca parecem ser mencionados. H á muita verda-
esta bem adaptada a um ambiente acústico em que o som persiste no ar. de nessa afirmação sobre orar em dobro; para cantar, é preciso ter a
Por outro lado, não é por acidente que o canto congregacional na consciência ainda mais plena do que se está fazendo. A dança acrescen-
Inglaterra se desenvolveu em pequenas casas de reunião de dissidentes, taria ainda outro nível de consciência. Para se cantar um texto é preci-
e não em portentosas igrejas paroquiais medievais. Com o tempo os so mais concentração do que apenas para recitar algo, embora excesso
anglicanos adotaram a prática de cantar hinos, porém quem tomou a de familiaridade possa fazer com que o canto por vezes fique muito
frente foram os congregacionalistas e metodistas. Suas pequenas e batido. Quando há música, geralmente se atinge um nível de desempe-
aconchegantes casas de reunião encorajavam o canto congregacional nho ou atenção mais profundo do que quando não há música. A música,
por fazer com que cada um se sentisse "no palco". Similarmente, seria portanto, acrescenta uma dimensão nova a qualquer evento. À s vezes é
difícil imaginar a silenciosa espera por Deus, no culto quacre, em preciso experimentar a ausência de música no culto costumeiro, só
qualquer lugar onde o som fosse tão ressonante como numa grande para perceber o quanto ela incrementa a participação plena.
catedral de pedra. N u m pequeno espaço doméstico, o culto quacre
parece natural; na vastidão, essa fala a partir do Espírito pareceria Uma das razões por que a música contribui para o culto consiste no
difícil. fato de ela ser um meio mais expressivo do que a fala ordinária. A
música nos permite expressar uma intensidade de sentimento, modu-
O culto implica uma ampla gama de sons. Como é que as pessoas lando o andamento, o tom, o volume, a melodia, a harmonia e o ritmo.
interagem ao se reunirem? H á o som de pés, vozes e cadeiras se mistu- Assim, quem canta dispõe de uma gama mais ampla de expressão do
rando no culto. Bebês choram e crianças choramingam. Estes não cons- que quem fala. A música pode e muitas vezes efetivamente transmite
tituem sons a serem suprimidos, mas os sons naturais e bem-vindos ao uma intensidade de sentimento maior do que se expressaria sem ela.
se formar um corpo. Mas pode haver sons incômodos do exterior que
precisam ser abafados, ou zunidos mecânicos internos da iluminação, Outro fator é a beleza da música. Precisamos ser cautelosos neste
calefação ou do ar condicionado que deveriam ser absorvidos. ponto, porque a criação de beleza não é o objetivo do culto (nem de
certos tipos de música), embora a beleza possa ter considerável valor no
Ainda mais crucial é a voz falada. Se houver um eco refletido por culto. H á muita música com qualidades estéticas mínimas que mesmo
superfícies rígidas ou curvas, a pregação pode ser difícil. Ouvir a assim parece funcionar bem como veículo satisfatório para certos indi-
palavra de Deus não deveria ser impedido por ecos. H á problemas víduos expressarem seu culto. Não se deve criticar um culto usando os
semelhantes com um ambiente demasiado absorvente, que faz com que mesmos critérios que se aplicariam a um concerto. Muitos que foram
cada pessoa pense que está cantando solo, de modo que geralmente ensinados a saber o que é "boa" música sacra para gente sofisticada
acaba parando de cantar. A absorção demasiada pode fazer com que a não reconhecem que também deveriam ter aprendido o que é " b o m "
música de órgão perca muito do seu brilho. A acústica precária pode para as pessoas e as circunstâncias na qual esta música realmente é
frustrar tanto o orador quanto o músico, mesmo que seus requisitos usada. E m todos os níveis de sofisticação cultural há uma série de
não sejam os mesmos. O orador não deseja eco, ao passo que o organis- possibilidades diferentes, algumas muito mais adequadas do que ou-
tras para cada situação. Assim sendo, se não selecionarmos a música de O espaço tem outros efeitos sobre a música coral. Com efeito, o som
acordo com a cultura e a situação da nossa comunidade, corremos o desse tipo de música será em grande parte condicionado pelo espaço
risco de sermos elitistas na escolha. que lhe for destinado. Antes de construir, precisamos perguntar: qual a
U m a função da música, então, è oferecer algo que consideramos belo, função da música coral? Infelizmente costumamos receber como res-
não importa quão exígua seja nossa própria habilidade musical. É por posta um coro de vozes confusas. A maioria das comunidades dedica
isso que, quando a própria pessoa canta, isto implica mais participação muito mais tempo e energia à construção de espaços maiores e melho-
ativa do que quando ela ouve outra pessoa cantando, por mais superio- res para o coral do que ao exame do que entendem ser a sua função no
res que sejam os méritos musicais da mesma. Felizmente não são culto. Mas aquilo que consideramos ser as principais funções de um
tantas as vezes em que precisamos optar entre as duas possibilidades; coral com certeza determinará a organização do espaço coral e sua
podemos ter música coral e congregacional no mesmo culto. Porém o localização relativa aos outros quatro espaços litúrgicos.
canto congregacional tem a vantagem específica de dar a cada pessoa a
Se a principal função do coral é concebida como u m compartilhar do
oportunidade de oferecer a Deus o melhor som que ela pode criar. Não
ministério da palavra - canto para a congregação -, isto pode requerer
se pode substituir isso pelo esforço de outra pessoa.
uma localização de frente para a congregação. Mas um coral se destina
A música sacra é essencial para acrescentar dimensões adicionais de a ser ouvido, não propriamente visto, e esta localização pode causar
sentimento e beleza ao nosso culto. Se a música é tão importante para o problemas. Outros celebrantes não deveriam se ver obrigados a compe-
culto, então os efeitos do prédio sobre a música são cruciais. No culto, tir com o coral pela atenção da congregação, particularmente durante a
todo o prédio da igreja se torna ele próprio um instrumento musical. O pregação. Se um coral é considerado necessário principalmente para
som ricocheteia para todos os lados ou é absorvido no seu interior como oferecer beleza - cantar pela comunidade -, uma localização menos
em qualquer outro instrumento musical. Algumas salas de concerto conspícua também serviria bem. Cada vez mais as pessoas se dão conta
novas são inclusive construídas de modo a ser "afináveis" com painéis de que uma das principais funções do coral consiste em liderar o canto
que podem ser ajustados para que as paredes possam absorver ou congregacional - o canto com a congregação. Isto se aplica principal-
refletir mais som. A t é certo ponto este ajuste acontece também em mente à introdução de novos hinos ou a puxar músicas difíceis. Esta
igrejas. A acústica muda quando mais pessoas se juntam e mais som é função de apoio muitas vezes é melhor cumprida vindo de trás da
absorvido. Como um instrumento musical, o prédio funciona de diver- congregação. De qualquer maneira, o coral deveria ficar tão próximo da
sos modos que afetam diferentes tipos de música sacra. Ele pode real- congregação quanto possível, talvez até misturado com ela. A antiga
çar ou abafar qualquer tipo de música sacra. disposição espacial da basílica (com o coral na frente da nave e cercado Q
pela congregação em três lados) tem muito a recomendá-la hoje para
A s necessidades de música instrumental variam até certo ponto
todas essas três funções. Finalmente, corais às vezes são usados para
conforme o instrumento ou a combinação de instrumentos usada. Geral-
proporcionar fundo musical, o que reduz a música sacra ao entreteni-
mente se deseja um som brilhante e vivo, preferindo-se um pouco de
mento. Nestes casos seria melhor omitir totalmente o coral e o espaço
reverberação, mas não o suficiente para criar um eco que prejudique a
do coral.
fala. O uso crescente de instrumentos que não o piano ou órgão exige
que se providencie espaço. Geralmente se trata de parte do espaço do Mas onde quer que o coral esteja localizado, isto determinará com
coral. E melhor que os cantores e instrumentistas fiquem próximos uns que sensação e significado o coral e a congregação vão ouvir o que é
dos outros, uma vez que é difícil cantar com acompanhamento de longe. cantado. Assim sendo, a localização do coral provavelmente é o proble-
Essa flexibilidade é particularmente importante para o espaço do coral. ma mais incômodo ao se organizar o espaço de culto hoje em dia. E m
É difícil espremer um violoncelo entre bancos do coro, ou carregar um termos ideais, já que o papel do coral pode mudar de uma semana para
piano escadas acima. Mas todo o interior do prédio precisa ser meticu- a outra, o espaço coral seria tratado como espaço móvel. Em algumas
losamente planejado para se evitar que o som tenha que fazer uma ocasiões, como na Sexta-Feira Santa, ele seria omitido inteiramente.
curva de noventa graus para emergir de um coro ou para não se enter- A l g u m a s congregações, depois de muita reflexão, usam o coral apenas
rar um órgão de tubos de U$ 100.000 num transepto. Os efeitos das em ocasiões especiais e para concertos sacros. O espaço coral deveria
superfícies e dos materiais em todo o prédio terão grande impacto estar estreitamente relacionado com o espaço congregacional, de modo
sobre a qualidade da música instrumental ouvida, por mais competente que o coral e a congregação se identifiquem facilmente um com o outro,
que seja a sua execução. em vez de se criar uma aparente divisão entre executantes e ouvintes.
N o culto, todos são executantes.
O mais importante de todos é o canto congregacional. Neste tipo de Eles só desistiram dela quando a idade avançada dificultou a participa-
música, todos os presentes têm oportunidade de se expressar. O principal ção de todos os membros da sua comunidade. Para certos cristãos na
critério aqui não é a beleza, mas a adequação da expressividade. O canto África, batucar e dançar são modos naturais de cultuar com os pés e as
congregacional precisa passar pelo teste de expressar os mais íntimos mãos. A maioria dos protestantes americanos estão distantes apenas uma
sentimentos e pensamentos dos cultuantes. Quando consegue fazê-lo, com ou duas gerações de ancestrais seus que entendiam bater palmas e bater
freqüência é também (porém secundariamente) de grande beleza. com os pés como parte natural da música de igreja. Em muitas igrejas
O canto congregacional é dividido em salmódia (canto de salmos), ortodoxas orientais a congregação inteira continua móvel hoje em dia,
hinódia (canto de hinos) e cânticos (para um conjunto fixo de palavras como o foram os cristãos ocidentais até a introdução de bancos de igreja.
na liturgia, como o Gloria Patri ou o Sanctus). Agostinho chamava o O corpo inteiro participa do culto por meio de diversas posturas
hino de "louvor de Deus em canto", mas em sentido mais estrito a (ajoelhar-se, ficar de pé, sentar-se), gestos (abraçar, partir o pão, fazer o
maioria dos hinos são poesia métrica adaptada a melodias. Eles variam sinal da cruz) e locomoção (para a balaustrada da comunhão, reunir-se,
enormemente em termos de forma e contexto. A canção gospel é um apresentação de ofertas). E m anos recentes a antiga procissão da comu-
tipo informal e altamente individualista. "Pass Me Not, O Gentle Savior" nidade inteira tem sido redescoberta como animadora forma de teste-
ou "Blessed Assurance, Jesus Is Mine", de Fanny Crosby, são exemplos munho, particularmente quando acompanhada de hinódia apropriada.
populares. O hino de ofício consiste em música e texto usados em A t é mesmo a indumentária é parte importante do culto. Ela atesta
ofícios de oração pública diária e muitas vezes termina com uma estro- nossa compreensão da ocasião e nosso papel na mesma, além de facili-
fe doxológica dirigida à Trindade. "Awake My Soul, and with the Sun " tar ou restringir movimentos dotados de significado.
ou "AH Praise to Thee, My God, This Night" são exemplos conhecidos A dança litúrgica tem-se tornado mais comum em anos recentes. E m
escritos na língua inglesa. Muitos outros foram traduzidos do latim por muitos aspectos ela é comparável à música coral, com executantes
John Mason Neale e outros. treinados e habilidosos oferecendo liderança. Quando possível, a con-
A importância do canto congregacional nem sempre impede que seja gregação também deveria participar ativamente, como no caso da músi-
negligenciado. Carlton R. Young disse que muitas vezes tendemos a ca. Onde o espaço congregacional está totalmente tomado por bancos
tratar o coral como se ele fosse a congregação, ao passo que devería- irremovíveis, as possibilidades da dança congregacional são muito li-
mos, ao invés, tratar a congregação como se fosse o coral. O coral mitadas. Mais uma vez, é difícil lutar contra um prédio construído.
sempre é apenas um suplemento da congregação, exceto em concertos O silêncio também é parte importante do culto. A ausência de som
sacros. O coral existe apenas para fazer aquilo que a congregação não muitas vezes pode comunicar muito. Os quacres podem ensinar a todos
consegue realizar, ou para ajudar a congregação a cantar melhor. Músi- os cristãos muita coisa sobre o silêncio. O melhor uso do silêncio
ca coral não é substituto do canto congregacional. depende da disciplina; o silêncio passa a ser plenamente coletivo ao ser
Boa parte da eficiência do canto congregacional depende da acústica. direcionado de tal modo que todos os cultuantes focalizem em conjunto
Um prédio que absorve demasiadamente o som inibe o canto de cada a confissão de pecados, a reflexão sobre a leitura recém-proferida ou a
membro, uma vez que reforça o temor de que a sua voz esteja se intercessão. O silêncio dirigido pode ser intensamente comunitário. U m
sobressaindo. Superfícies rígidas no chão e nas paredes podem ajudar catar moscas indisciplinado certamente não o será. Para não ser inter-
muito o canto. A comunidade também não deveria ser dividida em rompido, o silêncio pode exigir proteção contra ruídos externos, e sons
transeptos separados ou galerias, salvo se necessário. Essas distribui- mecânicos dentro do prédio talvez precisem ser abafados. Mesmo no
ções podem ser boas para o canto responsivo, porém este método é silêncio, o espaço é de suma importância.
pouco freqüente fora das congregações monásticas.
A música é uma arte corporal. Nossas inibições podem impedir-nos de
reconhecê-lo, porém a música chama todo o nosso corpo para movimen-
Arte Litúrgica
tar-se. A s crianças infelizmente são ensinadas a não dançar. Crianças
mais jovens freqüentemente desatam a dançar ao som de música, porém
O espaço também proporciona o ambiente para outro componente
a idade fá-las aquietar-se. Por vezes os cristãos usaram dança litúrgica
importante do culto cristão que são as artes plásticas. Ralph A d a m s
como parte principal do culto: Clemente de Alexandria, no séc. 2, disse
Cram, o famoso arquiteto, gostava muito de referir-se à arquitetura
que a oração envolvia as mãos e os pés. Os shakers ao longo da maior
como o "nexo das artes". Isto em grande parte é verdade: a arquitetura
parte do séc. 19 fizeram da dança uma parte importante de seu culto.
abriga não só a música e a dança, mas também a escultura, a pintura e criadores de santos da cultura hispânica do séc. 19 e início do séc. 20
uma série de artes plásticas e artesanatos. Porém a arquitetura faz no Novo México e no Colorado criaram uma arte litúrgica de extraordi-
muito mais do que apenas abrigar as outras artes; ela aumenta ou nário poder religioso, da mesma forma como os shakers, contemporâne-
restringe a capacidade delas de ajudar os cristãos a expressar sua os deles, o fizeram no tocante à dança litúrgica. Primitivas e toscas são
relação com Deus. as suas imagens, mas ninguém pode contemplá-las sem ser chamado ao
culto. Elas desprendem poder numinoso numa peça de madeira ou na
Quais as funções que as diversas artes plásticas desempenham no tela, baseando-se muito mais em convicção e intuição do que em habili-
culto cristão? A l g u m a s tradições as evitaram totalmente. Por vezes, na dades artísticas acadêmicas. Este tipo de arte atinge nosso olho inte-
igreja antiga e na Reforma, houve violentos rompantes contra elas, rior, e descobrimos quão próximo o ver está do crer.
embora essas diversas irrupções de iconoclastia (destruição de ima-
gens) fossem elas próprias forte testemunho do poder das imagens Aqueles que destruíram arte litúrgica no passado reconheciam clara-
visuais. No extremo oposto, as artes são usadas de modo puramente mente seu poder religioso, porém temiam que o povo ignorante pudesse
decorativo apenas para ornamentar o espaço. Quando amansadas e confundir o espelho com o que se refletia nele. Esta é provavelmente a
inócuas, elas têm pouco poder de contribuir para o culto e apenas forma menos perigosa de idolatria com que nos deparamos hoje em dia.
oferecem uma ambientação visual. De fato, quando a arte litúrgica nos chama para afastar-nos da satisfa-
ção egocêntrica de nossas emoções e nossas vidas autocentradas, ela
Precisamos distinguir entre arte religiosa de modo geral e arte
pode derrubar uma forma muito pior de idolatria.
litúrgica (por vezes denominada arte cultual, particularmente ao se
considerarem exemplos não-cristãos). N u m a formulação bem sucinta, Outra característica da boa arte litúrgica é sua natureza comunitá-
arte litúrgica é arte usada em culto. "Arte religiosa" é uma categoria ria. O que é projetado não é a experiência individual do artista, mas as
bem mais ampla e, segundo certas definições, inclui ilustrações na percepções da comunidade toda. A boa arte litúrgica não é notável por
literatura de escola dominical, paisagens de Van Gogh ou arte abstrata. sua originalidade no assunto, mas por captar a experiência de uma
Paul Tillich estava disposto a usar o termo "religioso" para designar comunidade. Isto não significa que o artista precise ser cristão; desde
qualquer arte que apresentasse profundidade, que penetrasse além da as antigas catacumbas até a França moderna, arte litúrgica bem-sucedi-
observação superficial .6 da tem sido criada por artistas não-cristãos trabalhando sob a cuidado-
sa orientação da comunidade cristã. E muitos artistas cristãos não
A principal função da arte litúrgica é levar-nos à consciência da
conseguiram produzir arte litúrgica satisfatória porque seu devaneio os
presença do sagrado, tornar visível aquilo que não pode ser enxergado
chamou para uma visão pessoal, ao invés de comunitária. Um arquiteto
por olhos comuns. A arte litúrgica não torna Deus presente, porém ela
não pode projetar uma boa igreja sem entender a vida da comunidade
traz a sua presença para a nossa consciência. Assim como uma fotogra-
que a usará, assim como um artista não poderá produzir boa arte
fia traz à memória pessoas amadas que podem estar longe de nós, a arte
litúrgica sem compreender a mesma vida.
litúrgica abre nossos olhos para a presença não-visível de Deus. Há
uma diferença, naturalmente. A arte litúrgica nos conscientiza de uma A comunidade cuja vida em conjunto deve ser atendida por tal arte
presença, não de uma ausência. não tem a idade de apenas uma geração. Trata-se de uma comunidade
de tradições. Estas refletem a maneira como outras gerações experi-
A arte litúrgica realmente adequada tem um potencial tremendo por
mentaram e se regozijaram nas ações de Deus. Elas descobriram que
causa do seu poder religioso . Trata-se do poder de penetrar além do
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algumas formas visuais refletem adequadamente essas realidades. A


óbvio e transmitir o divino. Boa parte da arte colocada em igrejas em
experiência passada sempre é nosso ponto de partida ao criar arte
séculos recentes era profundamente deficiente neste aspecto. A arte
litúrgica para hoje. Isto não quer dizer que a arte litúrgica seja imutá-
litúrgica precisa usar os objetos deste mundo a fim de representar o
vel; a pesquisa histórica pode documentar com facilidade a introdução
imaterial. Mas quando a pintura e a escultura simplesmente refletem
de novos estilos e conteúdos. Porém sob toda a sua diversidade há uma
reproduções naturalísticas da aparência de pessoas ou objetos, elas
forte corrente subjacente de constância, retornando de tempos em tem-
deixam de penetrar além da superfície, por mais habilidoso que seja o
pos aos mesmos conteúdos visuais, assim como também continuamos
artista. Muitas pinturas populares da cabeça de Cristo representam
optando deliberadamente por muitas das mesmas palavras e atos que
apenas a natureza humana de Jesus, e nunca nos conduzem além do
nos associam a outros cristãos de épocas diferentes.
óbvio. Um pintor do séc. 20, Georges Rouault, por outro lado, conseguiu
tratar este tema com tanta sensibilidade que sabemos que nos encontra- Parte do vocabulário herdado do passado toma a forma de símbolos
mos diante de um Deus sofredor. Os muito menos habilidosos artífices visuais. Cada movimento de massa cria seus próprios símbolos visuais.
Exemplo disso é a arte dos adesivos de pára-choque em favor do controle
Boa parte do que foi dito a respeito da pintura se aplica igualmente à
das armas de fogo, do movimento ecológico ou do feminismo. Trata-se em
luz colorida, isto é, vitrais. Poucas criações humanas são mais belas ou
todos estes casos de uma forma instantânea de relembrar crenças em
variáveis que o caloroso efeito de luz colorida sobre a pedra ou reboco.
comum. A igreja por muito tempo usou o mesmo tipo de taquigrafia
visual. Uma coroa de espinhos, uma manjedoura, línguas de fogo - todas Demasiadas vezes este meio foi entendido de modo errôneo ao tentar-se
estas imagens e muitas outras comunicam crenças comuns e assim o fazê-lo explicitamente pictorial. Sua natureza se aproxima mais da músi-
fizeram por séculos. Porém símbolos são mortais. Onde está hoje o " V " da ca instrumental, uma abstração que diz algo que palavras e imagens não
vitória na Segunda Guerra Mundial? Para quantos cristãos hoje a romã podem dizer. Não há como negar os fatores emotivos presentes em todo
ou o pavão significam ressurreição? Tampouco é fácil criar intencional- culto, e vitrais coloridos parecem tangê-los quase que universalmente.
mente novos símbolos. Eles se nos insinuam espontaneamente. Provavel- Toda igreja faz uso de artigos de artesanato em vime, cristal, cerâ-
mente milhares de pessoas pensaram ao mesmo tempo na conveniência mica ou metal para vasos de comunhão. Estas formas de arte dão
do sinal matemático de igualdade para expressar a justiça da igualdade oportunidade para expressar a alegria da comunidade por seu Criador.
entre mulheres e homens. Podemos esperar o aparecimento de novos Cestas, cristais, cerâmicas e pratarias de boa qualidade são oferecidas
símbolos e sepultar aqueles que morreram. Isto porque os símbolos pelo comércio na maioria dos lugares. Muitas vezes são superiores
morrem quando se tornam um código esotérico. Os símbolos destinam- àquelas oferecidas por fornecedores de artigos sacros. Quase todas as
se a ser usados porque refletem realidades de enorme importância para a universidades do país têm um departamento de artes que ficaria feliz
vida dos que as experimentam. Podem ser visuais (imagens), audíveis
em ter a chance de produzir ou ajudar uma congregação a adquirir
(palavras) e cinéticos (movimentos), mas em todos os casos eles preci-
esses vasos.
sam remeter-nos a realidades que experimentamos.
A encadernação também é uma arte negligenciada, porém necessá-
Falaremos brevemente de diversos meios usados como arte litúrgica. ria, que merece muito maior atenção por parte da igreja de hoje. Se
A s artes plásticas funcionam de duas maneiras no culto. Algumas são consideramos vitais os conteúdos da Bíblia e dos manuais de culto,
fixas e permanentes; outras, apenas para uso ocasional ou periódico. então deveria haver testemunho exterior e visível da importância des-
Tanto o caráter comum quanto a natureza única de cada evento podem ses volumes no culto.
ser sublinhados por diferentes artes litúrgicas, que podem retratar A arte litúrgica para uso ocasional ou sazonal inclui muitas possibili-
tanto a continuidade quanto a mudança. dades, particularmente têxteis, artes gráficas e os novos meios eletrôni-
Um dos mais importantes meios artísticos fixos e permanentes usa- cos. Houve uma explosão de interesse por artes têxteis em anos recen-
dos no culto é a escultura. Ela tem sido alvo de grande desconfiança na tes, embora seu uso seja antigo. A variedade na utilização de têxteis é
maioria das igrejas ortodoxas orientais, que geralmente proíbem a impressionante. Antepêndios ou paramentos pendem do púlpito e da
escultura em favor de representações bidimensionais. A t é pouco tempo estante de leitura, sendo que frontais servem da mesma maneira para
atrás, a maioria das tradições reformatórias também evitavam formas cobrir mesas de altar (embora a preferência hoje seja não ocultar a
tridimensionais por serem demasiado tangíveis. Entretanto, é difícil forma da mesa do altar). Cores e símbolos sazonais muitas vezes são
duvidar do poder religioso que a escultura pode ter depois de ver as usados. Estandartes litúrgicos podem ser carregados em procissões ou
madonas de Henry Moore ou as figuras de Cristo de Jacob Epstein. suspensos em locais onde correntes de ar lhes dêem movimento.
A pintura parecia perigosa para alguns dos reformadores, mas é Mais controversas são as vestimentas ou a indumentária sacramental
preciso lembrar que cada igreja medieval era em si todo um catecismo, para o clero. Elas são realmente testemunho do conservadorismo do
pintada do chão ao teto com história sacra passada e futura. Algumas clero . Quando os bárbaros invadiram Roma vindos do norte da Europa
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das imagens (Deus Pai com uma longa barba) eram ofensivas também no séc. 5 e introduziram calças para homens em Roma, o clero manteve
para os católicos romanos, sendo que grande parte desta arte foi obliterada. a fé na alfaitaria continuando a vestir os trajes cotidianos da Roma
Era mais fácil imprimir novos catecismos, bem menos imaginativos, sem imperial: a casula, uma cobertura exterior tipo poncho, a alba (ou alva)
dúvida, porém muito mais explícitos para ensinar a doutrina correta ou túnica branca tipo vestido usada por homens e mulheres, a estola
numa época de controvérsia religiosa. Georges Rouault, Graham suspensa em torno do pescoço, símbolo do ofício público (comparável a
Sutherland, Stanley Spencer e inúmeros outros mostraram-nos o quanto uma insígnia policial) e a capa de asperges ou pluvial, um tipo de
a pintura pode contribuir para o conhecimento do objeto do nosso culto manto. Derivados da túnica são a dalmática com mangas largas e
de maneiras que transcendem a maioria das categorias verbais. aberturas laterais, e a sobrepeliz com mangas longas, muitas vezes
usadas dentro de casa sobre um traje de sair longo e negro, a batina.
Vestes especiais são usadas pelos bispos em algumas igrejas. O clero
protestante, acadêmicos e juízes continuam a usar a toga preta do
acadêmico medieval. O séc. 18 fez sobreviver um colarinho secular em
duas pequenas faixas brancas pendentes do pescoço, o peitilho, que
alguns clérigos protestantes usam sobre uma veste preta de pregação, Capítulo 4
o talar. A alba é hoje muitas vezes usada como vestimenta exterior,
sendo preferida por muitos por ser igualmente adequada para mulheres
e homens. Estolas acrescentam variedade de cores, texturas e desenhos Oração Pública Diária
a quaisquer outras vestimentas usadas por baixo (ou por cima) delas. A
roupa é um meio de comunicação, e aquilo que o clero usa expressa
algo sobre o evento.
As artes gráficas assumem tantas formas quanto os têxteis. A
primeira impressão que se tem de um culto é, muitas vezes, um
folheto impresso que nos é entregue ao entrarmos na igreja. E então
V imos nos dois capítulos anteriores quão importantes são o tempo e
o espaço como veículos de comunicação no culto cristão. Com
efeito, é bem possível que não-cristãos obtenham a maioria de suas
tomamos nas mãos u m hinário ou outro livro de culto. Talvez haja impressões sobre o culto cristão ao repararem nos dias santos que seus
cartazes na igreja ou no vestíbulo da mesma. A o s poucos estamos vizinhos cristãos observam e nos prédios que os cristãos freqüentam
nos dando conta de que a aparência de uma p á g i n a é quase tão nesses dias. A s impressões que muitos cristãos têm do culto judaico em
importante quanto aquilo que nela está impresso. Impressos litúrgicos grande parte se baseiam em observações semelhantes. Se o tempo e o
têm-se transformado em anos recentes de uma insipidez deprimente espaço comunicam até para as pessoas que nunca entram numa igreja
para a l g o quase que estimulante, embora bons exemplos ainda sejam para celebrar culto, eles funcionarão ainda melhor como veículos de
raros. Toda comissão de culto deveria fazer visitas regulares à loja comunicação para aqueles que de fato ali se congregam.
local de artigos para arte. Obviamente alguns espaços se adaptam Entretanto, a comunidade reunida para o culto cristão conta ainda
melhor à exposição de estandartes e cartazes do que outros, p o r é m mais acentuadamente com duas outras formas de comunicação: a pala-
dever-se-iam considerar iluminação e lugares adequados para expor vra falada e o sinal executado. A importância desses dois veículos de
formas artísticas sazonais. comunicação para o culto não deveria nos surpreender: eles são as
Os tipos mais recentes de artes visuais usam os meios eletrônicos. formas primordiais com que as pessoas se relacionam entre si. Falar e
Filmes quebram demasiadamente a fluência do culto; imagens paradas fazer são tão vitais em nosso relacionamento com Deus por meio do
podem ser projetadas com sensibilidade, contanto que o prédio o permi- culto como essas atividades o são para nossa comunicação com outras
ta. Onde houver controle adequado da iluminação, superfícies reflexi- pessoas. O Criador é quem nos conhece melhor, e Deus se comunica
vas planas e tomadas elétricas, as projeções podem acrescentar uma conosco por meio de palavras e atos, usando fala e atos humanos. Nossa
nova dimensão ao culto que nenhuma outra geração conheceu. Hoje em atenção neste capítulo e no seguinte estará dirigida para a palavra
dia uma parede pode tornar-se qualquer coisa que queiramos projetar falada como forma primordial de comunicação em grande parte do
sobre ela. O poder de projeção precisa ser usado cuidadosamente, culto cristão. Nos capítulos subseqüentes a estes dois exploraremos
porém de modo a não suplantar, e sim complementar e apoiar o restante como as palavras associadas a atos formam a base dos sacramentos e de
do culto. Assim como a boa música litúrgica, as artes visuais precisam outras formas de culto afins.
ser cuidadosamente coordenadas com o restante do culto. O termo "palavra" é tão importante como símbolo de auto-apresenta-
E m todas essas formas de arte, ficamos na dependência do que o ção, que o quarto evangelho a usa (Lógos) para referir-se ao próprio
espaço permitirá. O prédio pode melhorar muito a eficiência das diver- Cristo (Jo 1.1,14). Embora freqüentes, referências a "a mão de Deus"
sas artes litúrgicas ou pode atrapalhá-las formidavelmente. Bem ou aparecem na Escritura apenas metade das vezes que "a palavra de
mal, a influência do espaço em que celebramos culto é crucial. E nem Deus". A "palavra de Deus" tornou-se um símbolo proeminente na Refor-
poderia ser diferente numa religião fundada na encarnação. ma protestante e na teologia subseqüente como termo referente a Jesus
Cristo, à Bíblia e ao evento da comunicação de Deus por meio da fala
humana. É com a última destas, a palavra falada, que estamos nos
ocupando aqui. " A Palavra" pode referir-se a Deus, ao livro e à fala, e
essa ambigüidade simplesmente sublinha a complexidade e importân- horas diárias de oração particular, presumivelmente obedecidas pelos
cia dessa imagem para a vida cristã. mais devotos. O dia começava com oração, após a qual todos eram
Duas estruturas de culto estão baseadas primordialmente na palavra estimulados a participar da instrução pública "na palavra", quando
falada ou cantada. A ç õ e s estão presentes, mas somente de forma subsi- houvesse. À s nove, orava-se "pois a essa hora viu-se o Cristo ser prega-
diária. Essas estruturas são ofícios de oração pública diária (focaliza- do no lenho"; ao meio dia, quando "se fizeram grandes trevas"; às três,
dos no presente capítulo) e a liturgia da palavra (a ser discutida no quando Cristo morreu; antes de ir dormir, à meia-noite, porque "a essa
capítulo 5). Esta última é a forma primária de culto na maioria das hora toda criatura descansa por um momento para louvar o Senhor; as
igrejas protestantes e poderá vir a sê-lo cada vez mais nas congrega- estrelas, as árvores, as águas param um instante"; e mais uma vez ao
ções católicas romanas, caso não se reverta a escassez de sacerdotes. cantar do galo, quando Pedro arrenegou a Cristo . Tratava-se de um
5

Começaremos observando as formas em que os cristãos têm orado rigoroso esquema que estruturava boa parte do dia segundo a paixão e
em conjunto diariamente. Depois de um apanhado dos diversos trajetos morte de Cristo.
históricos, descreveremos as prioridades teológicas neles presentes. Talvez ainda mais importante do que a hora da oração particular seja
Sugeriremos em seguida as bases para a tomada de decisões pastorais a observação de Hipólito a respeito de uma reunião diária para instru-
no planejamento, preparo e condução da oração pública diária. ção e oração. E ressaltada a assistência dos diáconos. "Ao se reunirem
todos, [eles] instruam os que se encontram na igreja e, após a oração,
dirija-se cada um ao trabalho que lhe compete." Hipólito pode estar
6

indicando os inícios de uma tradição quase perdida no Ocidente, o


Histórico da Oração Pública Diária assim chamado ofício das catedrais ou ofício do povo . Tratava-se de
7

ofícios diários de oração e louvor na igreja principal de uma cidade,


Nosso conhecimento sobre o culto diário dos primeiros cristãos é freqüentados por todos os cristãos. Os indícios sobre esses ofícios
muito escasso. Aparentemente costumes judaicos de orações determi- aumentam ao observarmos o séc. 4 e a crescente respeitabilidade do
nadas em horários determinados exerceram uma grande influência. cristianismo após o fim da perseguição. O ofício do povo aponta para o
Efetivamente constatamos indícios antigos do desenvolvimento gradativo que pode ser a maior lacuna na vida litúrgica católica romana de hoje,
de devoções particulares para cristãos individuais. Mais para o fim do uma alternativa à eucaristia que poderia ser celebrada diariamente
séc. 1 ou no início do séc. 2, a Didaqué recomendava aos cristãos orar o pelos leigos. No Ocidente, o ofício do povo acabou desaparecendo em
Pai-Nosso três vezes ao dia . Outros buscavam disciplinas na própria
1
poucos séculos, significando uma grande perda para o cristianismo. O
Bíblia como forma de praticar o preceito escriturístico de "orar conti- culto público diário, exceto a observação da eucaristia, tornou-se uma
nuamente" (1 Ts 5.17). O SI 55.17 havia sugerido ao "anoitecer e ama- tradição quase exclusivamente clerical e monástica por muitos séculos.
nhecer e ao meio-dia", e Daniel orara três vezes ao dia (Dn 6.10).
Obtemos alguns relances do ofício do povo durante o séc. 4. Eusébio
Sacrifícios haviam sido oferecidos diariamente no templo, um cordeiro
de Cesaréia menciona que " e m todo o mundo, nas igrejas de Deus,
de manhã, outro ao anoitecer (Êx 29.38-39), e os judeus devotos oravam
hinos, louvores e verdadeiros deleites divinos são arranjados para
diariamente nessas horas. O SI 119.164 mencionara: "Sete vezes no dia
Deus ao levantar-se o sol pela manhã e ao anoitecer. (...) Esses 'delei-
eu te louvo pela justiça dos teus juízos", e o versículo 62 acrescentara:
tes' são hinos executados em sua igreja em todas as partes do mundo
"Levanto-me à meia-noite para te dar graças."
nas horas do amanhecer e do anoitecer." Pelo final do séc. 4, as
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O número apropriado de vezes para a oração durante cada dia preocu- Constituições Apostólicas assim instruíam os cristãos: "Reúnam-se
pou muitos escritores cristãos dos primeiros tempos, embora Clemente todos os dias, de manhã e à noite, cantando salmos e orando na casa
de Alexandria achasse que o verdadeiro cristão "ora durante toda a sua do Senhor" . N u m livro posterior, o mesmo documento nos diz: "Ao
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vida" . Tertuliano e Cipriano diziam que se deveria orar três vezes por
2
anoitecer, tu, ó bispo, haverás de reunir a igreja, e após a repetição do
dia, referindo-se ao exemplo de Daniel e a vários atos dos apóstolos nas salmo durante o acender [d]as lâmpadas, o diácono dirigirá orações
horas terceira, sexta e nona mencionados na Bíblia . Essa tríplice discipli-
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pelos catecúmenos. (...) Mas após a despedida destes, o diácono dirá:
na é um "sacramento da Trindade", segundo Cipriano. Ambos os norte- 'Tantos fiéis quantos houver, oremos ao Senhor'". Seguem-se uma
africanos também insistiam na oração ao amanhecer e ao anoitecer. oração responsiva de intercessão, outras orações, uma bênção e a
Em Tradição Apostólica, escrito em cerca de 217, Hipólito relata a despedida. O padrão matutino é semelhante, sem o acender das luzes.
respeito da prática cristã na Roma do seu tempo . Ele descreve sete
4 Crisóstomo disse a cristãos recém-batizados que eles deveriam se
reunir "na igreja ao raiar do dia para fazer vossas orações e confis- povo desaparecer no Ocidente, deixando apenas resquícios como o
sões ao Deus de todas as coisas, e agradecer-lhe pelas dádivas que Ele ofício das trevas na Semana Santa ou certos ofícios em Milão e Toledo.
já concedeu", e então cada um "ao anoitecer (...) deveria voltar aqui O monaquismo surgiu como uma revolta contra o que parecia ser uma
para a igreja, prestar contas ao Mestre sobre todo o seu dia e pedir forma demasiadamente frouxa de cristianismo após a aliança entre igreja
perdão por suas quedas" . 10
e império e o fim da perseguição. Tratava-se basicamente de um movi-
E t é r i a fez anotações meticulosas sobre a série diária de cultos na mento leigo, em suas origens. No séc. 5, Cassiano relatou que os primei-
Jerusalém do séc. 4. Ela observou que três grupos participavam do ros monges egípcios observavam "um sistema prescrito de orações (...)
culto diário na Igreja do Santo Sepulcro: monges e virgens, leigos, e o em suas reuniões da noite e vigílias noturnas" , isto é, ao final do dia e
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clero com o bispo. O culto dos monges e virgens é o mais extenso, com durante a noite. Ele fala de um visitante angélico que partiu após o 12 e

hinos, salmos, antífonas e orações ocupando boa parte do dia e da salmo, estabelecendo assim que uma dúzia de salmos nas matinas era
noite. A l g u n s leigos os acompanham, porém os leigos e o clero geral- suficiente para anjo ou monge. A l é m de salmodia e oração, os monges
mente tomavam parte nos "Hinos da M a n h ã " ao raiar do dia, novamen- egípcios liam um trecho do Antigo e Novo Testamento nos dias da
te nas horas menores ou horas apostólicas - às nove da manhã (só semana, e uma epístola e evangelho aos domingos e na época da Páscoa.
durante a Quaresma), ao meio-dia e às três da tarde - e ao anoitecer ao Nas regiões orientais, o desenvolvimento do monaquismo trouxe o
acender da lâmpada (que ela chama de l u c e r n á r i o ) . H á salmos, refinamento de um ciclo diário de culto. Basílio, em suas Regras Mais
antífonas, hinos, oração por todos, a comemoração de indivíduos pelo Extensas do séc. 4, cita vários precedentes dos apóstolos para a oração
nome, bênção dos catecúmenos e fiéis, e despedida". N o "Dia do nas horas menores e também à meia-noite, além da oração na "hora
Senhor", toda a multidão se reúne antes do cantar do galo para uma matutina, para dedicarmos a Deus os primeiros movimentos da alma e
v i g í l i a da madrugada com salmodia, oração, uma leitura da narrativa da mente", e quando o trabalho do dia está concluído "damos graças
da ressurreição, uma procissão para Gólgota com canto, um salmo, pelo que nos foi concedido neste dia (...) e também confessamos nossas
uma oração, uma bênção e despedida. A o raiar do dia de domingo omissões". "Ao cair da noite, vem a prece para que o repouso seja
segue-se a eucaristia com muitos s e r m õ e s e uma "ação de g r a ç a s " em inofensivo e livre de pesadelos", e cedo de manhã, "antecipando-nos à
seguida. aurora, levantamo-nos para a oração". Ele resume: "Nenhuma dessas
É claro que Jerusalém, sendo centro de peregrinação, não era típica, [oito] horas [de oração] seja esquecida por aqueles que se decidiram a
porém reuniões diárias dos devotos para o louvor e oração antes e viver com fervor para a glória de Deus e de seu Cristo", referindo-se a
depois do trabalho do dia parecem ter sido comuns na igreja principal todos os cristãos, não só aos monges . 14

da maioria das cidades ao final do séc. 4. Conforme a descrição de Crisóstomo nos fala a respeito de outro esquema em congregações
R o b e r t Taft, " a hora matutina de oração era u m ofício de graças e louvor religiosas onde, "tendo dividido o dia em quatro partes, (...) ao final de
pelo novo dia e pela salvação em Cristo Jesus. (...) E as vésperas eram a cada uma eles honram a Deus com salmos e hinos", sendo que o dia
maneira cristã de encerrá-lo, agradecendo a Deus pelas graças concedi- começa e termina com culto . Nas Instituições, Cassiano fala do acrés-
15

das no dia, pedindo seu perdão pelas faltas do dia e rogando por sua cimo de outro ofício matutino em monasterios de Jerusalém, de modo
graça e proteção para uma noite segura e sem pecado." 12
que a série de sete ofícios "claramente fecha, de acordo com a letra, com
O ofício diário do povo sobreviveu relativamente intacto entre os aquele número indicado pelo bendito Davi (...) 'sete vezes ao dia' [SI
sírios orientais e armênios. Seu desaparecimento no Ocidente foi um 119.164]."16

processo lento. Com o tempo ele foi suplantado ali pelo ofício monásti- O ciclo foi completado no Ocidente pela adoção dos sete ofícios exis-
co. Este é conhecido sob várias designações, como ofício divino, ofício tentes junto com um ofício de completas ao deitar-se. N o início do séc. 6,
diário, ofícios corais, ou liturgia das horas, sendo todos uma série de Benedito estabeleceu o esquema ocidental definitivo (ligeiramente dife-
diversos ofícios diários, ou ofícios ou horas avulsas. Acabamos de ver rente daquele das igrejas orientais), que esteve em v i g o r até pouco
este tipo de oração monástica antecipado em Jerusalém, onde os mon- depois do Vaticano II. O esquema de orações diárias e noturnas era :
ges e as virgens seguiam um curso, o cursus, de recitação dos salmos.
Etéria ficou impressionada com quão "adequados, apropriados e rele-
vantes" estes eram, mas está claro que a maioria dos leigos e clérigos Vésperas (ao final do dia de trabalho)
não freqüentava grande parte da salmodia. Cada vez mais o ofício Completas (antes de dormir)
monástico passou a dominar o culto não-sacramental, até o ofício do Noturnas ou V i g í l i a s ou Matinas (no meio da noite)
Laudes (ao raiar do dia) U m amplo sortimento de hinos de ofício surgiu a partir do séc. 4.
Prima (pouco depois) Fragmentos de sermões e exposições patrísticos, lendas de santos e
Terça (no meio da manhã) mártires, uma rica coleção de orações, bem como responsórios (ora-
Sexta (ao meio-dia) ções dialogais) e invitatórios (chamados à oração) preenchiam as ho-
N o a (no meio da tarde) ras monásticas.
A mudança continuou durante a Idade Média. A mobilidade cada vez
A estas freqüentemente eram acrescentados o Pequeno Ofício da Bem- maior do clero, o desenvolvimento de universidades e a diminuição do
Aventurada Virgem, o Ofício dos Mortos, uma litania, sete salmos tempo para a reza do ofício levaram à disseminada adoção, no séc. 12,
penitenciais e 15 salmos graduais. Orar esses ofícios a cada dia signifi- do abreviado modernum officium usado na capela papal em Roma. Ele
cava um árduo mas não extenuante ciclo diário e noturno de trabalho, apresentava um lecionário abreviado, mais hinos e um calendário modi-
oração e repouso. Para Benedito tanto o trabalho quanto o culto eram ficado. O surgimento dos franciscanos no século seguinte aumentou a
serviço a Deus: " E m todas as coisas Deus seja glorificado."17
pressão em favor da brevidade e de um ofício que pudesse ser rezado
O monaquismo e o ofício diário evoluíram juntos, sendo praticamente durante as viagens. Estruturalmente o ofício passou por uma modifica-
identificados um com o outro. Os oito ofícios diários (as horas canónicas) ção: nova redução na quantidade de Escritura lida e maior número de
se afastaram cada vez mais da identificação com a vida secular dos festas de santos. O ofício passou a ser mais e mais uma sucessão de dias
leigos. O monaquismo deu o tom para este tipo de culto. O clero paro- de festas e cada vez menos a recitação ordenada do Saltério e da
quial copiou os monges observando oito ofícios diários nos coros das Escritura semana após semana.
suas igrejas geralmente vazias. Mesmo esses coros, conforme vimos, Ainda mais importante do que a mudança na estrutura foi a mudan-
eram cópias de coros monásticos, e a música cantada refletia o canto
ça na prática. O ofício se desenvolvera, até o séc. 13, como um ofício co-
monástico. Os estilos de vida secular e religioso produziram apenas um
ral, rezado e cantado em conjunto e em coro pelas congregações religio-
tipo de culto diário, o ofício monástico. O clero tinha a obrigação de
sas e (em igrejas paroquiais) por sacerdotes e pelo clero menor, fazendo
acompanhá-lo; e os leigos, a liberdade de ignorá-lo. E efetivamente o
ignoraram, de modo que "os ofícios deixaram de ser na prática, senão uso da memória e de diversos livros. Novas condições de viagem e es-
na teoria, a oração comum do povo cristão" . A l g u n s poucos talvez
18
tudo fizeram surgir a recitação privada e individual de um único volu-
marcassem presença em dias de semana, e mais gente aos domingos, me, um b r e v i á r i o de bolso, certamente uma conveniência, mas também
porém o ofício medieval acabou efetivamente clericalizado. Na Idade uma subversão de todo o princípio do culto conjunto em coro. Mas este
Média tardia pessoas abastadas eventualmente possuíam manuais de passo revolucionário se impôs com tanta firmeza que no séc. 16 uma
culto simplificados, os devocionários para leigos, para leitura (em voz ordem recém fundada, a dos jesuítas, foi totalmente liberada da obriga-
alta) em público ou em caráter privado. Estes geralmente continham ção de recitação coral, fato este sublinhado por seus prédios de igreja
elementos como os ofícios da Bem-Aventurada Virgem e dos mortos. destituídos de coral.
Tais livros no vernáculo ajudaram a preparar o terreno para cultos O desordenado enredamento de festas e regras complicadas deu
posteriores da Reforma. origem a tentativas de reforma, sendo as mais bem-sucedidas as do
cardeal F r a n c i s c o de Quiñones em 1535, revisadas em 1536 . A p ó s 19

Se os ofícios diários atendiam mal as pessoas comuns, eles tiveram inesperada popularidade, ela foi suprimida em 1538 e suplantada pelo
enorme sucesso em abrir u m profundo canal para a vida litúrgica das B r e v i á r i o R o m a n o de 1568. Todos os outros breviários com menos de
congregações religiosas. Em contraposição ao ofício do povo com seu 200 anos foram substituídos, deixando em uso alguns poucos, como o
uso seletivo de salmos, Benedito havia estabelecido uma recitação se- B r e v i á r i o M o n á s t i c o . Mas para a grande maioria do clero e dos religi-
manal sistemática de todo o Saltério. A salmodia, cantada responsiva- osos, impôs-se rigorosa uniformidade e, afora algumas reformas sob o
mente entre os dois lados do coro monástico com antífonas adequadas papa Pio X em 1911, o breviário de 1568 perdurou até os anos 70 deste
(um versículo-chave como refrão), era o cerne do ofício monástico. A re- século.
citação semanal dos salmos durante toda a existência numa vida está-
A Constituição sobre a Sagrada Liturgia (1963) do Concílio Vaticano
vel e m comunidade moldou por séculos a fio a vida de milhares de ho-
I I ordenou uma profunda reforma daquilo que atualmente é chamado a
mens e mulheres. O ofício monástico também usava uma leitura contí-
liturgia das horas. A s orações matutina e vespertina foram declaradas
nua da Escritura, quase que uma disciplina atlética, em vez de ler ape- os "dois gonzos do Ofício cotidiano", devendo, portanto ser "tidas como
nas porções edificantes da mesma, como acontecia no ofício do povo. as Horas principais. (...) A Hora chamada Matinas (...) possa ser recita-
da a qualquer hora do dia. (...) A prima seja suprimida (...) Fora do coro acabar totalmente com esse culto, uma vez que as congregações monás-
é lícito escolher uma das três [terça, sexta, noa]" (CSL, par. 89). Não ticas foram abolidas.
apenas se reorganizou a programação diária, mas também os salmos
foram distribuídos ao longo de um período de quatro semanas, em vez Houve muitas tentativas de adaptação das orações diárias para uso
de uma. " A leitura da Sagrada Escritura" deveria ser proporcionada nas igrejas paroquiais. E m Zurique o reformador Ulrico Zwínglio deu
"em maior profusão", leituras dos padres da igreja "melhor selecionadas", início a ofícios diários que consistiam, em grande parte, de leituras da
e lendas dos santos escolhidas de acordo com sua "fidelidade histórica" Escritura e e x e g e s e da mesma. A ênfase estava grandemente na
(CSL, par. 92). A Constituição não antecipou o subseqüente abandono edificação; o povo de Zurique podia assistir a 14 sermões por semana,
da recitação do ofício em latim, porém encorajou os leigos a "recitar o caso desejasse. Isto serviu de modelo para a prática sub-reptícia poste-
Ofício divino" (CSL, par. 100). rior entre os puritanos ingleses em que o clero se reunia para "profeci-
a s " semanais nas quais todos tinham liberdade de questionar a exposi-
O resultado foi a publicação, em 1971, da Liturgia das Horas, na qual ção que o pregador fazia do texto. E m certo sentido, a necessidade
o dia se articula em torno dos antigos ofícios de laudes e vésperas, monástica de edificação atingiu sua conclusão lógica nos ofícios diários
conhecidos tanto no oficio do povo quanto no monástico. Um ofício de de Zwínglio, dedicados quase exclusivamente à edificação.
leituras, centrado nas Escrituras e nos padres da igreja ou em leituras
sobre os santos, pode ter lugar a qualquer hora do dia. Pode-se escolher Sob Martinho Bucer, reformador de Estrasburgo, a cidade presen-
uma das horas em torno do meio-dia "de modo a preservar a tradição de ciou a abolição da vida monástica e o desenvolvimento de ofícios diários
se orar no meio do trabalho do dia" . E completas está prevista para o
20 em igrejas paroquiais para todos. Isto implicou a tradução dos ofícios, a
final do dia. A nova Liturgia das Horas tem sido incisivamente criticada composição de músicas e a simplificação para dois ofícios diários,
por ser portadora de "um cunho monástico (...) mais uma oração matutino e vespertino . O Saltério de Estrasburgo de 1526 antecipa as
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contemplativa do que u m ofício devocional popular (...) adequada para a reformas de Quiñones uma década mais tarde ao abrir mão das antífonas,
oração privada do clero e dos religiosos" . A necessidade de recuperar
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mantendo, porém, a estrutura básica dos ofícios latinos. Houve acrésci-
um verdadeiro culto do povo continua não satisfeita nas fontes católi- mo de mais leitura e exposição da Escritura.
cas romanas oficiais. Martinho Lutero era conservador. E m 1523 e 1526 ele propôs a volta
a dois cultos diários: matinas e vésperas em dias feriais (dias de sema-
Os reformadores protestantes tomaram medidas mais drásticas para
na, não feriados), compreendendo leituras bíblicas, salmos, cânticos,
reformar a prática da oração pública diária. Conforme vimos, no séc. 16
hinos, o Pai-Nosso, orações de coleta, o Credo e pregação . Embora
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a oração pública diária se havia tornado monopólio quase exclusivo do


fossem destinadas a leigos, Lutero parece ter tido interesse especial no
clero e dos monges. A s necessidades religiosas deste pequeno segmento
uso de matinas e vésperas em escolas e universidades.
da sociedade haviam prevalecido sobre aquelas da maioria do povo. A o
passo que o ofício do povo dos primeiros tempos do cristianismo se A oração pública diária sobreviveu mais tempo em círculos luteranos
compunha de salmos, hinos e orações familiares e populares, a vida do que pode parecer hoje em dia. Nos anos de J. S. Bach na cidade
monástica oferecia o tempo vago para tratar o Saltério inteiro como um saxónica de Leipzig (1723-1750), havia vários cultos de oração a cada
desafio semanal e para empreender a leitura de toda a Escritura. Uma dia da semana, além de ofícios penitenciais ou sermões. Um contempo-
vez que esse modelo monástico era o único amplamente conhecido no râneo de Bach pôde exclamar: "Feliz aquele que pode viver numa cidade
Ocidente, supunha-se de modo geral que o ofício do povo dos primeiros onde o culto é celebrado publicamente todos os dias. (...) Dresden e
tempos tivesse sido semelhante a ele. Isto foi uma dose perigosa de Leipzig são afortunadas, porque nessas duas cidades há cultos de pre-
informação litúrgica errônea, uma vez que emprestou uma estrutura gação e oração diariamente." Esses cultos somente v i e r a m a desapare-
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quase monástica aos esforços protestantes no sentido de reformar o cer ao final do século, e em partes da Romênia eles continuaram exis-
culto diário, levando-os a dar à edificação mais importância do que à tindo entre os luteranos até o séc. 20.
oração e ao louvor. O Lutheran Book oi Worship de 1978 acrescenta ao esquema de
Diversos reformadores encontraram diferentes soluções para o pro- Lutero a "Oração da Manhã: Matinas", "Oração da Noite: Vésperas" e
blema do resgate de orações públicas diárias para uso popular. A s "Oração ao Fim do Dia: Completas" (LBW, 131-60). Para cada uma está
soluções podem ser classificadas nas seguintes categorias: para o culto impresso um acompanhamento musical. A Oração da Manhã inclui
paroquial regular, para grupos dentro da paróquia, para comunidades salmodia, cânticos, leituras bíblicas, hinos, orações e prevê, como
especiais e para o culto em família. Havia também a possibilidade de se opcionais, um sermão e o recolhimento de ofertas, bem como uma
bênção pascal lembrando a ressurreição, esta última para uso nos
domingos. A Oração da Noite pode iniciar com um ofício da luz que ofícios. Uma grande tradição de ofícios diários cantados distingue o
contém salmodia, hinos, cânticos, leituras bíblicas, uma litania, e um culto nas catedrais inglesas.
sermão e ofertas opcionais. A Oração ao F i m do Dia inclui confissão, O sucesso de Cranmer foi indubitável. Com efeito, sua oração da
salmodia, uma breve leitura, um responsório, hinos, orações, um cântico manhã e da noite, além de proporcionar o ofício diário, tornou-se o culto
e bênção. Também estão incluídos dois ofícios de "Oração Responsiva", dominical anglicano normal por 300 anos. A litania, a liturgia da pala-
a "Litania", "Próprios para Orações Diárias", "Salmos para Oração vra da ceia do Senhor e um sermão geralmente eram ajuntados à oração
Diária" e um "Lecionário Diário" (LBW, 161-92). da manhã aos domingos até o séc. 19 adentro, causando certa redun-
A história de sucesso na oração pública diária da Reforma aconte- dância. Mas a piedade eucarística popular e a comunhão freqüente na
ceu na Igreja da Inglaterra. O arcebispo Thomas Cranmer, principal Inglaterra tiveram que esperar pelos metodistas do séc. 18 e pelos
arquiteto do Livro de Oração Comum de 1549 e 1552, estava familiari- tractarianos do séc. 19.
zado com o trabalho dos reformadores do continente e do cardeal A disseminada popularidade da oração da manhã e da noite é bem
Quiñones. Ele combinou matinas, laudes e prima do Sarum Breviary compreensível. Ambos os ofícios apresentam grande quantidade de
medieval inglês em "Matinas", ao passo que vésperas e completas Escritura e considerável participação da congregação, particularmente
foram condensadas no "Evensong". N a edição de 1552, as designações no canto dos salmos e cânticos. Os ofícios são deficientes em sua
passaram a ser "Oração da M a n h ã " e "Oração da Noite". A s horas do carência de hinos. Cranmer se queixou da falta de poetas competentes
meio-dia desapareceram totalmente. Cranmer esclareceu seu objetivo para traduzir os hinos dos ofícios medievais. Na qualidade de ofícios
no "Prefácio", onde ocasionalmente até usou as palavras de Quiñones. diários, a serem suplementados aos domingos pela eucaristia, eles não
Ele esperava "que as pessoas (pelo ouvir diário da Sagrada Escritura previam sermão ou ofertas. A oração matutina e vespertina de Cranmer
lida nas igrejas) haveriam de beneficiar-se cada vez mais no conheci- se transformou no bem-amado culto do povo inglês por séculos e nutriu
mento de Deus e ficar mais inflamadas com o amor da sua verdadeira uma rica piedade bíblica, em vez de sacramental. Sem dúvida, parte da
r e l i g i ã o " . Acreditando (erroneamente) que os "antigos p a i s " tinham
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duradoura popularidade dos ofícios se devia ao estado em que se encon-


