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ORGANIZAÇÕES BUROCRÁTICAS, MOVIMENTO

ESTUDANTIL E REVOLUÇÃO

RESUMO
O movimento estudantil não é devidamente estudado, o que em partes reflete a ausência de
relatos e análises de seus participantes, mas também é fruto de um certo desprezo atribuído a
ele, o que acontece pois por vezes ele é menosprezado como um movimento sem relevância
para uma emancipação social. Isso é um erro, já que ele possui grande potencial de
contribuição para a transformação social. Contudo, não é qualquer movimento estudantil que
possui tal potencial, e sim o movimento estudantil autogestionário. O movimento estudantil
burocratizado reproduz as relações sociais das próprias instituições de ensino, apassivando e
controlando os estudantes. Já o movimento estudantil autogestionário é capaz de romper na
prática com as instituições burocráticas e opor-se efetivamente a elas, construindo novas
relações sociais, subjetividades e pedagogia de luta e, por fim, questionar na prática a própria
sociedade capitalista.

Palavras chaves: Movimento estudantil, auto-gestão, organizações burocráticas, revolução,


movimento estudantil auto-gestionário

ABSTRACT

Student activism is not properly studied. This happens partially reflecting the absence of
reports and stories and analysis made by their members, but also is a result of a certain
disregard towards this activist groups. This is a mistake, as it contains a great potential for
contribution towards social change. Nevertheless, not all student activism has such potential,
but only the self managed student activism. The bureaucratized student activism reproduces
social relations from the educational institutions and as a result promotes passivity and
controls the students. Differently, the self managed student activism is capable to effectively
break with the bureaucratic institutions and make a direct opposition towards them, thus
constructing new social relations, subjectivities and ways of fighting the system. It questions
the very own capitalist organization of society.

Key-words:Student activism, self managed, bureaucratize organizations, revolution, self


managed student activism

É fundamental a compreensão do papel da educação na reprodução da atual


sociedade, principalmente sendo a escolarização do ensino médio a pré-escola obrigatória no
Brasil.
Apesar de não diretamente relacionado com o processo de escolarização, o movimento
estudantil por vezes é um dos agentes presentes nas instituições de ensino, o que interfere
diretamente no processo educacional. São poucas as análises sobre o movimento estudantil,
principalmente a partir de um viés marxista, que não se retém as explosões das rebeliões

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estudantis nos anos 60, o que pode ser reflexo de uma irrelevância atribuída ao movimento
estudantil por este não estar diretamente imerso nas forças produtivas, da ausência de
produção acadêmica de seus agentes ou mesmo decorrência de uma perca de força do
movimento estudantil após tais rebeliões. Os poucos relatos, análises de experiências
concretas e mesmo reflexões teóricas sobre o movimento estudantil que não oriundas dos anos
60 constitui-se em uma grande dificuldade para o aprofundamento no tema.
Contudo, apesar de seu enfraquecimento, este possui um papel relevante nas lutas
sociais, ainda que não seja devidamente reconhecido por tal. Portanto, faz-se necessário
compreender as suas potencialidades e suas possíveis contribuições para a emergência de um
processo revolucionário que culmine na criação de uma nova sociedade.
Para isto é essencial compreender o contexto no qual este se insere, tanto no sentido de
compreender a função da educação formal na sociedade capitalista, notadamente nas escolas,
e universidades, quanto no sentido de analisar o papel do estudante nas relações de produção.
Por conta de espaço, o presente trabalho focará neste primeiro aspecto a fim de compreender
as dinâmicas e potencialidades do movimento estudantil, mas têm-se em vista os limites de tal
análise ao não aprofundar-se paralelamente neste segundo aspecto.
Diferentemente do movimento estudantil, no marxismo o debate sobre o papel da
educação formal é amplo, polêmico e está longe de ser consensual. De um lado, há os que
advogam sobre um possível papel emancipatório desta, de outro os que defendem seu papel
restrito a reprodução das relações sociais de produção capitalista, portanto, incompatível com
qualquer papel emancipatório.
Dentre tais autores da segunda concepção encontra-se Mauricio Tragtenberg, um auto-
declarado marxista heterodoxo influenciado também pelo anarquismo (FARIA &
MENEGHETTI,2010). Neste artigo tal autor foi fundamental para o desenvolvimento das
presentes análises.
A partir de tal concepção o presente artigo estrutura-se em dois momentos; um
primeiro em que analisa o papel da educação formal a partir da concepção da escola enquanto
uma organização burocrática e um segundo em que analisa o movimento estudantil e suas
potencialidades, diferenciando o movimento estudantil burocrático daquele que efetivamente
pode contribuir para a transformação social; o movimento estudantil autogestionário.

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AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

Para Tragtenberg (2004) as instituições de ensino são reprodutoras das relações sociais
de produção e fazem isto ao atuar: a) na formação de força de trabalho; b) no inculcamento da
ideologia hegemônica; c) na reprodução material da divisão de classes Seriam estas suas
funções fundamentais, fazendo-se presente no ensino básico, técnico e superior, ainda que
haja as especificidades de cada um.
A fim de conseguir tais objetivos há uma preponderância do administrativo em relação
ao pedagógico. Isto é, há uma primazia do cumprimento dos regulamentos, das punições e
recompensas, da disciplina, dos deveres, dos padrões comportamentais em detrimento da
formação intelectual (TRAGTENBERG, 2004). Ele defende a função essencialmente
conservadora da escola ao separar consciência e prática (TRAGTENBERG, 2004.Neste
contexto o professor tem como função garantir que tais objetivos se concretizem, formando e
disciplinando a nova mãos-de-obra. Logo, dada sua função e sua necessária submissão – ao
menos parcialmente - a instituição, o professor “está a serviço do aparelho escolar, não de sua
classe”.( TRAGTENBERG, 2004,p.55).
O saber reproduzido nas instituições de ensino também vai neste mesmo sentido
conservador. De tal forma que

o saber que é transmitido nas escolas não apenas está relacionado com a
divisão técnica do trabalho existente na sociedade, mas também com a
divisão social correspondente. Da escola sairão os burocratas, mas também
os operários, os empresários e os ideólogos. A escola, com os seus
professores, pode ser um lugar de desmascaramento de conflitos, mas, via de
regra, ela tem uma posição orgânica na sociedade, que implica num trabalho
sutil e continuado de preservação da ordem estabelecida e das desigualdades
nelas contidas (ESTRADA, 2012,p.10).

A escola então reproduz a divisão social do trabalho pela especificidades de seus


conteúdos e também pela sua própria divisão material; a escola privada e a pública, os que
ascendem ao ensino superior e os que possuem apenas a educação básica, os cursos
profissionalizantes. Mesmo na divisão interna da escola vê-se isso, os estudantes exemplares e
os tido como fracassados, que não coincidentemente são os alunos pobres, que não raro

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abandonam o ensino por não terem condições materiais ou por não se submeterem a disciplina
escolar. Assim, as instituições de ensino excluem, separam e atribuem papéis específicos para
seus estudantes, preparando-os e iniciando-os na divisão social do trabalho.

Segundo Estrada (2012), Tragtenberg identifica tais instituições de ensino como uma
estratégia de dominação e administração que por trás de seu discurso de racionalidade, busca
controlar e domesticar as forças sociais, constituindo-se desta forma em uma organização
burocrática.

ORGANIZAÇÕES BUROCRÁTICAS

Faria & Meneghetti (2011), ao analisam Tragtenberg e Motta e afirmam que para estes
a burocracia é uma superestrutura e como tal tem sua origem nas relações sociais e materiais
estabelecidas no processo produtivo.

Ela é marcada pela busca de eficácia e eficiência, pela primazia dos fins em relação
aos meios e pelo calculismo e racionalidade para atingi-los, inclusive ela nega tudo que foge a
tal racionalidade. Portanto, busca-se eliminar qualquer traço de pessoalidade e informalidade.
Além disto, por meio de hierarquias rígidas mantêm-se o ocultamento de informações,
criando uma elite burocrática possuidora exclusiva de determinado saber e por conseguinte,
cria-se uma dependência desta. Outra característica da burocracia é sua divisão do trabalho
racionalmente realizada entre trabalho manual e intelectual, isto é, entre os que executam e os
que planejam as atividades (ESTRADA, 2012).

