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ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO

ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

Maj Inf ALEXANDRE PACHECO DE SOUZA

O Uso da Força nas Operações de Paz Tradicionais


às Robustas: O caso do Congo

Rio de Janeiro
2015
Maj Inf ALEXANDRE PACHECO DE SOUZA

O Uso da Força nas Operações de Paz Tradicionais às


Robustas: O caso do Congo

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Especialista em Ciências Militares.

Orientador: TC SERGIO AVELAR TINOCO

Rio de Janeiro
2015
S729u Souza, Alexandre Pacheco de

O Uso da Força nas Operações de Paz Tradicionais às Robustas: O caso do Congo. /


Alexandre Pacheco de Souza. 一2015.
49 f. : il. ; 30 cm.
Orientação: Sergio Avelar Tinoco.
Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ciências Militares)一Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2015.
Bibliografia: f. 46-49.

1. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 2. OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO


DA PAZ. 3. USO DA FORÇA EM OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ. 4.
OPERAÇÕES ROBUSTAS. 5. MONUSCO. I. Título.

CDD 355.4
Maj Inf ALEXANDRE PACHECO DE SOUZA

O Uso da Força nas Operações de Paz Tradicionais às


Robustas: O caso do Congo

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército, como requisito parcial para a
obtenção do título de Especialista em Ciências
Militares.

Aprovado em 21 de março de 2016.

COMISSÃO AVALIADORA

___________________________________________________
SERGIO AVELAR TINOCO – TC Cav – Presidente
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

___________________________________________________
LUCIANO CORREA SIMÕES – Cel Inf – Membro
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

___________________________________________________
ANSELMO DE OLIVEIRA RODRIGUES – Maj Inf – Membro
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
À minha esposa, meus filhos e meus
pais, fontes de inspiração e exemplo.
AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida e a capacidade de trabalho a mim conferida.

Aos meus pais por todo carinho e dedicação com que conduziram minha criação e
educação.

À minha esposa pela compreensão nos períodos de ausência e de estudo.

Aos meus filhos Giovanna e Alexandre que são a verdadeira motivação de todas as
minhas realizações.

Ao Exército Brasileiro pela oportunidade de me aperfeiçoar enquanto pessoa e


profissional.

Ao meu orientador pela amizade e respeito com que conduziu os trabalhos.


“O uso da força tem apenas um efeito temporário. Pode
subjugar por certo tempo, mas não remove a necessidade de
subjugar novamente: e é impossível governar uma nação que
deve ser reconquistada eternamente.” (Edmund Burke)
RESUMO

A incalculável perda em vidas humanas que o mundo testemunhou em duas


Guerras Mundiais levou a humanidade a buscar uma forma de se prevenir para que
esses horrores voltassem a ocorrer. A Organização das Nações Unidas (ONU)
surgiu em 1945 como materialização desse desejo de uma paz universal e
duradoura. Para cumprir sua missão de preservação da paz mundial a ONU vem,
desde 1948, realizando operações de paz com o objetivo de proporcionar condições
para que as partes envolvidas em um conflito possam reencontrar os caminhos da
paz. Porém, as mudanças ocorridas no mundo, tornaram obsoleto o modelo adotado
pela organização, e muito eficiente no período da Guerra Fria, tal modelo não se
mostrou em condições para atuar fora daquele contexto histórico. Diante de
ameaças assimétricas envolvendo não mais atores estatais, mas sim grupos difusos
de interesses distintos que perpetravam o sofrimento a civis e grupos considerados
vulneráveis, como mulheres e crianças, a ONU reavaliou sua postura frente a esses
desafios, inclusive no tocante ao uso de força nas operações de manutenção da
paz. Esse processo levou ao surgimento do conceito de operações de manutenção
da paz robustas, que tem como diferencial a previsão de uma maior permissividade
quanto ao uso da força para a consecução do mandato e para a proteção de civis.
Assim, este estudo procurou evidenciar os parâmetros referentes ao uso da força
pelos contingentes militares das operações de manutenção da paz sob um mandato
robusto, acompanhando a evolução ocorrida ao longo dos anos até o primeiro
emprego de uma brigada de intervenção com um mandato robusto na República
Democrática do Congo.

Palavras-chave: Organização das Nações Unidas; ONU; operações de


manutenção da paz; operações robustas; uso da força em operações de
manutenção da paz.
ABSTRACT

The incalculable loss of human life that the world has witnessed two World Wars led
mankind to seek a way to prevent these horrors to return to occur. The United
Nations (UN) emerged in 1945 as a materialization of this desire for a universal and
lasting peace. To fulfill its mission of preservation of world peace the UN has, since
1948, conducting peacekeeping operations in order to provide conditions for the
parties to a conflict may rediscover the ways of peace. However, the changes in the
world, become obsolete model adopted by the organization, and very efficient during
the Cold War, such a model was not able to work out that historical context. In the
face of asymmetric threats involving no more state actors, but diffuse groups of
different interests that perpetrated the suffering of civilians and groups considered
vulnerable, such as women and children, the UN reassessed its position against
these challenges, including on the use of force in peacekeeping operations. This
process led to the emergence of the concept of maintenance of robust peacekeeping
operations, which has the distinction of predicting greater permissiveness regarding
the use of force to achieve the mandate and for the protection of civilians. This study
sought to highlight the parameters for the use of force by the military contingents of
peacekeeping operations under a robust mandate, following the trend seen over the
years until the first job of an intervention brigade with a robust mandate in Republic
Democratic Republic of Congo.

Keywords: United Nations; UN; peacekeeping operations; robust operations; use of


force in peacekeeping operations.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – O Sistema Nações Unidas........................................................... 14


Figura 2 – Fases de uma operação multidimensional................................... 24
Figura 3 – Área controlada pelo M23............................................................ 43
Figura 4 – Evolução das Operações de Manutenção de Paz da ONU......... 50
LISTA E SIGLAS DE ABREVIATURAS

CNDP - Congresso Nacional de Defesa do Povo


CSNU - Conselho de Segurança das Nações Unidas
DFS - Departamento de Apoio as Operações de Campo
DH - Direitos Humanos
DICA - Direito Internacional dos Conflitos Armados
DIH - Direito Internacional Humanitário
DPKO - Departamento de Operações de Manutenção da Paz
FIB - Força de Intervenção nível Brigada
ICISS - Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania
do Estado
MINUSTAH - Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti
MLC - Movimento para Libertação do Congo
MONUC - Missão da Organização das Nações Unidas na
República Democrática do Congo
MONUSCO - Missão de Estabilização das Nações Unidas na
República Democrática do Congo
ONU - Organização das Nações Unidas
POC - Proteção de Civis
QG - Quartel General
RDC - República Democrática do Congo
RWP - Responsabilidade ao Proteger
R2P - Responsabilidade de Proteger
UNAMIR - Missão de Assistência das Nações Unidas em Ruanda
UNITAF - Força Tarefa Unificada das Nações Unidas
UNOSOM I - Operação das Nações Unidas na Somália I
UNOSOM II - Operação das Nações Unidas na Somália II
VANT - Veículo Aéreo Não Tripulado
II GM - Segunda Guerra Mundial
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 7
2 METODOLOGIA............................................................................................. 11
2.1 TIPO DE PESQUISA...................................................................................... 11
2.2 COLETA DE DADOS...................................................................................... 11
2.3 TRATAMENTO DOS DADOS........................................................................ 11
2.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO........................................................................... 12
3 A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS................................................. 13
3.1 CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS............................... 15
3.2 O DEPARTAMENTO DE OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ.......... 16
4 OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ.................................................. 18
4.1 TRADICIONAIS.............................................................................................. 21
4.2 MULTIDIMENSIONAIS................................................................................... 22
4.3 ROBUSTAS.................................................................................................... 24
5 USO DA FORÇA EM OPERAÇÕES DE PAZ................................................ 27
5.1 UMA AGENDA PARA PAZ............................................................................. 29
5.2 RELATÓRIO BRAHIMI................................................................................... 31
5.3 RESPONSABILIDADE EM PROTEGER (R2P)............................................. 34
5.4 DOUTRINA CAPSTONE................................................................................ 35
5.5 UMA AGENDA PARA A PAZ (NEW HORIZON)............................................ 37
6 MISSÃO DE PAZ NO CONGO...................................................................... 40
6.1 ANTECEDENTES.......................................................................................... 40
6.2 A ONU NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO................................. 41
7 CONCLUSÃO................................................................................................. 49
7

1 INTRODUÇÃO

Ao término da II Guerra Mundial (II GM) foi criada a Organização das Nações
Unidas (ONU), em 24 de outubro de 1945, para suplantar o fracasso da Liga das
Nações na missão de assegurar a paz mundial.
A ONU estruturou-se com as finalidades de promover a manutenção da paz
mundial, a garantia dos direitos humanos, o desenvolvimento socioeconômico das
Nações, dentre outras, conforme disposto no preâmbulo de seu documento
originário, a Carta das Nações Unidas:
Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações
vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa
vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos
direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano,
na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das
nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a
justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes
do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso
social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.
(ONU, 1945)
Inicialmente composta por 51 Estados-membros, atualmente conta com 193 e
26 programas, fundos e agências. Seus principais órgãos são a Assembleia Geral, o
Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Direitos
Humanos, o Secretariado e o Tribunal Internacional de Justiça.
Seu órgão responsável por manter a segurança e a paz mundial é o Conselho
de Segurança, conforme o artigo 24, 1. da Carta das Nações Unidas que estabelece:
A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus
Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade
na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que
no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o
Conselho de Segurança aja em nome deles. (ONU, 1945)

Os Estados-membros comprometem-se a aceitar e cumprir as decisões do


Conselho de Segurança, conforme capitulado no artigo 25 da Carta das Nações
Unidas. Conforme será abordado mais à frente em nesta pesquisa, o capítulo VI
trata sobre a resolução pacífica de controvérsias e o capítulo VII da ação relativa a
ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão, que admite o uso da força.
8

Após o término da II GM, ocorreu à bipolarização do mundo, dividindo-o entre


países capitalistas, comunistas e os não alinhados. Nesse contexto, a ONU vem
desde 1948, com sua primeira missão de manutenção da paz, ocorrida no Oriente
Médio, trabalhando para assegurar a paz mundial. No entanto, até o fim da Guerra
Fria, isso ocorria com um componente quase que exclusivamente militar, que se
interpunha entre dois estados em conflito, para suspensão das hostilidades entre
eles, sendo conhecidas como missões tradicionais ou unidimensionais. Essa
constatação é feita pela própria organização, no Relatório Brahimi: “17. Até o final da
Guerra Fria, as operações de manutenção da paz das Nações Unidas na sua
maioria tinham mandatos de monitorização de cessar-fogo tradicionais e sem
responsabilidades diretas de consolidação da paz.” (ONU, 2000 - tradução própria).
O uso da força nas missões tradicionais limitava-se a autodefesa contra
agressões diretas dirigidas aos membros dos contingentes. Os mandatos não eram
claros quanto ao emprego da força para outras ações, relativas, inclusive, à proteção
de civis vítimas dos conflitos.
Com o fim da Guerra Fria e as mudanças no cenário mundial, as ameaças
tornaram-se mais complexas, uma vez que os conflitos não se limitavam mais à
disputa entre dois Estados (interestatais), passando a manifestar-se sob a forma
intraestatal, como Guerras Civis, grupos armados e perseguições a grupos ou
minorias étnicas, como atestado pelas Nações Unidas no Relatório Brahimi:
Desde o fim da Guerra Fria, Operações de Manutenção de Pazdas Nações
Unidas muitas vezes combinados com a construção da paz nas Operações
de Paz Complexas implantadas em configurações de conflitos intra-Estado.
Esses cenários de conflito, no entanto, ambos afetam e são afetados por
agentes externos: patronos políticos; fornecedores de armas; compradores
de exportações de commodities ilícitas; potências regionais que enviam
suas próprias forças para a luta; e Estados vizinhos que acolhem
refugiados, que às vezes são sistematicamente obrigados a fugir de suas
casas. Com tais efeitos transfronteiriços significativos por atores estatais e
não-estatais da mesma forma, esses conflitos são muitas vezes
decididamente "transnacionais" no caráter. (ONU, 2000 – tradução
própria)
Face aos desafios apresentados pelo atual arranjo mundial, a ONU tem atuado
para prevenir e amenizar conflitos por intermédio das Operações de Manutenção da
Paz, que se apresentam de diferentes formas, de acordo com as especificidades das
partes em conflito, e das circunstâncias que se traduzem na forma como a missão
será realizada e no conteúdo do respectivo mandato.
9