previsto leitura diária sistemática de modo a cobrir "toda a Bíblia (ou trava o idioma inglês em 1549 e à habilidade de Cranmer em usar a
a maior parte da m e s m a ) " a cada ano para o povo, Cranmer eliminou linguagem falada do seu tempo com suas cadências cuidadosamente
todos os "hinos, responsórios, invitatórios e similares que efetivamen- balanceadas: "erred and strayed", "wrath and indignation".
te interrompiam o curso contínuo da leitura da Bíblia" . "As regras",
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segundo ele, eram "poucas e fáceis" e somente o livro de orações e a Boa parte da qualidade do trabalho de Cranmer se reflete no fato de
Bíblia eram necessários para conduzir os ofícios. A uniformidade apenas pequenas alterações terem ocorrido nos dois ofícios ao longo de
nacional ficaria assegurada, uma vez que "todo o reino terá apenas mais de quatro séculos. O Livro de Oração Comum americano de 1979
um uso". mostra, finalmente, considerável desenvolvimento no ofício diário, inclu-
indo 110 páginas de material (BCP, 36-146). A mudança mais importan-
O esquema é bastante simples; os salmos são "lidos em sua totalidade te é o reconhecimento franco de que esta é uma era de pluralismo no
uma vez por mês", vários a cada dia na oração da manhã e da noite, culto, assim como na sociedade. A diversidade dentro da Igreja Episco-
começando da frente no início do mês. A Bíblia é lida em sua totalidade pal é reconhecida pela impressão tanto da formulação "tradicional"
na seqüência (lectio continua), começando por Gênesis, Mateus e Roma- quanto da "contemporânea" dos mesmos ofícios. Muitas opções apare-
nos (Antigo Testamento e evangelho nas matinas, Antigo Testamento e cem pela primeira vez num Livro de Oração Comum americano: um
epístola no Evensong). O restante do ofício consiste numa magistral breve ofício para o meio-dia, uma "Ordem de Culto para a Noite",
combinação de elementos dos ofícios do Sarum Breviary. Estes incluem incluindo uma simbólica introdução de luz, e um ofício de completas.
o Pai-Nosso, versículos, salmos com Gloria Patri, duas leituras bíblicas, Um lecionário bienal, baseado no ano eclesiástico, prevê as leituras
cânticos, Kyrie, Credo, Pai-Nosso, versículos e três coletas de encerra- bíblicas (BCP, 934-1001). Mas afora o fato de proporcionar mais opções
mento. Uma mudança ocorreu em 1552 com o acréscimo de um prelúdio para sentenças de abertura, antífonas, cânticos e coletas, é notável quão
penitencial que consistia em sentenças penitenciais da Escritura, num pouco o esquema básico foi modificado desde que Cranmer terminou de
chamado à confissão, numa confissão geral e na absolvição. Preceden- escrever em 1552. Uma revisão basicamente conservadora aparece no
tes para esta maneira de começar se encontram tanto em Quiñones (nas Alternative Service Book 1980 inglês, com mais alternativas em termos
matinas) quanto nos reformadores do continente. E m 1662, orações de cânticos e formulações mais abreviadas de oração matutina e ves-
adicionais e a previsão de um hino foram acrescentadas ao final dos pertina (ASB, 48-95).
Outras igrejas produziram recentemente uma variedade de formas. A Family-Worship da Escócia, de 1647, esboçou um esquema diário de
mais ambiciosa é o volume Daily Prayer (SLR, #5), da Igreja Presbiteriana oração e louvor, leitura da Bíblia e diálogo sobre a aplicação da
dos Estados Unidos, com abundantes subsídios para todo o ciclo do ano mesma. Numerosos manuais e coletâneas de orações foram publica-
cristão. O United Methodist Hymnal de 1989 introduz, pela primeira dos ao longo dos dois séculos e meio subseqüentes para orientar esta
vez, ordens para "Louvor e Oração" matutinas e vespertinas (UMH, 876- forma de oração diária. É difícil documentar até que ponto estava
79). Trata-se de uma tentativa proposital de recuperar o padrão do difundido o uso de orações familiares, embora romances vitorianos,
antigo ofício do povo. Diferentemente dos novos ofícios presbiterianos e como Adam Bede, de G e o r g e Eliot, dêem exemplos de uma reunião
de outros da época da Reforma, a leitura da Bíblia é opcional, sendo a diária de oração, salmódia e leitura da Bíblia dentro do círculo
oração e o louvor prioridades nesta mais nova e, contudo, mais antiga familiar. Tais padrões não estão de modo algum extintos hoje em dia,
forma da oração pública diária. e devocionários continuam existindo em abundância, como The Upper
Uma diversidade de padrões de culto nos dias de semana para grupos Room Discipline.
dentro das paróquias desenvolveu-se com o tempo em diversas denomi-
nações protestantes. Estas receberam forte ímpeto do movimento co- Oração Pública Diária
nhecido como pietismo no final do séc. 17 e no séc. 18. O pietismo
estimulava grupos disciplinados dentro da paróquia, que se encontra- APB, 29-40 MDB, 46-104 Também: Liturgia das
vam em dias úteis para estudo bíblico e oração. Estes foram imitados ASB, 45-95 SBCP, 1-92 Horas, 1971,
pelo metodismo incipiente em classes que se reuniam para orientação BAS, 36-143 SLR, #5 4 volumes
espiritual, canto de hinos e oração, em boa parte de forma espontânea. BCP, 37-155 UMH, 876-79 (católico romano)
N o séc. 19 isto se transformou no encontro de oração do meio da sema- LBW, 131-92 WB, 56-61
na, importante componente do culto no protestantismo americano. Es- LW, 208-99 WBCP, 391-441
tes cultos não só eram dominados pelos leigos, como também foram os
primeiros a dar às mulheres a oportunidade de falar no culto público
(excetuando-se os quacres). Esses ofícios informais deram voz àquelas
pessoas muitas vezes sem voz no domingo e contribuíram muito para a Reflexões Teológicas
capacitação das mulheres, levando-as por fim a se engajar em cruzadas
de reforma. As conseqüências políticas da reunião de oração no meio da E preciso ver a oração pública diária à luz da totalidade da vida
semana foram enormes. cristã para perceber o que é significativo e distintivo na mesma. Obvia-
mente a grande maioria dos cristãos não pratica nem sente falta dessa
Diversas igrejas da Reforma também produziram uma variedade de
forma de culto. Devemos concluir então que se trata meramente de uma
"comunidades de interesse comum" que freqüentemente achavam natu-
opção devota disponível para aqueles que apreciam esse tipo de coisa?
ral fazer orações públicas diárias. A comunidade de Little Gidding na
Ou será que ela satisfaz uma necessidade importante, da qual muitos
Inglaterra, reavivada em anos recentes, realizou um ciclo diário de
cristãos têm sido privados?
ofícios de oração por duas décadas no séc. 17. Seu dia iniciava com
ofícios de oração e concluía com ofícios semelhantes incluindo conside- Quando revemos a dinâmica de outras formas do culto cristão, fica-
rável quantidade de canto congregacional. No séc. 18 os morávios de- mos impressionados com o grau em que expressam predominantemen-
senvolveram um sistema de "corais" de irmãos ou irmãs solteiros/as te a graciosa autodoação de Deus às pessoas. O culto dominical normal
que viviam e prestavam culto em conjunto com oração e hinos diários. da palavra está orientado pela proclamação da palavra de Deus por
Dignas de nota eram também as intercessões de hora em hora, realiza- meio de leituras bíblicas, sermão, música e outras artes. A eucaristia
das incessantemente por indivíduos designados para isso. A oração também focaliza em grande parte a autodoação de Deus por meio de
pública diária era comum entre muitas comunidades utopistas, como os ações feitas com pão e vinho. E verdade que esses ofícios incluem
shakers americanos. elementos de hinos, salmódia e oração, mas sua ênfase é outra.
Uma importante tendência da R e f o r m a foi a relocalização do culto A oração pública diária tem um foco diferente e mais pessoal: nossa
público diário na família. O culto familiar passou a ser uma parte resposta em louvor a Deus em meio à vida diária. Trata-se de uma
importante do culto dos puritanos ingleses, presbiterianos escoce- resposta não só à palavra e aos sacramentos, mas à totalidade da
ses, anglicanos vitorianos e seus afins americanos. O Directory for experiência diária: o sol que se levanta, as brigas em família, a monoto-
nia do trabalho. Trata-se, portanto, de um compartilhar comunitário acima, as circunstâncias da vida monástica encorajavam a disciplina da
das nossas palavras dirigidas a Deus. Muito embora formas comuns oração constante, que incluía cobrir o Saltério semanalmente e as Es-
precisem ser usadas para torná-lo plenamente comunitário, cada um/a crituras anualmente. Isto pode ter sido adequado nessas comunidades,
de nós contribui com os dons pelos quais damos graças, as queixas que mas ofereceu o único modelo que os reformadores protestantes tinham
expressamos, as alegrias pelas quais damos louvor. Esta capacidade de para o povo em geral, de modo que tenderam a fazer da edificação a
expressar-nos na situação da vida cotidiana é que torna característica a principal função do culto diário.
oração pública diária. O antigo ofício do povo relegava a edificação a outras ocasiões:
Boa parte da importância desse tipo de culto consiste em proporcio- catequese e culto dominical. Isso deixava a oração pública diária livre
nar equilíbrio. Isto funciona em vários níveis. Há uma necessidade de para concentrar-se na oração e no louvor em termos que eram familia-
equilibrar a oração pública diária com o ritmo semanal do culto domi- res. E m algumas comunidades desde então, como na dos morávios, não
nical (ou sabático). Mencionamos acima as diferenças de dinâmica precisar do hinário ao cantar era um autêntico sinal de que a pessoa
entre o culto dominical da palavra e a eucaristia. Naturalmente é possí- fazia parte do grupo. U m a variedade grande de hinos poderia ser mais
vel ter sermões diários como fez Zwínglio em Zurique, ou uma eucaris- edificante; a familiaridade permitia que a pessoa manifestasse à vonta-
tia diária como fazem alguns católicos romanos e anglicanos. Porém de os próprios sentimentos pessoais. Portanto, é preciso ter cuidado ao
estes têm uma dinâmica que ofícios focalizados na oração e no louvor tomar decisões sobre se a oração pública diária de fato deve focalizar a
não possuem, e o caráter mais íntimo das orações oferece um equilíbrio Escritura e ser edificante, ou se ela atende a um fim fundamentalmente
desejável em relação aos cultos, os quais se prefere que sejam sema- diferente. Certamente a leitura da Bíblia pode e deveria continuar em
nais, em vez de diários. particular, mas é bem possível que a reunião pública diária tenha
Há também a questão do equilíbrio entre oração pública e oração outras prioridades.
particular. Esta última não foi mencionada, mas presume-se que a ora-
ção pública geralmente esteja acompanhada por oração em particular
em outras ocasiões durante o dia. Uma não substitui a outra; cada qual
fortalece sua contrapartida. Precisamos, portanto, encarar a oração
Considerações Práticas
privada como a outra ponta da mesma haste, não como objeto distinto.
Boa parte do valor da oração pública diária reside no fato de ela ser
A oração particular traz energia e foco para a oração pública. Porém a
adaptável às pessoas e às circunstâncias presentes. Todas as revisões
oração pública proporciona um bom equilíbrio para a oração privada ao
recentes parecem enfatizar a flexibilidade, adaptando as coisas às pes-
relacioná-la com o todo da cristandade em oração. Essencialmente, a
soas e à sua situação. Isto tem implicado o acréscimo de muitas opções
companhia de muitas vozes faz com que a oração cristã seja cristã. Nós
e alternativas. Se é que se pode julgar com base nessas novas formas, a
não oramos contra as pessoas, mas para elas e com elas. E precisamos
adaptabilidade está sendo muito valorizada. Cada comunidade tem seus
da disciplina da oração pública para tornar plenamente cristãs as nos-
próprios estilos de vida distintos, e estes deveriam refletir-se na manei-
sas próprias orações particulares. Caso contrário elas podem afastar-se
ra em que ela ora em conjunto. U m grupo de colegiais num retiro não
do essencial e dar voz a fantasias e aberrações privadas.
deveria esperar que vá orar em conjunto da mesma maneira em que o
Neste sentido a oração pública diária é uma escola de oração. Ela nos fariam estudantes de Teologia.
ensina como orar, algo em que nós todos/as precisamos de ajuda, quer
vivamos no séc. 1 (Lc 11.1), quer atualmente. Talvez não nos ensine a Basicamente, a simplicidade parece ser um fator importante nas
orar por João ou Alice, mas nos ensina, sim, a necessidade de irmos ao reformas modernas. Isto combina muito bem com outra qualidade dese-
encontro dele ou dela quando precisarem de ajuda. A oração de 1662 por jável, que é a familiaridade. O importante na oração diária muitas vezes
"todos os tipos e condições de homens" agora parece um tanto exclusi- é ter condições de refletir sobre palavras que são familiares e significa-
va, mas o instinto era de ensinar os cristãos a estar do lado de todos os tivas. Neste sentido o uso de um mantra ou expressão repetitiva em
outros seres humanos na oração. Desta maneira a oração pública nos certas religiões orientais não deixa de ser relevante. N i n g u é m jamais
ensina como orar, uma vez que ela transcende a limitação das nossas mergulha até o fundo do Pai-Nosso. O Salmo 23 e outros bem conheci-
próprias vidas. dos se revelam inexauríveis. Certas orações e hinos continuam a condu-
zir-nos a profundezas ainda maiores. Estruturas de oração diária que
O terceiro tipo de equilíbrio sobre o qual precisamos refletir é o são simples e não-familiares parecem gozar de preferência cada vez
equilíbrio entre oração e louvor e a leitura da Bíblia. Conforme indicado maior hoje em dia.
A familiaridade também torna desejável uma relativa brevidade. Se
10 minutos é bom, isto não significa que 20 seja duas vezes melhor. A
qualidade da oração diária é que nos interessa, não sua quantidade.
Ofícios curtos também podem atrair mais pessoas a dar uma parada no
meio de um dia cheio ou ao anoitecer. Capítulo 5
E m anos recentes tem havido uma percepção crescente de que se
deveriam associar mais ações às orações diárias. Coisas como o ósculo
da paz transmitido com um aperto de mão ou um abraço, a cerimônia A Liturgia da Palavra
de acender um círio ao anoitecer ou a utilização de incenso são, todas
elas, coisas que movem o corpo e os sentidos e deixam claro que todo o
nosso ser está prestando culto a Deus, e não só nossos lábios.
Nenhuma outra forma de culto é tão afetada pela hora do dia como a
oração diária. O termo "liturgia das horas" resgata este sentido. A s N o capítulo anterior sobre a oração pública diária tratamos de uma
forma de culto moldada em grande parte pela palavra falada.
Voltamo-nos agora para outra forma de culto que igualmente provém
pessoas são diferentes a diferentes horas do dia; elas se comportam de
maneiras diferentes, sentem-se diferentes e têm necessidades diferen- essencialmente da palavra falada, a liturgia da palavra. Embora em
tes. O metabolismo físico não deixa de estar relacionado à maneira ambas as formas de culto ocorra bem mais do que simplesmente aquilo
como as pessoas oram a diferentes horas. Qualquer pessoa que esteja que se realiza pela fala, a palavra falada é o modo principal de comuni-
preparando ou planejando uma oração pública precisará ter sensibili- cação. É oralmente que as memórias coletivas da comunidade são lem-
dade para o fato de que as pessoas mudam ao longo do dia. Isto faz bradas e reforçadas.
parte daquilo que a oração pública diária tem de atraente e desafiante. O assunto deste capítulo inclui a primeira metade da ceia do Senhor,
ou missa, porém a liturgia da palavra é também o culto dominical
normal da maioria dos grupos protestantes, com exceção de alguns
quacres. Por isso seria tentador dar a este capítulo o título de " O Culto
Dominical", caso o ofício em pauta não estivesse presente também em
dias úteis como parte da eucaristia ou em diversas ocasiões de
reavivamentos ou reuniões. "Liturgia da palavra" parece então a desig-
nação mais acurada. Outros termos usados para designar a primeira
metade da missa incluem: pré-missa, ante-comunhão, sinaxe ou pró-
anáfora. Para o culto protestante usual existem muitos termos: culto
dominical, ordem matutina, culto de pregação ou culto divino.
Nosso método será reconstituir os diversos trajetos históricos deste
tipo de culto conforme se manifestam na ceia do Senhor e em ofícios
não-eucarísticos. Então poderemos examinar alguns princípios teológi-
cos pertinentes, antes de passarmos a ver como a história e a teologia se
refletem nas questões pastorais hoje em dia.

Histórico da Liturgia da Palavra

Começamos nosso exame da liturgia da palavra com uma olhadela no


culto da sinagoga judaica. Já vimos que a igreja adotou boa parte do
ritmo temporal judaico e da mentalidade que fez desse ritmo um meio de
rememoração. E muitas vezes voltaremos a ver que tanto as estruturas
judaicas de culto quanto as mentalidades subjacentes tornaram possí- Não havia necessidade de templo para esse tipo de instrução ou
vel o culto cristão. culto, nem mesmo de sacerdotes. Era uma espécie de culto que podia
O ofício sinagogal judaico e sua mentalidade estão subjacentes à ser conduzido por leigos; em qualquer lugar onde dez homens judeus
liturgia cristã da palavra. Portanto, precisamos perguntar quais as pudessem reunir-se, era possível formar-se uma sinagoga. Tudo o que
funções preenchidas pelo ofício sinagogal. Por estranho que pareça, ele era necessário era u m livro e pessoas. N ã o há como exagerar o caráter
parece ter surgido para preencher uma função nacionalista, a sobrevi- leigo de semelhante culto.
vência de Israel durante o exílio na Babilônia. Embora nos faltem O ofício sinagogal focalizava o que Deus fizera. Os judeus celebravam
informações claras sobre as origens do ofício sinagogal, ele parece ter- os atos de Deus não só lendo a sua história (Escritura), mas também
se originado em algum momento no séc. 6 a.C, quando os judeus se com cantos que se regozijavam com essa história (salmos), em orações
encontravam cativos na Babilônia. O templo de Jerusalém estava em bendizendo a Deus por essa história e na reflexão sobre essa história
ruínas e o culto nacionalizado, cujo centro lá se encontrava, fora inter- (sermões). Com o passar do tempo, as orações que recordavam os atos
rompido abruptamente. Não havia maneira de retomar em outro lugar o de Deus também começaram a antever o que ele ainda prometera fazer.
culto sacrificai do templo, que naquela época se identificara exclusiva- Isto tomou a forma de uma súplica para que Deus agisse, o que é um
mente com Jerusalém. Um novo início precisava ser encetado para que desenvolvimento natural da oração. Estilizadas ao longo do tempo, por
Israel pudesse sobreviver. fim as orações passaram a funcionar como credos, bem como louvor e
Aparentemente a sinagoga se originou como uma agência de sobrevi- súplica. A leitura da lei e dos profetas passou a ser prática normal
vência, da mesma forma como muitos grupos de imigrantes nos Esta- quando os judeus recordavam a dádiva da lei e a fala de Deus a eles por
dos Unidos criaram clubes nacionalistas. Israel mantinha sua identida- meio dos profetas.
de pela lembrança. Os israelitas se recordavam do que Deus havia feito O culto, desta maneira, transformou-se numa forma de ensino e trans-
pelo seu povo eleito, cuja história os tornara únicos. E m resposta à missão das memórias comunitárias de um povo com o qual Deus havia
lamuriosa indagação: "Como haveríamos de entoar o canto do Senhor se comprometido. A sobrevivência se deu pela recordação. Não se trata-
em terra estranha?" (SI 137.4), Israel inventou o ofício sinagogal. Sobre- va simplesmente de um passado remoto e morto que estava sendo
vivência, para os israelitas, significava a capacidade de lembrar as lembrado, mas de um Deus vivo, tornado conhecido por meio de eventos
ações de Deus que os haviam transformado num povo distinto. E a passados encontrados no culto presente. À medida que os eventos pas-
melhor maneira de recordar era - assim se evidenciou - por meio de sados eram recitados, eles se tornavam realidade presente por meio da
instrução e oração em conjunto. É difícil dizer se o culto sinagogal qual o poder salvífico de Deus podia ser experimentado reiteradamente.
iniciou primordialmente com vistas ao culto ou para fins educacionais, Por meio do culto as pessoas podiam revivenciar por si mesmas toda a
da mesma forma como é difícil dizer se certo tipo de televisão tem a história da salvação. Vidas individuais eram transformadas ao comun-
intenção de educar ou entreter. Recordar o que Deus fizera e regozijar- gar na recitação de memórias comuns, assim como um adolescente é
se nessas memórias - isto seria culto ou instrução? N ã o importa muito, ajudado a ganhar identidade individual olhando um álbum de fotografi-
o resultado é o mesmo. Israel conseguiu sobreviver através do culto as da família juntamente com o resto da família. O cerne do culto
quando incontáveis outros reinos foram arrasados pela espada. E o sinagogal é a identificação com as memórias coletivas da comunidade a
poder de recordar, reforçado pelo culto geração após geração, foi formi- respeito daquilo que Deus fez pelo seu povo. E a palavra falada é o meio
dável demais até mesmo para a tirania da Babilônia. pelo qual isto ocorre.
Cedo se percebeu que registrar por escrito as memórias comunitári- Assim era o culto com que estavam familiarizados os primeiros
as dás ações de Deus era muito útil para lembrar o que Deus fizera para cristãos, a maioria dos quais eram judeus. Percebemos fragmentos
tornar os judeus um povo singular. Ensinar esses escritos por meio de desse culto na sinagoga de Nazaré em Lc 4.16-28. Jesus fez a leitura do
aulas sinagogais era útil. Mas as memórias realmente tomavam vida ao profeta Isaías e sentou-se para pregar. N a sinagoga de Antioquia da
serem lidas em voz alta, quando eram objeto de reflexão e de regozijo Pisídia, "depois da leitura da lei e dos profetas, (...) os chefes da sinago-
na comunidade reunida. Talvez inicialmente isto não tenha sido pensa- g a " convidaram Paulo e seus companheiros a falar (At 13.15). Tratava-se
do como culto, porém se transformou em culto e o continua sendo: o de um estilo de culto profundamente familiar aos primeiros cristãos;
ofício sinagogal. Judeus exilados e saudosos de sua terra natal se seu Senhor o havia sancionado ao freqüentá-lo com regularidade (Lc
reuniam para ler, refletir e regozijar-se no que Deus fizera para o seu 4.16), e os apóstolos o tinham utilizado plenamente.
povo. E a cada vez que faziam essas coisas, sua identidade era renovada.
Os cristãos convertidos do judaísmo estavam todos familiarizados cessões da Sexta-Feira Santa - oração responsiva, oração silenciosa
com semelhante padrão de culto público, sendo que muitos provavel- com todos ajoelhados e uma oração de síntese em que todos ficam de pé
mente continuaram a celebrar culto na sinagoga ao mesmo tempo em - é primitiva (dos primeiros tempos). Elementos não-essenciais não
que celebravam a eucaristia "em casas particulares" (At 2.46). Mas aparecem na liturgia da palavra dos primeiros tempos. Conta-nos A g o s -
não tardou para que os cristãos fossem expulsos da sinagoga, e em tinho: "Entrei na igreja, saudei as pessoas com a saudação costumeira
meados do séc. 2 constatamos que ocorrera uma fusão desses dois e o leitor iniciou as leituras." Início mais parco e abrupto não é possível
tipos de culto, em caráter experimental inicialmente, mas que logo se imaginar .3

tornou permanente. O padrão sinagogal foi enxertado no padrão da


eucaristia, ou os dois meios foram fundidos: a palavra falada e o sinal Mas não permaneceria tão simples por muito tempo. Se pensarmos
executado. Do séc. 6 ao 16 a liturgia da palavra e a eucaristia se num rio depositando sedimento, podemos imaginar sucessivas cama-
haviam tornado inseparáveis, exceto em ocasiões raras como a Sexta- das de estratos litúrgicos sendo depositadas. Esta é uma forma útil de
Feira Santa. descrever evoluções, só que elementos litúrgicos também foram deslo-
cados ou abandonados totalmente, algo que nem mesmo a figura de um
Embora a união de palavra e sacramento possa ter ocorrido antes, o terremoto conseguiria ilustrar! Os primeiroa_slementos a desaparecer,
primeiro indício que temos dela aparece na Primeira Apologia de Justino foram as leituras d o A n t i g o Testamento, da lei e dos profetas, que
Mártir, escrita em Roma em meados do séc. 2. Justino nos deu dois começaram a cair fora no início do séc. 4. A d e s p e d i d a dos catecúmenos
exemplos de uma reunião eucarística. A primeira segue-se a um batis- (os ainda não batizados) desapareceu no Ocidente lá pelo final do séc. 6,
mo. Os recém-batizados (provavelmente na Páscoa) são conduzidos à embora ainda continue existindo no Oriente. Os catecúmenos tinham
assembléia eucarística, que oferece oração pelas pessoas recém-ba- permissão de ouvir a palavra, mas não de participar das orações dos
tizadas, dá o ósculo da paz e imediatamente inicia a eucaristia. Parece fiéis, do ósculo da paz ou de qualquer ação eucarística. A s intercessões
que a iniciação, quando celebrada, substituía a liturgia da palavra, mas ou orações dos fiéis também desapareceram da liturgia da palavra no
não a eucaristia. O outro ofício que Justino descreve parece ser o culto séc. 7 no rito romano.
dominical normal:
i O restante do estrato mais antigo sobreviveu: saudação, epístola,
No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram 'salmo responsorial, evangelho e sermão. A passagem do tempo trouxe
nas cidades ou nos campos, e aí se lêem, enquanto o tempo permite, as /outras acumulações, especialmente no começo desse estrato.
Memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas. Quando o leitor termi- O segundo estrato representa basicamente material introdutório, in-
na, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos esses belos cluindo canto e oração. Aparentemente estes acréscimos iniciaram no
exemplos. Em seguida levantamo-nos todos juntos e elevamos nossas pre-
séc. 5, depois de o culto cristão ter-se tornado público e mais trabalha-
ces. Depois de terminadas, (...) oferece-se pão, vinho e água (...).'
do. Funcionalmente, muitos deles tendiam a mascarar uma ação vital
Em termos modernos, havia leituras do Antigo e Novo Testamento, um como a de fazer o clero chegar à mesa do altar e cada pessoa a seu lugar
sermão e intercessões gerais, ou oração dos fiéis, isto é, oração em para começar o culto. A ç õ e s executadas em silêncio, por mais essenci-
favor de outros. Aparentemente a quantidade de leitura era flexível, ais que sejam, sempre parecem convidar acompanhamento verbal ou
porém incluía diversos trechos bíblicos. coral, como se nunca confiássemos realmente numa ação simples.
Hipólito corrobora indiretamente esses detalhes duas ou três gera- Caramente, os passos dessa evolução ocorreram em diferentes épo-
ções mais tarde. A s duas eucaristias por ele descritas são ambas especi- cas em diferentes partes do mundo cristão. Podemos sinalizar apenas
ais: batismal e de ordenação. Em nenhuma das duas ele menciona a as linhas gerais do desenvolvimento do rito romano no Ocidente. Já
liturgia da palavra, que aparentemente ainda é separável quando outra vimos quão sucinto era o início de culto em Agostinho, mas dentro de
celebração precede a eucaristia. Mesmo hoje, na Sexta-Feira Santa, a poucas décadas após a sua morte aparecera um rito introdutório que
liturgia da palavra é destacável, permanecendo em sua simplicidade ainda persiste: intróito, Kyrie, Gloria in excelsis e coleta. Este segundo
original, à parte da eucaristia (Saa, 211-22; BCP, 276-82; L B W - Ministers estrato da evolução litúrgica parece ter sido resultado de acréscimos
Desk Edition, 138-43). Isto ilustra a descoberta feita por Anton não-relacionados entre si. O intróito, o primeiro na seqüência das par-
Baumstark: em festas de solenidade maior, os elementos mais antigos tes variáveis da missa, era, em sua origem, basicamente música
tendem a durar mais . Mesmo hoje a primeira parte do ofício da Sexta-
2
itinerante, para acompanhar a procissão do clero até a mesa do altar, ao
Feira Santa mostra a mesma simplicidade conspícua que vemos em feitio de um salmo musicado. A o final do séc. 5, a oração dos fiéis mais
Justino: leituras, salmodia, sermão e intercessões. A forma das inter- antiga foi substituída em Roma por uma oração em forma de litania
(uma série de petições, cada qual seguida de uma resposta repetitiva) parte desse deslocamento. A s igrejas ocidentais inconscientemente
localizada antes das leituras e do sermão. A resposta era Kyrie eleison se concentraram nele.
("Senhor, tem piedade"). No início do séc. 7, as próprias petições ha-
O resultado foi um rito preparatório de devoções de abertura acres-
v i a m desaparecido em Roma, embora litanias completas ainda perma-
centadas como apêndice antes do começo da liturgia da palavra. Elas
neçam no rito bizantino. Somente o Kyrie permaneceu em Roma, minús-
começavam com o Salmo 43, cujo versículo 4 da versão latina oferecia
cula ilha grega num oceano de palavras latinas. O desaparecimento
um texto bem adequado: "Eu irei ao altar de Deus." O séc. 14 prefaciava
sucessivo da oração dos fiéis e da litania deixou a liturgia romana da
o salmo com uma bênção trinitaria. A seguinte dessas orações ao pé da
palavra destituída de intercessões. O terceiro elemento a ser acrescenta-
mesa do altar é o confíteor ou oração de confissão, e uma absolvição
do foi o Gloria in excelsis ("Glória a Deus nas maiores alturas"), ou
ou declaração de perdão, que tinha a função de estação de purificação
doxologia maior, geralmente cantado. De origem oriental, seu uso como
antes de o sacerdote estar realmente preparado para iniciar. A lingua-
parte da liturgia da palavra está confinado ao Ocidente, sendo que nos
g e m penitencial da confissão deu forma a boa parte da piedade
ritos orientais o Trisagion ("três vezes santo") preenche uma função
eucarística medieval, reformatoria e moderna. Orações breves acompa-
equivalente. A coleta, oração ou oração de abertura conclui a liturgia
nhavam então a subida do sacerdote para o altar e o ósculo neste antes
de entrada. A coleta é uma forma ocidental e segue um padrão literário
de iniciar o intróito.
formal que geralmente consiste em: 1) uma interpelação de Deus, 2)
uma oração subordinada relativa fazendo referência a alguma caracte- E m mais um acréscimo medieval trabalhou-se musicalmente o salmo
rística de Deus, 3) uma petição, 4) uma cláusula indicando a finalidade responsorial, o gradual, que originalmente vinha após as leituras do
da petição e 5) uma doxologia de conclusão. Neste ponto, a coleta tem a Antigo Testamento. Quando estas desapareceram, o gradual foi transfe-
função de concluir o rito introdutório e de introduzir as leituras para o rido para se seguir à epístola, sendo abreviado para um único verso. A l i
dia. A s coletas são outra parte variável da eucaristia. Coletâneas de ele se juntou a outros elementos cantados, o aleluia ou trato (para
coletas constituem parte importante dos grandes sacramentarlos ou ocasiões penitenciais). Variações não-bíblicas do aleluia, conhecidas
textos para missas. como seqüências, floresceram na Idade Média, sendo porém virtual-
mente abolidas em 1570.
Recapitulemos: nos sécs. 5 e 6 o rito introdutório foi amplamente
trabalhado. Desapareceram a saudação concisa e a passagem direta A Idade Média (no Ocidente) também acrescentou o C r e d o N i c e n o
para as leituras, e em seu lugar veio uma progressão pomposa e musi- imediatamente após o sermão. Isso parece ter acontecido em oposição
cal de intróito, Kyrie, Gloria in excelsis e coleta. ao arianismo (que negava a divindade de Cristo) e por esquecimento
da natureza proclamatória da oração eucarística. Esta prática de pro-
M a s há ainda um terceiro estrato depositado por gradativa acumu-
ferir o credo provavelmente se originou na Espanha, foi promovida
lação durante a primeira parte da Idade Média. Hoje em dia é comum
por Carlos Magno, mas não foi adotada em Roma antes dos inícios do
aqueles/as que oficiam o culto público dedicarem alguns momentos
séc. 11. N o Oriente ela foi adotada no séc. 6 como parte da própria
de preparo em devoção pessoal na sacristia antes de entrar na igreja
eucaristia.
para iniciar o ofício público. Gradativamente essas devoções pesso-
ais se insinuaram da sacristia para o coro. Elas tendiam a ter u m O resultado de todos esses desdobramentos foi a liturgia da palavra
caráter específico; eram basicamente p e d i d o s de e x c u s a s pela indig- que o séc. 16 herdou e que foi apenas levemente alterada pelos
nidade do oficiante e súplicas no sentido de ser tornado mais digno reformadores, e ainda menos pela Contra-Reforma. N o diagrama 4
para s e r v i r a Deus ao oficiar o culto. Essas devoções, tanto naquela mapeamos os diversos estratos, usando parênteses para assinalar aque-
é p o c a quanto hoje, tendem a s e r i n d i v i d u a l i s t a s , subjetivas e les elementos que desapareceram:
introspectivas. Estas qualidades não são ruins em si, mas quando a
função dessas devoções pessoais foi alterada ao serem incorporadas
ao próprio culto público, ocorreu uma importante mudança. Foi uma
mudança lenta e sutil, não algo debatido e decidido em sínodos
públicos. Ela sinalizou, antes, um deslocamento de ênfase: já não era
uma assembléia reunida para se regozijar no que Deus fizera, mas
uma assembléia de indivíduos reunidos para deplorar seu pecado
perante o Todo-Poderoso. A s igrejas orientais escaparam em grande
A Liturgia da Palavra

O OFÍCIO DA PALAVRA luteranos. O novo (1978) Lutheran Book ofWorship retorna ao modelo
do séc. 6. Há uma "breve ordem para a confissão e o perdão", que pode
Primeiros três séculos Séculos 4 a 6 Idade Média preceder o culto. Estão previstos três acompanhamentos musicais (LBW,
57-119). Quando a eucaristia não é celebrada, a seqüência é: hino de
Saudação entrada, saudação, Kyrie, Gloria in excelsis, coleta, primeira leitura,
Salmo 43 salmo, segunda leitura, aleluia ou trato, evangelho, sermão, hino, credo,
Confíteor ofertas, orações (que podem ser intercessões), Pai-Nosso e bênção. Este
Intróito modelo teria sido familiar para um cristão do séc. 6.
(litania), resposta do Kyrie Na tradição reformada, ocorreu uma mudança maior, baseada na
Gloria in excelsis suposição de que se estava seguindo a igreja antiga. Trataremos de
Coleta João Calvino primordialmente porque sua Forma de Orações Eclesiais
(Leituras do Antigo Testamento) (...) segundo o Costume da Igreja Antiga de 1542 (Genebra, Estrasburgo,
6

(Salmo) 1545) foi a fonte a partir da qual esta tradição se difundiu, embora
Epístola grande parte de sua originalidade se deva a Martinho Bucer. O ofício é
(Salmo) Gradual, aleluia, trato (Seqüência) fortemente penitencial e didático. Esta tradição parecia apreciar muito
Evangelho as confissões de pecados medievais. O rito começa com uma vigorosa
Sermão oração de confissão observando que somos "incapazes de qualquer
Credo Niceno bem, e em nossa depravação transgredimos infinita e incessantemente
(Despedida dos catecúmenos) os santos mandamentos". Segue-se a absolvição, depois u m elemento
(Oração dos fiéis) introduzido por Bucer, o canto do Decálogo. Faz-se uma oração espontâ-
nea, canta-se um salmo metrificado para então se pronunciar uma
Diagrama 4 oração de coleta rogando por iluminação, elemento este supostamente
comum no culto cristão antigo, mas que, ao invés disso, tornou-se uma
Querendo ou não, os próprios reformadores tinham sido moldados contribuição distintivamente reformada . Seguem-se a leitura e o ser-
7

pela versão medieval tardia deste oficio com sua pesada carga de ele- mão. Uma longa oração pastoral de intercessão, uma petição e uma
mentos penitenciais e a perda da leitura do Antigo Testamento e da paráfrase do Pai-Nosso precedem a bênção de encerramento.
oração intercessória. Se tivessem tido maior conhecimento da história
do rito, teriam tido mais liberdade para reformá-lo; sem esse conheci- Calvino preferia que todas as semanas ocorresse a eucaristia, mas foi
contrariado pelo conservadorismo dos magistrados genebrinos que não
mento, as circunstâncias não p e r m i t i a m que se libertassem. _Qs
estavam acostumados a receber a comunhão com freqüência. Mas é
reformadores de fato contribuíram consideravelmente para o avanço da
importante que o modelo para o culto dominical na tradição reformada
pregação, do canto congregacional e dos ritos vernaculares. Em sua
tenha sido a liturgia da palavra, não o ofício diário. O canto dos salmos
Formula Missae de 1523, Lutero alterou pouco na liturgia da palavra . 4

veio a ser uma marca característica do culto reformado. Eles proporcio-


Ele apreciava os elementos musicais, os intróitos, Kyrie, Gloria Jn nam um alegre contraste com o rigoroso caráter penitencial e discipli-
excelsis, graduais, aleluia e credo cantado. Lutero eliminou as devoções nar do culto.
de abertura e seqüências não-bíblicas, porém encorajou o canto
congregacional em alemão, especialmente após o gradual. Certa vez O Westminster Directory* impôs às igrejas nacionais da Inglaterra,
sugeriu que o sermão poderia preceder todo o ofício. Em 1525 Lutero Escócia e Irlanda a abordagem puritana do culto em 1645, suplantando
produziu sua Deutsche Messe ("Missa A l e m ã " ) e introduziu mais hinos o Livro de Oração Comum por 15 anos e acabando com a autoridade do
vernaculares e uma paráfrase do Pai-Nosso após o sermão . 5 Book of Comon Order escocês (1564). O Directory é mais do que um
livro de rubricas, e menos do que um livro de orações. A ordem para o
Embora não tenha sido intenção de Lutero, por meio de um longo e
"culto público de Deus" é a seguinte: o ministro chama a congregação
lento processo a liturgia da palavra, ou "ante-comunhão", passou a ser
para o culto e inicia uma oração lembrando as pessoas de "sua própria
em si mesma o culto dominical normal entre os luteranos, separando
vileza e indignidade para se aproximar tanto dele [Deus]; com sua
assim a palavra e o sacramento, usados há muito tempo. O iluminismo
extrema incapacidade de, por si próprios, [realizar] tamanha obra".
do séc. 18 acabou com as eucaristias semanais na maioria dos países
Segue-se a leitura da Palavra ("ordinariamente um capítulo de cada
testamento" na base da lectio continua), canta-se um salmo, faz-se inter- Desde então esse padrão tem sido destrinchado gradativamente, ao
cessão, uma oração pastoral muito longa de confissão e intercessão, longo dos anos. O Book of Common Prayer americano mais recente (p.
pregação da palavra, oração de ação de graças, o Pai-Nosso, um salmo 316-409) representa significativos ganhos na restauração da leitura do
cantado e uma bênção. Esta liturgia da palavra forneceu por vários Antigo Testamento e da salmodia, e na redução da importância da
séculos a estrutura básica do culto para boa parte tía tradição reforma- confissão. A liturgia da palavra fica intitulada "A Palavra de Deus" e
da de fala inglesa. A pregação é obviamente o ato dominante do culto. A inclui uma saudação, coleta por pureza, o Decálogo ou Resumo da L e i
abordagem medieval, com ênfase na confissão de pecados e na penitên- (rito um), Kyrie ou Trisagion, e Gloria in excelsis, coleta do dia, duas ou
cia, é evidente, mas há claros ganhos na recuperação das leituras do três leituras (entremeadas com salmos, hinos ou canto alternado), ser-
Antigo Testamento, na alta consideração pela salmodia congregacional mão, o Credo Niceno, orações do povo, confissão de pecados opcional e
e na importância da pregação. a paz. Em suma, isto é novamente o esquema do séc. 6. Mudanças
semelhantes foram feitas nos BCPs de outras nações e no Alternative
O Service for the Lord's Day (SLR, #1) presbiteriano de 1984 repre- Service Book 1980.
senta maior consciência histórica de padrões primevos, não deixando,
porém, de refletir tendências da Reforma. Sua estrutura é: reunião das O culto quacre não implica necessariamente a palavra falada. Ele
pessoas, chamado para o culto, hino de louvor, salmo ou spiritual, tem o seu foco numa silenciosa espera por Deus. A p ó s um período de
confissão e perdão, ato de louvor, a paz, oração por iluminação, primei- concentração, as pessoas podem levantar-se para falar à medida que o
ra leitura, salmo, segunda leitura, hino ou spiritual ou canto alternado, Espírito as induza a tal. Há um elevado senso de disciplina, forte
evangelho, sermão, hino ou spiritual, credo ou afirmação da fé, oração relutância em se precipitar em palavras ou em falar a partir de si
de intercessão, ofertas, oração de ação de graças, Pai-Nosso, hino ou próprio. Semelhante culto não cabe em qualquer dos padrões que inves-
spiritual ou salmo, comissão e bênção, e saída. O Service for the Lord's tigamos em outras tradições, embora parte da Sociedade dos A m i g o s ,
Day encoraja o uso da eucaristia a cada dia do Senhor, mas isto não se nos Estados Unidos, tenha adotado o culto estruturado.
tornou comum.
O metodismo herdou o padrão anglicano dominical da oração matu-
Os reformadores anglicanos tomaram decisões diferentes, uma vez tina, litania e ante-comunhão com sermão. O Sunday Service of the
que se beneficiaram de orientação gratuita, baseada em duas décadas de Methodistsin North America (1784) fez alterações mínimas na liturgia
experiência com liturgias vernaculares, dos reformadores continentais. da palavra, além da omissão do credo . A principal mudança foi a
11

Sendo basicamente uma revisão conservadora da liturgia da palavra do expectativa do canto de hinos, que trouxe um calor bem característico
Sarum, o rito de Cranmer de 1549 começava com um salmo de intróito, ao culto metodista. A l g u n s metodistas britânicos tendiam a se apegar à
Pai-Nosso, oração de coleta por pureza, Kyrie, Gloria in excelsis, sauda- oração matutina anglicana. John Wesley mostrou ser mau juiz dos seus
ção, coleta do dia e coleta pelo rei . Seguem-se imediatamente a epístola e
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seguidores na América. E m 1792, ano subseqüente à morte de Wesley, o
o evangelho, vindo a seguir o Credo Niceno e o sermão. O culto passa texto impresso da liturgia da palavra foi posto de lado.
então para a exortação e a eucaristia. Dois elementos foram transplanta-
Que aconteceu no séc. 19? Os livros oficiais da lei eclesial metodista,
dos para dentro da própria eucaristia: intercessões aparecem logo após o
os Cânones, durante este século dão apenas um esboço muito vago: "O
Sanctus, e a confissão vem antes da comunhão. Na versão de 1552 houve
ofício matutino deve consistir em canto, oração, leitura de um capítulo
uma guinada na direção reformada: os salmos de intróito desapareceram
do Antigo Testamento, outro do Novo, e pregação." Isto se parece um
e o Decálogo foi acrescentado imediatamente após a oração de coleta por
pouco mais com a oração matutina do que com a liturgia da palavra,
pureza . As intercessões voltaram para logo após o sermão e as ofertas,
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embora também se lhe acrescentasse uma eucaristia mensal. O


e a confissão agora sucede as exortações, imediatamente antes do sursum
metodismo do séc. 19 se aproximou bastante do reavivamentismo da
corda. O Kyrie desapareceu e o Gloria in excelsis foi banido para imedia-
tradição da fronteira.
tamente antes da bênção final na eucaristia. Uma rubrica previa a
finalização do ofício após a oração geral de intercessão, quando não se Com o esmorecimento do reavivamentismo, o metodismo voltou-se
celebrava a comunhão. Isto permitia separar a liturgia da palavra da cada vez mais para o esteticismo no início do séc. 20, e para o
eucaristia, após mil anos de unidade. Por três séculos esta "ante-comu- historicismo em meados do século. Este foi substituído por uma era de
nhão" ou "segundo oficio" com sermão se seguiu à oração matutina e à ecumenismo com uma preocupação comum no sentido de resgatar as
litania na maioria dos domingos e a eucaristia não era celebrada com antigas raízes do culto cristão. Para a Igreja Metodista Unida, isto se
freqüência na maioria das igrejas paroquiais. cristalizou em A Service of Word and Table (UMH, 2-31). O "Padrão
Básico do Culto" sem a santa comunhão inclui: reunião, saudação, hino,
oração e louvor de abertura, oração por iluminação, leitura, salmo, penitencial, didática e disciplinar. A t é mesmo a eliminação recente de
leitura, hino ou canto, leitura do evangelho, sermão, resposta à palavra partes mais penitenciais dos ofícios não afasta a persistente sensação
(por exemplo, convite ao discipulado cristão, batismo ou credo), preocu- em muitas pessoas de que elas ainda vão ao culto principalmente para
pações e orações, confissão, perdão, paz, ofertas, oração de ação de serem repreendidas, sentirem pesar e se corrigirem.
graças, Pai-Nosso, hino ou canto, despedida com bênção e saída. p> Boa parte do ímpeto para as reformas mais recentes (e mais antigas)
Em inícios do séc. 19 a tradição da fronteira surgiu no oeste ameri- veio do Vaticano II. Este preceituou simplicidade e clareza na missa,
cano, trazendo consigo toda uma nova abordagem da liturgia da pala- enfatizando que "os tesouros bíblicos devem ser mais largamente aber-
vra. Basicamente os cristãos na fronteira dirigiam seu ministério a tos" (CSL, par. 51), que a pregação deveria ser normativa aos domingos
pessoas irreligiosas, as quais eles esperavam converter para o cristia- (CSL, par. 52) e que "deve ser restaurada, para depois do Evangelho e
nismo. U m a forma de culto para os irreligiosos era necessária. Esta se da homilia, a oração comum ou dos f i é i s " (CSL, par. 53). Os resultados
desenvolveu a partir dos encontros ao ar livre ou em tendas, organiza- podem ser vistos claramente no Missal Romano de 1970. A "Ordem da
dos a fim de reunir a população de uma grande área para a pregação, Missa" é: canto de entrada, saudação, rito de bênção ou rito penitencial
orientação espiritual, batismos para os convertidos e uma eucaristia de ou nenhum dos dois, Kyrie, Gloria in excelsis, oração de abertura,
encerramento. Essas novas medidas se mostraram eficientes na frontei- primeira leitura, salmo responsório, segunda leitura, aleluia ou aclama-
ra e foram gradativamente incorporadas à vida cultual de regiões mais ção do evangelho, evangelho, homilia, profissão de fé e intercessões
sossegadas e estabelecidas na costa leste. gerais (Saa, 403-13). Esta estrutura não somente poderia ser quase
intercambiada com os mais recentes ritos das tradições protestantes
O resultado foi uma forma tripartite de liturgia da palavra, aquela
mencionadas aqui, mas também poderia quase passar por aquilo que os
que hoje em dia é a mais comum no protestantismo americano - todos
cristãos romanos faziam a cada domingo 1.500 anos atrás. Silenciada
os domingos ela pode ser vista em cadeia nacional de televisão. A
está boa parte do material penitencial preparatório, e recuperaram-se
primeira parte começa com um ofício de canto e louvor que dá grande
ênfases em leituras do Antigo Testamento, salmódia responsorial, pre-
ênfase à música. Desenvolveu-se um tipo especial de hino, a canção
gação e oração dos fiéis. A recuperação das nossas raízes deu-nos asas!
gospel, cuja mais conhecida autora foi Fanny Crosby: Jesus Is Tenderly
Calling, Rescue the Perishing, Blessed Assurance, Jesus Is Mine. Este
tipo de canto era profundamente introspectivo e altamente individualis-
ta, expressando os sentimentos do devoto. Esta parte do culto incluía Liturgia da palavra (e eucaristia)
oração e recitação de uma leitura bíblica. A segunda parte consistia no
sermão, que era e continua sendo altamente evangelístico, chamando APB, 43-64 LBW, 56-120; Saa, 403-13 WL, 2-12
as almas para a conversão e os convertidos a renovar seu compromisso. ASB, 115-200 126-30 SB, 1-36 WS, 19-62
Tudo encontra seu clímax no ato final, que é um chamado àqueles que BAS, 174-251 LW, 136-98 SBCP..306-41 Também: Scottish
foram convertidos a reconhecerem essa mudança em sua vida dirigin- BCO, 42-43 MDE, 195-307 SLR,#1 Liturgy 1982
do-se para a frente, sendo batizados ou fazendo alguma outra indicação BCP, 316-93 MSB, B1-B39 TP, 24-58 (Igreja
do seu novo ser. Embora o sermão seja a porção mais longa do culto, BofS, 8-24 PH, 976-87 UMH, 2-31 Episcopal
todas as partes são cuidadosamente integradas. BofW, 96-126 PM, 59-62 WB, 21-42 da Escócia)
WBCP, 3-24
A tradição pentecostal, que começou no início do séc. 20, preferiu a
espontaneidade a estruturas claras. Sua forma mais dramática envolve
a utilização do dom de línguas e sua interpretação. Porém mais impor-
tante é a insistência na liberdade de formas estabelecidas e nas inespe- Teologia da Liturgia da Palavra
radas possibilidades de canto espontâneo, testemunhos e leituras
bíblicas. Fundamental para a liturgia da palavra é ouvir e responder à palavra
Se uma coisa pode estar clara na evolução recente em todas essas de Deus, mediada e expressa pela fala humana. Antes de mais nada,
tradições, protestantes e católica romana (com exceção dos quacres, da Deus fala a nós por meio das leituras e do sermão, lidos e pregados por
fronteira e pentecostal), é o retorno às prioridades dos primeiros seis seres humanos.,O que Deus faz aqui realiza-se principalmente por meio
séculos. Atualmente vemos quão presos os reformadores estavam a da palavra falada. Precisamos reconhecer este meio e seus poderes e
suposições medievais, ao tornarem a liturgia da palavra fortemente limites. A fala atua no culto como um meio de autodoação. Por meio de
palavras estamos presentes para outras pessoas e Deus está presente poder de Deus, a fonte na Escritura, a autoridade a partir da igreja e a
para nós. Palavras expressam nossos pensamentos, nossas emoções, relação com as pessoas.
nosso próprio ser, de modo que outros possam compartilhar dos mes-
mos. No culto, Deus se nos autodoa por meio da fala humana e nós, por Seria presunçoso acreditar que pregamos baseados em nosso pró-
meio do poder de Deus, nos autodoamos a ele por meio da nossa fala. prio poder. Deus usa nossas vozes para proferir a sua palavra; o que
temos a dizer tem pouco poder em si mesmo. Mas por intermédio do
Estruturalmente isto significa que esses tipos de culto giram em torno poder de Deus nossas vozes têm o poder de curar e reconciliar. A
da palavra de Deus lida nas leituras e exposta no sermão (quando hou- substância da pregação está fundada na Escritura. Caso contrário ouvi-
ver). Esta certamente foi a intenção dos reformadores, e isso se tornou ríamos preleções solenes, não pregação. Simplesmente não é verdade
muito mais óbvio na nova missa católica romana. Uma oração de coleta que a única diferença entre um sermão e uma preleção são 30 minutos.
da Reforma declarava que Deus "fez com que todas as Sagradas Escritu- A pregação está fundada na palavra de Deus, embora todas as outras
ras fossem escritas para nosso aprendizado" (cf. Rm 15.4). Esse "todas", formas de aprendizado possam ajudar a interpretar as Escrituras. O
conforme se reconhece hoje em dia, significa que ambas as alianças, valor de se pregar a partir de um lecionário ê que ele nos proporciona
tanto a antiga quanto a nova, precisam fazer parte do culto. Para comuni- um cânon católico (embora imperfeito), em lugar de um cânon privado
car as memórias do conjunto da comunidade de fé, seus registros escri- de passagens prediletas. Não pregamos uma fé individual, mas a fé da
tos, as Escrituras, precisam ser lidos e relidos sempre. As memórias igreja, a qual nos examina e nos credencia, autorizando-nos, com isso, a
comunitárias contidas na Escritura conferem à igreja sua identidade. falar por ela ao pregar a fé da comunidade universal dos crentes. A
Sem a continua reiteração dessas memórias, a igreja seria simplesmente pregação não pode acontecer sem audição. Uma congregação de fiéis
um conglomerado amorfo de pessoas de boa vontade, mas sem qualquer que possam ouvir e responder à pregação é parte necessária desta. Pela
identidade real. Por meio da leitura e exposição da Escritura, o cristão presença de ouvintes da palavra, Deus age em autodoação por meio da
recupera e apropria para a sua vida as experiências de Israel e da igreja pregação.
antiga: libertação da escravidão, conquista, cativeiro, esperança de um
Messias, encarnação, crucificação, ressurreição e missão. A sobrevivên- Não é só Deus que fala a nós por meio de leituras e sermão, mas nós
cia da igreja depende de essas memórias e esperanças serem reforçadas, também falamos a Deus. Isso ocorre por meio de oração, salmos, cânticos
assim como foi o caso de Israel. O culto efetivamente é uma "epifania da e hinos. A definição de culto como revelação e resposta é útil neste ponto.
igreja", por meio da recapitulação da história da salvação. Deus toma a iniciativa e nós respondemos com as nossas palavras à sua
palavra. A palavra de Deus não retorna vazia; ela evoca a nossa. Mas nós
Naturalmente não é apenas a recordação de eventos passados que podemos responder somente com base naquilo que Deus realizou.
ocorre nas leituras e em sua interpretação. Nos eventos narrados nas
Escrituras a comunidade cristã discerne um significado que ilumina A oração assume muitas formas: invocação, louvor, agradecimento,
toda a história. O preto-e-branco de toda a história é transformado confissão, súplica, intercessão, oblação e outras. Cada uma delas opera
numa representação a cores na medida em que os eventos escriturísticos de modo algo diferente, embora todas tenham em comum o fato de
serem a voz da criatura para o Criador. Podemos implorar perdão, dar
dão sentido à história. Eventos históricos portadores de significado
louvor, interceder por outra pessoa, mas qualquer que seja a função, o
estão registrados na Biblia e dão à comunidade cristã indicações para
método é semelhante: a articulação de necessidades humanas profunda-
interpretar o presente e o futuro, bem como eventos passados. E como
mente sentidas ao confessarmos, regozijarmo-nos ou implorarmos. A
se o dramaturgo entrasse na peça para nos dizer do que ela trata. oração nos dá a oportunidade de falar as palavras certas, de dizer a
U m a descrição excelente da liturgia da palavra seria "oficio bíblico". Deus tudo que nos preocupa mais profundamente. É parte essencial de
A leitura da Bíblia - feita quer seletiva, quer consecutivamente - é todo culto. O resgate da importância das intercessões na liturgia da
básica. A transmissão das memórias comunitárias narradas na Escritu- palavra é um importante avanço tanto para os protestantes quanto para
ra é crucial neste ofício. os católicos romanos.
A importância da pregação está intimamente ligada à posição cen- Uma redescoberta da salmodia está em andamento entre os cristãos
tral da Escritura. Para uma teologia da proclamação há muitos guias à ocidentais. Qs.salmos não substituem as leituras: eles, são respostas ás
disposição . Pregar é uma forma de comunicação baseada na convic-
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-leituras. Em muitos cultos, salmos ou cânticos estão entremeados entre


ção de que Deus é central no processo de pregação. O/A pregador/a fala as leituras e têm a função de respostas. Eles proporcionam uma forma
por Deus, a partir das Escrituras, por meio da autoridade da igreja, para jubilante de resposta da congregação ou do coral àquilo que foi lido. Os
as pessoas. Quatro elementos são vitais no conceito de pregação: o salmos articulam nossa admiração e maravilha (ocasionalmente tam-
bém nosso desespero) em relação ao que Deus fez. Por vezes eles são sobretudo a escolha dos materiais mais adequados oferecidos nos ma-
profunda e intimamente pessoais; outras vezes, são uma recapitulação nuais de culto, além de, naturalmente, pregar o sermão mais apropriado
da história da salvação. Salmos também podem ser usados como possível. Mesmo estas tradições têm se tornado cada vez mais abertas
invitatório ao culto ou como ato de exaltação na abertura, mas seu uso para a oração elaborada para a ocasião (ex tempore). É preciso dedicar
normal é de resposta às leituras. Cânticos, fragmentos poéticos de um tempo considerável ao planejamento e preparo do culto nessas tradi-
outros livros da Escritura juntamente com alguns poucos hinos cristãos ções. Decisões de natureza pastoral precisam ser tomadas em termos do
dos primeiros tempos, operam da mesma forma como os salmos. Os ponto em que nos encontramos no ano litúrgico, onde o culto será celebra-
mais familiares são o Magnificai, Benedictus e Nunc Dimittis, todos de do e, acima de tudo, as pessoas que estarão no culto.
Lucas 1 e 2, e o Te Deum, um hino de fins do séc. 4. Para as pessoas das tradições reformada, da fronteira e metodista
No. séc. 4 os cristãos começaram a complementar a poesia biblica são necessárias mais decisões ainda. Embora publicações denomina-
com hinos. Os hinos, assim como a oração, funcionam de muitas formas cionais estejam disponíveis na maioria dos casos, muitos/as pastores/
diferentes. H á hinos de louvor, agradecimento, proclamação, contrição, as preferem elaborar sua própria o r d e m de culto. Muitas (embora nem
invocação, oblação e hinos para uma longa lista de outras finalidades. todas) das decisões a serem tomadas g i r a m em torno da ordem do culto.
Assim como as orações e os salmos, os hinos geralmente são dirigidos a Com freqüência as ordens locais ignoram importantes questões históri-
Deus e muitas vezes recitam atos de Deus. Porém os hinos acrescentam cas e teológicas e conseqüentemente fracassam também em termos
outra dimensão, a possibilidade de dar certa tonalidade ao que quere- pastorais. Por vezes a ordem é um legado do/a último/a pastor/a. (A tra-
mos dizer pelo acréscimo de melodia, harmonia e ritmo. Os hinos ofere- dição mais difícil de se superar geralmente é a mais recente.) E por ve-
cem uma forma mais intensa de se dirigir a Deus do que a fala normal, zes a ordem de culto parece elaborada segundo um sistema que trans-
por acrescentarem outro nível de participação: música que envolve todo cende todo o entendimento.
o nosso corpo. Freqüentemente os hinos proporcionam uma ponte bas- Está bastante claro que não-existe uma ordem.."certa" de culto. Mas
tante sutil entre diferentes partes de um culto, por vezes eliminando a pode ser útil sugerir alguns critérios a ter-se em mente durante o
necessidade de uma rubrica falada. planejamento de uma ordem de culto naquelas tradições onde ela está
Por fim há ocasiões no culto em que falamos um ao outro, particular- determinada localmente. Antes de mais nada precisamos dar-nos conta
mente a saudação, avisos, diversas rubricas faladas ("Queremos...", da centralidade da Escritura - de toda a Escritura - nestes tipos de
"Vamos agora..."), diálogos, o credo e a bênção com despedida. Estes culto. Todas as igrejas estão redescobrindo a importância de uma dieta
não são meros requisitos técnicos de procedimento; refletem a natureza mais rica em palavra de Deus no culto. Foram-se os dias em que podía-
comunitária da nossa abordagem de Deus. N ó s viemos para encontrar- mos dar-nos por satisfeitos com uns poucos versículos lidos como texto
nos com nosso Deus e encontramo-nos primeiro com o nosso próximo. É de pregação. A palavra de Deus fala por si mesma e deveria ser lida,
como comunidade que os cristãos celebram culto, e membros de qual- havendo sermão ou não.
quer comunidade falam entre si. Saudações e diálogos nos encorajam e Em segundo lugar deveria haver um óbvio senso de progressão no
nos orientam, enquanto o credo nos ajuda a nos edificar mutuamente ao culto à medida que se procede da saudação até a bênção. Nisto se pode
professarmos em conjunto a fidelidade para com a fé da igreja, que está pecar pelo exagero. Não há indicação clara, por exemplo, a que parte
simbolizada nas palavras proferidas. pertence o Pai-Nosso. Mas pode-se trocar um desenvolvimento que par-
Deus fala a nós, nós nos dirigimos a Deus e falamos uns com os te de atos introdutórios e passa pela proclamação para avançar até o
outros. Todas estas são partes vitais do culto na liturgia da palavra. compromisso por um senso de "fluxo" ou movimento.
E m terceiro lugar há a necessidade de clareza de função. De modo
geral atos de culto Ç l têm a mesma função deveriam vir juntos. E
ue

Questões Pastorais surpreendente ver o quanto a localização da pregação tem-se afastado


da leitura das Escrituras. Mesmo assim, não há dois atos mais seme-
lhantes em sua função do que a leitura e a pregação da palavra de Deus.
Somente baseados em prioridades históricas e teológicas é que pode-
mos melhor tomar as decisões práticas e pastorais que a liderança do Dinheiro, serviço e orações oferecidas em favor de outros também têm
culto impõe. As decisões práticas vão variar de uma tradição para outra.. objetivo semelhante. É preciso perguntar-se pela função de cada ato: o
Para os católicos romanos, luteranos e episcopais as decisões implicarão que é que ele realiza? Qual o seu objetivo? Geralmente isto ajuda a
esclarecer quais são os elos de ligação. Uma ordem de culto pastoral-
A Liturgia da Palavra
mente responsável precisa estar elaborada de modo tal que a clareza de
função permita à congregação acompanhar a ordem com facilidade. va fosse melhor do que várias. Se pensarmos sobre as diferentes fun-
ções destes (e de outros) tipos de oração, pode ter mais sentido fazer
A l é m do problema básico de ordenar o culto, há várias áreas em que orações em separado para cada função principal. A l g u m a s se prestam
problemas são comuns. A primeira delas é que geralmente não temos bem para diversas formas de participação congregacional, como a con-
tido muita sensibilidade para o processo de reunião e dispersão e para fissão (uníssono), a súplica (litania ou oração responsiva) ou interces-
como as pessoas interagem durante esses atos preliminares e finais do
são (espontaneidade). Então a oração pastoral pode desempenhar uma
culto. Mas estas são partes importantes do culto, que precisam ser
única função e fazê-lo bem. A tradição reformada que nos trouxe esse
ponderadas e planejadas com mais cuidado, e não simplesmente masca-
tipo de oração cedeu com demasiada freqüência à tentação de usá-la
radas com música. Os espaços fora da área do culto devem ser convida-
tivos e estimular um desejo de permanência e socialização, e não de para instrução. Atualmente consideraríamos esta uma função dúbia da
entrar e sair correndo. oração, por mais que os cristãos dos sécs. 16 ou 20 precisem de instru-
ção. Mas a oração pastoral pode ampliar nossa visão ao nos conduzir na
O problema das partes penitenciais do culto já foi mencionado. Elas intercessão ou ação de graças, por exemplo. Uma coisa bem feita pode
podem fazer sentido como devoções pessoais para o ministro ou sacer- ser melhor do que muitas malfeitas.
dote na sacristia antes de oficiar o culto público, mas isto não significa A função da música coral, particularmente de textos bíblicos cantados,
que atos penitenciais sejam a melhor maneira de iniciar o culto público. é problemática (cf. cap. 3). Muitas vezes estes podem ser usados como
Na maioria dos cultos eles não precisam nem mesmo aparecer. O pensa- parte da proclamação da palavra, contanto que sejam cuidadosamente
mento contemporâneo parece inclinado a propor que ritos penitenciais escolhidos de modo a se relacionar com as leituras. Quando simplesmente
sejam atos ocasionais, particularmente adequados no Advento e na colocados como interlúdio musical para cobrir alguma ação ou, pior ainda,
Quaresma. Mas quando efetivamente ocorrem, muitas vezes fazem mais como entretenimento, tornam-se altamente questionáveis. O lecionário é
sentido depois da leitura e interpretação da palavra de Deus, sabendo a tão útil para um bom trabalho coral quanto para a pregação abrangente.
comunidade por quais omissões e comissões é necessária a confissão. Quando o texto cantado funciona como comentário musical sobre a pala-
A t é recentemente a salmódia competia com a oração pastoral pela vra de Deus, pode ser um valioso recurso para o culto. Ainda assim, não
distinção de ser a mais moribunda parte do culto protestante. Mas não deveria privar a congregação da oportunidade de cantar hinos e cantos.
há necessidade de qualquer uma das duas encontrar-se nesta posição O credo é um acréscimo um tanto tardio ao culto no Ocidente, e está
pouco invejável. O ideal seria que os salmos fossem cantados. Existem longe de ser necessário. Mas ele pode funcionar como uma resposta
várias maneiras de fazê-lo, desde as paráfrases métricas (hinos) até os apropriada à palavra, principalmente após um sermão doutrinal, dando
arranjos tipo Gelineau, em que um solista ou coral canta os versículos oportunidade de afirmar em conjunto a fé que torna una a igreja. É
de extensão variável e a comunidade entra nos refrões. O novo United difícil visualizar como uma afirmação de fé composta recentemente
Methodist Hymnal contém os responsos e a música para cem salmos possa funcionar desta maneira. Os credos Apostólico e Niceno podem
(UMH, 736-862). A maioria desses métodos pode ser facilmente ensina- ser pronunciados por todos os cristãos e talvez até o Credo Atanasiano
da às congregações, e m especial com ajuda do coral. Quando os salmos em raras ocasiões como o Domingo da Trindade. Todas as outras afir-
não podem ser cantados (se alguma vez se apresentar tal situação), eles mações de fé são denominacionais ou locais, e causadoras de divisão
deveriam ser exclamados alternadamente entre uma e outra metade da em maior ou menor grau. Elas simplesmente não conseguem funcionar
congregação de cada lado da nave central em ritmo relativamente rápi- como símbolos da fé da igreja universal.
do. Os salmos fazem mais sentido quando estreitamente vinculados às
leituras, o que é mais fácil de se fazer acompanhando os salmos relacio- Atos de oferenda parecem vir melhor como resultado do que foi dito e
nados em algumas versões do lecionário ecumênico. ouvido, seja oferta de dinheiro, serviço por outros ou oração em favor de
outros. "Preocupações da igreja" podem ser declarações pedindo ajuda
O principal problema com a oração pastoral é que muitas vezes ela pelos necessitados. A oração de intercessão procura alcançar toda a
tenta fazer tudo, e freqüentemente acaba não fazendo nada. N o caso humanidade: a igreja, as pessoas que ocupam posições de poder, os
ideal, ela pode ser uma magnífica articulação dos mais profundos senti- necessitados ou aflitos, a comunidade local, a comunidade mundial e
mentos e necessidades da congregação. A l g u n s pastores têm esse dom;
(em algumas tradições) os mortos. Claramente esta é a parte mais mun-
outros dentre nós não. Com demasiada freqüência a oração pastoral é
dana do culto. É fácil demais agradecer a Deus por não sermos como
simplesmente sobrecarregada, tentando cobrir confissão, ação de gra-
outras pessoas. A oração de intercessão nos abre para as necessidades
ças, intercessão e todos os pontos intermediários, como se uma tentati-
delas e é um importante ato de crescimento e amor da nossa parte.
A liturgia da palavra continuará evoluindo na sua forma e mesmo
assim continuará bastante igual em sua função na medida em que
capacita a igreja a recordar e a ter esperança. A sobrevivência da igreja
depende dela da mesma forma como a sobrevivência de Israel dependia
do ofício sinagogal.
Capítulo 6

