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Transtorno de Compulsão
Alimentar Periódica em Obesos
sob Tratamento ou Não
Binge-Eating Disorder in Obese People under Treatment or Not
RESUMO A obesidade no Brasil e no mundo é alarmante. Encontra-se em
constante crescimento, quase sempre acompanhada de transtornos alimen-
tares (TA), particularmente do Transtorno de Compulsão Alimentar Perió-
dica (TCAP), e documentada sobretudo em indivíduos em tratamento. O
objetivo deste estudo foi avaliar a ocorrência de TCAP entre pessoas obesas
que não procuram tratamento para obesidade e compará-la à ocorrência
entre as que procuram. Ele foi realizado no município de Piracicaba e re-
gião com adultos com Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 30 kg/
m2, idade entre 39 e 40 anos, sendo 42 usuários do Ambulatório de Nutri-
ção da Universidade Metodista de Piracicaba (oito homens e 34 mulheres)
e 35 obesos escolhidos ao acaso na comunidade (oito homens e 27 mulhe-
res). Para avaliação da prevalência de TCAP entre os grupos, foi aplicado o
Questionário sobre Padrões de Alimentação e Peso Revisado. Validado em
outros estudos, esse questionário avalia a relação do indivíduo com a ali-
mentação e com a imagem corporal. Quanto à presença desse transtorno,
não se observou diferença significante entre os grupos (28,57% vs.
22,86%). Já em relação à influência da imagem corporal, foi perceptível
uma maior preocupação dos obesos em tratamento que dos obesos fora de
tratamento. Fica a pergunta se a preocupação com a imagem corporal é
um efeito do tratamento ou o motivo da sua procura.
Palavras-chave OBESIDADE – COMPORTAMENTO ALIMENTAR – TRANSTORNO
DA COMPULSÃO ALIMENTAR – IMAGEM CORPORAL.
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homens e 27 mulheres). Foram selecionados indi- dows 98 versão 9.0 e SigmaStat para Windows
víduos com Índice de Massa Corpórea (IMC) aci- 98 versão 2.0. Todas as variáveis foram tabula-
ma de 30 kg/m2. Excluíram-se indivíduos, de das como percentagem ou média ± desvio-pa-
ambos os sexos, menores de 21 anos eutróficos12 drão. As diferenças entre médias obtidas de
– segundo classificação da Organização Mundial cada variável tiveram avaliação pelo teste t stu-
de Saúde de 1998 – e aqueles que não concorda- dent ou pelo teste Qui-Quadrado, conforme a
ram em assinar o termo de consentimento livre e natureza dos dados. A probabilidade de signifi-
esclarecido, solicitado e obtido no momento da cância considerada foi de p < 0,05 em todas as
entrevista. comparações efetuadas.
A seleção dos participantes que não procura-
vam tratamento para a obesidade foi visual e ao RESULTADOS
acaso. Os indivíduos, assim que avistados, eram
abordados e convidados a participar do estudo. Conforme observado na tabela 1, não se nota-
Logo após o convite era feita a entrevista, durante ram diferenças entre a média de idade dos gru-
a qual aplicava-se o Questionário sobre Padrões pos, nem quanto à altura, ao peso atual e ao
de Alimentação e Peso Revisado (QEWP–R). Esse maior peso atingido pelos participantes. Conse-
questionário constitui, até o momento, o único qüentemente, não houve diferença nas medidas
instrumento elaborado especificamente para o di- de IMC entre os grupos.
agnóstico do TCAP13 e apóia-se em critérios do Predominaram, em ambos os grupos, o sexo
DSM-IV, com 28 perguntas a respeito de episódio feminino (80,95% dos obesos em tratamento e
de compulsão alimentar, indicadores de perda de 77,14% dos obesos fora de tratamento) e a cor
controle sobre o comer, história de peso e de die- da pele branca (83,33% e 97,14%).
ta de emagrecimento, influência da imagem cor- Quanto à presença de TCAP entre esses gru-
poral na autopercepção e dados demográficos pos, mesmo com uma porcentagem aparente-
básicos.9 mente maior nos obesos em tratamento, não foi
A análise estatística e a representação dos observada diferença significante (28,57% dos in-
dados desenvolveram-se com o auxílio dos se- divíduos em tratamento vs. 22,86% dos fora de
guintes programas: Microsoft Excel para Win- tratamento).
