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CORREIO BRAZILIENSE

OU

ARMAZÉM LITERÁRIO.

VOJL. X V I I I .

LONDRES:

IMPRESSO POR L. THOMPSOJV, NA OFFICINA DO CORREIO


BRAZILIENSE, GREAT ST. HELENS,
BISHOPSGATE STREET.

1817.
CORREIO BRAZILIENSE
DE JANEIRO, 18U.

Na quarta parte nova os campos ara,


E se mais mundo houvera Ia chegara.
CAMOENS, c. vn. e. 14.

POLÍTICA.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Regulamento de Ordenanças para o Reyno de Portu-


gal, publicado por ordem de Sua Alteza Real.

E, <U O P R Í N C I P E R E G E N T E Faço saber aos que


este Alvará virem; que sendo de uma necessidade indis-
pensável para a conservação do Exercito, em que consiste-
a defeza dos Meus Reynos, e a segurança dos Meus Vas-
sallos, estabelecer um systema de Recrutamento propor-
cionado á Povoação, e nella igualmente repartido, combi-
nando-o com aquellas isenções, que só devem ficar exis-
tindo em beneficio da Agricultura, Artes, e Sciencias: e
tendo mostrado a experiência, que um Estabelecimento
de tanta importância não pôde ter execução regular, sem
se proceder a uma nova divisão de Capitanias Mores, e
Companhias, que facilitem a igualdade dos Recrutamentos,
e a ordem que deve haver, a fim de melhor se poderem
VOL. XVIII. No. 104. A2
4 Politica.
evitar as fraudes, e desigualdades, que nascem da irregu-
laridade das Capitanias Mores: Considerando ao mesmo
tempo que o Estabelecimento das Ordenanças, na fôrma
que foi creado, não pôde ter aquella applicaçaõ, a que foi
antigamente destinado : Sendo por outra parte muito útil
para os Recrutamentos do Exercito, e de ilicias, de que
aquelles Corpos fôram incumbidos pelo Alvará de vinte e
quatro de Fevereiro de mil settecentos e sessenta e quatro
e outros: Sou Servido Ordenar, que as sobredictas Orde-
nanças, antigamente creadas, fiquem extinetas, e sejam
substituídas pelo que vai determinado no Regulamento?
que baixa com este, assignado pelo Marquez de Aguiar
do Conselho de Estado, Ministro Assistente ao Despacho
e Encarregado interinamente da Repartição dos Negócios
Estrangeiros e da Guerra, e que igualmente se observem
as Disposições do sobredicto Regulamento, a respeito dos
Recrutamentos, tanto da Tropa de Linha, como de Milí-
cias; ficando subsistindo tão somente os Privilégios, ou Isen-
ções de Serviço da Tropa de Linha, declarados no dicto R e -
gulamento, e cassados todos os outros, quaesquer que elles
sejão, sem excepçaõ alguma, não obstante não serem de-
clarados neste Alvará, e posto que delles se devesse fazer
expressa menção. E este se cumprirá tão inteiramente,
como nelle se contêm, sem duvida, ou embargo algum, e
âo obstante quaesquer Leys, Regimentos, Ordenações,
Alvarás, Resoluções, Decretos, ou Ordens em contrario,
quaesquer que elles sejam, porque todos, e todas Hei por
derogadas para este effeito somente, como se delles, e del-
las fizesse especial menção, em quanto forem oppostas ás
Determinações conteúdas neste Alvará, que valerá como
Carta passada pela Chancellaria, posto que por ella não ha
de passar, ainda que o seu effeito haja de durar mais de
um, e muitos annos; e tudo sem embargo das Ordena-
Politica. 5
ções, que dispõem o contrario. Dado no Palácio do Rio
de Janeiro aos vinte um de Fevereiro de mil oitocentos
e dezeseis.

P R Í N C I P E

Marquez de Aguiar.

Regulamento de Ordenanças.
DAS ORDENANÇAS.

Da divisão do Reyno em Districtos de Ordenanças.


TODO O Reyno de Portugal, e do Al grave será
dividido em vinte e quatro Districtos de Ordenanças.
Cada Districto será dividido em oito Capitanias Mores,
e cada uma destas em oito Companhias.
Os Districtos, Capitanias Mores, e Companhias serão
divididos de tal fôrma, que fiquem iguaes entre si, em po-
pulação, incluindo as Terras dos Donatários; por quanto
a ordem, que se necessita dar a este antigo Estabeleci-
mento, não permitte as desigualdades, que na divisão ac-
tual existem.
O Governo procederá logo á divisão, ordenada nos §§
antecedentes; formará huma Lista das Cidades, Villas, e
Freguezias, que compozerem cada Districto; assignalará
as Povoaçães, que devem ser Cabeças de Districto, Capi-
tania Mór ou Companhia; e o avisará ás Câmaras, a fim
de que fiquem sabendo, a quaes pertence propor os offi-
ciaes de Ordenanças.
Do numero de Officiaes de Ordenanças que haverk, e das
suas Graduaçoens.
E m cada Districto haverá um Coronel de Ordenças,
que terá a Graduação de Coronel de Milicias.
6 J-OtitllVU.

E m cada Capitania Mór haverá um Capitão Mór, e


um Sargento Mór; e em cada Companhia, um Capitão,
um Alferes, um primeiro Sargento, quatro Segundos, e
oito Cabos: estes Officiaes concervarão as mesmas gradu-
ações, que actualmente tem.
Das qualidades, que devem ter as Pessoas, que houverem
de ser providas em Officiaes de Ordenanças.
Os Coronéis de Ordenanças serão escolhidos d'entre os
Capitães Mores, Tenentes Coronéis, e Coronéis de Milicias
residentes nos Districtos, que forem Pessoas mais princi-
paes delles, pela sua riqueza, nobreza, e representação, e
em que concorram as outras qualidades de intelligencia,
desinteresse, e agilidade própria para semelhantes Empre-
gos. Os Coronéis de Ordenanças de Lisboa continuarão
também a ser escolhidos d'entre as Pessoas da primeira
Nobreza daquella Cidade.
Os Capitães Mores, Sargentos Mores, Capitães, e Alfe-
res de Ordenanças serão igualmente escolhidos d'entre as
Pessoas mais principaes, que sejão residentes nas Capita-
nias Mores, e Companhias, em que houverem de ser pro-
vidos, seguindo-se a respeito desta escolha o que se acha
determinado no §. III. do Regimento dos Capitães Mores
de 10 de Dezembro de 1570, onde diz = e na eleição dos
Capitães, especialmente Mores = e no § IX. da Provisão
de 15 de Maio de 1574, onde diz = por quanto Sou infor-
mado = assim como o que a esse mesmo respeito está or-
denado no Alvará de 18 de Outubro de 1709.
Das Propostas dos Officiaes de Ordenanças.
Os Coronéis de Ordenanças serão propostos pelos Gene-
raes das Provincias, dirigindo-se as dietas Propostas ao
General em Chefe, incluindo nellas tres Pessoas, e decla-
rando as circunstancias de cada uma. O General em
Chefe remetterá as Propostas com o seu parecer ao Con-
selho de Guerra, que consultará o que julgar útil.
Politica. 7
Os Capitães Mores, Sargentos Mores, Capitães, e Ale-
re6 serão propostos pelas Câmaras das Terras, que forem
agora designadas para Cabeças de Capitanias Mores, e
Companhias, e na forma determinada no Alvará de 18 de
Outubro de 1709 com as seguintes alterações, e mudan-
ças. Nas Eleições das Pessoas, que devem ser propostas
para Capitães Mores,serão presididas as Câmaras, em que
se houverem de fazer as dietas Eleições, pelos Coroneiè de
Ordenanças, e não pelos Corregedores, e Provedores das
Câmaras, como até agora; e para esse fim quando vagar
um Capitão Mór Sargento-Mor, e na falta deste, o
Capitão de Ordenanças mais antigo, o participará logo ao
Coronel de Ordenanças: este avisará a Câmara por es-
cripto, e civilmente, do dia, e hora, em que se deve ajunctar
para se fazer a Proposta.
Succedendo achar-se vago o Lugar de Coronel de Or-
denanças, ou fôra do Districto, quando vagar um Capitão
Mór desse Districto, o Sargento Mór o participará ao G e -
neral da Provincia, que nomeará um Coronel de Milicias,
ou de Linha, para presidir à Câmara na Eleição das Pes-
soas, que se hão de propor para Capitão Mór. O General
avisará a Câmara da Pessoa escolhida para presidir na dieta
Eleição: quando porém a ausência, ou impedimento do
Coronel de Ordenanças não durar por mais de quinze dias,
esperar-se-ha que volte, e não será substituído.
Vagando Sargento Mór, a Câmara será presidida pelo
Capitão Mór, como determina o citado Alvará de 1709, e
o mesmo acontecerá vagando Capitão de Ordenanças; e
na falta do Capitão Mór, será o seu higar substituído pelo
Sargento Mór, como igualmente se acha determinado no
mesmo Alvará.
A 8 Propostas, ou Eleições da Câmara serão assignadas
por todos os Officiaes da Câmara, e pelo Coronel que pre-
g rotilica.
sidir; declarar-se-hão nellas com toda a individuação os
motivos, por que são preferidos os que forem effectivamente
propostos.
Os Capitães Mores remetterão as Propostas das Câmaras
em que presidirem, aos Coronéis de Ordenanças: estes
tirarão uma Copia, que mandarão com a sua informação
ao Inspector Geral das Ordenanças, e remetterão o original
ao General da Provincia.
Não podendo as regras assim estabelecidas ter a sua
execução na Cidade de Lisboa, pela differença que ha entre
o Senado daquella Corte, e as Câmaras do Reyno, obser-
var-se-hão as seguintes a respeito das propostas de Orde-
nanças da dieta Cidade.
Os Coronéis de Ordenanças proporão para Capitão Mór
ou Sargento Mor de Ordenanças, que vagar no seu
Districto, tres Pessoas, em quem considerem as circum-
stancias necessárias para os dictos Empregos. Vagando o
Posto de Capitão, ou Alferes, serão as Propostas feitas
pelos Capitães Mores, e entregues ao Coronel de Orde-
nanças, que remetterá umas, e outras com a sua infor-
mação ao Governador das Armas, mandando copia ao
Inspector Geral das Ordenanças.
Os Generaes das Provincias, e Inspector Geral remet-
terão as Propostas das Ordenanças com a sua informação
ao General em Chefe, que as fará subir ao Conselho de
Guerra, ajunetando-lhe o seu parecer.
O Conselho de Guerra deferirá, como for justiça, as
Propostas dos Officiaes de Ordenanças, regulando-se, em
quanto á forma, pelo que se acha determinado no Alvará
de 18 de Outubro de 1709, fazendo subir as Patentes, que
por Despacho seu terá mandado lavrar, para serem as-
signadas, accompanhadas dos Documentos, e Propostas
sobre que o Conselho fez o Despacho.
Politica. 9
Sendo o objecto a que hoje saõ destinadas as Orde-
nanças muito diverso daquelle para que antigamente foram
criadas ; e não podendo por isso conservar-se aos Dona-
tários o Privilegio, que tinham pelo Regimento de 1570, de
serem Capitães Mores nas Terras, de que eram Senhores,
quando ahi residiam, sem gravíssimo prejuizo da Ordem,
que S. A. R. Manda estabelecer, como ja foi reco-
nhecido pelo Alvará de 7 de Julho de 1764, em que se
ordenou em semelhantes casos se expedissem todas as
ordens, relativas ás Ordenanças, pelos Sargentos Mores:
He S. A. R. Servido Ordenar, que nas sobredictas Terras
se siga a regra geral estabelecida para todas as outras,
nomeando-se Capitães Mores, e conservando esses a au-
thoridade, que compete a todos os das outras, seja que os
Donatários residam nellas, ou não, sem differença alguma,
pois que assim convém â boa ordem dos Recrutamentos,
e utilidade das Tropas.
Achando-se as tres Casas de Bragança, Rainha, e In-
fàntado na posse de proverem os Postos de Ordenanças
das Terras, de que são Donatários, convindo conservar-
lhes esse Privilegio, em attenção à alta Gerarchia das
Pessoas, a quem pertence, sem prejuizo da ordem, a que
por este Regulamento se vai estabelecer, de forma tal que
o numero dos Officiaes de Ordenanças das dietas Terras
fique em proporção com os das Terras da Coroa, e com.
relação á população ; e não podendo assignalar-se o nu-
mero, que cada uma dellas deve prover, sem conheci-
mento da populapão, que ha nas Terras dos dictos Grandes
Donatários: o Governo passará logo a examinar o numero
de Capitães Mores, e Companhias de força igual ás outras,
que houverem em o mesmo Districto, em que as dietas
Capitanias Mores, on Companhias ficarem
Succedendo, que nas Terras de algumas das dietas Casas
VOL. XVIII. No. 104. B
10 rouiica.
não haja o numero sufficiente de fogos para inteirar uma
Capitania Mor, ou Companhia, se completará, com fogos
das Terras da Coroa, na forma que melhor convier à divi-
são do3 Districtos, e unido as Capitanias das Terras da
Coroa um igual numero.
O Governo designará os Capitães Mores, e Companhias
nas Terras, que sejam dos referidos Donatários, e o fará
saber aos Tribunaes das mesmas Casas, a fim de se não
passarem por elles Patentes, que não sejam as effectivas
das dietas Terras. As Propostas porém das Câmaras
serão feitas pela mesma forma, que vai ordenado para as
Câmaras presididas pêlos Coronéis de Ordenanças dos
Districtos, em que ficarem, ou pelos Capitães Mores, no
caso em que pertença a estes.
As Propostas serão dirigidas da mesma forma, que fica
dicto para as Terras da Coroa até chegarem ao General em
Chefe, que fará subir com seu parecer às Junctas das dietas
Casas aquellas, que tiverem sido feitas nas Câmaras das
Temas, que lhes pertencem, e pelas sobre dietas Junctas se
procederá, como até agora he costume, a respeito das
Patentes de semelhantes Officiaes.
Todas as Patentes dos Officiaes de Ordenanças, passadas
pelo Conselho de Guerra, 014 pelos Tribunaes das Casas
dos Grandes Donatários, não terão o seu effeito, sem que
tenham = cumpra-se = do General em Chefe, a inter-*
VençaÕ do General da Provincia, e do Coronel das Orde-
nanças; mas logo que a tiverem, serão registadas nas
Câmaras dos Lugares, em que se fizerem as Propostas, e
as dos dictos Coronéis de Ordenanças nas dos lugares Ca-
beças de Districto, e todos os Officiaes farão ahi o Jura-
ínento determinado no Regulamento de Ordenanças de
1570, e se lhes dará posse pelo Superior immedíato,
ficando todos igualmente sujeitos ao General.
Politica. 11
Como pela nova organização das Ordenanças he indis-
pensável, que alguns dos Capitães Mores, e mais Officiaes
d'Ordenanças fiquem sem exercicio; aquelles que ficarem
fora do numero dos effectivos, conservarão as suas honras
e privilégios; não podendo porém considerar-se como
aggregados, nem sendo contados para as Propostas dos
quo vagarem depois, como Officiaes d'Ordenanças, ficando-
Ihes tão somente o direito de entrarem novamente nas
Propostas, ou Eleiçoens em concurrencia com quaesquer
outros, que não tiverem sido Officiaes d'Ordenanças.
A escolha dos Officiaes d'Ordenanças, qué devem ficar,
será agora feita por Proposta do General em Chefe, â vista
das Informações, que lhe darão os Generaes das Provincias,
e approvada pelo Governo.
Das Reformas*
Os Officiaes d'Ordenanças poderão ser Reformado^ nó
Posto immedíato, quando tiverem vinte e cinco annos de
Serviço em Officiaes, tendo cumprido com os seus deveres i
os que tiverem vinte, serão Reformados nos seus Postos t
a Reforma de uns, e outros só terá lugar, quando esti-
verem impossibilitados por doença de cumprirem com as
suas obrigaçoens; Os Coronéis d'Ordenanças serão Re-
formados no mesmo Posto.
Para que as Reformas dos Officiaes d-Ordenanças sO
possam fazer com regularidade e ordem, cada um dos
Capitães Mores dará todos os annos uma Informação dos
Officiaes da sua Capitania Mór, em que se declarará o seu
estado de saúde, e o seu comportamento relativamente &s
obrigaçoens dos seus Postos. Estas Informações serão
remettidas pelos Coronéis d'OrdenançaB junctamente com
as que elles darão dos Capitães Mores, aos Generaes das
Provincias, para estes as fazerem passar com a sua opinião
B2
12 foiuica.
ao General em Chefe, pela via do Inspector Geral, infor-
mando os mesmos Generaes do comportamento dos Coro-
néis d'Ordenanfas.
Todos os Officiaes d'Ordenanças, que pretenderem Re-
forma, ou Demissão, darão os seus Requerimentos aos seus
Chefes immediatos, para igualmente subirem com as Infor-
mações de gráo, em grão até ao Conselho de Guerra, que
reformará, ou demittirá os Capitães, e Alferes d'Ordenan-
ças, como lhe parecer de Justiça, e fará subir por Consultas
ao Governo os Requerimentos, ou Propostas de Reforma,
ou Demissão de Coronéis d5Ordenanças, Capitães Mores,
e Sargentos Mores.
Das obrigaçoens dos Capitaens de Ordenanças.
I. Todos os Capitães d'Ordenanças de qualquer Capi-
tania Mór, seja pertencente k Coroa, ou a Donatários,
aerão obrigados a ter um Livro de Registo com os
dizeres impressos conforme o modelo (A) determinado no
§ I. do Capitulo I. do Regulamento para o Recrutamento
da Tropa de 22 de Agosto de 1812. Neste Livro serão
inscriptos todos os Chefes de Familias, residentes no Dis-
tricto da Companhia, de quelquer sexo, ou graduação
que forem, e todos os Indivíduos do sexo masculino sem
distinccão de idade.
IL Para que os Livros de Registo se possão escripturar
com clareza, todos os Capitães d'Ordenanças, logo que os
Districtos estiverem divididos, procederão á numeração
das Casas da sua Companhia na fôrma determinada nos
§§ II. HI. IV. V. e VI. do Capitulo I. do Regulamento
ditado no § I. deste artigo, e executarão igualmente o quo
se acha disposto nos artigos VIL e VIU. do mesmo
Capitnlo.
Das obrigaçoens dos Capitaens Mores.
t. Os Capitães Mores, e na sua falta, os Sargentos
Politica. 13
Mores d'Ordenanças verificarão a exactidaõ da escriptura-
çao dos livros de Registo dos Capitães das respectivas
Companhias das suas Capitanias Mores, fiuuido respon-
sáveis pelos erros, ou faltas, que se encontrarem nos mes-
mos Livros, e que não remediarem.
II. De dous em dous mezc6 mandará cada Capitão
Mor um Mappa da sua Capitania Mór ao Coronel d'Or-
denanças do seu Districto: este Mappa será conforme ao
modelo ( E ) , determinado no § II. do Capitulo II. do já
citado Regulamento.
III. Para que possão responder tanto pela exacti-Iüo
dos Livros das Companhias, e dos Mappas, ordenados no
§ antecedente, executarão tudo o que se acha determinado
noa §§ III. IV. V. o VI. do Regulamento de 22 de Agosto
de 1812.
IV. Farão comparecer pela mesma ordem do Livro
de Registo os Chefes de Familias, ou Pessoas que os
representem, e formarão as Listas determinadas no Artigo
VTI. com as formalidades, que ahi se prescrevem, e a-j
farão publicar pela fôrma ordenada no artigo VIII. <3o
mesmo Regulamento, com declaração porém, que tão
somente se reputarão isentos do Recrutamento aquelles
mdividuós, que estiverem nas circunstancias, que vão de-
claradas neste Regulamento.
V. Seraõ isentos do Recrutamento: 1* Todos os
homens casados, que tiverem 24 annos ou mais de idade.
ficando sujeitos ao Recrutamento os que casarem antes
desta idade, e que não forem comprehendidos nos artigos
abaixo.
2*. Aquelles, que lavrarem com uma ou duas junctas
de Bois em terras suas, ou de renda, trabalhando cem
ellas, qualquer quo seja a sua idade.
Q\ O Filho primogênito, ou único, ou um qualquer
14 ri»»ici(i

de Lavrador, que lavrar com uma ou duas junctas de


Bois, seja, ou não casado, se o Pay tiver 50 annos de
idade, ou for doente de maneira, que não possa trabalhar
na Lavoura, vivendo o dicto Filho com seu Pay, e traba-
lhando para elle.
4* O Chefe de Familia, o Abegão, e um Filho, ou
criado (depois que este tiver servido o mesmo Amo por
mais de um anno) daquelles Lavradores, que deitarem á
terra seis moios de semente, sendo o Filho, e Criado
empregados effectivamente na Lavoura.
5° O Feitor, ou Administrador de qualquer Quinta
de Lavoura, pertencente á pessoa, que não seja residente
nella, depois que a tiver administrado por mais de um
anno.
6o Os Filhos únicos de Viuvas, ou um, tendo mais
que lavrarem com uma juncta de Bois, ou sendo jorna-
leiros, ou Officiaes de Officios, que viverem còm suas
Mãys, e forem o seu amparo.
7° Todos os Mestres d'Offlcios, que trabalharem em
Loja aberta, sendo casados, ou Chefes de Familia, e tendo
dous apprendizes entre a idade de 12 a 18 annos, que
trabalharem effectivamente com elles.
•8° Os Mestres de Pedreiro, Carpinteiro, e outros
Officios e Artes, que não costumão ter Loja, tendo dous,
ou mais aprendizes entre a idade de 12 a 18 annos, tra-
balhando effectivamente, e sendo o» Mestres Chefes de
Familia.
9°. AqueDes Mestres, ou Officiaes d'Officios, e Fabri-
cantes, que tendo entrado em aprendizes nas Fabricas
Reaes de idade de 12 annos, e menos, ahi aprenderem os
Officios, e continuarem a trabalhar nelles sem interrupção;
e isto em quanto existirem trabalhando nas sobredictas
Fabricas, em que tiverem aprendido, e ainda os de
outras Fabricas com as mesmas circunstancias.
Politica. 15
10*. Os Pescadores, que tiverem entrado neste serviço
antos da idade de 14 annos completos, forem logo matri-
culados, e continuarem effectivamente neste exercicio, e
pelo tempo que continuarem.
11° Os Marinheiros, Grometes, e moços, que tiverem
feito viagens em navegação externa, ou costeira, e continu-
arem effectivamente no mesmo exercicio do mar.
12* Os Estudantes das Aidas Maiores da Universidade
de Coimbra, que se tiverem matriculado aos 17 annos, ou
autes, aprezentando Certidão de freqüência, e adianta-
mento até se formarem, ficando depois isentos também.
13° Os Discípulos da Academia da Marinha, que se
matricularem antes de 17 annos de idade, apresentando
Certidão de freqüência, e aproveitamento, e igualmente os
da Academia do Porto.
14° Os Guarda-Livros, e um Caixeiro, ou filho dos
Negociantes de grosso tracto, matriculado na. Juncta do
Commercio: um Caixeiro, ou filho dos mercadores de
Laã, e Seda, Capella, Fancaria, Ferragem, e Merciaria
pelo grosso, sendo matriculado na Meza do Bem Commum,
e tendo Praça nos Voluntários do Commercio, sendo
estabelecidos em Lisboa, e nas Milícias, sendo nas P r o -
vincias.
15° Os Empregados nas Repartições Civis, que ven-
cerem ordenado, ou servirem por Carta ou Provisão apre-
sentando os Titulos.
VI. Todos os que não forem comprehendidos nos
artigos antecedentes, serão disponíveis para a Tropa de
Linha seja qual for o Privilegio, que até agora os isentasse,
ficando todos extinctos, como se de cada um se fizesse
expressa menção, e assim declarado o Alvará de 24 de
Fevereiro de 1764, na parte, em que reservou, para
quando houvesse maior experiência, a determinação dos
Jg rowvlvu>.

que devião existir para o futuro, ficando igualmente sem


effeito o Decreto de 24 de Outubro de 1796, que suspen-
deo todos os Privilégios, e as Portarias do Governo pos-
teriores.
VIL S. A. R . Espera da Nobreza dos Seus Reynos,
que continuará a alistar-se nos Regimentos de Linha, e
renova o Alvará de 13 de Fevereiro de 1797, para os
Successores de Morgados, de Bens da Coroa, e Officios, a
ffm de se cobrar a pena imposta aoB que não servirem,
para o que dará as providencias, a fim de ser efficaz a
execução.
VIII. Logo que o Capitão Mór tiver findado as revistas
das Companhias, formará Listas conforme o modelo de-
terminado no Regulamento já citado, e as remetterâ ao
Coronel de Ordenanças do seu Districto. Estas Listas,
além das circunstancias já determinadas, serão feitas de
fôrma, que os indivíduos, comprehendidos nellas, vão
classificados por idade, isto he, os de 17 annos em uma
Columna, os de 18 em outra, e assim successivamenle.
As Relaçoens, que pelo sobredicto artigo IX. do Regula-
mento de 1812 se mandaram remetter ao Coronel de
Milicias, serão mandadas remetter ao Coronel de Orde-
nanças.

Dos Coronéis de Ordenanças.


I . Os Coronéis de Ordenanças formarão Mappas da
População dos seus Districtos, eom distineçaõ das Capita-
nias Mórçs,que remetterão todos os dous mezes ao Gene-
ral da Provincia, e outro idêntico ao Inspector Geral de
Ordenanças, e serão conforme o modêllo, que se lhes dará.
II. Os Coronéis de Ordenanças assistirão alternativa-
mente ás revistas dos Capitães Mores, e verificarão a exac-
tidaõ dos Livro», e muito especialmente naquellas Capita-
Politica. 17
uias Mores, ou Companhias, onde lhes parecer que ha frou-
xidaõ, ou indulgência da parte dos Capitães Mores, e Ca-
pitães.
III. Depois que os Capitães Mores tiverem remettido
as Listas dos hábeis para o Recrutamento ao Coronel das
Ordenanças, fará esse uma visita aos Districtos das Capi-
tanias Mores, para ouvir as Representações daquelles, que
tiverem sido indirectamente mettidos nas Listas dos hábeis
para o Recrutamento, ou sobre os que forem excusos sem
motivos: o Coronel de Ordenanças remediará os abusos,
que tiverem havido, fazendo públicos os motivos, quando
isentar, ou excluir um individuo na classe dos hábeis.
IV. O Coronel de Ordenanças expedirá as ordens aos
Capitães Mores, para fazerem o Recrutamento, tanto para
a Tropa de Linha, como de Milicias, como detalhe do
numero de Reorutas, que deve dar cada Companhia; e
vigiará em que se proceda com toda a igualdade na exe-
cução dellas, ficando responsável pelas faltas, ou injustiças
que fizerem no seu Districto, se as não remediar a tempo,
V. No dia determinado para se ajunctarem as Recrutas,
se acharão o Coronel de Ordenanças, e os Capitães Mores
no lugar, que for Cabeça de Districto, e formarão uma
Lista de todas as Recrutas, que se tiverem feito naquella
occasião, com a declaração do nome, idade, altura, filiação,
e Officio ou emprego de cada uma, que será presente aos
Officiaes do Regimento, que forem receber as Recrutas,
como abaixo se ordenará.

Da forma com que se procederá ao Recrutamento.


I. Os Corpos da Tropa de Linha serão recrutados nos
24 Districtos, em que agora se manda dividir o Reyno, na
fôrma seguinte: E m cada um dos Districtos recrutará
V O L . XVIII. No. 104. c
18 Arwtmca.
um Regimento de Infanteria, e um de Cavallaria, ou
Batalhão de Caçadores em tal ordem, que naquelle Dis-
tricto, em que recrutar um Regimento de Cavallaria,
não recrutará algum Batalhão de Caçadores, e assim
inversamente. Em cada seis Districtos recrutará um
Regimento de Artilheria, seguidamente pelo seu turno.
O Batalhão de Artífices Engenheiros, e as Companhias de
Artilheiros Conductores recrutarão naquelles Districtos,
que o General em Chefe julgar conveniente.
II. Em tempo de Guerra serão as Recrutas mandadas
para os Depósitos Geraes das Recrutas, que se estabelece-
rão como convier, executando-se a este respeito o que se
acha determinado no artigo II. do Capitulo III. do Regula-
mento de 1812.
IIL Em tempo de Guerra serão os Depósitos fornecidos
de Recrutas na fôrma ordenada nos §§ III. e IV. do sobre-
dicto Regulamento; guardando-se, quanto for possivel, a
igualdade da distribuição do Recrutamento, e fornecendo
cada Corpo dos naturaes dos seus Districtos, quando esta re-
gularidade não pezar sobre uma Povoação mais do que
sobre a outra.
IV. Em tempo de Paz, o General em Chefe determi-
nará aos Generaes das Provincias o numero de Recrutas,
que deve dar cada Districto, e o dia em que se hão de achar
no lugar que for Cabeça do mesmo Districto, para ahi serem
entregues aos Officiaes dos Corpos, que as forem receber.
V. O General em Chefe determinará o numero de Re-
crutas em cada Districto, á vista dos Mappas dos Corpos, e
das Informações dos Inspectores, e mais clarezas, por onde
conste o numero de Praças, que faltam ao Corpo, e dos
Officiaes Inferiores, e Soldados, que devem ser demittidos
naquelle anno por moléstias, ou por terem mais de 30 an-
nos de idade, daquella, a que nesse anno se limitar o servi-
Politica. 19
ço, conforme o maior, ou menor numero de homens hábeis
para o Recrutamento, que houver nos Districtos, determi-
nando igualmente o maior limite da idade, que devem ter
as Recrutas
VI. O G eneral da Provincia expedirá as ordens conve-
nientes aos Coronéis de Ordenanças, para se executar o
Recrutamento, e estes aos Capitães Mores,ficandorespon-
sáveis pela sua execução.
VII. Os Capitães Mores procederão ao Recrutamento
na fórma ordenada no Artigo V. do Regulamento de 22 de
Agosto de 1812, chamando porém para o sorteamento cs
que forem comprehendidos nos limites da idade, que vier
marcada pelo General em Chefe.
VIII. O Capitão Mór fará executar tudo o que se acha
determinado nos Artigos VI. VII. e VIII. do Regula-
mento de 1812, e depois marchará com as Recrutas ao
lugar, em que deverá estar o Coronel das Ordenanças, onde
os apresentará com a Relação competente, e com a Rela-
ção determinada no artigo XI. do dicto Regulamento, para
serem entregues aos Officiaes dos Corpos, em que hão de
servir
IX. As Recrutas serão abonadas a razão de cento e
vinte reis por dia, na fôrma determinada noa artigos IX. e
X. do citado Regulamento, desde o dia, em que se ajuncta-
rem na Capital da Capitania Mór até chegarem aos Regi-
mentos, a que forem destinados.
X. Em tempo de Guerra, e quando houver Depósitos,
serão as Recrutas remittidas pelos Coronéis d'Ordenanças
aos Depósitos correspondentes, seguindo-se para este fim
o que se acha determinado no artigo XI. do Regulamento
de 1812.
XI. Logo que as Recrutas forem apresentadas ao Co-
ronel das Ordenanças, formará esse as relações competen-
c2
20 M. V C f «"*•*•

tes á vista das dos Capitães Mores, e as fafú ajunctar, avisará


aos Officiaes dos Corpos a que as Recrutas são destinadas,
e que ahi se devem achar; para cujo fim o General da
Provincia lhe terá passado ordem, avisando-os do dia, em
que as Recrutas devem estar promptas, e ordenando-lhes,
que mandem ahi um Official Superior, ou Capitão com os
Officiaes Inferiores proporcionados ao numero de Recrutas
para as conduzirem.
X I I . O Official de Cavallaria fará primeiro a escolha
das Recrutas, que hão de pertencer ao seu Corpo, e não
escolherá alguma, que tenha menos de cincoenta e nove
pollegadas, nem mais de sessenta e tres, preferindo sempre
os homens mais robustos, e reforçados, os filhos de Lavra-
dores, e os que tiverem já algum exercicio de andar a
cavallo. Os Officiaes de Caçadores escolherão para o seu
Corpo homens de sessenta e tres pollegadas, todos os outros
pertencerão á Infanteria.
XIII. O Coronel d'Ordenancas dará ao Official de cada
Corpo uma Lista das Recrutas, que lhe pertencerem com
as suas filiações; e acabada a entrega, remetterá uma
Lista geral das Recrutas que deo, com declaração das
Capitanias Mores, ao General da Provincia, e outra idêntica
ao Inspector Geral d'Ordenanças,

Do Recrutamento de Milicias.

I. O Recrutamento de Milicias será feito pelos Coronéis


d'Ordenanças, conforme as Ordens, que para este fim lhes
forem expedidas pelos Generaes das Províncias, em execu-
ção das que lhe forem dadas pelo General em Chefe.
II. Os Coronéis d'Ordenanças, á vista das Relações que
lhe darão os Capitães Mores, procederão ao Pecrutamento
de Milícias, seguindo as regras, que se achão detecminadas
no Título I. Capitulo V, § IL do geu Regulamento, e farão
Politica. 21

entregar aos Chefes dos Regimentos as Relações dos alis-


tados, depois de terem publicado por Editaes no Districto
de cada Companhia, aquelles que forem escolhidos, ou
sorteados para este fim, seguindo-se para a publicação das
Listas o que se acha determinado no Artigo III. do Capi-
tulo IV. do Regulamento de 1812.
III. Havendo dúvida entre os Coronéis d'Ordenanças,
e Milicias sobre o Recrutamento, ou sobre os indivíduos
recrutados, recorrerão ao General da Provincia, que dará
as Providencias, que forem necessárias.

Das penas a que ficam sujeitos os que faltarem a cum-


prir o que se acha determinado no presente Regulamento.

I. O Capitulo V. do Regulamento de 2 2 de Agosto de


1812 continuará a ser observado com as seguintes de-
clarações.
II. Os Coronéis d'Ordenanças incorrerão nas penas
determinadas no artigo I X . do dicto Capitulo para os Capi-
tães Mores, quando commetterem faltas idênticas aquellas,
para que são applicadas as dietas penas: as multas, que na
fôrma do artigo X . devem ser entregues nas Caixas dos
Donativos, o serão daqui por diante na Thesouraria Geral,
com as mesmas condições determinadas no referido artigo X .
III. Os Capitães Mores communicarão aos Coronéis
d'Ordenanças as faltas, que commetterem os seus subordi-
nados ; e a estes pertencerá fazer as participações corres-
pondentes aos Magistrados, a fim de se cobrarem as multas,
fazendo outra ao General da Provincia, e uma idêntica ao
Inspector d'Ordenanças, para subirem ás mãos do General
em Chefe. O General da Provincia remetterá igualmente
ao General em Chefe a relação conforme o modelo ( 1 ) ,
ordenado no artigo .XI.
2 2 XVmm-Uim*.

IV. O Artigo XII. continuará a ser executado com de-


claração de que os Generaes das Provincias darão parte
ao General em Chefe de todos os objectos relativos ás Or-
denanças, que merecerem providencias, que não estejam na
sua Authoridade.
Palácio do Rio de Janeiro 21 de Fevereiro de 1816.
Marques de Aguiar.

Alvar ^ commettendo aos Tribunaes de Lisboa; os negó-


cios das Ilhas dos Açores e Madeira.
E u E l R e y faço saber aos que o presente Alvará, com
força de ley virem; que, tendo determinado no Alvará de
6 de Maio de IS03, em delaraçaÕ do outro de Io de Mayo
de 1808, que os aggravos ordinairos e appellaçoens das
Ilhas dos Açores, Madeira e Porto Santo se interpozessem
para a Casa. da Supplicaçaõ de Lisboa, pela maior, mais
breve e fácil communicaçaõ, que com esta cidade tem os
referidos portos, a fim de que «os. meus fieis vassallos,
habitadores destas partes de meos Estados tenham mais
commoda e prompta decisaõ de seos pleitos, por serem
mais curtas e freqüentes as viagens para Lisboa; e consi-
derando que os mesmos motivos se verificam nos negó-
cios, cuja expedição pertence aos meos tribunaes, fazendo-
se muito morosa a sua decisaõ nos desta Corte pela falta
de embarcaçoens, e pela tardanpa das informaçoens e ou-
tras diligencias a que convém proceder primeiro quo se
decidam a final; eou servido, para remediar estes incon-
varsientes, determinar; que, da qui em diante, todos os
negócios dos habitantes das referidas lhas dos Açore*,
Madeira e Porto Santo, cuja decisaõ perlence aos meos
tribunaes, se decidam nos de Lisboa, ficando porém para
Politica. 23
se ultimarem nos desta corte os que nelles tiveram princi-
pio, e estaõ correndo, entendendo-se neeta conformidade
todos os Alvarás que os creáram e estabeleceram.
Pelo que, mando a todos os tribunaes do Reyno Unido
de Portugal e do Brazil e Algarves, Ministros de Justiça e
hiais pessoas, a quem o conhecimento deste Alvará perten-
cer, o cumpram e guardem, naõ obstante quaesquer leys
ou disposiçoens em contrario: e valerá como carta pas-
sada pela Chancellaria, posto que por ella naõ ha de pas-
sar, e que o seu efteito haja de durar mais de um anno,
sem embargo da ordenação que outra cousa determina.—
Dado no Palácio do Río-de-Janeiro, aos 5 de Julho de 1816.

REY

Marquez d' Aguiar.

Portaria dos Governadores do Reyno de Portugal, levan-


tando o Seqüestro nas propriedades Francezas.

Estando felizmente restabelecidas as relaçoens de am -


zade e boa Correspondência entre El Rey nosso Senhor,
e o muito alto e mui poderoso Principe o Senhor Luiz
XVIII, Rey de França e de Narvarra, seo bom irmaõ e
primo: equerendo S . M . fazer cessar, quanto antes,os
funestos effeitos de uma guerra, que desgraçadamente
interrompeo por longo tempo as mencionadas relaçoens;
foi servido ordenar por sua Carta Regia de 5 de Septem-
bro próximo passado, que tam depressa esta Real ordem
fosse recebida, se fizesse levantar o seqüestro, que nestes
seos Reynos se impôs, durante a guerra, nas propriedades
e fundos dos vassallos de S. M. Christianissima, o que
manda participar á Meza do Dezembargo do Paço, para
24 folituza.
que assim o fique entendendo e faça executar; mandando
expedir logo as ordens necessárias para o seo exacto e
prompto cumprimento. Palácio do Governo, em I de
Novembro de 1816.
Com duas rubricas dos Governadores do Reyno.

Portaria dos Governadores do Reyno de Portugal pro-


hibindo aos estrangeiros a navegação costeira.

Tendo chegado ao conhecimento d ; El Rey N. S. que em


alguns portos do Reyno Unido e ilhas respectivas, onde a
navegação e commercio estaõ franqueados aos vassallos e
navios das naçoens estrangeiras, tem tolerado as compe-
tentes authoridades territoriaes, que os dictos navios car-
reguem e transportem mercadorias de um porto para
outro porto Portuguez; e assim façam prejudicial con-
currencia aos navios nacionaes, que devem privativa-
mente fazer o referido commercio; e querendo S. M. naõ
somente atalhar o progresso do sobredicto abuso, mas
também estabelecer sobre este objecto a conveniente uni-
formidade de intelligencia e observanica; he servido, em
conseqüência das suas immediatas ordens, que todas as
estaçoens, a que o conhecimento desta Real, Determina-
ção deva pertencer, tenham a maior vigilância, em prohi-
bir que navios estrangeiros carreguem e transportem
quaesquer gêneros e mercadorias de um para outro porto
Portuguez do Reyno Unido de Portugal Brazil e Algar-
ves e ilhas respectivas. As authoridades, a quem compe-
tir, o tenham assim entendido e cumpram e observem in-
violavelmente como se determina. Palácio do Governo,
em 23 de Novembro de 1816.
Com as rubricas dos Governadores do Reyno.
Politica. 25
ÁUSTRIA.

Titulos do Imperador
A Corte de Áustria communicou oficialmente ao ca-
binete do Rio-de-Janeiro, os titulos Imperiaes da Áustria
Ordinário e Médio: e saõ os seguintes, com as corres-
pondentes armas:
Titulo Ordinário. u Nós Francisco I, por Graça de
Deus Imperador da Áustria, Rey da Hungria e Bohemia,
da Lombardia, e Veneza, da Galicia e Lodomeria, Archi-
duque de Áustria &c. &c.
As armas correspondentes, saõ compostas do Corpo
principal, e das armas no meio deste. O corpo principal
representa a Águia Imperial Austríaca, coroada com a
Coroa Imperial. As armas do meio contém as armas
Genealogicas da Casa Imperial em tres catnpos: o da di-
reita com as armas de Habsbourg, o do meio com as da
Casa d'Áustria, e á esquerda as armas da familia do
Duque de Lorena. As sobredictas Armas estaõ guar-
rsecidas com as insígnias das Ordens Austríacas pela
maneira seguinte: pendente por ultimo a do Tozaô
d'Ouro, do lado deste a de Maria Thereza; depois destas
fica pendente no meio a de Santo Estevão, com a ordem
de Leopoldo na direita e na esquerda a Ordem da Coroa
de Ferro.
Titulo Médio. Nós Franciseo I, por Graça de Deus,
Imperador da Áustria, Rey de Jerusalém, Hungria, Bo-
hemia Lombardia e Veneza, Dalmacia, Croácia, Escla-
vonia, Galicia e Lobardia: Archiduque de Áustria, Duque
de Lorena, Saltzbourg, Carinthia, Styria, Carniola, e da
Silezia Superior e Inferior; Principe de Transilvania;
Marquez de Moravia, Conde de Habsbourg e do Tyrol,
&c. &c.
VOL. XVni. No. 104. D
26 Politica.
As armas correspondentes saõ compostas do Corpo
principal, das armas no meio deste, e de mais dez escu-
detes collocados em circuito, a uma pequena distancia
das armas do meio, uns por cima dos outros em oval. O
Corpo principal representa a águia Imperial-d'Áustria-.
As armas do meio contém as armas genealogicas da casa
Imperial em tres campos: o da direita com as armas de
Habsbourg, o do meio com as armas da casa d'Áustria, e o
da esquerda com as da familia de Lorena. As sobredic-
tas armas saõ guarnecidas com as insígnias das Ordens
Austríacas pela fôrma seguinte: fica pendente na extre-
midade a do Tosaõ d'Ouro, ao lado desta a da Ordem Mi-
litar de Maria Theresa; depois desta embaixo, e no meio
a de S. Estevão, com a da Ordem Imperial Austríaca de
Leopoldo a direita, e a da Ordem da Coroa de Ferro á
esquerda. Os escudetes ao lado estaõ dispostos desde o
colo da Águia ao longo das azas, e reunem-se embaixo:
cada um tem os seus ornatos e collécam-se da maneira se-
guinte : o primeiro á direita he das armas da Hungria
antiga e nova unidas, por baixo as armas do Reyno de
Lombardia e de Veneza; depois as do Archiducado de
Áustria; ás quaes se seguem as do Principado deTransyl-
vania e por ultimo as armas da Moravia e da Silesia: o
primeiro â esquerda he das armas de Bohemia, ao qual se
seguem inferiormente uns depois dos outros os das armas
da Galicia, de Saltzbourg, de Styria, da Corinthia e do
Tyrol.
Politica. 27

ESTADOS UNIDOS.

Mensagem do Presidente dos Estados Unidos ao Congresso


na abertura da sessaõ,em Washmgtonyaos 3 de
Dezembro de 1816.

Considadaõs do Senado,
e da Casa dos Representantes.
Olhando para o estado actual do nosso paiz, naõ se pode
subtrahir a nossa attenção, dos effeitos que tem produzido
as estaçoens peculiares, que por toda a parte tem deteri-
orado os annuaes dons da terra, e, em alguns districtos,
ameaça escacez. E comtudo, tal he a variedade dos terrenos,
dos climas e das producçoens dentro de nossos extensos li-
mites, que o aggregado dos recursos, para a subsistência, he
mais do que sufficiente, para o aggregado das necessidades.
E em tanto quanto a economia no consumo, mais do que
usual, pode ser necessária, devemos dar graças á Providen-
cia, pelo que he ainda mais do que compensação daquella
desavantagem; isto he, a salubridade notável, que tem
distinguido o presente anno.
H e para lamentar, que se experimente certo abati-
mento em alguns ramos de nossas manufacturas, e n 'uma
parte de nossa navegação; no meio das vantagens que se
tem seguido à paz da Europa, e à dos Estados Unidos com
a Gram Bretanha; posto que dahi resultasse o geral aco-
roçoamento da industria entre nós, e mesmo a extençaõ
de nosso Commercio. Como o abatimento das Manu-
facturas resulta, em gráo essencial, do excesso das merca-
dorias importadas, o que traz comsigo mesmo limites á sua
tendência, a causa, na sua presente extenção, naÕ pôde ser
de longa duração. O Congresso*, porem, naÕ olhará para
este mal sem se lembrar de que, se se deixarem abater os
estabelicimentos de manufacturas; ou continuarem em
D2
2g Politica.
lanmiidez por longo tempo, naõ tornarão mais a reviver,
ainda depois de haverem cessado as causas; eque,nas
vicissitudes dos negócios humanos, podem occurer outra vez
situaçoens, em que a dependência de recursos estrangeiros
venha a ser um dos mais sérios embaraços.
O estado de abatimento em que se acha a nossa nave-
gação deve ser attribuido, em grande parte, á sua exclu-
são dos portos coloniaes da naçaõ, que tem comnosco as
mais extensas relaçoens commerciaes; e á operação indi-
recta daquella exclusão.
Antes da ultima convenção de Londres entre os Estados
Unidos e a Gram Bretanha, o estado relativo das leys da
navegação em ambos os paizes, em conseqüência do tracta-
do de 1794, tinham dado á navegação Britannica grande
vantagem sobre a Americana; nas communicaçoens entre
os portos Americanos e os portos Britannicos na Europa.—
A convenção de Londres igualou as leys de ambos os paizes,
relativamente a estes portos; deixando a communicaçaõ,
entre os nossos portos e os portos das colônias Britannicas,
sugeitos, como d' antes, aos respectivos regulamentos das
duas partes. Pondo agora o Governo Britannico em força
os re^nilam entos, que prohibem o commercio, entre as suas
colônias e os Estados Unidos, em navios Americanos, ao
mesmo tempo que permittem aquelle commercio em navi-
os Inglezes, perde nisso consequentemente a navegação
Americana; e esta perda se augmenta, pela vantagem que
se dá ao competidor Britannico sobre o Americano, na na-
vegação entre os nossos portos e cs portos Britannicos na
Europa, pelas torna-viagens que podem gozar uns, e que
naÕ podem gozar os outros.
A razoável regra da reciprocidade, applicada a um
ramo da communicaçaõ commercial, tem sido urgida por
nossa parte, como applicavel a ambos os ramos; porém
Politica. 21*
está averiguado que o Gabinete Inglez naõ quer entrar
em negociação alguma a este respeito; e comtudo de-
clara, que naõ julgará como prova de pouca amizade, o
adoptarem os Estados Unidos regulamentos de opposta
tendência, que sirvam de contrabalançar aquelles effeitos
de que nos queixamos. A sabedoria da Legislatura deci-
dirá do caminho, que, nestas circumstancias, nos he pre-
scripto, pela duplicada consideração das relaçoens amigá-
veis entre as duas naçoens, e os justos interesses dos Esta-
dos Unidos.
Tenho a satisfacçaõ de dizer que, geralmente, estamos
em amizade com as potências estrangeiras.
Na verdade houve uma occurrencia no Golpho México,
que, se for approvada pelo Governo Hespanhol, pode fazer
uma excepçaõ, pelo que respeita aquella potência. Se-
gundo a participação do nosso commandante da marinha
naquella estação, um dos nossos vasos públicos armados
foi atacado por uma força decididamente superior, debaixo
de um commandante Hespanhol, e a bandeira Americana,
com os officiaes e equipagem, insultados de tal maneira,
que exige prompta indemnizaçaõ. Pedio-se isto. No
entanto se mandaram para aquelle golpho uma fragata e
um vaso de guerra menor, a fim de proteger o nosso com-
mercio. Seria impróprio omittir, que o representante de
S. M. Catholica, nos Estados Unidos, sem perda de
tempo, deo as maiores seguranças de que nenhuma ordem
hostil podia ter emanado de seu Governo, e que elle estaria
prompto a prestar assim como a esperar tudo quanto a
natureza do caso, e as relaçoens amigáveis entre os dous^
paizes pudessem requerer!
A situação de nossos negócios com Argel naÕ he ainda
sabida, no momento actual. O Dey, tirando pretextos
das circumstancias, pelos quaes os Estados Unidos naõ
grt folitica.
eram responsáveis, dirigio uma carta a este Governo,
declarando, que o tractado ultimamente concluído com
elle tinha sido annullado, porque nós o tínhamos violado;
e apresentava, como alternativa, a guerra, ou a renovação
do antigo tractado, o qual estipulava, entre outras cousas,
um tributo annual. A resposta, com uma declaração ex-
plicita, que os Estados Unidos preferiam a guerra ao tri-
buto, requeria o seu reconhecimento e observância do
ultimo tractado, que annulla o tributo, e a escravidão de
nossos cidadãos. O resultado da resposta ainda se naõ
recebeo. Se elle tornar a fazer a guerra contra o nosso
commercio, fazemos estribar a sua protecçaõ nas forças
navaes, que actualmente temos no Mediteraneo.
Os nossos negócios naõ tem padecido mudança, nos
outros Estados da Barbaria.
As tribus de índios, dentro dos nossos limites, também
parecem dispostas a permanecer em paz. Tem-se com-
prado terras a algumas dellas, o que tem sido peculiar-
mente favorável aos desejos e segurança de nossos estabe-
licimentos das fronteiras, assim como aos interesses geraes
da Naçaõ. Em alguns exemplos, os titulos, posto que
naõfossem sustentados por devida prova, e que fossem dis-
putados pelas pretençoens de outros, fôram estabelecidos
fazendo-se duas compras: porque á benevola política dos
Estados Unidos preferio o augmento de despeza ao risco
de fazer uma injustiça, ou de fazer-se justiça, forçando um
povo fraco e sem instrucçaõ, por meios que exigiriam ou
emeaçaríam a eflusaÕ de sangue. Julgo-me feliz em
poder accrescentar, que a tranquillidade, que se tem resta-
belecido nas mesmas tribus entre si, assim somo entre ellas
e a nossa população, favorecerá a continuação da obra da
civilização, que tinha feito progressos de animar, entre as
mesmas tribus; e que a facilidade augmenta, para se
Politica. 31
poder extender ao terreno aquella propriedade dividida e
individual, que existe agora somente na propriedade
movei; e de estabelecer assim na cultura e melhora-
mento do chaõ, o verdadeiro fundamento para a transição
dos custumes selvagens para as artes e conforto da vida
social.
Como objecto da maior importância para a felicidade
nacional, devo outra vez tornar a recommendar ã consi-
deração do Congresso, a reorganização das milicias, debaixo
de um plano que a forme em classes, segundo os períodos
da vida mais ou menos adaptados para o serviço militar.—
A Constituição authorizou e contemplou uma milicia
effectiva; e esta he também requerida pelo espirito e
segurança de um Governo livre. A presente orga-
nização de nossa milicia he universalmente olhada como
menos effectiva do que devia s e r ; e nenhuma organização
pode ser mais bem calculada para dara-lhe a sua devida
força, do que uma classificação, que assigne a parte mais
conspicua, na defensa do paiz, aquella porçaõ de cidadãos,
cuja actividade e animo melhor os habilite para se arran-
jarem juncto aos seus estandartes. Alem da considera-
ção de que o tempo de paz he o tempo, em que se pôde
fazer esta mudança com a maior conveniência e utilidade;
accresce também agora o auxilio da experiência na guer-
ra recem-passada, em que a milicia tomou tam interes-
sante parte.
O Congresso trará á sua lembrança, de que ainda se
naõ tem dado providencias adequadas para a uniformidade
dos pezos e medidas, que também a Constituição con-
templou. A grande utilidade de um padraõ fixo em sua
natureza, e fundado na fácil regra das proporçoens deci-
maes, he sufficientemente obvia. Isso induzio o Gover-
no, em seus princípios, a dar alguns passos preparatórios
g2 Política.
para sua introducçaõ; e o complemento desta obra será
justo titulo para a gratidão do publico.
A importância, que tenho dado ao estabelicimento de
uma Universidade, dentro deste districto; em tal magni-
tude e para os objectos dignos da naçaõ Americana, me
impelle a renovar a minha recommendaçaÕ deste plano, á
favorável consideração do Congresso; e outravez convido
particularmente a sua attençaõ ao expediente de exercitar
os poderes que actualmente t e m ; e, se for necessário, recor-
rer ao modo prescripto de os ampliar, em ordem a effectuar
um systema comprehensivo de estradas, e de canaes, que
produzam o effeito de unir mais intimamente todas as
partes de nosso paiz, promovendo a sua communicaçaõ
e melhoramentos, e augmentando a participação de cada
u m nos fundos communs da prosperidade nacional.
Certos acontecimentos, que tiveram lugar, tem mos-
trado, que as providencias de nossos estatutos, na distri-
buição da justiça criminal, saõ defeituosos, tanto pelo que
respeita o lugar, como pelo que respeita ás pessoas, de-
baixo do conhecimento da authoridade nacional; pelo
que merecerá a immediata attenção da Legislatura a
reforma da ley, que abrange taes casos. Será também
uma occasiaõ favorável de indagar até que ponto se deve
requer a ingerência da Legislatura, para providenciar sobre
as penas, nos crimes designados pela Constituição, ou por
Estatutos, e para os quaes ou naõ ha penas, que lhe este-
jam annexas, ou naõ os ha com sufficiente certeza. E eu
submeti» á sabedoria do Congresso o considerar, se he ou
naõ conveniente fazer uma revista geral do Código Crimi-
nal, para o fim de mitigar, em certos casos, as penas que
nelle se adoptaram, antes das experiências e exemplos,
que justificam uma mais suave.
Tendo sido os Estados Unidos os primeiros que abo-
Politica. 33
ram, dentro da extençaõ de seus territórios, a transpor-
taçaõ dos naturaes de África para a escravidão; prohi-
bindo a introducçaõ de escravos, e castigando os seus con-
cidadãos que participassem deste trafico, naõ pôde deixar
de ser-lhes grato os progessos, que fazem os esforços con-
currentes de outras naçoens, para a geral suppressaõ de
tam grande mal. Elles devem sentir ao mesmo tempo a
maior solicitude, em dar plena efficacia a seus próprios
regulamentos. Com estas vistas parece ser necessária a
ingerência do Congresso; porque se nos tem suggerido,
que tem havido nisto violaçoens e evasoens, que se impu-
tam a indignos cidadãos, que tomam parte no trafico da
escravatura, debaixo de bandeiras estrangeiras, e em por-
tos estrangeiros; e em collusivas importaçõens de escravos
para os Estados Unidos, por via dos portos e territórios
adjacentes. E u apresento este objecto ao Congresso, na
plena confiança de sua disposição a applicar-lhe todo o
remédio, que se pôde dar por uma reforma da ley.—
Os regulamentos, que se destinavam a obviar os abusos
de um character similhante, no commercio entre os dif-
ferentes Estados, deve também fazer-se mais efficaz, para
seu humano objecto.
A esta recommendaçaõ accrescento, para consideração
do Congresso, o expediente de uma modificação no esta-
belicimento judicial, e do augmento de uma Repartição no
ramo executivo do Governo.
O primeiro se faz necessário, pelo augmento dos negó-
cios, que naturalmente fazem crescer os deveres dos Tri-
bunaes Federaes; e pela extençaõ de espaço, em que
elles tem de administrar a justiça. Parece que he che-
gado o tempo, que pede para os membros da Corte Su-
prema de Justiça, o serem aliviados das fadigas de viagens,
incompatíveis com a idade, a que uma parte de seus mem-
V O L . XVIII. No. 104. E
g4 foinica.
bros deve ter chegado, assim como também com os
estudos e preparaçoens, que saõ devidos a seus lugares e
â reputação jurídica de seu paiz. E consideraçoens igual-
mente cogentes requerem uma organização mais conve-
niente dos tribunaes subordinados, o que se pode execu-
tar sem algum augmento considerável no numero ou
despezas dos juizes.
A extençaõ e variedade dos negócios do Executivo, que
também se accumulam com os progressos de nosso paiz,
e augmento de população, faz necessária mais outra
Repartição, a quem se encarreguem deveres, que super-
abundam agora em outras Repartiçoens, e que naõ tem
sido annexas a nenhuma repartição em particular.
O decurso da experiência recommenda, como outro
melhoramento, no Estabelicimento Executivo, que se aug-
mente e se faça adequado aos seus serviços, o ordenado do
Procurador Geral; cuja residência na sede do Governo,
connexoens officiaes com elle, e manejo dos negócios
públicos pendentes ante o judicial, lhe naÕ permittem o
participar dos emolumentos de sua profissão; e, com as
vistas de sua razoável accommodaçaõ, e próprio deposito
de suas opinioens e procedimentos officiaes, se incluam
nesse ordenado os pertences usuaes de um cartório ou
secretaria publica.
Chamando a attençaõ da Legislatura para o estado
das nossas finanças, he objecto de grande satisfacçaõ o
achar, que, mesmo dentro do breve periodo, que tem de-
corrido, desde que voltou a paz, o rendimento tem exce-
dido muito além das despezas correntes do thesouro; e
que, na supposta diminuição provável de seu producto
annual para o futuro, que possam occasionar as vicissi-
tudes do commercio, ainda assim dará amplo fundo, para
a effectiva e próxima extincçaõ da divida publica. Tem-
Politica. 35
se calculado que, durante o anno de 1816, a receita
actual dos rendimentos no Erário, e exclusivo dos pro-
ductos de empréstimos, e notas do Thesouro, incluindo o
balanço no principio do anno, chegara á somma de 47
milhoens de dollars; que, durante o mesmo anno, os paga-
mentos actuaes do Thesouro, incluindo o pagamento dos
atrazados na Repartição de Guerra, assim como o paga-
mento de um excesso considerável; alem das appropria-
çoens annuaes, chegarão a somma de 38 milhoens de
dollars, e que consequentemente no fim do anno haverá
um sobreexcedente no Thesouro de cerca de 9 milhoens
de dollars.
As operaçoens do Thesouro continuam a ser obstruídas
pelas difficuldades, que resultam da condição do nosso
meio circulante; e com tudo ellas tem sido efficazes, em
certa extençaõ benéfica, na diminuição da divida publica;
e no estabelicimento do credito publico. A divida fluctu-
ante das notas do Thesouro, e os imprestimos temporários
seraõ brevemente pagos no total. O aggregado da divida
fundida, composta das dividas que se contrahíram durante
as guerras de 1776 e 1812, tem sido avaluado, relativa-
mente ao primeiro de Janeiro próximo futuro, em uma
somma, que naõ excede 110 milhoens de dollars. E o
rendimento permanente, que se ha de obter de todas as
fontes existentes, se tem avaluado em uma somma cerca
de 25 milhoens de dollars.
Neste ponto de vista geral he obvio, que só se necessita
para a prosperidade fiscal do Governo, o restabelicimento
de um meio uniforme de cambio. Os recursos e fe da
Naçaõ, patenteados no systema, que o Congresso tem
estabelecido, assegura o respeito e confiança, tanto entre
nós como no estrangeiro. As accumulaçoens locaes dos
rendimentos tem ja abilitado o Thesouro a satisfazer as
E2
OC JTOt/lm*w.

obrigaçoens publicas na moeda corrente da maior parte


dos Estados; e se espera que a mesma causa produzirá
o mesmo effeito, em toda a Uniaõ. Mas, para os interesses
da communidade em geral, assim como para os fins do
Thesouro, he essencial que a naçaõ possua uma moeda
corrente de igual valor, credito e uso, em qualquer parte
que circule. A Constituição tem confiado ao Congresso,
exclusivamente, o poder de crear e regular moeda cor-
rente daquella descripçaõ; e as medidas, que se adop-
táram durante a sessaõ passsada, em execução deste
poder, promettem todo o bom successo. O banco dos
Estados Unidos tem sido organizado debaixo dos mais
favoráveis auspícios e naõ pôde deixar de ser de impor-
tante auxilio aquellas medidas.
Transmiti» um extracto do ultimo relatório do Ex-Se-
cretario do Thesouro, antes de ter resignado o seu lugar;
para com elle dar mais ampla idea dasfinançaspublicas, e
das medidas, que entaõ se adoptáram na Repartição do
Thesouro. O Congresso verá nisso amplas provas dos
sólidos alicerces sobre que se funda a prosperidade finan-
cial da Naçaõ; e fará justiça á distincta abilidade, e bem
succedidos esforços com que se executaram os deveres
da quella Repartição, durante um periodo, notável por suas
difficuldades, e suas peculiares perplexidades.
Estando pouco distante o periodo, em que tenho de reti-
rar-me do serviço publico, naõ acharei talvez occasiaõ
mais própria do que a presente, para expressar a meus
concidadãos o meu profundo reconhecimento, pela conti-
nuada confiança, e benigno apoio, que delles tenho rece-
bido. A minha agradecida lembrança destes distinctos
signaes de sua favorável attençaõ, nunca acabará, e com a
consciência de que, se naõ tenho servido a minha pátria
com a maior abilidade, tenho-a servido com sincera
Politica. 27
devoção, me acompanhará como fonte inexhaurivel de
prazer.
Felizmente levarei comigo, saindo do theatro publico,
outras fontes, que saberão melhor appreciar aquelles que
mais amam a sua pátria. E u olharei para ella abençoada
com a tranquillidade e prosperidade interna, e com a paz
e respeito externos. E u me deleitarei na orgulhosa r e -
flexão, de que o povo Americano tem chegado a salva-
mento, e com bom successo, ao quadragesimo anno de uma
naçaõ independente; que por uma quasi inteira geração
tem tido a experiência de sua presente Constituição, fructo
de suas tranquillas deliberaçoens e de sua livre escolha -
e que tem achado que ella pode soffrer os experimentos
de circumstancias adversas, assim como prosperas; e que
contém na sua combinação dos principios federaes e elec-
tivos, a compatibilidade da força publica com a liberdade
individual; do poder nacional, para defeza dos direitos na-
cionaes, com a segurança contra as guerras injustas, ambi-
ciosas ou de vaã gloria; na providencia fundamental, que
submette todas as questoens de guerra á vontade da mes-
ma naçaõ, que tem de pagar os seus gastos, e sentir as suas
calamidades. Nem he menos peculiar felicidade desta
Constituição, tam chara para todos nós, que se acha ser
capaz, sem perder nada de sua energia vital, de se dilatar
por um espaçoso território, com o augmento e latitude da
communidade, para cujo beneficio foi estabelecida.
E naõ poderei eu também accrescentar, a este agra-
dável espectaculo, que lerei no character do povo Ame-
ricano, na sua devoção à verdadeira liberdade, e â Consti-
tuição, que he o seu palladio, seguros pressagios, de
que a distincta carreira de minha pátria apresentará um
Governo, que seguirá o bem publico como seu único
objecto, e regulará, os seus meios pelos grandes princi-
gg Ê-onvtCv.
pios consagrados em sua Carta, e pelos principios moraes
a que elles saõ tam alliados ; um Governo que vigie sobre
a pureza das eleiçoens, a liberdade da imprensa, o processo
por jurado, e o igual interdicto contra as usurpaçoens e
pactos entre a religião e o Estado, q u e mantém invio-
lavelmente as máximas da fé publica, a segurança das
pessoas e da propriedade, e anima, por todos os modos
authorizados, aquella diffusaõ geral de conhecimentos, que
assegura á liberdade publica a sua permanência, e aos
que possuem as bençaõs o seu verdadeiro gozo: um Go-
verno, que evite intrometter-se com o descanço interno
de outras naçoens, e que as repulse também do seu'*
que faça justiça a todas as naçoens, com uma promptidaõ
igual á firmeza com que requerer delles a justiça; e que
em quanto apura e limpa o seu Código interno de todos os
ingredientes naõ análogos aos preceitos de um século illu-
minado, e aos sentimentos de um povo virtuoso, procure,
appellando para a razaõ, e com o seu exemplo liberal,
infundir nas leys que governam o Mundo civilizado, um
espirito, que possa diminuir a freqüência, ou circumscrever
as calamidades da guerra, e melhorar as sociaes e benéfi-
cas relaçoens da paz: um Governo n'uma palavra,cujo
comportamento, na naçaõ e fora delia, possa manifestar a
mais nobre de todas as ambiçoens—a de promover a paz
sobre a terra e boa vontade entre os homens ?
Estas contemplaçoens, adoçando o resto de meus dias,
animarão as minhas oraçoens, pela felicidade de minha
amada pátria, e perpetuidade das instituiçoens, com as
quaes a goza.
JAIMES MADISON.
Politica. 39
FRANÇA.

Decreto destinando a Ordem de S. Miguel para premiar


as Sciencas.
Luiz, pela graça de Deus, Rey de França e de Na-
varra, &c.
Desejando preservar à Ordem de S. Miguel o esplen-
dor que havia gozado sob os Reys nossos predecessores
temos decretado e decretamos o seguinte:—
Art. 1. A Ordem de S. Miguel he especialmente
destinada a servir de recompensa e animar aquelles dos
nossos subditos, que se distinguirem na literatura, sci-
encia, e artes, ou por descubertas, obras, e emprezas
úteis ao Estado.
2. O numero dos Cavalleiros he limitado a 100.
3. Todos os requirimentos de admissão á Ordem de S.
Miguel seraõ dirigidos ao Ministro da nossa Casa, que sub-
metterá o relatório a nós mesmos, e proporá'aquelles, que
forem qualificados para admissão.
O Ministro de nossa Casa he encarregado da execução
deste Decreto.
16 de Novembro, 1816.
(Assignado) Luiz.
(Outra Ordenança contem os nomes de 34 pessoas ad-
mittidas a esta distineçaõ; entre as quaes se acham médi-
cos, negociantes, advogados, banqueiros, pintores, archi-
tectos, &c.)

NÁPOLES.
Decreto de confirmação de privilégios aos Sicilianos.
Fernando I. pela graça de Deus Rey do Reyno das
DUas Sicilias, &c. &c. &c.
^Q Politica.
Desejando confirmar os privilégios, que fôram conce-
didos por nós, e pelos monarchas nossos predecessores aos
nossos amados Sicilianos, e reconciliar a inviolabilidade
destes privilégios com a unidade das instituiçoens politicas,
temos pela presente ley, sanccionado, e sanccionamos, o
seguinte:
Art. 1 . Todos os empregos civis e ecclesiasticos na
Sicilia, além do Estreito, seraõ, na conformidade dos ca-
pitulares dos monarchas nossos predecessores, conferidos
exclusivamente a Sicilianos, sem que os outros vassallos
de nossos Estados desta parte do Estreito tenham jamais
titulo a pretendêllos; da mesma maneira que os Sicilianos
naõ poderão ter algum direito aos empregos civis e reli-
giosos dos outros nossos dominios acima mencionados.
Pomos entre o numero dos lugares, que exclusivamente
se devem dar aos Sicilianos, o Arcepisbado de Palermo;
ainda que nosso Augusto Pay, Carlos III. reservou a
disposição para si mesmo, na Gram-Charta que outorgou
aos Sicilianos.
2. Os nossos vassallos Sicilianos alem do Estreito seraõ
admittidos a todas as grandes dignidades, do Reyno das
Duas Sicilias, na proporção da população da Ilha.
Sendo esta população uma questão concernente á de
todos os nossos dominios; a quarta parte do nosso Con-
selho de Estado será composta de Sicilianos, e as outras
tres quartas partes de vassallos dos outros nossos dominios.
A mesma proporção se observará quanto aos lugares
de Ministros e Secretários de Estado. As primeiras dig-
nidades da Corte, e os lugares de nossa representação e
agentes nas Cortes Estrangeiras.
3. Em lugar de dous Consultores Sicilianos, que se-
gundo a concessão de nosso Augusto Pay, eram membros
da antiga Juncta de Sicilia, haverá sempre no Supremo
Conselho da Chancellaria das duas Sicilias umlnumero de
Política. 41
Conselheiros Sicilianos, segundo a proporção fixa no ar-
tigo precedente.
4. Os officiaes do nosso exercito e marinha, e da nossa
Casa Real, seraõ conferidos a todos os nossos subditos, sem
distineçaõ da parte dos nossos dominios de que fôram ori-
undos.
5. O Governo de todo o Reyno das duas Sicilias
estará sempre juncto ã nossa Pessoa. Quando nós resi-
dir-mos na Sicilia, teremos por Governador em nossos
Estados, desta parte do Estreito, um Principe de nossa
Familia, ou outra personagem de distineçaõ, que nós esco-
lheremos d' entre os nossos vassallos.
Se for um Principe da familia Real, terá com sigo um
dos nossos Ministros de Estado, que se correspondera com
os Ministros e Secretários de Estado, que residirem juncto
à nossa Pessoa; e terá com sigo, outro sim, dous ou mais
Directores, para presidirem naquellas secçoens das Secre-
tarias dos Ministros e Secretários de Estado, que julgar-
mos conveniente deixar no lugar, para a administração
daquella parte dos nossos Dominios.
Se o Governador naõ for um Principe, será elle mesmo
revestido do character de Ministro Secretario de Estado,
corresponderá directamente cornos Membros e Secretários
de Estado que estiverem com nosco; e terá dous ou mais
directores para aquelle fim.
6. (Os mesmos regulamentos se extendem ao Govemo
da Sicilia, quando El Rey residir desta parte do Es-
treito.)
7. Estes Directores, em ambos os casos, seraõ esco-
lhidos promiscuamente, dentre todos os nossos vassallos,
como se determinou, relativamente á Sicilia, sobre os
antigos officios de Consultor e Conservador, que saõ sub-
stituídos pelos dictos Directores.
VOL. XVIII. No. 104. P
42 Politica.
8. Os processos judiciaes dos Sicilianos continuarão a
ser decididos, até á ultima instância, nos tribunaes Sici-
lianos. E m conseqüência estabelecer-se-ha na Sicilia
uma Corte Suprema, que será superior a todos os Tribu-
naes daquella Ilha; independente da Corte Suprema dos
nossos Estados, nesta parte do Estreito, assim como esta
será independente da Sicilia, quando nós residirmos na-
quella Ilha. A organização desta Corte será regulada
por uma ley particular.
9. A abolição dos direitos feudaes será mantida na
Sicilia, como nos outros nossos Estados desta parte do
Estreito
10. Fixaremos cada anno a parte, que deve pertencer
á Sicilia, nas despezas permanentes do Estado; e regu-
laremos a maneira de sua repartição; porem esta parte
annual nunca poderá exceder a somma de 1:847.687
onças e 20 Tari, que fixou, em 1813, o Parlamento,
como renda certa da Sicilia.—Naõ se poderá por forma
nenhuma impor maior somma, sem o consentimento do
Parlamento.
1 1 . Da dieta quota se tirará todos os annos uma somma,
que naõ será menos de 150.000 onças, a qual será appli-
cada para o pagamento da divida, que naõ tem juros, e dos
atrazados dos juros da parte que os vence, até a total ex-
tincçaõ de ambas: quando estas duas dividas estiverem ex-
tinetas, esta somma será empregada annualmente em for-
mar um fundo de amortização, para a divida Siciliana.
12. E m quanto se naõ promulgar o systema geral da
Administração Civil e Judicial do nosso Reyno das Duas
Sicilias, todos os ramos da Justiça e Administração con-
tinuarão no mesmo pé em que d'antes estavam.
Queremos e ordenamos, que a presente ley assignada
por nós, certificada pelo nosso Conselheiro, e nosso Mi-
Commercio e Artes,. 43

nistro de Estado nos Negócios de Graça e Justiça; e


contrasignada pelo nosso Conselheiro e Chanceller Mi-
nistro e Secretario de Estado; registrada e conservada
na nossa Chancellaria Geral do Reyno das Duas Sicilias,
seja publicada em todo o Reyno, com as solemnidades
ordinárias, pelas authoridades competentes, qüe disso pas-
sarão fé, e olhàraõ pela sua execução. O nosso Chanceller
Ministro do Reyno das Duas Sicilias he especialmente
encarregado desta publicação. Caserta, em 12 de De-
zembro, de 1816.
(Assignado) FERNANDO.

O Ministro de Graça e Justiça M A N H E S E TOMMASI.


O Ministro Secretario d' Estado, Chanceller TOMMASO
D I SOMINA.

COMMERCIO E ARTES.

CONSULADO RUSSIANO EM LONDRES.

18 (30) de Dezembro, 1816.

O,'ABA IXOasssignadoConsul-Geral da Rússia na Gram


Bretanha e Irlanda, tem recebido instrucçoens de seu
Governo, datadas de S. Petersburgo, aos 18 (30) de
Novembro, de 1816; para o seguinte effeito.
Segundo os actuaes estatutos commerciaes no Gram-
Ducado de Finlândia, e em conformidade do edictal, relativo
*os productos, em data de 10 de Novembro, 1724, e sua
expKcaçáõ de 28 de Fevereiro de 1726; he prohibido
«raportar em navios ou vasos estrangeiros, nenhumas outras
azendas; senaõ as de producçaõ, crescimento ou manu-
E2
44 Commercio e Artes.
facturas daquelles paizes, a que esses navios verdadeira-
mente pertencem ; e isto debaixo da pena de perdimento
das fazendas, assim como do navio em que ellas saõ impor-
tadas.
O Gram Senado Imperial, tendo sido informado de que
freqüentes vezes aconteceo, principalmente na provincia
de Wyberg, que ao presente goza dos mesmos privilégios
e regulamentos das outras partes da Finlândia, que os
navios estrangeiros se naõ conformam com estes regula-
mentos, occasionando por isso grandes perdas ás partes
interessadas, e muitas difficuldades á equipage; para
evitar tal inconveniente, ordenou ao abaixo assignado que
fizesse saber publicamente, que todo o navio destinado a
algum porto da Finlândia, he obrigado a conformar-se
com o sobredicto regulamento; e, a fim de prevenir todas
as difficuldades, o capitão deve produzir uma certidão
do Cônsul Russiano ou Vice-Consul, residente no porto
aonde tal navio carregar, por onde conste, que a sua
carga he, bona-fide, producçaõ ou manufactura do paiz
aque o tal navio pertence; e que he propriedade de sub-
ditos daquelle paiz.
(Assignado) A. DE DUBATCHEFSKY.

INGLATERRA.

Importação e quantidade existente em Liverpool dos


productos de America e índias Occidentaes.

ASSUCAR.. A importação das colônias Britannicas este


anno he de 44.000 cascos, reduzindo os
barris aquella medida, que vem a ser 2.000
cascos menos do que o anno passado.
Commercio e Artes. 45
A quantidade existente se avalia em
11.000 hogsheads; 8.000, nas maõs dos
importadores, e 3.000 em segunda maõ.
A importação do estrangeiro he
do Brazil 370 caixas, existem 200
Havanna 966 caixotes, 1.100
índia. 10.472 sacos 3.200
Martinica S.
Dominigos > 880 cascos 350
CAFFE. A importação este he anno de 4.313 cascos
e barris, e 15.064 sacos. A saída tem
sido, para consumo interno 1.953 cascos
e barris, e 4.997 sacos: para exportação
9.200 cascos e barris, e 31.644 sacos: a
quantidade existente 3.800 toneladas
menos do que no anno passado.
CACHAÇA. A importação este anno he 5.076; e rece-
beo-se por cabotage 432 cascos. A
saida tem sido para consumo interno
3.372 cascos; para exportação 2.867;
quantidade existente 1.916 puncheons
de Jamaica, e 810, das ilhas de Sota-
vento.
MELASSOS. Quantidade existente 1.500 cascos: naõ
houve importação.
CACAO. Importação 93 cascos, 259 sacos. Existe
371 sacos 50 cascos; principalmente do
Brazil; e naõ acha compradores.
GlNGIBRE. Importação, 1.500 barris, 259 sacos das
índias Ocidentaes, e 8.850 sacas da índia
Oriental. Existem, 300 sacos.
PlMBNTA. Importação, 2.350 sacos. Existe 3.500
sacos.
46 Commercio é Jiries.

COUROS. Importação, 151.000. Existe, 15.000; ge-


ralmente de inferior qualidade.
P A O S D E TÍNCTURARIA. Importação
docampeche 2.700 toneladas: existe6.300toneladas
Páo amarelo 1.050 • 2.800
Nicarágua. 400 500
Barwood. 700 2.000
Camwood. 195 200
POTASSA. Importação, 26.386 barris. Existe, 7.000
barris de potassa, e 1.100 barris de
perlassa.
ARROZ... Importação 7.300 cascos. Existe 750
cascos.
TABACO. Importação 7.200 hogsheads. Existe 500
hogsheads.
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VOL. XVIII. No. 104. Q


Preços Correntes dos principaes Productos do Braxil.
LONDRES, 21 de Janeiro, de 1817.
Quanti- Preço d e | Direitos
Gêneros. Qualidade. dade.
Redondo . . 1118 lib. 50s. Op.
Assucar Batido
Mascavado .
, .Brasil
Í
4«s. 0*.
..Síia. Op
nenhum.
Livre de direitos
Arroz por ejportíçaS.
Caffe . .Rio •
Cacao .Pari. . • 85». Op
Cebo . . .Rio da Prata STs. Op
"1 Pernambuco • übra ls. l l p .
Ceará.
1 Bahia . . . ls. 10»."" per lb.
A)gock5 . V-MaranhaÕ 11. 10». ls, 10*. ' v i 0 0 e m M V Í 0
f Pará fPorSuguez ou
I Minas novas, ' \ ' \ Inglez.
J Capitania
Ar.cü . . .Rio_ . Ss. o'p- 3s. 6p. 4|p. por ib.
1 ;> ^acuanha Brasil. lOs. Op. 11». Op. Ss. 6*p.
f ulsa Parrilha Pará 4s. Oq. 4». 6p. is. .\o.
Óleo de cupaiba ls. 6p. Js. 9p. ls. 11-5 p.
Tapioca. .Brazil »p. llp. 4p.
Orroctt . ls. 6p. Ss. 8p. direitos pagos pelo
comprador.
Tabaco
•1 em rolo .
em folha
4i>.
4p.
4+p. í Livre de direitos
41p.) por exportarão.

1 Rio da Prata pilhaJ:


A »1P
l\v..
9Jp. por couro

Rio Grande
r
.J B
navio Portu-
guez ou Inglez,

\c 6s. 6p
Pernambuco salgados
Rio Grande de cavalho 123 40». Op. 8». 6|p. por ICO.
direitos pages
Chifres.. . .Rio Grande Tonelada 1201.
Pao Brazil . Pernambuco 71.10»} ' pelo cocipraácr
Pão amarello. Brazil . .
Espécie
Ouro em barra . .
Peças de 6400 reis . ;
DobroL-ns Hespanhoes por orça.
Pezos dictos
Prata em bara
Câmbios,
Rio de Janeiro ,. . . 59 Hamburgo. SS 11
Lisboa 68 Cadiz. • . ii-
Porto 58 Gibraltar. .
Paris . . . 25 30 Gênova . 441
Amsterdam. 4G
12 0 Malta. . .
Prêmios de Seguros.
Hida" 2 Guineos Vinda S2 a *\ Guineos.
Brazil
Lisboa . lf • • * 1 á H
Porto . . li a 2 . li a 1J
Madeira .... 2 a 2i li a 2
Açores .h a 3 .,
4} a
i<io dn Traia
LITERATURA E SCIENCIAS.
NOVAS PUBLICAÇOENS EM UÍGLATERRA.

JrRANKLIN'S correspondence 4to, preço 21. 2s. Cor-


respondência particular de Benjamin Franklin, Doutor em
Leya &c. Comprehendendo uma série de cartas familiares,
literárias e politicas; eacriptas entre os annos de 1753 e
1790. Publicadas agora pela primeira vez dos originaes,
uo poder de seu neto Guilherme Temple Franklin, Esc.

MudforoVs Baiileof Waterloo, Parte 3 ; 4to. preço


\í Ws. 6d> A terceira parte, com nove estampas, da
Relação Histórica da batalha de Waterloo; escripta cem
a maio» authenticidade, por W. Mudford E s c . ; e acom-
panhada por uma série de 27 estampas esplendidamente
Uiuminadaa, planos. &c. de desenhos feitos no lugar, por
Jaimes Rouse, Esc.

BernaroTs Labouring Classes, 8vo. preço Ss. Sobre o


fornecer emprego e subsistência ás classes trabalhadoras,
nas pescarias, fabricas, e cultura dos terrenos baldios ; cem
algumas notas sobre a operação do tributo sobre o sal; e
uma proposta para sua revogação. Por Sir Thomas Ber-
nard, Baronete.

Malthus on East índia College. Exposição relativa ao


Collegio da Companhia da índia Oriental, com uma appel-
laçaõ aos factos, em refutaçaõ das accusaçoens, que ulti-
mamente se lhe fizeram na Corte dos Proprietários. Pelo
Reverendo T. R. Malthus, Professor de Historia e Econo-
mia Politica no Collegio da índia Oriental em Hertford-
shire, e Ex-Collegial do Collegio de Jesus em Cambridge.
52 LiteraiuTu n ÕU«^«~~----
Pasletfs Elements of Fortóftcation. Curso completo de
instrucçaõ, nos elementos de fortificaçaõ; destinado origi-
nalmente ao uso da Repartição dos Engenheiros Reaes.
Pelo Ten. Coronel C W . Pasley. Com cinco estampas
abertas em cobre, e quinhentas gravuras em pâo.

Narrativeof a ResidenceinBelgium,8vo.ipreco lOs. 6d


Narrativa d e huma residência na Belgia, durante a eam>
panhia de 1815, e uma visita ao campo de Waterloo. Por
uma Ingleza.

Account ofthe Tonga Islands; 2 vol.8vo. preço li As.


Exposição dos custumes singulares e circumstancias do
povo das ilhas de Tonga, no mar Pacifico Meridional.—
Por Guilherme Mariner do navio Portau Prince, corsário
de guerra, cuja equipagem foi pela maior parte assasi-
nada pelos habitantes de Lefooga. Mr. Mariner ficou
aodepois por vários annos sendo constante associado do
ftey e classe superior dos chefes. Ao que se ajuncta uma
grammatica e copioso vocabulário da lingua.

MitchelVs Tour in Belgium, 8vo. preço 12*. Viagem


pela Belgia, Hollanda, e ao longo do Rheno, epelo Norte
dá França, no Veraõ de 1816. Em que se dá conta dos
estabelicimentos civis e ecclesiasticos, systema de educação
do Reyno dos Pai?es Baixos; e notas sobre as artes
polidas, commercio, fabricas, &c. Por Jaimes Mitchell,
M.A.
Howship's Observations in Sktrgcry. 8vo. preço 18*.
Observaçoens practicas na Cirurgia e Anatomia Mórbida.
Com casos, disseCçoens, e estampas. Por Joaõ Howship,
Membro do Real Collegio de Cirurgioens em Londres, e*
da Sociedade Medico Cirugica, &c.
Literatura eSciencias. 53
Peall on Diseases qfihe Horse, Ata. preço 11. ls. O b -
servaçoens, principalmente practicas, sobre as moléstias
mais communs dos Cavallos; junctamente com algumas
notas sobre os artigos geraes da dieta, e manejo ordinário
da estrebaria daquelle animal. Por Thomas Peall, P r o -
fessor Veterinário, e Leitor na Sociedade de Dublin, &c.

Relfés Principies qf Harmony, folio preço 11 IL9.


Princípios da Harmonia; contendo uma illustraçaõ com-
pleta e compendiosa da theoria da Musica, n'um plano nevo
e original, em que se exhibe progressivamente cada uma
das partes daquella sciencia, desde os seus mais simplices
ramos até os mais complicados ; e de tal modo arranjados,
<i|ue fazem a obra familiar a todos os tocadores de piano-
forte. Por J . Relfe, Musico, effectivo, de S. M.

PORTUGAL.
Sahioú Luz: Idea Geral dos Novos Methodos de ensi-
nar a ler, escrever e contar, ensaiados na eschola geral de
Belém, e mandados seguir nas escholas particulares do
Exercito e Marinha, por Ordem de S. M. Lisboa, 1816.

Economia Política de Mr. Simonde.


CAP. V.
Do Numerário.
(Continuado do Vol. XVI. p. 757.)
Quando o preço do numerário em uma naçaõ esli
em equilíbrio com o seo preço em todas as outras, e possue
uma quantidade sufficiente para a sua circulação, o com-
mercio naõ terá interesse algum de a augmentar, nem de
a denainuir; de qualquer das cousas lhe viria prejuizo. E n -
tretanto as minas da America, e das outras partes, produzem
54 L/iteratura e OCÍCTH»»'

annualmente um accrescimo ao numerário total derramado


pela Europa, que M r . Necker avalia, pelos registros, em
123 milhoens tornezes. (Admin. das fin. de Fr. T. III. C
I X . ) Resta agora saber que he feito desta somma, como
ella se reparte, e que effeito produz sobre o commercio.
H e preciso primeiramente observar que â excepçaõ do
ouro e da prata que ficam nas colônias Hespanholas e Por-
tuguezas da A merica, e da porçaõ pouco considerável destes
metaes que passa para as Philippinas,e de lá para a índia,
ou para as colônias de outras nações na America; e em fim,
à excepçaõ dos productos das minas de outras nações na
Europa t estes 123 milhões devem ser sufficientes para o
consumo de todo o universo; porque naÕ ha outras minas
importantes, que produzam em alguma parte do mundo, e
todos os ricos e poderosos Estados da Ásia devem receber
o seo numerário da Europa, e indirectamente da America.
H e certo que dizem que o Japaõ possue minas de ouro e
de prata, mas este Império quasi se pode dizer que naõ
tem commercio algum exterior, nem exporta metaes pre-
ciosos. Suppondo uma producçaõ, annual do valor de 150
milhões tornezes, teremos pois o producto bruto de todas
as minas de metaes preciosos do mundo conhecido.*

* Mr. Garnier, (na nota XV:) fundando-se em authoridades que parecem


plausíveis, avalia a producçaõ das minas do novo mundo numa somma maior:
ATalia o producto das da America Hespanholla e m :
159:000.000
das do Brazil, e m : - - - 50:000.000
das de prata que produzem na Europa, em: 14:679.600
das de ouro da Rossia e de Hungria e m : 6:135.480

Total libras
Total libras Tornezas
Toraezas - 229:815*080
229:815-080
Como a avaliação da parte do producto das minas, que se introduz porr <
con-
trabando, he absolutamente arbitraria, naõ se deve a gente admirar de ver
como os calculistas dififerenr.
Literatura e Sciencias. 55
Ae manufacturas de luxo do mundo commerciante absor-
vem «ma parte destes metaes. Os que saõ empregados
em dourar desapparecem absolutamenste, e he o mesmo
que se fossem annihilados. Os que se empregam em fazer
galões, baixellas, jóias, e relógios, ainda que existem sem-
pre, ha pouca probabilidade de jamais se virem a converter
cm numerário: de sorte que todos estes differentes officios
consumem uma porçaõ mui considerável. Ha bom fun-
damento para crer que o ouro e a prata, que annualmente
se empregam na repartição de relojoaria somente na ci-
dade de Genebra monta pelo menos a 1:725.000 francos;
u saber, 1:050.100 para relógios de ouro, e 675.000 para
os de prata.
O numerário que anda na circulação gasta-se passando
de maõ em maõ, e deminue do pezo, como se conhece
levanda-o á moeda. Também he muifreqüenteperder-se
algum, seja por que caia no mar, ou por qualquer outro
accidente; he portanto necessário que, para se conservar
ao numerário e mesmo valor, se cunhem todos os annes
moedas novas.
Se olharmos ao mundo inteiro, naõ se pode duvidar que
todos os annos se enterrem sommas mui consideráveis de
dinheiro, e que muito se perde pelos donnos morrerem
sem revelar o segredo. Esta mania naô he conhecida nos
paizes livres, naõ se encontrava na Suissa, nem na Ingla-
terra. Adam Smith observa, em quanto a este ultimo

Oe cálculos apresentados por Mr. Peochet (Dicrai. daGeograph. Commerc.


VoL I.p. 288,) aproximam-se mais dos de Mr. Necker, e parecem menno in-
dicar uma producçaõ annual menor do qae a qoe elle admitte. As minas da
America Hespanhola, segundo elle, forneceriam por anno 17 a 18 mülioes de
pia-*tras o u perto de 90 milhões de libras twrnegas.
Rdartorio do Conselho do Commerck), Artes, e Agricultura, do Departe-
mento do Leman, de 8 de Bnunairc, do anno X.
56 Literatura e iSciencwa.
paiz, que todos os lhesouros que lá se acham apenas
chegariam para constituir a renda de um particular,
quando aqui ha uns séculos era este um ramo importante
da renda nacional.
E m França, tributos oppressivos, com a taxa pessoal
haviam inspirado temor de parecer rico ; e todo o dinheiro
que os rendeiros e os pequenos proprietários podiam ajun-
ctar, era sumido. Mr. Necker observa, (na Adm. dasFin.
T . III. C. X X I . ) , que a extrema rareza das moedas de
ouro era França naõ se podia explicar senaõ por esta mania
de enthesourar; pois pelos cálculos da fabricação deviam
existir mais de 800 milhões no Reyno; isto he duas ve?eü
mais do que na Gram Bretanha, aonde quaei se naõ vê
senaõ dinheiro em ouro.
Este hábito de enthesourar foi augmentando durante a
anarchia revolucionaria; e parece que ja hoje vai deminu-
tndo, se julgarmos pela quantidade de moedas que já se
naõ viam e que agora vaõ apparecendo no mercado das
fazendas finas. As longas e freqüentes guerras de Ale-
manha taõbem lá tem feito em todo o tempo dominar o
mesmo espirito. Em Itália he geral, como se pode con-
jecturar pela extrema credulidade com que o publico ouve
quaesquer contos de lhesouros descobertos. E além disto,
como neste paiz, e em muitos outros Estados Catholicos,
grande numero de gentes ricas fazem escrúpulo de em-
prestar dinheiro a juros, estes naõ perdem tanto em o es-
conder; o que naõ fôra assim se vivessem em outros paizes
ou pensassem por outro modo. Sobre tudo nos Estados
despoticos da Ásia, Turquia, na Pérsia, no Mogol, na índia
e na China, como taõhem, entre os povos pastores da Tar-
{aria e da Arábia, hc que todo o homem rico faz consistir o
seo principal recurso em um thesouro roubado à circulação;
e que fodo o pobre deposita no seio da terra o fructo dos seos
Êuore.3 que pode salvar da cobiça de seos senhores.
Literatura e Sciencias. 57

Se estes differentes modos porque os metaes preciosos


se consumem eqüivalem à producçaõ annual de 150 mi-
lhões; se saõ de mais, ou de menos, he o qtte naõ he fácil
de decidir. Adam Smith demonstrou pela comparação
dos preços do trigo, (Livro I. Cap.XI. p* 3.) que, durante
os dous ou tres séculos, que precederam à descuberta da
America, a producçaõ dos metaes preciosos naõ era igual
ao seo consumo; que no século seguinte foi mui superior,
e que em fim no século dezesette, e até o meio do século
dezoito, achava-se já o equilíbrio restabelecido. A desco-
berta de novas minas no Brazil pode ser que o tenha
alterado ja outra vez.
Mesmo quando a somma dos metaes produzidos fosse
um tanto maior que a dos metaes consumidos, esta diffi-
rença naõ lhes faria abaixar o preço, uma vez que o ex-
cesso fosse proporcionado ao augmento da riqueza univer-
sal. Como toda a somma do numerário, que anda na
circulação, he igual em valor a certa parte alíquota da
riqueza movei que circula; o augmento de uma deve pro-
duzir o da outra. Ora como ha Estados, cuja riqueza se
dobra em 20 annos, outros onde dobra apenas em um
século; e outros em fim, onde naõ experimenta accresei-
mo nenhum; pode o numerário augmentar nos das duas
primeiras classes segundo as mesmas proporções, sem que
por isso cada cruzado, tomado por si, valha menos, ou se
troque por menor quantidade, seja de trabalho, ou de
mantimentos, ao mesmo tempo que nos Estados da ter-
ceira classe naõ pode sueceder assim*

* Uma prova de que estas diversas oausas,reunidas oceasionam um coa-


t-umo de metaes preciosos assas considerável, he a raridade que delles actual'
mente ha na Europa, desde que a sua importação annual se suspendeo <em ra-
«aõ da guerra. Os Governos de Inglaterra, da Rússia, e da Áustria, com o
VOL. XVIII. No. 104. "
58 Literatura e Scienctas.
Mas se a somma dos metaes produzidos excedesse em
todo o mundo a somma dos metaes consumidos; e ainda
suppondo que a riqueza movei também augmentasse a
quantia de metaes necessários par lhes manter o mesmo
preço; este excesso de producçaõ necessariamente ha de
produzir o effeito de abater o preço dos metaes: porque
dando-se todo o numerário em troco por toda a riqueza
vendida; o momentum destes dous movimentos he igual.
O valor multiplicado pela velocidade de uma banda, he
igual ao valor multiplicado pela velocidade da outra; e
como nenhum devedor de numerário pode sujeitar-se a
conservallo sem perda, naõ he a sua velocidade que demi-
nue mas he o seo valor: e assim dar-se-ha por qualquer
cousa maior pezo, ou maior numero de moedas, do que se
daria a naõ haver o tal augmento do numerário total.
Quando em uma naçaõ o numerário se acha aucmen-
tado por importações, o resultado deve também ser o
m e s m o ; o seo preço deve abaixar no interior pois sem
isso ficaria o equilíbrio destruído entre os dous mo-
mentos. Mas esta baixa naõ poderá ser de muita dura;
porque o commercio sempre está prompto para a reme-
diar. A baixa do numerário naÕ he senaõ o encare-
cimento das mercancias, que se daõ por elle: assim que
estas se tornam mais caras, ja o paiz, que abunda em di-
nheiro, as naõ pode exportar para as naçoens vizinhas co-
mo d'antes fazia; e por outro lado, quanto mais considerá-
vel a differença for, maior quantidade de mercadorias im-
portará em troco de seos metaes preciosos do que impor-

estabelecimento ou multiplicação do seo papel-moeda, tem expellido dos seos


paizes quasi todo o dinheiro de metal; e comtudo, este dinheiro, forçado a
correr para outros Estados nem por isso tem feito que ali se veja em maior
abundância.
Literatura e Sciencias. 59

taria a naõ ser a baixa destes. H e pois absolutamente


necessário que um paiz, á proporção que receber mais m e -
taes preciosos do que fôr o seo consumo, se apresse a re-
cambiallos para as outras naçoens. O commercio encarre-
ga-se desta operação quasi sem o saber: ainda que o Go-
verno se opponha a isso, naõ o pôde impedir; porque dés-
que os metaes baixarem de preço a ponto do contrabando
valer a pena, os que os naõ poderem exportar ás claras ex-
portallos-haÕ ás escondidas.
Os dous paizes proprietários de minas, Hespanha e Por-
tugal, tem prohibido a sabida do numerário: esta prohi-
biçaõ tem-a feito diíficil e custosa, mas naõ a tem impe-
dido. Estes paizes saõ como um tanque por onde atra-
vessa um regato; se lhe altearem a borda por cima da
qual sahe o regato, consegue-se fazer maiz alta a super-
fice da agoa: mas isso naõ impede que depois naõ saia
quanta água entrar de mais. Da mesma sorte em H e s -
panha exportar-se-hia o numerário, naõ havendo prohi-
biçaõ, em quanto rendesse meio pór cento ; e havendo a
prohibiçaõ, exportallo-haõ assim que o lucro exceder a
dous ou tres por cento; que saõ precisos para que o con-
trabando dê interesse. A prohibiçaõ tem pois o effeito
de reter em Hespanha a quinquagesshna, ou, quando
muito, uma trigessima-segunda parte do numerário de
mais do que teria abolindo-a: e a tal prohibiçaõ opera,
por conseguinte, de maneira que 103 escudos em H e s -
panha naõ valem mais que 100 escudos em França: do
que resulta, que todas as mercancias e todos trabalhos
se pagam ali tres por cento mais caros do que em toda
outra parte. Naõ vale a pena trazer as suas fronteiras
sempre cobertas de contrabandistas, e multiplicar os
crimes e os castigos ao infinito, para produzir um effeito
laõ pouco appetecivel; porque o resultado desta despro-
112
gO Literatura e Sciencias.
porçaõ he uma perda de tres por cento sobre quantas
vendas de numerário fizer ás outras nações; ou sobre
tudo em compras de mercadorias, que lhes fizer a di-
heiro.*
Os metaes que vem todos os annos para Hespanha e
Portugal devem-se distribuir por todo o resto do globo
mormente pelo canal dos Paizes que tiverem mais rela-
ções commerciaes com aquelles dous. Com effeito, a
maior parte do ouro de Portugal passa para Inglaterra; e
a prata de Hespanha para França; e como nestes dous
paizes se tem constantemente olhado como mais vantajosa

* Guando o numerário he superabundante em um paiz, somente em propor-


ção da baixa que deo causa â prohibiçaõ de se exportar, o equilíbrioficare-
stabelecido, inda que sobre um principio falso A um paiz que estiver nesta
situação taõ pouca vantagem haverá em lhe vender como em lhe comprar;
porque o negociante naõ poderá tirar senaõ dous partidos do pagamento dos
gêneros que lhe vender- ou lhe ha de também comprar pToducçoês do paiz, e
entaõ perderá, no preço a avaliação numérica, que lhe paroerá uma vantagem
para elle quando vendia; ou exportar clandestinamente o dinheiro, e entaS as
despezas e os perigos do contrabando lhe mallogram a ganância que esperava
ter. Mas quando houver uma superabundancia de numerário tal, que produza
uma baixa maior que as despezas da exportação, ja o negociante estrangeiro
achara conveniência em lhe vender, e naõ lhe comprar nada era torno para
fazer sahir o seo dinheiro, ou seja publicamente se a exportação for permit-
tida, ou fezendo-lhe o seguro, se for prohibida. Em quanto elle sentir lucro
em exportar o dinheiro, naõ lhe pode convir comprar gêneros. Portanto, o
Estado que tiver superabundancia de numerário so pode comprar e nunca
vender até que o equilíbrio esteja restabelecido.
O Estado quefizerabaixar o numerário por meio da prohibiçaõ, faz arium
prejuizo de outro gênero, Ja dissemos que 108 escudos depois da prohibi-
çaõ naõ valiam mais do que valeriam 100. se a naõ houvesse; logo o tal Esta-
do perderá. 3 por cento sobre toda a parte da sua riqueza, que tiver reduzida
a numerário: e quando ao depois os particulares continuarem a vender clan-
destinamente o excesso da producçaõ das suas minas, cederão* aos estrangeir
ros por 100 o que vale 103. He portanto a prohibiçaõ um imposto percebido
sobre o producto total das minas ou seja exportado ou naõ; e percebido, naõ
a beneficio dofisco,mas do contrabandista.
Literatura e Sciencias. %\

a entrada do numerário, do que a sua saida para so


espalhar pelo resto do mundo, a primeira registra-se e
publica-se com ostentação; e a segunda quasi sempre se
tem feito em segredo. Esta primeira fonte de erros
ainda se engrossou mais com todos aquelles, que, como
logo veremos, andam annexos ao scalculo da Balança do
commercio; e tanto a Inglaterra como a França estiveram
na fé de que recebiam muito mais, numerário do que ex-
potàvam. Esta supposiçaõ parecia justificada pela pro-
digiosa actividade das Casas da moeda em França, que,
pelos calulos de Mr. Necker, cunhavam annualmente
de quarenta a cincoenta milhoens.*
Este augmento excessivo de numerário nacional, que
admirava e confundia o mais illuminado e virtuoso admi-
nistrador que a França tem tido, (Administ. das Fin.
T. III. cap. IX. e X . ) era tal que naõ podia deixar de
frustrar todos os cálculos. Na verdade, parecia pouco
provável que a parte do numerário, que naõ fazia mais
que atravessar França, e que vinha de Hespanha para
ser transportada para a Alemanha, para Itália, e para o
resto da Europa, houvesse de ir primeiramente á Moeda,
para ali ser convertido em moeda Fanceza. Via-se que
a França mandava para a índia, piastras de Hespanha,
e naõ escudos de 6 libras: ora como o Estado fazia o
lucro de -j* por cento de fabricação, este lucro era uma

* Esta somma he a media da fabricação de quinze annos, desde 1763 inclu-


vive,até os fins de 1777. Fazendo um calculo médio de maior numero de an-
nos por exemplo, des de 1726 até a revolução, acham-se uns annos pelos ou-
tros 400.000 marcos de prata,e 17.500 de ouro; o que reduz o fabrico da moeda
a perto de 34 milhões e meio por anno. (Garnier, nota XXXI1.) A grande
actividade da moeda, no espaço de tempo indicado por Mr. Necker, era de-
vido provavelmente a alguma causa accidental, e talvez a adopçaõ de algum
systema falso de Economia politica dos Ministros de entaõ.
62 Literatura e tíciencias.
perda para os proprietários de barra, e de piastras desti-
nadas para o commercio estrangeiro; e custa a compre-
hender porque elles se sujeitavam a tal.
Mas he preciso notar que aquelles que negociavam
com a Hespanha tinham precisão de realizar os seos me-
taes preciosos para continuarem o seo commercio, e com-
prar mercadorias, que deviam dar em troco de novos me-
taes ; ora as piastras, que so se consideravam em França
como mercadoria, naõ corriam lá por um valor igual ao
seo valor intrínseco, he porisso que con-
vinha ao proprietário de piastras Icvallas á moeda, e tro-
caílas pelo dinheiro do paiz.
Os Estados do Norte proviam depois á sua cunhaçaõ
com as moedas de França, na falta das de Hespanha, que
lhes sahiriam l j por cento maisbarattas quando as po-
diam haver em direitura. Mas he da mesma natureza
do commercio que os metaes preciosos sejam tanto mais
caros quanto estaõ mais afastados do sitio da sua origem:
mais na Rússia e na Turquia, do que na Alemanha; c
mais em Alemanha do que em França; mais em França
do que em Hespanha; e mais em Hespanha do que no
México.
Todavia, as moedas de França valiam nos paizes etran-
geiros alguma cousa menos que uma quantidade de moe-
das do paiz de igual pezo e denominação ; de sorte que
todas aquellas que a guerra, os subsídios pagos aos es-
trangeiros, ou os juros das dividas nacioneas faziam ex-
portar além das necessidades do commercio, entravam
outra vez por si mesmas em França, como no paiz onde
corriam por mais.
Como durante a guerra, a importação dos produclos
das minas do México esteve suspensa, ficou naõ sendo
mais a Franca um dos canaes, por onde o numerário se
Miscellanea. 63

espalhava pelo U n i v e r s o . E m tal estado d e cousas, a


prohibiçaõ d e e x p o r t a r as moedas d e F r a n ç a naõ teve i n -
convenientes mui g r a v e s , visto q u e era inútil, e que estas
estavam taõ caras e m F r a n ç a , como e m toda outra p a r t e :
se a tirassem, n e m porisso havia d e exportar se m a i s : o
que fer foi ditficultar o commercio, e ser origem d e mil
vexames para os viajantes.

MISCELLANEA.

MEMÓRIA.
Dos Exteriores e pleno uzo da Soberania, que se arrogoit- o
Governo de Lisboa depois da evacuação do Reyno pelas
Tropas Francezas, para servir de additamento á Nola
( )do§ 17 do Parallelo do Governo Portuguez subse-
quente as Revoluçoens de 16 40, 4" de 1808.

i.A. PRINCIPAL causa das desgraças de Portugal durante o


Governo subsequente à Revolucaçaõ de 1808, foi o empenho em-
que elle se metteo de querer figurar, como se fosse uma Regência
d'aquellas, a que compete o exercicio de todos os Direitos Maje-
staticos, e das de que faliava a Ley de 23 de Novembro de 1674,
(Coll. 1. á Ord. Liv. 4 tit. 102.) Quizéram os Governadores in-
c ilcar-se Regentes do mesmo modo, que o he o Principe Nosso
Senhor, pelo impedimeuto da moléstia da sua Augusta Mãy. E por-
que convinha desenvolver este artigo muito miudamente, de-
monstrando primeiramente, que tal fora o systema dos dictos Go-
vernadores, e considerando depois os sous motivos, e os seus rezul-
tados, o que faria uma nota muito crescida para se ajunctar ao § 17.
64 Miscellanea.
Not. ( ) aonde cabia tractar esta matéria, determinamos fazer
sobre ella umaMemoria separada, para lhe dar a extençaõ que era
conveniente.
2. S. A. R. estabeleceo o Govemo de Portugal pelo Decreto, e
instrucçoens de 26 de Novembro de 1807, (Corr. Braz. N. 1. pag
3.) e os Governadores começaram no exercicio das suas funcçoens
coherentemente com a consideração, que lhes tocava, que era de
serem em Portugal, e no Algarve um Governo Subalterno da-
quelle, em que rezidia a Soberania, e da mesma natureza dos que
exercitavam os Vice-Reis, Governadores, e Capitaens Generaex
das Colônias, em quanto a Corte dos Senhores Reys de Portugal
se conservava na Europa. O Principe Nosso Senhor deo-lhes
o seu regimento nas sobredictas Instrucções, que eraõ a sua Ley
fundamental, e que lhes devia servir de regra invariável, porque
sendo elles Governo por aquelle titulo, naõ o podiaõ ser por modo
diverso daquelle, que ahi ge declarava. O contrario seria taõ
absurdo, como pedir uma herança em virtude de um Testa-
mento, que excluía delia esse mesmo, que instituía a sua petição.
Deram pois as suas providencias, e ordens, por Avizos, e Editaes,
que se passavam em nome dos Governadores do Reyno, eque eram
assignados pelos seus Secretários. Podem servir de exemplo
o Avizo de 17, e o Edital de 29 de Dezembro de 1807, que re-
ferimos no § 15 do Parallelo. Naõ fizeram Alvarás, nem Cartas
de Ley, nem Cartas Regias, nem Decretos, deixando assim de
tomar os exteriores da Soberania, que lhes naõ competia. Esta-
vam no Conselho do Governo, o Principal Castro, e Pedro de-MelIo
Breyner, que eram Letrados, e que tinham exercitado grandes
Empregos, e naõ era possivel, que consentissem em taõ manifesto
excesso das suas Instrucçoens, como seria arrogarem-se um taõ
grande poder: e nem o Dezembargador Secretario do Governo
havia ousar desenvolver avista delles a sua ambição, e o seü or-
gulho. E se em algumas circumstancias isto lhes podia ser descul-
pavel, era naquellas em que, estando Portugal bloqueiado mari-
timamente pelas Esquadras da Gram Bretanha, se achava interrom-
pida a sua communicaçaõ com S. A. R. naõ podendo o Govemo
pedir-lhe, nem esperar as suas Reas Ordens,
Miscellenea. 65
3. Houve ne»ta Época somente uma falta de formalidade, e foi
que sendo os papeis do Governo assignados pelos seus Secretários,
nelles se usava da formula—Os Governadores do Reyno—quando
so devia usar de uma destas..-0* Senhores Governadores do
Reyné—ou Os Ml. fy Ex. Senhores Governadores do Reyno.—
porque jamais se vio que ilm Secretario expedisse Ordens da
pessoa com quem servia, sem nellas lhe dar o titulo de Senhor,
e exigia esta Civilidade também a pratica, e estillo do Reyno no
tempo, em que elle esteve debaixo da dominação Hespanhola,
havendo Governadores em Portugal, os quaes constitutiam um
Governo subalterno aquelle, em que rezidia a Soberania, assim
como suecedeo com o Governo deixado por S. A. R. Pode ver-se
para exemplo a Portaria de 8 de Maio de 1613, (Coll. 2. á Ord.
Liv. ã. lit. 140, N. 1.)

Sejam soltos os prezos . . . . porque assim


O manda o SenhorVice-rey Em
Lisboa 8 de Maio 1813—ChristovaÕ Soares—-

Mas o Dez. Secretario do Governo, que necessariamente havia


ser o arbitro das formulas, porque era o Secretario, e porque era um
Magistrado com créditos da ter noticia da pratica das Secretarias de
Estado, estabeleceo certamente aquelle uso parecendo-lhe, que
exaltava o seu emprego, expedindo as ordens sem dar o titulo de
Senhor> aos Governadores, e estes naõ viram, que ficavam sendo
menos authorizados Com a falta do dicto tractamento: etriumfou
assim nesta parte a vaidade do dicto Secretario sobre a boa fé do
Governo.
4. O General em chefe do Exercito Francez, que se intitulava
também Governador de Portugal, e que obrava em tudo, como se
o fosse, teve ciúme do titulo de Governadores, de que usavam
os que S. A. R. deixara neste Reyno, e substituio-lhes sempre a
denominação de Conselho de Regência nas Ordens, e Decretos,
que publicava, e que lhes encarregava de executar, como se podo
verde todos os que se acham impressos nas Gazetas de Lisboa de
V O L . X V I I L N o 104. i
66 JUtsceiianea.

Dezembro de 1807, e de Janeiro, e de Fevereiro de 1808


e para se «satisfazer o dicto General, que fez constar ao Governo
Portuguez este seu reparo, mudou este a referida formula come-
çando a usar da outra—O Conselho da Regência he servido, $c.
Segundo os usos de Portugal, o Governo ganhava muito com este
titulo, parecendo pelo nome, que era um Conselho de Regência-
daquelles de que tracta a Ley citada no 2* T. por conseqüência
muito mais, do que elle era. Mas o General Junot pareceo-lhe,
qiic o abatia; e o certo era, que naquelle tempo, e circumstancias
toda a diflèrença estava no nome, porque o referido Conselho ou
se chamasse de Governo, ou se chamasse de Regência éra um
Tribunal sujeito ás Ordens do General Francez, e que naõ podi a
deixar de o ser, porque, quem tem a força, ou a maior força he
sempre quem governa.
5. Restabelicido o Governo de 1808, em conseqüência da
evacuação de Portugal pelo Exercito Francez, e restabelecido de
modo, que o Dez. Secretario ficou sendo o único membro Letrado
que havia nelle (Veja se o § 9 do Parallelo) naõ lhe occoreonos
primeiros momentos desviar-se da practica, que começara a seguir,
e que referimos no No. 2, e consequentemente elle com a sua
assignatura, em nome dos Governadores expedio os Avizos, como
se pode vêr dos de 20 de Septembro de 1808, que se acham nas
Gazetas de Lisboa subsequente á sua data. E as ordens, que jul-
gou necessitarem da assignatura dos Governadores expedio-as,
como Portarias, ou Decretos, em que elles mesmo fallavam, de
qne pode ser exemplo o Decreto, que transcrevemos no § 10 do
Parallelo. As determinaçoens eram dos Governadores, e por isto
nada mais natural do que expedirem-se no nome delle», dizendo-se
nos Avizos assignados pelo Secretario.—Os Governadores >do
Reyno—-determinaõ &c. &c.—e nas ordens, que os mesmos Go-
vernadores assignassem, fallando ©lies mesmos, v. g. na forma
seguinte.—Atlendendo a . . determinamos Çc Scc. Tudo o que
naõ fosse isto era até faltar á verdade, dizendo, que mandou*
quem naõ havia mandado, e oceultando-se quem havia num.
dado.
Miscellanea. 67
6 Nem esta éra a primeira vez, que em Portugal se viam Go-
vernadores constituidos pelo Soberano, que exisdia, e que exer-
citava a Soberania; Governadores delegados do Soberano, esem
exercitarem a Soberania. O Reyno esteve por 60 annos debaixo
da dominação Hespanhola, como já notamos no N° 1, e nas
Collecçoens das nossas Leys; que por mandado do Senhor Rey D*
Joaõ 5, se imprimiram em St. Víncente de Fora, Câmara Real de
S. Magestade, existem Avizos, e Ordens do Governo daquelle
tempo, que o Dez. Secretario naõ podia ignorar, para que as
deixasse de ter por modêllo. Os Secretários daquelle Governo
expediam Avizos com a sua assignatura, contendo as determina-
çoens dos Governadores, e pela formula Seguinte:
S. Alteza, que Deos Guarde, vendo o requerimento dos Dezem-
bargadores da Caza da Supplicaçaõ, que assistem ao acto
de Rui de Moura Telles*. Foi servido tomar a Resolução
que contem a copia incluza, que remetto á V. S. para lhe
ser prezente, e para que os Ministros da Caza da Sup-
plicaçaõ saibam, o que S. A. foi servido ordenar- Deos
Guarde á V S. muitos annos. Do Paço 5 de Junho de
1637.
Pedro Sanchez Farinba~Coll. 2. á Ord- Liv. 1. tit. 50, N°. 4.
Epode ver-se igual exemplo na Coll. 2. á Ord. Liv. 1. tit. 97,
N°. 1. Escreviam na mesma formalidade as Portarias, ou Des-
pachos, que elles Secretários assignavam, e de que temos um
exemplo na Coll. 2. ao Liv. 5. tit. 140, N°. 1.
7. Nas Ordens, ou Decretos dos Governadores, que elles
mesmos assignavam ,seguia-se a formula seguinte; quando se expe-
diam sobre uma conta, ou representação, que se lhe havia dado.
Esta Ordem he muito conveniente para o Serviço de S. M.
e bõa administração da Justiça, e na conformidade delia
se proceda daqui em diante. Lisboa 12 de Dezembro de
1639~Com a Rubrica de S. A Coll. 2. á Ord. Liv. 1.
tit. 37. No. 2.
£ semelhante exemplo se pode vêr na Coll. 2. ao Liv. 1. tit. 1.
12
68 • ' K r w f . v v v-**w ~-

N ° . 17. E quando se expediam semque fosse sobre uma repre-


sentação, era a formula a seguinte.
Tendo entendido, que por se occuparem os Dezembarga-
dores dos Aggravos em Vistorias, e outras diligencias
deixam de acodir á Relação nos dias, que estaõ assignal-
lados, e porque isto he tanto contra o bom expediente
dos negócios, como se deixa ver, e o que convém sempre
ao Serviço de S. M. he que os Dezembargadores dos
Aggi-avos naõ faltem os dias, que lhes toca, o Chanceller
da Caza da Supplicaçaõ, que ora fez o Officio de Regedor
ordene, que as dietas vistorias, e diligencias sem ser ne-
cessário, que vaõ á elles Dezembargadores do Aggravos
se faça6 a tempo, que lhes naõ tire á ir á Relação, e
paraque assim se tenha entendido, e se execute lera este
Decreto na Meza Grande, e se registará aonde pertence.
Lisboa 7 de Março de 1643. Com a Rubrica do Vice-
Rey .--Coll. 2. á Ord Liv. 1. tit. 1. No 16.
E podem ver-se semelhantes exemplos na Coll. 2, Liv. 1. tit.
1. No. 2, e N o . 9, eColl. 2. ao Liv. 3. tit. 20. No. 1.
8. As determinações, quevinham im mediatamente do Soberano
eram expedidas regularmente, remeltendo-se a Copia dellas as-
signada pelo Secretario de Governo, e com a data da Carta de
S. M. de que ellas eram parte. Pode servir de exemplo o
seguinte,
Posto, que tenham por certo, que sem vos fazer esta lem-
brança a tereis vos grande de guardar, e fazer guardar
inviolavelmente minhas Leys, e Ordens, todavia volo-
hei aqui por mui recommendado, advertindo, que nin-
guém tem authoridade para dispensar nellas por o ter
reservado para mim, e que quando seja necessário alterar,
interpretar ou mudar alguã couza da forma, e ubstancia
das ditas Leys, e Ordens o mandarei fazer, e assim o fareis
saber particularmente á todos os Tribunaes. Christovaõ
Soares—Em Carta de S. M. de 6 de Septembro de 1616.
Coll. 2. á Ord. Liv. 1. tit. 5. No. 16.
Miscellanea. 69

E outros exemplos se podem ver na Coll. ao Liv. 1. tit. 1.


tit. 10. No. 12, 13, e 14, e tit 6o. No. 1. 2, 3, 5, e 6, e em
alguns com o Secretario assignava taõbem quem tinha o Governo
do Reyno, como se observa no que vem na Coll. 2. á Ord.
Liv. 1. tit. 35. No. 2. Coll. 2. á Ord. Liv. 2. tit. 18. No. 2.
(Continuar-se-ha)

Compromisso do Monte Pio literário de Lisboa.


(Continuado de Vol. XVII. p. 488.)

CAPITULO V I I . — D o Cofre.
§ 1. Haverá, um Cofre com tres chaves de differentes
molas, das quaes uma estará na maõ do Thesoureiro, e as
outras duas nas de dous Deputados assistentes, de maneira
que jamais possa abrir-se sem que estejaõ todos presentes:
e isto mesmo nunca acontecerá sem preceder a Convoca-
ção do Provedor, expedida pelo Secretario da Meza de
sua Administração, se algum motivo extraordinário exigir
sua abertura n'outros dias além dos determinados pela
Ley para as Conferências.
§ 2. Logo que se obtenha, ou possa obter Casa própria
para estas, o Cofre será nella depositado com a maior se-
gurança, e segredo possíveis, de maneira que naõ respire
o lugar da sua ubicaçaõ, para prevenir toda a idéa de
furto, ficando ahi immovivel, e unindo-se até ao pavi-
mento com parafusos, ou outro qualquer arbítrio, que
cunduza á maior segurança.
§ 3 . No entretanto porém, que esta medida geralmente
adoptada naõ poder ser admittida, a Meza provera á sua
70 Miscellanea.
segurança da maneira, que o julgar mais conveniente, e
acertado tomando sobre isso em a primeira conferência
uma resolução definitiva, do que fará lavrar em o Livro
para isso destinado um competente Termo.
§ 4. No Cofre se guardarão a Jóia, Contribuições men-
saes, e todos ou quaesquer productos, ou rendas que ao
diante possam, ou venham a pertencer a este Monte-Pio *
para em tempo competente e nos casos, e circumstancias
da Ley serem distribuídos pelos diversos Tencionarios
delle.

CAPITULO VIII.—Do Cartório.

4 3 . Na Casa, onde se fizerem as Conferências, deve


haver além do Cofre um Cartório, aonde se conservem
sempre bem guardados todos os Papeis, Titulos, Livros, e
mais cousas concernentes ao Expediente, Escripturaçaõ, e
Exercícios da Administração do mesmo Cofre, o qual terá
igualmente tres chaves differentes, das quaes uma estará
na maõ do Provedor, e as duas uma na do Secretario, e
a terceira na maõ do Thesoureiro, para que naõ possa
nunca abrir-se sem que todos elles estejaõ presentes, e
precaver naõ possa attribuir-se a dólo, ou malicia d'algum
delles, qualquer falta, que só pôde proceder da culpa de
todos tres.
§ 2. Deverão haver os seguintes Livros: um em que se
matricularão todos os Compromissarios, e averbarão á
margem os que falecerem, ou sua conducta faça excluir
na conformidade deste Compromisso, Capitulo V. § 2. e
Capilulo VI. § 5. Outro aonde se matricularão todos os
Tencionarios, ou Tencionarias do Cofre. Outro das
Eleições da Meza. Outro em que se assentarão todas as
Deliberações que se tomarem na Convocação Geral sobre
casos naõ decididos nestes Estatutos. Outro dos Termos
Miscellanea. 71
e Resoluções definitivas da Meza: e outro em fim da R e -
ceita e Despeza, além de muitos outros subsidiários, que
a necessiaade, e o tempo mostrem ser necessários. O
Thesoureiro deverá ter um Livro também para os seus
assentos particulares, o que servirá de muita clareza na
Conferência das Contas.
§ 3. Todos estes Livros, e os mais de que se possa vir
a fazer uso, seraõ rubricados e numerados em cada uma
das suas folhas, com o signal do Secretario, e na primeira
e ultima se lavrarão os competentes Termos de Titulos e
Encerramento com a Rubrica do Provedor.
CAPITULO IX.—Da Meza da Administração do
Cofre, 8çc.
§ l.A Administração do Cofre do Monte-Pio dos Pro-
fessores, e Mestres, assim Regios, como os particulares
Licenceados dos Estudos, e Escolas menores na Corte,
tanto na arrecadação, distribuição como outras disposi-
ções, inteira execução, observância deste Compromisso,
& c , fica confiada inteiramente para ser exercida por uma
Meza composta de Membros, que seraõ extrahidos dos
Compromissarios Concorrentes a elle, e por elles mesmos
eleita todos os annos.
§ 2. Os Membros de que se comporá esta Meza seraõ
um Provedor, dous Deputados Ordinários, e dous Extra-
ordinários, que servirão somente no impedimento dos pri-
meiros, um Thesoureiro, um Procurador do Geral, e um
Secretario, os quaes todos teraõ voto consultivo; mas o
Provedor terá ainda o decisivo no caso de duvida, ou em-
pate além deste. Haverá mais um Contínuo para o ser-
viço da Meza, a quem se estabelecerá um competente
Ordenado, que lhe será pago aos Quartéis, do mesmo
Cofre: e cujo provimento será sempre feito em Concurso
72 Miscellanea.
aberto por espaço de quinze dias consecutivos, preferindo
em iguaes circumstancias os filhos, e depois os Pays, e
Irmãos dos Compromissarios Matriculados.
§ . 3 . No exercicio desta Administração se terá sempre
a ordem seguinte: o Provedor proporá e dará seu voto,
seguir-se-ha o primeiro Deputado como Enfermeiro Mor,
e depois o segundo, que fará o officio de Promotor da Soci-
edade, em terceiro lugar se siga o Thesoureiro, e depois o
Procurador do Geral, e ultimamente o Secretario. Todas
as resoluções serão pois decididas á pluralidade de votos
tomados em Escrutínio por fajões brancos e pretos; os
pretos indicando a reprovação, em quanto os primeiros
significaõ a Concordância, ou Conveniência com a Pro-
posta.
§ 4. No caso porém que o negocio, ou sujeito da Con-
ferência seja tal, que por naõ ser comprehendido nestes
Estatutos naÕ possa decidir-se â pluralidade de votos (salva
a consciência) em tal caso o Provedor fará proceder a uma
Convocação Geral, para nella se decidir o ponto em ques-
tão ; mas de maneira que a Decisaõ seja Canonica: isto
he, que tenha em seu favor a terça parte dos votos: e fa-
zendo entaõ lavrar um assento do que accordarem, este
fique servindo de regra em o futuro para casos simi-
lhantes.

CAPITULO X.—Da Convocação Geral.


§ 1. Como seria impossível convocar toda uma Socie-
dade em infinitos casos, que haverá de sua necessidade, e
que seria impossível precaver-se na providencia humana,
assim como he limitada, tem-se consultado, que para se-
gurar uma adequada Administração no Cofre sem prejuizo
dos seus differentes interessados, e se decidirem todos e
quaesquer casos em que se necessite de um igual recurso,
Miscéllaned. 73
na occasiaõ da Eleição dos Membros para a Meza da Ad-
ministração se elejaõ mais doze Vogaes, que teraõ nome
de Definidores, e os quaes seraõ tirados do numero dos
Concorrentes de maneira, e modo proporcional ao numero
de cada classe, e como destas suppómos sempre maior o
numero dos Instituidores, e entre estes mesmos os Profes-
sores, e Mestres Regios ; temos pois resolvido, e por este
Capitulo fica determinado, que desta Classe se elejam seis
Vogaes para o mesmo fim; quatro da dos Professores e
Mestres Licenciados, e dous da dos homens de letras: o
que tudo prefaz o sobredicto numero.
§ 2. Q u e estando todos assim junetos na mesma Casa
mas em Meza separada, e a que chamaremos Meza do
Definitorio, seja lavrada a proposta, ou sujeito da Q u e s -
tão n'uma folha de papel em forma de Consulta, e depois
de lida, e examinada, fazendo-se verbalmente todos os
debates a que possa dar occasiaõ, se procederá aos votos
tomados no Escrutínio, tanto pelo que pertence aos Mem-
bros da Meza; como aos que compõem o Definitorio : e
no caso de Decisaõ Canonica se cumpra com o exposto no
§ 4. do Capitulo Nono.
§ 3. Que a Convocação Geral terá lugar falte um ou
mais Vogaes do Definitorio, com tanto porém que naõ
concorram menos de nove Definidores: e que mesmo no
caso de dar-se impedimento real em algum dos Eleitos
para este fim; elle mesmo Definitorio juncto com a
Meza elejam quem o, ou os substitua (se forem mais que
um) até á Nova Eleição, conformando-se com o determi-
nado no § 1 . deste Capitulo.
§ 4. Que dado o caso naõ possa assim mesmo decidir-
se o ponto da Questão, o Provedor procedendo a votos
com o mesmo Defininitorio possa convocar mais o numero
que lhe pareça sufiiciente de Compromissarios até que se
VOL. X V U I . No. 104. K
consiga uma Decisaõ Canonica; mas estes só entaõ e por
uma tal occasiaõ teraõ voto no Definitorio.
§ . 5 . E m quinto e ultimo lugar, que se sueceder, que
no decurso do tempo em que for chamado algum Membro
para a Administração do Cofre, a morte (o que Deos naõ
permitta) o roubar a suas funeções; a Meza juncta com o
Definitorio elejam logo quem o substitua até á época da
Nova Eleição, sem embargo da substituição que offere-
cem os Deputados Extraordinários, e que regulamos no
Capitulo seguinte; pois esta he taõ somente produzida
para evitar estagnação, ou empate no expediente da Meza
da Administração; porque naõ possa nunca induzir-se
damno, ou prejujzo a algum dos Interessados.

CAPITULO XI.—Dos Deputados Extra-Ordinarios.


Os Deputados Extra-Ordinarios seraõ só admittidos no
impedimento dos Ordinários deste modo: na falta do Pro-
vedor o primeiro Deputado Ordinário, que he ainda En-
fermeiro Mór fará as vezes do Provedor, como Vice-Pro-
vedor da Meza, o segundo Ordinário subirá ao lugar do
primeiro, è o primeiro Extra-Ordinario suppre o seu lugar.
O mesmo se entenderá, se a falta for do primeiro Deputa-
do, e ainda do segundo; porque em qualquer dos casos
sempre o primeiro Deputado Extra-Ordinario virá ao
lugar do segundo ordinário e ao qual convém os officios
de Promotor da Sociedade, funeçaõ que preencherá.
§ 2. Se a falta for d'ambos a numeração ordinal, que
lhes temos dado, designa o seu lugar: vindo só a ter lugar
nas Conferências, ou Sessões da Meza o segundo Depu-
tado Extra-Orbinario depois de empregado o primeiro.
Mas se a falta for do Secretario, ou do Procurador do
Geral, entaõ seguir-se-ha uma ordem retrogada, sendo
chamado para supprillos o segundo Deputado Extra-Ordi-
Miscellanea. 7,*J

nario, e só no impedimento deste o primeiro. E caso


dado que ainda (occupados já em algumas substituições
os dous Deputados Extraordinários) falte algum Membro
para prefazer os seis necessários para a Administração, e
Expediente da Meza, o Provedor convocará, e nomeará
interinamente para supprillos a um dos Vogaes do Defini-
torio, obstando deste modo ao empate de um expediente,
que por titulo nenhum deverá deixar de prefazer as
funcçoes de que se acha encarregado.
§ 3. Notamos, porém, que quando suppómos impedi-
mento n'um dos Membros desta Meza, naõ entendemos
por isto um impedimento arbitrário; mas so sim real, e
legitimado por Attestaçaõ jurada remettida ao Provedor da
Meza a tempo de poder fazer-se aviso pelo Secretario, a
quem deve substituillo para ir de sua maõ cobrar a
respectiva chave, e que reterá até que cesse o impedi-
mento, que deo lugar a tal providencia. E aquelle, ou,
aquelles, que infringirem esta ley seraõ comprehendidos
nas penas declaradas contra os reveis, e naõ obedientes
nos seus respectivos Capítulos, e muito mais racionavel-
mente; porque o seu procedimento torna-se escandaloso
em conseqüência do máo exemplo, que dahi podia resultar
aos Compromissarios em geral.
§ 4. No impedimento porém do Thesoureiro, como
este lugar he de responsabilidade, ordenamos, que elle
possa confiar a sua chave a quem elle julgue a propósito
confialla, segundo o crédito, que dessa pessoa tenha
podendo um tal exercer em tudo as suas funcçoens, menos
no que toca á prerogativa do voto, que esse pertence ao
primeiro Deputado Extra-Ordinario, e depois delle ao
segundo, e no emprego já de ambos, ao Vogai Defini-
dor, que o Provedor designar, conforme o exposto no § 2.
deste Capitulo.
K2
76 Miscellanea.

CAPITULO XII.—Das Conferências.


& 1. A Meza da Administração do Cofre congregar-
se-ha na Casa da Administração duas vezes por se-
mana para fazer ahi suas Sessões, e Conferências ordiná-
rias, e nellas gastarão o tempo necessário para a Pro-
posição, Decisão, e Conclusão de todos os negócios, que
occorrerem, e sua respectiva Escripturaçaõ.
á 2 . Os dias para isso destinados seraõ os Dominigos e
Quintas feiras de tarde, por serem estes dias livres aos
instituidores de suas ordinárias ocGupações; e por isso
mesmo que o Exercicio destas Conferências naõ se op-
póem, antes concorda com a sanctificaçaõ, que a primeira
de todas as Leys nos impõem nos dias santificados ao
Senhor. E pelo que respeita as Quintas feiras, succe-
dendo que naõ sejam feriadas por ter havido, ou haver dia
Sancto na semana, para o mesmo se transfiriraÕ, regulan-
dose pelo que toca a similhante respeito pelas InstrucçÕes
Regias do Senhor D. José I. de Gloriosa Memória de 28
de Junho de 1759 no § 20.
& 3 . Se occorrerem mais dias livres na semana e o
Expediente da Administração requerer alguma Conferên-
cia extraordinária, o Provedor provera a isso como lhe
parecer.

CAPITULO XIII.—Da Eleição da Meza.


§ 1. A eleição da Meza da Administração do Cofre do
Monte-Pio terá lugar na terceira Oitava da Festa da
Natividade de Nosso Senhor Jesus Christo, renovando-se
todos os annos os seus Membros, ou no todo, ou em parte
conforme a utilidade, que de sua conservação possa re-
sultar ao Cofre; mas em tal caso nunca poderão ser obri-
gados a servir segunda vez, sem que passem, ou medciem
ao menos tres annos; pois que assim como os benefícios,
Miscellanea. 77
da mesma sorte as fadigas e trabalhos devem ser repar-
tidos.
§ 2. Para se proceder a esta, junetos todos os Compro-
missarios na Casa das Conferências, eleger-se-ha uma
Deputaçaõ de seis Membros, dos quaes um será d e -
signado o Presidente, e outro o Secretario, o primeiro dos
quaes promoverá, e dirigirá a Eleição presidindo à ella, e
o outro preenchendo os deveres deste Titulo: entaõ ex-
trahindo-se do Livro das Matrículas uma lista exacta
dos nomes de todos os Compromisarios, se dividirão em
tres Classes da mesma forma que está prescripto no § 1.
do Capitulo X . deste Compromisso, e pelas razões ahi
ponderadas, e pondo em uma Urna, ou Escrutínio bem
e igualmente dobrados os nomes de cada um dos Indiví-
duos desta Classe, depois de extrahidos da mesma lista,
um Menino que naõ passe de oito annos, e que estará já ahi
para isso destinado, com os braços nús do cotovelo para
baixo, por evitar toda a suspeita, metterá a maÕ, tendo-
a mostrado antes, e tirará um daquelles nomes, ou sortes,
que mostrará a todos, e passará ao Secretario para apre-
sentalla ao Presidente, que lendo-a em voz alta fará
escrever seu nome em lista separada: repetindo-se isto
seis vezes, que tantos saõ os Vogaes, que competem a
esta< Classe. O mesmo se observará pelo que respeita á
Eleição dos Vogaes da segunda e terceira Classes na con-
formidade do mesmo § 1. do supra mencionado Capitulo.
Feito isto, estes doze Vogaes, que saõ os Eleitores dos
Membros da Meza procederão á sua Eleição, depois de
terem prestado o juramento dos Sanctos Evangelhos de
que procederão a ella sem soborno, peita, rixa, ou outro
qualquer principio opposto a seus acertos, e tendo-lhe
exposto o Presidente as obrigações deste encargo, e
fazendo-rlhes ler nestes Estatutos muito particularmente
aquelles Capítulos, de que devem estar informados, os
78 Miscellanea.
insinuará da maneira com que nesta se deverão haver,
mandando ao Secretario dar a cada um tantos oitavos de
papel quantos saõ necessários, e os quaes já estarão
dobrados na extremidade inferior com uma pequena
dobra em que devem exarar a sua assignatura, e lacral-
la*; e escritos em cima por sua ordem os lugares, ou
empregos a cuja Eleição se procede. Cada Vogai por
sua vez em Meza separada escreverá contra fazendo a
letra (menos na assignatura) os nomes que lhe parecer
d' entre os Compromissarios, que saõ capazes das func-
ções, para que os propõem e fechando n' outro Oitavo
de papel o trará assim á Meza perante o Presidente e
Deputados. O que concluído, o Secretario terá feito já
tantas listas differentes, quantos saõ os Membros eleitos,
ou que se devem eleger, e porá por sua ordem, conforme
os votos que cada um tiver, seus nomes em uma lista
particular para isso designada, para entaõ se conferirem,
e reduzirem a somma: e achado que recahem em algum
sujeito oito votos, ou mais para Provedor, o Presidente o
preconisará segundo esta formula = He, Senhores, eleito
canonícamente para nosso Provedor, com tantos votos
contra tantos, ou plenamente, etc. o Sr. F . de que nos
damos os parabéns pelo bom accerto. == Em quanto aos
mais Vogaes, ou Membros da Meza prevalecerá o que
mais votos tiver, e em caso de empate por igualdade de
votos o Provedor eleito desempatará: e se publicarão
também seus nomes. O Provedor prestará seu jura-
mento ao Presidente da Deputaçaõ nomeada para a
Eleição, de cumpir muito exactamente com os encargos
do seu lugar, e promover tudo o que for a bem desta laÕ

*• Per vota secreta ito ut singulorum engentium nomina nunquam publi-


centur. CoDcil.Trid. Cap. VI. Sess. XXV
Miscellanea. 79
pia Instituição, etc. e os outros Membros da Administra-
ção o prestarão já a elle sendo este o primeiro acto de
jurisdicçaõ que exercitará.
§ 3. Adverte-se, que ainda que tenhamos accordado,
por occasiaõ da primeira EleiçaÕ de Meza em a Eleição
primitiva de uma Deputaçaõ de seis Membros, para
dirigir a aquella ; todavia esta medida he inadmissível no
futuro ; pois que a Meza em exercicio resumirá a si esta
diligencia, seguindo em tudo as mesmas formalidades.
Mais, que vindo a ser impracticavel, que se faça no futuro
a EleiçaÕ Nova dos Membros da Meza da Administração
no mesmo dia em que se faz o sorteio dos Eleitores delia,
que será talvez necessário convocarem-se, lhes assignarà
o dia de S. Silvestre para esse fim, e o primeiro de J a -
neiro do seguinte anno para a posse da Nova Meza.
Que finalmente estes doze Eleitores, dados assim por
sorte, servirão somente um anno de dia a dia no Defini-
torio para a Convocação Geral como fica referido no
Capitulo do seu Titulo, naõ podendo eleger mais que
uma vez, e logo que entram em exercicio, oa Membros
da Meza da Administração (salvo se a sorte der algum,
ou alguns delles outra vez) e exceptuando esta primeira
EleiçaÕ, que só terá exercicio o tempo que decorrer até
á Época que temos por este Compromisso taxada para a
EleiçaÕ tanto dos Eleitores pelo sorteio, como dos votos
para os Membros da Administração.

CAPITULA XIV.—Da Prestação de Contas.


§ 1. A Nova Meza principiará suas funcçÕes por
tomar aos Membros da Antiga suas Contas sobre a boa, ou
má Administração, que fizeram do producto do Cofre deste
Monte-Pio, fazendo publico pela Impressão um calculo
geral da Receita, e Despeza do mesmo: seu estado actual,
80 Miscellanea.
o numero dos Doentes, e outros Tencionarios, etc. para
que conste a todos os Interessados ; e cobrando executi-
vamente dos primeiros todo e qualqner alcance, em que
se ache comprehendido, respondendo um por todos e
todos por um ; salvo se elles se comprometterem dentro
de um mez a entrar no Cofre com igual quantia aquella
do alcance; ou se o acontecimento for tal, que seja por
extraordinário superior á sua vigilância, e seguranças para
esse fim ordenadas.
§ . 2 . Se a mesma Meza ficar reconduzida, o Novo
Definitorio se informará na primeira Conferência da exac-
tidaõ destas Contas, fazendo-as fechar igualmente, e prin-
cipiar uma nova para que a Meza proceda do mesmo
modo como se fosse novamente, e pela primeira vez
eleita.
§ 3. A respeito das contas particulares, alem de que
a Escripturação deve ser feita de um Methodo taõ claro,
que á primeira vista se comprehenda logo o seu saldo,
todavia o Provedor na primeira Conferência de todos os
mezes procederá a um balanço particular para maior ex-
actidaõ de sua Administração.

CAPITULO XV.—Qualidades, que se devem buscarem


todos, e distinctamente em cada um dos Membros,
que houverem de eleger-se para a Meza da Admi-
nistração, e seus principaes Encargos.
§. 1. Ainda que nós pelo corpo destes Estatutos
tenhamos por muitas vezes referido as obrigações dos
Membros empregados na Administração do Cofre, todavia
recopilaremos aqui suas obrigações para maior desem-
penho dellas ajunctando algumas reflexões sobre os requi-
sitos, que nelles se precisam: e principiando pelo Provedor
da Meza—
Miscellanea. 81

Do Provedor.
§ 2. Notaremos aos Senhores Eleitores, que sendo
esta a primeira dignidade da Meza, e como a mola real
de toda ella, e este Monte-Pio dos Professores, e Mestres
assim Regios, como particulares Licenceados, etc. bus-
quem que sua eleição recaia sobre um Professor, ou
Mestre Regio na Corte, cuja probidade, e inteireza rec-
tidaõ, e actividade se inculque decididamente de seu ca-
racter reconhecido, como aquelle Membro principal, ou
cabeça, a quem está encarregado de fiscalizar sobre o
cumprimento das obrigações de todos os outros: e a
quem toca propor cm Meza todos aquelles Planos, que
possam contribuir a beneficio,e engrandecimento do Cofre,
dar todas as providencias a que seja necessário oceurrer
promptissimamente, etc.
§ 3. Ainda que se recommende muita maduração nos
votos para a Eleição do Provedor da Meza, todavia não
he porque a mereça menos a dos Deputados Ordinários, e
mais Membros da Meza, e mesmo os Extraordinários;
pois que do seu conselho devem resultar todas as Reso-
luções, e Deliberações da Meza ; e muito especialmente
sobre os votos para a Eleição de um Membro, que além
dos encargos, que nella exercita de Enfermeiro Mór, he o
Vice-Provedor da Meza nos impedimentos daquelle. A
elle toca a visita de todos os Doentes Tencionarios deste
Monte-Pio para os que residirem ao seu alcance, e o
exigir attestados, certidões, ou proceder a quaesquer
averiguações sobre a existência, estado das moléstias, etc,
dos ausentes para de tudo dar conta em Meza.
Não he ainda o lugar do segundo Deputado de menos
consideração se se attender á extençaõ das suas faculdades
como Promotor da Sociedade em geral, emprego que
VOL. XVHI. N O . 104. L
82 Miscellanea.
exige muita prudência, moderação, humanidade; assim
como um grande criteiro sobre o exame das informações,
que lhe seraÕ necessárias,
Do Thesoureiro.
§ 4. O nome só do lugar indica a importância do
sujeito, que deve exercello: a honra, o desinteresse e a
exactidaõ saõ as virtudes, que devem formar o caracter do
Thesoureiro do Cofre.

Do Procurador do Geral.
§ 5. Tudo o que for tendente a Cobranças, Residên-
cias dos Compromissarios, Pagamentos, Visitas aos Ten-
cionarios, ou informações a seu respeito, pelo que pertence
á sua legitimidade, e outros exames sobre Requerimen-
tos, que lhe possam ser commettidos pelo Provedor, per-
tence ao Procurador do Geral.

Do Secretario.
§ 6. Se he difficultoso achar um exacto Official de
Fazenda pelo melindre, e sciencia, que requer; quanto
mais o será se a estas circumstancias se lhe ajunctarem as
de um expedito Secretario, além das que requer ainda
um hábil Guarda-Livros ? Tal he a extensão da3 fa-
culdades deste importante lugar; que bem se pôde
chamar o braço direito desta Administração: e o que as
conhecer pôde bem avaliar a importância da Eleição
n'um Membro, que as desempenhe.
Dos Deputados Extrordinárias.
§ 7. Sobre os Deputados Extraordinários nada po-
demos, nem nos resta a dizer; pois que conhecidos os
lugares, que elles tem a substituir, fica evidente, que
qualidades se devem nelles requerer.
Miscellanea. 83
Des Eleitores, ou Vogaes para a Eleição.
§ 8. Sabedoria, desinteresse, prudência, e discrição
saõ os fachos, que devem conduzir aos Eleitores na es-
colha dos Membros dignos para a Meza da Adminis-
tração: nós esperamos, que o interesse particular, que
cada um tem na existência, e manutenção deste Monte-
Pio os fará nella proceder com muita madureza, e lhes
aconselhamos suppliquem aos Ceos os auxílios, que pre-
cisam para o bom accerto da Eleição.
Do Continuo.
§ 9. Temos regulado pelo §. 2. do Capitulo IX. o
modo de prover este lugar, e só nos resta advertir aqui,
que além das circumstancias apontadas por entaõ, se
deverá sempre preferir entre os Concorrentes aquelle de
quem se obtiver melhores informações de conducta, fideli-
dade, &c. sendo obrigado a prestar Fiança-Chã, e abonada
por motivo das Cobranças, que será mandado fazer pelas
residências dos Compromissarios.

CAPITULO XVI.—Dos outros Lugares Subsidiários.


Como pode acontecer, e até he de esperar, que pelo
decurso do tempo, e grande numero dos Concorrentes,
se multipliquem de tal modo as obrigações do Enfermeiro
Mór, Procurador do Geral, e do Secretario, que por si
só lhes seja impossível o satisfazêllas; por isso desde
aqui já regulamos, que n'um tal caso se nomeem quatro
Enfermeiros menores, ou só dous, ou em fim tres, para
debaixo da direcçaõ do Maior fazerem as visitas pelos
Quartéis, que lhes forem assignados: e outros tantos
Presidentes para as cobranças das Contribuições, e outras
diligencias de que os possa encarregar o Procurador do
L 2
84 Jnisceiianvu.
Geral: e igualmente para aliviar, e ajudar o Secretario,
um Vice-Secretario; que estas Nomeações sejaõ pri-
vativas do Provedor da Meza, e que mis taes gozarão
de todos os privilégios dos Membros da Meza menos o do
voto em suas deliberações.

CAPITULO XVII.—DO Monte-Pio com que deverá sa\r


cada um dos Compromissarios, e Circumstancias de
sua applicaçaõ.

§ 1. Temos em fim chegado ao termo para que nos con-


duzimos que he o de tractar da distribuição dos soccorros
a que tem direito igualmente todos os Concorrentes a este
Monte-Pio: os quaes ainda que naõ possam regular-se
tesem meridade, todavia ousamos abalançai>nos, fundados
em alguns cálculos particulares, que este Monte-Pio
fornecerá aos Doentes necessitados, ou impossibilitados
de suas funcções por dia — Quatrocentos e oitenta reis
= em quanto durar o impedimento, impossibilidade, etc.
E quando a multiplicidade de moléstias, ou em fim dos
favorecidos o numero venha a ser tal, que o Cofre naõ
possa repartir tal quantia de dinheiro, arbitrando-se pro
rata a quota parte que tocar a cada um conforme as
forças do Cofre; tendo sempre em vista a Meza da Adminis-
tração, que o fim desta taõ pia Instituição he o de socorrer
aos desvalidos, que em quanto poderam, contribuíram ge-
nerosamente para ella, e que o Cofre deve antes sofrer
um sacrifício, do que fazello soffrer aos qus foram seus
Concorrentes, e Instituidores.
§. E para que de uma vez fiquem reguladas as cir-
cumstancias em que se devolve aos Compromissarios
Concorrentes o direito de exigirem do Cofre os seus
soccorros, fica regulado pelo presente Capitulo, que será
distribuído este Monte-Pio a todo e qualquer Compro-
Miscellanea. 85
missario, que cair em obsoluta impossibilidade de
adquirir o necessário sustento, tolhidos os meios de
adquirillo inculpavelmente, e por accidentes, que naõ
estava na sua maõ precavellos, e isto em quanto per-
manecer na impossibilidade, cujo exame se commette
á prudência, e zelo da Meza da Administração do
Cofre. Por morte destes a suas Viuvas, e collectiva-
mente ás filhas Donzellas, e filhos menores de vinte
annos, se até entaõ naõ tiverem ainda algum estabele-
cimento, e sejam legitimos, ou naturaes : e aos maiores,
que forem por alguma enfermidade do Corpo, ou E s -
pirito impossibilitados de adquirir a sua sustentação:
vivendo todos debaixo do governo, e direcções de suas
Mãys, ou na falta dellas, daquelle Irmão, ou Irmaã, ou
Tutor, que pelo Juizo dos Orfaõs lhes for nomeado;
ficando porém privado deste beneficio aquelle que se
mostrar evidentemente naÕ precisado deste soccorro;
porque naõ he justo defraude os outros, que tem um
legitimo direito a este beneficio establecido só para soc-
correr os desvalidos e necessitados; assim como igual-
mente todo aquelle, que no mesmo juizo dos Orfaõs for
condemnado a perdello pelo seu máo, e incorrigivel pro-
cedimento ; ou que a Meza da Administração (depois de
bem informada) julgue indigno deste soccorro por se ter
constituído em ócio, e preguiça naõ cuidando em se ha-
bilitar, e instruir para officio, ou emprego de que viva;
pois que he verdadeiramente destes, que o Apóstolo tem
dicto = Quem naÕ quer trabalhar, naõ deve comer: — e
a Meza da Administração seria responsável á Sociedade
Publica em geral, de um damno, que inculpavelmente
lhe fazia, de alimentar um Monstro, que havia por força
deshonralla. Naõ: o trabalho he a primeira herança do
pobre, e aquelle que chegando a cair em indigencia
86 Miscellanea.

allega seu nascimento, e estado para naõ se empregar


em cousa alguma he indigno de todo o soccorro.
§ 3 . Se o Compromissario naõ for casado, nem tiver
filhos gozarão de seu Monte-Pio (alem delle nos casos
aponitados no § 2.) os Pays pobres, e Irmaãs donzellas,
e pobres, que com elle viverem, em quanto naô constar,
que desmentem daquelles sentimentos de honra, que o
seu dever lhe prescreve: e nestas pessoas terminará a
sua applicaçaõ.
§ 4. Entre uns e outros dos supramencionados Ten-
cionarios, haverá reciproca substituição :* e ficará privado
deste beneficio aquelle, ou aquella, que casando-se passar
a constituir diversa familia.
§ 5. Devemos com tudo advertir, que qualquer que seja
o successo deste Monte-Pio, os primeiros nelles contem-
plados pelo que pertence a distribuição dos seus soccorros
seraÕ sempre os Concorrentes a elle na sua Pessoa, e
nos casos apontados: naõ podendo nunca ter lugar a Re-
quisição das Viuvas, e Filhos, ou dos Pays, e Irmaãs em
quanto que o Cofre o naõ permittir; seguro o beneficio
determinado a favor daquelles nos §§. 1. e 2. E porque
entre os Religiosos ha muitos, que exercem as funcções pu-
blicas do Magistério, e aos quaes fica em conseqüência deste
Compromisso dos §§. 1. e 2. do Capitulo II. devolvido um
direito forçoso á sua admissão a elle: naõ podendo estes
nunca considerarem-se nas circumstancias expressas nos
§ § . 1 . e 2. do presente Capitulo pelo aslo que lhe» of-
fererece sua Communidade, ou Convento; todavia por
justiça a elles, queremos que se lhes dê uma Compensação
do Cofre todos os mezes ou Quartéis, para sou tabaco,
etc. quando sejaõ dimittidos do mesmo exercicio pela
* Ordenações do Reyno. Tit. 87. Liv. 4. §.5.
Miscellanea. 87
impossibilidade de moléstias, ou outra qualquer incul-
pavel; e que esta Compensação seja relativa ás forças do
Cofre, e fruição que de seus Ordenados o Convento, ou
Communidade lhes deixava no tempo da residência: e
isto pelo que pertence â sua pessoa, e em quanto á sub-
stituição do Pay, e Irmaãs, etc. gozando em tudo, e por
tudo do mesmo igual e reciproco beneficio.
§ 6. Estas saõ as circumstancias forçosas em que pelo
presente Compromisso se devolve aos Compromissarios
o direito de exigirem os soccorros deste Monte-Pio j
mas quantos casos naõ haverá, em que os mesmos Com-
promissarios ou por motivo de uma prolongada mo-
léstia, ou outro qualquer incidente se veraõ nas circum-
stancias de implorarem ao Monte-Pio algum soecoro! E
que cousa mais justa do que a applicaçaõ deste remédio;
mas he necessário que o Cofre possa soffrêlia: e eis o
motivo porque os Membros desta Meza naõ perderão
nunca de vista todos e quasquer meios, que possam offere-
cer-se-lhe para promover o augmento dos fundos do Co-
fre por manejos lícitos, e o que fará ainda objecto de um no-
vo Capitulo deste Compromisso, de que logo tractaremos:
querendo, e ordenando no entanto, que em casos taes o
Compromissario o represente ã Meza da Administração,
para ella, regulando-se pelos Fundos do Cofre, e in-
formações sobre a verdade do exposto, prover como o j u l -
gar a propósito.
§ 3. Finalmente lembramos para evitar no futuro dú-
vidas, e obstáculos, que uma vez legitimado o direito
de ser beneficiado pelo Monte-Pio, se principiarão a dis-
tribuir pelos Tencionarios os soccorros, que lhes saõ devidos,
a saber aos Concorrentes desde o dia em que fizeram saber
à Meza sua impossibilidade legitimada: e ás Viuvas,
Orfaõs, e Irmaãs, desde o dia do Óbito em diante.
88 Miscellanea.

CAPITULO XVIII.—Habilitação dos Tencúmariog.


Esta medida he muito necessária para acautelarmos,
e impedirmos, que ninguém venha cavilosa e astuta-
mente disfructar um beneficio, que se o temos com-
parado he â custa de nossas fadigas, c por tanto só
para nós, e nossas desgraçadas familias. Seria privai-
los de um paõ, que deve ser seu alimenta, para dallo
a outro que naÕ está nas circumstancias de reclamai-
lo: e seria até proceder contra a ordem da Caridade;
pois que -=- Charitas bene ordinata a nobis ipsis incipit =
E m conseqüência do que pois determinamos, que todo o
Tencionario, que se apresentar a requerer Monte-Pio, se
for algum dos Concorrentes, o faça munido de Certidão
do Prático assistente jurada aos Santos Evangelhos, e a
que procederá a informação do Enfermeiro Mór: e que se
estes forem alguns dos Herdeiros, que lhes estatuímos
pelos presentes Estatutos, o façam com Sentença de Ha-
bilitação de seu parentesco nos gráos supra chamados,
com a Certidão de vida, e costumes por seus Parrochos
(as quaes repetirão tantas, quantas vezes lhes forem exi-
gidas) para que precedidas as devidas informações do
Procurador do Geral, possam ser Matriculados.

CAPITULO XIX. Meios de promover o augmento dos


Fundos do Cofre.
Decet autem viros fortes optima desiderare, sed ferre
qusecumque incidunt. = E com razaõ pois que Instituição
ha que nos seus primeiros fundamentos naõ tenha soffrido
mil contestações, mü revezes, que teriam desanimado a
outro qualquer, que naõ tivesse um coração assim
orande como ostentaram os seus Instituidores ; mas elles
eram inflammados da caridade, persistiram firmes em sua
Miscellanea. 89

resolução, e o Ceo abençoou suas fadigas. Quem diria


a um Miguel Contreiras, que a Instituição a que elle se
propunha, seria hoje em Portugal o maior reparo contra
a miséria, e em toda a Europa culta o argumento mais
decidido da Piedade de nossos Monarchas, e da Caridade
exercitada com o próximo ? Nem se me diga que o suc-
cesso era infallivel depois da Protecçaõ, que lhe tem con-
cedido nossos Soberanos; porque a isso tenho eu que r e -
torquir-lhe =- E quem sabe o que tem de acontecer 1
Além disso nem só Doações Reaes mantém, e fazem
subsistir este grande Edificio, ou Monte-Pio da Miseri-
córdia, muitos particulares a tem enriquecido de seus
donativos, e nos vemos que naõ sendo bastantes ainda
estes recursos em proporção das excessivas despezas,
que tem a sustentar a veneravel Meza desta Santa Casa,
jamais negou seu soccorro a quem delle se mostra pre-
cisado, antes que perseverando sempre firmes nos fins de
sua piedosa Instituição apenas solicitam os meios de pro-
mover seus rendimentos de maneira a satisfazer os de-
veres, que se tem prescripto. Sigamos pois taõ nobre
exemplo, e se he preciso constância, tenhamos constância;
talvez que no futuro ella nos adquira a Protecçaõ de
nossos Monarchas; pois que a Piedade foi sempre o seu
timbre, que ella disponha mesmo da publica opinião em
nosso favor ; porque quando as instituipões em si saõ
boas, e entre Portuguezes, que amam a Humanidade por
inclinação própria e natural, naõ podem senaõ attrahir a
si os corações ; mas no entanto naõ deixemos de cogitar
sempre em todos os meios, que possam oceorrer para pro-
mover os Fundos deste Monte-Pio, e segurar a subsis-
tência dos que temos a nosso cargo. Entre os infinitos
meios, que podem descubrir-se, tendentes a este fim,
lembramos o entrar o Cofre em todas as Loterias Reaes,
VOL. XVIII. No. 104. M
90 .£ r-c. co-i, <; a c/u* r L e t * •

que se fizerem; mas ordenamos ao mesmo tempo, que


naõ poderá nunca arriscar mais que um Bilhete, ou
Sorte de cada vez. A acquisiçaõ de um Indulto para a
Composição, Melhoramento, Reformaçaõ, e Impressão
dos Livros Clássicos, que se admittissem nas Escholas e
Estudos Menores, á custa deste Monte-Pio, seria para
elle um manancial de muito fructo, e para o Publico de
uma vantagem reconhecida; pois que he principio geral-
mente admittido de todos os Povos, ou Nações cultas,
que em quanto se naõ dér uniformidade no Methodo de
ensinar, etc. nenhum ou pouco adiantamento se dará nas
Artes, e Sciencias. A Meza da Administração poderá
solicitar este Indulto de SUA A L T E Z A R E A L , supplicando-
lhe muito humildemente, o que presumimos será fácil
de conseguir, pelo exemplo que ha já de uma igual
Graça concedida á Real Direcçaõ das Escholas* na oc-
casiaõ de sua Restauração pelo Senhor D. José de Glo-
riosa Memória
Muitos outros arbítrios podiam lembrar-nos, além dos
que a occasiaõ, circumstancias do tempo, etc. poderão
suggerir aos Membros da Meza da Administração, cri-
ando d'entre os Compromissarios suas Deputações para a
applicaçaõ destes trabalhos, o que lembramos somente,
para pollo em execução.

CAPITULO XX. Do Remanescente do Cofre.

Augmentados pelos manejos, que temos apontado no


Capitulo precedente, os fundos do Cofre deste Monte-
Pio, naõ haverá mais receio sobre a distribuição dos
soccorros, que temos estatuído a seus Tencionarios;
antes que esperamos de augmentar o beneficio na Pessoa

* Decreto de 13 d'Agosto de 1759.


Miscellanea. 91
dos Concorrentes, como logo determinaremos no Capi-
tulo das Visitas : servindo este para determinar o Rema-
nescente que ficar depois de satisfeitas todas as despezas
do Cofre, e o qual queremos seja applicado na Con-
strucçaõ de um Collegio de Educação para os Meninos
Tencionarios debaixo do Plano que para o mesmo fim
temos ordenado ; e depois delle um Recolhimento para as
Tencionarias Viuvas, e filhas Donzellas como no mesmo
Plano se acha já determinado.

CAPITULO. XXI. Das Visitas aos Doentes.


Os mais bellos presentes, que o Ceo fez ao homem
(segundo Pythagoras) saõ: Dizer a verdade, e fazer bem
aos outros; porque estas duas cousas vem de Deos. Ora
se um Pagaõ Idolatra sentia entre o materialismo o en-
canto destas virtudes, que fará o homem, que faz publica
Profissão do Christianismo, e que naõ tem outra Ley,
que o Amor de Deos e do próximo. Visitar os Enfermos
he preceito expresso de nossa Religião para que o re-
commendemos mais de uma vez a aquelle a quem
temos disso encarregado, sem lhe fazermos injuria.
Naõ: o fim deste Capitulo he só lembrar ao Enfermeiro
Mór, que elle deverá pelo menos fazer per si esta Visita
uma vez em cada mez, e que nesta occasiaõ regulando-
se a Meza pelas possibilidades do Cofre, distribuirá ex-
traordinariamente a cada um dos Tencionarios doentes
um Donativo para as despezas das Receitas, Prático
assistente, etc. Medida esta que todavia só terá lugar,
quando, e como o Cofre o permittir.

CAPITULO XXII. Dos suffragios applicados pelas


Almas dos Compromissarios.
§ 1. A verdadeira piedade naõ se limita só afazer bem
M 2
92 iHldVCt/frU/K^M v

a nossos Irmaõs, e Consocios durante a sua vida, ella


transcende, e passa além da sepultura. He por este
motivo que recommendamos muito especialmente á Meza
da Administração do Cofre cuide em que os Sócios desta
Corporação tenham sempre um enterro honesto no caso
delles naõ terem para isso algum meio.
§ 2. Q u e em quanto naõ se realiza e põem em prac-
tica o Plano do Collegio d'Educaçaõ, pelo qual se provi-
dencêam mais amplamente os suffragios, que seraõ appli-
cados pelas Almas de todos os Compromissarios deste
Monte-Pio, sua sepultura, obséquios delia, etc. a Meza,
da Administração todos os annos ordene se faça por suas
Almas, um Officio de Defuntos de nove lições; e em tal
dia que a Meza, Definitorio, e mais Empregados na Ad-
ministração, assim como todos os Compromissarios que
quizerem, possam a elle achar-se presentes.
§ 3. Que igualmente em quanto se naõ realiza e
põem em prática o sobredicto Collegio se mande dizer
todos os annos cincoenta Missas pela mesma applicaçaõ,
e suffragios das Almas de todos os compromissarios, e
dous ternos dellas pelo Natal, com outros tantas no dia
da Commemoraçaõ Geral dos Defuntos.

CAPITULO XXIII.—Da Festa da nossa Padroeira,


cuja Invocação nos servimos para honra deste
Monte-Pio.
§ 1. NaÕ basta que a Religião resida em nossos co-
rações, he necessário ainda dar delia testerannho por
actos externos do maior respeito, e submissão: o temor
de Deos he a fonte de toda a sabedoria, e sem ella não
pode dar-se uma boa conducta. Para obtermos pois
uma e outra dirijamos ao Ceo nossas suppiicas, e invo-
quemos a Virgem Soberana debaixo do especioso Titulo
Miscellanea. 93

de que a tomamos por Patrona deste Monte-Pio, mos-


trando por públicos testemunhos, que somos dignos
assim como agradecidos a seus benefícios.
§ 2. Instituiremos pois todos os annos uma Festa á
mesma Soberana Senhora em o seu dia, ou no Domingo
próximo ao dia de sua solemnidade pela Igreja, a qual
constará de Missa cantada, e Sermaõ, etc. e a que serão
obrigados a assistirem a Meza, Definitorio, Empregados,
e todos os Compromissarios, naõ se poupando a nada para
a decência de uma tal Funcçaõ, advertindo porém que
naõ queremos se use de outro Canto, senaõ o Canto-
Chaõ, nem de outro instrumento, que o Orgaõ.
§ 3. A Meza, Definitorio, Empregados, e todos os
Compromissarios nesta occasiaõ, e em todas, e quaesquer
outras publicas usaraõ do seu vestido próprio (que vem a
ser vestido preto e Capa) e nunca de Opa, Habito, ou
outra qualquer formula, ou insignia de alheia Irmandade,
Confraria, ou Ordem.
§ 4. Mais em quanto se naõ realiza o Plano do
Collegio d'Educação, que temos ordenado, e pelo qual
ficamos com casa própria, e Capella para os Ministérios
da Igreja, a Meza resolverá escolhendo aquella de que
deve servir-se interinamente.

CAPITULO XXIV. Remate da Obra.


Tal he a nossa primeira Instituição deste Monte-Pio,
que a prática do futuro poderá ampliar, modificar, emen-
dar com mais prudente conselho, servindo-se todavia
para isso dos mesmos meios de que nós nos servimos, e
fazendo-o confirmar por S U A A L T E Z A R E A L , sem o que
nem estes Estatutos, nem outros quaesquer que pudessem
ter lugar, poderão ter effeito ; força, ou em fim algum
vigor.
94

Termo dApprovaçaõ.

Anno do Nascimento de Nosso Senhor JESU CHRISTO


de mil oitocentos e treze, e aos trinta e um do mez de
Outubro nesta muito Nobre, e muito Leal Cidade de
Lisboa e na Rua da Palmeira, contígua á Praça das
Flores, em a Propriedade numero 46, nas Casas da Re-
sidência de mim abaixo assignado Mestre Regio na Corte,
e Proprietário da Eschola dos Cardaes de Jesus, que servi
de Redactor; e escrevi este compromisso, e aonde por
maior commodidade se tinham ajunetado os Professores e
Mestres Regios, e alguns dos particulares Licenceados na
Corte, e outras Pessoas interessadas neste Monte-Pio, e
que a elle tem admissão forçosa, ou grociosa na confor-
midade dos §§. 1. 2. 3. e 4. do Capitulo II. deste Com-
promisso, sendo lido em presença de todos elles, em voz
alta e intelligivel este Compromisso, que se comprehende
em uma Introducçaõ e vinte e quatro Capítulos, foram
approvados, e confirmados por todos os suffragios, pro-
testando todos e cada um delles por si de guardar, e
cumprir sempre e em toda a parte com a sua obser-
vância muito fiel, e exactamente do mesmo modo, ou
maneira, que nelle se contém, e sujeitando-se ás penas
nelles declaradas como Compromisso e Estatutos deste
Monte-Pio dos Professores e Mestres sejaõ Regios, ou
particulares Licenceados dosEstudos, e Escholas Menores
na Corte, que elles instituem para si, e seus futuros suc-
cessores, e que esperaõ SUA A L T E Z A R E A L O Principe
Regente Nosso Senhor, que Deos guarde seja servido de
Confirmar como seu Soberano Protector, Decretando sua
inviolável observância, e dando-lhe aquella Sancçaõ de
Miscellanea. 95
que precisa para ter toda a precisa efficacia, vigor e
effeito ; attendidos os justos fins a que se dirigem. E o
que para que constasse sempre, e de sua firme resolução
e vontade, mandaram lavrar este Termo, que eu escrevi,
e todos (depois de mim) assignâram. Lugar, mez, e
anno ut supra. Joaquim Antonio de Lemos Seixas e
Castel-Brancorr---Jo8é Antonio Monteiro = Francisco Gal-
dino de Gouvêa — Maximiano Pedro d'Araújo Ribeiro —
José Peixoto do Valle—Domingos Antonio de Lima—•
Antonio Maria do Couto—Joaõ da Cunha Guimarens—
José Ribeiro Freire—AdriaÕ dos Santos—Bartholomeu
José Marquez—Manoel de Jesus—Camillo Alexandre de
Azevedo e Costa—Antonio Ferreira Balate—Anselmo
Honorato Coelho Ferreira—Henrique José Pereira—
Joaõ Leite Palhares—Francisco Xavier dos Santos—José
da Costa e Silva—Thomaz Henriques de Noronha—
Antônio José da Silva Nobre—Joaquim José da Rocha—
Joaquim José Ferreira de Carvalho—Fr. João de Souza—
Antonio Zacarias de Buytrago—Romaõ Antonio Baima
de Barros—Romaõ Ignacio da Silva—Joaõ Baptista da
Costa Soares—Bento Joaquim de Noronha Torrezaõ—
Vicente Joaquim da Costa—JoaÕ Gualberto Fromant—
Octavio Joaquim Thiber—Manoel Eugênio de Souza—
Joaquim Cordeiro Galaõ—Joaquim Germano Jorge—
Antonio José Leal—Augusto Baptista Machado—Fran-
cisco Antonio Ferreira da Silva—Manoel José da Costa—•
Bernardino de Souza e Andrade—Antonio Pedro H e n -
riques—Antonio da Nave Vallente—José dos Santos
Garcia—José Maria Alvares de Queirós—Francisco
Maria de Salles—Thomaz Peixoto de Figueiredo—José
Francisco Pinheiro—Fr. Manoel de Santo Antonio—
Joaõ Bodrigues Palma—José Joaquim Lage—Antonio
96 « f - J l / ü l / fr-CWf/<C-(*«

Pretexlato de Pinna e Mello—Manoel Francisco de


Oliveira—José Antonio Rodrigues Guedes—Amaro dos
Santos—Antonio José da Costa—Lucas Tavares Ma-
thias José de Andrade—José Pedro Roussado Manoel
José Delfim—Manoel Pereira da Silva—Pedro José de
Figueiredo—Joaõ Alexandre de Paiva—Joaõ I<macio
Nunes—Estanislau Telles de Faria e Silva—Doutor Joaõ
Antonio Rodrigues Ferreira—Francisco Luiz dos Santos
Leal—Antonio Maria Barker—Antonio Maria d5Abreu
Vasconcellos—Giraldo Antonio da Silva Monteiro—Fr.
Manoel da Soledade Mello de Vasconcellos—Bartho-
lomeu José Nunes Cardozo Giraloes de Menezes—Luiz
José da Silva Fragozo—JoaÕ Antonio de Freitas Rego—
O Bacharel Bernardo José d'01iveira Teixeira Cabral—
Antônio Joaõ Caetano Alves da Silva—AntonioLuiz An-
tunez Minho—Sebastião Coutinho de Santa Anna—An-
tonio Manoel da Silva—Alexandre Pereira da Costa
Leaõ Pignatelli—José dos Santos Silva—-Gregorio José
de Seixas—Thomaz de Aquino e Souza—Francisco de
Borja Menna—José Joaquim de Almeida e Abreu—Ma-
noel Joaquim d' Araújo e Vasconcellos—Joaquim da
Cruz Rebello—Francisco Pereira Ribeiro—José de
Souza Monteiro—Manoel Joaquim Dias—Albino Gomes
Guerra de Aguiar—Vicente Ferreira Maia—Joaõ Maria
Rodrigues e Castro—Daniel Ferreira da Matta—Fran-
cisco José da Boiça—Filippe José de Souza—Joaquim da
Roza Bonha—Joaquim Ferreira da Luz—José Pedro da
Silva—Joaõ Pedro Gouvêa—Pedro Antonio Coelho
Freire—Theodoro José da Silva—José Manoel da Costa
—Marcellino Antonio Leforte — Caetano Alberto No-
gueira Velho—Antonio Francisco Valverde—O Rever-
endo Padre FabiaÕ Clariano de Souza—José Ignacio
Miscellanea. 97
Pereira—Antonio Telles de Faria e Silva—José Bento
Garcez—Luiz Carlos José d' Abreu—Joaõ da Cruz—
Francisco Rebello — José Telles da Silva — Antonio
Mendes Franco—José Rafael da Silveira—José Gomes
Claro—Manoel d' Almeida Moraes—Joaõ Ferreira da
Cunha Bastos—Ignacio Virgolino Pereira de Souza—
Manoel Ignacio Caldeira—Antonio Pereira de Mendonça
—Maurício José Corrêa—Diogo Mac Donnel—Francisco
José da Costa Cezar—Antonio Cândido Rebello—Albi-
no Antonio de Moraes e Castro—Joaquim Pedro da Silva
-—José Joaquim da Silva—Alexandre José da Costa—Ma-
noel Antonio d' Amorim—José Rebello Fragozo—--Vi-
cente Ferreira da Silva—Manoel Francisco de Souza
Pontes—Joaõ Luiz Imperial.

Dom Joaõ por Graça de Deos Principe Regente de


Portugal, e dos Algarves, d' Aquém e d' Além Mar, em
África de Guiné, etc. Faço saber que os Professores, e
Mestres Regios, e Particulares Licenceados na Corte, e
outras Pessoas com Empregos Públicos de Letras na
mesma, Me apresentaram o Compromisso de um Monte-
Pio, que pertendem Estabelecer á sua própria custa, em
seu commum beneficio, e de suas mulheres, filhos, Pays,
e Irmaãs desamparadas, Pedindo-Me a Graça de o con-
firmar de Minha Regia Authoridade, e Pleno Poder. E
visto seu requirimento; o dicto Compromisso, que consta
de vinte e quatro Capítulos escriptos desde paginas quatro
ate paginas trinta e duas inclusive deste Livro; a Infor-
mação que se houve pelo Desembargador José Maria
Cardozo Soeiro, Corregedor do Cível da Cidade; a
resposta do Meu Procurador da Coroa, que Mandei ouvir;
e que os fins a que os supplicantes se propem no Estabele-
V O L . XVIII. No. 104, N
98 Miscellanea.
cimento do dicto Monte-Pio podem ser muito honestos e
úteis soccorrendo-se por meio delle pessoas beneméritas, e
ainda aquellas que pertencendo a homens dignos sentiráÕ
a sua falta, e ficaráõ sem meios de viver honradamente:
O que tudo me foi presente era Consulta da Meza do
Meu Desembargo do Paço: Hei por bem Confirmar
como com effeito Confirmo, e Hei por Confirmado o
Compromisso de que se tracta, para que os mencionados
vinte e quatro Capítulos de que elle se compõem tenham
inteira validade, e execução na forma alli estabelida
Querendo porém acautelar os abusos, que muitas vezes
tem resultado de similhantes Estabelecimentos, e estor-
vado a harmonia dos seus Sócios: Hei outro sim por bem
Nomear o dicto Desembargador José Maria Cardozo Soeiro
para Presidir ás Sessões que os Supplicantes fizerem, e
sustentar réstrictamente os fins do mesmo Compromisso,
conter os seus Membros nos deveres, que lhes foram
impostos, e vigiar para que se naÕ troquem os seus fins, e
venha a formar-se para o futuro suspeito ao Estado,
Dando-Me conta todos os annos pela dieta Meza do Meu
Desembargo do Paço do estado, e utilidade deste Esta-
belecimento. E esta Provisão se cumprirá como nella se
contém, e valerá posto que seu efièito haja de durar mais
de um anno, sem embargo da Ordenação do Livro Se-
gundo Titulo quarenta em contrario. Pagaram de novos
Direitos quinhentos e quarenta réis, que se carregaram
ao Thesouceiro delles a folhas cincoenta do Livro vigési-
mo primeiro de sua Receita, e se registou o conhecimento
em fórma a folhas duzentas e tres do Livro oitenta e tres
do Registo Geral. O Principe Regente Nosso Senhor o
Mandou por seu especial Mandado pelos Ministros abaixo
assignados do Seu Conselho e Seus Desembargadores do
Miscellanea. 99
Paço. Joaquim Ferreira dos Santos a fez em Lisboa a
dez de Fevereiro de mil oitocentos e dezeseis annos. Esta
grátis e assignaturas oitocentos réis.

