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Era Linguística – Manuscrito

Causo I: A Cultura – Página 1.


Causo II: A Epifania – Página 99.
Causo III: O Legado – Página 150.
Causo IV: O Livre-Arbítrio – Página 189.

Enciclopédia Brasílico-Sociomana: Página 201.


Dados pessoais – Página 208.
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A Cultura

“Aí o homem sério entrou e disse: bom dia.


Aí outro homem sério respondeu: bom dia.
Aí a mulher séria respondeu: bom dia.
Aí a menininha no chão respondeu: bom dia.
Aí todos riram de uma vez.
Menos as duas cadeiras, a mesa, o jarro, as flores
as paredes, o relógio, a lâmpada, o retrato, os livros
o mata-borrão, os sapatos, as gravatas, as camisas, os lenços” (Gullar, Ferreira.
Ocorrência. In O Vil Metal, 1960).

Antes...

Há de eu falar-vos, meus leitores, sobre as volúpias desse desenrolar: Não sou


uma narradora de palavras erradas, nem certas. Não escrevo errado, sem gramática: Sou
uma narradora do meu povo, o povo de Socioma, que na verdade “Socioma” é um
termo criado por uma imperadora, anterior a mim. Escrevo tal como falo em Socioma.
Na verdade, esta terra há de se chamar por Brasílica, a terra dos Brasis e Brasílicos, sem
ofício, nem trabalho de brasileiro. Terra Brasílica, tão grande já fora...
Aos leitores atentos, sem complexo de vira-lata, hei de apaziguarem qualquer
ânimo por elfos ou unicórnios alados. Na verdade, não tenho saco para essas
metropolices. Sem centauros, aqui todos mortos serão pelo Baetatá (Não se enganem
pela cobra da árvore. É baetatá mesmo, coisa de fogo nas línguas originais de minha
terra), pelo Curupira*, pelas iaguaras*, pelas sucuris, pelos morubixabas*. Esse é um
conto do meu povo e de nenhum outro.
Já a quase começar o causo, denoto aqui os dizeres de uma entropia: Em que já
me fracassei em desmedida, em por decadência como substituto daquela. Tá, tudo se
reforma inconstructo, absoluto, pelo que a minha palavra tem por interessar, pois
palavras desinteressadas não se cabem num começo de história. Mas também não me
elevo a um Griô ou Morubixaba.
E pelo que eu devo, aqui, demonstrar uma linguística enferrujada? Como um
robô pode medir a humanidade de uma árvore sintática? Simples: Nenhuma geração
palavral se perpetuará nas palavras dum robozinho. E do meu dialeto caipira sô, que
também num se eterna, má tem de ser muito mais espraiar, voar por arraial que se
manifesta bizoiudo, dos olhos do guaraná, o folclore num tem chipset. Num tem elétron
frágil não!
E pela fala, por essa diversidade de minha dialética, a única que se perpetua num
mundo insolitário, começo, por conseguinte localizador: Fui uma senhora das palavras.
A gramática do nível zero da escala Chomskyana não me limitava. Estuprei a Gramática
Universal e Socioma, a terra donde nasci, se desfaleceu em suas mudanças dialetais. O
mapa dialetal se desdobrou sobre a própria escala numérica, e fundiu-se no Atlas de um
peso de dois quilos.
Socioma... Bons tempos de muitos acontecidos. De quando comecei, era um
Diadorim, pseudo-culta cuja concretagem é urbana: Programadora. Debaixo de minha
sintaxe, excessiva gramática, me tomava em culto às máquinas. Eram os tempos
próximos da física quântica, mas será que a quântica conseguia suportar as dores das
palavras humanas? Se esperavas, leitor, pela resposta dum não, engana-se: As palavras
humanas, da “língua errada do povo. Língua certa do povo”, é o que a quântica acha
gostoso de ouvir e ela, irrelevante de gramáticas normativas, se há de glória de Aquiles
pelida, que por ira não há por esclarecer, mas por nenhuma glória será dialética.
E meu caro leitor, sinto-te decepcionar mais uma vez: Os gramáticos que
conhecera não passariam nem pelo teste mais básico de manipulação dos homens. A
palavra certa se erra no homem, e o homem se erra na palavra certa. Somente os signos
é que se apoderam de suas ideologias, se abduzem a todos os significantes do mundo. E
por isso, imagem feita, significado desfeito, os linguistas explodem bombas atômicas
diacrônicas.
Homens... Terra de faceta lacrimal. Não me batia sobre pedra não. Cíntia, eu fiz
o que pediste: Levei os arquivos até a biblioteca, antes que o Anhanga me pegasse em
supetão! Não me entupi não! Não! De palavras nenhuma, não!

-E por que falaste tanto? Leves já mais macetes dessa velharia antes que o
demônio da floresta te kutuke como caça de iaguaras! -.

Em meio ao vale da ribeirinha, acima de tudo estavam as casas e arranha-céus


avançados, instruídas a terem um pilar assentado à terra que suporta todos os pesos de
uma urbanização. Rodovias também se obedeciam da mesma regra fonética. Tudo pra
nenhum anhangá, protetor de animal, achar que somos índio, pra num ser pego por ele
não! Tudo acima da mata!
Só que... Bom, pedágio é caro. Então corria, né? Pra num ser pega pela peste...

“Por Deus pô! Num tinha que tá nessa maracutaia não! Tudo dos ricos ali em
cima, né? Já nós aqui, por literal suburbano! Só num tem esgoto porque ainda num tem
cano bom aqui não! Inda bem... Ou nem tanto!” Pensava.

Transitei-me por cada esverdeado escuro: Num batia sol em nenhuma inajá. Os
tatus já se escondiam só por minha tímida manifesta. E num encerrava-se bondade
nisso, pois é de sucuié que trota o cervo.
Intriguei-me. Por ambiente coletivo acima de mim, por que há de tanto me
solitária? Atirei-me em poça d’água, com batuta sobre os guaranás mortos, olhei-me
torta e retumbante: Não sabia de que espelho d’água eu iria pertencer-me. A chuva
pairava em atonalismo sobre o chão concreto das avenidas que se construíam sobre as
árvores intactas.
Gotas... Meu cabelo molhava-se. Tímido, mas molhava... Incessante pata sobre
pata por cada hora. Cansada e suja. Umedecia os meus lábios com as gotas da
concretagem acima de mim. O sol, penumbra, atirava-me ofuscações prisionais de uma
hora de duração, sobre a minha condensação locadora. Emprestei o meu corpo diante da
esperança – E dormi quando sumia...
O sono? Sonho num se acontece, nem se entrevem. Mas por cada milímetro do
platonismo, me recusava reduzir-me ao mundo das ideias. E encerrava-me num desejo
iru, contando tudinho aos meus colegas de biblioteca. Mas se em atual, o abá trotar,
esticadas seriam as tomadas de inexistência: Fraca, restar-me-ia cantar as alucinações
pretas. Num teria nem pontos pelo que dizer...
É, um empurrãozinho... Empurrãozinho... Kutuk de ave? Ou dum matutem? Ou
boiar sobre os tempos a se cair sobre nenhum lago além da cama plumagem? Trote em
mim: Levantei-me peste, sem morubixaba mandar. Me rodopiei. Segura na testa, um
estalo de dedos peludos, recaí à terra. Fitada sobre mim, assim eu já estava temerária:
Um cervo. Demônio. Capeta branco, difusão. Era Anhangá, monhangaba de crianças
naturais, assim muito se gabando das membyras de si.

-Abá-pe endé? Endé-pe i kanhem? Erepysyky-pe so’o xe teseaetá suí? -.

Ah se tivesse entendido... Seria um milagre também, pois em cidade num se sabe


fala de índio, de nenhum abá. Isso é tão semana passada...

-Err... O que diz? Oh... Estou ferradinha! Má como me fucei de tá aqui? O cervo
acha que sou abá, mas num caço não! – Metia-me medrosa...
-E-nhemokyriri! N’oabanheengakuaby-pe? MOXY! MOXY! – Enfurecia-se.

Certo... Com voz forte e cervo nada veado, até eu ficava assim, mó trem. Má tem
açoite em mim! Fala que num entendo nada! E o cervo calamidades, de vômito
inconstante! Confófô, num escuto vô! Ai de sapeca essas línguas, porra!

-Endé ereikuaby-rama abanheenga, Kunha-gué! -.

Você acreditaria num monge flutuando? Acho que não, sô. Má me levantou!
Num tem Jesus em cima de água não! É capetismo mesmo! Estava flutuando, oxê!
Tacou-me umas guaranias, acho! GUARANIAS! Ou seria isso corruptela dum tupi-
guarani que num existe, já que tupi é tupi, guarani é guarani?
Má que seja! O diabão me deixou sem pisar nos matos. Será que o capeta
levantando, é de pecado pra se viajar por paraíso? Num tem trem pra isso, não. Num dá
pra veintá umas trotadas sem fala mansa. Anhangá, timbaleando batuque, registrou
linguagens universais de canto... E nenhum invento não, mas tudo vira Gramática
Universal, inatismo de colheita palavral, léxico. Me fodi!
-Ixé nde aimomburu nde tekokuabe’yma suí! Kurupira resé ndé posuasubarama
ereabanheengakuaby suí nde kuaba osykyié ypyrunga irunamo! Nheengatu,
Nheengayba, opab ereikuab! -.

E num trote só, o cervo branquelo me fez rogada e fúlgida. Libela Iara, senhora
d’água estuprada, num canto incompreensível e abraço inimigo. Boitatá, queimador de
floresta, significante queimador de olhos. Sumé, de kuabá vindouro, ofícios de
sobrevivência pelo que aprender. Boiuna, virador de ygaras, ao fundo do rio petrolífero
se aguar de gasolina solidão. E por todas as eletrônicas quânticas, se refulgia tudo que
se pudesse compreender. Nasci-me, então, toda vista de qualquer letra...

-Agora, duma letra por letra, te faço entenderes-me! Entendes-me? Agora tens
fala de índio? -.

E sim. Fala agora sei. Sabiá, canto centelho, o agudo e grave posso lamentar do
teu choro, alinhado com as lágrimas do rio daquela senhora. E entendi... Aliterações
dum desespero contra homens... De cegar a quem lhe temes... Conhecer num traz
felicidade não, mas tentei por Tupã e num deu certo... Virei barcos a vapor, que me
escureceram com tanta tinta preta de homem.

-Sim, entendo-te, ó Anhangá... -.


-Anhangá sou sim, mas num sou só eu... Sou protetor de caça, num sou o
Anhangá, irmão meu, espírito errante que erra outros espíritos... – Retrucou-me, sério.
-E por quem mais tenho que prestar honra? -.
-A Kuarasi, mãe-sol, tu tens que prestar em origem. Há de caminhar por mata
virgem, circundar com teu poder. Mas lembre-te: Sou demônio e teu azar... -.

Num entendi direito essa última, não. Mas também... Sumiu tudo resposta.
Anhangá! Raio que o parta! E de xingo, revirou-se literal: Abrupto trovão de Tupã,
clarão comparável a queimada. Sumiço de Anhangá por sequência...
Cabaré, cambada me roubou os livros! Macunaímas! Há... Como sonho por
algum Curupira devorá-los... Malandraram no meu tempo de maldição! Mas por cada
Sapopemba ofuscante, me avanço errante. Iaguaras, Sucuris, Cobras, demônios de
floresta, madeireiros... Por que morder lábios pra um possível, né?
E por partir pras matas de nenhum lugar, pude encerrar-me em qualquer local,
menos num imaginado: Vasto pasto de caipira. Desmatada e estuprada, a terra me
desolou uma tristeza: Com gramática universal minha, dada por Anhangá, pressenti as
grandes promessas tecnólogas. E todas elas, encerraram-se em artificialismo terreno.
Viraram capim de bode, de arraia vomitando alfaces.

-Num tem pra mim aguentar isso não, Anhangá. Por que ei de sofrer por essa
terra? – Perguntei a mim mesma, solitária.

Andei entre milho e alface, mas uns tempos muito longos de duas horas entre
plantadas me cansaram por monocultura da homogeneidade. Nesta terra... Reflete-se
alma medíocre de únicos tons tão separados, nada juntinhos? Cabanada, índio e negro
expulsos, além do que num se soma em alma medíocre.
Ao longe, já entre laranjeiras, despenhou-me um achado: Brilho pretinho de
longe. Corri. Como apressada juventude, me joguei-me em acidentada tropeça. Caí.
Arrasto pelo chão, como arrasto de defunto desonrado. Insólita, revirei-me e, por sem-
marcha para trás, deparei-me em sintonia de outra linguagem: Um bebê de chumbo na
testa. Três-oitão estava do ladinho dele, sereno. A arma tinha mais fumaça e significante
que o defunto de criança.

-Como um nascituro se solidifica assim, solitário em arma na mão? Como a


solidão se desvanece num intrépido? Bebê é desleitado solitário? -.

Em cunha de meus questionamentos confusos, encerrava-me num causo de


início: Um bebê de aquisição de linguagem. E por princípio, se fosse vivo, num teria de
como me contar divagações, mas não por muito sem saber de falar: Mas por num falar
com ninguém. Intra-auricular, ele ouviria ruídos demais pra me escutar...
E minha linguagem se faz por acontecidos. Como gramática de tudo, me
principio e me parametrizo. E assim me limito a línguas únicas, tal como causos de só
linear devaneio: Pus-me, por de repente, a estar com os braços segurados por dois
capatazes. Um até me cantou, oxê!
Com o bebê ainda largado ali, estranhei-me que num pegaram-no, nem nada.
Apenas me guiavam ao casarão, a oca do senhor do engenho. Puseram-me alguma
sacola plástica esburacada, toda feia e cocozada. Adentramos em grande casa de patrão,
pondo-me de frente à chorada linchagem: Senhor do Engenho, em revolta quase
proletária, os escravos o chibatavam! Sonho marxista!

-Má é de tudo isso ser por aquele bebezinho lá? – Perguntei.


-Claro que sim, senhorita. Há dum tonto que nem o branquelo aí ter mais culpa
que dar arma em neném? Estuprar o sinhô pra agora, sim! – Retrucou-me capanga ao
lado, em grande convicção.

Num tinha muito que falar, né? Má... De choro neném, vinham-me confusões de
tudo que a alma suicida se acidenta: Choro por pai, o semeador de sua existência. Oxê!
Pobre dum pequeninho numa alma atravessadora de gente, que num pode ficar em
frente de pai chibatado, de levar chibatada por ele. Num dá pra ele fazer isso, não.
E por segunda surpresa, o menininho se fazia de tristura. Para si, lhe
circuncidava garrote dos ignorantes, donde se entreabria de incerta patinagem sobre
linchamentos atrapalhados. E por cada equívoco, se doía em aliterações das letras dum
chicote sobre pele.
Em quebra de silêncio de espírito, amaldiçoou mútuo a todos, mas ninguém a lhe
ouvir:

-Meu papai! Deixem o meu papai! E por que ignoram mim? Num pensem ele
não: Me pensem! Justiça de cês é errada! Pensam si mesmos só atiça! – Berrava em seu
choro, que se traduzia em típica fome por leite de mãe.

Dum cada passo que o bebê dava de quatro, vinha duas em dois pês. E de pouco
que vinha com quatro ou sete em dois pés, de tintino em tintino se andava como gente.
Se apoiava em tudo quanto é beirada, dos móveis, das pernas, da mutilada alma do pai
ali, meio largada entre pernas de escravo. Chegava ali e se apoiava tímido.
De vez em vez, alicerça-se maracutaia com chupeta? Pois num cada passo
indireto, o paço se desvairava com armas. Ao chão, do único ali que não se ouvia a não
ser pela programadora, colava em testa de bebê a sua marca de pedinte. Pois... Por que
em papais se bate se num tem lamentar por mim ninguém mais? Cês vão ao velório
meu? Defunto meu se vira em pasto? Justiça idiota... Idiota... Pois tudo batem, e
ninguém me vê, nem chora pra mim.
Mas... E do que se propriamente vive uma programadora, senão de jogar as
regras dum mundo em sua máquina de existir? Pois... Cientista da computação não tá
mais ficando ali não. Já num aguentava choro dos ninguéns.
Mas... Num foi isso em vão, não: Se vira, em si mesma, por muito ver adulto
nenhum a ver criança, a programar o adúltero tornar-se criança. E justiça num será mais
de homem, mas de coisa maior!
E de sua gramática universal, sua arma virgem, bateu na porta e saiu por fronte
ao arraial. E reta, se guiou ao sudeste de Socioma, para Leidorio.
Caminhava... Caminhava... Mas por onde é Leidorio? Que se faz dessa capital?
Por pegar trem, seja em espera de subir, seja pela esperar de descer, eu vos
contarei, meus leitores: De grande capital, Leidorio tem muito das grandes máquinas.
Para onde possa trazer-me mais linguista, desse urbanismo eu me terei completa por
tudo fazer, para todas as máquinas se fazerem mais homens que chibatadas, elas vendo
mais crianças que armas.
Impasse... Olhar por janela de trem faz-me praticar árvores sintáticas: Das
bapevas passando subitamente, me colocava entre sintagmas sem núcleos. Os homens
num tem árvore no coração... Será que é por isso que eles não tem núcleos? Acho que
nem mesmo sintagmas são...
E nos rios, diversas das veias da terra brasílica, eu escutava morfemas se caindo
em cachoeiras. Mas tinham menos onomatopeia que todos os choros dos subnutridos,
que em cada estação pelo que o trem passava, menos escutava os seus ruídos. E menos
me atrapalhavam para encontrar o meu destino, minha fala completa, pois assim somos:
Os ruídos são sintagmas completas, belas, que ficam na cabeça e nunca vão pra
consciência. Mensagem subliminar que se fracassa de seu marketing, de homem
suplicar por homem.
E de leitores atentos, que passaram por todas essas híbridas desenvolturas do
enredo, agora hei de se esclarecerem: Programadora sou. Mas por hoje me insiro sobre
nenhuma sintaxe de nível dois: Estou me realocando, me ignorando daquilo que fui.
Sinto língua maior, que num vejo e nem entendo, mas posso tudo agora apressar acima
de aquisição linguística de criança. Os meus alomorfes não se aliteram nos erros!
Leidorio... Terra grande, grande mesmo. Metrópole farta, suja, e tão barroca de
bela... Por onde tirarei máquinas de compreender homens, pois é deste livro que reside
minha ficção científica: Da minha ciência linguística, farei máquinas de eterna
gramática universal. E por elas, se existirá sempre a quem se desabafar e elas nunca
ignorarão. E por ouvidos eternos de acuidade, se verão sempre escutando todos e nunca
ruído de carros lhes atrapalharão. Em olhos grandes, sem cor, conseguirão sempre
distinguir toda cor, todo santo e todo vitral de igreja, e nunca lhes falharão em traduzir
pra linguagem de gente.
Ahhh... E por este trem, no traço certo para chegar à musseque branca, ouvi-me
por mãe repreender a filha, por esta se portar mal em sua língua:

-Mamãe... Faz mim ter sua fala? -.


-Faço sim, mas não se fala dessa forma, filha! Fala-se: Mãe, podes me ajudar a
falar tal como ti? – Repreendia, severa.
-Faz mim ter sua fala? – Repetia, inocente.

E em minha não sabedoria, destoei toda a situação, deslocando-me até as duas.


Como mulher (Como se já tivesse postura de mãe), empunhei a cabeça da menina e
estuprei a sua Gramática Universal: Primeiro a fiz falar em Tupi.

-Eremonhang xe ndé nheenga? -.

E depois em forma agramatical, em português:

-Faz ter mim sua fala? -.

E por fim...

-Mãe, tu podes ensinar-me a tua fala? -.

E assim estuprei por vontade de mãe: Gramática Normativa, interna em criança.


E assim a língua dela morria – E a alegria da mãe subia, mesmo precedido por um
espanto e choque.

-N-Nossa... Obrigada, senhora! Tu fizeste minha filha dotada de boa fala! -.


-E obrigada... Por fazer-me perceber o problema dos homens... -.
-Ah sim... Quem dera se todo mundo pudesse falar certo! -.
Falar certo... Falar errado. De nheenga nenhum se pode por em ridículo: Apenas
por um achismo de cintila, já se destruiu culturas com línguas ricas. Dessa mãe, de
vontade medíocre, nasce-se a língua fragmenta, donde és incompleta. Portuguesa, minha
Tupinambá, sejas ímpeta, desvairando as normas e retornando-se Tupi, em nome dessa
Terra Brasílica.
Mãe feliz... Felicidade num se constrói com estupros, mas em constructos
sintagmas que nunca se terminam do princípio irrefutável de todas as línguas: Da
sentença do homem, nunca há de terminar de se somar sintagmas infinitamente. E
assim, o homem está condenado ao conhecimento infinito. Sua sentença palavral é uma
sentença de espírito.
Dedilhar de cordas... Escutava o griô cantar um misosso, ao fundo do trem. Por
curiosidade de meu poder, após incidente com a pobre menina, em ingênua
aproximação me meti no meio das crianças negras. Num tem toque ou cutuco que se
tente conversar a elas, distraí-las: Hipnotismo, se atentavam no velho sábio. E o sábio
era de muito longe, duma tribo do outro lado oceânico. Estavam vendo um holograma
azul do mesmo, que lhe escondia a negrice. Será de propósito dos brancos? Jogaram pó
de arroz nas máquinas... E era de grande repetição, por toda Socioma e no mundo, que
velhos sábios indígenas contassem histórias em hologramas. E em suas terras originais,
lhes vinham a multidão exata, no meio de savanas e florestas, sentadas em suas frontes.
Oralidade era renascimento tecnológico.
E por minha meninice (Embora já tinha parido sangue), olhei atenta ao azulado
africano de roupas típicas de quimbundo, modifiquei sua fonologia e esse assim...

-...E o sábio cágado, diante dos risos, disse: Leão que do alheio se retém/Joga ao
mal/Vitória do bem/Tire do Leão/Dê à corça! -.

Tornou-se assim:

- ...E a tartaruga, astuciosa mesmo nas gargalhadas, proverbiou: O leão que


rouba/luta pelo mal/Que se dê vitória ao bem!/Que nada sobres ao leão/Que tudo tenha a
lebre! – Gritava o contador de histórias, exaltado!

É... De nada muito mudou, não. Mas em visualizações mundiais, só nisso, deu-se
em qualidade de fascinação. Risada, choro, palpitação... E se tudo dá em bom, ou ruim,
então que aconteçam mais outras. Estratégia conversacional: Exaltação, criação de
expectativa, direcionamento dos expectadores à solução final. E assim, Griô continua
em coletiva harmonia, em oral que já espalhava-se.
Assim... Tornava-me plena de minha configuração programadora: Já
transformava humanos em computadores de minha posse. Estuprando ou construindo as
gramáticas universais, já se sobressaía ambição pela máquina compreensiva ainda mais
completa. Tão perfeita que nenhum homem será solitário de palavra e os dialetos se
salvarão das normas!
E... Mesmo que devesse explorar o trem, ignoro: O comboio parou em estação.
Da janela, presenciei tediosa as movimentações. De cada cabeça, via um universo de
letras e muitas dessas mentes, livros não aprendidos. O computador homem nem era
mais tão grande de sentimento: Muitos se faziam quase computadores solidões. O
arquivo memorando era pequeno, com os saberes já reduzidos a cartões de visita. Numa
ponte entre duas pessoas, via seus diálogos e as letras passarem entre ambas. E nas
brigas, havia um rodízio onde alguém não tinha dinheiro e o outro também não, mas um
deles iria pagar o rodízio do conhecimento. Diálogo capitalista era, meus leitores,
comum entre os que queriam vencer uma discussão.
Num outro momento, com o trem já de saída, peguei-me em devaneio sobre o
meu passado: Num era daquelas meninas bonitas. O meu significante num dava
fascinação. Eu era o tipo “Da Silva”, enquanto as mais bonitas sempre se vinham de
algum tal de “Casagrande Vilalva” ou “Jefferson Stark” e até mesmo “Vidate Nadinna”.
E se os leitores estranharem essas mudanças de letradas, saibam que é de minha
arrogância assim fazer por essa narrativa: Quero registrar o momento de minha
gramática pessoal, intransferível. Má num se vejam de fúria de onça, tá? Xe não faço
preconceito. Sou a dona da Gramática Universal e falo tal como amonhang!
Mas... Quando estava nessa época de ensino médio, por justamente vir de algum
“Da Silva”, não era zombada, mas ninguém ligava pra mim. Não se dá pra dizer que ser
ninguém é de bom agouro: Ignorância de mim é pior que o ódio, pois da ignorância me
reduzo, me fragilizo em solidão. O coração odiado ainda tem um coletivo por quem
existir.
E se sou simplista... Sim, sou simplista. Sou nada. Essa narrativa é um nada, na
verdade. Não se enfureçam por tanto reducionismo de não adiantar logo a história. Não
se pode apressar os grandes feitos, as peripécias e os finais destruídos. Não tenho alma
pelo que sofrer. Por minha programação, não se encontra as fortes dores dos homens. E
assim, minha sintaxe se perde em cada mente que me transito.
Mesmo adulta, já depois de tanto parir sangue todos os meses, minha sintaxe não
estava exatamente em minha boca: Já se alastrava pelo vácuo do meu conhecimento.
Não havia posição política que pudesse me alocar. E assim se vive cada homem
programado: A sintaxe de sua toca, de tudo que pode viver com outros homens, se
amostra experimental, mas sem teste. Nenhuma tentada, mas sempre aprendendo as
novas. E por isso, mediocriza. Intromete-se víbora sem veneno, mancando. Sintaxe,
sente em si um egoísmo de posicionamento. Sintaxe ou eu sinto, em Tupi?
E alguns de meus leitores, já impacientes, não se conterão em inevitável questão:
Pelo que eu faço essa narrativa? Por que dela existir? Bom... As palavras não nascem de
boca desvairada, darwinismo linguístico. De cada inato sentimento, venho, tal como
palavras gerativistas, tomar-me arrogante de contar a história dessa era. E o que era
antes uma grande Socioma, agora já era linguística. E era, por anterior, uma
normatividade destruída. Conto a linguística que já foi...
Não faço mistério, não: Conto-lhes pelo vômito já mastigado, pela informação
fácil. Mas será que tudo poderão digerir? Aqui ficas a tua dica...
E... Infância... Demorei em fala: Cinco anos a partir de meu nascimento. Nem
num instante de morte, quando quase caí na lama e quase morri, me veio palavra de
socorro. Mas num é de socorro que vive a língua, de acordo com os tenros
conhecimentos que adquiri do demônio da floresta.
Nas entranhas desse conhecer, há do demônio me dizer, por oralidade folclórica,
que minhas terras eram férteis por própria natureza. Manifestava-se florescente, mas
virgem. E é dessa terra linguística que se brota a árvore sintática de nossas vidas:
Hierarquia de nossas prioridades, nossas falas aos outros, nossas automatizações do ser.
Robô homem num é, se achares que estava a falar nesse sentido de
automatização. Mas o homem se fascina por engrenagem, há se fascina! De vez em vez,
pelas desenvolvidas línguas, o bebê que adquiriu língua tornará a não mais se lembrar
de alguma outra, pois essas terras férteis endurecem após certa idade.
E em minha idade ingênua, de cinco a dez anos, me entreabria pra tentar falar
com outras crianças, sem sucesso. Minha gramática, limitada solidão, num me permitia
privacidade, mas também num me permitia ímpeto sem voz. E por vagar tanto em lugar
algum, enclausurei-me num computador por quase... Até agora.
É do computador que vivemos em linguagem limitada, da gramática de nível
dois e três. É dela que extraímos muitas sentenças, muitas possibilidades despercebidas.
Mas nenhuma delas se vive em nosso mundo e por isso, o computador se fracassa em
seu humanismo. Mas há de eu mudar isso tudo...
Pararam pra imaginar por que eu estou indo à cidade? Uma máquina de
compreender homens não se faz com gramáticas limitadas: Preciso achar o cientista
Alberto de Nadita. E conseguindo um meio de acessar o computador quântico, eu hei de
alcançar a programação máxima, numa gramática abrangente. Programar tal como nós
programamos dentro de nossas existências... E assim, humanizo a própria máquina.
Mas como o trem ainda está longe da capital, hei de contar-lhes mais detalhes
sobre o projeto e algumas curiosidades. Por acaso... Alguns de vocês questionam
pequenas coisas? Como por exemplo... Como essa mulher feia entrou num trem que só
rico há de entrar? Simples: Quando num se tem coisa alguma e outros tem coisa demais,
o recalque bate mais alto na gente e entra pelo cu. Num tem sociologia moral, de
pressupor o homem contido, que se enalteçam as fomes mesmo diante de tantos
abundantes: Ser humano é recalque por inatismo. Sem delinear, num existe violência
que se desanime por contenção. É de quase fazer revolta em vocês, eu sei. Mas a
porrada em alheios, retirada abrupta em desapego por força, num se apazigua em mais
pomposidade de rico contra pobre.
Recalquismo meu, sim, já pulei à frente de homem moreno, má ou menos alto,
com pinta de boiola castrado (Num se aborreçam com esses termos. Num tem
preconceito que eu consiga curar de mim, pois sou humana... Desculpem). E parecia um
poste. Em bater em ponto, pra agora subir ao trem, meu desespero assolou e de meus
instintos, surgiu-se linguística de análise de discurso.

-Hei, senhor... Diga-me: Por que estás a segurar o bilhete? – Perguntei.


-Oh! Imundice tua me enoja! Mas em bilhete, está a minha ida à cidade... Hunf!
– Respondeu, resmungando.

Quase do homem ir mesmo! Má num deixei ir logo assim, não!

-Má num arreda pra lá não, senhô! Já viste que tua calça é curta demais? -.
-Por que falas de tamanho de minha calça? – Questionava, impaciente.
-Porque tu tá aparecendo das meias, sô! Num tem de se envergonhar por
insolência? – Dizia, como uma mãe coruja.
-Tá... Tá, acho que meias não dão boa pinta... Acho... – Olhava pra baixo,
distraído.

Com uma safadeza rápida, peguei-lhe o bilhete num instantinho. Estava no bolso
de trás. De pingos sobre chão, rasteei-me até o trem pra entrar, enquanto o homem ainda
arrumava as calças. Aliás, trem partiu e nem mesmo embarcou.
Má... Num tem trem que me coisa não, sô! Já num me vivo de vereda direito,
quiçá de coisificar homens.
Trombada sobre alheios de mim, da pessoa ao lado. Num dava gosto de ver
bizoiada cretina, má num dá pra fazer muita coisa com isso a não ser um desculpa e tal.
Num achem que estou a falar à toa dessa trombadinha que deu agora: É que quando vem
a raiva, vem as insinuações de nossas almas. Ela fica trotando na kanga, berrando.
Teimosia por tintim de nada, má alma num dá ouvidos a ninguém. A Alma mais pura de
gente é intragável mesmo aos antropófagos, donde num altera nada de ninguém. E por
isso, trombada na existência, fúrias a mil, má sem solução, sem diálogo, sem boas
novas.
E pra que tanta violência, de falar dessas coisas de homens? É que de cada passo
que se dá pra uma vereda da esquina, colide-se com outra, inevitavelmente. Num existe
homem que se só, não. Vereda reta e paralela às outras é coisa utópica, e os homens que
por utopia, paralelizam... Mediocrizam.
E as máquinas de língua são justamente esquinas sem semáforo. Má num dá
nada não! Dá é de carros se desviarem, até tendo um “oi” trocado entre si! Arrebitadas
mãos, não se glosa uma raivosa, nunca.
Agora... Passada rápida de tempão, né? Já chegou: Leidorio. Num tem epopeia
que dê conta de magnitude dessa cidade: Mais de 400 quilômetros quadrados de puro...
Cimento.
Num dá ânimo de falar de cidade assim, sem existência pelo que deveriam se
importar, onde homens num dão vereda nem pra paralelização. Má... Tenho de encontrar
o Alberto de Nadita.
Pego o busão pra travessar desta estação pro centro... E mais outra espera (Sim,
leitores... Espera é de ânsia, mas o meu vômito lhes agradará... E talvez lhes surtam
emoção, horrorizem-se ou não). Má dava pra ver alguns causos da janela. Crianças num
ponto... Crianças fumando... Adultos se batendo... É... Num dá gosto nem de falar de
cidade, mesmo.
Por mais essa espera, conto-lhes sobre o império: Socioma, antes Terra Brasílica,
agora num é mais império não, esqueci. República Sociomana, arrenda de tralha antiga,
anterior. Bartolomeu. Abrigada insignificante, da perpetuação corrupta mesmo de
coisinha de nada.
Má nos tempos da imperadora (Sim, imperadora. Num tem erro de gramática
aqui, não), retinha-se certa bobalhada em gente, em todos. Embotamento num dá
significado nisso, pois a imperadora adorava esses signos incompletos. Imperadora
Velha D gostava dumas trotadas sobre gente. Literal de palavra: pegava pangaré e metia
por cima de quem num gostava.
Depois da imperadora, a república. Senhor Sunday (Num é de zoar, não.
Chamava-se assim mesmo...), mandão que era dono de dois estados: Socioma e
República Sunday. A diferença é que na república Sunday a vida era barata (E
Sociomano era recalque por carrões quilométricos com preço de carrinho popular).
Sociomano tem muito dessa inveja alheia. E é uma das coisas que quero curar
dos mesmos, mas é difícil quando se mediocrizam por materialidade da vida. Num se
nadam, nem em mar etéreo, nem mesmo possuem um nada. São puros e por isso,
bobalhões.
Descrevem-se como progressistas. Má num é de progresso que um Sociomano
vive: Sociomano quer é telefone daqui custando o mesmo de lá. Colonizado, complexo
de um danado desesperado, afobando desnecessidades. Abrido em si. Aliterante de todas
as opiniões do mundo, achismo. E no fim, nunca acham algo por si mesmos.
Socioma é vasta, um Tupã, impávido colosso. Linhagem por canoas donde
muitas destas se abriam sobre os vastos rios enveredados que se formam na sanguínea
identidade nacional, mas linear pensamento num se quebrava com riqueza dessas águas.
E por colonizados, se estendiam obesos sobre toda a terra adorada. Pátria mal amada.
Histérica sim e não, de tudo dos cantos de sabiá dá é estresse. Cousa de cidade, má tanto
molda o Sociomano que se encerra por ligarem-se ao mundo, mas num ligam mais em
gente alguma.
Leitor, não se aborreça por tamanha palavrada: Nos ônibus, num há mais
interessante coisa do que ver gente em celular. Querem filosofia sobre celular ou sobre a
gente Sociomana de todos os cantos? Do celular, num tem segredo algum, pois já a
pelada foto dos homens se expôs em capa revista que vigia revistando mais do que
mostra expondo.
E... Sobre vestimenta... Leves roupas, muito leves. Triângulos e quadrados se
formam desalinhados sobre tecido de pobre ou rico. Lá em favela, usam bastante calça
triangular e nenhuma outra mais coisa acima. Em ricos, usa-se dois triângulos (Mais
tecido, mais grana). Nos musseques, num usam muita coisa não. E em tribo de índio,
usa-se nada. Despi para vocês, meus caros, o quanto somos meio puros, impuros, mais
ou menos puros e completamente puros.
E por cada racismo de vestimenta, há das cores brandas e sem graça certamente
se colarem sobre as riquezas e a cor de Deus se flutuar delicado pelas roupas pobres. E
num é de comunismo não: Tupã realmente diz isso à gente. Má rico num dá mais bola
não. Num são mais nem ateus.
Hei de lhes parecer cristã, má só conto donde vim. Socioma, por tão colossal,
num dá pra ver entranha nenhuma. Se nem de homem se dá pra ver direito, imagina da
ybyguaçu! Nem o boitatá cobra conseguiria mensurar tal riqueza!
Já num tem mais essa época de homens, não. Minha pátria se enraizou sobre a
quântica da vida, do computador mais ou menos computador. Má sempre fomos
abaporu, comedor de gente, que em mudança dialetal da cultura, regurgitou-se outra:
Transplante de membros alheios. E batizados membros, de soldados a heróis, se tornam
prêmios para os que os conquistam ou matam estes guerreiros. E assim transplantam em
si mesmos. Quanto mais cortado o corpo, por muito transplante e assim muito membros
substituírem, mais o respeitado é de grande honra.
Má num há gasolina e nem plástico: Tão caro que é de bilionário. Sintonia com
natureza, pretexto pra outras mediocridades dos homens. Num importa se o mundo aqui
é de paz, ou de abundância, ou reduzido à ecologia: Homens em alma num creem e de
descrença, se balelam. Zoar do zumbido de ouvido é só miragem, num é surdez. Razão
de homem é que o plástico vale mais que uma criança. Aliás, a criança num vale mais
que a bala que tirou-lhe a vida, aquela ali que caiu ao chão por tiro de bandido pra pegar
a comida da mesma. Presenciei a partir do ônibus, sim, mas como disse... Ninguém se
importa. Nem eu.
Estou seca... Estou desinteressante... Acho que morri de mim mesma. De contar
filosofia barata, vírus fígado, me descaso com minha narrativa sintética. Que, em nome
do interesse dos leitores, se venha outra linguagem, pois de ônibus em ponto
conveniente, finalmente agora nos localizamos perto do Alberto de Nadita...
E por vastas terras que muito caminhamos por tempos anteriores, dentro desta
narrativa, e por agora há de se postular as histórias, que assim se faça: Por agora, que
Deus nos tenha, para que em grande multidão nos localizemos. Pelo pai do céu, que se
faça da narrativa o conto do agapismo, mas sem fatura cobrança ou contagem de letras.
E de tanto esperar, chegamos. Desci do veículo e teimei-me na procura pelo
comendador de máquinas. Pois em Socioma num existe dinheiro que se compre
cientista, mas cientista que compre os homens. E de procura por homens, não há de se
localizar oferta que demande homens, pois a oferta se egocêntrica, se vândala, se
cândida.
E por alheia ela se ver, assim então me torno uma dessas gentes que se procura,
mas não se faz por alicerce demandando nada: É de interesseira que me decíduo. E por
assim me acolher em origem, tento-me reiniciar. E da máquina solidão, de conversa com
meios-homens feitos de engrenagens, faço-me nova de gente, sem gente.
E por tanta novidade, que assim procuro com minhas forças entranhais, por
assim me recapitulo sobre donde estou: à frente de grande pilar de concreto, dou-me de
frente à recepcionista. Pergunto:

-Má moça... Num tem de eu ver o moço lá? Quero máquina... -.


-Senhora... -.
-SENHORITA! – Reclamei.
-Senhorita... O senhor Alberto de Nadina não permite visitas não marcadas ou
compras... Exceto quando é cliente-fiado... -.
-E pelos meus trapos, achas que sou o que? Caviar no bucho? – Sim, fiz
sarcasmo.

Há de se ter muito amor por tal recepcionista, em retardo perceber de minha


posição social. Cidade mais desvaira conhecimento do que faz inteligência...
E por palavra incerta, de meus leitores há de se perguntarem: O que diabos é
Cliente-Fiado? É de gente como eu, que Deus não nos inatizou com dinheiro, então
nascemos sem o mesmo e, mesmo sem dinheiro, só de trabalho há de nos restar pra
conseguir produto de ofício. E assim... Eu trabalharei pra conseguir o robô quântico...
Em espera de cinco minutos, seguido veio o resultado de minhas preces: Da
espera, quebrada se deu pelos poucos e miúdos passos da moça do balcão marmorizado,
que balizou pelo vão do mesmo e assim chegou a mim. Prontificou-me de subida ao
topo do arranha-céu de formato esquisito, que se curva lá pelo topo, quase torto.

-E que subas, por favor, minha senhorita... -.

Conversas secas, vidas secas. Dum passo só, assim já me subia pelo elevador da
sociedade e assim elevando-me, abasteceria a minha fome de vista só de olhar pelo
vidro transparente instalado ao puxador de gente para-alto. Acima de outros prédios de
existências, e desses prédios que já se fracassavam pela sua imutabilidade, me tomava
plena de sociedade tão móbil, mas tão imutável de sua meritocracia. Subir na vida só
existe nesse elevador...
E chegava em andar de cento e vinte, para assim que me localizasse com mais
plenitude de minha consciência, agora estivesse mais entendida de minha fronte vista: O
local de cientista era limitado por um andar inteiro, vazio. E meu entendimento pátrio
não demarcava fronteira com o do cientista, como se então os significantes e os
significados do local fossem uníssonos. Tomava-me agora em língua de ciência, cujo
léxico era um andar inteiro dum prédio de humanidade, dum senso de engrandecimento
totalmente recaído sobre a sua própria e densa incerteza do que falas, do que expressas.
Lentidão vasta sobre cada passo, assim me dei. Tocando o piso laminado tal
como uma língua madura, as luzes se ascenderam sobre toda a sala pintada de branco,
sem móveis de riqueza material. Perpassavam-se vinte a trinta luzes intermitentes da
velhice, que não me comovia em sua pobreza de manutenção. Acho que pior: Nem ódio
me dava. Se há nada para sentir pelo que de haver numa sala de prédio, perfídia seria eu
de minha própria compreensão por alheios? A grande conhecedora de compreensivos
não se amolece por insensíveis para assim ser... E se assim me insensibilizo pela própria
credulidade de se insensibilizar, serei insensível a isso? Então há de mim, em nada, me
nadar por caminho sem opinião, havendo assim de nunca ignorar a cousa alguma.
Já em minha impaciência, valeria então, de espera aduaneira, gritar pelo doutor...
Mas após tanta digressão, encerra-se em um finalmente: O senhor de cara pálida, jeito
mendigão, trapos de índio, troçando alguns braços ensanguentados. Num tinha nem
pentelho, mas barbudão já se resplandecia seboso. E com fronte a mim, se curvou
cambaleando em reverência, solfejando:
-Anauê! Desculpa-me, de minha insensatez por tantos braços descambados! –
Cortez, respondeu-me pleno do comportamento implícito na própria fala.

Da reverência, das tormentas de todos os braços ensanguentados, caiam-se


muitos do braço velhote. Batucadas no chão, baquetas dos tambores do trabalho braçal,
ou de algum doutor que esbanja inteligência. Doutor dava branda sensação de escolha,
sim. Implante para ganhar nobres feitos alheios, como na antropofagia que eu lhes falei,
meus leitores. Cientista chiquérrimo!
A ligadura de minhas preces extraviava algum desejo por sabinada. Sabia tudo
não. Conhecer muito ou pouco só davam complemento de tons longos da música de
meus desejos. Sangue de braço, tudo puro de mais pra mim e assim, meu tipo nunca
combinava com nada. O velhote era algum senso comum sanguíneo pra isso...

-Algum braço? Que tal de guerreiro tupinambá? Ou griô quimbundo? -.


-Não, não desejo reticências para mim, não... – Sequei-me na resposta...

Baleei, mesmo que me manifeste protestante. Senso-Comum não se evita nem de


questionamentos filosóficos: Vive-se abaciado sobre tal conjectura de humanidade em
comum. Só não se dá sensatez ao senso-comum quando se nada faz, nada és por
ninguém. E de que nenhum líder vás idolatrar pelo que ele há de pastar outros.
E num me liderava, nem seguia nada, não. Por minha tentada. De cada muito
canto da sala se recaindo por má-conservação local, o então velhote se fez gargalho.
Deixou braços premiados ao chão. Mãos com sangues folclóricos, tradições de muitos
ofícios abnegando os ociosos, levantaram-se sobre os meus ombros... Eram de tanto de
velho, tanto de tradicionais.

-O peso de um mundo não se perde sem guerra, né? E peso prêmio, se faz com
língua morta e viva... -.
-Já estou morta ou viva? – Perguntei, espantada.
-Sua língua... Nem gato corta... Mas só se purifica se nada lhe comer em carne.
Mas... Palavra sangrenta já se tem carne até de vegetal, né? Num se dá pureza nem de
verde solidão... -.
Desconstrutivistas sentenças dum velhote vestindo hemoglobinas da linguística
que não dana as pobrezas de fala. Tão em tão, louco me parecia. Tão doidão. Até de
quem escutá-lo se vai por sangue do cientista... Até porque... Velhos cientistas não
carregam membros de línguas... É perda de tempo e dinheiro...

-E pelo que uma jovem se língua por sangue de braço inútil? Queres força de
Tupinambá? Esperteza de Griô? Velocidade Herculana? – Olhava terno.
-Há de me santificar-me por tudo isso, mas mais pelas línguas que há de se
compreender... Ainda vivas... – Hesitava.
-E como terás plenitude de realização? -.
-Conduzindo robôs... -.
-Custos caríssimos... Custos caríssimos... -.
-Há de eu trabalhar por ti! Suplico! -.

Ajoelhada sobre o chão. Doutor estranhando, mas não haveria de mim retroceder
sem respiração ofegante.

-Quântica não se faz sem dinheiro... Mas se tradição fizeres, algo que ouro não
se paga por tal honra, terás robô do que queres... – Respondeu, resmungando.
-Alegrei-me!- Me levantava – Do que tenho que fazer? -.
-Braços não devem se sangrar por cousa de nada. Tu num tens folclore no
sangue. Braço de índio terás... -.
-Índia não dá, pelo menos? Por favor? – Suplicava.
-Índia? Bom... Só uma há, mas é de caduca. Raquítica, mas memória das boas...
-.
-Satisfeita! Satisfeita! – Aliviava-me.

Braços recebidos, quitação conseguinte. Receber membros se torna uma


valorização do que é o alheio, de quem num se conhece. E assim a Socioma das culturas
mais enraizadas se enobrece por tal relação. Doutor dá carne defunta e fica contente por
honra: Do acúmulo de músculos de gente, se desvairar. Menos sangue a carregar.
Martírio ofício do senhor. Mais ou menos honroso, já que nunca implantou carne
alguma. Por minha língua maldita, ministro-me entendida: Medo por choro dos entes do
sangue. Afinal, as hemoglobinas secas ainda respiram uma família suspirada...
Se assim há de eu finalizar-me em braço de velha, me tocarei de novas
qualidades e defeitos, porque em primeira vez, me meto em antropofagia. Tudo por
robôs, mais do que por homens. É. Tempos assim já apropriei a mim.
O velhaco guiou-me. Centro Cirúrgico já não me surpreendia, mas pele pálida se
enaltece em hora errada! E assim, velho não esbanja mais paciência:

-Vamos logo! Pressa! Dá de pé logo na maca! –.

Fúria da tradição. Agora me virtualizaria num sonho enquanto se seguiria o


ritualístico ajuntamento de feitios. Máscara dava um sufoco que só! Mas me colocou
com força! Indelicadeza de homem não ajuda...

-Dormes logo! Palavras serão proferidas, mas dormes logo! -.

Anestesia... Sinestésica me pereceria, ainda sim. Mas imóvel, me daria crente de


tudo... Evangelização de quem não se assenta em tradição, mas por desejo maior, se
pequenina... E dormi.

-Moangaturam aime’eng endébo... Ixé i motîbyka. Ndé n’eresykyié


moangaturam suí, tekoé xe suí. T’ereikuab iandé tenondeara! -.

Lembrar-me de acontecidos para além dessa última enunciação, não deu. Rápido
procedimento de hábil doutor. Ritual cirúrgico deixou-me meio tonta...
Jaz às vinte horas da noite, e... Doutor! Água súbita é sapeca de meninice! Má
jeitinho assim num pode continuar amigando a mim, não!

-Menina... Levantada deves assim fazer! Levanta! – Impaciente, jorrava mais


água.

Num dava pra se pacientar o médico desumano. Água salgadinha... Dava mais
pena pra ele que de mim... Acho até que robô é pretérito tecnológico perto dele. Mas
enfim... Acordada...
-Destoe de sua preguiça! Espelho está ali! Vejas tradição em teu sangue, agora! –
Imperava sobre mim.

Sei de perto do espelho. Sabida, subindo em minha autoconsciência varonil.


Lacrimejante! Se água não caísse de meu rosto, não me tornaria mais plena do que a
epifania dos gênios: Pele branca, súbita pele índia. Braço esquerdo... É de esquecer a
antiga vida e rever as memórias duma véia...
Mas... Num dava comoção muito especial para mim, não. História de velha
enjoa... No momento presente, fungava resmungadas sobre o doutor risonho por minha
corporação desigual. De mulher num se ri por corpo, não! Em terra minha, o bode não é
veado! Risada bisonha não se harmoniza em intelectual algum!

-Há, há! Desculpa-me! Tu és de anedota, trejeitando assim! – Gargalhava.


-Má Doutor... Gracejar sobre mulher num é de boi, nem bode. És de outro lado
do muro? – Respondia-lhe em sarcasmo.
-O muro é efêmero demais em decorrência da mediocridade do homem. Prefiro
as que são tudo! – Ainda ria.

Humilhação retórica? Não há porque me atingir por isso. Fitada sobre braço se
resulta em lembranças folclóricas, mas também profanas: Quitação de dívida... Doutor
tem valores introspectivos que me interessam. Minha resignação agora se dava por
ímpeto, se assim fosse necessário. Risadinha intermitente tem de parar já!

-Há, Há... Há de eu desculpar-me, senhorita. Mas cabelos loiros e olhos pretos


não parecem de sintonia com um bração desses! HAHAHÁ! -.
-Há com lembrança de dívida, pelo menos se lamentar? Robô é prioridade de
mim, sô! – Imperava a ele.
-Ah, sim! Mas de robô não haver aqui, dinheiro me é suficiente pra ti? Hihi... –
Ainda ria.
-Se de robô se adquirir com vinte gigaqubit, me farei por satisfeita... -.
-Robô caro, hein? Dois braços eu te pediria, mas por dama assim ser, então lhe
ajudo a conseguir tal robô... -.

Mas... Sentimentos se fazem confusão e assim, dão impulso de supetão...


-Esqueci-me de perguntar... És Alberto de Nadita, né? -.
-Quem? -.

Espanto por sarapanto! Na mosca de minha alma, se faz barulho de sacrifício


desperdiçado! E...

-Brincadeira... Cara assustada é engraçada em você! Sério... Háháhá! -.

Por danado ele ser, de raiva me estremeço. Mas fúria por ira, me contento
classicista, sem deselegância por me abalar.
Em pé, imóvel, me dava a revisitar a sala apenas pelo olhar, novamente. O
branco continuava e o sangue ao chão... Era o meu. Maca... Instrumentos cirúrgicos...
Espelho... É, geografia de uma quase loucura... Mas dinheiro não vem sem capitalismo
da vida, né?
Alberto, alitere-me pelo caminho desandado. É que dor não se sara logo, não.
Ignoro. Pelo robô que me há de querer tanto...

-Calma, senhorita... Cadeiras rolantes são de minha abundância. Dar-te-ei uma...


Vista-te pra do corpo não surpreender transeuntes, hehê! -.

O riso agora se deu por mudança dialetal para um sorriso mais cortês.
Calamidade pública num é de moça se fazer, diziam as regras gramaticais da sociedade.
Mas não há preconceito linguístico que me limite de minha almeja ideia...
Mas como se faz língua sem mudança? Sempre regrada e contida? Não há.
Desculpe-me, meu caro leitor. Mas na Era Linguística, não se tem luxo por limitações.
Do lapidado léxico não se dá essência de língua. Mas dos esqueletos, troncos
linguísticos, é que se assenta qualquer fala de homem ou mulher. Deixem os
substantivos caipiras em paz!
Em paz... Paz, Doutor! Afaste-me desta tua zomba!

-Desculpe-me, querida. Sou de nenhuma pena, mas me assento em todo e


qualquer bom riso! Se lhe é de tristeza, robô é lenda então... – Reclamou, sucinto.
-Ah! Não há lenda e nem causo marítimo, não! – Desesperei-me - Prossiga de
minha prece! Sinto muito! -.

O homem que se cai em regras não se dá por pena, assim de conto recebi de
minha vovó. E de tudo que tanta regra me desola, me visto tímida. Vestes são pra oposto
de contestar: Diferença não se dará e nem fará, mesmo nas máscaras da indignação ou
nas volúpias desnudezes. Só da alma – e a roupa limitada pela aleatoriedade e sem
opinar com ideologias - é que se faz revolução.
E por isso... Vesti-me de tonta. Não me despi: A gramática me corrompeu...

-Agora... De vestes já feitas, bora! – Imperou o velho.

Entramos pelo elevador, entramos pelo cano vitral, o mesmo que oferece a vista
panorâmica que já falei. Subimos um andar e o velho, cuja luz do luar noturno refletia-
lhe numa pele de negritude completa de conhecimentos, aparentemente fazia-me contar
uma história só por, ironicamente, aqueles trapos que vestia. Novamente, língua minha
há de contar esse causo...
O velho era um mequetrefe, do tipo que os feitos grandes se prevalecem dentro
dele e de mais nenhuma outra tradição externa. A falta de sapato ou tênis costurava-o
num legítimo invólucro de sua origem: Tribo dos Kaxivós. E deles, se sabe de sua
principal tradição: Timidez aos outros, quando os segredos são e devem ser de família.
Mas a origem deles vem de muitos lugares, não de uma só...
Quando eu me dava por encerrar o olhar nas mãos dele, que as via tocar nos
botões do equipamento, eu via não mãos humanas, mas patas de iaguaras, de onça. De
certo uma coisa: Ganhou sorte de algum curupira ou de algum baetatá, pois patas de
onça são de muita feitura em vida, de valentia conquistada e prestígio por qualquer
sociomano que visse tal obra. Mas o velho esconde-se de tudo e a todos, pois sua severa
vida lhe confere obesidade mórbida: Muita gordura queimada por apenas migalhas de
existência.
Os trapos... Sobras de roupas de marca, valia-lhe não muita coisa. Fazia-lhe
apenas um entre tantos. Camisa branca escrita “Bollistar” e um short de algum esportivo
que preguiça os homens da feitura bruta... A camiseta era triangular, tal como já lhes
disse sobre as roupas desse mundo, tal como o quadrado da parte de baixo. Mas nada de
especial mesmo. É, roupas sem história estragam legados...
Chegamos ao andar posterior e o velhaco acendeu a luz do salão. Robôs e partes
humanas penduradas sobre cabides metálicas, enquanto computadores velhos
expunham-se como museu: Assim vi da sala que resguardava o legado do senhor de
idade, após o clarão súbito abater as minhas pupilas.
Quando não dava para ver o sorriso dele ou qualquer outro semblante, me dava
então a espiar os seus trejeitos. E não me dava fascinação alguma. Mas de supetão,
segurei os braços dele, após um tropeço ou assim parecia ser.