Tabela 1. Média e desvio-padrão de idade, peso, altura, IMC e idade em que teve o primeiro sobrepeso dos indivíduos em tratamentos
e dos indivíduos da comunidade.
OBESOS EM TRATAMENTO OBESOS FORA DE TRATAMENTO
VARIÁVEL (N = 42) (N = 35)
Idade (anos) 40 ± 12 39 ± 11,36
Altura (metros) 1,62 ± 0,09 1,66 ± 0,087
Peso Atual (kg) 109 ± 25,3 104,83 ± 17,64
Maior peso (kg) 113,8 ± 26,4 111,03 ± 20,92
IMC (kg/m2) 41,44 ± 9,27 38,08 ± 7,48
Maior IMC (kg/m2) 43,27 ± 9,46 40,42 ± 9,11
Todas variáveis dessa tabela foram p > 0,05 nas comparações pelo teste t student entre obesos em tratamento e fora de tratamento.
Tabela 2. Distribuição segundo sexo e raça dos indivíduos em tratamento e dos indivíduos da comunidade.
OBESOS EM TRATAMENTO OBESOS FORA DE TRATAMENTO
VARIÁVEL (N = 42) (N = 35)
Sexo feminino (%) 80,95 77,14
Cor da pele (%):
Branca 83,33 97,14
Negra 14,29 2,86
Parda 2,38 0
Não houve diferença estatística na distribuição dos resultados avaliados pelo Qui-Quadrado.
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Tabela 3. Distribuição dos obesos em tratamento e dos obesos fora de tratamento em relação à influência do peso e a forma do corpo
no modo como o indivíduo se avalia.
OBESOS FORA
PESO E FORMA DO CORPO OBESOS EM TRATAMENTO DE TRATAMENTO
NA AUTO-AVALIAÇÃO (N = 42) (N = 35)
Não tiveram muita influência 21,43% 28,57%
Tiveram alguma influência 19,05% 51%
Alguns dos principais fatores 23,81% 11,43%
Fatores que mais influenciaram 35,71% 8,57%
P < 0,05 na avaliação da distribuição dos resultados pelo Qui-Quadrado.
Figura 1. Ocorrência de TCAP em obesos em tratamento e em volvido em 2002, encontrou uma freqüência sig-
obesos fora de tratamento. nificativa de TCAP (36%) em pacientes obesos
mórbidos que procuraram tratamento na Clínica
de Endocrinologia da Universidade Federal de São
Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp –
EPM). Outros pesquisadores, como Appolinário,
Coutinho e Borges, encontraram prevalência de
TCAP entre 15% a 22% em pacientes que procu-
ravam tratamento para emagrecer.13 Cordás relata
uma prevalência muito próxima à deste estudo:
quase 30% em obesos em tratamento,5 mesma
porcentagem observada por Spitzer et al. em parti-
A influência da imagem corporal foi avaliada cipantes de programas para perda de peso.17
pelo QEWP-R, ao questionar sobre a importância Entre indivíduos obesos fora de tratamento,
do peso e da forma do corpo no modo como o verificou-se aqui um percentual de 22,86%. Não
indivíduo se avalia como pessoa, tanto no nível foram encontrados estudos sobre a prevalência
de TCAP em obesos fora de tratamento. Em pes-
pessoal quanto profissional. De acordo com a ta-
quisa realizada nos Estados Unidos, Spitzer et al.
bela 3, verifica-se uma maior preocupação dos
perceberam uma prevalência de TCAP em 2% da
obesos em tratamento com o peso e com a forma
população e, na França, Basdevant et al. descobri-
do corpo que dos obesos fora de tratamento.