Novidades deste mez.

GUERRA no RIO-DA-PRATA.

Proclamaçaõ do Governador da Capitania do Rio-


Grande do Sul, no Brazil.
O MARQUEZ de Alegrete, do Conselho de S. M. F i -
delissima, Gentilhomem de Sua Câmara, Gram-Cruz da
Ordem da Torre e Espada, e da de Christo, Marechal de
Campo dos seus Exércitos, Governador e Capitão G e -
neral da Capitania de S. Pedro do Rio-Grande
Habitantes do Território de Montevideo.
As tropas Portuguezas, igualmente valorozas e bem
disciplinadas, vám entrando em vosso território; e os
homens de bem poderão agora dar graças á Divina Provi-
dencia, que, empregando o poderoso e sempre propicio
braço d' El Rey meu Senhor e Amo, e o meu, expelle
os males que vos affligem, castiga os seus authores se elles
se naõ escapam ; e naÕ parando em tam grandes bene-
fícios, conferirá outros, que vós naõ podereis appreciar em
quanto os naõ gozardes.
NaÕ abandoneis as vossas casas, excepto se for para
procurar abrigo contra os salteadores, e para vos unir ao
exercito; por quanto, tudo quanto se exigir de vós será
punctualmente pago. E m nome de S. M. Fidelissima
eu vos prometto a segurança de vossas pessoas e pro-
N2
100 Miscellanea.
priedade. Cessem pois as vossas lamentaçoens e quei-
xas: cessem para sempre, e mixturem-se com as nossas
as vossas vozes fraternaes repita-se mil vezes com aquella
alegria de coração, que ha tanto tempo vos tem deixado,
Viva El Rey, Viva El Rey, Viva El Rey.

Proclamaçaõ do General em Chefe do Exercito


Portuguez.
Carlos Frederico Lecor, Tenente-general dos Exér-
citos de S. M. Fidelissima, General em Chefe das tropas
destinadas á pacifiçaõ da margem esquerda do Rio-da-
Prata, &c. &c.
Povo da margem esquerda do Rio-da-Prata.
Os reiterados insultos, que o tyranno Artigas tem feito aos
pacíficos habitantes de Monte Video, vossos compatriotas;
e aos do Rio-Grande; a absoluta prohibiçaõ de commu-
nicaçaõ nas fronteiras com os vossos amigos Portuguezes e
finalmente a disposição hostil, em que elle colloca as suas
tropas, dirigindo-as para as vizinhaças do Rio-Pardo, saõ
factos notórios ; e mais do que sufficientes para provar
intenções daquelle tyranno. Elles saõ também bastantes
para provar incontestavelmente, que naÕ pode haver
Governo estabelecido entre vós mesmos, nem segurança
nos dominios Portuguezes, em quanto vós estivereis su-
geitos á sua oppressaõ. A um tyranno, que, obtendo o
commando de vossa força armada, vos dieta a sua opinião;
um tyranno, cujo comporamento tem sido hostil e incon-
stante, excepto no que respeita á seus interesses, e que
naÕ pôde fazer feliz a vossa pátria, nem ministrar a
vossos vizinhos confiança alguma em suas relaçoens po-
líticas»
Habitantes da provincia do Norte^ terminai o estado de
Miscellanea. 101
incerteza, que arruina o vosso paiz, e perturba as fronteiras
do Reyno do Brazil, Para remover estes males sou eu
mandado por meu Soberano, com as tropas, que vedes
commigo, e com outras, que me devem seguir; mas
que naõ vem para conquistar, nem para destruir a vossa
propriedade. Pelo contrario, o seu único objecto Le
sujeitar o inimigo, livrar-vos da oppressaõ, re-estabeleccr
a vossa tranqüilidade, e pôr termo ás extraordinárias
contribuiçoens, que elle vos impõem, e tractar-vos todos
com amor, excepto aquelles, que daqui em diante tentarem
perturbar o socego publico.
Habitantes! Vós, que amais o bem de vossa pátria,
permanecei tranquillos em vossas casas, e confiai-vos nas
promessas, que vos faço em nome de meu Soberano.
Elle me tem constituído chefe de um Governo Provisional,
e eu vos promêtto á fé de um official velho e fiel
vassallo; que cumprirei todas as ordens, que recebi de
meu Augusto Soberano, o qual naõ da outras, que naõ
sejam para vossa felicidade.
CARLOS FREDERICO LECOR.

Outra Proclamaçaõ do mesmo.


Naõ a prejudicar os interesses individuaes, procedemos
a tomar posse em nome de S. M. Fidelissima El Rey
N. S. do território ao Oriente do Rio-da-Prata. Foi
esta necessária medida adoptada entre os gabinetes de
nosso Manarcha, e de S. M. Catholica, que vos sugeita
ao dominio de um Rey grande, benéfico e generoso. Dai
graças ao Supremo Arbitro dos destinos. O nosso objecto
he abater o grito da discórdia e desunião, que infelizmente
se tem propagado entre vos. Tremam os cabeças dos
amotinadores á vista das armas da grande regeneração do
102 Jmsceiianea.
descanço publico—vos outros permanecei tranquillos em
vossos casas, e sereis vossas protegidos pelo valor de
novos Irmaõs.
LECOR.

FRANÇA.

Carta do Principe Talleyrand a Lord Castlereagh.


M Y LORD !
E M um artigo inserido no Courier de 27 de No-
vembro se me attribue o ter feito uso, em casa de Sir
Carlos Stuart, em sua presença e na sua meza, de tal
linguagem, qual nunca usei, nem podia nunca usar, em
casa do Embaixador Inglez, sem me esquecer de duas
cousas, de que me naõ posso esquecer; e de terceira que
trabalharei para que nunca me esqueça. A primeira he
o respeito que devo, e que sinto para com El Rey; a se-
gunda, o respeito que he devido ao character publico e
particular de Sir Carlos Stuart, e a terceira o respeito que
me devo a mim mesmo.
Se os authores deste artigo lhe tivessem posto os seus
nomes, achar-se-hia entaõ o antídoto ao pe do veneno.
Porém de uma parte, escrevendo anonymamente, tem
dado à calumnia o credito, que seus nomes lhe haveriam
tirado; e por outra parte, como detractores experimenta-
dos, tem ajunetado as suas falsidades com algumas circum-
stancias que saõ verdadeiras; e, para augmentar a illu-
saõ, circularam o seu conto em distancia, e nos jornaes
estrangeiros.
Tal he, My Lord, a causa que me fez julgar próprio
por na sua verdadeira luz aquelles factos, que elles tem
desfigurado, e responder por uma negativa peremptória
tanto as suas asserçoens, como as suas insinuaçoens,
que saõ igualmente falsas. Tenho também outro motivo
Miscellanea. 103
— he o valor que dou á opinião de um homem como vós
e á opinião do povo da Inglaterra.
Se ja mais me tivesse occurrido fallar das percas, que a
Revolucçaõ causou a um dos Ministros d' El Rey, eu naõ
teria fallado dellas de outro modo senaõ como de uma
calamidade que a maior parte dos membros de minha fa-
milia experimentaram, assim como elle; e provavelmente
teria eu accrescentado, o que realmente penso, que esta
calamidade, posto que irreparável, naõ he menos pezada
para o mesmo Estado, do que para os indivíduos que a
soffrem.
He bem verdade que eu fui encarregado da Commis-
saõ de que falia o artigo: he bem verdade que eu me
gloriei com ella: he bem verdade que eu a considero
como um dos mais bellos titulos, que posso deixar á minha
familia. Porem nunca disso fiz pomposos gabos: nunca
fiz do publico o meu confidente: nunca o patenteei senaõ
a mui poucas pessoas, e essas eram Francezes, à excep-
çaõ de M. Pozzo di Borgo. Fazer disto um pretexto para
insinuar que desejo privar os Soberanos Alliados, e espe-
cialmente o Povo Francez, da gloria que lhes pertence,
pela parte que elles respectivamente tiveram na obra da
restauração e apropriar a mim esta gloria, mostra sem du-
vida grande maldade de intenção, porém ao mesmo tempo
grande falta de habilidade. Quando se quer calumniar
um homem, somente se lhe devem attribuir actos de máo
comportamento que sejam criveis. E porém eu tenho
assas orgulho para pensar, que naõ parecerá crivei a
pessoa alguma, que eu seja capaz de tam louca vaidade.
Com todas as suas insinuaçoens, a respeito da minha pre-
tensa ambição, elles somente daõ a conhecer a sua.
Quando eu desejei os empregos, foi para um objecto,
que se obteve em 1814 e 1815. Depois disso, nada me
104 Miscellanea.
restava para desejar senaõ o descanço. Isto he um bene-
ficio, que julgo ter merecido. Oxalá que esses senhores
o mereçam, quando lhes chegar a sua vez! Eu o tenho
gozado por sette mezes, no campo, para onde me apresso
a voltar, para o tornar a gozar.
Depois de jantar, em casa de Sir Carlos Stuart, haven-
do-se retirado parte das pessoas, que se acharam pre-
sentes, e estando o Embaixador em um quarto juncto ao
sallaõ das visitas, e a sua senhora na casa do bilhar; com
a senhora do Embaixador Napolitano, restavam somente
seis pessoas, que tinham mandado chegar as suas carru-
agens. Nós estávamos esperando por ellas em uma
alcova juncto à porta; foi ali que teve lugar a conversa-
ção, que durou quando muito quatro minutos, e no de-
curso da qual fui conduzido naturalmente a notar, que a
differença de funcçoens produz uma differença similhante
na graduação entre os ministros; que a ordem, segundo a
qual cada um delles era mais ou menos próprio para
formar um centro, principal e habitual, de relaçoens
entre os Ministros, tomados collectivamente, e os membros
de ambas as Câmaras tomados individualmente, naõ éra
por forma nenhuma arbitraria; que éra fixa pelas suas
respectivas funçoens; e que por amor da utilidade assim
como do decoro, éra muito para desejar que nunca se
interrompesse a ordem natural. Eu exprimi esta idea
por differentes modos; faltando somente dos ministérios,
nao dos ministros ; nem se nomeou o nome de nenhum.
Esta foi precisamente toda a parte que tive em uma con-
versação, que teria esquecido no momento seguinte, como
muitas outras, se as funcçoens, que o meu interlocutor
tivesse previamente executado, estivessem tam longe de
sua lembrança, como estavam da minha, no momento
em que fallava. De cinco pessoas, que estavam presentes
Miscellanea. 105
com nosco, quatro saõ ligadas comigo por laços de con-
sangüinidade e antiga amizade, e por conseqüência naõ
appellarei para o seu testemunho. Appello para o de
Mr. Tierney: elle deve ser sufficiente: o seu character
pessoal, e a sua volta para Inglaterra me obrigam a obrar
assim. Estou certo de que elle attestará, que nesta
conversação de poucos minutos, eu naõ disse nada mais;
e nada que pudesse admittir alguma intelligencia diffe-
rente do que tenho agora exposto. Elle somente aceres-
centará, que tudo isto se passou no tom da mais ordinária
conversação; e, ao menos da minha parte, com a indiffe-
rença de um homem, que está esperando pela sua carru-
agem.
Tal he, My Lord, a verdade, que he de importância
para mim communicar-vos.
Aceitai, My Lord, a nova segurança da minha alta
consideração.
(Assignado.) O Principe de TALLEYRAND.

Refiexoens sobre as novidades deste mez.


REYNO U N I D O DE PORTUGAL BRAZIL E A L G A R V E S

Guerra do Rio-da-Prata.
Deixamos copiadas a p. S9 tres proclamaçoens de summa im-
portância para nossos Leitores: uma do Marquez d'Alegrete,
Governador da provincia do Rio-Grande do Sul, e duas do Ten.
General Lecor, commandante em chefe do exercito que do Brazil
foi invadir o território de Monte-Video.
Sobre estas proclamaçoens, que traduzimos das gazetas lnglezas,
aonde vinham sem data, achamos na Gazeta do Rio-de-Janeiro
de 28 de Outubro, 1816, o seguinte:—" Devemos declarar, que
a proclamaçaõ, que tem gyrado nesta cidade, como feita pelo Te-
VOL. XVIII. No. 104.
106 misceuanea.

uente General Lecor, e principia pelas seguintes palavras—Naõ a


prejudicar os interesses individuaes—he apocripha."
Quanto a nós, ainda que as proclamaçoens de que se tracla
fossem genuínas., mui bem faria o Governo do Brazil em as negar
tanto para seu credito e honra, como para sua utilidade; porque
os taes papeis saõ tam mal escriptos, como imprudentes nas decla-
raçoens e annuncios, que fazem. A proclamaçaõ attribuida ao
Marquez d'Alegrete he, com efeito, tam mal escripta e insignificante,
que até se naõ sabe sequer a que fim he dirigida; diz que confiem
em El Rey, sem dizer o que El Rey promette, nem o que El Rey
q u e r ; n'uma palavra he uma producçaõ de rapaz d'eschola.
As duas proclamaçoens attribuidas ao General Lecor, tanto a que
se declarou apocripha no Rio-de-Janeiro, como a outra, alguma
cousa dizem ao propósito; mas assim mesmo dizem o que taes
proclamaçoens naÕ deviam dizer; e omittem, ou faliam de passa-
gem em cousas, que éra necessário expor muito pelo miúdo, se
taes proclamaçoens se devem considerar como manifestos da Corte
do Rio-de-Janeiro aos povos das provincias invadidas.
Segundo estas duas proclamaçoens do Tenente General Lecor
(porque a do Marquez, por sua nullidade naõ exige que se torne a
faltar nella) a invasão he feilade concerto com a Corte de Madrid;
o Governo que se ha de estabelecer nas provincias invadidas será
provisório: o fim da invasão he accommodar a inquietação daquelles
povos: castigar os cabeças dos amotinadores; os quaes tem feito
algums males ao Brazil, e prohibido o commercio nas fronteiras.
Esta ultima circumstancia, que nas proclamaçoens se tracta tam
de leve; he a única que pôde dar direito a S. M. Fidelissima,
para atacar as provincias vizinhas, que se acham em estado de in-
surreição contra sua metrópole. Logo em tal proclamaçaõ se
deveria referir, mui por menor, o mal que a anarchia daquellas
provincias tem causado ao Brazil; o perigo, que ameaçam as sua>
tropas indisciplinadas, e compostas principalmente de foragidos e
criminosos; as propostas de negociaçoens feitas aos chefes revolu-
cionários, e o máo successo dessas negociaçoens; e ultima-
mente a Resolução de. S. M. Fidelissima de occupar aquellas pro-
vincias provisionalmente, até que, decidida a questão entre a Hes-
Miscellanea. 107
panha e suas colônias, saiba S. M. qual he o Governo legitimo a
quem as deve restituir, ou com quem deve negociar, se quizer ficar
com ellas, e o outro lhas quizer ceder.
Porém as proclamaçoens, deixando de explicar estes importantes
fundamentos, mencionam ajustes entre as Cortes do Rio-de-Jaueiro
e Madrid, que, naõ se tendo feito authenticamente públicos, naõ
deveriam ser naquella proclamaçaõ revelados; e tanto mais quanto;
por isso mesmo que aquelles povos estaõ era rebelião contra sua
metrópole, nada os pôde irritar mais do que saberem, que os in-
vasores vaõ de acordo com os inimigos, cuja vingança lhes deve ser
mais temível do que outro nenhum mal. E 3e nos disserem que tal
he a segurança do bom successo, que o Ten. General Lecor naõ
acha ser precisa a politica de ocultar aos povos invadidos aquella
circumstancia ; entaõ éra mais nobre, e mais coherente promul-
gar de uma vez, que os paizes assim conquistados eram para Por_
tugal ou para a Hespanha, por concerto de ambos os respectivos
soberanos, e naõ fallar em Governos Provisórios, que trazem com
sigo a incerteza das vistas do invasor, e que por isso naõ podem ja-
mais conciliar a affeiçaõ dos povos; antes lançam as sementes de
ódios e inimizades intermináveis.
Baste isto por agora, quanto ás proclamaçoens; porque o nosso
fito principal, fallando desta matéria, he responder aos escriptores
Inglezes, que se tem occupado em fazer repetidas e largas observa-
çoens sobre as taes proclamaçoens ; e, segundo o custume, tracta-
do dos actos do Gabinete do Rio-de-Janeiro, como se fatiassem
dos de um Governo subalterno, e naõ de um Monarcha Indepen-
dente; e ademais fallando da matéria cora tal ignorância delia;
que em alguns pontos até provocam a riso.
Entre outras descaídas notamos, em uma das gezetas lnglezas,
uma asserçaõ mui galante, que foi uma espécie de ameaço do que
faria Artigas, vendo-se provocado pela invasão, que éra nada me-
nos do que marchar com o seu exercito e ir revolucionar os negros,
que estaõ trabalhando nas minas de diamantes!
Porém deixando estas observaçoens, que só servem de excitar o
riso, examinaremos as mais sérias, que se acham, tanto nos escrip-
tores do partido Ministerial, como do partido da opposiçaõ ; por-
108 iriiscenanea.

que desta vez parece que todos tem achado ser do seu dever re-
prehender o comportamento do Gabinete do Brazil: e assim
mostraremos, que supposto estes senhores tractem muito de menor
os custumes, instrucçaõ, e civilização dos povos do Brazil, no que
em muita parle tem razaõ, ainda assim ha algum natural daquelles
paizes incultos, que tem estudado as sciencias, que se aprendem
nas partes civilizadas do Mundo; e que em matérias politicas
conhece mui bem o que convém ao seu paiz; e como as olijecçoens
tem sido tantas e tam varias, quasi, como saõ aquelles escrip-
tores públicos, eseus repectivos protectores oceultos, responderemos
a todos Classificando as objeçoens.
I o . A falta de attençaõ, e até de politica para com a Inglater-
ra ; porque este Governo naõ tem sido informado doi motivos,
fins ou planos da invasão de Montevideo pelas tropas do Brazil.
2 o . Os inales a que se expõem S. M. Fidelissima, e a falta de
fé com que obra provocando Hespanha sem justo motivo.
3 ° . O temor e receio que deve ter o Brazil dos males que lhe
podem fazer os insurgentes sendo irritados com tam injusta invasão.
Ptimeira série de objecçoens; a Inglaterra.
O custume em que ha muitos annos tem estado este paiz, de
olhar para Portugal como um Estado fraco, e dependente, que em
vinte quatro horas se attravessa de uma parte a outra; tem feito
com que muita gente continuasse em considerar o Brazil do
mesmo modo. Daqui vem, que, havendo a Corte do Brazil nomeado
um Embaixador em Londres, nunca se lhe tornou o cumprimento
de para lá mandar Embaixador ou dar esse character ao Ministro
que lá tinham. E naõ basta para disculpa o dizer, que a Corte
do Brazil caio nessa por se fiar no indivíduo que aqui tinham; lie
verdade que assim he; mas ainda depois de se remover daqui esse
individuo, e continuar a Corte do Brazil a ter em Londres Ministros
Plenipotenciarios, naõ ha Ministro Inglez desta graduação, nem
ainda nomeado para o Rio-de-Janeiro. Logo, se em taes circum-
stancias o gabinete Inglez naõ tem influencia alguma no do Brazil,
nem ao metios sabe dos importantes negócios que por lá vám,
queixe-se de si, pois tracta de bagatella um paiz, que he ma"
importante do que aqui se pensa.
Miscellanea. 109
Mas, além disso, nem o Brazil tem obrigação de dar parte á
Inglaterra do que eslá obrando, ou vai a obrar com as provincias
vizinhas, nem ainda que o Governo Inglez se queira formalizar
por isso, deve o Brazil sentir alguma inquietação.
Um dos gazeteiros (e Ministerial) entra em grandes ameaças;
mas nós lhe perguntaríamos, mesmo no caso que a Inglaterra
tivesse direito de perguntar ao Brazil pelo que está fazendo nas
fronteiras do Rio-Grande, se a mesma esquadra, que, bloqueando
o porto de Lisboa, porta todo o Reyno de Portugal em conster-
nação, seria bastante para bloquear toda a costa do Brazil ?
Diz mui j*alaiitem<*iite uni desses gazeteiros, que se o Brazil,
combinado com os Estados LTnidos puzessem uma cadêa de corsá-
rios desde o cabo de S to . Agostinho até cabo dè Horne, a Inglaterra
tem assas forças marítimas para coinboiar com uma esquadra cada
um de sfiis navios, que viajasse para a índia.—Benij, e quanto
custariam essas fazendas, que occupavam uma esquadra para
comboiar cada navio 1
O que nos admira he, que fosse uma gazeta Ingleza, quem
agitasse a questão do que poderia soffrera Inglaterra, com uma con-
binaçaõ de corsários do Brazil com os dos Estados Unidos, em inter-
romper o commercio da índia: esta idea naõ se devia excitar aqui;
e tanto mais que a antiga aliiança das duas naçoens. exclue toda a
idea de ser preciso recorrer a hostilidades, no C2s> de haver dife-
rença de opininaõ entre ellas, neste objecto.
Porém vamos ao ponto principal. O Brazil tem todo o direito
de proteger suas fronteiras, e portanto tomar as medidas, que
julgar convenientes, a respeito das provincias insurreccionarias
vizinhas. Se a Inglaterra acha que he de seu interesse sab.-r do
que naquella parte distante do inundo se passa a este respeito,
tenha assas providencia para ter na Corte do Rio-de-Janeiro um
Ministro Diplomático de tal graduação e de tam boas maneiras,
que obtenha assas influencia para alcançar essas cousas; e se por
descuido, ou outro motivo, assim naõ obra, queixe-se de si, como
ja dissemos, porque ao Brazil naõ he a quem compete mandar-
lhe dar parte das medidas que Ia está adoptando ; e muito menos
110 íviisceuanea.
pedir licença para obrar o que lhe convém. A Inglaterra naõ
pede licença á Hespanha, e muito menos ao Brazil, para ir cora-
merciar com as colônias revoltadas de Buenos Ayres.
Segunda serie de objecçoens a Hespanha.
Se El Rey de Hespanha naõ tem, como prova o facto, força
bastante para reduzir á obediência as suas colônias nem as obrigar
a que se portem como devem para com os seus vizinhos no Brazil,
naõ se pode escandalizar de que o Gabinete do Rio-de-Janeiro
procure fazer-se justiça por suas maõs, atacando os chefes da insur-
reição, e tomando posse de suas fortalezas necessárias para abrigar
suas fronteiras.
Até este ponto, o comportamento de S. M. Fidelissima he dic-
tado meramente pela ley da própria conservação. Mas suppo-
nhamos que El Rey de Hespanha, naõ attendendo a estas razoens,
assenta que deve vingar por força uma pretensa injustiça; dize-
mos, que naõ tem meios para tal vingança, que S. M. Fidelissima
possa temer.
Um Gazeteiro Inglez disse, que El Rey de Hespanha atacaria
Portugal. A hypothese he impracticavel. Sabe-se, que El Rey
de Hespanha naõ tem meios para sugeitar os seus colonos; que o
exercito de Hespanha esta aarruinado; que o thesouro se acha
exhausto; que o seu exercito naõ chega a 150 mil homens; que
cem mil destes saõ necessários para guarniçoens, e manter em su-
geiçaõ os descontentes mesmo da Hespanha; e os 50 mil que
restam, mal disciplinados, mal pagos, e mal vestidos, seriam derro-
tados pelos experimentados soldados, que Portugal agora possue,
e caso ainda pudessem alcançar algumas victorias, esbarrariam
contra as linhas de Torres Novas, aonde se vio frustrado Massena,
que he um general como naõ tem Hespanha algum, e que com-
mandava tam bom exercito, como os Hespanhoes naõ podem por
nenhum principio ajunctar.
Temos logo, que nem a Inglaterra nem a Hespanha podem levar
a mal, que S.M. Fidelissima use do único meio que lhe resta, para
segurar as suas fronteiras do Brazil, que he apossar-se dos pontos
essenciaes de defeza, por meio dos quaes os chefes insurgentes lhe
estaõ fazendo muitos males, e ameaçando outros maiores; e por-
Miscellanea. 111

tando-se o Gabinete do Rio-de-Janeiro neutralmente, como deve,


nesta disputa entre Hespanha e suas colônias, quando a contenda
finalizar, terá entaõ de entregar os territórios, que occupar tempo-
rariamente, á Potência que se decedir a final ter direito legitimo
ao paiz.
O caso da revolta das colônias Hepanholas, naõ he novo no
Mundo ; e sempre tem acontecido que, quando uma porçaõ de
qualquer Estado se deseja fazer independente do resto, ambos os
partidos recorrem ás armas; e obrigando os suecessos da guerra
um delles a convir no que o outro pretende, se fazem ajustes, que
decidem a causa a final, e entaõ saõ esses ajustes notificados ás
Potências Estrangeiras, que obram também em conseqüência
delles. Pendente a questão, as naçoens estrangeiras devem por-
tar-se neutralmente, a menos que, por tractados anteriores, naõ
sejam a outra cousa obrigados. Isto nos conduz á
Terceira serie de objecçoens - Os Insurgentes.
Seguindo S. M. Fidelissima os principios de neutralidade, que
deixamos mencionados, naõ dava motivos de escândalo, nem á Hes-
panha, nem ás suas colônias, que tractam de se fazer independentes
da Metrópole. Porém se os Insurgentes naõ estabelecem entre
si governo algum regular, nem respeitam os territórios de seus
vizinhos, he claro que he necessasio usar da força para obrigar esses
insurgentes a naõ offender seus pacíficos vizinhos. Neste caso se
acha o Brazil.
Artigas governa o território de Montevideo, nas fronteiras do
Brazil, sem reconhecer o Soberano de Hespanha; sem obedecer
aos Governos Republicanos, que se tem estabelecido naquellas
provincias revoltadas, e sem mostrar outro titulo para governar
aquelles povos, senaõ a força das tropas, que tem aggregado de-
baixo de seu commando. Alem disto, seja porque naõ pôde,
seja porque naõ quer reprimir a licenciosidade dos foragidos, que
formam o seu exercito, Artigas permitte que as suas tropas façam
continuadas corrertas no território do Brazil, e naõ dá outra
resposta ás representaçoens das authoridades do Brazil, senaõ
ameaças de que excitará uma revolução nas provincias que lhe
ficam contíguas. Neste caso he evidente, que S. M. Fidelissima
112 -"•* M u e n u n t r u .

naõ tem outra alternativa senaõ atacállo, e invadindo o território


que elle commanda, tomar aquelles postos, que cubram perfeita-
mente as suas fronteiras; e conservar a sua posse, até que os povos
reconheçam algum Governo regular, com quem se possam fazer
tractados sólidos e permanentes.
Estabelecidos pois estes principios pelo que pertence a direito •
vejamos agora pelas vias de facto, o que tem S. M. Fidelissima a
temer dos insurgentes, caso estes queiram fazer a guerra ao Brazil.
Artigas naõ tem outro poder senaõ o que se pôde comparar ao
chefe de um bando de salteadores; que fazem incursoens, e devem
o seu successo á rapidez das operaçoens, e a terem pontos de refu-
gio, aonde se acolham, logo que tem acabado o seu ataque mo-
mentâneo. Isto se remedêa completamente tomando a Artigas o
território de Montevideo, até o Uruguay ; porque entaõ, ainda
que Artigas se possa escapar com o seu bando, para a outra parte
daquelle rio, fica ja tam distante das fronteiras do Brazil, que lhe
naõ pode fazer algum mal; sendo os passos, que ha naquelle rio,
poucos e mui defensiveis.
Artigas naõ pôde achar acolhimento, nos governos que se tem
estabelecido no Paraguay : porque elle se tem sempre mostrado
inimigo de Buenos-Ayres, e de Sta. Fe; e estes Governos tem
entre si tanto que fazer, e precisam tanto de suas tropas, para se
defenderem dos exércitos Realistas de Lima que naõ desejarão,
para defender seu inimigo Artigas, entrar em guerra com o Brazil;
principalmente qnando estiverem convencidos, que S. M. Fidelis-
sima naõ tem vistas de conquistar terras, mas unicamente de to-
mar postos com que se livre dos encommodos, que lhe causa
Artigas.
Sabe-se muito bem, que estes saõ os sentimentos da melhor
parte dos habitantes de Buenos-Ayres; e se a Corte do Brazil
tiver agentes assas hábeis para tranqüilizar o Congresso de Tucu-
man, a respeito dos temores de ulterior conquista da parte do
Brazil; naõ temos a menor duvida, que o mesmo Congresso
muito estimará ver-se livre de Artigas; além de que como este
nunca obedeceo ao Congresso, naõ poderão dizer que o território
de Monte-Video he tirado ao Governo do Paraguay.
Miscellanea. 113

Melhoramentos no Brazil.
He com summo prazer que observamos pelas gazetas do Rio-
de-Janeiro, que o Thesoureiro da Sancta Casa da Misericórdia
daquella cidade publicou a sua conta da receita e despeza daquella
útil instituição. Tal he o effeito do bom exemplo ; e que ja em
outra occasiaõ dissemos que tínhamos toda a esperança de o ver
seguido, e adoptado por outras instituiçoens, que saõ ainda de
mais interesse ao publico.
Achamos também naquellas gazetas o annuncio das seguintes
obras, que naquella cidade se achavam de venda.
" Breve tractado sobre o uso e abuso das virtudes e relaçoens de
cousas sobrenaturaes, e do poder do demônio e da natureza, em
ordem a fazer illusoens.
" Historia das imaginaçoens extravagantes de Oufle, causadas
pela leitura dos livros que tractam de Mágica, Endemoninhados,
Feiticeiros, Lobishomens, Phantasmas, Almas-do-outro-mundo,
Sonhos, Pedra Philosophal, Encantamentos; &c.
" Defeza de-Cecilia Farago, accusada de Feiticeira.
" A Arte Mágica annihilada.
O simples oíFerecimento destas obras á venda publica nos mos-
tra, que no Brazil ha patriotas assas entendidos, para conhecerem
a importância de desabusar o povo; elliminando os erros com-
muns em matérias desta natureza; e que tendem a embrutecer o
espirito humano. O apparecerem os annuncios na gazeta prova
também, que S. M. está de acordo em cuidar da educação publica;
e se os seus vassallos instruídos o apoiarem nisto, devemos esperar
os mais felizes resultados.
Também nos informam da Bahia, que se tem formado ali nina
sociedade para ajunctar subscripçoens ; a fim de mandar a Lon-
dres um sugeito hábil, que aprenda o methodo novo das escholas
de Lancaster e Bell; e voltar a estabelecer no Brazil escholas no
mesmo plano. Naõ podemos deixar de dar os mais decididos
louvores aos indivíduos, que para isto tem cooperado; pois es-
tamos persuadidos que, por mais boas que sejam as intençoens
do Soberano, se elle naõ for ajudado pelos homens que podem
VOL. XVIII. N o . 1 0 4 . i'
114
-«-racetianea.
trabalhar e influir no melhoramento da instrucçaõ publica, terá
sempre oGovernoa maior difficuldade em conseguir a illuminaçaõ
dos povos, tam necessária á prosperidade publica.
He verdade que estes esforços encontrarão sempre obstáculos
nas pessoas, que tem utilidade na ignorância dos povos; e nos
homens que julgam, que só pela ignorância se pôde conservar
uma naçaõ em sugeiçaõ ao Governo. Tal gente dará sempre
interpretaçoens sinistras aos motivos dos bem intencionados, que
promov erem a instrucçaõ publica: mas nisto consiste o maior
merecimento, que he fazer face á opposiçaõ, e ter constância em
vencèlla.

Peioramentos em Portugal.
Ha muito tempo que se naõ tem publicado em Portgal um
documento, cujas conseqüências sejam mais funestas á tranquilli-
dade individual, e á prosperidade geral do Reyno, do que o Re-
gulamento d' Ordenanças, que copiamos no principio deste N°.
A accumulaçaõ, porém, de matérias, que temos a tractar, nos
obriga a differír as nossas observaçoens, a este respeito até
N ° . seguinte

Marinheiros Portuguezes em Inglaterra.


No Vol. XVII. p. 5 ) 8 ; mencionamos a circumstancia dos mari-
nheiros Portuguezes, que se achavam desamparados em Londres, c
sobre o que tinha o Lord Mayor da Cidade representado ao Côn-
sul Portuguez. Temos agora muito prazer em podermos dizer,
que este mal se acha completamente remediado como consta do
seguinte officio do Cônsul ao Lord Mayor.

Consulado Portuguez.
33, Abchurch Lane, 18, de Janeiro, 1817.
MY LORD! Tendo ajustado um lugar, em que posso ter e sus-
tentar aquelles marinheiros Portuguezes, que saõ objectos dignos
deste auxilio, até que se offereça occasiaõ, opportuna de dispor
Miscellanea. 115

delles sem incommodar o Governo de S. M. sobre ésla matéria ;


rogo a V. S. seja servido ordenar, que, 08 que se acham presente-
mente na prizaõ do Compter, sejam libertados, e dirigidos a mim,
a fim de que eu os possa remetter ao lugar, que tenho destinado
para sua recepção
Tenho a honra de ser, com toda a consideração
De V. S.
criado obedientíssimo,
J M . A N D R A D E Cônsul Geral.

ÁUSTRIA.

Damos a p. 25 a communicaçaõ official feita pelo gabinete de


Vienna ao do Rio de Janeiro, sobre os titulos ordinário e médio
da Casa Imperial de Áustria. He um documento diplomático
importante para o formulário, e que portanto deve conservar-se
na nossa collecçaõ.
O Imperador de Áustria resolveo-se ultimamente a mandar
retirar as tropas que tinha no Reyno de Napoies; porém as que
existem nos territórios da Sancta Sé ainda se nao mudaram. O
Governo de Napoies tinha feito fortes representaçoens contra
esta occupaçaõ de seu território por tropas Austríacas ; as mes-
mas fez a Corte de Roma, mas sem effeito ; e parece que até parte
das tropas retiradas de Napoies tem ordem de se acantonarem,
durante este inverno, na Itália Media.

COMMERCIO DO B R A Z I L COM Á U S T R I A .

As gazetas de Alemanha dizem, que a Corte de Áustria concluíra


um tractado de Commercio com a Corte do Brazil, tam vantajoso
que as mercadorias Austríacas, embarcadas em Trieste, seraõ ad-
mittidas no Brazil sem pagar direitos. Esta circumstancia naõ
pôde ser correcta; porém sabemos por outra via, que este tracta-
do de Commercio existe, e que se julga mui vantajoso, para ambas
as partes.
116 misceuanea.

ESTADOS U N I D O S .
Custumamos sempre publicar os vantajosos resultados das
contas de receita e despeza do Governo dos Estados Unidos, para
que os nossos Leytores no Brazil comparem isto com o estado de
seus negócios públicos; porquanto a riqueza do Brazil, e a po-
breza dos Estados Unidos da America saõ taõ evidentes, que naõ
precisam demonstração, e assim, a prosperidade comparativa dos
recursos pecuniários dos dous Governos deve proceder unica-
mente de causas moraes, cuja indagação deve levar ao conheci-
mento do remédio.
Segundo o relatório do Ministro do Thesouro, que acompanhou
a mensagem do Presidente ao Congresso, a receita do Thesouro
em 1816 foi de 59:203.978 dollars; e tortas as despezas, no
mesmo periodo, montaram a 38:745.6.99dollars; o que deixa
um balanço a favor do Thesouro de 20:658.179 dollars; além da
somma, que existia no Thesouro, no 1° de Janeiro de 18l6.
As sommas, que se receberam nas alfândegas dos Estados Uni-
dos, desde Março 1815 até Julho 18l6"(incluídos ambos os mezes)
chega a 28:271-147 dollars, 66 centos; deixando a somma do3
direitos, naquelle periodo, sugeita á diminuição das depezas na
cobrança, que importa 25:6l 6.721 dollars e 84 centos.
Naõ deixa de ser importante o saber, em que proporçoens pa-
gou esta somma cada um dos Estados, porque isso mostra o com-
mercio e gyro em cada um delles :—he o seguinte.
Dollars centos
Nova York 9:920.188 30
Philadelphia 5:685.200 65
Boston 3:579.130 77
Baltimore 3:339.101 11
Charleston 1:047.546 73
Nova Orleans 732.083 13
8
Savannah 521.397
Norfolk 491.150 36
Miscellanea. ] 17

Estas contas parciaes servem para mostrar a importância com-


mercial de cada uma das cidades marítimas dos Estados Unidos ;
porque he evidente, que a sua prosperidade commercial está na
razaõ directa dos direitos d' alfândega, que se cobram em cada
uma dessas cidades marítimas
A somma, que o Thesouro tem circulado em notas, he de
36:133.191 dollars; os reembolços 27:400.000dollars, o que
deixa um balanço, no Io de Agosto 18l6, de 3:735.794 dollars.
A divida publica he de 120:159.181 dollars 65 centecimos, e
consiste nos seguintes items.
1°. Divida publica fundida, contrahida depois da guerra,
37:779274 dollars 32 centos.
2. Divida publica fundida, contrahida depois da guerra,
73:096.414 dollars, 33 centos.
3. Divida publica fluctuante, naõ paga, 9:283.794 dollars.
Total 123:630.692 dollars, 23 centos.
O importe total da divida publica, segundo o que se calculou
em 12 de Fevereiro 1816 éra de 123:630.692 dollars 93 centos.
Toda a diminuição da divida desde aquelle periodo chega á
somma de 3:471.210 dollars 33 centos.
Daqui se vê que ha um grandioso excedente nas rendas publi-
cas, para pagar as dividas atrazadas, contrahidas em conseqüên-
cia da guerra passada; de maneira que, correndo as cousas como
actualmente vám, em seis annos pagarão os Estados Unidos todas
as suas dividas, e ficarão com um excedente de rendas.
A falia do Presidente dos Estados Unidos na abertura da Sessaõ
do Congresso, e que deixamos copiada a p. 27, naõ pôde deixar
de ser summamente interessante no Brazil; por que as relaçoens
politicas de ambos os paizes decididamente estaõ do mesmo lado
da balança; e em muitos pontos, aquelle paiz mostra exemplos
dignos de imitação 110 Brazil.
A pequena disputa, que se tinha levantado entre os Estados
Unidos e a Rússia, accommodou-se brevemente, como nós conjec-
luramos. O Governo Americano tinha mandado Mr. Alexandre
Evcret, a Petersburg, para dar ao Imperador as explicaçoens ne-
118 .ÍM M(t'HU7leu .

cessadas, sobre a prizaõ do Cônsul Russiano, nos Estados Unidos,


accusado de haver commettido o crime de força contra uma se-
nhora Americana. Chegando aquelle emissário dos Estados Uni-
dos a Londres, soube do Ministro Americano, que o Imperador de
Rússia se achava ja satisfeito, havia desapprovado as medidas que
no caso tomara o seu Ministro em Washington, Mr. Dascbkoff e
que o tinha mandado recolher.
A gazetas lnglezas tinham annunciado ha algum tempo, que a
negociação do Governo Americano com o de Napoies tinha sido
totalmente mal suecedida. Agora porém achamos que o Jornal
de Milaõ diz, que longe de isso ser assim, o Embaixador Ameri-
cano, Mr. Pinkney, obteve da Corte de Napoies a ilha de Larape-
duza, aonde os Americanos formarão o arsenal para sua esqua-
dra de guerra no Mediterrâneo: A única difficuldade, que existe,
be, haverem algums commissarios Inglezes comprado as matas e
terreno daquella ilha; e a isto he preciso dar compensação.
Pelo que pertence á discussão com Hespanha, por causa da
tomada do navio de guerra Americano, o Presidente diz em sua
falia, que espera toda a satisfacçaõ de S. M. Catholica; mas cia-
rameute se expressa sobre a resolução do Governo dos Estados
Unidos, de obter inteira satisfacçaõ, a este respeito, e naÕ deixar
comproinetter a honra da bandeira Americana.
No entanto a opinião publica nos Estados Unidos, como se colhe
de suas gazetas, he muito contra a Hespanha, e alegam ali outros
motivos de queixa contra o Governo Hespanhol, além da tomadia
do navio de guerra Firebrand. As principaes queixas porém,
que achamos nessas gazetas Americanas, contra Hespanha, se re-
duzem ás seguintes.
Vinte e quatro Americanos fôram aprizionados pelos Hespa-
nhoes, e faziam parte da equipagem de dous navios da pesca das
baleas, na costa de Chili; este procedimento foi debaixo do pre<-
texto, que os Americanos eram alliados da Gram Bretanha.
O Governo Hespanhol soffreo, que se tomasse a fragata Ame-
ricana Essex, ao alcance de tiro de pistola da praia Hespanhola,
Miscellanea. 119

sem que os Hespanhoes fizessem a menor tentativa para defender


a sua neutralidade.
Uma preza Ingleza foi tomada em Havanna, em 1813, e um
marinheiro Americano açoitado, por naõ querer entrar uo serviço
de um navio de guerra Hespanhol.
O brigue William-and-Mary, destinado de Providence a Cadiz,
foi tomado por um corsário Inglez, juncto á praia, sem que os
Hespanhoesfizessemalguma resistência.
Durante a guerra com a Gram Bretanha, se deo aos Inglezes,
em varias occasioens, nas Floridas, soccorro, protecçaõ e ajuda,
e se permittio que os Inglezes ali levantassem uma força, para
pelejar contra os Estados Unidos.
O Governador de Pensacola, em 1814, acolheo, fautorizou, e
protegeo os Inglezes, e os índios seus Alliados.
O navio Dictator foi supprido de tudo o que necessitava, depois
de ser repulsado de Nova Orleans o exercito Inglez; e finalmente
Havanna, assim como Pensacola, ficaram sendo depósitos de pri-
sioneiros Americanos.
A prizaõ de Mr. Meade, em Cadiz, e o infame tractamento dos
marinheiros e negociantes Americanos em Carthagena ; e o ataque
ao Firebrand concluem a lista.
Daqui se vê, que os Americanos estaõ com vontade aos Hes-
panhoes, do contrario naõ iriam desenterrar muitas queixas velhas,
para terem que alegar contra El Rey de Hespanha. Porém, como
quer que seja, he claro, que o Governo Hespanhol deve conhecer
o grande interesse que tem, em naõ dar aos Americauos motivos
de lhe declararem a guerra; porque isso decidiria quasi instanta-
neamente a sorte das Colônias revoltadas de México.

FRANÇA.
A inhabilidade em que se acha o Governo Francez, para pagar
a contribuição aos Alliados, o obrigou a recorrer a duas impor-
tantes medidas: uma o pedir que se diminuíssem 30.000 homens
120
* *4U iwsceuanea.
do exercito de observação j e outra, que se lhe facultasse um em-
préstimo de trezentos milhoens de francos.
Dizem agora, que a viagem repentina do Duque de Weliinglon a
Ingleterra, foi para representar a seu Govemo, que se naõ devia
por forma alguma diminuir o exercito aluado em França; e tam-
bém se assevera, que, a pezar da opinião do Duque, se diminuirão
os taes trinta mil homens; porque nessa diminuição quem mais risco
tem he o mesmo Governo Francez, que pede a diminuição.
O empréstimo naõ he feito pelo Governo Inglez, mas sim por
indivíduos; e esses nem todos saõ Inglezes; e se diz, que os con-
tractadores saõ as casas de Baring e Hope, de Londres; Parisli e
Companhia, de Hamburgo; e outra casa de Paris.
A histoira desta transacçaõ se refere em noticias quasi authen-
ticas da seguinte forma. No 1. de Dezembro do anno passado,
o Duque de Richelieu informou os Ministros de Áustria, Rússia,
Prússia, e Inglaterra de embaraço, em que se achava o thesouro,
causado por extraordinárias e imprevistas circumstancias. e entre
as principaes éra a má colheita, causada pela desfavorável estação,
e que diminuio consideravelmente os réditos públicos. Este em-
baraço tornava impossível o continuar o pagamento da contri-
buição, que até aqui se tinha feito regularmente; e éra o funda-
mento do que se pedia, que durante os mezes de Janeiro e Fevereiro
se naõ exigissem os pagamentos; que, por outra parte, a somma
da contribuição por estes mezes (cerca de 23 milhoens de Franco»)
seria paga nos seis mezes seguintes, com os outros pagamentos,
que se vencessem; sendo de esperar que o Taleigo do Ministro
em 1817, segurasse um augmento de rendimentos. Os Ministros
dos Alliados responderam que naõ podiam convir no que se lhe
pedia, sem obter instrucçoens de suas Cortes; que similhante eon-
cessaõ traria comsigo grandes difficuldades; e que, sem duvida,
uma parte considerável dos Bons que a França tinha dado, muito
tempo antes, para os pagamentos dos dictos mezes, se tinha dis-
posto, e estava em circulação, e seria impossivel recolhêllos. As
conferências porém continuaram até os 6 de Dezembro; e, pelas
indagaçoens que no emtanto se fizeram, se averiguou que dos 23
milhoens e Bons, 18 ainda naõ estavam em circulação. Ot
Miscellanea. 121
Ministros Francezes limitaram entaõ o seu petitorio a estes 18
milhoens; e os quatro Ministros das grandes potências tomaram
sobre si o participar e recommendar este requirimento ás suas
Cortes; e por uma communicnçaõ desta negociação (que foi feita
aos 16 de Dezembro) aos Ministros das Potencicas menores in-
teressadas, convidallos também a sustentar, em tanto quanto pu-
dessem, os desejos da França. Se, como se presume, está obtido
o consentimento das quatro Cortes, os Bont de Janeiro e Fevereiro,
que ainda naõ entraram em circulação, seraõ trocados por outros,
igualmente divididos entre os seis mezes seguintes. O Ministro Rus-
siano, que naõ podia receber resposta, até o 1. de Janeiro, por
causa da distanica de sua Corte, emprehendeo, no entanto, se-
guir a decisaõ das outras tres Potências.
O ter o Governo Francez podido obter tam considerável emprés-
timo de negociantes estrangeiros, se tem alegado como prova da
estabilidade dequelle Governo ; e com tudo, se o Governo Inglez
naõ garantir a divida, e os taes negociantes ultimarem o seu con-
tracto com o Governo Francez; isso, quanto a nós, nada mais
prova do que o estarem esses negociantes capacitados da estabili-
dade do Governo Francez, e o desejarem os Alliados receber as
suas contribuiçoens, seja quem for o que lhas pague. El Rey de
França tem soffrido muito da gota, e seus outros achaques velhos,
de maneira que naõ tem satdo de palácio; e esta circumstancia,
juncta á disposição bem conhecida dos Príncipes de sua Familia,
logo que possam ter ascendência no Governo, naõ serve muito de
apoiar a idea da estabilidade das cousas em França, no meio da
concussaõ dos partidos.
A constituição Franceza acaba de receber nova mudança, pelos
novos arranjamentos que se fizeram na Câmara dos Deputados.
Approvou-se a ley sobre as eleiçoens, segundo a qual os Membros
dequella Câmara seraõ eleitos naõ por eleitores escolhidos para
esse fim, segundo a Carta Constitucional, que naõ ha ainda tres
mezes lhe chamou El Rey inalterável ; mas sim por todos os ci-
dadãos, que paguem tributos na somma de 300 francos.
Outro sim apparecêo uma ordenança d' EI Rey, datada do mez
de Novembro passado, pela qual ordena a renovação dos Mem-
VOL. XVIII. No. 104. Q
122
Miscellanea.
bros da Câmara dos Deputados por um quinto cada anno, e lie a
seguinte :—
Luiz, &c &c.
„ I o Os 86 Departamentos de Reyno saõ divididos em cinco
series,
„ 2 o . Durante a sessão de 1816 se determinará por sorte a ordem
em que as cinco series seraõ chamadas a renovar os Deputados.
„ 3 o . As cinco series seraõ collocaclas segundo a sorte, e assim
numeradas .• a 1* será a primeira renovada; e as outras successiva-
mente, segundo a ordem dos números.
Novembro 27,1816. (Assignado) Luiz.

A. p . 103 publicamos uma curiosa carta de Tallevrand a Lord


CastIereagh,justificando-se do que lhe havia attribuido uma gazeta
Ingleza, em uma conversação sobre o Ministro de Policia Mr. De
Cazes. Todo o mundo sabe que o Principe Talleyrand he deci-
dido opponente do actual Ministério, sem que com tudo seja do
partido dos Príncipes; assim aquella carta só se pôde entender
como explicação, quanto ao modo das expressoens usadas; e naõ
como declaração dos sentimentos políticos do Principe, serem
differentes dos que se lhe attribuíram.

HESPANHA.

As difficuldades em que S. M. Catholica se tem achado, em


conseqüência do seu systema politico tanto na Europa como
na America, tem reduzido o Erário á ultima necessidade. Tem-se
feito estas circumstancias patentes de um modo authentico; por
varias cartas que se interceptaram na America, e fôram publicadas,
nas gazetas dos Estados Unidos. Contentar-nos-hemos porem
com dar aqui o extracto de uma do Ministro Hespanhol, datada de
Madrid aos 5 de Junho 1816, e dirigida a D. Luiz de Onis, Mi-
nistro Hespanhol nos Estados Unidos.
" O Secretario da Repartição de Fazenda me comraunica em
data de 17 de Maio, o seguinte:—Em data de hoje tenho infor-
Miscellanea. 123
mado ao Vice-Rey de Nova Hespanha, e ao Intendente da Ilha
de Cuba, que El Rey eslá convencido do deplorável estado em
que se acha o seu Ministro nos Estados Unidos, D . Luiz de Onis,
a respeito dos fundos e recursos, que o incapacitam de prover ás
exigências occasionadas pela situação do México, e providenciar o
pagamento das letras sobre Havanna; expondo-se á alternativa
de se retirar de sua missaõ, e sugeitar as negociaçoens, de que está
encarregado, ao risco de um exilo desfavorável, ein conseqüência
da chegada, na quella Republica, de um Representante do Con-
gresso Insurgente da Nova Hespanha: a pacificação, o systema
politico, e a boa harmonia destes dominios experimentariam por
isso novos obstáculos, em vez de um completo bom successo. E
estando o Real espirito d El Rey profundamente afüicto por estas
circumstancias, he a sua vontade, que o Vice-Rey, attendendo de-
vidamente aos motivos assignados, ordene que se satisfaça ao sobre-
dicto objecto, sem nenhuma excusa ou pretexto, em preferencia a
toda e qualquer outra obrigação, que naõ for de imperiosajustiça,
dando-me prompta e punctual conta, para a fazer presente a S.
M. da execução desta sua soberana determinação, para cujo
effeito encarrego o mesmo ao Intendente, ordenando-lhe que
applique, com toda a diligencia e efficacia, que este serio ob-
jecto merece, os meios necessários para supprir as urgentes preci-
soens de D. Luiz de Onis; e para prevenir a cessação de suas im-
portantes e delicadas funcçoens; tudo o que, de ordem Real,
communico para informação de V. Ex. em resposta á vossa de 10
do corrente. — (Assignado) P E D R O CEVALLOS.
Senhor D. Luiz de Onis."
VÊ-se deste extracto, que El Rey de Hespanha, para supprir as
despezas de seu Embaixador nos Estados Unidos, manda tirar os
fundos do México, aonde o Vice Rey tem de manter a dispendiosa
contenda da guerra civil, no meio da continua diminuição dos ré-
ditos públicos; por isso que um dos mais sensíveis effeitos da
guerra civil he o ter feito parar os trabalhos das minas de prata.
De facto naõ vemos como esteja na possibilidade das cousas hu-
manas, desembaraçar-se El Rey de Hespanha do labyrintho de
difficuldades em que se acha envolvido.
124 Miscellanea.

INGLATERRA.
S. A. R., o Principe Regente, abrio a sessaõ do Parlamento
aos 28 de Janeiro, com uma falia, que publicaremos no N° se-
guinte, por naõ admittir o tempo, que appareça agora, nem
trazer matéria de maior importância para nossos Leitores.
Aconteceo porém uma circumstancia importantíssima nesta
occasiaõ, e foi, que a populaça atacou a carruagem de S. A. R.
quando elle voltava do Parlamento, insultou-o, quebrou com
pedradas as vidraças da carruagem, ameaçando a guarda de ca-
vallaria, que o accompanhava, com seu séquito. O Parlamento
deliberou logo sobre este atroz crime; e votou que se apresentasse
a S. A. R. o seguinte memorial, em nome das duas Casas do Par-
lamento :
" S E N H O R ! Nós, os mais submissos e leaes vassallos de S. M.
os Lords Espirituaes e Temporaes junetos em Parlamento, pedi-
mos licença para nos approximarmos a V. A. R. e expressar-lhe
humildemente o nosso horror contra o ultragem offerecido a V. A.
R., que sentimos o mais profundo interesse e indignação, em que
se pudesse achar algum individuo, nos dominios de S. M. ca-
paz de um ataque tam atrevido e flagicioso; e para expressar os
nossos ardentes desejos, no que estamos certos que se nos unirão
os vassallos de S. M. de todas as classes, de que V. A. R. será
servido ordenar que se tomem medidas, sem perda de tempo,
para descubrir, e trazer á justiça, os fautores e auxiliadoras deste
atroz procedimento."
Nós julgamos, que esta circumstancia, postoque verdadeira-
mente de um character atrocíssimo, foi effeito de mera ebulição
momentânea na mais vil populaça, do que na Inglaterra ha
muitos exemplos; e que daqui se naõ seguirão nenhumas conse-
qüências sérias; e esta he também a opinião das pessoas mais bem
entendidas, nos negócios públicos deste paiz.
A falia de S. A- R. ao Parlamento menciona o desfalque das
rendas publicas; pelo que será interessante ao Leitor a vista da
seguinte conta do rendimento, e despeza thesouro.
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126 Miscellanea.

NÁPOLES.

El Rey de Nápoles tem publicado uma nova ley constitucional,


que deixamos copiada a p.33, e he um documento de grande im-
portância, por ser destinado a formar ley fundamental das Duas
Sicilias.
Mas para se entender o motivo porque El Rey julgou neces-
sário promulgar esta ley, he preciso saber, que a Sicilia tinha leys
fundamentaes, e, no tempo em que ali influíam os Inglezes, adop-
tou uma Constituição, que dá aos povos muitos direitos, que os do
Reyno de Napoies naõ gozam; e para cuja mantença tem feito
grandes esforços o Parlamento de Sicilia.
El Rey julgou agora, que assimilhando a forma de Governo de
ambos os Reynos, suavizaria de algum modo as difficuldades, que
tem achado no Parlamento de Sicilia; porem vemos, que algu-
mas das providencias desta ley, naõ concordam com as representa-
çoens, que por varias vezes tem aquelles dous reynos, e principal-
mente o de Sicilia, feito a El Rey.

POTÊNCIAS BARBARESCAS.

O ajunctamento de algumas tropas Russianas na Wallachia,


causou ua Porta Oltomana tal inquietação, que foi necessário que
Mr. Strogonoff", Ministro de Rússia em Constantinopla, declarasse
aquelle Governo formalmente, que o ajunctamento das tropas naô
tinha outro fim senaõ uma revista.
O Divan de sua parte expedio íirmans do Gram Senhor, orde-
nando ás Potências Barbarescas, que respeitem as bandeiras das
Potências com quem a Porta está em paz; como se ve do seguinte
annuncio official.
" O Internuuico Imperial e Real em Constantinopla dirigio a
seguinte declaração á Câmara de Commercio, em ordem a satisfa-
zer os negociantes, fabricantes e donos de navios.—A Porta Otto-
mana, fiel aos seus ajustes contractados pelo tractado de 1785, e
Miscellanea. 127

renovados em 1815, está prompta a fazer compensaçoens, pelos


roubos commettidos pelas Potências Barbarescas, se estas recusarem
fazêllo ; e tem dirigido novos Firmans ás Regências de Barbaria,
ordenando-lhes, que respeitem a bandeira Austríaca. Temos ra-
zaõ para crer, que estas ordens produzirão o desejado effeito."
Ainda que esta medida seja ulil no momento actual, julgamos
que seria de muito mais importância que as Potências Barbarescas
fossem completamente independentes do Gram Senhor; porque
foi durante a sua uniaõ, que os Mahometanos se fizeram tam temí-
veis ás Potências Christaãs; e em quanto se acharem desunidos
os Estados da Barbaria, pode cada um delles ser obigado a conter-
se nos limites de seu poder, por qualquer Poteucia Civilizada, que
deseje obrar com a mesma energia, que mostrou a Inglaterra em
Argel; que ja tinham mostrado ali os Americanos, e naõ ha mui-
tos annos mostraram os Portuguezes em Tripoli.
Por isso nos parece, que longe de se dever fomentar a subordi-
nação dos Estados Barbarescos ao Gram Senhor, a politica devia
ser conservallos desunidos.

SUÉCIA.

Algumas gazetas Alemaãs referem que o Imperador de Rússia


mandou a seu Embaixador em Paris, que representasse ao Governo
Francez as queixas mui serias do Príncipe da Coroa de Suécia,
sobre o modo porque o tractava EI Rey de França.
O Embaixador Russiano observou em sua Nota, que Berna-
dotte se tinha ajunetado á Aliiança, sincera e honradamente, e
tinha contribuído poderosamente para a desisaõ da batalha de
Leipsic; que todos os Monarchas o reconheciam como herdeiro do
throno Sueco, e que en tre aquelle Estado e Rússia existiam as
mais amigáveis relaçoens: ultimamente, que o Imperador pedia á
Corte de França, que tractasse Bernadotte conforme á sua digni-
dade, e mandasse um Embaixador para Stockholmo.
O Governo Sueco acaba também de adoptar uma notável
^28 Miscellanea.

medida, para sustentar o credito publico; como se vê da se-


guinte carta do Secretario de Estado da Repartição das Finanças,
á Corporação dos Negociantes de Stockholmo.
" El Rey tem prestado incessante cuidado aos meios de preve-
nir a depreciação do papel moeda. Depois de ter empregado,
desde os fins de Janeiro de 1815, fundos consideráveis para este
fim, achou S. M. nos fundos públicos novos meios para ajudar o
Commercio, até que a exportação dos productos do Reyno, se-
gundo a ordem natural, estiver em proporção com as conseqüên-
cias da excessiva importação, que tem sido causa de perdas tanto
para o Estado como para os indivíduos. Porém antes de se de-
positarem grandes sommas á disposição dos negociantes, S. M,
deseja informállos das condiçoens, que saõ connexas com este
auxilio, e ao mesmo tempo obter alguma informação, que lhe
parece ser necessária. S. M. tem portanto ordenado ao abaixo
assignado que vos encarregue a commissaõ de fazer saber aos ne-
gociantes da Capital, e d'outras cidades commerciantes o se-
guinte :"
'** I*. Cada negociante deve declarar, que somma, em letras so-
bre Londres e Hamburgo, julga que precisará até o fim do mez de
Maio próximo futuro; a fim de preencher as suas obrigaçoens fora
do Reyno. Se se notar ao mesmo tempo qual he o gênero de im-
portaçoens, porque se contrahio a divida; entaõ no caso em que a
divida em letras de Cambio exceda os meios, se attenderá a ajudar
com letras, em preferencia, aquelles que tiverem importado artigos
de primeira necessidade, ou matérias primas, para os ramos de in-
dustria interna."
2. O pagamento das letras de cambio, que se entregarem em
conseqüência destas declaraçoens, será feito da maneira usual, e
segundo o curso do recebimento das letras. S. M. porém accres-
centa, a condição expressa, de que este auxilio em letras de cambio
se deve olhar meramente como um imprestimo, cujo pagamento se
poderá exigir em seis mezes depois que se tiver dado em boas le-
tras, sacadas pelo mesmo periodo, e na mesma maneira em di-
nheiro estrangeiro, logc-que o pagamento feito em papel moeda Sueco
se tornar a fazer bom, postoque sem contar juros nem despezas;
Miscellanea. 129

estando. S. M. resolvido náõ somente a prover elle mesmo a todas


as despezas que por isto se fizerem, mas também a mostrar o maior
cuidado pelos interesses dos negociantes (e na esperança, que S.
M. entretem de que os negociantes, particularmente os que expor-
tam para paizes estrangeiros, se esforçarão para restabelecer as
producçoens Suecas no valor, que ha alguns annos tinham nos
paizes atrangeiros) conceder-lhes-ha benignamente, a todos os que
receberem letras destes fundos, o liquidállas em outras letras, em
qualquer tempo que lhes seja conveniente, dentro dos seis mezes
depois que o dicto auxilio lhes tiver sido outorgado, e receber en-
trávez a somma depositada, em notas do Banco de Suécia, pelo
que elles obterão a vantagem de grande melhoramento no curso do
cambio, e teraõ assim mais outro interesse para cooperar por meio
de prudentes operaçoens, e limitando as importaçoens de artigos
naõ necessários, nas benignas intençoens de S. M, e contribuir para
remover as fluetuaçoens do cambio."
" As sobredictas medidas se poraõ em execução sem perda de
tempo, eu portanto vos peço que me mandeis as declaraçoens, que
recebereis. Tenho a honra de ser, &c."

VOL. X V I I I . N o . 104
CONRESPONDENCIA.

Carta ao Edictor sobre o Contracto de Tabaco.

Senhor Edictor do Correio Brasiliense!


Havendo querido responder ao Correspondente de um Periódico Portu-
guez, aonde tinba publicado exposiçoens menos verídicas, sobre a ultima arre-
mataçaõ do contracto do Tabaco, foi-me recusada pelo Edictor a aceitação
da minha replica ; pelo que espero merecer do seu favor o que de outrem caõ
pode alcançar a minha justiça; inserindo V. M.no seu Periódico as mesmas
obserraçoens que ao outro se destinavam; e que certamente teriam melhor
cabimento aonde as outras foram publicadas, se a repulsa naõ obrigasse a este
recurso. As dietas observaçoens se contem no seguinte.
He bem pouco exacto o Conrespondente, ou informante daquelle Redactor
que daqui lhe remetteo a Fiel narração do qae se ha passado a respeito da arrf
mutação do Contracto Geral do Tabaco <S-c.-—Aquelle mesmo Redactor o re-
conhece quando tem de corrigir o seu juizo, pelo que diz respeito à idonei-
dade dos Sócios de Vizeu, pois que os reputa idôneos, e abonados para satis-
fazerem aa Mezadas; com a pontualidade dos antigos Contractadores. Fez
o acazo que o dicto Redactor se achasse em Vizeu, quando falleceo Joaõ da
Silva Mendes, e este acaso lhe trouxe o conhecimento positivo das faculdades
pecuniárias dos Sócios actuaes, que pertencem aquella familia; e por isso,
naõ deixou aquelle Redactor absolutamente sem refutaçaõ as idéias desde*
nhozas do seu informante, que intentava ridicularizar estes dignos Sócios, ja
tractando-os de simples rendeiros, ja notando que alguns naõ eram, nem ti-
nham sido Negociantes,eja asseverando que naõ merecem o conceito, nem do
Governo, nem do Publico. Se um similhante acazo, como o de se achar
em Vizeu quando falleceo o-abastado Rendeiro-, o fizesse estar em Lisboa
quando se celebrou a arremataçaõ do Contracto, conheceria aquelle Redactor
por si mesmo a impostura criminosa, e apaixonada do seu informante, e as-
sim poderia se quizesse corrigir toda a—Fiel narração—assim como a com-
gio naquella parte em que o seu conhecimento próprio lhe mostron a fal-
sidade. Ha cousas que necessariamente chocam um espirito récto, e que
até excitam remorsos o deixailas em silencio, quando, sem pejo a opinião
publica he provocada.
Conrespondencia. 131
Se aquelle Conrespondente teve em vista abater com as suas observaçoens
o character dos actuaes arrematantes, e exaltar os da companhia chamada de
Ratton, seguio muito mà vereda; porque contra estes se poderiam voltar
muitos de seus argumentos, que produzio contra aquelles.
Ninguém ignora, que Joze Diogo de Bastos tem sido Rendeiro, e que como
tal tem tido contractos dé pouca consideração, o que fez com que naõ po-
desse obter a sua Certidão de corrente, e que por isso se tornara inapto para
um Contracto de tanto vulto. Logo o argumento deter sido Rendeiro naõ
servia de desdouro aos outros, se o naõ éra para este.
Ninguém ignora, que Ratton & Comp. nunca aprezentou ao Corrector da
Fazenda a sua Certidão de corrente, c aa dos seus Sócios.
Ninguém ignora, que só no dia 24 de Agosto, dous dias depois do ultimo
dia de lanços, he que Joze Diogo de Bastos foi ao Erário para as tirar, e que
achando difficuldade dezistira da empreza.
Ninguém ignora, pelo contrario, que a Sociedade de Fouceca desde que se
aprezenton em Praça para lançar, entregou logo na maõ do Corrector da
Fazenda as Certidoens de corrente de todos os Sócios, e Procuraçoens. Que
este, por força do seu dever, havia de passar a informar a Juncta da ido-
neidade dos Sócios, e esta com conhecimento de cauza admittio a lançar esta
Sociedade, prova indubitavel de que merecia o seu conceito. Naõ será entaõ
revoltante o ver a impudencia com que aquelle Conrespondente, ou infor-
mante, quer metter à cara a Sociedade de Ratton exaltando-a injustamente,
e deteriorando a de Fonceca, ainda com maior injustiça ?
Naõ será ainda mais revoltante, o vêllo criticar a Sociedade do Baraõ do
Sobral, por apparecer com um Requirimento desistindo, sem vergonha (como
elle se explica) da pertençaõ de lhe ser arrematado por seis annos ? Naõ
foi o mesmo Ratton quem nas suas propostas exigia a Arremataçaõ por
nove annos ? NaÕfoielle mesmo quem declarou em Praça Publica, que, se
lho naõ anremattassem por este prazo que o naõ queria? Entaõ em que está
aqui o caso de vergonha ? Se em fazer a proposta de nm prazo mais longo do
qne um triennio, entaõ maior falta de vergonha a de Ratton, porque em lugar
de seis punha nove, e se está na desistência da pertençaõ ainda muito maior
feita, porque se o Baraõ dezistio de tres, elle dezistio de seis.
Naõ deixarei em silencio a falsa supposiçaõ de que Joaõ Antonio Salter de
Mendonça, e Ricardo Raimundo Nogueira buscaram evadir-se à responsabi-
lidade da solução daquelle negocio, por temer que naõ fosse justamente de-
cdido j porque nesse cazo, eu me veria obrigado a negar-lhe o bom conceito
I o * me merecem. He nos cazos dificultosos em que mais se precisa dos
conselhos dos homens babeis, e o homem publico naõ pode cometter um
* n * "Mis imperdoável, ou mesmo um maior crime contra a Sociedade, como
132 KsOnresponaeiiciu.

quando por evitar collisoens, se subtrahe ao seu dever, nega o seu conselho,
mostra poucafirmezanas suas rezolluçoens, e deixa ao desamparo maté-
rias graves, que pézam immediatamente na sua responsabilidade. Como
poderíamos entaõ reputar o primeiro digno de ser Cheffe de uma repartição
taõ conseqüente como a Secretaria d"Estado dos Negócios do Reyno, e ainda
mais do eminente Cargo de Regedor das Justiças, presidindo na Rellaçaõ
aonde se decide de vidas, e fazendas > Porém eu, unindo-me á opinião pu-
blica, tenho muita satisfacçaõ eiu o conhecer melhor do que aquelle infor-
mante, e de o reconhecer, e respeitar como digno Magistrado, e homem recto.
Quanto ao segundo, he a minha opinião de que elle se evadio, naô por co-
nhecer que o Negocio levava mâ direcçaõ, mas porque o Publico o naõ pode-
ria suppôr imparcial em um Negocio, em que o Meretissimo Domingos Gomes
Loureiro entrava, e do qual dizia largava nma parte da seu quinhão a seu
Irmaõ Joaõ Nogueira, Administrador Geral do mesmo Contracto na Cidade
do Porto, e actual arremattante do Consulado.
Naõ me cansarei em destruir a Analize, que fez Ratton as razoens frivo-
las ; e pouco decentes (como elle diz) do requirimento do Baraõ do Sobral;
porque todo o Mundo conhecerá, que a tal analize, be que he naõ só frivola,
e soffistica, mas até contradictoria, pois começando logo por dizer—"que
quer fazer a Real Fazenda sócia, ou, para melhor dizer, partecipante dos
lucros do Contracto"—depois diz—" que a Real Fazenda naõ fica sendo
Sócia de Contracto, mas sim senhora delle, e quem o trespassa "—Esta he
bonita ! Pois queria fazêlla Sócia, e naõ ficava sendo Sócia! ! ! Depois desta
incoherencia nada ha que dizer, mas para que o Publico naõ ignore, de que
com effeito na liquidação da parte dos lucros, que pertencessem & Fazenda
Real, sempre podia haver simulação, dificuldade, e mesmo até grande de-
mora, sempre quero lembrar, que Ratton pertendia entrar com esta parte
depois de fechado o balanço, e que este naõ podia fechar-se sem a Escriptu-
raçaõ estar regular, e para isso era precizo terem vindo aquellas contas, que
pertencem ao ramo de Macau, que pela distancia sempre seria tarde, e a
mas horas.
He precizo também desterrar a idea de que os desejos de fazer beneficio ao
Povo, tinham induzido Ratton a propor o abatimento de 6o rs em arratel,
no artigo Sabaõ. Se essas fossem as suas vistas, elle o teria proposto logo
da primeira vez, quando lançou no Contracto, porem elle naõ o fez, e até se
o Governo naõ tivesse mandado ir em Praça segunda, e terceira vez o Con-
tracto, (de que elle tauto se queixou) o Publico naõ saberia de tal proposta,
que elle conservava in mente para um caso desesperado : aprezenta-se com
effeito este caso, apparecendo em Praça em concurrencia com elle a Sociedade
do Baraõ do Sobral, e a de Joze Antonio da Fonceca, e entaõ apparecêo o
Conrespondencia. 133
zello pelo bem do povo ! Quem fez esta proposta em publico foi Joze Diogo
de Bastos, que nas rendas que tem trazido como Prebenda, Mitra, Jogadas
&c, tem obrado de maneira a naõ se fazer popular.
Deve-se porém explicar os enigmas das propostas de Ratton. Duas
couzas continhaõ ellas em apparencia : vantagem à Fazenda Real, e bene-
ficio ao Povo. Vantagem â Fazenda Real naõ era de certo o seu intuito ;
porqne se o fosse, teria desde logo offerecido os 1:440.000,000 reis aque levou
o Contracto quando se vio affirontado; mas elle naõ o fez assim, pois so-
mente offereceo 40:000-000Rs. mais, e foi subindo à porporçaõ que o foram
picando, sem que se possa allegar em contrario desta asserçaõ, o salto vo-
luntário, que deo depois, de 60:OOO.OOORs. para oitenta, que lançou de seu
motu próprio para fazer = maior interesse d Fazenda=pois isso ja foi esper-
teza. Beneficio ao povo também naõ éra, porque se o fosse téllo-hia feito no
primeiro prazo, quando aliás elle queria sustentar, que tinha arremattado o
Contracto, e que de se naõ ter confirmado tal arreinattaçaõ elle tanto se
qneixou.
E ainda bem, que assim aconteceo ! O mesmo Ratton, como zellozo
amigo dos interesses da Fazenda Real, se havia de regallar de o ver subir
mais do que aquillo em que o julgava ter arremattado i8i:OOO.oooRs., o que
de maneira nenhuma deveria promover as suas queixas, antes excitar a sua
alegria, se as expressoens das suas propostas fossem sinceras.
Assentou o tal informante, que o Governo tinha sido excessivo na sua
Portaria; em louvar, sem motivo, (segundo elle diz) o actual Caixa do
Contracto Baraõ de Quintella. O Governo o louvou, porque durante todas
as calamidades de Portugal, nunca elle, nem or seus sócios deixaram de fazer
promptos, e exactos pagamentos. Ora isto sempre he maõs digno de louvor,
do que o comportamento deJoze Diego de Bastos; a respeito de outros con-
tractos em ponto muito menor, e em circumstancias menos desvautajosas.
A opininaõ publica, sim Sr. Se Vmce. aqui estivesse quando apareceu
a primeira proposta de Diogo Ratton, em que elle pertendia que as perdas
se as houvessem (o que Deos naõ permitia, dizia elle) seriam a cargo
da Fazenda Real, em cazos extraordinários, como por exemplo, iovazaõ
de inimigos &c, se Vmce. aqui estivesse, torno a dizer ; entaõ ouviria
cousas bonitas a este respeito, e saberia o conceito em que o publico tinha
aquella Sociedade, em conseqüência de taes proposiçoens. Veria ou ouviria
quando mesmo elle propôs o abatimento do preço do Sabaõ, que esta novi-
dade em lugar de animar o povo, e o contentar, pelo contrario o irritou, e
todos unanimemente desconfiaram de tal proposta: uns diziam, que elle o
queria fazer fabricar em França, outros que éra uma Arremattaçaõ illuzoria
c que depois naõ forneceria os Estancos para commodo do Publico, e todos
134 Conrespondencia.
que ali haviam vistas sinistras, e cavillozas . Eis aqui o conceito que o pu-
blico formava daquella Sociedade, por suas offertas.
Para lhe provar mais claramente a pouca exactidaõ daquelle Correspon-
dente, basta dizer-lhe, que elle nomeia Custodio Teixeira Pinto, e Domingos
Ferreira Pinto Bastos, como Irmaõs de Joze Ferreira Pinto, quando aliás o
primeiro he Primo, e o segundo Pay do dicto Joze Ferreira Pinto. Talvez
se me diga, que esta inexactidaõ he pouco conseqüente, e eu o concedo de
muito boa vontade ; mas também quero que se me conceda, que se elle naõ
sabe exactamente esta circunstancia, e falia nella, menos saberá dos seus
teres, e haveres, visto que naõ estaõ tanto ao alcance de todos como aquella
particularidade. As notas que elle faz de = Rendeiro Abastado = Senhor
de uma Quinta insignificante = Nunca foi Negociante = &c. Saõ despro-
pósitos taõ pueris, que ainda quando aquelle Redactor, por conhecimento
próprio, naõ, tivesse corrigido o seu juizo nesta parte, nunca valleria a pena
de o contrariar; porque o Governo, e o Publico fazem justiça â capacidade
dos Sócios, que arreniatt&ram ; a pezar da assersaõ em contrario daquelle
informante.
Seria muito para dezejar, que elle agora quizesse mostrar ao Mundo, que
elle éra o exacto, e eu o mentirozo ; e eu lhe ensino a elle o verdadeiro modo
de o fazer. Diz elle, ou ao menos quer inculcar, que a Sociedade de Ratton
merecia o conceito do Governo, e do Publico; ao mesmo tempo que a de
Fonceca naõ o merecia nem a um, nem a outro. Eu digo tudo ao contra-
rio. Faça elle agora uma demonstração das forças da Sociedade de Ratton,
tirando de todas as Alfândegas Certidoens dos Direitos, que todos os Sócios
pagam cada anno, e tire outras Certidoens dos que pagam os Sócios de Fon-
ceca, e vejamos quaes avultam mais. O partido éra em seu favor; pois
sendo o Ratton, e todos o seus Sócios Commerciantes, deveriam apre-
zentar uma somma muito maior do que a de Fonceca, da qual os quatro
de Vizeu (segundo elle diz) naõ saõ Negociantes. Assim mesmo estou pelo
confronto, e creio bem que elle naõ aceita o meu conselho.
Sou De V.Mce. &c. AFEIÇOADO.
P. S, Tinha ontittido por esquicimento o tocar em um ponto bem es-
sencial, que aquelle informante tinha invertido, ou por ignorância crassa
ou por malicia eccandaloza. Diz elle, (como prova de que a Sociedade de
Fonceca naõ agradara aos Vogaes da Juncta) que Ratton tinha sido chamado,
quando ja descia as escadas, para vir assignar o seu lanço.
O facto he em si mesmo falso em toda a extensão da palavra, e a verdade
he ; que tendo-se acabado o acto de lançarem, todos saíram da Caza da
Juncta, e depois foram chamados dentro outra vez Fonceca, e Ratton, para
Conrespondencia. 135
cada um assignar o seu lanço; porque essahea pratica para subir a Con-
sulta ao Governo. O mesmo Ratton deve saber isto por experiência; pois
quando elle lançou em concorrência com o Baraõ do Sobral, também este
assignou o seu lanço, naõ obstante ser de io:OOO.OOoRs. menos do que o
daquelle. E porque naõ havia aquelle informante tirar entaõ um argu-
mento, de que isto era porque a Sociedade de Ratton naõ merecia o conceito
dos Vogaes da Juncta, e o tira agora a respeito da Sociedade de Fonceca ?

Pastoral do Bispo de Angra ás Religiosas do Convento de S.


Joaõ Evangelista, na Ilha de S. Miguel.
Reverendissima Madre Presidente, m Capite.
Desde que saímos dessa Ilha até hoje, nem um só dia nos esqueceo de
rogar a Deos por essa Communidade toda, lembrando-nos de continuo o
muito que lhe éramos obrigados; mas nisso mesmo se vio nossa tibieza e
frouxidaõ; pois de tantas oraçoens nenhum fructo se colheo: maldades e
escândalos heo que tem o Mundo visto nascer e crescer entre as suas pare-
des, com desconsolaçaõ e indizivel magoa nossa. Oxalá que prestasse o nosso
sangue, para remédio de tantos e taes males ! Naõ presta, mas certamente
presta o de Jezus, e por este pedimos o que tanto desejamos, e naõ podemos
impetrar para todas e cada uma destas Religiosas. Teimaremos em pedir;
mas he preciso também que ellas nos ajudem, unindo com o sangue de
Christo suas lagrymas, suas preces, seus fervorosos propósitos, he preciso
que o zelo activo do Prelado ache coraçoens dóceis eflexíveis,nas subditos ;
para que unidos os esforços consigamos de Deos a paz, que anda tam des-
terrada desse Mosteiro, e que só do Céo nos pôde vir, que em quanto a bus-
camos no Mundo naõ a havemos de achar.
Quanto a nós, desde o dia da nossa posse temos, por dez dias em freqüentes
conferências com o Crucifixo, excogitado arbitrios e meios de conquistar
para Deos os coraçoens, que ahi o tem deixado; sem o que, em vaõ quere-
mos a paz ; parece-nos ouvir da boca do mesmo Senhor, que conseguiremos
pela brandura e clemência mais do que pela força e authoridade; e para mos-
trarmos quam dispostos estamos a seguir este caminho, e obrar conforme o
gênio do mesmo Deus, reservando para outra occasiaõ dirigir nossa vóz aos
outros Mosteiros menos necessitados; agora só vamos a rogar a Vossa Re-
verendissima, que, em recebendo estas regras, vá logo pessoalmente com a
Communidade às céllas que presentemente servem de casa de disciplina às
136 Conrespondencia.
dez penitenciadas, com ellas e com toda a Communidade caminhe ao Coro,
e ali, com a maior devoção que puderem, (oh ! e quizesse Deus que a todas
acudissem lagrimas penitentes e enternecidas) entoando as preces da Igreja,
nofimdellas levante-se V. Rma. só; e chegando á que éra Abbadessa en-
tregue-lhe as chaves e sêllo do Convento; ajoelhando, lhe proteste obediência
paz, e amor verdadeiro: de todas confiamos imitaraõj esse exemplo • e
que a força delle dobrará os coraçoens queixosos, sendo poderosa a graça
para fazer que esta scena seja seguida de outras de nova edificação. Pedi-
mos, Madre, pedimos, nas entranhas de Jezus Christo, esta condescendên-
cia ; pede-a o mesmo Jezus, nelle esperamos, que naõ se nos negue, no prin-
cipio de nosso Apostolado, a consolação e gloria devermos renascida nessa
Casa a tranquillidade e verdadeira paz. Angra, em 14 de Novembro, de 1816.
De V. Rma.
venerador, e servo*
F. BISPO DE ANGRA.

RESPOSTA A CONRESPONDENTES.
Um Inimigo dos Perversos. A matéria desta communicaçaõ he de tal impor-
tância nacional; e as accusaçoens contra individuos envolvem crimes de tam
atroz natureza, que a sua publicação se toma impossível, naõ se produzindo
mais prova do que a mera asserçaõ de uma assignatura anonyma.
CORREIO BRAZILIENSE
DE FEVEREIRO, 1817.

Na quarta parte nova os campos ára,


£ se mais mundo houvera Ia chegara.
CAMOENS, c. vil. e. 14.

POLÍTICA.

REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES

Carta do Governador de Macáo a S. A. R.


SENHOR !

Di'EPOIS de ver que esta Cidade se


tem proposto a dar uma publica demonstração da sua fide-
lidade e amor, para com V. A. R. deputando pessoa para
da sua parte ir beijar a Real maõ; e que o Bispo desta
diocese tem deputado outra para similhante fim ; em taes
circumstancias, nao só pelas indispensáveis razoens do
meu cargo, como pelos ternos sentimentos do meu cora-
ção, devendo eu ser o primeiro para um objecto tam sa-
grado ; julguei por isso do meu dever enviar ã Real pre-
zença de V. A. R. o Sargento Mor Bernardo Jozé de
Freitas, segundo official da tropa deste destacamento, para
da minha parte (ja que infelizmente naÕ posso eu ser o
próprio) ter a honra de beijar aquella Augusta e Real maõ»
VOL. X V t t l . No. 105, s
138 foixUca.
que tantos benefícios me tem feito; levando também com
sigo alguns interessantes officios, que pela competente
Secretaria d' Estado ha5 de subir á Real presença de V.
A. R. com aquella ingenuidade própria de um vassallo
fiel e honrado, que sô aspira a distinguir-se, no serviço de
V. A. R.
A' precioza, augusta e Real pessoa de V. A. R. Deus
guarde muitos annos, como havemos mister. Macáo 7 de
Março de 1809.
(Assignado) LUCAS JOZE D' ALVARENGA.

Portaria.
Tendo eleito o Senado desta cidade (de que sou também
presidente) a um dos seus membros para ir felicitar e bei-
jar da sua parte e da mesma Cidade, a Real maõ do nosso
Augusto Soberano, á Corte do Rio-de-Janeiro j e tendo
também o Exelentissimo Bispo desta diocese deputado
um Ecclesiastico para o mesmo fim ; naõ sendo de forma
alguma compatível com o character publico de um Go-
vernador, representante de S. A. R., em qualquer das
suas colônias, e muito menos compatível ainda com os
verdadeiros sentimentos de fidelidade, amor e respeito de-
vido á augusta e Real pessoa do nosso amável Soberano
o deixar eu, em similhantes circumstancias, de escolher
uma pessoa digna e competente para satisfazer separada
e distinctamente da parte deste Governo deveres tam sa-
grados, em que devo também ser consequentemente o
primeiro; por todas estas razoens e outras mais, e por con-
correrem os requisitos necessários na pessoa do Sargento
Mor Bernardo Jozé de Freitas, único que teve a lembrança
de se me offerecer para um tal objecto: Hey por bem no-
mear o dicto Sargento Mor Bernardo Jozé de Freitas para
•r ao sobre-dicto fim da parte deste Governo, aos pés de
S. A. R.; e terá dita, que invejo, de beijar a Real Tnaôi
Politica. 139
pondo em exacta execução as instrucçoens, que por esta
Secretaria lhe haõ de ser expedidas; e ficando desde ja
nesta intelligencia para o seu devido e inteiro cumprimento.
Macáo, 18 de Março de 1809.
(Assignado) LUCAS JOZE D' ALVARENGA.

Officio do Governador de Macáo ao Visconde oV Anadia.


ILLUSTRISSIMO E EXCELENTÍSSIMO SENHOR!
Neste pequeno mas importante canto do mundo,
sabemos apenas, que S. A. R. o P . R. N. S. se retirou de
Portugal para os seus grandes estados do Brazil, e que
tendo estado na Bahia fôra depois para o Rio-de-Janeiro,
acompanhado sempre de V. E x a . como éra de esperar da
sua honra fidelidade e amor para com S. A. R., o que foi
sempre tam reconhecido por todos.
E supposto que naõ possa despir-me daquellas ideas
tristes, que trás comsigo a de ver o nosso augusto Soberano
deixando a sua Corte, e vendo-se na necessidade de uma
retirada similhante, naõ posso deixar com tudo de alegrar-
me, quando vejo que em tam terrível colizaõ (difficil de
resolver) tomou a feliz resolução (que parece dictada
pelo Céo) naõ sò para preservar a sua preciosa Real
pessoa, muito principalmente do que agora mesmo acabo
de lêr nas folhas publicas sobre o nosso Portugal e Hes-
panha com a França, como para honrar e felicitar esses
seus dominios com sua Real presença.
E quanto naõ invejei eu a fortuna dos que ahi se acha-
cara, para ter também a honra de me ver a seus pés, e
beijar a Real maõ, que tantos benefícios me tem feito.
He nesta mesma posição, que eu desejava agora appare-
cer a S. A. R. ; e por isso rogo aV. Ex a . me queira as-
sim levará sua Real Presença, com a matéria deste, e
s 2
140 foixtica.

dos mais officios, que apenas pude em dous dias concluir.


Deus guarde a V. E x a . Macáo, 29, de Janeiro de 1809.
(Assignado) L U C A S JOZE D ' ALVARENGA.
Illmo. e E x m o . Sen r , Visconde de Anadia.

INGLATERRA.
Falia do S. A. R, o Principe Regente, na abertura da
sessaõ doParlamento aos 28 de faneiro de 1817,
My Lords e Gentishomens.
H e com profundo sentimento, que sou outra vez obrigado
a annunciar-vos, que naõ tem havido alteração no estado
da lamentável indisposição de S. M.
E u continuo a receber das Potências Estrangeiras as
mais fortes seguranças de sua amigável disposição para com
este paiz, e de seu serio desejo de manterá tranquillidade
geral.
As hostilidades, a que fui obrigado a recorrer, para
vingar a honra da pátria, contra o Governo d' Argel, fô-
ram seguidas pelo mais completo bom successo.
O esplendido feito da esquadra de S. M-, em conjuncçaõ
com a esquadra do Rey dos Paizes Baixos, debaixo da
galharda e hábil direcçaõ do Almirante Visconde Exmouth,
conduzio á immediata e absoluta libertação de todos os
captivos Christaõs, que entaõ se achavam dentro do terri-
tório de Argel ; e á renuncia, por seu Governo, da prac-
tica da escravidão Christaã.
E u estou persuadido, que vós apreciareis devidamente
a importância de um arranjamento taõ interessante á hu-
manidade, e que, pela maneira em que se finalizou, re-
flecte á naçaõ Britannica tam assignalada honra.
N a índia, o haver o Governo de Nepaul recusado ratifi-
car o tractado de paz, que tinha sido assignado pelos seus
Plenipotenciarios, occasionou a renovação das operaçoens
militares.
Politica. 141
Os judiciosos arranjamentos do Governador-General,
apoiados pelo valor e perseverança das forças de S. M., e
das da Companhia da índia Oriental, trouxe a campanha
a um prompto e bem succedido êxito ; e finalmente se
estabeleceo a paz, segundo os justos e honrosos termos do
tractado original.
Gentishomens da Casa dos Communs !
Tenho ordenado, que se vos apresentem os cálculos do
anno corrente.
Elles tem sido formados sobre a plena consideração de
todas as circumstancias presentes do paiz, com o anxioso
desejo de fazer todas as poupanças no nosso estabelici-
mento ,que permittirem a segurança do Império e a solida
politica.
Eu recommendo o estado da renda e despeza publica á
vossa séria attençaõ.
Sinto ver-me na necessidade de vos informar, que houve
diminuição no producto dos rendimentos do anno passado,
porém espero que isto se attribua a causas momentâneas ;
e tenho a consolação de crer, que achareis ser practicavel
o prover ao serviço publico do anno, sem fazer addiçaõ
alguma aos encargos do povo, e sem adoptar medida al-
guma que damnifíque aquelle systema, pelo qual se tem
até aqui sustendado o credito do paiz.
My Lords e Gentishomens,
Tenho a satisfacçaõ de vos informar, que os arran-
jamentos, que se fizeram na sessaõ passada do Parlamen-
to, para o fim de circular nova moeda de prata, tem sido
executados com celeridade sem exemplo.
Tenho dado ordem para que entre immediatamente em
circulação a nova moeda, e espero que esta medida pro-
duzirá consideráveis vantagens no commercio e negocio
interno do paiz.
A pennuria, conseqüente á terminação de uma guerra
142 roíuica.
de tam desusada duração, tem sido sentida, com maior ou
menor severidade, em todas as naçoens da Europa, e
consideravelmente se aggravou com o desfavorável estado
da estação.
Posto que lamento profundamente o aperto que estes
males produzem no paiz, conheço que elles saõ de tal
natureza, que naõ admittem remédio immediato; porém
ao mesmo tempo que observo, com peculiar satisfacçaõ, a
fortaleza com que se tem soffrido tantas privaçoens *. e a
activa beneficência, que se tem empregado para as miti-
gar, estou persuadido de que os grandes recursos de nossa
prosperidade nacional se naõ tem essencialmente dimi-
nuído, e entretenho a confiada esperança de que a energia
natural do paiz vencerá, em naõ distante periodo, todas as
difficuldades, em que nos achamos envolvidos.
Considerando a nossa situação interna, naõ duvido que
sentireis uma justa indignação, vendo as tentativas, que se
tem feito, para tirar partido da penúria, em que se acha
o paiz, com o fim de excitar um espirito de sediçaõ e de
violência.
E u estou mui bem convencido da lealdade e bom senso
da totalidade dos vassallos de S. M,, para que os sup-
ponha capazes de serem pervertidos pelas artes, que se
empregam em os seduzir; porém estou determinado a
naõ omittir precaução alguma para preservar a paz pu-
blica, e para frustrar os desígnios dos descontentes: e des-
canço com a maior confiança no vosso cordeal apoio e
cooperação, em manter um systema de leys e de governo
do qual temos tirado vantagens inapreciaveis, que nos tem
habilitado a concluir, com gloria sem exemplo, uma con-
tenda da qual dependiam os melhores interesses do gênero
humano, e que até aqui nós temos conhecido ser, como
reconhecem as outras naçoens, ornais perfeito queja mais
coube em sorte a povo algum.
Politica. 143

Proclamaçaõ sobre a nova moeda de prata.

GEORGE P . R.

Por quanto; por um acto, passado no anno


56°. do reynado de Sua Majestade,intitulado " U m Acto
para providenciar ao cunho de nova moeda de prata, e para
regular a circulação da moeda de ouro e prata neste
reyno," foi authorizado e se deo poder ao Mestre e Operá-
rio de Casada Moeda de S. M. em Londres, para cunhar,
ou fazer cunhar barras de prata em moedas de prata, con-
sistindo em coroas, meias coroas, shillings, e seis-peniques,
do quilate de 11 onças, edous pennyweights de prata pura,
e 18 pennyweights de liga, em cada libra de Troya; e em
pezo na proporção de 66 shillings por cada libra de Troya.
E porquanto, em virtude dos poderes assim outorgados
se cunharam moedas de meia coroa, shillings, e seis pe-
niques, na proporção de 66 shillings por cada libra de
Troya, e do quilate acima mencionado; tendo todas essas
meias corroas no obversoa impressão da imagem de S. M.
com a inscripçaõ " Georgius I I I Dei Gratiâ," e a data do
a uno: e no reverso, as armas do reyno unido, contidas em
um escudo, rodeado pela jarreteira, em que está o mote
" Honí soit qui mal y pense," e o collar dajarreteira, com
a inscripçaõ ' c Britanniarum Rex Fid. Def." com uma
cerrilha de nova invenção na periferia da moeda; tendo
todos esses taes shillings e seis-peniques, no obverso, a
impressão da imagem de S. M. com a inscripçaõ " Geor-
gius III. D. G. Britt. Rex F . D . " e a data do anno; e, no
reverso, as armas do reyno unido, contidas em um escudo,
rodeado pela jarreteira, em que está o mote " Honi soit
qui mal y pense," com uma cerrilha de nova invenção na
periferia da moeda; e como estas moedas estejam com-
pletas, e promptas para serem entregues para o uso dos
144 foiatca.
subditos de S. M.; temos por isso, em nome e a bem de
S. M. por e com o parecer do Conselho Privado de S. M,
julgado conveniente expedir esta proclamaçaõ; e por esta
ordenamos, declaramos e mandamos, que as dietas moedas
de prata seraõ, desde o dia 13 do corrente mez de Feve-
reiro, dinheiro corrente e legal do Reyno da Gram Bre-
tanha e Irlanda, e passará e será recebido como moeda
corrente e legal do dicto reyno ; a saber, aquellas meias-
corôas pelo valor de dous shillings e seis peniques; as
peças de shilling pelo valor de um shilling; e as peças de
seis peniques pelo valor de seis peniques, em todos os pa-
gamentos e transacçoens de dinheiro.
E outrosim, em conseqüência dos poderes outorgados a
S. M. pelo dicto Acto, nós por esta, em nome e a bem de
S. M. por e com o parecer do Conselho Privado de S. M.,
além disso proclamamos, ordenamos, declaramos e nomea-
mos o dicto dia 13 de corrente Fevereiro, como o dia no
qual e delle em diante, tudo quanto, no Acto, feito no
anno 14°. do reynado de S. M., intitiulado " Um Acto
para prohibir a importação de moeda de prata deste
reyno, de pouco pezo, vinda de paizes estrangeiros para a
Gram Bretanha ou Irlanda, e para restringir o offereci-
mento delia em pagamento alem de certa somma," ordena
e providencéa, ou se pôde construir, que ordene e provi-
dencêe, que o offerecimento de pagamento em moeda de
prata do reyno seja legal até á somma de 25 libras; ou um
offerecimento por qualquer somma maior, segundo o seu
valor pelo pezo;—e outro sim tudo quanto em qualquer
Acto ou Actos porque o dicto citado Acto he continuado,
restituido ou feito perpetuo; será revogado; e os mesmos
saõ, em virtude do primeiro citado Acto e desta nossa pro-
clamaçaõ, revogados nessa conformidade.
E outro sim, em conseqüência dos poderes outorgados
a S. M. em virtude do dicto Acto primeiramente citado,
Politica. 145
nos por esta, em nome e abem de S. M.,por e com o pare-
cer do Conselho Privado de S. M. proclamamos, ordena-
mos, declaramos e nomeamos o dicto dia 13 de Fevereiro,
como o dia desde o qual, nenhum pagamento de di-
nheiro feito em moeda de prata deste reyno, em somma
que exceda a 40 shillings, ao mesmo tempo, será repu-
tado ou concedido em direito, como offerecimento legal,
dentro do Reyno Unido da Gram Bretanha e Irlanda,
seja de contado ou a pezo de tal moeda de prata; ou de
outra maneira qualquer.
Dada na Corte, em Carlton-House, aos 12 de Fevereiro
de 1817; no anno 57°. do reynado de S. M.
Deus guarde a El Rey.

FRANÇA.

Ordenança contra o Commercio da escravatura.


Luiz, pela graça de Deus, &c.
Art. 1. Todo o navio, seja Francez ou Estrangeiro, que
tentar introduzir em alguma de nossas colônias, Negros
comprados, será confiscado; e o capitão, se for Francez,
será privado de todo o commando.
Toda a carga será igualmente confiscada ainda que naõ
consista de escravos: e quanto aos Negros, seraõ elles
empregados nas obras publicas de utilidade para a Colônia.
Art. 2. As contravençoens, prohibidas no artigo prece-
dente, seraõ processadas conforme as mesmas formalida-
des das contravençoens das leys e regulamentos do com-
mercio estrangeiro. Quanto ao producto das confisca-
çoens, pronunciadas na conformidade do dicto artigo, será
esse producto realizado e applicado da mesma forma que
o producto das confiscaçoens pronunciadas em matérias
VOL. XVIII. No. 105. T
146 Política.
de contravenção das leys, relativas ao commercio estran-
geiro.
Art. 3 . O nosso Ministro da Marinha e Colônias estran-
geiras he encarregado da execução da presente Or-
denança.
Dada no Palácio das Thuilherias aos 8 de Janeiro de
1817.
(Assignado) Lvvz.

COLÔNIAS FRANCEZAS.

Termos offerecidos pelos Commissarios de S. M. C.


Luiz XVIII. ao General Petion.
Art. 1. A abolição da escravidão será decretada in per-
peluum, na ilha de S. Domingos.
2. Conceder-se-ha a todas as classes de cidadãos os
mesmos direitos civis e políticos, como na França.
3 . O exercito será conservado no mesmo pé, em que ao
presente se acha. O general e outros officiaes seraõ con-
firmados por E l Rey, segundo as suas respectivas gradua-
çoens ; e gozarão do mesmo soldo e distincçoens como os
officiaes do exercito Francez.
4. EI Rey naõ mandará nunca tropas Europeas para S.
Domingos. A defeza da colônia será confiada â coragem
e fidelidade do exercito do paiz, que também naõ será
empregado fôra da colônia.
5. O Presidente da Republica e os Senadores conser-
varão as suas prerogativas, e estes também o» seus tí-
tulos; elles continuarão a ser as authoridades administra-
tivas e judiciaes, provisionalmente, assim como saõ, excepto
se houverem modificacoens propostas e effectuadas por
elles mesmos, com o consentimento dos Commissarios dvEl
R e y ; e no caso de mudanças futuras, ellas só poderão ser
Politica. 147
feitas segundo o principio estabelecido pela revisão dos
Actos Constitucionaes.
6. Os colonistas antigos naõ entrarão nem residirão na
colônia, sem se submetterem ás leys e regulamentos que
se houverem de estabelecer, particularmente aquellas que
dizem respeito ao estado das pessoas e direitos civis.
7. As authoridades actuaes, de concerto com os Com-
missarios, estabelecerão um regulamento geral, relativo
á propriedade; em ordem a pôr termo ás incertezas, e
prevenir novas perturbaçoens, que se poderiam suscitar
para impedir o reestabelicimento da colônia.
8. O actual Presidente terá o titulo de Governador G e -
ral da Colônia ; o actual Commandante General do exer-
cito será nomeado Tenente-General do Governo. Ambos
elles conservarão os poderes, que presentemente gozam,
com as modificacoens, que possa requerer o estado das
cousas; porém que se naõ effectuaraõ sem o seu consenti-
mento. Para o futuro seraõ nomeados por El R e y , d e n -
tre tres candidatos, que lhe seraõ apresentados, e escolhi-
dos pelo Senado.
9. Os portos continuarão abertos para todas as Potên-
cias, com as mesmas condiçoens, que existem presente-
mente: o Senado, conforme as circumstancias, e exposi-
ção do Governador General, representando a El Rey,
poderá modificar aquellas condiçoens.
10- El Rey exercerá a sua influencia para com sua
Sanctidade, o Papa, para obter um bispado para esta co-
lônia, e todos os outros soccorros espirituaes, que devem
segurar ao povo a felicidade essencial.
11. Todas as concessoens d'El Rey se poderão extender
ao Norte e ao Ocidente, assim como ao Sul da Colônia.
12. O " Acto Constitucional" será revisto, durante o
presente anno, pelo Senado, para que se façam de concerto
com os Commissarios d'El Rey, todos os regulamentos
146 Política.

necessários, na ordem em que devem ser estabelecidos.


Supplicar-se-ha a E l Rey para que os receba, depois de
sua revisão, e para os garantir em seu nome assim como
de seus successores.

Resposta do Presidente Petion.


O Povo de Hayti deseja ser livre e independente: Eu
também o desejo, Elles o seraõ. Elles naõ precisam
de apoio estrangeiro: a suas mesmas forças protegerão a
sua liberdade.

Proclamaçaõ do Presidente de Hayti


Alexandre Petion, Presidente de Hayti, ao Povo e
Exercito.
Apparecêo nas nossas costas a bandeira Franceza, e El
Rey de França, mandou Commissarios a Hayti.
E m que circumstancias se apresentaram elles? No
momento em que estávamos ao ponto de consagrar o edi-
ficio de nossas leys. No momento em que eu fui chamado
pela vossa escolha para as defender; no cumulo do enthu-
siasmo de uma naçaõ a mais zeloza de seus direitos, tem
elles proposto o compromettêllos! i E por que vantagens ?
j,Ha algumas que sejam preferíveis ás que nós gozamos?
Naõ existe um só Haytiano, cuja alma seja suficientemente
tíbia, para consentir em retrogadar no caminho em que
nossa gloria nos tem avançado: os nossos deveres estão
marcados: a natureza lhes deo nascimento, ella nos tem
creado iguaes aos outros homens: nós os manteremos
contra todos aquelles, que se atreverem a conceber o cri-
minoso desejo de nos subjugarem. Elles acharão nestas
praias somente cinzas mixturadas com sangue, a espada e
um clima vingador.
Nesta occasiaõ, como na precedente, vós tendes mos-
Político. 119
trado a me3ma circumspecçaõ, e o mesmo respeito pelos
direitos dos homens. Vos tendes calculado as vossaB
forças, e deixando aos vossos Magistrados o cuidado de
explicar os vossos mais charos interesses, tendes esperado
com paciência até qus elles vos explicassem o que por vós
tinham feito. A vossa confiança naõ será nunca atrai-
çoada.
A authoridade depende de vossa vontade ; e he a vossa
vontade serdes livres e independentes: vós o sereis; e
nós daremos o terrível exemplo ao Universo, de nos en-
terrarmos debaixo das ruínas de nossa Pátria, antes doque
voltar á escravidão, ainda debaixo de sua forma mais mo-
dificada.
Em quanto a Europa inteira se reúne ao chamamento
da philantropia; para annihiiar até os resquícios daquelle
deshonradissimo trafico: em quanto as naçoens mais po-
lidas meditam e lançam planos para a emancipação geral
daquelles, que ainda gemem debaixo da oppressaõ; nós
observamos, com magoa, Governos, que se chamam a si
mesmos religiosíssimos, nutrindo principios, que a justiça
e a humanidade condemnam.
Haytianos, a vossa protecçaõ está nas vossas armas-
reservai-as para aquelles que vos perturbarem, c fazei que
o vosso trabalho enriqueça o chaõ, cujos fructos somente
vós haveis de colher.
Tenho impresso a minha conrespondencia com os Com-
missarios d'El R e y ; será posta diante de vossos olhos.
Tenho cumprido com o meu d e v e r ; e o meu dever he o
vosso.
Assignada no Palácio Nacional em Port-au-Prince, aos
12 de Novembro de 1816; anno 13 da Independência de
Hayti.
(Âssignadc) PETION.
B. INGINAC, Secretario Geral.
150 Politica.

AS QUATRO POTÊNCIAS ALLIADAS.

Nota dos Ministros das Quatro Potências Alliadas, re-


lativa á diminuição do Exercito de occupaçaõ m
França.
As cortes de Áustria Inglaterra Prússia e Rússia, tendo
tomado em consideração o desejo manifestado por S. M.
Christianissima, de que o numero do Exercito de occu-
paçaõ fosse diminuído, e proporcionalmente também a
somma das despezas occasionadas pela sua presença no
território Francez, authorizáram os abaixo assignados
para fazer a seguinte communicaçaõ a S. Ex». o Duque
de Richelieu, Presidente de Conselho de Ministros, e
Secretario de Estado na Repartição dos Negócios Estran-
geiros.
Quando El Rey, restabelecido ao aeu throno, e mettído
de posse de sua legitima e constitucional authoridade, tra-
balhou por descubrir, de concerto com as outras Potên-
cias, os meios mais efficazes de consolidar a ordem interna
em França, e de associar o seu reyno ao systema de boa
intelligencia e pacificação geral, interrompido pelas per-
turbaçoens a que se tinha apenas acabado de pôrfim,se
achou quea presença temporária de um Exercito Alliado
éra absolutamente necessária, tanto para segurar a Eu-
ropa contra as conseqüências de agitaçoens, cuja renovação
se ameaçava, como para ministrar á authoridade Real a
opportunidade de exercitar tranquillamente a sua influen-
cia benéfica, e se fortalecer pela affeiçaõ e submissão de
todos os Francezes.
A solicitude que S. M. Christianissima mostrou em
fazer com que este indispensável expediente fosse o menos
oneroso possivel a seus subditos, e a sabedoria com que di-
rigio todos os arranjamentos e stipulados naquelle período,
cs levou a anticipar, de commum accordo, o caso em que
Politica. 151
a diminuição do Exercito de Occupaçaõ poderia ter lugar,
sem enfraquecer os motivos, nem deteriorar os grandes
interesses, quefizeramnecessária a sua presença.
Os abaixo assignados tem grande satisfacçaõ em repetir
estas condiçoens; ellas consistem no firme estabelici-
mento da legitima dynastia, e no bom successo dos esforços
de S. M. Christianissima em reprimir as facçoens, dissipar
os erros, tranqüilizar as paixoens, e unir todos Francezes
a roda do throno, pelos mesmos desejos e mesmos in-
teresses.
O grande resultado, desejado e apetecido por toda a
Europa, naõ podia ser a obra de um momento, nem o
effeito de um único esforço. As Potências Alliadas tem
observado, com attençaõ constante, mas naõ sem admira-
ção, as differenças de opinião, que tem havido, quanto ao
modo de alcançar isto. Nesta postura tem ellas olhado
para a superior sabedoria d'El Rey, esperando as medidas
próprias para fixar a incerteza, e dar á sua administração
uma marchafirmee regular, naõ duvidando que elle uni-
ria com a dignidade do throno e os direitos de sua coroa
aquella magnanimidade, que, depois de discórdias civis,
assegura e anima o fraco, e, por uma confiança illumi-
nada, excita o zelo de todos os outros subditos.
Tendo ja felizmente a experiência satisfeito em tanto
quanto a natureza das cousas o permitte, as esperanças da
Europa, a este respeito, os Soberanos Alliados, desejando
«ociosamente contribuir para esta obra, e dar á naçaõ os
meios de gozar todos os benefícios que os esforços da sabe-
doria d'El Rey lhe tem preparado; naõ hesitam em olhar
pare o presente estado dos negócios como sufficiente para
determinar a questão, que saõ chamados a decidir.
A boa fé com que o Governo d'El Rey tem até aqui
preenchido os seus ajustes e obrigaçoens, em que entrou
com os Alliados, e o cuidado que tem tomado emproviden-
152 Politica.
ciar para os differentes serviços do anno corrente, ajunc-
tando aos recursos que provém das rendas do Estado os
outros que resultam do credito, garantido por banqueiros
nacionaes e estrangeiros, os mais consideráveis na Europa,
tem também removido as difficuldades, qUe de outra
maneira se levantariam, sobre este ponto da proposta
questão.
Estas consideraçoens tem ao mesmo tempo sido fortale-
cidas pela opinião que S. Exa. 0 Marechal Duque do
Wellington foi chamado a dar, relativamente a um objecto
de tam grande importância.
A favorável opinião ca authoridade de uma personagem
tam eminente, tem acerescentado aos motivos ja pondera-
dos, todos aquelles que a prudência humana pode unir
para justificar uma medida pedida e concedida com senti-
mentos de sincera e reciproca bondade.
Os abaixo assignados, por tanto, estáõ authorizados, por
suas respectivas Cortes, a notificar a S. Exa. o Duque de
Richelieu,
I o . Que se porá em execução a reducçaõ do Exercito de
occupaçaõ.
2<>. Que o total da diminuição de todo o exercito será
30.000 homens.
3 o . Que este total será proporcionado ao de cada um
dos contingentes; isto he, que será um quinto de cada um
dos corpos d'exercito.
4°. Que isto terá lugar desde o 1°. de Abril próximo
futuro.
5°. Que desde aquelle periodo, as 200.000 raçoens por
dia, que o Governo Francez fornecia ás tropas, seraõ re-
duzidas a 100,000, sem comtudo alterar de modo algum as
50.000 raçoens de ferragem destinadas ao mantimento
dos cavallos.
6 o . Ultimamente, que desde o mesmo periodo a França
Política. 153
gozará todas as vantagens, que resultam da dieta reducçaõ,
na conformidade dos tractados e convençoens actuaes.
Os abaixo assignados; communicando da parte de seus
augustos amos tam notável testemunho de amizade e con-
fiança a S. M. Christianissima; tem ao mesmo tempo de
declarar a S. Exa. 0 Duque de Richelieu, quanto os prin-
cipios do Ministério sobre que elle preside, e os que saõ
pessoaes delle, tom contribuído para estabelecer aquella
mutua boa vontade quo, dirigida pela letra e pelo espírito
dos tractados existentes, tem até servido para arranjar
tantos e tam delicados negócios, e que dá para o futuro os
mais seguros penhores de uma conclusão definitiva e
satifactoria.
Elles se aproveitam desta occasiaõ para renovar ao
Duque de Richelieu as seguranças de Sua alta consi-
deração.
(Assignados) O BARAÕ VINCENT.
CARLOS STUART.
O CONDE DE GOLTZ.
Paris 10 de Fevereiro 1817. Pozzo DI BORGO.

Falia do Duque de Richelieu á Câmara dos Deputados,


communicando o arranjamento com os Alliados; para
a diminuição do Exercito de occupaçaõ.
Senhores!—El Rey nos tem ordenado (aos Ministros)
que voa communicassemos o resultado das negociaçoens,
com que S. M. se oecupou, para obter à França uma di-
minuição dos encargos, que a tem oprimido, em conseqüên-
cia doB acontecimentos de 1815. Ha muito que o seu
amor pelo seu povo tinha anticipado os anxiosos desejos
expressados nesta Câmara. Todos os seus esforços e todos
o» seus cuidadoB se tem dirigido a tam desejável objecto,
VOL. X V m . No. 105. u
154 roniica.
e t a m c h a r o a s e u coração; e a sua paternal solicitude
recebe agora a sua mais grata remuneração.
Temos a satisfacçaõ de vos annunciar, que depois da
adopçaÕ da ley de Finanças, com a qual os sólidos meios
do credito, proporcionando os recursos às despezas e en-
cargos, segurarão os serviços do anno corrente, se dimi-
nuirá o Exercito de occupaçaõ um quinto de seu numero 5
isto he 30.000 homens, e proporcionalmente os encargos,
que resultam daquelle titulo.
Devemos também informar-vos, que, segundo as expli-
caçoens, que tiveram lugar com os Ministros das Cortes
Alliadas, o augmento do pagamento, que no Taleigo deste
anno chega á somma de 25:000.000 de francos, naõ terá
lugar senaõ em um periodo mais distante. Infelizmente
esta segunda facilidade para demorar o augmento do pa-
gamento do Exercito de occupaçaõ naõ trará comsigo
diminuição alguma nos nossos encargos actuaes. A ex-
traordinária subida nos preços dos artigos de mantimentos,
contrabalança a vantagem da demora que se nos concedeo,
em conseqüência do augmento de despeza de subsistência
a que estamos sugeitos. O Governo publicará uma conta
da differença entre a despeza actual neste anno, e a des-
peza que se calcula no Taleigo, que presentemente está
em discussão.
O pagamento da indemnizaçaõ de guerra também expe-
rimentará alguma modificação, que, sem infracçaõ dos
tractados, facilitará muito a sua satisfacçaõ.
Gozemos, Senhores, do feliz melhoramento, que a
sabedoria e providencia d'El Rey nos tem preparado,
nós o devemos á firme preseverança do Monarcha, fa-
zendo que as leys sejam igualmente executadas a respeito
de todas as classes de seus subditos. Nós o devemos á
fidelidade com que temos cumprido com os nossos ajustes,
aos nossos arranjamentos publico», tendo em vista aquelle
Commercio e Artes. 155
objecto, e á corajosa resignação do povo Francez, e á
segurança que inspira a concórdia entre os tres ramos do
poder Legislativo.
Ente melhoramento também se deve attribuir, Se-
nhores, ao elevado character dos Ministros das Cortes
alliadas,fieisinterpretes das disposiçoens de seus Sobe-
ranos para com a França, e dos sentimentos da França
para com elles ; ao nobre desinteresse dos Generaes Al-
liados, os quaes, seguindo o exemplo de seu illustre chefe,
confiam muito mais na fidelidade Franceza do quo no
numero de seus soldados. Uma modificação tam favo-
rável dos tractados, que ameaçavam maior rigor, he de
feliz agouro para França; pressagia á Europa uma longa
paz, que pôde perpetuar entre as naçoens a uniaõ, que
prevalece entre os Soberanos.

COMMERCIO E ARTES.

Commercio do Reyno Unido.


A louvável determinação de S. M. Fidelissima de ouvir
os seus vassallos nas matérias pertencentes ao Commercio,
afimde estabelecer um systema adaptado ás presentes
circumstancias do Reyno Unido de Portugal, Brazil
e Algarves, faz que seja do dever de todos os invi-
duos o manifestarem as suas ideas a este respeito, a fim
de que as pessoas, encarregadas pelo Soberano daquelle
importante trabalho, possam combinar as diversas opini-
oens, e adoptar as que lhe parecerem mais justas, dei-
xando as ulteriores reformas, para o que aodepois dictar
a experiência.
He evidente, que quanto mais se complicam as reparti-
156 \joTmnercvo e .nn.ee.
çoens, mais se augmentam as despezas da administração,
e mais obstáculos se põem á facilidade que se deve prestar
ao Commercio.
No systema de commercio, que se deseja introduzir,
nas differentes partes do Reyno Unido, umas com outras,
convém muito notar o estado da navegação, antes dos
portos do Brazil serem francos aos estrangeiros, e as conse-
qüências da quella franqueza na marinha mercante Portu-
gueza.
O Commercio entre Portugal e os paizes estrangeiros,
atè o anno de 1808, éra principalmente feito em navios das
outras naçoens; e a marinha mercante Portttgeza sei imi-
tava quasi somente a trazer os productos do Brazil a
Lisboa, donde o levavam os estrangeiros nos seus próprios
navios.
Depois de 1808, abrindo-se os portos do Brazil a todas
as naçoens, ali vam os estrangeiros buscar os gêneros,
que antigamente tiravam de Lisboa .* peloque o grande
emprego da marinha Portugueza, em conduzir gêneros
do Brazil a Lisboa, deve cessar.
He logo da maior importância, que se procure substi-
tuir de algum outro modo a diminuição da navegação
Portugueza, que resulta do novo estado de cousas.
Nós consideramos os Negociantes do Brazil tam atraza-
dos em conhecimentos mercantis, como estavam os
de Portugal ha oitenta annos; e portanto julgamos, que
os estrangeiros, muito mais hábeis, naõ teraõ grande
difficuldade em apanhar aos do Brazil o ouro empo e em
barra, os brilhantes,&c. &c.; c dar-lhes em troco as suas
missangas, e outros gêneros, que de nada valem, senão
para fomentar a industria o fabricas dos outros paizes.
Nestes termos he necessário calcular o lucro, que tira a
naçaõ, de abrir os portos do Brazil aos estrangeiros; e com-
Commercio e Artes. 157

parar esse lucro com a perda consecutiva áignorância dos


negociantes; e do resultado abater também o grandíssimo
inconveniente da diminuição da navegação.
Este inconveniente he de tal magnitude, que, se naõ es-
tiveramos persuadidos de que elle se pode remediar, co-
mo julgamos que he possivel fazer por outros meios, diria-
mos que os portos do Brazil se deveriam tornar a fechar
outra vez aos etrangeiros, a fim de que a conducçaõ de seus
gêneros para Portugal, servisse de fomentar a navegação
nacional.
Os dominios Portugezes naõ se podem manter sem uma
boa marinha de guerra ; esta naõ pode existir sem mari-
nha mercante ; assim he claro à todas as luzes, que o aug-
mento da navegação nacional, he objecto da primeira im-
portância na politica do Soberano de Portugal.
Neste ponto de vista naõ pôde deixar de lembrar as
prizoens de marinheiros, para servirem nos navios de guer-
ra: esta practica, posto que usada em outras naçoens, no
estado actual de Portugal he summamente ruinoza.
As vantagens que a naçaõ pode tirar de seu commercio
interno, de umas provincias com outras, e principalmente
das que saõ distantes, e cuja communicaçaõ sendo necessa-
riamente por mar, requer a navegação, naõ dependem
senaõ de providencias de seu mesmo Governo, e por isso
saõ tanto mais de desejar, quanto saõ izentas de contem-
plaçoens e sacrifícios, que muitas vezes he preciso fazer,
quando se commercea com potências estrangeiras.
Os officios mechanicos em Portugal soffirêram muito,
durante a guerra, ja pelas recrutas, que se fizeram, as
quaes, pela necessidade do momento, foram muito mais
numerosas do que permittia a população do R e y n o ; j a
pela emigração para o Brazil; e ja pela dispersão para
paizes estrangeiros, a fim de procurarem abrigo contra
as persiguiçoens doa recrutamentos.
158 \sVIII/llbU

H e fácil conduzir um rapaz, que se põem de aprendiz


em um officio, até que venha a ser um artista útil a si n a
naçaõ ; mas se este rapaz foi tirado para o exercito, c nel-
le empregou a sua mocidade, depois de homem nada pôde
aprender; e ainda que lhe de m baixa, nunca será outra
cousa mais do que um vadio, e um dissipado: as excepçoens
desta regra, sendo mui inconsideraveis, naõ fazem argu-
mento contra nós.
Porém supponhamos, que se favorecia, como merece, a
distribuição dos moços para aprendizes dos officios mecha-
nioos, restava ainda outro importante cuidado, que hc a-
brir mercados aonde os mestres desses oflicios mandassem
vender as obras, em que tinham empregado seus aprendi-
zes, e jornaleiros: do contrario naõ podeira continuar es-
sa industria.
Parece-nos, que o Brazil, c ainda mesmo a America
Hespanhola, offerecem um bello mercado para os produc-
tos da industria e artes de Portugal, e principalmente o
Brazil : porque ali depende isso somente da vontade de
seu Governo. Expliquemos isto com um exemplo.
Os trastes de casa, obras de marcineiro, e carruagens,
que se necessitam no Brazil, naõ podem ser todos feitos na
quelle paiz; porque naõ ha ali obreiros suflicientes. Logo
poderiam com vantagem importar-se de Portugal, c ficar
esse lucro na naçaõ. Mas para se fomentar este útil gyro
éra necessário que o Governo desse livros as madeiras,qun
uo Brazil viessem a Portugal, que naõ levasse direitos,
pelos mencionados artigos, quando se exportassem de
Lisboa para o Brazil, c quando isto ainda naõ bastasse, im-
puzesse nos artigos similhantes, que outras naçoens levas-
sem ao Brazil, di reitos tam altos, que naõ pudessem elles
concurrer no mercado com os de Portugal.
Quando o Exercito Francez de Massena eslava em
Commercio e Artes. 159

Poitugal, lembramos a utilidade do expediente, de pro-


mover a deserção daquelle exercito, naõ somente como
estratagema de guerra, para enfraquecer o inimigo; mas
lambem com o fim politico de adquirir para o Brazil uma
população útil, fazendo passar para ali muitos moços, que
se achavam violentamente servindo no exercito Francez,
unstirados da agricultura, outros das manufacturas, ou-
tros dos estudos, os quaes Iodos seriam para o futuro de
grande serviço ao Brazil.
Temos por varias vezes indicado a necessidade que ha
de procurar ao Brazil uma população tirada das naçoens
Europeas ; e isto para fins moraes, políticos, e phisisicos ;
porque a naÕ se obrar assim, a raça Portugueza se estragará
totalmente com a mixtura, tam comum no Brazil, com os
negros Africanos, cuja compleição e figura vicia o phiscodas
geraçoens mixtas ; e cujos custumes devassos, e moral estra-
gada peles máos hábitos inherentes á condição de escravos,
servem de um exemplo fatal á mocidade, que com elles
se cria nos seus mais tenros annos ; e adquire asssim péssi-
mos custumes, que de tal modo se arreigam, que duram
depois por toda a vida.
As fabricas de linho e seda saõ próprias de Portugal, e
vantajosas á agricultura e às artes: o Brazil naõ se podeiá
fornecer a si mesmo destes dous artigos por muitos annos;
logo de Portugal he d'onde os devia obter, em preferencia
a todos os outros paizes; e este gyro se promove facil-
mente, com uma proporcionada imposição de direitos
d'Alfândega, na importação dos gêneros estrangeiros.
Actualmente acontece isto pelo contrario; porque se
exigem os mesmos direitos em Lisboa, na exportação da-
quelles artigos para o Brazü, que se levavam quando no
Brazil naõ podiam entrar em concurrencia com os estran-
geiros. A moldura de um espelho, por exemplo, que se
160 tsommerao e artes.
faz em Lisboa, paga os direitos no Paço da madeira, e
paga os de consulado na sahida, posto que o seu valor
esteja infinitamente augmentado pela maõ d'obradoenta-
Ihador, do dourador, &c. Mas os artífices de outras na-
çoens, que levarem essas molduras ao Brazil, naõ só nao
pagam esses direitos em suas terras, mas até em algumas
dellas recebem um prêmio, para os animar a fazer essas
exportaçoens.
Fomentando-se assim a industria do artífice de Portu-
gal, se favoreceria o agricultor do Brazil; porque, quantas
mais sellas mandar o corrieiro de Lisboa para a Bahia,
tanto mais açúcar e mais tabaco poderá comprar ao lavra-
dor da Bahia. Pelo contrario, o corrieiro Francez, que
vende no Rio-de-Janeiro a sua sella, naõ emprega o pro-
ducto em comprar ali o açúcar; por isso que o tem de
suas colônias, e que o seu Governo, mais illuminado que
o Portuguez, naõ lhe permitte usar do estrangeiro.
Dos máos vinhos se faz a distilaçaõ e o vinagre. A dis-
tilaçaõ tem contra si a admissão das águas ardentes ln-
glezas, e as que se introduzem com este pretexto; mas o
vinagre, que se exporta, tendo de pagar 8 por cento no
Consulado, e 25 por cento na meza dos azeites, deixa por
isso de ir para o Brazil, aonde se admitte o vinagre estran-
geiro, que ademais he composto de drogas muitas vezes
prejudiciaes á saúde.
Notemos por fim um exemplo bem obvio, e em objecto
bem inferior—a cortiça. Este producto he nacional, e a
manufactura das rolhas he também nacional; e com tudo
a exportação deste artigo he tolhida, porque se lhe impõem
um direito de 8 por cento no Consulado, e 10 por cento
na Meza dos vinhos; sem deixar de pagar na portagem a
imposição dos volumes, tendo pago direitos de entrada na
alfândega.
Commercio e Artes. 161

A falta das discussoens publicas produz um mal irre-


mediável ; que he a ignorância do Governo; ainda nos
casos em que este deseja acertar ; porque se mandam p e -
dir informes, por via de regra, a pessoas que saõ, ou ig-
norantes da matéria, ou interessadas nos abusos. P o r
exemplo.
O que respeita o tabaco, remette-se ao conhecimento
da Juncta do Tabaco, o que pertence ao Consulado, vái
â Meza do Consulado. &c. Ora como he possivel e s -
perar, que a Juncta do Tabaco, ou a Meza do Consulado
digam nunca, uma que he inútil, outra que os seus emolu-
mentos saÕ prejudiciaes ao Commercio ?
Com estas vistas, e como escriptores públicos, resumi-
remos aqui o que sobre esta matéria tem chegado áo nosso
conhecimento,
Um correspondente nosso de Lisboa nos informa, que o
Alvará de 4 de Fevereiro de 1811 se naõ pôde dar á exe-
cução ; porque ha outro Alvará de Declaração, pelo qual se
limitam aquellas úteis providencias unicamente ás fabricas
que tem privilegio Real, ou approvaçaõ da Juncta do Com-
mercio. Alem disto nos dizem, que o motivo desta limi-
tação fôra o requirimento de alguns çapateiros, violeiroz, e
ourivez, que incommodàram a El Rey pedindo que alguns
pares de botas, meia dúzia de violas, &c. fossem incluídos
nas providencias daquelle Alvará,
Nós apenas podemos acreditar esta informação, sobre o
tal Alvará de Declaração, que nunca se fez publico; ou
ao menos, que nos naõ chegou à noticia. Duvidamos
disto; porque por mais insignificante que pareça a expor-
tação das botas, das violas, &c. ; he do aggregado des-
tas obras que se compõem os artigos da industria nacional,
a qual deve ser protegida em todos os seus ramos, pelo bem
que dellas resulta á naçaõ ; pela intima ligação que a pros-
VOL. XVIII. N o . 105. x
162 Commercio e Artes.
peridade geral tem, com os lucros de todos os artífices
individualmente.
Depois do que escrevemos em outros N°s. a respeito
dos direitos do Consulado e da intelligencia dos dous pa-
ragraphos do Alvará de 4 de Fevereiro de 1811, se deci-
diram alguns negociantes de Lisboa a fazer requirimentos
a este respeito ; e ha esperanças de que o resultado lhes
seja favorável y porém, ainda assim, ha quem argumente,
para que se cobre o módico direito de Consulado de um
por cento, para sustentação da tal repartição do consulado.
Naõ sabemos que possa haver, em Lisboa, quem tenha
direito de continuar o imposto do Consulado, depois delle
ser abolido por um Alvará do Soberano ; nem que haja
authoridade para o reduzir a um por cento, debaixo de
qualquer pretexto que seja. O Soberano abolio aquelles
direitos ; porque conhecia a vantagem de promover a in-
dustria nacional; logo naõ pode haver alguma razaõ de se
continuar nenhuma parte do tal abolido direito; e muito
menos com o pretexto de sustentar uma repartição, que
pela abolição dos mesmos direitos fica sendo escusada.-—
E se restam ainda alguns direitos cobraveis por esta repar-
tição, depois das disposiçoens do citado Alvará, isso se po-
de fazer pela mesma Alfândega, sem que se conserve to-
da a dispendiosa Meza do Consulado.
H e natural, que todas as pessoas empregadas nesta
Repartição se opponham à sua extincçaõ, para naõ perde-
rem os seus officios; ficando, por isso, sem ter de que viver
e perdidos.
Nós tal naõ desejamos; antes somos de opinaÕ que os
empregados públicos devem ser pagos, ebem pagos: mas
para se satisfazer a estes naõ se deve conservar uma Re-
partição inútil. As pessoas occupadas na Repartição, que
se extingue, devem ir accommodando-se nos lugares que
forem vagando na Alfândega, naô se provendo os officios
Commercio e Artes. 163
em gente nova, em quanto estiverem desocupados os indi-
víduos da Repartição extincta.
Consta-nos, que se tem feito em Lisboa algumas objec-
çoens, contra o nosso plano de reformar os Direitos de con-
sulado; e o argumento produzido contra nós he, que
aquelles Direitos produzem uma renda considerável, de
que o Erário necessita ; e que esta qualidade de imposto
naõ embaraça o commercio de Lisboa; porque, naÕ obs"
tante isto, se tem ultimamente exportado de Lisboa gran-
des carregaçoens de fazendas da Índia, sugeitas ao Direi-
to de Consulado ; o que prova naõ só o proveito, que trás
ao Erário, mas também, que isso naõ serve de obstáculo
às especulaçoens dos nogociantes, como nós affirmamos.
Naõ poderíamos ja mais negar, nem nunca negamos?
que a cobrança de impostos, em geral, ou deste imposto
do Consulado, em particular, augmente a receita do E r á -
rio, A nossa proposição he, que ha impostos de tal natu-
reza, que servem de obstáculo á industria, e que, por is-
so, tendem a secar as fontes, donde o Erário deduz as su-
as riqnezas : e julgamos, que o imposto do Consulado, em
Lisboa, he dos impostos desta classe.
Se o imposto do Consulado tende a fazer com que os n e -
gociantes do Brazil, e outros dominios Portuguezes, vam
buscar a outros paizes as fazendas, que obteriam de Lis-
boa, a naõ ser o imposto do Consulado ; dizemos que es-
te direito tende a destruir-se a si mesmo ; por quanto, se
os negociantes acharem, que, por causa deste direito, lhes
faz mais conta obter essas fazendas de outra parte, naõ as
mandarão buscar a Lisboa; assim naõ renderá cousa al-
guma o Consulado; e aquella parte da industria nacional,
que provinha dessas negociaçoens, ficará arruinada.
O argumento contra nós he, que os direitos do Consula-
do naõ produzem o effeito, que nós lhe attribuimos; por-
que ultimamente se tem exportado de Lisboa grandes
X2
164 Commercio e Artes,
quantidades dessas fazendas sugeitas aos direitos de
Consulado.
A resposta, que a isto damos he ; que essas exporla-
çoens que recentemente tiveram lugar saõ effeito de cau-
sas momentâneas, que explicaremos; e portanto naõ
provam nada contra o effeito geral, e conseqüências per-
manentes, ruinósas á industria do Reyno, e que nós attri-
buimos ao tal imposto do Consulado.
Este incidente resultou da necessidade de se fazerem
em Lisboa carregaçoens para Angola, a fim de comprar
ali escravos ; com que se surtissem alguns portos do SuJ:
nestes termos naÕ tiveram os negociantes remédio senaõ
sugeitarem-se a pagar os 8 por cento de direitos do Con-
sulado ; com a esperança de ganhar no total do negocia-
ção. Mas naõ se pôde daqui esperar, que os negociantes
do Brazil se continuem a sugeitar ao pagamento do impos-
to de 8 per cento no Consulado de Lisboa, sobre as fa-
zendas da Índia, que se desejam levar para Angola,
quando as podem obter directamente da índia, sem este
maior cargo de 8 por cento.
H e também verdade, que além das fazendas exportadas
para as negociaçoeus de Angola, que constavam de fa-
zendas vindas das Indids Portugezas do Malabar, Goa, &c.
se exportaram também para o Brazil algumas partidas de
fazendas brancas de Bengálla ; mas isto suecedeo, por cau-
sa da demasiada quantidade destas fazendas, que se acha-
va sem saida no mercado de Lisboa; e cujos donos naõ
tiveram outra alternativa, pelo temor de um empate, que
lhes prognocticava certas, e consideráveis perdas.
Sabemos que de Pernambuco, aonde se recebiam de
Lisboa, as fazendas da índia, se despacharam ha pouco
tempo dous navios para o Malabar; e do que aquelles na-
vios trouxerem a Pernambuco naõ terá o Consulado de
Lisboa mais do que os desejos de cobrar os 8 por cento;
Commercio e Artes. 165

e a estes desejos poderá agradecer o povo de Portugal,


os lucros que perde, por naõ terem aquellas fazendas
passado por Lisboa.
Em breve pois sentirá Lisboa os máos effeitos, de se
cobrarem ali direitos de Consulado, pelas fazendas da í n -
dia, *reexporladas para o Brazil; porque para se livrarem
desses 8 por cento, as fazendas da índia viraõ do Brazil
para Portugal, em vez de irem de Portugal para o Bra-
zil,
O systema das baldeaçoens do algudaõ em Lisboa impõ-
em ao commercio tal gravamen, que tende directamente
a desanimar a industria; com os tributos, que se cobram a
favor da Guarda da Policia; porque estes impostos pro-
duzem dous inales.
1°. Encarecem o algudaõ, em Lisboa, e fazem assim
que a França, o mande buscar directamente ao Brazil •
diminuindo por isso o trafico em Portugal, a navegação
entre Lisboa e o Brazil, e os gêneros de permutaçaõ aos
negociantes do Reyno.
2 o . Privam-se os naturaes do paiz dos empregos mul-
tiplicados, que resultam da importação e exportação do
gênero; e de mais perdem os lucros de o manufacturar
com vantagem, em conseqüência da imposição sobre a
matéria prima.
O imposto para a Policia podia cobrar-se de outra ma-
neira : e naõ impôr-se sobre um gênero, que pôde, e ha
de deixar de vir a Lisboa, para se livrar daquelle encargo;
e de toda a porçaõ de algudaõ, que deixar (Je vira Lisboa
por esta causa, perde o Governo os direitos, que intenta-
va cobrar para manter a Guarda de Policia, e perde a na-
çaõ os frutos, que lhe ficariam por sua industria, ja fabri-
cando o mesmo algudaõ, j a exportando-o para outros
paizes.
Depois que notamos a complicação, que ha, nos diffe-
-U>6 Commercio e Artes.
rentes despachos dos couros, na alfândega de Lisboa, se
deo ali uma providencia sobre isto; e foi mandar, que
sahissem pela porta da alfândega, e naõ pela ponte, os
couros destinados a reexportaçaõ por terra. E supposto
esta medida seja útil, em quanto he tendente a desem-
pachar a ponte, com tudo está bem longe de comprehender
a extençaõ do mal, que notamos, na complicação das dif-
ferentes formas de despacho neste gênero.
Se o que nós dissemos a este respeito fosse bem enten-
dido ; ou se o Governo de Lisboa consultasse sobre isso
pessoas intelligentes, naÕ commetteria o erro em que
cahio, dando esta providencia tam incompleta.
O fim das baldeaçoens, e facilidades de reexportaçaõ,
he fomentar a industria, e o gyro do commercio ; mas isto
se deve fazer por tal maneira, que se naÕ desfalquem os
rendimentos da Coroa, provenientes dos direitos, que paga
o gênero para o consumo do paiz: he por isso que se mel-
tem guardas a bordo de taes navios, e que se exigem
termos & c . ; para com estas precauçoens impedir, que se
naõ consumam no paiz os gêneros, que tem sido aliviados
dos direitos, unicamente para serem reexportados.
Mas, consentindo o Governo que saissem pela porta da
alfândega os couros, que se devem reexportar por terra, se
expôs a que esses couros se consumam no paiz, sem pagar
direitos maiores, como éra devido que pagassem. Assim
conservou o Governo a impertinente distineçaõ das quatro
formas de despacho de couros, que n'outro N°. apontamos,
e naõ acautelou o extravio dos que se reexportam por
terra, continuando as desarrasoadas precauçoens nos quo
se reexportam por mar.
Se quizessemos imputar este erro a outras causas, alóm
da ignorância; poderíamos achar uma nos maiores emo-
lumentos, que tem o Administrador e seus officiaes, nos
couros que se reexportam por mar; éeta maior utilidudo
Commercio e Artes. 167

o faria mais vigilante, visto que na exportação por terra


naõ recebe os mesmos próes e precalços.
Tocamos ja, em outro N°. deste Periódico, o caso de um
navio Sueco, que chegando a Lisboa, com uma carga de
Couros do Rio-de-Janeiro, lhe negou a alfândega a des-
carga, dizendo, que este commercio entre o Brazil e P o r -
tugal se devia reputar navegação costeira», e portanto,
segundo a practica de todas as naçoens, só permittido aos
nacidnaes. Que se admittiria a descarga pagando direitos
dobrados; o que montava a uma prohibiçaõ.
Os agentes deste navio deram fianças aos direitos do-
brado», desembarcaram a carga, e requerêram ao Rio-de-
Janeiro, d'onde veio resolvido, que se cobrassem somente
osdireitos ordinairos, naõ obstante as. razoens allegadas
pela Juncta do Commercio de Lisboa. DeeisaÕ ésla, que
desgostou muito a Juncta, e outras authoridades de Lis-
boa ; pela manifesta sem razaõ da decisaõ da Corte.
Sobre isto devemos aqui repetir o principio, que temos
tantas vezes inculcado, a respeito das rellaçoens, que
tem os subditos para com o Governo. Cada um do povo> e
muito mais a Juncta do Commercio, e outras authorídadet,
tem o direito de fallar, de escrever, e de representar no
Governo, tudo quanto parecer útil ao publico, e digno de
admíttir-se na administração ; porém, quanto á practica,
naõ ha outra alternativa senaõ obedecer ; do contrario
tudo seria desordem e confusão.
Applícando isto ao caso presente ; he mui claro, que a
Corte do Rio-de-Janeiro naõ deve permittir que os estran-
geiros façam o commercio de costa a costa ou de uns para
outros portos Portuguezes; e todas as naçoens assim
obram; portanto a Juncta dos Commercio de Lisboa, e
toda a mais gente tem o direito de representar isto ao
Soberano, e instar, e requerer, para que assim se fa*a;
mas uma vez, que o Governo do Río-de-Janetro, despa-
168 Co-mniercio e Artes*
chou o navio Sueco para Lisboa; obrasse bem ou obrasse
mal, o navio devia ser admittido, pela regra geral, que o
dever dos subditos he obedecer.

RÚSSIA.

Ordem á Alfândega de S. Petersburgo, sobre os


conhecimentos de carga, e cartas de guia.

Ministério de Finanças, Repartição do Commercio Ex-


terior ; 6 de Dezembro de 1816.
Tendo a Repartição do Commercio Exterior achado,
que muitas alfândegas, por uma má intelligencia, naõ se-
guiam os regulamentos, que lhes saõ prescriptos pelos
jornaes do Conselho Imperial.^ de 5 de Março de 1813, no
que respeita os conhecimentos e cartas de guia; ordena á
Alfândega de >S. Petersburgo. com o consentimento do
Ministro das Finanças, o seguinte ; para que seja punc-
tualmente executado.
I o . Logo que se achar nas costas de um conhecimento
oud'uma carta de guia, uma especificação exactadas medi-
das, pezos ou números de cada qualidade de mercadorias,
e assignada pelo carregador, este conhecimento, ou carta
de guia, se declarará estar em regra ; igualmente se, por
falta de lugar, forem obrigados a acerescentar papel, que
seja assignado, da mesma forma que o conhecimento, pe-
lo carregador, será elle admittido como justo ; ao mesmo
tempo que aquelles, que naÕ forem assignados pelo carre-
gador naÕ seraõ reconhecidos.
2°. Se ao conhecimento, ou carta de guia se annexar
uma folha separada, assignada pelo mesmo carregador
das mercadorias, contendo a medida, pezo e numero, es-
pecificado, de cada mercadoria, contida no conhecimento
Commercio e Artes. 169
ou carta de guia, esta folha, que verdadeiramente se cha-
ma carregação ou factura, será recebida como justa. Se
porém, esta folha ou factura naõ for assignada pelo carre-
gador naõ será reconhecida.
3<J. A Alfândega de S. Petersburgo he obrigada a in-
formar disto os negociantes, para que estes o possam com-
municar a seus correspondentes nos paizes estrangeiros,
4 o . A Alfândega he responsável pela execução desta
ordem.
A Alfândega de S. Petersburgo he obrigada a participar
á Repartição o mez e dia em que esta ordem lhe foi entre-
gue.
(Assignado) O Director e Senador, D ' O B R E S C O F P .
O Secretario, ARNOLD.

VOL. XVIII. No, 10/í,


Preços Correntes dos principaes Productos ao Brazil.
LONDRES, 25 de Fevereiro, de 1817.
Quanti-
Gêneros. Qualidade. dade. Preço d e ; Direitos.
Redondo 118 lib. 50s. op *í«N. 0p
Assucar Batido 42s. 0): Op
Mascavado . 38s. Op Op ^.Livre de direitos
Arroz .Brazil nenhum. Oi.
op por exportação.
CafTe . .Rio 66s. Op. 72s. 0p,
Cacao .Pará . . . . 63B. Op 70s. Op.J
Cebo . .Rio d a Prata 57s. Op 58s. Op. 8a. 2p. por 1121b
P e r n a m b u c o libra li. llp. Ss.
Ceará.
Bahia . . . ls. 10». -s-lOÍ-
*1
oP-
i I^V.'*8».
5,
•*"*'í*'
0 0 7p.
Algodão •Maranhão ls. lOs. ls. 10£
•?.' y 1inn
I.
em
»-,
n
avio
Pará . , "J* APortuguez ou
' j Inglez.
Minas novas
Capitania
Annil .Rio 3s. Op. 6p. 4f p. por lb.
Ipecacuanha Brazil. 10a. Op. l i s . Op. Ss. &iV.
Salsa Parrilha Para 4». Oq. 4s. 6p. ls. 2|p.
Óleo de cupaiba . . . l s . 6p. ls. 9p. ls. l l | p ,
Tapioca . . . Brazil 9p llp. 4p.
Orrocu . . ls. 6p. Sp. direitos pagos pelo
comprador.
4p. 4íp. > Livre de direitos
Tabaco . ( T S ? 4p. 4íp. f P«r exportação.
t em folha Hp-
r. 7|p. T-
SfP* I *% por courj»
<<ÍP
Rio d a Prata pilha< '. 6ÍP ua navio Portu-
lc guez ou Inglez.
"Rio Grande . J B
LC
Pernambuco salgados 4s. Op. 6s 6p.
Rio Grande de cavalho 123 36s. Sp 40s. Op. 5s. 6§p. por 10(7.
1201." J direitos pagu»
Chifres.. . .Rio Grande Tonelada llãl.
71. 71. 10i f pelo comprador
Páo Brazil . .Pernambuco
Páo amarello. Brazil
Espécie
Ouro e m barra . . B. £3 18 6 ^
P e ç a s de 6 4 0 0 rei3 . j 3 18 6 f
Dobroens Hespanhoes , __ _ — v por onça.
Pezos dictos
P r a t a e m barra *..-.. 0 5 1 íJ
Câmbios.
Rio de Janeiro . 57J Hamburgo f*
Lisboa 57
s
Porto . 5᧠Gibraltar. ... ji
Paris 35 40 Gênova . . . . *"
Amsterdam. • • 12 1 Malta. . . . . . 46
Prêmios d e Seguros.
Brazil Hida 2 GuineDS Vinda 2 a 2 | Guineos.
l i s boa i • H
Porto u
H a •-
lf . . íi . n • • ••
Madeira 1* a 2 - . 1? a 14 • •
Açores -* 2 a 24 9 a 2} - •
Rio da Prata 4| a 5 4j a 5
Bengala 3i a 4 8f a 4
1T1

LITERATURA E SCIENCIAS.

NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.

C/OGANS' Ethical Questions, 8vo. preço lOs. Gd.


Questoens Étnicas; ou Especulaçoens sobre os principaes
objectos da Philolosophia Moral. Por T. Cogan, M. D.

Petligrevfs Memoirs qfLetsom, 3 vol. 8vo. preço 11


16*. Memórias da vida e eseríptos do falecido Dr. Let-
sora, cora uma selecta da sua correspondência, com os
principaes literatos em paizes estrangeiros. Por T . .1.
Pettigrew, F . L. S . , e Cirurgião extraordinário dos Du-
ques de Kent e Sassex.
Os dous primeiros volumes consistem de uma Memória
do Dr. Letsom, e uma selecta de sua correspondência ge-
ral, com Linneo, Lord Lansdown, Sir M. Martin, Bart.
Rcv. Drs. Madíson, Lathrop, &c. Drs. Ash, Bisset,
Cuining, Currie, Darwin, Falconer, Fothergill. Benj.
Franklin, Percival, Rush, Waterhouse, Zimmerman, &c.
uma memória do falecido Mr. Neild escripta por elle
mesmo.
O terceiro volume, he composto de papeis Médicos
originaes, casos, e correspondência com o Baraõ Haller,
Drs. Cullen, Rush, Strave, &c. &c.

Spurzeim on the Brain, 8vo. proço 2s. Exame da


objecçoens, que se tem feito em Inglaterra, contra as dou-
trinas de Gall e Spurzeim M. D.Por I. G. Spurzeim M.D.
Y 2.
172 Literatura e sciencias.
Plees'Account of Jersey, 4to. ou 8vo. preço 1/. 15*.
ou 11. ls. Descripçaõ da ilha de Jersey, contendo um
resumo de sua historia ecclesiastica civil e militar ; expo-
sição de sua politica, leys, privelegios, commercio, popu-
lação e productos; com um exame dos edifícios públicos,
antigüidades e Historia Natural; junctamente com algu-
mas miudezas relativas ás maneiras e custumes dos habi-
tantes. Por W . Plees, que por muitos annos residio em
Jersey.

Yates' Letter to Duke of Kent; 8vo. preço bs. Carta


sobre a penúria do paiz, dirigida a S. A. R. o Duque de
Kent, em conseqüência da sua moçaõ relativa " á revo-
lução do commercio e repentina transição de um systema
de extensa guerra para o estado de paz"-em que se exa-
mina a supposta influencia da nossa divida e tributos nas
nossas fabricas e commercio estrangeiro. Por Joaõ Ash-
ton Yates,

Nicholsons' Short Hand, 12mo. preço 4s. A esteno-


graphia, ou novo systema de escrever abreviado; exhi-
bido em uma só pagina, illustrado com onze estampas.—
P o r George Nicholson.
E m ponto de ser legível, na simplicidade e brevidade,
este systema parece levar vantagem a seus predecessores.
O Author tem demonstrado isto ; provando que este me-
thodo requer menor numero de traços do que nenhum
dos antigos modos; e elucida a practica em onze estam-
pas bem abertas.
Literatura e Sciencias. 173

Economia Politica de Simon de.


C A P I T U L O vi.
Do Capital Immaterial; ou das Obrigações ou Títu-
los de Empréstimos, ou Dividas.*
Quando eu, no capitulo precedente, disse que o dinheiro
metálico naõ dava rendimento aos seos proprietários,
e que fazia uma parte absolutamente estéril de riqueza
nacional, he provável que muitos dos nossos leitores con-
traposessem que, posto que os dinheiros de ouro ou prata
guardados em cofres naõ se augmentem nem multipli-
quem, comtudo como p reduzem um rendimento, quando
se daõ a juros &c. naÕ se lhes pode dar o epitheto de es-
téreis. Mas devem notar que os proprietários do dinheiro
saõ os seos detensores; para os quaes nunca elle cresce
nem multiplica. O que o empresta troca a sua propri-
edade por um titulo ou obrigação de divida, ou uma por-
ção do capital immaterial, que he o mesmo.
Ora este de que agora nos vamos occupar naõ he estéril»
dá um bom redimento ; porém este rendimento, como ja
dissemos em outra parte, naõ he senaõ' o direito de partici-
pação no rendimento do capital material.
A existência do capital immaterial tem contribuído pro-
vavelmente mais que cousa outra alguma para confundir
as ideas sobre a natureza dos capitães, que constituem a
riqueza movei. Via-se que havia uma classe de pessoas
ricas chamadas particularmente capitalistas, cuja riqueza

*Pareceo-rae qoe devia dar o nome de capital immaterial á parte da rique-


*» nacional, que possuem certoscapitalisias, cuja riqueza existe dentro da sua
carteira. O dinheiro amoedado com que elles transferem a sua propriedade,
he o qne a significa ou representa ; e as obrigações ou titulos de credito que
guaidam em seo poder, saõ as suas seguranças, ou pinhores: porem a sua pro-
priedade, em si mesma, he immaterial; ou para melhor dizer, naõ ~he se-
naõ nm direito de participação em riqueza mais solida, de que outros saõ os
deleosores.
*•'& Literatura e Sciencias.

naõ consistia c m b e n s d e raiz, n e m em moveis, nem em


mercadorias n e m e m g ê n e r o a l g u m próprio para consumo;
e q u e esta riqueza e r a m e s m o absolutamente invisível e
immaterial, u m a vez q u e se naõ quizesse considerar como
t a l os titulos por meio dos quaes elles a disfrutam, ou os
papeis guardados nas suas carteiras.
Q u a n d o tractamos d a riqueza movei e circulante, vimos
por q u e motivo e com q u e condições os seos proprietários,
q u e n a õ q u e r e m sujeitar-se ao trabalho de a fazer girar,
a e m p r e s t a m a pessoas mais activas, que lhes pagam um
t a n t o d e interesse. A g o r a vamos considerar esta classe
d e capitalistas debaixo d e outro aspecto, para a dividirmos
e m d u a s ordens, cujos interesses saõ absolutamente distinc-
tos ; refutar os systemas perniciosos, que se tem originado
d a obscuridade e m q u e a n d a envolvida; explicar a nature-
z a d a proporção q u e necessariamente se estabelece, de u-
m a banda e n t r e o p a p e l - m o e d a e porçaõ de numerário re-
quisita p a r a a circulação; e d a outra, entre as obrigações ou
titulos d e créditos e a riqueza material de uma naçaõ; e
finalmente, p a r a calcularmos o effeito, que causaria sobre
a prosperidade nacional a anihilaçaõ d e uma parte conside-
r á v e l do capital i m m a t e r i a l , occasionada pela bancarota do
Governo.
H e fácil d e comprehender q u e toda a riqueza, dentro de
u m a carteira, podesse considerar-se como sendo da mesma
n a t u r e z a , e q u e parecesse naõ t e r de material senaõ os
papeis, q u e s e r v e m d e titulo p a r a a reclamar. He toda-
via m u i importante distinguir duas classes de papeis que
podem constituir a propriedade d e u m capitalista.
U n s , como os assignados, as apólices da caixa do desconto,
a s do Banco d e I n g l a t e r r a , e e m geral, todas aquellas que
s e comprehendem debaixo do nome de papel-moeda, sao
pagaveis á vontade, e m n u m e r á r i o , por aquelle que as
houver emittido, ou receblveis e m pagamento de compra»
Literatura e Sciencias. 175
em vez de dinheiro, por todos aquelles que dependerem
do Estado; e como naõ vencem juro, cada um que as tem
tracta logo de se desfazer dellas, ao menos com tanta pres-
teza como o faria em empregar o numerário, que tivesse
devoluto no seo cofre. OB outros papeis, como titulos de
hypotheeas, escriptos do deposito, contas correntes de ne-
gociantes, e mesmo letras de cambio, ainda que possam
ser negociadas voluntariamente de uma e outra parte, naõ
saõ para se darem em pagamento, e por isso quasi sempre
os proprietários as conservam em seo poder até embolça-
rem o seo importe. A possessão de taes papeis sempre
he proveitosa, porque vencem interesse, ou daõ jus a ura
dividendo; e mesmo quando este interesse parece naõ
existir, como nas letras de cambio, o portador dellas sem-
pre adquire a sua propriedade mediante um beneficio,
proporcionado à demora a que se elle deve sujeitar, e que
te conhece pelo nome de desconto. Estas duas classes
de titulos, ou de escriptos saõ de uma natureza absoluta-
mente distincta. Os primeiros fazem parte do valor total
de numerário, e de que representam uma fracçaõ ; e os
segundos, pelo contrario, representam uma fracçaõ do
valor da riqueza movei do qual fazem parte. He prin-
cipalmente pelos haverem confundido, que se tem levan-
tado vários systemas falsos, contradictorios, ou perigosos,
sobre a natureza desta riqueza immaterial, que fazia con-
fundir todos os especuladores.
Como ella passa de maõs a maõs por meio de dinheiro
de metal; he creada pela cessaõ, ou venda de dinheiro
que o dono delle faz a outrem; os seos fructos (os juros
ou interesses) saõ pagos em dinheiro; e todas as vezes
que se falia delia a designam sempre como uma somma
de dinheiro actualmente existente; os primeiros, que es-
creveram sobre a economia politica, julgaram que os capi-
talistas eram de facto os proprietários do numerário, me»-
176 Literatura e Sciencias.
mo depois de se terem desfeito delle. Este modo de
considerar os créditos, ou por outras palavras, as obriga-
ções, escripturas de empréstimos &c. forma até hoje a
opinião popular, e mesmo a da maior parle dos negocian-
tes, que difficultosamente podem separar duas ideas, que
tudo tende a confudir; que saõ a do dinheiro, e a do
capital.
Se naõ houver em uma naçaõ outro capital immaterial
•enaõ o que resultar de hypothecas sobre o dinheiro, será
absolutamente necessário concluir, que a somma de ca-
pital immaterial, que produzir rendimento, deverá ser igual
& somma de dinheiro, que girar na mesma naçaõ. Ora
naõ tem duvida que os credores do Estado, naõ menos que
os dos particulares, devem ser contados entre os proprie-
tários do capital immaterial. O numerário da Gram Bre-
tanha avalia-se de 18 a 25 milhões esterlinos; e a sua
divida, que monta hoje a 538 milhões esterlinos, excede,
pelo menos, vinte vezes o valor do seo numerário: hepor
tanto superior ao valor do que circula em toda a Europa:
e como os credores de particulares, seja com hypotheca,
ou por simples escriptura, formam provavelmente uma
massa superior & dos credores do Estado, naõ se pode
duvidar que os proprietários Inglezes de capital immate-
rial possuam créditos mui superiores ao valor de todo o
numerário que circula no universo. Que seria po» «e
os credores, naõ só de Inglaterra, mas de toda a Europa,
ou de todo o mundo, pedissem ao mesmo tempo o reem-
bolço do seus créditos em dinheiro de metal? Todo o
metal que existe nas entranhas da terra naÕ bastaria para
os satisfazer. Este capital, toda via, he um valor real,
ainda que invisivel; pois cada uma de suas partes se pode
converter em dinheiro se se quizer, e cada uma dellas
emprestada a um fabricante basta para por em actividade
Literatura e Sciencias* 177

a sua manufactura. Mas he preciso que este valor nao


seja metálico, e que a sua hypotheca naÕ seja numerário.
Parece-me que deve ser grato achar uma prova evi-
dente, e sujeita ao calculo, da falsidade deste systema,
que, posto seja o mais natural de todos, e 0 que a gente
mais se inclina a abraçar antes de reflectir, quanto mais
se medita nelle mais obscuro se nos representa, e parece
escapar áo raciocínio pelos veos com que anda encoberto.
0 dinheiro, que o capitalista entregouera propriedade sua,
mas fica-a por ventura ainda sendo porque o recebedor
lhoficaa dever? Se este o alienar, poder-se-ha ir atras
delle t Como pode ser que o dinheiro tenha dous donos,
o que o possuir, e que talvez naõ deve nada, e aquelle a
quem elle se estiver devendo 1 Taes saÕ, entre muitas
outras, as questões que se apresentam, e a que se naõ sabe
o que se ha de responder.
Outra seita de fazedores de hypotheses, avizada jà sem
duvida da desproporção que ha entre o dinheiro devido e
o dinheiro existente, imaginou que o valor dos créditos
era matéria de opinião; que o credito creava capitães que
nao existiam, e que uma naçaÕ naõ podia fazer delle m e -
lhor uso do que enriquecer-se com papel.
Os primeiros especuladores haviam contribuído muito
para a invenção e sustentação do systema mercantil, de
que ainda hoje sentimos os effeitos; os segundos foram os
inventores do dinheiro de papel, de que ainda ha pouco
nos vemos salvos, depois de nos haver dissipado quasi toda
a nossa fazenda; porque tal he a má fortuna da França,
que de qualquer systema de finança, sempre aproveita o
que tem de mais ruinoso. Aos economistas deve-se o
imposto foncier, que esmagou os agricultores; aos mer-
cantis devem-se as alfândegas, que entreváram o com-
mercio, e empobreceram os consumidores ; dos discípulos
de Law se tirou a invenção com que de duas avançadas se
VOL. XV11I. No. 105. z
178 Literatura e Sciencias.

dissipou a fortuna publica, e a dos capitalistas, creando os


bilhetes de banco, e depois os assignados. O ceo nos
defenda dos proselytos de Mr. Canard, de uma banda, e
Ramel, da outra; ou senaõ, corremos risco de lhes ver
em pouco tempo restabelecer a gabella do sal, e dar um
golpe funesto na nossa industria, fazendo desse modo
augmentar os salários.
Sempre he no mesmo systema de um credito creador,
que se tem visto gente asseverar, que a divida publica
enriquecia um Estado; pois de uma parte, o que re-
cebia salário do Governo vivia do dinheiro emprestado;
v, da outra, o que o tinha emprestado ficava taõ rico como
dantes. E m seguimento deste systema he que se tem
visto companhias particulares, por exemplo, a de Ayr-
Bank de Edimburgo, emprehenderem emprestar bilhetes
de banco a todos os que quizessem fazer emprezas de
commerGÍo, de manufacturas, e mesmo de agricultura.
O máo exíto de todas as applicaçoês deste systema de-
monstra sufficientemente a sua falsidade, e dá bem a co-
nhecer que nos créditos, ou capital immaterial ha alguma
cousa de positivo e de real, a que a imaginação naõ pode
supprir.
Mr. Canard parece haver adoptado uma nova theoria
differente das duas precedentes; e inclino-me a crer que
confundio, como os seos predecessores, os créditos com
o papel-moeda* ; e que considerou o todo, naÕ como a

* Mr. Blanc de Vobt confunde da mesma sorte os oreditos com o papel-


moeda, no exame da questão que se propõe, se mais convém a um Governo
ser devedor, ou credor. Pezaas vantagens, e os inconvenientes da creaçaõ
de um signal de cambio fictício, que cré ser o resultado de um empréstimo1,
quando, de facto, um empréstimo naõ cria signal ficticio, e este naõ he pro-
duzido senaõ por uma emissão de papel-moeda. Se tivesse feito esta díj-
tinci-aõ teria chegado mai» de pressa, e mais seguramente, á conclusão taí
Literatura e Sciencias, 179

representação, mas, ao contrario, o supplemento do nu-


merário. He sem duvida sobre esta opinião que elle se
fundou para avaliar, como faz, a somma total do papel de
credito e do dinheiro de metal que circulam, em uma
somma igual á massa total da riqueza do mundo commer»
ciatite.
Talvez lhe tenha parecido que os créditos, que se de-
moram muitos tempos nas mesmas maõs faziam uma
compensação pela parte da riqueza material, cujas trocas
via serem pouco freqüentes. Naõ he que elle tenha enun-
ciado expressamente esta opinião; mas como, combatendo
a sua engenhosa supposiçaõ de duas circulações em sen-
tido inverso, nos propozemos fazer ver que o papel-moeda
juncto ao numerário era muito inferior quanto ao valor,
e mui superior quanto â actividade, á riqueza movei que
elle cruzava na sua circulação, porder-se-hia crer que,
unindo ao numerário e ao papel-moeda toda a massa do
capital immaterial ou dos créditos, o equilíbrio que elle
anuunciava seria restabelecido.
Para refutar esta nova supposiçaõ basta observar, que
os créditos naõ giram no mesmo sentido que o numerário,
ou o papel-moeda, mas que cruzam constantemente estes
últimos na sua circulação. E na verdade criam-se, e
passam-se, vendem-se, e compram-se, sempre em troco
de dinheiro de metal ou de papel, exactamente como toda
outra mercadoria. Portanto, os< créditos naõ giram com
o dinheiro de papel em um dos systemas de circulação,
ou nas veas do corpo politico. Quando se trocam umas
por outras, e por capital material, semelhantes trocas, fi-

naiural a qoe elle finalmente chega, que convém mais ao Governo ser credor,
V '«wAr. Sempre o amor dos paradoxos deve ter muito poder, para
{.mor coniwtar unia proposição. Veja-se o Estado doCommerc. da Fraçc
CHI. Sccç.IIeIII.
Z 2
180 Literatnra e Sciencias.,
lhas de conveniência reciproca, saõ exactamente da mesma
natureza das trocas de mercadorias, ou de immoveis, que
algumas vezes se praticam; c portanto naÕ retardam
tanto a circulação do numerário em fazerem as suas ve-
pes, como este capital a accelera mettendo no commercio
novos valores para gyro.
Tornemos portanto á nossa distineçaõ entre o papel-
moeda e o capital immaterial*. O papel-moeda, que
comprehende os bilhetes de banco, cuja circulação he livre,
da mesma sorte que aquelles cuja circulação he forçada,
perde-se tanto em o ter guardado como se fosse dinheiro
de metal; porque guardado he um capital estéril, que
poderia render emprestando-o, ou empregando-o no com-
mercio. Por isso he que, os que tem bilhetes em seo
poder, apressam-se o mais que podem a fazellos girar, sob
pena de perderem os juros do seo capital. Estes papeis
passam por tanto de maõs em maõs, para facilitarem as
trocas, em sentido contrario, seja da mercadoria, ou do
verdadeiro capital immaterial.
Naõ ha razaõ para que o movimento do papel-moeda
seja mais lento que o do dinheiro de metal; e delle devem
resultar os mesmos effeitos que da introducçaõ de uma
nova quantidade de moedas metálicas. Por haver mais
papel nem por isso o antigo numerário terá mais valor
do que tinha antes da emissão daquelle; pois os dousdi-
nheiros entre ambos saÕ iguaes á alíquota desconhecida da
riqueza movei, que, segundo a velocidade dada, basta

* Naõ he para admirar que se tenha confundido estas duas espécies de


titulos, depois de se terem visto papeis-moedas participando da natureza de
um e de outro, serem recebidos no commercio como numerário, e ao mesmo
tempo vencerem juro como créditos. Esta confusão de facto naõ ti» que
haja uma djffereB<-a essencial na natureza e nos effeitos deltas duas espetiei
de bilhetes
Literatura e Sciencias. 181

para a representar toda. Por conseqüência vem a ser de


necessidade absoluta exportar as moedas de ouro e prata,
visto as de papel naõ terem valor fora do Estado aonde saõ
creadas. Se se continuar a multiplicar o papel, depois
do numerário ter sabido, será forçoso que abata em valor,
e quando tiver commeçado a abaixar, conservar-se-ha
antes abaixo do que a cima do valor, que na realidade
tiver, e for igual á alíquota desconhecida do valor da ri-
queza movei, que bastar para a sua circulação. Quando
f e vê um Governo levar a ignorância ou a demoralizaçaõ
a pôr em circulação 45:581:411.618 francos em assignados,
em um paiz que naõ podia supportar uma circulação de
mais de mil milhoens, já naõ pode admirar ver descer estes
assignados 7s. 9d. por 100 francos.
Os créditos, que vencem juro, tanto por obrigação,
como por simples bilhete sobre o thesouro publico, com-
panhias de commercio, ou particulares, saõ de natureza
inteiramente differente do papel-moeda: tanto empenho
se tem em guardar estas, como em se desfazer daquellas;
ainda que algumas vezes se troquem umas por outras, ou
por mercadorias, naõ formam todavia parte da circulação;
e por isso retardam menos o numerário em fazer as suas
vezes, do que acceleram a sua marcha multiplicando os
valores que devem girar.

(Continuar-se-ha.)
1S$

MISCELLANEA.

Memeria dos Exteriores e pleno uso da Soberania, que M


arrogou o Governo de Lisboa. $c.

(Continuada de p. 68.)

9. Algumas vezes ellas eram çommunicadas em transumpto pw


Avizos do Secretario do Governo, como no Exemplo seguinte.
S. M. por Carta Sua de 30 de Dezembro do anno passado
mandou, que quando se tracta do Despacho dosOíücjaes
dessa Relação, se peça sempre a V.S. informação do seu pro-
cedimento por carta sua na forma do estillo, de que avizo
á V S. para que o saiba, e ao Dezembargo do Paço se teu
avizado também disto, para que tenham Ia noticia denta
Ordem de S. M. e se proceda conforme á ella. Nosso
Senhor Guarde á V.S. como dezejo. De Coza 1Q do
Janeiro de 1612.—Em Carta de 30 de Dezembro de
1611 Coll. 2. a Ord, Liv. 1. tit. 1. N<>. 35.
E semelhante exemplo se encontra na Coll. 2. á Ord. Liv. 1
tit. 7. N°. 2. E somente eram os Soberanos os que expediam as
Cartas de Ley, os Alvarás, e as Cartas Regias, tendo nós exem-
plos das primeiras na Coll. 1. á ord. Liv. 1 tit. 5. N». 2. e 3. e tit
24 N°. 1. e tit.29.N°. 1. das<-2'"-. na Coll. 1. á Ord: Liv. !• tit.
6. N°. 2. tit 7.. N°. 1. tit. 10. N°. 1, 2, 3, e. 4, e das terceiras na
Coll. 1. á Ord Liv. 1. tit 1. N, 4, e Coll. 2. ao Liv. 1. tit. 1,
No. 5. 6. 13. e 27.
10- Desta sorte se obrava sempre francamente, e sem quo o
Governo do Reyno envolvesse os seus Despachos com sombras,
que escondiísst-m aos Portuguezos, se elles eram resoluçoens iw*
mrJhtasdo seu Soberano, se dutermimrçocus dos Governadora.
Miscellanea. 183
Saba-se o que vinha de uma, e de outra fonte, é isto importava
muito; porque, se somente tocava ao Soberano dispensar nas suas
Leys, interpretallas, revogallas, ou mudadas, naõ cabendo nada
disto aos Governadores do Reyno, como se declara na Lev trans-
cripta no N°. 8, que ainda hoje he uma Ley Portugueza, á que
lambemos actuaes Governadores estavam ligados, éra conveniente
o uso das formulas referidas, para que o Governo, contra o dis-
posto na mesma Ley, naõ podesse alterar toda a Legislação, sem
que aos Vassallos fosse livre queixar-se ao Soberano por se lhe
esconder, se era o Governo quem obrava, ou se somente executava
ta Ordens da Corte. A escrupolosa observância pois das dietas
formulas, ao mesmo tempo que servia para manter os Direitos da
Soberania, sem que elles lhe fossem usurpados era um obstáculo
contra o uso do poder arbitrário da p*-.t•%„ do.«- Governadores, e
üm escudo, que defendia a liberdade Civil dos Portuguezes.
11. O Governo Portuguez, porem, naõ tardou muito em se
desviar da pratica, comq ue havia começado, e que referimos no
No. 5°. Ma» algum tempo de exercicio na Secretaria fez lembrar
ao Desembargador Secretario, que a consideração de Secretario
de Estado, que elle se queria attribuir, em lugar da de Secretario
do Govemo, que tinha, naõ se ajustava bem com aquellas for-
mulas, e que lhe convinha fazer tudo, quanto faziam os Secretários
d Estado para se dar este caracter, que cobiçava, e para se
mascarar com elle fez com que o Govemo, a quem servia, figurasse
de Soberano.
12 Com este fim conduzio o Governo, para que publicasse um
Alvará datado do dia 7 de Outubro, em que somente se excitava a
•bservancia de outro Alvará de 20 de Outubro de 1785, (Gaz,
de Lisboa de 14Outubro, de 1808. 1. Supp.) eomo se para isto
'eme necessário uma nova Ley, com todos os seus exteriores,
« apparato. Élle he feito em nome do Principe Regente Noss*
Senhor, começando pela formula— Eu o Pcincipe Regente Fuço
*-~-r , e assignando tres dos Governadores do Reyno. E subse-
qüentemente, em 17 do mesmo mez, apparecêo outro Alvará, para
twogar em porte, o que sa havia publicado 10 dias antes, mos-
181 Miscellanea,
trande-se desta sorte a pouca consideração, que houve, quando te
fezopremeiro (Gaz.de Lisboa de 21 de Outubro, de 1808. 1».
supp.)
13. A antiga formula dos Avizos e Decretos em nome do
Governadores, continuou a seguir-se ate ao dia 22 de Outubro, do
dicto anno, podendo servir de prova o Decretode 8, os outros dous
de 14 do dito mez, que vem nas Gazetas de Lisboa do dia 14,1°,
SuppL, e do dia 18, 2o Suppl. N. 40. No dicto dia 22 de Outubro,
começou-se a dar o exterior da Soberania a todos os Diplomas, que
«siam do Governo Portugez. Os Decretos faziam se como se nelle»
faltasse S ,Á.R. e servira de exemplo o do dicto dia 22, que vem na
Gazeta de Lisboa de 25 de Outubro, N. 42
Attendendo a que muitos Officiaes do meu Exercito. Sou
Servido Ordenar.—em virtude de Patentesfirmadasde
Meu Real Punho.
E podem ver-se outros similhantes na Gazeta de Lisboa de II
de Nov. 2°. Suppl. e de 25 de Nov. Io. Suppl.
14. Fizerao-se Cartas Regias com a mesma formalidade,
com que os Senhores Reys destes Reynos as costumam expedir,
podendo ser exemplo a de 2. de Janeiro, de 1809, publicada na
Minerva Lusitana No. 76.
Manoel Paes de Aragaõ Trigoso do meo Conselho. Amigo.
Eu o Principe Regente, vos envio muito saudar.
E assignavam os Governadores; e de outras se dá noticia na Ga->
zeta de Lisboa de 24, de Fevereiro, de 1809, Suppl. Extr, e de
1« de Março do mesmo anno, Suppl. extraordinário, as quaes foram
dirgidasá Francisco da Sylveira Pinto da Fonseca, e ao Dezem-
bargador Joze Antonio de Oliveira Leite. Os Avizos erámfeitoa em
nome de S. A. R. ,como o de 6 Maio de 1809, para Manoel Paes
de Aragaõ Trigoso, quo vem na Minerva Lusitana, No. 105,
cetseçando pela formula.
O Principe Regente Nosso Senhor manda remetterá V. S.
E ha outros similhantes na Minerva Lusitana No. 149. E oen-
tbuou-se a publicar Alvarás,como os de que tractamos no N°. 12?
podendo servir de prova os dous de I2.e de 15 de Dezembro de
1809, que «acham no Corr. Braz N 6 .20, pag 13 & 1&
Miscellanea. 186
15. Consequentemente o Governo de Lisboa, quanto tio poder
Legislativo, bavia-se appropriado todos os Exteriores da Soberania
e só lhe havia faltado o perfeito conhecimento das formulas, que
eram próprias de cada um dos Artigos de Legislação, de que elle
tinha determinado fazer uso. Rezultou desta ignorância, Io.
publicar Alvarás assignadjs com as Rubricas dos Governadores,
c«mo foi ode 7 de Junhode 1809, (Corr. Braz. N°. 14, pag 13.)
e 2o. publicar Decretos, que acabavam pela forma de Cartas, e
Alvarás sendo dirigidos a diversas Authoridades, como foram os
3 de 20 de Março de 1809; (Corr. Braz. N ° . 11, pag 293).
Nem os Alvarás se costumam assignar com Rubrica; nem pode
convir á natureza dos nossos Decretos a maneira geral porque ter-
minavamalguns dos que se metteo a fazer o dicto Governo. Pode
ver-se o Discurso Preliminar da nossa. Compilação Systè-
tnatica das Leys Extravagantes de Portugal, aonde se tracta
dos Alvarás, e dos Decretos, e das formulas, que lhes saõ pró-
prios.
16. E appropriando-se o dicto Governo do Poder Legislativo,
fez Leys novas, ampliou, declarou, e revogou as anteriores, como
bem lhe pareceo, julgando-se inteiramente izento de todo o res-
peito, e consideração pelo Direito do Reyno, assim do comprehen-
dido nas Ordenaçoens, como do estabelecido pelas Extravagantes
posteriores. No nosso Parallelo do Governo Portuguez subse-
quente dt Revoluçoens de 1640 e de 1808, damos tantos exemplos
desta sua pratica, que he desnecessário tornallos a repetir aqui.
Bastava um Avizo de qualquer dos dous Secretários, para revo-
gar as mais respeitáveis Leys Portuguezas. E naõ podemos deixar
de trazer á memória, que fomos gravemente censurados pelo De-
embargador Procurador da Coroa Joaõ AnLtonio Salter de Men-
donça, quando publicando o Discurso Preliminar, de que foliamos
no § antecedente, nelle contamos os Avizos dos Secretários de Es-
tado entre as Leyg deste Reyno : elle chamava á isto uma doutrina
nduladora dos Ministros do Gabinete, e que arriscava todo o Direito
Portuguez á uma total subversão. Esqueceram-lhe porém toda»
as suas reílexoens, quando se julgou com o caracter de Secrctari
Vo*. XVIII. No. 105. A A
186 Miscellanea.
d'Estado; e nós que naõ mudamos ainda de opinião sobre o que
entaõ escrevemos, e demonstramos, nem nesse tempo, nem hoje,
nem nunca, aUribuiriamos a consideração de Ley aos Avizos dos
Secretários de um Governo subalterno, que estavam muitos cen-
tos de legoas distantes do Soberano, para poderem receber delle
immediatamente as suas ordens, e que nunca tinham sido authori.
zados, para serem acreditados, como orgaõs da sua Real vontade
das suas Determinaçoens.
17 A iIlegalidade, com que se procedeo em tudo isto naõ
podia esconder-se, nem mesmo aos empregados no dicto Governo,
que eram destituídos de conhecimentos jurídicos ; e muito menos,
ao Desembargador Secretario, que era um Magistrado, e que ex-
ercia o Officio de Procurador da Coroa, ea quem incumbia por isso
defender os Direitos Majestataticos,para que naõ fossem usurpados
á S. A. R., sendo entre elles o primeiro a faculdade de legislar. 0
Príncipe Regente Nosso Senhor tinha dado ao Governo a sua Con-
stituição, no Decreto de 26 de Novembro de 1807, e nas Instruc-
çoens, que o accompanháram. Eis-aqui a sua Ley fundamental,
em a qual naõ só senaõ concede o Poder Legislativo, mas se ordena
expressamente, que se governe segundo as Leys. Quando pois
nestes termos o Governo fazia Leys novas, e desfazia as dos Se-
nhoresReys de Portugal, obrava taõ inconseqüentemente, como
obrava aquelle, que instituísse em Juizo uma petição de herança,
fundada em um testamento, em que naõ era instituído herdeiro,
como já notamos no No. 1 0 .
1S. Faz-se porém mais estranhavel ainda esta usurpaçaõ, á
vista da Carta Regia, que acima transcrevemos no N 0 . 8o Sao
estes Governadores differentes daquelles, a que ella se dirigio, e
de que ella fallava? Ou estava derrogada aquella Ley, que por
authoridade, e mandado do Senhor D. Joaõ 6 o - se colligio entre
as deste Reyno? Ou tocava ao Dezembargador Procorador da Co-
roa ignorar.o que nella se tinha determinado taõcoherentemenre aos
principios de Direito Publico Universal ? Dezejavamos perguntar-
lhe se S. A. R. conservaria também o Poder Legislativo em Por-
tugal : e devendo-se esperar, que o dicto Magistrado se naõ atre-
Miscellanea. 187
yesse - negar-lho, queríamos que nos explicasse essa sua theoria
de Direito Publico, que attribuia o Poder Legislativo de Portugal
ao mesmo tempo, e integralmente a duas differentes pessoas, a sa-
ber á S. A. R., que estava no Brazil, e ao Governo, que existia em
Lisboa.
19. Aos que estudam Direito na Universidade de Coimbra
ensina-se-lhes logo nos primeiros annos, que a Soberania, ou
Magestade he uma, e indivisível, e que o seu primeiro attributo he
o Poder Legislativo : (Mart. Posit. de Iur. Civ. § 51. 55, e 69 ;)
como pois seria possivel conceber no mesmo Estado duas Magesta-
des, ou Poderes Legislativos? Bohemero (Jus. Plu. Univ. Pars
spec. Lib. 2. Cap. 3. § 8). tinha escriptono mesmo sentido, quando
tamtn ob necessitatem publicam legesferenda sunt.fus illas fe-
rendi, penes summum, Imperi-m unice residet, et quidem radi-
caliter, Eainda que este Magistrado nao tivesse lido Escriptores
de Direito Publico, mesmo nos Livros por que de via ter estudado
no seu tempo estava o § 6o. Instit. de Iur. Nat. et Gent. e Civ.-
quodPrincipi placu.it legis habet vigorem cum lege regia populvs
ei et in eum suum imperium, et potestatem concedat-, E bastava
este texto das Velhas Instituiçoens de Justiniano, para que o
dicto Desembargador tivesse obrigação de saber, que nas Monar-
chias absolutas, come he a Portugueza, pertence o Poder Legisla-
tivo privativamente aos Soberanos.
20. Tinha Portugal pois dous Poderes Legislativos ao mesmo
tempo, um na America, e outro na Europa, e para que naõ des-
tinguisse nunca de qual delles he que vinha a determinação que
se publicava, tomou o Governo de Lisboa a seguinte medida.
Conservava em segredo as ordens que recebia do Rio-de-Janeiro,
communicando o seu contheudo ás Repartiçoens por Avizos, que
diziam-S, A. R. he servido mandar .*- por esta mesma formula
expedia as resoluçoens, que emanavam originariatnente do Gover-
no: e ninguém sabia se aquella S. A. R., que mandava nos dic-
tos Avizos, era a que tinha a sua Corte no Rio-de-Janeiro, se a
outra, que Se havia entronizado em Lisboa. Todos os Tri-
bunaesdo Reyno, que expedem Provizoens, já em conseqüência,
AA 2
188 Miscellanea.
de Determinaçoens Regias, já em virtude de Despachos seus, fa.
zem notar no reverso a fonte de que dimana cada um dos seus
Diplomas, porque como obram de boa fé, e sem alguma intenção
sinistra, caminham francamente; dizendo o que elles mandam de
sua authoridade, e o que determinam em execução de immediatas
Resoluçoens do Soberano, sem tractarem de confundir estas couzas
envolvendo-as em trevas.
21. E nem isto he indifferente para quem naõ quer abusar. 0
Soberano ha de poder sempre algua cousa mais doque os Tribunaes
e Vassallos, â que elle tem incumbido alguma parte da sua au-
thoridade. Estes haõ de poder somente o que se ihes conceder nos
seus Regimentos, e tudo quanto fizerem além disto será illegal, e
nullo. Como pois se conheceria se o Diploma emanava, ou naõ
de quem devia emanar? Isto importava saber á todos: aos Juizes,
e ás Partes. Aos primeiros, porque lhes tocava administrar Justi-
ça, e quando se lhes apresentava uma Provizaõ, derrogando uma
Ley, elles naõ podiam decidir-se ignorando a fonte donde ella ema-
va. Sendo expedida em conseqüência de uma Resolução immediata
do Soberano, ninguém lhe negaria a authoridade de derrogar a
Ley, assim como ninguém lha concederia sendo passada pelo ex-
pediente do Tribunal. As Partes igualmente necessitavam de
conhecer sua origem, para fazer a esse respeito convenientemente
os requerimentos, que julgassem ser do seu interesse. Eis aqui
a justa razaõ, que introduzia aquelle estylo em todos os
Tribunaes.
22. O Governo de Lisboa naõ podia ter outra consideração
que naõ fosse a de um Tribunal para governar os Reynos de Por-
tugal, e dos Algarves, segundo o Regimento, que se lhe deo no
Decreto, e Instruçoens referidas no N°. 17. E porque motivo
se desviaria elle da pratica referida no No. 20? Para attribuir a
tudo, o que elle mandava a mesma Authoridade, queteriamas
Resoluçoens immediatas d e S . A. R., uma vez que expedia os
seus mandados igualmente, que os vindos da Corte do Brazil, com
a formula-S. A. R. he servido mandar-; e os inconvenientes, que
lembramos no N° antecedente, appareceram com effeito algumas
Miscellanea. 189
vezes, e bastaria lembrar um exemplo. As Appellaçoes e Ag-
gravos tirados das Justiças das Ilhas dos Açores, vinham para a
Caza da Supplicaçaõ, em quanto a Corte estava em Lisboa.
(Conti nuar-se-ha.)