Para fazer frente a esses desafios, outros atores passaram a integrar,


juntamente com o componente militar, as operações sob a égide da ONU nas
chamadas missões multidimensionais.
Em setembro de 1999, durante a 4046ª reunião do Conselho de Segurança das
Nações Unidas (CSNU), foi emitida a resolução nº 1265, que traz as primeiras
recomendações acerca da proteção aos civis vítimas dos conflitos armados,
primando pelo respeito a leis e convenções internacionais, bem como buscando
meios para identificar e compreender as causas dos conflitos e um meio para
preveni-los, cumprindo, assim, o previsto na Carta das Nações Unidas. A resolução
também concluiu acerca da necessidade dos membros da ONU para que
participassem de Operações de Construção da Paz, Operações de Restauração da
Paz e Operações de Manutenção da Paz, e que possuíssem treinamento adequado
em Direito Internacional Humanitário (DIH), Direitos Humanos (DH) e Leis sobre
Refugiados.
As participações da ONU pautam-se na solução pacífica de controvérsias e no
uso da Força para assegurar a implementação do respectivo mandato. Porém frente
à pluralidade de ameaças e ao fato dos conflitos de interesses não mais ocorrerem
somente entre Estados, englobando também conflitos interestatais, como a disputa
pelo poder e controle da população em uma Nação por parte de grupos distintos,
Guerras Civis, bem como as ameaças diretas a população, colocando civis em risco,
demandam uma nova postura deste Organismo Internacional.
Para isso o uso da Força que se baseava na legítima defesa dos integrantes
das Operações de Paz da ONU, passou a ganhar um novo espectro, tornando os
mandatos mais incisivos quanto à possibilidade de uso da Força para
implementação da paz e a proteção de civis nas regiões afetadas.
Não obstante, a ONU enfatiza a garantia dos direitos humanos e das
liberdades individuais, conforme capitulado na Capstone Doctrine (2008):
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece os
parâmetros dos direitos humanos internacionais, enfatiza que os direitos
humanos e as liberdades fundamentais são universais e garantidos a todos.
As Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas devem ser
conduzidas com total respeito aos direitos humanos e deve procurar
avançar nos direitos humanos por intermédio da implementação dos seus
mandatos. (ONU, 2008 - tradução própria)
10

As ameaças à paz mundial mudaram e a comunidade internacional demanda


uma nova postura das Nações Unidas, aumentando a complexidade de suas
missões e exigindo novos parâmetros no uso da força.
Em face do acima exposto, levantamos a seguinte situação problema:
- Quais os novos parâmetros estabelecidos para o uso da força na Missão de
Estabilização da Organização das Nações Unidas na República Democrática do
Congo (MONUSCO)?
Desta forma, com este estudo se pretende analisar o uso da força nas
operações de paz tradicionais às robustas. Para isso, a presente pesquisa descreve
a origem, estrutura e finalidade da Organização das Nações Unidas, e apresenta os
tipos de Operações de Paz existentes, seus princípios e quais as nuances de seus
mandatos.
Para delimitar o nosso estudo, o presente trabalho deu ênfase à Missão de
Estabilização da Organização das Nações Unidas na República Democrática do
Congo (MONUSCO), a partir da criação da Brigada de Intervenção nesta missão.
A política externa brasileira vislumbra o pleito de um assento permanente no
Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Para isso, o Brasil tem
participado ativamente dos assuntos relevantes tratados por este organismo
internacional, quer seja por intermédio de fóruns de discussão e cooperação, quer
seja com o envio de tropas para missões de manutenção da paz, como é o caso do
Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haïti – MINUSTAH (sigla em
francês de Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti).
As atenções da opinião pública mundial se voltam para ações de Estados e
Organismos Internacionais como a ONU, no que tange as atividades em busca da
paz e, em especial, para a proteção das populações civis que são vítimas de
conflitos que se desenrolam ao redor do mundo, trazendo questões quanto ao uso
da força, tanto entre as partes em conflito, quanto por aqueles que trabalham para
atingir a paz.
Baseado nas colocações acima, o tema estudado se reveste de importância,
uma vez que os militares brasileiros que cumprem missões sob a égide da ONU são
alvos de inúmeros elogios devido a seu desempenho, fruto de um adequado preparo
realizado no Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), e este
estudo pode colaborar para o aprimoramento das atividades desenvolvidas naquele
Centro Conjunto.
11

2 METODOLOGIA

Este capítulo tem o objetivo de definir o tipo de pesquisa realizada, bem como
os meios empregados para a coleta de dados, além do instrumento utilizado para o
tratamento dos dados adquiridos.

2.1 TIPO DE PESQUISA

Quanto à classificação desta pesquisa, define-se como explicativa, documental


e bibliográfica, pois pretende explicar a evolução do uso da força no contexto das
missões de paz sob a égide da Organização das Nações Unidas, por intermédio da
documentos, registros, livros, material publicado em meios eletrônicos, jornais,
revistas e outros disponíveis para consulta.

2.2 COLETA DE DADOS

A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de consultas à biblioteca da


Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, à Biblioteca do Centro Conjunto de
Operações de Paz do Brasil, revistas, livros, jornais e material disponível em meios
eletrônicos. Também foi realizada uma pesquisa documental nos arquivos do
Ministério da Defesa, Ministério das Relações Exteriores, do Exército Brasileiro e da
Organização das Nações Unidas.
Quanto à coleta documental, foram consultados diversos documentos oficiais
do Ministério da Defesa, do Comando do Exército, da Organização das Nações
Unidas, bem como de outras fontes internacionais e da Associação Brasileira de
Normas Técnicas.

2.3 TRATAMENTO DOS DADOS

Como resultado do tipo de pesquisa e dos meios de coleta de dados


apresentados anteriormente, foi realizado um trabalho de interpretação dos dados
levantados, comparando com as ações em curso particularmente nas missões de
paz robustas, em especial a que atualmente ocorre na República Democrática do
Congo, segundo a delimitação da presente pesquisa.
12

2.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO

As limitações suscitadas dizem respeito ao posicionamento oficial advindo das


fontes documentais e das diversas outras fontes existentes apresentadas sob a
forma de trabalhos acadêmicos e literaturas afins, que por vezes ressaltam um
aspecto parcial de observação do assunto aqui estudado, exigindo por parte deste
pesquisador o empenho em buscar a neutralidade nas interpretações e coerente
elaboração conforme as necessidades impostas pela problemática aqui observada.
Apesar das possíveis limitações que foram destacadas, acredita-se que a
metodologia adotada mostra-se coerente e satisfatória para o desenvolvimento da
presente pesquisa, possibilitando uma relevante contribuição para o Exército
Brasileiro e a sociedade como um todo.
13

3 A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

A Organização das Nações Unidas foi oficialmente criada em 24 de outubro


de 1945, na cidade de São Francisco, Califórnia, nos Estados Unidos da América,
como uma organização internacional com a missão de manter a paz mundial e
prevenir novos conflitos bem como seus efeitos maléficos, como ocorrido nas I e II
Guerras Mundiais. No momento de sua fundação, ao final da II Guerra Mundial era
constituída por 51 países, mas atualmente conta com 193.
O site do Centro de Informação das Nações Unidas Rio de Janeiro elenca os
propósitos e princípios da ONU conforme abaixo transcrito:
Os propósitos das Nações Unidas são:
• Manter a paz e a segurança internacionais;
• Desenvolver relações amistosas entre as nações;
• Realizar a cooperação internacional para resolver os problemas mundiais
de caráter econômico, social, cultural e humanitário, promovendo o respeito
aos direitos humanos e às liberdades fundamentais;
• Ser um centro destinado a harmonizar a ação dos povos para a
consecução desses objetivos comuns.
• As Nações Unidas agem de acordo com os seguintes princípios:
• A Organização se baseia no principio da igualdade soberana de todos
seus membros;
• Todos os membros se obrigam a cumprir de boa fé os compromissos da
Carta;
• Todos deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios
pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a
justiça internacionais;
• Todos deverão abster-se em suas relações internacionais de recorrer à
ameaça ou ao emprego da força contra outros Estados;
• Todos deverão dar assistência às Nações Unidas em qualquer medida
que a Organização tomar em conformidade com os preceitos da Carta,
abstendo-se de prestar auxílio a qualquer Estado contra o qual as Nações
Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo;
• Cabe às Nações Unidas fazer com que os Estados que não são membros
da Organização ajam de acordo com esses princípios em tudo quanto for
necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais;
• Nenhum preceito da Carta autoriza as Nações Unidas a intervir em
assuntos que são essencialmente da alçada nacional de cada país.
14

A carta das Nações Unidas é seu documento magno, nela estão definidos os
parâmetros basilares para o funcionamento da organização. Sua estrutura, conforme
o artigo 7 da referida carta, conta com seis órgãos principais a Assembleia Geral, o
Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela, a
Corte Internacional de Justiça e o Secretariado, além de órgãos subsidiários,
comissões técnicas, programas e fundos, departamentos e escritórios (figura 1).
Como parâmetro interno e para permitir o entendimento entre seus membros,
que possuem diferentes nacionalidades, a ONU adotou seis idiomas oficiais: o
árabe, o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo.
Dentre seus órgãos principais, é o Conselho de Segurança que está
diretamente ligado aos propósitos de manter a paz e a segurança internacionais.

Figura 1: O Sistema Nações Unidas


Fonte: ONU
15

3.1 CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS

Regulado pelo capítulo V da Carta das Nações Unidas, o Conselho de


Segurança das Nações Unidas (CSNU) é composto de 15 membros, sendo que a
República Popular da China, a França, a Rússia, a Inglaterra e os Estados Unidos
da América são membros permanentes.
Os membros não permanentes do Conselho de Segurança serão eleitos por
um período de dois anos, não podendo ser reeleitos ao fim do seu mandato. Cada
membro do Conselho possui direito a um voto, e as suas decisões devem ser
aprovadas pela maioria de nove votos, porém os países membros permanentes do
CSNU, possuem o poder de veto nas votações. Isso quer dizer que se ao menos um
dos cinco países membros permanentes votar pela não adoção de uma determinada
medida, esta não poderá ser adotada no âmbito das Nações Unidas. As resoluções
provenientes desse órgão da ONU devem ser acatadas por seus membros,
conforme previsto no artigo 25 da Carta das Nações Unidas: “Os Membros das
Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de
Segurança, de acordo com a presente Carta.”(ONU, 1945)
O CSNU é um dos principais órgãos da ONU responsável pela manutenção
da paz mundial, definindo, por intermédio do voto de seus membros quanto à
implementação de Operações de Paz sob a égide das Nações Unidas,
estabelecimento de sanções conforme o artigo 24.1 da Carta das Nações Unidas:
A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus Membros
conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da
paz e da segurança internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres
impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles.
(ONU, 1945)

O Conselho pode atuar contra atores mundiais que ameacem violar a paz ou
já o tenham feito por intermédio de embargos, suspensão de relações diplomáticas e
outras medidas, podendo inclusive fazer uso de força militar para garantir o
cumprimento de suas determinações.
As ações militares podem ocorrer com o consentimento dos Estados
soberanos envolvidos ou das partes em conflito caso ocorra entre atores
intraestatais, caracterizando-se as operações de manutenção da paz que procuram
manter um ambiente favorável as negociações entre os envolvidos e as ações de
16

imposição da paz quando mesmo sem o consentimento dos envolvidos os


acontecimentos e a ameaça a paz mundial e a civis levam o conselho a realizar
uma operação de imposição da paz.
O conselho baseia suas decisões nos capítulos VI e VII da Carta das Nações
Unidas que tratam das soluções pacíficas de controvérsias e as ações relativas a
ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão, respectivamente.
Suas decisões são normalmente tornadas públicas oficialmente por meio de
resoluções, que trazem em seu conteúdo as medidas a serem adotadas em busca
da obtenção ou manutenção da paz e segurança mundial. O estabelecimento da
Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH) ocorreu por
força da resolução nº 1542 de abril de 2004, e a resolução nº 1925 de maio de 2010
que deu origem a Missão das Nações Unidas para a Estabilização da República
Democrática do Congo (MONUSCO).

