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FACULDADE DE LETRAS
MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS
Rio de Janeiro
2012
Linguagem e construção identitária de alunos brasileiros em mobilidade
geográfica e linguística na fronteira Brasil/Venezuela
Rio de Janeiro
Setembro de 2012
TERMO DE APROVAÇÃO
Examinada por:
_________________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Pierre François G. Guisan – UFRJ
_________________________________________________
Profa. Dra. Leticia Rebollo Couto – UFRJ
_________________________________________________
Profa. Dra. Telma Cristina Almeida Silva Pereira – UFF
________________________________________________
Profa. Dra. Maria Mercedes R. Quintans Sebold – UFRJ, Suplente
________________________________________________
Prof. Dr. Xoán Carlos Lagares Diez – UFF, Suplente
Rio de Janeiro
Setembro de 2012
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)
Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima
Rio de Janeiro
Setembro de 2012
RESUMEN
Entre los diferentes ambientes que componen la diversidad lingüística y cultural del
estado de Roraima está el escenario de esta investigación, la frontera Pacaraima-
BR/Santa Elena-VE. Bajo la visión de que el mundo transcultural en que vivimos hoy
carece cada vez más de cuestiones sobre lenguaje e identidad, principalmente en
contextos de fronteras geográficas o imaginarias, el objetivo de este estudio
cualitativo fue comprender cómo las diversas representaciones de las lenguas,
español y portugués, interactúan en la construcción identitaria de alumnos brasileños
de una escuela estadual en el municipio de Pacaraima-RR, en contexto de mobilidad
geográfica y lingüística en la frontera Brasil/Venezuela. Ala luz dela aporte
teórico/metodológico de la Lingüística Aplicada, los registros fueron colectados a
través de diario de campo, actividad de grupo focal – GF (gravada en video) y
entrevistas (grabada en audio), que enseguida fueron transformados en datos para
ser analizados a partir de teorías de distintas áreas – Lingüística Aplicada,
Sociolingüística Interacional y Estudios Culturales, por así citar. El análisis hecho
propone que el tratamiento dado a la variedad venezolana en el sistema escolar
parece ser de desprestigio cuando ésta es comparada a la lengua portuguesa y a la
variedad peninsular, pero, en lo que se refiere a esta última, tal actitud no es
compartida por los participantes de la investigación. De manera general, el
comportamiento lingüístico de los participantes está condicionado: a) por la función
externa de la lengua marcada por dos ambientes: la escuela y el comercio en Santa
Elena, donde, en este segundo, el español prevalece; e b) por la necesidad de
marcar la identidad, por lo tanto la pertenencia a uno de los lados de la frontera,
otros símbolos extralinguísticos también son usados con esta intención.
Rio de Janeiro
Setembro de 2012
ABSTRACT
Among the several environments which form the linguistic and cultural diversity of the
state of Roraima was found the scenario for this research, which is the border
between Brazil and Venezuela, more specifically the cities of Pacaraima, BR and
Santa Elena, VE. Under the optics that the nowadays transcultural world we live in,
demands ever more questionings about the language and identity, especially in
environments of geographical or imaginary bordering. The purpose of this qualitative
study was the comprehension on how the many representations of the languages,
Spanish and Portuguese, interact in the identity construction of Brazilian students in
a State school in the city of Pacaraima, RR, in the context of the geographical and
linguistic mobility on the border Brazil/Venezuela. Under the light of the theoretical
and methodological support of the Applied Linguistics, the records were collected
through field diary, focal group activity – GF (filmed) and interviews (recorded), which
were after transformed into data to be analyzed based on theories of distinct areas –
Applied Linguistics, Interactional Sociolinguistics and Cultural Studies, as they can
be cited. The performed analyses points out that the treatment given to the
Venezuelan variant in the school system seems to be of disregard in detriment of the
peninsular variant and the Portuguese Language, although in respect to the attitude
of the participants, such position is not sustained, once they demonstrate worries in
the usage of the Spanish language with the Venezuelans, which possibly
demonstrate a valuing to the neighbor`s variant. In a general sense the linguistic
behavior of the participants is conditioned: a) by the external function of the language
marked by the two environments, which are the school and the commerce in Santa
Elena, where, in the second, Spanish surpasses; and b) by the necessity of an
identity mark, in face of the belonging to one of the sides of the border, though other
extralinguistic symbols are used for that purpose as well.
Rio de Janeiro
Setembro de 2012
Dedicatória
Ao Pierre Guisan, meu orientador, pelos diálogos prazerosos que tivemos durante as
disciplinas e no período em que estive no Rio de Janeiro.
À minha querida co-Orientadora, Déborah Freitas, não apenas por sua competência
e orientação que me ajudaram a amadurecer enquanto pesquisadora, mas,
sobretudo, pela dedicação, amizade e companheirismo; pelas nossas conversas que
sempre me tranquilizaram e incentivaram a continuar.
A Aline, Darlete, Erich, Mara Gardeane e Naiara pela amizade e pelas contribuições
no momento final da redação da dissertação.
Àquele que sempre me guia mesmo nos momentos em que estou distante do seu
caminho.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 01
CAPÍTULO 1 – CONTEXTUALIZANDO A FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA: AS
DIFERENTES IMPLICAÇÕES …………………………………………....................……... 05
1.1 Aspectos históricos e socioeconômicos …………....…………………….............… 05
1.2 Representações do outro ...................................................................................... 11
1.3 Cenário educacional: algumas questões ............................................................... 14
CAPÍTULO 2 – PENSANDO NUMA ABORDAGEM PARA ALÉM DAS
FRONTEIRAS................................................................................................................... 19
2.1 Língua(gem), identidade e o papel da representação ........................................... 19
2.2 As línguas ditas nacionais como representações identitárias ............................... 35
2.3 O sujeito de/em duas línguas ................................................................................ 44
2.4 A linguagem no entre-lugar: algumas perspectivas de fronteiras ......................... 53
CAPÍTULO 3 – DESENHO DA PESQUISA ................................................................... 59
3.1 Uma perspectiva transdisciplinar ........................................................................... 59
3.2 Procedimentos de geração dos registros e sistematização dos dados ................. 61
3.2.1 Diário de campo ............................................................................................. 62
3.2.2 Grupo Focal ................................................................................................... 63
3.2.3 Entrevistas individuais ................................................................................... 65
3.3 Definindo os sujeitos da pesquisa e a mobilidade geográfica ............................... 68
CAPÍTULO 4 – UM OLHAR SOBRE SUJEITOS ENTRE-LÍNGUAS E ENTRE-
CULTURAS....................................................................................................................... 71
4.1 Cenário de investigação e a ressignificação dos seus sujeitos ............................. 71
4.1.1 Santa Elena: “é melhor de se viver” ............................................................... 71
4.1.2 Representações do cenário educacional ....................................................... 73
4.2 Mito linguístico: um território, uma língua! ............................................................. 77
4.3 Primeiras impressões na língua do outro: “não! no começo... Ave Maria!” ........... 84
4.4 Representações linguísticas do indivíduo na (da) fronteira ................................... 88
4.5 Espanhol ou castelhano?... “aqui é falado o castelhano não é o espanhol” ......... 104
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS .................................................................................. 113
ANEXOS .......................................................................................................................... 118
1
INTRODUÇÃO
1
Oficina promovida pelo Programa de Educação Tutorial – Letras (PET-LETRAS) da Universidade
Federal de Roraima – UFRR, no primeiro semestre de 2010.