INGLATERRA.

Relatório do Committé de segredo, na Casa dos Com-


muns, a quem se referiram os papeis, que foram apre-
sentados, sellados, pelo Lord Visconde Castlereagh, aos
4 de Fevereiro; por ordem de S. A. R. o Principe Re-
gente ; tendo o Committé ordem da Casa para examinar
o seu covtheudo, e informar com o seu parecer. Os
votos do Committé sobre o Relatório foram unanimes.
Parece ao vosso Committé, depois da mais attenta con-
sideração dos differentes documentos que lhe fôram refe-
ridos, que se tem feito tentativas em varias partes do paiz,
assim como na Metrópole, para tirar partido da penúria,
em que presentemente se acham involvidas as classes tra-
balhadoras e fabricantes do povo, a fim de as induzir a
esperar um alivio immedíato, naõ de uma reforma no P a r -
lamento, no plano de voto universal e eleição annual, maa
sim na subversão total de todos os estabelicimentos exis-
tentes, e n' uma divisão das terras, e extincçaõ da pro-
priedade nos fundos do paiz.
Esta esperança e prospecto de espojo tem sido activa e
industriósamente propagada por varias sociedades, que
existem publicamente na Metrópole, distinguidas pelo
nome de Spenceanas ; titulo que assumiram, em conse-
qüência de terem recebido os principios, com alguma
variação, de um escriptor visionário chamado Spence, que
apparecêram pela primeira vez, em uma publicação delle
haverá cousa de 20 annos.
190 Miscellanea.

Parece que em algumas destas Sociedades, congrega-


das durante o mez passado, se discutio a questão, se os
ajunctam entos para a reforma Parlamentar saÕ calculados
para desencaminhar ou illuminar o Publico. No decurso
dos debates sobre esta questão se instou com vehemencia,
que " a reforma Parlamentaria éra somente uma meia-
medida, que elles deviam olhar para a terra, e nada menos
disso ja mais lhes aproveitaria ; que nós naõ tínhamos Con-
stituição, naõ havendo livro em que ella se achasse, nem
homem algum, que pudesse dizer o que ella era." Em
outra discussão sobre a questão, " Se o estabelecimento
practico do plano de Spence éra ou naõ remédio efficaz
para á penúria actual, uma das doutrinas que se sustenta-
ram foi," que o proprietário de terras éra um monstro,
que se devia destruir; mas que elles naô soffrcríam se-
rem divertidos, que havia outro mal ainda maior, e era o
proprietário dos fundos públicos; que estes eram os devo-
radores malvados, que cobravam quinze peniques por
cada paõ.
Parece mais que nestes ajunetamentos se repetiram e
avançaram abertamente as doutrinas e expressoens mais
blasphemas; que como estes ajunetamentos eram desti-
nados a ser de natureza convivial, aos debates políticos e
á leitura ordinariamente se seguiam cantigas, em muitas
das quaes se introduziam objectos 03 mais irritantes, al-
guns de natureza sediciosa e traidora, e outros debaixo
da forma de indecentes e profanas parodes ou imitaçoen»
jocosas da liturgia e das Sagradas Escripturas.
Estas sociedades parece que se tem extendido: e lia
traços da existência de um committé chamado conscr-
vativo, que dirige as operaçoens do todo. As doutrinas
acima mencionadas tem sido systematica e industriosa-
mente disseminadas, entre os mechanicos e fabricantes
soldados e marinheiros demittidos do serviço, e traba-
Miscellanea. Í91
lhadores de todas as descripçoens. Tem ellas sido íncul-
cadas em vários ajunetamentos determinados, e em vários
lugares, por meio de seus oradores, os quaes tem feito da
penúria dos tempos motivos de irritação e inflamação dos
espiritos: e tem sido circulados com incrivel actividade e
perseverança em publicaçoens mui baratas, e até gratuitas.
Tem-se provado cabalmente ante o vosso Committé, que
alguns membros destas sociedades, obrando por autho-
ridade delegada ou assumida, como Committé executivo
do todo, conceberam o projecto de, e se esforçaram em,
preparar os meios de organizar uma insurreição, tam for-
midável por seu numero, que, meramente por sua força
phisica, pudesse vencer toda a resistência.
O primeiro passo para o complemento deste objecto foi
dado pelo esforço individual dos membros do Committé,
afimde descubrir e fomentar a actual penúria e descon-
mento na Metrópole, e suas vizinhanças. Fizéram-se
listas daquelles de quem se julgava que se poderia confiar,
para tam atrevida e arriscada empreza.
0 desígnio éra surprender, por uma insurreição repen-
tina em alta noite, e derrotar os soldados, nos seus düFe-
rentes aquartellamentos, a que se devia lançar fogo; aò
mesmo tempo (tendo-se arranjado planos, e dado passos,
com as vistas de obter este objecto) apossar-se da arti-
lheria, apoderar-se das pontes ou destruillas e tomar posse
da Torre e do Banco. Em seguimento deste desígnio se
projectou uma machina para livrar as ruas da cavallaria.
Apreaentou-se ao vosso Committé um desenho desta
machina, plenamente authenticado, assim como um es-
boço manuscripto, ou plano de vários lugares importantes
da Torre, que se achou junctamente com o desenho da
machina.
Este desígnio, porém, foi abandonado pouco tempo an-
tes de sua execução. Julgou-se mais prudente, averiguar
192 Miscellanea.
previamente que força podiam os conspirados actualmente
ajunctar; e concordaram cm que o melhor modo de fazer
isto éra convocar um ajunctamento publico, com o fim
apparente de obter remédio aos males do povo, por meios
legaes. Examinou-se o mappa de Londres, e se es-
colheo o campo chamado Spa-íields, como o lugar mais
eligivel, pela sua vizinhança ao Banco, e á Torre. Con-
sequentemente preparáram-se avizos, e circularam-se
editaes manuscriptos, de natureza a mais perigoza e irri-
tante ; e o seguinte he copia de um delles.
" Bretoens, âs Armas! Todo o paiz espera de Londres
o signal^ para correr ás armas! Dai-vos pressa; arrom-
bai as casas dos armeiros e outros lugares em que he
natural que encontreis armas! Atravessai todo o official
de justiça, que tocar em algum de nós. Naõ haja aug-
mento de preço no paõ; nem Regente ; nem Castlereagh;
fôra com as suas cabeças; nada de homens em officios,
nada de dizimos, ou campos cercados; nada de taxas,
nem bispos que saÕ tranuinada sem uso. Conservai-v09
fieis, ou sereis escravos para sempre."

N . B. Cinco mil destes editaes estaÕ affixados pela
cidade, e outros impressos, com ulteriores particulari-
dades, appareceraõ em devido tempo."
Nesta occasiaõ, he que se naõ foi antesj assumio a in-
tentada insurrecçaõ os symbolos da Revolução Franceza;
e se concordou e nomeou um Committé de Segurança
Publica, composto de 24 membros, incluindo os nomes de
varias pessoas, que he extremamente improvável que se
prestassem a simühante causa. Preparáram-se actual-
mente bandeiras e topes tricolores; a bandeira foi levada
alçada publicamente em um carro, no primeiro ajunc-
tamento que houve em Spa-fields, aos 15 de Novembro.
Com tudo, naquelle dia se naõ promoveo acto algum de
violência', ainda que houveram alguns exemplos de rou-
Miscellanea. 193

bos depois que a assemblea se dispersou ; porém houve


o cuidado de adiar o ajunctamento para o dia 2 de D e -
zembro, tempo em que se esperava que estivessem ja
completamente findos os preparativos para a insurrecçaõ.
Naõ se perdeo um momento em avizar para o seguinte
ajunctamento, e se empregou grande assiduidade em cir-
cular esta informação por todas as terras consideráveis
em que ha fabricas pelas provincias, por meio de editaes
e bilhete* impressos; fizéram-se esforços para ajunctar
subscripçoens; havendo sido pagas principalmente por
um individuo do Committé, todas as despezas que até
entaõ se tinham feito, em adiantar o objecto da conspi-
ração, e sustentar aquelles membros inferiores, que tinham,
abandonado as suas occupaçoens e officios, em ordem a
empregar todo o seu tempo no adiantamento da causa.
Adoptaram-se entaõ, e seguiram-se com actividade con-
stante, planos para seduzir os soldados j tractou-se de
excitar a sua sympathia, e induzillos, a que naõ obrassem
contra os insurgentes; fizéram-se tentativas para inflamar
as suas esperanças com promessas de graduaçoens e paga;
e de assustar o seu zelo com a ficçaô absurda, do actual
desembarque de um considerável exercito estrangeiro,
destinado a governallos.
Os quartéis fôram de novo examinados com as vistas
de um ataque. Animou-se a fabrica das fitas de tres
cores, com o fito de as fazer familiares aos olhos do
publico.
Repetiram-se as visitas aquelles bairros da cidade,
aonde se considerava reynar mais a miséria, e todos oa
armazéns ao longo do rio, assim como loges na cidade, e
outras em que se sabia que havia armas, combustíveis e
vestuário, fôram examinados e marcados, com as vistas
de se apoderarem destes artigos em tempo-conveniente.
Formaram-se também planos para seduzir os marinheiros
VOL. XVUI No. 105. Bn
194 Miscellanea.
no rio, offerecendo-lhe promoção para graduação superior,
de baixo do novo Governo, e de se apossarem e armarem
aquelles navios a que pudessem chegar. Immediata-
mente antes do dia do ajunctamento, se providenciaram
armas, para o uso immedíato das pessoas mais activa-
mente empregadas. Este provimento se julgou suffi-
ciente para o principio da insurrecçaõ, porque elles con-
fiavam em que se fosse bem succedida por duas horas,
poderiam obter todas as armas necessárias dos differentes
depósitos e das loges dos armeiros, que tinham previa-
mente sido reconhecidas com aquellas vistas.
O vosso Committé recebeo também informação indu-
bitavel de que se mandaram fazer a um individuo grande
quantidade de piques, e elle actualmente fez e entregou
250, pelos quaes recebeo sua paga. Também he indu-
bitavel que se intentava libertar os prezos das differentes
cadêas na Metrópole e suas vizinhanças, na esperança
de sua concurrencia e apoio na intentada insurrecçaõ.
Introduziram-se em algumas dessas prizoens proclama-
çoens, e se recommendou a sua passagem a outras, pelo
que se convidavam as pessoas prezas, em nome do Com-
mitté tricolor, a ajunctar-se em torno da bandeira tri-
color, que se havia de arvorar na segunda feira, 2 de
Dezembro, e para que elles puzessem tombem laço tri-
color. Prometteo-se que os prezos seriam libertados
por força, e disse-se que os proveriam d'armas, e as
direcçoens, que se lhes deram,forampara estar promptos
a dar auxilio em vencer os guardas. Alugou-se, para os
usos do dia, um carretaõ, em que se transportaram se-
cretamente para o lugar do ajunctamento as bandeiras e o
estandarte, que se tinha previamente preparado, juncta-
mente com alguma munição. Deste carretaõ, antes que
começasse o negocio apparente do dia, em outra parte
Miscellanea. 195
do campo, se proferiram as fallas mais inflamatorias, ten-
dentes a excitar directamente a insurrecçaõ, e concluídas
com uma apostrophe à multidão, appellando para saber
ee estavam todos preparados para remediar seus próprios
males. Entaõ se exhibio o tope tricolor, arvorou-se a
bandeira, e um numero de pessoas a seguiram para o
campo.
A direcçaõ que tomaram foi para aquella parte da ci-
dade previamente designada; arrombaram as loges dos
ormeiros; fizeram fallas e promessas aos soldados na
Torre, para os induzir a abrir os portoens; porém, fa-
lhando o numero, que se esperava, que se unisse aos
insurgentes, naõ se tentou forçar os portoens. Com
tudo fez-se um ataque aos Magistrados da cidade, que se
haviam ajunetado na praça dos negociantes, deo-se um
tiro, arvorou-se publicamente a bandeira tricolor, e pren-
deo-se o que a trazia com o tope tricolor.
Olhando para o todo do que se passou no dia 2 de
Dezembro, o vosso Committé se persuadio finalmente,
que, por mais improvável que pareça ser o bom êxito de
tal plano, comtudo elle tinha sido deliberadamente pre-
meditado por homens desesperados, que calcularam, sem
fundamento racionavel na derrota de seus opponentes, e
na activa co-operaçaõ da multidão, cuja penúria elles ti-
nham presenciado, e a quem ellestinhamvaãmcnte insti-
gado â revolta. Que, por conseqüência, naõ foi mera-
mente uma repentina ebulição do momento, ou uma
tentativa desauthorizada de um individuo sem conne-
xoens.
O vosso Committé está alem disso convencido, de que
naõ obstante o ter o plano falhado aos 2 de Dezembro,
ainda continuam os mesmos desígnios a ser proseguidos
com ardentes esperanças de bom successo.
Tendo o vosso Committé referido, assim, o relatório geral
BB 2
196
•Misceltanea.
dos testemunhos, que se lhe apresentaram, relativamente
ao estado da Metrópole, tem agora de satisfazer a outro
dever, naõ menos penoso, de chamar a attençaõ da Casa
para o que se passou, durante o mesmo periodo, em
differentes partes do paiz, matéria que merece igual pon-
derosa consideração. A primeira cousa, q u e aqui se
offereceo á sua observação, he a amplamente diffijsa rami-
ficação de um systema de clubs associados ex professo,
para o fim de uma reforma do Parlamento, sobre os mais
extensos principios de Suffragio Universal, e Parlamentos
Annuaes. Estes clubs se designam a si mesmos, em
geral, pelos mesmos nomes de Hampden clubs. No
asseverado objecto da instituição, parecem estar em com-
municaçaõ e connexaõ com o club daquelle nome em
Londres,
Parece que he parte do systema destes clubs, promover
a extençaõ dos clubs do mesmo nome e natureza, tam dif-
íusamente, que, sendo possivel, incluam todas as aldeas do
Reyno. Os membros directores saõ activos na circulação
de publicaçoens, que saõ próprias para promover o seu
objecto. Petiçoens, ja promptas e preparadas, tem sido
remettidas da Metrópole para todas as sociedades nas
provincias dispostas a recebêllas. A communicaçaõ
entre estes clubs practica-se pela missaõ de delegados.
Delegados destes clubs se tem ajunetado em Londres, e
se espera que se tornem a ajunctar em Marca Seja
qual for o objecto real destes clubs, em geral, o vosso Com-
mitté naõ hesita em affirmar, segundo as informaçoens,
em que põem toda & confiança, que no maior numero
delles, e particularmente naquelles que ja estaõ estabe-
lecidos nos grandes districtos fabricantes de Lancasbire,
Leicestershire, Nottinghamshire e Derbyshire, e que caõ
compostos da classe mais baixa dos artistas, o objecto
Miscellanea. 197
que decididamente se espera naÕ he nada menos do que
uma revolução.
O vosso Committé acha, por informaçoens igualmente
indubitaveis, que as doutrinas dos clubs Spenceanos se
tem propagado diffusamente por todo o paiz, ja pela ex-
tençaõ de sociedades similhantes, e ja, mais freqüente-
mente, pela intervenção de Missionários, ou Delegados,
cujo emprego he propagar estas doctrinas em todas as
sociedades a que podem ter accesso: he a practica uni-
versal destas sociedades, exigir de seus membros uma
pequena contribuição semanal, que providencéa um fundo
para as despezas destes Missionários, e também para a
compra de pequenos folhetos sediciosas que saõ lidos e
commentados nos seus ajunetamentos. Alguns destes
folhetos, que estaõ agora ante o vosso Committé, inculcam
da maneira mais ardilosa a necessidade de derribar o que
elles chamam " as classes privilegiadas,-" como distinetas
do povo, que se desereve como consistindo em trabalha-
dores, artistas, e mechanicos de todas as profissoens úteis
à Sociedade. Declara-se que uma nova ordem he a
vontade do povo ; justifica-se a rebelião, asservando que
uma naçaõ naõ pode ser rebelde, e nega-se toda a reli-
gião, assim como lealdade, asseverando em uma per-
gunta e resposta? u Quererieis vós viver sem deoses e
sem reys?—Nos abjuramos a tyrannia de toda a sorte.'-'
Na verdade, parece que he parte dos systema adaptado
por estas sociedades, solapar naõ somente os seus cus-
tumes de subordinação decente e regular, mas todos os
principios de moralidade e religião. O vosso Committé
achou, que apenas ha alguma destas numerosas socio-
dades, nas partes que acima se mencionam, de cujos pro-
cedimentos se tenha obtido alguma relação, em que alguns
de seus principaes oradores naõ tenham professado aber-
tamente as opinioens mais sediciosas, e tenham excitado
198 Miscellanea.
os seus ouvintes a que se preparem para uma revolu-
ção actual. Com estas vistas se escolhem os objectos
de discussão: entre outros a questão, " qual he o melhor
amigo de sua pátria o jacobino ou lealista?" Mesmo
aonde se recommenda o fazer petiçoens, se propõem
conduzir o negocio em tal maneira, por um immenso nu-
mero de delegados em Londres, que se ajunctem ao
mesmo tempo, em varias partes, e ligados a cada petição,
para assim induzir um esforço para obter pela força tudo
quanto pedirem. Parece que ha uma idea, que prevalece
eníre os que compõem estas sociedades, que certo dia
fixo, que naÕ está mui distante, será designado para o
levantamento geral. Tem-se-lhes ensinado a olhar para
os ajunetamentos em Londres, como o signal de suas
operaçoens, e tem estado no custume de adiar as suas
assembléas simultaneamente no mesmo dia: e he um
lamentável exemplo do commum interesse, que elles
sentem, se o naô he da connexaõ formada com aquelles
que intervieram mais nos uitragens commettidos na Me-
trópole, que nas vizinhanças de Manchester, e em alguns
outros lugares, se manifestou a maior alegria, antes do
ajunctamento em Spa-f elds, ao3 2 de Dezembro: e a
tomada da Torre e do Banco se predisse publica e con-
fíadamente. Esperou-se com impaciência as novas do
resultado; as estradas estavam entulhadas de gente du-
rante a noite, muitas dessas pessoas eram delegados de
diiTerentes sociedades nas provincias, que esperavam a
chegada do coche do correio; e naÕ se oceultou o seu
desgosto, quando se averiguou, que o tumulto havia sido
socesado, sem extensos ou sérios males.
Parece, que a confiança dos alistados he tal, que elles
representam o numero dos alistados como chegando
a muitos centos de milliares, e que as suas sociedades
se vam augmentando todos os dias; que nas suas listas
Miscellanea. 199
tem elles distinguido por signaes particulares os subscrip-
tores que podem pagar, os que saÕ homens robustos, e
os promptos para obrar, quando forem chamados; e que
também tem uma lista, daquelles, que recusam unir-se-
llies no que elles chamam " o livro negro," e ameaçam
vingança contra essas pessoas, quando tiver lugar a in-
surrecçaõ geral. E m algumas partes das provincias mais
populotssas, aonde ha ja Hampden club, juncto a alguma
aldea, os membros naõ fazem segredo de que se consi-
deram sem ter outro uso, senaõ o de estarem promptos
a obrar todas as vezes que a isso forem chamados: na
sua admissão elles se denominam alistados, e recebem
um bilhete em segredo, com as palavras " Estai promptos
e firmes."
Os custumes e maneiras destas pessoas parece estarem
inteiramente mudados; elles calculam ja com um grande
quinhão da terra, que cada um delle* tem de possuir;
e marcam a destruição das igrejas, como conseqüência
necessária de seu bom successo. Parece que em vários
lugares vam em progresso os preparativos para o pro-
vimento de armas: as compras feitas aos armeiros tem
sido maiores do que jamais houve exemplo: manifesta-
se a intencçaÕ de recorrer, para maior suprimento aquel-
les lugares aonde se fabricam armamentos, e aonde se
podem obter a preço niais barato, pela geral barateza da
maõ d'obra nesta epocha: ou, em caso de necessidade,
seraõ as armas tomadas por força. A facilidade de con-
verter os instrumentos de agricultura em armas offen-
sivas, foi também suggerida, e se mandaram algumas pes-
soas a observar o estados de alguns lugares particulares,
aonde se suppunha que se tinham formado depósitos
d'armas para o serviço publico.
O vosso Committé acha, que se tem extendido o sys-
tema das associaçoens secretas à população fabricante de
200
Miscellanea.
Glasgow, e alguns outros lugares populosos da Escócia;
e ainda que estas sociedades se tenham aproveitado do
mesmo pretexto, da reforma Parlamentaria na sua mais
extensa baze. O Vosso Committé está firmemente persua-
dido segundo as informaçoens que se tem apresentado, de
que o seu objecto final he derrubar, por meio da força, a
existente forma de Governo. Que o tempo para tentar
esta empreza devia depender do simultâneo levantamento
dos descontentes cm Inglaterra, com alguns emissários,
que parece terem tido communicaçoens com elles, e que
esta associação tem feito alguns provimentos de armas.
O vosso Committé tem agora submettido ã Casa, o que
lhe parece ser a justa e naõ exaggerada relação do resul-
tado do suas indagaçoens. O Committé julgou que naõ
deveria inserir cm appendiz as informaçoens de que de-
duzio este relatório, pela consideração de que, a menos de
naõ ser isso feito muito parcial e incompletamente, naõ o
poderiam fazer publico sem arriscar a segurança e pessoas
de muitos indivíduos úteis e respeitáveis; e, em alguns
casos, sem arriscar a devida administração da justiça
publica.
Olhando para o todo, tem o vosso committé grande sa-
tisfacçaõ em observar, que, naõ obstante o assustador
progresso, que tem feito, o systema de extender o des-
contentamento e as sociedades secretas, o alcance de suas
vistas se tem limitado aos principaes districtos fabricantes,
aonde a penúria he mais extensa, e onde eom facilidade
se collige maior numero ; e ainda assim em muitos desses
districtos se tem soffrido as privaçoens do necessário para
& vida, com exemplar paciência e resignação, e as tenta-
tivas dos descontentes tem sido frustradas; que poucos, se
be que alguns das classes superiores, ou ainda médias dá
sociedade, e apenas alguns da população agricultora, se
tem prestado aos mais violentos destes projectos. Devem
Miscellanea. 201
dar-se grandes descontos aquelles que, no aperto de ur-
gente penúria tem sido levados a dar ouvidos a demagogos
plausíveis e confiados na esperança de alivio immedíato.
He de esperar que muitos daquelles que se tem empe-
nhado, até certa extençaõ, nos projectos dos descontentes,
porém cujos principios dos deveres moraes e religiosos
ainda naõ estaõ extinctos, ou pervertidos pelos mais pro-
fanos e miseráveis sophismas, se retirarão ainda, antes que
estes projectos sejam levados a uma insurrecçaõ actual.
Porém com todos estes descontos, o vosso Committé
naõ pode contemplar a actividade e ardil dos cabeças
nesta conspiração, e o numero que elles tem ja seduzido,
e poderão ainda seduzir; os juramentos porque muitos
delles se acham ligados; os meios suggeridos e pre-
parados para obter por meio da força os seus objectos, a
natureza dos mesmos objectos, que saõ naõ somente
a destruição de todas as instituiçoens politicas do Reyno,
mas também a subversão dos direitos e principios da
propriedade, que deve necessariamente conduzir á con-
fusão geral, á pilhagem, e ao derramamento de sangue,
sem submetter á mais séria attençaõ da Casa, os peri-
gos que existem, e que a maior vigilância do Governo
com as leys actuaes, se tem achado inadequado para os
prevenir.
19 de Fevereiro, de 1817.

VOL. XVIII. No. 105, cd


202 Miscellanea.

PORTUGAL.

MAPPA GERAL*
Da Receita e Despeza do Cofre do Monte Pio dos Professores, e mais Pessoas
com Empregos Públicos na Corte e Reyno, em os primeiros dez mezes da
Administração que terminaram no ultimo de Dezembro do anno próximo
pretérito, pela Meza que foi reconduzida, para intelligencia dos Interessam
dos, e noticia do Publico.

1816.

RECEITA.

Importância de Jóias recebibas até o ultimo dia de Dezembro


inclusive 800.200
Dita de Contribuições ditas 907.820
Dita de Compromissos vendidos 38.560
Dita de Discursos, e Orações ditas 8.440
Dita de Prêmios e interesses 25.405
Dita de Jóias em as diversas Commissões de Elvas,
Setúbal, Abrantes, Coimbra. Porto, Leira, Vizeu, Veí-
ros, etc. 159.200
1:939.625

DESPEZA,

Com o primeiro Estabelecimento do Cofre


Impressões, e Despezas annexas
Expediente Geral
Ordenados
Mercador
Bilhetes de Loteria
Beneficio aos Tencionarios .
Balanço do Dinheiro em ser que passa em conta nova
1:939.625
Miscellanea. 203

ESTADO ACTUAL.

Lisboa e Casa das Conferências em Convocação Geral 5 de Janeiro de 1817


Do existente e Gênero, e que deve ser de duzido da Despe ta.
Em Compromissos . 435.900
Orações, e Discursps 52.680
Outros impressos . 10.000
Livros para a Escripturação 54.960
Capas e Voltas . . 80.465
Outros Moveis e Utensílios da Meza 147 025

751.030

Joaquim José. da Rocha


Deputado Secretario,
Joaquim José Ferreira de Carvalho
Deputado Promotor.

Existente em Espécie.
No Deposito publico 596.000
Apólice 100.000
Remissões 68.800
Em Cofre. . 34.355
Commissões 159.200

958.355

Francisco José Dias


Deputado Thesoureiro.
Joachim Antonio de Lemos Seitas e CastelrBranco
Provedor.

Totalidade.
Em Cenero 781.030
Espécie 958.350
Tencionarios 66.240
Loterias 17.300
Ordenados . 53.600
Extraordinários 63.100

1:939.625

Antonio Maria do Couto


Deputado Procurador do Geral
Lucas Tavares
CC 2 Deputado Enfermeiro Mór.
204 Miscellanea.
Reflexoens sobre as novidades deste mez.
REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGAVES,
Guerra do Rio-da-Prata.
As hostilidades, entre as tropas do Brazil e os bandos de Artigas,
jrompêram ja por alguns ataques parciaes, que na Inglaterra se tem
representado como derrota considerável dos Portuguezes, a quem,
pelo contrario, a gazeta do Rio-de-Janeiro dá a victoria.
Julgamos importante examinar com alguma miudeza estas notU
cias, posto que mui vagas; naõ só pela influencia que éllas devem
ter nos differentes pontos do Brazil, quando lá chegarem da In*
glaterra; mas também porque nos devemos queixar do systema da
Corte do Rio-de-Janeiro, em naõ publicar as noticias aulhen-
ticas e verdadeiras daquella guerra; produzindo, com essa falta,
os males, que resultam de se espalharem rumores falsos, ou de se
darem aos verdadeiros interpretaçoens desfavoráveis.
A gazeta do Rio-de-Janeiro fallou mui succintaniente daquelles
ataques,, e se limitou ao seguinte:—
"Rio-de-Janeiro 30 de Outubro, 1916. Agora mesmo se recebe
a noticia de terem os insurgentes atacado um pi-quete nosso, no dia
6 de Septembro, o que obrigou a vanguarda da divisão dos Volimta-.
rios Reaes a repellillos, deixando elles carretas, cavalhadas, e
boiadas."
" No dia 24 do mesmo mez, um destacemeuto da dieta vanguarda,
composto de 80 homens, destroçou um bando de 300 insurgentes
no passo de Chafalote, dos quaes ficaram 20 prisioneiros, 19 mortos
e muitos feridos."
As gazetas lnglezas fôram mais extensas, porém os factos, a que
se referem, comtém-se- principalmente nas seguintes cartas:—
"Rio-de Janeiro.9 de Dezembro. Os Portuguezes procedem
mui vagarosamente, e penso que naõ chegarão ás muralhas de Mon-
tevideo dentro do anno corrente. A guarda avançada ainda naõ
passou de Castilhos, e as forças navaes ainda estavam em Maldo-
nado aos 23 d'Outubro. O General Lecor naõ saio do Rio-Grande
senaõ aos 17 de Novembro,<juando foi ter a Sancta-Thereza, um dos
postos das fronteiras. Para a parle das Missoens, Artigas tem ga-
nhado algumas vantagens. Ali, de facto, será o principal lheatr» da
Miscellanea. 205
guerra. As communicaçoens dos Portuguezes com Buenos-Ayres
ainda continuara; por onde se julga que existe entre elles boa
intelligencia. O exercito independente destinado a obrar, na
primavera seguinte, contra o Chili, está prompto a marchar para
Mendonça."
>' Na mesma data. As operaçoens dos Portuguezes contra a
margem Oriental do Rio-da-Prata saõ vagarosas, e mysteriosajs*.—
Aqui naõ se publica nada a este respeito; porém sabemos por meios
indirectos, que, da parte das Missoens, naõ tem sido bem suece-
didoi. A ala direita do exercito, commandada pelo general Cu-
rado, e que está penetrando para o rio Uruguay, tem encontrado
com dificuldades inesperadas, para que elle naõ estava preparado
e a derrota de nma de suas divisoens lhe ensinou qne a empreza
he mais difficil do que elle pensava. Artigas chamou a sua at-
tençaõ para as margens do Uruguay e Missoens, e tem levan-
tado os Índios em seu favor, e ameaça as fronteiras Portuguezas
na quella parte. Pelo lado do Cerro-Largo c Sancta-Thoreza»
a opposiçaõ, que ao principio se encontrou, está agora reduzida a
uma espécie de guerrilhas, que fàtigam os exércitos nas marchas,
e lhes impedem o mandar partidas em avançada, As forças na-
vaes dos Portuguezes entraram em Maldonado aos 23 de Outubro,
porém a sua commnnicaçaõ com as tropas de terra ainda naõ está
estabelecida. Montevideo prepara-se para uma resistência de-
cidida, ainda que com fracos meios. Buenos-Ayres fica neutral, e
somente se occupa com os negócios do Peru."
Daqui tiraram vários jornalistas a conclusão, de qne se tinham
perfeitamente realizado as prediçoens, de que Artigas retorquiria a
invasão com ataques aos dominios Portuguezes;—que esta circum-
stancia tinha produzido grande susto no Rio-de-Janeiro;—que
este susto se augmentou com a derrota de uma das divisoens do
General Curado :—que a Província de S. Paulo lie habitada por
gente análoga em sentimentos ás tropas de Aitigas, &c. &c.
Ora perguntanos aos nossos Leitoras,; se daquellas cartas se
206 Miscellanea.
podiam tirar similhantes conclusoens ? Snpponhamos, que a vic-
toria, mencionada na Gazeta do Rio-de-Janeiro, naõ he verda-
deira, mas foi uma derrota como dizem as cartas; vejamos ao que
isso podia montar.
O excercito Portuguez, que actualmente tem entrado nos terri-
tórios de Montevideo, consta de cinco a seis mil homens. Logo a
direita deste exercito commandada pelo General Curado, naõ
pode com rehender mais da terça parte do exercito, ou 2.000
homens. As cartas dizem, que uma divisão de Curado he que
fora batida; e suppondo essa divisão a direita, ou a esquerda ou o
centro, será uma terça parte das tropas de Curado, ou pouco mais
de seis centos homens.
Eis aqui o que se pode colligir das cartas, e o que se tem en-
grandecido na Inglaterra como a derrota do exercito Portugnez.
Vejamos agora as conclusoens, que nos parece se devem legitima-
mente tirar daquellas noticias.
Artigas, vendo-se atacado pelo lado do AlbardaÕ, estrada de
Sancta-Theresa, e costa do mar até Maldonado ao longo do Rio-
da-Prata, retirou-se dali para o nnico refugio qne lbe restava, que
eram, no interior, as margens do Uruguay ; e as Missoens. Dizem
esses Jornalistas, que Artigas, portanto, está retorquindo aos Por-
tuguezes, havendo-lhe invadido o seu território; mas isto está
taõ longe de ser assim, que as margens do Uruguay, esse theatro
da supposta victoria de Artigas, estaõ muito além das fronteiras do
Brazil como se pôde ver no mappa que publicamos a p. 134, do
Corr. Braz. Vol. XVII. He logo a crassa ignorância, ou a má
intenção de desencaminhar seus leitores, quem podia iuduzir taes
Jornalistas a tirar daquellas cartas (e naõ citam outra authoridade)
similhante conclusão.
Das mesmos cartas, pois, se vê, que Artigas tem abandonado
os territórios mais contíguos ao Brazil, que 6aõ a estrada de
Sancta-Theresa, aonde dizem as cartas, que toda a opposiçaõ está
reduzida a guerrilhas; o Albardaõ, em cuja estrada fica Castilhos,
de que, segundo as mesmas cartas estaõ de posse os Portuguezes;
Maldonado, aonde está a esquadra Portugueza; e em fim
Miscellanea. 207
Monte-video aonde dizem as cartas que há fracos meios de
resistência.
Que Artigas havia de fugir para as margens do Urugnay, sem-
pre nós suppuzemos ; porque naõ lhe restava outro refugio, a naõ
querer lançar-se ao mar. Nas margens do Uruguay se podem
fortificar os Portuguezes, quanto baste para protegerem os seus
territórios, contra as incursoens e roubos dos partidistas de Arti-
gas; o qual, se ainda ali for eficazmente perseguido, poderá
retirar-se mais para o interior até Sancta F é ; porém quanto mais
se afastar, tanto mais ganhará o Brazil; porque menos tem a temer
de suas pilhagens, e correrias.
Estas desconcertadas conclusoens, que se tem tirado de noticias
particulares, teria o Governo do Brazil obviado, se publicasse
regularmente no Rio-de-Janeiro os officios dos Generaes em-
pregados naquella campanha, com as particularidades, que saõ
essenciaes, para que as narraçoens historioas mereçam o devido
credito.
He nisto que com sobeja razaõ nos devemos queixar de con -
timiar a Corte no pernicioso systema de naõ informar o publico
dos factos importantes, que se vâm passando; porque em con-
seqüência desse silencio todo o mundo suspeita o que he peior;
espalham-se rumores desavantajosos, que se acreditam; porque
naõ saõ desmentidos; o povo desgosta-se de uma guerra, que sup-
poem mal succedida, em conseqüência dessas falsas informaçoens;
a naçaõ adquire mal nomeada no estrangeiro; e em fim tudo vai
mal pela única razaõ de naõ se querer dar ao publico fiel conta
das novidades importantes.
Nem obsta a isto o dizer-se, que se o Governo publicar os acon-
tecimentos adversos desanimará a naçaõ; pelo contrario, uma ex-
posição verdadeira, mesmo de suecessos desastrosos, anima os
povos a vingar as afrontas, e a veracidade da exposição influe
sempre na naçaõ correspondente confiança em seu Governo;
quando essa confiança nunca pôde ser obtida pelo mysterioso
segredo, que se guardar sobre os suecessos da guerra.
Isto pelo que pertence aos factos; mas he precio também dizer
alguma cousa sobre as theorias, que adoptam nesta matéria
208 Miscellanea.
alguns Jornalistas contemporâneos. Dizem elles que o titulo
apparente da guerra do Brazil contra Artigas he o máo comporta-
mento deste; mas que o motivo verdadeiro he a ambição do
Gabinete do Rio-de-Janeiro.
Esta accusaçaõ he verdadeiramente mui séria, e naõ se pôde
sem injustiça avançar, sem prova; e com tudo esses Josnalistas
atiram ao mundo com tal proposição; sem terem a bondade de
produzir uma só prova, nem ainda conjectural, em apoio de um
ataque de tal natureza, contra o character moral do Gabinete do
Rio-de-Janeiro.
O máo comportamento de Artigas. a usurpaçaõ do Governo
que exercita, sem titulo algum, mesmo até sem nome, que lhe
atribua character publico, saõ factos notórios, e reconhecidos pelo
Governo e Povo de Buenos-Ayres, que tem publicado ao mundo
as suas queixas contra o usurpador Artigas, e que (até mesmo
segundo as cartas, que acima copiamos) está em boa intelligencia
com a Corte do Rio-de-Janeiro, a pezar desta guerra contra
Artigas.
Mas naõ pararam aqui essas accusaçoens destituídas de provas,
contra a Corte do Rio-de-Janeiro: os Jornalistas, de que fal-
íamos, inventaram mais; dizendo que o attaque, que os Portu-
guezes faziam a Montevideo, éra em conseqüência de tractados
com a Corte de Madrid, que lhe cedia aquelle território a troco
de um auxilio e ajuda, para reconquistar o resto das colônias
revoltadas.
Disto produziram os taes Jornalistas algumas provas; uma
foi o ter-se isso asseverado em uma Gazeta de Cadiz; outra o
dizello assim uma proclamaçaõ attribuida ao General Lecor, e
que também de Cadiz foi remettida a Inglaterra.
He obvio, que, nos esforços que tem feito o Governo Hes-
panhol, par occultar a seus subditos o verdadeiro estado de suas
colônias, lhe importava muito fazer persuadir o publico, de que
a Corte de Hespanha esperava do Gabinete do Rio-de-Janiero
poderosos auxílios, para reconquistar e submetter suas colônias;
mas,, porque importa ao Governo Hespanhol pulicar esses rumores,
Miscellanea. 209
segue-se que um Jornalista, obrigado a ajuizar das novidades
com critica saã, deva dar credito a similhantes boatos ?
Rumores muito mais dignos de attençaõ, e criveis por sua
natureza, dizem; que em Madrid fizeram a mais terrível sen-
sação as novidades da invasão de Montevideo; e que o Gabinete
Hespanhol se tem por isso formalizado mui seriamente, e feito
ásperas representaçoens ao Gabinete do Rio-de-Janeiro; princi-
palmente a instigaçaõ de Cevalhos decidido inimigo dos Portu-
guezes.
Quanto á injustiça da guerra, que faz o Brazil contra Artigas,
tem-se querido provar, exaltando o character daquelle homem,
que notoriamente éra um contrabandista, ou salteador (porque
estes officios saõ análogos, tanto naquelle paiz como em Hes-*
punha) e que sem eleição do povo, nomeação d' outro governo,
nem titulo algum bom ou máo, se apoderou, por meio da força
de seus sequazes, do governo de Montevideo. Os elogios, pois
que se tem escripto em Londres, em louvor daquelle homem, só
podem ter sido dictados por algum de seus partidistas, que neste
paiz resida; porque saõ diametralmente oppostos aos factos.
O General Curado, homem mui conhecido naquelle paiz, por
ter ha muitos annos commandado no Rio-Grande um regimento
de Cavallaria, e pelos serviços, que fez na Europa, he um dos
chefes mais próprios para commandar tropas, na qualidade de
guerra, que he necessário fazer contra Artigas. Só a ignorância
dos negócios daquelle paiz pôde por em parallelo o character da-
quelle sugeito, e a causa que elle defende, com Artigas, e suas
qualidades moraes ou sua situação politica.
As prezas que os Corsários de Montevideo tem feito de alguns
navios Portuguezes; he um dos argumentos, que se tem alegado,
contra a impolitica desta guerra, da parte do Brazil; e, o que
mais he, até contra a sua justiça.
Quanto á impolitica, he verdade que he incommodo para a
naçaõ perder alguns de seus vasos; epara os particulares talvez
seja sua total ruina; mas j aonde se deo guerra alguma, sem que
V O L , X V I H . N O . 105. DD
210 Miscellanea.
haja o pezo das perdas, e o dezar das derrotas? Neste caso as
forças que Montevideo pode deitar ao mar, saõ tam insignificantes,
que as suas tomadias apenas devem entrar em linha de conta;
principalmente se no Brazil tomarem sobre isso medíocres pre-
cauçoens
Mas ja que os jornalistas, que alegam este objecto das prezas,
faliam tanto contra o direito que tem o Gabinete do Rio-de-Janeiro
para fazer esta guerra contra Artigas, perguntáramos nós J com
que authondode andam pelo mar corsários de Artigas ?,; Com que
titulo se assigna elle para dar Cartas-de-marca, ou que legalidade
pôde dar a seus corsários, para que naõ sejam tractados como pi-
ratas em qualquer naçaõ civilizada, aonde similhante questão for
legalmente examinada ou processada? Declarou-se ja Artigas
chefe de alguma naçaõ independente, para assumir o direito de
conceder cartas-de-marca, ou mostra-se assas poderoso em seu
governo para castigar esses seus corsários, que no mar se por-
tarem mal, ou se fizerem reos de algum crime contra o direito das
gentes ? Quando as tropas do Brazil tomarem Maldonado e Monte-
video i que portos restam a Artigas, para receber os seus corsá-
rios, e estabelecer tribunaes de Almirantado, aonde suas prezas
sejam legalmente condemnadas ? E, sem esta formalidade,; que
seraõ esses corsários senaõ piratas, e suas prezas senaõ roubos P
Achamos que, insensível mente, o nosso artigo, sobre a guerra do
Rio-da-Prata, se estendeo alem do que intentávamos, portanto
paremos aqui: os Jornalistas Inglezes naõ deixarão de continuar a
dar-nos occasiaõ de reassumir a matéria.

Embaixador Inglez para o Brazil,


Diz o rumor, que o Gabinete Inglez se resolveo porfima nomear
Ministro, que resida na Corte do Rio-de-Janeiro, e que este será
Mr. Thornton, que fora Cônsul em Baltimore, e que actualmente se
acha Ministro Plenipotenciario em Suécia.
Miscellanea. 211

Monte-Pio Literário de Lisboa,


Concluímos no nosso N°. passado a publicação do compromisso
do Monte-Pio-Literário de Lisboa, que a grande affluencia de outras
matérias nos obrigou a differir até entaõ. Agora publicamos a
p. 202, a conta da receita e despeza desta Sociedade; qne mos-
tra as boas intençoens e integridade de seus administradores e
membros.
Também nos tem chegado á maõ grande copia de documentos,
relativos ás transacçoens da Sociedade; e, supposto que os naõ
publiquemos; porque o seu volume seja incompatível com os limites
de nosso Periódico; com tudo a sua leitura nos servio de muito,
para formarmos idea clara do que he a Sociedade do Monte-Pio-
Literario.
Pelo que respeita o compromisso, seria alheio do nosso propósito
fazer delle analyze miúda, que talvez nem sempre admitia com
vantagem; mas em geral podemos dizer, que, havendo a prudência
nelle introduzido todas as disposiçoens, que parecem análogas ao
character e estado actual da naçaõ, fazem com que esta Sociedade
de va ser olhada como muito respeitável, por todos os lados.
E com tudo o Governo julgou, na confirmação do Compromisso,
que devia pôr espias á Sociedade; e portanto ordenou que um Ma-
gistrado, que se nomeou, assistisse ás sessoens.
Naõ brigaremos por este motivo com um Governo, que he zeloso
e tímido, porque he fraco e ignorante, nem com isto se devem es.
randalizar os Compromissarios, ou Membros da Sociedade; he isso
um defeito dos tempos, e do estado da educação publica e particular
da sua naçaõ: elles, que estaõ á frente deste importante ramo, de que
depende em tam grande parte a felicidade mandana dos homens—
a educação — cuidem em melhorar as geraçoens vindouras o mais
que puderem. A posteridade e a historia imparcial lhe saberá dar
os verdadeiros ageradecimentos.

OD 2
212 Miscellanea.

EsTAbos U N I D O S .
O Congresso dos Estados Unidos passou um acto, pelo qual pro-
hibe que em seus portos se armem navios, para andar a corso ou
coinmetter hostilidades contra alguma Potência, das que estaõ em
paz com aquelle paiz.
A razaõ politica, que se assigna a esta providencia, he a re-
presentação que tem feito o Ministro Hespanhol, contra os arma.
mentos, que nos Estados Unidos se fazem, a fiivor das colônias Hes-
panholas em insurreição.
Estas medidas publicas do Governo saõ mui decididamente contra
a inclinação dos povos; e n' um paiz de taes intsituiçoens políticas,
mui difficultoso será ao Governo levar a diante medidas, a que he
opposta a opinião publica, e o interesse naõ só dos indivíduos,
mas até da mesma naçaõ em geral.
O Governo Hespanhol conhecerá isto mesmo, mas a sua impo-
tência o fará disfarçar insultou, que naõ pode vingar ! porque naõ
pôde duvidar-se nem das muitas razoens, que induzem a esta aliiança
dos Estados Unidos com as Colônias Hespanholas, nem a impossi-
bilidade, em que se acha a Corte de Madrid, de arrostar contra os
Estados Unidos, para os obrigar a prestar-lhe attençaõ a suas re-
presentaçoens.

TRANÇA.

A Ordenança d' El Rey, que deixamos copiada a p. 145 he feita,


para a total extincçaõ do commercio da escravatura, em conse-
qüência do artigo addicional do tractado de Novembro de 1815,
pelo qual se estipulou, entre Inglaterra e França, " que as Altas
Partes Contractantes, concertariam, sem perda de tempo, pelos
seus Ministros em Londres e Paris, medidas as maÍB efficazes,
para a total e immediata abolição de nm commercio tam odioso,
qranto prohibido estrictamente pelas leys da religião e da na-
tureza." Mas vistos os documentos, que publicamos a p. 146,
está claro, que o Governo Francez naõ faz grande sacrificio em
Miscellanea. 213
largar por maõ o que naõ pôde possuir, e tanto mais quanto o chefe
da outra parte da ilha de S. Domingos, qae se instituía Key Cbris-
tovaõ, nem se quer quiz abrir correspondência com os Commissarios
d' El Rey de França.
Os documentos, que citamos, (p. 146.) contem a noticia official
du modo por qne terminou a negociação, que abrio o < -overno
Francez, para tornar a entrar de posse da sua colônia de 3. Do-
mingos; projecto este que a França nunca poderia realizar, a
menos que para isso naõ concurressem as demais naçoens da
Europa; e talvez fosse também necessária a co-operaçaõ dos
Estados Unidos, que nesta questão tem muito interesse.
Sobre esta matéria tem corrido um rumor na Europa, segundo
o qual a França tentou, que a Hespanha lhe cedesse a parle que tem
era S. Domingos, a fim de que os Francezes fortificando-se ali,
pudessem com maicr vantagem atacar a outra parte da ilha,
aonde se acham os dous Estados independentes de Negros, go-
vernados por Christovaõ, e Petion. Dizem mais qae se propunha
dar á Hespanha, em compensação desta cessaõ, a colônia de
Cayenna; e como esta está na posse de S. M. Fidelissima, se lhe
compensaria esta posse com a cessaõ do território de Monte-
video.
Se com effeito a França propoz tal negociação, e este foi um
dos objectos da missaõ do Duque de Luxemburgo ao Rio-de-Janeiro,
he natural que a negociação tenha falhado inteiramente; pois nisso
se naõ tornou a fallar mais, depois que o Duque de Luxemburgo
voltou do Brazil para a Europa.
Com efièito das tres partes interessadas nesta negociação, só a
França poderia ganhar nas trocas, pois dava a província de
Cayenna, que naõ está em seu poder, pela importante colônia de
S. Domingos, que receberia de contado. A Hespanha cederia
duas colônias, Montevideo e S. Domingos, por uma só que éra
Cayenna, e a qual nem em população nem em riqueza, eqüivale a
alguma das duas, que tinha de ceder. S. M. Fidelissima daria
Cayenna, de que se acha de posse, e que retém para obter da
França as compensaçoens que lhe deve; pela provincia de Moute-
2l4 Miscellanea.
video, que a Hespanha, lhe naõ podia dar, porque a naõ possue,
e portanto que teria o encommodo, e passaria pela despeza de
conquistar. Assim naõ vemos como tal arranjamento pudesse ser
admittido nem pela corte de Madrid, nem pela do Rio-de-
Janeiro.
O documento, que publicamos a p. 150, debaixo da rubrica das
Potências Alliadas, expressa a concessão, que se esperava de
diminuir a quinta parte do exercito de occupaçaõ, que os Alliados
tem em França, assim como também a parte conrespondente das
contribuiçoens, destinadas á mantença daquellas tropas. Os mo-
tivos, que se assiguam, saõ o bom comportamento do Governo
Francez para com os Alliados, e para com os Francezes; e a
maior tranquillidade, que se observa em França, que se suppoem
resultar das medidas de conciliação adoptadas por El Rey.
Achamos, porém que ha outra razaõ mui poderosa, e que os
MínistroB Alliados naõ mencionam; e vem a ser, a absoluta im-
possibilidade em que se acha o Governo Francez de fazer os paga-
mentos estipulados; pois até para as despezas correntes foi obri-
gado a pedir empréstimo; que, em conseqüência das actuaes
circumstancias da França, éra natural o naõ poder obter-se, sem
condiçoens mui onerosas.
Se os Alliados instassem cathegoricamente na continuação do
exercito de occupaçaõ sem diminuição, e uo pagamento das con-
tribuiçoens sem espera; como os Ministros Francezes naõ tem
força com que lhe resistam, se veriam na necessidade de impor
novos tributos â naçaõ; e, nesse caso, criariam elles mesmos uma
fermentação geral, que exigiria o emprego desse exercito de occu-
paçaõ, para a socegar; e que, ainda conseguindo-o, só o fariam
com derramamento de muito sangue. Parece-nos pois que á neces-
dade se chamou liberalidade.
No entanto naõ devemos occultar a impressão, que nos fez esta
resolução dos Alliados, em diminuir as suas tropas; e vem a ser,
qne elles estaõ persuadidos de que os Francezes começam a re-
conciliar-se com o novo estado de cousas; naõ obstante as com-
moçoens parciaes, que se manifestam de vez em quando, em varias
Miscellanea. 215
partes das provincias; porquanto, se os Alliados naõ estivessem
persuadidos desta alteração na opinião publica, em vez de diminuir
o exercito de occupaçaõ o reforçariam, para extorquir o pagamento
das contribuiçoens, ainda que fosse necessário tornar a desemba-
inhar a espada.

HESPANHA.

Como dos negócios públicos da Hespanha naõ permitte o seu


Governo, que apparêçam noticias authenticas, as informaçoens
particulares, sempre incertas, ainda quando verdadeiras, saõ as
únicas fontes que restam, para ajuizar do estado daquella naçaõ;
e todas essas noticias particulares, que obtemos, saõ sempre des-
avantajosas aquelle Governo.
O Governador da Navarra convocou as Cortes daquelle Reyno,
ou para melhor dizer uma Deputaçaõ Permanente, que as repre-
senta, tanto quanto a Juncta dos Tres Estados em Portugal repre-
sentava as Cortes do Reyno. O Governador da Navarra expedio
para isto a sua proclamaçaõ aos 4 de Janeiro, e as taes suppostas
Cortes deviam ser dissolvidas, logo que impuzessem ao povo os
tributos que o Governo pretendia cobrar.
As gazetas Hespanholas, porém, aununciaram pomposamente ao
mundo um melhoramento, que fizera S. M. Catholica, mas tal que
nós naõ podemos coraprehender em que consiste o seu merecimento,
ou porque se lhe dê louvor. Dizem as taes gazetas, que El Rey
fôra visitar as prisoens, ein trages disfarçados; e que vendo nellas
os instrumentos com que se daõ aos prezos os tormentos e tratos,
os mandara queimar.
Em todas as naçoens polidas da Europa se tem abolido os tor-
mentos, seja por legislação expressa, seja por desuso, consentido
pelos respectivos legisladores; excepto na Inquisição de Portugal
e Hespanha, aonde os tormentos se mandam expressamente dar a
seus prezos, como he determinado nos Regimentos do Sancto
Officio. As Cortes de Hespanha, que se ajunctaram em Cadiz,
216 Miscellanea.
aboliram, por urna ley, os tormentos; como practica tyrannica e
absurda, e contraria aos fins da justiça. Fernando VII, quando
tornou para a Hespanha, cassando aquella determinação das
Cortes, mandou reviver o uso dos tormentos, e pôz as suas ordens
em practica, aos casos do General 0'Donnel e outros, agora man-
dou queimar os instrumentos que vio, mas naõ achamos, que
abolisse o uso, on que publicasse alguma ley, pela qual taõ in-
hnmano estabelicimento fosse erradicado da legislação criminal
Hespanhola. Logo deixou-nos razaÕ para duvidar, se mandou
queimar aquelles instrumentos, que vio; porque naõ eram do
feitio que lhe agradava; ou se por serem velhos, e precisarem de
ser renovados; se mandou, que se conservassem só em algumas
prizoens, qne destine a esse fim; ou se ultimamente quiz dar á
practica dos tormentos direcçaõ differente da que até agora tinha
na Hespanha. Differimos portanto os nossos louvores a S. M< até
que possamos averiguar esses pontos.

INGLETEERA.

O documento, que publicamos a p. 183, he summamente impor-


tante para a historia deste paiz, e mostra a combinação extensa,
que tem existido na Inglaterra, para destruir a presente forma de
Governo.
Nos paizes estrangeiros, aonde os custumes dos Inglezes e
leys desta naçaõ naõ saõ bem entendidos, pareceria pela leitura
do documento a que nos referimos, que se estava ao ponto da
mais perigosa revolução; ao mesmo tempo que, qnando estas
cousas se vem de perto, naõ ha mais do que um partido de visio-
narios, que, sem meios nem probabilidade alguma de ter bom êxito,
se tem empenhado no absurdo projecto de mudar repentinamente e
no todo a propriedade das terras, fazendo-as passar das maõs de
seus actuaes possuidores, para as dos artistas e classes trabalha-
doras.
O Parlamento suspendeo por algum tempo o habeas corpus.f
isto he a operação da ley, pela qual ninguém pôde ser prezo seuau
Miscellanea. 217
com certas formalidades, e deve ser processado dentro de certo
periodo de tempo. O Governo procedeo a mandar prender algumas
pessoas, accusadas de serem cabeças destas conspiraçoens, e seraõ
brevemente processadas pelo crime, que se lhes imputa, em conse-
qüência, de alta traição.
Mas naÕ ha, entre essas pessoas alguma de consideração;
antes os dous, que se suppoem serem os mais importantes
membros da conspiração, saõ tam pobres, que nem cama tinham
em que jazer. Um, que se chamava o secretario do Committé, he
um çapateiro remendaõ sem emprego; o outro um boticário
banca-rota.
Os proselitas deste miserável partido, saõ, como diz o Relatório
do Committé, gente da mais baixa relê: marinheiros despedidos
do serviço; fabricantes sem emprego; e vadios por custume:
Quanto aos principios, que adoptam, elles mal entendem o que lhes
dizem os cabeças, nem sabem mesmo o que querem; mas parece
que os seus missionários o que lhe pregam he a doctrina Spenceana.
Spence, de quem esta seita ou partido tira o sen nome, foi um
obscuro individuo, que haverá cousa de vinte annos publicou um
folheto, em que propunha como melhoramento do estado social, o
tirar as terras aos ricos, qne as possuem, e dali as aos pobres, que
vivem de seu trabalho; este absurdo agradava aos miserareis, e no
tempo actual, em quea estagnação do commercio tem deixado sem
emprego tantos artistas e fabricantes, este sonho de possuir as terras
dos ricos, servio de atractivo a muita gente, a quem a penúria feria
olhar, como remédio certo, os projectos mais absurdos e impracti-
caveis.
E com tudo o numero da gente sem emprego he tam grande,
que o Governo julgou necessário adoptar medidas efficazes, a fim
de prevenir que se ajunetem, e commettam roubos, qne he a única
cousa que poderão pôr em practica, e isto até que a justiça os
apanhe, e lhes imponha a pena das leys.
Quanto a grande penúria, que se observa a este momento na
Inglaterra, nós a julgamos uma conseqüência necessária do grande
numero de gente, que ficou sem emprego repentinamente, em con-
seqüência da paz. Os productos de quasi todas as colônias Europeas
VOL. XVIII. No. 105. EE
218 Miscellanea.
na America vinham, durante a guerra, ter á Ingleterra, para daqui
passarem ás de mais naçoens; este commercio de transito occupava
muitíssima gente: agora porém cessou em Inglaterra; porque
cada uma das outras naçoens pôde ir á America buscar aquella
parte dos productos, que precisa para seu consumo.
Mas, por mais natural que seja este modo de raciocinar, as classes
trabalhadoras, que se acham sem emprego, e por tanto sem meios de
subsistência, vexam-se com a miséria, e dam ouvidos aos dema-
gogos, que lhes promettem alivio a seus males, por mais imprac-
ticovel que seja a verificação de taes promessas.
Está claro, que naõ ha nenhum Inglez que pense, que naõ
conheça a superioridade das instituiçoens políticas de seu paiz,
quando as compara com as do resto da Europa disto mesmo se
gabam elles todos dias: he logo manifesto, que as doutrinas deste
punhado de revolucionários naõ podem achar partidistas, senaõ
nas classes mais ignorantes, e mais depravadas da sociedade.

NAroi-ES-
Achamos publicada, em algumas gazetas, a seguinte favorável
relação, do estado actual dos negócios públicos no Reyno de Ná-
poles, e, ainda que supponhamos nisto alguma exaggeraçaõ, he do
nosso dever publicar estas importantes noticias, que passam sem
coiitradicçao. O artigo he datado de Napoies, aos 2 de Fevereiro;
e diz assim:—-
" O nosso Governo tem formado com a Áustria a mais intima
aliiança. Se julgarmos pelas nossas relaçoens politicas, supporia-
mo*, que Fernando éra do sangneda Casa d' Áustria, em vez de ser
descendente dos Bourbons. Comparados com o resto da Europa,
naõ temos muita razaõ de nos queixar. A nossa situação financial
tem ido melhorando ha alguns tempos a esta parte. As inscripçoens
tem subido de 52 a 59 por cento, e em todos os ramos do sei viço
publico Saõ os pagamentos feitos com pnnctualidade. M. Nasetti,
o Ministro da Marinha, porém, he accusado de negligencia.—
O melhoramento de nossas finanças he attribuido a um empréstimo
de 10 milhoens de francos, e a algumas operaçoens fwaneiaes do
Miscellanea. 21D
Cavalheiro Hcdici, que tem sido bem succedidas. Os Ministros
publicarão em breve tempo um relatório sobre os rendimentos e des-
per.as do Estado. O rendimento, sem incluir o de Sicilia, chega
a 17 milbones de ducados Napolitanos. Os tributos cobram-se com
muita facilidade; e devemos isto ao systema Francez,que o presen-
te Governo, com bastante propriedade, tem continuado, visto que
nada pode ser mais desastroso para o Thesouro publico, do que a
mudança repentina, no modo de cobrar os impostos. Porém,
quando se olha para as despezas extraordinárias dos annos passados,
que chegam a sommas consideráveis, naõ pôde admirar que haja
um déficit, ainda com este rendimento, de 17 milhoens, Alem
disto Lord Bentick pôz o exercito Siciliano no mesmo dispendioso
estabelicimento do exercito Inglez, e a pouca inclinação, que tem
os Napolitanos, para o serviço militar, naõpermilte que se faça dimi-
nuirão no soldo. O numero de officiaes em serviço activo, c os que
nao saõ chamados a serviço chega a 7. 500, He bem sabido que o
maior erro dos Governos instituídos por Bonaparte éra o de empre-
gar demasiado numero de pessoas. O Governo está agora traba-
lhando para remediar este mal, com prudentes reformas em vários
ramos da Administração, o qne produzirá consideráveis poupanças
c fará practicavel a diminuição dos encargos de tributos, fie pro.
vavcl que o Governo naõ excederá este anno o máximo de despezas,
fixo pelo Parlamento de Sicilia, que foi 1:800. 000 onças. Geral-
mente convém todos, que naõ será prudente sobrecarregar aquella
illia, que o rumor comimim diz estar muito rica, porém que de facto
naõ hc assim. As grandes pretensoens da Sancta Sé fazem mui
vagarosos os progressos das negociaçoens entre Roma e Napoies.
Fsle Governo mui a propósito se oppóem á censura dos livros antes
de serem impressos, que o Papa deseja dar aos Bispos. Se se con-
cordar nesta proposição, ficará totalmente extineta a liberdade da
imprensa; porém a Corte de Napoies considera, que hc sufficiente
conceder aos Bispos o direito de expedir as suas pastoraes contra os
livros ja impressos. A Corte de Roma insiste também na prohibi-
çaõ de toda a sorte de culto, que naõ for o da Religião Catholica
Romana, Asseguram-nos que El Rey tem consentido neste ponto»
de que seremos privados da liberdade do culto religioso, no Reyno
de Napoies."
EE 2
220 Miscellanea

SUÉCIA.

O Principe Oscar, filho do actual Principe da Coroa, foi nela


primeira vez introduzido em publico com character official aos 28 de
Janeiro. A assemblea militar de Suécia, que naõ tinha feito ses-
soens desde o anno de 1793, se ajunetou naquelle dia, no Palaoio
Real, ás 11 horas da manhaã. Consistia de Generaes, Coronéis
e um deputado de cada regimento, escolhido como representante dos
demais officiaes. O Principe fez uma falia, em que declarou, que
tinha sido nomeado por El Rey Vice-orador deste Parlamento Mili-
tar; cumprimentou muito os officiaes, epropos os objectos do ajunc-
tamento, a • que S. M. queria apresentar planos mui interessantes,
sobre o modo de prover á situação dos inválidos e pensionados, por
serviços miltares; e concluio nomeando o Conde Steding orador
da assemblea. Foram depois todos os officiaes cumprimentar a El
Rey e ao Principe da Coroa, de quem fôram mui bem recebidos.
Em um ponto de vista politico, naõ precisa mui a sagacidade pa-
ra conhecer, que éslas medidas saõ tendentes a conciliar as tropas
para que protejam a nova linha de successaõ; porque os melhora-
mentos em sua situação vem assim propostos, e como suggeridos, pela
*amilia de Bernadotte; he natural, que elle se dirija também á As-
semblea dos Estados, com igual modo de conciliação.

WlRTEMBURG.

El Rey, logo que subio ao throno, nomeou uma juncta de Com-


missarios, para esboçarem um plano de Constituição do Estado, se-
gundo o qual pudessem cessar as dissençoens que tinham existido
entre os Estados do Reyno e El Rey defuncto Os Commissarios
acabaram ja a sua tarefa, apresentaram o plano a El Rey, e S. M,
tomou-o immediatamente em consideração, n'um Conselho d'Esla-
do presidido pelo mesmo Rey; e diariamente continuam astliscus-
soens. Dizem que este exame do plano se acabará em tempo, para
apresentar um Acto Constitucional, como proposição Real, ante a
Assemblea dos Estados, na sua próxima sessaõ; e todos esperam
da benevola disposição d* El Rey, que remediará todos os motivos
de qneixa, que até aqui existiam contra o Governo.
221

CONRESPONDENCIA.

Carta ao Redactor sobre o Commercio de Lisboa.

Senhor Redactor do Correio Braziliense


Lisboa 5 de Dezembro de 1810.
ce
Como Vm . dedica quasi sempre o seu Periódico a um Artigo de
Commercio, espero que bem caiba nelle o Requerimento que lhe remetto,
pendente no Concelho da Fazenda, a quem o Governo o mandou consultar.
Bem sabe Vm ce . que as Fazendas d'Ásia, depois da Ley de 4 do Fevereiro de
1811,s6 pagavam 16 por cento de direitos nos Dominios de S.M.F.: cesta foi
a tarifa até agora, que a Casa da índia, passados seis annos desta intelligencia
e observância da Ley,se sáe pedindo inais 4 por cento, a titulo de donativo.
Esta inovação mui fértil em observaijoensde muitos gêneros, que lem desaten-
tado as negociações d'alem do Cubo de Boa Esperança, único ramo de Com-
mercio que nos restava, depois da emancipação do Brazil, e do fatalissimo Trac-
tado de 1810, que vai cavando profundamente a nossa mina, hé que deo mo-
tivo á representação. Nella teiu Vm cp tliema vastíssimo, c campo livre
para as suas idéas Economico-poKticas, em que gastará gnclhor o seu tempo
qne com o atrabilario ex-frade,que só galra, ou, para melhor dizer, zurra,
depois que sefinouBocage, cujo latego duro o zurzia ao vivo. Deixe esse
zangaò literário ao desprezo da opinião publica: mande-lhe restituir aos Pau-
listas os Sanctos Padres, que lhes escamou da Biblioteca, e ao Livreiro o preço
que lhe surripiou por elles; e naõ çuge mais com esse nome impuro as suas
paginas, que sú devem consagrar-se a cousas úteis, como por seu objecto hé,
sem duvidu, este requerimento, que, conhecido pela imprensa, pode dar lugar
ao desenvolvimento c discussão d'um ponto de Commercio, e Administração
dinteresse verdadeiramente Nacional. Assim se preparam e apuram nesse
paiz, pelo orgaõ dos Jornaes, os negócios de mais alta importância, antes de
chegarem á sancçaõ do trij>ar(ido Poder Legislativo.

PUBUCOLA.

Requirimento apresentado aos Governadores do Reync.

Senhor.
Dizem os Negociantes abaixo assignados, que, estando na posse de
pifar 10 por cento de direitos pelas fazendas d'Ásia, desde o novíssimo Alvará
de 4 de Fevereiro de 1811, se lhe pedem d improviso na Caía da índia mais
222 Conrespondencia.
4 por cento de Donativo j exacçaõ que tem paralisado naõ s*5 todo o despa-
cho, e expedição desta Alfândega, mas arrefecido todas as negociaçoens, pro-
jectadas para alem do Cabo da Boa Esperança, na próxima monçaõ.
Da-se por motivo desta innovaçaõ inesperada, que o Donativo, naõ sendo
Direitos, ficou fora da taxa dos 16 do Alvará. Hé verdade, que os 4 por cento
principiaram por offerta dos Negociantes da Praça, para reedificaçaõ das
Alfândegas, e seus Armazéns; mas se depois d'acceite este Dom, e incorporado
nos próprios da Coroa, tornando-se de voluntário em necessário, conservou o
nome primitivo, nem por isso deixa de ter a indole de tributo, e de ser perce-
bido como tal.
O Alvará, alem disto, mandando no §32, que as Fazendas d'Ásia paguem só
16 por cento, naõ pode entender-se que nelles naõ incluísse o Donativo; Primo,
porque, se o quizesse excluir, o teria declarado expressamente, como era indis-
pensável em matéria de Direitos, de sua natureza restrictissima. Secundo,
porque, pagando até alli as Fazendas 32 por cento, em que era comprehendido
o Donativo dos 4 por cento, e querendo V. M. que d'alli por diante pagassem só
meios Direitos, como se collige do mesmo §, naõ pôde de nenhuma forma con-
ceber-se que dos 16 por cento, que hé a metade, ficassem excluídos os 4 de
Donativo. Esta hé a letrada Ley, e o seu espirito, que melhor se conhece
remontando âs suas cansas.
A Inglaterra, que de tempo immemorial anhelava por introduzir as manu-
facturas d*algodaõ neste Reyno, conseguio em 1810 este triumpho da sua indus-
tria. V. M. conhecendo logo, que a entrada dos tecidos Inglezes seria nm
golpe mortal ao nosso Commercio d'Oriente, porque as Fazendas, pagando,
alem de grandes fretes, 38 por cento de direitos, naõ podiam competir com as
lnglezas, que só pagam 15, houve por bem reduzillas a 16 por cento, para
aproximativãmente as nivelar. Foi o Alvará de 1811 como um correctivo do
Tractado de 1810.
Ora, se esta foi a mente do Alvará, como poderá crer-se que V. M.
abaixando a 16 os Direitos, quizesse que sobre elles se pagassem mais 4, se
assimficavaperdido todo o equilíbrio entre as mercadorias Asiáticas, e ln-
glezas ? Os Inglezes pelo Tractado podem importar em todos oi Dominios de
V. M. os productos da sua cultura, e das suas Fabricas, ou sejam da Europa, ou
das suas possessoens nas outras partes do Mundo. Quem os impedirá pois
de trazerem a Portugal, e ao Brazil as Fazendas de Bengalla, tendo o favor de
5 por cento, nos direitos d'entrada? Elles, que os carregam dobrados a toda a
importação em Navios Estrangeiros, pagariam neste caso 15 por cento, e os
Supplicantes 20, com esta differença ainda, que aquelles seriam calculados
sobre o valor dasFactnras; e estes sobre o da pauta, feita em tempo, que as
fazendas se vendiam pelo dobro do preço que hoje valem; o que faz que os
actuaes 16 por cento que pagam, saõ mais pezados que os antigos 32.
Conrespondencia. 223
Na Arithmetica das Finanças dous e dous naõ sommam quatro Naõ saõ
OB grandes direitos que avultam, saõ os freqüentes multiplicados. A expe-
riência o tem mostrado. Depois que V. M. abaixou os das mercadorias da
Ásia, tem os Supplicantes entretido neste negocio de dez a doze Navios por
anno,e estes com meios Direitos tem rendido muito mais qne dous ou tres,
que antes seguiam nesta carreira.
Este Commercio, de primeira maõ, tem naõ só provido o consumo interior
por melhor preço que o das mercadorias Europeas, mas abundado o nosso
mercado paracopiosas e pingues baldeaçoens, seu principal objecto, tem oc-
cupada a navegação mercante, sem a qual naõ pode haver Marinha Militar,.
tem deixado interesses aos Especuladores, fretes aos Proprietários dos
navios, prêmios aos Seguradores e importantes Direitos ao Estado.
Todas estas vantagens, que principiaram a diminuir depois da paz geral,
pela afluência dos Americanos em todos os portos da Europa, seraõ perdidas
de todo pelo augmento dos 4 por cento, que recahindo já sobre os 16 contados
sobre valores excessivos da Pauta, naõ podem deixar d'amortecer as nossas
negociações Asiáticas; e Lisboa, chamada pela Natureza a ser o Empório do
Commercio do Mundo, como já foi nos faustos diaa da Monarchia, acabado
este ramo de negocio, perdido para nós o do Brazil, comendo, e vestindo
do Estrangeiro, offerecerá o doloroso espectaculo da sua decadência total, se
V. M. lhe naõ acudir com sabias providencias, e novos regulamentos, aná-
logos ás nossas circumstancias actuaes.
Naõ saõ isto, Senhor, terrores pânicos; saõ effeitos infalliveis de causas
necessárias, que ha muito sentimos, e que deverá peiorar, se a tempo se lhe
naõ ministrar remédio. Naõ temos que vender, saldamos já o nosso ba-
lanço passiyo com precioso cunhado. O abatimento dos câmbios mostra o
nosso estado ruinoso, e precário.
Os Negociantes e os Artistas, saõ por assim dizer Cosmopolitas, seguem o
Commercio, e a Industria, qne, depois da Agricultura, trazem a abundância
e as riquezas, que fazem a prosperidade, e a força das Naçoens. Os Estran-
geiros, ou desertam daqui, ou já naõ vem; porque, naõ achando como d"antes
as nossas abundantes producçoês coloniaes, naõ tem em que especulem, e os
Nacionaes, por mais devotos e apegados que sejam ao paiz, todos os milagres
do seu patriotismo seraõ estéreis para elles, e para o Estado, se o Estado os
naõ ajudar, e proteger; e o melhor plano de conseguir este fim salutar, será
reformar as tarifas das Alfândegas, diminuir os Direitos das entradas, e das
baldeaçoês. Este será o único meio de continuar o Commercio d'Ásia, e
d'attrahir outra vez os effeitos do Brazil aos portos de Portugal. Hé preciso
aproveitar a nossa posição geographica,ftizerde Lisboa o entreposto, e escala
do Commercio do Mundo, e nada disto se pode obter senaõ pela modicidade
dos direitos, mais productiva que todos os systoma» restrictivos, que podiam
224 Conrespondencia.
convir ao nosso antigo regimen Colonial, mas nao ao presente, que reúne
todas as partes do vasto Império de V. M.
A abertura do Brazil a todas as nações, a sede do Throno no Rio-de-
Janeiro exigem novas Instituições da sabedoria e beneficência de V. M. Os
Supplicantes que as esperam, entretanto.
P. a V. M. seja servido mandar declarar á Casa
da índia que os 4 por cento do denominado Do-
nativo, se entendem comprehendidos, como até
aqui, nos 16 por cento do Alvará, dando interi-
namente a providencia necessária para se desem-
baraçar o expediente e despacho da mesma Casa,
ha muito tempo suspenso pela nova duvida sus-
citada.
E.R.M.

Resposta a Correspondentes.

T. M. de P. A sua supposiçaõ he falsa: este Periódico naõ tem


connexaõ alguma directa ou indirecta com outro algum Periódico;
portanto, o que propõem he inadmissível; assim como os motivos
que allega saõ absurdos.

G. T. Os documentos ainda nos naõ chegaram á maõ; e se os


mandou pelo Correio nunca nos chegarão.

Bahiense. As noticias dessa cidade sempre nos saõ interessantes;


e naõ tenha escrúpulo de as mandar, na consideração de ja nos terem
chegado; sempre estimamos isso, quando naõ fosse por outra razão*
porque pela variedade da opinião de muitos correspondentes, pode-
mos fazer o nosso juizo sobre a veracidade dos factos; com maior
probabilidade de nos naõ enganar-mos.
Corre.io Uraziliense.
t,._,j> , KV.XVUI,
'S

Obverso da medalha de úmvnettdador, 'MedaVuxde,Gramr(yuz,qu»anéíímpa-m


?. Reietvo da mesma. por uma fila aad ao -tiracolno* diu «*"•
flhva-so da Medalh/i de Cavalleiro. dínario*. e twrpenta ao peicooo.por im
'veiwo da meema. Collar Armado detorrvre eepiuiu; IUV itú
CORREIO BRAZILIENSE
DE MARCO, 1817.

Na quarta parte nova os campos ára,


E se mais mundo houvera Ia chegara.
CAMOENS, C. VII. e. 14.

POLÍTICA

RÊYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES,

Decreto, para renovação da Ordem de Cavallaria da


Espada.

s ENDO da mais alta Preeminencia dos Augustos So-


beranos, Reys, e Imperadores a acçaõ de crear novas
Ordens de Cavallaria, com que possam remunerar os mais
relevantes serviços, assim dos seus Vassalos, como de
illustres Estrangeiros, que não tiverem outro prêmio, que
lhes seja equivalente, senão o da honra; e sendo a referi-
da acção praticada pelos maiores Príncipes quasi sempre
nas Épocas mais assignalladas; não podendo deixar de se
contar entre estas a presente da minha feliz jornada para
estes Estados do Brazil, donde espero hajam de resultar
não s6 grandes reparos aos damnos actualmente experi-
mentados pelos meus povos no Reyno de Portugal, mas
também muitos lucros e suecessos de honra, e de gloria.,
VOL. XVIU. No. 106. FF
226 f-Vmi*wu.
devidos á sua fidelidade, e á abundância dos meus thesou-
ros da America, e liberdade de commercio, que fui servi-
do conceder aos seus naturaes. E considerando, que
nenhuma das tres Ordens Militares, que actualmente per-
sistem nestes meus Reynos, por serem junctamente religi-
osas, se pode applicar aquellas pessoas, que não tiverem a
felicidade de professarem a nossa Sancta Religião, aliás
merecedoras das mais distinctas honras por armas, ou por
outros quaesquer empregos, ou serviços, de cujo mereci-
mento me seja necessário usar com muita freqüência para
as grandes emprezas, a que me conduz uma nova ordem
de negócios. Por estes, e por outros motivos igualmente
dignos, e ponderosos, tenho resolvido renovar- e augmen-
tar a única Ordem de Cavallaria, que se acha ter sido in-
stituída puramente civil, por algum dos Senhores Reys
Portuguezes, qual a intitulada Ordem da Espada, que o
foi pelo Senhor Rey D. Affonso o V. de muito illustre, e
esclarecida memória; para cujo fim fui já servido na Ci-
dade da Bahia mandar abrir uma Medalha com esta
Letra = Valor, e Lealdade, = e com que tenho gratifi-
cado dous beneméritos Vassallos do meu fiel, e antigo
Aluado El-Rey da Gram Bretanha. E porque não cabe
no tempo determinar o numero de Cavalleiros, Gram
Cruzes, e Commendadores com as Sesmarias, ou Pensoens,
que lhes devem ficar annexas, e outras mais considerações
em favor das pessoas, que tão lealmente me acompa-
nharam, e assistiram, sacrificando os seus próprios interesses
ao maior bem da honra, e da vassallagem, que me he
d evida; e por outra parte não convém demorar mais tempo
a publicação desta tão importante obra, tanto mais esti-
mavel quanto mais próxima for da sua origem. Hei por
bem confirmar a sobredita Ordem de Cavallaria denomi-
nada da Espada, que se acha haver sido instituída por Meu
Avô de gloriosa memória, o Senhor D. Affonso o V.,
Politica. 227

chamado o Africano, na Era de mil quatrocentos cincoenta


e nove • para que haja de ter o seu devido effeito, como se
fosse novamente creada por mim, e suscitada logo depois
que cheguei tão felizmente ao porto da Cidade da Bahia :
Quero que sirva este Decreto de baze á Ley da Creação,
que mando formar. E ordeno a Dom Fernando José de
Portugal, do meu Conselho de Estado, Ministro Assis-
tente ao Despacho do meu Gabinete, e Presidente do
Real Erário, me haja de apresentar os novos Estatutos,
que houverem de resultar das conferências, de que o tenho
incumbido, e das mais instrucções, que for servido d a r -
lhe. Palácio do Rio-de-Janeiro, em treze de Maio de
mil oito centos e oito.
Com a Rubrica do P R Í N C I P E R E G E N T E , N . S.

Carta de Ley, para instaurar e renovar a Ordem da


Espada.

DOM JOAÕ P O R GRAÇA D E D E O S P R Í N C I P E


REGENTE de Portugal, e dos Algarves, daquem,e dalém
Mar em África, de Guiné, e da Conquista, Navegação, e
Commercio da Ethiopia, Arábia, Pérsia, e da índia, &c.
Faço saber aos que a presente Carta de Ley virem, que
tendo sido instituídas, e creadas as diversas Ordens de Ca-
rallaría em todas as idades, não só para marcar na posteri-
dade asEpocas mais faustas, e assignalladas, em que se obra-
ram acções heróicas, e feitos gloriosos em proveito, e aug-
mento dos Estados,mas também para premiar dístinctos
serviços militares, políticos, e civis, e sendo esta moeda da
honra a mais inexhaurivel, e a de mais subido preço para
estimulo de acções honradas; e havendo sido por estes
ponderosos motivos creadas as que ha nesta Monarquia;
mas não podendo bastar, porque tendo-sc-lhes unido
FF 2
228 -T \S<U t l > f t / u «

instituições, e ceremonias religiosas, não quadram aos


Estrangeiros de diversa crença, e communhaõ, merece-
dores de prêmios desta natureza: Querendo Eu não só
assignallar nas Eras vindouras esta memorável Época,
em que aportei felizmente a esta parte importantíssima
dos meus Estados, os quaes por meio deste grande, e ex-
traordinário acontecimento, e pela immensa riqueza dos
thesouros, que lhes prodigalizou a natureza, e pela liber-
dade, e franqueza do commercio, que fui servido conce-
der aos seus naturaes, hão de elevar-se a um gráo de
consideração mui vantajozo. Desejando outrosim premiar
os distinctos serviços de alguns illustres Estrangeiros,
vassallos do meu antigo, e fiel alliado El Rey da Gram
Bretanha, que me acompanharam com muito zelo nesta
viagem. Considerando, que a única Ordem puramente
Politica, e de instituição Portugueza he a que foi creada
na Era de mil quatrocentos cincoenta e nove pelo Senho-
Key D. Affonso V. de muito illustre, e esclarecida memó-
ria, denominado o Africano, com o Titulo de Ordem da
Espada, para celebrar o ditozo acontecimento da con-
quista, que emprehendera; e que com a renovação delia
se enchem os ponderosos, e úteis fins de assignallar o feliz
acontecimento da salvação da Monarquia, e da prosperi-
dade, e augmento deste Estado do Brazil, e de premiar
também aquelles meus vassallos, que preferiram a honra
de acompanhar-me a todos os seus interesses, abando-
nando-os para terem a feliz dita de me seguirem. Fui
servido instaurar, e renovar a sobredicta Ordem da
Espada por Decreto de treze de Maio do corrente anno,
que se publicará com esta minha Carta de Ley; e para
dar-lhe mais estabilidade, e esplendor, tendo ouvido o
parecer de pessoas mui doutas, e mui zelosas do meu
Real Serviço, e da felicidade desta Monarquia, hei por
bem determinar o seguinte.
Política. 229
I. A mencionada Ordem ficará designada com o nome
da Torre e Espada, sendo Eu o Gram-Mestre delia;
e Gram Cruz Commendador Mòr o Principe da Beira;
Gram Cruz Claveiro o Infante D. Miguel, meus muito
amados, e prezados filhos; e Gram Cruz Alferes, o In-
fante D. Pedro Carlos, meu muito prezado sobrinho; e
me praz outrosim determinar, que para o futuro serão
sempre Grans Mestres os Senhores Reys desta Monar-
quia, e Grans Cruzes os Príncipes, e Infantes, sendo
Commendador Moro Successor Presumptivo da Coroa, e
Claveiro o mais velho dos Infantes, e Alferes o que se
lhe seguir.
D. Terá a mesma Ordem, além dos sobredictos mais
dose Grans Cruzes, seis Effectivos, e seis Honorários, os
quaes passarão por antigüidade a Effectivos na morte de
algum delles. Serão os nomeados para elle pessoas da
maior representação, e a quem já competia o tractamento
de Excellencia pela graduação, em que estiverem; e caso
o não tenham, pela nomeação de Gram Cruz lhes ficará,
pertencendo.
III. Poderão ser elevados a esta Dignidade aquelles
dos meus vassallos, que mais se tiverem avantajado no
meu Real serviço por acções de alta valia na carreira
militar, tanto no meu exercito de terra, como de mar, e
na politica, e civil, ficando reservado ao meu Real arbí-
trio o avaliar a qualidade de serviços, que merecem esta
honrosa recompensa.
IV. Haverá oito CommendadoresEffectivos; e Hono-
rários os que Eu houver por bem nomear; os quaes
irão passando para Effectivos, quando vagar alguma com-
menda por falecimento de algum commendador segundo
a antigüidade de suas nomeações. Serão as oommendas
igualmente conferidas por serviços relevantes, que me
230 jromrtvci.

tenham sido feitos por pessoas distinctas por empregos


militares, e políticos.
V. Os Cavalleiros desta Ordem serão também pes-
soas de merecimento relevante, e empregadas no meu
R e a l serviço; e sô se farão estas mercês em recompensa
de serviços sem que seja licito a alguém premiado com
a Venera desta Ordem renunciar em outro a Mercê, que
lhe foi feita. Os seis primeiros, que forem nomeados
Cavalleiros desta Ordem, terão uma tença de cem mil
réis, e por morte de algum delles succederá na tenca
o que preceder em antigüidade.
V I . A Insígnia desta Ordem será uma Chapa de
Ouro redonda, que terá de um lado a minha Real effi-
gie, e no reverso uma Espada com a Letra = Valor, e
Lealdade = para os simples Cavalleiros: eparaosCom-
mendadores, e Grans Cruzes terá mais uma Torre no
cimo delia; e poderão na cazaca usar de Chapa, em que
tenham a Espada, a Torre, e a Legenda acima referida.
VIL A s medalhas serão pendentes de fita azul; e os
Grans Cruzes trarão por cima da cazaca, ou farda
bandas da mesma côr, e hum colar formado de espadas,
e torres sobre ellas nos dias de Corte, e grande Gala *. e
nos mais dias trarão sô as bandas por cima da vestia como
he determinado, e praticam os Grans Cruzes,Commen-
dadores, e Cavalleiros das tres Ordens Militares; e os
colares, e chapas serão conformes aos padrões, que vão
desenhados.
VIII. As Grans Cruzes, por falecimento dos que as
tiveram, serão entregues ao meu Ministro de Estado dos
Negócios do Brazil, para me fazer entrega dellas; e por
elíe mesmo serão remittidas aquelles, a quem Eu houver
por bem Conferillas.
EX. Sendo o fim principal da renovação desta Ordem
o premiar as grandes acções, e serviços, que se me fize-
Politica. 231
rem, hei por bem estabelecer seis commendas para os
seis Grans Cruzes Effectivos, que hão de consistir em uma
doação de duas legoas de raiz, ou quatro quadradas de
terra cada uma, e oito commendas de legoa e meia de
raiz, ou duas e um quarto quadradas para os Commen-
dadores.
X. Estas commendas constarão da quantidade do
terreno acima dicto, que estiver inculto, e desaproveitado,
e absolutamente por cultivar, e em que nenhum dos meus
vassallos tenha dominio, ou posse, ou qualquer outra per-
tençaõ.
XI. Por morte dos Commendadores passarão ellas
para aquelle, a quem E u fizer mercê, com todos os a u g -
mentos, que tiverem; e aos Commendadores será licito
aflorarem parle do terreno das commendas a colonos
brancos para augmento da agricultura, e povoação, perce-
bendo o foro, e ficando com todos os direitos, e faculdades,
que tem os Senhores directos em qualquer afforamento,
XII. Vagando alguma commenda por morte do Com-
mendador, ou porque seja privado delia por sentença
proferida legalmente por delicto, por que a deva perder ;
o Magistrado do lugar, em que ella for situada, fazendo
logo uma legal arrecadação, me dará conta pelo Presi-
dente do Meu Real Erário: e pelo mesmo Magistrado se
mandará administrar, em quanto estiver vaga, e até que
seja de novo conferida pela maneira estabelecida pelas
minhas Leys, e mais Reaes Disposições.
XIII. O total destas Commendas ha de constituir o
Patrimônio da Ordem; e para se estabelecerem, prece-
deráõ informações das diversas Capitanias deste Estado,
para se conhecer aonde ha terrenos incultos, e desaprovei-
tados, que convenham para esta Instituição, cujo regimen
se estabelecerá melhor nos Estatutos, que Mando formar
para esta Ordem.
232 Politica.
XIV. Em cada anno no dia vinte e dous de Janeiro,
em memória daquelle, em que aportei a estes Estados se
celebrará a Festa da Ordem pela maneira, que Eu hou-
ver por bem Regular.
XV. Hei por bem encarregar o exame, decisão, e
expediente dos negócios desta Ordem â Mesada Cons-
ciência e Ordens, que entenderá nelles pela mesma fôrma,
e maneira, por que o faz nos das mais Ordens.
XVI. Os Cavalleiros, a quem Eu fizer mercê da
Insígnia desta Ordem, depois de tirarem as suas Provi-
sões, se apresentarão em uma das casas do mesmo Tri-
bunal, e prestado o juramento de Valor, e Lealdade, lhes
lançará um Cavalleiro, ou Commendador da referida
Ordem a Insígnia, com assistência de mais dous, lavrando-
se disso termo em um Livro, que haverá para este fim.
XVII. Os privilégios desta Ordem serão os mesmos,
de que gozam os GransCruzes,Commendadores, e Caval-
leirGS das tres Ordens Militares; e terão por seu Juiz, quo
se denominará dos Cavalleiros da Ordem da Torre, e Es-
peda, um Magistrado de distincta graduação, que deverá
ser Commendador, ou Cavalleiro da mesma Ordem.
XVIII. Os Grans Cruzes devem preceder aos Com-
mendadores, quando aconteça concorrerem junetos; e
entre si serão precedidos pelas Dignidades, segundo a
graduação acima exposta, e cada um pela sua antigüidade
na concessão, e mercê da Gram Cruz.
XIX. Devendo ter esta Ordem estatutos apropriados
para o seu regimen, e não convindo, que se façam senão
depois de creadas e estabelecidas as Commendas; ordena
que pelo meu Ministro, e Secretario de Estado dos Ne-
gócios do Brazil se expéçam ordens para os Governadores
das diversas capitanias deste Estado, a fim de que infor-
mem os terrenos, que ha nas suas capitanias baldios, e
que nunca fossem possuídos, e com as circunstancias ne-
Politica, 233
cessarias para o estabelecimento destas commendas.
E outrosim, que formadas ellas, e organizado tudo o
mais, que convém, se formem os estatutos para firmeza,
e bom governo desta Ordem.
E esta se cumprirá, como nella se contém. Pelo que
mando ã Meza de Desembargo do Paço, e da Consciência
e Ordens; Presidente do Meu Real Erário; Regedor da
Casa da Supplicaçaõ do Brazil; Conselho da minha Real
Fazenda: Governador da Relação da Bahia; Governa -
Cores e Capitães Generaes, e mais Governadores do Bra-
zil, e dos meus Dommios Ultramarinos; e a todos os
Ministros de Justiça, e mais Pessoas, a quem pertencer
o conhecimento, e execução desta Carta de Ley, que a
cumpram, e guardem, e façam inteiramente cumprir, e
guardar, como nella se contém, não obstante quaesquer
Leys, Alvarás, Regimentos, Decretos, ou Ordens em con-
trario ; porque todos, e todas hei por derogados para este
effeito somente, como se delles fizesse expressa, e indivi-
dual menção,,ficandoaliás sempre em seu vigor. E ao
Doutor Thomaz Antônio de Villanova Portugal, do Meu
Conselho, Desembargador do Paço, e Chanceller Mõr do
Brazil, mando que a faça publicar na Chancellaria, e que
delia se remetiam copias a todos os Tribunaes,Cabeças de
Comarcas, e Villas deste Estado: Registando-se nos lu-
gares, aonde se costumam registar semelhantes Carta», r e -
mettendo-se o original para o Real Archivo, aonde se hou-
verem de guardar os das minhas Leys, Regimentos,
Cartas, Alvarás, e Ordens. Dada no Palácio do Rio-de
-Janeiro em vinte e nove de Novembro de mil oitocentos
eoito
O PRÍNCIPE Com Guarda.

VoL. XVIII. No. 106. GG


£34 Política.

Alvará ampliando o Decreto de 13 de Maio c Carta


de ley de 20 de Novembro de 1808-

Eu o PRÍNCIPE REGENTE faço saber aos que o presente


alvará com força de ley vivem, que havendo instaurado a
Ordem da Torre e Espada, pelo decreto de 13 de Maio
do anno passado, dándo-Ihe forma e regulamento, pela
Carta de Ley de 29 de Novembro do mesmo anno, naõ
sô para marcar na posteridade a epocha em que feliz-
mente aportei a este Estado, e estabeleci a ampla liber-
dade de commercio, franqueando-o a todos os navios na-
cionaes e estrangeiros mas também para premiar os illus-
tres e beneméritos vassallos d' El Rey da Gram Bretanha?
meu antigo efiel alliado, que me accompanharam com mui-
to zelo nesta viagem, e aquelles dos meus vassallos, que
antepozéram a honra de seguir-me: e sendo os prêmios
desta natureza os mais capazes de produzir estímulos de
honra e de virtude, quando saõ repartidos com economia
e sobriedade, de maneira que se naõ tornem vulgares, e
percam o seu preço e valor: desejando atalhar estes incon-
venientes, que frustrariam o fim e desígnio da Instituição
desta Ordem meramente civil e politica: e querendo
outro sim regular melhor a forma, com que se deve lan-
çar a insígnia aquelles aquém Eu fizer mercê; hei por bem
em ampliação e declaração do sobredicto Decreto e Carta
-de-Ley determinar o seguinte
1. Naõ se tendo fixado o numero de Commendadores
Honorários e Cavalleiros; e convindo fazêllo ; sou servi-
do determinar, que os Commendadores Honorários na6
sêjâm mais de vinte e quatro, e os cavalleiros de cem
naõ podendo pessoa alguma requerer, nem devendo
conferir-se qualquer destas mercês, em quanto estiver
cheio o numero acima referido.
2. Sendo establecido no § XVI da Carta de Ley de
Politica. 235
Ley de 29 de Novembro do anno passado, que as insígnias
sejam lançadas em uma das Casas da Meza da Consciên-
cia e Ordens, a quem encarreguei o exame, decisão e ex-
pediente dos negócios da Ordem: hei por bem que sô os
Deputados deste Tribunal possam lançállas, com assistên-
cia de dous cavalleiros ou commendadores, fazendo-o um
em cada mez, e sendo a propina depositada para se re-
partir por todos no fim de cada mez, a qual será igual á que
percebem os Priores Mores das tres Ordens Militares.—
£ o juramento será lavrado pelo Official Maior do mesmo
Tribunal e assignado pelo novo cavalleiro, e pelos que
assistiram, comprehendido o que lançou a insígnia.
3. No expediente dos Alvarás se haverá a Meza, como
se practica com os cavalleiros das tres Ordens Militares,
harendo-se por habilitados todos ã quem Eu fizer mercê
da insígnia da Ordems da Torre e Espada, sem precisão
da dispensa de habilitaçoens
E este se cumprira como nelle se contém. Pelo que
mando á Meza do Desembargo do Paço e da Consciência
e Ordens, e a todos os tribunaes e mais pessoas a quem
haja de pertencer o conhecimento deste Alvará, que o
cumpram e guardem. E valerá como carta passada pela
chancellaria, posto que por ella naÕ ha de passar, e que o
seu effeito haja de durar mais de um anno, sem embargo
da ley em contrario. Dado no Palácio do Rio-de- Janeiro
em 5 de Julho de 1809.

PRÍNCIPE .

Conde d' Aguiar.


Alvará, por que se alteram as insígnias da
Ordem da Torre e Espada.
Eu o PRÍNCIPE REGENTE, faço saber aos que este alvará
de declaração virem, que havendo estabelecido pela carta
238 Politica.
de ley de 29 d* Novembro de 1808, que os Gram cruzes
* Commendadores da nova Ordem da, Torre e Espada u-
«assem na cazaca de uma chapa na forma do modelo, que
com a mesma carta de ley se irapriaiio; sou servido que
da Mesma continuem a usar, com a differença somente*
que * legenda Valor e Lealdade seja inscripta com letras
de outro em campo azul ferrete: e determino outro sim,
que os cavalleiros da dieta Ordem usem também da torre
sobre a medalha, á maneirados Commendadores.
Pelo que mando à Meza do Desembargo do Paço e da
Consciência e Ordens; e a todos os Tribunaes e mais pes-
soas, a quem haja de pertencer o conhecimento deste
alvará, que o cumpram e guardem : e valerá como
Carta passada pela Chancellaria, posto que por ella naõ
ha de possar, e que o seu effeito haja de durar mais de um
anno, sem embargo da ley em contrario. Dado no Palá-
cio do Rio-de-Janeiro de em 23 de Abril de 1810.

PRDÍCIPB.

Conde de Aguiar.

Alvará para ereaçaõ de nova Commarett na Itíta


de foannes é Marajó.
Eu EI Rey faço saber aos que e3te Alvará com força de
ley virem, que verificando-se na minha Real presença,
pela consulta da Meza do Dezembargo do Paço, a que
mandei proceder, sobre as representaçoens do Juiz-de-
Fora da villade Marajó na Ilha de Joannes, Commarca do
Pará, serem freqüentes as desordens, abusos e crimes
commettidos na mesma ilha, contra o socego publico, ad-
ministração da justiça, e arrecadação da minha Real Fa-
zenda! sem que seja possivel ao dicto Ministro oceurrer a
Politica. 237
estes maleR, por lhe naõ ter sido dada pelo alvará de 8 de
Maio de 1811, que creou aquelle lugar, jurisdicçaõ mais
do que na dieta villa e seu termo, acrescendo a isto a fal-
ta das visitas e correcçoens annuaes dos respectivos Ouvi-
dores, oceasionada pela difficuldade e perigos que offerece
o trajecto da Cidade do Pará para a dieta ilha; propondo-
se-me ser em taes circumstancias, da mais urgente neces-
sidade a creaçaõ de um lugar de maior alçada na mesma
flha, cujo Magistrado, exercendo a sua jurisdicçaõ no gran-
de território delia, a possa opportunamente corrigir, e
prover os seus habitantes do efficaz remediode que preci-
sam. E sendo essencial ao bem commum, prosperidade
daquelles povos e interesses da minha Real Fazenda, que
se reprimam os mencionados abusos e delictos; e que se
castiguem e contenham no respeito e temor das minhas
leys os perturbadores da boa ordem e segurança publica,
afimde que pela sua impunidade se naõ renovem e mul-
tipliquem cada vez mais os crimes que a mesma produz:
tendo consideração ao referido e ao mais que se me ex-
poz, na sobre dieta consulta, em que foi ouvido o Desem-
bargador Procurador da minha Real Coroa e Fazenda.
Sou servido crear uma nova Commárca na sobredicta
ilha de Joannes, que se denominará u Comarca da Ilha
do Joannes e Marajó," e terá por destricto todo o território
da mesma ilha, sendo a viila de Marajó a cabeça da Com-
arca, e suas comarcaãj as villas antigas de Chaves, Soure,
Salvaterra, Monforte, e Monsarás, e todas as mais que
para o futuro se crearem na dieta ilha, com os lugares ou
aldeas delia,ficandodesde logo desmembrada a mesma no-
va comarca da do Pará, a que até agora pertencia, e
supprimido o lugar de Juiz-de-Fora do eivei, crime e or-
feõs, creado na dieta villa de Marajó, pelo referido alvará
•3* 8 de Maio de 1811.
23S Política.
O Ouvidov e Corregedor da nova Comarca da Una de
Joannes e Marajó, que eu houver por bem nomear; e oa
seus successores, exercerão este lugar lugar, e os cargos
que lhe saõ annexos, na conformidade das minhas ordena-
çoens, regimentos dos ouvidores geraes, e mais leys e or-
dens que se acham estabelecidas, com a mesmajurisdicçao,
ordenado, apozentadoria e propinas, que tem o ouvidor da
comarca do Pará.
E sou outrosim servido crear os officios de escrivão e
mairinho da ouvidoria e correiçaõ da dieta nova comarca;
e as pessoas que fôrem providas nestes dous officios os;
servirão na forma das I es e regimentos que lhes saõ res-
pectivos.
Pelo que mando a Meza ão Desembargo do Paço e da
Consciência e Ordens, Presidente do meu Real Erário ;
Conselho de minha Real Fazenda, Regedor da Casa da
Supplicaçaõ, e ao Governador e Capitão General da Capi-
tania do Pará, e todos os mais Governadores, Magistra-
dos, Justiças e outras quaesquer pessoas, a quem o co-
nhecimento deste Alvará pertender o cumpram e guardem,
e façam cumprir e guardar tam inteiramente como nelle se
contém, naÕ obstantes quaesquer leys regimentos ou
ordens em contrario, porque todas e todos hei por derro-
gados, como se dellas fizesse expressa e individual men-
ção ficando alias sempre em seu vigor. E este valera
como carta passada pela Chancellaria, posto que por ella
naõ ha de passar, e o seu effeito haja de durar mais de um
anno, sem embargo da Ordenação em contrario* Dado
no Rio-de*Janeiro dos 17 de Agosto 1816.

Rey,
Politica. 239

LISBOA.

Edictal do Senado da Câmara, sobre a escacez do paõ.


SENDO presente no Senado da Câmara, pela Repre-
sentação do V' d ministra Jor da Almotaceria, de dezesete do
corrente, quo nestes próximos dias passados tem havido
telta de Paõ. Ordena o mesmo Senado, que em quanto
durar a dieta falta fique prohibida a factura, e venda de
toda a qualidade de Bolos, e Bíscoutaria, dando para o
consummo dos que se acharem feitos, tres dias, depois da
affixaçaõ deste Edital; e isto debaixo da pena do perdi-
mento de iodos os Bolos, e Bíscoutaria, que for achada ex-
posta à venda, ou nas suas respectivas Fabricas, e de dous
mil reis de condemnaçaõ, a metade para a Fazenda da
Cidade, e outra para os officiaes, que fizerem a appre-
hensaõ. Lisboa 18 de Janeiro de 1817.
MANOEL CYPRIANO DA COSTA,

Edictal do Senado revogando o Edictal acima.


Tendo constado no Senado da Câmara, que a falta de
PaÕ, que houve nestes últimos dias nas Praças desta Ci-
dade, procedera de terem alguns Padeiros deixado de
entrar nas mesmas Praças com as quantitades de Paõ, a
que se haviaõ obrigado, pretextando por esta fôrma faltas
de Trigos, quando agora se vem a conhecer o contrario.
Manda o Senado ficar sem effeito o Edictal que em conse-
qüência havia mandado affixar, podendo-se continuar na
fartura, e venda de toda a Bíscoutaria, prohibida pelo r e -
ítriio Edictal. Lisboa 27 de Janeiro de 1817.
MANOEL CYPRIANO DA C O S T A .
Í240 jroíHvcu.

HESPAKHA.

Proclamaçaõ do Cap. Gen. Elio, por occasiaõ da insur-


reição em Valencia e Murcia.
O Capitão General das provincias de Valencia e Mur-
cia, a quem está encarregada a conservação da tranquil-
lidade publica, desejando cumprir com o seu dever, e
proteger a paz destes districtos, ordena o seguinte:—
1. Na conformidade da proclamaçaõ de 20 de Março,
e de 4 de Dezembro próximo passado, em que se ordena,
que todas as pessoas que sem licença trouxerem armas
sejam tractadas com rigor, sendo achadas as armas em
sisas pessoas ou casas; sejam punidas com o castigo, que
as leys impõem a tal erime.
2. Depois de anoitecer, e dentro da cidade, nenhuma
pessoa se atreverá a andar armada, excepto as patrulhas
nomeadas para manter a paz publica, os officiaes mili-
tares, fidalgos, e pessoas que tem privilegio pela sua gra-
duação de cavalheiros para trazer espada, se alguma
outra pessoa se achar com armas, e recusar entregállas
e se defender, ou fugir fallando-se-lhe da parte d'EÍ
Rey, a patrulha será authorizada a fazer-lhe fogo, a perse-
guir e a prender tal pessoa. Se, quando assim for preza,
se mostrar que fez alguma resistência, será enforcada
dentro em doze horas depois. Contra esta sentença naõ
haverá appellaçaõ.
3. Dar-se-ha um prêmio de dez reales aquelles que
denunciarem os authores dos últimos tumultos.
C 241 1
Preços Cerrentes dos principaes Productos do Brazil.
LONDRES, 25 de Março, de 1817.
Quanti- Preço dei Direitos.
Ceseros. Qualidade. dade.
AO. OpJ
12 lib. 48s. íVrtTIS
("Redondo
Assucar ,X Batido . . 42s. Op.
|_Mascavado . 37s. Op. Livre de direitos
Arroz .Brazil nenhum. por exportação.
VsSk . .Rio 64s. Op.
Ca;ao .Par'a . . . 60s. Op.
Cebo . .Rio da Prata 57s. Op Ss. 2p. por 1121b
fl>ernambuco libra 2s. Op.
I Ceará. . . ls. l l j p
8s. 7p. por lb.
I Bahia . . . ls. l l p .
Avgodaõ i Maranhão . ls. l l p .
I Pàrâ . .
I Minas novas
ls. IOp.
"*r£3S ou

Anil
(.Capitania
.Rio 3s. Op
ü
6p 4 | p . por lb.
3s.
ly ecacuanha Brazil. ris. Op 3s. 6fp.
lOs. Op
SJsa Parrilha Pará 4s. Op
4s. 4p. i s . 2 | p .
Óleo de cupaiba . . . . Ss. 3p
Ss. 6p. *ls.
Tipioca. . . .Srazil 6p 8p 4p.
Curocu. ls. 8p
2s. 3p. direitos pagos pelo
comprador.
í em rolo í Livre de direitoa
Tabaco 5p. f por exportação.
' t em folha
8*p.
r 7fp-
9PÍ
8p.
Rio da Prata, pilha-í j 7p. 9Jp. por couro
LC e|p.
A 8p. >em navio Portu—.
r 7§p.
6*p.
7p. [ guez ou Ingleí.
6p.
Rió Grande . . .<* B 4p- 5p.J
lc Couro
3íp.
4s. Õp. 6s. Op.
Pernambuco, salgados 123 38s. 6p. 40s. Op. 5s. 6jp. por 10O.
l_Uio Grande, de cavallo Tonelada 1201. ") direitos pagos
Cíüírea.. . .Rio Grande 71. 81. r pelo comprador
Pio Brazil . .Pernambuco
P;.o amarello. Brazil
Espécie
Ouro em barra . £ 3 18 6 *\
Peças de 6400 reis 3 18 6 f
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dos impérios fundados pelas armas Mahometanas: uma
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dos Mahometanos, e literatura e sciencias dos Sarracenos
e dos Turcos; com um golpe de vista da presente ex-
tençaõ e influencia da religião Mahometana. Por Carlos
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alogias da Escriptura, desde Adam até Christo; apre-
sentando, em uma série de 36 tahelas gravadas, uma
vista distincta da naçaõ, trihu, familia, descendência
lineal, e posteridade de cada uma das pessoas mencionadas
na biblia; em tanto quanto se pode deduzir da historia
sagrada e profana; ao que se ajunctam datas chronologi-
cas, segundo a authoridade de Usher e Blair; juncta-
mente com uma larga introducçaõ, e descripçaõ histórica
década estampa, ecompletoindex.

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sua separação em Castas; influencia de sua superin-
tendência domestica e policia civil; sua idolatria, e ceri-
monias religiosas; e varias singularidades de custumes,
hábitos e observancias, que os distinguem de todas as ou-
tras naçoens: tudo isto tirado de uma diligente observação
e estudo daquelle povo, durante a residência de muitos
annos, entre as varias tribus, e livre communicaçaõ e con-
formidade com seus hábitos e maneira de vida. Pelo
Abbade J. Dubois, Missionário em Mysore.

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historia do Brazil, volume segundo. Author, Roberto
Southey, E s c

Economia Politica de Mr. Simonde.


CAPITULO VI.

(Coutinuado de p. 181.)
0 numerário, quer nos empréstimos, quer nas compras,
ta
-õ he senaõ o signal do trespasse de um valor mais
real, uma riqueza mais útil. Este valor he que he a
HH 2
244 Literatura e mciencias.
origem do capital immaterial, e sobre o qual este está
hypothecado. A riqueza movei he a possessão do fructo
do trabalho accumulado do homem, que pode sempre dar-
se em troco de um novo trabalho que se houver de mister.
E a riqueza immaterial naõ he senaõ o direito de exi<n*r
um trabalho novo, separado do fructo do trabalho pre-
cedente já dado em troco.
Todo o capital immaterial provém da entrega ou tres-
passe de uma porçaõ de riqueza material, e geralmente,
movei.* O numerário he quasi sempre o signal desta
entrega ou trespasse, mas este naõ se completa verdadei-
ramente senaõ quando o que o recebe houver empregado
o dinheiro em comprar os objectos de consumo de que
houver mister. Nunca ura homem pede dinheiro empres-
tado para guardar na gaveta. As mercadorias por que
elle o trocar saõ propriedade de quem lhe emprestar.
As que elle fizer produzir, fazendo consumir estas pri-
meiras, saõ a sua hypotheca. A massa de mercancias
permutadas e consumidas, em conseqüência deste con-
tracto, he igual à massa dos créditos; e como naÕ ha em-
prego dobrado, os detensores do movei effectivo naõ saõ
os proprietários desta parte da renda nacional e movei, que
he igual aos interesses devidos a todos os credores, De
uma parte ha uma quantidade negativa igual á quantidade
positiva que se acha da outra.
Os empréstimos contrahidos para manter um trabalho
produetivo naõ empobrecem uma naçaõ, mas também a
naõ enriquecem: he uma parte da riqueza movei, que

* O único caso em que se cria capital immaterial pelo trespasse de proprie-


dade immovel, he quando se vende um immovel a credito • mas quando se
pede emprestado hypothecando um immovel, o capital immaterial, que daqui
resulta, nasce do trespasse de uma riqueza movei representada peto nume-
rário emprestado.
Literatura e Sciencias. 245
muda de administrador sem mudar de proprietário, nem
de destino; porque nenhum capitalista emprega o seo
capital senaõ em manter trabalho produetivo, sob pena de
o perder. Porém os empréstimos contrahidos para man-
ter trabalho improduetivo, seja por um dissipador, que
hypotheca os seos immoveis; seja pelo Governo, que hy-
potheca as rendas da naçaõ; saõ outras tantas perdas
para o Estado. Os fundos que até aquelle dia haviam
sido destinados unicamente a manter em actividade
obreiros úteis, consumem-se sem se reproduzirem; e
ainda que o emprestante tenha em seo poder pinhoras
iguaes ao valor das mercancias que foram consumidas;
ainda que elle receba da producçaõ annual uma parte
igual ao interesse dos seos fundos, nem por isso aquella
somma fica menos perdida para o Estado: porque o que
contrahio o empréstimo alienou primeiro a somma que o
emprestante recebeo em deposito, e depois aquelle com
que lhe paga: ha duas desembolçadas, e naõ existe
senão uma.
Se nunca se emprestassem capitães senaõ para manter
trabalho produetivo, existiria uma somma de mercadorias
igual á do capital immaterial, que naÕ pertenceria aos seos
defensores, ou que nas suas maõs estaria hypothecada aos
emprestantes. Mas quando os empréstimos se contra-
hirem para outro qualquer fim, como a riqueza movei de
que sefizero credito ha de ser dissipada sem reproducçaõ,
naõ existirá para representar as dividas do Governo, por
exemplo, uma massa correspondente de riquezas sem
proprietários; mas somente uma massa sufficiente para
pagar os juros. Os verdadeiros proprietários da parte da
renda nacional que se obtém dos impostos, naÕ saõ nem
os que produzem e pagam, nem o Governo que recebe
o importe das contribuiçoens; mas sim os credores do
Estado a quem ella se deve. Sempre ha todavia, como
246 Literatura e Sciencias.
se vê, uma relação necessária entre o valor negativo da
riqueza movei, de uma parte, e da outra, a riqueza
positiva dos proprietários do capital immaterial, que hy-
potheca sobre ella.
A ' vista do que acabamos de dizer fica manifesto, que
o credito naÕ tem na realidade potência creatriz: naõ
faz senão dar aquelle que o tem a disposição d'uma
porçaõ da riqueza já existente, e já empregada sem
duvida em manter trabalho produetivo. A riqueza im-
material tam pouco faz parte do capital nacional, posto
faça parte do dos particulares, porque he sempre acom-
panhada de uma quantidade negativa existente nas maõs
de algum detensor de riqueza movei, quantidade negativa
que a compensa e a destroe.
Se deitarmos agora os olhos sobre os diversos empregos
do capital immaterial, comprehenderemos melhor que
eíFeitos deverá produzir. Veremos primeiramente que os
empréstimos contrahidos pelo Governo, ainda que façam
nascer um signal fictício de riqueza; um credito hypothe-
cado sobre o trabalho futuro dos homens, naõ he uma van-
tagem, he uma perda; porque este trabalho naÕ existirá
nem mais nem nemos, pelo Governo haver promettido a
um terceiro, que terá parte nos fructos: e quanto à causa
que houver posto esse trabalho em movimento, a riqueza
inovei que se forneceo ao erário, e que fundou a divida
naõ existirá mais.
Veremos depois que as acções sobre as companhias
de commercio, que circulam no paiz, tam pouco for-
mam uma accessaõ à riqueza nacional; porque naõ sao
senaõ a representação de um direito sobre uma riqueza
material, que naÕ existiria mais nem menos, quer esta
riqueza fosse hypotecada quer naõ. Uma acçaõ da
companhia das índias lnglezas representa uma parte
das fazendas e mais propriedade, pertencentes a esta
Literatura e Sciencias. 217

companhia; fazendas e propriedade que foram produ-


zidas ou obtidas em troco daquellas, que foram com-
pradas com o dinheiro dos accionistas. Estes gêneros,
que formavam uma riqueza solida e material, sem duvida,
deviam existir já d'antes, e ser fornecidos indirectamente
pelos accionistas, pois de outra sorte o capital immaterial
naõ poderia ter nascido. Este ultimo ou elle esteja unido
à existência das grandes companhias, ou à do Governo
nunca he o producto de um credito creador, mas sim da
entrega e do consumo de uma riqueza material,
O capital immaterial dos particulares, e o que elles
fazem nascer pelos seos empréstimosdirectos ou indirectos,
tem sempre a mesma origem. U m banqueiro sacando
sobre os seos correspondentes, e colligindo fundos por
meio da circulação, parece muitas vezes usar do soa
credito para crear um capital immaterial, de que elle he
que dispõem. O que elle faz de um certo modo he
pedir emprestado sem o consentimento de ninguém.
Por meio dos seos saques sobre o seo correspondente, e
dos resaques deste, que um e outro negociam, acham
dinheiro ambos. Mas o que lhes empresta dinheiro
sem difficuldade nenhuma he aquelle com quem elles
negociam o seo papel por dinheiro de contado; e este,
dando o dinheiro, traspassa o seo direito sobre uma ri-
queza movei e já existente, que so ella constitue o valor
do dinheiro entregado.
Se esta riqueza viesse a faltar, naõ achariam elles mais
ninguém que lhes quisesse tomar o seo papel, e ser-lhes
hia impossível contrahir empréstimos. Portanto, os Ban-
queiros naõ criam capitães, mas procuram ter à sua
disposição uma parte da riqueza movei, da qual naõ al-
teram o uso (se a destinam a manter um trabalho pro-
duetivo) e que naõ será, por conseguinte, nem mais nem
248 Literatura e ssciencias.

menos útil ao Estado, pela rápida circulação das suas le-


tras de cambio.
E m fim, os bancos, que daõ nascimento á segunda
espécie de capital immaterial, quero dizer, os bilhettes
ou papeis-moedas, que circulam em concurrencia com o
numerário, naÕ criam tam pouco o capital immaterial que
fazem circular; todavia estes podem augmentar real-
mente, até um certo ponto, a riqueza productiva do Estado.
Cada nova circulação de papel-moeda deve, como já temos
visto, empurrar para fora do Estado uma somma de nu-
merário igual ao valor do papel entrado em circulação, ao
menos em quanto o credito do papel existir perfeito. Ora
esta somma de numerário, ou de um capital estéril, expul-
sada assim, naõ se dà de graça aos estrangeiros, dâ-se-lhes
em troco de riqueza movei, material e productiva, que posta
em circulação, augmentarà as rendas nacionaes.
No momento em que o banco de França, a contadoria
commercial, ou a caixa do desconto, augmentam a sua
circulação, existe sempre uma certa divida da França aos
estrangeiros; e todo o paiz commerciante tem habitual-
mente dividas deste gênero. Os devedores Parisienses
empregam logo no pagamento das suas dividas o dinheiro
que este novo papel faz regressar da circulação; e ex-
perimenta-se uma abundância momentânea de capitães,
pelas dividas estarem saldadas, sem que a circulação in-
terna esteja diminuída; porque o signal toma o logar da
realidade. Até este ponto, e naÕ mais, he que a circula-
ção de papel-moeda pode ser útil. Mas sente-se de
uma parte que a utilidade que delia se pode obter he mui
limitada; pois so uma parte do numerário, a que circula
em grandes sommas entre os negociantes, he que se pode
substituir pelo papel; e da outra, ve-se que esta opera-
ção, que anima o commercio, he acompanhada de perigos,
Literatura e Sciencias. 249
pelo menos, iguaes às suas vantagens, por causa das
variações de valor, a que está necessariamente exposto
um signal que de si mesmo naõ tem nenhum. Quanto
ao resto, trocar o numerário, que se possuía já, por uma
riqueza movei mais productiva, naõ he multiplicar oa
capitães, mas somente tirar maior partido delles. Assim
o estabelecimento de um banco naõ accrescenta nada aos
fubdo* que possuía a naçaõ; o poder do credito naõ chega
a tanto, o qüe elle faz he procurar para um a disposição
do que estava ás ordens do outro: faz mudar de logar mas
naõ cria.
Ao momento em que se põem em circulação os bilhettes
do Banco de França, sempre parece que giramali mais fun-
dos e abaixa o juro do dinheiro, mas esta queda he de pouca
dura; e provem de que os directores, como emprestam o
que naõ he seo, naõ saõ ao principio mui difficeis sobre as
condições do contracto. E com effeito elles o que fazem
he ceder, antes de a possuírem, a riqueza movei já ex-
istente no paiz, e de -que os seos bilhettes lhes daraõ a
disposição. Mas logo se acha que esta riqueza real naõ se
augmenta pela febricaçaõ do seo papel; e no cabo de tres
semanas ou de um mez, o desconto sobe ao mesmo preço
em que estava antes da circulação dos seos bilhettes.
Concluamos pois que um capital immaterial mui con-
siderável naõ accrescenta nada 4 riqueza nacional, ainda
que em geral seja o signal da sua existência. Pela maior
parte deve a sua origem ao commercio, augmenta com.
elie, e de ordinário facilita-o. Mas se «ada capitalista
fizesse emprego de seos próprios fundos, em vez de os
confiar de outrem dando-os a juros, ou a interesse de qual-
quer modo, sem ter mais que se importar com elles, a
riqueza e prosperidade publicas seriam exactamente a»
mesmas ainda que todo o capital immaterial fosse por isso
anihilado: cada anno se produziria outro tanto trabalho
VOL. XVÍII. NO, 106. 11
250 Literatura e zjetencias.

e a renda nacional continuaria a mesma. Esta revolução


nos usos e costumes naõ he talvez muito para desejar-
se ; mas também dahi se naõ segue que a existência do
Estado ande unida à ordem actual, nem que se devam
calcular os seos recursos sobre riquezas fictícias e capitães
imaginários, que naõ saõ nunca senaõ como o fantasma
de uma riqueza mais solida reflectido n'um espelho, e
que nao poderia existir independente delia.
Esta discussão pode deitar alguma luz sobre o effeito
que deveria provavelmente produzir a bancarrota na-
cional em uma naçaõ muito endividada.
U m a bancarrota he uma injustiça mui grande, pela
qual a propriedade dos credores he transferida aos deve-
dores sem motivo nem retribuição. A bancarrota, do
Estado destroe nas maõs dos seos credores um capita*-
immaterial, que annualmente lhes produzia uma renda
material; e cria nas mãos dos que até ali a contribuíam
uma renda material exactamente igual à dos credores
que ella stnnihilâra. Anteriormente esta renda naõ era
delles, mas passava, na forma de imposto, dos contri-
buintes para o thesouro nacional; e, bebaixo da forma
de pensoens vitalícias ou perpétuas, do thesouro nacional
para os credores. Esta operação mui injusta e immoral
fiaõ tem pois necessariamente um effeito destructivo para
a naçaõ no meio da qual se practica: arruina uma
metade, e enriquece a outra sem razaõ. No meio destas
revoluções particulares o capital nacional fica atéqui o
mesmo que dantes; mas nunca Governo algum fez ban-
carrota com intento de aleviar os contribuidores dos
impostos que pagaram; mas unicamente para applicar
esses impostos para novas despezas, e reservar-se os
meio» de dissipar segunda vez as rendas presentes e
futuras da naçaõ. A perda nacional, que oceasiona a
bancarrota he igual à segunda dissipaçaõ que ella tornou
possivel.
Literatura e Sciencias. 25l

Deixando de parte estas novas profusões que as mais


das vezes saõ antes a causa do que o effeito d'uma ban-
carrota ; e naõ considerando senaõ as suas conseqüências
immediatas, a saber, de uma parle o annihilamento de
um capital immaterial, e da outra a creaçaõ de uma
renda material igual somente à renda que produzia o
capital annihilado, parece que he privar-se da disposição
de um fundo, para reservar-se unicamente a de uma
renda. Com tudo, como o capital immaterial naõ pode
ser empregado per si mesmo em alimentar a industria?
mas taõ somente sendo trocado por capital material;
como estas trocas naõ deminuem a massa do capital im-
terial porque sempre fica uma somma igual de credores
do Estado, que também naõ alimentam a industria, ainda
que naõ sejam as mesmas pessoas; e como por conse-
qüência só o capital material e circulante he que pode
animar o trabalho, pode-se concluir que este ficando ex-
actamente o mesmo que antes da bancarrota, a perda
dos capitães do Estado naÕ he senaõ apparente, e que o seo
movimento pode ser exactamente o mesmo.
Estas considerações estaõ bem longe de justificar uma
bancarrota; porque o lucro que tira um ladraõ naõ jus-
tifica o seo roubo: porem, he certo que por mui crimi-
nosa que houvesse de ser a bancarrota para a França,
sempre Beria menos ruinosa do que a operação igualmente
criminosa de uma creaçaõ illimitíida de papel moeda.
Mr. Canard devera ter desconfiado do raciocínio que o
conduzi o a uma conclusão inteiramente opposta ; porque
vem quasi a provar (§. 122.) que uma bancarrota na-
cional he impossível, o que he contrario à experiência de
toda a Europa, e particularmente à que nós fizemos sube-
jamente em quanto durou a revolução.
Quando uma naçaõ vem a ser credora di?s estrangeiros,
pouco lhe importa que as outras naçoês dissipem ou naõ
11 2
252 ititsceMí*w-vn

o que ella lhes empresta; basta que a «ua divida esteja


segura, e que lhe paguem bem os interesses; nem tracta
de se informar se he com o producto do mesmo capital que
ella lhes emprestara, ou se he com outro capital destinado
para esse fim: n?um e n'outro caso, naõ tem perdido cousa
alguma da sua riqueza, e o seo capital immaterial repre-
senta uma massa correspondente de mercadorias ou de
immoveis, existente nas maõs dos estrangeiros, e que lhe
he hypothecada.
(Coctinuar-se-ha.)

MISCELLANEA.

Alemoria dos Exteriores e pleno uso da Soberania, que se


arrogou o Governo de Lisboa. $c.
(Continuada de p. 189.)

Succedendo a occupaçaõ de Portugal pelo Exercito Francez com-


mandado pelo General Junot, e retirando-se S. A. R. para os seus
Estados do Ultramar, estabeleceo-se a Casa da Supplicaçaõ do
Brazil, e ordenou-se que para ella fossem aquelles recursos, que
dantes vinham para Lisboa. Evacuado depois Portugal pelo
Exercito Francez, o Governo de Lisboa expedio ura Avizo á Caza
da Supplicaçaõ, para que continuasse a tomar conhecimento dos
recursos vindos das dietas Ilhas, e aos Magistrados dellas se pasía-
ram para este fim as Ordens pelo referido Tribunal. O Governador,
Cap. Gen. D. Miguel Antonio de Mello prohibio aos Ministros
das Ilhas dos Açores, que executassem, o que se lhe mandava,
e deo por fundamento a conftizaõ, que fazia o Governo de Lisboa,
expedindo Avizos em Nome de S. A. R. assim para o que eram
determinaçoens da Corte do Rio-de-Janeiro, como para o que eram
Miscellanea, 253

reíoluçoeng do dicto Govemo, donde rezultou ignorar-se, qual


fone a origem do Avizo, de que se tractava, acrescentando, que se
lhe constasse, que havia partido da primeira origem, entaõ e só
entaõ, he que o julgaria em termos de ser cumprido, e com autho-
ridade para revogar o sobredicto Alvará. Quem poderá desconhe-
cer a razaõ, e solidez com que discorria o Governador e Cap.
Gen. das Ilhas dos Açores ? E quantos embaraços haveria simi-
lhantes à cates, se acazo o despotismo do Governo de Lisboa naõ
auuitaise os Tribunaes, e Magistrados, fazendo-lhes perder a
firmeza, que tiveram n'outro tempo, e que nunca se deveria se-
parar delle», para que naõ fossem relativamente ao Governo de
Lisboa oraesme,que o degenerado e envelhecido Senado Romano
no Tempo de Tiberio, segundo a expressão de Tácito —Servile
Impcratorum pecus.—
23. E naõ foi o Poder Legislativo o único Direito de Sobera-
nia, de quo se aproveitou o Governo de Lisboa. Elle exercitou-
os todos, como se fosse o Rey de Portugal, fazendo quasi sempre
dellas um uso muito mais amplo, e arbitrário, do que tinham feito
os monarchas deste Reyno, e para o comprovar daremos alguns
exemplos. Usou do Direito do Padroado Real, taõ sagrado, e
privativo dos nossos Soberanos, que senaõ comprehende em mercê
alguma, por mais ampla que seja, sem uma muito expressa, e
clara delegação, como estava disposto na Ord. Liv. 2. tit 35.
§ 24. O Govemo naõ tinha a dieta delegação, nem mesmo con-
cebida em termos equívocos: e a prova de que exercitou o Direito
do Padroado Real está no Avizo de 7 de Dezembro, e no Decreto
de 15 de Outubro de 1809, que ee referem nas Gazetas de Lis-
boa N. 31 e 42 dos dias 25 e 29. do mesmo mez. Provêram-se
duas Igrejas pelo dicto Avizo, e Decreto, as quaes pertenciam ao
referido Padroado, e provêraõ-se em remuneração de serviços
militares, sendo feito um dos Provimentos em um Religioso da
Ordem dos Pregadores, que se dizia ter obtido Breve de Secu-
lar izaçaõ. Oa Senhores Reys de Portugal costumavam usar deste
Duwto provendo as Igrejas do seu Padroado em sugeitos pri-
«•«wamenle examinados, e habilitados para ellas, procedendo
informação do seu Capellaõ Mor, como já dos tempos antigos
254 Miscetíonva,

refere Cabedo de Patronatu Reg. Coron. Cap. 19. O Govemo


de Lisboa julgou competir-lhe o uso deste Direito, ainda mais li-
vremente do que o exercitavam os Senhores Reys. Nada requerê-
ram para o Provimento das Igrejas além da sua. vontade. O ter
obtido Breve de Secularizaçaõ naõ basta para que o Religiosa
Professo se reduza ao estado de Clericato, necessário para obter
os Benefícios Ecclesiasticos. Antes de ultimada a execução do
Breve subsiste inteiramente a Profissão Religiosa e a inhabili-
dade para os dictos Beneficies. Mas odicto Governo obrava, como
quem se tinha por superior naõ só ás Leys Civis mas também ás
Ecclesiasticas.
24. O Jus gladii oa o Direito de impor penas foi exercitado
pelo dicto Governo, e em muitos casos immediatamente, como
se pôde conhecer dos Decretos de 31 d' Outubro de 1808, e de
27 de Janeiro de 1809, impressos nas Gazetas de Lisboa de
Novembro de 1808, e de 10 de Fevereiro, de 1809, 1 Suppl.
Pelos Decretos de 7 de Dezembro de 1808, e de 26 de Janeiro de
1809, estabeleceram-se na Caza da Supplicaçaõ dons Juizes de
Commissaõ para sentenciar os Reos Políticos, de que Governo lhes
remettesse as culpas, mas as suas sentenças haviam de subir ao mes-
mo Governo para serem revistas, confirmadas, ou revogadas. Temos
uma prova naGazeta de Lisboa de 24 de Fevereiro de 1810, No. 48,
a qual refere a sentença de absolvição de dous accusados, que o
Governo mandou executar, com a declaração porém de ser degra-
dado por um tempo indeterminado, e até segunda ordem, um delles
para a Cidade de Faro, e o outro para Castro Marim. E suecedeo
ainda péior á Dionizio Joze da Rocha, e ao Capitão de Mar
e Guerra Felippe Alberto Patrone, os quaes sendo igualmente jul-
gados sem culpa por Acórdãos da Casa da Supplicaçaõ, e su-
bindo as sentenças á revizaõ do Governo, este as confirmou, e
mandou executar, em conseqüência do qne os accusados foram
soltos das prizoens, em que se achavam. Mas passados 15 dias o
mesmo Governo os mandou prender por Avizos dos seus Secretario»»
e recolhidos em segredos, e prizoens incommunicaveis, nellas
estiveram muitos mezes, até que por outro* Avizosforammandados
para as Ilhas dos Açores com o maior apparato possivel, e que só
Miscellanea 25.5
poderia convir aos mais grave» delinqüentes, con&ervando-se em
prizoens n u dietas Ilhas. Cemo oa Tribunaes de Justiça naõ
adiavam culpa, o remédio, qne havia, paia satisfazer á vontade do
Governo, que queria maltreetar aquelles Portuguezes, era pro-
ceder pelo referido modo sem dar satisfocçoens. Os Senhores Reys
da Portugal deixavam exercitar aos Tribunaes, e Magistrado* o
direito de castigar o* delinqüentes, e as suas sentenças se execu-
tavam aegundo as Ley*, sem que oa mesmo* Soberanos ambicio-
nassem esta dependência dorevèr.confinnar, ou revogar as sen_
tenças dos Juizes, e nunca ae vio, que algum delles mandasse
prender e degredar arbitrariamente, o* que haviam «rido absolvidos
nos Juizoa Criminaes. Esta impudento crueldade estava re-
servada para o Governo de Lisboa, e nem mesmo a França a vio
noa desgraçados dias de Robespierre. Havia então o Tribunal da
Segurança Publica, a que ae remc-ttíam o* destinado* para serem
victimu da tyrannia, e elle aervilmente sujeito aos impulsos do
tyraiutico Dictador condemnava segundo a vontade, que lhe
conhecia. Mas era um Tribunal, que proferia a Sentença, ap-
paradam os exteriores da Justiça, ainda quando senaõ fazia caso
algum daa sua* vozes. O Govero de Lisboa ajunctava á sua ini-
qüidade o outro escândalo ainda maior, de nem tractar de a des-
figurar para ao menos parecer justo. A au* vontade era a unio*
Lsy> <pe professava, e taõ francamente, que nem se dava o menor
trabalho pare cobrir com apparencias de Justiça, o uso que fazia
do direito de castigar. No Artigo 6, do Parallelo do Governo
Pertugim subsequente ás Revoluçoens de 1040, e de 1808, trac-
tamoa esta matéria com toda a extençaõ, que ella pedia, e nella
acharia Cioero igual matéria, i que teve nas suas Verrinas para
representar as tyraunias, que soflreram os Sicilianos. De tudo
quanto refere TacHo nos aeus Annaes, e Livro* da Historiados
Un,
P<» desgraçados em que tyrannos oeoupárem o Império Romano,
se podem achar imitaçoens, nos procedimento* do dicto Governo
da liaboa, que referimos no mencionado artigo.
Í5. O dicto Governo degradou tombem das Ordema Militares
••« Cavalleiros dellas, e privou das suas honres aos Criados da
c
" * Real, como tudo se vio precticado como Dr. Manoel
25$ Miscellanea.
Joaquim Henriques de Paiva, pare naõ acrescentarmos outros
exemplos. Elle julgou-se Soberano para se appropiar 4 Ord.
Liv. 5. tit. 7. como fazemos ver no Parallelo do Governo Fort
subseq. ás Rev. de 1640, e de 1808. § 18. No. 3. Provéo nm
lugar de Deputado da Companhia d'Agrieuhun, e CommissitS dos
Vinhos do Alto Donro, em Bernardo Mello Vieira, coucunhado do
Desembargador Secretario do Governo Joaõ Antonio Salter de
Mendonça, sem a eleição dos Accionistas, que requer a Insti-
tuiçaõ.e áque os Senhores Reys costumavam mandar proceder para
os dictos provimentos. Mas no exercicio da Soberania relativa-
mente á Instrucçaõ Publica, he que o dicto Governo deo o mais ad-
mirável testemunho da sua sabedoria. Pelo Avizo de 20 e 21 de
Novembro de 1808, CITOU uma Cadeira de Rhetorica na Villa de
Guimaraens para prover nella sem exame, í um Religioso da
Ordem dos Pregadores, convcntual da dieta Villa, em attençaõ á
ter elle mostrado muita coraqem, e feito muitos serviços militares
perseguindo os Francezes; (Gaz. de Lisboa de 27 de Dezembro do
dicto anno no N°. Õ2.f Sendo a Rhetorica uma arte, que ensina
a persuadir, e sendo a força o meio mais poderoso para mover
animaes sensíveis á dor e ao prazer, ninguém poderá duvidar da
idoniedade de um valentão para ensinar aquella sciencia.
26. Assim se ínette© o Governo de Lisboa a fazer tudo aquillo,
para que teria authoridade se fosse uma Regência do Reyno, tal
qual he necessário estabelecer, quando o Soberano nnô pode ex-
ercitar us funcçoens do Reynado; tal, qual a do Príncipe Regente
Nosso Senhor, no impedimento de sua Augusta May, das quaes he
que fiillaa Ley de 23 de Novembro de 1674, já referida por nós
no No. 1». Nos predioemos este erro, em que se ia acahir, logo
que vimos as instrucçoens dadas pelo Bispo do Porto, para o resta-
belecimento do Governo em Lisboa, ao 2o. artigo das quaes se di-
nia, que nu eleição dos novos membros se atlcndesse a que o Âl-
vam de23de Novembro de 1«74 contemplava l»ra a Kegencii
do Reyno os Arcebispos de Braga, e de Évora (Corr. Braz. N° 10.
pag 203). Nada mais era necessário para se conhecer, que ou a
ignorância, ou a ambição ia attribuir ao Governo de Lisboa a
consideração de Regência do Reyno,
Miscellanea. 26Í
27. Ertas duas cousas, porém, differiâm entre á tanto quan-
to o Poder Soberano dista de uma delegação parcial da Soberania.
A Regência do Reyno tem lugar, quando o Soberano deixa de
ter o exercicio de todas as suas funcçoens, por um impedimento,
como a minoridade, ou a doença; e para o Regente transferem*'
se todos os seus Direitos. Elle pôde fazer tudo, quanto pode fa-
zer o Rey. Por isso quando o Senhor Rey D. Joaõ IV. no seu
testamento entregou á Rainha sua Mulher, a Regência do Rey-
no na minoridade do Senhor D. Atíònso VI. dizia, que ella a ex-
ercitaria- com toda a jurisdicçaõ e authoridade, que eu hoje te-
nho, e com a mesma, que o Principe ha de ter quando embora
governar. (Tom. 4, da Hist. Gen. pag 674) E também o Sobe-
rano pode por algum modo fazer uma delegação plena do poder
Real, como o fez o Senhor D. Pedro II, em a Raynha sua irmaã,
segundo consta do Decreto de 7 de Maio de 1704, em que o par-
ticipou á Meia da Consciência, em o qual declara, que a dieta Se-
nhora havia de ler-toda a ptridiscçaõ e Poder Real, que me
compite-Ctota 4, da Hist. Gen. pag 837) O Governo do Rey-
no, como foi estabelecido em 1807, he uma delegação de parte do
exercicio da Soberania, existindo o Soberano, que delegou, e
subsistindo nelle todos os direitos Magestaticos naõ delegados, e
dos quaes só elle pode continuar a fazer uso. Este estabelecimen-
tos costumam ser accompanhados sempre de instrucçoens, que
marcam oi limites da delegação, quaes foram, as que baixaram com
o Decreto de 27 de Novembro de 1807. Os Governadores naõ
podem fazer senaõ o que nellas se declare, e até desta sorte se
tem dado o Governo as Pessoas Reaes, e da primeira consideração
para os Soberanos, que lho confiavam, Podem servir de exemplo
osGovernos do Sereníssimo Duque de Bragança D. Aflbnso V,
durante a passagem, que fez a África o Senhor Rey D. Affonso
V, eo da Raynha a Senhora D. Luiza em 1643, quando o Se.
nhor Rey D, Joaõ IV. destinou passar ao Alem Tejo. As instruc-
çoens para a Senhora D. Luiza, estaõ ao Tom, 4 das Prov. da
Hist. Gen, pag. 774, e as do Duque de Bragança, no Tom. 6,
pag 71. E julgamos conveniente acrescentar isto, para que o
Governo de Lisboa veja, como a Pessoas de tanta maio conside-

VOL. XVIII. No. 196 KK


2é3 Mtscelktnea.

raçaõ, do que eram, as que o compunham, se tinham mareado


limites da Soberania, que haviam de exercitar, sem que ellas se
julgassem por isso desauthorizadas: o que servirá para censurar
a indiscrição, com que elle reprezentou á S. A. R., segunda
consta da sua Carta Regia de 30 de Agosto de 1809, contra ss
modificacoens do seu Poder, feitas pelas Cartas Regias de 2, e de
11 de Janeiro antecedente, dizendo, que as dietas modificacoens se-
riam em seu descrédito, por mostrarem, que o dicto Senhor tinha em
pouca conta o mesmo Governo. Modificacoens teve o Govemo
confiado á uma Raynha, e a um Duque de Bragança, sem que taes
pessoas se julgassem com isso desauthorizadas. Mas era tara
grande a sede do poder, que tinham principalmente os dous Se-
cretários, que eram os que usavam de todo elle, que nada disto
lembrou, quando se tractou de fazer a sobredicta tam indiscreta
representação.
2S. Esta plena usurpaçaõ dos Direitos Majestaticos feita pelo
Governo de Lisboa, naõ podia deixar devirão conhecimento da.
Corte do Brazil, e de ser nella estranhada muito severamente.—
A Carta Regia de 30 de Agosto de 1809, serve para provar, que
S. A. R. tivera noticia delia, que a estranhara e tractara decohibir
pelas Cartas Regias de 2, e de 11 de Janeiro, antecedente. O
Mesmo Senhor chega a dizer na Carta Regia de Agosto, que nas
outras tivera em vista limitar a authoridade, que exarcitava o
Governo de Lisboa; porque o pedia assim o Decoro da sua Recl
Pessoa, dando neste modo, por que se exprimia, um novo teste-
munho da sua sabedoria. Um Governo, que obrava como dele-
gado, e em nome do Principe Regente nossoSenhor, e qne, tendo
o titulo da sua delegação, o excedia notoriamente, começando por
desprezar o Decreto, e Instrucçoens de 26 de Novembro de 1807
uo era o dicto titulo, e desprezando depois todas quantas Leys ha-
via em Portugal; obrando como se este Reyno fosse um patrimô-
nio seujeos Portuguezes servos addidos ás suas terras, sem direitos
alguns, a que se devesse ter consideração! Era isto compatível
oom o decoro devido áS. A. R. á quem pertencia a Soberania da-
quelles Estados? O Exercito Francez, evacuando Poitugal, pa-
ra que nelle se restituisse a Soberania do Príncipe Regente, N
Miscellanea. 2.09
S-, e esta restituida nominalmente, e na realidade apparecendo sô
uma subrogaçaõ dos Governadores do Reyno em lugar do General
Junot! Obrando elles ainda mais despoticamente em todos os ar-
tigos do que o tinha feito o General Francez I Respeitando ainda
menos as Leys Portuguezas I E sendo Secretario do Governo, e
quem nelle era o primeiro movei de todas as deliberaçoens o D e -
zembargador Procurador da Coroa, que devia zelar os Direitos da
Soberania para que nem fossem invadidos, nem usurpados I Res-
peitava-se Soberano, conservava-se-lhe o seu decoro, quandodes-
cubertamente se deixava de fazer caso do que elle mandava ?
Quando se usava com a maior publicidade de todos os seus Direi-
los Os mais sagrados, e que elle nunca delegou? Quando Vassallos
Portuguezes obravam em Portugal como se fossem Soberanos ab-
eolutos e despoticos deste Paiz ;
29. S. A. R.pois estando distante, como estava, dos seus Es-
tados da Europa, e naõ tendo certamente noticia, nem da milési-
ma parte, do que nelles se praticava em seu nome pelo Governo,
que nelle se tinha euthronizado como Soberano, vio com tudo, pelo
que chegou ap seu conhecimento, que em Portugal se exercitava
uma authoridade, cujo exercicio era incompatível com o Seu Real
Decoro, e expedio por este motivo as Cartas Regias de 2, e de l i
de Janeiro já referidas, para com ellas cohibir tam grande, e tam in-
tolerante abuso, Vejamos o que resultou deste seu direito tam ne-
cessário á Sua Real Dignidade, como ao bem dos Portuguezes —
O Desembargador Secretario do Governo, cujo excesso de ousadia
nesta parte só pode ser comparado ao excesso de fraqueza que
elle teve, quando a pézar de ser Procurador da Coroa abandonou
indefezos todos os Direitos delia, deixando usurpar á um depois
do» outros pelo General Francez, sem a menor contradicçao, o
dicto Dezembargador Secretario para continuar no exercicio do
poder, em que se tinha investido, escondeo aos Portuguezes as
ordens vindas da Corte do Brazil nas dietas duas Cartas Regias,
qae nem participou aos Tribunaes do Reyno, nem fez imprimir nas
••JUetas de Lisboa, aonde elle publicava quasi diariamente os seus
"prezíveis Decretos, e Avizos : desprezíveis pelos erros de Di-
•"«'to, e de Politica que continham; desprezeis pela falta de Lc-
260 Miscellanea.
gica, que mostravam; e desprezíveis pela sua ilfegallidade. E de-
pois disto fez com que o Governo reprezentasse para a Corte do
Brazil contra os limites, que S.A. R. queriapôr á sua authoridade
allegando os motivos mais futcis, e in concludentes, que se podiam
conceber; e isto para que o mesmo Senhor revogasse as dietas suas
Cartas Regias, e lhe cedesse plenamente o Reyno de Portugal.—
Ou havia de ser do Imperador dos Francezes, ou do Dezembargador
Secretario do Governo, e dos Governadores do Reyno, que eram
BD um fantasma destinado para cobrir a sua dominação.
30, Quando Junot decreta em Lisboa usando de todos os Di-
reitos da Coroa Portugueza, obedece o Desembargador Procura-
dor da Coroa em silencio, e naõ tem que representar; nem an-
tes, nem depois do cumprimento ? Quando o Soberano de Poitugal
decreta do Brazil, usando dos seus Direitos Majefitaticos, querendo
defender aDecóro da Sua Real Authoridade, tem o mesmo Pro-
curador da Coroa que reprezentar, c ainda autes de obedecer.—
Naõ começa por fazer o que se lhe determinava, representando
depois disso, como exigio sempre o respeito para com os Superio-
res * roprezentou sem obedecer, naõ obstante estar S. A. R. tam
distante, circumstancia esta, que fazia com qne a representação,
suspensa a execução, sustentasse por muitos mezes os abusos, que
o mesmo Senhor queria destruir, e que dizia serem oífensivos ao
Seu Real Decoro^ A quem respeitava mais este Magistrado, visto
o seu referido comportamento, ao General Junot, ou a S. A. R. ?
Responda elle mesmo. E que motivos se lembraram para funda-
mente da Representação ? He um delles a consideração pelo decoro
do Governo. S. A. R. mandava, dizendo, que o pedia o Seu Real
Decoro: o Governo de Lisboa representa-lhe que naõ mande, pa-
ra se salvar o Decoro do mesmo Governo- E havia razaõ assim
na Corte do Brazil, como em Lisboa. O Decoro de S. A. R. pe-
dia, que o Govemo de Portugal naõ tomasse todos os exteriores
Reaes: e uma vez que o dicto Governo queria representar de
Rey, era também necessário para o seu Decoro, que S. A. R. lhe
deixasse tomar aquelles exteriores. Oh que Grande choque de in-
teresses ! Que difficii collizaõ! O que seria porém incrivel, se se
naõ visse taõ authenticamente attestado, he que o Governo de Lisboa
ousasse de pôr em consideração o seu decoro pessoal, quando se
Miscellanea. 261
tractava do Decoro do Soberano, querendo, que este segundo cedes-
se ao primeiro E isto muito mais quando S. A. R. mandava o que
era realmente necessário para o seu Decoro, e o Governo de Lisboa
só podia dizer offendida com isso a sua dignidade, por querer figurar
como Rey, tomando um lugar, e uma reprezentaçaõ, que lhe naõ
tocava. Veja-se o Preâmbulo da Carta Regia de 2 de Agosto de
1809, e ha de achar-se attestado nella por S. A. R., que elle man-
dava por causa dó seu Real Decoro, e que o Governo de Lisboa
nao obedecera, e representara; que era contra a dignidade do Go-
verno aquillo, que o mesmo Senhor mandava, porque era mostrar
que delle fazia pouco caso.
31. A incomparavel bondade de S. A. R. foi superior á indig-
nidade, que continha similhante representação. Elle dignou-se
de explicar, e de modificar as duas ja referidas Cartas Regias, pe-
la outra de Agosto, a fim de combinar o que exigia o Seu Real De-
coro, com o que pedia a desejada, e caprichosa dignidade do Go-
verno de Lisboa, uma vez que ella ambicionava ter as apparencias
de Majestade. E que resultou desta Sua Real Condescendência ?
O que era de esperar da ambição, e da ousadia do Dezembargador
Secretario do Governo, quando elle naõ tem medo. A Carta Re-
gia de 30 de Agosto foi mandada aos Tribunaes, mas nem se publi-
cou nem se imprimio em Portugal, como se publicavam e imprimiam
as Ordens do Governo nas Gazetas de Lisboa. Ella era com tudo
uma Ley Constitutiva para o Governo do Reyno, c que á todos
os Portuguezes convinha conhecer. As outras duas CartasRegias
interpretadas, e modificadas *. essas nem foram aos Tribunaes com a
outra, que as interpretava. Communicou-se-lhes a interpretação
mas naÕ o texto. Este foi o primeiro estratagema empregado pe-
lo Desembargador Secretario do Governo, para illudir as Reaes,
Determinaçoens, que da primeira vez tinha ataca le directamente >
esconder quanto podesseaos Portuguezes, o queS. A. R. tinha man-
dado; era isto muito conveniente para a continuação dos seus abu-
so», porque cortava a matéria para os requerimentos, e também
para animar os offendidos a queixar-se na Corte doBrazil. Outro
estratagema ainda mais efficaz lhe suggerio a sua industria schólas-
tica, a qual consistia em inventar palavras novas, debaixo das quaes
262 Miscellanea.

fazia tudo aquillo, para que dezejava estar authorizado pelo Sobera-
no, eque elle lhe tinha denegado. Era um dos empenhos do dicto
Desembargador poder elle pelos seus Avizos, e Decretos impor pe-
nas arbitrariamente, como se vè na Representação feita á S.A.R.
e que o mesmo Senhor refere na dieta Carta Regia de Agosto; e
tinha-se-lhe negado no § 6 essa pertendida authoridade, ordenando-
se, que o Govemo fizesse castigar os criminozos, precedendo sen-
tenças dos Juizes em Alçadas e Commissoens; guardadas as Leys do
Reyno. E era impossível, que S.A. R. decretasse outia cousa,
ou que desse ao Governo de Lisboa um poder, que destruía a Justiça,
e que sugeitava ao despotismo de vassallos as vidas, honras, e fa-
zendas dos outros vassallos, O dicto Desembargador Secretario
substituio ao verbo degradar o outra transferir, e esta, a tudo
remediado. A quem elle naõ podia por Avizos seus degradar da sua
Pátria, e arrancar do meio da sua família, e dos seos bens, para re-
motos climas, porque lhe estorvavam as mais expressas Ordens de
S. A. R., elle os tirava da sua Pátria, e das suas familias, e os en-
viava á esses remotos climas cbamando-lhes transferidos.
Dous Juris-Consultos Romanos, e muito respectaveis, tinham
ensinado a difiniçaõ, que depois seguiram os Juris-consultos de to-
das as Naçoens Civilizadas. Contra Legem faeit, qui id facit
quod lexprohibir, in fraudem vero, qui, salvis verbis legis, sen-
tentiam ejus circumvenie. L. 29. e 30. D. de Legib. E os im-
peradores Theodozio, e Valerio ensinaram também, que unna cou-
sa destas era igual à outra na L. 5- Cod. de Legib. E só deixamos
os nossos Leitores a resolver o seguinte problema, se este arbítrio
de Desembargador Secretario era mais vergonhoso pela criminosa
ousadia, qoe mostrava relativamente á Pessoa de S. A. R., se pe-
lo descrédito, que dava á literatura Portugueza, vendo-se na pra-
tica e em cousas taes, no Século 19. o uso da miserável scholas-
tica, que enredando tudo com as subtilezas de palavras, havia fei-
to a mais horrível guerra a todos os conhecimentos humanos, e os
teria ainda eufibeado se os sábios, e os Soberanos dos Séculos pas-
sados, se naõ tivessem armado tanto para a destruir. Assim mesmo
todos estes seus disvelosforaminúteis sara corrigir o rebelde enten-
Miscellanea. 263

dlmento do Desembargador Joaõ Antonio Salter de Mendonça....


Ellehefilhoquerido da quella Sciencia Scholastica, enem pode a-
bandonalla, nem conhecer outra Lógica. Se se lhe perguntasse.—
E o Governo de Lisboa pôde degradar para as Ilhas dos Açores
muitos Portuguezes sem processo, e sem sentença segundo as Ordens
dt S. A. R. ? Elle responderia. O Principe Nosso Senhor he
verdade, que prohibe degradallos sem esses processos, e senten-
ças, mas se nós lhes chamamos transferidos em lugar de degradam
dos temo»remediado tudo. Boné Deus quam ridiculum habui-
mus Consulem I
33- Absteve-se com tudo o Governo de alguns dos exteriores
da Soberania: naõ fez mais, nemAlvarás, nem Decretos, nem Car-
tas Regias, expedindo somente Portarias, e Avizos, como lhe de-
cretava expressamente a dieta Carta Regia de 30 de Agosto, mas
continuou a fallar em Nome de S. A. R. segundo dicemos no N°-
14. E por meio destes Diplomas fazia tudo, quanto d'antes deter-
minava pelos outros, de que se lhe prohibio ouso, subsistindo a con.
fiizaõ, que notamos no No. 21, por continuar a expedir em nome
do Principe Regente nosso Senhor, assim as ordens vindas da côr-
e do Brazil como as originaes do dicto Governo.

(Con tin uar-se-ha.)

BONAPARTE.

Carta do General Conde Montholon, escripta por


ordem do imperador Napoleaõ, a Sir Hudson
Lowe, Governador da Ilha de St. Helena,

GENERAL.

•Recebi o tractado de 3 de Agosto, de 1815, concluído


entre S. M. Britannica, o Imperador da Áustria, o I m p e -
*264 MíSCeti-meu.

rador da Rússia, e El Rey de Prússia, que vinha com a


vossa carta de 23 de Julho.
O Imperador Napoleaõ protesta contra o conteúdo da-
quelle tractado; elle naõ he prisioneiro de Inglaterra.—
Depois de haver apresentado a sua abdicação nas mãos dos
representantes daNaçaÕ, para bem da constituição adapta-
da pelo povaFrancez, e emfavor de seofilho,partio volun-
tária e livremente para Inglaterra, com intento de ali viver
como um individuo particular, debaixo da protecçaõ das
leys lnglezas. A violação de todas as leys naõ pode con-
stituir direito. A pessoa do Imperador Napoleaõ está de
facto no poder de Inglaterra, porém nunca o esteve, nem
está, no poder da Áustria, da Rússia, e da Prússia, nem
de facto nem de direito; mesmo segundo as leys e cos-
tumes de Inglaterra, que nunca incluíram na troca de
prisioneiros, Russianos, Prussianos, Austríacos, Hespa.
nhoes, ou Portuguezes, e ainda que unida a estas potências
por tractados de aliiança, e fazendo a guerra junctamente
com ellas.
A convenção de 2 de Agosto, concluída 15 dias depois
do Imperador estar em Inglaterra, naõ pôde ter effeito al-
gum de direito. O que nella se vêhe o espectaculo da
coaliçaÕ da» quatro potências maiores da Europa, para a op-
pressaõ de um sô homem \—coaliçaõ que a opinião de to-
das as naçoens, e todos os principios da saã moral desap-
provam igualmente.
Os Imperadores da Áustria, e da Rússia, e £1 Rey de
Prússia, naõ tendo, nem de facto nem de direito, perten-
çaõ alguma sobre a pessoa do Imperador Napoleaõ, nada
podiam decidir a respeito delle.
Se o Imperador Napoleaõ estivesse no poder do Impera-
dor da Áustria, aquelle Príncipe havia de lembrar-se das
relações que a religião e a natureza haõ formado entre pay
e filho: relações que nunca saõ violadas impunemente.
Miscellanea. 265

Havia de lembrar-se que Napoleaõ quatro vezes lhe res-


tituira o throno: a saber, em Leoben, em 1797— em Lu-
neville em 1804, quando os seos exércitos estiveram d e -
baixo das muralhas de Vienna, em Presburgo em 1806;
e em Vienna em 1809, quando os seos exércitos estavam
de posse da capital, e d e tres quartos da monarchia ! A -
quelle principe ter-se-hia lembrado dos protestos que fez
a Napoleaõ no acampamento na Moravia, em 1806, e na
conferência, que teve com elle em Dresden, em 1812.
Se a pessoa do Imperador Napoleaõ estivesse em poder
do Imperador Alexandre, este haveria de lembrar-se dos
laços de amizade contratados em Tilsit, em Erfurt, e du-
rante 12 annos de correspondência diária. Nem se es-
queceria do comportamento do Imperador Napoleaõ ao ou-
tro diada batalha de Austerlitz, quando, podendo fazello pri-
sioneiro com as relíquias do seo exercito, se contentou de ac-
ceitar a sua palavra, e lhe permittio que fizesse a sua retirada.
Lembrar-se-hia dos perigos a que o Imperador Napoleaõ
se expôs em pessoa para fazer extinguir o incêndio de Mos-
cow, e preservar-lhe a capital. Sem duvida, aquelle
Principe nunca violaria os deveres da amizade e da gratidão
para com um amigo em desgraça.
Se a pessoa do Imperador Napoleaõ, estivesse no po-
der d' El Rey de Prússia, aquelle Soberano nunca se p o -
deria esquecer que, depois da batalha de Friedland, se o
Imperador quizesse, podia ter posto outro principe no
throno de Berlin. Nem poderiam esquecer-lhe, na p r e -
sença d' um inimigo desarmado, os protestos de affecto e
sentimentos de gratidão, que lhe testimunhára em 1812, nas
conferências em Dresden.
Dos mesmos artigos 2 o . e 5». do tractado de 2 de Agosto
se vê, que estes príncipes, naõ podendo exercer influencia
alguma sobre a disposição do Imperador, que naõ estava em
•**<> poder, accedem ao que nesse ponto determinar S. M
VOL. XVIII, No. 106. LL
266 MtSCeuanea.

Britannica, que toma a seo cargo preencher todas as obri-


gações. Estes príncipes exprobraram ao Imperador Napo-
leaõ haver preferido a protecçaõ das leys lnglezas á sua.—
A falsa opinião, que o Imperador Napoleaõ tinha formado
da liberalidade das leys de Inglaterra, e da influencia de
vm povo grande, generoso, e livre, sobre o seo Governo,
decidiram-o a preferir a protecçaõ destas leys à de um so-
gro, ou de um amigo antigo.
O Imperador Napoleaõ teve em seo poder segurar, por
um tractado diplomático, tudo quanto pertencesse á sua
pessoa, pondo-se á frente do exercito do Loire, ou do ex-
ercito do Gironda, commandado pelo General Clausel.—
Porem, naÕ querendo já nada mais do que viver em retiro,
debaixo da protecçaõ das leys de um Estado livre, fosse in-
glez ou Americano, todas as estipulaçoeslhe pareceram des-
necessárias. Pareceo-lhe que o povo Tnglez ficaria mais o-
brigado por um comportamento, que era da sua parte fran-
co, nobre, e cheio de confiança, do que o seria pelos
tractados maissolemnes. Enganou-se; porém este erro
ha de em todo tempo envergonhar oa verdadeiros Bre -
toes, e será, para as gerações presentes e futuras uma prova
da mà fé da administração Ingleza.
Chegaram a Sta. Hellena Commissarios Austríacos é
Russianos. Se o objecto da sua missaõ for o preenchi-
mento da parte dos deveres que os Imperadores da Áustria
e da Rússia contrahíram pelo traefado de 2 de Agosto, e
terem cuidado em que os Agentes Inglezes,n'uma pequena
colônia, no meio do oceano, naõ faltem ao respeito devido
a um principe ligado com estes Soberanos por laços de pa-
rentesco, e por tantos outros, neste proceder se reconhe-
cerão provas do caracter que compete a estes dous Monar-
chas. Porém vos, Senhor, haveis declarado que estes
Commissarios naõ tem direito nem poder de dar opinião
alguma sobre o que se passar neste rochedo!
Miscellanea. 267
Os Ministros Inglezes fizeram transportar o Imperador
Napoleaõ para S*8- Hellena, à distancia de 2.000 legoas da
Europa. Esta rocha situada dentro dos trópicos, e a 500
legoas distante de qualquer dos continentes, está sujeita
aos fortíssimos calores destas latitudes. Durante os tres
quartos do anno está coberta de nuvens e nevoeiros; e he
ao mesmo tempo o mais árido e o mais humido paiz do
mundo. U m clima similhante he o mais contrario que po-
de ser á saúde do Imperador, e só o ódio he que pôde ter
dictado a escolha desta residência, assim como as inslruc-
çoês dadas pelo ministério Inglez aos officaes que comman-
damna Ilha.
Até tiveram ordem de chamar ao Imperador Napoleaõ
General, como se quizessem obrigallo a considerar-se como
quem nunca reynára em França,
As razões que determinaram o Imperador a naÕ tomar
um nome incógnito, como podéra ter feito ao sahir de
França,fôramestas. Como Primeiro Magistrado vitalício
da Republica, debaixo do titulo de Primeiro Cônsul, con-
cluio os Preliminares de Londres, e o tractado de Amiens
com El Rey da Gram Bretanha, e reoebeo como Embaixa-
dores Lord Cornwallis, Mr. Merry, e Lord Whitworth,
que residiram naquella qualidade juncto à sua corte; e
elle acreditou juncto a El Rey de Inglaterra o Conde
Otto, e o General Andreosi, que residiram como Embai-
xadores juncto á corte de Windsor.
Quando Lord Lauderdale, depois de uma correspondên-
cia entre os Ministros dos Negócios Estrangeiros das duas
Monarchias, veio a Paris revestido de plenos poderes
d El Rey de Inglaterra, tractou com os Plenipotenciarios
do Imperador Napoleaõ, e permaneceo vários mezes
juncto à corte das Thuilherias. Quando Lord Castle-
reagh, aodepois, assignou em Chatillon o UUimatum,
que as Potências alliadas apresentaram aos Pleni-
L L 2
268 Jmsceuanea.
potenciarios do Imperador Napoleaõ, nisso mesmo re-
eonheceo a Quarta Dynastia. Este ultimatum era mais
vantajoso que o Tractado de Paris ; porém exigindo que a
França renunciasse a Belgia e a margem esquerda do
Rheno, exigia o que era contrario às proposições de
Frankfort, e âs proclamaçôes das Potências Alliadas, e
também ao juramento que dera o Imperador no acto da
sua coroaçaõ, de manter a integridade do Império. A
demais, o Imperador pensava que estes limites naturaes
eram necessários, tanto para a segurança da França, como
para a preservação do equilíbrio da Europa. Julgava que
a naçaõ Franceza, na situação em que estava, devia antes
eorrer o risco de todas as vicissitudes da guerra, do que
arredar-se daquella politica. A França tinha obtido
aquella integridade, e havella-hia preservado com honra,
se os alliados naÕ achassem traidores para os ajudarem.
O Tractado de 2 de Agosto, e o Acto do Parlamento
Britannico chamam o Imperador Napoleaõ, Bonaparte, e
daõ-lhe so o título de General. Q titulo de General
Buonaparte he sem duvida mui glorioso; assim se cha-
mava o Imperador nas batalhas de Lodi, de Castiglione,
de Rivoli, de Arcole, de Leoben, das Pyramides, e de
Aboukir; mas pelo espaço de 17 annos teve os de Pri-
meiro Cônsul e de Imperador; o que prova que elle foi
naõ so Primeiro Magistrado da Republica, mas taõbem
Soberano da Quarta Dynastia. Aquelles que julgam que
as nações saõ rebanhos que pertencem de direito divino
a certas familias, naõ pertencem a este século, nem
participam do espirito da Legislação Ingleza, que por
varias vezes tem mudado a ordem da sua Dynastia; por-
que os Príncipes reynantes, naõ querendo participar das
mudanças que se operavam na opinião publica, declaràram-
se nimigos do bem e do socego da grande maioridade da
naçaõ; pois os Reys naõ saÕ senaõ Magistrados Heredi-
Miscellanea. 269

tarios, que existem para o bem das Naçoens, e naõ as


Nações para a satisfacçaõ dos Reys.
No mesmo espirito abominável saõ as ordenas, que se
deram, para que ao Imperador Napoleaõ se naõpermittisse
escrever ou receber carta alguma, que primeiro naõ fosse
aberta e lida pelos Ministros Inglezes, e pelos Officiaes em
S**-. Hellena. Tem-o privado da possibilidade de receber
noticias de sua mulher, de sua mãy, de seo filho, ou de
tec* irmãos; e quando uma vez, para evitar o inconveni-
ente das suas cartas serem lidas por officiaes subalteraoss,
quiz mandar cartas selladas ao Príncipe Regente, foi-lhe
dicto que naõ se podiam alterar as ordens, e que as cartas
deviam ir abertas, conforme as instrucções que tinham do
Ministério. Este comportamento naõ necessita de com-
mentario; mas sempre dá motivo a fazerem-se ideas
bem estranhas do espirito da Administração, que pôde
dictar o que mesmo em Argel seria enjeitado. Chegaram
a Sto. Helena cartas para os officiaes da comitiva do Impe-
rador ; estas foram-vos mandadas depois de abertas, porém
nao as fizestes entregar; porque naõ tinham vindo pelo
canal do ministério Inglez. De sorte que tiveram de voltar
para trás quatro mil legoas; e estes officiaes tiveram o
dissabor de ouvir que neste rochedo estavam noticias de
suas mulheres, suas mãys, e seos filhos, e que naõ podiam
saber quaes eram, antes de seis mezes—o coração deve
consolar-se a si mesmo.
Naõ tem sido possivel subscrever ao Morning Chro-
nicle, ao Motning Post, ou a algum dos Jornaes
Francezes. De tempos a tempos apparecem em Long-
wood alguns números desirmanados do Times. Alguns
livros tem vindo, em conseqüência de se haverem pe-
dido a bordo do Northumderland: porém todos os que
diziam respeito às cousas destes últimos annos foram cuida-
dosamente omittidos, Quiz o Imperador corresponder-
270 Miscetianca.

se com algum livreiro em Londres para lhe mandar os


livros que precisasse, e os que dissessem respeito aos acon-
tecimentos diários, porem isto naõ pôde ser. Um author
Inglez que deo um gyro pela França publicou um livro em
Londres, e lembrou-se de vos remetter um exemplar
para ser apresentado ao Imperador; voa julgastes próprio
naÕ o entregar por naÕ vos ter sido mandado pelo ex-
presso desejo do vosso governo. Também se diz que
outros livros mandados por seos authores naõ tem sido
entregues, por alguns delles virem oflerecidos ao Impe-
rador Napoleaõ, e outros a Napoleaõ o Grande. O minis-
tério Inglez naõ tem authoridade pára ordenar simi-
lhantes véxações; a ley, se bem que única, por que o
parlamento Inglez considera o Imperador Napoleaõ como
prisioneiro de guerra, nunca prohibio que os prisioneiros
de guerra, subscrevessem a jornaes, ou recebessem livros
impressos—uma tal prohibiçaõ sò tem logar nas mae-
morras da Inquisição.
A Ilha de S l a .Hellenatem 10 legoas de circuraferencia;
he inaccessivel por toda a parte ; toda a costa está rodeada
do irrigues; na praia estaõ postadas scntinellas avista umas
das outras; o que tudo faz impracticavel communicaçaõ
alguma com o mar. Só ha uma pequena villa (James
Town) aonde ha um ancoradouro, c aonde os navios tocam,
Para naõ deixar sahir ninguém da Ilha hasta guardar a
praia por terra e por mar. V, pôr prohibiçoês no interior
da ilha, naõ pode ter oulro objecto, senaõ privallo de um
passeio de 8 a 10 milhas, que he o que seria possível fazer
acavallo, e a privação do qual encurtará a vida do Impera-
dor. Foram-o pôr em Longvvood, exposto a todos os
ventos, e aonde a terra he estéril e inhabitavel, sem água
nem susceptível de cultura alguma. Tem um circuito
marcado em roda de 1.200 toesas, pouco mais ou menos.
A 1.100, ou 1.200 eslá um acampamento sobre um alto, e
Miscellanea. 271
outro em distancia igual na parte opposta; e n'uma pa-
lavra, no meio das calmas do trópico naõ se vê senaõ acam-
pamentos. O Almirante Malcolm ouvindo que seria mui
útil para o Imperador ter uma tenda naquella situação,
mandou levantar uma pela sua maruja, a 20 passos de,
distancia defronte da casa; e este era o único logar aonde
se podia achar um bocado de sombra. O Imperador tem
tanta razaõ para estar satisfeito do espirito que anima os
officiaes e soldados do bravo regimento 53, como teve com
o da tripulação do Northumberland.
A casa de Longwood foi feita para servir de celeiro da
quinta da Companhia; o Deputado do Governador da
Ilha accrescentou-lhe depois alguns quartos, e servia-lhe
de casa de campo; porém naõ estava em estado de ae
poder habitar, ha um anno que andam nella trabalha-
dores, e o Imperador tem estado continuamente sujeito
aos ineommodos de habitar n'uma casa que se anda a con-
certar, que a demais he prejudicial para a saúde. O
quarto aonde elle dorme he taõ pequeno, que lhe custa a
caber uma cama de tamanho ordinário; porém toda a al-
teração em Longwood prolonga o incommodo de lá
trazer obras. Ha todavia neste território excellentes
sítios, aonde se vem bellas arvores, jardins, e boas casas.
Ha, além disto, Plantation-House, porém o vosso Go-
verno vos prohibe por instrucçoõs positivas de largar esta
casa, ainda que podia com isso poupar muitas despezas l
taes como as de mandar construir em Longwood uma
barraca coberta de papel, que já está em estado de naô
Poder servir.
Fizestes prohibir toda a correspondência entre nos e
o« habitantes da Ilha—e de facto tendes posto a casa de
Longwood no segredo : até tendes prohibido toda a com-
municaçaõ com os officiaes da guarniçaõ. Parece, por-
tanto, que todo o vosso estudo he privar-nos dos pequenos
•J-J2 Miscellanea.
recursos que este miserável terreno offerece, e estamos
aqui como estaríamos no isolado e deserto rochedo da
Ascensão.
Durante o* quatro mezes que haveis estado em Sancta
Hellena tendes tornado a situação do Imperador muito
peior. O Conde Bertrand notou-vos que violáveis mesmo
as leys da vossa legislação, e que calcaveis os direitos dos
Officiaes Generaes prisioneiros de guerra, evòs respon-
destes que obraveis segundo a letra das vossas instrucçoês,
e que o vosso comportamento para com nosco naõ era peior
do que ellas o prescreviam.
Tenho a honra de ser,
Vosso humilde e mui obediente criado,
(Assignado) O GENERAL CONDE DE MONTHOLON.