3.2 DEPARTAMENTO DE OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ (DPKO)

Criado em 1992, pelo então Secretário-Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali,


o Departamento de Operações de Manutenção da Paz (Department of
Peacekeeping Operations) é um departamento da Organização das Nações Unidas
responsável pelo planejamento e condução de operações de paz. O DPKO (sigla em
inglês) realiza a gestão das operações de paz e políticas conduzidas pela ONU, quer
seja com emprego de militares ou não.
O DPKO também é responsável pelas ações e políticas de integração
interagências para as questões anti-minas desenvolvidas pelas Nações Unidas, bem
como atuar no reforço das instituições legais e judiciais e orientar a reforma do setor
de segurança das Nações Unidas relativos às missões de paz.
O Departamento possui quatro escritórios principais: Gabinete do Estado de
Direito e Instituições de Segurança; o Escritório de Operações; Escritório de
Assuntos Militares, o Escritório de Avaliação Política e Divisão de Treinamento.
O Gabinete do Estado de Direito e Instituições de Segurança busca o
fortalecimento das relações e coordenar as atividades relacionadas à desminagem,
do programa de desmobilização, desarmamento e reintegração (DDR Program), das
áreas de política, justiça e quanto às reformas do setor de segurança.
17

O Escritório de Operações tem como função principal o estabelecimento de


políticas e estratégias, bem como orientações operacionais de suporte para as
operações de manutenção da paz.
O Escritório de Assuntos Militares tem a função de possibilitar o
desdobramento das melhores capacidades militares possíveis para a conquista dos
objetivos das Nações Unidas, bem como de melhorar o desempenho e a eficiência
do componente militar em missões sob a égide das Nações Unidas.
Escritório de Avaliação Política e Divisão de Treinamento possui a
capacidade de desenvolver e difundir doutrina e políticas, para permitir a
coordenação, desenvolvimento e execução de uma formação padronizada e avaliar
o progresso de uma missão em busca da implementação de um mandato.
O Brasil faz parte do seleto grupo de países que possui seus cursos de
treinamento de pessoal, voltados para as missões de paz sob a égide da ONU,
certificados. Atualmente o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil, que tem
como missão apoiar a preparação de militares, policiais e civis brasileiros e de
nações amigas para missões de paz e desminagem humanitária, possui os cursos
de Observador Militar e de Membros de Estado-Maior de Missões de Paz
certificados pelo Serviço de Treinamento Integrado do Departamento de Operações
de Manutenção da Paz das Nações Unidas (ITS/DPKO – sigla em inglês).
18

4 OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ

O termo Operações de Manutenção da Paz (Peacekeeping Operations) não


aparece regulado ou definido na Carta das Nações Unidas, documento de maior
importância dentro da Organização, sendo utilizado, no entanto para a definição das
Operações de caráter militar ou não que são desenvolvidas em determinado local
para o cumprimento de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU (CSNU).
O termo Operações de Paz (Peace Operations) não é unanimidade entre as
Nações uma vez que diversos autores caracterizam esse termo referindo-se a
Operações não necessariamente conduzidas pela ONU, que poderiam caracterizar
uma forma de mascarar intenções diversas de Nações ou mesmo outros organismos
internacionais como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em
conduzir Operações não autorizadas ou a revelia da ONU, na defesa de seus
interesses sob o escudo e a pretexto da paz mundial.
A Capstone Doctrine define da seguinte forma as operações de manutenção
da paz:
A manutenção da paz é uma técnica destinada a preservar a paz, porém
frágil, onde a luta foi interrompida, e para auxiliar na implementação dos
acordos alcançados pelos pacificadores. Ao longo dos anos, a manutenção
da paz tem evoluído a partir do modelo principalmente militar de observar o
cessar-fogo e separação de forças depois de guerras interestatais, a
incorporar um modelo complexo de muitos elementos - militar, policial e civil
- a trabalhar em conjunto para ajudar a lançar as bases para paz
sustentável (ONU, 2008-tradução própria)

As Operações militares de manutenção da paz são amparadas pela Carta da


ONU em seu artigo 42, conforme transcrito:
No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas
no Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar e
efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar
necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.
Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras
operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros
das Nações Unidas. (ONU, 1945)

O Departamento de Operações de Manutenção da Paz (DPKO – sigla em


inglês) classifica as Operações de Manutenção da Paz como: “uma das mais
19

efetivas ferramentas das Nações Unidas disponíveis para dar suporte ao país
anfitrião a navegar o difícil caminho do conflito para a paz.” 1

As operações de paz se baseiam em três princípios básicos que são


condições primordiais a serem observadas para o desdobramento e desenrolar
desta ferramenta das Nações Unidas para a manutenção da paz mundial, são eles:
o consentimento das partes, a imparcialidade e o não uso da força salvo em caso de
legítima defesa ou em defesa do mandato. Esses princípios estão explicitados na
Capstone Doctrine conforme transcrito a seguir:
Embora a prática de manutenção da paz das Nações Unidas evoluiu
significativamente nas últimas seis décadas, três princípios básicos têm
tradicionalmente servido e continuam a estabelecer Operações de
Manutenção da Paz das Nações Unidas à parte, como uma ferramenta para
a manutenção da paz e segurança internacional:

• Consentimento das partes

• imparcialidade

• Não uso da força salvo em defesa pessoal ou defesa do mandato (ONU,


2008 – tradução própria)

O consentimento das partes significa que os principais atores envolvidos no


conflito devem estar de acordo com a participação da ONU na busca de uma
solução em busca da paz, conforme capitulado na Capstone Doctrine: “As
Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas são desdobradas com o
consentimento das principais partes do conflito.” (ONU, 2008) Esse consentimento
pressupõe a vontade política para um processo de negociação da paz entre os
contendores. O consentimento permite que a ONU não se torne parte do conflito,
mas seja capaz de criar condições para o entendimento entre as partes.
A imparcialidade não deve ser confundida com neutralidade. A imparcialidade
pode significar a necessidade de agir para prevenir ou reagir frente a violações de
ambas as partes, mas sem favorecimento ou posicionamento favorável ou
desfavorável a nenhuma das partes envolvidas, do contrário tais ações podem levar
a perda do consentimento de uma ou ambas as partes. As ações a serem tomadas
por parte dos integrantes de uma Operação de Paz da ONU precisam ser bem
esclarecidas e compreendidas por ambas, para não suscitar dúvidas que levem a

1 Site do Departamento de Operações de Manutenção da Paz – tradução própria


20

perda de credibilidade nas operações. A Capstone Doctrine aborda a imparcialidade


da seguinte forma:
Operações de Paz das Nações Unidas devem implementar seu mandato,
sem prejuízo favor ou para qualquer das partes. A imparcialidade é
fundamental para manter o consentimento e cooperação das partes
principais, mas não podem ser confundidas com neutralidade ou inatividade.
22 forças de paz das Nações Unidas devem ser imparciais nas suas
relações com as partes em conflito, mas não neutra na execução do seu
mandato. (ONU, 2008 – tradução própria)

O princípio do não uso da força salvo em defesa pessoal ou em defesa do


mandato, conhecido como mínimo uso da força, respalda-se na carta das Nações
Unidas que prevê a solução pacífica de controvérsias. Porém a segurança do
pessoal e material da ONU empregado deve ser minimamente garantida, assim
como assegurar que as medidas previstas no mandato serão implementadas. A
Capstone Doctrine aborda esse princípio conforme transcrito a seguir:
A noção de auto-defesa veio subsequentemente para incluir a resistência
com meios contundentes de evitar que as operações de manutenção da paz
de exercer suas funções sob o mandato do Conselho de Segurança. 23
Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas não são um
instrumento de execução. No entanto, é amplamente entendido que eles
podem usar a força no nível tático, com a autorização do Conselho de
Segurança, se agir em autodefesa e defesa do mandato.

O uso da força por uma Operação de Manutenção Da Paz as deveriam
sempre ser calibrada de forma precisa, proporcional e adequada dentro do
princípio da força mínima necessária para realizar alcançar o efeito
desejado, mantendo ao mesmo tempo o consentimento para a Missão e seu
mandato. Na utilização da força, as Operações de Manutenção de Paz das
Nações Unidas deveriam sempre estar atentas à necessidade de uma
desescalada o mais breve possível da violência e um retorno aos meios não
violentos de persuasão. (ONU, 2008 – tradução própria)

O General Santos Cruz (2015) entende que o princípio do não uso da força
precisava ser revisto:
“Isso precisa ser revisto. Isso não é principio. Uso da forca em auto defesa é
um direito natural universal. Qualquer cidadão, civil, militar, em qualquer
lugar, em qualquer situação, tem direito de se defender, independente de
qualquer outra consideração. Não há necessidade de ter isso como principio
21

ou escrito em mandato por que é um direito natural universal.” (SANTOS


CRUZ, 2015)

Ele acrescenta ainda que:


A aplicação de princípios precisa ser vista do ponto de vista prático e não
apenas da interpretação acadêmica. Afinal, no terreno, para quem está
sofrendo, não se entrega filosofia. Se entregam resultados práticos.
(SANTOS CRUZ, 2015)

4.1 Operações Tradicionais

Desde sua criação, em 1945, a ONU desenvolveu suas atividades em um


contexto de um mundo bipolarizado pelo choque ideológico entre as duas grandes
potências mundiais do pós-guerra, Estados Unidos da América, do lado capitalista e
a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, com seus ideais socialistas.
Os conflitos mundiais pautavam-se essencialmente na disputa ideológica
entre os países que se alinhavam com as potências opositoras ou mantinham uma
condição de neutralidade sendo conhecidos como não alinhados.
Esse período de conflito ideológico chamado de Guerra Fria se estendeu até
o fim da década de 80 do século passado e teve seu fim com a queda do Muro de
Berlim, em novembro de 1989.
A Guerra Fria caracterizava-se por conflitos indiretos entre essas Nações.
Nesse cenário, era comum a ocorrência de conflitos entre diferentes Estados.
A ONU, para o cumprimento de seu propósito de manter a paz e a segurança
mundiais, executa, desde 1948, com o estabelecimento da Organização de
Supervisão de Trégua das Nações Unidas (UNTSO – sigla em inglês) para monitorar
o cessar fogo entre Israel e países Árabes, sendo a primeira missão das Nações
Unidas com o emprego de Observadores Militares.
Em 1956, a ONU estabeleceu sua primeira Missão de Manutenção da Paz
com emprego de Força Militar, na região do Canal de Suez, do Sinai e de Gaza,
entre Egito, Israel e Síria, para supervisionar a retirada de tropas durante a crise. As
características dessa missão se repetiram, de uma maneira geral, nas outras que
foram estabelecidas no período da Guerra Fria até 1991, onde as Forças das
Nações Unidas se estabeleciam entre duas Nações contendoras, após o
22

estabelecimento de um cessar fogo para garantir que nenhum dos lados o violasse e
para manter as condições favoráveis às negociações de paz.
Esse tipo de missão era tipicamente estabelecida em decorrência de conflitos
entre Nações, que deveriam ter para a sua implantação o consentimento de ambas
as partes envolvidas, a imparcialidade por parte das tropas das Nações Unidas e o
mínimo uso da força que nessas situações limitava-se a autodefesa e a defesa do
mandato.
Outra característica marcante desse tipo de operação é a predominância do
componente militar, caracterizando as chamadas Operações Tradicionais, cuja
finalidade maior era evitar a perpetração das hostilidades entre os Estados em
conflito, e criar condições para a negociação de um armistício ou acordo de paz que
colocaria um fim definitivo ao conflito retornando a uma situação de paz duradoura.
Dessa forma as operações tradicionais possuíam mandatos voltados à
prevenção das hostilidades entre Estados, limitando o emprego das forças militares
sob égide da ONU como tropa interposta, sem interferir nas ações realizadas pelas
partes em conflito contra as populações, refugiados ou minorias étnicas. O uso da
força era autorizado, via de regra, apenas para a autodefesa contra agressão direta
aos integrantes da missão.

