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O OUTRO– Seguranças. Só anda escoltado, com medo de apanhar Para levar Deus ao coração de um mundo que desaba
de alguém. E nele restaurá-Lo, pela ação dos mais humildes.
Os Chapéus Negros andam. Toque de tambores.
Para levar consolo aos miseráveis dos matadouros, os Chapéus
Negros deixam a sua sede. Joana empreende sua primeira descida Durante todo o dia os Chapéus Negros pregaram nos matadouros,
às profundezas. mas, quando a noite chegou, os resultados eram quase nulos.
JOANA,à frente de um comando dos Chapéus Negros: UM OPERÁRIO – Dizem que eles estão preparando um grande golpe
Nesta noite de sangue e confusão, sobre o mercado de carne. Para nós isso que dizer esperar e
Nesse tempo de desordem organizada, passar fome.
De arbitrariedade consentida, OUTRO OPERÁRIO – A luz está acesa nos escritórios. Estão lá,
Em que nos chegam rumores de violência iminente; Escutem todos, escutem bem!
Para impedir que, em sua brutalidade, Tu que te afundas, nós te vemos,
O povo, ofuscado, quebre suas ferramentas Teu apelo por ajuda, nós o escutamos,
E destrua assim seu ganha-pão, Teu sinal, nós o percebemos.
Nós queremos reintegrar Parem os carros, detenham o trânsito
Deus Vós que soçobrais, recobrai vossa coragem,
Pois aos lugares onde realmente vivem os homens Pois os soldados de Deus avançam – ei-los!
Ele não mais tem acesso: Tu que te escondes, tu que duvidas,
Sua glória anda pouca, Olha para nós! Olha,
Seu nome, já quase suspeito. Meu irmão, antes que sucumbas!
Dos mais humildes, entretanto, ele é a única salvação! Nós te damos o que comer
Então nós resolvemos E nós não esquecemos
Por ele bater nossos tambores nesses bairros; Que tu não tens abrigo.
Para que ele penetre no coração da miséria E, sobretudo, não digas que tudo está perdido:
E que sua voz retumbe pelos matadouros. Tudo será diferente, a injustiça nesse mundo
Aos Chapéus Negros: Não poderá durar se todos se juntarem a nós,
O que faremos agora é uma última tentativa. Marchando ao nosso lado
Pela derradeira vez, nos esforçaremos Com o único objetivo de ajudar o próximo.
Nós faremos avançar os tanques e os canhões
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Nós lançaremos ao mar os navios de guerra, JOANA – Silêncio! Queridos amigos, digam-me: por que vocês são
E nos ares, os aviões pobres?
Para conquistar teu pão, meu irmão. UM OPERÁRIO – Sei lá! Explique você!
Porque vós, os pobres, formais JOANA – Eu lhes direi. Não é porque vocês não estão cheios de bens
Nesse mundo um imenso exército. materiais – que não chegam para todos – mas porque vocês não
Vós que nos escutais têm idéia dos valores mais elevados. É por isso que vocês são
Não esperai o amanhã! pobres. Esses gozos vulgares aos quais vocês aspiram, comer um
Desde hoje ajudai, pouco, ter um bom lugar para morar e ir ao cinema, não são mais
Ajudai ao próximo! do que prazeres frívolos, grosseiros. Enquanto que a palavra de
Avante! Ao assalto! Empunhai vossos fuzis! Deus é um prazer mais delicado, mais profundo e muito mais
Vós que soçobrais, recobrai vossa coragem, refinado; talvez vocês não possam nem imaginar algo mais doce do
Pois os soldados de Deus avançam – ei-los! que o chantili, mas a palavra de Deus é ainda mais doce. Homens
Cantando, os Chapéus Negros começam a distribuir seu jornal: de pouca fé, os pássaros no céu não têm carteira de trabalho, as
Apelo às Armas, bem como colheres, pratos e sopa. Os operários açucenas do campo não têm emprego e, entretanto, como eles
agradecem e põem-se a escutar o discurso de Joana. cantam Sua glória, Deus lhes dá alimento. Nós, os Chapéus
JOANA – Nós somos os soldados do bom Deus. Por causa dos Negros, fazemos então a vocês uma pergunta muito prática: de que
chapéus que usamos, somos também conhecidos como os um homem precisa para crescer na vida?
Chapéus Negros. Nós dizemos que somos soldados, porque UM OPERÁRIO – Um colarinho engomado.
formamos um exército e porque, em todos os lugares em que JOANA – Nada disso. Para progredir na terra talvez seja necessário
vamos, precisamos lutar contra o crime e a miséria, contra as um bom colarinho, mas diante de Deus é preciso muito mais que
forças que tendem a nos aviltar. (Ela mesma começa a distribuir isso, outras glórias. Vocês aos olhos Dele, nem mesmo um
sopa) Bem, agora comam esta sopa quente e constatarão que colarinho puído têm, pois deixaram suas almas no abandono. Mas
depois vocês verão as coisas com um olhar diferente. Pensem então como vocês querem elevar-se, chegar ao que vocês, em sua
agora qual esperança se pode fundar sobre a felicidade terrena. ignorância, chamam de uma “situação melhor”? Pela força bruta,
Nenhuma, absolutamente nenhuma. A desgraça vem como a pela violência? Como se algum dia a violência tivesse trazido
chuva: ninguém a provoca, mas, entretanto, ela vem... Suas alguma coisa além da destruição. Vocês acham que mostrando os
desgraças, digam-me de onde vem? dentes conquistarão o paraíso na terra. Mas eu lhes digo, agindo
UM DOS QUE COMEM – De Lennox & Cia. dessa maneira o que se cria não é o paraíso, mas o caos!
JOANA – O senhor Lennox tem talvez mais preocupações do que Um operário chega correndo.
vocês! O que vocês estão perdendo? Ele, suas perdas se contam O OPERÁRIO:
por milhões. Uma vaga, agora mesmo, acaba de abrir!
UM OPERÁRIO – Carne não há nesta sopa, só uma aguinha clara, isso Um trabalho, um salário, esperam por vocês,
sim. Mas quente, pelo menos, está. Na fábrica número cinco!
OUTRO OPERÁRIO – Fiquem quietos, bando de glutões! Escutem a Que mais parece uma latrina.
palavra de Deus! Senão vão tomar o prato de água quente de Corram, rápido.
vocês. Um operário larga seu prato cheio e sai correndo.
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JOANA – Ei, você, onde é que você vai? Quando se ocupará de UM OPERÁRIO – Pela sopa.
Deus? Vocês não querem nem ouvir falar, não é? JOANA – Continuemos. Cantem!
UMA MOÇA DOS CHAPÉUS NEGROS – Acabou a sopa. CHAPÉUS NEGROS cantando
OS OPERÁRIOS: Avante, entrai nessa luta!
Acabou a sopa; No coração da batalha lutai!
Era só um caldinho ralo Cantai com louvor, que cante todo o mundo.
Mas era melhor do que nada. Ainda é noite, mas logo virá o dia,
Todos se viram e se levantam. Raiando com todo o esplendor,
JOANA – Fiquem sentados; acabou, mas que importa, uma vez que a E junto virá Jesus Nosso Senhor.
grande sopa celeste não se esgota nunca. UMA VOZ, do fundo do palco – Estão contratando nas fábricas de
OS OPERÁRIOS: Mauler!
Quando, afinal, vocês Os operários saem. Fica apenas uma mulher.
Abrirão as portas de seus porões, JOANA, com ar sombrio:
Carniceiros, mercadores de carne humana? Parem a música!
UM OPERÁRIOS: Acabou a sopa, lá se vão eles!
Com o quê, agora, pagarei Seus olhos são incapazes de elevar-se
A casa pequena e úmida, onde vivemos doze? Mais alto do que a borda do prato.
Eu já paguei dezessete prestações, Eles não crêem em nada além do que está
Mas a última, não conseguirei Entre suas mãos. Acreditarão em suas mãos?
Seremos jogados na rua. Vivendo cada dia, cada minuto mesmo,
E o chão de terra batida Na insegurança, eles não são capazes
E nosso pedaço de grama amarela, De se esquecer das preocupações mais básicas.
Nunca mais os veremos, nunca mais, Nada, a não ser a fome, tem sobre eles qualquer influência.
Nem tampouco respiraremos seu pestilento ar familiar. Nenhuma canção os toca mais.
UM OUTRO OPERÁRIOS: Nenhuma palavra pode
Aqui estamos, em pé, nossas mãos como pás, Descer até eles e penetrar seus corações.
E nossos pescoços fortes como tratores. Aos que a cercam:
Nossas mãos e nossos pescoços, queremos vendê-los Parece que nós, os Chapéus Negros, temos por tarefa alimentar
Mas não há quem os compre. todo um continente com nossos poucos talheres.
OS OPERÁRIOS: Os trabalhadores voltam. Ao longe, ouvem-se gritos.
E nossas ferramentas OS OPERÁRIOS, na frente do palco – Que gritos são esses? Um imenso
- Gigantesca montanha de prensas e gruas – caudal humano emerge dos abatedouros.
Estão trancadas, detrás desses muros! UMA VOZ, do fundo:
JOANA – E então, o que se passa? Quer dizer que já se vão? É Mauler e Cridle também fecharam. As indústrias Mauler optam pelo
porque já terminaram de comer? Adeus e obrigado. Mas por que lock-out!
então vocês escutaram até agora? OS OPERÁRIOS, refluindo:
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No meio do caminho encontramos, JOANA – Não, eu quero vê-lo, esse Mauler, já que ele é a causa de
Enquanto corríamos atrás de trabalho, tamanha miséria.
Uma multidão enorme e desesperada. OS CHAPÉUS NEGROS –
Todos haviam perdido o emprego Então teu destino nos parece bem negro,
E perguntavam onde achar trabalho. Oh Joana! Não te metas nas querelas terrestres!
UM OPERÁRIO, na frente do palco: Pois quem nelas se envolve, torna-se, pronto, presa,
Desgraça! De todos os lados chegam ainda E vê esvanecer-se sua pureza original;
Torrentes infindáveis de homens! E o frio supremo
OS CHAPÉUS NEGROS, a Joana – Vamos agora. Estamos gelados e Rouba de seu coração todo o calor.
molhados e precisamos comer. Quem abandona o lar protetor,
JOANA – Quero saber, antes, quem é o responsável por tudo isso. Sua bondade perde rápido;
OS CHAPÉUS NEGROS – Degrau após degrau, desce cada vez mais baixo,
Pare! Não te metas com essas questões; Na insana esperança de obter uma resposta
Eles encherão tuas orelhas com seus gritos, Que jamais chegará,
Eles têm apenas idéias vulgares na cabeça, Tu desaparecerás na lama!
São reles glutões Pois a lama entope as bocas
Preguiçosos, que fogem do trabalho. Que fazem perguntas sem prudência
Jamais seus corações, desde o dia em que nasceram, JOANA: Eu quero saber.
Abrigaram sentimentos nobres. Os Chapéus Negros se afastam.
JOANA – Não! Eu quero saber (aos trabalhadores) Digam-me, por
favor, por que correm de um lado a outro e não encontram III
trabalho?
OS OPERÁRIOS: Pierpoint Mauler é tocado pelo sopro de um outro mundo
O sanguessuga Mauler e o muquirana Lennox brigam entre si,
Resultado para nós: barrigas vazias. EM FRENTE À BOLSA DE CARNES
JOANA – Esse Mauler, mora aonde?
OS OPERÁRIOS: Em baixo, Joana e Marta esperam. No alto, os fabricantes de
Lá, onde se compram e vendem animais; conservas Lennox e Graham discutem. Lennox está branco como
Em um grande edifício: A Bolsa de Carnes algodão. Ao fundo, ruídos da Bolsa.
JOANA:
Eu vou até lá: GRAHAM:
Eu preciso saber. E então, meu velho Lennox, derrubou-te,
MARTA, dos Chapéus Negros: O selvagem Mauler! De um tal monstro a investida
Não vá te meter com estes problemas. É inexorável! A natureza, para ele,
Ao fazer mil perguntas, Torna-se mercadoria. Ele venderia o próprio ar.
Recebemos mil respostas. O que comeste, ele te revenderia.
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De barracos miseráveis, ele extrai rendas, O porco é colocado em uma esteira rolante
De carne podre, ele faz ouro; Até o alto da fábrica, no último andar.
E se lhe jogas pedras na cabeça, Começa então o seu retalhamento.
Em dinheiro ele as transformará. Nas facas, sozinho, o porco se precipita.
O faro para o dinheiro é nele tão potente, Bem pensado, não achas? Ele se degola e logo,
Tão natural, nele, esta arte contrária à natureza, Por si mesmo, em salsicha se transforma,
Que ele não saberia jamais trair seu instinto. Pois caindo, a cada fase,
Saibas, no entanto, este homem não é duro Primeiro perde a pele, que vira couro,
E nem ama o dinheiro. Ele não pode suportar Depois seus pelos, que viram escovas,
A visão da miséria, e dorme mal à noite. Até chegar aos ossos, moídos como farinha.
