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Juan Esteves

julho/98 - CULT 49
O método crítico de
Antonio Candido
João Alexandre Barbosa

No mês em que o maior crítico literário do Brasil completa 80


anos, o ensaísta João Alexandre Barbosa escreve sobre três
momentos diferentes da obra de Antonio Candido, detectando
uma estratégia de leitura que jamais perde de vista os
condicionamentos biográficos, psicológicos, históricos ou sociais
da obra literária, mas que preserva a eficácia da linguagem
poética ao contemplar os deslizamentos incessantes entre
condições do texto ficcional e seu processo de construção formal

1 No início de um ensaio sobre o que


chamou de “timidez do romance”, Anto-
podem ser convenientes como disfarce de
coisa mais ponderável. Este ponto de vista
reprovável ou desertando de função mais
digna. Então enxertam na sua obra um
nio Candido soube caracterizar aquilo que do tipo Manequinho da Praia de Botafogo máximo de não-literatura, sobrecar-
há de secreto e pungente na atividade (‘sou útil mesmo brincando’) está, por regando-a de moral ou política, de religião
literária, marcando as incertezas que exemplo, na base do realismo socialista, ou sociologia, pensando justificá-la deste
dominam muitas vezes os criadores, como foi ensinado nos anos do stalinismo. modo, não apenas ante os tribunais da
mesmo os maiores, com relação a suas Mas, no fundo, Platão e Bossuet, Tolstói e opinião pública, mas ante os tribunais
próprias obras e o lugar que ocupam entre Jdanov, por motivos diversos e com interiores da própria consciência.”1
outras atividades sociais. Eis o trecho que diversas formulações, manifestam a Embora o texto seja apenas o começo
quero destacar: desconfiança permanente em face de uma de um estudo sobre o romance francês do
“A literatura é uma atividade sem atividade que lhes parece fazer concor- século XVII, existem nele elementos
sossego. Não só os ‘homens práticos’, mas rência perigosa aos messianismos e interessantes como maneira do crítico
os pensadores e moralistas questionam sem dogmas que defendem. armar a sua leitura, a partir mesmo da frase
parar a sua validade, concluindo com “Isto faz que a literatura quase nunca inicial, de grande generalidade, e que só
freqüência e pelos motivos mais variados tenha consciência tranqüila e manifeste aos poucos vai sendo particularizada.
que não se justifica: porque afasta de tarefas instabilidades e dilaceramentos, como Deste modo, a afirmação de que “a
‘sérias’, porque perturba a paz da alma, tudo que é reprimido ou contestado: tem literatura é uma atividade sem sossego”
porque corrompe os costumes, porque cria dramas morais, renuncia, agride, exagera que, a princípio, poderia parecer referir-
maus hábitos de devaneio. Outro modo a própria dignidade, bate no peito e se se somente ao próprio trabalho crítico, logo
de questioná-la, às vezes inconscien- justifica sem parar. Não é raro ver os remete o leitor à indagação por sua
temente, é justificá-la por motivos exter- escritores envergonhados do que fazem, validade, em primeiro lugar desencadeada
nos, mostrando que a gratuidade e a fantasia como se estivessem praticando um ato por juízes do pensamento e da moral que

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Trajetória
Juan Esteves

intelectual de
Antonio Candido

Antonio Candido em 1936

1918 Antonio Candido de Mello


e Souza nasce no Rio de Janeiro,
filho do médico Aristides Candido
de Mello e Souza e de Clarisse
Tolentino de Mello e Souza.
Desde a primeira infância, vive
com a família em Cássia, Minas
Gerais, e – conforme prática
possível na época – não freqüenta
a escola, aprendendo as matérias
do curso primário com a mãe. Ao
completar 11 anos, muda-se com
a família para Poços de Caldas,
onde inicia o curso secundário no
avaliam de sua “seriedade” em meio a Por outro lado, sem que ocorra qual- Ginásio Municipal.
tarefas tidas por mais importantes, e, em quer demarcação temporal no texto, as
segundo lugar, justificada a partir de observações do crítico possuem uma
argumentos extraídos de uma concepção generalidade, por assim dizer, teórica e que,
de literatura que a vê como ornamento da passando pela prática das análises pontuais
imaginação capaz de instilar lições mais de obras que realiza no ensaio, é retomada
aproveitáveis. ao final, mas aí já tendo percorrido um
Neste sentido, entre a busca pela longo caminho de ataques e defesas da
validade e as justificativas para a exis- ficção, quando extrai da leitura de um Em mangas de camisa, Antonio Candido, Décio
tência, a frase inicial é retomada, expan- esquecido teórico do século XVII – o de Almeida Prado e Érico Veríssimo em 1940
dida, no parágrafo final do texto pela cônego François Langlois, vulgo Fancan,
1935 Completa o curso
afirmação da intranqüilidade que conta- e matéria principal do ensaio2 – a justifi-
secundário no Ginásio Estadual
mina a atividade literária, travestindo-se cativa maior para a literatura de ficção, qual
de São João da Boa Vista (SP).
de política, moral, religião ou sociologia, seja, a de que “se a História representa o
elementos com que joga para pacificar as desejo da verdade, o romance representa o 1937-1938 Freqüenta o curso
tensões que a caracterizam de base. É desejo da efabulação, com a sua própria complementar do Colégio
natural, portanto, que o texto se encerre verdade. Esta é a sua grande, real jus- Universitário da Universidade de
com uma anotação da mauvaise conscience tificativa; e, ao propô-la, Fancan realizou São Paulo.
que domina os escritores para quem a a melhor apologia possível do gênero 1939 Entra nas faculdades de
literatura não é senão um sucedâneo de ameaçado pelo Ministro da Justiça de Direito (que abandona no quinto
serviços mais importantes a serem prest- então, mostrando que não se trata de um ano) e de Filosofia (Seção de
ados à sociedade. recurso estratégico para reforçar os valores Ciências Sociais) da USP.

