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Resumo:
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1- Acadêmico de Ciências Sociais na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
Sempre tive resistência ao pensar em utilizar o transporte público e a utilização deste se
tornou inevitável, não tive escolha em não utiliza-lo, pois já tinha se tornado uma necessidade
o uso diário. Percebi que esse fato poderia se tornar um objeto de pesquisa para uma
disciplina que eu cursara na universidade, não só com intuito de pesquisar, mas também de
contribuir para a transformação da realidade vivida por passageiros do transporte público de
Marabá.
Entrando em Campo
No primeiro dia em que “entrei em campo²” tudo era tão familiar que eu não
conseguia ver nada que me fosse estranho, entrei no ônibus e percebi que as pessoas pouco
conversavam umas com as outras, exceto as que já se conhecem. Não encontrei espaço para
fazer perguntas e dar inicio a pesquisa, foi ai que vi a necessidade de me apoiar em conceitos
metodológicos dos antropólogos Bronislaw Malinowski e Clifford Geertz.
Malinowski me deu base para desenvolver uma etnografia participante, onde eu passo
a vivenciar junto com o grupo que estou estudando a fim de apreendê-los pela observação
direta (ver e escutar). A obra “Os argonautas do Pacifico ocidental” (MALINOWSKI, 1976)
foi essencial para que eu entendesse que eu não precisaria me tonar o outro para etnografar.
Daí resultou em outra barreira. Como descrever algo que já é familiar? Fui buscar minha
resposta na obra “Antropologia da e na cidade, interpretações sobre as formas da vida urbana”
onde Eckert e Rocha fala sobre o estranhamento que não mais seria estranhar o outro, mas a
sua própria cultura, portanto elas dizem que é ”estranhando o familiar, superando o
pesquisador suas representações ingênuas, agora substituídas por questões relacionais sobre o
universo de pesquisa analisado” (ECKERT & ROCHA, 2013 apud Da MATTA, 1978 e
VELHO, 1978). Clifford Geertz (2008) será fundamental para compreender e interpretar essa
descrição etnográfica e com isso será referenciado em momento posterior.
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2- Para a antropologia entrar em campo significa ter a aceitação formal do grupo a qual vai ser estudado,
segundo (Eckert & Rocha, 2013).
Entrevistas: Conversa/observação
Neste dia me veio uma dúvida, será que a disputa por espaço físico (a Superlotação) é
um problema da falta de mais ônibus? Alguns minutos pós esperando veio outro ônibus com
destino a Morada-Nova, estava quase vazio, tinha até poltronas desocupadas, então logo
pensei, não é a falta de ônibus, as pessoas querem chegar a suas casas não importa como.
Então ao passar na parada do Shopping de Marabá o espaço se configurou e foi
completamente preenchido por passageiros.
Foi ai que acabei com o pensamento prematuro e decidi observar durante mais dias
antes de definir uma interpretação, Geertz (2008) serviu-me para entender as teias de
significados tecidas pelo próprio objeto de estudo. Busquei as relações de significados e de
sentidos contido no processo e foi identificado que todos os dias passam três ônibus com o
mesmo destino, um da empresa TCA que é o “Direto”, e os outros da NASSOM Transportes,
todos eles no intervalo de 17h35min ás 18h10min, e todos eles quando passavam na
rodoviária do Km 06 estavam completamente cheios. Passei a observar toda a trajetória por
onde percorria o ônibus e onde as pessoas desciam. Constato que no interior do ônibus
coletivo existe de fato a disputa pelo espaço físico.
Terça feira, 30 de outubro de 2018 às 17h38min houve muita confusão, visto que um
dos fatores é a superlotação, os passageiros que já estavam dentro do ônibus não queria que o
motorista parasse para pegar novos passageiros então, o motorista pediu para que as pessoas
tomassem consciência de que aquelas pessoas a qual entrara no ônibus também queriam ir
para suas casas, e então passageiros do fundo disseram que se eles queriam ir, que esperassem
o próximo ônibus porque este já estava totalmente superlotado.
Neste caso interpreto que a superlotação nesta linha não é por falta de ônibus, a
quantidade é suficiente para atender a demanda do bairro Morada-Nova, porém existe um
problema que acarreta a superlotação desta linha, é a preferência de usuários de outros bairros
(os quais têm ônibus com destino próprio) em utilizar à linha Morada-Nova, com isso o
percurso que seria transcorrido se os passageiros utilizassem as linhas especificas dos bairros
seria demasiadamente enorme, e ao pegar o itinerário Morada-Nova esse percurso é
diminuído pela metade.