Vá, então, até ele e, com voz suave, E assim, por conta de seu próprio peso, chega
Diga-lhe: Mauler, olhe para mim e de meu pescoço, Na lata que o espera lá embaixo.
Tira esta mão que me aperta e me estrangula, Bela invenção, não é verdade?
E pensa nos velhos tempos. Ele terá medo, eu garanto. GRAHAM :
E talvez chore... Muito bela! Mas e a lata,
JOANA, à Marta: O que fazer com ela? Ah, época maldita!
Tu somente, até aqui me acompanhastes. Um comércio estrangulado por montanhas de conservas,
Todos me abandonaram, Um mercado aviltado, ainda ontem florescente!...
Gritaram-me prudência: Batendo-se por sua conquista,
Para eles, cruzei a última fronteira. Quando ele não podia absorver mais nada,
Estranho conselho! Vocês mesmos, com sua escalada,
Eu te agradeço, Marta. Fizeram desabar os preços e destruíram seu negócio.
MARTA - Joana, eu também te recomendei prudência. Tal qual dois grandes búfalos, que, lutando,
JOANA – Mas tu vieste comigo. Destroem com seus cascos o pasto que disputam.
MARTA – Joana, como vais reconhecê-lo? Mauler, acompanhado de seu corretor, Slift, surge de um grupo de
JOANA – Saberei bem reconhecê-lo. fabricantes de conserva.
Cridle sai da Bolsa e desce até o palco. OS FABRICANTES DE CONSERVAS :
CRIDLE: Trata-se de saber quem agüentará mais tempo.
Muito bem, Lennox! Acabou a guerra de preços! MAULER :
Foste eliminado. Fecho minhas fábricas. Lennox está de joelhos.
Espero que o mercado recobre a saúde. A Lennox:
Agora vou limpar a minha fábrica, Estás perdido, confessa.
Lubrificar meus cutelos; para economizar E agora, Cridle, ficarás com a fábrica
Uma agradável soma em salários, Conforme está previsto nos termos do contrato:
Instalar duas ou três dessas máquinas novas. “No dia em que Lennox for eliminado...”
A nova técnica é muito engenhosa: CRIDLE :
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O SEGURANÇA — Senhor Mauler, há algumas pessoas que querem MAULER – Não sou eu. (aponta para Slift) É ele!
lhe falar. JOANA, apontando para Mauler – O senhor é o Mauler!
MAULER : MAULER – Não, é ele.
A escória em farrapos, JOANA, – É o senhor.
Com ar invejoso, sem dúvida? MAULER – Como me reconheceste?
Prontos para a violência, hein? JOANA:
Não, diga que não estou. De todos, é o que tem a cara mais ensangüentada.
O SEGURANÇA — São membros da Organização dos Chapéus Slift ri.
Negros. MAULER – Rindo, Slift? (Enquanto isso, Graham sai. Para Joana:)
MAULER : Quanto recebes por dia?
O que é esta organização? JOANA, – Vinte centavos, além da comida e do uniforme.
O SEGURANÇA — Eles têm muitas ramificações, são numerosos e MAULER:
gozam de grande consideração nas camadas inferiores da O tecido é bem fininho e, suponho,
população. São chamados de soldados do Bom Deus. Slift, que a sopa seja rala.
MAULER : Sim, o tecido não é grosso
Já ouvi falar dessa gente. Nem é grossa a sopa.
Mas que nome curioso! Soldados do Bom Deus... JOANA:
Mas o que eles querem comigo? Por que joga, Senhor Mauler, seus trabalhadores na rua?
O SEGURANÇA — Afirmam que têm algo a dizer ao senhor. MAULER, a Slift:
Durante esta cena, o rumor da Bolsa continua. Ouve-se: Bois, 43; Que eles trabalhem por nada, não é notável?
Porcos, 55; Vitelos, 59, etc. Já viste algo igual?
MAULER : Que trabalhem por nada e sem se lamentar?
Está bem. Diga-lhes que eu os receberei Não vejo em seus olhos nem medo da miséria
Mas que eles limitem-se a responder minhas perguntas. Nem de dormir sob as pontes alguma noite.
Nada de choros, nem desses versos sentimentais A Joana:
Que eles adoram cantar. O melhor para eles Vós sois, Chapéus Negros, gente estranha.
É causar em mim a impressão de gente honesta, Pouco me importa o que esperam de mim.
Que não é acusada de nada Dizem, eu sei, que o sangrento Mauler,
E que não espera o impossível de mim. - É assim, na verdade, que a escória me chama –
Mais uma coisa: não diga, em absoluto, que eu sou Mauler. Despojou Lennox, e pôs em apuros
O segurança vai ao encontro de Joana no outro lado do palco. Cridle que, cá entre nós, não é homem de bem.
O SEGURANÇA: Creiam-me: esses são assuntos profissionais
Ele vai vê-los, mas vocês não devem Que não vos interessam.
Perguntar nada, respondam apenas Mas, sobre outra questão, adoraria vossa opinião.
Quando ele lhes perguntar. Pretendo renunciar a esse negócio sangrento
JOANA, dirigindo-se direto a Mauler – O senhor é o Mauler! Logo que eu possa: renunciar sem retorno.
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Chame ela de lado, dê dinheiro a ela, O corretor Sullivan Slift mostra à Joana Dark como os pobres são
Diga “para seus pobres”; ela poderá maus: Joana desce às profundezas pela segunda vez
Aceitar sem pudor; e depois a siga,
Veja então o que ela compra. Se isso falhar
- E eu adoraria que não desse certo – BAIRRO DOS MATADOUROS
Leve-a aos matadouros; e mostre a ela
Como os pobres são maus e covardes, SLIFT:
Semelhantes a bestas, cheios de traições, Joana, agora eu vou te mostrar
Responsáveis, enfim, por suas vidas miseráveis. Como eles são maus
Isso pode funcionar. Essa gente da qual tens piedade,
A Joana: E verás que tua piedade é descabida.
Aqui está meu corretor, Sullivan Slift; ele te fará ver algumas Slift e Joana contornam o muro de uma fábrica, sobre o qual se lê:
coisas. “Fábrica de Conservas de Carne Mauler e Cridle”: O nome de
A Slift: Mauler aparece riscado. Dois homens saem por uma portinhola.
Mal posso suportar a existência de seres Slift e Joana escutam.
Semelhantes a esta moça, que nada têm UM CONTRAMESTRE, a um jovem operário – Um de nossos homens,
Além de seus vinte centavos por dia e seu chapéu negro, Luckerniddle, caiu, faz quatro dias, na caldeira; é pavoroso, mas
E que não têm nenhum medo. não pudemos parar as máquinas a tempo, e ele entrou na faca e
Ele sai. virou toicinho. Aqui estão seu casaco e seu boné: pegue-os e faça-
SLIFT: os desaparecer. Estão ocupando inutilmente um cabide no
Em teu lugar não gostaria, vestiário, o que causa má impressão. É preciso queimá-los, o
De saber o que queres saber, quanto antes melhor. Entrego a você porque sei que é de
Mas volte aqui amanhã, confiança: se alguém encontrá-los em algum lugar, perderei meu
Se quiseres mesmo saber. emprego. Quando a fábrica reabrir você, é claro, se quiser, ficará
JOANA, vendo Mauler se afastar: com a vaga de Luckerniddle.
Este homem não é mau. O JOVEM OPERÁRIO – O senhor pode confiar em mim, senhor Smith. (O
É o primeiro que nossos tambores desalojaram contramestre volta para a fábrica pela portinhola.) É uma pena,
Das trevas da vilania; este homem será mandado para os quatro cantos do mundo sob a
Ele ouviu nosso chamado. forma de toicinho. Mas seu casaco ainda está bom e isso também
SLIFT, saindo – Um conselho: não te metas com as gentes dos é uma pena. O amigo Pedaço-de-Toicinho não precisa mais dele,
matadouros; é a escória, em uma palavra, é o lixo do mundo. já que agora ele está em embalado, vestido com uma lata, e para
JOANA — Eu quero vê-los. mim, ele cairá bem... Azar, peguei para mim.
Ele veste o casaco, e enrola o seu, assim como o seu boné, em um
IV jornal.
JOANA, vacilando: Estou me sentindo mal.
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SLIFT: Aí está a vida como ela é. (Ele pára o jovem operário.) Onde sentada aí, todo o tempo, dizendo tolices. É por isso que lhe
você conseguiu este casaco e este boné? Estes são os pertences fazemos uma proposta: note bem que, legalmente, nós não somos,
de Luckerniddle, aquele que se acidentou? de forma alguma, obrigados a fazê-la. Não procure mais saber o
O JOVEM OPERÁRIO – Por favor, senhor, não diga mais isso. Eu tiro que se passou com seu marido e a senhora poderá almoçar,
agora mesmo. Eu estou em uma situação muito ruim. No ano gratuitamente, em nossa cantina durante três semanas.
passado me deixei seduzir pelos vinte centavos a mais que se DONA LUCKERNIDDLE – Quero saber o que aconteceu ao meu marido.
ganha na fábrica de adubo; fui trabalhar no moinho de ossos e SLIFT – Estamos dizendo que ele partiu para São Francisco.
adoeci dos pulmões e dos olhos e não consigo me curar. Já não DONA LUCKERNIDDLE – Não, ele não foi para São Francisco. Aconteceu
posso mais trabalhar como antes e só consegui emprego duas alguma coisa com ele aí, e vocês não querem que se saiba disso.
vezes desde fevereiro. SLIFT – Se é esta a sua opinião, senhora Luckerniddle, então a
SLIFT: Guarde essas coisas. Venha, ao meio-dia, à cantina número senhora não pode aceitar a refeição que a fábrica lhe oferece.
7. Você poderá comer e lhe darei um dólar se disser à mulher de Precisará nos processar. Mas reflita bem. Amanhã, se quiser me
Luckerniddle onde conseguiu o casaco e o boné. ver, me encontrará na cantina.
O JOVEM OPERÁRIO – Mas senhor, isso não lhe parece muito brutal? Slift volta para junto de Joana.
SLIFT: Bem, se você não está precisando disso!... DONA LUCKERNIDDLE:
O JOVEM OPERÁRIO – Pode confiar em mim, senhor. Eu quero que me devolvam meu marido,
Joana e Slift seguem seu caminho. Não tenho outro esteio, além dele.
DONA LUCKERNIDDLE está sentada em frente ao portão da fábrica, JOANA:
lamentando-se: Ela nunca aceitará.
Faz já quatro dias que, saindo para o trabalho, ele me dizia: Vinte refeições são muita coisa
“Espere-me à noite com uma sopa quente!” Desde então não Para aquele que tem fome,
[voltou. Mas existem coisas
Bando de açougueiros, que fizeram dele? Que importam mais para ela.
Há quatro dias que estou aqui, Joana e Slift prosseguem seu caminho. Eles chegam a uma
No frio, mesmo à noite, esperando por ele cantina da usina e vêem diante de uma janela dois homens que
Mas ninguém diz nada; e meu marido não sai da fábrica. olham para o interior.
Eu, de qualquer modo, lhes digo, enquanto não o vir, GLOOMB – O feitor está bem ali, pronto para encher a pança. Por
Eu ficarei aqui. E malditos sejam vocês causa dele deixei minha mão na máquina de cortar chapas. Esse
Se lhe fizeram qualquer coisa! salafrário se empanturra às nossas custas. Vamos cuidar para que
Slift caminha até ela. essa seja a última vez. Vamos, passe-me logo teu cassetete; é
SLIFT: capaz de o meu quebrar já no primeiro golpe.
Senhora Luckerniddle, seu marido está viajando. SLIFT, a Joana – Fique aqui, vou falar com ele. Quando ele se
DONA LUCKERNIDDLE: aproximar, diga-lhe que procura trabalho. Verás então o que é essa
Agora inventam que ele viajou! gente. (Ele vai em direção a Gloomb). Tenho a impressão de que
SLIFT – Deixe-me dizer uma coisa, Senhora Luckerniddle: ele está você está prestes a cometer um ato impensado. Antes eu gostaria
viajando e, para nós, na fábrica, é muito desagradável vê-la de fazer-lhe uma proposição interessante.
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GLOOMB – Não tenho tempo, meu senhor. GLOOMB – Nada disso é verdade. Você se surpreenderá ao ver como
SLIFT – Que pena. Seria vantajoso para você. o trabalho é agradável. Vai se perguntar como alguém pode contar
GLOOMB – Rápido então. Não podemos perder esse safado. É histórias tão ridículas sobre esta máquina.
preciso que ele pague hoje mesmo por esse sistema desumano do Slift cai na gargalhada e arrasta Joana.
qual ele é o feitor. JOANA – Quase tenho medo de continuar. O que mais verei?
