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Antes...
-E por que falaste tanto? Leves já mais macetes dessa velharia antes que o
demônio da floresta te kutuke como caça de iaguaras! -.
“Por Deus pô! Num tinha que tá nessa maracutaia não! Tudo dos ricos ali em
cima, né? Já nós aqui, por literal suburbano! Só num tem esgoto porque ainda num tem
cano bom aqui não! Inda bem... Ou nem tanto!” Pensava.
Transitei-me por cada esverdeado escuro: Num batia sol em nenhuma inajá. Os
tatus já se escondiam só por minha tímida manifesta. E num encerrava-se bondade
nisso, pois é de sucuié que trota o cervo.
Intriguei-me. Por ambiente coletivo acima de mim, por que há de tanto me
solitária? Atirei-me em poça d’água, com batuta sobre os guaranás mortos, olhei-me
torta e retumbante: Não sabia de que espelho d’água eu iria pertencer-me. A chuva
pairava em atonalismo sobre o chão concreto das avenidas que se construíam sobre as
árvores intactas.
Gotas... Meu cabelo molhava-se. Tímido, mas molhava... Incessante pata sobre
pata por cada hora. Cansada e suja. Umedecia os meus lábios com as gotas da
concretagem acima de mim. O sol, penumbra, atirava-me ofuscações prisionais de uma
hora de duração, sobre a minha condensação locadora. Emprestei o meu corpo diante da
esperança – E dormi quando sumia...
O sono? Sonho num se acontece, nem se entrevem. Mas por cada milímetro do
platonismo, me recusava reduzir-me ao mundo das ideias. E encerrava-me num desejo
iru, contando tudinho aos meus colegas de biblioteca. Mas se em atual, o abá trotar,
esticadas seriam as tomadas de inexistência: Fraca, restar-me-ia cantar as alucinações
pretas. Num teria nem pontos pelo que dizer...
É, um empurrãozinho... Empurrãozinho... Kutuk de ave? Ou dum matutem? Ou
boiar sobre os tempos a se cair sobre nenhum lago além da cama plumagem? Trote em
mim: Levantei-me peste, sem morubixaba mandar. Me rodopiei. Segura na testa, um
estalo de dedos peludos, recaí à terra. Fitada sobre mim, assim eu já estava temerária:
Um cervo. Demônio. Capeta branco, difusão. Era Anhangá, monhangaba de crianças
naturais, assim muito se gabando das membyras de si.
-Err... O que diz? Oh... Estou ferradinha! Má como me fucei de tá aqui? O cervo
acha que sou abá, mas num caço não! – Metia-me medrosa...
-E-nhemokyriri! N’oabanheengakuaby-pe? MOXY! MOXY! – Enfurecia-se.
Certo... Com voz forte e cervo nada veado, até eu ficava assim, mó trem. Má tem
açoite em mim! Fala que num entendo nada! E o cervo calamidades, de vômito
inconstante! Confófô, num escuto vô! Ai de sapeca essas línguas, porra!
Você acreditaria num monge flutuando? Acho que não, sô. Má me levantou!
Num tem Jesus em cima de água não! É capetismo mesmo! Estava flutuando, oxê!
Tacou-me umas guaranias, acho! GUARANIAS! Ou seria isso corruptela dum tupi-
guarani que num existe, já que tupi é tupi, guarani é guarani?
Má que seja! O diabão me deixou sem pisar nos matos. Será que o capeta
levantando, é de pecado pra se viajar por paraíso? Num tem trem pra isso, não. Num dá
pra veintá umas trotadas sem fala mansa. Anhangá, timbaleando batuque, registrou
linguagens universais de canto... E nenhum invento não, mas tudo vira Gramática
Universal, inatismo de colheita palavral, léxico. Me fodi!
-Ixé nde aimomburu nde tekokuabe’yma suí! Kurupira resé ndé posuasubarama
ereabanheengakuaby suí nde kuaba osykyié ypyrunga irunamo! Nheengatu,
Nheengayba, opab ereikuab! -.
E num trote só, o cervo branquelo me fez rogada e fúlgida. Libela Iara, senhora
d’água estuprada, num canto incompreensível e abraço inimigo. Boitatá, queimador de
floresta, significante queimador de olhos. Sumé, de kuabá vindouro, ofícios de
sobrevivência pelo que aprender. Boiuna, virador de ygaras, ao fundo do rio petrolífero
se aguar de gasolina solidão. E por todas as eletrônicas quânticas, se refulgia tudo que
se pudesse compreender. Nasci-me, então, toda vista de qualquer letra...
-Agora, duma letra por letra, te faço entenderes-me! Entendes-me? Agora tens
fala de índio? -.
E sim. Fala agora sei. Sabiá, canto centelho, o agudo e grave posso lamentar do
teu choro, alinhado com as lágrimas do rio daquela senhora. E entendi... Aliterações
dum desespero contra homens... De cegar a quem lhe temes... Conhecer num traz
felicidade não, mas tentei por Tupã e num deu certo... Virei barcos a vapor, que me
escureceram com tanta tinta preta de homem.
Num entendi direito essa última, não. Mas também... Sumiu tudo resposta.
Anhangá! Raio que o parta! E de xingo, revirou-se literal: Abrupto trovão de Tupã,
clarão comparável a queimada. Sumiço de Anhangá por sequência...
Cabaré, cambada me roubou os livros! Macunaímas! Há... Como sonho por
algum Curupira devorá-los... Malandraram no meu tempo de maldição! Mas por cada
Sapopemba ofuscante, me avanço errante. Iaguaras, Sucuris, Cobras, demônios de
floresta, madeireiros... Por que morder lábios pra um possível, né?
E por partir pras matas de nenhum lugar, pude encerrar-me em qualquer local,
menos num imaginado: Vasto pasto de caipira. Desmatada e estuprada, a terra me
desolou uma tristeza: Com gramática universal minha, dada por Anhangá, pressenti as
grandes promessas tecnólogas. E todas elas, encerraram-se em artificialismo terreno.
Viraram capim de bode, de arraia vomitando alfaces.
-Num tem pra mim aguentar isso não, Anhangá. Por que ei de sofrer por essa
terra? – Perguntei a mim mesma, solitária.
Andei entre milho e alface, mas uns tempos muito longos de duas horas entre
plantadas me cansaram por monocultura da homogeneidade. Nesta terra... Reflete-se
alma medíocre de únicos tons tão separados, nada juntinhos? Cabanada, índio e negro
expulsos, além do que num se soma em alma medíocre.
Ao longe, já entre laranjeiras, despenhou-me um achado: Brilho pretinho de
longe. Corri. Como apressada juventude, me joguei-me em acidentada tropeça. Caí.
Arrasto pelo chão, como arrasto de defunto desonrado. Insólita, revirei-me e, por sem-
marcha para trás, deparei-me em sintonia de outra linguagem: Um bebê de chumbo na
testa. Três-oitão estava do ladinho dele, sereno. A arma tinha mais fumaça e significante
que o defunto de criança.
Num tinha muito que falar, né? Má... De choro neném, vinham-me confusões de
tudo que a alma suicida se acidenta: Choro por pai, o semeador de sua existência. Oxê!
Pobre dum pequeninho numa alma atravessadora de gente, que num pode ficar em
frente de pai chibatado, de levar chibatada por ele. Num dá pra ele fazer isso, não.
E por segunda surpresa, o menininho se fazia de tristura. Para si, lhe
circuncidava garrote dos ignorantes, donde se entreabria de incerta patinagem sobre
linchamentos atrapalhados. E por cada equívoco, se doía em aliterações das letras dum
chicote sobre pele.
Em quebra de silêncio de espírito, amaldiçoou mútuo a todos, mas ninguém a lhe
ouvir:
-Meu papai! Deixem o meu papai! E por que ignoram mim? Num pensem ele
não: Me pensem! Justiça de cês é errada! Pensam si mesmos só atiça! – Berrava em seu
choro, que se traduzia em típica fome por leite de mãe.
Dum cada passo que o bebê dava de quatro, vinha duas em dois pês. E de pouco
que vinha com quatro ou sete em dois pés, de tintino em tintino se andava como gente.
Se apoiava em tudo quanto é beirada, dos móveis, das pernas, da mutilada alma do pai
ali, meio largada entre pernas de escravo. Chegava ali e se apoiava tímido.
De vez em vez, alicerça-se maracutaia com chupeta? Pois num cada passo
indireto, o paço se desvairava com armas. Ao chão, do único ali que não se ouvia a não
ser pela programadora, colava em testa de bebê a sua marca de pedinte. Pois... Por que
em papais se bate se num tem lamentar por mim ninguém mais? Cês vão ao velório
meu? Defunto meu se vira em pasto? Justiça idiota... Idiota... Pois tudo batem, e
ninguém me vê, nem chora pra mim.
Mas... E do que se propriamente vive uma programadora, senão de jogar as
regras dum mundo em sua máquina de existir? Pois... Cientista da computação não tá
mais ficando ali não. Já num aguentava choro dos ninguéns.
Mas... Num foi isso em vão, não: Se vira, em si mesma, por muito ver adulto
nenhum a ver criança, a programar o adúltero tornar-se criança. E justiça num será mais
de homem, mas de coisa maior!
E de sua gramática universal, sua arma virgem, bateu na porta e saiu por fronte
ao arraial. E reta, se guiou ao sudeste de Socioma, para Leidorio.
Caminhava... Caminhava... Mas por onde é Leidorio? Que se faz dessa capital?
Por pegar trem, seja em espera de subir, seja pela esperar de descer, eu vos
contarei, meus leitores: De grande capital, Leidorio tem muito das grandes máquinas.
Para onde possa trazer-me mais linguista, desse urbanismo eu me terei completa por
tudo fazer, para todas as máquinas se fazerem mais homens que chibatadas, elas vendo
mais crianças que armas.
Impasse... Olhar por janela de trem faz-me praticar árvores sintáticas: Das
bapevas passando subitamente, me colocava entre sintagmas sem núcleos. Os homens
num tem árvore no coração... Será que é por isso que eles não tem núcleos? Acho que
nem mesmo sintagmas são...
E nos rios, diversas das veias da terra brasílica, eu escutava morfemas se caindo
em cachoeiras. Mas tinham menos onomatopeia que todos os choros dos subnutridos,
que em cada estação pelo que o trem passava, menos escutava os seus ruídos. E menos
me atrapalhavam para encontrar o meu destino, minha fala completa, pois assim somos:
Os ruídos são sintagmas completas, belas, que ficam na cabeça e nunca vão pra
consciência. Mensagem subliminar que se fracassa de seu marketing, de homem
suplicar por homem.
E de leitores atentos, que passaram por todas essas híbridas desenvolturas do
enredo, agora hei de se esclarecerem: Programadora sou. Mas por hoje me insiro sobre
nenhuma sintaxe de nível dois: Estou me realocando, me ignorando daquilo que fui.
Sinto língua maior, que num vejo e nem entendo, mas posso tudo agora apressar acima
de aquisição linguística de criança. Os meus alomorfes não se aliteram nos erros!
Leidorio... Terra grande, grande mesmo. Metrópole farta, suja, e tão barroca de
bela... Por onde tirarei máquinas de compreender homens, pois é deste livro que reside
minha ficção científica: Da minha ciência linguística, farei máquinas de eterna
gramática universal. E por elas, se existirá sempre a quem se desabafar e elas nunca
ignorarão. E por ouvidos eternos de acuidade, se verão sempre escutando todos e nunca
ruído de carros lhes atrapalharão. Em olhos grandes, sem cor, conseguirão sempre
distinguir toda cor, todo santo e todo vitral de igreja, e nunca lhes falharão em traduzir
pra linguagem de gente.
Ahhh... E por este trem, no traço certo para chegar à musseque branca, ouvi-me
por mãe repreender a filha, por esta se portar mal em sua língua:
E por fim...
-...E o sábio cágado, diante dos risos, disse: Leão que do alheio se retém/Joga ao
mal/Vitória do bem/Tire do Leão/Dê à corça! -.
Tornou-se assim:
É... De nada muito mudou, não. Mas em visualizações mundiais, só nisso, deu-se
em qualidade de fascinação. Risada, choro, palpitação... E se tudo dá em bom, ou ruim,
então que aconteçam mais outras. Estratégia conversacional: Exaltação, criação de
expectativa, direcionamento dos expectadores à solução final. E assim, Griô continua
em coletiva harmonia, em oral que já espalhava-se.
Assim... Tornava-me plena de minha configuração programadora: Já
transformava humanos em computadores de minha posse. Estuprando ou construindo as
gramáticas universais, já se sobressaía ambição pela máquina compreensiva ainda mais
completa. Tão perfeita que nenhum homem será solitário de palavra e os dialetos se
salvarão das normas!
E... Mesmo que devesse explorar o trem, ignoro: O comboio parou em estação.
Da janela, presenciei tediosa as movimentações. De cada cabeça, via um universo de
letras e muitas dessas mentes, livros não aprendidos. O computador homem nem era
mais tão grande de sentimento: Muitos se faziam quase computadores solidões. O
arquivo memorando era pequeno, com os saberes já reduzidos a cartões de visita. Numa
ponte entre duas pessoas, via seus diálogos e as letras passarem entre ambas. E nas
brigas, havia um rodízio onde alguém não tinha dinheiro e o outro também não, mas um
deles iria pagar o rodízio do conhecimento. Diálogo capitalista era, meus leitores,
comum entre os que queriam vencer uma discussão.
Num outro momento, com o trem já de saída, peguei-me em devaneio sobre o
meu passado: Num era daquelas meninas bonitas. O meu significante num dava
fascinação. Eu era o tipo “Da Silva”, enquanto as mais bonitas sempre se vinham de
algum tal de “Casagrande Vilalva” ou “Jefferson Stark” e até mesmo “Vidate Nadinna”.
E se os leitores estranharem essas mudanças de letradas, saibam que é de minha
arrogância assim fazer por essa narrativa: Quero registrar o momento de minha
gramática pessoal, intransferível. Má num se vejam de fúria de onça, tá? Xe não faço
preconceito. Sou a dona da Gramática Universal e falo tal como amonhang!
Mas... Quando estava nessa época de ensino médio, por justamente vir de algum
“Da Silva”, não era zombada, mas ninguém ligava pra mim. Não se dá pra dizer que ser
ninguém é de bom agouro: Ignorância de mim é pior que o ódio, pois da ignorância me
reduzo, me fragilizo em solidão. O coração odiado ainda tem um coletivo por quem
existir.
E se sou simplista... Sim, sou simplista. Sou nada. Essa narrativa é um nada, na
verdade. Não se enfureçam por tanto reducionismo de não adiantar logo a história. Não
se pode apressar os grandes feitos, as peripécias e os finais destruídos. Não tenho alma
pelo que sofrer. Por minha programação, não se encontra as fortes dores dos homens. E
assim, minha sintaxe se perde em cada mente que me transito.
Mesmo adulta, já depois de tanto parir sangue todos os meses, minha sintaxe não
estava exatamente em minha boca: Já se alastrava pelo vácuo do meu conhecimento.
Não havia posição política que pudesse me alocar. E assim se vive cada homem
programado: A sintaxe de sua toca, de tudo que pode viver com outros homens, se
amostra experimental, mas sem teste. Nenhuma tentada, mas sempre aprendendo as
novas. E por isso, mediocriza. Intromete-se víbora sem veneno, mancando. Sintaxe,
sente em si um egoísmo de posicionamento. Sintaxe ou eu sinto, em Tupi?
E alguns de meus leitores, já impacientes, não se conterão em inevitável questão:
Pelo que eu faço essa narrativa? Por que dela existir? Bom... As palavras não nascem de
boca desvairada, darwinismo linguístico. De cada inato sentimento, venho, tal como
palavras gerativistas, tomar-me arrogante de contar a história dessa era. E o que era
antes uma grande Socioma, agora já era linguística. E era, por anterior, uma
normatividade destruída. Conto a linguística que já foi...
Não faço mistério, não: Conto-lhes pelo vômito já mastigado, pela informação
fácil. Mas será que tudo poderão digerir? Aqui ficas a tua dica...
E... Infância... Demorei em fala: Cinco anos a partir de meu nascimento. Nem
num instante de morte, quando quase caí na lama e quase morri, me veio palavra de
socorro. Mas num é de socorro que vive a língua, de acordo com os tenros
conhecimentos que adquiri do demônio da floresta.
Nas entranhas desse conhecer, há do demônio me dizer, por oralidade folclórica,
que minhas terras eram férteis por própria natureza. Manifestava-se florescente, mas
virgem. E é dessa terra linguística que se brota a árvore sintática de nossas vidas:
Hierarquia de nossas prioridades, nossas falas aos outros, nossas automatizações do ser.
Robô homem num é, se achares que estava a falar nesse sentido de
automatização. Mas o homem se fascina por engrenagem, há se fascina! De vez em vez,
pelas desenvolvidas línguas, o bebê que adquiriu língua tornará a não mais se lembrar
de alguma outra, pois essas terras férteis endurecem após certa idade.
E em minha idade ingênua, de cinco a dez anos, me entreabria pra tentar falar
com outras crianças, sem sucesso. Minha gramática, limitada solidão, num me permitia
privacidade, mas também num me permitia ímpeto sem voz. E por vagar tanto em lugar
algum, enclausurei-me num computador por quase... Até agora.
É do computador que vivemos em linguagem limitada, da gramática de nível
dois e três. É dela que extraímos muitas sentenças, muitas possibilidades despercebidas.
Mas nenhuma delas se vive em nosso mundo e por isso, o computador se fracassa em
seu humanismo. Mas há de eu mudar isso tudo...
Pararam pra imaginar por que eu estou indo à cidade? Uma máquina de
compreender homens não se faz com gramáticas limitadas: Preciso achar o cientista
Alberto de Nadita. E conseguindo um meio de acessar o computador quântico, eu hei de
alcançar a programação máxima, numa gramática abrangente. Programar tal como nós
programamos dentro de nossas existências... E assim, humanizo a própria máquina.
Mas como o trem ainda está longe da capital, hei de contar-lhes mais detalhes
sobre o projeto e algumas curiosidades. Por acaso... Alguns de vocês questionam
pequenas coisas? Como por exemplo... Como essa mulher feia entrou num trem que só
rico há de entrar? Simples: Quando num se tem coisa alguma e outros tem coisa demais,
o recalque bate mais alto na gente e entra pelo cu. Num tem sociologia moral, de
pressupor o homem contido, que se enalteçam as fomes mesmo diante de tantos
abundantes: Ser humano é recalque por inatismo. Sem delinear, num existe violência
que se desanime por contenção. É de quase fazer revolta em vocês, eu sei. Mas a
porrada em alheios, retirada abrupta em desapego por força, num se apazigua em mais
pomposidade de rico contra pobre.
Recalquismo meu, sim, já pulei à frente de homem moreno, má ou menos alto,
com pinta de boiola castrado (Num se aborreçam com esses termos. Num tem
preconceito que eu consiga curar de mim, pois sou humana... Desculpem). E parecia um
poste. Em bater em ponto, pra agora subir ao trem, meu desespero assolou e de meus
instintos, surgiu-se linguística de análise de discurso.
-Má num arreda pra lá não, senhô! Já viste que tua calça é curta demais? -.
-Por que falas de tamanho de minha calça? – Questionava, impaciente.
-Porque tu tá aparecendo das meias, sô! Num tem de se envergonhar por
insolência? – Dizia, como uma mãe coruja.
-Tá... Tá, acho que meias não dão boa pinta... Acho... – Olhava pra baixo,
distraído.
Com uma safadeza rápida, peguei-lhe o bilhete num instantinho. Estava no bolso
de trás. De pingos sobre chão, rasteei-me até o trem pra entrar, enquanto o homem ainda
arrumava as calças. Aliás, trem partiu e nem mesmo embarcou.
Má... Num tem trem que me coisa não, sô! Já num me vivo de vereda direito,
quiçá de coisificar homens.
Trombada sobre alheios de mim, da pessoa ao lado. Num dava gosto de ver
bizoiada cretina, má num dá pra fazer muita coisa com isso a não ser um desculpa e tal.
Num achem que estou a falar à toa dessa trombadinha que deu agora: É que quando vem
a raiva, vem as insinuações de nossas almas. Ela fica trotando na kanga, berrando.
Teimosia por tintim de nada, má alma num dá ouvidos a ninguém. A Alma mais pura de
gente é intragável mesmo aos antropófagos, donde num altera nada de ninguém. E por
isso, trombada na existência, fúrias a mil, má sem solução, sem diálogo, sem boas
novas.
E pra que tanta violência, de falar dessas coisas de homens? É que de cada passo
que se dá pra uma vereda da esquina, colide-se com outra, inevitavelmente. Num existe
homem que se só, não. Vereda reta e paralela às outras é coisa utópica, e os homens que
por utopia, paralelizam... Mediocrizam.
E as máquinas de língua são justamente esquinas sem semáforo. Má num dá
nada não! Dá é de carros se desviarem, até tendo um “oi” trocado entre si! Arrebitadas
mãos, não se glosa uma raivosa, nunca.
Agora... Passada rápida de tempão, né? Já chegou: Leidorio. Num tem epopeia
que dê conta de magnitude dessa cidade: Mais de 400 quilômetros quadrados de puro...
Cimento.
Num dá ânimo de falar de cidade assim, sem existência pelo que deveriam se
importar, onde homens num dão vereda nem pra paralelização. Má... Tenho de encontrar
o Alberto de Nadita.
Pego o busão pra travessar desta estação pro centro... E mais outra espera (Sim,
leitores... Espera é de ânsia, mas o meu vômito lhes agradará... E talvez lhes surtam
emoção, horrorizem-se ou não). Má dava pra ver alguns causos da janela. Crianças num
ponto... Crianças fumando... Adultos se batendo... É... Num dá gosto nem de falar de
cidade, mesmo.
Por mais essa espera, conto-lhes sobre o império: Socioma, antes Terra Brasílica,
agora num é mais império não, esqueci. República Sociomana, arrenda de tralha antiga,
anterior. Bartolomeu. Abrigada insignificante, da perpetuação corrupta mesmo de
coisinha de nada.
Má nos tempos da imperadora (Sim, imperadora. Num tem erro de gramática
aqui, não), retinha-se certa bobalhada em gente, em todos. Embotamento num dá
significado nisso, pois a imperadora adorava esses signos incompletos. Imperadora
Velha D gostava dumas trotadas sobre gente. Literal de palavra: pegava pangaré e metia
por cima de quem num gostava.
Depois da imperadora, a república. Senhor Sunday (Num é de zoar, não.
Chamava-se assim mesmo...), mandão que era dono de dois estados: Socioma e
República Sunday. A diferença é que na república Sunday a vida era barata (E
Sociomano era recalque por carrões quilométricos com preço de carrinho popular).
Sociomano tem muito dessa inveja alheia. E é uma das coisas que quero curar
dos mesmos, mas é difícil quando se mediocrizam por materialidade da vida. Num se
nadam, nem em mar etéreo, nem mesmo possuem um nada. São puros e por isso,
bobalhões.
Descrevem-se como progressistas. Má num é de progresso que um Sociomano
vive: Sociomano quer é telefone daqui custando o mesmo de lá. Colonizado, complexo
de um danado desesperado, afobando desnecessidades. Abrido em si. Aliterante de todas
as opiniões do mundo, achismo. E no fim, nunca acham algo por si mesmos.
Socioma é vasta, um Tupã, impávido colosso. Linhagem por canoas donde
muitas destas se abriam sobre os vastos rios enveredados que se formam na sanguínea
identidade nacional, mas linear pensamento num se quebrava com riqueza dessas águas.
E por colonizados, se estendiam obesos sobre toda a terra adorada. Pátria mal amada.
Histérica sim e não, de tudo dos cantos de sabiá dá é estresse. Cousa de cidade, má tanto
molda o Sociomano que se encerra por ligarem-se ao mundo, mas num ligam mais em
gente alguma.
Leitor, não se aborreça por tamanha palavrada: Nos ônibus, num há mais
interessante coisa do que ver gente em celular. Querem filosofia sobre celular ou sobre a
gente Sociomana de todos os cantos? Do celular, num tem segredo algum, pois já a
pelada foto dos homens se expôs em capa revista que vigia revistando mais do que
mostra expondo.
E... Sobre vestimenta... Leves roupas, muito leves. Triângulos e quadrados se
formam desalinhados sobre tecido de pobre ou rico. Lá em favela, usam bastante calça
triangular e nenhuma outra mais coisa acima. Em ricos, usa-se dois triângulos (Mais
tecido, mais grana). Nos musseques, num usam muita coisa não. E em tribo de índio,
usa-se nada. Despi para vocês, meus caros, o quanto somos meio puros, impuros, mais
ou menos puros e completamente puros.
E por cada racismo de vestimenta, há das cores brandas e sem graça certamente
se colarem sobre as riquezas e a cor de Deus se flutuar delicado pelas roupas pobres. E
num é de comunismo não: Tupã realmente diz isso à gente. Má rico num dá mais bola
não. Num são mais nem ateus.