O Amor de Deus Tornado Visível

N os últimos dois capítulos examinamos o amor de Deus tornado


audível primariamente por meio do uso da palavra falada no culto.
Existe, porém, outro meio de igual importância no culto cristão, que é a
utilização de certas ações dotadas de sentido conhecidas como sacra-
mentos, que tornam visível o amor de Deus. Para a maioria dos cristãos
os sacramentos são a experiência de culto mais comum, e na vida
cultual de quase todos os cristãos eles desempenham um papel signifi-
cativo, quando não dominante. Correspondentemente, a segunda meta-
de deste estudo examinará os sacramentos. Este capítulo trata do que é
tradicionalmente chamado de sacramentos em geral, sendo que os três
últimos capítulos os estudarão individualmente.
O culto sacramental se distingue por sua utilização de atos-sinal, isto
é, atos que transmitem significado. Os sacramentos são um tipo de
sinal que implica atos, palavras e (geralmente) objetos. Calvino repete a
declaração de Agostinho: "Acrescente a palavra ao elemento, e resultará
um sacramento, como que ele próprio também uma espécie de palavra
visível." Mais especificamente poderíamos dizer que nos sacramentos
1

as palavras passam a fazer parte de uma ação que usa um objeto como
pão, vinho, óleo ou água.
N o culto cristão tanto a palavra falada (conforme se encontra na
oração pública diária ou na liturgia da palavra) quanto o sinal executa- •
do (como se encontra nos sacramentos) se reforçam mutuamente. Um
aperto de mão não entra em concorrência com uma saudação falada;
cada qual reforça a cordialidade e o significado da outra. A lavagem do
batismo sublinha as palavras ditas a respeito da ação de Deus na
purificação. Assim como comer e beber, falar e agir estão ligados no
culto cristão. O mesmo Deus que nos deu ouvidos para ouvir também
nos deu olhos para ver.
O culto faz justiça às formas em que as pessoas se intercomunicam.
O beijo faz aquilo que palavras não conseguem; palavras conferem
significado ao beijo. Boa parte da beleza e do colorido da vida se
I perderia se tivéssemos que optar entre um meio ou outro. A o invés,
\ dizemos muito por meio de um aceno da cabeça, um gesto da mão ou
um abraço. Cada um desses atos-sinal, embora pequeno por si só, não
O D e s e n v o l v i m e n t o d a R e f l e x ã o s o b r e os S a c r a m e n t o s
deixa de fazer parte de toda uma galáxia de ações que se somam àquilo
que expressamos em palavras. Essas ações revelatórias são um meio de
nos autodoarmos aos outros ao lhes transmitirmos o que queremos A prática dos sacramentos sofreu apenas poucas mudanças dramáti-
dizer ou mesmo quem somos. Palavras fazem isso, porém nem mais nem cas ao longo dos séculos. O desenvolvimento da prática, em sua maior
menos, apenas de modo diferente. parte, foi como o lento desabrochar de um botão. Novas formas de
compreender o que era experimentado nos sacramentos também não
Desde a época do Novo Testamento a igreja julgou essenciais certos foram articuladas rapidamente, exceto em algumas poucas épocas de
atos-sinal para expressar o encontro entre Deus e as pessoas. Esses controvérsia. Muitos termos que atualmente consideramos essenciais
atos-sinal significavam coisas sagradas e se tornaram formas de ex- eram desconhecidos nos primeiros mil anos de história da igreja. Inclu-
pressar aos sentidos o que nenhum sentido físico poderia perceber, a sive o número de sacramentos permaneceu indeterminado ao longo da
autodoação de Deus. Os sacramentos nos chamam a "provar e ver" (SI maior parte da história do cristianismo.
34.8), tocar, ouvir, até mesmo cheirar "que o Senhor é bom". Neles o
físico passa a ser um veículo do espiritual na medida em que o ato-sinal Mais uma vez precisamos começar pela mentalidade e pelos costu-
nos faz experimentar o que ele representa. Obviamente só certos atos- mes judaicos que possibilitaram o surgimento dos sacramentos entre os
sinal dentre as miríades que usamos na vida cotidiana funcionam como cristãos. É difícil imaginar uma vida sacramental se desenvolvendo a
sacramentos. O processo de chegar a um consenso sobre quais atos- partir de alguma religião que não o judaísmo. Os judeus mantinham
sinal deveriam receber a designação de sacramento foi complexo, con- uma tensão entre a transcendência de Deus e o envolvimento concreto
forme veremos resumidamente. dele nos eventos reais da história humana. Deus era tornado conhecido
por meio de eventos e objetos que revelavam a vontade divina, mas que
O número de atos-sinal que podem ser usados universalmente no nunca eram confundidos com a deidade. Os seres humanos, por sua vez,
culto é limitado e parece haver uma propensão natural para o podiam responder a Deus por meio de ações adequadas.
conservadorismo ao se reter aqueles que comunicam bem. Os que estão
em uso atualmente teriam sido familiares em qualquer período da A mais profunda dívida da cristandade para com o judaísmo nesta
história cristã. Atos-sinal não mudam com tanta rapidez como palavras área, então, é a mentalidade que concebia o uso de certas ações e obje-
faladas. Talvez seja esta uma razão por que parecem tão constantes nas tos físicos como uma maneira de os seres humanos e Deus se comunica-
solenes crises da vida: nascimento, matrimônio, doença e morte. rem. Mesmo assim Deus permanecia transcendente, jamais devendo ser
confundido com o que foi criado. Desta maneira, até mesmo objetos
Quando a função original de algo se torna obscura, há no cristianis- inanimados podiam adquirir o poder de falar, sem por isso jamais
mo uma tendência a lhe sobrepor um significado simbólico para mais passarem a ser identificados com Deus. U m a coluna de fogo, uma nu-
tarde abandoná-lo como irrelevante. Tanto os puritanos quanto os cató- vem, um vulcão, o pão de cada dia, todos podiam tornar-se maneiras
licos tenderam a tornar triviais certas ações e enterrá-las debaixo de pelas quais Deus era revelado, embora ele não fosse nenhum desses.
uma pilha de palavras. U m a refeição virou um lanche rápido, o ato de Assim evitava-se uma falsa cisão entre o material e o espiritual. Mesmo
lavagem foi minimizado enquanto interpretávamos em palavras aquilo objetos ordinários, como a água, podiam ser usados para transmitir o
que estava acontecendo, em vez de efetivamente fazê-lo. Só nos últimos amor de Deus a nós. De tempos em tempos os cristãos precisam lem-
anos tomamos consciência plena do valor que as ações têm por si brar-se de que não são chamados a ser mais espirituais do que Deus; o
mesmas enquanto sinais, finalmente dispondo-nos a deixá-las "falar" caminho para o espiritual passa por muitas realidades materiais.
por si mesmas.
E m todo o Antigo Testamento encontramos uma variedade de formas
Neste capítulo vamos reconstituir o gradativo desenvolvimento da de simbolismo profético nas quais ações dramáticas exprimem para as
reflexão cristã sobre aquilo que a igreja experimenta nos sacramentos. pessoas a vontade e intenção de Deus. Freqüentemente as ações não só
Parte desse exame implicará familiarizar-nos com termos que os cris- revelam, mas também ajudam a iniciar eventos. Jeremias faz um jugo de
tãos selecionaram ao longo de séculos como sendo os mais adequados ferro ou esmaga um pote de barro. Essas ações dão ímpeto à subseqüen-
para explicar o que experimentaram nos sacramentos. Tentaremos de- te revelação do que Deus pretende. Elas fazem parte dos próprios even-
pois enunciar o significado que os sacramentos têm hoje. A exposição tos que antecipam, tendo assim o potencial de cumprir a vontade de Deus.
prática acompanhará os distintos sacramentos nos capítulos subse-
qüentes. Do judaísmo também procede uma profunda compreensão de cada
refeição como evento sagrado. Esta, que é uma das atividades sociais
humanas mais comuns, transformava-se para o judaísmo numa oportu- são uma base mais firme para os sacramentos do que os relatos sobre
nidade de louvar e agradecer a Deus, bem como de formar um vínculo suas palavras. Em nível ainda mais profundo, o próprio Jesus como
de unidade entre os participantes. Longe de ser mera necessidade física, manifestação visível de Deus é o sacramento primordial. A igreja, ao
a refeição transformou-se numa maneira de encontrar-se com Deus fazer o que ele fez, simplesmente dá continuidade à sua missão sacra-
como provedor, anfitrião e companheiro. mental de revelar Deus .2

O judaísmo descobriu que os seres humanos também podem usar A igreja continuou a repetir as ações de Jesus a partir da sua morte,
ações para alcançar Deus. Práticas de sacrifício de alimento e bebida isto é, muito antes de as Escrituras terem recebido a forma escrita. O que
tornaram-se maneiras de estabelecer e manter relacionamentos com encontramos registrado nas Escrituras representa, então, práticas sacra-
Deus. Embora as formas de interpretação do sacrifício sejam comple- mentais que a igreja há muito já observava. A s diversas narrativas de
xas, o conceito central parece ser o uso de objetos de valor para transmi- instituição da ceia do Senhor (Mt 26.26-29; M c 14.22-25; Lc 22.15-20; 1 Co
tir nossa intenção, nosso próprio ser, numa entrega do eu para a comu- 11.23-26) podem informar tanto sobre o cumprimento da vontade do
nhão com Deus. Senhor pelas igrejas em diversas localidades quanto nos falam sobre as
Sem essa mentalidade judaica e sem essas práticas a vida sacramen- próprias diretrizes do Senhor . Em suma, os sacramentos são mais anti-
3

tal do cristianismo jamais teria nascido. Mas, como a maioria dos gos que as Escrituras em sua forma escrita, as quais se referem tanto à
primeiros cristãos também eram judeus, essas formas de pensar e fazer prática litúrgica contemporânea quanto ao passado recordado.
as coisas lhes v i e r a m naturalmente. Embora cercados por uma grande Os atos de obediência da igreja a Cristo são, portanto, nossa princi-
variedade de religiões idólatras, os primeiros cristãos foram capazes de pal prova do fundamento dos sacramentos, muito mais do que as pala-
usar o material como canal para o espiritual. Seu senso do transcenden-
vras da instituição. Não há razão para se acreditar que a prática da
te lhes deu liberdade para usar o material de maneiras espirituais sem
igreja não seguisse fielmente o que ela entendia serem as intenções do
risco de idolatria. Era uma liberdade temperada pela responsabilidade
próprio Jesus. As práticas apostólicas dos seguidores de Jesus que bati-
para com os irmãos mais fracos (1 Co 8), que ainda não tinham se
livrado dos grilhões da idolatria. zavam (At 2.41), impunham as mãos (At 6.6), oravam (At 2.42), curavam
(Tg 5.14) e repartiam o pão em conjunto (At 2.46) são atos de obediên-
Os evangelhos mostram Jesus e seus discípulos usando os padrões cia. Esses atos dos apóstolos revelam as intenções de Jesus tanto quan-
sacramentais do judaísmo. Os discípulos começaram a batizar cedo du- to quaisquer fórmulas em letra vermelha. Isto também significa que não
rante o ministério de Jesus (Jo 4.2), seguindo um costume que se desen- estamos limitados a um punhado de passagens para interpretar as in-
volvera de batizar pessoas convertidas ao judaísmo. O próprio Jesus se tenções de Jesus no que tange a sinais representados, mas que podemos
submetera ao batismo pelas mãos de João Batista, fato este explicado recorrer a Atos e às epístolas, que fornecem muito mais detalhes.
pelos evangelistas (com certa dificuldade) como tendo ocorrido para que O Novo Testamento está repleto de referências àquilo que gerações
"se cumprisse toda a justiça" (Mt 3.15). Era óbvio para Jesus, bem como posteriores chamariam de sacramentos. Dentre todas, as mais numero-
para qualquer outro judeu, que a comemoração anual da Páscoa fazia sas, como se poderia esperar de uma igreja inflamada de zelo missioná-
reviver o momento crucial de sua história. A própria refeição pascal era rio, são as referências ao batismo. E m segundo lugar v ê m as menções
uma série de atos-sinal que recordavam o que Deus fizera para tornar os da ceia do Senhor. Alusões muito dispersas aparecem no tocante a
judeus u m povo distintivo. Esses costumes faziam parte do próprio ar outras ações sacras como impor as mãos, curar, ungir e perdoar. E m
que Jesus e seus discípulos respiravam. Nada podia ser mais natural do nenhum desses casos obtemos muito mais do que um lampejo da práti-
que transformar essas práticas familiares ao estabelecer uma nova alian- ca apostólica. Menos ainda encontramos uma exposição do que essas
ça, ou melhor, uma nova maneira de comemorar tal evento. práticas significavam para os participantes. Mas, no geral, descobrimos
Muito menos claro é o que Jesus precisamente tencionava que seus inúmeras percepções ricas e variadas da fé e prática sacramental da
seguidores fizessem. Pode-se discutir se temos na Escritura ordens igreja apostólica. A s múltiplas descrições da prática apostólica são
expressas nas palavras efetivas de Jesus para batizar (Mt 28.19), perdo- como diferentes facetas de uma jóia. Para lhes fazer justiça precisamos
ar pecados (Jo 20.23) ou comer e beber em memória dele (1 Co 11.24-25). virar a jóia em todas as direções de modo que todas as facetas possam
Por outro lado, pouca dúvida pode haver de que a igreja antiga conside- cintilar. Infelizmente, ao longo de toda a sua história a igreja tendeu a
rava estar cumprindo a vontade do Mestre ao continuar essas práticas considerar apenas uma única faceta, ou duas, ignorando o resto. Tenta-
em seu nome. Não há dúvida de qué Jesus recebeu o batismo, perdoou remos, em capítulos subseqüentes, examinar a rica variedade dessas
pecados ou observou a festa. Neste sentido as próprias ações de Jesus facetas bíblicas de modo a obter uma visão equilibrada.
Assim sendo, podemos ser gratos pelo fato de não haver no Novo A s definições precisas com que estamos familiarizados eram desconhe-
Testamento um capítulo dedicado exclusivamente a retratar a vida e a cidas, porque ninguém pressionava a igreja a definir o que ela queria
doutrina sacramentais. Nos diversificados e dispersos fragmentos, dizer. Conceitos como um número exato de sacramentos, ou o momento
espelha-se uma realidade mais ampla e mais profunda. E m nosso desejo em que o Espírito Santo era concedido na iniciação, ou o momento em
de sistematizar precisamos resguardar-nos da tentação de fixarmo-nos que os elementos e u c a r í s t i c o s e r a m c o n s a g r a d o s t e r i a m s i d o
numa visão estreitamente coerente, em vez de aceitar o sortimento rico desconcertantes no período heróico da igreja. Por bem mais de mil anos
e variado que a Escritura apresenta. A Bíblia não nos dá liturgias ou não havia consenso sobre quantos sacramentos existiam precisamente.
teologias sacramentais, mas assenta os fundamentos sobre os quais Para Agostinho a lista incluía coisas como a pia batismal, o uso do sal
elas podem ser erigidas. A igreja usa o Novo Testamento, então, não no batismo, as cinzas da penitência, o credo, o Pai-Nosso e o Dia da
como um livro de leis e estatutos, mas como a constituição fundamental Páscoa. Importava uma coisa: que nesses sinais representados Deus
para o seu ministério dos sacramentos. era dado aos seres humanos.
Precisamos ter cuidado ao dirigir à igreja antiga nossas perguntas E m conseqüência, aquilo que sabemos a respeito da prática e reflexão
sobre os sacramentos. Os próprios termos e categorias em que pensa- primevas sobre os sacramentos vem indiretamente. Tertuliano escreveu
mos são produtos de eras posteriores. Nossos termos pareceriam irre- o breve tratado Sobre o Batismo em inícios do séc. 3, mas ele nos fala
mediavelmente legalistas e mecanicamente precisos para uma era mais mais sobre a disciplina batismal do que sobre teologia. Em Sobre a
inclinada a experimentar os sacramentos do que a considerá-los objetos Penitência ele nos dá um pouco mais de teologia, mas, na maior parte,
de estudo teológico. Por outro lado, podemos aprender muito com o uso conselhos práticos. Obtemos lampejos de ritos propriamente ditos em
que a igreja fez dos sacramentos nos primeiros séculos da era cristã. Hipólito, mas quase nenhuma interpretação. Ambrósio, João Crisóstomo,
Uma intuição básica se revela no termo grego normalmente usado Teodoro de Mopsuéstia e Cirilo de Jerusalém são mais detalhados nas
para designar um sacramento, mystérion. A tradução usual, "mistério", preleções dadas a cristãos recém-batizados, nas quais tentam interpretar
leva a mal-entendidos. Da maneira como o Novo Testamento usa o aquilo que os novos cristãos acabavam de experimentar pela primeira
termo, ele se refere aos pensamentos secretos de Deus, os quais trans- vez. Elas datam do séc. 4, mas são tão perigosas quanto tantalizantes.
cendem a razão humana e por isso precisam ser revelados àqueles que Para nós é tentador retroprojetar desdobramentos posteriores no Ociden-
Deus deseja que esses segredos alcancem. E m Mc 4.11 Jesus diz aos te e Oriente para dentro dessas parcas afirmações sobre o que ocorre na
discípulos: "A vós foi dado o segredo [mystérion] do reino de Deus", ao eucaristia. Mas essas preocupações são nossas, não deles. Agostinho nos
passo que outros precisam depender de parábolas. Paulo usa o termo desconcerta com aparentes contradições ao apresentar, lado a lado, inter-
para referir-se ao próprio Cristo, à pregação apostólica, àquilo que é pretações realistas e simbólicas da presença de Cristo na eucaristia. O
falado no Espírito e à oculta sabedoria de Deus. A intuição básica no que para nós é incoerência nunca preocupa esse grande pensador. Nos-
uso desse mesmo termo para designar aqueles atos-sinal que chama- sas categorias decididamente não são as suas, e nossa linguagem
mos de sacramentos é que mystérion implica atos nos quais Deus se exclusivista parece um tanto banal, em comparação.
revela a nós. Esses mistérios celestiais são completamente dependentes Agostinho efetivamente cutucou a igreja para a frente em diversos
da atuação de Deus em sua autodoação. rumos irreversíveis no tocante à compreensão do que ela experimenta-
Infelizmente o termo latino escolhido por Tertuliano para tomar o va nos sacramentos. Ele deu início à tentativa de definir um sacramento,
lugar de mystérion não tem toda essa riqueza Sacramentum é um considerando-o um sinal sagrado que representa aquilo que significa,
termo que se referia a um juramento de lealdade prestado por um assim como pão e vinho representam corpo e sangue. D a maior impor-
soldado ou a um voto de cumprir uma promessa. É um termo muito tância são suas expressões "forma visível" e "graça invisível", que
mais legalista e carece da dimensão cósmica da autodoação pessoal moldaram a definição-padrão da Idade Média tardia (em Graciano e
divina conotada por mystérion. Mesmo assim, é a palavra que a igreja Pedro Lombardo) segundo a qual "um sacramento é a forma visível de
ocidental escolheu a partir do séc. 3. uma graça invisível". A l é m disso, Agostinho distinguia entre o sacra-
Qualquer que seja o termo utilizado, os sacramentos eram mais mento visível em si (sacramentum) e o poder (res) de um sacramento.
experimentados do que debatidos pela igreja antiga. Heresias abunda- Afora a graça invisível, o sacramento não tem poder em si mesmo;
vam em outras áreas, mas reinava relativa tranqüilidade neste aspecto somente este poder ou força invisível é que pode conferir-lhe efeito.
da vida da igreja, sem considerar defesas ocasionais dos sacramentos E m função do seu envolvimento na controvérsia donatista, Agostinho
contra aqueles que desprezavam a utilização de objetos físicos no culto. teve que esclarecer quem efetivamente tinha sido batizado. A o refutar um
grupo de cismáticos norte-africanos conhecidos como donatistas (e o bis- mente nos sécs. 12 e 13. A maior parte das nossas abordagens dos
po católico Cipriano), que acreditavam que só pessoas boas podiam re- sacramentos hoje em dia estão tão fortemente tingidas por esses desdo-
alizar bons sacramentos, Agostinho divulgou alguns conceitos que se bramentos medievais tardios, que para nós é difícil enxergar por trás
instalaram permanentemente no pensamento da igreja sobre os sacra- deles. É extraordinário quão tarde vieram esses desdobramentos. Uma
mentos. Antes de mais nada, Agostinho tinha que demonstrar que os polêmica sobre a natureza da eucaristia foi deflagrada em meados do
donatistas, mesmo cismáticos, possuíam batismo genuíno, embora ilegi- séc. 9 entre dois monges da Abadia de Corbie, na França setentrional,
timamente. Isto é verdade porque os sacramentos não dependem da pes- Pascásio Radberto e Ratramno. No séc. 11, B e r e n g á r i o percebeu, para
soa que os administra, mas de Deus. Seu poder não é humano, não está sua consternação, que havia alguns limites para aquilo que eram fron-
condicionado pelo caráter moral ou pela doutrina do celebrante, mas, em teiras aceitáveis para crenças referentes à eucaristia. Ele se viu forçado
vez disso, depende de Deus, que usa os sacramentos para realizar as suas a retratar suas impopulares concepções de uma abordagem puramente
próprias intenções. Esta é ao mesmo tempo a mais importante e mais simbólica. Porém mesmo então uma considerável amplitude ainda era
controversa declaração teológica jamais feita sobre os sacramentos. Ou- possível. Ainda no séc. 12 havia opiniões variadas sobre o número de
tros a trabalharam como a doutrina do ex opere operato, isto é, de que sacramentos. Ainda em 1140 Hugo de São Vitor relacionava coisas tão
Deus opera simplesmente através da obra realizada, independentemente diversas quanto a bênção dos ramos, o recebimento de cinzas, a
do agente humano. A grande contribuição de Agostinho consiste em genuflexão ou a recitação de credos como sendo sacramentos, e em
esclarecer que a fonte dos sacramentos é a atuação divina, não a humana. 1179 o Terceiro Concílio de Latrão falou da instituição de sacerdotes e
— Se os donatistas tinham batismo genuíno, eles o tinham, todavia, do sepultamento dos mortos como sacramentos. E m suma, de Agosti-
contrariando as leis da igreja católica e sem os benefícios do batismo. nho até o séc. 12 ainda havia considerável amplitude no tocante a
Permanecendo obstinadamente no cisma, eles não podiam se beneficiar muitas doutrinas sacramentais.
do amor e da caridade da comunidade na qual o batismo inicia a pessoa. Enquanto isso a prática e piedade populares continuaram a mudar. A
Agostinho não leva essas conclusões à sua definição precisa, mas estão prática da penitência passou por uma radical transformação a partir do
implícitos aqui os germes de distinções bem posteriores: os sacramen- séc. 7, deixando de ser um ofício público somente para aqueles que
tos podem ser válidos (isto é, conferem a graça) ou inválidos; regulares tivessem praticado transgressões graves, para passar a ser um ofício
(isto é, de acordo com a lei da igreja) ou irregulares; e eficazes (isto é, privado para todo o mundo. Lenta mas inarredavelmente os ritos de
benéficos) ou ineficazes. Mas, depois de Agostinho ter vergado a rama
iniciação foram fragmentados no Ocidente. Mais lentamente ainda_a
nesta direção, ela estava fadada a crescer, transformando-se em um
igrejapassou a dominar a cerimônia do casamento. A cura passou a ser
importante ramo da teologia sacramental e lei canónica.
associada quase que exclusivamente com a morte, sendo conhecida
Sintetizemos o que se pode aprender da igreja antiga no tocante aos como extrema-unção. A prática eucarística transformou-se cada vez
sacramentos. O número de sacramentos era indeterminado e não estava mais numa celebração da missa como espetáculo grandioso, raramente
definido como eles operavam. Preocupação maior era expressa sobre com comunhão e com pouca participação dos leigos. A t é mesmo a
quem poderia receber os sacramentos e quem poderia executá-los, em- ordenação sofreu mudanças na medida em que cerimônias acessórias
bora mesmo nestas questões parecesse haver considerável imprecisão. p ^ s s a x a m a j g m i n a r o rito cada vez mais.
Aquilo que viria a ser uma incrustação jurídica dos sacramentos na O séc. 12 foi uma época em que se sintetizou a Escritura e os pais da
teologia e na lei canónica mal tinha se desenvolvido. Mas o que era igreja, resumindo aquilo que se aprendera até ali e dividindo esse
patente e característico é que os cristãos experimentavam nos sacra- conhecimento em segmentos manejáveis. A teologia sacramental mos-
mentos a autodoação de Deus, regozijando-se nesses atos-sinal. Muito trou um desenvolvimento fulminante. Da maior influência foi a obra de
mais tarde Calvino haveria de dizer sobre a eucaristia: "(...) não [me] Pedro Lombardo, professor e (por pouco tempo) bispo em Paris, cuja
envergonhará confessar que é um segredo por demais sublime para que obra Quatro Livros de Sentenças foi completada em cerca de 1150,
possa ou ser compreendido por meu entendimento, ou ser explicado por tornando-se o compêndio básico da doutrina cristã por quase 500 anos.
[minhas] palavras, e, para que [o] diga mais abertamente, [que] mais Ele é o funil pelo qual todos os desdobramentos anteriores de alguma
experimento do que entenda." Isto também poderia sintetizar boa parte
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significação passaram para um aprimoramento futuro. N u m a passa-
do testemunho dos primeiros cristãos sobre os sacramentos. gem-chave Lombardo nos diz:
- t > O período medieval mostra um lento movimento em direção a mais
definições e nova terminologia, processo este acelerado consideravel- Vejamos agora os sacramentos da nova aliança, os quais são: batismo,
confirmação, a bênção do pão, isto é, a eucaristia, penitência, extrema-
unção, ordenação, matrimônio. Destes, alguns oferecem remédio para o conferem a todos os que os recebem dignamente" . Três coisas são
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pecado e conferem a graça auxiliar, como o batismo; outros são mero necessárias para cada um desses sacramentos: a matéria apropriada
remédio, como ^matrimônio; outros fortalecem-nos com graça e virtude,
(objetos, como água), as palavras corretas ou a forma (como a fórmula
como a eucaristia e a ordenação.
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batismal "Eu te batizo...") e a pessoa do ministrante designado, que


A o cabo de meio século isto se transformou na lista-padrão de sacra- deve ter " a intenção de executar aquilo que a igreja efetua por intermé-
mentos, sendo transformado em dogma por concílios subseqüentes. dio dele", isto é, deve tencionar fazer aquilo que a igreja faz nos sacra-
Lombardo resume a doutrina anterior sobre cada um desses sete mentos (p. ex., batizar). Isto significa que um sacerdote não executa um
sacramentos. Seguindo Agostinho, ele distingue entre sacramentos da sacramento ao desempenhar um papel teatral ou ao usar a matéria e
antiga aliança (como a circuncisão), "que apenas prometiam e significa- forma adequadas para outro objetivo que não aquele designado pela
vam salvação", e aqueles da nova aliança, os quais "a concedem" . Usan-
6 igreja. "Três desses sacramentos - batismo, confirmação e ordenação -
do linguagem originalmente utilizada por Agostinho, Lombardo define imprimem indelevelmente sobre a alma um caráter, certo sinal espiritu-
um sacramento como "o sinal de uma coisa (res) sagrada". Mas Lombardo al distinto de todos os outros, de modo que não são repetidos para a
refina mais a distinção agostiniana entre o sacramentum (aquilo que é mesma pessoa." O concílio então prossegue especificando para cada
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patente para nossos sentidos) e a res (coisa, isto é, fruto do sacramento) sacramento a matéria, a forma e o ministrante adequados, bem como os
fazendo uma distinção tríplice entre o sacramentum em si (o exterior e benefícios proporcionados ao receptor.
visível), a res (os frutos interiores) e o sacramentum et res (a combina- Tudo isso é muito coerente e nítido, longe da imprecisão de Agosti-
ção dos dois, isto é, tanto o sinal quanto a realidade). Uma indicação de nho até mesmo sobre o número dos sacramentos. O que tinha aconteci-
desdobramentos futuros ocorre na declaração de Lombardo de que "um do é que os sacramentos se haviam transformado num sistema, um
sacramento é adequadamente assim denominado por ser um sinal da modo de vida cuidadosamente elaborado, no qual cada jornada ou pas-
graça de Deus e a expressão da graça invisível, de modo que leva sua sagem humana importante era assistida com um sacramento apropria-
imagem e é sua causa" . Assim sendo, um sacramento santifica bem
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do. Nascimento, crescimento, matrimónio, ordenação e doença eram
como significa, e isto o século seguinte haveria de elaborar em detalhe. todos marcados por sacramentos. Era-se nutrido na eucaristia e recupe-
E m outro ponto, Lombardo olha para trás, e não para a frente. A o rado da queda por meio da penitência. Os efeitos de cada sacramento
chegar o séc. 13, tomou-se como certa a premissa de que um sacramento foram meticulosamente elaborados, de modo que as pessoas que os
somente poderia ser instituído por Cristo, um acréscimo à definição de recebessem com a disposição adequada, isto é, sem colocar obstáculo à
sacramento como "forma visível de uma graça interior" que veio a sua operação, podiam ter certeza de receber a graça designada.
causar uma explosão na Reforma. Porém Lombardo, embora certo de W Quais são os resultados dessa evolução medieval tardia? A igreja
que Cristo instituiu o batismo e a eucaristia, aparentemente segue a finalmente definiu-se a respeito do que experimentava nos sacramen-
crença anterior de que os apóstolos instituíram o restante e relata que a tos. Feliz ou infelizmente, ela dispunha das ferramentas da filosofia
unção dos enfermos foi "instituída pelos apóstolos" . Lombardo e o
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aristotélica e podia prestar contas de forma racional daquilo que expe-
passado não foram seguidos neste ponto. rimentava. Mas aí também está seu ponto fraco. O que percebemos nos
Outros problemas foram atacados por teólogos do séc. 13, os teólogos escolásticos desse período é um racionalismo do correto, total-
escolásticos, especialmente as questões de ministrantes e recebedores mente ortodoxo, porém mais uma questão de categorias racionais do
adequados, bem como os efeitos e a operação da graça nos sacramentos. que experienciais. A definição do milagre da eucaristia em termos de
Num período de brühante atividade teológica, a experiência eclesial dos substância localizada é um exemplo disso, embora no séc. 13 o termo
sacramentos foi reduzida a palavras. A clareza de linguagem assim formu- "substância" fosse um termo muito mais experiencial do que hoje . 11

lada perdurou, e até pouco tempo atrás todas as discussões subseqüentes Não é possível evitar uma sensação de que nessas distinções nítidas
estavam vinculadas à terminologia elaborada nesse período. Os concílios sobre a operação da graça há o perigo de saber demais, o esquecimento
de Florença e Trento nos sécs. 15 e 16 pouco mais fizeram do que pôr um de que se está lidando com mistérios celestiais, não com aquilo que é
timbre oficial no trabalho teológico efetuado durante o séc. 13. suscetível de solução filosófica.

A mais conveniente síntese de todo esse trabalho encontra-se no O sistema sacramental que abarcava toda a vida foi um produto
Decreto para os Armênios publicado pelo Concílio de Florença em brilhante da engenhosidade humana, tratando de todos os aspectos da
1439. Ele principia relacionando aquilo que até ali se tornara a lista assistência pastoral. Este foi o seu problema. H á limites para a
convencional dos sete sacramentos, que "tanto contêm a graça quanto a engenhosidade humana quando a realidade irrompe de maneira
inexplicada, não compreendida em nossa filosofia. Um sistema excessi- qual Jo 20.23 se aproxima de uma injunção dominical. Se Lutero tives-
vamente arrumado levou o catolicismo romano, em especial depois da se tido a liberdade, que prevalecia ainda no séc. 12, de aceitar uma
Reforma, a tratar os sacramentos de maneira demasiado jurídica e a instituição outra que não de Cristo somente, a Reforma teria tomado
enfatizar em excesso a questão da validade, obsessão esta que alcançou • outro curso, mas ele próprio estava cativo da qualificação "instituído
seu auge no séc. 18. A necessária preocupação com a afirmação de que w\¿? por Cristo", do séc. 13.
os sacramentos dependem de Deus ex opere operato podia às vezes O ímpeto do ataque de Lutero levou o C o n c í l i o de T r e n t o (1545-1563)
sofrer um desvirtuamento, resultando num conceito mecânico de graça, católico romano a declarar, em desafio: "Se alguém diz que os saoraj
tipo toma lá, dá cá. Muito mais livres eram os sacramentais, um núme- I mentos da Nova Lei não foram todos instituídos por Jesus Cristo, nosso
ro indeterminado de práticas piedosas como bênçãos de mesa, utiliza- ¿0 Senhor, ou que eles seriam mais ou menos do que sete (...) seia anàte-
ção de água benta, atos de caridade, e t c , cujos benefícios dependiam da rna/1' Trento (prudelSêrnênfê) não entrou e m detalhes sobre onde todos
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disposição interior do e x e c u t a n t e (ex opere operantis). A l é m disso, os sete foram instituídos, ou sobre as contrastantes opiniões dos pais
todo o sistema sacramental estava muito fortemente vinculado ao mi- da igreja. Os protestantes, com a mesma obstinação, sustentaram que
nistério do clero ordenado. Só o batismo e o matrimônio podiam ser somente dois sacramentos tinham autoridade divina. Infelizmente não
ministrados por leigos, e no Ocidente geralmente só bispos podiam era mais possível concordar que o número de sacramentos fosse desco-
conferir a confirmação e a ordenação. Mulheres podiam somente reali- nhecido ou que alguns pudessem ter sido instituídos pelos apóstolos
zar batismos de emergência e unir-se a um homem no casamento. seguindo as práticas do próprio Cristo. Definições medievais tardias
N ã o obstante, até mesmo aqueles que questionam o sistema sacramen- haviam fechado essas portas para protestantes e católicos.
tal não podem deixar de admirar sua abrangência e minuciosidade no A desintegração do sistema sacramental pode não ter sido o que
atendimento às necessidades humanas, embora possam questionar tam- Lutero desejava, embora ele certamente deplorasse seu clericalismo,
bém a sabedoria de se saber demais sobre a maneira como Deus age. sua filosofia aristotélica e sua justificação pelas obras. Mas a verdade é
Problemática pode ser também a restrição medieval tardia do número de que ele o desintegrou, e as peças jamais voltaram a se unir no protes-
sacramentos a sete, a crença de que todos os sete foram instituídos por tantismo. Lutero e seus contemporâneos sabiam m e n o s sohrR a, igreja.
Cristo e toda a estrutura de um sistema tão intimamente interligado. A o antiga dojrue_juigavarn gaher, e muito menos do que nós pensamos
se lidar com algo tão sublime como a maneira pela qual Deus age ao se saber. E em seu zelo de reformar o sistema eles por vezes deixaram de
autodoar, divisões e distinções escolásticas muito nítidas talvez não perceber seu lado humano, sua capacidade de atender às mais profun-
sejam um substituto adequado para a admiração e o assombro. das necessidades humanas desde o nascimento até o leito de morte. É
A rebelião contra um sistema tão finamente concebido explodiu por verdade que nesse sistema havia falhas, porém ele oferecia assistência
fim na pessoa de Martinho Lutero. O mais veemente golpe de Lutero pastoral abrangente a necessidades humanas profundamente sentidas
contra o sistema sacramental foi desfechado em seu Cativeiro Babilónico que são permanentes.
da Igreja (1520), no qual ele abriu sucessivas brechas nos muros que os A pressão sobre uma parte do sistema sacramental com certeza
romanistas haviam levantado para proteger a missa. Escrito com fúria haveria de distorcer outras partes. Quando o sacramento da penitência
avassaladora, não era uma exposição lógica, mas uma explosão violen- foi abolido, como poderia o pecador contrito encontrar o mesmo
ta contra todo o sistema sacramental. É difícil sobrestimar sua força; asseguramento concreto de absolvição que este sacramento garantira?
esse escrito moldou todo o pensamento protestante posterior sobre os O resultado foi obrigar a eucaristia a ser um sacramento penitencial
sacramentos. Com exceção de pequenos grupos como os quacres e o também, um processo já fortemente desenvolvido na piedade medieval
Exército da Salvação (que em princípio contestam a necessidade de tardia. Desde a Reforma a eucaristia protestante tem prestado duplo
sacramentos exteriores), todos os grupos protestantes aceitaram a. con- serviço, como sacramento tanto de penitência quanto de ação de graças.
clusão final de Lutero de que somente dois sacramentos foram instituí- Afinal de contas, a profunda necessidade humana de ser perdoado não
dos por Cristo e que por jfiso R Ó há. ñnia «gicramentos. Lutero fez restri- desapareceu simplesmente pelo fato de o sacramento da penitência ter
ções ainda mais rigorosas do que seus predecessores da Idade Média ^ sido abolido; ela simplesmente sobrecarregou a eucaristia. Talvez seia_
tardia, ao declarar que os únicos sacramentos são aqueles para os quais ¡0 mais exato dizer que o protestantismo tem dois-sacramentos. e-meÍQLX>
o Novo Testamento registra palavras explícitas de Cristo, isto é, aquelas ' b a t i s m o e uma eucaristia penitencial.
com injunções dominicais, nas quais Cristo claramente ordena os sa-
cramentos. A t é mesmo Lutero teve problemas com a penitência, para a .O destronamento da confirmação como sacramento foi igualmente
problemático. Em v e z de voltar a ser unida ao batismo, a Reforma a
transformou numa experiência didática que se expressa numa cerimô- agente nos sacramentos, e as pessoas são as receptoras daquilo que
nia de formatura para aqueles que deram conta do catecismo. Boa parte Deus resolve fazer em nosso benefício por meio dos sacramentos. Calvino
da educação cristã passou a ser construída sobre essa resolução duvi- encarava os sacramentos como "sinais visíveis melhor adaptados à
dosa. A s racionalizações medievais sobre os efeitos da confirmação não nossa capacidade limitada", nos quais Cristo age "dando garantias e
foram muito melhores, mas ao menos o catolicismo considerava a confir- penhores" . Esta abordagem é francamente sacra ao insistir que Deus
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mação uma dádiva de Deus, em vez de um ato de educação humana. usa os objetos e ações físicas deste mundo para realizar a sua vontade
O matrimônio foi preservado, mas não como sacramento. Pode-se para conosco. A eficácia dos sacramentos não depende de nós, mas é
debater se na realidade a ordenação alguma vez deixou de ser tratada dádiva da graça. Deus faz os sacramentos acontecerem, embora as
como sacramento. A t é mesmo João Calvino poderia tê-la considerado um pessoas sejam livres para receber ou rejeitar a dádiva de Deus que neles
sacramento, caso fosse destinada a todos os cristãos. A maioria dos se encontra.
protestantes tratam a ordenação como conferidora de um caráter indelé-
O séc. 18 viu uma mudança mais sutil, embora ainda mais drástica
vel e não reordenam clérigos que voltam ao ministério ordenado após um
do que a da Reforma no tocante à teologia dos sacramentos. Ela se deu
trabalho secular. Ironicamente o protestantismo nunca desenvolveu um
nas tendências dessacralizantes do iluminismo, que considerava repug-
rito de passagem semelhante para o ingresso em profissões seculares.
nante a noção de que Deus interviria no tempo atual, ou que ele usaria
Os protestantes tiveram que pagar pela perda da cura como sacra- objetos e ações físicas para realizar a vontade divina. A o s poucos, para
mento, em parte pelo afloramento de esforços bizarros e espetaculares alguns protestantes, estas concepções acabaram por erodir a visão
de atender a uma necessidade humana básica: o desejo da ajuda de Deus tradicional católica e reformatoria de que Deus age por meio dos sacra-
para restaurar a saúde. mentos para realizar seus objetivos. A s tendências dessacralizantes
Quais foram os resultados alcançados pela Reforma no tocante aos reduziram o papel de Deus nos sacramentos e aumentaram o da huma-
sacramentos? Muitos não foram propositados, principalmente o de em- nidade. O biblicismo continuava suficientemente firme para que os
purrar o culto sacramental do centro para a periferia da vida cristã. cristãos aceitassem dois sacramentos como sendo e x i g i d o s pelo
Resgates vieram apenas muito mais tarde, nos inícios do metodismo, ensinamento de Jesus.
nos Discípulos de Cristo e no Movimento de Oxford. Lutero propôs Para vasto segmento do protestantismo os dois sacramentos passa-
algumas percepções profundas sobre o batismo como estilo de vida que ram a ser meros exercícios piedosos de memória. Os sacramentos eram
nunca foram devidamente consideradas nem mesmo pelos seus sucesso- ocasiões em que as pessoas lembravam o que Deus fizera em tempos
res. Calvino teve mais sucesso do que seus contemporâneos na fusão de passados. Atribuía-se-lhes um imenso valor prático de instigar as pes-
razão, biblicismo e certo senso de reverência ante os mistérios sagra- soas a um maior esforço moral. A lembrança dos atos passados de Deus
dos. Nesse ponto ele foi quem mais se aproximou da compreensão da era considerada forte incentivo para se levar uma vida melhor. P o r é m a
igreja antiga, deixando um legado que teve sua ressonância em John ênfase no protestantismo dessacralizado estava não na atuação presen-
Wesley. A tentativa da maioria dos reformadores de restaurar a comu- te de Deus, e sim na lembrança do que Ele fizera outrora. A atuação é
nhão freqüente para os leigos teria sido um ganho formidável, não humana; nós lembramos, nós agimos.
fosse esta uma mudança demasiadamente radical em relação à prática Há premonições desses desdobramentos no tratado Sobre o Batismo,
medieval tardia de recepção pouco freqüente do sacramento. Os de Ulrico Zwínglio, de 1525, embora elas sejam menos evidentes em sua
reformadores também eram filhos da Idade Média tardia. Porém alcan- compreensão da ceia do Senhor. Zwínglio ainda vivia num mundo sacro
çaram ganhos claros no culto sacramental por meio de ritos vernaculares em que Deus intervinha no culto. Ma.s a, yerdadfijxa ruptura que ocorreu
simplificados, maior participação da congregação, canto comunitário, ao longo do séc. j j y t o i j i a ^ e ^ j m t r e os que acompanhavam o conceito
leigos bem catequizados e uma nova ênfase na pregação da palavra. católico e reformatorio tradicional de que Deus age nos sacramentos e
Talvez a Reforma tenha sido excessivamente dramática, uma vez que, aqueles que os consideravam basicamente exercícios piedosos de mgj
apesar de todo o alarido, muito mais se manteve do que se descartou do mórja. Entre estes últimos estava uma grande variedade de grupos
aparato de pensamento agostiniano e medieval sobre os sacramentos. protestantes, desde os bispos anglicanos até os batistas da fronteira
Mesmo ao deblaterar contra a transubstanciação, Lutero se empenhava americana. A t é mesmo Benjamin Franklin se lançou à revisão de livros
em pensar sobre a eucaristia em termos de presença espacial. E muitos de orações, mostrando as vantagens práticas de lembrar Jesus para
dos reformadores preservaram a essência do ex opere operato ao pen- melhorar o próprio caráter. Este é o racionalismo da esquerda. Se o
sarem os sacramentos como atos de Deus. Para eles, Deus é o principal racionalismo da direita incrustou a piedade medieval numa concha de
filosofia aristotélica, então o racionalismo do séc, 18 criou um universo começou a ser algo comum para os católicos romanos pela primeira vez
rigorosamente dessacralizado, no qual tudo não passava da sua própria depois de mais de um milênio. O M o v i m e n t o L i t ú r g i c o trouxe mais
aparência externa. mudanças, em termos de incremento do estudo bíblico, maior participa-
Não era mais Deus que fazia acontecer os sacramentos; isto dependia ção da congregação e uma clara visão da igreja como comunidade. O
dos seres humanos. Era algo muito mais limitante, porque tudo dependia Vaticano II acelerou esse processo com importantes avanços em termos
do fervor humano para gerar a capacidade de lembrança. Muitas vezes de doutrina (particularmente no tocante à igreja e aos sacramentos) e
essa capacidade não conseguia produzir um fervor duradouro para lem- em consideráveis alterações no culto. A revisão pós-Vaticano II dos
brar Deus e ajustar o comportamento. Era uma piedade do tipo Getsêmani livros litúrgicos acarretou importantes modificações na forma exterior
("Se Cristo fez ... será que você não pode pelo menos...?"), e seu fervor de cada um dos sacramentos, embora estas tenham sido mais evidentes
muitas vezes era frágil. O resultado foi uma grande queda no culto sacra- na penitência e na cura. Menos óbvio foi o fato de que se passou a tratar
mental nas tradições protestantes como a luterana, a qual em alguns os sacramentos menos em termos jurídicos legalistas (principalmente
lugares mantivera uma eucaristia semanal até fins do séc. 18. no que tange à sua validade e regularidade) e com uma preocupação
O valor da doutrina do ex opere operato é claro; se os sacramentos maior com os frutos (eficácia) na vida das pessoas.
são meros exercícios piedosos de memória, então eles têm pouca chance N o protestantismo, alterações de igual importância podem ser detec-
de ser o centro de um culto cheio de vida, mas permanecem somente tadas no crescimento difundido de uma piedade sacramental mais pro-
como um sobrevivente legalista porque Jesus certa vez disse: "Fazei funda. N o s últimos anos se tem visto maior freqüência de cultos
isto". Tradicionalmente, o objetivo dos sacramentos não era de induzir eucarísticos, avançando de freqüência trimestral para mensal e para
bom comportamento ético, mas de dar às pessoas acesso a Deus (o que, semanal em muitas congregações. A emergente recuperação da euca-
por sua vez, efetivamente altera o comportamento). ristia como norma no culto dominical também foi acompanhada por
Hoje em dia existe uma verdadeira divisão no protestantismo entre uma preocupação maior com o batismo como ato da congregação.
aqueles que seguem a Lutero, Calvino e Wesley na concepção tradicio- Menos detectável, porém ainda mais significativa, é a gradativa mudan-
nal de que Deus age nos sacramentos, usando-os como meio da graça ça no sentido de não mais se encarar o culto como experiência intelectu-
para a autodoação divina, e aqueles que seguem as tendências al de instrução ou como válvula de escape emocional, mas como algo
dessacralizantes do iluminismo, que encarava os sacramentos como que abrange todo o nosso ser: corpo, emoções e intelecto. Entre todos
algo que as pessoas fazem a f i m de estimular a memória õLojJue Deus ia. os cristãos surgiu uma maior sensibilidade para o papel crucial que
fez. Esta divisão é, no mínimo, tão grande quanto aquela existente entre atos-sinal desempenham nas relações interpessoais e no encontro entre
os reformadores e seus contemporâneos católicos romanos. Felizmente Deus e as pessoas. Muitos descobriram que um ato-sinal tão carregado
nenhuma das duas abordagens está congelada, e há sinais de que de emoção como é a imposição de cinzas na Quarta-Feira de Cinzas faz
ambas estão começando a mudar. Hoje em dia estamos vendo com parte do culto da mesma forma como um sermão doutrinal. Provavel-
maior clareza a autodoação divina que ocorre nos sacramentos, ao mente o impacto dessas mudanças reflete algo mais amplo do que
mesmo tempo em que estamos descobrindo mais a respeito do seu apenas o culto: estamos descobrindo mais sobre o que significa ser
aspecto humano na medida que este tem a ver com a comunicação. plenamente humano. O reavivamento do interesse pelo sacramento ape-
nas mostra quão profundamente antropológicos são os sacramentos,
isto é, com quanta exatidão eles refletem o que é ser humano.
Essa nova preocupação focalizou a atenção no v a l o r de sinal dos
Nova Compreensão dos Sacramentos sacramentos, isto é, em quão bem eles comunicam. Podemos batizar
com um conta-gotas se nossa única preocupação for a validade do
N o s últimos anos a cristandade ocidental passou por grandes mudan- sacramento, ou seja, aquilo que é o mínimo a se fazer para ainda se ter
ças no tocante à maneira como os sacramentos são compreendidos. um sacramento legítimo. Mas se o que nos interessa é o valor do
Essas mudanças romperam fronteiras denominacionais e mudaram tan- sacramento como sinal, o batismo obviamente comunicará muito mais
to a fé quanto a prática em amplos segmentos do mundo cristão. em termos de purificação e lavagem se uma quantidade considerável de
A s mais óbvias alterações na prática ocorreram no catolicismo roma- água for vista, ouvida e até sentida vicariamente. Para os responsáveis
no desde o Concílio Vaticano II. Entretanto, a mudança já começara no pela condução do culto, surge uma nova preocupação, que é a qualida-
início deste século, quando a recepção da comunhão todas as semanas de da celebração. Quão bem aquilo que fazemos comunica em termos
humanos o que Deus está fazendo? Neste sentido nenhum detalhe é A prática e a teoria, a experiência e a compreensão devem caminhar
insignificante se contribui para o valor-sinal daquilo que fazemos nos juntas. N ã o é fácil elaborar um ensinamento claro em pouco espaço,
sacramentos. A humanidade intrínseca dos sacramentos se mostra na assim como não é simples tecer um padrão coerente a partir de fios de
fidelidade com que eles seguem formas humanas normais de comunica- cores e texturas muito diferentes. Mesmo assim, o restante do presente
ção e de relacionamento com outros. Isto confere grande responsabili- capítulo tentará, da forma mais breve possível, fazer um apanhado
dade às pessoas que estão conduzindo o culto: que tenham percepção contemporâneo do que os sacramentos podem significar para o cristão
plena daquilo que estão comunicando com a voz e com o corpo. de hoje. Falaremos de todos os sacramentos aqui. N e m todos os comen-
A s modificações na prática sacramental muitas vezes refletiram novas tàrios_se aplicam da mesma forma a cada sacramento A l é m de terem
formas de compreender aquilo que se vivência nos sacramentos. O mais muito em comum, os sacramentos obviamente diferem entre si. Somen-
significativo avanço no presente século começou com o teólogo alemão te alguns cristãos são ordenados, ao passo que todos recebem o batis-
Odo Casei, monge beneditino de Maria Laach na Alemanha. A teologia mo. A s generalizações deste capítulo precisam ser temperadas pelas
do mistério de Casei salientou que o culto cristão é basicamente um especificações dos capítulos subseqüentes.
mistério de tempo no qual a realidade de eventos passados volta a ser A esta altura deveria estar claro que considero o número de sacra-
oferecida a nós quando os reencenamos no culto. Ele evitou muitos dos mentos como indeterminado, assim como o fizeram a maioria dos sécu-
termos escolásticos do séc. 18 e procurou mostrar como, através da los cristãos. O número de sete é tão arbitrário quanto dois, e as possibi-
recordação coletiva da história da salvação pela igreja, cada cristão pode lidades ventiladas pelos primeiros 12 séculos cristãos parecem mais
apropriar-se desses eventos e viver "nossa própria história sacra" .
14 ricas do que aquelas selecionadas pelos últimos oito.
Os desdobramentos teológicos do pós-guerra nos Países Baixos e na E m primeiro lugar, parece que qualquer compreensão satisfatória
Bélgica, associados aos nomes dos teólogos Piet Schoonenberg e Edward dos sacramentos deve começar com a crença de que Deus age nos
Schillebeeckx, produziram novos avanços significativos. Cristo, o Sa- sacramentos. Isto significa que os sacramentos dependem do uso que
cramento do Encontro com Deus, de Schillebeeckx, foi a obra mais Deus faz deles, não do caráter moral das capacidades ou intenções dos
influente sobre teologia sacramental dos anos ligados ao Vaticano I I . 15 seres humanos. A forma exterior, visível é um tanto moldada pelas
Nela o autor apresenta Cristo como o sacramento primordial por meio pessoas e pode variar em detalhes de uma geração para outra, porém a
do qual nos encontramos com Deus. Os sacramentos visíveis são meios graça interior depende de Deus. A res, a coisa ou fruto do sacramento,
pelos quais podemos experimentar um relacionamento pessoal gracio- depende de Deus, embora as pessoas possam impor um obstáculo ao
so com Deus. A s categorias usadas por Schillebeeckx são relações que Deus oferece. Neste sentido podemos falar do caráter objetivo da
humanas pessoais, e não termos jurídicos e estáticos. Em certos pon- graça divina nos sacramentos.
tos, algumas percepções de Calvino parecem vir à tona; em outros Estes são, naturalmente, os conceitos que Agostinho usou com tanta
aparece a filosofia fenomenológica moderna. veemência em seu debate com os donatistas. Os sacramentos não de-
Foram vários os fatores que influenciaram as novas abordagens dos pendem do caráter moral do celebrante, mas exclusivamente de Deus.
sacramentos. Análises da Escritura lançaram nova luz sobre nossa com- Os seres humanos estão livres da necessidade de fazer um sacramento
preensão da riqueza e complexidade do testemunho bíblico sobre os acontecer; somente Deus pode fazê-lo. N e s t e sentido a p o s i ç ã o
sacramentos, e estudos históricos mapearam o lento desenvolvimento da dessacralizante é profundamente insatisfatória, uma vez que faz com
experiência cristã dos sacramentos e da reflexão sobre os mesmos. O que os sacramentos dependam da atuação humana, obrigando que sua
ecumenismo fez com que cada ramificação do cristianismo se dispusesse fecundidade repouse sobre o grau de fervor com que os sacramentos
a compartilhar sua experiência particular, bem como a assimilar a expe- são abordados. Isto confunde o papel de Deus, o doador, com o dos
riência de outras. Controvérsias antigas foram contornadas, muitas vezes seres humanos, os receptores. A l g u m a forma da doutrina do ex opere
com base numa compreensão melhor da herança comum do Novo Testa- operato parece essencial para salvaguardar o sentido crucial da ativida-
mento e da igreja antiga. A moderna teoria da comunicação, estudos de divina, embora isto não deva ser levado a um ponto tal que torne
antropológicos e a pesquisa sociológica esclareceram o conteúdo huma- irresistível a graça ou deixe completamente passivas as pessoas.
no dos sacramentos, levando a uma compreensão mais profunda de como Os sacramentos, como Calvino percebeu com tanta clareza, são idéia
as pessoas se relacionam entre si e com Deus. de Deus, destinados por Deus a nos conduzir a Ele. " O misericordioso
Tendo em vista todos esses fatores, qual será a melhor forma de Senhor", diz Calvino, "à nossa capacidade aqui assim Se acomoda, que
expressarmos o papel dos sacramentos na vida do cristão hoje em dia? (...) Se não agrave a Si conduzir-nos mesmo com estes elementos terre-
nos e propor na própria carne um espelho dos bens espirituais." Deus
16
Não há amor que não se manifeste de alguma maneira. Qualquer emo-
é quem melhor nos conhece e sabe da necessidade de fortalecer nossa fé. ção humana tão poderosa quanto o amor se reflete na maneira em que
E o Criador é quem melhor sabe como se dirigir a nós como criaturas. nos relacionamos com a pessoa amada. O amor está constantemente
Os sacramentos são, portanto, a maneira de agir de Deus. Eles são buscando atos-sinal pelos quais possa se revelar ao objeto do nosso
muito mais do que exercícios piedosos de memória, uma vez que neles, amor. Ele pode tomar formas afetuosas como abraços e beijos, pode
continua Calvino, Deus "dispensa[-nos] as cousas espirituais sob [for- aflorar ao se dar um presente, ou pode manifestar-se quando lavamos
mas] visíveis". pratos para alguém. Escrevemos cartas, fazemos uma visita no hospital
ou telefonamos para manifestar visivelmente o amor. Estes atos-sinal
E m segundo lugar, Deus atua nos sacramentos autodoando-se. Deus
visíveis são identificados com o amor. Sabemos que outra pessoa nos
toma a iniciativa nos sacramentos. O que é dado não é alguma idéia
ama pela forma como ela age em relação a nós.
abstrata de infusão mecânica de energia, mas uma graciosa relação
pessoal, a vida de Deus entrando na nossa. Deus nos dá o presente de Este não é um princípio abstrato, é simplesmente a maneira como as
sua autodoação. O cristianismo proclama que Deus é amor e que a pessoas são. E preciso que as coisas nos sejam mostradas. E m Jesus
própria natureza do amor está na autodoação. De formas diversas em Cristo, Deus nos mostrou a plenitude do amor divino. Mas é preciso que
diferentes sacramentos, Deus se nos autodoa de modo adequado ao esse amor sempre volte a nos ser mostrado. N o s sacramentos Deus
tempo e à ocasião: como perdão e reconciliação neste sacramento, como continua, em visibilidade presente, aquilo que já fez ao se autodoar na
aceitação naquele outro. Presentes são a maneira humana de nos dar- visibilidade histórica de Jesus Cristo. O amor se manifesta de diversas
mos aos outros. Nada menos do que isto é o que Deus faz nos sacramen- maneiras, segundo os diferentes estágios e circunstâncias de vida em
tos. Com efeito, pelo fato de Deus nos ser dado nos sacramentos, temos que nos encontramos. Deus como amor nos é dado para nos sustentar ao
condições de nos darmos a outros de modo mais amplo e profundo. fazermos um voto vitalício de amor recíproco. Outra forma de autodoação
Quando Ele se autodoa, digamos na eucaristia, somos unidos com os é testemunhada quando a comunidade ora pela recuperação da nossa
outros celebrantes e capacitados a servir a todo o mundo. Assim sendo, saúde. O amor se torna visível quando a comunidade fica feliz pelas
os sacramentos têm o poder de mudar tudo que fazemos por intermédio dádivas que alguém recebeu para a liderança pastoral.
do poder baseado na autodoação inicial de Deus. Dessas e de outras maneiras, o amor de Deus se nos torna visível por
A autodoação de Deus de forma alguma está confinada aos sacramen- meio de ações. Assim como dependemos de um aperto de mão, de um
tos. O Antigo e o Novo Testamento inteiros são crônicas sobre as beijo e um abraço para expressar nosso amor de modo que outras
maneiras como Deus foi dado aos s e r e s humanos no passado. pessoas possam reconhecê-lo, dependemos dos sacramentos para saber
Freqüentemente essas maneiras de dar assumiram formas inesperadas, do amor de Deus. N ó s tornamos visível o amor humano quando o
não para os orgulhosos e poderosos, mas para os modestos e humildes. expressamos; no caso do amor divino não é diferente. Distinções entre o
Deus nos é dado na criação, na lei e no profetismo, e na vida conjunta de ato de amor e o próprio amor logo desaparecem. O beijo passa a ser o
um povo eleito. Deus nos é dado na pessoa de Jesus, que "esvaziou-se a próprio amor, o ato é parte da emoção. O ato amoroso é amor tornado
si mesmo e assumiu a condição de s e r v o " (Fp 2.7). A s Escrituras são visível. Os sacramentos são o amor de Deus tornado visível.
registros da autodoação de Deus no passado. E m quarto lugar, a autodoação de Deus como amor é tornada visível
Os sacramentos são um terceiro testamento da autodoação de Deus. por meio de relações de amor dentro da comunidade. Embora os sacra-
P.or meio deles a sua autodoação ocorre como realidade presente em mentos impliquem uma relação vertical (Deus com pessoas), eles tam-
nosso próprio aqui e agora. A realidade de eventos passados nos é bém implicam relações horizontais (pessoa com pessoa). Os sacramen-
tornada presente na leitura e exposição das Escrituras. Porém a reali- tos são sociais de fora a fora. Em toda a narração bíblica Deus opta por
dade da ação contínua nos é transmitida nos sacramentos. Eles consti- agir dentro de uma comunidade de pessoas fiéis. Os sacramentos ope-
tuem ainda outro testamento sobre a natureza autodoadora de Deus. ram dentro da comunidade, possibilitando que os cristãos se edifiquem
Todos os três testamentos - o Antigo, o N o v o e os sacramentos - nos dão reciprocamente em amor, fé e esperança.
a conhecer a vontade de Deus de se autodoar para o nosso benefício. Os sacramentos funcionam como veículos visíveis de amor dentro da
E m terceiro lugar, por meio dos sacramentos a autodoação de Deus comunidade de duas maneiras. Eles estabelecem novas relações de
ocorre como amor tornado visível. Para os cristãos, a autodoação de amor e mantêm e nutrem relações de amor já existentes. Quando duas
Deus é percebida como a doação do seu amor: "Deus é amor, e aquele pessoas se dão uma à outra no casamento. Deus a g e por meio da
que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele" (1 Jo 4.16). comunidade no sentido de fortalecer a relação de amor do casal por
meio de apoio e bênção. Uma ordenação sem uma comunidade de fé
seria quase uma caricatura. No batismo e na confirmação entramos
numa nova relação de amor dentro da comunidade, pois Deus nos incor-
pora ao corpo de Cristo. N a doença, Deus capacita a comunidade a nos
cercar com seu testemunho de amor dedicado. A morte marca mais uma Capítulo 7
transição na qual, pela graça de Deus, passamos da igreja militante
para a igreja triunfante. A o longo da jornada da vida Deus nos é ofereci-
do. A eucaristia nos nutre e a reconciliação nos ergue quando tropeça- Iniciação Cristã
mos. E m todos esses atos-sinal somos edificados em amor, fé e esperan-
ça por meio do estabelecimento de novas relações de amor ou pela
manutenção de relações de amor já existentes dentro da igreja.