SLIFT – Gostaria de propor um meio de tirar-lhe dessa jogada. Eu Eles entram na cantina. A senhora Luckerniddle está falando com a
sou inspetor nesta fábrica. O posto que você ocupava na sua garçonete.
máquina continua vago e isto é muito chato. A maior parte dos DONA LUCKERNIDDLE, calculando – Vinte refeições... e então eu
trabalhadores a considera muito perigosa, justamente porque você poderia... depois do que eu iria, e então eu teria... Ela senta-se em
contou todas essas histórias a respeito de seus dedos. uma mesa.
Naturalmente seria muito bom se nós encontrássemos alguém para A GARÇONETE – Se a senhora não for comer, tem que se retirar...
esse posto. Se você, por exemplo, encontrasse alguém, estaríamos DONA LUCKERNIDDLE – Espero uma pessoa que deve vir hoje ou
dispostos a reempregá-lo imediatamente, e lhe daríamos até um amanhã. O que há para comer hoje?
trabalho mais fácil e melhor remunerado do que o antigo. Talvez a A GARÇONETE – Ervilhas.
vaga deste contramestre. Naturalmente você precisaria manter os JOANA:
ritmos de trabalho mesmo os dispositivos de segurança não sendo Ela sentou-se ali.
perfeitos. Ali adiante, por acaso, há uma moça que está procurando Eu imaginava que ela iria resistir.
trabalho. Apesar de tudo, temi que amanhã ela viesse,
GLOOMB – Posso confiar no que você está me dizendo? E eis que ela nos precedeu.
SLIFT – Sim. Ela correu até aqui e já nos espera.
GLOOMB – Aquela moça ali? ... Ela não parece muito forte. O posto SLIFT – Leve você mesmo a comida a ela, pode ser que mude de
não é feito para gente fraca. (Ao seu companheiro:) Pensei melhor, idéia.
faremos isso amanhã à noite. Uma jogada dessas é melhor de se Joana procura um prato e leva à senhora Luckerniddle.
fazer à noite. Tchau. (Ele vai em direção a Joana.) Você está JOANA – A senhora já está aqui, desde hoje?
procurando trabalho? DONA LUCKERNIDDLE – Não como nada há dois dias.
JOANA – Sim. JOANA – Mas a senhora nem sabia que nós viríamos hoje.
GLOOMB – Você enxerga bem? DONA LUCKERNIDDLE – É verdade, não sabia.
JOANA – Não. No ano passado fui trabalhar na fábrica de adubo, no JOANA – Vindo para cá ouvi dizer que aconteceu alguma coisa com
moinho de ossos. Adoeci dos pulmões e dos olhos e não consigo o seu marido e que a fábrica é responsável.
me curar. Desde fevereiro estou sem emprego. É um bom posto? DONA LUCKERNIDDLE – O que? Vocês pensaram melhor e estão
GLOOMB – É um ótimo posto. E é um trabalho que pode ser feito retirando a oferta? Então eu não terei mais as minhas vinte
mesmo por pessoas como você, não muito fortes. refeições?
JOANA – Não há realmente como me arranjar outro posto? Ouvi dizer JOANA – Me pareceu que a senhora se dava bem com seu marido.
que o trabalho nesta máquina era perigoso para quem não Disseram-me que não tinha ninguém além dele.
resistisse ao trabalho muito pesado. Os movimentos ficam menos DONA LUCKERNIDDLE – Sim, já faz dois dias que eu não como nada.
firmes e pode-se prender as mãos nas serras.
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JOANA – A senhora não quer esperar até amanhã? Se a senhora E procurar por ele, como manda o costume,
desistir de procurar o seu marido, ninguém mais perguntará o que Um certo tempo ainda. Era seu único esteio.
foi feito dele. (Dona Luckerniddle permanece em silêncio) Não Mas vinte refeições, o preço era muito alto.
pegue. E este jovem – em quem botaria fé
Dona Luckerniddle arranca o prato das mãos dela e começa a Qualquer malandro -, acreditas que ele teria mostrado
comer avidamente. À mulher do morto a roupa que usava
DONA LUCKERNIDDLE – Ele foi para São Francisco. Se tivesse tido a chance de escolher?
JOANA: O maneta, certamente teria me prevenido
Porões e armazéns abarrotados de carne, Não fosse o preço a pagar por seu pequeno escrúpulo,
Mercadoria invendável, e que já apodrece, Ele foi obrigado a vender sua cólera,
Pois não há mais compradores! Tão cara a ele, e por mais justa que fosse.
Do fundo do palco chega o jovem operário com seu casaco e seu Sua imoralidade é sem limites, tu me dizes?
boné. Sua pobreza também é incomensurável.
O JOVEM OPERÁRIO – Bom dia, posso comer aqui? O que tu me mostraste
SLIFT – Você só precisa sentar-se ali, ao lado daquela mulher. (Ele Não é a imoralidade
senta-se. Atrás dele:) Você tem um belo boné. (O jovem operário o Dos pobres: é a pobreza deles.
esconde) De onde ele vem? Desejas mostrar-me a sua imoralidade,
O JOVEM OPERÁRIO – Eu comprei. Mostrar-te-ei, eu, os sofrimentos que suportam
SLIFT – E onde você comprou? Esses pobres sem moralidade.
O JOVEM OPERÁRIO – Eu comprei, mas não em uma loja. Que sua miséria, a vossos olhos contradiga
SLIFT – E onde você conseguiu, então? Esta depravação que injustamente se lhes imputa.
O JOVEM OPERÁRIO – De um homem que caiu dentro de uma caldeira.
A senhora Luckerniddle sente náuseas. Ela se levanta e sai. V
DONA LUCKERNIDDLE, saindo, ao garçom – Deixe meu prato, eu volto.
Eu virei todos os dias. Você só precisa perguntar a esse senhor. Joana apresenta os pobres à Bolsa de Carnes
Ela sai.
SLIFT – Durante três semanas ela virá, e comerá sem levantar os A BOLSA DE CARNES
olhos do prato, como um animal. Você a viu, Joana? A imoralidade
dela não tem limites! OS FABRICANTES DE CONSERVAS:
JOANA: Nós todos, estamos vendendo carne!
E tu, com que habilidade torna-te mestre dela! Compradores, comprem nossas latas!
Esta imoralidade, como vós a explorais! Carne fresca e suculenta.
Não vês que nem teto eles têm, para colocar Fatias de toicinho Cridle-Mauler!
Ao abrigo da chuva, a imoralidade deles? Carne de filé Graham, verdadeira manteiga!
Ela teria, esta mulher, preferido, como muitas, Banha fresca do Kentucky!
Continuar fiel à memória de seu marido, OS COMPRADORES:
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OS FABRICANTES - investindo contra Mauler que lê o jornal: Essa gente não faz as coisas pela metade.
Traidor, ave de agouro, que conspurca nosso ninho! Mauler! Fala, então!
Nós sabemos bem quem fez os preços caírem sem cessar OS FABRICANTES – a Mauler:
Vendendo gado por baixo do pano. Corre o boato que teu capital, tu o retiras
Não é de hoje que fazes tais manobras. Do negócio e Cridle, que já se arrasta,
MAULER: Cala-se e aponta para o dedo para ti.
Açougueiros insolentes é o que sois! MAULER – O próprio Cridle me confessou que está insolvente: se eu
O animal torturado parou de mugir, deixasse meu dinheiro com ele, nem que fosse por mais uma hora,
E vós soluçais nas saias de vossas mães. quem de vocês continuaria a me levar a sério nos negócios? Ora, o
Voltai para casa. Falai que um dentre os vossos que desejo, antes de qualquer coisa, é que me levem a sério.
Não pode mais suportar o grito dos bois morrendo CRIDLE – dirigindo-se aos que o cercam:- Há quatro semanas apenas
E aos mugidos deles, preferiu o vosso. eu assinei um contrato com Mauler. Ele queria me vender a sua
Quero apenas meu dinheiro e a paz de minh’alma parte, por dez milhões de dólares. Isso representava um terço do
UM CORRETOR – urrando, ao fundo, na entrada da bolsa: total das ações. Desde aquele dia, eu acabo de saber, ele vem
Queda gigantesca das cotações na Bolsa! realizando secretamente vultosas vendas de gado a preços baixos
Venda maciça de ações. Cridle, antigamente Mauler, e provocou a queda das cotações que, de toda a maneira, já
Carrega em sua queda as cotações de todo o cartel!... vinham caindo. Ele poderia exigir seu dinheiro quando quisesse,
Tumulto entre os fabricantes, que se lançam sobre Cridle, pálido estava acordado. Eu me propunha pagar-lhe vendendo uma parte
como algodão. das ações dele mesmo, que estavam valorizadas, e ficando com as
OS FABRICANTES: outras. Veio a baixa. Hoje os papéis de Mauler não valem mais
O que significa isso, Cridle? dez, mas três milhões, e o conjunto das fábricas vale dez, ao invés
Levanta os olhos, olha para nós! de trinta. Esses dez milhões são exatamente a soma que devo a
Assim, nesta conjuntura, Mauler – e ele a exige em vinte e quatro horas.
Tu te desfazes de tuas ações? OS FABRICANTES:
UM CORRETOR: Quando ages assim com Cridle,
A cento e quinze! E exiges dele o pagamento sem demora,
OS FABRICANTES: É bom que ele seja nosso adversário,
Ficaste louco? Mas somos atingidos pelo que lhe acontece.
Tua morte, Cridle, provoca muitas outras! Foste tu mesmo quem provocou o marasmo!
Lixo! Assassino! Nossas latas agora não saem mais caro
CRIDLE - apontando para Mauler: Que a areia dos mares. Pois tu liquidaste,
Falem com ele! Para acabar com Lennox, a preço vil, todo teu estoque.
CRAHAM – colocando-se diante de Cridle: MAULER:
Não é Cridle, mas um outro E por que matastes tanto gado?
Quem joga a rede; nós somos os peixes! Açougueiros alucinados sois vós!
O que querem arruinar, é o cartel da carne. Agora, eu quero o meu dinheiro.
17
Mesmo que tivésseis todos que mendigar, Lançar ao mar os navios de guerra
Eu quero meu dinheiro, pois tenho outros projetos. E nos ares, os aviões
OS CRIADORES: Para conquistar o pão dos pobres.
Lennox já caiu! E Cridle balança! Os que nos escutam,
E Mauler, ele retira o seu dinheiro! Não esperem o amanhã!
OS FABRICANTES: Cada um deve nos ajudar.
Oitenta mil latas a cinqüenta, mas rápido! Pois os bons nesse mundo
OS COMPRADORES - Nenhuma sequer! Não formam um grande exército.
Silêncio. Ouvem-se os tambores dos Chapéus Negros e a voz de Avante! Ao assalto! Empunhem os fuzis!
Joana. Diante de nossos olhos os homens naufragam,
JOANA - Pierpoint Mauler! Onde está Mauler? E ninguém se preocupa.
MAULER: Durante esse período a batalha na bolsa continua. Uma explosão
O que é esse barulho de tambores que de súbito me envolve? de gargalhadas toma a frente da cena, acompanhada de
E quem chama pelo meu nome exclamações.
Nesse lugar, onde cada um revela OS FABRICANTES:
Sua boca desnuda, suja de sangue? Oitenta e sete mil latas pela metade do preço, mas rápido!
Joana e Marta avançam e cantam o seu hino de guerra. OS COMPRADORES - Nenhuma sequer!
OS CHAPÉUS NEGROS cantando: OS FABRICANTES – Então, Mauler, nós estamos perdidos!
Escutem todos, escutem bem! JOANA – Onde está Mauler?
Um homem afunda sob os nossos olhos! MAULER:
Escutamos lá no fundo seu apelo por salvação, Slift, não saia!
Uma mulher nos faz sinais de aflição. Graham, Meyers, fiquem diante de mim.
Parem os carros, detenham todo o tráfego Eu não quero que me vejam aqui.
Em torno de vós os seres naufragam, OS CRIADORES:
E ninguém se preocupa Impossível vender um boi em Chicago,
Não tendes, então, olhos para ver? Para Illinois esse dia é um desastre!
Ele é vosso irmão, seja quem for! Vocês fizeram os preços subirem. E, com isso,
Levantai o nariz de vosso prato. Estimularam-nos a criar bois,
Haveis então esquecido Ei-nos aqui, com nossos bois
Os que esperam diante da porta Que hoje ninguém mais quer.
E que esperam, para comer? És tu, Mauler, seu cão, o responsável
Pensai convosco mesmo: sempre será assim, Por esta catástrofe.
Nesse mundo sempre reinará a injustiça. MAULER:
E nós dizemos: é preciso ir sempre adiante, Por hoje basta. Não falemos mais de negócios.
Com o único objetivo de ajudar o próximo. Ei, Graham, meu chapéu, pois preciso partir.
Fazer avançar os tanques e os canhões, Meu chapéu, cem dólares pelo meu chapéu.