ram 0,7% de TCAP em mulheres da comunida-
de.17 Em outros trabalhos, a porcentagem de 4%
DISCUSSÃO de TCAP na população feminina demonstra que
esse sexo parece ser mais propenso ao transtorno,
A amostra deste estudo foi predominante- que afeta aproximadamente 8% dos indivíduos
mente do sexo feminino, possivelmente pelo fato com sobrepeso.11
de as mulheres procurarem mais tratamento para Torna-se perceptível a diferença de percentual
a obesidade. Isso se deve ao ideal de magreza sig- encontrada neste estudo (22,86%) com a dos cita-
nificar beleza – cultura essa ocidental imposta so- dos acima (2%, 0,7%, 4% e 8%), podendo ser ex-
bretudo ao sexo feminino.14 Becker et al.15 plicada pelas características das amostras
sugerem que a mídia cause um impacto negativo examinadas. Spitzer et al. englobaram indivíduos
diante do interesse na perda de peso. Para Ada- eutróficos. As amostras de Basdevant et al. e de
ms,16 os indivíduos não atraentes são claramente outros pesquisadores restringiram-se ao sexo fe-
discriminados pelo mundo social, numa série de minino e também não excluíram os indivíduos eu-
situações cotidianas importantes. tróficos. Num estudo de base populacional,
No que diz respeito às pessoas obesas em trata- observou-se forte influência do IMC sobre os
mento nutricional para a obesidade, o presente transtornos alimentares, além de que o risco de
trabalho verificou que o TCAP apresentou-se em comportamentos alimentares anormais era duas
28,57% desses indivíduos. Tal percentagem asse- vezes maior entre mulheres com IMC de sobrepe-
melha-se às encontradas em diversas pesquisas e so/obesidade.17, 18 Já no presente trabalho incluí-
estudos.17, 4, 13 O de Matos,4 por exemplo, desen- ram-se apenas indivíduos obesos, que parecem
mais propensos a apresentar TCAP, discutindo-se pação com a forma corporal parece contribuir para
inclusive a inclusão da questão do status de peso a manutenção dos transtornos alimentares.6, 21 O
no diagnóstico desse transtorno.5, 19 IMC parece não estar correlacionado, por exem-
Infelizmente, percebe-se que há uma limita- plo, com a evitação do uso de roupas que os fa-
ção nas pesquisas sobre TCAP, ou seja, a realiza- zem ficar cientes de suas formas corporais,
ção delas, na grande maioria, entre indivíduos em podendo explicar-se pelo fato de que, uma vez
clínicas de tratamento, conhecendo-se pouco as que a pessoa é obesa, a preocupação com a ima-
características desse transtorno entre indivíduos gem corporal não continua crescendo com o au-
da comunidade.11 Já quanto à influência do peso mento do IMC.21
e da forma corporal na auto-avaliação, observou-
Outra razão para uma maior influência do
se aqui uma diferença significativa entre os obe-
peso e da forma corporal na auto-avaliação de in-
sos em tratamento em se preocupar mais com tais
divíduos que procuram tratamento para obesida-
aspectos, usando-os como referência na própria
de seria a própria percepção negativa em si, que
avaliação como pessoa, em relação aos obesos
fora de tratamento. O conceito de imagem corpo- os tenha feito procurar ajuda com maior freqüên-
ral envolve três componentes, um dos quais per- cia. O QEWP-R, neste estudo, foi aplicado em
ceptivo, em que há uma percepção da própria usuários que freqüentavam o ambulatório, im-
aparência e uma estimativa do tamanho do corpo possibilitando a resposta a essa questão.
e do peso.14 A insatisfação ou distorção da ima-
gem corporal parece estar presente em muitos CONCLUSÃO
quadros psiquiátricos, mas é nos transtornos ali-
mentares que se observa uma relevância no seu A ocorrência de TCAP não apresentou dife-
prognóstico e no seu papel sintomatológico.14 rença entre os grupos de obesos em tratamento e
Uma explicação possível para uma maior in-
fora de tratamento. A porcentagem de TCAP en-
fluência do peso e da forma corporal na auto-ava-
tre os obesos em tratamento mostrou-se condi-
liação entre indivíduos em tratamento de
zente com as porcentagens relatadas por outros
obesidade em relação aos que não procuraram
tratamento é que, naqueles primeiros, a condição estudos.
de obeso encontra-se freqüentemente em ques- Quanto à influência do peso e da forma do
tão. Claudino et al.17 relataram que a auto-avalia- corpo como referência na auto-avaliação como
ção com base no peso e na forma do corpo tem pessoa, notou-se uma maior porcentagem de pre-
sido sugerida como um novo critério para o ocupação com a imagem corporal no grupo de
TCAP, uma vez que esse aspecto parece diferenci- obesos em tratamento, quando comparados com
ar obesos com esse transtorno dos que não o o de obesos fora de tratamento. Ainda não está
apresentam.6, 5, 20 Essa maneira de auto-avalia- claro se a maior preocupação com o peso e a for-
ção tem sido mais associada ao transtorno do que ma do corpo entre obesos sob tratamento é a cau-
à obesidade em si, sendo observado que a preocu- sa ou o efeito da procura por esse tratamento.
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Submetido: 29/ago./2005
Aprovado: 8/fev./2006