N
E m ambos os casos é Deus que age dentro das ações da comunidade inguém nasce cristão. A pessoa se torna cristã ao passar a fazer
para tornar frutíferas essas relações de amor. A comunidade de fé atua parte de uma comunidade com um modo de vida distintivo que
para desempenhar as formas exteriores e visíveis dos sacramentos. Ela implica compromissos definidos em termos de ética e credo. Esta mu-,
sabe, porém, que o sacramentum fica destituído de sentido sem a res, a dança em nosso ser é marcada por sacramentos, que proclamam o que
doação interior do amor de Deus. O sacramento e a realidade são Deus está fazendo para nos levar à fé,
vivenciados em conjunto ao reunir-se a comunidade para receber a
autodoação de Deus expressa como amor em forma visível. Isto experi- Neste capítulo vamos examinar como os cristãos experimentam e
mentamos dentro da comunidade, a qual é ela própria uma manifesta- compreendem as maneiras em que Deus age para nos iniciar na comuni-
ção visível do amor de Deus. Por seus atos-sinal, a igreja nutre nosso dade dos fiéis. O amor de Deus tornado visível na iniciação cristã envolve
amor por meio de relações novas ou renovadas de amor. Naturalmente, uma variedade de estágios e atos-sinal. Eles podem incluir os que estão
esse amor se derrama para a missão dirigida a todo o mundo de Deus. ligados ao catecumenato (período de instrução, catequese e exame),
Assim como Deus usa as palavras do/a pregador/a para tornar audível a aqueles que cercam a lavagem em si do batismo, vários atos subseqüen-
sua palavra, Ele usa os sacramentos para tornar visível o seu amor. Nos tes, muitas vezes conhecidos como confirmação ou recepção como mem-
sacramentos Deus atua em amor autodoador tornado visível por rela- bro e primeira comunhão. Todo o processo ritual da feitura de um
ções de amor na comunidade. cristão será chamado de iniciação cristã, sendo que as diversas partes
serão designadas na medida em que forem sendo tratadas.
Muitas destas considerações ficarão mais claras ao explorarmos cada
N e m sempre é fácil distinguir entre a prática e a compreensão da
um dos sacramentos tradicionais nos capítulos seguintes. Embora ve-
mesma, entre rito e razão, entre liturgiologia e teologia sacramental.
nhamos a explorar de modo um tanto detalhado a forma exterior de
Porém é este o procedimento que tentaremos seguir neste capítulo.
cada sacramento, o que interessa essencialmente não e_Q_xpie-rtos.fa.Ke-
Primeiro faremos uma análise daquilo que os cristãos fizeram e fazem
mps, mas c o m o a r e a l i d a d e do amor de Deus é tornada manifesta em
atualmente na iniciação cristã. E m seguida examinaremos sua compre-
cada caso. P r e c i s a r e m o s lembrar, ao nos p r e o c u p a r m o s c o m as
ensão desses diversos atos. Finalizando, tiraremos algumas conclusões
intrincadas questões de matéria, forma e ministrante, que o que impor-
para uso pastoral.
ta em última análise não é o que nós fazemos com cada sacramento,.
mas o que Deu_s fãã_xan_e__T

O Desenvolvimento da Iniciação Cristã

A s mudanças atuais na prática da iniciação são apenas os capítulos


mais recentes de uma longa história de desenvolvimento. Mais uma vez
precisamos buscar as raízes no judaísmo. A s origens se encontram
fundo no simbolismo profético e na utilização de atos e objetos para o
encontro com Deus. A crença judaica de que o material pode afetar o
espiritual é central para esses sacramentos.
O antecedente judaico mais evidente da iniciação era a circuncisão, época do Novo Testamento. Por certo havia paralelos evidentes com as
um ato-sinal que colocava as pessoas do sexo masculino dentro da iniciações cristãs nos ritos iniciatórios dessas seitas secretas, mas
relação de aliança entre Israel e Deus. Este sacramento da antiga lei para a igreja isto provavelmente era mais causa de embaraço do que
(como a consideravam os cristãos) trazia o menino judeu de oito dias de uma fonte de idéias. Justino Mártir repudiou os ritos pagãos, qualifi-
idade para dentro de uma relação vitalícia com um povo com quem cando-os como imitações de ritos cristãos autênticos feitas por "demô-
Deus entrara em aliança para ser Deus e rei. Mesmo quando escritores nios malignos".
cristãos negaram que a circuncisão pudesse efetuar mais do que prome- O próprio Novo Testamento nos dá apenas lampejos tantalizantemente
ter e significar a salvação, persistiu a noção de a pessoa ser enxertada breves de práticas efetivas de iniciação. Mas o que vemos ali passou a
no povo de Deus por meio de um ato-sinal. ser determinante para toda a evolução subseqüente. Tranqüilamente o
Mais questionável é se o judaísmo do séc. 1 praticava o batismo de relato mais detalhado de um batismo é o de Filipe batizando o eunuco
prosélitos, isto é, de gentios convertidos, homens e mulheres. Sabemos etíope em At 8.35-38. O versículo 37 (entre colchetes aqui) está ausente
que o judaísmo por fim batizava convertidos e parece improvável que em alguns textos, presente em outros. Vale a pena repetir a passagem.
essa prática tivesse sido copiada do cristianismo. A comunidade de
Cunrã do séc. 1 praticava lavagem ritual diária como sinal de purifica- Começando por esta passagem da Escritura, Filipe anunciou-lhe a Jesus.
ção espiritual. A lavagem com água é, afinal de contas, o sinal natural Seguindo eles caminho afora, chegando a certo lugar onde havia água,
disse o eunuco: "Eis aqui água, que impede que eu seja batizado?" [Filipe
óbvio de purificação, como reconhece 1 Pe 3.21: "(...) o batismo (...) não é respondeu: "É lícito, se crês de todo o coração". E, respondendo ele, disse:
a remoção da imundícia da carne, mas a indagação de uma boa cons- "Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus."] Então mandou parar o carro,
ciência para com Deus"; A t 22.16 faz eco a isso: " R e c e b e o batismo e ambos desceram à água, e Filipe batizou o eunuco.
lava os teus pecados, invocando o nome dele."
Começamos por uma forma de catequese, Filipe instruindo o eunuco.
Indubitável, entretanto, é a influência de João Batista, que batizou
E m seguida o eunuco faz uma profissão, apresentando uma declaração
Jesus e muitos outros.j Paulo interpreta: "João realizou batismo de
de fé correta. Ambos descem, então, "para dentro" (eis) da água e Filipe
arrependimento, dizendo ao povo que cressem naquele que viria depois
batiza o eunuco. Este é basicamente o núcleo do batismo que continua
dele, a saber, em Jesus." (At 19.4.) Isto o resume relativamente bem: o
sendo praticado hoje em dia.
batismo de João era um batismo de arrependimento e de expectativa
escatológica do Messias vindouro. Ele era ético e antecipador. A igreja A declaração de fé focaliza a segunda pessoa da Trindade, não a
nunca poderia esquecer que o próprio Jesus se submetera ao batismo Trindade inteira. Há outros textos que indicam que os primeiros batis-
de João como parte de se adequar à exigência de "assim (...) cumprir mos cristãos eram " e m nome de Jesus" (At 2.38; 8.12,16; 10.48; 19.5;
toda a justiça" (Mt 3.15). Assim, o peso da ação do próprio Jesus ao 22.16). Paulo faz uma breve declaração de fé em R m 10.9: "Se com a tua
receber o batismo e permitir que seus discípulos batizassem (Jo 4.2) boca confessares a Jesus como Senhor" e a repete em Fp 2.11: "Toda
conferiu suprema autoridade ao batismo. A l é m disso, Jesus identificou língua confesse que Jesus Cristo é Senhor". Em conseqüência, é tanto
seu batismo com sua própria paixão e morte (Mc 10.38 e Lc 12.50). mais problemático que M t 28.19 apresente uma fórmula batismal clara-
Assim o batismo se tornou uma imagem da morte sacrificai de Cristo. mente trinitaria, que diz literalmente: "batizando-as em nome do Pai, do
Tanto o nascimento quanto a morte estão representados no batismo. Filho e do Espírito Santo". É muito provável isto represente um segun-
do estágio de desenvolvimento na prática litúrgica efetiva, tendo sido
Outros atos que a igreja assimilou foram a imposição das mãos e
retrojetado para as palavras do Senhor pelo evangelista. Isto é corrobo-
selar ou u n g i r com óleo. A m b o s os atos significavam a transmissão de
rado pela Didaqué, que usa exatamente a mesma fórmula batismal,
poder e bênção (Isaque abençoa Jacó em Gn 27, ou Jacó abençoa seus
como o têm feito virtualmente todos os ritos batismais desde então.
netos em Gn 48), ou a certificação de poder (Samuel unge Davi em 1 Sm
16713). O poder sacerdotal ou régio parece associado ao uso de óleo. O testemunho da imposição das mãos nos deixa muito mais perple-
Tanto a unção quanto a imposição das mãos significam a recepção dos xos. A história do eunuco etíope não a menciona, mas este ato ocorre
dons do Espírito Santo para os iniciados no "sacerdócio real" (1 Pe 2.9; repetidas vezes em passagens ambíguas e conflitantes de Atos. Para
A p 5.10). A associação entre as palavras "ungir", "Cristo" e "Messias" é pessoas de hoje isso levanta perguntas sobre a relação entre a recepção
clara no g r e g o ou hebraico. do Espírito Santo e o batismo. Atos 2.38 vincula arrependimento, batis-
mo, perdão dos pecados e concessão do Espírito Santo. Mas em Cesaréia
Muito mais duvidosa é a influência dos ritos iniciatórios das diver-
o Espírito Santo foi derramado antes do batismo (At 10.47), ao passo
sas religiões pagãs de mistério, populares no Império Romano na
que em Samaria os recém-batizados não receberam o Espírito Santo Testamento . A mais antiga evidência histórica irrefutável encontra-se
3

até receberem a imposição das mãos (At 8.17). Em Éfeso, após o batis- em passagens bem do início do séc. 3 em Tertuliano, que deplora o
mo, "impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo" (At batismo de "criancinhas", que mais tarde podem causar embaraço a seus
19.6). Duas coisas parecem prováveis com base nesses relatos: o Espíri- responsáveis, e numa passagem contemporânea de Hipólito, que fala de
to Santo e o batismo estão direta e intimamente relacionados e a impo- batizar as "criancinhas" (párvulos) primeiro, algumas das quais aparen-
sição das mãos ou o ato de selar (unção) (2 Co 1.22; Ef 1.13 e 4.30) temente ainda não conseguem "falar por si mesmas". Hipólito, claramen-
parece atestar essa associação ao enfatizar a presença do Espírito nos te, está falando de uma prática há muito familiar; mas há quanto tempo?
batizados. Será ela apostólica ou não? Não temos prova em nenhum dos dois
Tem havido especulação sobre se 1 Pedro é um sermão de batismo. A sentidos. No séc. 5 o batismo de crianças já estava disseminado. Desde
carta se dirige a seus leitores como "crianças recém-nascidas" (2.2) que então os cristãos sempre praticaram o batismo de crianças.
"antes não eram povo, mas agora são povo de Deus" (2.10). A s águas do A igreja do séc. 2 fornece mais detalhes sobre as práticas de iniciação,
dilúvio de Noé são encaradas como prefiguradoras da "água do batis- além das pistas que encontramos nos relatos do Novo Testamento., A
m o " (3.21), alusão esta que repercute até hoje nos ritos de batismo. E o Didaqué proíbe ás pessoas não-batizadas "em nome do Senhor" o comer e
batismo é comparado a uma consciência limpa (3.21). tomar a eucaristia.lOs batizandos devem jejuar. Preferivelmente o batis-
Problemas práticos começaram a surgir à medida que a igreja foi mo deve ser efetuado em água fria corrente, mas, na falta desta, a água é
ficando mais velha. A Epístola aos Hebreus levanta a questão da apostasia derramada "três vezes (...) sobre a cabeça do candidato em nome do Pai e
por parte daqueles que foram batizados: "É impossível que aqueles que •do Filho e do Espírito Santo"; . Justino não dá muito mais detalhes. O
1

uma vez foram iluminados e provaram o dom celestial e se tornaram catecumenato implica instrução, a promessa de "viver de acordo", oração
participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os e jejum. O batismo ocorre num lugar "onde houver água", e os candidatos
poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová- são lavados em nome da Trindade. A s pessoas batizadas são então
los para arrependimento" (6.4-6). Este problema tem incomodado a igreja conduzidas para onde está reunida a igreja e tomam parte, pela primeira
desde então: como lidar com o apóstata. O Pastor de Hermas, do séc. 2, é vez, da oração comum, do ósculo da paz e da eucaristia . 5

um pouco mais brando. Reconhecendo que alguns negam qualquer arre- Muito mais informações aparecem no século seguinte, no tratado de
pendimento além do batismo, ali se admite que, "se, depois desse impor- Tertuliano Sobre o Batismo, além de outras dispersas em suas demais
tante e solene chamado [batismo] alguém, seduzido pelo diabo, cometer obras. Tertuliano indica uma disciplina rigorosa para as pessoas em vias
pecado, ele dispõe de uma só penitência; contudo, se peca repetidamente, de serem batizadas, envolvendo "orações (...), jejuns, genuflexões e vigíli-
ainda que se arrependa, a penitência será inútil O..)" .
1
as" . A mais solene ocasião para o batismo, diz ele, é a Páscoa. Pentecos-
6

Nos tempos modernos, o problema mais incômodo tem sido a questão tes vem em segundo lugar, embora qualquer momento seja possível. O
se os relatos neotestamentários são compatíveis com o batismo de crian- ministrante normalmente é o bispo, caso esteja presente, depois
ças (pedobatismo). Não há evidências explícitas nem a favor nem contra presbíteros e diáconos autorizados, mas "também os leigos têm o direito.
o batismo de crianças no Novo Testamento. Os que praticam o batismo de O que se recebe em iguais condições também se pode dar nas mesmas
crianças tendem à convicção de que as passagens com o termo oikos condições (...)" . Imediatamente antes do batismo vem a renúncia ao
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(lar), que falam do batismo de lares inteiros (At 16.15,33; 18.8; 1 Co 1.16), "diabo, seu séquito e seus anjos". Os candidatos são "imersos três v e z e s "
provavelmente incluíam filhos e filhas da família ou de escravos residen- após "interrogações bastante mais extensas do que nosso Senhor pres-
tes. Como o pai geralmente determinava a religião da família inteira, é creveu" , para então serem "abundantemente ungidos com uma unção
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provável, assim argumentam, que o batismo fosse aplicado a todas as benta", como a que Moisés usou para ungir Arão para o sacerdócio. Em
pessoas do lar como algo natural. Os que não praticam o batismo de seguida, "se impõem as mãos, pedindo e convidando o Espírito Santo
crianças tendem a argumentar contra ele baseados em que as exigências para uma bênção", como Jacó abençoou seus netos . Ainda outra imagem
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de arrependimento e de fé da parte das pessoas a serem batizadas (Mc do Antigo Testamento aparece no ato de dar aos recém-batizados "uma
16.16; A t 2.38) excluem o batismo de crianças. mistura de leite e mel", símbolo da terra prometida (Êx 3.8).
Se tomarmos por base exclusivamente as evidências históricas, preci- Hipólito corrobora tudo isso, dando-nos muitos detalhes, principal-
samos concordar com Kurt Aland que "o batismo de crianças só pode ser mente sobre um catecumenato longo e rigoroso que podia durar até três
comprovado com certeza a partir do séc. 3" , embora haja certos motivos
2 anos. Durante este árduo período, os catecúmenos são ouvintes da
teológicos para afirmar que tenha sido praticado na época do Novo palavra, freqüentando a liturgia da palavra, mas não podem orar com
os fiéis, dar o ósculo da paz ou ficar para a eucaristia. Candidatos
Felizmente diversos exemplos desse método de catequese mistagógica
avançados e adequados são separados a cada ano, e sua conduta exami-
sobre o significado dos sacramentos da iniciação sobreviveram em
nada (o que por vezes é ritualizado em escrutínios). Eles são submeti-
forma de palestras dadas por Ambrósio em Milão, Cirilo (ou seu suces-
dos a um período de intensa preparação com exorcismo diário. Os
sor) em Jerusalém e João Crisóstomo e Teodoro de Mopsuéstia em
candidatos jejuam nos dias que atualmente chamaríamos de Sexta-
A n t i o q u i a . A m b r ó s i o conta aos novos cristãos o significado do
Feira Santa e Sábado Santo.
ephphatha, a abertura cerimonial e bênção das orelhas e narinas (Mc
O ápice do processo de iniciação ocorre na manhã da Páscoa, após 7.34). E segue: "Foste ungido como atleta de Cristo (...) aprestando-te
uma vigília que dura toda a noite com leitura da Bíblia e instrução. A o para a luta deste século." Após o batismo há um lava-pés, embora
13

cantar do galo ora-se sobre a água, os candidatos se despem e o bispo Ambrósio esteja cônscio de que Roma não o faz.
prepara os óleos de exorcismo e de ação de graças. Depois, após a
Cirilo nos dá muito mais detalhes e estende-se sobre significados
renúncia a Satã, cada candidato é ungido completamente com óleo de
simbólicos: "Depois de despidos, fostes ungidos com óleo exorcizado,
exorcismo, desce para a água e três perguntas lhe são dirigidas, as
desde o alto da cabeça até os pés. Assim, vos tornastes participantes da
quais são virtualmente as palavras do Credo Apostólico (usado até
oliveira cultivada, Jesus Cristo." Teodoro acrescenta outros detalhes,
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hoje no Ocidente como credo batismal). A cada vez, depois de afirmar a


como o papel do tutor e o ato de vestir o recém-batizado com um traje
crença numa pessoa diferente da Trindade, o candidato é batizado.
radiante. João Crisóstomo nos fornece a adesão ou voto após a renúncia:
A p ó s a terceira lavagem, a pessoa sai da água e recebe a unção do óleo
"E eu entro no teu serviço, ó Cristo." Ele também usa a típica fórmula
de ação de graças. E m seguida, após vestirem-se, os recém-batizados
batismal oriental: "... é batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito
juntam-se à igreja reunida, onde o bispo impõe as mãos a cada um,
Santo", contrastando com a forma ativa adotada subseqüentemente no
pedindo a Deus que "os torne dignos de ser cumulados do Espírito
Ocidente: eu te batizo (...)." Crisóstomo também nos conta que a
Santo" . O bispo então derrama óleo sagrado e impõe suas mãos sobre
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cabeça do candidato é baixada três vezes para dentro d'água e erguida . 15

a cabeça de cada um. Finalmente ele os sela a cada um na testa,


presumivelmente com o sinal da cruz (consignação), e dá a cada um o O que mais nos deixa perplexos nesses ritos é a variedade de unções e
ósculo da paz. Os novos cristãos então se juntam à congregação pela sinais. A unção tendia a ser originalmente um ato de cobrir o corpo com
primeira vez em oração, no ósculo da paz e na eucaristia. Nesta ocasião óleo, semelhante ao ensaboar que hoje se usa no banho, sugerindo assim
pascal há três cálices: água ("sinalizando o batismo"), leite com mel e uma preliminar ao banho do batismo ou preparação para uma disputa
vinho. Como se pode ver, todo o rito tem uma variedade de ações, todas atlética. O assinalar ou marcar com o sinal da cruz (às vezes com óleo) é
elas implicando uma forte sensação de toque: unções, lavagem, imposi- uma forma de selar ou dar identidade definida ao recém-batizado. Isto é
ção das mãos e selagem, o beijo (ósculo da paz), além de comer e beber. mais intrigante ainda, considerando que os ritos sírios antigos conheci-
am apenas uma unção pré-batismal, transmitindo o significado de sacer-
Outros m a t e r i a i s pré-nicenos acrescentam alguns detalhes. A
dócio, pertença e dádiva do Espírito. Já no séc. 4, em certos lugares,
Didascalia Apostolorum do séc. 3 enfatiza a necessidade de uma
esses atos pós-batismais tinham sido associados à concessão do Espírito
"diaconisa" para "ungir as mulheres (...) uma vez que o ministério de
Santo. Ambrósio fala do "selo espiritual (...) na hora em que se infunde o
uma diaconisa é particularmente necessário e importante" , em espe-
11

Espírito Santo", relacionando as sete dádivas concedidas (Is 11.2) . Cirilo


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cial tendo em vista a prática do batismo com as pessoas nuas. Etéria


chama a unção de "o emblema do Espírito Santo".
nos conta que na Jerusalém do final do séc. 4, no início da Quaresma,
são anunciados os nomes dos batizandos daquela Páscoa (os competen- Em suma, os ritos de iniciação da igreja antiga eram públicos, envol-
tes) . A p ó s uma inquirição sobre seu estilo de vida, têm lugar três
12 vendo toda a comunidade. Os ritos completos de iniciação vinham na
horas de catequese e exorcismo diários. Passadas cinco semanas, rece- Páscoa ao final de um longo catecumenato, consistindo em uma varie-
bem o credo para aprendê-lo, devendo saber recitá-lo após sete sema- dade de atos na Vigília Pascal: unções, renúncia ética, profissão do
nas, um por um perante o bispo, que examina a sua compreensão. credo, lavagem, imposição das mãos, selagem e eucaristia. Seguia-se a
Etéria não registrou nada que lhe fosse muito desconhecido na vigília catequese pós-batismal. Todo o processo de conversão desde a primeira
pascal, porém menciona os oito dias da semana pascal quando os inquirição até o compromisso final e completo tornou-se ritualizado,
recém-iniciados recebem a interpretação de todos os sacramentos que sendo diretamente vinculado à celebração da ressurreição.
acabam de experimentar pela primeira vez. Boa parte disso haveria de mudar ao longo da Idade Média. N o Orien-
te, todo o processo de iniciação se manteve uno pelo fato de o sacerdote
realizar todo o rito usando o crisma (óleo de oliva e bálsamo) consagrado
pelo bispo para a unção final. Esta parte do rito oriental é conhecida dificuldades práticas de se encontrar um bispo transformaram a confir-
como a crisma. Ela correspondia à imposição das mãos para a confirma- mação numa experiência improvável. A confirmação era desejável,
ção, a qual o Ocidente insistia que fosse realizada por um bispo. Entre- mas, diferentemente do batismo, não era necessária para a salvação.
tanto, o Ocidente presenciou um lento movimento em direção à fragmen-
tação e privatização de todo o processo. A desintegração da unidade do N a Idade Média tardia as crianças eram batizadas dentro de oito
rito foi longa e inconsciente, não se completando efetivamente até o final dias após o nascimento, por imersão passiva na fonte batismal de sua
da Idade Média. (Ainda em 1533 a futura rainha Elisabeth I da Inglaterra igreja paroquial, em cerimônia privada. Depois, poderiam vir a ser
foi batizada e confirmada três dias após o nascimento, prática esta logo confirmadas após completarem 7 anos (geralmente em cerimônia priva-
tornada impossível pelo Lavro de Oração Comum.) Infelizmente a maioria da também) caso tivessem acesso a um bispo. Nesta idade podiam
dessas mudanças ocorreu por razões não-teológicas. N a Itália havia um receber a comunhão, confirmadas ou não. Todo o caráter comunitário e
bispo em cada cidade maior e era possível ter a iniciação com todas as pascal da iniciação fora destroçado juntamente com sua unidade.
suas partes em um só tempo (Páscoa) e lugar (num batistério como Os reformadores protestantes conseguiram dois significativos avan-
aqueles de Pisa, Parma ou Florença). Mas à medida que o cristianismo se ços no tocante ao batismo. Eles insistiram que fosse realizado em ofício
espalhou para as vastas dioceses tribais da Europa setentrional, ficou
público e no vernáculo. O Livro de Oração Comum de 1549 e 1552
impossível levar todo o mundo ao bispo para que este fizesse a sua parte
insiste para que seja administrado aos "domingos e outros dias santos,
no rito. Aquilo que funcionava na Itália não funcionava em outros luga-
quando se pode reunir o maior número de pessoas". Os reformadores
res, e a parte do bispo na iniciação foi simplesmente protelada, embora
houvesse ensaios de se permitir a sacerdotes realizarem o rito completo também simplificaram as cerimônias. Diferentemente do seu primeiro
na Gália, Espanha e Irlanda. rito (de 1523), o Manual do Batismo Revisado de Lutero de 1526 omitia
o sopro sobre a criança, a aplicação do sal, o primeiro exorcismo, o
A s origens da confirmação são problemáticas, embora Ambrósio ephphatha, as duas unções e a vela acesa, embora mantivesse a veste
tenha usado uma forma verbal da mesma no contexto da selagem em branca . Isto já representou uma poda radical das cerimônias acessóri-
19

Sobre os Mistérios. No séc. 5 "confirmar" se referia à unção pós- as, mas Calvino foi ainda mais longe, "abolindo-as, de modo que não
batismal e imposição das mãos pelo bispo, mas somente no séc. 9 é que mais houvesse impedimento para o acesso direto das pessoas a Jesus
veio a "se tornar o termo normal a ser usado para designar esta parte Cristo" . E m seu lugar, Calvino acrescentou exortações didáticas.
20

do rito iniciatório" . Lentamente seu significado mudou, passando de


17
A Igreja da Inglaterra inicialmente manteve a maior parte do cerimo-
"completar" para "reforçar". nial medievo. Preservaram-se um exorcismo e a procissão igreja aden-
Outros fatores também trouxeram mudanças. Um catecumenato longo tro até a fonte (ambos abolidos em 1552), a tríplice imersão passiva da
não fazia sentido para crianças pequenas. A pressão da teologia de criança na fonte de modo a cobrir o corpo inteiro, a veste batismal e a
Agostinho e o medo de crianças morrerem sem terem sido batizadas, unção (ambas abolidas em 1552), bem como o sinal da cruz (que veio a
sendo desta forma excluídas do Reino (Jo 3.5), originaram o costume de ser uma pedra de tropeço para os puritanos). John Wesley seguiu o
batizar as crianças poucos dias após o nascimento. Mesmo assim, ainda mesmo rito com modificações consideráveis. E m seus primeiros anos
no séc. 13, em certos lugares se esperava pelo tempo pascal para batizar. ele insistiu na imersão passiva da criança, porém mais tarde em sua
vida admitiu a aspersão como forma alternativa.
Outros fatores acabaram por separar as diversas partes da iniciação.
A primeira comunhão se seguia ao batismo de crianças ainda durante a A s modificações mais radicais surgiram entre os anabatistas, os
Idade Média. A t é o séc. 12 as crianças ainda participavam da comu- quais insistiam que apenas crentes adultos seriam candidatos adequa-
nhão tocando-lhes o sacerdote a boca com o dedo mindinho molhado de dos para o batismo. Eles sustentavam que o batismo somente deveria
vinho. O medo de derramar o vinho consagrado acabou levando à ser dado a pessoas de conhecida pureza de vida e doutrina. Preferiam a
suspensão da recepção do vinho por todos os leigos de qualquer idade. igreja pura, formada por crentes, à igreja estatal, formada por todos. Há
À s crianças era negada a comunhão até alcançarem a idade da razão, quem diga que só o Ocidente, com seu alto grau de individualismo,
porém "a comunhão de crianças pequenas (...) não foi completamente poderia considerar a restrição do batismo a crentes adultos.
abolida no Ocidente até o Concílio de Trento" . A confirmação foi
18
Os primeiros anabatistas praticavam o batismo principalmente por
gradativamente protelada até os anos de discernimento, o que veio a infusão. A certa altura, grupos como os batistas ingleses passaram a
significar ao menos 7 anos de idade. Para vasto número de pessoas da exigir a imersão (ativa), embora alguns anabatistas, como os menonitas,
Idade Média e por muito tempo após a Reforma isto implicou que as p. ex., continuem praticando a infusão. Muitos católicos romanos e
protestantes continuaram a batizar crianças por imersão passiva, mas são à comunhão, ratificando assim o fim que a Idade Média tardia deu a
isto praticamente desapareceu no séc. 18, e os esforços atuais para séculos de comunhão de crianças.
reavivar esta prática só estão fazendo lento progresso.
A infeliz conseqüência desse processo foi que a confirmação passou a
Uma ordem batismal anabatista antiga de Balthasar Hübmaier, "Uma depender do conhecimento humano - o aprendizado do catecismo. O senti-
Forma para o Batismo", indica que os candidatos primeiro têm que ser
do sacramental da imposição das mãos como ato gracioso de Deus acabou
examinados sobre a fé pelo bispo, para então serem apresentados à
se dissipando em favor de uma cerimônia de formatura. A interpretação
congregação. O rito envolve uma oração para que o Espírito Santo
errônea dos reformadores a respeito da história da igreja levou-os a salvar
encha os corações dos candidatos, perguntas relativas ao credo basea-
das num Credo Apostólico alterado, a renúncia, perguntas sobre a a confirmação de uma forma que acabou causando novos problemas. Mais
obediência voluntária e o desejo de ser batizado, o batismo, orações, a tarde os puritanos criaram um ato de profissão de fé como substituto.
imposição das mãos e boas-vindas à "comunhão dos cristãos" . Embo-
21 Esta não apresentava conotações sacramentais, era simplesmente uma
ra rejeitassem o batismo de crianças, alguns anabatistas como Hübmaier profissão pública da fé da pessoa, muitas vezes associada ao reconheci-
e Pilgram Marpeck preconizavam um ofício público de dedicação de mento do compromisso convencionado pela congregação local.
crianças pequenas. N o todo, a Reforma presenciou mais subtrações do que acréscimos
aos ritos de iniciação. Os últimos anos têm presenciado novas direções
Inicialmente os batistas ingleses praticavam a imposição das mãos em que católicos romanos e diversas tradições protestantes muitas
no batismo . Como somente os crentes eram batizados, os anabatistas e
22
vezes convergem.
os batistas não tinham necessidade de um rito de confirmação em
separado. A iniciação cristã estava completa com um único evento, A s medidas mais comuns têm visado recuperar a unidade dos ritos
como fora o caso na igreja antiga. iniciatórios. O exemplo mais contundente disso ocorre no novo " R i t o
de Iniciação Cristã dos A d u l t o s " (R.I.C.A.) católico romano. Este repre-
Os quacres tomaram uma medida ainda mais radical. Eles elimina- senta uma recuperação do catecumenato ampliado, que ritualiza todo o
ram todo e qualquer ato exterior, insistindo que a Bíblia não ordenava processo de conversão de modo que a congregação tome parte do cres-
nenhum ato assim, mas recomendava, ao invés disso, um "batismo no cimento do indivíduo na fé. O catecumenato se distribui ao longo de
Espírito" interior. Os pentecostais do séc. 20 distinguem entre esses meses ou mesmo anos em três estágios ou passagens. Ele começa com o
dois. O batismo com água eles (em geral) praticam no caso de crentes interessado atingindo o estado de aceitação como catecúmeno, conti-
adultos, comumente por triúna imersão ativa, mas o batismo do Espíri- nua, quando o catecumenato se aproxima do final, com a eleição ou
to é uma manifestação em separado de dons carismáticos. inscrição dos nomes no início da Quaresma, e conclui com a recepção
A confirmação era um problema para os reformadores. Lutero não dos três sacramentos iniciatórios na Páscoa (Rites, IA, 48-169 [edição
elaborou um rito, mas não fez objeção "se cada pastor examinar a fé das em português: 68-234]). A Quaresma é utilizada como período de ilumi-
crianças (...) lhes impuser as mãos e as confirmar" . Martinho Bucer
23
nação, marcado em três domingos por escrutínios, exorcismos e apre-
criou o modelo para os desdobramentos reformados e anglicanos posteri- sentação e recitação do Credo Apostólico e Pai-Nosso. Tudo isso é uma
ores ao vincular a confirmação a um exame da criança sobre o seu recuperação da prática primitiva, refinada de modo a se adequar à vida
conhecimento do catecismo. Em parte como antídoto contra os anabatistas, de uma igreja missionária hoje. O novo "Rito para Batismo de Crianças"
Bucer provavelmente introduziu em Estrasburgo um ofício de confirma- (Rites, IA, 376-93) e o "Rito da Confirmação" (Rites, IA, 487-94 [em
ção que era mais um exame e cerimônia de formatura d o q u e qualquer português, os ritos dos vários sacramentos foram publicados em sepa-
outra coisa, embora o pastor conclua estendendo suas mãos sobre as rado]) foram simplificados, aumentou-se a participação da congregação
crianças com uma bênção . Calvino foi atrás, após uma diatribe sobre a
24
e deu-se maior ênfase ao uso da Escritura. O batismo de crianças atesta
confirmação que se daria em "detrimento do batismo". Ele dava preferên- uma responsabilidade maior da parte dos pais.
cia a uma "catequese mediante a qual as crianças ou os [que] próximos
U m caminho diferente foi tomado pelos luteranos, episcopais,
[estão] à adolescência perante a igreja expusessem a razão de sua fé" . A
85

metodistas unidos e presbiterianos, ao enfatizarem a unidade dos ritos


Igreja da Inglaterra concordou em restringir a confirmação a "aqueles
iniciatórios. Eles diminuem a importância da confirmação como rito
que podem recitar em sua língua materna os artigos da fé, o Pai-Nosso e
distinto e separado e introduzem a afirmação, r e a f i r m a ç ã o ou renova-
os Dez Mandamentos" (BCP de 1549). O bispo era o ministro, fazendo o
ção das promessas de batismo por todos os cristãos. O novo culto
sinal da cruz sobre a testa (1549) e impondo a mão sobre suas cabeças
episcopal preconiza que, na medida do possível, seja normalmente o
(1549 e 1552). A confirmação foi transformada em requisito para a admis-
bispo quem preside a celebração. Procede-se a uma imposição das mãos
sobre todas as pessoas que estão sendo batizadas, podendo-se usar o pela renúncia, a mudança em termos de credo expressa pela afirmação
crisma para fazer o sinal da cruz. O culto pode continuar para outras trinitária, a bênção da água, a lavagem do batismo, a imposição das
pessoas com confirmação, r e c e p ç ã o ("na família do Senhor") e mãos ou selagem e a primeira eucaristia. Ações acessórias como un-
reafirmação. O todo deve estar colocado normalmente no contexto da ções múltiplas, o ephphatha, a aplicação de sal, as vestes brancas e a
eucaristia (BCP, 229-311). O novo rito luterano contém a imposição das vela acesa tendem a ser opcionais ou foram eliminadas. A s reformas
mãos e a consignação imediatamente após o batismo (LBW, 121-25). Um recentes incluem a recuperação de muitas práticas antigas e uma abor-
culto em separado, "Afirmação do Batismo", oferece possibilidades de dagem crítica de inovações posteriores.
confirmação, recepção como membro e reintegração como membro
(LBW, 198-201). Os "Ofícios do Compromisso Batismal" da Igreja
Metodista Unida de 1989 também combinam <6Abatismo com água e a
imposição das mãos, prevendo a confirmação e outras reafirmações do Teologia da Iniciação Cristã
compromisso batismal além da recepção na Igreja Metodista Unida e
da recepção numa congregação local (UMH, 33-39). A oração central, a À medida_que os ritos se modificaram ao longo dos séculos, houve
ação de graças sobre a água, é recuperada após uma ausência de 60 também mudanças importantes na forma como os cristãos entendiam o
anos. Toda a congregação é encorajada a participar, especialmente na que experimentavamna iniciação. Não podemos entender os ritos em si
Páscoa, da reafirmação do seu próprio batismo (UMH, 50-53). A s refor- sem examinar os conceitos que eles expressavam e como os ritos, por
mas presbiterianas são semelhantes, exceto pelo fato de que o termo sua vez, contribuíram para dar forma às idéias sobre eles mesmos.
mais bíblico "renovação" foi empregado para designar a parte que pode
ser repetida (SLR, #2: Holy B&ptism and Services for the Renewal of O testemunho neotestamentário sobre a iniciação é fascinante e com-
Baptisní). A Igreja Unida do Canadá também fala de "Batismo e Renova- plexo. Ele fornece uma enorme variedade de pistas e metáforas sobre o
ção da F é Batismal". que a iniciação significava para os primeiros cristãos, mas nenhuma
exposição sistemática dessas idéias aparece na Escritura. Apesar dis-
Outra menção a ser feita é da "Renovação das Promessas do Batismo" so, essas metáforas bíblicas constituem o fundamento de todas as tenta-
que agora fazem parte da Vigília Pascal entre os católicos romanos tivas posteriores de entender o que Deus está fazendo por intermédio
(Missal Romano, 288-90). A "Reafirmação de Votos Batismais" ocorre na dos ritos de iniciação.
mesma ocasião entre os episcopais (BCP, 292-94 [em português: 174-81]) Para fins de conveniência, podemos identificar. os principais desses
e luteranos ( L B W - Ministers Desk Edition, 152). U m culto de renovação ritos como as cinco principais metáforas da iniciação no Novo Testa-
do compromisso no começo do novo ano é uma prática alternativa entre mento. Isto não deveria nos fazer esquecer que há outros temas meno-
os metodistas unidos (HCY, 78-84). res ligados à iniciação no Novo Testamento: pxonuneiax^_j]ome_de.
Jesus, o ato-de-selar, a salvação da condenação escatológiea-e-a-entrada
no sacerdócio-real são-alguns deles. Mas essas_cinco-metáforas ou
Iniciação Cristã
temas_principais- parecem serusadas-eem-maior freqüência -aparecem
ter tido a^maior influência tanto sobre a fé quanto-sobro-a^prática. São
APB, 753-61 CF, 53-64 PM, 13-26 WS, 63-124
elas: união com Jesus Cristo, incorporação na igreja, renascimento,
ASB, 212-81 LBW, 121-25; Rites, I A Também: Baptism
perdão do pecado e recepção do Espírito Santo . 26

BAS, 146-65; 198-201 SB, 37-74 and Renewal


623-30 LW, 199-207 SBCP, 358-404 of Baptismal Iniciaremos com a metáfora da iniciação segundo a qual esta leva a
BCO, 46-72 MDE, 308-12; SLR, #2 Faith, 1986 pessoa à união com Jesus Cristo. Paulo assim o expressa:
BCP, 298-314 324-27 SWR,#2 (Igreja Ou, porventura, ignorais que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus,
BofS, 44-67 MSB, A1-A44 TP, 85-90 Unida fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na morte
BofW, 129-65 OS, 13-26 WB, 43-52 do Canadá). pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela
BOS, 112-58 PH, 953-71 WL, 13-22 glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida.
Porque se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente
o seremos também na semelhança da sua resurreição. (Rm 6.3-5.)
Uma característica comum na maioria dos novos ritos iniciatórios
A mesma idéia volta a aparecer em Cl 2.12. O batismo transmite a cada
tem sido a concentração em ações essenciais: a mudança ética expressa
batizado a morte de Jesus e a possibilidade de ressurreição por meio
dele. O que Cristo fez é feito em favor do individuo nomeado no batismo. no Ocidente levantou questões sobre o papel e a localização temporal
Trata-se de uma personalização e internalização do clímax da história dessa recepção. Quando esta metáfora é vista em conjunto com a incor-
na medida em que eventos sagrados são dados a indivíduos pela união poração na igreja, alguns desses problemas desaparecem. A igreja é o
com a pessoa e a obra de Cristo. A antiga prática de construir batistérios ambiente da atividade--da-Espír_to Santo. Não se pode fazer parte da
de modo a sugerir uma descida para um sepulcro aquático e o ressurgi- comunidade repleta do Espírito e não receber o Espírito Santo. Hipólito
mento do mesmo é uma forma de tornar literal essa participação na repete o refrão "no Espírito Santo e na santa igreja", saigexir_do_onde o
morte e ressurreição de Cristo. EspíritoJ3anio_é_j3onheji^ A p a s s a g e m de A t 2.38, citada
Intimamente ligado a este tema está aquele da incorporação na acima, continua dizendo: "e-recebereis o dom _dLõ~ E s c r i t o Santo". O
igreja, corpo de Cristo. "Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batismo-do_pxóorio Jesus apresenta uma teofarúardõ~Espirito~S'ant.o
batizados em um [só] corpo", diz Paulo -{I-JCO-42-13). A afirmação mais visível como uma.poin]_a-(Mt 3.16). Como jyimos, por vgjws a vinflflr do
igualitária em toda a Escritura é provavelmente a declaração de Paulo Espírito parece manifestar-se_ com maior clareza por uma parte d a

de que para aqueles "batizados em Cristo (...) não pode haver judeu nem iniciação, a imposição das mãos (At 19.1-7J) Outras imagens parecem
grego, nem escravo nem liberto, nem homem nem mulher; porque todos referir-se à atividade T¡.Rp.r.t.n ¡atgStn n¿Ti:mnia.r.g/v "iluminação" (Hb
vós sois um [só] em Cristo Jesus" (Gl 3.27-28), O batismojé_0-ato=sinal de 6.4) ou "santificação^XI Co 6,11). A ação de dar sal (sabedoria) ou uma
ingresso na igreja, não vindo ao caso em que idade ele ocorre. Por esta vela acesa (prontidão) aos recém batizados, assim como o símbolo
razão_ as fontes batismais muitas vezes estão localizadas-próximo à visual da pomba, sublinham a obra do Espírito na iniciação.
entrada da igreja e alguns ritos incluem uma procissão-de -entrada- para O mais importante testemunho nos relatos neotestamentários é que a
o meio do templo e das pessoas. iniciação é muito mais profunda do que qualquer interpretação avulsa
A iniciação também é o renascimento. Estreitamente vinculada à união da mesma. Nosso problema é obter uma compreensão equilibrada que
com. Cristo^ n^ajnorte^.e ressurreição- e- ao ingresso n u m novo corpo, à faça justiça a todas as cinco metáforas principais. Todos os desdobra-
igreja^ a imagem do renascimento aparece na discussão de Jesus com mentos subseqüentes devem ser medidos segundo esse padrão de com-
Nicodemos: "Quem-não nascer da água e do Espírito não pode entrar no preensão equilibrada. A iniciação é uma jóia com muitas facetas. Não
reino de Deus'f (Jo 3.5)., Implícito nesta imagem está o ser uma nova percebemos todo o seu brilho até enxergarmos todas as facetas refletin-
criatura em CristóTésus, depois de deixar-se para trás o Velho Adão, nosso do a luz.
passado. Tito 3.5 ("ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador Provavelmente a declaração mais concisa possível dessas cinco metá-
do Espírito Santo") tem sido uma fonte de controvérsia devido ao termo- foras ocorre nos dois breves relatos de Justino Mártir sobre a iniciação
chave paliggenesía ou "regeneração". 0_i!ejiascmiento^é^a_mai&ieminina em sua Primeira Apologia. Ele fala de ser "renovado por Jesus Cristo", de
das imagens, e algumas fontes foram modeladas de modo a sugerir uma ser levado para a assembléia cristã e saudado por ela, da "regeneração
mulher grávida. Fala-se do batismo^como^útero e como sepultura. com que também nós fomos regenerados", do arrependimento dos peca-
A coisa mais óbvia referente ao batismo (tão óbvia que muitas vezes é dos e de "tomar o banho na água", bem como do "banho chamado
esquecida) é a ação purificadora da água, representando o perdão do iluminação" . Ireneu combina vários desses temas falando do batismo
27

pecado. JEm At 22.16, Ananias ordena: "Recebe o batismo e lava [apólousai] como a água sem a qual "a farinha seca não pode (...) tornar-se uma só
os teus pecados, invocando o nome dele" (cf. também 1 Co 6.11). Tanto"" 1 massa, nem um só pão, (...) também nós não nos poderíamos tornar um
Pe (3.21) quanto Hb (10.22) comparam o batismo ^ p n a lavagem externa só em Cristo, sem a água que vem do céu" . Clemente de Alexandria dá
28

e à purificação interior de "uma boa consciencia'VJA relação entre batis- preferência ao tema da "iluminação"; outros pais da igreja tem suas
mo e perdão é clara em A t 2.38: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja predileções, mas, tomados em conjunto, parece haver um razoável grau
batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados." de equilíbrio. O que não se encontra num, provavelmente aparece noutro.
Ela se tornou dogma no Credo Niceno: "um só batismo, para remissão Infelizmente esse equilíbrio sempre foi algo fortuito, sempre sujeito a
dos pecados". Q_atcu3e-la5Hai-ne-baptism comójeo pressões externas. Neste caso ele surgiu de modo não-intencional. Agos-
são_íis„rnais_ób_ãa£-repr^e^ de novas vestes tinho, que fizera ele próprio um uso razoavelmente equilibrado dessas
brancas após o batismo reforça a idéia_de uma consciência novamente metáforas, em conseqüência da controvérsia com Pelágio acabou impe-
limpa e de revestir-se de Cristo (Gl 3.27)^J. lindo a igreja fortemente na direção de uma concepção do batismo como
A recepção do Espírito Santo é uma metáfora complexa, em parte remédio para dois tipos de pecado: o original, isto é, a culpa que todos
porque a desintegração dos ritos de iniciação que ocorreu com o tempo herdamos do pecado de Adão, e o atual, que nós mesmos cometemos . 29
É um tanto irônico que o próprio Agostinho só tenha sido batizado ministrante é o bispo, embora ocasionalmente um sacerdote possa admi-
relativamente tarde em sua vida, porém a conseqüência do seu desen- nistrá-lo com o crisma abençoado por um bispo. Cortada sua conexão com
volvimento sistemático de conceitos existentes de pecado original foi a
o batismo, a confirmação tornou-se um apêndice sem muita importância.
de apressar o batismo de crianças por medo de que elas morressem sem
batismo e fossem para o inferno por culpa do pecado original. N a época da Reforma, o batismo, a confirmação e a primeira comu-
nhão se haviam tornado entidades separadas em quase todos os luga-
Toda a evolução medieval fez com que a ênfase pendesse para o res. O Concílio de Trento simplesmente cimentou práticas e crenças da
perdão do pecado, particularmente do pecado original no caso de crian- Idade Média tardia. O batismo não era um ponto de grande controvérsia
ças pequenas. Como vimos, minimizou-se a descrição da união com
entre a maioria dos protestantes e os católicos romanos, embora no
Cristo no tempo da Páscoa, enquanto que a incorporação na igreja,
meio protestante se acendesse um vivo debate em torno do mesmo. Os
quando esta era equivalente à própria sociedade civil, tinha relativa-
reformadores não distinguem convenientemente entre nossas cinco me-
mente pouca importância. O sentido de renascimento perdeu boa parte
do seu impacto quando somente crianças eram batizadas. A doutrina táforas neotestamentárias de iniciação, embora possamos destacar cer-
sobre a obra do Espirito Santo ficou subnutrida no Ocidente, sendo o tos centros de gravidade entre eles. O medo de que as crianças que
batismo um bom exemplo dessa deficiência. Pedro Lombardo tem muito morressem sem estarem batizadas não pudessem ser salvas preocupa-
a dizer sobre o batismo, porém tudo pode ser reduzido a uma palavra: va-os menos, de modo que o perdão dos pecados tendeu a perder o papel
"remissão" . O perdão do pecado é uma parte importante do testemu-
30 preponderante. Porém novas considerações, como a doutrina da elei-
nho bíblico sobre a iniciação, mas ao tornar-se tão dominante a ponto ção, trouxeram novas pressões.
de excluir os outros temas, não podemos fugir à impressão de que Lutero apresenta algumas das mais profundas intuições, que até hoje
ocorreu uma compreensão unilateral do que Deus faz na iniciação. ainda não foram plenamente assimiladas. A ênfase especial de Lutero é
sobre o batismo como "promessa", na qual, diz ele, "Cristo nos é dado".
Um dos desdobramentos medievais mais infelizes deu-se na compre- O que se segue é uma relação vitalícia de compromisso de fé, pela qual
ensão da confirmação. Já vimos como essa parte da iniciação foi separa- nosso batismo torna-se vitorioso sobre a dúvida e o pecado, porque "o
da no Ocidente em função do conservadorismo que a limitou ao bispo. batismo conserva sua força por toda a vida". Com efeito, em momentos
A o longo de toda a sua história subseqüente, a confirmação foi uma do mais profundo desespero Lutero podia asseverar que "fui batizado, e
prática à procura de uma teologia. Pedro Lombardo encontrou muito através do batismo Deus, que não pode mentir, fez uma aliança comi-
pouco para dizer sobre a confirmação (duas páginas), mas disse tudo g o " . E numa manifestação que ficou famosa ele exclama: "(...) não há
33

que a igreja do início da Idade Media proporcionara: "A virtude do consolo maior sobre a terra do que o batismo." Lutero sugere a possi-
34

sacramento é a de doar o Espírito Santo para [se obter] força, o qual é bilidade de encarar toda a vida cristã em termos de espiritualidade
concedido no batismo para a remissão." Lombardo ainda atribui a Rábano batismal, isto é, uma vivência do batismo durante a vida inteira. Ele
a declaração de que somos fortalecidos pela imposição das mãos "para provavelmente se aproxima mais da ênfase sobre a união com Jesus
anunciar aos outros aquilo que alcançamos no batismo" . Lombardo
31

Cristo do que de qualquer outro enfoque bíblico do batismo.


também sugere que a confirmação é necessária "para sermos cristãos
completos". Um sermão de Fausto de Riez, do séc. 5, aparentemente Zwínglio introduziu um conceito totalmente novo: de que o batismo é
havia proposto pela primeira vez a terminologia segundo a qual "após o mero sinal dedicatorio. Ele baseia sua argumentação em R m 6.3-5, que
batismo somos confirmados para o combate", fazendo com que "confir- interpreta em sentido figurado. Também para Zwínglio o batismo é união
mar" fosse identificado com "fortalecer". Esta é a matéria-prima, e com Cristo, mas ele é muito cauteloso no tocante a sinais físicos, porque
praticamente a única matéria-prima, de que os escolásticos dispunham " é claro e indiscutível que nenhum elemento ou ação externa pode purifi-
para construir seus sistemas. car a alma". "Por isso", conclui ele, "o batismo com água não passa de
uma cerimônia externa, isto é, um sinal exterior de que estamos incorpo-
O Decreto para os Armênios, de 1439, resume o desenvolvimento (ou rados e enxertados no Senhor Jesus Cristo, comprometidos a viver com
falta de desenvolvimento) ocorrido na Idade Média tardia ao nos dizer: ele e segui-lo." O conceito zwingliano de batismo como dedicação, como
35