2
Segundo Aryon Rodrigues (2002), Roraima possui 12 línguas indígenas faladas em seu território:
Makuxi, Ye’kuana ou Maiongong, Taurepang ou Pemóng, Patamona, Sapará, Wai-Wai, Waimiri-
Atroarí, Ingarikó –que pertencem à família linguística Caribe; Yanomami, Sanumá e Yanomama –
família Yanomámi; Wapixana – família Aruak.
2
3
Atividade desenvolvida como parte das minhas atribuições enquanto professora de língua espanhola
em escolas de idiomas e no curso Tecnólogo em Secretariado e Comércio Exterior da Faculdade
Estácio Atual, esta última a qual ainda pertenço.
4
Informações detalhadas sobre a fronteira serão fornecidas no capítulo “contextualizado a fronteira
Brasil/Venezuela: as diferentes implicações”.
5
Alguns dessas Leituras estão no Capítulo Teórico.
6
Monografia apresentada ao curso de Especialização em Ensino-Aprendizagem de Língua e
Literatura, do Centro de Comunicação, Educação e Letras da Universidade Federal de Roraima
intitulada “O contato linguístico em área de fronteira Brasil/Venezuela, o português e o espanhol nas
escolas de Pacaraima”.
7
Detalhes sobre essa mobilidade serão apresentados no primeiro e terceiro capítulo.
3
muitas possibilidades que uma língua pode criar para seu usuário. Para tanto,
proponho a discussão das noções de língua(gem), cultura, identidade e
representação, à luz dos teóricos dos Estudos Culturais e da sociologia, como, Hall
(2000, 2006) e Silva (2000 e 2006) e Woodward (2000), Bauman (2005); da
Linguística Aplicada Maher (2007), Cox e Assis-Peterson (2007), César e Cavalcanti
(2007) e Rajagopalan (2002, 2006). Em seguida discorro sobre as línguas nacionais
como forma de representações identitárias, que, além de alguns teóricos já
apontados acima, estão: Anderson (2008), Berenblum (2003) e Guisan (2007, 2009).
Por último, levanto questões sobre a subjetividade dos sujeitos bilíngues à luz das
concepções teóricas, sobretudo, de Heller (1995), Maher (2007), Mello (1999),
Savedra (2009) e Salgado (2009) e encerro com contribuições de algumas
pesquisas realizadas em fronteira, com Amorim (2007), Braz (2009), Couto (2009),
Pires Santos (2004), Santo (2011) e Sturza (2006).
CAPÍTULO 1
8
Figura: Mapa do Estado de Roraima
8
Fonte: Lemos, 2012.
9
Fonte: http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/webservice/frm_urb_rur.php?codigo=140045.
Acesso em: 15 de maio de 2012.
7
10
Segundo informações da página eletrônica oficial do estado de Roraima.
11
Período em que foi construída a rodovia por meio do convênio assinado entre o Departamento
Nacional de Estradas e Rodagem (DNER) e o Ministério do Exército, tendo como objetivo ligar
Roraima ao restante do país e este à Venezuela, conforme informa a página do ministério público
Federal. Além disso, conforme Rosa (2003) a rodovia permite aos produtos brasileiros não só o
acesso ao mercado venezuelano, mas também uma saída para os portos da região do Caribe.
8
12
Fonte: http://www.lagransabana.com/santaelena.htm Acesso em 13.07.2010.
9
13
Supremo Tribunal Federal, Pet 3388, Relator Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em
19.03.2009, DIVULG DJe-120 de 30.06.2010.
11
14
Publicada na “Folha de Boa Vista”, um dos jornais de maior comunicação do Estado de Roraima,
em 27 de maio de 2010.
15
A gasolina, por exemplo, é vendida atualmente aos brasileiros por R$ 0,55/litro.
13
aos de Boa Vista e relativamente superior aos do segundo posto localizado após o
centro da cidade de Santa Elena, onde, a princípio, somente os venezuelanos
podem abastecer. Na tentativa de diminuir o contrabando de combustível, segundo
informação do delegado da Polícia Federal Nelson Kneip16, criou-se um sistema de
rodízio de placas para o abastecimento dos veículos, onde cada veículo pode
abastecer duas vezes por semana, no caso de não coincidir a placa do carro de
turista com a do dia estabelecido no rodízio, preenche-se uma ficha de autorização
na Polícia Federal para a liberação do abastecimento. Ainda assim esse processo de
abastecimento é demorado, podendo durar até quatro horas de espera, formando
filas muito extensas, conforme podemos visualizar nas imagens a seguir:
17
Imagem: Fila de carros para abastecimento na fronteira Brasil/Venezuela .
16
Em uma notícia jornalística, sobre o contrabando de gasolina venezuelana em Roraima, publicada
no dia 29 de fevereiro de 2012, em http://www.portalamazonia.com.br/ editora cidades/cresce-
contrabando-de-gasolina-venezuelana-em-roraima. Acesso em 31 de maio de 2012.
17
Acervo pessoal da pesquisadora.
14
18
Imagem: Posto de gasolina da fronteira Brasil/Venezuela no território venezuelano .
Uma parte da coleta de registro foi realizada na Escola Cícero Vieira Neto,
fundada na sede de Pacaraima em 2001 pelo decreto 4197/E. A instituição atende
alunos do primeiro segmento do ensino fundamental regular (334 alunos), ensino
médio regular (169 alunos) e da modalidade de educação de jovens e adultos - EJA
(321 alunos) que estão distribuídos nos três turnos. Possui um quadro de funcional
18
Acervo pessoal da pesquisadora.
15
19
Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da economia e da
clientela. Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série,
o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da
comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição. (Lei Federal nº. 9.394, de 20 de
dezembro de 1996).
16
20
O Projeto Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira (PEIBF) tem como objetivo promover a
integração entre professores e estudantes brasileiros e professores e alunos dos países vizinhos
que pertencem ao Mercosul. As escolas da fronteira Pacaraima-BR/Santa Elena-VE passaram a
fazer parte do projeto no início de 2009. Atualmente o projeto contempla 26 escolas de cinco países
(Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela).
18
CAPÍTULO 2
autor, não é considerado nem linguagem escrita, tampouco falada, mas que desafia
as regras do mundo da escrita com abreviações de palavras e diversos recursos
gráficos para “tornar vivo e falado o que está na tela do computador” (Crystal, 2005,
p. 9).
necessário esclarecer que: o que Rajagopalan define como “uma língua” se opõe ao
termo “língua” (sem o uso do artigo) para caracterizá-la no sentido individualizante,
opondo-se ao termo língua no sentido genérico ou abstrato (RAJAGOPALAN, 2002;
2006). Esta última, objeto de estudo priorizado pelos “típicos linguistas teóricos” (id.,
p.22), nas palavras do autor, tratar-se de um “todo autocontido”, logo um objeto
menos complexo para análise. Tendo em conta esses esclarecimentos, retomo o
posicionamento de Rajagopalan (2006) no que diz respeito às questões
epistemológicas e conceituais do termo “uma língua”, sendo esta representada, na
maioria das vezes, apenas por uma vaga definição geopolítica enquanto o termo
“língua” pode ser explicado “de modo formal ou funcional, em termos behaviorísticos
ou mentalistas ou em termos de quaisquer uma das outras conhecidas posições
binárias cujas discussões lhes tomam [aos linguistas] uma parte enorme do tempo”
(RAJAGOPALAN, 2006, p. 25)
21
A distinção entre os termos “uma língua” e “língua” apresentadas no parágrafo anterior por
Rajagopalan (2007) não é estabelecida pelas autoras Cavalcanti e Cesar.