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Primeiro compraste ao Cartel um estoque de vinte mil toneladas de Na carta que recebi de Nova Iorque essa manhã.
conservas. Nas semanas vindouras, deverás escoá-lo em um Aqui está: “Caro Pierpoint...”
mercado que já não consegue absorver uma única lata. Tu as SLIFT, continuando a leitura - “Estamos em condições, hoje, de
compraste a cinqüenta mas, na melhor hipótese, os preços cairão a anunciar-te que nosso dinheiro começa a render seus frutos:
trinta. Em quinze de novembro, quando os preços estiverem em muitos são aqueles que, na Câmara, votarão contra as tarifas
trinta, ou a vinte e cinco, o Cartel te entregará mais cinqüenta mil aduaneiras. Parece, assim, indicado, caro Pierpoint, comprar carne.
toneladas a cinqüenta. Receberás, amanhã, mais notícias.
MAULER: MAULER:
Oh! Slift, eu estou perdido! Corromper assim,
Esse é o meu fim. É coisa que também não se deveria fazer.
Sim, eu comprei! O que eu fiz! Facilmente nascem guerras
Coloquei sobre minhas costas toda a carne desse mundo! À custa de tais atitudes.
Trôpego, qual Atlas, Milhares de homens sangram
Sob o fardo de toneladas de latas de alumínio, Por causa deste imundo dinheiro.
Cairei, esmagado, sob os arcos de alguma ponte. Ah! Meu caro Slift, eu tenho a impressão
Ainda pela manhã, muitos de meus concorrentes balançavam, De que nada de bom sairá daí.
Eu fui vê-los cair, rir-me deles, dizer-lhes SLIFT:
Que ninguém era louco o suficiente Tudo depende de quem escreve a carta.
Para comprar carne em conserva. Corromper ou abolir as tarifas,
E uma vez lá, eu me escutei dizer: Ou desencadear guerras,
“Eu compro tudo”. Não é qualquer um que pode.
Ah, Slift, eu comprei, eu estou perdido. Essas pessoas são gente de bem?
SLIFT – E o que escreveram, então, teus amigos de Nova Iorque? MAULER – É gente com liquidez.
MAULER – Que eu devo comprar carne. SLIFT – Quem são, então?
SLIFT – Tu deves fazer o que? Mauler sorri.
MAULER – Comprar carne. Então pode ser que, apesar de tudo, os preços
SLIFT – E por que reclamas de ter comprado? Subam? E nós acabaríamos, acredito, escapando bem.
MAULER – Sim, eles me escrevem para comprar. Essa seria uma saída. Mas ainda há a carne
SLIFT – E tu compraste! Que no mercado liquidarão cem criadores
MAULER: Muito ávidos. Os preços baixarão novamente.
Oh, sim! Eu comprei carne, é verdade. Realmente eu não vejo sentido nesta carta.
Mas não foi por causa da carta. MAULER:
Estão erradas, de resto, essas teorias de gabinete... Tu compreenderás. Escuta:
Não, eu não agi por razões vis. X comete um roubo, mas Y o surpreende,
Mas esta mulher comoveu-me a tal ponto O ladrão está perdido, a não ser que golpeie Y
Que mal lancei os olhos, eu te juro, Se ele golpear, safa-se.
23
Da mesma maneira a carta – que está errada – No interior da casa, ele se dirige à porta da direita.
Requer – para acertar – um crime desta ordem. OS CRIADORES, diante da porta da direita – Sai, Mauler. Tu és o
SLIFT – Qual crime? responsável por nossa desgraça. E nós somos, em todo o Illinois,
MAULER: mais de dez mil criadores que não sabem mais a qual santo rezar.
Um crime que eu não poderia cometer. Compra então o nosso gado!
Pois, a partir de hoje, quero paz em minh’alma. MAULER:
Que eles tirem, então, de seus delitos, grandes lucros! Fecha a porta, Slift, eu não comprarei!
É verdade que o ganho seria apreciável; Eu que já carrego toda a carne desse mundo,
A operação é simples: seria preciso comprar Toda a carne posta em conserva até hoje,
Todo o gado que se encontrasse em pé, Devo comprar ainda todo o gado de Sírius?
Persuadir os criadores da oferta excessiva, É como se alguém viesse dizer a Atlas
Lembrá-los de Lennox, das fábricas paradas, Que não mais agüenta, dobrando-se sob o peso da terra:
E comprar-lhes tudo. Isto é o principal: Saturno também precisa de apoio...
Sumir com o gado. Mas então, é verdade, Quem me comprará, depois, todo esse gado?
Os enganados serão os criadores. SLIFT – Vejo apenas Graham, que precisa bastante.
Não, eu não quero meter o dedo neste negócio. JOANA, diante da porta da esquerda – Enquanto os criadores não
SLIFT – Não deverias ter comprado, Pierpoint! forem ajudados, não sairemos daqui!
MAULER: MAULER – Tu dizes Graham? É verdade que ele precisa de gado?
Ah! É verdade, Slift, não foi bom. Saia, Slift, e diga-lhes que quero refletir dois minutos.
Eu não compro mais nada, nem chapéu nem sapatos, Slift sai.
Antes de ter saído dessa, SLIFT, aos criadores – Pierpoint Mauler está examinando vosso
Feliz se, no fim, tiver cem dólares no bolso. pedido. Ele pede-vos dois minutos de reflexão.
Retumbar de tambores. Joana entra acompanhada dos criadores. Slift volta.
JOANA – Nós o faremos sair de sua toca, como quem captura um MAULER – Eu não compro. (Ele calcula.) Slift, eu compro. Slift traga-
grilo. Vão para lá, para o outro lado. Quando ele me ouvir cantar me tudo o que se pareça, de perto ou de longe, com um porco ou
aqui, tentará sair pela outra porta, para evitar me encontrar. Ele não com um boi; e tudo o que cheire à banha eu compro também.
gosta muito de me ver. (Ela ri.). Nem a mim nem aos que me Traga-me até a menor mancha de gordura, eu estou comprando e
acompanham. (Os criadores colocam-se diante da porta da direita. compro ao preço do dia, a cinqüenta.
Joana diante da porta da esquerda.) Saia, Senhor Mauler, é preciso SLIFT
que eu lhe fale da miséria dos criadores de Illinois. Também trouxe Tu que não querias mais comprar um chapéu,
alguns trabalhadores que adorariam perguntar-lhe quando o senhor Vais comprar todo o gado de Illinois.
reabrirá a sua fábrica. MAULER:
MAULER – A outra saída onde é, Slift? Não quero reencontrá-la e, É verdade, eu vou comprar.
sobretudo, àquela gente que está com ela. E por agora também Agora, Slift, minha decisão está tomada.
não penso em reabrir a fábrica. Eu fiz “A”.
SLIFT – Por aqui. Ele desenha um “A” na porta de um armário.
24
BISPA SNYDER – Isso nos é favorável. Se vierem para cá tocados a desgraça vem como a chuva, sem que ninguém saiba como, que
pedradas, os reis da carne nos escutarão mais facilmente. (Aos eles estão destinados ao sofrimento, mas que serão, um dia,
pobres:) Vocês não poderiam ao menos cortar lenha para nós? recompensados por suas penas.
OS POBRES – Não há mais lenha, senhora bispa. OS FABRICANTES – Por que falar em pagamento?
Entram os fabricantes de conservas: Cridle, Graham, Slift, Meyers. BISPA SNYDER – O pagamento do qual falamos é feito após a morte.
MEYERS – Eu me pergunto, Graham, onde poderia estar todo o gado! OS FABRICANTES – E quanto querem pelo serviço?
GRAHAM – É o que eu me pergunto também: onde poderia estar? BISPA SNYDER – Oitocentos dólares por mês; precisamos de sopa
SLIFT – Eu me coloco a mesma questão. quente e música animada. Nós também prometeremos a eles que
GRAHAM – Até tu? E Mauler também, sem dúvida? os ricos serão punidos... após a sua morte. (Os fabricantes de
SLIFT – Sem dúvida. conserva caem na gargalhada) E tudo isso por apenas oitocentos
MEYERS dólares por mês!
Há um cretino que razia o gado GRAHAM – Não precisas de tanto, minha cara... Quinhentos dólares.
E que sabe bem que estamos comprometidos BISPA SNYDER – Podemos dar um jeito com setecentos e cinqüenta,
A entregar carne enlatada mais então...
E que, portanto, precisamos do gado. MEYERS – Setecentos e cinqüenta. Já é melhor. Que tal, então,
SLIFT – Quem poderia ser? quinhentos?
GRAHAM, dando-lhe um soco na boca do estômago: GRAHAM – Quinhentos sim, vocês certamente precisam. (Aos outros)
Velho cão imundo! Eles carecem desta quantia.
Vamos, não enrole, e vá dizer ao Pepê MEYERS, na frente do palco – Então, confesse Slift, são vocês que
Que afrouxe o laço. É nosso nervo vital! estão com o gado.
SLIFT, a Snyder – O que querem de nós? SLIFT – Mauler e eu não compramos um centavo sequer de gado,
GRAHAM, novo soco – Que tu achas que eles querem, Slift? (Slift tão certo quanto eu estou aqui. Deus é testemunha.
simula um ar astucioso e exagera na mímica do ato de dar MEYERS, a Snyder – Quinhentos dólares? Isto é muito dinheiro!
dinheiro). Na mosca, Slift! Quem vai pagar?
MEYERS, a Snyder – Desembuche! SLIFT – Ah, sim! Vocês agora terão que achar alguém que faça a
Eles se sentam no banco dos fiéis. doação.
BISPA SNYDER, no púlpito – Nós, os Chapéus Negros, ouvimos dizer MEYERS – O que não será fácil.
que há nos matadouros cinqüenta mil pessoas sem trabalho. E que GRAHAM – Confesse, o Pepê está com o gado.
alguns entre eles começam a resmungar e a dizer: devemos nós SLIFT, a Snyder – Todos pobretões, Bispa Snyder!
mesmos cuidar do negócio. E já citam vossos nomes, afirmando Todos riem, menos Snyder.
que sois vós os responsáveis pelo desemprego! Em breve eles GRAHAM, a Meyers – Essa senhora não tem senso de humor; não
dirão: queremos fazer como os bolcheviques, tomar as fábricas em gosto disso.
nossas mãos para que todos possam trabalhar e comer. Porque já SLIFT – O essencial, bispa, é saber de que lado vocês estão! Desse
começam a dizer por todos os lados que a desgraça não cai do céu lado da barricada ou do outro?
como a chuva, mas que ela é provocada por aqueles que dela tiram BISPA SNYDER – Os Chapéus Negros, Senhor Slift, estão acima da
vantagem. Nós, os Chapéus Negros, diremos a eles que a querela. Do lado de cá, portanto.
26
OS TRÊS – Está bem! Mas conosco, modestamente, na ponta dos Joana sai; ela retorna vestida como uma jovem camponesa. Ela
pés, vão-se irrevogavelmente quarenta meses de aluguel. De carrega uma mala pequena.
qualquer maneira, não temos mais um centavo. Nós iremos viver JOANA
dias terríveis, como jamais viu antes o mercado do gado! Irei ver o rico Mauler,
Saída dos fabricantes de conservas. Homem de boa fé e destemido.
BISPA SNYDER, correndo sai atrás deles – Fiquem senhores, não se Eu pedirei sua ajuda. Eu não desejo
vão, ela não representa ninguém, não tem nenhum mandato! É Colocar novamente o chapéu e o uniforme negro,
apenas uma mulher que perdeu a razão! Ela está despedida! Ela Nem outra vez cruzar o limiar dessa querida casa,
fará pelos senhores tudo o que desejarem. Povoada de cânticos e palavras que despertam,
JOANA, aos Chapéus Negros – O que acabo de fazer certamente foi Enquanto não tiver feito de Mauler um dos nossos,
pouco habilidoso. Por causa do aluguel. Mas como deixar-se levar Trazendo-vos totalmente convertido.
por isso? (À dona Luckerniddle e a Gloomb:) Sentem-se lá no Mesmo que o dinheiro os carcoma como um câncer
fundo, eu lhes trarei a sopa. Devorando o que seu resto tem de humano,
BISPA SNYDER, de volta Mesmo que ele os torne surdos, fracos, prisioneiros
Convida a tua casa, esses pobres, Em uma torre de marfim, onde não escutam mais
Serve-lhes água de chuva e belas palavras Os pedidos de salvação do resto dos humanos,
Pois do céu não lhes vem mais do que neve É mister que haja um Justo entre eles!
E não misericórdia! Ela sai.
A humildade, ah, tu a ignoras BISPA SNYDER:
E cedes a teus impulsos! Infeliz ignorante!
É mesmo muito fácil Como não vês que operários e patrões,
Caçar esses impuros com um gesto cheio de orgulho. Grupos inimigos irreconciliáveis,
Quanto ao pão que precisamos comer, Enfrentam-se como gigantes?
Fazes-te de difícil e és muito curiosa Vá, então, de um ao outro, oferece teus bons préstimos,
Para saber como é feito. Mediadora inútil e que cava a própria cova.