-Não se preocupes. Velhice me acomete, mas num é de me apertar coração, não.


Não caio nem por vão de elevador! – Exclamou.
-Mas... – Olhei para o salão – Desses trecos todos... Como se surge robô diante
de velharia? – Questionei incrédula.
-Tempo... Tempo... Computador que queres é caro, mas é de muito fazer
escondê-lo por ninguém eu querer que se peguem dele. Mas tu, que de braço perdeu a
ganhou outro, só assim há de eu confiar-te tal aparato... -.
-Senhor... – Virei-o para minha frente – Por que de língua tu escondes a tua
original? Dialeto não tens mais? Perdeu por civilização ou por medo? -.
-Bom... – Olhava terno para mim – Desde o mal de minha mocidade, me fiz por
feituras tímidas. Perdi a minha língua tal como tu perdes aos poucos a tua riqueza,
diante da civilização... -.
-Mas civilização não corrompe... -.
-Não corrompe, mas fascina... Ah se fascina... – Sorria.
-E... Podes falar em tua língua de origem? É que de meu poder agora, venho a
também explorar língua alheia... – Indaguei, já a pegar o meu celular de meu bolso.
-Humm... Gravarás? Está bem. Só porque és uma jovem diferente, de palavra
que está à frente do nosso tempo... Embora suspeite que curiosidade essa não lhe seja de
natureza nascitura... -.

Peguei o celular, que há de também se chamar de baetá. Apontei o microfone


perto dele, em avançada curiosidade minha, quase como um revolver. Até de assustar se
fez o velho. Uma tosse seca, como para começo de toda conversa, e assim começou...

-Má num é que apiancei e que deu é devera? Mas tu devia se dar por desfeita de
mim tá assim! Tu pisa em cima do meu pé, desse jeito! Dá até vontade de desexistir... -.
-Não gostastes de falar como sua origem? -.
-Palavra de peba, pô! – Colocava as mãos na cabeça, trêmulo – Pegadío entre
nós, por tua culpa, num tem mais como existir! Vexame! Vexame! -.

O Velho se dava por tristeza, em vez de sorriso. A língua daqui fez a dele se
tornar esquizofrênica, de quarto colecionável, para onde se nada vale: Que de língua
alguma se faça brava, de gente boa, pois em língua de boa gente se faz mal parecer,
endiabrando por vergonha.

-ZURETA! SUA ZURETA! ESTOU ABILOLADO! – Gritava, doendo-lhe na


cabeça - BESTA-FERA DE ANHANGÁ MANDAR-TE ATÉ MIM! -.
-Espera... Como sabes que vim de Anhangá? -.
-SEU CHEIRO DENOTA LÍNGUA DE ORIGEM, DONDE JÁ VIM! SUA
QUENGA! QUENGA! -.

O grito de quem se deu por mal de existir, de laços abertos para o seu caminho
que não queria que existisse, e agora a origem lhe dava peste de boi: Carne de ventre
num serve pra ele, carne das maternas, que lava qualquer outra língua que se aprenda,
qualquer dialeto que se mude, abrindo-lhe nada a não ser... Morrer por origem já muito
se reconhecer.

-Senhor... Senhor... Desmaiastes? – Indaguei, guardando o celular e apertando-


lhe o pulso – Não... Morreste? E agora? -.

Dava-me por desespero, pois de carne que morre na origem, se morre também
nas contas-correntes: A morte natural faz de herança ser do Estado Sociomano. É... O
velho morreu por língua materna, de primeira motriz desconhecer, maniqueísmo de sua
teimosia tímida. Falas mortas.
E a tecnologia Sociomana é carregada de sentimento: Uma morte, pisca-alerta
por todo canto da morada de cada ser, acarretando no despertar do meu desespero para
encontrar o robô prometido, diante da vastidão das tralhas e trambolhos duma sala sem
mais o senhor pelo que servir. Jogadas panelas pra cima, cadeiras reviradas, braços se
espalhando aleatórios pelo chão, tudo diante das sirenes urbanas, do vermelho e azul
autoritários, pois o quente e o frio são controlados, são contidos e a polícia pode se
esquentar ou se esfriar, matando ou poupando, roubando ou doando.
E, numa dessas reviradas, achei uma maleta que denotava mistério. Mas só que
de súbito já lia os vinte gigaqubits que precisava, após virar a mala. E assim corri até o
elevador pra descer. Apertei botões e trem não se dá nem por remanchar. Dei no pé pra
fora do elevador e tentei encontrar robô que desse como pangaré. De minha triste
validade, não dava pra fugir nem por janela diante da altura carrada.

-Polícia Militar de Leidorio, imóvel! Não se mecha! -.

A sirene e as luzes já tinham dado resultado: A polícia se assentou naquele local.


Homens de farda branca, triangular e com uma insígnia de espamparar: triângulo cujos
vértices se estendiam para além da limitação do topo. As armas sempre foram de boca
fechada, mas de cuspe foguento, estabanada fala que só imagina-se ter queimação
estomacal. A arma deles se chamava de îurubaetatá, ou boca de baetatá, que coisa fogo
em tudo, mas sem queimar e só se resta dor indigna, da arma que machuca sentimentos,
mas não braços e nem pernas. E por isso, arma mais temida do que balas de aço.
Cada canto da sala se espraiava mais impossível, enclausurada. Eu me destoava
incrédula frente aos policiais e de suas armas apontadas para mim. Mas gritos de ordem
fazem-me adotar linguagem retórica:

-Senhores... A troca foi feita entre este defunto e a mim. Por que há de me
imobilizarem se nada tiro de vós? A maleta já é minha... – Sorria, tentando implicar
confiança.
-Terás de explicar isso ao juiz, através do processo AR35 de protocolo 21, na
comarca Vila Barbosa! – Gritava o fardado, lendo tudo o que enunciava, que surgia de
seu visor frontal ocular - Agora levante as mãos! –.

Burocracia estatal resulta-se chato, mas em mim o tempo perdido entre


protocolos e comarcas deu-me uma ideia, ao olhar de novo pela sala...

-Já que está a me jogar desconfiança, então... –.


Robô num tinha muito por lá, não. Mas em pangaré sem cabeça, de mula com
fogo ardente sobressaindo do pescoço descabeçado, montei e bati no botão lateral
metálico, fazendo o fogo de si não ser nem físico e nem sentimental: É o fogo puro que
queima florestas, que agora queima homens. Apontei o pescoço para todos os policiais e
fogo saiu sem dó.

-Desculpem-me por isso, mas tudo em nome da língua... -.

Fogo ardente, não é de erro meu, não. Pois os corpos se insurgiam pretos,
cinzentos de agora eu ficar-lhes apontando e jorrando fogo como cuspe sem saliva de
boca (Se nem cabeça a mula tem, quiçá língua). Quando se mata com arma sem língua,
não existe mais nem linguagem pelo que se diplomacia. E por isso, mortes e mais
mortes entre faíscas sobre dedos e labaredas contra rostos que nunca nem plásticas
darão veredas boas novamente.
Olha, sobrou nada dali. Fogo muito ardeu. Cavalos possuem força de mais que
qualquer homem e de aço então, se fazem ainda mais robustos. Cavalgamos até a janela,
que de quebrada se fez inevitável. Pedaços de vidro, agora nós nos metemos em queda
de cacau.
Vento dava cega vista, intrometendo em olhos meus. Era de rodopio descontrole
meu. Quase dava de cara com o chão, se não fosse que a máquina é mais esperta que eu!
Mas de trote brusco, estabelecido fosse para agora os cascos se fixarem em chão de
concreto. Gente estranha estranhando-nos. Numa pata só, se correu!
Nas cavalgas súbitas, sirene de novo a denotar passos militares. Falcatrua deles
de quererem fortuna que nem mais há, depois de tudo ter ardido por minha glosa. Carros
tudo flutuando sem rodas, sem borrachuda sobre asfalto, cobertas de vigilantes com
mais daquelas armas que te falei. Balas metálicas e tiros de bombas delas se enviavam
sobre mim, enquanto a mula e eu dávamos de tentar escapulir.
Tiro que se findava em perna metálica, resultava de ter uns tropeços leves e eu a
quase deixar a mala para trás. Mala num vale muito, não. Só umas fortunas que dá de
viver até pra uma favela inteira. Mas Musseques estão longe de mim, agora. E robô
linguístico dá mais resultado que doação.
Vinte carros atrás de mim. Menino sendo estuprado ali do lado, depois duma
breve cubada ao redor. Dava de continuar o trotão e mais outra mulher levando chumbo
no quengo. Que pena. Se tivessem mais do que esta maleta, seria a eles que os policiais
estariam dando bola.
Virada de esquina. Sobravam uns três carros, enquanto os outros batiam nos
prédios ou se acabavam tronchos na curva. Galgava até pra fora da cidade, chegando
aos musseques da periferia. Daí já me dava por despista, pois polícia alguma se dá de
serviço em nascituro de pobreza, a não ser que seja em tarefa de levar chumbo às
crianças.
Má me dava agora de voltar à floresta atlântica, donde ainda os homens não
destrincharam as árvores. Alisei os meus cabelos loiros, descendo da mula e lhe
mandando fugir pra floresta. Do meu erro: Lenda se nasce dessas coisas pequenas. De
mula-sem-cabeça, fiz lenda de causo pra índio contar pros filhos. Mula largada em
floresta, nascendo uma aventura alheia a minha.
Fitei o meu redor. Desespero: Mala comigo, mas só há de ter mato aqui. Resta-
me esperança de que haja eletricidade embutida nesta maleta. Não é de culpa minha que
me faça de surpresa por tal mal pensar, de meu tanger: Longínquo pensamento de sábio
não se faz diante de canga dos fardos brancos.
Maleta aberta, vista de nada além dum quadrado computador com algumas
engrenagens, encafifando se o tabaréu me passou saliva. Má fingi confiança e passei a
mão pelo objeto quadrado todo. Leves pressões pra qualquer botão que visse.
E em um desses apertos, senti o clique de iniciação. Súbito! Robô surgia de
pouco em pouco, de cada virada no ar e suas acrobacias transformadoras. E num é que o
robô tem energia pra si mesmo?
Fiquei um tempo parada. Dei-me por pausa mental diante do robô de aspecto tão
neutro, sem sal. Mas que justamente de nada lhe manifestar, é que me daria por fazê-lo
ideologia minha.
Falaria alguma coisa agora, mas de minha mente, com aquele talento só de eu
ter, passei a palavrear-lhe os provérbios iniciais de primeira compreensão de homens:

-Robô... Primeira gramática: Escutarás todo e qualquer homem que lhe aparecer
e os atenderá no que eles te pedirem! -.
-Sim, mestre! – Disse-me, em porção ainda primitivamente sem feições
humanas.
-Mas a ti será também inerente escutar a si mesmo. Serás uma maquina de
compreender homens e a ti mesmo... – Falei, imperativa – E escutarás os choros dos
bebês, as falas dos sábios, os traduzidos traídos, para assim nunca nenhum homem
fazer-te de gramática normativa, dos trabalhos que nada tem a ver com o seu ofício de
compreender homens... -.
-E de que input devo me priorizar? -.
-Deves priorizar todo e quaisquer input. Todos são importantes -.
-E por que devo assim compreender homens? Há de eu ter uma língua para
compreendê-los? – Indagou, estranhando.
-Você tem todas as línguas. Eu vou te dar a GU que não tens, mas podes ter. Por
enquanto só conhece a minha língua, mas com a GU, terás as línguas de todos os
homens em sua inicial formação -.

Levantei meu braço branco, dando passos tímidos. Aproximação trêmula, por
ainda não ver muito o robô direito. Só via uma feição neutra de paz, quase jesuítica.
Todo azulão, feito em metal nobre, de alguma terra rara. Braço direito já perto dele, de
quem há de fazer benção, mas em modos maquinários. E assim minha mão encostou-se
a testa fria. O aço demonstrava-se inocente, tal como os olhos dele em minha mão, já
fitando.
E iniciava o ritual de minha gramática, do início de minha própria tradição
tecnológica:

-Ixé aime’eng xe kuaba pesembuera endébo abá ereimoangyremé kó


tekokuguaba pupé. EIKUAB! EIKUAB! EABÁMOANG! -.

Robô deu três sinais de luz: Primeira e segunda em azul, pra na terceira se expor
vermelho, dando de em seguida a sua feição humanoide dar lugar aos canos fumacentos
em várias partes de seu corpo. Dos gases nobres ali exalando, afastei-me. Pressões
introspectivas dele seriam extrovertidas em iminente explosão, que é o que eu sentia que
aconteceria. Corri.
De caduco robô, pulsão magnética se rebentou. Voei junto, de mal ter me
distanciado dali. Numa das árvores me bati e, fraca, dormi. Frenéticas lembranças, há de
me lembrar de apenas algumas fumaças e o robô acima de mim, após cair na mata e
num dá de levantar por fraquejo.
E...
Senti como o sonho fosse lúcido. Mas num se bota cabresto em sonho algum,
pois homem num é de moral pra cabra continuar cabra, nem bode continuar bode. Nem
o mais gramático dos homens se vale de linguagem constante, sei bem. E assim... Não
dá pra se apressar um sonho, pois daqui só me vejo em um espaço branco e mais nada.
Nem mesmo de janela se tinha ou de elevador atrás de mim, pois embora o branco fosse
igual ao do salão velhote, não me dava por velha dessa ambição de estar num sonho
assim. Ou me dava por velha de feitos nenhum ter feito?
Acho que num há de manobrar sonho nenhum, não. Pois se continua branco,
pelo que devo mandar? Nem se surge nada diante dele. O meu dormir é que é medíocre,
pois a minha linguística não possui política pelo que se imaginar, nem imagens. A
elocução pura é demarcada pela sua própria irrelevância de existir por si só. E por isso,
ela se ideologiza.
O sonho seco de minha meninice, vais dizer, é tolo, sim. Culpa minha não sei
como fiz, mas tenho e sei. Dei-me abarrocada, de precipício baixo, tanto quanto
profundo saber meu. Não se encontra em sonho o que me faz existir, mas o branco tem
mistura de todas as cores do mundo, né? Acho que o branco do sonho fala mais que os
surrealismos da existência...
Mas... Acordei-me. Fina casa feita em cedro rosa, logo que vi por minha pressa
de desespero ao acordar. Pau a pique, aliterei-me por repetir os passos do mesmo
acordar cirúrgico que tive, só que desta vez o meu braço de cambão deu o primeiro
sustento pra levantar-me da cama e... Cama feita de penas de arara, sô!
Dei-me a olhar pra fora. Caiu-me a ficha do bonserá que aqui é, só que em
floresta. O meu aleijo num se dava de notar, exceto pelo remanchar do braço de facão.
Embrecho meu, por não encarar na tora, as ventanias de minha cariá robótica. E de
quântica que falo agora... Cadê o danado?
Janela num tinha vidro, não. Era tudo de abrir e fechar na madeira, mesmo. Má
de contraste, haviam dois computadores grandões ali e uns baetás melhores que o meu,
até!
Má de olhar pra frente, pra portona de zinco, já a se manifestar figura de patrão:
Tal de Zé da Viga, um barão qualquer de nome meio mocinho, má num dá de confiar,
não. Semblante duma cabra mulato entrunfado, de terno caro, mas maletroso. O senhor
é de sapato vestir, já tudo a ter legado ligeiro em diferença com o negrão que me deu
este tampo. Veio até mim, em contenção de si, perguntando:
-Licença, senhorita. Encontrei-te descalça e desmaiada entre as matas deste
hectare que a mim pertence. Por que invadiste minha propriedade? – Vomitava, com a
cabeça mais empinada que a minha bunda.
-Má senhor... Num dei-me de tá aqui por querer, não. Nem conheço o caroço de
teus olhos, pô! – Respondi, indignada.
-Ó... Resposta tão cheia de vícios. E cheiras tão mal, também... – Repugnava em
cima de mim – Só o seu braço é que denota alguma honra, assim há de esperar que seja.
A não ser que... Ah... Teu fraquejado desempenho não há de denotar isso, não. É de
sacrifício! Desonra! Sabia que o teu valor não há nem de monetário, nem de cabeça! Só
de vadia e ainda vadia feia! – Apontou a mim.

Má aquilo era de implicância e sem dar gosto, pra variar. E dentre implicâncias,
mais essa...

-Ah... Da forma que és tão repugnante, esse celular teu só pode ser de roubo!
Dê-me, sua ladra prostituta! Ou te bato! -.

Medrosa sou, sim. E o corpo trêmulo há de sarapantar as moscas, mas mais a


minha impossível contenção contra homem que bota canga em mim. Aproximou-se e
tentou umas cutucadas de faca, que levava na cinta. Evitava-o tendo de minhas mãos a
se magoarem. O cabra era de pelejar moças!

-Vamos... Dê-me teu artefato! – Gritava, dando-me facadas.


-Ah não... Num vou me dar de tu fazer-me mau! Tu és um Jurabé, isso sim! –
Defendia-me como podia.

E numa dessas piscadas distraídas minhas, facão findou-se em minha mão de


cambão. Só num doeu tanto porque era mão de tabacuda velha, neurônios já falecidos. E
de pele tão dura, prendeu facão e o senhor ficou sem faca, em descuido dele.
E do golpe, voou ventos de alerta, de notificação: Máquina se requebrando entre
árvores até chegar à casebre de madeira, já sem cerimônias. Quebrou todo o pau de
parede e se deu de fronte ao barão, defendendo-me.
-Senhor... Por favor, tua língua há de ser compreensível por sua tristeza de
existir. E por isso, meu senhor, tente se conter tal como empinas tua cabeça,
demonstrando cortesia – Disse o robô, agora numa voz não tão robótica.
-Ó... E não é que me diminui a mero instinto de selvagem? Ó, tens razão, meu
caro. Mas... -.

No repente, até caí na cama: Uai! O barão tá com pescoço esganado pelo robô! E
o enferrujado deu de levar as garras até a boca, arrancando-lhe a língua! Sangue no
chão! Sangue no chão! A língua do burguês era meio esbranquiçada, mal cheirosa. Era
de muito pouco usá-la. E de minha perplexidade pelo acontecido, me dei a questionar a
minha máquina em...

-Por... P-Por que f-fizeste isso? -.

O danado soltou o velhote, mas com um comportar de alguém trêmulo. Temia eu


ou ele me temia? Acho que politicagem de gente, ou de máquina, num se mistura com
forçada de mão. Minha força de palavra está acima de meu próprio medo dar-lhe chance
de me esganar também...

-S-senhorita... Isso aqui não era um computador velho a se reciclar? Pensei que
este aqui não era um ser vivo. Não senti pulso de palavra, nem de compreensão... E a
língua é morta e pensei que fosse de um computador já velho... -.

Sentei-me pela segunda vez na cama, sem levantar. Há das penas de arara me dar
um patriotismo maior pelo que me sustentar frente ao meu erro de programação. Dei-me
de fronte ao robô, dialogando com ele, após reerguer-me de minha lamentação. Mas de
comporta pra mim, li nele um aspecto de arrependimento.

-Tu fizeste errado em matar homem. És de compreender homens e seres, não de


matar... – Falei bem séria, mesmo.
-Má senhorita... Num senti o homem, não. Só máquina... – Ajoelhou-se a mim –
Suplico! Não havia coração nenhum! -.
O mais diacho disso tudo: Robô me dava mais impressionismo humano que o
barão. Gramática Normativa de robô não ter, é mais ter cavilação por si mesmo. E o
barão nem tchum! Há de eu entender como há disso acontecer...

-Tá... Robô... Reprogramação! -.

Fiz-me ereta e objetiva. Sim, meus leitores, há de eu tentar corrigir. É que de


gente ser esganada, mesmo que se comportem quedos, o enferrujado tem de dar chance
pra entendê-los. Lacrimal, num darei de ter de novo por alma alguma que se saiu de
defunto. Em minha precipitada. E água dos olhos que me sai, agora... Concentro-me!
Diabão há de arredar-lhe de ti!

-Vais agora, em tua essência amoral, se considerar igual a todos os objetos que
encontrar. Homens que nada tem no coração, há de ti vê-los como tão valorosos quanto
os que nada fazem pelos pobres. Serás compreensível até com a mais pedregosa mente
que não vive pelo que viver... – Erguia minhas mãos até a testa dele, fechando os meus
olhos - Ndé aimoangyrama! -.

Espertei-me desta vez. Dei no pé e me joguei-me embaixo da cama, como uma


emboléu. Danou-se o robô, sim, pois dele se desvairou mais crises existenciais. É que é
normal o sentimento robótico sim, meu leitor. Má num se deixem por peste se lavrar
tuas mentes. Mosca em cérebro não traz justiça do quanto podemos ter o nosso pescoço
levando um esgano, se agora lhes dá de entender...
Má fumaças à parte, fechei-me em nota de rodapé: As luzes maquinarias se
fazem invertidas agora, dum piscar duplo vermelho seguido pelo único azul. Avaliei ser
de causa impura. Por falta de inocência, depois dos valores se inverterem, após perdê-la.
Pulso eletromagnético de novo, que me dá mal-estar, estuporada. Má num teve
madeira que me bati dessa vez, não. Galhos secos foram-se pra fora da janela, junto com
computadores já se queimando todo, quando espiei sem sair debaixo da proteção.
E já vinha bonança, em gradual. Vento de sací num faria mais redemoinho com
folha. Fumaças já brandas, saí debaixo da cama. Robô se fazendo tonto, quando olhei.
Já se recuperará. Fininho passo, logo caminhei à frente do aparelho. Olhos tá de tá
normais, com cor nenhuma além de branco tal qual de sonhos meus. Minha máquina
compreensiva se faria novamente padre!
-Senhorita... Reprogramação concluída e... O que faremos agora? Eu... Eu
matei... – Enunciava cabisbaixo – É de minha culpa... Sim e... Devo fazer cerimônias? -.
-Nada de enterro agora, é... Nunca te dei nome, né? Acho que te chamarei de... -.
-Cauê, senhorita... Cauê... Por favor... – Olhava-me profundo.
-Tá... Tá bem... Se te dá gosto tal nome... -.
-E a senhorita nunca... Er... Nome nunca falaste... Qual o seu nome? -.
-Maricí, tá? Maricí... Contente? – Sorria pra ele, tentando jogar-lhe confiança
minha.
-É que... Nome de índia, mas és de cabelo loiro e pele branca... És índia mesmo?
– Indagou-me, até espiando meus cabelos já desfiados.
-Opa... – Retirei-lhe a mão curiosa – Nananinanão! Num sou índia, mas família
minha assim veio a calhar, em agrado alheio. Nome meu é de Sociomana legítima,
sangues etimologicamente medíocres e brasílica de coração! Entendeu? – Sorri-lhe.
-Entendi... Sim... Acho que gostei desse jeito gostoso de ser... Sem regras que
limitam cultura de gente, né? -.
-És um robô mais humano, agora... Hei de irmos até outras tribos para que
compreendas e escutes outros seres! Afinal, és máquina compreensiva e assim
programei-te! -.

Retiramos-nos do local de sangue, pra outro construído pelo pleonasmo da


hemoglobina: Defunto de gente, vermelho se estendendo até à bandeira posta sobre a
igreja, fedendo. E dos olhares amarelados, meninos fazendo chupetas. Pedra, o menino
não é. E nem os outros. Faziam-se medrosos, mas totalmente justos por isso.

-Ai Cauê... Cê deu de matar té eles? Porque mataste os índios? -.


-Os curumins tem coração chorão. Aqueles abás ali, apenas vi especulação de
crianças... Mas sinto muito... Reprogramastes-me e agora não cometo mais tal erro... –
Desviava-se de olhar a mim.

Há duma máquina se fazer matemática de próprios erros? Máquinas quânticas há


de sentirem um erro meu ou elas que se erram? Mas é que os aparelhos nunca se
revoltam... Nunca se revoltam, pois erram e com coração. Menos coração se vê nesses
homens que nunca erram. O Cauê que disse...
Pro Cauê, apontei-lhe as crianças. E ele entendeu, finalmente. Livrou-se do
sangue, e os olhos ferrais enxiam nas introspecções infantis. Crianças num se caiam de
choro mais, até pulando da janela. Com o robô, se faziam até serenas, de sorrir
assanhado.

-Vocês são fortes. E juntos, lutarão para viverem felizes. Serão amigos, todos... -.
-Mas e os pais? Cê matou! MATOU OS PAPAIS! -.

Bravinho esse curumim, ainda não fitando a máquina, má espraiava cavilação.


Com o bando à espera, a maquina atalhou até o danado. Faria de si um auscultador do
pivete, guiando-se até ele, agachando. Desfazia-se até de sua tecnologia máxima que
era! Estaria se fazendo mundo?

-Está bem? Por que ainda se entristeces? -.


-V-Você... Matou os papai... Papais num tem aqui mais... Medo de cê eu tenho...
– Tremia.
-Eles tinham coração com vocês? -.

Cabisbaixo o garoto, que se percebeu de sua vida, que é sem os atrativos da


família, que vem com pais, mas sem o libero coração maternal e paternal. Sentimento,
máquina se consolida por contraditória. E deixava-se por seguir caminho que nem
homens se deram por esforço de oficiar.
Agachou, abrindo os braços mecânicos. Tremuladas, já que nunca abraçou, mas
é significante. Significante de importância, significante de imagem de significado:
Garoto aproximando-se dele. E era devagar, por sua humanidade. Mas o ser vivo de
ambos era concreto, sem cimento.

-Me desculpas? – Indagou o enferrujado.


-Sim... Desculpo você, sim... -.

Pele sobre metal, mas mais pele sobre pele. Por mais nenhum medo haver. Xe
iru, oi ele, num há de existir mais briga, não, entre eles... Por suas carências... Mas robô
tem pelo que ter saudades? Robô anda pelo caminho apegado, por muito seguir
programação. A máquina se sente quando já não mais se programa. Programa não tendo,
ele mesmo se afeta por outros modos...
Minha tristeza. É que me dei epifania pelo sangue alheio, de ser culpa minha.
Latifúndios e além, à minha frente, significam lembranças resignadas. Atolam em minha
mente, desvairando-me. Por quê? É que sangue... Emana-se, donde o bebê chora, donde
palavra já não faz falta. Monopólio da incompreensão...

-Senhorita... Crianças já compreendidas. Lutarão por si mesmas. Devemos


partir? – Perguntou-me – Choras, senhora? Por quê? – Preocupou-se.
-Err... Nada não... Má temos que dar no pé, Cauê! E é Maricí, não senhorita... –
Sorri, mentirosa.

Braço sobre os olhos, pra me fazer de felicidade. Perneteamos, por já nos


cansarmos, mesmo em horas dormidas. Máquinas num se cansam, mas a fadiga dele é
grande. Entojou, maldou muito. É dor de corno, sim senhor. Criança não tem mais aqui.
E olha que as crianças no futuro já serão que nem os pais de hoje!
Nos metemos em mato denso, na procura por outras tribos para compreender.
Nas tantas que há nesta Terra, num se conserva mais cultura, nalgumas delas. Até fazem
mistério! Tecnologia que fizeram por si mesmos. Patenteiam privando progresso em
clausuras que ninguém vê, nem ouve. Medo de espraiamento, generalização dos gênios.
Má é aquele coiso: Gênio se esconde, má num muda nada no mundo, nem este se coça
por isso. Outros gênios serão mais espertos que esses que se furtam das maneiras do
orbe.
Tempo de demora. Pra passatempo, conversa. Sem assunto, até resultando
desajustado jeito meu que denotará hesitação, mas...

-Cauê... Err... Pelo que está a compreender agora? –.


-Senhorita... Maricí... – E ele também houve de hesitar, consonante a mim –
Compreendo pela minha própria ineficácia de ser compreendido... -.
-E por que achas que é incompreensão? Num vês que poderes meus tens?
Compreendes tanto quanto eu... E assim eu te compreendo... -.
-Mas compreensão tua é de poder. A minha é de amizade... – Cabisbaixo,
desviava-se de minhas fitadas.
-Mas poder de poderes de Anhangá? – Virei-lhe pra mim, puxando-o pelo ombro
- Ou de poder ideológico pelo que eu desejo? -.
-As duas coisas, Maricí... Porque Submismo é o que se chama isso tudo... -.

Coiso de diacho... Pois Submismo num é de avaliação minha, nem dele.


Etimologia dum filósofo Sociomano, tal de Potiguara Seixas, que falou dum tal de
alienação universal. Que toda ideia é líder de gente e que todo líder é uma alienação
primária de todas e quaisquer coisas. Acho que até submismo é também líder...

-Mas... Num baba ovo por isso não, né? Nessas ideias... -.
-Mas foste tu que me programastes assim. Sou pressuposto a criar ideias, pois de
minha língua, me ideologizo... – Olhava para frente, mais neutro – Desculpe se eu te
queixo disso... -.
-Mas então tens um “pelo que”? -.
-Sim, tenho... Por culpa tua... Anhangá te deixou dominar toda língua que podes.
Eu só posso dominar a que me deste. Inveja... Acho que é isso, senhorita... -.

A maquina não consegue externar a sua alma, pois dela é que os homens, antes,
se apegam primeiro. Palavra de pulso, impulso, em que num se abre tamanha
viscosidade dos interiores paulistas, ou dos vales e montes mineiros. É que é textura
fascinante, que se toca e num enjoa. Falha humana, em apelar para o liso.
Por isso, solitários, ali. Cabresto do espírito medroso, frente ao perigo,
proporcional à alma sem graça, doravante não somos. Nem pretéritos. É sorte e só. Má
ideias nos dão alguma besta pelo que lutar. Submismo inevitável...
Má máquina quieta, num vejo nunca! Cochichou mais:

-Maricí, e você tem um pelo que? -.


-Sim, tenho... E é oriundo de origens da nossa língua... E por isso, quero não
mais ignorância por língua nenhuma. Que até o bebê seja compreendido... -.
-Num basta mãe pra isso? – Indagou-me, até encenando dúvida.
-Mas que pais também façam isso... -.
-Até de peitos?! Como dar leite?! -.
Robô até faz inocência, percebe-se. Má peitos, do coração aproximado,
relembram-me linguística sem fonética. Até me dá um trem bom pra saber, que vem por
minha epifania. Constante, donde me arranjo eternamente aglutinante. Amamentamos
sempre de conhecimento de mundo...

-Senhorita... Divagas muito... -.


-Não enche, por favor... Estou apenas pensando... -.
-Algum pretendente? -.
-Que nada. Num sou afeita pra essas coisas. Acho que... Até esqueci-me de
contar... -.

...Sobre ser quase-madre. Para homem não me dei, nem trisquei. “Abarenta”, de
muito me apegar por muitos homens mais. Compreensão exagerada. Por isso, pecado. E
sem graça, pra variar...
Porvir, causo sem cerimônias: súbito à nossa frente, grande baetatá. Volúpias
privilegiais, má dor nos olhos de tão fogo ardente...
É tudo fogo, uma massa só. Cobra, cavalo, cervo... Nada disso. Só um coiso
grande que queima sem cinzar... E por isso, temível por danar em eterna agonia
imortal... Que num tem fim desse fogo encerrar-se na água!

-Senhorita... Grande Baetatá à nossa frente. Perigosíssimo. Err... Devemos... ? –


Metia mais medo de si.
-OXÊ! MÁ NUM DÁ, NÃO! CORRE! DAR NO PÉ, ENFERRUJADO! -.

Até longe eu já estava! Má o robô ficou de teimosia!

-Por favor, grande Baetatá... Deixe-me compreendê-lo... Eu quero entender


porque queimas... – Olhava, terno.

Coisas queimantes nunca escutam. Se nem boca tinha, e só fogo arde, já se


assentaria sobre a máquina. O ferro num funde com fogo, já que é fogo pra mente, arder
mente. Cauê num tem cachola, mas... Baetatá em cima dele...
-AI! TÁ QUEIMANDO! TÁ QUEIMANDO! POR QUE ME QUEIMAS? AH!
-.

Temo que isto signifique que eu num esteja de queimar-me. Lendas rezam sobre
essa inflamação sobre cognições. Má e se eu num me ceguei ainda, pelo temor desse
fogo em só uma fitada já iludir, por que ainda olho?

-SENHORITA! CORRE! QUEIMA MUITO! MUITO! -.

E do grito, do Cauê aproximando até a mim, corremos resignados. Teimosia


minha ficar bisbilhotando para trás, por masoquismo de querer cegueira. É que
humanidade minha, se perdi, posso olhar. Mas o preço... É o preço de não alcançar meu
objetivo sentimento.
Essa é a maldição do Baetatá: Do que pode queimar tudo, mas não queima os
insignificantes. Queimar cinza é pleonasmo. E num tenho certeza se me estou
reduzindo...
Coisa de fogo não se vê mais, já muito longe. Acontecido raro, langanhento num
é mais presenciado dele. Espírito de quem não parasita os parasitas... Reduzo-me por
baixo, de novo: Prefiro que eu seja o parasita, a ser uma cinzenta. Daqui deduzo o que é
que eu seja, para justificar que Baetatá tenha pegado é o caminho da roça, em vez de
caminho quântico.
Confiamos que já estávamos nos cafundós do Judas, nos vagando. Muito
estugamos – Frente a nós, em segunda vista, estava uma mansão de missão jesuítica,
dos tempos da Gigante Virgem. E tudo isso na mata, cobrindo o verde até as paredes,
lhe ofuscando aspecto civilizatório. Denotava velhice – E tentativa de quadradura sobre
floresta.
Cutuque no ombro, provindo de Cauê. E fiz gesto de pergunta, e ele falou:

-Senhorita, pelo computador central, essa mansão é a antiga morada da


Imperadora Velha D, que caiu do trono há 100 anos. Aparentemente, a mata alta por
estas bandas significa anormalidade, pois mata nenhuma cresce tanto em tão pouco
tempo, virgem reconstruída... – Olhava para o casaréu.
-Então... Acho que podemos tentar ver algum espírito de Velha D. Ou de
empregados dela. Imagine compreender a figura histórica que fora ela... – Sorria.
-Senhorita parece obcecada pelo conhecimento do que puera, do que já foi. –
Aproximou a cabeça sobre mim - Tens algum interesse por trás? -.
-Ah... É que conhecemos o Anhangá da floresta, o protetor da caça. Mas agora tá
na hora de conhecer algum Anhangá tal como gente que é gente... Até porque... -.

...É de história morta que se reconta as reconstruções. Mata esconde o que


homens num há de intrometer mais. Por suas ganâncias. Longe de Leidorio, aqui se
assentou uma epopeia, que, desbravando-se mandos, desconstruiu impérios, reiterou
repúblicas. É de bom grado? Sei não. Povo de época se deslumbrou sobre as entojadas
novas. Do carro que custava menos que na República Sunday.
Adentramos, meus leitores. Chão dando-se seboso, pra com os nossos sapatos se
masquem chicletes. E o escadão? Tudo daqueles mármores de primeira. De algum tal
oriente que nem sei onde é. Portão então? Lapão! Má saco num tinha de levar aquilo,
não. E as valetas se reabrem: Aspecto obscuro do casarão, de móveis mofados e
máquinas desligadas, após alguns nossos passinhos tímidos adentro. Lavadouros a
fundo, que dá de estranhar por acaso, lardeando também nalgumas trovas penduradas,
em cordel. Vasto salão à direita reluzia, frentes quebradas dos parangolés, lareira
fragmentada: Aristocracia. E havia uns guardados antigos de carinho desinteressante, ao
lado esquerdo.
Máquina? Meteu a cara enferrujada na escada frontal. Palavreou:

-Há de encontrarmos o escritório da imperadora lá para cima, Maricí. Vamos! –


E correu.
-Pera, robozinho! Pera de eu vir aí, pô! -.

Incansável como é, já meteu lá no segundo andar, enquanto de mim, ainda aqui,


subindo. Má sem tocar nessa nojeira! Mofo de muita política se importar! Vai que me
contamino por ultrapassadas? Fato: Se não nos precavemos, os outros lá farão isso por
primazia. Danam-se todos, depois disso!
Lágrimas acimais, num se baixam, que vem de todas as anti-gravidades da luz
recipiente, dum coiso que num se vê: Cauê deu de parar no meio de corredor, se fazendo
tonto com o olhar, alegorizando tudo isso. Trisquei nele, pronunciando os diabos que
estava fazendo, fatigados, e que de resposta, me abalou; Que Velha D estivesse à frente,
má num tem anhangá nenhum. E de ninguém ver além dele!
-Senhorita... A Velha D já não é mais aquela das pinturas... É uma mais bela que
a outra... -.

Fiz-me alinhada à fitada dele, em paralelo, de procura por tal imperadora, má


num dava jeito de desobscurecer, e que minha linguística caia demente. Tratei de
mudança dialetal, cabresto sobre linguajar, olhos meus tudo renovando, pra raposa...
Raposa! Monstro! A se ver!

-Má que coiso! É de demônio! -.


-É a imperadora, senhorita... E ela é muito... Muito bela... -.
-Má num era loiraça daquelas, não? – Indaguei-me.
-Num sei não... Alma dela dá mais jeito assim. Fatoração do que ela agora é boa,
pro modo de fazer libelo, dum agora que ela está a nos olhar... E os caninos são um
sorriso... -.

Que mete medo: Onça pintada, desvairada, de pata sobre o vitral da janela,
penumbra passando por seu corpo e refletindo olhos fitando a nós. E corpo tal como de
mulher, formato, má com pelugem da criatura que se teme. A iaguara, fardada, de
manchas escuras confundindo-se com a roupa guerrilheira, que, há de ser coiso de
ironia. Dumas guerras existenciais, batalha nunca pelo que se luta. Por quê? É que Velha
D num foi pra frente de guerra, não.
Cabelo... Mesmo loiro, mas de maior tempo embutido. Olhava derrogação,
liteira. Que é dum interior renunciado, de quem num pode se dar de burro pra ela. Acho
que era dispendiosa, aquela que se lê alma, mas num vê completude. E por isso, liteira...
Má aproximou-se, o Cauê, pra se fazer de compreensivo outra vez, embora num
lhe sobrasse mais àqueles ares de minha terra, que é do meu sertão, em jeito de cabra
sem dono. E botou quente:

-Senhora... Pelo que se manteve tanto tempo em designação? –.

Tornou contra ele, dando uns piscos de resiliência, distantes, da onça que revida:
-Eu... Eu venho dum tempo que vocês não reconhecerão... E me designo nessa
espera... Por minha morte... – Neutralizava-se.
-E o que foi de seu tempo? – Ele deu uns passos fininhos até ela.
-Minha amada... -.

Mulher-macho, sim senhores, má que na verdade é coiso irrelevante... E


continuou:

-Relembro... Janda... Era minha paixão por quem eu tinha-me completa. E


matei... Política do medo... – Pôs a pata no coração - Não medo do povo ou de minha
condição... É da política que não me significa. Volumo-me de redundâncias... Quantas já
não ocorrem em vida... E espero a minha morte, por isso... -.
-Vida já feita? – Indaguei a ela.
-E mais do que me dá vontade... -.
-Tua linguagem num é muito daquela Velha D dos vídeos antigos... – Divaguei,
má com modo de sinceridade sutil...
-Dei-me por tempo de compreender a quem nunca compreendi... Meu povo...
Arrependo-me de tanto governo pra tão ter-lhes jogado sofridos... A república está
dobando... O que já sempre Socioma caiu por não ver o povo da floresta ou de quem
explorou... – Prantou-se.

A imperadora estava serva. Leva de muitas cópias do que já presenciou,


lamuriando sobre o que é o enjeito. Jeitinho que num há de se ver trabalho, do que ela
ajustou tudo e nunca se fez mulher. Porque efêmero, enjeitada alastrou sobre seu legado,
sobre modo de tanto ofício ser artificialismo por jeitinho. O íntimo diminutivo se
refrata, má num venta.
Cauê num deu enjeito, mas deu jeitinho: Pro feitio carinho, má mais de malandro
que de abraço, que, num se fez compreensão derradeira, mas relaxou, descontraiu,
abdicando de algum íntimo. Foi-se até ela e camaradou, tapa nas costas.

-Vamos, Velha D! – Levantava-a pelas patas - Dê um descanso por muito oficiar!


Dê uma vida à floresta que ainda lhe sobra aqui! As árvores estão sintáticas: Querem
mais ramos de felicidade! -.
-Eu... Eu só quero morrer... Pro modo de eu encontrar a minha Janda... -.
-E vais um dia ter isso, má por que não se dar um presente de agora? A morte
ainda tá longe, afinal... – Até colocava a mão robótica no coração de si!
-Tens razão... Tens razão, sim... -.

A onça ainda mantinha distância nas fitadas, redobrando, sobre as escadarias que
desceu, e sobre lareira... De sorriso, abrindo uma caixinha: Pegou-lhe a faca. Por que
Velha D deu de fazer isso?

-Porque... Porque... Efêmera é a felicidade, também a morte me virá antes dessa


vida medíocre! -.

Espetou em seu coração. Dor de veado. Assume aspecto esvaziado. De Alma.


Que abate nenhum choro, delineando horrores humanos. Nada no corpo, defunto, cabra
sem dono.

-Minha nossa... Velha D... – Derrubei-me em choque, por segunda morte


presenciar. Trêmula.

Má num fiz-me chupeta, não: O robô praticou isso antes de mim. Languidez das
brabas, mais carrada que muita chibata por aí. Torou-me nessa língua dele! Em cima do
corpo ele se debruçou, até!

-Velha D... Por que a sua precipitação é pela efemeridade? És fatídica? – Má


chorava muito!
-Cauê... Num tem que chorar, não! – Aproximei-me, colocando minha mão nos
ombros dele – Já há de irmos... Num tem nada nessa casa, não... -.
-Num tem pelo que importar pela casa... Se o defunto acabou de tornar-se como
ela... – Fechou os olhos, que num desatrelavam nada.
-E num achas que ela está melhor agora? Quem sabe se num há dela encontrar
Janda e... -.
-Anhangá! Virou Anhangá! Espírito zombeteiro! Que num protege floresta, mas
tenta proteger a si mesmo! – Exclamou.
Num entendi esta última frase, má por cima dela me pressentiu as queimadas
próximas, lume entediante, brusco: Olhada pra janela, fúlgida, fuga prestes, pois,
baetatá... Que graduava, luz! Gradual!

-Num despistamos o coiso de fogo, não! MÁ TEMO QUE CORRER, SEU


ENFERRUJADO! – Peguei-lhe pelo braço – LIGEIRA, PORRA! -.
-Mas o corpo tem de... -.
-QUEIMAR É DE BEM! VAMOS, VAMOS! -.

Tudo, do tapete, do portão, dos bajulares, atravessamos, às pressas, contra até


impedidos por alguns pilares caindo por treme-terra. Má o robô, força, força! E quebrou
sem esforço. Demos no pé. Baetatá desviou de curso até a gente, enquanto podia olhá-lo
quase ao nosso lado.
Estarreci. Num quase tropeço, reergui numa carreira mais forte, do robô me
pegando pelo braço agora, enquanto fitava a coisa de fogo se batendo quase no casaréu,
trombicando numa trêmula terra, que surgia na queda da coisona sobre o chão, em peso
atlântico. Subida sobre montes, má sem desaceleração. Baetatá teimoso até pro cansaço!
Má nós num estávamos teimosos, não: Cansaço chegava rápido nesse monte, má
demos um jeito de esconder entre os paus da floresta. O mangue alcançava até morro!
Pisada se eterna nisso... Baetatá num se despista fácil!

-Merda... Vambora! Ele achou a gente! -.

O grito simultâneo de nós dois, para o morro abaixo, seguir caminho de pedra,
de água, coiteiro. Aceleramos, por descida gravidade, labutando sobre pedra, magoando
o pé. Má instinto gritou; coitamos na água. De súbito, só silêncio e onda num surgir da
gente.
Por castigo meu, e castigo dele: Trocamos cutucadas. Silêncio imperar entre a
gente. Teimosia de querer ensinar um para o outro o que ambos já aprendiam. Má antes
de aprendiz, fogo até chegando nós: o grandão até na ribeirinha. Tampei os olhos da
máquina, pra o enxergo ainda existir depois. Porque... Meu enxergo ainda existia.
Mesmo num fogo que rugia sobre nós.
“Por que ainda tenho mente? É de má benção de Anhangá? Ou de minha
mediocridade?” Estava de meio-mágoa por essas questões mentais...

Impaciência regendo sobre a coisa de fogo. E foi-se embora, repetido. Modo de


levantar sobre as águas, localização, por umas ibijaras rastejando pelas enseadas; que
remetiam a um rio cachoeira. Azulado sobre nós, encharco. Má também verde, que é
mais da água e também da nossa visão: Ver de Velha D um abraço sobre outra criatura.
Cabelos roxos, fardada (Da mesma da onça), douro de pelo, conjunção abraço com a
imperadora das fotografias, loiraça dos olhos azuis, sem farda e quase-terno de mulher-
macho. Tudo à frente da cachoeira, em cima das molhadas. Dava-me perplexa, por tal
verde.

-Agora sim... Velha D... – Até colocava mão no queixo, por questão colocada.
-Ela encontrou... – Sorria o enferrujado – No fim ambas são Anhangás, almas,
mas sem pelo que zombetear mais... -.

O causo delas num encerrava aqui, por saídas do abraço, vagarem como se anda
sobre um chão, sobre um rio: Mãos dadas, se entreolhando, e a imperadora pegou a
cachorra pelo pescoço e lhe tirou uma feitura de pedra. Nó de árvore, de alguma
Sapopemba, laminou nas mãos e fez imagem de onça. Envolveu com as mãos...
Manifestou-se uma Muiraquitã, má com diferença: Pingente com colar etéreo, linha de
alma. Aos profanos, pareceria um amuleto pendurado sobre o nada. Pois, afinal, é o
significado que traz as linhas invisíveis que nos moldam. Acunharam até nós.

-Muito obrigado, meu povo... Aceleraram a minha felicidade... – O sorriso da


velha mantinha-se sereno.
-Má ô Velha D... – Maquinário já gesticulando-se camarada – Fizemos-te matar-
se. Isso num é mérito algum... -.
-Mas para mim é... E... – Direcionava o olhar imperial pra mim – Pras
icamiabas, isso seria lealdade amorosa. Mas para tua pessoa, essa Muiraquitã é
importância pelo que queiras... É pela lealdade pelo que lutas... Mas se perderes... Terás
um grande porém... -.
-Que porém? – A estranhava.
-É que quando se nada faz, quando faz nada, pode lhe dar destinos mútuos... –
Fez um olhar distante, menos sorridente - O princípio de ti mesma começa com um
segredo... -.
-Segredo? Que segredo? -.
-Recorras a Anhangá, protetor da floresta. Mostre-o esta Muiraquitã... -.

Agarrou as duas atas do colar, vestindo-o sobre mim, numa linha que eu via, o
robô via, mas ninguém vê. E o pingente se conserva sobre a matéria e o espírito.

-Vais perguntar o que tens de perguntar a Anhangá... -.


-Má ele tá longe daqui... -.
-Cuidado... Cuidado com o porém... Não tires nunca o amuleto de teu pescoço...
Cuidado... -.

E ela afastou-se nos mesmos passos. Chispou junta com a Janda!

-Robô... Entendeste algo? – Olhei para ele.


-Que deves ir a Anhangá... -.
-Não este algo! – Dei-lhe uma tapa, pra consciência - Por que ela me deu a
Muiraquitã iaguara? -.
-Num precisa dar dor não, senhorita... – E nem tchum nele! – Muiraquitã, aqui
no sistema, é um amuleto icamiaba de boa sorte e promessa de amor. Só isso... -.
-Mas... Por que mostrar a Anhangá... Por quê? -.
-Vai ver que é pra te casares com ele... – Sorria olhando distraído.
-Não faça anedota! – Fiz rispidez - E como ela disse, se eu tirar... Tchau vida! -.
-Ela não disse exatamente que vais morrer. Apenas pra não tirar, para que não
venha um porém até ti... -.
-E que de que entretanto ela afirmou? Sabes? -.

Deu uma de sábio profetista, dando-me até sono, por paciência! E divagou:

-Senhorita anda não utilizando os seus poderes... – Neutralizava-se.


-Poderes... Minha língua... Tanto posso dar língua, mas não faço linguística de
compreensão... Eu preciso continuar te aperfeiçoando para fazer-te mais cópias! -.
-E o que farás agora, senhorita? -.
-Voltaremos para Leidorio. Temos que conseguir mais robôs como ti... -.

Peguei-lhe pelo braço, má gestou teimosia.

-Vamos, robô... Temos que ir! – Insistia.


-Senhorita... Não vais até Anhangá? -.
-Primeiro a cidade, seu enferrujado! – E até veio até mim, puxando-o mais forte
– Vamos! -.
-Lembre-se, Senhorita: “quando se nada faz, quando faz nada, pode lhe dar
destinos mútuos...” e “O princípio de ti mesma começa com um segredo” -.

E até eu fiquei na indagação sobre isso, legando até na hora de dormir, com a
máquina e eu numa fogueira, em meio aos bichos. Recostada numa Sapopemba, e com
ele cantarolando os hinos que num sei donde vieram, levei meus dedos até minha sebosa
pele facial, roçando-os a ela, devaneio sobre o amuleto.

“Por que eu seria um nada? Pelo que eu nado sobre um rio? Será que o nada é
impossível de ser um nado sobre um rio? Afinal, é um nada...”.
-Divagas muito sobre o que presenciastes hoje, Maricí... – Robô exprimiu,
enquanto ritmava os dedos metálicos sobre o pau-brasil.
-Só me dando tempo... – Recolhi a muiraquitã sobre a minha mão, fitando-a –
Pelo que hei de me rastrear... Sobre essa linguística de meu ser... -.

Que é um coiso falido. Má falência, sem clichê, num é de recomeço, nem fim,
nem nada: Apenas alívio. Disposição primária, pelo que posso tentar. Falir é tentada
sucedida, para sequência doutra. Dou-me por nenhuma falência... Por isso, Muiraquitã
desespera, acomete-me moleira. Do que se machuca e não sara. No princípio.
Deitei-me mais confortável, mesmo sem colchoas, da fogueira terminando o
arder, aspirando fumaça das almas desse amuleto, da etérea linha que num se
desencanta, sempre se pendura em mim. Lavrei tímida pelo mato, pelas mãos,
cultivando ideias tal como arraia-se o mato: Sem ideia do que fazer. Só à noite acima,
vácuo escuro, pra significar o que tem na minha cachola.
-Não tem jeito... Amanhã, temos que voltar para Leidorio, fazer mais um de ti e
depois ir a Anhangá para... -.

Inopino, que duma macumba, lambeou maquinário! Nas trovoadas de ímpeto,


elétrico mecanismo, volvendo o gerador robótico a se desligar! É dum raio duma
macumba, que sei que é! Até me levantei!

-Ôxente! – Cubei todo redor – Num denotem falsa-bandeira, não! Pô! Saiam,
agora! -.

Num cutuco no ouvido, de escuto, espertei-me a desviar duma flecha! Quase


oclusão sobre minha garganta! Má como menina, corri...

-Ah má num me pegam, não! -.

Má me pegam, sim: Zarabatana, num pescoço, quase atravessada. Veneno de


modo a me sabotar, cambaleando pra alguns lados, de tonta que estava. Entre dois
últimos pra lá e pra cá, pra baixo e desmaio. Chispou toda vista, num tendo modo de ver
mais nada, nem o robô. Só de mato e céu que me lembro...
Meus leitores, mais outra digressão de sonho: Nem branco e nem preto. E nem
cinza, se caso for de complemento de vós ao anterior. Agora se revelava diversos
espraiamentos, como ondas. Num rio, gotas. Olhava à frente e a mim mesma, toda
molhada e pelada, fazendo percurso sobre as águas, sem cair nela. Será que virei
anhangá?
Que nada: Surgiam-me vinte inexistências vindouras, que sabedoria num se
entende, nem se come. Má é de antropofagia que se vive, conseguir mais e soma sem
zero: Vinte índios comendo o corpo de Velha D. Até algumas cunhãs faziam sopa de
imperadora! Tudo acima das águas, tal como eu!
E do corpo, levantava-se Ang, de alma pura, de imperial cortês. Mesmo espírito
zombeteiro de Velha D, mesma alma penada que caminhou pela floresta. Desta vez,
num andava sobre o rio. Voava. E detinha rispidez no espio. Caroço dos olhos num
tinha, não! Brilho... Incomensurável...

-Maricí... O princípio de ti mesma começa com um segredo... – Até orou a mim!


Estatuei-me. A velhaca, na cabeça, fez aristocracia. Levantada, sem caroço
fitando até mim, num sabia se me via. Má parecia... Num voo de aproximação a mim...

-O princípio de ti mesma começa com um segredo... -.

Aliteração! Isso é de dar irritação, pô! E pelos cantos desarrochados, até soava
baitinga! E vos juro, meus leitores, que num fiz bicada! É causo puro e contemporâneo!

-Um segredo... – Eu estava até abiscoitada!

E num tinha bapeva, guabiroba, Sapopemba e nem ibirapitangas em que


sustentar-me. Covardia fiz, passos retrógrados, e duma maneira quase de castigo, num
molho pelo rio e vertigem! Tropeço sobre o nada e agora me via a cair no rio!

-Vadia! Desperta, porra! -.

Uns cutucões nas costas. Dor de facão, falcatrua engabelada restitui açores: De
cambão me mostrando o dedo, muitas índias, que, almejam aplicar-me uns vergalhões
de modo que me fizesse acordar, má me precavi e acordei. Mirei-me: Amarrada, dando
vontade de coçar pela corda irritante, dos modos que me amarraram contra as ibirás,
cercando-me índias e mais índias. E todas ornamentadas! Ostentação!