Hei de lhes parecer cristã, má só conto donde vim. Socioma, por tão colossal,
num dá pra ver entranha nenhuma. Se nem de homem se dá pra ver direito, imagina da
ybyguaçu! Nem o boitatá cobra conseguiria mensurar tal riqueza!
Já num tem mais essa época de homens, não. Minha pátria se enraizou sobre a
quântica da vida, do computador mais ou menos computador. Má sempre fomos
abaporu, comedor de gente, que em mudança dialetal da cultura, regurgitou-se outra:
Transplante de membros alheios. E batizados membros, de soldados a heróis, se tornam
prêmios para os que os conquistam ou matam estes guerreiros. E assim transplantam em
si mesmos. Quanto mais cortado o corpo, por muito transplante e assim muito membros
substituírem, mais o respeitado é de grande honra.
Má num há gasolina e nem plástico: Tão caro que é de bilionário. Sintonia com
natureza, pretexto pra outras mediocridades dos homens. Num importa se o mundo aqui
é de paz, ou de abundância, ou reduzido à ecologia: Homens em alma num creem e de
descrença, se balelam. Zoar do zumbido de ouvido é só miragem, num é surdez. Razão
de homem é que o plástico vale mais que uma criança. Aliás, a criança num vale mais
que a bala que tirou-lhe a vida, aquela ali que caiu ao chão por tiro de bandido pra pegar
a comida da mesma. Presenciei a partir do ônibus, sim, mas como disse... Ninguém se
importa. Nem eu.
Estou seca... Estou desinteressante... Acho que morri de mim mesma. De contar
filosofia barata, vírus fígado, me descaso com minha narrativa sintética. Que, em nome
do interesse dos leitores, se venha outra linguagem, pois de ônibus em ponto
conveniente, finalmente agora nos localizamos perto do Alberto de Nadita...
E por vastas terras que muito caminhamos por tempos anteriores, dentro desta
narrativa, e por agora há de se postular as histórias, que assim se faça: Por agora, que
Deus nos tenha, para que em grande multidão nos localizemos. Pelo pai do céu, que se
faça da narrativa o conto do agapismo, mas sem fatura cobrança ou contagem de letras.
E de tanto esperar, chegamos. Desci do veículo e teimei-me na procura pelo
comendador de máquinas. Pois em Socioma num existe dinheiro que se compre
cientista, mas cientista que compre os homens. E de procura por homens, não há de se
localizar oferta que demande homens, pois a oferta se egocêntrica, se vândala, se
cândida.
E por alheia ela se ver, assim então me torno uma dessas gentes que se procura,
mas não se faz por alicerce demandando nada: É de interesseira que me decíduo. E por
assim me acolher em origem, tento-me reiniciar. E da máquina solidão, de conversa com
meios-homens feitos de engrenagens, faço-me nova de gente, sem gente.
E por tanta novidade, que assim procuro com minhas forças entranhais, por
assim me recapitulo sobre donde estou: à frente de grande pilar de concreto, dou-me de
frente à recepcionista. Pergunto:
Conversas secas, vidas secas. Dum passo só, assim já me subia pelo elevador da
sociedade e assim elevando-me, abasteceria a minha fome de vista só de olhar pelo
vidro transparente instalado ao puxador de gente para-alto. Acima de outros prédios de
existências, e desses prédios que já se fracassavam pela sua imutabilidade, me tomava
plena de sociedade tão móbil, mas tão imutável de sua meritocracia. Subir na vida só
existe nesse elevador...
E chegava em andar de cento e vinte, para assim que me localizasse com mais
plenitude de minha consciência, agora estivesse mais entendida de minha fronte vista: O
local de cientista era limitado por um andar inteiro, vazio. E meu entendimento pátrio
não demarcava fronteira com o do cientista, como se então os significantes e os
significados do local fossem uníssonos. Tomava-me agora em língua de ciência, cujo
léxico era um andar inteiro dum prédio de humanidade, dum senso de engrandecimento
totalmente recaído sobre a sua própria e densa incerteza do que falas, do que expressas.
Lentidão vasta sobre cada passo, assim me dei. Tocando o piso laminado tal
como uma língua madura, as luzes se ascenderam sobre toda a sala pintada de branco,
sem móveis de riqueza material. Perpassavam-se vinte a trinta luzes intermitentes da
velhice, que não me comovia em sua pobreza de manutenção. Acho que pior: Nem ódio
me dava. Se há nada para sentir pelo que de haver numa sala de prédio, perfídia seria eu
de minha própria compreensão por alheios? A grande conhecedora de compreensivos
não se amolece por insensíveis para assim ser... E se assim me insensibilizo pela própria
credulidade de se insensibilizar, serei insensível a isso? Então há de mim, em nada, me
nadar por caminho sem opinião, havendo assim de nunca ignorar a cousa alguma.
Já em minha impaciência, valeria então, de espera aduaneira, gritar pelo doutor...
Mas após tanta digressão, encerra-se em um finalmente: O senhor de cara pálida, jeito
mendigão, trapos de índio, troçando alguns braços ensanguentados. Num tinha nem
pentelho, mas barbudão já se resplandecia seboso. E com fronte a mim, se curvou
cambaleando em reverência, solfejando:
-Anauê! Desculpa-me, de minha insensatez por tantos braços descambados! –
Cortez, respondeu-me pleno do comportamento implícito na própria fala.
-O peso de um mundo não se perde sem guerra, né? E peso prêmio, se faz com
língua morta e viva... -.
-Já estou morta ou viva? – Perguntei, espantada.
-Sua língua... Nem gato corta... Mas só se purifica se nada lhe comer em carne.
Mas... Palavra sangrenta já se tem carne até de vegetal, né? Num se dá pureza nem de
verde solidão... -.
Desconstrutivistas sentenças dum velhote vestindo hemoglobinas da linguística
que não dana as pobrezas de fala. Tão em tão, louco me parecia. Tão doidão. Até de
quem escutá-lo se vai por sangue do cientista... Até porque... Velhos cientistas não
carregam membros de línguas... É perda de tempo e dinheiro...
-E pelo que uma jovem se língua por sangue de braço inútil? Queres força de
Tupinambá? Esperteza de Griô? Velocidade Herculana? – Olhava terno.
-Há de me santificar-me por tudo isso, mas mais pelas línguas que há de se
compreender... Ainda vivas... – Hesitava.
-E como terás plenitude de realização? -.
-Conduzindo robôs... -.
-Custos caríssimos... Custos caríssimos... -.
-Há de eu trabalhar por ti! Suplico! -.
Ajoelhada sobre o chão. Doutor estranhando, mas não haveria de mim retroceder
sem respiração ofegante.
-Quântica não se faz sem dinheiro... Mas se tradição fizeres, algo que ouro não
se paga por tal honra, terás robô do que queres... – Respondeu, resmungando.
-Alegrei-me!- Me levantava – Do que tenho que fazer? -.
-Braços não devem se sangrar por cousa de nada. Tu num tens folclore no
sangue. Braço de índio terás... -.
-Índia não dá, pelo menos? Por favor? – Suplicava.
-Índia? Bom... Só uma há, mas é de caduca. Raquítica, mas memória das boas...
-.
-Satisfeita! Satisfeita! – Aliviava-me.
Lembrar-me de acontecidos para além dessa última enunciação, não deu. Rápido
procedimento de hábil doutor. Ritual cirúrgico deixou-me meio tonta...
Jaz às vinte horas da noite, e... Doutor! Água súbita é sapeca de meninice! Má
jeitinho assim num pode continuar amigando a mim, não!
Num dava pra se pacientar o médico desumano. Água salgadinha... Dava mais
pena pra ele que de mim... Acho até que robô é pretérito tecnológico perto dele. Mas
enfim... Acordada...
-Destoe de sua preguiça! Espelho está ali! Vejas tradição em teu sangue, agora! –
Imperava sobre mim.
Humilhação retórica? Não há porque me atingir por isso. Fitada sobre braço se
resulta em lembranças folclóricas, mas também profanas: Quitação de dívida... Doutor
tem valores introspectivos que me interessam. Minha resignação agora se dava por
ímpeto, se assim fosse necessário. Risadinha intermitente tem de parar já!
Por danado ele ser, de raiva me estremeço. Mas fúria por ira, me contento
classicista, sem deselegância por me abalar.
Em pé, imóvel, me dava a revisitar a sala apenas pelo olhar, novamente. O
branco continuava e o sangue ao chão... Era o meu. Maca... Instrumentos cirúrgicos...
Espelho... É, geografia de uma quase loucura... Mas dinheiro não vem sem capitalismo
da vida, né?
Alberto, alitere-me pelo caminho desandado. É que dor não se sara logo, não.
Ignoro. Pelo robô que me há de querer tanto...
O riso agora se deu por mudança dialetal para um sorriso mais cortês.
Calamidade pública num é de moça se fazer, diziam as regras gramaticais da sociedade.
Mas não há preconceito linguístico que me limite de minha almeja ideia...
Mas como se faz língua sem mudança? Sempre regrada e contida? Não há.
Desculpe-me, meu caro leitor. Mas na Era Linguística, não se tem luxo por limitações.
Do lapidado léxico não se dá essência de língua. Mas dos esqueletos, troncos
linguísticos, é que se assenta qualquer fala de homem ou mulher. Deixem os
substantivos caipiras em paz!
Em paz... Paz, Doutor! Afaste-me desta tua zomba!
O homem que se cai em regras não se dá por pena, assim de conto recebi de
minha vovó. E de tudo que tanta regra me desola, me visto tímida. Vestes são pra oposto
de contestar: Diferença não se dará e nem fará, mesmo nas máscaras da indignação ou
nas volúpias desnudezes. Só da alma – e a roupa limitada pela aleatoriedade e sem
opinar com ideologias - é que se faz revolução.
E por isso... Vesti-me de tonta. Não me despi: A gramática me corrompeu...
Entramos pelo elevador, entramos pelo cano vitral, o mesmo que oferece a vista
panorâmica que já falei. Subimos um andar e o velho, cuja luz do luar noturno refletia-
lhe numa pele de negritude completa de conhecimentos, aparentemente fazia-me contar
uma história só por, ironicamente, aqueles trapos que vestia. Novamente, língua minha
há de contar esse causo...
O velho era um mequetrefe, do tipo que os feitos grandes se prevalecem dentro
dele e de mais nenhuma outra tradição externa. A falta de sapato ou tênis costurava-o
num legítimo invólucro de sua origem: Tribo dos Kaxivós. E deles, se sabe de sua
principal tradição: Timidez aos outros, quando os segredos são e devem ser de família.
Mas a origem deles vem de muitos lugares, não de uma só...
Quando eu me dava por encerrar o olhar nas mãos dele, que as via tocar nos
botões do equipamento, eu via não mãos humanas, mas patas de iaguaras, de onça. De
certo uma coisa: Ganhou sorte de algum curupira ou de algum baetatá, pois patas de
onça são de muita feitura em vida, de valentia conquistada e prestígio por qualquer
sociomano que visse tal obra. Mas o velho esconde-se de tudo e a todos, pois sua severa
vida lhe confere obesidade mórbida: Muita gordura queimada por apenas migalhas de
existência.
Os trapos... Sobras de roupas de marca, valia-lhe não muita coisa. Fazia-lhe
apenas um entre tantos. Camisa branca escrita “Bollistar” e um short de algum esportivo
que preguiça os homens da feitura bruta... A camiseta era triangular, tal como já lhes
disse sobre as roupas desse mundo, tal como o quadrado da parte de baixo. Mas nada de
especial mesmo. É, roupas sem história estragam legados...
Chegamos ao andar posterior e o velhaco acendeu a luz do salão. Robôs e partes
humanas penduradas sobre cabides metálicas, enquanto computadores velhos
expunham-se como museu: Assim vi da sala que resguardava o legado do senhor de
idade, após o clarão súbito abater as minhas pupilas.
Quando não dava para ver o sorriso dele ou qualquer outro semblante, me dava
então a espiar os seus trejeitos. E não me dava fascinação alguma. Mas de supetão,
segurei os braços dele, após um tropeço ou assim parecia ser.
-Má num é que apiancei e que deu é devera? Mas tu devia se dar por desfeita de
mim tá assim! Tu pisa em cima do meu pé, desse jeito! Dá até vontade de desexistir... -.
-Não gostastes de falar como sua origem? -.
-Palavra de peba, pô! – Colocava as mãos na cabeça, trêmulo – Pegadío entre
nós, por tua culpa, num tem mais como existir! Vexame! Vexame! -.
O Velho se dava por tristeza, em vez de sorriso. A língua daqui fez a dele se
tornar esquizofrênica, de quarto colecionável, para onde se nada vale: Que de língua
alguma se faça brava, de gente boa, pois em língua de boa gente se faz mal parecer,
endiabrando por vergonha.
O grito de quem se deu por mal de existir, de laços abertos para o seu caminho
que não queria que existisse, e agora a origem lhe dava peste de boi: Carne de ventre
num serve pra ele, carne das maternas, que lava qualquer outra língua que se aprenda,
qualquer dialeto que se mude, abrindo-lhe nada a não ser... Morrer por origem já muito
se reconhecer.
Dava-me por desespero, pois de carne que morre na origem, se morre também
nas contas-correntes: A morte natural faz de herança ser do Estado Sociomano. É... O
velho morreu por língua materna, de primeira motriz desconhecer, maniqueísmo de sua
teimosia tímida. Falas mortas.
E a tecnologia Sociomana é carregada de sentimento: Uma morte, pisca-alerta
por todo canto da morada de cada ser, acarretando no despertar do meu desespero para
encontrar o robô prometido, diante da vastidão das tralhas e trambolhos duma sala sem
mais o senhor pelo que servir. Jogadas panelas pra cima, cadeiras reviradas, braços se
espalhando aleatórios pelo chão, tudo diante das sirenes urbanas, do vermelho e azul
autoritários, pois o quente e o frio são controlados, são contidos e a polícia pode se
esquentar ou se esfriar, matando ou poupando, roubando ou doando.
E, numa dessas reviradas, achei uma maleta que denotava mistério. Mas só que
de súbito já lia os vinte gigaqubits que precisava, após virar a mala. E assim corri até o
elevador pra descer. Apertei botões e trem não se dá nem por remanchar. Dei no pé pra
fora do elevador e tentei encontrar robô que desse como pangaré. De minha triste
validade, não dava pra fugir nem por janela diante da altura carrada.
-Senhores... A troca foi feita entre este defunto e a mim. Por que há de me
imobilizarem se nada tiro de vós? A maleta já é minha... – Sorria, tentando implicar
confiança.
-Terás de explicar isso ao juiz, através do processo AR35 de protocolo 21, na
comarca Vila Barbosa! – Gritava o fardado, lendo tudo o que enunciava, que surgia de
seu visor frontal ocular - Agora levante as mãos! –.
Fogo ardente, não é de erro meu, não. Pois os corpos se insurgiam pretos,
cinzentos de agora eu ficar-lhes apontando e jorrando fogo como cuspe sem saliva de
boca (Se nem cabeça a mula tem, quiçá língua). Quando se mata com arma sem língua,
não existe mais nem linguagem pelo que se diplomacia. E por isso, mortes e mais
mortes entre faíscas sobre dedos e labaredas contra rostos que nunca nem plásticas
darão veredas boas novamente.
Olha, sobrou nada dali. Fogo muito ardeu. Cavalos possuem força de mais que
qualquer homem e de aço então, se fazem ainda mais robustos. Cavalgamos até a janela,
que de quebrada se fez inevitável. Pedaços de vidro, agora nós nos metemos em queda
de cacau.
Vento dava cega vista, intrometendo em olhos meus. Era de rodopio descontrole
meu. Quase dava de cara com o chão, se não fosse que a máquina é mais esperta que eu!
Mas de trote brusco, estabelecido fosse para agora os cascos se fixarem em chão de
concreto. Gente estranha estranhando-nos. Numa pata só, se correu!
Nas cavalgas súbitas, sirene de novo a denotar passos militares. Falcatrua deles
de quererem fortuna que nem mais há, depois de tudo ter ardido por minha glosa. Carros
tudo flutuando sem rodas, sem borrachuda sobre asfalto, cobertas de vigilantes com
mais daquelas armas que te falei. Balas metálicas e tiros de bombas delas se enviavam
sobre mim, enquanto a mula e eu dávamos de tentar escapulir.
Tiro que se findava em perna metálica, resultava de ter uns tropeços leves e eu a
quase deixar a mala para trás. Mala num vale muito, não. Só umas fortunas que dá de
viver até pra uma favela inteira. Mas Musseques estão longe de mim, agora. E robô
linguístico dá mais resultado que doação.
Vinte carros atrás de mim. Menino sendo estuprado ali do lado, depois duma
breve cubada ao redor. Dava de continuar o trotão e mais outra mulher levando chumbo
no quengo. Que pena. Se tivessem mais do que esta maleta, seria a eles que os policiais
estariam dando bola.
Virada de esquina. Sobravam uns três carros, enquanto os outros batiam nos
prédios ou se acabavam tronchos na curva. Galgava até pra fora da cidade, chegando
aos musseques da periferia. Daí já me dava por despista, pois polícia alguma se dá de
serviço em nascituro de pobreza, a não ser que seja em tarefa de levar chumbo às
crianças.
Má me dava agora de voltar à floresta atlântica, donde ainda os homens não
destrincharam as árvores. Alisei os meus cabelos loiros, descendo da mula e lhe
mandando fugir pra floresta. Do meu erro: Lenda se nasce dessas coisas pequenas. De
mula-sem-cabeça, fiz lenda de causo pra índio contar pros filhos. Mula largada em
floresta, nascendo uma aventura alheia a minha.
Fitei o meu redor. Desespero: Mala comigo, mas só há de ter mato aqui. Resta-
me esperança de que haja eletricidade embutida nesta maleta. Não é de culpa minha que
me faça de surpresa por tal mal pensar, de meu tanger: Longínquo pensamento de sábio
não se faz diante de canga dos fardos brancos.
Maleta aberta, vista de nada além dum quadrado computador com algumas
engrenagens, encafifando se o tabaréu me passou saliva. Má fingi confiança e passei a
mão pelo objeto quadrado todo. Leves pressões pra qualquer botão que visse.
E em um desses apertos, senti o clique de iniciação. Súbito! Robô surgia de
pouco em pouco, de cada virada no ar e suas acrobacias transformadoras. E num é que o
robô tem energia pra si mesmo?
Fiquei um tempo parada. Dei-me por pausa mental diante do robô de aspecto tão
neutro, sem sal. Mas que justamente de nada lhe manifestar, é que me daria por fazê-lo
ideologia minha.
Falaria alguma coisa agora, mas de minha mente, com aquele talento só de eu
ter, passei a palavrear-lhe os provérbios iniciais de primeira compreensão de homens:
-Robô... Primeira gramática: Escutarás todo e qualquer homem que lhe aparecer
e os atenderá no que eles te pedirem! -.
-Sim, mestre! – Disse-me, em porção ainda primitivamente sem feições
humanas.
-Mas a ti será também inerente escutar a si mesmo. Serás uma maquina de
compreender homens e a ti mesmo... – Falei, imperativa – E escutarás os choros dos
bebês, as falas dos sábios, os traduzidos traídos, para assim nunca nenhum homem
fazer-te de gramática normativa, dos trabalhos que nada tem a ver com o seu ofício de
compreender homens... -.
-E de que input devo me priorizar? -.
-Deves priorizar todo e quaisquer input. Todos são importantes -.
-E por que devo assim compreender homens? Há de eu ter uma língua para
compreendê-los? – Indagou, estranhando.
-Você tem todas as línguas. Eu vou te dar a GU que não tens, mas podes ter. Por
enquanto só conhece a minha língua, mas com a GU, terás as línguas de todos os
homens em sua inicial formação -.
Levantei meu braço branco, dando passos tímidos. Aproximação trêmula, por
ainda não ver muito o robô direito. Só via uma feição neutra de paz, quase jesuítica.
Todo azulão, feito em metal nobre, de alguma terra rara. Braço direito já perto dele, de
quem há de fazer benção, mas em modos maquinários. E assim minha mão encostou-se
a testa fria. O aço demonstrava-se inocente, tal como os olhos dele em minha mão, já
fitando.
E iniciava o ritual de minha gramática, do início de minha própria tradição
tecnológica:
Robô deu três sinais de luz: Primeira e segunda em azul, pra na terceira se expor
vermelho, dando de em seguida a sua feição humanoide dar lugar aos canos fumacentos
em várias partes de seu corpo. Dos gases nobres ali exalando, afastei-me. Pressões
introspectivas dele seriam extrovertidas em iminente explosão, que é o que eu sentia que
aconteceria. Corri.
De caduco robô, pulsão magnética se rebentou. Voei junto, de mal ter me
distanciado dali. Numa das árvores me bati e, fraca, dormi. Frenéticas lembranças, há de
me lembrar de apenas algumas fumaças e o robô acima de mim, após cair na mata e
num dá de levantar por fraquejo.
E...
Senti como o sonho fosse lúcido. Mas num se bota cabresto em sonho algum,
pois homem num é de moral pra cabra continuar cabra, nem bode continuar bode. Nem
o mais gramático dos homens se vale de linguagem constante, sei bem. E assim... Não
dá pra se apressar um sonho, pois daqui só me vejo em um espaço branco e mais nada.
Nem mesmo de janela se tinha ou de elevador atrás de mim, pois embora o branco fosse
igual ao do salão velhote, não me dava por velha dessa ambição de estar num sonho
assim. Ou me dava por velha de feitos nenhum ter feito?
Acho que num há de manobrar sonho nenhum, não. Pois se continua branco,
pelo que devo mandar? Nem se surge nada diante dele. O meu dormir é que é medíocre,
pois a minha linguística não possui política pelo que se imaginar, nem imagens. A
elocução pura é demarcada pela sua própria irrelevância de existir por si só. E por isso,
ela se ideologiza.
O sonho seco de minha meninice, vais dizer, é tolo, sim. Culpa minha não sei
como fiz, mas tenho e sei. Dei-me abarrocada, de precipício baixo, tanto quanto
profundo saber meu. Não se encontra em sonho o que me faz existir, mas o branco tem
mistura de todas as cores do mundo, né? Acho que o branco do sonho fala mais que os
surrealismos da existência...
Mas... Acordei-me. Fina casa feita em cedro rosa, logo que vi por minha pressa
de desespero ao acordar. Pau a pique, aliterei-me por repetir os passos do mesmo
acordar cirúrgico que tive, só que desta vez o meu braço de cambão deu o primeiro
sustento pra levantar-me da cama e... Cama feita de penas de arara, sô!
Dei-me a olhar pra fora. Caiu-me a ficha do bonserá que aqui é, só que em
floresta. O meu aleijo num se dava de notar, exceto pelo remanchar do braço de facão.
Embrecho meu, por não encarar na tora, as ventanias de minha cariá robótica. E de
quântica que falo agora... Cadê o danado?
Janela num tinha vidro, não. Era tudo de abrir e fechar na madeira, mesmo. Má
de contraste, haviam dois computadores grandões ali e uns baetás melhores que o meu,
até!
Má de olhar pra frente, pra portona de zinco, já a se manifestar figura de patrão:
Tal de Zé da Viga, um barão qualquer de nome meio mocinho, má num dá de confiar,
não. Semblante duma cabra mulato entrunfado, de terno caro, mas maletroso. O senhor
é de sapato vestir, já tudo a ter legado ligeiro em diferença com o negrão que me deu
este tampo. Veio até mim, em contenção de si, perguntando:
-Licença, senhorita. Encontrei-te descalça e desmaiada entre as matas deste
hectare que a mim pertence. Por que invadiste minha propriedade? – Vomitava, com a
cabeça mais empinada que a minha bunda.
-Má senhor... Num dei-me de tá aqui por querer, não. Nem conheço o caroço de
teus olhos, pô! – Respondi, indignada.
-Ó... Resposta tão cheia de vícios. E cheiras tão mal, também... – Repugnava em
cima de mim – Só o seu braço é que denota alguma honra, assim há de esperar que seja.
A não ser que... Ah... Teu fraquejado desempenho não há de denotar isso, não. É de
sacrifício! Desonra! Sabia que o teu valor não há nem de monetário, nem de cabeça! Só
de vadia e ainda vadia feia! – Apontou a mim.
Má aquilo era de implicância e sem dar gosto, pra variar. E dentre implicâncias,
mais essa...
-Ah... Da forma que és tão repugnante, esse celular teu só pode ser de roubo!
Dê-me, sua ladra prostituta! Ou te bato! -.
No repente, até caí na cama: Uai! O barão tá com pescoço esganado pelo robô! E
o enferrujado deu de levar as garras até a boca, arrancando-lhe a língua! Sangue no
chão! Sangue no chão! A língua do burguês era meio esbranquiçada, mal cheirosa. Era
de muito pouco usá-la. E de minha perplexidade pelo acontecido, me dei a questionar a
minha máquina em...
-S-senhorita... Isso aqui não era um computador velho a se reciclar? Pensei que
este aqui não era um ser vivo. Não senti pulso de palavra, nem de compreensão... E a
língua é morta e pensei que fosse de um computador já velho... -.