Suas relações são delimitadas por um conjunto de leis e normas relativas a meios de
coerção e consenso. Tais relações são hierarquicamente bem definidas, à estas não apenas
atribui-se funções e nível de poder diferentes, mas também estabelece-se uma relação de
vigilância e disciplina para garantir a submissão daqueles hierarquicamente abaixo (FARIA &
MENEGHETTI, 2011).

Segundo Faria & Meneghetti (2011),para Prestes Motta a burocratização é própria ao


sistema de capital, sendo um instrumento de dominação da classe dominante. Tal dominação
se dá por meio das organizações (empresas, partidos,exército, escolas, sindicatos, etc) e “pelo
Estado, por meio do estabelecimento de um modo de vida específico de acordo com os

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interesses do capital.” (FARIA & MENEGHETTI, 2011, p. 10). Estas organizações associam-
se a produção de riqueza, de capital e das demais mercadorias e serviços, à reprodução da
força de trabalho e a garantia da sobrevivência do trabalhador por meio do salário. Contudo,
seu funcionamento não restringe-se a tais funções.

Prestes Motta, segundo Faria & Meneghetti (2011), entende a burocracia como: poder,
controle e alienação. Por meio do estabelecimento de relações de poder as organizações
burocráticas são responsáveis “pela inculcação ideológica, pela adoção da submissão, pelos
comportamentos controlados e socialmente aceitos, todos entendidos como naturais” (FARIA
& MENEGHETTI, 2011, p. 11). Tal poder advém não só das normas que regem as estruturas
hierárquicas, mas da superioridade técnica moderna. Sua adoção e aprimoramento permite a
dominação por parte da burocracia, baseada na reprodução da dominação da natureza e na
dominação do ser humano pelo próprio ser humano. Neste contexto os conflitos são
eminentes, necessitando de mecanismos econômicos, políticos, ideológicos e psicológicos
para serem neutralizados. Desta forma o controle da burocracia não se limita às esferas do
Estado e nem às organizações produtivas.
Ele se dá também por vias inter-subjetivas. De tal forma que a burocracia não controla
somente a partir de sua tecnologia, normas, regras formais e procedimentos. Agregada à
ideologia ela é capaz de criar costumes, normas informais, ideais e imaginários, de forma a
controlar e padronizar comportamentos e ideias (FARIA & MENEGHETTI, 2011).
A ideologia, o modo de pensar e de agir reproduzida pelas instituições de ensino são
internalizadas pelos dominados, de tal forma que à estes aparece como se fosse conteúdo de
sua própria vontade. Ele internaliza um modo burocratizado de pensar, alienando o indivíduo
de seus próprios pensamentos e ações enquanto classe. Aqueles que por ventura fogem de tal
comportamento e ação é visto como irresponsável, como alguém problemático (FARIA &
MENEGHETTI, 2011).
Faria & Meneghetti (2011) ao procurar convergências entre Motta e Tragtenberg
afirmam que para estes a burocracia aparece como poder, controle e organização. Já que os
dois primeiros já foram abordados acima, aqui será abordado a questão da organização. A
burocracia é vista como um processo de racionalização, pois baseia-se em uma racionalidade
de natureza instrumental, estruturada na forma como o trabalho se organiza.

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A divisão técnica e social do trabalho estabelece a forma como as outras
dimensões da vida influenciam o cotidiano dos indivíduos. A burocracia é
organização porque está baseada em uma ordem específica que precisa ser
compartilhada e reproduzida para garantir a existência da própria civilização.
Assim, desde a organização estabelecida na forma como se estrutura a
divisão técnica do trabalho para a subordinação da existência dos homens até
a burocracia no interior do Estado, enquanto grande organização que
assegura a continuidade do processo civilizatório na modernidade, a
burocracia é vista não como produto, mas como processo de racionalização.
(FARIA & MENEGHETTI, 2011, p. 14)

Assim, a burocracia é vista como algo natural da própria civilização, em que há uma
ordem específica de funcionamento que deve ser seguida por todos. Sua organização é
calculada e estabelecida afim de garantir a consecução de determinados fins.

INSTITUIÇÕES DE ENSINO COMO ORGANIZAÇÕES


BUROCRÁTICAS

As instituições de ensino são vistas então como organizações burocráticas, isto é, são
aparelhos de poder, controle, e organização que utilizam-se de diversos mecanismos para
abafar as forças sociais que por ventura buscam enfrentar tais organizações, notadamente, os
estudantes.
Para a efetivação do controle burocrático deve haver uma “inculcação ideológica”., o
que ocorre por meio dos conteúdos e valores repassados e das práticas em que a nota equivale
ao salário, uma recompensa pelo trabalho realizado. Sua grande ideologia é sobretudo, a
ideologia da neutralidade científica, a do saber objetivo e neutro isento de interesses,
portanto, que se coloca acima das próprias contradições sociais (TRAGTENBERG, 2004).
As instituições de ensino configuram-se como uma preparação, conformação e
reprodução da esfera do trabalho. As competições entre os próprios estudantes é estimulada,
há promoções aos que atingem as metas e inclusive até a falsa liberdade de decisão de ir ou
não na escola é a mesma do trabalho (TRAGTENBERG, 2004)
Esta aparente liberdade também é refletida nos pensamentos por meio dos argumentos
de autoridade, da coerção e dos sistemas avaliativos,em que os pensamentos contra-
hegemônicos são minados nessas instituições. Há uma primazia do pensamentos técnico e
descritivo sobre o pensamento crítico, em que por exemplo, conteúdos históricos são

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reduzidos a datas e descrição de eventos, tornando insignificantes seus conteúdos
(TRAGTENBERG, 2004).
Neste contexto de organização burocrática é necessário uma rígida hierarquia em que
o professor aparece aos estudantes como a grande autoridade, que valida-se pela posição que
ocupa e pelo suposto saber que possui. A este suposto ente do conhecimento cabe a missão de
levar o estudante a sua fase adulta, tornando-o também um conhecedor. Para isto, o professor
deve ter total controle e poder sobre os estudantes. De tal forma que:

A universidade reproduz o modo de produção capitalista dominante não


apenas pela ideologia que transmite, mas pelos servos que ela forma. Esse
modo de produção determina o tipo de formação através das transformações
introduzidas na escola, que coloca em relação mestres e estudantes. O mestre
possui um saber inacabado e o aluno uma ignorância transitória, não há saber
absoluto nem ignorância absoluta. A relação de saber não institui a diferença
entre aluno e professor, a separação entre aluno e professor opera-se através
de uma relação de poder simbolizada pelo sistema de exames – “esse
batismo burocrático do saber”. […] Os valores de submissão e conformismo,
a cada instante exibidos pelos comportamentos dos professores, já
constituem um sistema ideológico (TRAGTENBERG, 2004, p.14)

O conhecimento torna-se poder que se concretiza pelos processos de exames que


medem não o conhecimento dos estudantes, mas sua adequação aos conteúdos passados e sua
conformidade com as normas e hierarquias estabelecidas. É ele um dos pontos centrais que
separam estudantes e professores e também um dos mecanismos disciplinares mais eficazes,,
motivo de grande apreensão entre os estudantes. Por meio deles que é possível qualificar,
quantificar, classificar, comparar e punir os estudantes, as turmas e até mesmo os professores.
Sua relevância é tanta que sua aplicação envolve todo um ritual que homogeniza a
aplicação das provas, a disciplina para sua aplicação deve ser suprema, estudantes
enfileirados, uma estética padronizada, horários de términos e nenhuma conversa é permitida
(BORGES, 2004).
A finalidade de todo o ritual de ensino é a eficiência nos exames, que basicamente
consiste em decorações de clichês ditos por professores. “O que prova a prova? Prova que o
aluno sabe como fazê-la, não prova seu saber” (TRAGTEMBERG, 2004). É esse processo só
prova a capacidade do estudante discorrer acerca dos conteúdos ministrados, que
normalmente são decorados de forma mecânica dias antes da avaliação e quase que
imediatamente esquecidos após esta, é que orienta o processo pedagógico. É a explicitação da

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extrema racionalização e da sobreposição do administrativo ao pedagógico.