Queres, entretanto, comê-lo também! DONA MULBERRY, entrando — Vocês já arranjaram o dinheiro?
Vá-te então, agora, BISPA SNYDER – Deus encontrará logo o meio de pagar o abrigo
Tu que planas mais alto que as questões terrenas! bastante modesto – eu disse modesto, dona Mulberry – que ele
Parta sob a chuva, no coração da tormenta, encontrou sobre a terra.
Vá sob a neve e continue intransigente! DONA MULBERRY — Sim, é muito justo que pague, é bem disso que se
JOANA – Quer dizer que devo tirar meu uniforme? trata! Falaste a palavra exata! Se o Bom Deus paga, tudo bem.
BISPA SNYDER – Tira o uniforme e arruma tua bagagem! Sai desta Mas se ele não paga, tudo mal. Se o Bom Deus não paga o seu
casa e livra-nos da escória que arrebanhaste; pois esses que te aluguel, terá de se mudar, e a partir de sábado à noite, está bem,
seguem não são mais do que escória e refugo. Doravante farás bispa Snyder?
parte dela. Anda cuidar de tua vida. Ela sai.
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VIII MAULER:
Gostei muito de vê-la expulsá-los do Templo.
Discurso de Pierpoint Mauler sobre a absoluta necessidade do Ela não tem medo de nada, realmente. A mim também
capitalismo e da religião Teria expulsado, se eu estivesse lá.
Gosto nela deste traço, e de que, em sua casa,
ESCRITÓRIO DE MAULER Não se possa aceitar gente da minha laia.
Faça subir, meu caro Slift, os preços a oitenta,
MAULER: Graham e companhia ficarão então parecidos
Chegou enfim o dia em que nosso caro Graham, À lama, onde enfiaremos o pé
E todos aqueles que como ele, Slift, queriam esperar Unicamente para ver a marca que deixa.
Que o preço do gado caísse o mais baixo possível, Não pretendo soltar um só grama de carne
Serão obrigados a comprar a carne A fim de arrancar-lhes mesmo a pele desta vez:
Que devem nos entregar. É a minha natureza quem exige.
SLIFT; SLIFT:
Terão de pagar mais caro. Estou feliz, Mauler, que tu tenhas superado
Neste mercado de Chicago Teus recentes acessos de fraqueza.
Todos os bois que se escutam mugir Vou ver como eles compram.
São nossos bois, e cada porco Ele sai.
Que eles precisam nos entregar, MAULER:
Eles precisam comprar de nós, Seria preciso esfolar esta cidade maldita
E na nossa mão é mais caro. E ensinar-lhes o seu ofício
MAULER: A essa gente, desta vez,
Agora, Slift, dá rédea solta a teus corretores! Deixar que gritem: “É um crime!”
Deixa-os correr o mercado, Entra Joana, carregando uma mala.
Em busca de animais que, de perto ou de longe, JOANA – Bom dia, senhor Mauler. Não é fácil encontrá-lo. Deixo
Assemelhem-se a bois ou porcos. E os preços minhas coisas nesse canto, por um momento. É que eu não estou
Subirão ainda mais. mais com os Chapéus Negros. Houve discrepâncias entre nós.
SLIFT: Então eu disse a mim mesma: vá dar uma olhada no que se passa
E tua Joana? Algo de novo? com o senhor Mauler. Agora que não tenho mais o trabalho
Um boato corre na bolsa: dizem fatigante da missão, posso me interessar mais por cada homem em
Que te deitaste com ela. particular. É um belo sofá que o senhor tem aqui, mas por que o
Eu desmenti. Desde lençol em cima, e que nem mesmo está dobrado direito? Diga-me:
Que ela nos expulsou do Templo, o senhor dorme aqui mesmo, no seu escritório? Sempre achei que
Não se fala mais dela. Dir-se-ia o senhor devia possuir um dos grandes palácios de Chicago
Que Chicago a engoliu (Mauler se cala). Mas o senhor tem razão, senhor Mauler, de ser
Em sua negra e ruidosa bruma. cuidadoso, mesmo nas pequenas coisa. Mas o senhor, Senhor
29
Mauler, tenho boas esperanças de que sua consciência esteja em procurar o dinheiro. Nesta história dos cinqüenta mil trabalhadores,
paz nesse momento! a coisa não andou, não como eu queria. Não pude dar-lhes
MAULER – Então não estás mais com os Chapéus Negros? trabalho rapidamente. Mas contigo não será assim, e aos Chapéus
JOANA – Não, senhor Mauler, não faço mais parte. Negros é preciso auxiliar; o dinheiro para vocês eu terei. Corra, vá
MAULER – E do que tens vivido? (Silêncio de Joana) De nada, é dizer-lhes isso.
claro. Há quanto tempo não estás mais com os Chapéus Negros? JOANA – Sim, senhor Mauler!
JOANA – Oito dias. MAULER
Mauler vai até o fundo do palco e chora. Tome. Aqui está por escrito.
MAULER: Eu também, eu lamento
Tão mudada! Apenas oito dias! Que o trabalho ainda demore nos matadouros,
Onde ela esteve? O que ela viu? Um trabalho ruim, ainda por cima.
E por que essas rugas em torno dos lábios? Eles são cinqüenta mil
Esta cidade de onde ela saiu, Que permanecem lá, de pé, naqueles pátios imensos,
Eu não conheço. E que, mesmo à noite, não querem partir.
Ele traz comida a ela em uma bandeja. Joana pára de comer.
Eu te encontro bastante mudada. Toma, eu não comerei. Mas nesse negócio, ser ou não ser,
Queres? Eis o desafio. Trata-se de saber
Joana observa a comida. Se eu serei o melhor de minha classe
JOANA – Senhor Mauler, quando nós expulsamos os ricos de nosso Ou se tomarei eu mesmo, na minha vez,
templo... O escuro caminho que leva aos matadouros.
MAULER – ... o que me agradou muito e me pareceu justo... Eu confesso cruamente,
JOANA – ... a proprietária, que vive do aluguel, nos deu prazo só até Teria adorado ouvir-te dizer
o próximo domingo. Que o que eu faço está bem,
MAULER – Ah! E agora os Chapéus Negros estão em uma situação Que meu comércio não é antinatural.
financeira difícil? Confirme que foi por teus conselhos
JOANA – Sim. E foi por isso que eu me disse: irei ver o senhor Que eu, aos fabricantes, encomendei a carne,
Mauler. Assim como aos criadores, e que agi bem.
Ela começa a comer avidamente. E como eu sei que sois pobres
MAULER – Não te inquietes. Eu irei à Bolsa encontrar o dinheiro que E que querem privar-vos
lhes falta. Uma vez mais, sim, eu buscarei o dinheiro a qualquer Do teto que vos abriga,
preço. Mesmo que deva cortar na carne, arrancar a pele desta Eu quero dar-vos alguma coisa
cidade. É por ti que o faço. O dinheiro, é lógico, está caro. Mas eu o Para provar-vos a bondade de meu coração.
encontrarei. Estás de acordo? JOANA – Os operários continuam esperando nos matadouros?
JOANA – Sim, senhor Mauler. MAULER
MAULER – Vá dizer-lhes que o dinheiro está chegando. Daqui até Por que és contra o dinheiro? E por que então,
sábado. É Mauler quem vai dá-lo. Vou agora mesmo à Bolsa para Quando não o tens, muda logo a tua cara?
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O que pensas tu do dinheiro, Ou então seria preciso mudar tudo, de cima a baixo,
Quero saber, diga-me. Modificar por inteiro o plano do edifício,
Não enchas a cabeça de falsas idéias, Atribuir ao homem um lugar totalmente diferente,
Como esses bobos para os quais o dinheiro Concepção inaudita à qual vós mesmos, sem dúvida,
Tem não sei qual problema. Não desejais, nem nós tampouco:
Mas pensa na realidade, Não seríamos necessários, nem Deus,
Na banal verdade, Que seria suprimido por falta de utilidade.
Pouco agradável, eu concordo, Por isso vós deveis nos ajudar em nossa obra,
Mas mesmo assim verdade: E se vós não precisais se expor aos sacrifícios,
Sobre a terra nada há de sólido, - O que nós não vos exigiremos de nenhuma forma –
É à sorte, ou quase, sob chuva e frio, Devem dizer ao menos que eles são justificados.
Que o gênero humano está entregue. Em uma palavra é preciso que vós
O dinheiro é um meio Restabeleçam Deus em sua glória,
De melhorar um pouco a vida, Fazendo Dele a única salvação;
Ao menos a vida de alguns. Por Ele batendo os tambores,
Olha também como o mundo é feito! Para que Ele finque pé nas favelas
Que edifício! Obra dos homens, E para que Sua voz retumbe nos matadouros.
Desde que existem sobre a terra, Sim, isso será suficiente.
Ainda que dia após dia se precise reconstruir Ele alcança o papel a Joana.
O que dia após dia é destruído. Apanhe o que te dão,
Obra imensa, malgrado os sacrifícios, Mas saiba com qual objetivo foi dado!
Tão penosa de construir, Tome isso!
E incessantemente construída, sob gemidos. Saiba que representa
Esse sistema é o único que permite arrancar O aluguel de quatro anos.
O que pode ser arrancado dos rigores desse mundo. JOANA
Pouco ou muito segundo o caso. Senhor Mauler,
Eis porque esta obra é sempre defendida Isso que o senhor falou,
Pelos melhores entre os homens. Eu não compreendo
Assim, veja bem, eu que nutro E nem quero compreender.
Poucas simpatias pela ordem do mundo, Ela se levanta.
E que, aliás, durmo mal à noite, Eu sei, eu deveria estar feliz
Se eu quisesse me retirar, De ver que alguém vem em ajuda a Deus.
Seria como um mosquito Mas eu faço parte daqueles
Tentando se opor a derrubada de uma montanha. Para quem essa não é uma ajuda,
Eu seria varrido, destruído na mesma hora, Daqueles a quem ninguém oferece nada.
As coisas não deixariam de seguir o seu curso de antes. MAULER
31
Trabalhadores e trabalhadoras, ente os quais Joana. Um UMA MULHER – Deixe-os. Eles precisam fazer isso para conseguir um
destacamento dos Chapéus Negros chega. Joana se levanta e, pouco de calor e de comida. Bem que eu gostaria de estar com
durante a cena, faz desesperadamente sinais para que saiam. eles!
JACKELINE, tenente dos Chapéus Negros, depois de entoar um DONA LUCKERNIDDLE – A música era bonitinha!
cântico apressadamente: GLOOMB – Bonita e curta.
Por que não provar, meu irmão, do pão de Deus? DONA LUCKERNIDDLE – Eles são boas pessoas.
Grande é nossa alegria, grande o nosso regozijo, GLOOMB – Bondade curta, curta bondade.
Pois nós encontramos Jesus, Nosso Senhor. A MULHER – Por que não nos procuram para tentar nos converter?
Vinde a ele, tu também, vinde logo! Aleluia! GLOOMB, fazendo o gesto de contar dinheiro – A senhora consegue
Uma jovem dos Chapéus Negros dirige-se aos trabalhadores. manter a marmita fervendo, dona Swingburn?
Intercala sua pregação com observações aos companheiros. A MULHER – A sua música era bonita; mas eles traziam uma panela,
MARTHA, soldado dos Chapéus Negros: - (Vocês acham que isso eu esperava que eles fossem ao menos nos dar um prato de sopa.
serve para alguma coisa?) Eu também, minhas irmãs, meus irmão, UM TRABALHADOR, surpreendendo-se pela ingenuidade – É sério? A
estava um dia sentada, triste, à margem do caminho, como vocês, senhora acreditou nisso?
e o velho Adão dentro de mim não tinha outro desejo do que comer DONA LUCKERNIDDLE – Eu também, eu prefiro os atos. Discursos, já
e beber; mas então eu encontrei Nosso Senhor Jesus e fez-se em ouvi demais. Se algumas pessoas soubessem calar a boca eu
meu coração uma grande luz e provei uma grande alegria; hoje saberia onde procurar abrigo esta noite.
(eles não estão escutando nada!) basta que eu pense muito em JOANA – Então não há ninguém que tente fazer alguma coisa?
Jesus, que nos salvou na dor, apesar de todas as nossas más O TRABALHADOR – Sim, os comunistas.
ações, e eu não tenho mais fome e nem sede, tenho apenas sede JOANA – Mas não são os tais que ficam incitando ao crime?
da palavra de Jesus, Nosso Senhor. (Isso não serve para nada!). O TRABALHADOR – Não.
Onde está Jesus, reina a paz, não a violência, o amor, não o ódio. Silêncio.
(É tudo absolutamente inútil!) Eu lhes digo: ajudem-nos a manter a JOANA – Onde eles estão?
marmita fervendo! GLOOMB – A dona Luckerniddle pode lhe dizer.