Sentei-me pela segunda vez na cama, sem levantar. Há das penas de arara me dar
um patriotismo maior pelo que me sustentar frente ao meu erro de programação. Dei-me
de fronte ao robô, dialogando com ele, após reerguer-me de minha lamentação. Mas de
comporta pra mim, li nele um aspecto de arrependimento.
-Vais agora, em tua essência amoral, se considerar igual a todos os objetos que
encontrar. Homens que nada tem no coração, há de ti vê-los como tão valorosos quanto
os que nada fazem pelos pobres. Serás compreensível até com a mais pedregosa mente
que não vive pelo que viver... – Erguia minhas mãos até a testa dele, fechando os meus
olhos - Ndé aimoangyrama! -.
-Vocês são fortes. E juntos, lutarão para viverem felizes. Serão amigos, todos... -.
-Mas e os pais? Cê matou! MATOU OS PAPAIS! -.
Pele sobre metal, mas mais pele sobre pele. Por mais nenhum medo haver. Xe
iru, oi ele, num há de existir mais briga, não, entre eles... Por suas carências... Mas robô
tem pelo que ter saudades? Robô anda pelo caminho apegado, por muito seguir
programação. A máquina se sente quando já não mais se programa. Programa não tendo,
ele mesmo se afeta por outros modos...
Minha tristeza. É que me dei epifania pelo sangue alheio, de ser culpa minha.
Latifúndios e além, à minha frente, significam lembranças resignadas. Atolam em minha
mente, desvairando-me. Por quê? É que sangue... Emana-se, donde o bebê chora, donde
palavra já não faz falta. Monopólio da incompreensão...
-Mas... Num baba ovo por isso não, né? Nessas ideias... -.
-Mas foste tu que me programastes assim. Sou pressuposto a criar ideias, pois de
minha língua, me ideologizo... – Olhava para frente, mais neutro – Desculpe se eu te
queixo disso... -.
-Mas então tens um “pelo que”? -.
-Sim, tenho... Por culpa tua... Anhangá te deixou dominar toda língua que podes.
Eu só posso dominar a que me deste. Inveja... Acho que é isso, senhorita... -.
A maquina não consegue externar a sua alma, pois dela é que os homens, antes,
se apegam primeiro. Palavra de pulso, impulso, em que num se abre tamanha
viscosidade dos interiores paulistas, ou dos vales e montes mineiros. É que é textura
fascinante, que se toca e num enjoa. Falha humana, em apelar para o liso.
Por isso, solitários, ali. Cabresto do espírito medroso, frente ao perigo,
proporcional à alma sem graça, doravante não somos. Nem pretéritos. É sorte e só. Má
ideias nos dão alguma besta pelo que lutar. Submismo inevitável...
Má máquina quieta, num vejo nunca! Cochichou mais:
...Sobre ser quase-madre. Para homem não me dei, nem trisquei. “Abarenta”, de
muito me apegar por muitos homens mais. Compreensão exagerada. Por isso, pecado. E
sem graça, pra variar...
Porvir, causo sem cerimônias: súbito à nossa frente, grande baetatá. Volúpias
privilegiais, má dor nos olhos de tão fogo ardente...
É tudo fogo, uma massa só. Cobra, cavalo, cervo... Nada disso. Só um coiso
grande que queima sem cinzar... E por isso, temível por danar em eterna agonia
imortal... Que num tem fim desse fogo encerrar-se na água!
Temo que isto signifique que eu num esteja de queimar-me. Lendas rezam sobre
essa inflamação sobre cognições. Má e se eu num me ceguei ainda, pelo temor desse
fogo em só uma fitada já iludir, por que ainda olho?
Que mete medo: Onça pintada, desvairada, de pata sobre o vitral da janela,
penumbra passando por seu corpo e refletindo olhos fitando a nós. E corpo tal como de
mulher, formato, má com pelugem da criatura que se teme. A iaguara, fardada, de
manchas escuras confundindo-se com a roupa guerrilheira, que, há de ser coiso de
ironia. Dumas guerras existenciais, batalha nunca pelo que se luta. Por quê? É que Velha
D num foi pra frente de guerra, não.
Cabelo... Mesmo loiro, mas de maior tempo embutido. Olhava derrogação,
liteira. Que é dum interior renunciado, de quem num pode se dar de burro pra ela. Acho
que era dispendiosa, aquela que se lê alma, mas num vê completude. E por isso, liteira...
Má aproximou-se, o Cauê, pra se fazer de compreensivo outra vez, embora num
lhe sobrasse mais àqueles ares de minha terra, que é do meu sertão, em jeito de cabra
sem dono. E botou quente:
Tornou contra ele, dando uns piscos de resiliência, distantes, da onça que revida:
-Eu... Eu venho dum tempo que vocês não reconhecerão... E me designo nessa
espera... Por minha morte... – Neutralizava-se.
-E o que foi de seu tempo? – Ele deu uns passos fininhos até ela.
-Minha amada... -.
A onça ainda mantinha distância nas fitadas, redobrando, sobre as escadarias que
desceu, e sobre lareira... De sorriso, abrindo uma caixinha: Pegou-lhe a faca. Por que
Velha D deu de fazer isso?
Má num fiz-me chupeta, não: O robô praticou isso antes de mim. Languidez das
brabas, mais carrada que muita chibata por aí. Torou-me nessa língua dele! Em cima do
corpo ele se debruçou, até!
O grito simultâneo de nós dois, para o morro abaixo, seguir caminho de pedra,
de água, coiteiro. Aceleramos, por descida gravidade, labutando sobre pedra, magoando
o pé. Má instinto gritou; coitamos na água. De súbito, só silêncio e onda num surgir da
gente.
Por castigo meu, e castigo dele: Trocamos cutucadas. Silêncio imperar entre a
gente. Teimosia de querer ensinar um para o outro o que ambos já aprendiam. Má antes
de aprendiz, fogo até chegando nós: o grandão até na ribeirinha. Tampei os olhos da
máquina, pra o enxergo ainda existir depois. Porque... Meu enxergo ainda existia.
Mesmo num fogo que rugia sobre nós.
“Por que ainda tenho mente? É de má benção de Anhangá? Ou de minha
mediocridade?” Estava de meio-mágoa por essas questões mentais...
-Agora sim... Velha D... – Até colocava mão no queixo, por questão colocada.
-Ela encontrou... – Sorria o enferrujado – No fim ambas são Anhangás, almas,
mas sem pelo que zombetear mais... -.
O causo delas num encerrava aqui, por saídas do abraço, vagarem como se anda
sobre um chão, sobre um rio: Mãos dadas, se entreolhando, e a imperadora pegou a
cachorra pelo pescoço e lhe tirou uma feitura de pedra. Nó de árvore, de alguma
Sapopemba, laminou nas mãos e fez imagem de onça. Envolveu com as mãos...
Manifestou-se uma Muiraquitã, má com diferença: Pingente com colar etéreo, linha de
alma. Aos profanos, pareceria um amuleto pendurado sobre o nada. Pois, afinal, é o
significado que traz as linhas invisíveis que nos moldam. Acunharam até nós.
Agarrou as duas atas do colar, vestindo-o sobre mim, numa linha que eu via, o
robô via, mas ninguém vê. E o pingente se conserva sobre a matéria e o espírito.
Deu uma de sábio profetista, dando-me até sono, por paciência! E divagou:
E até eu fiquei na indagação sobre isso, legando até na hora de dormir, com a
máquina e eu numa fogueira, em meio aos bichos. Recostada numa Sapopemba, e com
ele cantarolando os hinos que num sei donde vieram, levei meus dedos até minha sebosa
pele facial, roçando-os a ela, devaneio sobre o amuleto.
“Por que eu seria um nada? Pelo que eu nado sobre um rio? Será que o nada é
impossível de ser um nado sobre um rio? Afinal, é um nada...”.
-Divagas muito sobre o que presenciastes hoje, Maricí... – Robô exprimiu,
enquanto ritmava os dedos metálicos sobre o pau-brasil.
-Só me dando tempo... – Recolhi a muiraquitã sobre a minha mão, fitando-a –
Pelo que hei de me rastrear... Sobre essa linguística de meu ser... -.
Que é um coiso falido. Má falência, sem clichê, num é de recomeço, nem fim,
nem nada: Apenas alívio. Disposição primária, pelo que posso tentar. Falir é tentada
sucedida, para sequência doutra. Dou-me por nenhuma falência... Por isso, Muiraquitã
desespera, acomete-me moleira. Do que se machuca e não sara. No princípio.
Deitei-me mais confortável, mesmo sem colchoas, da fogueira terminando o
arder, aspirando fumaça das almas desse amuleto, da etérea linha que num se
desencanta, sempre se pendura em mim. Lavrei tímida pelo mato, pelas mãos,
cultivando ideias tal como arraia-se o mato: Sem ideia do que fazer. Só à noite acima,
vácuo escuro, pra significar o que tem na minha cachola.
-Não tem jeito... Amanhã, temos que voltar para Leidorio, fazer mais um de ti e
depois ir a Anhangá para... -.
-Ôxente! – Cubei todo redor – Num denotem falsa-bandeira, não! Pô! Saiam,
agora! -.
Aliteração! Isso é de dar irritação, pô! E pelos cantos desarrochados, até soava
baitinga! E vos juro, meus leitores, que num fiz bicada! É causo puro e contemporâneo!
Uns cutucões nas costas. Dor de facão, falcatrua engabelada restitui açores: De
cambão me mostrando o dedo, muitas índias, que, almejam aplicar-me uns vergalhões
de modo que me fizesse acordar, má me precavi e acordei. Mirei-me: Amarrada, dando
vontade de coçar pela corda irritante, dos modos que me amarraram contra as ibirás,
cercando-me índias e mais índias. E todas ornamentadas! Ostentação!
Deu nó em minha cabeça. Por muitas ali terem mais cortesia que minha
civilização. Escancaravam milhares de ocas grandes, concretadas, e terra mais ou menos
pavimentada. Língua geral, Tupi moderno, nas bocas falantes... É: Eram índias
reformadas. E ai de quem num souber o que são elas! Pois, fizeram trotes com elas,
então elas revidaram. E tudo se apegaram. Colonizaram os colonizadores!
Segundas e terceiras fitadas, as fiz por dar fé: Carros voadores por todos os
lados. E nas outras aliterações de miragem, abrigavam muitas carnes já comidas, por
entre as barrigas de aluguel em pós-cio. Nalgumas, até num prestavam atenção a mim,
mas a uma griô cantando feitos. Apropriaram-se até dos jeitos dos escravos!
E que, porém vêm agora, meus leitores! Porque a morubixaba... Melhor, a
tuixaua caminhava até a mim. Na quarta fitada, fatigada, má reatentada. Por açoite de
cunhã sobre minha bochecha, avermelhando-me. Atentei; Sobre piteu, airosa, tropel de
adornos e ouriçavas que, onerosos, até podiam jogar o pescoço à frente e queda, má era
forte! Má é afeiçoada, minha gente!
Adiante, arrostava-me. Já eu... Só na mais ou menos indiferença, pra eu me dar
pulso ao meu contraste contra ela, toda pomposa.
-Marantaá reiurí té iké? Marantaá umuapatuka? – E fazia essa pergunta com uma
rigidez...
-Desculpa aí, mas... Eu sei que podes falar em minha língua... -.
- Marantaá ixé akuau apurungitá ne nheenga iuirí? -.
-Ora... – E dei uma pose confiante, com aquele sorriso do jeitinho Sociomano de
improvisar – Não existe muita diferença entre tua língua e a minha; A língua que vos
fala é artificial, criada. E entre uma língua que mais ou menos se aproxima da minha e
uma que é a autêntica, qual das duas soa mais gostoso de ouvir? -.
-É... Tens razão... Língua de kariua, a língua de teu inatismo, é mais bonito... – E
até fez unanimidade com as irus que comanda!
-Ó, mulher branca... Invadiste terras de minha gente! A taba das Icabiabas não
faz hospitalidade a uma desonrada de braço desmerecido! – Proferiu isso tudo sem
nenhum sotaque!
-Braço desmerecido? -.
-Braço que tens aí é de índia muito honrada. Maiara, filha da noite, cujo poder
era de grande sabedoria. Derrubou as antigas guerras sociomanas com apenas a própria
voz! -.
-O braço aqui pertence a ela?! A lendária Maiara? – Pasmei.
-Não soubeste? Puxi! Puxi! Indé niti rekuau reriku maã niti reú kamundu
resuara! -.
-Tá... Tá... Eu sei que o braço não consegui por mérito, mas... Foi por troca!
Com o cientista Alberto de Nadita! -.
-MAÃ?! MAIÉ REKAUA REMUNHÃ KUÁ?! MAÃ AÍUA! MAÃ AÍUA! -.
-Alberto de Nadita é de coisa ruim, do diabo! Pecou no roubo do que não lhe
pertencera! – Pisou forte ao chão, aporrinhada - Homens brancos... Parasitas... -.
-Err... – Gastura minha já bulia - Será que o ditado “Ladrão que rouba ladrão,
tem cem anos de perdão” há de valer por aqui? -.
-Ditado de homem branco?! PUXI! PUXI! Vais virar carne nossa! Com certeza,
de braço teu, há a grande sabedoria de Maiara. E talvez o sangue de teu corpo já tenhas
o legado dela. Deves valer por um bom ritual... -.
-NÃO! – Tossi – Digo... -.
-O que? Temeste?! – Até pensei na tapa que poderia receber, mas num ocorreu -
Então NEM DE TUA CARNE PRESTA! Desonrastes a ti mesma em todas as esferas!
Não tens o que conquistastes por esforço; Desonrou a língua de nossa gente; E nem
coragem tiveste perante a morte! Só nos resta a tua soltura! Nem a morte te merece! -.
Morte de mim é piada de mau gosto, oxê! Escapuli, entre meus jeitinhos
sociomanos: De morte temo, por minha carne num me vangloriar. Sou desonra total
agora, pra qualquer Sociomano. Que culpa eu aproprio em minha insensibilidade aos
trejeitos? Antropofagia, num me dou bem...
Desviei-me de morte, má num quer dizer que minha espevitada em tudo se
espraia...
Grito uníssono que só! Todas fazem escândalo! Eita! Numas delas até já se
enfiavam nas ocas, com facão e flechas, nas mãos das outras, fora das casas...
-És coisa ruim! Não te quero nem como caça, nem como carne de legado e
muito menos por casamento! SUMA! SUMA! – Liderança berra tal como fraqueja.
-Então eu posso sair daqui? -.
-Pode não, VAI SAIR! SAIA LOGO! XISPA! – E deu de segurar umas flechas
contra mim, alvejadas.
-Mas é que... – Fitei pro meu corpo – Não consigo me desamarrar daqui...
Heheh... -.
-Está bem... -.
Má que índia tremida! Lançou-se pra trás, com flecha e tudo, sentinela em outras
a feitarem o rasgo na corda! Má nem elas tinham modo pra isso, nem coiso de ímpeto.
Parangolé, líder de gente, executou causa de empurro, em consequência para uma
qualquer me soltar.
-Pronto. Procure! Quando achares, tchau! Some! Não apareça mais aqui! -.
-Antes de irem... – Num fiz mais calma não: Moda minha, agora é de escarnio! –
Pelo menos a Icamiabas recebem com Saudações lacrimosas. Vocês nem isso honraram
do legado do que carregam por berço! – Chalacear... Ah! Que ironia da vida...
Metal efemeriza? Não sei... Local breve, de açoite que dão por falta daquele
trem bom do passado. Má num tem chip que denote coisa ruim de homem, não. Nem
mesmo macumba, morbo, bodega ou malogro, que se anedota nos desesperos de fala
peste, que sei sim e você também, meu leitor: Que são na procura dessas coisas, dessas
máquinas, que se fazem os humanos menos afeitos aos costumes da terra. Culpa não se
tem, não. É só um causo que acontece por própria natureza... Bem pior essa definição do
que a doença, né? É de estarrecer... Por cada escavada minha, para encontrar os metais
do pelo que.
Facínora fascinação! Má dói o dedo por tanta tralha revirar. Tédio do leitor não é
de me gostar, não: Sou fêmea de braço sem tora. Barulhou. Metal em metal não
demonstra mais vida do que a madeira sobre madeira. Má índias de lá já se perderam
desses sons, factual provação do quanto não se estimam. É recalque de si mesmas,
talvez.
E achei. Máquina tonta por muitas enlatadas sobre, má dei marcha à frente nos
botões. Apertei as costas afundadas. Fumacentas se fazem vida pra essas hidráulicas
enferrujadas, que se ligam quando se bate no botão, má dói na fungada. Caroço dos
olhos se chora nas primeiras horas de viver. Má isso em máquina num é pra tranquilizar,
não: Cauê dos piscos vermelhos, abraçou-me em suas entrelinhas aguadas. Era óleo, má
num deixava de significar lágrimas.
-Senhorita... Pensei que eu fosse morrer... – Até que pra tanto sentimento, é uma
fala bem reticente...
-Err... Tá, calma, Cauê. Vamos xotar daqui, tá? – Fiz umas batidinhas nas costas
dele, pro chupetão remansar.
-Tu, Cauê, ainda hei de manter o que lhe disse. Mas desta vez, proteja-se... É de
sua feitura necessidade. És tão valoroso quanto os outros homens... Coloque isso em tua
cabeça... -.
-Sim, senhorita... Mas... – Duas piscadas vermelhas, uma azul... Fitada sobre
mim – Por que desta vez foi em língua de Sociomano? E a língua de índio? -.
-É só duplicar a projeção intermediária de sua árvore sintática e incluir o Tupi.
Sabes que pode fazer isso... – Fiz até cara de quem não entendeu nada, má temia
entender...
-Eu sei disso. Indago é sobre porque tu estás a jogar a língua de índio na
projeção interna de tua árvore sintática e, além do mais... -.
-Ah! Chega de milonga! Num sou feita pra se fazer programação, tá?! Ou quer
que lhe tire de meus ombros? – Num posso discordar: Parecia cara de mal comida!
-Não... Não... Tudo bem... Desculpa, senhorita Maricí... – O caroço dos olhos
dele já estava nas brenhas.
-Deixe pra lá... Arribemos-nos daqui logo! -.
Oca... Oca é a cabeça minha pra ter um importar pra isso. Má que era uma
mosca, essa peste rumada por ele, ah se era... Vaiada, era indistinguível sob outras multi
veias de pensar, roto lobregando a respeito dessas cucuias: De ramificação se apartar.
É... É a inevitável finura do conhecimento humano: Tronco é tronco, má ramo é
morredouro. E se do conhecimento num se recursiva, nunca cresce. Má se cresce, a
planta se árdua na manutenção. Meu ofício se adversa pela minha humanidade: De só
ter o português em meu tronco – E mais nenhuma outra língua.
E... Filhas dum Cabrunco! Por cilada de esparrela: Flechadas tudo sobre nós
dois. Agravante? Morubixaba abilolada, sobre mim, dando gosto pra si. Facínora! Que
se agrava por um robô que ombreio. Isso me faz materialista ou que faço importância
para um ser que sente? Má de questão, só resta a mim é a indagação de...
-Por que isso, pô?! Fizestes-te com moral de homem branco?! – Quem num se
desgraça por pinta-brava?
-Se isso significar colonizar-te, sim. Robô teu é tesouro grande de nosso povo...
-.
-Má ele nem é meu mais! Ele é por si mesmo, agora... Ele até despertou! –
Cutucava-o – Ó, vejas como até ele fica incomodado! -.
-Senhorita, por favor... Isso incomoda... Não nos meus olhos – Má o caroço se
mexia de forma gaiata!
-Ó, por favor... É de programação. Isso não o torna único: Só mostra que tua
esperteza é perigosa! – Líder já estava descobrindo minha feitura... Perigoso isso... - Teu
jeitinho sociomano num faz progresso pra gente, não! -.
-Olha quem fala, Hã... – Sorrisinho do meu jeitinho... – A desvairada que fala em
língua de branco que impôs a vocês. Se bem me lembro... Nheengatu é língua de
padre... – Pelo rosto, signifiquei toda essa minha raposa facial.
-Ah, não deboche por cara o que não tens de beleza, cambão! – Opa... Isso num
foi legal por parte da morena, não!
-Olha quem fala... Nem usa ao menos um saltinho! -.
-Quem precisa quando se é uma índia que toma banho todo dia? Tu, que em
chulé se faz mesmo sem calçado, é toda afeita a um simples banho a cada duas horas. O
teu cheiro já te culpa! – Cabresta já dando saco...
-Ah, mas que índia atrevida! O teu pelado corpo já te faz toda vadia, se quer que
eu te fale o que significa tanta falta de roupa... – Num deixei por isso não, pô! E não vou
deixar mais... – E quer saber? Agora encheu... -.
Robô ficou ali, enquanto aqui estava eu, movendo-me a ela. Flechavam-me por
tal ofensiva, má jeitinho sociomano até físico se reflete: Só uns desvios aqui e acolá. Má
em verdade, apenas ergo minha mão, fatigando os significantes das flechas. Por poder
linguístico, manipulo a linguística da matéria. E faço-as sem língua entre átomos.
Ficou só por isso não, meus leitores. A canga morubixaba se abrevia por minha
chegada abrupta! Dois dedinhos, bem no cucuruto. À guisa das entranhas
reprogramações. Minhas, é claro, autora de toda manipulação de qualquer língua. E por
indagação... Robô atrás de mim, sentia-o... Os piscos vermelhos... Antes que eu me
comportasse buliçosa.
-Senhorita... Não se rebaixe... Não és de poder por querer, eu sei... Mas não use
por pretexto... – Mexia-se como flor crescendo em concreto.
-Robô... Eu tenho que mudar a língua dela... Ela precisa tornar-se índia de
novo... – Pegava-a pela cintura, segurando-a forte pela canga.
-Não há mais milagre que as cure da mediocridade... Deixe-as, senhora... Urgh!
– Num me perguntem sobre como ele pode se doer.
-Opa! Como assim ixé medíokyrí? Esse enferrujado é coisa ruim! Num serve pra
gente não, minhas companheiras! – Vish... Forte, largou-se de mim – E você me solta,
peste! Saia daqui e volte para a tua cidade, junta a essa coisa horrenda que criastes com
os poderes de Anhangá! -.
-Tá bom, tá bom... – Acenei ao robô, vindo a mim – Má lembre-se... -.
Vereda se faz, vereda se vai: afastávamos das índias, robô ainda estarrecido. Má
ajeitei-lhe por meus ombros. E novamente: Jeitinho Sociomano. Maneira de olhar à
chefe.
-Toquei-te, não te toquei? Células de minha história já percorrem teu sangue...
Presente para ti, índia convertida... – Carreira, de nós dois, logo em seguida, chispando
dali!
-Ó... Iandé tuixaua tuí puxi oriku! Peiuka aé! PEIUKA AÉ! – É... Jeitinho pode
fazer sanguinolência, também...
Nota ao leitor, antes de algum proceder: Máquina não se faz por enclausura
humana. Fazendo individualismos secantes, que é modo que máquina não escolhe fazer.
A árvore sintática deles não se aguam por maldade: É um óleo petrolífero, vindo da
terra. É, meus leitores... Pretexto-lhes por amizade. De aviso amigo, de quem está
apenas lhes ajudando na compreensão desta narrativa...
Mas é que... Enferrujadas causas não acontecem por impulso. Nem ímpeto. E
nem programação. São linguagens do que podem, do “Pelo que”. Má também num é
pretexto maquinal, não. Toda quântica existência se faz por seu modo, facultando
semblantes pelo que. É o “Pelo Que” que move o quântico aparelho.
-Só não te dou porrada porque não temos tempo... Vamos logo! – Marchei.
-Senhorita... -.
-Senhorita... Ao total, são mais vinte com a mesma programação padrão que a
minha, tal como pediste a mim a copiar a que proclamastes... – Neutral pra quem estava
chorando preteritamente, hein...
-Trem bom... Trem dos bons... – Má ficar só nas expectativas num dá, né?
Melhor já clamar da bexiga! – Ô ROBÔS DEUS DO CÉU! VEM PRA CÁ VOCÊS,
PÔ! -.
-Meus caros... Declaremos: Que da compreensão se faça a lei de todos nós, aqui
presentes... -.
-Senhorita Maricí... – Que ritmo sonoro uníssono de todos! – As índias ali são
por onde começar? -.
-Elas ainda lhes verão como propriedade privada. Para não ocorrer guerras
desnecessárias, fiquem com elas. Já estarão servindo à causa maior! -.
-Sim, senhorita... – Aquietaram e rumaram-se por espraiamento, índias pelo que
doarem-se.
-Menino... – Nada de grito aqui, não! Só palras breves – Por que a flecha
encerrou-se em ti? Donde veio esta? -.
Até moldei-me em mão estendida. E deu? Que nada! Afastou tanto que até bateu
nas ibiras, costas triscadas sobre. Aos maus feitos ao olhar, fariam significado precoce.