É o professor o responsável por aplicar, elaborar e corrigir tais exames. É ele também
que irá julgar o estudante no conselho de classe, definir o programa do curso. Para cumprir
essa função ele é inspecionado, é pago por esse papel de instrumento de reprodução e
exclusão (TRAGTENBERG, 2004). É o professor mestre e juiz ao mesmo tempo.

Indo mais longe ainda Tragtenberg (2004) afirma que:

A delinqüência acadêmica se caracteriza pela existência de estruturas de


ensino onde os meios (técnicas) se tornam os fins, os fins formativos são
esquecidos; a criação do conhecimento e sua reprodução cede lugar ao
controle burocrático de sua produção como suprema virtude, onde
“administrar” aparece como sinônimo de vigiar e punir – o professor é
controlado mediante os critérios visíveis e invisíveis de nomeação; o aluno,
mediante os critérios visíveis e invisíveis de exame. Isso resulta em escolas
que se constituem em depósitos de alunos, como diria Lima Barreto em
“Cemitério de Vivos”(TRAGTENBERG, 2004, p.18).

De tal forma que as instituições de ensino, e não somente universidades, por meio da
vigilância e punição homogenizam pensamentos e comportamentos tornando-se não um local
de formação e educação, mas um local de disciplinarização e domesticação, tornando os
estudantes consumidores passivos, minando sua espontaneidade, espírito crítico e
criatividade. A relação dos estudantes com as instituições de ensino assemelha-se a relações
destes com supermercado, shopping, lanchonete, “expressa a passividade de um consumidor,
sedado frente à sedução das mercadorias que contempla” ( MORTADA, 2009, p.7).

Mas há um dos fatores que diferenciam os consumidores do conhecimentos e os dos


comércios, pois os primeiros não possuem o fascínio dos segundos, sendo o ponto de encontro
destes principalmente as relações clientelistas e a passividade, ao invés da sedução frente as
mercadorias. Exceto na universidade, onde esta sedução frente a própria miséria de fato
ocorre.
Logo, “se os estudantes procuram conhecer os espíritos audazes de nossa época é fora
da universidade que irão encontrá-los.”(TRAGTENBERG, 2004, p.14 e 15.) Diria que isso é
válido não só a universidade, mas qualquer instituição de ensino, pois

o estudante não se sente bem, esgota-se, vive infeliz, não desenvolve

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livremente suas energias físicas e mentais; é perfeitamente possível dizer que
o estudante foge da sala de aula como quem foge da peste, mesmo se fizer
necessário enfrentar um sistema organizado de coerções que lhe impõem a
permanência na escola (muros, grades, fiscais de corredor, supervisores,
chamadas, etc.). ( MANOLO, 2008, p. 16)

Uma verdadeira formação crítica do estudante não se dará dentro destas instituições,
ou ao menos, não dentro da sala com os supostos mestres, mas sim por meio de outras
relações estabelecidas; grupos de estudos autônomos, conversas entre colegas, relações
informais com professores, o movimento estudantil.

Como organização burocrática as instituições de ensino possuem poder, organizam e


controlam aqueles que a compõe. Ainda que tais elementos se diferem, estão intrinsecamente
relacionados. Por meio da extremada racionalização as instituições de ensino possuem rígidos
horários e funções. Tudo é calculadamente organizado e impessoal, horários para adentrar nas
dependências, horas de estudo, horas de intervalo, o conteúdo ministrado é minimamente
calculado tal como a forma de ministrá-lo. Diretrizes do MEC que devem ser seguidas,
processos avaliativos que devem acontecer em determinado período e que devem ser
respondidos de determinada forma, limite de faltas, trabalhos e tarefas de casa que controlam
o próprio tempo fora destas instituições. Uma hierarquia clara entre estudantes e professores e
entre gestores e professores, instâncias claramente definidas, um conjunto de normas a serem
seguidas, vigilância para averiguar se tais normais estão sendo seguidas, punição se não,
recompensa se sim, etc. Mesmo na universidade em que professores e alunos possuem uma
maior autonomia, tal organização é inflexível, produções exigidas dos professores, presença e
avaliação dos estudantes. Tudo é racionalmente organizado afim de garantir maior eficácia e
controle possível.
Seu poder se concretiza principalmente pela obrigatoriedade da escolarização básica e
do ensino superior para uma mão-de-obra mais qualificada, portanto, com possibilidades de
conseguir melhor remuneração. Assim, submeter-se a tal organização, controle e poder é
necessário para a inclusão na sociedade capitalista.
Por meio deste controle busca-se a submissão e disciplinarização. Segundo Borges
(2004) para Foucault esses mecanismos de disciplinarização permitem a sujeição e
docilização dos corpos por meio de um controle minucioso da operação destes. Ele afirma que
a “(...) disciplina fabrica assim corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças do corpo (em

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termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de
obediência)”(FOUCAULT, 1977 apud BORGES, 2004, n.p.). A própria configuração da sala
de aula é organizada de modo a docilizar os corpos; o professor à frente com visão
panorâmica de todos os estudantes, estes rigidamente alinhados, sentados e uniformizados em
fila, olhando para frente em direção ao professor, com capacidade de locomoção restrita a
cadeira em que para sair do espaço da sala de aula é necessário autorização, mesmo para ter
direito a ir ao banheiro é necessário tal autorização. Segundo Borges (2004), Foucault foi
ainda mais longe ao comparar as escolas com as prisões por conta de

“sua composição arquitetônica. Classes distribuídas lado a lado sem


nenhuma comunicação, grades nas janelas, refeitório comunitário, muros
altos e com grades, portões sem nenhuma visibilidade com o lado externo à
escola.”(FOUCAULT, 1977 apud BORGES, 2004, n.p.).

Não basta apenas o cumprimento do horário por parte dos professores e alunos, “(...)
procura-se também garantir a qualidade do tempo empregado: controle ininterrupto, pressão
dos fiscais, anulação de tudo que possa perturbar distrair; trata-se de constituir um tempo
integralmente útil (...).” ( FOUCAULT, 1977, p. 137 apud BORGES, 2004, n.p) Por isto as
excessivas tarefas de casa, os trabalhos, pois o tempo e as atividades devem ser controlados,
este deve ser produtivo para a organização burocrática.

O professor é vigiado e controlado pela coordenação e direção, é a personificação da


subordinação, mas que ao mesmo tempo deve impor a obediência , o que o leva a uma
dominação compensadora, em que desconta nos estudantes a subordinação a qual deve se
submeter ( TRAGTENBERG, 2004)

Assim, o professor tende a continuar este ciclo de dominação, embora vale observar
que não necessariamente tal ciclo irá reproduzir-se integralmente, pois é possível resistências
ao próprio papel de autoridade por parte de professores, ainda que com os devidos limites.
Contudo, sobra-se do professor justamente este papel de autoridade.

Os professores ficam entalados entre o Estado ou os donos das escolas, por


um lado, e, por outro, os estudantes. E para muitos professores os estudantes
são uma ameaça bem pior do que o Estado ou os patrões privados, já que

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estes, se pagam mal, pelo menos os reforçam na autoridade, enquanto os
alunos são um perigo permanente para a hierarquia e para a disciplina.
Qualquer manifestação de protesto por parte de alunos que inclua atos de
indisciplina ou vexames feitos a autoridades acadêmicas são vistos com
indignação pela esmagadora maioria dos professores, se bem que estes atos
não atinjam os professores pessoalmente (NASCIMENTO, 2008, n.p.)