OS CHAPÉUS NEGROS - Aleluia! (Jackeline faz circular a cuia de JOANA, à dona. Luckerniddle – De onde a senhora os conhece?
esmolas, mas ninguém contribui) Aleluia! DONA LUCKERNIDDLE – No tempo em que eu não me fiava em gente
JOANA como você eu ia bastante até eles, por causa do meu marido.
Por que vir aqui fazer escândalo
Com tamanho frio! E se pudessem ao menos se calar! 4. BOLSA DE CARNES
Com muito custo eu consigo agora
Suportar as palavras que há pouco amava OS FABRICANTES:
E que me soavam agradáveis. Nós compramos qualquer gado! Bezerros!
Ah, que alguma voz, que um resto de pudor lhes diga: Gado gordo! Vitelos! Bois! Porcos!
Aqui reinam a neve e o vento: calem-se! Façam as suas ofertas, por favor!
OS CRIADORES:
Não sobrou mais nada! Tudo o que podia ser vendido
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tudo está arranjado e que a greve geral não acontecerá. Essas JOANA – Eu já vendi jornais na rua Vinte e Quatro. Eu não sou uma
cartas anunciam que a usina de gás, as centrais elétricas e o espiã. Eu luto de todo o coração pela causa de vocês.
serviço de águas entrarão em greve em solidariedade a nós. Elas O OUTRO DIRIGENTE OPERÁRIO – Pela nossa causa? Diga-me: ela não é
devem ser entregues às dez horas, essa noite, em diversos pontos também a sua?
dos matadouros, aos responsáveis que esperam nossa JOANA – Não é no interesse geral que os industriais jogam, dessa
orientação... Esconda essa em seu casaco, Jack, e vá esperar os maneira, tanta gente na rua. Tudo acontece como se a miséria dos
responsáveis defronte à cantina da senhora Schmittens. pobres fosse útil aos ricos. E poderíamos até dizer que esta
Um operário apanha a carta e sai. pobreza seja obra deles. (os operários riem alto) Mas é desumano!
UM OUTRO OPERÁRIO – Dê-me a carta para as usinas Graham, eu E dizendo isso eu penso também em gente como Mauler! (os
conheço o pessoal. operários caem na gargalhada) Por que se riem? Acho que vocês
O DIRIGENTE OPERÁRIO – Rua vinte e seis, na esquina do Parque estão errados em zombar e em acreditar sem provas que alguém
Michigan. como Mauler não é um ser humano.
O operário apanha a carta e sai. O OUTRO DIRIGENTE OPERÁRIO – Não é sem provas. Você pode
O DIRIGENTE OPERÁRIO – Rua Três, em frente ao edifício da tranqüilamente entregar-lhe a carta. Ela é sua conhecida, dona
Westinghouse! (À Joana) Quem é você? Luckerniddle? (Dona Luckerniddle faz sinal que sim). Ela é
JOANA – Fui mandada embora do emprego. honesta, não é?
O DIRIGENTE OPERÁRIO – E em que trabalhava? DONA LUCKERNIDDLE – Honesta ela é.
JOANA – Eu vendia um jornal. O DIRIGENTE OPERÁRIO, dando a carta à Joana – Vá até a fábrica
O DIRIGENTE OPERÁRIO – E para quem trabalhava? Graham, galpão número cinco. Quando você vir chegarem três
JOANA – Eu era ambulante. operários com cara de quem procura alguém, pergunte-lhes se são
UM OPERÁRIO – Pode ser uma espiã. das usinas Cridle. A carta é para eles.
O DIRIGENTE OPERÁRIO – Não, eu sei quem ela é. É do Exército da
Salvação e os policiais a conhecem bem. Ninguém suspeitaria que 6. BOLSA DE CARNES
ela trabalha para nós. Isso é bom, pois o endereço dado pelos
camaradas das usinas Cridle para o encontro está muito vigiado. Durante toda esta cena, ouve-se gritar ao fundo o nome das
Nós não temos ninguém para passar despercebido como ela. empresas que suspenderam seus pagamentos: “Encerram os
O OUTRO DIRIGENTE OPERÁRIO – E quem te garante que ela vai levar a pagamentos, Meyers e Cia., etc.”
carta que lhe entregarmos? OS FABRICANTES – Nós não podemos mais agüentar, os preços estão
O DIRIGENTE OPERÁRIO – Ninguém. a mais de setenta!
À Joana: OS CORRETORES – Os cabeçudos não compram, pau neles!
Se rebenta uma só malha OS FABRICANTES – Queremos dois mil bois a setenta.
A rede não serve para nada. SLIFT, a Mauler, encostado em uma coluna – Faça subir.
Por este buraco fogem todos os peixes. MAULER:
Como se rede já não houvesse: Os senhores não respeitaram, estou vendo,
De um só golpe todas as malhas O contrato assinado há pouco entre nós:
Não servem mais para nada. Eu queria, com tal medida, assegurar o trabalho
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SLIFT– Nem pensar. Eles ainda agüentam. E se quiseres abrandar, OS JORNALISTAS – Olá! A senhorita é Joana Dark, a jovem pregadora
serei eu quem fará subir. dos Chapéus Negros?
MAULER JOANA – Não.
Eu preciso de ar fresco. OS JORNALISTAS – No escritório do senhor Mauler nos disseram que a
Continue então com o negócio, Slift, senhorita jurou não sair dos matadouros enquanto as fábricas não
Eu não posso mais. Aja conforme o meu espírito; fossem reabertas. Nós publicamos isso com manchete de oito
Prefiro abandonar tudo colunas. Veja, pode ler. (Joana vira-lhes as costas. Os jornalistas
Do que ser a causa de uma desgraça! lêem em voz alta) “A Madona dos matadouros, Joana Dark,
Oitenta e cinco, não mais. declara: Deus está solidário com os operários das fábricas de
Aja conforme o meu espírito, conservas.”
Tu me conheces. JOANA – Eu não falei nada disso.
Saindo ele encontra jornalistas. OS JORNALISTAS – Podemos lhe assegurar, senhorita Dark, que a
JORNALISTAS – O que há de novo, Mauler? opinião pública está do seu lado. Fora uns poucos especuladores
MAULER, afastando-se – É preciso que façam chegar aos operários sem escrúpulos, toda a Chicago comparte seus sentimentos. É um
que eu acabo de ceder gado às fábricas. Então agora existe gado. enorme sucesso para os Chapéus Negros.
De outra forma isso terminaria em violência. JOANA – Eu não faço mais parte dos Chapéus Negros.
SLIFT – Quinhentos bois a noventa! OS JORNALISTAS – Veja bem, isso não é possível. Para nós a senhorita
OS FABRICANTES: faz parte. Mas nós não queremos incomodá-la e iremos ficar ali, no
Mauler, nós ouvimos, fundo.
Queria vender a oitenta e cinco. JOANA – Eu queria que vocês fossem embora.
Slift não tem ordem para isso. Eles se sentam, a alguma distância.
SLIFT: OS TRABALHADORES, em segundo plano, nos matadouros
Mentirosos! Agora serei eu que vos ensinarei Enquanto a miséria não chegar ao máximo,
A vender carne enlatada Eles não abrirão as fábricas.
Sem ter nem mesmo um quilo! Mas quando a aflição for tremenda,
E cinco mil bois a noventa e cinco! Nesse dia sim, eles abrirão.
Urros. Eles terão de nos responder.
Não vão embora, esperem a resposta!
7. NOS MATADOUROS CORO OPOSTO, também em segundo plano:
É mentira: por maior que seja a miséria,
Muita gente esperando. Entre eles, Joana. Eles não abrirão as fábricas!
ALGUÉM – Porque estás aqui? Eles esperarão os lucros aumentarem!
JOANA – Tenho que entregar uma carta. Virão três pessoas. E a sua resposta sairá
Chega um grupo de jornalistas. Um homem os guia. Dos canhões e das metralhadoras!
O HOMEM, apontando para Joana – Aqui está. (a Joana) Esses são Ninguém poderá nos ajudar, a não ser nós mesmos
jornalistas. E a ninguém podemos apelar
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Que não seja um nosso igual. Quem foi o mão leve que pegou o meu chale? Devolvam-me
JOANA: imediatamente. (Ela arranca de sua vizinha o pano com o qual ela
Eu compreendo esse sistema, que de resto cobre a cabeça) Sim, foi você! Não adianta mentir. Já basta, dê-me
Já é a muito conhecido, desde fora. meu pano.
Mas a estrutura interna continua ignorada. A MULHER – Socorro, ela vai me matar.
Alguns – pouco numerosos – estão sentados lá em cima UM HOMEM – Silêncio!
E um grande número aqui embaixo; Alguém atira um trapo para Joana.
E os do alto gritam: Subam, JOANA
Para que estejamos todos no alto! Se dependesse só de vós
Mas olhando mais de perto descobre-se, Eu poderia congelar nua em pleno vento.
Entre os que estão em cima e os que estão embaixo, Não fazia tanto frio em meu sonho.
Algo de obscuro, dir-se-ia que é um caminho, Quando eu cheguei aqui, com um vasto plano,
Mas é apenas uma tábua, Encorajada por um sonho que confirmava minhas idéias,
A qual logo se nota claramente Eu não tinha sonhado que pudesse fazer tanto frio!
Que serve de gangorra Se eu tivesse pelo menos o meu agasalho!
Todo o sistema é como uma balança Ah! É fácil para vós passar fome,
Na qual os dois lados dependem um do outro; Vós, que nada tendes para comer.
E uns se sentam lá em cima A mim me esperam, guardam-me a sopa.
Só porque os outros estão embaixo. E para vós é fácil passar frio;
Os jornalistas, que acabaram de receber uma informação, Mas eu posso, a qualquer momento,
levantam-se e dirigem-se ao fundo. Ir para um quarto quente,
UM TRABALHADOR, a Joana – O que fazias com aquela gente? Empunhar a bandeira e bater o tambor,
JOANA – Nada. E falar Daquele que mora lá em cima.
O TRABALHADOR – Mas falaste com eles! Vós todos, o que haveis deixado?
JOANA – Eles me confundiram com outra pessoa. Eu, o que deixei foi uma vocação,
UM VELHO HOMEM, a Joana – Você está totalmente gelada. Quer um E um ambiente, ao qual estava acostumada,
gole de whisky? (Joana bebe) Ei, chega! Você é boa mesmo de Enfim, um emprego que me assegurava
copo, não é? O pão de cada dia, um teto e o sustento.
JOANA – A senhora também acha, dona Luckerniddle? Ficar aqui sem necessidade absoluta
DONA LUCKERNIDDLE – Sim é verdade. Parece-me um jogo indigno,
UMA MULHER – Que audácia! Quase uma comédia.
JOANA – A senhora falou alguma coisa? Mas, confesso, o medo me aperta a garganta:
A MULHER – Sim. Que audácia! Emborcar assim o whisky desse Não comer, não dormir, ignorar aonde te leva a vida...
velho! Tenho fome e isso é banal, tenho frio, isso é normal,
JOANA – Segure a língua, imbecil!... Onde está o meu chale? Eles Apesar de tudo, eu não tenho o direito de ir,
me roubaram, é claro! É o cúmulo! Eles me roubaram até o chale! Mas, mais do que tudo, eu quero ir embora.
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OS TRABALHADORES: JOANA – E por que não seria verdade, se esses senhores estão
Fiquem, aconteça o que acontecer, dizendo? Sobre um assunto como esse não se brinca, de jeito
Não se separem! nenhum.
É apenas ficando todos juntos DONA LUCKERNIDDLE – Não digas tais tolices. Tu não compreendes
Que poderão ajudar uns aos outros. nada de nada. Não ficaste tempo suficiente aqui, no frio. (Ela se
Não creiam em nada e não escutem ninguém, levanta) Eu vou avisar aos nossos que os boatos já começaram a
A não ser a proposta circular. Mas tu, espera, com a carta. Não te movas! Entendeu?
Que leve a mudanças verdadeiras. Ela sai.
E sobretudo entendam bem JOANA – Mas estão atirando!
Que nada se faz sem luta UM OPERÁRIO – Pode ficar sentada tranqüilamente. Os matadouros
E sem a sua própria ação. são tão grandes que a tropa levará horas até aqui.
Os jornalistas retornam. JOANA – Quanta gente há aqui?
OS JORNALISTAS – Olá, mocinha, o seu sucesso foi formidável: nós OS JORNALISTAS – Uns cem mil.
ouvimos que Pierpoint Mauler, o milionário que dispõe de muito JOANA:
gado, acaba de cedê-lo aos fabricantes, ainda que os preços Tanto assim? Oh! Escola desconhecida,
continuem a subir. Nessas condições o trabalho voltará muito em Classe cheia de neve e que as leis ignoram,
breve aos matadouros. Que tem a fome por mestre e onde a miséria
JOANA – Oh! A boa nova! Fala implacavelmente da necessidade!
DONA LUCKERNIDDLE – Vejam as mentiras sobre as quais nos E sois cem mil alunos,
alertaram. Felizmente temos a carta para mostrar a verdade. O que aprendeis?
