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Prática do Aconselhamento Bíblico

Abrindo Olhos Vedados:


outra visão da coleta de dados

Pa u l D . Tr i p p 1

Célia viera se aconselhar para “receber pessoal que precisavam ser penetradas, ou
ajuda em relacionamentos”. Ela se sentia “re- Célia jamais estaria na posição de uma
jeitada por todos” e, em lágrimas, descreveu verdadeira aconselhada. Ela estava ferida,
sua incapacidade de encontrar sequer um frustrada e exausta, mas por causa da sua
“amigo fiel”. Deus parecia bem distante, mas falta de visão, ela ainda não estava à procura
ainda assim Célia mantinha firme a ideia de de melhorar.
que não era uma pessoa “tão má”; com certe- Um dos efeitos trágicos da queda é a
za, ela não era ruim o suficiente para receber cegueira pessoal do coração. É um efeito
os “pontapés” que havia recebido. universal e um dos fatores que fazem o
Apesar de compadecer-me de Célia, eu aconselhamento bíblico ser tão difícil. Ela
também procurei fazê-la olhar para si mes- altera radicalmente o processo de coleta de
ma. Já que rejeição era o tema de sua vida, dados.
sugeri que deveríamos perguntar se ela estava Visto que o pecado é enganoso e as
fazendo alguma coisa que contribuísse para pessoas caídas são naturalmente cegas aos
o problema. Célia imediatamente tornou-se assuntos que dizem respeito a elas mesmas,
irritadiça e defensiva. Como conselheiro, o a coleta de dados deve sempre ter dois ob-
que eu deveria fazer em seguida? Eu preci- jetivos. Primeiro, o processo precisa dar ao
sava conhecer mais sobre ela; porém, mais conselheiro a informação necessária para
importante ainda, Célia precisava saber mais prover um aconselhamento bíblico sábio.
sobre si mesma. Havia paredes de cegueira Entretanto, um propósito ainda mais fun-
damental é que sejamos instrumentos do
Messias para abrir olhos que estão cegos há
1Tradução e adaptação de Opening Blind Eyes. Another
tanto tempo.
Look at Data Gathering. Publicado em The Journal of
Biblical Counseling. v. 14, n.2, Winter 1996, p. 6-11. Dar vista aos cegos é o coração da
Paul Tripp é diretor do ministério Changing Lives da missão messiânica de Cristo. Ansiando pela
Christian Counseling and Educational Foundation. vinda do Messias, lsaías disse: “então se abri-