4.2 Operações Multidimensionais

Conforme abordado anteriormente neste estudo, os conflitos durante o


período da Guerra Fria traziam um forte componente ideológico, com a presença
predominante e quase que exclusiva de efetivos militares, que buscavam impedir a
continuação das hostilidades, gerando e mantendo um ambiente favorável às
negociações e retorno à situação de paz e normalidade.
Com o fim da polarização ideológica, uma variada gama de tensões tomaram
corpo, sobretudo em países pobres, com governos frágeis e instituições nacionais
pouco consolidadas, que se ressentiram da quebra da polarização ideológica de
mais de quatro décadas.
Nesse contexto, os conflitos ideológicos interestatais cederam lugar a
questões étnicas, religiosas e culturais dentro da nova estruturação global, conforme
nos ensina BELLI (2009):
23

Com o fim da Guerra Fria, portanto, saem do primeiro plano os conflitos


ideológicos e ascende uma gama variada de antagonismos que
permaneciam subjacentes e que passaram a eclodir em varias regiões do
planeta. A falência das ideologias deixou órfãs muitas nações, que
passaram a buscar desesperadamente novos pontos de referencia, dando
espaço para a manipulação de diferenças históricas, culturais e étnicas com
o objetivo final de forjar alianças e obter vantagens politicas. (apud
Faganello, 2013, p. 65)

A ONU se depara, dessa forma, com uma nova natureza de conflito onde não
mais ocorrem tensões entre Estados, mas tensões internas em um mesmo Estado.
As consequências desses conflitos afetam a infraestrutura do Estado,
comprometendo sua capacidade de atendimento às necessidades básicas de sua
população, deslocamentos de grande efetivos humanos fugindo das regiões
deflagradas dentro do país, e, por vezes, para outros países, na situação de
refugiados.
As questões raciais, étnicas e as diferenças culturais existentes acirram os
conflitos dificultando as negociações para alcançar um acordo consensual entre os
grupos envolvidos, e, diante da incapacidade das forças de segurança locais em
prover a segurança aos diversos grupos antagônicos, permite a ocorrência de
violações aos direitos humanos.
Esse cenário caótico de múltiplos desafios impõe ao Conselho de Segurança
das Nações Unidas uma maior complexidade no planejamento e condução das
Operações de Paz, pois, diferente das missões tradicionais, onde ocorria a
predominância do componente militar para fazer face a um determinado conflito, as
novas situações demandam outros componentes, que irão garantir às operações a
flexibilidade necessária para responder às variadas situações existentes.
Diante da mudança nos desafios apresentados, as operações de paz não
mais se pautaram apenas no componente militar, pois além da manutenção de um
ambiente seguro e estável, se fazia necessário atuar em outros campos, como as
questões relativas aos direitos humanos, reestruturação do campo político do país,
participando do processo, inclusive, com a organização e monitoramento de
eleições, restabelecimento da estrutura mínima para o atendimento das
necessidades básicas da população local, promoção do desarmamento dos
24

diferentes grupos armados, buscando reintegra-los, e o trato com a questão dos


refugiados surgidos em decorrência do conflito.
A participação de outros atores além do componente militar em uma operação
de paz em um ambiente complexo caracteriza as operações de paz
multidimensionais.
As operações multidimensionais incorporam em sua constituição diversos
atores além do componente militar, aumentando a demanda por recursos em sua
implementação, e uma maior necessidade de coordenação das ações entre os
diferentes componentes durante o seu transcurso. A figura 2 retrata as fases que se
desenrolam em uma operação multidimensional.

Figura 2: Fases de uma operação multidimensional


Fonte: Capstone Doctrine

4.3 Operações Robustas

Dentro do complexo contexto das operações de paz multidimensionais,


especialmente nos últimos vinte e cinco anos, onde as partes em conflito não estão
bem definidas como nas operações tradicionais, a presença de diversos grupos
armados com interesses distintos, e sem a intenção de colaborar com o processo de
paz, atuam diretamente contra os membros da ONU e segmentos da sociedade,
como diferentes grupos étnicos, minorias vulneráveis, tais como mulheres e
crianças, ou dissidentes políticos, com grande violência e ações armadas,
perpetrando graves violações ao mandato e aos direitos humanos.
Assim, como o consenso das principais partes envolvidas pode não ser
compartilhado por grupos armados dissidentes, ou mesmo a existência de
25

deficiências de comunicação e a desagregação avançada de um Estado pode


comprometer a liberdade de ação dos integrantes de uma determinada missão.
Nesse ambiente onde uma operação de manutenção da paz será instalada se
faz necessário fornecer o amparo necessário nos mandatos para garantir a liberdade
de ação compatível ao componente militar, tornando-o capaz de atuar não só de
forma repressiva, mas preventiva, impedindo a ocorrência de violações do mandato
e atentados contra os integrantes da missão, bem como proporcionar a proteção
necessária a grupos vulneráveis dentro do ambiente e contexto da missão.
55. Resumo das principais recomendações é doutrina e estratégia de
manutenção da paz: uma vez desdobradas, as forças de paz das Nações
Unidas devem ser capazes de cumprir os seus mandatos de forma
profissional e com sucesso e serem capazes de se defender, outros
componentes da Missão e o mandato da Missão, com regras de
engajamento sólidas, contra aqueles Quem renegar seus compromissos
para um acordo de paz ou procuram minar de outra forma, pela violência.
(ONU, 2000 – tradução própria)

Cabe ressaltar que as operações robustas não podem ser confundidas com
operações de imposição da paz. Sua diferença repousa primeiramente na existência
do consentimento das partes presentes no conflito ou apenas das principais partes
envolvidas, uma vez que o consentimento em todos os níveis pode ser muito difícil
de conseguir, devido à complexidade dos conflitos e da multiplicidade de atores
envolvidos.
Outra diferença reside no uso da força. Nas operações robustas a força é
empregada no nível tático, para atender a um cenário pós-conflito, limitada no tempo
e espaço conforme o mandato específico.
A imposição da paz utiliza a força no nível estratégico ou internacional, de
forma mais ampla, e pauta-se no consentimento do Conselho de Segurança das
Nações Unidas, independente do consentimento das partes envolvidas no conflito.
O Projeto do DPKO / DFS de nota doutrinária sobre manutenção da paz
robusta, estabelece que:
Manutenção da paz robusta não é a imposição da paz. Manutenção da paz
robusta é distinta da imposição da paz onde o uso da força é a nível
estratégico e perseguido muitas vezes sem o consentimento do país de
acolhimento e / ou partes principais para o conflito. A ameaça e o uso da
força na manutenção da paz robusta é no nível tático, limitado no tempo e
26

no espaço, e que vise ao combate ou contendo uma deterioração específica


e residual ou iminente ameaça em um ambiente de conflito ou pós-conflito.
Violência em grande escala ou um onde os principais partidos estão
envolvidos em conflitos violentos já não é um contexto de manutenção de
paz robusta. As missões robustas, não estão configuradas ou destinadas a
tratar de qualquer colapso sistêmico é um processo político. (ONU –
tradução própria)

As operações robustas, além das possibilidades relativas ao uso da força,


também se caracterizam pela sua postura, seu material e equipamento, e pelo
desdobramento do seu componente militar, de forma a lhe conferir um caráter mais
dinâmico e proativo, o que assegura a liberdade e possibilidade de atuar para a
implementação do mandato.
27

5 USO DA FORÇA EM OPERAÇÕES DE PAZ

A Organização das Nações Unidas tem como um de seus princípios básicos a


solução pacífica das controvérsias como previsto no capítulo VI da Carta das
Nações Unidas conforme descrito em seu artigo 33:
As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à
paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma
solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem,
solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer
outro meio pacífico à sua escolha. (ONU, 1945)

Como já abordado anteriormente neste estudo às operações de paz das


Nações Unidas inicialmente eram autorizadas em seus mandatos a utilizar a força
em legítima defesa, constituídas basicamente por um componente militar e em um
contexto de monitoramento de um cessar fogo entre Estados.
No pós Guerra Fria as missões tornaram-se mais complexas, com o fim do
choque ideológico, os conflitos não se apresentavam mais entre Estados, mas
dentro dos Estados entre grupos divergentes por diversas questões entre elas as
étnicas, religiosas e as disputas por poder. Esse novo contexto exigiu que a ONU
reagisse a essa complexidade diversificando os atores envolvidos que passaram a
atuar juntamente com o componente militar.
Uma situação permanecia inalterada, a previsão do uso da força nos
mandatos permanecia limitada a autodefesa, em um contexto onde não mais os
Estados perpetravam a violência entre si, mas diversos grupos com interesses
diversos afetando grupos vulneráveis promovendo verdadeiras tragédias
humanitárias. O componente militar das operações de manutenção da paz, no
entanto não estavam autorizadas a agir devido às restrições do uso da força em
seus mandatos que só possibilitavam utilizar a força em autodefesa e dos demais
integrantes da missão.
A crise humanitária instaurada na Somália no início da década de 1990 foi um
belo exemplo de ineficácia do modelo tradicional de Operações de Manutenção da
Paz com base no capítulo VI da Carta das Nações Unidas.
A Somália mergulhou na anarquia após a degeneração de seu governo, das
suas instituições e de sua economia no início de 1991, causando grande sofrimento
à população do país. A ONU resolveu, por intermédio da Resolução 751 do CSNU
28

de 24 de abril de 1992, estabelecer a Operação das Nações Unidas na Somália I


(UNOSOM I – sigla em inglês) que se tratava de uma equipe de observadores
militares para monitorar o cessar fogo em meio a Guerra Civil que se instaurou no
país, e o transporte de comida por via aérea. A missão também tinha a função de
escoltar os comboios humanitários. Devido ao alto grau de violência presente no
país perpetrada entre os por grupos armados, a UNOSOM I não obteve sucesso.
O CSNU, com a Resolução 794 de 3 de dezembro de 1992, autoriza o envio
de tropas norte americanas, sob a égide do capítulo VII da Carta das Nações Unidas
a fim de constituir a Força Tarefa Unificada das Nações Unidas (UNITAF – sigla em
inglês), com a missão de proporcionar um ambiente seguro e permitir a ajuda
humanitária ao povo somaliano e o retorno as condições de normalidade a Somália,
conforme abaixo extraído da resolução:
10. Atuando sob o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, autorizado
pelo Secretário-Geral e os Estados-Membros a cooperar para implementar
a proposta referida no parágrafo 8 acima de usar todos os meios
necessários para estabelecer o mais rapidamente possível um ambiente
seguro para as operações de ajuda humanitária na Somália. (ONU, 1992
– tradução própria)