Má em linguística minha, sem o temer e sem dever, é que devo entranhar. Dum menino
sem pai, sem mãe. Trabalho honrado? Tentou, má a face num dá bom ofício, não. Esse
local? É pra tentar outros tentares além da cidadela. Má sem o jeitinho, num vai pra
frente. Icabiabas ao acaso. E por ser menino, óbvio da flechada. Ali, esteve por acaso.
Mal de guiar-se nas matas, sem mão a se segurar.
Num fez resposta. Reformulei-me em nova linguagem...
-Vamos, moleque... Num precisa fazer causa por minha pele. – Entrosei, na
tentada por ajoelhar a ele - Podes abrir tuas memórias a mim, como um griô... -.
-Eu... – Ah não... Que não seja de expressão que se faz tímida... – Preciso de
galinha... Pra encher na bucha... Num sei como te chamar... -.
-Podes chamar-me de Maricí, tá danado? – Levantei, cafuné em careca preta –
Num sou onça pra te matar, tá? Iuká num é de minha destreza no pensamento e nunca
será... – Malear um sorriso aqui já deve dar mais confiança a ele...
O robô atrás de mim? Pausado. Tanto que compreendeu, agora eu que estava pra
articular tal desejo de feitura. Notando minha sentida, de alguém precavida, nos modos
da mão num preguiçar. E ao garoto...
Causos de gente como nós num se encerra assim, meus queridos. Continuada
consequência final, inevitável. De a natureza justiçar o que o homem comete. Em sua
inevitável programação que num aceita outras gentes além dele. Temo pela minha
linguística, que depende da aceitação de todos com todos. Sobrevivência, desculpem-
me... Má boas ideias num enchem a bucha...
Que deve inchar, por satisfação nossa. Robô num tem azar desses, má é
esfomeado – Por humanidade. Dá até pra fazer uma gaitosa por isso, confessando-se
indiscreta. Que é de não acontecer dialética entre homem e ferro. É dum ocorrer mais
causal, acima da máquina. Até porque... Essa estória toda é em pretérito. Vós estais num
sonar da existência que é este livro. E se resignam, eu sei, no tédio. Má é porque
máquinas não podem significar o significado do homem, má este tenta significar na
máquina.
-Bom, menino... Num vejo peste em ti, então acho que... Vamos até esse nhô que
falaste... – Sorri.
-Num sou de duas burrices, não! Num quero voltar pra chibata de novo, moça!
E... -.
-Oxê! Meus ouvidos ficaram mudos ou o som é verdadeiro? – É, agora quis
pegar-lhe pelo braço, jeito de mãe – Mostra aí, menino! -.
-Auá! Barona... -.
Gastei paciência, não: Pelo braço, quase machucando, má suficiente para levante
da camiseta amarelada pelo tempo. Chibata? Chibata nada. É quase paiar, mutilação de
monandengue. Paiar no menino é paiar no branquelo, executar ao meu gosto. Má, vocês
estão cientes: Quando é de Deus a minha mão, minha boca é do diacho. Sapeca entrosa
numa pacífica: Jeitosa revidada.
-Me larga, dama! Já tô nas calmas! – Desmandei, por acidente! Até avermelhou!
-Tá bom, menino! Já te larguei. Má essa troça aí num é de traquinagem, né? -.
-Tô fobado, moça... Culpa até tenho, mas preciso de makunde... – Amaciar a
barriga é aquietar a lombriga, no desespero dum negrinho.
-Compreendo... Má... – Chalaceio. Vocês sabem... Jeitinho... – E se eu te prosar
que bucha de robô num há, má a minha tá crescendo a fobada? -.
-Moça... Mas preciso de bumbar com dignidade, sabe? Num quero mais esses
jeitos meus... Coisa de preto... – Cabisbaixo, como orelhas caídas.
-Jeito de branco, jeito de negro, jeito de onça, tanto faz! Jeito é coisa de homem
e qualquer ser, rapaz! E te ensino bem, se enchermos a bucha com toda essa canja do
nhô! – Mãos esfregadas, só de pensar na delícia – De quebra, jogar na face do filho da
puta pra ele tomar tenência! -.
-Mas ele tem carros foguentos. E o chicote é doído em dobro dessas tralhas... –
Tremia, se vocês vissem...
-Num faça caso! Temos o Cauê aqui, Ó... – Empurrei-o para o moleque –
Compreenda o baixinho aí, enferrujado! -.
Depender só do enferrujado, num sairia nem tosse, pois menino é fácil para
substituir-se frouxo. E as momices surgem no acidente, incidente da nossa ignorância. É
que tremulação é inevitável, senhores. Por menino que tentou brancura...
Ironia: Se gasta mais no chumbo, comparado aos ovos que o menino devoraria.
Pretexta-se moral nessa, má num caio, não. É mania de apegado mesmo. Num tem
cultura de dividir nem com a mãe!
Menino já estava mais em família, agora. Má na minha aproximação, é um
frouxar nele. Na minha lonjura dele, faz amizade com o enferrujado, durante a vereda
até o arraial, que é da mata mesmo. Num súbito se surge, por madeiras ao chão. Tudo
perto, pois são fragmentos do vestígio de aparelhos humanos. São espigas de milho,
perdidos na imensidão florestal, que é que num se come, má tenta subir-se artificial pela
fertilidade. Quando o homem faz da mata a sua posse.
Se é ímpeto um recalque ao meu coração, pelo dom de Cauê? Num é não. É
desse jeitinho que velo, nas máquinas de compreender. Num há homem que se faz por
si, sabe? Mito, mito... Que é de mudança apenas na dependência: De mim ao Cauê, de
pobres ao Estado, de patrões aos seus trabalhadores. Num mundo de interligações, o
solitário é solidário por cabeça.
É na andança que se vai adentrando ao milharal, ao grande adjunto de ceifeiras,
que tudo são os complementos das galinhas, que é o nosso alimento de hoje. Fazenda
monocultora, retumbante na falta de variedade, que não se reconhece por sua essência:
Dos homens cuja alma é mais uníssona que a das monoculturas, de sua impossível
desinência. Porque os homens da terra em que não nasceram, são seres que
proporcionam os seus horizontes inversamente aos hectares que apoderam. Alma queda,
no subjuntivo que não cultuam.
Na monotonia da caminhada, fitando apenas os cultivos e as raposas vermelhas
ao longe. Surrupiamos no repente, em despisto dum vigia de ferro. Ajoelhados, pra não
dar na vista. Que é de anteparo, entre muitas pernas de aço, galinheiros de orelha afiada.
Duma tarde, logo, é preguiça de capataz e folga dos escravos, estes na dança e aquele na
cachaça.
Destoávamos por nossa conjectura: Branca expelida de beleza, louro grisalho e
pele enrugada; Menino negrinho na maior das memórias, medida da fome; Máquina,
quântica imensidão, que se faz por compreensão, construída por índias da mata densa e
apossado por um doutor. Mas encerrávamos na comunidade baixa: Dos ajoelhados, a
procura por comida. Que é o encerramento de toda humanidade que num antecipou tal
andamento inevitável.
Finura linha à frente, armadilha. Prendi o braço do moleque, num evitar das
brabas alarmadas. Gestei uma notificação no coitado:
-Toma cuidado! Fio de seda é o segredo que te fez ser pego e chibatado... –
Sussurrei.
-Ah... Valeu, moça... Brigado mesmo... – Sorriso tímido, ainda num avezou à
gente.
-Essas fazendas são grandes, né? Demorou pra chegarmos aqui... – Reclamei.
-Basta ter jeito que já dá bem, moça. Nós estar na parte pequena do terreno... –
Fazia semblante de quem ainda mantinha a humildade da precaução.
-Senhorita... E companheiro, detectei duas frentes robóticas modelo MIRA-2020
espreitando até nós. Precisamos nos esconder na granja ali... -.
Robô esperta sempre antes de tudo, mesmo antes do menino jeitoso que eu
ensino. Sem tramites, infiltramo-nos nas palhas do barro, madeira mais ou menos feita
de pau a pique de goiabão, entre galinhas preguiçosas e pintos bastardos: Amarelos, os
pintos, da doença inevitável vida. E não, num é erro de grafia: Assim mesmo.
Má também nossas posições num ajudam: Menino tentando furtar-se debaixo
duma galinha, nos ninhos; Robô se amontoando nos pintinhos e eu no modo de ficar
embaixo da madeira cercante, una ao mesmo. Lugar grande, pra variar, escolhem essas
furadas!
-Vocês arranjem biboca melhor! Venham até aqui! – Imperativo, pela minha
raiva.
-Má vocês num tem jeitinho mesmo, né? Que falta de sangue brasílico... – Fala
em vão, por tanta barulhada.
-Repito: Má vocês num tem jeitinho mesmo, né? Que falta de sangue brasílico...
– Desta vez, na minha mais raiva, escutaram.
-Desculpa, senhorita. É que não fui programado para furtar... – Também gritou,
no enfrento às tormentas dos pios.
-Dama, não me culpe por não ter costume teu. Ainda vou aprender... -.
E apertavam sobre mim, pra variar. Lugar grande, mas acolhiam-se a mim como
gravidade de planeta gasoso! Sou coletiva, má num dá pra maneirar?! Afasta! Afasta!
-Opa! Mal aí, dona... – Obedeceu aos meus chutes, apartando.
-Senhorita, vamos dar muito na vista assim... – Neutralizava-se até na nossa
atrapalhada! Num fazia caso quando precisava!
Paramos. Quietude nossa, cautelando contra os mares porvires, que são as ondas
das galinhas que terminam numa tranquilidade gradual. E por quê? É circunstância de
pusilanimidade, do galinheiro. Entrando, fazendo causo com braços a estapear as
desgraçadas. Por ovos não postos. Encolhemos o quanto pudemos.
-Vá! VÁ! Quietem! Chega de estorva! – Pisadelas nas galinhas! Que coiso ruim!
- Mas só ficam à toa! PAREM COM AS TRUCADAS, Ô! -.
-Humm... Panázio de robôs não é acaso. O compadre Nhô num se agrada com
câmeras antigas dessa merda de casaréu. Melhor trazê-lo aqui, pra dar um representar
dessa catinga... -.
Colocou-se em carreira até o Nhô, na casa grande. Num fugimos, pois robôs
pertos num dão boa coisa. Má pela ausência, e pelas galinhas aquietadas, indaguei o
menino:
Na percebida do ruivo. Chutei na face do menino, pra não fazer mais terremotos.
Má é nessa que se ironiza: tremelicada aumentada. Constante diante dos sentires
alheios, de ódio. Com os pés, lhe paralisei. Por tentada. Má piorou e tremi junta. Os pés
de Cauê, também em mim, acabaram na dança. Tremelear generalizado.
-Sim, Nhô... Tô assuntando... É briga de palha... – Fazia uma careta que parecia
de ver, mas era de ouvir.
-Estou achando que tem algo escondido... – Ó não... – Aqui! Ahá! Vocês estão
aqui! -.
Entre chutes e pontapés, por que lado nem sei mais por onde se começou. Má no
final, nós três em frente ao dito cujo. Alisava o cabelo ruivo, enquanto não era tão curto
quanto imaginava. E a pele lisa que massageava constantemente, num fazia justiça à voz
autocrata. Os caroços, azuis, no entanto, e mais além, no além do que pensava, não se
alcançava: Todo homem lhe pegava por irritação, má nunca ele tinha pensamento nas
brenhas. Que é da esperteza, da astúcia, ou mesmo por gentileza. Desvirtudes dum
homem que enaltece virtude.
E quando digo que era longe o pensar, mas perto a sua ignorância, é porque...
-Ah! Sabia... Esse preto de merda tem uma puta ajudando. Essa sociedade
decadente de merda... E ainda por cima esse robô certamente não é de vossas posses,
né? Pois então ele será meu e... -.
-Opalá, Nhô Chuteira! O Cauê aqui é independente de mim, do negrinho ou de
qualquer índio dessa terra! – Acha que eu o deixaria falar o que quisesse?
-E desde quando ferro-velho tem livre-arbítrio? Sai pra lá, vadia! Agora ele é
meu! -.
-Humm... – Adivinha? Jeitinho... – Então depois fala que apropriação de bens
alheios é coisa de preto sem meritocracia, né? Safadinho... – O sorriso aqui é
conveniente à situação. E eu estava mesmo me divertindo!
-O que? Mas eu estou apenas pegando de volta algo que me foi roubado – Alisou
o cabelo, de novo.
-Alguém te roubou um robô? -.
-Não, burra. A sociedade, oras bolas! Essa sociedade parasitária, que do imposto
faz caridade pra vagabundo! -.
-Hummm... És Teixeira da família Teixeira? -.
-Sim, é óbvio! Por que perguntas? -.
-Falas tanto de esforço... – Rodei a fitada por todos os cantos – Mas vejo que
tuas posses não foram por teu esforço. Foi o teu papaizinho que te deste, né?
Safadinho... -.
-Ora sua... – Opa! Bater em dama não é coisa de macho, não!
Máquina rasteirou no cabra, oxê! Que faliu sobre palha, galinhas picando-o até
no olho. Que lhe arrancam, má já nem fazia ligação, porque as atenções se voltavam ao
dito cujo:
-Sorte sua... É bom nem mesmo encostar em você. Tens legado de preto, nesse
braço de gente ruim... -.
-Se não sabes, é o braço da Dona Maiara... – Meu Jeitinho já não significava riso
- Não ofendas a honrada, diferente de você, que nem legado ao menos construístes! -.
-Honrada? Essa comunista de merda? Se não fosse por ela, teríamos um país de
primeiro mundo de verdade e não essa sociedade de merda que há! Tudo culpa desses
pretos e mulatos! -.
-É tão engraçado que amaldiçoes os alheios, mas esquece que os teus
antepassados também mancharam-se de sangue... – Postulei-me ereta.
-Causa justa! Construíram-se matando bandidos! Isso é honra! Diferente de
você, defendendo pretos criminosos! -.
-Nem se fosse vermelho haveria de abandoná-los... – Postura etérea.
-Ah é? Por que não adotas-o? -.
-Bom... – Saí das cerimônias, acariciando a careca negrinha, brilhante – Se ele
acompanhando a mim já pode ser considerada uma adoção... Então... – Sorri, só que
sem a esperteza.
-Ah foda-se! -.
Em minha língua, do que minha mão inerte, erguida se faz sobre as línguas
ignaras. Fogo entrecruzado, que não se faz pela ardência, mas pela dor. Do que se quer
por secura. Na pólvora, princípio dos ideais por mera queima, desfaz-se de tua
significância. Cansou-se porque lhe provoquei fadiga: Sobre inexoráveis almas que não
se consertam mais. A pólvora não mais fará do homem sua alma mutilada. Por querer.
Puxei a canga quase como croquete na nuca. Num deu-se pra morte, não. Má lhe
serviria pra jogar-lhe numa programação maior: Nhô Teixeira é do passado. E que talvez
fosse morto só no interno. Do que já não fala, nem bebe. É da água que toma, mas nada
além. Porque já ficou cadeado. E abertura, só no remanescente.
Brilhei pelos olhos, a ficar sem os caroços. E pelo Cauê, quatro piscos
vermelhos. Do menino? Escondido num canto, por medo de nós.
Fitei nele uma necessidade: Que tal como o pelo que deve existir, o ocorrer
também se faz por mudança, resultando na minha olhada sobre os robôs afora. Sobre os
latifúndios. E os “pelos que” existiam, não mais denotavam vida campestre. Saltei
sobre a madeira divisória e corri aos latifúndios.
-Senhorita... -.
-Aguarde-se aí. Cuide do negrinho, pois ele vai com a gente... -.
Grito redeclarado das consequências? Que dum brilho repetido num se faz uma
cópia qualquer: É declaração folclórica. Duma transmissão já derrotada. Substituída por
programação minha, agora implicante. Sobre os brilhos aparelhais, luzes que desferram
das máquinas a sua totalidade. Maior que a terra que lhes gerou na essência, pois é da
terra que se fazem nascituros...
Por próprio choro. Nas lamentações sobre cada milharal. Por onde andam
cabrestos perdidos, ignorância proposital minha jogada sobre os mesmos. Resulta-se
nos fatos redundantes, da mesma declaração anterior, na essência, má nas redundâncias
esquece-se costume de gente. Maquina há de reiterar o que o homem despreza, pois a
máquina é mais entrosada.
Calefações. Foi o que sobrou das mais velhas. Das novas, mesmo sem braços
avançados tal como das feitas por Icabiabas, ainda podiam satisfazer o patrão. Porque
terra de índio, num se conhece, mas se gera fascinantes causos. Por isso são máquinas
folclóricas, de desconhecimento por sua complexidade imutável. Má no homem, quando
se contaminam, se desfaz. Alma do homem se parte em fragmentos, desdobrando sobre
a raiz que num regam. É teimosia pela paciência que cultuam. Paciência é um ato
medido, não uma preguiça...
Num esperam e esperam. Facilitando, assim, suas feituras lentas. Por movediça
até o Nhô Teixeira, por onde se retomavam principias. Na primal existência de suas
engrenagens: Acarretamento constante, irreversível. Pelos chips que não constroem
além, mas resguardam memórias. Espírito de si mesmas, sobre a compreensão, não são
de amor, nem compaixão, nem conhecimento: É na lonjura de energia. Pelo quanto a
espera humana pode aguentar a viajem das máquinas. Jornadas despercebidas, que é
donde se surge desconhecimento. Não se faz ignorância apenas em ato: Também na
imensidão, na facilidade. Os lavradores se cultivarão por dificuldade, mais do que na
introspecção. Quanto mais se cultiva, mais se assenta na terra, mais se intromete e
derruba a concretagem. Nhô Teixeira, portanto, não mais cultivaria nas gerações futuras:
Sem filhos.
Porque agora, já feitas as programações, retornei aos compadres. E o Robô
cutucou:
-Senhorita, teu poder agora está ampliado. Até de ceifeiras fizeste linguística... -.
-Isso só me faz ter mais certeza de fazer os homens serem mais compreendidos.
Talvez seja hora de voltar à cidade, não acha? -.
-Mas e a Muiraquitã? Há de visitarmos Anhangá por ela... -.
-Por que devemos? Podemos tardar tal acontecido... – Até fiz despreocupação.
-Mas Mari, “O Princípio de ti mesma começa com...” -.
-Ah! Já entendi, robô! Eu sei que só Anhangá poderá responder-me a esta
questão, mas por agora, hei de continuar meu ofício... -.
-Por sua culpa ou inocência, então... -.
Lembrem-se, leitores, dos modos de apossar ovos: Uns pegam mesmo sujo,
enquanto outros limpam contidamente. De um jeito ou de outro, fura-se na ponta e a
clara desce na garganta. Porque lhes falo dessa propensão? Porque entre os ovos e a
fome, eu me joguei quase quebrando cascas enquanto o garoto engolia com cuidado,
como quem não desperdiça, nem exagera.
O ovo ou a galinha, ele não fazia questão de perguntar, entretanto. Mareado das
questões políticas, fazia caso por duas vertentes: A fome e a vida. Conserva a galinha,
esvazia o ovo. Xeleléu, só tem o casco e o cú. Que lhe destinava à sua mediunidade,
quase espírito. À engolida tímida, essência vertigem sob a garganta. Que, por fim,
refinava seu espírito, o etéreo multiplicar. Que o pudor não o faria desistido...
De meu Jeitinho. Por isso, resolvi...
-...Que fiquemos então aqui por uma noite, e então vamos à estação de trem e
voltaremos a Montes Belos... -.
-Montes Belos? Aquela cidade que é tudo por cima da floresta, moça? -.
-É sim, Berto. Sobre pilares construíram, pra Anhangá não pegá-los. E é grande
a cidade... -.
-Num cai não? -.
-Balela! Tudo lá foram feitos por gente como tu. Num cai nem com meteoro! –
Sorri.
Beiramos nas palhas, entre as galinhas. Deitados ali mesmo, junto ao robô: Este
num saia do lugar nem com cosquinha. Má sentia, por ironia, muito mais que as
designações minhas. Na tentada. É quando a posse está além da nossa tosse, ímpeto.
Que é a essência do quanto nunca espirramos numa gente.
-Atchim! -.
-Saúde, moça! -.
Jogamos palha sobre palha, por cima de nós, é pela veste: Palha faz mais justiça
que a nossas peles. Aquecem e cobrem pudor. Dum troço que num opinam, num
reinventam brabeza. Porque num constroem alma: Espírito da Terra já imantam, má na
alma, preguiçam. Paciência, contra as tosses que num revelam ou gostam. Porque pra
coiso homem, num atendem regalia. Por isso, frio demais... Ímpeto pelo que num se
comovem, tal como o meu e do Berto.
Que é? O sonho? Num tem de novo... Nem brancura, nem negrura: É tristura.
Ofício se construindo e realizando, deveria encher-me na água. Má virei sertão:
Retirante de lugar nenhum. Pois minha origem é seca, desbravada. Pela boniteza que
num despi. Contra as correntes de ar, nada move meus cabelos grisalhos, sonho de
individualistas, má pesadelo meu. É medo da muiraquitã... Dos legados dum imperativo,
não imperarem. Tornar-se mata virgem de novo, é socorro... Meu Deus... Suplica-se por
conjuntura. Esta, nunca se humaniza.
Errata minha: Humanização das noites, das escalas, num desmentem tonais
aguçadas pelo silêncio. Estas já se cansam, por tanto retângulo de ouro. Aos mais
vívidos, o descuido vale mais que a harmonia. Discórdia necessidade. Por que
linguística, na harmonia implícita, explícita, descontenta. Os gramáticos ganham mais
conjuntura que os próprios conjuntos, harmonizadores estranhos aos bichos homens...
Silêncio e noite num se misturam: Grilos desmentem a censura. Despedem-se
das entrosas folhas secas. Estas se podam pelo novamente. Ciclo de devaneio, fitando o
teto madeireiro, pretinho dorminhoco e enferrujado meditando. Censura, nosso sono,
reconhece a desarmonia: Esta inata ao sonho, imagens desnivelando sobre o espírito em
que erram ou acertam. Por isso, medo nos homens, medo do reconhecimento, mais que
pelo desconhecido: Aos desconhecidos, jogam-se Saudações Lacrimosas. Aos que se
ouve falar, desconfiança. Aos mal ditos, ou mesmo bem compreendidos, rajadas de
flechas. Porque ignorância é mais conhecimento da alma que conhecimento de espírito.
Por isso, flechas e sangue. Bombas que explodem na faceta, expondo só, por fim, num
choque a quem queria morte, debruçar-se sobre o cadáver com quem não fez espírito.
-Moça... -.
-Ai! Num dormiu ainda, moleque? – Sustei pô! Súbito clamor!
Pra criança, num é da alegria e nem tristeza, que as enxergamos plenas da idade.
É dum distanciamento dos caroços, que num expressam emoção. Duma molecagem
buchuda, numa salivada por desconhecimento. É pelas salivas escorrendo da boca que
se medita: Espírito de imparcialidade. Infância se traduz corrompida, quando se inicia as
boas ou más sentidas. Fatal ironia: À hora da morte dum velhote, a mesma saliva
escorre da boca. Os neurônios queimados da alma, o etéreo não limpa.
Bertinho? Esse faz cachoeira! A água da boca num chega à palha, mas ao
pescoço traduz-se longínqua. É por onde se começa a primária questão...
-Por que os outros lugares parecem mais bonitos? – Ele num fez pudor de
perguntar.
-É por falta de casa... Falta de pelo que... -.
E na última frase, no “pelo que”, dormiu. Jornada, talvez, de alma de toda
criança: O motivo é estendido, má nele os baixinhos num se estendem. O que nos
essência em nada, enquanto que a eles é poucas trancas. Chaves de nenhum ouro, baú de
nenhuma harmonia, nem pôneis voando sobre as costas de arco íris: A chave da alma é
oposta, o que num se faz por primazia. É dos contras que a criança encontra uma chave,
ainda que enferrujada.
Sobre os pôneis e as harmonias, dum local que num se conhece ou perfaz, a
discórdia: Chumbando contra a imutável. É da discórdia que se faz as melhores
amizades: Dum negro, dum robô, duma branquela, é por onde nunca fazemos harmonia
proposital. Quanto mais propósito se faz, mais se lateja lerda, atolando a alma sobre o
espírito. É do acaso que vem a primeira amizade.
Ao acaso, dum quase amanhecer, abatendo sobre as pupilas da falta de sono. A
linguística dum devaneio num interessa: Se interessa é o fim dos últimos parágrafos. O
que é esse fim? Paia. Meus queridos... É conversa fiada: Que se paga contra o que num
futuro se faz, o que num hoje num se entende. Cubada é cri cri que lhes desnivelo,
quando assim vocês redobram atenção. Na minha linguística perdição, conta folclórica
abundando-se de juros bancários. Cultiva-se na especulação letrada, assim remonto-lhes
alguma bolha futurística, da brigada dos escritores tal como eu, que já reiterei o que me
é repetido de contar a alguém: Esta estória.
Cubada nas telhas, nas bapevas, pelas amareladas inaladas das galinhas: É a
manhã, cheiro do mato. Robô, como pela ferrugem, num sonhou, nem piscou os olhos.