Esse horário está um pouco mais cedo do que eu costumo pegar ônibus todos os dias,
mas em relação a este horário nós já estamos centímetros uns dos outros, às 17h50min é
sempre mais cheio, porque têm várias pessoas de diversos bairros, trabalhadores que estão
voltando aos seus lares, estudantes de várias instituições e pessoas de diversos setores.
Perguntei para Roberta o que a deixava mais desconfortável como mulher quando o
ônibus estava superlotado e ela respondeu que é o assédio, às vezes involuntário por causa da
superlotação, “não tendo muito espaço físico as pessoas acabam tendo um contato chato”, e
ainda fala de outras formas abusivas, de um olhar intimidador e de os homens passarem a mão
onde não deveria nela, por exemplo: nos seios, no “Bum Bum”, de forma maliciosa ou até
mesmo involuntária. Ela ainda acrescentou enquanto conversávamos que não estava satisfeita
com o preço da passagem, como estudante universitária não via incentivos que compensassem
os gastos em que adquira por mês com a meia-passagem, e ressalta: -“Nós estudantes
universitários deveríamos ter “passe livre” pelo menos de segunda a sexta”.
Eu sou usuária e não tenho porque passar por uma humilhação dessas dentro do
coletivo, por que ela tem que me respeitar, pra ela ser respeitada, ai depois disso ela ainda
continuou rodando pra Morada-Nova, eu pegava ônibus as 12h00min e depois de certo
tempo não vi mais ela trabalhando, eu acho que ela foi demitida, tem pessoas que não gosta
do que faz.
Outra moça que acompanhava Lucia e que estava caracterizada com uma farda de uma
universidade e de mochila na costa, entrou para conversa e me falou da experiência que viveu
dentro do ônibus, eu perguntei o nome dela e ainda lhe perguntei se eu poderia usar o que ela
falara para desenvolver o meu trabalho de campo, ela afirmou que sim desde que eu não
usasse o seu nome, então aqui preservarei a identidade dela e darei o pseudônimo de
“Iasmim” que me falou: _ Era umas 17h30min por ai quando o ônibus passou em frente à
UNIFESSPA (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará) e eu entrei no ônibus que vai
para Morada-Nova, já estava bem cheio quase não dava para entrar, e tinha uma senhora
bem de idade que queria descer pela porta da frente, então o motorista falou que, não eu ao
posso abrir a porta da frente pra descerem porque é o regulamento da empresa, tá, outra
jovem que estava na parte da frente (antes da catraca), tomou as dores pela essa senhora, ai
ela falou abre a porta tá vendo que ela já é idosa, ai eu observei que ela não era tão
debilitada que não pudesse atravessar e passar a roleta, porque a cobradora iria abrir a
porta do meio, Lucia interrompeu a fala dela, falou que os motoristas estão abrindo a porta do
meio quando o cobrador solicita, Iasmim fala que um dia desses tinha um menino que ia
descer em frente ao “colinas” (um supermercado) e o ônibus estava muito lotado e o cobrador
não quis pedir pra o motorista abrir a porta do meio e ele quase não conseguia chegar no final
pra ele poder descer, ele pediu por favor mais o motorista não quis abrir, se ele abrisse a porta
do meio seria melhor. Lucia diz: isso é ignorância do motorista porque quem é que vai entrar
pela porta do meio, e porque essa dificuldade em abri? Se ali é pra cadeirante entrar, mas
nada impede que as pessoas possam descer por lá, se o ônibus está superlotado, não tinha o
porquê ele não abrir.
Iasmim retoma a fala neste momento e volta a falar sobre o que dizia antes: _ A
senhora disse que não ia discutir com o motorista, então a senhora atravessou a roleta e a
cobradora pediu para que ele abrisse a porta do meio e ela desceu, e a jovem continuou
discutindo com o motorista, (ele era idoso), dizendo que ele era idiota e falou um monte de
coisas que não deveria ter falado, porque a senhora que saiu não discutiu com o motorista e
a moça foi tomar as dores, ai no final ela disse que é por isso que eu vou votar no Bolsonaro,
por que eu vou andar com uma arma aqui do lado pra eu matar um idiota desses, e o
motorista parou o ônibus e levantou e pediu que a moça o respeitasse porque ele é idoso, e o
incrível que pareça às pessoas dentro do ônibus deu apoio para ela.