O conflito que acabou ocorrendo entre a UNITAF e os grupos armados da


Somália ensejou a Resolução 886 de 13 de novembro de 1993 do CSNU, que
autorizou o desdobramento da Operação das Nações Unidas na Somália II
(UNOSOM II – sigla em inglês), também de acordo com o capítulo VII da Carta das
Nações Unidas.
A UNOSOM II ainda não possuía autorização para o uso da força de forma
mais robusta, conforme transcrito do mandato, o que levou ao insucesso das tropas
norte americanas e sua completa retirada de território somaliano em 1995: “… que a
maior prioridade da UNOSOM II continua a ser o de apoiar os esforços do povo da
Somália na promoção do processo de reconciliação nacional e ao estabelecimento
de instituições democráticas.” (ONU, 1993 - tradução própria)
Em 1994 a Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda
(UNAMIR) não foi capaz de impedir o massacre entre as etnias Tutsi e Hutu que
ocorreu naquele país. Após a morte do presidente Juvénal Habyarimana os Hutus
extremistas promoveram um verdadeiro massacre contra os Tutsis e, também contra
os membros da etnia Hutu mais moderados.
29

A UNAMIR presente em Ruanda possuía um mandato comum às missões


tradicionais onde o uso da força estava limitado a legitima defesa. No entanto o
comandante da missão, General canadense Romeo Dallaire que vinha
acompanhando a evolução da situação reportou-se, seguindo a cadeia de comando,
por diversas vezes antes de o genocídio começar solicitando o envio de mais tropas
para Ruanda, e após o início do mesmo solicitou permissão para intervir, sendo
todas as solicitações negadas.
Após o falecimento de integrantes da missão, a ONU resolveu retirar o seu
pessoal de Ruanda, deixando o país e permitindo a continuação e consumação do
massacre contra os Tutsis.
A tragédia humanitária ocorrida em Ruanda é considerada um dos marcos
nos parâmetros de uso da força em operações de paz.

5.1 Uma Agenda para a Paz

Trata-se de um Relatório do Secretário-Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali,


nos termos da declaração adotada pela Reunião de Cúpula do Conselho de
Segurança em 31 de janeiro de 1992, foi o primeiro documento elaborado com uma
análise a respeito das Operações de Paz conduzidas pela organização.
Este relatório conhecido como “uma agenda para a paz” traz uma série de
considerações a respeito da conjuntura mundial naquele momento e introduziu
alguns conceitos relativos à manutenção no contexto pós Guerra Fria.
Quanto ao uso da força Boutros ressalta a necessidade das forças militares
empregadas em missões sob a égide da ONU terem a capacidade dissuasória
necessária para manter a sua credibilidade como garantidora da paz mundial,
conforme transcrito do relatório uma agenda para paz:
42. É a essência do conceito de segurança coletiva como contidos na Carta
que, se meios pacíficos falharem, as medidas previstas no Capítulo VII
devem ser utilizadas, por decisão do Conselho de Segurança, para manter
ou restaurar a paz e segurança internacionais em face de uma "ameaça à
paz, ruptura da paz ou ato de agressão". O Conselho de Segurança não
tem, até agora feito uso das mais coercitivas destas medidas - a ação por
força militar prevista no artigo 42. Na situação entre o Iraque e o Kuwait, o
Conselho optou por autorizar os Estados-Membros a tomar medidas em seu
30

nome. A Carta, no entanto, oferece uma abordagem detalhada que agora


merece a atenção de todos os Estados- Membros.
43. Nos termos do artigo 42 da Carta, o Conselho de Segurança tem o
poder de tomar ação militar para manter ou restabelecer a paz e a
segurança internacional. Enquanto tal ação só deve ser tomada quando
todos os meios pacíficos falharam, a opção de levá-lo é essencial para a
credibilidade das Nações Unidas como garantidora da segurança
internacional. Isso exigirá para tornar-se realidade, através de negociações,
acordos especiais previsto no artigo 43 da Carta, segundo o qual os
Estados-membros comprometem-se a constituir Forças Armadas,
assistência e facilidades disponíveis para o Conselho de Segurança para os
fins indicados no Artigo 42, não só numa base ad hoc, mas em uma base
permanente. Sob as circunstâncias políticas que existem agora pela
primeira vez desde que a Carta foi adotada, grandes obstáculos para a
celebração de tais acordos especiais não devem mais prevalecer. A
disponibilidade imediata das Forças Armadas de plantão poderia servir, por
si só, como um meio de dissuadir qualquer ruptura da paz uma vez que um
potencial agressor saberia que o Conselho tinha à sua disposição um meio
de resposta. As forças sob o artigo 43 talvez nunca sejam suficientemente
grandes ou suficientemente bem equipadas para lidar com uma ameaça de
um grande Exército equipado com armas sofisticadas. Eles seriam úteis, no
entanto, a responder a qualquer ameaça representada por uma força militar
de uma ordem menor. Eu recomendo que o Conselho de Segurança inicie
negociações em conformidade com o artigo 43, apoiados pelo pessoal
militar, que pode ser aumentado, se necessário, por outros, em
conformidade com o artigo 47, parágrafo 2, da Carta. É minha opinião que o
papel do Estado-Maior deve ser visto no contexto do capítulo VII, e não a do
planejamento ou realização de Operações de Manutenção da Paz. (ONU,
1992 – tradução própria)

Boutros em seu relatório ainda recomenda a constituição de forças militares


fortemente equipadas e treinadas com a capacidade para intervir sob a autorização
do CSNU e comando do Secretário-Geral, conforme destacado a seguir:
44. A missão de forças no âmbito do artigo 43 seria a de responder à
agressão pura e simples, iminentes ou reais. Essas forças não são
susceptíveis de estar disponíveis por algum tempo para vir. Cessar-fogo
têm sido muitas vezes acordado, mas não cumpridos, e as Nações Unidas
às vezes foi chamada a enviar forças para restaurar e manter o cessar-fogo.
Este tarefa pode de vez em quando exceder a missão das forças de
manutenção da paz e as expectativas de manutenção da paz contribuintes
31

de força. Eu recomendo que o Conselho considere a utilização de unidades


de imposição da paz em circunstâncias claramente definidas e com os seus
termos de referência previamente especificado. Tais unidades dos Estados-
Membros estariam disponíveis em ligar e seria composto de tropas que se
apresentaram como voluntários para esse serviço. Teriam para ser mais
fortemente armada do que as forças de manutenção da paz e precisaria se
submeter treinamento extensivo preparatório dentro de suas forças
nacionais. Implantação e operação de tais forças estariam sob a
autorização do Conselho de Segurança e faria, como no caso de forças de
manutenção da paz, seja sob o comando do Secretário-Geral. Eu considero
essas unidades de imposição da paz a ser garantido como uma medida
provisória nos termos do artigo 40 da Carta. Tais unidades de imposição da
paz não deve ser confundido com as forças que podem, eventualmente, ser
constituída nos termos do artigo 43 para lidar com atos de agressão ou com
o Os governos militares, que podem decidir manter em stand-by para
possível contribuição para as Operações de Manutenção da Paz. (ONU,
1992 – tradução própria)

A Agenda para a paz permitiu, entre outras questões, analisar a questão do


uso da força em Operações de Paz e a efetividade das operações que vinham
ocorrendo segundo o modelo tradicional aliado a questão da credibilidade e quanto à
efetividade das operações. Outra questão foi relativa ao uso da força e a possível
perda do consentimento e da imparcialidade princípios das Operações de
Manutenção da Paz que poderiam ser abalados. O relatório foi de suma importância
para suscitar o debate em torno da questão e ensejar mais estudos a respeito do
tema.

5.2 Relatório Brahimi

A crescente demanda mundial por Operações de Manutenção da Paz


testemunhada pela ONU, aliado aos poucos avanços em efetividade e credibilidade
em relação ao sucesso dessas operações ensejou no início dos anos 2000 a criação
de um painel sobre as Operações de Paz das Nações Unidas com a finalidade de
apresentar sugestões concretas e recomendações específicas para que as Nações
Unidas pudessem melhorar tais atividades para o futuro, conforme escrito por Kofi
Annan ao presidente da Assembleia Geral e ao Presidente do Conselho de
Segurança das Nações Unidas:
32

Em 7 de Março de 2000, que reuniu um painel de alto nível para proceder a


uma revisão completa das atividades de paz e segurança das Nações
Unidas, e de apresentar um conjunto claro de recomendações práticas
específicas, concretas e para ajudar as Nações Unidas na realização de tais
atividades melhor no futuro. Solicitei ao Sr. Lakhdar Brahimi, o ex-ministro
das Relações Exteriores da Argélia, para presidir o Painel, que incluiu as
seguintes personalidades eminentes de todo o mundo, com uma vasta
gama da experiência nas áreas da manutenção da paz, consolidação da
paz, o desenvolvimento e a ajuda humanitária: Sr. J. Brian Atwood,
Embaixador Colin Granderson, Dame Ann Hercus, o Sr. Richard Monk,
General Klaus Naumann (retd.), Ms. Hisako Shimura, o embaixador Vladimir
Shustov, o general Philip Sibanda e Dr. Cornelio Sommaruga. (ONU,
2000 – tradução própria)

O produto final desse painel se consolidou em um relatório que ficou


conhecido como Relatório Brahimi. Seu conteúdo aborda diversas áreas de
interesse para as operações de paz das Nações Unidas, trazendo críticas e
recomendações para o aperfeiçoamento dessas operações possibilitando a ONU
fazer frente aos novos desafios que as operações de paz enfrentam.
O documento identifica a incapacidade da ONU em fazer frente às novas
ameaças que se delinearam para as Operações de Paz após o fim da Guerra Fria. O
novo contexto mundial e a complexidade dos conflitos que surgiram nesse novo
contexto de mundo exigiam uma resposta mais efetiva, proativa da organização que
se achava presa a um modelo tradicional que não se adequava mais a
multidimensionalidade das novas demandas.
Os mandatos do CSNU não eram capazes de permitir ao componente militar
fazer frente ao ambiente operacional em que operavam. O relatório ressalta a
importância e necessidade das forças militares terem a capacidade de agir e
empregar a força para assegurar efetivamente o cumprimento do mandato e de ter a
liberdade de se antecipar as ações de grupos hostis, conforme a passagem a seguir:
No passado, as Nações Unidas muitas vezes viu-se incapaz de responder
eficazmente a tais desafios. É um pressuposto fundamental da presente
relatório, contudo, que deve ser capaz de fazer isso. Uma vez implantado,
as Forças de Paz das Nações Unidas devem ser capazes de exercer o seu
mandato de forma profissional e com sucesso. Isto significa que as
unidades militares das Nações Unidas devem ser capazes de se defender,
defender outros componentes da missão e o mandato da missão. Regras de
33

engajamento devem ser suficientemente robustas e não forçar contingentes


das Nações Unidas a ceder à iniciativa de seus atacantes. (ONU, 2000 –
tradução própria)