Ao estudante cabe ficar na escala mais baixa hierarquia, controlado por todos os outros
e a cada mínima subversão a essa ordem ele é punido, tais subversões vão desde atrasos à
negligência ou erros de atividades, até a falas desrespeitosas, comportamentos inadequados e
até a própria sexualidade (NASCIMENTO, 2008)

De tal maneira que há normas explícitas e as implícitas, assim como um currículo


visível e invisível (NASCIMENTO, 2008). Estas determinam maneiras de agir que
ultrapassam as questões disciplinares educacionais e vão para a esfera do privado, da moral e
do sexual. Os conteúdos não devem ser apenas ministrados, devem ser ministrados de modo
específico, os estudantes não devem apenas aprender tal conteúdo, mas devem aprender de
uma determinada maneira, explicitando-o de uma maneira específica, eles não devem somente
estar na escola, mas devem estar comportando-se de determinada maneira. Tudo é
minimamente organizado e controlado para que se alcance determinados fins. Para que isto
ocorra com a maior eficiência e eficácia possível o clima de vigilância deve ser constante, o
estudante deve saber que pode ser vigiado a qualquer momento, contudo, nunca deve quando
o está sendo (BORGES, 2004).

Nesse contexto as normas, a hierarquia, assim como as punições e recompensas


tornam-se consequências lógicas e passam a ser naturalizadas. É uma preparação dos
estudantes para o futuro disciplina, punição e recompensa presentes no trabalho. Nota baixa,
reprovação, reuniões com os pais suspensões, reprovação, dentre outros, são mecanismos
punitivos que criam ambiente de medo, deixando os alunos aflitos, demonstrando a eficácia
de tais punições (BORGES, 2004).

É o professor o responsável por aplicar, elaborar e corrigir os exames, que irá julgar o
estudante no conselho de classe, definir o programa do curso, encaminhará estudantes
indisciplinados e insatisfatórios para a coordenação. Para cumprir essa função de controle,
reprodução e exclusão ele é pago, mas também inspecionado. É o professor mestre e juiz ao

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mesmo tempo. (TRAGTENBERG, 2004).

Este papel do professor tem como consequência um conflito entre ele e o estudante,
mesmo com aqueles professores mais progressistas, pois ainda estes que buscam romper com
as hierarquias capitalistas, no âmbito de sua profissão reforçam a disciplina e obediência. (
NASCIMENTO, 2008)

Este apreço do professor a autoridade é uma das grandes dificuldades na construção de


uma solidariedade de classe entre estudantes e professores. Solidariedade que se faz
necessária para romper com as organizações burocráticas e construir novas relações sociais.
Assim, conflitos que são essencialmente de classe, já que esta organização burocrática
não serve se não a perpetuação da sociedade de classes, tornam-se também conflitos entre
categorias, não saindo desta aparência. Enquanto os professores não buscarem romper com
este papel de autoridade, uma solidariedade real entre estudantes e professores não será
possível, pois ainda que possam estar lutando lado a lado por algumas causas, como pela
universidade pública, no dia a dia dos estudantes, estes mesmos professores aparecem como
carrasco.

A escola é um espaço contraditório, nela o professor se insere como agente da


reprodução da sociedade capitalista e ao mesmo pode vir a enfrentar tal estrutura quando
reivindica, contribui para o desenvolvimento do pensamento crítico, aplica métodos que não
os hegemônicos de ensino e busca construir relações de solidariedade com estudantes. Essa é
a ambigüidade da função professoral.

Assim, neste movimento contraditório, embora possua uma função eminentemente


conservadora, que o próprio professor tende a reforçar ao se colocar enquanto autoridade, este
mesmo agente da reprodução da ordem pode também questioná-la quando coloca-se em
conjunto com sua classe e não enquanto agente da burocracia. Para ir além das reivindicações
de categorias, atuando enquanto classe e só deste modo enquanto contestador do sistema, é
fundamental a criação de estruturas horizontais entre professores, estudantes e funcionários,
pois “a autogestão da escola pelos trabalhadores da educação – incluindo os alunos – é a
condição de democratização escolar.”(TRAGTEMBERG,1985, p.72.).

Contudo, isto não depende somente da vontade do professor, uma vez que seu papel se
dá pela estrutura das instituições de ensino, isto depende sobretudo das forças sociais que se

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constituem tanto dentro quanto fora do ambiente escolar; movimento estudantil, organização
dos professores, eclosão de lutas sociais, dentre outros.

A escola constitui-se então como um espaço de contradição, de disputa das forças


sociais, é a escola

[...] que os aproxima [estudantes], que impõe a formação de relações sociais


entre si e que os reúne num só espaço físico. É na escola que quantidades
determinadas de estudantes, escolhidas através de critérios que variam
(comportamento, idade, série, sexo, etc.), são socadas no mesmo espaço
físico; é a partir da convivência na escola, da resistência conjunta ou
aceitação de regimes comuns de disciplina, que se formam relações sociais
que duram às vezes uma vida inteira. ( MANOLO, 2008, p. 13).

É justamente ao colocar no mesmo espaço inúmeros estudantes, em sua maioria,


oriundos da classe trabalhadora e futuros trabalhadores, submetidos ao mesmo conjunto de
disciplina que a escola constitui-se em um espaço privilegiado de lutas sociais. A tensão entre
estudantes e professores e estudantes e burocracia, pode vir a desenvolver organizações que se
propõe a destruir as organizações burocráticas (ESTRADA, 2009). Como uma destas
possibilidades de destruição, pode se encontrar o movimento estudantil.

MOVIMENTO ESTUDANTIL

. De forma bem genérica aqui movimento estudantil é compreendido enquanto


participação política de estudantes em torno de revindicações estudantis específicas ou
reivindicações relacionadas a conjunturas políticas que vão além da condição estudantil (DO
VALLE, [20--]).
Há duas características próprias do movimento estudantil; sua transitoriedade e seu
policlassismo (FORACCHI, 1972). Isto é, a categoria de estudante é em si transitória,
abrangendo apenas seu período de formação, portanto, a base do movimento estudantil é
constantemente renovada, fazendo com que muitas experiências históricas se percam, criando
um desafio constante de continuidade e formação. Como já explanado anteriormente as
instituições de ensino reproduzem a divisão social do trabalho, portanto, em um mesmo
ambiente encontra-se aqueles que ocuparão funções desiguais nas relações de produção, e

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mesmo nesta divergência pode haver pautas comuns entre estes estudantes, como democracia
na instituição do ensino, espaço de convivência, etc, sendo um movimento a princípio
policlassista, embora ele possa fazer recortes e uma clara escolha de classe, rompendo com o
policlassismo, apesar de sua composição. Assim, o caráter do movimento estudantil não pode
ser atribuído a priori, este pode ser conservador, progressista ou revolucionário, burocratizado
ou não, depender-se-à das relações sociais constituídas que se orientarão a partir de seus
interesses de classe.
Portanto, o movimento estudantil pode tanto se opor a ordem, enfrentando as
organizações burocráticas, criando novas relações sociais e questionando sua condição de
estudante e a própria exploração do trabalho, buscando assim, superar a própria sociedade
capitalista ou pode ser um aliado desta, reproduzindo suas relações sociais, tornando um
órgão de controle e tornando-se também uma organização burocrática. Nos dois espectros
destas possibilidades encontra-se o movimento estudantil autogestionário e o movimento
estudantil burocratizado.