"Neste sacramento o Espírito Santo nos é dado para fortalecer-nos (...) para compromisso ou sinal de pacto tende a transformá-lo numa questão de
que o cristão possa confessar destemidamente o nome de Cristo." A 32
registro externo, em vez de ser a fonte de uma calorosa relação interior,
matéria do sacramento " é o crisma feito de óleo (...) e de bálsamo (...) como no caso de Lutero. Esse conceito também estabelece o precedente
abençoados pelo bispo. A forma é: 'Eu te assinalo com o sinal da cruz e te para conceber o batismo de crianças como um rito de dedicação, tema
confirmo com o crisma da salvação, em nome (...)'." Normalmente o este bastante popular entre certos protestantes americanos.
Calvino deplora a visão zwingliana de batismo como "sinal ou marca" é que deveriam receber o batismo. A abordagem de Barth era essencial-
e-profissão. Calvino enfatiza^_pQder_do batisme-de ^alvar^por m e i o d o mente cognitiva; o batismo é uma "representação" ou "mensagem" para
pexdão ou purificação e da união_com Cristo, Porém para ele parece a pessoa batizada. E m contraposição a isto, outro teólogo suíço, Oscar
que a metáfora predomir^nte-é_a_de-ser- r_ecebido à sociedade da igreja
íí
Cullmann, replicou que o batismo é causador na medida em que coloca
para que, enxertados em Cristo, sejamos çontadoS-_entre o&Iilhos_de a pessoa dentro da comunidade na qual a fé se torna uma possibilidade,
-Deus." Ele se preocupa também em refutar a crítica anabatista ao
36
e não apenas informa essa pessoa a respeito de algo. Cullmann insistia
batismo de crianças. Os infantes também se encontram dentro do pacto que potencialmente Cristo morreu por todos e que isto se torna efetivo
e são membros da igreja, insiste Calvino. quando a pessoa é incorporada na igreja e recebe a possibilidade de
Os-anabatistas naturalmente insistiam que "as crianças pequenas crescer num ambiente de f é . 39

não têm compreensão e não são ensináveis; por isso o batismo não lhes Ainda entraram na refrega, por razões estritamente históricas, dois
pode SPT rniniptrg^o_sernjafiriaerier a ordem do Senhor, cometer abuso estudiosos do Novo Testamento, Joachim Jeremias e Kurt A l a n d . O
40

contra Seu nome sublime e violentar Sua santa Palavra" . Claramente,


37
debate de forma alguma está resolvido, como mostra claramente o
para eles o batismo dependia da fé humana e do arrependimento. So- documento Batismo, Eucaristia e Ministério^. Todas as denominações
mente as pessoas já renascidas podiam aderir ao pacto batismal. Embo- cristãs, dos batistas aos católicos romanos, atualmente expressam dú-
ra seu conceito de igreja seja bastante diferente do de Calvino, a incor- vidas sobre suas próprias práticas e doutrinas. Os batistas têm dúvidas
poração na companhia dos crentes regenerados é provavelmente seu em tratar as crianças como pessoas que estão fora da igreja; os católi-
tema dominante. Para muitos deles o batismo implicava não só água e cos romanos temem que com demasiada frequência muitas crianças
espírito, mas também seu próprio sangue de sofrimento e martírio (1 Jo batizadas jamais cheguem a se integrar na vida da igreja.
5.6-8) durante perseguição constante. Eles ensinavam e viviam como se Boa parte do debate sobre batismo de crianças versus batismo de
toda a vida fosse um batismo. crentes parece um atalho superficial para evitar o confronto com ques-
A s orações anglicanas nos cultos batismais de 1549 e 1552 atingiram tões mais fundamentais sobre a natureza de um sacramento. Se um
um notável equilíbrio das metáforas bíblicas, em parte porque tendem a sacramento é u m ato de autodoação de Deus, será que crianças ou
reunir imagens bíblicas. Os "Artigos de R e l i g i ã o " chamavam o batismo qualquer outra pessoa não podem receber seus benefícios? Se, por
de "sinal de Regeneração ou novo Nascimento", expressão esta que deu outro lado, entendemos sacramento como uma porção de educação reli-
origem a uma controvérsia no séc. 19 sobre se o batismo causava ou giosa de alto nível, como um piedoso exercício de memória ou como
significava regeneração.LQs anglicanos mantiveram a confirmação, po- uma representação, há que se perguntar se pode ser indicado para uma
rém em 1552 ela se tornara mais um rito-, de oração por fortalecimento pessoa que ainda não chegou à idade da razão. Desta forma, a maioria
do que uma concessão objetiva da g r a ç a . ] dos pedobatistas e aqueles que batizam apenas crentes jamais entram
y p h n Wesley complicou as coisas ainda mais ao enfatizar que, após o em acordo, uma vez que partem de dois conceitos de sacramento total-
batismo na infância, a conversão seria uma parte necessária da vida mente diferentes.
cristãfjFor razões não muito claras, ele omitiu a confirmação, ao passo Em anos recentes toda a questão da unidade da iniciação cristã
que manteve a maior parte dos ritos anglicanos de batismo.^jgs metodistas também se transformou num assunto importante. Ela naturalmente fica
do séc. 19 instituíram um culto de recepção de membros após um resolvida no caso do batismo do crente, uma v e z que o evento ritual é
período probatório para os já batizados^Com o tempo, este foi substitu- um único. Mas para aqueles que batizam crianças parece cada vez mais
ído pela prática de se chamar de "membros preparatórios" as pessoas uma anomalia não as receber na plenitude da família de Deus permitin-
batizadas na infância até serem recebidas como "membros plenos" ou do-lhes a participação na comunhão. E m algumas denominações isto
confirmadas (após 1964). resultou na prática de tornar a iniciação completa numa mesma idade,
N o passado recente houve importantes desdobramentos nos esforços fazendo com que o batismo, a imposição das mãos e a comunhão
para compreender a iniciação cristã, tendo ela se tornado um foco de ocorram juntas, não importando a idade. A s crianças recebem uma
muita controvérsia e alguma elucidação. Muita poeira foi levantada por pequena quantidade de vinho da comunhão. N e g a r a comunhão a crian-
ocasião de uma palestra dada por Karl Barth a estudantes de teologia ças batizadas parece agora tornar a participação como membro do
suíços em 1943, com o título " A Doutrina da Igreja sobre o Batismo" - 38 corpo de Cristo dependente da capacidade de pensar conceitualmente.
Nela Barth afirmava que o batismo de crianças " é necessariamente um Quanto mais aprendemos sobre o desenvolvimento da criança, mais
batismo nebuloso" e que somente adultos capazes de entender o evento questionável isto se torna .
42
Questões práticas não podem ser resolvidas à parte do estudo do saber mais, de modo que sempre que servirem de testemunhas da
assunto como um todo: o que vem a ser a iniciação em si? A q u i o iniciação possam ser lembrados do que Deus já fez por eles. O batismo
principal caminho para avançar parece consistir na recuperação da edifica a igreja tanto a partir de dentro quanto de fora.
riqueza de todas as imagens bíblicas, com claro senso de equilíbrio. A
O^egrundo-ponto é a importâncla-do valor nomo-sitm-i daquilo, qijft se
iniciação é perdão dos pecados, mas é também incorporação à igreja,
realiza na iniciação. A iniciação é basicamente constituída por ações
além de outros temas. Os novos ritos iniciatórios são sinais promisso-
significantes; acontece algo para o qual meras palavras não bastam. A s
res de que esse equilíbrio bíblico está sendo resgatado.
ações devem poder falar, sem ser abafadas pela indiferença ou pela falta
de sensibilidade para com o seu valor como sinal.
A iniciação é um ato comunitário, e a comunidade precisa estar presen-
Aspectos Pastorais da Iniciação Cristã te. Toda a congregação exerce a função de padrinho e madrinha. Como
se pode casar por procuração sem perder muito do significado? Como se
Numerosas possibilidades pastorais surgem a partir da atual ebuli- pode ser incorporado num corpo quando a comunidade está ausente?
ção em torno dos ritos e da teologia da iniciação. Mencionaremos os Muitos protestantes insistem que a iniciação sempre ocorra no culto
três aspectos práticos mais importantes. E m primeiro lugar e antes de dominical na presença de toda a congregação. Outras tradições atual-
mais nada, a iniciação é evangelização. Isto era óbvio para a igreja mente estão se encaminhando nesta direção. O sinal de incorporação por
antiga, a qual cresceu por iniciação. Esta foi uma lição que a igreja excelência é a própria comunidade, e não o prédio vazio da igreja.
moderna levou tempo para aprender, apesar da grande expansão O batismo é lavagem. Trata-se de um ato eminentemente tátil, que
missionária dos últimos séculos. A iniciação é a maneira pela qual a exige que a água seja vista, ouvida e (de fato) sentida por toda a
igreja cresce. congregação. Aquelas igrejas que praticam o batismo por imersão têm
Isso tem várias implicações práticas. A iniciação precisa deixar de um senso sacramental mais profundo, neste caso. N a atual prática
ser "promíscua", isto é, irrestrita e indiscriminada. Pessoas estranhas corrente em muitas comunidades católicas romanas e protestantes,
que telefonam para "resolver a questão" com o bebê ou desconhecidos tanto as instalações quanto os procedimentos são deficientes. O batis-
que aparecem na igreja para um batizado de improviso precisam ser mo muitas vezes parece mais uma passada a seco do que uma vigorosa
polidamente informadas que o/a pastor/a terá o maior prazer em visitá- purificação, já tendo sido achincalhado como "lavagem a seco". Se a
las para começar o processo de iniciação. Pelo menos uma visita pasto- nossa única preocupação é a validade, então uma colherinha d'água já
ral aos pais ou candidatos em vista sempre deve preceder o batismo e basta. Mas se a nossa intenção é comunicar a torrente de concessão de
muitas vezes também poderia ser muito útil mais tarde. No caso de pais vida em que Deus age, então uma banheira cheia comunica melhor. É
não-crentes, isso significa que a igreja precisa dizer "não", mas no claro que isto significa que bacias batismais são insuficientes e que a
processo de explicar as exigências da iniciação o/a pastor/a talvez maioria das fontes batismais modernas não servem. A s fontes medie-
tenha a única oportunidade de testemunhar aquilo que os cristãos vais e da pós-Reforma eram grandes o suficiente para a imersão de um
crêem. Para o solicitante adulto, isso significa inscrição em algum tipo bebê. Esta era a modalidade claramente preferida por Lutero, que a
de catecumenato. O catecumenato de três anos de Hipólito era um tanto rubrica da Igreja da Inglaterra sempre especificou (embora tenha sido
rigoroso, mas as pessoas que por ele passaram estavam dispostas a ignorada nos últimos 200 anos) e que os novos ritos católicos romanos e
morrer (e muitas o fizeram) por sua fé. O novo (e muito antigo) "Rito da episcopais propõem em primeiro lugar. Mas isto de fato implica instala-
Iniciação Cristã dos Adultos" católico romano merece sério estudo por ções e práticas diferentes daquelas que a maioria das igrejas pedobatistas
parte de todos os cristãos. Ele não só proporciona ao solicitante todo o atualmente têm.
apoio da comunidade durante seu crescimento até a incorporação plena,
Se nosso interesse é mostrar por meio de ações o que Deus faz, então
mas também leva a congregação a reexaminar a base de sua própria fé.
a aspersão (mais comumente a mera umidificação) com algumas gotas
Batismo e ensino estão interligados (Mt 28.19-20). O ano eclesiástico d'água é extremamente insuficiente (a não ser que tenhamos uma dou-
oferece oportunidades de pregar sobre o significado da iniciação, parti- trina muito anêmica de Deus). A infusão é um pouco melhor, se a água
cularmente por ocasião do Batismo do Senhor, da Páscoa, de Pentecos- puder ser vista e ouvida ao ser derramada. A imersão passiva (de
tes e de Todos os Santos. N ã o é de admirar que a maioria dos cristãos bebês) ou ativa (de crianças e adultos) é claramente o melhor. Se esta-
fiquem confusos no tocante à iniciação; nunca tiveram qualquer espé- mos dispostos a deixar que o ato fale por si mesmo, não o vamos
cie de catequese mistagógica que a explicasse a eles. Porém merecem sepultar sob uma verborreia, mas vamos efetivamente lavar as pessoas.
A c i m a de tudo, deveríamos evitar transformá-lo num ato mimoso cris-
tão; o centro é Deus, e não a criança.
A imposição das mãos e a unção são atos dramáticos que precisam
poder dar seu próprio testemunho. Deveriam ser realizados de maneira
tão pessoal quanto possível, com a utilização dos prenomes de todos os
Capítulo 8
envolvidos. Cada candidato deveria ser tocado individualmente. Quan-
do a congregação inteira participa da r e a f i r m a ç ã o ou renovação
batismal, então a aspersão da congregação inteira (sem sugerir um A Eucaristia
rebatismo) é muito desejável. Sem ser, de forma alguma, uma repetição
do batismo, a renovação é uma recordação vivida do que Deus já fez por
nós no batismo. U m a vez por ano é freqüente o bastante, mas cultos de
renovação ou reafirmação têm sido amplamente apreciados em anos
recentes. / A eucaristia é a estrutura mais distintiva do culto cristão. E também
O terceiro ponto é a necessidade de tornar visível a unidade de todo o ^ X ^ a _ f o r m a de culto de mais amplo uso entre os cristãos, sendo celebra-
processo de iniciação. O ideal seria que todas as partes dos ritos da diária e semanalmente em milhares de congregaofiñg f- fínmiiniriartes
fossem executadas ao mesmo tempo aos domingos ou na Páscoa, em no mundo inteiro. N o c a p í t u l o 5~êxaminamos a liturgia da palavra, a
meio à congregação, como estipulam claramente os novos ritos episco- qual, desde os primeiros tempos, constituiu a primeira metade da euca-
pal, presbiteriano e metodista unido. E m igrejas com bispos, quando ristia. Passamos agora para a segunda metade, o sinal representado.
possível, o bispo deveria ser o ministrante de todo o rito integrado, Diversos grupos usam uma variedade de nomes para designar a combi-
manifestando assim claramente a igreja universal. nação das duas metades: "eucaristia" (isto é, ação de graças), ou "ceia do
O batismo, a imposição das mãos e a primeira comunhão deveriam Senhor" (1 Co 11.20), "partir o p ã o " (At 2.46; 20.7), "liturgia divina",
vir juntos. Qualquer coisa que implique a condição de membro parcial "missa", "santa comunhão", "santa Qurbana" e "memória do Senhor". A
ou membro em preparação é uma contradição em si. Quando Deus age, segunda parte por si às vezes também é chamada de "eucaristia", "missa
não é nada parcial ou preparatório. Os atos de Deus são autodoação dos fiéis", "oferenda" ou "anáfora" (em sentido lato). O termo "eucaristia"
incondicional. Podemos acabar rejeitando-os, porém Deus permanece tem sido usado-dtmde o f i n a l rlp séc. 1. Trata-se do termo mais descritivo
fiel à sua promessa de aceitação que nos é oferecida na iniciação. A que temos, e aquele que usaremos com maior freqüência.
unidade dos ritos iniciatórios deveria dar testemunho disso. Certamen- KL Qualquer que seja o nome, o conteúdo é o mesmo em toda a cristanda-
te o batismo e a eucaristia formam uma unidade. A igreja antiga estava de: uma refeição sagrada baseada nos atos de Jesus na última ceia.
certa ao entender a eucaristia como a única parte da iniciação que é Apesar de toda a diversidade existente na prática pelo mundo cristão
repetida. Aqueles que receberam o batismo e a imposição das mãos ou afora, há também uma notável constância na forma que o rito toma.
a unção deveriam ser imediatamente recebidos à mesa do Senhor, não Todas as igrejas professam que seguem lealmente aquilo que os escrito-
importando a sua idade. Se uma pessoa tem idade suficiente para
1
res do N o v o Testamento interpretaram como sendo as palavras, ações e
tornar-se parte do corpo do Senhor, ela tem idade suficiente para ser intenções de Jesus.
recebida à mesa do Senhor. A semelhança das práticas eucarísticas difundidas por toda a cristan-
dade atesta a marca que Jesus deixou sobre este tipo de culto. Não
causa surpresa, portanto, que, apesar das fortes raízes judaicas, a
. eucaristia seja a mais distintiva forma de culto cristão. Ela carrega a
I autoridade da conexão direta com o próprio Salvador.
N o presente capítulo examinaremos muito rapidamente as práticas
eucarísticas dos cristãos ao longo do tempo, sua compreensão daquilo
que experimentam em celebrações eucarísticas e as conseqüências
dessas informações para a ação pastoral. Há muito a cobrir, de modo
que não podemos nos demorar muito em qualquer um dos tópicos, por
mais importante que seja, mas precisamos esboçar apenas as linhas Não deixa de ser um passo natural passar das obras de Deus já
gerais das questões históricas, teológicas e práticas. realizadas ao pedido de que ele faça acontecer aquelas ainda esperadas
para o futuro: "Restaura tua Shekinah [glória] em Sião, tua cidade, e a
ordem do culto em Jerusalém" (após o ano de 70). A súplica por novos
O Desenvolvimento da Prática Eucarística prodígios é a conseqüência da proclamação do que Deus já fez. Boa
/-parte da forma e conteúdo das orações sinagogais foi simplesmente
E m nenhuma outra parte as raízes judaicas do culto cristão são tão V. adotada como o padrão para a oração eucarística cristã, em especial a
importantes - ou tão complicadas - como no caso da eucaristia. Cada \ estrutura da bendição (agradecer) de Deus por meio da oração de credo.
tipo de culto público judaico contribuiu para a eucaristia cristã, quase A mesma compreensão da oração como ação de graças também
como se Jesus e seus seguidores tivessem deliberadamente procurado aparecia durante refeições familiares, mas ali ações eram igualmente
construir sobre os fundamentos que o povo judaico colocara. Damo-nos importantes. A última ceia foi obviamente uma refeição sacra, mas
conta, agora, de que, sempre que esses fundamentos judaicos foram assim também o eram todas aquelas numerosas outras refeições que
esquecidos, a eucaristia foi distorcida na prática e mal entendida na Jesus compartilhou com seus discípulos. Cada refeição judaica é um
experiência. Uma compreensão da contribuição judaica pode fazer com evento sagrado compartilhado somente com a família ou amigos ínti-
que os cristãos permaneçam fiéis à sua própria eucaristia. Três locais mos. Se a última ceia foi a refeição da Páscoa, como insistem os evange-
do culto judaico são particularmente importantes neste tocante: o culto lhos sinóticos, então Jesus estava transformando a mais solene ocasião
no templo, o culto na sinagoga e as refeições familiares. do ano judaico (a festa e m que os judeus oravam na esperança de que o
A partir do séc. 7 a.C, o culto sacrificai judaico fora nacionalizado .'Messias aparecesse). Jesus usou as palavras e ações especificadas de
no t e m p l o de Jerusalém. Todo o culto sacrificai se desenvolvera como um padrão familiar para declarar que o Messias efetivamente chegara.
um meio de se relacionar com Deus como nação e de alcançar comu- Os judeus, que não concordam que o Messias tenha vindo, continuam a
nhão com Deus enquanto indivíduos. O sacrifício era um modo de vida, realizar o seder pascal (refeição sacra) até os dias de hoje; os cristãos,
e os sacrifícios diários do templo, matutinos e vespertinos (Êx 29.38-39), que concordam que Jesus foi o Messias, celebram, ao invés, a eucaristia
eram lembrados nas orações de judeus devotos por toda parte. Imagens (ação de graças).
sacrificais encontram-se nas próprias narrativas da instituição da ceia s Jesus usou deliberadamente o ápice do ano judaico para estabelecer a
do Senhor ("sangue da aliança, derramado por muitos") e voltam a 1 nova aliança, mas o fez em termos do culto antigo. Segundo os sinóticos,
ocorrer em todo o Novo Testamento, particularmente em Hebreus. na última ceia Jesus seguiu a reencenação convencional da refeição
Salmos cantados diariamente no culto do templo passaram a fazer original da Páscoa como comemoração da libertação do cativeiro no
parte da eucaristia. Exemplos conspícuos são o canto de entrada, "Subi- Egito. Trata-se de uma saga de libertação, ordenada em Êx 12.25-27.
rei ao altar de Deus, / a Deus, o doador de juventude e felicidade" (SI Normalmente as crianças perguntam: "Qual o significado desse rito?" (v.
43.4, versão latina), e o Benedictus qui venit, "Bendito o que vem em 26). Respostas de interpretação (haggadah) são dadas. Este é o modelo
nome do Senhor" (SI 118.26, versão latina). E a salmódia_responsiva para as palavras com que Jesus instituiu a eucaristia. Mas igualmente
também constitui parte importante da liturgia cristã da palavra. importantes são as ações: come-se alimento especial, parte-se o pão e
compartilham-se copos de vinho na Páscoa. Palavras e atos significativos
Já vimos como do ofício sinagogal surgiram a oração pública diária e
ajudam a tornar presente o poder salvador dos atos de Deus que culmi-
a liturgia da palavra, mas sua contribuição não termina aí. O culto_
nam no grande evento da libertação e a esperar as futuras obras
sinagogal envolvia oração, oração que veio a ter forma e conteúdo especí-
libertadoras de Deus. Do princípio ao fim Deus é bendito por eventos
ficos. A forma era aquela de bendizer a Deus pelo que ele fizera, especial-
passados que mais uma vez são tornados presentes em sua capacidade
mente conforme isso é narrado nas leituras. Bendizer a Deus e agradecer
a ele são termos equivalentes, em grande parte uma enumeração dos
mirabilia Dei, os prodígios de Deus em favor do seu povo. Tais orações
( de salvar, e implora-se a ele que proporcione benefícios futuros. Comer e
beber, lembrança agradecida e expectativa andam de mãos dadas.
têm função de credo. Deus é bendito ao se recitar os atos que se deseja O Novo Testamento apresenta vários relatos da instituição da euca-
lembrar, fazendo assim da oração também uma forma de proclamação. ristia, bem como lampejos esporádicos da sua celebração em Jerusa-
Mentalidade semelhante funciona na oração de mesa judaica para o lar, lém, Trôade e Corinto. Há também histórias de refeições de Jesus, seus
bendizendo a Deus ao recitar atos pelos quais se dá graças, por exemplo: discípulos e o povo antes da ressurreição, e de Jesus com seus discípu-
" N ó s agradecemos (ou bendizemos) a ti que fizeste ...". los após a ressurreição.
Dois conjuntos paralelos de narrativas da instituição aparecem no outras partes, como no milagre dos cinco pães e dois peixes (Mc 6.41),
Novo Testamento: Mc 14.22-25 e Mt 26.26-29 são bastante semelhantes, e no relato da estrada de Emaús (Lc 24.30) e até mesmo num navio repleto
1 Co 11.23-26 e Lc 22.15-20 apresentam grandes semelhanças. O relato de pagãos (At 27.35). Os alimentos usados na refeição da Páscoa envol-
de Lucas é o único (em alguns textos) que menciona dois cálices. A s v i a m ações simbólicas, bem como outras de caráter utilitário (molhar
leves diferenças entre os relatos podem ser explicadas pela teoria de em ervas amargas, comer o pão ázimo). A contribuição mais duradoura
que o que temos nesses textos é uma descrição do que estava sendo dito de Dix foi de nos lembrar que a eucaristia é basicamente ação. Ele
e feito por diversas igrejas em diferentes lugares ao celebrar a eucaris- considerava quatro ações como centrais: tomar, dar graças (bendizer),
tia. Todas elas teriam entendido estar seguindo as intenções, palavras e partir e dar. Dessas quatro, dar graças e dar o pão e vinho atualmente
ações do próprio Senhor na última ceia. Afinal de contas, as igrejas são consideradas as mais importantes.
vinham celebrando a ceia desde Pentecostes, muito antes de se fazerem O Evangelho de João não apresenta detalhes da refeição em si na
quaisquer relatos escritos. Assim sendo, as ligações que temos entre a última ceia, com exceção das palavras trocadas com Judas. O que ele
última ceia em si e as narrativas da sua instituição são celebrações apresenta, porém, é uma singular descrição de outra atividade-sinal, o
eucarísticas efetivas. Mesmo assim, o estudioso alemão do Novo Testa- lava-pés (Jo 13.3-17). Aparentemente a igreja primitiva entendia isto não
mento Joachim Jeremias era da opinião de que é possível discernir como um imperativo, mas como uma parábola representada; não temos
aproximadamente as palavras eucarísticas do próprio Jesus. Jeremias evidências de que tenha sido uma prática apostólica. O ato de lava-pés
considerava o relato marquino como o mais aproximado, sendo a se- "tornou-se parte do rito de iniciação em Milão, e com o tempo veio a
guinte formulação a mais provável: integrar celebrações eucarísticas de vários grupos protestantes como a
Igreja dos Irmãos , alguns pentecostais, batistas e adventistas do séti-
3

Este é meu corpo/minha carne


Meu sangue da aliança mo dia. Desde 1955 o lava-pés foi recuperado nos cultos de Quinta-Feira
A aliança no meu sangue Santa de muitas igrejas.
O qual... para muitos.
1
A datação da última ceia é uma controvérsia não-resolvida. Os evan-
gelhos sinóticos apresentam a última ceia como a refeição da Páscoa,
As palavras da instituição têm importantes dimensões. E m seu con-
ao passo que João diz: "Antes da festa da Páscoa" (13.1), ou no dia (que
texto, elas são sacrificais ao falarem de uma aliança feita em sangue.
começa com o anoitecer anterior) no qual os cordeiros eram sacrifica-
Todos os relatos, especialmente o de Lucas, apresentam uma orientação
dos no templo (cf. também 18.28). Na cronologia de João o sacrifício dos
escatológica (como era o caso da própria Páscoa) por esperarem a vinda
cordeiros coincide com a crucificação. Provavelmente a maioria dos
do reino de Deus. A o dar interpretações, embora novas e chocantes, ao
estudiosos do Novo Testamento seguem a datação joanina da última
alimento e às ações da refeição, Jesus estava simplesmente seguindo a
ceia na noite antes da Páscoa, embora muitos outros apresentem a
convenção. Jeremias acreditava que a palavra de Jesus a respeito do não
última ceia como a refeição pascal. Dada a propensão joanina para o
comer (Lc 22.16) tinha a forma de um voto (do tipo feito pelos inimigos de
simbolismo, não parece improvável que ele tenha combinado o sacrifí-
Paulo em A t 23.12) e indica que o próprio Jesus não participou.
cio dos cordeiros e a crucificação para efeitos simbólicos . Em conseqüên-
4

Um termo-chave nos relatos paulino e lucano é anamnesis. Nenhum cia, a cronologia sinótica me parece mais convincente. De qualquer
termo no vernáculo transmite sozinho seu sentido pleno; lembrança, maneira os eventos culminantes da paixão e morte de Cristo ocorrem
recordação, representação, experiência renovada são apenas fracas apro- no contexto da festa da Páscoa e estão fortemente tingidos por sua
ximações. Anamnesis expressa o sentido de que, ao repetir essas ações, celebração da libertação do cativeiro através do sangue no passado e
a pessoa volta a vivenciar a realidade do próprio Jesus presente. Em anos por sua expectativa de iminente libertação futura pela ação divina.
recentes este conceito tem sido um termo-chave em discussões ecumênicas
da eucaristia como memória com nuances de sacrificio e presença. O N o v o Testamento nos oferece apenas rápidos lampejos de eucaristi-
as do séc. 1. Atos 2.46 fala que os membros da Igreja de Jerusalém
A s ações da instituição não são menos importantes do que as pala- "partiam pão de casa em casa, e tomavam as suas refeições com alegria
vras. O estudioso inglês Gregory Dix deu muita importância à "estru- e singeleza de coração". Uma expressão contida na severa advertência
tura em quatro ações" que determina a "estrutura da liturgia" . Mar-
2
de Paulo à igreja de Corinto contra a participação indigna na "ceia do
cos 14.22 reza: "Jesus tomou o pão e, tendo pronunciado a benção, o Senhor" associa a eucaristia à proclamação da "morte do Senhor, até
partiu e lhes deu" (grifo meu). A s mesmas ações são usadas em relação que ele venha" (1 Co 11.26). Paulo ameaça com doença e morte as
ao cálice, exceto que não acontece o partir. Essas ações ocorrem em pessoas culpadas de comer e beber indignamente, isto é, sem discernir
o corpo do Senhor na comunidade. Claro está também que a ceia do assim das extremidades da terra seja unida a ti tua igreja em teu
Senhor é simplesmente isto: uma refeição completa. A l g u n s estudiosos reino" . Esta expressão e outra subseqüente têm forte sabor escatológico.
7

procuraram descobrir dois tipos de eucaristia no Novo Testamento e na Profetas, assim somos informados, podem "bendizer à vontade". Didaqué
literatura protocristã: um tipo alegre, outro sombrio . Hoje essas teori-
5
14 e o Diálogo com Tritão 41, de Justino, citam Ml 1.11 ao falar sobre
as parecem altamente improváveis, uma vez que a morte do Senhor é um "sacrifício puro" e referem-se especificamente à eucaristia em lin-
uma memória temperante e, mesmo assim, uma fonte de alegria. guagem sacrificai.
Obtemos uma rápida noção de outra eucaristia quando Paulo se prepa- N a Primeira Apologia de Justino encontramos nosso primeiro esboço
rava para deixar Trôade (At 20.7-12), onde Eutíquio continuou dormindo da eucaristia. E m um caso ela se segue ao batismo, mas normalmente
até mesmo durante a pregação de Paulo, mas recebemos poucas informa- viria depois da liturgia da palavra:
ções a mais sobre a eucaristia em si. Uma singular referência ocorre na
Epístola de Judas, onde se tematizam problemas aparentemente seme- Terminadas as orações [petição e intercessão], nos damos mutuamente o
lhantes aos de Corinto. "Esses homens são como rochas submersas das ósculo da paz. Depois àquele que preside aos irmãos é oferecido pão e
vossas festas de fraternidade (agápais), banqueteando-se juntos sem qual- uma vasilha com água e vinho; pegando-os, ele louva e glorifica o Pai do
universo através do nome de seu Filho e do Espírito Santo, e pronuncia
quer recato" (v. 12). O ágape ou festa do amor era aparentemente uma
uma longa ação de graças, por ter-nos concedido esses dons que dele
refeição completa, mas de certa forma distinta da eucaristia. Hipólito faz provêm. (...) Depois que o presidente deu ação de graças e todo o povo
j questão de distingui-la da ceia do Senhor. Não se sabe quando a ceia do aclamou [com um "amém"], os que entre nós se chamam ministros ou diá-
' Senhor deixou de ser uma refeição completa; aparentemente ainda era conos dão a cada um dos presentes parte do pão, do vinho e da água sobre
possível ser um glutão e beberrão quando Paulo escreveu. Numa antiga os quais se pronunciou a ação de graças [literalmente: "eucaristizados"] e
carta (de cerca de 112 d.C.) de Plínio, governador romano pagão na os levam aos ausentes. 8

Bitínia, dirigida ao imperador Trajano, há leves indícios que podem ser


interpretados no sentido de que os cristãos da Bitínia estavam acostuma- O ósculo da paz ( R m 16.16; 1 Pe 5.14) é um sinal de amor e unidade
dos a celebrar uma eucaristia matutina cedo aos domingos e um ágape à que concluía as intercessões e conduzia ao ofertório (como em Didaqué
noitinha, mas que haviam abandonado o ágape durante a perseguição. 14), posição que reteve no Oriente, mas perdeu no Ocidente até as
Para Hipólito, o ágape era uma ceia ocasional da igreja, organizada por recentes revisões feitas em algumas igrejas. Aparentemente a formu-
benfeitores particulares com a participação de clérigos. A s sobras eram lação da oração central de ação de graças pelo presidente (bispo ou
mandadas para os pobres. O ágape degenerou facilmente, transforman- presbítero a presidir) ainda está fluida neste estágio. Justino, nesse
do-se em abuso, sendo proscrito por concílios no séc. 4. O pão abençoado segundo relato (cap. 67), conta-nos que o presidente, "conforme suas
(porém não eucarístico), o antidoron, distribuído após a liturgia nas forças, faz (...) subir a Deus suas preces e ações de graças". Um século
igrejas ortodoxas orientais, talvez seja um resquício do ágape. A festa do mais tarde, Cipriano v i u na mistura de água com vinho um símbolo
amor foi revivificada entre os Irmãos, menonitas e morávios do séc. 18, e da unidade das pessoas (água) com o sangue de Cristo (vinho). N a
continua em pleno vigor . John Wesley tomou emprestado essa prática e a
6
origem estava provavelmente uma razão utilitária. Os diáconos levam
introduziu no metodismo em 1738. O ágape tem sido usado em ocasiões pão e vinho aos doentes e encarcerados, estabelecendo um precedente
ecumênicas em anos recentes, quando não é possível celebrar uma euca- muito precoce para a comunhão fora da missa e por fim para as
ristia. sagradas reservas dos elementos consagrados nas igrejas entre cele-
brações eucarísticas. Faz-se também uma coleta em benefício dos ne-
É tentador retroprojetar para o período do Novo Testamento as infor- cessitados.
mações que temos sobre as práticas eucarísticas dos séculos seguintes.
Entretanto, isto é arriscado e temos de admitir que nosso conhecimento Nossa mais importante fonte de informação sobre a eucaristia dos
sobre a eucaristia do séc. 1 é muito limitado. Muito mais evidências primeiros tempos é mais uma vez nosso velho amigo Hipólito. Esse
aparecem nos sécs. 2 e 3. A Didaqué pode conter orações duma eucaris- firme reacionário, que tentava resistir à experimentação litúrgica no
tia ou dum ágape. Consta ali uma advertência severa no sentido de não séc. 3, inspirou muitas inovações no séc. 20. Sua formulação da oração
dar comunhão aos não-batizados, bem como instruções para reconcili- eucarística após a ordenação de um bispo tem sido amplamente copiada
ar-se com o próximo antes do sacrifício (Mt 5.23-24), além de uma tanto por protestantes quanto por católicos romanos. Ela é a fonte
famosa frase: j "Da mesma maneira como este pão quebrado primeiro básica para a Oração Eucarística católica romana II (Sac. 510-13). Reco-
fora semeado sobre as colinas e depois recolhido para tornar-se um, menda-se que os/as leitores/as estudem o texto de Hipólito para acom-
panhar a discussão que se segue . 9
Assim que um novo bispo é ordenado, conta-nos Hipólito, todos lhe mente judaica: glorificar a Deus pela recitação dos atos divinos passa-
oferecem o ósculo da paz. E m seguida diáconos trazem a oferenda (pão dos e invocar sua continuação. O conteúdo é inteiramente cristão: a
e vinho), e o bispo, "impondo a mão sobre ela, (...) com todo o presbité- rememoração do que Deus fez em Jesus Cristo e continua a fazer por
r i o " inicia a ação de graças . Diáconos trazem a oferenda, porém os
10
meio do Espírito Santo.
presbíteros compartilham (aqui silenciosamente) da oração, prática esta
conhecida por concelebração. A g r a n d e ação de graças (também desig- A capacidade de conduzir nessa oração central exigia uma pessoa que
nada de oração eucarística, cânon, anáfora, oração de consagração) pudesse representar fielmente as crenças da comunidade cristã. Hipólito
começa com um diálogo entre o principal oficiante e a comunidade. O chega a dizer: "De forma alguma é necessário recitar as mesmas palavras
diálogo inclui o sursum corda, hoje formulado como "Elevai os vossos que prescrevemos (...) ao dar graças a Deus, mas cada um ore segundo a
corações", e convida a comunidade a participar da ação de graças sua capacidade, (...) só que ore o que é louvor verdadeiro [orthodoxia] [por
proferida pelo bispo. É desta maneira que ainda começa a maioria das vezes traduzido por doutrina correta]." Uma das mais importantes fun-
11

orações eucarísticas. Todas as pessoas participam delas, embora uma ções do ministério ordenado é a capacidade de os presbíteros e bispos
só profira as palavras. resumirem a fé de toda a igreja e a proclamarem em oração. Não admira
que Inácio tenha limitado a presidência da eucaristia ao "bispo ou (...)
• A maioria das liturgias subseqüentes passam então para o sanctus alguém que foi encarregado por ele" . Cada pastor/a é um/a teólogo/a
12

("Santo, santo, santo"), baseado em Is 6.3 e A p 4.8. Hipólito não mencio- para a congregação. A ele/a é confiada a declaração da fé da comunidade
na o sanctus, quer porque não estivesse em uso, ocorresse em outro por meio de sua expressão suprema, a oração eucarística.
lugar, ou porque ele não considerasse necessária a sua menção. O pós-
sanctus continua dando graças pelo que Deus fez em Jesus Cristo, Pequenas mudanças ocorreram após Hipólito na oração eucarística,
recita as obras de Cristo e conclui esta seção com as palavras da principalmente numa expansão das palavras que conclamam a dar
instituição. E m seguida uma seção conhecida como o b l a ç ã o de graças após o sursum corda. Esta parte é chamada de prefácio, consti-
anamnese resume o que está sendo relembrado e oferece a Deus o pão e tuindo o início de uma recitação de agradecimento. N o Ocidente ela
o cálice. A parte final de Hipólito é uma invocação do Espírito Santo ou podia variar segundo a época ou ocasião, formando um prefácio variá-
epiclese, na qual o Espírito Santo é invocado para tornar proveitosa a vel. E m ritos orientais e certos ritos protestantes, ela é fixa e inalterá-
comunhão dos participantes. Alguns ritos têm uma epiclese de consa- vel. O sanctus vem em seguida, e muitas vezes o benedictus qui venit:
gração ou preliminar (geralmente antes das palavras da instituição), ou "Bendito aquele que vem em nome do Senhor". Em certos ritos, uma
uma epiclese de comunhão após a oblação de anamnese (como Hipólito), epiclese preliminar ocorre na parte inicial do pós-sancíus. A epiclese
ou ambas. Hipólito cita benefícios desejados do Espírito Santo. É um final pode desembocar em intercessões bastante extensas. Como Hipólito,
pequeno passo daí para intercessões em favor de outros, vivos e mortos, os ritos protestantes de modo geral evitaram a epiclese preliminar e as
assim como as orações sinagogais tinham passado facilmente da ação intercessões. Depois de dominado este padrão específico de orações
de graças através de recitação para a súplica por ação continuada. eucarísticas, é possível improvisá-lo de muitas maneiras diferentes, da
Hipólito não avançara nessa direção, mas era uma evolução natural mesma forma como se podem escrever sonetos dentro da forma
que em breve se seguiu. Toda a oração conclui então com uma doxologia especificada. O padrão da maioria das orações eucarísticas adotadas
trinitaria e um amém.
desde o Vaticano II inclui:

Ora, por que tudo isso é tão importante? O que Hipólito nos fornece é
o protótipo da oração central do ato central do culto cristão. A oração diálogo
eucarística era, na época dele e por vários séculos depois, a declaração prefácio
teológica mais comum da fé cristã. A o agradecer a Deus, a igreja seguia sanctus e benedictus
o costume judaico de resumir sua fé naquilo que Deus fizera. A oração é pós-sanctus
em grande parte uma recitação dos mirabilia Dei, os atos de salvação (epiclese preliminar)
de Deus. É proclamação e credo integrados em um só ato. A estrutura é palavras da instituição
basicamente trinitaria: agradecimento a Deus Pai, comemoração das oblação de anamnese
obras de Deus Filho perante Deus Pai e a invocação de Deus Pai para epiclese
enviar Deus Espírito Santo. O todo é então concluído com uma doxologia (intercessões)
glorificando todos os três integrantes da trindade. A forma é inteira- doxologia
amém
Mas, como indica Hipólito, nem todos "têm a capacidade de orar
Após a oblação de anamnese vem outra epiclese, consecratória e de
demoradamente de forma solene". Pouco tempo depois encontramos
comunhão em sua intenção, e uma doxologia de conclusão.
textos mais ou menos fixos que passaram a ser usados. U m dos mais
antigos provém da mão de Serapião, bispo de Thmuis, no Egito, de Mais para o Oriente encontramos a família antioquena ou sírio-
cerca de meados do séc. 4. O elemento mais distintivo é uma epiclese ocidental, com importantes documentos de Antioquia e Jerusalém,
dirigida à segunda pessoa da trindade . Uma ou mais gerações depois,
13 freqüentemente designada sob o nome de liturgia de São Tiago. Muitos
aparece um texto muito extenso no livro 8 das Constituições Apostóli- a conhecem como fonte do texto do hino L e r ali mortal flesh keep
cas. Embora provavelmente jamais tenha sido usado de fato, ele repre- silence ["Toda carne mortal silencie"]. Característico dessa família é o
senta a vitória das formas prescritas sobre a liberdade expressa pela prefácio com sua lista de chamada celestial. O pós-sancíus retoma a
Didaqué e por Justino. palavra "santo" - "santo és tu" - numa recitação de obras da antiga e
nova aliança. Aclamações e améns proferidos pelas pessoas recente-
A eucaristia de ordenação de Hipólito contém referências um tanto
mente foram copiados no Ocidente. U m a longa série de intercessões em
obscuras à apresentação e ação de graças sobre óleo, queijo e olivas.
favor dos vivos e mortos segue-se à epiclese, sendo que cada petição
Em sua eucaristia pascal, leite e mel, água (símbolo do batismo) e vinho
começa com "Lembra, Senhor". A linguagem é floreada, poética e nunca
são dados depois de o bispo ter partido o pão (a fração) e distribuído os
sucinta. O rito armênio provavelmente é derivado, em última análise,
fragmentos com as palavras "o pão celestial em Jesus Cristo". Os três
dessa família, embora contenha influência bizantina posterior.
cálices são dados com uma fórmula trinitária à qual cada receptor
responde "amém". O culto termina abruptamente quando todos saem e A família que mais nos deixa intrigados é, sem dúvida, a sírio-
"apressam-se a praticar o bem". oriental, que se originou em Edessa como a liturgia dos santos Addai e
Mari. Isolada por heresia e pelo islamismo, ela continuou em uso relati-
N a era pós-nicena, uma variedade de ritos eucarísticos se desenvolve-
vamente intocada por outras influências. Como tal tem raízes muito
ram dispersos ao redor do perímetro do Mediterrâneo. Todos apresen-
antigas, talvez refletindo a prática do séc. 3 naquela região. O aspecto
tam características comuns. Por volta do séc. 6 a liturgia da palavra e a
mais controverso é uma aparente falta de palavras de instituição, o que
eucaristia já haviam sido casadas para todo o milênio seguinte. A s
a tornaria única entre as liturgias cristãs. A epiclese vem por último
quatro ações prenunciadas nos relatos neotestamentários, segundo as
após as intercessões.
famosas palavras de Dix, "constituíram o núcleo absolutamente invariá-
vel de todo rito eucarístico que conhecemos em toda a Antiguidade" . 14 À família de Basílio de Cesaréia na Á s i a Menor devemos uma versão
Por mais que variem as formas das palavras, o conteúdo básico do antiga conhecida como a de Basílio Alexandrino, uma vez que pode ter
segundo desses atos - o agradecimento ou oração eucarística - se sido trazida ao Egito pelo próprio Basílio em torno do ano de 357. Ela
expressa de maneira notavelmente semelhante. Nos sécs. 4, 5 e 6 apare- tem sido muito admirada nos últimos anos e forma a base para a
cem importantes divergências de estilo e formulação, testemunhando a " O r a ç ã o Eucarística C o m u m " , bem como para diversas o r a ç õ e s
diversidade dos povos, porém preservando a constância de objetivo. O eucarísticas denominacionais. Uma versão posterior, provavelmente re-
estudo comparativo dessas divergências é uma ciência vasta; aqui ape- visada pelo próprio Basílio, contém mais referências da Escritura. Ela é
nas poderemos sugerir um pouco da sua rica diversidade ao acompa- usada pelas igrejas ortodoxas do mundo em dez dias do ano, principal-
nharmos essas famílias litúrgicas ao redor do Mediterrâneo em sentido mente na Quaresma. E m termos estruturais, ambas as versões são do
anti-horário. tipo antioqueno, porém a última liturgia de São Basílio apresenta uma
detalhada recitação da criação, queda e redenção após o sanctus.
A oração eucarística típica da família alexandrina ou egípcia é aquela
denominada segundo Marcos, que, de acordo com a tradição, atuou em A l g o dependente da mesma é a liturgia de São João Crisóstomo ou
Alexandria. Nesses ritos o prefácio muitas vezes tem uma longa enume- liturgia bizantina, que é o rito eucarístico a ocupar o segundo lugar em
ração das obras de criação e redenção de Deus, derivada do Antigo disseminação e freqüência de uso no mundo de hoje. Ele reflete igual-
Testamento (notavelmente ausente em boa parte da tradição ocidental da mente a estrutura antioquena. João Crisóstomo foi bispo em Antioquia
oração eucarística). Daí se passa para a intercessão (incluindo oração no final do séc. 4. O pós-sancíus e as intercessões são relativamente
pela elevação do Nilo) e os dípticos (lista das pessoas, vivas e mortas, em curtos e toda a oração parece condensada, em comparação com a maio-
favor das quais foram recolhidas as ofertas). Segue-se o sanctus. Caracte- ria daquelas já mencionadas.
risticamente o pós-sancíus inicia com "Cheios, em verdade, estão os céus Voltando-nos para o Ocidente, deixamos momentaneamente de lado a
e a terra". Uma epiclese consecratória conduz à narrativa da instituição. família romana para observar um grupo de ritos ocidentais não-roma-
nos conhecidos coletivamente como gálicos, subdividido em ambrosiano
(ou milanês), moçárabe (da Espanha), céltico (originado na Irlanda, vinho, eram circundadas por confissões de pecado subjetivas ou ora-
mas espalhado por onde viajavam missionários célticos) e galicano no ções sobre a indignidade do clero e do povo. Estas tendiam a ser
sentido estrito de francônio-germânico. Há conexões entre esses ritos e penitenciais e introspectivas no seu tom. A ç õ e s acessórias como incensar
aqueles do Oriente, embora a derivação exata seja incerta. O rito a mesa de altar e lavar as mãos do sacerdote se juntaram a orações
ambrosiano continua sendo usado na arquidiocese de Milão, e o particulares do oficiante no ofertório. O Agnus Dei ("cordeiro de Deus")
moçárabe em uma capela da catedral de Toledo na Espanha. Uma foi introduzido no fim do séc. 7 durante a fração, o mesmo ocorrendo
característica comum é a linguagem floreada e orações eucarísticas com a comistura (mistura de uma partícula de pão ao vinho, remanes-
que, com exceção do sanctus e das palavras da instituição, mudam cente de um símbolo da unidade do papa com as igrejas de sua diocese).
completamente de acordo com o dia ou com a época do ano, proporcio-
Orações individualistas cercavam a distribuição do pão e do vinho. A s
nando uma extraordinária variedade.
abluções (cerimônia de limpeza dos vasos litúrgicos e das mãos do
Por dois séculos após Hipólito há um blecaute de material no tocante oficiante) desenvolveram-se como reflexo da escrupulosidade medieval
ao rito romano, embora Ambrósio prenuncie boa parte daquilo que ha- tardia sobre cada gota e migalha dos elementos consagrados. A Idade
veria de surgir em Roma e os exíguos fragmentos norte-africanos ainda Média tardia também acrescentou um último evangelho (Jo 1.1-18), e
sobreviventes mostrem algumas similaridades. A neblina se dissipa em papas modernos juntaram algumas orações de conclusão. Esses elemen-
Roma quando descobrimos diversos sacramentarlos antigos, coletâne- tos de efeito anticlímax desapareceram após o Vaticano II.
as de orações sacerdotais para as diversas missas do ano, incluindo a O rito eucarístico ocidental daí resultante está mapeado de forma
iniciação e ordenações, e diversas ordines, que são coletâneas de rubri- simplificada no diagrama 5, com os elementos transferidos ou elimina-
cas. Entre os mais antigos sacramentários, o leonino preservou orações dos entre parênteses:
próprias de mais de 300 missas, muitas das quais podem remontar
efetivamente ao papa Leão I (440-461). A v e r s ã o mais antiga do gelasiano
pode conter orações de abertura e prefácios que receberam sua forma A EUCARISTIA
do papa Gelásio I (492-496), que parece ter polido o cânon. O gregoriano
foi denominado segundo o papa Gregório I (590-604), que reformou o Hipólito Sécs. 4 a 6 Medieval
rito romano e ancorou o Pai-Nosso ao final do cânon.
Diversos sacramentários estavam circulando no início da Idade Mé- (ósculo da paz)
ofertorio
dia no Ocidente. Carlos Magno buscava uma padronização que servisse orações de ofertório
à unidade do império e requisitou uma cópia de um sacramentário e cerimônias
romano autêntico. O papa Adriano I (772-795) enviou um para a sede oração sobre as ofertas
imperial em Aachen. Entretanto, evidenciou-se que ele era severamente oração eucarística prefácio, sanctus,
incompleto para fins paroquiais. U m dos conselheiros eclesiásticos de intercessões
Carlos Magno, provavelmente Benedito de Aniane, acrescentou um Pai-Nosso
"suplemento" de materiais extraídos dos diversos ritos galicanos então ósculo da paz
usados em todas as regiões do império. Qualquer distinção entre os fração Agnus Dei
ritos oficiais obrigatórios e o "Suplemento" opcional logo desapareceu, comistura
orações sacerdotais
de modo que os dois acabaram fundidos numa unidade. Dois séculos
"Senhor, não sou digno"
mais tarde o sacramentário combinado foi levado a Roma e imposto à
distribuição de pão canto da comunhão
própria Roma pelos imperadores germânicos. Em conseqüência, o rito e vinho
romano assimilou uma variedade de próprios galicanos, inclusive ora- oração silenciosa
ções sobre as ofertas, prefácios e orações pós-comunhão adicionais. abluções
Estas complementavam aquelas anteriormente desenvolvidas em Roma. oração pós-comunhão
A o chegar o séc. 5, no Ocidente o ósculo da paz havia sido recolocado bênção com despedida
após a oração eucarística. (último evangelho)
(orações de conclusão)
A o longo da Idade Média a oração eucarística permaneceu estável,
mas cada vez mais ela e a outra ação central, a distribuição de pão e
Diagrama 5
Esta é a estrutura que os reformadores herdaram. H á muito que se John Knox. É característica da tradição reformada o fato de a eucaristia
havia perdido qualquer noção da função original da oração eucarística ser excessivamente didática, incluindo uma leitura das palavras da
como a grande e agradecida síntese e proclamação da fé da igreja. Se é instituição fora da oração eucarística como justificativa para a obser-
que tal função chegara a se efetivar, fora relegada ao credo como parte vância da eucaristia. A interdição das mesas (refletindo 1 Co 11.27-32)
da liturgia da palavra (no Ocidente) ou como prelúdio da anáfora (no proibia malfeitores de comungar.
Oriente). A s devoções subjetivas medievais que se haviam insinuado A s práticas variavam amplamente entre os anabatistas, alguns dos
antes e após a oração eucarística e a distribuição do pão e do vinho quais tinham sérias dúvidas sobre qualquer sacramento exterior. Uma
v i e r a m a ser os elementos secundários que a Reforma transformou em simplicidade extrema caracterizava suas celebrações, enriquecidas ape-
principais. A Oração anglicana de Humilde Acesso ("Não ousamos vir à nas por uma hinódia altamente desenvolvida. Entre os puritanos ingle-
tua mesa") é um bom exemplo. ses, liturgias fixas de forma alguma foram evitadas no final do séc. 16 e
Os reformadores, entretanto, tomaram algumas medidas positivas início do séc. 17. Porém o Westminster Directory de 1645 por fim
muito importantes, embora nenhuma delas tivesse captado o antigo substituiu sacramentários por ordines e ritos por rubricas, embora
significado da oração eucarística. Eles passaram a missa para o verná- esboçasse uma oração eucarística modelar. Os quacres, é claro, insisti-
culo, simplificaram-na e (com exceção de Zwínglio e dos anabatistas) ram em se nutrir silenciosa e interiormente em Cristo enquanto evita-
fizeram a corajosa tentativa de restaurar a comunhão freqüente. Entre- vam sacramentos exteriores.
tanto, para um laicato acostumado a receber a comunhão apenas rara- O p r i m e i r o L i v r o de Oração Comum anglicano, de 1549, trazia um
mente, a comunhão freqüente mostrou ser um ponto de partida radical rito de comunhão vernacular que era visivelmente uma mistura conser-
demais para obter sucesso amplo. vadora do rito Sarum da Inglaterra meridional com a teologia da Refor-
Lutero deu o mais forte, se não primeiro, ímpeto para a reforma da ma. Boa parte da teologia eucarística do Livro de Oração Comum de
missa com seu rito latino, a Formula Missae de 1523 e sua Deutsche 1549 era deliberadamente ambígua, permitindo interpretações tanto
Messe de 1525no vernáculo . Lutero é conservador até chegar ao câ-non,
15
católicas quanto protestantes. Três anos mais tarde este rito foi substi-
"aquela coisa mutilada e abominável, ajuntada de muita sujeira e escu- tuído por outro que eliminou a maior parte da ambigüidade e implicou
ma", que ele simplesmente reduziu às palavras da instituição e ao sanctus .
16
uma drástica reestruturação. O cânon foi segmentado em dois. A oblação
De um só golpe ele leva ao extremo uma tendência da Igreja Católica foi colocada após a comunhão de modo a eliminar qualquer sentido
Romana medieval, que havia localizado o momento da consagração exa- tradicional de sacrifício. Apesar de alterações menores feitas em 1559,
tamente nas palavras da instituição. Lutero advogou o acréscimo de 1604 e 1662, aquilo que é basicamente o rito de 1552 continua em uso
hinos no vernáculo. Sua missa alemã preservou boa parte do cerimonial, oficial na Inglaterra, embora atualmente tenha sido em grande parte
incluindo a elevação do pão e do vinho, bem como instruções para que o substituído pelo Alternative Service Book de 1980. Os livros de oração
"sanctus alemão" ou outros hinos fossem cantados durante a distribui- americanos (1789, 1892, 1928) utilizaram uma oração eucarística esco-
ção do pão e hinos ou o Agnus Dei durante a distribuição do cálice. cesa muito mais rica.
E m seu Ataque contra o Cânon da Missa, de 1523, Zwínglio substituiu John Wesley seguiu o rito eucarístico do Livro de Oração Comum de
o cânon por quatro de suas orações latinas. E m 1525 produziu sua 1662 em seu Sunday Service de 1784, apenas abreviando-o ligeiramen-
Realização ou Uso da Ceia do Senhor, que fez parecer inofensiva a te. A s duas grandes contribuições de Wesley foram um reavivamento
reforma de Lutero. Desapareceram praticamente todo o cerimonial e eucarístico com celebrações semanais e (juntamente com Charles Wesley)
também a música. O que restou foi uma austera comemoração e refei- uma magnífica coletânea de 166 hinos eucarísticos. Estes contêm uma
ção de comunhão, praticada quatro vezes por ano.^ rica variedade de ênfases sacrificais, escatológicas e pneumatológicas,
O trabalho de Martinho Bucer em Estrasburgo fundamenta boa parte ausentes da piedade eucarística protestante por muitos séculos. Porém
dos esforços litúrgicos de Calvino e, com o rito de Zwínglio, ajudou a nem a rigorosa disciplina eucarística de Wesley nem os hinos eucarísticos
moldar a tradição eucarística reformada. Bucer foi antecipado em foram apreciados por seus seguidores. Uma forma abreviada do seu
Estrasburgo por Diobald Schwartz, e Calvino em Genebra por Guillaume rito continuou sendo usada nos Estados Unidos.
Farei. A Forma das Orações da Igreja, Genebra, 1542, de Calvino, Os pentecostais variam enormemente no uso ou não-uso de formas
representa o trabalho de seus antecessores levado a uma forma definiti- estabelecidas para a ceia do Senhor. Eles concordam que o Espírito
va para a tradição reformada. Ela foi transmitida para o mundo de fala Santo precisa estar livre pára irromper em qualquer esquema por meio
inglesa por intermédio da The Forme of Prayers, Genebra, 1556, de
de elementos espontâneos. A freqüência das eucaristias varia de sema- Alterações significativas ocorreram no rito metodista unido aprova-
nal até rara. do para o United Methodist Hymnal de 1989 (p. 6-31). Elas incluem
Tendências recentes em muitas igrejas estão centradas na restaura- quatro versões de "Uma Ordem Litúrgica para a Palavra e o Sacramen-
ção de muitas práticas da igreja antiga. Geralmente há concordância de t o " (A Service for Word and Table), sendo que a principal diferença nas
que a maioria dos desdobramentos medievais foram distorções, embora três primeiras está no grau de completitude dos textos. Os atos de
possamos estar propensos a romantizar a igreja antiga assim como os confissão e perdão seguem-se ao sermão e conduzem para a paz e o
vitorianos faziam com a medieval. Muitas das mudanças resultaram de ofertório. Cinco acompanhamentos musicais são oferecidos para a gran-
estudos históricos de liturgiologia comparada. Os resultados desses de ação de graças. O Culto I V está na linguagem tradicional do Livro de
estudos se tornam mais atraentes na medida em que a igreja da era pós- Oração Comum de 1552, v i a Wesley, com o acompanhamento musical de
cristã tem muito em comum com a igreja pré-constantiniana. Os resul- John Merbecke de 1550. N o Culto IV, após quase quatro séculos e meio,
tados da revisão litúrgica são tão semelhantes que em muitos casos é as duas partes da oração eucarística de Cranmer foram novamente
difícil distinguir qual tradição teria produzido um rito eucarístico novo unidas. Uma característica nova e distintiva dos metodistas unidos é a
caso se perdesse a página de rosto. utilização de 25 orações eucarísticas que mudam totalmente de acordo
com a festa (Pentecostes), época do ano litúrgico (Advento) ou ocasião
Básica para a maioria dos ritos desde o surgimento do rito da Igreja
(casamento cristão), à semelhança do que faziam as antigas liturgias
do Sul da índia em 1950 é a estruturação em torno das quatro ações
gálicas. Elas se encontram em Holy Communion (SWR, #16) . Novos 17

descritas por Dix. A redescoberta da centralidade da oração eucarística


procedimentos entre os presbiterianos americanos encontram-se no The
como a suprema declaração de fé da igreja estimulou a revisão de
Service for the Lord's Day (SLR, #1), publicado em 1984. A l i está previs-
orações existentes e a composição de novos exemplos. Os luteranos
to um esquema dominical normativo para a celebração eucarística,
americanos a recuperaram em 1958. A própria eucaristia está sendo
embora na prática isto ainda seja exceção entre os presbiterianos. O
observada com maior freqüência na maioria das igrejas protestantes,
livro contém oito orações eucarísticas com uma variedade de prefácios
avançando de celebrações trimestrais para mensais e então semanais.
próprios para várias ocasiões. A estrutura básica é: reunir-se em nome
O mesmo aumento na freqüência ocorrera entre a maioria dos anglicanos
de Deus, proclamar a sua palavra, dar graças a Deus e ir-se em nome
no século passado.
dele. A confissão vem no início.
Um processo comum tem sido a passagem para uma diversidade de
orações eucarísticas. Isto reflete a mais significativa das novas tendên- Muitas características semelhantes aparecem em outros manuais de
cias, a aceitação franca do pluralismo como um bem positivo e conse- culto recentes, principalmente a valorização do reunir-se como ato de
qüentes esforços pela flexibilização e adaptação. Como resultado disso, culto, a ênfase numa liturgia completa da palavra com três leituras e
a Igreja Católica Romana, depois de ficar restrita a um único cânon por salmódia, diversas orações eucarísticas e um estímulo para que a euca-
um milênio e meio, tem agora quatro orações eucarísticas para utiliza- ristia seja a norma do culto dominical.
ção em qualquer ocasião ( S a c , 503-21) e (nos Estados Unidos) outras
para uso em missas com crianças e em ocasiões de reconciliação. Um
rico sortimento de orações sobre as ofertas, prefácios e orações após a A Eucaristia
comunhão está à disposição.
APB, 43-71 BofW, 31-95 PM, 27-62 TP, 24-58
O pluralismo se reflete no Book oí Common Prayer episcopal de 1979
ASB, 115-210 CF, 69-72 Sac. UMH, 2-31
pela inclusão de dois ritos inteiros: um com linguagem elisabetana e
BAS, 174-260 LBW, 56-120 SB, 1-36 WB, 25-42
duas opções de oração eucarística e outro em linguagem de hoje e com
BCO, 1-44 LW, 136-98 SBCP, 306-57 WBCP, 3-24
quatro opções. O esboço de um terceiro rito também contém duas
BCP, 316-409 MDE, 196-307 SLR, #1 WL, 2-12, 27
orações eucarísticas (BCP, 316-409).
BofS, 8-43 MSB, B1-B58 SWR, #1, 9, 16 WS, 19-62
O Lutheran Book ofWorship de 1978 oferece três acompanhamentos PH, 972-87
musicais completos, que podem ser usados com qualquer uma das três
orações eucarísticas: um esquema tradicional, a narrativa da institui-
ção sozinha e uma forma breve que conclui com a narrativa da institui-
ção (LEW, 57-120); e três outros aparecem na Ministers Desk Edition
(221-27).
C o m p r e e n s ã o de E u c a r i s t i a incluindo ambos os testamentos e esperando o retorno de Cristo (1 Co
11.26).
Assim como ocorreu no caso da iniciação, os cristãos têm entendido As palavras da instituição usam a linguagem do sacrifício ao recor-
a eucaristia de diversas maneiras. Com efeito, reduzir o que os cristãos dar uma aliança estabelecida pelo derramamento de sangue. A Epístola
experimentam na eucaristia a uma única interpretação seria perder aos Hebreus é particularmente rica em imagens sacrificais, comparan-
muito do poder da eucaristia, embora muitas vezes tenha sido difícil do Cristo tanto a um sumo sacerdote quanto a uma vítima: "Ele a si
resistir à tentação de semelhante reducionismo. O método que segui- mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, um sacrifício espiritual e eter-
remos aqui será o de traçar cinco temas-chave juntamente com dois no" (9.14). O fato de a igreja se ter apropriado muito cedo da expressão
subtemas que os cristãos usaram para explicar o que experimentam "um sacrifício puro", de M l 1.11, mostra quão natural era a aplicação
na eucaristia. dessas imagens à eucaristia. Hebreus 13.15 também fala do "sacrifício
Usaremos os termos de Y n g v e Brilioth, ex-arcebispo luterano de de louvor", embora não haja um relacionamento inequívoco entre sacri-
Uppsala, Suécia, embora os apliquemos de forma algo diferente e os fício e eucaristia em Hebreus. Mais importante é a compreensão paulina
complementemos com outros termos. E m Eucharistic Faith and Practice de toda a vida e ministério de Jesus como "esvaziamento de si mesmo,
Brilioth identificou cinco temas eucarísticos neotestamentários. São assumindo a condição de s e r v o " (Fp 2.7). Esse sacrifício obediente é
eles: eucaristia ou ação de graças, confraternização na comunhão, co- rememorado pela eucaristia.
memoração ou elemento histórico, sacrifício, e mistério ou presença. A Nas palavras da última ceia, Cristo declara sua presença ao identifi-
estes, segundo pesquisas recentes, acrescentaríamos dois outros temas: car o pão e o vinho com seu corpo e seu sangue. Paulo, em palavras
a eucaristia como obra do Espírito Santo e como evento escatológico .18
citadas acima, identifica o comer e beber com o comungar no corpo e
Esses temas, e possivelmente outros, aparecem de forma fragmentá- sangue de Cristo. A l g u n s citariam a passagem Jo 6.51 como eucarística
ria no Novo Testamento, o qual é ainda mais esquivo em revelar o ("o pão que eu darei [...] é a minha carne").
significado da eucaristia para os cristãos do séc. 1 do que em revelar a A eucaristia como local da obra do Espírito Santo não é explicitada
sua forma. Porém claramente um dos atos centrais na ceia do Senhor, na Escritura, mas aparece na literatura cristã antiga. A dimensão
como em seus antecedentes judaicos, é a ação de graças. Todos os escatológica encontra-se nos relatos da última ceia, todos os quais
quatro relatos de instituição mencionam que Jesus deu graças ou ben- falam daquilo que Jesus está fazendo como tendo "cumprimento no
disse a Deus. É difícil imaginar a ação de graças como estando ausente reino de Deus" (Le 22.16) ou "até que ele venha" (1 Co 11.26). Natural-
da alegria que se extravasava quando a igreja de Jerusalém partia o mente todo o contexto da Páscoa judaica antecipa o banquete messiânico,
pão "com alegria e singeleza de coração" (At 2.46). quando todas as coisas serão consumadas por meio da vinda do Messi-
Paulo torna evidente o sentido de comunhão ou confraternização as. N o s relatos neotestamentários da eucaristia a antecipação parece
em passagens como 1 Co 10.16-17: "Porventura o cálice da bênção que ser um tema tão forte quanto o da comemoração.
abençoamos não é a comunhão [koinônía] do sangue de Cristo? O pão Um equilíbrio bastante bom desses temas básicos aparece na igreja
que partimos, não é a comunhão [koinônía] do corpo de Cristo? Por- antiga, nunca desenvolvidos em teologias plenas, nunca perfeitamente
que nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; por- equilibrados, porém mencionados com freqüência suficiente para mos-
que todos participamos do único pão." A igreja se baseou no conceito trar que esses conceitos eram comuns na compreensão do motivo pelo
judaico da unidade daqueles que comem em conjunto. E m seu compar- qual os cristãos se reuniam para "fazer isso". M e s m o os breves rela-
tilhar a comunidade recebe Cristo e o único pão se torna um sinal da tos de Justino na Primeira Apologia falam da eucaristia na qual o
unidade dos comungantes. presidente "oferece ação de g r a ç a s " e evidenciam a confraternização
O foco da oração judaica está num processo de pensar e agradecer quando todos se saúdam "mutuamente com o ósculo da paz", compar-
numa comemoração com ação de graças. A expressão-chave usada tilham do " a m é m " e comungam juntos. A s Escrituras são lidas e a
tanto por Paulo quanto por Lucas: "em anamnesis de m i m " enfatiza este ação eucarística é introduzida como sendo feita "em memória de m i m " .
processo. Lembrar, recordar, voltar a saber ou vivenciar certamente é U m conceito de presença realista (isto é, identificando pão e vinho
um dos principais objetivos da prática da eucaristia (Lc 22.19 e 1 Co literalmente com corpo e sangue) é sugerido ao se chamar o pão e o
11.24-25). Considera-se agora que a comemoração inclui não só a vinho de " a carne e o sangue daquele Jesus encarnado" . A Didaqué
19

encarnação, mas todas as obras de Cristo, começando pela criação, ora escatologicamente: "Das extremidades da terra seja unida a ti tua
igreja em teu r e i n o " . Referências sacrificais aparecem muito cedo; a
20
Didaqué compara a eucaristia ao "sacrifício p u r o " de M l 1.11, e a O primeiro milênio do cristianismo se caracteriza pela ausência de
Primeira Epístola de Clemente fala daqueles que apresentam oferendas distinções teológicas precisas sobre a compreensão de eucaristia. Falta
(prosphorá) ou dádivas (dôra), presumivelmente na qualidade de mi- inclusive o vocabulário para a discussão teológica técnica da eucaristia.
nistros da eucaristia .21
Usam-se termos diversos, e cada autor escolhe o que melhor serve ao
Inácio nos fornece uma das mais fortes imagens da presença ao falar seu objetivo. Um prenúncio do que se passaria no Ocidente aparece na
da eucaristia como "o remédio da imortalidade", insistindo contra os proposta de A m b r ó s i o de que é a recitação das palavras da instituição
docetistas que "a eucaristia é a carne do nosso Salvador" . Firmeza
22
que realiza a consagração: "Com que termos então se faz a consagração
igual ele manifesta ao afirmar que a comunhão da igreja está centrada e com as palavras de quem? Do Senhor Jesus (...) É, pois, a palavra de
no bispo. Ireneu declara a presença de Cristo no cálice, que " é seu Cristo que produz este sacramento." Mas o período inicial tem uma
27