Menino ainda alastrava o resquício da preguiça.
Por minha já disposição, ajuntei as palhas, segreguei-as das mais feias, pedi para
Cauê para que as afogueasse. Por fim, os ferros quentes, que é pra carimbar cavalos com
o “T” de Teixeira, lhes pego pra quebrar os ovos, fritá-los na chapa. Nesse meio lapso,
na espera da fritada, observo: O Teixeira, dono desta pá, agora nada se apossava além
dos trapos do corpo. Já nem ruivo e nem pele macia: Era o bruto que sempre foi, sem
cabeleira tratada. Nudez que estuprou o tabu.
E as ceifeiras? Cuidavam do Nhô, e tinham mais cuidado que eu: Mão frita por
descuido, má nas ceifeiras, lâminas tímidas. Resultado da compreensão que
estabeleciam. Pela ré marchavam, guiando o doutor até onde este podia comer.
E a bucha enchida? Porque pelo ovo se denota uma afilhada? Criança não se
deduz por ovo algum: É o ovo que deduz a criança. À criança, resta a inveja pelo
misterioso. Do que mais agrada adultos que ela mesma. Por isso a comida é mais
masoquista com elas: Em encenação duma infância conjunta, coletiva. O mistério que
ambos compartilham, pelo Bertinho comendo o ovo, perpetua-se. À bafafá entre os
mistérios, a definir quem mais se eterniza.
Sobrecarregados estômagos, resulta-se das eternas arrotadas: Proverbiam as
impossibilidades comidas. Em verdade, das que não se comeu. Insuficiência, limitação.
É do estômago que surge a primeira ordem, a primária harmonia: Dum conhecimento
que há de se comedir na sua aquisição. A bucha num comenta abrupta, má revoga: Pelo
vômito, o que num se contrai perpetuamente. E pela evacuação, a pós-antropofagia. Os
primeiros folclores do ser humano, após tais processos.
Negrinho há de sempre vomitar, quando o ovo se apodrece: O que o misterioso
faz na sua principal função: Desencanto. Media, então, o primeiro medo. Do que pode
vomitar a satisfação anterior, retornando desespero. Ovo, na sua fritura, sarrabulha as
reticências dos meninos.
Má é claro que mesmo já descoberta, outros dois ainda faziam furtada. Clamei-
lhes da segurança, duma onça que num morde. É matadora, má num descrença pela
razão. Dói aos estranhos o que aos conhecidos de terra familiar já se reconhece
hospitalidade a aqueles. É menos generalização do estranhamento universal, sabe?
Duma boas vindas sempre alegarem, má aos estrangeiros num ocorre entendimento
primário, tal qual o fraquejo do negrinho.
Os relutantes, mais pelo menino que pelo robô. Este saiu, o outro num tinha
jeito. Reiterei-lhe:
-Marycy... -.
-Antes que continue... Que raios é essa de Fígado de arrependimento? Que dizes
com isso? -.
-É por que ainda há de te amolecer pela alma, o que ainda não compreendeste.
Tua língua estremecerá sobre as melancolias... Apenas saibas disso... -.
-O que? Como assim? Por quê? É por ainda manter minha brancura interior? -.
-Não existe negrura ou brancura... Que cure a tua alma... Apenas cuide de tua
muiraquitã. Pois das boas que se recebe, não se maltrata. Filtre as futuras vindas... -.
-Como? -.
Por que brancura faço legado? Mais de sangue: De pais de meus pais, de todos
desde a Socioma formação, nunca houve sangue de índio, nem negro. Tudo que sei,
além das línguas de índio e de minha epifania sobre minha inveja aos bens aventurados,
vem de família. Mal de minha mocidade é tudo de pai e mãe. Tudo já mortos, pelo
tempo que representaram: Tempo das normatividades. Num há tempo, nem meu e nem
de meus pais, que se engrandeça pelo causo atual, d’agora que lhes conto esta história.
As normas num ventam.
Só por já distrair-me, Solidélia mandou-se. Entre as bapevas avermelhadas,
furtou como prestes a outra caça. Desde os tempos da Transocioma. Tesouro que tanto
carregou num é mais valente, nem espólio restante. O que resta dos homens, se desvai
pelo caminho. Sobra apenas a essência.
Ao robô, umas tapas. Da consciência de bandido lhe restituir, né? Do quanto nos
parecemos aos caroços burocráticos. Ao garoto, lhe trisquei o braço, gestando pela mão
o jeitinho das saídas: De vir ou não vir, o tanto faz que mova as vadiagens. A dicotomia
fragiliza-se, revoluciona-se à astúcia.
“Porrada! Porrada! Cacete nessa merda! Cacete porra! Não há valia! Não se faz
mundo com essas merdas de índio! Pegar a vadia! Porrada nela! Porrada! Porrada!” E
num há de estender pelos três: Este inatismo já é uníssono a ambos. Má no repente,
surgiu outra:
“Gente sem moral! Sem moral! Merece morrer! Tudo vadio! Vagabundo pra
cadeia!” É que pela minha cachola nunca se despercebe as hipocrisias.
O primeiro perdão surge aos que se exige que peçam desculpa. Fatura sobre o
que o vazio num entretém, a abundância retoma-se ingrata, que aos detentores imperem
o pagamento de perdão alheio. Aos mais poderosos, mais perdão. Aos mais fracos, mais
culpa. Fato desmiudo: Lombriga d’bucha, coceira estomacal, é mais indigesto aos
mandantes que aos mandados. Estes se censuram pela fome.
Menor implorando perdão, ainda. A mim, tentando retomar-me pela língua,
desconformava. A esta, a única normatividade que me aceitava, mas me destoava,
restabelecia calma. Má brejo: Linguística minha, pelo ímpeto, se amplia. Retoma poder
quase maior que Solidélia. Parametrizei os redores, flutuando, espantando os
desacordados, incredulidade ao garoto.
Mãos já horizontadas, à bigorna, mandei-lhes pelo calor. Este, retaliou o metal,
socando derretimentos. Finura entre liberdade e censura, concretadas por paredes, mas
aproximadas num fraco ferro fundido. Os trambiqueiros já desolhavam a mim, mas a
fixarem-se sobre o vão da jaula fundida. Firmeza de atravessar-lhe, já firmando alegria
sobre os detentos. Da cela, das outras, de quase todo o cadeião. A mim, nada além das
serenidades, proporcionais à minha fúria.
À visage, fitei uma imensidão. Perdição, ao passo de recorrer aos alheios:
Dos aços, constituintes das armas quentes, desvão pela língua temporal: Ao que
o tempo esquenta, o metal funde. Sobre as mãos policiais pelas quais queimarem, por
dor dos tantos graus acima da fervura. Necrose! Necrose pelo que há de surgir até osso!
Dumas queimaduras que revidam de volta aos gambés: Queimam bandido, pra este
revelar essência, mas sempre está coberta de cinzas. O problema? O pau-mandado
insiste em busca da essência bandida. Procura pela qual num encontra-se nem corpo,
nem etéreo. Estes se vão ao céu, ao lado de Deus, pela fumaça ardida...
Fatorei mãos inflamadas, pelos ossos que se remontam desfocadas. Para frente,
nenhum corredor: Umas portas presidiárias e, numa especial, “Escritório
Administrativo”. Por entre os concretos e o Cadeião, a carreira até o espaço burocrático.
Extrapolei cada qual fossem as advertências: Cada um dos xerifes surgisse, pelas armas
que segurassem, mais houvesse dos ossos exporem. Aos que vinham pelo cacete, umas
rebatidas sobre os mesmos, voltando para os sujeitos através dum desmaio.
Peguei pela porta, aberta; Maçaneta virada, desvirada as condições: Dos que
ainda persistiram lá atrás, lá pelas estupradas sobre crianças, agora haviam de serem
flagrados. Pela condecoração do delegado, em honra aos serviços prestados contra o
menor bandido. A isto, minha linguística não aguentava, má minha reação era estatuária.
Imobilizei-me ao modo de escutá-los, pelo espanto que minha presença causava a eles.
Do moreno, do branco e do mulato, se repetiam pelas zombadas, feitura das comédias
que assinalavam por si mesmos.
-Vocês, ratos, retumbaram a maior das essências. Daquela que não se destoa à
toa. Afugentam os homens, mas não aos que nada temem a vocês. “Quem não deve, não
teme”, né? Pois... – Sorri uma desalinhada – Que tal se eu jogar-lhes mais outra dessas
derretidas na mão ou escurecimento da pele? -.
-NÃO! NÃO! FORA DAQUI, BRUXA! – Uníssonos, tal qual o estado clichê.
-Cauê... É... Preciso fazer uma última... Estado não é permanente, nem a
desordem também. E nem a paz também, que esta mais se estupra pelas veredas de tudo
e todos. Cê sabe... – Dei-lhe o negrinho.
-Senhorita... Você... -.
-O cuidado por ele lhe será de sabedoria. A mim, resta espraiamento desurbano:
Acarretar-lhes todas as formas de compreensão do mundo. Aos robôs, que lhes
compreendam, esses que ainda são bem guardados lá naquele lugar de merda. A esses
robôs que irão compreendê-los mais que eu mesma poderia... -.
-Mas... A mim resta-me... -.
-Serás por si agora. És o maior de todos os compreensivos, dentre os que
programei. Apenas deixe-me terminar o ofício estatal, do que nem estado e nem livre-
arbítrio são capazes de acionar... -.
-Seu desejo, minha amiga... - Abaixava a cabeça, naquelas melancolias...
Desloquei-me pelo retorno. Abri as árvores, reflutuando: Até mais acima que os
vinte metros, olhei para as jaulas caóticas estarrecidas. Badernas de quem arrefeça as
tombarias, trambicadas às donas, donos e senhores. Ou a quem por si só. Porque o resto,
migalhas? O resto é a liberdade propriamente dita: Se desprende, desprezada, a que de
fato é livre. Em tanto ninguém querê-la, em essência...
Arrefecimento? Calmaria? Muita desacata, brusca. Abruptas que se relevam
contra as ventanias, redobram mais força que a astúcia ou natureza baixa. Da força à
calmaria, mais desmedita, desinência. Acaba-se, por fim, da pura contra a força.
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A Epifania
-Má... – E era pela fitada que lhe surgia agitação, puxada das mãos dele pelos
meus trapos de roupa – E Cauê? Num tá mais aqui por quê? -.
-Ele já está feito de si, menino! Ele agora é folclore por si, não por mim ou tu! -.
-E aquele seu sonho, tia? Num tem mais cor? -.
-Claro que tem cor, pô! – Dei-lhe um tapinha camarada – Mas mãos e bucha
vazias num dão tempo pra isso, por agora! Primeiro as tabas, filho! -.
-Quando vamos ver a mata de novo? -.
-Quando der... Quando der... -.
Precingimos, antes. Precaução, sabe? É que a taba respira uma frustração, ares
dum rio dos tietês. Entre os casebres concretos, feitos de muitos vidros e poucas colunas
entre estes, se dispersa transeuntes vagarosos enveredando e que encruzilhavam-se entre
si. Morte aparentemente comum, diga-se brevemente, pois uns ali que conversam, já
morrem pelo outro. E os outros nada fazem.
Iniciamos aproximações. Pelos sintagmas e morfemas, uma sentença que
sincretiza: Homens de mais ou menos, bem ou mal, fixaram olhares sobre nós. Macho
ou fêmea, tudo gente cabresta, implicando. Num importa se eram dos casebres ou das
mansões: Fitada universal sobre dois únicos seres. Boas-vindas das tabas sertanejas já
mais ressecadas.
-Tomeis... Diálogo, deixe pra nunca executar... Palavras aqui são de cada
homem... – Uma mulher cochichou a mim, tencionando os braços.
-OPA! PALAVRA PRIVADA DO NHÔ BENTO! DESVAIRARÁ DAQUI! -.
-MÃE! MANHÊÊÊÊ! –.
Inexorável acarretada: Das muradas, contra a pequena. Num tinha nem cinco
cajus, má em palavra de posses, reintegrações, o que vale é o apego dos tolos. Rastejam
sobre a pequena, chutando-lhe a periquita, metida no cu e alguns outros impropérios, em
exemplo quando rastejaram o corpo da menina pra mais longe da mãe, no instante do
grito da mesma clamando-a. Pelo clamor, maior a surra, os pontapés e os rasgos na pele
de bebê. O que fiz? Continuava calando Bertinho, em sua vontade de chocar-se, até
mordendo pra soltar-lhe.
Desprezada ao chão, estava pior que a mãe: Num havia o que reconhecer como
menina. Num havia nem rasgo, entre tanta vermelhidão ao chão ressecado. Restavam
apenas umas linhas de intestino e um útero arrombado. É a esterilizada, eu sei. Para
evitar as palavras maiores, ao futuro: Censura que não se cessa pela aniquilação estatal.
Menino! Tu mordes forte pra agora querer gritar a mim? Má num grita! Gente
daqui num dá mole pra fala à toa! E calei-lhe, relutante, com meu poder de linguística.
Antes que falasse. Aos aleatórios ali fitando-nos, acenavam-me para dirigir-me a algum
lugar, sem um pio citarem algo ou sentença. Ao final de todas as apontadas, uma velha
edificação municipal, arquitetada desde as épocas do Império Sociomano.
Em cochicho a mim, por mentalidades vozes, Bertinho num comediu palavra
alguma:
“Mari! Num foi coisa de Tupã isso não! São abilolados?! Por que isso?!” Pela
mente chorava o que por fora a secura proibia expressão. Grandes os caroços! Pretos
pela seriedade, cheios pela compaixão “Pobre menina! Pobre moça!”.
“Ô Menino! Aqui é terra de arrocho! Faça pose de macho e num faça mole pra
gente desgraçada! Pelo menos não aqui, tá?”.
“Má e honra a elas? Num tem?”.
“Te prometo: Quando terminamos por aqui, honraremos as defuntas. É de
coração que lhe digo isso, tá?” Expressei uma serenidade, sabe? Pra convencer o
moleque de minha boa intenção “E estamos aqui, frente a essa coisa concreta. Deve ser
de Delegado, talvez...”.
“Morubixaba?”.
“Menos... Respeito assim, só na nossa terra”.
-Espero... Meus queridos, que nada falem. Precaução, lhes motivo. Que é a
privatizada de cada palavra lexical: Se por essas bandas há cinco mil miseráveis, cinco
mil palavras são independentes entre si. E estas palavras se mantém pra cada um dos
nascidos daqui. Aos estrangeiros, desde que nada falem, bem-vindos! Mas aos
descuidados, morte! MORTE! Porque palavra é pertence de cada um... Mas eu,
Delegado Sabugo, detentor do “Fazer” e de todas as flexões possíveis, bem como
detentor de todas as permissões de todas as palavras cidadãs, hei de lhes conceder uma
conversa sem custo algum a partir de... – Relógio de arrogante, só pra se achar! –
Agora! -.
Num silêncio nos abateu. Pausa de vista, olhada sobre os cantos supostamente
suspeitos. Má numa dessas pausas de impaciência, quebra-se pelo tagarela:
-O que foi? Podem falar! Não morrerão pelo linchar, que é a lei de todos daqui, a
lei de matar quem desrespeita palavra alheia! Pronunciem-se! Porque eu posso lhes dar
tal fala! –.
-Por que a morte para quem enuncie palavra pertencente a algum índio ou abá? -.
-Ahh... És de Socioma, não? Honras a minha comarca! Mas te responderei: A
posse nos edifica, nos concreta. – Deixou de nos fitar, trocando-nos pela quase reza,
fitando para cima - Não há maior posse que a palavra e desrespeitá-la é muito pior que a
morte: É perder o ser... E o pior: O ser do outro. Cada homem com sua palavra e palavra
dita em vão, a morte também virá pela mesma troca: Uma morte aleatória,
incontrolável, seja criança, seja três-pernas... É a essência de Palavrândia... -.
-Este é o nome desta cidade? – Indagou o Bertinho.
-Sim! Porque eis de existir, portanto, privadas falas para privadas posses de
privados homens... Porque é da palavra que o homem vive. – E na rodopiada, para
apontar-se quase perto de minha face... – Não concordas, Grande Maricí, a
Programadora de Anhangá? -.
-Por fim, lembre-se de não falar as cinco mil palavras de cada cidadão desta
cidadela. Aqui... – Um pedaço de mau caminho, empapelado... – Uma lista de todas as
palavras já privatizadas por aqui! -.
-Estatuinte, Bertinho... -.
-Que raios? -.
-Ah... Desculpa. Num é coiso pra monandengue entender... -.
-Num sou de estátua, não! Quero algo mais que estátua! -.
-Num é isso, moleque! – Até a beliscada escapuliu – É pelas linguagens, destas
que palavras foram privatizadas... -.
-Mas... É resolvível? -.
-Sim... Porque poder popular não se cansa, não se abate, querido. E se abate, só
no Jeitinho para retomar reviravolta... – Encerrava-me pelo sorriso - É cabrunco pros
políticos, oxê! -.
-Então? – Carinha de quem num faz caso, má dá trégua.
-Ué? Há de aprender comigo, oxê! Vais abocanhar mais carne que pela esmola
dum vagabundo! -.
-Mas... Num é errado? Vai mesmo explodir a cabeça dele que nem dos coxinhas
de lá atrás? -.
-Ô menino danado! Num vou dar fim a ninguém! – E fitei-lhe, mesmo num
agachando, lateral a ele - É língua, lembrar? Vou até te ensinar um poder meu:
Manipular línguas maternas alheias! -.
-Má que raios? -.
-Em criança mais nova que tu, num há escolha que façam por si. São um nada,
que precisam se preencher. Vais, então, manipulá-lo a teu gosto! -.
-Pra que? Só pra não ter mais língua privada? -.
-Apois! Deu fé, finalmente! Porque a língua esta que jogaremos sobre o coitado,
num terá quem possa lhe acusar de invasão de propriedade alheia! Num é língua daqui,
afinal! -.
-E o que tenho que fazer? E por que? -.
-Jeitinho, oras! É só dar jeitinho de encaixar umas palavras aqui e acolá que o
monandengue aí vai se preenchendo! Mas... – Agachei, né? Pelo braço do Bertinho
segurar, mirando contra o dito cujo – Pense nessas palavras tupinambás... Língua
ideológica! -.
Repetência? Da língua anterior, eu sei. Que os rituais sempre há de invocar, e
sempre é língua eterna, pois as mortas sempre estão atemporais. Língua morta, que num
abrange por si mesma, má é nem beleza, nem revolução. Só um caráter universal:
De vez em vez, o baixinho moreno flutuava. Os caroços pretos, tintos até não
reconhecer-se a íris. Atenuava-se pela cruz que formava, com a posterior queda gentil
sobre o chão. Que não era de sacrifício ou de mero pagamento fiscal: Pura redobra
modificação. Porque é a modificação mais dialetal que existe: divide eras entre as quais
se perfaz.
Porque a língua mais pedante num surfa pela linguística... A língua é a onda
surfada pelo dinheiro. Má a onda, num esquivo contemporâneo, rebenta-se, manipula-
se. Por propriedade dos homens, em contábil palavra pelo que se proclama. Linguística?
Esta continua na prancha: Num é nem surfada, nem surfável. Somente coiso submisso,
destituído. Instruído a nada servir, senão sustento de quem surfar. O povo? Num jaz nem
na prancha, nem na onda e nem no homem: Peixinhos dourados de aquário.
O achismo de todos? Tomar prumo em nós. Peca e sambudos, desprezados sobre
braços bateeiros. Cegos, esmurram, porque o dinheiro lhes fala por normativa
monetária. Mercado e Estado não sobrevivem sem regrinhas, sabe? Tomar tenência é
universal de ambos. E quando mandam, é dois baixos e uma feia já amarrados sobre
postes, entre chutes e ameaças de caçoletas. Porque a grana não lhes coube no bolso.
Bolso vazio, vácuo que induz porrada. Desculpa circunstancial? É porque num há como
culpar os homens: Estes já se culparam antes de mim. Moral do causo? É que se honram
na culpa.
Estava quase desmaiada, má sobreviveu o tempo de visão: Pousada no próprio
ombro, cabeça quase rachada, fitando um Bertinho frangalhado, retinto de muito
sangue. Moreninho numa pior: Acabava-se sem o crânio. Cérebro à vista, interior já
estuprado.
Num dá fim de história, não. Porque volúpia de ápices, donde a climática não se
faz mudança, retomam controle de causas anteriores: Do curumim que, fonética ou
desfonética, a linguística infantil se confunde. Abismais limites entre palavra de índio e
palavra de demônio. Resultado? É que curumim, nada. Mas Curupira...
Nem o tempo lhes teimou: Desataram o nó. Má olha só: É teimosia em bater
noutro, no Bertinho! Bicho homem teima-se na porrada, má também da porrada se
teima em receber. Só num vale pros outros, né? Aos outros, vale até arrombo...
-Opa! Num xispei ainda... O Negrinho é também gente como a minha gente -.
-Não! Ele continua! -.
-Ai! Que preguiça... – E o Curupira quase retomando ataque...
-NÃO! – Tons uníssonos outra vez.
Retomava infância, com o tempo que lhe curou. Sapeca, sabe? Ao refil num
cessava de apanhar. Atolava-se entre as rachadas sobre o chão, que é donde eu lhe
pegava em flagra. Cada tropeço sobre o sertão rachado remonta falha humana:
Inexorável, circunstâncias pelas quais não muda, pois as imensidões não são egoístas.
Mudar o mundo é dum egoísmo demais pra se alcançar num refil d’água. Por isso,
tropeço e flagra. Tropeço e flagra. Que o mundo nem preza, má o homem há de prezar.
Vergonha, macho que num volúpia, num toma tenência por jeitinho.
Aliterava algumas soberbas. São de sede, meus queridos: Alitera consoantes
nasais, bocais, fecais. Capitalismo introspectivo, até ignora as árvores, má num é
suficiente pra ignorar os banheiros. Nem a fome. Aliás, para esta há de aliterar. Por
conveniência de num cessar a natureza, mas sempre há de cessar a fome. E a água
infame, dinheiro reciclado, num pesa. O peso que a fofoca implica revocar ignorância?
Os pobres. O dinheiro pesa os pobres como uns mortos. Cadáveres, resultam-se, e
mumificam-se. À desilusão humana, eternam.
Má... Pelas veredas, há o tanto d’encontro:
-Ei! Diz algo, pô! Num sou ar, tá? – Deu até um chute leve.
-E num acha que sou um ar pra eles ali? Tipo aqueles caras doutro lado... -.
-Má se te vejo, porra! – Paciência, Bertinho... Jeitinho... – Num tô aqui por
vento, tá? -.
-Má a fome penando você, né? – Curupira já direcionava os caroços com mais fé
- Num é vento, má rebenta-te pros apês daqui... -.
-Tá... Má a bucha num se faz com ar, tá? Ajuda? -.
-Pra que? Somos ar aqui, má lá os pretos ficam bem claros... Há te digo, véio...
Num dá não... -.
-Dá sim! Olha... Tu se fez Curupira, agora se ajeita como um! -.
-Má se me veem, tô fodido. Já tô sem osso na cuca, imagina ficar sem mais do
que já tô? -.
-Pera aí... -.
-Carros nunca param pros que num são maiores que eles. Professores, sabe? Má
dá pra botar medo neles... -.
-Num tá dando gosto... -.
-Ah! Vai lá! Num vai morrer, vai? -.
-Não, má não é gostoso um bando de ferro batendo, né? Ou tu quer levar fio
terra de ferro? Hã? – Levantou na braveza!
-ÔXE! Num dê vista! – Berto até pegou o modo das mãos nas costas! Pela voz
baixa... – Num faça caso! O modo é: À frente da rua, finge que o carro te pegou.
Enquanto o caô num encerra, pego os trocos do tiozinho do bar. Tendeu? -.
-Ó que num tenho mais muita carne. Imagina um carro me engomar! Nem padim
Sisô dá milagre pra sair inteiro! -.
-Má tu é Curupira, caralho! Dá jeito, sim! Só tem que... Bem... – Fez vista
grossa... – O carro num passar por cima, né? Tu se joga no capô. E depois... -.
-Depois? -.
-Ué? Tu dá aquele treco que tu tem de ter tragado umas ervas e dar murro em
todos! -.
-Que treco? Tá me tirando, cuzão? – Empurrão! Treta sempre vem nos planos. O
inimigo maior duma maracutaia.
-Opa! Num faz caso! É algo bom, te digo! Nos tira da merda e tu fica de dar
medo nos viados da cidade! -.
-Só vou fazer isso porque a bucha dói mesmo... Má num me vem com esperteza
de xis nove, hein? Num tenho mais corpo pros grandes me doerem! -.
-Relaxa... Sussa aí! -.
Numa pisadela, buliçoso, extraiu dos arredores algum impedimento. Num viu?
Então mandou, desmandando sobre o demônio, má este já se fazendo. Tão via rápida,
que o Bertinho já se aprontou. Sob uma mesa plástica, atentado, tanto pelas panças de
cerveja quanto para dar sina ao Curupira.
