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Trauma
O trauma é uma das indicações mais frequentes para exa- Etiologia e mecanismos de lesão
mes de imagem neurológicos de emergência. Como os
O trauma pode ser causado por lesões relacionadas a
exames de imagem desempenham um papel fundamental
projéteis ou não. O primeiro grupo resulta da penetração
na triagem e conduta, começaremos este livro discutindo
no crânio, meninges, e/ou cérebro de um objeto externo,
o traumatismo craniencefálico (TCE).
como uma bala.
Iniciaremos com uma breve consideração sobre a
As lesões por traumatismo craniano fechado (TCF)
epidemiologia. O TCE é um problema de saúde pública
são muito mais comuns do que as lesões relacionadas a
mundial que tem grande impacto para o indivíduo e para a
projéteis. Acidentes automobilísticos em alta velocidade
sociedade. Os custos diretos com o tratamento médico dos
exercem importantes forças de aceleração/desaceleração,
pacientes com traumatismo agudo são enormes. Os custos
levando o cérebro a se mover subitamente dentro da ca-
indiretos relacionados à perda de produtividade e ao trata-
lota craniana. A impactação forçada do cérebro contra a
mento crônico dos sobreviventes são ainda maiores.
calvária inflexível e contra a dura-máter rígida leva à con-
Discutiremos brevemente a etiologia e os mecanis-
tusão giral. Rotação e mudanças súbitas no momento an-
mos do TCE. A compreensão das diferentes formas em
gular podem deformar, alongar e danificar axônios longos
que crânio e cérebro podem ser danificados fornece subsí-
vulneráveis, lesionando-os.
dios para o entendimento do espectro de achados de ima-
A etiologia do TCE também varia de acordo com a
gem que podem ser identificados.
faixa etária do paciente. De maneira geral, quase 30% dos
TCEs são causados por quedas, as quais são a principal
causa em crianças menores de 4 anos e em idosos maiores
Introdução de 75 anos. Ferimentos por arma de fogo são mais comuns
em adolescentes e adultos jovens do sexo masculino, mas
Epidemiologia do traumatismo craniencefálico relativamente raros em outros grupos. Acidentes de auto-
O trauma – às vezes chamado de “epidemia silenciosa” – móvel e atropelamentos ocorrem em todas as idades, sem
é a causa mundial mais comum de morte e incapacitação predileção por gênero.
Classificação do traumatismo craniencefálico (p. ex., RM). Técnicas que são relativamente novas in-
A classificação clínica mais utilizada em traumatismo ce- cluem perfusão por TC e RM, imagem do tensor da di-
rebral, a Escala de Coma de Glasgow (GCS), depende da fusão (DTI) e ressonância magnética funcional (RMf).
avaliação de três fatores: melhores respostas ocular, ver-
Radiografia craniana
bal e motora. Por meio da GCS, o TCE pode ser classifi-
cado como leve, moderado ou grave. Durante décadas, a radiografia craniana (antes chamada
O TCE também pode ser dividido cronologicamente de “radiografia simples” ou, mais recentemente, “radio-
e patoetiologicamente em lesão primária ou secundária – grafia digital”) foi a única técnica de imagem não invasiva
sistemática que foi utilizada neste texto. A lesão primária disponível para avaliação do TCE.
ocorre no momento do trauma inicial. Fraturas cranianas, As radiografias cranianas são razoavelmente efetivas
hematomas epi e subdurais, contusões, dano axonal e la- para identificar fraturas de calvária, mas não conseguem
cerações cerebrais são exemplos de lesões primárias. demonstrar a presença de hemorragias extra-axiais e de
lesões parenquimatosas, de longe mais importantes.
A lesão secundária ocorre em um momento poste-
Entre um quarto e um terço das autópsias dos pa-
rior e inclui edema cerebral, alterações de perfusão, her-
cientes com lesões craniencefálicas fatais não têm fratura
niações cerebrais e perda de líquido cerebrospinal (LCS).
identificável! Então, radiografias cranianas obtidas apenas
Embora as lesões vasculares possam ser imediatas (“ate-
com o propósito de identificar a presença de fraturas cra-
nuação” do impacto) ou secundárias (laceração de vasos
nianas não têm fundamento no manejo atual do paciente
por fraturas, oclusão secundária a herniações cerebrais),
com TCE. Com raras exceções, é o cérebro que importa
para fins de discussão foram incluídas no capítulo de le-
– não o crânio!
sões secundárias.