22
Esse exemplo apontado por Rajagopalan (2006) não deixa dúvidas de que
os falantes de uma determinada língua estão longe de serem considerados falantes
“ideais” pertencentes a uma comunidade de fala homogênea. O debate em torno de
uma língua implica, antes de qualquer coisa, considerar seu usuário enquanto
individuo composto por uma identidade fluída, mutável pertencente a uma
determinada comunidade com realidades específicas. Para Rajagopalan (id.), se nos
voltarmos para as teorias de fenômenos como multilinguismo, pidgins, crioulos,
línguas de sinais etc., perceberemos que a permanência da concepção de
22
As colocações sobre bilinguismo ou multilinguismo apontadas até agora foram necessárias para
consolidar as ideias que vinham sendo desenvolvidas, porém serão retomadas mais
detalhadamente em outro segmento deste capítulo teórico.
26
cujo ‘centro’ consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o
sujeito nascia e com ele se desenvolvia ao longo da existência do indivíduo” (HALL,
2006, p. 10).
O terceiro tipo de sujeito apresentado por Hall (id.) surge frente a grandes e
rápidas transformações onde os sujeitos de identidade unificada e estável, citados
anteriormente, não se sustentam no mundo contemporâneo. Estas transformações
produzem o sujeito pós-moderno portador de uma identidade fragmentada, não
unificada ao redor do indivíduo como núcleo autossuficiente, como podemos ver
mais detalhadamente na citação abaixo:
que constituíram o mundo moderno, encontram-se em descredito, uma vez que suas
afirmações, explicações, proposições, legitimações vão de encontro com os fatos
ocorridos nos tempos de hoje.
seja, estabelecem ordem a vida social. Em um exemplo sobre a religião citado por
Durkheim (apud WOODWARD, 2000), o autor argumenta que a vida social em geral
é construída por tensões sobre o sagrado e o profano sendo o sentido produzido por
meio de rituais. Para o filósofo “Não existe nada inerentemente ou essencialmente
“sagrado” nas coisas. Os artefatos e ideias são sagrados apenas porque são
simbolizados e representados como tais”. (id., p. 40). Assim, a marcação da
diferença distingue uma identidade da outra, na forma de oposições, tornando-se
componente indispensável nos sistemas de classificação (WOODWARD, 2000).
As autoras, após uma breve revisão de seis teorias sobre a noção de cultura
– entendida como “algo distinto da natureza, como conhecimento, como sistemas de
signos, como mediação de práticas e como participação” (op. cit., p.33), à luz de
autores como, Duranti (1997), Goodenoug (1964), Geertz (1989), Max Werber
(1979) e Bourdieu (1983) – concordam que cada um dos conceitos vistos contempla
alguns aspectos e outros não. Assim, Cox e Assis-Peterson (2007) compartilham da
seguinte noção sobre cultura:
O autor mostra ainda que, no final da idade média, a Europa pode ser
comparada a uma “colcha de retalhos” no sentido de que não havia uma definição
precisa de língua dominante, já que o latim era considerado uma língua sacra e não
a língua oficial do Estado, menos ainda dos seus indivíduos. A imprensa, recém
chegada, passou a editar seus textos nas línguas consideradas vulgares para
aumentar as vendas de suas edições. Dessa maneira, essas línguas foram aos
poucos sendo utilizadas no mundo dos negócios e nas relações de Estado, embora
não fossem consideradas ainda línguas nacionais. É precisamente neste sentido
que Anderson (2008) atribui à imprensa o papel de engrenagem para o avanço do
capitalismo e, consequentemente, o aumento de leitores monolíngues, difundindo
pelo mercado as bases da consciência nacional e delimitando uma espécie de
língua de poder.
37
Para o autor, se torna mais fácil criar nações quando uma dada língua
escrita “se converte em um acesso privilegiado para a construção de verdades
antológicas” (ANDERSON, 2008, p. 13), desempenhado com êxito essa função na
medida em que “ permite a unificação da leitura, a manutenção do suposto de uma
antiguidade essencial, e, sobretudo a partir do momento em que se torna oficial” (id,
p.13). Em suma, a aliança entre o capitalismo e a tecnologia da imprensa exerceu
sobre as diversas línguas a criação de uma forma inicial de comunidade que logo
depois viria a ser o moderno estado-nação. Sendo também, essa aliança, a
responsável pelos “meios técnicos ideais para ‘re-presentar’ o tipo de comunidade
imaginada a que corresponde uma nação” (ANDERSON, 2008 p.12).
É claro que essa ideia era apenas uma forma de construir um discurso
dominador que promovesse o desejo de pertencimento dos sujeitos, através da
língua e de outros mitos, a uma determinada nação com o intuito de fortalecer o
conceito de estado nacional. Pois, segundo Berenblum (2003), embasada nas
teorias de Cannivez (1991) e Hobsbawn (1998), a língua não pode ser considerada
como o elemento aglutinante dos cidadãos, pelo menos não exclusivamente. As
razões para tal afirmação são inúmeras e, inclusive, algumas já até foram
apontadas, no tópico anterior, ao ser relatado o mito do monolinguismo nacional e a
existência de uma língua falada em varias nações. Mas, reiteramos os motivos pelos
quais essa assertiva se cumpre levando em consideração o argumento de
Habsbawn:
Além disso, Hall (2006) salienta que as culturas nacionais não são
compostas apenas por instituições culturais, senão por símbolos e representações
que, ao produzirem significado sobre a nação, constroem as identidades nacionais.
Estas não devem ser entendidas como “coisas com as quais nós nascemos” (id.,
48), mas sim como criadas e recriadas no interior da representação, ou seja, “As
pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da ideia
da nação tal como representada em sua cultura nacional” (id., p. 49). Da mesma
maneira, Berenblum (2003, p. 32) argumenta que a identidade nacional “se constrói
historicamente e adquire determinados sentidos ao longo das próprias histórias das
nações... cada uma [nação] cria e recria os seus mitos de origem e seus símbolos,
seus próprios laços de solidariedade e lealdade” (id., p. 32).
Ressaltamos, mais uma vez, tendo em conta que no tópico anterior já foi
mencionada a importância do conceito de representação e, inevitavelmente, de
significação, para compreender a discussão que aqui se propõe. Pois, ao
considerarmos os mitos de criação do estado-nação, no caso específico deste
estudo o mito linguístico, como grandes narrativas, nos direcionamos para o caráter
produtivo do processo de representação que cria e recria discursos tomados como
verdades universais, ou melhor, como define Orlandi (2003), discurso fundadores.
Para a autora, estes se caracterizam por criar “tradição de sentidos projetando-se
para frente e para trás, trazendo o novo para o efeito do permanente” (id., p. 13),
eficaz na produção do “novo que se arraiga no entanto na memória permanente...
Produz desse modo o efeito familiar, do evidente, do que só pode ser assim” (id., p.