JOANA: OS TRABALHADORES, no fundo do palco:
Escutem todos! Há trabalho. Se ficardes agrupados
O coração deles não é de gelo. Eles vos rebentarão.
Havia entre eles pelo menos um homem honesto E nós vos dizemos: ficai agrupados.
E ele não falhou em seu dever. Se combaterdes,
Quando se falou com ele como a um ser humano Os tanques deles vos esmagarão.
Ele deu uma resposta humana. E nós vos dizemos: combatei.
Então a bondade existe. Esse combate será perdido
Ao longe as metralhadoras crepitam. E talvez perdido
Que barulho é esse? Ainda o próximo combate
UM JORNALISTA – São as metralhadoras. A tropa foi encarregada de Mas vós ireis aprender a combater
evacuar os matadouros. Agora as fábricas reabrirão. É preciso E aprendereis pela experiência
fazer com que se calem os agitadores que incitam à violência. Que nada se faz sem luta
UMA MULHER – Devemos voltar para casa agora? E sem a vossa própria ação.
UM TRABALHADOR – Quem nos garante que é verdade? Que haverá JOANA:
trabalho de novo? Parai! Chega de aprender essas lições!
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Pergunta feita: quem ficará? Sem que eu tenha procurado, um objetivo que eu saúdo
Como nos outros dias, hoje restarão E que muito me alivia.
No chão as pedras, em cima, os pobres. De agora em diante, nada mais posso fazer por eles;
Cedi meu gado a qualquer um que o quisesse.
Pierpoint Mauler cruza a fronteira da pobreza E ninguém quis. Agora eu estou livre,
Sem nenhuma exigência. E a vocês eu despeço
8. UMA ESQUINA EM CHICAGO Pois da pobreza eu cruzei a fronteira,
Não preciso, então, mais de vocês. Doravante
MAULER, a um de seus seguranças Não há mais ninguém que me queira matar.
Parem, façamos meia volta, o que foi? OS DOIS SEGURANÇAS – Então podemos ir?
Riste, confessa. Eu disse: meia volta MAULER:
E tu riste. Vejam, ainda atiram. Podem
Há resistência, não lhes parece? E eu também posso ir aonde queira,
Ah! Eu repito Até mesmo aos matadouros. Quanto a este edifício,
Não fiquem enchendo a cabeça com idéias, Que nós construímos em nossas grandes cidades
Só porque duas ou três vezes eu dei meia volta, Sem importar o custo, em suor e em dinheiro, dele se diria
Perto dos matadouros. Pensar não serve para nada. Um prédio construído com grandes despesas, o mais vasto,
Basta. Não é para pensar que eu vos pago. O mais prático também; mas o arquiteto teria,
Eu tenho as minhas razões. Sou conhecido nos matadouros... Seja por aberração, seja por economia,
Mas vejo que estão pensando. Parece-me Escolhido como material, cocô de cachorro:
Que contratei dois idiotas. Que torna a permanência difícil.
Em todo o caso, meia volta. Ter construído a maior cloaca do mundo
Aquela que eu procurava terá tido o bom senso Constituirá a sua única glória.
De sair das profundezas onde o inferno se instala. Aquele que sai de tal imóvel,
Assim espero. Tem certa razão de estar alegre.
Passa um vendedor de jornais UM DOS SEGURANÇAS, saindo – Bom. Este homem está perdido.
Ei! Jornal! MAULER:
Vejamos o que se passa na Bolsa de Carnes. Se a desgraça abate ao homem sem caráter,
Ele lê e empalidece. A mim ela vai elevar às mais altas esferas,
Essas notícias, aqui sob meus olhos, modificam tudo. Até o reino do espírito.
Vejam o que leio, impresso, preto no branco:
O gado está a trinta e ninguém compra. 9. UM LUGAR DESERTO NO BAIRRO DOS MATADOUROS
Está dito, preto no branco, que todos os fabricantes
Quebraram juntos e saíram do mercado; Neva. Na borrasca, a dona Luckerniddle reencontra Joana.
Mauler e seu amigo, Slift, são os mais atingidos,
É o que está escrito. Assim foi conseguido,
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DONA LUCKERNIDDLE – Ah, estás aí! Onde tinhas te metido? Entregaste A pedra não perdoa.
direitinho a carta? E aquele que chega a bom porto,
JOANA – Não. Eu vou embora. Que nada diga, mas entregue,
DONA LUCKERNIDDLE – Eu devia ter duvidado. Dê a carta aqui Sem récitas inoportunas dos seus infortúnios,
imediatamente. Aquilo que lhe foi confiado.
JOANA – Não, eu não a darei. É inútil tentar pegar. Lá dentro só se Joana pára. Anda em outra direção.
fala em violência. Tudo está voltando ao normal agora, mas a OUTRA VOZ:
senhora quer continuar. Joana pára.
DONA LUCKERNIDDLE – Ora essa! Para ti está tudo normal! E eu que Nós te encarregamos, Joana, de uma missão;
disse que tu eras honesta! Sem isso não teriam te confiado a carta. Nela estava nosso destino.
Mas tu és uma traidora e teu lugar é com eles. Um lixo, isso é o Nós não sabíamos quem eras.
que tu és! Dê-me a carta que te confiaram. (Joana desaparece na De tua missão, podias dar conta,
tempestade de neve) Hei! Venha! Ela foi embora! Mas também podias nos trair.
Cumpriste a missão?
10. UM OUTRO LUGAR Joana volta a andar e uma nova voz a detém.
UMA VOZ – Lá onde te esperam, precisas chegar!
Correndo em direção ao centro da cidade, Joana cruza com dois Joana olha ao redor; ela procura se livrar das vozes que ouve de
operários de quem ouve a conversa: todos os lados.
O PRIMEIRO OPERÁRIO – Primeiro eles fizeram correr o boato que as AS VOZES:
fábricas reabririam a todo o vapor. Uma parte dos operários saiu Se rebenta uma só malha
dos matadouros, para poder se apresentar amanhã bem cedo ao A rede não serve para nada.
trabalho e de repente eles falam que as fábricas nunca mais Por este buraco fogem todos os peixes.
abrirão. Pierpoint Mauler as arruinou. Como se rede já não houvesse.
O SEGUNDO OPERÁRIO – Os comunistas é que tinham razão. As massas De um só golpe todas as malhas
não deveriam ter se dispersado. Ainda mais que amanhã todas as Não servem mais para nada.
empresas de Chicago iriam declarar a greve geral. A VOZ DA DONA LUCKERNIDDLE:
O PRIMEIRO OPERÁRIO – E aqui nós não ficamos sabendo. Eu fui a tua fiadora.
O SEGUNDO OPERÁRIO – Isso é grave: sem dúvida uma parte das Mas a carta que trazia a verdade,
ligações não funcionou. Muitos operários teriam ficado se Tu não a entregaste.
soubessem da notícia. Eles teriam ficado apesar da violência da JOANA, caindo de joelhos:
polícia. Luz, oh verdade! Que a neve em tempestade
Errando pelos matadouros, Joana ouve vozes. Inoportunamente mascarou com sua noite.
UMA VOZ: Claridade que então eu deixei de ver!
Não há desculpa Oh! Quem conhecerá o poder da neve!
Para quem não chega. Oh, fraqueza do corpo! Oh fome,
Ao que tropeça e cai, Que sentimentos em nós deixareis sobreviver?
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Frio da noite, quem vos pode resistir? Ah, minha cara Mulberry, com sopa quente
Eu preciso dar meia volta! E um pouco de música, agora os pegamos.
Ela retorna sobre seus passos correndo. O reino de Deus está pronto na minha cabeça.
Uma boa orquestra à mão e sopa
X Bem grossinha: terminam para Deus todas as preocupações.
De um só golpe o bolchevismo também é enterrado.
Humilhação e assunção de Pierpoint Mauler OS CHAPÉUS NEGROS:
Romperam-se os diques da fé
TEMPLO DOS CHAPÉUS NEGROS Em Chicago, nossa boa cidade.
E as ondas de lama do materialismo
MARTA, a outro Chapéu Negro – Há três dias um emissário de Ameaçam a casa de Deus.
Pierpoint Mauler, o rei da carne, veio nos dizer que Mauler em Vejam que já balança, que já se afunda!
pessoa estava disposto a assumir o nosso aluguel e a organizar Mas o rico Mauler virá, com certeza!
conosco uma grande campanha em favor dos pobres. Ele já está a caminho com os seus milhões!
DONA MULBERRY – Bispa Snyder, é sábado a noite. Quero que a UM CHAPÉU NEGRO – Bispa, onde iremos acomodar o nosso público?
senhora pague o meu aluguel, que aliás é muito barato, ou que Chega um pobre. É Mauler.
deixe o imóvel. BISPA SNYDER, investindo contra ele – A sopa, é tudo o que eles
BISPA SNYDER – Dona Mulberry, estamos aguardando, a qualquer querem! Aqui não tem mais sopa! Aqui só tem a palavra de Deus!
momento, o senhor Pierpoint Mauler, que prometeu nos ajudar. Ouvindo isso eles vão logo embora.
DONA MULBERRY – Meu caro Dick, coloque os móveis na rua. MAULER – Eis aqui um homen marchando até o seu Deus.
Um homem começa a levar os móveis para a rua. BISPA SNYDER – Sente lá atrás e fique quieto!
OS CHAPÉUS NEGROS: Ele se senta.
Estão levando, que triste, o banco dos penitentes! UM HOMEM, entrando – Pierpoint Mauler está aqui?
E já suas mãos avidamente se dirigem BISPA SNYDER – Não. Mas nós o estamos esperando.
Ao órgão a vapor e ao púlpito, O HOMEM – Os fabricantes de conservas querem falar com ele e os
E nós gritamos à plena garganta: criadores o chamam aos gritos.
Ah, se ele pudesse vir, o suntuoso Mauler, Ele sai.
Para nos salvar neste instante, MAULER, na frente do palco :
Salvar-nos com o seu dinheiro! Ouvi alguém procurando um certo Mauler.
BISPA SNYDER Eu o conheci: era um imbecil.
Há exatos oito dias Buscam-no por toda a parte, no céu e no inferno,
Que nos matadouros onde as máquinas enferrujam, Este homem que foi em sua vida
A massa espera, afastada do trabalho, Mais estúpido do que um vagabundo bêbado e repugnante.
Liberada, posto que sem abrigo, Ele se levanta e avança até os Chapéus Negros.
Exposta outra vez à neve, à chuva, Conheci bem um homem,
Sob um plúmbeo zênite de destinos desconhecidos. Pediram-lhe cem dólares, ele possuía dez milhões,
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No fim, recusou-se a dar o dinheiro, BISPA SNYDER, gritando – E sem dinheiro? (Aos Chapéus Negros:)
Jogou no mar seus milhões, deu cabo de si mesmo. Façam as malas. Todos os pagamentos estão suspensos.
Ele pega dois Chapéus Negros pelo braço e senta-se com eles no OS MÚSICOS:
banco dos penitentes. É deste aí então que vocês esperavam
Ouçam então a minha confissão: O dinheiro para nos pagar?
Aqui jamais se ajoelhou Então nós vamos embora.
Ninguém, meus amigos, que tenha caído tão baixo. Passar bem.
OS CHAPÉUS NEGROS: CORO DOS CHAPÉUS NEGROS, dirigindo-se aos músicos que vão embora:
Não perca a confiança! Nossas orações eram pelo rico Mauler
Homem de pouca fé! E foi Mauler o arrependido que entrou;
Ele virá, é certo; Ele trazia o seu coração, não o seu dinheiro.
Se aproxima já E esse gesto tocou os nossos corações,
Com os seus milhões. Mas quebrou a nossa cara
OS CHAPÉUS NEGROS – Ele já chegou? De uma vez por todas.
MAULER: Sentados sobre seus últimos bancos e suas últimas cadeiras os
Um hino, eu vos rogo! Pois eu sinto Chapéus Negros cantam desordenadamente seus últimos hinos.
O coração ao mesmo tempo leve e pesado. Sentados sobre as margens do lago Michigan,
DOIS MÚSICOS: Um pedacinho só. Apenas nos resta chorar.
Os músicos tocam um hino. Os Chapéus Negros cantam, ar Tiremos de nossas paredes as máximas,
ausente, olhos voltados para a porta. Envolvamos em nossas bandeiras derrotadas
BISPA SNYDER, inclinado sobre os livros de contabilidade – Não direi o Os livros de cânticos.
que estou calculando. Silêncio! Tragam-me o livro das faturas e Não podemos mais pagar as nossas contas,
contas por pagar: estou nessa parte. E sobre nós a neve envia suas tempestades
MAULER: Em um inverno no qual crescem os rigores.
Eu me acuso de ter explorado o meu próximo, Eles cantam ainda “Entrai na batalha”. Mauler canta com eles,
Abusado da força e espoliado todo o mundo seguindo a letra por sobre o ombro de um dos Chapéus Negros.