TC sem contraste
CLASSIFICAÇÃO DO TRAUMATISMO Hoje, a TC é mundialmente aceita como ferramenta de
CRANIENCEFÁLICO rastreamento no TCE agudo. Desde sua introdução, há 40
anos, a TC foi aos poucos substituindo a radiografia como
Efeitos primários exame de imagem de escolha. As razões são simples: a TC
● Lesões do escalpo e do crânio
● Hemorragia/hematomas extra-axiais
revela lesões tanto ósseas quanto em partes moles. Também
● Lesões parenquimatosas é um método de imagem acessível, rápido, efetivo e de bai-
● Miscelânea xo custo quando comparado a outros métodos de imagem.
Devem ser realizados cortes tomográficos (com 4 ou 5
Efeitos secundários mm de espessura), sem a injeção de contraste endovenoso,
● Síndromes de herniação
iniciando logo abaixo do forame magno até o vértex cra-
● Edema cerebral
● Isquemia cerebral
niano. São obtidas imagens utilizando-se algoritmos de re-
● Dano vascular (primário ou secundário) construção para parênquima cerebral e ósseo. A visualiza-
ção das imagens com janelas mais abertas (150 a 200 UH,
a chamada janela subdural) deve ser realizada no PACS
(ou filme, se o PACS não for disponível). A imagem do to-
pograma deve sempre fazer parte do estudo (ver adiante).
Imagem do traumatismo craniencefálico Já que o desenvolvimento tardio ou a progressão de
agudo hemorragias extra e intracranianas pode ocorrer nas pri-
meiras 24 a 36 horas após o evento traumático inicial, a
Exames de imagem são fundamentais no diagnóstico e TC deve ser repetida se houver declínio súbito e inexpli-
manejo do paciente com lesão traumática cerebral aguda. cável das condições clínicas do paciente, a despeito dos
Os objetivos da neuroimagem de urgência se desenvolvem achados de imagem iniciais.
em dois aspectos: (1) identificar lesões potencialmente tra-
táveis, sobretudo as que exigem tratamento de urgência, Angiotomografia e tomografia computadorizada
e (2) detectar e avaliar a presença de lesões secundárias com multidetectores
como síndromes de herniação e lesões vasculares. Devem ser realizadas imagens tanto do encéfalo quanto
da região cervical por meio de TC com multidetectores
Como realizar o exame? (TCMD), já que quase um terço dos pacientes com TCE
Diversas modalidades de exames de imagem podem ser moderado a grave têm lesões da coluna cervical em asso-
utilizadas para avaliar os pacientes com TCE, as quais ciação. Devem ser realizados algoritmos de reconstrução
incluem desde técnicas ultrapassadas (i.e., radiografias para osso e partes moles, bem como reformatações multi-
de crânio) até exames muitos sensíveis, porém caros planares da coluna cervical.
Com frequência a angiotomografia (ATC) faz parte Na tentativa de reduzir a utilização desenfreada da
do protocolo de trauma do corpo todo. A ATC craniocer- TC nas emergências, algumas organizações desenvolve-
vical deve ser especificamente considerada (1) no trau- ram critérios clínicos que ajudam a separar os pacientes
ma penetrante de pescoço, (2) se uma fratura de forame de “alto risco” dos de “baixo risco”. (Alguns desses cri-
transverso ou subluxação facetária é identificada na TC térios estão especificados nos quadros a seguir.) Contudo,
de coluna cervical, ou (3) se uma fratura de base de crânio o impacto no comportamento dos médicos emergencistas
compromete o canal carotídeo ou um seio venoso dural. ao solicitar exames tem sido inconsistente. Em locais com
Laceração ou dissecção arterial, pseudoaneurisma trau- altas taxas de má prática, muitos médicos emergencistas
mático, fístula carótido-cavernosa ou lesão de seio venoso solicitam TC sem contraste de rotina em todos os pacien-
dural são bem demonstrados na ATC de alta resolução. tes com TCE, a despeito do escore da GCS ou dos acha-
dos clínicos.