14). Neste sentido, os mitos fundadores, conforme observa Berenblum (2003), ao
40
Para Guisan (2007), não resta dúvida de que os mitos exercem grande
influência sobre a história do indivíduo e da sua cultura, embora constituam
invenções na maioria das vezes irracionais. Alguns exemplos apontados pelo autor
ilustram o quanto pode ser instável a representação que constrói a noção de língua
no imaginário coletivo, a saber: 1) a forma como a ortografia se converteu em um
elemento essencial na cultura francesa, a partir da segunda metade do século XIX,
no sentido de apontar o grau de cultura de um sujeito, ou melhor, deste,
dependendo da posição social em que está inserido; 2) a representação do alemão
como língua dos sentimentos, “do inefável, da infinita doçura face aos rigores da
razão implacável... tal suavidade germânica era tida como o produto de um clima
físico que favorecia nevoeiros, os quais tornavam a visão de mundo mais relativa”
(GUISAN, 2007, p. 81); e 3) o julgamento subjetivo do escritor francês Henri Michaux
(1931) a respeito da língua majoritária falada na índia, o hindi:
É neste sentido que Cavalcanti (2007) argumenta que existe no país uma
tensão entre os interesses de uma nação considerada homogênea e os interesses
das sociedades minoritárias24 que convivem sobre o mesmo território, pois, embora
o Brasil seja intitulado um país monolíngue, não se pode ignorar os contextos de
minorias bilíngues, uma vez que o cenário brasileiro é composto pelas comunidades
indígenas em quase toda a extensão do país, principalmente, na região Norte e
Centro-oeste; comunidades, na região Sul e Sudestes, de imigrantes alemães,
italianos, japoneses, poloneses, ucranianos, etc; comunidades de brasileiros
descendentes de imigrantes; comunidades de falantes nas fronteiras, em grande
parte com países hispano-falantes; sem contar com as comunidades de surdos.
23
A língua geral surgiu das línguas em contato, ou seja, línguas francas – de base indígena que eram
usadas para fins de comunicação entre “os diversos grupos indígenas, os missionários, e as
famílias português estabelecidas no Brasil” (BERENBLUM, 2003)
24
A autora considera como comunidades, sociedades ou grupos minoritários “populações que estão
distante das fontes do poder hegemônico, embora algumas vezes, numericamente sejam
majoritárias em relação à sociedade ou grupos dominantes” (op. cit. p. 45).
44
25
Maloca é o termo usado na região do estado de Roraima para designar aldeia (FREITAS, 2007)
46
26
Termo esclarecido na seção “Língua identidade e o papel da representação”
47
línguas. Essa proposição soa bastante imprecisa, pois: como mensurar o grau de
perfeição de um falante, sendo o conhecimento de uma língua nativa variável de
acordo com cada sujeito? Por exemplo, conforme Mello (id.), há falantes com mais
registros de variedades consideradas padrão e outros com mais registros de
variedades consideradas não-padrão; assim como há sujeitos que falam sua língua
nativa, mas não a escrevem ou não a leem; em outros casos falam e leem, mas
possuem alguma limitação na escrita. Pois, se essas questões podem acontecer
com um nativo, também poderão acontecer com um não-nativo (MELLO, 1999). Isso
nos leva ao questionamento de Savedra (2009) ao afirmar que: se entendermos por
bilíngue apenas os sujeitos com controle nativo em duas línguas inevitavelmente
excluiremos a grande maioria dos bilíngues existentes. Além disso, na concepção da
autora, estaríamos dispensando a oportunidade de estudar casos que apresentam
contextos mais interessantes a serem problematizados, discutido e analisados.
Mello (1999), em uma breve revisão literária, aponta algumas definições que,
segundo a autora, embora sejam questionáveis em alguns aspectos, apresentam
uma perspectiva de interação maior entre o sujeito, a língua e a sociedade. Tais
definições pertencem aos autores Mackey (1972), Weinreich (1968) e Grosjean
(1982) que defendem, respectivamente, as seguintes proposições sobre o
fenômeno: “o uso alternado de duas ou mais línguas pelo mesmo indivíduo”; “a
49
Quanto a este último ponto, Fernández (1998), ao falar sobre a língua e seu
uso social, afirma que a atitude linguística é resultado da atitude social dos sujeitos.
Para o autor, tem-se dado destaque à atitude e ao uso linguístico na medida em que
50
Fernández (id.) cita duas hipóteses para essa situação, formuladas por Giles
e seus colaboradores: a primeira diz respeito à “hipótese do valor inerente” que
consiste na possibilidade de comparar duas variantes sendo uma dessas
consideradas de maior prestígio que a outra; a segunda, “hipótese da norma
imposta”, mantém a ideia de que uma variante pode ser valorizada, por si mesmo,
como melhor que outra se é falada por um grupo de maior prestígio. Conforme
Fernández, o estudo de Giles mostra que a mesma variante pode ser objeto de
atitudes positivas ou negativas dependendo do valor que se dê ao grupo que a usa,
sendo as atitudes linguísticas, na maioria das vezes, manifestações das preferências
e das convenções sociais acerca dos status e prestígios dos falantes. Neste sentido,
o autor ressalta que o mais comum é que os grupos sociais mais poderosos
economicamente sejam os que estabeleçam o modelo da atitude linguística das
51
27
Tradução livre: “un ascenso social, una mejora económica o cuando les imposibilita el movimiento
por lugares o círculos diferentes de los suyos”
52
28
Tradução livre: “la consciencia lingüística es un fenómeno estrechamente ligado a la variedad
lingüística- sobretodo en las comunidades bilingües y en territorio donde se habla más de un
dialecto- y al estrato social”
53
Embora a fronteira seja lugar do encontro com o diferente não quer dizer que
sempre seja entendida como espaço de divergências e desencontros. Parece-nos
mais produtivo, principalmente levando em conta os tempos atuais, concebê-la como
uma zona porosa, permeável, flexível, singular, sem definições totalizadoras. Além
disso, pesquisá-la, como propõe Hanciau (2010), não garante solucionar essa
“problemática”, mas pelo mesmo nos permite compreender “o sentimento de
inacabamento, ilusão nascida da incapacidade de conceber o ‘entre-dois-mundos’, a
complexidade deste estado/espaço e desta temporalidade” (id., p.133). Nessa
dimensão, Pasavento (2001) caracteriza a fronteira num “ir-e-vir”, num estado de
deslocamento, não só de lugar, mas também de situação ou época, que possibilita
durante este processo a criação de algo diferente, novo, misturado, um terceiro
lugar. Neste sentido, os enfrentamentos na fronteira podem resultar em processos
tanto conflituosos quanto consensuais.
A ideia é que cada um dos povos, ou parte deles, possa usar a própria
língua ao se deslocar para o território do outro, porém pode haver a predominância
de uma das línguas quando esta possui mais prestígio. Usando o exemplo da
fronteira Chui (Brasil)/Chuy (Uruguay), onde a única divisão física entre as duas
29
Área que estuda a relação entre as línguas e o meio ambiente.
56
cidades consiste em uma avenida, Couto expõe as razões pelas quais as fronteiras
inexistentes de acidente geográfico não se encaixam nesse quanto tipo de contato
de línguas. Para o teórico, considerando a concepção da ecolinguística, a fronteira
Chui (Brasil)/Chuy (Uruguay) se trata de uma única comunidade de fala, uma vez
que a considera constituída por “um território (T), uma população que não se divide
em duas (P) e uma maneira de se interagir verbalmente (L), mesmo que às vezes
em uma língua, às vezes em outra, ou até, em nenhuma delas, mas em uma terceira
alternativa, o portunhol” (COUTO, 2009, p. 161).
30
Quatro etnias habitam essa região de fronteira, segundo a autora: os Palikur, os Galili, os Wãiapi e
os Karipuna.