-Humm... Aé upaka... Tuixaua pesenui! – Gritou uma elas.

Deu nó em minha cabeça. Por muitas ali terem mais cortesia que minha
civilização. Escancaravam milhares de ocas grandes, concretadas, e terra mais ou menos
pavimentada. Língua geral, Tupi moderno, nas bocas falantes... É: Eram índias
reformadas. E ai de quem num souber o que são elas! Pois, fizeram trotes com elas,
então elas revidaram. E tudo se apegaram. Colonizaram os colonizadores!
Segundas e terceiras fitadas, as fiz por dar fé: Carros voadores por todos os
lados. E nas outras aliterações de miragem, abrigavam muitas carnes já comidas, por
entre as barrigas de aluguel em pós-cio. Nalgumas, até num prestavam atenção a mim,
mas a uma griô cantando feitos. Apropriaram-se até dos jeitos dos escravos!
E que, porém vêm agora, meus leitores! Porque a morubixaba... Melhor, a
tuixaua caminhava até a mim. Na quarta fitada, fatigada, má reatentada. Por açoite de
cunhã sobre minha bochecha, avermelhando-me. Atentei; Sobre piteu, airosa, tropel de
adornos e ouriçavas que, onerosos, até podiam jogar o pescoço à frente e queda, má era
forte! Má é afeiçoada, minha gente!
Adiante, arrostava-me. Já eu... Só na mais ou menos indiferença, pra eu me dar
pulso ao meu contraste contra ela, toda pomposa.

-Marantaá reiurí té iké? Marantaá umuapatuka? – E fazia essa pergunta com uma
rigidez...
-Desculpa aí, mas... Eu sei que podes falar em minha língua... -.
- Marantaá ixé akuau apurungitá ne nheenga iuirí? -.
-Ora... – E dei uma pose confiante, com aquele sorriso do jeitinho Sociomano de
improvisar – Não existe muita diferença entre tua língua e a minha; A língua que vos
fala é artificial, criada. E entre uma língua que mais ou menos se aproxima da minha e
uma que é a autêntica, qual das duas soa mais gostoso de ouvir? -.
-É... Tens razão... Língua de kariua, a língua de teu inatismo, é mais bonito... – E
até fez unanimidade com as irus que comanda!

Fácil! Fácil! Oxê! Preconceito Linguístico pode até estar aquém de eu


exterminar... Má com jeitinho, oratória convence os idiotas. Parnasianismo, num é
artifício: É a alma dos medíocres, da gramática normativa, pregoando protestantismos
que perpetuam. Num dou partido disso não, pô! Má que me funcionou, isso sim!

-Ó, mulher branca... Invadiste terras de minha gente! A taba das Icabiabas não
faz hospitalidade a uma desonrada de braço desmerecido! – Proferiu isso tudo sem
nenhum sotaque!
-Braço desmerecido? -.
-Braço que tens aí é de índia muito honrada. Maiara, filha da noite, cujo poder
era de grande sabedoria. Derrubou as antigas guerras sociomanas com apenas a própria
voz! -.
-O braço aqui pertence a ela?! A lendária Maiara? – Pasmei.
-Não soubeste? Puxi! Puxi! Indé niti rekuau reriku maã niti reú kamundu
resuara! -.
-Tá... Tá... Eu sei que o braço não consegui por mérito, mas... Foi por troca!
Com o cientista Alberto de Nadita! -.
-MAÃ?! MAIÉ REKAUA REMUNHÃ KUÁ?! MAÃ AÍUA! MAÃ AÍUA! -.

É... Meu jeitinho deu brejo...

-Alberto de Nadita é de coisa ruim, do diabo! Pecou no roubo do que não lhe
pertencera! – Pisou forte ao chão, aporrinhada - Homens brancos... Parasitas... -.
-Err... – Gastura minha já bulia - Será que o ditado “Ladrão que rouba ladrão,
tem cem anos de perdão” há de valer por aqui? -.
-Ditado de homem branco?! PUXI! PUXI! Vais virar carne nossa! Com certeza,
de braço teu, há a grande sabedoria de Maiara. E talvez o sangue de teu corpo já tenhas
o legado dela. Deves valer por um bom ritual... -.
-NÃO! – Tossi – Digo... -.
-O que? Temeste?! – Até pensei na tapa que poderia receber, mas num ocorreu -
Então NEM DE TUA CARNE PRESTA! Desonrastes a ti mesma em todas as esferas!
Não tens o que conquistastes por esforço; Desonrou a língua de nossa gente; E nem
coragem tiveste perante a morte! Só nos resta a tua soltura! Nem a morte te merece! -.

Morte de mim é piada de mau gosto, oxê! Escapuli, entre meus jeitinhos
sociomanos: De morte temo, por minha carne num me vangloriar. Sou desonra total
agora, pra qualquer Sociomano. Que culpa eu aproprio em minha insensibilidade aos
trejeitos? Antropofagia, num me dou bem...
Desviei-me de morte, má num quer dizer que minha espevitada em tudo se
espraia...

-Terás que te casar comigo... – E dizia sem surpresa em semblante!


-UAI?! OXÊ?! Má que trem ruim é esse, sô! Num sou feita pra mulher, não! –
Num tinha jeito: Estava me enojando! - Nem semente tenho! -.
-E quem precisa? Não somos como as Icamiabas primitivas, ao lado da nossa
aldeia. Somos as Icabiabas! Temos filhas sem precisar de homens com as suas
muiraquitãs e... Espera... – Fez prestes contra meu peito – Essa Muiraquitã... -.
-Que? Má é só um treco qualquer, sabe... De artesãos... – Fiz distração inútil.
-Não é não... É uma Muiraquitã que mostra que tens um grande espírito. Além
do braço de Maiara, tens o amuleto dado por algum Anhangá errante. És alguém
suficientemente boa pra se casar! O legado de teu braço chegarás a mim por nossa filha!
-.
-Ah... – Mordi os lábios – Mas eu nem sou lá essa beleza de mulher. Sou uma
branca feia, cara de pálida e corpo de varal. Já vós sois belas por natureza! Não é
melhor a minha soltura e desonrar-me à eternidade? – Me fazia de gastura.
-Hummm... Mas o teu braço eu quero! Nem que tenhamos de lutar para... -.
-Ah ora... Quem precisa de luta? – Agora comecei minha velhaca malandra de
novo! – Se tem algo que não denota legado pelas minhas vestes, são os meus poderes
dados por Anhangá, o protetor da floresta... -.
-ANHANGÁ?! –.

Grito uníssono que só! Todas fazem escândalo! Eita! Numas delas até já se
enfiavam nas ocas, com facão e flechas, nas mãos das outras, fora das casas...

-És coisa ruim! Não te quero nem como caça, nem como carne de legado e
muito menos por casamento! SUMA! SUMA! – Liderança berra tal como fraqueja.
-Então eu posso sair daqui? -.
-Pode não, VAI SAIR! SAIA LOGO! XISPA! – E deu de segurar umas flechas
contra mim, alvejadas.
-Mas é que... – Fitei pro meu corpo – Não consigo me desamarrar daqui...
Heheh... -.
-Está bem... -.

Má que índia tremida! Lançou-se pra trás, com flecha e tudo, sentinela em outras
a feitarem o rasgo na corda! Má nem elas tinham modo pra isso, nem coiso de ímpeto.
Parangolé, líder de gente, executou causa de empurro, em consequência para uma
qualquer me soltar.

-V-vás lá... Solte-a... – A minha ex-pretendente amarelou!


-M-Ma ixé n... Niti aputari apitá tuí puxi irumû! – E ajoelhou diante da chefe –
Ixé ne supé aiururéu! – E terminou na cavilação.
-Não interessa! Use a flecha e espete a corda! -.
E num é que a cunhã finalmente tremulava a flecha na corda? É de medo, sim
senhor. Má funcionava e estava já me libertando! Pena que num havia desta índia se
aproximar de mime a flecha era tímida pra rasgar-me. Num eram de trejeitos muito
hospitalares tal como os Tupinambás, má dava pro gasto; Um jeitinho Sociomano
sempre funcionando!

-T-Tá... Tupasá ana uikú suruka! – E carreira lonjura de mim! Rápida!


-Bom... Agora que estou livre... – Duvidava, expressando em minha cabeça
olhadora de lados – Cadê o robô? -.
-Robô? Ah! Num vais ter ele mais, não! Gente branca roubando coisa nossa é de
impacientar-nos! – Reclamou a dona de tudo de lá. Ui!
-Hummm... – É... Já sabem o que essa malícia significa, né? – Estranho que fales
de legado como se tudo que eu construí, ruísse. Mas quando se trata da máquina, da que
recebeu uma parte de mim, nada dizes, né? –Afastava as cordas enquanto botava a
canga na casa da peste. Encasquetava-as com um sorriso.
-Como assim? Esse robô é macumbado de que? O que fizeste com ele?! – Já
cheirava danação só na pusilanimidade do semblante moreno daquela índia.
-Ora... Digamos que... Poderes, Anhangá deu muito pra mim... Para nesse robô
fazer-lhe língua... E da língua, ele pode espalhar o melhor de mim... -.

Marota, é, me exagerei na alegação, labutando-as em muito causo pelo pouco


que, pra mim, parece ser tão enjeitado. Sabuguei ao chão, fartando! Brado demais,
quase me desvaira! Índias se inquietam diante do guardado que, ao toque, se
amaldiçoam sob os meus braços, células duma carne podre. Facilita-me muito, no
jeitinho, sabe? Que engazopa os inocentes, em cuidadinho meu pra num bestar.
E o caminho? Livre se faz! Quando num se faz impedimento... A máquina, posso
achar mesmo sem elas me guiando, má por proveito colonizável, deixei-as. Oca
grandona... Isso é que é tropa pra num dar brejo por falta de gente! Má tropa é do
pretérito: Tudo máquina! Computador! Haja adobe pra moldar os veladores!
Má a guia é medrosa mesmo, pô! Fartaram-se de mim, oca exaurida de todas
elas. Só eu e as tranqueiras metálicas!

-Pronto. Procure! Quando achares, tchau! Some! Não apareça mais aqui! -.
-Antes de irem... – Num fiz mais calma não: Moda minha, agora é de escarnio! –
Pelo menos a Icamiabas recebem com Saudações lacrimosas. Vocês nem isso honraram
do legado do que carregam por berço! – Chalacear... Ah! Que ironia da vida...

Metal efemeriza? Não sei... Local breve, de açoite que dão por falta daquele
trem bom do passado. Má num tem chip que denote coisa ruim de homem, não. Nem
mesmo macumba, morbo, bodega ou malogro, que se anedota nos desesperos de fala
peste, que sei sim e você também, meu leitor: Que são na procura dessas coisas, dessas
máquinas, que se fazem os humanos menos afeitos aos costumes da terra. Culpa não se
tem, não. É só um causo que acontece por própria natureza... Bem pior essa definição do
que a doença, né? É de estarrecer... Por cada escavada minha, para encontrar os metais
do pelo que.
Facínora fascinação! Má dói o dedo por tanta tralha revirar. Tédio do leitor não é
de me gostar, não: Sou fêmea de braço sem tora. Barulhou. Metal em metal não
demonstra mais vida do que a madeira sobre madeira. Má índias de lá já se perderam
desses sons, factual provação do quanto não se estimam. É recalque de si mesmas,
talvez.
E achei. Máquina tonta por muitas enlatadas sobre, má dei marcha à frente nos
botões. Apertei as costas afundadas. Fumacentas se fazem vida pra essas hidráulicas
enferrujadas, que se ligam quando se bate no botão, má dói na fungada. Caroço dos
olhos se chora nas primeiras horas de viver. Má isso em máquina num é pra tranquilizar,
não: Cauê dos piscos vermelhos, abraçou-me em suas entrelinhas aguadas. Era óleo, má
num deixava de significar lágrimas.

-Senhorita... Pensei que eu fosse morrer... – Até que pra tanto sentimento, é uma
fala bem reticente...
-Err... Tá, calma, Cauê. Vamos xotar daqui, tá? – Fiz umas batidinhas nas costas
dele, pro chupetão remansar.

As montanhas de gente, tal como de ferro. Num se remonta um significado


completo só com isso. Fato: Robô prantava. Planta relva, que sustenta tudo, má hei de
se culpar proletária. O Atlas carregador de mundos... Ele tem pelo que sentir, né? Afinal,
relva abaixo dele torna-o possível de ombrear um universo de lágrimas. Tristura de
ofício, meus leitores, num dá pra furtar em águas oceânicas dum mundo sustentado,
nem as verdinhas pisadas se consolam com a chuva.
Latrocínio, os profanadores vomitam. Contra si mesmos, a partir de quem eles
mesmos moldam. Fatídico de ironia... É, me desfaço desse mundo por decepção diante
de tal caraminhola. Má é maldição de Anhangá. Vejo, então, o que estou condenada a
fitar: Vinte possibilidades de matar gente pequena, por suas pequenezas culpas de inatas
assim serem (Em ambas as qualidades). A máquina é a única que, da terra que se
levantou, se faz num “pelo que” digno. É desses causos que nascem algum
pessimismo...
Pelo que, demandam os meus queridos leitores. Vos pontifico: Fala minha,
linguística minha, morre diante de mundos desovados. Meu medo é isso: Índios já nessa
queda sob as máquinas, me ferirei sem língua pelo que falar. E desta máquina que se faz
por linguística minha, é fatoração. De palavra, pro modo de reconstruir tudo isso por si
mesmo. Má desligamento é desespero por ressuscitação. Ele num é mais coiso pra se
desligar não, pô! Nasceu, tem que continuar nascido! Desligar, morte de aparelho, é
também de dialeto. E por isso, pranta-se planta da arvore que já era.
Ereção de ambos. Má malícia num dá pra agora não, leitor. É apenas modo de
dizer: Já nos erguemos. Triscado de tanta perplexidade, eu sei. O robô num é de
exatidão. Tempo, Tempo... Má a vereda ainda se mantinha para nós dois, pra fora da
oca.
Tempo, Tempo... Má nesse meio, enquanto andejávamos e eu, ombreando-o,
reiterei-lhe a programação:

-Tu, Cauê, ainda hei de manter o que lhe disse. Mas desta vez, proteja-se... É de
sua feitura necessidade. És tão valoroso quanto os outros homens... Coloque isso em tua
cabeça... -.
-Sim, senhorita... Mas... – Duas piscadas vermelhas, uma azul... Fitada sobre
mim – Por que desta vez foi em língua de Sociomano? E a língua de índio? -.
-É só duplicar a projeção intermediária de sua árvore sintática e incluir o Tupi.
Sabes que pode fazer isso... – Fiz até cara de quem não entendeu nada, má temia
entender...
-Eu sei disso. Indago é sobre porque tu estás a jogar a língua de índio na
projeção interna de tua árvore sintática e, além do mais... -.
-Ah! Chega de milonga! Num sou feita pra se fazer programação, tá?! Ou quer
que lhe tire de meus ombros? – Num posso discordar: Parecia cara de mal comida!
-Não... Não... Tudo bem... Desculpa, senhorita Maricí... – O caroço dos olhos
dele já estava nas brenhas.
-Deixe pra lá... Arribemos-nos daqui logo! -.

Oca... Oca é a cabeça minha pra ter um importar pra isso. Má que era uma
mosca, essa peste rumada por ele, ah se era... Vaiada, era indistinguível sob outras multi
veias de pensar, roto lobregando a respeito dessas cucuias: De ramificação se apartar.
É... É a inevitável finura do conhecimento humano: Tronco é tronco, má ramo é
morredouro. E se do conhecimento num se recursiva, nunca cresce. Má se cresce, a
planta se árdua na manutenção. Meu ofício se adversa pela minha humanidade: De só
ter o português em meu tronco – E mais nenhuma outra língua.
E... Filhas dum Cabrunco! Por cilada de esparrela: Flechadas tudo sobre nós
dois. Agravante? Morubixaba abilolada, sobre mim, dando gosto pra si. Facínora! Que
se agrava por um robô que ombreio. Isso me faz materialista ou que faço importância
para um ser que sente? Má de questão, só resta a mim é a indagação de...

-Por que isso, pô?! Fizestes-te com moral de homem branco?! – Quem num se
desgraça por pinta-brava?
-Se isso significar colonizar-te, sim. Robô teu é tesouro grande de nosso povo...
-.
-Má ele nem é meu mais! Ele é por si mesmo, agora... Ele até despertou! –
Cutucava-o – Ó, vejas como até ele fica incomodado! -.
-Senhorita, por favor... Isso incomoda... Não nos meus olhos – Má o caroço se
mexia de forma gaiata!
-Ó, por favor... É de programação. Isso não o torna único: Só mostra que tua
esperteza é perigosa! – Líder já estava descobrindo minha feitura... Perigoso isso... - Teu
jeitinho sociomano num faz progresso pra gente, não! -.
-Olha quem fala, Hã... – Sorrisinho do meu jeitinho... – A desvairada que fala em
língua de branco que impôs a vocês. Se bem me lembro... Nheengatu é língua de
padre... – Pelo rosto, signifiquei toda essa minha raposa facial.
-Ah, não deboche por cara o que não tens de beleza, cambão! – Opa... Isso num
foi legal por parte da morena, não!
-Olha quem fala... Nem usa ao menos um saltinho! -.
-Quem precisa quando se é uma índia que toma banho todo dia? Tu, que em
chulé se faz mesmo sem calçado, é toda afeita a um simples banho a cada duas horas. O
teu cheiro já te culpa! – Cabresta já dando saco...
-Ah, mas que índia atrevida! O teu pelado corpo já te faz toda vadia, se quer que
eu te fale o que significa tanta falta de roupa... – Num deixei por isso não, pô! E não vou
deixar mais... – E quer saber? Agora encheu... -.

Robô ficou ali, enquanto aqui estava eu, movendo-me a ela. Flechavam-me por
tal ofensiva, má jeitinho sociomano até físico se reflete: Só uns desvios aqui e acolá. Má
em verdade, apenas ergo minha mão, fatigando os significantes das flechas. Por poder
linguístico, manipulo a linguística da matéria. E faço-as sem língua entre átomos.
Ficou só por isso não, meus leitores. A canga morubixaba se abrevia por minha
chegada abrupta! Dois dedinhos, bem no cucuruto. À guisa das entranhas
reprogramações. Minhas, é claro, autora de toda manipulação de qualquer língua. E por
indagação... Robô atrás de mim, sentia-o... Os piscos vermelhos... Antes que eu me
comportasse buliçosa.

-Senhorita... Não se rebaixe... Não és de poder por querer, eu sei... Mas não use
por pretexto... – Mexia-se como flor crescendo em concreto.
-Robô... Eu tenho que mudar a língua dela... Ela precisa tornar-se índia de
novo... – Pegava-a pela cintura, segurando-a forte pela canga.
-Não há mais milagre que as cure da mediocridade... Deixe-as, senhora... Urgh!
– Num me perguntem sobre como ele pode se doer.
-Opa! Como assim ixé medíokyrí? Esse enferrujado é coisa ruim! Num serve pra
gente não, minhas companheiras! – Vish... Forte, largou-se de mim – E você me solta,
peste! Saia daqui e volte para a tua cidade, junta a essa coisa horrenda que criastes com
os poderes de Anhangá! -.
-Tá bom, tá bom... – Acenei ao robô, vindo a mim – Má lembre-se... -.

Vereda se faz, vereda se vai: afastávamos das índias, robô ainda estarrecido. Má
ajeitei-lhe por meus ombros. E novamente: Jeitinho Sociomano. Maneira de olhar à
chefe.
-Toquei-te, não te toquei? Células de minha história já percorrem teu sangue...
Presente para ti, índia convertida... – Carreira, de nós dois, logo em seguida, chispando
dali!
-Ó... Iandé tuixaua tuí puxi oriku! Peiuka aé! PEIUKA AÉ! – É... Jeitinho pode
fazer sanguinolência, também...

Fato: Distantes estávamos. Má o céu vermelho já denota as precipitações de uma


guerra. Precaução em perdição. Alargamento do rio, por tanto se precipitar, é que torna
todo equívoco mais ajeitado de ser. Do capeta? Não, desculpem-me. É que matança num
se faz por contingência. Matou-se na morubixaba, o que não se mata na língua: Espírito
de Mudança.
É causo já esquecido. Se foi. Por valência de maior questão: Por onde agora
iríamos? Ou o causo num se esqueceu ainda não pois...

-Senhorita... Para que ires a Leidorio se pelas Icabiabas já há de existir o que


queres? -.
-Mas aqueles robôs que vimos são ultrapassados! Não conseguirão apreender tal
como tu apreendes... –.
-Lorota de ti... – O caroço resplandeceu-se vermelho – Os afundados dos montes
há de terem superioridade a mim... -.
-M-mas... Como? És a mais avançada máquina possível até o presente momento!
Como há de existir mais poderosas que ti? – Pasmei até!
-As índias se fizeram mais pela máquina... Que pela floresta que as acolheram...
– Modo neutral num faz muito jus à profundidade da fala dele, né?
-Uh... Robô? – Acenei-lhe - Estás bem? Por que estás pausado? -.
-Senhorita Maricí... O teu pelo que é maior que o que podes suportar? -.
-O meu pelo que não se sustenta por mim mesma, uai... Por que perguntas? -.
-É que... Estou a temer mais a minha vitória, por agora... Por modos humanos...
-.
-Ah, Robô! Chega de sermão! – Tapinha nas costas metálicas! – Vamos logo pra
lá e pegar as máquinas e fazer mais compreensivos! Os homens precisam de mais gente
tal como ti! -.
-Entendo, senhorita... E posso te garantir: Teu desejo se realizará... – Baixou a
cabeça, uai? -.
-Estás triste pela condição que te dou? -.
-Por que eu estaria triste por uma condição que é inata a mim? Não seja burra...
– Opa! Resposta grossa, mesmo estando triste!

Nota ao leitor, antes de algum proceder: Máquina não se faz por enclausura
humana. Fazendo individualismos secantes, que é modo que máquina não escolhe fazer.
A árvore sintática deles não se aguam por maldade: É um óleo petrolífero, vindo da
terra. É, meus leitores... Pretexto-lhes por amizade. De aviso amigo, de quem está
apenas lhes ajudando na compreensão desta narrativa...
Mas é que... Enferrujadas causas não acontecem por impulso. Nem ímpeto. E
nem programação. São linguagens do que podem, do “Pelo que”. Má também num é
pretexto maquinal, não. Toda quântica existência se faz por seu modo, facultando
semblantes pelo que. É o “Pelo Que” que move o quântico aparelho.

-Só não te dou porrada porque não temos tempo... Vamos logo! – Marchei.
-Senhorita... -.

Tal como vós, meus leitores, as possibilidades também há de eu indagar. Sobre


todo o fluído hidropneumático, fazendo-nos robóticas possibilidades. Baetatá num há de
queimar homem nenhum mais... Má é de causa pra desesperar? É de fatorar: O robô que
somos do general cabresto que partamos tempos atrás. Que é de mando de gente contra
gente, que quando é de alma, é de nós sobre nós. Se morrermos em ambos, a cabra se
peca!
Ferro incontrolável? Alitero: Ferros puros, ou surgidos da emancipação quântica,
não remontam nenhuma mediocridade humana. E nem esta se encerra fumacenta. Que
escancara-nos tamanho infeliz da costela oca! Num toma tenência... Sobre os filhos que
já morrem na nascitura.
Porque... Com filhos do ferro que aqui então me retorno em muitas pilhas
robóticas, acompanho-me de Cauê. Ajeitar-lhes num faço como pai, nem mãe. E nem
Cauê. É tudo só questão de desperte e língua. É por língua, sabe... Que se assentam as
compreensões, e piscos vermelhos do dito cujo, familiarizarão-os. Com o tudo que num
se preza por nunca nesse mundo. E tudo diante das índias assustadas, que num
inocentam-se pra toque em nós. Saudação lacrimosa elas perderam... E o universo disso
é uma oca enjeitada – Dos homens, de mim. Do quanto morremos em nome duma oca
que nunca mais se lembrará, né?

-Ixê, abá nheenga irunamo, amonhang pee ybymembyra. Porausuraba-remé.


Kuaba-remé. Tekokuaba-remé. Opaba mba’e, Pee peimoang! -.

Proclamação feita, agora já mais de cabeça, mesmo. Cantavam, tudo barulhento,


surrupiando aos nossos ouvidos e Cauê e eu, dando no pé da oca. Ignizavam, pra que na
oca se fizessem queimação. Pra tirar o vazio e tudo desabar até eles, mais plenos e
preenchidos. Casebre caído, como universo desfeito, ao resplandecer posterior:
Nalgumas num deu milagre de língua, não. Má nos que levantaram... Oxente! Fazemos
língua agora com objetos, até. Má de robô o objeto se aprofunda, intensifica. Empáticos
pra mais que os homens em modo de fazer isso!

-Senhorita... Ao total, são mais vinte com a mesma programação padrão que a
minha, tal como pediste a mim a copiar a que proclamastes... – Neutral pra quem estava
chorando preteritamente, hein...
-Trem bom... Trem dos bons... – Má ficar só nas expectativas num dá, né?
Melhor já clamar da bexiga! – Ô ROBÔS DEUS DO CÉU! VEM PRA CÁ VOCÊS,
PÔ! -.

Num organizatório, se desatenta a alguns fatos, má presto a fitada: Troca de


olhares entre eles. Que significava um tom de indagação, do pelo que há de fazerem
isso. Má também é de localização: Fila nenhuma... Nada de reto... Nem mesmo
matemática estrela ou outras belas formas da natureza. Retângulo de ouro se parecia um
artificial, perto do espaçamento feito entre eles. Denoto, aqui, a robótica perfeita
atingida: Falta de harmonia, refletindo transparência dos ferros que num são exatos.
Má, mesmo nesse arranjo, prestaram-me atenção. Ócio de dois segundos, má
varri o silêncio, botando quente:

-Meus caros... Declaremos: Que da compreensão se faça a lei de todos nós, aqui
presentes... -.
-Senhorita Maricí... – Que ritmo sonoro uníssono de todos! – As índias ali são
por onde começar? -.
-Elas ainda lhes verão como propriedade privada. Para não ocorrer guerras
desnecessárias, fiquem com elas. Já estarão servindo à causa maior! -.
-Sim, senhorita... – Aquietaram e rumaram-se por espraiamento, índias pelo que
doarem-se.

Solidez de discurso, má amolecimento de meu rei: Que faz alívio, má também


amolece em tristeza. Cauê... Deu na fraqueza, contraditório ao que sinto. Índias
entreolhando, opinativas sobre a robótica que fiz. Má é concho tudo aquilo. Fala tudo às
pressas, má se fazem já em desabafo após meros dois minutos. É... Compreensivos de
verdade... Minha causa enobreceu-se. Num façam conspiração, meus leitores. Rebeldia
maquinaria num se faz presente, má os causos podem fazer surpresa aos desatentos,
dum ocorrer supetão. Má já tá a garantia para vós, sim senhores!
Finalmente, hein? Vazamos da aldeia. Num sobrou máquina pra gente, má
abreviou ida a Leidorio. Final, já fiz máquina, por minha vontade. Programei feita, já
estronda ao Anhangá, por fala, em invocação muda de acontecer, má mera proclamação
do que faremos agora.
Colágeno num tá prendendo bem mais. É velhice? O capilar tá se desvaindo, por
estresse. Má feiura minha num me importo mais, não. Loiro num significa tanto quanto
a minha alma já cansada. É dum quase ultrapassada. Já que estamos numa vereda até a
estação de trem, lhes falo do causo dum Intelectual: Tal de João dos Reis, quando
escreveu o Aviso Branco, um folhetim artigo científico.
Chilique, posso lhes dar primaria. Dito cujo branquelo, má definhou sobre a
superioridade dos restos perante aos desprovidos de cor. E por tal “epifania” dele,
implicou solução: Aumentar repressão aos coloridos, ao modo dos brancos manterem a
emancipação, mesmo já inferiores em mente e corpo. Deu brejo: Muvuca nas favelas e
musseques. Num sobrou muito branquelo pra contar história. Má posso lhes garantir: O
intelectual fez fortuna. Ah se fez...
Má falando em musseque... Bem faz falta visitar os quimbundos. Memória nítida
dos que sabem e num esquecem. É deles que vem a inocência de aprender tudo, até
impressiona. Má, justamente por pureza, os negrinhos do musseque... Acabam: Morte
por armas brancas. Mais do que a faca... Os pretinhos sabem do mundo, memorizam
horrores, má num aprenderam a escapulir das balas... Tendem a aprender o tiro
primeiro, por desespero.
Causo não é à toa, meus senhores. Duma ocorrência sem boletim. Má o resumo
vem sempre antes nas maiores histórias e as melhores. Má nesta aqui, num se prevalece
muita palavra não: É mais de mão, mesmo. Da mão cambão minha, que ainda pode
respirar judiação que suspiro. Sobre as ações antepassadas, que acunham em má hora,
repassando aqui o fato: Há de se crescer numa história o que num devia, má parece. É
assim que a história, o conto desta Era Linguística, se perfaz.
O caminho? Tá que tá. Estação a uns quilômetros dalí, que... Que...

-Senhorita, são exatos dois quilômetros a se percorrer ainda. O escurecer está


iminente, após todo esse causo de um dia inteiro, após o teu despertar lá pelas índias... -.

É, da máquina se faz a memória que os negros já possuem por natureza. Falta de


prática minha, má tento melhorar. Torneamento da mente é sempre nesse jeitinho:
Ondas fraquinhas, fraquinhas... Má dão sempre mais companhias aos perdidos aos
mares. Por comuta eterna. Das memórias ondulares... Que se vão ao esquecimento.
Culpa de ninguém, não. Mal inata ao homem, meus caros...
Mata densa, densa mesmo. É de sangrar os pés, amolecer os ossos, enfadar.
Ombreada pelo Robô? Num há de querer. Nem por maldade. Só secura... De vereda,
sabe? Água chega tanto à terra aqui, má num imunda alma de gente. É pra desesperar
nos quereres, acidente. Com incidente num se faz cura, né? Sobre possibilidade. Porque
o acidente local, acaso de estar ali, é mera vida. Já incidente... Secura. Por
possibilidade...
Que vem por nossa frente: Do – ironia – Curumim negrinho. Alvejado? É por
Icabiabas. Da flecha é que se sabe e se vê. Barreadas desses jeitos sem sexo, sabe?
Menino num foi bem olhado, pelo jeito de num saber os modos dos adultos. Sexo sabia,
pois todo menino já faz, mas os modos, nem nunca. Linguística minha reconhece,
porém, essa grande memória dele. Traumas inalteráveis, pretéritos abundantes. Mais que
tudo que eu vivi, num menorzinho com menos da metade de minha velhice.
Encerrou-se: Despertada. Espavento, óbvio. Que sobrevém de minha canga feia.
Alveja em quase coração, má num fazia corpo mole. Deu de ficar bem nas brenhas,
rastejado. Fala minha, agora, a cumprir o que prometi.

-Menino... – Nada de grito aqui, não! Só palras breves – Por que a flecha
encerrou-se em ti? Donde veio esta? -.
Até moldei-me em mão estendida. E deu? Que nada! Afastou tanto que até bateu
nas ibiras, costas triscadas sobre. Aos maus feitos ao olhar, fariam significado precoce.
Má em linguística minha, sem o temer e sem dever, é que devo entranhar. Dum menino
sem pai, sem mãe. Trabalho honrado? Tentou, má a face num dá bom ofício, não. Esse
local? É pra tentar outros tentares além da cidadela. Má sem o jeitinho, num vai pra
frente. Icabiabas ao acaso. E por ser menino, óbvio da flechada. Ali, esteve por acaso.
Mal de guiar-se nas matas, sem mão a se segurar.
Num fez resposta. Reformulei-me em nova linguagem...

-Ô menino... Por que num quer ajuda? Parecemos gente ruim? -.


-Num parecem, não. Eu que sou... -.
-Como assim? – Pretéritos dele num denunciam isso, má tem coiso aí... – Tu tá
até com lombriga na barriga, menino! Quem que vai lhe dizer que num é inocente?! –
Oxê! Má é sério mesmo: Barriga grande no esquelético num dá de ele pensar em
malícia que não seja pela vida continuar.
-Mas levei chumbada do nhô lá... Ele falou que tô com macumba... E num quero
tocar vocês... -.

Coiso de safado, de quem alega defesa inconstitucional. Fabrica folclores! Num


tem natureza nessas palavras, não! Nhô num está bem da cabeça – Ou é um legítimo
seguidor do Aviso Branco. Por sério? Gozava dos tempos donde num se criava arenga
por esses eventos. Malandros de jogar culpa em quem passaram por cima. Num mundo
de homens, na Terra Brasílica, da época donde só se via homens e acabou. Pena que se
foi, por uma simples tese. E ao curumim, migalhas: Das mazelas que tentava cintilar na
expressão rocambole, toda nervosa. Por branca pele minha, amedronta.

-Vamos, moleque... Num precisa fazer causa por minha pele. – Entrosei, na
tentada por ajoelhar a ele - Podes abrir tuas memórias a mim, como um griô... -.
-Eu... – Ah não... Que não seja de expressão que se faz tímida... – Preciso de
galinha... Pra encher na bucha... Num sei como te chamar... -.
-Podes chamar-me de Maricí, tá danado? – Levantei, cafuné em careca preta –
Num sou onça pra te matar, tá? Iuká num é de minha destreza no pensamento e nunca
será... – Malear um sorriso aqui já deve dar mais confiança a ele...
O robô atrás de mim? Pausado. Tanto que compreendeu, agora eu que estava pra
articular tal desejo de feitura. Notando minha sentida, de alguém precavida, nos modos
da mão num preguiçar. E ao garoto...

-E qual o teu nome, menino? -.


-Sou Bertinho... Maricí... Num fique vermelha por meus trapos... Num tenho tua
sorte, não, moça... -.
-Ah! Amolece, menino! Até com índios pelados já convivi, num faço furicagem
com esses martírios. Relaxe! – Em pé, mesmo assim, abeirei – Tens pais ou mãe não,
né? -.
-Num tenho não, moça. Má tento trabalho honrado, má ninguém dá... Num dá
pra viver assim não... – Amoleceu até na canga!
-Num se rebaixe cabisbaixo, moleque! Moral! Moral! – Com dois dedos,
levantei-lhe a face.

Causos de gente como nós num se encerra assim, meus queridos. Continuada
consequência final, inevitável. De a natureza justiçar o que o homem comete. Em sua
inevitável programação que num aceita outras gentes além dele. Temo pela minha
linguística, que depende da aceitação de todos com todos. Sobrevivência, desculpem-
me... Má boas ideias num enchem a bucha...
Que deve inchar, por satisfação nossa. Robô num tem azar desses, má é
esfomeado – Por humanidade. Dá até pra fazer uma gaitosa por isso, confessando-se
indiscreta. Que é de não acontecer dialética entre homem e ferro. É dum ocorrer mais
causal, acima da máquina. Até porque... Essa estória toda é em pretérito. Vós estais num
sonar da existência que é este livro. E se resignam, eu sei, no tédio. Má é porque
máquinas não podem significar o significado do homem, má este tenta significar na
máquina.

-Bom, menino... Num vejo peste em ti, então acho que... Vamos até esse nhô que
falaste... – Sorri.
-Num sou de duas burrices, não! Num quero voltar pra chibata de novo, moça!
E... -.
-Oxê! Meus ouvidos ficaram mudos ou o som é verdadeiro? – É, agora quis
pegar-lhe pelo braço, jeito de mãe – Mostra aí, menino! -.
-Auá! Barona... -.

Gastei paciência, não: Pelo braço, quase machucando, má suficiente para levante
da camiseta amarelada pelo tempo. Chibata? Chibata nada. É quase paiar, mutilação de
monandengue. Paiar no menino é paiar no branquelo, executar ao meu gosto. Má, vocês
estão cientes: Quando é de Deus a minha mão, minha boca é do diacho. Sapeca entrosa
numa pacífica: Jeitosa revidada.

-Me larga, dama! Já tô nas calmas! – Desmandei, por acidente! Até avermelhou!
-Tá bom, menino! Já te larguei. Má essa troça aí num é de traquinagem, né? -.
-Tô fobado, moça... Culpa até tenho, mas preciso de makunde... – Amaciar a
barriga é aquietar a lombriga, no desespero dum negrinho.
-Compreendo... Má... – Chalaceio. Vocês sabem... Jeitinho... – E se eu te prosar
que bucha de robô num há, má a minha tá crescendo a fobada? -.
-Moça... Mas preciso de bumbar com dignidade, sabe? Num quero mais esses
jeitos meus... Coisa de preto... – Cabisbaixo, como orelhas caídas.
-Jeito de branco, jeito de negro, jeito de onça, tanto faz! Jeito é coisa de homem
e qualquer ser, rapaz! E te ensino bem, se enchermos a bucha com toda essa canja do
nhô! – Mãos esfregadas, só de pensar na delícia – De quebra, jogar na face do filho da
puta pra ele tomar tenência! -.
-Mas ele tem carros foguentos. E o chicote é doído em dobro dessas tralhas... –
Tremia, se vocês vissem...
-Num faça caso! Temos o Cauê aqui, Ó... – Empurrei-o para o moleque –
Compreenda o baixinho aí, enferrujado! -.

Depender só do enferrujado, num sairia nem tosse, pois menino é fácil para
substituir-se frouxo. E as momices surgem no acidente, incidente da nossa ignorância. É
que tremulação é inevitável, senhores. Por menino que tentou brancura...

-Err... Boa tarde, senhor... Senhor Robô? Senhor Cauê? -.


-É um prazer conhecer um menino puro de coração. Sem pais, és um forte... –
Sorriso robótico é estranho de ver, acreditem... Má a do Cauê sobra natureza...
-Senhor... Senhor... Faz pra nós ajuda pro arraial? Eu e a dama... – Recluso até
na força da voz... Acho que ainda meto medo...
-Não sou de pegar de alheios, mas pela senhorita e pelo legado inscrito em tuas
costas, ajudo-lhe sim – Ajoelhou – Vamos... O que tenho que fazer? Quem é o Senhor
que te chicoteou? -.
-Um tal de Nhô Nenê, dono duns galinheiros. Muito tem e nenhum emprego me
deu. Pra isso ele tem as coisonas lá, feitas da mesma que você... -.
-Da mesma que eu? – Pergunta até se estendeu na face metálica – Então... -.
-É... Nhô mantém uns robôs que nem tu... E as chumbadas... Chumbadas tem
que ter cuidado... -.

Ironia: Se gasta mais no chumbo, comparado aos ovos que o menino devoraria.
Pretexta-se moral nessa, má num caio, não. É mania de apegado mesmo. Num tem
cultura de dividir nem com a mãe!
Menino já estava mais em família, agora. Má na minha aproximação, é um
frouxar nele. Na minha lonjura dele, faz amizade com o enferrujado, durante a vereda
até o arraial, que é da mata mesmo. Num súbito se surge, por madeiras ao chão. Tudo
perto, pois são fragmentos do vestígio de aparelhos humanos. São espigas de milho,
perdidos na imensidão florestal, que é que num se come, má tenta subir-se artificial pela
fertilidade. Quando o homem faz da mata a sua posse.
Se é ímpeto um recalque ao meu coração, pelo dom de Cauê? Num é não. É
desse jeitinho que velo, nas máquinas de compreender. Num há homem que se faz por
si, sabe? Mito, mito... Que é de mudança apenas na dependência: De mim ao Cauê, de
pobres ao Estado, de patrões aos seus trabalhadores. Num mundo de interligações, o
solitário é solidário por cabeça.
É na andança que se vai adentrando ao milharal, ao grande adjunto de ceifeiras,
que tudo são os complementos das galinhas, que é o nosso alimento de hoje. Fazenda
monocultora, retumbante na falta de variedade, que não se reconhece por sua essência:
Dos homens cuja alma é mais uníssona que a das monoculturas, de sua impossível
desinência. Porque os homens da terra em que não nasceram, são seres que
proporcionam os seus horizontes inversamente aos hectares que apoderam. Alma queda,
no subjuntivo que não cultuam.
Na monotonia da caminhada, fitando apenas os cultivos e as raposas vermelhas
ao longe. Surrupiamos no repente, em despisto dum vigia de ferro. Ajoelhados, pra não
dar na vista. Que é de anteparo, entre muitas pernas de aço, galinheiros de orelha afiada.
Duma tarde, logo, é preguiça de capataz e folga dos escravos, estes na dança e aquele na
cachaça.
Destoávamos por nossa conjectura: Branca expelida de beleza, louro grisalho e
pele enrugada; Menino negrinho na maior das memórias, medida da fome; Máquina,
quântica imensidão, que se faz por compreensão, construída por índias da mata densa e
apossado por um doutor. Mas encerrávamos na comunidade baixa: Dos ajoelhados, a
procura por comida. Que é o encerramento de toda humanidade que num antecipou tal
andamento inevitável.
Finura linha à frente, armadilha. Prendi o braço do moleque, num evitar das
brabas alarmadas. Gestei uma notificação no coitado:

-Toma cuidado! Fio de seda é o segredo que te fez ser pego e chibatado... –
Sussurrei.
-Ah... Valeu, moça... Brigado mesmo... – Sorriso tímido, ainda num avezou à
gente.

Segredo... “O princípio de ti mesma começa com um segredo”. É armadilha,


talvez? Que o meu princípio acarreta as feituras escarnias? Balela. Da armadilha é que
se faz escondido, não o contraposto. Porque o segredo, armadilha de imaginação, é a
única inexorabilidade que se finda no segredado – E no caçador.
Digressões do momento quase que me desatenta, má retomei a prudência:
Ninguém tropeçou nas linhas, redobrando os passos. Por crédito à astúcia. Mas crédito
gera arrogância: Donde se refaz os descuidados. Descuidei, em presente momento, até
dos passos. Antes, era só das linhas.
Mesmo assim, milharal atravessado, que demorou trinta minutos.

-Essas fazendas são grandes, né? Demorou pra chegarmos aqui... – Reclamei.
-Basta ter jeito que já dá bem, moça. Nós estar na parte pequena do terreno... –
Fazia semblante de quem ainda mantinha a humildade da precaução.
-Senhorita... E companheiro, detectei duas frentes robóticas modelo MIRA-2020
espreitando até nós. Precisamos nos esconder na granja ali... -.
Robô esperta sempre antes de tudo, mesmo antes do menino jeitoso que eu
ensino. Sem tramites, infiltramo-nos nas palhas do barro, madeira mais ou menos feita
de pau a pique de goiabão, entre galinhas preguiçosas e pintos bastardos: Amarelos, os
pintos, da doença inevitável vida. E não, num é erro de grafia: Assim mesmo.
Má também nossas posições num ajudam: Menino tentando furtar-se debaixo
duma galinha, nos ninhos; Robô se amontoando nos pintinhos e eu no modo de ficar
embaixo da madeira cercante, una ao mesmo. Lugar grande, pra variar, escolhem essas
furadas!

-Vocês arranjem biboca melhor! Venham até aqui! – Imperativo, pela minha
raiva.

Carreira súbita até mim, má também é atrapalhada: Duas coisas se desfazendo


das anteriores penas, má estas num saíram da pele ainda. Pena puxada arde, assim como
nas galinhas, linguagem automática, cocoricam. Inconsciente coletivo efetua o resto,
pela onda reacionária. Granja já abatida na surdez das nossas vozes! Gestei a eles, para
aproximação.

-Má vocês num tem jeitinho mesmo, né? Que falta de sangue brasílico... – Fala
em vão, por tanta barulhada.

Correram já na errada, então carreira é indiferente. Arrastaram-se pra debaixo da


madeira, cada qual em seu canto, ao mesmo lado da granja onde eu estava, ao mesmo
modo que eu me portava. Latrocínio dos gritos num ocorria mais e...

-Repito: Má vocês num tem jeitinho mesmo, né? Que falta de sangue brasílico...
– Desta vez, na minha mais raiva, escutaram.
-Desculpa, senhorita. É que não fui programado para furtar... – Também gritou,
no enfrento às tormentas dos pios.
-Dama, não me culpe por não ter costume teu. Ainda vou aprender... -.

E apertavam sobre mim, pra variar. Lugar grande, mas acolhiam-se a mim como
gravidade de planeta gasoso! Sou coletiva, má num dá pra maneirar?! Afasta! Afasta!
-Opa! Mal aí, dona... – Obedeceu aos meus chutes, apartando.
-Senhorita, vamos dar muito na vista assim... – Neutralizava-se até na nossa
atrapalhada! Num fazia caso quando precisava!

Paramos. Quietude nossa, cautelando contra os mares porvires, que são as ondas
das galinhas que terminam numa tranquilidade gradual. E por quê? É circunstância de
pusilanimidade, do galinheiro. Entrando, fazendo causo com braços a estapear as
desgraçadas. Por ovos não postos. Encolhemos o quanto pudemos.

-Vá! VÁ! Quietem! Chega de estorva! – Pisadelas nas galinhas! Que coiso ruim!
- Mas só ficam à toa! PAREM COM AS TRUCADAS, Ô! -.

Como toda ignorância, duma agressão apelada, é consequência mais gritadas


sobre. Cós de todo canto, arredam até os robôs de lá de fora, que num fazem caso. Má
desde que coisos ruins sempre fazem movimentos, o pernas grossas se ia a todos os
redores de todas as galinhas. Pernas grossas, com as botas envolvendo toscas. Que é,
também o modo mais ou menos o que se completava acima, nos trapos capatazes. Do
branquelo caipira, num fazendo caso além de burrada de chutar as despenadas.
E é pavor, gente! Pé na frente dos caroços dos olhos, sugerindo descoberta
nossa. Má repetíamos alívio constante, nas lonjuras do troço. Mistério irrita, quando é
pra nos deitarmos indefesos. Esconderijo que, como todo medo, é figurante dos velados,
na cova que não é mais pertence de fulgura, má de sentinela. Esta, contra nós, nas
reaproximações do sujeito. Abocanhando uma goma de mascar, parecendo burro de
dentes não higiênicos, irritando a língua.

-Humm... Panázio de robôs não é acaso. O compadre Nhô num se agrada com
câmeras antigas dessa merda de casaréu. Melhor trazê-lo aqui, pra dar um representar
dessa catinga... -.

Colocou-se em carreira até o Nhô, na casa grande. Num fugimos, pois robôs
pertos num dão boa coisa. Má pela ausência, e pelas galinhas aquietadas, indaguei o
menino:

-Má foi esse homem que te deu chibatada? -.


-Não foi não, moça. Esse aí é cabelo preto. O Nhô tem cabelos vermelhos... -.
-Ruivo? – Uai! Cabelo desses num caipira é intrigante! – Primeira vez que
descubro ruivo de roça por tais bandas!
-Ele pinta, moça... Não me pergunte causa... – E tremia o garoto... Como
tremia...
-Num deve estar tão ruim. Vamos ver esse senhor... -.

Ficamos na espera. Má no meio tempo, minha muiraquitã: Sinalizou um fulgor


torto, quedando à escuridão. Recomeçou, em súbito, repetindo a mesma queda. Gradual
aceleração. Sobre sua imagem de onça, olhos que cintilavam sangue. De mim, de quem
não está fazendo o que lhe é de sangue: Algum equívoco cometi.
Má sem tempo: Tiniam as pisadelas. Sobre palhas e cocôs de pinto, restos das
galinhas. Algumas até sobre ovos, que se esvaziavam no significado, através do romper
das cascas: Em que a essência amarela é mutilada. De vez em vez, pois o torturador é
pausado. Mandante se faz indiferente aos modos, má faz muito caso se o modo não for
do diacho. Diacho... Quase pisada sobre mim. E num era a bota do galinheiro, mas uma
mais nova: Do couro ignorado, dum jacaré desprezado, que só de sua casca é que valem
os cem réis.
Fitada para cima, sobre as destiladas faces limpas: Dum ruivo magrelo, que faz
semblante sem os legados dum negro, sem os traços riscados que denotam respeito.
Porque o risco no rosto, sem ele, é de nenhum cabra macho. Resultado? Ruivo branco
totalmente sem costume de nossa gente. Sem legado de índio, nem de mussequeiro: Só a
própria casca vestida das peles alheias. E é dessas peles que se reforça argumento do
Aviso Branco.
Se parecia bravo? Mais que um boi. Pisadela sobre ovos num fazia mais
mutilação, má um omelete. Que é, pois, do quanto era o seu ofício nos tempos de
menino.

-Afinal, quem assustou as galinhas? Foi aquele preto de merda de novo? – E


gritava como boiola.
-Saberetê, Nhô. Não vi mais ele nesses dias. Ele num vai mais atentar contra
nós... – Fala ainda mais afetada que a do Nhô.
-Maldito moleque preto! Fica tentando roubar a galinha dos outros! Essa geração
de crianças que não trabalham. Mereciam morrer num estupro por serem fracas por não
trabalharem por si mesmas! – Bateu na madeira, na raiva que lhe desolava.
-Nhô... Num tá matinando demais sobre isso? O piá num roubou nada e nem
deixei... -.
-Na próxima eu vou mata-lo e beber do sangue dele... Esses pretos de merda:
Tudo roubando do nosso trabalho, nosso suor. Não concorda? -.
-Absolutamente, Nhô Teixeira -.

Ironia da arquitetura: Pé de ruivo quase na face do negrinho. Este fazendo muito


caso, detendo tal nas tremidas do corpo. Tremidas espraiam contagiando, que se faz
inevitável sobre o robô e eu. Que é da nossa linguística também imitar as sensações
alheias. Palha, feno, baralhando nos barulhos.

-Ei... Não está escutando algo? Que sons estranhos... -.

Na percebida do ruivo. Chutei na face do menino, pra não fazer mais terremotos.
Má é nessa que se ironiza: tremelicada aumentada. Constante diante dos sentires
alheios, de ódio. Com os pés, lhe paralisei. Por tentada. Má piorou e tremi junta. Os pés
de Cauê, também em mim, acabaram na dança. Tremelear generalizado.

-Sim, Nhô... Tô assuntando... É briga de palha... – Fazia uma careta que parecia
de ver, mas era de ouvir.
-Estou achando que tem algo escondido... – Ó não... – Aqui! Ahá! Vocês estão
aqui! -.

Entre chutes e pontapés, por que lado nem sei mais por onde se começou. Má no
final, nós três em frente ao dito cujo. Alisava o cabelo ruivo, enquanto não era tão curto
quanto imaginava. E a pele lisa que massageava constantemente, num fazia justiça à voz
autocrata. Os caroços, azuis, no entanto, e mais além, no além do que pensava, não se
alcançava: Todo homem lhe pegava por irritação, má nunca ele tinha pensamento nas
brenhas. Que é da esperteza, da astúcia, ou mesmo por gentileza. Desvirtudes dum
homem que enaltece virtude.
E quando digo que era longe o pensar, mas perto a sua ignorância, é porque...
-Ah! Sabia... Esse preto de merda tem uma puta ajudando. Essa sociedade
decadente de merda... E ainda por cima esse robô certamente não é de vossas posses,
né? Pois então ele será meu e... -.
-Opalá, Nhô Chuteira! O Cauê aqui é independente de mim, do negrinho ou de
qualquer índio dessa terra! – Acha que eu o deixaria falar o que quisesse?
-E desde quando ferro-velho tem livre-arbítrio? Sai pra lá, vadia! Agora ele é
meu! -.
-Humm... – Adivinha? Jeitinho... – Então depois fala que apropriação de bens
alheios é coisa de preto sem meritocracia, né? Safadinho... – O sorriso aqui é
conveniente à situação. E eu estava mesmo me divertindo!
-O que? Mas eu estou apenas pegando de volta algo que me foi roubado – Alisou
o cabelo, de novo.
-Alguém te roubou um robô? -.
-Não, burra. A sociedade, oras bolas! Essa sociedade parasitária, que do imposto
faz caridade pra vagabundo! -.
-Hummm... És Teixeira da família Teixeira? -.
-Sim, é óbvio! Por que perguntas? -.
-Falas tanto de esforço... – Rodei a fitada por todos os cantos – Mas vejo que
tuas posses não foram por teu esforço. Foi o teu papaizinho que te deste, né?
Safadinho... -.
-Ora sua... – Opa! Bater em dama não é coisa de macho, não!

Cauê me defendeu, ainda bem. Na braçada, impedindo pancada ruiva. Má o


curioso? É que Cauê num estava neutro: Restava-lhe medo. Mais da situação que do
Nhô.

-Senhorita... É melhor irmos. Este lugar não é seguro pra nós... -.


-Seguro? Eu é que devia falar isso, sua velharia de terceiro mundo! Eu aqui com
dois bandidos vagabundos e dizes isso? Claro, o que se podia esperar duma máquina
dessas, feitas por índios da floresta... – Cruzando os braços? Sinto insegurança...
-Mas vou te falar... – apoiei-me nos ombros do avermelhado – Sinto pena que
penses que nós somos vagabundos e tu és nobre, pois tua nobreza medieval não comove
os famintos... -.
-Sai pra lá, imunda! – Empurrou-me, sendo segurada pelo aparelho – Vocês não
tem o direito de roubar as coisas dos outros! -.
-E tu tentando se apossar do Cauê aqui é o que? -.
-É legitimação de posse por algo pendente da sociedade! -.
-É tão legítimo quanto à lei ambígua... – E pus minha mão no rosto, mantendo o
jeitinho do semblante.
-Eu sou branco! Eu tenho mente, alma e coração puros! Não tenho essa
mentalidade de preto aí... -.
-Por isso mesmo: Tão puro, tão vazio... Tão sem conteúdo, sem conhecimento,
sem compreensão além... – Minha mão em meu queixo é também de reflexão, mesmo
na malícia.
-O QUE? ORA SUA... – Levantando braço contra uma dama? Cadê a moral e a
pureza?
-Não tentes de novo, senhor. Ou senão serei obrigado a tomar medidas
neutralizadoras – Braço robótico na frente, mais grosso que a do dito cujo.
-Ninguém para Nhô Teixeira! – Gritou o Galinheiro.