P. S. Depois de ter assignado esta carta, recebi a


vossa de 17 de Agosto, em que mandais dizer que a somma
annual de 20.000 libras esterlinas vos parece indispensável
para sustento das despezas do estabelecimento de Long-
wood, pelo calculo mais econômico que julgastes possivel.
A nós parece-nos que naõ temos nada que fazer com a
discussão desse ponto. A meza do Imperador apenas
contem os artigos necessários para o sustento da vida, e
todas as provisões saõ da peior qualidade. Mandais per-
guntar, se o Imperador terá um fundo de 12.000 libras
esterlinas, porque o vosso Governo naõ dá mais que 8.000
para todas as despezas. Já em outra occasiaõ tive »
honra de vos informar de que o Imperador naÕ tem
fundos; que ha um anno q*.ie naõ tem escripto nem re-
cebido carta alguma, e ignora quanto se tem passado e
está passando na Europa. O Imperador, havendo sido
transportado por força para estes rochedos, sem poder
escrever nem receber respostas, está inteiramente à merco
dos agentes Inglezes. O Imperador sempre tem desc-
Miscellanea. 273
jado, e deseja, prover a todas as suas despezas, de qual-
quer natureza, e está prompto, a fazello logo que vós o
fizerdes possivel, tirando a prohibiçaõ que tem os nego-
ciantes da Ilha a respeito da sua correspondência, e orde-
nando que naÕ seja sujeita a inquisição alguma vossa, ou
dos vossos agentes. Desde logo as precisoes do Impera-
dor seriam conhecidas na Europa, e as pessoas que se
interessam por elle poderiam mandar-lhe os fundos ne-
cessários para as satisfazer.
A carta de Lord Bathurst, que me haveis communi-
cado, faz excitar ideas bem estranhas, i Acaso ignoram
os vossos Ministros que o espectaculo de um grande
homem em captiveiro e adversidade he um expectaculo
dos mais sublimes ? Ignoram por ventura que Napoleaõ em
Sancta Helena, no meio de toda a sorte de perseguições*»
a que naõ oppõe senaõ serenidade, he maior, mais sa-
grado e mais veneravel, que quando estava sentado no
primeiro throno do mundo aonde por tantos tempos foi o
arbitro dos Reys ? Os que em tal occasiaõ faltam ao res-
peito a Napoleaõ, saõ cegos, naÕ distinguem o que fica
bem ao seo caracter e ao da naçaÕ que representam.
MONTHOLON.

INGLATERRA.

Falia de Lord Bathurst na Casa dos Pares, sobre a


moçaõ de Lord Holland, em que" pedia os documentos
relativos ao tractamento de Buonaparte em Sancta
Hellena.
O CONDE Bathurst levantou-se e disse, que em parte
concordava com a observação do Nobre Motor, isto he
VOL. XVIII. No. 106. * MM
274 Miseêé-tanea.

que naõ devia affectar a presente questão a opinião


da justiça ou injustiça da detenção de Napoleaõ Bona-
parte. Naõ tinha elle (Lord Bathurst) duvida em
concordar com o nobre Lord, em que aquelles que consi-
deraram a detenção de Napoleaõ Bonaparte naõ somente
necessária, mas justa, podiam ohjectar ao modo daquella
detenção; mas por outra parte, elle duvidava que
aquelles, que tinham objectado inteiramente á detenção,
pudessem considerar, com sufficiente gráo de imparciali-
dade, a propriedade do modo de detenção. O Nobre
Lord tinha registrado nos jornaes o seu protesto contra a
detenção deste indivíduo, como contraria aos princípios
da justiça e da humanidade. Mantendo tal opinião, apena3
se podia conceber que o Nobre Motor pudesse discutir,
com o devido gráo de imparcialidade, as restricçoens im-
postas a este prisioneiro, em quanto concebesse que as
restricçoens, de qualquer gênero que fossem, eram inhu-
manas e injustificáveis.
O Nobre Motor tinha fundamentado a sua moçaõ parte
em um papel ecripto por ordem de Napoleaõ, e assignado
pelo Conde Montholon; e parte em rumores que lhe ti-
nham chegado por outras vias. Naõ éra da intenção de
Lord Bathurst responder a estes rumores, naõ mais do
que a um papel assignado por um homem chamado San-
tini, a quem se naõ podia dar credito algum. Fazia
honra ao Noble Lord (Holland) o naõ ter elle funda-
mentado a sua moçaõ naquelle papel; porque ninguém
poderia vêllo por um momento, sem perceber que estava
cheio das mais grosseiras falsidades. Lord Bathurst,
portanto olharia para aquella publicação como negada e
totalmente indigna de attençaõ, e limitaria as suas ob-
servaçoens aquelle papel, que certamente era authenlico,
e que éra assignado pelo Conde de Montholon. Era
Miscellanea. 2* 5
primeiro lu«*ar mostraria a suas Senhorias, quaes eram
as instrucçoens de Sir Iludson Lowe, e mostraria depoi-*
oue as queixas contidas naquelle papel, escripto por or-
dem de Napoleaõ Bonaparte, ou procediam da devida ex-
ccuraõ daquellas instrucçoens, ou eram falsas repre-
sentaçoens dos factos, ou eram direetas e absoluta? falsi-
dades.
Em primeiro lugar, quanto ás instrucçoens de Sir Hud-
»on Lowe, suas Senhorias estavam ha muito tempo de
posse dellas; porque, quando o Almirante Cockburn foi
para Sancta Hellena se lhe deram instrucçoens, que
*ram applicaveis tanto a elle como a seus successores depois
d'elle ser rendido. Estas instrucçoens fôram publicadas
no Continente, donde passaram para âs gazetas deste
paiz. Uma copia authentica havia, ha muito tempo, sido
apresentada asuas Senhorias, e éra opinião geral, que ellas
naõ continham cousa nenhuma imprópria, considerando
ofima que eram destinadas. Estas instrucçoens con-
sideravam Napoleaõ como um prisioneiro de guerra, e
consequentemente estabeleciam esta regra geral, que se
iinpozessem todas as restricçoens que eram necessárias
para segurar a detenção; mas que senaõ impozessem
restricçoens, que naõ eram necessárias para aquella de-
tenção. Este principio estava elle preparado a mostrar,
que tinha movido todas as instrucçoens do Governo de
S. M., e todos os passos que Sir Hudsqn Lowe tinha
dado, em obediência dessas instrucçoens. Estava tam-
bém preparado para provar, que até este momento naõ
unha havido alteração alguma substancial nestas in-
strucçoens. Todas as communicaçoens do Governo para
Sancta Hellena, tinham sido mais explicaçoens daquellas
nutruceonea do que outra cousa; e todas as mudanças, que
iw Unham feito, seja na explicação das instrucçoens, tsêjn
MM
276 jtxiswmi-wfivu.
na sua execução, foram para beneficio da pessoa, qua
éra o objecto dellas (Applausos).
Elle classificaria as q ueixas feitas a respeito do tracta-
mento do individuo, e depois leria aquellas partes das in-
strucçoens, que eram applicaveis aos differentes capítulos
dessas queixas. As queixas, que se haviam feito, po-
diam ser reduzidas a dous capítulos:—Io. Restricçoens
quanto á communicaçaõ do prisioneiro com outrem, seja
por escripto seja pessoalmente.—2o. As queixas que
respeitam o tractamento pessoal do mesmo individuo.
Em primeiro lugar, quanto á communicaçaõ com outros
por escripto, o Nobre Motor tinha dicto que havia uma
impossibilidade absoluta de communicar com sua mulher,
filho, e parentes. Agora leria elle (Lord Bathurst) a
parte das instrucçoens, que se refere a toda a communi-
caçaõ por escripto, com os indivíduos de que se tracta.
As instrucçoens eram estas:—
<c
Todas as cartasa dirigidas ao General, ou a pessoas
de sua comitiva, devem ser entregues ao Almirante ou
Governador (segundo for o caso) o qual as lera antes de
as entregar aquelles a quem fôrem dirigidas.
" As cartas escriptas pelo General o>u pessoas de sua
comitiva seraõ sugeitas á mesma regra.
" Nenhuma carta que for ter a Sancta Hellena, excepto
pela via do Secretario de Estado, será communicada ao
General ou pessoas de seu séquito, se for escripta por
alguma pessoa naõ residente na ilha; e todas as cartas
dirigidas a pessoas que naõ residam na ilha devem ir de*»
baixo da capa do Secretario de Estado.
c4
Será claramente explicado ao General, que o Governa-
dor e Almirante tem estricta ordem de informar o Governo
de S. M. de todos os desejos e representaçoens, que o
General lhe quizer dirigir. A este respeito nao he pre-
Miscellanea. 217
riso que usem de precaução alguma; porém o papel em
que tal requirimento ou representação for feito, lhes deve
ser communicado aberto, para que elles o possam lêr, e
accompanhállo com as observaçoens que julgarem ne-
cessárias.
« Quando pois Napoleaõ Bonaparte representou que
lhe éra impossível escrever ás pessoas a quem desejava
escrever, falta á verdade. Se elle queria dizer que naõ
podia escrever sem que aquellas cartas fossem abertas,
ÍMO éra meramente em conformidade das instrucçoens, que
se tinham dado ao Governador. Porém elle (Napoleaõ)
naõ tinha direito de representar isso como prohibiçaõ ab-
soluta, quandoficavaà sua escolhas.
A outra queixa éra, que naõ tinha recebido cartas ds
seus parentes, e amigos na Europa, e que lhe éra impôs-
ivel recebèllas. Isto naÕ he verdade—naÕ éra impos-
sível a alguns de seus parentes e amigos o communicar
com elle, se quizessem mandar as suas cartas á Secre-
taria de Estado, aonde seriam abertas, e ao depois in-
dubitavelmente remettidas; e o facto éra, que somente
um de seus parentes lhe tinha escripto, que foi seu
irmaõ Jozé, cuja carta chegou á Secretaria em Outubro
passado, aonde foi aberta, e immediatamente lhe foi re-
mettida. Outra queixa da mesma natureza éra, que se
llie naõ permittia o mandar uma carta seilada ao Principe
Regente. Sir Hudson Lowe, no caso de se lhe requerer
alguma cousa a este respeito, teria obedecido às suas in-
strucçoens, que acabavam de ser lidas á suas Senhorias ;
porém em ponto de facto, naõ se tinha pedido tal cousa a
Sir Hudson Lowe, Na verdade se havia perguntado a
Sir G. Cockburn (cria que fora o Conde Bertrand,) se
elle tomaria sobre si entregar uma carta escripta pelo
Imperador ao Principe Regente, sem soffrer que pessoas
278 Miscellanea.
alguma a abrisse. Sir G. Cockburn, como he claro,
na* podia prometter tal cousa, mas tudo que podia fazor
<?ra eommunicar-lhe o resumo das instrucçoens, que tinha,
a respeito de cartas escríptas pelo General Bonaparte, e
deixar a elle o julgar como devia obrar. Depois da-
quelle tempo naõ se recebeo petitorio algum daquella
natureza.
Determinando-se que fossem abertas quaesquer queixas
que se fizessem, contra o comportamento do Governador
para com o General Bonaparte, quando se remettessem
ao Governo deste paiz, naõ se deixou cousa alguma &
discrição do Governador, sobre o transmittillas ou naõ e
mas ao mesmo tempo éra-lhe permittido entrar em ex-
plicaçoens das allegaçoens contidas na carta. O objecto
destes regulamentos éra, por uma parte, proteger o Go-
vernador contra accusaçoens frivolas, e pela outra, se se
pudesse produzir alguma accusaçaõ séria, assegurar o
remédio com maior brevidade do que seria possivel de
outro modo; porque assim naõ seria preciso tornar a
mandar para Sancta Hellena a inquirir a verdade do caso,
antes que se pudessem dar passos para remover o inconve-
niente de que ae fazia a queixa (japplausos). Foi neste
sentido que esta parte das instrucçoens foi tomada pelo
General Bonaparte, como se pode inferir de uma carta
que lhe encreveo Sir G. Cockburn, de que Lord B. leo
a seguinte passagem:—
£t
Eu naÕ hesito em concordar com vosco, que o motivo
que influio o Governo de S. M. nesta parte das suas
instrucçoens, foi o desejo de remediar com brevidade
qualquer inconveniente de que vós tivesses de vos queixar;
porém ainda que o espirito das instrucçoens vos seja favo-
rável, elles naõ perderam de vista a circumstancia de que
em iustica hc devido a mim o a meus sueceísores o pre-
Miscellanea. 279
veiür, que as queixas contra nós sejam sabidas na Europa
por seis mezes, sem que sejam acompanhadas por alguma
observação nossa (applausos).
Agora, he claro, que, sendo o Governador obrigado a
mandar para a Europa todas as queixas que se fizessem
contra elle, o General Bonaparte naõ tinha razaõ alguma
de queixa. Quanto as cartas sedadas para o Principe
Regente, Lord B. só podia dizer, que se Sir G.Cockburn
ou Sir Hudson Lowe julgassem conveniente permittir que
taes cartas viessem para a Europa selladas, elle (Lord B.)
julgaria ser do sen dever o abrillas. Concordava com o
Nobre Motor, que se elle impedisse que taes cartas chegas-
sem aS A.R. seria réo de uma baixa e inexcusavel falta de
seu dever; porém ao mesmo tempo, neste paiz, aonde os
Ministros saõ responsáveis pelos actos do Soberano, naÕ
sábia como pudesse cumprir com o seu dever, se se naõ
informasse da natureza de taes communicaçoens.
A outra queixa do General Bonaparte era, que, quando
elle pedio alguns livros da Europa, os que eram de
tempos modernos naõ lhe fôram mandados. O facto era
este: depois da sua chegada a Sancta Hellena desejou ter
alguns livros para completar a sua livraria, e o mesmo
General Bonaparte fez uma lista, e a mandou para este
paiz. Esta lista foi dada a um eminente livreiro Francez,
nesta cidade, com ordem de fornecer os livros que tivesse,
e obter o resto de outros livreiros. Vários daquelles
livros naõ se podiam achar em Londres, e ordenou-se ao
livreiro que os mandasse buscar de Paris. Consequente-
mente obteve alguns delles de Paris, porém outros naõ se
puderam alcançar; os que se naõ acharam eram principal-
mente sobre objectos militares. Estes livros, na somma
de 1.300 ou 1.400 libras de valor (que a memória chama
wu poucos de livros) foram remettidos, com uma explica-
ção das circumstancias, que faziam com que os outros
280 Miscellanea.
naõ fossem junctamente. Esta anxiedade, em attender
aos desejos do individuo de que se tracta, naõ foi por
fôrma alguma tomada em consideração, no papel a que se
allude, como escusa da omissão, (applausos).
Uma queixa connexa com esta, éra, que se lhe naõ ti-
nham remettido as gazetas. Quanto a isto era preciso
dizer, que, se o Nobre Motor julgava que o General Bona-
parte devia ter todos os jornaes que pedisse, ello Lord B.
tinha differente opinião da vereda, que se devia saguir.
E a sua opinião éra fundada no conhecimento de que se
tinham feito tentativas para abrir communicaçaõ com Na-
poleaõ por meio das gazetas. A seguinte queixa éra que
se lhe naõ permittia abrir conrespondencia com um
livreiro. Isto naõ éra verdade, a menos que naõ quizesse
isso dizer, que se naõ permittia a conrespondencia em
cartas selladas; porque naõ havia razaõ para impedir
aquella conrespondencia, a menos que ella houvesse de ser
de maneira particular. DiZia-se também que elle naõ podia
conresponder-se com o seu banqueiro ou agente. De
facto éra-lhe livre entrar em quaesquer conrespondencias,
com as restricçoens acima mencionadas; e naõ havia razaõ
para que uma carta a um banqueiro fosse mandada sellada.
Lord Bathurst disse, que em uma conrespondencia
entre amigos a necessidade de mandar as cartas abertas
era uma árdua restricçaõ; porque éra impossível confiar
ao papel as ardentes eífusoens do coração, sabendo-se
que isso cahiria debaixo das frias vistas de um inspector.
Mas isto naõ he applicavel â conrespondencia com um
banqueiro. Quem ouvia jamais de uma affeiçoada letra
sobre um banqueiro; (risadas) ou de uma ordem enthu-
síastica para se venderem acçoens do banco?
Agora vinha o mais importante ponto das accusaçoens,
que éra, que as cartas mandadas, pelo General Bonaparte,
ou pessoas de seu séquito, eram lidas por officjae* subal-
Miscellanea. 281

ternos. Isto naõ era verdade. Sir Hudson Lowe tinha


exercitado o encargo que lhe fôra confiado com a maior
delicadeza; e quando se mandavam algumas cartas, que
passavam por suas maõs, nunca elie permittia que as visse
algum individuo, por mais confidencial que fosse, quer
as cartas fossem dirigidas a pessoas em Sancta Hellena,
quer a pessoas de fôra. Era difficil saber-*se a que allu-
díam ou em que se fundavam accusaçoens geraes, porém
a seguinte occurrencia éra a única, que concebia dizer-
lhe respeito: quando Napoleaõ e seu séquito fôram man-
dados para Sancta Hellena, cm conseqüência da pressa
com que deram á vela os navios, ficaram elles privados de
muitas cousas necessárias, como roupa branca; e outros
artigos deste gênero. Julgou-se que soffreriam grande
inconveniente se se esperasse que elles mandassem buscar
a este paiz, e consequentemente, se lhes mandou grande
quantidade destes artigos, anticipando as suas necessi-
dades. Aconteceo, porém? cerca do tempo em que Ia
chegaram estes artigos, que Las Casas escreveo uma carta
para a Europa, a qual carta veio naturalmente á inspecçaw
de Sir Hudson Lowe, o qual achou que continha uma ordem
para alguns daquelles mesmos artigos que se lhe tinham
mandado. Sir Hudson Lowe escreveo entaõ a Las Casas
para o informar de que tinha aquelles artigos que se orde-
navam na carta, e que estavam muito a seu serviço; e
observou, que talvez naõ fosse necessário mandar a carta,
ou que poderia omittir a ordem que nella dava. Las
Casas respondeo com muitos reproches a Sir Hudson
Lowe, por ter tido a presumpçaõ de lêr uma carta dirigida
a uma Senhora; e por lhe offerecer artigos tirados de um
deposito commum, quando elle sabia, que Las Cassas tinha
sido sustentado unicamente pelo Imperador. Assim foi
tractado Sir Hudson Lowe—e tal foi o único fundamento
para esta parte da accusaçaõ
VOL. XVIII. No. 106. NN
282 Miscellanea.
A seguinte accusaçaõ contmha-se nestas palavras: —
Tem chegado cartas a Sancta Hellena para officiaes do
séquito do Imperador—fôram ellas abertas e entregues a
vós mesmo, mas vós naÕ as communicastes ; porque naõ
vieram pelo canal do Ministro Inglez. Fôram mandadas
outra vez para a distancia de 4.000 léguas, e estes officiaes
tiveram a dôr de saber que havia no rochedo notícias de
suas mulheres, suas mâys, seus filhos, e por seis mezes
naõ puderam saber a natureza dessas noticias. O coração
se revolta com isto!" Isto he uma falsidade directa, para
o que naõ havia o menor fundamento. Sir Hudson Lowe,
vendo esta passagem no memorial, e pendindo-lhe que
notasse os exemplos; menhums exemplos se citaram,nem
se deo resposta, e a razaÕ éra, porque a assersaõ éra abso-
lutamente falsa (applausos). Na verdade, entre os volu-
mosos papeis que se tinham remettido de Sancta Hellena
nada havia taõ penosamente desgostoso, como a total in-
differença que se mostrava em tudo para com a verdade.
Tendo até aqui foliado do que pertence a restricçaõ sobre
a communicaçaõ do General Bonaparte, por escripto, pas-
saria ás queixas sobre a sua communicaçaõ pessoal com
outras pessoas. Leria a parte das instrucçoens, que se re-
feriam a este objecto, e que havia anno e meio estavam
patentes ao paiz todo, e contra as quaes se naõ tinha feito
nunca objecçaõ alguma.
As palavras saõ estas—" Quando chegarem navios, e
em quanto estiverem á vista, deve o General ficar restricto
aos limites aonde estaõ postadas as sentinellas. Durante
este rntervallo ficará prohibida toda a communicaçaõ com
os habitantes., Tal éra a letra da instrucçaõ, mas a exe-
cução delia tinha sido mui liberal; as pessoas que chega-
vam á ilha tinham permissão de ir a Longwood, obtendo
passaporte do Governador, ou Almirante; mas para pre-
Miscellauea. 283
venir que a privança do General naÕ fosse interrompida pela
curiosidade dos indivíduos, naõ se lhes permittia ir a
Longwood, a menos que naõ obtivessem o prévio consenti-
mento do Conde Bertrand, ou de outro algum individuo
juncto â sua pessoa. A queixa de que lhe óra prohibida
toda a eommunicaçaõ com os habitantes naõ éra verda-
deira. Era verdade que os habitantes naõ podiam ir ter
com elle se passaporte, mas naõ havia exemplo em que
se tivesse negado o passaporte, ou que so prohíbisse a
alguém ir ter com elle, senaõ as pessoas que se tinha
descuberto, que iam disfarçadas ou com character falso.
Também se tinha dicto, que havia prohibiçaõ de elle com-
municar com os officiaes da guarniçaõ. Naõ havia funda-
mento para isto. Em uma occasiaõ entrou elle em con-
versação com um official do regimento 53, em que deo
altos louvores ao regimento e seus efficiaes (nenhum era
demasiado para os seus merecimentos) e entaõ exprimío o
seu sentimento de lhe ser prohibida toda a communicaçaõ
com elles. O official assegurou-o de que naõ existia tal
prohibiçaõ; ao que elle se mostrou admirado; mas depois
daquelle tempo naõ teve com elles mais freqüentes com-
municaçoens do que tivera ate entaõ, quando suppunha
existir a prohibiçaõ que tanto lamentava.
Havendo assim respondido ás queixas sobre as restric-
çoens na communicaçaõ de Bonaparte com outros indiví-
duos, tanto pessoaes como por escripto, passaria a consi-
derar as accusaçoens relativas ao tractamento pessoal. As
instrucçoens, sobre este ponto, eram estas—" O General
deve sempre andar acompanhado por um official, nomea-
do pelo Almirante ou Governador, segundo for o caso.—
Se o General tiver permissão de sair alem dos limites, aonde
estaõ postadas as sentinellas, deve ser acompanhado por u -
raa ordenança pelo menos." A practica tem sido, que, du-
rante o primeiro periodo da sua prizaõ, elle tinha uma cir-
NN 2
284 Miscellanea.
cumfereneia de naõ menos de 12 milhas, em que podia pas-
sear de cavallo ou a pé, sem ser acompanhado por nenhum
official; e este espaço se naõ diminuio, senaõ depois que
se achou que elle abuzára daquella confiança, que nelle se
puzéra, tractando de mancomunar se com os habitantes,
Aquelle espaço está agora reduzido a oito milhas, em vez
de doze; e dentro daquelle limite pôde presentemente
passear sem a companhia do Official. Além destes limites
elle pôde ir a qualquer parte da ilha, acompanhado por um
official de graduação naõ inferior á de capitão no exercito.
Com este fundamento, pois, se naÕ podia dizer que hou-
vesse desarrasoado gráo de restricçaÕ. A outra queixa, que
o Nobre Motor tinha mencionado, éra, que o tempo em que
o General Bonaparte naõ podia sair de casa, érajustamen-.
te o único tempo em que o exercício éra saudável naquelle
clima, E com tudo o facto éra, que ainda.que lhe naõ
fosse livre, a passagem por toda a ilha depois de sol posto?
elle podia depqis daquellas horas passear no seujardim.—
Postávam-se ali sentinellas depois do sol posto, e elle ex-
pressou que o desgostava passear, quando éra assim vigi-
ado. Sir Hudson Lowe, querendo attender aos desejos
de Bonaparte postou as sentinellas em parte que o naõ pu-
dessem Yer.j, Queriam suas Senhorias que se tirassem de
todo as sentinellas, justamente no tempo em que éra
mais provável que elle se escapasse? Supponham por um
momento suas Senhorias, que, em vez de debater sobre a
moçaõ do Nobre Lard, lhe3 tinha Sir Hudson Lowe,
trazido a noticia de que o General Bonaparte actualmente
tinha fugido, Supponham, que em vez de se assentarem
ali para discutir se se devia impor mais ou menos gráo de
restricçaõ, tinham de examinar em sua presença Sir Hud-
son Lowe. ^Como e quando fugira ?—no principio da
noite, e do seu jardim. j,Naõ tinha o jardim sentinellas'
As sentinellas haviam sido retiradas.i Porque se retira-
Miscellanea. 285
ram? Porque o General Bonaparte assim o- pedio—ellas
affeclavam a sua sensibilidade, por isso se retiraram, e a-i-
sim pôde elle fugir.j, Que pensariam suas Senhorias de
taes respostas 1 Lord B. pedia que considerassem a Situa-
ção de Sir Hudson Lowé—-em que penosa, e odiosa situa-
açaõ se acharia ! Se o General Bonaparte fugisse, o cha-
racter e fortuna de Sir Hudson Lowe estavam perdido,?
para sempre, se naõ houvessem tentativas para fugida
naõ faltaria quem por falsos motivos de compaixão lhe fi-
zesse reproches por aquellas restricçoensj que prova_
velmente tinham prevenido a fugida. Dizia-se no Me-
morial, quea residência escolhida para o General Bona-
parte éra desagradável e mal *aã. Lord B. só podia dizer}
que essa naõ éra a noticia geral daquelle lugar: antiga-
mente tinha ali sido a residência ou casa do Tenente-Go-
vernador; e naõ era custume que os Tenente-Goyerna-
dores escolhessem para si o lugar mais desagradável e
mal saõ: (risadas) Nem essa tinha sido a opinião primei,
ra do mesmo General Bonaparte. Quando o General fui
para ali mandado, se deixou á discripçaõ de Sir G. Cock-
burnfixar-lhea residência, com uma única excepçaõ, que
era a easa do Governador. Esta escolha devia ser dirigi-
da com as vistas de segura custodia, em tanto quanto isso
tosse compatível cpm a devida consideração ao conforto do
prisioneiro. Logo depois de desembarcar o General Bo-
naparte saio de cavallo com Sir G. Cockburn, e foi atè
Longwood, com o qual lugar se eaptivou tanto á primeira
vista, quê desejou ficar ali, e naõ voltar para a povoaçaõ
roí-lhe dicto que éra impossível mudar taõ depressa a fa*"
inilia do Tenente-Governador. Pedio entaõ, que se lhear-
maase uma barraca, o que também se representou como
muito encommodo áo Tenente-Governador, porém assegu-
rou-se-lhe, que os inquilinos se mudariam o mais depres.
apoasivel, Na volta vieram ter a uma casa lindamente
286 Miscellanea,
situada, que pertencia a Mr. Balcombe, juncto á qual se
tinha edificado um quarto separado. O General Bonapar-
te expressou o desejo de ocupar aquelle quarto, e depois
de Sir G. Cockburn, se esforçar em vaõ para o dissuadir
disso fez com effeito ali temporariamente a sua residência.
Com tudo dous dias depois se queixaram os de sua com.
miliva deste árduo tractamento, como lhe chamavam, de
pôr o Imperador em um s6 quarto. Foi a maneira por-
que foi recebida a acquiescencia de Sir G. Cockburn.—
Tantas alteraçoens se fizeram em Longwood, que o Ge-
neral Bonaparte ficou naquelle quarto por tres mezes.—
Fizéram-se em Longwood constantes melhoramentos e al-
teraçoens, por causa delle e dos de sua comitiva; e isto
occasionou a demora; porque o facto éra, que elle naõ de-
sejava mudar-se de casa de Mr. Balcombe, por causa da
facilidade de communicaçaõ com a cidade. Durante a soa
residência ali, estava elle limitado a um pequeno jardim,
além do qual se naõ podia mover sem guarda, e com tu-
do naquelle tempo elle naõ fez queixa alguma; e agora,
pela primeira vez, se queixa de restricçoens á sua liber-
dade, quando lhe éra concedido um espaço, dentro do
circuito de oito milhas, se elle o quizesse, sem ser acom-
panhado. Quando se mandaram os prisioneiros pare
Sancta Hellena, se deram ordens para levar pare ali o
madeiramento necessário para construir uma casa pa-
ra Bonaparte. Quando chegaram os materiaes, Sir
Hudson Lowe escreveo ao General, perguntando-lhc,
se elle queria que se lhe construísse uma nova casa}
ou que se lbe accrescentasse a que tinha. Naõ rece-
beo resposta, porém passadas duas ou tres semanas fo1
ter com o General para ver se podia obter delle uma
decisaõ. O General respondeo, qae preferia uma ca-
sa nova; mas que isso levaria cinco ou seis annos a com-
pletar, quando elle sabia que dentro em dous oa tresan-
Miscellanea. 287
nos, ou se deitaria abaixo a administração neste paiz, ou
haveria uma mudança no Govemo de França, e em qual-
quer dos casos elle seria libertado. Como esta foi toda à
resposta, que Sir Hudson Lowe pôde obter, passou a fazer
alteraçoens na casa em que o General existia. O General
Bonaparte fez objecçoens a isto; ainda que o objecto fosse
providenciar accommodaçoens para os de sen séquito.—
Lord Bathurst naÕtinhaobjecçaõ a que o General Bona-
parte escolhesse nova casa, ou a antiga, com alteraçoens
ou sem ellas; porém a objecçaõ que havia éra que o Gene-
ral tinha feitotodasas tentativas para que o lugar de sua
residência fosse conveniente fundamento de accusaçoens
contrao Governador, e que espreitava toda a occasiaõ em
que se prestava attençaõ a seus desejos, para tivar dahi
motivos de queixas.
Agora passaria à matéria das despezas que se faziam
com a mantença deste individuo; e antes disso mencio-
naria a rumor de que Sancta Hellena tinha sido lembrada
no Congresso de Vienna, como o lugar para onde Bona-
parte ae devia mudar de Elba. Era este um dos ru-
mores, quer fosse recebido de estrangeiros quer do In-
gleses, que Lord B. podia assegurar ao Nobre Motor ser
inteiramente falso. No Congresso naõ se fez mençaõ de
tal proposição. Quanto às despezas do estabelicimento
do General Bonaparte em Sancta Hellena, ao principio,
pela falta de arranjamentos para supprimentos regulares,
foi a despeza inevitavelmente grande; porém sempre se
tinha tido em contemplação a sua diminuição, quando se
pudessem fazer os arranjamentos convenientes. A des-
peza permanente do estabelicimento de Bonaparte se
fixou no principio em 6.000 libras esterlinas por anno,
ainda que se considerou que, no primeiro, excederia muito
éta somma. Quando se fixou esta pensaõ, foi o Governo
cm parte guiado pelas despezas, que se sabia fazer o Go-
2 8 8 anS%XtmmVÊmmm.m

vernador da ilha. Aquelle Governador era pago pela


Companhia das índias Orientaes; o seu ordenado éra 1.800
libras por anno, e as comedorias eram pagas à parte, por
ser elle obrigado a receber e convidar os passageiros
dos navios da Companhia, que tocavam naquelle porto.
As despezas destas commedorias se achou que eram por
um termo médio de vários annos, 4.700 libras, por
anno, fazendo um total de 6.500 libras, o que se jul-
gou ser ajustado critério para as despezas necessárias a
um igual estabelicimento naquella ilha. Como o General
Bonaparte naõ era sugeito ás despezas, que o Governador
era obrigado a fazer, 8.000 libras poranno pareceram uma
somma liberal: deve lembrar-se, que esta foi a estimativa
que se apresentou na outra Casa do Parlamento, como a
despeza provável deste estabelicimento, e fundadas nisto
foram as instrucçoens, que se deram a Sir Hudson Lowe,
sobre esta matéria. Considerou-se que esta somma era
sufficiente para prover o General Bonaparte de tudo
quanto se podia julgar conveniente para uma pessoa ra
sua situação. Comtudo, mandaram-se instrucçoens ao
Governador, informando-o de que, se fosse necessário
mais do que isto, para a mantença do General Bonaparte,*
se elle julgasse necessária mais alguma cousa de luxo,
além do que se podia obter com a somma fixada neste
paiz, os Ministros de S. M. estavam inclinados a conce-
dêllo. Sir Hudson Lowe em resposta a isto, disse que
julgava que se naõ podia manter o estabelicimento do
General Bonaparte com menos de 12.000 libras por anno.
lntimou-se-lhe immediatamente, que os Ministros de 8.
M. tinham concordado em dar esta somma de 12.000 libras.
Sa Suas Senhorias consideravam que esta somma éra de-
masiado pequena para as despezas do General Bonaparte,
Lord B. tinha unicamente de lembran-lhe que Sir Hud-
son Lowe somente recebia 12.000 libras para todas as soas
Miscellanea. 289
despezas,de qualquer gênero que fossem. Quinze dias
depois de recebida a carta deste paiz, entrou o Gene-
ral Bonaparte em negociação com Sir Hudson Lowe, e
elle Bonaparte emprehendeo fornecer toda a despeza á
sua custa, na somma de 17.000 ou 18.000 libras annues,
se tivesse permissão de se conrespondercom um banqueiro,
com tanto que as cartas fossem selladas, e com tanto que o
dinheiro assim recebido ficasse inteiramente à sua disposi-
ção; e tam confiado estava que tinha este dinheiro á sua
ordem, que offereceo sacar logo pela dieta somma, e segu-
rou a Sir Hudson Lowe, que podia adiantar-lhe o dinheiro
com segurança; porque naÕ tinha duvida? que a sua letra
sacia aceita. Referindo isto, naõ queria Lord B. dizer, que
em conseqüência do General Bonaparte possuir fundos, e
grandes fundos, devia por isso o Governo deste paiz cbri-
catto a pagar as despesas do estabelicimento,tirandoo
dinheiro desses fundos; porém Lord B. dizia isto; que*
daodo-se-lhe tam grande pensaõ como he 12.000 libras
por anno, que he o mesmo que se dà ao Governador, o qual
esta exposto afazer grandes despezas, e que tem de receber
as visitas dos habitantes e dos Commissarios das Potências
Alliadas; seguramente, se esta somma éra sufficiente para
o Governador, éra também sufficiente para o General Bo-
naparte; e se este desejava ter maior pensaõ, devia tirar
o excedente de seus fundos, e grandes fundos, que tinha a
sua disposição. Havia outro ponto que éra necessário
notar, porque dizia respeito a certa relação, que se acha na
publicação a que tinha aliudido; isto he, que se lhe naõ
dava mais do que uma garrafa de vinho por dia, para cada
peaoa, e que, se algum individuo da familia bebia a sua
mçaõ, naS se lhe dava mais. Em ordem a averiguar as
despezas de qualquer estabelicimento, he usual calcular
*)bre certa quantidade de cousas que usa cada um dos in-
dividuous por dia. Naõ se intenta por forma nenhuma, que
VoL.XVIII. No. 106. oo
290
cada individuo beba todos os dias a mesma porçaõ. A re-
speito do cálculo de uma garrafa por dia, para cada pessoa
éra esta raçaõ, que neste paiz se considerava naõ mes-
quinha ; e éra a raçaõ para a meza de S. M. Uma gar-
rafa por dia para cada pessoa éra considerada pelos mili-
tares sufficiente raçaõ,paraasua meza commum nos regi-
mentos; sufficiente para elles e para a companhia, que
pudessem convidar para a sua meza: naõ éra usual con-
ceder mais, tomados uns dias pelos outros, para qualquer
pessoa no vigor da vida. Mas para mostrar a liberalidade
com que se calculou a mantença, que se concedia a Bona-
parte, Lord B. leria a Suas Senhorias um extracto da esti-
mativa para sua meza, em que o artigo vinho se acha miu-
damente especificado. Havia raçaõ de vinho forte e de
vinho fraco. A quantidade de vinho fraco éra de 84 gar-
rafas, no decurso de 15 dias; porém deixaria isso de fora,
o diria unicamente a quantidade da outra sorte de vinho.
Da melhor sorte de vinho naõ éra menos de 266 garrafas
em 15 dias, applicadas só e unicamente para o General
Bonaparte e seus domésticos: as particularidades saõ:
7 garrafas de vinho de Constância.
14 Ditto de Champagne.
21 Ditto de Vinho de Grave.
84 Ditto de Tenerife.
140 Ditto de Clarete.

266 Total.
O numero das pessoas connexas com o General Bona-
parte, excluindo as de tenra idade, chegavam a nove; de •
maneira que se davam 10 garrafas de vinho por dia, para
dez pessoas: e tomando uns dias por outros se podia con-
siderar a raçaõ como sendo duas garrafas por dia para cada
pessoa adulta. Além desta quantidade de vinho, se dava
cada 15 dias 42 garrafas de cerveja, na proporção de tres
Miscellanea. 291
para cada individuo. Tendo dicto isto, esperava que tinha
convencido a Suas Senhorias, de que naõ havia o menor
fundamento para recear que se obrasse para com o Gene-
ral Bonaparte de maneira, que se approximasse de forma
alguma a severidade. As pessoas que estavam debaixo
de suas ordens se haviam portado da maneira mais inso-
jente, para com o Governador; e se Suas Senhorias se
mostrassem inclinados a dar ouvidos a todas as queixas
que elles fizessem, naÕ haveria fim a taes queixas.
Quanto ao Governador, elle naõ poderia manter a sua
authoridade, a menos que se naõ esforçasse por fazer exe-
cutar todas as disposiçoens, que as suas instrucçoens lhe
ordenavam. Se Suas Senhorias pensavam que Bona-
parte naõ devia ser detido em Sancta Hellena, então
libertassem-o; mas se pensavam que devia ser detido.
éra injusto impor ao Governador tam pezada responsabili-
dade, e ao mesmo tempo impedir-lhe que puzesse em
vigor taes medidas, que assegurassem a detenção do prisi-
oneiro, que delle se requeria.

COLÔNIAS HESPANHOLAS.

Extracto dos debates do Parlamento Britânico.


Casa dos Communs 10 de Março.
Mr. Brougham levantou-se, em consequenciado avizo
que tinha dado, para chamar a attençaõ da Casa ao presen-
te estado dos Governos Hespanhol e Portuguez na Ame-
rica Meredional. Os factos, que elle tinha ouvido, eram
estes:—Haverá oito mezes que se mandou do Rio-de- Ja-
neiro uma expedição contra Monte-Video ; parle das tro-
pas foram por terra, e parte por mar ; e quando se ajunc-
•Áram, tomaram posiçoens fortes juncto daquella cidade.
oo2
292 Miscellanea.
Quando de Ia partiram as ultimas noticias estavam aquellas
tropas ou actualmente sitiando Monte-Video, ou ameaçan-
do começar o ataque. Elle tinha ouvido, que o Governo
Hespanhol concordara em ceder Monte-Video a Portugal
em troca de Olivença. Agora elle (Mr. B.) mantinha que
Monte-Video naõ pertencia á Hespanha, mas ao partido
independente ; ou, como aquella gente éra muito impro-
priamente chamada, as provincias revoltadas, que o tinham
conquistado antes da restauração de Fernando ; e por tanto
Fernando naÕ tinha direito de dispor daquelle paiz. Seja
isso como for, estava juncto ás muralhas daquella praça um
exercito de 10-000 Portuguezes. Quasi todos os homens
faziam agora oraçoens pelo bom successo do partido inde-
pendente da America Meredional; porém apenas se po-
deria suppôr, que esta expedição fosseagoracontra Monte-
Video, sem a sancçaõ do Governo Hespanhol. Isto éra
de tanto maior importância, quanto se dizia que a conven-
ção entre Hespanha e Portugal se dizia ter sido executada
com o colluio de nossos agentes, e que Lord Beresford)
era generalissimodos exércitos Portuguezes, quando a-
quella expedição deo á vela. Se estes factos eram verda-
deiros éra extraordinário, que naquella Casa se naõ fizesse
mençaõ desta expedição ; mas elle (Mr. B.) esperava,
que os Ministros pudessem dar explicação cabal, ao paiz,
do comportamento de seus agentes civis e militares, e na-
da seria mais grato do que ouvir, que este paiz naõ tinha,
por seus agentes, entrado na privança desta convenção.—
Por tanto moveria ;" Que se apresentasse ao Principe
Regente um humilde memorial,rogando-lhe que mandas-
se pôr perante a Casa, copias de quaesquer tractados ou
convençoens, relativos á csesaÕ de Monte Video a Portu-
gal, e de qualquer correspondência a respeito disso; em
tanto quanto ella se poder communicar, sem prejuizo do
serviço publico.
Miscellanea. 293
Lord Castlereagh disse, que este Govemo naõ tinha
em gráo algum sido parte em algum tractado, sobre tal
matéria, e que tinha ficado neutral. Quanto ao Mare-
chal Beresford, naõ se deviam confundir os seus deveres
com os de um official Britânico. Em quanto elle esti-
vesse no serviçode Portugal, naõ devia ser considerado co-
mo obrando pelo seu paiz. Elle (Lord C.) consideraria
ser uma grande falta de dever naquelle valoroso official,
se elle communicasse a este Governo as intençoens do Go-
verno Portuguez, em quanto estivesse no seu serviço. Po-
rém se consideramos as relaçoens entre Hespanha e Por-
tugal,naõ éra provável que se tivesse feito tal tractado; mas
quer isto se olhasse como questão importante á Ame-
rica Meridional, que r relativa á Europa, elle (Lord C.)
desapprovaria qualquer discussão sobre isto na sua pre-
sente forma: e naõ podia julgar que fosse conforme com o
seu dever publico apresentar á Casa documentos alguns re-
lativos a isto.
Afr. Brougham cria que, naõ havia tractados entre
as Cortes de Lisboa e Madrid; mas o que elle menciona-
ra iram tractados entre as Cortes de Madrid e Rio-de
Janeiro.
Lord Castlereagh observou outra vez, que nao éra pro-
vável, que houvessem taes tractados entre essas cortes,
que éra também o que elle queria dizer.
ftfr. Brougham, tinha muita satisfacçaõ em ouvir, que
nada se tinha feito, directa ou indirectamente, da part
deste Governo, relativamente a esta convenção; porém o
que o Nobre Lord tinha dicto a respeito de Lord Beres-
ford, devia applicar-se a todos os outros officiaes. Se os
nossos officiaesjobrando afavor daantigaHespanha naõ eram
reprehensiveis, elle (Mr. B.) desejava saber e os officiaes
que serviam nas provineias revoltadas, como se lhes cha-
294 Miscellanea.
mava, eram reprehensiveis ? j,Era ou naõ verdade que
até ao momento do embarque daquelles 10.000 homens
Lord Beresford esteveactivamente empregado na sua or-
ganização ?
Mr. Lamb disse, que se um official Britannico da sua
distineçaõ tinha obrado por esta maneira, éra de suppôr
que o tinha feito de acordo com o Governo.
Lord Castlereagh replicou, que, segundo as leys ge-
raes das naçoens, Lord Beresford se devia considerar como
obrando no serviço da Coroa de Portugal, e naõ tinha li-
berdade de descubrir as suas operaçoens a nenhuma outra
Potência.

GUERRA DO RIO-DA-PRATA,

Ordem do dia, á Vanguarda da Divisão dos


Voluntários Raes çt El Rey.
Quartel-Generál no Campo de Saneia
Thereza, 12 de Septembro de 1816,
O Marechal de Campo, Ajutante General, Comman-
dante da Vanguarda da Divisão de Voluntários Reaes
d'EI Rey, Sebastião Pinto de Araújo Correa,estima muito
ter esta occasiaõ de dar os seus agradecimentos ás tropas
de Caçadores, Cavallaria, e Artilheria da Divisão, e ás do
Esquadrão da Legiaõ de S. Paulo e Milicias do Rio-
Grande, que avançaram no dia 5 do Corrente sobro o ini-
migo até Castilhos.
A boa ordem, em que marcharam em toda a noite do
dia 5 para o dia 6 : e o silencio que observaram, bem pro-
vam o estado de disciplina a que tem chegaho estas tropas
o que faz muita honra aos seus Commandantes ; nem se
pode esperar menos de uma tropa, que para ver o inimigo
venceo todos os obstáculos passando arroios e lagos, com
Miscellanea. 295
água pelos peitos, e pântanos que homem algum a pé ain-
da transitou nesta estação,
O inimigo abandonou precipitadamente todos os pontos
que occupava, deixando á nossa disposição as carretas, ca-
valhadas e boiadas, que conduzimos, e tendo o triplo da
nossa força sobre Rocha, fugio a distancia de nove léguas
diante de nós.
As tropas devem estar convencidas de que o inimigo, que
tem de bater neste paiz, nunca se lhes apresentará, em
quanto ellas se comportarem da maneira que agora o tem
feito.
O Marechal de Campo agradece muito aos senhores Of-
ficiaes, a maneira com que conduziram as tropas em toda
a marcha; e em particular ao Senhor Major Manuel Mar-
que de Souza, pela sua prestavel assistência, assim como
ao seu Estado Maior pessoal.
(Assignado) SEBASTIÃO PINTO D'ARAUJO CORRÊA.
Marechal de Campo Aj. Geru

Extracto do um officio de Aj. Gen. dos Voluntários Reaes


a"El Rey, datado do Campo de S. Thereza, em 13 de
Septembro de 1816.
Tenho a honra de participar a vossa Excellencia para ser
presente a S. M., que, no dia 5 do corrente pela manhaã.
foi surprehendido o piquete, composto de 30 homens da
Legião de S. Paulo e Milicianos do Rio-Grande, em
que eu tinha falladoa V. Ex*. na minha carta de 25 de
Agosto. O Commandante do piquete, que éra tenente,
um cadete e um soldado fôram prisioneiros, um soldado
extraviado e dous mortos. Pelas quatro horas da tarde
do mesmo dia fui informado deste facto, e ordenando a
marcha de duas companhias de Caçadores, uma peça do
calibre de 6, 90 cavallos da Divisão, e 100 da- Legiaõ de
[296]
Misceuanea.
S. Paulo e Milicianos, marchei até Castilhos Chicos, aonde
cheguei ás 6 da tarde do dia 6. O inimigo fugio com a
maior precipitação de todos os pontos, e somente fez
halto, depois que passou o arroio de Rocha, aonde dizem
teria 400 homens, miserável força, de que dispõem os
chefes dos bandos, que destroem tam bello paiz ; sendo a
maior parte paizanos, que arrancam de suas casas, com a
maior violência; e que para evitar a deserção delles naõ
tem sido bastante passar alguns pelas armas.

Extracto de um officio do Ajutante Gen. dos Voluntários


Reaes d1 El Rey, datado do Campo de S. Thereza, em
28 de Septembro de 1816.
Tenho a honra de participar a V. Ex a . para conheci-
mento de S. M., que o inimigo, depois de trazer as suas
tropas para D. Carlos, estabeleceo uo passo uma guarda
forte, e um piquete no passo de Chafalote, e lançou
pela Serra, em direituraao Defuncto-Souza, e daliaMa-
turanga, duas partidas, de 50 homens cada uma, naõ se
adiantando comtudo até a Canhada-grande; como eu
disse a V. Ex*. no meu Officio de 19 o fariam. Em
conseqüência, ordenei ao Major Manuel Marques de
Souza (que tem tanto de official bravo e benemérito como
de subordinado) marchasse na noite de 22 com 80 solda-
dos da Legiaõ de S. Paulo e Milicias do Rio-Grande, a
recolher alguns gados; e que observasse o inimigo ba-
tendo-o, se lhe fosse possivel; e fiz marchar, na noite
de 23, 50 cavallos da Divizaõ, e cheguei com elles, para
o apoiar, a Castilhos, na tarde de 24, a cujo tempo
me participou o mencionado Major Marques, ter batido
completamente o inimigo no passo de Chafalote nesta
manhaã, causando-lhe a perda de 20 prisioneiros, inclusos
2 tenentes 15 a 19 mortos e muitos feridos.
Miscellanea. 297
Eu tinha ordenado ao Major Marques, que assim que
se lhe apresentasse o inimigo, o carregasse, sem lhe dar
um sotiro, o que elle executou; e conseguio por isso des-
baratar uma força para cima de 300 homens, armados de
boas clavinas Francezas, e espingardas e sabres Inglezes,
mas sem a menor disciplina. Armas corriame, 400 ca-
vallos, as malas de alguns officiaes, inclusa a do seu com-
mandante Muniz, com alguns papeis de espionagem e con-
respondencia de recursos, ficaram em nosso poder.
A falta de cavallos nos impossibilitou de dispersar todo
este corpo, o que aconteceria se o pudéssemos reguir por
tres marchas.
Dizem os prisioneiros que,Fructuoso Ribeiro entrou ha
dias em Montevideo, a pacificar os moradores daquelia
praça, que se oppunham á saida de parte da guarniçaõ
para Maldonado; que mataram alguma gente; e que
quatro paizanos, que trouxe da praça seriam fuzilados
antes de hontem em S. Carlos ; tudo isto se acabará em
chegando o General; e avançando-se com toda a rapidez
que convém, se esqueça de uma vez tanta attençaõ e
grandes medidas para um inimigo, que he fazer-lhe
demaziada honra o têllo em outra conta, que nao seja
a de guerrilhas fracas, mal sustentadas e peior gover-
nadas.
Principiam a vir desertores do inimigo ; antes de hon-
tem apresentáram-se 4; e dizem continuarão a vir muitos,
principalmente dos que servem nos corpos de cívicos,
arrancados de suas casas, da forma que ja mencionei a
V. Ex». no meu officio de 13 do corrente.
Os mesmos prisioneiros dizem que Fructuoso Ribeiro
passara antes de hontem com toda a sua força o passo de
Chafalote, e parece ter juncto 900 homens, que conser-
vando-se no mencionado passo o poderei incommodar de
umaformatal, quefiquede todo escarmentado.
VOL. XVIII. No. 106. PP
298 Miscellanea,

Reftexoens sobre as novidades deste mez.


R E Y N O U N I D O DE PORTUGAL, B R A Z I L E ALGARVES.

Guerra do Rio-da-Prata.
A p. 294 copiamos as noticias officiaes, que se publicaram
no Rio-de-Janeiro, e que naõ parece serem tam desfavoráveis
como as gazetas lnglezas nos tem querido representar.
Artigas, como nós sempre conjecturamos, que elle havia de
fazer, abandonou Monte-Video ea costa do Rio-da-Prata, para
ir obrar com o maior de suas forças nas margens do Urugay; e
portanto he natural, que logo que o exercito Portuguez tenha
occupado Montevideo, ou o tenha reduzido a assedio regular,
proceda o General Lecor a ajunctar-se com o General Curado,
e encontrarem assim, com o grosso do exercito Portuguez, as
forças de Artigas postadas pelas Missoens, ou no Uruguay;
dahi, se Artigas for derrotado, passará para o interior até
Santa Fé, ou cerca disso, aonde talvez seja difficil alcançallo,
mas também as suas hostilidades naõ poderão montar a mais
do que a pilhagens e roubos, que pelo despovoado daquellas
paragens tem em todos tempo sido fáceis aos salteadres, que se
disfarçam com o nome de contrabandistas.
Pela parte de Missoens, aonde se acha Artigas com as suas ma-
iores forças, tem havido algumas acçoens, de que naõ ha conta
nenhuma official publicada ; porém as noticias particulares dizem,
que o Ten- Cor. Joze de Abreu desalojara os inimigos da foz do rio
Ibicuy aos 22 de Septembro a postara as tropas Portuguezas de seu
commando em Japeja, queficaja na margem direita do Uruguay,
Refere-se também outro ataque entre as tropas Portuguezas, e as
de Artigas aos 3 de Outubro, na parte das Missoens, mas naõ se
diz o lugar nem particularidades, unicamente, que os Portu-
guezes ficaram vencedores.
Sobre isto todos os dias lemos nos Jornaes Inglezes, ainda nos
de melhor nota, noticias de rumores improváveis e contradictonos:
por exemplo em uma das gazetas da tarde veio uma noticia, que
Se dizia copiada do original Hespanhol, segundo a qual o exer-
cito do Brazil fôra derrotado por Artigas, no povo de Sancta
Maria, em Missoens, e que dali fugiram os restos destroçados
para Monte Alegre.
Miscellanea. 299

Ornem primeiro lugar, naõ ha naquellas paragens povo, lugar,


cidade^ villa, ou monte, que se chame Monte Alegre; e se quem
arranjou aquella noticia, pela ignorância da topographia do paiz,
chamou Monte Alegre á villa de Porto-Alegre, he preciso que
expliquemos, que tal fugida para tal lugar se naõ podia veri-
ficar, pela grande distancia, que ha entre as Missoens e Porto
Alegre, e porque entre esses dous pontos ha muitas outras po-
votçoens, como Rio-Pardo, &c.; e no caminho se encontram
estradas, que vam a diversas partes da capitania do Rio-Grande „
e assim éra impossível averiguar, ou poder dizer, que as tropas
fugitivas das Missoens iam para Porto Alegre, ou como os taes
jornaes lhe chamam Monte Alegre.
Se nos quizessemos valer de nossas informaçoens particulares a
este respeito; diríamos, qne Artigas tem ja perdido 5 000 homens;
naõ obstante ter armado os negros e os índios, e que o exercilo do
Brazil se acha de posse de todas as Missoens, e espera quea direita
possa passar de Monte-Video, para obrar conjunctamente com a.
columna do centro, que marcha por Cerro-Pelado.
Diríamos mais, que o motivo porque a esquerda do exercito se
acha tanto mais adiantada do que a direita, he porque as tropas que
formam esta columna, saõ as que fÔrara do Rio-de-Janeiro; eque
desembarcando em Sancta Catherina, e marchando por terra para o
Rio-Grande, em vez de ir por mar desembarcar em Madonado, se
atrazaram era tempo quatro mezes, e em distancia mais de duzentas
legoas.
Devemos também mais dizer aqui, que o motivo porque estas tro-
pas desembarcaram em Saucta Catharina, naõ foi porque os In -
glezes se oppuzesem á expedição, como muitos Jornaes em Londres
affirmáram, mas por motivos locaes, e resolução dos mesmos Chefes
da expedição.
Isto posto, julgamos que muito pouco ha que temer de Artigas.
E quanto a Buenos-Ayres, posto que se tem dicto em Londres, que
I» declararam a guerra ao Brazil, com tudo tal noticia naõ havia no
R-o-de-Janeiro, quando de Ia saio o ultimo paquete.
A p.291 damos um extracto das deliberaçoens do Parlamento
Britannico, que julgamos mui importante os nossos Leitores ;
P P 2
300 misceuanea.

porque se refere a este mesmo objecto da guerra no Rio-da-


Prata. Breve como foi aquella discuçaõ na Casa dos Communs,
patenteou alguns pontos, que podem servir para elucidar as
vistas politicas dos gabinetes de Londres, Madrid e Rio-de-
Janeiro ; e, em tanto quanto se pode colligir das respostas de
Lord Castlereagh, as nossas conjecturas a este respeito, e que
temos feito publicas nos N.<" antecedentes, parece serem com-
provadas.
Lord Castlereagh asseverou positivamente, que o gabinete
Inglez naõ tinha sido por forma alguma comparte em algum
tractado ou convenção, pela qual o Governo de Hespanha ce-
desse a S. M. Fidelissima o território de Monte-Video.
Se porém existia ou naõ tal tractado entre as Cortes de Madrid
e do Rio-de-Janeiro, Lord Castlereagh naõ deo resposta positiva,
simplesmente disse, que naô julgava provavel.no presente estado
de circumstancias daquelles dous Governos, que tal tractado
existisse. Esta também tem sido ate aqui a nossa conjectura.
Outro ponto, que se agitou naquelle debate, foi a respeito
de Lord Beresford, e dous dos membros, que falláram, parece
que consideravam a serviços de Lórd Beíesford em Portugal,
Como incompatíveis com a neutralidade, que o Ministro Inglez
diz ser a linha de comportamento adoptada por este Governo^
para com a Hespanha e suas. Colônias Americanas.
Nós temos ouvido dizer que Lord Beresford se naturalizara
Portuguez; mas ainda que essa circumstancia se naõ tenha
verificado, apenas se poderá dizer que o serviço de um official
Inglez em Portugal, pelejando contra as Colônias lnglezas re-
voltadas, destrua mais a neutralidade da Inglaterra, do que o
serviço daquelles Inglezes que estaõ empregados pelo outro
partido nas tropas dos insurgentes, como saõ o Coronel Sir
Gregory MfGregor, em Caracas, o Almirante Browne e outros
muitos.
Quanto ao objecto da moçaõ de Mr. Brougham, parecenos
um pouco fora da practica ordinária; porque se houvesse com
effeito um tractado entre as Cortes de Madrid e do Rio-de-Ja-
neiro, sobre a cessaõ de Monte Video, naõ eram aquelles Go-
Miscellanea. 301

vemos sugeitos a dar contas disso ao Parlamento Britannico, e


portanto naõ vemos como se podia pedir a Lord Castlereagh
que apresentasse taes tractados na Casa dos Communs.

Ministros de Estado no Rio-de-Janeiro.


He bem sabido, que as differentes Repartiçoens das Secretarias
de Estado no Rio de-Janeiro. se aehavam todas servidas por dous
Secretários de Estado unicamente, a saber o Marquez de Aguiar'
« o Conde da Barca; agora, porém, se acha somente o Conde com
todas as Repartiçoens; porque as moléstias e idade do Marquez, o
incapacitam absolutamente para o serviço publico. O decreto que
encarrega o Conde da Barca das Repartiçoens, que elle ainda naõ
tinha, he o seguinte.
u
Hei por bem encarregar o Conde da Barca, Ministro
e Secretario de Estado dos Negócios da Marinha e Domi-
nios Ultramarinos, da Presidência interina do meu Real
Erário, em quanto durar o impedimento de moléstia do
Marquez de Aguiar, rubricando por commissaõ os des-
pachos interlocutorios, e de tarifa, dados em conseqüência
de folhas processadas, e por mim mandadas pagar ao ac-
tual Thesoureiro Mor do mesmo Erário, Baraõ de S. Lou-
renço. O mesmo Conde da Barca o tenha assim enten-
dido, e nesta conformidade o faça executar, expedindo as
competentes ordens, por este Decreto somente, sem em-
bargo de quaesquer leys, regimentos ou disposiçoens em
contrario. Palácio do Rio-de-Janeiro em 30 de Dezem-
bro de 1816. Com a rubrica d' El Rey nosso Senhor.—
Cumpra-se e registe-se. Rio-de-Janeiro, em dous de
Janeiro de 1817. Com a rubrica do Exellentissimo Conde
da Barca."

Nao podemos deixar de lamentar o estado ,em que por tam longo
tempo se tem conservado o Ministério do Brazil, unicamente nas
mtõi de duas pessoas, e agora reduzido só a uma única.
302 -Wsce.Hmi.vvt.

Na marcha ordinária dos Negócios, se tem sempre julgado neces


sarios os serviços de quatro Secretários de Estado nas quatro prin-
cipaes Repartiçoens, e nas presentes circumstancias do Brazil,
aonde he preciso crear tudo de novo, e attender a uma infinidade
de estabelecimentos, que se devem accommodar a um paiz nascente
he impessivel, que um ou dous Secretários de Estado possam at-
tender a tudo.
A conseqüência inevitável desta falta de Ministros responsáveis
he, que os negócios saõ dirigidos por officiaes de Secretaria e ou-
tros agentes subalternos, com manifesto detrimento da cauía publi-
ca. Por exemplo; o Condo da Barca, impossibilitado de atten-
der a todas as repartiçoens, de que se acha encarregado, deixa os ne-
gócios do Erário à disposição do Thesoureiro Mor .* este vale-se
do Samuel, ou de outro agente desconhecido, o qual talvez entre-
gue ainda a terceira pessoa aquillo de que o incumbiram; depois as
contas saõ examinadas em particular, talvez por amigos desses
que as fizeram, e como nunca apparecem em publico, naõ ha meio
nenhum de ratificar os erros, ou descubrir as fraudes nos casos em
que ellas se tenham practicado, por algum desses indivíduos.
He preciso confessar, que a escolha de Ministros de Estado se
tem cada vez feito mais e mais dificultosa em Portugal; pela feita
de educação publica, da leitura de livros e jornaes políticos, e pela
negligencia de fazer viajar em character diplomático pessoas de
instrucçaõ e talentos, que aprendam practicamente, nos paizes
estrangeiros, os systemas de governo eas formas de administração,
que se vam adoptando nos differentes paizes da Europa e da
America.
Se as pessoas, que cercam, a El Rey, ou saõ conhecidas por
Sua Majestade, forem todas da classe daquellas, que naõ tem
outras ideas senaõ as que adquirem no seu paiz, e cheias dos pre-
juizos de educação e de familia, que contrahem naturalmente os
homens, que naõ associam senaõ com um pequeno uumero de pes-
soas, he claro queEI Rey naõ pode fazer a sua escolha para Ministros
senaõ d' entre essas pessoas que conhece, e por tanto seraõ os seus
Ministros pessoas de acanhadas ideas, que desejarão continuar com
os systemas velhos, no meio de um mundo moral novo, e faraõ
Miscellanea. 303
com que a sua naçaõ fique estacionaria, quando naõ dê passos re-
trogrades, ao mesmo tempo que os demais povos vam fazendo me-
lhoramentos em todos os ramos, das sciencias, das artes, e da civi-
üzBçaÕ*
He por este motivo, que o plano de admitir a liberdade dos
Cultos no Brazil, tem encontrado a mais decidida opposiçaõ em
um individuo, que suppsoto naõ seja Ministro d'Estado tem
grande influencia nos negócios públicos na Corte do Rio-de-Ja-
neiro; e que supposto seja homem muito honrado, e talvez hábil
jurisconsulto Portuguez, nunca fez estudos políticos, que o ha-
bilitassem a julgar com exactidaõ sobre matérias de Estado, e
nunca vio mais terra do que aquella em que nasceo; e por tanto
naÕ poderá jamais comparar os methodos de administração, que
ha no mundo, para delles tirar o que for melhor para seu paiz.

Casamento de S. A. R, o Principe da Beira.


S. A. I. a Archiduqueza Leopoldina de Áustria partirá de Vi-
enna para o Brazil no mez de Junho; em uma esquadra Portugueza
que a irá receber em Liorne ou Trieste: o commando desta esqna-
diafoi dado aoChefe-de-EsqnadraHenrique da Fonceca Souza Pre-
go, que arvorará a sua bandeira na náo D. JoaóVl, que se acha
actualmente no Tejo.
A ceremonia de entregar a Princeza terá lugar no Rio-de-Janei-
ro; e o Conde Von Eltz a acompanhará como Commissario do I m-
perador para a entrega. Toda a corte da Princeza, portanto, a se-
guirá até o Rio-de-Janeiro; e tem havido muitas Sendoras da pri-
mara grandeza, que tem mettido empenhos para ser da comitiva; a
(-fiai se diz será composta do Senescal, Conde Edling (de idadede
84 annos) seis Damas do Palácio; quatro Pages, seis nobres Hún-
garos; seis guardas Austríacos, seis Camaristas, um Esmoler
Mor ou Capelão. 4c.
A isto accresse que muitos homens de letras, artistas, e conside-
rável numero de trabalhores tem requerido passagem para o Bra-
zil nesta occasiaõ; e naõ podemos deixar de dizer aqui, que he este
um dos melhores presentes, que a Princeza podia levar ao Brazil.,
304 JXiisceuaneu.
Falta de pao cm Lisboa.
A p. 239 publicamos dous Edictaes do Senado da Canif
Lisboa, o segundo dos quaes revoga o primeiro, dane
razaõ desta repentina mudança, que o primeiro Edicts
passado ignorando os que o faziam o verdadeiro estado <
gocio sobre que davam as providencias.
Porém naõ he so isso que nos induz a fallar dos Edi<
ha outra razaõ, que he o naõ se dizer no segundo a caus
dadeira de naõ poderem os padeiros de Lisboa fornecer
dade com paõ; causa que o Senado de Câmara naÕ poc
noiar, se perguntasse a qualquer padeiro a razaõ porqu
fazia paõ; e naõ haveria, quem lhe naõ pudesse dar a <
caçaõ seguinte.
He custume, quando chega o Natal, fechar-se o ter
até que toma o balanço; e os padeiros, que isto sabem,
vem-se de graõ a tempo, para naõ faltarem com paõ cozii
praça, pela porçaõ a que se obrigam. No tempo do Adr
trador antigo trabalhava a contadoria mesmo nos dias-sar
de modo que em o primeiro dia de Janeiro logo o mercade
dia publicamente.
Este anno esteve o terreiro fechado por alguns vinte
naõ só pelo balanço, mas também porque houve ali ui
queno roubo. O Erário sempre teve também este custur
suspender as suas operaçoens, quando dava balanço;
aprendendo aquellas repartiçoens da practica taõ usual
particulares, que dando balanço a seus livros e fazendí
um dia determinado, nunca isso lhes pôde impedir nem im
a continuação de seu tracto: bem estava o mercador, se
vez que quizesse dar balanço a seus livros fosse obrigado
char a porta.
Porém, deixando de parte o absurdo de tal custume, a vei
he, que, neste caso aproveitáram-se os padeiros da desi
prolongaçaõ de tempo em que esteve o terreiro fechado,
taram em trazer paõ á praça* dando em razaõ o naõ se vi
graõ; sendo o custume de se proverem de farinha de s
excellente, paraaeautellar os accidentes,de naõ haver vento
Miscellanea. 305
que moam os moinhos, e outros. Abrio-se o terreiro, com os
mesmos preços, que havia antes de se ter fechado, contra o que
se esperava, pelo rumor de haver falta de trigo, e foi o concurso
dos compradores quasi levado ao ponto de motim, porque todos
esperavam próxima subida nos preços, o que se verificou, ainda
que gradualmente.
O Almotacel deo parte ao Senado, que apparecia no mer-
cado pouco paõ fabricado, o Secretario, Manuel Cypriano, que
fez e desfaz no Senado como lhe parece, saío-se logo com o
edictal de sua cabeça; a persuadir o povo que havia falta de
pad, de maneira que o Governo foi obrigado a mandar, por
avizo, que se publicasse o segundo Edictal, contradizendo o
primeiro; e levantou os direitos das barricas de farinha entra-
das pela barra.
Ja que falíamos neste Secretario, diremos também, que foi
por cabeça delle, que se impôs um tributo para as exéquias da
Raynha, por cuja occasiaõ se queimou a Igreja de S. Juliaô.
Aquelle Secretario, juncto com o Juiz do Povo de quem he
Assessor, apresentaram uma conta de despezas nas taes exé-
quias, de nove mil e tantos cruzados; e se expedio uma ordem
para que os Juizes dos officios cobrassem uma derrama de
1.200 reis de cada Mestre de lojem, e 100 reis de cada offi-
cial; o que se calcula chegar a mais de 30.000 cruzados,
quando as allegadas despezas eram nove mil.
He por estes e outros bons governos, que nos dizem achar-se
em Lisboa a carre de porco pelo preço he 6.400 porque ha um
monopolista que tem 30.000 cabeças.

ESTADOS UNIDOS.
O Governo dos Estados Unidos, no seu continuado progresso
de melhoramentos, naõ tem perdido de vista o augmento da ma-
nnha de guerra, em tempo de paz, para se achar provido em
caso de necessidade: como a formiga ajuncta o seu celeiro no
veraõ, para ter abundância no tempo d'inverno. Por uma conta
official apresentada ao Congresso se mostra, que a Repartição da
VOL. XVIII No. 106. QQ
306 Jnisceuanea.
Marinha fizera os seus contractos com indivíduos, no an
1816, para o supprimento de madeira de construcçaõ; e j
madeiramento completo, de carvalho, de uma náo de 74
que deve estrar prompta até os 18 de Julho de 1818, no
que designarem os Commissarios da Marinha; outra ni
linha, que se deve completar em seis mezes; e duas fn
dentro em um anno. Ainda se naõ decidio a final o lugar
se ha de estabelecer o principal arsenal de marinha, dic
estaleiros dos Estados Unidos; porque os principaes offici:
marinha, que se consultaram a este respeito, differem em oj
O commodoro Decatur julgou que o lugar de Gosport éra <
apropriado: o Commodoro Rodgers apontou St. Mary;
Commodoro Porter decidio-se a favor de York. Estas di
opinioens foram oficialmente submettidas ao Senado, o qual
naõ fez a escolha.
Pelo relatório do Secretario do Thesouro se mostrou ao
gresso, que o valor das exportaçoens, no anno que findo
30 de Septembro de 1816, foi de 81:920.452 dollars; dos
64:781.896 dollars foram de producçoens domesticas, e o rei
fazendas estrangeiras.
Pelas ultimas noticias se sabe estar ja decidida a eleiç
Presidente dos Estados Unidos, Mr. Monroe, ficando Mr.l
kins eleito Vice Presidente, por terem o maior numero de
O Governo dos Estados Unidos estava ao ponto de mandi
Agente Oflicicial, para residir juncto ao Governo de Bi
Ayres.
O Congresso se occupava em deliberar sobre um plano,
abolir todos os tributos internos, ficando simplesmente os di
da alfândega, como bastantes para as despezas nacionaes, e
necessários para dar a preferencia nos preços aos productos
nufacturas do paiz.

HESPANHA-
A proclamaçaõ do General Elio que publicamos a p. 240, j
deixa duvida da authenticidade das noticias, que nos referi:
Miscellanea 307
ultimo levantamento em Valencia; e que teve lugar aos 17 de
Janeiro. A causa da insurreição se refere nas uoticias de Hes-
panha, ser uma de natureza temporária e pessoal, contra o General
Eüo; porém nós suspeitamos, que aquellas commoçoens tem
raízes muito mais profundas.
As cartas, escriptas pelos partidistas do Governo Hespanhol,
en que estas noticias se referem, dizem que o tumulto começara
por uma insignificante disputa, á cerca de um novo tributo, que se
impoz sobre o carvaõ. O General Elio, que naõ soffre que nin-
guém dispute as suas ordens, achou que éra necessário exercitar a
sua autliorkkde contra certas pessoas, que se chamavam deputados
do povo; e assim se ateou o incêndio, que esteve ao ponto de invol-
ver toda a capital da provincia Os insurgentes chegaram a estar
de posse de toda a cidade, durante o dia 17; o General Elio fez-se
forte no Castello, e mandou buscar soccorros de fora, e com as tro-
pas, que lhe chegaram, pôde depois socegar o tumulto. Dahi
seguio-se outra disputa, entre Elio, e os Juizes da Audiência; por
que estes naõ quizéram fazer as exeençoens peremptórias, que o
General julgou conveniente; ambas as partes recorreram à Corte
de Madrid; aonde, apenas he preciso dizêllo, o comportamento de
Elio foi mui approvado.
Em uma carta datada de Madrid aos 26 de Fevereiro achamos
algumas noticias, sobre a insurreição de Valencia; "Os negócios
de Valencia" diz a tal carta, "acham-se socegados, em conse-
qüência de haverem prendido varias pessoas, enforcado oito, e terem
fugido outras muitas. O denunciante, que aceusou Recliar, o
patriota que íoí inforcado nesta cidadf.-o anno passado, foi morto por
uma maõ desconhecida aos 18 do corrente, anniversario do dia cm
que elle fez a denuncia. Foi assassinado, e na manhaã de 19 appa-
recêo a sua cabeça espetada em um pao na praça, com a seguinte
inscripçaõ—Divida paga ao heroe Rechar e sens companheiros,
sacrificados por minha atraiçoada denuncia.—Nas provincias de
Biscaya, Santander e montanhas vizinhas, diariamente se fazem
novas prizoens, e segundo as noticias recebidas pelo ultimo correio
ja chega a mais de cem pessoas. Por todo o reyno tem o Governo
308 IU u u i w n c u .

pessoas disfarçadas, que andam a espiar os sentimentos do


usando de grandes invectivas contra El Rey e seos Ministros
espécie de engodo que faz com que aquelles que naõ saõ ai
lados sejam prezos no dia seguinte. He impossível cor
quanto tem crescido, durante os últimos quatro mezes, a irri
em todas as classes do povo. Os espíritos estaõ quasi levad
ponto desesperaçaõ, e na verdade se temem as mais fataes c
quencias."
Naõ obstante, porém, este terrível estado da naçaõ, o Go
nao esla disposto a portar-se com socego a respeito de Portug
copiaremos aqui o extracto de outra carta de Madrid, para re
dermos a uma observação, que sobre ésla matéria apparece
algumas gazetas lnglezas.
" Ha tempos a esta parte(diza carta que he datada de24d
vereiro) se tem espalhado rumores, a respeito de nossas
çoens com Portugal: e tudo parece indicar, que existe alj
frieza, entre éstaCôrle e a do Rio-de-Janeiro. Dizem que E
de Portugal deseja obter a posse das provincias de Buenos-j
e Monte-Video ; e accrescenta-se, que elle tem ultimamente
nifestado uma disposição hostil, em conseqüência de ter a <
de Madrid recusado entregar o território, que, por ordem di
naparte se separou de Portugal, e entregou á Hespanha. P
seja qual for o gráo de veracidade, que haja nestas razoens
rece certo, que estaõ semeadas as sementes de discórdia; i
se começam a tomar medidas para pôr Portugal em estae
defensa. A guarniçaõ de Elvas está muito augmenta*
varios regimentos Portuguezes se tem acantonado em linh
outra parte do Guadiana. O mesmo se observa nas fron
do Reyno de Leon. Nestas circumstancias, expediram-sc o
para reforçar as guarniçoens de Badajoz, e estabelecer arm
naquella fortaleza. Similhantes ordens se expediram taml
respeito de Valladolid. Alguns até chegam a asseverar, <
grande expedição, destinada para a America Meredional, naõ
á vela, até que se naõ accommodem estas ditTerenças. Tar
se diz, que se fará uma leva de homens, para completar
versos corpos do exercito, que estaõ mui diminutos. Cor
Miscellanea. 309

negócios públicos deste paiz estaõ constantemente involvidos em


grande obscuridade, por uso mesmo estamos nós mais desejosos
de obter informaçoens sobre ellea."
Até aqui a carta. O Edictor Inglez accrescenta, que, posto
que naõ esteja de posse das particularidades, com tudo, como o
motivo da disputa he Olivença, esta cidade quadra melhor á Hes-
panha do quea Portugal, este a cedeo obrigado de Bonaparte.
Porque Olivença quadre melhor á Hespanha doque a Portugíl.
naõ o diz o Edictor, e por uma razaõ bem simples porque naõ
podia dar distorazaõalguma. Quanto à cessaõ feita por violência
de Bonaparte, quando este com suas tropas occupou Olivença*
o* Portuguezes a tomaram; logo a violência de Bonaparte foi
repellida pela força de Portugal, e Olivença restituida a seu an-
tigo e legitimo possuidor. Man por uina inexplicável decisaõ do
Duque de Wellington foi esta conquista dos Portuguesas dada aos
Hespanhoes; e com tudo no Congresso do Vienna concordaram
todas as Potências, que ae devia restituir a Portugal, e assim se
estipulou expressamente. Esta circumstancia calla o Edictor In-
glez, como callou o escriptor da carta que conta.
Se o direito está da parte de Portugal, assim também esta a
força; porque, no estado de pobreza em que e acha a Hespanha*
a desorganização dos tem exércitos, a falta de petrechos de toda
a sorte, deixam por tal modo as fronteiras desamparadas, qne
uma invasão da parte dos Portuguezes lhes traria a ultima mina;
ainda sem contar com o partido que dahi tirariam os descon-
tentai, os quaes sem duvida trabalhariam por ajudar os in-
vasores.

INGLATERRA.
A p. 201 damos um extracto das deliberaçoens do Parlamento
na Casa dos Communs, que he mui importante a nossos Leitores,
porque diz respeito ás relaçoens da Corte do Rkwle-Jaiieiro com
a de Madrid, sobre o território de Monte-Video; pelo que julgamos
««weniente dizer sobre a matéria a nossa opinião, sobre isto, de-
baixo do artigo do Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.
310 Miscellanea.
A falia de Conde Bathurst, que publicamos a p. 273 c
hida das deliberaçoens do Parlamento na Casa dos Pares
pareceo mui necessária; por conter a refutaçaõ official do
moria escripta por ordem de Bonaparte, que deixamos co
a p. 263.
Pela falia do Conde Bathurst se vê claramente, que o Go
Inglez concede a Bonaparte, uma somma considerável, e
ampla para mantença de um prezo de Estado. Mas ainda
assim naõ fosse, e que Bonaparte estivesse reduzido á hui
situação, em que fôra creado com a sua pobre familia, na il!
Corsega, naõ vemos que dahi se pudesse tirar motivo par
citar a compaixão da Europa.
Além daquella memória, que Lord Bathurst concedeo sei
ciai, publicaram-se em Inglaterra mais dous escriptos do m
gênero. Um he feito por Mr. Santini, que foi copeiro
cousa similhante, de Bonaparte, na ilha de Sancta Hei
outro he uma memória, que se attribue á penna do mcsmi
naparte; e contém uma espécie de justificação de sua
publica.
A obra de Santini, be uma ainplificaçaõ da Memória de
tholon, ornada de anecdotas particulares, com o que se pre
mover a sympathia da Europa a favor de Bonaparte. As li
taçoens de Santini reduzem-se a dizer, que Bonaparte naÕ
viver com o esplendor, que tinha, quando gozava dos roubos
seus exércitos faziam em toda a Europa; ora Santini naõ m
que o mundo seja obrigado a garantir aos salteadores de estr
posse pacifica de suas depredaçoens, nem os prazeres mon
neoa, que podem resultar das riquezas obtidas por similhanti
e Bonaparte naõ pôde ser olhado em outro ponto de vista,
como um chefe de levantados, que em quanto foi bem suc<
podia extorquir, por força, dos povos que opprimia, as contribui
com que se enriquecia; agora porém, que siiccutnbio de todo
que jns exige a continuação prazer es, que naõ tinha adq
senaõ commettendo crimes ?
Quanto á Memória attribuida a Bonaparte; podemos dizer
Miscellanea. 311

reduz ao principio, de asseverar, que tudo lhe éra licito, uma vez que
elle julgava ser conveniente a seus fins: assim, fallando do assas-
sinato do Duque de Enghien, diz, que aquelle individuo lhe naõ
podia fazer mal algum; e que as intrigas, cm que se occupava na
Alemanha, com certa Senhora de grande familia, eram tam bem
conhecidas, como insignificantes; mas que a morte do Duque
devia servir como penhor á França e á Europa, de que elle Bona-
parte naõ tinha a menor tençaõ de se reconciliar com a familia dos
Bourbons, negociando entregar-lhe o reyno, como fez na Inglaterra
o General Monk, com a familia dos Stuarts. Neste sentido era-
lhe conveniente corametter uma acçaõ atroz contra algum individuo
da familia dos Bourbons, e portanto decidio-se a matar o Duque de
Enghien, alias pessoa insignificante e de nenhuma sorte temível.
Esta monstruosa doutrina de Bonaparte se publica ao mundo em
sua justificação, ao mesmo tempo, que se pretende excitar a com-
paixão a seu favor, alegando que naÕ pôde gozar em Sancta Hel-
lena todos os prazeres que deseja; quando o Governo Inglez lhe
dá 12.000 libras esterlinas para sustento de sua pessoa e de seus
criados.
As desgraças de Bonaparte, porém, devem servir de exemplo
e liçaõ aos homens poderosos. Ninguém se compadece daquelle
individuo; porque elle sacrificou a felicidade das naçoens e a
liberdade do gênero humano, ao engrandecimento de sua fa-
mília. Julgou que a grandeza consistia em ganhar victorias, e
preferio o nome de sanguinário conquistador á gloriosa denomi-
nação de bemfeitor do gênero humano. As desgraças poderiam
também alcançállo, ainda portando-se elle de differente modo;
porém ao menos nesse caso lhe restaria a consoluçaõ de obter
as bençaõs, e os agradecimentos dos povos, a quem tivesse
beneficiado; quando na sua actual situação sofTre a amargura
de ver augmentada a desgraça de sua queda, pelo desprezo e
abhorrecimento de todos os homens sensatos e bons, e definha-se
em uma prizaõ, sem que os seus males excitem a commísera-
çaõde ninguém; antes ouvindo as execraçoens daquelles a quem
em outro tempo tractava com o maior desprezo.
312 Miscellanea.
A denominação de prisioneiro, de que elle se queixa, he com
efièito um pouco absurda; e quanto a nós resultou de quererem
ainda algumas naçoens, que o reconheceram Imperador, respeitar
nelle aquella dignidade: mas nesse caso naõ lhe chamassem Ge-
neral, chamassem-lhe Ex-Imperador, ou outro qualquer nome que
fosse próprio; e em vez de prisioneiro de guerra; quando se está
em paz em toda a Europa, chamassem-lhe prezo de Estado; e
como tal sobeja razaõ tem todas as naçoens da Europa e da
America, a quem elle tanto procurou inquietar, para o con-
servar em cadêas, ede maneira que naõ possa mais fazer mal a
ninguém.
Naõ podemos, porém, aqui deixar de notar, que naõ obstante
todas as precauçoens adoptadas, para impedir a communicaçaõ
com Bonaparte, elle achou meios de mandar para a Europa, e fazer
publicar aqui aquelles papeis: logo a sua prisão ou naõ tem o
rigor que se diz, ou a incommunicaçao naÕ se pôde executar
completamente. •-
A embaixada, que o Governo Inglez mandou á China dizem
que fôra mal suecedida, assignam-se varias razoens disso, e a que
mais geralmente se acredita he, qne o Imperador nao quizéra
receber o Embaixador, porque este se nao conformou com as
etiquetas e formulários da Corte de Pekin.
Temos em nossa maõ a copia do memorial, que os mandarins de
Cantaõ mandaram ao Imperador da China, quando as tropas
lnglezas desembarcaram em Macáo a titulo de proteger a cidade,
como fizeram na Madeira. Daquelle memorial he evidente, que os
Chinezes estaõ persuadidos de que a Inglaterra intenta apoderar-se
de alguns territórios do Governo Chinez; e com este temer nunca
a Corte de Pekin consentirá em relaçoens intimas com Inglaterra;
isto expUa por que Lord Amerst falhou em sua missaõ, sem ser
preciso recorrer á sua repugnância em naõ se querer conformar com
as cerimonias da Corte. Como aquelle memorial dos Mandarins de
Cantaõ se refere muito a Portugal, e explica a presente questão,
publicallo-he-mos no nosso No. seguinte, posto que a sua data
seja antiga.
Miscellanea. 313
Conta official do valor das exportaçoens da Gram Bretanha,
desde 1792 até 181ÍÍ, distinguindo o valor dos productos
e manufacturas Britannicas das que saõ estrangeiras ou
Coloniaes.
| Producçoens Mercadorias
e Coloniaes
Manufacturas e Total das
Anno» Britannica s.l Estrangeiras. Exportaçoens.

1792 18:366.851 6: 129.998 24: 466.849


1793 13:832.268 5: 784.417 19: 6 7 6 . 6 8 5
1794 16:725 402 8: 386.043 25 111.446
1795 16:338 213 8: 609.126 24: 847.339
179G 19:102 220 8: 923.848 26: 025.068
1797 16:903 103 9: 412.616 26: 3 1 5 . 7 1 3
1798 19:672 303 10: 617 52630: 290.029
1790 24:804 213 9: 556.144 33: 640.357
1000 24:304 283 13: 815.837 38: 120.120
1801 25:699 809 12: 087.047 37 786.856
1002 26:993 129 14: 418.837 41 411.966
1003 22:252 027 9; 326.468 31 578.495
1004 •23:935 793 10: 515.574 34 451.367
1805 25:004 337 9; 950.508 3 4 954.845
1806 27:402 685 9: 124.499 36 :527.184
1807 25:171 ,422 9: 395.149 34 : 5 0 6 . 5 7 l
1808 26:691 962 7: 862.305 34 504.267
1009 35:104.132 15: 182.768 50 286.900
1810 34:923 ,575 10: 946.284 45 :869.859
1811 24:131 ,734
8: 277.937 32 .409.671
1-312 31:244.723
11: 998.449 43 ;243.172
1813
1814 36:092.167 20:409.347 56:591.514
1815 44:053.455 16:930.439 60:983.894
1816 36:714.534 14:545.933 51:260.467

* Os registros deste anno foram destruídos pelo incêndio da


alfândega.
Alfândega de Londres, em 1 3 de Março de 1817*

VOL. XVIII. No. 106. RR


314 Miscellanea.

PAIZES-BAIXOS.
O Clero Catholico recusou cantar Te Deum, nas suas
pelo nascimento do filho do Principe Hereditário da Cor<
legando, que naÕ devia fazer oraçoens por Príncipes, qi
eram Catholicos. Depois manifestou o mesmo Clero a su
tençaõ de ser izento da jurisdicçaõ secular; allegando, qi
gundo os cânones, nenhum poder temporal pode ser supei
ecclesiasticos.
O Principe Episcopal de Broglie,em Gand, occupa aind
tençaõ publica, recusando obedecer á supremacia têmpora
rôa. Pouco depois de Bonaparte ser coroado Imperado
Prelado se aventurou a obrar sobre os mesmos principios.
Imperador, tam zeloso como elle de sua authoridade, deo or
Mr. d'Houdelot, o Prefeito, e a Mr. d'Estaburath, o Gen
Divisão, para metter o Bispo em prizaõ militar, e compor v
gimento dos Seminaristas, que abraçaram os principios rei:
do Prelado refractario. Esta redicula scena teve lugar apps
do na praça publica os recrutas com suas batinas, e maneja
armas como podiam; marchando e exercitando-se debaixo de
mando de cabos e sargentos da Guarda Nacional. Esta med
bitrariade Napoleaõ fez calar o Bispo, que naõ tomou a fazer
as pretençoens de independência temporal do Soberano se
gora,

RÚSSIA.
H e com summo prazer, que recordamos em nosso Perioc
melhoramentos, que se fazem em qualquer parte do Glotx
trazer os homens ao devido estado de civilisaçaõ o que sobr
temos agora a dizer, será, narrando o facto, fazer um elo;
Imperador de Rússia.
Depois de se haverem tirado os paizanos da Esthonia do
de escravidão em que se achavam, restituindo-os aos direito
originalmente pertencem a todos os homens na sociedade ei
Imperador de Rússia tomou medidas para que se fizesse o i
na Curlandia; na assemblea dos Estados, em Mittau, o Go
dor Militar da Provincia, o Marquez Palucci exprinúe a v<
Conrespondencia. 3i5

do Imperador de que a Nobreza da Curandia seguisse o exemplo


dos Eítados civilizados da Europa, e desse a liberdade aos paiza-
no». Esta proposição parece ter sido adoptada em toda a exten-
çaõ dos desejos do Imperador.

SUÉCIA

0 tenente Otto Nattoch Dag publicou uma obra, cuja ten-


dência he destruir as leys existentes sobre a successaõ da Coroa;
e foi por isso condemnado á morte; mas tendo fugido antes d J
processo foi declarado banido.
Em Stockholmo houve uma procissão militar mui apparatcsa,
aos 6 de Fevereiro; por occasiaõ de se mudarem do jardim Re?.l
as bandeiras e outros tropheos militares, ganhados pelas armas
Suecas, nas 200 annos passados; que fôram colocados na igreja
de Retterholms, aonde será daqui em diante o lugar de seu de-
posito. O numero destes tropheos do heroísmo Sueco chegam
ao quasi incrivel numero de 5.000; dos quaes 644 fôram ganhados
no tempo do grande Gustavo Adolpho; e 1.62T fôram os fructos
das victorias das emprezas militares de Carlos XII. e seus suc-
cessores. El Rey, o Principe da Coroa, e a guarniçaõ de Stook-
holmo assistiram a este grande expectaculo nacional.

CONRESPONDENCIA.

Carta d» Exmo- Bispo do Funchal ao Redactor.

S*nhor Redactor do Correio Braziliense !


A 1 N D A qUe
° ' U S a r d e P r o v e d o r d a Mizericordia, que oecupo neste
'••«•tenha oferecido occaüiaÕ de me empregar no serviço dos pobrese
mueraveú, com alguma utilidade dellea e do publico* comtudo os meus
r-enri-pe na5 >uõ daquella natureza, e daquella ordem, que façam escurecer
*•» -nrtudej d"*« muitos provedores, que me precederam, e que merecem
316 KyOnrespvnuenLta.

muito pelo seu character e serviço. Elles obraram eficazmente a


Hospital, e se naõ conseguiram os resultados, a que se propunha
que encontrassem muitos estorvos nos tempos, nas circumstanc:
indivíduos. Naõ he justo que se desfigurem homens benemeril
tuosos; e, quanto tenho alcançado pelas minhas averiguaçoens, pç
gurar qne elles se fizeram dignos do seu lugar, e que obraram qi
deram a beneficio desta Casa. Rogo a V . M . o favor de inserir és
Periódico, para revendicaçaõ da innocencia, e ficando certo no
tenho a protestar-lhe a minha consideração e respeito. Funchal
vereiro de 1817.
Attento venerador
JOAQUIM, Bispo Pi>

Caria ao Redactor sobre o Joxé Agostinlio.

Senhor Redactor do Correio Braziliense


Que fenômenos taõ raros aprezentam os nossos dias) Quantos <
Que diferentes manias! Temos um impostor de sábio querendo at
teratura dos sábios presentes, e enxovalhar a memória dos passai
homem Eneyclopedico, que hé pouco no seu próprio officio, quer
e sem vergonha, criticar tudo, destruir o credito de todos, e levanl
as ruinas do merecimento alheio, que busca annihilar, um padrão
sua meledicencia, ignorância, e perversidade. As suas feições, e t
organização phisica, saõ o melhor indicativo dos dotes da sua aln
qualidades moraes de que hé dotada. Como homem: péssimo
ataca todos os homens, e sempre pelo lado que lhes possa ser mais i
a defeza impracticavel: como filho: preverso; porque com des|
leys Divinas, e humanas, profanou as faces maternas, dando-
horror!) bofetadas publicamente : como Sacerdote: irregular; po
sua vida depravada, foi suspenso do exercicio d*ordens, e das funço
respeitáveis do seu Ministério: como Orador: plagiario, vatdozc
catado; plagiario; porque imitta, e copia muitas vezes letra j
sem pejo, nem vergonha : vaidozo; porque tudo que naõ hé elle,
sua reputa em nada: e descarado; porque busca denegrir o ei
quelles mesmos que pertende imittar, e que sem vergonha tem se
copiado. Vejam-se os Sermoens do grande Vieira: Vejam-se os d
cedo [istohé J. A.] Leiam-se os seus Soliloquios, c achar-se-h4 i
dor servil, o detractor infame.
Faltava a este Quixote em literatura um Sancho-Pança, e uma
dei Toboso; porem (graças a sua boa fortuna'.) quando tinha ach
•aieiro no seu digno ami*jo Lopes, as cartas a Attico nos certificai-;
Conrespondencia. 31T
Clsustro dOdireUas foi ter o encontro mysteriozo, que lhe deparou a s e -
gunda.
Começam as aventuras; e o Censor austero, e critico escrúpulo» das
obras de Vieira, dos Poemas de Camoens, Voltai*», e muitos outros poetas
rupeitaveis: o difamador de todos os sábios presentes, e pretéritos: •
inimigo geral de todos começa com um espirito cavalheiresco a querer üt-
cukarao Mundo os talentos, erudição, e profundo saber da sua DulcLnea.
Iito aquelle mesmo Mundo, a quem elle tem dicto, que oa homens mais xe-
-nareaveis, eram apenas uns impôsteres; que a sua. sabedoria só consistia
em algumas subtilezas galantes, e que nada havia nelles de admirável! 11 Oh
mania! Pois he crivei que um homem queira passar por sábio, atacanõV
a sabedoria de homens profundos, que se empregaram toda a sua vida em
estudos metliodicos, assíduo», e regulares, e na seria meditação de um só
ramo de Sciencia ? Estes homens naõ poderam conseguir o saber nada; e o
nosso Quixote, e a sua Dulcinea, sem nada estudarem, sem principios.
sem methodo, esem applicaçaõ sabem tudo, e d e tudo!!! Porem naõ se
admire o Mundo da impudencia com que falia o ignorante dos talentos
alheios, quando vá o perverso fallando em probidade.
0 seu forte hé o ganha perde: costume-se o Mundo a eatcndêllo pele-
avísso, e naõ receie ser illudido. Diz elle (por exemplo) " Eu escrevo-
com modéstia, naõ ataco ninguém em particular, e conservo sempre a dig-
nidade do escriptor imparcial, e moderado.-* Leiam-se logo os seus SoHlo-
quios, ou Motim Literário, c Poema dos Burros. Grita contra libellos-
famozos. Lciaõ-se as peças que deixe dietas, e o famozo Espectador. Diri
elle talrci, que para este foi provocado: Porem quando o provocaram Viçara,
Camoens, Voltaire, e quasi todos os sábios ? Quando o provocaram quaai
todos os bons Portuguezes, recomendáveis pelos seus talentos como ho-
mem públicos nas differentes repartiçoens do Estado ? Quando o provocaram
pays de famílias honrados, e circumspectos ? Quando o provocaram maridos
zclloios do seu decoro, e regulares no seu comportamento? Quando o pro-
vocaram damas honestas, e respeitadoras do seu dever, em quaesquer cir-
cumítancias que o seu estado as tenha collocado? Quando o provocaram
prelados respeitáveis, e venerandos, cujas luzes, talentos, e virtudes os
recomendam Unto á veneração dos seus subditos? Quando o provacáram
artistas pacifico», que entregues ao seu laborioso destino, ganham nas suas
emeioas, como suor do seu rosto, o paõ dos seus filhos, e mesmo aquillo
que por devoção entregam ao seu difemador? Quando finalmente o provocou
a NaçaÕ inteira, que ultraja, insultando mais de metade de máos Christaõs
Buos Vassallos, máos cidadãos, eos maiores de todos os tollos; e a outra
metade de Revolucionários, Jacobinos, Illuminados, libertinos, e sem Be
J«»ò! Nunca o provocaram; porem séva a sua malignidade, e satisfaz e
•*« gostlnno em jogar o seu dikcto ganha-perde.
318 (Jonresponaenctu.
Diz elle que nenhum sábio, hé sabío; mas a sua Dulcinea ens
Convento de Odivellas, sem ter aprendido, sem principios, e sem
adquirir instrucçaõ alguma, hé erudita! Ganha-perde. Damas t
no século, e que no centro dos encantos da Sociedade conservam
reza, e uma reputação illibada, saõ por elle mordidas, e ultrajadas
Dulcinea no sagrado azylo do Claustro, votada Espoza de Chris
com elle um commercio amorozo com escândalo de Deos, e do
honesta, e virtuosa! Ganha-perde. O Poema de Camoens naõ
seu hé optimo! Ganha-perde. Seria um naõ acabar se quizessi
um rigoroso confronto; porém rogo ao Mundo que tome o ti
combinar o seu comportamento com os seus escriptos, e decida d
de tal monstro, que estou bem certo, que para o conhecer cor
exactidaõ hé muito mais útil ler o que elle mesmo escreve, e obse
conducta, do que tudo quanto os outros possam dizer, ou imprii
respeito.
Entre todas as insolencias que elle tem practicado, a que acho
carada (naõ falando dos seus crimes horrorosos, mas só de effeit
filaucia) hé a ousadia com que elle pertende inserir-se na classi
mens de letras, e como tal atacar os outros de empregarem mal o
sua applicaçaõ,e destruírem papel inutilmente, escrevendo sempre
terías de nenhum proveito. Eis aqui o cumulo do desaforo. Cor
sivel que um homem (que naõ fosse ellel se atrevesse a insultar
com tal descaramento ? Quaes saõ as obras úteis que elle tem escri]
hé o ramo que elle tem profundado! Mostre elle mesmo no catallog
obras uma única, que mereça o nome de útil: elle a naõ mostrar.
nem mesmo em Sciencias Eclesiásticas, que sendo essa a sua
e tendo elle a mania de escrever, deveria ao menos mostrar a a
dade, se a tivesse, adiantando os conhecimentos, e promovendo i
das cousas sagradas; porem elle o naõ tem feito, antes pelo
vemos o impostor, que se inculca ministro do Evangelho de Jcsi
empregando o seu tempo em escerver os—Soliloquios, ou Motim
— as Pateadas do Theatro—Assim o querem, assim ô tenhaõ—o ]
Eurros—e o Espectador. Que honra a Deos, e proveito ao pre
Tezulta de similhantes obras!!!
Uma Parodia a um Elogio de Theatro, que elle recomenda com
merecimento á de Boileau, hé quem melhor inculca o espirito Eva
xeprovador das acçoens alheias. Oh tempos ! Oh costumes ! Quai
uma obra taõ obscena, e taõ infame ? E por quem hé ella esci
um Ministro de Deos, propagador da sua Doctrina, defensor dl
Religião; por aquelle mesmo, que insulta os outros homens pi
garem mal o seu tempo e estruirem papel, escrevendo sobre m
Conrespondencia. 319
nenhum proveitoI E aonde escreve elle com tanto desaforo? Em um
pai- aonde bi uma Inquiziçaõ, um Aljube, e uma austeridade de cen-
sura, que tudo reprova. Como hé possivel, que um tal homem, obsceno,
delstor, irregular, nsultante, eatéimpio, viva impune no grêmio de uma
Naçaõ, que ainda qoe generosa, e desprezadora de objectos taõ obscuros
como elle, com tudo hé sizuda, circumspecta, devota, e amante da saã
moral, para naõ soffrer com indeffererça um homem que a insulta, que
a ultra a, e que a deshonra. Ah! se um dia a nossa boa fortuna
conduzir ao nosso hemisfério o Pay da Pátria, o Clemente, mas Justo, e
Recto, o nono bom Monarca, e Excelso Rey o Senhor D. Joaõ VI. e se
lembrar de que a Naçaõ inteira foi infamada pelos escriptos de um per-
verto, que «em pejo, sem vergonha, e sem patriotismo intentou denegrir
aos olhos do Mundo inteiro, aonde chega o conhecimento do nosso idioma,
a reputação do príncipe dos nossos poetas, e do melhor dos nossos oradores,
a brava, valorou, e denodada conducta da melhor parte dos nosso distincto
Surcito; a inteireza dos nossos Magistrados; a inteligência, e constância
de quasi todos os homens d'Estado, a decência, c decoro das nossas Damas;
a literatura dos nossos Sábios; todas as classes, todos os indivíduos, e
mais do que tudo a fidelidade acrisolada, que tanto nos destingue das outras
Nações: se se lembrar, torno a dizer, e com um zeilo paternal pela sua, e
pela nossa reputação fizer examinar por olhos penetrantes, inteligentes,
e conhecelores todas as obras impressas e manuscriptas do infame insulta-
dor, aonde de certo haõ de achar naõ só qs beneméritos da Naçaõ todos
ultrajados, mas até desacatos á Magestade do Soberano: sim, ali acharão
o preveno atacando com insolencia rebelde aquelles mesmos, que a Real
Munificencia está premiando por eminentes serviços na salvação da Pátria;
servítjos marcados com o próprio sangue; serviços que restauraram a pátria
e a monarquia; serviços que o Mundo inteiro respeita, e admira, masque
elle em contradição com o Mundo, e com os sentimentos do soberano, peT-
tende infame mente denigrir nas suas sátiras obscenas, e . . . Porem lance-
te o véo do silencio sobre o quadro horrozo de tantas indecências; mas
quando a suprema Auctoridadc queira rasgallo, e conhccêllas trema o per-
venodarecta, e fulminante espada da Justiça, que naõ deixará impunes
tantos crimes de leza gratidão, de leza decência, de leza Naçaõ, e até de
leis Magestade.

Oiilá que um tal dia esteja próximo, o nosso coração o deseja, a nossa
fortuna o exige, e a nossa saudade o reclama! Naõ para castigo do
pérfido, mas para satisfacçaõ dos nossos ardentes votos pelo melhor dos
Monarca». Para castigo do pérfido bastaria que o Baculo do Patriarcado
wcahissenasmaSsde um Prelado sábio, recto, e orthodoxo*. elle o faria
entrar noi seus deveres: elle lhe ensinaria qual hé a verdadeira doutrinado
«wig-jlho* o verdadeiro caracter Apostólico: a verdadeira Caridade: a
320 Conrespondencia.
maneira de admoestar, e corrigir sem insultar: elle lhe agradeceria os ser-
viços espirituaes que tem feito aos fieis nas suas obras, e nos seus exemplos.
Que obras? Que exemplos! Elles obrigaram ja alguns Parochos desta Capi-
tal a prohibir que elle subisse á Cadeira da verdade nas suas Parochias; e
quando todos cheguem a conhecer os seus deveres como Pastores zellozos do
bem do seu rebanho, estou bem certo que a prohibiçaõ será geral. Como e
com que fructo pode oTar contra a soberba, o soberbo vaidozo, e insul-
tante! Contra a avareza, o avaro até d'aquillo que naõ tem como reputação de
Poeta? Contra a luxuria, o lascivo impudico, e dissoluto, que desprezando
a obrigação do próprio voto, seduz para o mesmo desprezo a sua cara
Dulcinea ? Contra a ira, o desesperado, que ao mais pequeno, ainda que
justo ataque á sua philaucia, e impostura, sáe com impropérios, calumnias,
injurias, e até alleives ? Contra a gula, o deboxado, e mais acerrimo devoto
do deos Bacho ! Contra a inveja, o invejoso do Camões, como poeta, de
Vieira, como orador, e de todos os sábios, como sábios? Contra a preguiça,
o preguiçozo de empregar o seu tempo em cousas úteis, e só cuidadozo em
infamar, e promover a discórdia ? O dever do orador hé persuadir; mas o
orador sagrado, que persuade a pratica das virtudes, deve ajunctar á força da
eloqüência a eficácia do exemplo: assim o recomenda o Divino Mestre; e
aquelle que desmente com a pratica o que busca persuadir, prejudica mais do
que aproveita.
Mas se o dia dezejado da volta do nosso Soberano ainda se demora; se o
Bacullo ainda naõ tem maõ que o reja, e o monstro continua cada vez mais
assanhado, ache elle ao menos no seu Periódico o justo castigo de seu orgulho.
Castigue-o, naõ o poupe, e creia que assim desagrava aos olhos do Mundo a
sua Pátria, que elle aos olhos do Mundo tem taõ atrozmente insultado. Assim
deseja hnm Verdadeiro.
PATRIOTA

Resposta a Conrespondentcs.
E o amigo da Verdade. O roubo no Terreiro do trigo de
Lisboa, sabemos ser verdadeiro; mas as accusaçoens ao Presi-
dente, e principalmente as outras ao Administrador, e que na»
tem connexaõ com o mencionado roubo, naõ se podem men-
cionar por authoridade anonyma; e por cuja veracidade nin-
guém nos responde.
CORREIO BRAZILIENSE
DE ABRIL, 1817,

Na quarta parte nova os campos ára,


E se mais mundohouvéra Ia chegara.
CAMOENS, C VII. e. 14.

POLÍTICA

REVNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES,

Portaria dos Governadores de Portugal sobre os estran-


geiros, que entram naquelle Reyno.

T ENDO mostrado a experiência que, a pezar das


ley» e regulamentos de Policica, segundo OB quaes he do
dever de todos os estrangeiros, que vem a estes Reynos,
seja para tractar de seus negócios commerciaes, seja sim-
plesmente para viajar e ver o paiz, ou seja para se estabe-
lecerem com residência fixa em alguma profissão de
utilidade publica, apresentarem passaportes ou cartas de
legitimação de suas pessoas; acontece faltarem a este
dever alguns dos mesmos estrangeiros, e em conseqüên-
cia» ás declaraçoens, que na forma da9 dietas leys e r e -
gulamentos saõ indispensáveis, para remover delles toda
- suspeita e se lhes permittir a entrada e residência; e
convindo muito ao Real serviço fixar as providencias ne»ta
VOL. XVin. No. 107. ss
322 foutica.

artigo de um modo conforme ao que geralmente se prac-


tica entre as outras naçoens, he El Rey nosso Senhor servi-
do ordenar, em renovação das leys de Policia existentes,
que nesta matéria se observem as regras seguintes: —
1. Desde o primeiro de Junho do corrente anno, naõ
seraõ admittidos nestes Reynos indivíduos alguns estran-
geiros, sem que logo se apresentem á policia, sendo nesta
capital, e aos magistrados territoriaes vindo por mar; e
entrando pela raya aos ministros designados no titulo se-
gundo do Regimento de Policia, de 6 Março 1810.
2. Os dictos estrangeiros deverão vir munidos de pas-
saportes legaes, e prestarem-se as declaraçoens necessá-
rias, na forma que se acha determinado pelos § § 13, e 14
do Alvará de 25 de Junho de 1760.
3. Serão havidos por passaportes legaes para qualifica-
ção e legitimação dos estrangeiros, os que forem assignados
pelos Embaixadores, Ministros Plenipotenciarios, Encar-
regados de Negócios, ou cônsules de Sua Majestade, nos
paizes donde houverem saido; e somente vindo de lugares,
em que naõ residam ministros ou Cônsules Portuguezes^
bastará a apresentação de passaportes assignados pelas
authoridades locaes d'onde tiverem saido.
4. Aquelles dos referidos estrangeiros, que se apresen-
tarem sem os mencionados titulos de legitimação e quali-
ficação dos fins inculpaveis da sua vinda a estes Reynos,
seraô havidos por homens vagabundos, e deverão ser man-
dados sair, na forma que se acha determinada pelos sobre-
dictos Alvará e Regulamento, continuando a serem execu-
tadas as providencias deste ultimo em tudo o que nelle se
contém, e for applicavel ao presente tempo de paz.
5. Finalmente seraõ apenas exceptuados destas dispo-
siçoens os officiaes de marinha, marinheiros, e outros es-
trangeiros empregados em navios de guerra, ou navios
mercantes, que entrarem nos portos destes Reynos, ou os
Politica. 323

estrangeiros que vierem em serviço dos seus respectivos


Governos, justificando as suas missoens, ou sendo ellas
de notoriedade publica. O Intendente Geral da Policia?
do Conselho de Sua Majestade, e seu Dezembargador do
Paço, e os Magistrados a que tocar o tenham assim en-
tendido e executem. Palácio do Governo em 8 de Feve -
reiro de 1801. Com tres rubricas dos Governadores do
Reyno.

Copia dos § § I o . e 2°. do Tit. 2o. do Regulamento da


Policia de 6 de Março de 1810, a que se refere a
Portaria acima.
1. Nenhum estrangeiro pode entrar neste Reyno>
tem que apresente passaporte ou titulo de legitimação da
terra d'onde vem; as guias das alfândegas ou quaes-
quer bilhetes dellas naõ suprem a sua falta.
2. Para se lhes conceder a introducçaõ que pretendem,
se deverão apresentar com os passaportes aos ministros
destinados para o seu exame. Estes ministros saõ:
No Minho. O Juiz-de-Fóra de Caminha. O de
Villa-nova-de-Cerveira. O de Valença do Minho. O de
Monçaõ e o de Melgaço.
Em Tras-os-Montes. O Juiz-de-Fora de Monte-Ale-
gre. O de Chaves. O de Monforte. O de Vinhaes.
O de Bragança. O de Outeiro. O de Vimioso. O de
Miranda. O de Algoso. O de Freixo-de-espada-á-cinta.
O de Mogadouro. O de Torre-de-Moncorvo.
Na Beira. O Juiz-de-Fora de Castello-Rodrigo. O
de Almeida. O de Pinhel. O da Guarda. O do Sabu-
gal. O de Belmonte. O de Penamacôr. O de Idanha-
Nova.
M> Alentejo. O Juiz-de-Fora de Niza. OdeCastello-
de-Vide. O de Marvaõ. O de Portalegre. O de
ss 2
324 j-oucivu.

Arronches. O de Campo-Maior. O de Elvas. O do


Alandroal. O de Terena. O de Mouraõ. O de Moura.
O de Serpa. O de Mertola.
No Algarve. O Juiz-de-Fora de Alcoutim. O de
Villa-Real-de-Sancto-Antonio.

Copia dos §§ 13 e 14 do Alvará de 25 de Junho de 1760,


a que também se refere a portaria acima.
13. Os mestres de navios nacionaes ou estrangeiros,
que entrarem de barra em fora no porto de Lisboa, seraõ
obrigados a declarar, na torre do Registro, o numero,
qualidade e profissão dos passageiros que trouxerem, aos
quaes naõ permitirão desembarcarem, em quanto para isso
naõ receberem ordem do Intendente Geral da Policia, ou
de algum dos Commissarios, por elle deputados para este
effeito; os quaes sobre a noticia de serem chegados os
sobredictos passageiros, expedirão logo as ordens neces-
sárias para virem à sua presença fazer as declaraçoens
abaixo ordenadas, para os que entram pela via da terra, e
para serem, ou recebidos no caso de se legitimarem, ou
mandados sair do Reyno nas mesmas embarcaçoens, que
os trouxerem, no caso de serem vadios e vagabundos sem
legitimação. O que se executará inviolavelmente sobpena
de que os mestres, que deixarem desembarcar passageiros?
sem preceder a sobredicta licença, seraõ prezos e os seus
navios e embarcaçoens embargadas até darem conta com
entrega dos mesmos passageiros. E succedendo occultallos
ao tempo da entrada, seraÕ castigados com a pena da
confiscaçaõ do casco da embarcação, mas de nenhuma sorte
das fazendas por ella transportadas.
14. Todas as pessoas, que entrarem neste Reyno pelas
suas fronteiras, seraõ obrigadas a manifestar-se, no primeiro
lugar aonde chegarem, perante o Magistrado delle; apre-
Politica. 325
gentando-lhe os passaportes ou cartas de legitimação de
suas pessoas, e declarando-lhe os seus verdadeiros nomes
e appellidos; as terras donde vem; as suas profissoens*
os lugares e pessoas a quem vem dirigidas; e os certos
caminhos, que devem seguir para chegarem aos sobredictos
lugares da sua destinaçaõ: eisto para que sobre as refe-
ridas declaraçoens lhes possam dar os mesmos magistrados
os seus bilhetes de entrada, em que ellas sejam ex-
pressas, para poderem assim seguir o seu caminho com
toda a segurança; apresentando os mesmos bilhetes nos
lugares aonde se lhes ordenar que os exhibam; ou para
acharem favor e hospitalidade, sendo pessoas taes que a
mereçam, ou para serem apprehendidos, no caso contrario,
de naõ poderem legitimar as suas pessoas na sobredicta
forma.

Copiu de um Acizo expedido ao Arcebispo Eleito de


Ewrar, pelo Marquez de Aguiar, sobre a repugnância
da Corte de Roma, em confirmar a sua eleição.
111""'. e Exmo. Snr.—Foi presente a El Rey meo
Senhor a carta, que V. Ex". me dirigio com data de
24 de Abril passado, e a que lhe servio de postscriptum ;
e os papeis que acompanharam a primeira, e que contém
uma nota do Cardeal Gonzalvi, Secretario de Estado
dirigida ao Ministro Plenipotenciario em Roma, insinu-
ando o methodo, porque V. E X a. conseguiria a confir-
mação, que s e lhe negava do Arcebispado, para que
• M. o nomeou, confessando e abjurando erros, por se
Hie imputarem suspeita em Doutrina, approvaçaõ do
Concilio de Pistoia: e escândalo no elogio fúnebre, que
rectou do Marquez de Pombal; o modelo para a carta,
que V. Ex». devia escrever ao Sancto Padre, em con-
lormidade da dicb» «w- « • J
ulwa n
ota, e uma copia da que, em conse-
326 Política.

quencia de tudo isto, V- Exa. dirigio ao Sumrao Pontiíice,


naõ de todo conforme ao modelo, mas segundo o que
entendeo podia fazer em consciência. Na sobredicta
carta a mim dirigida, dá V. Ex a - as razoens porque assim
procedeo; e pede a S. M. o alivie e escuse do Arce-
bispado, para que o nomeou ; pelos dissabores, que lhe
tem causado a duvida da confirmação; e porque entende
que, pelos seos annos e achaques he superior ás suas forças
o emprego para que foi nomeado.
O mesmo Augusto Senhor, a quem foi muito desagradá-
vel, que se negasse a V E x a . a confirmação do Arcebis-
pado, de que o julga muito digno, vio com muito desprazer
tudo que a este respeito se tem practicado; desapprovando
que o Ministro Plenipotenciario em Roma aceitasse o
indiscreto e injusto modelo e o suggerisse a V. Ex a ,
quando devia instar com toda a energia e efficacia, para
que se concedesse a confirmação da Regalia de S. M. e
do direito do Real Padroado, adquirido por antiga e naÕ
interrompida posse, e naõ consentindo, que, com tam
injusta denegaçaõ, se offendesse o seu Real decoro, argu-
indo-se-lhe pelo menos, falta de circumspecçaõ na esco-
lha e nomeação, e attendendo-se até aos direitos que lhe
competem como Protector da Religião e da Igreja, e
como Soberano, e dando immediatamente conta, para que
o mesmo Augusto Senhor deliberasse o que conviesse ao
seu Real serviço.
Nesta conformidade se escreveo ao Ministro Plenipo-
tenciario em Roma, ordenando-se-lhe assim o practicasse
até conseguir a bulla em forma ordinária, chegando até
ameaçar com rompimento, e que S. M. estava deliberad0
a mundar fazer a confirmação dentro do Reyno, na forma
da disciplina antiga, como por similhantes motivos tem
practicado outros Soberanos Orthodoxos, sendo um delles
Luiz XV. na França, naõ ha muitos annos, posto que se
Politica. 327

lhe recommendou que só usasse daquelle meio no ultimo


extremo, e servindo-se de expressoens conformes ao aca-
tamento devido á pessoa e altajerarchia do Sancto Padre;
e que no caso de estar ja expedida a bulla e execu-
tada com o placito, instasse por uma satisfacçaõ digna de
tal offensa.
El Rey, meo Senhor, tendo assim deliberado neste
negocio pelos motivos expostos, me determinou fizesse
saber a V. Ex*. que também lhe fôra muito desagra-
dável a sua condescendência em escrever a carta, senaõ
de todo conforme ao modelo, ao menos imitando-o, e con-
fessando erros que naõ tinha: quando o mais ascertado
tra fazer saber a S. M. o que se lhe insinuava, para de-
terminar o que mais conviesse, sem compometter o seu
Real Decoro, arguindo-se assim a nomeação, e dando
logo este triumpho á Cúria Romana: ficando V. Ex a .
também na intelligencia de que o mesmo Augusto
Senhor naõ ha por bem aliviàllo do Arcebispado; porque
entende que V. Ex a . desempenhará no exercicio delle o
justo conceito que fez sempre do seu saber e virtudes;
e que naô he decente esta renuncia, tendo havido tam
inesperada e injusta contestação da Cúria Romana.
Dem guarde a V. Ex a . Palácio do Rio-de-Janeiro, em
SO de Julho de 1816.

(Assignado) Marquez de A G U I A R .
S'nr. Arcebispo Eleito d' Évora.

Aviso feto á]0 Grande Imperador da China pelo Ex™


* un'tu d * Cantaõ, e outros Mandarins, á respeito dos
Inglezes.
U-Xtum-Kuam (nome do Suntú) com os mais Man-
darim Vassallos dirigimos com todo o respeito a V.Majesla-
328 tolitica
de este avizo, que conssiste nisto=-Os Soldados Inglezes
sem licença entraram na Cidade de Macáo: pedimos e es-
peramos a Determinação de V. M. sobre isso, e juncta-
mente uma declaração, pela qual sejam suspensos interi-
namente os negócios dos Inglezes atè o prazo em que V.
M . queira dignar-se mandar o contrario. O mercador
Hánista por novo.eLu-Kuam-hém, a quem pedira o Cabeça
dos Inglezes(o A\m\rsinte*)cha.ma.áoUi-lien-pi-li-tu-lu-la,
veio para o Tribunal do Vassallo de V.M. e nelle apre-
sentou dous Memoriaes, um escrito em idioma Sinico, e
outro em Europeo, cujo contheudo he este=que Portugal
prezentemente se acha occupado pelos Francezes; que o
mesmo Rey Portuguez se mudou para outro lugar; que
os dous Reynos Inglaterra e Portugal, por serem alliados,
enviaram soldados e seos superiores para a defeza de
Macáo contra os Francezes; que elles Inglezes por verem
sem forças os Portuguezes de Macáo tem receio venham
os Francezes a perturbar o socego dos Portuguezes em-
baraçando os seos negócios, finalmente que pelos sobre-
dictos motivos fora enviado á Cidade de Macáo o Capitão
dos soldados(o Almirante)com navios guarnecidos de solda-
dos para auxilliarem aos Portuguezes, e defenderem a
mesma Cidade; os dictos Memoriaes saõ uniformes, con-
cordam-se no assumpto. Fomos avizados pelo Mandarim
da Villa de Siam-xan (vulgo Hy-am-san) que chegaram
primeiramente à vista de Macáo tres Náos lnglezas
guarnecidas de soldados, e ao depois chegaram mais seis,
todas ellas bem guarnecidas de soldados, bombardas, ar-
mas, pólvora, e outros petrechos de guerra; que as dietas
Náos ficaram ancoradas em Ka-Kiam em Franquia; que
300 soldados foram enviados para terra, sendo elles desem-
barcados em Macáo foram fazer a sua assistência em duas
Jgrejas S. Paulo, e S t o . Agostinho, e ao despois se divi-
diram para as Fortalezas de Leste, e Oeste (Guia, e Bom
329
Política.
Parto). Nós os Vassalos de V. M. examinando as
Chronicas achámos, que desde o tempo de Mim Chão Di-
nastia passada ate o presente, tem estado em Macáo os
Portuguezes, estes há mais de duzentos annos se comporta-
ram bem mostrando-se pacíficos, e naÕ se consta que da
parte delles houvessem desordens, oU máos intehtos.—
O Capitão Inglez(Almirante) diz qtie Portugal fôra occu-
pado pelos Francezes, porém o Procurador da Cidade
de Macáo naõ nos deo parte disso; e agora naõ ôe pôde
saber se he verdadeira ou falsa similhante noticia: mas
dado que fosse verdadeira a dieta noticia, deviam os Ingle-
zes pensar que os Francezes só pelejam lá na Europa, e
nunca se attreveráõ a vir para estas partes, à fim de per-
turbarem as terras pertencentes ao Império: além disso se
a Esquadra Franceza tomar a resolução de vir a Macáo,
certamente lhe será necessário entrar primeiramente pelo
canal da Taipa, e Ká-Kiam, e por conseguinte nao
deviam os soldados Inglezes desembarcar,* e saltar em terra
sem licença, antes deviam elles estar a bordo dos seos
navios navegando là fora por esses mares, e guardando ao
mesmo tempo os dictos Canaes, para combaterem contra os
Francezes, se na realidade querem auxilliar aòs Portu-
guezes, por serem seos amigos ou alliados, como dizem.
Mas he de notar que os Inglezes entre os mais Europeos
de todas as Naçoens saõ indivíduos na verdade mais
soberbos, e cheios de cavilações; e como saõ taes, vendo
agora que os Portuguezes tem poucas forças, tomaõ elles
daqui occasiaõ com vaãs esperanças para lançarem os olhos
nos lugares, que a sua ambição lhes insinua, á fim de que
possaô abranger para si todos os lucros possíveis e imagi-
nativos. Conforme o antigo costume nunca foi permittido
aos Estrangeiros entrar na Cidade sem lincença, pela qual
razão, tanto que tivemos a noticia do desembarque de sol-
dados Inglezes em Macáo, fizemos Juncta no Conselho e
VOL. XVIII No. 107. TT
330 Política.
de commum acordo enviamos Macáo mercadores Hánistas
à elles recommendamos que fossem logo perguntar ao Pro-
curador da dictaCidade sobre o desembarque dos dictos sol-
dados, ejunctamente avizassemaos Sobre-Cargas Inglezes
para que fizessem avizo ao Cabeça delles (Almirante) que
se fosse embora de Macáo com seos soldados logo sem
demora, e voltassem todos para o seo Reyno» O Procura-
dor de Macáo, sendo perguntado pelosHànistas respondeo-
lhes dizendo, que na realidade saõ alliados os dous Reynos
íngleterra e Portugal; que os dictos soldados,sendo envia-
dos para auxilliarem aos Portuguezes de Macáo, naõ tem
outros intentos; que o Reyno de Portugal como he pe-
queno, e sendo poucos os Portuguezes naõ se attreveram
elles a contender com os dictos Inglezes resistindo-lhes
Depois disso enviámos outra vez um Mandarim Chi-fu,
e outro Militar, estes sendo por nós escolhidos por serem
sugeitos mais intelligentes, e versados no» negócios dos
Europeos, muito lhes recommendamos fossem exhortar
aos dictos Inglezes com eíficacia possivel, para que os mes-
mos saíssem de Macáo; porém os dictos Enviados naõ
tiveram outra resposta desses Inglezes senaõ esta, que elles
vieram para auxilliarem aos Portuguezes, e defenderem a
Cidade, e nisto persistindo elles sempre teimosos, naõ se
querem ir embora.
Nós Vassallos examinando também as Chronicas achámos
que no anno 58 do Governo de Nosso Grande Imperador
KienLum, a Embaixada Ingleza apresentara aosMagnates
da Secretaria de Pekim Mandarins do Conselho um
Memorial, em que se manifestavam os desejos dos Inglezes
©m quererem obter os seguintes lugares Tien-chim, Nim-
po &c. portos marítimos, pedindo ao mesmo tempo se
lhes concedesse uma ilha perto de Chu-Xán, ou algum
lugar junto de Cantaõ: Mas oGrande ImperadorKien-Lum
lhes mandou intimar um Decreto, em que foram refutadas
331
Política.

e regeitadas todas as razoens, que allegáram, uma por


uma, eficaramdeste modo despachados. O mesmo Imper-
ador mandou ao depois expedir Decretos para todas as
Províncias marítima», advertindo aos Governadores dellas
tivessem caulella, evigilância de impedirem todo e qual-
quer intento estrangeiro, que encerra em si cavilaçao.—
Lemos na verdade aquelles Veneraveis Decretos, e nelles
vimos a mais Sancta Doutrina, que alem de ser tara clara
e forte, nos insinuava também aquellas medidas, cautellas,
eprevençoens lançadas já de muito longe, e bem profun-
das. Também consta que no anno 7 o do Governo de
VM. (Kia-Kim) tinham vindo alguns Navios Inglezes
guamecidos de soldados; ficaram os dictos Navios ancho-
rados primeiramente em Franquia, e aodepois quizéram
estar no Canal de Uan-xánj foram enlaõ lançados fôra
pelo Sun-tu passado, chamado Ki-Kim, e Governador
Fu-yuen por nome Hu-tu-li, estes naquella occasiaõ
puzeram uma estreita prohibiçaõ, que se naõ vendessem
mantimentos aos Inglezes dos Navios de guerra, entaõ
elles se foram embora. Naquella occasiaõ ainda ficavam
«Hes a bordo dos seos navios anchorados em o mar de
Franquia, porém nesta occasiaõ já se attreveram a vir para
terra com seos soldados; donde se vê que o animo delles,
sempre propenso a procurar os r$eos próprios interesses, e
todos os lucros imagináveis, naõ hé jà de um sõ dia, mas
«m de muito tempo. Prezentemente naõ fazem ellespertur-
baçaõ alguma em Macáo: como o Reyno delles dista muito
deste Império, parece que naõ se attreveram a fazer desor-
dem alguma por considerarem as vantagens recebidas nos
tempos passados, Toda via este modo de obrar dos Ingle-
zes nao parece ser da intenção do seu Rey, antes sim pa-
rect ser da intenção dos mesmos Cabeças dos Inglezes,
V»e querem abranger para si sós todos os lucros possíveis,
o» Portugueze» enganados acreditaram os dicto» e pa*»
T T 2
332 Política.
lavras dos Inglezes. Macáo naõ produz arroz, espera todo
o mantimento da terrainterior, pela qual razaÕnós Vassal-
los, conforme a determinação antiga, permittimos aos indi-
víduos das outras Naçoens o comprar e vender os gêneros
do Contracto, fazendo assim o seu negocio, á excepçaõ dos
Inglezes, a quem interinamente prohibimos: se os mesmos
Inglezes naÕ quizerem estar pelo nosso avizo entaõ lhos
tiraremos os compradores, ficando elles assim sem man-
timentos^ naÕ havendo já esperanças de lucros, certamente
nao poderáõ subsistir aqui por muito tempo. Esperamos
que elles haõ de voltar com seos soldados, se assim o fize-
rem, lhes concederemos entaõ o direito dos negócios, para
que possam fazer o seu Contracto; e desta sorte nao teraõ
prejuizo as Alfândegas à respeito dos direitos e tributos.
Concluiremos esta dependência sem muito rumor, naõ no§
attrevemos a deixar que os, Inglezes estejaõ aqui por muito
tempo; naõ faremos também muito estrondo que cause
perturbaçoens; se nisto fazemos bem ou naõ pedimos
w V . M. se digne insinuar-nos o melhor, Além disto
avizamos a V- M . que nesta Cidade de Cantaõ, assim
dentro como fora delia, tudo está em paz, e o povo se
aeha em socego. Apresentamos a V. M. o Memorial,
que nos remetteram os Inglezes com a sua traducçaõ, para
que V. M. o veja, e se digne determinar o que for
servido.
Nós Vassallos ouvimos dizer que o Reyno de Portugal
ficara occupado pelos Francezes, que o seu Rey se mudara
para o Brazil; que a Esquadra dos Inglezes, e todos os por-
tos vizinhos a Manilla ficaram também apoderados pelos
Franceses. Alguns annos a esta parte naõ tem appare-*
cido Navios Francezes, e dos de Manilla também muito
poucos tem apparecido; porque os Inglezes com a sua Es-
quadra pilham-nos, roubaõ-lhes tudo, e querem abarcar
tudo para si; porém agora os Ingleze3 sendo Ye&cidos pe*
8ã3
Politica.
!os Francezes vicmm para Macáo: parece que elles que-
rem embaraçar o caminho aos Francezes, e junctamente
aos Naturaes de Manilla: fazem elles entre si a guerra
naõ por outra cauza senaõ pela razaõ do lucro: estas
saõ as notícias, que ouvimos fallar, mas como ellas saõ
vindas de longe, naõ se podem totalmente acreditar: com
segredo examinaremos tudo isso, se acharmos ser tudo
verdade daremos parte a V, M. Anno 13 do seu Go-
verno e Império Kia-Kim aos 4 da Lua 9 a .

Mmoestataõ do Ex»1». Sun-tu de CantaÕ para os


Inglezes,

Fazemos saber aos Sobre-Cargas Inglezes, que a sancta


virtude de Noaso Grande Imperador se manifesta como
o Ceo, que abrange tudo debaixo de si, e naõ lia re-»
paõ mais remota a que naõ tenha chegado a sua fama.
E he mesmo na consideração de que os vossos Reynos da
Europa de muito tempo se tem mostrado obedientes e
políticos, vos tinha concedido por especial favor a mais
»mpla licença, com que vós os Europeos pudesseis vir
negociar em Cantaõ, e para esse fira vos foi concedida
a faculdade de fazer anehorar os vossos navios eralluam-
pu, reputando-vos por este modo, como gente ou indi-
víduos de uma mesma caza e familia, Porém vós que
j»- há annos tendes estado em Cantaõ bem sabeis que a
todos os Estrangeiros Europeos era taõ somente permit-
ido o ir e vir a este Paiz para negociarem, mas nunca
lhes foi concedido o ficarem aqui permanentes. Por tanto
em o prezente tempo chegaram de improviso Nãos Ingiezas
cheias de soldados, 0 s quaes desembarcando vieram para
terra contra todo o costume, e Leys do Império.
Macáo he Colônia situada dentro dos limites do Impe-
334 fotuica.
rio, tem ella seos Governadores e Magistrados (Manda-
rins), nenhuma connexaõ tem ella com Europa, e á mesma
em nada ella pertence. Em a Dinastia passada começa-
ram a vir para a sobredicta Colônia (Macáo) os Europeos
Portuguezes: e a Dinastia prezente os deixou ficar nella
como dantes por especial favor, na consideração de que
elles tem estado já nessa Colônia muitos annos, e tem junc-
tamente suas moradas de cazas, as quaes se naõ mandou
destruir foi por motivo de querer uzar com elles de
muita benignidade, porém foram advertidos pelo Decreto,
que continha esta condição: a saber, que as cazas arruina-
das pudessem refabricar, mas que naõ deveriam fabri-
car-se outras de novo, de mais que os seos Navios deve-
riam ter números fixamente determinados; tudo isso está
taõ rigorosamente determinado que de nenhuma sorte se
deve quebrantar. Os mais Estrangeiros Europeos, como
saõ os Francezes, Hollandezes, Hespanhoes, e outros
nunca se attreveram a seguir ou uzar dos direitos e privi-
légios, de que gozam os Portuguezes, para ficarem per-
manentes em Macáo; por conseqüência naõ devem
também os Inglezes estar em Macáo com subsistência per-
manente. Vós (Inglezes) dizeisque tendes receio que ve-
nham os Francezes para insultarem aos Portuguezes em
Macáo; pois deveis saber que os Francezes só pelejam
contra os Portuguezes lá na Europa, e naõ se attreveraõ
a vir a estas partes com intentos de perturbarem as terras
do Império: porém no cazo de pertenderem vir aqui con-
tra o Ceo, e toda a razaõ, procurando a sua própria mina,
Nós entaõ faremos apromptar os nossos soldados, e os
ajunctaremos nos lugares, que ameaçam maior perigo, para
os guardarem; entaõ com muito descanço esperaremos os
Francezes desfalecidos, que sendo poucos contra muitos
sem batalha alguma ficarão vencidos, como peixes na fri-
gideira, e carne na banca do cozinheiro: neste cazo que
Politica. 335

poderão elles fazer? E assim naõ he necessário que vós


tenhais receio da parte dos Francezes. Se dizeis também
que pela aliiança sois amigos dos Portuguezes, e que por
isso viestes para os ajudar contra os Francezes, parece-
nos antes mais acertado que em vossos navios andeis lá
fora por esses mares, à espera dos Francezes, contra os
quaes devereis ir ao encontro, logo que elles chegarem 5
porém naõ he justo que façais vossa assistência em Macáo
contra os costumes, prohibiçaõ, e leys do Império, dissol-
vendo por este modo a uniaõ mutua, que deve subsistir
entre todos, perdendo da mesma sorte o direito dos negó-
cios, que poderieis ter aqui, vede agora que em um obrar
fôra dos seos termos commettestes tres erros juntos. Vós
Sobre-Cargas Inglezes, que por ordem de vosso Rey tra-
tais os negócios do Contracto, bem sabeis o que se deve
obrar; sabeis também qual he o proveito, qual o damno;
qual he favorável, qual o contrario, qual he pacifico, qual
o perigozo: vos sem negócios naõpodereis subsistir. Se
um dia mais cedo sairem de Macáo os vossos navios
levando os soldados comsigo, também um dia mais cedo se
abrirão as Alfândegas, os vossos negócios adiantar-se-haõ
também: se porem retardais no que a cima se disse, tudo
ficará também retardado: vós com os vossos Cabeças (Al-
mirante, e os mais) ponderai bem nas sobredictas propostas,
e naõ he necessário pedir mais cousa alguma.
Eu o Vice-Rey, que por veneravel Ordem de Nosso
Grande Imperador governo toda a Provincia de Cantaõ,
cujo povoe soldadesca saõ subordinados á minha jurisdição,
Eu, digo, o Suntu com o Kuan-pu Tribunal das Alfânde-
gas, que governa sobre os tributos e Direitos Imperiaes, fa-
zemos saber aos Inglezes, que naõ estamos já para repetidas
admoestaçoens e avizos, porque a nossa obrigação he se-
guir a razão, e observar as leys do Império procurando
por este meio o socego dos limites, e portos marítimos,
336 Política.
fazendo também publicar aos internos, e externos os
Decretos Imperiaes. Portanto conformando-nos com o
generoso Animo de Nosso Grande Imperador, que sem-
pre tracta os Estrangeiros com benignidade, fazemos este
avizo e exhortaçaõ à vós sobre-Cargas Inglezes, que
deveis fazer scientes disso a todos os vossos Cabeças, ad-
vertindo-os que ouçam o nosso avizo, e obedeçam com res-
peito: se porém depois deste avizo naõ quizerdes arre-
pender-vos do que atégora tendes obrado, sereis reputados
como quem por si mesmo quer procurar o seo próprio
damno, desprezando ào mesmo tempo o especial beneficio
de nosso Grande Imperador, Nós também naõ nos digna-
remos exhortar-vos outra vez.
Dado em o dia 2 da Lua 9a.

Convenção para a evacuação das tropas lnglezas de


Macáo.
Bernardo Aleixo de Lemos e Faria Governador e
Capitão General de Macáo; Lucas Jozé d' Alvarenga,
Governador nomeado; e Miguel d' Arriaga Brum da
Silveira, Dezembargador Ouvidor Geral da mesma;
Thomaz M. Weguelen, Coronel commandante das tropas
Britannicas; Capitão Thomaz Robertson e Thomaz Carlos
Pattle, segundo sobre-carga da Honoravel Companhia
Ingleza: todos desejosos de dar uma conclusão útil e
decorosa â retirada das mesmas tropas, julgada necessária
a bem das duas Alliadas Naçoens; acordaram o seguinte:
1. Que o dicto Dezembargador, Miguel de Arriaga
Brum da Silveira, fosse propor ao Mandarim do Districto
a resolução que o Conselho da Honoravel Companhia
havia tomado de fazer retirar as tropas Britannicas, vindas
a esta cidade, para o fim de auxiliálla contra os Fran-
cezes, pelo motivo da protestaçaõ feita da p arte do B~\m
Politica. 337

Suntó de CantaÕ, de ficar a mesma cidade debaixo da


protecçaõ do Império, contra qualquer inimigo que atten-
tasse a dislrahilla da Real Casa de Bragança, de que he
Regente S. A. R. o Principe Regente de Portugal, es-
tante no Brazil, sem que por esta vinda experimente no
futuro alteração o commercio Britannico, que ficará no
mesmo pé e systema antigo.
2. E porque esta deliberação exige a concurrencia
do Excellentissimo Almirante Drury, e do Primeiro
Sobre-carga J. W, Roberts, de presente em Vampu
devia o mesmo Mandarim auxiliar a ida do brigue Por-
tuguez, que vai levar o referido Dezembargador, Miguel
d'Arriaga Brum da Silveira, com o fim de terminar a
mesma pendência, sendo para isso authorizado, obrando
de maneira, que se naõ falte aos vinculos da aliiança e
boa amizade, que subsistem entre as tres naçoens Bri-
tannica Chineza e Portugueza.
3. Que o Mandarim deve fazer sustar as prohibiçoens,
que tem dado para a venda de mantimentos; por isso que
dahi podem provir resultas pouco concernentes ao socego,
que por parte das mesmas tropas Britannicas se deseja
conservar.
4. Que se deve da parte do Mandarim fazer suspen-
der a marcha de quaesquer tropas Chinezas durante esta
conclusão, que poderá levar de oito a dez dias, tomando-
se o contrario procedimento como opposto ás mesmas
ordens Imperiaes, que saõ mandativas da conservação da
amizade, com todas as naçoens, que a buscam para os fins
""ceros e verdadeiros.
«» fé de todo o referido nos assignamos em Macáo
M« 11 de Dezembro de 1808.
BERNARDO ALEIXO DE LEMOS E FARIA.
EÜCAS JOZE D'ALVAFENGA.
MIGUEL DE ARRIAGA BRUM DA SILVEIRA.
THOMAZ M. W E G U E L E N .
THOMAZ ROBERTSON.

VOL. XVÜI. NO. 107. v v


338 Política.

INGLATERRA.

Papeis relativos á Missaõ em Lisboa desde 1814 até


1816y mandados imprimir por ordem da Casa
dos Communs de 12 de Março de 1817.

N<\ 1.
Extracto de um officio de Lord Strangford, a Lord Cas-
tlereagh, datado do Rio-de-Janeiro, aos 21 de Junho
de 1814.

Os gloriosos acontecimentos, que tem dado paz e inde-


pendência á Europa, tem feito reviver no espirito do
Principe do Brazil aquelles ardentes desejos de tornar a
visitar o seu paiz natal 3 que por algum tempo tinham estado
supprimidos.
Sua Alteza Real me fez a honra de explicar a sua
anxiosa esperança, de que a Gram Bretanha facilitará
o complemento de seus desejos neste ponto; eque elle
poderá voltar para Portugal sob a mesma protecçaõ com
que o deixou.

No. 2.
Copia de um officio do Conde Bathurst ao Embaixador
de S. M. em Lisboa.

Secretaria dos Negócios Estrangeiros, 31 de


Outubro de 1814
SENHOR.-—Inevitavelmente tem havido grande excessos nos
extraordinários das duas missoens na Peninsula, durante
os annos passados ; e ainda que as causas daquelle excesso
tenham em grande parte cessado, ou estejam em via de
diminuição, seria apenas possivel reduzir de uma vez
as despezas de qualquer daquellas missoens, até pôllas
dentro dos limites, que será próprio assignar-lhes per-
amnentemente, especialmente porque em Portugal a
Politica. 339

volta da Corte deve por si mesma crear occasiaõ para uma


despeza extraordinária.
Sobre estes fundamentos, e ao mesmo tempo para vos
aliviar, em tanto quanto he possivel, da responsabilidade
de uma extensão indefinita de extraordinários, se t e m
julgado próprio, em quanto o vosso salário regular he
íxado (como o de Madrid) na escala mais baixa dos
ordenados de Embaixadores, em 8.000 libras por anno, o
especificar a somma de 6.000 libras, como aquella que
se espera seja a que vos possais limitar os desembolços
extraordinários do anno seguinte. No fim do anno
provavelmente será practicavel formar uma estimativa do
que amontarà a despeza necessária das Embaixadas
Britannicas na Peninsula, e que possa servir como regra,
para fixar os seus ordenados n'um adequado pé perma-
nente.—Sou &c.
(Assignado.) BATHURST.
A S. Ex». o Mto- Honr. George Canning.

No. 3.
Copia de Um officio de Mr. Canning ao Visconde
Castlereagh.

Lisboa 10 de Abril de 1815.


MY LORD!—Pelas malas, que chegaram hontem,
soube (ainda que naõ officialmente) que as noticias r e -
cebidas em Inglaterra do Rio-de-Janeiro, depois de ter
ali chegado o Almirante Sir Joaõ Beresford, euscitáram
duvida sobre apresente intenção do Principe Regente
de Portugal de voltar para os seus dominós Europeos.
Aqui se naõ tem recebido do Brazil cousa alguma,
que indique alguma mudança de intenção em Sua Alteza
U U 2
340 jrotinca.

Real. Porém se se houverem poslo alguns obstáculos,


que demorem a sua execução, até que chegue ao Rio-
de-Janeiro a noticia da ultima espantosa e afHictiva re-
volução, no estado da Europa, he possivel que a recepção
de tal noticia determine Sua Alteza Real a ficar ali pre-
sentemente.
Nesse caso^ ou se acontecer que V. S. receba noticias
positivas, que satisfaçam o espirito de V. S. de que o Prin-
cipe Regente de Portugal tem tomado tal resolução,
tenho de pedir a V. S. que ponha aos pés de S. A. R.,
o Principe Regente, a minha resignação da commis-
saõ, com que elle foi benignamente servido honrar-me,
na contemplação da volta do Principe Regente de Por-
tugal. Tenho a honra de ser &c.
(Assignado.) GEORGE CANNING.

Ao Visconde Castlereagh, &c. &c. &c.

No. 4.
Copia de um officio de Lord Castlereagh a Mr.Canning.
Secretaria dos Negócios Estrangeiros, 11 de
Mayo de 1815.
SENHOR !—O vosso officio de 10 de Abril, offerecendo
a vossa resignação condicional da Embaixada em Lisboa,
no caso em que o Principe Regente de Portugal abando-
nasse a sua intenção de voltar para a Europa, foi posto
ante o Principe Regente.
Sua Alteza Real conhece plenamente o zelo pelo seu
serviço, que induzio a V. E x a . a emprehender ésla
missaõ; e as consideraçoens, que vos determinaram a de-
sejar resignalla.
Naõ obstante que ha algum tempo, que tem havido forte
razaõ para se suppôr, que S. A. R. tem tomado a resolução
Politica. 341

de íiear presentemente no Brazil; com tudo eu naõ tenho


até aqui considerado aquella decisaõ como feita taõ inequi-
vocamente, que me justifique em fazer disso uma notifica-
ção official a V. Ex a .
Que tal seja agora a resolução de S. A. R., a mala
de hontem do Rio-de Janeiro parece que o põem além
de toda a duvida. No estado presente dos negócios
públicos, porém, eu espero, que naõ, passarei alem do
espirito dos desejos de V. E x a . pedindo-lhe que suspenda
o periodo de sua resignação, até que possais trazer a
Regência a uma decisaõ sobre o concerto militar
que se deve estabelecer com os Alliados. Seguindo esta
linha, poderemos também esperar a volta do Almirante
Sir Joaõ Beresford, antes que se considere como absolu-
tamente decidida a continuação da estada do Principe
Regente de Portugal no Brazil; no qual caso me naõ
julgarei mais authorizado a pôr algum obstáculo a con-
formarme com os desejos, que da parte de V E x a . foram
expressados ao Principe Regente, e que S. A. R. foi
servido receber da maneira mais benigna. Tenho a honra
&c. &c.
(Assignado.) CASTLEREAGH.

Ao M-o. If 0 nr. G. Canning.

No. 5.
Extracto do um officio de Mr. Canning a Lord
Castlereagh.
Lisboa, 26 de Mayo de 1815.
Tenho de reconhecer a honra do officio de V. S.
N°. 20; e de pedir a V. S. que ponha aos pés de S. A. R.
o Principe Regente os meus humildes agradecimentoSj
pela benigna e graciosa interpretação de Sua Alteza Real,
O/Io
•* -foiuica.
tanto dos fundamentos porque eu originalmente aceitei
esta missaõ, como daquelles porque offereci a minha con-
diciomal resignação delia.
Os últimos avizos do Rio-de-Janeiro, datados unica-
mente de Março, naõ faliam (segundo me informam)
cousa nenhuma da volta do Principe Regente; e eu real-
mente creio, que nada se sabe aqui de suas intençoens.
E m resposta á outra parle do officio de V. S. naõ me
compete dizer outra couaa senaõ, que, tendo posto a mi-
nha resignação inteiramente nas maõs de V. S. naô tenho
outra anxiedade, nesta matéria, mais do que dizer, que os
meus serviços, em quanto se julgarem que saõ aqui úteis
ao Principe Regente, estaõ absolutamente á disposição
de Sua Alteza Real.

No. 6.
Extracto de um officio de Mr. Canning, a Lord
Castlereagh.
Lisboa 30 de Maio, 1815.
Em contemplação da condicional terminação da minha
missão,julgo que he do meu dever executar, como puder,
aquella parte das instrucçoens do officio de Lord Bath-
urst, de Outubro passado, que diz respeito á escala de
ordenados,-que devem ser adequados para se fixarem per-
manentemente nesta missaõ.
Fazendo isto, terei occasiaõ de refutar as perniciosas
exaggeraçoens, que acho'se tem propagado em Inglaterra,
a respeito dos meos ordenados; exaggeraçoens, e falsas
representaçoens, que V< S. me dará credito por eu as
desprezar, em tanto quanto me dizem respeito pessoal-
mente: mas que he natural, com tudo, que, tanto por meu
respeito como pelo do Governo em Inglaterra, que eu
deixe registrada a sua refutaçaõ.
Politica. 343

Quando eu aceitei esta missaõ, éra impossível, es-


tando as contas impressas da Lista civil sobre a meza da
Cásá dos communs, que eu naõ reparasse no que tinha sido
a escala de suas despezas, durante os annos precedentes.
Vendo que, no periodo de 5 de Abril 1812, até 5 de
Abril 1814 (data a que chegavam as contas) aquella des-
peza éra, em ordenados e extraordinários, cerca do
32.000 libras no primeiro anno, e cerca de 28,000 libras
no segundo; teria sido loucura süoceder em uma situação,,
em que se tinha julgado necessária tal despeza, sem algu-
ma intelligencia sobre os limites, que, sendo necessário,
deviam ter as minhas despezas, e dentro dos quaes, em
todo o caso, se devia circumscrever.
O intervallo, que tinha passado, éra demasiado breve,
para habilitar a ninguém a poder fazer juizo do -que po-.
deria ser a practica diminuição da despeza; e como, á
excepçaõ de dez dias (ou cerca disso) que Mr. Sydenham
aqui gastou, a missaõ esteve, durante aquelle intervallo,
nas maõs de um Encarregado de Negócios, naõ se podia
dali tirar nenhuma justa inferencia, a respeito do que seria
o próprio estabelecimento da Missaõ n'uma escala per-
manente.
A somma fixada, como aquella que as minhas despezas
naõ deviam exceder, naõ foi em gráo algum suggestaõ
minha. Eu resolvi, fosse o que fosse, ou limitar as mi-
nhas despezas dentro da extençaõ dessa somma; ou, se
acha-se que isso éra impracticavel, resignar a missaõ
immediatamente.
Achei, como esperava, na minha chegada aqui, que o pé
em que a Missaõ Britannica custumava estar, naõ podia
abaixar-se repentinamente, sem deteriorar toda a natureza
de suas relaçoens com o Governo.
Neste ponto dé vista a graduação de Embaixador, ao
mesmo tempo que naõ fazia differença practica nas despe-
344 foiuica.

zas, cujo ordenado (fosse de Embaixador fosse de Enviado)


suppria somente uma parte, éra politicamente importante?
para contrabalançar a perca positiva de graduação e influ-
encia, que de outra maneira teria resultado de ja naô ser o
ministro Britannico membro da Regência.
V. S. talvez receará, que, depois deste prefacio, eu và a
dar-vos uma opinião a favor de alguma mui exorbitante
concessão, para manter o esplendor da embaixada Britan-
nica em Lisboa.
E talvez'ficareis admirado quando eu continuar dizendo
que, suppondo que haja uma adequada concessão para
ajuda de custo, os antigos ordenados de Embaixador
8. 200 libras por anno, exclusivo das usuaes contingências
reconhecidas (que naõ formam parte das despezas do Mi-
nistro) seraõ adequados para supportar a Missaõ: com a
condição—
De que estes ordenados sejam pagos livres de descontos
em Inglaterra; e (o que he mais importante neste lugar).
Que elles sejam pagos livres da perca dos câmbios, e
da depreciação do papel, aqui.
Quando o cambio está ao par (67f) a pataca Hespa-
nhola está a 4s. 6d.; quando o cambio está a 75, a pataca
Hespanhola custe 5s. o seu valor na despeza aqui fica em
ambos os casos o mesmo.
O cambio está agora a 72 , e tem estado tam subido
como 74, e provavelmente, como a guerra continua, su-
birá ainda mais.*
Depois da perca do cambio, vem a do papel-moeda.
Uma letra, sacada sobre Inglaterra, por 100 Libras,
devia produzir ao par 444 patacas Hespanholas, em

* Tomo 9 liberdade de incluir a V. S. aisumas gazetas de Lisboa, eta que


te marcam as variaçnens do cambio, e do desconto do papel moeda.
Politica. 345

moeda. Com o cambio a 75 produzirá cerca de 400.


Esta he a primeira perca.
Porém a metade, isto he 200, destas 400, saõ pagas em
papel; o qual papel soffre um desconto de 14, 15, 16 ou
(como foi a semana passada) 20 por cento e mais. T o -
mando o desconto somente a 16 ha outra perda de 32 pa-
tacas Hespanholas nestas 200 libras; e o producto das
100 libras a 75, portanto, será somente 368 patacas H e s -
panholas em vez de 444 cujo valor quando se despende
será de cerca de 83 libras.
O papel, que assim ha obrigação de receber, somente se
pôde passar, nas mais ordinárias miudezas communs, se-
gundo o desconto corrente.
A ley obriga a recebêllo ao par, porém o custume he
mais poderoso que a ley.
Por este processo successivo, o ordenado nominal de
8.200 libras he primeiramente diminuído em Inglaterra a
6.914 fibras, e seria a de mais diminuído na passagem de
Inglaterra para aqui, em 7 ou 8 por cento, segundo o
cambio actual, a 6.300 ou 6.400 fibras, e além disso na
sua reducçaõ a moeda Portugueza, a cousa de 5.800 libras.
Resta fallar da primeira supposiçaõ, com que eu limite 1
a minha opinião, do que éra provavelmente sufficiente
para as despezas da Embaixada; isto he, o bastante para a
equipagem e ajuda de custo; consideração que he appli-
cavel com peculiar força a este paiz, e (como supponho)
á Hespanha.
No meu próprio caso, acho pelas contas do meu agente
(que recebi pelo ultimo paquete), que a ajuda de custo para
meus preparos chegou a alguma cousa mais de 3.200 libras;
e a demais, seguro a V. S., naÕ inconsideravel porçaõ de
meus próprios fundos. A isto se devem accrescentar as
propinas nas differentes repartiçoens, despezas nas alfan-

VOL. XVIII. No. 107. x x


346
Poüiica.
degas, seguros, &c. &c. cousa de 800 libras, fazendo um
total de 4.000 libras.
A ajuda de custo para equipagens he de 1.500 libras
com algumas diminuiçoens.
A differença (acima de 2.500 libras) absorve, com pe-
quena differença, metade da somma total dos ordenados
regulares, que se me devem, pelos tres quartéis do anno
que acaba em 5 de Julho.
Estes ordenados, nominalmente 8.200 libras por anno, saõ
(como tenho dicto acima) reduzidos pelas diminuiçoens em
Inglaterra a 6.914, tres quartéis disso sommam em 5.186
libras; restam desta somma cousa de 2.600 libras, que me
haõ de ser remetidas aqui, sugeitas na remessa á perca
do cambio, e na conversão a moeda aqui, á perca do papel.
Nestas circumstanicas eu terei sacado sobre o meu
agente, até os 5 de Julho, segundo as instrucçoens do
officio de Lord Bathurst de Outubro passado, sommas
que cheguem a 4.000 libras, por conta dos extraordinários.
H e possivel, que, até o final da minha missaõ, tenha occa-
siaõ de sacar por 500 libras mais.
Com este auxilio poderei levar adiante a Missaõ até o
fim dos tres quartéis do anno, e claramente tenho direito
a dizer que, com uma adequada ajuda de custo, para os
seus devidos fins, e com os salários ordinários, pagos livres
das diminuiçoens em Inglaterra, e livres das percas do
cambio, e da conversão aqui em moeda, naõ terei occasiaõ
para sacar cousa nenhuma, por conta de despezas extra-
ordinárias.

No. 7.
Extracto de um officio de Lord Castlereagh a
Mr. Canning.
Secretaria dos Negócios Estrangeiros,
22 de Junho, de 1815.
Estando agora o Governo de Sua Alteza Real infor-
Politica. 347
mado da determinação final do Principe Regente de Por-
tugal, de naõ se aproveitar da opportunidade, que se lhe
offereceo de voltar para os seus dominios Europeos, e t e n -
do-se differido para um periodo indefinito a applicaçaõ que
V. Ex a . foi instruído fazer á Regência de Portugal, para o
emprego de uma parte do exercito Portuguez no Conti-
nente; tenho julgado que naõ éra conveniente demorar
mais o apresentar a Sua Alteza Real a resignação, que
V. Ex a . fez de sua Missaõ em Lisboa; e consequente-
mente tenho ordem do Principe Regente para vos infor-
mar, que elle tem sido benignamente servido aceitar a
vossa resignação, e que vós estaes consequentemente em
liberdade para terminar a vossa Missaõ, quando vos for
mais agradável.
As vossas recredenciaes vos seraõ remettidas pelo pa-
quette na semana que v e m ; e entaõ vos transmittirei as
ordens de Sua Alteza Real, a respeito da pessoa a quem
deveis entregar os deveres da Missaõ, no caso em que
Mr. Casamajorse tenha retirado para aqui.

No. 8.

Extracto de um officio de Mr. Canning a Lord


Castlereagh.

Lisboa, 11 de Agosto de 1815.

Immediatamente que recebi o officio de V. S. N°. 27,


communiquei o seu conteúdo verbalmente a D. Mig. Per.
Forjaz,differindoacommunicaçaõofficial do mesmo, até que
recebesse as minhas recredenciaes, e fosse informado da
determinação de V. S. quanto á pessoa, em cujas maõs
devia entregar os archivos da Missaõ.

xx 2
348 rontica.
N°. 9.
Copia de um officio de Lord Bathurst a Mr. Canning.
Secretaria dos Negócios Estrangeiros,
12 de Septembro, 1815.

SENHOR! E m respeito ao officio de V Exa. de 11 de


Agosto, tenho agora a honra de incluir as vossas recreden-
ciaes, junctamente com uma carta Credencial, dirigida ao
Secretario de Estado Portuguez, introduzindo Mr. Croft,
como Encarregado de Negócios de Sua Majestade.
Ao despedir-vos dos Governadores do Reyno de Portu-
gal, V. Ex a . lhes apresentará Mr. Croft, como Encarre-
gado dos Negócios de Sua Majestade, nomeado para residir
em Lisboa, para o fim de continuar a communicaçaõ ordi-
nária entre os dous Governos; deixando com aquelle Ca-
valheiro a conrespondencia official, cyfras, e decyfras,
que estaõ em poder de V. Ex a . e aquellas instrucçoens,
para guia de seu comportamento, que vos parecer serem
requeridas pelas circumstancias actuaes. Tenho a honra
de ser &c.
(Assignado) BATHURST.

A. S. Ex». 0 M t o . Hon. George Canning, &c.&c.

No. 10.

Extracto de um officio de Mr. Canning, a Lord


Castlereagh.

Lisboa, 10 de Outubro, 1815.

Tenho entregado a S. Ex*. D. Mig. Per. Forjaz, a


carta, que lhe dirigio Lord Bathurst, annunciando-lhe a
Política. 349

nomeação de Mr. Croft, como Encarregado de Negócios


de S. M. Ao mesmo tempo eu introduzi Mr. Croft, na-
quelle character a Mr. de Forjaz; igualmente o introduzi
pessoalmente a Suas Excellencias os Governadores do
Reyno.
Tenho entregue a Mr. Croft a conrespondencia e cyfras
da Missaõ. Naõ me occorre que haja pontos alguns, sobre
os quaes me seja necessário fornecer-lhe instrucçoens por
escripto para seu comportamento (estando elle perfeita-
mente informado do curso ordinário dos negócios) e com-
tudo me julgarei feliz, em todo o tempo, (em quanto eu
permanecer neste paiz)se lhe puder prestar algum auxilio,
em quaesquer pontos que elle deseje recorrer a mim.

No. 11.

Extracto de uma carta de Mr. Canning, a Lord


Castlereagh.

Lisboa, 10 de Janeiro de 1816.


Acho, por uma relação das minhas contas com o meu
Agente, que recebi no ultimo paquette, que elle inadver-
tidamente recebeo doThezouro por minha conta, uma som-
ma de 1.500 libras, como extraordinários, pelo quartel de
5 de Julho até 10 de Outubro. Digo inadvertidamente
porque estou convencido, de que elle naõ obraria com d e -
sígnio contra as minhas instrucçoens.
Desde o principio de Julho, periodo em que recebi a
notificação de V. S. da aceitação final de minha resignação,
considerei que éra do meu dever, em quanto a Missaõ fi-
cou nas minhas maõs, conter-me estrictamente dentro
dos limites estabelecidos no Relatório do Committée da
Lista Civil; e os meus saques sobre o meu Agente, pelo
850 Política.
quartel que acabou aos 10 de Outubro, naõ excederam
aquelles limites.
Por este paquete escrevo ao meu Agente, ordenando-lhe
que rectifique o engano, que elle fez, expedindo como
extraordinários, o que tal naõ devia ser; ou fazendo com
que o Thesouro retenha, para substituir a somma de 1.500
libras tam impropriamente pagas, uma somma igual, tirada
do quartel dos salários ordinários, ainda naõ pagos: ou
refundindo outro tanto, ao Thesouro ,se estaõ ja pagos.

Abstracto das sommas pagas a Mr. Canning.


Ordenados - - 8,000
Renda de casa - 500
Ajuda de Custo - 4.000

12.500

No.

Extracto de uma carta de Mr. Sidenham a Mr. Ha-


milton; subsecretário d' Estado.

Lisboa, 8 de Julho, 1814.

Quando o Duque de Wellington estava em Madrid, me


fallou sobre a matéria de meus ordenados em Lisboa; e
me deo a consoladora esperança de que eu me arruinaria,
a menos que o Governo me naõ concedesse alguma cousa
mais do que o meu salário ordinário, diminuído pelas usu-
aes reduccoens em Inglaterra, e perca do cambio. EUe
prometteo-me mencionar isto a Lord Castlereagh, e eu
lhe escrevi para lhe lembrar a sua promessa. Acho que
Mr. Casamajor tem estado vivendo de um modo mui so-
Politica. 351

cegado, e em retiro, sem séquito que sustentar nem alojar;


e examinando os seus livros percebo, que naõ vive por
menos de 100 libras por semana.

No.

Copia de um officio do Visconde Castlereagh a Thomaz


Sidenham, Esc.
Secretaria dos Negócios Estrangeiros
18 de Julho de 1814.
SENHOR ! Julgo que he necessário, antes que seja in-
formado de vossa chegada a Lisboa, fazer-vos saber, que
as ordens de Sua Alteza Real saõ, que durante a vossa r e -
sidência na Corte de Portugal, vós limiteis as vossas des-
pezas pessoaes ao salário ordinário, como Enviado Extra-
ordinário e Ministro Plenipotenciario de Sua Majestade.
Tenho ordenado a Mr. Casamajor, que naõ perca tempo
em remover a Missaõ da casa do Marquez de Pombal; e
naõ posso anticipar nenhum fundamento publico, para
continuar a despeza dos criados de S. M. emLisboa, na e s -
cala, em que tem sido conduzidos, durante a continuação
da guerra na Peninsula.

(Assignado) CASTLEREAGH.

A Thomaz Sidenham, Escudeiro.

No.
Extracto de um officio de Mr. Sidenham a Lord
Castlereagh.
Lisboa, 23 de Julho, 1814.

Sinto extremamente ter de informar a V. S. que o es-


352 Politica.
tado de minha saúde me obrigará a sair de Lisboa, para
voltar á Inglaterra, sem admittir que espero receber per-
missão regular de V. S. para esse effeito.

ESTADOS UNIDOS.

Falia inaugural do Presidente na abertura da sessaõ


do Congresso, em 5 de Março 1817.

Seria eu insensível, se me naÕ tocara profundamente


a grande prova, que os meos concidadãos me deram da
sua confiança, chamando-me ao elevado emprego, cujas
funcçoens estou a ponto de assumir. Como expressão da
boa opinião que elles tem do meo comportamento no ser-
viço publico, dá-me um prazer, que só podem sentir os
que tem satisfeita a conciencia de haver obrado quanto
delles estava para a merecer. A minha sensibilidade he
ainda augmentada pela justa avaliação do importante
cargo que se me confia, e da natureza e extençaõ dos seos
deveres, de cujo bom desempenho dependem os maiores
interesses de um povo grande e livre. Sinto porém a
minha insuficiência, e naõ posso entrar nestes deveres
sem grande anxiedade pelo resultado. Da justa respon-
sabilidade nunca me hei de eximir, certo de que nos meos
esforços para promover o bem publico, os motivos haõ de
ser sempre bem apreciados, e o meo comportamento
olhado com aquella candura e indulgência, que tenho
experimentado em outros logares.
Ao entrar nas funcçoens do primeiro cargo executivo,
tem sido o estylo dos varoens distinctos,que me haõ pre-
cedido, explicar os principios por que se haviam de gover-
nar, nas suas respectivas administraçoens. Imitando o seo
veneravel exemplo, a minha attençaõ volta-se natural-
mente para as causas que tem contribuído, em maior grão,
Politica. 353
para produzir a actual condição feliz dos Estados Unidos.
Ellas he que podem explicar bem a natureza dos nossos
deveres, e mostrar-nos a politica, que deverá seguir-se
para o futuro.
Perto de quarenta annos se tem passado, desde o
principio da nossa Revolução até o presente dia, e vinte-
e-oito desde o estabelecimento desta Constituição. Por
todo este tempo o Governo tem sido,o que se pode chamar
com emphase, Governo-Proprio: i e qual o effeito? Para
qualquer objecto que viremos a nossa attençaõ, quer para
as relações estrangeiras, quer para as domesticas, achamos
causas de sobejo para felicitar-nos da superioridade das
nossas instituiçoens. Durante um periodo carregado de
difficuldades, e notado pelos mais extraordinários aconte-
cimentos, os Estados Unidos tem florecido mais que
nunca. Os cidadãos, de per si, tem sido felizes, e a naçaõ
prospera.
Debaixo desta Constituição o commercio tem sido com
muita prudência regulado com as naçoens estrangeiras, e
entre os próprios Estados; e novos Estados se tem admitti-
do à nossa Uniaõ. O nosso território ha se alargado por
um tractado honroso, e com grande vantagem para os Esta-
dos originaes. Os vários Estados, protegidos entre si pelo
Governo Nacional, debaixo de um systema suave e pater-
nal, e gozando cada um na sua esphera, por uma sabia
repartição de poder, de uma justa porçaõ de soberania,
tem melhorado a sua policia, extendido os seos estabeleci-
mentos e adquirido uma força e madureza, que saõ as
melhores provas que dar-se podem de leys saudáveis
bem administradas. Mas se olharmos para a condição dos
indivíduos, que nobre aspecto naõ apresenta! j, Quem ha
ahi que tenha soffrido oppressaõ em alguma parte da
nossa Uniaõ? i Quem ha ahi, que fosse privado de algum
direito pessoal ou de propriedade? i A quem se tem j á
VOL. XVIII. No. 107. YY
854
Politica.
por ventura, tolhido a liberdade de offerecer ao Divino
Author da sua existência as suas preces, pelo modo que
mais lhe agrada ? Sabe-se perfeitamente que todas estas
fortunas se tem gozado em toda a sua plenitude; e ajuncto
com particular satisfacçaõ,que naõ tem havido um só ex-
emplo de pena capital por crime de Alta-Traiçaõ.
Alguns, que ainda admittiriam a aptidão do nosso Go-
verno para estes benéficos resultados, talvez duvidassem
deila para lances de aperto, que pozessem à prova as suas
forças e efficacia, como membro da grande communidade
das naçoens. Mas aqui também a experiência nos tem
dado as provas mais satisfactorias a seu favor. Justa-
mente ao tempo em que esta Constituição começava a
pôr-se em practica, alguns dos principaes Estados da. Eu-
ropa entraram em grande agitação; e houve taes que snf-
frêram convulsões mui graves. Seguiram-se guerras de-
vastadoras, que ainda ha pouco vemos acabadas. No pro-
gresso destes conflictos, os Estados Unidos receberam
grande damno de algumas das partes. O seo interesse
éra pôr-se ao largo da contenda, clamar a sua justiça à
parte injuriante; e cultivar, por igual e honrado compor-
tamento, a amizade de todas. A final a guerra tornou-se
inevitável, e o resultado mostrou-nos que o nosso Governo
he capaz de resistir aos maiores lances de aperto, debaixo
das mais desfavoráveis circumstancias. Da virtude do
povo, das heiroicas façanhas do exercito, da marinha, das
milicias, naõ he preciso fallar.
Tal he pois o feliz Governo debaixo de que vivemos;
um Governo adequado a todos os fins para que se forma
o compacto social. Um Governo electivo em todas as
suas ramificações, debaixo do qual todo cidadão, pelo seo
merecimento, pode obter o maior encargo conhecido na
Constituição; um Governo, que naõ contém em si causa
alguma de discórdia; nenhuma que ponha uma parte da
Politica. 355
communidade em contradicçaõ com a outra: um Governo,
em fim, que protege todo e qualquer cidadão no pleno
exercicio dos seos direitos, e que pode proteger a naçaõ
contra as injustiças de Potências estrangeiras.
Outras considerações da maior importância nos convidam
a amar a nossa uniaõ, e a adherir ao Governo que a
sustenta. Felizes como somos nas nossas instituições, *aaõ
o temos sido menos em outras circumstancias, de que
essencialmente dependem a nossa prosperidade e felici-
dade. Como estamos situados dentro da zona temperada,
e o nosso território se extende por muitos gráos de lati-
tude ao longo do Atlântico, encerram os Estados Unidos
todas as variedades de clima, e gozam de todas as produc-
çoens, que saõ próprios desta porçaõ do globo. Pela terra
dentro extendem-se os nossos domínios até os grandes
Lagos, e para lá das nascentes dos grandes rios, que se
communicam por todo o interior dos Estados; de sorte que
em ponto de terreno nunca se vio paiz mais afortunado *
e além disto, a terra he taõ fértil, que produz sempre
com abundância, deixando, até em annos menos favorá-
veis, um sobejo para acudir ás nessidades de outros paizes.
A nossa particular fortuna he tal, que naõ ha uma parte
fla Uniaõ que naõ seja particularmente interressada em a
manter. O grande interesse da agricultura da naçaõ pros-
pera debaixo da sua protecçaõ. Os interresses locaes nao
saõ menos alimentados por ella. Os nossos concidadãos do
Norte, applicados à navegação, acham grande protecçaõ
em serem elles os mais contemplados, para fazerem, o trans-
porte das vastas producçoens das outras partes dos Estados
Unidos; ao mesmo tempo que os habitantes destas saõ
amplamente recompensados por terem nelles uma eschola
de marinheiros e forças navaes, formadas e creadas para
proteger os nossos direitos communs. Os fabricantes r e -
cebem grande protecçaõ da politica, que patrocina a indus-
YY 2
356 foitiica.

tria própria; e os sobejos de producçaõ acham mesmo


no paiz mercados certos e proveitosos, pelas necessidades
locaes, em partes menos favorecidas,
Se tal he pois a ditosa condição da nossa pátria, deve
ser o interesse de todo o cidadão fazer pela manter.—
IQuaes saõ os perigos que nos ameaçam? Se os ha,
devem ser conhecidos e acautellados.
Expondo eu os meos sentimentos sobre este objecto,
poderá perguntar-se i que he o que nos tem levantado
ao presente estado feliz? -v Como completámos nós a revo-
lução? i Como remediámos os defeitos do primeiro instru-
mento da nossa Uniaõ, conferindo ao Governo Nacional
sufficiente poder para fins nacionaes, sem lesar os justos
direitos dos Estados, nem os dos individuos? j, Como
sustentamos e findámos com gloria a guerra passada ?
Q Governo tem estado nas maõs do povo; he por-
tanto ao povo, e aos fieis e hábeis depositários da sua
confidencia, que se deve o louvor. Tivesse o povo dos
Estados Unidos sido educado em differentes principios;
fosse elle menos intelligente; menos independente, ou
menos virtuoso, i pode crer-se que se houvesse mantido
na mesma firme e consistente carreira, ou sido abençoado
com o mesmo bom successo ? Logo, em quanto o Corpo
constituinte conservar o seo presente estado sadio e robusto,
tudo ira bem. Elle esolhera competentes e fieis Repre-
sentantes para todas as repartiçoens. He so quando o
povo se torna ignorante e corrupta a populaça, que he in-
capaz de exercer a soberania. Em tal estado a usurpaçaõ
he fácil, e o usurpador naõ tarda a apparecer. O mesmo
povo se torna voluntário instrumento da sua degrad nação
e ruina. Assim, importa que olhemos para a grande
causa, e façamos pela preservar em pleno vigor. Promo-
vamos, por todos os meios prudentes e constitucionaes, a
intelligencia entre o povo, como o melhor meio de pre*
servar a nossa liberdade.
Politica. 357
Os perigos de fora naõ saõ menos dignos de attençaõ.
Os Estados Unidos, da mesma forma que as outras naço-
ens, estaõ sujeitos a ter guerras, e a ver-se outra vez en-
volvidos nellas e em tal caso pôde bem ser o objecto dos
nossos adversários derribar o nosso Governo, desmanchar
a nossa Uniaõ, e desbaratar-nos como naçaõ. A nossa
distancia da Europa,e ajusta, moderada,e pacifica politica
do nosso Governo, pôde dar-nos alguma segurança contra
estes perigos,mas sempre devem ser anticipados e acautel-
lados. Muitos dos nossos concidadãos andam empregados
no commercio e na navegação, e todos elles estaõ em
certo gráo dependentes do seo prospero estado. Muitos
andam nas pescarias. Ambos estes interesses estaõ ex-
postos a ser atacados em guerras entre outras Potências,
e seríamos nós pouco attentos aos fieis avizos da experi-
ência, se naõ o esperássemos. Nos devemos sustentar os
nossos direitos ou perder o nosso character, e com elle
talvez a nossa liberdade. O povo que deixa de o fazer,
•mal pode dizer-se que occupa um logar entre as naçoens
independentes. A honra nacional he a propriedade na-
cional de maior valor. O sentimento no espirito de todo
o cidadão, he força nacional. Este deve portanto ser
alimentado.
Para nos segurarmos contra estes perigos, as nossas
costas e arraias devem ser fortificadas, o nosso exercito e
marinha regulados sobre justos principios, pelo que r e s -
peita a força de cada um, e mantidos em perfeita ordem
e disciplina, e as nossas milicias devem ser postas no m e -
lhor pé que for practicavel, Para pormos a nossa extensa
costa em tal estado de defesa que segure as nossas cidades
e interior contra invasão, presisa fazer-se muita despeza,
mas acabada a obra fica para sempre: e póde-se mui bem
conjecturar que uma só campanha de invasão, que traga
uma força naval superior à nossa, acompanhada de alguns
milhares de tropas de terra, nos exporia a maior despeza*
358 foiitica.
além da perda de bens e misérias dos nossos cidadãos,
doque seria necessário para esta grande obra.
As nossas forças de terra e de mar naõ devem ser mui-
tas, mas sempre adequadas aos fins necessários. As pri-
meiras, para guarnecerem e preservarem as nossas fortí-
-ficaçoens, e para obstarem aos primeiros ataques de uma
invasão de inimigos, e ao mesmo tempo que constituem os
elementos de uma força maior, preservam a sciencia da
guerra, e os seos petrechos necessários em estado de po-
derem marchar immediatamente sendo preciso.
As segundas, conservadas dentro de próprios limites
em tempo de paz, poderão ajudar a manter a neutra-
lidade dos Estados Unidos, com dignidade, nas guerras
entre outras Potências, e ao mesmo tempo a propriedade
dos nossos cidadãos. E em tempo de guerra, com o aug-
mento de que os grandes recursos navaes do paiz saõ sus-
ceptíveis, e que deverão cultivar-se com particular at-
tençaõ em tempo de paz, contribuirão essencialmente, já
como auxiliares de defeza, ja como poderosas machinas
offensivas, para diminuir as calamidades da guerra, e fa-
zella terminar com honra e promptidaõ.
Porém deve-se sempre ter muito em vista que a se-
gurança destes Estados, e de quanto he charo a um povo
livre, deve depender em grande parte das milicias. Os
principios do nosso Governo e as circumstancias dos Es-
tados Unidos naõ consentem que tenhamos ordinaria-
mente forças de mar e de terra em sufficiente numero
para resistir a invasoens formidáveis como se podem fazer.
E m taes casos deve-se recorrer á grande massa do povo,
e do modo que produzir o melhor effeito. He pois da
maior importância que se organizem e exercitem a fim de
estarem promptas para qualquer emergência. O arranjo
deve ser tal que ponha á disposição do Governo o ardente
patriotismo e a força robusta do paiz. Se se formar sohre
Politica. 359

principios justos e iguaes, naõ pôde ser oppressivo. H e


a crise que causa a oppressaõ, e naõ as leys, que provém
o remédio para ella. Este arranjo deverá formar-se tam-
bém em tempo de paz, para se estar mais bem prepa-
rado para a guerra. Com tal organização, e tal povo,
nada tem os Estados Unidos que temer de invasões de
estrangeiros: haverá sempre uma força immensa de gente
valorosa para os receber.
Ha outros interesses de grande importância que d e -
vem occupar a nossa attençaõ; e entre elles o melhora-
mento do paiz por meio de estradas e canaes, procedendo--
se sempre com a sancçaõ constitucional: he. um dos que
devem occupar o primeiro logar ; porque, facilitando as-r
sim a communicaçaõ entre os Estados, augmentar-se-haõ
as conveniências e commodidades dos nossos concidadãos;
o paiz terá mais esse ornamento, e o que he de maior im-
portância, encurtar-se-haõ distancias e ligaremos a Uniaõ
ainda melhor, fazendo que cada uma das partes seja mais
accessivel, e independente da outra. A natureza já tem
feito tanto a nosso favor, em entresachar o paiz de tantos
rios grandes, bahias, e lagos, que de pontos distantes se
aproximam tam perto uns dos outros, que nos convida
muito a completar a obra. Talvez nunca se visse um
espectaculo mais attractivo doque se apresenta dentro
dos limites dos Estados Unidos: um território tam vasto,
tam vantajosamente situado, contendo objectos tam gran-
des; tam úteis, e taõ felizmente ligado em todas as
suas partes.
As nossas manufacturas haõ de mister o cuidado sys-
tematico e nutritivo do Governo. Possuindo nos todos os
materiaes, que saõ o fructo do nosso próprio paiz e da nossa
industria, naõ devêramos depender no gráo que depen-,
demos das importaçoens de outros paizes.
Em quanto assim estivermos dependentes, pôde a guerra
360
Politica.
vir de repente, sem ser esperada nem buscada, e por-nos
em difficuldades mui graves. Também he mui importan-
te que o capital, que alimenta as nossas manufacturas, seja
próprio, porque a sua influencia nesse caso, em vez de ex-
haurir, como pode fazer, estando em maõs estranhas, ha de
sentir-se com vantagem na agricultura e em todo outro
ramo de industria. De igual importância he estabelecer
no paiz um mercado para os nossos productos e materiaes
em bruto, pois, ag mentando a competição, levantarão
preço, e protegerá o cultivador contra as casualidades, que
andam annexas a mercados estrangeiros.
Com as tribus Indianas he nosso dever cultivar ami-
zade, e obrar com benignidade e liberalidade, em todas as
nossas transacçoens E igualmente bem he perseverar
nos nossos esforços para lhes communicar as vantagens
da civilização.
A grande somma da nossa renda, e o estado florecen-
te do Thesouro, saõ provas convincentes da competência
dos- recursos nacionaes, para qualquer occasiaõ que se of-
fereça, como o saõ da boa vontade dos nossos concidadãos,
para supportar os carregos que as necessidades publicas
requererem. A grande porçaõ de terras incultas, cujo
valor augmenta todos os dias, he mais um recurso mui
extenso e de muita dura. Estes recursos, além de com-
pletarem todos os outros fins necessários, habilitarão intei-
ramente os Estados Uriidos para pagar a divida nacional
em muito pouco tempo. A paz he o melhor tempo para
melhoramentos, e preparos de todas as castas. He na
paz que o nosso commercio florece mais; que as taxas
saÕ mais facilmente pagas ; e que a renda produz mais.
O Executivo he encarregado officialmente,nas repartiçoens
que lhe estaõ sujeitas, dos desetubolços do dinheiro pu-
blico, e he responsável pela sua fiel applicaçaõ aos fins pa-
ra que for levantado. O Legislativo he a guarda, que vigia
Politica. 361
sobre a bolça publica. A sua obrigação he ver se o de-
sembolço se faz como deve ser. Para o Executivo encon-
trar a requisita responsabilidade de poder chamar a contas
prompta e exactamente todos os agentes encarregados do
dinheiro publico. Nada se deverá presumir contra elles;
amas se por falta das requeridas facilidades, se soffrer
que o dinheiro publico esteja desnecessariamente muito
tempo nas suas maõs, naõ haõ de elles ser os únicos preva-
ricadores, nem o exemplo de corrupção limitado só a elles.
Isso mostrará uma relaxaçaõ e falta de tom na adminis-
tração, que se da he sentir pór todo o paiz. Da minha
parte hei de fazer quanto puder para assegurar economia e
fidelidade neste importante ramo -da administração: e naõ
duvido que o Legislativo haja de fazer a sua obrigação
com igual zelo. Dever-se-ha fazer uma investigação
regular, è eu hei de promovêila.
Causa-me particular satisfacçaõ entrar no desempenho
destes deveres em um tempo, em que os Estados Unidos
gozam as bençaõs da paz: este he o estado mais conve-
niente para a sua prosperidade e felicidade. O meo
sincero desejo ha de ser preserválla, em quanto depender
do Executivo, sobre justos principios, com todas as nações:
naõ pretender cousa alguma desarrazoada desta ou da-
quella, e dar a cada uma o que fôr seo.
Igualmente me agrada ver a erescida unanimidade, que
reyna -em toda a nossa Uniaõ. A discórdia naõ he
própria do nosso systema. A unanimidade he recommen-
dada, tanto pelos livres e benignos principios do nosso
Governo, que extende as suas bençaõs a todo o individuo,
como peles outras eminentes vantagens, que delia r e -
sultam. O povo Americano tem encontrado grandes
perigos, e resistido a lances mui graves com bom suc-
cesso; porque forma uma grande familia, com um inte-
resse commum. A experiência tem-nos illuminado em
VOL. XVT1I No. 107. r. z
362 Polil íca.
algumas questoens de importância essencial para o paiz,
O progresso tem sido vagaroso, mas dictado por uma
justa reflexão e fiel respeito a todos os interesses ligados
com elle; Promover esta harmonia, de accordo com
os principios do nosso Governo Republicano, e de modo
que lhes dê o effeito mais completo, e adiantar em todos
os outros respeitos os melhores interesses da nossa Uniaõ,
haõ de ser os objectos das minhas zelosas e constantes
diligencias.
Nunca um Governo commeçou debaixo de melhores
auspícios, nem foi o êxito mais completo. Se olharmos
para as historias de outras naçoens, antigas oü modernas,
naõ acharemos exemplo de crescimento tam rápido e
gigantesco; nem de um povo tam prospero e feliz. Se
contemplamos o que ainda resta para fazer, deve encher-
se de alegria todo o cidadão, quando reflectir que tem o
nosso Governo chegado tam perto da perfeição, que a
respeito delle naõ temos que fazer melhoramento essencial j
o objecto principal he preservallo nos principios essenciaea
e feições que o caracterizam; e isto deve fazer-se preser-
vando a virtude e illuminaçaõ do povo; e pelo que
respeita a segurança contra os perigos de fora, adoptando-
se aquelles arranjos, que saõ indispensáveis para sustentar-
mos a nossa independência, e os nossos direitos e liber-
dade. Se perseveramos na carreira, em que temos avan-
çado tanto, e pelo caminho já marcado, naÕ podemos
deixar, mediante os favores da Divina Providencia, de
conseguir o alto destino que parece que nos espera.
Nas Administrações dos varões illustres, que me tem
precedido, e com alguns dos quaes tenho tido a maior
intimidade desde a nossa mocidade, encontram-se exem-
plos que haÕ de servir a todo o tempo de grande instru-
ção e utilidade aos seos successores. Do meo immediato
antecessor, debaixo de quem se passou tam importante
Politica. 363
parte deste grande experimento, me excusaraÕ por expri-
mir os meos sinceros desejos de que goze por largo tempo,
no seo retiro, os affectos de um povo agradecido, que saõ
a melhor recompensa de subidos talentos, e dos mais fieis
e meritorios serviços. Confiado na ajuda que hei de
obter das outras Reparitçoensdo Governo, entro no en-
cargo para que fui chamado, pelos suffragios dos meos
concidadãos, com fervorosas suppiicas ao Todo-Poderoso,
que permitta continuar-nos a mesma protecçaõ com que
atégora claramente nos tem favorecido,

I L H A S IONIAS.