BUROCRACIA ESTUDANTIL
Antes de começar propriamente análise aqui vale uma ressalva. Ainda que o
movimento estudantil burocratizado seja aqui tratado como algo essencialmente conservador,
é necessário pontuar que contraditoriamente ainda assim tal movimento pode contribuir para
conquistas estudantis classistas, como pautas contrárias a privatização da universidade e por
permanência estudantil, contudo, por não ser capaz de romper com as estrutura de
disciplinarização e controle dos estudantes, ela cumpre efetivamente um papel historicamente
conservador, ainda que no âmbito imediato das aparências isto não transpareça.
Ademais, entidades centralizadas e burocratizadas podem iniciar processos nos quais
democratiza-se o poder por meio de assembleias estudantis, conselho de entidades de base,
federações estudantis, entre outros, em que nestes próprios processos tais entidades
centralizadas e burocratizadas sejam suprimidas e/ou percam qualquer relevância. Assim,
trata-se antes de qualquer coisa não de essencializar relações, mas sim de uma análise que
parta da própria realidade, das relações sociais concretizadas
Como já dito anteriormente as organizações burocráticas são hierarquizadas, possuem
normas estabelecidas, marcadas pela impessoalidade, com divisão de papéis minuciosamente

15
estabelecidos e marcada por segredos e ocultamento de informações. A vigilância e a
disciplina de seus membros são necessários para garantir o seguimento das normas, dos
papéis e da hierarquia. Há uma divisão do trabalho intelectual e manual, isto é, há uma divisão
clara de quem elabora e quem executa as atividades, uma primazia dos fins sobre os meios e
extrema racionalização de seu funcionamento e atividades (ESTRADA, 2012).
Partidos, sindicatos e entidades estudantis ao terem uma estrutura dividida entre
dirigentes e dirigidos, cria uma rígida hierarquia e com ela a necessidade de uma vigilância
para fazê-la valer e em que somente a alta burocracia tem acesso a totalidade de informações,
um rígido regimento interno, além de leis do próprio Estado que legalizam e homogenizam e
limitam seu funcionamento, especialização de funções e uma extrema racionalização de suas
atividades, constituem-se desta forma organizações burocráticas. Mas vale ressaltar que é
possível encontrar algumas entidades estudantis não burocráticas, pois estas são estudades
estudantis de base, notadamente alguns Centros Acadêmicos e Grêmios que conseguem por
estar envolvido no cotidiano dos demais estudantes romper com esta divisão entre direção e
base e mesmo com a própria democracia representativa, instaurando regimes de democracia
direta por meio de assembleias. Não é o nome que determina a burocracia de um órgão, mas
as relações sociais estabelecidas nestes.
Estas organizações burocráticas longe destes serem instrumentos anti-capitalistas,
tornam-se instrumentos da própria ordem, necessários para a manutenção do capitalismo.

As instituições intermediárias, como o sindicato e os partidos políticos, são


instituições burocráticas que incorporam a mesma lógica das empresas
capitalistas. A racionalidade instrumental penetra nessas organizações de tal
maneira que a própria gestão dessas organizações é espelhada na gestão das
empresas privadas. A administração financeira, a contabilidade, as técnicas
de marketing, a publicidade e propaganda são semelhantes às das empresas,
ou seja, carregam no seu cerne os mesmos princípios ideológicos
definidos pelo capital ( FARIA & MENEGHETTI, 2009,p. 9 ).

Khayati (1966/2002) membro da Internacional Situacionista que tivera grande


relevância para as explosões das revoltas estudantis na França em Maio de 68, afirma que
esta mesma lógica do sindicato e partido encontra-se no movimento estudantil, tanto que ele
usará o termo sindicalismo estudantil, afirmando que ele “não passa, [...], da caricatura duma
caricatura, a repetição burlesca e inútil de um sindicalismo degenerado”.(p.47) Isto é, este
movimento estudantil burocratizado seria uma caricatura do movimento sindical que por sua

16
vez já seria uma caricatura do que em sua origem teria sido o movimento sindical. Sendo
atualmente uma estrutura burocrática, incapaz de contribuir para a transformação social
enquanto em sua gênese era justamente este seu papel. Nesse contexto o movimento
estudantil burocratizado seria a caricatura de algo já falido e burocratizado, portanto, mais
ignóbil ainda para um papel emancipatório. Este movimento estudantil burocratizado
reproduz em micro escala aquilo que em tese combate, busca combater o inimigo pelas suas
próprias armas, quer romper com as instituições de ensino burocráticas por meio da própria
organização burocrática.
Como exemplo concreto desta caricatura pode-se citar a União Nacional dos
Estudantes (UNE). Se na ditadura civil-militar brasileira a mesma teve uma relevância
significativa em seu combate, hoje constitui-se em uma “ entidade absolutamente afastada dos
problemas reais e cotidianos dos estudantes, burocratizada, servindo quase que
exclusivamente para palco das disputas hegemônicas entre as juventudes desorientadas dos
partidos políticos brasileiros”( MARIANA, 1992, p.1).
Outro exemplo bem relevante é a União Nacional dos Estudantes Franceses (UNEF)
que em 1968 em meio ao momento de efervescência nas universidades, em meio a ocupações
das universidades pelos estudantes, buscava a todo momento apassivar e controlar a revolta
estudantil, deslegitimando as atuações autônomas e por vezes buscando sabotá-las
(KHAYATI,1966/2002).Tornando-se deliberadamente e conscientemente um agente da ordem.
A atuação destas entidades restringem-se a atuações dentro das normas, minando as
atuações mais radicais que passam a ser vistas como indesejáveis e politicamente
desinteressantes, inclusive porque não angariam votos de estudantes mais conservadores e
moderados. Estas organizações burocráticas buscam controlar toda a movimentação
estudantil, mantendo-as sobre sua própria organização e controle. As lutas independentes
quando não controladas ou são ignoradas ou deslegitimadas ou ainda são instrumentalizadas
por estas entidades, que as usam para se promover, obter informações e ganhar militantes para
seus grupos.
Como organização burocrática o fim é mais importante que o meio, assim, o processo
e a pedagogia de luta que potencializa o acúmulo de força estudantil, formação política sobre
a pauta específica e pequenos trabalhos cotidianos que não ganham destaque não são
priorizados, pois tais processos são demorados e por vezes pouco visíveis. E como tais
entidades sobrevivem por meio do voto, em última instância este é sempre o fim de suas

17
ações, tornando-as um fim em em mesmo.
Para esta disputa eleitoral faz-se necessário jogar com posições antagônicas, tornando-
se uma organização não só contraditória como também oportunista. Há uma primazia pela
espetacularização da luta política, em que torna-se mais importante a aparência de conquistas
do que a luta em si, de tal forma que prioriza-se negociações em gabinetes, assembleias e atos
grandiosos, mas que morrem em si. Até porque uma condição para a manutenção do controle
do movimento estudantil, e por conseguinte do monopólio de negociação com a
direção/reitoria, pela organização burocrática é justamente a desorganização e apassivamento
estudantil, caso contrário, ela perde sua razão de existência.
Há desta forma também uma disciplinarização dos estudantes, pois embora em tese
busca-se estimular sua participação política, busca-se fazê-la sobre determinados modos
específicos que garantam a não ruptura com o poder da burocracia estudantil.
Fortalece-se a politica representativa em que delega-se a atuação política para os
dirigentes eleitos. À ela é dada a tarefa de organizar os estudantes, opondo-se a organização
destes por eles mesmo. Ainda que haja assembleia para deliberações coletivas, fica a cargo de
tal gestão encaminhar tais atividades ou mesmo convocar tais assembleias. Por meio desta
separação entre base e direção forma-se a cúpula estudantil, à esta como entidade legalmente
representativa dos estudantes fica a responsabilidade de conversa e negociação com outros
burocratas; diretores, reitores, secretários de educação, etc. De tal forma que a burocracia
estudantil possui o poder não só de negociar com estes como também o acesso a informações
que estes optam por repassar ou não, podendo filtra-las ou mesmo ocultá-las em sua
totalidade.
A mera eleição não garante a legitimidade das gestões eleitas, para isto, esta têm-se
que fazer ativa, inserir-se minimamente nos espaços e movimentos estudantis, mas não deve
se inserir de qualquer maneira, insere-se para legitimar o poder que lhe fora outorgado, assim,
sua inserção nos meios estudantis é calculada. Suas atuações são instrumentalizadas e
racionalizadas para seu próprio objetivo político e não o de construção da luta em si. O fim, a
de legitimar seu papel enquanto gestão e de garantir novamente sua eleição orienta suas ações,
como organização burocrática que é, os fins sobrepõe-se aos meios.
Nos espaços em que as organizações burocráticas se encontram, como em que a
burocracia estudantil é também pertencente a burocracia partidária, e que é o mais comum, o
problema se agrava.