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sociais, ideologicamente conceituados; por isso, de operar a convergência de todos os níveis de uma sociedade, em todos
mas de resposta a uma necessidade do literatura e história, sem perda das tensões os tipos de cultura, desde o que chamamos
espírito, que se legitima a si mesma.” básicas que caracterizam suas relações. folclore, lenda, chiste, até as formas mais
A leitura de todo o ensaio, entretanto, Deste modo, entre a frase inicial do complexas e difíceis da produção escrita
aponta para um aspecto curioso: o texto texto e a justificativa final, expressa através das grandes civilizações.
transcrito funciona, na verdade, como uma de Fancan, teoria e história foram soldadas “Vista deste modo a literatura aparece
espécie de gancho para aquilo que será o pela leitura analítica que corresponde ao claramente como manifestação universal
seu argumento central, na medida em que momento central do ensaio. Como, no de todos os homens em todos os tempos.
se trata de um ensaio de teor histórico- entanto, a generalidade do texto transcrito Não há povo e não há homem que possa
literário articulado por uma vigorosa é atemporal, a hipótese teórica não é viver sem ela, isto é, sem a possibilidade
hipótese teórica que está, de certo modo, concludente mas se abre para outras de entrar em contacto com alguma espécie
encapsulada neste texto. E esta hipótese é leituras possíveis de tempos e espaços de fabulação. Assim como todos sonham
de que modo o romance, um gênero de literários: a afirmação da validade da ficção todas as noites, ninguém é capaz de passar
ficção encarado sob suspeição por entre é tarefa que acaba por se impor como da as vinte e quatro horas do dia sem alguns
os gêneros maiores, como a epopéia e o própria natureza do trabalho com o momentos de entrega ao universo fabu-
teatro, foi encontrando justificativas para imaginário. lado. O sonho assegura durante o sono a
a sua validade na sociedade francesa do Sendo assim, a validade será sempre presença indispensável deste universo,
século XVII. uma conquista de cada obra, indepen- independentemente da nossa vontade. E
Neste sentido, não obstante todo o dente, de alguma maneira, da consciência durante a vigília a criação ficcional ou
aparato erudito de que se reveste o ensaio do escritor que, com freqüência, tem poética, que é a mola da literatura em todos
(e as notas e observações biobibliográficas dificuldade em reconhecer a sua legítima os seus níveis e modalidades, está presente
são uma demonstração inequívoca disto), condição na sociedade. Por aí, deste modo, em cada um de nós, analfabeto ou erudito
não se trata de um ensaio historiográfico é possível recuperar a frase inicial com – como anedota, causo, história em
na acepção tradicional, em que a coleta de valor positivo: o desassossego da atividade quadrinho, noticiário policial, canção
novos dados, visando renovar as interpre- literária é próprio da natureza ficcional da popular, moda de viola, samba carna-
tações, fosse o seu maior objetivo. Nem literatura. valesco. Ela se manifesta desde o devaneio
tampouco significa que o miolo histórico- amoroso ou econômico no ônibus até a
literário seja uma mera demonstração de
tese a ser defendida, mas daquilo mesmo
2 Quinze anos depois do ensaio consi-
derado anteriormente, Antonio Candido
atenção fixada na novela de televisão ou
na leitura seguida de um romance.
que já ficou insinuado: de uma articulação “Ora, se ninguém pode passar vinte e
escreveu o texto que passo agora a
em que o que era hipótese teórica no texto quatro horas sem mergulhar no universo
examinar: “O direito à literatura”.3
transcrito vai, aos poucos, integrando-se da ficção e da poesia, a literatura concebida
Embora tendo uma finalidade inteira-
como história na leitura crítica, de tal no sentido amplo a que me referi parece
mente diversa do escrito anterior, e sendo
maneira que, a partir de um dado momento, corresponder a uma necessidade universal,
diferentes no próprio movimento da
o leitor não mais distingue teoria e história, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação
escrita, o primeiro mais ensaístico, o
pois ambas foram, por assim dizer, constitui um direito.
segundo mais didático, creio que ambos
resolvidas pela escrita crítica. “Alterando um conceito de Otto Ranke
coincidem num ponto central e decisivo,
Sem a teoria, a história não seria senão sobre o mito, podemos dizer que a lite-
embora, no primeiro, o porta-voz da idéia
descrição sucessiva de dados e fatos; sem a ratura é o sonho acordado das civilizações.
seja o teórico Fancan, e, no segundo, seja o
história, a teoria não deixaria o patamar Portanto, assim como não é possível haver
próprio autor-conferencista: a literatura,
das especulações generalizadoras. É como equilíbrio psíquico sem o sonho durante o
ou a ficção em geral, como necessidade
se entre a história propriamente literária – sono, talvez não haja equilíbrio social sem
profunda do homem, instrumento capaz
aqui representada pelo gênero romance em a literatura. Deste modo, ela é fator
de intensificar um processo de huma-
seus inícios franceses – e a história indispensável de humanização e, sendo
nização que advém precisamente das
circunstancial, que aqui se representa pela assim, confirma o homem na sua huma-
construções do imaginário. Eis um trecho
sociedade francesa do século XVII, a nidade, inclusive porque atua em grande
selecionado do ensaio:
teoria, isto é, a hipótese teórica das tensões parte no subconsciente e no inconsciente.
entre validade e justificativa do romance “Chamarei de literatura, da maneira Neste sentido, ela pode ter importância
como gênero, funcionasse como metáfora mais ampla possível, todas as criações de equivalente à das formas conscientes de
crítica das articulações históricas, capaz, toque poético, ficcional ou dramático em inculcamento intencional, como a edu-

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1941 Funda em maio – com
Décio de Almeida Prado, Paulo
Emílio Salles Gomes, Lourival
cação familiar, grupal ou escolar. (…) A questão mais árdua de sua própria forma- Gomes Machado, Ruy Coelho e
literatura confirma e nega, propõe e lização. E isto ocorre, sobretudo, na quarta Gilda de Moraes Rocha – a revista
denuncia, apóia e combate, fornecendo a parte do texto, a partir mesmo de uma Clima.
possibilidade de vivermos dialeticamente afirmação essencial: 1942 Ingressa no corpo docente
os problemas. Por isso é indispensável tanto “Toda obra literária é antes de mais da USP como professor assistente
a literatura sancionada quanto a literatura nada uma espécie de objeto, de objeto cons- de Sociologia na Faculdade de
proscrita; a que os poderes sugerem e a truído; e é grande o poder humanizador Filosofia.
que nasce dos movimentos de negação do desta construção, enquanto construção.”
estado de coisas predominante. A expressão em itálico, que está no
“A respeito destes dois lados da lite- texto, diz tudo: a função humanizadora da
ratura, convém lembrar que ela não é experiência literária é dependente de uma
uma experiência inofensiva, mas uma organização imposta pelo criador em seu
aventura que pode causar problemas material, as palavras, de tal maneira que
psíquicos e morais, como acontece com estas passam, como diz o autor, a exercer
a própria vida, da qual é imagem e um “papel ordenador sobre a nossa
transfiguração. Isto significa que ela tem mente”. Neste sentido, não são os conteú-
papel formador da personalidade, mas dos que são responsáveis por aquela
não segundo as convenções; seria antes função, mas o modo pelo qual são orga-
segundo a força indiscriminada e pode- nizados e chegam ao leitor e isto, como se
rosa da própria realidade. Por isso, nas vai ver em seguida, independe da maior
mãos do leitor o livro pode ser fator de ou menor transparência da linguagem ou
perturbação e mesmo de risco. Daí a da clareza com que são referidos os
ambivalência da sociedade em face dele, aspectos da realidade. Diz o crítico:
suscitando por vezes condenações “Por isso, um poema hermético, de Da esquerda para a direita: Décio de Almeida
violentas quando ele veicula noções ou entendimento difícil, sem nenhuma alusão Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, Gustavo
Nonemberg, Lourival Gomes Machado e José
oferece sugestões que a visão conven- tangível à realidade do espírito ou do Portinari. Sentado, Antonio Candido aponta para a
cional gostaria de proscrever.” mundo, pode funcionar neste sentido, pelo sua tese sobre Sílvio Romero, defendida em 1945.