Proclamaçaõ do Commissario de S. M. Britannica.


Por S. Ex», 0 Honr, Sir Thomaz Maitland, Cavallei-
ro Gram-Cruz da Honradíssima Ordem Militar do Banho;
Membro do Honradíssimo Conselho Privado de S. M.
Britannica, e Commandante em Chefe das forças de S. M.
no Mediterrâneo, Governador de Malta e suas Dependên-
cias; e Lord Gram Commissario de S. M . nos Estados
Unidos das Ilhas Ionias, &c. &.
A Commissaõ, nomeada na proclamaçaõ de 25 de
Janeiro, passado, para o fim de examinar o caso de Spiri-
dion Lepeníotty, ex-frade Augustino, e fazer sobre isso o
seu relatório, apresentou hoje, em conseqüência disso, o
seu relatório, e ao mesmo tempo a sua opinião a respeito
do castigo, que se devia decretar, no caso do dicto Lepe-
níotty, e o seu cúmplice Niccolo Caracopulo, de Teodoro.
Pelo relatório, de que se tracta, e que he arranjado
com tal diligencia., cuidado e perspicuidade, que faz grande
honra aos membros da Commissaõ, se estabelece, com as
mais indubitaveis provas.
Primeiro; que toda a supposta conspiração, como se fez
zz2
364
Politica.
presente ao Conselho, convocado no Palácio aos 21 e 22
de Janeiro passado, foi absolutamente uma machinaçaõ do
dicto Lepeniotty, que todos os sêllos, instrucçoens, paten-
tes, cartas, &c, fôram meras invençoens e falsificaçoens
produzidas por elle; e, pelo que respeita os escriptos, a
maior parte delles fôram copiados pelo cúmplice, Caraco-
pulo, antes de serem produzidos.
Segundo; que, depois do mais maduro exame, naõ
pôde a Commissaõ descubrir o mais leve indicio de
alguma pessoa, além dos dous mencionados Lepeniotty e
Caracopulo, que tivesse a menor parte na dieta supposla
conspiração.
Tendo a Commissaõ considerado maduramente esta
matéria, em todas as suas circumstancias, suggerio, no fim
do Relatório, a S. Ex a . o Lord Gram Commissario, a sua
opinião; a saber, que, segundo o teor das leys, o dicto
Lepeniotty devia ser sugeito ao maior castigo, e execu-
tado publicamente; e que o cúmplice Caracopulo devia
soffrer prizaõ solitária pelo espaço de um anno,
S. E x a . o Lord Gram Commissario, concorda perfeita-
mente com a opinião do dicto Relatório, e com a opinião
geral, e declara, que a sua plena persuasão he, que as
pessoas implicadas por Lepeniotty, na infame calumnia,
que lhes imputou aquelle prezo de Estado, se tem em
todas as oceasioens conduzido com a maior lealdade a
patriotismo.
Pela absoluta convicção da verdade assim referida, e
também que nenhuma outra pessoa teve parte naquelle
negocio, S. E x a . se sente mui disposto a considerar, se
haverá ou naõ meios, que, nos seus effeitos, conrespon-
dam aos necessários fins da justiça publica, sem recorrer á
extremidade de mandar á presença de seu Creador, tam
moço, posto que tam infame delinqüente publico, com a
consciência carregada de tam enorme massa de crimes naÕ
expiados,
Politica. 365

S. Ex». , convencido ao mesmo tempo de que se se


puder perdoar a vida deste delinqüente, a justiça publica
exige que se imponha a tal criminoso de Estado um grave
severo, e em algum gráo adequado castigo; he servido
ordenar, em conseqüência do Relatório, e opinião da dieta
Commissaõ, que o dicto Lepeniotty, em vez da pena ca-
pital, prescripta pela ley, para similhantes crimes, soffra:
I o . Um anno de prizaõ solitária, de natureza mais
rigorosa, na fortaleza de Cerigo.
2o. No fim daquelle periodo, que continue prezo por
oito annos em ferros, e sugeito a trabalho compulsório na
dieta fortaleza, ou em outro qualquer lugar, que S. M. for
benignamente servido nomear.
3°. No fim dos dictos oito annos, que seja o dicto L e -
peniotty definitivamente banido destas Ilhas, por causa
do enorme crime contra sua pátria, ou tornado a. admittir
como arrependido delle, conforme o determinar a sen-
tença, que contra elle pronunciar a Suprema Corte do
Justiça desta Ilha, vendo um Relatório exacto de seu
comportamento, durante o periodo de sua prizaõ.
S. Ex a , ordena, outro sim, que a sentença do dicto
Caracopulo tenha o seu pleno effeito; a saber, que soffra
prizaõ solitária, por um anno, no Scoglio di Vido.
Concluindo esta desagradável matéria, S, Ex». naõ podo
deixar de dar os parabéns ao publico, pela terminação
que o negocio teve, e expressar os seus sentimentos a
favor da lealdade geral, affeiçaõ e bom comportamento do
todos. Elle pede aos Senhores da Commissaõ (e parti-
cularmente aos Membros Senhores Cappadoca e Zambelli,
que, pelo seu conhecimento local, fôram es indivíduos
mais conspicuous delle, que recebam os seus agredeci-
mentos mais distinetos, pelo zelo com que se comportaram
em todo este negocio,
3
»--> Política.
Esta proclamaçaõ será impressa em Grego e Italiano, e
publicada com a maior extençaõ possivel.
Por ordem de S. Ex*.
GUILHERME MEYER, Secretario do Governo.
Do Palácio, em Corfu, aos 11 de Feveiro de 1817.

PRÚSSIA.

Ordem d' El Rey ao Conselho de Estado, relativa á


execução do Edicto de 22 de Mayo de 1815, em que
se determina a formação da Representação do povo.

Berlin 30 de Março de 1817.


No Edicto de 22 de Mayo, 1815, relativo á formação, da
Representação Nacional, nomeei uma Commissaõ, que
devia fazer as suas sessoens em Berlin, composta de in-
telligentes Officiaes de Estado e naturaes das Provincias,
para se occupar com a organização dos Estados Provin-
ciaes e Representação Nacional; e para minutar um
Documento Constitucional, segundo os principios estabe-
lecidos naquelle Edicto, sob a presidência do Chanceller de
Estado. A guerra, o completo estabelecimento de nossas
possessoens, e a organização da Administração, tem até
aqui impedido, que se puzesse este Edicto em execução.—
Como o Conselho de Estado está agora nomeado, tirarei os
Officiaes de Estado d ; entre os seus membros, e encarre-
garei ao Conselho de Estado o preenchimento das minhas
intençons. Tenho nomeado para a Commissaõ;
O Chanceller de Estado, como presidente, Principe
Radzivill; o General de infanteria conde VonGneissenau;
o Ministro de Estado Von Brockhausen i o Ministro de
Estado Von Beyme; o Ministro de Estado e Justiça Von
Politica. 367
Kircheisen; o Ministro de Estado Baraõ Von Humboldt,
o Ministro de Estado e Finanças Conde Von Bulow; o Mi-
nistro de Estado do Interior Von Schuckman; o Ministro
de Estado e Policia o Principe Von Wittgenstein; o Ministro
e Secretario de Estado Von Klewitz; o Ten. General e
Ajudante General Von dem Knessebeck; o Deaõ do Cabi-
do Conde VonSpiegel; o Conselheiro Privado de Estado
Von Sageman; o Major General Von Grollmann: o Ac-
tual Conselheiro Privado de Legaçaõ Ancillon; o Conse-
lheiro de Estado Von Rediger: o Conselheiro Privado
de Justiça, Professor Von Savigny ; o Conselherio Privado
de Legaçaõ Eichorn; o Membro das Provincias do Rheno,
que tiver de entrar no Conselho de Estado.
A Commissaõ se occupará primeiramente com a asso-
ciação de seus Membros dos naturaes das Provincias; os
seus trabalhos seraõ communicados ao Conselho de Esta-
do; e as medidas propostas me seraõ por elle communi-
cadas; sobre o que darei os demais passos, que julgar
necessários.

(Assignado) FREDERICO GUILHERME.

Ao Conselho de Estado.

Resumo do Edicto de 20 de Março, pelo qual se nomea o


Conselho de Estado.

O Conselho de Estado convocado he o mais condecorado


corpo deliberativo; com tudo naõ tem parte na Adminis-
tração. Da sua competência saõ os principios que se
devem seguir na Administração; consequentemente; lhe
competem.
I o . Todas as leys e regulamentos constitucionaes e
administrativos ; planos relativos a objectos de Adminis-
tração, e porque se possam mudar os principios da Admi-
368 Politica.
nistraçaõ; e consultas relativas ás medidas geraes de
administração, no que naõ podem entrar constitucional-
mente os corpos ministeriaes: de maneira que, todas as
proposiçoens para revogação, mudança ou declaração
authentica das leys e instituiçoens existentes, devem ser
por seu meio apresentadas á nossa sancçaõ. A influencia
dos futuros Representantes da Naçaõ, na legislação será
fixada com maior precisão no Documento Constitucional,
que se ha de formar em conseqüência do nosso Edicto de
2 8 de Maio de 1815.
2°. As matérias, que, por disposiçoens legaes ja exis-
tentes, pertencem ao Conselho de Estado.
3 o . Todos os negócios que nós, em casos individuaes,
referirmos ao Conselho de Estado; e, mais particularmente,
as queixas de nossos vassallos, contra as determinaçoens
dos Ministros.
Os negócios estrangeiros seraõ apresentados ao Con-
selho de Estado, somente em casos particulares de
importância.

Membros do Conselho de Estado.


Io. Os Officiaes de Estado, que em virtude de seu
cargo tem direito a serem membros do Conselho de
Estado. O Chanceller de Estado Principe Von Harden-
berg, Presidente; Feld-Marechal Conde Von Kalckreut;
Feld-Marechal Principe Blucher Von Wahlstatt. O Mi-
nistro de Estado e Justiça Von Kircheisen. O Ministro
de Estado e Finanças Conde Von Bulow. O Ministro de
Estado e do Interior Von Shuckmann. O Camarista
Mor, Ministro de Estado e Policia Principe VonWitt-
geinstein. O Ministro de Estado e da Guerra Major
General Von Boyen. O Ministro Secretario de Es-
tado Von Klewitz. O Correio Mor Von Seegebarth-
Politica. 369
O Chefe do Tribunal Supremo Von Grollmann. O Chefe
Presidente da Câmara Suprema de contes, Von Schla-
brendort. O Conselheiro Privado de Gabinete Albrecht.
O Coronel Von Witzleben, chefe official no Gabinete
Militar.
2°. Os sette Generaes Commandantes nas Provincias,
porém somente quando forem especialmente chamados.
3 o , Os officiaes de Estado, que, por confidencia parti-
cular, obtiverem assento e vóz como membros do Con-
selho de Estado. O Duque Carlos de Mecklenburg.
O Principe Radzivill. O Principe Putbus. O Conde
Von Goltz. O General Conde Gneisenau. O Ministro
de Estado Von Brockhausen. Von Beyme. Baraõ Von
Humboldt. General Knesebeck. Conde Lotturn. Bispo
Sack. Conde Spiegel. Os Senhores Hagemann; Groll-
man; Von Jordon ; Ancillon ; Von Scholer; Kamptz;
Ribbentrop; Nicolovius; Frieze; Ladenberg; Von
Diedrichs; Rother ; Maassen; Hoffmann ; Rehdger ;
Scharnweber; Von Beguelin, júnior; Von Dewitz;
Ferber; Eichhorn; Savigny.

Repartiçoens do Conselho de Estado.


I a . Negócios Estrangeiros: General Gneisenau; pri-
meiro na lista; &c.
2 a . Negócios Militares; General Gneisenau: &c.
3 a . Negócios de Justiça; o Ministro de Estado Von
Beyme, &c.
4a. Negócios de Finanças; Conde Lotturn, &c.
6a. Commercio; Mr. Von Klewitz; &c.
6 a . Negócios do Interior, Baraõ Von Altenstein, &c.
7». Religião e Educação, Mr. Von Klewitz, &c.

VOL. XVIII. No. 107. 3A


370
Politica.

ROMA.

Traducçaõ da Bulla contra as Sociedades Bíblicas,


expedida em 29 de Junho de 1816, pelo Papa Pio VII.
e dirigida ao Arcebispo de Gnesn, Primaz de Polônia.
TIUS P. P. VII.
Veneravel Irmaõ,-—Saúde e bençaõ apostólica. Na
ultima carta que vos escrevemos prometliamos dar, mui
certo, resposta á vossa, em que recorrieis a esta Sancta
See, em nome dos outros Bispos de Polônia, á cerca do
que chamam Sociedades Bíblicas; e mui solicitamente
nos perguntaveis o que devies fazer neste negocio. Muito
ha, na verdade, que desejávamos satisfazer ao vosso rogo;
mas a incrivel variedade de cousas de importância, que
nos tem vindo de toda a parte, ha-nos impossibilitado de
o fazer até o dia de hoje.
Na verdade nos tem horrorizado a invenção astuciosis-
sima cora que se pretende minar os próprios alicerces da
religião; e por ser este objecto de grande importância,
havemos ouvido em Conselho os nossos veneraveis irmaõs
Cardeaes da Sancta Igreja Romana, e com o maior cui-
dado e attençaõ, deliberado sobre as medidas próprias para
se adoptarem pela nossa authoridade Pontifícia, em ordem
a remediar e abolir esta peste o mais que for possi-
vel. No entanto, veneravel Irmaõ, vos congratulamos
de todo o coração, e muito vos louvamos no Senhor,
como he devido que façamos, pelo zelo singular que haveis
mostrado em circunstancias de tanto perigo para a Chris-
tandade; denunciando á Sancta See Apostólica esta cor-
rupção da fé tam eminentemente perigosa para as almas,
E posto saibamos que naõ he necessário encommendar
pressa a quem se afadiga, porquanto de vosso próprio
accordo haveis mostrado já um ardente desejo de descobrir
e desbaratar as grandes machinações destes innovadores;
Política. 371
todavia, por dever do nosso officio, vos exhortamos muito
e muito que, quanto puderdes obter pelo poder, prover
pelo conselho, e conseguir pela authoridade, executeis
logo e com a maior diligencia, pondo-vos como um muro
diante da Casa do Israel.
Com este propósito expedimos o presente Breve, a fim
de vos dar um testemunho assignalado da nossa approva-
çaõ do vosso excellente comportamento, e de excitar com
elle ainda o vosso pastoral cuidado e diligencia.
Porque o bem geral imperiosamente exige, que com-
bineis todos os vossos meios e energia para frustrar os
planos preparados pelos inimigos da nossa Satictissima
Religião apara destruirem. Pelo que he um dever Epis-
copal, que vós, primeiro que todos, exponhais a maldade
deste abominável projecto, como já tendes feito tam ad-
miravelmente, aos olhos de todos os fieis; e lhes patentieis,
segundo as regras prescriptas pela Igreja, com toda a
erudição e sabedoria que possuis; comvem a saber, " que
a Bíblia impressa por Hereges deve ser contada entre os
livros prohibidos, conforme as regras do Index; ( § N°. 2
e 3) pela experiência evidentemente ter mostrado que as
Sagradas Escripturas divulgadas na ijngoagem commum,
haõ, pela temeridade dos homens, produzido mais mal
doque bem." (Regra I V ) . E isto ainda he mais para
se temer em tempos taÕ depravados, em que a nossa
Sancta Religião se vê assaltada de todos os lados com
tantas astucias e esforços, de que a Igreja recebe gravíssi-
mos golpes,
He portanto necessário adherir ao salutifero Decreto da
Congregação do Index, (de 13 de Junho de 1757) em que
se ordena que se naõ permittam traducções da Bíblia nas
línguas vulgares, excepto as que saõ approvadaspela See
Apostólica, ou publicadas com notas tiradas dos escriptos
dos Sanctos Padres da Igreja.
3A 2
372 foiitxca.
Esperamos com toda a confiança que, nestas turbulen-
tas circumstancias, dem os Polacos evidentes provas do
seo apego á religião dos seos maiores. E pelo vosso cui-
dado, como pelo dos outros Prelados desse reyno em
defender tam maravilhosamente os depósitos da Fé nos
congratulamos no Senhor; certos de que todos haõ de
justificar sobejamente a opinião, que delles havemos for-
mado.
H e outrosi, necessário que nos envieis, logo que pu-
derdes, a Bíblia que Jacób Wuiek publicou na lingoa
Polaca com um commentario; assim como um exemplar
da ediçaõ, que ultimamente se publicou sem as notas
tiradas dos escriptos dos Sanctos Padres da Igreja ou de
outros Catholicos eruditos, aprovadas por nós: a fim de
que, conferindo-as ambas com madura indagação, venha-
mos a descobrir os erros que elle atraiçoadamente lhes
houver introduzido, e possamos proferir o nosso juizo
sobre este negocio para preservação da verdadeira fé.
Continuai, pois, veneravel Irmaõ, na carreira verda-
deiramente pia em que haveis entrado; pelejando com
zelo nas batalhas do Senhor pela sãa doutrina; e amoes-
tando o povo confiado ao vosso cuidado, que naõ caia nas
armadilhas que lhe preparam para sua eterna ruina. Isto
exige de vos a Igreja, assim como dos outros Bispos, para
quem este nosso rescripto se extende igualmente, e nos
o esperamos anxiosos: sendo a profunda dor que senti-
mos, por motivo desta nova espécie de cizânia, que um
adversário tem semeado em tanta abundância, algum tanto
aleviada por esta doce esperança. E nós sempre invo-
caremos de todo o coração as bençaõs mais especiaes para
vos, e para os vossos irmãos Bispos, a bem do rebanho do
Senhor, e as quaes repartimos com vosco, e com elles pela
nossa bençaõ Apostólica,
Politica. 373

Dada em Roma, em Sta. Maria Maior, aos 29 de


Junho, de 1816, e anno 17°. do nosso Pontificado.

(Assignado.) P I U S P . P . VIL

RÚSSIA.

Extracto do Ukase do Imperador, de 13 de Fevereiro,


de 1817 ; sobre os viajantes estrangeiros.
ART. 1. Todos o» viajantes, vindos de Paizes Estran-
geiros, devem, para poder entrar nas fronteiras deste
Império, vir munidos de passaportes de nossos Ministros
ou Agentes, junetos ás cortes dos referidos paizes. Para
este eífeilo seraõ dadas a estes Ministros e Agentes as
instrucçoens necessárias.
2. Quando os viajantes cheguem de cidades ou lu-
gares aonde naõ hajam nem ministros nem cônsules,
deverão apresentar nas fronteiras passaportes dos gover-
nadores ou commandantes desses lugares. Os passaportes
dados por Magistrados, Commissarios, ou por outra
classe de pessoas naõ seraõ admittidos.
3. Pelo que respeita os vassallos Russos, que tem
recebido passaportes para se auzentárem por certo espaço
de tempo, poderão entrar nas fronteiras com os mesmos
passaportes, sem a menor difficuldade.
Os referidos regulamentos estendem-se a todos os
portos e viajantes. Quanto aos capitaens de navios e suas
equipagens, ficará tudo debaixo das bazes antigas.
O presente Ukase será posto em execução, com os
paizes vizinhos daqui a dous mezes, e com os distantes
daqui a quatro, contados do dia, em que este Ukase
tem sido publicado; até naõ passarem estes termos ficará
tudo como dantes éra,
[ 374 ]

COMMERCIO E ARTES

PAIZES-BAIXOS.

Decreto sobre a nomenclatura dos pezos e medidas'

N,
i-^l OS Guilherme pela graça de Deus Rey dos Paizes-
Baixos, Principe de Orange, Nassau, Gram Duque de
Luxemburg, &c.
Desejando proceder á execução do que está prescripto
pelo artigo 17 da ley de 21 de Agosto, próximo passado,
relativamente aos nomes de cada medida e pezo, e as suas
multiplicaçoens e subdivisoens. Tomando em conside-
ração que as dietas medidas e pezos saõ ja conhecidas, em
todas as provincias do Sul, por nomes systematicos; e que
consequentemente a exposição destes nomes systematicos
tenderá a fazer com que os habitantes dessas provincias fiqu
em melhor informados e entendam melhor as medidas e
pezos do que se entendem pelos novos nomes. Ouvindo o
relatório do nosso Ministro dos Negócios do Interior, e o
Conselho de Estado. Achamos que os nomes abaixo
especificados eram próprios para serem adoptados e con-
firmados para as novas medidas e pezos; assim como
para as suas divisoens e múltiplos; e para serem em-
pregados na introducçaõ do novo systema; sendo os
nomes systematicos unicamente addictos no presente
decreto, para explicação.
Art. 1. Na conformidade da ley de 21 de Agosto de
1815, o nome de Eli he adoptado para a mesma unidade
de medidas de comprimento, que, segundo o artigo 6
Commercio e Artes. 375
foi descripta e conhecida debaixo do nome systematico
de Metre.
2. Os nomes das sub-divisoens do Eli saõ: —
Palm, para a décima parte (decimetre).
Duim, (polegada) para a centecima parte (decimetre).
Streep (linha) para a milésima parte (millemetre)
3. Para os múltiplos do Eli: —
Roed (vara) para dez vezes o Eli (decometre)
Mijle (milha) para mil vezes o Eli (milometre)
4. O nome de vierkante ell, para o fundamento das
medidas de superfície.
5. Para os quadrados das subdiviçoens do ell.
Vierkante palm (palmo quadrado) para o quadrado do
décimo.
Vierkante duim (polegada quadrada) para o quadrado
da centecima parte.
Vierkante streep (linha quadrada) para o quadrado da
milésima parte.
6. Para os quadrados dos múltiplos do Ell.
Vierkante Roed (vara quadrada) para o quadrado do
quádruplo do ell.
Burder, para o quadrado do decuplo do roede, ou do
ell, que he igual a dez mil ell quadrados (o systematico
hectare).
7. O termo kubicke elle, para o cubo do ell, como
fundamento de todas as medidas de capacidade em
grosso. Cstere ou metre cúbico.)
8. Para o cubo das subdivisoens do ell.
Kubicke palm, para o décimo.
Kubicke duim (polegada cúbica) para o centecimo
do ell.
Kubicke streep (linha cúbica) para o milésimo do ell.
9. O termo Wisse, para uma carga de lenha de um
ell de comprimento, um ell de altura, e um ell de largura.
376 Commercio e Artes.
10. O termo kan (canada) para a unidade da medi-
a dos líquidos: o cubo do palm (litre)
11. O termo Moatze (medida) para a décima parto
do kan (decilitre). E Vingeroed (dedal) para a centé-
sima parte (centilitre).
12. O termo Vat (casco) para o centuplo do kan
(hecto litre).
13. O termo kop (copo) para a unidade da medida
de seco, sendo o cubo de palm (litre).
14. Maatei (pequena medida) para o décimo do kop
(decilitro).
15. Schepel (alqueire) para o decuplo, e
Mudde (Moio) para o centuplo do kop (decilitre)
O nome de Zack (saco) se naõ dará a outra quanti-
dade alem de cem kops, ou o mudde.
Last, para a quantidade de tres mil kops, ou trinta
muddes.
16. O nome de Pond (libra) conforme o artigo 15,
da sobredicta ley, he dada ao pezo da quantidade de
água pura destilada, que pode, no estado de compressão,
ser contida no cubo do quadrado do palm (kilogramme).
17. Ons (conça) para a décima parte do pond.
Lood, para a centecima parte.
Wigtje, para a mililesima parte fgramme).
Korrel (graõ) para a décima milésima parte.
Este decreto será impresso na Gazeta official.

Dado em Bruxellas aos 29 de Março de 1817.


(Assignado) GUILHERME,

Por ordem de S. M.
(Assignado) A. L. FALCE*
Commercio e Artes. 37 7

Haya 10 de Abril, 1817.


" O Director-Geral dos Comboys e Licenças informa,
por esta, aos negociantes e donos de navios; que, em
virtude do artigo 206 da ley de 3 de Outubro, de 1816; e,
em conseqüência de varias decisoens sobre a matéria; os
vasos estrangeiros, que navegarem com as seguintes ban-
deiras; a saber,Americanos, Inglezes,Dinamarquezes,os de
Frizia Oriental, Hamburguezes, Bremezes, Lubeckezes,
Mecklenburguezes, Oldenburguezes, Russianos, Portu-
guezes, Hespanhoes, Hannoverianos, Austríacos, e também
os de Syria, nos quaes se incluem os de Alepo, a Alexan-
dretta,saõprovisionalmente postos no mesmo pé, a respeito
dos direitos de tonelada, dos vasos nocionaes.

(Assignado) J. WICKERS.

SUÉCIA.

Resumo da proclamaçaõ Real em que se prohibe a


importação de certos artigos.

Sockholmo 3 de Abril, de 1817.


Nós Carlos, &c. declaramos pelas presentes que, naõ
podendo nós em nosso cuidado pelo bem de nossos fieis
vassallos, deixar de minorar as despezas, que inevitavel-
mente oceasiona a falta de letras de cambio, nos recursos
actuaes do Reyno,e que enfraqueceria as medidas particu-
lares ja adoptadas com o desejado successo ; querendo para
esse fim prohibir a importação de certas mercadorias es-
trangeiras desnecessárias, em ordem a fazer abater o curso
do cambio, que tem subido além de toda a proporção, e cuja
perniciosa influencia nas finanças do Reyno e industria
interna tem sido importante objecto de nossas apprehen-
VOL. XVIII. No. 107. 3B
378 Commercio e Artes,

soens e da de cidadãos bem dispostos ao Estado: fomos


por isto motivados a prohibir a importação de Cerveja e
revogar pelo presente a liberdade de importar Arrack, que
se concedeo na nossa ordenação de 20 de Março do anno
próximo passado; assim como das fazendas d'algudaõ e
musselinas brancas e chaâs, exceptuando porém as fazen-
das d'algudaõ importadas directamente das índias Orientaes
em navios Suecos ; que também cesse a importação de
todos os vinhos, permittidos pela sobredicta ordenação, á
excepçaõ das qualidades que servem para o uso das Igrejas;
e isto até que, em periodo futuro, e junctamente com
outros regulamentos contra o luxo e extravagância, formos
benignamente servidos determinar, até que ponto esta pro-
hibiçaõ se possa limitar a certos vinhos, cujo uso será
entaõ prohibido, &c,
Dahi segue a proclamaçaõ estabelecendo as penas, impos-
tas aos transgressores; e regulamentos sobre as fazendas
prohibidas,que ja estivessem encommendadas, e que se po-
derão admittir a deposito nos armazéns, debaixo da condi-
ção de serem reexportadas até o fim do anno, a menos que
se naÕ concedam excepçoens, a respeito de algumas qua-
lidades de vinho &c. Deve observar-se, que a importação
da cachaça, ou aguardente de canna, assim como das fa-
zendas brancas listadas, e de todas as de algudaõ pintadas,
éra prohibida antes.

—t^^Èíí*-
[ 379 ]
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LONDRES, 25 de Abril, de 1817.
Quanti- _ , , Direitos.
Gêneros. Qualidade. dade. P r c S ° d e '|
fRedondo . 112 lib. õOs. Op. ÍIOS. Opr>
Assucar - A Batido 44s. Op. 47s. Op.
(jVíascavado . 37s. Op. 12 . Op. .Livre de direitos
Arroz .Brazil nenhum. Os. Op. por exportação.
Caffe . . .Rio 66s. Op. 71s. Op.
Cacao . . .Paia . . Í8s. Op. 52s. Op.-
Cebo . .Rio da Prata 57s. Op. 58s. Op. Ss. Sp. por 1121b
Pernambuco libra -a. Op. 2s. IP"!

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IP ',
Ceará. ls. l l * p ls.
ls. l l p . ls. 7p. por lb.
Bahia. .
Algodão Maranhão ls. l l p . Is. j . y vlOO em navio
Pará . . . ls. IOp. l s lOJp 1 _ P o T* n S u e z w

Minas novas Iriglez.

Anil
Capitania
.Rio Ss. Op
J
fip. 4jp. por lb.
Ipecacuanha Brazil. 10». 6p lis. 6p. 3s. 6fp.
Salsa Partilha Pará 4s. Op 4s. 6p. l s . 2|D.
Óleo de cupaiba . . . . Ss. Op 8s, 8p. 1*. l l | p -
Tapicca. .Brazil Os. 8p IOp. 4p.
Ourocu. . . 3s. 9p 4s. Op. direitos pagos pelo
comprador.
í em rolo 3p. 4 p. > Livre de direitos
Tabaco \ em folha . , f por exportação.
CA 8Jp 8|p.Í
Rio da Prata, pilha^ B 74p, 'IP* ,
6íp.
lc Hp-
64p. I 9Jp. por couro
7Íp. Vem navio Portu-
Rio Grande
•íl
Pernambuco, salgados
6*p.
5ÍP
8
ÍP
6 | p . I goez ou Inglez.
Hp.\
Hp.J
l_Rio Grande, de cavallo Couro 4s. 6p 5s. 6p.
Chifres.. . .Rio Grande 123 40s. 6p. 5s. CJp. por 100.
Pao Brazil . .Pernambuco Tonelada 37s. 6p 1201. 1 direitos pagos
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Peças de 6400 reis
Dobroens Hespanhoes
Pezos . dictos
Prata em barra
Câmbios,
3 19
3 16
0 5
0 5
11
HJ
por onça.

R» de Janeiro . 59 Hamburgo . 85 10
Lisboa 57 Cadiz. 3.5
Porto. . 57; Gibraltar 31*
Paris , . 25 20 Gênova 44$-
Anuterdam. 11 19 Malta. 46
Prêmios de Seguros.
Brazil Hida 2 Guineos Vinda a 2Í Guineos.
Lisboa a l\
Porto a li
Madeira a 1#
Adores a 2±
Rio da Prata a 4±
Bengala a 4
3B2
[ 380 ]

LITERATURA E SCIENCIAS,

NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.

JoELLS' Surgical Observations, Part 3. 8 vo . preço Cs,


Observaçoens Cirúrgicas de Bell; Parte 3 a . Por Carlos
Bell Cirurgião do Hospital de Middlesex. Contem; 1.
Relatório das moléstias pulmonares, que tem connexaõ
eom queixas cirúrgicas: 2. Casos de artérias feridas &c.
3 . De amputação em feridas, a que se seguio tnor-
tificaçaõ: 4. De amputação em conseqüência de feridas,
causadas por machinas: 5. Fracturas compostas, com-
paradas com fracturas causadas por tiros de chumbo: 6.
Amputação em casos de fracturas causadas por tiros de
espingarda com chumbo, depois de se estabelecer a su-
puraçaõ; com uma noticia dos Francezes feridos em Wa-
terloo : 7 Discussão da questão da amputação no principios
da moléstia: 8 Do banho do ácido nitro-muriatico; em cer-
tos casos obscuros de Syphilis. Tudo illustrado com es-
tampas.

Ewing on the Harveian Doctrine, 12 m o . preço 6s.


Observaçoens sobre a Doutrina Harveina da circulação
do sangue; em resposta ao que ultimamente representou
George Kerr, Esc. Por A. Ewing M. D. Membro
da Real sociedade Phisica de Edingurgo.

Shilliber,s Voyage to Pitcairrís Island 8vo. preço,


8s. 6d. Narrativa da viagem do navio Briton á ilhaPitcairn
Literatura e Sciencias. 381

Pelo Tenente Shillibeer, da Marinha Real. Com 16 es-


tampas, pelo author, tiradas de desenhos feitos naquelle
lugar.

Ewimfs Geography, 12"*° preço 4s. 6d. e com nove


mappas 6s. 6d. Systema de Geographia, para uso das
escholas e estudantes particulares: por novo e fácil plano;
em que se referem os limites Europeos, conforme o es-
tabelecido pelo tractado de Paris e Congresso de Vienna;
com uma noticia do systema solar, e variedade de proble-
mas, que se podem resolver pelos globos celeste e ter-
restre. Por Thomaz Ewing. Mestre de Inglez, Geo-
graphia e Historia em Edinburgo, e author dos principios
de Elocucaõ.

Manuscrit venu de St. Helene, aVune maniere inconue


8V0. preço 7s. 6d.
Esta obra foi dada ao livreiro, que a publicou, com a
segurança de que tinha vindo de Sancta Helena, ainda que
se aflectou um ar de mysterio, quanto ao modo porque
ella de lá foi trazida. Contem factos e circumstancias
particulares da vida publica e particular de Bonaparte,
mui interessantes á historia da revolução actual daEuropa.
He matéria de conjectura, se quem escreveo esta obra foi
o mesmo Bonaparte, ou algum amigo seu confidente;
porém o estylo, e a maneira de narrar, saõ sem duvida
mui similhantes aos escriptos de Bonaparte. A obra he
uraa apologia; ou justificação de suas acçoens, explicando
os seus motivos particulares, em varias de suas medidas,
durante o tempo que governou em França.

Outlines of Geologyr preço 7s. 6d. Esboços de Geo-


logia; ou resumo de um curso de liçoens explicadas na
382 Literatura e Sciencias.
Instituição Real de Gram Bretanha; por Guilherme
Thomaz Brande, Secretario da Sociedade Real; Professor
de Chimica, &c.

Álgebra of the Hindus; 4*°. preço 31. 3s. Álgebra


dos Hindus, com Arithmetica e Mensuraçaõ; traduzida
da lingua Sanscrit, por H . T. Colebrooke, Esc.

AnEssay ort the variation qf the Compass; 8V0.


preço 61. com um mappa. Ensaio sobre a variação da
agulha; mostrando quanto nisso influe a mudança de
direcçaõ da proa do navio; com a exposição dos perigos
que resultam aos navegantes de naõ tomarem em consi-
deração esta mudança de variação; e observaçoens, e
notas practicas. Por Guilherme Bain, Mestre na Marinha
Real.

The History of the University qf Edinburg; 2 vol.


V
8 °. preço 24s. Historia da Universidade de Edinburgo,
compilada principalmente de Papeis a documentos Origi-
naes. Por Alexandre Bower.

Mylins* History of England; 12 m 0 . prepo 5s. 6d.—•


Historia abreviada da Inglaterra, destinada paincipalmente
ao uso dos Seminários Catholicos. Por Guilherme
Frederico Mylins: da Academia de Bornheim-House, em
Carshalton

Craufurds' Researches on índia: 2 vol. 8"°. preço 18s


Indagaçoens relativas ás leys, theologia, sciencias e com-
mercio da índia antiga e moderna. Por G. Craufurd, Esc.
Canine Pathology; 8 v o . preço 7s. 6d. Pathologia Can-
na, ou descripçaõ das moléstias dos cáens, suas causas,
Literatura e Sciencias. 383

symptomas, methodo curativo; tudo deduzido da practica


curativa do Author, em 20 annos de experiência; e com
numerosas observaçoens sobre o tractamento geral destes
animaes; precedidas de um capitulo introductorio, sobre
as qualidades moraes dos caens. Por Delabere Blaine.

Good's Nosology. 8 v o . preço 16s, Systema Phisiolo-


gico de Nosologia, com a nomenclatura correcta e sim-
plificada. Destinado a servir de guia practica aos estu-
dantes : livro dos textos para as liçoens: e um appendiz
aos systemas da Natureza. Illustrado com uma disser-
tação preliminar, e commentarios seguidos. Por Joaõ
Mason Good. F . R. S. &c. & c

Extracto do CONSEHVADOR I M P A R C I A L ; jornal de S.


Petersburgo,
Obseroaqoens sobre os verdadeiros interesses da Europa.
Temos agora paz geral. As relaçoens nacionaes, entre os
Estados Europeos, estaõ consolidadas, sobre as bazes de
tractados, e sobre os fundamentos, ainda mais sólidos, da
natureza das cousas. Comtudo, quem tal creria ?, a pezar
da consoladora realidade deste inegável facto, ha espíritos in-
quietos, que persistem em temer a guerra, e outros em a
esperar e em a predizer, i He porque este estado de tranquil-
lidade lhes parece demasiado extraordinário, que elles duvi-
dam de sua duração ? ou i sonham elles com algum melhora-
mento das cousas, em seu estado actual, que se possa obter
deploravelmente por novas commoçoens ?
Porém, a mais superficial consideração das existentes
transacçoens entre todas as Potências da Europa; e dos
grandes acontecimentos, que prepararam estes actos; e final-
mente da situação moral, em que estes acontecimentos tem
384 Literatura e Sciencias.
posto cada um dos Estados, será bastante para "formar com
facilidade uma idea do presente, e deduzir dahi a certeza de
um futuro, favorável aos progressos da ordem geral, e da
prosperidade real das naçoens.
Ajunctaremos aqui as observaçoens, que produziram em
nosso espirito uma plena convicção desta verdade.
O recesso* de 8 de Junho de 1815 ; resultado das nego-
ciaçoens de Congresso de Vienna, e os catos subsequentes
assignados em Paris no mesmo anno, constituem a baze da
re-construcçaÕ do systema Europeo.
Todas as Potências, que assignâram estes actos, saõ
obrigadas a respeitar e manter a sua inviolabilidade.
Este compacto, ainda que mais solemne e mais geral do
que todos os do mesmo gênero, contractados em outros pe-
ríodos, pareceram também exigir uma garantia adaptada às
combinaçoens sem exemplo de uma éra (nova para todas as
naçoens) pofiticia, religiosa, e moral.
Esta garantia, que em vaõ se teria buscado nos meios or-
dinários, se apresentou espontaneamente. Resultou do acor-
do e consentimento dos principaes Monarchas; obteve os
votos unanimes de todos os Governos, que tiveram anxiosos
desejos de serem nisso compartes.
O acto t de 14 (25) de Septembro de 1815, poz o sêllo a
todas as estipulaçoens precedentes: deo ao edificio da paci-
ficação geral um ponto de apoio, independente de todos os
interesses, e além do alcance de todo o ataque.
D e facto, naõ hesitamos em declarar, que os annaes da
Diplomacia naõ offerecem acto algum, que se possa compa-
rar com elle.
Ali existem precisamente os motivos de confiança, que elle

* Isto se refere ao Acto da Confederação Alemaã, qoe vem no Carreio Bra-


siliense, Vol. XV. pag. 24.
+ Isto allude á aliiança, que passa pelo nome da Sancta Alliati^a; cujo trac-
tado se pôde ver no Correio Brasiliense, Vol. XVI, page 134.
Literatura e Sciencias. 385
deve excitar nos amigos da ordem; visto que a historia do
mundo, igualmente naõ apresenta periodo algum, que se possa
comparar com aquelle em que nós vivemos.
Desafiamos que se mencione um tractado qualquer, resul-
tado de negociaçoens de Congressos anteriores : todos elles,
sem exceptuav os actos do de Westphalia, puzéram fim ás
guerras, que se tinham feito gsraes por nenhuma outra causa
senaõ pela nociva preponderância dos interesses particulares
de certos gabinetes.
He bem differente o caso do recesso (o tractado geral) de
Vienna, e os últimos tractados de Paris. Estes terminaram
uma guerra geral, feita pelo interesse directo e commum de
todas as Potências; interesse, que a paternal sabedoria dos
Soberanos achou meios de fazer nacional.
Sendo, o principio destas novas combinaçoens, que asse
guram a tranquillidade das naçoens, tam differente daquelles
que produziram as phases anteriores na ordem politica ; naõ
deveremos inferir daqui, que as conseqüências deste principio
seraõ igualmente differentes ? cm uma palavra £ que uma
causa motora melhor, produzirá melhores effeitos ?
A liçaõ, que deo a Revolução; ou para melhor dizer
aquelle que a decretou em seus conselhos, foi importante e
útil. Dirige-se aos Governos assim como ás Naçoens. Tem
mostrado a uns a extençaõ de seus deveres, e os elementos
de que se compõem o seu poder. Tem ensinado o povo,
por meio de uma experiência de séculos, traçada em cha-
racteres de sangue, no breve espaço de 25 annos de desas-
tres, quaes saõ os immoveis limites além dos quaes em vaõ
se procuraria a gloria e a felicidade.
Se tal he a situação moral, em que estaõ postos os Estados,
e sobre que se fundamentam as suas novas relaçoens politicas,
* como se pôde suppôr que elles tenham vontade,nem mesmo
o poder de as derribar ou destruir, com as vistas de estabe.
lecer outras, e fazerem-se conquistadores, perturbando a
ordem de cousas, que tem trabalhado por crear e consolidar?
VOL. XVIII. N o . 107, 3 c
386 Literatura e Sciencias.

H a duas barreiras, igualmente insuperáveis, que se oppóem


a toda a ambição dirigida a este objecto. A primeira he a
da honra, que anda annexa a fe dos tractados. A segunda he
a que resulta da força unida de todos os Estados, que naõ
concurrerem em tam insensatos planos do Govemo ao-oressor
Talvez alguém queira duvidar da uniaÕ de suas forças. A
identidade de interesse a faria inevitável. E este interesse he
a preservação da paz, tam necessária aos Governos, para se-
gurarem os seus direitos, e remediarem o estado exhausto de
seus recursos; como necessário ás naçoens, para darem es-
tabilidade ás suas instituiçoens, e apagar os profundos traços
de suas calamidades.
Segundo este fiel esboço do estado das cousas, naõ ha
razaÕ para duvidar de quam sagrados sejam os tractados : a
honra, e a mesma certeza de um prompto e final bom successo
produziriam, no caso de infracçaõ da ordem estabelecida,
aquella simultânea uniaõ de força, cuja mera appariçaõ seria
sufficiente para paralyzar todos os projectos hostis à paz.
Nesta exposição da força protectora da paz, consiste a
aliiança geral dos Estados da Europa. H e consagrada pelos
tractados existentes, pela situação moral das partes contrac-
tantes, pela mesma natureza de seus legitimos intereses, li-
gados uns aos outros por meio de sua fusaõ em um só, posi-
tivo, e universal código de direito.
P e l o contrario, qualquer aliiança, que se origine em temor
ou vistas ambiciosas, até nem he practicavel. Estaria em
contradicçaõ com o espirito do século, com a fé dos tracta-
dos, e tam invalida em sua essência como em seus effeitos.
P a r a fazer esta verdade mais palpável, naõ hesitemos em
examinar aquella aliiança hypothetica, em todos os pontos de
vista, em que ella se pôde apresentar ao observador.
Considerada como um meio defensivo, nunca pôde ser tam
efficaz como uma aliiança geral, que tem sido formada espon-
taneamente, para assim dizer, entre todos os Estados.
Se se olhar para ella como um meio offensivo, he claro
Literatura e Sciencias: 387

que ella naõ produz uma combinação de força capaz, de sus-


ter a contenda e de conquistar os Estados, que entrarem na
peleja com ella, accompanhados dos bons desejos de todas
as naçoens, e das bençaõs do Céo.
Uns pelajaríam para o fim de submetter outra vez o mundo
ao jugo do mais forte, debaixo da influencia de sua má fé e
inimoralidade. Os outros pelejariam para manter a sagrada
inviolabilidade dos mais solemnes pactos.
O triumpho desta ultima aliiança, pois, seria juncto á inde-
pendência dos Estados, e prosperidade das naçoens. A ex-
periência do passado, para u n s ; e o instincto da existência
feliz, para outros, fortaleceriam em todos os casos uma causa
tam sagrada, a tal ponto, que a fariam invencível.
Depois de ter dade a estas observaçoens o character de
evidencia; he importante naõ omittir aqui uma das vantagens
esseiiciaes do systema de cohesao de interesses, e reciproci-
dade de deveres, que prevalece agora na E u r o p a ; e que naõ
he a obra da vontade dos homens, mas sim o effeito de acon-
tecimentos suecedidos por vontade da Divina Providencia.
He esta *.—He verdade que as grandes Potências exercitam
certa preponderância sobre os Estados da segunda e terceira
ordem; mas esta preponderância lie saudável. N a õ he exer-
citada de outra maneira senaõ collectivamente, segundo as
formas deliberativas ; e consideraçoens fundadas no teor dos
tractados. Naõ he de natureza a augmentar o poder do mais
forte; e a diminuir a independência do fraco ; nem isso pôde
vir a ser assim ; porque este gênero de ascendência nunca
está sem um Moderador. N a õ se ameaça a dignidade de
nenhum Estado ; porque nada authoriza a appellaçaõ para o
direito do mais forte.
Mui differente seria com um systema, que devesse a sua
existência á politica exclusiva deste ou daquelle gabinete. O
seu primeiro effeito teria sido reduzir os pequenos Estados á
escravidão dos grandes, e associallos pela compulsão a seus
3c2
™8 Literatura e Sciencias.
destinos. Entaõ testemunharíamos nós a repetição das ca-
tastrophes, mil vezes reiteradas, que estaõ registradas em
cada pagina da historia.
Os desastres dos grandes Estados envolveriam, na sua
queda, os pequenos. Os seus bons suecessos, naõ menos
nocivos do que aquelles, aggravaríam o pezo de sua servidão

Essai sur quatre grandes questions politiques.


O author deste folheto he Mr. Scheffer, que publicou
naõ ha muito, outro opusculo intitulado Tableau polilique
de l'Allcmagne.
Propôem-se Mr. Scheffer, no folheto que annunciamos, a
responder a outro de Mr. de Salvandi, intitulado La France
et Ia coalifion, e concordam ambos na justiça e conveniência
que ha, em se revolver o povo Francez a emancipar-se da
dominação estrangeira a que actualmente esta sugeita a Franca*
Disputa porem Mr. Scheffer a propriedade dos meios, que
suggere Mr. de Salvandi, para obter aquelle fim.
Depois de tractar a primeira das quatro questoens; " a
impossibilidade de sugeilar à escravidão unia grande naçaõ,"
passa Mr. Seheffer à segunda, que resulta da opinião ex-
posta por Mr. de Salvandi, sobre os recursos de que a Fiança
se pode servir, tirados de um systema de politica estrangeira,
que tenha por objecto segurar a aliiança de certos Estados,
contra aquelles, que ameaçam immediatamente a sua inde-
pendência.
Esta segunda questão he ; " ,* que auxilio estrangeiro pôde
a Frauça, esperar, no caso de uma violação de sua integri-
dade s" Mr Scheffer expõem aqui o erro dos systemas, que
suggere Mr. de Salvandi, unidos, como agora estaÕ, todos
os Príncipes da Europa, naõ contra a França como Estado,
mas contra a naçaõ Franceza como povo; e recommenda
que o povo, em vez de olhar para taes meios de soccorro,
fortifique a sua uniaõ e amor da liberdade, e trabalhe por
obter assim a cooperação do povo de outros Estados; povo
Literatura e Sciencias. 389
offendido. e cujas esperanças se frustraram como as delles;
e naõ esperar a cooperação de seus Governos, que tem um
interesse commum em manter a França, bem como os res-
pectivos subditos delles, no Estado de humiliaçaõ em que
todos se acham.
Daqui segue o Author a considerar a terceira questão;
" i quaes saõ os meios de formar uma ccaliçaõ entre as na-
çoens f" Coaliçaõ similhante á que existe entre os Princi-
pes. Acha elle os elementos desta coaliçaõ em certo senti-
mento commum a toda a Europa; sentimento, que se tem
levantado depois da revolução Franceza, e que elle chama
" a opinião publica Europea," a fim de promover esta opi-
nião, que pôde ser de tanto serviço & Franca. Mr. Scheffer,
alludindo a Mr. de Salvandi, recommenda aos escriptores
políticos daquelle paiz, que se abstenham de aprazer-se em
lembranças e expressoens, que, sendo offensivas a outras na-
çoens,devemtendera irritallas e incendiallas contra a Franca.
" Assim," diz elle, " se o vosso fim he contribuir para a
conciliação das naçoens, acautellai-vos de trazer-lhes á
lembrança as victorias de Buonaparte e de seus generaes,
como outros tantos objectos de orgulho para a naçaõ Fran-
ceza, e como outros tantos objectos de abatimento para as
outras naçoens; pelo contrario lembrai-lhes, que estas victo-
rias, forjando grilhoens para as outras naçoens, apertaram
mais os da mesma França; que ellas trouxeram sohre a
França, OB seus males presentes, e que se a artilheria Prus-
siana se assestou, em tempo de paz, contra o Louvre, foi
porque a artilheria Prussiana igualmente se assestou contra
o palácio Real de Berlin. Acautellai-vos de repetir, que a
França deo leys a tantas naçoens Estabeleça-se
a regia de que se naõ devem confundir as naçoens com os
seus Governos; lembre-se que foi a Inglaterra quem estabe-
leceo primeiro aquelles principios de Governo, que as outras
naçoens agora proclamam que ella effectuou mais do que
nenhuma outra para os progressos da civilização e conheci-
390 Literatura e Sciencias.
tnentos; longe de desejar a sua queda, deve a sua prosperi-
dade e felicidade ser o objecto de vossos desejos: reconheça-
se que a Inglaterra, destinada pela natureza a ser uma naçaõ
maritima, de necessidade precisava de tal superioridade, que
a segurasse de invasão e conquista, da parte de qualquer
vizinho continental."
Tendo Mr. Scheffer descripto os sentimentos que os Fran-
cezes devem entreter a respeito de outras naçoens, a fim de
conciliar a sua boa vontade, e obter o seu auxilio, examina
a quarta e ultima questão," que meios de defeza pôde a
França esperar dentro em si mesma ?" Exércitos em pé naõ
os tem. Taes exércitos fôram impotentes contra a França,
quando ella se levantou em massa, em defeza de sua inde-
pendência. Elles fôram ao depois impotentes em sua defeza,
quando as naçoens da Europa se levantaram, em seu turno,
contra o jugo que ella lhes tinha imposto. Um exercito
Erancez regular faria também igualmente pouco, contra os
outros exércitos regulares da Europa. Uma guarda nacio-
nal somente; uma guarda composta de cidadãos, naÕ de
soldados, podia esperar o libertar a Franca, no caso do que
ella a appellasse para as armas.
" Um exercito assim composto" diz o Author, " he feliz-
mente so próprio para defensa, e naÕ para os fins de aggres--
saÕ. ; Que Potência se aventuraria a atacar uma naçaÕ
cujos cidadãos estivessem armados em defeza de sua indepen-
dência ? Porém a opinião publica somente, e as sólidas in-
stituiçoens, saÕ quem podem crear tal força em França.
Quando a opinião publica tiver chegado a este ponto, a
naçaõ Franceza será objecto de estimação e respeito para
com as outras naçoens da Europa; ella terá somente de
contender com os mercenários dos exércitos regulares de
Príncipes, e a sua emancipação será certa."
Segundo Mr- Scheffer a França deverá a sua salvação á
sua prudência e energia, juncto com a opinião publica da
Europa, a que elle a Iludira antes..
Literatura e Sciencias. 391

ECONOMIA P O L Í T I C A D E M H . SIMOJÍDE.

(Continuada de p. 152.)
CAPITULO VII.

Do Balanço das Importaçoens e Exportaçoens.


Atéqui examinámos successivamente as varias espécies de
propriedade, que constituem a riqueza dos homens e das na-
çoens : os capitães fixos, que saÕ quasi todos immoveis ; os
capitas circulantes, que saõ moveis appropriados ao uso e con-
sumo dos homens; o numerário; e os créditos, ou o capital
immaterial. Toda a riqueza do mundo, e tudo o que puder
ser objecto de commercio ou de permutaçaõ ha de entrar in-
falivelmeute n'uma destas quatro classes. No restante deste
primeiro livro tractaiemos, das trocas destes capitães, e do mo-
vimento que lhes imprime o commercio.
A primeira circulação de riquezas, que chama a nossa at-
tençaõ he a que tem logar entre um Estado e os seos vizinhos.
Naõ porque seja realmente a mais importante; mas porque
uma seita de políticos numerosa e acreditada, olha o com-
mercio exterior como a única fonte de riqueza para uma
naçaõ; e o calculo da balança do commercio como o mais
importante de todos aquelles a que os seos administradores se
podem applicar.
Para levarmos ordem no seu exame discutiremos, successi-
vamente, a igualdade numérica que existe sempre entre dous
valores trocados, seja pelos particulares, ou pelas naçoens ; o
modo porque se salda o balanço que as trocas de mercadorias
deixam desigual, por créditos, e naÕ em numerário; as diffi-
culdades annexas ao calculo da balança do commercio ; e em
nm, a influencia que sobre ella tem a guerra, e as despezas
do Govemo fora do paiz.
Jamais se conclue troca ou venda senaõ por aquelle preço
que ambos os contractantes assentam que lhe faz conta; re-
392 Literatura e sciencias.
putam-se portanto iguaes os dous valores dados um pelo outro,
O comprador naõ daria o seo dinheiro pela mercadoria, se naõ
julgasse que para elle valia tanto como o dinheiro que dava;
nem da outra parte o vendedor cederia a sua mercadoria se
naõ julgasse que o dinheiro, que recebia por ella, igualava o
seo valor. E até mesmo cada um delles devo reputar em
mais o que recebe do que o que dá ; porque a uaõ ser assim
naõ teria razaõ para trocar. Mas como este excesso de va-
lor naõ pôde existir ao mesmo tempo de uma e outra banda,
depende somente das conveniências dos contractantes, que naõ
podem ser sujeitas a calculo. A única cousa a que este
pode extender-se he ao valor numérico, que he indubitavel-
mente igual das duas bandas. O que um vende por mil cru-
zados, compra-o o outro por mil cruzados: he a mesma igual-
dade que já tivemos occasiaõ de notar, comparando o valor
do numerário ao valor das mercadorias que elle faz circular.
Entretanto reunindo todo o commercio, que uma naçaõ faz
com os estrangeiros, deve-se achar outra vez a mesma igual-
dade, porque sommando equaçoens o resultado será uma
equação. O valor de tudo o que uma naçaõ recebe de fôra,
he necessariamente igual, aos olhos dos contractadores, a
tudo o que ella houver dado em troco; porque uin e outro
mercado se conclue sobre o pà de igualdade. Porem das
quatro espécies de riquezas que os particulares podem trocar
entre si, naÕ ha propriamente senaõ tres com que as naçoens
podem negociar, a saber; a riqueza movei, o numerário, e os
créditos. Bem se vê que a parte immovel do capital fixo,
ainda que seja trocavel entre particulares, naõ o he entre
naçoens. He portanto às outras tres que se limita o commercio
exterior. O que as naçoens naõ pagam com uma destas tres
cousas pagam-o com a outra. Basta somente que o valor
reunido de todas tres seja igual ao valor reunido das cousas
das mesmas tres classes, que as outras naçoens lhe deram em
troca.
Literatura e Sciencias. 393

Tomemo-las separadamente, e vejamos como a quantidade


dada ou recebida de cada uma dellas he limitada de um
certo modo. Das mercadorias importadas umas saõ-o defi-
nidamente, sendo destinadas para o consumo interior; outras
saõ reexportadas, e entram no território do Estado tamso-
mente para conveniência do seo commercio de rodeio, ou de
transporte. A importação destas ultimas pode augmentar
indefinidamente, segundo a naçaÕ fizer um commercio exte-
rior mais ou menos extenso ; porem naõ salda a divida dos
estrangeiros, antes he destinada a augmentàlla de novo : a
importação das primeiras deve sempre proporcionar-se ao
consumo. Ora o consumo, como j á vimos, tem uma ba-
lança particular, que he a sua confrontação com as rendas
nacionaes : segundo aquelle fôr menor, ou maior que estas,
a naçaõ enriquecerá, ou arruinar-se-ha. M a s esta balança
regula o valor das importaçoens, em vez de ser regulada por
ellas. Um particular naõ comprará mais pannos Inglezes,
pelos Inglezes trazarem mais para o mercado; mas, sim,
comprará mais, segundo tiver vontade e mais meios para os
comprar. H e por tanto sobre as necessidades e os meios, e
algumas vezes, sobre as fantasias da naçaÕ, que se regula a
monta das importacÕas, e naÕ sobre o valor das mercadorias
que ella puder dar em troco.
Estas ultimas podem ser de valor igual, ou de valor maior,
ou menor doque o das importaçoens. Se forem de valor
igual, naõ haverá conta que saldar, nem em numerário, nem
em créditos. Se for maior, o excesso naõ determinai á p r o -
isso a naçaõ a importar um excedente igual de mercadorias
para o interior, porque o paiz tem bastante provimento para
o seo consumo. Se se importar para fazer passar as nações
estrangeiras, naõ se salda assim a divida dos estrangeiros,
porque se diminue de uma parte, augmenta-se da outra; e
o excesso da exportação sobre a importação naõ fica pago.
VOL. X V I I I . N o . 107. 3 D*
394 Literatura e Sciencias.
Se, pelo contrario, o valor das mercadorias exportadas for
menos, esta desvantagem procede indubitavalmente da min-
gua da producçaõ, quehe sempre proporcionada aos capi-
tães que houveram posto a industria em acçaõ. Taõ pouco
depende de uma naçaÕ exportar mais, como delia depende
ser mais rica. Portanto, a desigualdade entre o valor das
mercadorias importadas e exportadas produz sempre uma
differença de conta que deve ser saldada por numerário, ou
por créditos, para restabelecer o cambio na igualdade que
deve ser.
Esta differença, que se chama a balança do commercio,
nao se pode saldar por meio do numerário, porque a necessi-
dade deste he determinada de uma maneira ainda mais riso-
rosa que a das mercadorias. Toda a naçaõ deve, como já
notámos, possuir uma certa quantidade de numerário que,
multiplicada pela velocidade da sua circulação, seja igual ao
momentum dos seos outros capitães. Naõ pode ter nem mais
nerti menos. Se a naçaÕ vender o sobrecellente das suas
mercadorias e lhe pagarem em numerário, depois de reter
para seo próprio uso a porçaõ necessária para reparar as suas
moedas, e, se a sua prosperidade for em augmento para ficar
em si com um tanto mais proporcionado a esse augmento
cuidará logo em reexportar todo o resto; e as nações estran-
geiras continuarão a ser-lhe devedoras como dantes. E pelo
contrario, se a naçaõ consumir mais doque produz, e com-
prar a outras o sobrecellente da sua industria; a naÕ ser pro-
prietária de minas, e o dinheiro a sua mercadoria privativa,
naÕ lhe ser possivel desfazer-se do seo numerário, sem que
logo lhe venha de toda a parte: porque desde que este for a
encarecer, logo tracta de o recuperar, ou por meio de mer-
cadorias que venda, ou a credito. Porisso vemos que as
balanças desfavoráveis, de que tanto se -tem faltado, nunca
tem podido esgotar o numerário de naçaÕ alguma, uma vez
Literatura é Scienciait 395
que o naõ tenham expellído pela creaçaõ de algum papei
moeda*.
Visto pois que as exportaçoens e importaçoens, tanto de
numerário como de mercadorias, naõ podem proporcionar-se
entre si, mas antes procedem umas e outras de circumstancias
independentes; lie preciso que o balanço se salde por créditos,
pela extençaõ dos câmbios que se podem fazer com estes ser
absolutamente illimitada. Este resultado, que he a pura ver-
dade, naõ deixa de surplender à primeira vista; ou porque
uma conta se naõ salde com créditos; ou porque se naÕ re-
flecte que as nações saõ freqüentemente credoras, ou devedoiai
umas das outras.
Longe, porém, deste estado habitual de créditos, que
parece haver escapado aos especuladores políticos, ser raro,
he elle o fundamento de todo e commercio estrangeiro.
Quando os Hollandezes fazem para os Francezes o commer-
cio de exportação e importação, emprestam-lhe ; porque du-
rante este tempo os seos capitães estaõ ao seo serviço.
Quando algumas casas Hollandezas vaÕ estabelecer-se em
Marselha, no Oriente, ou em Paris, he outro empréstimo
que fazem à França; porque todos os capitães que para lá
levam, ainda que manejados por ellas, põem em actividade o
commercio da França, e naÕ o dos Paizes Baizos. Quando,
em fim, negociantes de AmsterdaÕ e de Londres fazem ex-
pediçoens de fazendas para França, vendem sempre a credito
maior ou menor. Ainda que naÕ seja senaõ de tres mezes,

• Sogundo • bal&rço ootnmercial apresentado aos Consoles da Fraxça pelo Mi-


nistro do Interior, no 1. Germinal, do anno X , devia a Franca ter pago por saldo
aos estrangeiros no anna VIII a somma de 5-1:000,000, e no anno IX, a somma
de 11Í:6J9,O00 de francos. Similhante exportação de numerário, depois da*
queji a revoloçaõ tinha oceasínado, devera t«r esgotado a França, se fotfse real
Toilam he nu facto, que durante estes mesmos annos o numerário circulante,
hem longe de diminuir, augmentou. O caso he que o commereio do dinheiro naÕ
ulda o dai mercadorias -, e que um he absolutamente independente do outro.
3D2
SQ6 Literatura e Scienciaí.
como antes que elle seja pago, j á se tam feito outra expedi-
ção, e aberto outro credito, naõ fica a naçaõ por isso menos
devedora. A rapidez com que estes avanços se pagam e se
renovam sem cessar, ht a causa principal que saz com que
se uaõ observe que urna naçaÕ, que compra maÍ3 aos estran-
geiros doque lhes vende, está-dhes sempre devedora de todo
o excesso das suas compras sobre as suas vendas.
Além de todos estes modos de fazer créditos, acontece
muitas vezes que as nações ricas emprestam aos negociantes
de naçoens pobres ; j á em conta corrente, já por letras; já
por hypothecas; j á porque emprestem ao Governo para
obterem rendas vitalicias ou perpétuas. Mas, por muita
que seja a importância destes vários modos de fazer créditos,
nenhum iguala o que faz, sem pensar em tal, qualquer na-
çaõ, que se entrega ao commercio estrangeiro, e que lhe naõ
pode dar actividade senaÕ fornecendo às outras os seos capi-
tães e estando continuamente em avanço para com ellas.
Poderia alguém valer-se do que acabo de dizer (que uma
naçaõ fica sempre devedora do excesso que vai das suas com-
pras às suas vendas) para justificar a prohibiçaõ da exporta-
ção do numerário, que eu tenho por impolitica, pois até pe-
los principios que desenvolvo o numerário naõ seria empre-
gado em pagar a divida nacional; mas sêllo-hia muitas vezes
em pagar as dividas particulares, todas as vezes que um acci-
dente nos câmbios tornasse mais vantajoso fazello ein di-
nheiro : dentro em pouco tempo seria reexportado, e a nação
ficaria outra vez devedora, mas j á naõ aos mesmos particu-
lares. Todas as vezas que lhe coarctaiem os meios de pagar,
será o mesmo que se, para augmentar o credito de um ne-
gociante, lhe prohibirem de pagar as suas dividas.

(Continuar-se ha)
[ 307 J

MISCELLANEA

COLÔNIAS HESPANHOLAS.

Relação do estado actual das colônias Hespanholas, no


Norte da America Meredional.
O General Boivar chegou a Margarita pelos fins de
Dezembro, em companhia do Almiraute Brion, na escuna
chamada General-Marino; tendo abordo 1.000 espin-
gardas, grande quantidade de pólvora, petrechos, espadas,
uniformes, &c. Embarcáram-se também abordo da es-
quadra, que o devia seguir, grandes quantidades de petre-
chos de guerra e considerável armamento, debaixo do com-
mando do comodoro Vilaret. O General Bolivar naõ se
demorou em Margarita mais de 3 dias, em que se occupou
a examinar os postos militares, e fazer os arranjamentos
necessários para completar as fortificaçoens de Pampatar,
assim como a maneira porque se devia estabelecer a Corte
do Almirantado naquella ilha. Passou entaõ a Barcelona,
aonde foi recebido com o mesmo enthusiasmo, que a sua
presença excitou em Margarita. Elle foi accompanhado
pelo Almirante Brion. O Intendente General Zea, e o
Brigadeiro General Soubletti, e os Generaes Arismendi,
Monagas, e Freitas, se ajunctáram para o felicitar por sua
chegada. Para o mesmo fim mandaram outros generaes
os seus Deputados, o que se fez para evitar que viessem
era pessoa. Gastaram-se 6 dias em grandes regozijos, e
Bolivar, que naõ conhece outros inimigos senaõ os de seu
paiz, encheo de favores a todos aquelles, contra quem se
podia presumir que tinha algum resentimento. Esta-
398 Miscellanea.
oeleceo-se a mais perfeita e cordeal uniaõ, e todos unidos
juraram pelejar debaixo das ordens de Bolívar, e sacrifi-
car as suas vidas e fortunas á grande causa da Indepen-
dência.
No entanto naõ esqueceram os preparativos militares,
nem as medidas administrativas. Proclamou-se a liberdade
do commercio, naõ so prohibindo mercadoria alguma, e
reduzindo-se os direitos sobre as fazendas estrangeiras, a
metade do que antigamente pagavam, sob o Governo
Hespanhol. Izentáram-se dos direitos as armas, pólvora,
e petrechos de guerra; assim como o producto do paiz
recebido em troca disso. Expedio-se um decreto de
seqüestro, contra a propriedade Hespanhola, em termos os
mais liberaes, e que antes he um convite aos Hespanhoes,
para que se unam aos Independentes, ao mesmo tempo
que o decreto de seqüestro publicado pelo Governo
Hespanhol, apenas deixa alguma propriedade izenta do
confisco; visto que he bastante naõ ter tomado parte
activa na guerra, para soffrer a perca total da propriedade.
Bolivar naõ desejou entrar em campanha, em quanto
naõ convocasse o Congresso, e este se ajunetasse em
Margarita, com as vistas de formar um Governo, e aceitar
a renuncia que tem feito do supremo commando. Por
outro decreto, se deláram em estado de bloqueio os portos
de Guayana, Cumaná, La Guira, e Puerto Cavello.
Quanto ás operaçoens militares, Bolivar determinou,
que se ajunetassem todas as forças em Chaparro, que fica
no principio das campinas chamadas Los Llanos. Para
este fim mandou ordens a Guayana, ao General Piar,
que estava marchando sobre Angustura, instruindo-o a que
accelerasse as suas operaçoens, e completasse a occupaçaõ
daquella parte do paiz, e viesse, com toda a sua força dis-
ponível, para o ponto concertado, deixando ali o General
Cedeno com 1.000 homens. Similhantes ordens se manda-
Miscellanea. 399

ram ao General Marino, a fim de que elle pudesse adiantar


o cerco de Cumana, e se enviou um official-general, para
combinar um plano de operaçoens com o exercito de
Nova Granada, commandado pelo General Urdaneta;
o qual, segundo as noticias recebidas do General Zaraza,
estava ja em communicaçaõ com o de Venezuela. O G e -
eral Monagas marchou avante para Aragua, distante de
chaparro ura dia de jornada, para ajunctar os corpos
volantes de cavallaria; ao mesmo tempo que o General
Zaraza, commandante em chefe nas planicies, executou
a mesma operação em S. Diego Cabrutica, com todas as
forças debaixo do seu commando. Sendo ao mesmo tempo
desejável empregar activamente as tropas postadas e col-
ligidas em Barcelona, Bolivar consentio em o que pedio o
General Arismendi, que éra marchar ao longo da costa,
e tomar vários armazéns de productos, é destruir um
corpo de 400 ou 500 homens, que andavam fazendo incur-
soens, na margem esquerda do rio Unare. Com estas
vistas marcharam em avançada 700 homens, aos 6 de
Janeiro, com o General Bolivar â sua firente, e no dia se-
guinte partio por mar o General Arismendi, para se lhe
unir em Piritu, levando com sigo 4 lanchas de 120 remos
cada uma, e duas peças de calibre 12. Estes vasos pro-
cederam ao ponto concordado, aonde deviam esperar pelas
forças de terra, que foram divididas em quatro corpos,
em ordem a cercar os Realistas, que occupávam o forti-
ficado e inaccessivel posto de Clarmes. O resultado teria
sido seguro, se elles se naõ tivessem desviado do sobre-
dicto plano; porém o intrépido coronel HernandeZj im-
pellido pelo seu conhecido -valor, e naõ obstante o co-
nhecer perfeitamente a situação local da posição, insistio
tanto em que se lhe permittisse atacar o inimigo, nao duvi-
dando que pudesse tomar a sua posição, que infelizmente
400 Miscellanea.
para elle, e 200 homens que commandava seconsentio
finalmente nesta medida. Era necessário subir dous a
do e us, algumas vezes um sô, ao longo de um estreito
passo, situado em um espesso mato, aonde o inimigo, sem
ser visto, podia causar terrível carnicería. E comtudo o
Coronel Hernandes, que, segundo o seu custume mar-
chava rapidamente por entre os perigos, chegou ao entrin-
cheiramento, e gritou viva á pátria; e caio. Os que o se-
guiam fugiram precipitadamente, e espalharam tal con-
sternação entre o resto, que se teriam afogado no rio, se
o General Bolivar naõ tivesse instantaneamente marchado
ao passo para prevenir a precipitação no embarque, em
quanto o General Arismendi ajunctando um punhado de
seus valorosos sequazes conservou o inimigo em respeito,
Elle naõ se resolveo a penetrar no mato, que chegava ao
rio; em cujas margens se deixaram ficar 30 homens, que
os botes recolheram na manhaã seguinte. Retiráram-se
entaõ para Barcelona, aonde se averiguou que a perca
total tinha sido de 160 homens, incluindo 6 officiaes, entre
os quaes éra o ajundante de campo do General Arismendi.
Naõ podiam perder mais do que 50 espingardas, uma
peça de 12, pequena quantidade de bagagem, mas ne-
nhuns petrechos militares. Com tudo o Governo de
Caracas julgou conveniente celebrar este pequeno trium-
pho como uma victoria decisiva, até calculando o numero
dos mortos a 500, e 700 espingardas tomadas, como se \
toda a divisão tivesse deitado as armas em terra. He j
essensial o lembrar, que a gazela, que dá esta relação, he (
a mesma que, ha algum tempo, anunciou a morte do Ge- |
neral Mc Gregor, com circumstancias tam miúdas, que if
quando elle mesmo as leo, disse que apenas podia naõ as j
acreditar. s,
Miscellanea. 401
Esta pequena desgraça sufficientemente compensada
pelas numerosas vantagens ganhadas em outros pontos,
naõ deteriora de modo algum as operaçoens dos Indepen-
dentes, cuja superioridade he decidida. O General Ma-
rino, que, em conseqüência da estúpida expedição de Piar
para Guayana, pela qual se perderam pelo momento os
fructos da brilhante victoria do Juncal, se retirara de Cu-
maná, voltou outra vez a reforçar o cerco daquelle lugar
com novas forças. Elle naõ somente recobrou instanta-
neamente as suas antigas posiçoens, mas tomou um lugar
forte chamado La Ensenada, a pezar do vivo fogo do ini-
migo, junctamente com sette vasos de guerra. Elle to-
mou também posse da povoaçaõ adjacente de Serritos, do
Convento dos Capuchinhos fortificado, todos os subúrbios, a
posição a cavalleiro dos outeiros; e obrigou assim o ini-
migo a concentrar todas as suas forças dentro dos entrin-
cheiramentos da cidade. Elle tinha feito os seus arran-
jamentos para dar o assalto, entre os 27 e 28 de Janeiro,
quando recebeo avizo do Almirante Brion, de que os H e s -
panhoes estavam ao ponto de evacuar a cidade, e que seria
melhor suspender as operaçoens, até que a esquadra do
bloqueio voltasse de Barcelona, para onde tinha ido a con-
certar-se. Dizem que o sagaz General Hespanhol, que
commauda em Cumaná, se aproveitou desta contingência,
e evacuou a cidade aos 6 do corrente, porém até aqui naõ
temos disso recebido noticias officiaes.
No entanto Brion, este illus-tre amigo da liberdade
Americana, se acha trabalhando com toda a sua constân-
cia e actividade, tam characteristica de seus passados es-
forços na creaçaõ de uma marinha militar. He incrivel
quanto elle tem adiantado em tam breve tempo; e na
lerdade ha fundamento para esperar, que elle realizará
as suas promessas, feitas ao povo de Margarita, quando
VOL. XVIII. No. 107 3K
402 Miscellanea.

os excitou a sustentar este grande projecto. u E ésla


mesma marinha," disse elle entaõ," empenho a minha pa-
lavra, que será em breve tempo poderosa e terrível: bem
depressa levará a consternação e o temor até ás muralhas
de Cadiz, e tornará a levar para as praias da Peninsula, a*
mesmas dessolaçoens e sangue, com que a insensata ob-
stinação da Hespanha, para nos opprimir, tem dessolado
e inundado a nossa pátria
A sua attençaõ se estende até os mais pequenos objec-
tos, e a sua providencia chega até a anticipar os mais re-
motos resultados. Elle está ja occupado em preparar os
meios de estabelecer uma eschola para a marinha; dahi
em formar um arsenal; depois em construir barcas ca-
nhoneiras, esquipar e armar vários vasos e organizar corpos
de soldados marinheiros, e exercitar os que tem encarre-
gado ao Tenente Coronel Jackson, seu primeiro Ajudante
de campo. A sua esquadra he composta, presentemente, de
Brigue; Indio-libre.
Escunas; Marino, Piar, Guerrera, Joven-Adela, Co-
nejo, Juncal, Aurora, Maria.
Chalupa; Monica; e tres felucas.
Lanchas; 60 de 120 remos cada uma,
Total dos vasos, dezenove.
Todos estes vasos estaõ bem armados, saõs, e esquipa-
dos; além disto se estaõ preparando um bom navio, e mais
duas escunas. Espera-se de Hayti a escuna Jozephina,
que ali se foi concertar, assim como a corveta Brown, de
30 peças, condemnada em Antigua. Também se nos
ajunctáram dous vasos de Buenos Ayres.
Naõ rey na menos actividade na organização das levas
para a tropa de terra. O General Arismendi saio de Bar-
celona no dia depois da retirada de Clarines, para accele-
rar a concentração das força? em Chaparro, aonde o Gene-
Miscellanea, 403
ral Zaraza tinha ja chegado com 1.000 homens. Varias
partidas pertencentes a esta divisão, que andavam var-
rendo as margens do Orinoco, se vam ja ajunclaudo em
ÍS. Diego de Cabrutica, e o seu numero se calcula em
mais de 1.000 homens. O Coronel Infante, também per-
tencente á mesma Divisão, com 250 de cavallo, se acha
observando os movimentos do inimigo, nas vizinhanças de
Orituco. O General Monagas está em Araguá, com
700 de cavallo, incluindo os pequenos destacamentos de
Carupano e Cariaco. O General Cedeno commanda
1.000 homens da melhor cavallaria, cm Guayana, e o
General Piar, segundo as ultimas notícias ia diariamente
augmentando a sua Divisão, que ja chega a 2.000 homens
pela maior parte infanteria. Ha além disto muitas par-
tidas espalhadas por todo o território de Venezuela, que
naõ estaõ em communicaçaõ com os exércitos, e de que
se tem obtido mui pouca informação, a naõ ser pelas
gazetas de Caracas, que todos os dias annunciam a sua
completa destrucçaõ. Daqui se vê que as forças actuaes
dog Independentes de Venezuela, sem contar com estas par-
tidas volantes, se podem avaliar em 7.900 infantes, e
2.550 de cavallo, incluindo 800 homens no quartel-gene-
ral de Barcelona, se a isto accrescentarmos as forças de
Nova-Granada, obrando em Venezuela, entre Cálabouzo
e S. Fernando, e compostas de 5.000 infantes e 3.500 de
cavallaria, seguir-se-ha, que a força dos Independentes he
igual a 12.900 infante*, e 6 050 de cavallo; como se vê
da lista seguinte: a artilheria porém naõ excede 100
homens.

3JE 2
404 Miscellauea.
Infant. Cav. Total.
General Zaraza, em Divisão 1.000 1.000
Dicto em varias partidas - 1.000 1.000
General Marino - - 2.500 400 2.900
Gen. Roxas - - - - - 600 600
Gen. Piar - - - - - 2.000 200 2.200
Coronel Infante - - - - 250 250
General Monagas - - - 700 700
General Cedeno - - - - 1.000 1.000
Quartel General de Barcelona 800
Artilheria - - - - 100
Total das forças de Venezuela 7.900 2.550 10.550
Divisão de Nova Granada 5.000 3.500 8.500

Total das forças unidas 12.900 6.050 19.050


As forças dos Realistas se calculam pelas noticias, que
trazem os nossos espias, e conrespondencia interceptada, a
5.350 homens ; ainda que sem alguma distineçaõ de ca-
vallaria; porque elles mesmos naõ dam estas particulari-
dades : porém he bem sabido, que elles tem mui pouca
tropa montada. Estas forças estaõ divididas da seguinte
forma. Cumana cerca de 700 homens, 400 dos quaes saõ
regulares e Hespanhoes—Guyra cerca de 100 das mi-
lícias do paiz—Caracas 300 Hespanhoes regulares, per-
tencentes á infanteria do regimento de Casliila, e 200
mercadores armados alistados para fazer obrigação—Pu-
erto Cavello, 120 veteranos Hespanhoes, incluindo os ar-
tilheiros do castello, mercadores armados. &c.—Orituco
e Altagracia, aqui está o seu principal exercito, composto
de 1.100 de infateria Hespanhola, 200 dragoens e 700 de
milicias do paiz. Estas estaõ em Altagracia, debaixo do
commando do Brigadeiro General Morales, que obra sob
o General Real, e commandante da Divisão de Orituco,
S. Fernanda e Apure. Entre este lugar e Calabouzo
Miscellanea. 405
temo Gen. Gorin 500 ou 600 homens, entre os quaes ha
alguns Hespanhoes. Juncto á Nutrias está o General
Reyes, com 500 homens, todos Venezuelanos. E m Va-
riaas está o Brigaleiro General Calzada, com 1.000
homens, pertencentes a Venezuela e Nova Granada.
Em Guayana, o Governador tem 400 Hespanhoes regu-
lares, e perto de outros tantos de tropas do paiz. E m
Clarincs está postado Ximenes, com 400 paizanos
armados. Em Tacarigua, Rio-chico, Curiepe, Guapo, e
povoaçoens vizinhas ha somente um commandante, cha-
mado Galaraga, que tem grande influencia nos habitantes
mas elles estaõ desarmados. Merece mencionar-se, quo
em pontos tam importantes como saõ Calabozo, Valencia,
Victoria e Maraca, somente se acham uns poucos de
sargentos e cabos de esquadra recrutando. O se-
guinte he o estado das forças Realistas.
Hespanhoes. Crioulos Total.
Cumana - - - - - - 300 400 700
La Guira — 100 100
Caracas - - - - - - 3001
Mercadores - - - - - - 200^
Puerto Cavello - - - - 120 — 120
Orituco e Altagracia - 1.300 600 1.900
S. Fernando de Apure - - — 600 600
Baixo Apure - - - - — 500 500
Varinas — 1000 1.000
Guayana 400 400 800
Clarines - - - - - - — 400 400

Total das forças Realistas 2.620 4.000 6.620


Deve com tudo observar-se, que, depois de se ter
feito esta conta, as duas divisoens de Orituco e Altagra-
cia, assim como a de Clarines, a maior das forças dis-
poníveis que tem os Hespanhoes, foram derrotadas em
Barcelona, e em grande parte destruídas.
406 Miscellanea.
Quanto á marinha, tem elles uma corveta,chamada Bay-
len de 18 peças. Esta foi um transporte, armado depois
em Carthagena. Tem também dous brigues, tres escunas,
e outros vasos menores, como se vê da seguinte lista; mas
a maior parte delles estaõ no peior estado.
Corveta Baylen.
Brigues; Perino e Jacinte.
Escunas ; Ferrolena, Morillo, e Felicidad.
Dous Barcos, e uma Feluca.
No Orinoco, doze vasos pequenos.
Total vinte um.
Como os doze vasos pequenos naõ podem obrar no mar
largo resulta dahi que os Patriotas tem a superioridade
tanto por mar como por terra. Donde se segue que
todas as esperanças, que os Hespanhoes fundavam nos so-
corros, que ha tanto tempo estaõ a esperar da Peninsula;
e assim bem no exercito de Morillo, que todos os dias se
annuncia na sua gazeta que chegou ás arraias de Vene-
zuela, estaõ agora limitadas a uma mui pequena força
naval e terrestre. O pérfido e atroz comportamento de
Morillo, em sacrificar todos os sugeitos distinctos por seus
talentos ou patriotismo tem excitado tam geral indignação,
que em Sancta-Fé apenas se encontra alguma povoaçaõ
considerável que se naõ levante, ao momento em que os
Hespanhoes a tem evacuado. Todas as provincias
Tunja estaõ ja em armas, e agora se acabam de receber
noticias de que, em Popayan estaõ pelejando com muito
ardor, de maneira que Morillo julgou necessário marchar
para ali em pessoa, com quasi todas as suas forças. Seja
isto como for, o certo he, que toda a Nova-Granada
está em estado de combustão, occasionada tanto pelas cru-
eldades,como pela infracçaõ de todas as promessas dosHes-
panhoes, feitas quando entraram no paiz. Todas as suas
communicaçoens estaõ cortadas, e a estagnação do com-
Miscellanea. 407

mercio entre elles he tal, que de Carthagena e Sancta


Martha tem algumas carregaçoens voltado sem acharem
compradores. Que tem pois os Hespanhoes que esperar. ?

Troclamaçaõ de SimaÕ Bolivar, Chefe Supremo da


Republica, Capitão-General, 8çc §c.

Povo DE VENEZUELA! — Pelo órgam do General


Arismendi, os Habitantes, Generaes, e Exércitos, me
chamaram; e eu venho, á frente da quarta expedição, a
servir, naõ a governar-vos Venezuelanos. Vós me conli-
astes a authoridade Suprema, nos últimos períodos da
Republica. Vós me obrigastes a subir ao tribunal, e a
pelejar no campo. Era-me impossivel occupar ao mesmo
tempo duas situaçoens oppostas. Daqui resultou que o
nosso paizsoffreo na sua administração da guerra. Con-
quistador, mas inhabilitado para me approveitar de minhas
victorias; porque tinha de attender aos cuidados do Governo.
A justiça, a policia e a industria tem soffrido, quando eu es
tava oecupadoem defender-vos. Daqui a imperiosa neces-
sidade, que requer de vós o chamar immediatamente um
Congresso Nacional, que possa olhar para o meu comporta-
mento, receber a abdicação da authoridade, que eu agora
possuo, e formar a Constituição Politica, que vos deve go-
vernar. Vós fostes chamados por mim ja no mez de Maio
em ordem a constituir o corpo Legisiativo sem vos prescre-
ver alguma restricçaÕ, e deixando-se-vos a escolha do
tempo e lugar. Vós naõ tendes feito isto, os acconteci-
mentos da guerra vos tem impedido; porém agora vos
deveis apressar a adoptar esta medida, que as circumstancias
imperiosamente dictam. O nosso paiz tem estado e deve fre-
qüentemente estar em orfandade, em quanto o magistrado
for um soldado. As vicissitudes da guerra saõ tam grandes e
408 Miscellanea.

terríveis, que apenas se podem prever, muito menos evitar;


porém as transacçoens de um Governo estabelecido per-
mittemmais constante estabilidade. Um so homem naô
pôde attender a tudo. Vós deveis, portanto, dividir as func-
çoens do serviço publico entre muitos cidadãos, que possuam
talento, e as virtudes requeridas para o exercicio do poder.
Se aquelles que fôram legalmente constituídos como Re-
presentantes do povo, nos primeiros períodos da Republi-
ca, se achassem livres entre nós, vós os verieis manter as
mesmas dignidades, que lhes fossem conferidas; porém a
mais deplorável fatalidade nos privou dos serviços daquelles
funccionarios. A maior parte delles estaõ auzentes,
muitos estaõ em estado de oppressaõ, muitos mortos, e outros
saõ traidores. Naõ obstante que a sua authoridade expi-
rou com a terminação de suas funcçoens, eu os teria convi-
dado a constituir de novo o Governo da Republica ; porém
elles se naõ acham dentro da parte livre da nossa pátria;
he portanto necessário encher os seus lugares. Venezue-
lanos ! Nomeai os vossos Deputados para o Congresso.
A ilha de Margarita está agora completamente livre, ali
seraõ as vossas sessoens respeitadas e defendidas por um
povo de heroes em virtude, valor e patriotismo. Ajunctai-
vos naquelle sagrado lugar. Abri ali as vossas sessoens, e
organizai-vos segundo as vossas vontades. O premeiro
acto de vossas funcçoens será acceitar a minha resignação.
Quartel General de Margarita em 28 de Dezembro de
1816.
(Assignado) BOLÍVAR.

Proclamaçaõ de Luie Biron, da ordem dos Libertadores


de Venezuela, Almirante da Republica 8fc. 8fc,
H A B I T A N T E S D E V E N E Z U E L A ! — O amor da liberdade
me trouxe a Venezuela nos primeiros períodos da Repu-
blica; sem outras vistas mais doque contribuir á grande
Miscellanea. 409

causa da vossa independência. Por ella tenho derramado


o meu sangue em batalhas ; por ella tenho sacrificado uma
grande fortuna; e por ella estou outra vez prompto a
exhaurir os meus meios, e exporme a novos perigos.
Estes sentimentos me ligam a vós, que tendes feito tantos
actos de heroísmo, por vossa liberdade — a vós, que, com
tanta constância e valor, tendes sustido a gloria e direitos
deste vosso paiz, que tenho adoptado como meu, mas que
a natureza vos deo. Unamos os nossos esforços, e apres-
semonos a erigir uma barreira eterna, que nos separe da-
quella insolente e ambiciosa Hespanha. Margarita tem sido
o berço da liberdade, seja também ella a que lance os fun-
damentos daquella marinha, que a devo defender e sus-
tentar. E eu em penho a minha palavra, que esta marinha
bem depressa será poderosa e terrivel; bem depressa
levará o medo e a consternação até as mesmas muralhas
de Cadiz, e tornará a levar para as praias da Peninsula os
mesmos estragos e sangue com que a insensata abstinaçaõ
de Hespanha, para nos opprimir, tem dessolado e inundado
o nosso paiz. Temos abundantes meios para crear uma
marinha, que faça tremer a mesma Hespanha. O vosso
gênio vos inclina á navegação; todas as costas de Venezula
abundam em gente do mar, e a erecçaõ do Almirantado
da Republica em Pampatar, produzirá um movimento
naval, cujos resultados seraõ incalculáveis. Fomentai este
importante estabelicimento, que trará á vossa ilha todas as
vantagens do commercio, debaixo de cuja sombra ílorecem
tanto as artes como a agricultura. Contribui para o seu
augmento cam toda a energia e patriotismo, que vos he tam
characteriBtica, e estai seguros, de que, se fizereis por esta
marinha o que ja tendes feito por vossa liberdade, Marga-
ntavira a ser o empório de Venezuela, e o antemursal
inexpugnável de sua independência e fidelidade.
Pampatar, 13 de Janeiro 1817.
L u i z BRION,
VOL. XVIII, No. 107. 3F
410 Miscellanea.

Buletin do Exercito Libertador; N°. í°.


Quartel-General de Barcelona 9 de Fevr. 1817.
O mesmo exercito Hespanhol, sob o commando do Bri-
gadeiro General, Real, que tinha sido organizado em
Orituco e Cheguamara, e composto de tropas Hespanholas
Europeas, em numero de 2.000 homens, formou antes de
hontem a sua juncçaõ com a divizaõ de Clarines, nas vizi-
nhanças do Juncal. Hontem ao romper do dia se formou
a linha do inimigo a tiro de espingarda desta cidade, avan-
çando pela estrada de Mauricia. A's 7 horas da manhaã
desfilou um corpo de de tropas Hespanholas, e tomou
posse da porta, sem dar um tiro, cruzando para o meio da
cidade, que nós tínhamos previamente evacuado, nem
conservamos mais do que os nossos quartéis nos subúrbios
e convento de S. Francisco. A reserva Hespanhola fez
halto, a tiro de canhaõ de nossos postos, porém atrahida
por um valoroso destacamento de cavallaria e infanteria,
que puchou adiante com as vistas de os engodar, os Hes-
panhoes os perseguiram até que chagaram a tiro de espin-
garda da nossa linha. Começou entaõ uma viva refrega,
que durou por tres horas, com 200 da nossa infanteria so-
mente ; a qual respondeo com vivo e bem dirigido fogo,
quando nesta parte perdeo o inimigo mais de metade das
suas tropas, que entraram em acçaõ. Sendo derrotada a
reserva Hespanhola, 100 homens pertencentes ao bata-
lhão de Margarita, debaixo do commando do valoroso chefe
Perez, desalojaram o inimigo desta parte da cidade, e o
compelliram a tornar a cruzar o rio. Tomando posse da
cabeça de ponte, este heróico official encontrou a sua
morte. Déram-se ordens para que este pequeno corpo
de Margaritanos se retirasse para a nossa posição. As
nossas tropas, sem avançar, e conservando meramente um
bom fogo sobre a dieta columna Hespanhola, a fizeram
Miscellanea. 411
fugir de maneira vergonhosa, e sem responder com um
só tiro na sua retirada; porém ao mesmo tempo que a
nossa cavallaria e infanteria estava ao ponto de marchar e
continuar a perseguição do inimigo, appareres a divisão
Hespanhola de Clarinos, em numero de 700, que tinha
entrado pelo lado do sul da Cidade, e penetrado até a
praça principal, e tornado a occupar a ponte; então a
nossa gente deo volta e desalojou a todos seguindo-os de
casa em casa. Esta operação durou até j uncto á noite, naÕ
obstante ser executada com a maior rapidez e valor. E m
um dos recontros que houve juncto a ribeira do moinho,
o famoso chefe Indiano dos Caraibes do Orinoco, Manaure,
teve gloria de morrer no meio das tropas Hespanholas, a
quem tinha atacado com uma firmeza, digna de sua
coragem.
O resultado desta acçaÕ foi gloriosíssimo para nossas
armas. O único exercito Hespanhol, que exista em
Venezuela, foi completamente derrotado. A sua perca em
mortos, feridos, prisioneiros e dispersos se pode calcular
em metade de sua força. A desordenada retirada dos
Hespanhoes lhes causará perder o resto; porque cada um
foge em differente direcçaõ, segundo lhe permitte o
tempo e as circumstancias. Se naõ fosse por entrar a
noite naõ se teria salvado um só homem dos inimigos;
porque o ardor de nossas tropas foi alem de todo o louvor.
Os feitos de cada individuo saõ dignos de serem regis-
trados na Historia. Os Officiaes de todas as classes
se distinguiram do modo mais heróico; daqui vem que
temos de lamentar a morte e feridas de muitos delles, ao
menos comparados com a porçaõ de soldados, que naõ
chegam a 30 em mortos e feridos. Entre os primeiros
lie o Capitão Caraino, os Tenentes Villareal e Tachon, o
Alferes Carravajal; e entre os últimos o Coronel Hurtado,
os Capitaens Casorla, Contre ra, Bombard e Bayares; e os
Tenentes Mariano e Gonzales.
3 F 2
412 Miscellanea.
A conseqüência deste glorioso dia será a occupaçaõ da
capital de Caracas em breve tempo. Todas as planicies
estão na posse das tropas da Republica, que marcham do
interior; ao mesmo tempo que as que pertencem a este
quartel-general se apossam da capital sem obstáculo,
(Assignado) PEDRO MARIA FREITAS, Maj. Gen.

Carta do Genral Morillo ao Secretario de Estado, #c.—


Em Madrid.—Offieiao interceptado.
Quartel-General; Ocana, 27 de Março 1816.
Ex™0. S'nr,!—Tenho dado ordem ao Gen. Moxo, para
tornar a estabelecer a Audiência Real de Caracas, sem
demora e na conformidade das ordens de S. M., tendo para
este fim mandado um official deste lugar. Supponho que
à data desta estava executada esta medida; e tenho obede-
cido âs ordens de -S. M. expedidas, sem duvida, ca suppo-
siçaõ, de que a tranquillidade de Venezuela naõ seria per-
turbada ; porem peço a S. M. que, por um momento,
attenda ás representaçoens de um de seus mais fieis e
affeiçoados criados, que nunca parou senaõ pelo receio de
lhe desagradar; e que falia com a experiência, adquirida
nestes paizes agora tam turbulentos. Quando a expedição
do meu commando aqui chegou, tudo cedeo; e quanto ás
apparencias todos agradeciam a clemência d'El Rey,
excepto os povos das Planicies. Deixando porém eu este
paiz coma expedição paraCarthagena e Sancta Fé, princi-
páram as perturbaçoens nas Planícies, que até agora se
naõ tem tranquillizado; e Monagas e Cedeno cruzaram o
Orinoco, com as vistas de atacar a capital de Guayana.
Arrebentaram as commoçoens em Cumana e os rebeldes
se apossaram de Maturin e Guiria. E com tudo as armas
d'El Rey triumpháram em toda a parte.
Miscellanea. 413
A ilha de Margarita, sem duvida instigada pelo Gover-
nada de Carthagena, com as vistas de se livrar do nosso
ataque, que o ameaçava arvorou o estandarte da rebelião
e infelizmente ainda ali se acha arvorado, Este incidente
obrigou as forças de Guayana, que tinham ja aterrado o
inimigo, a ajunctarem-se para reprimir a audacidade dos
rebeldes. Porém em Guayana tem elles adoptado o
systema de bloqueios; e eu anticipio disto as mais fataes
conseqüências, a menos que os nossos sejam soccoridos.
V. Ex». sabe a distancia e extençaõ de Margarita,
Cumaná, Barcelona, Guayana e Planicies: e me parece
que V. Exa. se admirará, de que um punhado de valorosos
homens tenham sempre podido obter vantagens, contra
numerosos e resolutos rebeldes, que naõ tem nada que
temer da inclemencia e insalubridade do clima; nem das
comidas do paiz, tam destructoras aos Europeos. Sem
duvida a sorte do Vicereynado de Sancta Fé decide a de
Venezuela; porém isto deve ser mandando soccoros para
esta, como tenho pedido. O primeiro ponto, comtudo,
ainda naõ está seguro, e o segundo naõ se pôde esperar
tam cedo; e ao mesmo tempo he de temer que inimigo
triumphe em Guayana, e Margarita; e Bolivar, com a
expedição que se prepara em Aux Cayes, cairá sobre uma
parte da Cosia, aonde elle tem um partido, e em uma
longa linha aonde naõ ha guarniçaõ. Qual pois, E x m o .
Snr. será a sorte de Venezuela? O mesmo que aconteceo.
em tempo de Monte verde, a Cajigal, e entaõ nas achare-
mos no mesmo dilema, que S. M. procurou evitar por suas
instrucçoens particulares , as quaes saõ, que se naõ ex-
pronha outra vez a honra e dignidade da Audiência R e a l ;
nem seus membros se vejam obrigados a procurar outraver
abrigo em paizes estrangeiros, em desabono do Estado.
Segundo os diflerentes officios que tenho recebido, as
wbredictas provincias estaõ em total insurrecçaõ, eos Habi-
414 Miscellanea.
tantes estaõ commeltendo taes erros, que se naÕ podem
mencionar sem horror. As nossas forças saõ poucas, e eu
somente poderei reprimir estes rebeldes por breve tempo.
Uma policia a mais activa tem servido para descubir os
seus planos, e prevenir que estes malvados se introduzam
nos lugares que estaõ tranquillos, e assim se tem de
algum modo supprido a falta de forças; e para este fim se
formou uma commissaõ especial e separada: comtudo, isto
se naõ poderia ter feito, se eu seguisse todas as formali-
dades, e se tivessem estas matérias encarregado aos Mem-
bros da Audiência Real, os quaes se oecupam com objectos
que elles suppoem merecer muito mais attençaõ; porém
que nos olhos de quem governa, e que he responsável
pela. possessão do paiz, naõ apparccem da mesma impor-
tância.
A informação de se haverem inutilizado os feitos de
Monteverde, pelos escriptos do Fiscal da Real Audiência
em Valencia; he verdadeira, pelo que respeita Vene-
zuela, e eu posso provállo com documentos authenticos,
daqui se tem seguido tam grandes grandes males, que
para os vencer se tem sacrificado naõ menos do que 20.000
victimas, e desde esse tempo os sanguinários tem recusado
todo o Governo, nem temos podido desde aquelle tempo
reestabelecer a ordem, porque elles cobrem todo o paiz.
Tenho adoptado varias medidas, na conformidade dos
poderes quo me fôram conferidos por S. M. medidas que
saõ em todo ou em parte contrarias ás Leys das índias.
as quaes saõ mui admissíveis em Hespanha, sem duvida
porque o Soberano está perto. Por exemplo, tenho pe-
dido empréstimos para a subsistência do exercito, e tenho
mandado dar hypothecas, o que se tem feito em conformi-
dade das opinioens dos Ministros de Justiça, e tem-se
nomeado pessoas para cuidar dos interesses d' El Rey. O
mesmo digo a respeito das municipalidades, que presente-
Miscellanea. 415

mente possuem, na minha opinião, demaziados poderes, de


que podem resultar grande males, se se derem ordens
particulares, visto que os seus membros saõ naturaes
do paiz, e naõ dos colonos de fora ou conquistadores pri-
mitivos. Todas estas minhas determinaçoens seriam op-
postas e destruídas pela Audiência Real, como inconstitu-
cionaes; e ainda que o Capitão General as mantém até a
decisaõ final de S. M. com tudo se experimentam dissen-
soens no governo, madam-se queixas ao throno, se as
outras authoridades naõ chegam ao ponto de expedir
ordens em contrario. Eu menciono unicamente estes
dos caso,s; porque saõ os mais importantes, e os que
mais facilmente podem acontecer. Se os rebeldes
forem por fim derrotados, o reestabelicimento da
Audencia Real com seus Juizes, e Officiaes, que por
forma nenhuma tem sido implicados na presente revolu-
ção, he um objecto da maior importância e necessidade; e
terá bastante que fazer em regular as cousas. Se porem
aquelles se mantiverem, he evidente que, seguir as Leys
das Índias estrictamente, será um grande obstáculo paia
quem naõ possuir poderes tam amplos como os que S. M..
foi servido conceder m e ; e por esta razaõ, assim como
porque eu tenho ha algum tempo solicitado a minha
demissão de Capitão G eneral de Caracas, e do commando do
Exercito, em conseqüência do máo estado de minha saúde,
- tomo aqui a renovar a minha petição, faço esta repre-
sentação com tanto menos temor de que me aceusem de
motivos interessados do que aconteceria a meos succes-
sores.

Poucas pessoas conhecem melhor doque eu, que um


(•overno militar he o mais despotico, e o peior de todos.
He o mais tyrannico e despotico de todos, e com tudo he o
mau breve no expediente, e o mesmo que os rebeldes tem
adoptado. i Que forma de Governo pode ser própria para
416 Miscellanea.

um povo, que no que está obrando, mostra, que naÕ quer


admittir Governo? i Queainda tem pontos em quepódem
governar, e em cujo paiz tudo he sangue, destruição e
horror? iQue he o que convém a um paiz povoado de
rebeldes, que se aproveitam de todas as occasioens? i um
paiz aonde a mantença dos soldados assim como as despe-
zas da guerra para a sua submisssaõ, se devem tirar do
mesmo paiz ? i H e possivel obter de outra maneira o
que se necessita? Quando he preciso obrar com a rapidez
que he conveniente a um Exercito £ he possivel gastar o
tempo em deliberaçoens? Quando as provincias de Hes-
panha foram invadidas £ que deliberaçoens houveram?
Sem duvida, Senhor, o erro consiste em que pessoas que
naõ conhecem estes paizes, acreditaram, e emissários dos
rebeldes, aqui, espalharam, que, com a mera appareneia
das tropas d' El Rey, e obrando còm clemência, tudo ten-
deria a accelerar as bençaõs do desejado dia; porem que
respondam Margarita, Cumana, e Barcelona, aos que acre-
ditaram tal cousa.
No período acttial, as restricçoens, que impõem as leys
das índias a quem obra como Commandante em Chefe,
saõ completamente inúteis, mui particularmente em Ve-
nezuela. O Americano naõ soffre ser governado por
ninguém, que naõ seja filho do seu paiz; menos ainda se
aquelle que pretende governar he Europeo, menos ainda
se he um Hespanhol; e somente se sUbmette á necessi-
dade, e obedece a El Rey até que se offereça outra
opportunidade. Cada provincia na America, Ex mo .
Senhor, requer differente modo de Governo. O que be
bom para o Reyno de Sancta F é , naõ produz effeito em
Venezuela; naõ obstante serem contíguos. No primeiro
ha poucos negros e pessoas de cor, no segundo poucos
brancos tem ficado. O habitante de Sancta Fé tem
provado que he covarde e tímido; quando o outro he
Miscellanea. 417
atrevido e sanguinário. N i vicereynadose tem escripto
muito, e os doutores tem desejado arranjar tudo ao seu
modo; porém em Caracas tiram logo pela espada: daqui
provém a differente sorte de opposiçaõ, que se encontra;
porém em dissimulação e perfídia saõ ambos similhantes.
Naô he possivel que os habitantes deste Vicereynado
tivessem feito tara obstinada resistência, se naõ houvesse
Venezuelanos. Carthagena resistio da maneira mais
incrivel, meramente por causa desta gente. Na margem
direita do rio Magdalena, se tem pelejado varias batalhas,
com tropas organizadas por Venezuelanos. Na cuberta
e estéril provincia de Antioquia ja duas vezes declara-
ram guerra de morte; e tem fortificado os passos de con-
certo com os Venezuelanos. Sancta Fé subroetteo-se a
elles e imbe-beo óstas sanguinárias ideas, por Meio de
emissários mandados de Caracas. Tudo, Exmo. Senhor,
he obra dos Venezuelanos. Nesse paiz saõ elles feras
bravas e ferozes; e se succede serem bem commandados,
elles nos daraõ que fazer por longo tempo; e na sua re-
ducçaõ se deve gastar muito sangue c grande thesouro.
Quando aqui cheguei cora a expedição de S. M. hor-
rorizei-me, ouvindo fallar dos montoens de corpos mortos,
que resultavam de cada acçaõ ganhada ou perdida; eu
concebi que ésla inimizade éra causada por dous partidos
que procuravam vingar-se; eu imaginei que éra chegado
o tempo em que seria próprio mostrar aquella clemência,
sem exemplo, pela qual esta he a única parte em que os
estrangeiros nas suas gazetas se naõ tem atrevido atacar
uma Naçaõ, a quem elles attribuem o character de san-
guinária, Porém, Ex o. S'nr. qual t foi o resultado?
Novas revoluçoens; novas perfidias; e se quando a
pacificação deste Vicereynado se concluir elles se sub-
metlerem, será somente para esperar, por outra occasiaõ
mais favorável: porém para obter submissão de sua parte
VOL. XVIII No. 107. 3G
418 Miscellanea.
saõ necessárias mais forças, como tenho muitas vezes
repetido: V. E x a . naõ deve crer que isto será obra de
um dia; mas sim o resultado de grande vigor e constân-
cia. Agora he uma guerra de brancos contra pretos.
Apresentando a S. M. o pequeno esboço do estado de
Venezuela, e pedindo-lhe que lêa, o que tenho dicto em
outras occasioens, anticipo que V E x a . ficará convencido,
que este naõ he o momento de separar o commando em
chefe; mas, pelo contrario, dar-lhe mais consistência e
unidade, naõ somente porque as decisoens saõ assim mais
seguras e expeditas; mas porque quando se removerem
os motivos de discórdia, naõ se experimentará falta de
uniaõ; estado esse de cousas de que os rebeldes, desde o
México até o Peru se tem sabido aproveitar com a maior
sagacidade; e ainda que me posso gabar, que tenho
podido estabelecer a maior harmonia entre os chefes das
differentes a r m a s ; naõ podemos sempre confiar em tal
phenomeno como este.
Portanto considero que he do meu dever repetir,
que em Venezuela a authoridade suprema deve residir
em uma só pessoa; que deve ser illimitada, por que
sem demora, e conseqüentes males, os tribunaes naõ
podem tomar sobre si o curso ordinário das causas, nem
estabelecer o direito escripto, até a completa pacificação
destas provincias, as quaes se naõ podem considerar, em
grande parte, em nenhum outro ponto de vista, senaõ
como um vasto campo de batalha; aonde somente a
força decide; e aonde o general, que commanda a acçaõ.,
a ganha por meio de seus talentos ou fortuna; nem deve
ninguém attrever-se a fazer outra cousa mais do que
obedecer; callar-se e executar as suas ordens. Eu naõ
desejo enganar a S. M . ; porém sim fazer com que se naõ
perca o que se tem ganhado; e que os rebeldes sejam
em breve exterminados; para este fim communico as
Miscellanea. 419
ideas, que tenho adquirido com a experiência; e serei
feliz se a minha remoção deste commando, me colocar em
situação de fazer isto sem que seja suspeito de motivos
pessoaes; porém todos os meus desejos me fazem esperar,
que os meus prognósticos naõ venham a ser falsos.
Deus guarde a V. Ex a . muitos annos &c.

(Assignado) PABLO M U R I L L O .

D, Luiz de Onis, Embaixador de Hespanha nos Es-


tados Unidos; ao General Calleja, Vice-Rey do
México,
Philadelphia 14 de Agosto 1815.

0 Vice-Consul de S. M. em Nova Orleans, acaba de


informar-me, que estaõ aprontando naquella cidade duas
expediçoens, com grande pressa; uma marítima; outra
que ha de obrar por terra; com as vistas de renovar as
scenas de horror, roubos, e assassinios nas provincias in-
teriores do México. Além dos voluntários, ajustados na
provincia de Luiziana, segundo as noticias que tenho r e -
cebido, se espera que venha de Kentuki um corpo de
aventureiros, a fim de se ajunctarem na Bahia de Sabina»
e marchar para o interior da provincia de Texas, com-
mandados pelo monstro Bernardo Gutierrez, Toledo,
Anaya, Humbert, e seus sequazes. Aos 8 de Julho pas-
sado, se viram embarcar publicamente duas peças de
calibre seis, e dizem que também se embarcariam 1.000
espingardas; sendo tudo destinadado a servir, na mesma
expedição. O cidadão Perit; um dos ajudantes-de-campo
de Bernardo Gutierres, e actualmente no serviço dos
Estados Unidos, me asseguram que vai como um dos
chefes destes vagabundos Americanos ; e que até tem
alistado vários dos officiaes e soldados, que estavam com
3G2
420 Miscellanea.
licença do exercito desta Republica. O seu numero che-
ga j à a 500 homens; e, para sustento destas tropas, se
tem embarcado os mantimentos necessários. A expe-
dição marítima, conforme o que me asseguram, será com-
mandada pelo famoso pirata Vicente Gambi, o qual ha
pouco tempo escapou ao castigo capital por um perdaõ
particular do tribunal do Almirantado em Nova-Orleans.
Tembem me informam, que os corsários de Barataria
levam agora as suas prezas para a Bahia de Sabina, donde
levam os seus roubos para Nova Orlans; e se suppoem
que o exercito de vagabundos, pertencentes a estes Es-
tados, em que me dizem naõ ha senaõ cinco Hespanhoes,
sairá da cidade de Nova Orleans commandado pelo go-
neral H u m b e r t ; será conduzido para a dieta Bahia: e
dali, subindo o rio Sabina, em breve se achará no território
Hespanhol. Tenho communicado toda esta informação
ao Governo Americano, pedindo-lhe mui energelica-
mente, que se dem ordens para os obrigar a voltar para,
o interior longe das fronteiras ; e que se castiguem os
promotores e fautores, com as penas prescriptas pelas leys.
Duvido que se ponha em execução o que tenho pedido;
porque além de que a Administração he surda ás minhas
queixas, seria incompatível com a idea, que se tem for-
mado de emancipar as nossas possessoens neste hemi-
spherio. De tudo isto informo a vossa Excellencia a fim de
que o fique entendendo, e adopte as medidas necessárias
para prevenir o mal que resultaria, se isso fosse posto em
execução ; porque ja naÕ tenho a menor duvida do pro-
jectado ataque, na provincia de Texas.
Deus guarde a V. Exa. muitos annos.
(Assignado) Luiz DE ONIS.

Outra carta do mesmo ao mesmo.


SENHOR !—Jozé Bonaparte acaba de passar por esta
Miscellanea. 421

cidade, em seu caminho para Washjgton ; asseguram-me


que trouxe grande quantidade de dinheiro; e que intenta
estabalecer-se nestes Estados. Naõ obstante que este
homem, em outro qualquer paiz seria desprezível, em
conseqüência da sua falta de talentos, e do estado a que
se acha reduzida a sua familia; e com tudo elle pode
fazer-nos aqui algum mal; aonde talvez ache pessoas, que
ou como admiradores de Napoleaõ, ou como affejçoados á
tua pessoa, podem induzido a entrar em alguma empreza
temerária, com as vistas de gozar de seu dinheiro. Em
conseqüência disto tenho expedido uma circular a todos os
Cônsules de S. M. nesta republica, instruindo-os a que
procurem saber, a quantidade de dinheiro e joyas que
trouxe com sigo; para o caso em que nestas ultimas se
achem algumas pertencentes á coroa de Hespanha; que uso
elle faz do seu dinheiro ; com que pessoas associa; quaes
saõ os seus desígnios ; e n'uma palavra vigiar escrupu-
losamente todos os seus movimentos e acçoens, e infor-
mar-me do mesmo sem demora. Se elles averiguarem
qualquer cousa de importância, relativamente ao Reyno
de México, naõ deixarei de o participar a V, Ex a , a fim
de que possa adoptar medidas convenientes. Tenho infor-
mado a V. Exa. n os m e U s officios anteriores, que se es-
tavam preparando duas expediçoens em Nova Orleans
formadas daquella vagabunda e sediciosa gente, que tem
por objecto invadir as provincias do interior. Em con-
seqüência das enérgicas representaçoens, que tenho feito
ao Governo deste paiz, queixando-me da escandalosa ma-
neira, em que se toleram armamentos, no território desta
«>nftderaçaõ, tenho podido induzir o Presidente destes
«tados a expedir a proclamaçaõ, de que incluo aqui a
• x*. uma copia traduzida; porque segundo essa pro-
v a ç ã o saõ os magistrados, e authoridades encarregadas
e perseguir e prender as pessoas alistadas nas dietas ex-
422 Miscellanea.
pediçoens, coíifbrme o teor das levs. Porém como estas
machinaçoens clandestisnas saõ conformes aos desejos
da maioridade dos cidadãos deste paiz, e como nin-
guém tomará o trabxlho de perseguir estes revolucio-
nários tenho dado ordem ao letrado d'El Rey em Nova
Orleans, lugar que he o foco destas expediçoens, que
faça prender e processar, ante os tribunaes, as pessoas
implicadas nesta nefanda conspiração. O critico e lugubre
estado, a que me acho reduzido, pela absoluta falta de
fundos, m e tem impedido de dar passos mais eíficazes e
aetivos para prender estes rebeldes; porque he preciso
dinheiro, e eu estou absolutamente sem meios, naõ
tendo recebido suprimentos de V. Ex a . que he a única
pessoa que me pôde ajudar presentemente. O In-
tendente de Havana, a quem me tenho dirigido, tem
estado surdo ás minhas necessidades, e aqui estou sem
credito nem meios; com mil cuidados a que attender, e
soffrendo mil privaçoens humiliantes ao meu character;
e, o que me he mais penoso que tudo, vendo soffrer os in-
teresses de meu Soberano por falta de fundos, sem o
poder impedir. As despezas deste lugar saõ mui consi-
deráveis, as despezas extraordinárias saõ geralmente as
mais urgentes. S e eu tivesse fundos poderia reclamar
e obter a rcstituçaõ de uma das corvetas de guerra de
S. M . capturada pelos insurgentes de Carthagena, que
ultimamente entrou em Nova Orleans, com a bandeira
daqueUes Alliados. Também poderia paralizar as expe-
diçoens formadas contra o nosso Reyno, pelos rebeldes de
Nova Orleans; porém os mesmos motivos frustraram o
meu zelo, e todos o» meus esforços a favor da tranquillw
dade de vosso precioso Reyno, Naõ especefico a V.
Ex«. mais casos da mesma natureza, para naõ incommo-
dar mais a V-" E x a . ; po/ém elles saõ innumeraveis; e a
amarga lembrança de estar o serviço soffrendo por falta
423
Miscellanea.
de fundos me enche de lastima. Portanto, solicito a
V. Ex». qüe faça tudo quanto puder para me mandar al-
guns fundos, com a maior pressa e urgência, que a minha
situação requer; e que seja servidido conceder que o
Commissario, que vos mandei ha tres annos, seja quem
os traga: a saber, D. Philippe Fatio, aquém V. Exa.
será Bervido pagar os atrazados, que se devem a este
lugar.
Deus guarde a. V. Exa. muitos annos.
(Assignado) L u i z DE O N I S .
Philadelphia 16 de Septembro, de 1815.

GUERRA DO R I O - D A - P R A T A .

Extractos da Gazeta Official do Rio-de-Janeiro, 18 de


Decembro 1816.

Consta pelas noticias officiaes vindas ultimamente da


Capitania de S. Pedro, que o Tenente Coronel Jozé de
Abreu se dirigira, em conseqüência das ordens do T e -
cente General Joaquim Xavier Curado, com 630 homens,
e uuas peças d'artillieria, a desaffrontar o território de
Missoens dos insultos das tropas de Artigas, e que, depois
de haver varrido a margem Septentrional do Uruguay,
desde Japeja até S. Borja das partidas que a infestavam,
causando-lhes perda em varies rencontros, tivera no dia
3 de Outubro do presente anno um combate com as forças
de Jozé Artigas naquelle ultimo lugar. Este chefe com-
mandava 1.400 homens, pela maior parte índios, e tinha
em «tio o dicto lugar havia 20 dias, tendo-lhe feito r e -
petidos ataques, em qüe foi Constantemente rechassailo;
e, sabendo da chegada do Tenente 'Coronel Abreu, pu-
chou 800 homens da mencionada fcrça para apresentar-lhe
424 Miscellanea i
combate. O Tenente Coronel Abreu dispoz as suas
poucas tropas segundo as conformaçoens do ttrreno ; e
fez avançar uma parte dellas para cortar a communicaçaõ,
que o inimigo conservava pelo flanco esquerdo som o resto
de sua força, mas como elle se dividisse em pequenas
columnas, e começasse a escaramuçar sem ordem, com o
fim de pôr em confusão as tropas Portuguezas, o referido
Tenente Coronel os fez desalojar de dous pomares, em
que se oceultavam e que lhes serviam de apoio; depois
do que fazendo jogar as duas peças de artilheria com me-
tralha, para desbaratar os tres pequenos macissos, os
mandou também carregar pela sua cavallaria, que aca-
bou de pôllos em derrota, tomando-lhes logo uma peça
de artilheria. O resto da força sitiante poz-se também
cm completa retirada, deixando outra peça d'artilheria, e
uma carreta de muniçoens. Na sua retirada seguio o
inimigo, duas direcçoens, procurando abrigo uma parle
das forças destroçadas no banhado, que fica acima de S.
Borja, e outra marchando logo para o passo no Uruguay:
estes últimos foram logo perseguidos, e Be lhes fez
grande destroço na passagem do Rio, no qual fôram
obrigados a precipitarem-se, a pezar de terem uma ca-
nhoneira, e artilheria do outro lado para proteger a pas-
sagem ; e alem de muitos que pereceram afogados, a
artilheria Portugueza lhes metleo a pique uma canoa car-
regada de gente e armamento, e fez algum prejuizo á
canhoneira. A força, que fugio para o banhado, naõ
pôde ser acossada por causa da difficuldade do terreno,
e por ter ganhado uma grande dianteira, em quanto
as tropas da capitania andaram envolvidas com os dis-
persos do inimigo; fôram porém atacados no dia se-
guinte ; e no dia 5, depois de perderem mais de 40
homens, e 620 cavallos, se puzeram em fugida, deixando
limpo todo o território de Missoens. A natureza deste»
Miscellanea. 425
combates, e o modo de guerrear, fez! com que naõ se
tomasse grande numero de prisioneiros, como compe-
tiria a tam grande derrota, se as tropas inimigas pelejas-
sem com alguma ordem ; mas entre os poucos prisioneiros
conta-se um capitão e um alferes. As mesmas razoens
acima dietas concorreram para que a nossa perda fosse in-
significante ; a do inimigo reputa-se que andaria por mui
perto de 200.
Recebeo-se igualmente a participação official de outfo
combate, em 19 de Outubro ultimo com as tropas de Ar-
tigas, que vieram assolar o território entre Guaraein e
lbiracuay, nas vizinhanças de Yuhanduy e Paipaes, as
quaes foram mandadas expulsar pelo Tenente General
Curado,que destinou para este serviço o Brigadeiro Joaõ de
Deos Mena Barreto, com um destacamento de 530 homens
de diferentes armas. A força do inimigo consistia em 800
homens de infanteria e 5 esquadroens de cavallaria, mas
apresentaram so 200 homens, pondo o resto em embus-
cada; o Brigadeiro Barreto, apercebendo-se disto, deixou
alguma gente para guardar a bagagem, e com a sua
força disponível, que eram 437 atacou e perseguio o» taes
200 homens, que se recolheram logo ao grosso de suas
forças: entaõ o inimigo procurou envolver o pequeno
corpo do Brigadeiro Barreto, porém sendo carregado
comviveza, pelo centro a flancos ao mesmo tempo, foi roto
e desbaratado. A perda do inimigo foi considerável,
mas á data dos últimos despachos naõ estava ainda veri-
ficada; sabe-se com tudo que entre os mortos se contam
o capitão Rolela e um Alferes; da nossa parte consta
haver só 2 mortos, e 18 feridos, entrando em o numero
destes últimos o Brigadeiro Barreto, que levou uma bala
no braço esquerdo, e o Major Francisco Barreto ferido
levemente por uma bayoneta.
A perda de Artigas em todos os differentes combates
VOL.XVHI. No.107. 3H
426 Miscellanea.
que tem havido^ nas margens do Uruguay e no cerco de
S. Borja, avalia-se em muito perto de 800 homens, entre
mortos, feridos e extraviados; e o numero de cavallos
aprehendidos chega a 2.000.
Conforme se vê destas differentes communicaçoens, a
margem esquerda do Uruguay está quasi inteiramente
livre de inimigos, e pelas providencias tomadas pelo Te-
nente General Curado, para a co-operaçaõ e mutuo apoio
das tropas destinadas á sobredicta margem esquerda, he
de esperar, que fiquem sem effeito os planos de Artigas,
que tinha em vista entranhar-se pelo Rio-Pardo, para
devastar o interior da nossa Capitania.

Rio-de-faneiro 25 de Dezembro.
O Tenente General Carlos Frederico Lecor, com-
mandante da divisão dos Voluntários Reaes d'El Rey, di-
rigio em data de 23 de Novembro ultimo, do quartel-
General do Passo-de-S. Miguel, á Seeretaria de Esta-
do dos Negosios da Guerra, a parte que lhe deo o
Marechal de Campo Sebastião Pinto de Araújo Correia,
commandante das tropas que formam Vanguarda da
sobredicta divisão, de um combate, que houve juncto a
Chafalote, com uma força inimiga de que éra chefe Fruc-
tuoso Ribeiro ; a qual parte, para satisfacçaõ do publico,
aqui se manda transcrever por inteiro.
IU m °. e Ex11»». Senhor!
E m conseqüência do officio, que recebi de V. Ex a .,
datado de 9 do corrente, e das dissposiçoens de marcha
ja communicadas a V. Ex». no meu officio de 12„ sai de
Angustura no dia 16, e vim ficar no Passo-Real-de-Cas-
tilhos, aonde principiaram a avistar-se, sobre as alturas
em direcçaõ de Chafalote, algumas espias, que observa-
Miscellanea. 427

vam a nossa marcha. E , tendo eu noticia que Fructuoso


Ribeiro estava acampado no Saco-do-Alferes, julguei n e -
cessário reconhecer as suas forças, antes de adiantar até
Rocha as tropas do meu commando ; para o que pedi ao
Brigadeiro Pizarro, que marchasse até o Passo-do-Con-
selho, com a suabrígada no dia, 17, e que occupasse,no dia
18, o campo do passo-do-Chafalote. Mandei igualmente
que se lhe unisse a artilheria e um piquete de 60 cavallos,
assim como lambem, que ficasse com elle o Commis-
sariado. A cuberto deste movimento marchei no dia 17,
ao cerrar a noite, com a vanguarda do meu commando,
duas companhias de caçadores da 2 a . brigada, e um obuz,
fazendo tudo a força de 957 homens, com direcçaõ ao
mencionado Saco-do-Alferes. Na magrudada do dia 18
encontrei próximo á casa de Antonio de Souza duas par-
tidas inimigas, que se retiraram pelas alturas, observando
miudamente a minha marcha e forças; e eu pude, encu-
brindo-lhes a infanteria, chegar nesse mesmo dia á costa
do arroio de India-Muerta; passado este no dia seguinte,
cheguei às 11 da manhas ao Passo-de-Manuel-Patricio
repellindo as espias e partidas do inimigo, que appare-
cêram ja em maior força. Ao meio dia principiaram a
aproximar-se à posição, que eu occupava, duas partidas
inimigas, uma de 50 homens pela minha frente, e outra
de 140 no flanco esquerdo, e, meia hora depois, appare-
cêo nas alturas de índia—Muerta, na] minha retaguarda,
o corpo do inimigo do commando de Fructuoso Ribeiro,
em força superior a 2.000 homens de cavallo. Este corpo
tinha marchado toda a noite desde a costa do arroio do Al-
feres, pela cochilha deste nome, com o fim de atacar a
minha retaguarda, e postou na altura de Villa Velasques
uma peça d'artilheria de calibra 4, protegida por 3 com-
panhias de negros. Julguei entaõ conveniente deixar a
posição que occupava, e atacar a linha do inimigo, que
3 H 2
428 Miscellanea.
éra assas extensa, antes que este mudasse de cavallos.
Ordenei, por tanto, que 2j esquadroens de cavallaria da
divisão, e uma companhia de caçadores passassem imme-
diatamente além do passo, que ha entre as duas posi-
çoens, e successivamente o passou toda a tropa, deixando
ficar no mencionado passo, coma éra de necessidade, um
destacamento de caçadores commandado pelo Major
M c Gregor, para repellir as tentativas, que ali faziam ja
as duas partidas mencionadas. As quatro companhias de
Granadeiros commandada s pelo Tenente Coronel An-
tonio Jozé Claudino de Oliveira Pimentel, marcharam
com o obuz, na direcçaõ de Villa Velasques; e dous es-
quadroens da divisão commandados pelo Tenente Coronel
Joaõ Vieira Tovar, cubriram a direita da linha; e o Major
Jeronimo Pereira de Vasconcellos commandava um corpo
de caçadores, que, formando a minha esquerda, devia
atacar o flanco do inimigo, sendo protegido pelos es-
quadroens, da Legiaõ de S. Paulo e Milicias do Rio-
Grande. As cavalhadas da reserva dos esquadroens fica-
ram na retaguarda da columna do Tenente Coronel
Antonio Jozé Claudino, com uma escolta de cavallaria.
O inimigo principiou a fazer em toda a sua linha um fogo
activo, mas sem ordem, e tentou flanquear os esqua-
droens do Tenente Coronel Joaõ Vieira Tovar, ao qual
ordenei, que o fizesse repellir por um esquadrão. Era
entaõ necessário fazer marchar alguma cavallaria para o
passo, que defendia o Major M c Gregor, e foi reforçado,
com 30 cavallos; o inimigo, que o atacava, tractou de
unir-se á sua direita a qual manobrava para envolvemos,
mandei entaõ eucorporar ao destacamento do Major Jero-
nimo Pereira de Vasconcellos uma companhia de caça-*
dores, e lhe ordenei que fizesse avançar toda a direita
dos seus atiradores. O inimigo fez alguns tiros com a
peça que tinha, mas sem effeito; pelo contrario o obuz
Miscellanea. 429
da columna do Tenente Coronel Antonio Jozé Claudino
fez tiros muito bons. Mandei a este tempo atacar a
columna da esquerda pelos esquadroens da cavallaria da
divisão, que se conduziram com o valor mais decidido,
diitinguindo-se mui particularmente os officiaes. Ao T e -
nente Coronel Antônio Joze Claudino determinei, que
occupassc a posição da casa com os granadeiros do seu
commando; o que elle executou com tanta firmeza como
se fosse em parada. O combate se havia entre tanto ateado
mais em toda a tinha, porem o inimigo sendo roto e batido
fugio em desordem; e, querendo fazer halto a uma legoa
do lugar aonde o combate começara, foi desalojado por
tres descargas de mosqueteria do corpo de granadeiros, e
naô foi perseguido até mais longe por causa do cançasso
dos cavallos, e fadiga da tropa, tendo durado a acçaõ
quatro horas e meia.
Tenho maior prazer em significar a V. E x a . , que
toda a officialidade manifestou o seu valor e sangue frio, e
com particularidade o serviço de S. M, deve muito á co-
operação do Tenente Coronel Antoninio Jozé Claudino,
cuja bravura e prestimo saõ bem conhecidos de V. Ex». e
aos esforços do Tenente Coronel Jeaõ Vieira de Tovar, do
Major Jeronimo Teixeira de Vasconvellos, e do Major
Manuel Marquez de Souza, commandante dos esqua-
droens de S, Paulo e de Milicias do Rio-Grande, os
quaes se conduziram com o valor e disciplina, que éra de
esperar. Foi também muito distincto o comportamento
doCapitaõJoaÕNepomuceno,que tomou o commando dos
esquadroens de cavallaria da divisão, pouco depois da
primeira carga, em conseqüência das feridas do Tenente
Coronel Tovar, e da morte do Major Duarte de Mes-
quita; assim como do 2 o . Tenente de Artilheria Gabriel
Antowo Franco de Castro, que dirigio o obuz. Naõ
devo omittir por esta occasiaõ o dizer a V. Exa, q u e 0
430 Miscellanea.
Major Jeronimo Pereira de Vasconcellos, estando tam
doente que vinha em uma carreta, me fez repetidas in-
stâncias para ir á acçaõ, aonde com effeito se distinguio,
com mandando a força mencionada acima.
Sinto muito a perda que experimenta o serviço de S.
M., pela morte de alguns officiaes beneméritos, e pela
privação temporária das feridas que receberam, conforme
V. Ex». verá na lista, que tenho a honra de remetter in-
clusa, porém este sacrifício, ainda que muito considerável,
em razaõ da qualidade das pessoas, naõ tem comparação
com as perdas e destroço do inimigo, a quem ficaram no
campo perto de 200 mortos, deixando em nosso poder a
peça d'artilheria, que tinha, 30 prisioneiros, pela maior
parte negros, 280 cavallos, muitas muniçoens e arma-
mentos, 2 caixas de guerra, e a conrespondencia do
de chefe Fructuoso Ribeiro ; e naõ levam menos de 350 a
400 feridos, conforme o que pode calcular-se, e o que
dizem os prisioneiros. Estou muito obrigado aos meus
Ajudantes d'Ordens Antonio Maria de Lacerda, a quem
tocou expôr-se mais vezes, e que sempre o foi com van-
tagem para o bom êxito deste dia. O Cirurgião Mpr
Jozé Pedro d'01iveira he digno dos maiores elogios, por
ficar exposto em todo o tempo da acçaõ a fim de ser útil
no exercieio do seu emprego, como foi, dando novas de-
monstraçoens do zelo, que sempre o fez distincto.
Dous paizanos affirmam, que os dispersos de Fructuoso
Ribeiro se reúnem no vale de Mameraya, vertentes do
arroyo de S. Carlos.
Deus guarde a V. Ex». Quartel General no campo
do Chafalote. 21 de Navembro de 1816.
(Assignado) SEBASTIÃO P I N T O DE ARAÚJO CORREIA.
Marechal de Campo Ajud. Gen,
Ao Ill-no. e Ex*100. S'nr Carlos Frederico Lecor.
Miscellanea. 431

Relaraõ dos mortos e feridos no combate de 19 de


Novembro de 1816.

Cavallaria da Divisão.
Tenente Coronel Joaõ Vieira de Tovar : ferido gravemente
Major Duarte de Mesquita : morto.
Capitão Miguel Pereira : ferido gravemente.
Sargento Ajudante : idem.
Sargento Picador : morto.
Officiaes inferiores : ferido gravemente 1.
Cabos anspesadas e soldados : mortos 23.
Dictos : feridos gravemente, 22.

Cavallaria de S. Paulo e Milicias do Rio-Grande.


Major Commandante Manuel Marques de Souza : con-
fuso.
Dicto da Legiaõ de S. Paulo. Jozé P GalvaÕ : idem.
Tenente Antonio Jozé Pessoa : idem.
Officiaes inferiores : contusos, 1.
Cabos anspeçadas e soldados : mortos, 1
Dictos : feridos gravemente, 1.
Dictos : contusos, 3.

Infanteria e Caçadores da Divisão.


Alferes Carlos Ernesto Krusse : morto.
Officiaes inferiores : feridos gravemente, 1,
Cabos anspeçadas e soldados : mortos, 1.
Dictos : feridos gravemente, 12.
Dictos : contusos, 3.
(Assignado) SEBASTIÃO PINTO DE ARAÚJO CORREIA.
Marechal de Campo Ajudante Gen.
Vluartel General em o Campo do Passo
de Chafalote em 21 de Novembro de
1816.
432 Miscellanea.
Rio-de-Janeiro, 4 dv Janeiro de 1817.
Por uma carta digna de todo o credito consta circum-
stanciadamente de um combate juncto a Sancta Anna, que
tiveram as tropas da fronteira do Rio- Grande com Arti-
gas em pessoa, e no qual este ultimo foi completamente
derrotado. As nossas forças andavam por 750 homens
dos quaes só 600 eram forças regulares de differentes
armas, e o resto guerrilhas: tinha este destacamento duas
peças de artilheria, e era commandado pelo brigadeiro
Joaquim d' Oliveira Alvares. As forças de Artigas
subiam a 1.500 homens, dos quaes 800 eram nontados e os
mais de pé. O inimigo marchou para accomettei* a posi-
ção, em que estavam as nossas tropas, mas foi atacado por
ellas antes de lá chegar; e depois de uma peleja, em que
perseveráram por mais tempo do que custámam, foram
rotas e dispersadas, tendo pedido quasi 400 homens, e
deixando em nosso poder 48 prisioneiros, sendo deste
numero Gabelli, sobrinho de Artigas, e outro sobrinho do
chefe La Torre; fôram também apprehendidas 350 armas,
com bayonnetas, 200 espadas com bainhas de ferro, mui-
tas pistolas, lanças, algumas muniçoens, 7 caixas de guerra,
e 2 estandartes; além d' outros despojos. Da nossa
parte morreram 30 soldados e officiaes inferiores, e ha 58
feridos, dos quaes ja tem morrido alguns: entre os feridos
se conta o Tenente d'Artilheria Bento Jozé de Moraes. O
Brigadeiro Oliveira, depois de seguir o inimigo por mais de
uma legoa, se recolheo com as tropas ao seu anterior
acampamento.

Proclamaçaõ do Marechal de Campo Correia, na tomada


de Monte-Video.
Sebastião Pinto de Araújo Correia, Fidalgo da Casa
Real, Alcaide Mor de Caminha, Commendador das
Miscellanea. 433
Ordens de Christo, e Torre e Espada, Marechal de
Campo do Exercito, Ajudante-General e Secretario
Militar da Divisão de Voluntários Reaes, Governador de
Monte-Video, e Intendente da Provincia da Margem
Oriental do Rio-da-Prata, &c.
S. Ex*». o Capitaõ-General da Provincia, Carlos Frede-
rico Lecor, tomando em consideração que algumas pessoas
nesta cidade e sua jurisdicçaõ tem desertado suas casas,
pela errônea idea de que o exercito Portuguez os chamaria
adar conta de suas opinioens passadas, ou a vingar resenti-
mentos particulares; e que outros, com a mesma errada
noçaô, tem comettido ultragens, que deram occasiaõ a
queixas e discórdias, entre os vizinhos da mesma cidade,
em prejuizo da tranquillidade e segurança publica; em
ordem a pôr termo a taes excessos, tem determinado o
seguinte:—
Em primeiro lugar; toda a pessoa, sem nenhuma ex-
cepçaõ, que insultar outra, por obra ou por palavra, em
conseqüência de suas opinioens politicas passadas, ou por
ter seguido este ou aquelle partido na guerra civil, será
castigado severamente, até com a confiscaçaõ de bens,
segundo a natureza do crime. Em segundo lugar; que
todo o individuo, sem excepçaõ, que fugir deste lugar,
qualquer que fosse o emprego publico, que oecupasse,
durante os differentes Governos, a que tenha servido,
poderá voltar para sua casa, seguro da protecçaõ do exer-
cito Portuguez; e poderá estar desçançado, de que em
tempo nenhum será chamado a responder por seu com-
portamento ou opinioens politicas passadas; e, em ordem
aque estes regulamentos, tam importantes á paz e felici-
dade publica da Provincia, tenham o seu devido effeito;
fica por esta encarregado mui estrictamente a todas as
justiças, que usem de toda sua authoridade para fazer
publica esta Proclamaçaõ nas formas usuaes, demaneira
VOL. XVIII. No. 107. 3 i
434 Miscellanea,
que venha ao conhecimento de todos; afixando copias nos
lugares do custume, e imprimindo-se para melhor infor-
mação do Publico.
Dada em Monte-Video aos 22 de Janeiro de 1817.
(Assignado) SEBASTIÃO P I N T O D E ARAÚJO CORREIA.
Por ordem de S. Exa,

Proclamaçaõ do Tn. General Lecor.


Carlos Frederico Lecor, Tenente General dos Reaes
Exércitos de S. M. Fidelissima, Commandante em Chefe
das forças de mar e terra, empregados na Margem Oriental
do Rio-da-Prata, Commendador das Ordens de S. Bento
de A viz e Torre e Espada, e Capitão General desta Pro-
víncia, &c. &c.
Habitantes de Monte-Video! A segurança de vossas
pessoas e propriedade, he garantida pelo Exercito Portu-
guez; e, de hoje em diante, aquellas agitaçoens de anar-
chia, que portanto tempo vos tem affligido, desappareceraÕ
diante da influencia da ordem e das leys. Voltai para o
feliz socego de vossos lares; reyne outra vez entre vós o
contentamento e a affeçaõ fraternal; e cubrami-se com
um véo eterno todas as desordens passadas; o povo naõ
sentirá mais o pezado jugo das contribuiçoens; e um com-
mercio livre com todas as naçoens, que vos foi concedido
pela generosidade de S. M. Eidelissima, nosso Rey, repa-
rará os damnos, occasionados pela guerra civil, e restituirá
á Provincia o seu antigo esplendor. Os differentes ramos
de minha authoridade perseguiraõ com rigor aquelles
homens bárbaros, que incendiam as vossas cearas, e
devastam os vossos campos; e nesta grande obra da paci-
ficação geral conto com o auxilio de todos os homens bons,
(Assignado) CARLOS FREDERICO LECOR.
Monte-Video, em 20 de Janeiro, de 1817.
435
Miscellanea.

SUÉCIA.

Noticia oficial da conspiração contra o Principe da


Coroa, datada de Stockholmo aos 14 de Março de
1817.
Este artigo refere a denuncia de Lendhorn, a qual
supposto viesse de uma fonte pouco digna de credito, éra
comtudo de natureza demasiado séria, para naõ exigir o
exame de sua veracidade. Menciona entaõ os memoriaes
dirigidos ao Principe da coroa, em que se pede que com-
munique os sentimentos de sua lealdade a El Rey.
«Todos temos humildemente requerido, que se adoptem
as medidas mais efficazes, contra aquelles que se achar que
saõ criminossos; e todos exprimimos o nosso horror contra
aquelles, que em sua impotente lonuera, tentaram atacar
uma constituição fundada no amor do povo Sueco, na sua
mais viva gratidão por serviços que lhe foram feitos; na
vontade nacional, expressa pelos representantes do povo, e
com a sua approvaçaõ, está firmemente segura contra a
mudança de sentimento, contra todos os cálculos da facçaõ."
Os Deputados militares foram introduzidos pelo Conde
Stedinck,acompanhado pelo Feld-Marechal Conde Essen,
que expressou a sua affeiçaõ pelos termos mais ardentes.
Sua Alteza Real na sua resposta, disse, depois de lhe
agradecer o que tinham feito; " \t Que querem estes fracos
desprezivas homens, que parece conspirarem na obscuri-
dao, para perturbar a tranquillidade publica? Se os
planos tivessem meramente sido contra a minha vida e
contra a de meu filho, eu me naõ dignaria de lhe prestar
attençaõ alguma. Sou soldado, e tenho aprendido por
longo tempo o desprezar a vida; mas o que elles querem
ne abalar as ley8 fundamentaes, atacar a vossa honra e
liberdade; portanto devo levantar-me e defendêlla. A
livre escolha da naçaõ me chamou para o Throno da
ouecia. O exercito sabe que eu naõ procurei esta honra;
3i 2
436 Miscellanea.
porém tenho-a justificado defendendo a vossa escolha.
E u ao mesmo tempo defendo com isso os vossos direitos, e
continuarei a fazêllo, empregando todas as faculdades, que
a natureza me tem dado, e que talvez me tenham procu-
rado alguma reputação. Na verdade, ou naõ vim ter
entre vós para lisongear um vaõ orgulho; quanto a mim
tenho ganhado assas gloria. A felicidade da Suécia he o
único objecto dos meus esforços, unia mola das minhas
acçoens. Dejeso a liberdade para vós; desejo a gloria
para vós; desejo a vossa felicidade, e, a pezar de todas as
tentativas, que se possam fazer, eu alcançarei segurar-vos
a posse disto, que he o mais preciso, para todos os homens
honrados." Concluio dizendo-lhes, que, se jamais elle se
esquecesse do seu dever, voltassem contra elle as armas,
que oífereçiam agora em sua defensa. "Tem-se feito
tentativas para que se suspeitem algums de meus coma-
radas militares; longe de mim tam odioso pensamento.
O homem valoroso nunca pode ser perjuro; a honra e
a leadade tem a sua habitação debaixo das fardas e nos
coraçoens dos soldados."
Uma das mais notáveis fallas de S. A. R . foi a que fez á
Deputaçaõ dos cidadãos, de o que seguinte saõ passagens.
" H a mezes a esta parte, que se circularam rumores
vagos pelo paiz. Algumas vezes dizia-se que El Rey
linha morrido, depois que meu filho estava morrendo;
dahi que a minha vida estava em perigo; fazia-se isto
para causar sustos no paiz. Algumas denuncias ultima-
mente attrahiram a attençaõ da Policia e do Governo —
Instituiram-se procedimentos judiciaes, e os culpados ou
falsos denunciantes seraõ castigados. Eu poderia per-
doar aos authores destes rumores, se elles somente se
dirigissem á minha vida; mas elles procuram derribar a
vossa liberdade, a vossa Constituição, a vossa honra
nacional, em uma palavra tudo quanto ha de mais sagrado
para o honrado cidadão.
Miscellanea. ^37

« Ejieg Be tem aventurado a mixturar os nomes de uma


familia, que vós tendes excluido do throno. Vós mesmos
«abeis, Senhores, que eu naõ causei s sua sorte.
« Quando, no estado desastrosso a que vos tinha redu-
zido uma serie de desgraças, vós lancastes os olhos sobre
os Príncipes, que eram conhecidos pelos serviços que tin-
ham feito á sua pátria, e a vossa escolha Be fixou em mim,
eu me resolvi a aceitálla. A mesma idea dos perigos que
vos cercavam,me fez sentir a mim mesmo maior doque eu
éra, e capaz dos mais elevados planos para merecer a
vossa confiança. Por amor de vós consenti em renunciar
aos prezeres e tranquillidade da vida particular, a que
tinha destinado o resto de meass dias. Entregnei-me
inteiramente a um povo entrora tam esflamedo, e entaõ
tam infeliz. Nim para o meio de vós e trouxe com titulo
o como penhor a minha espado e os meus feitos. Se eu
vos pudesse ter trazido uma sérce de entepassados desde
o tempo de Carlos Martel, so o teria desejado poj amor
devós; quanto a mim, tenho iqual orgulho nos serviços
que tenho feito e na gloria, que me tem elevado. Estas-
pretençoens se augmentam ainda pela aboçaõ d'El Rey,
e pela escolha unanime de um povo livre.
K
Nisto fundo os meus direitos e em quanto a honra e a
justiça naõfôrembanidas da terra, estes direitos seraõ mais
legaes, e mais sagrados, do que se eu descendesse de Odin.
A historia mostra, que nenhum Principe subio nunca ao
ti-rono, senaõ pela escolha do povo, ou pela conquista.—
Eu naõ abri com as armas o caminho para a successaõ
8ueca. A escolha livre da Naçaõ me chamou, e este he
o direito em que me apoio. Lembrai-vos da vossa condição
quando eu aqui cheguei, e vede o que sois agora.
' H a hon>ens mal dispostos em todos os paizes; porém
na Suécia o seu numero he tam pequeno, que naõ he
necessário medidas extraordinárias para os reprimir.
*A paz interior do paiz esta imperturbável; de fora
438 Miscellanea.
naõ temos nada que temer. Nós naõ nos iütromelfemos
com os negócios dos outros paizes, e et-iamos certos de
que elles se naõ intrometteraõ com nosco. Os nossos
direitos portando estão seguros tanto dentro como fora do
Reyno; e tudo annuncia que, por longo tempo, naõ sere-
mos obrigados a defendêllos; porem se a honra da naçaõ
o requerer, eu me porei á frente de um fiel, experimen-
tado, e disciplinado exercito, sustentado pela vontade d'El
Rey e do povo, e acompanhado pelos auspícios da victoria
a encontrar o inimigo; de derramarei todo o meu sangue
em defeza da pátria. Naõ posso expressar-me como
desejava, na lingua Sueca; porém meu filho fatiará por
mim; elle he educado entre vós, e nelle descançam todo»
as minhas esperanças; porém eu fallo a linguagem da honra
e da liberdade, e todo o Sueco que ama verdadeiramente a
a sua pátria me entende.

Reflexoens sobre as novidades deste mez.


REYNO UNIDO DE FORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.
Guerra no Rio-da-Prata.
Continuamos e publicar a 423, deste N°. ás apoucadas noti-.
cias officiaes, que se tem deixado apparecer no Rio-de-Janeiro, e
que pelas suas datas dam a entender os progressos da expedição,
que marcha contra Ar.igas.
Um de nossos conrespondentes nos informou da razaõ, que se
dava no Rio de-Janeiro, para naõ publicarem por inteiro os officios,
que tinham chegado, relatatsdo as acçoens do general Curado, e
outros officiaes, que obram contra Artigas pela parte das Missoens,
aonde eslá a direita* do exercito do Brazil.
O Ministro, Conde da Barca, a quem está entregue aquella
repartição da guerra, encarregou o cuidado de resumir as relaçoens
da campanha para serem publicadas, a tím Corttael, cujo nome nos

* O impressor aprouve-lhe trocar os nomes de direita e esquerda do


Exercito; no nosso N». passado p. 299, linhas 19 e 20; errata, que, sup-
posto sêjà de conseqüência, facilmente a perceberá o leitor, que lera*
re) atjoeu», olhando para o mappa.
Miscellanea. 439
naõ lembra agora, e que por isso so distiiiguiremoa pelo appellido
Cujo; esse coronel assentou, qae naõ convinha publicar nada do
que se passava na direita do Exercita, em Missoens; em quanto
naõ entrasst-m em acçaõ as tropos que formavam a direita, e cuja
vanguarda vai commandada pelo marechal-de-campo Correia.
A razaõ, que o Coronel C.ujo teve, segundo nos informam, paia
éslu sabia determinação, foi o julgar que naõ convinha publicar as
acçoens de uma parte do exercito, sem que a oulia parte tivesse
tambem feito alguma cousa, que se pudesse publicar. Ora a direita
do exercito, nas margens do Urugay, tinha ja pelajado bastante,
quando a esquerda, que estava no Rio-Gvande e Taim, naõ se
tinha podido ainda avistar com o inimigo; logo, diz o coronel C,ujo,
Le precizo naõ fallar das acçoens de Curado e mais officiaes da
direita, até que naõ haja alguma cousa, que se possa dizer da
esquerda.
A deina;s, as tropas, que fóimam a direita, que pelejou primeiro,
saõ as naturaes do Brazil; aa qne formam, ou haõ de formar a
çsquerda, saõ as que fpram da Europa, excepto as da vanguarda,
«ommandada pelo marechal Correia; logo, diz o C,ujo, naõ narre--
mos por ora os feitos das tropas, que saõ naturaes do Brazil, para
que se naõ escandalizem as outras, que (oram da Europa, até qye
naõ haja alguma cousa que dizer dellas.
Agora perguntáramos nós ao Senhor Corpne! C.ujo,,; quedesdouro
$e podia seguir ás tropas que fôram da Europa; dç naõ terem che-
gado ao seu destino, senaõ depois que as outras Iropas, que já
eslávam em Missoens e no Uruguay, haviam começado a pelejar?
As tropas, que fôram da Europa, tem a aua reputação demasia-
damente bem estabelecida, para terem zelos das vantagens, qu«
«u-ras possam ter ganhado primeiro; e tanto mais quanto aquellas
tropas se naõ podia imputar de forma alguma (a menos que naõ
•>êja a seu cotirunandaiite Lecór) o terem chegado ao Rio-Grande,
depois de Artigas ter ja começado a atacar as tropas do Brazil,
no Uruguay.
Quanto ao General Lecór, individualmente, naõ sabemos se elle
está tam livre de culpa, nisto, pomo estaõ as tropas de seu com-
mando.; porque se elle, quando saio com a expedição do Rio-de-
440 Miscellanea.
Janeiro, fosse direito a desembarcar em Maldonado, como se tinha
determinado, chegaria muito a tempo para começar as suas opera-
çoens, nas campanhas de Moutevideo, antes que a peleja começasse no
Uruguay. Em vez de fazer isto, desembarcou e Sancta Catbarina
e fez a marcha por terra, sem preparos, e com immensas difficul
dades; demaneiia que, na data dos últimos officios, quando a sua
vanguada eslava em Castilhos; e os do Uruguay havia ja mezes
que pelejavam, ainda o General Lecór naõ tiuha podido sair da Rio-,
Grande, ou Villa de S- Pedro.
Hu possivel, nem nós contra isso vamos, que o General Lecór
possa dar mui boas razoens, de naõ ter continuado a viagem per
mar, e ir desembarcar no Rio-da-Prata, em Maldonado, como ilie
mandaram, emvtz de desembarcar, como fez, em Sancta Catbarina,
e ter de fazer depois tam longa marcha por terra; mas quaesquer
que sejam as suas razoens verdadeiras, a que se publicou no Rio-
de-Janeiro, como vinda delle, he razaõ que o naõ justifica.
Dizem que o general Lecór alegara, que, quando chegou com a
expedição á altura de SaDeta Catbarina, se encontrara com navios
vindos do Rio-da-Prata, pelos quaes soube que linha havido na-
quellas paragens grandes tempestades; e receando por isso. que
naõ pudesse fazer o desembarque em Maldonado, se decidio a
desembarcar em Sancta Cathaiina e marchar por terra.
Desapprovamos esta razaõ; porque he fora de propósito ter o
General medo das tormentas, que ja tinham passado; pois naõ
havia de dar á costa com os ventos rijos, que haviam encontrado
equelles navios vmdos do Rio-da Prata; com águas passadas naõ
móe o moinho; nem com as tormentas passadas se havia de perdor
a esquadra.
He verdade, que o desembarque das tropas em Maldonado be
dífficil; mas essa difficuldade foi tomada em consideração ao Rio-
de-Janeiro antes de sair a expedição, com muita circumspecçaõ;
e todos os officiaes de marinha consultados na matéria, com uma
-única excepçaõ (si vera est fama) votaram por que o desembarque
se podia e devia fazer em Maldonado. Com que precisa-se da
outras razoens, além das tormentas, que ja tinham passado-,
para provar que as tropas deviam desembarcarem Sapcta Gatha-
Miscellanea. 441
rina e marchar por terra; com tanto mais trabalho, e tanto maior
demora.
Porém voltando ao Coronel Cujo, que he o literato (naõ sabemoa
com que bullas) empregado pelo Conde da Barca, nestas corapo-
íiçoens; desejaríamos que elle, nos officios que publica, na gazeta
du Rio-de-Janciro, fosse um pouco mais miúdo, e no» desse a fiel
historia daquella campanha, tam intressante para historia do Brazil.
Sc nnõ obrar asim, e só publicar fábulas; quando disser a verdada
naõ «era crido.
Dos movimentos da enquadra somente se sabe, por noticias
particulares, que estava anchorada na bahia de Maldonado; ao
tempo dos últimos officios vindos do Exercito. Este tinha os
seus postos mais avançados em Chafalote, aos 21 de Novembro;
e eutaõ se achava o Commandante em chefe, Lecór, no passo de S.
Miguel; e iam sobre Castilhos, que dista mui pouca de Maldo-,
nado.
Depois de termos escripto o que fica acima, recebemos noticias
particulares do Rio-da-Prata, que referem a entrada das tropas
Portuguezas em Monte-Video, aos 20 de Janeiro; e, pela mesma
via, as proclamaçoens, que traduzimos, e inserimos a p. 431.
Naõ obstante o muito que disseram os jornaes sobre o estado de
defensa da praça de Monte-Video, forças de Artigas, e hostili-
dades de Buenos-Ayres: vê-se agora por estas noticias, que as
tropas Portuguezas entraram na cidade, quasi sem resistência;
que Artigas faz unicamente a guerra de partidário, como nós
sempre julgamos que elle havia de fazer; e que o Governo de
Buenos-Ayres se deixou ficar perfeitamente neutral, nesta con-
tenda, como éra de esperar.
As duas medidas, que se amninciam nas proclamaçoens acima
citadas, saõ de grande importância, e justamente no sentido, que
nós as desejaríamos, j á por sua justiça, j á pelos eíTeitos benéfico^,
que produzirão, em reconciliar os habitantes daquella Provincia
com os interesses dos povos do Brazil. Uma destas medidas he o
esquecimento de opinioens e actos politicas, antes da entrada das
trouas Portuguezas; outra he a franqueza do commercio.
VOJL, X V I I I . N o . 107. 3 K
442 Miscellanea.
Veremos agora como explicam as suas prophecias os Jornaes,
que tam nogros prognósticos fizeram desta guerra do Kio-da-Prata.

Regulamentos sobre os passaportes.


A p . 321 copiamos uma portaria dos Governadores de Portu-
gal, que o Gazeteiro de Lisboa teve a confiança de chamar
Portaria Regia, como se os Governadores fôram Reys de
Portugal.
Teríamos deixado passar em silencio as determinaçoens
desta Portaria; se os Jornalistas, assalariados pelo Governo
Portuguez, naõ tivessem tirado disto occasiaõ para fazerem os
seus acustumados elogios esfarrapados aos homens poderosos,
cujos feitos sempre o seu juizo, ou, para melhor dizer, o seu
interesse, acha dignos de louvor.
A ley da Policia foi inventada, em Portugal, pelo Marquez
do Pombal, á imitação do que tinham feito, em França, os
monarchas mais despoticos daquelle Reyno; porque impor-
tava ao Marquez do Pombal estabelecer em Portugal regula-
mentos despoticos, que convinham ás suas vistas: e posto-
que o Marquez usasse do seu despotismo para fazer, como
fez, muitos e louváveis benefícios ao Reyno, comtudo sempre
foi grande o mal de estabelecer medidas despoticas, das quaes
os Ministros vindouros se aproveitam, para servir aos fins
perversos, que sua malicia lhe suggere, sem que tenham os
talentos e as vistas patrióticas, que podem fazer úteis á naçaõ
esses arbítrios, inconsistentes com um Governo de Monar-
chia moderada.
Quem- escreve este paragrapho tem assas- experiência do
que he viajar pelo Mundo; e portanto naõ duvida asseverar,
que os regulamentos de passaportes, ao presente practicados
em toda a Europa, servem de grande vexame ás pessoas, que
por seus negócios, instrucçaõ ou divertimento passam' de uns
Estados a outros, e nunca taes passaportes servem de impedi
Miscellanea. 443
mento aos que, por alguma razaõ, desejam viajar sem serem
conhecidos; ja porque he mui fácil obter passaportes por ter-
ceiras pessoas; ja porque os officiaes subalternos, a quem o
conhecimento dessas cousas pertence, saõ pessoas ao alcance
de inconsideraveis peitas; ja porque ha sempre modo de
evadir os lugares aonde he provável que taes passaportes se
examinem; ao mesmo tempo que as pessoas, que naõ precisam
esconder-se, saõ exactamente aquellas em quem recáe todo
o rigor dos exames, porque naturalmente a elles se expõem.
Lembrámos sobre isto os Estados Unidos. AH, aonde se en-
tende, melhor do que em parte alguma, o systema de attrahir a
população do estrangeiro, naõ ha nenhuns dos obstáculos de
passaportes, que se encontram ua Europa; e com tudo, dahi naõ
resulta nunca inconveniente nenhum ao Governo.
O argumento tirado do exemplo de outras naçoens, e que
fez o fundamento do elogio feito ao Governo de Portugal, pelos
Jornalistas a que alludimos, he a principal razaõ porque jul-,
gamos necessário fazer estas observaçoens; visto que he da
manha antiga de Portugal, allegar com o que fazem os estran-
geiros, sempre que isso serve para apoiar alguma cousa mal
feita.
Dizem, pois, que os Portuguezes estaõ sujeitos em paizes
estrangeiros aos vexames de passaportes, logo Portugal deve fazer
aos estrangeiros os mesmos vexames. Naõ vemos a utilidade
de taes represálias, a menos que uaõ seja para obrigar os outros
Governos a mudar o seu systema - o que neste caso naõ se pôde
esperar que se verefique.
Se as naçoens estrangeiras vexam os viajantes com passa-
portes, e nos dominios Portuguezes naõ se adoptani os mesmos
incommodos, seguir-se-ha, que os estrangeiros visitarão Portu-
gal com maior prazer do que os Portuguezes viajarão nos de-
mais paizes, e assim crescerá a população do Reyno.
Julgamos necessário dizer tudo isto sobre a Portaria do
Governadores do Reyno; principalmente para acautelar, que o
mesmo erro se naõ copie no Brazil, aonde seraõ muito mais sen-
3 K Ç
444 Miscellanea.

eiveis os males de obstar àintroducçaõ de população estrangeira;


sendo bastante que os magistrados territoriaes examinem o
comportamento das pessoas, que vivem dentro de sua jurisdic-
çaõ, sem lhes empecer de forma alguma, ate que se naô saiba
que tem commettido algum crime.

EMBAIXADA PORTUGUEZA EM LONDRES.

Te Deum pela Acclamaçaõ d^El Reg.

Como se havia determinado na Corte do Rio de-Janeiro o dia 7 de


Abril, do corrente anno, para a coroaçaõ da Sua Majestade
Fidelissima El Rey de Portugal do Brazil e dos Algarves, o Se-
uhor Dom Joaõ VI, cantou-se, aqui em Londres na Capella Por-
tugueza ura solemne Te Deum ao Todo Poderoso, em acçaõ de
graças, pelo feliz acontecimento da subida de S. M. ao Throno
de seos Avós. Todos os vassallos Portuguezes, que residiam
nesta capital, com as suas Senhoras, assistiram a esta solemne
funoçaõ, que foi celebrada com toda a pompa, decoro, e respeito
devidos á ceremonia religiosa, e ao seo objecto. Acabada a feste
da Igreja, entraram todos, com as suas Senhoras, em casa do Mi"
nistro Portuguez, e Exmo Conde de Palmella, a comprimenlallo,
por esta occasiaõ, e S. E. os regalou com um sumptuoso almoço,
em que se vio quanto ha de delicado e exquisito, servido com
a maior abundância. Estava postado no jardim um famoso bando
de músicos, que conlribuio muito para o divertimento da conipao
nhia, e realce da funeçaõ Estiveram presentes os Embaixadores e
Ministros estrangeiros, todo o Corpo Diplomático, os Ministros da
Estado, e varias outras personagens, naCapelIa, e depois ao almoço,
que durou ate tarde.

ALEMANHA.

A Dieta de Frankfort entrou ultimamente em uma discus-


são, importante aos direitos e interesses dos povos da Alemanha,
Miscellanea. 445
O Eleitor de Esse, que custumava vender as vidas de seus vas-
sallos, mandando-os servir a reynos estrangeiros, e recebendo o
pagamento a tanto por cabeça, declarou, que se contentaria
presentemente com poder despojálios de sua propriedade.
Um certo Mr. Iloffman, que fôra tractado pelo Eleitor, segundo
esse chamado direito do Soberano, queixou-se á Dieta, e im-
plorou a sua protecçaõ. S, A. Eleitoral irritou-se muito com
isto, e intimou à Dieta, que ella naõ tinha direito para proteger
os seus vassallos contra os decretos de sua vontade Soberana,
pois naõ devia, nem tinha poder para se intrometter nos
negócios domésticos do Estados. A Dieta respondeo a S. A.
que, "nunca seria amedrontada, por taes declaraçoens, dema-
neira que deixasse de proteger os vassallos opprimidos, e de
os convencer de que a Alemanha tinha sido libertada com o
sangue de seus filhos, e seus domínios restituidos aos legitimos
Soberanos expressamente para o fim de pôr em toda a parte
uma ordem de cousas legaes, em lugar de poderes arbitrários.'
He de esperar que o Eleitor se aproveite da liçaõ, e mostre,
que conhece a extençaõ da responsabilidade que lhe incumbe,
com a mudança que teve a sua fortuna, para que tenha jus aos
benefícios, que dahi resultaram.

ÁUSTRIA.

Uma proclamaçaõ do Conde Saran, Governador da Lombar-


dia, diz assim. " Quer S. M. Imperial, que nenhuma pessoa,
que professe a religião Mosaica, seja induzida a adoptar a re-
ligião Christi-ã nem por coacçaõ nem por estratagema. Todas
as vezes que se tractar da mudança de religião dos filhos e me-
nores, pertencentes a pessoas da persuasão Judaica, fica orde-
dado, que nunca por isso se infrinjam os direitos dos pays e
tutores. Consequentemente ordena S. M. que os decretos do
Governo Italiano, que fôram expedidos em 1803 ; e eram fun-
dados nas ordenanças dos Imperadores Joze II. e Leopoldo II.
lèjam postos em execução; e que, outrosim, todas as outras
446 Miscellanea.
leys e regulamentos, que lhe dizem respeito, e que estaõ em
vigor em outras partes da Monarchia Austríaca, sejam obser-
vados no Reyno de Veneza e Lombardia."

ESTADOS UNIDOS.

A inauguração do novo Presidente dos Estados Unidos, Mr


Munroe, teve lugar na cidade de Washington, aos 4 de Março, em
um pórtico que se elevou na entrada do Capitólio para este fim.
O Presidente e Vice-Presidente partiram para o salaõ do Con-
gresso acompanhados de muitos cidadãos todos acavallo; e ali se
achavam junetos o Ex-Presidente, Juizes Supremos, Senadores e
Representantes: e o Presidente fez do seu assento, no Pórtico, a
falia que publicamos, entre os documentos officiaes, a p. 352.
Concluída esta falia o Justiça Mor recebeo do Presidente o ju-
ramento do officio; e se annunciou isto ao publico com um tiro de
peça; o que foi seguido de salvas do Arrenal de Marinha, e de
forte WaTburton.
Quanto á matéria da falia, he impossível deixar de reconhecer a
susteza das observaçoens do Presidente, fundadas em factos, sobre
a prosperidade dos Estados Unidos, e possibilidade da execução
dos planos, que elle propõem, para o melhoramento do Estado.
E recommendando a leitura desta falia, que, sem comentos he per
si mesma assas intelligtvel, só notaremos a circumstancia de qae
no decurso do tempo em que tem existido em practica a Constitui
çaõ dos Estados Unidos, nau tem havido um só exemplo de ser
condemnado alguém pelo crime de alia traição, ou de machiiiaçaõ
contra aquella Constituição.

FRANÇA.

A guarda-de-corpus d'El Rey manifestou taes symptomas de


insubordinação, que El Rey se vio na necessidade de desbandar
uma das companhias, pela seguinte ordenação:
Miscellanea. 447
« Luiz pela graça de Deus, &c. Ordenamos o seguinte:—
A companhia de Noailles da nossa Guarda-de-Corpus he dis-
solvida ; será reorganizada em Versailles immediateinente.
(Assignado) Luiz.
Paris, 8 de Abril, de 1817.

As Câmaras do Parlamento Erancez votaram, que se ap-


plicassem 6:100.000 francos, para o melhoramento da situação
do Clero. El Rey publicou agora uma ordenança, em que
distríbue aquella somma da maneira seguinte. 185.000 francos
para augmentar as congruas dos Arcebispos a 25.000 francos;
e as dos Bispos a 15.000. 2:100.000 francos, para augmentar
o sallario dos clérigos officiantes, a que chamam em França
datervans, a 700 francos, e além disto um augmento de 100
francos aos desseroans de 70 annos de idade, e aos reitores de
cantoens, da mesma idade, que naõ tenham pensoens. 400.000
francos para agumentar até 250 francos os salários dos vigários
e coras de lugares de pequena população. 450.100 francos
para completar a somma de 900.000 francos para as iudem-
nizacoens, que se haõ de pagar pelos annos de 1816, e 1817,
aos datervans authorizados a dizer duas missas por (ha. 200.000
para segurar um soccorro annual aos desservans, quando a idade
e enfermidades os obrigarem a deixar as suas funcçoens.
00.000 para completar o pagamento das despezas da Capella
Real de S. Denis. O emprego da somma de 2:200.000 francos,
que faltam para completar os 6:100.000 francos, seráfixadoao
depois.