58
Todas essas questões sobre fronteira não podem ser compreendidas sem
considerar as consequências de um processo mais amplo, a globalização, onde
mudanças que atuam em uma escala global no mundo contemporâneo perpassam
as fronteiras geográficas, integrando e conectando as comunidades e organizações,
o que possibilita o surgimento de novas combinações de espaço-tempo, deixando o
mundo mais interconectado (Hall, 2006). Embora esse processo de globalização
propague um discurso de homogeneização cultural tal argumento não se cumpre,
tendo em vista que a globalização “é muito desigualmente distribuía ao redor do
globo, entre diferentes estratos da população dentro das regiões”, isto é, segundo
Doreen Massey, nas palavras de Hall (id., p. 78) tem sua “geometria de poder”. Além
disso, concomitante a essa tendência homogeneizadora há a fixação pelo diferente,
ou seja, “um novo interesse pelo ‘local’” (id., p. 77). Esse cenário, conforme ressalta
Pires Santos (2004), tem contribuído para novas configurações sociais econômicas e
políticas que não possuem embasamentos numa força unificadora, como os mitos
fundacionais, inexistindo, conforme afirma Hall (2006) “qualquer nação que seja
composta de apenas um único povo, uma única cultura ou etnia. As nações
modernas são, todas, híbridos culturais” (p. 62).
CAPÍTULO 3
DESENHO DA PESQUISA
A LA estuda a linguagem em seu contexto real, pois entende que uma teoria
que compreende o social como questão secundária jamais terá êxito num campo de
prática que seja, antes de qualquer outra coisa, social. Além disso, parto do
pressuposto, na companhia de Rajagopalan (2006), de que não se pode descrever a
língua e seu uso fora do contexto, isto é, da sociedade na qual ela é utilizada. Neste
60
que, segundo Alves (2001, p. 71), embasado pela teoria de Jakobsen (1999),
entende que a investigação de mesmo objeto “por meio de dados coletados e
interpretados através de métodos diferentes aumenta as chances de sucesso do
pesquisador em sua tentativa de observação, compreensão e explicação de um
determinado fenômeno”.
O Grupo focal foi desenvolvido na terceira visita feita à escola. Em uma sala
reservada32, os alunos, sujeitos da pesquisa, convidados na visita anterior a
participar de uma discussão em grupo para relatar a experiência de viver na
31
Diário de pesquisa: Essa coleta aconteceu após cursar o primeiro semestre de disciplinas do
programa, em Boa Vista-RR, sob orientação da minha co-orientadora, pois por ser este um
mestrado interinstitucional – MINTER, as últimas disciplinas do semestre seguinte tiveram de ser
cursadas no Rio de Janeiro, momento em que aproveitei para compartilhar pessoalmente a coleta
de registro com o meu orientador. O segundo momento da coleta foi efetuado após cursar as
últimas disciplinas do programa.
32
Onde funciona a Universidade Virtual de Roraima - UNIVIRR que promove cursos de capacitação e
palestras com temas da atualidade para alunos, professores e comunidade em geral.
64
Minha intenção não foi apenas gerar uma discussão a partir do tema
proposto, mas sim estimular os participantes a produzirem depoimentos da vivência
no contexto de mobilidade geográfica ao qual estão inseridos. Portanto, fiz algumas
alterações na execução da técnica de GF: em vez de começar com perguntas
direcionadas ao tema, optei por iniciar com a leitura de um texto jornalístico intitulado
“VE quer melhorar tratamento a brasileiros” (anexo 1), que serviu como elemento
provocador para a construção dos relatos orais. A escolha do texto tinha apenas
esse pretexto, sem a preocupação de verificar questões de leitura.
33
Exceto a de JÚLIA, embora more em Santa Elena com as irmãs, foi entrevistada em Pacaraima-BR
na residência do pai.
66
34
Lucchesi, 2012.
69
Nacionalidade dos
Nacionalidade dos
Lugar de origem
residência em
responsáveis.
imigração da
participantes
Identificação
Santa Elena
Tempo de
Motivo da
família
Idade
Sexo
Boa Trabalhar no
Pai brasileiro e Vista- garimpo
Júlia
03
F 16 Brasileira madrasta RR venezuelano
anos
venezuelana
Boa Trabalhar
Fernando
Vista- como
03 Pais RR autônomo
M 15 Brasileiro
anos brasileiros
15 s-AM informar
M 17 Brasileiro venezuelano e
anos
mãe brasileira
Boa Trabalhar no
Camila
Alto Trabalhar no
Pai brasileiro e Alegre- garimpo
Sara
05 Brasileira e
F 16 mãe RR venezuelano
anos venezuelana
venezuelana
com a cultura e a língua venezuelana. Júlia, filha de pais separados, imigrou para
Santa Elena quando decidiu morar com o pai que já residia ali desde os 22 anos de
idade, sempre trabalhando com extração de minério. O pai da participante possui
residência nas duas cidades da fronteira, mas, atualmente, reside em Pacaraima.
Embora no caso de Fernando o processo da imigração de sua família não esteja
diretamente relacionado ao garimpo também se trata de uma mudança objetivando
melhoria de vida, pois os pais do participante trabalham como autônomos, são
proprietários de uma lanchonete.
CAPÍTULO 4
incisivo para justificar tal resposta estava associado ao custo de vida barato que a
cidade oferece. Outros argumentos secundários foram apontados, como a
tranquilidade, a segurança e o clima agradável, conforme, respectivamente, relatam
Júlia e Sara:
Olha aqui em Santa Elena é muito bom de se morar, mas assim pela
questão de estudo... aqui é muito bom assim de se viver ou seja por
custo assim a gente não paga agua, luz é barato, gás é barato, essas
coisas, o custo de vida é barato, mas assim a gente não tem um curso, a
gente não tem a oportunidade de fazer assim... tipo assim vestibular...
coisas assim que a gente pretende ter pro nosso futuro e aqui geralmente
não tem (...) aqui é bom pra se morar, o clima é muito bom, é calmo não
tem muita violência, geralmente, é muito raro você ouvir que roubaram
casa que mataram fulano, é muito raro ouvir aqui.
pais brasileiros, pelo menos mãe ou pai brasileiro, embora existam casos também
em que os pais são ambos venezuelanos. Segundo Braz (2010, p. 2), “o cuidado
para com o aprendizado, ou a manutenção, da língua portuguesa” é o principal
objetivo dos pais desses alunos ao optarem pelo ensino das escolas brasileiras, o
que, na opinião da autora é um dos vestígios de que “o espanhol falado na região
não gozava de prestígio social” (id., p. 3).
(...) mas eu não gosto da escola daqui, não gosto da forma como eles
educa eu não gosto muitas vezes aqui, por exemplo lá no Brasil a gente
só tem férias duas vezes, 15 dias no meio do ano e 15 dias no mês de
dezembro, quando prolonga as férias é porque tão reformando a escola
ou por algum motivo, aqui não (em Santa Elena) (...) por exemplo dia do
santo fulano aí por exemplo uma semana de férias, por exemplo agora
era dia da independência tem quase um mês de férias os alunos daqui.
Esse tema exposto pela participante também foi relatado por um taxista
venezuelano35, numa conversa informal que tivemos durante o percurso de Santa
Elena a Pacaraima, que ao manifestar sua opinião sobre a falta de progresso da
Venezuela atribuiu parte da culpa ao precário sistema de educação do país. O
venezuelano relatou que os alunos de Santa Elena naquele momento, em julho de
2011, já estavam de férias e só retornariam às aulas em setembro, que nos meses
dezembro, janeiro e fevereiro também não haveria aula, neste sentido, o taxista
questionou-me como poderia um país progredir com um ensino onde os alunos
passam mais tempo de férias do que em sala de aula.