18
No centro acadêmico gerido pelos “partidos revolucionários” a linha já está
dada, pois a palavra já está proferida e a verdade é una. Este enquadramento
suprime certas diferenças e tenta expulsar os riscos mediante a quebra desta
palavra. Único modo de fazer, único modo de se chegar à utopia visada.
Tenta-se expulsar todo possível abalo no que já está dado […].( JUNIOR &
PASSETTI, 2011, p.7.).

Isto é, a política não é construída em conjunto com os estudantes, a política já está


determinada a priori pela linha do próprio partido. Nestes casos, a burocracia e racionalização
são extremadas, uma vez que a entidade estudantil é instrumentalizada para os interesses do
partido. Não raro, tais entidades voltam-se somente para questões amplas, como 10% do PIB
da educação, abandonando as questões cotidianas estudantis, reduzindo-se a chavões e
palavras de ordem, ao invés de um fortalecimento da atuação no próprio local de estudo, o
que efetivamente cria condições de lutar por questões amplas. Fechando a entidade estudantil
em si mesma em suas próprias disputas estéreis.
Desta forma:

'Na esfera política, a participação das pessoas perde sentido, sobretudo,


porque as pessoas não participam de fato das decisões relevantes. É
fortalecida a aparência de que a democracia é efetivamente o regime político
dominante. Isso ocorre por meio dos partidos políticos e sindicatos, vistos
como organizações burocráticas que criam a falsa sensação de participação
democrática nas decisões políticas da sociedade.”( FARIA &
MENEGHETTI, 2011, p. 10.)

Assim, há nestas entidades estudantis um estímulo a participação política somente no


âmbito da aparência, pois as decisões e execuções das atividades políticas não são resultados
dos próprios estudantes e sim da burocracia estudantil. Ao fortalecer uma política
representativa, fortalece-se a passividade e submissão do estudantes que delegam a outrem
sua participação política. O controle que esta burocracia estudantil possui sobre os estudantes
ao terem dinheiro, serem democraticamente eleitos e carregarem autoridade de representantes
cria uma separação entre os burocratas estudantis e o resto do movimento estudantil. Estes
primeiros, mesmo sem qualquer participação coletiva detém o poder de negociar em nomes
destes estudantes. Tais entidades buscam garantir o controle dos outros estudantes a fim de
que seus interesses se concretizem e que consigam novamente se eleger, os estudantes e
consequentemente o movimento estudantil tornam-se instrumentos destes burocratas que se

19
promovem politicamente e/ou o seu próprio grupo em cima da condição estudantil.
Tal como na sociedade capitalista o trabalho morto sobrepõe-se ao trabalho vivo, no
movimento estudantil burocratizado a atividade morta sobrepõe-se a atividade viva. Política
de gabinete, assembleias ilusórias, massas de manobra, opõe-se e combatem a
espontaneidade, autonomia e autogestão das pessoas. E assim fortalecem o capitalismo sob a
falsa aparência de combatê-lo. Cria-se somente novos burocratas.
Por todo o exposto tais entidades estudantis mostram-se tão problemáticas para a
transformação social quanto as instituições de ensino. Assim, só é possível romper com a
organização burocrática rompendo com tal modo de funcionamento e uma condição sine que
non para isto é a ruptura deste modelo de heterogestão para um de auto-gestão.

AUTOGESTÃO
Só há efetivamente a concretização da auto-gestão quando esta atinge o processo
produtivo e estende-se para toda sociedade, implicando em uma mudança radical na
organização sócio-política da sociedade, em suma, com uma revolução. Contudo, ainda que
não seja efetivamente possível uma auto-gestão em uma sociedade heterogerida, isto é, gerida
por outrem, pode-se falar em auto-gestão das lutas, que é o ponto necessário para a auto-
gestão da sociedade.

[...]Gerir as empresas e a sociedade é algo que se aprende de uma única


maneira: gerindo as próprias lutas. Só assim os trabalhadores podem
começar a emancipar-se de todo o tipo de especialistas e de burocratas. E
com este objectivo não há experiências simples demais. Por modesta que
seja uma experiência, os participantes vão-se habituando a dirigir a sua
actividade e vão aprendendo na prática aquilo que opõe essa solidariedade e
esse colectivismo ao Estado capitalista. É esta a única maneira sólida como
os trabalhadores podem, no plano prático, reforçar progressivamente a sua
capacidade de organizar as empresas e a sociedade e, no plano ideológico,
forjar uma consciência de classe ( BERNARDO,2005, p.2.).

Indo mais longe ainda, Bernardo (2005) afirma que:

Em qualquer luta importa mais a forma de organização dos participantes do


que o conteúdo ideológico inicial. A tomada de consciência faz-se através da
possibilidade que cada pessoa tiver de colaborar na condução prática da luta,
sem se limitar a ouvir doutrinas ensinadas por outros. A aprendizagem
ideológica só é criativa quando ajuda a conceptualizar experiências já

20
adquiridas ou em vias de aquisição; e quanto mais profundamente vividas
forem essas experiências tanto mais longe se pode levar a aprendizagem
ideológica. É a luta o fundamento e o principal motor desta pedagogia, e a
autonomia ou se aprende a partir de uma base prática ou não se aprende.
Estes são critérios totalmente opostos aos do Estado capitalista.”. (
BERNARDO,2005, p.2.).

Desta forma, o caráter revolucionário de uma luta não apresenta-se meramente pela
sua reivindicação, mas sobretudo pelo modo como a mesma desenvolve-se. É por meio da
prática anticapitalista, que o é desde já por romper com a divisão entre dirigente dirigidos,
com a heterogestão do tempo e das atividades e com a disciplinarização externa, em suma por
romper com os princípios e formas de funcionamento capitalista, que uma verdadeira
consciência e prática classista desenvolve-se.
A auto-organização da luta não é somente forma de luta é também expressão de um
determinado conteúdo político, assim, falar do caráter radical da auto-gestão não implica na
priorização da forma em detrimento do conteúdo, de uma fetichização da forma, tampouco,
em esvaziar as lutas de seus conteúdos políticos, uma vez que as reivindicações são
expressões de classe e a partir dela que se abre possibilidades de mobilização. Mas trata-se de
reconhecer o conteúdo eminente político da auto-gestão que está para muito além da forma.
Assim, rompe-se com a subordinação, disciplinarização imposta,controle,
autoritarismo e hierarquias presentes nas organizações burocráticas, emergindo a
horizontalidade e a autodeterminação coletiva e a a auto-disciplinarização como crítica radical
a estas. Por meio da máxima participação, da democracia direta, da não profissionalização de
funções, da autonomia da luta que se garante a construção de experiências libertárias, ao invés
de novas experiencias de opressão e formação de novas elites (BERNARDO, 2005).
É em meio a uma prática concreta de luta que rompe-se com as relações de dominação
cotidiana. Trata-se de começar desde já, nas práticas cotidianas e nas lutas transformadoras, a
construir a sociedade que almeja-se (MODONESI, 2011). Não há desta forma uma primazia
do fim sobre o meio,estes são por princípio indissociáveis, o que em última instância equivale
a dizer que a autogestão da sociedade começa na autogestão das lutas.