Esta defesa do que chama, em certo fato de ser um tipo de ordem, sugerindo 1943 Casa-se com Gilda de
momento, de “necessidade universal” da um modelo de superação do caos. A Moraes Rocha (hoje Gilda Rocha
literatura, fundada em seu caráter de produção literária tira as palavras do nada de Mello e Souza), com quem
fabulação, e por aí respondendo ao traço e as dispõe como todo articulado. Este é o terá três filhas: Ana Luiza, Laura e
construtivo e humanizador do imagi- primeiro nível humanizador, ao contrário Marina. Participa do grupo
nário, não significa, como se pode ver, a do que geralmente se pensa. A organização clandestino Frente de Resistência,
aceitação parcial daquilo que, na lite- da palavra comunica-se ao nosso espírito contrário ao governo ditatorial de
ratura, é também adequação à realidade, e o leva, primeiro, a se organizar; em Getúlio Vargas. Torna-se crítico
mas insiste nas inadequações possíveis, seguida, a organizar o mundo. Isto ocorre de literatura da Folha da Manhã,
geradoras, como observa o crítico, de desde as formas mais simples, como a atividade que manterá até 1945.
“problemas psíquicos e morais”. O que quadrinha, o provérbio, a história de
1944 Sai em novembro o 16º e
significa, mais uma vez, enfatizar o que bichos, que sintetizam a experiência e a
último número da revista Clima.
de desassossego existe na atividade reduzem a sugestão, norma, conselho ou
literária, agora do ponto de vista do simples espetáculo mental.” 1945 Obtém o título de livre-
receptor. Os dois exemplos colhidos por Anto- docente em literatura brasileira
Por outro lado, o que é notável, sobre- nio Candido – um provérbio e um verso com a tese Introdução ao método
tudo para a compreensão do método de estrofe de uma das Liras de Tomás crítico de Sílvio Romero. Publica
crítico do autor, é como Antonio Candido, Antonio Gonzaga – esclarecem de que tipo Brigada ligeira, livro que reúne
em seguida, e sem qualquer alarde meto- de construção se trata, estabelecendo como textos editados na Folha da
dológico, consegue aproximar a dialética fator de eficácia dos textos, em sua Manhã. Torna-se crítico literário
da adequação e inadequação, que no texto diversidade de conteúdo, o jogo com a do Diário de São Paulo,
selecionado parece somente traduzir os linguagem capaz de criar aquilo que se mantendo suas colaborações
problemas de conteúdo da literatura, à poderia também chamar de poeticidade até 1947.

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dos textos, ou seja, o exercício, para usar a no colo da namorada, apanhar flores para da complexidade do mundo e dos seres, o
terminologia de Roman Jakobson, da fazer uma grinalda, escrever as res- cultivo do humor”.
própria função poética da linguagem. pectivas iniciais na casca das árvores. Mas Mas, atenção!, é uma ampliação
No caso do provérbio – “Mais vale na experiência de cada um de nós esses conquistada tanto pelas mensagens de
quem Deus ajuda do que quem cedo sentimentos e evocações são geralmente que a literatura é portadora quanto, e
madruga” –, diz o autor: vagos, informulados, e não têm consis- sobretudo, pelo modo de organização
“Este provérbio é uma frase solida- tência que os torne exemplares. Expri- dessas mensagens, de que depende a sua
mente construída, com dois membros de mindo-os no enquadramento de um estilo eficácia. Daí a afirmação exemplar que
sete sílabas cada um, estabelecendo um literário, usando rigorosamente os versos se lê logo adiante:
ritmo que realça o conceito, tornado mais de dez sílabas, explorando certas sono- “A eficácia humana é função da eficácia
forte pelo efeito da rima toante: ‘aj-U-d- ridades, combinando as palavras com estética, e portanto o que na literatura age
A’, ‘madr-U-g-A’. A construção consistiu perícia, o poeta transforma o informal ou como força humanizadora é a própria
em descobrir a expressão lapidar e ordená- o inexpresso em estrutura organizada, que literatura, ou seja, a capacidade de criar
la segundo meios técnicos que impres- se põe acima do tempo e serve para cada formas pertinentes.”
sionam a percepção.” um representar mentalmente as situações Por isso não basta a qualidade da
Sendo assim, o conceito, que é a base amorosas deste tipo. A alternância regu- mensagem para a determinação do valor
do conselho proverbial, tem o seu efeito lada de sílabas tônicas e sílabas átonas, o da obra, nem mesmo uma positividade ou
sobre aquele que lê ou escuta como poder sugestivo da rima, a cadência do uma negatividade anterior à realização da
dependente de escolhas e organizações ritmo – criaram uma ordem definida que obra: a criação de “formas pertinentes”,
operadas na linguagem e a impressão serve de padrão para todos e, deste modo, em que leio aquelas que são isomórficas
provocada está vinculada a este trabalho a todos humaniza, isto é, permite que os em relação ao que se quer dizer, é que
construtivo. Ou, para deixar o autor sentimentos passem do estado de mera instaura o valor da literatura enquanto
falar: emoção para o da forma construída, que prática social. Algo semelhante àquilo que
“Quando digo que um texto me im- assegura a generalidade e a permanência. foi dito por outro grande ensaísta latino-
pressiona, quero dizer que ele impressiona Note-se, por exemplo, o efeito do jogo americano, Octavio Paz, em texto inti-
porque a sua possibilidade de impressionar de certos sons expressos pelas letras T e tulado “Forma y significado” (in Corriente
foi determinada pela ordenação recebida P no último verso, dando transcendência alterna):
de quem o produziu. Em palavras usuais: a um gesto banal de namorado: “Las verdaderas ideas de un poema
o conteúdo só atua por causa da forma, e a “Toucar-Te de PaPoulas na floresTa. no son las que se le ocurren al poeta antes
forma traz em si, virtualmente, uma “Tês no começo e no fim, cercando de escribir el poema sino las que después,
capacidade de humanizar devido à coe- os Pês do meio e formando com eles con o sin su voluntad, se desprenden
rência mental que pressupõe e que sugere.” uma sonoridade mágica que contribui naturalmente de la obra. El fondo brota
Da mesma maneira, os efeitos, agora para elevar a experiência amorfa ao nível de la forma y no a la inversa. O mejor
de tipo emocional, que decorrem da leitura da expressão organizada, figurando o dicho: cada forma secreta su idea, su visión
da estrofe de Gonzaga são vinculados, por afeto por meio de imagens que marcam del mundo. La forma significa; y más: en
Antonio Candido, a procedimentos de com eficiência a transfiguração do meio arte sólo las formas poseen significación.
construção nitidamente desenhados na natural. A forma permitiu que o con- La significación no es aquello que quiere
organização verbal da estrofe, que é a teúdo ganhasse maior significado e decir el poeta sino lo que efectivamente
seguinte: ambos juntos aumentaram a nossa dice el poema. Una cosa es lo que
Propunha-me dormir no teu regaço capacidade de ver e sentir.” creemos decir y otra lo que realmente
As quentes horas da comprida sesta; É esta capacidade de ampliação que o decimos.”
Escrever teus louvores nos olmeiros, autor identifica com o que, diversas vezes A função humanizadora da literatura,
Toucar-te de papoulas na floresta. no texto, chama de função humanizadora ou suas funções psicológica, social e
E não resisto em transcrever o da literatura: “o processo que confirma no histórica, portanto, não está vinculada à
comentário analítico do crítico, dada a homem aqueles traços que reputamos adequação aos aspectos da realidade, mas
sua importância como elemento carac- essenciais, como o exercício da reflexão, a passa, antes, pelas incertezas e pelos
terizador de seu método. Ei-lo: aquisição do saber, a boa disposição para desassossegos da própria construção da
“A extrema simplicidade desses versos com o próximo, o afinamento das emo- literatura enquanto literatura e, deste modo,
remete a atos de devaneio dos namorados ções, a capacidade de penetrar nos proble- pelas inadequações, contradições e para-
de todos os tempos: ficar com a cabeça mas da vida, o senso da beleza, a percepção doxos, substratos da linguagem.