Outro ponto mencionado por Sara para embasar a sua escolha pelo ensino
brasileiro diz respeito à rigidez do sistema escola em Santa Elena quanto ao uso do
uniforme completo e a solicitação de grande quantidade de material escolar,
conforme expõe no fragmento a seguir:
(...) aqui (em Santa Elena) é muito rigoroso você só pode entrar na escola
se você tiver sapato preto (inint) o uniforme completo da cabeça aos pés
se não você não entra, sendo que lá no Brasil não, o mais importante é a
educação, não a forma como você entra vestido na escola claro que tem
seu limites né, mas aqui é muito rigoroso e as vezes aqui pedem muita
coisa, muita coisa mesmo, muito negócio de material, por exemplo se são
oito matérias você precisa ter oito cadernos pra cada, cada matéria um
caderno as vezes tem famílias que não tem condições (inint)
praticamente os alunos aqui perdem totalmente a educação, tem alunos
muitos alunos muitos amigos meus que eu já vi que desistiram de estudar
por causa que não tem condições de manter, ou seja, a família não tem
condições de manter na escola, eles pedem muita coisa pro estudo e o
estudo no final não é nada, a educação.
35
Informação extraída das notas de campo no período da coleta de dados.
76
coisa pro estudo e o estudo no final não é nada”. Sobre o assunto, Daniel diz nunca
ter estudado em Santa Elena, mas já ouviu muitas pessoas que estudam dizerem
que o ensino e “muito fraco”, neste sentido o participante afirma:
(...) o ensino lá (em Pacaraima) é mais forte do que aqui (...) a educação
é mais forte é mais... a gente aprende mais do que aqui, entendeu?
Outro aspecto levantado por Daniel para justificar essa assertiva acima diz
respeito à concentração de alunos venezuelanos fora da escola, ou circulando no
comércio em Santa Elena, em horário de aula, o que, conforme informa o
participante no fragmento a seguir, não ocorre em Pacaraima:
(...) às vezes eu falo espanhol (na escola) mas é com algum amigo
venezuelano as vezes a gente quer brincar ou então quer cantar alguma
música em espanhol a gente se reúne (...) as vezes sai alguns palavrões
em espanhol no caso de reunião de amigos bagunçando com alguém”
(...)
residir em Santa Elena, pelo fato da mãe36, responsável legal, ser venezuelana e
pelas visitas feitas ao território venezuelano, teve algumas dificuldades de
adaptação com o idioma, como exponho no fragmento abaixo:
(...) a gente veio pra cá pra ficar mais perto dele (pai), a gente comprou
uma casa, primeiro a gente morou um mês de aluguel, quando a gente
chegou, foi difícil porque a gente, por exemplo, eu não dominava bem a
língua, eu escutava a minha mãe falar assim aí eu fui meio que
aprendendo sotaque.
36
Relembrando, conforme vimos no detalhamento do perfil dos participantes, que a mãe e o pai
mencionados por SARA referem-se respectivamente a avó paterna e ao seu ex-companheiro, da
mesma forma os identificarei. .
82
(...) tem muitos alunos venezuelanos que são amigos de brasileiros, mas
tem alguns assim que sempre tiram sarro “ah que não sei o que seu
veneca” as vezes é amigo, mas fica tirando sarro porque as vezes a
maioria dos venezuelanos, os venezuelanos mesmo dos que moram aqui
e estudam lá não tem assim eh... não falam o português com a pronúncia
que nem nós (brasileiros) falamos, mas é por isso que eles (os
brasileiros) ficam tirando sarro (venezuelanos) dizendo que não sabem
falar direito, as vezes tiram sarro “o que tu tá falando fala com a boca” (...)
37
37
“Veneca” é um termo pejorativo usado na escola, em particular pelos alunos brasileiros, para se
referir aos alunos venezuelanos.
38
Neste trabalho alterno pronúncia e sotaque como sinônimos.
39
Sotaque (acento) – Um modo particular de pronunciar uma língua. Em qualquer língua que não
seja falada apenas por um punhado de falantes, há fortes diferenças sociais, regionais e individuais
no modo como a língua é pronunciada por diferentes pessoas; às vezes, essas diferenças são
impressionantes. Cada tipo distinto de pronúncia é chamado de sotaque. Dependendo de nossa
origem e da experiência que temos, seremos capazes de identificar sotaques diferentes do nosso
com maior ou menor precisão (...) falantes de qualquer língua têm essa mesma capacidade de
reconhecer sotaques. (...) Naturalmente cada um de nós considera certos sotaques como mais
próximos do que outros, ou como mais prestigiosos do que outros, mas essa é outra história:
apenas os sotaques que diferem fortemente do nosso próprio chamam mais a nossa atenção.
(TRASK, 2008, p. 281)
83
sendo esta não um produto da natureza, mas sim produzida no interior das práticas
de significação, no qual os significados são questionados, negociados e
modificados. Logo, a diferença, e, portanto, a identidade, não é um produto acabado,
finalizado, ou contrário, está sempre em processo de construção.
40
Refiro-me a realização da vibrante /r/ como consoante vibrante na variedade do espanhol da
Venezuela e da /h/ como consoante surda na variedade do português do Brasil.
84
identidade e alteridade são assim processos inseparáveis” (id., p.26). Por exemplo,
nos depoimentos acima observei que o discurso identitário dos sujeitos
venezuelanos a respeito de Sara e desta a respeito dos venezuelanos representa o
que ambos pensam um do outro, definindo o que eles mesmos não são, revelando,
conforme Guisan (2009), o próprio sujeito enunciador. As relações de alteridade
estão sempre estabelecidas por relações de poder, logo dependem de processo de
“exclusão, de vigilância de fronteiras, de estratégias de divisão” (Silva, 2006, p, 26).
(...) eu não entendia nada nada nada nada podia me xingar de todo nome
que eu não sabia o que era (...) é muito ruim assim né a gente morar num
lugar onde a gente não sabe de nada, as pessoas fala com a gente e a
gente nunca entende nada (...)
(...) quando a gente resolveu morar pra cá aqui, quem mais vivia aqui era
meu pai, então meu pai é brasileiro (inint.), então quando ele chegava em
casa lá em Boa Vista ele só falava português com a gente né, não tinha
esse negócio(de falar espanhol), quando a gente veio morar pra cá todo
mundo era brasileiro ninguém entendia nada (...)
85
(...) eu não sabia escrever em espanhol falar muito menos eu não ia ter
condição (para estudar em Santa Elena), tipo assim, muito menos, mas
eu ia me sentir muito tipo assim fora de órbita, assim que muitas vezes eu
não conhecia a palavra o que as pessoas falavam (...)
(...) aí uma vez eu fui num comércio comprar bolacha né, aí pedi lá a
bolacha e fui pagar né, aí o homem pegou e me perguntou... não eu que
perguntei quanto era o preço, aí ele pegou e falou lá né, não entendi
nada não entendia nada de dinheiro assim, a quantidade quanto é que
era que não o que, aí eu dei o dinheiro lá, aí o homem “não mas tá
faltando” aí eu “sim sim” [risos] aí falou assim “não mas tá faltando” e eu
“sim sim sim” não sabia nem o que ele tava falando.