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rão os olhos dos cegos, e se desimpedirão os enxergar com clareza e profundidade bíblicas
ouvidos dos surdos” (Is 35.5). A promessa os pensamentos e motivações do coração.
de Deus vai além: “Guiarei os cegos por Este é o primeiro de três artigos que
um caminho que não conhecem, fá-los-ei focalizam o “abrir de olhos” por meio da
andar por veredas desconhecidas; tornarei coleta de dados. Examinaremos a natureza
as trevas em luz perante eles, e os caminhos da cegueira que todos os pecadores experi-
escabrosos, planos. Estas coisas farei, e jamais mentam e olharemos para o que precisamos
os desampararei” (Is 42.16). incluir em nosso papel de instrumentos de
O Messias é o Único capaz de abrir Deus.
os olhos dos pecadores cegos e fazê-los ver.
Isaías descreve assim o pecador: “Por isso As máscaras da cegueira
está longe de nós o juízo, e a justiça não nos ­espiritual
alcança; esperamos pela luz, e eis que há só A diferença entre a cegueira física e a
trevas; pelo resplendor, mas andamos na es- espiritual é que a primeira é extremamente
curidão. Apalpamos as paredes como cegos, óbvia e a segunda, geralmente, passa desper-
sim, como os que não têm olhos andamos cebida. Uma pessoa cega fisicamente é ime-
apalpando; tropeçamos ao meio-dia como diatamente confrontada com sua condição e
nas trevas” (Is 59.9, 10 a). as limitações que ela acarreta. Já a pessoa cega
No Sermão do Monte, Cristo nos espiritualmente, além de não reconhecer
comissiona a ser parte da Sua missão mes- muitas vezes sua cegueira, está convencida
siânica, fazendo brilhar a luz da verdade na de que tem uma excelente visão. Uma parte
escuridão do pecado. Isto é exatamente o que fundamental de ser espiritualmente cego é
devemos procurar fazer no aconselhamento. ser cego à própria cegueira.
Nosso objetivo não é somente expor a escu- Cegueira espiritual é a condição de
ridão que existe nos relacionamentos e nas todo pecador, todo aconselhado. Ainda as-
diferentes situações, mas expor a escuridão sim, poucos deles percebem o impacto desta
do coração para que o evangelho possa ser condição na visão que têm de si mesmos, de
aplicado. Deus, dos outros e de seus problemas. Eles
Todos os nossos aconselhados estão, de são como os homens descritos em Romanos
alguma maneira, “apalpando as paredes.... 1, que pensam que são sábios quando, na
como os que não têm olhos”. Nossa coleta realidade, são tolos. Eles presumem que
de dados deve considerar tal necessidade pensam corretamente, mas seus corações são
seriamente. Quero ajudar o aconselhado caracterizados por tolice e futilidade.
a ver a si mesmo no espelho da Palavra de A cegueira espiritual é enganosa. Como
Deus. Para tanto, farei perguntas que ele João escreveu à igreja em Laodicéia, “pois
nunca faria e sondarei em lugares a que ele dizei: Estou rico e abastado, e não preciso de
não saberia chegar. Minhas questões fluirão cousa alguma, e nem saber que tu és infeliz;
de uma perspectiva bíblica acerca das pessoas sim, miserável, pobre, cego, e nu.” (Ap 3.17).
e seus problemas. Quando procuro por um A cegueira espiritual é enganosa porque
fim ao tatear no escuro, eu retrato o Messias. faz-se passar por outras coisas. Se vamos ser
Não estou simplesmente anunciando minhas instrumentos de Deus para dar visão aos
conclusões, mas ajudando os olhos cegos a cegos, temos que reconhecer as máscaras

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típicas que essa cegueira usa. As seguintes sofrido nas mãos de outros. Mas quando
constituem uma lista representativa. Célia passava o filme da sua história de vida,
ela nunca estava ativa no enredo! O foco
A máscara do senso acurado de si dominante era o comportamento dos outros
mesmo para com ela.
Célia acreditava que conhecia a si mes- Não há uma metáfora mais poderosa
ma. Ficou ofendida com a simples sugestão para descrever como a cegueira espiritual usa
de que poderia ter alguma responsabilidade a máscara do senso de ser vítima do pecado
pelo que estava acontecendo em sua vida. de outros como a do “argueiro e a trave”, em
Uma pessoa consegue ver a si mesma como Mateus 7. Imagine uma pessoa literalmente
realmente é somente quando se contempla obsessiva por um cisco no olho de alguém,
atentamente no espelho perfeito das Escri- enquanto anda por aí com uma trave saltan-
turas (Tg 1.22-25). A maioria de nossos do de seu próprio olho! Seu senso de vítima
aconselhados têm uma visão distorcida de si é muito mais absorvente do que seu senso de
mesmos porque os espelhos nos quais estão ser pecadora. A mudança necessária parece-
se olhando são como espelhos de circo: re- lhe ser externa a ela.
fletem o real, mas com distorção. O espelho
de circo faz com que você aparente ter um A máscara de provações e testes
dorso longo e pequenos tocos de pernas ou Célia não tinha um senso acurado dela
uma cabeça bem grande e um corpo minús- mesma e do seu pecado; por isso, ela tendia
culo. Você está se vendo, mas não como é a chamar de provações as consequências na-
na realidade. turais de suas escolhas e ações. Paulo disse:
Assim é também com muitos dos nos- “não vos enganeis: de Deus não se zomba;
sos aconselhados. O senso que eles têm de pois aquilo que o homem semear, isso tam-
si mesmos foi desenvolvido mirando-se nos bém ceifará. Porque o que semeia para sua
espelhos deformadores de opiniões diversas, própria carne, da carne colherá corrupção,
de uma visão cultural de sucesso, da psicolo- mas o que semeia para o Espírito, do Espírito
gia popular ou de experiências passadas. E a colherá vida eterna” (Gl 6.7-8).
lista poderia continuar. O aconselhado não Já que a maioria dos nossos aconselha-
se dá conta de que tem um senso de si mes- dos não têm esta “mentalidade de colheita”,
mo distorcido. Embora tenha a Palavra de eles tendem a olhar aquilo que colhem não
Deus, ele a usa mais como uma enciclopédia como resultado do que plantam, mas como
do pensamento religioso ou uma ferramenta provações dolorosas que não merecem. Além
devocional. Mesmo ouvindo a Palavra pre- disso, porque os pecadores tendem a “mudar
gada, ele perde a revelação dele mesmo ali a verdade em mentira, adorando e servindo
contida; ouve as histórias ou os princípios a criatura, em lugar do Criador” (Rm 1.25),
expostos, mas não se enxerga espelhado nas tendem também a perder as coisas boas que
passagens bíblicas. o Criador opera por meio de cada situação.
O foco está voltado à perda de “algo criado”.
A máscara de ter sido vítima do Uma provação é provação para mim porque
pecado de outros põe em perigo algo que me é valioso. O maná
Célia era capaz de contar detalhada- que caía do céu tornou-se uma provação para
mente as histórias do constante “abuso” os israelitas porque eles não estavam focando