Lucia falou que as pessoas usam a democracia pra fazer baderna, elas querem ser o
centro das atenções e só pensam na necessidade deles e não pensa na dos outros, o transporte
é publico e acaba não sendo pra todos como deveria ser, às vezes ela já ouviu as pessoas
falarem, motorista “filho d’uma égua”, esse ônibus está superlotado, tu não está carregando
tua mãe, mais num sei oque... Mas ele não tem culpa! Afirma Lucia. Segundo ela as pessoas
devem ter a decisão se devem entrar ou não porque elas estão vendo que o ônibus esta cheio, e
os que estão lá dentro não querem descer pelo fato do ônibus está cheio para pegar outro e
ainda não querem que ninguém entre, porque ele já está lá dentro e pouco importa com quem
ainda não pegou, independente de ter ônibus atrás ou não eles não querem nem saber, só
querem saber de ir embora. Iasmim fala como essas pessoas que reclamam que o ônibus está
lotado e que o motorista tem que ir embora, tem também muita gente que está lá na parada de
ônibus que fica chateado porque o ônibus não para. Lucia fala que o culpado não é o
motorista, os culpados somos nós que estamos vendo a superlotação diária, mas ninguém faz
greve na porta da empresa ou nos órgão competentes para reivindicar nossos direitos, proibir
que eles entrem ou saiam da empresa. E pergunta para mim:_ Quem é que já fez isso?
Ninguém fez!
Lucia também fala das cadeiras que são reservadas para prioridades, que os
passageiros de todas as idades ocupam dentro do ônibus e quando chega uma pessoa que
necessita da poltrona eles não saem, e afirma:_ é que ninguém pensa no outro só pensa em si
mesmo.
Politizando a Etnografia
Pude perceber em todos os dias em que observei e participei da etnografia que existe a
falta de sentimento de pertencimento como grupo de usuários do transporte público. Os
passageiros prejudicados pela superlotação não se unem como classe para reivindicar seus
direitos, muitos deles têm o pensamento de que “é só uma hora por dia que eu passo nesse
sufoco” reclamam enquanto estão lá dentro do ônibus e depois quando sai, não dão a mínima
importância. Na minha interpretação falta o que (Max Weber, 1982) chama de “ação
societária”, que “por sua vez, é orientada no sentido de um ajustamento de interesses
racionalmente motivado”.
Dentro do ônibus até existe algumas pessoas que reclamam da falta de qualidade do
transporte público, o problema é quando lá fora. Boa parte tem a consciência que existe um
problema a ser resolvido e mesmo assim se sentem incapazes de formar grupo com mesmo
interesse, logo quem utiliza esse transporte pensa o mais breve possível em deixar de utiliza-
lo e comprar um transporte particular. Não tomam a consciência de que o transporte urbano é
um direito adquirido e tem que ser melhorado, com a finalidade de atender a todos com
conforto e segurança.
Do uso coletivo ao particular, mesmo no uso coletivo existe o sentimento de
individualismo; (Karl Marx, 1971) fala sobre as lutas de classes que sempre foram o motor da
história, os usuários estão “como massa” que são expropriados de seus direitos e enquanto
não tomarem consciência de classe para si, não conseguirão melhorias para esse meio. Se
pensarmos na politica em Marabá os Moto-taxistas já elegeram um representante legal para a
Câmara Municipal (Vereador), com intuito de fortalecer os interesses como classe. E nós
como usuários, qual a contribuição damos para melhorar o transporte? A falta de
pertencimento como classe é uma das barreiras que impede a melhoria tanto das estruturas
físicas como a da solidariedade e respeito com os outros passageiros.
Considerações finais
Como está pesquisa tem uma finalidade estritamente avaliativa na disciplina teoria
antropológica II, por hora ela se encerra por aqui, mas como eu ouvi em uma aula, as relações
que movem as condutas humanas não são estatuificadas, portanto essa etnografia segue para
além do registro formal.
Referências:
Antropologia da e na cidade, interpretação sobre as formas da vida urbana / Ana Luiza Carvalho da
ROCHA [e] Cornelia ECKERT. – Porto Alegre: Marcavisual, 2013
SELL, Carlos Eduardo, 1971- sociologia clássica: Durkheim, Weber e Marx / Carlos Eduardo Sell. 4.
ed. Jataí. Ed. UNIVALI. 2002. 228p.