O moreno fingia-se esmolando, má a batente chegou rápida: As piscadelas,
acenadas duma aproximação. O demônio, rebentado, má ergueu-se, mirando sobre as
esquinas desmotivadas. Num fez tanta paciência de encontrar nalgum carro. Do
primeiro à frente, saltou. Mais moléstias que as anteriores, má não tanto osso a se
amputar. Fez-se desmaio, sem o tempo que passasse. E dos tempos segundos, seguidos
pelo passo do preto, junto aos montes de gente em frente ao aeromóvel. Que as vísceras
expostas perplexam as máscaras. Aberturas dos vômitos dentre os nauseados afitam o
próprio demônio, má este ainda se mantinha recomposto.
Bertinho... Ah! Entre as mesas, isso sim... Num fez cerimônia. Balcão saltado,
adentrou. Os modos monetários pelo que encontrar na caixa registradora. Alguns botões
socados e...
-Xe itaîuba! -.
Nem houve preparo: Se jogaram pelo beco mais esmagado dentre as casas. Não
alocavam nem nas pernas, má fizeram posição. Dumas rebatidas aqui e acolá, de tanto
se socarem por jeito, conforto mínimo. Já um frente ao outro, a glosa:
Numa mesma velocidade, prestavam-se a não prezar pela lei: Entre fechadas e
quase batidas noutros carros. Em quase modo de, se lhes era a culpa, que dessem para
quem fosse inocente. Ao caso de erro policial, sabe? Parte boa da farda é da farda
surgir-lhe lucro livre de impostos. Bônus: Culpam mil inocentes a prenderem um
culpado.
E pela delegacia, donde nada expressavam, gambés contentes se davam, ainda
sim. A recompensa nunca vem da subida, mas de descer rotineiramente. Batida não vem
só pela natureza: É por gosto. Passatempo para quem nada pode entregar-se a alguma
causa. Os pretos e morenos são oferendas e o delegado, o carrasco. À frente dos
menores, o mandante já os esbofeteando. Por nada, em verdade: O dia ruim se
compensa pelos alheios invalidados. Para um delegado, só a tapa compensava o tédio.
Os meninos, frente à mesa, às algemas permaneciam. Ao delegado, sobravam as
despidas mãos, rondando os moleques, no interrogatório.
-Muito bem... Essa grana aqui não é coisa pra criança, sabe? Você, macaco... Tá
com fome, é? Trabalha, vagabundo! – Socou no rosto, sangrando o nariz do Bertinho.
-Ahhh... Num precisa forçar, tá? Eu não nego trabalho honrado! Má quem pode
dar? -.
-E o que o cu tem a ver com a calça? – Pressão sobre a mesa, na batida - Não sou
sua babá, viado! Procure, oras! -.
-A procura é como cavar um buraco em meio ao nada, pelo nada... -.
-Então morra! Se não pode se sustentar, morra, oras! Simples! -.
-É justo isso? E tu aí, nessa gordura total? Fartura da preguiça, criado com pão
da vovó e leite da mamãe! – E gritava o moleque. E o Curupira? Censurou-se.
-Ué? Que culpa tenho de que o esforço de gente passa de pai pra filho? -.
-Se o cu num tem a ver com a calça, o que o pai tem a ver com o filho? -.
-Cale-se, macaco! CALE-SE! -.
-AAAAAAHHHHH! -.
-PARA DE GRITAR, VIADO! SEJA MACHO! CABRA, PORRA! -.
-E TU SERIA MACHO PRA AGUENTAR? -.
-CLARO! NÃO SOU UMA BICHA! -.
O demônio não é apenas um mal dizer, mas também rearticula as naturezas: Às
batidas que ele escutou, despertou-lhe a revidada. Que a unha de um fora tirada, que
também ao delegado a unha seja arrancada e as outras, quebradas. Pela mesma mão
direita que estraçalhou o pequeno Berto. Ao modo do Curupira destruir as algemas,
rebolar-se sobre a cadeira, estuporando qualquer força estatal, através do pulso do
varapau que segurasse. E pelos dentes, arrancasse a unha do dedão e aos restos,
estraçalhasse com uma cabeçada sobre a mão, na mesa.
Sobre a teimosia, não se duvida: Que viesse aos atos delegantes a própria
retomada. Através doutro cano que ainda segurava, erguendo-se do chão, revolvendo ao
alto para antecipar o basta. Dum tiro ao teto, que configurasse som deleite, surdez dos
covardes, cabras que não pegam pela mão, mas burocratizam pela máquina. E
novamente: A burocracia não se faz por si. E o homem humaniza-a. Tudo pelo tiro...
Ameaça de Delegado não possui força por si, má a burocracia sempre a renova,
reforçando. Meio manco, ainda não corrigindo as caretas da mão doída, e que pela mão
esquerda compensasse pelo tiro. O som estatal... Força mais transparente que o vidro
das regras. Revalida-se pelo próprio dom: Fantasmagórico, mata sem alguém ver. Má
num sobrevive sem um homem que o segure. Burocrata por natureza, que pela língua
apenas nem privatize, nem se idolatre: Resta-lhe a gramática pura dos homens. Censura,
pois revoca o medo. O que paralisa os dois rebentos.
-Ah... Finalmente tomaram tenência... Agora espera só pro juizado dar presença
por aqui... Não vão gostar... Garanto-lhes... – O sorriso do Jeitinho não é exclusividade
minha.
-Ué? Se levantem! -.
-Má ó a unha! E o coitado do Curupira todo desmaiado aí? Bateu a cabeça e num
levantou mais! -.
-Mas os cabras são tudo molenga mesmo! Tá bem! -.
Desatei as algemas. E num pisco de pisada, puxei-os pra cada braço. Desolei os
policiais que só fitaram o meu vulto, simultaneamente ao instante das outras pisadas
minhas sob a noite, entre os cercados e os casebres da cidadela. Má a polícia num se
cessa: Persegue mesmo já fracassada. Porque pelo fracasso se persegue, má contra quem
lhe pague, o sucesso nunca prenderão.
Em meio à rua anoitada, desalenta de qualquer aeromóvel, observei para trás. As
sirenes, viaturas que não se dão por satisfeitas. E em morte que se evita, pelas solturas
dos meninos sobre o chão, aos braços libertos que se levantam. Revolvi contra os carros
a quase nos atropelar. Em aço, a palavra mais sólida amolece-se, e se entorta pelas mais
simples forças do mundo: O calor humano.
Que boas vantagens se garante do aço? É que não toma orgulho pra si. E derrete-
se por qualquer fadiga minha. Inverteu-se sobre as cubatas, enquanto ao outro veículo
por trás, pesado camburão, reservei-lhe a programação: Porque coisa de estado, nos
desperdícios, mais se preza uma quântica relativamente programável. Em termos
justificantes para desvio de verba.
-Vá! Já dá pra caminhar, não? Sem moleza mais pra vocês! – Imperei.
-Má agora pra onde vamos, Mari? – Bertinho, pela pergunta, implica
impaciência.
-Ah! Num estamos longe. Dentro de pouco tempo, à casa retornamos! -.
-Casa?! Que casa?! – Os dois ao mesmo tempo proclamaram em tom uníssono.
-Uai? Má também esqueci, oxê! Montes Belos fora minha terra, donde cresci. E
minha casa ainda jaz por lá. Nunca fui só de andejar, tá? Antes de tudo e todos, vivia
com dignidade e dinheiro! -.
-Uh! Conta mais pra nós, Mari! -.
-Para com as tribos! Fala é dessas coisas que cê tem lá na cidade! Porra! Que
doido, não? E os trapos? Se tem carro, por que os trapos? – O Berto intrometia-se,
introspectivo pelas tantas questões que lhe sai do coração.
-Carro... Casa... E computador? É também adquirido? – O moreno rebentado já
nem olhava para mim.
-Nossa! Má é patrícia! E os celulares dela? Nossa mano... -.
-Calma vocês! Agora... Pra que falar, se há de virem comigo, ao empirismo lhes
presentear as posses? Palpáveis, sabe? -.
-SÉRIO? AH MOLEQUE! – E os tons uníssonos aliterando.
-Ei, moça! Tem tempo pra nos falar uma coisa? – Indaguei.
Gelei. Incerteza, mas ainda sim, tremi. Lembranças que obstinam: Aos trens para
Leidorio, donde um griô cantava aos meninos, e uma menina... A primeira a quem o
meu poder chocou... A quem a normatividade mais se alentou...
-Senhorita? Estás bem? Eu não te assustei, né? Caso haja necessidade, posso
providenciar-te uma água... -.
-NÃO! Digo... – Recompus-me, após trauma relembrado – Tudo bem... Eu estou
bem, tá? -.
O sorriso? É... Sorria, ainda que aos trapos. A norma pela qual prezasse, mas
pela norma não se cria, nem se evolui. E por isso desencanta. E à norma, lhe restava
apenas isso mesmo: Sorriso propagandístico. A brancura dental que se busca, mas pela
língua se amaldiçoa pelo resto da vida: À que tanto ela se entrega, mas a entrega tão em
vã. Não era bobalheira ou inteligência: Apenas a vereda mais neutra possível. Por isso,
não comove. A gramática tem a quem mandar, mas a quem a gramática pode recorrer?
Os gramáticos não a compreendem: A idolatram. Ela chora através duma menina
sorridente, entre os trapos que resultou da própria mediocridade da fala...
-Senhorita... A mim, pareces exausta. Necessitas descansar... – Até pegava-me
pela mão, e delicada, não forçava.
-Não... Não precisa... Obrigada... E... Menina... Qual o teu nome? -.
-O meu nome é Clarissa de Almeida. Muito prazer, senhorita... -.
-Maricí. E só isso, tá? -.
-Ah! O prazer é meu! -.
Aos resmungos, os dois sussurraram entre si, pela fofoca. Enquanto seguiam-me
por trás:
-Como vós enxergais, a casa pertencente ao meu papai localiza-se entre as duas
arvores – Apontava – Queres que eu acompanhe? – E o sorriso não cessava...
-Ah! Sim... Sim... Por favor, venha comigo... E vocês dois aí, que ficam no
cochicho fofoqueiro que sei sim do que estão falando, não sou burra, se comportem aqui
fora... -.
-Ué? Por que num podemos nos meter? Hein? – Indagou o negrinho,
gesticulando-se pelos braços de ameaça.
-Porque num tem a ver com vocês, tá? Se liguem e num se metam em treta...
Quem sabe num trago algum feijão... -.
-Ah! Se for assim, nós espera! – Concluiu o demônio.
-Muito bem... Deu no couro, vadia? Quanta grana conseguiu? E quem é a feia
aí? - A cara séria era a carapuça de quem num se satisfazia do próprio trabalho.
-Moça... Sai daí, num é da sua conta! E aliás... Que faz aqui? Hã? – Meteu-me
até um empurrão.
-Não é de Deus isso! Que há com você? É uma menina! – Tampei qualquer
ataque que ele desferisse sobre a coitada.
-Menina nada! Fala até com jeito! É já mulher! Nem tem mais sangue entre as
pernas, porra! – Outro empurrão – Me deixa bater nela! -.
-Ah! E servir as meninas numa estrada é de honra onde? Safado! -.
-Olha moça que num tô em bom dia... – Acenava-se glorioso.
-Aqui ó, seu tarado! – Escapuli um dedo do meio.
O capanga, jagunço por natureza e que para algum coronel que servisse, se fez
descontrolado: Desabotoou a camisa, alguns passos para trás... Revirou a mesa, até! E
num se fazia manso: Apanhou um facão empalado numa cabeça cangaceira. E é por
tentadas de desferir um golpe contra a menina, má não contra mim! E que não é por
honra que se faça isso numa criança, né? Ao senhor que atacava, eu que não permitisse
as vidas perdidas. E então, que lhe parasse, ao instante da ponta da faca sobre o meu
nariz, pela minha linguística, em erguidas mãos.
-Que pela faca não cause dores irreparáveis. A cicatriz que não podes delimitar...
– E fitava-o seriamente.
-Ah... -.
Mas quando o jagunço repetiu o comando, que a força de meu poder não lhe
impedia: A faca, por relutância minha impedindo-o, mas a lâmina quase chegava ao meu
nariz. Distanciei com a garota e, num pisco, o golpe do doutor alvejou o chão. A
madeira que não evitou o facão, e ao “pai” lhe retirasse de tão fundo que a faca fora
adentro do ipê.
-Vamos! Seja cabra agora! Num se vista da boiolagem duma faca... Mano a
mano! – E me posicionei combativa.
Ao tabaréu, o que num fosse de voz fina ou por teimosia, por outro lado num
ignorou as palavras de honra, em desprezar a faca sobre a mesa. Dobrou as mangas,
expondo um legado de força máscula. E quando já num estava mais a relinchar-se à dor,
avançou. As vistas imprevisíveis, entre os dois socos que me dera. E que nenhuma tapa
lhe fosse dar, respeitando a lei de cabra que lhe inseri.
E no terceiro soco, à barriga, proclamou a mesma lei que configurei, mas contra
a quem a programou:
Mas briga de gente não se cessa pela lei do macho: Por que coiso recinto num se
revira para alcançar as armas, e a maior delas, que fossem as palavras. Mas a palavra
num basta, pois não significa. É apenas um berro sem causa. A sentença só se configura
pelas próprias responsabilidades. E aos atos, concluíssem: Que as palavras renomeiem
os atos – e ideologizem.
E que a ideologia dele, já não mais lembrasse as facas, nem os chapéus
cangaceiros que tanto caçou. E roçou a camisa, ao corpo conservado por tantas
execuções entre as matas virgens que já tanto vagueou. Porque se pela ideia num me
derrubava, que derrubasse pela máscara abaixo da máscara.
Voei os pés sobre a cabeça dele. Em um num foi o golpe, porque o ingênuo num
prestou atenção em lutas dos baixos – Desviou, sem cair – Mas é o desvio que se quer
quando se faz capoeira: Ao segundo pé atingisse-o no queixo. E é sem força, mas que
não precisava para que o doutor terminasse sobre a mesa. E a faca num lhe fosse
possível, pois estava embaixo do corpo.
Em evito doutra tentada de golpe, saltei sobre a mesa. E que minhas mãos
segurassem os braços do doutor, enquanto que pelas pernas imobilizava-o em conjunto.
Conjunta às indagações, que o interrogatório começasse por...
Assentei maior força sobre os braços morenos, para que a dor lhe surgisse no
repente. Formatura de estralados, entre os ossos que pudesse rachar, pela tenência que o
doutor, resistente, houvesse de tomar.
-Urgh... -.
-E agora? Podes cooperar? Fale o que te pedi... – Minha cara num se modificava
da seriedade.
Tentou uma tapa, mas pelas tantas repetidas dum mesmo método, eu já o
aprendia mesmo sem o infiltrar linguisticamente, doravante fossem as impertinências
enquanto pudesse ainda arrancar-lhe as filosofias. O doutor não mais metia medo e
manco, num remanescia nem força, entre os ossos que já fadigaram. Ele fraquejava
umas lamentações para si mesmo, sem a minha escuta.
-Está bem... Vou permitir tua intrometida... Mas é pra cumprir, hein! – Apontou o
dedão.
-Não te preocupes. Não haverá dor alguma, nem estribeiras imprevistas -.
-Assim espero... -.
-Mas... E a menina? -.
-É tua, ou de quem seja. Que morra, se isso significar a minha amada de novo...
– Finalizou com um tímido gracejo.
-Menina... Vá pra fora. Aqui e agora, é tarimba de gente grande... -.
-Menina... Você está bem? Por que ainda continua aqui? – Virei-lhe, pondo-me
face a face.
-Ué? Má é de minha essência, uai! Num tenho pai, nem mãe. Quer que eu faça o
que? E tu já tens os filhos teus aí. Te cuida! -.
-Não... C-Como assim? -.
E eis que ocorria uma estranha deslocação: A mim, não mais expressava alguma
norma que não fosse as que eu enfrentava. Mas à menina, possuía total expressão
madura, de quem a linguagem nunca se corromperia pelas regras humanas. Reduzi-me a
uma gramática humana? Pelo que o meu poder ainda restava? Por que a todos, tanta
riqueza e a mim, a linguística perdição?
Deixei a menina à rodovia, apanhei os moleques e caminhamos pela estrada,
enquanto ainda indagava-me pelas duas causas: A minha perda e a minha falha
linguísticas, e para qual delas eu firmaria maior causa ou consequência. O erro foi
abrupto, equívoco de meu ritual? Donde houve alguma troca linguística, ou troca
nenhuma houve?
Mas antes, paramos ao meio da rodovia, a alguns quilômetros de Montes Belos.
Fitei os moleques, enquanto estes trocavam olhares, por ausência de alguma fonética
provinda de mim. Com seriedade, dialoguei:
Sem minha comanda, o Bertinho flutuou. Sem uma vontade minha que pudesse
acarretar tal fenômeno. Em meu desespero, ergui as mãos, em tentativa de executar a
minha linguística. Mas em vão, recorri às mãos físicas, o que também se mostrou
baldada. Os globos oculares do garoto cintilavam.
Em mais uma tentativa de aproximar, um raio atingiu o chão entre ele e eu,
impedindo-me qualquer verbo. O céu escureceu e muitas pessoas pararam os seus
percursos pelo acostamento para presenciarem. Uma calamidade pública.
E essa calamidade intensificou-se, através de um brado que se espraiou por toda
a Socioma e a Brasílica juntas:
-Eis que aqui nasce Jurupari, o Legislador, filho de Maricí, a Programadora. Que
as regras dos homens se assemelhem às leis do Sol -.
E o sol fulgiu entre as nuvens que dispersou, cujo brilho concentrou-se em uma
única esfera resplandecente. Esta, à terra desceu, recobriu o negrinho, cuja
representação significava em uma mulher acolhendo-o maternalmente e, em alguns
segundos, o globo esplendeceu. Desta vez o clarão foi o mais intenso entre todos os
presenciados.
Após um pisco intermitente, finalizou-se em uma tonalidade insípida, cuja
abertura resultou em um Bertinho flutuante: Desta vez, por comando próprio, em uma
programação longe do meu alcance. Ele não era nem programador, nem linguista: Era a
mais pura regra mediúnica, entre os homens e o universo. Sua estatura aumentou: Era
detentor de um porte físico avantajado, harmonizando-se pelo aspecto sereno em sua
face mais madura que a minha. Porque o garoto não só cresceu: Recobriu-se da maior
sabedoria que os homens podem alcançar. E se assim era, não mais eu poderia comandá-
lo. A mim e a minha muiraquitã, restava o caminho do protetor da floresta.
-Maricí, a Programadora... Anhangá num é feito de paciência: Eu te enviarei até
o cervo. E deixe que Jurupari siga a própria Vereda... – O Sol gritou.
A mim, restou a vereda pela qual seguir, em modo de encontrar Anhangá. Mas
mesmo que a dúvida se encerrasse pelo esclarecimento de um cervo, por todo o
caminho que segui ainda me indagava: Por que o princípio de mim? E por que o
nascimento de Jurupari? O que sobrou de mim?
Ao caminho, andejando de taba em taba, recobrei uma divagação pela qual
ajudava a compreender: O quão as normas interferem. E por que norma agora eu
seguia? Porque o Jurupari não é um mero caminho novo: É a quem eu criei e minha
criação não é em vã. O Sol não é uma boba: Revalida toda e qualquer humanidade,
todos os dias. E a lua manifesta o teu legado, durante a noite.
E por outro lado, concluía algumas introvertidas a respeito de todos: Entre uma
pedra e outra que evitamos, esquecemos-nos de prezá-la. A cada pedra que se evita,
morre uma vereda. E não fica só na pedra: O legado do esquecimento começa através de
suas consequências sobre. E por isso, linguística minha perdi: Matei a primeira vereda
que escolhi. Mas a muiraquitã remanesce os legados e, por isso, ainda existe um
Anhangá a quem suplicar.
Entre uns homens que vendiam caranguejo, puxei uma prosa, na qual me
ocorreu um novo estranhamento:
Retirei a minha palma, seguindo o meu trajeto. Mas após esse breve discurso,
mais indagação: Nem as formas cultas, nem as mais populares compreendem-me.
Porque elas se expulsaram de mim, em ambas a compreensão acabou, nada mais e nem
ninguém a entender-me. As formas me traíram, o que é uma possibilidade que, em
primeira pensada, articulei.
Mas é pela calma que se desovam as sabedorias – Abrandei – Mantendo-me pela
vereda a que pertencia. Mas a surpresa não tardou de ressurgir-se: Observei para baixo,
identificando aspectos diferentes: O trapo se substituía pelo vestido fino, e as mãos,
porém, sustentavam uma delicadeza. As vestes, toda limpa, e o bordado mais rococó
que se pode costurar entre as joias que a adornam. E o que não me surpreendia era que
entre alguns passos adiante, alguns carros reduzissem a velocidade para assobiar a mim:
-Oi, gata! Deseja uma carona? -.
Recusava pelo gesto, já que pela voz nada apreenderiam. À carona recusava
porque os caminhos não são feitos para uma ajuda vã: Cada caminho com o seu supor, e
sua própria designação. O que me reiterava um pensamento: Sobre as tantas desiludidas
sobre esta estrada que andejo. Pelo que há de se lutar linguisticamente? E quem pode
compreender a compreensão?
Os homens não compreendem, então a maquina recorro. A quem pode-se
recorrer um oportuno pensamento, opinião pela qual se discute. Só a maquina consegue
o que o homem deseja: Um bico calado – E um amante. Um amante porque a máquina o
atenderá pelo fetiche, sem um pio de discordância.
Mas pela minha linguística, os aparelhos opinaram. E agora recobram
consciência própria, não por egoísmo – Identidade mais ou menos perdida – Mas pelas
suas próprias liberdades. Não há liberdade maior do que retificar a própria essência. E à
cultura de cada ser, se amplifique por tal liberdade, porque cada cultura tem o seu
sujeito, e cada cultura é uma liberdade.
Mas o que os homens não mais cultivam, que então os desafortunados seres
cultivem. Porque não existe racismo que oculte ou evidencie um tom humano: A
desculpa. A quem podem jogar ou retirar tal causa, e a consequência pela qual protestar.
Pois assim como a fraqueza se culpa, também se culpa a força alheia como sendo
esporádica ou, em alguns casos, defeito de fabricação. Mas o inevitável? É que todos os
homens sejam manufaturados por uma mesma fábrica: Espírito.
Lembro-me de como a matéria manifestava aos pequenos deslumbrados: Entre
os automóveis e as casas, pelas quais almeja, o que sobra são migalhas de
individualidade. É que aos seres, nada adianta a individualidade sem uma coisa.
Coisifica-se, então, a o que se pode pertencer. A idolatria sempre começa pela falta de
individualidade, pois todos os homens precisam de uma coisificação. O suficiente? Este
é o retrocesso material – Por isso, desprezar-se-á toda e qualquer individualidade,
porque esta é cooperativa, coletiva quando não teme a que homem puder dialogar.
Entre os aleatórios pensamentos, a realidade: Já me localizava entre as matas
virgens, há poucos quilômetros de encontrar Anhangá. E como retorno, uma semelhança
e uma diferença: Sob os pilares que compunham Montes Belos, ao mesmo mangue pelo
que se assentar, às mesmas árvores que experimentaram a minha transformação feita
pelo protetor da caça. E pela diferença, sobre os espelhos d’água, reluzia uma dama
límpida, mas que a única lembrança lhe restava era o braço de Mayara. Porque era o
único legado de uma troca a mais na essencial economia sociomana: Pela máquina, uma
eterna memória. Daquela que foi Mayara, a grande compreensiva, que cessou uma
guerra nacional inteira pelos tempos da Imperadora Velha D...
No entanto, pasmei: De encontro a uma apunhalada traseira, composta por um
chute sobre a minha cabeça, articulado por algum menino contra mim. Só que a surpresa
não foi a descoberta de sua origem, que provinha do Curupira que nasceu através de
minha missa, mas da essência da minha linguística: Queda minha, nada me feriu, e as
águas pelas quais enxerguei-me, não invadiram minhas vestes, tampouco os bordados. E
a muiraquitã lucilou.
Já recomposta, ergui-me, mas ao segundo chute executei a esquiva, desferindo
contra o pescoço do moreninho uma pontada, paralisando-o contra uma Sapopemba.
Fitei-o, e indaguei:
E o demônio teimou: Forçou a retirada de seu pulso, mas pela força que
empregou e as tantas mancadas, perdeu a mão esquerda, enquanto eu ainda segurava-a,
e o sangue escorria sobre as águas ali desprezadas. E as águas se corrompiam com a
minha frieza, pois o que eu segurava no belo rosto, extravasava e nada sobrava além da
indiferença. Porque enquanto o moreno coxeava, eu apenas fitava indiferente.
Desprezava todos os legados que cultivei – Mutilei uma cultura.