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o amor fiel demonstrado pela provisão de importante para uma pessoa, descubra as
alimento a cada manhã, mas sim o gosto do necessidades que ela sente. Valores tornam-
alimento comparado ao cardápio do Egito! se desejos, desejos tornam-se exigências, e
Os aconselhados, em sua cegueira, exigências são expressas no aconselhamento
chamam de “provação” as consequências do como “necessidades”.
seu comportamento e de “provas” as boas Célia estava cega ao fato de que ela se
coisas recebidas das mãos de Deus. Eles estão colocava no centro do seu universo e via cada
cegos ao fato de que Deus manda provações aspecto da vida do ponto estratégico daquilo
com propósito redentor. Ao invés de verem que convinha para ela. Ela estava cega ao fato
a si mesmos como amados por Deus e em de que carregava essa perspectiva de necessi-
processo de serem conformados à imagem de dade aonde quer que fosse, e isso formatava
Seu Filho por meio das circunstâncias, vêem todas as situações e relacionamentos. Ela
a si mesmos preteridos pelas dificuldades. adentrava as situações cheia de exigências
Para eles, a vida não é justa. Sofrimento não silenciosas, e respondia com crítica irada
tem propósito redentor; é um sinal de que a qualquer um que parecesse ignorar a sua
Deus não os ama. pessoa ou as suas necessidades. Pensava
que seu senso de necessidade era prova do
A máscara das necessidades egoís­mo e falta de prontidão de todos ao seu
Célia via a si mesma como uma pessoa redor quando, na verdade, demonstrava a
necessitada, que passou a maior parte de sua profundidade de seu problema de centrar-se
vida carente de alguma coisa. Ela sempre em si mesma.
dizia: “se apenas tivesse_______, então eu
seria capaz de _______”. Seu entendimento A máscara do conselho sábio
de “necessidades” era tão obscuro quanto o Como todos os nossos aconselhados,
da cultura a seu redor. Mesmo assim, sua Célia tinha muitas vozes ao seu redor. À
interpretação da vida apoiava-se em grande semelhança de Jó, muitos dos conselhos
parte neste termo. Em essência, ela estava que ela recebia não ajudavam em nada; e
dizendo que os problemas na sua vida eram o não ajudavam porque não eram bíblicos.
resultado direto de seu senso de necessidades. Mesmo assim, Célia achava conforto nas
Ela carregava consigo a clássica interpretação palavras de seus conselheiros, ainda que por
da vida “se apenas...”. pouco tempo.
O que Célia não via era que seu estado Embora estivesse engajada no processo
de necessitada era o efeito trágico do pecado, de aconselhamento, Célia sempre me repetia
que nos transforma de adoradores de Deus a “sabedoria” que ela absorvera ao seu redor.
em pessoas que vivem “fazendo a vontade Mas Célia citava somente pessoas que con-
da carne e dos pensamentos” (Ef 2.3). Sua cordavam com sua visão de vida e apoiavam
carência revelava muito mais o que ela era as decisões que ela tomava. Ela não citava
do que aquilo que realmente lhe faltava. ninguém que discordasse dela.
O senso de necessidade de Célia revelava a Outro termo bíblico para cegueira
cobiça do seu coração mais do que a traição espiritual é “tolice”. Os conselhos sábios
de outros. E o que ela realmente necessitava que Célia recebia eram realmente tolices.
nunca foi objeto dos seus anseios - Deus. Pareciam sábios para ela porque estava cega
Se você quer realmente entender o que é às questões reais da sua vida.