próprio sangue", e no pão, que " é seu próprio c o r p o " . Cipriano fala de
23
maravilhosa liberdade de expressar o que se vivenciava no coração, não
comunhão em termos poéticos: "Assim como muitos grãos, coletados, o que precisava ser definido na cabeça. A igreja mais vivenciava do que
moídos e misturados numa única massa fazem um só pão, assim em debatia a eucaristia.
Cristo, que é o pão celestial, podemos saber que há um só corpo ao qual Dois monges iniciaram o debate no Ocidente, Pascásio R a d b e r t o e
todos nós somos juntados e unidos." 24
Ratramno, ambos monges da abadia de Corbie, França, no séc. 9.
A obra do Espírito Santo é expressa por Hipólito, o qual, em sua Pascásio, tentando comprimir em palavras a presença de Cristo experi-
oração eucarística, invoca o Pai para que envie o Espírito Santo sobre a mentada na eucaristia, usou uma linguagem que chamaríamos de lite-
oferenda da santa igreja e que preencha as pessoas reunidas de modo a ral ou realista; pouco depois, Ratramno tentou expressar a mesma
fortalecer sua fé na verdade. Esta atividade é definida mais explicita- experiência em linguagem mais espiritual ou simbólica. Dois séculos
mente mais de um século depois nas catequeses mistagógicas de Cirilo mais tarde a controvérsia voltou a irromper, desta vez de forma menos
de Jerusalém. Ele diz aos recém-iniciados que na eucaristia "suplica- amigável. Categoricamente rejeitados foram os esforços de B e r e n g á r i o
mos ao Deus benigno que envie o Espírito Santo sobre os dons coloca- para expressar em termos simbólicos a experiência da presença de
dos, para fazer do pão corpo de Cristo e do vinho sangue de Cristo. Pois Cristo na eucaristia. Uma confissão grosseira lhe foi imposta, afirman-
tudo o que o E s p í r i t o Santo t o c a é santificado e transformado do que o corpo de Cristo é manipulado e partido pelas mãos do sacerdo-
[metabébletai]" .
25
Isto sugere a direção que as igrejas ortodoxas toma- te e esmagado pelos dentes do comungante. Do séc. 11 em diante a
ram subseqüentemente, ao entenderem a função do Espírito Santo ao eucaristia virou assunto não só de experiência devota, mas também de
santificar e transformar os elementos eucarísticos. Cirilo prenuncia especulação intelectual.
uma abordagem que se tornou sumamente importante no Oriente, em- Não há nada de errado nisso, mas infelizmente os temas mais contro-
bora negligenciada no Ocidente até o passado recente. versos passaram para o primeiro plano, ao passo que os outros definha-
Nós, cientes de desdobramentos posteriores, ficamos intrigados com ram silenciosamente tanto na piedade quanto no desenvolvimento
a maneira em que os antigos cristãos falavam da presença tanto em doutrinal. Prevaleceu uma piedade penitencial e introspectiva, mais do
termos realistas quanto simbólicos. N a mesma preleção Cirilo fala do que um espírito alegre de ação de graças. A missa acabou focalizando
pão e do vinho como "sinal (antitypon) do Corpo e Sangue de Cristo". quase que totalmente a paixão, morte e ressurreição, com os mistérios
Agostinho usa uma linguagem que por vezes parece realista, e outras dolorosos predominando no Ocidente. Quando o rito se tornou cada vez
vezes, obviamente simbólica. Infelizmente tal ambigüidade não mais é mais clerical e a comunhão tornou-se um evento raro ou anual, dissi-
possível para nós, embora seja revigorante ver a flexibilidade de ex- pou-se todo e qualquer sentimento forte de celebração comunitária. A s
pressão ainda possível no séc. 4. Os limites de termos aceitáveis eram leituras do Antigo Testamento haviam desaparecido, não aparecendo
amplos. no cânon romano quaisquer referências à criação e ao resto da história
Agostinho nos oferece algumas percepções sobre o tema do sacrifício. da salvação da antiga aliança. Assim, a comemoração da obra de Cristo
Baseando-se nos conceitos do sacrifício eterno de Cristo (Hb 9.14) e da acabou severamente podada. A dimensão escatológica há muito que
união dos cristãos com Cristo, Agostinho diz: "Eis o sacrificio dos cris- desaparecera, e o rito romano simplesmente ignorou qualquer declara-
tãos; muitos um só corpo em Cristo (...) a igreja se oferece a si mesma na ção sobre a atividade eucarística do Espírito Santo.
oblação que faz [a Deus]." Assim, a eucaristia é uma união do culto da
26
Restaram duas áreas para debate: como Cristo estava presente e de
igreja com a eterna oferenda do próprio Cristo em favor dela. Este que modo a eucaristia era um sacrifício. Teólogos da Idade Média
conceito de sacrifício ficou ofuscado nos séculos subseqüentes. tardia dedicaram sua atenção a essas duas áreas. O desdobramento
mais significativo foi a concordância quanto à palavra que descrevia a da salvação, obra atual do Espírito Santo ou como antegosto do
experiência de que o pão e o vinho transmitiam a realidade de Cristo. banquete messiânico, então os desdobramentos doutrinais teriam sido
Como vimos no caso de Berengário, a igreja estava tateando rumo a muito diferentes. A o menos assim parece a partir de uma perspectiva
uma l i n g u a g e m realista de v a r i e d a d e espacial. P o r é m o t e r m o moderna.
transubstanciação chegou tarde, muito depois de a idéia estar buscan- U m remanejamento das prioridades ocorreu na Reforma, com suces-
do expressão. E l e só foi usado definitivamente em 1215, quando o I V so limitado em alguns casos, em que se restaurou uma compreensão
Concílio de Latrão falou da "transubstanciação do pão em corpo e do eucarística equilibrada. Havia poucas coisas nas quais os reformadores
vinho em sangue" . O termo em si sofreu alterações de significado na
28
eram unânimes, mas uma delas era a rejeição das abordagens medie-
história subseqüente. Usando as melhores ferramentas filosóficas dis- vais tardias sobre a compreensão de presença e sacrifício. A Reforma
poníveis, principalmente Aristóteles, o séc. 13 descreveu esse milagre (facilitada pela utilização do vernáculo) presenciou enormes ganhos na
de modo que pudesse ser expressado: "A substância do pão é transfor- recuperação de um senso de comunhão, algum progresso na amplitude
mada no corpo de Cristo e a substância do vinho, em seu sangue." Os 29
da comemoração e reformas nas concepções de presença e sacrifício.
acidentes (aquilo que é perceptível aos sentidos) continuam inalterados, Diz Brilioth: "A redescoberta da idéia de comunhão é a maior contribui-
porém a substância (realidade interior) é miraculosamente transforma- ção positiva da Reforma no tocante à eucaristia." Os avanços na
30

da, contrariando tudo o mais que existe no mundo natural, onde todos recuperação de um alegre senso de ação de graças foram ambíguos; o
os acidentes e a substância se conformam mutuamente. Esse triunfo do reconhecimento da obra do Espírito Santo foi recuperado por alguns, e
racionalismo tentou explicar o mistério, em vez de aceitá-lo e adorá-lo. a percepção escatológica o foi apenas raramente, exceto em grupos que
De mãos dadas com essas definições teológicas havia práticas que sofriam perseguição.
afastavam cada vez mais os elementos sagrados do contato com o povo, Lutero, que descartara o cânon da missa por cheirar demais a sacrifí-
exceto por uma mostra dramática na elevação, quando o pão e o cálice cio e que via no sacrifício o "terceiro cativeiro da missa" não conseguiu
eram erguidos para que todos vissem. A doutrina da concomitância alcançar muito de positivo no tocante ao sacrifício . Entretanto, ele se
31

deixou claro que o Cristo inteiro está presente em cada gota e migalha ocupou com o conceito de presença e, embora rejeitasse a idéia de
dos elementos consagrados, de modo que não mais se considerava transubstanciação ("o segundo cativeiro"), insistiu que o pão e vinho se
necessário que os leigos recebessem o cálice com todos os riscos de tornavam a substância do corpo e sangue de Cristo, embora ainda
derramamento do sangue de Cristo que isso acarretava. Com a comu- mantendo as substâncias naturais do pão e do vinho, assim como um
nhão infreqüente, o papel dos leigos era mínimo. O sacerdote oferecia a ferro vermelho em brasa pode ser ferro e fogo ao mesmo tempo. U m a
missa em nome deles numa linguagem que poucas pessoas entendiam. vez que Cristo está presente em toda parte por sua natureza divina
A reflexão a respeito da eucaristia como sacrifício também se desen- (ubiqüidade) e todos os poderes da sua natureza divina são comunica-
volveu, de modo que a missa era vista como propiciatória, realizada dos à sua natureza humana, ele pode estar presente em mil mesas de
para alcançar objetivos desejados. Explanações sofisticadas de que a altar simultaneamente. Isto resolve alguns problemas, embora continue
missa seria um memorial, e não repetição do sacrifício único do Calvário, afirmando o conceito de presença em termos espaciais: Cristo está
eram despejadas, quase sempre sem atingirem qualquer efeito, sobre a presente "em, com e s o b " o pão e vinho. Mesmo ao se rebelar, Lutero
maioria das pessoas. Teorias da expiação em voga concentravam-se ficou preso a conceitos medievais de presença. Ele recuperou boa parte
quase que exclusivamente na morte de Jesus como satisfação do esque- da participação congregacional ao restaurar o cálice para os leigos ("o
ma de justiça do Pai, e a eucaristia encaixava-se com perfeição neste es- primeiro cativeiro"), o uso do vernáculo e rica hinódia congregacional.
quema de coisas. Muito facilmente essa concepção estreita de sacrifício Certamente a maior tragédia da Reforma foi o conflito entre Lutero e
fez com que a eucaristia se transformasse num meio de garantir o favor Zwínglio sobre o conceito de presença, contenda esta que irrompeu no
de Deus, em vez de ser uma proclamação desse favor já realizado para Colóquio de Marburgo (1529). Zwínglio, impaciente com qualquer con-
toda a eternidade. ceito de que o físico pudesse transmitir o espiritual, repudiou a doutri-
Presença e sacrifício foram aspectos altamente desenvolvidos pelo na de Lutero sobre a presença, com a concepção de que Cristo só está
período da Idade M é d i a tardia, porém esse incremento na construção presente espiritualmente por sua natureza divina. O ponto forte de
doutrinal se deu às custas de uma interpretação equilibrada. Se a Zwínglio era a ênfase na comunhão e na união espiritual dos partici-
eucaristia tivesse recebido ampla atenção como proclamação da ação pantes que confessavam em conjunto sua fé, uma transubstanciação de
de graças, sacramento da unidade, comemoração de toda a história pessoas em vez de elementos. Lutero ficou encalhado entre o racionalismo
da direita (escolástica) e da esquerda (humanismo zwingliano), de modo cançou um equilíbrio que faltava até mesmo ao reformador de Genebra.
que os dois reformadores romperam na questão do sacramento da Isto se reflete nas seções do Hymns on the Lord's Supper de John e
unidade. Eles tinham claramente um "espírito diferente". Charles Wesley: "Como Memorial dos Sofrimentos e da Morte de Cris-
O papel de João Calvino foi, de certo modo, o de um mediador entre os to", "Como Sinal e Meio da Graça", " O Sacramento, uma Promessa do
dois, porém ele acrescentou muita coisa própria, ou antes, recuperou Céu", "A Santa Eucaristia Implica um Sacrifício", "Sobre o Sacrifício
algo da igreja antiga. Deus, que nos conhece melhor, utiliza sinais das Nossas Pessoas" e "Após o Sacramento" . Finalmente, ocorre em
35

exteriores na autodoação. Devido ao nosso pecado e falta de fé, esses W e s l e y uma forte e positiva afirmação protestante do sacrifício
sinais são necessários; por causa do amor de Deus por nós, eles são eucarístico associada a um senso patrístico-calvinista da presença como
eficazes. N ó s nos nutrimos de Cristo na eucaristia, mas isto é possibili- mistério. Os aspectos escatológico e pneumatológico também estão
tado apenas pela operação do Espírito Santo que eleva nossas almas ao vivamente presentes, assim como o senso de comunhão, embora a come-
céu. A maneira de se nutrir de Cristo é um "mistério ao qual nem pode moração e a ação de graças ainda se concentrem apenas na paixão e
estar em condições de pensá-lo claramente o intelecto, nem de explicá-lo morte de Cristo.
a língua" . A o enfatizar o papel do Espírito Santo e o senso de mistério,
32

Os últimos anos têm presenciado um extraordinário desenvolvimen-


Calvino retoma algumas vertentes autênticas do cristianismo antigo to na compreensão da eucaristia, particularmente em direção a uma
que a evolução medieval havia esquecido. Calvino também enfatiza que abordagem de equilíbrio mais esmerado. O próprio livro de Brilioth,
a ceia do Senhor implica amor recíproco ou comunhão: "Pois, que usado por católicos romanos como Louis Bouyer, tem contribuído para
aguilhão mais agudo podia ser aplicado para excitar amor mútuo entre este processo, embora muito tenha acontecido por contatos ecumênicos
nós que enquanto Cristo, a nós dando-Se [a Si mesmo], não somente por mais amplos e por um estudo mais intensivo dos aspectos bíblico,
Seu exemplo nos convida a que um ao outro mutuamente nos devotemos histórico e teológico da teologia eucarística. A s áreas problemáticas de
e dediquemos uns aos outros, como também até onde Se faz comum de presença e sacrifício receberam a maior atenção, mas em todas as áreas
todos, a nós todos também [nos] faz sermos um nEle próprio." Sua 33

nossa compreensão foi consideravelmente incrementada.


localização espacial de Cristo no céu é grosseira, e Calvino tampouco
contribui com muito de positivo para os conceitos de sacrifício, ação de • Vaticana I I deu uma notável contribuição ao reapresentar toda a
graças, comemoração ou escatologia. Mas a sua teologia recupera a questão da presença, declarando que Cristo está presente na missa não
centralidade da obra do Espírito Santo. de uma, mas de várias maneiras: na pessoa do ministro, no pão e vinho,
na ação sacramental, na palavra e na comunidade (CSL, par. 7). Mais
Entre os anabatistas floresceu um intenso senso de comunhão, refor- recentemente a presença de Cristo nos pobres em nosso meio tem sido
çado pela proibição de comunhão com crentes batizados que fossem percebida como outro modo de presença. Quão diferente poderia ter sido
apóstatas. A igreja pura era também uma igreja perseguida, realidade a história se essas percepções tivessem chegado mil anos mais cedo!
esta que se refletia em seus hinos. Sob a ameaça de perseguição e
conscientes de seus mártires, as celebrações anabatistas se caracteriza- Teólogos católicos trilharam ainda outro caminho, ao desenvolver o
vam por intenso fervor escatológico. conceito de transignificação, em que a ênfase está no significado ou
finalidade dos sinais sacramentais da eucaristia . Antes disso, Odo Casei
36

Tem havido muitas controvérsias sobre a doutrina eucarística de abrira novas possibüidades ao descrever a missa como um mistério
Cranmer expressa nos primeiros dois Book of Common Prayer. De temporal, e não espacial. Segundo a idéia de transignificação, se o signi-
modo geral, sua posição é encarada como algo semelhante à de Zwínglio, ficado de alguma coisa é um componente capital do seu próprio ser, pode-
mas com maior valorização da comunhão freqüente. "Mesmo assim, ele se dizer que o pão e o vinho sofrem uma alteração ontológica na eucaris-
se distingue do reformador de Zurique pela maior estima da ceia do tia, ao passarem a significar o corpo e sangue de Cristo. Por analogia,
Senhor e por enfatizar que a observância fiel da mesma é acompanhada uma caixa de bombons se torna um presente por meio do ato-sinal de dar,
pela operação da graça de Deus." O senso zwingliano de comunhão
34

passando então a ser não mais meramente uma caixa de bombons, mas
também está presente, assim como uma dimensão bastante vigorosa de um meio de autodoação. Esses conceitos mais recentes que virtualmente
comemoração, embora, à semelhança da maior parte dos materiais da igualam o significado com o ser admitem as percepções da filosofia
Reforma, ela se concentre de modo estreito na paixão. fenomenológica recente e por vezes parecem refletir a compreensão de
John Wesley tinha a vantagem de viver numa época posterior às Calvino de que Deus faz uso de sinais como maneira de se acomodar à
controvérsias da Reforma, além de ter um profundo conhecimento da capacidade humana. Essas novas abordagens nem de longe são unanime-
patrística. Embora próximo a Calvino em muitos aspectos, Wesley al- mente aceitas pelos católicos romanos, mas têm gozado de grande aceita-
ção por muitos protestantes como base de compreensão comum. Até que escatológica para o banquete celestial que marcará a consumação de
ponto isso se tornou possível se mostra no documento ecumênico de 1982 todas as coisas em Jesus Cristo. Muitas orações eucarísticas novas
intitulado Batismo, Eucaristia e Ministério .
37
afirmam explicitamente este aspecto da fé cristã. U m sinal disso é uma
Nossa compreensão de sacrifício se ampliou imensamente na medida aclamação recuperada tanto por católicos romanos quanto por protes-
em que o equiparamos não apenas ao aspecto de paixão-expiação, mas tantes: "Cristo voltará."
a toda a encarnação de Cristo, que se auto-esvaziou de seu ser divino Há muitas coisas com as quais podemos nos alegrar nessas novas
para tomar a forma de escravo (Fp 2.7). Foi reconhecida mais ampla- compreensões do que a igreja experimenta na ceia do Senhor. Essas
mente a presença de terminologia sacrificai no Novo Testamento e na interpretações não só aproximam os cristãos do testemunho da Bíblia
igreja antiga. A recuperação de imagens como a descrição agostiniana e da igreja antiga, mas também os aproximam uns dos outros.
da igreja em união com Cristo na eterna oferenda dele em nosso favor •

tornou possível uma abordagem mais positiva, sem excluir o caráter


singular da obra de Cristo já realizada. Atualmente o sacrifício também
A ç ã o Pastoral
é encarado como o memorial da obra de Cristo, tudo que os cristãos têm
ou poderiam esperar ter para oferecer a Deus. Desta forma a comemora-
ção e o sacrifício estão intimamente relacionados. A prática pastoral deveria refletir o quanto cresceu a compreensão da
igreja em anos recentes, de modo que se possa exercer o mais pleno
A comemoração agora é vista em seus mais amplos aspectos como
ministério nesta área. Para os responsáveis pelo planejamento, preparo e
englobando toda a obra de Cristo desde a criação até o juízo final.
condução da eucaristia existe uma estreita relação entre teoria e prática.
Importantes inovações litúrgicas são a reinclusão de leituras do Antigo
Testamento e de salmodia na ceia do Senhor e a recuperação, nas E m primeiro lugar, o contexto arquitetônico ditará muitas, senão
orações eucarísticas ocidentais, da enumeração das obras salvíficas de todas as possibilidades de que dispomos. Nos últimos anos, todas as
Deus na Antiga Aliança. A comemoração é muito mais ampla do que a tradições passaram a exigir uma mesa de altar com todas as suas
mera recordação da Sexta-Feira Santa e da Páscoa. laterais livres, de modo que o sacerdote ou pastor possa ficar de frente
para o povo olhando por sobre a mesma. Isto se tornou obrigatório nas
A ação de graças tem sido abundantemente expressa em muitas
novas igrejas católicas romanas em 1964, e a maioria das igrejas protes-
liturgias modernas junto com uma compreensão mais ampla de come-
tantes fez o mesmo em seguida. Depois de se ter celebrado olhando as
moração. A s eucaristias voltaram a ser alegres ocasiões de louvor. Parte
pessoas de frente por sobre a mesa do Senhor, é difícil tornar a voltar as
disso se deve a contatos com as igrejas orientais, que sempre sustenta-
costas para elas.
ram que vamos à igreja principalmente para louvar a Deus por aquilo
que ele fez, não para dizer a Deus o quanto somos pecadores. A t é Não só é preciso poder ficar de frente para as pessoas, mas também é
mesmo os pesarosos mistérios do sofrimento e morte de Cristo são, em preciso que elas tenham fácil acesso à mesa do altar, se esta for a
última análise, alegres. prática da respectiva tradição. Algumas tradições estão recuperando a
ação de se reunir ao redor da mesa do Senhor, para ficar de pé, ajoelhar-
A s igrejas orientais também conscientizaram as ocidentais de quão
se ou assentar-se junto a ela. O próprio ato de vir para a frente em
vital é a compreensão da eucaristia como obra do Espírito Santo. Prati-
companhia dos vizinhos é um poderoso sinal não-verbal de comunhão e
camente todas as novas orações eucarísticas apresentam uma epiclese
oferta de si mesmo. A mesa do altar não só precisa estar visível, mas
distinta. Os pentecostais, operando principalmente a partir da experi-
também acessível. Cada vez mais, em muitas igrejas até mesmo em
ência, e não da reflexão teológica, acalentaram essas percepções desde
ocasiões não-eucarísticas a mesa do altar é o foco de atos de oração e
o início deste século.
ofertas, enquanto que a proclamação fica centrada no púlpito. Isto
Os indícios do novo valor atribuído ao senso de comunhão são abundan- implica uma mesa de altar funcional, desobstruída para a ação, ou seja,
tes, como se vê na reforma pós-Vaticano II de uma liturgia vernacular, na projetada para ser usada e que também seja usada. Isto não indica uma
comunhão na mão e em ambas as espécies, e em esforços pela participa- mesa de altar monumental, conspícua, mas usada somente como
ção plena da congregação. Assim como os católicos romanos, as igrejas da repositório de uma Bíblia que não é lida, de flores ou velas.
Reforma resgataram o ósculo da paz como ato da congregação.
A ceia do Senhor é basicamente ação complementada por palavras.
Embora não seja tão patente, tem havido também uma maior preocu- Com quanto cuidado devemos deixar as ações falar? U m excelente
pação com a eucaristia como antecipação, olhando numa direção experimento, apenas a título de aprendizagem, é celebrar a eucaristia
em silêncio, obrigando a que os atos, vasos litúrgicos, elementos, ambi- cultura americana as pessoas têm uma fé inabalável em germes, embo-
ente, vestes e todos os outros meios disponíveis de comunicação, exceto ra poucos tenham visto algum. A Associação Médica Americana decla-
os audíveis, falem por si mesmos. rou que a prática de girar e limpar o cálice de vinho após cada comun-
Todos os novos ritos eucarísticos se baseiam no padrão de quatro gante "parece remover qualquer p e r i g o " . Mas para as pessoas irreme-
38

ações descrito acima. Será que o tomar ou preparar chama a atenção diavelmente preocupadas, esses temores podem ser evitados embeben-
para o fato de que se seguirá uma refeição e que a mesa do altar e os do-se o pão num cálice comum (intinção), ou despejando o vinho do
elementos precisam estar preparados? Será que usamos as mãos, assim cálice para copos individuais, ou dando-se o vinho já distribuído em
como nossa voz, para expressar que estamos dando graças a Deus sobre copos individuais. Antes dos tempos modernos a quantidade de pão e
os elementos? Será o partir do pão um sinal claro da unidade daquele pão vinho consumida não eram migalhas, mas porções algo mais genero-
uno que é partido em favor de muitos? Será que ocorre efetivo toque de sas, certamente com maior valor como sinal.
mãos quando o pão é dado na mão de cada receptor? Todos esses atos Problemas especiais aparecem ao se assistir os enfermos. Os católi-
exigem muita atenção, de modo que seu valor como sinal seja expresso, cos romanos elaboraram um sistema de ministros extraordinários
não oculto. Boa comunicação exige preparo feito com sensibilidade. (leigos) treinados para levar o pão consagrado aos enfermos e idosos,
Deus opera por meio do oficiante e das pessoas, mas o oficiante tem a às vezes diariamente. Outra solução é fazer com que várias pessoas da
responsabilidade de tornar a comunicação tão clara quanto possível. Não comunidade acompanhem o pastor ou sacerdote na celebração no quar-
iríamos pregar o sermão murmurando; não deveríamos economizar ges- to do enfermo, que naturalmente deveria ser abreviada, porém mesmo
tos ao desempenhar a eucaristia. Esses atos-sinal não são decoração; são assim um verdadeiro ofício conjunto de "discernir o c o r p o " do Senhor.
uma parte vital do ministério ao conduzir as pessoas à comunhão com Algumas igrejas atualmente têm ritos eucarísticos para serem usados
Deus. Na mesa do Senhor nós entendemos quão completamente Deus no quarto de enfermos. Levar o pão e vinho consagrados aos enfermos
conhece e ama as pessoas como seres humanos plenos. A glória e majes- tem sido um importante ministério desde Justino Mártir.
tade do ser de Deus são acomodadas à nossa humilde capacidade huma- Muito preparo, planejamento e cuidado na condução da eucaristia em
na. Assim sendo, o que fazemos com nossas mãos, corpos e vozes ao todos os seus aspectos exteriores e visíveis são necessários para que
conduzir a eucaristia é um ministério vital que exige sensibilidade para a ela possa comunicar da melhor forma possível a realidade interior da
forma como os seres humanos se relacionam e se comunicam. Assim autodoação de Deus.
como há uma linguagem vocal, há também uma linguagem corporal, e
precisamos aprender a falar ambas com eloqüência.
O pão e vinho em si também são uma parte importante da ação.
Dizia-se que custava mais fazer crianças católicas acreditarem que as
hóstias da comunhão são pão do que fazê-las acreditar que o pão se
torna corpo de Cristo. É que elas tinham visto pão de verdade. A
utilização de alimento comum está no âmago da eucaristia. Cristo não
escolheu néctar e ambrosia, o alimento dos deuses, mas pão e vinho, o
alimento dos humanos. O sinal não deve ser uma falsificação. Boa parte
do valor como sinal se perde quando o pão passa a ser um biscoito com
gosto de papelão, alguma massa com cara de plástico e paladar artifici-
al ou qualquer outra coisa que não tenha aparência, gosto e cheiro de
pão. O mesmo vale para o vinho. O pão precisa ser pão que se possa
partir com facilidade, nem muito fresco, nem dormido. O ato de parti-lo
pode ser uma das partes mais significativas do culto, se for feito com
cuidado. O ato de dar também é importante. Dar um presente pode ser
uma verdadeira arte; dar pão e vinho não foge desta regra.
A distribuição do cálice apresenta problemas específicos. Certamen-
te o maior valor como sinal de unidade está na distribuição do vinho a
partir de um cálice comum. Acontece que na maioria dos segmentos da
Jornadas e Passagens

Os picos e vales da vida são ocasiões para culto cristão tão certamen-
te quanto o são as planícies da vida cotidiana. Os pontos de crise da
vida são marcados quando a comunidade de fé se reúne em torno de
indivíduos para expressar seu amor quando estes atravessam diversos
Capítulo 9 estágios: casamento (para a maioria), ordenação (para alguns), profis-
são ou comissionamento r e l i g i o s o (para alguns) e morte (para todos).
Cada passagem reflete três estágios em graus variados: afastamento de
-

Jornadas e Passagens uma forma de vida passada, transição ou momento em que se atravessa
um limiar para uma nova ordem de ser, e incorporação numa nova
forma de vida ou a própria morte. Diversas passagens são acompanha-
das de períodos de transição no tempo (noivado, estudo de Teologia,
noviciado, saúde em declínio), bem como de transições no espaço (novo
vida está repleta de ciclos que se repetem e de eventos únicos.
ÁPodemos ficar doentes em numerosas ocasiões, porém temos que lar, novo local de ministério, nova comunidade, o cemitério).
Para os cristãos nenhuma dessas passagens é um momento exclusiva-
morrer apenas uma vez. O culto cristão tem formas de prestar assistência
em períodos recorrentes de crise e em eventos que são únicos. Correspon- mente privado, mas, antes, uma questão compartilhada por toda a
dentemente, denominaremos os ciclos recorrentes de jornadas, e os even- comunidade cristã. U m casamento sinaliza a formação de uma nova
tos únicos, de passagens. Ambos demandam especial atenção e assistên- família e potencialmente aumenta o corpo de Cristo. A t é mesmo a
cia da parte da comunidade cristã por meio de ofícios ocasionais ou do solidão da morte é mitigada pela crença de que a morte não nos afasta
que poderíamos chamar de ritos pastorais. Esses ofícios manifestam a da igreja, mas apenas nos transfere para a parte maior, a igreja triun-
solicitude amorosa da comunidade cristã para com seus membros à fante. N a sua qualidade de questões comunitárias, esses momentos
medida que prosseguem em sua contínua jornada ao longo da vida ou intensamente pessoais em geral são celebrados em meio à comunidade
quando passam por experiências novas e irrevogáveis. cristã. A comunidade de amor nos cerca e apoia tanto nas alegrias do
casamento, da ordenação, profissão ou comissionamento religioso quanto
A jornada através da vida implica, para todos os cristãos, transgres-
na dor da morte.
sões contra o que sabemos ser a vontade de Deus. Todas as pessoas
cristãs, por definição, são pecadoras e sabem disso. Porém o culto Por meio da comunidade humana Deus busca estabelecer novas rela-
cristão proporciona maneiras de lidar com este aspecto da nossa condi- ções de amor nessas ocasiões especiais. Essas novas relações são ex-
ção, particularmente quando o fardo do pecado se torna intolerável.~Há pressas de diversas formas em diferentes relacionamentos e tipos de
diversas formas em que os cristãos podem arrepender-se e viver assegu- amor, como o conjugal ou aquele para com os enlutados. A eucaristia
rados de que Deus age para perdoar o pecado. Diversos nomes identifi- pode ser uma parte importante do ministério de amor da igreja nesses
cam o processo: penitência ou confissão são os termos tradicionais; momentos de passagem.
reconciliação é o termo preferido atualmente. Utilizaremos este último Com exceção da ordenação e da profissão ou comissionamento religi-
termo porque reconciliação sugere tanto o sentido vertical de ser nova- oso, essas passagens de forma alguma são exclusivamente cristãs, mas
mente unido a Deus quanto o sentido horizontal de ser novamente unido afetam todas as pessoas. E m nenhum outro ponto se vê com maior
ao próximo. clareza a influência da cultura local sobre o culto cristão do que na
A reconciliação muitas vezes é considerada remédio para uma alma forma como são observadas as crises da vida. Nesses momentos se
doente. A o mesmo tempo o cristianismo assiste corpos que estão enfer- manifesta uma grande variedade de costumes e práticas locais, ocasio-
mos. Para certas pessoas, a doença é uma ocorrência rara ou algo de nalmente conflitantes com a fé cristã, às vezes contribuindo para ela e,
que são poupadas inteiramente, mas para muitas pessoas pode ser um com freqüência, indiferentes para com a mesma. Os cristãos não detêm
ciclo recorrente. Desde os apóstolos, os cristãos estiveram envolvidos o monopólio da comemoração de passagens como o casamento ou a
na cura do corpo, bem como de almas enfermas. E m anos recentes o morte, mas certamente são influenciados pelas formas como outros
ministério junto aos doentes e moribundos tem recebido mais atenção observam esses eventos. É importante saber qual é o testemunho cris-
no culto cristão do que jamais foi o caso anteriormente. A enfermidade é tão distintivo nessas ocasiões e o que é culturalmente determinado, de
uma parte importante da jornada de vida de muitas pessoas, e a igreja modo que se possam tomar decisões bem informadas ao lidar com
precisa estar presente nessas ocasiões também. situações específicas. Por mais estranho que pareça, quanto mais se-
cundário for o relacionamento de uma pessoa com uma comunidade culpados de pecados graves como a apostasia. Os penitentes eram
cristã, tanto mais importantes se tornam, muitas vezes, passagens excluídos da eucaristia até serem reconciliados com a igreja na Páscoa,
cristãs como o casamento e os funerais. N a verdade elas talvez sejam o justamente quando os recém-batizados eram admitidos para sua pri-
único contato da pessoa com a comunidade de fé. meira comunhão. A reconciliação efetivamente era a tábua após o nau-
Trataremos em primeiro lugar dos ofícios para a jornada da vida: frágio para os que tinham cometido pecado grave e destruído os efeitos
reconciliação e cura. E m seguida examinaremos o casamento cristão, a purificadores do seu batismoyA reconciliação envolvia um período de
ordenação, a profissão ou comissionamento religioso e o sepultamento jejum, o uso de vestes penitenciais e a abstinência, sendo geralmente
cristão. Todos eles tratam de um ministério eficaz num momento de praticada uma vez na vida./Tertuliano a considera medicinal, uma
profunda necessidade humana. Nosso apanhado será breve, porém apon- maneira de sarar uma ferida na comunidade, assim como o medicamen-
tará algumas direções contemporâneas da fé e prática em cada área. to adstringente cura. Assim sendo, a manhã da Páscoa celebrava publi-
camente a reconciliação de ovelhas perdidas, reconciliação tanto com
Deus quanto com a comunidade cristã ofendida.

Reconciliação Mudanças drásticas na reconciliação ocorreram na Idade Média.


Com efeito, talvez com exceção da cura, nenhum sacramento modificou
tanto a sua forma original. Originalmente ministrada por bispos, a
Da cura do corpo nem todos precisam; mas todos precisam da cura
reconciliação passou a ser realizada por presbíteros; de abertamente
da alma. Jerônimo fala do batismo e da reconciliação como tábuas às
pública ela passou a ser privada e secreta; anteriormente praticada uma
quais podemos nos agarrar após o naufrágio do pecado. A reconciliação
ou duas vezes na vida, ela passou a ser praticada pelo menos uma vez
tem certos paralelos com o batismo, assim como com a cura física. O
batismo foi comparado ao casamento, que torna visível o estabelecimen- por ano, e todas as semanas em tempos modernos; de rara exceção ela
to de uma relação permanente baseada no amor. Porém mesmo num passou a ser exigência para todos^jBoa parte do ímpeto para tais
relacionamento desses surgem tempos de conflito e a necessidade de mudanças veio pela disseminação por toda a Europa de penitenciais
recomposição, de reconciliação. Desta forma, ao contrário do batismo, célticos, manuais que determinavam penalidades para delitos . A partir
1

que não é repetível, a reconciliação é um evento recorrente. do séc. 7 a influência dos livros célticos se espalhou, popularizando um
tipo de penitência totalmente separado daquele da reunião pública da
Causa certa surpresa o fato de que o Novo Testamento pouco nos diz igreja. De fato, alguns dos primeiros confessores irlandeses eram lei-
a respeito de pecadores batizados. Paulo ameaça que "não os poupará" gos e leigas, mas com o tempo apenas sacerdotes podiam ser confesso-
em Corinto (2 Co 13.2) e um pecador notório deve ser "entregue a res. Concílios da Idade Média tardia decretaram que a confissão era
Satanás" (1 Co 5.5). O Antigo Testamento oferecia amplos precedentes necessária antes de se receber a comunhão, sendo que ambas teriam
para as práticas penitenciais da súplica, jejum, lamento e vestir pano de que ser. recebidas pelo menos uma vez por ano, o que representou uma
saco. Considerando o importante papel que o texto desempenhou em vinculação funesta para ambos os sacramentos.
épocas subseqüentes, é espantoso que a igreja antiga pareça dar pouca
A reconciliação foi uma oportunidade perdida na Reforma. Lutero
ênfase ao versículo que com a maior clareza lhe confere autoridade para
redigiu "Uma Breve Ordem de Confissão perante o Sacerdote para o
perdoar ou reter pecados: Jo 20.23. Nos evangelhos a volta dos pecado-
Homem Comum" em 1529 e escreveu "Como Se Deveria Ensinar as
res é claramente buscada, e Paulo identifica a servidão ao pecado com a
Pessoas Simples a Confessar-Se" dois anos mais tarde . Estes escritos
2

morte. É difícil encontrar no Novo Testamento indícios de atos rituais


procuram, por um lado, evitar a artificialidade de catalogar os pecados
de reconciliação além da purificação do batismo.
segundo o seu número e espécie, e, por outro, dar à pessoa a paz que a
Tertuliano nos fala muito sobre a prática antiga da reconciliação em reconciliação pode oferecer. Ambas as formas se destinam à confissão
seu tratado de inícios do séc. 3 intitulado Sobre a Penitência. O pecado p r i v a d a diante de um sacerdote ou p a d r e confessor. Os outros
não é apenas uma ofensa contra Deus, mas também uma chaga da reformadores se contentaram em acrescentar orações penitenciais a
igreja, uma vez que coloca em perigo todos os cristãos (particularmente seus cultos dominicais públicos.
em tempo de perseguição). É muito melhor reconhecer o próprio peca-
A s recentes mudanças ocorridas na reconciliação foram dramáticas.
do e passar por um vexame perante a comunidade do que entrar no
Já vimos como a Idade Média trouxe alterações drásticas para este
inferno após esta vida. Deus não pode ser enganado. A penitência
sacramento. O Vaticano II determinou a revisão do "rito e fórmulas" da
implicava uma rigorosa disciplina pública de privação diária para os penitência, mas não deu indicação alguma de alterações tão significati-
vas como aquelas dos três ritos distintos que apareceram em 1973: para (110-17). O valor da reconciliação comunitária em grande parte é de
a "Reconciliação Individual dos Penitentes," para "Vários Penitentes natureza ocasional, e ela poderia funcionar melhor quando vinculada a
com Confissão e Absolvição Individuais," e para "Vários Penitentes com ocasiões especiais do ano litúrgico ou da vida civil.
Confissão e Absolvição Geral" (Rites, 1,339-445). Sem sombra de dúvida
o mais controvertido tem sido o último, mas seu uso tem sido cada vez
mais restrito. Todos os três ritos prevêem a leitura da Bíblia. Os dois Reconciliação
últimos dramatizam a "relação do sacramento com a comunidade".
Todos os participantes compartilham da confissão geral e do louvor da BAS, 166-72 LW, 308-11 PM, 271-73
misericórdia de Deus. O todo representa tanto uma recuperação da BCP, 446-52 MDE, 318-23 Rites, 1, 337-45
prática antiga quanto um avanço para além dela, ao enfatizar a nature- BofW, 268-88 OS, 45-47 SLR, #2, 78-81
za comunitária do pecado e nossa necessidade de sermos reconciliados CF, 96-103 PH, 988-91 UMH, 890-93
uns com os outros pela misericórdia de Deus. LBW, 56, 193-97
Durante os anos da Guerra do Vietnã, muitas congregações protestan-
tes experimentaram diversos tipos de ofícios comunitários de reconcili-
ação. Eles tenderam a desaparecer depois de passado aquele trauma. Durante a Idade Média desenvolveu-se a compreensão da igreja a
Atualmente há sinais de que as profundas necessidades humanas assisti- respeito do que ela experimentava na reconciliação. Pedro Lombardo
das pela reconciliação estão sendo satisfeitas mais diretamente. Os tem muito a dizer sobre a reconciliação (70 páginas), indicando um
luteranos agora oferecem oficios tanto para "Confissão e Perdão Comuni- grande desenvolvimento no séc. 12 quanto ao freqüente uso deste sacra-
tários" quanto para "Confissão e Perdão Individuais" (LBW, 193-97). Os mento por todos. O mais importante que ele nos diz é "que pela penitên-
episcopais, seguindo práticas resgatadas no Movimento de Oxford do cia nos levantamos dos nossos pecados não apenas uma vez, mas
séc. 19, agora prevêem uma "Reconciliação de um Penitente" privada freqüentemente (...) a verdadeira penitência pode ser feita" repetidas ve-
(BCP, 447-52). Materiais para ritos de reconciliação estão sendo prepara- zes." O processo de reconciliação discutido detalhadamente por Pedro
3

dos atualmente (1989) pelos metodistas unidos e presbiterianos. "Lombardo é sintetizado pelo Concílio de Florença no sentido de envolver,
A maioria dessas igrejas inclui elementos penitenciais na maior parte como a matéria do sacramento, três atos de penitência: "contrição do
dos ofícios dominicais, particularmente na eucaristia. Os luteranos ago- coração (...) confissão com a b o c a (..,JIJe\ satisfação pelos pecados (...)
ra têm uma "Breve Ordem para Confissão e P e r d ã o " preliminar e principalmente por meio de oração, jejum e esmolai" A forma eram as
opcional antes da eucaristia (LBW, 56). Os episcopais dispõem de uma palavras do sacerdote (o ministro deste sacramento): "Eu te absolvo." '
4

"Ordem Penitencial" um tanto livre (BCP, 319-21, 351-53) para uso na A reconciliação não era considerada sacramento em nenhuma das
eucaristia, enfatizando, porém, que, na ausência da mesma, uma confis- igrejas da Reforma, embora Lutero encorajasse a penitência particular e
são geral deveria seguir-se às intercessões. Para os católicos romanos e elementos penitenciais passassem a ser uma parte saliente do culto
presbiterianos, os ritos introdutórios dos cultos dominicais normais dominical. Apesar de todas as suas deficiências, a prática medieval da
começam com atos de confissão e perdão, um legado da Idade Média. penitência de fato possibilitava que homens e mulheres levassem a vida
E m anos recentes tem-se mostrado mais preocupação com as épocas com a garantia concreta de que Deus verdadeiramente havia agido para
penitenciais como o Advento e a Quaresma e ocasiões como a Quarta- perdoá-los quando tivessem sido verdadeiramente contritos, confessas-
Feira de Cinzas. A tradição puritana há muito tinha dias especiais de sem ao sacerdote e executassem obras de satisfação. A Reforma trouxe a
humilhação e jejum, bem como dias de ação de graças. Existe também percepção de que todos os cristãos poderiam exercer um papel sacerdo-
uma antiga tradição metodista de cultos de vigília e cultos de compro- tal confessando e perdoando-se uns aos outros. Porém muitas vezes onde
misso. O primeiro Livro de Oração Comum apresentava um ofício para o poder está à disposição de todos, ele não é exercido por ninguém.
a Quarta-Feira de Cinzas com veementes maldições de Dt 27, ofício este Todas as tradições protestantes julgaram necessários padrões de disci-
redenominado em 1662 "Uma Cominação, ou Denúncia da Ira e Juízos plina e julgamento, embora os meios de execução variassem. Calvino
de Deus contra os Pecadores". Observancias algo mais suaves da Quar- vinculou à eucaristia a ação disciplinar de excluir da comunhão (i. é,
ta-Feira de Cinzas têm-se tornado comuns em muitas igrejas, e um ofí- excluir pecadores notórios, 1 Co 11.27), sendo que Wesley exigia tíquetes
cio com imposição opcional de cinzas aparece no BCP (264-69), no L B W de comunhão dos membros de suas classes. Ambas as práticas sobrecar-
(Ministers Desk Edition, 129-31) e no Handbook oí the Cristian Year regavam a eucaristia com um indevido fardo disciplinar.
Os novos conceitos que estão por detrás das atuais reformas na restauração plena, física e espiritual. Fica bastante claro que o objetivo
reconciliação na verdade são muito antigos. Eles focalizam a natureza da, u n ç ã p ^ o r a ç ã o é a cura tanto física quanto espiritual.
do pecado como uma ofensa contra o próximo e contra Deus. Em vários A próxima referência clara a respeito da unção dos enfermos aparece
ritos toda a comunidade se dedica a ouvir a palavra de Deus na Escritu- em Hipólito. A p ó s a oração eucarística, alguém pode oferecer óleo. O
ra, fazer um exame de consciência, suplicar perdão e ouvir a declaração bispo dá graças sobre o óleo e se roga a Deus que conceda que este
da vontade de Deus em perdoar. A natureza comunitária do pecado^em "proporcione consolo aos que o provam e saúde aos que dele se ser-
formas como o racismo, nacionalismo, sexismo è outras injustiças pra- v e m " . O óleo está obviamente destinado tanto a ser bebido quanto a ser
5

ticadas por grupos contra outros é incluída para exame e confissão em aplicado externamente com a finalidade de curar. Mais de um século
muitos desses ritos. Dessa forma os ofícios de reconciliação estão pro- depois, Serapião nos dá mais detalhes; ele inclui uma oração sobre o
fundamente envolvidos na busca cristã de justiça. óleo após a oração eucarística: "que toda febre e todo mau espírito e
toda enfermidade desapareçam pelo beber e ungir" . Uma oração subse-
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qüente na coletânea de Serapião é ainda mais explícita ao relacionar as


Ministério junto aos Enfermos virtudes medicinais e exorcistas atribuídas ao óleo. Nesses séculos
pristinos qualquer pessoa necessitada de cura (ou seus amigos) levaria
O ministério da igreja junto aos enfermos implicou uma variedade de óleo para a igreja a fim de que ele fosse abençoado, e então o tomaria ou
tipos de atos cultuais ao longo dos séculos. Estes variaram desde sim- se ungiria. A s igrejas orientais insistiam mais que sacerdotes executas-
ples orações ao pé do leito até cultos públicos de cura. Os últimos anos sem o ato de unção. Por fim o Ocidente estabeleceu a norma de sacerdo-
têm presenciado uma forte mudança na prática católica romana e um tes ungirem com óleo abençoado pelo bispo.
aumento de interesse entre os protestantes no sentido de explorar novas Ainda emijlena Idade Média considerava-se que o objetivo da unção
formas de assistir os enfermos. A m b o s têm tido que evitar o bizarro e dos enfermos era a restauração da saúde, tanto física quanto espiritual.
espetacular. Pedro Lombardo diz que ela tem "dupla função, qual seja, a remissão dos
/"Os evangelhos estão repletos de narrativas sobre o ministério de pecados e o alívio da enfermidade física". Quem a receber adequadamen-
cura de Jesus, e Atos deixa claro que os apóstolos continuaram este te é "aliviado no corpo e na alma, contanto que seja conveniente que a
trabalho. Marcos 6.13 diz que "curavam muitos enfermos, ungindo-os pessoa seja aliviada em ambos." Lombardo então se lança numa longa
7

com ó l e o " quando Jesus ainda estava com eles. A prática apostólica defesa da repetição do sacramento em caso de doença recidivante. Entrei. ;

está abundantemente registrada, porém a passagem central para desdo- tanto, no final do séc. 12 considerava-se a unção cada vez mais somente
bramentos posteriores é/Tg_ 5.14-16, Diversas questões se salientam como preparação para a entrada da alma moribunda no céu, conforme dá
nesta passagem. Os mais velhos, ou presbíteros (o conselho que preside a entender a designação extrema unção. Esta foi uma mudança drástica
uma igreja), são aqueles que desempenham o ministério da cura. Sua em relação à concepção e prática anterior, para a qual a unção implicava
função é "orar sobre" a pessoa enferma e "ungi-la com óleo em nome do a cura tanto do corpo quanto da alma. A t é pouco tempo atrás ainda se
Senhor". A intenção é claramente a _ c u r a j ^ c o x B Q , porémjQ^ato_eslá apelava para os escolásticos para fundamentar a abordagem segundo a
acompanhado também do perdão dosi.pecadog. Por isso todos os cris- qual a unção seria o "sacramento da consagração para a morte".
tãos são aconselhados a confessar seus pecados entre si e a orar uns /*" A o passo que o método mais antigo de unção parece ter sido o de
pelos outros, porque assim serão curados fisicamente. aplicá-la onde quer que houvesse dor, ao final da Idade Média se ungi-
O uso de óleo para fins de cura era disseminado no mundo antigo, am os olhos, orelhas, narinas, boca, mãos, pés e quadris, todos suscetí-
sendo usado tanto para ungir quanto para uso interno. Para os cristãos veis de pecado. Por volta do séc. 15, determinou-se que a unção somente.**
tal uso era natural, uma vez que "Messias" ou "Cristo" significava deveria ser ministrada às pessoas moribundas. A formulação era a
"ungido". Juntam-se a oração humana e a atividade divina: a oração seguinte: "Por meio desta sagrada unção e de Sua extrema compaixão,
para salvar e o Senhor para fazer ressurgir. A declaração do poder de o Senhor te concede o perdão de quaisquer pecados que tenhas cometi-
cura é forte, embora não mais do que em|55c~r6TÍ8TV2 do pela visão", e t c , e a matéria era óleo de oliva abençoado pelo bispo .
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O benefício seria "a cura da mente e, na medida em que fosse convenien-


A parte mais interessante da passagem é, naturalmente, a vinculação
te, também do corpo", glosa adicional esta um tanto dúbia.
_da^u7a~física"com o perdão^dopecado! Estamos inolinadõsa f a z e r u m a
distinção clara entre esses doisTmas o escritor está interessado na Sacramentais e sacramentos subsidiários também se desenvolveram
como'parte do ministério da igreja junto aos enfermos e moribundos. A í
se incluíam uma série de salmos, orações, leituras e a aspersão com tã oferece um ministério de cura. Todos esses esforços, embora nem
água benta para uso na visita aos enfermos. A confissão poderia ser sempre inatacáveis, refletem a persistência de uma profunda necessida-
ouvida, se possível. A confirmação se faria caso não tivesse sido realiza- de humana nesta área, bem como o fato de que com freqüência muitas
da anteriormente. Dever-se-ia dar a comunhão (o viático). Uma bênção paróquias deixam de supri-la. Algumas das mais interessantes expe-
apostólica era oferecida e, na hora da morte, a alma do moribundo era riências foram realizadas entre os carismáticos nos Estados Unidos e
encomendada a Deus com a oração: "Parte, ó alma cristã". No geral, em novas seitas cristãs na Africa, muitas das quais têm unções em
assim como o catecumenato transformou todo o processo de conversão massa. Vez por outra surge preocupação em torno deste assunto, porém
num ritual, os ritos dos enfermos transformaram num ritual todo o os cultos públicos de cura parecem dever-se mais a alguma iniciativa
processo de morrer como cristão. local do que a ritos oficiais promovidos por alguma igreja.
Poucas dessas coisas sobreviveram à Reforma. Calvino denunciou a A situação em relação aos ritos no quarto de enfermos está mais
unção como uma "pantomima com que pretendem, à parte de razão e coordenada a nível nacional ou internacional. O Concílio Vaticano II deu
sem fruto, estarem a imitar os apóstolos" . O dom de cura dos apóstolos
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instruções no sentido de ampliar o sacramento e redenominá-lo como
era um "dom temporário", e Calvino não tolerava nenhuma das práticas "unção aos enfermos" para qualquer pessoa que "correr perigo de
da época com que "estes [os católicos] impregnam de sua gordura não morte, por motivo de doença ou de idade avançada" (CSL, par. 73). Hoje
enfermos [propriamente], mas, ao contrário, cadáveres semimortos". em dia tem havido aparente sucesso em se reverter o estreitamento do
Cranmer preservou partes da "ordem para visitar um enfermo" do séc. 12, de modo que o sacramento é ministrado a qualquer pessoa
Sarum, embora a tenha abreviado consideravelmente. O Livro decora- seriamente doente e pode ser repetido. Os novos ritos incluem "Visita e
ção Comum preservou um salmo, orações, uma exortação, o credo em Comunhão aos Enfermos", "Rito da Unção dos Enfermos", "Viático",
forma interrogatória (como no batismo), confissão e absolvição, salmódia "Administração dos Sacramentos a Enfermo em P e r i g o de Morte Imi-
e unção "sobre a testa ou peito somente". Bucer tinha problemas com a nente - Rito Contínuo de Penitência, Unção e Viático", "Confirmação em
unção, a qual desapareceu em 1552. Entretanto, Bucer não tinha esse
P e r i g o de Morte", "Rito de Encomendação dos Agonizantes" e textos
problema com o rito de Cranmer para "a Comunhão dos Enfermos", que
variados (Rites, 1, 573-642). Muitas opções são oferecidas para adaptar
previa que em dias de comunhão alguns dos elementos deveriam ser
os ritos a circunstâncias diversas. Moribundos batizados podem ser
reservados e levados da celebração na igreja ao quarto dos enfermos
(comunhão fora do culto). Em outros dias haveria uma celebração assistidos por três ou até mesmo quatro sacramentos (reconciliação,
abreviada "na casa do enfermo". Calvino, entretanto, discordava: as confirmação, unção e eucaristia).
reservas eram "inúteis", uma vez que o enfermo não podia ouvir a A Igreja Episcopal redenominou e revisou extensivamente sua
instituição e as promessas. Caso estas fossem proferidas no quarto do "Ministração aos Enfermos" (BCP, 453-61). A unção agora é oferecida
enfermo, então haveria "uma consagração verdadeira", porém a consa- como parte integrante (embora opcional) do rito. Há previsão tanto
gração anterior não teria efeito . Pedro Mártir acompanhou Calvino, e
10
para a celebração da eucaristia no quarto do enfermo quanto para o uso
toda e qualquer menção de reserva desapareceu no Livro de Oração do sacramento reservado. Há também o "Ofício de Sepultura" (462-67)
Comum de 1552. com a tradicional encomendação "Parte, ó alma cristã" e orações de
vigília. Os presbiterianos publicarão em 1990 um Subsídio Litúrgico
Todas as tradições continuaram com alguma forma de visitação aos Complementar para uso com enfermos e moribundos.
enfermos. A maior parte delas incluía orações e confissão para os que
ansiavam morrer bem. O metodismo incipiente tinha freqüentes cele-
brações da comunhão no quarto de enfermos. A unção reapareceu na Ministério junto aos Enfermos
Igreja dos Irmãos em inícios do séc. 18. O rito atual inclui leitura da
Bíblia, convite á confissão e tripla unção com óleo na cabeça: "para o BAS, 551-64 OS, 72-75, 89-107 WL, 36-41
perdão dos teus pecados, para o fortalecimento da tua fé e para a cura e BCP, 453-67 PM, 63-71, 257-70 WW, 89-122
integridade segundo a graça e sabedoria de Deus" . 11 BofW, 296-320 Rites, 1, 573-642 Também: Ministry to
BOS, 162-70 SBCP, 420-39 the Sick, 1983
Durante o século passado tanto em círculos protestantes quanto
LWA, 145-53 (Igreja da Inglaterra)
católicos surgiram cultos públicos de cura. Fora dos Estados Unidos
estes às vezes estão ligados a santuários. Pastorais de rádio e televisão
espalharam enormemente a popularidade desses cultos. A Ciência Cris-
Há muitas questões teológicas melindrosas implicadas no ministério visível seu amor por um membro doente. Relações de amor exigem
da cura, e a igreja nem sempre mostrou disposição para lidar com elas. honestidade e paz de consciência; para que estas aconteçam, a confis-
O estreitamento medieval tardio da unção num oniabrangente sacra- são recíproca se torna parte da cura tanto da mente quanto do corpo.
mento final de reconciliação simplificou consideravelmente as coisas, Embora apenas alguns poucos tenham o ministério da unção ou de
mas nada resolveu. Ele significava que a igreja tendia a perder de vista levar a comunhão, todos são chamados a se engajar em oração de
a unidade da aflição espiritual e física sobre a qual a Bíblia era tão intercessão pelo membro enfermo do corpo. O ministério junto aos
realista. Implicava um dualismo conveniente, porém irrealista, entre enfermos cabe à comunidade cristã inteira, embora a maior parte do
corpo e alma. Embora o Novo Testamento geralmente tenha o cuidado mesmo venha a ocorrer fora do quarto da pessoa enferma. Cada culto
de não transformar a enfermidade numa conseqüência do pecado, ele dominical deveria incluir os doentes e feridos nas orações comunitárias
não deixa de mostrar uma estreita relação entre os dois, como quando de intercessão, e todos os membros deveriam engajar-se nesse ministé-
Jesus cura pelo perdão do pecado (Mt 9.2-6) ou na passagem de T g 5.14- rio em suas devoções pessoais. O ministério junto aos enfermos é uma
16. A reconciliação também foi descrita na igreja antiga como remédio parte importante de tornar visível o amor, na medida em que Deus age
que cura (Tertuliano, Sobre a Penitência). O ministério da igreja está por meio da comunidade de fé.
dirigido à cura tanto do corpo quanto da alma. Os cristãos são chama- Algumas dimensões pastorais estão claras. O ministério junto aos
dos a salvar pessoas, não apenas almas. Grande parte do ministério de enfermos implica a participação de toda a congregação, mas boa parte
Jesus e dos apóstolos consistiu em curar o corpo das pessoas, assim da visitação efetiva será responsabilidade dos clérigos. Poder-se-ia di-
como as almas. zer muita coisa sobre a necessidade de atos mais objetivos de ministé-
Certamente no mundo moderno é um tanto difícil fazer com que a rio, tais como a unção e a comunhão. Neste sentido vale a pena estudar
unção tenha o valor de sinal que teve outrora numa cultura em que o Pastor's Manual da Igreja dos Irmãos e os novos ritos católico romano
todos associavam a unção com a cura e higiene pessoal. Mas parece e episcopal. H á muitos lugares onde ações falam mais alto do que
haver real valor pastoral em se ter tal ato objetivo como parte do palavras, e o^quartõ~c!õ¥ enfermos ê müTÇãs~vezês um defes. Muitas
ministério junto aos enfermos, para que se realize algo de visível e vezes^e"nca desesperado por d i z e r a coisa cêrtãTfnas hã oc"ãsl5es~em
concreto além de orações verbais. Muitas vezes os doentes não podem qãejtim^geslj^expressiyo^ode ser bem mais adequado^Com freqüência
ouvir ou compreender orações faladas, mas podem perceber atos como nossa mera presença^simplèsmente estando lá, é o mais evidente sinal
a unção. Dadas as suas raízes bíblicas e a sua longa história, a unção de atenção flue-temos/Mãs deveríamos cultivar umá"sensibilidade geral
parece ser o ato mais apropriado. para o que fazemos e também para o que dizemos. Tomar a mão do
Os problemas no tocante ao sacramento reservado mudaram enor- paciente, pôr nossa mão sobre a sua testa, ungir junto com oração e dar
memente desde a Reforma. Já na época de Justino Mártir os elementos comunhão são formas importantes desse ministério. Muitas vezes es-
da comunhão eram enviados aos ausentes (os enfermos e encarcera- ses atos objetivos comunicam mesmo quando a audição está impossibi-
dos) . Os temores que a Reforma tinha de os elementos consagrados se
12 litada.
transformarem em objetos de adoração dificilmente seriam plausíveis O clero nunca se engaja sozinho no ministério, mas o reparte com o
hoje em dia. Novas possibilidades de ministério se abriram aqui. Uma restante da comunidade cristã. A preocupação com os enfermos deveria
celebração no quarto da pessoa enferma com um pequeno grupo de refletir-se tanto no culto público quanto no privado. Mais estruturas
pessoas poderia ser um sinal mais completo, uma vez que os partici- precisam ser projetadas para encorajar leigos a visitar e levar a comu-
pantes estão presentes, mas isto nem sempre é possível. nhão aos doentes, muitos dos quais um pastor não pode visitar regular-
Um problema central no ministério junto aos enfermos é a forma de mente. Esta é uma parte importante do ministério dos leigos, importan-
expressar adequadamente a preocupação amorosa da igreja pelo corpo te demais para ser deixada ao acaso.
e pela alma também, pela pessoa inteira. Tiago 5.16 sugere que todos os A s igrejas precisam preparar e pôr em prática ofícios públicos de
cristãos devem participar da confissão e oração uns pelos outros "para cura do corpo e da alma que não sejam espetaculares, não tenham
serdes curados". Nosso/a irmão/ã cristão/ã, ao/à qual estamos unidos pretensões extravagantes, mas que levem a sério o fato de que Deus
no batismo, pode exigir de nós, assim como nós dele/a, que participe- efetivamente atua autodoando-se no culto público (BOS, 162-70). O dom
mos da manutenção da saúde. Neste sentido o ministério junto aos de curar o corpo e a alma não é o menor dos dons de Deus. Cultos
enfermos é uma importante relação de amor dentro da comunidade de públicos de cura envolvendo a leitura da Bíblia, oração, imposição das
fé. A cura é uma preocupação na qual toda a comunidade de fé torna mãos e (talvez) unção estão se tornando cada vez mais freqüentes. Eles
atestam, afinal de contas, a vontade de Deus em relação à saúde e a semelhante e a oferta de dinheiro. Por séculos os casamentos continua-
preocupação da igreja com o corpo e também com a alma das pessoas. ram a ter lugar em lares ou tavernas, sendo mínimo o envolvimento da
igreja. Muitos casamentos de hoje nos fazem invejar a sabedoria da
Voltar-nos-emos agora para os diversos eventos ou passagens únicas
igreja de então!
pelas quais passamos nesta vida. Trataremos de eventos que não se
repetem, mas que ocorrem de uma vez por todas. A intromissão da igreja não foi intencional. Com o crescimento de
sistemas legais a partir do caos, tornou-se cada vez mais necessário ter
registros escritos de casamentos para evitar matrimônios clandestinos
e para garantir a legitimidade dos descendentes e heranças incontestes.
Matrimônio Cristão Pessoas ricas (cf. o retrato de Giovanni Arnolfini e noiva, de Jan van
Eyck) podiam dar-se o luxo de retratos pintados como registro; as
Poucas ocasiões, se é que existem, são mais alegres do que um pessoas comuns precisavam de um certificado por escrito. N a maioria
casamento. Mesmo assim, a maneira de a igreja abordar os casamentos das aldeias o sacerdote era a única pessoa alfabetizada ("clérigo" signi-
foi lenta e cautelosa, sempre propensa a deixar a maior parte da festa do ficava instruído), tornando-se sua presença nos casamentos cada vez
lado de fora da igreja. Mesmo atualmente o ofício do matrimônio é um mais necessária simplesmente para servir de testemunha e registrá-los
curioso amálgama de elementos cristãos e pagãos. A s palavras são uma legalmente. Muitas vezes uma missa nupcial (distinta do casamento em
inverossímil combinação de linguagem litúrgica e jargão jurídico. O si) era celebrada na igreja paroquial após o casamento, sendo que o
ministro da igreja serve tanto de pastor quanto de funcionário público,
casal recém-casado recebia a bênção imediatamente antes da fração.
sujeito às leis ou cânones de ambas as sociedades, a eclesiástica e a
civil. Matrimônios são uma estranha combinação de Cristo e cultura. O caráter legal da cerimônia de casamento é sua característica mais
distintiva. Os^casamentos consistem essencialmente num cantratojJÚ.-
O Novo Testamento, embora use imagens matrimoniais com freqüên- blico que é consentido livre e mutuamente perante testemunhas. A
cia, nada nos diz a respeito de casamentos cristãos. Temos, sim, o relato linguagem tradicional, "ter e manter", é a linguagem que continua
de uma festa judaica de casamento à qual Jesus se fez presente em Caná sendo usada na transferência de propriedade. "Deste dia em diante"
(Jo 2.1-11), onde ocorreu o "princípio dos sinais" pelos quais Jesus indica a data do contrato. Segue-se a natureza incondicional do contra-
"manifestou a sua glória", mas tudo que ficamos sabendo é que não se to: "para o que der e vier". "Até que a morte nos separe" é a conclusão, e
tratava de ocasião sóbria nem sombria. Os pais da igreja antigos pouco "eu te dou minha palavra" é a promessa de fidelidade para com o
mais nos dizem. Aparentemente a igreja antiga não se importou de mesmo. Tudo isso é linguagem de advogados^não^de liturgistas. Ter-
deixar persistir os costumes locais. Estes incluíam a cerimônia romana mos quase idênticos aparecem em inglês em manuscritos do séc. 14,
de noivado, na qual eram feitas promessas para o futuro casamento e muito antes de outros documentos litúrgicos serem traduzidos para
era dada uma aliança. O rito de casamento romano incluía a junção das esta língua. O centro dessa ocasião sumamente alegre é, portanto, uma
mãos, o sacrifício no altar da família, o banquete com bolo de casamen- transação legal)
to e ritos do leito nupcial. Essas cerimônias começavam na casa da
Por volta do séc. 12, os casamentos estavam se deslocando para a
noiva e terminavam no novo lar do casal. Os votos de noivado, a junção
porta ou vestíbulo da igreja, onde a maior parte das transações legais
das mãos e as alianças persistem nos casamentos cristãos de hoje. O
da aldeia ocorriam à vista de Deus. O sacerdote então se tornara uma
papel da igreja por muitos séculos parece ter-se limitado a influenciar
condição indispensável para o próprio casamento. A missa nupcial era
os cristãos a se casarem com cristãos. Inácio diz: "Convém que os
proibida no Advento e na Quaresma. Chaucer nos diz a respeito de sua
homens e as mulheres que casam, contratem sua união com o parecer
Wife of Bath que "maridos à porta da igreja ela tinha cinco" e estava
do bispo (...)." Bênçãos cristãs substituíam aquelas feitas em nome de
pronta para mais. O rito de casamento de Lutero (1529) ainda ocorria na
divindades pagãs, sendo que a eucaristia poderia ser celebrada em
porta da igreja, entrando depois para a leitura da Bíblia e bênção. N a
lugar do sacrifício p a g ã o .
13