(...) acho que foi ela que falou que chegou no comércio e pediu uma
quadribola né, um chiclete né, pequeno né, aí ela pediu aí ela falou
assim “quanto é?” aí ele falou assim “mil bolívar”, aí ela falou assim
“mil?” (inint) “mil, um chiclete um chiclete” aí ele disse “sim mil bolívar”
{risos} “você tá roubando” (inint.) “pai esse homem tá me roubando” aí o
pai dela começou a rir, aí uma amiga (mostrou pra ela) mil bolívar, aí
ele tirou tipo uma moeda (risos), aí depois ela “ah tá bom” ficou
constrangida (...)
86
Da mesma forma Camila relata dois episódios vivenciados pela sua mãe
que desconhece o significado das palavras ventana e apellido41:
(...) botaram uma janela lá em casa... aí janela lá (em Santa Elena) fala
“ventana” né (...) “não que a gente” (inint.), aí minha mãe “não, não é aqui
não, aqui não mora nenhuma ventana meu senhor, não é aqui” {risos}...
“mas é aqui o endereço”, “não o senhor tá enganado, eu me chamo Ana
Lúcia (...) não mora nenhuma ventana aqui não” (...)
(...) tava fazendo uma pesquisa lá (em Santa Elena ) não sei pra quê, aí
pediram o nome da minha mãe completo, aí que o sobrenome lá fala
“apellido” né, aí minha mãe “não mas eu não tenho apelido, não,meu
nome só é Ana, eu não tenho apelido” “não mas o seu apelido senhora,
seu nome é Ana o quê?” “não não tem mais apelido, só é Ana, meu nome
é Ana só Ana”, Aí eles ficaram assim, aí depois foi que uma amiga dela
chegou “não aquilo dali é sobrenome”, “ah tá” (respondeu a mãe) (inint.)
quando você não tem aquele conhecimento as vezes você se enrola
demais.
Notei, tanto no grupo focal quanto na entrevista individual, que Camila foi
uma das participantes que mais manifestou resistência quanto ao uso da língua e
aos elementos culturais do país vizinho. Como demonstro nos fragmentos
anteriores, as dificuldades iniciais no uso da língua podem ter contribuído para essa
situação, mas não só isso, possivelmente, também outros fatores de ordem
extralinguísticos. Não me deterei neste momento em esclarecê-los porque o farei na
próxima seção. Assim, reitero a forma como Camila conclui a sua experiência e da
sua família com os elementos culturais e a língua venezuelana: “quando você não
tem aquele conhecimento às vezes você se enrola demais”.
41
Os vocábulos, ventana e apellido, significam respectivamente em português janela e sobrenome.
87
(...) hoje em dia a gente entende tudo mas antigamente era difícil (...) a
forma de se expressar porque eles se expressam muito rápido né aí as
vezes a gente se enrola toda e não sai a palavra... até hoje eu ainda
tenho isso ainda comigo um pouco eu fico nervosa assim com medo de...
porque muitos deles bagunçam quando os brasileiros falam aí eu tenho
medo de falar e errar assim aí eu fico nervosa e enrolo tudo [hum] é ruim
o sotaque né.
que a desaprovação do mesmo com a forma de falar dos brasileiros a deixa nervosa
ao se comunicar em espanhol. A participante afirma ter medo de falar errado, sendo
esse erro provocado pela rapidez com a qual seu interlocutor, o venezuelano,
interage na língua. Quando confessa “fico nervosa e enrolo tudo (hum) é ruim o
sotaque né” sugere que sua proficiência oral seja ruim ou inaceitável pelos
venezuelanos. Ao afirmar “tenho medo de falar e errar”, ao que parece, Júlia
representa o erro como a produção de “sotaque ruim”, ou seja, sem a pronúncia
característica da variedade linguística de Santa Elena. Da mesma forma, Camila
aponta um aspecto estrutural da língua que marca o processo de aquisição do
espanhol:
(...) não sabia falar nem uma palavra em espanhol nem uma palavra
mesmo... tive muita (dificuldade) porque tem uma palavras aqui que são
bem enrolada mesmo, pelo menos o “r” eles puxam o “r” que meu Deus
do céu. Aí tem uma palavras que tem uns sons diferentes da pronuncia
do Brasil entendeu por essa questão a gente tem sim dificuldade... até é
hoje eu não sei falar o espanhol BEM BEM BEM não (...)
Além das situações já abordadas até aqui, vejo necessário levantar uma
última questão antes de passar propriamente a interrogativa que norteia este
segmento. Essa questão refere-se a outra subpergunta da pesquisa, a saber:
enquanto sujeitos residentes em Santa Elena-VE e estudantes em Pacaraima-RR,
como os alunos brasileiros se sentem nessa mobilidade geográfica e linguística?
Confesso que essa forma de organização da análise, a princípio, causou-me alguns
receios, pois resisti muito em aceitar que os dados dessa pesquisa estejam tão
imbricados a ponto de não poder topicalizá-los completamente, no sentido de que
em vários momentos preciso retomar dados e informações que já foram
91
apresentados ou, como ocorre agora, antecipá-los quando seja necessário para o
entendimento do que está sendo discutido no momento.
fragmento a seguir, podemos ver como essa mobilidade é entendida por Sara ao
relatar como se sentia na dinâmica de residir em Santa Elena e estudar em
Pacaraima:
42
42
No fragmento “a gente tá no mesmo lugar ao mesmo tempo” imagino que a participante quis dizer
que estavam em dois lugares ao mesmo tempo, no sentido de que os dois territórios se tornaram
um só, a fronteira.
93
(...) assim quando eu acho que lá tá meio parado eu venho pra cá, só que
as vezes a gente se complica acostumado a falar diariamente assim o
espanhol quando a gente vem prá cá varias coisas a gente fala em
espanhol por exemplo quando eu vou no supermercado alguma coisa eu
penso primeiro em espanhol do que em português as vezes a gente se
enrola, uma vezes eu cheguei lá em Boa Vista e fui comprar pão eu falei
eu quero cinco mil bolívares de pão o homem olhou pra mim (a
participante riu) “não eu quero cinco reais”... “ah tá” (disse o homem), às
vezes a gente se enrola com isso mas eu acho bom [a mobilidade] (...)
As expressões “às vezes a gente se enrola com isso, mas eu acho bom”
no fragmento acima e “as vezes só cansa” no fragmento anterior apontam uma
atitude das participantes de neutralidade em relação não só à alternância de código,
mas também à própria fronteira enquanto espaço físico.
Só que aí tem que ver que a gente está no país alheio... A gente critica,
claro tudo bem, a gente vê que isso está errado, mas a gente está no
país alheio (...)
Mas tem que ver também (inint.) por exemplo o meu pai tem vinte anos
de Venezuela, aí né, ele já tem a identidade como residente daí, E tem
um filho venezuelano ou seja ele já tem um pouco de direito na
Venezuela (...)
(...) eu não sou muito assim de falar o espanhol eu falo quando realmente
é necessário, até porque eles entendem meio o português, agora quando
vem uma pessoa de fora (um venezuelano de outra cidade) pedir uma
informação que realmente não conhece Santa Elena a gente tem que
falar né, mas eu falo mais o português mesmo eu vou nos lugares e ele
brigam comigo “ah você tem que falar o espanhol” “não eu sou brasileiro
e vou falar o português e vocês tem o direito (dever) de entender porque
aqui é a fronteira e é as duas línguas eu entendo o espanhol vocês tem
que entender também o português.