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Provérbios 17.16 diz que o tolo não fé. Ainda assim, nada disso estava óbvio para
deseja a sabedoria. Célia pensava estar em Célia, porque a cegueira frequentemente usa
busca de conselhos sábios, mas na verdade uma máscara de discernimento.
procurava apoio para seu ponto de vista.
A máscara do senso de valores
A máscara de discernimento Célia pensava que sabia o que era
pessoal importante, mas quanto mais eu a ouvia,
Célia, como todos os seres humanos, mais ficava convencido de que aquilo que
estava sempre procurando compreender a a motivava não eram coisas de primeira
sua vida. Ela queria organizá-la em categorias importância. Mais uma vez, Célia estava
que ajudassem a entender os acontecimentos cega. Ela havia avaliado sua situação e agido
e o que fazer a respeito deles. Ela passava de maneira consistente com seus valores;
boa parte de seu tempo analisando os fatos e ainda assim, seus problemas persistiam. Isso
encontrava utilidade nisso. No entanto, se eu a deixava confusa e frustrada.
começasse a questionar suas interpretações, Todos os “tesouros” que motivavam
logo surgiria um clima de tensão na sala. Célia tinham a ver com relacionamento
A cegueira espiritual pode até parecer humano. Ela via a amizade, o respeito,
sabedoria! Ser brilhante intelectualmente e a aceitação e o amor como de extrema
analítico ativo não significa necessariamente importância, e fazia tudo que podia para
ser sábio. A verdadeira sabedoria começa evitar a rejeição, a solidão, e a baixa autoi-
com humildade: o reconhecimento de que magem, que dizia serem o resultado. Mas
eu não tenho em mim tudo quanto necessi- quanto mais Célia examinava as pessoas e
to. Preciso ser alguém que busca a verdade suas reações, mais ela tentava agradá-las
que é encontrada somente na Palavra de e mais zangada ela ficava. Ela começava
Deus. Discernimento real não é resultado seus relacionamentos com uma longa lista
de ser analítico, mas de ser bíblico. Veja de exigências silenciosas, mas não toma-
as palavras do salmista: “Os teus manda- va conhecimento de como julgava e não
mentos me fazem mais sábio que os meus perdoava os outros quando falhavam em
inimigos; porque aqueles eu tenho sempre viver de acordo com elas. Mateus 6 diz que
comigo. Compreendo mais do que todos aquilo que for o meu tesouro, controlará
os meus mestres, porque medito nos teus meu coração; e o que controlar meu cora-
testemunhos. Sou mais entendido que os ção, controlará meu comportamento. Em
idosos porque guardo os teus preceitos” (Sl outras palavras, eu vivo para obter, manter
119.98-100). e desfrutar aquelas coisas que são de valor
Célia estava cega ao fato de que seu para mim.
senso de discernimento revelava mais sobre Os valores de Célia eram o seu proble-
seu coração do que sobre a situação. Seu ma. Ela havia colocado sua identidade nas
discernimento nascia dos desejos que distor- mãos das pessoas. Vivia frustrada e fracassada
ciam sua interpretação do que estava acon- porque o mesmo Deus que a havia chamado
tecendo à sua volta. Tratava-se mais de uma para Ele estava ocupado com outras coisas. O
perspectiva impulsionada pelo desejo do que foco de Deus não estava tanto nos relaciona-
de uma análise objetiva. Desta maneira, era mentos, mas em conformar Célia à imagem
mais uma expressão de idolatria do que de de Seu Filho.