Máquina rasteirou no cabra, oxê! Que faliu sobre palha, galinhas picando-o até
no olho. Que lhe arrancam, má já nem fazia ligação, porque as atenções se voltavam ao
dito cujo:

-Sorte sua... É bom nem mesmo encostar em você. Tens legado de preto, nesse
braço de gente ruim... -.
-Se não sabes, é o braço da Dona Maiara... – Meu Jeitinho já não significava riso
- Não ofendas a honrada, diferente de você, que nem legado ao menos construístes! -.
-Honrada? Essa comunista de merda? Se não fosse por ela, teríamos um país de
primeiro mundo de verdade e não essa sociedade de merda que há! Tudo culpa desses
pretos e mulatos! -.
-É tão engraçado que amaldiçoes os alheios, mas esquece que os teus
antepassados também mancharam-se de sangue... – Postulei-me ereta.
-Causa justa! Construíram-se matando bandidos! Isso é honra! Diferente de
você, defendendo pretos criminosos! -.
-Nem se fosse vermelho haveria de abandoná-los... – Postura etérea.
-Ah é? Por que não adotas-o? -.
-Bom... – Saí das cerimônias, acariciando a careca negrinha, brilhante – Se ele
acompanhando a mim já pode ser considerada uma adoção... Então... – Sorri, só que
sem a esperteza.
-Ah foda-se! -.

Pachorra cedeu-se. Na vontade da espingarda, sua última palavra: Na bala, seu


morfema, lhe significaria justiçando. Que se vela num crânio do outro, a quem não se
sabe se é vítima ou réu. Bala mágica, não maquinaria, que da arma de fogo, não se faz
pólvora. Esta já se cansou dos homens, pois...

-Chega de nhé nhé nhé! Vocês vão ver agora... -.

Em minha língua, do que minha mão inerte, erguida se faz sobre as línguas
ignaras. Fogo entrecruzado, que não se faz pela ardência, mas pela dor. Do que se quer
por secura. Na pólvora, princípio dos ideais por mera queima, desfaz-se de tua
significância. Cansou-se porque lhe provoquei fadiga: Sobre inexoráveis almas que não
se consertam mais. A pólvora não mais fará do homem sua alma mutilada. Por querer.

-C-como... Ah! Arma empenada! Velharia maldita! – Gritava, entre cabelos


molhados pela raiva.
-Está bem – Estralei os dedos - Chega de brincar... -.

Manobrei-me contra o branquelo, deferi-lhe golpe contra bucha. Caída da


inspiração interrompida, em sua ofegante. Máscara, que não tem mais pele lisa, nem
pelugem ruiva. Por quê? É que me pus por trás dele: Pela cabeça, introspectiva.
Ecoando das negritudes negadas, duma gramática que se fez pelas limitações. Se em
criança do trem fiz gramática culta, neste abro veredas donde nem eu explorei.

-Ixé a’ab ndé kanga mara’ara. E’AB! -.

Puxei a canga quase como croquete na nuca. Num deu-se pra morte, não. Má lhe
serviria pra jogar-lhe numa programação maior: Nhô Teixeira é do passado. E que talvez
fosse morto só no interno. Do que já não fala, nem bebe. É da água que toma, mas nada
além. Porque já ficou cadeado. E abertura, só no remanescente.
Brilhei pelos olhos, a ficar sem os caroços. E pelo Cauê, quatro piscos
vermelhos. Do menino? Escondido num canto, por medo de nós.

-Pronto... Programação resultou-se imensa, demasia até. Mas necessidade, diante


de tamanha alma presa, em sujeito raso... -.
-Senhorita... O que fizeste a ele? Ele está bem? – Pergunta estranha vindo dum
compreensivo melhor que eu.
-Empirismo, meu caro. Fite... -.

Minhas mãos, da canga, deslocou-se às costas de mim. Porque é posição de


doutora. Após operação científica, da minha exatidão feita experiente. Tese, sobre os
fracos: Desvão contra os contras. Não por genes. Mas pelas suas implicações. Pois
brigam. Os fracos, os Nhô Teixeiras, brigam mais do que vencem.
Desvairado, ainda, e só após alguns segundos se manifestará o resultado. Ereto
mesmo após tudo isso, até impressiona, pressupondo que até o robô caiu-se algumas
vezes. Objeto, na sua mais resultante do que homem anseia, se faz socialista, proletária
contra as incertezas humanas. Sem revolta, mais por construções sintáticas, unta o que
não a faz saliva. Das palavras, é claro, que é, por fim, as suas finalidades: Contexto
descoberto chora na máquina regionalista, esta, restando-se triscada. Homem, alheio a
isso, imuta. Cauê suspira, cântico, da região humana mais mudada dialetalmente, por
causa minha.

-Senhorita... – Suspirou outra vez.


-Diga, Cauê... -.
-Acorde-o logo. Mostre o que fizeste... -.

Atraso, propósito meu. Acabou. E Teixeira já retomava empirismo redobrando


pela atenção já não fazendo tanta. Por alterações, a sua abertura já revelaria a sua fome:
Pela subnutrição que nunca curará. Pois lhe regurgitei na essência, abafando qualquer
irresponsabilidade que lhe fazia culpar nos alheios. Pela regurgita solidão, que não é de
caridade, que o faz preferência mais pela fascinação que pelo medo, pareceria
inteligência. Má fiz porém: Fome por universos de gente.

-Uhh... Preciso de... – E caminhava reto.


Mas a retidão sempre era sobre qualquer cousa. Até no sapato dele. Esfregada
era a primária, depois a lambida. Algumas ignorâncias à parte, mas seguia nos passos da
sua principia.

-Senhorita... Tu resetaste-o na essência linguística? -.


-Não... Muiraquitã é que o tornou empirismo da essência... -.
-Por ignorância do amuleto? -.
-Por pura ignorância... -.

Fitei nele uma necessidade: Que tal como o pelo que deve existir, o ocorrer
também se faz por mudança, resultando na minha olhada sobre os robôs afora. Sobre os
latifúndios. E os “pelos que” existiam, não mais denotavam vida campestre. Saltei
sobre a madeira divisória e corri aos latifúndios.

-Senhorita... -.
-Aguarde-se aí. Cuide do negrinho, pois ele vai com a gente... -.

Num aviso dado, os grandes protetores metálicos direcionaram-se a mim, por


tentativa de aniquilação. Mas minha ferramenta não fraquejou: Ergui os membros, refiz
a mesma programação de Cauê. Copiei todos os mesmos verbos e sentenças do
princípio:

- Ixê, abá nheenga irunamo, amonhang pee ybymembyra. Porausuraba-remé.


Kuaba-remé. Tekokuaba-remé. Opaba mba’e, Pee peimoang! -.

Grito redeclarado das consequências? Que dum brilho repetido num se faz uma
cópia qualquer: É declaração folclórica. Duma transmissão já derrotada. Substituída por
programação minha, agora implicante. Sobre os brilhos aparelhais, luzes que desferram
das máquinas a sua totalidade. Maior que a terra que lhes gerou na essência, pois é da
terra que se fazem nascituros...
Por próprio choro. Nas lamentações sobre cada milharal. Por onde andam
cabrestos perdidos, ignorância proposital minha jogada sobre os mesmos. Resulta-se
nos fatos redundantes, da mesma declaração anterior, na essência, má nas redundâncias
esquece-se costume de gente. Maquina há de reiterar o que o homem despreza, pois a
máquina é mais entrosada.
Calefações. Foi o que sobrou das mais velhas. Das novas, mesmo sem braços
avançados tal como das feitas por Icabiabas, ainda podiam satisfazer o patrão. Porque
terra de índio, num se conhece, mas se gera fascinantes causos. Por isso são máquinas
folclóricas, de desconhecimento por sua complexidade imutável. Má no homem, quando
se contaminam, se desfaz. Alma do homem se parte em fragmentos, desdobrando sobre
a raiz que num regam. É teimosia pela paciência que cultuam. Paciência é um ato
medido, não uma preguiça...

-Porque nas máquinas, em língua certa ou errada, há de medirem toda


compreensão do homem que ainda há de sair do empirismo. E vos, já feitos, o
compreenderão -.

Num esperam e esperam. Facilitando, assim, suas feituras lentas. Por movediça
até o Nhô Teixeira, por onde se retomavam principias. Na primal existência de suas
engrenagens: Acarretamento constante, irreversível. Pelos chips que não constroem
além, mas resguardam memórias. Espírito de si mesmas, sobre a compreensão, não são
de amor, nem compaixão, nem conhecimento: É na lonjura de energia. Pelo quanto a
espera humana pode aguentar a viajem das máquinas. Jornadas despercebidas, que é
donde se surge desconhecimento. Não se faz ignorância apenas em ato: Também na
imensidão, na facilidade. Os lavradores se cultivarão por dificuldade, mais do que na
introspecção. Quanto mais se cultiva, mais se assenta na terra, mais se intromete e
derruba a concretagem. Nhô Teixeira, portanto, não mais cultivaria nas gerações futuras:
Sem filhos.
Porque agora, já feitas as programações, retornei aos compadres. E o Robô
cutucou:

-Senhorita, teu poder agora está ampliado. Até de ceifeiras fizeste linguística... -.
-Isso só me faz ter mais certeza de fazer os homens serem mais compreendidos.
Talvez seja hora de voltar à cidade, não acha? -.
-Mas e a Muiraquitã? Há de visitarmos Anhangá por ela... -.
-Por que devemos? Podemos tardar tal acontecido... – Até fiz despreocupação.
-Mas Mari, “O Princípio de ti mesma começa com...” -.
-Ah! Já entendi, robô! Eu sei que só Anhangá poderá responder-me a esta
questão, mas por agora, hei de continuar meu ofício... -.
-Por sua culpa ou inocência, então... -.

Há por se escandalizar que me demore no ofício da dúvida? Como proceder se


na certeza nem construí? Num possuo jeito de caritó pra fazer causo por trem incerto.
Tabelo as dúvidas, pela hierarquia sobre meu Jeitinho. Do Jeitinho... Má relembrei do
menino!

-Ei, Bertinho... – E o moleque aguçou o ouvido.


-Sim, moça? -.
-Num refira-me como moça. Pode me considerar já igual. Sou Mari, tá? Mari... –
Ajeitei as sentenças até na minha compostura desleixa.
-Está bem, Mari... Mas... O que eu fazer? -.
-Num tens mais pai ou mãe, né? Então nos acompanhe, pô! A gente num é coisa
ruim! Aproveita e vamos pegar uns ovos e tal... -.

Lembrem-se, leitores, dos modos de apossar ovos: Uns pegam mesmo sujo,
enquanto outros limpam contidamente. De um jeito ou de outro, fura-se na ponta e a
clara desce na garganta. Porque lhes falo dessa propensão? Porque entre os ovos e a
fome, eu me joguei quase quebrando cascas enquanto o garoto engolia com cuidado,
como quem não desperdiça, nem exagera.
O ovo ou a galinha, ele não fazia questão de perguntar, entretanto. Mareado das
questões políticas, fazia caso por duas vertentes: A fome e a vida. Conserva a galinha,
esvazia o ovo. Xeleléu, só tem o casco e o cú. Que lhe destinava à sua mediunidade,
quase espírito. À engolida tímida, essência vertigem sob a garganta. Que, por fim,
refinava seu espírito, o etéreo multiplicar. Que o pudor não o faria desistido...
De meu Jeitinho. Por isso, resolvi...

-...Que fiquemos então aqui por uma noite, e então vamos à estação de trem e
voltaremos a Montes Belos... -.
-Montes Belos? Aquela cidade que é tudo por cima da floresta, moça? -.
-É sim, Berto. Sobre pilares construíram, pra Anhangá não pegá-los. E é grande
a cidade... -.
-Num cai não? -.
-Balela! Tudo lá foram feitos por gente como tu. Num cai nem com meteoro! –
Sorri.

Beiramos nas palhas, entre as galinhas. Deitados ali mesmo, junto ao robô: Este
num saia do lugar nem com cosquinha. Má sentia, por ironia, muito mais que as
designações minhas. Na tentada. É quando a posse está além da nossa tosse, ímpeto.
Que é a essência do quanto nunca espirramos numa gente.

-Atchim! -.
-Saúde, moça! -.

Que não se trisca. Pronomes possessivos não conseguem individualizar, quando


nem o nosso ou a nossa se faz coletiva de fato. Olha... Quando o pivete fazia...

-Moça... Quer um ovo? -.


-Ah! Obrigada! – Peguei-o, pela fome.

Redescobria-se... Nada. O que as posses tenderão após minha comida? Mata-


fome? Ou comunidade? Na morte, na minha língua, nada além de acabadas abruptas.
Mais vale pelas piscadas, respiradas do que por minha vontade. Vontade, sinhá,
escraviza os tolos. Pela chibata colonial, que os fazem cultos na língua dita certa. No
fim, pelas emancipações já póstumas, desdém contra as independências. Almas que
agem pelo agir, derrotadas pelos imprudentes...
Espertam. Redobram-se pelas palhas, espinhas estrangeiras:

-Moça, melhor cama não há que as de Sunday, né? -.


-É... Acho que sim... Se parecem boas de dormir, não sei. Má atrai mais gostosos
pra cama... – Me encerrava às piadas.

Afinal, tosse se joga na má educação, má o espirro gringo é menos doente, pelos


nossos ímpetos frangalhos. Pelo robô, nada disso sentir, não posicionava nem como cão,
nem como fungada. Tiro catarro de nariz, nesse mesmo termo, contra cada fungada
feita. Por nojeira. Emancipação pela noite é desconhecida, ninguém lembra. Legado de
índios coadjuvantes, funguei por fascinação. E familiarizei-me, no não importar-me,
diante da criança e da coisa: Dois princípios que se movem um pelo outro, má se
desligam. Ignorância, sim, má seguem juntos do mesmo jeito. E seguirão, vocês verão.
Porque se na noite, já na quase dormida...

-Boa noite, Bertinho... -.


-Boa noite... Maricí! -.

Jogamos palha sobre palha, por cima de nós, é pela veste: Palha faz mais justiça
que a nossas peles. Aquecem e cobrem pudor. Dum troço que num opinam, num
reinventam brabeza. Porque num constroem alma: Espírito da Terra já imantam, má na
alma, preguiçam. Paciência, contra as tosses que num revelam ou gostam. Porque pra
coiso homem, num atendem regalia. Por isso, frio demais... Ímpeto pelo que num se
comovem, tal como o meu e do Berto.
Que é? O sonho? Num tem de novo... Nem brancura, nem negrura: É tristura.
Ofício se construindo e realizando, deveria encher-me na água. Má virei sertão:
Retirante de lugar nenhum. Pois minha origem é seca, desbravada. Pela boniteza que
num despi. Contra as correntes de ar, nada move meus cabelos grisalhos, sonho de
individualistas, má pesadelo meu. É medo da muiraquitã... Dos legados dum imperativo,
não imperarem. Tornar-se mata virgem de novo, é socorro... Meu Deus... Suplica-se por
conjuntura. Esta, nunca se humaniza.
Errata minha: Humanização das noites, das escalas, num desmentem tonais
aguçadas pelo silêncio. Estas já se cansam, por tanto retângulo de ouro. Aos mais
vívidos, o descuido vale mais que a harmonia. Discórdia necessidade. Por que
linguística, na harmonia implícita, explícita, descontenta. Os gramáticos ganham mais
conjuntura que os próprios conjuntos, harmonizadores estranhos aos bichos homens...
Silêncio e noite num se misturam: Grilos desmentem a censura. Despedem-se
das entrosas folhas secas. Estas se podam pelo novamente. Ciclo de devaneio, fitando o
teto madeireiro, pretinho dorminhoco e enferrujado meditando. Censura, nosso sono,
reconhece a desarmonia: Esta inata ao sonho, imagens desnivelando sobre o espírito em
que erram ou acertam. Por isso, medo nos homens, medo do reconhecimento, mais que
pelo desconhecido: Aos desconhecidos, jogam-se Saudações Lacrimosas. Aos que se
ouve falar, desconfiança. Aos mal ditos, ou mesmo bem compreendidos, rajadas de
flechas. Porque ignorância é mais conhecimento da alma que conhecimento de espírito.
Por isso, flechas e sangue. Bombas que explodem na faceta, expondo só, por fim, num
choque a quem queria morte, debruçar-se sobre o cadáver com quem não fez espírito.

-Moça... -.
-Ai! Num dormiu ainda, moleque? – Sustei pô! Súbito clamor!

Mesmo no susto, recobrei-me na olhada ao teto, tal como ele. Pulsava-lhe


espírito de inocência, de quem num entendeu mundo de adulto, dessa língua em que me
coiso.

-Cê é assim mesmo? De mandar nas máquinas? -.


-Mandar? Não exatamente... Programo-as... -.
-Que diabos é programar? Que diferença faz? -.
-Mandar é um imperativo. Programar... É... Dilacerador da essência... -.
-Você é bruxa? -.
-Num sou não, pô! – Gestei quase uma tapa, desaforo – Anhangá tornou-me filha
do cabrunco! -.
-Onde a gente vai agora? -.
-Pra cidade, menino. Modo de continuar esse ofício... -.

Pra criança, num é da alegria e nem tristeza, que as enxergamos plenas da idade.
É dum distanciamento dos caroços, que num expressam emoção. Duma molecagem
buchuda, numa salivada por desconhecimento. É pelas salivas escorrendo da boca que
se medita: Espírito de imparcialidade. Infância se traduz corrompida, quando se inicia as
boas ou más sentidas. Fatal ironia: À hora da morte dum velhote, a mesma saliva
escorre da boca. Os neurônios queimados da alma, o etéreo não limpa.
Bertinho? Esse faz cachoeira! A água da boca num chega à palha, mas ao
pescoço traduz-se longínqua. É por onde se começa a primária questão...

-Por que os outros lugares parecem mais bonitos? – Ele num fez pudor de
perguntar.
-É por falta de casa... Falta de pelo que... -.
E na última frase, no “pelo que”, dormiu. Jornada, talvez, de alma de toda
criança: O motivo é estendido, má nele os baixinhos num se estendem. O que nos
essência em nada, enquanto que a eles é poucas trancas. Chaves de nenhum ouro, baú de
nenhuma harmonia, nem pôneis voando sobre as costas de arco íris: A chave da alma é
oposta, o que num se faz por primazia. É dos contras que a criança encontra uma chave,
ainda que enferrujada.
Sobre os pôneis e as harmonias, dum local que num se conhece ou perfaz, a
discórdia: Chumbando contra a imutável. É da discórdia que se faz as melhores
amizades: Dum negro, dum robô, duma branquela, é por onde nunca fazemos harmonia
proposital. Quanto mais propósito se faz, mais se lateja lerda, atolando a alma sobre o
espírito. É do acaso que vem a primeira amizade.
Ao acaso, dum quase amanhecer, abatendo sobre as pupilas da falta de sono. A
linguística dum devaneio num interessa: Se interessa é o fim dos últimos parágrafos. O
que é esse fim? Paia. Meus queridos... É conversa fiada: Que se paga contra o que num
futuro se faz, o que num hoje num se entende. Cubada é cri cri que lhes desnivelo,
quando assim vocês redobram atenção. Na minha linguística perdição, conta folclórica
abundando-se de juros bancários. Cultiva-se na especulação letrada, assim remonto-lhes
alguma bolha futurística, da brigada dos escritores tal como eu, que já reiterei o que me
é repetido de contar a alguém: Esta estória.
Cubada nas telhas, nas bapevas, pelas amareladas inaladas das galinhas: É a
manhã, cheiro do mato. Robô, como pela ferrugem, num sonhou, nem piscou os olhos.
Menino ainda alastrava o resquício da preguiça.

-ACORDA, MOLEQUE SAMBUDO! ENCHER A PANÇA, NÉ? -.


-Não grita... Merda... -.

Por minha já disposição, ajuntei as palhas, segreguei-as das mais feias, pedi para
Cauê para que as afogueasse. Por fim, os ferros quentes, que é pra carimbar cavalos com
o “T” de Teixeira, lhes pego pra quebrar os ovos, fritá-los na chapa. Nesse meio lapso,
na espera da fritada, observo: O Teixeira, dono desta pá, agora nada se apossava além
dos trapos do corpo. Já nem ruivo e nem pele macia: Era o bruto que sempre foi, sem
cabeleira tratada. Nudez que estuprou o tabu.
E as ceifeiras? Cuidavam do Nhô, e tinham mais cuidado que eu: Mão frita por
descuido, má nas ceifeiras, lâminas tímidas. Resultado da compreensão que
estabeleciam. Pela ré marchavam, guiando o doutor até onde este podia comer.
E a bucha enchida? Porque pelo ovo se denota uma afilhada? Criança não se
deduz por ovo algum: É o ovo que deduz a criança. À criança, resta a inveja pelo
misterioso. Do que mais agrada adultos que ela mesma. Por isso a comida é mais
masoquista com elas: Em encenação duma infância conjunta, coletiva. O mistério que
ambos compartilham, pelo Bertinho comendo o ovo, perpetua-se. À bafafá entre os
mistérios, a definir quem mais se eterniza.
Sobrecarregados estômagos, resulta-se das eternas arrotadas: Proverbiam as
impossibilidades comidas. Em verdade, das que não se comeu. Insuficiência, limitação.
É do estômago que surge a primeira ordem, a primária harmonia: Dum conhecimento
que há de se comedir na sua aquisição. A bucha num comenta abrupta, má revoga: Pelo
vômito, o que num se contrai perpetuamente. E pela evacuação, a pós-antropofagia. Os
primeiros folclores do ser humano, após tais processos.
Negrinho há de sempre vomitar, quando o ovo se apodrece: O que o misterioso
faz na sua principal função: Desencanto. Media, então, o primeiro medo. Do que pode
vomitar a satisfação anterior, retornando desespero. Ovo, na sua fritura, sarrabulha as
reticências dos meninos.

-Ô, menino! Calma na engolida, oxê! – Avisei.


-Urgh... Desculpa... – E resignava sobre o chão.

Balizando o ovo, recupera-se. Na primeira vista de um amadurecimento: As


balizas da alma. Que num é de acrescento, má de ajeitadas. O jeitinho, ápice, reformula
tudo isso. Envereda os conhecimentos, buliçoso. Ao modo de caber, por esquecimento.
Este, a destoada. Donde o tabulado se converge, memoriza-se, esquecem-se os causos
imaculados, permanecem as astúcias...
Que se desenham novamente: Da refeição, à caminhada pela floresta. Mais
alguns minutos até a estação distraída. Que nas piores hipóteses, nós mais distrairmos
dos distraídos que estes distraírem-se de nós. Estes são apenas os legados que eles
mantêm, má nada do concreto. Os folclores mais fascinantes surgem das ideias, menos à
matéria.
Constituição da demora? O suficiente pra devaneios pelo caminho, dotado dum
menino, duma máquina e duma loira, cruzando a mata de goibabeiras, densa do
princípio indígena anterior, ao que futuramente se fará alguma cidade grande por cima.
Alguns hei de questionarem sobre onde estamos. Até perto de Leidorio, penso. Da
cidade que já voou, má se assentou de volta à terra. Da que se fez o legado da
Imperadora, colocando-lhe algum anel magnético, enaltecendo o caráter nacional. Modo
de politicar os ignorantes.
Instante... Destituído de segurança: Acarretamento de alerta!

-Sentiram isso? Escondam-se! -.

Desta vez ninguém se desfez de esperteza: Sapopembas seguranças, por onde


fitamos os vultos florestais. Uns traços resguardados sobre as folhas mexidas, pelo som
que chegam á alma assustada. De todos dali, até do robô, este por medo das ondas que o
inativam. Sete segundos, surgia à frente a invocação:

“Que os Morubixabas contem a nós


da onça solitária que é solidária,
da irûiaguara forte Solidélia,
que sendo comum fora quando a sós
se foi pela grande Transociôma”.

Eclodida pela minha cabeça, tais versos quase esquecidos. Má de primeira


vieram diante da figura fronte: Chapéu que remanesce sentimento cangaceiro, dumas
fitas e colares conotando uma quase muiraquitã, bem como a saia à baiana. E da onça...
A protegida nobre de Anhangá, protetor da caça. E onisciente aquela era, tal qual tua
forma antropomorfa. Relegado de sua humanidade maior que a dos humanos.
Os passos que dava, sincronizavam-se. Com as marcas do braço, estas que
remontam os mortos por ela. Tocam a tomba, pros provincianos, má reiteram respeito
aos costumes de minha gente mais perto aos brasílicos.

-Senhores... Xe iru... Por favor, venham até xe... -.


E tal qual antropomórfica, até na linguagem híbrida resguardava arcaísmo. A
quem num fez mundo moderno, conservando português e tupi numa só sentença.
Fatídica, que se estenda em riqueza. Pois nenhum outro ser quer conciliação híbrida, por
multiplicidade. Esta, que num se desdém pelos homens ou pelos animais. É coiso de
falcatrua, dizem os abestados. À Solidélia, à minha fronte, era essência.

-Senhores... Xe ikékó Anhangá temimotara suí. A’é opotar ndé, Marycy, já


estando pelas matas de Montes Belos... -.
-Má... Má... És Solidélia mesmo?! – Perplexa por folclore verossimilhança!
Oxê! Onça das epopeias num é coiso de canto caipira, não! É mais real que a mim
mesma!
-Por sim, por não... Isso é irrelevante. Apenas lembre-se que a tua Muiraquitã é
Py’amoasy...
-Tudo bem que entendo língua de índio, má essa num teve nem nexo! -.

Má é claro que mesmo já descoberta, outros dois ainda faziam furtada. Clamei-
lhes da segurança, duma onça que num morde. É matadora, má num descrença pela
razão. Dói aos estranhos o que aos conhecidos de terra familiar já se reconhece
hospitalidade a aqueles. É menos generalização do estranhamento universal, sabe?
Duma boas vindas sempre alegarem, má aos estrangeiros num ocorre entendimento
primário, tal qual o fraquejo do negrinho.

-Ô GENTE SAI DAÍ LOGO! – Gritei.

Os relutantes, mais pelo menino que pelo robô. Este saiu, o outro num tinha
jeito. Reiterei-lhe:

-Ô Bertinho! Conheça Solidélia! É de grande honra! -.

Levantou, desviando-se do goiabão. Abateu-se num descuido, quase tropeço, má


permaneceu-se. Fitou os caroços da iaguara, calando-lhe pela mutabilidade desses
globos. O que é essência duma onça protegida por Anhangá: A eterna caça, má por
ordem de natureza. O que lhe é existência, poder em um dedo: Mudar a vida dum zé-
ninguém. Má mesmo nos poderios, a humildade: Já todos ali presentes, jogou-se ao
chão, pela saudação lacrimosa...

-Mari... Por que ela está chorando? Fiz algo de errado? -.


-Não, menino! Ela está nos dando boas vindas! Êta cabeça de concretagem
urbana, viu! -.
-Aquiete-se! Ao menos mantenha olhos abertos, por honra a tal humildade dela!
– Até prendi os braços dele, pra modo de educação.

Das lágrimas, no semblante neutral, já retumbando novamente a quase


serenidade. Se acabam as lágrimas, que se amarram, pela proporção da honra que ela
nos vê. Dos dez minutos em choro. Abatimento comedido, já ereta, lambariscando águas
de si mesma, arrastando as patas sobre a terra, tal qual se folga numa casa de nossa
origem. Pelo meio sorriso, das dentadas grossas, reiterou:

-Marycy... -.
-Antes que continue... Que raios é essa de Fígado de arrependimento? Que dizes
com isso? -.
-É por que ainda há de te amolecer pela alma, o que ainda não compreendeste.
Tua língua estremecerá sobre as melancolias... Apenas saibas disso... -.
-O que? Como assim? Por quê? É por ainda manter minha brancura interior? -.
-Não existe negrura ou brancura... Que cure a tua alma... Apenas cuide de tua
muiraquitã. Pois das boas que se recebe, não se maltrata. Filtre as futuras vindas... -.
-Como? -.

Por que brancura faço legado? Mais de sangue: De pais de meus pais, de todos
desde a Socioma formação, nunca houve sangue de índio, nem negro. Tudo que sei,
além das línguas de índio e de minha epifania sobre minha inveja aos bens aventurados,
vem de família. Mal de minha mocidade é tudo de pai e mãe. Tudo já mortos, pelo
tempo que representaram: Tempo das normatividades. Num há tempo, nem meu e nem
de meus pais, que se engrandeça pelo causo atual, d’agora que lhes conto esta história.
As normas num ventam.
Só por já distrair-me, Solidélia mandou-se. Entre as bapevas avermelhadas,
furtou como prestes a outra caça. Desde os tempos da Transocioma. Tesouro que tanto
carregou num é mais valente, nem espólio restante. O que resta dos homens, se desvai
pelo caminho. Sobra apenas a essência.

-Acho que... Plano se estendeu... -.


-Como assim, Mari? – Retrucou o garoto.

Má antes das responsas, as robóticas vindas, a meterem-se sobre uma questão


distraída:

-Senhorita... Antes de teu prosseguimento, apenas lembre-se que tua linguística é


poder, mas todo poder é frágil... -.
-Poder é ceder, Cauê... Duma antiga vida que tive boas colhidas e, hoje, num há
nem cabelo pelo que cuidar direito... -.
-Mas moça... O que cê ia dizer? -.
-Sobre planos? É biboca, biboca... Ainda não ocorrerá no contemporâneo, mas
primeiro Anhangá nos espera... Esta Muiraquitã restabelece-se estatuária, das boas que
velho mando não se mantém. Mas que das futuras, há de inspirar... -.

Retomamos vereda, à estação que abrevia as aventuras. Dumas que numas


pisadelas demorariam meses, que é o modo de não ocorrer medo, como se pensa. Num é
de medo: É pura abreviada de nossas vestes, trapos de tecido nobre. À tessitura dum
acontecer, num se sente à pele. Roupa comprida, dá menos toque de sua completude.
Saia longa inata às desventuras nossas: Numa dessas abreviadas, deslocando por trem.
Termina-se pelo que, quando represa, não mais retoma causo. Alonga as suposições,
encurta o sentimento, enruga o empirismo d’alma.
Estação... Logo ali. Por poucas pedaladas. E da distância curta, ao robô restava-
lhe conversa curiosa com a Vending Machine. Ao garoto, fitar as televisões grandes,
travessadas pelos vidros duma loja quase feita de metal, tal como pela estação composta
por concretagem e adobe. Ao perpassar-me pelo tiqueteiro, a comprar as viagens,
estranhas as fitadas: Duma que na distraída minha, não daria atenção. Má nas duas que
atentei, o cabra fixava-se mais para baixo que à tela. Loguei-me pelas entranhas do
sujeito...
“Subestação 27, Portaria número 8... Designa-se... Designa-se aqui a presença
ilícita da acusada de traição contra o Estado... –E entr- contato com a corregedoria... –
Ando encaminh- os oficiais”.

Nas primeiras, num prestei devido prezo. Má após reposicionamento sintático,


joguei-me pela desespera: Das retomadas de páginas velhas, donde causo estatal num
acabou-se. Por imensidão da burocracia. Esta, já envelhecida, mantém-se pela sua
indiferença. Contra os homens. Desfiz a calma, quebrei quase pelas madeiras do piso,
carreira até os companheiros.

-OXÊ! JÁ ERA! ESTUPOREMOS! PORRA! -.


-Que foi Senho... -.
-CORRE DIACHO! -.

Ao robô, umas tapas. Da consciência de bandido lhe restituir, né? Do quanto nos
parecemos aos caroços burocráticos. Ao garoto, lhe trisquei o braço, gestando pela mão
o jeitinho das saídas: De vir ou não vir, o tanto faz que mova as vadiagens. A dicotomia
fragiliza-se, revoluciona-se à astúcia.

-Vamos, menino! Pega jeito de malandro e peste daqui! -.

Redobramos as corridas, às quase estiagens abruptas. Pela falta de si, recobram-


se mútuas de vazio. E dos pulmões nossos, já refluxos dessa pluviosidade, retomaram o
ar, má em trote: Das milícias estacionadas, à frente da estação. As armas rebocavam, de
sua chama baetatá. Aos três policiais ali, encenavam o sucesso da pegada sobre nós.

-Polícia de Nova Fronteiriça, Imóveis! -.

Dobrei ao robô, empurrando-o à frente. Espertou, pelo meu finalmente, a


recorrer aos tiros do fogo a num lhe derreterem. Má é brejo: Num lhe dói as pancadas,
má o fogo é baetatá. Lhe pega mais na alma que na minha. Ao garoto, também lhe
temeu, pois fogo desses é ardido maior ao infantil. Cobriu-se de mim, por trás, e
retribuí-lhe proteção.
Ao robô, já caído ao chão, aos truculentos basculares do porrete, rebanhou-se
pelo desmaio segundo. E toda a mim, repaginando minha língua, tentei aos policiais o
que fiz ao senhor do quiosque. E deparei-me:

“Porrada! Porrada! Cacete nessa merda! Cacete porra! Não há valia! Não se faz
mundo com essas merdas de índio! Pegar a vadia! Porrada nela! Porrada! Porrada!” E
num há de estender pelos três: Este inatismo já é uníssono a ambos. Má no repente,
surgiu outra:
“Gente sem moral! Sem moral! Merece morrer! Tudo vadio! Vagabundo pra
cadeia!” É que pela minha cachola nunca se despercebe as hipocrisias.

O robô? Deixou-se pela queda, rumou inanimado. Que desloca cabeças


militantes contra dois sujeitos, vestes mais remetente. Aos destinatários, respondendo
com sorrisos descabidos de seus ofícios. Duma vertigem a onde, nós dois? É pela mata!
Carreira desespera!

-Corre menino! Corre neguinho! -.

Apressuradas! Até madeira afundando, em cada pisada nossa, e terra ardendo,


por falta de calçado. Má corremos, mesmo nas chineladas. Aos fardados, na boa bota,
cerrando as velhas sapopembas como se nada significassem, as onomatopeias d’pensar
se esquivam pelas folhas, ressurgem às orelhas descascadas, má atentas:

-Volta aqui seu preto de merda! Vagabundo! Vagabundo! -.

Mesmo por tantas onomatopeias de três policiais, tentei recursividade:


Sintagmas imperativas contra os imperados. Pelo Estado, que os reprogramam mais
pelo coração que pela cabeça. E por isso, erguidas mãos, nada adiantou. Um meio
moreno saltou-se à minha frente, deu uma cacetada e dormi. Má pela minha linguística,
através d’obséquio, dei-me por sonho do desmaio, que num se sabe se é de devaneio ou
de reflexão. A cabeça caída ao chão, fitava tudo, só que torto. Deitada à terra, deslizava
os olhos pelas árvores e o Astro Maior resplandecendo quase ofuscante. Ao fundo, o que
interessa: Aos três homens, os mesmos ditos-cujos, pelos cacetes dando pontadas no
negrinho Berto. E eram seis cacetes...
Num havia modo de levanto. Lembrança restante, é a do pretinho sobre mim,
ambos carregados ao camburão, jogados ao lado de restos de comida rápida. Fechado o
porta-malas, designado pela sua deficiência de tranco, má aos desatentos num havia
como escapar: Pela pressa dos outros, nos atrasando. Camburão por estrada e além,
censurando a quem lhe jogasse pela frente, vomitando impropérios a quem lhes
questionassem. Já me perdia pela tristeza, recipiente das intrometidas. É a que num
ganha nada, mas ao menino ocorreu o indevido...
Este, que me causou levanta: De súbito, apenas a jaula. E outros mais três
desmaiados à cela. Ao fundo, o Bertinho, ao lado da privada desamuada, sangrando pelo
cu. As camas, podres, já não se restavam resistentes a peso algum. O chão demarcava
mais conforto.
Cambaleava, pela inconsistência da acordada. Má atravessando o olhar, pela
bigorna, retomava-me consciência duma prisão. O coxinha ao fundo da visage, os
irmãos já deitados, alguns até na boiolagem. O rato, truta Berto? Pelo canto, ainda. Em
depressão, fundo de quem até o fundo já se arrombou. O rabo inviolável, operacional de
essência humana, destituído pela hipocrisia. Dos homens que se moralizaram, pela
normatividade. Esta que minha linguística se medrosa. Gambé restabelece-se só pela
ideia, má nunca pela insistência d’espírito. É... É zica...
Ergui-me meio palha, mas o firmeza ainda me tentava. Afiei os pés, em
aproximo. Mas ele fez cu doce, nem trambico para mim. Olha a minha cara de quem tá
fumada... Não desprezo bagulho algum, relocando minha cabeça até os caroços dele. E
esperei a resposta, diante dos lacrimais desabados.

-Moça... Está doendo atrás... Não olha... -.


-Não vou olhar. Estou apenas olhando é os seus olhos... -.
-Mari... Mari... – Até tentou contenção, mas a água dos olhos... - Sou puto?
Como falaram eles? -.
-Não é não, Berto... É um bom menino... – Apenas fitava...
-Mari... Me desculpa? Moça... Me desculpa... -.
-Pelo que? É você quem tem que exigir que eu te peça desculpas... -.
-É que sou tudo de ruim. Não trago boas novas pra nada. Sou preto... Dou medo
de noite, dou nojo de dia... -.
-Berto... Não fique assim... E o Cauê... – Fitei para cima – Há de encontrarmos.
É que robô avançado tem como te curar... -.
-Mari... Me desculpa... -.

O primeiro perdão surge aos que se exige que peçam desculpa. Fatura sobre o
que o vazio num entretém, a abundância retoma-se ingrata, que aos detentores imperem
o pagamento de perdão alheio. Aos mais poderosos, mais perdão. Aos mais fracos, mais
culpa. Fato desmiudo: Lombriga d’bucha, coceira estomacal, é mais indigesto aos
mandantes que aos mandados. Estes se censuram pela fome.
Menor implorando perdão, ainda. A mim, tentando retomar-me pela língua,
desconformava. A esta, a única normatividade que me aceitava, mas me destoava,
restabelecia calma. Má brejo: Linguística minha, pelo ímpeto, se amplia. Retoma poder
quase maior que Solidélia. Parametrizei os redores, flutuando, espantando os
desacordados, incredulidade ao garoto.
Mãos já horizontadas, à bigorna, mandei-lhes pelo calor. Este, retaliou o metal,
socando derretimentos. Finura entre liberdade e censura, concretadas por paredes, mas
aproximadas num fraco ferro fundido. Os trambiqueiros já desolhavam a mim, mas a
fixarem-se sobre o vão da jaula fundida. Firmeza de atravessar-lhe, já firmando alegria
sobre os detentos. Da cela, das outras, de quase todo o cadeião. A mim, nada além das
serenidades, proporcionais à minha fúria.
À visage, fitei uma imensidão. Perdição, ao passo de recorrer aos alheios:

-Ei... Zé buceta... – Trisquei a cela, atentando a um qualquer dali – Onde estão os


coxinhas? Fala aí, cuzão... -.
-Tão... Tão lá pra frente... No purgatório... Pinta tá pra tretar lá? – Paia medrosa,
gaguejando quase que comédia.
-Pela saco da porra... Fica na moral, tá? Cola aí no teu canto. Quer ferro fundido
na canga? –.

E nem pio mais do aleatório. Carreira de novo, afrontando a porta tímida,


quebrando-lhe pelo soco, no mais puro de minha língua. Uns gambés repicando no
quadradão, pelas mesmas broncas anteriores:

-Polícia de Nova Fronteiriça! Imóvel!-.


Má o cacete num espanta-me. E nem as quadradas, chumbo de ameaça, para
cima. Minhas mãos... Levantada inconsistente, desistência. Confiança que se dá pra
vermes. Má se é mão levantada, a palma é virada até os senhorios.

-T’omembeky mbokaba! EIMEMBEK! -.

Dos aços, constituintes das armas quentes, desvão pela língua temporal: Ao que
o tempo esquenta, o metal funde. Sobre as mãos policiais pelas quais queimarem, por
dor dos tantos graus acima da fervura. Necrose! Necrose pelo que há de surgir até osso!
Dumas queimaduras que revidam de volta aos gambés: Queimam bandido, pra este
revelar essência, mas sempre está coberta de cinzas. O problema? O pau-mandado
insiste em busca da essência bandida. Procura pela qual num encontra-se nem corpo,
nem etéreo. Estes se vão ao céu, ao lado de Deus, pela fumaça ardida...
Fatorei mãos inflamadas, pelos ossos que se remontam desfocadas. Para frente,
nenhum corredor: Umas portas presidiárias e, numa especial, “Escritório
Administrativo”. Por entre os concretos e o Cadeião, a carreira até o espaço burocrático.
Extrapolei cada qual fossem as advertências: Cada um dos xerifes surgisse, pelas armas
que segurassem, mais houvesse dos ossos exporem. Aos que vinham pelo cacete, umas
rebatidas sobre os mesmos, voltando para os sujeitos através dum desmaio.
Peguei pela porta, aberta; Maçaneta virada, desvirada as condições: Dos que
ainda persistiram lá atrás, lá pelas estupradas sobre crianças, agora haviam de serem
flagrados. Pela condecoração do delegado, em honra aos serviços prestados contra o
menor bandido. A isto, minha linguística não aguentava, má minha reação era estatuária.
Imobilizei-me ao modo de escutá-los, pelo espanto que minha presença causava a eles.
Do moreno, do branco e do mulato, se repetiam pelas zombadas, feitura das comédias
que assinalavam por si mesmos.

-Olha só! É Branquela lambe-patrimônio, irmãos! É cambão da desgraça! – E ria


o fardado branco.
-E ó... Tá com peninha do preto? – O moreno se aproximou, levantando as
garras, por ameaça - Leva pra casa, vadia! -.
-Pretinho de merda tem que aprender a não fazer cu duro pra sargento! – Por
surpresa, é voz de delegado.
Minha serenidade, repetente. Às séries passadas, já reaprendendo. Má não
naquele tempo: Das indignações, fúria contra quem num faz alma. E alma dos três
universos, não se resultaria inteira mais. Contra a minha flutuação, a fazê-los
estranhamento. Por conseguinte, impropérios sobre mim, dos quais não se ouve. Porque
pelas bruxas ou putas que pariu, não se redobram mais tristes do que a criança
desfalcada. Esta que se destrói por espíritos desnecessários, pois a desnecessidade mais
é culpada que o próprio mal: É dela que se faz os pressupostos que retomam fatos, não
refletidos.
Pela flutuada, à aura cristalina, loquei os sujeitos trítonos. Etéreos emprestados,
divisão por cada conseguinte humano em que foram desvairados. Mas ao delegado, o
mando especial, os trotes pelos quais o torno desmando: A quem nunca mais terá a
reputação necessária. Pela mesma regra anterior: Se não acabo com a normatividade,
desvaire-a pelo Jeitinho.
Flutuados todos, desesperos, em quais se envolviam pela incauta aura vermelha:
Esta no delegado e no moreno, enquanto a azulada pertencia ao branco e ao mulato. A
todos, sinais das advertências, das multas, lhes tornariam dívida: Pela qual não se paga,
nem se quita. A que retoma constante tensão.
Bonança, vem quando nada mais se entretém, nem ruptura. Finca aos
desgraçados uma preparação, contra o que não se levantam na primeira tentada. Caídos
ao chão, donde faziam força ainda. Para mim, restava olhada indiferente, indeferindo
sobre os causos consequentes: Do delegado em pele negra, ao branco fardado se doendo
pelo corpo. O que mil cacetes não haveriam de nunca sair dele, da mente. Ao moreno, o
eterno ofício das manipulações do delegado. E ao mulato, as mãos derretidas até o osso:
Tudo que tocasse, arderia. E nada mais lhe permitiria feitura alguma.
Repousando sobre o piso laminado, proclamei:

-Vocês, ratos, retumbaram a maior das essências. Daquela que não se destoa à
toa. Afugentam os homens, mas não aos que nada temem a vocês. “Quem não deve, não
teme”, né? Pois... – Sorri uma desalinhada – Que tal se eu jogar-lhes mais outra dessas
derretidas na mão ou escurecimento da pele? -.
-NÃO! NÃO! FORA DAQUI, BRUXA! – Uníssonos, tal qual o estado clichê.

Volvi de volta às celas, agora já vingada. Má mesmo na revirada, costas para


eles, ainda a indaga:
-Onde está o robô, senhores? -.
-N-Na porta ao lado... Aí na área de serviços... – Revelou o delegado.
-Muito obrigada... E agora... Acho que... – Volvi de volta a eles – Acho que não
fui feita para sadismos. A morte breve lhes será mais conveniente... -.

Se antes espraiava serenidade, refiz-me pelo sorriso: Ao qual se retoma todas as


falcatruas. As que, pelo jeitinho, haveria de os fazê-lo em morte breve. Sem flutuadas, é
claro, donde se empunha as facas, guardadas pelo delegado e espalhadas aos cantos em
todo lugar, e enfia-se em peito branco, pela morte instantânea. Da reação: Escutei as
afiadas, contra-ataque. Má é esperteza que se sobressai: Ajoelhada brusca, e o moreno e
o delegado a matarem-se pelas facas mútuas, completude dos sangues se misturando
entre peles estrangeiras. Ao mulato, lhe apunhalei pela canga, agora não mais a pensar
nem sobre a si mesmo.
Quatro defuntos, ao sangue que para todos é vermelho: Cor indiferente, sobre
que homens podem a ver como força ou perigo. Da qual não se foge em pele nalguma,
sobre as tantas e todas que se forma numa mesma coloração. Do transparente seco,
coagulado, etapas constantes a todos os homens, pela morte ou fratura. Pitanga
extraviada, quando sua essência lhe é fragmentada. Ideologiza-as.
Já não mais no escritório, fitei o quartinho de limpeza, despi a porta, noção da
ferrugem: Das quais o robô refletia muito pó, muitas tortas sobre a lataria. Dumas que
me apeguei a pensar sobre as atemporalidades. Estas que passam e não me apercebo.
Donde quase caí em voadas temporais. Má no conseguinte, atenção retomada sobre o
robô, religuei-o. Mais rápido que antes, já ereto antes mesmo de minha levantada.

-Senhorita... Obrigado por me salvar... Obrigado... – Cordialidade do


agradecimento, já beijando minha mão...
-Nunca viste por essas laias. Corromperam-lhe? -.
-Não. Só tenho programação de ti e de mim. É por minha entendida mesmo... -.
-Sem tempo! Vamos pegar o Bertinho e vazar! -.

Multiplicamos os passos, pisadelas fortes sobre as corridas. Entrevem sobre


alguns ladrões, estes se desviando ao aperceberem da macumbeira que eu seria. Pela
porta tímida arrombei de novo e ao visage, seguimos. Até que o ferro quente demarcasse
o buraco de minha escapatória: Donde o negrinho ainda se lacrimava.
Adentramos; Reformamos postura ereta, agachamento das emoções, contenção
estaciona sobre a cada raiva, pelo menino que há de precisar do encolhimento, o que se
renova por essência: Muita expansão assusta, má a segurança sempre vem da medição
do mundo.

-Cauê já tens noção, né? Da retaguarda violada, né? -.


-Sim, senhorita... -.

Enferrujado deslizando sobre cada mijo planificado ao chão, amarelando não


mais contra algum medo: Da quântica, lhe perfazia a cura desfocada, involuntária. Que
sobre uma mão mecânica, a apontar-se ao garoto, diante da ajoelhada de Cauê,
reprograma as invalidações, recalcula os laços violados donde o nó não é desfeito, mas
quase rasgado. Estupros etéreos, do álcool doendo à traseira, que se repete por
explorações ininterruptas, desavisadas. Desavisos remontam às violações puras.
Bertinho, ao brilho resultante de tamanho poder de Cauê, serenava. Batida? Não
cólicas mais. Por agora nem cu mais se retroceder. Má a canseira, tristeza d’espírito, não
cessa, por tanto quanto cura nenhuma desfaz os empirismos. Destes que não se importa
muito, má persistem. Ô se persistem... Recobram constantes, quando não nos
realinhamos. Desaviso? É... O estupro começa nas primeiras lembranças, não nas
primeiras metidas...
Ao menino quase são, palavreado:

-Obriga... – E caiu no sono.

Ao meu colo. Aos caroços invisíveis, já entre outras estrelas-além, repousava-se


pela dormência de renovar os dias. Acaba-se toda forma de estupro em um sono sem
sonho, nem pesadelo. Que diante do mundo, o sentimento não colide, nem transgrede,
nem se harmoniza. Caroços, meus caros... Dureza única que se mantém até o fim da
vida. Estupros que não os corrompem, nem as agressões. Pelas olhadas, que são as
primeiras que damos, e as últimas que morrem...
Morrem, ali pelo corredor, pela visage de mil vidas desafetas, todas as acolhidas.
Carreira minha e do Robô, a mim carregando o Berto como um bebê, atravessando os
concretos; Quebrados pelo metálico. Ao perpassarmos por todos os concretos,
descobrimos saída do cadeião. Arrombamos e caímos fora.
Adentramos à mata, esta que ainda era por perto. Entre os alarmes e gritarias,
entre vermes embolorando o ladrão, repaginando cada passada de balaço. Ou às
chumbadas contra os frangotes, os mais violados de cada presídio. Esconderijo por
algumas sapopembas e Paus-brasis afora, entreolhamos. Sons dos berros ao fundo,
assoando zumbido de elevador:

-Cauê... É... Preciso fazer uma última... Estado não é permanente, nem a
desordem também. E nem a paz também, que esta mais se estupra pelas veredas de tudo
e todos. Cê sabe... – Dei-lhe o negrinho.
-Senhorita... Você... -.
-O cuidado por ele lhe será de sabedoria. A mim, resta espraiamento desurbano:
Acarretar-lhes todas as formas de compreensão do mundo. Aos robôs, que lhes
compreendam, esses que ainda são bem guardados lá naquele lugar de merda. A esses
robôs que irão compreendê-los mais que eu mesma poderia... -.
-Mas... A mim resta-me... -.
-Serás por si agora. És o maior de todos os compreensivos, dentre os que
programei. Apenas deixe-me terminar o ofício estatal, do que nem estado e nem livre-
arbítrio são capazes de acionar... -.
-Seu desejo, minha amiga... - Abaixava a cabeça, naquelas melancolias...

Desloquei-me pelo retorno. Abri as árvores, reflutuando: Até mais acima que os
vinte metros, olhei para as jaulas caóticas estarrecidas. Badernas de quem arrefeça as
tombarias, trambicadas às donas, donos e senhores. Ou a quem por si só. Porque o resto,
migalhas? O resto é a liberdade propriamente dita: Se desprende, desprezada, a que de
fato é livre. Em tanto ninguém querê-la, em essência...
Arrefecimento? Calmaria? Muita desacata, brusca. Abruptas que se relevam
contra as ventanias, redobram mais força que a astúcia ou natureza baixa. Da força à
calmaria, mais desmedita, desinência. Acaba-se, por fim, da pura contra a força.

-Ixé anhe’eng pe nhoepenhama. Apore’yma n’opytá, n’opab. Ra’e, t’apemopor


pe apore’yama irûnamo!
Grandes ondas azuladas. Vibrações que se espraiam por medida de minha
temeridade. Aos detentos, aos policiais, aos guardas, aos inocentes presos. E por além,
pelo concreto que se amolece, as durezas se fragilizam. O ser relativizado, pela censura,
recobra-se indolente, má vívido. As folhas não sentem tais ondas, nem ventam: Elas não
carregam mágoas de outras folhas que as incomodam, nem os homens que as pisam.
Mas aos humanos, até pela física: Recaíam-se ou batiam até à parede ou até as árvores,
já que o presídio derretia-se.
Que da primazia, agora já reprogramados, secundariza-se: Medidas proféticas,
pelo que se compreenderão. Norma de índio não reconhece imutabilidade, mas a eles
mantenho a regra linguística, que se permuta pela mudança. E a essas máquinas, já antes
feitas pra homens pelo que desmontarem, dilacerarem, agora induzirão manutenção das
mudanças...

-Ta peerekó, xe iru, ieakasó. Mba’e n’omoangaîpab... -.

Porque a primeira mudança não é breve. E as que permanecem, não duram. Só


as mais involuntárias que resguardam legado. Estórias de índio, se boas ou ruins, só
memorizam o que não nos pertence. E as posses de terra já não mais incorrem: À terra
de prisioneiros, sem estado ou posse, que façam arbitrariedades, sem as ideias. E aos
policiais, que estado algum mantenha foco. Somente aquela pura norma submista:
“Toda ideia é líder de gente”. Assim, nenhuma ideia mais os alienará.
Que por agora, me cesse pelo descanso...

**********************************************************************
A Epifania

Nenhuma vida além desta...

Que pudesse significar regionalismos vastos. Destes que se conta e desconta,


mitificando solidões. Recortes estaduais, de pedaços que se apegam, mas já se
desvaíram. Províncias, que retomam aspectos desapegados e reclusos quando já se
quebram pelas vias de existência. E por fim, municípios: Fragmentos de coronéis que
não possuam, portanto, carbúnculos prefeitos, preconceitos menos conclusivos.
Conclusão? Veredas não se vão por delineações, nem por divisão alguma: Ao
meu caminho, já alheio a Socioma e junta ao negrinho Berto (Já moçoilo),
encruzilhamos pela verdadeira Brasílica: Caatinga eterna, tal qual o mando de Tupã e
quase nenhum Anhangá por perto, mas a fuga é justificável: Enquanto nos aquecemos
pelas desertificações da grande Brasílica, em Socioma nada podemos fazer. Por culpa do
Estado, este ainda teimoso contra mim.
Ao Cauê, Socioma pelo que mudar. Remontando histórias e folclores, donde
faria a sua própria entre as do Baetatá ou de Solidélia. E a mim, como criadora, deixasse
o filho se eternizar em própria natureza. Ao Negrinho Berto, meu novo cuidado diante
dessa seca, reumatismos desanguentados: Tanta desaguada que até nem sobra suor, este
já mais perto do céu, pelo vapor. Ao hidrofóbico, paraíso perdido, não sobreviveria
nesta Utopia: Aquelas em que a própria existência já significa morte. Porque toda
Utopia morre em própria existência. Toda elevação é coiso arrogante e como toda
arrogância, delineia decadências alheias. E a história sempre reconta as quedas
constantes: Surgem pela vontade invejada, daquela que um segue o superior e tenta-lhe
ser tão bom quanto o modelo. Má modelos... Estes fracassam pela imutabilidade. E toda
fé imuta condena tudo e todos ao fracasso.
Ao Bertinho, fitando os meus caroços cansados, recobra-me as desposses nossas,
em meio às pastagens secadas e à rachada terra, ybyiba! Terra já mais velha que couro
não cintado, das cintas que chibatam pelo ensinamento. Má num resulta em aprender e a
teimosia do tempo, inevitável. Porque ensinadas são brandas, pela mão passada ou pela
porrada. Lição pra bom filho é a cara dura, na secura mesmo.