(...) mas tem a questão ruim também por causa da humilhação porque
brasileiro mora aí o pessoal quer... ontem a gente saiu no carro né os
carro da gente é venezuelano meu pai tava dirigindo aí passou um
brasileiro no carro e xingou o meu pai porque tava no carro ai meu pai
disse “o que você tá pensando que eu sou venezuelano eu sou brasileiro
só porque eu tenho um caro venezuelano pensa que sou venezuelano,
queria arrumar confusão eles implicam muito com a questão dos
brasileiros.
residência fixa e carro, mas, por outro lado, também o deixa bastante confortável
para ser apenas um residente imigrante que insiste em defender sua brasilidade.
(...) aqui em casa é muito difícil falar espanhol também porque todo
mundo entende o português e o espanhol, meu cunhado entende bem o
português só não fala bem mas entende (...) é muito difícil falar o
espanhol a gente fala mais é o português.
(...) até o ano retrasado quando eu estudava de manhã era muita briga
por causo que “ah que os venezuelanos não sei o que e tal”... entendeu
todo tempo eles falavam isso (os brasileiros falavam mal dos
venezuelanos), muitos não gostavam por a gente porque muitas vezes a
gente se juntava o pessoal daqui de Santa Elena como todo mundo se
conhece muitas vezes a gente ficava conversando em espanhol, aí o
pessoal se sentia assim... aí muitos não gostavam.
(...) a gente só fala espanhol com amigo venezuelano que não entende o
português (...)
(...) muitos estrangeiros (os brasileiros) não gostam por ter dificuldade de
aprender aí... mas outros já gostam já, praticamente os que moram aqui
já gostam.
(...) no comércio todo tempo o espanhol porque aqui é uma coisa assim
se a gente for falar o português eles querem aumentar o preço de tudo,
entendeu? aí você tem que chegar lá falando logo o espanhol, porque até
pelo jeito que eu me visto eu todo tempo me vesti assim (como)
brasileiro, aí eles já sabem já (que é brasileiro), só que como a gente
chega falando tudo em espanhol eles não... [aumentam os preços] (...)
(...) uma vez eu sai com meu irmão, aí a gente viu lá né tava quinze
Bolívar aí a gente pegou aí na hora que a gente foi pagar no caixa a
gente deu a mulher vinte Bolívar e ficou esperando o troco, ela falou “não,
tá completo” peguei fui lá e falei pra ela “não aqui tá quinze Bolívar” ai eu
peguei e fui falando mais alto com ela aí ela “não desculpa que não sei o
que e tal”... aí pegou me deu os cinco bolívar de novo... aí depois eu ouvi
ela falando com um funcionário de lá né “ai eu pensei que era brasileiro
que não sei o que” (...)
(...) como a gente tem mais amigos brasileiros na família que entende o
português a gente não fala muito espanhol por exemplo assim a gente só
fala espanhol com amigo venezuelano que não entende o português ou
quando eu realmente preciso pra comprar alguma coisa más tá falando
frequentemente isso não (...)
Quando o participante relata “aí você tem que chegar lá falando logo o
espanhol... porque até pelo jeito que eu me visto eu todo tempo me vesti assim
(como) brasileiro” é possível constatar duas formas de identificação para o
participante: a primeira refere-se à forma brasileira de se vestir que representa a
104
43
Informação adquirida pela minha convivência pessoal com os venezuelanos em Santa Elena
enquanto visitante, conhecida e cliente.
44
Español, la (Del Lat. Medieval hispaniolus, através del prov. Espanhol )adj. Natural de Espanã. Ú.
t. c. s. / 2. Perteneciente o relativo a esta nación/ 3. V. era pasta española. / 4. V. párrafo español.
/ 5. M lengua espanõla. / a La española. Locadv. de España. Diccionario de la Real Academia,
1992, p. 435.
Castellano, na (Del lat. Castellãnus) adj. Natural de Castilla. Ú t. c. s./ 2. Perteneciente a esta
región de España./ (…) 6. Español, lengua española. / 7. Dialecto românicoem Castilla La Vieja, del
que tuvo su origen La lengua espanõla./ 8. Variedad de La lengua española hablada modernamente
en Castilla La Vieja. Diccionario de la Real Academia, 1992, p. 890.
106
impura que contamina a língua oficial. No caso da assertiva de Daniel “aqui é falado
o castelhano não é o espanhol”, essa representação da língua não parece ser uma
consequência desse imaginário proposto por Botana (id.), mas, talvez, uma
incorporação do discurso propagado pelos venezuelanos, já que, diferente do
primeiro caso, o participante não demonstra um valor depreciativo pela variante
falada em Santa Elena em detrimento da variante espanhola, embora, o mais
comum, conforme Assis-Peterson e Cox (2007), Mello (2006), Cavalcanti e Cesar
(2007), Maher (2007) seja a atitude de se considerar algumas línguas ou variedades
como superiores ou inferiores dependendo da condição político-econômica do país
no qual essa língua é falada. Conforme Mello (2006), essa é uma questão evidente
de política de hegemonia linguística, na qual a variedade falada pelos grupos que se
posicionam no alto da pirâmide social adquire status de padrão.
45
Esclareço que, ao trazer estes fragmentos, não é meu propósito promover nenhuma discussão de
cunho metodológico e didático do ensino da língua espanhola para a educação básica. Não que
107
(...) algumas coisas são diferentes na escola por exemplo assim porque a
professora sempre passa assim “traduza para o espanhol” ai muitas
vezes eu traduzo do jeito que eu aprendi lá né as vezes ela diz que tá
errado que ela vai conforme o dicionário... eh mas é da forma como eu
aprendi, aí as vezes é meio complicado isso porque a gente aprende
aprende falando de um jeito e na escola já é diferente mas a gente dá
um jeito, mas é um pouco complicado porque a gente aprende de um
jeito e depois pra aprender de outro, esquecer o que a gente aprendeu
né, é um pouco difícil, algumas coisas são diferentes as palavras assim
(...)
46
Ressalto que quando falo de processo simbólico me refiro ao processo de significação, neste
sentido “Os signos que constituem as representações focalizadas pela análise cultural não se
limitam a servir de marcadores para objetos que lhes sejam anteriores: eles criam sentido” (Silva,
2006, p.44).
109
estão requer considerar os seus falantes enquanto indivíduos composto por uma
identidade cambiante moldada a partir das interações com o outro, que aponto, à luz
das autoras Assis-Peterson e Cox (2007) e Cesar e Cavalcanti (2007), a
necessidade de se pensar em teorias e estratégias que sejam capazes de
contemplar as línguas e as realidades culturais dos falantes envolvidos no processo
linguístico. Claro que já existem várias manifestações e pesquisas nesta direção,
principalmente na área da linguística aplicada, que, não é por acaso, está bem
representada por um número significante dos teóricos que embasam este texto.
Porém, muitos discursos dominantes ainda precisam ser descontruídos, por assim
citar, o mito de língua homogênea e única, que representa a identidade nacional,
coletiva, pois, embora a língua seja um fator de coesão social, não é o propósito
desse trabalho se referir à função da língua enquanto elemento homogêneo e
ideológico usado para construir um sentimento de coletividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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118
ANEXOS
119
ANEXO 1
TEXTO: ELEMENTO PROVOCADOR DA DISCUSSÃO NO GRUPO FOCAL
ANEXO 2
3º momento – Encerramento
Encerrar a atividade após as quatro últimas perguntas terem sido efetuadas
e discutidas, agradecer a participação de todos os presentes.
122
ANEXO 3
ANEXO 4