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Os aconselhados normalmente não havia feito o melhor”. Portanto, a causa de
reconhecem sua cegueira porque ela está seu problema tinha que estar fora dela. Seu
mascarada por um senso falso do que é certo conhecimento obscurecia sua responsabili-
ou errado. O homem irado que feriu sua dade pessoal e convicção de pecado.
família durante anos com reações violentas O fato era que Célia não havia sido
reconhece aquilo que perdeu apenas quan- capaz de aplicar sua teologia no dia-a-dia de
do é separado da família. Para ele, o que é uma maneira que fizesse sentido nas suas di-
importante é o seu direito de ver os filhos ficuldades. Era uma senhora sem sabedoria,
e morar na casa que sustenta. Ele sempre cega ao fato de que ela não era espiritualmen-
repete no aconselhamento: “Isto não está te madura. Maturidade espiritual resulta de
certo, não está certo”. Ainda assim, está cego praticar a verdade na vida diária, e não de
às mudanças que precisa fazer para que sua conhecer a verdade intelectualmente (Hb
família seja restaurada apropriadamente. 5.11-14). Mas Célia estava convencida de
O foco de uma esposa é a frieza e que o que havia de errado com todos os seus
distância de seu marido. Ela quer que o conselheiros cristãos era o fato de ficarem
conselheiro o transforme em um marido repetindo coisas que ela já sabia.
carinhoso, mas está cega para as constantes Junto com este senso de adequação teo-
críticas que o afastaram dela. Ela fica furiosa lógica, estava a tendência de fazer as perguntas
quando o conselheiro começa a focar nela erradas. As perguntas de Célia não a condu-
como alguém que necessita de mudança. ziam a um entendimento mais profundo da
Está totalmente cega para as coisas de valor sua situação, a uma esperança mais completa
eterno que Deus quer trabalhar nela. em Deus nem a um plano prático de mudan-
ça. Há um princípio aqui que consideraremos
A máscara do conhecimento mais a fundo em um dos próximos artigos.
­teológico É o seguinte: as pessoas de discernimento
Célia conhecia bastante as Escrituras têm discernimento não porque possuem as
e as doutrinas da fé. Apenas poucos termos respostas certas, mas porque fizeram as per-
teo­lógicos e bíblicos não lhe eram familia- guntas certas. Se você não fizer as perguntas
res. certas, nunca terá as respostas certas. Célia
Infelizmente, o conhecimento teológi- encontrava-se constantemente em um beco
co de Célia fez quatro coisas por ela. Primei- sem saída analítico, que a levava a perder a
ro, produziu um certo nível de confiança na esperança e lutar contra a depressão.
própria interpretação da vida. Ela presumia Aqui está um exemplo das perguntas
que suas ideias e ações fluíam de sua crença. erradas de Célia. Ela costumava dizer: “Eu
Segundo, produziu um reconhecimento oro e oro, leio minha Bíblia, mas Deus não
pessoal de maturidade. Célia achava-se me tem ajudado. Ele não responde às minhas
uma crente madura e se ofendia se alguém a orações”. Em seguida, vinha a pergunta: “Por
tratasse como necessitada de ensino bíblico que Deus não está trabalhando na minha
básico. Terceiro, no aconselhamento, seu vida?” Pergunta ruim, baseada em pressu-
conhecimento conferia-lhe uma atitude de posição não bíblica, que não pode levar a
“eu já sabia isso e já tentei”. Quarto, pro- uma direção certa.
duzia a ideia de que não era culpada pelos A pergunta de Célia a levava a dois
seus problemas; ela “sabia o que era certo e tipos de resposta. Às vezes, ela concluía que