Em nome da propriedade. BISPA SNYDER
Por sete dias apertei a garganta Silêncio! Fora, já, todos para fora!
Desta cidade até sufocá-la. A Mauler:
UM CHAPÉU NEGRO – É ele, Mauler! E tu primeiro!
MAULER: Onde estão os quarenta meses de aluguel
Mas quero acrescentar que no sétimo dia Desses não-convertidos que Joana enxotou?
Fui despojado de tudo. Aqui estou agora, E vejam só o que ela me trás em troca!
Diante de vós, sem nada. Culpado, sim, mas arrependido. Devolva-me, Joana, devolva-me os meus quarenta aluguéis!
BISPA SNYDER – Tu és Mauler? MAULER:
MAULER – Sim, e dilacerado de remorsos. Vós desejais, eu vejo, construir vossa casa
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Mas Slift gritou: “Três dias não, agora, Como a água que cai na cascata, de rocha em rocha
Eu quero para hoje”, e os preços subiram. E somente em trinta a queda parou.
Institutos de crédito, bancos, com olhos marejados, Aí está o que tornou o contrato sem valor
Lançaram-se um a um nesta última batalha. Apertastes muito forte, fomos estrangulados
Eles precisavam entregar, isto é, comprar. E de que adianta estrangular um cadáver?
Lévi, em um espasmo, golpeia um corretor na barriga, MAULER:
E Brigham arranca a barba aos gritos: Foi assim então, Slift, que travaste a batalha
“Noventa e seis”... Naquele instante, se por um acaso Que deixei a teus cuidados!
Um elefante se arriscasse pelo interior da Bolsa, SLIFT:
Seria esmagado como um morango no chão. Corte-me a cabeça!
Até os simples contínuos, tomados de desespero, MAULER:
Lutavam a dentadas, obstinados, mudos, E de que me serve tua cabeça?
Em tudo semelhantes aos antigos corcéis Dá-me o chapéu, ele ao menos vale vinte e cinco centavos.
Mordendo, na batalha, os cavalos inimigos. O que fazer, diga-me,
Ouviu-se nesse dia os jovens estagiários, Com esse gado que ninguém é obrigado a comprar?
Célebres, é sabido, por sua indiferença, OS CRIADORES:
Rangerem os dentes. E nós comprávamos sempre: Sem querer perder a paciência,
Nós precisávamos comprar. Slift então gritou: “Cem”! Nós queremos que nos digas
Poderia ouvir-se um alfinete cair. Como, quando e com que dinheiro
E em silêncio também os bancos desmoronaram, Nos pagarás o gado comprado,
Como definha uma esponja espremida, E que não foi ainda acertado.
Casas até então sólidas e poderosas, MAULER:
Parando de pagar, paravam de viver. Agora mesmo. Com esse chapéu e este sapato:
Lévi, o velho Lévi disse então em voz baixa, Dez milhões o chapéu,
Mas alto o bastante para que todos ouvissem: O sapato, entrego por cinco.
Para pagar-lhes tomem então nossas fábricas, Só um. Do outro eu preciso. Estão satisfeitos?
Porque não mais podemos honrar os contratos. OS CRIADORES:
E viu-se, um a um, os fabricantes apáticos Há pouco tempo, quando levamos às estações
Depositarem a vossos pés suas fábricas fechadas, De nosso longínquo Missouri
Inúteis portanto, e então se retirarem. Com muito sacrifício, os vívidos vitelos,
Os corretores, os agentes fechando suas escrivaninhas. E os jovens bois de pêlos reluzentes
E como contratos nulos não impõem compras, Engordados com tanto cuidado,
Sob nossos olhos, de imediato, a carne de boi, Toda a família nos gritava de longe
Que nos píncaros se encontrava, baixou, em um suspiro, Com a voz embargada pelo trabalho duro
Vertiginosamente. De cotação em cotação - E a voz ainda nos alcançava
Os preços caíram e rolaram até os negros abismos, Mesmo com a balbúrdia dos trens que partiam:
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Que nós somos uma gente valorosa, que deseja Doá-lo àqueles que esperam lá fora
Fazer o bem, nesses tempos de desgraça? E quem sabe utilizá-lo melhor?
Pois serão necessárias medidas draconianas MAULER, sorrindo:
Que poderão parecer duras porque irão Minha cara bispa, você não compreendeu
Derrubar alguns e, mais ainda, A questão de fundo. Toda essa gente aí fora:
Digamos: a maior parte, ou melhor: quase todos Eles são os nossos compradores!
Mas é o único meio de salvar o sistema Dirigindo-se aos outros:
De vendas e compras no qual vivemos, É incrível.
E que, é lógico, tem seus defeitos. Todos sorriem longamente.
BISPA SNYDER – Quase todos. Eu compreendo o senhor. Nós o Eles podem nos parecer inferiores, supérfluos,
faremos. E às vezes inoportunos, mas olhando bem
MAULER, aos fabricantes: Quem vê além das aparências das coisas,
Faremos uma fusão de suas indústrias Vê que são eles os compradores! Seja como for,
Em um só monopólio; E mesmo que muitos não compreendam,
Eu fico com a metade das ações. Será preciso demitir um terço dos operários:
OS FABRICANTES – Que cérebro! Também de mão de obra o mercado está saturado.
MAULER, aos criadores : É preciso limitá-la.
Escutem, meus amigos! TODOS – Não há outra saída!
Eles cochicham. MAULER – E também precisaremos reduzir os salários!
Esta dificuldade pela qual estamos passando TODOS – É o ovo de Colombo!
Está a ponto de ser superada. MAULER:
Miséria e fome, desordem e violência, Qual o objetivo dessas medidas?
Não tem outra causa a não ser Nesta noite de sangue e confusão,
Que há carne demais. Nesse tempo de humanidade desumanizada,
O mercado foi saturado este ano, Em que em nossas cidades os problemas não têm fim;
E é por isso que os preços caíram a zero. - Pois eis Chicago outra vez agitada
Então, para puxar os preços, nós decidimos, A greve geral, dizem, é eminente -,
Em conjunto, criadores e industriais, Elas impedirão que em sua brutalidade
Meter um freio à anarquia da criação, Um povo, ofuscado, quebre suas ferramentas
Limitar o rebanho oferecido no mercado, E destrua assim seu próprio ganha-pão,
Eliminar o estoque excedente atual. Elas trarão a calma e a ordem.
Enfim, queimar um terço do gado existente. É por isso, Chapéus Negros, que nós subvencionaremos
TODOS – Que solução simples! Fartamente a sua missão que contribui
BISPA SNYDER, pedindo a palavra: Com a manutenção da ordem.
Perdão, mas se o gado tem tão pouco valor Seria muito importante, é claro
Que pensam em queimá-lo, não poderíamos Que entre vocês estivesse Joana,
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O OUTRO – O homem injusto atravessa a rua à luz do dia, mas o justo greve. As rajadas de neve a impediram de ver os soldados. Um
se esconde. deles a derrubou com uma coronhada. Durante alguns segundos
UM DELES – O que farão com eles? eu a vi distintamente. Aqui está! Seriam necessárias muitas como
O OUTRO: ela. Não, não é ela. Era uma velha operária. Esta aqui não é das
O salário deles é baixo e seu trabalho útil à maioria, nossas. Deixem ela aí no chão. Quando os soldados vierem a
Nenhum, entretanto, chega ao termo de sua vida, recolherão.
Nenhum come seu pão tranqüilamente,
Nenhum morre de barriga cheia, XIII
Nem é enterrado com decência.
Todos perecem antes do tempo, MORTE E CANONIZAÇÃO DE SANTA JOANA DOS
Golpeados, pisoteados, MATADOUROS
Lançados em terra profana.
UM DELES – Por que não se ouve falar deles? Agora o templo dos Chapéus Negros está ricamente mobiliado.
O OUTRO Divididos em grupos estão os Chapéus Negros, que seguram
Quando nos jornais falarem de criminosos abatidos, bandeiras novas, os açougueiros (fabricantes de conservas) os
Ou de malfeitores postos na cadeia, saiba que são eles. criadores e os compradores.
UM DELES – Sempre será assim?
O OUTRO – Não. SNYDER:
Joana se vira, os jornalistas a interpelam. Sim, a sorte nos sorriu.
OS JORNALISTAS – Vejam só, não é a nossa Madona dos matadouros? Deus outra vez se impôs.
Hei, você aí! As coisas deram errado. A greve geral fez água. As Nós soubemos ser sublimes
fábricas reabrem, mas apenas para dois terços dos operários; o E vulgares quando necessário.
salário também, foi reduzido em um terço. E a carne vai subir. Nos vales e nos cimos,
JOANA – Os operários concordaram? Em nós podem por fé.
OS JORNALISTAS – É claro. A decisão sobre a greve geral só chegou a Enfim o sucesso chegou
uma parte deles, e a esta a polícia dispersou com o uso de força. E tudo acabou bem.
Joana cai desmaiada. Um grupo de pobres entra; à sua frente, Joana, amparada por um
policial.
XII O POLICIAL:
Eis aqui uma sem-teto,
EM FRENTE AO ARMAZÉM DA FÁBRICAS GRAHAM Recolhida doente
Nos matadouros.
Um grupo de operários entra, carregando lanternas. Seu último endereço
Teria sido aqui.
OPERÁRIOS – Ela deve estar aqui. Ela veio daquele lado e aqui ela JOANA, esticando o braço com a carta na mão, como se ainda
gritou para os nossos que as empresas municipais iriam decretar quisesse entregá-la:
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“Empresas dão calote recorde para remunerar seus acionistas” Juntai vosso riso aos que riem, Hosana!
“Recessão ainda irá se agravar no Japão, diz governo ” Que seus crimes terminam bem, Hosana!
“EUA mudam socorro para bancos; Bolsa de NY cai 4,7%” Durante esta estrofe, as mulheres tentaram oferecer a Joana um
“Crise já eliminou 6 mi de empregos nos EUA” prato de sopa. Em duas tentativas ela recusa o prato; na terceira
“Incertezas rondam fábricas da GM à beira do fechamento” vez ela o pega, levanta e vira. Em seguida cai nos braços delas,
Sob o efeito dessa terríveis notícias os personagens trocam entre tocada pela morte. Não dá mais sinais de vida. Snyder e Mauler
si acusações e diversos insultos como esses: vão até ela.
“Açougueiros sujos, se não tivessem degolado tantos porcos!” MAULER – Dêem uma bandeira a ela.
“Criadores miseráveis, por que criaram tanto gado?” Colocam a bandeira em suas mãos, mas ela cai.
“Alucinados, que manipulam o dinheiro a rodo, por que não BISPA SNYDER – Joana Dark, vinte e cinco anos, morta de pneumonia
empregaram mais gente e pagaram melhores salários? Quem nos matadouros, a serviço de Deus, combatente e mártir.
esperam que compre a nossa carne?” MAULER:
“Foram os intermediários que fizeram subir tanto a carne de gado.” Como a pureza
“Foram os especuladores de grãos que encareceram o gado.” De um ser inocente,
“Foram as tarifas das estradas de ferro que nos esfolaram.” A generosidade
“Os bancos nos arruínam com os juros que exigem!” De uma alma sem mácula,
“Quem pode pagar tanto dinheiro para estocar o gado e pelos silos Comove-nos profundamente,
de grãos?” Nós que temos a alma comum!
“Por que vocês não começaram a reduzir a produção?” E então desperta a boa alma
“Nós começamos, foram vocês que se recusaram a reduzir Que temos no fundo de nosso coração.
também!” Todos ficam muito tempo de pé, mudos de emoção. A um sinal da
“Vocês são os únicos culpados!” bispa, colocam-se suavemente todas as bandeiras sobre Joana,
“Enquanto não acabarem com vocês não vai melhorar!” até cobri-la totalmente. O palco é iluminado com uma luz rosada.
“Faz tempo que o destino de vocês está selado!” OS AÇOUGUEIROS E OS CRIADORES:
“O que estão esperando para prender vocês?” Desde que o mundo é mundo,
Todos cantam a segunda e a terceira estrofes do hino. A voz de Um desejo vive no coração do homem,
Joana já não se ouve: Pelo espírito, sempre ele aspira
Concedei aos ricos misericórdia, Hosana! Às esferas mais elevadas.
Nesses braços que vos estendem, Hosana! Aos astros, ao firmamento
Oferecei a vossa graça, Hosana! Um impulso múltiplo o atira.
Ajudai a quem tudo possui, Hosana! Infelizmente, para sua grande pena,
Piedade com aqueles que ignoram a fome, Hosana! A carne para a terra o arrasta!
Notam que Joana para de falar. MAULER:
Ajudai vossa classe, que vos ajuda também, Hosana! Ai! Um duplo desejo dilacera meu pobre coração,
Com mãos cheias, Hosana! Qual um punhal, até o fundo cravado.
Esmagai o ódio, Hosana! Por um nobre ideal, sinto-me atraído:
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