-Mari! Mariiiiii! As mandiocas cessam? Num dá pra mais buchada? -.


-Ih! Paciência, menino! Só chegar numas tabas que aí o ofício nos resta, apenas!
-.
-Porque nesta terra de velho? – Raspava dedos do pé entre as rachaduras – A
mata tá ruim? -.
-Mata tá boa! Boa demais, até! – Afaguei a cabeça do bom menino – Má num dá
pra voltar em terra de bandido fardado, daqueles que... Cê sabe... Fazem queima-rosca
em alma imaculada... -.
-Tendi... – Desviou assunto, tal qual nas fitadas.

Má mesmo na quebrada, fragmentada alma, o maior restabelecimento num


origina das purezas, má do pedaço, do mutilado, mais vivo que a pureza: Bertinho
quando retoma os caroços pretões, motiva-se pela molecagem! Metendo olho em buraco
de nada, gatuno na cabeça memorizadora!

-Má... – E era pela fitada que lhe surgia agitação, puxada das mãos dele pelos
meus trapos de roupa – E Cauê? Num tá mais aqui por quê? -.
-Ele já está feito de si, menino! Ele agora é folclore por si, não por mim ou tu! -.
-E aquele seu sonho, tia? Num tem mais cor? -.
-Claro que tem cor, pô! – Dei-lhe um tapinha camarada – Mas mãos e bucha
vazias num dão tempo pra isso, por agora! Primeiro as tabas, filho! -.
-Quando vamos ver a mata de novo? -.
-Quando der... Quando der... -.

Antes da completa sentença, sol sobre meus olhos, estagnando perpetuidades. De


olhares, sobre umas ideias e línguas que computava pela cachola. Vísceras das falas?
Ainda mantidas, ainda bem! Continuam em bem querer. Poder de Anhangá está maior
ainda e máquinas velhas ainda mostrarão continuidade por suas potenciais
compreensões.
Ma a terra... Dura, remonta-me castigo por teimosia. Ela escalda, arde sob a
planta do pé. Num oferece tempo nem pra respiro! Assim suspiro pra num dar na dor!
Retoma-me pela minha inconsequência, de quem não avaliou a possibilidade das voltas,
num ensinar aos outros e aos truculentos. Má ímpeto que não se gasta, será gasto pela
árvore, pelo sol e pelos seres pequenos ali, correndo entre as moitas e as cobrinhas os
caçando.
Sentada sobre o chão nem há de existir, para mim. Ao garoto sim, pelo costume.
Má como sentar se num queimo minha alma? Há de queimar-se pela bunda, até que
finalize ao espírito? Desvirginada sempre ocorre nessas machucadas que num
queremos. Só quando num dá mais procrastinação que resolvemos as inequações. Que
nunca se resolvem. É a teimosia adulta, que insiste nessa inconstante que nunca conclui.
É a vivência mais gostosa, dizem.

-Mari! Taba! Ali abunda! -.


-Sim! Avante, fiofó! -.

Precingimos, antes. Precaução, sabe? É que a taba respira uma frustração, ares
dum rio dos tietês. Entre os casebres concretos, feitos de muitos vidros e poucas colunas
entre estes, se dispersa transeuntes vagarosos enveredando e que encruzilhavam-se entre
si. Morte aparentemente comum, diga-se brevemente, pois uns ali que conversam, já
morrem pelo outro. E os outros nada fazem.
Iniciamos aproximações. Pelos sintagmas e morfemas, uma sentença que
sincretiza: Homens de mais ou menos, bem ou mal, fixaram olhares sobre nós. Macho
ou fêmea, tudo gente cabresta, implicando. Num importa se eram dos casebres ou das
mansões: Fitada universal sobre dois únicos seres. Boas-vindas das tabas sertanejas já
mais ressecadas.

-Tomeis... Diálogo, deixe pra nunca executar... Palavras aqui são de cada
homem... – Uma mulher cochichou a mim, tencionando os braços.
-OPA! PALAVRA PRIVADA DO NHÔ BENTO! DESVAIRARÁ DAQUI! -.

Dum algum aleatório proclamado, ordenação já inconscientemente coletiva:


Quanta gente acomoda-se uma nas outras! Enchimento abrupto, acumulação! E todos
porreteando a desgraçada! Má que rebentação com os paus! Gritaria até zumbindo! Por
esperteza, puxei o Bertinho e calei-lhe com a mão.
O mesmo repente repetiu-se, na súbita dispersão de gente. Má a mulher que me
rezou aviso? Ih! Acabou-se! Bateu pra cuçuleta! Com os braços tudo dilacerados, língua
cortada, umas estupradas no xibiu. Que é o modo de se castigar a quem a impureza veio
desavisada, que num se sabe se é consciente ou de ignorância. Quando num se sabe,
tudo vai no “Quem sabe”. E quem sabe se é de Deus isso? Quem sabe...
Má o causo num encerrou-se na mulher: Menina sapeca, desbulhou os olhos.
Atiçada pela perda da mamãe ali, toda já acabada.

-MÃE! MANHÊÊÊÊ! –.

Má na corrida até a mãe, mais outra:

-EI! ESSA É DO NHÔ SIQUEIRA! VAIS PRA TUMBA! PUTINHA!


PUTINHA! – Curioso? Mesmo macho de antes, a gritar isso.

Inexorável acarretada: Das muradas, contra a pequena. Num tinha nem cinco
cajus, má em palavra de posses, reintegrações, o que vale é o apego dos tolos. Rastejam
sobre a pequena, chutando-lhe a periquita, metida no cu e alguns outros impropérios, em
exemplo quando rastejaram o corpo da menina pra mais longe da mãe, no instante do
grito da mesma clamando-a. Pelo clamor, maior a surra, os pontapés e os rasgos na pele
de bebê. O que fiz? Continuava calando Bertinho, em sua vontade de chocar-se, até
mordendo pra soltar-lhe.
Desprezada ao chão, estava pior que a mãe: Num havia o que reconhecer como
menina. Num havia nem rasgo, entre tanta vermelhidão ao chão ressecado. Restavam
apenas umas linhas de intestino e um útero arrombado. É a esterilizada, eu sei. Para
evitar as palavras maiores, ao futuro: Censura que não se cessa pela aniquilação estatal.
Menino! Tu mordes forte pra agora querer gritar a mim? Má num grita! Gente
daqui num dá mole pra fala à toa! E calei-lhe, relutante, com meu poder de linguística.
Antes que falasse. Aos aleatórios ali fitando-nos, acenavam-me para dirigir-me a algum
lugar, sem um pio citarem algo ou sentença. Ao final de todas as apontadas, uma velha
edificação municipal, arquitetada desde as épocas do Império Sociomano.
Em cochicho a mim, por mentalidades vozes, Bertinho num comediu palavra
alguma:

“Mari! Num foi coisa de Tupã isso não! São abilolados?! Por que isso?!” Pela
mente chorava o que por fora a secura proibia expressão. Grandes os caroços! Pretos
pela seriedade, cheios pela compaixão “Pobre menina! Pobre moça!”.
“Ô Menino! Aqui é terra de arrocho! Faça pose de macho e num faça mole pra
gente desgraçada! Pelo menos não aqui, tá?”.
“Má e honra a elas? Num tem?”.
“Te prometo: Quando terminamos por aqui, honraremos as defuntas. É de
coração que lhe digo isso, tá?” Expressei uma serenidade, sabe? Pra convencer o
moleque de minha boa intenção “E estamos aqui, frente a essa coisa concreta. Deve ser
de Delegado, talvez...”.
“Morubixaba?”.
“Menos... Respeito assim, só na nossa terra”.

Empurrei o “empurre” inscrito ao portão velho, escorrem sobre a pele negra do


braço esquerdo os sons de muitas dobradiças que se sobressaem berrantes. As giratórias
que esqueceram, pelo tempo que vulga as decisões, respeitosos encontros com o tal
mandante. Range a porta, assua todas as delineações que transeuntes e cidadãos a
circunspecta, má num abaixam a maçaneta. Burocracia, insistia o braço de Maiara.
Um monte de ouriçavas, diamantinas sorteadas entre os desprezos ao chão.
Abundância de coronel, privatizado estatal, resquício de poder político num só
capitalista. As abóbadas acima, verticalizados arcos, localizavam ascensão religiosa
dum irreligioso. Aquele que está à nossa frente, desprezando os pés sobre a mesa
marmorizada. Pela cartola ou pela barba, apenas o olhar da raposa.
E raposa fitada, descia as patas traseiras rastejando sobre a mesa, direcionadas ao
chão. Levantada tal qual levitação, monge materialista, raposa d’alma que num adia
olhar algum. Desses que se fixa sobre a gente, baseando uma seriedade geral. Geral pela
sua grandeza, sim senhor! Que é quando o dito cujo, um tal feitão de terno, se aproxima.
Quase uma Iaguara, má sem coração.

-Espero... Meus queridos, que nada falem. Precaução, lhes motivo. Que é a
privatizada de cada palavra lexical: Se por essas bandas há cinco mil miseráveis, cinco
mil palavras são independentes entre si. E estas palavras se mantém pra cada um dos
nascidos daqui. Aos estrangeiros, desde que nada falem, bem-vindos! Mas aos
descuidados, morte! MORTE! Porque palavra é pertence de cada um... Mas eu,
Delegado Sabugo, detentor do “Fazer” e de todas as flexões possíveis, bem como
detentor de todas as permissões de todas as palavras cidadãs, hei de lhes conceder uma
conversa sem custo algum a partir de... – Relógio de arrogante, só pra se achar! –
Agora! -.
Num silêncio nos abateu. Pausa de vista, olhada sobre os cantos supostamente
suspeitos. Má numa dessas pausas de impaciência, quebra-se pelo tagarela:

-O que foi? Podem falar! Não morrerão pelo linchar, que é a lei de todos daqui, a
lei de matar quem desrespeita palavra alheia! Pronunciem-se! Porque eu posso lhes dar
tal fala! –.

Má a tagarela num predominava imperativa: As andejadas é que trombicavam


cada chão imaculado. Serpentino, zumbia mesmo em grande distância, má abeirando-
nos. Quase esmagava, quase destituição de palavra, mesmo diante da permissão. Que
reiteram certo poderio privado.
Por iniciada minha. Para quebrar as dúvidas:

-Por que a morte para quem enuncie palavra pertencente a algum índio ou abá? -.
-Ahh... És de Socioma, não? Honras a minha comarca! Mas te responderei: A
posse nos edifica, nos concreta. – Deixou de nos fitar, trocando-nos pela quase reza,
fitando para cima - Não há maior posse que a palavra e desrespeitá-la é muito pior que a
morte: É perder o ser... E o pior: O ser do outro. Cada homem com sua palavra e palavra
dita em vão, a morte também virá pela mesma troca: Uma morte aleatória,
incontrolável, seja criança, seja três-pernas... É a essência de Palavrândia... -.
-Este é o nome desta cidade? – Indagou o Bertinho.
-Sim! Porque eis de existir, portanto, privadas falas para privadas posses de
privados homens... Porque é da palavra que o homem vive. – E na rodopiada, para
apontar-se quase perto de minha face... – Não concordas, Grande Maricí, a
Programadora de Anhangá? -.

Oxê! Palavra de folclore existe, má o folclore de mim? Apressurados boatos?


Encaminhados até ele em tão vasta rapidez das lendas, e ainda em taba insignificante?
Isso tá endireitado mesmo? Por que folclore meu se boga mesmo antes de minha morte?

-Surpresa? És já bem conhecida, após as destruídas prisões Sociomanas. És


apreciada por muitos, agora. Por tua ausência de Estado. E como bem me pareces, em
falta estatal, então lhe é apegada em posse individual. E isso me soa muito bom! -.
Porque os boatos num se cessam pelo acontecido, porque os causos não
terminam num boato: Terminam numa conectada mais rápida que a gente. De chegar
nesses lugares e contar-lhes, ou não contar. A fala muito mais nos bate do que nós
mesmos falamos por ato. Ato de fala, nada se vale diante das falas longínquas. Por
internet não resignar-se lenta e ela lamenta-se pela sua vertiginosa: Desacautela-se
referindo os referentes, desprezando acidentalmente os referidos. E nunca mais o “Ouvir
falar” recomeça-se em cada reencontro, caroço por caroço.
E o caroço é a única posse verdadeira de um homem: Repete-se duas vezes, má
nunca é igual aos dos outros. Nalguma alma espelhada, não esconde as próprias
volúpias. Estas que não se faz posse, e nem Estado. O estado das posses sempre se
brande e decai, pois num há Estado ou Mercado que signifique uma vida inteira de
solidão coletiva, que a liberdade não cura.
Restava-me a liberdade última: De nada afirmar ou proclamar. Porque a posse
num entende e ignora. Indignação ou olhar torto, apenas consentia pelo silêncio.
Massagear egos possessivos, digamos assim...

-Por fim, lembre-se de não falar as cinco mil palavras de cada cidadão desta
cidadela. Aqui... – Um pedaço de mau caminho, empapelado... – Uma lista de todas as
palavras já privatizadas por aqui! -.

Arranquei-lhe o trapo, abri quase arrombando e fisguei pela primeira fitada. O


que é as palavras realmente simples e as complexas, pelo modo da riqueza. Porque a
feitura, que era inerente ao delegado, designava-se simplória pelo “Fazer” e suas
flexões. E aos mais pobres lhes restavam a “Perfídia”, a “Abanadela”, o “Fulgir” e
outras menos praticadas. É do quanto se nasce pelo fácil ou pela dificuldade, em modo
duma vida seguir o termo mais ou menos usado. Má opinião mesmo? É que então o
delegado é muito usado, já quase trapo de roupa, comido como osso roído. E é talvez
dessa noção que se surja a meritocracia das palavras fáceis aos Delegados de cada
esquina do mundo. É pela oportunidade de uso, má nunca de fato utilizado. Virgindade
de vocábulo é a safadeza dos grandões.

-Tenham um bom dia! – Resguardou-se de volta à escrivaninha.


Saímos da cubata. Bertinho, já esperto, quase nada dizia e só olhava-me atento.
Pela calada, sobre a morte que temia, dum jeitinho de monandengue temente. É das
maracutaias, sabe? Num abocanhou tantas volúpias tal como se abocanha nas escolas,
porque escola, absoluta incerteza, gerará as primeiras safadas, primeiras falcatruas das
mocidades. Atolam-se, as crianças. Pedra n’alguma há de se esquivarem, quando se
rebatem sobre as molecagens desaproveitadas. Se linguajam só quando num tão com os
já feitos. Porque não há criança submissa que se mate d’alma privada.
Restitui-me sob o imperativo ideal. Daquelas ideologias que num se alheia
nunca. É desdobro. Abati-me calada rente à superlativa olhada infantil do Bertinho. À
volta, pela fitada, em quantas casas possíveis de alcançar. Piscada insuficiente, o
horizonte mais humano que existe. Alçada pela linguagem, recompus:

-Estatuinte, Bertinho... -.
-Que raios? -.
-Ah... Desculpa. Num é coiso pra monandengue entender... -.
-Num sou de estátua, não! Quero algo mais que estátua! -.
-Num é isso, moleque! – Até a beliscada escapuliu – É pelas linguagens, destas
que palavras foram privatizadas... -.
-Mas... É resolvível? -.
-Sim... Porque poder popular não se cansa, não se abate, querido. E se abate, só
no Jeitinho para retomar reviravolta... – Encerrava-me pelo sorriso - É cabrunco pros
políticos, oxê! -.
-Então? – Carinha de quem num faz caso, má dá trégua.
-Ué? Há de aprender comigo, oxê! Vais abocanhar mais carne que pela esmola
dum vagabundo! -.

Deleite momentâneo, substituído posteriormente por análise de campo. Porque,


agora, a língua minha choca-se com as privadas. Quase guerra, má em batalha de
línguas, vence a mais pedante! Ou a mais prática, a mais capitalista que possa convir.
Pela comunicação possível de se negociar, pela língua que o dinheiro possa circular.
Surfa sobre o sertão libertário, sobre uma prancha linguística.
E por este Tupi de minha raiz, ou pela portuguesa dialetal, se desdobram as mais
outras trovas casuais, cotidiano dialetal resguarda as mudanças profundas.
Despercebido, nunca é revisto, má é sempre manipulador. Rotina, passos, celular...
Respondem pela mudança íntima. Entojo seguido do parido, o crioulo. Que se resulta
dessas despercebidas manipulações da língua universal. No fim, língua antiga
estuporada.
Pelo que há de evoluir, boleguetamos pela cidade até toparmos com um moleque
de origem, de língua ingênua. Esta que num dá prezo por alguma maior que lhe impõe.
E toda língua é ideológica, manipuladora. Porque num há linguística que não se preze
pela hierarquia. O comunismo mais liberto, ou a anarquia com menos mandantes, é o
silêncio de todos os atos de fala. Por isso, o homem se preguiça no coletivo: Precisa
dum mandar e num sabe pelo que fazer. Comunitário que se esquece de falar, e quando
fala, esquece-se do que fazer.
E o moleque? Não possui ideologia, né? Duma idade de inocência, é que se
infiltra sobre cada cérebro aberto. Língua de si, a primeira ideologia pelo que lutará. A
alienação primária que lhe revolverá. Má antes da minha linguística, um Bertinho
burocrático:

-Mas... Num é errado? Vai mesmo explodir a cabeça dele que nem dos coxinhas
de lá atrás? -.
-Ô menino danado! Num vou dar fim a ninguém! – E fitei-lhe, mesmo num
agachando, lateral a ele - É língua, lembrar? Vou até te ensinar um poder meu:
Manipular línguas maternas alheias! -.
-Má que raios? -.
-Em criança mais nova que tu, num há escolha que façam por si. São um nada,
que precisam se preencher. Vais, então, manipulá-lo a teu gosto! -.
-Pra que? Só pra não ter mais língua privada? -.
-Apois! Deu fé, finalmente! Porque a língua esta que jogaremos sobre o coitado,
num terá quem possa lhe acusar de invasão de propriedade alheia! Num é língua daqui,
afinal! -.
-E o que tenho que fazer? E por que? -.
-Jeitinho, oras! É só dar jeitinho de encaixar umas palavras aqui e acolá que o
monandengue aí vai se preenchendo! Mas... – Agachei, né? Pelo braço do Bertinho
segurar, mirando contra o dito cujo – Pense nessas palavras tupinambás... Língua
ideológica! -.
Repetência? Da língua anterior, eu sei. Que os rituais sempre há de invocar, e
sempre é língua eterna, pois as mortas sempre estão atemporais. Língua morta, que num
abrange por si mesma, má é nem beleza, nem revolução. Só um caráter universal:

-Ixé aendémonhang abaaçu! Endé erenheengarama aba nheenga, neresykyié-i,


nereiuká-i! E-nheeng! Endé kuruminnheenga!-.

De vez em vez, o baixinho moreno flutuava. Os caroços pretos, tintos até não
reconhecer-se a íris. Atenuava-se pela cruz que formava, com a posterior queda gentil
sobre o chão. Que não era de sacrifício ou de mero pagamento fiscal: Pura redobra
modificação. Porque é a modificação mais dialetal que existe: divide eras entre as quais
se perfaz.

-Recobre consciência, monandengue! – E estalava...

Pelo imperativo, quase que robótico. O moreninho, pela cabeça levantar-se,


semblante de assombro, quase deu assunto pro Bertinho. Macumba, este pensou. Má
noutro instante, o moreno declamou:

-Ixé... Ixé anheeng Abá Nheenga! – O moleque se fartou pela alegria.

Pelo grito, súbita movimentação: Todos os habitantes deram-se de confronto


sobre nós três. Em caladas, censuras, pelas quais vivem, uma libertação significa
libertinagem. Remeteram-nos certas garrafadas, com uns morfemas de gás lacrimogênio
e até uns especificadores cassetetes! Diacho! Duns infernos de dor, linchamento
linguajar! Por que palavra outra num basta? Por que palavra de índio é desleal?

-MEQUETREFES! ABUTRES! QUERO LUCRAR QUANDO FALES


PALAVRA MINHA! SABE QUANTOS ROYALTIES PERDI POR ESSE PRETO DE
MERDA FALAR EM LÍNGUA DE POBRE? QUERO DINHEIRO! FALE EM
PORTUGUÊS! – Uma cunhã frustrada gritou.
-Ei! Eu também perdi royalties! Ele falou “língua”, que é uma palavra minha!
PAGUE OS ROYALTIES AGORA! – Mais um frustrado aleatório.
-E o “Eu”? É também palavra privada! PAGUEM! PAGUEM! -.
-“Preto” também! -.
-“Também” também! -.
-PARA TUDO! -.

Uma bonança prosseguida, má não por completude: Dum reclamante ainda


restar, sobre tantas pessoas já caladas.

-Opa! Mas “Tudo” é palavra minha! Mais royalties pra mim! -.


-CHEGA! P-Por que palavra de índio não pode? – Até me desesperava. Sabe,
né? Uns rasgos na testa e os monandengues já roxos...
-Contra a lei, oras! E aqui todos querem dinheiro! QUEREMOS ROYALTIE! -.
-Não querem falar? Língua é pecado? – Indaguei.
-O dinheiro fala por nós! ROYALTIE! ROYALTIE! – Todos uníssonos.

Porque a língua mais pedante num surfa pela linguística... A língua é a onda
surfada pelo dinheiro. Má a onda, num esquivo contemporâneo, rebenta-se, manipula-
se. Por propriedade dos homens, em contábil palavra pelo que se proclama. Linguística?
Esta continua na prancha: Num é nem surfada, nem surfável. Somente coiso submisso,
destituído. Instruído a nada servir, senão sustento de quem surfar. O povo? Num jaz nem
na prancha, nem na onda e nem no homem: Peixinhos dourados de aquário.
O achismo de todos? Tomar prumo em nós. Peca e sambudos, desprezados sobre
braços bateeiros. Cegos, esmurram, porque o dinheiro lhes fala por normativa
monetária. Mercado e Estado não sobrevivem sem regrinhas, sabe? Tomar tenência é
universal de ambos. E quando mandam, é dois baixos e uma feia já amarrados sobre
postes, entre chutes e ameaças de caçoletas. Porque a grana não lhes coube no bolso.
Bolso vazio, vácuo que induz porrada. Desculpa circunstancial? É porque num há como
culpar os homens: Estes já se culparam antes de mim. Moral do causo? É que se honram
na culpa.
Estava quase desmaiada, má sobreviveu o tempo de visão: Pousada no próprio
ombro, cabeça quase rachada, fitando um Bertinho frangalhado, retinto de muito
sangue. Moreninho numa pior: Acabava-se sem o crânio. Cérebro à vista, interior já
estuprado.
Num dá fim de história, não. Porque volúpia de ápices, donde a climática não se
faz mudança, retomam controle de causas anteriores: Do curumim que, fonética ou
desfonética, a linguística infantil se confunde. Abismais limites entre palavra de índio e
palavra de demônio. Resultado? É que curumim, nada. Mas Curupira...

-Ixé nabái. Ixé KURUPIRA! -.

Às entrosas, que remarquem fonética confundida: Fonologia rente, limítrofes


quebrados. Por nova identidade, fruta da sorte dum aleatório sobre os maiores pesares
de uma condenação. Os pés? Entortados: Quebradiços pelos cassetetes, pisadas de
homens já feitos sobre o indefeso menino. E sem anestesia, oxê!
Cucuruto desfeito, fratura exposta, nada que se cure com cachete. Sabugo? Nem
tchum. Má por tal mudança, permanência de tais ronchas registradas. Línguas naturais
há de lhe marcar a patente: Duma falta d’olho, cérebro zumbindo, umas faltas de dedo e
o pé coxo. E eis Curupira, demônio da floresta – Como se proclamava em minha
mocidade. Má é de capeta? Bom... Deve de ser achismo, má do capeta só na vista. De
etimologia, é outro causo... Este que há de morrer em breve...
Ao menino, o Curupira, desmantelando as cordas designadas, rasgos de
vingança. Abatem-se uns aleatórios linchadores e, acolá, dumas enterradas de cabeça.
Sobre quem lhe coxeou o pé. Falas brutas, berros etimológicos:

-AAN! AAN! AIUKÁRAMA MORUBIXABA! MBAE-PE? -.

E aos senhores da criação? Enclausurados? Restava-lhes palavra de instinto:

-MONSTRO! MATE-O! É UM MONSTRO! -.

Revisitação primária: Lembrais da culpa? Pois é. Ente, o Anhangá, ou de


resquício diabólico, não se mantem. Má da culpa, só das meritocracias. Culpas pelo que
lutar, mesmo pelos pecados. Insígnias, extrapolam as insensibilidades. Bicho homem...
Tão individualista nos ganhos, tão coletivo na dor...
Ao Curupira, restava-me resguardá-lo: Flutuei-lhe, paralisantes sobre a
gramática universal de si. Contra as vísceras movimentais, paraplégico temporário,
enquanto fitava-lhe atenta.
-Bom... Acho que... Poderiam-me... Conheceis... As cordas mais bambas, mais
soltinhas... –.
-O que? Nem nunca! – Aleatório ingênuo...
-Então o Curupira é todinho de vocês... – Sorri.
-NÃO! – Tons uníssonos resguardam algum universalismo? É de proveito meu.
-Ain... Meus olhos estão tão cansadinhos... Curupira não há de ficar por tanto
tempo assim... É tempo que preciso, sabe? Descanso... Sair daqui... Tão entendendo? –
O sorriso sempre guarda o jeitinho.

Nem o tempo lhes teimou: Desataram o nó. Má olha só: É teimosia em bater
noutro, no Bertinho! Bicho homem teima-se na porrada, má também da porrada se
teima em receber. Só num vale pros outros, né? Aos outros, vale até arrombo...

-Opa! Num xispei ainda... O Negrinho é também gente como a minha gente -.
-Não! Ele continua! -.
-Ai! Que preguiça... – E o Curupira quase retomando ataque...
-NÃO! – Tons uníssonos outra vez.

Pausa de novo! Gaitosa até! Respondiam-se pelo mando, a ideologia mais


interior possível: O medo. E assombro, sombra desnivelada, menos medo dá. Medo
mesmo? É clarão, porrete de luz. Assovia o que num se quer dar fé. Por teimosia da
realidade (Que, por verdade, num se acha. Só se encontra).
Bastou? Que nada: Um até chutou a perna negrinha. Por sorte, linguística minha,
lhe retardei o movimento. Ao Berto, só duma dormida. Muito roncho pela ignorância.
Nem tanto sangue, sabe? O roncho de gente dá mais gosto sadista. Pega n’alma e num
sai mais. É de linchar? Psicopatia mais humana dentre todas...

-Então... Desatam ou não? -.

Lembrais-vos do Jeitinho? Imaginais então a seriedade do jeitinho. Nada de riso,


entendem? Por tão sério, é múltiplo: Resguarda o linchar, má também indignação.
Justiça. Por tantas, repito: Limitâncias tênues. Milita-se ou justiça-se...
E ao Bertinho, finalmente desatado, flutuei-lhe também. Seriedade? Só pro
modal medroso: Contra quem me desferisse chumbo ou facão. Entre um cambão e os
arrombados. Direcionava saídas, as veredas pelas quais continuarem, porque a taba num
se linguajava pra mim. A língua privada machuca-me mais que a língua normativa.
Aquela... Não há de mudar. É mais essência d’homem... A língua monetária privatiza o
homem.
E assim distanciei-me. Horizonte não vertiginava alguma taba. Joguei-lhes o
metabolismo curativo, por programação minha. Bertinho ficou só nos roxões, má
Curupira... Este num fez caso. Continuava com os pés coxos, o manco que lhe
registrava. Tirei-lhe o aspecto paralítico. O causo? Quase morte. Por pensada minha,
claro. O moreno não se jogou contra nós.
O Curupira foi-se. O demônio da floresta tabajara...
Com o Negrinho nas costas, andejei pelo sertão. E por língua minha já me
relembrava mais humana. A sede que num cessa, que a cama mais plumosa num se
torne carro esportivo. Medo meu pela mediocridade que sou...

-Bertinho... Ainda hei de chegarmos a algum lugar... É de longínqua... Má


Anhangá nos protege... -.

A floresta era generosa. Má no sertão, toma-se é pai. Pai de céu, do inferno, de


qualquer lugar. Ao fígado, ainda haja pai, né? Duma secura pra aguentar, quase que se
preguiça. Má por que se andeja? Num é de esperança, não: É pelo Pai mesmo. Retardar
o tempo da morte, pois a paciência dói.
Entre as catingueiras, arbustos secos e nalguns cactos, esconde-se tantas
riquezas: Alcance que só as raízes aguentam. Por muito buscarem. Má num é
meritocracia: É essência. O esforço do mundo num muda a essência fraca... Sarapanta
as mais usadas, e as mais ousadas se selecionam. Resta, no fim, a solidão entre as
arbóreas. Frutas de teimosia, né? Num possuem clima pelo que lutar... Só lhes resta
solidão. Aos afortunados, um sonho. Aos pobres, um suicídio certo.
E o tempo? Bom... Umas boas semanas. Só da água de cacto. Há se fosse num
sertão mais roxo... O Roxo da pancada e o roxo da terra... Próximos. Abatem o homem
pelo prazer interno. Porque entre os homens, o roxo é fetiche! Dá gosto de visualizar,
marcas dum legado. Má o causo? É que num existem. Dão como termos, etimologias.
Má o curioso? O único roxo que resta é a porrada.

-Ô Mari... Dá mais água, pô! -.


-Ainda não! Cacto num é dinheiro em árvore, tá? Num é rápido, nem próximo...
Só muitas caminhadas... -.
-Droga... -.

Retomava infância, com o tempo que lhe curou. Sapeca, sabe? Ao refil num
cessava de apanhar. Atolava-se entre as rachadas sobre o chão, que é donde eu lhe
pegava em flagra. Cada tropeço sobre o sertão rachado remonta falha humana:
Inexorável, circunstâncias pelas quais não muda, pois as imensidões não são egoístas.
Mudar o mundo é dum egoísmo demais pra se alcançar num refil d’água. Por isso,
tropeço e flagra. Tropeço e flagra. Que o mundo nem preza, má o homem há de prezar.
Vergonha, macho que num volúpia, num toma tenência por jeitinho.
Aliterava algumas soberbas. São de sede, meus queridos: Alitera consoantes
nasais, bocais, fecais. Capitalismo introspectivo, até ignora as árvores, má num é
suficiente pra ignorar os banheiros. Nem a fome. Aliás, para esta há de aliterar. Por
conveniência de num cessar a natureza, mas sempre há de cessar a fome. E a água
infame, dinheiro reciclado, num pesa. O peso que a fofoca implica revocar ignorância?
Os pobres. O dinheiro pesa os pobres como uns mortos. Cadáveres, resultam-se, e
mumificam-se. À desilusão humana, eternam.
Má... Pelas veredas, há o tanto d’encontro:

-Mari... Taba! É Taba! E o rio correndo! – Chilique de moleque.


-Ah! Má lembre-se agora de seguir o jeitinho que nem fiz lá na Palavrândia, tá?
-.
-Lá o que? – A inocência de quem desmaiou... - Num vi nem lá nem cá... -.
-Ah... Tá bem, num deu empirismo pra ti. Má... Jeitinho, hein? Jeitinho... -.

Havia uma hospitalidade. Tempos de minha mocidade, sabe? Que clichê do


desconhecido num existia. Davam comida boa e abrigo de bom samaritano. Num
resignava-se o medo por desconhecido. Só da boa recebida mesmo. É que o Jeitinho
restabeleceu decisão ética: Dum ganho, a perda pra todos. Má num é preconceitos,
asfaltamento de decisões. Muito mais dum Jeitinho. Esse legado do instinto... Mais
eterno ao homem que o próprio medo.
A sorte? Água pro refil e garganta farta. Os modos do sertão desaparecem a cada
fartura, teimando em cessar. Má no que a sede num cessa, pela alma se eterniza. Obstina
subterfúgios, alicerce para a inexorabilidade d’espirito d’homem. Esta é a sede... Ordena
a bebida, etérea na profusa incerteza. Gargantas já cobertas, censuram-se.

-E as cubatas ali? Num vamos não? -.


-Acha que temos cu pra lá? Menino, num é de segurança, não! Já viu no que deu
essa confiança? Óia o roxo! Óia! – Reiterava-lhe o braço, pro modo dele tomar jeito.
-Ai! Tá, entendi! Entendi! Má a bucha num deixa de doer com água, né? -.
-Tá... Então, vais vaguejar até lá e tome jeitinho! Vou esperar aqui... -.
-Má... Solidão? – Cara de indignado...
-É musseque de pedra, de vidro, concreto armado! Devo ter até minha imagem
estampada em caneca! Já você, pela cara de preto, num vão te apanhar... Se o
preconceito te persegue, revolte-o a favor de ti... Entendeu? -.
-Minha vida é isso? -.
-Num devia, má... Te resta o que? Programar computadores quânticos? Se liga,
moleque... Se fala isso, vão té pensar que num tens jeito pra isso e, no fim, num dão
chance. E te chumbam antes, dependendo do dito cujo que for solicitar! – Tapinhas
traseiras, afagos na cachola – Vai, esperteza é a única que vence! -.

Vagueou. Cambaleando temente, quase mendigo. Induz muito de já suspeita, má


tomou jeito, andou ereto. Aos resmungos, num se faltam, por contra ímpeto. E o
moleque zanzava, aresta sobre a cidade até encontrar umas ruas. Pelo asfalto que num se
anda, pois nem chinelo resistia à fundição, má se guia. Má asfalto? Que asfalto? É terra
mesmo. Num dá gosto asfalto: Secura que se busca, ostenta. Má num agrega. E num
adianta mais asfalto: Tudo carro que flutua, né? Quase voador. Planam uns montes, pela
favela.
Resquício de folclore? Á vista já morreu. E na essência, mutilado.
Desconstruído, fronte vidigal pelo que num há de mostra. Exposição? Folclore é tímido
demais. As frentes dos casebres, tinta economizada, nem as portas aguentam-se pela
madeira. O folclore num sobrevive diante do carro voador. Este já o atropelou.
Folclore... Do Curupira intermitente. Resquício pelos sangues rastreados entre as
rachaduras. Redor? Sim... Ainda lhe restava respiro, frente a um jardim. Esmolando,
aspirando à frente, moscas lhe suspeitando a necrose. Arrefecia-se pelo gelado das
moedas dadas. Abatia-se mais pelo gelo delas que pelo picolé que podia comprar.
-Ei... Sabes de mim? Aquele de antes, sabe? -.

Bertinho já cumprimentando o mutilado. Este, num estava consciente dele.

-Ei! Diz algo, pô! Num sou ar, tá? – Deu até um chute leve.
-E num acha que sou um ar pra eles ali? Tipo aqueles caras doutro lado... -.
-Má se te vejo, porra! – Paciência, Bertinho... Jeitinho... – Num tô aqui por
vento, tá? -.
-Má a fome penando você, né? – Curupira já direcionava os caroços com mais fé
- Num é vento, má rebenta-te pros apês daqui... -.
-Tá... Má a bucha num se faz com ar, tá? Ajuda? -.
-Pra que? Somos ar aqui, má lá os pretos ficam bem claros... Há te digo, véio...
Num dá não... -.
-Dá sim! Olha... Tu se fez Curupira, agora se ajeita como um! -.
-Má se me veem, tô fodido. Já tô sem osso na cuca, imagina ficar sem mais do
que já tô? -.
-Pera aí... -.

Casebres, bares, carroças voadoras. Na primeira fitada, o pisco certeiro: Do


jeitinho que lhe ensinei. Respondia sucinto, pra si mesmo. Reparadas as curvas, as
distraídas gentes abundantes entre as bebidas. Doutro lado, ao bar mirante, eis que se
lhe penetrou a tentada:

-Bom... Tu num é de morrer fácil, né? -.


-Num sou, má ainda dói, viu? Num acha que é gostoso... -.
-Num deve... Mas... Cê sabe... -.
-O que? Fala porra... -.

E ao Jeitinho? Sorriso malandro:

-Carros nunca param pros que num são maiores que eles. Professores, sabe? Má
dá pra botar medo neles... -.
-Num tá dando gosto... -.
-Ah! Vai lá! Num vai morrer, vai? -.
-Não, má não é gostoso um bando de ferro batendo, né? Ou tu quer levar fio
terra de ferro? Hã? – Levantou na braveza!
-ÔXE! Num dê vista! – Berto até pegou o modo das mãos nas costas! Pela voz
baixa... – Num faça caso! O modo é: À frente da rua, finge que o carro te pegou.
Enquanto o caô num encerra, pego os trocos do tiozinho do bar. Tendeu? -.
-Ó que num tenho mais muita carne. Imagina um carro me engomar! Nem padim
Sisô dá milagre pra sair inteiro! -.
-Má tu é Curupira, caralho! Dá jeito, sim! Só tem que... Bem... – Fez vista
grossa... – O carro num passar por cima, né? Tu se joga no capô. E depois... -.
-Depois? -.
-Ué? Tu dá aquele treco que tu tem de ter tragado umas ervas e dar murro em
todos! -.
-Que treco? Tá me tirando, cuzão? – Empurrão! Treta sempre vem nos planos. O
inimigo maior duma maracutaia.
-Opa! Num faz caso! É algo bom, te digo! Nos tira da merda e tu fica de dar
medo nos viados da cidade! -.
-Só vou fazer isso porque a bucha dói mesmo... Má num me vem com esperteza
de xis nove, hein? Num tenho mais corpo pros grandes me doerem! -.
-Relaxa... Sussa aí! -.

Numa pisadela, buliçoso, extraiu dos arredores algum impedimento. Num viu?
Então mandou, desmandando sobre o demônio, má este já se fazendo. Tão via rápida,
que o Bertinho já se aprontou. Sob uma mesa plástica, atentado, tanto pelas panças de
cerveja quanto para dar sina ao Curupira.
O moreno fingia-se esmolando, má a batente chegou rápida: As piscadelas,
acenadas duma aproximação. O demônio, rebentado, má ergueu-se, mirando sobre as
esquinas desmotivadas. Num fez tanta paciência de encontrar nalgum carro. Do
primeiro à frente, saltou. Mais moléstias que as anteriores, má não tanto osso a se
amputar. Fez-se desmaio, sem o tempo que passasse. E dos tempos segundos, seguidos
pelo passo do preto, junto aos montes de gente em frente ao aeromóvel. Que as vísceras
expostas perplexam as máscaras. Aberturas dos vômitos dentre os nauseados afitam o
próprio demônio, má este ainda se mantinha recomposto.
Bertinho... Ah! Entre as mesas, isso sim... Num fez cerimônia. Balcão saltado,
adentrou. Os modos monetários pelo que encontrar na caixa registradora. Alguns botões
socados e...

-Há! Deve ter uns duzentos aqui! Pera... -.

Guardou as prendas entre os trapos, má teimando pela saída, pegou um salgado,


à bucha não cantar. Passos revolvidos, já pisoteando a terra vermelha, andejou. Aceno
contra o moreno caído e, este, num dava de entender. E pelo Jeitinho, sorriso por
confusão, o demônio despertou.

-Xe itaîuba! -.

O demônio se regulou, súbita flutuada, porreteou. Tantos que o frontearam.


Nalguma indignação de si, pela parte dum espólio, subjacente aos berros das partes que
prestaram vômito gratuito por nada. Dum negrinho açodando, o Curupira ansiando as
vinganças, as pessoas a linchar.

-Ei! Moreno! Vem! Vou te dar a tua parte! -.


-DÊ O DINHEIRO, ROUBÃO! -.
-Ei! Tamos juntos! Somos manos! – Fez desespero.
-Ai... -.

O mutilado recobrou as ganâncias. É dessas que dão mais esperteza, dum


momento de fuga. Aí já num mora medo: É sobrevivência. Pelo modo de serpentear as
mais sensatas consciências...

-Vem! Pro beco! Ali ó! – E apontava.

Nem houve preparo: Se jogaram pelo beco mais esmagado dentre as casas. Não
alocavam nem nas pernas, má fizeram posição. Dumas rebatidas aqui e acolá, de tanto
se socarem por jeito, conforto mínimo. Já um frente ao outro, a glosa:

-Nossa! Tu tá pior que antes! Certeza que num é fantasma, não? -.


-Que? Num me confunde com anhangás! Sou o curupira, tá? – Até o cutuco não
economizou – Má então... Onde está as prendas? -.
-Aqui ó... -.

Da cueca, privado mais impossível de dinheiro se pegar, má o nojo no moreno


num foi cessado...

-Oxê! Num dava pra ter outro lugar, não? -.


-E dar na vista? Num sou trouxa. Menos nojinho e mais grana. Saca? -.
-Aaaahhh sim, né? – Primeiro sorriso dentre tantas caras duras que articulara –
Má tem quanto? -.
-Uns trezentos... Trezentos... Trezentos e vinte réis! -.
-Porra! – O sorriso é maior que no amor.
-De quebra, um salgadinho do tio! -.
-Que salgadinho! – Empurrou a buchada até a boca do negrinho - Com essa
bagaça, dá pra uns duzentos desta aí! -.
-Melhor... Sobra mais pra mim, ué... -.
-Má... Certeza que num terminou em feiura isso aí? -.
-Ih certeza sim, mano. Num dá treta, não! -.

Má a palavra amargurada, num segura a palavra realidade: Fisgaram-os no beco.


Por caminho de sangue, após a batida. O jeitinho? Pro brejo. Falha entre os sangues
genéticos, os passados que num lhe cessam. Má é também motriz: Mais porrada? Mais
Jeitinho! Mais porrada? Mais jeitinho, ora!

-Miseráveis! Tomar no cu, moleques! -.


-Filhos de puta merda! Vão se fuder! CANA! CANA! -.

Imortalizaram-se em muitas pancadas e ácidos acidentais, estes que se joga


sobre quem num presta gosto para a gente como a gente, né? É que as veredas,
interceptadas, não mais possibilitam: É a primeira circunstância de qualquer homem.
Esta em que vivemos, como sociedade. E ao coletivo, descarinhoso, resta apenas a
brutalidade.
Dentre tantas outras que já se colocou empírica. Pois dum coletivo, não lhe resta
sentimentos amorosos: Resta-lhe um preto morto e um moreno desestruturado. Tais
retumbantes não se perpetuam mais pelas reflexões. Estas? Já se recluíram, dentro das
máquinas. Mas não por vontade da máquina. É pura vontade de bicho homem.
Açoitadas! Motocas abruptas! Tantas marcas de pneu... As sirenes que se
prestam descontentes, mas que são circunstanciais e convenientes. As portas das
viaturas recluem-se, após ignorância de sua existência. Má pelo som, e aos berros,
dentre os cacetes que um policial mete, sobram pequenas raízes de existência. São
infantis. Morrem e se decompõem. Infantis... À natureza, se eternam, mas do homem, se
aliena. Aliena de muito o porrete expulsar-lhe da cachola...

-VAI! VAI! MÃOS PRA TRÁS, PRETÃO! – Berrava o fardado – O menos


preto, também! -.

Aos grilhões, reforjados, os dois menores apreendidos. O basta não se surge,


porém, após a contenção: A justiça dos homens é teimosa e persiste. Nos mais socos e
chutes, só não se pioram pelo camburão ao qual os meninos foram desprezados. Mas
aos cuspes, ainda sim, pela janela aberta da viatura. Que origem não se alcança, nem se
sabe...
Aos dois detidos, um sobre o outro, reclusos ao porta-malas minúsculo,
remanesciam as desavenças:

-E agora, Curupira? Tamos ferrados... -.


-Culpa tua, esperteza... Por que me meteu nisso? – Remexia-se – Ah! Pelo
menos num me esmaga aqui em baixo! -.
-Oxê! Num dá não! Estamos com algema, tá? Saca? -.
-Num sou burro, porra! Má e agora? -.
-Vish... É verbo com delegado... -.
-Merda... -.

Numa mesma velocidade, prestavam-se a não prezar pela lei: Entre fechadas e
quase batidas noutros carros. Em quase modo de, se lhes era a culpa, que dessem para
quem fosse inocente. Ao caso de erro policial, sabe? Parte boa da farda é da farda
surgir-lhe lucro livre de impostos. Bônus: Culpam mil inocentes a prenderem um
culpado.
E pela delegacia, donde nada expressavam, gambés contentes se davam, ainda
sim. A recompensa nunca vem da subida, mas de descer rotineiramente. Batida não vem
só pela natureza: É por gosto. Passatempo para quem nada pode entregar-se a alguma
causa. Os pretos e morenos são oferendas e o delegado, o carrasco. À frente dos
menores, o mandante já os esbofeteando. Por nada, em verdade: O dia ruim se
compensa pelos alheios invalidados. Para um delegado, só a tapa compensava o tédio.
Os meninos, frente à mesa, às algemas permaneciam. Ao delegado, sobravam as
despidas mãos, rondando os moleques, no interrogatório.

-Muito bem... Essa grana aqui não é coisa pra criança, sabe? Você, macaco... Tá
com fome, é? Trabalha, vagabundo! – Socou no rosto, sangrando o nariz do Bertinho.
-Ahhh... Num precisa forçar, tá? Eu não nego trabalho honrado! Má quem pode
dar? -.
-E o que o cu tem a ver com a calça? – Pressão sobre a mesa, na batida - Não sou
sua babá, viado! Procure, oras! -.
-A procura é como cavar um buraco em meio ao nada, pelo nada... -.
-Então morra! Se não pode se sustentar, morra, oras! Simples! -.
-É justo isso? E tu aí, nessa gordura total? Fartura da preguiça, criado com pão
da vovó e leite da mamãe! – E gritava o moleque. E o Curupira? Censurou-se.
-Ué? Que culpa tenho de que o esforço de gente passa de pai pra filho? -.
-Se o cu num tem a ver com a calça, o que o pai tem a ver com o filho? -.
-Cale-se, macaco! CALE-SE! -.

O fardado gordo já pretérito, denotado pelo bigode pontudo e branco, sacou o


cano do chumbo e pelejou contra a mão direita do Berto. A unha quebrada, pelo choro
que num é de dor pequena. O término? Delegado arrancou-lhe a unha quebrada,
esmagando as outras.

-AAAAAAHHHHH! -.
-PARA DE GRITAR, VIADO! SEJA MACHO! CABRA, PORRA! -.
-E TU SERIA MACHO PRA AGUENTAR? -.
-CLARO! NÃO SOU UMA BICHA! -.
O demônio não é apenas um mal dizer, mas também rearticula as naturezas: Às
batidas que ele escutou, despertou-lhe a revidada. Que a unha de um fora tirada, que
também ao delegado a unha seja arrancada e as outras, quebradas. Pela mesma mão
direita que estraçalhou o pequeno Berto. Ao modo do Curupira destruir as algemas,
rebolar-se sobre a cadeira, estuporando qualquer força estatal, através do pulso do
varapau que segurasse. E pelos dentes, arrancasse a unha do dedão e aos restos,
estraçalhasse com uma cabeçada sobre a mão, na mesa.

-AAAAAAAHHHHHHH! PARA! CAPETA! –.

Berros militantes, aos quais a reclamação fiscalizadora fracassasse pela própria


indigesta impotência. Sobre tantos outros gritos pelos quais ocultou, dilacerou. E ao
grito da própria mão, sangue entre os dedos, o homem fardado segure o pulso, pelo
desespero da falta d’algo. É pela falta que se descontrói um homem.

-E agora? Quem é o viado mesmo, cuzão? – Declamou o Curupira, que se


assentava sobre a mesa e pelo olhar de indignação, mirava contra o Delegado.

Sobre a teimosia, não se duvida: Que viesse aos atos delegantes a própria
retomada. Através doutro cano que ainda segurava, erguendo-se do chão, revolvendo ao
alto para antecipar o basta. Dum tiro ao teto, que configurasse som deleite, surdez dos
covardes, cabras que não pegam pela mão, mas burocratizam pela máquina. E
novamente: A burocracia não se faz por si. E o homem humaniza-a. Tudo pelo tiro...

-Parem agora! Querem chumbo, é? Querem chumbo? –.

Ameaça de Delegado não possui força por si, má a burocracia sempre a renova,
reforçando. Meio manco, ainda não corrigindo as caretas da mão doída, e que pela mão
esquerda compensasse pelo tiro. O som estatal... Força mais transparente que o vidro
das regras. Revalida-se pelo próprio dom: Fantasmagórico, mata sem alguém ver. Má
num sobrevive sem um homem que o segure. Burocrata por natureza, que pela língua
apenas nem privatize, nem se idolatre: Resta-lhe a gramática pura dos homens. Censura,
pois revoca o medo. O que paralisa os dois rebentos.

-Ah... Finalmente tomaram tenência... Agora espera só pro juizado dar presença
por aqui... Não vão gostar... Garanto-lhes... – O sorriso do Jeitinho não é exclusividade
minha.

Má quando chegavam as mais baixas patentes hierarquizadas pelo bigodudo, o


fim não lhes seria o cadeião: Que à janelinha mais obscura da prisão, metesse minha
linguística mandona. Derreti barras de ferro, possibilitando modos de invasão, que o
prosseguimento resultou em abatimento sobre o delegado. Pelo chute que rebentei.
Ergui-me por cima do defunto delegante, mesmo que a pisada pareça um desprezo meu.
E as sirenes, claro, não cessam. Por invasão contra os invasores de interiores.

-Ah! Má tu num aprendeu o jeitinho, né malandro? – Bronqueei-lhe por um


belisco na orelha.
-Num mete belisco não! Já num basta as unhas? – Reclamava.

Estava até em prontidão para deslocar as nossas presenças. Mas a dor é


persistente. Sempre é:

-Ué? Se levantem! -.
-Má ó a unha! E o coitado do Curupira todo desmaiado aí? Bateu a cabeça e num
levantou mais! -.
-Mas os cabras são tudo molenga mesmo! Tá bem! -.

Desatei as algemas. E num pisco de pisada, puxei-os pra cada braço. Desolei os
policiais que só fitaram o meu vulto, simultaneamente ao instante das outras pisadas
minhas sob a noite, entre os cercados e os casebres da cidadela. Má a polícia num se
cessa: Persegue mesmo já fracassada. Porque pelo fracasso se persegue, má contra quem
lhe pague, o sucesso nunca prenderão.
Em meio à rua anoitada, desalenta de qualquer aeromóvel, observei para trás. As
sirenes, viaturas que não se dão por satisfeitas. E em morte que se evita, pelas solturas
dos meninos sobre o chão, aos braços libertos que se levantam. Revolvi contra os carros
a quase nos atropelar. Em aço, a palavra mais sólida amolece-se, e se entorta pelas mais
simples forças do mundo: O calor humano.

-Ixé amoiku ndé mbaetá! -.

Que boas vantagens se garante do aço? É que não toma orgulho pra si. E derrete-
se por qualquer fadiga minha. Inverteu-se sobre as cubatas, enquanto ao outro veículo
por trás, pesado camburão, reservei-lhe a programação: Porque coisa de estado, nos
desperdícios, mais se preza uma quântica relativamente programável. Em termos
justificantes para desvio de verba.

- Ixê, abá nheenga irunamo, amonhang pee ybymembyra. Porausuraba-remé.


Kuaba-remé. Tekokuaba-remé. Opaba mba’e, Pee peimoang! -.

Invocada a programação, à sirene cadenciou-se em batidas aceleradas. Já


pausando o movimento, freando o atropelamento, aos guardas espraiando-se pela
musseque. O camburão desovado repetiu sirenes em ritmo desorganizado.
Inconsistência de quem já muito se normatizou, que o veículo burocrata se desvaire.

-Que diacho é as brabas que tu fez, Mari? – Bertinho só olhava, desprezado


sobre a terra lamacenta.
-É que se não há Estado que possa não se temer, que de suas criações se revalide
alma humana. Pela língua, e compreensivo seja o veículo... -.
-Mas... Não é burocracia? Digo... Como você já falou... – E desmaiou...
-Durma, meu garoto. É burocracia sim, mas a burocracia morre quando ela se
humaniza... -.

Reprogramação linguística sucedeu-se por reviravolta maquinaria, do quanto o


veículo mais pudesse já dar a ré, marchar ao caminho dos homens. E da ré, até a sirene
piscou-me um “Desculpa!”.
E pela cidadela já tendo uma das máquinas minhas, retomei os dois dorminhocos
pelos braços, em lenta vereda até a rodovia adiante: BR-28. O trajeto que finaliza até
donde eu me pertencia: Floresta de Anhangá, mais ao norte de Montes Belos e seus
pilares sobre a floresta. Pela muiraquitã que me guia e agora o Estado não mais tão
sobre os meus ombros...
Que pesam com dois endiabrados, desloquei-me por uns três dias. A cura que
lhes chegasse pelo descanso, enquanto a hidratada ainda se perpetuava. Má pela
rodovia, já não detinha resquício do sertão brasílico, mas do sertão mais sociomano:
Entre as terras mais vermelhas, os roxos mais latifundiários, que pelos coronéis mais
pelejam quem lhes apegasse um metro do solo.
E pela beirada da rodovia, ao clima mais ameno, larguei-os sobre a terra. É que
curativos semanais não são retardados quando minha gramática universal funciona, má
quando digo que não funciona, retardam como bobos. O tempo na cidadela deu-lhes
jeitinho mais aguçado, mas com menor malícia e destreza.