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Deus não agia em sua vida porque simples- ser executado. O que Célia enfatizava não
mente não a amava. Ele tinha coisas me- requeria confiança em Cristo - eram padrões
lhores para fazer além de se preocupar com comportamentais que não exigiam nada do
sua vida insignificante. Em outras ocasiões, coração. Célia via o Evangelho relacionado
concluía que Deus não agia porque ela era apenas com céu e inferno. Ela não sentia
uma pecadora miserável, e a inatividade de necessidade alguma do poder transforma-
Deus era uma punição para a maldade dela. dor de Cristo atuando no presente em sua
Respostas ruins a uma pergunta ruim produ- vida, pois a “justiça” que havia atingido era
zem uma colheita de frutos maus. Como os humanamente alcançável.
conselheiros infames de Jó, Célia não cons- Célia enfatizava constantemente o me-
truía pontes entre a sua teologia e as situações nos importante e se orgulhava de realizá-lo,
da vida que lhe permitissem interpretações enquanto ignorava as questões mais elevadas
bíblicas consistentes da sua vida. da lei. Orgulhava-se da casa arrumada, pon-
Para formular a pergunta de Célia de tualidade, lembrança dos aniversários dos
uma maneira bíblica, é preciso começar amigos, leitura de livros cristãos, controle
com a seguinte pressuposição bíblica: Deus financeiro e disposição para servir. Ainda
está sempre ativo na minha vida (Sl 46; Rm assim, ela era ciumenta, zangada, dada a
8.18-39). Perguntar porque Ele não está julgamentos, amarga, vingativa e sem com-
trabalhando é presumir alguma coisa que paixão.
não é verdade. Conclusões verdadeiras não Cristo disse a Seus discípulos: “porque
podem vir de pressuposições falsas. Uma vos digo que, se a vossa justiça não exceder
maneira melhor de fazer a pergunta é: “Deus em muito a dos escribas e fariseus, jamais
está ativamente efetuando o processo de entrareis no reino dos céus” (Mt 5.20). Aos
santificação na minha vida; portanto, o que fariseus, Ele disse: “ai de vós, escribas e fa-
Ele está fazendo e por que eu não reconheço riseus, hipócritas! Porque dais o dízimo da
isto?”. Esta pergunta pode levar a um discer- hortelã, do endro e do cominho, e tendes
nimento maior, mudança bíblica e colheita negligenciado os preceitos mais importantes
de frutos bons. da lei, a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis,
porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas”
A máscara da santidade pessoal (Mt 23.23). A justiça dos escribas e fariseus
Apesar de Célia não falar de si mesma não era suficiente porque não era justiça. Era
usando uma linguagem bíblica que descre- vil, orgulhosa, justiça própria, humana. Esse
vesse santidade, era precisamente isto que ela tipo de justiça sempre enfatiza o que é huma-
pensava possuir. Ela cria que queria as coisas namente possível de ser feito e ignora o que
certas e fazia as coisas certas, e não podia só pode ser alcançado pela graça abundante
imaginar o porquê de tudo dar tão errado. de Cristo.
Sua crença na própria santidade repousava Talvez este seja o epicentro da cegueira
em uma justiça própria legalista que não espiritual. Na sua essência, ser espiritual-
tinha nada a ver com o chamado de Deus a mente cego significa pensar que se é justo
ser “santo como Eu sou Santo”. quando a realidade é outra. Isto coloca fora
Célia estava cega ao fato de que se de questão a graça de Deus e a necessidade
assemelhava a um fariseu. Ela reduzira a Lei de mudança. Se eu sou justo (de acordo com
de Deus a um padrão humano possível de o que penso), não preciso de Cristo nem de