Reforma inglesa, o ofício inteiro de casamento finalmente (passados


Outros (ritos pagãos)se acumularam quando a igreja converteu a 1.500 anos) passou a ter lugar no interior da igreja.
Europa setentnõrralTarroz como símbolo da fertilidade, entrega da noi-
A s igrejas ortodoxas orientais preservaram cerimônias simbólicas
va, damas de honra vestidas de modo a confundir maus espíritos que
distintivas, como a troca de votos e alianças no vestíbulo (o mundo), a
pudessem enfeitiçar a noiva (aparentemente os espíritos malignos não
entrada na igreja (o reino), a coroação de noiva e noivo como símbolo do
tinham uma percepção lá muito boa), o véu da noiva como proteção
reino de Deus (sua futura família), o ato de ambos tomarem do mesmo
cálice e uma tripla procissão ao redor de uma mesa na nave. Teologica- cristão normal. Com quanta freqüência uma cerimônia de 15 minutos
mente o sacerdote é considerado o ministro efetivo do sacramento. Ele bastou para selar uma aliança de 50 anos!
representa Cristo, que neste sacramento age dentro do seu corpo, a Entre os protestantes ocorreu uma nítida mudança no sentido de
igreja. sugerir a eucaristia como parte do ofício para casais cristãos. Os católi-
De modo geral, a Reforma julgou necessárias poucas mudanças, cos romanos encorajam a eucaristia para católicos. Próprios para euca-
além de amplificar todo o ofício um pouco e passá-lo para o vernáculo. ristias nupciais estão previstos em vários casos ( S a c , 759-67; BCP, 432;
Ritos de casamento sempre tenderam a ser conservadores, uma vez que SLR, #3, 40-43). N a maioria dos casos há numerosas opções e muito
a sociedade tem enorme interesse em que sejam seguidos corretamente. maiores possibilidades para flexibilidade do que jamais existiram ante-
A Igreja da Inglaterra continuou exigindo três leituras prévias das riormente. Vários (BCP, 433-34; SLR, #3, 51-60; OS, 32-36) prevêem a
proclamas (anúncios públicos do casamento vindouro), sublinhando bênção de um ofício civil realizado previamente. A l g u n s contêm materi-
assim o envolvimento da sociedade. A promessa da mulher no Sarum ais para aniversários de casamento e para a renovação de votos matri-
moniais ( S a c , 768-70; BOS, 159-61; OS, 37-44).
Manuale, de "ser dedicada e opulenta na cama e na mesa" foi abolida,
mas boa parte do ofício medieval foi mantida. Preservaram-se o Salmo Outra característica comum é_a3rrfasgjnajguajdade. A s mulheres não
128, rogando que eles possam "ver os filhos de teus filhos", e uma mais prometem "obedecer-lhe e servi-lo", e a entrega da noiva desapare-
oração pela fecundidade da união, embora a igreja não insistisse num ceu em alguns ritos (LBW, 202-5; Rites, 1, 539-70; U M H , 864-69; SLR, #3,
milagre; estes elementos podiam ser omitidos "quando a mulher passou 12-50), embora seja uma opção em outros (BCP, 423-32). Uma declaração
da idade de parir crianças". Rubricas convocavam o casal a participar positiva da bondade de Deus em nos criar homens e mulheres aparece
da eucaristia "no mesmo dia do seu casamento". nos novos ritos episcopal, luterano e metodista unido, embora a maioria
Objeções puritanas acarretaram a eliminação de certas cerimôni- (o católico romano é uma exceção) continue reticente no tocante à men-
as, como a entrega de alianças, porém a maioria foi quietamente ção da possível formação (ou'existência atual) de uma família.
restaurada em anos subseqüentes. A tendência do protestantismo nos Certamente a característica comum mais perceptível é o voto de
últimos cem anos tem sido a de preservar ou resgatar boa parte da casamento em si, formulado de modo a declarar uma intenção vitalícia
forma do ofício anterior à Reforma. Os protestantes relutaram em ("até que a morte nos separe"). Ele é explicitamente declarado em todos
aceitar a natureza francamente sexual do rito como apareceu na os principais novos ritos oficiais e é um claro sinal de ruptura entre boa
Reforma. Os ritos medievais-reformatórios pelo menos reconheciam parte da cultura contemporânea e os ideais cristãos. Uma característica
que o casamento envolvia sexo e geralmente produzia filhos. A Igreja comum em ritos recentes é a de evitar o clerical "Eu proclamo" em favor
da Inglaterra continua usando aquela linda formulação nos votos: de uma declaração como aquela da Igreja Unida do Canadá: " N . e N.
"Com este anel eu caso contigo, com meu corpo eu te cultuo", só que fizeram um pacto de casamento perante Deus e na presença de todos
isto provou ser demais para os episcopais americanos do séc. 18. Da nós. (...) por isso eu os declaro marido e mulher." 15

"Ordem de Casamento" de Lutero provém o uso de M t 19.6: "O que


Uma importante evolução recente foi a compilação de A Celebration
Deus uniu, não o separe o homem", bem como a declaração: "Eu os
oí Marriage : An Ecumenical Liturgy .
15
Preparado pela Consulta
declaro unidos em casamento." Cranmer e a maioria dos ofícios
14

Ecumênica sobre Textos Comuns, esse ofício destina-se a ser usado por
protestantes utilizaram estas palavras ou similares. O protestantis-
cristãos de tradições diferentes. Atualmente (1989) ainda espera pela
mo de fala inglesa geralmente segue a versão medieval-anglicana dos
aprovação do Vaticano.
votos, incluindo os votos de noivado (com o verbo no futuro) e os
votos de núpcias (verbo no presente) e a entrega das alianças ("Com
esta aliança..."). Wesley omitiu a entrega da noiva e das alianças;
seus descendentes restauraram ambas.
Recentes revisões do rito de casamento têm tanto em comum que é
difícil fazer uma distinção entre elas. A maioria delas ressalta as obri-
gações da comunidade, como o voto da congregação de "apoiar estas
duas pessoas em seu matrimônio" (BCP, 425). Muitas novas versões
tentam fazer do rito de casamento um ofício completo com hinos, leitu-
ras e outros atos de culto, de modo a fazê-lo parecer-se com um culto
e Efésios 5 para mostrar "que o matrimônio é uma boa coisa, caso
Casamento Cristão contrário não seria um sacramento; pois um sacramento é um sinal
sagrado." Ele mostra que a união sexual é necessária para refletir a
18

ASB, 285-304 CF, 91-95 Rites, 1, 531-70 WL, 30-35 plenitude da união entre Cristo e a igreja.
BAS, 526-50 LBW, 202-5 SB, 189-201 WW, 31-88 Com efeito, alguns teólogos medievais chegaram a acreditar que a
BCO, 73-87 LWA, 120-36 SBCP, 405-18 Também: The matéria real do sacramento fosse a união sexual em si, ato este bastante
BCP, 422-38 MDE, 328-30 SLR, #3 Celebration of difícil de ser administrado pela igreja. Mas a efetiva celebração do con-
BofS, 68-79 MSB, E1-E25 SWR, #5 Marriage, trato "por consentimento mútuo manifestado de viva voz ali no lugar"
BofW, 144-46 OS, 27-43 UMH, 864-69 1985 (Igreja veio a ser considerada a verdadeira forma e matéria deste sacramento.
BOS, 159-61 PH, 1007-12 WB, 65-68 Unida Como Cristo não deixou uma forma, a igreja está livre para mudar as
PM, 135-95 do Canadá) palavras efetivamente usadas, mas não a necessidade de livre consenti-
mento recíproco. A igreja pode proibir o casamento diante de vários
impedimentos, como a clandestinidade, casamento sob coação ou con-
O pensamento da igreja sobre o ofício matrimonial tem sido muito sentimento simulado. A lei canónica que trata do casamento é complexa.
influenciado pelo fato de que muitas leis canónicas focalizam questões O consenso resultante (no Ocidente) foi de que os próprios casais são
matrimoniais. Isto fez com que a reflexão sobre o matrimônio tendesse
os únicos ministrantes adequados deste sacramento, que constitui o
a girar em torno de controvérsias mais legalistas do que litúrgicas.
único sacramento que o sacerdote ou bispo católico romano não pode
Efetivamente, com exceção do debate da Reforma sobre a questão se o
realizar, embora possa oficiar uma missa nupcial e abençoar a união.
matrimônio é ou não sacramento, as controvérsias sobre o rito em si
têm sido quase que inexistentes. Segundo o Decreto para os Armênios, são três as finalidades do
matrimônio: "Primeiro, a geração de prole e sua educação no culto dó)
Duas passagens neotestamentárias têm sido proeminentes no pensa- Senhor; segundo, a fidelidade que marido e mulher deveriam manter >
mento da igreja sobre o matrimônio: as afirmações de Jesus sobre a um em relação ao outro; terceiro, o caráter indissolúvel do m a t r i m ô n i o /
indissolubilidade do matrimônio (Mt 19.9 e 5.32) e Ef 5.22-23. Os ritos uma vez que este tipifica a união indissolúvel de Cristo e da igreja." 19
)
da igreja ocidental ignoraram as referências escatológicas a Cristo,
onde ele é comparado ao noivo e seus discípulos aos participantes da A principal mudança efetuada pela Reforma foi negar que o casamento
festa de casamento (Mt 9.15; 25.1-13), uma alusão à vinda do reino de fosse um sacramento. Calvino fala por todos os reformadores ao afirmar:
Deus. A passagem de Efésios chama o matrimônio de "um grande
[O matrimônio] dado por sacramento ninguém vira até os tempos de
mistério [mystérion] (...) no tocante a Cristo e à igreja" (5.32, tradução Gregório [o Grande]. E a quem sóbrio jamais teria [isso] vindo à mente?
l i t e r a l ) . A igreja baseou-se nesta passagem como indicadora da [O matrimônio] é uma boa e santa ordenança de Deus. E o cultivo da
completitude da união entre marido e mulher, embora ela talvez nos terra, a construção de moradias, o fabrico de calçados e o ofício de
diga mais ainda sobre a união entre Cristo e a igreja. Mystérion trans- barbeiro são legítimas ordenanças de Deus, contudo, nem são sacramen-
formou-se em sacramentum em latim, garantindo assim a subseqüente tos. Pois, no sacramento busca-se não apenas isto, que seja um ato de
inclusão do casamento entre os sete sacramentos. Deus, mas ainda que seja uma cerimônia exterior posta por Deus para
confirmar-se uma promessa. Nada tal haver no matrimônio até crianças
A igreja antiga teve poucos problemas em interpretar o casamento
julgarão. 20

numa cultura monogâmica. Mesmo Tertuliano pouco encontrou para se


queixar nos ritos pagãos de casamento, contanto que as bênçãos e o A Reforma, entretanto, foi quase tão conservadora na compreensão
sacrifício pagãos fossem substituídos por equivalentes cristãos. da experiência como o foi no tocante ao rito em si. O primeiro Livro de
Pedro Lombardo coloca o matrimônio em último lugar e pouco tem a Oração Comum nos diz que os objetivos do matrimônio são, em primei-
nos dizer. Ele segue Agostinho ao observar que o m a t r i m ô n i o j o i o ro lugar, "a procriação de filhos, a serem educados no temor e instrução
único sacramento instituído antes da queda, sendo iniciado original- do Senhor e louvor a Deus. Em segundo lugar, foi ordenado como
mente como obrigação e, após a queda, como remédio . Agostinho17
remédio contra o pecado, e para evitar a fornicação. (...) E m terceiro
entendia bastante bem os males dos quais falava, mas dificilmente se lugar, para a mútua companhia, auxílio e conforto que um deveria ter
mostra positivo ao recomendar o matrimônio como "remédio para os do outro, tanto na prosperidade quanto na adversidade." Esta_dificil-
enfermos". Pedro Lombardo, porém, menciona o relato da criação, Caná mente chega a ser uma visão romântica do casamento! Foram na verda-
de os puritanos ingleses que inverteram esta ordem e colocaram "auxí- parece ser que ela, enquanto comunidade de fé, tem uma preocupação
lio e conforto" mútuos em primeiro lugar. Finalmente, 1 Co 13 ganhou bem própria de cercar de amor o casal cristão e de assisti-lo. Uma nova
precedência sobre 1 Co 7. O pensamento moderno aceitou o reordena- relação de amor se estabelece quando se entra no pacto do casamento,
mento puritano das prioridades no objetivo do casamento, embora a cul- assim como quando se entra no pacto da igreja por meio da iniciação._A
tura popular tenha a propensão de ressaltar a paixão romântica. Compa- cerimônia de casamento é um sinalvisível dessa nova relação de_amor e
rados a uma noção puramente romântica do amor, baseada tão-só na conclama as outras pessoas a fomentar esse amor, da mesma forma como i
atração mútua, e não na responsabilidade recíproca, os objetivos medie- Pvjgre]* -
1
T P b e em amor de fomentar a fé de uma crianca_ou_adulto
i n f i n

vais-reformatórios não parecem tão ruins. No entanto, a necessidade de recém-balizade. E m ambos os casos a relação de amor é permanente. 1

procriação da sociedade a fim de garantir a sobrevivência é muito Não só o casal entra em acordo recíproco, mas também a própria comu-
menos urgente hoje em dia. nidade faz o pacto de sustentá-lo. A leitura das proclamas com antecedên-
A mais importante mudança ocorrida nos últimos anos tem sido uma cia e a indagação se há algum impedimento no início da cerimônia do
nova-ènfase no matrimônio como_pacto, e não como contrato. Isto casamento ajudam a sublinhar a natureza social do casamento. A família,
representa uma volta para uma perspectiva bíblica e protocristã (e_ inaugurada no casamento, é em essência uma pequena igreja modelada
romana pagã), segundo a qual Deus age como testemunha e garante de segundo o amor recíproco dentro do corpo de Cristo. É instrutiva a
que u m p a c t o seja fielmente c u m p r i d o . A tendência m e d i e v a l , imagem escatológica das igrejas orientais segundo a qual a família é um
prosseguida pelos teólogos escolásticos, de pensar o matrimônio em antegosto e pequeno modelo do reino de Deus.
termos de contrato e m v e z de pacto, tornou fácil a atitude dos Os novos ritos estão elaborados especificamente para pessoas de fé
reformadores de negar que o matrimônio fosse um sacramento. Afinal cristã. Que obrigação têm as igrejas, se é que a têm, de assistir não-
de contas, contratos geralmente tratam de questões impessoais, nas crentes que desejam uma cerimônia na igreja? Seria este um serviço
quais a atuação de Deus de forma alguma é patente. Raramente contra- social necessário ou uma rendição a um mundo secular?
tos envolvem amor. Uma relação^^o_pjotpj_por_outxo_lad£^sâÜ2as^a Outros problemas abundam na sociedade moderna. Como pode a igre-
numa idéia de amor recíproco por toda a vida, não na pqjdêjicia^urrn.. ja assistir aquele segmento (aproximadamente metade) da sociedade que
contrato legal. É significativo que o Vaticano II sempre fale do matrimô- passou pela agonia d o divórcio? A questão fica particularmente
nio em termos de pacto, não de contrato. desconcertante em caso de novo casamento. As igrejas orientais solucio-
Várias preocupações se destacam no pensamento recente sobre o naram esta questão com integridade. Mais radical é a questão das uniões
rito do casamento. O Vaticano I I determinou que vários "louváveis de homossexuais, as quais a maioria das igrejas até agora se negou a
costumes e cerimônias" locais não só sejam preservados, mas inclusive sancionar. A s pressões no sentido de celebrar semelhantes contratos sem
estimulados (CSL, par. 77). A indigenização é claramente apoiada, dúvida vão aumentar. À medida que as estruturas sociais mudam, a
contanto que haja uma declaração clara de consentimento vitalício nos igreja enfrentará novos problemas no tocante à relação matrimonial.
votos de ambas as partes. A s gritantes desigualdades da antiga bênção ^_AJuU3ar_pelosJiovos ritos, uma tendência parece claraÇA cerimônia^
nupcial (que rogava que somente a mulher "seja fiel e casta" e que "ela matrimonial crisíâ?]è concebida como um contrato público perante teste-
se fortifique contra sua fraqueza") estão alteradas para "deveres co- m u n h a ^ f e c h a d o jpor um homem e uma mulher que,_por_s_eu __livre_e
muns de mútua fidelidade de ambos os esposos" (CSL, par. 78). Os mútuo consentimento, fazem promessas incondicionais de fidelidade
católicos romanos têm sido menos sujeitos a pressões no sentido de vitalícia recíproca com a ajuda de Deus. Nada há de novo ou inovador
secularizar as cerimónias de casamento pelo acréscimo de sentimenta- nisso; representa um entendimento presente desde o N o v o Testamento.
lismos, particularmente na música. A questão se as banalidades que Lutero (e alguns dos ritos gáJicT3s~ãrrtes dele) reforçaram esta concep-
muitas vezes têm assolado os casamentos protestantes virão a ser um ção pelo simples acréscimo de^Mt 1 9 . 6 p r ó p r i o rito: "Portanto, o que
problema para os católicos romanos ainda está em aberto. Teoricamen- Deus uniu, não o separe o homem", palavras estas contidas na maioria
te a indigenização é uma excelente idéia, mas se ela significa cantar dos novos ritos. Elas certamente implicam uma concepção sacramental
" N o rancho fundo" ou "Encosta tua cabecinha" durante a cerimônia, é de casamento, embora Lutero repudiasse essa idéia. Essas palavras
de se pensar duas vezes. indicam que Deus atua por meio das ações da igreja para suscitar uma
A questão se a igreja deveria realizar cerimônias de casamento preci- nova e permanente relação de amor.
sa ser colocada. Afinal de contas, durante a maior parte de sua história a Numerosas questões pastorais assomam em função da necessidade
igreja deixou a sociedade fazê-lo. O melhor argumento em favor da igreja de destacar essa natureza distintiva do matrimônio cristão e do pró-
prio rito. Oficiar cerimônias de casamento certamente é um dos pa- ser oonsultq.rin/R rtesde o começo do planejamento, A persuasão gentil
péis pastorais mais gratificantes que os/as pastores/as ou sacerdotes muitas vezes pode evitar lapsos no tocante ao bom gosto e a distorção
desempenham, mas também um dos mais exigentes em sua complexi- do significado religioso do ofício. Material impresso tem alguma auto-
dade^ ridade para convencer os que têm dúvidas. A denominação a que se
E m primeiro lugar, esse ministério exige considerável tempo e habi- pertence geralmente pode fornecer uma lista de músicas recomenda-
lidade no aconselhamento das pessoas que desejam se casar. O Estado das para cerimônias de casamento. Cada congregação deveria publi-
tem suas próprias leis no tocante a quem pode se casar, e a maioria das c a r j e g r a s p a r a p uso de suas dependências para cerimônias de casa-
igrejas tem normas adicionais. O papel do sacerdote ou pastor/a é de ser niento, incluindo pontos como quem pode usar o órgão, um esquema
fiel às normas de sua igreja, e isto implica a capacidade de dizer "não". de taxas para a utilização do prédio da igreja e serviços de limpeza,
Certamente este deve ser o caso quando não houver vontade ou tempo onde e como flores e velas podem ser colocadas de modo a não danifi-
para o aconselhamento. Rejeitar a celebração de um casamento impro- car móveis ou ocultar centros litúrgicos, bem como regras referentes
visado é na verdade prestar um serviço às pessoas, embora provavel- aos fotógrafos. Fica bem mais fácil para o/a pastor/a ou sacerdote
mente não seja entendido desta maneira. fazer cumprir regras impressas aprovadas pela assembléia, conselho,
O,lado positivo do aconselhamento^tanto pré-nupcial quanto após o presbitério ou diretoria paroquial local do que baseando-se apenas em
inícicTdo matrimônio, é a capacidade de apresentar o testemunho da sua própria autoridade.
igreja sobre o significado do amor responsável, que está sendo tão A maioria dos casais cristãos está aberta para sugestões a respeito
amplamente trivializado em nossa sociedade. O papel pastoral natural- de como tornar a sua cerimônia nupcial o melhor ato possível de culto
mente depende de ter um rebanho e o apoio da congregação para ajudar cristão. O sacerdote ou pastor/a precisa estar familiarizado com as
o casal em sua intenção de levar um matrimônio cristão. Não temos opções disponíveis. A maioria dos novos ritos oferece uma série de
apenas as doutrinas da igreja para apresentar, mas a igreja como comu- possibilidades, deixando muita coisa a critério do clérigo. Isto exige
nidade viva. maior liderança pastoral, mas também proporciona uma melhor oportu-
Quando clérigos realizam uma cerimônia matrimonial, eles também nidade de ministério. É preciso estar familiarizado com as possibilida-
agem como servidores civis do Estado não-pagos. Isto significa que des (e problemas) de se celebrar a eucaristia num casamento com uma
estão sujeitos às leis do estado, da província ou do país onde a cerimô- congregação em cujo meio pode haver pessoas não-cristãs. Como o
nia está sendo realizada. A violação dessas leis, conscientemente ou por cristianismo ocidental ensina que o casal se casa um com o outro e o
ignorância, é uma atividade criminosa para a qual existem multas e clérigo apenas preside a cerimônia, isto deveria dar forma a todo o
penalidades. Não há nada que substitua a necessidade de familiarizar- ofício. Com certeza o casal deveria ficar frente a frente^ao proferir seus
se com as leis da jurisdição civil sob a qual a cerimônia será realizada. votos e ao trocar alianças.
Nos Estados Unidos não há uniformidade de um estado para o outro no Seria muita ousadia, para não dizer imprudência, tentar um casa-
tocante a quando e onde vale uma licença de casamento, sobre o número mento sem ensaio. Quando mais não for, o ensaio deveria criar confían-
necessário de testemunhas ou sobre o modo de registrar a certidão de ca no casal, que muitas vezes fica apavorado por ocasião da cerimônia
casamento. A única maneira de se ter certeza é conferir com um tabe- em Si. O/A pastor/a OU sacerriptfl riftvpria. pnga.ia.r fcvjag a.s pn.rt.ftg prnhlft-
lião do estado em que deverá realizar-se a cerimônia. Por exemplo: em máticas em que pessoas nervosas podem se atrapalhar: o cortejo de
alguns estados o casamento somente pode ser realizado no município entrada, tomar as mãos, proferir os votos, a troca de alianças e a saída.
que emite a licença e em certos casos apenas dentro de determinado Depois de passada a cerimônia e providenciados os detalhes legais,
número de dias. há responsabilidades pastorais igualmente importantes no aconselha-
O devido respeito para com a etiqueta pastoral deveria ser observado mentn matrimonial e na integração do casal na vida da congregação. A
ao se realizar uma cerimônia matrimonial numa paróquia que não a maior parte delas são responsabilidades felizes na medida em que se
própria. O certo seria fazê-lo somente a convite do pastor ou pastora observa o amadurecimento do amor. O matrimônio realmente é um
local, que merece uma carta de agradecimento do/a pastor/a visitante. "grande mistério" por meio a o qual Deus atuã~e nr> qnai ns clérigos têmt
Para se ajudar a planejar u m casamento são necessárias todas as o privilégio de participar.
habilidades de um diplomata. Vários aspectos, como a música, podem
ficar fora de controle, a não ser que se possam sugerir padrões de
excelência e adequação. U m a r e g r a geral é que o/a pastor/a deveria
Ordenação bispo ora, talvez usando parte da mesma linguagem da ordenação de
um bispo, mas especificamente invocando o Espírito para o ministério
de um presbítero. A oração cita a escolha dos setenta por Moisés (Nm
A maioria dos cristãos provavelmente jamais presenciou uma ordena-
11.17-25; cf. também Lc 10.1-17). Os novos colegas do ordenando na
ção, porém a maior parte deles é servida por homens e mulheres ordena-
ordem dos presbíteros também participam da imposição das mãos
das. Em algumas igrejas só bispos realizam ordenações, e pastores/as e
(embora não do proferimento da oração). Mas, no caso do diácono,
sacerdotes talvez raramente se façam presentes numa ordenação que
somente o bispo impõe as mãos, uma vez que, segundo nos relata
não a sua própria. Mesmo assim, em nenhuma outra ocasião a igreja
Hipólito, o diácono serve ao bispo e não é membro do conselho de
torna tão explícita sua compreensão do propósito da igreja e do seu
presbíteros. Usa-se uma oração invocando o Espírito Santo para o
ministério. Muito embora a ordenação seja um rito de passagem reser-
trabalho de um diácono. Para todas as três ordens, o ato central é a
vado para a exígua minoria de cristãos que entra para o ministério
oração de ordenação pronunciada durante a imposição das mãos. N o
ordenado, ela deveria ser melhor compreendida por todos os cristãos.
mais há muito pouco cerimonial.
O testemunho do Novo Testamento sobre os ritos de ordenação é míni-
Os sacramentários dos primeiros tempos contêm orações apropria-
mo. Ela consiste da imposição das mãos com oração após a eleição ou
das para a ordenação de todas as três ordens: geralmente uma oração
indicação pelos apóstolos (At 6.1-6; 13.3; 14.23; 1 Tm 4.14; 5.22; 2 Tm 1.6). O
ato é acompanhado de jejum e provavelmente inclui uma incumbência responsiva de intercessão, uma coleta e a oração de ordenação em si . 22

específica para os ordenados (At 20.28). O ato de imposição das mãos, Geralmente esta última é um encadeamento de referências escriturísticas,
como vimos na iniciação, é um sinal da outorga de poder, de bênção ou do começando por Moisés e culminando com a invocação do Espírito
ato de apartar uma pessoa por parte de alguém autorizado para tal. Santo para o trabalho da respectiva ordem.
No séc. 3 somente três ordens recebiam ordenação. P o r é m no início
O Novo Testamento nos fala de uma variedade de ministérios (1 Co
da Idade Média ocorreu a elaboração de quatro ordens menores: ostiario,
12.28). Percorrendo suas páginas, percebe-se que há uma evolução pela
leitor, exorcista e acólito. No início estes eram instituídos simplesmen-
qual passou uma üsta de ministérios breve e de forma alguma decisiva,
te por meio da outorga das ferramentas do seu ofício, a porrectio
que quase não distingue ministérios leigos de ordenados. A Didaqué fala
instrumentorum ou transmissão dos instrumentos (chave, livro de
de profetas, que obviamente eram pessoas com dons especiais, e através
leituras, livro de exorcismo, além de vela, castiçal e galheta). A cerimô-
de Hipólito ficamos sabendo de confessores que haviam sofrido por sua fé,
nia da tonsura (corte do cabelo) assinalava o voto de celibato e a
o que era considerado consagração suficiente sem imposição das mãos, a
entrada nas ordens maiores, que vieram a ser reconhecidas como
não ser que a pessoa viesse a se tornar bispo. Leitores, subdiáconos e
subdiácono, diácono e sacerdote. Os ritos para cada ordem menor
operadores de curas eram reconhecidos, não ordenados. Segundo Hipólito,
evoluíram com uma alocução, uma fórmula proferida ao receberem os
somente três recebiam ordenação: bispos, presbíteros e diáconos.
símbolos do seu ofício e duas orações de bênção. O subdiácono partilha-
Mais uma vez nos baseamos em Hipólito para expor os primeiros va do ministério da mesa do altar, e por isto o celibato era imposto neste
indícios substanciais de como a ordenação ocorria na igreja antiga. estágio. Originalmente essas ordens eram permanentes, e não degraus
Hipólito fornece um relato completo da ordenação de um bispo, um na escalada para uma ordem "mais elevada". Por séculos os bispos de
presbítero e um diácono . A ordenação ocorre no contexto da eucaris-
21
Roma foram escolhidos dentre os diáconos romanos.
tia, ao invés de ocorrer durante a liturgia da palavra. Aparentemente o
A última revisão do Pontifical Romano (tradução para o inglês em
novo bispo é escolhido pelas pessoas algum tempo antes da ordenação
1978) aboliu a tonsura, as ordens menores de ostiario e exorcista, bem
efetiva, a qual acontece num domingo na presença de outros bispos. A s
como a ordem maior de subdiácono. A l i se introduziram ritos de "Insti-
pessoas dão sua aprovação, provavelmente por aclamação. E m seguida
tuição" de leitores e de acólitos bem como um rito de "Admissão entre
os bispos impõem as mãos enquanto um bispo profere a oração de
os Candidatos à Ordem Sacra", assim como ritos de ordenação para
ordenação. A oração principia por uma enumeração dos atos salvíficos
bispos, sacerdotes e diáconos (Rices, 2, 3-108; Roman Pontifical, 113-254
de Deus, para então invocar o derramamento do Espírito Santo sobre o
[em português, estes rituais de ordenação constam num fascículo à
novo bispo de modo que ele possa servir adequadamente em suas
parte do Pontifical Romano]) ®.
7

responsabilidades (que são enunciadas). O novo bispo é saudado com o


ósculo da paz e preside então a eucaristia. A abolição de diversas ordens não é a única simplificação drástica
contida no novo Pontifical Romano. A Idade Média presenciou o acrésci-
Para a ordenação de um presbítero Hipólito observa que o bispo lhe
mo de uma série de cerimônias subsidiárias, em grande parte resultan-
impõe as mãos enquanto que outros presbíteros também o tocam. O
tes da fusão das práticas galicanas dos sécs. 9 e 10 com os ritos modeladas segundo os exemplos de Hipólito e substituem fórmulas no
romanos mais contidos. Essas cerimónias mais novas incluíam a unção imperativo por invocações. A maioria desses ritos indica que a ordena-
das mãos do sacerdote, vestir os ordenandos com a indumentária apro- ção deveria ocorrer no contexto da eucaristia, onde os ordenandos
priada e a transmissão dos instrumentos. Estes haviam voltado para a exercem seus papéis próprios na eucaristia. O papel da congregação é
própria Roma no séc. 11 por intermédio do Pontifical Romano-Germánico ampliado com a oportunidade de aclamar os candidatos ou prometer
do séc. 10. A s cerimónias foram aprimoradas mais ainda pelo grande
apoio aos ordenados. Cerimónias subsidiárias são preservadas na maio-
estudioso da liturgia Guilherme Durand, bispo de Mende, França, em
ria dos casos, mas são tornadas claramente secundárias em relação à
fins do séc. 13, pela Cúria Romana ao final do séc. 15, e passaram a
oração de ordenação e à imposição das mãos. A l g u m a s igrejas prevêem
fazer parte do Pontifical Romano em sua revisão de 1596. Até pouco
tempo atrás as cerimónias subsidiárias tendiam a eclipsar a oração de cultos afins para a instalação de um/a pastor/a (OS, 199-200). Esses
ordenação e a imposição das mãos. Uma série de breves orações e uma novos ritos se destacam mais por sua semelhança do que por sua
fórmula imperativa haviam tomado o lugar da grande oração de ordena- diversidade.
ção primitiva. Esta agora foi reabilitada. O antigo papel do povo na
eleição dos candidatos e em sua aclamação como "dignos" havia desa- Ordenação
parecido, porém atualmente está resgatada pelo menos em termos sim-
bólicos. LWA, 202-40 Também: Scottish
ASB, 338-96
BAS, 631-66 MSB, G1-G15 Ordinal 1984
Os ritos herdados pelos reformadores apresentavam prioridades con-
BCO, 120-24 OS, 192-203 (Igreja Episcopal
fusas. Não causa surpresa que eles tenham tido sucesso apenas modes-
BCP, 510-65 PH, 992-1006 da Escócia);
to no destrinchamento das complexidades históricas da ordenação. Boa
parte do cerimonial foi eliminada. A imposição das mãos parece ter BofS, 108-28 PM, 81-91 An Ordinal,
sido preservada de modo geral, embora mesmo ela tenha sido evitada BofW, 393-421 Rites, 2, 3-108 1980 (Igreja
por algum tempo em Genebra e na Escócia por medo de superstição. A s BOS, 227-53 WB, 89-95 Metodista Unida)
ordens menores e o subdiaconato foram abolidos em toda parte. Lutero CF, 75-90 WL, 23-26, 50-61
realizou uma das primeiras ordenações protestantes em 1525, e o rito
que elaborou posteriormente, embora nunca o tenha publicado, veio a
ser a fonte da maioria das ordenações luteranas. Seu texto de 1539 para
Como é que os cristãos têm compreendido o rito da ordenação em seu
a "Ordenação de Ministros da Palavra" consiste em grande parte de
funcionamento na vida da igreja? Seria fácil elaborar uma eclesiologia a
passagens da Escritura, admoestações, oração e a imposição das mãos
partir dos próprios ritos, porém nosso interesse aqui é ver como eles
enquanto se reza o Pai-Nosso . A primeira coletânea anglicana de ritos
24

de ordenação (o ordinal) data de 1550 e foi revisada em 1552. A fórmula funcionam.


de ordenação está no imperativo ("Toma" ou " R e c e b e " ) , e não em forma Está claro, do Novo Testamento em diante, que a ordenação é consu-
de uma oração, sendo dirigida a cada candidato durante a imposição mada através de oração e imposição das mãos. Nossos primeiros exem-
das mãos. plos da. oração (Hipólito) se encaixam num esquema familiar: ação de
graças a Deus pelo que ele já realizou no passado e invocação pela
Para muitos protestantes a grande mudança foi que a ordenação se continuação de sua obra proporcionando os dons necessários aos que
tornou um ato da congregação local, voltando a eleição a ser uma estão sendo ordenados. Como no caso da oração eucarística, a ação de
prática real. Freqüentemente a ordenação era praticada por membros graças e a súplica também compõem esta oração. A igreja ocidental tem
da congregação ou por pastores/as de igrejas vizinhas. A maioria dos sido muito mais conseqüente no tocante ao testemunho da obra do
quacres naturalmente dispensou de todo pastores/as ordenados/as. Espírito Santo nas ordenações do que no caso da eucaristia.
Revisões protestantes e católicas romanas recentes mostraram uma O outro ato bíblico, a imposição das mãos, significa a recepção, pelo
volta às prioridades da igreja antiga testemunhadas por Hipólito. O ordenando, do poder e da autoridade a serem exercidos dentro da
novo Pontifical Romano, os cultos episcopais (BCP, 511-47), An Ordinal, igreja. Diversas concepções explicam como esse poder e autoridade se
da Igreja Metodista Unida, e o rito luterano (OS, 192-98) coincidem relacionam com a continuidade e sucessão, quer por meio de pessoas,
todos em colocar a grande oração de ordenação no centro deste rito, quer por meio de ensinamentos. Os diversos dons mencionados por
com simultânea imposição das mãos. Essas orações centrais estão Paulo em 1 Co 12 são todos eles concedidos pelo Espírito para uma
única finalidade: para serem usados em prol da edificação da igreja. A ordenação funciona dentro da comunidade de fé como uma forma
Hipólito fala repetidamente do "Espírito Santo na santa igreja", e suas de tornar visível uma nova relação de amor. A congregação se alegra
orações pedem que os dons do Espírito Santo sejam usados no ministé- pelo fato de alguém ser chamado por Deus para servi-la por meio do
rio dentro da santa igreja. ministério ordenado e pelos dons de liderança com que a respectiva
pessoa contribui. Trata-se de um ofício de ação de graças na medida em
A compreensão de ordenação dos primeiros tempos acabou se tor-
que a ordenação reconhece e agradece a Deus por seu chamado provi-
nando confusa no decurso da história. A ânsia escolástica de enquadrar
dencial de uma pessoa para o ministério e invoca a sua bênção continu-
a ordenação no mesmo esquema dos outros sacramentos acabou resul-
ada sobre aquele indivíduo. A ordenação também funciona como um
tando no decreto do Concílio de Florença segundo o qual a matéria
chamado eclesiástico formal pelo qual a igreja reconhece que determi-
"para o sacerdócio é o cálice com o vinho e a patena com o pão; para o
nada pessoa foi chamada por Deus e é então colocada à parte como-
diaconato, os livros do evangelho, para o subdiaconato, um cálice vazio
pessoa adequada para representar a comunidade cristã.
colocado sobre uma patena vazia" . A forma para os sacerdotes, conti-
25

nua o decreto, era: "Recebe o poder de oferecer sacrifício na igreja em Efetivamente é estranho que a cristandade nunca tenha chegado a
prol dos vivos e dos mortos, em nome do Pai e do Filho e do Espírito elaborar ritos para comemorar a entrada em vocações não-eclesiásticas.
Santo." Como Cristo não especificou a forma ou matéria da ordenação, Lutero e a maioria dos protestantes sustentaram que cada vocação que
a igreja pôde revisar a sua prática. Em 1947, Pio XII, em A Constituição serve a outras pessoas é uma vocação sacerdotal válida. Lutero nos
Apostólica sobre as Ordens Sagradas reafirmou que a matéria era a lembra que o funcionário de uma fábrica de laticínios tem uma vocação
imposição das mãos. A forma por ele prescrita aparece agora na oração
tão sagrada quanto a freira. Toda pessoa numa ocupação honesta serve
de ordenação do novo Pontifical Romano.
a seu próximo, estando assim envolvida no ministério. Mas as igrejas
Os reformadores tiveram dificuldades em aceitar a noção de que a nunca desenvolveram ritos comparáveis à ordenação para aquelas pes-
ordenação confere um caráter indelével. Lutero considerava a ordena- soas que optam por outras maneiras de servir a humanidade.
ção como algo funcional, ao designar um cristão para fazer aquilo que A maioria dos/as pastores/as não terá oportunidade de planejar orde-
todos têm autoridade para fazer e efetivamente qualquer um poderia nações, mas existem alguns aspectos práticos na maioria dos novos
fazer caso se encontrasse numa ilha deserta sem contar com um cléri- ritos que merecem ser mencionados. E m primeiro lugar, como a ordena-
go: "Todos somos igualmente sacerdotes, isto é, temos o mesmo poder ção é para pessoas, elas próprias precisam ter a oportunidade de parti-
na Palavra e em qualquer sacramento." Para Lutero, a ordenação
26
cipar ativamente. Aclamações espontâneas quando os/as candidatos/as
permaneceu um chamado público para "o ministério da Palavra". Algu- são apresentados/as, até mesmo o aplauso, deveriam ser estimuladas.
mas igrejas levaram isso ainda mais longe ao igualarem a ordenação à Hinos e orações em uníssono deveriam ter a participação plena de
instalação na função pastoral em uma igreja local. Entretanto, a todas as pessoas reunidas. Representantes dos leigos podem se envol-
reordenação raramente é praticada quando o/a pastor/a se muda para ver em alguns atos, particularmente na saudação das pessoas recém-
outra congregação ou quando troca de denominação. Mesmo assim, ordenadas. Isto não deveria ser relegado apenas aos pais e à família,
isso foi um grande problema nas negociações de unificação entre mas na medida do possível deveria ser feito também por aquelas pes-
anglicanos e metodistas nos anos 60. soas que efetivamente serão servidas pelos ordenados.
De modo geral os protestantes evitaram a crença de que a ordenação O antigo uso da eucaristia como contexto no qual se realiza a ordena-
traz graças específicas, considerando-a comumente como designação de ção tem muito a recomendá-lo. A ordenação é uma ocasião quase tão
pessoas para certas funções. Poder-se-ia sustentar que a prática apostóli- feliz quanto um casamento; a congregação é quase certamente toda ela
ca de imposição das mãos sugere um conceito mais elevado de autorida- cristã, e para ela a eucaristia é o sinal mais adequado de alegria e ação
de do que as palavras de teólogos possam admitir. Por outro lado, a de graças. A eucaristia também proporciona às pessoas ordenadas sua
-eleição e aclamação pelo povo certamente mostram que, quaisquer que primeira oportunidade pública de exercer partes importantes do seu
sejam o poder e autoridade que são conferidos, eles somente têm sentido ministério da palavra e do sacramento.
enquanto são usados no ministério em prol da igreja. É vital reconhecer Muita coisa aconteceu nos últimos anos para fazer com que os novos
que a ordenação é algo feito em prol da igreja, não apenas para indivídu- ritos de ordenação convergissem. Se as diversas igrejas fossem tão
os. Somente nos últimos anos nos damos conta de que a preocupação com próximas em sua compreensão das ordens e do ministério como o são
õ que o indivíduo recebe não atina com o essencial e que aquilo que a na prática da ordenação, os cristãos efetivamente teriam alcançado um
própria comunidade recebe é o verdadeiro foco deste sacramento. feliz estágio para a reunificação da cristandade. Mas a ação às vezes
precede o pensamento, e a utilização de novos ritos certamente é um A entrada no noviciado, os votos temporários e permanentes foram
importante passo para a unidade. Uma importante declaração de avan- todos ritualizados. Caso alguém deixasse a congregação, sua própria
ço ecumênico se encontra em Batismo, Eucaristia e Ministério, embora roupa era restituída. Dessa forma, uma série de imagens está presente
o ministério continue sendo o mais controvertido dos três tópicos . 87 nos ritos monásticos de profissão religiosa: segundo batismo, martírio e
sepultamento cristão.
Desenvolveu-se também uma série de ritos para os líderes de tais
comunidades, especialmente para a "Bênção de um A b a d e " (Rites, 2,115-
P r o f i s s ã o ou C o m i s s i o n a m e n t o R e l i g i o s o
24) e a "Bênção de uma Abadessa" (Rites, 2,125-31 [em português: Ritual
de Ordenação de Bispos, Presbíteros e Diáconos, 279-98]). De muitas
U m significativo número de pessoas passa por ritos religiosos, para maneiras esses ritos constituíam um paralelo à consagração dos bispos,
entrar numa vida inteira de serviço, que podem ou não implicar uma sendo que abades mitrados recebiam muitos dos símbolos de autoridade
ordenação. Trata-se de ritos que iniciam pessoas em comunidades reli- de um bispo, embora geralmente sem a jurisdição episcopal.
giosas de irmãs, freiras, mendicantes, monges, diversas ordens cleri-
cais, institutos leigos, diaconisas ou missionários. Provavelmente have- Todos esses ritos foram amplamente revisados em tempos modernos.
Diversas ordens e congregações têm seus próprios ofícios distintivos,
rá um significativo aumento de ministérios leigos no futuro, fazendo
embora com muita coisa em comum. Os ritos genéricos atuais se encon-
com que os ofícios de comissionamento se tornem ainda mais importan-
tram em The Rite of Religious Profession, recentemente publicado (em
tes do que atualmente.
1989). Geralmente o bispo local preside essas cerimônias. Na Igreja Epis-
Os grupos organizados para o ministério têm uma longa história. Já copal está previsto um rito para a "Separação para uma Vocação Espe-
nos primeiros dois séculos encontramos indícios da existência de cris- cial", que prevê um noviciado, votos temporários e votos finais ou vitalí-
tãos vivendo intencionalmente em virgindade. No séc. 3 havia em mui- cios (BOS, 254-58). Cada estágio implica uma solicitação, um sermão,
tas comunidades grupos de viúvas e virgens que tinham papéis distin- exame, promessas ou votos, oração ou bênção e apresentação da roupa.
tos na vida eclesial. O séc. 4 revela que esses grupos levavam uma vida Outras igrejas têm diversos formulários para ministérios especiais, como
comunitária, e logo se desenvolveram ritos de consagração para esse "Separação de uma Diaconisa" entre os luteranos (OS, 210-17) ou "Uma
estilo de vida. A história desses ritos é bastante diferente para homens e Ordem para o Compromisso com o Serviço Cristão" e outros ofícios no
mulheres. Blessings and Consecrations metodista unido (SWR, #14, 26-37).
N o caso das m u l h e r e s esses r i t o s g e r a l m e n t e i m p l i c a v a m o
sancionamento, pelo bispo, do voto de virgindade e da recepção de um
Profissão ou Comissionamento Religioso
véu. A principal imagem para referir-se à entrada nas ordens femininas
veio a ser matrimonial, tendo promessas esponsais e a recepção de um
BofS, 129-36 LWA, 254-80 SB, 247-49 Também: Novo
anel como ações centrais.
BofW, 422-38 OS, 204-17 SWR, #14, 26-37 Rito de Profis-
Entre as primeiras ordens de homens, a imagem central era original- BOS, 175-91, PM, 95-131 WB, 96-101 são Religiosa
mente um segundo batismo. A oferta de si mesmo era sinalizada por 254-58 Rites, 2,111-81 (católico romano)
meio de votos feitos à mesa do altar ou pela colocação sobre a mesma de
um documento assinado, tendo algumas das qualidades do martírio. A
renúncia a propriedades mundanas, as quais poderiam estar relaciona-
das numa lista depositada sobre a mesa do altar, era uma parte impor- Sepultamento Cristão
tante disso. Os trajes desempenhavam papel importante na medida em
que o futuro monge colocava de lado as roupas deste mundo e vestia o O sepultamento cristão é praticado para consolar os enlutados e
hábito de sua nova congregação. Cada peça - capuz, escapulário, capa encomendar a pessoa falecida a Deus. Isto pode parecer um assunto não
e cinturão - passou a ser um símbolo da nova vida em comunidade. N a muito alegre para concluir nosso estudo do culto cristão, porém ele de
Idade Média tardia, a morte para este mundo passou a ser simbolizada fato mostra que toda a vida do cristão envolve o louvor a Deus, do
pela prostração perante a mesa do altar e pelo ato de ser envolvido no batismo ao sepultamento. E a observância da morte cristã tem muito a
próprio hábito como que numa mortalha. O monge morria para si nos dizer sobre a própria vida cristã.
mesmo e era ressucitado para uma nova vida em comunidade.
Historicamente, as atitudes para com o sepultamento cristão pare- memória daqueles que combateram antes de nós, e para exercitar e
cem ter evoluído através de três estágios bastante diferentes: esperan- preparar aqueles que deverão combater no futuro." 30

ça, medo e recusa de pensar sobre o assunto. Elas se refletem de


A morte, para o cristão, era um "natalício celestial", e os santos eram
diversas maneiras nos próprios ritos, algumas mais sutis, outras me-
nos. Os próprios ofícios, muitas vezes, são a cristalização de atitudes comemorados no dia do seu nascimento (natalis) para a eternidade, e
para com a própria morte. não no dia de seu nascimento mundano para o tempo finito. Crônicas de
suas vidas e mortes eram reunidas em martirológios, dos quais se lia
Não temos informações do Novo Testamento sobre o sepultamento um trecho a cada natalício celestial (dia da morte).
cristão e muito pouco dos primeiros três séculos do cristianismo. A t é
Como nos casamentos, a igreja foi muito influenciada pelpp costumas
mesmo Hipólito nada nos diz a respeito, a não ser a menção de que
havia um cemitério cristão e que o preço do sepultamento deveria ser romanos de sepultamento, embora tenha rejeitado muitos (como a. cre-
mantido em nível razoável. Tertuliano cita uma eucaristia fúnebre e mação). A prática nagã da comemoração dos mortos com refeições
uma eucaristia anual no aniversário da morte ("Das Coroas", 3). Serapião fúnebres no local da sepultura (refrigerium) foi substituída pela euca-
nos oferece uma oração por uma pessoa falecida antes do sepultamen- ristia, e os enlutados cristãos davam alimento aos pobres^íAté hoje
to. E m sua maior parte trata-se de uma enumeração dos atos de Deus, continua forte em Roma o senso de continuidade da família, através de
passando, porém, à suplica pelo repouso da pessoa falecida, sua ressur- _gerações, em torno do lugar de sepultamento da família. Mesmo atual-
reição final, pelo perdão dos pecados, pelo consolo dos enlutados e mente o Dia de Todos os Santos é observado como reunião de gerações
terminando com uma petição de "proporcionar-nos a todos um bom ao longo do tempo.
fim" . Agostinho fala do sepultamento de sua mãe, Mônica, mencionan-
28
O etos medieval do sepultamento cristão tomou outra direção: a do
do poucos detalhes, exceto as orações da eucaristia fúnebre e o fato de medo. O sepultamento passou a ser marca^n peja, imapinaç a.n medieval
ter refreado as lágrimas .
29
do inferno e do purgatório e pelo terror de se morrer despreparado. A
eucaristia sofreu a cada vez que foi usada para fins disciplinares; dos
Diversas observações genéricas podem ser feitas sobre as práticas de
funerais também se abusou. A mente medieval tendia a achar que, se
sepultamento no cristianismo incipiente. A atmosfera geral do sepulta-
fosse possível assustar as pessoas com a idéia do inferno, seria possível
mento cristão era de esperança na ressurreição. A declaração sem
fazer com que elas não acabassem no inferno. A morte se tornou uma
lágrimas de Agostinho pode ser uma exceção, mas nem tanto. Ó_cristão
ameaça usada para disciplinar os viventes. Quem poderia ignorar uma
morto que mantivera a fé era tratado como um vitorioso, tendo a procis-
oração como aquela usada na província de York: "Livra-o do fogo cruel
são fúnebre o caráter de triunfo que cabia a um general vitorioso ao
do abismo fervente"? A maioria das igrejas paroquiais da Idade Média
voltar para casa. r,omo naquela, época os cemitérios se encontravam
apresentavam pinturas murais retratando o juízo final sobre o arco do
fora dos muros da cidade, o cortejo fúnebre era parte significativa do
coro, com representação explícita dos tormentos dos condenados. O
rito. Ele_era acompanhado de salmos de esperança e louvor e brados de
drama medieval tardio muitas vezes incluía uma boca do inferno para a
"aleluia". Trajavam-se vestes brancas, carregavam-se folhas de palmeira.
qual eram arrastados os pecadores impenitentes. Dante nos mostra
e_v£ias, queimando-se incenso à medida que a comunidade avançava
todo esse esquema em seu nível mais sofisticado; para outros ele era
rumo ao cemitério em plena luz do dia (ao contrário dos funerais notur-
igualmente vívido e real.
nos dos pagãos). O corpo fora previamente lavado, ungido e envolto em
linho na casa da pessoa falecida, enquanto se proferiam orações. Os ritos de sepultamento acabaram impregnados de temor e medo
relativos ao destino da alma. O oficio dos fiéis defuntos desenvolveu-se
— Junto ao sepulcro havia oração e celebração da eucaristia. Agostinho
a partir de salmos originalmente cantados em funerais e com o tempo
observa: " O sacrifício de nosso resgate foi oferecido por ela [Mônica],
veio a ter fórmulas a serem proferidas nas vésperas, matinas e laudes.
quando o corpo se encontrava ao lado do sepulcro." Depois de o corpo
Os sepultamentOS medievais geralmente eram feit.ns em cemitérios loca-
receber o ósculo final da paz, era sepultado com os pés voltados para o
lizados em torno da igreja. O corpo era recfihido.no portão do cemitério
sol nascente. U m ágape poderia seguir-se imediatamente, havendo ofíci-
(portão dos defuntos), carregado para dentro da igreia com salmos, e
os em diversos dias após o falecimento e no aniversário do falecimento.
então celebrava-se a eucaristia, concedia-se absolvição à pessoa. fa.lem-
Para heróis da fé, como os mártires, esses aniversários podiam ser
da, que recebia incenso e aspersão com água benta. Seguia-se o enterro
ocasiões importantes. O relato da morte de Policarpo no séc. 2, "Martí-
no cemitério ou debaixo da igreja. A absolvição mostra a mudança em
rio de São Policarpo", fala da intenção da comunidade de "reunir-se, na
relação ao senso de vitória triunfante da igreja antiga. O Dies irae (dia
alegria e contentamento, para celebrar o aniversário de seu martírio, em
da ira), canto do séc. 12 ou 13, espelha o foco da Idade Média tardia no O cristianismo moderno freqüentemente esqueceu-se tanto da espe-
juízo e na possibilidade de condenação, tão diferente da clara confiança rança quanto do temor e recusou-se a pensar sobre a morte como parte
dos primeiros cristãos. da mensagem cristã. Os cemitérios agora se localizam nos subúrbios,
fora das cidades e da nossa consciência. Os costumes de sepultamento
Para a Reforma não foi fácil se livrar dessas atitudes, embora o medo
se tornaram amplamente comerciais. O séc. 17 presenciou a introdução
do purgatório deixasse de ser usado como ameaça de castigo. Lutero
de lápides e lotes de sepultamento particulares para pessoas comuns.
H p . p i n r n . i m . n r>gi-a.ter pesaroso d n ^ funerais e desejava transformá-los em
Antes disso, como no caso do Yorick de Hamlet, podia-se ocupar um
pyprpssões mais fortes de esperança. Ele condenava "abominações
pedacinho de terra por 30 anos até chegar a vez de outra pessoa.
papescas como vigílias, missas pelos mortos, procissões, purgatório e
Caixões tornaram-se comuns para pessoas ordinárias no séc. 19, e o
todo o resto de expedientes em favor dos mortos", dando preferência a
embalsamamento, na época da guerra civil americana. O resultado foi
ofícios que enfatizassem a ressurreição dos mortos com "hinos
que os modernos se tornaram mais supersticiosos no tocante à morte
confortadores sobre o perdão dos pecados, o repouso, o sono, a vida e
do que nossos ancestrais da Idade Média, embora muito menos pitores-
sobre a ressurreição dos cristãos que partiram" . Lutero não deixou
31

cos e imaginosos. A pretensão de poder preservar até mesmo nosso


nenhum rito de sepultamento. mas parece ter utilizado hinos, salmos,
nome, que dirá nosso corpo, sem dúvida teria feito rir as pessoas na
um sermão e uma cerimônia simples.
Idade Média. Entretanto, a prática moderna procura camuflar a realida-
O extremo da economia neste sentido foi alcançado no Westminster de da morte e acaba criando mais ficções do que qualquer época
Directóry dê 1645, qüé~ decretava que o corpo fosse "decentemente anterior.
acompanhado" para o cemitério, mas sepultado de imediato "sem qual-
quer cerimônia". A t é mesmo sermões fúnebres se tornaram controver- Muitas vezes isso tem acontecido por culpa da igreja, que substituiu
tidos entre os puritanos escoceses e ingleses, porque muitas vezes o testemunho do evangelho por sentimentais ofícios fúnebres com flo-
haviam degenerado em eulogias de virtudes reais e imaginárias. Al- res e poesia. E muitas vezes a igreja polidamente evita a menção da
guns puritanos encaravam o sepultamento como assunto exclusivamen- morte em sua vida ao longo da semana, mesmo durante o tempo pascal,
te secular, não celebrando oficio algum. Calvino aprovara sermões período que focaliza a ressurreição. O ministério catequético também
fúnebres, porém nunca providenciou umãTítürgià' para o sepultamento tem negligenciado o tratamento de algo tão desagradável como a morte.
cristão. Geralmente a tradição reformada tolerava um ofício de salmódia, Ofícios recentes resgataram muitos dos elementos mais positivos da
leitura bíblica, sermão e oração após o sepultamento. atitude dos primeiros cristãos para com a morte. O Vaticano II prescre-
As revisões anglicanas do rito de sepultamento foram mais conserva- veu que " o rito das exéquias deve expressar mais claramente a índole
doras, embora houvesse nova guinada para a esquerda em 1552. Cranmer, pascal da morte cristã" (CSL, par. 81). Essa ênfase na ressurreição tem
em 1549, condensou o ofício dos mortos e assimilou a procissão para o sido em grande parte alcançada nos novos ritos. A mudança visual da
cemitério, a encomendação e uma eucaristia opcional (para a qual se indumentária negra para a branca (referindo-se a Cristo e à ressurrei-
ofereceram próprios). O ofício poderia ter lugar inteiramente no cemité- ção) ou a verde (referindo-se ao crescimento) assinala uma forte altera-
rio ou parcialmente na igreja. Foi feito um esforço consciente para ção de ênfase. Os ritos reformados, publicados em 1969, encorajam a
salientar a esperança por intermédio de Cristo e da ressurreição. Em observância de costumes locajs e prevêem que todo o ofício ou partes
1552 desapareceu a referência à eucaristia, sendo que o ofício acontecia dele ocorram em estações: no lar da pessoa falecida, na igreja paroqui-
quase que inteiramente ao lado da sepultura. A s cautelosas orações al, na capela do cemitério, junto à sepultura, ou combinações destas
pelos mortos, de 1549, também haviam desaparecido. O breve rito que opções (Rites, 1, 645-720). Há também um ofício de vigília e propostas
permaneceu consistia em sentenças, orações, A p 14.13, 1 Co 15.20-58 e para funerais de crianças. Muitas opções são oferecidas, incluindo a
palavras de encomendação, enquanto a terra era lançada sobre o corpo. celebração de uma missa fúnebre, missas de aniversário de falecimento,
A história subseqüente trouxe a expansão da salmódia e mais orações. diversas comemorações e orações pela pessoa falecida ( S a c , 857-89). O
Wesley preservou basicamente o rito do Lavro de Oração Comum de Ritual de Exéquias (1989) reflete duas décadas a mais de experiência
1662, embora omitisse o Salmo 39, uma oração e a encomendação. A pastoral e melhoria dos ritos.
grande mudança trazida pelo metodismo foi o acréscimo de fervorosos Outras igrejas acompanharam a mesma ênfase na natureza pascal
hinos de esperança. da compreensão cristã de morte. O novo rito presbiteriano é intitulado
"Ofício de Testemunho da Ressurreição" (SLR, #4) e o rito metodista
unido é "Ofício da Morte e Ressurreição" (UMH, 870-75). O novo Book
oí Common Prayer apresenta dois ritos para o "Ofício de Sepultura" e consolo aos enlutados e encomendar a pessoa falecida à solicitude graci-
um esboço de um terceiro (p. 469-507). Todos os três ritos episcopais osa ae ueus.
contêm a possibilidade de uma eucaristia, como o fazem os novos O melhor que a igreja tem a fazer é ser honesta ao consolar os
ofícios metodista unido, presbiteriano e luterano. Orações pelos mor- enlutados. Convém não pretendermos saber demais sobre a morte. Ela
tos são uma opção presente no Livro de Oração Comum. A parte permanece um mistério. Esforços no sentido de sondar por trás de seu
maior desses ofícios consiste em salmodia e leitura das promessas da obscuro véu, seja em termos científicos modernos ou em imagens
Escritura. especulativas, vagamente baseadas na Escritura, tudo isso são empre-
Tanto o novo "Sepultamento. dos Mortos" luterano (LBW, 206-14) quan- endimentos infrutíferos. Mas há duas afirmações que a. fé cristã pode
to o novo ofício metodista unido iniciam com uma referência ao batismo fapifir fíom toda, a, honestidade em benefício dos enlutados. A primeira
do.cristão na morte e ressurreição de Cristo e estabelecem uma relação delas pode parecer pouco confortadora, porém é vital para o processo
entre batismo e sepultamento. O ofício metodista unido tenta personali- de luto e somente pode causar problemas mais persistentes caso seja
zar a ocasião pela citação e testemunho daqueles que melhor conheciam ignorada. Trata-se da própria realidade da morte. A Bíblia é clara:
a pessoa falecida, a fim de comemorar sua vida. Com muita facilidade "Porque temos de morrer, è somos como águas derramadas_najterra_que
pode ocorrer que os funerais tenham um caráter genérico que deixa de já não se podem juntar" (2 Sm 14.14), afirmação muito mais cristã do
reconhecer a vida individual que está sendo comemorada. que qualquer monumento em pedra. Por esta razão geralmente é me-
lhor, quando possível, que o corpo esteja presente num funeral do que
ter um ofício em memória. A realidade da morte não é negada por uma
Sepultamento Cristão religião em cujo cerne está a crucificação.
Porém a segunda afirmação é a fidedignidade de Deus. Isto não é
ASB, 306-36 LBW, 206-14 SLR, #4 Também: Ritual uma doutrina sobre a morte (a respeito da qual pouco sabemos), mas
BAS, 565-605 LWA, 169-201 SWR, #7 de Exéquias, uma doutrina sobre a fidedignidade de Deus (a respeito da qual sabe-
BCO, 88-119 MDE, 331-39 UMH, 870-75 1989 (católico mos um bocado). A morte fa.z com que os seres humanos se dêem, conta
BCP, 468-507 MSB, F1-F22 WB, 71-88 romano); de quão totalmente dependentes são de Deus quando tudo mais falha. O
BofS, 80-107 OS, 108-28 WL, 42-48 Services for Death que quer que esteja além da morte também foi criado por Deus e
BofW, 359-90 PM, 233-56 WW, 123-83 and Burial, vivenciado por Jesus Cristo antes de nós. Os cristãos não estão despoja-
BOS, 171-74 SB, 202-30 1987 (Igreja dos da esperança, mesmo em face da morte; são confortados pela única
CF, 106-30 SBCP, 440-69 Unida do Canadá) fonte real de esperança no mundo, o amor gracioso de Deus.
O funeral cristão atesta, então, as realidades da morte e da ressurrei-
ção. A s vigorosas afirmações da Escritura são muito mais potentes do
Como é que a fé cristã compreende o funeral? Seu passado foi um que qualquer poesia que fale de sono, de uma passagem ou de cruzar a
passado de mudanças. Ainda no I I I Concílio de Latrão, em 1179, era barreira. A s palavras de Deus na Escritura e suas ações nos sacramen-
—" possível falar dn sepnlt.a.ment,o d.ps mortos como um sacramento: isto é. tos são o forte remédio necessário nesta ocasião, e não poesia, flores ou
por mais da metade da história da igreja. Ent.reta.nto. o sepultamento declarações sentimentais. É importante que o funeral ocorra na comu-
cristão jamais recebeu por parte dos escolásticos a atenção dada aos nidade amada, particularmente no meio familiar da igreja onde, durante
sete sacramentos, e o fato de Lutero e Calvino não terem elaborado ritos toda uma vida, palavras e ações de esperança foram experimentadas no
fúnebres mostra que eles tinham coisas mais urgentes a fazer. Desta primeiro dia de cada semana.
forma o funeral nunca recebeu a merecida consideração teológica, em- A presença da própria comunidade é forte testemunho da ação de
bora psicólogos, sociólogos e escritores populares tenham se apressa- Deus em amor nesta ocasião. A presença de outros cristãos ali é um
do em preencher a lacuna. A compreensão cristã da morte, porém, foi sinal visível de amor. A comunidade reunida marca a transição da
objeto de um exame teológico um pouco mais cuidadoso . 32
pessoa falecida para uma nova relação dentro da igreja: ela passa para a
Quais são as possibilidades de se entender a função do sepultamento igreja triunfante, além da igreja militante aqui na terra. O papel de
cristão à parte do aspecto utilitário da remoção do corpo? Dois elemen- outros cristãos no funeral é de tornar visível, por meio de sua presença,
tos se destacam: mostrar o ampr de Deus e o apoio da comunidade no o ambiente de amor que cerca os enlutados.
A segunda função do funeral é encomendar a pessoa falecida^a a, de modo a representar para os enlutados a atenção e o apoio da
Deus. Potencialmente cada um dos batizados já morreu e ressurgiu com comunidade. Muito pode ser feito para interessar e treinar membros da
Cristo no batismo (Rm 6.3-4). Esta agora é a ocasião de lembrar que congregação para o ministério junto às pessoas enlutadas em seu meio.
Deus já mostrou que nos aceita, aceitação esta tornada visível pela E muito terão a fazer para reintegrá-las na comunidade. Isto é particu-
primeira vez em nosso batismo. É muito natural que desejemos enco- larmente importante em grandes ocasiões festivas do ano, quando os
mendar à guarda de Deus as pessoas que amamos. Conceitos de purga- enlutados podem se sentir mais solitários.
tório são muito improváveis para protestantes modernos (e provavel- O funeral cristão é antes de mais nada culto, não primordialmente
mente para muitos católicos romanos também, hoje em dia). Mas a terapia de luto. Ele deveria salientar as vigorosas promessas bíblicas a
esperança de ressurreição em Cristo é tão central na fé cristã que respeito da fidedignidade de Deus, e não se basear em nada menos do
dificilmente podemos nos abster de orar para que Deus realize o seu que isto. Uma liturgia da palavra parece essencial para proclamar e dar
desígnio para o falecido. E muito antinatural orar por uma pessoa até o graças pela bondade de Deus. Salmódia e leitura da Bíblia são funda-
momento de sua morte, para então emudecer. O amor de Deus continua mentais, apoiadas por sermão, hinos, orações e credo. A eucaristia pode
após a morte assim como antes dela, e orações formuladas com esmero proclamar o contínuo relacionamento entre os membros vivos e os
podem encomendar a pessoa falecida à guarda de Deus sem que isto mortos dentro do corpo de Cristo.
implique uma crença no purgatório.
A presença do corpo no ofício fúnebre e a participação das pessoas
O funeraLcristãO-.tem-jDortanto. duas funções: assistir os vivos 6 OS
no ofício de encomendação devem ser encorajadas como forma de teste-
mortos, embora seja impossível separá-las. Ambas são possibilitadas
munhar a realidade da morte. O corpo raramente deveria ser exposto. É
pela compreensão de que Deus age no sepultamento cristão, assim
muito melhor cobrir o esquife com uma mortalha, um pano de cerca de
como nos sacramentos, em nova autodoação, mesmo ao fim da vida. A
2 por 3 m com uma grande cruz bordada ou aplicada sobre o mesmo.
comunidade, de fé, na qual entramos pelas águas do batismo, reúne-se
Ela testemunha muito melhor do que flores a fonte da nossa esperança
agora pela última vez ao nosso redor para manifestar o amor divino
em Cristo. A mortalha também reduz a ostentação praticada com
tornado visível pela atenção demonstrada pela comunidade.
esquifes. Mesmo quando o corpo venha a ser entregue para pesquisa
Algumas conseqüências de natureza pastoral devem ser rapidamente médica ou para cremação, geralmente pode estar presente no funeral.
mencionadas. A ocasião da morte é um tempo em que se faz necessária
Funerais são uma ocasião muito pessoal, devendo-se encontrar algu-
uma relação contínua e amparadora pela qual provavelmente o/a pas-
ma forma de salientar que foi esta pessoa em particular que faleceu. É
tor/a terá a responsabilidade maior. O^-cnriKél barrento d a família a.nt<=-s
do sepultamento e muito depois é um ministério essencial. O processo possível fazê-lo sem elogios extravagantes. Mas alguma forma de identi-
de luto não pode ser acelerado: o maior de todos os perigos é quando as ficação pessoal feita por alguém que conheceu bem a pessoa falecida
pessoas se negam a entristecer-se e este pesar as alcança inadvertida- pode ser valiosa. À s vezes lembranças, fotografias, objetos ou pessoas
mente. "Mostrar uma boa fachada" é conjurar a catástrofe. Poucas áreas centrais na vida da pessoa falecida podem ser expostos. Os cristãos são
exigem mais sensibilidade pastoral do que o aconselhamento das pes- identificados pelo nome por ocasião do seu batismo e deveriam ser
soas enlutadas. citados pelo nome também em seu funeral.