MOVIMENTO ESTUDANTIL AUTOGESTIONÁRIO

Ao atuar em consonância com uma radical transformação na sociedade, “ pode-se


21
dizer que enquanto movimento político, radical e ideológico, [o movimento estudantil] é, em
contraste, um movimento adulto que contesta em termos adultos, as alternativas propostas
pela sociedade”.(FORACCHI, 1972, p. 92) Ao dizer adulto a autora não parte de uma
subjugação da juventude, e sim nega uma natural rebeldia do movimento estudantil por conta
de sua composição jovem, colocando-o como movimento político capaz de questionar a
totalidade das relações sociais na sociedade capitalista.
Ao se opor a sociedade capitalista o movimento estudantil autogestionário pode
contribuir para a transformação social, pelo menos, das seguintes maneiras: a) ao constituir
novas relações sociais; b) ao desenvolver e formar novos saberes; c) desenvolver novas
subjetividades; d) desenvolver consciência de classe; e) se opor à proletarização estudantil e
lutar por outro projeto de educação; f) na pedagogia das lutas ; g) ao contribuir ativamente na
construção de novas lutas; h) ao impulsionar processos revolucionários. Ainda que tais itens
estejam imbricados, não existindo de fato uma divisão na realidade, será feito uma divisão
destes para melhor compreensão, sendo necessário ter clareza que se tratam de momentos
distintos de um mesmo processo.

Ao romper com a passividade e submissão imposta pela organização burocrática novas


relações sociais emergem; tanto de estudantes com outros estudantes, destes com o saber e
com a instituição de ensino e com os professores e outros funcionários e novas relações que
ultrapassam os muros das instituições de ensino.

Dependendo do avanço da luta esta é capaz de romper de tal forma com as relações
postas, que rompe com modelos de ensinos tradicionais, amplia as relações democráticas nos
espaços escolares e podem até – ainda que temporariamente – mudar a função social da
escola. É o que se viu, por exemplo, nas ocupações das escolas, no caso citado no Colégio
Cecília Meirelles em Goiânia, em que por meio de aulões de ENEM afim de amenizar
conflitos entre estudantes alterou-se – ainda que por um tempo muito restrito - a própria
função da escola.

Essa escola, que funcionava de acordo com as determinações de uma,


digamos, lei dos índices, com o cumprimento de metas estabelecidas para
formação de uma força de trabalho subserviente, se utilizando da
organização hierárquica do trabalho e para atender interesses da gestão da
Secretaria de Educação, mudou sua lei de funcionamento. Passou a
funcionar de acordo com a lei do social, ou seja, realizar suas atividades
formativas-educativas para se legitimar socialmente junto ao público
consumidor da escola, ter utilidade frente a ele para conseguir se contrapor

22
ao poder estatal. (MARXISTA, 2016)

Ademais, a luta cria laços de solidariedade entre os estudantes, que passam a ver-se
não somente mais como competidores na escola ou mesmo futuramente no mercado de
trabalho e acesso ao ensino superior, mas como camaradas que lutam junto. Também a
atuação e vivência coletiva cria relações e laços profundos que possibilitam romper na prática
com o individualismo e mesmo com a violência entre os próprios estudantes, em específico a
grupos marginalizados, emergindo novas relações étnico-raciais, entre os gêneros e população
LGBT. O que pode ser melhor compreendido pela análise de uma estudante secundarista de
São Paulo, em que diz

Dentro da ocupação, nós, alunos, construímos um mundo nosso. Um mundo


longe de machismo. Longe de racismo, de homofobia, de transfobia, de
gordofobia e de qualquer tipo de preconceito. Construímos um mundo de
solidariedade e empatia. Um mundo onde existe utopia e dimensão do
coletivo. Construímos um mundo de respeito, amor e carinho um pelo outro.
Um mundo onde existe utopia e esperança de nunca desistir. (MATOS,
2015).
Por meio destas novas relações, novos questionamentos e saberes emergem. Os
estudantes descobrem-se agentes do conhecimento. As salas de aula passam a ser vistas como
opostas a criação de conhecimento, como espaços estéreis marcados somente pela reprodução,
ao invés da produção. Ao desvincular o saber do poder abre-se um campo de possibilidade
efetiva da produção de novos saberes. Grupo de estudos autônomos, debates conduzidos pelos
próprios estudantes, produção coletiva de materiais de texto, palestra dada por estudantes,
todo um campo de possibilidade se abre. A autonomia e a criatividade é estimulada,
produzindo-se novos saberes, superando aquela mera mecanização e reprodução de velhos
saberes. Rompe-se inclusive com a forma de produção individualizada, criando produções
coletivas.

Como exemplos pode-se citar as comissões de estudo, formadas ora só por estudantes,
ora por estudantes e docentes nas universidades ocupadas no Maio de 68 francês, dentre as
quais “ensino”, crítica à universidade de classe”, “ação direta”, entre outras (GROPPO, 2006).
Ou um exemplo mais modesto, mas nem por isso irrelevante do Centro Acadêmico de
Psicologia da UFG, em que em seu manifesto anti-aulista convida os estudantes a faltarem
aula por um dia e a ocuparem a universidade afim de produzir novas relações sociais e novas
formas de conhecimento.

23
Estudamos tanto, que não temos tempo para pensar, que nossas relações
afetivas, formação cultural e política e mesmo acadêmica se empobrece. Por
isso, fazemos este chamado, para irmos à faculdade, mas desta vez não para
ocuparmos a sala de aula, não para reproduzirmos. Mas sim para criarmos ou
ao menos desenvolvermos relações diferentes das que constituímos
diariamente. E paralelo a isto, esse ato se constitui enquanto um protesto por
essa formação aulista, vamos mostrar que formação se dá pra muito além de
sala de aula, que nós também somos agentes de nossa formação […] Sei lá,
vamos fazer nossa própria abordagem. Vamos ler, vamos conversar sobre
cinema, literatura. Vamos explicar o que queremos. Vamos olhar além da
caixa, juntxs! ( CENTRO ACADÊMICO DE PSICOLOGIA, 2014, n.p).

Com estas novas práticas e conhecimentos tensiona-se também com o próprio


“inculcamento ideológico”. Assim, tais experiências tensionam com a autoridade concedida
pelo saber. Com isto, o próprio processo de aprendizagem transforma-se e a relação do
estudante com o estudo, ampliando a visão de aprendizagem para além da sala de aula e
mesmo a possibilidade de análises críticas do processo de luta feita pelos seus próprios
agentes.

Junto com isto produz-se novas subjetividades, isto é, uma novas formas de perceber,
sentir, atuar e ser. Como já dizia Khayati (1966/2002) a potência do espetáculo reside também
em seu governo sobre “os sonhos que as suas vítimas criam para escapar de seu reinado. Esses
sonhos de hoje não passam, na realidade, dos pesadelos de amanhã”(p.27). Estas novas
subjetividades implicam em novas fantasias e sonhos, no desenvolvimento de novas utopias.
Possibilita-se a superação do que Khayati chama de “menopausa do espírito.”Ao invés de
sentimentos de impotência e isolamento emergem sentimentos de revolta, de auto-confiança e
solidariedade. Aumenta-se as condições de criatividade e espontaneidade. Ainda que trata-se
de um período fruto de uma ocupação universitária e imerso em um período revolucionário,
portanto, um período bem específico na história, os relatos sobre Maio de 68 são elucidativas
acerca da emergência destas novas subjetividades

Aqueles que nunca se atreveram a dizer nada, de repente sentiam como se


seus pensamentos fossem os mais importantes do mundo – então os
expressavam. O tímido tornou-se comunicativo. O desamparado e isolado de
repente descobriu que a força coletiva se encontra em suas mãos. O
tradicionalmente apático de repente se engajou intensamente. Uma tremenda

24
onda de comunidade e coesão apanhou aqueles que anteriormente se
achavam impotentes e isolados [...]As pessoas simplesmente apareceram e
começaram a conversar umas com as outras sem o menor sinal de
constrangimento. ( SOLIDARITY, 2003 ,p. 49)

Estas novas subjetividades constituirão indivíduos que romperão com as


subjetividades burocratizadas, refletindo-se em suas relações sociais e militância, podendo
intervir na motivação, interesse, criatividade e relações na construção de novas lutas sociais.

Por meio destas novas subjetividades, relações e conhecimentos os estudantes


avançam na compreensão de sua formação. Não estão ali para a constituição de uma
consciência crítica, mas para uma formação de mão-de-obra especializada. O estudante
percebe também sua precarização cada vez maior por meio das condições precárias e
limitadas que encontra sua instituição de ensino.