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3 Não se chegou a este tipo complexo
de reflexão sobre as intrincadas relações
“Hoje sabemos que a integridade da
obra não permite adotar nenhuma dessas
da literatura com a vida social sem uma visões dissociadas; e que só a podemos
larga experiência, e é de vinte e três anos entender fundindo texto e contexto numa
antes do texto anterior (ou mesmo vinte interpretação dialeticamente íntegra, em O casal Mello e Souza e a filha Ana Luiza
em São Paulo, em 1951
e sete, se contarmos com o fato de que que tanto o velho ponto de vista que
“é o desenvolvimento de uma pequena explicava pelos fatores externos, quanto o 1947 Participa da fundação do
exposição feita sob a forma de inter- outro, norteado pela convicção de que a Partido Socialista Brasileiro e
venção nos debates” de congresso de estrutura é virtualmente independente, se torna-se um dos diretores da
crítica em 1961, conforme se esclarece combinam como momentos necessários do Folha Socialista, jornal partidário.
em nota de rodapé) aquele que, a partir processo interpretativo. Sabemos, ainda, que
1954 Obtém o título de doutor
de agora, passo a comentar: o ensaio o externo (no caso, o social) importa, não
em ciências sociais com a tese Os
“Crítica e sociologia”, publicado em como causa, nem como significado, mas
parceiros do Rio Bonito.
1965 em Literatura e sociedade. Eis o como elemento que desempenha um certo
trecho inicial do ensaio: papel na constituição da estrutura, tornando- 1956 Elabora o projeto do
“Nada mais importante para chamar se, portanto, interno.” “Suplemento Literário” de O
a atenção sobre uma verdade do que Sem desprezar o fato de que o texto Estado de S. Paulo, cujo editor
exagerá-la. Mas também, nada mais arma uma excelente abertura para o estudo será Décio de Almeida Prado (até
perigoso, porque um dia vem a reação que se queira fazer de momentos decisivos 1967). Publica Ficção e confissão,
indispensável e a relega injustamente para na história do pensamento crítico – coisa contendo ensaios sobre
a categoria do erro, até que se efetue a de que o próprio ensaio se encarrega em Graciliano Ramos.
operação difícil de chegar a um ponto de seguida –, a posição assumida pelo crítico, 1958 Decide dedicar-se
vista objetivo, sem desfigurá-la de um apenas dois ou quatro anos depois da exclusivamente à literatura e
lado nem de outro. É o que tem ocorrido publicação de sua magistral obra de crítica assume o cargo de professor de
com o estudo da relação entre a obra e o historiográfica sobre a literatura brasileira, literatura brasileira na Faculdade
seu condicionamento social, que a certa a Formação da literatura brasileira, resume, de Filosofia de Assis (hoje
altura do século passado chegou a ser vista por assim dizer, uma intensa experiência pertencente à Unesp).
como chave para compreendê-la, depois de análise e interpretação dos textos
1959 Publica Formação da
foi rebaixada como falha de visão – e literários, em que, precisamente, se
literatura brasileira.
talvez só agora comece a ser proposta nos buscava o referido revezamento entre texto
devidos termos. Seria o caso de dizer, com e contexto como está no texto transcrito. 1960 Em dezembro, aceita
ar de paradoxo, que estamos avaliando Na verdade, a integração de elementos convite para assumir o cargo de
melhor o vínculo entre a obra e ambiente internos e externos, dando como resultado professor de teoria literária e
depois de termos chegado à conclusão de o valor da obra literária, será uma preo- literatura comparada na USP.
que a análise estética precede conside- cupação central da atividade crítica do 1964 Publica Tese e antítese.
rações de outra ordem. autor, não se limitando aos condiciona- Leciona literatura brasileira na
“De fato, antes procurava-se mostrar mentos sociais ou históricos, mas in- Universidade de Paris até 1966.
que o valor e o significado de uma obra cluindo aqueles de ordem psicológica, 1968 Leciona literatura brasileira
dependiam dela exprimir ou não certo como já está, por exemplo, em alguns e comparada na Universidade de
aspecto da realidade, e que este aspecto ensaios do livro que publicou em 1964, Yale.
constituía o que ela tinha de essencial. Tese e antítese. De fato, no ensaio referido
Depois, chegou-se à posição oposta, do livro de 1965, tomando por exemplo o
procurando-se mostrar que a matéria de romance Senhora, de José de Alencar, o
uma obra é secundária, e que a sua crítico mostra de que maneira ocorre esta
importância deriva das operações formais transformação de elemento externo em
postas em jogo, conferindo-lhe uma interno, acrescentando:
peculiaridade que a torna de fato inde- “Quando fazemos uma análise deste
pendente de quaisquer condicionamentos, tipo, podemos dizer que levamos em conta
Joel Pontes, João Alexandre e Ana Mae Barbosa,
sobretudo social, considerado inoperante o elemento social, não exteriormente, Antonio Candido e Décio Pignatari no II Congresso
como elemento de compreensão. como referência que permite identificar Brasileiro de Crítica e História Literária (1961)