Se pela minha linguística perdi a compreensão alheia, pela outra faceta ainda
compreendia as palavras de todos os seres. E o sintagma que vomitava, à própria boca
queria outro legado. Despi-me da inocência e estuguei. Às frentes pelas quais houvesse
de seguir, sem um rumo certo, exceto pela asserção do Capelobo perseguindo-me.
A criatura, diferente do demônio defunto, reluzia inteligência, menor ímpeto.
Pior: Pelas escaladas entre as árvores, bem como às veredas que escolhia e a força fina
que expunha sobre os galhos, remetia ao Jeitinho. Por uma distraída minha, uma flecha
quase acertou um lasco de meu braço, mas retornei à esperteza e fugia bisada.
Por ironia, a mesma piscadela de tempo que o demônio detinha para me socar,
pela mesma fração o Capilobo alcançou-me: à frente de mim, e uma flecha sobre a testa
branca. Com os dizeres, o monstro finalizou:
Mas antes que pudesse flechar-me, o jeitinho cintilou. Atirou-se entre minhas
ideias e à perna, chutei-lhe a canela, atiçando a flecha contra o pilar que compunha a
cidade. Tornei a correr, consoante a recuperação da manca criatura. Quase que me abati
entre as árvores, ao fitar para o perseguidor.
E uma rota certa fulgiu à minha mente: Volver-me à cidade acima. Então acelerei
mais a corrida. Já passadas tantas árvores, finalizei entre a floresta e um cerrado ao
longe e, sobre ambos, quebravam-se diante da estrada repleta dos veículos impedidos
pelo pedágio ao tabaréu.
Só que por tanto correr ao rampão, a passagem impedida. Reclamação que
provinha do pedágio:
-Imploro-te, meu senhor. Eu nada tenho aqui senão o vestido e a minha cara.
Pela minha vida, senhor! – Até ajoelhei.
-Desculpa, moça. Eu não hei de entender o que dizeis. Mas preciso do dinheiro
para permitir-te a passagem. Sem réis, sinto muito... -.
Fitei para baixo e arranquei um dos diamantes presos entre os bordados brancos,
por desespero meu. E a mudança permanecia-se pela intacta, regeneração duma
estagnada: Retornava à mesma forma, com o mesmo bordado, o mesmo rococó. E o
diamante novo reluzia mais que o pretérito.
Mostrei o diamante e o caixa gesticulou os queixos, ao mesmo tempo em que
abria a passagem e apanhava o diamante de minhas mãos, sem qualquer elocução pela
própria voz. Já permitida e adentrada, repeti a observação traseira e, para a minha
anedota: O Capilobo parou no intermédio, pela falta de dinheiro a que utilizar.
A rampa era gigantesca, pela qual todos se elevam até a grande metrópole, que
se compunha a cento e cinquenta metros da mata virgem. Ascendia ressentida, pelas
investidas que perdi e as ações que não lucram. Porque para cada vida que se investe,
perde milhares de outras pelas quais se cultivaria. É que para cada ser, existem as
pessoas de um mundo e o ser, já sido, torna-se estar. Compreendem os meus leitores: As
limitações sempre começam pelo estar em algum lugar. Eu estava ali, mas não em
algum outro melhor. Se for por arbítrio ou circunstância, só o destino sabe.
Perfazia-me entre os veículos que ascendiam e descendiam, pela falta da
calçada. E o trânsito democratizava os pedágios: Entre os carros e as carroças, todos
terminavam à mesma burocrata: A fronteira. Porque não ocorre consciência, quando se
prende entre as veredas lotadas. Saturavam as possibilidades que mais infelicitam.
Ao término da elevação, já plana em relação aos prédios e arranha-céus, o clichê
de qualquer cidade sociomana: Os aeromóveis colidiam entre si, as movimentações
abruptas entre os seres, e as burocracias que se tomam arbitrárias: Roupas, máquinas,
estatais, empresas e políticos. Aliás, àquele tempo, diferenciava-se o político do
empresário. Mas na verdade, o político e o empresário eram uma única melodia, mas
que andejavam em harmonias diferentes. Pois o político veste as leis e o empresário, as
ações. Que lei é lei, sem ação? E que ação é ação, sem lei? Eis que se assemelhavam,
então, uma Imperadora Velha D ao presidente do Banco Argamenta.
Andejei alguns quilômetros entre os prédios de Montes Belos, estacionando-me
à mesma cidade para um descanso e a casa retornar. Mas mesmo na periferia, atentei um
aspecto modificado: Cada vez mais indivíduos possuíam uma máquina pela qual
traduziam para si, os detentores de tais máquinas, o que os outros glosavam. E por
curiosidade, interferi um dos transeuntes que possuíam tal máquina ao lado, e perguntei:
Acordei entre uns livros e alguns biscoitos espalhados sobre os cantos do quarto.
Recobrava algumas questões que ainda insistiam a mim: Pelo que Anhangá há de querer
de mim, após a minha linguística fracassar? E se é pela norma que nós vivemos, a que
lei se serve quando um Jurupari nasce?
Porque hei de esclarecer: Jurupari é, senão, quem recria as primeiras leis
humanas, quem recolhe as velhas normas e ensina as melhores. Por que Jurupari os
seres servem senão ao que pertence à pertinência? Mas não é uma norma nominativa,
comanda e imperial. A norma se planifica conforme o indivíduo e por muito planificada,
a norma torna-se inata.
À muiraquitã presa em meu pescoço, que houvesse da mesma exprimir as regras
imperiais. E as vestes, bem como a minha bela face, mantiveram-se mesmo pela minha
descrença, ao dormir e supor que retornaria à face anterior. Sobre a janela, fitei a
vizinhança vazia, que pela manhã aquietou.
Já a fora, percebi que os robôs amplificaram sua influência, já agora quase todos
os sociomanos a possuírem um robô para si. Alguns não mais vestiam a camisa ou uma
calça e, em casos raros, despiam-se. Marchei algumas quadras, observando os pássaros
cantarolarem um baião, e em outras esquinas percebi que as zabumbas tocavam sons de
passarinho, o que já me suspeitava o segundo sintoma: Mudanças fonético-fonológicas.
E eis que por esse pequeno detalhe, entendi: Até me articularia a ideia da mudança que
eu fiz, mas me enganei. Ocorreu mudança dialetal. Ninguém mais, que não possua um
robô, me compreenderá, pois todos mudaram, exceto eu.
E aí que morava o segundo perigo: A interpretação. Havia aqui, portanto, uma
dupla dúvida: Era a mudança ou a estagnação? Porque à mudança, se recorre sempre
como uma transformação em primeira instância, mas através da segunda reflexão, a
estagnação não se opõe à mudança. Toda mudança é uma estagnação em alguma
essência d’espírito.
Ao transitar até o centro da cidade, através dos ônibus, pude conferir outro
imprevisto: Que os alarmes não retificam estado de calamidade pública. O que restava
entre as mudanças e as problemáticas burocracias era simplesmente... A rotina. Entre
tantas mudanças e máquinas, o tédio não abortava. Na verdade, a conclusão seria que o
tédio é uma rotina, ou que a Norma causa o tédio. E no fundo, o tédio é fruto da própria
ineficiência humana de atingir o mundo. O ser é pequeno demais para não se entediar.
Andejei a fora da cidade, pelo mesmo pedágio, a retornar à floresta e procurar
Anhangá. Só que por esta vez, precavida, mantinha uma borduna adornada entre os
traços desenhados com tinta de ibirapitanga e o tecido grosso acobertando a
empunhadura. E sua madeira espessa originou-se da Árvore de Roraima, banhada ao
sangue de Macunaíma.
Adentrei a floresta e percebi mais mudanças dialetais: Das sapopembas
encurtaram as raízes, os pinhos surgiam à periferia da mata e as onças amansaram. Mas
por teste, tentei uma aproximação a uma onça. Pelo perigo, precavi através do tacape à
frente e o braço recuado, mas a triscada retornou pela resposta:
A onça dialogou, consoante à sua preguiça, rolada sobre as raízes encurtadas das
árvores. Embora acometida pelo espanto, respondi:
Com a onça me rodopiando, à clava que segurava, atentei a cada gesto que ela
rodava sobre mim, principalmente pela cauda que se confortava entre as pernas.
Se toda aquela ameaça resgatava o tom brasílico? Com certeza: Toda onça
esconde um jeitinho que nunca se desvenda. Mas não é para qualquer sujeito que as
onças ensinam: Antes, elas comem a quem ensinam. E o Jeitinho, de onça ou de
homem, sempre acaba em um mesmo fim: Antropofagia ideológica.
-O que foi? Por que tremes? – E encostou a cauda pela segunda vez entre as
minhas sustentações.
-Eu... Eu só quero encontrar o teu protetor. Deixe-me ir... -.
E a onça, obstante, rodou com maior velocidade. Mas sem que amolecesse,
segurei a borduna com maior intensidade. Os meus caroços não cessavam de deslocar
para todas as orientações possíveis, bem como percebia a concentração da felpuda
contra mim.
-Senhorita... O protetor não precisa de uma sem graça que nem você. E o
Jurupari, o Legislador, já está a fazer o que tu não fizeste... -.
-Como assim, eu não fiz? -.
-Pois não é óbvio? Tua linguística é falha, fracassada. O poder da lei precede ao
teu... -.
-Mas então o que me resta? -.
-O que te resta? Esta existência. Não há maior tédio que vocês, humanos.
Deslumbram-se pelas suas pomposas conquistas, inglórias ou destruições. Mas todo
pretexto tem um fim: Esconder a própria inexistência. E vós escondeis entre as
extremidades do mundo. E no fim, o legado humano perece para si, e ao mundo apenas
precisaria de uma pincelada para os varrer do universo... – E encerrou a si mesma
recostada à araucária, ao mesmo jeitinho semblante que já me acometi.
-Mas... Essa conversa tardou demais... E minha fome não é autossuficiente. Você
sabe... Instinto de minha raça... -.
Eu já respirava uma vitória, mas esta se asfixiou frente à pausa da iaguara, que
não se virara para mim. E proclamou:
-És tão esperta quanto as lendas contam, Maricí. E minha honra se completará
pela tua morte, o teu ônus! -.
-Não quero mais perder a oportunidade de te tornar a minha honra. Que morras
sem a medrosa de antes... -.
-Tua carne não transparece legado! Tua alma é desfalecida! Espírito nasci-
morto! – Rugia.
Neste tempo, a avançada sucedeu pela minha vontade. Por cada trecho
diacrônico, ocorresse seguidamente a firmeza, o impulso e o tacape erguido. E pelo
final, fulgurosa queda do mesmo sobre a canga da criatura. Esta rebateu ao chão, e ali
permaneceu.
A mim, fitei contra o pequeno céu que fosse possível de enxergar entre os pilares
e os edifícios. E este pequeno me pressentia: As levitações pelas quais sofria. O que já
fora o acontecimento de tantos outros, agora vinha a mim. E a onça desmaiada, a pintura
que a compunha em essência se desmanchava entre as fumaças, fumacentas sobre o meu
vulto.
Estas fumaças choravam as lágrimas da floresta. A precipitação de cada ato
sempre gera a tempestade: Uma umidade que irrita pelas tosses e espirros. Os espíritos
das iaguaras sempre lacrimejam quando morrem: A mutilação que o poder teme. A
autoridade funde-se à liberdade.
E todas as lágrimas cicatrizavam sobre o meu corpo, através do concentrado
risco sobre o meu braço direito. E este risco, contrastando os riscos do braço cambão, já
finalmente remetia à humilde mudança que se permanecia diante da minha estacionada
alma. O espírito só se consolida através das almas mudadas: Mudas, pelo silêncio
astuciam.
-EIMOYEBÎR XE ÎEKUAPABA! -.
Sim, pela qual não se manda, pois todo mando é uma probabilidade. Mas o
corpo é absoluto em suas decisões. O corpo é violável, mas independente, guerreiro,
enfrentando a quem o encarna. Esquece os legados alheios ao morrer, o que a alma e o
espírito jamais olvidam nem pela ressurreição. O corpo demonizado mais espiritualiza
que os próprios espíritos.
Ao Cauê, o único no qual o corpo era uno a si, o desprendimento era mais certa.
E a neutralidade se alcança doravante for o sentimento instintivo. Através das vestes, o
robô se libertava. O único ser que alcançou a maior libertação: Indiferença.
-É que... Você sabe: Não é obra minha. É o poder de Anhangá que perdi... -.
-Perdeste, mas ainda restou-te um pedaço de alma. Se até me foge as estribeiras,
até dá de pensar que não és a Maricí... – E gracejou.
-Bom... Pensas que não sou Maricí? -.
-É por brincadeira, brincadeira... Acalme... – Soltou outra baforada.
A nós dois, restava uma atentada sobre os galhos e as árvores, enquanto nos
recostávamos um ao outro. Segurava o tacape em defesa enquanto o enferrujado
preparava a própria palma como arma laser.
Rodamos três turnos até que, em uma distraída sobre as folhas que remexiam
pelo vento, uma flecha atingia o corpo do metálico. Mesmo já amolecido pela própria
humanidade, a flecha não transcendeu, quedando ao chão.
-Pele amolecida em frágil metal... Reduziu-se a mero ordeiro dos homens. Eras
pra ser temido, mas és um escravo. A programação o condena... – Manteve o probo
perante aos próprios tiques que escapulia.
-Mari... O que ele faz? -.
-Pega a presa, mata e come a cabeça... Quase caí nas peripécias desse malandro.
Sejas precavido! – Recuei.
-Não te preocupes. Não tenho cérebro a que comer. A ele nem a minha pele
poderá costurar rente às outras que coleciona... – Expôs uma confiança que é inédita a
mim.
Ao pedido houve a reação: À flechada que lhe acertou o calcanhar, mas pelo
metal, a atravessada não ocorrera. Mas a prepotência o amoleceu – Ferida que o
mancou. Desarmou uma das mãos, esta a estancar a chaga, enquanto a outra mirava
desesperada, em modo de abate.
O robô, embora neutro, transpirava uma dúvida e esta, identificava pelo odor. Às
escuras, entre três sapopembas e um pila sustentador da cidade, acendemos a fogueira e
nos posicionamos um oposto ao outro. O julgamento estava dado: Que a conversa ali se
entregasse ao fogo e este, queimasse os pecados mal pagos.
-Muito bem... Robô... Eu sei que há algo contigo... Diga... – Os meus olhos
fixaram ao rosto enferrujado.
-As tuas marcas... Não são legítimas... Não és honrada a ter tudo isso... – Pegou
um galho, brincando com a chama.
-Por que não? E por que isso te incomodaria? -.
-Porque, pelas mortes que cometeste, já denuncia teu crime: A vereda que não se
resgata e morta, deve permanecer. Tentastes o que justamente tirou tua linguística:
Nostalgia pela inexistência. E por justamente vangloriar as normas antigas, estas se
confundiram com o teu poder, e te transformou na gramática normativa... -.
-Senhorita... Por que sucumbistes? Por que não manteves a palavra de honra? -.
-Porque não há honra, nem sucumbir. Somente as veredas cruzadas sem o
cuidado... E assim eu me corrompi... – Fechei os olhos.
-Por que mataste o doutor? Vingança?! – Intensificou o ímpeto – Quis o que,
afinal? A que troco perdeste as memórias do bando do Lanterninha, o MEU bando?!
Agora não há como honrá-los um enterro... – Abrandou, e retornou ao chão.
-Porque o doutor quis, meu companheiro. Vontade própria... – Levei a palma à
testa, a cansar da conversa... -.
-Mas... -.
-É tua desmedida que te impulsiona, né? Não crie desculpas... Estás a sentir o
princípio da violência: Justiça... E é a justiça que matou o doutor e sentenciou-me.
Porque não há medida justa que não mutile a quem a providenciou. E assim encaro as
minhas consequências... – Desabafei á fogueira, à sonolência.
-Mas as minhas mãos... – As levou à própria vista – Anseiam o sangue pelo que
segurar, que possa amaciar a consciência... Meu processador afunila ente aos apegos... -.
-E no fim... Não procuras mais alguma vereda, pois perdeste o jeitinho... -.
As revelações sempre imperam o silêncio: O que toma a cada conflito que possa
iniciar. E ao robô, mesmo pela epifania, ainda teimava:
-Havia junta a ele uma menina. E esta menina não era uma à toa: É a mesma a
quem fiz a mudança dialetal, pela gramática universal ingênua que ainda detinha. E foi
por ela que ocorreu toda a confusão: Ela trocou a linguística dela pela minha linguística,
mas toda mudança dialetal acarreta uma grande consequência: O poder já não mais surte
às gramáticas mais modernas, pela minha essência agora normativa... -.
-E a menina? Como está? -.
-Ela tomou o rumo que todos os homens escolhem: A manutenção. O único que
morreu foi o doutor jagunço... -.
-E junto a ele, a canga do Lanterninha e escambau, né? -.
-Não me culpe pelas veredas eu ter manipulado e desvairado. O que queres que
eu faça? Que morra só por possuir o sangue jagunço? É isso? –.
-Foste minha criadora, Maricí. Mas... A quem se convive, não há maior prezo...
Desculpe... -.
-Mas e o sangue do bando em mim? Também matas o sangue de teus
companheiros? -.
-O sangue deles permanecerá em honra através de mim, pois eu hei de te matar...
-.
-Opa, espera aí... Mas... E o sangue jagunço? Apropriarás também? – Preparava
a ofensiva
-Filtrarei como puder... -.
Retomou o pulso e lançou uma breve faísca. Esquivei e tentei um golpe contra as
pernas dele, mas a perna forte impediu até a amolecida. Aproveitou e, com a outra
perna, chutou-me e retornei à mesma árvore que pousei.
-Sabes que sou mais forte que você, grande Maricí... Mesmo fraca, tua carne me
servirá de bom grado... – Sorriu.
Não tardei pela coxeada: Ao golpe que ele tentou com as joelhadas, atalhei e
com a clava, golpeei a canga, mas esta estava mais rígida que qualquer outra pele do
corpo robótico. Espertei e esquivei da cotovelada que ele tentara, jogando-me ao ar e,
com as pernas, refiz a capoeira: À primeira perna não o atingisse, e ele esquivou. E a
segunda que o feria, o causou atravessada sobre a fogueira e seu repouso sob uma
grande copaíba.
Cauê impulsionou sobre a madeira e voou contra mim. Por defesa natural,
ascendi a borduna, mas ao atingir contra ela, a fragmentação: Estilhaçou em vários
pedaços que se espraiaram por toda floresta. E o robô, ainda pelo impulso, conseguiu
provocar-me um corte através do aço contorcido em seu ombro pontudo.
Como manobra, abaixei e o chutei ao alto. Esquivei a não tomar um ataque aéreo
e o robô estabilizou ao ar, planando pelo empuxo d’ar.
-E agora? Sem a tua arma, o que farás? – Sorriu com tanto jeitinho quanto eu já
pude manifestar à época em que andejamos.
Despida das armas, apelei ao corpo: E que pela capoeira, seguisse à roda e
gesticulando os Aús. O robô descendeu em outra tentativa de golpe e, quando se
aproximou, meti a arpa e o derrubei. Ficou deitado e ao meu aproximo através doutro
Au, ergueu o pulso e atirou outra faísca, mas o confundi pela ginga.
-Desista, meu companheiro. Há mais na paz que o que se ganha pela morte... – E
gingava á frente dele, ainda deitado.
-Não sou tão mente fácil... Num vou cair mais nas tuas zoações! -.
Ereto de novo, Cauê utilizou os pulsos novamente, mas desta vez passou a
metralhar as faíscas contra mim, enquanto o meu gingado pudesse esquivar.
Gradualmente aproximei a ele e, à distância curta, desferi uma rasteira e a cabeçada
como consequência. O empurro o jogou ao fogo, mas em metal tão quântico o calor não
modifica.
-Por que não se alheie da culpa que um humano pode sofrer com a morte? Sejas
melhor que isso... – “Diplomaciava”.
-Não... Não consigo, senhorita... Preciso da vingança... Por conforto à minha
programação... Num é teimosia só... – Ofegante, iniciou um acúmulo de energia.
Mirando a mim, pelas energias que mesmo um robô não há de sustentar-se
diante da fadiga, repetiu a sua energia a acumular em uma única esfera. E como
sentença...
-EÎEKYI! -.
Do berro mais nativo que pudesse bradar, em uma esfera lançou contra mim, que
atravessou o fogo e quase me atingia. Pelo desvio que executei, mas a esfera não se
adiantou: Atingiu as águas sangrentas ao chão, saltando de poça em poça e, por supetão,
devolveu-se ao enferrujado, e este a se derreter mais que os baetatás sobre a carne
humana.
Porque não há maior golpe que aquele que suicida o homem. Pois o acidente ou
não, todo assassinato termina em suicídio. Porque a alma humana entregada a matar o
teu semelhante nunca mais vive após a lúcida intenção. E através da queima, a brasa
mais derradeira, cada ser como o robótico ali se debruçando nunca mais consegue
mutilar a própria alma, pois esta, já dilacerada, é indivisível. Escusa cada vereda que
culpou em vida.
-Meu amigo... Se não podes se eternizam em meu corpo, a maior árvore desta
floresta te recordará... – Exprimia durante o ofício.
-Maricí... A linguista... -.
-Finalmente chegaste a mim. Por que demoraste tanto? – A voz firme serenava,
mas é pela firmeza que abrolhava pusilanimidades.
Ao escutar o jeitinho, assustei: Por que espraiei o jeitinho? Não era de folclore
já?
-Porque, grande Maricí, morreste desovando tua essência. Tua cultura nunca foi
a que pensas, mas a que está em teu fígado. Por isso, os teus trajes já não significam o
artificialismo que cultivara... -.
-E por onde andam as minhas linguísticas? -.
-Olhe por ti mesma... -.
Mais imagens traziam a epifania: Ao poder que perdi, os ideais quebrados. Entre
o meu desejo e a vontade alheia. E o jeitinho, mesmo tão alastrado, nada mudou. Porque
não há homem que se faça pelo jeitinho, em verdade: O homem é burocrata. Pela
norma, significa. A língua e o jeitinho sucedem a norma, os artificialismos que
burocratizamos.
-Por que Anhangá? Por que vontade os homens praticam? Por que às máquinas
se entregaram? – Cansava, prantei e caí ao chão.
-É que é essência, xe ta’yra. Já tu, és artificialismo. E por isso, Jurupari nasceu
através de ti: Porque das normas dos homens, cria-se o equilibrador, a essência das leis
naturais. Tua linguística nunca existiu: É artificialismo da compreensão. Tua língua
significa a essência da norma... E o teu jeitinho pereceu... -.
-Maricí... Eu sou o protetor desta terra. Minhas crias não aguentam mais as
normas dos homens. E tua senhoria foste a grande programadora que significa toda a
essência da norma: A compreensão. Mas no fim, mais rendeu ignorância que pacifismo.
E nem sempre as leis naturais compreenderão a tua mágoa... -.
-Os homens não estão mais a meu alcance... E a mim sobrou apenas a gramática
normativa, pela qual se narra todo o significado das mudanças dialetais... -.
-Mas não é pela mudança que se mata uma praga, minha amaldiçoada... -.
Já próximo à árvore, ele tocou-a com a pata direita e o impacto sentiu-se desde a
raiz até os galhos movimentando, e um brilho ao redor da pata emanando a
tranquilidade.
-Mas hei o erro dos homens: Esqueceram que ela existe. O Sol torna-se
indiferente a isso, mas não é pelos frutos vãos que se alcança a redenção... Como
confiar em seres que não mantém firmeza, que não sabem conter perante a tentação? O
grande erro humano é uma maleabilidade que fingem. Ao fim, reclusam á alienação,
pretexto da pureza... -.
Anhangá desenvolvia uma aura azul, confundia com a própria delineação de seu
corpo. O turvo já não mais deixava distinguir o veado que fora.
O clarão fúlgido cegou a floresta inteira, não mais possibilitando qualquer vista.
E o azulado raio sobre mim, através da ampliação do corpo cervo, guardava as
descontrações, e os músculos que relaxassem sob a ternura que eu sentia.
-IURUPARÎ EIEKUGUAB! -.
-Mari... Eu cheguei por aviso de Anhangá e vontade do Sol. Mas por que estou
aqui? O que preciso fazer? -.
Anhangá podia manifestar uma divindade, mas não podia atuar o seu espírito:
Aproximou a nós e, após o abraço quebrado, passou a explicar ao negrinho.
-Grande Jurupari... Teu legado ainda há de crescer pelas gerações... Mas sabes
que tuas virtudes estão incompletas... Notastes isso pela tua ineficiência, não? -.
-Sim... Eu não consegui manter muitas das leis que deveria ensinar. A minha
fraqueza ainda insiste... -.
-Grande Jurupari... Eis que então te passo todas as virtudes que há em mim,
através desta muiraquitã... Aproveites o quanto podes... -.
Olhei ao corpo e de fato, nada me vestia. A minha censura não mais manifestava
e a única burocracia que ainda restava era a alma. Ao Jurupari, meu filho, agora
enfeitado às vestes indígenas pelas quais ensinaria aos futuros homens desta terra. E a
muiraquitã, que ainda desenhava a onça pintada sobre a sua madeira de ibirapitanga.