O aspecto decisivo a considerar é que as reivindicações de carreira levam o


estudante a perceber, gradativamente, que as implicações sociais da sua ação
são amplas, ou seja, que mais que o padrão vigente de carreira o que ele mais
deseja transformar é a ordem que o produz assim. Ou, em outras palavras: o
que, na verdade, ele precisa modificar é a ordem social que sustenta esse
padrão corrompido de carreira.( FORACCHI, 1972, p. 201)

O engajamento no movimento estudantil favorece a percepção que os problemas que


estes enfrentam estão intrinsecamente relacionados com a própria estrutura de sua instituição
de ensino que por sua vez é produto da própria estrutura da sociedade. O antagonismo dos
interesses vão tornando-se mais claros, desenvolvendo-se desta maneira uma consciência de
classe, fazendo com que o estudante lute por pautas classistas, buscando integrar seu
conhecimento e militância a transformação social e se engaje e contribua em outras lutas fora
das instituições de ensino.

Perceber-se e posicionar-se enquanto classe não contrapõe-se a luta contra a condição


específica do estudante. Consistindo este em um erro comum do movimento estudantil que
“vai ao povo em busca de uma revolução que não leva em conta a sua própria participação, a
partir de seu próprio lugar na produção e na divisão social do trabalho”(NASCIMENTO,
2008, n.p). Assim, ao entender-se enquanto oriundo e defensor dos interesses de uma classe,
no caso a classe trabalhadora e entendendo suas especificidade enquanto estudantes nas
relações produtivas o estudante passa a combater a sua própria condição e proletarização

25
concomitante a um outro projeto de educação. Afinal “o estudante não pode revoltar-se contra
o quer que seja sem se revoltar contra os seus estudos” ( KHAYATI,1966, p.39). Lutar contra
a própria proletarização do estudante, lutar contra as organizações burocráticas, contra uma
educação disciplinadora e favor da ampliação do acesso a educação, em que pese toda
contradição, é lutar pelo interesse da classe trabalhadora.

Um exemplo notável deste tipo de luta é a recorrente luta estudantil no Chile contra o
sistema educacional chileno, com destaque para as ondas de ocupação no chile em 2006. Em
que tais lutas além se serem constantes, tem caráter massivo, tanto que em 2006 levaram um
milhão de estudantes as ruas e também caráter de enfrentamento. (SANTIGAO, 2009).

Além dos pontos levantados as lutas sociais são pedagógicas. Estas contribuem para a
ruptura de uma visão fatalista, isto é, que coloca a realidade social como natural e
determinada por forças externas, explicitando que os sujeitos são agentes da história. Explicita
também que romper com o individualismo e passividade é possível e por vezes pode trazer
conquistas e sempre traz aprendizados. Na especificidade das lutas autogestionárias, estas
podem ensinar que é possível lutas e relações que não baseiam-se na hierarquia, no controle e
na disciplina imposta, expandindo lutas e relações autônomas e horizontais.

Na especificidade do movimento estudantil, dada a situação que se encontra os


estudantes, em que estes só podem ter como punição por suas ações dispositivos disciplinares,
tais como suspensão e advertência, de forma que os efeitos de suas ações recai somente sobre
si, diferentemente de alguém que sustenta uma família, para o estudante é mais fácil um maior
enfrentamento nas lutas, o que também pode ser pedagógico, contribuindo para o aumento de
enfrentamento das lutas dos trabalhadores, assim como novos métodos de luta podem emergir.

Um exemplo bem notável é a atual explosão das escolas no Brasil, iniciada em São
Paulo no final de 2015, por inspiração das lutas estudantis no Chile, que posteriormente se
alastrou por Goiás, Rio de Janeiro, Pará, Curitiba, Rio Grande do Sul, Paraguai e diversas
ocupações de universidades.

Como não é suficiente lutar contra a proletarização estudantil sem lutar ao mesmo
contra a própria existência das classes. O movimento estudantil acaba por inserir-se em outras
lutas que não as estudantis e por vezes eclodindo tais lutas, é o que foi visto em Salvador em
2004, na já citada Revolta do Buzu em que manifestações estudantis de forte caráter

26
autônomo contrárias ao aumento tarifário tornou-se uma revolta popular, mobilizando
diversos trabalhadores e gerando intensas manifestações que durante dias deixou a cidade de
Salvador caótica (MANOLO,2008).

É justamente quando se integra com outros movimentos que a atuação estudantil


adquire uma expressão renovadora e vital (FORACCHI, 1972). Desta maneira rompe com o
isolamento a que está submetido, integrando-se concretamente na luta para além da estudantil
.De tal forma que supera-se as lutas por categorias e insere-se conscientemente na luta de
classes. É o que acontece nos pequenos atos em apoio as terceirizadas da universidade, nos
apoios a greve de professores, na inserção na luta contra o aumento, entre tantas outras.

O ápice deste processo é quando o movimento estudantil insere-se ou mesmo inicia-se


movimentos que questionam não apenas a parcialidade da sociedade capitalista, mas
radicaliza-se questionando a sua totalidade. Uma vez que o estudante, diferentemente do
proletário, não está inserido diretamente no sistema produtivo, este é incapaz de concretizar a
revolução, ainda que consiga ser o propagador de um período revolucionário, é apenas ao se
aliar ao proletariado que o movimento estudantil realiza-se enquanto revolucionário (VIANA,
2011). Foi o que aconteceu no Maio de 68 francês em que os estudantes atuaram
conjuntamente com os trabalhadores, rompendo com a divisão entre elite e massa, teoria e
práxis (GROPPO, 2006). A ocupação das universidades francesas criou uma efervescência
revolucionária atingindo seu ápice na deflagração de greve nacional na França, atingindo 9
milhões de trabalhadores, sendo a maior greve na história da França. Estudantes e
trabalhadores manifestaram-se juntos nas ruas e enfrentaram a repressão. Deliberou-se que a
porta da universidade estava de portas abertas aos trabalhadores (BERNARDO,2005).

A união do proletariado e da juventude gera, por sua vez, uma fusão que abre
espaço para a possibilidade concreta da autogestão social, pois a
transformação das relações de produção e a ação juvenil no interior das
demais relações sociais criam o clima favorável para aglutinar os demais
setores descontentes da sociedade e garantir uma hegemonia do projeto
autogestionário.( VIANA, 2011, p. 13)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação formal ao inserir-se nesta realidade de organizações burocráticas são

27
incapazes de qualquer potencial emancipatório. Sua função última é o controle, poder e
organização, garantindo a reprodução das relações de produção. Neste cenário a função do
professor, enquanto autoridade que se constitui a partir de seu suposto saber, é garantir o
controle, a disciplinarização e docilização dos estudantes, além de garantir a assimilação da
ideologia dominante.
Neste contexto em que o estudante é minuciosamente vigiado e punido, este produz
formas de resistência a tal disciplina, subjetividade e controle burocrático. Sendo a forma
mais eficaz desta resistência o movimento estudantil.
Contudo, o movimento estudantil pode cair no engôdo de reproduzir a mesma
organização burocrática que combate, tornando-se tão somente mais um mecanismo de
reprodução das relações sociais atuais. No entanto é possível desenvolver um movimento
estudantil autogestionário que efetivamente oponha-se a tais práticas burocráticas, necessárias
para a perpetuação do capitalismo.
Tal movimento estudantil possui potencialidades revolucionárias que pode contribuir
para um avanço revolucionário de diversas maneiras, tais quais, constituir novas relações
sociais, conhecimentos e subjetividades; desenvolver consciência de classe, se opor à
proletarização estudantil e lutar por outro projeto de educação, na pedagogia das lutas e ao
impulsionar processos revolucionários.
Portanto, o movimento estudantil deve ser um movimento melhor estudado, para isto é
necessário não só que os pesquisadores e militantes de outros movimentos se debrucem para
analisar tal movimento, mas principalmente que os próprios militantes do movimento
estudantil desenvolvam análises e publicizem suas experiências, possibilitando uma maior
compreensão do mesmo e quiça um fortalecimento deste.

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