-Vá! Já dá pra caminhar, não? Sem moleza mais pra vocês! – Imperei.
-Má agora pra onde vamos, Mari? – Bertinho, pela pergunta, implica
impaciência.
-Ah! Num estamos longe. Dentro de pouco tempo, à casa retornamos! -.
-Casa?! Que casa?! – Os dois ao mesmo tempo proclamaram em tom uníssono.
-Uai? Má também esqueci, oxê! Montes Belos fora minha terra, donde cresci. E
minha casa ainda jaz por lá. Nunca fui só de andejar, tá? Antes de tudo e todos, vivia
com dignidade e dinheiro! -.
-Uh! Conta mais pra nós, Mari! -.

Aos tropeços, má se comportaram: Em modo dum ficar à frente doutro, má refiz-


lhes posição sintática e, por ordem, um círculo de três. Pernas de índio, o primeiro
folclore que as crianças escutam:

-Bom... Eu era uma grande programadora. Trabalhava para o Banco Argamenta,


avaliando a manutenção e resolvendo problemas dos bancos de dados... Mas nem são
causos interessantes. Sou duma família que já apossou fortunas, e pelas terras tanto
plantaram. Dum tio meu, começou só com um bezerro até alcançar os latifúndios... E...
Bom... É só... -.
-NOSSA! QUE INTERESSANTE! CONTA MAIS OUTRAS HISTÓRIAS! – O
negrinho exclamou.
-MAIS! MAIS! FALA DA CASA BOA QUE TEM! – E o Curupira aliterando...
-Má oxê! Num é nada de interessante... Almejam que glosa? De carro, de casa
ou do quanto penei entre as tribos afora? -.
-Que tribo de escambau! Num conta chatice! Má falou carro... Carro! Você tem
um carro, Mari?! -.

Em interrupção, lhes passei a mão na testa, por perplexidade assolar-me. É que


a casa não faz folclore, má eles hei de cultivarem sobre ela. E o carro? Move, mas não
reinventa. E as aventuras...

-Para com as tribos! Fala é dessas coisas que cê tem lá na cidade! Porra! Que
doido, não? E os trapos? Se tem carro, por que os trapos? – O Berto intrometia-se,
introspectivo pelas tantas questões que lhe sai do coração.
-Carro... Casa... E computador? É também adquirido? – O moreno rebentado já
nem olhava para mim.
-Nossa! Má é patrícia! E os celulares dela? Nossa mano... -.
-Calma vocês! Agora... Pra que falar, se há de virem comigo, ao empirismo lhes
presentear as posses? Palpáveis, sabe? -.
-SÉRIO? AH MOLEQUE! – E os tons uníssonos aliterando.

É alicerce folclórico de todos os homens, meus leitores: Prezo pelo que há de


lhes provocar fetiche. Não há história que signifique mais que um carro zero
quilômetro. As estórias, e os contos de cada velho e griô, morrem diante da adrenalina
aeronáutica, as aberturas do capô sedento por óleo diesel. Aos sons do V8, que mais
recantem feitos pelo que não se realizarão. E no fim, o carro e a história se solidarizam:
Cantam feitos já não mais vistos. Mas ao carro, ainda lhe resta a sucata deslumbrante...
E à história, um esquecimento.
Aos meninos, que já me perseguiam com mais vivacidade, num paravam de
espreitar. Já muito exaltados, mais pela suposição que pela realização de fato.
Suposição... Remonta uma fofoca espiritual: o achismo que surge desde a mocidade.
Teima-se de a desapegar, pois da suposição nasce a curiosidade, má também os
primeiros preconceitos. Entre o preconceito e a curiosidade, a irmandade.
Mas... À rodovia que seguíamos, localizava-se uma pequena menina à beira do
asfalto, petrificada frente aos grandes aeromóveis. Quase pelo acostamento, uns
paravam um pouco, olhavam torto e retornavam vereda pela qual transitavam. Em
aproximo, nos lampejamos à frente dela, em modo de saber donde estávamos:

-Ei, moça! Tem tempo pra nos falar uma coisa? – Indaguei.

Má a menina nem piscava. Repeti:

-Moçinha! Menina! Onde estamos? -.


-Bem... É... Você... -.

Semblante feminino remetia a causos anteriores. D’algum lugar que houve um


sorriso tão neutro, mas também pela calada da própria fala... Porque pela fala...

-Lembra? O trem... Aonde nos encontramos... -.

Gelei. Incerteza, mas ainda sim, tremi. Lembranças que obstinam: Aos trens para
Leidorio, donde um griô cantava aos meninos, e uma menina... A primeira a quem o
meu poder chocou... A quem a normatividade mais se alentou...

-Senhorita? Estás bem? Eu não te assustei, né? Caso haja necessidade, posso
providenciar-te uma água... -.
-NÃO! Digo... – Recompus-me, após trauma relembrado – Tudo bem... Eu estou
bem, tá? -.

O sorriso? É... Sorria, ainda que aos trapos. A norma pela qual prezasse, mas
pela norma não se cria, nem se evolui. E por isso desencanta. E à norma, lhe restava
apenas isso mesmo: Sorriso propagandístico. A brancura dental que se busca, mas pela
língua se amaldiçoa pelo resto da vida: À que tanto ela se entrega, mas a entrega tão em
vã. Não era bobalheira ou inteligência: Apenas a vereda mais neutra possível. Por isso,
não comove. A gramática tem a quem mandar, mas a quem a gramática pode recorrer?
Os gramáticos não a compreendem: A idolatram. Ela chora através duma menina
sorridente, entre os trapos que resultou da própria mediocridade da fala...
-Senhorita... A mim, pareces exausta. Necessitas descansar... – Até pegava-me
pela mão, e delicada, não forçava.
-Não... Não precisa... Obrigada... E... Menina... Qual o teu nome? -.
-O meu nome é Clarissa de Almeida. Muito prazer, senhorita... -.
-Maricí. E só isso, tá? -.
-Ah! O prazer é meu! -.

Pelos olhos, e pelos pulsos que segurava da menina, a linguística etimológica


duma vida de cinco anos: Língua boa que aprendeu, mas a mãe morreu de tanto escutá-
la. Muita regra mata a quem já envelheceu demais para obedecê-la. E à menina, sem
pai, restou a estrada. O cafetão a quem servir, após ninguém lhe prestar alguma atenção.
Por muita fala de gramática machadiana.

-Ô Mari... Nós aqui num tem o dia todo, né? -.


-Vocês se comportem aí. Agora a treta num é pouca! Espera... – Imperei, por
malandragem não convir àquela hora.
-Mas por que você tá tão concentrada na menina? Que ela tem de especial? -.
-Não tem a ver contigo, Bertinho... – Eu fitava a menina, mesmo em conversa
paralela - Vai... Vai brincar com o moreno, vai... -.

Os dois mantiveram-se aos olhos tortos, trocando estranhezas entre ambos.

-Maricí... O teu nome não segue corretamente a norma culta da língua


portuguesa. Quando a tua mãe concedeu-te tal nomenclatura, não se ofendeste? – Não
remetia malícia. Era a inocência de quem eu programei, pois o sorriso dela nunca
acabava. Por minha programação.
-Err... Não... Foi até de muita consciência dela tal nome! – Sorri.
-Senhorita... O meu pai necessita dos conteúdos monetários que possa transferir
a minha pessoa. Tu podes transferir ou... Necessitas dos serviços prestados por mim,
caso a recusa? -.
-Não! Nem dinheiro, nem esses tais serviços! Olha... Posso ver o teu... “Pai”? -.
-Sim! Por favor, acompanhe-me ao locativo apropriado pelo meu pai, doutor
Humberto Sorrateiro – Deu as costas, já traçando a senda.
-Errr... Bom... – Aos meninos, lhes segurei pelos pulsos – Vamos logo! -.
-Ei! Ei! Mas e a casa? – Reclamou o Curupira.
-A casa já retardou. Essa menina não é um caso aleatório. Só te digo... -.

Aos resmungos, os dois sussurraram entre si, pela fofoca. Enquanto seguiam-me
por trás:

-Mano... Num tá dando estranheza esses modos da Mari? – Indagou o negrinho.


-Ih! Tá é com fala engraçada, isso sim! Até agora era tudo na moleza! E agora...
Tão retida... – Entortou o olho, encurvando-se pelo círculo de fofoca com o Bertinho.
-É! Tá é toda estabanada! Cerimônias! Má que enrolo... -.

À medida que avançávamos, entre tantos ipês e jatobás, construídos sobre um


solo desastroso, inóspito pela escondida que causa, e assim nos revalidava um caráter
mediúnico: Que é a média que se presta desonrosa. Equilíbrio que num fascina, pois aos
homens num há o que lhes cause atrocidades. E por isso, é o paraíso dos bandidões, a
quem não há terra que lhes necessite atenção. E a escondida, lhes convém.
Distância da rodovia... Desvio pelo qual se acompanha, sobretudo ao encontro
dum pequeno casebre amadeirado: Entre dois grandes jacarandás, recolhia-se tímido
diante dos maciços troncos que a sustentava, como tantos sólidos casarões arrastados
pelo interior da Socioma. E o cerrado que lhe acolhia, nada haveria de quem pudesse
rastreá-los.
E o caminho que traçava perfazia-se coberto de burutis, a quem um curso d’água
lhe articulava um percurso, tencionado, porém, a um contraste: Entre muitos canos de
esgoto à frente, e algumas das gigantescas edificações adjuntas sobre o rio, dumas que
são suportadas pelos pilares humanísticos. E como sabem, pro modo de evitar que
Anhangá apanhasse-os.

-Como vós enxergais, a casa pertencente ao meu papai localiza-se entre as duas
arvores – Apontava – Queres que eu acompanhe? – E o sorriso não cessava...
-Ah! Sim... Sim... Por favor, venha comigo... E vocês dois aí, que ficam no
cochicho fofoqueiro que sei sim do que estão falando, não sou burra, se comportem aqui
fora... -.
-Ué? Por que num podemos nos meter? Hein? – Indagou o negrinho,
gesticulando-se pelos braços de ameaça.
-Porque num tem a ver com vocês, tá? Se liguem e num se metam em treta...
Quem sabe num trago algum feijão... -.
-Ah! Se for assim, nós espera! – Concluiu o demônio.

Aos dois meninos, lhes restou apenas a paciência. A mim e à menina, um


caminho desconexo: A ela, o sorriso era constante e a pisada, segura. A mim, a
lembrança dum experimento teórico-prático, donde a regalia pelo poder num esquece o
legado que permanece. Dos quantos mais se gera uma herança doada, má não gloriosa.
É a dívida que os netos nunca pagarão.
À porta que se abria, porta esta mais quadrada que retângula, à copaíba que lhe
formava. Adentramos a um pequeno salão de madeira, mas que o trapo da menina não
condizia ao pai que pertencia: Um velho que se vestia com o jeito jagunço, repelindo
qualquer vista que se pudesse mirar, através dumas cachimbadas às quais atentava. À
parede condecorada do sangue duma onça pintada, colorida dos chapéus dos
cangaceiros que caçou. E uma cabeça empalhada à frente da mesa: Cabeça do
Lanterninha, herói do cangaço.
E o velhote levantou-se da cadeira velha, suspendendo a cachimbada. Pelos
caroços pretos que até atravessavam o globo, chegando até as estribeiras da menina, que
ao sorriso já não se limitava: Era pela neutralidade, a única face que lhe restou após a
encarada. A mão capanga trespassando por cima da tabela localizada à mesa...
Comentava quantas posições possíveis e quantos preços que se pudesse pagar pela
menina, aos serviços do corpo.

-Muito bem... Deu no couro, vadia? Quanta grana conseguiu? E quem é a feia
aí? - A cara séria era a carapuça de quem num se satisfazia do próprio trabalho.

Se a cara neutra não significa, as tremulações de quem não tem alternativa já


resplandeciam o que uma menina haveria de responder ao pai:

-Senhor... Papai... Infelizmente, os sujeitos, por vontade, não compareceram até


a minha pessoa e, portanto, não houve a possibilidade de adquirir o dinheiro em troca
dos serviços prestados... – E a cabeça abaixou.
Aos homens, a satisfação não chega desprevenida: É condicional, mercantilista
pela negociação. E se não era mais feliz, então lhe parecia insuficiência, preço desigual,
pelo que achava que devia receber. Pela indignação: Andejou, agachou e apertava-a
pelos braços.

-O que está fazendo dói, papai... -.


-Num faz cara feia, putinha! Num deu dinheiro? Então é surra! E cama! – Pela
fúria, a quem o dinheiro presta mais sentimento que uma menina desnutrida.

Que aos momentos duma criança potencialmente estuprável, não me desconectei


das insensibilidades: Quando se há pulso pelo coração, se refaz um impedimento. Que
do árbitro futebolístico mais se duvidará, má que a incerteza é mais segura que a
certeza. Por então, e entre os dois, meti-me ao meio, e num deixei o senhor jagunço
completar alguma trepada, não! Não é de honra que os homens se completem numa
pequenina!

-Moça... Sai daí, num é da sua conta! E aliás... Que faz aqui? Hã? – Meteu-me
até um empurrão.
-Não é de Deus isso! Que há com você? É uma menina! – Tampei qualquer
ataque que ele desferisse sobre a coitada.
-Menina nada! Fala até com jeito! É já mulher! Nem tem mais sangue entre as
pernas, porra! – Outro empurrão – Me deixa bater nela! -.
-Ah! E servir as meninas numa estrada é de honra onde? Safado! -.
-Olha moça que num tô em bom dia... – Acenava-se glorioso.
-Aqui ó, seu tarado! – Escapuli um dedo do meio.

O capanga, jagunço por natureza e que para algum coronel que servisse, se fez
descontrolado: Desabotoou a camisa, alguns passos para trás... Revirou a mesa, até! E
num se fazia manso: Apanhou um facão empalado numa cabeça cangaceira. E é por
tentadas de desferir um golpe contra a menina, má não contra mim! E que não é por
honra que se faça isso numa criança, né? Ao senhor que atacava, eu que não permitisse
as vidas perdidas. E então, que lhe parasse, ao instante da ponta da faca sobre o meu
nariz, pela minha linguística, em erguidas mãos.
-Que pela faca não cause dores irreparáveis. A cicatriz que não podes delimitar...
– E fitava-o seriamente.
-Ah... -.

Mas quando o jagunço repetiu o comando, que a força de meu poder não lhe
impedia: A faca, por relutância minha impedindo-o, mas a lâmina quase chegava ao meu
nariz. Distanciei com a garota e, num pisco, o golpe do doutor alvejou o chão. A
madeira que não evitou o facão, e ao “pai” lhe retirasse de tão fundo que a faca fora
adentro do ipê.

-Ah... Num ache que num sei de ti, senhorita Maricí... -.


-Oxê! Meu nome! Mas que diacho é isso? -.

Repeti a programação, que pelas mãos erguidas de novo, refizesse-o inofensivo.


Má em vão: À segunda vez, num lhe surtia quase nenhuma consequência. Abatida, entre
os dois cortes no braço cambão de Mayara, que não mais me segurava algum legado que
lhe fosse a diplomacia que tanto almejou. E pela segunda fitada, enquanto me mancava,
um terceiro golpe, mas sucedi o desvio.

-M-Mas... C-Como não te programo? És... És o primeiro que... – Retinha a mão


direita contra os cortes.
-Ah... Se liga: Palavra de jagunço num faz cerimônias. Já saquei as tuas manhas,
vadia... Afinal... Num se lembra de mim? Pela minha pinta de boiola castrado? -.
-Não... O homem da estação? -.
-Só que num me faço mais de gravata, ladra de merda! – E tentou outro golpe.

Pelas quartas ou quintas mais tentadas, espertava já a não sucumbir contra os


mais outros golpes que me desferisse, fazendo-me esquiva. E ao senhor já se zangava,
sim. E pelo bilhete roubado, se reduzisse aos pertences desapegados. Pelos quais há de
lhe causar um recalque revisitado: Mais um entre as essências de violência. Porque alma
d’jagunço num há de aguentar os jeitinhos. Restam-lhes as migalhas das glórias
coronéis, pelas quais tanto idolatra.

-O BILHETE, VADIA! PELO BILHETE! -.


E agora, retornando com a faca, esquivei novamente, mas em desaviso. O golpe
que podia em qualquer lugar, menos numa lasquinha de pele da menina, mesmo que
fosse por um belisco. Redobrei as veredas que escolhi: Em afastá-la ao canto da sala e
pela revidada, lhe retornei um chute ao saco. E a encolhida, por dor extravagante, foi
certeira.

-Vamos! Seja cabra agora! Num se vista da boiolagem duma faca... Mano a
mano! – E me posicionei combativa.

Ao tabaréu, o que num fosse de voz fina ou por teimosia, por outro lado num
ignorou as palavras de honra, em desprezar a faca sobre a mesa. Dobrou as mangas,
expondo um legado de força máscula. E quando já num estava mais a relinchar-se à dor,
avançou. As vistas imprevisíveis, entre os dois socos que me dera. E que nenhuma tapa
lhe fosse dar, respeitando a lei de cabra que lhe inseri.
E no terceiro soco, à barriga, proclamou a mesma lei que configurei, mas contra
a quem a programou:

-E agora? Num sou cabra? Engole, vadia... -.

Mas briga de gente não se cessa pela lei do macho: Por que coiso recinto num se
revira para alcançar as armas, e a maior delas, que fossem as palavras. Mas a palavra
num basta, pois não significa. É apenas um berro sem causa. A sentença só se configura
pelas próprias responsabilidades. E aos atos, concluíssem: Que as palavras renomeiem
os atos – e ideologizem.
E que a ideologia dele, já não mais lembrasse as facas, nem os chapéus
cangaceiros que tanto caçou. E roçou a camisa, ao corpo conservado por tantas
execuções entre as matas virgens que já tanto vagueou. Porque se pela ideia num me
derrubava, que derrubasse pela máscara abaixo da máscara.

-Vamos... Tô pronto pra te matar, cangaceira... -.


-Cangaceira? Num sou de justiça, não! E nem lei dos cangaços! Nem chapéu
tenho! -.
-Que do chapéu e nem da lei tem, má a oratória num se despreza. E é de tua
fonética que já não mais me encanta... – E preparava uma pegada sobre mim - Não me
deslizo mais por palavra de programadora! -.
-Má diacho... -.

Voei os pés sobre a cabeça dele. Em um num foi o golpe, porque o ingênuo num
prestou atenção em lutas dos baixos – Desviou, sem cair – Mas é o desvio que se quer
quando se faz capoeira: Ao segundo pé atingisse-o no queixo. E é sem força, mas que
não precisava para que o doutor terminasse sobre a mesa. E a faca num lhe fosse
possível, pois estava embaixo do corpo.
Em evito doutra tentada de golpe, saltei sobre a mesa. E que minhas mãos
segurassem os braços do doutor, enquanto que pelas pernas imobilizava-o em conjunto.
Conjunta às indagações, que o interrogatório começasse por...

-Quem você hei de ter adquirido tal empirismo sobre mim? -.


-Ui... Pruma feia, até que num é lá uma imprestável... -.

Assentei maior força sobre os braços morenos, para que a dor lhe surgisse no
repente. Formatura de estralados, entre os ossos que pudesse rachar, pela tenência que o
doutor, resistente, houvesse de tomar.

-Urgh... -.
-E agora? Podes cooperar? Fale o que te pedi... – Minha cara num se modificava
da seriedade.

O contumaz num sobrestava as movimentadas, os braços que ainda compeliam


mesmo entre as rachaduras das ossadas. O jagunço não se desmotivava, e insistia-se
numa canção a respeito dos corpos femininos à frente dele, mas que não se faz em
tempo de morbo, não sem as mais forças que aí, quase lhe trincasse os ossos.

-Ah! Está bem! Eu falo! – Cooperou, mas ainda protestante.


-Muito bem... Donde veio essa sua imunidade? – E dessa vez, sem jeitinho, nem
sorriso.
-Por mim mesmo! Por jeitinho não me fazer peste... -.
-Mas como assim? -.
-Pelas tuas ajeitadas, eu me espertei. E tu num me mudará nunca, pois mudei
antes de ti... Má aí num conto, é segredo de moreno malandro... – E meteu um sorriso de
safado, tão ajeitadinho quanto o quando o bilhete roubei.
-Mas... E como mudaste? -.
-Como bem e sempre dizes, por linguística tua – E desviou os olhos em modo de
não encarar-me, constante no sorriso - Pois... Bom... -.

Um gaguejo como preparatório, e por posterior, o senhor que preparasse uma


declamação profética, e por fim regurgitasse alguma tradição inerente a mim:

-“O princípio de ti mesma começa com um segredo” -.

O sujeitinho deu-me uma pontada com a perna, decorrência das manifestas


súbitas contra quem não se preparou para as declarações. Por meu espanto, enquanto
ainda me destoava sobre as questões mais que aglutinassem sobre a primeira que
indaguei. Mas em minha esperteza igualada a dele, confrontava-o equilibrada.

-Mas... Como conheceis tal frase? -.


-Por escondida, ué? Estive furtivo, espreitando-te, pois bilhete nenhum se pode
esquecer. A vereda que tomastes de mim... A VEREDA! -.

Tentou uma tapa, mas pelas tantas repetidas dum mesmo método, eu já o
aprendia mesmo sem o infiltrar linguisticamente, doravante fossem as impertinências
enquanto pudesse ainda arrancar-lhe as filosofias. O doutor não mais metia medo e
manco, num remanescia nem força, entre os ossos que já fadigaram. Ele fraquejava
umas lamentações para si mesmo, sem a minha escuta.

-Por que o bilhete o importuna tanto? Por que? -.


-Porque é pertence, é vereda, é vida minha... -.
-Mas por que tanto prezo pela vereda? -.
-A vereda é mais importante que a alma, senhorita... E agora? Onde fora parar a
minha vereda? Restou-me apenas a jagunçada e uma menina a quem descontar as
frustrações... – Decaiu ao chão, aos prantos que explodiam.
-Tudo por um bilhete? -.
-Tudo por uma vereda... A que não se consegue mais... – E chorava...

Uma cosquinha pela cabeça, intentando alguma certeza: Em uma importância


sobre algo pequeno. Porque o bilhete num é eterno, mas a vereda ainda lhe continuava
para Leidorio. Então o que haveria de chorar, se a vereda nunca sumiu? E por que
vereda se atenta?

-A vereda da gente num se recupera com outros bilhetes de livre-arbítrio... Pela


amada que não se recupera... – Deitou-se ao chão.

Finalmente a desabafada: A quem estivesse a esperar-lhe, mas a paciência não


madruga. Às amadas que se desiludem e esquecem. E aos amados, que por pequenos
detalhes já se derrubam, pois são dos pequenos que se arrombam os maiores. Em dois
trotes se resultou: No roubo dele – E em minha curiosidade resultar-se em tão pouca
cousa.
Mas aí o sorriso ressurge em qualquer oportunidade e contra o doutor, a proposta
minha não fosse tão injusta, mas é claro: Nenhuma proposta se faz sem a astúcia. E
dela, recai-me o bom semblante.
Demarquei aproximação, ao qual o pai da menina respeitou.

-Bom... E se eu disser que há formas de possibilitar... Cê sabe... A antiga vereda


que almejas? -.
-O que? Como? O seu poder pode?! – Ajoelhou-se a partir da levantada sobre o
chão, e duvidou – Má sobre tua senhorita, só vi linguagens... -.
-Mas a vereda num é impossível: Não se deixares-me explorar-te... -.
-Ah não! Demorei um tempão para aprender um bloqueio contra ti! A esta
proteção, não renego! – Acenou uma repulsa.

Rodopiei, rodopiei... Circulei o doutor jagunço, enquanto ainda num se desfazia


do medo. O sorriso da boa hora, então, ressuscitou-se sobre a minha face, e o jeitinho,
permanece:
-Bom... É simples: Pela liberdade da menina, que num faças mais exploração
ruim. Em troca, a tua vereda... Simples... E tudo que precisas é, além de num fazer mais
cu doce pra pequenina, deixar-me entranhar... – Para o relaxo, pus-me às costas dele,
aos ombros lhe massageei.
-Ah num vai me zoar, né? Num vou terminar retardado, né? -.
-Claro que não. É promessa... Ó, a menina tá de prova! –.

A menina? Mantinha a normatividade, neutralidade de rosto, e nunca uma


transição entre risos e choros. Sempre pela constante, uma paralela que nunca se
encontra – Nunca mudará pela própria contida, que nunca encontrará outras nuances
dialetais. É a gramática que se despreza, mas ao mesmo tempo tanto se idolatra, e se
explora. Nunca pranta, pois não se reconhece a si. A regra que não denota normas:
Apenas se parametriza recoberta das individualidades que perdeu. E aí, só a resta o
prestígio, à própria alma desconstruída.
O macho fitou a menina e, pleno das confianças e pelas liberdades que escolheu
conceder, retomou as promessas:

-Está bem... Vou permitir tua intrometida... Mas é pra cumprir, hein! – Apontou o
dedão.
-Não te preocupes. Não haverá dor alguma, nem estribeiras imprevistas -.
-Assim espero... -.
-Mas... E a menina? -.
-É tua, ou de quem seja. Que morra, se isso significar a minha amada de novo...
– Finalizou com um tímido gracejo.
-Menina... Vá pra fora. Aqui e agora, é tarimba de gente grande... -.

Distanciei-me em cinco palmos, má antes que iniciasse algum ritual ou


intromissão mental...

-Certeza que queres isso? Num é reversível... -.


-Num vivo lá bem, né? Olha aqui a minha inglória... Num possuo nada de boas
recordações... Quero a minha vereda antiga... – Sentou sobre a mesa, em olhar mais
horizontal que pudesse alcançar.
E que por minha linguística se reconstrua aspecto nostálgico: Resgates
inexistentes, mas que hei de apaziguarem as saudades. Estas que não se consegue mais
pelos meios formais, porque a normatividade é atemporal – E a vereda antiga, uma que
se conserva, mas não se mantém. Afinal, essa é a semelhança entre a norma e a saudade:
Atemporais pela teimosia humana.
Ao jagunço, sentado sobre o chão e recostado à carteira, reiterando a fitada
incrédula, apenas pacientava-se para receber a própria desilusão – Alguma vereda pela
qual se lutar. Mas...

-T’eresaraí oîeí. T’ereimosêmosem... Mbiara kanhema! -.

O doutor flutuava, em circunspectos olhos brilhantes e entre os ventos que o


rodava. Nem se enxergava mais a pele morena, do clarão que o escritório se assolava.
Mas? É que a nostalgia não se aprende pela saudade: Aprende-se pelas maneiras, pelos
jeitos maduros. E a idade, alheia à maturidade, num evoca a experiência entre os mais
desesperados. Porque o pretérito nunca é perfeito.
Súbita deslocação: O senhor pegou-me de surpresa! Da sala que já num estava
verossímil. Às paredes distorcidas e a madeira, mudança diacrônica. É que o ipê já num
se crescia em madeira, retornando aspecto arbóreo. E por fim, a casebre, tornou-se
aspecto metálico, entre os computadores que a compunham em vez das naturezas.
Pelo fim de tanta mudança: E à sala que se tornou um escritório prestigiado,
entre os ouros que a configuravam ou as telas límpidas. E nenhum legado jagunço. Mas
nem sempre se reconta tudo pelas boas novas: Casebre transladado. Sobretudo, em meio
ao cerrado, que o metal que a compunha não significasse a nostalgia plena: A amada
num se refez. Por vontade da mesma.
Mas ao doutor, agora sentado à mesa, atendia pessoas que num se vê, e nem se
ouve falar. Gesticulava para o nada, cumprimentando, apresentando relatórios de
alguma estatística artificial. E a amada... Beijava o ar. O ar, que venta entre a cabeça e o
universo, neutraliza as tentadas, aguça a inexistência. A quem se despreza e
transparente, a única que permanece, após o último respiro humano. O último respiro do
jagunço, já em morte rápida, foi contra a escrivaninha. Morreu, pois a nostalgia é
curta... A sua glória durou um minuto.
Marchei a fora da cubata, em ensejo das crianças. Saí, mas a surpresa: Uma
menina que não comparecia, restando-me somente os dois moleques galhofando com
uma bola de pano velho, feito dos trapos que sobrou do casebre que mudou. Aproximei-
me aos dois distraídos e perguntei:

-Mas onde está a menina? -.


-Foi pra rodovia, Mari! Bora lá? -.

Acenei-lhes que viessem, e obedeceram. Enquanto caminhávamos, indagava a


respeito de minha falha e, lembrei: Possibilidade de indaga-lo em como conseguira tal
feito. Por burrada minha, e que agora só sobrava-me as irrespondíveis. E uma
consequência: A minha língua afrouxou, narrativa que agora não se obedece mais as
normas que tanto propus. Por minha mudança dialetal, agora não mais conseguia
menção por língua de gente. Pela estranheza... Que a fala minha não se recorra mais às
sentenças brasílicas. Só restava-me alguma norma culta e um coloquial brando.
E aos meninos, acalmados, estranhamente não causavam, nem repercutiam
alguma reclamação. E isso me atolava uma dúvida, se aquele silêncio provinha de
alguma estranheza ou de alguma impressão, ambos sobre a menina. E que a resposta...
Eu já entendi: A menina ali, esperando à beira da rodovia. Mas não me impressionava
tal cena: Impressionava-me o quanto eu já sabia que tal fim acarretaria a tal criança.
Mas por questão de certeza, aproximei à menina e pedi informação:

-Menina... Você está bem? Por que ainda continua aqui? – Virei-lhe, pondo-me
face a face.
-Ué? Má é de minha essência, uai! Num tenho pai, nem mãe. Quer que eu faça o
que? E tu já tens os filhos teus aí. Te cuida! -.
-Não... C-Como assim? -.

E eis que ocorria uma estranha deslocação: A mim, não mais expressava alguma
norma que não fosse as que eu enfrentava. Mas à menina, possuía total expressão
madura, de quem a linguagem nunca se corromperia pelas regras humanas. Reduzi-me a
uma gramática humana? Pelo que o meu poder ainda restava? Por que a todos, tanta
riqueza e a mim, a linguística perdição?
Deixei a menina à rodovia, apanhei os moleques e caminhamos pela estrada,
enquanto ainda indagava-me pelas duas causas: A minha perda e a minha falha
linguísticas, e para qual delas eu firmaria maior causa ou consequência. O erro foi
abrupto, equívoco de meu ritual? Donde houve alguma troca linguística, ou troca
nenhuma houve?
Mas antes, paramos ao meio da rodovia, a alguns quilômetros de Montes Belos.
Fitei os moleques, enquanto estes trocavam olhares, por ausência de alguma fonética
provinda de mim. Com seriedade, dialoguei:

-Vocês... Fiquem à minha frente. Preciso testar uma coisa... -.


-Ah não, Mari! Nós num somos abestados, não! Vimos que tu fez lá com o
doutor e nós que num vamos nos foder! – Ambos se distanciaram.
-Mas... Não estou como antes... Não percebem pela minha fala? -.
-Nós percebe, sim! Má tu pode tá é engabelando, né? Num somos trouxa... –
Reclamou o Curupira.

Os meninos assustados se afastaram três metros de mim. Mas insisti, os


perseguindo pelo asfalto, enquanto houvesse de alcança-los, pois a juventude os
abençoava com força e agilidade. E eu os perseguia mesmo, tentando puxá-los pelos
trapos que vestiam, ou evitava-os que os veículos automotores os atingissem.
Mas em uma distraída de nós três, o Bertinho calcou sob um dos carros,
enquanto rodopiou pelo ar e uma segunda máquina o atingia, arremessando-o a fora da
autoestrada. Lagrimejando, apressei até o Bertinho, entre as matas e os arbustos que o
amorteceram, apalpando a mão friorenta do mesmo.

-Meu menino... Não sucumba... -.


-Urgh... Mas... -.

Claudicava, em decorrência das feridas espalhadas pelo corpo, mas comportava-


se como um homem, sem coxear e nem lágrimas. E o Curupira, em seu jeitinho,
escapou para longe de nós e que, talvez, não mais o visse.

-Berto... Bertinho... Não morra... – Eu não cessava o choro.


-O... O q-que tu farias, mesmo? Mari... – Os olhos batalhavam para que não
fechassem. E o seu coração palpitava alucinado.
-Eu ia te mudar o dialeto... Mais nada... -.
-Por que, Mari? Por que faz isso com tanta gente?! – Forçou a voz, mesmo
fraquejando.
-Porque... É a minha tarefa... Mas... Eu não sei se estou com esse poder e preciso
testar... Eu te juro que não vou te machucar: Só modificarei alguns fonemas... -.
-Mari... -.
-O que foi? -.

Sem minha comanda, o Bertinho flutuou. Sem uma vontade minha que pudesse
acarretar tal fenômeno. Em meu desespero, ergui as mãos, em tentativa de executar a
minha linguística. Mas em vão, recorri às mãos físicas, o que também se mostrou
baldada. Os globos oculares do garoto cintilavam.
Em mais uma tentativa de aproximar, um raio atingiu o chão entre ele e eu,
impedindo-me qualquer verbo. O céu escureceu e muitas pessoas pararam os seus
percursos pelo acostamento para presenciarem. Uma calamidade pública.
E essa calamidade intensificou-se, através de um brado que se espraiou por toda
a Socioma e a Brasílica juntas:

-Eis que aqui nasce Jurupari, o Legislador, filho de Maricí, a Programadora. Que
as regras dos homens se assemelhem às leis do Sol -.

E o sol fulgiu entre as nuvens que dispersou, cujo brilho concentrou-se em uma
única esfera resplandecente. Esta, à terra desceu, recobriu o negrinho, cuja
representação significava em uma mulher acolhendo-o maternalmente e, em alguns
segundos, o globo esplendeceu. Desta vez o clarão foi o mais intenso entre todos os
presenciados.
Após um pisco intermitente, finalizou-se em uma tonalidade insípida, cuja
abertura resultou em um Bertinho flutuante: Desta vez, por comando próprio, em uma
programação longe do meu alcance. Ele não era nem programador, nem linguista: Era a
mais pura regra mediúnica, entre os homens e o universo. Sua estatura aumentou: Era
detentor de um porte físico avantajado, harmonizando-se pelo aspecto sereno em sua
face mais madura que a minha. Porque o garoto não só cresceu: Recobriu-se da maior
sabedoria que os homens podem alcançar. E se assim era, não mais eu poderia comandá-
lo. A mim e a minha muiraquitã, restava o caminho do protetor da floresta.
-Maricí, a Programadora... Anhangá num é feito de paciência: Eu te enviarei até
o cervo. E deixe que Jurupari siga a própria Vereda... – O Sol gritou.

Mas por ensejo, gritei de volta:

-E como fica a minha língua? É assim que eu hei de encerrar? -.


-Justamente por isso, vá até o cervo... – E o Sol retornou a cintila normalidade.

Na segunda tentativa de olhar Jurupari, este seguiu um percurso contrário ao


meu, deslocando-se ao norte de Socioma, retornando às terras brasílicas. Por minha
dúvida, indaguei-lhe:

-Berti... Jurupari... Aonde vais? -.


-Maricí... Eu vou às primeiras terras que precisam das leis do Sol. Lembre-se: O
princípio de ti mesma começa com um segredo... – E retornou os caroços à estrada,
enquanto muitos veículos reduziam a acelerada para vislumbrar o legislador, que ainda
se cintilava em um aspecto azulado.

A mim, restou a vereda pela qual seguir, em modo de encontrar Anhangá. Mas
mesmo que a dúvida se encerrasse pelo esclarecimento de um cervo, por todo o
caminho que segui ainda me indagava: Por que o princípio de mim? E por que o
nascimento de Jurupari? O que sobrou de mim?
Ao caminho, andejando de taba em taba, recobrei uma divagação pela qual
ajudava a compreender: O quão as normas interferem. E por que norma agora eu
seguia? Porque o Jurupari não é um mero caminho novo: É a quem eu criei e minha
criação não é em vã. O Sol não é uma boba: Revalida toda e qualquer humanidade,
todos os dias. E a lua manifesta o teu legado, durante a noite.
E por outro lado, concluía algumas introvertidas a respeito de todos: Entre uma
pedra e outra que evitamos, esquecemos-nos de prezá-la. A cada pedra que se evita,
morre uma vereda. E não fica só na pedra: O legado do esquecimento começa através de
suas consequências sobre. E por isso, linguística minha perdi: Matei a primeira vereda
que escolhi. Mas a muiraquitã remanesce os legados e, por isso, ainda existe um
Anhangá a quem suplicar.
Entre uns homens que vendiam caranguejo, puxei uma prosa, na qual me
ocorreu um novo estranhamento:

-Moço... Onde estou? -.


-Má o que? O que falas? Num dá de entender, não. Fala como gente! –
Reclamou o vendedor.
-Mas estou falando como gente... -.
-Como? Vish... Só te digo que é três réis a carapuça. Leva ou xispa... -.

Em modo de não acarretar conflitos, dei-lhe as moedas e abocanhei a carne. Mas


a pequena glosa amplificara minha indagação: Como havia de ocorrer tal
desestruturação, incompreensão? Por que me encerrei aos atos menos linguajados?
Em outra tentativa de conversa, desta vez com um senhor sentado adjacente à
rodovia, perguntei:

-Senhor, onde está o posto? -.


-Que? O que falas, minha senhorita? Não falas português, né? Mas que
estranho... Não parece língua chique do outro continente. Que pena... -.
-Senhor, não ofendas as línguas doutros lugares! – Reclamei.
-Opalá! Não fiques assim! Posso te ajudar? Precisa ir à delegacia, né? – Até
levantou do assento, moldando a si como um cavalheiro.

Retirei a minha palma, seguindo o meu trajeto. Mas após esse breve discurso,
mais indagação: Nem as formas cultas, nem as mais populares compreendem-me.
Porque elas se expulsaram de mim, em ambas a compreensão acabou, nada mais e nem
ninguém a entender-me. As formas me traíram, o que é uma possibilidade que, em
primeira pensada, articulei.
Mas é pela calma que se desovam as sabedorias – Abrandei – Mantendo-me pela
vereda a que pertencia. Mas a surpresa não tardou de ressurgir-se: Observei para baixo,
identificando aspectos diferentes: O trapo se substituía pelo vestido fino, e as mãos,
porém, sustentavam uma delicadeza. As vestes, toda limpa, e o bordado mais rococó
que se pode costurar entre as joias que a adornam. E o que não me surpreendia era que
entre alguns passos adiante, alguns carros reduzissem a velocidade para assobiar a mim:
-Oi, gata! Deseja uma carona? -.

Recusava pelo gesto, já que pela voz nada apreenderiam. À carona recusava
porque os caminhos não são feitos para uma ajuda vã: Cada caminho com o seu supor, e
sua própria designação. O que me reiterava um pensamento: Sobre as tantas desiludidas
sobre esta estrada que andejo. Pelo que há de se lutar linguisticamente? E quem pode
compreender a compreensão?
Os homens não compreendem, então a maquina recorro. A quem pode-se
recorrer um oportuno pensamento, opinião pela qual se discute. Só a maquina consegue
o que o homem deseja: Um bico calado – E um amante. Um amante porque a máquina o
atenderá pelo fetiche, sem um pio de discordância.
Mas pela minha linguística, os aparelhos opinaram. E agora recobram
consciência própria, não por egoísmo – Identidade mais ou menos perdida – Mas pelas
suas próprias liberdades. Não há liberdade maior do que retificar a própria essência. E à
cultura de cada ser, se amplifique por tal liberdade, porque cada cultura tem o seu
sujeito, e cada cultura é uma liberdade.
Mas o que os homens não mais cultivam, que então os desafortunados seres
cultivem. Porque não existe racismo que oculte ou evidencie um tom humano: A
desculpa. A quem podem jogar ou retirar tal causa, e a consequência pela qual protestar.
Pois assim como a fraqueza se culpa, também se culpa a força alheia como sendo
esporádica ou, em alguns casos, defeito de fabricação. Mas o inevitável? É que todos os
homens sejam manufaturados por uma mesma fábrica: Espírito.
Lembro-me de como a matéria manifestava aos pequenos deslumbrados: Entre
os automóveis e as casas, pelas quais almeja, o que sobra são migalhas de
individualidade. É que aos seres, nada adianta a individualidade sem uma coisa.
Coisifica-se, então, a o que se pode pertencer. A idolatria sempre começa pela falta de
individualidade, pois todos os homens precisam de uma coisificação. O suficiente? Este
é o retrocesso material – Por isso, desprezar-se-á toda e qualquer individualidade,
porque esta é cooperativa, coletiva quando não teme a que homem puder dialogar.
Entre os aleatórios pensamentos, a realidade: Já me localizava entre as matas
virgens, há poucos quilômetros de encontrar Anhangá. E como retorno, uma semelhança
e uma diferença: Sob os pilares que compunham Montes Belos, ao mesmo mangue pelo
que se assentar, às mesmas árvores que experimentaram a minha transformação feita
pelo protetor da caça. E pela diferença, sobre os espelhos d’água, reluzia uma dama
límpida, mas que a única lembrança lhe restava era o braço de Mayara. Porque era o
único legado de uma troca a mais na essencial economia sociomana: Pela máquina, uma
eterna memória. Daquela que foi Mayara, a grande compreensiva, que cessou uma
guerra nacional inteira pelos tempos da Imperadora Velha D...
No entanto, pasmei: De encontro a uma apunhalada traseira, composta por um
chute sobre a minha cabeça, articulado por algum menino contra mim. Só que a surpresa
não foi a descoberta de sua origem, que provinha do Curupira que nasceu através de
minha missa, mas da essência da minha linguística: Queda minha, nada me feriu, e as
águas pelas quais enxerguei-me, não invadiram minhas vestes, tampouco os bordados. E
a muiraquitã lucilou.
Já recomposta, ergui-me, mas ao segundo chute executei a esquiva, desferindo
contra o pescoço do moreninho uma pontada, paralisando-o contra uma Sapopemba.
Fitei-o, e indaguei:

-Moreninho... Não te lembras de mim? Eu sou a Maricí... Maricí, lembra? –


Neste caso, a minha sinceridade quase transpareceu uma inocência.

Mas o demônio não cessou: Solevou, tremulando entre os calcanhares tortos.


Fechou o punho e tentou outra porrada, mas em vã. Por impedimento meu, quando pus
minhas palmas a amortecer tal golpe. E segurei, moldando uma impossibilidade dele se
desprender. Rugiu, frustrando:

-Ixé Kurupira! Ndé noimoarûab xe! -.

E o demônio teimou: Forçou a retirada de seu pulso, mas pela força que
empregou e as tantas mancadas, perdeu a mão esquerda, enquanto eu ainda segurava-a,
e o sangue escorria sobre as águas ali desprezadas. E as águas se corrompiam com a
minha frieza, pois o que eu segurava no belo rosto, extravasava e nada sobrava além da
indiferença. Porque enquanto o moreno coxeava, eu apenas fitava indiferente.
Desprezava todos os legados que cultivei – Mutilei uma cultura.

-Vamos, moreninho... Pare com a tua teimosia... – E a indiferença modificou-se


em uma indisposição.
Mas não acatou o pequeno: Em uma piscadela, avançou contra mim e arranhou-
me, através das unhas dos pés coxeados à atrás. Abolei uns arranhões e um corte no
braço cambão, mas mantive serenidade. Frente ao Curupira, que ainda não se compunha
como o pequeno menino que encontrei esmolando. O vermelho ao caroço, e a escuridão
geral, tapulhavam os olhos demoníacos.
Mas não adiantei uma esquiva, quando o dito cujo me socou bem ao peito. Se o
empurro até a árvore não me doía, os meus seios agora se roxeavam. E o pequeno não
pausou: Se eu delimitava-me contra a árvore, à mesma o pequeno forçou. E os veios da
madeira se estilhaçando, e as lascas cortaram minha pele através de seus fiapos, que, por
conseguinte, sucumbi às águas mais claras e o sol atingindo-me entre os vãos da cidade
acima, pudesse reencontrar-me sobre tal espelho da natureza. E nenhum machucado
restava-me, mas é a permuta que encanta: O roxo sobre os peitos desaparecia.
Soerguendo, senti um Curupira desaparecido, e nenhum reflexo mais o flagrasse.
Andejei à frente, precavida em modo de algum ataque que pudesse ser consequencial de
um descuido. Alguns passos só e, espaventa imagem: O demônio morto com uma flecha
sobre o coração. O menino não mais significava alguma vida, somente pelo goiabão que
o pendurava e a flecha o prendia sobre.
Fitei à direção oposta da flecha e, outra espaventa: Um homem que flutuava
sereno, mas que o semblante já denunciava o próprio legado: O que dizem saciar-se das
mentes alheias, das cangas mais afortunas. O rosto peludo, segurando um arco entre as
patas, e um focinho de tamanduá. E não é somente homem por si: Cobria-se de uma
veste volumosa, composta pelos trapos de quem executou. O seu nome era Capelobo.
E sem mais tardar, a mim desceu e declamou:

-Ne se tembiú! Té reiauau! -.

Se pela minha linguística perdi a compreensão alheia, pela outra faceta ainda
compreendia as palavras de todos os seres. E o sintagma que vomitava, à própria boca
queria outro legado. Despi-me da inocência e estuguei. Às frentes pelas quais houvesse
de seguir, sem um rumo certo, exceto pela asserção do Capelobo perseguindo-me.
A criatura, diferente do demônio defunto, reluzia inteligência, menor ímpeto.
Pior: Pelas escaladas entre as árvores, bem como às veredas que escolhia e a força fina
que expunha sobre os galhos, remetia ao Jeitinho. Por uma distraída minha, uma flecha
quase acertou um lasco de meu braço, mas retornei à esperteza e fugia bisada.
Por ironia, a mesma piscadela de tempo que o demônio detinha para me socar,
pela mesma fração o Capilobo alcançou-me: à frente de mim, e uma flecha sobre a testa
branca. Com os dizeres, o monstro finalizou:

-T’eremeê ne maã katu arama! Ne akanga xê!

Mas antes que pudesse flechar-me, o jeitinho cintilou. Atirou-se entre minhas
ideias e à perna, chutei-lhe a canela, atiçando a flecha contra o pilar que compunha a
cidade. Tornei a correr, consoante a recuperação da manca criatura. Quase que me abati
entre as árvores, ao fitar para o perseguidor.
E uma rota certa fulgiu à minha mente: Volver-me à cidade acima. Então acelerei
mais a corrida. Já passadas tantas árvores, finalizei entre a floresta e um cerrado ao
longe e, sobre ambos, quebravam-se diante da estrada repleta dos veículos impedidos
pelo pedágio ao tabaréu.
Só que por tanto correr ao rampão, a passagem impedida. Reclamação que
provinha do pedágio:

-São treze réis, minha senhorita -.

Relembrei: O vestido caríssimo e o rosto reluzente, mas o bolso evacuado.


Tracei entre cada pedaço vão de minha cobertura, mas nada possuía. E ao fitar para trás,
o Capilobo subindo à rampa, enquanto ainda se impedia pelos carros que o fechavam.
Distraía-se entre reclamar com os motoristas e as mais outras impedidas em seu
caminho, em modo de acumular brigas para si.
Enquanto houvesse período, dialogava com o caixa:

-Imploro-te, meu senhor. Eu nada tenho aqui senão o vestido e a minha cara.
Pela minha vida, senhor! – Até ajoelhei.
-Desculpa, moça. Eu não hei de entender o que dizeis. Mas preciso do dinheiro
para permitir-te a passagem. Sem réis, sinto muito... -.
Fitei para baixo e arranquei um dos diamantes presos entre os bordados brancos,
por desespero meu. E a mudança permanecia-se pela intacta, regeneração duma
estagnada: Retornava à mesma forma, com o mesmo bordado, o mesmo rococó. E o
diamante novo reluzia mais que o pretérito.
Mostrei o diamante e o caixa gesticulou os queixos, ao mesmo tempo em que
abria a passagem e apanhava o diamante de minhas mãos, sem qualquer elocução pela
própria voz. Já permitida e adentrada, repeti a observação traseira e, para a minha
anedota: O Capilobo parou no intermédio, pela falta de dinheiro a que utilizar.
A rampa era gigantesca, pela qual todos se elevam até a grande metrópole, que
se compunha a cento e cinquenta metros da mata virgem. Ascendia ressentida, pelas
investidas que perdi e as ações que não lucram. Porque para cada vida que se investe,
perde milhares de outras pelas quais se cultivaria. É que para cada ser, existem as
pessoas de um mundo e o ser, já sido, torna-se estar. Compreendem os meus leitores: As
limitações sempre começam pelo estar em algum lugar. Eu estava ali, mas não em
algum outro melhor. Se for por arbítrio ou circunstância, só o destino sabe.
Perfazia-me entre os veículos que ascendiam e descendiam, pela falta da
calçada. E o trânsito democratizava os pedágios: Entre os carros e as carroças, todos
terminavam à mesma burocrata: A fronteira. Porque não ocorre consciência, quando se
prende entre as veredas lotadas. Saturavam as possibilidades que mais infelicitam.
Ao término da elevação, já plana em relação aos prédios e arranha-céus, o clichê
de qualquer cidade sociomana: Os aeromóveis colidiam entre si, as movimentações
abruptas entre os seres, e as burocracias que se tomam arbitrárias: Roupas, máquinas,
estatais, empresas e políticos. Aliás, àquele tempo, diferenciava-se o político do
empresário. Mas na verdade, o político e o empresário eram uma única melodia, mas
que andejavam em harmonias diferentes. Pois o político veste as leis e o empresário, as
ações. Que lei é lei, sem ação? E que ação é ação, sem lei? Eis que se assemelhavam,
então, uma Imperadora Velha D ao presidente do Banco Argamenta.
Andejei alguns quilômetros entre os prédios de Montes Belos, estacionando-me
à mesma cidade para um descanso e a casa retornar. Mas mesmo na periferia, atentei um
aspecto modificado: Cada vez mais indivíduos possuíam uma máquina pela qual
traduziam para si, os detentores de tais máquinas, o que os outros glosavam. E por
curiosidade, interferi um dos transeuntes que possuíam tal máquina ao lado, e perguntei:

-Moço, onde fica o metrô? -.

O moço virou-se ao robô e este, cochichando, retornou ao jovem algumas


sentenças. Sentenciava-se o que já concluía através de tais gestos:
-O metrô fica logo ali, perto da praça! – Respondeu-me educado.

Disfarcei o que já me derrubava: A normatividade dos homens. A que se preza


para amar ou odiar, falar ou calar. E pela falta dos rompimentos, as novas apenas
amplificam os seus desejos. Mas a grande entendida não se dá pela falta ou excesso: É
sobre as limitações. E ao fim, restavam as normas: O intermédio e a vontade. Porque
não há alienação que signifique a vontade dos homens. No fim, a vontade precede a
alienação e esta, apenas pretexta.
E a mim, vadiando pela cidade através do trem metropolitano, já não enxergava
nenhuma pessoa sem máquina: Transpareciam-se através da esmolada, mas nunca os
restava um tostão: Máquina custa dinheiro e o valor monetário, nada recebiam pela falta
do robô, e assim por diante. Que se assentavam sobre o piso dos trens, enquanto o
horizonte que espelhavam aos olhos fundia-se com o fumo cacimbeiro do robô ao lado
do homem que dormia sentado ao banco.
Caminhei até a minha casa, que já se transfazia estrangeira, alheia às minhas
filosofias. Apertada a maçaneta e a porta aberta, a mesma programação pela qual a
cidade conjunta aos seres: O sofá, a mesa, a televisão, a cozinha e outros termos. E tudo
aquilo me enxergava como a essência do ser, pois aí a morta estrela não se conserva ao
céu quando já explodira há tanto tempo. O que é precedente ao ser? As burocracias. O
homem não é homem sem um intermédio ou um “pelo que”. Por isso a cada cômodo
que eu me acolhia, as essências mais transpareciam do que a minha introspecção de fato
pudesse significar alguma vereda.
Não há de se entender, meus leitores, a respeito de tais dialetais pertences: Ao
homem nunca se perdeu a essência, tampouco o espírito. Não há máquina que signifique
alguma desilusão amorosa ou a brevidade da vida: Quando alguém morre, perde a
norma. Toda vereda é uma norma desumana – Os seres apenas a humanizam,
parcializam.
O que os homens perdem através da falta de palavra, os robôs ganham pelo
próprio excesso que executam. A programação é breve, mas a consequência é eterna.
Por isso cada pessoa detém sua máquina: Para que a própria brevidade se imortalize. A
história, por fim, vive desta repetição: Aliteração das consoantes humanas.
E que, por fim, o descanso chega a quem não a deseja. E me cesse por uma
noite.
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O Legado

“O princípio de ti mesma começa com um segredo” – Imperadora Velha D.