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na matéria do livro a expressão de uma destas atividades em obra literária, a que conseqüentes que somente as incertezas do
certa época ou de uma sociedade deter- se chama processo de construção da obra, ensaísmo crítico, fundado, entretanto, no
minada; nem como enquadramento, que que é o alvo da atividade crítica. Por isso, rigor e na cultura literária, pode conduzir.
permite situá-lo historicamente; mas para o crítico, nada que possa existir como Entre a obra e seu julgamento, o leitor
como fator da própria construção artística, estímulo para a criação literária é estra- crítico opera um outro tipo de integração:
estudado no nível explicativo e não ilus- nho ou desprezível: a questão está sempre aquele que somente a consciência da
trativo. no modo de organização, pela obra, dos linguagem permite entre o que significa
“Neste caso, saímos dos aspectos estímulos possíveis 4. Daí também, e uma obra e seu modo de significação.
periféricos da sociologia, ou da história quase como um corolário natural, o que
sociologicamente orientada, para chegar
a uma interpretação estética que assimilou
há de desassossego em sua atividade –
região de sobressaltos, relações ines- 4 Escritos em três décadas distintas,
60, 70 e 80, os ensaios lidos, e, de
a dimensão social como fator de arte. peradas e descobertas compensadoras.
Quando isto se dá, ocorre o paradoxo De tudo isso, ressalta a questão propósito, generosamente transcritos
assinalado inicialmente: o externo se torna crítica por excelência que subjaz ao texto para deixar passar ao leitor a linguagem
interno e a crítica deixa de ser sociológica, selecionado e ao ensaio com um todo, do próprio autor, conformam, por assim
para ser apenas crítica. O elemento social isto é, a do julgamento de valor da obra dizer, um arco crítico e teórico de grande
se torna um dos muitos que interferem na literária que é percebido, mais uma vez, tensão e não menor resistência.
economia do livro, ao lados dos psico- e coerentemente, como elemento que se Das anotações sutis acerca da inte-
lógicos, religiosos, lingüísticos e outros. extrai não daquilo que, na obra, é gração entre texto e contexto, em que
Neste nível de análise, em que a estrutura somente conteúdo ou mensagem de Antonio Candido qualificava a sua expe-
constitui o ponto de referência, as divisões qualquer espécie, mas daquilo que foi riência de leitor da literatura, quer como
pouco importam, pois tudo se transforma, possível perceber como capacidade crítico regular de jornais nos anos 40 (de
para o crítico, em fermento orgânico de literária de integração, para utilizar os que pequenos e selecionados exemplos
que resultou a diversidade coesa do todo.” termos do autor, dos componentes são dados no livro Brigada ligeira ou no
É preciso acentuar, todavia, que este externos e internos. volume sobre Graciliano Ramos, Ficção
procedimento crítico de integração não O passeio realizado por Antonio e confissão), quer como autor dos dois
se dá apenas no nível da interpretação, Candido por diversas fases da história do volumes da Formação da literatura brasileira
em que, sem dúvida, ele melhor se revela, pensamento crítico, sob o ângulo das ou do volume de ensaios O observador
mas supõe, fortemente, a etapa analítica relações entre literatura e vida social, vai literário, quer já como professor de
que, ao contrário do que geralmente se mostrando ao leitor as maneiras por que o literatura brasileira, até às reflexões mais
pensa, não é imune a elementos de julgamento das obras, na medida em que amplas sobre as funções humanizadoras
intuição, sensibilidade e gosto crítico, por faziam pesar excessivamente um dos lados da obra literária, sem perda de sua
onde se revela a capacidade de leitura de sua configuração, desfiguravam a sua natureza construtiva, já nos anos 80,
essencial do crítico. integridade e, o que para mim é muito passando pelo renovado esforço historio-
Não é o crítico que transforma o importante, de que modo sempre inseguro, gráfico crítico de recuperação de um
elemento externo em interno, mas sim o instável e cheio de incertezas, continua a teórico do romance, dos anos 70, quando
próprio processo de construção da obra, ser a tarefa crítica de integração sobre a reuniu alguns textos no livro Vários
a ele cabendo a habilidade de fisgar a qual o julgamento de valor pode ser escritos, a leitura dos textos escolhidos é
transformação, que é sempre o resultado expresso. capaz de indiciar não somente uma
de uma prática analítica ancorada na Nenhum condicionamento, seja ele incessante operosidade crítica, como, o
consciência da linguagem literária. biográfico, psicológico, histórico ou que talvez seja mais importante, uma
Para o crítico, não há, segundo leio o social, será suficiente como elemento coerência de base teórica que nada tem a
autor, preferência possível: a sua atividade explicativo convincente para a criação de ver com certezas absolutas ou ortodoxias
se passa por entre as tensões suscitadas pelo uma obra literária, da mesma maneira críticas.
movimento de internalização que é a obra que nenhum juízo de valor terá resistência Operosidade e coerência que podem
literária, a não ser que, ao invés de crítico se não estiver fundado nos deslizamentos ser constatadas com a leitura de seus
literário, ele se identifique, por exemplo, incessantes entre condições e processos últimos livros publicados: O discurso e a
como sociólogo, psicólogo ou historiador. de construção. cidade, em que reúne ensaios escritos nos
Ora, é precisamente a transformação Ou, para dizer de modo mais direto: anos 70, 80 e 90, alguns dos mais impor-
dos elementos que constituem o campo não há certezas, mas buscas coerentes e tantes que escreveu, como é o caso do

56 CULT - julho/98
influente “Dialética da malandragem”, e se concentra no resultado, não no estímulo
Recortes,, conjunto de pequenos textos de ou no condicionamento. Tanto assim que
várias épocas. nos ensaios da primeira parte não há dados
Se a operosidade é aspecto que ressalta sobre a pessoa do escritor e quase nada
óbvio da variedade de assuntos e obras sobre a sociedade e as circunstâncias
literárias que os livros encerram, a históricas, que ficam na filigrana da
coerência, por outro lado, pode ser exposição. O alvo é analisar o compor-
detectada pela leitura de um trecho do tamento ou o modo de ser que se manifesta
prefácio que escreveu para o primeiro dentro do texto, porque foram criados nele
livro. Ei-lo: a partir dos dados da realidade exterior.” O crítico aos 60 anos
“O meu propósito – diz Antonio Será preciso acrescentar alguma coisa?
Candido – é fazer uma crítica integradora, Talvez apenas insistir, voltando ao ponto 1970 Publica Vários escritos.
capaz de mostrar (não apenas enunciar de partida deste texto, que aquilo que 1974 Torna-se professor titular
teoricamente, como é de hábito) de que alimenta a coerência do crítico não é um de teoria literária e literatura
maneira a narrativa se constitui a partir de desejo de pacificação mas, ao contrário, o comparada da USP.
materiais não literários, manipulados a fim enfrentamento destemido do desassossego
1976 Coordena (até 1978) o
de se tornarem aspectos de uma organi- de sua própria atividade – procura, sem
Instituto de Estudos da
zação estética regida pelas suas próprias esmorecimento, de integração.
Linguagem, da Unicamp.
leis, não as da natureza, da sociedade ou João Alexandre Barbosa
do ser. No entanto, natureza, sociedade e professor titular de teoria literária e literatura comparada
1978 Aposenta-se da USP, mas
ser parecem presentes em cada página, da USP, autor de A metáfora crítica, As ilusões da modernidade continua orientando teses de pós-
(ambos pela Perspectiva), A leitura do intervalo (Iluminuras) e
tanto assim que o leitor tem a impressão A biblioteca imaginária (Ateliê Editorial), entre outros
graduação.
de estar em contacto com realidades vitais, 1980 É membro fundador do
de estar aprendendo, participando, acei- Partido dos Trabalhadores.
tando ou negando, como se estivesse 1993 Publica os volumes de
envolvido nos problemas que eles sus- ensaios O discurso e a cidade e
citam. Esta dimensão é com certeza a mais Recortes.
importante da literatura do ponto de vista
do leitor, sendo o resultado mais tangível 1998 Completa 80 anos no dia
do trabalho de escrever. O crítico deve tê- 24 de julho.
la constantemente em vista, embora lhe
caiba sobretudo averiguar quais foram os
recursos utilizados para criar a impressão Notas:
de verdade. De fato, umas das ambições 1 “Timidez no romance”, em A educação pela
do crítico é mostrar como o recado do noite e outros ensaios. (O ensaio foi publicado,
escritor se constrói a partir do mundo, mas pela primeira vez, com o subtítulo de Estudo
gera um mundo novo, cujas leis fazem sobre as justificativas da ficção no começo do século
XVII, na revista Alfa da Faculdade de Filosofia,
sentir melhor a realidade originária. Se
Ciências e Letras de Marília, SP, em 1973.)
conseguir realizar esta ambição, ele 2 Prova disto é que, na edição em espanhol do
poderá superar o valo entre ‘social’ e ensaio, o seu título é modificado para “Fancan,
‘estético’, ou entre ‘psicológico’ e ‘estético’, olvidado teórico de la novela” (Ensayos y
mediante um esforço mais fundo de comentarios, Editora da Unicamp/Fondo de
compreensão do processo que gera a cultura económica de México). Gilda de Mello e Souza em 1982, fotografada por
Madalena Schwartz
singularidade do texto. 3 Tendo sido inicialmente uma palestra em
“Freqüentemente os críticos que levam curso sobre direitos humanos proferida em
Fontes: Esboço de figura – Homenagem a
1988, e publicado no livro Direitos humanos
em conta a sociedade, a personalidade ou Antonio Candido, org. de Celso Lafer (Livraria
e…(1989), o texto pode ser lido hoje em Vários Duas Cidades), Dentro do texto, dentro da vida
a história acabam por interessar-se mais escritos (Livraria Duas Cidades). – Ensaios sobre Antonio Candido, org. de Maria
pelo ponto de partida (isto é, a vida e o 4 Para o problema mais específico, ver, do Angela D‘Incao e Eloísa Faria Scarabôtolo
(Instituto Moreira Salles/Companhia das Letras)
mundo) do que pelo ponto de chegada (o autor, o ensaio “Estímulos da criação literária”, e Destinos mistos, de Heloisa Pontes
texto). O meu interesse é diferente porque também em Literatura e sociedade. (Companhia das Letras)

julho/98 - CULT 57
Formação da
crítica brasileira
Manuel da Costa Pinto

A obra de Antonio Candido e sua atuação na universidade foram


determinantes na formação de críticos de extração acadêmica
que têm presença hegemônica no jornalismo cultural