Aponta ainda a necessidade das tropas sob a égide das Nações Unidas
possuírem em seus mandatos a liberdade de agir na defesa dos civis vítimas dos
conflitos, para que não se repita erros como ocorrido em Ruanda na ocasião do
desastre humanitário de 1994.
Além disso, as forças de paz das Nações Unidas - soldados ou policiais -
que são testemunhas de violência contra os civis presume-se que devam
ser autorizadas a impedi-la, dentro de suas possibilidades, em apoio dos
princípios básicos das Nações Unidas. No entanto, as operações dadas um
mandato amplo e explícito para a proteção civil deve ser dado os recursos
específicos necessários para levar a cabo o seu mandato. (ONU, 2000 –
tradução própria)

A clareza do mandato de uma determinada missão é essencial na definição


referente à responsabilidade de proteger os civis expostos ao risco de violência no
cenário da missão. O relatório aponta ainda a necessidade das tropas possuírem
realmente a capacidade e material necessário para efetivar essa proteção.
Há centenas de milhares de civis em áreas atuais da missão das Nações
Unidas que estão expostas ao risco potencial de violência, e as forças das
Nações Unidas atualmente destacados não poderia proteger mais do que
uma pequena fração deles, mesmo se orientado para fazer isso.
Prometendo estender essa proteção estabelece um patamar muito elevado
de expectativa. A potencialmente grande desproporção entre o objetivo
desejado e recursos disponíveis para atender levanta a perspectiva de
continuar com decepção das Nações Unidas nesta área. Se a uma
operação é dada um mandato para proteger os civis, portanto, também
devem ser dados os recursos específicos necessários para levar a cabo o
seu mandato. (ONU, 2000 – tradução própria)

Desta forma o Relatório Brahimi aborda a necessidade de revisão do “modus


operandi” das forças militares sob um mandato das Nações Unidas, capacitando-as
a responder a altura às ameaças presentes nas operações complexas de
manutenção da paz, tornando as regras de engajamento mais permissivas e
flexíveis e dotando as forças de capacidades operacionais, materiais e atitudinais
para proteger civis, se for o caso, implementar o mandato e agir com pro atividade.
34

5.3 Responsabilidade em Proteger (R2P)

Este conceito presente no relatório sobre o chamado direito de intervenção


humanitária, trabalha acerca da questão da necessidade de uso da força, militar se
necessário, para a proteção de civis, analisando as questões ocorridas na Somália,
Ruanda, Kosovo e outros exemplos onde questões de proteção a civis tiveram
destaque.
Este conceito choca-se frontalmente com o princípio da não intervenção por
se tratar de vidas humanas, onde a necessidade de agir torna-se imperativa quer
como resposta, quer como prevenção a crises humanitárias, conforme descrito nos
princípios básicos desse conceito que infere que:
Quando uma população sofre ofensas graves, como resultado de guerra
interna, insurgência, insuficiência repressão ou estado, e o estado em
questão é relutante ou incapaz de parar ou evitá-la, o princípio da não
intervenção rende-se para a responsabilidade internacional de proteger .

(ICISS, 2001, p. XII - tradução própria)

Os objetivos do documento são de regular a intervenção para proteção


humanitária, e não só no campo militar conforme estipulado no documento:
2.3 Qualquer nova abordagem à intervenção por razões de proteção
humanos tem de cumprir, pelo menos, quatro objetivos básicos:
• estabelecer claras regras, procedimentos e critérios para determinar
se, quando e como intervir;
• para estabelecer a legitimidade da intervenção militar quando
necessário e depois de todas as outras abordagens falharam;
• para garantir que a intervenção militar, quando ocorre, é realizada
apenas para os fins propostos, é eficaz, e é realizado com a
preocupação adequada para minimizar os custos humanos e danos
institucional que resultará; e

• para ajudar a eliminar, sempre que possível, as causas do conflito


enquanto melhora as perspectivas de paz duradoura e sustentável.
(ICISS, 2001, p. 11 - tradução própria)

O relatório trata a questão da soberania dos Estados frente à possibilidade de


intervenção para a proteção de civis, ressaltando a responsabilidade do país em
oferecer esta proteção aos seus nacionais e demais grupos humanos que se
acharem ameaçados em seus direitos básicos.
35

A questão do uso da força é tratada como o último recurso após ações


coercitivas em campos como o político, econômico e até mesmo militar, sem
necessariamente ocorrer com emprego da força. Após o fracasso das citadas
medidas, ou frente uma ameaça emergencial o uso de força militar, como último
recurso deve se pautar em critérios para a tomada de decisão:
Embora não exista uma lista única universalmente aceita, no julgamento da
Comissão todos os critérios de tomada de decisões relevantes podem ser
sucintamente nas seis rubricas seguintes: autoridade certa, justa causa,
intenção correta, último recurso, meios proporcionais e perspectivas
razoáveis. (ICISS, 2001, p. 32 - tradução própria)

5.4 Doutrina Capstone

O documento conhecido como “Capstone Doctrine” é intitulado como


Operações de Paz das Nações Unidas Princípios e Orientações. A Doutrina
Capstone originou-se por intermédio da compilação da experiência adquirida ao
longo das seis décadas de existência das Nações Unidas e desenvolvida com a
consulta ao pessoal empregado em missões de campo, Estados Membros, parceiros
e demais envolvidos.
Seu objetivo foi o de estabelecer alguns direcionamentos básicos a respeito
das Missões de Paz, buscando a profissionalização e a melhoria do desempenho do
pessoal das ONU envolvidos em operações de paz, conforme o trecho a seguir
retirado de seu prefácio:
[...] visa reforçar e profissionalizar o planejamento, gestão e condução de
operações de paz das Nações Unidas. Um objetivo chave deste processo
de reforma em curso é garantir que o crescente número de pessoal de
manutenção da paz das Nações Unidas implantado no campo, bem como
aqueles que servem na sede, têm acesso de forma clara, a orientação
oficial sobre a multiplicidade de tarefas que são necessárias para executar.
(ONU, 2008-tradução própria)

O documento está dividido em três partes, a primeira trata da evolução das


operações de paz das Nações Unidas, a segunda sobre o planejamento das
operações de paz e a terceira a arte para a implementação de sucesso de um
mandato.
36

Em seu escopo trata o uso da força prevendo a necessidade do


estabelecimento de operações robustas para fazer frente às complexas ameaças
encontradas, fruto da instabilidade encontrada nas diferentes missões, a Doutrina
Capstone aborda da seguinte forma:
Enquanto as Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas são,
em princípio, desdobradas para apoiar a implementação de um cessar fogo
ou acordo de paz, eles são muitas vezes obrigados a desempenhar um
papel ativo nos esforços de pacificação e também podem estar envolvidos
em atividades de construção da paz primeiros. Operações de Manutenção
da Paz das Nações Unidas também pode usar a força no nível tático, com a
autorização do Conselho de Segurança, para defender-se e seu mandato,
especialmente em situações em que o Estado é incapaz de garantir a
segurança e manter a ordem pública. (ONU, 2008 - tradução própria)

Seu conteúdo ainda ressalta a necessidade de atentar para os princípios


básicos das operações de manutenção da paz, o consentimento das partes, a
imparcialidade e o não uso da força exceto em autodefesa e defesa do mandato.
A Doutrina Capstone aborda a possível perda do consentimento no caso das
operações robustas devido ao uso mais intenso da força, porém no contexto pós
Guerra Fria as partes não se mostram tão bem definidas, e mesmo o consentimento
não é garantia de que todos os níveis irão respeitar os parâmetros estabelecidos,
nesse contexto o próprio documento ressalta a necessidade de se garantir a
possibilidade de emprego da força, conforme destacado a seguir:
O fato de que os principais partidos deram o seu consentimento para a
implantação de uma Operação de Manutenção da Paz das Nações Unidas
não implica necessariamente ou garantia de que haverá também
consentimento a nível local, particularmente se os principais partidos são
divididos internamente ou ter comando e controle fraco sistemas.
Universalidade do consentimento se torna ainda menos provável em
ambientes voláteis[...]
Os ambientes em que as Operações de Manutenção da Paz das Nações
Unidas são implantadas são frequentemente caracterizadas pela presença
de milícias, as quadrilhas criminosas e outros fora da lei que podem
trabalhar ativamente para minar o processo de paz ou representam uma
ameaça para a população civil. Em tais situações, o Conselho de
Segurança deve conceder as operações de manutenção da paz das Nações
Unidas mandatos "robusto" que permitam a "usar todos os meios
necessários" para dissuadir tentativas vigorosas para interromper o
37

processo político, proteger civis sob ameaça iminente de ataque físico, e/ou
assistência às autoridades nacionais na manutenção da lei e da ordem. Por
proativamente o uso da força em defesa de seus mandatos, essas
Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas têm conseguido
melhorar a situação de segurança e criar um ambiente propício para a
consolidação da paz a longo prazo nos países onde eles são implantados.
(ONU, 2008-tradução própria)

O uso da força em operações robustas de manutenção da paz são abordadas


como sendo uma linha tênue entre a intervenção e Operações de Paz. Ressalta-se o
fato da necessidade do consenso das maiores partes em presença para que seja
autorizado pelo CSNU e que a força militar seja utilizada no nível tático dentro do
contexto das Operações Robustas de Manutenção da Paz, conforme previsto na
Doutrina Capstone:
Embora no campo elas possam às vezes parecer semelhantes, Manutenção
da Paz Robusta não deve ser confundida com a Imposição da Paz, tal como
previsto nos termos do Capítulo VII da Carta. Manutenção da Paz Robusta
envolve o uso da força no nível tático com a autorização do Conselho de
Segurança e consentimento do país de acolhimento e / ou as principais
partes envolvidas no conflito. Por outro lado, a Imposição da Paz não requer
o consentimento dos principais partidos e pode envolver o uso de força
militar a nível estratégico ou internacional, que normalmente é proibido aos
Estados-Membros nos termos do artigo 2 (4) da Carta, a menos que
autorizado pelo Conselho de Segurança. (ONU, 2008-tradução
própria)

O documento reforça que o uso da força deve ocorrer como um último


recurso, sem, no entanto comprometer a capacidade do componente militar em
executar sua missão. Deve estar focada no emprego da força mínima necessária
para atingir o efeito desejado para a manutenção do consenso das partes.

5.5 Uma Agenda para a Paz (New Horizon)

Este documento visa colaborar com as discussões acerca do


desenvolvimento das operações de manutenção de paz das Nações Unidas. Trata
da necessidade de uma nova parceria para Operações de Manutenções da Paz das
Nações Unidas em sua seção I, na seção II sobre parceria no propósito -
38

estabelecer e gerir missões, Parceria em ação - Entrega no campo na seção III e


Parceria para o futuro – Capacitação.
No contexto do uso da força em Operações Robustas é abordado pelo
documento como uma realidade das missões de paz atuais e que não se limitam
apenas as características de legítima defesa ou defesa do mandato. O New Horizon
caracteriza as Operações Robustas de Manutenção da Paz em um aspecto mais
amplo, dependente de uma política para lhe dar suporte não só no mandato, mas
também nas necessidades advindas da adoção desta postura por parte dos
componentes militares, conforme destacado a seguir:
O conceito de "robustez" na manutenção da paz da ONU é uma estratégia
política e operacional para sinalizar a intenção de uma Missão das Nações
Unidas para implementar o seu mandato e para dissuadir as ameaças a um
processo de paz existente em face da resistência de foras da lei.
[...]
Manutenção da paz robusta tem implicações operacionais e de suporte
importantes e exige mínimo acordado padrões entre países contribuintes.
Exige um elevado grau de mobilidade do pessoal militar e policial e da
vontade e capacidade para funcionar a um ritmo elevado para sustentado
períodos, noite e dia. A abordagem requer comando de missão eficaz e
estruturas de controle e unidades que podem trabalhar em conjunto em
formações maiores. (ONU, 2009-tradução própria)