RM A decisão de realizar ou não – e quando realizar –
Há um consenso de que a TC sem contraste é o exame de es- exames de imagem de controle em pacientes com trauma-
colha para a avaliação inicial do TCE. Com uma importante tismo também é controversa. Em um grande estudo que
exceção – suspeita de maus-tratos –, o uso da RM como avaliou crianças com escore na GCS de 14 ou 15 e com
exame de rotina para rastreamento no âmbito do trauma uma TC inicial normal, apenas 2% prosseguiram com TC
agudo é incomum. A RM convencional associada a novas ou RM de controle. Destas, apenas 0,05% apresentaram
técnicas tais como a DTI é mais útil nos estágios subagudo resultados anormais no exame de controle, e em nenhu-
e crônico do TCE. Outras modalidades, a exemplo da RMf, ma delas foi necessária intervenção cirúrgica. O valor
estão desempenhando um papel cada vez mais importante preditivo negativo para intervenção neurocirúrgica para
na detecção de alterações sutis, especialmente em pacientes uma criança com GCS inicial de 14 ou 15 e TC normal
com déficits cognitivos leves após um TCE leve. foi 100%. A partir desses dados, os autores concluíram
que crianças com um escore na GCS de 14 ou 15 e uma
Em quem e quando realizar o exame? TC inicial normal têm risco muito baixo para posteriores
achados de neuroimagem relacionados ao traumatismo e
A resposta para essa pergunta é paradoxalmente ao mes-
baixo risco extremo para intervenção cirúrgica. A hospi-
mo tempo bem estabelecida e controversa. Pacientes com
talização de crianças com trauma craniano leve para ob-
um escore na GCS que indica prejuízo neurológico mode-
servação, após um resultado normal na TC, é considerada
rado (GCS = 9 a 12) ou grave (GCS ≤ 8) invariavelmente
desnecessária.
realizam exames de imagem. As divergências ocorrem em
qual seria o melhor manejo para pacientes com escore na Diretrizes
GCS de 13 a 15.
Foram publicadas três maiores e mais largamente utiliza-
das Diretrizes para a Imagem no Traumatismo Cranience-
ESCALA DE COMA DE GLASGOW fálico Agudo: as Diretrizes do American College of Ra-
diology (ACR), os Critérios de Nova Orleans (NOC) e a
Melhor resposta ocular (máximo = 4)
● 1 = ausente
Regra Canadense de TC do Crânio (CHCR).
● 2 = abertura ocular a estímulos dolorosos CRITÉRIOS DO ACR. A TC sem contraste de urgência em TCF
● 3 = abertura ocular ao comando verbal
leve com a presença de um déficit neurológico focal e/ou
● 4 = espontânea
outros fatores de risco é considerada muito recomendada,
Melhor resposta verbal (máximo = 5) assim como o exame de imagem em toda criança trau-
● 1 = ausente
matizada com menos de 2 anos de idade. Embora a TC
● 2 = sons incompreensíveis
sem contraste em paciente com TCF leve (GCS ≥ 13) sem
● 3 = palavras inapropriadas
● 4 = confuso
fatores de risco ou déficit neurológico focal tenha poucos
● 5 = orientado benefícios, o ACR ainda o classifica como 7 de 9 na indi-
cação do método.
Melhor resposta motora (máximo = 6)
● 1 = ausente NOC E CHCR. Tanto os Critérios de Nova Orleans como
● 2 = extensão à dor a Regra Canadense de TC do Crânio tentam triar pa-
● 3 = flexão à dor cientes com lesões craniencefálicas mínimas/leves em
● 4 = retirada à dor
uma maneira custo-efetiva. Um escore na GCS de 15
● 5 = localiza a dor
(i.e., normal) na ausência de quaisquer indicadores do
● 6 = obedece a comandos
NOC é um preditor negativo altamente sensível para le-
Soma = “escore do coma” e classificação clínica são cerebral importante ou necessidade de intervenção
● 13 a 15 = lesão cerebral leve
● 9 a 12 = lesão cerebral moderada
cirúrgica.