HESPANHA-

Corre uma noticia de que EI Rey de Hespanha quiz adoptar


um projecto de Finanças, segundo o qual se devia impor nm tri-
buto de décima sobre o rendimento de todas as pessoas, sem da-
448 Miscellanea.
incçaõ. Dêram-se ordens aos Bispos para que obrigassem a (odos
os ecclesiasticos a que dessem conta de seus respectivos rendi-
mentos, para que na repartição do Thesouro de se distribuísse a
derrama. Vários prelados recusaram obedecer 4 ordem: eutre outros
os bispos de S. Andero, Orense, e Malaga. Isto se suppoem que
oceasionari um scioma; e que o plano se naõ porá em execução,
pela falta de capacidade dosprojectistas, e pela inhabilidade do
Governo.
Cartas de Madrid de 3 de Abril dizem o seguinte:
" Tinha-se preparado em Barcelona uma revolução, que estava
prompta para arrebentar em sexta feira sancta, 4 do corrente;
estando á frente disto os illustres e patrióticos generaes Lacy e
Millano; bem conhecidos na guerra da Peninsula contra os Fian-
r ezes. Esta revolução foi organizada e combinada para o expresso
fim de re-estabelecer as Cortes ea Constituição; e as proclama-
çoens para este effeito foram escriptas nos mesmos termos das de
Porlier, em Galiza. Os primeiros actos haviam de ser as prizoens
de todas as authoridades constituídas, assim como a posse das forta-
lezas de Figueras e Monjui, em ordem a fazer da cidade de Bar-
celona o ponto de reunião de todas as tropas, que se deviam
ajunctar e cooperar na empreza. Porém foi o plano descuberto,
antes que sepuzesse em execução; e, em conseqüência deste
infeliz acontecimento, fôram prezos dezoito officiaes de graduação
superior, e grande numero de pessoas de distineçaõ. As procla-
maçoens, que caíram nas maõs do Governo, junctamente com
outros papeis relativos ao projecto, concluíam com a seguinte
exclamação: — "Viva a Naçaõ Hespanhola, a Constituição,
El Rey, e os Generaes Lacy e Millano." — Estes últimos feliz-
mente escaparam, mas naõ se sabe aonde estaõ. Em outras parles
do Reyno lem havido numerosas prizoens, por esta mesma causa.
As prizoens e castellos ja naõ bastam para conter os prezos. Em
Malaga se prenderam ultimamente doze pessoas de distineçaõ. Em
Santiago de Galiza também se prenderam vários officiaes da Guar-
niçaõ, um capelão, sette sargentos, e outras pessoas, todos im-
plicados em outra revolução, que ali tinha de arrebentar, para
Miscellanea. 449
prevenir que se mandassem para Galiza grandes corpos de tro-
pa»"
Aos 25 de Março se passou revista, em Cadiz, ás tropas desti-
nadas a uma expedição contra as colônias. O conde de Abisbal,
commandante em chefe, pagou nesta occasiaõ aos soldados parte
dos soldos, que se lhes devia; e comtudo elles se amotinaram,
e recusaram embarcar. Um regimento de lanceiros de Navarra
chegou a atacar os seus officiaes; porém foram vencidos por
outros regimentos, que tinham permanecido oa obediência, e aassim
fôram obrigados a embarcar, no dia seguinte. Depois de enta-
rem a bordo tomaram a dor signaes de insubordinação, de ma-
neira que foi necessário fuzilar alguns, e tomar a desembarcar
cousa de 300 homens, que fôram substituídos por outros tantos
da guarniçaõ de Cadiz.
Naõ obstante estas difficuldades, saíram de Cadiz, no Io. de
Abril, 22 navios em comboy, dez dos quaes levavam a seu bordo
as tropas da expedição; que se julga naõ poderem subir a mais
(visto que vam em dez vasos) de 2.000 homens. Quanto a seu
destino, ainda que em Cadiz se disse, que aquellas tropas haviam
de desembarcar em Arica, comtudo o mais provável he que se
destinam a reforçar Morillo, em Caracas.
Sentio-se um terremoto em Barcelona aos 18 de Março, às 11
horas da manhaã; e no mesmo dia em Lerida, Saragoça e
Madrid. Em Saragoça foi algunos minuts antes, em Madrid
alguns minutos depois do tremor em Barcelona; porém nestas
duas ultimas cidades foi o tremor mais forte do que na pri-
meira. Em Saragoça foi a concussaõ tam violenta, que derri-
bou uma pintura na capella da Virgem do Pilar, durante a
celebração da missa; o povo aterrado fugio da igreja. Em
Madrid causou a commoçaõ ainda mais susto; sentio-se parti-
cularmente na fabrica Real de porcelaina, no Retiro; edificio
que tinha ficado quasi arruinado pela guerra. Ali caio uma
parede, que matou duas pessoas. Sentio-se também um tre-
mor violento no Palácio de Justiça: os Juizes, que estavam nos
tribunaes, fugiram da salla, que tremia em torno delles. Julgava-
VQL. XVIU. N o . 107. 3 L
450 Miscellanea.
se que vinha do Ocidente, e por isso se temia qne Lisboa
tivesse soffrido.

COLÔNIAS HESPANHOLAS.
Depois de tam considerável lapso de tempo, sem que tivés-
semos noticias dignas de credito, sobre a guerra civil na parte
septentrional da America Meridional, recebemos agora os do-
cumentos, que publicamos a p. 307, que nos dam uma idea
clara do estado dos negócios públicos cm Caracas, e provin-
cias vizinhas.
Da leitura e comparação daquelles documentos se vè; que o
General Bolívar e o Almirante Brion, chegaram a Margarita,
com a expedição, que tinham preparado cm S. Domingos; que
organizaram na mesma ilha de Margarita um Almirantado,
como tribunal para sentenciar as prezas quetomarem;que
formaram arsenaes cm Pompatar, e esquipáram uma flotilha;
e que o General Bolívar passou á terra firme, aonde se avistou
com os demais chefes, e tractava de ajunctar todas as forças,
que estavam dispersas, para marchar contra Caracas.
Pelas cartas interceptadas, que também publicamos ap. se
vê qual he a situação das tropas Realistas no México; e o modo
porque se portam os cidadãos dot Estados Unidos, nesta contenda.
Nada pôde dar uma idea mais clara do estado de decadência, em
qne se acha o poder Real, do qne as mesmas cortas dos officiaes
empregados uo serviço d'EI Rey contra os Insurgentes, e do Mi-
nistro Hespanhol nos Estados Unidos.
Para quem está ao facto da historia da revolução naquelle*
paizes, he claro, que, desde a dispersão do Congresso de Ca-
racas pelo terremoto, e prizaõ do General Miranda, naõ tem
havido naquella parte dos colônias de Hespanha uma epocha,
que ameace mais decisiva e prompta emancipação do poder da
Metrópole; o que será fácil conhecer-se, pela -respectiva pro-
porção de forças dos dous partidos oppostos; como se vé dos
mesmos documentos acima citados.
Miscellanea. 451
Estas circumstancias sefizeramtam palpáveis em Hespanha,
que até o mesmo Gabinete de Madrid, cego como tém estado,
vio que lhe éra preciso recorrer a meios de conciliação, visto
que naõ se podia contar com outro terremoto a seu favor, e
sem o qual as colônias de Caracas saõ irremissivelmente per-
didas.
Para isto ouviram os Ministros Hespanhoes a opinião do
Conselho de índias, o qual consultou os negociantes de Cadiz,
que se inclinaram á conciliação, contra o que votava Cevallos;
mas,removidoeste Ministro, se decidio, que se pedisse a me-
diação de Inglaterra, e nessa negociação dizem que se trabalha
agora.
Segundo o rumor, que corre era Londres, foi um Inglez.
Mr.Vaughan, quem veio encarregado por El Rey de Hespanha,
para propor a negociação ao Governo Inglez, Assevéra-se, com
bastante confidencia, que tu proposiçoens de S. M. Catholica ao
Governo Inglez, pedindo-lhe auxilio contra as colônias revolta-
das,fôramnaõ só peremptórias, mas ameaçadoras; dizendo-se,
que, se a Inglaterra naõ con viesse no que se lhe propunha, se
obteriam 05 auxílios necessários do Imperador de Rússia, a quem
Hespanha cederia por este serviço, a ilha de Minorca, que
S. M. Imperial deseja muito alcançar, para estabelecer o seu
deposito marítimo no Mediterrâneo.
Convém portanto considerar, quaes seraõ as conseqüências
deste plano da mediação Ingleza, Era primeiro lugar, quaes
saõ as vantagens, que a Hespanha pôde propor á Inglaterra,
para a induzir a entrar nesta mediação, e em segundo lugar,
quaes saõ as vantageas, que a potência medianeira pôde pro-
por aos insurgentes, para os induzir a submetterem-se quieta-
mente á Hespanha; ou que partido se pôde propor a esta para
que largue por maõ todas essas colônias, que estaõ cm estado
de revolução.
Pelo que respeita á Inglaterra, tem ella o seu commercio
franco em todas as colônias Hespanholas revoltadas, e ainda,
por via de contrabando, nas outras que estaõ sugeitas ao par-
3 i í
452 Miscellanea.
tido Realista; e que vem a ser Lima, e México; porque mes-
mo em Puerto-Rico, a pezar das prohibiçoens da Corte de
Madrid, os Governadores se tem visto obrigados a abrir os
portos ao commercio estrangeiro, para naõ morrerem de fome.
Nestes termos apenas se pôde suppôr que a Hespanha tenha
alguma vantagem que offerecer á Inglaterra, para que esta se
esforce em trazer aquellas colônias outra vez ao jugo da Hes-
panha, a menos que naõ seja o ficar pertencendo á Inglaterra
o direito exclusivo de commerciar depois com aquelles paizes.
Mas i consentirão os Estados Unidos, e ainda mesmo o Brazil,
nessa exclusão ?
Mas supponhamos, por um pouco, que a Inglaterra se em-
penhava neste plano, quando naõ fosse pelos lucros que es-
perasse, pela gloria cavalleiresca de defender a legitimidade,
em qae he tanto moda fallar. Temos ainda outro obstáculo
a vencer, que he o achar alguma vantagem, que se possa pro-
por aos Insurgentes, e que equivalha ao estado de independên-
cia em que uns se acham, e que outros esperam. Se a Ingla-
terra, como medianeira, naõ propozer aos Insurgentes algum
equivalente pela submissão á Metrópole, he claro que naõ
obrará como neutral, pois exige de uma parte a cessaõ da-
quillo que constitue a questão, sem lhe dar equivalente; e
nunca os Americanos Hespanhoes julgarão como tal, o direito
de negociar com os Inglezes somente; porque isso tem elles
agora, sem que precisem pedillo por favor a ninguém.
A Potência medianeira também naõ tem que propor á Hes-
panha, a menos que naõ seja a submissão das colônias; por-
que, na supposiçaõ de sua independência, naõ ha termos que
faça conta á Hespanha aceitar.
Se a proposição for, que a Hespanha reconheça a indepen-
dência das provincias, que tem formado j a seus Governos
Supremos, e que fique mantendo as colônias, que ainda lhe
prestam sugeiçaõ; naõ he para isso necessário mediação; pois
um decreto d'EI Rey de Hespanha pôde fazer o mesmo.
Nestes termos julgamos, que em todo o caso a mediação de
Miscellanea. 453
Inglaterra ha de ser infructifera; a menos que o Gabinete In-
glez se naõ decida a usar da força, para fazer aceitar por uma
das partes as suas proposiçoens; e entaõ temos acabada a
neutralidade, em que se funda a mediação; e a contenda to-
mará nova face.
Uma gazeta de Bermuda do 1°. de Fevereiro contém a tra-
ducçaõ do seguinte documento, publicado pelo general dos In-
dependentes, Marino.
" Tractado, entre o Governador da ilha de Trinidad, e o
General Marino, em nome dos Districtos Independentes de Ve-
nezuela :
" 1. Todos os escravos pertencentes à ilha de Trinidad,
achados nas Provincias Independentes, seraõ entregues, assim
como as suas canoas, e qualquer propriedade Ingleza, que elles
possuam.
" 2. Os vassallos de S. M. Britannica poderão fazer com-
mercio livre com as dietas provincias.
" 3. O porto de Maturin será aberto aos vasos de S. M.
Britannica.
" 4. A pescaria nas costas das Provincias Independentes
será livre aos vassallos de S. M. Britannica.
" 5. As Provincias Independentes teraõ iguaes privilégios,
pelo que respeita a propriedade de seus indivíduos, conforme
em tudo ás que concede ao General de Trinidad, no Artigo I o .
" 6. O commercio dos Independentes terá a mesma liberdade
em Trinidad, que elles concedem aos vassallos de S. M. Bri-
tannica no Artigo 2°.
" Quartel-General de Ia Guira, em 23 de Julho, de 1816,
6o anno da Independência.
Deste tractado se vê mui bem, que a Inglaterra naõ pôde ter
interesse immedíato na submissão das colônias Hespanholas á
Metrópole; porém ha outro ponto, que devemos considerar,
nesta mediação; que vem a ser a ingerência de Inglaterra
paraque S. M. Fidelissima desista da guerra, que está
fazendo contra Artigas, no território de Monte-Video. Sobre
454 Miscellanea.
isto se tom escripto bastante nos Jornaes Inglezes, cujas noticias
evidentemente lhe saõ communicadas pelos Agentes de Buenos-
Ayres; e sobre que elles raciocinam sem achar embaraço; porque
pela parte do Gabinete do Rio-de-Janeiro se naõ tem feito expli-
caçoens algumas.
E6tas gazetas lnglezas, e ainda mesmo jornaes Portuguezes,
que sabem tanto destas matérias como os Bernardos entendem de
Lagares de azeite, tem asseverado, até aqui, que a invazaõ de
Monte-Video pelas tropas do Brazil éra feita de concerto com a
Corte de Madrid: agora sairam-se com a descuberta, de que EI
Rey de Hespanha tanto se irritou com aquellas medidas do gabi-
nete do Rio-de-Janeiro, que até se hesitou em Madrid, quando as
Princezas chegaram do Brazil a Cadiz, se El Rey devia ou naõ
recusai las, e dizer-lhe que se fossem para Iisboa; e asseveram
mais, que os Ministros Hespanhoes propuzéram a seu amo, que
procurasse casar-se com uma Princeza Russiana, quebrantando o
matrimônio com a Princeza vinda do Brazil.
Os gazeteiros a que alludimos confessam, que a posse do terri-
tório de Monte-Video naõ he grande offensa á Hespanha; porque
esta ha seis annos que tem perdido aquella colônia; o mesmo
deveriam dizer de Buenos-Ayres: mas queixando-se de futuro
mostram temor de que, se a Corte do Rio-de-Janeiro for bem
suecedida naquella empreza, os Ministros do Brazil ambicionem
tomar outras terras, que lhes saõ contíguas.
O motivo que sè allega para a que o Governo Inglez se intro-
metia nisto naõ achamos que seja o amor da justiça; mas sim o
seu commercio no Rio-da-Prata, que dizem chegar a dous mi-
lhoens esterlinos por anno, empregando também annualmente mais
de sessenta vasos.
E comtudo se allega, para provar a injustiça daquella invasão;
que o Govemo de Buenos-Ayres publicou um manifesto em
Junho de 1816, aonde so diz, que alguns emigrantes descontentes
de Buenos. Ayres eram os que tinham induzido o Gabinete do Rio-
de-Janeiro a emprehender a conquista das Colônias Hespanholas
doRio-da-Prata,
Miscellanea. 455
Deixaremos os mais aranzeis, qne em vez de raciocionios saõ
declamaçoens apaixonadas; ccrmo he dizerem que o Ministro
Araújo (Conde da Barca) foi quem aconselhou a El Key a
atrevida medida de naõ aceitar a protecçaõ dos vasos Inglezes,
quefôramao Rio-de.Janeiro para o trazer para a Lisboa; liber-
íando-se assim dos ferros da Inglaterra, e dos barulhos da Europa.
Se o Conde foi quem deo tal conselho, nunca por isso a alma
lhe dôa.
O modo de intrigar com o mundo a El Rey, he accusállo, e a0
seu Gabinete do Brazil, de vistas ambiciosas e de engrandeci-
mento; asseverando-se que em todas as phases da revolução do
Rio-da-Prata; os agentes do Governo do Brazil se encontram em
toda a parte derramando as suas súanias.
Por este principio se allega, que o General Souza (hoje
Condedo líio-Pardo) fôra mandado contra Monte-Video com 4.000
homens, a petiforio dos intrigantes de Buenos-Ayres; e que o
Governo daquella cidade mandou contra elle 5.000 homens, que
o obrigaram a capitular e retirar-se; mandando depois o Gabinete
do Rio-de-Janeiro um Commissario a Buenos-Ayres, que foi o
Tenente-Coronel Rademaker, ò qual concluio uma convenç.iõ
commercial, que o Governo Independente de Buenos-Ayres rati-
ficou aos 26 de Meyo de 1812.
Nos sabemos, que isto naõ he exacto. As tropas com mandadas
pelo Conde do Rio-Pardo entraram no território de Monte-Video,
naõ procuradas pelos intrigantes de Buenos-Ayres; mas, pelo con-
trario, pedidas por Artigas e contra os de Buenos-Ayres. Retiráram-
se naõ porque fossem vencidas pelas tropas de Buenos-Ayres; ma$
porque o Conde de Linhares, que ainda entaõ éra vivo, persuadio a
El Rey, que mandasse retirar os tropas; porquanto a invasão
éra do desagrado de Lord Strangford, e do Ministro Hespanhol
então no Rio-de-Jatieiro, o Marquez de Casa Yrujo; isto tudo
apoiado pela noticia, que mandou o tal Conde do Rio-Pardo,
da difficuldade dà empreza; difficuldade, que naõ existia, e só foi
inventada nos seus officios, para fazer sobresahir os seus serviços;
como se provou pelo que depois suecedeo; pois quando lhe che-
gou a ordem para S e retirar, estava elle ja de posse de quasi todo o
456 Miscellanea.
território de Montevideo; e mui pezaroso ficou de ser obrigado
a retirar-se.
Quanto á convenção de tregoas e de commercio, concluída
pelo Tenente-Coronel Rademaker em Buenos-Ayres, em Mayo
de 1812; isso foi em conseqüência do systema,que sempre tem
aconselhado os mais -prudentes Ministros do Brazil, q o e se con-
tinue a commerciar com as Colônias de Hespanha, em quanto
possivel for; e naõ porque houvesse peleja com as tropas de
Buenos-Ayres, em 'que ficassem derrotadas as do exercito do
Brazil, commandado pelo Conde do Rio-Pardo.
Noticiaremos porém aqui mais alguns factos, que tem corrido
em Inglaterra; posto que o seu credito seja controvertido; porque
mesmo esses rumores, aqui registrados, nos devem servir para o
futuro.
Ainda que se tenham espalhado em Londres noticias de terem
os chamados insurgentes das Colônias Hespanholas tomado
navios Portuguezes, e ultimamente dous, que vinham da Bahia
para Lisboa; com tudo uma gazeta Ingleza Ministerial deo a
seguinte noticia:
" Ha um rumor de que a Corte do Brazil e os Insurgentes de
Buenos-Ayres concluíram um tractado, pelo qual estes reco-
nhecem a Soberania daquelle, com condiçoens mui vautajosas
para si. Dizem também, que Maldonado, na entrada do Rio-
da-Prata, foi cedido aos Portuguezes."
" Se esta informação for correcta, está decidido o ponto da
mediação. Quando o Governo Portuguez começou a ingerir-se
nos negócios de Buenos-Ayres, se entendeo que o Governo
Hespanhol havia solicitado a mediação das Grandes Potências
Europeas: estas (também se disse) aceitaram a mediação. O
Governo Portuguez, accrescentüram essas noticias, cónsentio
em estar pela sua decisaõ. Porém a negociação e conclusão de
um tractado com os Insurgentes parece ser absolutamente in-
compatível com toda a mediação."
Agora temos de fazer aqui uma importante observação a res-
peito da politica que deve seguir o Gabinete do Rio-de-Janeir»,
para com as Colônias Hespanholas.
Miscellanea. 457
A ingerência do Brazil na revolução de secs vizinhos; princi-
palmente por meio da força armada, deve-trazer com sigo as mais
perniciosas conseqüências.
He logo preciso considerar a medida da guerra, uo Rio-da-Prata,
e posse do território de Monte-Video, como precaução meramente
defensiva, e as hostilidades contra Artigas se devem fazer unica-
maute para repellir os ataques e purtuabaçoens daquelle turbu-
lento chefe de um partido, que naõ obedece a Governo nenhum
estabelecido.
Convém também, que estas intençoens sejam manifestadas às
colônias revoltadas; e que se lhes dê a maior garantia possível de
que a Corte do Rio-de-Janeiro deseja ficar neutral; e que portanto
as hostilidades contra Artigas nem a posse do território de Mon-
te-Video saõ medidas que tenham em visia a ingerência nos planos
dos Insurgentes.
Nós estamos certamente persuasidos, de que taes saõ as intençoens
do Gabinete do Rio-de-Janeiro; e portanto o que aqui recom-
mendamos meramente he, que essas intençoens se façam conhe-
cidas aos Insurgentes por negociaçoens convenientes e a tempo;
para prevenir as más conseqüências de uma falta de intelligencia.
Se porém nos enganamos, e a Corte do Brazil intenta metter.-
seem auxiliar EI Rey de Hespanha para a subjugaçaõ das Colô-
nias, devemos dizer abertamente o que nisso sentimos, e he; que
a independência das Colônias Hespanholas he acontecimento
inevitável; posto que circumstancias imprevistas possam retardar
mais ou menos, ou accelerar mais n'urnas partes do que n' outras
o seu complemento; e nesse caso do bom successo dos Insurgentes
se achará o Brazil com um inimigo vizinho, de natureza revolu-
cionaria, e por conseqüência o mais temível.
Oatra vez repetimos, que naõ suppómos que o Gabinete do
Rio-de-Janeiro seja guiado por estas vistas erradas; posto que
isso se lhe tenha imputado mui abertarnente; e que esses rumores
se tenham espalhado por pessoas interessadas em varo Brazil
envolvido em uma guerra com os Insurgentes, de que lhe
resulte o estrago de seu commárcio marítimo.
Y o t . XVIII. N o . 107. 3M
458 Miscellanea.

INGLATERRA.

A p. 338 publicamos a conrespondencia official, que se âpre.


sentou ao Parlamento; sobre a missaõ de Mr. Canning em Lisboa.
Estes papeis fôram publicados pelo Governo Inglez, em um
ponto de vista financial, para justificar os Ministros da accusaçaõ
que se lhes tinha feito, de mandarem Mr. Canning a Lisboa, no
character de Embaixador, e fazendo avultadas despezas, com o flm
de receber o Soberano de Portugal, na sua volta-a Lisboa, quando
taes despezas se podiam poupar.
Nós, porém, inserimos esta conrespondencia na nossa collecçuõ
por outro motivo; e vem a ser, a relação que isso tem com os
negócios de Portugal.
A medida de se mandar de Inglaterra a Lisboa, um Embaixai
dor, com o fim de cumprimentar El Rey, na sua volta do Brazil,
parace ter tido por fundamento o documento N*\ I o - que he um
breve officio de Lord Strangford, entaõ Ministro de Inglaterra, na
Rio-de-Janeiro.
Lord Strangford diz, que S. A. R. o Principe Regente de In-
glaterra lhe fizera a honra de explicar a sua anxiosa esperança
de que a Gram Bretanha facilitaria o complemento de seus dese-
jos, neste ponto, de voltar para Portugal, sob a mesma prçtecçaõ,
com que o deixou.
O menps que podemos dizer, nisto, de Lord Strangford; he
que elle se enganou agora, nas expressoens que suppoem ter usado
S. M. Fidelissima, tanto quanto se confundio nos officios, por quq
referio asaída da familia Real de Lisboa, em 1807; quando Lord
Strangford attribuio a si o haver-se adoptado aquella medida pelo
Governo Portuguez. E supposto que nós tenhamos já em vá-
rios N°s. deste Periódico mostrado qual éra a verdade daquelle
facto; diremos aqui mais, que tam longe esteve de Lord Strang-
ford contribuir para a saida da Familia Real de Lisboa, na-
quella época, que até deo um passo, que, se fosse attendido, ser*
viria de impedir o projecto; e por conseqüência faria cair toda a
Miscellanea. 459
familia Real nas maõs dos Francezes. Esta proposição a pro-
varemos, pela seguinte anecdota.
Estando ja toda a Familia Real embarcada, no Tejo, e prompta
a sair no dia seguinte; voltou Lord Strangford a Lisboa em uma
fragata, com bandeira de tregoas, vindo da esquadra Ingleza,
commandada por Sir Sidney Smith, que se achava ja bloqueando
a barra de Lisboa, e fazendo prezas dos navios Portuguezes.
Foi Lord Strangford ter abordo da náo, aonde se achava o
Ministro Araújo, hoje Conde da Barca, que o recebeo na Câmara*
aonde pelo aperto da muita gente, e camas alastradas pelo pa-
vimento, nem uma cadeira havia, que se ofTerecesse a Lord Strang-
ford para sentar-se. Ali, na presença do commandante da náo, o
Chefe de divisão Prego; do Dezembargador Thomaz Antônio, do
Brigadeiro Felisberto Caldeira Braruit Pontes, e de outras muitas
testemunhas, que ainda estaõ vivas, disse Lord Strangford ao Mi-
nistro Araújo, que fosse dizer a S.A. R. o Principe Regente, que
a Inglaterra tinha declarado a guerra a Portugal; que, em con-
seqüência, Sir Sidney Smith tinha ja dado ordens para aprezar os
navios Portuguezes; e que se a esquadra Portugueza saísse, sem
duvida seria tomada. Que o único meio que havia de remediar
isto, éra ajunctar todas as tropas Portuguezas, que havia eirt
Lisboa, dar batalha aos Francezes; e entaõ, se estes fossem vence-
dores, saindo a Familia Real naõ correria perigo de sei* tomada
pela esquadra Ingleza.
0 Ministro Araújo respondeo, que S. A. R nao tinha motivo
para temer, que fosse tomado pelos seus Amigos Inglezes; pois
saia de Lisboa, para o único fim de se subtrahir á influencia Fran-
ceza; eque tal recado e ameaça de Lord Strangford, elle Araújo
naõ cominunicaria a S. A. R, pois poderia produzir as mais
fataes conseqüências: assim foi despedido Lord Strangford; e no
dia seguinte saio a Familia Real; e no dia depois houve tal tor-
menta,quese fosse attendidaa proposição de Lord Strangford; e
se hesitasse por isso um só dia, na saida do Principe, seria impossí-
vel executálla depois. E com tudo Lord Strangford esereveo ofi-
cialmente á sua Corte, dizendo tudo pelo contrario, como se vê
3M 2
460 Miscellanea.

pelo documento que publicamos no Primeiro Volume deste


Periódico a p. 20.
Temos esta anecdota de authoridade em quem pomos a maior
confiança; e allegamos com testemunhas vivas; mas se ella
naõ for verdadeira, de boa mente publicaremos a sua contradicçaõ.
Depois disto ninguém se admirará, que nós hesitemos em créra
exactidaõ da informação de Lord Strangford, sobre a vinda d' El
Rey para a Europa, como se contém no citado officio N e . I o
A demais, he impossível que S. M. fizesse uso da indecorosa
expressão, de dizer que queria vohar a «eus dominios Europeos,
debaixo da mesma protecçaõ com que saíra de Lisboa. El Rey
tem ainda vasos bastantes em que se transportasse á Europa; et
assim o desejasse; e ainda que lhe fosse precisco obter da Ingla-
terra alguns navios para esse fim, nunca os havia de pedir com o
nome de protecçaõ, escusada por todos os principios, quando o
Mundo todo se achava em profunda paz.
Porém o resultado provou que El Rey nem mesmo havia
pedido algum auxilio; e senaõ que mostre Lord Strangford como
ou porque aconteceo, que, quando esses navios Inglezes de
protecçaõ chegaram ao Rio--de-Janeiro. El Rey naõ só naô se
quiz servir delles, mas até lhes disse, que se fossem embora com a
maior pressa possivel; e nem se quer entrou em deliberação no
Conselho, se a El Rey convinha ou naõ voltar para Lisboa; por-
que corria de plano, e éra opinião commum dos Ministros, que,
naÕ estando as cousas da Europa ainda socegadas, como se provou
depois pelo desembarque de Bonaparte em França, quando veio
de Elba, éra imprudente pensar El Rey da sua volta á Europa;
ao mesmo tempo que a sua presença no Rio-de-Janeiro éra de
summa importância, visto o estado de revolução das Colônias
Hespanholas contiguasao Brazil.
Quanto á pressa com que se nomeou Mr. Canning em Londres
para ir a Lisboa: se ia para lá por causa de seus negócios particu-
lares ou se para o verdadeiro fim de cumprimentar a El Rey; ae
as despezas fôram demaziadas ou naõ, &c. escusamos de copiar o
muito que sobre isso tem apparecido nas gazetas lnglezas; porque
Miscellanea. 461
he assumpto que nos naõ diz respeito, nem he de interesse publico
para a naçaõ Portugueza.

ILHAS IONICAS.

Publicamos a p. 363, uma curiosa proclamaçaõ do General Mait-


land, como Lord Gram Commissario de S. M. Britannica naquelles
Estados. Refere-se a proclamaçaõ á denuncia, que fez um Ex-
frade, por nome Lepeniotty; accusando muita gente de uma con-
spiração contra o Governo.
Aquelle malvado forjou cartas e papeis, que teve a habilidade
de esconder nas casas das pessoas, que desejaza implicar na de-
nuncia, em que comprehendi o amigos e parentes seos; encarUi-
chou pólvora, que depositou em lugares aonde fosse depois achada
e comprometlesse os innocentes, que destinara para victiraas; enfi
fim empregou toda a astucia e trabalho para sair bem seu plano;
que foi inteiramente frustrado, pela prudência com que o General
Maitland fez examinar as circumstancias do caso, como se vê do
que refere a proclamaçaõ.
Naõ he pois sómeute o ex-frade Jozé Agostinho, em Lisboa,
que inventa conspiraçoens, esse outro malvado ex-frade Lepeniot-
ty seguio o mesmo trilho; com a differença, que, em vez de ser
fomentado pelo Governo, achou um General Maitland, que lhe deo
o pago de seus merecimentos; e ainda assim com mais clemência
do que os Juizes recororoendáram.
O E x-frade de Lisboa, porém, recolhe outros fructos; e porque o
Monsenhor Gordo vio que lhe naõ podia vir muita glória de ser o
Censor privativo do Espectador, escusou-se disso: mas o Governo
de Lisboa, para que naõ perdesse o Mundo a bella instrucçaõ co
seu protegido Espectador, nem ainda mesmo soffiesse demo ra
a publicação daquella «cientifica composição de literatura e Cri-
tica, como /he chama o Ex-frade, nomeou-lhe !ogo 011'ro Censor
especial, qne desde o No. 22 regala os seus religiosos ouvidos com
as asquerosas produeçoens do Ex-frade, antes que sejam impressas*
Este novo Censor privativo he Fr, Joze Joaquim da Immaculada
462 Miscellanea.

Conceição, da Província de Portugal, intitulado entre os seus con-


frades um dos Padres mais dignos; mas o povo chama-lhe Fr.
Jozé sem medo; por ser bom vivente. Nós desejaraos-lhe bom
refresco com os pios presentes do Ex-frade, no seu Espectador,
pela manhaã antes da Missa; mas recommendamos-lhe que se naõ
descuide dos negócios chamados da Terra Sancta, de que tem in-
tendencia, e que seraõ mais rendosos do que o Espectador; cujos
officios poderão acabar algum dia, como acabaram os do Ex-frade
Lepeniotty em Corhi; se a fortuna fizer com que a justiça che-
gue algum dia a Lisboa.

PAIZES-BAIXOS.

O Mandat d'Amener, notificado na residência do Bispo de


Gand, foi authenticado por um processo verbal, que se man-
dou para ali. O Bispo saio do circulo de Gand, e foi para o
de Ypree; sem embargo do que se continuará contra elle o
processo judicial. O Jornal de Ia Belgique de 31 de Março
diz. que Mr. de Broglie, Bispo de Gand, naõ so saio daquella
cidade, mas deixou de todo o Reyno, e fugio para a França*
Outros dizem, que elle se acha refugiado em uma quinta sua,
dentro dos Paizes Baixos.

PRÚSSIA.

Os nosos Leitores estarão lembrados de que S. M. Prussiana,


quando quiz sinceramente unir-se á Aliiança dos mais Po-
tentados da Europa, para destruir o oppressor despotismo de
Buonaparte, prometteo a seus povos a convocação dos Estados
do Reyno, o estabelicimento de uma Constituição politica,
sobre principios liberaes ; e o seu apoio á Sociedade chamada
Tugen-band que devia organizar os meios daquella importante
e útil revolução.
Quando o poder de Bonaparte foi effectivamente derribado
El-Rey disse, que naõ éra entaõ tempo de cuidar em novas
constituiçoens, publicon um edicto prohibindo a associação do
Miscellanea. 463
Tugen-band, e oppos-se a todos os passos, que pudessem
promover a promettida reforma. Comtudo o clamor dos
povos foi tal que S. M. julgou conveniente dar mostras de que
se naõ esquecia de todo de suas promessas, e formou um
Conselho de Estado para o expresso fim de tomar em con-
sideração a premeditada reforma.
Este Conselho abrio as suas sessoens no Palácio d Berlin
aos 30 de Março. Começaram os seus procedimentos por uma
communicaçaõ d'El Rey, acompanhada de um edicto ou
ordenança, dirigida à formação, e prescrevendo os deveres
do Conselho. O Principe de Hardenberg, como Presidente,
fez a El Rey uma falia, em nome do Conselho, agradecendo a
S. M. a medida que havia adoptado, e El Rey terminou a sessaõ
com outra falia, em que expressou a sua confiança na sabedoria
e affeiçaõ do Conselho. Entre os membros deste conselho se
acham o Principe Blucher; Conde Bullou e Principe Witt-
genstein. O Conselho se tornou a ajunctar tres dias depois.
A sessaõ da Conselho de Estado começou aos 30 de Março ;
anniversario da victoria de Paris.
Depois de se cantar Te Deum na Igreja da guarniçaõ; a que
assistio El Rey, os Principes e as Princezas, com seus respes-
tivos séquitos, S. M. accompanhado pelos principes de sua
Casa foi ter á Câmara do Palácio, destinada para as sessoens
do Conselho, aonde se ajunctáram os membros do Conselho
de Estado, que se achavam em Berlin.

SUESIA.

A p. 434, copiamos extractos de um artigo official de gazeta


de Stockholmo, pelos quaes se mostra, que houve uma conspi-
ração contra o Principe da coroa; e, em conseqüência delia se
haver descuberto, apresentaram ao Principe memoriaes de pa-
rabéns, os Militares, e varias corporaçoens de cidadãos.
Qual seja porém a natureza dessa conspiração, he o que
ainda se naõ sabe, porque as noticias de Suécia a este repeito
464 Miscellanea.
saõ tam contradictorias, que mais tendem a confundir do que
dar luz á matéria. O que porém se pôde deduzir desses ru-
mores he, que na conspiração entravam alguns militares; e
que um estalajadeiro fez a descuberta, por ter ouvido parte da
conversação, que os conspiradores tiveram em um quarto da
estalagem aonde jantaram.
Varias pessoas fôram prezas aos 22 e 23 de Março. 0 Ma-
erchal da Corte, Gyilerstrom, que possue terras na Pomerania
foi banido do Reyno, e mandado sair da capital em tres dias
O coronel Baraõ Koskullis foi nomendo Capitão Tenente da
Guarda de-Corpus, que faz o serviço no interior do Palácio
d'El Rey e do Principe da Coroa.
A gazeta do Baixo-Elbe de 2 de Abril refere as seguintes
particularidades, sobre esta conspiração.
" A presentamos aqui a nossos Leitores algumas ulteriores cir-
cumstancias, relativas aos tumultos, que succedêram em Stock-
holmo, aos 13 de Março, de que as gazetas só tem dado um
esboço. Ha tempos que se havia formado secretamente um
partido contra o Principe e seu filho; e diariamente se foi esse
partido fortificando, até que por fim chegou o seu plano ao
ponto de madureza, que se determinou a sua execução aos 13
de Março. Ajustaram os conspirados de fazer um baile de
mascarada, naquelle dia, a que havia de assistir o Principe e
seu filho. Pouco antes de principiar a festa recebeo o Principe
uma carta anonyma, em que o avizávam da conspiração; e,
como a tal carta continha miúdas circumstancias, naõ du-
vidou o Principe de sua realidade. Convoucou portanto o
Principe o Conselho de Estado, e o conservou juncto a si até
a manhaõ seguinte. Durante a noite tudo esteve tranquillo,
e o baile continuou como se nada estivesse em agitação, ou
se esperassecousa alguma, excepto que nenhuma pessoa da
-familia Real esteve presente. Na manhaã seguinte os principaes
officiaes da guarniçaõ, e as personagens mais distinctas, e ha-
bitantes da cidade, fôram: ter ao Palácio do Principe Real,
e o asseguraram de sua fidelidade, e determinação de o de-
fender. JSo mesmo dia se despacharam correios para todas os
Miscellanea. 465
despacharam correios, para todas as partes do Reyno, levando
proclamaçoens do Principe Real ao povo nas quaes proclamaçoens
o Principe assegura á Naçaõ de sua inviolável fidelidade para
com ella, até á ultima hora de sua existência; porém requer em
retribuição uma firme e inalterável adhesaõ á sua pessoa e fa-
milia.—Presentemente tudo tem o aspecto da maior tranquilli-
dade ; porém ainda existe alguma sorte de inquietação; e naõ
se sabe quem saõ as pessoas que tem sido prezas. O Principe
mandou buscar vários regimentos, que se aquarteláram na ci-
dade e suas vizinhanças."
Parece agora certo, que os motores da revolução saõ os N o -
bres, escandalizados de se naõ conferirem exclusivamente á sua
classe os postos militares, e empregos de maior importância,
Gustavo III tinha começado a útil reforma de naõ attender ao
orgulho dos Nobres, nomeando para lugares distinctos pessoas
de merecimento das outras classes da sociedade. O principe
da Coroa se tem feito, a este respeito, mais odioso aos Nobres
do que o fôra Gustavo I I I ; porém a tentativa de assassinar o Prí-
ncipe naõ pôde deixar de ser mais nociva aos nobres; porque
servirá de mais um prova da necessidade que ha de os conter
em seus deveres, e esta circumstancia influirá nos regulamentos
da Constituição, em que se está trabalhando, e que se espera
que seja apresentada á Dieta em breve tempo.

RÚSSIA,

A p. 373 copiamos os regulamentos do Imperdor, a respeito da


admissão de estrangeiros na Rússia, e qualificação de passa-
portes.
O Leitor observará facilmente a coincidência deste Edicto de
S. M. Imperial, que he datado de 13 de Fevereiro, deste anno ;
com a Portaria dos Governadores do Reyno de Portugal, sobre
o mesmo assumpto, e que he datada de 8 do mesmo mez e
anno.
Também naõ escapará a circumstancia de que em Portugal se
naõ admittem os passaportes assignados pelos officiaes de Alfan-
V O L . X V I I I . N o . 107, 3 N
466
Conrespondencia.

dega; nem na Rússia os que naõ forem passados por authori-


dades militares; isto no caso de que os viajantes venham de
lug-ares, aonde naõ haja Ministros Diplomáticos ou Cônsules da
naçaõ que legisla.
Agora pergunta a nossa curiosidade; pois ainda se naõ fez
publico, se os senhores Governadores de Porugal tem também
ja accedido à Sancta Aliiança?
As noticias da Alemanha dizem, que tem havido ultimamente
freqüentíssima passagem de correios entre S. Petersburgo, e
Vienna; os políticos tem feito sobre isto varias conjecturas, e di-
zem todos, que a negociação se refere a matérias da Sancta Alii-
ança, mas discordam no objecto. Uns dizem que a negociação se
refere a uma grande província da Áustria, aonde existe certa
Constituição, que naõ he conforme aos deveres de subditos sugeitos
a um Soberano, que tem debaixo de seu Governo outras provincin-
ciar aonde naõ ha Constituiçoens. Outros dizem, que a negocia-
ção se refere às províncias Ottomanas na Europa; e com effeito
tem apparceido em varias gazetas dá Áustria vários paragraphos,
expondo em cores mui vivas o atroz comportamento dos Turcos
para com os Christaõs, que vivem debaixo de seu dominio; e nesses
paragraphos se dá a entender, que os Principes, que tem entrado
na Saneia Aliiança, e accedido ao Tractado Christaõ, devem
unir-se para castigar aquelles infiéis.

CONRESPONDENCIA.
Carta ao Redactor, sobre os negócios públicos em Pernambuco;
Senhor Redactor!
Pernambuco 3 de Dezembro, de 1816.
Havendo mostrado a experiência, que umas vezes a malicia, e outras
a ignorância e negligencia,abafam as reclamações des Povos, dirigidas ao
Throno dos Soberanos, sentindo-se por isso uma discordância total de Ad-
Conrespondencia. 467
ministrarão dentro dos Estados do um mesmo Principe, e tendo desgraça-
damente ha annos a esta parte permittido a sorte que esta Capitania, aliás
de primeira importância, tenha sido victimas da malignidade e dobrêz das
Authoridades constituidas,que todas, parece que de acordo.só obram em op-
posiçaõ ás justas e pias intenções do mais amado do Soberanos -socorro-me
a V. M ce - em nome destes Povos, para, por meio do seu periódico,
fazer chegar ao Publico, e a quem compete, o conhecimento de alguns
factos, que a naõ serem desconhecidos por S. Majestade, teria ha muito
tempo punido os seos perversos Authores: principarei pelo mais fresco, e
que de mais perto atacou a humanidade. Fallava-se em que os pretos de alguns
estabelecimentos agricolos,na Cidade da Bahia, haviam, ou por deffeito de
educação ou pela deshumanidade dos Senhores, practicado algumas insurrei-
çoens, que apenas apareciam eram castigadas, conforme o pediam as regras
da justiça, e humanidade; murmurava com tudo a classe estúpida, tímida,
e sanguinária, da moderação do Conde dos Arcos, e até dizia, que S. Majes-
tade se desagradava muito da sua conducta a este respeito.
Bastou este sussurro, para. persuadir ao General* desta Capitania, e a
mais algum Magistrado, que a sua falta de mérito pessoal seria bem
supprida, fazendo algum serviço deste gênero, isto he, que no caso de se dar
em Pernambuco o mesmo acontecimento que na Bahia, obrariam de ma-
neira, que merececem do Ministério os louvores, que se dizia serem nega-
dos ao Conde dos Arcos. Apareceo com effeito, entre os negros Congos,
uma discordância de votos sobre a eleição annual do chamado Rey, cujo
exercicio se limita á prezidencia da festa de N. S. do Rozario sua advogada,
e com isto vozes de levante na boca da canalha- Aqui temos o General
em campo, toca a rebate, ajuncta a força militar da Praça,faz marchar a que
estava distante, apresenta um Parque d*Artilheria no adro de uma Jgreja,
innunda as ruas de escoltas, que, á capricho dos Commandantes, pren-
dem os pretos que encontram, entram nas casas de outros, e seqüestram o
que nellas acham, inclusivo moveis e dinheiro, e apparecem finalmente, no
fim de tres dias de diligencias, vinte e tantos prezos na Cadeia, sem mais
corpo de delicto que o do accidente da côr, porém que assim mesmo, saõ
remettidos ao Ouvidor para os perguntar, e devaçar do negocio. Nada
e nada se achou no fim do processo, mais que o direito que lhes assistia para

* Aos que se queixam do Cap. General de Pernambuco ser frouxo


lembra o Redactor a fábula das raãs, que pedindo um Rey a Júpiter, que
lhe deo um pedacinho de páo podre; e queixando-se ellas disso, lhe nomeou
Júpiter uma Cegonha, cuja actividade se empregava em devorar as incon-
sideradas raãs. O remédio está na mudança do systema naõ das pessoas.

O Redactor.
3N 2
468 Conrespondencia.
pedirem reparação da injuria, perdas, e damnos a quem injustamente os
prendeo, e por isso fôram soltos, aproveitando com tudo a Real Fazenda
cinco mil cruzados.que foram achados em casa de um preto liberto,fructode
muitos annos de fadigas na sua ocupação de pescador, e que fugio aterrado
da surpreza que lhe fizeram. Deo entaõ a canalha a sua pateada no flm do
Entremez, e a gente sensata desgostou-se de uma medida, que mostrava
nada menos que o temor da parte do Governo, para uma classe miserável.
Quasi dous annos depois, o Ouvidor das Alagoas, que naõ tinha tido parte
neste Drama, sonhou com outro levante de pretos na sua comarca, funda-
mentado unicamente em um batuque de dança,que alguns faziam nas imme-
diaçoens de um Engenho de assucar, e com isto, dá reiteradas partes ao
General, pede forças &c. &c. Coincindem as vontades, e sáe desta Praça
ás nove horas da manhãa, um Marechal de campo dos Reaes Exércitos,—
Comendador da Ordem d'Aviz, e Inspector General, com o seu Ajudante
d'Ordens, caixa batente, á testa de trinta soldados, com ordem para que
de acordo com o Ouvidor, Ofiiciaes de justiça e Venturas,fizesseme a con-
tecessem.
O resultado desta mascarada, foi chegarem aqui prezos seis ou sette
pretos, agarrados cada um na sua casinha, e sem mais corpo de delicto,
que algumas fiexas, e zagaias, que se lhe acharam, armas de que usam
naquellas terras, para matarem os grandes peixes na Alagôa. Como porém
se temeo a repetição da primeira pateada, assentou-se em dar pezo ao ne-
gocio, e a despeito da inteira "Ilegalidade do processo, e da judiciosa defeza,
que fizeram os Advogados aos chamados Reos, foram condemnados a
açoites, e degredo para Fernando, e um d"entre elles, cuido que tirado á
sorte, conduzido á /orca, aonde lhe sacrificaram a vida.
No fim da Scena, em lugar de pateada, apparecêo o clamor do publico,
naõ repetindo com Bocage "Folga a justiça, e geme a natureza" mas sim;
geme a justiça, e geme a natureza" porque ja estava assas instruído do que
se havia passado, logo que se formou a Juncta de Justiça: isto he, que o
General nunca cessou de lembrar aos Ministros adjunetos, que o caso éra de
sua natureza ponderável, e carecia de castigo severo; naõ seria preciso
tanto, para que a fraqueza de uns e a ignorância de outros, obrassem con-
forme o voto do seu Presidente. O senhor de escravo, que quiz pugnar
pela inocência delle, calou-se com a promessa, que se lhe fez, de que se lhe
havia pagar, promessa aliás lizongeira, a um pobre homem*, que attendia
mais á falta do individuo, do que á justiça com que o matavam. Ultima-
mente ordenou-se ao Escrivão do processo, que naõ desse delle, nem de
qualquer dos seos apensos, certidão alguma, e o recatasse de maneira, que

• Nós lhe chamaríamos um malvado.


Conrespondencia. 469
naõ fosse visto de ninguém: diz-se porém que remetem para a Corte a Sen-
tença, mas na3 o processo; praza a Deos que elle lá fôra!!!
Resta-nos a esperança de que S. Majestade o mandará ir á sua prezença,
senaõ para remediar a atrocidade comettida sem seu consentimento, ao
menos para reprehender aos Authores que a cometeram, a lembrar-lhes
que estes naõ saõ os meios de se fazerem credores das suas graças, mas sim
os de sustentarem a integridade das vidas e fazendas dos seus vassallos
actualtamente abandonadas, e zelar os descaminhos do seu Regio Patrimô-
nio. Como toquei esta espécie, naÕ posso conter-me de noticiar alguns
factos escandalosos.
Há aqui uma ponte, que une singularmente o todo da Cidade, e serve de
única entrada e saida do commercio interno, e trafego particular; foi cons-
truída pelos Holandezes, que deixaram ainda uma terceira parte em
madeira. Quiz-se reparar esta parte, como em outras ocasioens se havia
feito, pelos carpinteiros do paiz, confiou-se porém o reparo ao Engenheiro
mestre dObras, que ou porque se visse embaraçado, ou porque achasse
pouco lucrativa a obra daquelle modo, deo o arbítrio de se concluir com pre-
ferencia a obra de pedra, e a pezar da conhecida impericia deste empregado,
mandou-se-lhe por em execução o seu plano. Perderam-se a maior parte
das madeiras, ja promptas para o primeiro repáiro, fundiram-se mais de
cem contos de reis, conheceo até o publico ignorante a defeituosa marcha
da obra, tudo se desprezou, e o resultado pratico foi abaterem-se, na manhãa
de 4 de Septembro do anno passado, os novos pés direitos, e as antigas
abobadas conglutinadas com a duração de cento e oitenta annos, sacrificando
milagrosamente a vida de quatro únicas pessoas mais temerárias, que naõ
attenderam aos signaes que precederam á ruina. A primeira medida, que
se tomou nesta calamidade, foi salvar o Engenheiro do justo furor do Povo
mandando-o logo e logo.com a sua familia, para o Rio-de-Janeiro; com cartas
de recomendação, para, na desculpa da sua conducta, involver a daquelles
que directa e indirectamente lucravam, ou que pelo menos aproveitaram as
soas aparatosas funcçoens, e em cima das ruinas, armou-se uma ratoeira para
dar passagem, e com a qual se está gastando em costeio muito dinheiro
dizendo-se para a Corte, que o reparo he para durar oito ou dez annos
quando aliás ameaça todos os dias um desastre maior que o primeiro. Este
mesmoEngenheiro adjuneto a um Coronel e lente doRegimento d'Artilheria
construíram em 1808, fundindo mais de trinta contos de reis, um armazém
para deposito de pólvora, que pela escolha da localidade, e defeito da
construcçaõ, arruinou em seis annos acima de duas mil arrobas do gênero
guardado, e abandonou-se finalmente: se fossem comprados pelo inimigo
naõ o faziam peior. Os mesmos Officiaes, e naquelle mesmo anno, deram
nm plano de defeza com barcas canhoneiras,em que se gastaram muitos mil
cruzados, para serem abandonadas, sem se ter o gosto de ver montar uma
470 Conrespondencia.
peça em nenhuma dellas. He desta e outras maneiras que se tem
enganado o Principe, e consumido as rendas Reaes, assás augmentadas com
os impostos lançados depois da chegada de S Majestade, sem que se tenha
gasto um vintém, no melhoramento de uma estrada,encanamento ou limpeza
de um rio, ou outra qualquer obra de utilidade publica.
Todos os factos relatados sao tam notórios, que ninguém os poderá
desmentir, e queira o Ceo que algum dos que lhe cabe a Carapuça o queira
fazer, porque entaõ cuidarei de os personalizar, e declarar circumstancias
agravantes que agora cílllo. Naõ lhe fallo em defeitos de administrado
judicial, porque saõ tantos, e tam escandalosos, que esperamos a reforma
deste ramo, por ja nos constar que S. Majestade está sobejamente inteirado.
AgradecemotHhe as reílexoens que V. M**, fez no seu Periódico de Junho
deste anno, sobre outros defeitos de Administração publica, e de Fazenda
Real,certificando-o de que ja produzio o desejado fim, porque já se ouvo
fallar em reformas.

Eu sou com a maior consideração.

DeV.Mce*
Reconhecido e obrigado.
O PATRIOTA FIEL.

Carta sobre o Jozé Agostinho; co/mnunicada par copia ao Redactor.

I. M. I, Sr. D. S. M.

Ainda até hoje cumprir naõ pude seos preceitos, mas muito ha, que
pagar deveria Uma tal dívida; tarde he mas assim foi melhor; e
espero, que esta supposta melhoria releve minhas faltas.—Eu ja nas
minhas antecedentes disse, que o mérito litterario de J. A. de Macedo
(naõ Presbytero secular) era a figura da Ásia, que apparecêo ao
Sr. Rey D. Manoel, por elle Macedo sonhada no seo Poema original,
o Oriente; com este figurado modo de fallar entenderá, que o tal
mérito tem a existência da tal aventesma poética; fábula tudo, a naõ
ser que se queira chamar merecedor a quem copia dos outros muito ;
aquelle, que sem tom, nem som escreve; e que falia a torto, e direito.
Entendo eu por mérito litterario saber as matérias a fundo, e ter
arte para dizer sobre ellas com perspicuidade, persuasão, e gosto;
por modo, que o alheio applauzo se naõ consiga forçado, nem venha
com signais equívocos. Esta intelligencia mais bem interpretada
ficará sabendo-se o que he; he um espirito falso só dotado de
Conrespondencia. 471
mericimento pseudo-litterario.—He muito embusteiro este espíritos
feito de parecer sábio por forca. Elle procede de um feio, e arre-
negado monstrengo, que he o orgulho, e de uma infelicidade continua,
que sempre o acompanha. Ha nos loucos, que se deixaõ azir deste
vicio pestilencial, uma bússola uniforme, e qual agulha mareante lhes
marca seo Norte; outro rumo naõ sabem mais do que acreditarem,
que saõ superiores, e excedem (querendo) aquelles, que por justos,
e ganhados titulos o mundo erudito reconheceo por grandes letrados.
Nisto vaõ os orgulhozos de acordo com a canalha estúpida, que os
applaude; ella lê o que naõ entende, e desta falta de intelligencia
tiram provas para os elogiar chamando sublimada cousa o que nada
sendo he assim mesmo superior á sua comprehensaõ. Confirma-se
esta verdade facilmente. A que chamam, ou que julgaõ os ignaro»
eloqüência, ex gr. a facilidade, que alguns homens tem de fallar sós,
e por muito tempo, acompanhada de gesticulaçnens frenéticas, de uma
vóz fortíssima, extrahida com grave trabalho dos pulmoens. H e quazt
sempre assim, que se obtém o que se chama aura popular. Vias
quantos males naõ vém daqui; quantos o orgulho suggere. Nascido
sem gênio para encantar, nunca escrevas, diz Boileau a um destes. Viéstes
orgulhozo ao mundo, reüecti,que tu, e os mais saõ imperfeitissimos. Porque
muitos homens longo tempo ficam reputados pedantes, havendo obtido os
suffragios da plebe, he porque cedo, e incompetentemente começaram «
figurar com bazofia de Doutores. Quereis escrever com acerto, e louvor
decidido (prcceitava Horacio) tomai um assumpto com que possuis, sede
claro, corrente, natural, delicado, e profundo. Naõ espereis, que os
conselhos vos venham buscar,buscai-os; porque naõ querer ser aconselhado,
nem corrigido, sobre qualquer obra, isto he um pedantismo. Lisongeai as
orelhas do leitor: um estylo empeçado, áspero, monótono, férreo, e des-
agradável nao pôde fazer gostar a verdade, ou crivei o verosimil. Movei o
coração, ornai o espirito, e nutri a razaõ, porque um Espirito perfeito he
a uniaõ da razaõ e do espirito. Sabei, que grande risco correm aquelles,
que saõ dotados de uma esfera medíocre naõ melhorada por estudos regula-
res, nem de caracter dócil, e seguro; parque faltando-lhes argumentos para
o» objectos sérios de que tractam dam no jocozo, subterfugio,que por sempre
desigual, e enjoatWo muito os vitupéra, e deshonra. E que meio se pôde
achar entre a galantaria, e a insipidez ? Tal ha, que se julga, como o
Padre Braz, e fica áquem de um palhaço. Quaõ difficil he petear sobre os
mortos sem dizer mal delles, e sobre os vivos sem os offender I Com tudo
»e apparecem gracejadores sem graça, críticos sem discernimento, falladores
sem gosto, Escriptores sem methodo, satyricos sem pejo, e bazofies sem
cabedal, apparecem outros tantos loucos, que admiram aquelles.—Para
desengano de uns que tais, he que taõ sabiamente falia Clavitle; e parecer
472 Conrespondencia.
que sem mais authoridade,*aem dissertações tenho dieto quanto seria bastante
para Vm. formar conceito do mericimento litterario, de J. A. de Mtuedo
o qual (sem mistura do seo caracter moral, que he publico por muito mau)
achará exacto, uma vez, que tendo na lembrança estas sentenças dos sábios
abra uma, ou outra das muitas obras, que aquelle Rev. tem rabiscado'
ellas saõ tantas, e tamanhas, sobre tudo, e contra tudo, que basta olhar
alguma. Alli verá razõeâ-contra-razões; insipidez, e gracejo; aflirmaeaõ
e negação; critica sem ella; estylo gigante, estylo anaÕ; imaginação, e
plagiato; palavras boas, e termos péssimos; furor, e mansidão; lembrança
suar pessoal, e encomenda; altivez é lisonja-; constância, e humildade;
orgulho, e fraqueza; choradeira, e cólera; mizeria, e bazofiaj louvor, e
maldicencia; humildade, e orgulho; eterodoxía, e protestarão; amor, e
ódio; beneficência, e malfeitoria; diligencia, e ócio;filosofia,e fanatismo:
applauzo, e apúpo; lingua própria, e língua bárbara; defeza, e libello!
decoro, egrossaria: continência, e cio; desprezo, e inveja; Divindade Una;
e Politeismo; um verso soffrivel, muitos maus; fogo, e cinza; plano assim-
assim, execução má; em summa verá uma loja de Droguista; e para
melhor dizer as couzas naõ estaõ alli em confuzaõ maior. Se o Revdo.
desse a cada assumpto estylo próprio, o mesmo fizesse em quanto á lingua-
gem, variasse a dicção, guardasse os caracteres, observasse as leys, naõ
escrevesse libellos, e se portasse como Escriptor sizúdo saõ seria espelho
esta minha avaliação: fallo da notada confuzaõ em qualquer obra do Rev,
recomendo-lhe, que leia alguma, se paxon-a lhe chegar, e quando naõ
queira ter esse incômodo tnetta louvados, que decidirão por meo voto.—
Por óra he quanto sobre o ponto interrogado por Vm. se me ofleréce a
dizer-lhe nem espere de mim, que me retracte, ou appareça com os meos
toscos papeis na praça, em a qual os mais destros picadores levam ás vezes
descompostas cornadas do toiro, de que Ds. livre a Vm. e a todo o fiel
ChristaS.
Sou de Vmce. am. e Servo.
Porto 25 de Janeiro de 1817.
F...J. L.
CORREIO BRAZILIENSE,
De M A I O , 1S17.

Na quarta parte novaos campos ára,


E se mais mundo houvera Ia chegara.
fcAMOENS, C. VII. e. 1 4 .

POLÍTICA

REYNO DNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALOA1UES,

Alçará, porque se prohibe a seita do Puritarismo em


Portugal.

- E i t J El Rey faço saber aos que este Alvará de Ley


virem, que, tendo chegado á minha Real presença, pela
primeira vez, o Compromisso que em 20 de Dezembro
do anno de 1663 se formou para o governo da Confraria
<le Nobreza, que antes se linha levantado para a expiayaÕ
do desacato, que na noite de 15 para 16 de Janeiro do anno de
1630 se havia commettido no sacrario da frequezia de
Sancta Engracia. Havendo mandado consultar na Meza
do Dezembargo do Paço, com assistência dos Procuradores
Regios, o sobredicto compromisso; e fazendo ver e pon-
derar muito seriamente no Conselho de Estado o que
sobre elle se me consultou, foi uniformemente assentado
por todos os votos da sobredicta Meza e Conselho, que o
VOL. X V U l No. 108. 3o
474 Politica.
referido compromisso, em lugar de conter em si as pias
regras, com que a mesma Nobreza se devia unir nos exer-
cícios de devoção, que eram próprios de um fim tam
sancto, como o que havia feito o objecto da dieta confraria
continha em si, muito pelo contrario, a baze de uma asso-
ciação ordenada a semear cizânias na mesma Nobreza
para levantar no meio delia sediçoens e discórdias, e para
denegrilla com injurias tam atrozes e offensivas da paz
publica da mesma Corte, como da Majestade da minha
Coroa, da authoridade dos meus tribunaes, e das cousas
por elles julgadas, cuja inviolável observância constitue
um dos mais sólidos fundamentos do socego dos povos; e
que assim se manifestava, logo que o referido compromisso
se combinava com a historia do tempo era que foi machi-
nado; vendo-se que foi feito em uma conjunetura, na qual
a feroz sociedade Jesuitíca, por uma parte, se tinha arro-
gado o despotico arbítrio de todas as disposiçoens do
governo da Corte e da Cidade; e por outra parte procu-
rava concitar nella sediçoens, e perturbaçoens da tran-
quillidade publica; vendo-se que assim como para estes
máos fins fôra buscar (para illudir, como illudio, os Grê-
mios dos Artífices de Lisboa) os estratagemas da liga de
França; da mesma sorte para dividir e pertubar a har-
monia do Estado da Nobreza copiou ao vivo o outro infame
original do Puritanismo, que em Inglaterra se tinha
levantado, desde o anno de 1565, até o de 1569, preten-
dendo os inventores e sequazes delle persuadir aos Ingle-
zes, que eram mais puros na Religião do que todos os
outros dos seus compatriotas, vendo-se que os referidos
Jezuitas, com o mesmo intento, inventaram e copiaram
também nesta Corte o outro Puritanismo de sangue, a
que deram por definição " Fidalgo e Christaã Velho de
tempo immemorial, sem fama ou rumor em contrario,
verdadeiro ou falso." Vendo-se que isto foi na sub-
Politica. 475
stancia o mesmo que identicamente se escreveo no capi-
tulo 5o do referido Compromisso pelas formaes palavras,
" E que a tem (isto he a pessoa que houver de ser rece-
bida na Confraria) por Christaã velho, sem nunca se en-
tender o contrario". Vendo-se, que assim ficou suspeito,
e infamado todo o estado da Nobreza desde aquelle tempo,
suppondo nella Hebreos o mesmo Compromisso, publi-
cando-o assim os sequazes delle, e da diffiniçaõ, que fez a
sua baze; levantando e sustentando os dous differentes
partidos de Puritanos e Infectos, que duraram desde
entaõ até agora, tractando delles os Genealogicos nos seus
necessariamente mal informados e temerários livros»
practicando-se com desenvoltura o mesmo nas conversa-
çoens, e nos ajustes de cazamentos, chegando a estabe-
lecer-se por máxima commua, que a Inquisição naõ éra
guardanapo, a que as gentes se fossem alimpar; e sus-
tentando-se esta sediciosa barbaridade, com a affrontosa sup-
posiçaõ de inhabilidade e exclusiva de tantas casas da pri-
meira grandeza deste Reyno, comofôramas que se viram
privadas de entrarem no serviço das Inquisiçoens, e de
daremfilhaspara as outras casas, naõ sô da sua mesma
classe, mas ainda de outras de menor graduação; sem se
reparar em que isto he o mesmo, que ainda estaõ prac-
ticando os Hebreos, os quaes naõ casam fôra da Tribu da
sua geração. Vendo-se por este modo até a mesma
Nobreza daquelle partido chamado Puritano em termos
de acabar-se; porque, limitando-se os seus matrimônios
a tam poucas casas, como he manifesto, com uma sugeiçaõ
da liberdade dos matrimônios incompatível com as leys da
Igreja e do Reyno, he preciso que venham a perder-se,
por uma parte com a falta de esposas, que necessariamente
ta de haver em um tam reduzido numero de familias;
pela outra parte com as custosas despezas das dispensas
BUtrimoniaes, nos próximos gráos dos seus recíprocos e
3o 2
476 Politica.
mútuos parentescos. E vendo-se em fim, que todo o
corpo da dieta Nobreza se acha assim atrozmente inju-
riado no conceito universal da Europa; porque, fazendo-
se crer aos estrangeiros, que vivem nesta Corte, que em
Portugal sô ha pureza de sangue naquellas poucas casas,
ficam persuadidos de que a mesma Nobreza se compõem
sô daquelle pequeno numero de familias Christaãs- Ve-
lhas, e que todas as outras saõ maculadas com o sangue
Hebreo; representando-se-me na sobredicta consulta e
assento do Conselho d^Estado, em conseqüência de tudo
o referido, que aos sobredictos inconvenientes acerescia,
para fazer indispensável a mais prompta e efficaz pro-
videncia, applicada sem mais perda de tempo; primeira-
mente, que, em nenhum reyno ou Estado Catholico e civil,
se permittio até agora uma associação, uniaõ ou conven-
ticulo de certas familias, ou pessoas particulares, que,
pela sua própria authoridade, se atrevam a separar-se do
commum dos seus compatriotas, ainda quando clara-
mente naõ consta que he para lhes fazer injurias tam
atrozes, como as que este partido Puritano tem portantos
annos accumulado, naõ sô contra o outro partido, por
elle e pelos seus sequazes, pretendido infecto; mas tam-
bém geralmente a todo o corpo da mesma Nobreza, de
que saõ membros. Em segundo lugar, que, sendo Eu o
Protector da mesma Nobreza, e da sua honra (muito
mais preciosa do que a vida) naõ devo permittir, que na
minha Corte se lhe faça a offensa de lhe porem e darem
pelo arbítrio particular e temerário dos sobredictos Puri-
tanos as referidas inhabilidades e exclusivas, sendo con-
trarias a todas as leys divinas e humanas. Em terceiro
lugar que, sendo Eu também a única fonte da qual so-
mente he que podem emanar as honras, as graduaçoens, e
as qualificaçoens civis, para os meus vassallos, naÕ po-
deria permittir, depois de informado, sem lesaõ da Ma-
Politica. ATI
jestade da minha Coroa, que entre os meus vassallos
houvesse alguns, que se attrevessem a qualificar, e gra-
duar pelo seu próprio arbítrio, nem os que lhe saõ iguaes
na classe da Grandeza, nem ainda quaesquer dos outros
a ella inferiores na graduação, usurpando assim temera-
riamente a suprema jurisdicçaõ da minha Coroa; á qual
saõ intransmissivelmente inherentes a distribuição e re-
gulação das classes e das honras dos meus dictos vassallos,
e a protecçaõ dos que entre elles se acham opprimídos;
concluindo finalmente a sobredicta consulta, e assento
sobre ella tomado; que, fazendo-se indispensável que eu
arrancasse, sem mais perda de tempo, pelas suas raízes,
um mal de tam perniciosas conseqüências, naõ podia
haver para este fim outros meios, que naõ fossem os que
vam abaixo declarados.
E conformando-me com os pareceres da consulta da
mesma Meza do Desembargo do Paço, e do mesmo Con-
selho d'Estado; sou servido ordenar o seguinte.
1. Mando que todos os que fòrem e saõ cabeças d;is
familias até agora chamadas Puritanas, logo que tiverem
filhos em idade para poderem casar, sejam chamados á
Secretaria de Estado; que nella se lhes declare no meu
Real Nome, que eu reprovo e condemno todos os casa-
mentos, ajustados ou que se houverem de ajustar dentro
no grêmio dos mesmos chamados Puritanos.
2. Item mando, que da mesma sorte se intime aos
sobredictos cabeças de familias, chamadas Puritanas, que,
dentro do termo de quatro mezes precisos, peremptórios,
contínuos, e improrogaveis, hajam de ajustar e casar os
referidos seus filhos, em qualquer das outras familias,
que elles excluíam como naõ Puritanas; desterrando-se
para isto como sou servido desterrar, debaixo das penas
adiante declaradas, o outro horroroso absurdo, com que
no mesmo sedicioso espirito de Puritanismo se andavam
478 Politica.
excogitando (ainda entre os que os naõ seguiam) defeitos
inventados e chimericos, para se injuriarem uns aos ou-
tros, inhabilitando-se reciprocamente para os matrimô-
nios aquellas familias, a que se tinham imputado estes
ou aquelles defeitos, diversos dos que se attribuiam aos
que necessitavam de casar seus filhos; e dizendo estes
que naõ queriam macular a sua casa, com outras notas
além das que ja tinham: e isto como se estivesse no ar-
bítrio dos Genealogicos, ou dos outros particulares de-
tractores, annularem as sentenças de habilitaçoens dos tri-
bunaes do Sancto Officio da Inquisição, e das Ordens Mi-
litares ; ou sentirem mal delles sem levantarem uma se-
diçaõ criminosa, e punivel, por todas as leys divinas e
humanas; como se fosse necessário ser mais puro no
sangue do que os Ministros dos Tribunaes da Fé e das
Ordens Militares, e como se esta pretendida pureza pu-
desse ter outros effeitos, que naõ fossem os das pertur-
baçoens e das discórdias, que tem causado no Corpo da
Nobreza.
3. Determino, que, naÕ casando os sobredictos Puri-
tanos os seus filhos, dentro do referido termo dos quatro
mezes acima declarados, depois de serem para isso in-
timados, fiquem pelo mesmo lapso do tempo irremissivel
e effectivamente privados de todos os foros, dignidades,
honras, e bens da Coroa e Ordens, que tiverem, para
delles mais naÕ gozarem por modo algum qualquer que
seja, revertendo todas as referidas honras e bens, a in-
corporarem-se na mesma Coroa; naõ obstantes quaes-
quer doaçoens, que dellas e delles tenham os transgres-
sores desta ley; porque desde agora para entaõ as hey
por cassadas, abolidas e nullas, como se nunca houvessem
existido: exceptuando-se porém dous casos; a saber,
Primeiro o de haver algumas vidas concedidas a favor
de transversaes, que, naõ sendo comprehendidos na dis-
Politica. 4-yg

posição desta ley, succederiam por direito nas mesmas


vidas, se os sobredictos transgressores delia houvessem
falecido sem deixar descendentes: Segundo, o de reque-
rem com certidoens, no tempo preciso de 30 dias con-
tinua e successivamente, contados desde o dia da priva-
ção dos sobredictos transgressores, os seus descendentes,
que lhe succederiam por direito, se elles mortos fossem,
mostrando que tem cumprido as disposiçoens desta ley,
no referido termo, porque, neste caso, lhes seraõ restitui-
das as mesmas honras e bens, posto que ja se achem in-
corporadas no meu Fisco e Câmara Real.
4. Item ; attendendo a que seria muito indecoroso fa-
zer authenticamente publica a injuria que á mesma co-
roa, ao corpo da Nobreza e a toda a Naçaõ se seguiria
de constar na Europa que portanto tempo se toleraram
neste Reyno attendados e absurdos tam estranhos na so-
ciedade civil, e na uniaÕ Christaã, como os referidos;
mandei que tudo o acima determinado se reduzisse a
este Alvará secretíssimo, o qual naõ descerá a tribunal
algum, nem á Chancellaria, mas antes pelo contrario
ficará occulto nos lugares mais recônditos dos Archivos
do Conselho de Estado, e da Secretaria de Estado, dos
quaes naõ sairá, nem se communicará a pessoa alguma,
que naõ seja das que nelle se acham declaradas.
5. Item mando, que para a boa e decente execução de
tudo o que tenho neste ordenado, sejam os sobredictos ca-
beças de Familias Puritanas opportunamente chamados
á Secretaria de Estado dos Negócios do Reyno, e qne
nella lhes seja lido o presente Alvará desde a primeira
até a ultima palavra, de sorte que bem fiquem compre-
hendendo o conteúdo nelle, e que sobre esta especifica e
significante intimaçaõ sejam obrigados a assignar, no
mesmo acto, os termos, pelos quaes se dem por notifi-
cados, se obriguem a cumprir tudo, o que fica acima or-
**°® ±-oiuica.

denado, e promêttam inviolável segredo das intímaçoens,


que se lhes fizerem, e tudo ÍBUJ debaixo das mesmas pe-
nas acima estabelecidas.
6. Item mando, que para mais efficazmente obviar
também aos temerários absurdos, com que até agora se
attentou criminosa e sediciosamente contra as sentenças
dos tribunaes da Meza da Consciência e Ordens e do
Sancto Officio da Inquisição, attrevendo-se os authores
dos livros Genealogícos, e os interlocutores de conversa-
çoens malévolas, a escreverem e a foliarem mal da pu-
reza de sangue das familias, julgadas compelentemente
por limpas, nos referidos tribunaes; seja logo expedido
outro Alvará em termos decentes para se publicar, ao fim
de se conhecer dos referidos livros Genealogícos, e dos
que delles fazem reprovado uso; e para se cohibir a
maledicencia dos que por practica infamam ignorante e
barbaramente as sobredictas familias com o pretexto dos
mesmos livros, e de rumores vagos e populares, ordi-
nariamente suscitados pelas paixoens daquelles que os in-
ventam para os espalharem.
E este se cumprirá tam inteiramente como nelle se
contém, sem duvida ou embargo algum. Valerá como
Ley publicada pela Chancellaria posto que por ella naõ
ha de passar. E mando, que as intímaçoens pessoaes,
acima ordenadas, tenham força de publicação, de citação,
e de bastante audiência das partes, para todos os ef-
feitos de facto e direito. Que as matérias pertencentes á
referida execução tenham a natureza dos negócios de
Estado, e sejam expedidas na forma que o direito deter-
mina para tam importantes negócios, pelos Ministros
privativos, que eu for servido nomear nos casos occuren-
tes. E que este tenha sempre e em todo o tempo a
mesma força e vigor, posto que o seu effeito haja de
durar mais de um e muitos annos, e naõ haja sidopu-
Politica. 481
bl içado na Chancellaria, naÕ obstante as Ordenaçoens, que
o contrario determinam, e quaesquer outras leys e dis-
posiçoens de direito patiro e civil, e opinioens de doutores,
que da mesma sorte sejam em contrario; por que todas
hei aqui por expressas em forona especifica para as der-
rogar como derrogo (para este effeito somente) de meu
motu próprio certa sciencia, poder Real, pleno e su-
premo; e nomeadamente o sobredicto compromisso, or-
denando que logo se lavre outro, que seja digno de uma
Confraria, cujo objecto he tam devoto e pio, e da qual
eu sou perpetuo Juiz e Protector. Escripto no Palácio
de Nossa Senhora da Ajuda, a 5 de Outubro de 1768.

REY

Conde de Oeiras.

Alvará de Ley porque V. M., havendo chegado à sua


Real Presença pela primeira vez, o compromisso da Ir-
mandade estabelicida para a expiaçaõ do desacato, barba-
ramente commettido no sacrario da Freguezia de Sta.
Eagracia; havendo mandado consultar, e ver na Meza
do Desembargo do Paço, e no Conselho de Estado o
mesmo Compromisso, e conformando-se com os uni-
formes pareceres, que sobre elle deram os referidos con-
selheiros, he servido abolir a seita dos chamados Puri-
tanos, que com tanto prejuizo da honra e do socego
publico dos seus vassallos se pretendeo authorizar e dif-
fundir por ley no sobredicto compromisso; fazendo-a
cessar, e cortando o pernicioso progresso delia com as
providencias e penas acima declaradas. Para V. M.
VÔr.
Joaõ Gomes de Araújo o fez.

VOL. XVm.No.107. 3P
482 fouucã.

Assento do Conselho de Estado em que se estabeleceo o


Alçará acima.
Na Real presença de S. M. se viram e ponderaram em
Conselho d' Estado, assim o Compromisso da Confraria
do Sauctissimo Sacramento, da Freguezia de Sta. Eno-ra-
cia, datado de 20 de Dezembro de 1663; como a secre-
tíssima consulta, que, com o assumpto delle, subio da
Meza do Dezembargo do Paço, na data de 23 do mez de
Septembro próximo pretérito.
E foi por todos os votos uniformemente assentado, que
se louvasse á sobredicta Meza o judicioso zelo, e o com-
pleto assento com que aconselhou o dicto Senhor, em
um negocio de tanta delicadeza, que se lavrasse logo o
Alvará por ella indicado, que este se desse à sua devida
execução sem mais perda de tempo, debaixo das penas
declaradas na referida consulta, pelo que pertence á parte
respectiva á total extincçaõ e abolição do Puritanismo, e
a se obrigarem os cabeças das casas, que na Inquisição •
na Misericórdia desta cidade o ficaram sustentando, e se
prevaleceram delle para as ruínas da honra e da fazenda
dos vassallos de S. M. e das instituiçoens pias da mesma
Misericórdia, que fôram manifestas; constrangendo-os a
casarem, logo que tiverem idade, os seus filhos nas ou-
tras casas, por elles até agora excluídas, e injuriadas
como infectas. Que porém pelo toca â outra parte da
Consulta, que diz respeito á sugeiçaõ, com que os chefes
e coriféos do mesmo Puritanismo submetteram a Sobe-
rania temporal da Coroa destes Reynos ã jurisdicçaõ Ec-
clesiastica do Ordinário de Lisboa, para com a cooperação
delia darem á sua infame associação as maiores forças, com
que depois fizeram e ficaram fazendo no Real Throno, e
nas referidas Inquisiçoens e Misericórdia da mesma cidade
de Lisboa, os estragos, que as historias referem, e os vi-
venles viram ainda com igual horror; se assentou, que
este delicado ponto se conservasse por hora em profundo
Politica. 483
silencio, naõ sô porque os factos das referidas associa-
çoens e sugeiçaõ da authoridade Regia, com um tam
abominável fim, manifestos pelo dicto compromisso, e os
igualmente abomináveis effeitos, que delles se seguiriam,
e ficaram seguindo até os tempos vizinhos da lembrança
dos que ainda vivem, contém atrocíssimos crimes de lesa-
majestade de primeira cabeça os quaes se naõ extingui-
ram com a morte conforme a direito; mas também porque
nesta certeza seria de um perniciosissimo exemplo, que,
tractando o sobredicto Alvará destes execrandos crimes,
deixasse de condemnar as memórias dos que os comet-
téram, e dos que os seguiram, impondo-se-lhes as penas
que as leys determinam. E porque, havendo-se in-
clinado a benignissima clemência do dicto Senhor a con-
servar as casas daquelles que entre as descendentes dos
sobredictos réos de lesa-majestade, naõ tendo culpas pes-
soaes daquella natureza, tem seguido o referido Purita-
nismo com sinceridade e boa fé, por uma geral preocu-
pação, que adiaram estabelecida, naõ pôde haver para o
fim desta clementíssima indulgência outro meio que naõ
seja o do referido profundo silencio quanto a esta parte.
E sendo S. M. servido conformar-se com a referida
consulta, e modificacoens e votos do Conselho de Estado,
mandou que de tudo o sobredicto se lavrasse o presente
assento, e que immediatamente se procedesse á exe-
cução do nelle conteúdo. Palácio de Nossa Senhora da
Ajuda, em Conselho de 3 de Outubro de 1768.
(Assignado) F . CARDEAL PATRIARCHA.
D. JOAÕ.
D. JOAÕ ARCEBISPO REGEDOR.
MARQUEZ DE ALVITO.
CONDE DE OEIRAS.
D. Luiz DA CUNHA.
FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA
FURTADO»
484 Política.
Consulta do Desembargo do Paço de 23 de Septembrt
de 1768.
SENHOR !
O Conde de Oeiras, Ministro e Secretario
de Estado, participou a esta Meza de V. M., para que
nella, com assistência dos dous Procuradores Regios, se
\isse o Compromisso, que até agora esteve oculto, na
Irmadade do Sanctissimo Sacramento de Sancta Engracia,
de que V.M. he perpetuo Juiz e Protector, e que sobre
elle se lhe consultasse no mais delicado segredo, que he
tam próprio de um Tribunal, desde a sua origem do in-
timo conselho de V. M.
NaÕ se pôde, Senhor, nem comprehender toda a abo-
minável malicia, que se envolveo no dicto compromisso
sem o soccorro da historia do século, em que elle foi ma-
chinado, nem vêr-se sem horror, que se tomasse um tam
sagrado pretexto, para se arruinar a Monarchia, a No-
breza, a honra e a fama. E como a Meza deve propor a
V. M. es meios que lhe parecem proporcionados para
arrancar de uma vez as raízes de tam grande mal,naõ pôde
dispensar-se de pôr diante dos olhos, com os subsídios da
historia,o systema e espirito machiavelico do referido Com-
promisso.
Depois que os Jezuitas impediram neste Reyno toda a
introducçaõ de livros estrangeiros, e até das novas publicas
da Europa, para a sua malígnidade poder arruinar-nos
com toda a segurança, sem que conhecêssemos o mal que
elles nos faziam, passaram a copiar, em destruição deste
Reyno, tudo o que os mais temerários e ímpios facinorosos
tinham practicado, nas outras monarchias do nosso Conti-
nente.
Ja se vio, na primeira parte da Deducçaõ Chronologica
e Analytíca, que; desde a feliz acclamacçaõ do Senhor
Rey D. Joaõ IV, até o trágico fim do reynado do Senhor
Politica. 485
Rey D. Affonso VI. copiaram os dictos Jesuítas nesta
Corte e Reyno identicamente os mesmos originaes do
fanatismo da Liga de França e das hypocrisias do impostor
Campanella; fazendo o papel deste impostor ao vivo o
Padre Antonio Vieira, e as figuras dos partidos da dieta
Liga as irmandades de todos os grêmios do povo de Lisboa.
Faltava-lhes fazer a mesma uniaõ fanática no Estado
da Nobreza, a para isto fôram copiar da mesma sorte ao
vivo o outro original da seita do Puritanismo, que se
tinha levantado em Inglaterra, segundo alguns authores
no anno de 1565, e segundo outros no de 1568, ou do
1569; que persuadiam que eram mais puros na Religião
do que todos os outros; que debaixo deste pretexto da
maior pureza levantaram os maiores tumultos em Ingla-
terra; e que ultimamente armaram a temeridade de
Cromwell até o ponto de arruinar a Monarchia daquelles
Reynos, e de cortar, no anno de 1649 a Cabeça ao seu
Rey Carlos I, em um cadafalso, como he publico em
todas as Historias, e especialmente nas do Puritanismo de
Inglaterra, escriptas por Amerio Gaze, e outros muitos;
assim como o Puritanismo de Portugal armou, contra o
Senhor Rey D. Affonso VI, a seita que lhe roubou a
coroa, a liberdade e a esposa.
A experiência tinha mostrado aos Jezuitas, que nada
lhes ministrava tantas forças, como a maliciosa invenção
das associaçoens, e unioens, que tinham estabelecido de-
baixo da sua direcçaõ, em tantas confrarias dos grêmios da
plebe de Lisboa, e da ordem dos ministros da toga.
Guiados pois pelo mesmo espirito de uniaõ viciosa,
quando projectáram a ruína do Senhor Rey D. Affonso
VI, e da honra dos vassallos deste Reyno, com uma in-
fâmia que durará nas memórias funestas de Portugal até
ofimdos séculos, foi um dos seus principaes estratagemas
• com que machináram, no meio das classes da Nobreza,
486 Politica.
aquelle horroroso monstro, ao qual impuzéram o nome
de Puritanismo, monstro que, com a mesma denominação
acabava em Inglaterra de cortar a cabeça a El Rey
Carlos I. (e deram por definição, que ainda hoje dura
com o referido nome) Fidalgo e Christaã Velho de tempo
itnmetnorial, sem fama ou rumor em contrario, verda-
deiro ou falso.
Definição que abortou a abomimavel máxima, que
a bondade do Cardeal da Cunha achou e seguio no cargo
de Inquisidor Geral, por haverem antecedentemente feito
passar em provérbio os machinadores da referida seita,
que a Inquisição nao éra guardanapo em que as gentes se
fossem alimpar; máxima cujo maligno espirito manifesta,
que ella se ordenou a fazer a mesma Inquisição um mo-
nopólio dos dictos Puritanos, excluindo delia os outros
Fidalgos, em quem naÕ concorressem aquellas exquisitas
e inventadas circumstancias de serem Christaõs velhos,
sem fama ou rumor em contrario, verdadeiro ou falso.
Proseguindo pois os dictos Jezuitas o referido plano
malicioso de formarem uma uniaõ da Nobreza por elles
dirigida; e valendo-se para este effeito da authoridade
com que o seu Padre Nuno da Cunha governava a casa
da Mouraria tam despoticamente, como consta de monu-
mentos originaes, que existem entre os seus papeis, por
ser irmaõ de D. Mariana de Mendonça, Mãy do primeiro
Conde de Villar Maior, Fernaõ Telles da Silva, e tinha ao
mesmo tompo na Corte e no Sancto Officio a influencia, que
lhe dava seu irmaÕ o Inquisidor Manuel da Cunha, Bispo
Capelão Mor, e Arcebispo eleito de Lisboa; tomando
este e os mais padres da sua feroz sociedade o sagrado
pretexto da expiaçaõ do sacrilégio, que, na noite de 15
para 16 de Janeiro de 1630, se havia commettido na Igreja
de Sancta Engracia, publicaram trinta e Ires annos depois
no de 1633 o compromisso que desde entaõ até agora se
Politica. 487
ficou observando, com dous absurdos, tam manifestos, e
dous estratagemas tam extraordinários e nocivos como saõ
os seguintes.
O primeiro delles foi o de estabelecerem o referido
Puritanismo, por ley, pelo capitulo 5°, nestas formaes
palavras.
A eleição se fará, nomeando cada um dos doze uma
pessoa para irmaõ, declarando debaixo do juramento, que
tem recebido, que naõ se lhe fallou na dieta pessoa para o
propor, e que a tem por Christaã Velho sem nunca se
entender o contrario.
Palavras tam cheias de diabólica malícia, tam incom-
patíveis com uma confraria composta da primeira e mais
graduada Nobreza, com o Senhor Rey D . Affonso seu
protector à testa; e tam injuriosa ao corpo de uma tal
Nobreza, em quanto suppunham Judeus nella, como
colierentes e conformes com o maligno espirito das outras
palavras da definição do tal Puritanismo acima copiadas,
que dizem sem fama ou rumor em contrario verdadeiro
ou falso. E como o mesmo projecto de associação dos
dictos chamados Puritanos, excluindo todas as outras
familias desta confraria da Nobreza, assim como as tinham
procurado excluir da Inquisição, como com effeito conse-
guiram,com injuria de tantas casas da primeira Grandeza
deste Reyno.
O segundo dos dictos estratagemas foi de estabelecerem
pelo termo escripto no verso das cartas de confirmação e
protecçaõ do dicto Monarcha," que se iria pedir confir-
mação ao Prelado; como foi com effeito pedida á
Relação ecclesiastica desta Corte, a qual lhe deferio na
maneira seguinte.
" Accordam em Relação, &c, que, antes de outro des-
pacho, façam os Supplicantes termo de sujeição ao Prelado
488 Politica.
para se poder differir. Lisboa, em 20 de Marco de
1664.
" ALMEIDA, PAÇO, BARRETO DINIZ."
Accordaõ que da mesma sorte foi tám incompatível
com uma irmandade de leigos, composta da primeira e
mais graduada Nobreza do Reyno, e com a precedente
confirmação e protecçaõ Real do dicto Senhor Rey D.
Affonso, que éra um dos chamados supplicantes, expres-
sos no referido Accordam, como demonstrativa de que
esta sugeiçaõ, em que pelo referido compromisso puzéram
o dicto Senhor, e todo o corpo da sua Nobreza, subor-
dinando-o á dieta Relação ecclesiastica, foi o mesmo do
que habilitállo para a outra infame e abominável causa da
dissolução do matrimônio, cuja sentença, com horror de
toda a Europa, se proferio poucos annos depois, no anno
de 1667.
Desde o tempo do dicto Compromisso he pois constante
e notório a toda esta Corte, que pelo meio daquelle ma-
ligno estratagema chamado Puritanismo, se fôram as fa-
milias por elle associadas appropriando o arbítrio dos ma-
trimônios das outras familias mais distinetas e numerosas
da mesma Corte; elegendo umas como Puritanas; re-
provando outras como infectas; e fazendo assim a pode-
rosa uniaõ, que fôram ampliando com os casamentos de
algumas daquellas mesmas familias chamadas infectas,
•para as trazerem á sua associação debaixo do pretexto de
as purificarem; porque as dietas familias associadas naõ
sò se arrogáram pureza para si, mas também expiatório
para outras, de sorte que todos os que casavam nellas
ficavam também Puritanos, sem macula alguma, se os
defeitos que antes se lhes attribuíam eram de natureza
que permittisse esconderem-se na escuridade dos prin-
cipios d'onde se derivaram; havendo destas expiaçtjens
conhecidos exemplos.
Politica. 489
Assim arruinaram os dictos Puritanos o throno desta
Monarchia; assim levantaram sobre as ruínas delia a
façanhosa Aristocracia, que durou todo o reynado do
Senhor Rey D. Pedro I I . ; e ainda por muitos annos do
governo do Senhor Rey D. Joaõ V . ; com os estragos
dos cabedaes, das forças, e da reputação desta coroa, e
dos vassallos delia, que ainda se estaõ fazendo presentes
aos olhos dos que hoje vivemos.
Este he o monstro, que ainda se está nutrindo e sus-
tentando nas preoccupaçoens dos descendentes dos au-
thores daquelle fatal estratagema, animados e iIludidos
pelo que ouviram aos seus maiores, e pelo que leram e
lêm nos escriptos, que elles lhes deixaram em abominável
patrimônio. E este he o monstro, que parece que de
necessidade se deve debellar até o destruir inteiramente,
sem delle ficarem os menores vestígios, e sem perda de
tempo, por muitas razoens claras.
A primeira; porque em nenhum Estado Soberano, que
vive debaixo de um Governo Supremo, se permittio até
agora uma associação, uniaõ ou conventiculo de certas
pessoas particulares, como he o que constitue esta seita
chamada Puritanismo, e que na realidade constitue, além
do referido, uma sediçaõ punivel pelas leys de todas as
naçoens civilizadas; ainda quando naõ consta do mal,
com que as referidas pessoas se separaram pela sua au-
thoridade própria do commum dos seus compatriotas.
A segunda razaõ h e ; porque as referidas disposiçoens
de direito se fazem muito mais urgentemente indispen-
sáveis, quando consta que a tal sediçaõ naõ só foi orde-
nada e dirigida a dous males tam grandes, como os que
ja tem feito e está fazendo ainda entre nòs ; isto he, por
nma parte conspirar contra a coroa, e contra o publico
socego, com tumultos, como ja suecedeo tam desgraça-
damente ; e por outra parte injuriar a maior parte da
VOL. XV1I1. No. 108 3 Q
490 Política.

Nobreza desta Corte e das provincias do Reyno, pondo


nella uma inhabilidade, e dando-lhe uma exclusiva tam
offensiva da honra, como contraria a todas as leys Di-
vinas e humanas; como ainda agora se está practicando
com publicidade escandalosa, que está desafiando a Real
providencia.
A terceira razaõ h e ; porque sendo V. M. a única
fonte da Nobreza, da qual somente podem emanar as
honras, as graduaçoens, e as qualificaçoens para os seus
vassallos; naõ pôde haver maior temeridade, nem bar-
baridade mais clara e manifesta, do que haver entre os
mesmos vassallos alguns tam arrogantes, que se attrevam
a serem elles árbitros da graduação e da Nobreza dos
que lhes saõ iguaes na classe da mesma Nobreza, e ainda
na linha de vassallos, com uma notória usurpaçaõ da dig-
nidade Regia e Jurisdicçaõ suprema, ás quaes he inhe-
rente a distribuição das honras e das classes, para as re-
gular e ordenar como bem lhe parece.
A quarta razaõ he, porque reduzindo-se os taes Puri-
tanos a um pequeno numero, que quasi se conta pelos
dedos; sendo alguns delles dos últimos, que neste Reyno
subiram á classe da Grandeza; sendo tam numerosos os
que elles publicam maculados, segue-se, que os es-
trangeiros, que vem isto na Corte, ficam persuadidos de
que a Nobreza se compõem de um pequeno numero de
Christaõs Velhos, e que todos os outros saõ Judeus, ac-
crescendo que os taes Puritanos se naõ esquecem do assim
o divulgarem com a própria jactancia.
Estas, além de outras, saõ as razoens, que occorrem á
Meza, para consultar a V. M. a urgentíssima necessidade,
que ha, de inteiramente destruir este monstro sem perda
de tempo.
Naõ deixou de lembrar á dieta Meza, para este fim, a
providencia da ley de 23 de Novembro de 1816; em
Politica. 491

quanto comminou a pena de perdimento dos bens da


Coroa aos Donatários, que casassem sem expressa licença
de V. M , e a de inhabilidade para nelles succederem
aquelles, que, naõ sendo Donatários, esperassem sêllo;
parecendo que seria bastante providencia negar V. M. as
licenças aos do Grêmio e uniaõ dos Puritanos, na occa-
siaõ, em que qualquer delles fosse pedilla para casar
dentro do Grêmio..
Porém lembrou ao mesmo tempo, que esta provi-
dencia, nas presentes circumstancias, naõ só seria ineffi-
caz, mas poderia ser mais prejucidicial; porquanto mos-
tra a experiência, que, todas as vezes que a males
urgentes de unioens e sediçoens da natureza do Puri-
tanismo, se naõ applicam remédios promptos e efficazes,
ou a providencia hc prolongada, anima os espíritos in-
quietos, enchendo-os de vanglorias e esperanças vaas de
futuros contingentes, que muitas vezes se verificam las-
timosamente, para resuscitarem os sediciosos, com maior
furor, e para maior damno da Republica.
Entende pois a Meza, que o único remédio prompto
e efficaz, para extinguir o monstro do Puritanismo, so-
mente pôde consistir em V. M, ser servido mandar de-
clarar aos cabeças das familias Puritanas, que ou esti-
verem para casar, ou tiverem filhos para casar, que tem
determinado naÕ approvar os seus casamentos dentro no
Grêmio Puritano; e que junctamente tem determinado,
que com effeito casem logo, dentro do preciso termo de
tres ou quatro mezes, aquelles que estiverem em idade
de casar; e que, naõ casando dentro do termo prefixo,
seraõ privados das honras e dignidades que tiverem, e
seraõ por esse mesmo feito privados dos bens da Coroa e
Ordens: remédio único para efficazmente extinguir o
Puritanismo; e o castigo proporcionado aos que com
mjuria da maior parte da Nobreza, e com offensa da
3 Q 2
492 Politica.

Real authoridade pertenderem sustentar uma uniaõ tam


disforme.
Nao he V. M. visto impedir por este meio, nem ainda
coarctar a liberdade dos matrimônios, antes he visto am-
pliar a dieta liberdade, que os Puritanos limitavam dentro
do seu Grêmio, com tanta injuria da Nobreza, e com fins
tam reprovados ; sem que ao mesmo tempo constranja a
cada um delles a casarem com certa e determinada pessoa,
que he o que elles verdadeiramente practicávam e prac-
ticam.
E porquanto naõ parece conveniente fazer authentica-
mente publica a injuria da Coroa, da Nobreza e da Naçaõ?
que tem tolerado portanto tempo este monstro; entende
a mesma Meza, que V. M, explicará com maior decência
e dignidade as suas Reaes ordens, sendo servido mandar
declarar o sobredicto por um Alvará secretissimo, que
naÕ desça a Tribunal, nem á Chancellaria, mandando-o
reservar na Secretaria, ou no Conselho de Estado.
A forma da execução do referido Alvará pôde ser, en-
carregando V. M. a um dos Ministros e Secretários de
Estado, que em particular o intime aquelle ou aquelles
Puritanos, que estiverem nos termos de casar, obrigando-os
a assignar termo, pelo qual se dem por notificados, e se
obriguem a cumprillo, como V. M. ordena.
Naõ pode persuadir-se a Meza, que, depois de inti-
madas as Reas ordens de V. M, haja Puritano, que se
attreva a trânsgredillas, nao obedecendo no termo prefixo,
que elle deve ter assignado; porém, quando tal sueceda
contra toda a esperança, pode practicar-se a execução, ou
por um decreto em que V, M. por justos e particulares
motivos, que lhe fôram presentes, o declara incurso nas
sobredictas penas, ou pelo Juiz da Inconfidência, re-
remettendo-se-lhe da Secretaria de Estado, por um Avizo,
o termo nella feito e assignado, para por elle se proceder
Politica. 493
Finalmente parece á Meza, que V. M. deve ser servido
abolir o incompetente e sedicioso compromisso da sobre-
dicta Irmandade, e mandar-lhe dar outro novo para seu
•Toverno.
Lisboa, 23 de Septembro de 1768.
(Assignados) CORDEIRO. — FONCECA. — P A C H E C O .
CASTRO. — V I E G A S .

Termo que faz o Illmo- e Exm°- Manuel Telles da Silca,


Conde de Villar Maior, em execução do Alvará de
Ley, de 5 do corrente mez de Outubro.
Aos 11 dias do mez de Outubro do anno de 1768,
compareceo nesta Secretaria de Estado dos Negócios do
Reyno, o 11111*0* e Ex m °* Manuel Telles da Silva, Conde
de Villar Maior, vindo a elle chamado por ordem d'El
Rey Nosso Senhor, em execução do seu Alvará de Ley
dado no Palácio de nossa Senhora da Ajuda, aos 5 deste
dicto mez que esta correndo. E sendo-lhe lido desde
a primeira até a ultima palavra, em presença do IUmo*
e Ex m °- Conde de Oeiras, Ministro e Secretario de
Estado, por mim official da mesma Secretaria abaixo
assignado, o sobredicto Alvará em voz clara e intelligi-
vel; e, sendo-lhe perguntado se havia distincta e especi-
ficamente comprehendido as disposiçoens, termos e com-
municaçoens estabelecidas pela Ley do mesmo Alvará,
ou se o queira ler, para ficar mais plenamente instruído
no conteúdo delle; respodeo, que tudo havia entendido
no seu verdadeiro e literal sentido; e que, sendo obrigado
como fiel, leal e obediente vassallo de Sua Majestade a
respeitar e executar religiosamente, como justas e sanctas,
todas as leys do dicto Senhor, observaria esta prompta e
exactamente, pelo que nella pertence á sua pessoa, casa,
494 Politica.
e familia. E m fé e certeza do que assignou este termo
com o mesmo Ministro e Secretario de Estado, no mesmo
dia, mez e anno, acima escripto.
(Assignados) Conde de OEIRAS.

Conde de VILLAR MAIOR.

E eu Joaõ Gomes de Araújo, que sirvo de Oificial


Maior da Secretaria de Estado o escrevi e assignei.
JOAÕ GOMES DE ARAÚJO.

N . B. Em 12 de Outubro do mesmo anno se lavrou


igual termo, em que assignou o Marquez de Valença
D. Jozé Miguel Joaõ de Portugal.
E m 17 dicto outro igual termo, em que assignou ó Mar-
quez de Angeja, D. Pedro de Nornha.
Em 19 dicto outro igual termo, em que assignou o Mon-
teiro Mor do Reyno, Francisco de Mello.
Lavrou-se outro termo que naõ chegou a assignar-se,
para Fernando Xavier de Miranda.

INGLATERRA,

Papeis relativos á volta do Principe Regente de Portu-


gal para a Europa,

N». 1.
Extracto de um officio do Visconde Strangford ao Vis-
conde Castlereagh ; datado do Rio-de-Janeiro, aos
20 de Fevereiro de 1814; recebido aos 24 de Abril,
1814,
Naõ cumpriria com o meu dever, se naÕ recommen-
dasse encarecidamente ao Governo de S. A. R. a prompta
volta da Familia Real Portugueza para a Europa.
Os sentimentos 'pessoaes do Principe saõ certamente a
Politica. 495
favor desta medida. Comtudo, talvez algum gráo de
apprehensaÕ possa influir no espirito do mesmo Principe,
e prevenir que elle se disponha a isso com a mesma an-
xiedade, que desejariam os outros membros de sua fa-
milia; mas este sentimento facilmente se removeria; e
S. A. R. me tem dicto explicitamente; que logo que a
Gram Bretanha declarar, que a sua volta para a Europa
he necessária, elle accederá a qualquer intimaçaõ para
esse effeito.

N°. 2.
Extracto de um officio do Visconde Castlereagh ao es-
conde Strangford, datado da Secretaria dos Negócios
Estrangeioros aos 25 de Julho de 1814.
Deo a S. A. R. grande prazer o observar, que o Prin-
cipe Regente de Portugal, na data de sua carta ( * ) , de
2 de Abril passado, estava a tal ponto determinado a
voltar para os seus dominios Europeos, que esperava so-
mente noticias do resultado dos suecessos das Potências
Europeas, empenhadas na ultima campanha contra a
França.
A noticia da Capitulação de Paris, e o reestabelici-
mento das duas casas de Bourbon, nos thronos de França
e Hespanha, e a reducçaõ da França aos limites de 1792,
em virtude da paz de Paris, assignada aos 30 de Maio,
naõ pôde, como S. A. R. suppoem, deixar de decidir o
Principe Regente de Portugal a apressar os seus prepa-
rativos para sair do Brazil.
Na contemplação desta decisaõ, se tem aqui tomado ja
as medidas, para preparar uma [esquadra de navios de
S. M. para ajudar a transportar o Principe Regente de Por-

(*) Recebida por maõ do Embaixador Portuguez em Londres.


496 Politica.
tugal e sua Familia paia a Europa; e a esquadra, que se
destina a este fim, teria ja a este tempo saido para a costa
do Brazil, se naõ fosse pelas expressoens contidas na
carta do Principe Regente de Portugal, e em um dos
vossos officios, de 20 de Fevereiro; por onde se infere
que pôde ainda haver circumstancias que impeçam que a
Familia Real de Portugal saia do Brazil, immediatamente
que Ia chegar a esquadra.
Nestas circumstancias naõ se julgou conveniente man-
dar sair uma esquadra Britannica, antes que se decla-
rasse mais plenamente a intenção final do Principe Re-
gente, a respeito do periodo de sua partida: mas vós po-
deis informar a Sua Alteza Real, de que estará prompta, e
se despachará uma esquadra competente para este serviço,
debaixo do commando de Sir Joaõ Beresford, irmaõ do
Feld-Marechal, para o accompanhar para a Europa, logo
que nós recebermos a resposta de V. S. a este officio, ou
antes, se apparecer, que se tem resolvido a partida de
S. A. R.

No. 3. (*)
Copia de um officio do Visconde Strangford ao Visconde
Castlereagh, datado do Rio-de-Janeiro, aos 21 de
Julho 1814: recebido cm 26 de Agosto, 1814.
Mv LORD !
Os gloriosos acontecimentos, que tem dado
paz e independência á Europa, reviveram, no espirito do
Principe do Brazil, aquelles anxiosos sentimentos de
tornar a visitar o seu paiz natal, que por algum tempo
tinham estado supprimidos.
S. A. R. me fez ultimamente a honra de expressar-me

* Ja se apresentou á Casa dos Communs um extracto dste officio.


Politica. 4S7

a sua anxiosa esperança, de que a Gram Bretanha facili-


taria o complemento de seus desejos a este respeito, e
que elle poderia voltar para Portugal, debaixo da mesma
protecçaõ sob que o tinha deixado. E , durante a se-
mana passada S. A. R. me intimou quatro ou cinco ve-
zes, tanto publicamente como em particular, que, no
caso em que a Gram Bretanha mandasse uma esquadra
de navios de guerra para este lugar, para o fim de es-
coltar a. S. A. R . para a Europa, lhe daria particular e
pessoal prazer, que ( + ) fosse escolhido para este
serviço.
Tenho a honra de ser, &c.
(Assignado) STRANGFORD.

No. 4.
Copia de uma carta do Conde Bathurst aos Lords Com-
missarios do Almirantado, datada da Secretaria dos
Negócios Estrangeiros, aos 26 de Agosto, 1814.
M Y LORDS !
Havendo as ultimas noticias do Rio-de-
Janeiro feito saber ao Governo de S. A. R., que o Prin-
cipe Regente de Portugal tinha expressado o desejo de
voltar para os seus dominios da Europa, sem demora, e
debaixo da mesma protecçaõ sob que o tinha deixado;
tenho de communicar a Vossas Senhorias as ordens do
Principe Regente, para que vós" tomeis immediatamente
M medidas, para que uma conveniente esquadra de na-

('>') O official, a que aqui ae refere, tinha um commando na esquadra,


qne escoltou o Principe do Brazil para o Rio-de-Janeiro- porém antes de
» receber este officio ja estava nomeado o Almirante Beresford, para com-
mandar os navios destinados para a volta de S. A. R. « esta noraeeçaõ an-
aunciada a Lord Strangford. Vid. N. 2.
VOL. XVIII. No. 108. 3R
498 Politica.
vios de S. M. vá ter ao Brazil, para o fim de receber a
seu bordo a S. A. R . e mais Familia Real de Portugal
e trazer S. A. R . para o Tejo.
Tenho a honra de ser, &c.
(Assignado) BATHURST.
Aos Lords Commissarios do Almirantado, &c. &c.

N«. 5.
Copia de um officio do Conde Bathurst ao Visconde
Strangford, datado da Secretaria dos Negócios Es-
trangeiros, aos 28 de Septembro, 1814.
M Y LORD !
Referindo-me ao officio do Visconde
Castlereagh de 25 de Julho passado, pelo qual elle in-
formava a V. S. para o pôr na presença do Principe Re-
gente de Portugal, que se nomearia uma esquadra con-
veniente de navios de guerra Britannicos, que fosse ter
ao Rio-de-Janeiro, a fim de trazer a S. A. R. para os
seus dominios Europeos, logo que o Principe Regente
desejasse voltar para Lisboa; e vendo-se pelo officio d«
V. S. de 21 de Junho, que S. A. R. deseja aproveitar-
se da primeira occasiaõ para aquelle fim, tenho a honra
de informar a V. S. que se ordenou, que partisse imme-
diatamente para este serviço, uma esquadra composta de
dous navios de linha e uma fragata.
O Contra-Almirante Sir Joaõ Beresford, que foi no-
meado para o commando desta esquadra, terá a honra
de entregar este officio a V. S. e eu tenho de expressar,
que V. S. lhe preste todo o auxilio, que poder, para qu«
elle ponha em execução os objectos de sua missaõ.
Tenho também de ordenar, que vós approveiteis esta
occasiaõ de renovar ao Principe Regente de Portugal a
Politica. 499
expressão da felicidade que considera S. A. R. em poder
contribuir para S. A. R. reassumir o seu governo pes-
soalmente em Lisboa; e do seu seu ardente desejo de
que elle lenha uma segura e breve viagem.
Sou, &c.
(Assignado) BATHURST.

N°. 6.

Extracto de um officio do Visconde Strangford, ao Vis-


conde Castlereagh, datado do Rio-de-Janeiro, aos 25
de Janeiro de 1815, recebido aos 29 de Março, 1815.

O resultado das minhas conferências com Mr. IV Aguiar,


sobre o objecto da volta do Principe do Brazil para a
Europa, foi uma segurança de sua parte, de que elle naõ
podia em consciência emprehender o aconselhar o Prin-
cipe Regente, que saísse do Brazil, durante o actual
incerto estado das cousas na Europa: que, em outro pe-
riodo antecedente, naõ havia duvida que S. A. R. tinha
julgado, que se aproximava muito, ou tinha quasi che-
gado o tempo, em que elle julgava que poderia com
propriedade tornar a visitar Portugal; porém que todas
ai circumstancias se combinavam agora para o convencer
de que a sua residência aqui por mais algum tempo; ou
ao menos até que tivesse posto este paiz em perfeito es-
tado de segurança; se tinha feito indispensável, e justi-
ficava plenamente a S. A. R. em differir ainda a exe-
cução desta medida, em que elle tinha tam indizivel
satisfacçaõ, e que tinha em todos os tempos occupado os
seus pensamentos e desejos. Disse-se entaõ muito sobre
* gratidão que existia no espirito de S. A. R., pela
prompta attençaõ, que seu alliado prestara a seus desejos;
e
»e expressaram as mais fortes esperanças, de que em
3R2
500 Politica
algum dia futuro, a Gram Bretanha estaria igualmente
prompta, e quereria dar-lhe effeito.

Resposta á Casa dos Communs pedindo copias das


communicaçoens recebidas pelo Governo de S. M. entre
o 1° de Maio e o I o de Agosto, 1814, do Embaixador
Portuguez, a respeito da volta do Principe Regente de
Portugal do Brazil.
Naõ apparece que houvesse nenhuma communicaçaõ
por escripto do Embaixador Portuguez, sobre o objecto
da volta do Principe Regente de Portugal.
Secretaria dos Negócios Estrangeiros, em 29 de Abril
de 1817.
(Assignado) W. HAMILTON.

Tractado de commercio e navegação entre S. M. Bri-


tannica, e S. M. o Rey das Duas Sicilias.
E m nome da Sanctissima e Individua Trindade.
Havendo S. M. o Rey das Duas Sicilias representado
a S. M. El Rey do Reyno Unido da Gram Bretanha e
Irlanda, os inconvenientes, que resultávam ás suas finan-
ças, e á navegação e commercio de seus subditos, da
continuação dos privilégios e izençoens, que os vassallos
Britannicos, e os de algumas outras Potências tem gozado
dentro de seus dominios, e desejando aboli lios por com-
mum consentimento; e tendo S. M. Britannica teste-
munhado a S. M. Siciliana a sua perfeita promptidaõ em
consentir nisso, pelo estabelicimento de um estado de
cousas, que possa ao mesmo tempo remediar os incon-
venientes de que se queixa S. M. Siciliana, e providenciar
também â segurança e vantagem dos subditos e com-
mercio da Gram Bretanha, nos dominios de S. M. Sicili-
ana, Suas Magestades Britannica e Siciliana, animados
Politica. 501
sempre pelos sentimentos da mais intima amizade, em
ordem a obter este duplo fim, tem nomeado para seus
Plenipotenciarios; a saber, S. M. El Rey do Reyno
Unido da Gram Bretanha e Irlanda, ao Muito Honrado
Roberto Stewart, Visconde Castlereagh, Cavalleiro da
Nobilissima Ordem da Jarreteira, Conselheiro Privado,
Membro do Parlamento, Coronel do regimento de Mili-
cias de Londonderry, seu Principal Secretario de Estado
para os Negócios Estrangeiros: e S. M. El Rey das Duas
Sicilias, ao Sieur Fabricio Ruffo, Principe de Castelcicala,
Ministro de Estado, Gentilhomem em exercicio da Câ-
mara de Sua dieta Majestade, Cavalleiro Gram Cruz da
illustrissima ordem de S. Fernando, e do Merecimento,
Cavalleiro da Real e Illustrissima ordem de S. Januário,
seu Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciario
juncto a S. M. Britannica (e seu Embaixador Extraordi-
nário juncto a S. M. Christianissima), os quaes, depois
de terem communicado os seus plenos Poderes, achando
que estavam em própria e devida forma; concordaram
nos seguintes artigos:
Artigo 1. S. M. Britannica consente em que seraõ
abolidos todos os privilégios e izençoens, que os seus
subditos, o eeu commercio e navegação tem gozado, e
gozam, nos dominios, portos e Senhorios (domains) de
S. M. Siciliana, em conseqüência do tractado de paz e
commercio, concluído em Madrid aos •£§• de Maio, de
1667, entre a Gram Bretanha e a Hespanha; dos tracta-
dos de commercio, entre as mesmas Potências, assi-
gnados em Utrecht aos 9 de Dezembro, 1 7 1 3 ; e em
Madrid aos 13 de Dezembro, 1V15; e da convenção con-
25 de Fevereiro, 1712
cluida em Utrecht, aos — ; entre a
8 de Março, 1713
Gram Bretanha e o Reyno de Sicilia ; e, em consequen-
502 Politica.
cia, he accordado entre Suas dietas Majestades Britan-
nica e Siciliana, seus herdeiros e successores, que os
dictos privilégios e izençoens, quer de pessoas quer de
bandeira e navios, saõ e continuarão a ser para sempre
abolidos
2. S. M. Siciliana se obriga a naÕ continuar, nem
conceder daqui em diante aos vassallos de outra qual-
quer Potência os privilégios e izençoens abolidos pela
presente convenção.
3. S. M. Siciliana promette que os vassallos de S. M.
Britannica naÕ seraõ sugeitos dentro de seus dominios, a
um systema mais rigoroso de exames, e buscas dos of-
ficiaes das alfândegas, do que aquelles a que saõ sugeitos
os vassallos de S. M. Siciliana.
4. S. M. El Rey das duas Sicilias promette, que o
Commercio Britannico, em geral, e os vassallos Britan-
nicos, que o fazem, seraõ tractados, em todos os seus
dominios, no mesmo pé era que o forem as naçoens mais
favorecidas; naÕ somente a respeito das pessoas e pro-
priedade dos dictos vassallos Britannicos, mas também a
respeito de toda a sorte de artigos em que elles trafica-
rem, e dos tributos e outros encargos, que se houverem
de pagar sobre os dictos artigos ou sobre os vasos em que
se fizerem as importaçoens.
5. Pelo que respeita os privilégios pessoaes, que haõ
de gozar os vassallos de S. M. Britannica, no reyno das
Duas Sicilias, S. M. Siciliana promette, que elles teraÕ
livre e indubitavel direito de viajar e de residir nos terri-
tórios e dominios de Sua dieta Majestade, sugeitos ás mes-
mas precauçoens de policia; que saÕ practicadas para
com as naçoens mais favorecidas. Teraõ direito a occu-
par casas e armazéns, e a dispor de sua propriedade pes-
soal de todo o gênero e descripçaõ, por venda, doaçaõ,
escambo ou testamento, e de todo e outro qualquer modo,
Politica. 503
sem que se lhes cause a este respeito a menor perca ou
impedimento. Naõ seraõ elles obrigados a pagar, d e -
baixo de qualquer pretexto que seja, outras taxas ou
tributos senaõ aquelles que pagam ou para o diante pa-
garem as naçoens mais favorecidas, nos dominios de Sua
dieta Majestade Siciliana. Seraõ elles izentos de todo o
serviço militar, tanto de mar como de terra; suas casas
de habitação, armazéns, e todas as suas pertenças, para
objectos de commercio ou residência, seraõ respeitadas.
NaÕ seraÕ sugeitos a visitas ou buscas oppressivas.—
Naõ se faraõ exames ou inspecçoens arbitrarias de seus
livros, papeis ou contas, debaixo do pretexto da Suprema
authoridade do Estado ; mas estas seraõ somente execu-
tadas por sentença legal dos tribunaes competentes. S. M.
Siciliana se obriga, em todas estas oceasioens, a garantir
aos vassallos de S. M. Britannica, que residirem nos seus
Estados e Dominios, a conservação de sua propriedade e
seguraçna pessoal, da mesma maneira que ella he garan-
tida a seus vassallos, e a todos os estrangeiros pertencentes
ás naçoens mais favorecidas e mais altamente privilegiadas.
6. Conforme o theor dos artigos I o . e 2 o . deste tractado,
S. M. Siciliana se obriga a naõ declarar nullos e inválidos
os privilégios e izençoens, que actualmente existem em
favor do commercio Britannico, dentro dos seus dominios,
até o mesmo dia, e excepto pelo mesmo acto, porque os
privilégios e izençoens, quaesquer que elles forem, de
todas as outras naçoens, forem declarados nullos e inváli-
dos, dentro dos mesmos.
7. S. M. Siciliana promette, que, desde a data em que
tiver lugar a abolição geral dos privilégios, segundo os
artigos 1«>, 2 o , e 6 o , fará uma reducçaõ de 10 por cento na
somma dos direitos da alfândega que se tem de pagar,
conforme a tarifa em força no I o . de Janeiro, de 1816;
sobre o total das mercadorias e producçoens do Reyno
CQ4 Politica.

Unido da Giam Bretanha e Irlanda, suas Colônias,


Possessoens e Dependências, importadas para os Estados
de Sua dieta Majestade Siciliana, segundo o teor do artigo
6 o . da presente Convenção; ficando entendido que cousa
nenhuma deste artigo será interpretada de maneira que
impéssa El Rey das Duas Sicilias a conceder, se assim
o julgar próprio, a mesma reducçaõ de direitos a outras
naçoens estrangeiras.
8. Os subditos das Ilhas Ionicas, em conseqüência de
se acharem actualmente debaixo da immediata protecçaõ
de S. M. Britannica, gozarão de todas as vantagens, que
saõ concedidas ao commercio e aos vassallos da Gram
Bretanha, pelo presente tractado; bem entendido que,
para prevenir todos os abusos, e provar a sua identidade,
todos os navios Ionicos seraõ munidos de uma patente
assignada pelo Lord Gram Commissario, ou seu repre-
sentante.
A presente convenção será ratificada, e as suas ratifica-
çoens trocadas em Londres, dentro do espaço de seis mezes,
ou antes se for possivel. Em testemunho do que os res-
pectivos Plenipotenciarios a assignâram, e lhe affixáram os
sêllos de suas armas.
Dada em Londres aos 26 de Septembro, 1816.
(LS) CASTLEREAGH. (LS) CASTELCICALA.

Artigo separado e addicional.


Em ordem a evitar toda a duvida, sobre a reducçaõ dos
direitos dWandega, a favor do commercio Britannico, que
S. M. Siciliana tem promettido no artigo 7 m 0 da Convenção,
assignada hoje entre S. M. Britannica e S. M. Siciliana, he
declarado, por este presente artigo separado e addicional;
que pela concessão dos dez por cento de diminuição, se en-
tende, que no caso em que a somma dos directos seja vinte
Politica 505

por cento sobre o valor da mercadoria, o effeito da reduc-


çaõ dos dez por cento será reduzir os direitos de vinte a
dezoito ; e assim nos outros casos em proporção. E que
quanto aos artigos, que naõ saõ taxados ad valorem, na
tarifa, a reducçaõ dos direitos será proporcional; a saber,
conceder-se-ha a deducçaõ da décima parte da importân-
cia da somma, que se tiver de pagar.
O presente artigo separado e addicional terá a mesma
força e validade, como se fosse inserido palavra por palavra
na Convenção de hoje: será ratificado e a sua ratificação
trocada ao mesmo tempo.
Em testemunho do que os respectivos Plenipotenciarios
o assignâram, e lhe affixáram o sello de suas armas.
Dado em Londres aos 26 de Septembro de 1816.
(LS) CASTLEREAGH. (LS) CASTELCICALA.

POTÊNCIAS A L L I A D A S .

Disputa entre a Hespanha e Portugal.

Nota dos Ministros das Cortes Medianeiras ao Marquez


de Aguiar, Secretario de Estado de S. M. Fidelissima
para os Negócios Estrangeiros.

Paris, 16 de Março, 1817.

Logo que se soube na Europa a occupaçaõ de uma parte


das possessoens Hespanholas no Rio-da-Prata pelas tropas
Portuguezas do Brazil, foi isto objecto de passos officiaes
- simultâneos, que o gabinete de Madrid deo com as cortes
de Vienna, Paris, Londres, Berlin, e S. Petersburgo, em
ordem a protestar solemnemente contra esta occupaçaõ, e
» pedir o seu apoio, contra tal aggressaõ.
VOL. XVIII. No. 108. 3 s
506 Politica.

Talvez a Corte de Madrid se teria julgado com direito


para recorrer logo aos meios de defensa, que aProvidencia
poz em suas maõs, e repellir a força com a força. Porém
guiada pelo espirito de sabedoria e moderação, desejou
ella empregar primeiramente os meios da negociação e da
persuaçaõ; e preferio, naõ obstante a desvantagem, que
podia resultar disso, ás suas possessoens ultrumarinas,
dirigir-se ás cinco Potências abaixo mencionadas, para
o fim de um ajuste amigável com a Corte do Brazil e para
evitar uma ruptura, cujas conseqüências podiam ser
igualmente desastrosas aos dous paizes, e podiam pertur-
bar o socego de ambos os hemispherios.
Tam nobre resolução naõ podia deixar de encontrar a
approvaçaõ dos gabinetes, a que se dirigio a Corte de
Hespanha; e annimadas pelo desejo de prevenir as fataes
conseqüências, que podiam resultar do presente estado dos
negócios, as Cortes de Áustria, França, Gram Bretanha,
Prússia e Rússia, igualmente amigas de Portugal e de
Hespanha, depois de ter tomado em consideração as justas
pretençoens desta ultima Potência, tem encarregado aos
abaixo-assignados de fazer saber ao gabinete de S. M.
Fidelissima.
Que ellas tem aceitado a mediação, que lhes pedio a
Hespanha.
Que ellas tem visto, com grande magoa, e naõ sem ad-
miração, que, no mesmo momento em que dous casamen-
tos pareciam ligar mais intimamente os laços de familia ja
existentes, entre as casas de Bragança e Bourbon, e
quando tal aliiança devera fazer mais intimas e amigáveis
as relaçoens entre os dous paizes, Portugal tem invadido
as possessoens Hespanholas do Rio-da-Prata, e as tem in-
vadido sem nenhuma explicação, e sem declaração previa.
Que os principios de equidade e justiça, que dirigem os
conselhos das cinco Cortes, e a firme resolução, que ellas
tem adoptado, de preservar, em tanto quanto estiver no seu
Politica. 507

poder a paz do Mundo, comprada por tam grandes sacri-


fícios, os tem determinado a tomar conhecimento e parte
neste negocio, com a intenção de o terminar da maneira
que for de mais equidade, e mais conforme aos seus desejos
de manter a tranquillidade geral.
Que as dietas Cortes naõ dissimulam, que uma dissençaõ
entre Portugal e Hespanha pode perturbar a paz, e ocea-
sionar a guerra na Europa, o que pode ser naõ somente
desastroso aos dous paizes, mas incompatível com os in-
teresses e tranquillidade das outras Potências.
Que, em conseqüência tem resolvido fazer saber os seos
sentimentos a este respeito ao Governo de S. M. Fidelis-
sima; e convidallo a fornecer-lhes as explicaçoens suffici-
entes sobre suas vistas, e tomar as medidas mais promptas
e próprias, para dissipar as justas apprehensoens, que a
sua invasão das possessoens Americanas de Hespanha
tem ja causado na Europa, e satisfazer aos direitos, que
reclama esta ultima Potência; assim como aquelles prin-
cipios de justiça e imparcialidade por que os Mediadores se
guiam. A recusaçaõ de acceder a isto que se pede naõ
deixaria duvida a respeito das intençoens reaes do Gabi-
nete do Rio-de-Janeiro. Os desastrosos effeitos, que
podiam resultar a ambos os hemispherios, seriam imputa-
veis inteiramente a Portugal; e Hespanha, depois de ter
visto toda a Europa applaudir o seu sábio e moderado
comportamento, acharia na justiça de sua causa, e no apoio
de seus alliados, meios sufficientes para remediar seus
aggravos.
Os abaixo-assignados, executando as ordens de suas
Cortes, tem a honra de offerecer a S. Exa. o Marquez de
Aguiar as seguranças de sua alta consideração.
(Assignados) VINCENT.
RICHELIEU.
STUART
GOLTZ.
32s Pozzo D I B O R G H O .
508 Política.
Paris — —
Protocolo da conferência de 31 de Março.
Presentes. O Ministro de Áustria.
Duque de Richelieu.
Duque de Wellington.
Sir Carlos Stuart.
O Ministro Prussiano.
O Ministro da Rússia.
Tendo-se aberto a conferência de hoje com Suas Excel-
lencias os Duques de Richelieu e Wellington, para tomar
em consideração o que requeria Luciano Buonaparte, de
se lhe darem passaportes para levar um de seusfilhospara
os Estados Unidos, e havendo o Ministro Austriaco outra
vez apresentado as tres questoens propostas no protocolo
de 2 do corrente, relativas ao mesmo objecto, foi concor-
dado—
1. Que, tendo a America Septentrional recebido grande
numero de descontentes e refugiados Francezes, a pre-
sença de Luciano Buonaparte nos Estados Unidos seria
ainda mais perigosa do que he na Europa, aonde pôde ser
melhor vigiado, e que em conseqüência he para desejar
que se neguem os passaportes que elle tem pedido,
2. Que em ordem a privallo de todo o motivo plau-
sível de solicitar os dictos passaportes, seria igualmente
desejável recusallos a seu filho Carlos, cuja jornada
parece ser unicamente um pretexto para os planos do pay.
3. Que as noticias recebidas por differentes vias, e de
differentes paizes, particularmente de Napoies, naÕ
deixam duvida sobre as intrigas, e perigosas relaçoens,
que Luciano Buonaparte conserva na Itália—e conside-
rando que Roma he talvez de todas as cidades aquella em
que he mais difficil exercitar a superintendência, e esta he
exercitada com menos severidade; e que elle pôde, naõ
Commercio e Artes. 509

obstante o negarem-se-lhe os passaportes, achar meios de


illudir a vigilância do Governo Romano, e de se esca-
par para ir ter á America; seria desejável que as Altas
Potências Alliadas lhe assignassem outro lugar de habi-
tação que naõ fosse Roma, nem os Estados Romanos, e
que além disso fosse elle removido das costas, em ordem
a fazer mais difficultosos os planos de fugida, que elle possa
meditar.
Sendo esta opinião commum a todos os Membros da
conferência, foi resolvido fazélla entrar no Protocolo do
dia, em ordem a ser communicada ás quatro Cortes, para
que ellas de sua parte venham a uma determinação sobre
este objecto.
(Assignado) VINCENT.
RICHELIEU.
WELLINGTON.
C. STUART.
GOLTZ.
Pozzo D I BORGHO.

COMMERCIO E ARTES
PORTUGAL.

Edictal da Juncta do Commercio de Lisboa, sobre a im-


portação das sedas estrangeiras.

A Real Juncta do Commercio, Agricultura, Fabricas, e


Navegação baixou a Regia resolução do theor seguinte:
" Sendo presente a El Rey N . S. a consulta da Real
Juncta do Commercio, datada de 17 de Fevereiro do cor-
510 Commercio e Aries.

rente anno, sobre o requirimento dos mestres fabricantes


da Real Fabrica das sedas, e outros, em que pedem, que
todas as manufacturas de sedas estrangeiras, compre-
hendidas na prohibiçaõ, despachadas em data anterior, e
selládas com o sêllo da alfândega, sejam obrigadas as
pessoas que as tiverem a recorrem á Real Fabrica das
sedas para ali se lhes pôr o sêllo da mesma Fabrica, a
fim de obviar os abusos, e occurrer á subtracçaõ dos
Reaes Direitos: e parecendo á Real Juncta que a provi-
dencia mais segura e de menos detrimento consiste em se
assignarem dous mezes aos que tiverem manufacturas de
seda da qualidade das prohibidas, que despachassem em
tempo competente, para que as levem á qualificação da
Real Fabrica, havendo-se como de contrabando as que,
findos os dictos dous mezes, se acharem sem os sêllos da
alfândega e da Real Fabrica commulati vam ente: foi Sua
Majestade servido conformar-se com o parecer da Real
Juncta do Commercio, e manda que, na conformidade
delle, se expeçam as ordems que necessárias forem. Pa-
lácio do Governo em 19 de Abril de 1817. Com tres
rubricas dos Ex m o s . Governadores do Reyno."
E para assim constar, e se cumprir o que S. M. or-
dena ; se mandou affixar este Edictal. Dado em Lisboa,
a 22 de Abrü de 1807.
(Assignado) JOZE ACCURSIO DAS NEVES.

Edictal da Juncta do Commercio de Lisboa, annunci-


ando a terminação do tractado de commercio entre
Portugal e a Rússia.
Á Real Juncta do Commercio, Agricultura, Fabricas
e Navegação baixou o seguinte Avizo:—" Havendo ex-
pirado no fim do anno próximo passado o prazo da ul-
Commercio e Artes. 511

tima prorogaçaõ do tractado de Commercio de Dezembro


de 1798, entre Portugal e a Rússia; he S. M. servido
ordenar, que a Real Juncta do Commercio, Agricultura,
Fabricas e Navegação faça constar na forma custumada,
que, pela final cessação das estipulaçoens do dicto trac-
tado, naõ devendo continuar as practicas e vantagens
commerciaes introduzidas em conseqüência do mesmo
tractado, tem o mesmo Senhor mandado expedir as or-
dens necessárias para a dieta discontínua-paõ. O que
participo a V. S. para o fazer presente na Juncta, e as-
sim se executar. Deus guarde a V- S. Palácio do Go-
verno em 9 de Abril de 1817=-D. Miguel Pereira Forjaz
•----•Senhor Joaõ de S. Payo Freire de A n d r a d e = E para
assim constar se mandaram affixar edictaes. Lisboa, 16
de Abril de 1817.

(Assignado) J O S É ACCURSIO DAS N E V E S .

Avizo.

(Extrahido da Gazeta de Lisboa.)

Requerendo os Juizes do Officio de Capateiro que se po-


zesse em todo o seu vigor a prohibiçaõ da venda de obra
do seu officio, introduzida de fora neste paiz, contra a ley,
e sendo-lhe differido este justo requirimento, com a única
excepçaõ da obra de manufactura Ingleza, sendo ven-
dida propriamente por Inglezes, conformo o ultimo trac-
tado de commercio com a Gram Bretanha, cumpre avizar
disto o publico, a fim de que as pessoas, que contracta-
rem indevidamente em calçado vindo de fora do Reyno,
saibam, que estaõ expostas a perder todo o que lhes for
apprehendido pelos Juizes do dicto officio, naõ se achando
no caso da sobredicta excepçaõ.
512 Commercio e Artes.
Edictal da Juncta do Commercio de Lisboa, sobre o
commercio com a Rússia.

A Real Juncta do Commercio, Agricultura, Fabricas e


Navegação remetteo o Cônsul Geral Portuguez no Im-
pério da Rússia as seguintes Reílexoens, que a mesma
Real Juncta manda publicar, para que os negociantes
Portuguezes possam vir no conhecimento dos documentos;
com que possam acompanhar a remessas de effeitos, que
fizerem para os portos daquelle Império, e sua formali-
dade, a fim de se conformarem aos regulamentos publi-
cados na Corte de S. Petersburgo.

Reflexoens.
1. O vinho, nos conhecimentos deve estar declarado
pelo numero de vazilhas, sem mencionar a medida, se
estas forem pipas, meias, ou quartos: mas se fôrem bar-
ris, que tenham mais ou menos que um quarto de pipa,
deve especificar-se além disto quantos almudes contém
um destes barris.
2. A respeito do vinagre ha o mesmo a observar.
3 . Nos conhecimentos do assucar deve estar especifi-
cado ao justo o pezo bruto, o liquido, e a tara de cada
caixa.
4 . Do azeite deve haver o pezo de cada vazilha, e naõ
a sua medida.
5. Das rolhas, basta declarar-se o pezo total dos sa-
cos, e o pezo de um delles, quando todos tiverem a mes-
ma grandeza, mas tendo differente he necessário que se
especifique quanto péza cada nm. A cortiça basta trazer
o pezo total.
6. Do sal deve mencionar-se o numero de moios, o
quanto peza um igual moio.
Commercio e Artes. 513

7. Como o algodão, salsa parrilha, e óleo de copaiva


naõ pagam direitos, he indifferente o declarar-se ou naõ o
pezo nos conhecimentos.
8. O arroz, amêndoa, tanto em casca como sem ella,
caflfê e pimenta, devem trazer especificado o pezo de cada
barril, saco, ou ceira ; mas se estes fôrem todos da mes-
ma grandeza, e quasi do mesmo pezo, he bastante, que
se diga o pezo total, e o pezo de um destes barris, sacos
ou ceiras.
9 O páo-brazil deve trazer o pezo total.
10. O anil, a canella, e principalmente a cochonilha
devem trazer especificado o pezo de cada volume o mais
exacto possivel; e assim também o liquido e a tara.
Além dos sobredictos regulamentos de muito tempo
estabelecidos por esta alfândega, vem de se publicar um,
pelo qual os carregadores saõ obrigados a assignar os
conhecimentos debaixo das especificaçoens acima men-
cionadas ; isto além da assignatura do capitão, que até o
presente se tem practicado. Todas as vezes que se
omittir alguma destas ordens, fica a alfândega authori-
zada a cobrar dos gêneros, de que se tractar, o dobro
dos direitos. E para constar se mandou affixar o pre-
sente Edictal. Lisboa 14 de Março de 1817.
(Assignado) J O S É ACCURSIO DAS N E V E S .

BRAZIL.

Minas de Ferro no Cuiabá,


(Extracto da gazeta do Rio-de-Janeiro, 1 de Fevereiro,
1817.)
S. M. El Rey N . S. querendo promover a extracçaõ
dos metaes e mineraes preciosos, e favorecer ao mesmo
tempo e animar a industria de seus fieis vassallos, neste
VOL. XVIII. No. 108. 3T
514 Commercio e Artes.

ramo tam importante da riqueza do Reyno do Brazil foi


servido, por carta Regia, escripta ao Governador e Capi-
tão General de Mato-Grosso, em data de 16 de Janeiro
passado, approvar o estabelicimento da companhia de
mineração do Cuiabá, e lhe deo estatutos para a sua re-
gulação. Ordenou igualmente que se insinuasse á
dieta companhia o mandar à sua custa, logo que as suas
forças lhe permittissem, pessoas capazes ás Reaes fabri-
cas de ferro das capitanias de S. Paulo e Minas Geraes,
para aprenderem a arte de fundir o ferro, a fim de in-
troduzir-se também no Cuiabá este fabrico, quanto fosse
possivel; e recommendou toda a diligencia em perserutar
naquelle districto se existem ali minas de sal.
A companhia estabeleceo-se por 30 annos, findos os
quaes pôde ser dissolvida, ou arranjada de novo. As ac-
çoens consistem em 100.000 reis em moeda, e em dous
escravos vestidos, e preparados de ferramentas, e estes
devem ser propriedade dos accionistas, e naõ alugados.
As acçoens recebem-se até haver o fundo necessário para
o encanamento das águas, que puderem cubrir os tabo-
Jeiros das vizinhanças da villa do Cuiabá; mas logo que a
obra se principiar naõ poderão entrar mais Sócios. A
julgar-se conveniente para o futuro augmentar os fundos
até o limite prescripto de 1.800 escravos, poderão admit-
tir-se novas acçoens dos Sócios actuaes, ou de outros
novos, pagando estes últimos o prêmio, que se arbitrar pe-
los trabalhos ja feitos, O Governador e Capitaõ-General
será o Inspector da Companhia, e o Juiz-de-Fora do
Cuiabá, servirá de conservador. A Companhia terá um
Conselho, composto de 12 accionistas, d'entre os que ti-
verem maior numero de acçoens, que residirem ali mes-
mo, e sobre quem recair a escolha do Governador e Ca-
pitão General. Quatro membros deste Conselho, dos
mais hábeis, seraõ nomeados directores, e servirão por
Commercio e Artes. 515
tempo de tres annos, com responsabilidade ao Conselho,
pela sua administração. O Conselho ha de convocar-se
nofimde cada um anno, para examinar os livros e con-
tas, assim como também para repartir os lucros quando
os houver, e esta divisão será assignada pelo Conselho, e
pelos directores, sendo livre a cada um dos interessados
o examinar as contas dos lucros, na presença dos direc-
tores, que para isso facilitarão os livros. Uma sexta parte
dos lucros se guardará em caixa separada, para as despe-
zas extraordinárias, que o Conselho resolver. As acçoens
naõ seraõ alienaveis senaõ por vontade de seus donos?
em venda publica, na qual seraõ preferidos os Sócios em
igualdade de preço. Naõ se admittem repartiçoens ou
denuncias nos terrenos concedidos à Companhia. Os Ac-
cionistas teraõ de mais certos privilégios o izençoens de-
clarados nos Estatutos.

Os prêmios de seguros na seguinte lista dos preços correntes sa3 os qne


existiram aos 85 de Maio: agora depois da chegada da notícia da insurrecçaõ
em Pernambuco saõ os seguintes.
Prêmios de Seguros.
Brasil Hida 8 a 10 Guineos Vinda 8 a 10 Guineos
Lisboa S| a 3 2§ a 3
Porto S 3
Madeira 5 a 6 5 a 6
Açores 5 a 6 5 a 6
Rio da Prata
Bengala 8 a 10 - 8 a 10

3 T 2
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil,
LONDRES, 24 de Maio, de 1817.
Gêneros. Qualdade. \ ^ j f " {Preço dei Direitos.
fRedaiondo • 119 Ub. õOs. Op. Op.
Assucar .{BatidBatido . . 44s. Op. Op.
LMasc
^Mascavado. 37s. Op Op. Livre de direi-
Arroz .Brazil nenhum. tos por expor-
Caffe . .Rio 70s. Op. 76s. tação.
Op.
Cacao .Pará . . . . 6Ss. Op. 78s.
Cebo. .Rio da Prata Op.J
55s. Op. 57s.
"Pernambuco libra ls. llfp Op. 38 2p por 1121b
Ceará. . . ls. llfp Ss. 0 r
*l ) 8s. 7p. por lb.
Bahia. . . ls. 10}p ls. llfp 100 em navio
Algodão ..« Maranhão ls. 10§p
Pára ... ls. 8§p ls! lôp! U<»tagoeiou
Minas novas ls. IOp, ls. lojfcp I n « l M -
(.Capitania ls. lljp ls. llfp
Annü . . . . .Rio 8s. Op, Ss. 6p.. 4|p. por lb.
Ipecacuanha Brazil. . . lis. Op. lis. 6p. 8.<S4p.
Salsa Parrilha Pará 8s. 9p. 4s. Op. ls. 2Íp.
Óleo de cupaiba ls. 3p. ls. 4p. ls. llfp.
Tapioca. . . .Brazil ls. Op. ls. ,* • 4 ppagos
8p. direitos '
Ouroca. . . 8s. 6p. Ss. 9p.
pelo comprador
Tabaco { em
em rolo
folha
Os. 3p. 4p. » Livre de direi-
Os.
> tos por expor-
TA 7p 8Jp ' taçaS.
Rio da Prata, pilha-J B 6§p 6fp-»
6Jp 5*p
lc
fA 6}p 7p. 9Jp. por couro
Rio Grande . . ;J B 5p -em navio Por-
5p 6p. tuguez ou In-
LC
Pernambuco, salgados 8§p 4p. glez.
LRio Grande, de cavallo 6s. 0p v
Chifres. . .Rio Grande 40s. Op. Ss. 6§p. por 100.
Pâo Brazil. .Pernambuco 1201. direitos pagos
Páo amarello Brazil. . . . 81. pelo comprado

Espécie.
Ouro em barra . .-CO 0 0
Peças de 6400 reis 4 0 0 1
Dobroens Hespanhoes 0 0 0 f
Pezos . . dictos 0 5
?" por onça.
Prata em bara 0 0
«il
0 )
Câmbios.
Rio de Janeiro 59 Hamburgo 35 0
Lisboa 58 Cadiz 85
Porto S7J Gibraltar 814
Paris 24 70 Gênova 45
Amsterdam 11 13 Malta 47*
Prêmios de Seguros
Brazil Hida 4 a 6 Guineos Vinda 4 a 8 Guineos.
Lisboa l i a 1J lf a 1*
Porto li a .li . l*a
Madeira
Açores .
2 a 2J
2 a 2}
2 a
2 a
'4
Rio da Prata 6 a 7 6 a
H
7
Bengala 4 a 5 4 a 5
[ 517 ]

LITERATURA E SCIENCIAS.

NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.


Phillips' Speeches, 8vo- preço 7s. As fallas de Carlos
Phillips, Esc. feitas nos tribunaes, e em varias occasioens
publicas, na Irlanda e na Inglaterra.

Mason's Ireland. Conta estatística, ou exame paro-


chial da Irlanda; tirado das communicaçoens do Clero;
com numerosos mappas e planos. Por Guilherme Sha*w
Mason, Esc. M. R. I. A.

Letters on the Revolutionary War, 8V0. preço 8s. 6d.


Cartas sobre alguns dos accontecimentos da guerra re-
volucionaria ; dedicadas, com permissão, a W. Wilber-
force, Esc.

Ricardo''s Political Economy, 8TO. preço 14s. Sobre


os principios da economia política e taxas. Author Da-
vid Ricardo, Esc.

PORTUGAL.

Sato à luz, Almanák das Ordenanças. Esta obra he


redigida pela primeira vez em Portugal, e mostra o es-
tado presente de Organização das Ordenanças, nos sette
Governos Militares, além dos nomes de todos os officiaes.
518 Literatura e Sciencias.
Epinicio na feliz elevação do Senhor Rey D. Jaõ VI.
ao throno.

Ode á Acclamaçaõ de S. M. F . o Senhor D. Joaõ Sexto;


por Joaquim Jozé Pedro Lopez.

Escola Mercantil, sobre o commercio assim antigo


como moderno, entre as naçoens commerciantes dos
Velhos Continentes. Contendo a historia geral do Com-
mercio, e de todos os ramos, de que este se compõem,
Agricultura, Artes, Pesca, Navegação, Camhios, &c. uma
noticia particular do commercio de Portugal, e suas pro-
ducçoens commerciaveis, um mappa geral da conrespon-
dencia das moedas das 26 principaes praças da Europa,
e um formulário das letras e bilhetes de cambio, cartas de
afretamento, e outros documentos, de que se faz uso no
commercio destes Reynos: composta por Manuel Luiz da
Veiga, novamente reimpressa, correcta, e accrescentada.
Preço 1.200 reis.
Instrucçoens para o estabelicimento, direcçaõ e regula-
mento das escolas militares de ler, escrever e contar,
conforme o novo methodo de J. C. Couto e Mello, en-
saiado na eschola geral de habilitação dos mestres das
referidas escholas.

NOTICIAS LITERÁRIAS.

Veneno do arsênico.
O professor Brande, em suas prelecçoens, na Institui-
ção Real, em Londres, explicou a difficuldade que ha em
descubrir se a morte de alguma pessoa tem sido produzida
por arsênico ou rosalgar, usando dos experimentos e
provas, que estão em practica para aquelle fim. Mostrou
Literatura e Sciencias. 519
o professor, que o precipitado amarelo, produzido pelo
arsênico em solução de nitrato de prata, se assimelha ex-
actamente ao que se obtém do ácido phosphorico, e que
ambos saõ solúveis no amoníaco. Mostrou também o
professor o effeito do sumo das cebolas na solução do
Bulphato de cobre, que produzio uma tinetura verde, que
se naõ podia distinguir da côr produzida por pequenas
quantidades de arsênico. Mr. Brande observou que, em
caso de importância, naõ se podia confiar nos signaes aci-
ma descriptos, os quaes, nas maõs de pessoas ignorantes,
inevitavelmente conduziriam a erro; e que a separação do
mesmo metal he a única prova em que se pôde confiar.
0 Professor foi levado a estas observaçoens em conse-
qüência de um processo, que aconteceo recentemente em
Cornwall, em um crime de morte por veneno, que de-
pendia, nas provas jurídicas, do exame das causas, que
occasionàram a morte da pessoa envenenada.

Novo methodo de produzir gelo,


Mr. Stodart experimentou, ha pouco, a descuberta,
que tinha annunciado o professor Leslie, sobre o novo
modo de gelar água por meio de uma terra absorvente,
em vez do ácido sulphurico. A pedra, que se uzou, foi
a de Salisbury Craigs, juncto a Edinburgo; foi a pedra
moida em p6, e com ella se gelou, debaixo do recipiente
da machina pneumatíca, uma pequena porçaõ de água.
Usou-se de um recipiente mui baixo, e se preparou
grande superfície daquelle absorvente, com o que se
accelerou a operação, e se gelou maior quantidade de
&goa. Fizéram-se experiências com outros absorventes,
dos quaes foi o principal o barro de que fazem cachimbos ;
este porém, em estado de decomposição completa, pa-
rece ser o melhor material para o processo da refrigera-
520 Literatura e Sciencias.
çaõ. Esta elegante descuberta do Professor sem duvida
será tam interessante ao philosopho, como importante
em sua operação practica nos paizes quentes.

ECONOMIA POLÍTICA DE SIMONDE.

CAPITULO VII.

Do balanço das Importaçoens e Exportaçoens.

( Continuado de p. 396)

A naçaõ paga regularmente as suas dividas, da mesma


forma que a casa do desconto, ou qualquer outro banco
publico, pagam as suas apólices à vista, ainda que nos seos
cofres naõ possam ter dinheiro para as pagar todas, basta-lhe
que em quanto sabe dinheiro por uma banda, entre pela outra
em somma equivalente: e a naçaõ, da mesma forma que a
caixa do desconto, faz girar em seo proveito os capitães estran-
geiros, que obtém por empréstimos, sem que ninguém saiba
que lhe empresta.
Uma naçaõ pode muito bem pagar constantemente em nu»
merario, naõ sendo mais que a uma só naçaõ estrangeira, por-
que sempre foz sahir por um lado o que recebe pelo outro.
Já fizemos ver que a França, pela sua posição, tem-se feito
o canal por onde passa para a resto da Europa o numerário
que annualmente lhe entra de Hespanha. He pois mui na-
tural que ella pague em todas as suas outrasfronteirasna ra-
zaõ do que recebe na dos Pyrineos.* Da mesma sorte a In-

* Naõ nos esqueçamos que o commercio do dinheiro, longe de saldar o das


mercadorias, pode maitas vezes augmentar a differença de conta qne deve ser
compensada por créditos. Por isso, ainda qne o dinheiro de Hespanha passasse
em geral pela França para a Alemanha e para o Norte, a balança com estes
diversos paizes, e sobre tudo com os mais pobres e menos indnstriosos, era con-
Literatura e Sciencias. 521
glaterra importa uma somma mui consideravavel de ouro de
Portugal, e emprega-o na exportação de dinheiro para a
índia, para a Hollanda, e para outras partes. Desde o mo-
mento em que esta exportação cessasse, naõ poderia comprar
mais a Portugal, e esta balança favorável sobre que se tein
insistido tanto, ainda que naõ seja mais favorável que a com-
pra de qualquer outra mercadoria, cessaria também imme-
diatamente.
Uma NaçaÕ naõ pôde saldar verdadeiramente as suas
dividas para com as outras nações senaõ em mercadorias;
e para isto he preciso que a sua producçaõ, e por conse-
guinte a sua riqueza, tenham augmentado: porque o tra-
balho, como ja temos visto, naÕ pode augmentar senaõ á pro-
porção que augmentar o capital que o põem em movimento.
Porém a isso he que este ultimo tende constantemente.—
Quando as leys e os costumes naõ contrariam a industria,

siderada antes da revolução como favorável à Franca. Eis aqui como a


calculavam aquella época pelo producto das alfândegas :
Para a Alemanha, possessoens Austríacas, Polônia, Prússia, e Paizes-Baixos
Exportação Importação
Libras Tornezas Dicto
95:600.000. 64:000.000.
Para a Rússia, Suécia, Dinamarca, e cidades Hanseatioas
Exportação Importação
79:000.000. 31:600.000.
Vamos passar em revista neste capitulo todas as causas de erro annexas ao
calculo das balanças do commercio. Se estas se supposessem exactas, o que estou
longe de admittir ; dever-se-bia concluir que naõ somente a França emprestava
aos povos do Norte o excesso das suas rendas sobre as suas compras (feita a
deduccaÕ dos seos ganhos e das suas despezas) mas ainda uma somma conside-
rável em metaes preciosos,que ella lhes passava indubitavelmente. Hemui provável
que a França fosse emprestadora no seo commercio com as naçoens do Norte.menos
ricas e menos industríosas qne ella ; mas naõ he por modo algunf verosimil que
o fosse de quantias taõ grandes. Quanto às compras de dinheiro que estes
povos faziam, he mui provável que as saldassem pelo seo commercio directo com
a Hespanha, e que a França naÕ entrasse nisso senaõ como porto de passagem
aos metaes precisosos.
VOL. X V I I I . No. 108. 3 u
522 Literatura e Sciencias.
os avanços das nações estrangeiras em poucotempo põem a
naçaõ que os recebe em estado de fazer economias, e de
se desendividar. (*)
Cálculos que representassem com exactidaõ o balanço
do commercio, isto h e ; naõ o que uma naçaõ paga, mas o
que deve, certamente offereceriam maior interesse emeco-

* As naçoens que mais depressa se enriquecem muitas vezes saõ aquellas


que contrahem maiores empréstimos; porque saõ também as que acham em
si em que fazer empregos de capitães mais vantajosos. Em geral a balança
do commercio destas nações parece desfavorável; isto be, que as suas im-
portações excedem muito em valor as suas exportaçoens,no momento em que
a sua riqueza faz os progressos mais rápidos. Isto he o que se pode sobre
tudo observar nas colônias do Norte da America. Pelas taboas publicadas
por Lord Sheífield ve-se, que o Canadá, a bahia de Hudson, e as outras
possessoens Britannicas no continente da America Septentrional junctas aos
Estados Unidos, tiravam de Inglaterra, uns annos pelos outros, desde 1770,
a 1780, o valor de 2: 156.479 libras esterlinas* e naõ lhe tornavam mais de
877. 442 libras esterlinas em gêneros coloniaes. Todavia, como a Inglaterra
tinha reservado para si o commercio quasi exclusivo daquellas vastas regi-
oens, a balança entre a metrópole e a colônia devia ser, para esta ultima, con-
forme à balança geral do seo commercio exterior.
Emquanto ao commercio particular dos Inglezes com os Estados Unidos,
forneciam-lhes aquelles por anno 1* 331. 2061b. na mesma época; e naõ lhes
tiravam senaõ 748. 560 lib. de mercadorias. O commercio entre a França
e os Americanos Inglezes apresentava um blanço no mesmo sentido, As im-
portaçoens de mercadorias Fancezas na America, (nos tres annos que se
seguiram ao Tractado de Janeiro de 1778) subiram a 3.203*000 de francos, e
as exportações da America Bomente a 2:393,000 de francos. Nos tres annos
que se seguiram a differença foi ainda maior. As exportações das merca-
dorias Francezas para America subiram ao valor de 11:460.000 de libras tor-
nezas,e as exportações da America para aFrança naõ passaram de 3:494.000 lb
tornezas. Depois da paz de 1783, a França, a Inglaterra, a Hollanda, os
Paizes-Baxos Austríacos, e a Alemanha entraram a mandar fazendas para a
America. Só no anno de 1784 e só nos portos de Charles-Town, Philade -
phia e Nova Vorck, subiram as importaçoens a 100 milhões tornezes. Esta
massa de importaçoens tam superior ás exportaçoens, longe de ter arruinado
so Estados-Unidos, como os mercantis o deveriam concluir, segundo o seo
systema, multiplicou rapidamente os seos capitães, e accelerou o desenvolvi-
mento da sua industria.
Literatura e Sciencias. 523

nomia politica: mas quando se confia demasiado nestes


cálculos naõ se suppoem quanto elles saõ susceptíveis de
erros, e quanto he difficil,ou, para melhor dizer, impossível
de os fazer com a menor exactidaõ. Consulte-se a este
respeito aquelle grande Ministro, que primeiro sondou
todas as profundezas da administração. O seo testimunho
he tanto menos suspeito, quanto elle era um dos que
davam grande importância á balança do commercio, que
lhe parecia favorável para a França. " Nunca se fará
idea justa, diz elle, do credito de commercio* que o Reyno
adquire, se senaõ supprir pelo juizo á insufficiencia dos
trabalhos mechanicos." E em outra parte diz. CCA maior
parte dos cálculos sobre esta matéria saõ inexactos e im-
perfeitos ; e isto deve-se attribuir a differentes causas."—
A primeira que elle indica basta com efeito para mostrar a
vaidade de todos elles. H e porque, como se naõ sabe
senaõ pelos registros das alfândegas a quantidade de gêne-
ros que entram, e que sahem, toda a parte das transacçoês
de commercio que se faz por contrabando naÕ se pode achar
nos livros do fisco. Isto he bastante para que toda a balança
pareça sempre favorável para o paiz que a calcula ; porque
todo o contrabando se faz de fora para dentro, sendo livi e a
saida das fazendas, e a sua entrada prohibida. Quanto
mais as prohibiçoês saõ rigorosas, ou a tariííà das alfândegas
subida, mais necessário se torna fazer as importações clan-
destinas e fraudulentas; de sorte que parecem ser mui
poucas; o que causa indizivel satisfacçaõ aos que calculam
o balanço pelos livros das alfândegas; posto que de facto
a balança naõ tenha sido alterada em cousa alguma. E m
quanto ás remessas que se obtém em numerário, o com-
mercio segue uma marcha inteiramente contraria, mas que
tende todavia a augmentar o erro precedente, A exporta-
ção do numerário he sempre ou prohibida, ou vista com
muito mãos olhos; a sua importação, pelo contrario, he
3 u 2
524 Literatura e Sciencias.
sempre favorecida. Portanto naõ se faz sair senaõ por
fraude,ou ao menos mysteriosamente, e procurando desviar
os olhos do publico deste objecto. Mas o que se importa,
ainda quando o naõ façam lançar nos registros, sempre se
arroga por isso um certo merecimento aos olhos da naçaõ
ou do Governo. Se o ramo de commercio que o importa
tem algum favor que pedir naõ deixa de trazer em seo
abono um rol de ouroe prata,que tem introduzido no paiz*
rol que mesmo quando seja per feitamente exacto, sempre
conduz a erro, porque se naõ pode confrontar com o
rol de um ramo de commercio conrespondente, que o
tiver feito sair. Estas duas causas reunem-se pois para
fazerem parecer a balança muito mais favorável doque o he
na realidade; ou para fazerem crer que a exportação das
fazendas excede muito a importação.
Para qualquer fim que se calcule a balança do com-
mercio, e seja qual for o momento e logar, que se escolha
para avaliar as fazendas importadas e exportadas, sempre
se cáe em novos erros; e esta he outra observação de
Mr. Necker- O calculo faz-se sempre pelas alfândegas
das fronteiras; quer a naçaõ esteja no habito de empres-
tar ou de receber: o mesmo he na Prússia que na Ingla-
terra; posto que os estrangeiros façam todo o commercio
exterior daquella; e o desta os seos nacionaes. As mer-
cadorias, que saem dos portos de Riga, Petersburgo, e
Archangel, naÕ saõ propriedade dos Russos, bem como as
que nelles entram.
As primeiras cessaram de o ser no mercado interior
onde foram vendidas; e as segundas naõ o seraõ senão no
mesmo mercado quando os Russos as houverem com-
prado. De outra parte as mercadorias importadas em
Inglaterra pertencem a Inglezes já muito antes de chega-
rem ao porto; eas que elles exportam lhes pertenciam já
muito antes de saírem. O valor do credito, ou da divida
Literatura e Sciencias. 525

nacional naõ deve comtudo ser avaliado senaõ no m o -


mento em que a fazenda passa do negociante nacional ao
estrangeiro, e vice versa; e he por conseguinte aug-
mentado de todos os lucros, e d e todas as despezas inter-
mediárias até esta passagem.
A vista disto como se ha de fixar o preço das merca-
dorias importadas ou exportadas ? Dever-se-ha fazer esta
pelas declarações dos negociantes? Mas o interesse delles
he, evidentemente, declarar menor valor a todas as que
saõ sujeitas a direitos; e exaggerar o das que saõ francas,
para augmentarem a sua importância, e realçarem o
merecimento do seo commercio aos olhos do Governo.
Avaliar-se-haÕ pelos preços correntes nas praças donde
saíram e onde entram? Mas entaõ as entradas parece-
rão sempre mais consideráveis que as saídas. Suppo-
nhamos, para fazer comprehender esta asserçaõ, que um
negociante Portuguez negocia de Lisboa para a Bahia,
com um capital de 100.000 cruzados: as mercadorias que
elle despacha saÕ avaliadas na Alfândega de Lisboa em
100.000 cruzados que na realidade lhe custaram. Os
gastos de transporte e o seo lucro dar-lhes-haõ na Bahia o
valor de 120.000 cr., sendo 10.000 para os direitos e mais
despezas da alfândega, seguro fretes &c. &c. e os outros
10.000 para o lucro do commercio: Terá por conseguinte
o Lisbonense na Bahia à sua disposição um fundo de
110.000 cruzados, com que comprará gêneros coloniaes,
declarados na alfândega em similhante somma. Por-
tanto os registros da Bahia apresentarão, se as avalia-
ções forem justas, 120.000 cr. de importações, e 110.000
de exportações. O Capitão Lisbonense de volta para
Lisboa deverá accrescentar 22,000 cr. ao preço da com-
pra dos seos gêneros, a saber; 11.000 para lucro mer-
cantil, a 10 por cento, e 11.000 para todas as despezas &c>
De sorte que os seos assucres e algodões valerão real-
•526 Miscellanea.
mente no mercado de Lisboa 132.000 cr. e se as avalia-
ções se fizerem exactas na alfândega, a de Lisboa achará
nos seos registros 100.000 cr. de exportações, e 132.000
de importações: de sorte que se vê claramente que os
dous paizes, que negociam entre si, ganham um e outrno
seo commercio; e que o que he activo, e naõ passivo,
ganha mais, como he razaõ.

(Continuar-se-ha.)

MISCELLANEA

Memória dos Exteriores, e pleno uso da Soberaniu, que se


arrogou o Governo de Lisboa, 8çc.

(Continuada de p. 263.)

34. Segue-se agora vermos quaes seriara os motivos, que condu-


ziram o Governo de Lisboa á uma tam extraordinária, manifesta, e
pertinaz usurpaçaõ dos Direitos de S. A. R. O restabelecimento do
dicto Governo, em conseqüência da evacuação do Exercito Francez,
deixou entregue quasi toda a authoridade ao Desembargador Se-
cretario Joaõ Antônio Salter de Mendonça. Os Governadores eram
o Bispo do Porto, que naõ veio ter exercicio senaõ depois que o
Duque de Dalmacia invadio a dieta Cidade, o Marquez das Minas,
o Conde de Castro Marim, hoje Marquez d'Olhaõ, e os Tenentes
Generaes D. Fracisco Xavier de Noronha, e Francisco da Cu-
nha. Nenhum delles era instruído na Sciencia da Legislação,
muito separada da profissão Militar, á que todos elles pertenciam
e disto rezultou que ficaram sendo necessariamente uns instrumen-
tos, de que se servia o Desembargador Secretario para tudo
quanto lhe agradava, principalmente nos negócios dependentes
dos conhecimentos do Direito publico e particular, que eram quasi to-
Miscellanea. 527

dos. Elle fallava em Direito, e apontava Leys, e os dictos Governa-


dores naõ podiam contestar-lhe os seus pareceres nestas matérias, ain-
da que elles fossem muito absurdos. E isto muito mais, sendo a Le-
gislação Portugueza composta de muitas mil leys, umas contra-
rias ás outras, pelas diversas circumstancias em que foram feitas,
o qne dava occasiaõ a que o dicto Desembargador podesse illudir
facilmente pessoas, que naõ eram Juristas, conduzindo-os com a ca-
pa da observância das leys para tudo quanto lhe aprazia. EsteMagis-
trado, pois, foi a causa de quantos abusos temos referido. Ninguém
poderá duvidar, que os Governadores, sendo Militares, naõ se havi-
am de metter a fazer Alvarás, Decretos, e Cartas Regias, a fallar
sempre no nome do Soberano, a exercitar todos os Direitos Ma-
gestaticos, se o único Jurisconsulto, que tinham com sigo,que era o
dicto Desembargador Secretario, lhes naõ persuadisse, que elles po-
diam fazer tudo isso.
35. O Caracter deste Magistrado, summamente vaidoso, e
amigo do poder, o couduzio avidamente para tudo quanto èra
reprezentaçaõ da Soberania. Quiz-se inculcar como um Ministro,
e Secretario d'Estado, e á este fim dirigio todos os seus passos.
Começou por abandonar o uso da Beca, que era o vestido próprio,
que lbe competia, pelos diversos lugares, que tinha na Ma-
gistratura, e os quaes conservava 110 exercicio de Secretario do Go-
verno de Lisboa. Aprezentou-se de cazaca, e de espadim, e a bon-
dade dos Governadores foi tal, que naõ repararam, em que o seu
secretario fosse ao Conselho do Governo do Reyno, cora um vestido
com que naõ iria, nèm á Caza da Supplicaçaõ, nem ao Dezerabar-
go do Paço. Despachou-se com o tractamento de Excellencia, que as
mesmas Gazetas do Goveruo lhe tributavam freqüentemente
como se pode ver na de 10, de Man.0, e de 16, de Maio de 1809,
No. 1, Suppl. Extr. e N 0 20. Suppl. Extr.) Decretou-se as
continências Militares, que se faziam áos Conselheiros de Estado;
o que deo occaziaõ até á zombaria dos prezos do Limoeiro, porque
sendo próxima a sua caza, e passando freqüentemente pelo largo
das dietas prizoens, os prezos, quando ouviam a Sentinella chamar
armas pela sua passagem, diziam, Ahi vai o Rey Salter. Inven-
tos o uso de convocar Junctas, compostas de todos os -Magistrados
- os Tribunaes de Lisboa, a que elle pesidia, para imittar nisto, o
528 Miscellanea.

que S. A. R. costumava mandar fazer algums vezes pelos seus Minis-


tros, e Secretários de Estado. E isto lhe servia também para illu-
dir melhor os Governadores do Reyno, e para os conduzir á tudo
quanto queria. Elle chamava para estas Junctas os Magistrados
que lhe parecia, e como os tinha assustado a todos com os terríveis
exemplos de prender, e degradar arbitrariamente, até os que tinham
grandes lugares na Magistratura por mercê de S. A. R., achava
suffragios para quanto lhe agradava. Ninguém duvidava de ser por
elle presidido, nem os Ministros que serviam nos Tribunaes, com
Cartas do conselho muito mais antigas do que a sua. A sentença
do Marquez de Alorna he dada em uma destas Junctas, em que elle
e o outro Secretario doGoverno, seu companheiro, prezidiram a Con-
selheiros muito mais antigos, do que era o dicto Desembargador
Quem sabe o capricho com que os Tribunaes, e os Ministros costu-
mavam zelar estas cousas, naõ pode deixar de ver no seu silencio o
terrorismo espalhado no Reyno,com que se olhava para o dicto Des-
embargador Secretario. E se os Sacerdotes da Justiça, haviam
perdido a suafirmezapara sustentar os seus direitos, e a sua conside-
ração Politica, como a conservariam relativamente aos direitos dos
outros, sobre cujas cousas votavam, 011 interpunham o seu parecer ?
O modo por que um tal Presidente fazia o relatório, deixava conhe-
cer quaes eram os seus sentimentos, e elles necessariamente haviam
de encontrar approvadores.
36. E nao devemos omittir aqui um outro estylo,filhoda mes-
ma mania, que o Desembargador Secretario introduzio uo Governo
de Lisboa, e que sendo summamente oppressivo para os Portugue-
zes era muito contrario ao respeito devido a S. A. R. Nas Secreta-
rias de Estado de Portugal havia o costume de sç nao indifferirera.
por Despacho os Requerimentos, que os nossos Soberanos desat-
tendiam. As Partes appresentavam as snas suppiicas, instavam pe-
lo diffei iuaento, e naõ exigiam nunca que ao menos se lhes posesse
Despacho de Escuzadu: porque lhes naõ podia servir para fim al-
gum. Como naõ havia um Tribunal superior, para que se recorres-
se, e ao qual conviesse mostrar, o que se tinha pedido, e o que se ti-
nha denegado, era inútil instar por similhante Despacho. Mas quem
poderia esperar, que o Desembargador Secretario do Governo de
Lisboa se attribuisse, e ao dicto Governo, aquelle mesmo estylo, que
Miscellanea 529
era intolerável, uma vez, que o Soberano de Portugal rezidia no
Brazil, eque os seus vassallos da Europa tinham direito para se
queixar na sua Presença das injustiças, que lhes fizesse o Governo
de Lisboa ? Nestes termos mudavam muito as circumstancias, que
concorriam nas Secretarias de Estado, por meio das quaes S. A. R.
expedia as suas immediatas Resoluçoens. As Partes podendo te-
correr do Governo de Lisboa para o Soberano, residente no Brazil,
necessitavam de mostrar, na Sua Real Presença, o que tinham reque-
rido, e o que se lhes tinha denegado em Portugal: e era para isto in-
dispensável, que os seus requerimentos indefferidos fossem escuzados,
por Despacho: e a pratica estabelecida em contrario, naõ podendo
ter nenhum outro fim que naõ fosse o de estorvar os recursos dos
Portuguezes para o Principe Regente nosso Senhor, era, como
dicemos, summamente oppressiva para os Vassallos, e muito contra-
ria ao respeito devido ao Soberano. Mas a pezar destas considera-
çoens, o dicto estylo se sustentou pcrtinazmente, naõ obstante
que nós mesmo o contestamos ao Governo de Lisboa, por um requi-
rimento, exigindo que o dicto Governo nos indifferisse por Des-
pacho as nossas suppiicas, que julgasse desattender, e apontando
a razaõ de differença, que havia para elle senaõ apropriar uma
pratica, que, naõ tendo inconvenientes nas Secretarias de Estado
juncto á S. A. R., era inteiramente inapplicavel a um Governo su-
balterno, que rezidia em muita distancia do mesmo Senhor.
37. Este appetite do Desembargador Secretario do Governo
querer figurar em Portugal, como Secretario de Estado, he que
originou a practica de attribuir ao Governo todos os exteriores da
Soberania Para aquelle seu fim era-lhe preciso fazer tudo quanto
os Ministros de Estado do Princide Regente nosso Senhor faziam;
e elle o fez, E como a suamesma consciência o accusava de tomar
uma reprezentaçaõ, que lhe naõ cabia, julgava necessário, para of-
fuacar as vistas dos outros, o exercicio de um poder iltimitado. Por
isso fez ainda muito mais do que praticavam os dictos Ministros, a
pézarde estarem ao lado do Soberano, que lhes dava immediata-
mente as suas Reaes Ordens, e de quem elles eram a voz authoriza-
da pelos Decretos das suas nomeaçoens participados átodosos Tri-
bunaes, e todo o Reyno. Como o seu fim era só mostrar, que po-
VOL. XVIII, No. 108. 3 x
530 Miscellanea.
dia, havia de exceder necessariamente no exercicio da sua authori-
dade, porque he provérbio antigo, e muito ãiscreto-quem quer mos-
trar que pode faz quasi sempre o que naõ pode.
36. Falta-nos somente, para concluir esta Memória, acrescentar
algumas reílexoens, sobre os rezultados políticos, que havia de ter
este systema de administração, adoptado pelo Governo de Lisboa.—
Montesquieu, Grand et Decadencedes Romains Ch**p. 8. diz. com
a penetração própria do seu espirito. O Principe está tanto acima
dos Vassallos que estes naõ podem imaginar-se rtlaçaõ alguma em
que a sua authoridade lhe faça ciúme m«s naõ succede outro tanto
a respeito dos vassallos que governam, elles naõ estaõ tanto a-
cima dos outros, que naõ lembrem todos os dias comparaçoens
odiosas. He certo pois, que o Governo de Lisboa, composto de
Vassallos, ostentando o poder Soberano, chamava sobre si o ódio, c o
ciúme de grande parte dos Portuguezes, a qual teria pelo maior
dos inales o ser vassallo de taes vassallos, achando melhor qual-
quer outra situação, em que o seu amor próprio uaõ fosse offen-
dido.
39. Esta mesma grande distancia, que separa os Vassallos, e o
Soberano, faz com que estes naõ tenhao senaõ mui raras vezes
a respeito daquelles as paixões que origiuaõ o epirito de vingança, e
ellas saõ muito freqüentes nos Vassallos entre si. A dieta distancia
pois he um escudo, que defendia a maior parte dos homens do des-
potismo dos Soberanos. Mas naÕ ha um escudo similhante, quan-
do os déspotas saõ Vassallos : as relaçoens, que ha entre estes, mais
au menos remotas toçaõ-se freqüentemente, e he por isto indis-
pensável, que seja regulada pelas í*ys toda a authoridade, que os
particulares exercitam, e que seja inhabitavel a Provincia, ou Reyno
em que Vassallos, considerando-se Soberanos, se arogam todos o
Direitos Majestaticos. E este escudo das Leys he muito mais neces-
sário quando o Principe rezide taõ distante dos seus Povos, como
S. A. R. o está dos Portuguezes; e se elle falta, em quanto se re-
corre a seu Real Amparo, e chega o seu auxilio, podem-se ter cau-
zado males gravíssimos e irremediáveis.
40. Este abuzo do poder, a que dava occasiaõ a Soberania ex-
ercitada pelos Governadores de Lisboa, em toda a sua extençaõ,
Miscellanea. 531

desarmava necessariamente os Portuguezes do empenho, a que se


tinham arrojado contra os Francezes. Elles o haviaõ tomado as-
sustados com os excessos do Poder Militar, e arbitrário, que temi-
aõ na Administração estrangeira. Insurgiram contra ella para go-
zar a doçura do Governo das Leys, a que estavaõ affeitos debaixo
do Império dos seus Sobeianos, para recuperarem os seus direitos,
e priveligios, que viam desattendidos, e que se lhes mandavam
guardar pelo Principe Regente Nosso Senhor nas l,eys constitucio-
naes, e Regimento deixado ao Governo do Reyno. Se porem es-
te usa da authoridade pelo mesmo modo, que o poderiam fazer os
Conquistadores, quem esperaria em boa fé, que o Povo Portuguez
se desse muito trabalho, e fadiga para que Portugal fosse gover-
nado pelo Dezembargador Salter, em lugar do General Juuot ?—
Desgraçada cousa! A Soberania Portugueza era o pomo da dis-
córdia. Os Francezes a queriaõ occupar. O Povo Portuguez dis-
putava-lha, más querendo ficar com o seu exercicio : O Governo
de Lisboa também a queria defender, para a exercitar illimitada
mente. Vindicatla para ser realmente de S. A. R, como era justo,
iste he, o de que se naõ cuidava! Qualquer dos partidos, que ven-
cesse; quem perdia necessariamente era o Principe Regente Nosso
Senhor.
O espirito Ochlocratico predominava, em todo o Reyno, e era o
mais prejudicial aos Direitos da Soberania de S. A. R, e á cansa
da Independência Nacional. E em que consiste elle ? Na Supre,
ma Authoridade occupad pelos particulares, julgando-se cada um
dos Membros da Sociedade Civil com a faculdade de fazer o que
julga, ou finge julgar civilmente vantajozo. No Artigo 5o. do
nosso Pararelo, se pode ver como tal era o predominante espirito
Nacional, c quanto elle impecia aos interresses de Portugal. E na-
da podia nutrillo, ou corrigillo tanto, como o exemplo do Governo.
Se elle se aprezentasse subdito da Ley enaõ excedendo em
cousa alguma, os poderes, que lhe eraõ por ella concedidos,
qual dos Vassallos se atreveria a julgar-se superior ás mesmas Leys
para difinir o bem civil pelo seu arbítrio e para querer abrigar os
outros a seguir as dietas suas definiçoens ? Se porém esse mesmo
Governo se mostrava ocholocratico, arrogando-se, todo o poder, de
3 x 2
532 Miscellanea.
que lhe pareciaappropriar-se, e isto com o pretexto de o pedir assim
a Causa Publica, como naõ fariam outro tanto os mais particulares,
quando também julgassem, que o interresse Nacional pedia o *JZO
do seu poder ? O Governo pois arrogando-se todo o Poder So-
berano contra as expressas clauzulas das suas Leys Constitucionaes,
com o vago pretexto do bem publico, era uma eschola permanente
de Ochlocracia para todo o Povo Portuguez.
42. Taes eram entre outros os terríveis effeitos, que nasciaõ da
ostentação do Poder Real feita pelo Governo de Lisboa contra as
Leys da sua Constituição: Io excitava o ciúme dos Portuguezes
desaffeiçoando-os do dicto Governo, e consequentemente do Sobera-
no, em nome do qual exercitavam a authoridade: 2 o . sacrificava a
NaçaÕ ao mais violento despotismo, destruída a defeza das Leys,
que unicamente lho podia aproveitar em taes circumstancias: e
3 ° . por isso mesmo arrefecia os esforços Nacionaes na defeza
contra os Francezes: e 4 o . radicava o habito Ochlocratico, que
tanto era necessário extirpar dentre os Portuguezes. E parece
demonstrado á vista disto, que esta usurpaçaõ do Poder Real, feita
pelo Governo de Lisboa, era uma das medidas mais proveitosas aos
inimigos de Portugal, e mais prejudiciacs á defeza dos Direitos do
Principe Regente Nosso Senhor, e da Independência Nacional.
43. A Corte do Brazil tinha certamente todas as idéias, que nos
deraõ matéria á esta Memória, e para prova, de que ella as tinha,
bastaõ as 3 Cartas Regias de 2, e de 11 de Janeiro, e a de 30 de
Agosto de 1809, pelas qnaes pertendeo cohibir ouso do Poder
Regio feito pelo dicto Governo, como temos referido. Mas ellas
naõ produziram o dezejado effeito: a ambição, e o dezejo do poder,
que linha o mesmo Governo, e a sua ousadia, na distancia, em que
se achava de S. A. R. fraudarão todas aquellas suas Reaes, e
Providentissimas Constituiçoens: e succederá sempre o mesmo
em quanto senaõ tomar a uniea medida, que a Politica aconselha
como capaz de produzir efièito nestas circumstancias, que he, par-
ticipar a Corte do Brazil aos Tribunaes, e Authoridades subal-
ternas de Portugal, o regulamento dado ao Governo do Reyno,
fazendo-se esta participação sem a intervenção do Governo de
Lisboa, e ordenando, que qualquer dos Funccionarios Públicos, que
executar Ordens do Governo manifestamente contrarias á authori-
Miscellanea. 533
dade, que lhe he concedida, será responsável no seu nome naõ só
para com S. A. R. em attençaõ ao desprezo das Suas Reaes Or-
dens, mas para com os particulares em razaõ dos prejuizos, que
elles tiverem sofirido. Assim, e só assim teraõ as Leys nma ga-
rantia no interesse pessoal de todos os Funccionarios Públicos, de
que o Governo se poderá querer servir, para a execução das suas
determinaçoens, que fossem contrarias â ellas: só desta sorte he
que S. A. R. conseguirá, que os Governadores de Portugal se
abstcnham do abuso do poder, e deixem de usurpar-lhe os seus
Direitos Majestaticos, e de opprimir despoticamente os seus Vas-
sallos da Europa.
riM-

PAIZES-BAIXOS.

