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CONFLITO
É muito fácil você dizer que é corajoso enquanto não está correndo perigo. É muito fácil
você dizer que é calmo enquanto não está sendo perturbado. É muito fácil você dizer que é
honesto enquanto não está sendo tentado a ser desonesto. Suas decisões, ações e
comportamentos em situações cotidianas revelam apenas a imagem que você deseja que
os outros tenham de você.
A verdade é que, fundamentalmente, nenhum de nós é quem afirmamos ser. Somos o que
fazemos em situações de conflito. Somos nossas decisões, nossas ações, nossos
comportamentos diante de problemas complicados.
Você tentaria resgatar seu filho sequestrado se a polícia não estivesse fazendo nada? Você
conseguiria manter a calma se o seu melhor amigo quebrasse seu computador e você
perdesse todos os seus arquivos? Você devolveria uma carteira recheada de dinheiro que
encontrou na rua se estivesse passando por dificuldades financeiras?
O que é conflito? É a percepção de que existe um obstáculo nos impedindo de alcançar
certo desejo. É uma disputa entre as coisas como elas estão e como gostaríamos que elas
fossem.
Quando estamos sob pressão, somos obrigados a fazer julgamentos, tomar decisões e agir
o mais rápido possível, antes que a situação se complique ainda mais. Pensamos, sentimos
e nos comportamos motivados, primordialmente, por restabelecer um senso de segurança e
controle nas nossas vidas. Isso nos força a agir mais instintivamente, a confiarmos nas
nossas crenças e valores mais fundamentais como guias para tomarmos a decisão mais
correta possível diante de tais circunstâncias.
Em histórias de ficção, são esses momentos que revelam o verdadeiro caráter de um
personagem, a verdadeira natureza da sua personalidade e da sua identidade.
O papel dos conflitos em uma narrativa é criar um contexto que ajude o leitor a empatizar
com o protagonista, que o ajude a enxergar a situação a partir do ponto de vista dele e se
perguntar: “Nessas mesmas circunstâncias, o que eu faria? Qual a decisão mais correta?
Qual a melhor forma de agir? Quais as consequências de uma decisão ou outra?” Quando o
escritor consegue levantar essas perguntas durante a leitura do seu texto, sua história deixa
de ser apenas sobre o personagem e passa a ser também sobre o leitor.
Conflitos ajudam a criar experiências emocionais, permitindo que a gente olhe para o
mundo, para as pessoas e para nós mesmos com novos olhos. Segundo o roteirista
William C. Martell, o que buscamos em histórias de ficção são justamente essas
experiências emocionais. Em nossas vidas diárias, normalmente precisamos conter nossas
emoções. Histórias permitem que a gente alivie essa pressão emocional acumulada.
Histórias são simuladores de experiências que nos permitem olhar para o mundo com os
olhos de outra pessoa. Nosso trabalho como escritores é criar um parque de diversões para
o leitor sentir, seja medo com uma história de terror, tristeza com uma tragédia, romance
com uma história de amor, alegria com uma comédia, excitação com uma história de ação.
Conflito é o eixo central de toda história porque define o foco da narrativa e delimita o tema
que será desenvolvido em mais profundidade no texto.
O conflito da história pode existir em 3 níveis:
1. Nível Pessoal
Quando o grande obstáculo entre o protagonista e seu desejo é outra pessoa, o drama da
história está centrado nas interações entre o protagonista e seu antagonista. O enredo
focado em um conflito pessoal é desenvolvido a partir da disputa pelo controle de uma
situação , onde um personagem precisa encontrar novas formas de se relacionar com seu
oponente ou lutar contra ele. O personagem encontra ou não uma nova forma de se
relacionar ou lutar contra seu antagonista no final dependendo da ideiachave que o escritor
quer passar com a história.
Exemplo: A história de dois irmãos disputando por uma mesma vaga de trabalho. Repare
como o foco dessa história está na relação entre os personagens.
2. Nível Psicológico
Quando o grande obstáculo entre o protagonista e seu desejo é interno, o drama da história
acontece na mente do personagem. O enredo focado em um conflito psicológico é
desenvolvido a partir da
disputa entre quem o protagonista é e quem ele deseja ser ,
forçando o personagem a reavaliar sua identidade, suas motivações, seus valores, seus
objetivos e suas prioridades. Essa mudança de perspectiva na forma do protagonista se
enxergar acontece ou não no final dependendo da ideiachave que o escritor quer passar
com a história.
