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RESUMO
O presente trabalho propõe o estudo do conto O batizado, de Cuti. O referido conto faz parte da
coletânea Cadernos Negros: Os melhores Contos, publicada em1998. Neste sentido, a proposta do
trabalho busca historicizar o surgimento dos Cadernos Negros, bem como, a sua importância no
cenário literário, com ênfase na literatura afro-brasileira. Além disso, procuramos demarcar no conto,
a alienação de alguns personagens diante da sua negação como ser negro e de sua identidade cultural,
tendo como aporte teórico, as concepções de Frantz Fanon sobre mascaramento da raça e de Kabengel
e Munanga sobre a identidade negra, dentre outros.
ABSTRACT
This paper presents a study of the story The baptized by Cuti. The abovestoryis part of the collection
Cadernos Negros: Os melhores Contos, published in 1998. In this sense, the proposed work aims to
historicize the emergence of Cadernos Negros, as well asits importance in thel iterary scene, with an
emphasis on literature african-Brazilian. In addition, we demarcate the tale, the alienation of some
characters before his denial as being black and of their cultural identity, having as theoretical, the
concepts of Frantz Fanon on race and masking Kabengel e Munanga about black identity among
others.
1 INTRODUÇÃO
A primeira edição dos Cadernos Negros foi em 1978. Como assinala Aline Costa,
em seu texto Um pouco de História de Cadernos Negros-período de 1978 a 2008, publicado
no volume especial Cadernos Negros Três Décadas e que versa sobre a criação e a luta para a
sustentação da série Cadernos Negros, o Brasil estava experimentando nas décadas passadas
as agruras da ditadura militar e nesse ano em questão, muitas mudanças estavam acontecendo,
tais como, a suspensão do AI-5 pelo presidente Ernesto Geisel, as eleições e a reconstrução e
mobilização política e ideológica dos sindicatos e movimentos estudantis, além de ser um ano
marcante para os movimentos negros por demarcar os noventa anos de assinatura da Lei
Áurea.
A publicação surgiu da necessidade de colocar o negro em um patamar de
visibilidade, torná-lo protagonista da sua própria história. No projeto inicial, os escritores
Luiz Silva (Cuti), Hugo Ferreira, Henrique Cunha Jr., Ângela Lopes Galvão, Eduardo de
*
Mestre em Letras pela UESPI. Professora efetiva de Língua Portuguesa- IFPI-Campus Parnaíba. E-mail:
hannah.isabel@ifpi.edu.br
Revista Somma | Teresina, v.2, n.2, p.135-143, jul./dez. 2016
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Observa-se, também, nesse conto, uma tensão advinda das questões que envolvem
atos preconceituosos. O conto mostra a discordância, a falta de harmonia e consenso de uma
família durante uma festa de batizado. Paulino, filho de dona Isaltina e Belmiro é o elemento
responsável por isso, seu irmão, Tico e sua cunhada, Zuleica, festejam o batismo de Luizinho.
Nesse acontecimento, que reúne várias pessoas da família e do bairro, o protagonista, que é
responsável por coordenar movimentos em prol dos negros, expõe sua revolta pelo fato de que
sua própria família não adere às causas de sua cor.
Paulino começa a tomar contato com os ideais da população negra, e tenta de
alguma forma chamar a atenção de sua família em prol dessa causa. Dentro desse contexto, no
batizado de seu sobrinho, que se chama Luizinho, e que terá padrinhos brancos, ele tenta fazer
com que seus parentes negros percebam a perda da identificação cultural deles com a
população e com a cultura negra.
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Na família representada pelo conto de Cuti, escolher um nome que não é africano,
colocar como padrinhos do menino negro um casal de brancos, distanciar-se da cultura e dos
traços religiosos africanos é valorar como mais importante a aproximação com a cultura dos
brancos e com aquilo que eles consideram como sendo virtudes, o que Paulinho considera
como sendo uma profunda alienação e contradição. Essa, então, passa a ser a temática do
texto, de um lado, negros que se esforçam para preservar suas raízes; de outro, aqueles que
aceitam a sua condição de inferioridade, auto discriminando-se.
Frantz Fanon, no seu mundialmente lido Pele negra, máscaras brancas (2008)
considera que o negro não se aceita como indivíduo negro e muitas vezes se reveste dos
hábitos, dos modos de vida e da absorção cultural dos brancos para ser aceito e para diminuir
um sentimento de inferiorização que o consome. Vejamos o que ele afirma sobre essas
questões:
e argumentam que ele iniciou essas ideias relacionadas à raça, depois de começar a namorar
uma “negrinha”.
Dona Isaltina desaprova e sente vergonha do comportamento do filho no batizado.
Na tentativa de apontar justificativas para seu comportamento diferente do restante da família,
culpa sua nova namorada, “não anda bom não era revoltado desse jeito deve ser coisa daquela
negrinha metida depois de conhecer ela mudou da água pro vinho [...]” (CUTI, 1998, p. 44).