Extracto das gazetas Alemaas, sobre as pretençoens do


Bispo de Gante.
He bem sabido pelas gazetas publicas, que o Bispo de
Gante recusou cantar Te Deum pelo nascimento do Prin-
cipe Hereditário dos Paizes-Baixos; e se diz, em conse-
qüência, que este idoso cavalheiro he de disposição mui
obstinada. E com tudo naõ se pôde negar, que recusando-
se elle a ordenar ao clero de sua diocese que fizesse estas
preces, obrou consistentemente, considerando que se naõ
pôde negar que El Rey dos Paizes Baixos he um herege.
Naõ se pôde esperar que a Igreja mostre inconsistências,
e a antiga máxima de Gregorio o Grande ainda regula,
isto he que o poder temporal depende do espiritual. Todo
o outro titulo de possessão he invalido; e um principe,
ainda mesmo catholico, cujo poder temporal naõ procede
da Igreja, he um usurpador, visto que a possessão, qual-
quer que seja, he somente valida, na proporção em que
se origina na Igreja, ponto central de todo o direito de
possessão. O que a Igreja ensinava no século 12 ensina
534 Miscellanea.

no 1 9 ; porque como ella he infalível, assim naõ saõ as


suas doutrinas sugeitas a mudança, e continuam em um
século o que fôram em outro. O Bispo de Gante, vendo-
se apertado pelo poder temporal, escreveo a seu amigo,
o Viganio-geral Frenke, em Aix-la-Chapelle, pergun-
tando-lhe como elle se conduzia a respeito das oraçoens
por El Rey, visto que também elle vivia debaixo de um
principe naõ catholico (o Rey de Prússia); e recebeo em
resposta do Vigario-geral, o qual he bem conhecido pelo
seu character consistente, e intimamente informado do
systema da Igreja; isto," E u agora faço oraçoens por El
Rey muitas vezes, e tenho tido o custume de fazer isso
repetidamente; porem nunca o faço no altar durante a
Missa. Nunca ali pronuucio as palavras Salvum fac
dominum nostrum servum tuum Frid. Guill. Regem
Borussorum; Salva a teu servo, nosso Soberano, Fri-
derico Guilherme Rey dos Prussianos." O Bispo de Gante,
quando recebeo esta resposta, publicou-a aos fieis pela
imprença, para os convencer de que elle havia obrado
com propriedade na recusaçaõ que fizera. As instruc-
çoens do Papa Benedicto XII. naõ permittem que se fa-
çam oraçoens no altar a favor de herejes, nem que se
mencionem os seus nomes no Canon.
Todo o poder temporal, que naÕ dimana da Igreja he
uma usurpaçaõ, que a Igreja pôde tolerar, quando naÕ
pôde deixar de o fazer; porém nunca o deve reconhecer
por legitima. Póde-se esperar da Igreja uma condescen-
dência externa; isto deseja ella prestar, porém naÕ pôde
ser essencialmente inconsistente. A sua organização in-
interna está habilmente ligada; a unidade rey na em
tudo, e em quanto o edificio permanece, nem um sô
madeiro se pôde torcer permanentemente. Nenhum ho-
mem está mais disposto á cortezia do que o presente Papa,
e o seu Ministro, Gonsalvi, que espera ser seu successor.
Miscellanea. 535

Ambos conhecem a tempera moderada do século, e que


se pôde ganhar muito pela concessão. Portanto élles
estaõ sempre inclinados a concluir um armistício com a
usurpaçaõ, o que elles chamam uma concordata; e nelle
concedem muitas cousas, que naõ poderiam conceder
Vum tractado deífinitivo de paz. A Igreja he tam aversa
a fazer um tractado definitivo, como os Turcos eram an-
tigamente, em quanto retivéram integro o poder e espirito
do Mahometanismo. A Igreja pôde, em um armistício,
para maior gloria de Deus, fazer concessoens, muitas
das quaes á primeira vista pareceriam imposiveis, e po-
deriam desencaminhar os que naõ entendem o seu systema.
Sobre estes principios concede o Papa aos padres na Rús-
sia o serem casados; porque ali saõ tam poucos os padres,
que naõ pôde fazer mal terem elles suas mulheres, e
filhos, os quaes venham ao depois a ser também padres:
tudo isto he para gloria de Deus. Por esta razaõ, quando
se levou a Roma o negocio do Bispo de Gante, o Papa
lhe ordenou, que cantasse o Te Deum pelo Principe recém-
nascido, e que expedisse o seu mandado ao Clero, para
que fizesse o mesmo; e podemos estar seguros de que
Gonsalvi deo ordens a seu collega-ecclesiastico, o Vigario-
geral Frenke, para que fizesse oraçoens pelo Rey de
Prússia, no sacrifício da Missa, tudo para promover a
gloria de Deus; visto que tal comportamento he mais
vantasojo á Igreja, do que estar em guerra aberta. Nem
o Papa nem a Igreja prohi bem umatregoa; que passa pelo
nome de Concordata; visto que ella se naõ conclue por
periodo deíinito, e naõ he como a tregoa dos Turcos por
25 ou 30 annos; assim tem a propriedade de paz, isto
he pôde ser quebrantada. Como he permittido aos So-
beranos o declararem a guerra uns aos outros, assim o
Papa, sendo ao mesmo tempo Soberano e Pontifex Maii-
inus, pôde declarar a guerra quando quizer, especial-
536 Miscellanea.
mente contra os que saõ usurpadores. No caso em que
naõ haja usurpaçaõ, e em que o poder temporal esteja
em devida sugeiçaõ ao espiritual, naõ ha necessidade de
concordata, porque então tudo he claro, e se segue
sem mais estipulaçoens o systema da Igreja, que he em
tudo consistente, e no qual reyna a uniaõ universal, naÕ
se achando nelle contradicçaõ.

Breve de Sua Sanctidade ao Bispo de Gante.


Pio VII. Papa. Veneravel Irmaõ. Saúde e benção
Apostólica.
Se naõ temos dado resposta á carta, que nos escre-
vestes, relativamente ás preces que o Geverno vos po-
deria talvez pedir na occasiaõ do casamento do Principe
Hereditário da Coroa, deve-se isto attribuir a duas cau-
sas : primeiramente, attendida a immensa quantidade de
negócios, sobre que somos de toda a parte consultados, o
exame desta questão, que havíamos commettido a uma
Congregação de alguns cardeaes da Sancta Igreja Ro-
mana, foi differido por mais tempo do que éra nossa von-
tade. Depois, estando terminado o exame, e madura-
mente considerado o negocio, podíamos ter-vos feito
saber a nossa decisaõ ; mas vendo que a occasiaõ de or-
denar essas preces publicas tinha passado, assentamos
dever defferir o responder-vos sobre este assumpto.
Agora que somos novamente rogados, tanto da vossa
parte, como da dos outros Ordinários do Reyno, que de-
claremos que regra de procedimento se deverá seguir
em taes occasioens, se tornarem a offerecer-se, nós vos
fazemos saber, veneravel IrmaÕ, segundo o sentimento re-
cebido e manifestado em outras circumstancias pela Sancta
Sé, que he permittido aos sobredictos Ordinários, no caso
de o Rey lhe testemunhar o seu desejo a este respeito,
Miscellanea. 537
ordenar preces publicas por qualquer causa que respeite
ao bem e prosperidade do Rey e Familia Real, ou á esta-
bilidade do seu Governo, toda a via com as precauçoens
prescriptas por um dos nossos predecessores o Papa Be-
nedicto XIV. de feliz memória, na sua carta aos Arce-
bispos e Bispos do Rito Grego em communhaõ com a
Sancta Sé, datada no Io. de Março de 1756.
Cumpre attender também, no ordenar taes preces, a
evitar com cuidado o escândalo, que dellas talvez poderia
resultar aos fracos, advertindo ao Povo, em uma instruc-
çaõ pastoral, que estas preces saõ offerecidas a Deus, ja
para lhe dar graças pelos benefícios, que tem concedido
ao Rey e á familia Real, ja para lhe pedir a sua prospe-
ridade: assim como o socego publico e particular do
Reyno, e finalmente para que o coração do Principe se
faça favorável á Religião Catholica, e bem disposto para
com ella.
Renovando-vos os distinctos signaes da terna affeiçaõ
que vos temos, nós vos damos, com effusaõ do coração,
e ao vosso rebanho, a nossa benção Apostólica. Pado
em Roma, no 1°. de Fevereiro de 1817 ; e 17°. do nosso
Pontificado.

COLÔNIAS HESPANHOLAS.

Copia de um officio do General San Martin, comman-


dante do Exercito de Buenos-Ayres no Chili, ao
Supremo Director das Províncias Unidas da America
Meredional.

Quartel-General de S. Thiago 22 de Fevereiro 1817.

A série de acontecimentos bem succedidos, que se tem


seguido uns aos outros depois que abrimos a campanha,
naõ me tem permittido dar a V. Ex». uma relação circum-
VOL. XVIII. No. 108. 3 v
538 Miscellanea.

stanciada das principaes occurencias, até a data presente.


No offico geral, expedido pelo meu estado-maior, aos
20 do passado, se explicou a ordem em que marchavam
as tropas, assim como os passos que se deram para facilitar
a nossa empreza. O Exercito se ajunctou aos 28 do
passado, e chegou em boa ordem ás fontes situadas na
estrada de Patos, de cujo ponto fiz os meus preparativos,
e combinei os meus movimentos em tal maneira, que me
assegurasse da posse das quatro Cordilheiras, e removesse
todos os obstáculos, que o inimigo pudesse oppôr-nos nos
desfiladeiros porque tínhamos de passar. Formáram-se
duas divisioens: confiei a primeira, que havia de marchar
na retaguarda, ao Brigadeiro General Soler; e éra
composta do I o . batalhão de caçadores, das companhias de
granadeiros e caçadores, pertencentes ao regimento 7 o e
8 C ., a minha escolta, os esquadroens 3 o . e 4°. dos grana-
deiros de cavallo, e cinco peças d5 artilheria. A segunda
foi formada dos batalhoens 7 o . e 8°. e duas peças de
campanha, sob o Major-General OTIiggins, e Coronel
Zapiola, com os esquadroens No. 1°. e 2o. O com-
mandante da artilheria, com a sua gente e artífices, seguia
logo depois; e ao mesmo tempo ordenei ao Major Arcos?
dos engenheiros, que avançasse pela nossa esquerda com
200 homens, e penetrasse pelo mato de Vallehermoso, e
caísse entaõ sobre Cienego, aonde estava postada uma
guarda do inimigo; e dali, subindo âs alturas, e deivando
as cordilheiras de Piuquenes na sua retaguarda, avançasse
para Achupallas, em ordem a tomar este ponto e unir-se
ao exercito juncto a Putaendo.
Aos cinco recebi avizo do General commandante da
vanguarda, que aquelle official tinha chegado a Achupallas
aos 4 ; e que o commandante Hespanhol de S. Philippe,
com 100 homens e algumas milicias, tinha saído a atacallo,
porem fôra derrotado pelo valoroso Tenente Lavalle. Na
Miscellanea. 539

manhaã seguinte abandonaram os Hespanhoes todo o


Putaendo e S. Philippe, deixando a bagagem, &c, atraz
de si.
O General Soler avançou rapidamente, e aos 6 se
ajunctou toda a vanguarda em Putaendo. Elle postou
entaõ o Ajudante Necochea, com 80 homens, nas alturas»
e ordenou ao commandante Melian, que tomasse posse
da pequena povoaçaõ de San Antonio. No dia seguinte
formou o seu campo, e estabeleceo o seu quartel general
em San Andres dei Tartaro.
Aos 6 pela tarde recebeo o inimigo consideráveis
reforços, e naquella noite cruzou o rio Aconcagua, e se
apresentou ao romper do dia em frente de Necoehea, com
400 cavallos, 300 infantes, e 2 peças de campanha. O
nosso valoroso official naõ se assustou, e ordenou á sua
avançada; que retrogadasse para a linha. Até que vio o
inimigo juncto a si naõ deo um so tiro; porem entaõ com a
espada na maõ arrostou contra os Hespanhoes, derrotou-os,
matou 30, e tomou 4 prisioneiros. Perseguios os para
as alturas de Colmas, aonde fôram protegidos pela sua
infanteria. Na mesma manhaã, antes das 9 horas, aban-
donaram elles precipitadamente a sua posição, o lugar de
San Philippe, e cruzaram o rio.
No entanto o coronel Las Heras, que, com o seu
batalhão N°. 1 1 ; 30 granadeiros montados, e duas peças
de campanha havia de atacar Santa Rosa, pela estrada de
Uspallata, encontrou com igual succeso. Aos 4, o seu
segundo em commando, e major Martinez, atacou a
guarda dos Andes, composta de 100 homens, e, depois de
hora e meia de renhido combate, tomou o posto á bay-
oneta, e 47 prisioneiros, suas armas, &c.
Segundo as minhas ordens, devia esta divisão entrar
Santa-Rosa aos 8, e estabelecer as suas communicaçoens
com a vanguarda do exercito; o qual no mesmo dia devia
3 x2
540 Miscellanea.
cair sobre S. Philippe: isto foi executado. Aos 9, aban-
donou o inimigio as suas posiçoens em Aconcagua e
Curimon, deixando atraz de si alguns petrechos, armas,
& c ; e se formou outra vez juncto a Chacabuco. Em
conseqüência disto resolvi marchar contra elle, assim como
contra a capital, com toda a rapidez possivel, e atacâllo
aonde quer que o pudesse encontrar, naõ obstante naõ nos
ter ainda chegado a nossa artilheria pezada.
Na manhaã de 9 reestabeleci a ponte sobre o Acon-
cagua, e ordenei ao commandante Melian, que marchasse
para as alturas de Chacabuco, para observar o inimigo.
Entaõ seguio o exercito, e se acampou na embocadura do
desfiladeiro juncto com a divisão do coronel Heras, que
tinha recebido ordens de se concentrar neste ponto.
Desde este momento ficaram mais claras as intençoens
do inimigo. A posição, que elle tomou nas alturas, e a
resolução com que pareço disposto a defendêllas, fez
evidente que estava determinado a manter o seu terreno.
As nossas avançadas se postaram a tiro de espingarda do in-
imigo; e,durante todo o dia 10, e 1 1 ; fizeram os reconhe-
cimentos necessários. Desenhou-se um pequeno esboço
da posição dos Hespanhoes, e na conformidode delles fiz
todos os meus arranjamentos para os atacar na manhaã do
dia seguinte (12).
Incluso remetto a V. Exa. 0 plano topographico do
terreno, em que se vem os grandes obstáculos superados
pelo nosso exercito, e as vantagens da posição do inimigo.
Dei o commando da direita ao General Soler, que, com a
primeira divizaõ de caçadores, companhias de granadeiros
e atiradores dos regimentos 7°. e 8 o . commandados pelo
coronel Martinez, 7 peças de artilheria de campanha, a
minha escolta, e 4 o . esquadrão de granadeiros de cavallo,
devia atacar o inimigo em flanco, e voltar a sua posição,
em quanto o General 0'Higgins, a quem confiei a
Miscellanea. 541
esquerrda, os esquadroens 1, 2, e 3 ; e duas peças d'
artilheria. O resultado do nosso primeiro movimento foi
o abandonar o inimigo as suas posiçoens nas alturas;
porque a rapidez de nossa marcha lhe naõ deo tempo a
ajunctar as forças que tinha em Chacabuco, em ordem a
disputar-nos a subida. Depois deste primeiro bom
successo, foi necessário fazer novos arranjamentos. A in-
fanteria do inimigo, na sua retirada, tinha de cruzar uma
planicie de mais de quatro léguas de extençaõ, e ainda que
éra sustida por uma forte columna de cavallaria, a expe-
riência nos tinha ensinado que um bom esquadrão dos
nossos granadeiros de cavallo éra sufficiente para os
derrotar e cortar. A nossa posição se tornou entaõ vanta-
josissima. O General 0'Higgins pôde continuar o seu
ataque em frente, em quanto o General Soler estava em
situação de voltar o flanco dos Hespanhoes, se parecesse
que elles queriam conservar o seu terreno, antes de entrar
na planicie. Pelo que ordenei instantaneamente ao
coronel Zapiolã, com os esquadroens 1, 2, e 3, que
marchasse adiante, em ordem a carregállos ; ou ao menos
para os entreter até que chegassem os batalhoens 7 o ., e
8°.; e entaõ foi o inimigo obrigado a tomar a posição
descripta no plano. O General Soler continuou o seu
movimento pela direita, com mui bom successo, e boa
combinação; subindo o por uma quebrada a uma altura
quazi impracticavel, sem ser percebido dos inimigos, até
que elles o viram commandando a sua posição, e amea-
çando o seu flanco.
A opposiçaõ, que encontrámos aqui, foi vigorosa e tenaz.
Começou de ambas as partes um fogo o mais horrível, e
elles disputaram a victoria com nosco por mais de uma
hora com a maior obstinação. H e verdade que, neste
ponto, havia mais de 1.500 homens de sua infanteria
escolhida, e flor de seu exercito; e, além disto, eram
542 Miscellanea.

supportados por um respeitável corpo de cavallaria. Com


tudo éra chegado o momento decisivo. O valente General
0'Higgins ajunctou os batalhoens 7 o . e 8°., formou duas
columnas cerradas de ataque, e á frente da primeira
carregou a esquerda do inimigo com a bayoneta. O
coronel Zapiola á frente dos esquadroens 1«., 2°., e 3°.,
rompeo a direita dos inimigos; e em breve pareceo tudo
um choque instantâneo. O General Soler arrostou ao
mesmo tempo pelas montanhas, em que se apoiava a sua
posição, e para cuja defensa tinha o inimigo destacado um
corpo de 200homens. O commandante Alvarado, porém,
chegou com os caçadores, destacou duas companhias sob o
-commando do capitão Salvadores, que atacou as alturas,
derrotou os Hespanhoes, e destruio-os á bayoneta. O
Tenente Zoria, dos caçadores, se distinguio muito.
No entanto os intrépidos esquadroens de cavallaria,
commandados por seus officiaes, carregaram sobre, o
inimigo da maneira mais determinada. Toda a infanteria
do inimigo foi derrotada e destruída; a carnagem foi
terrível, porem a victoria completa e decisiva.
Os nossos ulteriores esforços fôram dirigidos somente
a perseguir os nossos inimigos, os quaes, horridamente
dispersos, fugiam para todas as partes. O commandante
Necochea, que, com o 4°. esquadrão e a minha escolta,
caíra sobre a direita dos inimigos, como se descreve no
plano incluso, fez nelles grande matança. A nossa ca-
vallaria chegou naquella tarda até o passo de Colina,
Toda a infanteria do inimigo pereceo, 600 prisioneiros,
32 officiaes, e entre elles alguns de maior graduação, e
igual ou maior numero de mortos, a sua artilheria, um
parque completo, consideráveis petrechos, junctamente
com as bandeiras do regimento Chiloe, fôram os fructos
deste glorioso dia.
As conseqüências, porém, fôram ainda mais impor-
Miscellanea, 543
tantes. O Presidente Hespanhol, Mario, no meio do
terror e confusão produzida por esta derrota, abandonou
a capital na mesma noite de 1 2 ; e, com os miseráveis
restos de suas tropas, fez o melhor caminho que pôde
para Valparaizo: Deixou toda a sua artilheria na declivi-
dade do Prado ; e receando naõ chegar a tempo de en-
contrar os navios, correo ao longo da costa para San
Antonio, aonde foi tomado prisioneiro, com a maior parte
de seus sequazes, por uma partida de nossos granadeiros de
cavallo, commandada pelo denodado capitão Aldado, e
patriota Ramirez. A manhaã se espera elle nesta capi-
tal. Todos estes prósperos acontecimentos saõ devidos
á boa disciplina e constância, que mostraram os chefes,
os officiaes e as tropas, tam beneméritas de seus conci-
dadãos, e da attençaõ de V. E x a .
Sem o auxilio que recebi dos Generaes- Soler e 0 ' H i g -
gins, a expedição naõ teria tido resultados tam decisivos.
Eu devo as maiores obrigaçoens a estes officiaes, assim
como aos do meu estado-maior, um dos quaes, o coronel
Bernti, me accompanhou na acçaõ, e communicou as
minhas ordens. Estou também mui satisfeito com o
comportamento do coronel Quintana, e dos meus aju-
dantes de campo Alvarez, Arcos, Escalada, e 0'Brien.
A falta de tempo me impede de individualizar a V. E x a .
os officiaes, que mais se distinguiram; porém eu farei
isto, logo que os seus respectivos commandantes me for-
necerem com as relaçoens que lhes tenho pedido, em
ordem a que se naõ esqueçam seus nomes.
Finalmente, o commandante Cabot, em Coquimbo,
Rodriguez em S. Fernando, e Tenente Coronel Freyre,
em Talca, tiveram igual successo. E m uma palavra, o
echo do do patriotismo retumba por toda a parte, a um
e mesmo tempo, e o Exercito dos Andes terá sempre a
gloria de dizer,—em 24 dias acabamos a campanha, pas-
544 Miscellanea.

samos a mais elevada cadea de montanhas, que ha no


globo, demos fim aos tyrannos, e liberdade ao Chili.
Deus guarde a V. Exa. muitos annos.

(Assignado) J O S É DE SAN MARTIN.

Conrespondencia, entre o Director Supremo de Buenos-


Ayres, D. Joaõ Martin de Puyerrcdon ; e o General
Portuguez Lecor. Datada de Buenos-Ayres, 2 de
Março de 1817.

Proclamaçaõ do General Lecor, datada de 15 de Fevereiro.

Art. 1. Toda a partida pertencente aos inimigos, que


roubar ou maltractar algum habitante pacifico e indefezo,
em sua casa, será tractada individualmente, naõ como
prisoneiros de guerra, mas como salteadores, de estrada, e
perturbadores da paz publica.
2. Quando as partidas, depois de terem commettido
algum crime contra pacíficos e indefensos habitantes de
alguma das povoaçoens, que estaõ debaixo da protecçaõ
das asmas Portuguezas, naõ puderem ser apprehendidas,
far-se-haõ as mais rigorosas represálias nas familias e
propriedade dos chefes commandantes das dietas parti-
das, para cujo fim sairaõ destacamentos fortes do exer-
cito Português, que queimarão as suas fazendas, e escol-
tarão as suas familias para bordo da esquadra.
3. Empregar-se-ha sufficiente numero de pessoas de
confiança, para vigiar pela segurança e tranquillidade
dos habitantes, e para participarem aos commandantes,
que lhes ficarem mais próximos uma relação circum-
stanciada, que estes transmittiraõ ao quartel-general,
dos excessos commettidos pelas partidas dos inimigos,
contra os dictos habitantes pacíficos; e das pessoas de
Miscellanea. 545

que as mesmas saõ compostas; para que se adoptem nessa


conformidade as medidas necessárias.
4. O presente edital será communicado e publicado
em todas as povoaçoens, sugeitas ás armas Portuguezas.

Resposta do Director Supremo, ao edicto acima.


Ao General Lecor.
SENHOR ! Acabo de receber o Edicto de V. Ex a ., da-
tado de 15 de Fevereiro. O seu extraordinário conteúdo
pôz fim a todas as minhas esperanças, de poder conservar
alguma sorte de harmonia com V. E x a . e com as tropas
de seu commando. V. Exa. pretende que tem direito ao
território que occupa, fundado na protecçaõ que lhe dá,
e sobre esta baze conta com o consentimento dos pontos
subjugados. Os valentes Orientaes (habitantes da mar-
gem oriental do Rio-da-Prata) tem resolvido provar, que
as forças de V. Exa. naõ saõ capazes de lhes dar tal pro-
tecçaõ ; e nessa conformidade tem emprehendido hostili-
dades contra aquellas mesmas povoaçoens, que V- Ex a *
confessa manter em estado indefezo, ao mesmo tempo que
pretende sugeitallas ao seu jugo. Para encher este vá-
cuo de poder, appella V. E x a . para o estranho recurso de
mal entendidas represálias, e para outro ainda mais
estranho de declarar que os defensores de suas liberdades
naõ saõ outra cousa mais do que salteadores de estrada.
Quanto ao primeiro, estas magníficas promessas de pro-
tecçaõ muito mal se acordam com os actos de violeucia,
que V. Ex a . commette contra as innocentes familias de
Vossos inimigos. Taes actos de violência naõ tem ob-
jecto, e somente contribuem a fazer a guerra mais san-
guinolenta, e chocante â humanidade. As familias, que
V. Ex a . manda para bordo de vossa esquadra, augmen-
VOL. X V U I No. 108. 3z
546 Miscellanea.
taraõ as vossas despezas, perigos e difficuldades de pover
â sua subsistência, ao mesmo sempo que deixa os fieis
Orientaes livres de cuidados, visto que, expondo as suas
vidas pela liberdade de sua pátria, naÕ saõ ja restrictos
pelo temor de sacrificar suas familias. As fazendas des-
truídas e queimadas por V. Ex a . faraõ um mal mui
grande ao paiz, a que V. Exa. s e destina dar a vossa
protecçaõ; porém ninguém soffrerá tanto com isso como o
vosso mesmo exercito, cujos mantimentos se naõ podem
obter de campos queimados e destruídos. Pelo que res-
peita o segundo; v com que direito pôde V. Ex». declarar
por salteadores os habitantes de um paiz, que faz uso dos
meios geralmente permittidos entre as naçoens, para se
defenderem de injustos agressores . Os Francezes, quando
oecupáram a Hespanha, commettêram toda a sorte de
actos de violência contra povoaçoens indefezas; e, o que
mais he, os Hespanhoes fizeram o mesmo com seus
próprios compatriotas, em ordem a privar seus inimigos
dos recursos j,e fôram os Francezes declarados por isto
salteadores de estrada ?
O Edicto de V. Ex a . prova, que vós estáveis preparados
para tractar os Americanos, da mesma forma que tem
feito os Hespanhoes; e que se tenta excluir estes paizes
daquelle azylo, que, no meio das desgraças da guerra, se
concede pelo direito das gentes ás naçoens belligerentes.
Mesmo se os Orientalistas naõ fossem, como de facto saõ,
nossos irmaõs, a única razaõ de serem vizinhos authori-
zaria este Governo a interessar-se com todo o seu poder a
favor delles; porque pertence a todos os Estados civili-
zados, indistinetamente, vingar a infracçaõ de um direito.
Porém eu tenho ja informado a V. Ex a ., que os habitantes
do território Oriental, retirando-se de sua dependência de
certos Governos, naõ tem pretendido dissolver os seus
laços de unidade moral com o resto de seus compatriotas,
Miscellanea. 547

com quem protestam de novo desejar fortalecer as suas


relaçoens, e que a demarcação de limites, concordada pelo
tractado de 1812, foi celebrada com todas as provincias; e
pela mesma razaõ tenho eu constantemente representado
contra sua notória violação. Os Orientaes mantém a sua
causa, e ao mesmo tempo a das povoaçoens Occidentaes; e
por isso tem elles sido e seraõ ajudados por esta capital, até
que V. Exa. evacue um terretorio de que naõ tem tomado
posse senaõ por violência. E m quanto V. E x a . fizer a
guerra com dignidade, e conforme ao direito das gentes, se
observará de nossa parte um comportamento conrespon-
dente ; porém se V. E x a . puzer em execução os ameaços
contidos no vosso edicto acima, protesto a V. Ex a . que eu de
minha parte exercitarei mais do que rigorosas represálias,
executando sobre tres dos vassallos de S. M. Fidelissima o
mesmo tractamento, que V- E x a . fizer a um dos Orientaes.
Para este fim tenho feito arranjamentos, de maneira que se
mandem para o interior na guarda de Luxam todos os
vassallos Portuguezes; ainda que seja extremamente
penoso sugeitállos a este inconveniente, porquanto visto o
edicto de V. Ex a . esta medida se fez necessária para á
segurança do Estado, &c. &c.

G U E R R A DO R I O - D A - P R A T A .

Extractos da Gazeta Official do Rio-de-Janeiro de 22 de


Janeiro, de 1817.
Ainda que o Governador e Capitão General da capita-
nia de S. Pedro, remetteo, em data de 16 de Novembro
ultimo, a participação official, dada pelo brigadeiro Joa-
quim de Oliveira Alvares, do combate que teve o desta-
camento do seu commando com um corpo de Jozé Artigas,
3 z 2
548 Miscellanea.
juncto a Sancta Anna e Morros do Carumbé, como esta
parte naõ accrescenta cousa alguma sobre o que ja se
relatou na gazeta de 25 de Dezembro próximo (copiada
no Corr. Braz. vol. xviii. p. 426J pareceo escusado pu-
blicalla.
Foi enviada também, na mesma occasiaõ, uma parte,
que se apprehendeo da conrespondencia de Jozé Artigas
com André Artigas, e com outros chefes seus subordina-
dos. Por estas cartas se vê, que as medidas e vistas
deste intitulado protector de povos livres naô eram de des-
prezar. Jozé Artigas parece naõ ser destituído de ta-
lentos, e tem concebido um plano, a cuja execução presta
todos os seus esforços. Elle tinha arregimentado toda a
sua gente, dando-lhe officiaes, e tentando disciplinalla
por meio de exercidos diários e de revistas: castiga mui
severamente os desertores ; mostra bastante cuidado em
arranjar para a sua tropa subsistência, e qualquer gênero
de fornecimento; tem estabelecido lojas de ferreiros e
espingardeiros; parece haver arranjado uma pequena
fabrica de pólvora; e até tem dado alguns conselhos
para a cultura; porém ao mesmo tempo o seu despotismo
e ambição fazem a desgraça daquelles povos: primeira-
mente porque, reunindo em si todos os poderes, exerce
um Governo absolutamente iyrannico; depois, pelas
discussoens que tem com outros povos, he obrigado a
conservar tropas numerosas, que saõ outros tantos bra-
ços arrancados à cultura, e que se sustentam á custa dos
habitantes pacíficos; e por isso tem como inimigo o Pa-
raguay; e ainda mesmo Comentes, qne, com outros
povos, Boffrem de má vontade o seu jugo, por naõ lhes
ser livre o commerciar uns com outros, havendo graves
tributos até sobre a passagem dos gados. Além disto
elle naô tolera que deixem de tomar o seu partido; e se,
quando entra em qualquer povoaçaõ, procura evadir-se
Miscellanea. 549

algum habitante, manda logo sequestrar-lhe os bens.


Este comportamento que se prova com as suas cartas
authographos o dá a conhecer como homem perigoso, e
aquém he preciso tirar quanto antes os meios de fazer
mal, visto que naõ se limita sô aos povos que governa,
mas tem meditado tyrannizar igualmente os outros. Ja
em 15 de Junho de 1815 escrevia elle a André Artigas,
que procurasse os meios de revolucionar o Paraguay e os
índios das Missoens, pois ainda que naõ estava em estado
de sustentar estes últimos, com tudo havia de incommodar
com isto muito aos Portuguezes, a quem algum dia os
Orientaes poderiam ostentar a sua grandeza. Os subal-
ternos de Artigas, além de serem mais violentos e mal
comportados, saõ ignorantíssimos. E m quanto á morali-
dade das tropas, pôde julgar-se pela seguinte passagem
de um despacho de André Artigas a Jozé Artigas, á cerca
de uma desordem, que tiveram os de seu commando, com
a gente de Corrientes.— a No por esto digo a V. S. que
dexen de intentar-se algunas picardias e ladronices, pero
no en levantamiento: yo conosco mui bien a mis paysanos
(falia de suas tropas) Io que son aplicados ai hurto."
Por tudo o que fica transcripto se vê a precisão de
destruir as forças e meios com que aquelle chefe de par-
partido pretendia executar os projectos da sua ambição
desmedida.

Resumo das noticias do Rio-grande de S. Pedro, publi-


cadas na gazeta do Rio-de-Janeiro, em 22 de
Fevereiro, 1817.
A nossa fronteira se achava exposta a ser invadida pelos
dous pontos de Pelotas, aonde ha immenso numerário, e
pelo de Taim até a villa do Rio-Grande, por haverem
ficado desguarnecidos o forte de S. Theresa, e o Serro
550 Miscellanea.
Largo: o que sabendo os insurgentes, destacaram grossas
patrulhas, e interceptaram a communicaçaõ doRio-Grande
com a I a . e 2 a . columna, entraram em S. Thereza, toma-
ram 4 peças, levaram alguma cousa de pouco valor, e no
Serro Largo entraram 300 homens, saquearam tudo o
que valia alguma cousa, escapando algumas mulheres,
e entre estas a do Portuguez Bento Gonçalvez, que oviro
dizer que Artigas se queixava e der a sua catvalhada
magra,e que logo que estivesse descançada fariam a inva-
zaõ do Rio Grande, para tira com que pagar á sua tropa.
O Ten. General Marques, commandante da fronteira,
manifesta, por um diário desde 2 até 16 de Janeiro, as
providencias dadas, ajunctando a gente que pôde nos con-
tornos da mesma fronteira, e armando-a com algumas
espingardas, que comprou, por estar auzente e enfermo o
Governador, e capitão General, Marquez d'Alegrete, 100
ou mais léguas de distancia na fronteira de Missoens.—
Conferio o commando dos mais importantes postos aos offi-
ciaes reformados; a saber, o de Pelotas ou S. Francisco de
Paula, ao Tenente Coronel Joze Vieira ; as patrulhas que
rondam de Taím até diante de S. Thereza, aos Tenentes
Bento Lopez, e Antonio Jozé Vieira, assim como ao pai-
zano Jozé Rodriguez, morador do outro lado de Chui; a
guarda do território deste lado do JaguaraÕ ao coronel de
cavallaria Antonio Pinto da Costa, que por moléstias chro-
nicas naõ pôde marchar para a campanha, e ajunctou
400 homens, ordenou-lhes que desapossassem os insur-
gentes do Serro-Largo, entregou o commando da guarda
de S. Sebastião, perto de Bage, por onde podem atacar
as estâncias e linhas da fronteira, ao experimentado
capitão de dragoens reformado Pedro Fagundez, official
muito practico daquelle território, e a guarda de Taím
distante 14 léguas do Rio-Grande, foi confiada ao cuidado
do alferes de cavallaria reformado Antonio de Freitas.
Miscellanea. 551
Estes commandantes expedem officios quasi diariamente:
a Villa está entrincheirada e guarnecida com mercadores
ordenanças, marinheiros, &c. e o Tenente General affi-
ança os seus honoados esforços, para a defeza daquella
Villa, rechaçando as tentativas do inimigo.

Copia de uma carta, que o Brigadeiro, chefe da


Legiaõ de S. Paulo, Joaquim de Oliveira Alvez escreveo
ao Tenente General, commandante da fronteira do Rio-
Grande, Manuel Marquez de Sou~a.

ILLTOO* e Exmo. S E N H O R !
Hoje chegou a noticia da retomada do Serro-Largo,
em 3 do corrente, pelas 8 horas da manhaã. Ignóram-se
as particularidades.
Pelo que respeita a nós, tendo sabido por Bombeiros 5
que Artigas tinha separado um grande corpo para se
nos oppõr, e que tinha ficado no Potrerio em Arapay,
com pouca gente, mandou S. Exa* ao Abreu, com 500
homens 100 de infanteria da Legiaõ de S. Paulo, 2 peças
de 3 da dieta, 60 dragoens, e o resto de guerrilhas; e
foi batido Artigas, no seu incomparavel Potrerio, cobrin-
do-se de gloria a infanteria da Legiaõ. Tomáram-se 1.500
cavallos, a carretilha de Artigas, muito armamento,
despojos, &c. No dia 4 de magrugada achamo-nos neste
campo do Catalão, acomettidos antes do toque da alvorada
(graças aos nossos Bombeiros) por 3.500 homens; e só
a cavallaria da Legiaõ estava acavallo e estavam alguns
dragoens e poucos milicianos acavallo. Mas tal foi a dis-
posição e bravura das tropas, especialmente da infan-
teria e artilheria da Legiaõ de S. Paulo, que o inimigo
foi completamente derrotado. Abreu des um soccorro
muito prompto aos dragoens da direita. Ficaram em
552 Miscellanea.
nosso poder 2 peças de 4, de bronze, tomadas pela in-
fanteria da Legiaõ- únicas que traziam, 5.000 cavai
los, muito armamento, caixas de guerra, 1 estandarte,
e perto de 300 prisioneiros, entre os quaos um capi-
tão, 2 tenentes, 3 alferes, e creio que 8 surgentos, &c;
muitos dos quaes tem morrido das feridas, menos os offi-
ciaes. Morvêram mais de 700 homens do inimigo, e
destes muitos officiaes; mas escapáram-se os 3 comman-
dantes (Verdum, La Torre, e Mondragon) assim como o
capitão de artilheria. Morrerem officiaes nossos, Rosário
da infanteria da Legiaõ; Prestes, e Corte Real dos dra-
goens ; o secretario do mesmo corpo; e alguns inferiores
nossos de distineçaõ, como o meu furriel Moura da caval-
laria, que escapou tres vezes da morte em Carumbe, e que
foi entaõ feito furriel. H e indizivel a gloria que teve
neste dia a Legiaõ de S. Paulo, aonde todas as tres armas
se distinguiram.
A Senhoras Marqueza e minha muleer estiveram em
muito perigo; a ellas a Legiaõ lhes valeo, e tem muitos
presentes de balas, planqueta &c. que lhes caíram aos
pés. Naõ remetto o meu diário, e muitas cartas, por
achar menos favorável a occasiaõ.
Acampamento do Catalão 7 de Janeiro de 1817.

REVOLUÇÃO NO BRAZIL.

Sabbado 24 de Maio chegou a Portsmouth o navio de


S. M. Tigris, de 42 peças, Capitão Henderson, vindo de
St. Kits, nas índias Occidentaes, em 42 dias. Trouxe ao
Governo officios do Contra-Almirante Harvey, annunci-
ando uma revolução no Brazil, que principiou a 7 do mez
passado, na provincia de Pernambuco, e que se estendeo
ao depois as 6 provincias visinhas do Rio-Grande, Pa-
Miscellanea. 553
raiba, Ceará, Maranhão, Tamaracá, e Pará. A causa
desta commoçaõ se attribue ao universal descontenta-
mento, que tem prevalecido por algum tempo entre as
tropas e milicias, e entre o povo: nas tropas porque; naõ
recebem os seus soldos, nem meios alguns de subsistên-
cia; e no povo, pelas pezadas contribuiçoens e excessivas
conscripçoens, que se tem rigorosamente imposto, para a
meditada conquista no Paraguay e Rio-da-Prata, no que o
povo do Brazil naõ só naõ tem parte, mas julga contraria
aos seus interesses. Parece certo que a Corte do Rio-
de-Janeiro tem tido por algum tempo informaçoens de
conspiraçoens, em differentes districtos das Provincias
do Norte; e transpirou o rumor de que n'um certo dia
as tropas haviam de receber ordem para fazer execução
militar em 150 indivíduos principaes, civis e militares^
naquellas partes. Um accidente precipitou a execução
da premeditada revolução. Tendo o coronel de um r e -
gimento, por alguma causa que se ignora, accusado um
de seus officiaes, na parada, de ser traidor, e achando-
se este official realmente implicado na conspiração,
imaginou que estava descuberto, e que este éra o signal
para a matança, pelo que tirou da espada, e estendeo por
terra morto o tal coronel. Tocaram os sinos a rebate, e
a população da cidade assim como as tropas se levanta-
ram, de commum consentimento, apprehendêram os na-
vios que estavam no rio, e tiráram-lhe as peças e muni-
çoens. Deo-se uma busca geral para tomar toda a sorte
de armas. Determinou-se um rigoroso embargo em
todos os navios estrangeiros, que estavam ao porto, e só
houve um que se pôde escapar, e foi um navio Inglez
chamado Rowena, que trouxe estas novidades ás Ilhas do
Golpho México. O Governo de Pernambuco ao prin-
cipio cuidou em resistir ; porém achou que toda a força,
em que podia confiar, constava unicamente do seu esta-
Vor.. XVIII. No. 108. 4A
554 Miscellanea.
do-maior pessoal. Retirou-se ao forte, aonde foi obri-
gado a render-se no dia seguinte. Naõ foi, porem, mo-
lestado em sua pessoa ou propriedade, e se lhe concedeo
tempo para ir, como fez, para o Rio-de-Janeiro. A
gente do campo de todas as classes se vinha ajunctando
na cidade de Pernambuco, enthusiastana causa, que pa-
recia haver sido organizada com considerável industria e
habilidade. Convocou-se um Congresso ; porém, no en-
tanto, tomou o governo dos negócios um Committé a
cuja frente se póz Domingos Jozé Martins. A consti-
tuição, que se destina ao paiz, foi ja publicada, e as suas
bazes saõ que aquellas provincias se governem como os
Estados Unidos da America Septentrional liberdade
de consciência, e illimitada franqueza de commercio, saõ
as suas disposiçoens principaes.
Este grande acontecimento foi executado sem effusaõ
de sangue, excepto nove ou dez indivíduos, que perece-
ram no primeiro momento da insurreição.

Extracto de uma carta de St. Christophers.

12 de Abril.

Chegáram-nos do Brazil noticias, que naõ eram de


todo inesperadas. Acaba o povo de fazer ali um levan-
tamento, subvertendo o Governo, declarando-se em Re-
publica Federal independente, por um modelo similhante
á dos Estados Unidos. Esta revolução foi effectuada com
mui pouca effusaõ de sangue, e até sem tumulto. Tendo
o Governo imprudentemente tentado estender a sobe-
rania do Principe a alguns dos territórios Hespanhoes
vizinhos, tirou desassizadamente as tropas de suas pro-
vincias, para as mandar para Monte-Video a fazer a con-
quista. No entanto o partido patriota tinha seus emissá-
rios e amigos, que machinavam no Brazil, aonde o povo
Miscellanea. 555
tinha ja colhido faisca da tocha da liberdade, que se havia
acendido por seus vizinhos: formou-se uma conspiração,
que pelos seus resultados mostrou, que o Governo ape-
nas tinha algum amigo que o apoiasse.
Se as noticias que temos recebido saõ correetas, e naõ
temos duvida que o sejam, o Governo Portuguez do
Brazil se pôde considerar como totalmente subvertido, ao
ponto de naÕ haver esforços, que o possam restabelecer:
e este acontecimento terá uma poderosa influencia nas
operaçoens futuras dos Insurgentes Hespanhoes. Os
Reynos de Chili, Peru, e todos os que jazem juncto ao
oceano Pacifico, estaõ, como temos razaõ para crer, suffi-
cientemente inclinados à causa da independência, e so-
mente esperam uma crise favorável para so libertarem do
jugo da metrópole.

PORTUGAL,

Cerimonia da acclamaçaõ de El Rey, em Lisboa.


(Extracto da Gazeta de Lisboa.)
Havendo El Rey N . S. destinado o dia 6 do corrente
mez de Abril para na Corte do Rio-de-Janeiro ser cele-
brada a publica cerimonia da sua acclamaçaõ, na forma
practicada por seus Augustos Predecessores, e tendo sido
esta Real determinação communicada aos Governadores
destes seus Reynos de Portugal e Algarves, com as com-
petentes instrucçoens, designaram os mesmos Governa-
dores o mesmo dia 6 do corrente, para se dar graças ao
Altíssimo por este fausto motivo, e todas aquellas demon-
straçoens publicas, que este objecto exigia de um povo,
fidelissimo aos seus legitimos e amados Soberanos, em
todas as epochas. Junetos portanto os Membros do
Governo, a Nobreza, o Corpo Diplomático; e grande
4 A 2
556 misceuanea.

concurso de povo, nesse dia à tarde, na majestosa basílica


de Sancta Maria Maior, se cantou com a maior solemni-
dade o hymno Te-Deum-Landamus, e acabado que foi;
deram, além do Castello de S. Jorge, e outras fortalezas,
e as embarçoens de guerra, salvas e descargas todas as
tropas de linha e milicias desta capital, reunidas em
grande parada no Terreiro do Paço, Rocio, e ruas adja-
centes; sendo commandadas pelo Ex"»0. Marechal Ge-
neral, Marquez de Campo-Maior, o qual, acabadas as
descargas, levantou a vóz dando vivas a S. M., que
fôram repetidos pelas tropas, no Rocio, e circumstantes.
Acabando de desfilar os diversos corpos pela frente do
Palácio do Governo, na melhor ordem, e no mais lu-
zido aceio, depois de uma salva de artilheria do Castello,
indo-se fechando a noite, começou a illuminaçaõ da ci-
dade, que se determinara por meio de um brilhante bando
do Senado da Câmara, que saíra no dia precedente para
este fim.

Reflexoens sobre as novidades deste mez.


REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Revolução no Brazil.
Ha nove annos, que temos continuado a tarefa de escrever sobre
os negócios públicos do Brazil, mas nunca tivemos atè agora de
annonciar uma novidade de tal magnitude, relativa aquelle paiz,
como a que deixamos copiada acima a p. 552. Por hora naõ he
isto mais do que uma noticia particular, e talvez exaggerada;
porém naõ temos a menor duvida de que he verdade ter arrebentado
em Pernambuco uma insurreição, com as vistas de mudar a forma
de Governo; e com symptomas da mais importante natureza.
Quanto as causas do descontentamento do povo, os nossos Leitores,
qué se lembrarem do que temos dicto, sobre a necessidade de
mudar a forma de administração do Brazil, naõ acharão difficuldade
Miscellanea 557
em explicar a origem da tremenda revolução, que acaba de des-
envolver-se em Pernambuco; porque he moralmente impossível
que um paiz como o Brazil> crescendo todos os dias em gente, e
em civilização; ao ponto de constituir ja uma grande naçaõ, possa
soffrer a continuação do systema de governo militar, e das insti-
tuiçoens coloniaes, que se estabeleceram quando as suas povoaçoens
eram meros presídios, ou dispersas plantaçoens d' algudaõ.
Com as escaças noticias, que por hora temos, apenas podemos
fazer uma idea clara do estado da revolução; porém estando
tam bem informados, como estamos, do espirito publico daquelle
paiz, podemos conjecturar de algum modo os resultados; e em
nossa conjectura julgamos do nosso dever explicar os nossos senti-
mentos com franqueza, e expor aos que governam o remédio, que,
em nossa opinião, lhe pode applicar o Governo.
£1 Rey, como naturalmente acontece a quasi todos os Prin-
cipes, naõ tem quem lhe falle a verdade; e assim naõ temos duvida
que esta revolução de Pernambuco lhe será representada como
mera ebulição do momento, como obra de uns poucos de homens
inquietos e intrigantes, e como procedimento tumultuario, que a
força de alguns regimentos, para ali mandados, aquietará em
poucos dias; e que se for necessário mais forças, a Inglaterra lhe
prestará suas esquadras, e as Potências Alliadas da Europa lhe
enviarão tropas, com que possa subjugar os rebeldes em pouco
tempo. Tudo isto porém naõ he verdade.
A commoçaõ do Brazil hc motivada por um descontentamento
geral, e naõ por machinaçoens de alguns indivíduos; porque naõ
ha no Brazil indivíduos de influencia bastante para regularem a
opinião publica. O descontentamento, que, pelas noticias que nos
chegam de nossos correspondentes em toda a parte do Brazil, he
mui geral, tem por causa a forma de administração militar, e por
conseqüência dcspotica, que nunca põem em execução as ordens do
Governo, sem causar oppressaõ aos povos; principalmente no
recrutamento das tropas, e na cobrança dos direitos.
Qualquer governador, por mais insignificante que seja a sua gra-
duação, tem, no Brazil, o direito de mandar pre der a quem lhe
parecer, e pelo tempo que quizer, sem dar a razaõ de seu feito, e
558 Miscellanea.
quando manda soltar o individuo assim prezo, he este obrigado a ir
ter com o governador, e dar-lhe os agradecimentos pela soltura, e
ouvir a reprehensaõ, que o tal governador lhe apraz dar-lhe, e com
os termos que lhe vem á cabeça.
Ninguém nos negará, que esta he a forma de Governo e de Ad-
ministração por que actualmente se rego o Brazil; isto he um facto
tam notório como lamentável. Agora perguntamos ao Leitor cândido
i se naõ he isto causa mais que sufficiente para fazer com que todos
os habitantes do Brazil, sensatos, e espirituosos, abhorreçam o seu
Governo ?
Repetimos outra vez, porque o ponto he da maior importância,
0 descontentamento he geral, e generalissimo, porque as sua
causas abrangem a todos; logo o remédio único seria atalhar as
suas causas, mudando a forma da Administração, como mil vezes
temos recommendado, e o aUestam as paginas de nosso Periódico.
Mas a Corte do Rio-de-Janeiro, se julgarmos pelo modo por
que está obrando em todas as cousas; naõ ha de pensar assim : e
naõ temos a menor duvida, de que o Governo mandará ajunctar
todas as tropas que puder, e até mandará ir outras de Portugal,
e tentará com essas forças subjugar os rebeldes.
Suppunhamos, qu« a revolução naõ he tam geral ainda como
se diz, e se limita somente a Pernambuco. Ali naõ achou o
Governo o menor apoio; porque os insurgentes naõ encontraram
opposiçaõ, e até as mesmas tropas se lhes uniram. Suppunhamos
mais, que, naõ obstante o naõ ter o Governo ali partidistas, as
tropas que mandar a Pernambuco, tomam a cidade, prendem os
cabeças e degolam duzentas ou trezentas pessoas ,; como remedêa
isso o descontentamento geral, provindo das causasque apontamos •
Pelo contrario, as familias, os parentes, os amigos e os partidistas
desses executados voltarão o seu descontentamento em ódio ao
Governo, fugirão para o sertaõ, d'onde faraõ incursoens, e perpe-
tuamente incominodaraõ o Governo, o qual para os conter devera
sustentar ali muitas tropas, e para pagar a estas imporá novos
tributos, e com elles crescerá a oppressaõ, e o descontentamento;
assim a recuperação de Pernambuco, e a execução de alguns dos
revoltosos naõ será outra cousa mais do que a declaração de
Miscellanea. 559
guerra do Governo contra o Povo; cujas conseqüências, seja qual
for o resultado, naõ podem deixar de enfraquecer o mesmo Governo,
e chegará talvez ao ponto de arruinallo de todo, nomeio mesmo
da momentânea victoria qae suppómos.
Agora, quanto aos soccorros das Potências Estrangeiras, se os
Alliados se intromettem a querer dar a ley á America, assim como
a estaõ dando á Europa, provocarão com isso os Estados Unidos
a fazer causa commum com os insurgentes das Américas Hespa-
nholas, e do Brazil, e a idea de irem os exércitos da Europa
conquistar toda a America, se os seus habitantes se quizerem real-
mente defender, he demasiado absurda, para a podermos admittir;
alem de que, no estado actual do espirito publico na Europa, assas
tem os exércitos dos Alliados com que se occapem em suas casas.
Nestes termos devemos dizer, ootravez, que El Rey nao tem
outro meie de fazer parar a insurrecçaõ no Brazil, senaõ prestar-se
a fazer as mudanças na administração; que saõ essencialmente
necessárias; porque a sugeiçaõ e os castigos de quaesquer indiví-
duos, augmeutaraõo fogo em vez de o destruir; e he regra geral
qne era quanto se naõ accudir á causa, nunca se atalhará o effeito.
A perplexidade do Gabinete do Rio-de-Janeiro deve a este mo-
mento ser extrema; porque alem de ser obrigado a abandonar a
guerra no Rio-da-Prata; o retirar dali as tropas expõem a Capi-
niado Rio-Grande ás incursoens de Artigos; e se os povos da-
quella capitania estiverem da mesma opinião dos de Pernambuco,
poderão ligar-se com os revolucionários Hespanhoes com o melhor
prospecto de conseguirem a independência, no caso de naõ deixar
•li o Govemo algumas tropos.
Por outra parte os Governadores de Portugal recusaram aberta-
mente pagar as letras que sobre o Erário de Lisboa sacou o do Rio-
de-Janeiro ; e quando ali chegarem as letras protestadas, o des-
crédito do Governo será tal, que para obter fundos se verá na
neoessidode de recorrer a contribuiçoens forçadas.
He nestes casos, que os Governos podem conhecer demonstrati-
vamente quam importante lhes he o gozar de bom nome, e ter
credito pare com o publico.
O remédio que naturalmente procurará a Coite do Rio-de-
560 Miscellanea.
Janeiro, no meio de tantas difficuldades, será a protecçaõ Ingleza.
pela qual fará os custumados obséquios de tractados. Dizem que
ja aira de Inglaterra para o Brazil uma esquadra.
Quanto melhor fôra a EIRey ter oapoiodeseos mesmos subditos.

Depois de termos escripto o que fica acima, recebemos noticias


de Pernambuco, por via de Lisboa; e por esta occasiaõ a seguinte
ordem do Governo Provisório, que estabeleceram os insurgentes
naquella cidade:
" Sendo muito conforme ás regras da prudência, principalmente
no estado actual das cousas o naõ permittir-se indistinctamente a
saida de braços, e fundos, que debilitem a causa da pátria, e con-
vindo mais ter garantia solida, contra as invasoens, que a Corte do
Rio-de-Janciro haja de fazer ás pessoas e bens dos patriotas deste
Estado, que se acharem nos dominios da dieta Corte, ou nelles ti-
verem fundos; decreta o Governo Provisionario, e tem de
cretado:—
** 1- Nenhum habitante deste Estado poderá delle sair, sem
permissão do Governo, a cuja discrição fica permittir, ou naõ,
a dieta saida.
" 2. A permissão será supplicada pela Secretaria do Govemo,
e uma vez concedida, requerer-se-ha pela do Expediente o pre-
ciso despacho, observando as formas legaes.
3. A todos os que sem ordem se auzentarem sequeslrar-se-
haõ todos os bens que possuírem, os quaes seraõ inventariados, e
entregues á Commissaõ, que o Governo nomear para a sua ad-
ministração.
4. Os rendimentos dos dictos bens, durante o seqüestro, se
naõ voltaram dentro de um anno, seraõ applicados para a de-
feza do Estado, e com elles entrará a Commissaõ para o Erário,
na forma das mais rendas publicas.
5. Os Patriotas, a quem o Governo nomear para a predicta.
Commissaõ, a exercitarão em quanto se naõ ordenar o contrario.
6. Toda a propriedade do Governo Portuguez, que se averiguar
existir neste Estado, he igualmente embargada, para a segu-
rança da propriedade dos nossos Patriotas, que haja de ser em-
bargada pele Governo Portuguez.
Miscellanea. 561

7. Para se vir no conhecimento das dietas propriedades, se


receberão na contadoria do Erário as declaraçoens juradas dos
Patriotas, em cujo poder se acharem, com a comminaçaõ da pe-
na do tresdobro, contra os que oceultarem a verdade; metade
para o denunciante, e metade para o Fisco do Estado.
8. As declaraçoens deverão ser feitas no prazo de 15 dias, de-
pois da publicação desta, findos os quaes naô servirão mais para
relevar a pena incursa.
9. As denuncias seraõ recebidas na Secretaria do Expediente;
e, para sua devida verificação, seguir-se-haõ os meios de direito.
10. O embargo durará somente em quanto o Governo Portu-
guez naõ mostrar, que adopta medidas de liberdade e boa fé,
izentando de restricçoens as propriedades dos nossos Patriotas.
11. A administração das propriedades embargadas aos vassallos
Portuguezes, e a applicaçaõ dos seus rendimentos seraõ determinados
na forma dos artigos 3. e 4. do presente decreto.
15* Os rendimentos provenientes de interesses, que os vassallos
Portuguezes, e embargados neste paiz, possam ter em navios, naõ
saõ comprehendidos no artigo 4. por ficarem pertencendo, em be-
neficio da navegação, a seus proprietários.

Os sugeitos, que fugiram de Pernambuco para Lisboa, saõ:—


M. R. da Silva.—J. P. Duarte.—A. C. Q. Fonceca.—A. Alvez
da Silva.—M. L. Leal.

Os administradores das casas dos fugidos acima dictos, saõ:—


Bento Jozé da Costa.'—Jozé Joaquim George.—A. Marquez da
Costa Soares.

O brigue de Custodio Pereira de Carvalho, negociante em


Londres, foi comprado pelo Governo, por 32:000.000 de reis. Os
fundos que se acharam no Real Erário, ao tempo da revolução,
montavam a cerca de 600:000.000 de reis. Estavam a sair o Riga-
Packet, e George, e o Swalbow e &. Nicholas deviam sair aos
6 de Abril.
O algudaõ a 5.000 reis; e assucar 200.
Os fretes, dos navios tinham subido a mais 3d.
VOL. XVIII. No. 108. 4B
562 Miscellanea.
Estas noticias fôram trazidas a Lisboa, pelo Navio Cantoens,
que ali chegou a 16 de Maio, tendo tocado em Pernambuco, mas
naõ entrou no porto.

Guerra do Rio-da-Prafa.
A p. 555, copiamos ainda uma noticia official sobre o exercito
do Brazil ua campanha de Monte-Video. He de data antiga, mas
convém deixálla registrada, como illustrativa da historia do tempo.
As noticias, que se seguem a. p. 549, mostram que o General
Lecor, tomando posse de Monte-Video, segurou tam mal as suas
communicaçoens, que as partidas de Artigas lhe entraram pela reta-
guarda e fôram atacar as visinhanças da villa do Rio-Grande,
achando-se o Marquez de Alegrete para outro ponto, da parte
das Missoens, também com a retaguarda descuberta. Se assim he
que pretendem continuar a campanha, quanto mais depressa se
deixarem disso melhor.
O Governo de Buenos AyreS mandou retirar para o interior
os Portuguezes, que ali se achavam residindo, e até o mesmo
Agente de Negócios da Corte do Rio-de-Janeiro teve ordem de ir
para Luxan. O General Lecor continuou porém as suas decla-
raçoens, de preservar a paz e amizade com Buenos Ayres. Se
naõ fosse a estúpida proclamaçaõ do General Lecor, em querer
characterizar as seus inimigos de meros salteadores, e tiactallos
ainda peior que taes. vingando-se era suas familias inocentes, naõ
se teria o Governo de Buenos Ayres resolvido a adoptar aquellas
medidas contra os Portuguezes, como se vê mui claramente da
proclamaçaõ do General Lecor, e resposta do Supremo Director
de Buenos Ayres, que publicamos a p. 545.
Daqui em diante o que teremos que copiar, se he verdade o ttr
arrebentado ja a revolução em Pernambuco na extençaõ indicada,
será a retirada das tropas do Brazil, e a entrada dos insurgentes.
Taes saõ as conseqüências do systema actual de Governo no Brazil

Alvará contra os Puritanos.


Tiramos da obscuridade do segredo para dor á luz, a p. 473
este N°. um importante documento, que he o Avará de 6 de
Miscellanea. 563
Outubro de 1768, pelo qual El Rey D. Jozé abolio a perniciosís-
sima conspiração dos Fidalgos Portuguezes, intitulada a seita dos
Puritanos.
O Marquez do Pombal, que minutou aquelle Alvará, retor-
quio, contra os Fidalgos da tal associação, o argumento, que
elles traziam contra o custume dos Judeos de se casarem sempre
em suas famílias; e com tudo ha entre elles esta notável diffe-
rença ; que os Judeus seguiam uma ley, que fez parte de seus prin-
cipios religiosos, e os Fidalgos obravam contra' o espirito e letra
das leys do Reyno O custume dos Judeus éra derivado da legis-
lação de seu paiz original, a qual tinha effeitos importantes e
úteis á forma de Govemo e constituição politica daquelle povo:
mas os Fidalgos obravam em directa opposiçaõ ás máximas de
seu Governo, e á constituição do Reyno, como o mesmo Alvará
prova claramente.
A razaõ porque publicamos agora um documento de data tam
antiga, he por elle nunca ter apparecido á luz; e também para
provar com elle a depravaçaõ dos principios, que entretem as prin-
cipaes familias da Nobreza de Portugal, e a necessidade de remediar
um mal de tam graves conseqüências.
A infatuaçaÕ daquelles fidalgos, juncta com a ignorância entre
elles tam geral, pela sua falta de educação literária, e pelo custume
de naÕ viajarem em paizes estrangeiros, e ver mundo, os fez per-
suadir, que havia em sua fidalguia certa qualidade hereditária, que
imputavamao seu sangue differente dos demais homens. Naõ vale
a pena de entrar na refutaçaõ deste grosseiro prejuizo, que prova ta
imbecilidade nessas pessoas, que bastaria isto para os declarar
incapazes de exercitar cargo algum da republica, em que seja pre-
ciso ao empregado ter senso commum: mas ainda que naõ seja de
uso algum o entrar em raciocínios contra essas ideas de homens, que
se pedem considerar maníacos, com tudo importa muito precaver que
elles se naõ conspirem para actos perniciosos ao Estado, querendo
deduzir conseqüências practteas de sua louca presumpçaõ, em quanto
se suppoem com sangue e qualidades hereditárias differentes e me-
lhores que os dos mais homens.
4 B 2
564 Miscellanea,
A historia de Portugal uos tem dado bastantes exemples para
podermos atfir mar, que as pessoas, que tem essa mania hereditária,
de se persuadirem que seu sangue he differente dos de mais homens
nem sempre se tem conduzido como bons cidadãos, ou vassallos
fieis. E sem irmos além do tempo em que tem reynado em Portu-
gal a presente Dynastia de Bragança, achamos duas conspiraçoens
notáveis dos Nobres contra a vida do monarcha; e em cada uma
dellas morreram infamemente no cadafalso, um Duque, um Marquez
e um Conde, pertencentes a essas familias de maníacos hereditários.
Alludimos á conspiração no tempo d' El Rey D. Joaõ IV., pela
qual fôram executados o Duque de Caminha, o Marqnez de Villa
Real, e o Conde de Armamar: e á conspiração no tempo d'EI Rey
D. Joze, em que igualmente padeceram morte affrontosa o Duque
de Aveiro, o Marquez de Tavora, e o Conde da Atouguia.
Assim vemos, que esses fidalgos, que tem a mania hereditária de
se supporem com sangue melhor que o resto de seus concidadãos,
naõ possuem sempre hereditariamente a honra, a lealdade, e o pa-
triotismo.
Agora mesmo nos nossos dias, quando os Francezes invadiram
Portugal; e os Agentes de Napoleaõ tramaram um enredo em Lisboa,
para que se pedisse ao Imperador dos Francezes um Rey, em nome
da Naçaõ Portugueza, assignâram aquella petição muitos fidalgos
das primeiras familias, em que existe aquella mania hereditária; e
um descendente da casa da Rosa, ou familia dos Marquezes de
Ponte de Lima, foi o que servio de Ministro e Secretario do Tyranno
da sua Pátria, nos negócios do mesmo Portugal. E supposto que
aquelle individuo ainda hoje se orne e appareça em publico com as
insígnias das Ordens Portuguezas de Cavallaria, e talvez blazone
de seu sangue fidalgo e excellencia hereditária, naõ obrou de diffe-
rente maneira na invasão dos inimigos em sua Pátria, do que fize-
ram os plebeos e mechanicos, dos classes mais inferiores; pois
como elles se sugeitou aos inimigos, e a demais obrou como Minis-
tro do oppressor de sua Pátria.
Sabemos muito bem que o argumento geral de desculpa he, que
os inimigos eram poderosos. Mas he para isso que se daõ titulos
de nobreza, nos governos mouarchicos; isto he, para quo na classe
Miscellanea. 565

dos nobres se achem pessoas poderosas, que, no tempo das calami-


dades publicas, se exponham aos perigos para salvar o paiz: e naõ
para comerem suas rendas, e bens da coroa, e gozarem dos titulos
e honras descançadamente em tempo de paz, mettendo-se em suas
casas na occasiaõ de perigo, ou servindo aos inimigos, por haver
perigo em lhes fazer opposiçaõ.
E senaõ que nos digam esses nobres, que estavam ein Portugal,
quando as tropas Francezas oecupavam o Reyno, que medidas to-
maram, que planos excogitáram para expulsar os inimigos? E o
indivíduo, que servio de Ministro a Napoleaõ, deve seguramente
mostrar que, pelo menos, se aproveitou daquelle lugar para dar
informaçoens úteis, e para frustrar as medidas de Napoleaõ.
Tudo mostra a importância do facto histórico, que tiramos da
obscuridade do segredo para o fazer publico; e a necessidade, que
dahi se infere, de fazer entrar os nobres nos seus deveres, e ensi-
nar-Jlies o que se deve entender por nobreza, assim como os fins
de sua instituição, erradicando completamente de sua idea a
mania de suppôr, que a nobreza consiste nessa imaginaria difle-
rença de sangue; porque em fim ja naõ estamos em idade de sus-
tentar zaugaõs em tempos pacíficos, que para nada servem nas oc-
cüsioeiis de aperto.

ÁUSTRIA.

As gazetas de Vienna quiexam-se, em termos mui amargos, do


espirito de emigração que prevalece em toda a Europa; e chamam
a esta emigração uma molestica moral, que reyna actualmente em
muitos paizes; assim como pelos annos proxime passados a molés-
tia universal éra a sediçaõ e revolução.
Se com effeito o desejo de emigrar e deixar a sua pátria, que tam
geralmente se observa na Europa, he uma moléstia, naõ pôde dei-
xar de ser útil o indagar a sua causa, para lhe applicar o conve-
niente remédio. A's calamidades da continuada guerra, que se se-
guio á revolução Franceza, suecedeo a escacez e penúria de ali-
mentos, que naturalmente devia resultar do grande numero de
homens, que se empregaram nos exércitos, na ruma e devastação
566 Miscellanea.
dos campos, que esses exércitos occasionáram, e na estagnação do
commercio. A fome tem chegado a tal ponto em vários paizes da
Europa, na Suissa por exemplo, que muitos centos de pessoas
tem actualmente morrido á miugoa; e muitas mais tem padecido
por moléstias contagiosas, que procedem do uso de alimentos cor-
ruptos e mal saõs.
O Governo dos Grisons tem tomado muitas medidas para soc-
correr e prevenir os mendigos e vag bundos; porem naõ tem bas-
tado para isto nem a beneficência com os pobres, nem os castigos
com os criminosos: a massa total de miséria naõ diminue, e com
ella continuam os crimes, e a quasi geral immoralidade. Daqui
resulta o espirito geral de emigração, como única alternativa para
evitar a morte. Milhares de homens, mulheres, e crianças tem
passado por algumas cidades dos Paizes Baixos, procurando meios
de se embarcar para a America. Aos 23 de Abril desceram pelo
Rheno abaixo 1 200 familias em seis barcos, vindo do Cantaõ de
Basilea somente; no dia seguinte apparecêram mais 600; e se
destinavam a Utrecht, para ali embarcar para os Estados Unidos.
Se aquella infeliz gente fosse criminosa, ou rebelde a seu go-
verno outra cousa seria; porém isso naõ he assim; longe de serem
turbulentos, corrompidos ou depravados, os paizanos da Suissa
saõ sóbrios, valentes, industriosos e sadios, a dura necessidade os
faz emigrar; e elles constituirão uma preciosa addiçaõ á popula-
ção dos Estados Unidos.
A isto accresce mais a repugnacia, que tem mostrado a maior
parte dos Potentados principaes, em adoptar as reformas que os
povos pedem altamente, e que muitos Soberanos promettêram,
quando quizéram estimular o espirito publico, a fira de derribar
a tyrannia de Napoleaõ, que os opprimia.
Considerem-se estes motivos junctamente, e se achará nelles
causa mui sufficiente para que os homens se desgostem de viver
em seu paiz natal, e procurem mudar de domicilio; e se a isto
se chama moléstia moral, seguramente o remédio deve ser adap-
tado ás suas causas. Suppôr que uma população esfaimnda de-
seje continuar no paiz aonde se definha, he raciocinar contra a
natureza dos cousas.
Miscellanea. 567

A propósito do espirito de contradicçaÕ em que os povos se


acham com os governos ; a Áustria nos fornece agora mesmo um
exemplo, no decreto do Imperador contra as sociedades bíblicas.

Casamento da Archiduqveza Leopoldina.


Aos 10 de Maio, pelos 11 horas da manhaã, assignou a
Arcbiduqaeza leopoldina o acto de renuncia á successaõ da
coiôa imperial de Áustria, na presença do Imperador, e da
Corte Austríaco. Esteve presente o Marquez de Marialva,
Embaixador Portuguez.
Aot 13 de Maio, ás 7 horas da tarde, se fez a cerimonia do
casamento, por procuração, S. A. I. partirá de Vienna pelos
lOde Junho.

ESTADOS UNIDOS.
O Congresso Americano acaba de tomar em consideração, uma
importante medida, para augmentar a sua navegação, imitando a
ley da Inglaterra, que se intitula " Navigation Act." Podem
recapitular-se as providencias dos Estados Unidos, a este respeito,
no seguinte:—
1. Naõ se importarão fazendas para os Estados Unidos, senaõ
em navios, cuja propriedade seja de cidadãos daquelles Estados,
ou de paizes aonde essas fazendas tenham sido plantadas, produ-
zidas ou manufacturadas.
2. No caso de contravenção do artigo precedente, seraõ con-
fiscados o navio e sua carga.
8 Os prêmios e concessoens, que se fazem agora aos barcos de
pescaria, só toraõ lugar, sendo os officiaes de taes barcos, e tres
quartas partes de sua equipagem cidadãos dos Estados Unidos.
4. O commercio costeiro fica absolutamente limitado aos na-
vios e marinheiros do paiz.
5. Impôem-se um direito de tonelada em todos as vasos, ainda
os pertencente» aos Estados Unidos; que entrarem em am porto
d« qualquer districto, vindo de algum porto em outro districto.
Isto, porém, com varias excepçoens.
568 Miscellanea.
6. Impõem-se um direito de tonelada aos navios Americanos,
que vierem de portos estrangeiros, a menos que duas terças ar-
tes da equipagem sejam cidadãos dos Estados Unidos.
O Acto de Navegação da Inglaterra, pelo qual se prohibio
aos navios estrangeiros trazerem aos portos Inglezes outra carga,
que naõ fosse originaria de seus respectivos paizes, foi uma me-
dida adoptada durante o governo de Cromwell, para impedir aos
Hollandezes o seu commercio de transporte, com o que muito
íloreciam; e a este regulamento deve a Inglaterra os principios
de sua prosperidade no commercio marítimo.
Imitando este exemplo, esperam os Americanos promover tam-
bém a sua navegação nacional; e além disto satisfazem á queixa
da Inglaterra, de que seus marinheiros acham sempre azylo nos
vasos dos Estados Unidos.
He claro, que o grande numero de marinheiros Inglezes, que
se acha desoecupado, depois da reducçaõ de sua marinha de guer-
ra, naõ pôde achar emprego actualmente, na marinha mercante
da Inglaterra. Esta consideração faz naturalmente lembrar a op-
portunidade, que se offerece agora, de mandar recolher os ma-
rinheiros Portuguezes, que se acham no serviço estrangeiro: mas
quando dizemos mandar recolher naõ entendemos por isto que
se expéssa uma ley penal, constrangindo-os a voltar; porém sim
que se adoptem taes regulamentos, e se evitem as prizoens para
bordo dos navios de guerra, de maneira que os marinheiros naõ
achem conveniência em fugir para as naçoens estranhas.

HESPAMBA-

O documento, que publicamos a p. 505 expõem de um modo


authentico, o que o rumor havia ha muito tempo tmnunciado,
de se intrometterem as Potências Alliadas na disputa entre Por-
tugal e Hespanha, sobre a invasão de Monte-Video, e colônias
Hespanholas.
Assim parece, que a Corte de Madrid pedio em Paris ás Po-
tências Alliadas, que prohibissem a El Rey de Portugal e tomar
Miscellanea. 569
posse do território de Monte-Video ; e pede em Londres, que se
obriguem as Colônias revoltadas a submetterem.se outra vez á
sua antiga metrópole. Os Ministros de Hespanha talvez conce-
bam, que pedem duas cousas de mera bagatela; mas nós as jul-
gamos de summa importância, quer consideremos o direito, que
tem as Potências estrangeiras de se intrometter em naquellas duas
questoens, quer reflictamos sobre os meios, que possuem, de pôr
em excuçaõ quaesquer planos na America Meridional, a favor
da Hespanha; quer meditemos sobre a compensação que S. M.
Catholica tem em seu poder offerecer ás demais Potências, para
que lhe façam os importantes serviços que exige.
No exhausto estado das rendas publicas da Hespanha, he um
absurdo suppôr que ella tenha forças ou meios para subjugar as
Colônias; logo o primeiro passo a dar seria obter das Potências
Estrangeiras o dinheiro necessário para preparar os exércitos, que
se destinassem contra as Colônias. Mas i qual he a Potência da
Europa, que se acha assas rica para emprestar esses dinlieiros á
Hespanha? Supponhamos, o que naõ he assim, que a Inglaterra
tinha esses fundos para os emprestar á Hespanha *, que teria esta
para dar aos Inglezes em retribuição de tal serviço?
A questão reduz-se a isto. Se a Inglaterra aceitar o officio de
Medianeira, e as Colônias de Hespanha naõ quizerem aceitar a
mediação, ou as proposiçoens, a Inglaterra ha de largar o ne-
gocio por maõ, e deixar outra vez as cousas no estado em que
presentemente se acham; porque o povo Inglez, quando naõ
fosse o mesmo Governo, nunca consentiria em entrar em uma
guerra de que naõ podiam esperai* proveito algum, meramente
com o fim de sugeitar as Colônias Hespanholas a seus antigos do-
minadores.
A insurreição do Brazil põem termo á primeira destas discus-
soens; porque a Corte do Rio-de-Janeiro por força ha de retirar
as tropas que tem nas margens do Rio-da-Prata, para poder com
ellas atacar o sinsurgentes de Pernambuco; assim pouco teraõ que
fazer os Alliados, para obter o que desejam; e com tudo nós
diremos ainda sobre isto uma palavra; e vem a ser, que na nota
das Potências AIlisadas ao Ministro Portuguez, naõ achamos uma
VOL. XVIII. N o . 108. 4 c
570 Miscellanea.

so palavra a respeito de Olivença, que no Congresso de Vienna


se ajustou, que fosse restituida a Portugal.

A insurreição de Catalunha parece que tinha mais extensas


ramificaçoens do que ao principio se julgou, e posto que os es-
forços dos Hespanhoes em se levantarem contra o systema actual
do Governo tenham sido suffocados em sua nascença, comtudo
naõ se pôde duvidar que o descontentamenio seja mui geral- Isto
naõ pôde deixar de ser assim, visto que todas as medidas d'El Rey
tendem a destruir até os sombras de liberdade, que ainda gozava
o povo, mesmo durante o Governo de Carlos IV. A Biscáia e
Asturias perderam os seus privilégios commerciaes e fiscaes, que
ha muitos séculos distinguiam aquellas provincias do resto da
Hespanha.

O Infante D. Francisco de Paula, irmaõ d'El Rey, D. Fer-


nando, e que residia com El Rey seu pay em Roma, chegou a
Paris, depois de haver em vaõ solicitado permissão d'El Rey seu
irmaõ para residir em Madrid,

O Infante D. Antonio morreo em Madrid aos 20 de Abril, de


uma febre ardente e vômitos, de que foi atacado no dia 14 ás
11 horas da noite. Tinha este infante 61 annos de idade, e foi
o que accompanhou a El Rey Fernando VIL, durante o tempo
que esteve em Valençai.

Colônias Hespanholas.
A p. —, copiamos o officio do General das tropas de Buenos
Ayres San Martin, ao Supremo Director, no Governo, em que se
annuncia a derrota do Exercito Realista, e a tomada da Capital
do Chili, e de toda aquella provincia; como que fica o passo
aberto para a conquista do Peru,
Miscellanea. 571
O officio do General San Martin esta escripto com summa miu-
deza, e as disposiçoens que refere fazem honra aquelle official,
que mostra nisso mais conhecimentos militares do que talvez
se esperasse.
A conquista do Chili deo novos alentos ao Governo de Buenos-
Ayres, que assim tem aberto o commercio com o interior do paiz.
Józe Miguel Carrera,um natural do Chili, que dantes havia tomado
grande parte na revolução de seu paiz, cliegou ao Rio-da-Prata,
abordo um navio dos Estados Unidos de força considerável. O
Governo, porem, de Buenos Ayres, sabendo que Carrera naõ éra
popular uo Chili, favoreceo a nomeação do General 0'Higgins
para supremo Director do Chili. e tomou para seu serviço os vasos
armados, que trouxera Carrera.
Esta victoria do General San Martin poz nas maõs dos insur-
gentes uma extençaõ de costa, no mar Pacifico, de mais de 200 a
milhas, e pôde dizer-se que naõ tem agora Fernando VII um só
porto que reconheça o seu dominio, em toda a extençaõ das costas
da America, desde o Rio-da-Prata até o cabo d'Horne e desde o
mesmo cabo, voltando ao mar Pacifico, até o Peru.

INGLATERRA.

Receberam-se neste mez noticias officiaes, de haver completa-


mente falhado a embaixada de Lord Amerst á China, naõ que-
rendo o Imperador nem receber os presentes, que lhe enviava o
Governo Inglez.
Os Jornaes tem-se oecupado muito com explicaçoens sobre a
causa deste acontecimento; nós, porém, naõ julgamos necessá-
rio repetir seus improváveis raciocínios; porque assentamos, que o
commentario, que publicamos por anticipaçaõ no nosso No pas-
tado p. 327; dá uma explicação mais que sufficiente, dos motivos
porque os Chinezes assim tractaram a embaixada Ingleza.
Aquelle lugar pois referimos o leitor.
A p. 494 deste N°. publicamos mais alguns documentos,
que se apresentaram á Casa dos Communs, "relativos á missaõ, de
4 c 2
572 Miscellanea.
Mr. Canning em Lisboa; e vinda da Familia Real Portugueza
para a Europa. Estes documentos daõ mais alguma luz sobre a
matéria; porque tendem a mostrar, pelas asserçoens de Lord
Strangford, que houve tempo em que esteve determinada no
Rio-de-Janeiro a vinda da Familia Real para a Europa; posto
que ao depois se mudasse de resolução.
Nós naõ vemos, que isto mude por forma alguma o estado da
questão, ainda que se admitta o facto em toda a sua extençaõ; por-
que o Soberano de Portugal devia guiar-se pelas circumstancias;
obrando o que lhe parecesse melhor a bem de seus subditos e
dominios, e naõ sacrificar isto á delicadeza de se aproveitar da
esquadra, de que naõ precisava, só porque lhe fôra mandada.
Seria isto o mesmo argumento do enfermo, que, chegando-lhe a
medecina depois de estar restabelecido, tomasse o remédio para
que se naõ perdesse.
A p. 500 copiamos o tractado entre a Inglaterra e Napoies; pelo
qual o Governo Inglez concordou em abandonar os privilégios
commerciaes, que os seus subditos gozavam naquelle reyno, es-
tipulando simplesmente os direitos, que as suas fazendas e navios
deverão pagar para o futuro nas alfândegas dos dominios Napo"
litanos.
Aqui temos um notável exemplo de negociação, para que a In-
glaterra cedesse privilégios, que lhe tinham sido concedidos in
perpetuum, quando a naçaõ que os concedeo achou, que esses
privilégios eram contrários a seus interesses.
Se isto assim suecedeo, e se achou justo a respeito do Reyno
de Napoies, a qnem a Inglaterra tinha, por assim dizer, compra-
do aquelles privilégios, á custa de sacrifícios, e serviços essen-
cialissimos; temos o direito de argumentar com este exemplo a
favor do Brazil, aonde naõ existem as mesmas obrigaçoens de
benefícios, pelo menos na extençaõ, que se podem alegar em
Nápoles.
Naturalmentente oceurerá aqui a nossos Leitores, a applicaçaõ,
que disto se deve fazer ao tractado de commercio de 1810, entre a
Inglaterra e a Corte do Rio-de-Janeiro; pois ja hoje ninguém
duvida da inconveniência de suas estipulaçoens; e por isso se revo-
Miscellanea. 573
gou em Vienna o outro tractado da mesma data, intitulado de
paz e amizade.
Quando fizemos a breve exposição daquelles tractados, no mo-
mento em que elles se publicaram na Inglaterra, observamos a
falta de providencia em seus negociadores, de fazerem perpétuas as
estipulaçoens; por isso que se traclava de ligar as maõs ao Go-
verno, a respeito dos regulamentos commerciaes no Brazil, paiz
pouco conhecido dos Negociadores; e puiz novo, aonde se deviam
esperar continuadas mudanças ern suas relaçoens commerciaes, e
por conseqüência devia o Governo conservar-se desembaraçado de
estipulaçoens de tractados,para ir adaptando os seus regulamentos,
em matérias mercantis, ás circumstancias, que se fossem desen-
volvendo.

As pretençoens dos Catholicos Romanos da Irlanda fôram ou-


travez tomadas em consideração pelo Parlamento, e a moçaõ
decidida pela negativa, e por maior numero de votos do que o
foi o anno passado. A razaõ desta maioria naõ se pôde deixar
de attribuir ao espirito de intolerância, que tem continuado a
mostrar a Corte de Roma; o que bem se manifesta pela publi-
cação de que fizemos um extracto, a p. —, e pela carta do Papa
ao Primaz de Polônia, contra as Sociedades Bíblicas, que pu-
blicamos no nosso N * passado a p. 370.
Se os Catholicos Romanos se obstinam em suas máximas de
intolerância, mesmo ao ponto de naõ fazerem preces por seus
Soberanos, quando elles naõ saõ Catholicos, como aconteceo com
o Bispo de Gante, naõ he possivel, que encontrem tolerância
a seu favor, a ponto maior do que se lhes concede na Inglaterra.

POTENIAS ALLIAnAS.

A p. 505, publicamos dous documentos emanados dos ministros


do que se denomina hoje em dia as grandes Potências Alliadas.
Quanto ao primeiro, ja dissemos acima que El Rey de Portugal naõ
ten» remédio senaõ estar por o que lhe mandam; vista a revolução
do Brazil; pois a Corte do Rio-de-Janeiro antes ha de querer su-
574 Miscellanea.

geitar-se a tudo o que lhe impuzerem as cortes estrangeiras do qne


satisfazer a seus subditos, e apoiar-se em suas forças.
Pelo que respeita o segundo, sobre Luciano Buonaparte, he elle
uma singular prova do systema das taes Potências Alliadas, e do
modo porque suppoem que podem governai* naõ só a Europa mas
todo o demais mundo.
Veremos quanto isso dura.

POTÊNCIAS BARBARESCAS.

O Governo de Tunes despachou corsariros para o mar do Norte,


e estes fizeram algumas prezas de Navios Hamburguezes, junetos
ás costas de Inglaterra. Um brigue Inglez recapturou uma das
prezas, e tomou um dos corsários, que trouxe para Inglaterra.
Ha muitos annos que os corsários Barbarescos se naõ tinham
atrevido a vir fazer prezas em tal distancia; e he notável que em-
pretendessem isto, nas costas de Inglaterra, depois do castigo se-
vero qae ha tam pouco tempo deram os Inglezes aos de Argel.
Ainda se naõ decidio pelo Governo Inrdez a sorte que deve ter o
corsário aprezado; mas tudo isto prova a necessidade que ha de
que as Potências da Europa entrem era um plano sério, para se
libertarem do ignominioso jugo, que lhe impõem as fracas naçoens
da Mauritânia, que vivem du roubo a da pilhagem, sem nenhu-
ma attençaõ ao direito das gentes.

RÚSSIA.

O Governo Russiano, seguindo a máxima de augmentar a popu-


lação de seu paiz, entrou no projecto de estabelecer de maneira
permanente, no Império de Rússia, colônias de Judeus, convertidos
ao Christianismo; de maneira que esta classe de gente possa viver
ao abrigo do ódio dos consectarios, que tem deixado: e do desprezo
dos outros a quem se tem unido; o que succede em quasi todos os
outros paizes da Europa. Os mais importantes regulamentos do
Ukase do Imperador a este respeito saõ os seguintes: —-
1. Todos os Judeus, que abraçarem a religião Christaã, de qual-
Miscellanea. 575
quer confissão que seja, gozarão de certos privilégios, seja qual
for a profissão que adoptem, conveniente aos seus conhecimentos e
habilidade.
2. Dar-se-lhe-haõ terras, grátis, nos governos ou províncias
meridionaes e septontrionaes, aonde esses proselytas se quizerem
estabelecer á sua custa, debaixo da denominação de Sociedade dos
Christaõs Judaicos.
3. Esta sociedade terá seus privilégios particulares.
4. Em S. Petersbnrgo se formará uma Meza, de que será presi-
dente o Principe Alexandre Golyzin; com a denominação de Meza
dos Negócios dos Christaõs Judaicos, da qual, e de nenhuns
outros magistrados, excepto era casos criminaes, dependerá a
Sociedade.
5. Esta Meza será obrigada a tomar conhecimento de tudo
quanto respeita os estabelicimentos, e fazer os seus relatórios oo
Imperador. Nos estabelicimentos dos Christaõs Judaicos, que se
lhes outorgam como propriedade hereditária, in perpetuum, poderá
a Sociedade exercitar toda a sorte de profissoens, edificar cidades
aldeas, ou simples casas de habitação: as terras saõ concedidas a
toda a communidade, e naõ aos indivíduos, e naõ podem ser ven-
didas nem hypotecadas a estranhos. Nestes estabelicimentos os
Christaõs Judaicos, e sua posteridade, tem completa liberdade, na
confissão de fé Christaã, qne a-loptarem. A Sociedade fica debaixo
da protecçaõ immediata do Imperador, e depende inteiramente da
Meza cm S, Petersbugo, a quem somente deve dar contas. Ne-
nhum outro magistrado local se pôde intrometter com ella. Os seus
pregadores estaõ sugeitos a esta Meza somente. O Governo
interno da Sociedade fica debaixo da administração de uma Socie-
dade de Christaõs Judaicos, consistindo de dous superiores, e quatro
adjunetos, escolhidos pela Sociedade d'entre os seus próprios mem-
bros, e confirmados pela Meza. Elles tem a inspecçaõ dos seus
negócios internos, da Policia, &c e tem seu sêllo particular:
podem expulsar os membros impróprios, e receber novos, mas devem
participar isto á Meza: os membros da Sociedade obtém o direito
de cidadãos no Império Russiano; elles podem fazer o commercio
interno eexteruo, conforme as leys geraes, estabelecer manufacturas.
576 Conresponaencia.
sem serem registrados em alguma corporação. Nestes cstebelici-
mentos pode a Sociedade fazer cerveja, distilar águas ardentes, &c.
saõ izentos de aquartelarem tropas, e de impostos por vinte annos;
nem saõ obrigados a serviços militares. Os Judeus estrangeiros
poderão unir-se a esta communidade, ttndo abraçado o Christia-
nismo; poderão deixar o paiz, havendo pago suas dividas, e as
contribuiçoeus legaes por tres annos, sobre os capitães, que tiverem
adquirido na Rússia.

CONRESPONDENCIA.
Carta ao Redactor, sobre o o procedimento do Bispo d? Elvas; em um caso
de recurso a Coroa.

Senhor Redactor do Correio Braziliense!


Tendo observado, que V. M. tem feito inserir, em alguns
ftOs d 0 seu Periódico, as relaçoens de certos factos ecclesiasticos, que de
monstram a prepotência e despotismo, que este Estado ainda quer conservar
no Reyno Unido de Portugal, na5 obstante as luzes do século em que
vivemos, cuja vasta extensão mais nos separam ainda dos séculos l i 9 . 12".
do que a distancia dos tempos* me tenbo admirado de que nenhum dos seus
conrespondentes tenha tido o cuidado de lhe referir a celebre disputa entre o
Bispo de Elvas, e seu Sobrinho o Mestre Eschola da Cathedral da mesma
cidade; disputa que he mui importante pela questão legal que involve.
O Bispo de Elvas, bem conhecido por seus escriptos antiphüantropicos, e
character inquieto, intrigou-se com o seu Cabido; e vendo que uma parte
dos conegos naõ eram presbiteros, o que succede em todas as cathedraes do
Reyno, á excepçaõ de algumas mui poucas, em que as conezias se tem feito
presbiteriaes, em virtude de leys e ordens regias especiaes, expedidas para
essefim;achou que tinha nisto um bom meio de vexar os conegos; e de sua
própria authoridade publicou uma provisão, em 31 de Outubro, 1813; na
qual determinou, que todos os conegos de sua Sé tomassem a ordem de
presbitero; que nenhum fosse collado sem ter esta ordem; e que todos os
conegos fizessem pessoalmente os seus deveres de semana, dizendo as missas
e capitulaçoens, em en» vez de as encomendar a outrem, como éra até entaõ
custume.
Isto causou grande motim entre os prebendados, que recusaram acceitar a
prorisaõ, a pezar do Deaõ ser creatura do Bispo; o qual, naõ fazenda caso
Conrespondencia. 577
da negativa do cabido mandou afliiar a provisão na porta da Cathedral, e
insistio na sua prompta execução; começando por seu Sobriuho, que éra o
Mestre Eschola da Sé, e entaõ seu commensal, mandanúo-o para ÍBSO noti-
ficar pelo escrivão da Câmara Ecclesiastica; e precedendo do mesmo modo
cam os conegos Vasconcellos, Bastos, e Travassos.
Notou-«e logo, que o Bispo naõ caTegou a maõ igualmente sobre todos os
conegos, a pezar de pretextar com a sua consciência, porque exceptuou os
Arcediagos Coadjutor e Coadjuto; o Primeiro Minorista, o Segundo Sub-
diaeono* com circumstancias bem escandalosas, e injustificáveis. O conego
Travassos também pôde depois escapar, e porque renunciou no escrivão da
Câmara do Bispo.
0 Mestre Eschola resistio á provisão, allegando moléstia de olhos, que
lhe impedia estudar; e exercitar as funcçoens do altar; e provou isto com
certidoens de médicos, e attestaçoens do Cabido. O Bispo naõ attei.deo á
supplica do Mestre Eschola, o qual se vio obrigado a pedir vista, em 15 de
Dezembro 1813, para formar embargos á notificação. O Bispo concedeo
a vista, mas deitou o sobrinho fora de casa, que se foi pôr a morar em um
convento de frades Dominicos.
O Escrivão naõ continuou a vista, pelo pretexto de que entraram as
ferias do Natal * mas o Bispo no entanto expedio outra provisão condem-
nando o Mestre Eschola a final, em perdas dobradas, por se naõ ter orde-
nado nas têmporas antecedentes Os juristas sabem mui bem, que o Bispo
commetteo nisto uma illegal inovação, pois decidio a causa a final, quando
havia concedido vista para embargos. Contra isto requereo o Mestre
Eschola; mas o Bispo mandou ajunctar o requirimento aos autos e naõ lhe
deo despacho.
O Mestre Eschola aggravou para a Metropoli; mas o Bispo naõ lhe
quiz mandar escrever o aggravo; e ameaçou-o de suspençaõ, senaõ ajunç-
tasse aos autos certos documentos; e como o Mestre Eschola quizesse outra
vez appellar deste despacho foi com efièito suspendido peío Bispo do seu
officio e beneficio, e os fructos do beneficio seqüestrados; ficando o
Mestre Eschola a pedir esmola, e portanto sem meios de proseguir a sua
appellaçaõ,
Aqui deo o Bispo outro passo, que foi mandar ao Depositário do Celeiro,
que éra ao mesmo tempo o mordomo do Bispo, que naõ entregasse ao
Mestre Eschola os fructos já vencidos, e ameaçou ao dicto Mestre Eschola,
que, se naõ tomasse immediatamente a ordem de Presbitero, osfructostodos
de «eu beneficio, tanto vencidos como por vencer, sertaii distribuídos deti-ie
logo pelos demais conegos, os quaes os restituirium ao depois se o Mestre
Eschola obtivesse a final a sentença a seu làvor.
Nestes termos, posto que o Bispo tivesse assim conseguido reduzir á
ultima penúria o Mestre Eschola, este pôz um recurso á CorÔa; avocadus
VOL. XVIII. No. 108. 4D
578 uonresponaencia.
os autos como he custume, e mandardo-je responder o Bispo; eifedeouma
insolente resposta, traetando o advogado do Mestre Eschola de Jacobino, e
o Cabido de uma associação do Pedreiros Livres.
O Bispo estava por esta maneira irritado contra o Cabido; porque o sup-
punha. favorável ao Mestre Eschola, quando na realidade e*>te tinha sido
abar.donado pelo Cabido.
A Mezta da. Coroa differio com effeito ao Mestre Eschola, em 10 da
Janeiro, 1815} pela seguinte sentença; —
" Acordam em Reiaçaõ, &c—Vistos estes autos de recurso, que do Rev,
Bispo d'EIvas interpoz Sebastião da Cunha de Azeredo Couttinho, Mestre
Eschola da mesma Cathedral, ac qual assiste o Dezembargador Procurador
da Coroa; mostra-se da provisão a f. 156; datada em 31 de Outubro de 1813,
haver determinado o Rev. Bispo Recorrido; que em observância dos
cânones, e leys da Igreja, todos que se achassem oceupando cadeiras da
Cathedral, sem serem ordenados de ordens sacras, até ao presbiterado, se
dispuzessem a seguir a sua ordenação, nas próximas têmporas deDezembro,
continuando no competente tempo, até obterem a ordem de Presbitero,
debaixo da pena de multas, e das mais que se iriam aggravando, á propor
çaõ da desobediência. Mostra-se mais da portaria f. 158, datada em SS de
Novembro do dicto anno; que o Revd, Bispo Recorrido mandara avisar
ao Recorrente para se dispor e preparar, para receber as ordens sacras, que
se lhe seguiam, nas próximas têmporas, que eram a 15, IT, e 18 de Dezem-
bro. Mostra-se igualmente da petição a f. 8 do Appenso 18; que o Recor-
rente logo no dia 29 do mesmo Novembro, representara ao Revd. Bispo
Recorrido as razoens de escusa, seguindo-se diversas petiçoens de replica,
e despachos, nellas dados até o de f. 2 do mesmo Appenso, datado em 15 de
Dezembro, pelo qual se concedeo vista ao Recorrente, para por meio de
embargos deduzir seu direito, como elle pedia; e, naõ obstante esta concessão
de vista, fôra imposta ao mesmo Recorrente, em 18 de Janeiro de 1814, a
pena da multiplicada multa, como se lê a f. 40 verso do dicto Appenso; c
deppis a da suspensão de officio e beneficio, pela portaria de 28 de Fevereiro,
a qual se acha a i. 8 do segundo Appenso, a que servio também de fundamento,
naõ ajunctar o Recorrente certos documentos, que se lhe haviam mandado
que ajunetasse, vindofinalmenteo negocio a parar na denegacaõ do recursa
para a Metroroli, e só por meio do Interposto para esta Meza pôde entrar au-
thoridade superior, e conhecer deste negocio; o que tudo visto, ebem que
i-èjam respeitáveis as leys da Igreja, e attendiveis*as providencias dos Pre-
lados, que tendem a fazêilas observar de prompto, e sem delongas, que
prejudiquem a economia da mesma Igreja, com tudo, como o Recorrente
antes de chegarem as têmporas, que se lhe haviam apontado para a conti-
nuação da sua ordenação, representou ao Reverendo Bispo seu Prelado
as suas razoens de escusa, e este também antes das têmporas eonveio peT seu
Conrespondencia» 579
despacho de 15 de Dezembro, que o negocio se tractasse por via de em-
bargos, concedendo para elles vista directamente, e sem cláusula alguma,
haõ obstante a natureza do negocio, tendo por este despacho adquirido o
direito ao Recorrente, o qual naõ foi lançado dos dictos embargos, nem
deixou de os formar por negligencia sua, mas sim por naõ se lhe continua-
rem os autos, pelo impedimento do Juizo, que ainda durava no dia 20 de
Janeiro, segundo consta da certidão f. 88 verso do Appeaso primeiro, hc
fera de duvida, que, concedida assim a vista, o seu effeito primeiro he sus-
pender todo o ulterior procedimento, e por isso nenhum lugar tinha a pena
de duplicada multa, e muito menos o exacerbar o procedimento ate suspensão
de officio e beneficio, pena em direito gravíssima, e em summa sem enu-
merar especificamente todos os procedimentos e despachos impeditivos da
defesa natural do Recorrente; tudo que se inovou depois da vista concedida>
naõ obstante as circcumstancias, e natureza delle foi irregular, e he de ne-
cessidade revogavel, para que o negocio se reduza aquelle estado, em que sa
achava quando a vista, concedida sem cláusula, se concedeo, continuando o
Reverendo Bispo Recorrido a conhecer da matéria dos embargos, para o
que, como Prelado Ordinário do Recorrente da sua Diocese naõ tem impe-
dimento algum canonico. Portanto mandam se passe carta, pela qual o
mesmo Senhor lhe recommenda, que reponha o negocio no estado em que
se achava quando concedeo a vista, declarando sem effeito tudo que so
inovou depois delia concedida; e decidindo os embargos como lhe parecer
justiça; e quando assim o naõ cumpra mandam ás Justiças seculares naõ
executem seus mandados. Risboa 10 de Janeiro de 1815. Silva—Estevej.
Lencastre.—Amaral.—Quintella.—Fui presente. Com uma rubrica do Des-
embargador Procurador da Coroa."
A execução desta seótença se devia fazer, como delia consta, por uma
Carta-rogatoria: termo impróprio a uma sentença proferida por um tribunal
Regio, mandando a um vassallo, e que só podia ser admissível nesses tempo
de barbaridade, em que os ecclesiasticos, suppondo-se só vassallos do Papa,,
se consideravam izentos da authoridade dos Reys, como ja muito bem ob-
servou Mello Freire, no seu Direito Publico Portuguez; tt. 5.,* § 58, na
nota; mas de balde; porquê ainda tal abuso naõ foi emendado.
O Bispo de Elvas naõ cumprio com a rccommedaçaõ da sentença; e
repetindo o que tinha dicto na sua primeira resposta, novamente voltaram
os autos para a Meza da Corda; mas no entanto o Mordomo do Bispo,
ameaçado com um processo judicial, obteve do Bispo permissão para entre-
gar ao Mestre Eschola os fructos do beneficio ja vencidos. A Meza do
Coroa confirmou sua primeira sentença pela seguinte: —
" Acordam em Relação, &c. Passe-se segunda Carta, visto naõ se ter
cumprido a primeira, nem se dar razaõ attcndi-el para deixar de ser cum-
prida. Lisboa tS de Abril de 1815. Silva.—Lencastre Esteve*—Amaral
4 D%
580 Conrespondencia.
Quintella.—Fui presente. Com uma rubrica do Desembargador Procurador
da Coroa."
O Bispo naõ quiz ainda cumprir esta segunda sentença; e portanto voltou
a causa terceira vez á Meza, a qual mandou remetter os autos ao Desem-
bargo do Paço, para se tomar sobre este assumpto o final Assento; o que se
fez pelo seguinte: —
" Acordam em Relação, &c. Passe-se certidão para Assento, visto que
naõ se cumprio a segunda Carta, nem se deo razaõ attecdivel para a naõ
cumprir. Lisboa 29 de Julho, 1815, Silva. — Quintella Esteves
Amaral.—Lencastre.—Fui presente. Com uma rubrica do Dezembar-
gador Procurador da Coroa."*
O Dezembargo do Paço consultou sobre isto o Governo, e este expedio a
Carta de Camera, e Avizo ar; Corregedor da Coinmarca, para que intimasse
ao Bispo, que 20 dias depois de notificado comparecesse no tribunal
do Dezembargo do Paço; aonde, naõ apparecendo o Bispo; posto que tivesse
vindo para Lisboa, e demorado muito a causa, se prolerio á sua revelia o
seguinte despacho.
" Sendo ouvidos nesta Meza o Juiz c Procurador da Coroa á revelia do
Reverendo Bispo Recorrido, se assentou que as Cartas foram bem passadas
e se devem cumprir. Lisboa 16 de Maio de 1816.
O Bispo mandou cumprir este Assento, porém de maneira, que frustrou
a decisaõ na parte a mais importante i como se vè do despacho que o
mesmo Bispo poz nos autos, e he o seguinte.
" Cumpra- se o Assenta na forma determina-la pelo Desembargo do Paço,
e para sua execução o Reverendo Escrivão da nossa Câmara nos faça os
autos conclusos, para -resolvermos conforme a direito, sobre o incidente dos
embargos do Recorrente; e porque o Juizo da Coroa e o Desembargo do
Paço nada disseram nem resolveram a resposta do ponto principal da orde-
nação do Recorrente, deve este conservar-se no estado de suspensão do seu
officio e beneficio, e os fructos e rendimentos da sua cadeira em deposito,
como se achavam no tempo em que nos foi intimado este recurso para res-
pondermos, até que o Recorrente se ordene de presbitero, para satisfazer ás
obrigaçoens impostas pelos seus mesmos estatutos, que jurou observar.,
quando se lhe deo posse do mesmo beneficio; ou, ao menos, até que mostre
por sentença passada em julgado, que naõ está obrigado a ordenar-se de
presbitero. Lisboa 3 de Julho, 1816.—" D. Jozé Bispo de Elvas."
A Meza da Coroa, vendo, que o Bispo se evadtra a cumprir o Assento,
differio do seguinte modo.
" Acordam em Relação, &c. Naõ se remettam os autos ao Reverendo
Juiz recorrido, visto naõ cumprir o Assento: e deve o Recorrente recorrer
competentemente á Meza do Desembargo do Paço. Lisboa 16 de Novem-
bro, de 1816 Gomes Teixeira. —Amaral.—Lencastre. — Quintella.—
Esteves. — fui presente. Com uma rubrica."
Conrespondencia. 581
A cohlumacia e desobediência do Bispo chegou entaõ ao ponto, de que o
Dciembargo do Paço passou ordem ao Corregedor de Elvas, para impor ao
Bispo a pem- das temporalidydes, na forma prescripta pela Curta de ley de 10
de Julho 1317; mas ainda assim foi esta ordem infructuosa em parte: porque
íichani]o~ie o Bispo em Lisboa: e naõ tendo o Corregedor da Comruarca
faculdade para dcprecar, apenas procedeo elle ao seqüestro das rendas
t-cck-siasticus do Bi-ff-o, nas villas de Campo-Maior, e Ouguella; e dando
conta de naõ poder impor ao Bispo as mais temporalidades, por naõ estar
DOS limites da sua jurisdicçaõ, o mesmo tribunal Uie mandou segunda
ordem, parar deprecar. o que fez, para o corregedor do eivei da Corte, «
para o da Coinmurca de Béja; aonde também o Bispo tem uma parte das
suas rendai. O Bispo, porém, que, ainda que com maiores cabedaes, lhe
aaõ soube bem o ser castigado com o seqüestro de suas rendas ecclesiasticas,
que éra a mesma pena que elle tinha imposto arbhrariameDt ao Mestre
Eschola, fez uma violenta representação á Regência contra o Desembargo
do Paço, por ter ordenado aquelle seqüestro, naõ se lembrando que estando
a ley em Portuguez todos a podem lêr. O Governo despachou o requiri-
mento do Bispo, mandando-lhe intimar pelo Secretario de Estado dos
Negócios do Reyno, que deveria cumprir immediatamente o Assento do
Desembargo do Paço, cuja falia de execução ja se fazia escandalosa em todo
o Reyno, e que a ter alguma cousa que representar a S. M. sobre a disci-
plina da sua Cathedral, o poderia fazer depois de cumprir o Assento; e que
o Governo teria o gosto de fazer subir immediatamente á Real presença de
8. M. os seus requirimentos, quando elles fossem justos.
Declarou entaõ o Bispo, post tantos labores, e depois de mais de tres
annos de teima, e pertinácia, que estava prompto a cumprir o assento ein
tudo e por tudo, e fez esta participação tanto ao Governo como ao Desem-
bargo do Paço.
Neste exemplo pois, Senhor Redactor, se verifica o que diz Mello Freire,
queixando-se da insufficiencia da nossa legislação, sobre os Recursos
Ecclesiasticos. " Accedit, diz aquelle Jurisconsulto, rei difficaUas, pa-rte
infinita; cum enim tot tantosque labores, et magnos sumptus sustinere is
cogatun qui de violentia et injuria judieis ecclesiastici questus est,prha
quam recursos causa ad finem usque producatur, satius erit morbo adquies-
cer
*quam tam seram caram etinsatubrem medicinam adhibere. Optandum
*"*•« erat, quod in Regno obtineret Regium Diplomam 18 de Febr. 1765,
Pro Brasília et quteútis aliis domáiationibus datum.n
8*8 o Mestre Eschola, neste caso, estivesse no Brazil, ou em outra Colônia
Portugueza, em vez de soffrer tres aunos de vexames, pobreza, e suspensão
de seu officio e beneficio, teria o Bispo sido obrigado a curuprir logo a
•entença do Juizo da Coroa; e o Mestre Eschola mettido de posse de seu
•enefleJQ. (* E porque naõ ha de a mesma legislação ter lugar em Portugal
582 Conrespondencia.
He bem para desejar, que este escandaloso procedimento do Bispo de
Elvas, faça conhecer a necessidade de mudar a legislação do Reyno, sobre
os Recursos, adoptando-se a mesma providencia que ha no Brazil, segundo
o referido alvará de 18 de Fevereiro, de 1765.
De V. Mce.
Sou &c
Compariota, &c.
Um Portuguez.

Carta ao Reductor, contra a revolução de Pernambuco.


Senhor Redactor do Correio Braziliense.
Naõ sei se valha a pena emportunallo, e aos seos Leitores sobre os Rebel-
des, e Salteadores de Pernambuco; mas como cá na Europa sempre soam
as cousas com estrondo pelos Trombetas dos gazeteiros, e se lhes dá diffe-
rente sentido, dezejara me quizesse dar um piqueno lugar no seo Jornal
para umas breves observaçoens sobre a matéria.
Tudo, que tem succedido em qualquer tempo, como sublevaçaõ, ou
rebelião tem sido sempre conseqüência, e resultado da frouxidaõ dos
governos, que deixam dar por paos, e por pedras os espirites turbulentos, e
ambiciosos; e que sempre pretextam com uma, ou outra falta da parte do
Governo. He um facto mais que escandalozo a frouxidam, que tem havido
nos governos do Brazil, principalmente no de Pernambuco: aonde se come-
tiam impunemente os maiores ottentados, c aonde a mullatada a mais
petulante do Brazil comettia assasinios, e dava facadas a toda a hora nas
ruas publicas, sem d'isto se embaraçar, nem o Governador, nem o Ouvidor;
um naõ cuidando que em jogar, e nada o podendo dezarraigar do Poqo da
Panela I o outro que dar o exemplo d'csfollar os habitantes, e os Povos nas
Correiçoens que fazia. Todos que tem estado em Pernambuco conhecem
estas c outras que lá se practicavam '. Assim mesmo porque os chamados
amigos do Soberano nunca se attrevem a dizer-lhe a verdade com medo de
receberem má Cara tem estado um Governador o mais incapaz de tal nome
em um Governo, aonde se precizava um homem d'Energia, e de Talento;
e portanto ninguém se deverá espantar do que se vê sueceder, eu naõ sou
da oppiniaõ dos que aqui dizem que he ao Governador a quem se deveria
dar um castigo exemplar por uaõ ter feito o seo dever; porquanto s'elle
tem estado na Capitania, ha mais de 15 annos, sem mostrar energia, e
capacidade alguma para tal lugar; e assim mesmo se tem conservado! De
quem he a culpa? d'elle? ou dos Ministros que se mettem em tudo, e
fazem tudo ? o mesmo digo dos outros governos, e governadores, e com par-
ticularidade do do Rio Grande do Norte, para onde pela antiga tarifa de
procurarem lugares para os homens, em lugar de procurarem homens par»
Conrespondencia, 583
os lugares; naõ só encaixaram um rapaz sem estudos, nem experiência, mas
se tem Ia conservado! porem asuim o querem! assim o tenham! o que he
lastima, he ver á testa de tal Sublevaçaõ homens de similhante cabeça!
ainda que d'a!gum modo he cohercnte e faz honra ao resto dos Brasileiros
ser tal motim feito per tal gente!!
Que pretextos podiam e podem ter os Brazileiros para se fazerem rebeldes
muito mais na época, em que estamos! Que tem sido os Brasileiros por
apaço de 3 Séculos ? Senaõ colonos de Portugal ? E quando se vè que no es-
paço de tanto tempo e em tal situação nuuca se sublevaram, antes respeitaram
á risca as mesmas auetoridades secundarias; e agora que saõ eivados á
Dignidude a que toda a Sociedade civilizada aspira, isto he, que saõ eman-
cipados, e denominados no Mundo, e na Posteridade com o titulo de Naçaõ
e Reyno, e que até tem a vantagem de terem o Soberano comsi^o, que se
collegirá? Se naõ, que as almas nascidas, e creadas na escravidão estra-
nham a liberdade! e saõ indignas d'clla! Naõ tiveraõ elles uma aberta de 60
annos até 1640 ? e se o Dominio Portuguez he tyrannico, e mao; porque sus-
piraram poreKe ? e tanto sacrifíciofizeramtanto rasgo de valor, e heroicidade
mostraram por sacudir o jugo Hollandez, que a pezar da sua constituiaçu
republicana na Europa, se conduzi m no Brazil, como fazem todos os que
saõ Democráticos por força! Que pretextos podia ter tal gente para se
mostrar rebelde! e isto em hnma época, em que o seu Soberano prefere a
privação de todos os commodos que os seos Antepassados possuiaõ, e elle
mesmo na Europa ao separar-se d'elles, vivendo muito embora em uma
Barraca! pois que assim se pode chamar a habitação do Rio-de-Janeiro
em comparação doa Palácios de Mafra; d'Ajuda; das Necessidades,
de Villa Viçoza, &c. &c. O que deve custar mais a todo o Pernambucano
digno do nome, e da honra dos seos antepassados he o considerarem,
que se algum Povo no Brazil deveria ser orgulhoso em possuir o nome de
fiel, e leal era o de Pernambuco: pois que para isto basta ler a historia de
1630 ate 1660 e vêr os factos assombrozos, que os Pernambucanos practica-
ram até conseguirem expulsar de todo os Hollandezes: he verdade que nesse
mesmo tempo de maior lealdade, e heroicidade dos Pernambucanos apparecêo
um outro Domingos calabar!! porem em todo o tempo os houve I
Se os pernambucanos tinham alguma razam de queixa: Se os mantimentos
faltaram e se o Ministro do Ultramar naõ fazia o seo dever! tinhaõ ja por
ventura elles tido recurso ao seo Soberano! Naõ tem os Brasileiros o pre-
vilegio e a vantagem que nenhuma outra Naçaõ tem na mesma Europa civili-
zada : que he fallar ao Soberano quazi todos os dias! Talvez por o Sobe-
rano se familiarizar muito, e ser melhor para cora muitos, do que mere-
cem he que assim lhe pagam!
Jamais Naçaõ se poderá lizonjear de ter um Soberano com as proporçoens
e qualidades para se tirarem es maiores vantagens, e fazer-se tudo de grande:
como os Portuguezes da Europa e da America podem; como todos sabem.
584 Conrespondencia.
Entre os muitos factos, que comprovam esta verdade, he nm a Energia, e De-
terminação que teve o Soberano de Portugal, no meio da Degradação que
impestava os outros Soberanos da Europa, de ser elle o que naõ quiz hunii-
liar-se a Napoleaõ, e que preferio todcs os incommodos á humiliaçaõ servil
da Europa; sendo Elle, e só Elle o que se determinou a partir para os seos
Estados do Brazil.- digo só elle , para tirar a duvida, em que V. M. ainda pa-
rece estar, se foram conselhos do Ministro d'estado ou naõ; como vi no seo
jornal do mez passado. Outro facto he achar-se o Soberauo de Portugal
vivendo no Brazil sem Ia ter, nem fazer por ter os Grandes Estabelici-
mentos de commodidade, e luxo annexos á Soberania, que os seos Ante-
passadostinhamfeito na Europa. E isto só por querer cuidar nos Interesses
dos seos vassallos, e do Estado sacrificando a elles os secs pessoaes.' Isto
sãõ factos mais que extraordinários, e que nimguem se atreverá a disputar.
No entanto depois de tudo isto ; jamais Soberano foi mais infeliz: pois que
com todas as proporçoens, e qualidades, que tem para fazer uma grande
Naçaõ, e um grande Império; naõ tem tido a fortuna de achar um ho-
mem! naõ digo com isto que naõ haja gente em Portugal e no Brazil
capaz: maõ sim que os naõ tem achado.
Nunca Soberano no Mundo se vio em situação de precizar mais de con-
selheiros capazes, e honrados que na Época presente. A mudança da sede
de um Governo estabelecido por 6 séculos em uma parte da Europa para
o Sul d'America, e portanto as grandes consideraçoens a contemplar n'esta
mudança, o paiz vizinho ás suas possessoens do sul todo sublevado e em re-
volução, as suas possessoens do Norte cheas de rebeldes. Tudo isto pre-
cisava gente capaz, que se despisse do egismo que tanto hoje domina, e
por tanto elle dominar, he que accontece o que se esta vendo.
Os Governadores da Bahia e do Rio ja noutro tempo sem outras instruc-
çoens, que as do seo dever, e da sua consciência mandaram expediçoens ás
Costas de Pernambuco, com que as limparam de piratas Inglezes, e bateram
os Hollandezes: os Governadores de Portugal a fazerem o seo dever, e al-
tèndendo a distancia, em que está o Soberano, eá urgência do cazo deviam
e devem mandar immediatamente um armamento, a Pernambuco, que
em quanto a mim 2 fragatas bem guarnecidas saõ mais que sufficientes para
castigar os rebeldes e pôr tudo na ordem.
Sou seu mto. venr. e criado,
CORREIO BRAZILIENSE,
DE J U N H O , 1817.

Na quarta parte nova os campos ára,


E se mais mundo houvera Ia chegara.
CAMOENS, C. VII. e. 14.

POLÍTICA

REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES,

Alvará sobre o titulo do Principe Herdeiro da Coroa.

\7
L i U El Rey faço saber aos que este Alvará com força
de Ley virem, que tendo o Senhor Rey D. Joaõ IV, de
gloriosa memória, determinado; pela sua carta de doaçaõ
de 27 de Outubro de 1645, que os principes primogênitos
da coroa de Portugal tivessem o titulo de Principe do
Brazil, para o possuírem em titulo somente, e chama-
rem-se dali em diante Principes do Brazil e Duques de
Bragança; e reconhecendo eu que este titulo de Principe
doBrazil tornou-se incompatível, depois da carta de ley de
16 de Dezembro, de 1815, pela qual fui servido elevar o
Estado do Brazil á dignidade de Reyno, unindo-o aos de
Portugal e dos Algarves: e querendo que o Principe
D. Pedro, meu muito amado e prezado fiiho primogênito^
e todos os mais príncipes, que fôrem primogênitos desta
coroa, gozem de um titulo ainda mais pre-eminente; e que
VOL. X V m , N o . 109. 4 E
686 Política.

seja adequado á sobredicta uniaõ: hei por bem,que o dicto


Principe, meu filho, tenha d'ora em diante o titulo de
Principe Real do Reyno Unido de Portugal, e do Brazil?
e Algarves; conservando sempre o de Duque de Bra-
gança, e que destes mesmos titulos hajam de gozar os
principes primogênitos desta coroa, que depois delle vierem;
havendo assim por declarada nesta parte tam somente a
mencionada carta de doação de 27 de Outubro, de 1645,
que ficará em tudo o mais em seu vigor; assim como a
carta Regia de 17 de Dezembro de 1734; pela qual o
Senhor Rey D. Joaõ V, de saudosa memória, houve por
bem que os filhos primogênitos dos Principes do Brazil se
intitulassem Principes da Beira. E este se cumprirá
como nelle se contém, sem embargo de quaesquer leys
em contrario, as quaes hei por derrogadas, para este effeito
somente; ficando aliás em seu vigor. E valerá como
carta passada pela chancellaria, ainda que por ella naõ
haja de passar, e o seu effeito haja de durar um e mais
annos, nao obstante a ordenação em contrario. Dado no
Palácio do Rio-de-Janeiro, aos 9 de Janeiro, de 1817.

REY

Conde da Barca.

Alvará com força de Ley, por que Vossa. Majestade ha


por bem que o Principe D. Pedro, seu muito amado e
prezado filho primogênito, e os mais principes filhos pri-
mogênitos desta coroa, que depois delle vierem tenham o
titulo de Principe Real do Reyno Unido de Portugal e do
Brazil, e Algarves, e Duque de Bragança, em lugar do
titulo de Principe do Brazil, que lhes foi conferido pela
carta de doaçaõ de 27 de Outubro de 1645; tudo na forma
acima declarada.
Para V. M. ver.
Politica. 587
Officio do Exmo. Marquez oV Aguiar, ao Ministro de
S. M. Fidelissima em Roma ; sobre a bulla de con-
firmação do Arcebispo de Braga.
Ii.L mo . S E N H O R ! Pelo officio de V . S . de 20 de
Março passado, que foi presente a S. M. ficou o mesmo
Augusto Senhor na intelligencia do que nelle pondera á
cerca da nomina do Cardeal, que lhe pertence, e que ja
se vereficou, e das intrigas e máo character do Auditor da
Nunciatura em Lisboa, Vicente Machi; que V. S. julga
conveniente ser dali removido, aproveitando-se a occasiaõ
opportuna da nomeação do novo Núncio, para se evitarem
as cabalas e negociaçoens, que elle promove com maõ
occulta, e de que tira vantajosos lucros, dificultando a ex.
pediçaõ dos negócios de Portugal nessa Corte, como V. S.
experimentou, quando tractou da desmembraçaõ da ju-
risdicçaõ do Arcebispado d' Évora, para a Real Capella
de Villa-Viçosa, em conformidade do que lhe foi encarre-
gado no officio de 8 de Julho, 1814.
A's mesmas intrigas e malevolencia do referido Auditor
attribue V. S. a difficuldade, que encontrou na confirma-
ça5 de Fr. Joaquim de Sancta Clara, nomeado Arcebispo
de Évora, sendo obrigado a tractar immediatamente com
S. Sanctidade, a fim de deslindar os embaraços, que tem
havido,imputando-se-lhe suspeitas nos principios religiosos,
approvaçaõ do Concilio de Pistoia, e escândalo no elogio
fúnebre, que recitou nas exéquias do Marquez do Pombal
o que tudo V. S. suppoem urdido, e forjado pelos inimigos
do Arcebispo nomeado, protegidos e apadrinhados pelo
sobredicto Auditor; sendo-lhe necessário para esse fim, e
para terminar este negocio decorosámente dirigir ao Se-
cretario de Estado diversas notas, que promette remetter
em occasiaõ opportuna.
Naõ tendo estas ainda chegado, recebi uma carta do
referido Fr. Joaquim de Sancta Clara, acompanhada da
4 £ 2
588 Politica.

nota, que a V. S. dirigio o Cardeal Gonsalvi, em que se


exigia, que o nomeado, para merecer a confirmação, de-
veria confessar os seus erros, abjurallos, e pedir delles per-
dão, e sugeitar-se ás doutrinas da Sancta Sé, pelos motivos,
que se lhe imputavam, acima expostos; de um modelo por
V. S. enviado para escrever o mesmo nomeado Arcebispo
ao Sancto Padre nesta conformidade, e de uma copia da
carta escripta por elle, em conseqüência disto, sem com-
tudo imitallo absolutamente, pelo naõ dever fazer em con-
sciência. Na sobredicta carta, que me dirigio, depois de
ler dado os motivos, porque assim o practicàra, roga a
S. M. o alivie do Arcebispado, que, pelos seus annos e a-
chaques, julga superior ás suas forças.
El Rey meu Senhor, a quem fôram presentes todos,
estes papeis, vio, com muito desprazer, o procedimento da
cúria Romana, duvidando confirmar, e por ventura, pela
primeira vez em Portugal, um Arcebispo nomeado, impu-
tando-se-lhe defeitos tam graves por asserçoens vagas, e
indeterminadas, e que naõ podem recair em um Lente de
Theologia de muito saber, probidade e regular conducta;
e desapprovou, que V. S. aceitasse o modelo, que lhe
dirigio o Secretario de Estado, e o suggerisse ao Nomeado
para por elle escrever a S. Sanctidade; naÕ podendo es-
perar das suas luzes, e conhecimentos nesta matéria, e do
seu conhecido zelo, que por este modo annuisse aquella
indiscreta pretençaõ, e refinado modo de ganhar authori-
dade, para vir a conseguir-se que sejam sô nomeados BÍ9po8
os que professarem doutrinas ultramontanas, e agradarem
por isso á Cúria Romana; sendo este procedimento offen-
sivo aos direitos do Real Padroado, adquiridos por anti-
quissima, immemorial e naõ interrompida posse, e que
constituem uma das Regalias da Soberania, e aos que a
S. M. competem como protector da Religião e da Igreja,
e como Soberano, a quem toca vigiar, que os eleitos para
Politica. 589

es bispados e mais prelasias sejam pessoas idôneas; e tam-


bém offensivo ao seu Real decoro, por se pretender frus-
trar uma nomeação de sugeito tam digno de Arcebispado,
imputando* se-lhe o vicio capital de suspeiçaõ na doutrina,
com que se argue a nomeação: he alem disto de péssimo
exemplo este procedimento, que dará lugar à continuação
das pretençoens immoderadas da parte da Cúria Romana,
e que será desapprovado e censurado nas Cortes dos So-
beranos Catholicos.
Pelo que, e porque naõ convém por nenhum modo, que
da sua christandade, e veneração ao Sancto Padre, se tire
partido para invadir a authoridade Real, está El Rey meu
Senhor na firme resolução de manter illesos os seus Reaes
direitos e regalias, e me ordena participe a V. S. que o seu
procedimento em tal caso deveria ter sido naõ aceitar o
descomedido modelo, e menos suggerillo ao Nomeado;
instar e replicar com energia e vehemencia, até conseguir
a confirmação, expedindo-se a competente bulla limpa da
qualquer imputaçaõ, que arguisse a nomeação, servindo-se
para este fim das doutrinas de Direito Publico, Ecclesias-
tico e Universal, approvadas pelos escriptores orthodoxos,
e pela Universidade de Coimbra, e que saõ familiares a
V. S. e dando immediatamente conta a S. M. para deli-
berar o que mais conviesse ao seu Real serviço.
Nesta mesma conformidade mandou o mesmo Augusto
Senhor desapprovar ao Arcebispo nomeado, o haver es-
cripto a carta, confessando erros que naõ tinha, e que
vinha arguir a injustiça ou falta de circumspecçaõ na
sua eleição; o que he assas indecoroso, e com que muito
ganhou ja a Cúria Romana.
Segundo o que fica exposto deverá V. S. haver-se a
este respeito, no caso em que o negocio naõ esteja ainda
concluído, chegando até a ameaçar com rompimento, e
com estar S. M» deliberado, no caso de se naõ confirmar a
590 Politica.

nomeação, a mandálla fazer dentro no Reyno, na forma


da antiga disciplina, segundo o exemplo de outros sobe-
ranos catholicos, como practicou em tempo naõ remoto
Luiz XV. em França; o que com tudo só deve practicar-se
no ultimo extremo, e com as expressoens convenientes ao
acatamento devido á pessoa e alta jerarchia do Sancto
P a d r e ; e quando aconteça que esteja expedida a Bulla,
e ja executada com o Placito Regio, concedido no Real
Nome pelos Governadores do Reyno, V. S. pedirá, e
instará efficazmente, que se dê uma competente satis-
facçaõ a S. M. por este estranho e indecoroso procedi-
mento; ficando V. S. também na intelligencia de que
aos Governadores do Reyno se expede ordem nesta
occasiaõ, para que naõ concedam o Placito Regio, se a
bulla da confirmação, de que se tracta, naõ vier em forma
ordinária, e sem mençaõ dos deffeitos imputados ao Ar-
cebispo, e por elle d' algum modo confessados. Deus
guarde V. S. Palácio do Rio-de-Janeiro, em 30 do
Julho de 1816.
(Assignado) MARQUES D ' AGUIAR.

Senhor Jozé Manuel Pinto de Souza.

Avizo para os Governadores de Portugal.


In.»-», E E x m o . SENHOR!—Constando a S. M., por
carta, que me dirigio F r . Joaquim de Sancta Clara,
nomeado Arcebispo d' Évora, que na Cúria de Roma
se lhe negara a confirmação, por se lhe imputar suspeitas
em doutrina, approvaçaõ do Concilio de Pistoia, e escân-
dalo de algumas proposiçoens no elogio fúnebre do Mar-
quez de Pombal, recitado nas suas exéquias; e que só se
lhe concederia se confessasse e abjurasse os erros impu-
tados, escrevendo uma carta ao Sancto Padre, em con-
Política. 591

formidade de uma nota do Cardeal Gonzalvi, e um modelo


suggerído para este fim pela Cúria Romana ao Ministro
de Portugal, como este lhe fizera saber; e que a pezar de
naõ recahirem na sua pessoa aquellas injustas e vagas
imputaçoens, escrevera uma carta, naõ de todo conforme
ao modelo; mas de algum modo confessando-os, e de
que remetto copia. O mesmo Augusto Senhor, á vista
de tam estranho, e maravilhoso acontecimento, houve por
bem desapprovar o procedimento do Ministro em aceitar
o modelo, e suggeríllo ao Nomeado, quando o seu dever
éra instar pela confirmação, pugnando pela offensa, feita
com tam injusta denegaçaõ, aos seus Reaes direitos do
Padroado, adquiridos por antiquissima posse e nunca in-
terrompida, e, por ventura, pela primeira vez, em Por-
tugal disputada; aos da Soberania; e ao seu Real decoro,
e dando conta do resultado das suas instâncias, para que
S. M. deliberasse o que mais convinha ao seu Real ser-
viço; ordenando-lhe que inste com toda a energia e
efficacia, até conseguir a Bulla em forma ordinária; che-
gando até a ameaçar, no ultimo extremo, com um rom-
pimento com a corte de Roma, fazendo-lhe saber, que
S. M. está deliberado a mandar fazer a confirmação
dentro do Reyno, na forma da disciplina antiga. E foi
outro sim El Rey meu Senhor servido desapprovar ao
Arcebispo nomeado o suggeitar-se a escrever do modo
que lhe suggeriram, com o que veio quasi a confessar
defeitos, que naõ tinha, e que arguem a sua nomeação;
como consta dos officios a elles dirigidos, que vaõ com
esta por copia. E , para manter illesos os seus Reaes
direitos e regalias, determina, que os Governadores do
Reyno naõ concedam no seu Real nome o Placito Regio
á referida Bulla, se naõ vier expedida na forma geral e
custumada, e sem mençaõ alguma deste estranho, injusto,
e indecoroso procedimento. O que V. E x a . lhes par-
592 Política.

ticipará para que assim se execute. Deus guarde a V.


E x a . Palácio do Rio-de-Janeiro, em 12 de Agosto de
1816.
(Assignado) MARQUEZ D ' AGUIAR.
Senhor Patriarcha Eleito de Lisboa.

Portaria dos Governadores de Portugal, regulando os


pagamentos na t/iesouraria das tropas.
Sendo necessário fixar de um modo invariável, segundo
o systema estabelecido no Alvará de 21 de Fevereiro de
1816, a forma dos pagamentos encarregados á Thesou-
raria Geral das Tropas: Manda El Rey Nosso Senhor, que
se observe o seguinte:
I . O Reyno de Portugal será distribuído em Pagadorias
da maneira indicada no Mappa N°. 1, em relação ao actual
acantonamento dos Corpos do Exercito, ficando incum-
bidas de pagar aos Corpos mencionados no dicto Mappa,
e variando a distribuição das mesmas Pagadorias, e os
lugares, aonde devem fixar-se os Pagadores, todas as vezes
que a mudança dos Quartéis destinados para a Tropa
asssim o exigir.
II. Para os Quarteis-Mestres ajudarem os Pagadores
de Brigada, em observância do § V. do Alvará de 21 de
Fevereiro de 1816, iraõ buscar aos lugares da residência
dos referidos Pagadores os Prêts, Soldos dos Officiaes,
e mais vencimentos pertencentes aos Corpos respectivos,
senão acompanhados das escoltas necessárias para a
guarda dos dinheiros, que haõ de conduzir.
III. As Relaçoens determinadas no §§. 1 2 , 1 5 , 1 6 , e 17,
do citado Alvará, para o pagamento do soldo dos Offi-
ciaes, devem conter o estado effectivo da Officialidade dos
Corpos, o seu vencimento liquido do Monte Pio, o des-
conto para o Monte Pio, e na columna das observaçoens a
Politica. 593
nota dos Officiaes, que estiverem ausentes dos Corpos,
o motivo porque, e o lugar onde se acham destacados, ou
em diligencia (sendo essa a causa de estarem separados
dos Corpos) e as assignaturas dos Officiaes. A Copia
autentica das mesmas relaçoens, mandada remetter à
Contadoria Fiscal pela Portaria de 15 de Março ultimo,
será idêntica, igualmente assignada; e para que naõ
possa fazer duvida dar dous Documentos de Despeza
para o mesmo pagamento, deverá acrescentar-se ao
titulo do modelo A.—Duplicada para remetter á Con-
tadoria Fiscal.—Nestas Relaçoens, conforme declara o
seu titulo, se lançará tam somente o vencimento do
mez a que respeitam; e para a satisfacçaõ de venci-
mentos anteriores, que por qualquer motivo hajam de
competir aos Officiaes nellas comprehendidos, requererão
os interessados á Contadoria Fiscal, a fim de se lhes expe-
direm os Despachos de pagamento aos Pagadores de
Brigada do Districto.
IV. Os Pagadores de Brigada só pagarão a somma dos
Soldos, dos Officiaes, que assignarem as Relações men-
saes; e depois de a entregarem aos Quarteis-Metres,
ou ás Pessoas encarregadas, de a receberem (quando as
Relaçoens pertencerem a Estados-Maiores etc.) nenhum
outro pagamento faraõ pelas dietas relações.
V. Logo que a importância das Relações se entregar
ás Pessoas que a receberem, o Pagador de Brigada lhes
porá o encerramento seguinte—Pagou-se desta Relação
a quantia de....—A quantia se porá por extenso, e fechar-se-
ha o encerramento com o nome da terra, e a data em
que se fizer o pagamento.
VI. Os Officiaes, que estiverem ausentes dos Corpos,
ou exercicios a que pertencerem, e quizezem receber
pelas Relações dos mesmos Corpos, poderão fazêllo por
meio de Procurações passadas aos Quartéis-Mestres, ou
VOL. X VIII. No. 109. 4F
594 Politica.

ás Pessoas authorisadas para receber a importância das


dietas Relações, devendo as mesmas ser autenticadas pelos
Commandantes dos Corpos.
VII. Os Officiaes destacados dos Corpos, e residentes
em Lisboa, ou seja em diligencia, ou nos Estudos, deverão
trazer uma guia dos seus Chefes, por onde conste o motivo
da sua marcha paraZisòoa, e até que tempo foram incluídos
nas Relações mensaes dos vencimentos. Com esta guia se
apresentarão na ContadoriaFiscal, onde sefaraõ as Relações
para o pagamento de seus soldos, produzindo elles todos os
mezes osAttestados do estylo; e quando houverem de vol-
tar aos seus Corpos, levarão outra guia da Contadoria, que
declare até que tempo foram pagos,sem a qual naõ poderão
ser mettidos nas Relações dos vencimentos pelos Chefes
respectivos.
VIII. Os Officiaes destacados nas Provincias se munirão
igualmente de uma guia passada pelos Commandantes dos
Corpos, que entregarão ao Pagador de Brigada, em cujo
Districto forem residir. O Pagador enviará copia desta
guia á Contadoria Fiscal, conservando a original em seu
poder, a fim de fazer por ella a Relação para o pagamento,
apresentando-se-lhe os Officiaes todos os mezes com os
Attestados competentes, em que se prove a continuação da
sua commissaõ. Quando os Officiaes se recolherem aos
seus corpos, levarão uma guia do Pagador de Brigada, na
fôrma do que se dispõem no § antecedente, de que osPaga-
dores mandarão também copia autentica áContadoriaFiscal,
assim como das Relações mensaes de pagamento, feitas do
modo ordenado nos §§. 4, 5, e 6.
IX. E m quanto as Brigadas de Artilheria estiverem
reunidas emLisboa debaixo do Commando de hum sóChefe,
seraõ pagos os soldos dos Officiaes, que as compõem, por
meio de Relação feita pelo Quartel-Mestre, e assignada
pelo Commandante das Brigadas; e quando as Brigadas
Politica. 595
se separarem ; seraõ feitas as Relações pelos Commandan-
tes de cada Brigada, e entregues aos Pagadores dos Dis-
trictos, onde rezidirem, na fôrma acima declarada.
X. Os Officiaes reformados, os Pensionados do Monte
Pio, e outros ; e os Officiaes sem emprego, comparecerão
nos lugares da residência dos Pagadores de Brigada, que
ficarem mais próximos das suas habitaçoens, nos principios
dos mezes de Janeiro, Abril, Julho, e Outubro de cada
anno, nos dias determinados no Mappa N 0 2, para serem
revistados pelos Inspectores de Revistas, que haõ de achar
se naquelles pontos.
XI. Para constar da existência dos Officiaes reformados
e sem emprego, nas revistas em que naõ poderem compa-
recer pessoalmente, faraõ apresentar aos Inspectores de
Revistas Certidoens de vida, passadas pelos Parochos dos
Districtos, declarando o lugar da sua morada a sua gradu-
ação, e o Corpo em que serviram. Estas Certidoens seraõ
reconhecidas pelo Tabelliaõ; e naõ sendo Tabelliaõ da
Terra, onde se passara revista, deverá o signal do que r e -
conhecer as Certidoens de vida ser também reconhecido
por Tabelliaõ da terra, onde a revista se fizer.
XII. As Pessoas que receberem Monte Pio, Pensões,
etc. apresentarão Certidões do seu Estado, passada pelos
Parochos das suas Freguezias; e quando naõ forem pre-
sentes á Revista, deverá declarar a sobredita Certidão que
existem vivas até ao ultimo dia do trimestre, a que pertence
a Revista; seguindo-se no reconhecimeuto destas Certi-
dões as formalidades prescriptas para as dos reformados.
XIII. Os Inspectores de Revistas faraõ as Listas orde-
nadas no § 18 do Alvará de 21 de Fevereiro de 1816, com
os vencimentos do trimestre, a que respeitam e remettel-
las-haõ á Contadoria Fiscal para alli se processarem as
Relações de pagamento, e se enviarem aos Pagadores de
Brigada do Districto.
4 F 2
596 Politica.
XIV. Toda a Pessoa, que por si, ou por meio dos Do-
cumentos mencionados nos §§ precedentes, deixar de com-
parecer nas Revistas nos dias para ellas assignados, naõ
será comprehendida na Relação por onde ha de fazer-se o
pagamento do trimestre, para que se passou a Revista, po-
dendo unicamente ser incluída na Relação do Quartel em
cuja Revista apparecer.
As Authoridades, a quem competir, o tenham assim en-
tendido, e façam executar. Palácio do Governo em 2 de
Maio de 1817.

Com as Rubricas dos Governadores do Reyno.

No. 1.
Mappa da distribuição das Pagadorias onde haõ de receber
os seus Vencimentos os diversos Corpos do Exercito.

Lugar da Terras aonde estão aquar- Corpos a que haõ de pagar


Residência telados os Corpos, que
dos pertencem a cada Paga- •
Pagadores. doria No 1 Arma

a 1
Barcarena ' | Veteranos
Beirolas
Infanteira
Belém • f i Cavalleiria
Veteranos naTorre de S.Vin
í 19 Infanteria
Cascaes 3 Veteranos
Feitoria 1 Artilheria
4
" >
13 > Infanteria
LISBOA - 161 '1 Cavallaria
Lisboa •< 1 Guarda Real da Policia
1 Artífices Engenheiros
| Deposito dlmantería noCaste
Monte Pio
Reformados
a
Peniche ' 6. Veteranos
7 Infanteria
Setúbal j 4. a .
Sines . . . 1 5 . a l Veteranos
.Torre de S.Juliaõ | 7. a J
Politica. 597
/Taro 2 | Artilheria
l.a
FARO -í Lagos > Veteranos
2. a
2
' Tavira > Infanteria
14

'Campo Maior 8 | Cavallaria


X 2. a
l.a > Veteranos
ELVAS 5
Elvas 17 > Infanteria
3 Cavallaria
\ 3 Artilheria

JEv Cavallaria
Deposito d'Evora
VIÇOSA "l Jei
Jer 3. a Veteranos
Villa Viçosa 2 Cavallaria
Castello Branco 11 Cavallaria
CASTEL
Castello de Vide 8 Infanteria
DE VIDE
Partalegre 1 Caçadores

23 | Infanteria
Almeida
.' > Veteranos
GUARDA, I Guarda 7 J Caçadores
i Monsanto 6* > Veteranos
Penamacor 4
Trancoso > Caçado
8

-» l.a
í Abrantes > 2. a > Veteranes
J 20 ~1
TORRES 1 Leiria | 22 Mnfanteria
NOVAS < c
1 Santarém
í 10 J
\ 10 1 Cavallaria
m Thomar 2 Caçadores
l Torres Novas 1
7 1 Cavallaria
1
-
Aveiro í 10 Caçadores
(. 4.a 1
Buarcos l.a
Castello de S. JoaÕ da Foz 2. a /*• Veteranos
Castello de Mato sinhos 3. a )
OPORT J Feira . 11
> Caçadores
Penafiel 6

Porto Si 4
> Infanteria
í .. •
Artilheria
L l(. 1 Corpo da Policia

Lamego . . 5

Í S. Pedro do Sul
Villa Real
Vizeu.
9
3
11
} Caçadores

Infanteria
598 Politica.

24 I Infanteria
BRAGAN- 3 Bragança
CA
-*
)
v. Miranda
{ 12
2.a
I Cavallaria
)• Veteranos
S.a '

g > Cavallaria
CHAVES •< Chaves
v { 12 Infanteria
l.a I Veteranos
^Braga . 15
i Guimarães 1 3 • Infanteria
i Lindoso . i 4.a Veteranos
PONTE ., 1 Ponte de Lima i 12 Caçadores
21 Infanteria
DE LIMA \ Valença
i ã.a
9
Veteranos
Infanteria
Vianna
^ Villa do Conde
{ 2.a r
Veteranos
l.af
1

No. 2.
Mappa das Épocas em que ha de fazer-se a Revista dos
Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego, e das
Pessoas que recebem Monte Pio, Pensões etc.

Ponto on-
de ha de
fazer-se Classes Revistadas
a Revista

;.i g e « i
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I Janeiro !a s"S S Í
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LISBOA*/ Abril S «*8 S-O S
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, ( 2 e 4 Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego,

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Janeiro 1 8 e 5 p e a s o a 3 q u e recebem Monte Pio, Pensões e\c.
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8 Reformados, e Officiaes sem Emprego

l I 2 e 4 I /P Officiaes
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O í"íi "3UC *"e<'ebem MeoOfficiaes
Reformados,
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Pio-sem
Pensões etc.
Emprego
ELVAS -t* Abrü
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_ j Pessoas que recebem Monte Pio, Pensões etc
Politica. 599
Ç Janeiro 2 e 3*\
VILLA 3 ih,ii -, Idem.
VIÇOSA j A X Í \•1 e 2 V
C Outubro J

Janeiro 12,18,14"-»
CAST.
DE Abril V Idem.
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Julho % 11. 1 2 , 1 4 1
Outubro 'i 2 e 4 J
Officiaes Reformados, e Officiaes semEmprego
í Janeiro <
GUAR- J A b r U * 3 e 5 Pessoas que recebem Monte Pio, Pensões etc.
DA J Julho 1 * e 8 (Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego
f Outubro ' 3 e 4 * P e s s o a 3 1 u e recebem Monte Pio, Pensões etc.

í Janeiro
TORES J . . . .
{ 32 ee 54 Pessoas
Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego.
que recebem Monte Pio, Pensões etc.

C Outubro
}2 e 4 } Pessoas que recebem Monte Pio, Pensões etc.
1 e 8 f Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego

2 e 4 Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego,


I Janeiro <
3 e 5 Pessoas que recebem Monte Pio, Pensões etc.
i Julho \ " e 4 í Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego,
l Outubro ' ' e ' '• P e s s o a s 1 u e recebem Monte Pio Pensões etc.

(le 4 1 Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego.


i Janeiro
S. PE- V I8 e 5 5 Pessoas que recebem Monte Pio, Pensões etc.
DRO -< Abril
*» 1 e 3 í Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego,
DO SUL J Julho
)! e 4 | Pessoas que recebem Monte Pio, Pensões etc.
v. Outubro

{•Janeiro 8 e 9--j
BRA- 1 . . ., Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego,
Pessoas que recebem Monte Pio, Pensões etc.
(. Outubro

{"Janeiro í e 3*1
CHA-
-< Abril . > Idem
VES
J Julho U H
L Outubro * )

:. e 4 Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego


PONTE \J*"*e***o \ 3 e 5 Pessoas que recebem Monte Pio, Pensões etc.
IIMA i J^h > 1 e 3 í Officiaes Reformados, e Officiaes sem Emprego
f Outubro > S e 4 « P e s s o a s 1 u e recebem Monte Pio, Pensões etc.

OBSERVAÇÃO.
Quando sueceder que os dias destinados para a Revista em Abril, venham a
eahir em quinta feira de Endoenças, sexta feira deftixaõ ou Domingo de Páscoa,
mudar-se-haõ as Revistas para os dias que proximamente se lhes seguirem.
600 Politica.

LISBOA.

Aviso ao Conselho da Fazenda, sobre os Cônsules Por-


tuguezes, que naÕforem naturalizados.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor:—El Rey Nosso
Senhor, tendo presente, que alguns Estrangeiros naõ na-
turalizados, que se acham empregados no seu RealServiço
nos lugares de Cônsules, e Vice-Consules em as Cidades
Marítimas da Europa, e America, pertendêram gozar nas
Alfândegas do Reyno- Unido da reducção dos Direitos de
entrada estabelecida pelo Decreto de l i d e Junho de 1808
a favor do Commercio, e Navegação Nacionaes: foi servido
declarar, que a mercê do Decreto não se pôde extender aos
Estrangeiros não naturalizados, que ora servem e no futu-
ro servirem nos dictos Lugares, por ser restricta aosVassal-
los Portuguezes, ou aquelles Estrangeiros, que houverem
obtido carta de Naturalização. — O que V Exc a . fará pre-
sente no Conselho da Fazenda, para que assim se execute.
Deos guarde a V Exc. — Palácio do Governo em 11 de
Março de 1817.
JOAÕ ANTÔNIO SALTER DE MENDONÇA
Senhor Visconde de BALSEMAÕ."

REVOLUÇÃO NO BRAZIL.
Ordem do dia do Capitão General de Pernambuco.
Quartel General do Recife, 4 de Março 1817.
O Ill m o . E x m ° . General, constando-lhe no dia pri-
meiro do corrente, que nesta Villa, entre os nascidos em
Portugal e os nascidos no Brazil ha presentemente alguns
partidos, fomentados talvez por homens malvados, com a
louca esperança de tirarem alguma vantagem das des-
graças alheias, sem se lembrarem, de que todos somos
Politica 601
Portuguezes, todos vassallos do mesmo Soberano, todos
concidadãos do mesmo Reyno Unido, e que nesta feliz
uniaõ, igualando e ligando com os mesmos laços sociaes
os de um e outro continente, so deve dividir e separar
aos que fomentam tam perniciosas rivalidades. Dese-
jando S. Ex a . que sentimentos e ideas tam erradas, e tam
fôra de tempo, naõ contaminem a tropa, manda recom-
mendar aos senhores officiaes, e a todos os que tem a
honra de servir debaixo das bandeiras de Sua Majestade
Fidelissima, que, guardando a subordinação estabelecida
pelas leys militares, vivam entre si na melhor harmonia
c amizade, naõ tractem nem tenham sociedades com estes
homens impestados, que pretendem enganallos com falsas
suggestoens; e que se persuadam, sem a menor excitaçaõ,
que o lugar, em que cada um nasce, naõ lhe dá mereci-
mento algum; sendo o amor e fidelidade ao Soberano, o
patriotismo, e observância das leys, o exacto cumprimento
do que devem a Deus e a si mesmos e aos outros, os
talentos e os conhecimentos, as nobres qualidades, que
distinguem os homens; embora nascessem elles na E u -
ropa, ou na America, na África ou na Ásia. Ordena
outro sim, que esta se dê por copia, e seja lida nas com-
panhias, até que fiquem todos inteirados das verdades, que
nella se contém.
(Assignado) CAETANO P I N T O D E MIRANDA MONTENEGRO.
Ajudante d' ordens.

Ultimatum dos Patriotas dirigido ao Exmo. Senhor


Caetano Pinto de Miranda Monte Negro.
Os Patriotas sabem apreciar as qualidades pacificas de
S. Exa., que movido por máos Conselheiros nos queria
submergir em todas as desgraças. Nós pelo mesmo res-
peito a S. Ex t t . daremos segurança a todos os indivíduos
VOL. X V n i . No. 109. 4G
602 Politica.
que o acompanharem, e debaixo da nossa palavra pro-
metemos, que tanto a sua pessoa, como essas outras seraõ
salvas de todos os riscos, e perigos, com as condiçoens se-
guintes.
I a . Q u e a Tropa do Paiz, que se ache na Fortaleza
do Brum saia com suas Armas para se unir ao Corpo,
que se postar em certa distancia da mesma Fortaleza, no
termo de uma hora depois da recepção desta.
2a. Q u e um Corpo de Tropas Patriotas entrará suc-
cessivamente na dieta Fortaleza para tomar posse delia, em
nome da Pátria, e este Corpo irá encarregado da pro-
tecçaõ da pessoa de S. Exa. e daquelles que lhe forem
adherentes, ou o quizerem acompanhar.
3 a . Q u e os Patriotas lhe aprontarão, o mais breve
possivel, para o seu transporte para o Rio de Janeiro,
uma Embarcação de suficiente capacidade, na qual S. Ex a .
será obrigado a embarcar com as pessoas de sua com-
panhia.
Naõ sendo admittidas por S. Exa. estas tres condiçoens»
os Patriotas declaram, que naõ responderão mais pelas
conseqüências, ainda mesmo as que tocarem na segu-
rança pessoal de S. E x a . sua familia, e companhia, pro-
testando naõ admittir nenhuma negociação em differentes
termos.
A reposta ha de ser dada dentro naquelle mesmo prazo
de uma hora, que se prescreveo para a sahida da Tropa do
Paiz, que se acha na Fortaleza.
Dado no Campo do Patriotismo, aos 7 de Março de
1817.
(Assignados) O Padre. JOAÕ RIBEIRO PESSOA.
DOMINGOS JOZE MARTINS.
M A N U E L CORRÊA DE ARAÚJO.
Politica. 603

Resolução do Conselho de Guerra convocado pelo General


de Pernambuco, para capitular com os insurgentes.
Aos Sette d e Março de mil oito centos e dezasette,
sendo propostas em Conselho de G u e r r a as propoziçoens
dos Senhores Officiaes, que estaõ á testa da revolução d' esta
Capitania, assentaram uniformemente o Senhor Marechal
Joze Roberto P e r e i r a d a Silva, o Senhor Brigadeiro G o n -
çalo Marinho de Castro, o S e n h o r Brigadeiro Luis A n t o -
nio de Salazar Moscozo, e o Senhor Brigadeiro Jozé
Péres Campêllo, q u e naõ podiam deixar d e admittir-se
as dietas proposiçoens, por naõ h a v e r e m nem braços para
a defeza da F o r t a l e z a , n e m muniçoens de boca e de
guerra, naõ podendo t e r outro êxito qualquer tentativa
de resistência senaõ para d e r r a m a r - s e sangue inutilmente,
e, conformando-me e u com este parecer, mandei lavrar
este termo que todos assignâram, com declaração porem
que as familias daquelles officiaes, que m e acompa-
nharem, seraõ illezas em quanto ás suas pessoas e p r o -
priedades.
(Assign.) CAETANO P I N T O D E MIRANDA M O N T E NEGRO.
J O Z E R O B E R T O P E R E I R A DA S I L V A .
GONÇALO M A R I N H O D E CASTRO.
Luís ANTÔNIO SALAZAR MOSCOZO.
JOZE PÍERES CAMPÊLLO.

EleiçaÕ de um Governo Provisório em Pernambuco,


depois de expulso o Governador pelo povo.
Nós abaixo assignados, presentes para votarmos na n o -
meação de u m Governo Provizorio, p a r a cuidar n a Cauza
da Pátria, declaramos á face de D e u s , que temos votado,
e nomeado os Cinco Patriotas s e g u i n t e s ; da parte do
Eclesiástico o Patriota J o ã o Ribeiro Pessoa Montenegro .
da parte Militar, o Patriota o Capitão Domingos Theotonio
4 G 2
604 Politica.

Jorge Martins Pessoa: da parte da Magistratura o Patriota


Jozé Luis de Mendonça; da parte da Agricultura o Pa-
triota o Coronel Manoel Correia de Araújo: e da parte
do Commercio o Patriota Domingos Jozé Martins; e ao
mesmo tempo todos confirmamos esta Nomeação, e juramos
de obedecer a este Governo, em todas as suas delibe-
raçoens, e ordens. Dado na Caza do Erário ás doze horas
do dia sette de Março de mil oito centos e dezassette: e Eu
Maximiano Francisco Duarte o escrevi.
(Assignados) Luís FRANCISCO DE P A U L A CAVALCANTE,
JOZE XAVIER DE MENDONÇA.
J O Z E IGNACIO RIBEIRO DE ABREU LIMA,
JOAQUIM RAMOS D E ALMEIDA.
MAXIMIANO FRANCISCO DUARTE.
1
F R C ° . D E BRIO. BEZ "*». CAv-e DE ALBU-
QUERQUE.
JOAQUIM J O Z E V A Z SALGADO.
m
ANTÔNIO JoAQ . FERRa. DE S. PAIO.
F R A N C . DE P A U L A CAVALC- C . DE ALBUQR*.
FELIPPE NERI FERREIRA.
JOAQUIM DA ANNUNCIA.;AÕ E SIQUEIRA.
THOMAS FERREIRA VILLANOVA.
J O S É M A R I A D E VAS S : ) S . BOURBON.
FRANCISCO DE PAULA CAvte. JÚNIOR.
THOMAS J O Z E A L V E S DE SEQUEIRA.
JOAÕ D E A L B U Q U E R Q U E MARANHAM.
JOAÕ M A R I N H O FALCAÕ.

Manifesto do Governo Provisório de Pernambuco.


HABITANTES DE PERNAMBUCO.

A Providencia Divina, que pelos seus inscrutaveis


desígnios sabe extrahir das trevas a luz mais viva, e pela
Politica. 605
sua infinita bondade naõ permitte existência do mal senaõ
porque sabe tirar delle maior bem, e a felicidade, con-
sentio, que alguns espíritos indiscretos, e inadvertidos de
que grandes incêndios se podem originar de uma peque-
na faísca, principiassem a espalhar algumas sementes de
um mal entendido ciúme, e rivalidade entre os filhos do
Brazil, e da Europa, habitantes desta Capital, desde a
Época em que os encandeamentos dos suecessos da Europa
entraram a dar ao continente do Brazil aquella conside-
ração de que elle era digno, e para que naõ concorreram
nem podiam con correr os Brazileiros. Porque; que culpa
tiveram estes de que o Principe de Portugal sacudido da
sua Capital pelos ventos impetuosos de uma invazaõ ini-
miga, sahindo faminto d' entre os seus Luzitanos, viesse
achar o abrigo no franco e generozo Continente do Brazil,
e matar a fome, e até a sede na altura de Pernambuco,
e pela quasi Divina Providencia, e liberalidade dos seus
habitantes ? Que culpa tiveram os Brazileiros de que o
mesmo Principe Regente, sensível à gratidão, quizesse
honrrar a Terra, que o acolhera com a sua rezidencia
e estabelecimento de sua Corte, e elevai Ia á cathegoria
de Reino? Aquellas sementes de discórdia desgraça-
damente fruetilicaram em um Paiz, que a natureza amiga
dotou de uma fertilidade illimitada, e geral. Longe de
serem extirpadas por uma maõ hábil, que tinha para isso
todo o poder, e soffocállas na sua origem, foram nutridas
por mutuas indiscriçoens dos Brazileiros, e Europeos;
mas nunca cresceram aponto de se naõ poderem extinguir,
se houvesse um espirito conciliador, que se abalançasse
á esta empreza, que naõ era muito árdua. Mas o espirito
do despotismo, e do máo conselho recorrêo ás medidas
mais violentas, e pérfidas, que podia excogitar o demônio
da perseguição. Recorreo-se ao meio tyranno de perder
Patriotas honrados, e beneméritos da Pátria, de fazêlla
606 Politica.
ensopar nas lagrimas de mizeras familias, que subsistiaõ
do trabalho, e socorros de seus Chefes, e cuja perda arras-
tava com sigo irrezistivelmente a sua total ruina. A na-
tureza, o valor, a vista espantadora da desgraça a defeza
natural reagio contra a tyrannia, e a injustiça. A Tropa
inteira se suppôs involvida na ruina de alguns dos seus
Officiaes, o grito da defeza foi geral; elle resoou em
todos os ângulos da Povoaçaõ de S. Antonio; o Povo
Se tornou Soldado, e protector dos Soldados, porque eram
Brazileiros como elles. Os déspotas aterrados pelo povo,
e inesperado espectaculo, e ainda mais aterrados pelapro-
pia consciência, que ainda no seio dos ímpios levanta o seu
tribunal, dieta os seus juizos, e crava os seus punhaes,
desampararam o lugar d'onde haviam feito sahir as ordens
homicidas. Habitantes de Pernambuco crêde, até se
haviam tomado contra os vossos compatriotas meios de os
assassinar, indignos da honrra, e da humanidade. Os
Patriotas no fim de duas horas acharam-se sem Chefe, sem
Governador: era precizo precaver as desordens da anar-
chia, no meio de uma Povoaçaõ agitada, e de um
Povo revoltado. Tudo se fez em um instante, tudo
foi obra da prudência, e do patriotismo. Pernambucanos,
estai tranquillos, aparecei na Capital, o Povo está con-
tente ; já naõ há distineçaõ entre Brazileiros, e Europeos,
todos se conhecem Irmãos descendentes da mesma ori-
gem, habitantes domesmo Paiz, professores da mesma
Religião. H u m Governo Provizorio illuminado, escolhido
entre todas asOrdens do Estado prezide á vossa felicidade,
confiai no seu Zello, no seu Patriotismo. A Providencia,
que dirigio a obra, ella a levará ao termo. A empreza filha
do Ceo a protegerá: vos vereis consolidar-se a vossa
felicidade, vós sereis livres do pezo de enormes tributos,
que gravam sobre vós; o vosso, e nosso Paiz subirá ao
ponto de grandeza, que ha muito o espera, e vós colhereis
Politica. 607
o fructo dos trabalhos, e zello dos vossos Cidadãos.
Ajudai-os com os vossos conselhos, elles seraõ ouvidos;
com os vossos braços, a Pátria espera por elles: Com a
vossa applicaçaõ à agricultura; uma naçaõ rica, he uma
naçaõ poderoza. A Pátria he a nossa Mãy commum, vós
sois seus filhos, sois descendentes dos valorozos Luzos,
sois Portuguezes, sois Americanos, sois Brazileiros, sois
Pernambucanos. Dada na Caza do Governo Provizorio
aos 9, de Março de 1817.

O P A D R E JOAÕ RIBEIRO PESSOA.


DOMINGOS J O Z E M A R T I N S .
M A N U E L CORRÊA D E A R A Ú J O .

Decreto do Governo Provisório de Pernambuco, para


augmentar o soldo das tropas.
O Governo Provizionario de Pernambuco, tendo em
consideração o pouco soldo, com que se gratificava os
nobres trabalhos dos que defendem a Pátria, dando por
ella o sangue, e a vida, e attendendo aos relevantes Ser-
viços, que fez a Tropa Pernambucana, no dia critico, em
que teve de debelar o despotismo, e a perseguição, que
hia á lavrar sobre um Povo generozo, e inocente, tem
decretado, e decreta o seguinte:
I o . Venceráõ de soldo mensal; O Coronel de Infantaria
80 mil reis. Tenente Coronel 65. Major 50. Capitão
35. T e n . 2 5 . Alferes 18. Sargento vencerá por dia
280, rs. Furriel 200, Cabo 160, Soldado 100.
2 o . Coronel de Caçadores terá por mez 90 mil reis. T e -
nente Coronel 70. Sargento Mor 60. Capitão 42. T e -
nente 30. Alferes 24. Furriel por dia 240 rs. Sargento
320 rs. Cabo 200 rs. Soldado 120.
3 o . Coronel de Artilheria terá por mez 100 mil rs. T e -
608 Politica.

nente Coronel 80. Sargento Mór 70. Capitão 50. Te-


nente 35. 2°. Tenente 30. Sargento terá por dia 360
rs. Furriel 320 rs. Cabo 240 rs. Soldado 140.
Os Cirurgioens Mores, e Capelães seraõ considerados
na graduação de Capitães ligeiros; os Ajudantes, Secre-
tários, e Quartéis Mestres graduados em Tenentes ligei-
ros; Tambores Mores em Sargentos; os Tambores teraõ
por dia 160 rs. a Muzica terá uma gratificação mensal
de 50 mil rs. sobre o Soldo de Soldado Infante.
Todos teráõ o pao que actualmente tinham.
Haverá unicamente duas Classes de Officiaes Generaes.
I a . de General em Chefe 2 a . de General de divizaõ: O
General em Chefe terá de Soldo mensal 300 mil rs. Ge-
neral de Divizaõ 200.
Os corpos de Cavalaria, que se houverem de estabelecer
teráõ o mesmo Soldo que vencerem os corpos Caçadores.
Os Ajudantes, Majores, Coronéis de Artilheria, e Caça-
dores, Generaes de Divizaõ, General em Chefe, teraõ
Cavallos, para cujo sustento teráo 400 rs. diários. Os
Majores, Ajudantes, Tambores Mores, e Pifanos dos
Corpos Milicianos teraõ o mesmo soldo que tem os corpos
de Infantaria. Dada na Caza do Governo Provizorio, aos
8 de Março de 1817.
(Assignados) O P A D R E JOAÕ RIBEIRO PESSOA.
DOMINGOS JOZE M A R T I N S .
M A N U E L CORRÊA D E ARAÚJO.

Decreto do Governo Provisório de Pernambuco, abolindo


vários impostos.
Considerando o Governo Provizorio de Pernambuco
quanto odioza he, e mesmo contraria aos principios de
Economia Publica, e pezada ao povo, a impoziçaõ do Al-
Politica. 609

vara de 20 de 8br°. de 1812 sobre lojas de fazendas e mo-


lhados, embarcaçoens, canoas, &c. e considerando outro
sim que nos mesmos e outros defeitos labora o imposto
de 160 reis por arroba de subsidio militar sobre a carne,
alem de tornar desigual a sorte dos habitantes do mesmo
Paiz, e membros do mesmo Estado, não tem outra ten-
dência mais do que o encarecer sobre maneira um gênero
de primeira necessidade, e estorvar a criação de gados, tam
necessária á subsistência dos Povos; depois de ouvir o
parecer de pessoas zelozas do bem publico,e intelligentes
na matéria.
Decreta e decretado tem a abolição total dos menciona-
dos tributos. E como alguns delles se acham arrematados
se terá para com os arrematantes, na cobrança dos seus
respectivos contractos, respeito á quota da diminuição que
sofrem pela prezente abolição. As Authoridades com-
petentes o tenham assim entendido, e o façam cumprir pela
parte que lhes pertence.
Caza do Governo, em 9 de Março de 1817.
(Assignados) O P A D R E JOAÕ R I B R E I R O P E S S O A .
DOMINGOS J O Z E M A R T I N S .
M A N U E L CORRÊA D E A R A Ú J O .

Decreto do Governo Provisório de Pernambuco, sobre a


compra de armamentos.
Patriotas Pernambucanos, o Governo Provizorio vos
adverte, que tudo naÕ está feito, com a feliz revolução,
effeituada por vossos esforços, e com ajuda da Bemfazeja
Providencia; muito mais resta a fazer.
O golpe assustou nossos inimigos, mas naõ os destruio;
qualquer vento do dezerto pode trazer a este Paiz novo
bando de arrazadores gafanhotos. Cumpre estarmos
promptos a exterminallos. FaltaÕ muniçoens, e armas
VOL XVIII. No. 109. 4H
610 Politica.
aos braços de muitos valentes Patriotas, e ellas existem
em nosso território. O Governo julgou do seu dever
convidar aos Patriotas, que as possuem, a que as vendam
pelos preços, que a justiça dieta. O Governo está certo
que naõ abusareisdas circumstancias actuaes, pretendendo
preços exorbitantes, elle conhece vossos sentimentos e vos
faz justiça, e repouza na vossa generozidade. Concorrei
pois ao Quartel General a aprezentar as vossas minutas,
que seraõ com exactidaõ satisfeitas á bocea do Cofre.
Caza do Governo, 10 de Março de 1817.
(Assignados) O P A D R E JOAÕ RIBEIRO PESSOA.
DOMINGOS JOZE M A R T I N S .
M A N U E L CORRÊA D E ARAÚJO.

Decreto do Governo Provisório de Pernambuco, orde-


nando o tractamento de vós.
O Governo Provizorio tendo em vista, de uma parte a
precizaõ da devida subordinação á authoridade depozitaria
do poder publico, e a necessidade de sua expressão por
formulas prescriptas, e de outra, a perfeita igualdade de
cada Patriota a respeito dos outros: Decreta e decretado
tem o seguinte, no titulo—Patriotas Governadores Provi-
zorios-e no contexto osingelo tractamento de vos; único que
compete áos Patriotas, tanto na sua capacidade collectiva,
como individual. Caza do Governo, 10 de Março de
1817.
(Assignados) O P A D R E JOAÕ RIBEIRO PESSOA.
DOMINGOS J O Z E MARTINS.
M A N U E L CORRÊA D E ARAÚJO.

Preciso dos suecessos, que tiveram lugar em Pernam-


buco desde a faustissima, e gloriosíssima revolução ope-
Politica. 611

rada felizmente na Praça do Recife aos 6 do corrente


mez de Março, em que o generoso esforço de nossos
bravos Patriotas exterminou daquella parte do Brazil o
Monstro infernal da tyrannia Real.
Depois de tanto abusar da nossa paciência, por um
systema de administração, combinado acinte para susten-
tar as vaidades de uma Corte insolente, sobre toda a
sorte de oppressaõ de nossos legitimos direitos, restava
calumniar agora a nossa honra com o negro labéo de
traidores aos nossos mesmos amigos, parentes, e com-
patriotas naturaes de P o r t u g a l ; e era esta por ventura
a derradeira peça, que faltava de se pôr á machina da
politica do insidioso Governo extincto de Pernambuco.
Começou o pérfido por illaquiar a nossa singeleza, pro-
clamando publicamente a 5 deste mez, que era amigo
sincero dos Pernambucanos, que tinha repartido seu
coração com elles, escrevendo estes enganos com a mes-
ma pena, com que acabava de encher no segredo do seu
gabinete listas de proscriptos, que tinha de entregar nas
maõs do algoz. Brasileiros de todas as classes, a moci-
dade de mais espirito do paiz, os Officiaes mais bravos
das Tropas pagas, em uma palavra os filhos da Pátria
de maior esperança, e mais distincto merecimento pessoal.
Amanheceo em fim o dia 6, em que as enchovias haviam
de ser atulhadas de tantos Patriotas honrados, e suas
familias alagadas de dor, e de lagrimas: convoca o mal-
dicto um Conselho de Officiaes de Guerra, todos invejosos
de nossa gloria, e depois de ter assignado com elles a
atroz condemnaçaõ daquellas innocentes victimas, des-
pacha dali mesmo os que lhe pareceram mais capazes de
lhe dar execução. Uns correm aos quartéis militares,
outros ás casas particulares, fervem prisoens por toda a
parte, e ja as cadeias começam de se abrir para ir en-
golindo um por um dos nossos bons Compatriotas.
4 H 2
612

Aqui porem mostraram os nossos, como tinham capa-


cidade para saber conhecer, que a desobediência tem
todo o preço de heroismo em certos casos, e he quando
com ella se salva a causa da Pátria. Um bravo Capitão
deo o signal do dever de todos, fazendo descer aos infernos
o principal agente da injustíssima execução; corre-se as
armas, e poucas horas daquelle mesmo dia foram todo o
tempo de começar, e acabar taõ ditosa revolução, que
mais pareceo festejo de paz, que tumulto de guerra,
signal evidente de ter sido toda obra da Providencia, e
beneficio da Benção do Todo Poderoso.
O Ex-G eneral tinha-se recolhido á Fortaleza do Brum,
e aonde suppunha achar uma praça de defeza, achou a
prisaõ da sua pessoa, e dos seus. Recorreo a proposi-
çoens pacificas, que acabaram n'um conclusum, com que
foi obrigado a conformar-se no da 7 pelas seis horas da
manhaã. Desde logo foi restabelecida toda a ordem
publica, naÕ se ouviram mais outras vozes, que de acla-
maçoens geraes, dignas do dia, em que um immenso
Povo entrava na posse de seus legitimos direitos sociaes.
Foi conseqüência disto naõ ter havido até agora se quer
um só distúrbio, nem motivo qualquer de queixa.
A 8 se installou o Governo Provisório, composto de
cinco Patriotas tirados das differentes classes; o qual Go-
verno tem sido sempre permanente em suas sessoens. O
seu primeiro cuidado foi desabusar os nossos Compatriotas
de Portugal dos medos, e desconfianças, com que os
tinham inquietado os partidistas da tyrannia, recebenbo a
todos com abraços, e ósculos, segurando as suas familias,
pessoas, e propriedades de toda a sorte de injuria, fazen-
do-os continuar em seu commercio, tráfegos, e occupa-
çoens, com maior liberdade, que dantes, proclamando
em fim por um bando os sentimentos do Governo, e do
Povo, e naõ haver mais daqui por diante differença entre
Politica. 613
nós de Brazileiros a Europeos; mas deverem todos ser
tidos em conta de uma só e única familia, com igna]
direito a huma só, e a mesma herança, que he a pros-
peridade geral de toda esta Provincia.
A 9 tudo se achava no mesmo espirito de concórdia, e
pacificação geral, sem o Povo se resentir d^outra novi-
dade, que das bondades do Governo, todo applicado a
promover a segurança interior, e exterior, por medidas
acertadas, buscando esclarecer a sua marcha com dividir
as matérias de maior importância por committés compostos
das pessoas de maior capacidade, conhecida para cada uma
dellas, com que tem obtido ao mesmo tempo popularizar
as suas deliberaçoens o mais possível-
Naquelle mesmo dia oGovernofoi permanente até* a meia
noite, para continuar diversos d spachos, que hoje appa-
rece ram, sendo dos mais importantes fazer entrar osFunc-
cionarios públicos nas suas occupaçoens, como d'antes,
sem tirar ninguém do seu officio, proscrever as formulas
de tratamento até agora usadas, sem admitir nenhuma
outra, que a de-Vos, mesmo com elle Governo, abolir
certos impostos modernos de manifesta injustiça, e op-
pressaõ para a Povo, sem vantagem nenhuma da Naçaõ
&c. &c. E tal he o nosso estado politico, e civil até hoje
10 de Março de 1817.
Viva a Pátria, vivao os Patriotas, e acabe para sempre
a tyrannia Real.
(Assignados) O P A D R E JOAÕ R I B E I R O P E S S O A .
DOMINGOS J O Z E M A R T I N S .
M A N U E L CORRÊA D E A R A Ú J O .

Decreto do Governo Provisório de Pernambuco, fazendo


entrar no Erário os rendimentos daMeza da Inspecçaõ.
Considerando os Patriotas Governadores Provizorios
614 -_.
do Estado de Pernambuco, que, debaixo da administra-
ção da Meza da Inspecçaõ se acham diversos rendimentos,
provenientes de imposiçoens sobre este Estado, applicados
ás despezas particulares da Juncta do Commercio da Corte
do Rio-de-Janeiro, por Alvará de 15 de Julho de 1809
com tanta offensa dos direitos deste Estado; ordenara á
mesma Meza da Inspecçaõ, em quanto naõ se determina
o meio mais appropriado para a sua arrecadação, haja de
fazer entrar immediatamente no Erário deste Estado,
com a quantia que se achar existente, e proceder pela
mesma forma mensalmente com as que se houverem do
receber pela sua repartição. A mesma Meza da In-
specçaõ o tenha assim entendido, e o faça executar, Caza
do Governo, 10 de Março de 1817.
(Assignados) O P A D R E JOAÕ RIBEIRO PESSOA.
DOMINGOS JOZE MARTINS.
M A N U E L CORRÊA D E ARAÚJO.