O autor de Formação da literatura acompanhamento das tendências lite- Candido, o cinema a Paulo Emílio Salles
brasileira está na base da formação da rárias da época, com resenhas e obser- Gomes, as artes plásticas a Lourival
melhor crítica que se produz no Brasil vações sobre autores e livros. Gomes Machado e a crítica teatral ao
desde os anos 60. Como professor de Inicialmente, Antonio Candido tam- próprio Décio) seria um traço decorrente
teoria literária na USP, Antonio Candido bém tomou esse mesmo caminho, como da origem universitária de todos eles.
orientou teses que se transformaram em crítico de literatura de Clima e depois Recentemente, essa mesma hipótese foi
peças fundamentais do ensaísmo bra- escrevendo semanalmente o rodapé defendida pela pesquisadora Heloisa
sileiro – e isso talvez explique, ao menos “Notas de crítica literária” na Folha da Pontes, no livro Destinos mistos (veja box
em parte, o fato de que a reflexão crítica Manhã e no Diário de São Paulo. Não se na pág. 63).
se dá hoje nas universidades, e não mais pode desmerecer, portanto, o papel do Este pendor universitário explica a
nas páginas de jornais. “jornalismo cultural” em sua biografia opção final de Antonio Candido pelo
A rigor, Antonio Candido começou intelectual. ensino de literatura, a partir do fim dos
sua trajetória intelectual como articulista. É preciso notar, porém, que essa anos 50, em detrimento da crítica mi-
Em 1941, quando lançou a revista Clima opção sempre esteve impregnada por uma litante e do jornalismo cultural – no qual
– ao lado de Décio de Almeida Prado, exigência de rigor analítico de clara deixaria como marca o projeto do “Suple-
Lourival Gomes Machado, Paulo Emí- extração acadêmica, oposto à pluralidade mento Literário” de O Estado de S. Paulo,
lio Salles Gomes e Gilda de Moraes de interesses de críticos como Milliet, que até hoje não encontrou paralelo na
Rocha (hoje Gilda de Mello e Souza, sua Lins e, mais tarde, Otto Maria Carpeaux. história da imprensa brasileira. Como
esposa) –, o cenário cultural e jornalístico Numa entrevista publicada no primeiro resultado prático, a crítica literária
era marcado por personalidades como número da CULT (julho/97), Décio de praticada na universidade passou a ser
Álvaro Lins e Sérgio Milliet, que assi- Almeida Prado chegou a sugerir que a mais consistente do que aquela dos
navam os chamados “rodapés”, espaços especialização editorial dos membros de jornais e, ao mesmo tempo, acolheu no
dos cadernos de cultura destinados ao Clima (cabendo a literatura a Antonio meio acadêmico uma preocupação com

58 CULT - julho/98
Mônica Zarattini/AE
Agliberto Lima/AE

Cláudia Guimarães/Folha Imagem

Walnice Nogueira Galvão João Alexandre Barbosa Davi Arrigucci Jr.

o presente imediato, utilizando os instru- surgem de forma sistemática no Brasil um escritor como Julio Cortázar signi-
mentos analíticos de sociólogos e lin- estudos de literatura comparada. No ficam reviravoltas constantes da mirada
güistas na interpretação de movimentos plano da teoria literária propriamente teórica, que mimetiza, no texto crítico, o
e autores contemporâneos. dita, vemos entre seus orientandos nomes caráter poliédrico de seu objeto.
Não é por acaso, portanto, que o como João Alexandre Barbosa (com A Estas duas teses são significativas aqui
melhor da crítica brasileira das últimas tradição do impasse, Ática) e Davi Arri- justamente porque foram escritas por dois
décadas tenha principiado não só na gucci Jr. (O escorpião encalacrado, Pers- teóricos que – além de partilharem com
universidade, mas na universidade e na pectiva) – ambos redimensionando o Antonio Candido uma consciência em
equipe de trabalho em que atuou Antonio papel da crítica na história e na criação profundidade dos desvãos da linguagem
Candido. Contratado em dezembro de literárias, procurando mostrar (a partir teórica – de certa forma deram con-
1960 pela USP para criar a disciplina de da análise de José Veríssimo, no caso de tinuidade a seu trabalho na universidade,
teoria literária, Antonio Candido assumiu João Alexandre) como a tentativa de permanecendo ligados ao Departamento
a tarefa de constituir um corpo docente e enquadramento histórico do fenômeno de Teoria Literária da USP.
um espaço de discussão teórica sem literário acaba implicando uma revisão Sob um aspecto mais conceitual,
precedentes na universidade brasileira. dos resíduos do passado na perspectiva porém, é possível acrescentar ainda uma
Uma breve olhada na obra de seus do presente, uma “metacrítica” que, série de trabalhos que, orientados por
colaboradores e orientandos permite ver atingindo em cheio a constituição da Antonio Candido, representam dife-
como as principais vertentes da crítica linguagem teórica, ultrapassa postulados srentes perspectivas teóricas. É o caso de
contemporânea passaram por esse núcleo meramente historicistas ou impres- As formas do falso, de Walnice Nogueira
original. sionistas e instaura a tensão ou impasse Galvão (sobre Guimarães Rosa), A poética
É a partir da tese Byron no Brasil: permanente da ação analítica; ou (no caso de Maiakóvski, de Boris Schnaiderman,
Traduções (Ática), de Onédia Barboza, de Arrigucci) como as crises da lin- de Morfologia do Macunaíma, de Haroldo
orientada por Antonio Candido, que guagem artística apontadas pela obra de de Campos, ou de Semiótica e literatura,