Exemplo: A história de um rapaz que cresceu na sombra do irmão mais velho, mas que
agora deseja encontrar sua própria identidade.
Repare como o foco dessa história está
na psicologia de apenas um dos personagens.
3. Nível Social
Quando o grande obstáculo entre o protagonista e seu desejo é o ambiente cultural,
econômico, social ou político em que o personagem se encontra, o drama da história está
centrado na opressão criada por normas e estruturas sociais. O enredo focado em um
conflito social é desenvolvido a partir da
disputa entre o status quo e o desejo do
protagonista de uma sociedade diferente , exigindo que o personagem se sacrifique em
nome de sua causa. Essa mudança social acontece ou não no final dependendo da
ideiachave que o escritor quer passar com a história.
Exemplo: A história de um rapaz que é eliminado do processo seletivo para uma vaga de
trabalho por ser gay e decide processar a empresa. Repare como o foco dessa história
está no preconceito social.
Em qual desses níveis de conflito você deve focar sua história?
Naquele que você acredita que tem o potencial de expressar com mais intensidade e beleza
a ideia que inspirou você a escrever. Se a dinâmica do relacionamento entre dois
personagens é o que sua ideia tem de mais original, foque a narrativa no nível pessoal. Se
a
psicologia do seu protagonista é complexa e fascinante, foque a narrativa no nível
psicológico. Se a causa que o protagonista está defendendo é onde está a essência da
história, foque a narrativa no nível social.
Outro critério para pensar em um conflito para focar o enredo da sua história é sua
especificidade. Quanto mais genérico e impessoal for seu conflito, ou seja, quanto menos
relacionado especificamente ao contexto da vida de um determinado personagem, mais
previsível e menos envolvente ele será.
Para criar um conflito original você precisa, primeiro, criar um personagem original. Qual é a
essência de um personagem original? É a combinação única entre suas motivações
pessoais, internas e externas.
Qualquer que seja o nível de conflito em que você decida focar sua história, é crucial que
ele passe para o leitor um senso do que está em jogo na vida do protagonista e porque ele
deve se importar com isso. Em conflitos pessoais, o escritor está dizendo nas entrelinhas “ a
disputa desses personagens tem algo importante a nos ensinar sobre relações de poder”.
Em conflitos psicológicos, o escritor está dizendo nas entrelinhas “o sofrimento desse
personagem tem algo importante a nos ensinar sobre como nos relacionamos com nós
mesmos”. Em conflitos sociais, o escritor está dizendo nas entrelinhas “ a causa pela qual o
personagem está lutando tem algo importante a nos ensinar sobre como nos relacionamos
com valores morais diferentes dos nossos”.
Considerando tudo isso, como podemos pensar em conflitos específicos para nossos
personagens?
Investigando a fundo o motor que os motivam a lutar para alcançar seus desejos: suas
crenças e valores. O que são crenças e valores? São nossas referências de certo e errado,
bom e mau, relevante e irrelevante, possível e impossível, desejável e indesejável. Essas
referências determinam todos os nossos comportamentos, pensamentos e emoções.
Identificar as crenças e valores do seu protagonista ajudarão você a criar um personagem
que age com coerência durante toda a história e se mantém motivado até o final para
enfrentar todos os obstáculos que o impedem de alcançar seu desejo.
Abaixo, algumas perguntas que você pode fazer para seu personagem para conhecêlo
melhor.
● Quem são as pessoas mais importantes na sua vida?
● Que memórias são referência de felicidade e tristeza para você?
● Quem você mais admira?
● Quais são suas ambições pessoais e profissionais?
● Quais são suas maiores frustrações pessoais e profissionais?
● O que você faz com seu tempo livre?
● Qual sua maior qualidade e seu maior defeito?
● Como você resumiria em algumas poucas frases sua vida até aqui?
Nas respostas para essas perguntas, você vai encontrar pistas sobre as crenças e valores
do seu protagonista. Para introduzir conflitos na sua história, imagine situações que
coloquem em risco algo importante para o personagem. Algo que o force a tomar decisões
e atitudes sob pressão ao longo da história, pouco a pouco revelando seu verdadeiro
caráter. Algo que mostre para o leitor que esse personagem é bom e mau, coerente e
contraditório, compassivo e egoísta, corajoso e medroso, confiante e inseguro. Assim como
eu, assim como você.