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mudança. Isto é claramente demonstrado A vida de Célia não produzia fruto do
em Lucas 18 com o relato dos dois homens arrependimento. Primeiro, ela não estava se
no templo. O fariseu colocou-se em pé no tornando uma pessoa pronta a dar partida
templo e disse a Deus que não precisava em mudanças. Continuava na prática de
dEle. Estava lá para proclamar sua aprova- comportamentos pecaminosos e destruti-
ção, distanciando-se dos demais pecadores vos apesar de termos falado a respeito deles
e listando seus “atos de justiça” diante de muitas vezes. Quando confrontada, admitia
Deus. seu erro de má vontade, mas suas confissões
De modo semelhante, Célia costumava raramente resultavam em novas maneiras
vir para o aconselhamento e listar suas boas de reagir. Segundo, Célia permanecia na
ações, pedindo-me para aprová-la em tudo. defensiva e continuava a ter dificuldade
Deixando passar as questões importantes do para receber minha avaliação bíblica sobre
coração e enfatizando os comportamentos de ela. Acusava-me de não compreendê-la, não
possível realização, ela se via limpa, embora acreditar nela ou tomar partido de outros.
por dentro fosse “ossos mortos”. Terceiro, Célia não tinha um espírito ensi-
nável. Era difícil ela admitir sua necessidade
A máscara do arrependimento de ser instruída pelas Escrituras e aprender a
Célia, como muitos aconselhados, aplicá-las em sua vida. Ela costumava debater
pensava que só o fato de procurar aconselha- minha teologia, a interpretação de uma pas-
mento já era um ato de arrependimento. Isso sagem ou a aplicação de um princípio bíblico
nem sempre é verdade. Muitos aconselhados em sua vida. Quarto, Célia completava sua
acham que conversar sobre seus problemas tarefa de aconselhamento com indiferença,
equivale a confissão e permanecer no acon- sem entusiasmo e discernimento, e também
selhamento equivale a arrependimento. Para sem alcançar as mudanças que eram o alvo
Célia, o aconselhamento assemelhava-se da tarefa.
mais a uma forma de penitência. Ela estava Mas ela percebia muito pouco de tudo
cega ao fato de que, na verdade, participava isso. Célia estava cegada pelo compareci-
de um ato de autoexpiação. Eu chamo isso mento legalista ao aconselhamento, o desejo
de “absolvição protestante”. O aconselhado de discutir questões pessoais e o estudo de
confessa, examina as questões envolvidas, passagens bíblicas designadas. Infelizmente,
participa de um processo de discussão sobre todas estas coisas (que ela pensava indicar
si mesmo e a situação, semana após semana, arrependimento) serviam de máscara para a
e chega ao fim de cada encontro de acon- amargura e a justiça própria que controlavam
selhamento sentindo-se absolvido, limpo, o coração de Célia.
justo. Mas tudo isso acontece sem mudança O arrependimento é apresentado na
substancial de coração nem comportamento. Bíblia como uma mudança radical do co-
O aconselhado vê a si mesmo envolvido ração, que resulta em mudança radical da
em um processo de arrependimento, mas maneira de viver. Ao mesmo tempo que o
na realidade há ocasiões em que o aconse- coração muda e se move em direção nova,
lhamento constitui-se em uma maneira de o mesmo acontece com a vida. Qualquer
evitar trabalhar as questões que estão no coisa aquém disso simplesmente não é
plano de Deus. arrependimento. Muitas pessoas vêm ao

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aconselhamento em busca de autoexpiação, mais chocante que possa parecer, a cegueira
apesar de não perceberem isso e desejarem espiritual pode até usar a máscara de arre-
apoio para o que estão fazendo. Elas querem pendimento!
se sentir bem consigo mesmas e acham que É de vital importância lembrar o
conseguem se sentir melhor após o encontro profundo efeito que a cegueira espiritual
com o conselheiro. E então continuam a vir, causa em cada pecador e sua visão da vida.
apesar de não terem se submetido a Deus em Nossa coleta de dados precisa ser motivada
arrependimento profundo. Não estão oran- por aquilo que o aconselhado precisa ver.
do de acordo com o Salmo 139: “Sonda-me, Além disso, precisamos lembrar que as
ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me pessoas cegas espiritualmente não acham
e conhece os meus pensamentos ; vê se há em que estão cegas, pois sua cegueira usa mui-
mim algum caminho mau, e guia-me pelo tas máscaras. Precisamos reconhecer tais
caminho eterno” (S1 139.23-24). máscaras e adotar um processo de coleta
“Ir ao aconselhamento” manteve Célia de dados que abra os olhos do aconselhado
cega à sua teimosia e falta de arrependi- para quem ele realmente é. Nós nos com-
mento. Ela pensava que havia confessado prometemos a ser instrumentos de Deus
tudo o que tinha para confessar. Ela via a para abrir esses olhos que estão cegos e
si mesma como arrependida. “Por que mais considerar isso como função necessária
eu estaria me aconselhando?”, ela diria. Por da coleta de dados.

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