julho/98 - CULT 59
Reprodução/AE

Fernando Rabelo
Robson Fernandjes/AE

José Miguel Wisnik Haroldo de Campos Luiz Costa Lima

de Décio Pignatari – todos publicados e Boris Schnaiderman (com ensaios de pesquisa e marcou a trajetória de boa parte
pela editora Perspectiva – ou de Estru- forte inspiração formalista) ou Décio dos críticos que hoje constituem o
turalismo e teoria da literatura, de Luiz Pignatari (um estudo feito a partir da repertório fundamental do pensamento
Costa Lima. semiótica de Peirce) –, o que sugere crítico brasileiro – ex-orientandos como
Quem está acostumado com a dinâ- igualmente uma certa distância in- Telê Ancona Lopez, Jorge Schwartz, João
mica das relações intelectuais dentro do telectual. Luis Lafetá, Antonio Arnoni Prado, José
meio acadêmico sabe como é difícil avaliar Em contrapartida, um dos mais Miguel Wisnik etc.
a presença do orientador na obra do importantes ensaios de literatura bra- Com isso, ele assegurou à universidade
orientando, até que ponto as decisões sileira, Ao vencedor as batatas (estudo de um caráter aberto e pluralista, com espaço
teóricas de um ensaio foram determinadas Roberto Schwarz sobre Machado de para trabalhos muitas vezes conflitantes no
pelo diálogo entre ambos. Assis publicado pelo Livraria Duas plano teórico – algo que certamente
Costa Lima deixa isso claro, por Cidades), foi feito em Yale, mas sob compensa o fato (pelo qual, obviamente,
exemplo, quando assinala (em Vida e influência direta de Antonio Candido e não tem nenhuma responsabilidade) de
mimesis, Editora 34) que a orientação de de sua atenção para as correlações e que a crítica acadêmica tenha se tornado
Antonio Candido, na elaboração de deslocamentos entre a forma literária e o hegemônica, sufocando a crítica dos colu-
Estruturalismo e teoria da literatura, fora sistema socioeconômico que lhe serve de nistas e autores de rodapés.
apenas “formal”. contexto. Enfim, é claro que não se pode atribuir
Da mesma forma, não é possível Ou seja, não se trata aqui de fazer um a diversidade da reflexão literária bra-
ignorar as diferentes preferências bi- inventário daqueles críticos que de fato sileira exclusivamente a Antonio Can-
bliográficas e posturas teóricas existentes são tributários da obra teórica de Antonio dido. Mas, sem ele, essa história inte-
entre Antonio Candido e alguns destes Candido, mas de observar como sua lectual perderia muito em inteligência e
orientandos – caso de Haroldo de Campos presença criou condições objetivas de generosidade.

60 CULT - julho/98
Uma biblioteca pessoal
João Alexandre Barbosa

A lista dos maiores romances da literatura universal elaborada


por Antonio Candido permite traçar um perfil aproximado das
preferências de um crítico que vem dedicando grande parte de
sua vida intelectual ao estudo do imaginário romanesco

A evolução da cultura de um homem se revistas de medicina com que se atualizava É fora de dúvida, entretanto, que, para
evidencia nos livros que leu. em sua profissão: filósofos, teóricos da aquele pesquisador, será fundamental o
Antonio Candido sociedade, historiadores, romancistas, conhecimento daquela biblioteca paterna
“O recado dos livros”, Recortes poetas que, em cada camada, vão revelando (e a materna, cujo estudo é também
orientações de pensamento e sensibilidade sugerido pelo crítico no ensaio men-
Fico imaginando como seria interes- não somente de um indivíduo mas, através cionado), sobretudo nos anos que cor-
sante se algum pesquisador resolvesse dele, de toda uma época. respondem à formação intelectual do
fazer, com relação à biblioteca pessoal de Para aquele pesquisador hipotético do crítico, digamos fins dos anos 30, inícios
Antonio Candido (em parte, hoje, na início, a tarefa seria, sem dúvida, por um dos 40, como atmosfera de cultura
Biblioteca Central da Universidade lado, facilitada pela existência das obras familiar que terá sido, sem dúvida, de
Estadual de Campinas), aquilo que o do próprio crítico, desde os primeiros grande importância para a aprendizagem
próprio Antonio Candido fez com a artigos em jornais e revistas, em que é de um certo gosto pelo livro, pelas idéias
biblioteca de seu pai, Aristides Candido possível encontrar referências a primeiras e pela literatura.
de Mello e Souza, doada, em parte, por leituras e preferências, até as obras Mas um dado fundamental será, para
seus irmãos e pelo crítico àquela mesma ensaísticas que vem publicando, com aquele pesquisador, a leitura e análise de
biblioteca. E o que ele fez foi um trecho enorme fecundidade, desde os anos 40, uma relação de obras do gênero romance
de história das mentalidades, acom- mas, por outro lado, por sua própria estabelecida pelo autor a pedido de um
panhando a formação da biblioteca variedade, o pesquisador teria um extenso amigo que, naquele momento, possuía
paterna (a biblioteca de humanidades, trabalho de garimpagem a realizar não uma livraria.
pois a especializada em medicina neces- apenas por entre as inúmeras referências a Trata-se da resposta que ofereceu a
sitaria de conhecimento especializado autores e obras que ali existem, como por José de Souza Pinto, então proprietário
que o próprio crítico afirma não ter) em entre as numerosas notas bibliográficas da Livraria Informática, que lhe solicitara
sete camadas diferentes, desde a sua que enriquecem os seus textos. uma lista dos “25 maiores romances”.
formação nos anos de 1901 a 1903, (Em um caso, pelo menos, este possível A lista estabelecida por Antonio
quando o futuro médico eminente come- trabalho de pesquisa seria de enormes Candido, na verdade, são duas: aquela que
çava os seus estudos de ginasiano em dimensões. Penso, sobretudo, nas riquís- conseguiu realizar, misturando, como ele
Campinas, “ao decênio de 1930, último simas notas biobibliográficas que Anto- diz em carta ao amigo livreiro, dois
que viveu integralmente, pois morreu no nio Candido guardou para o segundo critérios, o de obras representativas do
começo de 1942” (“O recado dos livros”, volume da Formação da literatura brasileira, gênero e daquelas suas prediletas, mas que
Recortes), e passando daí para a definição para as quais, de um modo geral, os seus não chegava às 25 desejadas, sendo 21; e
de um homem culto das primeiras déca- críticos têm chamado pouca atenção mas aquela que o próprio amigo completou
das do século. que, seguramente, têm sido responsáveis com quatro outras opções sugeridas pelo
E é notável como Aristides Candido por numerosos estudos publicados, ou em crítico. Não houve mudanças de autores,
foi lendo o que podia, além dos livros e andamento, pelo país afora.) mas acréscimos de uma obra para Stendhal