Boa parte desse ministério principia, muito antes d p falecimento^no


ministério catequético, que ajuda os membros da igreja a compreender
a morte a partir de uma perspectiva cristã. Por diversos meios pode-se
ajudar a congregação a conceber as formas mais desejáveis de funerais.
N i n g u é m de nós está plenamente maduro até saber com certeza que
mais cedo ou mais tarde vai morrer. Fazer planos para os próprios
funerais não é necessariamente uma preocupação mórbida; pode ser
um testemunho de fé e uma forma esplêndida de avançar na compreen-
são da vida. Os membros de um certo lar de pessoas idosas tecem suas
próprias mortalhas - uma magnífica afirmação final.
A assistência pastoral não vem desacompanhada; ela pressupõe um
rebanho. Outros precisam compartilhar esse ministério com o/a pastor/
Notas

Capítulo 1: Q u e Queremos Dizer com "Culto Cristão"?

1 Paul W. H O O N , The Integrity of Worship, Nashville : A b i n g d o n , 1971, p. 77.


2 Peter B R U N N E R , Worship in the Name of Jesus (publicado originalmente em alemão
em 1954), St. Louis : Concordia, 1968, p. 125.
3 Jean-Jacques von A L L M E N , Worship: Its Theology and Practice, N e w Y o r k : Oxford Uni-
versity, 1965, p. 33 [trad, port.: O Culto Cristão : T e o l o g i a e Prática, São Paulo, A S T E ,
1968, p. 32].
4 Evelyn U N D E R H I L L , Worship, London : Nisbet, 1936, p. 339.
5 George F L O R O V S K Y , Worship and Every-Day Life : A n Eastern Orthodox View, Studia
Litúrgica, v. 2, p. 268, dez. 1963.
6 ID., ibid., p. 269.
7 N i k o s A . N I S S I O T I S , Worship, Eucharist and "Intercommunion" : A n Orthodox Reflec-
tion, Studia Litúrgica, v. 2, p. 201, set. 1963.
8 Tra le sollecitudini, in: K e v i n SEASOLTZ (ed.), The New Liturgy, N e w York : Herder &
Herder, 1966, p. 4.
9 Godfrey D I E K M A N N , O.S.B., Personal Prayer and the Liturgy, London : Geoffrey Chap-
man, 1969, p. 57.
10 Odo CASEL, O.S.B., The Mystery of Christian Worship, Westminster, M d . : N e w m a n ,
1962, p. 141.
11 Evelyn U N D E R H I L L , op. cit., pp. 84-85.
* N. d o E.: Potlatch: "festa dos índios norte-americanos, com grande distribuição e des-
truição de presentes" (Antônio H O U A I S S , ed., Dicionário Inglês-Português, 2. ed., R i o
de Janeiro : Record, s. d. [1987?]).
12 Para uma delineação mais detalhada dessas tradições, veja James F. W H I T E , Protestant
Worship : Traditions in Transition, Louisville, K y . : Westminster-John Knox, 1989.
13 A s revisões decretadas pelo Concílio de Trento foram publicadas como breviário roma-
no, em 1568, e como missal, e m 1570. Trabalhos posteriores produziram o martirológio
romano, em 1584, o pontifical, e m 1596, o Caeremoniale episcoporum, em 1600, e o
ritual, e m 1614.
14 Outros livros, que poderiam ser combinados com estes, são: o passional (os sofrimen-
tos dos mártires), o livro de homilias (excertos das e x p o s i ç õ e s escriturísticas dos pais
da igreja), o legenda (relatos das vidas dos santos), o responsório (com responsos para
utilização após as leituras), o collectar (contendo as coletas para o dia) e um ordo
(para mostrar como juntar tudo para o dia e hora apropriados).
15 Estas por vezes eram separadas como epistolarium que continha as leituras do A n t i g o
Testamento e das epístolas, e o evang-eJariuzn para os evangelhos.
16 À s vezes se usavam coletâneas separadas de graduais, tropos, kyries e seqüências.
27 Book of Discipline, in: John Knox's History of the Reformation in Scotland. London :
Capítulo 2: A Linguagem do Tempo Thomas Nelson and Sons, 1949, vol. 2, p. 281.
28 The Westminster Directory, Bramcote, Notts, U.K.: Grove, 1980, p. 32.
1 Cyril R I C H A R D S O N (ed.). Early Christian Fathers, Philadelphia: Westminster, 1953,
29 John Wesiey's Sunday Service, Nashville : United Methodist, 1984, pp. 25-26.'
p. 96 [trad, port.: Cartas de Santo Inácio de Antioquia : Comunidades Eelesiais em
Formação, Petrópolis : Vozes, 1970, p. 53]. 30 The Christian Year: A Suggestive Guide for the Worship of the Church, 2. ed. (rev.), N e w
York : Committee on Worship, Federal Council of the Churches of Christ in America,
2 The Apostolic Fathers, Cambridge : H a r v a r d University, 1965, vol. 1, p. 331 [trad, port.: 1940, p. 9.
Didaqué ou Doutrina dos Apóstolos, 2. ed., Petrópolis : Vozes, 1971, p. 39].
31 The Christian Year and Lectionary Reform, London : SCM, 1958.
3 H e n r y B E T T E N S O N (ed.), Documents of the Christian Church, N e w Y o r k : Oxford Uni-
versity, 1952, p. 6 [trad, port.: Documentos da Igreja Cristã, São Paulo, A S T E , 1967, pp. 32 Pius PARSCH, The Church's Year of Grace, Collegeville, Minn.: Liturgical, 1964-65, 5 vols.
28-29]. 33 Common Lectionary, N e w York : Church Hymnal Corporation, 1983.
4 C y r i l R I C H A R D S O N , op. cit., p. 287 [trad, port.: Justino de Roma: I e II Apologias, Diá- 34 The Calendar and Lectionary : A Reconsideration, London : Oxford University, 1967.
logo com Trifão, São Paulo : Paulus, 1995, pp. 83-84].
35 Veja diversas séries de Prociamation, Philadelphia : Fortress; R e g i n a l d F U L L E R ,
5 The Apostolic Fathers, vol. 1, p. 397 [trad, port.: Padres Apostóhcos: Clemente Romano, Preaching from the New Lectionary, Collegeville, Minn. : Liturgical, 1974; Gerard
Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, O Pastor de H e r m a s , Carta de Barnabé, S L O Y A N , A Commentary on the New Lectionary, N e w York : Paulist, 1975.
Pápias, São Paulo : Paulus, 1995, p. 310].
6 H e n r y B E T T E N S O N , op. cit., p. 27. •

7 Cyril R I C H A R D S O N , op. cit., p. 174 [trad, port.: p. 31]. Capítulo 3: A Linguagem do Espaço
8 James D O N A L D S O N (ed.), Ante-Nicene Fathers (doravante A N F ) , N e w York : Charles
Scribner's, 1899, vol. 7, p. 469. 1 Para mais detalhes, veja James F. W H I T E , Susan J. W H I T E , Church Architecture: Buil-
9 John C H R Y S O S T O M , Baptismal Instructions, in: Ancient Christian Writers, Westmins- d i n g and Renovating for Christian Worship, Nashville : A b i n g d o n , 1988.
ter, Md. : N e w m a n , 1963, vol. 31, p. 127. 2 Historicamente sempre houve uma estreita relação entre os artistas do livro e a expres-
10 TERTULLXAN, On Baptism, in: A N F , vol. 3, p. 678 [trad, port.: O Sacramento do Batis- são religiosa, e e m nenhuma tradição isto t e m sido mais forte do que no cristianismo.
mo : T e o l o g i a Pastoral do Batismo segundo Tertuliano, Petrópolis : Vozes, 1981, p. 71]. E na área das artes livrescas, uma das mais visíveis expressões de devoção através da
a r t e m a n i f e s t o u - s e n a á r e a d a e n c a d e r n a ç ã o . A s e v i d ê n c i a s h i s t ó r i c a s são
11 E U S E B I U S , The History oí the Church, Baltimore : P e n g u i n , 1965, p. 230.
assoberbantes, e essa tradição ainda está muito viva hoje em dia. P o r é m atualmente a
12 John W I L K I N S O N (ed. e trad.), Egeria's Travels, London : S.P.C.K., 1971, p p . 132-33 tradição existe mais devido ao apoio de patrocínios privados ou de bibliotecas univer-
[trad, port.: Peregrinação de Etéria: Liturgia e Catequese e m Jerusalém no Século IV, sitárias do que a partir de comissões de igrejas.
Petrópolis : Vozes, 1971, pp. 96-97].
3 Para um relato histórico mais detalhado, veja James F. W H I T E , Protestant Worship
13 A U G U S T I N E , Letters, in: Fathers of the Church, N e w York : Fathers of the Church, and Church Architecture, N e w York : Oxford University, 1964, caps. 3-6.
1951, vol. 12, p. 283.
4 A s letras que aparecem nas figuras estampadas nas páginas subseqüentes t ê m os
14 Thomas J. T A L L E Y , The Origins of the Liturgical Year, N e w York : Pueblo, 1986, seguintes significados: A = altar; C = coro; E = estante; F = fonte; P = púlpito; T =
pp. 194-203. tribuna de oração; linhas pontilhadas = galerias (exceto na figura 1, onde representam
15 Cyril of Jerusalem and Nemesius ofEmesa, Philadelphia : Westminster, 1955, p. 68. uma parede removida). Os desenhos não são em escala.
16 A U G U S T I N E , op. cit., pp. 284-85. 5 James A . M U L L E R (ed.). The Letters of Stephen Gardiner, N e w Y o r k : Macmillan, 1933,
17 T E R T U L L I A N , op. cit., p. 678. p. 355.

18 EUSEBIUS, Life of Constantine the Great, in: Nicene and Post-Nicene Fathers (doravante 6 Paul TTLLICH, Existentialist Aspects of M o d e r n Art, in: Carl M I C H A L S O N (ed.), Chrís-
N P N F ) , 2nd Series, N e w York : Christian Literature, 1890, vol. 1, p. 557. tianity and the Existentialists, N e w York : Scribner's, 1956, especialmente pp. 134-44.

19 Thomas J. T A L L E Y , op. cit., p p . 129-34. 7 Cyril C. R I C H A R D S O N , Some Reflections on Liturgical A r t , Union Seminary Quarterly
Review, v. 8, pp. 24-28, 1953.
20 John CHRYSOSTOM, Opera Omnia, Paris : Gaume, 1834, vol. 2, p. 418.
8 J. G. D A V I E S (ed.), The New Westminster Dictionary of Liturgy and Worship, Philadel-
21 ID., ibid., vol. 2, p. 436.
phia : Westminster, 1986, pp. 521-40.
22 Cit. ap. L. D U C H E S N E , Christian Worship, 5. ed., London : S.P.C.K., 1923, p. 260, nota 3.
23 T E R T U L L I A N , D e Corona, in: A N F , vol. 3, p. 94.
24 John C H R Y S O S T O M , Opera Omnia, vol. 1, p. 608.
25 Gregory DDC, Shape of the Liturgy, Westminster : Dacre, 1945, p. 305.
26 Formula Missae, in: Bard T H O M P S O N (ed.), Liturg-ies of the Western Church, Cleveland :
W o r l d , 1961, p. 109.
Capítulo 4: Oração Pública Diária 25 The First and Second Prayer Books of Edward VI, London : J. M. Dent, 1952, p. 3.
26 Ibid., p. 6.
1 Didache, 8, in: Cyril R I C H A R D S O N (ed.), Early Christian Fathers, p. 174.
2 C L E M E N T , The Stromata or Miscellanies, 7, 7; A N P , vol. 2, p. 534.
3 T E R T U L L I A N , On Fasting, 10, On Prayer, 25; C Y P R I A N , On the L o r d ' s Prayer, 34.
Capítulo 5: A Liturgia da Palavra
4 Bernard B O T T E , La Tradition apostolique de Saint Hippolyte, Münster : Aschendorff-
1 Cyril R I C H A R D S O N (ed.), Early Christian Fathers, p. 287 [trad, port.: Justino de Roma,
sche, 1963, para introdução, texto, notas e tradução para o francês. Tradução para o
inglês: Geoffrey C U M I N G (ed.), Hippolytus : A T e x t for Students with Introduction, p. 83].
Translation, Commentary, and Notes, Bramcote, Notts, U.K. : Grove Books, 1976 [trad, 2 Trata-se da famosa segunda lei de Anton B A U M S T A R K , explicada em sua obra
port.: Tradição Apostólica de Hipólito de Roma : Liturgia e Catequese em R o m a no Comparative Liturgiology, London : A . R. Mowbray, 1958, p. 27. A primeira lei é que os
Século III, Petrópolis : Vozes, 1971, pp. 64s.]. elementos antigos com o tempo tendem a ser duplicados com elementos mais modernos;
depois, ao ser finalmente notada a redundância, os elementos mais antigos são elimina-
5 Gregory DEC (ed.), The Treatise on the Apostohc Tradition of St. Hippolytus of Rome, 36,
d o s (p- 23).
London : S.P.C.K., 1968, p. 63 [trad, port.: p. 66].
6 G r e g o r y DDC (ed.), Apostolic Tradition, 33, p. 60; cf. também 35, p. 61 [trad, port.: p. 63]. 3 A U G U S T I N E , Sermon #324, in: Patrologiae Latina, Paris : J. P. M i g n e , 1863, vol. 38,
p. 1449.
7 G e o r g e G U I V E R introduz o último termo, que parece o mais apropriado. Company of
Voices, N e w York : Pueblo, 1988, p. 53. 4 Bard T H O M P S O N (ed.). Liturgies of the Western Church, Cleveland : W o r l d , 1961,
pp. 106-22.
8 E U S E B I U S , Commentary on Psalm 64, verse 10, in: Patrologiae Graecae, Paris : J. P.
5 ID., ibid., pp. 123-37.
M i g n e , 1857, vol. 23, p. 640.
6 Ibid., pp. 197-208.
9 Apostohc Constitutions, 2, 59, in: A N F , vol. 7, p. 423; 8, p. 35; A N P , vol. 7, p. 496.
10 John C H R Y S O S T O M , Baptismal Instructions, 17, trad. Paul W . Harkins, in: Ancient 7 Hughes O. OLD, The Patristic Roots of Reformed Worship, Zürich : Theologischer
Christian Writers, Westminster, M d . : N e w m a n , 1963, vol. 31, pp. 126-27. Verlag, 1975, pp. 208-18.

11 Egeria's Travels, 24, ed. e trad. John W i l k i n s o n , London : S.P.C.K., 1971, pp. 123-24. 8 Bard T H O M P S O N , op. cit., pp. 354-71.

12 R o b e r t TAFT, The Liturgy of the Hours in East and West, Collegeville, Minn.: Liturgical, 9 ID., ibid.. pp. 245-68.
1986, p. 56. 10 Ibid., pp. 269-84.
13 C A S S I A N , Institutes of the Coenobia, 2, 3, in: N P N F , 2nd series, vol. 11, p. 206. 11 John Wesley's Sunday Service of the Methodists in North America. Nashville : United
14 BASIL, Question 37, Ascetical Works, trad. M . Monica Wagner, C.S.C., N e w York : Methodist. 1984.
Fathers of the Church, 1950), pp. 309-10 [trad, port.: São B A S Í L I O M A G N O , As Regras 12 Veja John KNOX, Integrity of Preaching, Nashville-New Y o r k : Abingdon, 1957; Gustav
Monásticas, Petrópolis : Vozes, 1983, pp. 106s.]. W I N G R E N , The Living Word. Philadelphia: Fortress, 1960; Karl B A R T H , The Preaching
15 C H R Y S O S T O M , H o m i l i e s on First Timothy, #14, in: N P N F , 1st series, vol. 13, p. 456. of the Gospel, Philadelphia : Westminster, 1963; P. T. F O R S Y T H , Positive Preaching
and the Modern Mind, London : Independent, 1960; H. H. F A R M E R Servant of the
16 C A S S I A N , Institutes, 3, 4, in: N P N F , 2nd series, vol. 11, p. 215. Word, Philadelphia : Fortress, 1964; Fred B. C R A D D O C K Preaching, Nashville :
17 BENEDICT, The Rule, in: Western Asceticism, Philadelphia: Westminster, 1958, p. 327. A b i n g d o n , 1985; David G. B U T T R I C K , Homiletic, Philadelphia: Fortress, 1987; Richard
18 E. C. RATCLIFF, The Choir Offices, in: W. K Lowther C L A R K E , Charles H A R R I S (eds.), L. E S L I N G E R , A New Hearing, Nashville : A b i n g d o n , 1987.
Liturgy and Worship, London : S.P.C.K., 1932, p. 266.
19 J. W i c k h a m L E G G (ed.). The Second Recension of the Quignon Breviary, London :
H e n r y Bradshaw Society, 1908, vol. 35; e J. W i c k h a m LEGG, Liturgical Introduction
Capítulo 6: O Amor de Deus Tornado Visível
with Life of Quignon, London : H e n r y Bradshaw Society, 1912, vol. 42.
20 Liturgy of the Hours: The General Instruction, London : Geoffrey Chapman, 1971, p. 35,
1 Tractus on John, 80, 3; in: N P N F , 1st series, vol. 7, p. 344; e John C A L V I N , Institutes, IV,
par. 77.
xiv, 4, p. 1279 (Library of Christian Classics, 21) [trad, port.: João C A L V I N O , A s Institutas
21 R o b e r t TAFT, op. cit, p. 316. ou Tratado da Rehgião Cristã, São Paulo : Presbiteriana, 1989, vol. 4, p. 261].
22 Hughes Oliphant OLD, Daily Prayer in the Reformed Church of Strasbourg, 1525-1530, 2 Essa é a tese central de E. S C H I L L E B E E C K X , Christ the Sacrament of the Encounter
Worship, v. 52, pp. 121-38, 1978. with God, N e w Y o r k : Sheed and W a r d , 1963.
23 Cf. Formula Missae e Deutsche Messe, in: Bard T H O M P S O N (ed.), Liturgies of the 3 Cf. Joachim J E R E M I A S , Eucharistic Words of Jesus, N e w York : Scribner's, 1966,
Western Church, Cleveland : World, 1961, pp. 120-21 e 129-30. pp. 106-37.
24 Günther STILLER, Johann Sebastian Bach and Liturgical Life in Leipzig, St. Louis : 4 John C A L V I N , Institutes, IV, x v i i , 32, p. 1403 [trad, port.: A s Institutas, vol. 4, p. 376].
Concordia, 1984, p. 55. 5 Texto em Elizabeth Frances R O G E R S , Peter Lombard and the Sacramental System,
Merrick, N.Y.: Richwood, 1976, vol. IV, ii, 1, p. 85.
6 ID., ibid., vol. IV, i, 6, p. 82. 16 Concerning the Sacraments, III, 8, in: E. C. W H I T A K E R (ed.), op. cit., p. 131 [trad,
port.: Os Sacramentos e os Mistérios, p. 42].
7 Ibid., vol. IV, i, 4, p. 80.
17 J. D. C. F I S H E R Christian Initiation : Baptism in the M e d i e v a l West, London :
8 Ibid., vol. rv, xxiii, 3, p. 221.
S.P.C.K., 1970,-p. 148.
9 T e x t o em Ray C. P B T R Y (ed.), A History of Christianity, E n g l e w o o d Cliffs, N.J. : Pren-
tice-Hall, 1962, p. 324. 18 ID., ibid., p. 106.

10 ID., ibid., p. 325. 19 Ulrich S. L E O P O L D (ed.), Luther's Works, Philadelphia : Fortress, 1965, vol. 53, pp.
107-9 [trad, port.: Martinho L U T E R O , P e i o Evangelho de Cristo, São Leopoldo : Sino-
11 P a r a um importante exame desse termo e de seus significados cambiantes, cf. Piet
dal; Porto A l e g r e : Concórdia, 1983, pp. 243-47].
S C H O O N B N B E R G , Transubstantation: H o w F a r I s T h i s D o c t r i n e H i s t o r i c a l l y
Determined?, in: Concilium (The Sacraments, an Ecumenical Dilemma), N e w York : 20 Rubricas em The Form of Prayers and (...) M a n n e r of A d m i n i s t e r i n g the Sacraments,
Paulist, 1966, vol. 24, pp. 78-91. texto em J. D. C. F I S H E R (ed.), Christian Initiation : The Reformation Period, London:
S.P.C.K., 1970, p. 117.
12 Canons and Dogmatic Decrees of the Council of Trent, in: Philip S C H A F F (ed.), The
Creeds of Christendom, Grand Rapids, M i c h . : Baker, s. d., vol. 2, p. 119. 21 Texto cit. ap. R o l l i n S. A R M O U R , Anabaptist Baptism, Scottdale, Pa. : Herald, 1966,
pp. 143-44.
13 John C A L V I N , Institutes, IV, x v i i , 1, p. 1361.
22 G. R. B E A S L E Y - M U R R A Y , Baptism in the New Testament, Exeter : Paternoster, 1962,
14 Burkhard N E U N H E U S E R (ed.), The Mystery of Christian Worship and Other Writings,
Westminster, M d . : N e w m a n , 1962, p. 124. p. 125.
15 Veja também Eduard S C H I L L E B E E C K X , The Eucharist, N e w York : Sheed and W a r d , 23 J. D. C. F I S H E R (ed.), op. cit., p. 173.
1968. 24 ID., ibid., pp. 174-78.
16 John C A L V I N , Institutes, IV, xiv, 3, p. 1278 [trad, port.: As Institutas, vol. 4, p p . 260s.]. 25 John C A L V I N , Institutes, IV, xix, 13, p. 1461 [trad, port.: A s Institutas, vol. 4, p. 430].
26 Para uma exposição mais detalhada, cf. James F. W H I T E , Sacraments as God's Self
Giving, Nashville : Abingdon, 1983, cap. 2.
Capítulo 7: Iniciação Cristã 27 First Apology, 61 e 65, in Cyril R I C H A R D S O N (ed.), op. cit., pp. 282-83, 285 [trad, port.:
Justino de Roma, pp. 76-77].
1 Mandate IV, iii, 6, in: The Apostolic Fathers, Cambridge : Harvard, 1965, vol. 2, p. 85 28 V s . Heresies, III, x v i i , 2, in: H e n r y B E T T E N S O N , The Early Cristian Fathers, London :
[trad, port.: Padres Apostólicos, p. 198]. Oxford University, 1963, p. 129 [trad, port.: Ireneu de Lião : I, II, III, IV, V Livros, São
Paulo : Paulus, 1995, p. 326].
2 Kurt A L A N D , Did the Early Church Baptize Infants?, London : S C M , 1963, p. 10.
29 Enchiridion, 43-52; in: N P N F , 1st series, vol. 3, pp. 252-54.
3 Oscar C U L L M A N N , Baptism in the New Testament, London: SCM, 1950.
4 Didache, 9 e 7, in: Cyril R I C H A R D S O N (ed.), Early Christian Fathers, Philadelphia : 30 Sentences, IV, ii-vi, in: Elisabeth R O G E R S (ed.), Peter Lombard and the Sacramental
System, pp. 85-116.
Westminster, 1953, pp. 174-75 [trad, port.: Didaqué, pp. 32 e 30]
31 ID., ibid., IV, v i i , 3, p. 117.
5 First Apology, 61 and 65, in: Cyril R I C H A R D S O N (ed.), op. cit., p p . 282, 285.
6 On Baptism, 20, in: A N F , vol. 3, pp. 678-79 [trad, port.: O Sacramento do Batismo, p. 73]. 32 In: R a y C. P E T R Y (ed.), A History of Christianity, E n g l e w o o d Cliffs, N.J. : Prentice-
Hall, 1962, p. 326.
7 Ibid., 17, A N F , vol. 3, p. 677 [trad, port.: p. 63].
33 M a r t i n L U T H E R , The Holy and Blessed Sacrament of Baptism, in: Luther's Works, vol.
8 Of the Crowns, 3, in: E. C. W H I T A K E R (ed.), Documents of the Baptismal Liturgy, 35, p. 36 [trad, port.: Martinho L U T E R O , Obras Selecionadas, São Leopoldo : Sinodal;
London : S.P.C.K., 1970, p. 10. Porto A l e g r e : Concórdia, 1988, vol. 1, p. 420].
9 On Baptism, 8, A N F , vol. 3, p. 672 [trad, port.: p. 38]. 34 ID., ibid., p. 34 [trad, port.: p. 419].
10 Gregory DDÍ (ed.), The Treatise on the Apostohc Tradition of St. Hippolytus, London : 35 Of Baptism, in: G.W. B R O M I L Y (ed.), ZwingU and Bullinger, Philadelphia: Westminster,
S.P.C.K., 1968, p. 38 [trad, port.: Tradição Apostólica de Hipólito de Roma, p. 53]. 1953, p. 156.
11 R. H u g h C O N N O L L Y (ed.), Didascalia Apostolorum, Oxford : Clarendon, 1969, p. 147. 36 John C A L V I N , Institutes, IV, xv, 1, p. 1303 [trad, port.: A s Institutas, vol. 4, p. 285].
12 Egeria's Travels, 45-47, ed. e trad. John W i l k i n s o n , London : S.P.C.K., 1974, pp. 143-46. 37 Menno S I M O N S , Foundation of Christian Doctrine, in: Complete Writings, ed. C. Wen-
13 Concerning the Sacraments, 1, 4, in: E. C. W H I T A K E R (ed.), op. cit., p. 128 [trad, port.: ger, Scottdale, Pa. : Herald, 1965, p. 120.
Os Sacramentos e os Misterios: Santo Ambrosio, Petrópolis : Vozes, 1972, p. 22]. 38 Karl B A R T H , The Teaching of the Church Regarding Baptism, London : S C M , 1948.
14 M y s t a g o g i c a l Catechesis, 2, in: ID., ibid., p. 29 [trad, port.: São C I R I L O DE JERUSA- 39 Oscar C U L L M A N N , Baptism in the New Testament, London : S C M , 1950.
L E M , Catequeses Mistagógicas, Petrópolis : Vozes, 1977, p. 25].
40 Joachim J E R E M I A S , Infant Baptism in the First Four Centuries, Philadelphia : West-
15 Ibid., pp. 40-41. Cf. também Edward Y A R N O L D , The Awe-Inspiring Rites of Initiation, minster, 1962, e The Origins of In fant Baptism, Philadelphia : Westminster, 1963; Kurt
London : St. Paul, 1972. A L A N D , Did the Early Church Baptize Infants?, Philadelphia : Westminster, 1963.
41 Baptism, Eucharist and Ministry, Geneva: W o r l d Council of Churches, 1982, p. 4 [trad, João Ecolampádio, Das Testament Jesu Christi
port.: .Batismo, Eucaristia, Ministério : Convergência da Fé, R i o de Janeiro, T e m p o e 1524 - Diobald Schwarz, Teutsche Messe
Presença, 1983.] Guillaume Farel, L a Maniere et fasson
42 Urban T. H O L M E S , Young Children and the Eucharist, ed. r e v . N e w Y o r k : Seabury, 1982. Missa de W o r m s (em alemão)
Martinho Bucer, Grund und Ursach
1525 - João Ecolampádio, Form und Gstalt
Ulrico Zwinglio, Action oder Bruch des Nachtmals
Capítulo 8: A Eucaristia Dõber, M i s s a para a Capela do Hospital de Nuremberg (em alemão)
Martinho Lutero, Deutsche Messe
1 Joachim J E R E M I A S , Eucharistie Words of Jesus, N e w Y o r k : Charles Scribner's Sons, Veja I r m g a r d P A H L (ed.), Coena Domini, F r e i b u r g : Universitâtsverlag, 1983, vol. I.
1966, p. 173. 16 Formula Missae, in: Bard T H O M P S O N (ed.). Liturgies of the Western Church, p. 108.
2 Gregory DIX, The Shape of the Liturgy, W e s t m i n s t e r : Dacre, 1945; Joseph J U N G M A N N , Este livro e o de J A S P E R e C U M I N G , Prayers of the Eucharist, deveriam ser consulta-
M a s s of the Roman Rite, N e w York : Benziger, 1951-55, 2 vols.; e Y n g v e B R I L I O T H , dos para encontrar os textos dos ritos protestantes.
Eucharistie Faith and Practice, London : S.P.C.K, 1953, são clássicos modernos de 17 Nashville : A b i n g d o n , 1987.
estudos eucarísticos. A influência de D i x tem sido profunda e m quase toda a revisão
18 Duas obras importantes são: John M c K E N N A Eucharist and Holy Spirit, London :
litúrgica feita desde a primeira publicação d o rito da Igreja do Sul da índia e m 1950.
Alcuin Club, 1975; e Geoffrey W A I N W R I G H T , Eucharist and Eschatology, N e w York :
3 C H U R C H O F T H E B R E T H R E N , Pastor's Manual, E l g i n , 111.: Brethren, 1978, pp. 27-58; Oxford University, 1981.
S a c , 208; BCP, 274; L B W - Ministers Desk Edition, 138.
19 First Apology, 65-67, in: Cyril R I C H A R D S O N , op. cit., pp. 286-87 [trad, port.: Justino de
4 Para um bom resumo dessa discussão, veja A . J. B. H I G G I N S , The Lord's Supper in the Roma, p. 82].
New Testament, London : S C M , 1952, pp. 13-23; t a m b é m J o a c h i m J E R E M I A S ,
20 Didache, 9, in: ID., ibid., p. 175 [trad, port.: Didaqué ou Doutrina dos Apóstolos, p. 32].
Eucharistie Words, pp. 41-84.
21 Clement's First Letter, 40 e 44, in: ibid., pp. 62, 64.
5 Hans L I E T Z M A N N , Mass and Lord's Supper, Leiden : E. J. Brill, 1979; também Oscar
C U L L M A N N , F. J. L E E N H A R D T , Essays on the Lord's Supper, Richmond, Va. : John 22 T o the Smyrnaeans, 7, in: ibid., p. 114.
Knox, 1958. 23 A g a i n s t Heresies, 5, 2, in: ibid., p. 388.
6 C H U R C H O F T H E B R E T H R E N , op. cit., pp. 27-58. 24 Epistle 62, 13, in: A N F , vol. 8, p. 217.
7 Didache, 9-10,14, in: C y r i l R I C H A R D S O N (ed.). Early Christian Fathers, Philadelphia: 25 Mystagogical Catechesis V, in: St. Cyril of Jerusalem's Lectures on the Christian
Westminster, 1953, pp. 175-76, 178 [trad, port.: Didaqué ou Doutrina dos Apóstolos, p. 32]. Sacraments, London : S.P.C.K., 1960, p. 74.
8 First A p o l o g y 65, in: Cyril R I C H A R D S O N , op. cit., p p . 285-86 [trad, p o r t : Justino de 26 City of God, 10, 6; in: N P N F , 1st series, vol. 2, p. 184 [trad, port.: Santo A G O S T I N H O , A
Roma, pp. 81-82]. Cidade de Deus, São Paulo : Editora das A m é r i c a s , 1961, p. 55].
9 Disponível da forma mais conveniente e m R. C. D. JASPER, G. J. C U M I N G , Prayers of 27 On the Sacraments, IV, 14; in: J A S P E R e C U M I N G , op. cit., pp. 144-45 [trad, port.: Os
the Eucharist: Early and Reformed, N e w York : Pueblo, 1987, pp. 31-38. Também G. J. Sacramentos e os Mistérios, p. 50].
C U M I N G , Hippolytus: A Text for Students, Bramcote, Notts., U.K.: Grove, 1976, pp. 10-
11. Nos idiomas originais, cf. A . H A N G G I , I. P Ä H L Prex Eucharistica, Fribourg : 28 H e n r y D E N Z I N G E R , Adolf S C H Ó N M E T Z E R , Enchiridion Symbolorum, 33. ed., R o m a :
Editions Universitaries, 1968, pp. 80-81. Estes livros serão muito úteis no decorrer das Herder, 1965, p. 260.
paginas seguintes. 29 D e c r e e for the Armenians, in: Ray C. P E T R Y (ed.), A History of Christianity, p. 328.
10 C. D. JASPER, G. J. C U M I N G , op. cit., p. 34. 30 Y n g v e B R I L I O T H , op. cit., p. 97.
11 Bernard BOTTE, L a Tradition apostolique de Saint Hippolyte, Münster: Aschendorffsche, 31 Tanto mais irônico é o fato de Lutero ter descartado o cânon da missa com exceção das
1963, p. 28. palavras da instituição, as quais, para nós, parecem usar uma linguagem explicita-
12 T o the Smyrnaeans, 8, in: Cyril R I C H A R D S O N , op. cit., p. 115 [trad, port.: Inácio aos mente sacrificai.
Esmirneanos, in: Padres Apostólicos, p. 118]. 32 John C A L V I N , Institutes, IV, xvii, 7, p. 1367 [trad, port.: A s Instituías, vol. 4, p. 345].
13 John W O R D S W O R T H (ed.), Bishop Sarapion's Prayer-Book, Hamden, C o n n . : Archon, 33 ID., ibid., IV, x v i i , 38, p p . 1415-16 [trad, port.: ibid., p. 387].
1964, p. 63. 34 Cyril R I C H A R D S O N , Zwingli and Cranmer on the Eucharist, Evanston, 111.: Seabury-
14 G r e g o r y DIX, op. cit., p. 48. W e s t e r n Theological Seminary, 1949, p. 48.
15 A cronologia das mais importantes liturgias protestantes durante o s primeiros cinco 35 J. E. R A T T E N B U R Y , The Eucharistic Hymns of John and Charles Wesley, London :
anos cruciais de esforço para produzir u m a eucaristia reformada é: Epworth, 1948, pp. 195-249.
1521 - A n d r é Karlstadt, Missa de Natal de Wittenberg (em alemão)
36 Eduard S C H I L L E B E E C K X , The Eucharist, N e w York : Sheed and W a r d , 1968; Joseph
1522 - Gaspar Kantz, Missa Evangélica (em alemão)
P O W E R S , Eucharistic Theology, N e w Y o r k : Herder & Herder, 1967; e Joseph P O W E R S ,
1523 - Martinho Lutero, Formula Missae
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Tomás Müntzer, Missa Evangélica A l e m ã
Ulrico Zwinglio, De Cânone Missae Epicheiresis
37 Rio de Janeiro : Tempo e Presença, 1982. 29 Confessions, 9, cit. ap. Geoffrey R O W E L L The Liturgy of Christian Burial, London :
38 Bishops' Committee on the Liturgy Newsletter, v. 15, p. 147, jan. 1979. S.P.C.K., 1977, p. 24 [trad, port.: Santo A G O S T I N H O , A s Confissões, São Paulo : Edito-
ra das A m é r i c a s . 1961, p p . 266ss.].
30 The Martyrdom of Polycarp, V, 18, in: Cyril R I C H A R D S O N , op. c i t , p. 156 [trad, p o r t :
Padres Apostólicos, p. 154].
Capítulo 9: Jornadas e Passagens
31 Martin L U T H E R , Preface to the Burial H y m n s , in: Luther's Works, vol. 53, p. 326.
1 Veja John T. M c N E I L L , Helena M . G A M E R Medieval Handbooks of Penance, New 32 Por exemplo, John H I C K S , Death and Eternal Life, N e w York : H a r p e r & Row, 1976.
York : Columbia University, 1938.
2 M a r t i n L U T H E R , Luther's Works, vol. 53, p p . 116-21.
3 Peter Lombard and the Sacramental System, rV, xiv, 3; in: Elisabeth R O G E R S (ed.), p. 117.
4 D e c r e e for the Armenians, in: Ray C. P E T R Y , A History of Christianity, Englewood
Cliffs, N.J. : Prentice-Hall, 1962, p. 328.
5 G r e g o r y DDC (ed.), Apostolic Tradition, V, p. 10 [trad, p o r t : Tradição Apostólica de
Hipólito de Roma, p. 42].
6 John W O R D S W O R T H (ed.). Bishop Sarapion's Prayer-Book, 1, 5, Hamden, Conn. : Ar-
chon, 1964, p. 67. Veja também 3, 17, pp. 77-78.
7 Peter Lombard, IV, xxiii, 3, in: op. cit., p. 222.
8 D e c r e e for the Armenians, in: Ray C. P E T R Y , op. cit., p. 329.
9 John C A L V I N , Institutes, IV, xix, 18, p. 1466 [trad, port.: A s Instituías, vol. 4, p. 435].
10 ID., ibid., r v , xvii, 39, pp. 1416-17.
11 C H U R C H O F T H E B R E T H R E N , Pastor's Manual, pp. 63-71, que inclui uma boa introdu-
ção. Esse rito deveria ser mais amplamente conhecido.
12 First Apology, 65-67, in: Cyril R I C H A R D S O N , Early Christian Fathers, pp. 286-87.
13 T o Polycarp, 5. in: Cyril R I C H A R D S O N , op. cit., p. 119 [trad, port.: Cartas de Santo Inácio
de Antioquia, p. 87].
14 Martin L U T H E R , Luther's Works, Philadelphia : Fortress, 1965, vol. 53, pp. 110-15.
15 The Celebration of Marriage, Toronto : United Church of Canada, 1985, p. 11.
16 Philadelphia : Fortress, 1987.
17 Peter Lombard, IV, xxvi, 2, in: op. cit., p. 243.
18 Ibid., IV, xxvi, 5, in: op. cit., p. 245.
19 Decree for the Armenians, in: R a y C. P E T R Y , op. cit., p. 329.
20 John C A L V I N , Institutes, IV, xix, 34, p. 1481 [trad, port.: As Instituías, vol. 4, p. 449].
21 Gregory DDC (ed.),Apostohc Tradition, 4-19. Veja também Paul B R A D S H A W , Ordination
Rites of the Ancient Churches of East and West, N e w York : Pueblo, 1990.
22 Paul B R A D S H A W , op. cit., p p . 215-42.
23 Washington: International Commission on English in the Liturgy, 1978.
24 Martin L U T H E R , Luther's Works, vol. 53, p p . 124-26.
25 D e c r e e for the Armenians, in: Ray C. P E T R Y , op. cit., p. 329.
26 Martin L U T H E R , Babylonian Captivity, in: Luther's Works, vol. 36, p. 116 [trad, port.:
Do Cativeiro Babilónico da Igreja: in: Obras Selecionadas, São Leopoldo : Sinodal; Porto
A l e g r e : Concórdia, 1989, vol. 2, p. 417].
27 Geneva : W o r l d Council of Churches, 1987, pp. 20-33 [trad, port.: Batismo, Eucaristia,
Ministério, Rio de Janeiro : Tempo e Presença, 1983].
28 Bishop Sarapion's Prayer Book, V, 18, in: John W O R D S W O R T H (ed.), pp. 79-80.
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Capítulo 1: Que Queremos Dizer com "Culto Cristão"?

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Capítulo 3: A Linguagem do Espaço Capítulo 5: A Liturgia da Palavra


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Capítulo 6: O Amor de Deus Tornado Visível

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PM Pastor's Manual. Elgin, 111.: Brethren, 1978. (Igreja dos Irmãos) 200, 232
Aconselhamento matrimonial, 224-25
Batistas, 161-62
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Baumstark. Anton, 114
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A d v e n t o , 48, 54 Benedito. 99, 100
Sac Sacramentary. Collegeville, Minn. : Liturgical, 1974. (Igreja Católi- Berengário, 139, 195-96
ca Romana) Á g a p e , 180. 234
Agostinho, 43, 44, 61, 88, 115, 131. 137, Bispo, 226
SB Service Book. Toronto : Canee, 1976. (Igreja Unida do Canadá) 140-41, 149, 160, 167-68, 194, 220, 234 Bizantino, rito. Veja R i t o bizantino

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Jon Knox, 1984-. (Igreja Presbiteriana [EUA]) Altar, mesa do, 72-81, 201 Bucer, Martinho, 103, 119, 188, 212
Alternativo Service Book, 105. 189
SWR Supplemental Worship Resources. Nashville : Abingdon ou United Cadeira do oficiante, 73
A m b r ó s i o . 159, 160
Methodist, 1972-1988. 17 vols. (Igreja Metodista Unida) Calendário, 32, 52-59
Anabatistas. 29, 161, 170, 188-89, 198
TP Thankful Praise. St. Louis : CBP, 1987. (Igreja Cristã [Discípulos de Calvino, João, 119, 131, 144-45, 148-49,
Anglicano, culto, 29 161-62. 212, 221,236, 238
Cristo])
A n o cristão, 42-65 Cambridge, movimento de, 80
UMH United Methodist Hymnal. Nashville : United Methodist, 1989. (Igre- A p o l o g i a s , 116, 119, 187 Canónica, lei, 220-22
ja A r m ê n i a , 28, 98, 185 Cânticos, 126
Metodista Unida)
Arquitetura, 66-90, 201 Casamento. Veja Matrimônio
WB Worshipbook. Philadelphia: Westminster, 1972. (Igreja Presbiteria- A r t e litúrgica, 89-94 Casei, Odo, 18, 148, 199
na [EUA]) Atos-sinal, 131-144 Cassiano, 99
WBCP Book of Common Prayer for Use in the Church in Wales. Penarth Catecúmenos, 44, 115, 153, 157
Bach, J. S. 63, 103
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Barth, Karl, 170
WL Worship the Lord. Grand Rapids : Wm. B. Eerdmans, 1987. (Igreja Basílica, 75
Centros litúrgicos, 70, 72-81
Reformada na América) Cipriano, 96, 138, 181, 194
Basílio, 28, 99, 185
WS Word and Sacraments. Toronto : Board of Congregational Life, 1987. Circuncisão, 154
Batismo, 71-72, 76,114, 134, 138. 144, 147,
(Igreja Presbiteriana no Canadá) 153-174, 238, 241 Cirilo de Jerusalém, 43-44. 46, 159. 194
aspectos pastorais, 172-74 Coletas, 116
WW Worship for the Way. Toronto : Board of Congregational Life, 1988. de infantes. 156-57, 162, 169-70
(Igreja Presbiteriana no Canadá) história do. 153-65 Comissionamento, 205-06, 232-33,
modalidade do, 173-74 Common Lectionary, 57-58, 62
renovação do, 163-64, 174 Comum, tempo, 52, 54, 59
sentido do, 165-67
Comunhão, 192, 197
Batismo d o Senhor, 54, 59-60
Comunhão, primeira, 153, 160, 163, 171- Diversidade, 24-30 Gradual, 117 Liturgiologia, 35
72, 174 Dix, Gregory, 50, 178-79, 184, 190 Gráficos, recursos, 65 Livro de Oração Comum, 30-32, 104-05.
Comunidade, 151-52, 173, 205, 210, 233 119-20, 189, 190, 208, 213, 221-22, 237
Doentes. Veja Enfermos
Confirmação, 143, 153, 154-55, 158-64, Hinos, 33, 63, 88, 100, 105, 126, 241 Lombardo, Pedro. 139-40, 168, 209, 220-21
D o m i n g o , 41
168-70 H i p ó l i t o , 42, 96-97, 137, 157. 172, 180-84, Luterano, culto, 29, 146, 190
Donatistas. 138, 149 211, 226-27, 229-30, 234
Confissão, 117, 119-20, 128-29 Lutero, Martinho, 16, 33, 50,103, 118, 142-
Durando, Guilherme. 34, 228 Hispânico, 46,
Congregacional, canto, 86, 88-89 44, 161-62, 169, 173, 188, 197, 207-08.
Encomendação, 239-40 Hoon, Paul, 15, 18 217-18, 223, 229-30, 236, 238
Constância, 24, 30-36
Horas, liturgia das. Veja Liturgia das horas Lutheran Book ot Worship, 103-04, 119,
Constituição sobre a Sagrada Liturgia, Encontros em tendas, 122
164. 190, 208
18, 71-72, 78, 102, 123, 213, 222, 237 Enfermos, ministério para os, 203, 205, Hübmeier, Balthasar, 162
Constituições Apostólicas, 41, 47, 97 210-16 Luto, 238-39
Igreja da Inglaterra, 161-62,170,173, 217-
Contrato de casamento, 217, 221-22 Epiclese, 182-85, 200 Manuais de culto. Veja Culto, manuais de
18, 229
Coral, 71, 87, 129 Epifania, 47-49, 54 Igreja d o s I r m ã o s , 34, 212, 215 Martirológio, 32, 235
Cores litúrgicas, 64 Escatologia, 39, 201 Iluminismo, 145-46 Matinal, oração, 98-99, 104-06
Cranmer, Thomas, 104-05,120-21,198,213, Escolástica, 140-41, 195, 211, 222 Imposição das mãos, 226 Matrimônio, 144, 205, 216-25
236 Escritura no culto, 124, 126 Inácio, 40 Maurice, F. D., 24
Credo, 117-18, 126, 129, 158, 163, 188, 241 E s p a ç o , 66-94 Inculturação, 25-26 McArthur, A l l a n , 51-52
Crisóstomo, João, 26, 28, 41, 46, 48, 50, Espaços liúrgicos, 70-81
Iniciação cristã. VejaBatismo; Catecúmenos; Metodistas, 29, 30, 106, 121, 144, 164.208.
61, 97, 99, 159, 185
Espírito Santo, 166-67,193-94, 197-98,200, Comunhão, primeira; Confirmação 212. Veja também Wesley, John
Cristo Rei, 55, 59 226-27, 229
Instrumentos musicais, 86 Ministério, 226-33
Cristológicas, festas, 49-50, 56, 60-61 Espontaneidade, 30-31
Introdutório, rito. Veja Rito introdutório Missal, 35
Crosby, Fanny, 88, 122 Estandartes, 64, 93
Intróito, 115-16 Missal Romano, 123
Cullmann, Oscar, 171 Etéria, 43, 45, 98-99, 158
Ireneu, 167 Monástico, culto, 76-77, 98-100, 233
Culto Eucaristia, 114, 135, 143. 175-203 Moravos, 106-09
constância do, 30-36 h i s t o r i a d a , 176-91 Jeremias, Joachim, 171 M o r t e , 205, 233-41
da sinagoga. Veja Sinagoga, culto da instituição da, 178-92
definições de, 14-19, 68 Jerusalém, 43, 45, 98 Movimento Litúrgico, 147
prática da, 201-03
diversidade do, 24-30 teologia da, 192-201 João Batista, 154 Mulheres, 24-25, 30, 106, 142, 158, 207,
fenômeno do. Veja Fenômeno d o culto Judaico, culto. 41-42, 53, 96, 112-14, 133-
Eucarística, oração, 182-85,188,190-91 219, 222, 232
judaico. Veja Judaico, culto 34, 154, 176-77, 192, 206, 216
luterano. Veja Luterano, culto Eusébio, 97 Música, 35, 62,83-89, 10OO1,105,128-29, 224
manuais de, 30-36 Justiça, 24-25
Evangelização, 172
monástico. Veja Monástico, culto Justino Mártir, 40,114,155,167,181,193, Natal, 48-49, 54
protestante. Veja Protestante, culto Ex opere operato, 138, 142, 146, 149
203, 214 N e g r o s , 24, 30
reformado. Veja Reformado, culto Extrema-unção, 211
termos-chave, 19-24 Nissiotis, Nicos, 17
Kingdomtide, 51
Fala(r), 69-70, 84-85, 95-96
Cura, 204, 210-16 K y r i e , 116, 120-21 Ocasionais, ofícios, 204-41
Familiar, culto, 106-07, 177 matrimônio, 216-25
Dança, 85, 88-89 Famílias litúrgicas. Veja Litúrgicas, fa- Lava-pés, 46, 179 ministério para os doentes, 210-16
Decreto para os A r m ê n i o s , 140, 168, 209, mílias Lecionário, 35, 60-62, 125 ordenação, 226-32
221, 230 Fenômeno do culto, 12-14 profissão religiosa, 232-33
"Liturgia", termo. 20
reconciliação, 206-10
Devocionários, 100 Florovsky, George, 17-18 Liturgia das horas, 34, 98-102 sepultamento cristão, 233-34
Devoções, 22 Fronteira, tradição da, 29, 122 Litúrgicas, famílias, 26-28, 185 Oferenda, 129
Diácono, 227 Funeral, 233-41 Litúrgicas, tradições, 28-29 Ofício
Diário, ofício, 76-78 Litúrgico. Movimento. Veja Movimento Li- d o povo, 97, 100, 102, 109
Gálico, rito, 28, 186 dos mortos, 100. 235-36
Didaqué, 4041,155-57,181,184,194, 226 túrgico
Gloria in excelsis, 116, 120-21
Bibliografia Introdução ao Culto Cristão

Ofícios ocasionais. Veja Ocasionais, ofícios Presbítero, 227 e m geral, 131-52 Tempo
Oração, 62, 125 Presença, 193-96 instituição dos, 134-35, 140, 143-44 estrutura do, 38-65
de gratidão, 112-13, 120, 125, 128 natureza dos, 171 sentido do, 37-38
Profissão religiosa, 205, 232-33
de súplica, 113 número dos, 137, 139-41, 142-43, 149 Tempo comum. Veja Comum, tempo
extempore, 127 Próprios, elementos, 56-65 termo n y s t e r i o n , 136-37
intercessória, 114-15, 120, 125, 128- Temporal, ciclo, 49
Protestante, culto, 28-30 Sacrifício, 176, 192-94, 195-9?, 199-200
29, 215 Tertuliano, 47, 49. 96, 136, 157, 207, 214,
matinal. Veja Matinal, oração Protestantes, igrejas. 78-81 Salmos, 32, 62, 88, 98-102, 104, 125-26, 128
220. 234
pastoral, 128-29 Púlpito, 72 Sanctus, 182-86, 188
preocupações práticas, 109-10 Tillich, Paul. 90
Puritanos, 29, 103, 119, 132, 161-62, 190, Santa, semana. Veja Semana santa
privada, 108 Tradição Apostólica. Veja Hipólito
pública diária, 95-110 208. 218, 222. 236 Santo, Espírito. Veja Espirito Santo
T r a d i ç õ e s litúrgicas. Veja Litúrgicas, tra-
teologia da, 107-08 Santoral, ciclo, 49
Quacres, 24, 29, 31, 70-71, 80, 84, 89, 106, dições
Ordem do culto, 127-28 111, 121, 142, 162, 189, 228 Santos, dia dos, 49-50 Transfiguração, 55, 59
Ordenação, 144, 205, 226-32 Quaresma, 44, 48, 55, 163 Schillebeeekx, Edward, 148 Transignificação, 199
Order of Christian Funerais, 237 Quarta-Feira de Cinzas, 44, 147, 208 Semana santa, 44-46 Transubstanciação, 144, 196-97
Ordinal, 34 Quartodecimana, controvérsia, 43 Sepultamento cristão, 205, 233-41 Trento. Concílio de, 143, 160-61
Ordinários, elementos, 56 Quiñones. Francisco de, 101, 104 Serapião, 184, 211, 234 Triduo pascal. 46-47
Ortodoxas, igrejas, 76, 89, 217 S e r m ã o , 63-64
R a m o s , D o m i n g o de. Veja Paixão, Domin- Última ceia, 177-78
Ósculo da paz, 181, 234 g o da Símbolos visuais, 65, 91-93
Unção, 154-55, 158-59, 174, 210-12
Reavivamentismo, 80, 122-23 Sinagoga, culto da, 111-14, 130, 176 Underhill. Evelyn. 16, 23
P a i x ã o , D o m i n g o da, 43, 62
Reconciliação, 204, 206-11, 214 Sinal United Methodist Hymnal, 128, 16" 191,
Palavra falada, 95-96, 111-30 atos-. Veja Atos-sinal
Reforma, 35 219, 237
Parsch, Pius, 53 valor de, 132, 147, 173, 202, 214
Pascal, mistério, 18-19 R e f o r m a d o , culto. 29. Veja também Pres- Síria, ritos da Vésperas, 98-100, 104-05
biterianos ocidental, 28, 185-86
Pascal, vigília, 44. 62, 159 Vestimentas, 93-94
Regeneração, 166, 170 oriental, 28, 185
Páscoa, 44-46, 55, 62, 158-59, 207, 237 Visuais, elementos, 64
Reserva, 182, 214 Solenidades, 52, 60
Pastoral, assistência, 141-43
Reunião, 128 Wesley, John, 51, 144. 161, 170, 180, 189,
Paz, gesto da, 70 Taft, Robert, 98-102
Rito 198-99, 209. 218, 236
Penitenciais, elementos, 116, 118-19, 122- bizantino. 28. 185 Televisão, culto pela, 122
Westminster Directory, 51, 119, 189, 236
23, 128 introdutório, 115-16 Templo, 176
Pentecostais, 30-31. 189, 200 romano, 28 Zwinglio, Ulrico, 103, 145, 169-70, 188-89,
Pentecostes, 46-47, 59, 122 Rites, 163, 208, 213, 227, 233 197-98

Pietismo, 106 Rito de Iniciação Cristã dos Adultos, 163,172


Pio X. 17 Ritos alexandrinos, 28,184
Pio XII, 17. 45 Ritual, 23, 33-34
Pontifical, 34-35, 227-28 Romano, rito. Veja R i t o romano
Pontifical Romano, 227-28 Rouault, Georges, 90, 92
P o v o , ofício do. Veja Ofício do povo Sacramental, 142
Prédica. Veja S e r m ã o espaço, 68-69
Prefácio, 183-85 teologia, 131-52
Sacramentário, 33-34, 116, 186, 227
P r e g a ç ã o , 123-25
teologia da, 124-33 Sacramentos, 131-241
como autodoação de Deus. 150-52
Preparatório, rito, 117
Cristo como primordial, 134-35
Presbiterianos, 106, 120-21, 191, 237 da antiga aliança, 140
INTRODUÇÃO AO
CULTO
CRISTÃO

N este manual, James F. White reconstitui o desenvolvimento


histórico e descreve as práticas atuais das principais formas
do culto cristão, fazendo referência aos materiais litúrgicos de
diversas igrejas e tradições. Trata-se, portanto, de uma obra com
caráter eminentemente ecumênico. Por isso, foi adotada como
manual de ensino por muitas escolas de Teologia ortodoxas, ca-
tólicas romanas e protestantes no mundo de fala inglesa. Pela
mesma razão, esta introdução abrangente e equilibrada é rele-
vante também para o público de língua portuguesa.

O s principais temas abordados a partir de uma perspectiva ao


mesmo tempo histórica, teológica e pastoral são: tempo, es-
paço, oração pública diária, liturgia da Palavra, sacramentos em
geral, batismo, eucaristia e jornadas e passagens da vida cristã. O
livro contém ainda definições dos termos técnicos usados no es-
tudo e na prática do culto cristão.

James F. Whitê

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