Decreto do Governo Provisório de Pernambuco, aggregando


ao Erário a administração da extincla Companhia
de Pernambuco.
Considerando os Patriotas Governadores Proviziorios,
que entre as tristes conseqüências do systema regulamen-
tario em economia publica da Corte do Rio-de-Janeiro,
he uma dellas a oppressaõ da Agricultura deste Estado de
Pernambuco, pelo monopólio da denominada Companhia
de Pernambuco, e o pezo dos juros acumulados, e conside-
rando outro sim, que a sua complicada administração alem
de inútil, he pezada pelas suas grandes despezas, e que
estando a sua cobrança, prelevadas estas, ja aggregada ao
Erário, convence mais claramente a inutilidade de uma
administração separada, muito principalmente nos termos,
Politica. 615

em que se acha de uma absoluta liquidação, e querendo ao


mesmo tempo dar quanto antes aos lavradores deste vasto
continente a prova mais diciziva das suas medidas liberaes,
naõ perdendo de vista com tudo os meios de supprir a ne-
cessidade publica na prezente crize ; decreta, e decretado
tem.

1. A Administração dos fundos da extincta Companhia


de Pernambuco será aggregada ao Erário deste Estado.
2. Todo o lavrador, que no prazo de dous annos pagar
mensalmente o Capital das suas dividas á mesma extincta
Companhia, fica ipso facto desobrigado do pagamento dos
juros vencidos.
3. Os Empregados na extincta administração seraõ
aproveitados nos departamentos, que novamente se devem
crear, em utilidade publica.
4. O Patriota Gervazio Pires Ferreira fica encarregado
da execução deste nosso decreto, propondo-nos, á vista do
estado da mesma administração, os melhoramentos eco-
nômicos de que ella he suceptivel.
Pernambuco, 11 de Março de 1817.
(Assignados) O PADRE JOAÕ RIBREIRO PESSOA
M A N U E L CORR. D E ARAÚJO
JOZE Luís D E MENDONSA
DOMINGOS JOZE MARTINS

Decreto do Governo Provisório de Pernambuco, confir-


mando o Cônsul Britannico.
O Governo Provizorio vos partecipa que fica certo da
genuidade dos titulos, que hoje lhe apprezentastes, em
virtude dos quaes servieis o emprego de Cônsul da NaçaÕ
Britannica neste Estado, outróra Capitania, e vos annucia,
616 Política.
que o podeis continuar da mesma forma, e maneira, com que
o exercieis perante o extincto Governo, uma véz que te-
nhaes o devido cumpra-se, para o que nos remeterei* os dic-
tos titulos em officio vosso. Deus vos Guarde. Caca do
Governo, 11 de Março de 1817.
Senhor Joaõ Lempriere, Cônsul
da Nacçaõ Britânica.
(Assignados) O PADRE JOAÕ RIBEIRO PESSOA.
DOMINGOS JOZE MARTINS.
MANUEL CORRÊA DE ARAÚJO.

Proclamaçaõ do Governo Provisório de Pernambuco,


mandando retirar a gente, que se offerecia a servir.
Valorozos Pernambucanos, caros Patriotas, a cara Pá-
tria, o Governo Provizorio, Eu, e todos os homens hon-
rados, e virtuozos Patriotas, cheios de um júbilo que
nunca sentimos, vos damos os devidos agradecimentos
pelo heroísmo com que, deixando repentinamente vossas
mulheres, vossos filhos, vossas cazas, vossos trabalhos
campetres, viestes denodados socorrer a Mãy Pátria, aos
vossos inocentes Irmaõs ameaçados por um bando de
malvados. Os infames tyrannos, cheios de crimes, e ver-
gonha, tem desapparecido; as Capitães gozam de profunda
paz, e harmonia; ja naõ ha diferença de Pernambu-
canos á Europeos; todos somos Irmaõs; a Pátria pois
naõ perciza agora dos vossos valorozos braços para a sus-
tentação da grande cauza da liberdade ; voltai pois hon-
rados Patriotas para os braços de vossas famílias, abraçai
com ternura, em nome da Pátria, e da liberdade, vossas
virtuozas mulheres, e caros filhos; trabalhai como ho-
mens livres, e vossos trabalhos seraõ de hoje em diante
abençoados: no momento que a Mây Pátria precizar da
Polüica. 617
, bravura, ella vos chamará, e conta de certo, que o
valor, pondo azas em vossos valentes pés, em um instante
cobrireis estes mesmos felices lugares, que ora pizais.
Palácio do Governo Provizorio, 12 de Março de 1817.
(Assignado) BERNARDO Luís FERR». PORTUGAL.

Decreto do Governo Provisório de Pernambuco, para


crear um corpo de cavallaria.
Convindo muito à defeza do Estado criar um Corpo
de Cavallaria, e naõ permittindo as actuaes circumstanciss
que as rendas publicas bastem & todas as suas exigências,
e attendendo ao enthusiasmo, que o Povo Pernambucano
tem desenvolvido na cauza publica, o Governo Provizorio,
depois de ouvir pessoas doutas, entendidas na matéria,
e zelozas do bem publico, decreta e decretado tem.
Io. Hê permittido a todo o Patriota levantar com per-
missão do Governo Companhias de Soldados a Cavallo.
2°. Aquelle que a levantar fardada, montada, e armada
à sua custa, terá o posto de Capitão, e as honras respec-
tivas, e o direito de nomear os Officiaes subalternos, e in-
feriores da dieta Companhia, e o direito de preferencia nas
promoçoens em igualdade de circunstancias. Dado na
Casa do Governo aos 15 de Março de 1817.
(Assignados) O PADRE JOAÕ RIBEIRO PESSOA.
DOMINGOS JOZE MARTINS.
MANUEL CORRÊA DE ARAÚJO.

Proclamaçaõ do Governo Provisório de Pernambuco,


sobre a escravatura.
Patriotas Pernambucanos! a suspeita se tem insinuado
nos proprietários ruraes. Elles crem que a benéfica ten-
VOL. XVIII. No. 109. 41
618 Politica.
dencia da prezente liberal revolução tem por fim a eman-
cipação indistinctiva dos homens de côr, escravos. O
Governo lhes perdoa uma suspeita que o honra. Nutridos
em sentimentos generozos naõ pode jamais acreditar, que
os homens por mais, ou menos tostados degenerassem
do original typo de igualdade. Mas está igualmente con-
vencido, que a baze de toda a sociedade regular, hé a
inviolabilidade de qualquer espécie de propriedade. Im-
pellido destas duas forças oppostas deseja uma emanci-
pação, que naõ permitta mais lavrar entre elles o cancro
da escravidão, mas dezeja-a lenta, regular, e legal.
O Governo naõ engana a ninguém, o Coração se lhe
sangra ao ver taõ longínqua uma época taõ interessante,
mas naÕ a quer prepostera. Patriotas, vossas proprie-
dades, ainda a mais oppugnante ao ideal de justiça, seraõ
sagradas; o Governo porá meios de diminuir o mal, mas
naõ o fará cessar pela força. Crêde na palavra do Go-
verno, ella hé inviolável, ella hé sancta.
Dada na Caza do Governo, aos 15 de Março de 1817.
Viva a Pátria.
(Assignados) O Pe. JOAÕ RIBEIRO PESSOA.
DOMINGOS JOZE MARTINS.
M A N U E L CORRÊA DE ARAÚJO.

Proclamaçoens do Governador da Bahia.

Ia.
D. Marcos de Noronha e Brito, Conde dos Arcos; do
Conselho de S. M. El Rey nosso Senhor; Gentilho-
mem da Câmara de S. A. R. o Principe Real do Reyno
Unido de Portugal, Brazil e Algarves; Gram-Cruz da
Ordem de S. Bento de Aviz; Marechal de Campo dos
Reaes Exércitos; Commandante em Chefe do Real Corpo
Politica. 619
de Artilheiros, guarda costas do Principe D. P e d r o ; e
Capitão da Companhia de Voluntários; Governador e
Capitaõ-General da Capitania da Bahia, &c. &c. &c.
Pernambucanos honrados, que detestaes os crimes de
vossos indignos patriotas! Por familias fugidas ao poder
insupportavel dos rebeldes consta,que o theatro aonde bri-
lhara a fidelidade de Fernando Vieira, Camarão, Henrique
Dias, e outros, cujos nomes a historia tem escripto na
mesma linha dos heroes, está mudado em covil de mons-
tros, infiéis, e revoltados!! E porque vossos fingidos
chefes até vos mentiram, quando commettêram a horrenda
perfídia de desacreditar os habitantes desta capitania, de
que tenho a honra de ser o Governador, e o amigo, de
meu primeiro dever he assegurar-vos, que a divisa dos
Bahianos he " Fidelidade ao mais querido dos Reys,"
eque cada soldado da Bahia será um Scipiaõao vosso lado,
assim que tiver ordem para vingar a affronta perpetrada
contra o Soberano, que em seu coração adoram, cuja maÕ
sempre liberal e bem fazeja tiveram a honra de beijar em
seu paiz natal, primeiro que os outros vassallos do Brazil,
ede quem todos temos recebido tantas provas de genero-
sidade e amor. Bahia 21 de Março, de 1817.

(Assignado) CONDE DOS ARCOS.

2 a.
D. Marcos, &c.
Pernambucanos Leaes a El Rey nosso Senhor,
(cujo numero ja sei que he, como todos esperávamos, mui
consideravel)outra vez he meu sacratissimo dever espalhar
entre vós verdades, que atraiçoadamente vos escondem
esses chefes ridículos, que tam ternamente vos abraçam.
Temem-vos, e tem razaõ; porque os Pernambucanos fieis
4 12
620 Politica.
fôram sempre temidos; e por isso, em quanto vos conside-
ram justamente espaventados com o horroroso aconteci-
mento, pertendem com aleivosia a mais execranda apro-
veitar esse momento de aterrar-vos com ameaças da pro-
tecçaõ do Governo dos Estados Unidos, e outras naçoens.
A facilidade, com que todos os homens, em taes circum-
stancias, podemos ser fascinados, obriga-me a gritar-vos,
que aquelle Governo tem dado muitas provas de perspicá-
cia, ante o mundo todo, para que seja licito suspeitar, que
ha de proteger o mais vil dos crimes, perpetrado por meia
dúzia de bandidos, que nasceram na escuridade e indigen-
cia, d5onde naõ viraõ mais de sair, senaõ por força dos de-
lictos, que acabam de commetter; e porque neste escripto
naÕ tem lugar outros argumentos fortíssimos de politica, eu
vos asseguro debaixo de minha palavra de honra, que os
Estados Unidos, e todas as mais naçoens do Universo,
desprezam o patriota Martins e seus infames collegas,
quanto elles saõ desprezíveis; e de certo naõ empregarão
os seus soldados em favorecer seus horrososos crimes: os
meus soldados, sim, esses he que brevemente ahi iraõ;
porque assim he necessário, para que os Patriotas Gover-
nadores Provisórios expiem, como todos os famosos chefes
de revoluçoens, seus enormes delictos. Bahia 29 de
Março, 1817.
(Assignado) CONDE DOS ARCOS.

3 a.
D . Marcos, &c.
Habitantes de Pernambuco! Marcham para a
Commarca das Alagoas bandeiras Portuguezas, e soldados
Bahianos, para as içar em toda a extençaõ dessa Capitania.
Todo o habitante de Pernambuco, que os naõ seguir rapi-
damente, e marchar juncto dellas será fuzilado.
Politica. 621
As forças navaes, óra á vista; e em bloqueio do porto,
tem ordem para arrazar a cidade, e passar tudo á espada,
se immediatamente naõ fôrem instauradas as leys de S. M.
El Rey nosso Senhor.
Nenhuma negociação será attendida, sem que preceda
como preliminar a entrega dos chefes da revolta, ou a cer-
teza da sua morte; ficando na intelligencia de que a todo9
j,e licito atirar-lhes â espingarda como a lobos. Bahia,
29 de Março 1817.
(Assignado) CONDE DOS ARCOS.

INGLATERRA.
Relatório do Committé de segredo, na Casa dos Lords,
sobre os distúrbios no paiz.
Pelos Lords commissarios, nomeados para tomar em
consideração os diversos papeis sellàdos em um saco, e
entregues por ordem de S. A. R. o Principe Regente,
e relatar á Casa; e a quem fôram commettidos vários
outros papeis sellàdos em um saco também etregue por
ordem de S. A. R.
Ordenaram que se relatasse ;
Que o Committé se ajunctou, e procedeo ao exame dos
papeis, que lhe fôram commettidos.
He do seu penoso dever o relatar, que estes papeis naõ
dàm senaõ muitas provas da continuada existência de uma
conspiração de traição, para destruir o nosso governo e
constituição estabelecida, e para subverter a ordem exi-
stente da Sociedade.
As tentativas dos conspirados tem na verdade sido até
aqui frustradas, pelos activos esforços do Governo, e
particularmente dos Magistrados, em differentes partes
do paiz, tanto na execução das leys geraes, providenciadas
622
para a mantença da tranquillidade publica, como dos poderes
especiaes, recentemente dados pelo Parlamento para
aquelle fim; porém a informação contida nos papeis re-
feridos ao Committé, naõ deixam duvida, no espirito dos
Commissarios, de que ainda se continuam activamente
os mesmos perversos e desesperados desígnios. A infor-
mação, donde elles deduziram esta penosa conclusão, parece
que foi colligida de varias fontes, muitas vezes descon-
nexas, e ignorantes umas das outras: porém he uniforme
no seu resultado geral, e corroborada por uma notável
correspondência em muitas circumstancias peculiares.
Esta informação deve ser considerada como fundada,
em muitas de suas partes, sobre as deposiçoens, e com-
municaçoens de pessoas, as quaes ou saõ ellas mesmas
mais ou menos implicadas nestas transacçoens criminosas,
ou entraram apparentemente nellas, porém com as vistas
de obter informação, e de a communicar aos magistrados,
ou ao Secretario d' Estado.
O testemunho de pessoas de ambas estas descripçoens,
deve sempre ser, em algum gráo, duvidoso; e os vossos
Commissarios tem visto razoens para temer, que a lin-
guagem e comportamento de algum dos últimos, podem,
em alguns exemplos, ter tido o effeito de animar os de
signios, para cuja descuberta somente elles deviam ser
instrumentos. E com tudo, depois de fazerem todos os
descontos devidos a estas circumstancias, conforme o seu
melhor juizo, os Commissarios estaõ plenamente persua-
didos, de que o seguinte he uma correcta, e naõ exag-
gerada exposição do resulatdo da informação, que se apre-
sentou ao seu exame.
Os papeis se referem quasi exclusivamente aos prin-
cipaes districtos fabricantes, em alguns dos condados
médios e septentrionaes da Inglaterra: e ainda que os
descontentes nas provincias parece que ainda olham para
Política. 623
a metrópole, com esperança de auxilio e direcçaõ, he nas
partes das provincias, acima referidas, que parece se tem
imitado os mais recentes projectos de insurreição.
O Committé julga que he do seu dever o notar aqui,
que aindaque em muitos destes districtos as causas par-
ticulares de penúria tenham sem duvida operado para
expor os espíritos das classes trabalhadoras da commu-
nidade a irritação e perversão, comtudo os Commissarios
estaõ persuadidos de que, pela maior parte, se deve isto
considerar antes como instrumento doque como causa
de descontentamento. Em alguns dos lugares, aonde
tem existido estas practicas, crem os Commissarios que
a falta de emprego tem sido menos sentida do que em
outras partes do Reyno: ao mesmo tempo que, em
outros lugares, aonde o aperto tem sido talvez menos
oneroso, se tem certamente soffrido com um espirito de
paciência, e boa ordem, que naõ pôde deixar de louvar-
se altamente. E o vosso Commité não pôde omiltir a
expressão de sua opinião, que tem sido principalmente
pelos meios apontados pelo vosso Committé passado, e
pela mui extensa circulação de publicaçoens sediciosas
e blasphemas, e pelo effeito de discursos inflammatorios,
continuadamente repetidos, que este espirito se tem prin-
cipalmente excitado e difíundido. Por estes meios, a af-
feiçaõ ao nosso Governo e Constituição, e o respeito às
leys, religião, e moral, se tem gradualmente enfraque-
cido, entre aquelles, cuja situação mais os expunha a esta
destructiva influencia; e he assim que os seus espíritos
se tem preparado para adoptar desígnios e medidas, não
menos destructivos de seus próprios interesses e felicidade,
do que dos de todas as outras classes dos vassallos de S. M.
Depois da epocha do reiatorio passado, Manchester, e
suas vizinhanças (em tanto quanto o vosso Committé tem
visto) tem sido os únicos lugares, aonde se tem convo-
624

cado e ajunetado sufficiente numero de pessoas, para


crear temores immediatos, a respeito da tranquillidade
publica. E m um ajunctamento, que se convocou ali aos
3 de Março, para o fim de fazer uma petição contra a
suspensão do Acto de Habeas-Corpus, e aonde parece
que se ajunetaram alguns milhares de pessoas, foi pro-
posto e concordado, que se fizesse outro ajunctamento
na segunda feira seguinte, isto he aos 16 de Março, com
a determinada intenção de que dez de cada vinte pessoas
acompanhassem a petição até Londres, aonde havia de
ser apresentada a S. A. R . o Principe Regente.
O intervallo foi empregado em ajunetamentos quasi
todos os dias, aonde assistiam grande numero dos des-
contentes. As intençoens verdadeiras dos cabeças fôram
ali desenvolvidas aos sequazes, em fallas da mais decisiva
violência. U m delles confessou, que éra republicano e
nivelador, e que nunca desistiria da causa, até que se
-estabelecesse uma forma de governo republicana. Ou-
tros disseram ao povo, qne, se a sua petição fosse regei-
tada devia levar-se o ponto áforça: que as grandes cidades
e villas de Yorkshire estavam adoptando o mesmo plano,
e que se lhes ajunetariam no caminho, ou, ao menos,
que marchariam ao mesmo tempo para Londres: que
havia razaõ para crer, que os Escocezes estavam também
em marcha; e que seriam em numero de cem mil ho-
mens, quando se lhes unisse a gente dos lugares fabri-
cantes no caminho: e que seria impossível ao exercito ou
a qualquer outra cousa o resistir-lhes. Estes oradores,
em alguns casos, parece que fôram reprimidos por alguns
de seus mesmos sócios; porém os seus sentimentos fôram,
pela maior parte, recebidos, com grandes signaes de ap-
plauso e concurrencia.
Nestes ajunetamentos se indicaram também os arranja-
mentos para a marcha. Recommendou-se, aos que in-
Politica. 625
tentassem unir-se nisto, que se provessem de cobertores
çapatos, e muchilas, assim como de dinheiro e manti-
mento. Os que ficassem p a r a trabalhar deviam concor-
rer com as suas subscripçoens. Cada dez homens devia
escolher um para seu cabeça; e se devia nomear um
para governar cada cem. Também se fizeram fortes in-
tímaçoens, sobre a propriedade e necessidade de se
prover de armas; mas parece que se naõ pôz isto por
obra, excepto talvez em poucos exemplos.
Aos 10 de Março, com effeito, se fez o proposto ajunc-
tamento, que se suppoem haver sido de 10.000 ou
12.000 pessoas, pelo menos. Ainda que alguns de seus
cabeças tinham previamente sido prezos, e outros foram
apprehendidos no lugar do ajunctamento, naõ se aban-
donou e projecto, e grande numero desta illudida gente
marchou para Londres.
Um corpo considerável dos descontentes foi reprimido
na estrada que vai para Stockport; alguns centenares, se
diz que passaram por Leek, e uma partida chegou até
Ashbourne ; porém a actividade dos magistrados, em dis-
persar o ajunctamento, e fazer parar o progresso destes
corpos effectivamente prevenio a execução de um de-
sígnio, que provavelmente naõ teria deixado de perturbar
a paz dos condados, por onde havia de passar taõ nu-
meroso ajunctamento; e que se fosse levado â sua plena
extençaõ, teria produzido conseqüências altamente pre-
judiciaes á tranquillidade publica.
Com tudo, a desfeita desta tentativa parece que naõ
desanimou essencialmente aquelles, que a tinham pre-
meditado; as suas medidas continuaram sem interrupção.
Dentro em pouco tempo, depois deste desconcerto, se
tornaram a fazer ajunetamentos em menor numero; e
eram elles compostos, em todo ou em parte, de delega-
dos das vizinhanças de Manchester, das fronteiras de
VOL. XVIII. N o . 109. 4K
26

Derbyshire, e dos districtos fabricantes de Yorkshire.


E m alguns destes ajunetamentos se fizeram participa-
çoens da quantidade de piques, de espingardas e de baila,
que se tinha podido providenciar para o levantamento, que
se intentava. Por este tempo se fizeram communica-
çoens, com Nottingham, Sheffield, e Birmingham, por
meio de delegados, que deviam dar informação dos planos
em contemplação, para excitar o povo daquelles lugares a
similhantes tentativas, e para averiguar o estado de pre-
paração a que se tinham adiantado. Nestes procedimen-
tos parece, que se desattendeo absolutamente o pre-
texto da Reforma Parlamentar; elles evidentemente
tinham em vista nada mais do que uma revolução; e for-
nece uma terrível prova da extençaõ, a que os espíritos
de muitos, daquelles que freqüentaram estes ajunetamen-
tos, tinham sido inflammados e corrompidos, ver que nas
fallas publicas se tinha abertamente e sem reserva por
muitas vezes annunciado a necessidade de se desembara-
çar e dispor (como elles lhe chamavam) das pessoas mais
obnoxias; e que em uma occasiaõ se diz., que haviam
proposto, que se fizesse de Manchester outra Moscow,
para o fim de fortalecer a sua causa, lançando a muita
gente fora de seus empregos.
Era na noite de 30 de Março, qüe se intentava começar
em Manchester a insurreição geral. Haviam de prender
os magistrados, soltar os prezos das cadêas; e ou sur-
prender os soldados nos seus quartéis, ou lançar fogo a
certo numero de fabricas, para o fim de fazer sair os sol-
dados de seus abarracamentos, postando* se juncto a elles
uma partida, para o fim de tomar posse do seu armazém.
O signal para começar estes procedimentos havia da
ser atirar um ou mais foguetes; e davam-se esperanças
de que 2.000 ou 3.000 homens seriam sufficientes para
completar o primeiro objecto, e que os insurgentes, na
manhaã seguinte seriam em numero de 50.000.
Politica. 627
Neste periodo, e em outras partes destes procedimen-
tos se acham traços da intenção de expedir proclamaçoens,
declarando aos vassallos d'El Rey absolvidos de sua ho-
menagem, e comminando morte contra todos que lhes
oppozessem; porém o Committé naõ achou provas de que
se fizessem preparativos para taes proclamaçoens.
Esta atroz conspiração foi descuberta pela vigilância
dos magistrados, e frustrada pela apprehençaõ e prizaõ
de alguns cabeças do motim, poucos dias antes do pe-
riodo fixo para sua execução. A tempestiva prevenção
desta desesperada tentativa, parece ter dado considerável
golpe aos procedimentos dos descontentes naquellas par-
tes; e todas as noticias subsequentes, que o Committé
tem visto, vindo dali, continuam a ser de character mais
favorável.
Durante parte do mez de Abril, parece que houve uma
intermissaõ, na verdade mui geral, ao menos de procedi-
mentos patentes. Ja se naõ podiam convocar ajuneta-
mentos de grandes corpos de gente, excepto conforme os
regulamentos do novo acto do Parlamento. Tem sido
menos freqüentes os numerosos ajunetamentos de socie-
dades nas casas de caffé. Em alguns districtos se tem
dissolvido os clubs; em outros se tem suspendido as suas
assembléas, ou se tem feito em casas particulares, ou em
lugares remotos da observação. Sentio-se e inculcou-se
a necessidade de maior precaução; desapprováram-se as
communicaçoens por escripto ; recommendou-se o occul-
tar os nomes das pessoas dos cabeças; e se julgou que
éra melhor, que somente poucas pessoas fossem informa-
das de seus planos, e que dessem informação aos diffe-
rentes delegados, para terem promptos os seus parti-
distas, para obrar quando fossem ordenados, e como
fossem dirigidos. Estes delegados, nomeados de varias
partes, se tem ajunetado em pequeno numero, e assim
4 K 2
626 Política.

tem conservado uma geral mas verbal conrespondencia


entre os descontentes.
Pelos fins de Abril, e durante o mez de Maio, parece
que esta conrespondencia se continuou com maior activi-
dade. Ja aos 5 daquelle mez se diz que houvera um
ajunctamento, em uma das principaes povoaçoens no
Riding ou Divisão Occidental de Yorkshire, e que ali
tinham comparecido pessoas, que se intitularam delegados
de outras povoaçoens principaes daquelle districto; e
também de Leicester, de Birmingham, e de Nottingham.
Neste ajunctamento, fizeram os differentes delegados os
seus relatórios, da força que cada um podia ajunctar nos
districtos, que representavam. Dizem que o numero éra
mui grande; porém o Committé está certo da exaggera-
çaõ que he de esperar nestes casos. Foi por este tempo,
que parece haver-se fixado o periodo para outro levanta-
mento geral, no dia mais próximo possivel, depois da
discussão de uma moçaõ, que se esperava, para a re-
forma do Parlamento. Nottingham parece que éra desti-
nado a ser o quartel general, e para ali deviam marchar
parte dos insurgentes, em primeiro lugar. Esperavam
elles, ali e na sua marcha para Londres, serem reforçados
por outros corpos, com as armas que tinham ja providen-
ciado ou pudessem procurar, por força, das casas particu-
lares, ou dos diversos depósitos, ou abarracamentos que
se propunham atacar.
E m vários ajunetamentos subsequentes se diz, que se
fizeram participaçoens do grande augmento de numero
que tinham; e tam grande éra, que dizem, que em uma
occasiaõ fôram obrigados a estender diariamente as suas
divisoens, e augmentar o seu committé.
Informaçoens concurrentes dos lugares, d'onde estes
delegados diziam que vinham deputados, confirma a ex-
pectaçaõ de um alevantamento geral cerca do tempo
Politica. 830
acima dicto, e refere a sua demora subsequente para os
9 ou 10 de J u n h o ; para o que se deram varias razoens.
A ultima noticia daquellas partes faz que seja altamente
provavel,que as mesmas causas,que até aqui impediram a ex-
ecução destes desesperados desígnios; isto he a vigilância do
Governo; a grande actividade e intelligencia dos magi-
strados ; o prompto auxilio, que, debaixo de suas ordens,
deram as tropas regulares, e as milicias; os promptos e
efficazes arranjamentos dos officiaes encarregados daquelle
serviço; as informaçoens, que de tempo em tempo se tem
recebido dos planos dos descontentes; e as conseqüentes
prizoens e detenção dos cabeças agitadores; occasionaraõ
ainda ulterior demora na execução de seus atrozes planos.
Noticias subsequentes naõ deixam duvida de que o plano,
na sua plena extençaõ, tem presentemente sido frustrado;
porém a exactidaõ da informação, que se tinha previa-
mente obtido, tem sido confirmada, pela nova apparencia
de corpos de gente armada, precisamente no periodo, que
se tinha dicto haver sido fixado, e particularmente em
um dos districtos, que ultimamente se tinha representado
como determinado a obrar, sem esperar pela insurrecçaõ
geral.
O Committé julga altamente importante o expor, que
as participaçoens de muitos dos magistrados mais activos,
e de pessoas, cujos postos tanto civis como militares as
tem habilitado a colligir mais extensas informaçoens, e a
formar um juizo mais exacto do estado do paiz, concor-
rem em attribuir, em gráo mui considerável, o terem-se
frustrado as tentativas ja feitas, e as esperanças de con-
tinuada tranquillidade, ao actual exercicio dos poderes,
que o Parlamento tem confiado ao Governo Executivo, e
ao effeito da bem conhecida existência de taes poderes,
promptos a serem postos em acçaõ quando a necessidade
o requerer: e em representar o perigo, que ameaçaria
630 Politica.

o paiz, se esses poderes se revogassem no momento ac-


tual. E o Committé sente, que mal desempenharia o
encargo, que lhe foi confiado, se naõ declarasse a sua
plena concurrencia nesta opinião. Com a mais plena
confiança na lealdade e boa disposição geral, naõ somente
daquellas porçoens do Reyno, que tem até aqui permane-
cido, em grande gráo, sem nodoa, porém da mui con-
siderável maioridade daquelles mesmos districtos, que
saõ a scena principal das operaçoens dos descontentes;
confiança que tem sido confirmada cabalmente pela ex-
periência a mais recente; o Committé naõ pôde deixar
de submetter a Vossas Senhorias, como resultado de todas
as informaçoens que tem recebido; que ainda naõ he
chegado o tempo, em que a manutenção da tranquillidade
publica, e a protecçaõ das vidas e propriedades dos vas-
sallos de S. M. se podem deixar ficar apoiadas unica-
mente pelos poderes ordinários das leys.

ROMA.

Allocuçaõ de S. Sanctidade em Consislorio privado, no


dia 14 de Abril, 1817, á cerca da morte de S. M. Fi-
delissima. D. Maria I.
VENERAVEIS IRMAÕS !—He escusado dizer-vos, o
muito que nos affligio a triste noticia da morte da nossa
mui chara filha Maria Francisca, Raynha Fidelissima de
Portugal e dos Algarves. Nenhum de vós ignora, que,
desde a sua mocidade manifestou a excellente Raynha,
que perdemos, todas as boas sementes das virtudes Chris-
taãs, que, desenvolvidas depois produziram os mais
bellos fructos. Assim que subio ao throno distinguio-se
logo pelo zelo da honra, e propagação da religião Catho-
lica, mostrou um incomparavel amor para com o seu
Politica. 631
povo; e, para dizer tudo de uma vez, dedicoü-se toda
ao bem espiritual dos seus vassallos. E foi em razaõ
disto, que o nosso bom predecessor Pio VI confiadamente
declarou, " que ella seria em todas as idades futuras o
exemplo das verdadeiras virtudes." Que o sapientissimo
Pontífice naõ se enganara, bem o mostram os magníficos
templos, que erigio, e liberal e regiamente dotou; os
collegios das religiosas Salesias, instituídos para nelles se
educarem as meninas na piedade Christaã, e em todas as
prendas civis e domesticas;—em fim, os magistrados e as
leys, em beneficio dos miseráveis, destinados aos castigos
das prizoens, e outras muitas cousas similhantes, que
omittimos, mas que tem sido, e ainda continuam a ser
universalmente elogiadas. NaÕ podemos com tudo
deixar em silencio, o constante cuidado, que esta Ray-
nha, mui devota à Sancta Sé Apostólica, sempre teve,
em que se naõ quebrantassem, nem menos offendessem»
algum dos artigos da convenção, que havia feito com o
nosso predecessor Pio VI. Seus desejos só eram, que a
Sé Apostólica e o Reyno Luzitano vivessem unidos em
perpetuo vinculo de charidade e amizade. Tamanhas e
tam illustres acçoens desta piedosa Raynha a favor da
Igreja Christaã naÕ só nos fazem crer que a sua memória
será perpetuamente abençoada, mas até nos confirmam
na persuasão de que suas virtudes ja estaõ coroadas no
Céo, com os prêmios, que merecem.
Bem que nossos predecessores so custumassem cele-
brar a memória dos Imperadores e Reys, e nunca a das
Imperatrizes e Raynhas, ainda que, (o que raras vezes
succede) tivessem com effeito reynado: nós todavia, para
consolarmos na sua intima e penetrante magoa ao nosso
mui charo filho em Jezus Christo Joaõ Rey Fidelíssimo
de Portugal, Brazil, e Algarves, determinamos desviar-
nos do antigo custume, e resolvemos celebrar as solemnes
632 Política.

exéquias de sua querida mãy, em nossa capella pontifícia.


E como a celebração destes funeraes diga sempre respeito
'a dignidade e poder Real, mandámos, por nova ley, que
também a todas as mais senhoras, que exercitarem o im-
pério e poder supremo nos povos, se lhes tributem daqui
em diante as mesmas honras.
P o r tanto, no dia de amanhaã celebraremos, em nossa
capella pontifícia as exéquias de Maria Francisca, de im-
mortal memória, Raynha Fidelissima de Portugal e dos
Algarves.

VURTEMBERG.

Sessaõ dos Estados do Reyno, em 2 de Junho, 1817.


O Principe Presidente abrio a sessaõ com uma falia,
em que, referindo-se á ultima proposição, chamou a at-
tençaõ dos Estados á alta importância do presente mo-
mento, e requereo dos Membros da assemblea, que obras-
sem, como tinham até agora feito, segundo a sua convicção»
a vóz de sua consciência, os seus deveres para com Deus,
para com o seu bom Rey, sua Pátria e sua honra.
" Vós (disse elle na conclusão) sois Alemaens; orgu-
lhosos deste honroso titulo, sabereis como decidir de
maneira conforme ao vosso character nacional, que tem
sempre sido distincto por uma inviolável fidelidade para
com vosso soberano, por um illuminado amor de vossa
pátria, pela vossa lealdade, e prudente firmeza nos prin-
cipios de justiça, e por vossas opinioens, sustentadas por
uma sincera convicção. Queira o Céo abençoar os vossos
esforços, e dar lhe aquelle feliz êxito, tam geralmente
desejado, e tam necessário no estado actual das cousas.
Praza a Deus que tudo succeda á satisfacçaõ d' El Rey, e
bem da terra em que nascestes."
Política. 633
A conclusão deste discurso foi ouvida com grande emo-
ção.
A assemblea passou entaõ ao objecto principal da
sessaõ ; e, depois de ter declarado, que apenas éra possivel
entrar em discussão, considerando a natureza das in-
strucçoens dadas, o Presidente pôz a votos a seguinte
questão — " Recoberá a Assemblea, ou naõ receberá, o
projecto da Constituição, tal qual h e ; com as modifica-
coens annunciadas no supplemento do Real Rescripto de
26 de Maio, e na conformidade do mesmo rescripto?"
Esta questão foi decidida pela negativa, por uma maio-
ridade de 16 votos contra 4 2 ; e se nomeou uma com-
missaõ de 8 membros, para minutar um memorial a
El Rey, sobre a matéria. Esta commissaõ foi instruída,
ao mesmo tempo, a discutir a questão sobre a maneira,
em que a declaração, reservada pela minoridade, se po-
deria ajunctar ao memorial.
O Conde de Schaesberg declarou anticipadamente, que
se fosse nomeado membro daquella commissaõ, naõ po-
deria executar este dever ; porque estava aponto de fazer
uma jornada; e assim o membro, que teve mais votos
depois delle, ficou nomeado em seu lugar.
Em conclusão, foi a optada a proposta de Mr. Fisher,
a qual tinha por objecto dar informação do actual estado
da Assemblea aos Duques Guilherme e Henrique, os
quaes em 1815 linham apresentado as suas pretençoens ao
direito do serem os próximos herdeiros; e Mr. Fisher
foi empregado em minutar umacarta para este effeito.

Rescripto de S.M. dissolvendo a Assemblea dos Estados.


A Assemblea dos Estados.
Muito Amados—Como pela vossa resolução de 2 deste
mez, por uma maioridade de 67 votos contra 42, se nao
VOL. XVIII. No. 109. 4 L
634 Politica.
aceitou a offerta contida no nosso Rescripto de 26 do mez
passado, para a conclusão de um compacto Constitucional;
e este resultado do vossas deliberaçoens nos foi apresen-
tado na vossa communicaçaõ de hoje: declaramos por estas
patentes, e na conformidade do dicto rescripto, que a vossa
Assemblea está dissolvida; e ordenamos a cada um dos
membros, naõ residentes aqui, que, como a sua voca-
ção tem cessado, se retirem immediatamente para suas
casas.
Dado em Stutgard, no, Conselho Privado de S. M., aos
4 de Junho, de 1817.
Por ordem de Sua Majestade.

Rescripto de S. M* sobre a dissolução da Assemblea dot


Estados.
Nos Guilherme, &c.
Amados e fieis Vassallos!—O memorial da Assemblea
dos Estados, de 4 de Junho, conforme o qual a maioridade
regeitou, de maneira inexplicável, as offertas definitivas,
que lhe fizemos, no nosso rescripto de 26 de Maio, e seu
supplemento, para concluir um compacto constitucional,
trouxe a negociação a tal ponto, que devemos renunciar
todas as esperanças de obter o nosso objecto, por meio
de uma convenção com esta Assemblea.
Por mais penoso que seja ao nosso paternal coração ver
a máo êxito de todos os nossos esforços, para o estabelici-
mento de uma constituição adaptada a todas as diversas
relaçoens, e que poderia ter consolidado a tranquillidade
e a ordem, e dando uma satisfacçaõ geral, os nossos de-
veres na qualidade de Soberano, e as nossas relaçoens
com outros Estados, naõ nos permittem fazer mais sacri-
fícios ao que exigem os Estados, porque isso faria per-
der ao throno a sua dignidade, ao Governo as suas
forças, e ao povo a independência de seus representantes.
Politica. 635
Por conseqüência achamos-nos na necessidade de dis-
solver a nossa Assemblea, cujas operaçoens ja naÕ podiam
dar-nos mais esperanças de um êxito feliz.
A exposição, que apresentaremos ao nosso povo, da
maneira porque a obra da constituição se tem até aqui
tractado, convencerá a toda a pessoa imparcial, que nós
lemos feito, para effectuar uma uniaõ tam desejável, tudo
quanto éra compatível com os direitos de nossa coroa, e
com os princípios de uma boa administração do Estado;
e que o projecto da constituição, annexo ao rescripto de
26 de Maio, contêm tudo quando se pôde fazer, para con-
firmar a liberdade individual e politica do povo de Wir-
temberg,
Podemos esperar confiadamente, que os nossos con-
temporâneos e a posteridade faraõ justiça ao nosso modo
de obrar ; e que elles, assim como nos, reconhecerão por
verdadeiros e prudentes amigos de sua pátria, os 42
membros, que se distinguiram pelo seu próprio e honrado
comportamento, nesta importante occasiaõ.
Porém, para fazer ainda tudo quanto depende de nós,
a fim de que o nosso fiel povo soffra o menos que for
possivel, pelo perverso comportamento de seus represen-
tantes, acerescentamos, ao que havíamos dicto no nosso
rescripto de 26 de Março, a declaração, de que, se a
maioridade do nosso povo significasse, nas assembléas dos
bailiados, ou pelo orgaõ de seus magistrados, que aceitava
o projecto da constituição, com as restricçoens contidas no
dicto rescripto, nós de nossa parte consideraríamos o com-
pacto constitucional, como concluído, e seria posto em
vigor.
Deixamos também aos membros, que tem votos viris3
e que naõ tem pessoalmente votado contra a aceitação da
constituição na Assemblea dos Estados agora dissolvida, a
liberdade de acceder a ella. Repetimos ao mesmo tempo
4L2
636 Commercio e JIrtes.

a segurança de que deixaríamos ao nosso povo gozar,


desde este momento, todos os benefícios do projecto da
constituição, em tudo que naõ respeita a representação dos
Estados.
Por outra parte, esperamos com plena confiança, que os
vassallos do nosso Reyno Unido naõ permitliraõ serem
abalados na observância de seu deveres, como vasallos e
cidadãos, mas que perseveraraõ mais na sua fidelidade e
obediência; pois toda a opposiçaõ, em qualquer acto, ten-
dente a disturbar a ordem publica e a tranquillidade, será
punida com todo o rigor das leys.
Dado em Stutgard, no Conselho Privado de S. M.,aos
5 de Junho de 1817.
Por ordem de Sua Majestade.

COMMERCIO E ARTES
BLOQUEIO D E PERNAMBUCO.

Nota do Cônsul Geral Portuguez, em Paris.

X J L INSURREIÇÃO, que arrebentou em Pernambuco, in-


duzio os Governadores de Portugal a declarar o porto e
costa de Pernambuco em estado de bloqueio. Tem-se
tomado todas as medidas, para que isso seja um bloqueio
actual. O Cônsul Geral de Portugal em Paris, portanto,
pede aos negociantes e donos de navios, que suspendam,
até novo avizo, todas as viagens, que possam ter em con-
Commercio e Artes. 637

templaçaõ para aquella parte, de outro modo os seus


vasos seraõ sugeitos a ser aprezados, pelos navios em-
pregados no bloqueio.
O Cavalheiro D U P I A S .
Cônsul Geral de Portugal.
ParisS de Junho, 1817.

Consulado Geral do Reyno Unido de Portugal, Brazil


e Algarves. Londres 10 de Junho, de 1817.

Em conseqüência dos acontecimentos, que tem succe-


dido em Pernambuco, os Governadores do Reyno de
Portugal tem ordenado o bloqueio daquelle porto ; e se
tem tomado todas as medidas necessárias para fazer com
que seja effectivo. Para a devida informação, portanto,
dos negociantes, donos de navio, e todas as mais pessoas,
a quem o conhecimento disto importa, e para que se naõ
possa daqui em diante allegar ignorância de tal bloqueio
se affixa a presente notificação.
(Assignado) ALEXAJSSDRJ: ANDRADE, Vice Cônsul.

Edital da Juncta do Commercio de Lisboa, annuncian-


do certos regulamentos commerciaes, na Suécia.
" Com Aviso da Secretaria dJ Estado dos Negócios Es-
trangeiros, da Guerra, e da Marinha datado de 17 do cor-
rente mez de Maio, foi remettido a Real Junta do Com-
mercio, Agricultura, Fabricas, e Navegação a copia de
um parágrafo de um Officio dirigido pelo Cônsul Geral
da Nação Portuguesu em Stockholmo, Gustavo Beyer, em
data de 10 de Abril próximo passado; pelo qual consta, que
por Alvará de 31 de Março do presente anno, fora Sua Ma-
638 Commercio e Artes.
jestade Sueca servido prohibir, até ulteriores Ordens, a
importação de toda a qualidade de vinhos, permittindo so-
mente a dos vinhos brancos da França para uso das Igre-
jas, ordenando em quanto aos vinhos que se acharem em
caminho, e notoriamente encommendados, provando-se as-
sim perante a Direcção Geral da Alfândega em Stockhol-
mo, que se ponham em deposito nos armazéns da Coroa,
para serem reexportados antes do fim deste anno, e no caso
contrario confiscados. Que igualmente fôra prohibida a
importação da cerveja da Gram-Bretanha chamada Porter,
e o Arrack, e as fazendas brancas, exceptuado o caso de
chegarem a bordo das embarcações nacionaes, e das índi-
as Orientaes em direitura. Que se ordenara o tomarem-se
todas as medidas contra o trafico do contrabando, e que
para sedar o devido effeito ao conteúdo do sobredicto Alva-
rá, se preparava actualmente nos portos se Landskrona e
Malmóe uma Esquadra de Brigues e Barcas Canhoeiras
destinados para o Sunda, e mais lugares opportunos ao
tracto illicito.
" E para ser notório o referido se mandaram affixar Edi-
taes. Lisboa 30 de Maio de 1817.

J O S É ACCURSIO DAS N E V E S . "

Farol em Malaga.

O abaixo assignado, Encarregado de Negócios de S.


Majestade Catholica, apresenta os seus respeitos a S. Ex a .
o Visconde Castlereagh, Principal Secretario de Estado
de S. M. Britannica, para os Negócios Estrangeiros; e,
em conseqüência de uma ordem, que recebeo de sua
Corte, tem a honra de informar a S. Exa., q u e a luz de
rotação, ou lanterna, que se erige no porto de Malaga
Commercio e Artes. 639
está ao ponto de completar-se e pôr-se em actividade;
e sendo justo e necessário augmentar os direitos de lan-
terna, que até aqui se cobravam, na proporção da maior
despesa, que se faz em acender e conservar este novo
farol no porto, S. M. foi servido resolver, que os direitos,
que haõ de pagar os navios estrangeiros que entrarem ou
derem fundo na bahia, se fixem em 24 maravedis de
vellon, por tonellada, na qual somma se inclue o que até
aqui se exigia para o mesmo fim, e cuja cobrança come-
çará no mesmo dia em que se acender a lanterna, sendo
encarregada ao capitão daquelle porto, e o seu producto
posto á disposição do Meza das Obras do mesmo lugar.
(Assignado) JOAQUIM FRANCISCO CAMPUZANO.

Londres. Portland Place, 21 de Maio, 1817.


[ 64U j
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil.
LONDRES, 26 de Junho, de 1817.

Pre<
Gêneros. Qualidade. fade. r ° de ti Direitos.
("Redondo 112 lib. . 50s. Op 60s. Op.**]
Assucar .«^ Batido . . 44s. Op. 17s. Op.
^Mascavado . . 37s. Op. 42s. Op. Livre de direi-
Arroz .Brazil 38s. Op. 40s. Op. t o s por expor-
Caffe. .Rio 75s. 6p. 80s. Op. tai-ao.
Cacao .Para . . . 46s. Op. 50s Op. J
Cebo . .Rio d a Prata . . . 54s. Op. 55s. Op. 3s2p por 1121b.
("Pernambuco . libra . . . 2s. Op. 2s. 1
P*-,
1 Ceará. ls. l l i p 2s. Op. 8s. 7p. por lb.
J Bahia . , . . l s . l l p . ls. l l * p 100 em navio
Algodão .< Maranhão l s . l l p ls. llíp
1 Pará (.Portuguez ou
l s . IOp ls. 10èp Inglez.
1 Minas novas. ls. IOp. l s . 10èp
^Capitania nenhum.
Annil .Rio - 44p. por lb.
Ipecacuanha . Brazil. lOs. 6p. l i s . Op. 3.6£p.
Salsa Parrilha P a r á Ss. Op. Ss. 2p. ls. 2ip.
Óleo de cupaiba . . . 3s. 3p. 3s. 6p. l s . l l | p .
Tapioca. .Brazil Os. 6p. Os. 8p. 4 p.
Ourocu. 2s. Op. 2s. 6p. direitos pagos
pelo comprador
nenhum. ^ Livre de direi-
Tabaco . V{ eTm Ãfolha
? *. > tos por expor-
A
r Rio da Prata, pilha<r B 8íp
7ÍP
8|p ' tacaõ.
7|pl
6èp 6ÍP
8
m>

3
lc
rA 7*P H P 9Jp. por couro
Rio Grande .J B <Hp 6 | p Vem navio Por-
5èP 6 | p j tuguez ou In-
lc
Pernambuco, salgados • . ... 3*P 5Jp glez.
_Rio Grande, d e cavallo Couro 4s. 6p. 6s . 3p.J
Chifres. . .Rio Grande 12 3 5s. 6f p. por 100.
P á o Brazil . .Pernambuco Tonelada! 1401. > direitos pagos
Páo amarello Brazil. 81. j pelo comprado
1 1
Espécie.
Ouro em barra £0 0 0")
Peças de 6400 reis 0 0 0 f
Dobroens Hespanhoes 0 0 0 > por onça.
Pezos . dictos 0 0 0 y
Prata em barra 0 5 2 J
Cambio».
Rio de Janeiro 59 Hamburgo 35 5
Lisboa 58 Cadiz 35 0
Porto 57* Gibraltar 31i
Paris 25 Gênova 45*
Amsterdam 11 16 Malta 47è
Prêmios de Seguros
Brazil Hida 40 a 2 Guineos Vinda 35 a 40 Guineos.
Lisboa 20 a 25 25 a 0
Porto 25 a 30 30 a 0
Madeira 40 a 0 40 a 0
Açores 40 a 2 2 a 21
[ 641 ]

LITERATURA E SCIENCIAS.

NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.

Moore^s History of the Revolution, 8TO. preço 14s.


Historia da Revolução Britannica; registrando todos oa
acontecimentos connexos com aquella transacçaõ, na In-
glaterra, Escócia, e Irlanda, até a Capitulação de Limerick
em 1671, no ultimo destes Reynos, inclusivamente. Por
George Moorc, Esc.

Whiteys Veterinary Diccionary, 18 m0 . preço 6s. Dic-


cionario abreviado da Arte Veterinária; contendo uma
explicação concisa dos differentes termos, que se usam na
Medecinae Cirurgia Veterinária; também a descripçaõ
da anatomia ou estructura do olho, pé, e outras impor-
tantes partes do cavallo. Com observaçoens practicas
sobre as suas moléstias, assim como dos demais animaes
domésticos. Por Jaimes White, Cirurgião Veterinário.

BosqueWs Treatise on Duelling, 12 mo . preço 5s. Com-


panheiro do Joven de Honra; que vem a ser um tractado
sobre os duéllos; junctamente com os annaes da Caval-
laria antiga, processo por provas phisicas, combate judi-
cial; desde os tempos mais remotos. Por Abraham
Bosquett, Esc.
VOL. XVIH. NO. 109. 4M
642 Literatura e mciencias.
Nesta obra se offerece á attençaõ dos officiaes moços—
O perigo e risco a que andam sugeitos os homens sem
experiência, e os modos e meios de se acautelar disso.
A importância de uma discreta escolha de padrinhos.
Qualificaçoens de um bom padrinho, e qualidades de um
máo, exemplificadas.—Futilidade dos motivos geraes dos
desafios, e que facilmente se acommodam por um pru-
dente manejo.—Dever dos padrinhos em ingerir-se e
accommodar.'—Proposta Corte de referencia.—Origem e
progressos da Cavallaria, Combate Judicial e Duello.—
Algumas leys, edictos, e opinioens de varias naçoens, em
vários períodos, a favor, e contra elles.—-Muitos dos mais
notáveis combates e duellos nos tempos antigos e mo-
dernos, narraçoens tiradas de authoridades exactas.

Raffies' History qf fava, 2 vol. 4*°. preço 61. 6s. A


historia de Java, contendo uma descripçaõ geral do paiz>
e seus habitantes; estado da agricultura, manufacturas, e
commercio, natureza do Governo e instituiçoens; custumes
e us os peculiares daquelle povo; junctamente com uma
noticia das línguas, literatura e antigüidades do paiz; e
historia da ilha, principalmente tirada de authoridades do
paiz. Por Thomaz Stamfòrd Raffles, Esc. Sócio da
Sociedade Real, Ex-Tenente-Governador daquella ilha
e suas dependências; Ex-Presidente da Sociedade das
Artes e Sciencias de Batavía. Membro da Sociedade
Asiática de Calcutta, e Membro honorário da Sociedade
Literária de Bombaim.
Estra obra he accompanhada de um mappa de Java,
reduzido segundo as methores mediçoens; e além disso
illustrado com numerosas estampas, executadas principal-
mente por Daniell; e mostrando o vestuário das differentes
classes da sociedade, instrumentos d' agricultura, &c. e
Literatura e Sciencias. 643

or* restos das artes, que parece terem sido elevadas, em


um periodo, a grande ponto, naquella ilha.

Purves on National WeaUh, 8 V °. preço 9s. Todas as


classes productoraa de riqueza nacional; ou as theorias de
M. Quesnai, Dr. Adam Smith, e Mr, Gray, a respeito
das differentes elasses de homens, quanto á producçaõ da
riqueza para a communidade, analyzadas e examinadas.
Por George Purves, Doutor em Leys.

Spurzheim on Insanity, 8vt>. preço 4s. Observaçoens,


sobre as manifestaçoens mórbidas do espirito, ou loucura.
Por J. G. Spurzheim, Doutor em Medecina. Com quatro
estampas.

PORTUGAL.
Saio á l u z ; Armazém interessante, ou collecçaõ de
novellas, e noticias interessantes, tres folhetos com tres
estampas üluminadas: preço 48o. reis.

ECONOMIA P O L Í T I C A D E SIMONDE.

(Continuado de p. 526)

De todas as origens de erros que temos examinado, esta


he que tende a deminuir a balança do commercio: todas
as outras tendera a augmentalla. Por isso ainda que
parece naõ se haver feito uma idea bem clara destes diver-
sos modos de calcular, com tudo, como os Governos sem-
pre desejam apresentar o commercio nacional u'um as-
pecto vantajoso, servem-se umas vezes de uma, outras
4M2
644 Literatura e Sciencias.
vezes da outra, segundo lhes quadra melhor aos seos fins.
Quando se tracta do commercio estrangeiro, adoptRm por
base os cálculos que fazem parecer a balança do com-
mercio favorável; isto he, as entradas menores que as
sahidas; e quando querem fazer conhecer o estado do
commercio com algum paiz donde lhes sejam vantajosas as
importações, servem-se do calculo que vimos de fazer, que
representa as entradas superiores ás sahidas. (4)

(4) Podemos dar por exemplo destes balanços desfavoráveis, que to-
davia na5 deixam de enriquecer uma naçaõ, o commercio que fazem os
Europeos com as ilhas da America. Ve-se da exposição de Lord SheffieM,
que calculou de 10 em 10 annos as importaçoem de Inglaterra para todas as
suas colônias, desde o principio do século 18. que o commercio para as
índias Occidentaes uns annos pelos outros constava de .—
2,943,955 lb. st. Importadas em Inglaterra; c
1,279,572, dietas exportadas de Inglaterra.
Ao momento da Revolução recebia a França das suas colônias da America
181,600,000 de libras tornezas em gêneros, a saber: —
Emassucre, e Café - 134*000.000
Algodão - - 26:000.000
índigo, roçou, e outras drogas da tia-tiuraria 11*600.000
Cacao, gingibre, &c. 10:000:000

Total 181:600.000
A mesma época exportava para as suas colônias 78 milhoens de mercadorias
a saber:—
Em gêneros manufacturados, fabricados, &c. 42:447:0CO
Comestíveis, farinha,legumes carnes-salgadas, e queijos - 19:611:000
Vinhos, e aguasardentes 7:285:000
Madeiras, metaes, &c. 6:513:000
Varias íaendas - 2:057:300
Total 77:913:000
(Dicionaire de Ia Geographie Commereiale, de Fouchet.)
As colônias Septentrionaea, pelo contrario, o Canadá, e os Estados Unidos
importam cada anno muitas mais mercadorias Europeas do que exportam
das suas; éra portanto a sua balança com a Europa desfavorável para elles
e todavia bem se sabe que a sua riqueza augmenta com utna rapidez extra-
ordinária.
Literatura e Sciencias. 645

Custa a crer que estes dous resultados contradictorios,


e ambos considerados como vantajosos, naõ tenham feito
-suspeitar grandes erros occultos neste systema tam plausí-
vel das balanças do commereio. Parece-me que do que
temos visto podemos ooneluir, I o , que em toda a troca
igual ha uma balança favorável para uma e outra naçaõ;
porque em todo o eommercio ha proveito para ambos os
contractantes. 2 o , Q u e , aindaque seria interessante saber
se o debito ou o credito de uma naçaõ augmenta ou de-
minue, naõ se pode obter a este respeito cousa certa dos
registros das alfândegas ; e que he absolutamente impos-
sível submettellos ao calclulo. E 3 o , que esta indagação,
posto que seja curiosa, naõ daria noçoens exactas do estado
de prosperidade da naçaõ; pois o augmento ou decadência
da sua riqueza dependem de um balanço inteiramente
diverso que he o dos salários necessários, que se fornecem
cada anno: e que podemos figurar-nos uma naçaõ, cuja
prosperidade va sempre em augmento, ainda que a sua
divida cresça todos os annos ; e outra, cuja prosperidade
diminua, a pezar de cada anno contrahir menor divida.
Quando o valor das exportaçoens excede o das importa-
ções fica sendo a naçaõ credora dos estrangeiros, e recebe
delles cada anno o juro dos fundos, que lhes houver adi-
antado. Este he o caso de toda a naçaÕ que faz um
grande commercio externo; e o seo eredito he tanto
maior quanto o seo commercio faz maior giro; quero
dizer, quando, em logar de vender os seos productos
aquelles de quem recebe os productos estranhos de que
necessita para seo próprio consumo, he obrigada a fazer
3 ou 4 trocas antes de obter o artigo, que quer para seo
próprio consumo. Assim fazia a Inglaterra quando ven-
dia a sua canquilheria aos Pretos de Guiné a troco de es-
cravos, que ao depois dava por assucar e café, e estes
por vinho: de sorte que só depois de 3 trocas he que ob-
646 Miscellanea.
tinha o que queria. Uma naçaõ que emprehende o com-
mercio de transporte, isto he, que faz trocas dos produc-
tos de outras naçoens, sem a final trazer para casa gêneros
para seo consumo, faz ainda um empréstimo mais con-
siderável às naçoens estrangeiras, e deve, por conseguinte
esperar dellas, além da importância das suas exportaçoens,
um rendimento annual, igual ao valor dos lucros do seo
credito. Isto he certamente um balanço favorável, se
assim o quizerem chamar; mas he o effeito, e naõ a
causa.

(Continuar-se-ha.)

MISCELLANEA

Carta de um Braziliano, estabelecido em Londres, ao


Edictor do Times, sobre a Nota das Potências Alliadas
áo Ministério do Rio-de-Janeiro.
Ao Edictor do Times.
SENHOR. A insersaõ, que fostes servido permittir-
me no vosso interessante jornal, da carta que vos dirigi,
sobre o objecto da revolta, que ultimamente arrebentou
em Pernambuco, me anima a proceder na execução da
segunda parte da minha promessa, e a entrar na ellucida-
çaõ da questão relativa á expedição do Rio-da-Prata; ex-
pedição, que, pela ignorância em que suas circumstanci-
as se acham involvidas, e pela inimizade, que tem paten-
teado o Ministério Hespanhol, propagando calumnias a
Mis ccllano.a. g j •y
esse respeito, primeiro c o m os Gabinetes Alliados; e
depois ante o tribunal da opinião publica, tem dado
occasiaõ a numerosas falsas conjecturas, e invectivas sem
fundamento, com que a imprensalngleza tem feito estrondo
ha alguns dias. Incommodar-me-hei, porem, menos com
repellir estas diatribes, do que com illustrar a questão, a
qual, por causa de sua importância, merece séria discussão.
Espero poder despilla daquelle mysterio, em que tem
até aqui sido envolvida; e entaõ deixarei ao publico o
formar a sua própria opinião, sobre disputas que se tem
levantado entre as Cortes Hespanhola e Portugueza, se-
gundo a exposição de bem atlestados factos, e producçaõ
de documentos authenticos, sobre que o mesmo publico
poderá exercitar o seu juizo. Sem duvida esses senhores
tem razoens cogentes para persistirem em suas accusaço-
ens, contra a Corte do Brazil, a torto e a direito; e he uma
circumstancia singular, que naõ embaraçará pouco aquelles
que lhe quizerem responder que, naõ somente elles vem
este negocio em differente ponto de vista, mas absoluta-
mente contradictorio. Alguns reprehendem o Governo
do Brazil por ter dado auxílios aos insurgentes; outros o
denunciam, por ter trabalhado para impedir os progressos
da insurrecçaõ. Ambas as accusaçoens, porém, saõ igual-
mente destituídas de fundamento; porque o facto he
simplesmente este, que o Governo Braziliano, vendo que
o paiz Iimitroplie de seus domínios estava soflrendo todas
ns calaminades da revolução e da guerra civil, somente fez
o que todo o homem prudente faria, vendo incendiada a
v*asa de seu vizinho, que seria deitar abaixo a parede, por
meio da qual o fogo se poderia communicar á sua: e pondo
sentinellas por fora para impedir que o incêndio se com-
munique à sua propriedade, i Como he possivel censurar
com justiça tal comportamento? i e que direito tem o
dono da casa incendiada para se escandalizar disto aomes-
648 Miscellanea.
mo tempo que elle se acha em damasiada distancia, ou está
demasiado oecupado para extinguir o fogo t E comtu
do esta he exactamente a representação do comportamen-
to d J El Rey de Portugal; isto he o que tem excitado os
clamores da Corte de Madrid; e he isto o que outras
Cortes da Europa tem, segundo parece, julgado antici-
padamente contra, e precisamente porque naõ tem ainda
obtido o sufficiente conhecimento da causa.
Como naõ he impossível prever todas as combinaçoens
dos acontecimentos futuros, eu naõ posso predizer, com
certeza, o resultado final da expedição do Rio-da-Prata;
ainda que a occupaçaõ daquelle paiz se tenha ja effei-
tuado, sem difficuldade, pelas tropas Portuguezas, que
foram recebidas com os braços abertos, e até convida-
das pela vóz publica da maior parte dos habitantes. Po-
rém eu sei mui bem que os principios, que tem levado
a estas medidas, digam o que disserem em contrario,
saõ justos e políticos; e que nem fôram inspiradas por um
espirito de imprudência, nem dictadas por uma ambição
cega. Aquelles que asseveram, que a revolução de Per-
nambuco, suecedida a 1.200 milhas de distancia foi excita-
da pelo exemplo da insurreição Hespanhola, devem
conceder, que o Governo do Brazil tinha, pelo menos,
razaõ para temer o contacto desta insurrecçaõ com a das
provincias limitrophes; e, qualquer que seia o resultado,
elles naõ o podem censurar por ter tomado todas as medi-
das, que estavam em seu poder, a fim de a remover
Quanto á impopularidade desta guerra no Brazil e as
medidas oppressivas, como novos impostos, conscripçoens
rigorosas, e outras causas de descontentamento, a que se
pretende que deo origem a guerra, ja as neguei na
minha ultima carta; e para poupar a desnecessária
referencia a ella, aqui as torno o declarar falsas, e desafio
•* prova de sua existência. A guerra, com que somos
Miscellanea 649

ameaçados pela Juncta de Buenos-Ayres, naõ he, na


minha opinião, muito para temer ; e, em todo o caso, Ora
melhor repellir as incursoens de Artigas e Rondeau no
seu mesmo terreno, do que esperar por elles dentro do
território do Brazil; visto que este paiz ja estava infestado
por estes insurgentes, e o teria continuado a ser cada dia
mais, á proporção, que o espirito insurreccionario ad-
quirisse mais audacidade, e maiores recursos. Agora
venho ao documento official, que, por causa de sua grande
importância, e graduação, que tem na Europa aquellas
Potências que o assignâram, deve indubitavelmente ter
grande pezo na opinião de todos os que entrarem nesta
discussão; e, primeiramente, tomarei sobre mim o dizer,
que o jornal, que publicou primeiro este documento, fello
sem autlwridade, e até sem o conhecimento do Ministério
Britannico; e que, consequentemente, todas as refle-
zoens, que o acompanhavam,fôram dictadas pelo gabinete
de Madrid (d'onde se obteve esta communicaçaõ) ou saõ
producçoens do mesmo jornal, o qual, neste exemplo,
certamente naõ he, como se crê em muitos outros, o orgaõ
da administração Britannica. O pezo que os artigos,
neste papel, adquirem quando passam por ministeriaes,
no espirito de seus leitores, me induzio ao principio a
começar a minha resposta por esta explicação, e estou
persuadido de de que o Courier, se estas linhas vierem á
sua observação, naõ contradirá as duas asserçoens, que
tenho marcado em Itálicos, pela conclusão que dellas
tenho tirado. H e penoso a um Portuguez ver a espécie
de compiraçaõ geral entre os jornaes Inglezes, para aba-
terem, com conhecimento de causa ou sem elle, tudo
quanto respeita Portugal e o Brazil; e até chegando ao
ponto de pôr os seus interesses em opposiçaõ ás vantagens
politicas e commerciaes da Gram Bretanha. Por mais
contradictorio, que seja o principio, que elles estabelecem;
VOL XVXII. No. 109. 4N
CôO Miscellanea,

a conclusão he sempre a mesma, e logo que se offerece


uma occasiaõ de censurar o Governo Portuguez, todos
concordam, i D'onde pôde proceder esta espécie de pre-
dilecçaõ pela Hespanha, que lhes nega tudo, até a grati-
dão, e este ódio a Portugal, o antigo alliado da Gram
Bretanha, contra quem naõ põdcm fazer outra accusaçaõ
senaõ a de ter levado a excesso a sua condescendência 1
Porém, voltando á nota dos Ministros da Grande Alii-
ança, dirigida á Corte do Brazil; mostrarei que, atê o
mesmo conteúdo naquella nota prova, que ella foi eceripta
para satisfazer as queixas da Hespanha, e antes que a
administração do Brazil, (que indubitavelmente naõ sabia
a bulha que este negocio estava impropriamente fazendo
na Europa) tivesse dado alguma explicação dos motivos,
que a oceasionáram, e das vistas, com que se emprehendeo
a expedição. Aquella explicação, que entaõ naõ existia,
chegou agora Tem sido offerecida pela Corte do Brazil
antes que aquella Corte pudesse suspeitar cousa alguma
da meãiaçaÕ pedida por Hespanha e aceitada pelas
cinco Potências ; foi officialmente dada por escripto, pelos
Ministros de Portugal, que estaõ accreditados juncto ás
mesmas Potências; e se podemos julgar pela favorável
impressão, que tem produzido nos gabinetes, que a rece-
beram, ha toda a razaõ para crer, que este negocio, a que
ce tinha tentado dar tam terrível apparencia, terminará
quietamente e em mutua satisfacçaõ de Hespanha e Por-
tugal. Tal he em poucas palavras a situação do negocio,
E u desejaria poder transcrever aqui, para vossa mais com-
pleta informação, a nota, que o Ministro de Portugal em
Londres dirigio a Lord Castlereagh, e que contém per
extenso a explicação, a que alludo. Parece, porém, que
a practica de publicar nas gazetas documentos officiaes,
nunca tem lugar senaõ na ruptura de negociaçoens, e no
ca3o de manifestos, que precedem alguma guerra.
Miscellanea. 651
Taes publicaçoens, durante o progresso de uma negocia-
ção, devem ser desapprovadas por todas as pessoas sensatas
e apenas sei de outro exemplo em que se tenha tomado tal
caminho, senaõ o da nota, que os Ministros Hespanhoes
publicaram pela imprensa, antes que tivesse chegado ao
seu destino. Limitar-me-hei por tanto, aqui, a uma revista
do conteúdo deste documento, sem o inserir por extenso.
Desde o momento em que arrebentou a revolução nas
Colônias Hespanholas do Rio-da-Prata, S. M. Fidelissima
preveo as fataes conseqüências do acontecimento, e ulti-
mamente, a necessidade de as prevenir. Por esta razaõ,
naõ obstante o estado exhausto de seus recursos, pelos
esforços da guerra na Europa, em beneficio commum,
S. M. se achou obrigado em 1811 a mandar um destaca-
mento de tropas para o território Hespanhol, situado entre
o Urugay e o Rio-da-Prata. Esta empreza teria produ-
zido naquelle tempo um resultado, igualmente benéfico ás
duas coroas de Portugal e Hespanha ; se o General Elio?
Governador de Monte-Video, naõ tivesse concluído uma
convenção com o Governador de Buenos-Ayres, sem con-
sentimento do General Portuguez, aquém elle memo tinha
convidado para lhe dar auxilio.
Como esta convenção do Govereador Hespanhol com a
Juncta de Bnenos-Ayres parecia garantir a segurança
daquelle lugar, e do território de Monte-Video, de que
dependia o das fronteiras do Brazil; S.M. Fidelissima se
decidio a concluir, de sua parte, um armistício com a dieta
Juncta, e retirar as tropas para dentro de suas fronteiras
Este armistício, datado de 26 de Maio de 1812, foi nego-
ciado em conformidade do parecer do Ministro Inglez
juncto a Corte do Rio-de-Janeiro; porém naõ sob a me-
diação, nem com a garantia, da Gram Bretanha, como
erradamente se disse. Deve alem disto observar-se, que
era meramente um armistício, e naÕ um tractado ou con-
4 A 2
652 Miscellanea.

vençaõ, como ainda mais falsamente se pretendeo; e,


numa palavra, naõ deve esquecer, que este armistício
foi assignado Com a Juncta de Buenos-Ayres, em quanto
Monte-Video estava ainda debaixo do dominio da Metró-
pole, e que a expedição que ultimamente foi ao Rio-da-
Prata, naÕ éra destinada a atacar Buenos-Ayres, nem,
consequentemente, a quebrar o armistício, porém somente
a occupar aquelle mesmo território, de Monte-Video, que
em 1812, estava ainda debaixo do dominio do Governo de
Hespanha, e que em 1816 naõ estava unido a Buenos-
Ayres, mas éra despoticamente governado por um indivi-
duo, chamado Artigas, o qual de sua própria authoridade
tinha tomado posse do poder soberano.
Naõ se passou muito tempo antes que S. M. Fidelissima
percebesse a desavantagem, em que o tinha posto a con-
clusão deste armistício. Tendo Monte-Video caido nas
maõs dos Insurgentes, logo elles começaram a infestar as
fronteiras do Brazil, e a convidar os índios o os Negros a
que se revoltassem; e em quanto S. M. assim se achava
obrigado a tolerar estas aggressoens, soube, que especu-
ladores estrangeiros anxiosamente desejavam introduzir
armas, e petrechos de guerra, nos portos do Rio-da-Prata;
e que os revolucionairos tinham adquirido uma consistên-
cia de assustar.
Ao tempo do restabelicimento de S. M. Catholica ao
throno, era de esperar que um de seus primeiros cuida-
dos tivesse sido pacificar seus dominios Americanos, e
reunir á Metrópole as provincias insurgentes do Rio-da-
Prata ; e S. M. Fidelissima tinha toda a razaõ para crer,
que tal objecto se tinha tomado em consideração, e se
podia effectuar, quando soube, que em Cadiz se faziam
preparativos para a expedição, sob o commando do Gene-
ral Murillo. Esta convicção se fortificou mais, no espirito
de S. M. Fidelissima, quando o Ministério Hespanhol se
Miscellanea. fàx
dirigio officialmente á Corte do Rio-de-Janeiro, pedindo
que a expedição fosse admittida nos portos do Brazil, e
ali provida de mantimentos. S. M. Fidelissima aprovei-
tou esta occasiaõ de testemunhar a sua adhesaõ aos inte-
resses de Hespanha; e o Embaixador Portuguez em
Madrid informou o Ministério Hespanhol, por uma nota
oílieial, de que naõ somente a expedição seria recebida
nos portos do Brazil, mas que os Governadores das pro-
vincias marítimas, particularmente S13. Catharina, rece-
beriam instrucçoens sobre esta matéria, a fim de prepa-
rarem mantimentos para o seu fornecimento. Elle ac-
cresentou, que, em conseqüência das medidas, que a corte
de Hespanha tinha em vista, S. M. Fidelissima tinha
determinado mandar buscar aos seus dominios Europeos
4 a 5 mil homens de tropa, para serem empregados no
Brazil, em um conveniente systema de defeza, e para
cooperarem, em caso de necessidade, com a expedição
Hespanhola. A Corte do Brazil, naõ contente com an-
nunciar esta medida á Corte de Hespanha, communicou
também esta resolução ao Ministério Britannico ; e o Em-
baixador de Portugal cm Londres dirigio uma nota offi-
cial para aquelle effeito ao Ministério Britânico, aos 24 de
Maio 1815.
Pouco depois de se haverem adoptado estas medidas,
soube o Governo do Brazil, com admiração, que a expe-
dição commandada pelo General Murillo tinha recebido
um destino absolutamente differente daquelle, que se tinha
officialmente annunciado, ao mesmo tempo que se lhe naõ
fez explicação alguma das razoens porque se havia aban-
donado um plano, formado por mutuo concerto dos dous
Governos. Esta falta de respeito (para lhe naõ darmos
outro nome) tam fora do uso, naÕ podia deixar de desa-
gradar á Corte do Brazil, e convencêlla por fim de que
a segurança de seus domínios (qne ja se havia compro-
654 Miscellanea.
mettído, pelos preparativos, que se tinham feito para re-
ceber a expedição Hespanhola) naõ se devia deixar por
mais tempo á mercê da continuada procrastinaçaõ, e in-
explicável versatilidade do Ministério Hespanhol. Fez-se
imperativo á Corte do Brazil o depender somente de suas
próprias forças, e tomar immediatamente medidas para a
protecçaõ de suas fronteiras, cuja defeza teria sido tanto
mais difficil quanto mais se demorassem on negligenci-
assem os meios de a segurar.
A este tempo se tornou o perigo mais ameaçador;
porque o Governo de Buenos-Ayres reconheceo a inde-
pendência da provincia Oriental do Rio-da-Prata, e Arti-
gas, cujo character audaz c turbulento inspirava as mais
vivas apprehensoens, se apossou, sem alguma eleição, do
supremo commando daquelle paiz.
Logo que se soube no Rio-de-Janeiro, que aquelle chefe
tinha commettido depredaçoens nas fronteiras do Brazil,
que estava levantando tropas para invadir a provincia de
S. Pedro, pelo Sul, e que estava disseminando proclama-
çoens para excitar os habitantes das Sette Missoens a
revoltarem-se, projectos hostis, quefôramtodosprovados
por documentos authenti-aos, que estaõ na maõ do Go-
verno do Brazil, S. M. Fidelissima, naõ podendo mais
hesitar sobre os passos, que devia dar, se decido a man-
dar um corpo de tropas para o paiz, situado entre o Uru-
gay e o Rio-da-Prata, a fim de tomar posse militar da
margem esquerda daquelle rio e perseguir os bandos de
Artigas, ou para os dissipar de todo, ou ao menos para
os forçar a evacuar a proviucia que limita o Brazil. Esta
medida, ao mesmo tempo natural e necessária, na situação
dos negócios noBrazil, excitou comtudo o resentimento da
Corte de Madrid, que parece haver-se esquecido de que
ella mesma compromctteo a do Brazil com os Insur-
gentes ; e, a pezar das seguranças officiaes, que se lhe
Miscellanea. $5$
deram, das boas intençoens de S. M. Fidelissima, julgou
acertado dirigir, por meio de seu Encarregado de Negó-
cios no Rio-de-Janeiro, uma Nola, datada de 8 de No-
vembro, 1816; protestando contra a entrada das tropas
Portugueza», no território Hespanhol. Este protesto
inadmissível como deve parecer, foi repeüido do modo que
merecia; porque, sem duvida, o Ministério Hespanhol
pôde pelo tempo que lhe parecer deixar consolidar a
insurreição em suas colônias; porém naõ tem direito de
impedir que um Estado estrangeiro tome medidas de de-
feza contra esses mesmos insurgentes, que naõ pôde ou
naõ quer trazer á obediência.
O Governo de Buenos-Ayres, de sua parte, pedio ex-
plicaçoens ao General Lecor, sobre a marcha das tropas
Portuguezas; e teve em resposta uma segurança, de que
a expedição Portugueza se destinava unicamente a occu-
par o território oriental do Rio-da-Prata; que tinha
obrado desta maneira, porquê a anarchia, a que estava
exposto aquelle districto fazia comque éstâ medida fosse
indispensável á segurança do Brazil; que S. M. Fidelis-
sima naõ tinha vistas de conquista, e naõ intentava passar
os limites daquelle território.
Tal he a serie de factos, que se acham explicados na
nota dirigida pelo Embaixador Portuguez a Lord Castle-
reagh, datada de 17 de Maio,. 1817. Elle accrescenta a
esta exposição a segurança official de que E l Rey, seu
Amo, naÕ pretendendo disputar com a Corte de Hespanha
nenhum direito ao território de Monte-Video, se vio, nao
obstante, na necessidade de tomar posse militar delle, atê
que terminasse de um modo ou de outro a contenda entre
as colônias Hespanholas do Rio-da-Patra, e a Metrópole:
porque, neste caso somente he que aquelle paiz poderia
ser evacuado, sem comprometter a segurança das pro»
vincias Fortuguezas que lhe saõ limitrophes. Além disto
656 Miscellanea.

deo o Embaixador uma segurança formal, de que a pezar


das antigas disputas, ainda naõ terminadas, a respeito dos
limites dos dominios Hespanhoes e Portuguezes naquella
parte da America; a pezar das justas queixas, que Por-
tugal tinha que fazer contra a Hespanha, por muitos mo-
tivos, e particularmente sobre o ponto de Olivença, que
aquella Potência retém em opposiçaõ á decisaõ solemne
de todos os Soberanos da Europa, junetos no Congresso
de Vienna; S. M. Fidelissima naõ pretendeo occupar o
território de Monte Video como garantia para obter suas
justas pretençoens.
A nota do Ministro Portuguez termina com a segu-
rança de que a sua Corte estava inteiramente disposta a
entrar em um arranjamento amigável com a de Madrid,
sobre todos os pontos, que formam objecto de antigas ou
mordemos discussoens.
Tal he, senhor, o contheudo dõ documento official que
tenho agora presente, e o publico poderá determinar, se as
explicaçoens e declaraçoens do Governo do Brazil naõ
tem precedido os desejos das Potências Alliadas, annun-
ciados na sua nota ao Marquez d' Aguiar; porquanto
aquelle documento, assignado em Londres pelo Ministro
de Portugal, na data de 19 de Maio, em conseqüência de
instrucçoens recebidas do Rio-de-Janeiro, naõ pôde de
nenhuma forma ser considerado como referindo-se anota,
que os Plenipotenciarios das cinco Potências assignâram
em Paris, aos 16 de Março.
Depois destas explicaçoens vereis claramente, que o
negocio, de que se tracta, pôde terminar com satisfacçaõ
de todas as partes, por meio de negociação entre as im-
mediatamente interessadas: que a mediação, offerocida
pelas Potências Alliadas, sem duvida será aceita pela
Corte do Brazil, e contribuirá para facilitar aquelle arran-
jamento 3 que produzirá o effeito de obstar ao precipitado
Miscellanea. 657
resentimento de Hespanha, e prevenir toda a possibili-
dade de uma guerra ua Europa, entre Portugal e Hes-
panha, acontecimento, que, se tivesse de acontecer, pre-
cipitaria os dous paizes em innumeraveis desgraças, e
alvez tornaria a ascender na Europa o ainda naõ extincto
fogo da desordem geral.
A nota, pois, dirigida pelos Plenipotenciarios junetos em
Paris ao Ministério do Kio-dc-Janeiro, foi inspirada por
uma politica liberal, e diclada pelas mais benevolas in-
tençoens, mas teria parecido desnecessária, e provavel-
mente nunca teria sido escripta, se as cortes Alliadas
tivessem antes recebido, a explicaçoens, que lhes fôram
depois irigidas; e he sem duvida para lamentar, que estas
declara oeus da parte do Gabinete do Brazil tivessem
sido retardadas ; em primeiro lugar por causa da distancia,
que tàz necessário um tem [to considerável para as com-
municaçoens com aquelle paiz ; e talvez cm segundo lugar,
por um sentimento de desgosto, com o comportamento do
Ministério Hespanhol, que justamente se excitou no Rio-
de-Janeiro, mas que sempre deve ser submisso ás ra-
zoens d' Estado, em negócios de tal importância, aonde
a questão se versa sobre a sorte e descanço de naçoens.
O Ministério Hespanhol, por sua parte, parece haver
commettido um grande erro, cm tocar a rebate, para
assim me expressar, por toda a Europa, queixando-se de
uma aggressaõ, que naõ existia nem de facto nem de
direito; porque as reiteradas protestaçoens da Corte do
Brazil deviam tullo convencido de que a expedição au
Rio-da-Prata naõ tinha por objecto o violar os direitos,
que S. M. Catliolica retém sobre aquelle território; e de-
facto, os insurgentes de Monte Video estaõ tam longe de
serem vassallos de Hespanha, que saõ seus inimigos, assim
como inimigos de Portugal. Talvez a administração, que
dirigia o gabinete de Madrid, ao tempo em que este
VOL.. XVIU No. 109. 4o
658
Miscellanea.
negocio começava a attrahir os olhos do mundo, estimasse
ter esta occasiaõ de exaggerar e falsificar as suas circum-
stancias, na ehimerica esperança de que as Potências,
a quem se dirigia, houvessem de ser enganadas por seus
clamores, ao ponto de permittirem uma mais prompta in-
vasão de Portugal, que aquelle gabinete avidamente de-
sejava, como uma indemnizaçaõ pela perca, quasi irre-
parável de suas colônias Americanas. Esta conjectura
adquire ainda mais probabilidade quando se considera, que
esta administração, que (com grande alegria de toda a
Hespanha) tem sido demittida do leme dos negocios>
levou o seu ódio contra a Corte do Brazil a tal extençaõ,
que propoz, que as Infantas de Portugal, em sua chegada
â Hespanha, fossem prezas em um convento, ou tornadas
a mandar para o Brazil; e se aconselhou este passo, para
vingar uma supposta offensa, subre que nunca se Tinham
pedido explicaçoens directas por escripto da Côrtfe do Rio-
de-Janeiro. Felizmente a sabedoria de S. M. Catholica
regeitou, com desprezo, esta indigna proposta.
Estai seguro, Senhor, de que a explicação, que tenho
dado deste negócio, he tam franca como authcnticada; e
que isto terminará sem aquelle estrondo, que imprudente-
mente se tentou produzir; porque as Potências Media-
neiras saõ demasiado illuminadas para naõ perceberem,
e a mesma Hespanha he demasiado sabia para naõ se
convencer, de que a Corte do Brazil tem adoptado a única
medida que podia seguir, e que a evacuação immediata
do território de Monte-Video teria o effeito de o entregar
aos insurgentes, ao mesmo tempo que entregallo á Hes-
panha (que naõ tem tropas promptas para o proteger)
levaria a conseqüências, que somente podem ser pre-
venidas, ficando ali temporariamente as tropas Por-
tuguezas.
Podeis também estar igualmente seguro, de que esta ex*
Miscellanea. 659
pediçaõ nao occasionou a revolução de Pernambuco; a
qual mui provavelmente tem ja terminado, ao tempo em
que vos dirijo esta longa carta; e que, tam longe está de
ter excitado esta insurreição no Brazil, que a esta medida
deve aquelle reyno o ter escapado dos desastres, que o
ameaçavam, pelo seu immedíato contacto com as provin-
cias insurgentes da Hespanha.
Sou, Senhor, &e.
Um Braziliano, estabelecido em Londres.
Londres 6 de Junho 1817.

Narrativa da Revolução em Pernambuco.


Por v,ma testemunha occular.
A capitania de Pernambuco, e principalmente o Recife,
eslava lia muitos annos no mais deplorável estado de po-
licia: sendo certo, que, quasi jodos os dias, se faziam
mortes, roubos, e toda a sorte de maldades, e tendo disto
a culpa o Governador Caetano Pinto de Miranda Monte-
negro.
A falta de execução das leys; pois os Ministros e em-
pregados públicos, imitando o seu Generalfialaxtdaõ (porém
naõ na limpeza de maõs) deixavam correr tudo á revelia'
fazia caminhar tudo com presteza a uma catastfophe, como
a que aconteceo em 6 de Março de 1817. Era impossível
existir ordem, aonde a justiça se punba em leilaõ; e
aquelle, que mais offerecia e dava, colhia o ramo da per-
fídia. Além das rapinas, que se faziam ao Povo, tractava-
se também de roubar os thesouros do Imperante, com
um descaramento sem limite, e pelas maneiras mais
Infames.
A Juncta da Real Fazenda, que pelo alto character, que
representa, deveria servir de modelo a todos os outros
4o2
660 Miscellanea.
tribunaes éra a mesma que soffria, que ali acontecesse
muitas vezes, que seus membros tirassem vantagem d*"*
patrimônio de seu Augusto Amo. Apresentavam-se as
contas de despeza pertencente á Capitania i porém muitas
de que forma? Em algumas fez reparo o Presidente,
quo assaz conhecia como eram produzidas; porém naõ
fazia opposiçaõ alguma e sanccionava documentos inteira-
mente falsificados. Seguia-se a alfândega, aonde estas
operaçoens se faziam mais ás claras; por isso mesmo que,
havendo nella grande quantidade de officiaes, talvez que
se naÕ possam exceptuar quatro, sem que sejam mancha-
dos pela venalidade. Com effeito em um tribunal dos da
primeira ordem, a respeito de fiscalização, naõ se podem
achar senaõ quatro officiaes, que cumpram exactamente
com o seu dever. Sim; isto he facto, e facto notado até
pela gente mais ordinária da Captianía. Tem chegado a
tal reiaxaçaõ, que alguns officiaes se attreveram a estabe-
lecer loges publicas de fazendas, favorecendo prodigiosa-
mente aos despachantes, em conseqüência de lhas lar-
garem por um preço módico ; vindo por taes principios a
padecer muito o Governo, e igualmente a multidão de
logistas; porquanto he natural naõ poderem fazer venda
das suas mercadorias, pelo mesmo preço que aquelles.
Estava ja tam relaxado este objecto, que até na mesma
Alfândega se apartavam as fazendas, e se faziam os sur-
timentos, conforme os gostos dos officiaes; e, por conse-
qüência, servia esta casa de arrecadação Real, comode
armazém mercantil.
Na intendencia da Marinha fiaria-se o mesmo: alguns
procuravam fazer a sua fortuna, esgotando os cofres do
Soberano: aquillo, que custava dous, introduzia-se por
oito: naõ havia medo; nada de remorsos; em fim ex-
travios as claras. Os empregados, que mais figuravam,
mais comiam; e, quando se tractava de representar aa
Miscellanea. 661
injustiças, practicadas com freqüência, cuidava-se entaõ
em procurar todos os meios, a fim de triumphar a maldade.
I)e todos estes factos he culpado de negligencia o mesmo
General: bem vezes se lhe disse, e até elle o sabia, que
tudo ia na maior tortura; e se faziam diariamente extra-
vios de conseqüência, porém nada de providencias, nada
de pôr limite a taes ruínas.
Immcnsosfactos se poderiam aqui apontar, porém entaõ
seriam necessárias muitas resmas de papel, os quaes pro-
variam, que somente o Governador foi culpado do aconte-
cimento do dia 6 de Março.
Ha muitos tempos sabia elle, que, em casa de Domingos
Jozé Martins, se faziam junctas revolucionárias, contra o
Governo, nas quaes entravam sugeitos de todas as classes,
sendo a maior porçaõ officiaes do Regimento de Artilheria.
Bem vezes se lhe accusáram as saúdes d e — " Viva o
Brazil, e acabe para sempre a tyrannia e o despotismo
Europeo"—Respondia a isto S. E x a . ; " Deixúllos, saõ
rapazes e estúpidos ; por isso naõ sabem o que fazem, e
naÕ ha que temer.'''
Chegou a tal ponto este negocio, que até se lhe dirigio
uma carta anonyma, para que tomasse medidas sérias,
e com anticipaçaõ; porquanto se tramava conjuração.
Nada disto abalou o General.
Lançou-se lenha á fornalha, e estava tam próximo o
incêndio, que até pelas ruas se gritava ; " dizem que ha
um levante no dia 6 de Março:" pois assim mesmo so-
mente ordenou, em 4 do dicto mez, se lesse uma ordem do
dia, em que se recommendava uniaõ á tropa.
Irritou-se com isto mais os facciosos, de maneira que
obrigou entaõ a S. Exa. a convocar um Conselho Militar,
no mesmo dia 6, aonde se resolveo, que fossem prezos
alguns sugeitos (e naõ processados como quizéram fazer
persuadir); o que principiou a fazer o chefe do Regi-
662 Miscellanea.

menlo de Artilheria, ainda que com muita acceieraçaõ;


e por isso um dos seus capitaens o assassinou no mesmo
quartel.
Naõ foi casualidade, como se tem publicado, o que
deo princípio a esta terrível catastropne ; mas sim a grande
vontade, com que estavam os conjurauos, de se fazerem
grandes, ainda que por momentos, á custa das vidas, honra
e propriedade dos bons Portuguezes.
Morre o Brigadeiro, e um dos Aju antes de Ordens
do Governo: pegam em armas os dous regimentos, a que
se podiam chamar cascos; porque somente formariam
ambos 500 homens; e se dirigem para o principio da ponte
denominada do Recife, esperando naõ se sabe o que; pois,
havendo um Cabo determinado a accommelter tal Irandu-
lagem, podia-se até affiançar o vencimento, ainda mesmo
que o fizesse sõ com 200 homens.
Desampara o General o seu quartel, e corre para a
fortaleza do Brum, aonde lhe aconselham determine
todos os meios mais acertados, a fira de resistir aquella
facçaõ, ao que elle até naõ responde. Que fraqueza!
Offerece-se um official, que se acha possuído de valor, o
qual pede licença, e entra na mesma fortaleza com desíg-
nio de fazer tirar uma ou duas peças de artilheria, com as
quaes pretende accommelter a pouca tropa, que estava de
observação. Sáe com effieito com uma peça, a qual á
saida do forte caio por terra, por se fazer em pedaços a
carreta o que exasperou inteiramente o commandante,
parando cem taes diligencias. Na fortaleza, de que se
tracta, naõ havia nada; e com tudo era ella a principal
com um commandante de patente de Brigadeiro dos
Reaes Exércitos de S. M. F . : naõ havia quatro morteiros
capazes de fazer defensa: faltava ali tudo quanto se deno-
mina muniçoens de guerra; e até se achava, no dia da
revolução, sem água. Naõ se tractava de olhar para
Miscellanea. 663
estas cousas, a pezar de que havia um official general, com
o titulo de Inspector da Tropa e Artilheria; porém estes
empregos, no Brazil, tem servido unicamente para esgo-
tar os cofres da NaçaÕ.
Ora pois, naõ havendo deliberação sobre este impor-
tante objecto, na manhaã do dia 7 , pelas seis horas,
correm talvez 400 pessoas de todas as cores e idades,
descalços, e quasi nus pela maior parte, armados de
chuços, espingardas, e espadas, á testa dos quaes se vê
D. J. Martins, e mais cabeças da desordem, e se dirigem
á fortaleza, aonde o fraco General he obrigado assignar
certas condiçoens, que ainda saõ ignoradas.
Determina-se-lhe, que deve embarcar 24 horas depois,
para fora da capitania, o que fez no dia so para o Rio-de-
Janeiro, em uma sumaca, com bandeira parlamentaria.
Instalam immediatamente um Governo Provisório;
composto de cinco membros;* dos quaes, fazendo-se a
justiça devida, sõ Jozé Luiz de Mendonça he o mais digno
da ranchada. Prescrevem immediatamente os tractamen-
tos, dando somente o de vos ; o que prova bem a falta de
senso ; pois he natural que um escravo tracte a seu senhor,
da mesma maneira que este ao escravo!
Publicam logo por bandos, que tendo os Europeos con-
quistado o seu paiz, e conservado-o ha muitos séculos,
practicando com os nacionaes um império absoluto e

* O Padre Joaõ Ribeiro Pessoa: antes Mestre de desenho, no collegio


de Olinda; e agora na Repartição da Igreja.
Manuel Corrêa de Araújo: Lavrador de assucar; agora da Bepartiçaõ
da Agricultura.
Joié* Luiz de Mendonça: antes Advogado; agora da Repartição da
Justiça.
Domingos Joié Martins: antes o que todos sabem; agora do Commercio
Domingos Theotonio: antes Capitão d'Artilheria; agora General das
Armas,
664 Miscellanea.

tyranno, que seriam agora obrigados a reconquistallo, o


que tinham feito em poucos momentos, (o que parecia
obrado somente pela providencia) ao que se pudera cha-
mar, roubar; pois que pertencendo este vastíssimo Im-
pério a Sua Majestade Fidelissima, e aos pays dos rebela-
dos, estes devem considerar-se como réos de alta traição;
quando deveriam antes mostrar-se, em todos os tempos,
agradecidos aos Europeos, pelos terem aperfeiçoado na
côr, fazendo-os perder a condição de Indianos.
Transtornam logo a forma em muitas cousas do antigo
Governo; abrem as cadêas, soltando grande numero de
malvados, e fazendo acabar e annular todos os processos
civis e criminaes; principiam a datar todas as suas regras
desde 6 de Março, de 1817. Fogem diversos negocian-
tes, e por isso determinam, que as suas propriedades sejam
postas em rigoroso seqüestro. Dizem franquear o com-
mercio e navegação, e conceder licença a todos os vasos
Portuguezes, que entrarem depois de dia 6 de Março, o
que ainda naõ cumpriram, a pezar de se lhes ter repre-
sentado. Publicam igualmente, que conservarão a todos
os empregados nos seus officios, fazendo-os jurar fideli-
dade a um Governo que naõ tem forma; promettendo
prosperidades aquelles mesmos, que naõ tem segura a
sua existência.
Requer J. L. de Mendonça se envie uma deputaçaõ a
S. M. Fidelissima, a fim de obterem o perdaõ de tal
rompimento, e uma nova Constituição, mostrando-se o
tyrannico jugo, em que viviam; e porém os mais do
Governo se oppóem, correndo até risco a vida de Men-
donça.
Promettem logo 160 rs. de soldo a cada homem que
sirva; o que em poucos dias abaixaram a 100 rs. Alistam
tudo quanto apparece, naõ lhe fazendo obstáculo a idade
nem a côr. Tudo geme na maior desconfiança e flagela-
Miscellanea. 665

çaÕ; accrescendo, para o cumulo das maiores desgraças,


uma tremenda falta de mantimentos. Tudo he fome.
Um alqueire de farinha, que d'antes custava 1.600 a 1.920
reis, custa 9.600 reis, e naõ apparece. O Governo tem
forçado tudo a ser alistado; o que causa grande descon-
tentamento, principalmente aos officiaes empregados nas
obras diárias, mostrando-se o quanto será penoso a um
homem que ganhava 640 rs. e 960, por dia, pois sendo
soldado, naõ pôde supprir a sua familia com 100 rs. He
facto; e até facto publico, em que esta qualidade de gente
manifesta o grande descontentamento pelas ruas, sem que
tenha medo de um Governo sem forma e até ímpio.

Jornal de acontecimentos na Bahia, extrahido das gazetas


Francezas, Nantes 5 de Junho.
Bahia, Março 20. Acaba de arrebentar em Pernam-
buca uma séria revolução. NaÕ sabemos nada do Pará
nem do Maranhão; e as rígidas precauçoens, que o Gover-
no toma, provam, que um único graõ de pólvora pôde
incendiar montanhas. Por longo tempo tem os colonistas
do Brazil estado em máos termos com os Europeos de
Lisboa, que possuem empregos civis e militares. Por toda
alinha de costa se se conservaram intelligencias secretas:
os 7 de Abril, dia fixado para a corvaçaõ d 'Ele Rey, se
dava como signal para a revolta geral.
Os habitantes de Pernambuco, mais ardentos que os das
outras provincias, apressaram o momento, que elles cha-
maram o da sua libertação.
Aproveitando-se das informaçoens, que receberam,
correo o povo em tumulto á casa de um rico negociante de
Pernambuco, accusado de monopolizar e mandioca. Deo-
VOL. X V H L No. 109. 4 e
666 Miscellanea.
se fogo a varias espingardas ao accaso, matáram-se dous
ajundantes de campo, e outras circumstancias puzeram fim
á insurreição. U m dos que matou os ajudantes de campo,
ja prezo pelo militar, tentou libertar-se das guardas. Gri-
tou, " vamos camaradas, este he o grande dia da nossa
libertação! Viva a republica, a pátria, & c . ! " O tumulto
durou pouco tempo. Os principaes authores dasta conspi-
ração, que até entaõ tinham estado por de trás da cortina,
apporecêram, e tudo estava também combinado, que no
no mesmo dia se restabeleceo a ordem.
O novo Governo, instituído dabaixo da forma da um
Directorio, composto de cinco membros, escolhidos d'entre
os notáveis da capitania, mostrou uma actividade pouco
conhecida no Brazil. Expediram-se proclamaçoens, ga-
rantindo a propriedade dos indivíduos, animando a indepen-
dência, e a diminnuçaõ dos impostos, augmento de soldo da
tropa, e pagamento de seis mezes adiantados aos adminis-
tradores civis e militares.
O Governador de Pernambuco foi obrigado a fechar-se
n' um forte velho, com 4 soldados e um cabo-de-esquadra.
Obrigado a render-se, entregou-se á generosidade dos
conquistadores, que lhe naõ fizeram mal, mas obrigaram-o
a embarcar a toda a pressa.
Março 22, pela noite. Um vaso costeiro, apparecêo
fôra da barra esta manhaã. Um espiaõ, que o tinha em
vista, foi a bordo disfarçado em pescador, para reconhecer
a equipagem. Um frade e um official general, e duas
outras pessoas, fôram ali prezos. Elles vinham de Per-
nambuco, com proclamaçoens que foram apprehendidas.
Março 23. Grandes rumores na cidade, por causa das
prisoens de hontem. O Governador da Bahia disse a
um dos mais ricos negociantes desta praça, " Eu sei,
Senhor, que vós attendeis mais a politicas do que ao com-
mercio; porém tomai cuidado; porque a vossa vida de-
Miscellanea. 667

pende de m i m / ' O negociante respondeo— í£ Governa-


dor, a minha resolução lia muito tempo, que eslá além
do alcance de vossas ameaças; eu naõ tenho feito nada
contra o Governo ; porém se vós tendes escolhido a minha
cabeça, para dar uma prova da vossa coragem, eu estou
prompto: um pouco mais cedo ou mais tarde, sei que hei
de morrer; e em política o assassinto he cousa mui
fácil." Quando voltou para casa, este sugeito, que he
demasiado rico para olhar para uma revolução como fonte
de riqueza, e demasiado velho para julgar que ella lhe
sivra de degrao á sua ambição, achou a sua casa cheia de
amigos, promptos a provar-lhe a que ponto estavam exci-
tadas as suas paixoens. No entanto o Governador vai
mandando tropas por mar e por terra; dous regimentos
de cavallaria, na direcçaõ de Pernambuco, e outra tanta
infanteria, para Sergipe, provincia intermediária, entre a
Bahia e Pernambuco, e uma aonde o espirito de revolta se
sabia que tem chegado.
Março 24. Acordei esta manhaã com o toque de todos
os sinos, de que ha mais de mil nesta cidade.
Março 2ó. O frade he o único a quem se faz processo:
o official general achou meios de acolher-se a um convento
d' onde se naõ attrevem a tirállo.
Março 26. Saíram esta manhaã dous regimentos de
Cavallaria para Pernambuco: a infanteria seguirá depois.
O navio Francez, que aqui se acha naõ dará á vela. O
Governo oppôem-se a isso. O descontentamento aug-
menta. Nos cafés ha ajunetamentos, que nos assustam.
Março 27. O frade foi condemnado, e será execu-
tado amanhaã, ou no dia seguinte. Elle disse ao Presi-
dente da Commissaõ militar; " se hoje he a minha vez, a
vossa bem depressa ehegará.
Março 29. A execução do firade esta determinada
para hoje: Os negros causam-nos susto: vários tem si-
4P2
668 Miscellanea.

do enforcados. A inesperada partida das tropas, a prizaõ


de 60 pessoas na cidade e vizinhanças da Bahia, os
murmúrios, a postura ameaçadora dos negros augmen-
tam e nutrem os nossos temores. Nenhum navio po-
de sair; naõ se deseja que transpirem as particulari-
dades no Brazil, aonde os elementos de uma insurrec-
çaõ geral naÕ deixam de ser mui poderosos.
Março 30. O frade foi executado hontem pela ma-
n h a ã ; deo grandes provas de character, Com passo
firme marchou para o lugar da execução, cercado por
uma deputaçaõ da Bahia, e conversou com cada uma
destas pessoas com grande sangue frio. Elle disse," o
meu sangue vaia derramar-se pela liberdadei porque
naõ he elle o ultimo ? " Teve muitas conversaçoens
similhantes, e pôz-se entaõ diante dos soldados para a
execução. Assim passou os seus últimos momentos, e
moveo a lagrimas todos os espectadores.

CONSPIRAÇÃO EM LISBOA.

Noticias extrahidas das gazetas lnglezas.


Lembrar-se-ha o publico, que ha algum tempo, estando
o Marechal Beresford passando revicta a um corpo de
tropas Portuguezas, lhe atiraram um tiro. EntaÕ attri-
buio-se isto a accidente; porém agora se considera como
tendo connexaõ, com o que recentemente suecedeo.
Pelos 15 do mez passado teve o Marechal uma confe-
rência com a Regência de Portugal, a quem communicou
a informação que tinha recebido, de uma perigosissima
e extensa conspiração, formada para o fim de derribar
o Governo, e estabelecer nova dynastia. Até entaõ
parece que a Regência estava inteiramente ignorante das
machinaçoens dos conspirados, Por suggestaõ do Marechal
Miscellanea. 669
Beresford, se conservou em profundo segredo o co-
nhecimento da circumstancia, até que se pudessem adoptar
medidas adequadas para a completa suppressaõ da con-
spiração, e para a apprehensaõ das partes implicadas nella,
tanto em Lisboa como nas outras partes do Reyno.
Parece que os conspirados naõ tinham fixado o preciso
periodo, em que haviam tentar pôr em execução os seus
atraiçoados desígnios; porém isto devia ter lugar entre
os 25 de Maio, e 5 de Junho. O Governo Portuguez,
portanto, resolveo prender todos os conspirados resi-
dentes em Lisboa, durante a noite de 25. Esta deter-
minação foi promptamente posta em execução, com pleno
effeito, e felizmente sem derramamento de sangue. Altri-
bue-se grande louvor ao Marechal Beresford, pela sabe-
doria de Sua Senhoria nas direcçoens e arranjamentos
para este fim. A'frente desta decuberta conspiração
estava o Tenente General Gemez Freire d' Andrada,
que tem o character de ser homem de distinctos talentos,
tanto de estadista, como de official militar. Elle com-
mandou antigamente as levas Pertuguezas no serviço
da França; e foi sempre muito valido RO exercito. Se
a conspiração fosse executada, elle havia de ser procla-
mado Marechal General. Freire e os demais conspirados
foram tomados por supreza, ás 12 horas da noite. Quan-
do chegou a partida, que ia prender Freire, disséram-lhe
que elle naõ estava em casa, e recusaram abrir as portas,
mas os da partida quebráram-as, entraram, e acharam
Freire assentado na sua livraria, aonde o prenderam, e
tomaram todos os seus papeis. Estava sobre a meza
um par de pistolas, mas elle naõ tentou fazer uso dellas.
Descubriram-se também, na residência deste chefe da
rebelião, varias imprensas, e uma variedade de procla-
maçoens impressas, promptas para circulação. Levaram-
e immediatamente com toda a pressa possivel, para o
670 Miscellanea.
forte de S. Juliaõ, acompanhado por um tenente de po-
licia, e escoltado por um tenente coronel e 18 dragoens.
Pelas 3 horas da manhaã estava posto debaixo da guarda
do coronel Haddick, que tinha chegado de Cascaes para
aquelle fim, com 4 companhias do regimento 13. Entre
os conspirados, que fôram prezos se acha o baraõ E—,
um official estrangeiro, que se diz ter ou tivera um elevado
emprego no Estado-maior neste paiz.: o coronel Montei-
ro das milicias Portuguezas: o Capitão OTÍorimer, do 1°
de iníanleira: um tenente do mesmo regimento: dous
tenentes de artilheria, um de engenheiros, um major e
dous alferes de caçadores. No caso de ter êxito a con-
spiração e de ser acclamado Freire Marechal General
de Portugal, o Capitão Monteiro o commando das Or-
denanças e dizem que havia de marchar com cerca de
15.000 homens para Lisboa, a fim de sustentar a revo-
lução. U m tal capitão Victorino do 1°. regimento ha-
via de despachar o Marechal Lord Beresford, e o
Membros da Regência. Os generaes Britannicos no
serviço Portuguez, assim como alguns indivíduos par-
ticulares, que eram obnoxios aos conspirados, estavam
destinados a igual sorte. Os officiaes Inglezes de infe-
rior graduação deviam ser embarcados para Inglaterra.
Às noticias, sobre a pessoa, que os traidores intentavam pôr
á frente do seu novo governo, saõ varias. Uns mencio-
nam o Marquez d' Abrantes; outros o Duque de Cadaval,
sobrinho do Duque de Luxemburgo. Do que tem trans-
pirado parece, que ninguém da nobreza tinha connexaõ
com esta conspiração ; pois nenhum dessa classe tem sido
prezo. Tem-se prendido muitas pessoas nas cidades das
provincias, cujas connexoens com a traição ft>ram descu-
bertas, por um exame de todas as cartas do correio durante
o intervallo entre a communicaçaõ do Marechel Beresford
á Regência, e aprizao dos conspirados, em Lisboa. Dizem
Miscellanea. 67
que a vigilância do Governo tem traçado todas as ramifica-
çoens da conspiração. Mandáram-se de Lisboa para o
Porto varias ordens de prizoens. O Marechal Beresford
ao tempo da saida do paquete estava em Alcântara. As
tropas estavam alerta, e em todos os seus postos sempre
debaixo d'armas, e cada soldado munido com 10 cartuchos
de bala. Os conspirados seraõ immediatamente proces-
sados em conselho de guerra, provavelmente no decurso da
semana que vem. Dizem que as tropas permaneceram
fieis ao Governo. Naõ se tendo feito alguma proclamaçaõ
a este respeito, os habitantes de Lisboa naturalmente sen-
tem anxiedade e susto. Algumas das cartas particulares
observam, que ha entre os Realistas velhos, ou ultra-Rea-
listas de Lisboa, alguns, que attribuem em parte esta tenta-
tiva a revolução, á educação de tantos Portuguezes em I n -
glaterra, durante os tempos calamitosos do seu paiz.

Reflexoens sobre as novidades deste mez.


REYNO UNIDO DE PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.

Revolução de Pernambuco.
A anxiedade, que sentimos, ao momento em que publicamos o
nosso N°. passado, tendo acabado de receber as noticias vagas e
indeterminadas, sobre o levantamento de Pernambuco; se tem em
grande parte diminuído; por termos podido de algum modo aves
riguar a extençaõ do mal; com os numerosos documentos, que nos
chegaram á maõ, depois da nossa ultima publicação. E sabemos
que a insurreição se limita a Pernambuco, Paraiba, e Rio Grande
do orle.
Este successo em Pernambuco, he de muito maior importância
em suas conseqüências, do que na sua actual extençaõ; e por isso
julgamos mui conveniente publicar juncto tudo quanto tem tran-
spirado a este respeito; porque assim daremos a nossos Leitores
672 Miscellanea.

os meios de fazerem o seu juizo sobre os acontecimentos, e sobre


suas causas.
Em duas cartas qae se publicaram nas gazetas lnglezas, assig-
nadas—" Um Braziliano estabelecido em Londres"—se insiste
muito em que naõ ha no Brazil causas de descontentamento Nós
deixamos copiada neste No a p. 646 uma destas cartas; e ao
diante faltaremos delia; mas aqui diremos, contra a opinião da-
quelle escriptor; que lia em todo o Brazil muita causa para des-
contentamento; e que se o Governo naõ attender a isso com um
remédio radical, quer subjugue quer naõ a presente insurrecçaõ
em Pernambuco, continuará a ficar na bordado precipício. Isto saõ
verdades amargas, mas naõ he com lisonjas que se induzem os
Governos a obrar com acerto.
A p 659 damos uma narrativa dos suecessos de Pernambuco,
escripta por um sugeito, que de Ia chegou; e naõ só pelo que elle
ali escreve, mas por suas declaraçoens verbaes, sabemos, que he
decidido inimigo do Governo Provisório, estabelecido pelos insur-
gentes, e a demais entretem principios diametralmente opposlos aos
da revolução.
Naõ podemos pois, vistas estas consideraçoens, deixar de dar
credito ás asserçoens desta testemunha oceular, quando descreve a
administração em Pernambuco tam cheia de abusos, que até os
olhos menos previdentes conheciam, que a machina do Governo
estava caindo a pedaços por si mesma.
Em um ponto certamente naõ concordamos com aquelle escrip-
tor, e vem a ser, que elle attribue a desorganização, que observava
em Pernambuco, á pessoa do Governador, quando nós mui decidi-
damente a imputamos ao systema. E a prova disto a achamos,
no que succede em todas as mais capitanias, e com todos os mais
Governadores, como se pode ver, pelas noticias, que temos de
tempos a tempos publicado era nosso Periódico, e, por exemplo, no
que tem suecedido no Marahaõ, sob o governo de muitos e diversos
Governadores.
Desejamos porém aqui explicar-nos claramente, que esses ahusos
nunca podiam justificar uma rebelião; mas dizemos, que saõ pro-
vocação mais que bastante. E, pela experiência que a historia nos
Miscellanea. 673
ensina, he claro ser da natureza humana, que, quando em uma
naçaõ faltam os meios constitucionaes de poderem os povos repre-
sentar as suas queixas ao Imperante, sempre appéliam, com
direito ou sem elle, para os meios da força: e por fim se vê o Go-
verno obrigado a declarar guerra contra seus subditos, d' onde se
seguem todas as misérias e desgraças, concomitantes das guerras
civis.
Por todas as noticias, que temos, parece, que estas foram as cau-
sas remotas da insurreição de Pernambuco ; e a causa próxima foi
um rumor, que se levantou, sem o menor fundamento, de que havia
entre os habitantes daquella cidade certa rivalidade e ódio dos Por*
tuguezes Europeos, com os Portuguezes Brazilianos
O Governador, em vez de acalmar tam mal fundada suspeita, e
sem que tivesse acontecido um só facto, pelo qual se mostrasse
existência de tal rivalidade, entre as duas classes de Portuguezes
publicou a injudicionissima Ordem-do-dia, que copiamos a p 600;
na qual admitte a existência dessa rivalidade e ódio; creou com
isto o fundamento para sustos, que naõ existiam ; e vendo que se
ateava o incêndio, determinou no dia seguinte usar de meios de
rigor, mandando prender grande numero de pessoas, que lhe eram
suspeitas.
O exemplo e experiência das prizoens arbitrarias, taes como a
Septembrizada de Lisboa, cujas victimas ainda hoje padecem, sem
recurso, nem remédio, induzio naturalmente os Pernambucanos á
resistência aberta; e o Governador se achou, pela série de abusos,
que sempre trazem os governos ao desprezo, sem ter nem forças
phisicas nem moraes, com que fizesse obedecer á sua authoridade.
Neste indefezo estado se acolheo a uma fortaleza, aonde naõ
tinha meios alguns de resistir. Os insurgentes lhe intimaram que
se rendesse, apresentando-lhe as condiçoens em um ultimatum,
que publicamos a p. 601; e que elle aceitou, fazendo o assento,
em conselho de guerra, com os poucos officiaes que o seguiram, que
deixamos copiado a p. 603.
Ficou assim Pernambuco em perfeito estado de anarchia; e por
fortuna os insurgentes nomearam um Governo Provizorio, que
sendo obedecido sem resistência, evitou os maiores males, que se
VOL. XVIIL No.109. 4Q
674 ímsceuanea.
deviam temer de tal estado das cousas. O acto por que tal Go-
verno se nomeou, vai copiado a p. 6 0 3 ; e o modo por que está
lavrado mostra, que foi obra do momento.
Uma vez, que as revoluçoens começam pelo povo, a tendência
he sempre para a forma de Governo Republicano; por mais im-
própria que esta seja; por isso que as apparencias de democracia
saõ as que mais lisongêam os indivíduos das classes mais nume-
rosas. Assim os insurgentes, em vez de seguirem o conselho de
um de seus mesmos membros, que propunha mandar uma Depu-
taçaõ ao Soberano, resolveram logo declarar-se em Estado inde-
pendente; publicaram o manifesto (á p. 604.) aonde em vez de
argumentos só usaram de invectivas directas contra a pessoa do
mesmo Soberano: decretaram (pelo documento a p. 610.) o trac-
tamento geral de-Vós— ; como prova de seu espirito republicano;
e começaram a tomar as muitas medidas, que se vem dos papeis
que publicamos de p. 607, em diante; pelas quaes se dispuzéram
a manter com a força a sua independência.
Nomearam, em conseqüência, um Agente Diplomático, que
partio logo a tractar com o Governo dos Estados Unidos. Este
Agente, cujo nome he Antonio Gonçalvez da Cruz, chegou a
Boston em um navio, com bandeira do Governo insurgente; e logo
saíram dali vasos de negociantes especuladores, que levaram a
Pernambuco mantimentos e muniçoens de guerra. Ao mesmo tem-
po expediram os Insurgentes outro Agente (cujo nome he Felix
Jozé Tavares de Lima) para Buenos-Ayres; a fim de tractar tam-
bém com o Governo Insurgente do Paraguay.
No entanto que os Insurgentes mostravam a grande actividade,
que se vê dos numerosos decretos, que expediram, e que sempre se
observa em taes circumstancias; o Governador da Bahia publicou
as tres proclamaçoens, que copiamos a p. 618; e na verdade, se os
Insurgentes de Pernambuco mostraram falta de conhecimentos po-
líticos, querendo ali estabelecer de repente uma republica, o Gover-
nador da Bahia excedeo-os na in consideração de snas proclama-
çoens; pois ha muito tempo que naõ lemos tres documentos pú-
blicos tam miseráveis. Basta reflectir, que aquelle Governador
assevera, por sua palavra de honra, que o Insurgente Martins he
Miscellanea. 675
desprezado por todas as naçoens da Europa e da America, o que
naõ pôde deixar de provocar a rizo; pois aquelle Governador asse-
vera por sua palavra de honra, que um homem, que naõ éra co-
nhecido das naçoens, éra por ellas desprezado!
A outra parte destas proclamaçoens, em que o Conde dos Arcos
declara, que naõ attenderá a negociação alguma, sem assegurar a
morte dos cabeças da insurreição, tem a nossa mais decidida des-
approvaçaõ; porque tal declaração só tende a induzir os Pernam
bucanos á mais obstinada resistência; mui bem disse o Poeta.
Una salus victis nullam esperare salutem.
A demais, ja no nosso N». passado expressamos a nossa opinião,
que o melhor methodo de curar taes males, he evitar o sangue; este
he, como disse um contemporâneo nosso, o mantimento e a nutrição
das revoluçoens.
Além destas proclamaçoens, o Governador da Bahia fez outra
cousa, muito mais acertada, que foi armar em guerra dous navios
mercantes, o Mercúrio e o Carrasco, e mandállos bloquear Per-
nambuco ; porém diz o rumor (posto que a verdade ainda se naõ
saiba) que os taes navios naÕ levaram bastantes mantimentos, e
achando também levantadas as capitanias da Paraiba, e Rio-Grande
do Norte, voltaram outra vez para a Bahia, a refazer-se de man-
timentos.
O conde dos Arcos mandou também marchar tropas por terra;
que vám debaixo do commando do Brigadeiro Joaquim de
Mello, e se ajunctaraõ juncto ao Rio-de-S. Francisco; porque
Sergipe d' El Rey, que he a provincia limitrophe, mos-
trava disposiçoens de se unir aos Insurgentes : e do Rio-de-
Janeiro sairam duas fragatas, para também bloquearem Pernam-
buco; mas naõ trouxeram nem mantimentos, nem tropa : os man-
timentos haviam de ir tomállos á Bahia; e as tropas teriam
de vir ao depois em navios, que se estavam preparando.
Os Governadores de Portugal também se dispuzèrano a mandar
alguma força naval, para bloquear Pernambuco, mas naõ sabemos
se cora offeito partio; o certo he que de Lisboa se mandou intimar
ás Potências Estrangeiras, que Pernambuco ia a por-se em estado
de bloqueio: o que consta pelos documentos a p. 636.
4 Q 2
676 Miscellanea.
Guerra do Rio-da-Prata.
O commentario á Nota das Potências Alliadas, que publicamos
a p. 646; debaixo do nome de " Carta de um Braziliano esta-
belecido em Londres," foi dirigido ao Edictor da Gazeta Ingleza,
chamada Times, e inserido naquelle jornal, d' onde o trasla-
damos.
Outra carta, debaixo da mesma assignatura, se havia ja pu-
blicado no mesmo jornal; sobre a revolução de Pernambuco; mas
porque naõ continha factos e somente raciocínios, econjecturas,
naõ julgamos necessário inserilla na nossa collecçaõ. E comtudo
tendo-se ella feito publica, em Portuguez, tomaremos a liberdade
de notar uma passagem, que nella se acha, entre as provas, que
se pretendem dar, de que no Brazil naõ existiam causas algumas
de descontentamento, que conduzissem á insurreição, ou rebelião,
que arrebentou em Pernambuco.
Diz, ali, o Braziliano estabelecido em Londres, que tam longe
está de que a Corte do Rio-de-Janeiro tractasse com menos af-
feiçaõ os Brazilianos, que, pelo contrario, ha muito tempo se
observava no Governo certa predilecçaõ ao Brazil, em preferencia
de Portugal. Se aquelle escriptor soubera, quando tal declarou,
que os Governadores de Portugal estavam preparando, para dar
ao Mundo, uma prova da existência de desafíèiçaõ, naquelle
paiz; patenteando a suppressaõ de uma conjuração contra o
Governo; talvez se naõ arriscaria a declarar, que se observava na
Corte predilecçaõ de preferencia ao Brazil, em menos cabo de
Portugal; porem o que está escripto ja naõ pôde recolher-se.
Mas passando á carta, que publicamos a p. 646; e que, de
forma quasi official, explica os passos, que se deram, a respeito
da invasão de Monte Video, muito sentimos achar ali a decla-
ração de que aquella conquista fôra feita de accordo com a Corte
de Madrid, até o ponto em que o Governo Hespanhol se arredou
de seus ajustes; e que o fim daquella guerra éra oppôr-se aos
progressos da revolucçaõ da America Hespanhola.
Sentimos achar similhante declaração, em um papel demi-
officíal; primeiramente pelo que nos diz respeito. Nos tinha-
mos olhado sempre aquella invasão, meramente pela face de
Miscellanea. 677
uma medida de expediente, para cubrir as fronteiras do Brazil,
contra as incursoens do chefe Artigas; e sempre suppozemos
que a Corte do Rio-de-Janeiro obrava neste sentido. Agora
porém temos a mortificaçaõ de nos vêr contradictos ; e de saber-
mos, por modo tam authentico, que nos tínhamos redondamente
enganado.
Sentimos, porém, ainda mais, o achar esta declaração; pelas
conseqüências, que ella deve ter, quando a Carta do Braziliano
chegar a Buenos-Ayres e a Caracas; porque rompendo ella o
véo do mysterio, com que até agora se cubriam aquellas opera-
çoens, he necessário esperar, que os Governos revolucionários
de Buenos-Ayres, de Caracas, e das mais colônias Hespanholas,
que se tem declarado independentes, olhem para a Corte do Rio
de-Janeiro, como para um inimigo de sua existência política, e
naõ ja como um disputante sobre questoens de mais ou de menos
território.
A conrespondencia, entre o Director Supremo de Buenos-
Ayres, e o Commandante das Tropas Portuguezas em Monte
Video, mostra que, se naõ havia ja uma declaração aberta de guerra,
éra porque os de Buenos-Ayres ainda criam, que as hostilidades
da parte dos Portuguezes eram meramente locaes; mas quando
Ia chegar dedaraçaõ do Braziliano, asseverando que tal foi a
substancia da Nota appresentada, por ordem do Gabinete do
Rio-de-Janeiro, ás Potências Alliadas, he impossível que em
Buenos-Ayres se naõ tomem medidas de natureza bem differente
da neutralidade, que até agora se tinha querido conservar: e se
nisto se unirem os Insurgentes de Caracas, e de outras partes, que
tem mandado corsários ao mar; naÕ sabemos como o Governo
do Brazil esteja preparado para encontrar as difficuftades, que
devem resultar daquella declaração.
O Braziliano estabelecido em Londres tem razaõ, quando se
queixa de que a Corte do Rio-de-Janeiro naõ publicasse a tempo
os seus manifestos, explicando ao mundo os motivos da sua in-
vasão ao território de Monte Video; porque com isso teria
evitado o pedirem-lhe as outras Potências essas declaraçoens;
eser obrigada a fazéllas em tempo tam desvantajosocomo o
678 Miscellanea.
presente. Mas quando aquelle escriptor tracta de bagatella a
insurreição de Pernambuco, e quando suppoem que, a pezar
do íêlo das demais Potências, a Corte do Rio-de-Janeiro pôde
insistir em conservar a posse do território de Monte Video, pe-
dimos licença para differirmos inteiramente de sua opinião.
Pelo jornal de acontecimentos na Bahia, publicado nas gazetas
Francezas, e que nôs deixamos aicma copiado a p. 665; se vê
qne o Governador da Bahia se naõ acha ali seguro; e se com as
prizoens, que tem feito, puder aterrar os descontentes, nem por
isso se poderá dizer que tem socegado os espíritos. He neste
sentido, qua a revolução de Pernambuco nunca se pôde consi-
derar bagatella, ainda havendo forças para a subjugar; visto que,
neste ponto de vista, aquella revolução he somente o symptoma
de fermentação, que existe, a qual nunca se pode julgar extincta,
por que se tenham decapitado uma dúzia das pessoas mais con-
spicuas nos seus tumultos.
Porém, se naõ houveram mil outras razoens, para que a Corte
do Rio de-Janeiro naõ entrasse no projecto de se combinar com
a Hespanha, para extinguir uma revolução, que he ja inextin-
guivel; bastaya o comportamento do imbecil Governo de Hes-
panha, a respeito da Corte do Rio-de-Janeiro, conforme o
decreve o Braziliano, para que nunca se intentasse entrar em
ajustes alguns com os Hespanhoes, para subjugar suas colônias.
Quem diria, que o Governo de Hespanha, depois de ter feito
empenhar o Gabinete do Rio-de-Janeiro, em uma expedição
contra suas colônias, havia naõ somente recusar a cooperação
de suas tropas, como tinha ajuslado, mas até queixar-se ás
Potências Estrangeiras de haver seu Alliado começado a cumprir
com o que promettéra? Parece, ao ver isto, que governa em
Hespanha o mesmo Godoy, que declarou a guerra a Portugal,
pelo motivo d' este o ter auxiliado no Roussilloa, contra os
Francezes seus inimigos. E com tudo tal he a politica fatal, em
que o nosso Braziliano confessa haver.se envolvido a Corte do
Rio-de-Janeiro.
O escriptor daquella carta insiste em que o exercito Portuguez
poderá continuar na posse de Monte-Video; naõ obstante a
Miscellanea. 679
confrariedade das Potências estrangeiras; naõ obstante a resis-
tência de Buenos-Ayres; e naõ obstante a revolução de Per-
nambuco. Quando as ultimas noticias saíram do Rio-de-Janeiro,
naõ havia afi no Gabinete senaõ um Ministro de Estado; e
permitta-nos o nosso Braziliano, que lhe digamos, que as diffi-
culdades apontadas, saõ bastantes para dar que fazer a qualquer
gabinete completo, e cheio de homens de actividade e saber.
As cartas do Rio-de-Janeiro, de 9 de Abril, diziam, que tinham
dali saido duas fragatas para o bloqueio de Pernambuco, e se
estavam aprontando tropas, que sairiam depois, para se unirem
com as da Bahia, e procederem contra Pernambuco. Porém
aquellas fragatas em vez de irem a Pernambuco, fôram ter á Bahia
para metter mantimentos; porque os naõ tinham: j Quem tem
a culpa disto ? O Ministro da Marinha: i e quem he o Ministro
da Marinhai Naõ o ha!
Os habitantes do Rio de-Janeiro tinham mostrado grande
lealdade de sentimentos, para com seu Soberano, quando se
soube a noticia da revolução em Pernambuco; e houveram par-
ticulares, que fizeram oífertas, uns de suas pessoas, outrosde
seus bens. Mas se os homens honrados estaõ promptos a des-
approvar a rebelião, e decididos a prestar o seu auxilio para a
derribar; por isso mesmo que saõ honrados naõ podem approvar
nem os abuzos do Governo, que servem de provocação ás rebe-
lioens, nem os erros de politica, tal como a ingerência nas
colônias Hespanholas, que compromettem o Gabinete, e naõ
podem senaõ servir de estorvo á prosperidade da naçaõ.
A carta do Braziliano insiste, em que a guerra do Rio-da-
Prata naõ éra impopular no Brazil: nós assim o julgamos
sempre, e como a suppunhamos útil, também de nossa parte
cuidámos em ajudar, no que em nós cabia, as mesmas ideas;
porém o Braziliano pôde estar certo de que a sua declaração
ha de mudar estes sentimentos no Brazil, assim como fez mudar
a nossa opinião; porque muito custará aos Brazilianos o conven-
cerem-se, de que se devem sugeitar aos inevitáveis incommodos,
que a guerra traz com sigo, para o fim de ajudar a metter outra
vez as colônias Hespanholas, bebaixo da dominação de S, M,
680 Miscellanea.

Catholica, de quem se naõ pôde es erar outro pago por taes


serviços, senaõ o que se vê das queixas que elle fez ás Potências
Alliadas, nesta occasiaõ, e a guerra que declarou contra
Portugal, para favorecer a França, seu commum inimigo.

Conspiração em Portugal.
Mal esperávamos, quando mencionamos a revolução de Per-
nambuco no nosso N°. passado, que ja neste havíamos de ter de
registrar outro facto, quasi «imilhantc, que he a conspiração des-
cuberta em Lisboa, pela forma que referimos a p. 668.
Segundo o custume, de naõ se attender nunca em Portugal á
opinião publica, nem se permittir que circulem livremente a
novidades do dia, olhamos para as gazetas lnglezas, para podar-
mos saber o que se está passando em Portugal, e ali esperam
todos, com anxiedade, o paquete de Inglaterra, para poderem
ter alguma intelligencia do que se está passando em sua casa.
O papel, que transcrevemos a p. 668; copkdo das gazetas
Ingleza9, traz com sigo os signaes de official; pois refere particu-
laridades, que só o Governo podia saber; e com tudo pedimos
licença para duvidar da extençaõ das vistas dos conspirados.
Lembrados estarão os nossos Leitores, de que, quando suecedeo
a celebre Septembrizaida de Lisboa, se espalharam rumores, que
inculcavam uma conspiração da mais atroz natureza, para entregar
o paiz aos inimigos; disseram que se acharam, em casa de alguns
dos conspirados, uniformes, armamentos, &c, &c.; e com tudo naõ
somente se naõ provou qite alguma destas occusaooens fosse ver-
dadeira ; mas até os Governadores do Reyno nunca se attreveram
a mandar processar nenhum dos accusados, prova indubitavel de
que estavam innocentes, e de que o Governo se envergonhava de
deixar apparecer á luz dodia, os miseráveis fundamentos,ou talves
os nenhuns fundamento com que perseguio (e ainda naõ acabou
de perseguir) aquelles indivíduos.
Naõ sabendo pois as circumstancias do caso actual em Lisboa,
seria temeridade arriscar uma opinião sobre a innocencia ou crime
Miscellanea. 681
dos accusados; mas, vistos os procedimentos anteriores dos Go-
vernadores do Reyno, julgamo-nos com direito de suspender
nosso juizo; até que os primeiros procedimentos da tal Governo,
tenham por si outra authoridade de maior pezo em nosso espirito,
doque a dos authores da Septembrizaida.
E com tudo, notamos na publicação a p. 66S; em que se
refere a tal conjuração, urna circumstancia digna de reparo. Di-
zem que um dos objectos dos Conjurados éra assassinar o Ma-
rechal Lord Beresford, e desembaraçar-se dos mais officiaes In-
glezes, mandando-os para Inglaterra.
Se os motivos de descontentamento na tropa, de que os con-
jurados se valeram, ou haviam de valer, para a execução de seus
planos, eram o ódio contra Inglezes, ou a inveja pelos postos, que
elles occüpam no Exercito Portuguez; naõ pôde haver maior con-
tradicçaõ do que nomear, como se diz que nomearam, officiaes
Inglezes, para governar a torre de S. JuliaÕ, e guardar os sup-
postos cabeças da conspiração ; pois este facto nao podia deixar
de augmentar a causa do descontentamento, se he que esse des
contentamento se fundava no supposto ódio aos Inglezes.
He possivel que o Tenente General Freire, e outros officiaes
Portuguezes tenham alguma inimizade pessoal, contra Lord Be-
resford ; porém quando isto se eleva á classe de crimes de con-
spiração, e mais patranhas, que se publicaram em Inglaterra, he
preciso naõ çrêr de leve.
Por outra parte, se, em vez de uma conspiração, o negocio se
involve em ideas de revolução ; entaõ naõ he possivel, que pare
somente nos officiaes Portuguezes, que saõ rivaes ou zelosos de
outros officiaes Inglezes. Neste caso os Governadores de Portu-
gal deveriam tomar outras medidas; e satisfazer o publico com
alguma informação sobre a matéria.
Se os nossos Leitores quizerem ter o trabalho de olhar para a
p. 295 do volume II. deste periódico, ali acharão um Decreto
dos Governadores de Portugal, pelo qual se estabeleceo que
fosse crime de inconfidência o fallar mal de qualquer empregado
Inglez. Estes factos naõ podem deixar de irritar o orgulho na-
cional; esse orgulho he necessário que exista para haver patrio-
VOL. XVIII. No. 109. 4R
682 Miscellanea.

tismo; sem o qual naõ podem haver virtudes cívicas. He a im


que as máximas erradas de um Governo fazem conduzir ao crime,
aquelles mesmos sentimentos nacionaes, que poderiam ser o esti-
mulo para as acçoens mais illustres.

ÁUSTRIA.

A Archídequeza Maria Leopoldina, saio de Vienna aos 3


de Junho, dirigindo-se a Liorne, aonde se ha de embarcar para
o BraziJ. Porém, dizem as gazetas, que S. A. R, paiariaem
sua viagem, em conseqüência das noticias do Brazil. Nós naõ
acreditanos esta circumstancia, porque naõ julgamos, que um
levante parcial em Pernambuco possa influir no plano da viagem
daquella Princeza para o Brazil.
A festa que o Embaixador de Portugal em Vienna deo; por
occasiaõ deste cazamento, foi tam brilhante que custou 83 mil
libras esterlinas.

HESPANHA.
Circula ja, em publico, o novo plano de finanças que o Go-
verno Hespanhol se propõem adoptar. Por elle se vê que
as despezas do anno corrente seraõ de 8:219.736 libras ester-
linas, e a receita se calcula em 5.971.263: deixando um déficit
de 2:248.473 libras esterlinas, ou 17:978.781 cruzados.
Para occurrer a este excesso se propõem o Ministro a deitar
fora do serviço todos os supranumerarios, em todas as repar.
tiçoens: a impor uma contribuição diretca em toda a espécie
de propriedade civil e eclesiástica, sem excepçaõ; e além disto
um subsidio directo sobre o clero, que durará por seis annos.
Para este fim obteve El Rey uma bulla do Papa; com o que se
acalmarão as consciências, posto que naõ sabemos se as vontade.
se sugeitaraõ da mesma forma.
El Rey, em um decreto de 12 Junho, pinta o estado do Reyno
na situação mais deplorável, confessando," que as tropas expe-
rimentam as mais afflictivas necessidades; que se acham desti-
Miscellanea. 683
tuidas de tudo quanto he conforto, e os quartéis estaõ caindo
em ruínas: que os cidadãos soffrem muito, com a obrigação em
que se acham de dar quartéis aos soldados, e de transportar a
sua bagagem; que em muitos lugares se põem em força arbi-
trariamente enormes exacçoens, que a marinha está destituída
de tudo, que as perturbaçoens na America privam a metrópole
dos seus mais efficazes recursos: que os magistrados e officiaes
públicos passam mezes e annos sem receber os seus mesquinhos
salários, e que he precisa toda a sua virtude e fortaleza, para
ver que as suas familias succumbem debaixo do pezo da miséria.
Bella consolação dá o Senhor Ministro Garay, nesta pintura,
que acabamos de copiar, aos povos de Hespanha, para os in-
duzir a amar um Governo, que assim se conduz.

COLÔNIAS H E S P A N H O L A S .

As noticias de Caracas, chegadas por via dos Estados Unidos,


dizem; que, havendo o General Bolivar saido de Barcelona,
para fazer uma jmicçaõ com os outros generaes, que marchavam
com elle pelos Llanos, dirigindo-se Caracas, foi um exercito do
partido Realista, composto de 2.000 homens atacar de surpreza
Barcelona, e achando ali somente uma guarniçaõ de 600 homens
os passou todos á espada, com a demais gente que emcontrou,
sem distineçaõ de sexo ou idade. Os generaes Urdaneta e Paez,
cora o exercito de Sancta-Fe, marchavam de Varinas para Caracas*
levando o general Bolivar a mesma direcçaõ por Los Llanos.
O general Hespanhol, com forças iguaes, que se diz serem de
9.000 homens; os esperava para dar-lhe batalha geral, a qual tal-
vez decida da sorte de Venezuela.
As noticias de Buenos-Ayres disseram, que a victoria do Ge-
neral Martin, no Chili, tinha elevado muito o espirito daquelle
Governo, o qual insistio em pedir ao General Lecor, que saísse
immediatamente do território de Monte-Video; e como isto se naõ
fizesse, o Director de Buenos-Ayres declarou a guerra ao Bra-
zil, por uma proclamaçaõ; ameaçando expulsar por força as
tropas Brazilianas, que oecupam a margem oriental do Rio-da-
4 R 2
68*1 Miscellanea.
Prata. Depôs disso, contradisse-se outra vez a notícia, e asse-
verou-se, que tam longe estava o Governo de Buenos-Ayres de
declarar aguerra ao Brazil, que antes deo ordens para que os navios
Hespanhoes, que fossem de um porto do Brazil para outro, naõ
fossem molestados pelos vasos armados de Buenos-Ayres,

FKANÇA.
Os levantamentos parciaes, que tem havido, e tem todos sido
supprimidos, parece terem por causa immediata a penúria de
mantimentos, que se observa naquelle paiz. Em Lyon, com effe-
ito se achou, que havia uma conspiração arranjada, a qual, dizem
as gazetas Francezas, fôra frustrada pela vigilância da Policia-
mas naõ se declara nem a sua extençaõ nem o seu objecto.
As ordens do dia, que se publicaram em Lyon, aos 9 de Julho-
com uma proclamaçaõ do Mayoral da cidade, saõ compostas de
declamaçoens vagas contra os conspiradores, e rigorosos castigos
que se lhes iraporaõ, e da bondade do Governo. Nada dos factos
se pôde colher destes documentos, e por isso naõ julgamos neces-
sário trasladállos para a nossa collecçaõ.
O Ministério Francez teve uma pequena mundança, havendo
E l Rey nomeado para Ministro da Marinha o General Gou-
vion St. Cyr.

INGLATERRA.
A emigração da Inglaterra para a America continua sem inter
missaõ. O navio John, cap. Binnington, e o Trafalgar, cap*
Welburn,se despacharam na alfândega de Hull, no principio de
Jnnho, para Quebec, fretados principalmente por pessoas, que
emigravam de Yorkshire, e Lincolnshire, com as vistas de se
estabelecerem nas provincias lnglezas da America Septentrional,
O numero de passageiros por estes navios, chega a 130.560
homens, mulheres e crianças se tinham feito á vela de Hull
para a America, em nove navios, que saíram na presente estação
O Relatório de Committé de segredo na Casa dos Lords, que
Miscellanea. ggg
publicamos a p . 621, ao mesmo tempo que mostra a continuação
da inquietação em alguns condados da Inglaterra, prova tam-
bém, que as pessoas connexas com isso saõ tom insignificantes,
que naõ ha ninguém que se assuste com temor de perturbaçoens
serias, e ainda que os Ministros recommendassem ao Parlamento
a continuação da suspençaõ do seu Habeas Corpus; julgamos
que isto he mais uma precaução ex abudanti, do que uma
medida dictada pela absoluta necessidade.

"WTJRTEMBERG.
A Assemblea dos Estados regeitou a final o projecto de consti-
tuição, que El Rey lhe apresentara, em um ultimatum, em que
declarou, que ou os Estados haviam de aceitar a constituição que
lhe propunha, ou que naõ teriam nenhuma.
0 procedimento da Assemblea, nesta occasiaõ, deixamos referido
a p. 632, e logo os rescriptos de S. M., por que dissolve a Assem-
blea, e dá as razoens de assim ter obrado.
Quando, na sessaõ de 2, a maioridade resolveo contra a aceita-
ção da Constituição; o Baraõ D' Ou declarou, que naõ somente
protestava contra a resolução, mas que apresentaria o protesto a
El Rey, com uma petição, para que S. M. naõ pertnittisse que o
povo soffresse com tal resolução, e que concedesse a Constituição a
todos os membros que tinham votos pessoaes; e aos representantes
da minoridade, assim como das cidades e bailios, que accedêram
aos desejos da minoridade. Os membros, que possuem votos pes-
soaes, e 22 representantes, que assignâram esta petição e protesto,
saíram entaõ da salla com o BaraõD' Ou ; porém voltando alguns
minutos depois, pediram, que o seu protesto se ajunctasse ao me-
morial, que se havia de fazer em conseqüência da resolução da
maioridade. Muitos membros se declararam contra esta proposi-
ção, mas desejavam que o negocio fosse decidido pelo committé
nomeado para minutar o memorial. A minoridade deixou entaõ a
salla, e foi apresentar o seu protesto e petição a El R e y ; o qual
lhes fez a seguinte falia.
" Os sentimentos, que tendes agora expressado saõ tanto mais
686 Miscellanea.
agradáveis, quanto a segurança delles me he offerecida a tempo, em
que a maioridade da vossa Assemblea tem obstinadamente recusado
adoptar uma constituição, que eu considero como a mais bem cal-
culada para segurar o bem do Reyno. O partido, que por dous
annos tem prevenido, por suas occultas e culpaveis intrigas, o
estabelicimento de uma boa constituição; e que emprega todos os
meios para executar projectos dictados pela ambição e interesse,
tem alcançado na vossa Assemblea, e trabalha a todo o risco para
empecer á felicidade publica; porém naõ o alcançará. A Pro-
videncia, chamando-me a este critico momento para o governo
deste Reyno, me tem dado ao mesmo tempo sufficiente firmeza
para confundir os planos e desígnios de meus inimigos. Eucom-
hiunicarei ao povo immediatamente os direitos e liberdades, que
lhes tenho assegurado, no meu projecto de constituição, e tomarei
em consideração todos os desejos fundados na justiça."
" O meu primeiro cuidado será introduzir um systema de im-
postos, fundado sobre principios de equidade; aliviar, ou supprimir
sendo possivel, todos os tributos onerosos. Carregarei ao thesouro
do Estado as dividas dos novos paizes, que ainda se naõ tinham
posto a cargo do thesouro pelo acto de annexaçaõ. Trabalharei
por extirpar inteiramente os abusos, que existem nos direitos dos
escribas; (sorte de copistas públicos) que saõ um dos flagelos do
paiz, com as vistas de prevenir para o futuro a nociva influencia de
uma protecçaõ, que he dirigida pelo interesse e pelo orgulho."
" Dimindi, pois, naquellas partes do paiz para onde ides, o co-
nhecimentodas boas resoluçoens,que vos tenho agora communicado;
dizei a todos os meus vassallos, que naõ ha entre elles mais zeloso
amigo de sua pátria do que sou eu ; e que me sugeitarei a qualquer
sacrifício, que possa assegurar a sua verdadeira felicidade. Faci-
litai a execução das minhas medidas, combinando-vos com fran-
queza e firmeza em apoio de meu governo; a força da verdade e
da justiça he tal, que a influencia do egoísmo, e o espirito do
partido ou de interesse naõ lhe podem resistir por longo tempo."
" Todos os meus dezejòs saõ pela minha pátria, e a minha mais
viva gratidão se mostrará para com os seus verdadeiros repre-
sentantes."
[ 687 ]

CONRESPONDENCIA.
Defesa do Rdo. Deaõ de Angra Joze Maria de Bittancourt Vazconcel-
lot e Lemos, por um seu Amigo para lhe servir de bem no Rio de-
Janeiro.

Versate diu, quid ferre recusest.


Quld valtant humeri. Horat.

Experimentai de continuo com que pezo podeis,


Qual vossos hombros podem conduzir.

x\. OCCIOSIDADE ou depravaçaõ, a melhor dizer a inveja, tem in«


diizido alguns indivíduos a deterimentar os Impressores dos periódicos, a
imprimirem e aos Leitores delles, a lerem fabulosas accusaçoens contra o
Rdo. Deaõ, tomando sobre si um pezo voluntário, movendo-o como lhes
agrada: he necessário apresentar-lhes outro, para ver se o movem com
a mesma facilidade.
He a calumnia o mais prompto meto de aceusar, porém tara indigno, que
o que o pratica, a si se faz vil, e o accusado, nada diminue do seu mereci-
mento. Cheguei alêr nos periódicos as fabulozas accusaçoens, que neHes
ae imprimiram contra o meu Amigo, e Patricio o Rdo. Deaõ, inventadas
(talvez) na Sua Pátria, por algum que lhe inveja a Dignidade, virtudes
e todas as brilhantes qualidades que o ornam. Naõ he o meo fim mostrar
agora, os seus merecimentos, nem a elle se lhe faz preciso; porque com
o seu exemplo os mostra: cuido sim de o defender, naõ sò doque está de
falso nos periódicos; mas também do que me consta ter-se levado aos
Tribunaes.
He accusado o Rdo. naõ como Deaõ, mas sim como Prelado ordinaraio
do Convento das Freiras de Saõ Joaõ Evangelista. Este Rdo. ficou sendo
Prelado do Convento por vagar a Sé, e taõ bem, pelo mesmo motivo, do da
Conceição, nesta Cidade d' Angra.
Principios d'accusaçaÕ.

1.
Metter duas Seculares para Freiras no Convento de S. Joaõ, menores
de 12 annos, sem Licença Regia, nem Breve Apostólico, que dispensasse
a falta de idade.

2.
Obrigar o Convento a sustentar, e vestir estas Seculares.
688 Conrepondencia.
3.
Que queixando-se as Freiras a Sua Majestade, pela Juncta do Melhoramento,
destes excessos, mandou a Juncta ouvir o Rdo. e naõ lhe quiz res-
ponder.
4.
Mandar depois a Juncta em Nome de Sua Majestade, que puzeses
fora do Convento as Seculares, naõ cumprio a Ordem.
5.
Que he culpavel do excesso que as Freiras cometteram, de expulsarem
do Convento as Seculares por isso que elle naõ cumprio a Ordem.
6.
Negar os Recursos, que as Freiras delle interpunham.
7.
Violentar as Freiras com ameaças de castigos fortes, uso de forcas
militares, para ellas deixarem tornar a entrar as Seculares, sem Licença
Regia, que naõ obstante terem estado no Convento 2 annos, naõ tinhaõ
obtido.
8.
Naõ attender á Reprezentaçaõ das Freiras, de que as Seculares naõ
deviam estar no Convento sem serem habilitadas, e que ellas chegando
a conhecer a indignidade dellas, naõ podiaõ com ellas viver por pertur-
barem o Socego Religiozo, com que se tinhaõ pervenido, negando-lhes
os Votos: elle naõ attendeo a justíssima Reprezentaçaõ.
9.
Que a falta de Cumprimento da Ordem de Sua Majestade, e o des prezo
á Suplica das Freiras, e a Supitaçaõ dos Recursos deo cauza a que ellas
as tornassem a expulsar.
10.
Que quebrou as portas do Convento com um machado, e com as suas
próprias maõs, para metter dentro do Convento as Seculares, porque as
Freiras naõ lhas quizeraõ abrir, levando com sigo o machado para este fim,
e acompanhado d'alguns Soldados.
11.
Que assim metteo no Convento as Seculares, e que entrou dentro delle
cahindo em censura Canonica,
12.
Que este extraordinário procedimeeto, violentou as Freiras, pelo medo
que conceberão delle, á arrombarem o sobrado de uma Caza, e fugirem para
Conrespondencia. 689
a Igreja, aonde se foram achar postas em Oraçaõ, parcipitandosse de uma
grande, altura com perigo de vida.

13.
Que depois d'ísto, entrando ellas para o Convento mesmo sem sahirem
á rua, ,elle tomou a entrar no Convento, e as prendeo, e suspendeo dos
Cargos que exerciam.
14.
Que de prevenção cometteo o exesso do arrombamento do Convento
e proctícou violências, porque pedio o auxilio militar ao Capitão General,
e uzou delle, mandando carregar as espingardas de pólvora, e baila, tocan-
do-ee rebate para se ajuntarem os Soldados, e por ter levado o machado
em sua companhia.
Naõ foi o Rdo. Deaõ quem commetteo estes suppostos erros, foy o
Prelado Ordinário das Freiras de S. Joaõ; naõ foi este, foy a Instituidora
do Convento, quando chamou para Prelado substituto aquelle que
occupasse esta Dignidade, ignorando que podia haver algum Deaõ, que
naõ pudesse bem mover o pezo deste Governo : naõ foi elle, foi sim o
Cabido * porque sabendo que a Bulla que approva o Deaõ para Prelado das
Freiras naõ tem Beneplácito de Sua Majestade, naõ devendo consentir
que se lhe separe esta parte de Jurisdicçaõ na Vacância da Sé, ficando
assim culpado o Cabido, e muito mais se he verdade, que este Rdo. Deaõ
percebe Patrimônio, e exercita as Prebondas sem o competente Breve
Pontifício: mas he verdade que o Rdo. no exercicio de suas Dignidades
se conduz virtuosamente, e que para Prelado de Freiras he taõ benemérito
que seodo-o como já disse, do Convento da Conceição, nada se diz, a este
respeito, podendo-se concluir, que mesmo que tivesse cotnettido algum
erro no Governo do de S. Joaõ: foram as Freiras, que o promoveram.
Nega-se que tudo quanto a este respeito fez fosse erro, e muito menos
crime, porquanto.
1.
Se deo a Licença para a entrada das Seculares, quem sabe se elle
ignorava ser preciza a Licença de Sua Majestade, e a dispensa de idade,
he verdade, que fez mal, em declarar no Despacho, que as Seculares apre-
zentariam Licença Regia á chegada de duas embarcaçoens infalivelmente,,
sem se lembrar, que esta condicçaõ mostrava a insubordinação ás Regias
Ordens.
2.
Obrigou o Convento a sustentallas, e vestillas, mas naõ obrigou ás Freiras
a isto, nem lhes deminiuio o que o Convento lhes dá, em retorno dos dotes
que deram para elle as sustentar, e vestir, Elias appelaram delle,a sen-
tença he que ha de decider se elle errou.
VOL. XVIII, No. 109. 4s
690 vonresponaencia.
3.
Reprezentaram as Freiras á Juncta do Melhoramento, que elle tràha
mettido no Convento impropriamente as Seculares, e a Juncta mandou
ouvillo, elle naõ respondeo; pode ser que naõ tivesse tempo, porque como
Deaõ he obrigado a effectiva assistência da Sé, como tal Prezidente do Ca-
bido, que a este tempo tinha muito a tractar, e sendo Prelado dos dous Con-
ventos, he evidente naÕ poder satisfazer a tudo, com promptidaõ.

4
Mandou a mesma Juncta segunda ordem, e nesta que elle puzesse for»
do Convento as Seculares, encarregando ao Corregedor a intimaçaõ da
Ordem, e que elle Deaõ respondesse a ella: naÕ a cumprio, nem respondeo
á Juncta, mas respondeo ao officio do Corregedor, e fez-lhe ver, que a
Juncta naõ tinha aquelle poder e que elle Corregedor procedeo mal em fazer
o que ella lhe encarregava perturbando o exercicio do sen poder. Obrar
cada um como intende naõ he erro.

5
As Freiras naõ tem authoridade para obrigarem alguém a cumprir os seus
deveres, e se o Deaõ desobedeceo á Juncta mandando em Nome de Sua
Majestade, he o castigo d'isto porem ellas fora do Convento as Seculares)
A Ordem foi para o Deaõ, e naõ para as Freiras: com qne autoridade cum-
prem ellas, o que he mandado fazer a outro! Accusaõ d'isto o Deaõ, e eu
accuso as Freiras.

6
Os Recursos, que negou ás Freiras foi por se persuadir, que ellas naõ
podiam conseguir, que as suas ordens fossem emendadas com prejuizo do
Seu poder, e sendo Prelado dellas naÕ devia consentir fizessem despezas
inúteis
7
Se as Freiras, naõ puzessem fôra a primeira vez as Seculares, também o
Deaõ as naõ mandava entrar Segunda vez, mesmo contra a ordem da Juneta
e mesmo depois, qtie se tinham passado dous annos desde aprimeira entrada'
sem ellas poderem obter a Licença Regia, que o Deaõ exigia; mas
podendo elle dispensar esta da primeira vez, também o podia fazer da segunda,
8
Naõ he ás Freiras, que pertence fazer habilitar qualquer Secular para
entrar no Convento, a ellas só compete dar os votos, negando-os quando
tiverem motivo, negaraõ-nos a estas, pensando, que com isto evitavam, que
ellas entrassem, enganaram-se, porque mandando o Deaõ que entrem, nada
mais he precizo, as habilitaçoens saõ precizas quando os Prelados naõ saõ
Deoens.
Conrespondencia. 691
9
Puzeraõ outra vez as Freiras fora as Seculares porque o Deaõ o naõ fez,
mandando-o Sua Majestade, elle fez o que entendeo,e as Freiras fizeram o que
elle naõ queria fazer, mas como saíram do Convento; naõ se pode dizer
que a Ordem naõ se cumprio.
10
He verdade, que o Deaõ arrombou cora um machado em suas maõs as
portas do Convento, e que foi fazer isto com deliberada vontade, indo
acompanhado de alguns Soldados, mas isto naõ foi para fazer malefício as
Freiras, em quem naõ bateo com o machado, foi para que no cazo, que ellas
duvidassem abrir as portas para as Suculares, que ali também tinha em sua
companhia, entrarem, elle as abrio, e ellas naõ podiaõ entrar com ellas
inteiras, e fechadas.
11
Quando elle arrombou as portas, e metteo dentro as Seculares naÕ vio
Freira alguma a quem as en tragasse, nem aquém decretasse as suas ordens,
era de extrema necessidade á vista das urgentes circumstancias falar a alguma
das Preladas, e por isto foi-lhe indispensável entrar no Convento, até ver
onde as incontrava, isto occazionou o tal rompimento da Clauzura, e naõ
foi desprezo ao impedimento sem extrema necessidade.
12
O Deaõ espedaçou duas portas da Clauzura com um machado, e porque
ellas eram mais fracas do que o machado, e porque lhas naõ abriram, quando
elle mandava, e por isto querem, que elle seja a causa próxima d'as Freiras
fazerem um rombo em o sobrado de uma Caza, e taõ bem com um machado
e fugirem por elle para a Igreja: por ventura mandou-as elle fazer o rombo
e fugir, ou este permeditado, e pervenido excesso delle, que moveo
aquelle das Freiras lhe pode ser culpavel, quando elle como PreladoJpodia
considerar-se até com poder de demolir o Convento.
13
He verdade, que entrou segunda vez no Convento para prender as dez
Freirasque com medo fugiram para a Igreja, aonde elle as foi encontrar em
Actos de Contricçaõ diante do Senhor Sacramentado, pensando que o Deaõ
as mattava, e donde voltaram para o Convento; mas elle queria prendellas,
no numero dellas estavam as Preladas, e Madres d"Ordem, naõ havia quem
efectuasse a prizaõ, era muito precizo prendellas, e que elle escolhesse as
prizões, como se diz escolheo as peiores, isto naõ se podia fazer sem esta
segunda entrada, que naõ he offensiva senaõ ás Freiras porqueficarampre-
zas por sette mezes.
4 s2
692 Conrespondencia.
14
Naõ foi com prevenção que cometteo o excesso do arrombamento, foi sim
com um machado movido por elle á sua vontade, e naõ sem incomodo de
sua pessoa, o que naõ quereria ter se naõ fosse a extrema necessidade em
que as Freiras o p u z e r a m : era necessário quebrar aquellas portas, elle
podia mandar quebrallas, fazello elle he o mesmo : naõ se prevenio com o
machado, porque o naõ comprou, e sim o pedio emprestado, na duvida de lhe
ser, ou naõ percizo. Cercou o Convento de tropas, foi para as Freiras naõ
fugirem .* mandou carregar as armas de pólvora e baila, foi para que no cazo
que as Freiras lhe quizessem fazer offensa elle se poder desanfrontar, e naõ
o accusaõ d*elle offender com ellas, mandando fazer fogo algum, e as Freiras
tendo abusado á cega obediência que elle dellas exigia, talvez, com o temor
das armas viessem a reconhecer os seus deveres para com um Prelado taõ
virtuozo, sábio, e que tantos benefícios lhes fazia: elle pedio os Soldados,
deram-lhos, e com ordem para executar as suas ordens, que menos podia
elle fazer com elles do que fez.
Parece ficar provado, que cahindo sobre o Deaõ o pezo de Prelado das
Freiras de Saõ Joaõ, elle o moveo muito á sua vontade. Também parece
que os suppostos erros, que pensaõ elle commetteo, as Freiras he que deram
cauza a elles, e quando por isso as castigou, nunca teve em vista errar, con-
cluindo serem calumniozas as mais aceusaçoês.
Talvez que os accusadores estejam na regra de Horacio,
Notandi sunt tibi mores.
Nada concorre tanto para o modo d'obrar como a educação; e tal qual se
nos dá forma nossos gênios, e taõ differentes, uns saõ dóceis outros ásperos,
activos.orgulhozos, encontrando-se em famillias inteiras; os orgulhozos obram
com precipitação, a adquirem com isto um habito, que practicando de outra
maneira, se perssuadem prejudicar até a Nobreza de suas Famílias, este de-
feito he da educação e naõ da pessoa, que nunca como tal o pode julgar,
antes pelo contrario louva como virtudes se vê alguma accaõ destemperada,
em pessoa que bem poximamente lhe pertença, publica, ou particularmente
nestes naÕtemlogar. Notandi sunt tibi mores.
He a natureza quem qualifica o homem, as qualidades d'esta naõ se po-
dem mostrar senaõ com os procedecisentos, estes naõ podem ser iguaes
em todos, entaõ. Notandi sunt tibi mores.
Traga-se á memória Tullio filho de Marcos, e o filho de Cícero : sabemos,
que este foi mandado para Atenhas aonde concorriam pessoas das Naçoens
mais polidas para o exemplificar com os filhos d'estas, para assim o trazer
a sensibilidade, e o entregou ao cuidado de Cratippas o maior Philosopho
daquella idade recomendando-lhe que no cazo de que os Livros escriptos
até entaõ naõ fossem sufficientes para a sua educação, elle compuzesse
outros de propósito para sou filho, e naõ obstante isto, ficou sempre o
mesmo, e Tullio sem tanto cuidado he um sábio daquella idade
Conrespondencia. 693
O Deaõ foi por seu Pay destinado para frade, mandado assim para
Coimbra, para ser um sábio Frade, naõ o admittio a Universidade pelo de-
feito das primeiras Escolas, entaõ desfradou-se, mas ficando clérigo, se
anatureza delle naõ he própria para Ecclesiastico, para que, Notandi sunt.
Tem mostrado o Deaõ ser emprehendedor, e de natureza ambiçioza a re-
prezentar de grande, e por isto tem merecido a Dignidade que exerce: se
alguma variedade na ordem da vida tem tido, está na regra de Tull. ad He-
rennium. Diflicile est plurimum virtutena revereri, qui semper secunda
fortuna fit usus.
Diz o mesmo Tull. que as conveniências da vida saõ cada um aproveitar-
se das vantagnes, que se lhe offressem, se o Deaõ faz isto segue o pensar de
sábio.
He por sua conveniência própria que elle embarcou agora de Capelão
para a Bahia, sendo um Deaõ, para dali hir ao Rio-de-Janeiro cuidar de
suas conveniências, e naõ para se defender d'erros que comettesse, como
Prelado das Freiras de Saõ Joaõ; nem mesmo accusallas, e essas justiffi-
caçoens a que elle tem recorrido, naõ obstante parecer se destinam para
uma ou outra couza d'estas, também pode ser, que sejam para as remetter
aos Autores dos Periódicos para o justifficarem.
Querenda pecunia premium,
Virtus post numos. Horac.
Hoc scripsi non otiiabundantia, sed amoris erga te Tull Epist.

Senhor Redactor do Correio Braziliense.


Londres de Junho de 1817
Tendo eu visto annunciado de hua maneira confuza; mas em quanto a
mim positiva, no ultimo numero do seu Periódico á paginas 561, que o meu
Brigue foi compTado em Pernambuco pelo Governo (màs naõ diz qual) por
trinta, e dous contos de Reis, e naõ concordando isto com a verdade segundo
as noticias que eu tenho recebido de meus conrespondentes, e o seu annun-
cio pode illudir o publico, e conduzir a opinioens injustas, ao mesmo tempo
que importa muito aclarear este acontecimento; parece-me ser do meu
dever mformalo por esta carta, do que supponho ser a verdade, e pedir-lhe
que tenha a bondade de afazer inserir no seu numero cTeste mez para que
lendo-a os seus leitores que tiverem lido o seu annuncio possaõ com conhe-
cimento da cauza tirar a verdadeira concluzaõ; e para isso aqui direi o que
sei, e julgo necessário relatar.
O Brigue de que se trata he o Carvalho 5, de 320 toneladas que por
minha conta, e ordem foi construído na Bahia de donde veio novo forrado
de cobre, e armado em guerra, a premeira viagem no fim do anno passado,
e onde me custou mais de dez mil libras esterlinas que aos câmbios que por
muito, tempo tem havido sobre o Brazil, e Portugal daõ mais de quarenta
contos de Reis.
Daqui mandei-o para Pernambuco a consignação do Senhor Antonio
Cardozo de Queirós Fonceca auzente, aos Senhores Carvalho & Fermin.
O primeiro tomou conta d'elle, e pollo a carregar para Lisboa a fretes taõ
vantajozos que me naõ deixariaõ menos de quatro, ou cinco contos de Reis
de lucro livres de todas as despezas na viagem, e alem d' isto haviaõ naquella
Cidade dous compradores que o pertendiaõ, e a um dos quaes estava tra-
tando de o vender sem prejuizo nenhum.
Aconteceu em Pernambuco no principio de Março a Rebelliaõ que se sabe
e o meu correspondente fugio d'ella, abandonou a sua caza, e ficarão por
conseguinte os Senhores Carvalho & Fermin, como auzencia daquelle
encarregados do Brigue, e avisaraõ-me em data de 18 do ditto mez de
Março que o chamado Governo d'aquella Republica tinha embargado o ditto
Brigue para o seu serviço e o tinha feito descarregar a carga que tinha
dentro para Lisboa, e avaliar em trinta contos de Reis para os pagar no
cazo delle se perder.
Eu intendo d'esta commonicaçaÕ que o tal chamado Governo Repu-
blicano tomou arbitrariamente para se servir d'elle, e restituir me, ou deixar
de o fazer (contra cujos actos protestei assim que d'elles soube) más, nunca
que o tenha comprado; porem como vejo taõ positivamente annunciado
no seu citado jornal que elle o comprou por trinta, e dous contos de Reis
peço lhe o obzequio de me informar, e a os seus, leitores por via do seu
numero d'este mez das provas que tem da citada compra para que se co-
nheça sem equivocacaõ a -realidade d'este cazo.
Sou com muito respeito
Do Senhor Redactor.
Muito venerador e Criado
CUSTODIO PEREIRA DE CARVALHO

Resposta.
O modo porque as noticias, a que alude esta carta, chegaram a Londres
foi explieado no N°. passado a p. 562; aonde se disse, que o navio, que
as trouxe a Lisboa naõ entrou em Pernambuco. Redactor.
[ 695 ]

INDEX.
DO VOLUME X III.

N°. 104.

POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.


Regulamento das Ordennaças de Portugal p. S
Alvará commettendo aos tribunaes de Lisboa as Ilhas dos Açores 22
Portaria dos Governadores do Reyno levantando o seqüestro das pro-
priedades Francezas 23
Portaria prohibindo aos estrangeiros a navegação costeira 24
Áustria. Titulos do Imperador 25
Estados Unidos. Mensagem do Presidente ao Congresso 27
Franqa. Decreto sobre a Ordem de S. Miguel 30
Napoies. Decreto de privilégios aos Sicilianos 30

COMMERCIO E ARTES.
Rússia. Regulamentos commerciaes na Finlândia 43
Inglaterra. Importaçoens de algudaõ 44
Preços correntes em Londres 60

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra 51
Portugal 53
Economia Politica de Simonde 53

MISCELLANEA.
Memória dos Exteriores da Soberania, &c. 63
Compromisso do Monte Pio Literário de Lisboa 89
696

Novidades deste mez.


Guerra do Rio-da Prata. Proclamaçaõ do Governador da Capitania
de S. Pedro p. 99
Proclamaçaõ do General Lecor 100
Outra proclamaçaõ do mesmo 101
França. Carta do Principe Talleyrand a Lord Castlereagh 102

Rejiexoens sobre as novidades deste mez.


Reyno Unido de Portugal, 8çc.
Guerra do Rio-da-Prata 105
Melhoramentos no Brazil 113
Peioramentos em Portugal 114
Marinheiros Portuguezes em Inglaterra H4
Áustria 115
Commercio do Brazil com Áustria ns
Estados Unidos 116
França
119
Hespanha j2g
Inglaterra 12 4
Napoies 126
Potências Barbarescas 123
Suécia 127
Conrespondencia.
Carta ao Edictor sobre o Contracto do Tabaco 130
Pastoral do Bispo d' Angra sobre as Freiras 135

No. 105.
POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.


Carta do Governador de Macáo a S. A. R. 137
Officio do mesmo ao Visconde de Anadia 139
Inglaterra. Falia do PriDcipe Regente ao Parlamento 140
Proclamaçaõ, sobre a nova moeda de prata 143
França. Ordenança contra o commercio da escravatura 145
Colônias Francezas. Propostas ao General Petion 146
Index. 697
Resposta do General Petion p. 148
Proclamaçaõ do Presidente de Hayti 148
Potências Alliadas. Nu ta sobre a diminuição do exercito de occupaçaõ 150
Falia do Duque de Richelieu ás Câmaras 153

COMMERCIO E ARTES.
Sobre o Commercio do Reyno Unido 155
Rússia. Ordem sobre os conhecimentos de carga 168
Preços correntes em I>ondrcs 170
LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra 171
Economia Politica de Simonde 173
MISCELLANEA.
Memória dos Exteriores da Soberania 182
Inglaterra. Relatório do Committee de Segredo 189
Portugal. Receita e despeza do Monte Pio Literário 802
Reflexoens sobre as novidades deste mez.
Reyno Unido dt Portugal.
Guerra do Rio-da-Prata 204
Embaixador Inglez para o Brazil 210
Monte Pio Literário de Lisboa 211
Estados Unidos 212
França 212
Hespanha 215
Inglaterra 216
Nápoles 218
Suécia 220
Wurtemberg 220

Conrespondencia.
Carta ao Redactor sobre o commercio de Lisboa 221
Requirimento apresentado aos Governadores do Reyno 221

N ° . 106.
POLÍTICA.
Reyno Unido de Portugal, Brazil e Algarves.
De*c-*eto de renovação da Ordem da Torre e Espada , » 225
Vot. XVIII. No. 109. 4T
698 Index.
Alvará ampliando o decreto acima Pi 234
Alvará alterando as insígnias da Ordem 235
Alvará creando commarca a Ilha de Joanes 236
Edictal do Senado de Lisboa, sobre a escacez do paõ 239
Segundo edictal revogando o primeiro 239
Hespanha. Proclamaçaõ do General Elio 240

COMMERCIO
Preços correntes em Londres 241

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra 242
Economia Politica de Simonde 243

MISCELLANEA.
Memória dos Exteriores da Soberania
Carta do Conde Montholon, sobre o tractamento de Bonaparte em
Sancta Helena 263
Inglaterra. Falia do Conde Bathurst s obre Bonaparte 273
Colônias Hespanholas. Extracto dos debates no Parlamento Britannico 291
Guerra do Rio-da-Prata. Ordem do dia, no Quartel General de
S. Thereza, 12 de Sept. 1816 294
Officio do Marechal Corrêa; 13 de Sept. 1816 295
Ditto ditto 28 de Sept 1816 296

Rejiexoens sobre as novidades deste mez.

Reyno Unido de Portugal, Sçc.


Guerra do Rio-da-Prata 28®
Ministros de Estado no Rio-de-Janeiro 301
Casamento do Principe da Beira 303
Falta de paõ em Lisboa 304
â05
Estados Unidos
Hespanha <*06
309
Inglaterra
Exportaçoens da Gram Bretanha desde 1792 313
Paizes Baixos 314
Rússia 314
3l6
Suécia
Index. 699
Conrespondencia.
Carta do Bispo do Funchal ao Redactor p. 315
Da. sobre Jozé Agostinho 316

No 107.
POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.


Portaria dos Governadores de Portugal sobre passaportes 321
Avizo do Secretario de Estado ao Bispo Eleito de Elvas 325
Avizo dos Mandarins de Cantaõ ao Imperador da China sobre os
negócios de Macao 327
Admoestaçaõ do Mandarim aos Inglezes em Macao 333
Convenção para a evacuação dos Inglezes de Macao 336
Inglaterra. Papeis relativos á missaõ de Mr. Canning em Lisboa 838
Estados Unidos. Falia do Presidente ao Congresso 352
Ilhas Ionias. Proclamaçaõ do Lord Gram Commissario 363
Prússia. Ordem formando novo Conselho d' Estado 866
Roma. Bulla contra as Sociedades Bíblicas 370
Rússia. Ukase sobre os viajantes estrangeiros 373

COMMERCIO.
Paizes-Baixos. Decreto sobre a nomenclatura dos pezos 374
Avizo sobre os direitos de certos navios estrangeiros 377
Suécia. Prohibiçaõ de importar vários artigos 377
Preços correntes em Londres 379

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra 380
Extracto do Conservador Imparcial, Sancta Aliiança 383
Essai sur le quatre grandes questions politiques 388
Economia Politica de Simonde 391

MISCELLANEA.
Colônias Hespanholas. Relação de seu estado em Caracas 397
407
Proclamaçaõ do General Bolivar
408
Do. — do Almirante Biron
4T2
700 Index.
Buletim do Exercito Libertador, No. 1. p. 410
Carta do Gen. Morillo ao Secretario de Estado em Madrid 412
Carta do Embaixador Hespanhol nos Estados Unidos 419
Do. — Do. 420
Guerra do Rio-da-Prata. Gazeta do Rio de Janeiro 18 de Dez. 438
Proclamaçaõ do Marechal Corrêa, em Monte Video 432
Do — do General Lecor em Monte Video: 20 de Janeiro 434
Suécia. Noticia da Conspiração contra o Principe da Coroa 435

Rejíexoens sobre as novidades deste mez.


Reyno Unido de Portugal, Sçc.
Guerra no Rio-da-Prata 438
Regulamentos sobre os passaportes em Portugal 442
Embaixada em Londres, Te Deum pela Acclamaçaõ 444
Alemanha 444
Áustria 445
Estados Unidos 446
França 446
Hespanha 447
Colônias Hespanholas 450
Inglaterra 458
Ilhas Ionicas 461
Paizes Baixos 462
Prússia 462
Suécia 463
Rússia 465

Conrespondencia.
Carta sobre Pernambuco 466
47
Do. sobre Joze Asostinho 0

No. 108.

POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves.


Alvará contra o Puritanismo 473
Index. 707
Inlgaterra. Papeis relativos á volta do Principe Regente de Portugal
para a Europa p. 494
Tractado de Commercio com Napoies 500
Potências Alliadas. Nota sobre a disputa entre Hespanha e Portugal 905
Protocolo, sobre Luciano Bonaparte 508

COMMERCIO E ARTES.
Portugal. Edictal da Juncta do Commercio em Lisboa, sobre as
sedas estrangeiras 509
Do. — Do. sobre o Commercio de Rússia 510
Avizo na Gazeta, sobre as sedas estrangeiras 511
Reflexoens do Cônsul em Petersburgo, sobre o Commercio da Rússia 51°
Brazil. Minas de ferro no Cuiabá 51-
Preços correntes em Londres 516

LITERATURA E SCIENCIAS.
Novas publicaçoens em Inglaterra 517
Portugal 517
Noticias Literárias. Veneno do arsênico 518
Novo methodo de produzir gelo 519
Economia política de Simonde 520

MISCELLANEA.

Memória dos Exteriores da Soberania 526


53
Paizes Baixos. Pretençoens do Bispo de Gante ^
536
Breve de S. S. ao Bispo de Gante
Colônias Hespanholas. officio do General S. Martin, ao Governo
de Buenos Ayres
Conrespondencia do Governo de Buenos-Ayres com o General Lecor 544
Guerra do Rio-da-Prata. Extractos da Gazeta do Rio-de-Janeiro,
M 7
de 22 de Janeiro 1817
M9
Do. — Do. 22 de Fevereiro, 1817
552
Revolução no Brazil
555
Portugal. Cerimonia da acclamaçaõ d' El Rey

Reflexoens sobre as novidades deste mez.

Reyno Unido de Portugal, Sçc,


556
Revolução no Brazil
702 Index.
Guerra do Rio-da-Piata 562
Alvará contra os Puritanos 562
Áustria
565
Casamento da Archiduqueza Leopoldina uv
Estados Unidos cgr
Hespanha ego
Colônias Hespanholas s7 g
Inglaterra S 7j
Potências Alliadas 573
Potências Barbarescas 574
Rússia s74

Conrespondencia.

Carta ao Redactor, sobre o Bispo d' Elvas 576


Do. Do. contra a RevolucaS de Pernambuco 582

N o 109.

POLÍTICA.

Reyno Unido de Portugal Brazil e Algarves,


Alvará sobre o titulo do Principe herdeiro da Coroa 585
Officio do Marquez d'Aguiar, sobre Arcebispo de Braga 587
Avizo do mesmo aos Governadores do Reyno 590
Portaria dos Governadores. Pagadorias das tropas 522
Mappa da distribuição das pagadorias 596
Mappa das epochas das revistas 598
Revolução no Brazil.
Ordem do dia do Cap. General de Pernambuco 600
Ultimatum dos Patriotas ao Cap. General 691
Resolaçaõ do Conselho de Guerra para capitular 603
EleiçaÕ de um Governo Provisório em Pernambuco 603
Manifesto do Governo Provisório 604
Decreto do Gov. Provisório soldo das tropas 607
Do. Do. abolindo vários impostos 608
Do. Do. para compra de armamentos 609
Do. Do. ordenando o tractamento de vós 610
Index. 703
Preciso dos suecessos em P e m a m b u e o p# gjg
Decreto do Gov. Provisório Meza da Iuspecçaõ 613
Do. Do. Extincta Companhia de Pernambuco 614
Do. Do. Confirmando o Cônsul Britannico 615
Proclamaçaõ, mandando retirar a gente 616
Decreto, para crear um corpo de cavallaria 617
Proclamacaò sobre a escravatura 617
Proclamaçoens do Governador da Bahia 918
Inglaterra. Relatório de Committé de segredo 621
Roma. Allocucaõ de S. S. na morte de S. M. F 630
Wurtemberg. Sessaõ dos Estados do Reyno 632
Rescripto de S. M. dissolvendo a Assemblea 933
Do. sobre a mesma dissolução 634

COMMERCIO E ARTES

Bloqueio de Pernambuco. Nota do Cônsul em Paris 636


Nota do Cônsul em Londres 637
Edital da Juncta do Commercio em Lisboa, Suécia 637
Farol em Malaga 638
Preços correntes em Londres 640

LITERATURA E SCIENCIAS

Novas publiçaeoens em Inglaterra 641


Portugal 643
Economia. Politica de Simonde 643

MISCELLANIA.

Carta de um Braziliano em Londres 646


Narrativa da revolução em Pernambuco 659
Jornal de acontecimentos na Bahia 665
668
Conspiração em Lisboa

Reflexoens sobre as novidadas deste mez,


Reyno Unido de Portugal Sfc.
t !71
Revolução de Pernambuco -
704 inaex.
Guerra do Rio-da-Prata t __ 6--g
Conspiração em Portugal ggO
Áustria 682
Hespanha __ gg 3
Colônias Hespanholas 683
França 684
Inglaterra 684
Wurtemberg 685

Conrespondencia.

Carta, sobre o Deaõ da Sé de Angra 687


Do. de Custodio Pereira de Carvalho 694

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