São indicadas no New Horizon ações a serem realizadas pelo DPKO relativas
ao tema Operações de Manutenção da Paz Robustas, desenvolvendo ainda mais
essa abordagem no âmbito das operações de manutenção da paz, são elas:
Na abordagem robusta para a manutenção da paz, DPKO e DFS irá:
• Elaboração de um projeto de nota de orientação estratégica para a
discussão com os Estados-Membros antes do final de 2009.
• Desenvolver orientações para os planejadores de missão para situações
em que um robusto pode ser necessária abordagem de manutenção da paz.
• Definir, com os Estados-Membros, a logística, treinamento e equipamentos
requisitos para as Operações Robustas.
• Explorar com as opções dos Estados-Membros para gerir e minimizar
ressalvas. (ONU, 2009-tradução própria)

O New Horizon, publicado quase uma década após o Relatório Brahimi,


possibilitou uma análise do período em temas de interesse das operações de
manutenção da paz como nos ensina que:
39

De uma forma geral, a publicação endossa as problemáticas tratadas no


relatório Brahimi, o que demonstra o quão pouco progresso foi feito nesse
período de quase dez anos. Ao referir-se ao relatório de 2000, o documento
apontou que muitas das recomendações desenvolvidas nesse não foram
implementadas por falta de vontade política e que, para que uma reforma
mais completa nas operações de paz fosse possível, uma maior pró-
atividade por parte dos países membros seria imprescindível. Por outro
lado, a publicação estimulou o debate de uma reforma de operações de paz
em diversos órgãos da ONU, o Secretariado e os países membros,
incrementando assim o debate entre essas partes. (CRUZ, 2013, p. 73)
40

6 MISSÃO DE PAZ NO CONGO

6.1 ANTECEDENTES

Joseph-Desiré construiu sua biografia permeada por passagens pelo Exército


e pela política de forma marcante na história da República Democrática do Congo
(RDC). Por sua participação na luta de independência do Congo, que foi atingida em
1960, Joseph-Desiré que ficou conhecido como Mobutu Sese Seko Nkuku Ngbendu
wa Za Banga (em português significa “O todo poderoso guerreiro que, por sua força
e inabalável vontade de vencer, vai de conquista em conquista, deixando fogo em
seu rastro”), fez parte do governo instaurado como Secretário de Estado da
Presidência do Conselho de Ministros.
Em 1965, por intermédio de um golpe militar Mobutu Sese Seko assumiu o
controle de todos os poderes do país se confundindo com o próprio Estado, em um
regime ditatorial e de partido único, modificando inclusive o nome do país para Zaire.
Em meio ao período da Guerra Fria o Ocidente apoiou seu governo com medo da
ameaça comunista.
O Congo é um país com grande riqueza mineral, sobretudo diamantes,
entretanto esse fato não impediu que o povo do Congo vivesse cada vez mais na
pobreza, sem ter acesso a condições mínimas de vida, devido à grande corrupção e
a Mobutu ter se apossado de grande parte dos recursos do país.
Uma forte crise econômica no início da década de 1990, aliada a tensões
políticas devido à tentativa de abertura política e da retomada do multipartidarismo e
uma rebelião do Exército congolês levou o país a séria instabilidade.
Em meio às dificuldades político-econômicas o Congo ainda precisou
enfrentar as consequências da tragédia ocorrida em Ruanda em 1994, milhares de
refugiados da etnia hutu, que haviam tomado parte da matança de Tutsis em
Ruanda adentraram o Congo, se instalando no Leste do país.
O assentamento desses refugiados no Congo em território pertencente aos
baniamulenges, um grupo étnico do Congo que pertence ao grupo dos tutsis de
Ruanda. Os baniamulenges atacaram os acampamentos onde os hutus haviam sido
assentados empurrando de volta a Ruanda centenas de milhares de refugiados e
posteriormente combatendo Mobutu no Congo, os movimentos tribais se uniram
levando o país a uma Guerra Civil.
41

Laurent-Désiré Kabila foi o principal líder guerrilheiro da primeira Guerra Civil


do Congo. Apoiado por países como Ruanda e Uganda, Kabila chegou ao poder no
Congo, mudando o nome do país de Zaire para República Democrática do Congo e
iniciando a perseguição aos seus opositores.
Kabila não conseguiu resolver os problemas sociais do Congo e começou a
sofrer oposição dos países que o haviam ajudado a chegar ao poder: Ruanda,
Uganda e Burundi.
Sob a acusação de que Kabila apoiava incursões de grupos rebeldes a seus
territórios, os países acima passaram a apoiar o grupo chamado Rassemblement
Congolais pour la Democratie (Reunião Congolesa para a Democracia), e Uganda,
em 1999 apoiou a criação do grupo Mouvemente pour la Liberátion du Congo
(Movimento para Libertação do Congo - MLC).
Ao todo oito países africanos e vinte e cinco grupos armados participaram da
Segunda Guerra Civil do Congo, que durou cerca de cinco anos de 1998 a 2003. O
saldo em mortos de cerca de 3,8 a 4 milhões de mortos e aproximadamente 3,4
milhões de refugiados, o conflito mais letal após a II GM.

6.2 A ONU NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO

A ONU estabeleceu por intermédio da Resolução 1279 do Conselho de


Segurança, de 30 de novembro de 1999 a Missão da Organização das Nações
Unidas na República Democrática do Congo (MONUC - sigla em francês que
significa Mission de l'Organisation des Nations Unies en République Démocratique
du Congo). A MONUC tinha a finalidade de monitorar o cessar-fogo assinado no
acordo de Lusaka e manter-se em contato com as partes envolvidas neste acordo
para permitir que a ajuda humanitária internacional pudesse chegar àqueles que
dela necessitavam, conforme extraído de seu mandato:
(a) Estabelecer contactos com os signatários do Acordo de Cessar-Fogo em
seus níveis de sede, bem como nas capitais dos Estados signatários;
(b) Para a ligação com o JMC e prestar assistência técnica na execução das
suas funções ao abrigo do Acordo de Cessar-Fogo, inclusive na
investigação de violações do cessar-fogo;
(c) Fornecer informações sobre as condições de segurança em todas as
áreas de sua operação, com destaque para as condições locais que afetam
as futuras decisões sobre a introdução de pessoal das Nações Unidas;
42

(d) Fazer planos para a observação do cessar-fogo e retirada das forças;


(e) manter o contacto com todas as partes no Acordo de cessar-fogo para
facilitar a entrega de ajuda humanitária às pessoas deslocadas, refugiados,
crianças e outras pessoas afetadas, e auxiliar na proteção dos direitos
humanos, incluindo os direitos das crianças; (ONU, 1999 – tradução
própria)

A MONUC não obteve sucesso devido às intenções de Kabila em obter uma


vitória militar na guerra, pondo fim as tentativas de se chegar à paz.
O mandato da MONUC foi ampliado com a Resolução 1921 do Conselho de
Segurança, de 24 de fevereiro de 2000, atribuindo-lhe também as missões de
desmobilização, desarmamento e reintegração de combatentes, realização de ação
contra minas e libertação de presos militares.
Em julho de 2010 a MONUC foi renomeada para MONUSCO, Missão de
Estabilização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (sigla em
francês - Mission de Stabilisation des Nations Unies en République Démocratique du
Congo), como marca da nova fase em que o Congo se encontra, conforme explícito
na Resolução 1925 do Conselho de Segurança ,de 28 de maio de 2010:
[...] decide que, tendo em conta a nova fase que foi atingida na República
Democrática do Congo, a missão das Nações Unidas naquele país, a
MONUC, devem, a partir de 1 Julho de 2010, ostentar o título da Missão de
Estabilização das Nações Unidas Organização na República Democrática
do Congo (MONUSCO); [...] (ONU, 2010 - tradução própria)

A MONUSCO foi implantada num momento onde a RDC retomava a


normalidade no relacionamento com seus vizinhos, mas ainda enfrentava sérios
atentados contra os Direitos Humanos, especialmente contra civis e grupos
vulneráveis como mulheres e crianças, utilização de crianças como soldados e
violência sexual contra civis.
Em seu mandato, regido pelo Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, a
MONUSCO estava autorizada a empregar a força para proteger civis e apoiar as
Forças Armadas da RDC a levar os responsáveis pelas violações cometidas a
julgamento.
O mandato da MONUSCO deixa clara a responsabilidade em proteger dos
seus efetivos militares, no entanto limita as possibilidades de seus integrantes ao
43

limitar o uso da força nas situações já citadas, além das possibilidades de


autodefesa de pessoal e material das Nações Unidas.
Em abril de 2012, surge o grupo M23, composto por ex-soldados que
integravam o Congresso Nacional de Defesa do Povo (CNDP – sigla em francês que
significa Congrès Nacional pour la Défense du Peuple). Em novembro de 2012, esse
grupo realizou um ataque contra as forças militares da RDC, que não foram capazes
de suportar e retraíram, cedendo o controle de Goma, a capital da RDC ao M23.

Figura 3: Área controlada pelo M23


Fonte: Human Rights Watch
44

Diante do recuo das tropas congolesas e a MONUSCO ter se limitado a


proteger os civis, conforme constava de seu mandato, esses fatos geraram
desconforto no âmbito da ONU, e vozes, como a do Chanceler francês Laurent
Fabius, se ergueram para pedir uma revisão do mandato da MONUSCO.
Como uma resposta imediata ao ocorrido, o chefe da missão, Herve Ladsous,
propôs a utilização de Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT) para a coleta de
informações sobre o M23, solicitação muito contestada por Ruanda e controversa
dentro da ONU, devido ao fato de ser uma atividade de inteligência dentro da
Organização.
Devido à situação na região do Kivu do Sul e Katanga, o CSNU por
intermédio da Resolução 2098, de 28 de março de 2013, resolve constituir uma
Brigada de Intervenção, composta de três Batalhões de Infantaria, uma Bateria de
Artilharia, e uma Subunidade de Forças Especiais e Reconhecimento, com Quartel
General (QG) localizado em Goma.
Outra medida contida na Resolução foi a subordinação da MONUSCO
diretamente ao Comandante do Componente Militar, o Force Commander, com a
responsabilidade de neutralizar os grupos armados que desestabilizavam a RDC,
conforme se segue:
[...] a título excepcional e sem criar um precedente ou qualquer prejuízo
para os princípios acordados de manutenção da paz, incluir uma "Brigada
de Intervenção", que consiste, designadamente, em três batalhões de
Infantaria, um de Artilharia e uma Força Especial e uma Companhia de
Reconhecimento, com sede em Goma, sob o comando direto do Force
Commander da MONUSCO, com a responsabilidade de neutralizar os
grupos armados, tal como estabelecido no parágrafo 12 (b) e abaixo do
objetivo de contribuir para reduzir a ameaça representada por grupos
armados de afirmar autoridade e segurança civil no Leste da RDC e para
criar espaço para atividades de estabilização; [...] (ONU, 2013 -
tradução própria)

Além da criação da Brigada de Intervenção a Resolução, o CSNU também


autorizou o uso da força pela MONUSCO, sob a égide do Capítulo VII da Carta das
Nações Unidas, permitindo o emprego de todos os meios necessários para o
desempenho de suas atribuições no âmbito da missão:
12. Autoriza MONUSCO, através da sua componente militar, na consecução
dos objetivos descritos no parágrafo 11 acima, a tomar todas as medidas
45

necessárias para executar as seguintes tarefas, por meio de suas forças


regulares e sua Brigada de Intervenção conforme o caso;
(a) Proteção de civis; [...]
(b) neutralização de grupos armados através da Brigada de Intervenção; [...]
(c) O controlo da aplicação do embargo de armas; [...]
(d) Prestação de apoio aos processos judiciais nacionais e internacionais;
[...](ONU, 2013 - tradução própria)