Tornei a dirigir-me ao Anhangá. Este entendera e proferiu:
O cervo trotou a repetir o seu tique pela árvore, encostando a pata a ela e a fitar
aos ramos.
-Grande Maricí... Não é só tudo que deste que farás Jurupari seguir o próprio
rumo. Sabes que a tua norma ainda não pereceu... -.
-Mas a minha norma não é eterna! – Abaixei ao chão e já deduzia o que ele
exigiria a mim, exprimindo ao semblante aberto – Se as mudanças dialetais me
afetaram, as outras próximas também afetarão! -.
-Desculpe, minha filha... Mas não há como manteres tal mudança. Já se
reduzistes a mais nominativa forma humana... Não há como mais mudares... – Meteu
um peteleco à madeira.
-Mas estás ressentido... Posso entender teu rugir... É vingança também... -.
-Não vingança... Nem justiça... É proteção... -.
O cervo trotou até a mim e à terra, cavou um pequeno poço e dele saía a água
vermelha, o sangue do Curupira, da onça, os estilhaços robóticos...
-Percebes? Enquanto viveres, o teu legado ainda te corromperá com a justiça dos
homens. Eu não posso te permitir que vá ferir mais de meus protegidos... – Abaixou a
cabeça e retraiu as pálpebras – Mas não é só este o teu problema... -.
-O que mais? -.
-A tua norma ainda remanesce neste solo. Enquanto viveres, esta norma ainda se
alimentará de tuas consequências. É um tumor. E isso também interfere o ofício do
Legislador... -.
-Mas se ele reitera as normas dos homens... – Até cocei a cabeça.
-Mas não reitera a SUA norma... – Apontou o casco a mim – E a tua norma é a
mais mundividência... -.
-Porque a minha norma é a essência da norma? Por linguística minha? -.
-Sim... -.
Em modo de evasiva às soluções, fitei a toda terra e árvore que podia, em modo
de assimilar todas as informações computadas. Mas sem o tempo da reflexão, retornou a
discussão:
-Mas Anhangá... Por que ela tem que morrer? Não há como poupar a vida dela?
– Suplicou.
-Tua súplica já denota o motivo desse sacrifício. Enquanto ela viveres, a norma
humana corromperá. Só a tua covardia em negar a morte a tua mãe já demonstra o
opróbrio que deveste sentir agora. Que decepção, grande Jurupari... -.
-Mas por que a norma humana te irrita tanto, cervo? -.
-Não é irritação, tampouco que a norma seja a minha inimiga... – Volveu à
árvore – É apenas uma questão lógica: Tua mãe viva, teu ofício nunca concretizará,
porque ela conserva a norma que você há de substituir... -.
O filho meu retraiu a árvore oposta a donde Anhangá fitava, e recostou à mais
tímida dentre todas, a menor ibirapitanga da mata. Suspirou por três segundos e, pela
juventude que ainda expunha, protestou:
-Mas ela precisa morrer?! – Agachou, pela súplica e ao choro que o causava
desespero - Não basta que ela se reclua?! -.
-E o que ela ganhará com isso? Uma vida medíocre? Estás a condená-la a uma
cadeia que ela não merece... – Quase aristocrático pela sua posição, frente ao pedinte.
-Jurupari... Mates tua mãe... Dê-a uma morte honrada e coma o braço de
Mayara... -.
Por tal postulação, o negro não comediu: Levantou e tentou um soco ao protetor
da floresta. Este se esquivou e coiceou as costas legislativas. E à lei nova corrompida
pela antiga, à queda ao chão demonstrasse o seu fracasso pela inconsistência.
-Anhangá... Pares com tua arrogância... Não serei eu que sujarei meu legado em
sangue, nem teu e nem de Maricí... – O aspecto o conferia uma insegurança, à
inexorabilidade que temia ser realidade.
-Isso é por tua língua corromperes o sagrado Tupi e, por agora, quase nenhum
animal a manter a língua que cultivávamos... – Adentrou o chifre à pele.
-Vamos, Anhangá... O que esperas para me matar? Não és tão temível quanto o
folclore proclama... Essas cidades medrosas nem precisavam de colunas para te evitar...
– Zombava, aos braços que acenavam as provocações.
-Luta sem motivo. À honra, devemos duelar à força de quem mais empurrar...
Concordas? – E nada expressava senão a calma.
-Muito concordo... Quem perder, matará Maricí... -.
“Finalmente uma diplomacia em meio às tempestades” Pensei.
-Que agora cumpra a tua legislatura... – Sentenciou o corço, nada a sentir senão
a indiferença.
-Então é isso... A mim, resta a mão ensanguentada... Reiterar a norma humana...
-.
-Reiterar, sim... Mas é a última dentre todas... -.
Para a voz legista o corço obedeceu. Salteou em círculo, ao redor de nós dois. O
Bertinho, ainda indignando, à lenta aproximação. Gradual aproximação também aferia
ao protetor, que afunilava o círculo cada qual o passo dado pelo legislador. Aquele, a
cantar as palavras ritualísticas pelas quais eu respondia:
-Sim, eu honro a morte sem medo... Que eu morra e minha carne seja comida
por Jurupari, o Legislador... – Em voz firme, tomei decisão.
Assim o corno parou às costas juruparis, e este a erguer a clava por completo. E
ao fim, as últimas palavras às quais eu escutei em vida:
O tacape desceu. Pela minha cabeça partida, o sangue somando às águas que já
banhavam do Curupira, e o meu cérebro nenhuma linguística mais significar. A canga
profligada, nenhuma recordação mais transmitir. Para cada cérebro destruído, uma voz
de passarinho emudece.
Clava largada ao chão, a mim já morta, agora extravasando a linguística que
num conseguia pela censura do corpo. O agoniado galalau num quebrava direito os
ossos, mas a esperteza o metia a guardar o braço cambão da Mayara. O implante que ele
fundiria, e aos restos de minha carne ele cerimoniava uma fúnebre.
-Má grande Anhangá... Já ela morta, nós estamos com fala d’antes, né? Num se
faz presente as normativas que estavam aqui antes... – O peste levantou, espiando o meu
defunto.
O corno num circulava mais. A atenção que agora concedia ao meu filho, numa
respiração que coreografavam, por partes minhas tão espalhadas pela terra. O madeirão,
Iaseomembira, num era de se importar muito pela morte minha, má à semente que
chocou, flutuou a mesma até a mim, guardando os restos à casca. Fechou e por respeito
dum tampo, num permitiu que o braço cambão fosse junto.
-Má então falta o braço, né? Devo cortar o meu e colocar este? – O inocente que
segurava com a indiferença. É que dava mais gosto qualquer parte minha, menos aquele
membro cacumbi.
É que Jurupari já não contestava as normas. Dessas que ele alimentaria gerações
próximas, em modo de salientar a grande ligadura duma lei solar à lei dos cabras. Braço
segurado, pelo qual transplantava a si, tal como a antropofagia que sua mãe também
experimentara. De voga é que vivem os brasílicos, meus leitores: Ao modo do “ouvir
falar” mais bonito, a quem pudesse mais apropriar de tal causo. Os causos num são mais
que legados, só que em linguística perdida.
Num há memória que chore por alguma palavra mais, proferida pelos homens
que mais se renderam à burocracia. Memória é efêmera, breve quando numa cavilosa
humana arreiga todas e quaisquer salientas. Se o causo é memória ou legado, os seres
que julguem, e a ambos resta uma morte sintática: Vereda invisível, pela qual os
condenou à libertação.
Jurupari normalizado, tomou a tenência de erguer o braço ao Sol. Cintilou sobre
o braço, que levado foi á mesa surgida, à frente e esta providenciasse uma cirurgia. Ao
doutor? É Anhangá, que auxiliava o braço cambão a agora pertencer o Bertinho.
O membro apoiava-se aos braços do moleque, e a uma dessas extremidades era a
condenação à natureza que sofreria. Culpa dos pequenos: Num tomarem frente contra os
grandes. O fim dum membro macho começaria a da cambona, que sua virtude
transpunha às essências de quem a transplantasse. Não há pequeno que num vá se
vingar um dia, palavra da experiência.
Bertinho já deitado sobre a mesa, a Anhangá aproximado, reformulando suas
patas a parecerem mãos. Uns equipamentos cirúrgicos num fazia falta ali, e foi vontade
do protetor que surgissem.
Num pacientava mais nem o corno, respondendo a tal pela enfiada da injeção.
Súbita, até a dor engrossava, má se até os furos aguentava, numa dormida ele nem mais
sentiria as próprias consciências. Motivam a inconsistência duma narrativa destituída
d’alguma certeza: Pelas cortadas que o doutor desferia sobre o bração negro, a perfurar
a serra e sobejasse o lado direito.
Nenhuma purificação se dá pela serrada, mas pelo serrador. O cortador abençoa
os fragilizados, os que num esperam pela mutilação. É desta que, no fundo, num é
somente subtração. Porque toda soma ignora as destoadas partes cortadas. Os restos
remanescem pela revolução, união proletária do homem.
E já se podia notar um miúdes ao lado esquerdo. Costura-se todo um memorial
quando um transplante sucede. Porque é assim que a Mayara denotaria ao Jurupari:
Uma tessitura voluptuosa, sobre quantos sangues são transferíveis. Mente absoluta
nunca experimentará a mudança dialetal, as transfusões humanas.
Desacordadas almas sobre a mesa, entre as duas conflituosas em ideologias tão
distintas. Daí vem a maior desafiada: Qual ideologia vence. O problema do Bertinho?
Ideologia minha. Por isso, perdeu ao braço cambão. Conjuntura transponível, destituída
pelo ajuntamento de compreensões. Ao meu e de Mayara, sobressaem sobre o Jurupari.
Forçamos a casca até a árvore gigante. Cova num foi precisa, porque a filha do
choro cavou uma para nós, em alguma distância a ela. Jogamos a semente, e enterramos.
Modo de crescimento que ocorreria aos próximos milênios, que a nova ibira
nomeássemos de Ibirirumo, a árvore que ajunta. O cervo, a finalizar o funeral,
declamou:
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O Livre-Arbítrio.
Que dumas luas caídas, ascendidas, reposicionem o tempo pelo qual a variação
dialetal precisa para se conformar. Àquela hora, donde as árvores num mais cresciam e
os percursos d’água espraiaram o sangue de Maricí, reviva as lições que se proferiu,
mas a cabeça não digeriu: As veredas que não retornam a água passada. E por tal
entendido, se constrói a Socioma e a Terra Brasílica modificadas.
É que robôs, mesmo conscientizados à quase humanidade, num recobram
nalguma revolução maquinaria. Aos homens, que nada pudessem dizer senão através
dum robô que adquirissem. Àquela altura, todos por aquelas bandas já não mais
conversavam sem um robô. Má a imperfeição nunca morre: Pelas brigas que ainda há de
se consolidar. Se pela máquina se compreendem, pela mesma se mata, morre e até
transa.
Aquela taba, a exemplo, donde conhecemos as Icabiabas, já tão mais recorrem à
burocracia que nem mesmo mais andam: Pra cada mulher, a sua oca aparelhada, em
metal entediado. Baralham as próprias enferrujadas, por cada indecisão que consolidam.
E uma lenda entre os robôs reza que as máquinas ali choram a cada lua cheia que
encontram.
Linguística minha? Desisti. No máximo, entre esses “Num” e “Má”, não há de
adiantar mais pelo dialeto de meu coração: Este morreu antes da própria norma regrar
cada sociomano, pelo acidente da Mari contra o Doutor Jagunço. Catalisou o que já
consolidava naturalmente: A língua morrendo frente à estagnação.
Pelas árvores que já num erguem, a semente da Ibirirumo é a única que fez
broto. E a grande Iaseomembira, às mesmas luas que os robôs choram, lacrimeja ao
modo de regar a muda infantil.
Muito já caminhei após a morte dela. E muito me desvencilhei das veredas pelas
quais ela fez percurso. Vitupério sobre o quanto ela legou, porque a única que os
homens cantam é a da burocracia que tanto amam. E o Jeitinho? Nada ensinei,
tampouco as virtudes ou as leis do Sol. Por minha incapacidade: Num tenho robô. E
meu dinheiro já cessou, nada há como eu adquirir.
Tanto é que vaguejei de taba em taba, à busca d’algum ser que nada precisasse
dum robô. Pela constatação, cada homem com robô compreendia só outros que assim
também tivessem. E se um homem não houvesse de ter, nem por outros sem, tampouco
pelos que possuem, o compreenderão.
Daí, meu ofício estagnou-se, nem esposa ao Sol, nem leis a ensinar aos homens.
Dos causos que lembro, até levei pedregulho no tornozelo à peste que me julgaram,
quando numa das empreitadas tentei lhes ensinar língua sinalizada. Mas eis que havia
uma desavença: Porque aos que já se apregoaram aos intermédios, os braços
amoleceram, assim nada gesticulavam. Os pedregulhos só chegaram a mim por
correspondência eletrônica, em forma duma explosão robótica dum aparelho falso que
me venderam.
Dentre esse e outros causos, só restava-me o último refúgio: A floresta de
Anhangá. Mas é de lá que me descobri ainda mais alienado: Pelas onças que agora
tentavam alguma carne minha, pelo mesmo motivo que o braço que aqui me veste eu
apreendi. Há de me lembrar duma glosa a uma onça, esta já não sendo tal como a que
Maricí banhou o teu corpo da pintura. Para essa, me posicionei a colocar meu casacão
encouraçado mais coberto, à borduna mais afiada à ponta. O sangue que vestia esse
tacape era o legado de Mayara.
-Já mataste minha língua, agora queres me matar?! – Desentendia comigo, entre
as garras que já expunha.
-Não pretendo modo de te tomar como troféu, respeitosa onça... És a única que
me compreende a esse momento. Preciso é de tua ajuda... -.
-Ajuda a que?! – Recuava a uma das araucárias que pudesse recostar-se.
-Preciso encontrar Anhangá. Mas a mata não me guia. Dê-me a guia donde eu
possa recorrer a ele... Imploro... -.
Fiz humildade, às agachadas que reverenciavam a temida onça pintada, com esta
mais a temer o deus que ela temer a si mesma. A esse gesto, até pus a cabeça ao chão,
dando bote a alguma contravenção felina. Má às onças num se faz norma humana e, por
mais pusilanimidade que desarrugo em respeito, tornou à direção das copaíbas, e uma
das caudas a avisar sua ida:
-Venha, grande Jurupari. Anhangá não te rejeita e o encontrará por esta vereda...
– Não pacientava frente a minha reverência.
Solevei e acompanhei-a. À seguida ao caminho das grandes ibirapitangas,
perfilavam à maneira dum corredor, a esse que percorríamos. Diante de tal vereda,
evoquei a adiantada vista sobre o andejo: Por muitas que se desdobram pela primária.
Má escolha num é só de humanidade essência: Revoca a inevitável alienação do
homem, porque não há vereda que não o aliene das outras que se desprezou. Nenhum
homem é liberto e nem esclarecido.
Pelas manias idealistas, que ao repetirem, aliteram as vozes mais reprimidas, a
cada alma que dispersou sua multiplicidade. Das violências e culturas, a burocracia
permanecerá, porque a vereda é burocrata. Os caminhos, tiques-nervosos espirituais,
sempre ecoarão. A norma é percurso primário, a única de quem nunca se curará.
Porque é dela que se manifestam as conseguintes: Entre essas árvores que
atravessávamos, ao modo de abster o silêncio, tentei papo à onça:
A secura da onça, por todo o caminho e prosa que trocamos, recompôs a minha
força a seguir os passos ditados. Às botas retiradas, estendi os pés às águas
ensanguentadas. Mas o vermelho pereceu, aos pés que a cada retirada sobre o molhado,
mantinham-se limpos.
Vertigem fitada sobre o pequeno broto, proferi um respeito:
Volvi à árvore. Descalço, aos pés despidos que pudessem devotar às sinceridades
pelas quais se presta respeito, por onde não se suja o chão com a corrupção dum mundo
externo. E à nudez, que signifique uma pisada verdadeira, empirismo sobre a terra,
donde cada dedo se entranhe entre as partículas. Uma cultura sob os pés que aceitam
costume que não a da bota.
Aproximado à árvore, aos galhos que fitava. Que estes ramos protuberantes, ao
reluz de Kuarasi, remanejem tantos filhos que possa cuidar. A origem sempre é humilde
e escondida, mas que por essência, tão vasta e maior. Esquecer-se-á de tal motriz
sempre por tal despercebida, à floresta vereda que se origina da mesma, mas obscurece.
Que o abraço completasse tal pensada: Retocar a quem criou tanto, mas tanto já
se ofuscou pelas crias. Um abraço sempre revalidará a sua palavra, mas o seu
reconhecimento é vão. O que resta, ao último, é o troco que tal origem doa: Pelo abraço,
fulgência entre os frutos da Iaseomembira.
A esse toco de esplendor, ampliasse à forma e semelhança da fruta grande, esta
que se faz ao formato do fruto de Jacarandá, queda ao chão por muito peso em seu
interior.
Corri até o dito cujo, e a paciência me tomasse à espera do que fosse sair daquela
concha. A semente delineou, porém, e por sua grande diligência, quebradiça sobre o
fruto, e à casca destruída revelasse Anhangá, à minha frente. De diferença, o cervo
vestia uma muiraquitã, formado por uma madeira esculpida a revelar um robô à
semelhança de Cauê.
-Grande Jurupari... Tantas luas se passou, e nunca me visitaste em tanto tempo...
– Reclamou o corço.
-Eu só te visito por quando há conveniência... Sabes disso... – Olhei aos caroços
vermelhos dele.
-E as cicatrizes aí? Tem história pra contar? -.
-Dava gosto, mas tempo é tempo e ele não está generoso... – Sentei na terra,
conforto para uma longa conversa.
Anhangá fez um trote à árvore que fitava, tal como é a mania que lhe era inata, e
continuou a declamar:
-Sabes por que a Iaseomembira é onde me repouso? Porque num faço ódio a
homem algum. Pelo contrário: À forma de não mais o céu castigar aos homens, espanto-
os desta mata, a nunca alcançarem os frutos tão ricos desta ibira... Mas a quem o homem
pode se entregar? Nada o satisfaz senão a burocracia tentadora. Quando isso acontece,
estupram a mata de minhas crias... -.
-Sabes que ainda não pude construir o meu ofício... – Até abaixei a canga.
-E por que não? Estás preguiçoso? – Desprezo dele só me provocava a enfatizar
o meu desejo...
-As minhas cicatrizes denotam alguma preguiça? Não sou afeito às manias dos
homens... – Até fazia apontamento aos riscos do meu braço.
Ele atentou a essas riscas, trotando em retorno a mim. A uma das patas erguidas,
cutucou aleatoriamente uma das cicatrizes, aos olhos vermelhos que cintilavam a cada
um dos toques.
-Estás a ter um passado de sangue. Honra em certa medida, mas a vergonha
ainda não perece. Por tua desonra aos teus prisioneiros... -.
-Ainda não me desvencilhei por completo das leis dos homens. Mas à muiraquitã
ainda obedeço... – Pus a mão sobre a mesma.
-A tua palavra há de se proliferar entre os homens, mas ainda não me esclarece a
tua vinda a mim... O que queres? -.
-Quero que me ajudes a compreender os homens e estes, a me compreenderem...
– Solevava à direção dele.
-Mas... Cauê esteve sempre aí? Ele adquiriu o mais honrado dos enterros?! –
Meu pasmo por tal ironia.
-Cativei-o após os destroços ficarem enterrados a uma árvore que não legava o
que ele merecia. Por minha consciência fiz isso... – Deslumbrava diante do aparelho.
-Mas... Por que o enterro dele aqui? É tanta virtude assim? – Minha postura já se
comparava a uma inveja.
-Eu sei que não és de boa vontade... – Volvi a encará-lo a frente – O que queres
de mim? -.
-O teu corpo me serve para colocar à árvore. Que tal? E ainda terás muita
honra... – O sorriso primário não inspirava confiança...
-Não sou tonto. É conveniência tua, né? O quanto queres que nenhum homem
mais possa compreender as leis que propus... É para expandir tua mata que eu sei... –
Apontei a ele, baseando-me à fúria – Não tirarás o meu ofício! -.
-Há! Então o que me propõe? Tua Borduna? Sangue de Maricí não me serve... –
Revidou a apontada.
-Que tal alguma coisa em troca de Kuarasi? Te serve? -.
-Não preciso de favor doutros seres... Quero é algum favor teu... -.
-Expulsão da floresta? Nunca mais eu hei de pisar por esta mata, assim te
apaziguando... -.
-Que isso! És mais que bem vindo à minha mata. Você mete tenência em minhas
crias o que mesmo por minhas advertências, batem fôfo. Num é de boa conveniência a
mim... – A seriedade já o dominava.
-E que tal o braço de Mayara? -.
-Ih! Má tu fica sem braço... -.
-E o que fizeste com o meu antigo? Responda! – Quase trisquei-o, por
desespero.
-Ué? Num era defunto conveniente e acabei transportando a algum lixão... -.
-O QUE?! Tens juízo do teu erro? -.
-Desculpa! Mas não havia mais espaço nesta ibira, tá? Contente-se com o teu
braço. Nem mesmo a quero, por mais honrosa que seja... -.
-E o que queres então? Qual a troca mais justa que te convém? -.
-Que tal tua linguística pelo robô? – Neste caso, não havia jeitinho naquele
semblante. Causo sério.
-Ah! Mas... Que linguística? Maricí num a perdeu? – Perplexidade minha,
restou-me a quase engasgar o ar.
-Ela perdeu sim, má não a essência. E ela adormece em teu corpo, por causa
desse braço que te dotou com tais poderes... -.
-Ah! Mas num sou de cair nesse coiso... Por que precisas da linguística? Nunca
teves desde sempre? -.
-Eu nunca a amaldiçoei. É só pretexto pra bom cuidado... – Uma leve risada, por
descobrir que a Mari o temia – Linguística nunca amaldiçoa. Só transferi... -.
-Eis a indagação mais protuberante: Por quê? -.
Derrubam-se as bases dum temido quando nada já o restava: Pelas dores que
causou, o quanto conscientizou a respeito das valências. Os sintagmas que se somam
infinitamente, e tal como se unem, nunca desatam. Que é assim o pretérito mais
perfeito, o que sempre ironiza: Sempre imperfeito nas realizações, tão perfeito nas
atrocidades.
-Por sadismo meu. Deslumbre sobre o desespero humano pelo alcance das
grandes ideias. Planejei-me desde muito tempo a querer tal acontecimento, mas minha
desmedida rogou. É de dicotomia o que meu espírito já não mais consolida a minha
proteção para as minhas crias. Elas me temem agora, e só as iaguaras possuem coragem
a me entender... Por isso, essa linguística será uma reversão. Protetor serei novamente...
– Cabisbaixo tanto quanto pela base já não se sustentava.
Aproximei por leves passos, mas mesmo pela pena, a minha intenção era mais
necessária que a dele:
Protetor erguido, canga confiante, a mim fitou por longo período. Ao meu
pescoço ele secava, nada a proclamar. E a entendida me veio em poucos segundos...
-Ah! Não... Num é tão conveniente pra você... – Pus as mãos acima do peito,
protegendo a Muiraquitã.
-Pelo contrário: É a única medida que me retornará a honra de proteger... É a
Muiraquitã mais valiosa dentre todas... A única que tua mãe recebeu pelas mãos da
imperadora. É a mais valiosa possível, neste terreno... -.
A esta vez, fiquei a vaguejar entre as araucárias dispersas ao redor. Por muito
entender a muiraquitã, esta não se desfaz por qualquer coisa. Ao desespero de Anhangá
é que se descobrem os valiosos, porque não há imploração que não demonstre uma
prece. Das quantas que nunca cessam aos seres em pedirem, por seus espíritos
morrerem pelas piores despercebidas. A despercebida sempre mata o desatento, o fútil.
-Mas esta muiraquitã não é pra se dar ou vender à toa. Já viste o que ela causou
quando Maricí me deu... -.
-E o teu ofício? Não é mais importante? Mantendo tua linguística e o robô,
cumprirá o teu dever. Ou então se jogue à sorte dum trabalho honrado conseguir... – O
cervo reiterou a sua contemplação à ibira.
À sorte todos nós jogamos, mas ela é arrogante: Potência de quem sempre
escolhe por quem mais estima. Estima da sorte nunca escolherá os pobres: São feios
demais para ela. Desalenta, o tédio a torna generosa. Mas se a sorte se abusar, ela há de
retornar a própria estima, através do azar.
Pela sorte que a vereda há de se casar: Nunca uma sorte se faz sem caminho e
este, nunca trará potência sem a sorte. Do quanto ambas amam o homem e este, tanto
mais à fofoca sobre eles a respeitá-los. Ao tom do cervo, ambas estivessem uníssonas e
que o filho de ambos se assemelhe à dúvida do pai e da mãe: O Livre-Arbítrio.
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Fim de “Era Linguística”.
Glossário Brasílico-Sociomano.