julho/98 - CULT 61
Livros de Antonio Candido
A lista abaixo relaciona os volumes de ensaios
de Antonio Candido. Como algumas obras
tiveram publicações por editoras diferentes,
fornecemos dados das edições mais recentes
e disponíveis no mercado. Não foram incluídos
na lista os numerosos ensaios publicados em
revistas, em coletâneas de vários autores, ou
como prefácios de antologias organizadas pelo
autor, assim como os cursos mimeografados,
editados pela Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da USP.
•Introdução ao método crítico de Sílvio
Romero, Edusp
•Brigada ligeira e outros escritos (incluindo
O observador literário), Editora Unesp
•Ficção e confissão, Editora 34
•Formação da literatura brasileira
(Momentos decisivos) – 2 volumes, editora
Martins
•Os parceiros do Rio Bonito – Estudo sobre
o caipira paulista e a transformação dos (O vermelho e o negro), Dostoiévski (Os Conrad, não figura qualquer norte-
seus meios de vida, Livraria Duas Cidades irmãos Karamazov), Eça de Queirós (A americano; seis escritores brasileiros
•Tese e antítese, Companhia Editora ilustre casa de Ramires)) e Machado de Assis estão presentes; não existe nenhum
Nacional (Esaú e Jacó), ficando assim a sua lista: hispano-americano, enquanto compa-
•Literatura e sociedade, Companhia Editora • A Demanda do Santo Graal recem dois italianos, Verga e Buzzati, e,
Nacional • Tom Jones, de Fielding dos escritores franceses do século XX,
•Teresina etc., Paz e Terra • Ilusões perdidas, de Balzac apenas Proust.
•Na sala de aula, Ática • A Cartuxa de Parma, de Stendhal A única escolha, por assim dizer,
•A educação pela noite, Ática • O vermelho e o negro, de Stendhal destoante de um quadro tradicional da
•Vários escritos, Livraria Duas Cidades • Madame Bovary, de Flaubert narrativa romanesca vista a partir do
• Grandes esperanças, de Dickens século XX é a primeira: a opção pela
•O discurso e a cidade, Livraria Duas
Cidades • Guerra e paz, de Tolstói Demanda do Santo Graal é, talvez, a de
• Os demônios, de Dostoiévski quem tem dedicado grande parte de sua
•Recortes, Companhia das Letras
• Os irmãos Karamazov, de Dostoiévski vida intelectual ao estudo mesmo do ima-
•A personagem de ficção (com Anatol
• Os Malavoglia, de Verga ginário romanesco e que foi matéria de
Rosenfeld, Décio de Almeida Prado e Paulo
Emílio Salles Gomes), Perspectiva • Os Maias, de Eça de Queirós um curso memorável oferecido na Uni-
•Presença da literatura brasileira, história e • A ilustre casa de Ramires, de Eça de versidade de São Paulo em fins dos anos
antologia – 3 volumes (com José Aderaldo Queirós 60. É, assim, uma lista estrita, com
Castello), Difusão Européia do Livro • Quincas Borba, de Machado de Assis grande dominância, excetuado o caso bra-
•Introducción a la literatura de Brasil, • Esaú e Jacó, de Machado de Assis sileiro, da literatura do século XIX.
Havana, Casa de las Américas • Lord Jim, de Conrad Por outro lado, no entanto, pela
•Ensayos e comentarios, Fondo de Cultura • Em busca do tempo perdido, de Proust leitura da carta que acompanhou a lista
Económica de México/Editora da Unicamp • O processo, de Kafka enviada, percebe-se que esta poderia ter
•L‘endroit et l‘envers, Éditions Métailié/ • Memórias sentimentais de João Miramar, sido outra, fosse ela mais ampla, tendo
Unesco
de Oswald de Andrade ficado de fora, em face dos critérios do
Obras sobre Antonio Candido • Macunaíma, de Mário de Andrade autor, obras que ele mesmo nomeia,
•Esboço de figura – Homenagem a Antonio • São Bernardo, de Graciliano Ramos afirmando a certa altura:
Candido, org. de Celso Lafer, Livraria Duas • Fogo morto, de José Lins do Rego “… ficam de fora muitos livros queri-
Cidades
• Doutor Fausto, de Thomas Mann dos, mas de nível modesto, como As minas
•Dentro do texto, dentro da vida – Ensaios
• O deserto dos tártaros, de Dino Buzzati de Salomão, de Ridder Haggard,, O
sobre Antonio Candido, org. de Maria
• Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa prisioneiro de Zenda, de Anthony Hope, O
Angela D‘Incao e Eloísa Faria Scarabôtolo,
Companhia das Letras Algumas observações sobre as esco- cão dos Baskerville, de Conan Doyle, para
•Antonio Candido: A palavra empenhada, lhas: embora constem três escritores de não falar em Alexandre Dumas. Ficam
de Celia Pedrosa, Edusp/Editora da UFRJ língua inglesa, Fielding, Dickens e também de fora alguns entre os máximos,

62 CULT - julho/98
A AVENTURA DE CLIMA
Destinos mistos – Os críticos do Das reuniões com Alfredo Mes-
Grupo Clima em São Paulo (1940-68), quita, para viabilizar economica-
de Heloisa Pontes, é desses livros que mente a revista, às visitas a Oswald
dotam a histórica intelectual de um de Andrade (que chamava de “chato-
espírito de aventura – uma aventura boys” àqueles ajuizados universitários),
estranha, em surdina, sem o glamour passando pelo convívio com pro-
solitário dos artistas ou o rumor dos fessores franceses que ajudaram a
movimentos de vanguarda. Afinal, o fundar a USP (Claude Lévi-Strauss,
livro reconstitui a trajetória de um Roger Bastide, Jean Maugüé), Heloisa
grupo de jovens cultos, inteligentes e Pontes mistura suas análises a uma
bem comportados, que atingiram narrativa cheia de curiosidades
maturidade quando o surto da Semana biográficas – como as visitas de
de 22 chegava ao fim e que, por assim Antonio Candido a Gilda (que era
dizer, tomaram para si prima em segundo
a tarefa de consolidar grau de Mário de An-
a herança modernista drade e morava na
que não constituem todavia para mim e criar instrumentos casa da mãe do po-
leituras prediletas e habituais, embora se conceituais para com- eta), durante as quais
espere que entrem nas listas desse tipo: preender a cultura o crítico aproveitava
Pantagruel, Dom Quixote, A princesa de brasileira a partir das para mostrar seus
Clèves, Tristram Shandy, Os noivos, Ana idéias subversivas dos manuscritos ao autor
Karênina, Ulisses, Barulho e furor etc.” vanguardistas. Uma de Paulicéia desvai-
E, considerando a impossibilidade de história aparentemen- rada.
chegar aos 25 romances solicitados ou, te sem maiores pulsa- Anedotas à parte,
pelo contrário, na possibilidade de ções – não fosse por Heloisa Pontes de-
ultrapassar este número, quando comple- um detalhe: esse gru- tecta no grupo Clima
ta a primeira lista de 21, afirma: po se formou ao redor uma vigorosa proposta
“… vejo que não fixarei os 25, porque, de uma revista que Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, de entendimento da
Antonio Candido e Lourival Gomes Machado em 1944
ou paro por aqui, ou vou para lá dos 30. definiu os contornos cultura brasileira,
Se a Odisséia pudesse ser incluída como da vida intelectual de São Paulo, baseada no interesse convergente pela
romance eu iria aos 22. Se não, talvez fosse semeando o melhor do jornalismo criação artística do presente e pela
aos 24 com três muito diferentes entre si, cultural que viria depois no país e análise em profundidade de seus
que estou sempre relendo e são quase constituindo uma corrente de pensa- sistemas dinâmicos (sociais, econô-
obras-primas: A brasileira de Prazins, de mento crítico com a qual dialogam micos, simbólicos, estéticos), aliando
Camilo Castelo Branco, O amanuense todos os intelectuais brasileiros dignos os recursos da crítica de arte e lite-
Belmiro, de Cyro dos Anjos, Le rivage des do nome. ratura, expressos na poética moder-
Syrtes, de Julien Gracq.” Com isso, o livro de Heloisa Pontes nista, à descrição sociológica do país
São alguns elementos possíveis de é uma espécie de arqueologia da aprendida com Gilberto Freyre, Sérgio
serem extraídos de uma lista de “25 inteligência brasileira contemporânea, Buarque de Holanda e Caio Prado Jr.
maiores romances”, embora não seja uma recapitulando – com base em análise É esse projeto intelectual que
lista de qualquer um e sim daquele que é, de textos e entrevistas – as relações Destinos mistos ajuda a compreender
sem qualquer sombra de dúvida, o melhor pessoais e intelectuais do grupo que – o que é suficiente para salientar a
crítico e historiador literário do Brasil, e fundou a revista Clima em 1941: Antonio importância de um livro que se lê com
possivelmente da América Latina, no Candido, Décio de Almeida Prado, enorme prazer. (M.C.P.)
século XX. Lourival Gomes Machado, Paulo Emílio
Ao meu pesquisador hipotético do Salles Gomes, Ruy Coelho e Gilda de Destinos mistos
futuro caberá o belo trabalho de traçar o Moraes Rocha (que, depois de se casar Heloisa Pontes
perfil aproximado, sempre aproximado, com Antonio Candido, em 1943, passou Companhia das Letras
de sua biblioteca pessoal. a se chamar Gilda de Mello e Souza). 302 págs. – R$ 27,00
João Alexandre Barbosa

julho/98 - CULT 63

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