● ≤ 8 = lesão cerebral grave
A B
1-1A Corte axial de TC sem contraste de um preso, realizada por trau- 1-1B Topograma do mesmo caso mostrando um corpo estranho 4
ma, não demonstrando alterações grosseiras. (a chave das algemas) na boca do preso. Ele fingiu o trauma e estava
planejando escapar, mas o radiologista alertou os guardas, que impedi-
ram a fuga. (Cortesia de J. A. Junker, MD.)
A B
1-2A TC sem contraste em janelas-padrão para parênquima cerebral 1-2B Janela intermediária (175 UH) demonstrando a presença de um
(80 UH) não mostrando nenhuma anormalidade definida. pequeno hematoma subdural 2. Hematomas subdurais de pequena
espessura podem ser visíveis apenas com janelas mais abertas.
Sugestões de como analisar as imagens de TC sem onde o sangue se deposita quando o paciente está em de-
contraste em pacientes com lesão traumática craniencefá- cúbito dorsal.
lica aguda estão demonstradas a seguir. Qualquer hipodensidade no interior de uma coleção
extra-axial deve considerar a possibilidade de sangramen-
Imagem do topograma to ativo com acúmulo de sangue não coagulado (espe-
cialmente em alcoolistas ou em pacientes idosos) ou uma
Antes de iniciar a análise dos cortes tomográficos, exami-
coagulopatia subjacente. Este é um achado que indica ur-
ne a imagem do topograma! Procure por anormalidades
gência e notificação imediata do clínico responsável.
da coluna cervical tais como fraturas ou luxações, trauma
Procure por ar intracraniano (“pneumoencéfalo”).
de mandíbula e/ou facial e a presença de corpo estranho
Esse achado sempre é anormal e indica a presença de
(Fig. 1-1). Caso exista uma suspeita de fratura ou desali-
uma fratura que trespassa ou uma cavidade paranasal ou
nhamento da coluna cervical, uma TCMD da coluna cer-
a mastoide.
vical deve ser realizada antes que o paciente seja retirado
Agora siga com o parênquima cerebral. Cuidadosa-
do aparelho.
mente examine o córtex, em especial as áreas de maior
risco para contusões corticais (aspecto anteroinferior dos
Janelas para parênquima cerebral lobos frontais e temporais). Se houver um hematoma no
Direcione a interpretação do exterior para o interior com escalpo devido ao impacto (lesão de “golpe”), procure por
atenção e metodologia. Primeiro avalie as partes moles, uma clássica lesão de “contragolpe” a 180 graus na direção
começando pelo escalpo. Procure por aumentos de vo- oposta. Áreas hipodensas na periferia de focos hiperdensos
lume, os quais frequentemente indicam o ponto de im- hemorrágicos indicam edema precoce e contusão grave.
pacto do trauma. Com cuidado, examine as partes moles Siga um pouco mais para o interior, do córtex para a
periorbitais. substância branca subcortical e substância cinzenta pro-
A seguir, procure por sangramento extra-axial, cuja funda. As hemorragias petequiais frequentemente acom-
forma mais comum é a hemorragia subaracnóidea trau- panham dano axonal difuso. As hemorragias subcorticais
mática (HSAt), seguida de hematomas sub e epidurais. vistas na TC sem contraste inicial são a “ponta do ice-
A prevalência de HSAt no TCE moderado a grave é pró- berg.” Em geral, há muito mais dano do que aparenta o
xima de 100%. Ela é comumente encontrada nos sulcos primeiro exame. Uma regra diz: quanto mais profunda é a
adjacentes às contusões cerebrais, ao longo das fissuras lesão, mais grave é o dano.
silvianas, circundando os lobos temporais e as porções Finalmente, procure no interior dos ventrículos por
anteroinferiores dos lobos frontais. O melhor local para níveis LCS-hemáticos e por hemorragia em decorrência
procurar por HSAt sutil é a cisterna interpeduncular, de lesão por cisalhamento do plexo coroide.
A B
C D
Topograma TC óssea
● Procurar por ● Algoritmo de reconstrução para osso > janela óssea
○ Fraturas-luxações da coluna cervical ● Alguma das fraturas atravessa um canal vascular?
○ Luxações de mandíbula, fraturas faciais
○ Corpo estranho
E F
G H