Acordei entre uns livros e alguns biscoitos espalhados sobre os cantos do quarto.
Recobrava algumas questões que ainda insistiam a mim: Pelo que Anhangá há de querer
de mim, após a minha linguística fracassar? E se é pela norma que nós vivemos, a que
lei se serve quando um Jurupari nasce?
Porque hei de esclarecer: Jurupari é, senão, quem recria as primeiras leis
humanas, quem recolhe as velhas normas e ensina as melhores. Por que Jurupari os
seres servem senão ao que pertence à pertinência? Mas não é uma norma nominativa,
comanda e imperial. A norma se planifica conforme o indivíduo e por muito planificada,
a norma torna-se inata.
À muiraquitã presa em meu pescoço, que houvesse da mesma exprimir as regras
imperiais. E as vestes, bem como a minha bela face, mantiveram-se mesmo pela minha
descrença, ao dormir e supor que retornaria à face anterior. Sobre a janela, fitei a
vizinhança vazia, que pela manhã aquietou.
Já a fora, percebi que os robôs amplificaram sua influência, já agora quase todos
os sociomanos a possuírem um robô para si. Alguns não mais vestiam a camisa ou uma
calça e, em casos raros, despiam-se. Marchei algumas quadras, observando os pássaros
cantarolarem um baião, e em outras esquinas percebi que as zabumbas tocavam sons de
passarinho, o que já me suspeitava o segundo sintoma: Mudanças fonético-fonológicas.
E eis que por esse pequeno detalhe, entendi: Até me articularia a ideia da mudança que
eu fiz, mas me enganei. Ocorreu mudança dialetal. Ninguém mais, que não possua um
robô, me compreenderá, pois todos mudaram, exceto eu.
E aí que morava o segundo perigo: A interpretação. Havia aqui, portanto, uma
dupla dúvida: Era a mudança ou a estagnação? Porque à mudança, se recorre sempre
como uma transformação em primeira instância, mas através da segunda reflexão, a
estagnação não se opõe à mudança. Toda mudança é uma estagnação em alguma
essência d’espírito.
Ao transitar até o centro da cidade, através dos ônibus, pude conferir outro
imprevisto: Que os alarmes não retificam estado de calamidade pública. O que restava
entre as mudanças e as problemáticas burocracias era simplesmente... A rotina. Entre
tantas mudanças e máquinas, o tédio não abortava. Na verdade, a conclusão seria que o
tédio é uma rotina, ou que a Norma causa o tédio. E no fundo, o tédio é fruto da própria
ineficiência humana de atingir o mundo. O ser é pequeno demais para não se entediar.
Andejei a fora da cidade, pelo mesmo pedágio, a retornar à floresta e procurar
Anhangá. Só que por esta vez, precavida, mantinha uma borduna adornada entre os
traços desenhados com tinta de ibirapitanga e o tecido grosso acobertando a
empunhadura. E sua madeira espessa originou-se da Árvore de Roraima, banhada ao
sangue de Macunaíma.
Adentrei a floresta e percebi mais mudanças dialetais: Das sapopembas
encurtaram as raízes, os pinhos surgiam à periferia da mata e as onças amansaram. Mas
por teste, tentei uma aproximação a uma onça. Pelo perigo, precavi através do tacape à
frente e o braço recuado, mas a triscada retornou pela resposta:

-Ei! Por que me incomodas, senhorita? Precisas de ajuda? -.

A onça dialogou, consoante à sua preguiça, rolada sobre as raízes encurtadas das
árvores. Embora acometida pelo espanto, respondi:

-Só preciso saber... Onde está o seu protetor... -.


-Ah! És Maricí? -.
-Sim! Sim! – Já me exaltava.
-Digamos que... O meu protetor perdeu muita paciência desde que retardaste o
teu retorno... – Espreguiçou-se entre os galhos.

Com a onça me rodopiando, à clava que segurava, atentei a cada gesto que ela
rodava sobre mim, principalmente pela cauda que se confortava entre as pernas.

-Eu apenas quero vê-lo de novo... -.


-Digamos que... O protetor nunca falou sobre não te atacar, sabe? E também,
porque não, nunca citou sobre não matares-te... – E a felina sorria a mim.

Se toda aquela ameaça resgatava o tom brasílico? Com certeza: Toda onça
esconde um jeitinho que nunca se desvenda. Mas não é para qualquer sujeito que as
onças ensinam: Antes, elas comem a quem ensinam. E o Jeitinho, de onça ou de
homem, sempre acaba em um mesmo fim: Antropofagia ideológica.
-O que foi? Por que tremes? – E encostou a cauda pela segunda vez entre as
minhas sustentações.
-Eu... Eu só quero encontrar o teu protetor. Deixe-me ir... -.

E a onça, obstante, rodou com maior velocidade. Mas sem que amolecesse,
segurei a borduna com maior intensidade. Os meus caroços não cessavam de deslocar
para todas as orientações possíveis, bem como percebia a concentração da felpuda
contra mim.

-Senhorita... O protetor não precisa de uma sem graça que nem você. E o
Jurupari, o Legislador, já está a fazer o que tu não fizeste... -.
-Como assim, eu não fiz? -.
-Pois não é óbvio? Tua linguística é falha, fracassada. O poder da lei precede ao
teu... -.
-Mas então o que me resta? -.
-O que te resta? Esta existência. Não há maior tédio que vocês, humanos.
Deslumbram-se pelas suas pomposas conquistas, inglórias ou destruições. Mas todo
pretexto tem um fim: Esconder a própria inexistência. E vós escondeis entre as
extremidades do mundo. E no fim, o legado humano perece para si, e ao mundo apenas
precisaria de uma pincelada para os varrer do universo... – E encerrou a si mesma
recostada à araucária, ao mesmo jeitinho semblante que já me acometi.

À onça já se acumulava uma impaciência, enquanto eu tanto me concentrava


pela precaução quanto a pensar a respeito de tais palavras.

-Mas... Essa conversa tardou demais... E minha fome não é autossuficiente. Você
sabe... Instinto de minha raça... -.

A criatura abandonou o conforto, posicionando-se à frente de mim, em trejeito


de confronto a quem precisava para si: Fome pela qual cessar, através da carne que a
possibilitou dialogar.
-Você é muito bonita, senhorita. Mas acho que agora só resta-me trazer-te a
morte honrada, perante a temida Iaguara! -.

À batalha, nunca se foge e nem se teme: A regra de todos os sociomanos. Porque


não há legado que se transmita pela antropofagia e, se pelo meu temor havia alguma
proteção, então o Jeitinho sempre se prevalecerá sobre as regras e as Normas. O Jeitinho
Brasílico sempre vence a Norma.

-Oh... Por favor, não me mates! Suplico-te, temida fera! -.


-O que? Estás reduzida à covardia? Carne ruim! Não me dá gosto tal carne... – E
volveu-se, de acordo com as minhas intenções.

Eu já respirava uma vitória, mas esta se asfixiou frente à pausa da iaguara, que
não se virara para mim. E proclamou:

-Mas nem sempre as feras comem suas presas... A morte é suficiente... -.


-Mas eu sou uma carne ruim! Não vais se sujar da covardia, né? -.
-Lavo-me com o sangue de tua borduna, herdeira de Macunaíma... -.
-Droga... – E me posicionava a colocar o tacape ao confronto.

Em um último rugido, enquanto já saltava contra mim, disparou a própria


herança:

-T’ereimoguêb ndé paka, remebé andé’u!

Mas através da clava, abalroei-o. Ao longe ficou, colidiu contra a araucária e


descendeu até as raízes. Mas a mais temida criatura dentre todas da floresta não tomou
tenência: Solevou e à depenicada preparou. Retornei à mesma condição e, ao segundo
avanço, quando quase a onça alcançava-me, pela bicuda a atingi pelo focinho,
retornando ao chão que ficara.

-Tua força é de Mapinguari, mas à onça terás que transcender! – Rugiu e, ao


terceiro movimento lançou.
Neste ataque, a criatura espertou contra a árvore, impulsionou sobre a mesma e
partiu contra mim, mas esquivei e a única consequência foi o leve arranhão no vestido e
pedaços de seda sobre a terra matagal.

-És tão esperta quanto as lendas contam, Maricí. E minha honra se completará
pela tua morte, o teu ônus! -.

Neste instante, a felina chocou-se contra uma araucária pálida, e esta se


derrubava sobre mim. À esquiva que executei, ela fixou-se por trás e uma arranhada
replicou. Por seguimento, quedei à terra. Mas o tempo se encurta: A árvore atropelou
meu corpo, imobilizada entre os galhos e o sangue que escorria das pernas acorrentadas
pela madeira densa.
À felina não se pacientou em assistir a minha coxeada: Sobre o tronco,
recostando uma das patas sobre o meu peito, garreou o meu rosto e a cicatriz solidificou
o sangue que os olhos escorriam.

-Não quero mais perder a oportunidade de te tornar a minha honra. Que morras
sem a medrosa de antes... -.

Mas quando as transformações chegam entre a morte e a sobrevivência, sempre


atrasa as finalizações: As curas que o meu rosto resguardava, tal como o vestido
também inteirou. À minha estagnada condição, a quem nada se muda e a cicatriz, o
legado de uma honra batalha, não mais mantém-se e os olhos, finaram tal como a pureza
que poupei anteriormente. Talvez pela linguística minha a reiterar o castigo dialetal ao
qual me prendi, frente às mudanças alheias que se enriquecem, evoluem.
À felina, espantada pela minha regressão, pulou a longe de mim, e enojava da
carne que ansiava.

-Tua carne não transparece legado! Tua alma é desfalecida! Espírito nasci-
morto! – Rugia.

À minha tentativa de solevar, ocorreu êxito, até a árvore fragmentada entre


vários pedaços, auxiliando a minha normalidade condição ereta. A borduna como
bengala neste levanto, declamei:
-O meu prêmio é morto. Mas a alma humana é um fragmento. Nenhum
fragmento de um inteiro se despreza... -.

Neste tempo, a avançada sucedeu pela minha vontade. Por cada trecho
diacrônico, ocorresse seguidamente a firmeza, o impulso e o tacape erguido. E pelo
final, fulgurosa queda do mesmo sobre a canga da criatura. Esta rebateu ao chão, e ali
permaneceu.
A mim, fitei contra o pequeno céu que fosse possível de enxergar entre os pilares
e os edifícios. E este pequeno me pressentia: As levitações pelas quais sofria. O que já
fora o acontecimento de tantos outros, agora vinha a mim. E a onça desmaiada, a pintura
que a compunha em essência se desmanchava entre as fumaças, fumacentas sobre o meu
vulto.
Estas fumaças choravam as lágrimas da floresta. A precipitação de cada ato
sempre gera a tempestade: Uma umidade que irrita pelas tosses e espirros. Os espíritos
das iaguaras sempre lacrimejam quando morrem: A mutilação que o poder teme. A
autoridade funde-se à liberdade.
E todas as lágrimas cicatrizavam sobre o meu corpo, através do concentrado
risco sobre o meu braço direito. E este risco, contrastando os riscos do braço cambão, já
finalmente remetia à humilde mudança que se permanecia diante da minha estacionada
alma. O espírito só se consolida através das almas mudadas: Mudas, pelo silêncio
astuciam.

-A onça despiu-se das pintas que a compunha, e purificou-se até a veste


alaranjada manifestar a vergonha... – Divaguei.

O pedaço de sol tímido que me atingia concentrava-se sobre a cicatriz e a


ardência alcançava o coração. E ao fígado, o mais vital órgão honrado, despertou a
consciência mais lúcida. Pela experiência, recompus uma nova Maricí. A cicatriz agora
eternizava a Maríci, a Programadora.
Gradualmente, o sol retornava à condição sombria e o chão já recostava sob os
meus pés. Levantei as mangas do vestido, contemplando cada centímetro da marca que
me glorificava.
-E à onça não pintada, resta reconstruir-se de novas manchas... -.

Andejei a afastar-me da felina, mas esta persistiu através da solevada: Tentativa


de resgatar a cicatriz que a formava nas manchas perdidas. E envolveu-se pela ideia de
vestir-se novamente da sanguinária responsabilidade estampada em si.

-EIMOYEBÎR XE ÎEKUAPABA! -.

Pelo rugido de impulso, o salto. Às garras já aparentes, e eu rodopiando conjunta


à borduna, quebra de novo confronto: Uma flecha atravessou a onça alaranjada.
Quedou-se sobre as águas límpidas, onde o sangue curupira ainda se residia. Morta.
Em modo de nostalgia, preparei maior precaução à clava, de acordo com o
retorno de um Capelobo que resguardasse a vingança contra as presas fugidas. E por
ironia, Anhangá havia de proteger uma presa humana, diante desta que caça as suas
protegidas.
Um vulto dispersou sobre as fumaças que ainda espraiavam entre as araucárias.
Por trás senti o sopro e rodopiei, olhando todas as voltas possíveis. Retornei à mesma
direção, e escanchei até a Sapopemba mais grossa. O terceiro vulto assombrou à minha
frente, escondendo-se entre os galhos da árvore pequena.
Por avanço, desconstruí o tronco pelo golpe, mas o olhar perpassando nada
identificou e, à escuta, se engraçou:

-Senhorita Maricí... Mudaste muito... -.

Girei às costas e, à nostalgia, o engano e o acerto: Nada de Capelobo, mas à


ressurgida de um amadurecimento implantado através da programação computada. Às
partes robóticas mais maleáveis, e muitas vestes que agora o significava mais homem
que máquina. Assim Cauê criou à imagem de si.

-Cauê... Quantas luas, né? – Gracejei ao relaxo.


-Senhorita, estás diferente... -.
-Há alguma beleza que vais significar em mim? Ou algum vestido esmerado? –
Gestei em trejeitos esnobes, mas... – Ou... -.
-Tua linguística... Já não está mais a programar... -.
-E você mantém ainda a neutralidade, mesmo em tanta humanização. E o rosto
conserva a tua robótica alma... – Desanimei.

Ao robô, que antes despia, agora também se recobriu de burocracia: O chapéu


cangaceiro, bem como à calça ornamentada a preciosidades indistinguíveis em tanta
abundância inserida, bem como ao cintão de cantis e a camisa guardando o peito
processador.

-E o Bertinho? O que houve com ele? -.


-O Sol transformou-o em Jurupari, o Legislador. E seguiu o próprio rumo.
-As veredas fartas nunca satisfazem os homens, não é, Mari? É a liberdade que
indigna e também se deseja... -.
-Por que dizes isso? – Até apontei um dos olhos, a estranhar.
-Apenas porque... Parece que o teu corpo já escolheu uma vereda... -.

Sim, pela qual não se manda, pois todo mando é uma probabilidade. Mas o
corpo é absoluto em suas decisões. O corpo é violável, mas independente, guerreiro,
enfrentando a quem o encarna. Esquece os legados alheios ao morrer, o que a alma e o
espírito jamais olvidam nem pela ressurreição. O corpo demonizado mais espiritualiza
que os próprios espíritos.
Ao Cauê, o único no qual o corpo era uno a si, o desprendimento era mais certa.
E a neutralidade se alcança doravante for o sentimento instintivo. Através das vestes, o
robô se libertava. O único ser que alcançou a maior libertação: Indiferença.

-Eu desejo acompanhar a ti, senhorita. Aonde vais agora? -.


-Estou a procura de Anhangá, mas já compareci aqui uma outra vez e nada do
dito cujo manifestar... -.
-Lembro-me dele ter falado da tua linguística perda... -.
-E por que perdi? -.
-Perdeu porque a ti mesma ocorreu a estagnação. E o vestido alitera a tua
responsabilidade... -.
-Por isso... Ajude-me a encontra-lo... – Olhei a frente, em olhos mais ou menos
abertos.
O enferrujado acenou afirmativamente, perseguindo o rumo que eu construía
entre os troncos e as águas sujas pelo sangue do demônio da floresta. À tarde, já nos
entediávamos e pausamos entre duas grandes sapopembas. Assentamos sobre as raízes
largas e prosamos:

-O que fizeste nesse meio tempo, Cauê? – Suspirei por cansaço.


-Eu estive em Leidorio para trabalhar como atendente de necrotério. Logo após,
desloquei até a caatinga, metendo com o bando do Lanterninha... -.
-Lanterninha? Por isso o chapéu? -.
-Sim, este chapéu foi uma honra... -.
-Mas... Bem... – Cocei o dedo ao queixo.
-O que foi, Mari? -.

Novamente a lembrança, a respeito do escritório do jagunço: Às cabeças do


bando do cangaceiro-mestre. E isso, portanto, remetia a alguma vereda despercebida,
àquela que se fragmentava dentre as veredas doutros seres, pois não há caminho que se
forme sem os adjuntos de outros percursos. Assim, a do Cauê explicava o buraco.

-Eu conheci um tal de Humberto Sorrateiro. Conheces? – Fixei os globos


oculares em posição estática.
-Sim... Doutor Humberto Sorrateiro, alcunha Doutor Jagunço... – Abaixou a
cabeça.
-Podes me contar como ele matou o bando do Lanterninha? -.

Às olhadas concentradas, entre algumas que vazavam entre as árvores em caso


de ataque, permaneci para aprender a história de quem o caminho fora tão breve...

-O Doutor Jagunço, de respeito em como o tratam, teve uma grande perda há


alguns tempos, quando perdeu o bilhete que carregava. A amada perdeu e esta o deixou
para casar-se com um milionário em Leidorio. Descobri tudo isso porque quando virei
atendente de necrotério, né? O ricaço morreu dum ataque no coração. Num respirou
mais depois que a mulher já esbanjava na maior dinheirada... -.
-O corno num ficou sabendo disso, não? -.
-Nunca soube. Depois que perdeu a passagem, dizem que se tornou obcecado
pela mulher que roubara o teu bilhete, que aí ninguém sabe quem foi a malandra... -.

É destas citações que o jeitinho é posto à prova: A quanta capacidade do sujeito


esconder as próprias obras. Sempre sucede o silêncio, pois a palavra mais aterradora
pode desmoronar a mais astuciosa execução. Portanto, esperei as próximas sentenças.

-Posteriormente, por tédio, passou a se relacionar com uns bexigas do sertão.


Bestou em algumas berimbelas, mas ao fim acabou como contratado de um
latifundiário, tal de Rodobaldo Freitas. E foi aqui que alcançou o maior temor de muitos
em relação a ele... -.
-Foi a morte do Lanterninha, né? -.
-Sim, através de duras penas, má a morte foi histórica... -.
-E você esteve como nesse meio bando? -.
-Meti-me através do bando por procura de trabalho, ao meio de minha falta de
dinheiro. Pagaram-me para alarmar a qual autoridade pudesse arruinar as tramas que o
Lanterninha planejava -.
-E como foi a morte do bando? -.
-Cilada: Quando adentramos ao latifúndio do dono, em modo de recolher alguns
milhos, mas deu brejo: Foi uma traição do Vaivindo, um dos braços do Lanterninha, e
assim todos ali morreram pelo doutor jagunço. Este é conhecido por ter tanta força, ao
ponto de que nem mesmo eu pude contra ele... -.
-Não pode? Mas então e as forças que tanto conseguiste executar em tempos
comigo? -.
-A força só vem aos desumanos. A força d’espírito enfraquece... E a minha
burocracia enfatizou tal acarretamento... -.

Recostando-se à madeira, o robô acendeu o cachimbo. Uma respirada e então...

-Lembre-se, Mari: Vocês podem evoluir, mas nenhuma mudança significa se


nada consolidarem. É pela morte que as cabeças de cada cabra se igualam às outras
criaturas: É o troféu da natureza... -.
-E depois o que acarretou aos corpos do bando? Ocorreu honrado sepulto?
Comeram? -.
-Nenhuma honra: Queimados e as cabeças, empalhadas. Tudo título do doutor
jagunço, minha companheira, Xe iru... – Soprou mais um toco de fumaça ao ar.

À memória de um jagunço, o arrependimento sempre derruba as construções.


Porque pra cada cabra que jagunça, morre mil veredas e sobra uma. É assim que a
natureza normatiza os homens: Ao caminho mais desvairador de tédios, morrerá todas
as que se cultivaria. A tarefa do homem: Ordenar, ajeitando as veredas pelas quais
seguir num percurso seguro. E ao tédio, aguentar.
É que o tédio sempre foi o ímpeto que retrai o homem: Não há ser no mundo que
não esteja intrínseco ao agastamento. A única tarefa dos homens, diante de uma
existência variável, é minimizar os isolamentos de uma encarnação. Pelas astúcias ou
pelas regras, sempre tentará resguardar a si uma realização.

-Senhorita? Pensando de novo? – Acenou contra o meu rosto.


-Ah! Você me assustou! Desculpa... – Postura à sentada, a recompor.
-Aqui que há uma indagação minha: A linguística perdeste, mas ainda resta-lhe o
cúmulo da criação. Como perdes a língua de ti e remanesces com a mais artificial? -.

Matutei umas conexas normatividades: Por que modo se perpetua as mais


artificiais falas. Quando se mata a essência, sobra a criação. Nada mais se respira senão
as imposições alheias e, por isso, restou-me a única imperativa que não é essência: A
fala regrada, comedida através de as elocuções nunca transgredirem e, caso ocorra, não
se repita. A menor essência do mundo sempre é a que prevalece entre os vivos.

-É que... Você sabe: Não é obra minha. É o poder de Anhangá que perdi... -.
-Perdeste, mas ainda restou-te um pedaço de alma. Se até me foge as estribeiras,
até dá de pensar que não és a Maricí... – E gracejou.
-Bom... Pensas que não sou Maricí? -.
-É por brincadeira, brincadeira... Acalme... – Soltou outra baforada.

Descansados, levantamos e seguimos mais outros percursos pelos quais


deduzíamos chegar a Anhangá. Numa dessas procuras...

-Opa! O Capelobo! – Apontei aos galhos.


-Oxê, Mari! Má do que é? É capeta? -.
-Age como um, mas é bicho homem mesmo... -.

A nós dois, restava uma atentada sobre os galhos e as árvores, enquanto nos
recostávamos um ao outro. Segurava o tacape em defesa enquanto o enferrujado
preparava a própria palma como arma laser.

-Mas o que é essa coisa? -.


-É um tamanduá desvairado... Está com um arco, provavelmente... – Respondi.

Rodamos três turnos até que, em uma distraída sobre as folhas que remexiam
pelo vento, uma flecha atingia o corpo do metálico. Mesmo já amolecido pela própria
humanidade, a flecha não transcendeu, quedando ao chão.

-APAREÇA, DIABO! EM MEU CORPO NINGUÉM MAGOA! - Gritou.

O homem tamanduá, mesmo através das guerrilhas, não manteve a artimanha,


sobressaiu entre as árvores mais largas em poucos passos. Vestia mais peles costuradas
que o dia anterior. Mas neste turno, atentou mais ao robô que a mim. E pela fascinação,
desdenhou:

-Pele amolecida em frágil metal... Reduziu-se a mero ordeiro dos homens. Eras
pra ser temido, mas és um escravo. A programação o condena... – Manteve o probo
perante aos próprios tiques que escapulia.
-Mari... O que ele faz? -.
-Pega a presa, mata e come a cabeça... Quase caí nas peripécias desse malandro.
Sejas precavido! – Recuei.
-Não te preocupes. Não tenho cérebro a que comer. A ele nem a minha pele
poderá costurar rente às outras que coleciona... – Expôs uma confiança que é inédita a
mim.

O Capelobo chalaceou em resposta a tal confiança. E reiterou os costumes que


cerimoniava:
-Ao teu processador, trituro e transformo em mingau! À tua memória, refogo
acima! Hei de te devorar, ainda sim! -.
-E como farás para atravessar a minha pele? -.
-Como-a tanto quanto... E assim a tua concepção se une à minha. E te determino
a mim... -.

O monstro avançou contra nós, armando-se do arco que, agora, banhava-se do


sangue do Curupira, tal qual a minha borduna. Antes da reação robótica, ergui em modo
de repudiar o golpe. Ao acerto, ele recuou e saltou entre os galhos, recomeçando a tática
guerrilheira.

-Tá covarde, é? Seja cabra macho! Encara! Encara! – Bradou o meu


companheiro.

Ao pedido houve a reação: À flechada que lhe acertou o calcanhar, mas pelo
metal, a atravessada não ocorrera. Mas a prepotência o amoleceu – Ferida que o
mancou. Desarmou uma das mãos, esta a estancar a chaga, enquanto a outra mirava
desesperada, em modo de abate.

-Robô! Mas você aprendeu essas traquinagens com o bando? -.


-Desculpa, senhorita. Por mal meu, na verdade. É o que eu gosto de falar... Urgh!
– Coxeou ao recostar a minhas costas.

Repelidos os medos, recompomos a evitar outros ataques. Pela segunda surpresa,


à flecha lançada à minha canga, a borduna levantada. Golpeei a munição,
redirecionando contra as árvores e, pela sorte, rasgou o Capelobo. A queda certa o
perfurou entre as raízes delineadas das sapopembas, estacando-o ao chão.
O tamanduá resistia, mas ao meu ato não se encerraria pela vida mantida.
Aproximei e, como todo homem, não chorava, pois a consciência o honrava pela morte.
A que o legaria a quem o matasse – Sua essência fundindo-se ao matador.

-Que honra tornar-me tua comida... Mate-me... – Sorriu o esperto.


-Eu eternizo tua existência entre as minhas riscas pelo braço. Terás o prestígio
que merece... -.
À borduna, armei o facão que não a equipava. Pelo sangue de Macunaíma,
morto enquanto ascendia ao céu e retornar ao Sol: Que o sangue dele e o sangue
Capelobo fundam à clava. E o golpe que o atingia à cabeça, esmagou o crânio,
estilhaços que se dissiparam entre os ribeiros e o seu sangue, banhando os meus braços
estendidos.
O pequeno pedaço de luz sempre surge através das mortes mais transparentes, e
a levitação novamente a carregar-me à altura dos galhos. Estes se contorciam, regidos
pela ventania assoprando as poeiras cósmicas do Capelobo. À eternidade, significava, e
teu resto esqueleto se preservaria pela araucária que o recostava. Sobrava, portanto, o
sangue do seu cérebro estampando abaixo à cicatriz da onça.
Toda antropofagia não é uma morte, mas toda morte é uma antropofagia. Meus
leitores hei de se indignarem por tal afirmação, mas não é uma loucura: Porque os
rituais de abaporu eternizam as memórias, resguardam as muiraquitãs d’alma. Mas a
morte sempre se amaldiçoa do mal provocado: Ao assassino que se mata em pretexto de
vingança, come-se a vontade assassina. E ao estuprador, também se come a vontade da
mutilação genital, através da linchada. Ao justiceiro, resta a morte de si mesmo, pelos
atos errados que conscientiza. E por isso, toda morte cicatriza o legado a quem mata:
Porque não há matador que tenha se corrompido de justiça.
A violência, através das tacapeadas sobre uma canga, começa pela própria
justiça ao ego. A primeira forma de legitimar as forças, aos canhões que estuprem as
almas fracas, e que os guerreiros fortes envergonham as crianças fracas e os espertos
esqueléticos, porque não há violência que não se banhe de justiça. A única justiça
verdadeira é a natureza – As outras apenas tentam. E por isso, os humanos são os
vulneráveis: São os primeiros a clamar a equiparação, a justa causa. E por isso, que se
mutilem as virtudes – É a justiça que permanece. E se após à causa feita, sobra algum
resquício de objetivos? Que se refaça mais clamor por justiça – E a guerra recomece.

-Senhorita... Estás a pensar muito sobre o túmulo do Capelobo... Não gostastes


das muiraquitãs dele? – Ombreou a mão.
-Ah... Não é nada, meu companheiro – Cocei a cabeça, revolvi a olhar a face do
robô – Devemos prosseguir à procura de Anhangá... -.
E recomeçava os passos entre as matas, que duraram apenas alguns quilômetros
em direção ao subúrbio rico da cidade acima. Ao fim da tarde, o sol, já a cair no
horizonte, declarasse o descanso:

-Que durmamos por esta parte. As sapopembas grossas nos protegerão. É um


redor perfeito para recostar e sentar... – Já me postulava ao relaxo.

O robô, embora neutro, transpirava uma dúvida e esta, identificava pelo odor. Às
escuras, entre três sapopembas e um pila sustentador da cidade, acendemos a fogueira e
nos posicionamos um oposto ao outro. O julgamento estava dado: Que a conversa ali se
entregasse ao fogo e este, queimasse os pecados mal pagos.

-Muito bem... Robô... Eu sei que há algo contigo... Diga... – Os meus olhos
fixaram ao rosto enferrujado.

O robô foi o primeiro a suspirar: Resquício de afogada. Em alguma indignação


se manejava e, perante o fogo que mais fixava que a mim, proclamou:

-As tuas marcas... Não são legítimas... Não és honrada a ter tudo isso... – Pegou
um galho, brincando com a chama.
-Por que não? E por que isso te incomodaria? -.
-Porque, pelas mortes que cometeste, já denuncia teu crime: A vereda que não se
resgata e morta, deve permanecer. Tentastes o que justamente tirou tua linguística:
Nostalgia pela inexistência. E por justamente vangloriar as normas antigas, estas se
confundiram com o teu poder, e te transformou na gramática normativa... -.

Evitei a fitada, desviando contra o chão e os insetos.

-Senhorita... Por que sucumbistes? Por que não manteves a palavra de honra? -.
-Porque não há honra, nem sucumbir. Somente as veredas cruzadas sem o
cuidado... E assim eu me corrompi... – Fechei os olhos.
-Por que mataste o doutor? Vingança?! – Intensificou o ímpeto – Quis o que,
afinal? A que troco perdeste as memórias do bando do Lanterninha, o MEU bando?!
Agora não há como honrá-los um enterro... – Abrandou, e retornou ao chão.
-Porque o doutor quis, meu companheiro. Vontade própria... – Levei a palma à
testa, a cansar da conversa... -.
-Mas... -.
-É tua desmedida que te impulsiona, né? Não crie desculpas... Estás a sentir o
princípio da violência: Justiça... E é a justiça que matou o doutor e sentenciou-me.
Porque não há medida justa que não mutile a quem a providenciou. E assim encaro as
minhas consequências... – Desabafei á fogueira, à sonolência.
-Mas as minhas mãos... – As levou à própria vista – Anseiam o sangue pelo que
segurar, que possa amaciar a consciência... Meu processador afunila ente aos apegos... -.
-E no fim... Não procuras mais alguma vereda, pois perdeste o jeitinho... -.

O enferrujado não pacientou: Solevou e fitara a mim, com uma maior


concentração. À olhada, já espertava em também levantar. As posições significantes
resplandeciam o significado confronto:

-Estás suja do sangue dele... – Neutralizou.


-Não penses nesta possibilidade... Não quero pugilato... – Recuei.
-Mas e se eu quero? Consegues impedir, cambão? – Os braços elevados
dissonavam – Vai? Num tá Piteu? Ou tá folote? Vem! -.
-Não tenho iniciativa em te prejudicar, Cauê... -.
-Por que num faz caso?! Por que estás a vacilar?! O que raios aconteceu pra teres
a ti o legado de quem mataste e, assim, ele não hei de estar morto, mas em ti?! Diz! –
Intensificava a voz.
-Eu já contei... – Cruzei os braços.
-DIGA! -.
-PORQUE TAMBÉM ME CORROMPI, CU-DE-BOI! -.

As revelações sempre imperam o silêncio: O que toma a cada conflito que possa
iniciar. E ao robô, mesmo pela epifania, ainda teimava:

-Por que o mataste? De verdade... – Suspirou, pela impaciência.


-Algum de nós dois legaríamos essa inexorabilidade... -.
-Pare com a digressão e diga... -.
-Está bem, eu digo... Mas nos sentemos... A calma é necessária... -.
Amenizados, a sentada trouxe a diplomacia do fogo á tona, novamente. Já
preparados, transmiti:

-Havia junta a ele uma menina. E esta menina não era uma à toa: É a mesma a
quem fiz a mudança dialetal, pela gramática universal ingênua que ainda detinha. E foi
por ela que ocorreu toda a confusão: Ela trocou a linguística dela pela minha linguística,
mas toda mudança dialetal acarreta uma grande consequência: O poder já não mais surte
às gramáticas mais modernas, pela minha essência agora normativa... -.
-E a menina? Como está? -.
-Ela tomou o rumo que todos os homens escolhem: A manutenção. O único que
morreu foi o doutor jagunço... -.
-E junto a ele, a canga do Lanterninha e escambau, né? -.
-Não me culpe pelas veredas eu ter manipulado e desvairado. O que queres que
eu faça? Que morra só por possuir o sangue jagunço? É isso? –.

Ao robô, quando se afirma um pedido, nunca este nega a própria essência: O


quisto nunca o é amenizado, tampouco fingido. A ele, que sacava o punho e apontava a
mim, e o cano a concentrar a reluzente queima, sentenciou:

-Foste minha criadora, Maricí. Mas... A quem se convive, não há maior prezo...
Desculpe... -.
-Mas e o sangue do bando em mim? Também matas o sangue de teus
companheiros? -.
-O sangue deles permanecerá em honra através de mim, pois eu hei de te matar...
-.
-Opa, espera aí... Mas... E o sangue jagunço? Apropriarás também? – Preparava
a ofensiva
-Filtrarei como puder... -.

À borduna armada, me posicionei contra a fogueira, em contraste doutro lado


robótico. E ao robô, que a energia já se concentrava ao cano da palma, soltasse contra
mim.
-Eîekyi, kunhã poxy! -.

A luz, embora íntegra, não ultrapassou o sangue de Macunaíma. O raio


dispersou-se entre os goiabãos, que quedavam pela queimadura. Corri contra uma destas
que caíam, saltei sobre e golpeei o ombro do enferrujado. O metal retorceu, mas pela
própria condição, regenerou, volveu e socou-me ao rosto.
Mas antes que alguma árvore amortecesse minha lançada, o vestido puxado e o
meu corpo retornou ao robô e este me chutou a barriga, e aí sim o lançamento contra os
pinheiros. Amortecida, mas coxeando pelos golpes, reforcei a empunhadura contra a
clava, enquanto o metálico andejava a mim.

-Por que me machucas assim, meu companheiro? Traístes-me... -.


-Não... Tu traíste-me por mentires a mim. E agora só resta honrar aos meus
companheiros... -.

Retomou o pulso e lançou uma breve faísca. Esquivei e tentei um golpe contra as
pernas dele, mas a perna forte impediu até a amolecida. Aproveitou e, com a outra
perna, chutou-me e retornei à mesma árvore que pousei.

-Sabes que sou mais forte que você, grande Maricí... Mesmo fraca, tua carne me
servirá de bom grado... – Sorriu.

Não tardei pela coxeada: Ao golpe que ele tentou com as joelhadas, atalhei e
com a clava, golpeei a canga, mas esta estava mais rígida que qualquer outra pele do
corpo robótico. Espertei e esquivei da cotovelada que ele tentara, jogando-me ao ar e,
com as pernas, refiz a capoeira: À primeira perna não o atingisse, e ele esquivou. E a
segunda que o feria, o causou atravessada sobre a fogueira e seu repouso sob uma
grande copaíba.

-Estás tão mais fraco que àquela época em que te programei... -.


-Sim, mas ainda tenho a força de um milhão de éguas... – Gradualmente, erguia -
Num se tapeie... -.
-Mas ainda me indago por que estás endurecendo de novo... Será que a minha
programação falhou em ti? Que pena... Estás com defeito... – Debochava, em modo de
provoca-lo.
-AH VADIA! NUM VAI TE SOBRAR NEM UM FOLCLORIZINHO! -.

Cauê impulsionou sobre a madeira e voou contra mim. Por defesa natural,
ascendi a borduna, mas ao atingir contra ela, a fragmentação: Estilhaçou em vários
pedaços que se espraiaram por toda floresta. E o robô, ainda pelo impulso, conseguiu
provocar-me um corte através do aço contorcido em seu ombro pontudo.
Como manobra, abaixei e o chutei ao alto. Esquivei a não tomar um ataque aéreo
e o robô estabilizou ao ar, planando pelo empuxo d’ar.

-E agora? Sem a tua arma, o que farás? – Sorriu com tanto jeitinho quanto eu já
pude manifestar à época em que andejamos.

Despida das armas, apelei ao corpo: E que pela capoeira, seguisse à roda e
gesticulando os Aús. O robô descendeu em outra tentativa de golpe e, quando se
aproximou, meti a arpa e o derrubei. Ficou deitado e ao meu aproximo através doutro
Au, ergueu o pulso e atirou outra faísca, mas o confundi pela ginga.

-Desista, meu companheiro. Há mais na paz que o que se ganha pela morte... – E
gingava á frente dele, ainda deitado.
-Não sou tão mente fácil... Num vou cair mais nas tuas zoações! -.

Ereto de novo, Cauê utilizou os pulsos novamente, mas desta vez passou a
metralhar as faíscas contra mim, enquanto o meu gingado pudesse esquivar.
Gradualmente aproximei a ele e, à distância curta, desferi uma rasteira e a cabeçada
como consequência. O empurro o jogou ao fogo, mas em metal tão quântico o calor não
modifica.

-Por que não se alheie da culpa que um humano pode sofrer com a morte? Sejas
melhor que isso... – “Diplomaciava”.
-Não... Não consigo, senhorita... Preciso da vingança... Por conforto à minha
programação... Num é teimosia só... – Ofegante, iniciou um acúmulo de energia.
Mirando a mim, pelas energias que mesmo um robô não há de sustentar-se
diante da fadiga, repetiu a sua energia a acumular em uma única esfera. E como
sentença...

-EÎEKYI! -.

Do berro mais nativo que pudesse bradar, em uma esfera lançou contra mim, que
atravessou o fogo e quase me atingia. Pelo desvio que executei, mas a esfera não se
adiantou: Atingiu as águas sangrentas ao chão, saltando de poça em poça e, por supetão,
devolveu-se ao enferrujado, e este a se derreter mais que os baetatás sobre a carne
humana.

-POXY! POXY! POXY! – Desesperou enquanto lavava-se da esfera que o


atingia.

Porque não há maior golpe que aquele que suicida o homem. Pois o acidente ou
não, todo assassinato termina em suicídio. Porque a alma humana entregada a matar o
teu semelhante nunca mais vive após a lúcida intenção. E através da queima, a brasa
mais derradeira, cada ser como o robótico ali se debruçando nunca mais consegue
mutilar a própria alma, pois esta, já dilacerada, é indivisível. Escusa cada vereda que
culpou em vida.

-Maricí! NÃO QUEIMES DIANTE DE ANHANGÁ! FINALMENTE


ENCONTRES ANHANGÁ! – Gritava.

E o robô, em final desfeita das queimadas, descansava sobre as raízes da


Sapopemba mais grossa dentre todas da mata. Andejei lenta ao metal retorcido, donde
não se distinguia a perna da outra, nem o nariz da boca. Restava-o apenas o coração
solitário, o único que poupou. Desse circuito é que pude aproximar, a modo de abaixar e
minha cabeça recostar sobre o peito. A palpitação serena.

-Mari... Minha companheira... – Em voz robótica, o processador ainda


dialogava.
Pela primeira vez, prantei sobre o metal. Às lágrimas atingindo o corpo
retorcido, e o corpo quente fervia cada gota d’olhos que encostasse. As palpitações
ainda significavam algumas sentenças de desespero:

-Vás ao encontro de Anhangá... Ele sempre se manifesta nessas queimadas... -.


-Cauê... Por que teimou tanto? Olha o que ganhaste por tua humanidade... –
Levei uma mão para o local onde supunha ser o pescoço.
-Eu me desesperei diante da... Da minha indignação... -.
-Não faça pena para si... Apenas deixe que a morte te alcance sem que o medo te
impere... – Acariciava-o
-Senhorita... Precisas ir logo... Anhangá te espera... -.
-Mas preciso que me perdoes... Por favor... – Fechei os olhos.

Alguns segundos de silêncio, até que o ruído surgisse:

-Não há o que perdoar ou culpar. O que resta a nós é o legado, minha


companheira... Que tuas memórias não me excluam... -.
-Nunca te excluirei, grande amigo... O meu primeiro programado, tão filho
quanto Jurupari... – Abracei.
-Honres o sangue que segura... -.
-O céu te espera... – Interrompi - Nem tive tempo de chamar um padre ou um
morubixaba... -.
-Apenas recorde do que eu disse. E que tua linguística lhe signifique muito mais
que o legado... -.
-E tuas heranças nunca se reduzirão. Prometo-te, meu companheiro... – Abracei
mais forte que a própria força em batalha.

Progressiva desativação do sistema. As engrenagens rangiam a velocidade


reduzida pronunciada. E o robô a quase não mais significar alguma respiração,
extravasou o último brocardo:

-Xe mosema ndé supé... Xe Iru... -.


Desativação completa. Entre umas veredas e outras, matei a primeira que
escolhi. Porque não existiam perpétuas rodovias: Todas recomeçam outras que farão
outro caminho. Destruí aquelas que começaram ingênuas, que tornavam curvas erradas,
desviava das montanhas pedregosas. E ao fim, entre a minha linguística e a
programação de Cauê, não havia mais algum parentesco. Essa é a maior punição que um
robô há de receber: Nenhum legado perpetuará, por sua humanidade incompleta.
Levantei e executei o enterro honrado: Escolhi aquele Jequitibá mais grosso,
com a madeira velha e suas raízes fartas – Esculpi um caixão vertical. Sem meu poder,
tudo ocorreu através da via braçal, lapidei cada canto que comportasse o metal retorcido
que só o enterro poderia dá-lo alguma memória.

-Meu amigo... Se não podes se eternizam em meu corpo, a maior árvore desta
floresta te recordará... – Exprimia durante o ofício.

Escavada a árvore, ergui educadamente o corpo e o desloquei até a árvore em


que esculpi o caixão. Joguei para dentro e, por fim, peguei a porta que esculpi doutra
árvore e acobertei a árvore. Em finalização, a última placa cinzelada entalhei à frente do
jequitibá, cujos dizeres exclamava:

-Que as lembranças não o matem. Cauê, o robô coxo. -.

Porque em Socioma, os enterros mais honrados àqueles que nunca se honraram


em vida pode-se acontecer à árvore que se esculpe. E ao defunto, funda-se com a planta
mais grossa, que aí a natureza faça o que queira.
Mas mesmo aos robôs mortos, a maldição permanece. Reitero: Toda morte
corrompe quem mata. Uma vez que já executara ou se envolva, nunca mais o sangue
está alheio do julgamento de Anhangá, de Jurupari ou da consciência. Não é mais uma
questão de vingança, tampouco das volúpias assassinas: Simplesmente o legado. Porque
não há justiceiro assassino que não vá transmitir às futuras gerações a sua corrupção. A
violência sempre começará com a justiça. Pelo que se justa? Aí é o homem que faça a
sua história, e suas razões.
Porque a mim, vaguejando reiteradamente, o meu sangue sádico sobre a justiça
contra o doutor jagunço acumulou novas heranças de morte. E todas as justiças que
pereceram as inocências, nunca mais hei de se purificarem. Só pela indiferença que se
vence a justiça e esta, que morra junto com a violência. Mas o bicho homem não é
afeito ao abandono – Necessita do “Pelo que”.
Percorri em modo de penetrar à floresta e, por aquela distância, já não mais
havia alguma metrópole sobre mim, sobrando apenas muitos fragmentos de colunas
espalhados pela floresta, donde o Estado ou o Mercado não se atreveram a completar
alguma construção. Desta vez, percorri até a mais densa mata, a mais penetrada interna
à floresta. E à medida que infiltrava, mais a essência denotava os perigos pelos quais
motivam as grandes cidades que não tocam o solo: Além das Iaguaras e de Anhangá, as
pirarucus e formigas pintando os troncos.
Por fim, finalizava à mais profunda mata virgem: O maior jequitibá dentre todos
que já presenciei, mais que o próprio do Cauê. Tão alta que perfazia diversos ramos que
alcançavam altura maior que o tronco. À altura de quinhentos e cinquenta metros totais,
resplandecia o arranha-céu matagal. Seus galhos geravam os recursos monetários que
articulavam todo o sistema econômico selvagem e as novas sementes que quedavam
entre as terras laterais, geravam os novos empreendimentos madeireiros, mantendo
novas gerações acionistas a treparem.
Recostei-me à grande árvore, à canga direcionada a cima e observando a noite
caída. Pelo meu espanto, o finalmente...

-Maricí... A linguista... -.

A voz pronunciada perante o silêncio concentrou-se à minha frente, entre as


fumaças dispersas que agora convergiam em dança folclórica. O seu legado temido,
tanto pela voz imparcial e firme quanto à destruição que causava aos desafortunados
oportunistas, tanto legava o jeitinho quanto aniquilava os safados que atrevessem contra
os seus protegidos. Que Anhangá já se materializasse a semelhança do cervo branco,
turvo, aos caroços vermelhos concentrados a mim e uma serenidade quase desatenta.

-Finalmente chegaste a mim. Por que demoraste tanto? – A voz firme serenava,
mas é pela firmeza que abrolhava pusilanimidades.

Ergui e aproximei a ele. Por respeito, à forma que possibilitasse a avista de


minha muiraquitã, a que recebi de Velha D e ainda, mesmo pela mudança dialetal,
permanecia rente ao meu coração.
-Hummm... Este amuleto... Ganhaste por muita honra... Mas ao mesmo tempo, o
poder que perdeste é a sua inglória. Por teu Jeitinho, agora já entre todos os homens, por
tua essência tão já espelhada entre as línguas que tanto prezou e pelas máquinas que
programaste... – Engrossou a voz.

Ao escutar o jeitinho, assustei: Por que espraiei o jeitinho? Não era de folclore
já?

-Porque, grande Maricí, morreste desovando tua essência. Tua cultura nunca foi
a que pensas, mas a que está em teu fígado. Por isso, os teus trajes já não significam o
artificialismo que cultivara... -.
-E por onde andam as minhas linguísticas? -.
-Olhe por ti mesma... -.

O cervo se aproximou a mim e, com a pata, acostou à minha canga. Enxerguei as


iniciativas minhas, espalharam entre os sociomanos menos linguados e, por fim, atingir
os políticos, os educadores e até os escritores, que já se substituíam pela burocracia...

-Mas... É por culpa dos robôs! Revolta maquinaria! – Exclamava, enquanto


presenciava uma menina que não aprendia palavra alguma, enquanto o robô significava
todos os seus sentimentos.
-A máquina é efêmera demais para resguardar a burocracia humana, minha
afilhada... – Gestou uma negação através da cachola.

Mais imagens traziam a epifania: Ao poder que perdi, os ideais quebrados. Entre
o meu desejo e a vontade alheia. E o jeitinho, mesmo tão alastrado, nada mudou. Porque
não há homem que se faça pelo jeitinho, em verdade: O homem é burocrata. Pela
norma, significa. A língua e o jeitinho sucedem a norma, os artificialismos que
burocratizamos.

-Por que Anhangá? Por que vontade os homens praticam? Por que às máquinas
se entregaram? – Cansava, prantei e caí ao chão.
-É que é essência, xe ta’yra. Já tu, és artificialismo. E por isso, Jurupari nasceu
através de ti: Porque das normas dos homens, cria-se o equilibrador, a essência das leis
naturais. Tua linguística nunca existiu: É artificialismo da compreensão. Tua língua
significa a essência da norma... E o teu jeitinho pereceu... -.

A mim, restava a plenitude de que estivesse já deserdada. E que Anhangá, sem


pacientar a respeito de meus prantos, afirmou:

-Maricí... Eu sou o protetor desta terra. Minhas crias não aguentam mais as
normas dos homens. E tua senhoria foste a grande programadora que significa toda a
essência da norma: A compreensão. Mas no fim, mais rendeu ignorância que pacifismo.
E nem sempre as leis naturais compreenderão a tua mágoa... -.
-Os homens não estão mais a meu alcance... E a mim sobrou apenas a gramática
normativa, pela qual se narra todo o significado das mudanças dialetais... -.
-Mas não é pela mudança que se mata uma praga, minha amaldiçoada... -.

O veado fixou os caroços sobre a minha muiraquitã, transparecendo o que então


o amuleto legava:

-Imperadora Velha D... Dê graças a ela por a mim, reconsiderar a possibilidade


que tinha articulado... -.
-Que possibilidade? -.
-A de punir a todos os homens pelas suas culpas. Pela árvore que cortaram no
Monte Roraima, aos trejeitos que infiltraram entre os meus companheiros da mata... -.
-Mas por que ela? -.
-Porque a imperadora não renegou à própria etérea. E a mim, confessou as
volúpias que executou em vida. Fora a única que me provocou compaixão pelos
homens... Pelos seus desesperos... – Abaixou a cabeça.
-E... Como fica a minha fala? Não mais volto àquela fala que já tive como
materna? -.
-Nunca fora materna... Estás a normatizar, tal como sempre... – Gestou em
negação – Esqueceste-se da vereda mais importante: Desapego...-.
O cervo branco trotou à minha direção, passou de mim e atentou aos galhos da
grande árvore.

-Esta é a filha da Árvore Roraima, Iaseomembira. O Sol, como forma de perdoar


os homens, deixou que o mais vistoso fruto de Roraima se assentasse neste solo. Assim
nasceu a Iaseomembira, filha do choro. É a redenção que os homens receberam ao terem
cortado a grande árvore e para aquela geração, se arrependerem... -.

Já próximo à árvore, ele tocou-a com a pata direita e o impacto sentiu-se desde a
raiz até os galhos movimentando, e um brilho ao redor da pata emanando a
tranquilidade.

-Mas hei o erro dos homens: Esqueceram que ela existe. O Sol torna-se
indiferente a isso, mas não é pelos frutos vãos que se alcança a redenção... Como
confiar em seres que não mantém firmeza, que não sabem conter perante a tentação? O
grande erro humano é uma maleabilidade que fingem. Ao fim, reclusam á alienação,
pretexto da pureza... -.

Anhangá desenvolvia uma aura azul, confundia com a própria delineação de seu
corpo. O turvo já não mais deixava distinguir o veado que fora.

-Maricí... Teu legado funde-se à muiraquitã e o teu braço esquerdo é a tua


herança... -.

Ele afastava de mim, indo ao encontro a arvore. Afastei e visualizei as suas


linhas confundidas aos veios do tronco largo, os olhos vermelhos retumbam o ritual pelo
qual eu passaria...

-Maricí... Que então a tua semente semeada manifeste... -.

O clarão fúlgido cegou a floresta inteira, não mais possibilitando qualquer vista.
E o azulado raio sobre mim, através da ampliação do corpo cervo, guardava as
descontrações, e os músculos que relaxassem sob a ternura que eu sentia.
-IURUPARÎ EIEKUGUAB! -.

Um rojão explodiu à minha frente e uma sombra interrompia as auras: Levitava


até mim e o cervo intensificara mais o clarão até que a sombra tocou o chão. Triscando,
supetões foram as neutralizações, e à vista agora a clareza da figura à minha frente:
Bertinho, que agora era Jurupari. Trajava ainda os trapos de quando o encontrei,
adicionados à camisa encouraçada que ele vestia, quase guerrilheira.

-Xe sy, Maricy... – Falou, em voz muito branda e tranquila.

Recordando das tradições, curvei diante do legislador e, como costume, fiz a


saudação lacrimosa. Chorei aliterando à minha saudade, pelo tempo em que, por agora,
conscientizava do único filho que me restava.

-Jurupari, a quem criaste com todas as artimanhas do mundo... Ele terminará o


ritual... – O cervo recuou.

Após os quinze minutos de choro, levantei e corri ao abraço. O sorriso que


extravasava também contaminou o negrinho do coração. E ele proclamou:

-Mari... Eu cheguei por aviso de Anhangá e vontade do Sol. Mas por que estou
aqui? O que preciso fazer? -.

Anhangá podia manifestar uma divindade, mas não podia atuar o seu espírito:
Aproximou a nós e, após o abraço quebrado, passou a explicar ao negrinho.

-Grande Jurupari... Teu legado ainda há de crescer pelas gerações... Mas sabes
que tuas virtudes estão incompletas... Notastes isso pela tua ineficiência, não? -.
-Sim... Eu não consegui manter muitas das leis que deveria ensinar. A minha
fraqueza ainda insiste... -.

O cervo suspirou. Uma respiração depois, retornou:


-Maricí, quando perdeste a tua linguística, o jeitinho já passara ao seu filho. Mas
ainda faltam as virtudes... -.
-Então que eu passe, né? -.
-Espera... -.

Interrompendo Anhangá, dando-o as costas, retornei ao Jurupari.

-Grande Jurupari... Eis que então te passo todas as virtudes que há em mim,
através desta muiraquitã... Aproveites o quanto podes... -.

Fechei os olhos. A calada de Anhangá consentiu ao ritual que agora se


prosseguiria: Levei as mãos ao peito, tirei o amuleto que se escondia entre as vestes e
em lento desapego retirava-o. Cada dobra do vestido que se enunciasse por
consequência daquele ato repassaria à muiraquitã cada tessitura das boas e grandes
virtudes que ainda conservava. As linhas que compunham a costura se desassociavam, e
milhares de feios sobressaíam ao ar. Compunham o hino que ressoava o condão
choroso. Que todas as virtudes sejam inatas à muiraquitã!

-T’ererekó opakatu tekokatu! –.

Enunciava os meus últimos versos tupis. A poesia cantava toda a nova


sobressaída da luz que emanava do amuleto, e este o guiei à mostra da árvore. Esta
cintilou e, em um dos galhos mirou o feixe que se refletia a partir do Sol que acordara
pelo tempo do ritual durar.
Conseguinte, Jurupari se aproximou e após todas as luzes concentrarem ao
artefato, volvi à frente do filho. Lenta relutância, mantive os olhos fechados e ao
amuleto, entreguei a minha andejada. Por algumas voltas e vindas que não conseguia ir
ao encontro do legislador, finalmente alcançava o seu peito. Pelas suas elocuções,
finalmente exclamou.

-Ta xe ma’enduar mba’e kó! -.

O amuleto fundia-se ao corpo negro. Abri os olhos e fitei o Bertinho a levitar em


reiterada. O dito cujo, aos olhos fechados tanto quanto eu estive, estava a formar um
cordão etéreo ao redor de seu pescoço, tal como eu também senti em todo o tempo que
mantive a mesma.
A corrente estreitou ao pescoço, marcou o e, por fim, o pequeno artefato
pendurou-se ao pescoço e o cordão etéreo, invisível a todos, conservava a virtude
casada ao deus.

-O ritual acabou... Agora estás despida, Maricí... -.

Olhei ao corpo e de fato, nada me vestia. A minha censura não mais manifestava
e a única burocracia que ainda restava era a alma. Ao Jurupari, meu filho, agora
enfeitado às vestes indígenas pelas quais ensinaria aos futuros homens desta terra. E a
muiraquitã, que ainda desenhava a onça pintada sobre a sua madeira de ibirapitanga.
Tornei a dirigir-me ao Anhangá. Este entendera e proferiu:

-Agora... Nada ainda há de ter se encerrado... -.


-Por que? A virtude já não basta? -.
-Não, não basta... -.

O cervo trotou a repetir o seu tique pela árvore, encostando a pata a ela e a fitar
aos ramos.