O vocábulo “negrinha” é utilizado em um sentido pejorativo, um enunciado carregado de
preconceito. Percebe-se claramente o desprezo de um negro que vem de outro negro, algo que
demonstra a falta de união, mas principalmente de compreensão e entendimento de seus
próprios anseios.
A família não percebe que os argumentos de Paulinho têm grande fundamento,
pois entre eles, há uma profunda ausência da consciência da identidade cultural negra, eles
mesmos configuram-se como pessoas preconceituosas e racistas, e não se reconhecem como
tais, estão envoltos em um processo de alienação que os impedem de se identificarem também
como negros.
Corroborando com isso, Kabengel e Munanga, no seu livro intitulado Negritude:
usos e sentidos (2012, p.11) assinala que:
D. Isaltina, Belmiro, Joana, Tico e Paulino são de uma mesma família, unidos
pelos mesmos laços de sangue, pertencentes a um mesmo grupo étnico, mas que não
compartilham os mesmos ideais. A família de Paulino é uma alegoria para a representação da
comunidade negra, que em alguns casos, vem se distanciando de suas raízes e se deixando
dominar pelos valores ideológicos dos brancos.
A censura a Paulino, também vem de seu pai, Belmiro, que discordando e de certo
modo, desconhecendo as atitudes do filho, deseja intervir, até mesmo usando a força física,
como pode ser percebido no trecho a seguir:“___ Tico, sai da frente, filho. Eu preciso dar uma
lição nesse moleque. Sai, Tico, ou eu não respondo por mim__ Belmiro tem as mãos trêmulas,
os olhos turvos”.(CUTI, 1998, p.47).
O patriarca assume essa posição contrária ao filho, Paulino, em benefício da
harmonia da festa oferecida por Tico e Zuleica e da aprovação das pessoas que ali se
encontram. Pelo texto, percebe-se que o senhor se preocupa menos com a festa e mais com a
imagem de sua família, com aquilo que os outros iriam pensar, principalmente, os padrinhos
brancos de Luizinho.
O primeiro neto sendo festejado, depois de um batismo cheio de
cumprimentos, respeito, orgulho... Não! O Paulino com a conversa de seu
movimento não pode estragar a festa não vai me tirar do sério se conseguir
será de uma vez por todas ainda sou o chefe da casa se não tiver bem com a
família vai então morar lá com seu movimento fala fala fala em prol da raça
e agora quer estragar tudo dar show pra essa gente branca ver... não...
(CUTI, 1998, p. 41, grifo nosso).
Por não aceitar o gesto do filho, Belmiro deixa implícito não admitir
manifestações de defesa de sua raça, ele considera que Paulino está em um movimento que
não o representa, pela expressão “conversa de seu movimento”, deixa transparecer a não
identificação com os ideais do filho.
Com isso, perpassa-se que a ideologia branca sufoca a identidade deum segmento
populacional marcado pelo estigma de sua cor e pelas inúmeras situações de violência e
preconceito que historicamente sofreram, tem-se a impressão de que o sr. Belmiro já está
habituado com a situação de inferioridade e não considera útil uma luta pela valorização de
sua cultura e por aquilo que representa ser negro.
No conto, Paulino mostra ser um rapaz engajado no movimento negro de
aceitação e de luta contra o preconceito, pelo seu discurso ele se articula politicamente como
um ser consciente das mazelas, das quais tradicionalmente seu povo foi vítima, e que busca se
auto- reconhecer como cidadão, brasileiro e negro. Ainda não tinha conseguido entrar na
universidade, fato este, que é colocado por seu irmão Tico, como sendo o causador de seu
comportamento inesperado. ‘[...] o Lino anda só entusiasmado não é um cara ruim é preciso
entendê-lo a gente em época de vestibular fica assim mesmo tá certo ele faz mal de misturar
tanto estudo com esse negócio de raça [...]’ (CUTI, 1998, p. 45).
Paulino aceitava-se como negro e mais do que isso, ele não era alienado, sabia
perfeitamente que situações de preconceitos e de violência seu sobrinho iria ser submetido por
toda a vida, esperava somente, que sua identidade cultural também fosse reconhecida como
diferente e importante como a dos brancos.
Kabengel e Munanga (2012, p.43) reflete sobre a recusa que o negro demonstra
em muitas situações contra a assimilação da cultura e dos bens do branco em detrimento da do
negro. Diz ele:
Aceitando-se, o negro afirma-se cultural, moral, física e psiquicamente. Ele
se reivindica com paixão, a mesma que o fazia admirar e assimilar o branco.
Ele assumirá a cor negada e verá nela traços de beleza e de feiura como
qualquer ser humano “normal”.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BROOKSHAW, David. Raça e cor na literatura brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1983.
CUTI. O batizado. In: Cadernos Negros: Os melhores Contos. São Paulo: Quilombhoje,
1998.