A Resolução deixa clara a preservação dos princípios das Operações de


Manutenção da Paz, a despeito da autorização do uso da força de forma diversa ao
que ocorria até então no contexto das Operações de Manutenção da paz sob a
égide da ONU.
A necessidade de uma postura mais agressiva da MONUSCO, garantindo a
liberdade para o componente militar agir, adotando uma postura proativa que
permitisse preservar a integridade, especialmente dos civis e dos grupos
vulneráveis, antes que os atentados e violações aos direitos humanos ocorressem,
bem como a capacidade de assegurar que a missão cumprisse com os objetivos
estipulados pelo CSNU na obtenção de um ambiente seguro e estável para permitir
o processo de uma paz duradoura.
O General de Divisão brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, que já se
encontrava na Reserva do Exército desde 2012, foi convidado para assumir o
comando do componente militar da missão em abril de 2013. O militar já havia
comandado a MINUSTAH, Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti
(sigla em francês que significa Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en
Haïti), no período de setembro de 2006 a abril de 2009.
Devido ao seu desempenho à frente da MINUSTAH, sua liderança e seus
mais de quarenta anos de serviço militar, o General Santos Cruz foi escolhido para
liderar a MONUSCO sob um novo formato, desempenhando um mandato robusto,
que lhe concedia possibilidade de realizar intervenções armadas empregando
considerável poder militar, para proteger civis, neutralizar grupos armados e
restabelecer as condições para um acordo de paz na RDC.
O General brasileiro lançou mão, em 21 de agosto de 2013, da Brigada de
Intervenção sob seu comando, apoiando as ações da FARDC para retomar a cidade
de Goma, que estava sob o controle do grupo armado M23, infringindo pesadas
46

baixas nos efetivos e no material do grupo, reduzindo consideravelmente o poder


combativo dos rebeldes.
Muito embora essa ação por parte das tropas da MONUSCO ter um caráter
tipicamente de uma operação ofensiva, o enquadramento como Operação de
Manutenção da paz se respalda nos estudos já apresentados anteriormente neste
trabalho, em grande parte apoiado na necessidade de possuir liberdade de agir dos
contingentes militares contra a parte que estiver perpetrando graves ofensas contra
os Direitos Humanos, e estejam se opondo de forma contundente ao processo de
paz.
A MONUSCO conta com o consentimento do governo do Congo, princípio
básico das Operações de Manutenção da Paz, no entanto, diante da diversidade de
grupos armados que se opõem ao governo congolês, e suas diferentes demandas,
impossibilita a total aquiescência de todas as partes, até porque são grupos ilegais e
que impõem grande sofrimento a população civil, devido às violações aos Direitos
Humanos cometidas.
O General Santos Cruz (2015) aborda a questão do consentimento das partes
da seguinte forma:
“Consentimento das partes” é quando a missão é estabelecida já com um
acordo entre as partes. Nesse caso, existem obrigações de consentimento,
de acordo com o que foi tratado entre a ONU e as partes em conflito. Mas
no caso de grupos armados massacrando a população, não existe sentido
se falar em consentimento de grupos armados, criminosos. (SANTOS
CRUZ, 2015)

O princípio relativo ao não uso da força fica relativizado diante da


necessidade real apresentada ao longo da história das Operações de Manutenção
da Paz. A autorização do uso da força foi se modificando conforme os conflitos em
que a ONU foi chamada a participar do processo de paz foram de tornando
complexos, conforme nos esclarece De Souza (2015):
A criação da FIB toca diretamente no princípio mais controverso das
Operações de Paz, o uso da força. Na RDC, o uso da força em ações
ofensivas unilaterais ou em conjunto com as FARDC, de modo robusto e
versátil para neutralizar grupos armados ocasiona mudanças na
compreensão destes três pilares. O princípio do não uso da força, exceto
em autodefesa, data do primeiro desdobramento de capacetes azuis
armados da ONU, em 1956. Entretanto, ao longo da evolução das
47

Operações de Paz, as Operações de Manutenção de Paz, passaram a


empregar, pontualmente, o uso da força, como no Congo, entre 1960 e
1964, na Bósnia Herzegovina, no período de 1992 a 1995, na Somália entre
1993 e 1995, e recentemente, no Haiti entre 2004 e 2006. Apesar de
seguirem o modelo de missão de estabilização, e não possuírem os
mesmos níveis de violência encontrados na RDC, o CSNU permitiu o uso
da força limitado naquelas operações, em consonância com o princípio da
autodefesa.
Na RDC, o CSNU percebeu a dificuldade de seu componente militar em
antecipar-se às ameaças e agir pró ativamente a fim de reduzir
vulnerabilidades e dissuadir os grupos armados. Destarte, mais uma vez, a
necessidade de atualização, adaptação e evolução para realizar a proteção
efetiva de civis foi concretizada na FIB. Constituída de 3.069 militares da
África do Sul, Maláui e Tanzânia, o mandato da FIB modificou a
implementação da proteção de civis. Se anteriormente, os capacetes azuis
assistiam estáticos aos abusos dos direitos humanos, à violência sexual e
aos crimes contra a humanidade, na RDC, a FIB passou a desempenhar
ações preemptivas com o propósito de evitar tais violações. As ações
ofensivas preemptivas embasadas em dados da inteligência e de recursos
tecnológicos, usados pela primeira vez em operações de paz, como os
drones, permitiram resultados positivos na proteção de civis. (De Souza,
2015)

A maior liberdade relativa ao uso da força conferida pelo mandato da


MONUSCO é percebida da seguinte forma pelo General Santos Cruz:

Acho que sempre existe liberdade para o uso da forca. E mais que isso,
existe obrigação de usa-la quando necessário. Qual o motivo de uma
missão ter um componente militar com todos os equipamentos e
armamentos disponíveis? Para o uso, se necessário. E essa “liberdade” tem
limites em qualquer situação. A percepção da população ‘e condicionada
aos resultados que se obtém usando a forca ou não. Para a população
afetada, a analise teórica, se existe ou não liberdade para o uso da força,
não interessa. Interessa o resultado e o beneficio real em termos de
proteção contra a violência física. (SANTOS CRUZ, 2015)

O princípio da imparcialidade no caso da MONUSCO é relativizado, pois para


a proteção dos civis contra os crimes cometidos pelos grupos armados presentes na
RDC, a missão é autorizada por seu mandato a conduzir operações com seu
componente militar atuando isoladamente ou em conjunto com as FARDC, adotando
48

uma postura parcial frente à situação, mas respaldada no âmbito internacional


devido à necessidade de agir para a proteção de civis.
A MONUSCO, inserida no contexto assimétrico da RDC, onde vários atores
diferentes estão em conflito, e a população civil está no centro dessa disputa como
vítima de violência em todos os níveis, o CSNU concedeu uma abordagem robusta
ao seu mandato, e os resultados dessa postura mais proativa tem se mostrado
eficaz, como observado na retomada de Goma pelas Forças da ONU atuando em
conjunto com as FARDC, devolvendo credibilidade à missão, e permitindo um novo
impulso no cumprimento de seu mandato.
49

7 CONCLUSÃO

As Operações de Manutenção da Paz estabelecidas pela ONU evoluíram


desde a criação desse organismo internacional, conforme o ambiente geopolítico
mundial.
Primeiramente, as Nações Unidas conduziram suas operações no contexto
de um mundo bipolarizado, conhecidas como operações tradicionais. A seguir,
passaram por um período de transição, após a dissolução da antiga União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas e o fim do conflito ideológico em âmbito mundial.
As novas ameaças que surgiram no mundo exigiam uma postura da
organização que ela ainda não estava preparada para atender, devido à sua postura
tradicionalista, pautada em preceitos totalmente válidos para o pós-guerra, mas não
estavam alinhados com os novos desafios que se apresentavam com o fim do
conflito ideológico.
O conflito entre Estados, comum no período da Guerra Fria, cedeu lugar a
disputas internas, levando à fragmentação de Estados, surgimento de grupos
armados que desestruturavam os governos locais, e principalmente os atentados
diretos contra os Direitos Humanos perpetrados por esses grupos e pelos governos
dos Estados envolvidos nos conflitos, levando a efeito terríveis tragédias
humanitárias, como as ocorridas em Ruanda e Serra Leoa.
A inércia da ONU, devido ao seu modelo tradicional de emprego de seus
efetivos militares que compunham as Operações de Manutenção da Paz, com
mandatos que se limitavam a autorizar o monitoramento dos acordos previamente
estabelecidos, e nem sempre respeitados por todas as partes em conflito, devido às
características de atuação de grupos armados, muitas vezes criminosos e ilegais,
que vitimavam os civis, especialmente mulheres e crianças.
A organização avaliou sua postura e seu modus operandi, por intermédio de
trabalhos e estudos, que resultaram no chamado Relatório Brahimi, na Capstone
Doctrine, e surgiram os conceitos acerca da "responsabilidade em proteger" e a
"responsabilidade ao proteger" relativa aos civis vítimas dos conflitos armados, tudo
para reestruturar o trabalho realizado pelas Nações Unidas em busca de mais
efetividade em suas ações.
50

A figura 4 nos permite acompanhar essa evolução no principal instrumento


utilizado pela ONU em busca da manutenção da paz mundial, as Operações de
Manutenção da Paz.

Figura 4: Evolução das Operações de Manutenção de Paz da ONU


Fonte: Nunes, 2014
A questão do uso da força, embora controversa para muitos, era fator
preponderante para a efetividade dos efetivos desdobrados nas diversas missões
existentes pelo mundo, uma vez que o desrespeito aos acordos e as violações aos
Direitos Humanos eram perpetradas em face da impossibilidade de agir dos
capacetes azuis, limitados por seus mandatos, o que afetava inclusive a
credibilidade das Operações das Nações Unidas, devido à ineficácia de suas
intervenções em face à realidade dos conflitos.
O General Santos Cruz, Comandante da MONUSCO, entende que “a
credibilidade de uma missão reside na obtenção de resultados práticos.”, resultados
nem sempre possíveis de serem alcançados sem o mínimo de liberdade de ação e
capacidade de antecipação, principalmente dos componentes militares das
diferentes Operações de Manutenção da Paz conduzidas pela ONU.
O General ainda acrescenta que
A população afetada diretamente pelos problemas que determinaram o
estabelecimento da missão pelo Conselho de Segurança – tem a
percepção mais correta e mais pratica, baseada nos resultados e nos
benefícios diretos que são feitos a ela, seja na área de segurança, de ação
humanitária ou de desenvolvimento. (SANTOS CRUZ, 2015)
51

Na República Democrática do Congo, a situação fora de controle em relação


à população civil, e a incapacidade do governo local em deter a ação dos grupos
armados levou o Conselho de Segurança das Nações Unidas a estabelecer, em
2013, um mandato que autorizava o uso da força de forma robusta para a
consecução do mandato e a proteção de civis, lançando mão de uma tropa com
valor de uma Brigada para as ações em força, com a aquiescência do governo
congolês.
Desde então, as ações no Congo, comandadas pelo General brasileiro Carlos
Alberto dos Santos Cruz, têm obtido grande sucesso no campo militar. Porém, o
comandante da MONUSCO deixa claro que de nada adiantam as evoluções e
sucessos obtidos nas ações militares, se estas não estiverem acompanhadas de
evoluções no campo político.
O uso da Força regulado por um mandato considerado robusto, onde os
comandantes do componente militar possuem liberdade de ação respaldada pela
ONU para conduzir as ações militares que mais se aproximam de uma operação de
guerra, diferente do que era visto nas missões tradicionais, tem se mostrado
eficiente para enfrentar as atuais ameaças e desafios a que estão submetidos os
capacetes azuis.
Porém este trabalho não esgotou o assunto ensejando base para o
desenvolvimento de outras pesquisas a respeito do assunto.
52

REFERÊNCIAS

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