-Grande Maricí... Não é só tudo que deste que farás Jurupari seguir o próprio
rumo. Sabes que a tua norma ainda não pereceu... -.
-Mas a minha norma não é eterna! – Abaixei ao chão e já deduzia o que ele
exigiria a mim, exprimindo ao semblante aberto – Se as mudanças dialetais me
afetaram, as outras próximas também afetarão! -.
-Desculpe, minha filha... Mas não há como manteres tal mudança. Já se
reduzistes a mais nominativa forma humana... Não há como mais mudares... – Meteu
um peteleco à madeira.
-Mas estás ressentido... Posso entender teu rugir... É vingança também... -.
-Não vingança... Nem justiça... É proteção... -.

O cervo trotou até a mim e à terra, cavou um pequeno poço e dele saía a água
vermelha, o sangue do Curupira, da onça, os estilhaços robóticos...
-Percebes? Enquanto viveres, o teu legado ainda te corromperá com a justiça dos
homens. Eu não posso te permitir que vá ferir mais de meus protegidos... – Abaixou a
cabeça e retraiu as pálpebras – Mas não é só este o teu problema... -.
-O que mais? -.
-A tua norma ainda remanesce neste solo. Enquanto viveres, esta norma ainda se
alimentará de tuas consequências. É um tumor. E isso também interfere o ofício do
Legislador... -.
-Mas se ele reitera as normas dos homens... – Até cocei a cabeça.
-Mas não reitera a SUA norma... – Apontou o casco a mim – E a tua norma é a
mais mundividência... -.
-Porque a minha norma é a essência da norma? Por linguística minha? -.
-Sim... -.

Em modo de evasiva às soluções, fitei a toda terra e árvore que podia, em modo
de assimilar todas as informações computadas. Mas sem o tempo da reflexão, retornou a
discussão:

-Então... Este é o meu fim? -.


-Não é não, minha Maricí... – Aproximou a mim, fitou sincero – Tens grandes
feitos que nenhum homem esquecerá. Tua linguística, por mais que já ocorrera a
mudança dialetal, resguardará-se pelas máquinas que programou. Só elas se lembrarão
de teus feitos e os meus protegidos também... Esse é o teu presente que posso te
conceder... – Estendeu a pata, encostando ao meu seio.
-E como fica o meu filho? O Bertinho? Ele não há de sentir? – Segurei a pata
com as duas mãos.
-Ele não deixará de sentir por você, mas ele precisa entender o ofício ao qual foi
designado... A situação é tão grave que quase nenhum animal mais fala a língua
brasílica e todos se reduziram à tua norma... -.

Solta a pata e o cervo recuando, preparava-se então a proclamação absoluta que


ele bradaria à mata inteira, a toda Socioma que ainda o compreendesse. Compostura
firme como a de um leão, conclamou:
-Que Maricí, a programadora, tenha uma morte honrada! -.

Por minha surpresa, o Jurupari secundarizado tornou a manifestar incredulidade.


Pensava que todo o meu legado já o pertencia, mas não há honra que se permaneça
enquanto o pretérito continue imperfeito...

-Mas Anhangá... Por que ela tem que morrer? Não há como poupar a vida dela?
– Suplicou.
-Tua súplica já denota o motivo desse sacrifício. Enquanto ela viveres, a norma
humana corromperá. Só a tua covardia em negar a morte a tua mãe já demonstra o
opróbrio que deveste sentir agora. Que decepção, grande Jurupari... -.
-Mas por que a norma humana te irrita tanto, cervo? -.
-Não é irritação, tampouco que a norma seja a minha inimiga... – Volveu à
árvore – É apenas uma questão lógica: Tua mãe viva, teu ofício nunca concretizará,
porque ela conserva a norma que você há de substituir... -.

O filho meu retraiu a árvore oposta a donde Anhangá fitava, e recostou à mais
tímida dentre todas, a menor ibirapitanga da mata. Suspirou por três segundos e, pela
juventude que ainda expunha, protestou:

-Mas ela precisa morrer?! – Agachou, pela súplica e ao choro que o causava
desespero - Não basta que ela se reclua?! -.
-E o que ela ganhará com isso? Uma vida medíocre? Estás a condená-la a uma
cadeia que ela não merece... – Quase aristocrático pela sua posição, frente ao pedinte.

O veado trotou suave entre as folhas grossas da bananeira que se justa


posicionava perto à grande árvore. E através de outras posições, ainda recitaria a última
necessidade pela qual demonstraria a morte total das leis ultrapassadas:

-Jurupari... Mates tua mãe... Dê-a uma morte honrada e coma o braço de
Mayara... -.
Por tal postulação, o negro não comediu: Levantou e tentou um soco ao protetor
da floresta. Este se esquivou e coiceou as costas legislativas. E à lei nova corrompida
pela antiga, à queda ao chão demonstrasse o seu fracasso pela inconsistência.

-Grande Jurupari... Não ouse me golpear. És o legislador, mas sou Anhangá e


não temo em te matar, porque a mim seria conveniente até... – Entonou a voz em
postura comandante.
-Mas não serei eu que matarei a minha mãe... – Solevava e, a uma das mãos,
resguardava um punho de fogo.
-Pares com isso, Jurupari. É tua obrigação obedecer à tradição... -.
-Obedeço apenas ao Sol e não a um cervo desmiolado arrogante... -.

O jovem partiu com o punho endurecido contra o espírito e golpeando-o, este


pulverizou a não ser atingido e ao retorno da forma que mantinha, prendeu o punho ao
seu corpo, impedindo que o jovem Berto afastasse. Mas Jurupari adquiriu o jeitinho que
a ele transmiti: Concentrou fogo à mão presa e, pela queimadura, Anhangá o desapegou.
Chorava à chama ardida, enquanto o menino arranjava uma defesa.

-Ereia’ang-pe ereapatuká xe?! E-PORARÁ! -.

O rugir que incentivou uma ofensiva, à qual o Jurupari já se preparou: Aos


chifres que o animal tentasse o furar, segurasse pelas partes mais grossas, imobilizando-
o. À força que ganhara do Sol, o jovem levantou o protetor e o arremessou à grande
árvore. O impacto ondulou a mesma em uma aura azul que se afastava destruidora, a
alguns animais a caírem ao chão pela força.

-Anhangá... Pares com tua arrogância... Não serei eu que sujarei meu legado em
sangue, nem teu e nem de Maricí... – O aspecto o conferia uma insegurança, à
inexorabilidade que temia ser realidade.

Anhangá solevou e nada coxeava, tampouco a brancura espírita se corrompera


com algum golpe. Sua aura intensificara, demonstrando o furor que extravasaria sobre o
legislador.
-IURUPARI, EÎEKYI! – Bradou o protetor.

E rojou a aura concentrada. Sobre o menino, que conseguiu a esquiva, mas


mesmo a esperteza não foi suficiente, porque o veado espreitou para as costas dele. E o
chifre corneou, furando a roupa encouraçada e rasgando a pele jovem.

-Isso é por tua língua corromperes o sagrado Tupi e, por agora, quase nenhum
animal a manter a língua que cultivávamos... – Adentrou o chifre à pele.

Que mesmo o legislador não conseguia conservar a contenção, entre as dores


que o desferia. Pelas memórias já se constaria mais uma desonra a ele, e o folclore a
espraiar a covardia. Porque à terra brasílica, a coxeada é desonrosa: Nenhum ser deve
manifestar a ardência.
Mas mesmo a reclamar, o jovem astuciou: Elevou o cervo através da perfurada e
o arremessou de volta à Iaseomembira. Esta, reiterou a aura extravasada, derrubando
mais animais ao chão e um de seus grandes frutos a cair à minha frente: Uma semente
do tamanho de um homem.

-Vamos, Anhangá... O que esperas para me matar? Não és tão temível quanto o
folclore proclama... Essas cidades medrosas nem precisavam de colunas para te evitar...
– Zombava, aos braços que acenavam as provocações.

Anhangá, já às quatro patas, levitou e, em vez de outra ofensiva, ofereceu uma


luta mais honrosa:

-Luta sem motivo. À honra, devemos duelar à força de quem mais empurrar...
Concordas? – E nada expressava senão a calma.
-Muito concordo... Quem perder, matará Maricí... -.
“Finalmente uma diplomacia em meio às tempestades” Pensei.

Cervo e menino a se aproximarem, mas ao legislador segurasse o chifre, sem


força precipitada, enquanto aquele ajeitava as patas, a modo da terra não azarasse a tua
vitória possível.
-Por Maricí... – O Berto empunhava as mãos, enquanto aos chifres ainda não
começasse o sangangu – Que comecemos... -.

Os empurros sobre a terra, e o terremoto a demonstrar a força que se resultava


do enfrentamento. Incitavam os seus memorandos à luta, estas batalhas que não cessam.
Porque não há ser que não batalhe: Contra a alma que propõe ampliação. Célula
cancerígena, nunca se dá por satisfeita e ao pretexto, a mediocridade, que é o medo dos
homens, eles se encerrarem a ela, apenas aliteram o próprio capitalismo pelo qual
escolheram: Morrerem grandes, mas nenhuma vivência.
E os dois seres ali, empurrando um ao outro, reiteravam a lei do acúmulo: A
quem mais legou, vence. E Anhangá, portanto, pelo empuxo que demonstrava
experiência, jogou Jurupari ao chão.

-Que agora cumpra a tua legislatura... – Sentenciou o corço, nada a sentir senão
a indiferença.
-Então é isso... A mim, resta a mão ensanguentada... Reiterar a norma humana...
-.
-Reiterar, sim... Mas é a última dentre todas... -.

Levantado o jovem, este se arrumando entre as lamúrias revalidando os ofícios


inglórios. Os que cada homem executa em suas últimas instâncias, que não são meras
mortes de si: O desapego doutro. E a sintaxe dele houvesse de excluir o sintagma pelo
qual me inseria em sua mundividência. Não há linguística sem desapego, cada palavra
que se entregue à nova, o léxico que cada homem segura para não derrubar-se sobre
suas inicias. A linguística morta sempre guarda as ideias retrógradas.

-Minha mãe... Eu hei de te matar... – Prantava, inclusive as mãos aos olhos.

Aproximei e, por minha linguística, reforcei a posição sintática mais nuclear, a


que o motivasse pelo ofício que fora designado.

-Meu filho... – Abracei-o ao peito – Não fujas do que deves fazer... -.


-Estás gelada, Mari... Choro por tua língua morrer tão breve após a nascença... –
As águas que escorriam ao chão, e os olhos que acentuassem as ligações, ambas
assentando o ritual. Às águas o desabafo, aos olhos a inexorável tarefa que se reluta.

À semente que caiu da grande árvore, fragmentação que a penetrava já revelava


a intenção da queda: Do interior, a borduna para quebrar as cangas. A esta nada a
adornava, senão o sangue das ibirapitangas sobre toda a sua madeira jequitibá. O abraço
desapegado, demonstrando as tremulações que surgia ao jovem Jurupari enquanto
seguisse a vereda da semente, pegasse a clava e a empunhando com o primeiro
experimento dum sangue que o alimentaria.

-Anhangá... Faça a dança... -.

Para a voz legista o corço obedeceu. Salteou em círculo, ao redor de nós dois. O
Bertinho, ainda indignando, à lenta aproximação. Gradual aproximação também aferia
ao protetor, que afunilava o círculo cada qual o passo dado pelo legislador. Aquele, a
cantar as palavras ritualísticas pelas quais eu respondia:

-Ereimoeté-pe ndé tê’o sykyié e’ym? -.

Mesmo sem a entendida, consegui a réplica inata:

-Sim, eu honro a morte sem medo... Que eu morra e minha carne seja comida
por Jurupari, o Legislador... – Em voz firme, tomei decisão.

Anhangá, ao rodar mais três vezes, perguntou:

-Ndé to’o-pe tatângatu? -.


-Sim, minha carne tem força. –Reforcei a voz, em tom robusto.

Ao Jurupari, aproximando a mim com o maior cuidado e suavidade, preparou a


borduna, em modo de aponta-la a mim, ainda não a matar-me. Igualmente pela voz
forte, ele perguntou:
-Ndé to’o oasab xe supé? -.
-Sim, passo minha carne a você...

Anhangá, por fim, finalizava a última declamação:

-Ta ndé to’o oma’enduar tatângatu suí! -.

Assim o corno parou às costas juruparis, e este a erguer a clava por completo. E
ao fim, as últimas palavras às quais eu escutei em vida:

-Ta ndé to’o oarybé xe! -.

O tacape desceu. Pela minha cabeça partida, o sangue somando às águas que já
banhavam do Curupira, e o meu cérebro nenhuma linguística mais significar. A canga
profligada, nenhuma recordação mais transmitir. Para cada cérebro destruído, uma voz
de passarinho emudece.
Clava largada ao chão, a mim já morta, agora extravasando a linguística que
num conseguia pela censura do corpo. O agoniado galalau num quebrava direito os
ossos, mas a esperteza o metia a guardar o braço cambão da Mayara. O implante que ele
fundiria, e aos restos de minha carne ele cerimoniava uma fúnebre.

-Má grande Anhangá... Já ela morta, nós estamos com fala d’antes, né? Num se
faz presente as normativas que estavam aqui antes... – O peste levantou, espiando o meu
defunto.

O corno num circulava mais. A atenção que agora concedia ao meu filho, numa
respiração que coreografavam, por partes minhas tão espalhadas pela terra. O madeirão,
Iaseomembira, num era de se importar muito pela morte minha, má à semente que
chocou, flutuou a mesma até a mim, guardando os restos à casca. Fechou e por respeito
dum tampo, num permitiu que o braço cambão fosse junto.

-Má então falta o braço, né? Devo cortar o meu e colocar este? – O inocente que
segurava com a indiferença. É que dava mais gosto qualquer parte minha, menos aquele
membro cacumbi.
É que Jurupari já não contestava as normas. Dessas que ele alimentaria gerações
próximas, em modo de salientar a grande ligadura duma lei solar à lei dos cabras. Braço
segurado, pelo qual transplantava a si, tal como a antropofagia que sua mãe também
experimentara. De voga é que vivem os brasílicos, meus leitores: Ao modo do “ouvir
falar” mais bonito, a quem pudesse mais apropriar de tal causo. Os causos num são mais
que legados, só que em linguística perdida.
Num há memória que chore por alguma palavra mais, proferida pelos homens
que mais se renderam à burocracia. Memória é efêmera, breve quando numa cavilosa
humana arreiga todas e quaisquer salientas. Se o causo é memória ou legado, os seres
que julguem, e a ambos resta uma morte sintática: Vereda invisível, pela qual os
condenou à libertação.
Jurupari normalizado, tomou a tenência de erguer o braço ao Sol. Cintilou sobre
o braço, que levado foi á mesa surgida, à frente e esta providenciasse uma cirurgia. Ao
doutor? É Anhangá, que auxiliava o braço cambão a agora pertencer o Bertinho.
O membro apoiava-se aos braços do moleque, e a uma dessas extremidades era a
condenação à natureza que sofreria. Culpa dos pequenos: Num tomarem frente contra os
grandes. O fim dum membro macho começaria a da cambona, que sua virtude
transpunha às essências de quem a transplantasse. Não há pequeno que num vá se
vingar um dia, palavra da experiência.
Bertinho já deitado sobre a mesa, a Anhangá aproximado, reformulando suas
patas a parecerem mãos. Uns equipamentos cirúrgicos num fazia falta ali, e foi vontade
do protetor que surgissem.

-É pra ganhar um braço, então? É preciso? – Indagou o deitado.

Corço fazendo cerimônia medicinal, numas lavadas das mãos e as enxuga à


toalha. Por preparo dos instrumentos cortantes, a respondida simultânea:

-Preciso? Sim, é de gosto. Só tens lucro, companheiro. Num se acovarde de


adquirir uma honra tão grande... -.
-Má é de tanta honra a tal da Mayara? -.
-Má claro! Num foi mera conciliadora de fofocas... – Preparava o anestésico –
Uma guerra poupou esta terra. O império da Velha D respeitou e temeu, grande feito
que nem eu repito... –.

Num pacientava mais nem o corno, respondendo a tal pela enfiada da injeção.
Súbita, até a dor engrossava, má se até os furos aguentava, numa dormida ele nem mais
sentiria as próprias consciências. Motivam a inconsistência duma narrativa destituída
d’alguma certeza: Pelas cortadas que o doutor desferia sobre o bração negro, a perfurar
a serra e sobejasse o lado direito.
Nenhuma purificação se dá pela serrada, mas pelo serrador. O cortador abençoa
os fragilizados, os que num esperam pela mutilação. É desta que, no fundo, num é
somente subtração. Porque toda soma ignora as destoadas partes cortadas. Os restos
remanescem pela revolução, união proletária do homem.
E já se podia notar um miúdes ao lado esquerdo. Costura-se todo um memorial
quando um transplante sucede. Porque é assim que a Mayara denotaria ao Jurupari:
Uma tessitura voluptuosa, sobre quantos sangues são transferíveis. Mente absoluta
nunca experimentará a mudança dialetal, as transfusões humanas.
Desacordadas almas sobre a mesa, entre as duas conflituosas em ideologias tão
distintas. Daí vem a maior desafiada: Qual ideologia vence. O problema do Bertinho?
Ideologia minha. Por isso, perdeu ao braço cambão. Conjuntura transponível, destituída
pelo ajuntamento de compreensões. Ao meu e de Mayara, sobressaem sobre o Jurupari.

-Acordada é conveniente agora, meu companheiro... Num faça marica agora... –


Corno lavava as mãos ensanguentadas pela torneira do equipamento.

Sobressaísse então, minha manifesta: Os legados confundidos. Às consciências


que agora permaneciam sobre um corpo, eu agora Jurupari. Num maricí já esqueci, por
obviedade, má é que a narrativa há de se encerrar pelo filho. Ao levanto, sentado sobre a
mesa, os caroços direcionados sobre o braço que mudara dialetalmente. Atentos, ambos
os indivíduos, à casca que guardava Maricí.
Tomei iniciativa, ao sair da mesa e acompanhar o corno ao caixão natural.

-É pra enterro agora, né? – Perguntei.


-Pra mais o que acha que seria, grande Jurupari? Tá ainda tonto, má tomará
consciência quando der mais passos... -.
-Então a honra num morreu a ela... Tá bem servida... -.

Forçamos a casca até a árvore gigante. Cova num foi precisa, porque a filha do
choro cavou uma para nós, em alguma distância a ela. Jogamos a semente, e enterramos.
Modo de crescimento que ocorreria aos próximos milênios, que a nova ibira
nomeássemos de Ibirirumo, a árvore que ajunta. O cervo, a finalizar o funeral,
declamou:

-Iaseomembira a presenteou com a maior das permanências: Ressurreição -.

Porque os princípios são circulares. Eis a desumanidade, a partir da nascença: As


criações que ensinam ou alienam. Maricí num é somente língua inata: É origem duma
norma que nunca morre, que pela nascitura, reproduz veredas. Porque o princípio dela
começa com um segredo: É este o “Pelo que” mais humano.

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O Livre-Arbítrio.

“A escolha sempre acarreta a alienação” Velha D, Imperadora.

Que dumas luas caídas, ascendidas, reposicionem o tempo pelo qual a variação
dialetal precisa para se conformar. Àquela hora, donde as árvores num mais cresciam e
os percursos d’água espraiaram o sangue de Maricí, reviva as lições que se proferiu,
mas a cabeça não digeriu: As veredas que não retornam a água passada. E por tal
entendido, se constrói a Socioma e a Terra Brasílica modificadas.
É que robôs, mesmo conscientizados à quase humanidade, num recobram
nalguma revolução maquinaria. Aos homens, que nada pudessem dizer senão através
dum robô que adquirissem. Àquela altura, todos por aquelas bandas já não mais
conversavam sem um robô. Má a imperfeição nunca morre: Pelas brigas que ainda há de
se consolidar. Se pela máquina se compreendem, pela mesma se mata, morre e até
transa.
Aquela taba, a exemplo, donde conhecemos as Icabiabas, já tão mais recorrem à
burocracia que nem mesmo mais andam: Pra cada mulher, a sua oca aparelhada, em
metal entediado. Baralham as próprias enferrujadas, por cada indecisão que consolidam.
E uma lenda entre os robôs reza que as máquinas ali choram a cada lua cheia que
encontram.
Linguística minha? Desisti. No máximo, entre esses “Num” e “Má”, não há de
adiantar mais pelo dialeto de meu coração: Este morreu antes da própria norma regrar
cada sociomano, pelo acidente da Mari contra o Doutor Jagunço. Catalisou o que já
consolidava naturalmente: A língua morrendo frente à estagnação.
Pelas árvores que já num erguem, a semente da Ibirirumo é a única que fez
broto. E a grande Iaseomembira, às mesmas luas que os robôs choram, lacrimeja ao
modo de regar a muda infantil.
Muito já caminhei após a morte dela. E muito me desvencilhei das veredas pelas
quais ela fez percurso. Vitupério sobre o quanto ela legou, porque a única que os
homens cantam é a da burocracia que tanto amam. E o Jeitinho? Nada ensinei,
tampouco as virtudes ou as leis do Sol. Por minha incapacidade: Num tenho robô. E
meu dinheiro já cessou, nada há como eu adquirir.
Tanto é que vaguejei de taba em taba, à busca d’algum ser que nada precisasse
dum robô. Pela constatação, cada homem com robô compreendia só outros que assim
também tivessem. E se um homem não houvesse de ter, nem por outros sem, tampouco
pelos que possuem, o compreenderão.
Daí, meu ofício estagnou-se, nem esposa ao Sol, nem leis a ensinar aos homens.
Dos causos que lembro, até levei pedregulho no tornozelo à peste que me julgaram,
quando numa das empreitadas tentei lhes ensinar língua sinalizada. Mas eis que havia
uma desavença: Porque aos que já se apregoaram aos intermédios, os braços
amoleceram, assim nada gesticulavam. Os pedregulhos só chegaram a mim por
correspondência eletrônica, em forma duma explosão robótica dum aparelho falso que
me venderam.
Dentre esse e outros causos, só restava-me o último refúgio: A floresta de
Anhangá. Mas é de lá que me descobri ainda mais alienado: Pelas onças que agora
tentavam alguma carne minha, pelo mesmo motivo que o braço que aqui me veste eu
apreendi. Há de me lembrar duma glosa a uma onça, esta já não sendo tal como a que
Maricí banhou o teu corpo da pintura. Para essa, me posicionei a colocar meu casacão
encouraçado mais coberto, à borduna mais afiada à ponta. O sangue que vestia esse
tacape era o legado de Mayara.

-Já mataste minha língua, agora queres me matar?! – Desentendia comigo, entre
as garras que já expunha.
-Não pretendo modo de te tomar como troféu, respeitosa onça... És a única que
me compreende a esse momento. Preciso é de tua ajuda... -.
-Ajuda a que?! – Recuava a uma das araucárias que pudesse recostar-se.
-Preciso encontrar Anhangá. Mas a mata não me guia. Dê-me a guia donde eu
possa recorrer a ele... Imploro... -.

Fiz humildade, às agachadas que reverenciavam a temida onça pintada, com esta
mais a temer o deus que ela temer a si mesma. A esse gesto, até pus a cabeça ao chão,
dando bote a alguma contravenção felina. Má às onças num se faz norma humana e, por
mais pusilanimidade que desarrugo em respeito, tornou à direção das copaíbas, e uma
das caudas a avisar sua ida:

-Venha, grande Jurupari. Anhangá não te rejeita e o encontrará por esta vereda...
– Não pacientava frente a minha reverência.
Solevei e acompanhei-a. À seguida ao caminho das grandes ibirapitangas,
perfilavam à maneira dum corredor, a esse que percorríamos. Diante de tal vereda,
evoquei a adiantada vista sobre o andejo: Por muitas que se desdobram pela primária.
Má escolha num é só de humanidade essência: Revoca a inevitável alienação do
homem, porque não há vereda que não o aliene das outras que se desprezou. Nenhum
homem é liberto e nem esclarecido.
Pelas manias idealistas, que ao repetirem, aliteram as vozes mais reprimidas, a
cada alma que dispersou sua multiplicidade. Das violências e culturas, a burocracia
permanecerá, porque a vereda é burocrata. Os caminhos, tiques-nervosos espirituais,
sempre ecoarão. A norma é percurso primário, a única de quem nunca se curará.
Porque é dela que se manifestam as conseguintes: Entre essas árvores que
atravessávamos, ao modo de abster o silêncio, tentei papo à onça:

-Então, iaguara... Tá feita já ou ainda não é realizada? -.


-Não sou afeita a realizações. É coisa de homem... -.
-Mas pelo que sobrevives? – Até joguei um pedaço de olhar sobre a criatura.
-Pela carne que como, ué? -.
-Num é tal aspecto... É de legado... -.
-Que diferença há entre fome e legado? Pra mim, tudo coiso de ser. Num há
oposição e nem desfiguram as nossas vidas... -.
-Por que desfigurariam? –.
-Num há gente que não tenha se desfeito de andar. A desfigura chega por vias
imprevisíveis, sugestões de atalho... Nunca se aliena delas, mas elas alienam a gente... -.

Pelas árvores terminando o percurso, interrompemos a dialogada. À frente da


grande Iaseomembira, que retumbava em maior altura em comparação a quando a
encontrei: Limitava-se a cem metros a mais que a altura antiga e, por coincidência,
àquela noite que nascia vagarosa, a lua cheia lhe causasse as lágrimas que banhavam o
miúdo broto que se originou da semente da Ibirirumo.

-Deixo-te à mercê de Anhangá. Cuide de tuas veredas... – Despedida da onça,


enquanto já recuava a retornar pelo caminho das ibirapitangas.
-Espera... Como evoco Anhangá? -.
-Limpe teus pés... E abrace a grande Iaseomembira... – Volveu a nunca mais fitar
a mim...

A secura da onça, por todo o caminho e prosa que trocamos, recompôs a minha
força a seguir os passos ditados. Às botas retiradas, estendi os pés às águas
ensanguentadas. Mas o vermelho pereceu, aos pés que a cada retirada sobre o molhado,
mantinham-se limpos.
Vertigem fitada sobre o pequeno broto, proferi um respeito:

-Que as lágrimas da Iaseomembira te façam crescer o teu legado... -.

Volvi à árvore. Descalço, aos pés despidos que pudessem devotar às sinceridades
pelas quais se presta respeito, por onde não se suja o chão com a corrupção dum mundo
externo. E à nudez, que signifique uma pisada verdadeira, empirismo sobre a terra,
donde cada dedo se entranhe entre as partículas. Uma cultura sob os pés que aceitam
costume que não a da bota.
Aproximado à árvore, aos galhos que fitava. Que estes ramos protuberantes, ao
reluz de Kuarasi, remanejem tantos filhos que possa cuidar. A origem sempre é humilde
e escondida, mas que por essência, tão vasta e maior. Esquecer-se-á de tal motriz
sempre por tal despercebida, à floresta vereda que se origina da mesma, mas obscurece.
Que o abraço completasse tal pensada: Retocar a quem criou tanto, mas tanto já
se ofuscou pelas crias. Um abraço sempre revalidará a sua palavra, mas o seu
reconhecimento é vão. O que resta, ao último, é o troco que tal origem doa: Pelo abraço,
fulgência entre os frutos da Iaseomembira.
A esse toco de esplendor, ampliasse à forma e semelhança da fruta grande, esta
que se faz ao formato do fruto de Jacarandá, queda ao chão por muito peso em seu
interior.
Corri até o dito cujo, e a paciência me tomasse à espera do que fosse sair daquela
concha. A semente delineou, porém, e por sua grande diligência, quebradiça sobre o
fruto, e à casca destruída revelasse Anhangá, à minha frente. De diferença, o cervo
vestia uma muiraquitã, formado por uma madeira esculpida a revelar um robô à
semelhança de Cauê.
-Grande Jurupari... Tantas luas se passou, e nunca me visitaste em tanto tempo...
– Reclamou o corço.

Cerimônias à frente dele, à maneira mais respeitosa: Desarmei a Borduna e a


desprezei ao chão. Despojava as minhas entranhas medrosas, que só ao corpo restasse a
dignidade pela qual demonstrar: Os diversos riscos ao peito e aos braços, entre tantos
que matei, tantos legados destruí e apropriei. Porque num me desvencilhei da morte,
esta teimou a insistir sobre as justiças.

-Eu só te visito por quando há conveniência... Sabes disso... – Olhei aos caroços
vermelhos dele.
-E as cicatrizes aí? Tem história pra contar? -.
-Dava gosto, mas tempo é tempo e ele não está generoso... – Sentei na terra,
conforto para uma longa conversa.

Anhangá fez um trote à árvore que fitava, tal como é a mania que lhe era inata, e
continuou a declamar:

-Sabes por que a Iaseomembira é onde me repouso? Porque num faço ódio a
homem algum. Pelo contrário: À forma de não mais o céu castigar aos homens, espanto-
os desta mata, a nunca alcançarem os frutos tão ricos desta ibira... Mas a quem o homem
pode se entregar? Nada o satisfaz senão a burocracia tentadora. Quando isso acontece,
estupram a mata de minhas crias... -.
-Sabes que ainda não pude construir o meu ofício... – Até abaixei a canga.
-E por que não? Estás preguiçoso? – Desprezo dele só me provocava a enfatizar
o meu desejo...
-As minhas cicatrizes denotam alguma preguiça? Não sou afeito às manias dos
homens... – Até fazia apontamento aos riscos do meu braço.

Ele atentou a essas riscas, trotando em retorno a mim. A uma das patas erguidas,
cutucou aleatoriamente uma das cicatrizes, aos olhos vermelhos que cintilavam a cada
um dos toques.
-Estás a ter um passado de sangue. Honra em certa medida, mas a vergonha
ainda não perece. Por tua desonra aos teus prisioneiros... -.

Porque em leis que o sol me deu, ao prisioneiro se dá as comidas e as mulheres


pelas quais desfrutar, que ao fim de sua vida há do aprisionador comer-lhe a carne. A
mim, a vergonha por nada ter seguido, e por muito me ceder às leis dos homens, ao
linchamento mais desonroso às normas que Kuarasi me ensinou.

-Ainda não me desvencilhei por completo das leis dos homens. Mas à muiraquitã
ainda obedeço... – Pus a mão sobre a mesma.
-A tua palavra há de se proliferar entre os homens, mas ainda não me esclarece a
tua vinda a mim... O que queres? -.
-Quero que me ajudes a compreender os homens e estes, a me compreenderem...
– Solevava à direção dele.

Anhangá se pôs a recusar os meus caroços, demonstrando uma resposta já


explícita pela qual rugia:

-Se nem os homens me compreendem, quiçá eu entende-los? -.


-Mas há de haver um jeito de eu almejar o meu ofício. Já tentei adquirir as
máquinas que os compreendem, mas nenhum ofício me oferecem, trabalho honrado só à
vista. Assim, nenhum tostão possuo... – Gestava os braços à frustração.
-Máquina, é? Acho que há como te ajudar... -.

Cervo nunca desiste de sua insistência à ibira, perseguindo-a quase ao abraço.


Aproximado, a uma das patas tocasse à madeira. Por surpresa, metamorfose da árvore a
revelar, entre os seus grossos veios do tronco, um aparelho familiar: O Cauê que
adormecia em um caixão tão honrado.

-Mas... Cauê esteve sempre aí? Ele adquiriu o mais honrado dos enterros?! –
Meu pasmo por tal ironia.
-Cativei-o após os destroços ficarem enterrados a uma árvore que não legava o
que ele merecia. Por minha consciência fiz isso... – Deslumbrava diante do aparelho.
-Mas... Por que o enterro dele aqui? É tanta virtude assim? – Minha postura já se
comparava a uma inveja.

Ao cervo caminhei e este começou a contar sobre o robô:

-Que ele consolidou, de fato, a compreensão entre os homens. Muito vagueou


em busca de apaziguar as maiores violências cangaceiras e jagunças, e por muito
conseguiu de fato consolidar em boa parte desses homens que vivem de favor. O seu
confronto contra a própria programadora já o deu a maior honra possível: Lutou por esta
floresta, o que nem ela tanto pensou lutar... Ele foi de fato, a máquina compreensiva... –
A uma das patas direcionava sobre o rosto dele.
-Mas como ele há de estar íntegro? E as queimadas? – Meus olhos mantinham a
incredulidade por tal aspecto.
-Graças à árvore, ela reconstruiu o que ainda o restava de legado. E por
resultado, duma das sementes nasceu esta muiraquitã que aqui eu visto... -.
-Então posso ficar com o Cauê? Ao modo de continuar o meu ofício? -.
-Poder, pode. Mas nunca o ligará... Não sem esta muiraquitã... -.

O semblante neutro de Anhangá não exprimia o que a ansiedade minha já se


fazia exposta. Por um aspecto tão íntimo, aos alcances que tão logo ali poderão me
auxiliar, mas a lonjura desapega-me... Por muito entender as relações com o cervo: A
bondade não lhe é inerente, muito menos a algum homem.

-Eu sei que não és de boa vontade... – Volvi a encará-lo a frente – O que queres
de mim? -.

Ele espertou: O sorriso demonstrava o Jeitinho que o construía. Aos blocos


carregados de astúcia, já começasse uma negociação entre dois proliferadores de
Jeitinho...

-O teu corpo me serve para colocar à árvore. Que tal? E ainda terás muita
honra... – O sorriso primário não inspirava confiança...
-Não sou tonto. É conveniência tua, né? O quanto queres que nenhum homem
mais possa compreender as leis que propus... É para expandir tua mata que eu sei... –
Apontei a ele, baseando-me à fúria – Não tirarás o meu ofício! -.
-Há! Então o que me propõe? Tua Borduna? Sangue de Maricí não me serve... –
Revidou a apontada.
-Que tal alguma coisa em troca de Kuarasi? Te serve? -.
-Não preciso de favor doutros seres... Quero é algum favor teu... -.
-Expulsão da floresta? Nunca mais eu hei de pisar por esta mata, assim te
apaziguando... -.
-Que isso! És mais que bem vindo à minha mata. Você mete tenência em minhas
crias o que mesmo por minhas advertências, batem fôfo. Num é de boa conveniência a
mim... – A seriedade já o dominava.
-E que tal o braço de Mayara? -.
-Ih! Má tu fica sem braço... -.
-E o que fizeste com o meu antigo? Responda! – Quase trisquei-o, por
desespero.
-Ué? Num era defunto conveniente e acabei transportando a algum lixão... -.
-O QUE?! Tens juízo do teu erro? -.
-Desculpa! Mas não havia mais espaço nesta ibira, tá? Contente-se com o teu
braço. Nem mesmo a quero, por mais honrosa que seja... -.
-E o que queres então? Qual a troca mais justa que te convém? -.

Trote a longe de mim, um círculo ao redor da Iaseomembira, por reflexão dele.


À mania dele, umas triscadas à madeira, quase fetiche. Que algum desses cutuques
cause-o alguma epifania, ao modo da trocar medir-se justa. Entre algumas olhadas aos
galhos e sua batucada constante, volveu a mim e sugeriu:

-Que tal tua linguística pelo robô? – Neste caso, não havia jeitinho naquele
semblante. Causo sério.
-Ah! Mas... Que linguística? Maricí num a perdeu? – Perplexidade minha,
restou-me a quase engasgar o ar.
-Ela perdeu sim, má não a essência. E ela adormece em teu corpo, por causa
desse braço que te dotou com tais poderes... -.
-Ah! Mas num sou de cair nesse coiso... Por que precisas da linguística? Nunca
teves desde sempre? -.
-Eu nunca a amaldiçoei. É só pretexto pra bom cuidado... – Uma leve risada, por
descobrir que a Mari o temia – Linguística nunca amaldiçoa. Só transferi... -.
-Eis a indagação mais protuberante: Por quê? -.

Derrubam-se as bases dum temido quando nada já o restava: Pelas dores que
causou, o quanto conscientizou a respeito das valências. Os sintagmas que se somam
infinitamente, e tal como se unem, nunca desatam. Que é assim o pretérito mais
perfeito, o que sempre ironiza: Sempre imperfeito nas realizações, tão perfeito nas
atrocidades.

-Por sadismo meu. Deslumbre sobre o desespero humano pelo alcance das
grandes ideias. Planejei-me desde muito tempo a querer tal acontecimento, mas minha
desmedida rogou. É de dicotomia o que meu espírito já não mais consolida a minha
proteção para as minhas crias. Elas me temem agora, e só as iaguaras possuem coragem
a me entender... Por isso, essa linguística será uma reversão. Protetor serei novamente...
– Cabisbaixo tanto quanto pela base já não se sustentava.

Aproximei por leves passos, mas mesmo pela pena, a minha intenção era mais
necessária que a dele:

-Sinto muito, má após a troca, num há de como eu saber se a programação é


completa... E se o Cauê está defeituoso? Ou só a carcaça o resta, sem programação?
Tornará esta troca uma inutilidade a mim... -.
-Então ainda resta a última cousa a se trocar... -.

Protetor erguido, canga confiante, a mim fitou por longo período. Ao meu
pescoço ele secava, nada a proclamar. E a entendida me veio em poucos segundos...

-Ah! Não... Num é tão conveniente pra você... – Pus as mãos acima do peito,
protegendo a Muiraquitã.
-Pelo contrário: É a única medida que me retornará a honra de proteger... É a
Muiraquitã mais valiosa dentre todas... A única que tua mãe recebeu pelas mãos da
imperadora. É a mais valiosa possível, neste terreno... -.

A esta vez, fiquei a vaguejar entre as araucárias dispersas ao redor. Por muito
entender a muiraquitã, esta não se desfaz por qualquer coisa. Ao desespero de Anhangá
é que se descobrem os valiosos, porque não há imploração que não demonstre uma
prece. Das quantas que nunca cessam aos seres em pedirem, por seus espíritos
morrerem pelas piores despercebidas. A despercebida sempre mata o desatento, o fútil.

-Mas esta muiraquitã não é pra se dar ou vender à toa. Já viste o que ela causou
quando Maricí me deu... -.
-E o teu ofício? Não é mais importante? Mantendo tua linguística e o robô,
cumprirá o teu dever. Ou então se jogue à sorte dum trabalho honrado conseguir... – O
cervo reiterou a sua contemplação à ibira.

À sorte todos nós jogamos, mas ela é arrogante: Potência de quem sempre
escolhe por quem mais estima. Estima da sorte nunca escolherá os pobres: São feios
demais para ela. Desalenta, o tédio a torna generosa. Mas se a sorte se abusar, ela há de
retornar a própria estima, através do azar.
Pela sorte que a vereda há de se casar: Nunca uma sorte se faz sem caminho e
este, nunca trará potência sem a sorte. Do quanto ambas amam o homem e este, tanto
mais à fofoca sobre eles a respeitá-los. Ao tom do cervo, ambas estivessem uníssonas e
que o filho de ambos se assemelhe à dúvida do pai e da mãe: O Livre-Arbítrio.

-Então é isso, meu companheiro... – Os caroços quase paralelos, às fitadas que


trocávamos... – A muiraquitã, a virtude de todos os homens, pelo robô e pela muiraquitã
de Cauê... Eis tua alternativa... Faça uma boa vereda... -.

Aqui se perfaz, portanto, o presente momento: Entre as virtudes pelas quais


guardo, ou a máquina que me fará compreendido. Ao Anhangá que eu olhasse, não
conseguisse alguma decisão. E assim se perdurasse por tantas luas que fossem precisas,
pois a mim o livre-arbítrio ardia...
Porque não me há como concluir esta narrativa por tal escolha. Eis que meus
leitores já conheçam a história dessa era linguística, donde tantos causos se fizeram e
tantos se perderam. E aqui a recontada história não há de cessar, porque a história é só
um ajuntamento de sintagmas que nunca param. E o tempo proverbia as reticências...
As virtudes duma muiraquitã não se perfazem absolutas: Evoluem por constante
dialeto. Desses que sempre evocam as pensadas e, por mesma vereda, as normas.
Nenhuma vereda mais se conta nesta história, porque nenhuma virtude há como se
contar diante dessa escolha...
A máquina... Tanto ela se fez da natureza quanto do homem, a única
mediunidade que se reconhece. Tão burocrata, mas a única que nunca gerará má
intenção ou jeitinho, porque a máquina é efêmera. A máquina chora diante de seu ofício
eterno de compreender. Ao Cauê, o condenaria a compreender. Toda burocracia está
fadada a ser compreendida pelo homem.
E a era linguística... Por tantas veredas que se fez por ela. Ao serviço de tanto se
reforma-la, ou enriquecimento sintático, mais a destoou que permaneceu. Desvairada
temporal, que suas falas já não mais emanam d’algum lábio. Normatividade sempre
remanescerá quando contestada, porque é do protesto que ela vive. Sem o protesto, por
que regrar?
Às cidades... Nada mais pudessem erguer, porque o concreto já não se produzia
mais. E o metal, tão delicado, nunca ombreou as proporções humanas. Aos homens não
restava mais senão a reclusão: Montes Belos nunca mais pôs um único pilar sobre a
floresta. À reclusão mais decadente, que nenhum homem mais construísse uma casa
sequer. Porque assim mais se ajuntavam, em nome das máquinas a se unirem. Mas não
há aproximação que se cure da burocracia. Tendência cíclica: Mais burocracia, mais
reclusão. Ajuntamento de nadas...
Anhangá... Este sempre teimou a própria temida. Por muito proteger, tanto
causou os espantos e até mortes a quem julgava um perigo. A proteção sempre recai à
violência, a precaução nunca cessa o desespero. A proteção sempre será violenta: Da
reclusão ao desespero, almas que nunca se contentarão com o inevitável perigo. O
perigo é inocente, mas instável e por mais se temer a ele, mais ele chegará à espreita.
Anhangá sempre legará um perigo que nunca construiu.
E aos sangues florestais, que recontem apenas uns mitos que se proclamarão
entre os robôs. Sobre o curupira linchado ou o capelobo mais devasso. Todo monstro
reconta uma história humana, dentre as linchadas sobre um menino até o tamanduá que
chora por fascinar-se pelos homens. Curupira nunca foi demônio da floresta, em
verdade. Ele mata à toa, desprevenido dos instintos. A isto nenhuma violência curará –
E nenhum homem mais lincharia após escutar a sua lenda.
E a Maricí... Linguística despedida. Porque o seu legado não é por meras ações:
Já muito antes dela houve muitos linguistas, muitos dotados do mesmo poder de
ideologizar. Mas ela nunca concretizou linguística alguma: Consolidou as próprias
estribeiras. A linguísta nunca mais respirará a gramática universal...
Era Linguística, pois agora não é mais...

**********************************************************************
Fim de “Era Linguística”.
Glossário Brasílico-Sociomano.

Abá – Homem, índio.


Abaporu – Homem comedor de gente.
Abilolar – Adoidar.
Aeromóvel – Veículo voador, movido geralmente à energia elétrica ou
motorização a ar comprimido. Invenção Sociomana atribuída às Icabiadas.
Amonhang – Eu faço.
Anauê – Saudação.
Anhangá – Protetor da caça. Na passagem para a catequese jesuítica, interpretou-
se como o demônio ou diabo. Na maior parte das lendas, tem a forma de um cervo
branco.
Araucária – Árvore símbolo do Paraná, com formato característico em formato
de pinheiro. Apresenta uma madeira em cor clara.
Arenga - Briga
Arribar – Sair, ir embora.
Auá! – Interjeição de espanto.
Baetá – Celular, smartphone.
Baetatá ou Boitatá – Alma penada de fogo, que vaga em meio á floresta. A
tradição indígena conta que surgem como resultado de atos em vida, como relações
incestuosas ou desonra. Não confundir com a derivação atual “Boitatá”. Etimologia:
Mbae (Coisa) + tatá (Fogo).
Bafafá – Confusão, tumulto.
Baitinga – Tratamento pejorativo entre amigos.
Bapeva – Madeira de cor avermelhada, provinda do Goiabão, árvore nativa da
Mata Atlântica.
Barona – Mulher.
Bexiga – Coisa ruim.
Biboca – Lugar estranho, beco.
Bodega – Coisa.
Boleguetar – Caminhar, andar.
Bonserá – Habitação coletiva, cortiço, da classe baixa.
Borduna – Arma em forma de clave, utilizada pelos índios, desde sacrifícios
antropofágicos até guerras.
Bucha – Barriga, comida.
Buchuda – Gestante
Buliçoso – Pessoa que mexe muito e em muitas coisas.
Buruti – Espécie de palmeira.
Brejo – Coisa que acaba sem importância/dá errado.
Cabra – Homem.
Cabresta – Controladora, mandona.
Cacumbi – Negro/Ajuntamento de homens negros.
Cambão – Mulher feia.
Camburão – Viatura grande e militarizada.
Canga – Ver Kanga
Cangaço – Grupos revolucionários que viajam de cidade em cidade em busca de
vingança, comida e justiça. Diferente dos jagunços, possuem uma ordem própria, com
leis e costumes.
Capelobo – Criatura antropomorfa que é metade homem, metade tamanduá. Ao
matar as suas vítimas, suga os seus cérebros. Possui inteligência do homem.
Carbrunco – Carbúnculo.
Cariá – Demônio domiciliar, que atazana as pessoas.
Caritó – Solteirona.
Caroço – Íris dos olhos.
Casebre – Casa pequena, pobre.
Cerrado – Vegetação que compõe a maior parte do centro de Socioma, sendo um
tipo de savana, composta por vastos campos, vegetação rasa e rastros de Mata Atlântica,
compartilhando uma parte de seu bioma com esta.
Chumbada – Levar bala de arma de fogo.
Chupeta – Chorão.
Coiteiro – Aquilo que protege ou esconde.
Confófô – Significa “Conforme eu vou”.
Copaíba – Árvore nativa da região da mata atlântica, donde se extrai o óleo de
copaíba. Sua madeira é escurecida, com veios retilíneos.
Coxinha – Policial.
Cubar – Olhar.
Cubata – Casa.
Cucuruto – Topo da cabeça.
Cuçuleta – Morte, morrer.
Cunhã – Ver “Kunhã”.
Curumin – Ver “Kurumin”.
Curupira – Demônio da floresta.
Dar fé – Prestar atenção.
Emboléu – À toa, desprezado.
Engabelar – Enganar, iludir.
Engazopar – Enganar, colocar em reclusão.
Estuporar – Gastar muito, consumir em excesso.
Fio-Terra – Sexo anal.
Folote – Frouxo.
Gaitosa – Que faz os outros rirem.
Galalau – Homem alto.
Gambé - Polícia
Griô – Contador de histórias.
Guabiroba – Fruta de casca grossa e amarga.
Guaraná – Cipó, fruto comestível conhecido pelo seu formato em olho.
Guaranía – Canção que mescla o guarani com a língua espanhola. Origem
paraguaia*.
Iaguara – Onça pintada.
Iara – Sereia do rio.
Ibijara – Réptil rastejante.
Ibira (Ou Ybyra) – Árvore.
Ibirapitanga – Pau-Brasil.
Icabiabas – Tribo sociomana caracterizada pelo desenvolvimento tecnológico
que alcançou. Também é conhecida pela população totalmente feminina, resultado de
inseminação artificial.
Icamiabas – Tribo indígena onde só se aceitam mulheres guerreiras, sem
homens.
Inajá – Fruto grande de palmeira, cuja amêndoa é comestível e o óleo da qual se
extrai também é.
Inopino – Imprevisto.
Ipê – Nome geral para uma espécie de árvore comum ao Brasil. Possuem copas
abertas e são de grande porte, cujas folhas possuem cores vivas.
Iru – Companheiro.
Iurubaetatá – Arma de fogo sociomana, que lança chamas com a mesma ardência
das chamas de um baetatá.
Jacarandá – Árvore grande, de madeira nobre escura.
Jagunço – No Sertão, é o capanga contratado para exercer alguma função,
geralmente encomenda de morte ou proteção.
Jatobá – Árvore comum à floresta densa amazônica. Possui um pó ao interior do
seu fruto, que muito se parece com pão de ló. Madeira escura e levemente avermelhada.
Jequitibá – A maior árvore, ocorre em geral na Mata Atlântica.
Jurabé – Diabo.
Jurupari – Conhecido como o legislador, reza a lenda que aqui se utilizará que
veio à terra em busca de uma esposa para o Sol e que, em meio a essa tarefa, ensinou
diversos costumes aos povos indígenas, desde a higiene até a passagem das sociedades
matriarcais para Patriarcais. Há mais versões para essa lenda.
Kanga – Cabeça.
Kariua – Homem branco, não índio.
Kaxivós – Tribo pouco conhecida em Socioma. Reza a lenda de que foram os
criadores das cirurgias antropofágicas, para substituir os rituais antropófagos e assim se
espalhou tal cultura.
Kuabá – Conhecimento, saber.
Kunhã – Mulher.
Kurumin - Menino
Kutuke – Cutuque, cutucar.
Langanhento – Pegajoso, grudento, viscoso.
Leidorio – Capital da República de Socioma. À época do império, fora uma
cidade voadora de alta tecnologia, como forma propagandística da Imperadora Velha D.
Esta obra foi chamada de “Açuaíba” à época da construção. Após a queda do império,
voltou à superfície.
Macunaíma – Refere-se ao herói do Monte Roraima. Na lenda aqui utilizada, foi
um herói que surgiu aos homens para ajudar-lhes a organizar as colheitas pela Árvore
Roraima e nenhum homem podia pegar os frutos que ainda estivessem presos aos
galhos. Após esses homens traírem tal lei, Macunaíma cortou a grande árvore e o que
sobrou tornou-se o Monte Roraima**. Há mais versões da lenda.
Makundê – Feijão.
Maletroso – Mal vestido.
Malogro – Frustração, mau agouro.
Mapinguari –Criatura do folclore, um ser alto e largo, peludo, de odor
desagradável e cuja boca de abre na vertical, na barriga.
Maracutaia – Esquema, plano, falcatrua.
Matutar – Pensar.
Mayara – Mulher Sociomana, considerada a deusa da diplomacia. Impediu que
se iniciasse uma guerra entre as Terras Brasílicas*** e o Império Sociomano.
Considerada heroína pelos brasílicos, mas regressista pelos conservadores.
Membyra – Filho por parte de mãe. No caso do livro, vale também para homem.
Monhangaba – Fazedor.
Misosso – Conto tradicional angolano.
Montes Belos – Grande cidade localizada mais ao centro, entre os vários montes
que compõem a transição da Mata ao Cerrado de Socioma. É caracterizado por várias
colunas de concreto que sustentam a cidade acima da floresta.
Morbo – Doença.
Morubixaba – Chefe, líder/Contador de histórias.
Monandengue – Menino, moleque.
Monhang – Fazer.
Muiraquitã – Amuleto utilizado pelos indígenas da baixa Amazônia, feito em
pedra ou madeira, para dar a visitantes, pessoas amadas ou promessas, geralmente
associando ao mesmo algum caráter sobrenatural ou virtudes.
Musseque – Favela.
Muvuca – Confusão.
Nheenga – Fala, língua.
Oca – Casa.
Oxê – Expressão para espanto.
Paiar – Matar, maltratar.
Parangolé – Estrupício.
Pinta – Bandido.
Piteu – Mulher bonita.
Puera – Já era, já foi.
Quadradão – Pistola de quarenta milímetros.
Sabugar – Açoite, bater.
Sací – Ser cuja representação é a de um índio com uma perna só, geralmente a
andar fazendo vento. Pouco se ouve falar dele em Socioma.
Sambudo – Fraco, franzino.
Sapeca – Danado, brincalhão.
Sapopemba – Árvore de raízes protuberantes.
Sarrabulha – Pancada, amassar.
Sertão – Região semiárida ao Nordeste do Brasil, também ocorrendo à Terra
Brasílica.
Solidélia – Heroína Sociomana, conhecida pela sua trajetória pela rodovia
Transocioma, em que esta atravessa desde as Terras Brasílicas ao Leste até o extremo
oeste de Socioma. A sua trajetória é contada em um poema épico de mesmo nome, de
autor desconhecido.
Submismo – Pensamento filosófico Brasílico-Sociomano, proposto por
Potiguara Seixas, que afirma que toda ideia é uma alienação e que cabe ao homem
escolher a alienação pela qual reger os aspectos políticos e sociais pelos quais sofre.
Sucuié – Ter medo.
Sucuri – Cobra.
Sumé – Profeta que ensinou vários dos costumes aos índios. Reza a lenda
jesuítica de que seja São Tomé, através de um castigo que sofrera por sua descrença em
Deus e, ao fim, pregar a palavra divina aos mais incrédulos dos homens, que assim
foram os índios brasileiros.
Taba – Cidade, aldeia.
Tabacuda – Mulher analfabeta, ignorante.
Tabajara – Povo indígena que habitava o litoral da paraíba. No livro, caracteriza-
se pela manutenção das tradições, com seu nome praticamente se associando a tal ideia.
Tabaréu – Homem de hábitos rústicos ou tímido.
Tacape – Ver “Borduna”.
Tarimba – Cama desconfortável.
Trem – Expressão para se referir a qualquer coisa, de forma genérica. Ex: Que
trem bom!
Tremelicar – Tremer muito.
Trambiqueiro – Trapaceiro.
Troncho – Machucado, acabado.
Triscar – Tocar.
Tuixaua – Líder, chefe.
Tupã – Deus-trovão, manifestação natural. Nos tempos coloniais, foi utilizado
pelos jesuítas para catequizá-los referindo-o ao Deus monoteísta cristão.
Tupinambá – Uma das maiores tribos indígenas brasileiras à época dos
descobrimentos.
Verme – Policial.
Visage – pátio da prisão.
Xe – Eu
Xeleléu – Puxa saco.
Xibiu – Vagina.
Xispar – Sumir, desaparecer, sair.
Xotar – Expulsar.
Ybyiba – Terra ruim.
Ygara – Canoa, barco.
Zabumba – Instrumento típico do Baião, composto por um tambor grave que é
percutido por uma baqueta na pele de cima e uma vareta chamada “bacalhau” na pele de
baixo.
Zica – Trágico, tenso.

*Guarani e Tupi são línguas distintas. Em verdade, nunca houve um Tupi-Guarani,


sendo esta definição uma generalização.
**O Monte Roraima existe em Socioma.

Escrito por: Matosinho Ygara

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