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RESUMO:
— Se eu contar à minha esposa sobre esse dinheiro, ela vai gastá-lo todo —
disse a si mesmo.
Quando chegou em casa, não mencionou nada à esposa. Em vez disso escondeu o
dinheiro sob um monte de estrume.
No dia seguinte, ao acordar, o velho viu que a esposa havia preparado um
esplêndido desjejum, como pão e chouriço.
— Ontem você não trouxe lenha para vender — ela disse –, de forma que vendi o
estrume para o fazendeiro lá de baixo. — O velho fugiu, gritando desolado.
Então, tristemente, foi trabalhar na floresta, resmungando consigo mesmo.
No fundo da mata, encontrou novamente o estranho. O homem das longas barbas
riu.
— Então deu ao velho outra bolsa cheia de ouro. O velho correu para casa, mas
no caminho de novo começou a pensar.
— Se eu contar à minha esposa, ela vai esbanjar esta fortuna ... — E ele,
então, escondeu o dinheiro na lareira, sob cinzas.
No dia seguinte, ao acordar, viu que sua esposa havia preparado outro
delicioso desjejum. — Como você não trouxe lenha, eu vendi as cinzas para o
fazendeiro lá de cima.
O velho correu para a floresta, arrancando os cabelos de desespero. No fundo
da floresta, encontrou o estranho pela terceira vez. O homem de longas barbas
sorriu tristemente.
— Parece que você não está destinado a ser rico, meu amigo — disse o estranho
–, mas ainda quero ajudá-lo. — Deu ao velho uma grande sacola. — Pegue estas
dúzias de rãs e vá vendê-las na aldeia. Então use o dinheiro para comprar o
maior peixe que encontrar — nada de peixe seco, moluscos, chouriço, bolos ou
pão. Apenas o maior peixe! Dizendo isso, desapareceu.
O velho correu à aldeia e vendeu as rãs. Com o dinheiro na mão, viu coisas
estupendas que poderia comprar no mercado e achou peculiar o conselho do
estranho. Apesar disso, decidiu seguir as instruções à risca e comprou o maior
peixe que encontrou. Voltou para casa muito tarde para limpá-lo, de forma que
o pendurou do lado de fora da casa, nos caibros do telhado. Então ele e sua
esposa foram dormir.
Naquela noite, caiu uma forte tempestade e o velho e a mulher podiam ouvir as
ondas reboando nos penhascos sob sua casa. No meio da noite, alguém bateu à
porta. O velho foi ver quem era e deu de cara com um grupo de jovens
marinheiros, dançando e cantando à estrada.
- Obrigado por salvar nossas vidas! – disseram o velho.
- Do que estão falando? – ele perguntou.
Então os pescadores contaram que haviam sido surpreendidos no mar pela
tempestade e não sabiam para que lado remar, até que o velho acendeu uma luz
para eles.
- Uma luz? – perguntou. Então eles mostraram. E o velho viu seu peixe
pendurado no caibro, brilhando com uma luz tão forte que podia ser vista a
milhas ao redor. Desse dia em diante, o velho, todas as noites, pendurava o
peixe para trazer os jovens pescadores de volta, e eles dividiam o produto de
sua pescaria com ele. E assim ele e a esposa viveram confortavelmente e
gozando de grande estima até o fim de seus dias.
No meu trabalho com grupos de alunos mais velhos, após ler esse conto, faço
uma vivência co Arteterapia: dou um pedaço de papel para cada participante
(esse papel é cortado como parte de um quebra cabeça), e ofereço vários papéis
picados coloridos, purpurina, cola colorida e outros materiais; e peço que
cada um represente nesse papel sua luz. Depois apresento um peixe grande feito
de isopor, e eles vão colar seus pedaços de papel agora enfeitados, ou seja.
sua luz, sua iluminação pessoal, e formando uma luz coletiva, o peixe luminoso
do grupo.
Esse trabalho se propõe a levar as pessoas a refletirem sobre a possibilidade
de transcender o eu em benefício do coletivo.
A importância dessa mudança da energia do herói para a do velho sábio,
trazendo uma percepção do todo, e do sentido da vida, é retratada por Jung no
seu livro “A Natureza da Psique”, onde ele diz:
A recusa em aceitar a plenitude da vida equivale a não aceitar o seu fim.
Tanto uma coisa como a outra significam não querer viver. E não querer viver é
sinônimo de não querer morrer. A ascensão e o declínio formam uma só curva.
Ordinariamente nos apegamos ao nosso passado e ficamos presos à ilusão de
nossa juventude. A velhice é sumamente impopular. Parece que ninguém considera
que a incapacidade de envelhecer é tão absurda quanto a incapacidade de
abandonar os sapatos de criança que traz nos pés.
Um jovem que não luta nem triunfa perdeu o melhor de sua juventude, e um velho
que não sabe escutar os segredos dos riachos que descem dos cunes das
montanhas para os vales não tem sentido, é uma múmia espiritual e não passa de
uma relíquia petrificada do passado.
Se atribuímos uma finalidade e um sentido à ascensão da vida, porque não
também ao seu declínio.
Para o Cristianismo e o Budismo, o significado da existência se consumia com o
seu término.
A própria natureza se prepara para o fim ... é tão neurótico não se orientar,
na velhice, para a morte como um fim, quanto reprimir, na juventude fantasias
que se ocupam com o futuro.
Nem todo jovem é um herói, nem só os jovens são heróis, nem todo idoso é um
velho sábio, nem só os idosos tem sabedoria. Mas com certeza é na segunda
metade da vida, que se torna mais forte a busca do auto-conhecimento, do
significado da vida e de pertencimento e responsabilidade no todo. E as
pessoas que conseguiram, no entardecer da sua existência ter essa compreensão
da vida, alem de idosos, também são velhos sábios; e com tranqüilidade,
naturalidade e sabedoria, chegam à passagem final dessa vida, sabendo que
cumpriram um ciclo, que realizaram sua missão.
A arte facilitando o encontro com o numinoso
OS QUATRO RABINOS
Uma noite quatro rabinos receberam a visita de um anjo que os acordou e os
levou para a Sétima Abóboda do Sétimo Céu. Ali eles contemplaram a sagrada
Roda de Ezequiel.
Em algum ponto da descida dos Padres, Paraíso, para a Terra, um rabino, depois
de ver tanto esplendor, enlouqueceu e passou a perambular espumando de raiva
até o final dos seus dias.
O segundo rabino teve uma atitude extremamente cínica: “Ah, eu só sonhei com a
Roda de Ezequiel, só isso. Nada aconteceu de verdade”.
O terceiro rabino falava incessantemente no que havia visto, demonstrando sua
total obsessão.Ele pregava e não parava de falar no projeto da Roda e no tudo
aquilo significava...
E dessa forma ele se perdeu e traiu sua fé. O quarto rabino, que era poeta,
pegou um papel e uma flauta, sentou-se junto à janela e começou a compor uma
canção atrás da outra elogiando a pomba do anoitecer, sua filha no berço e
todas as estrelas do céu. E daí em diante ele passou a viver melhor.
Quando nos deparamos com o numinoso , essa emoção é impossível de ser
descrita. “ O contato com o mundo onde residem as Essências faz com que
percebamos algo fora do conhecimento normal dos seres humanos e nos preenche
com uma sensação de amplitude e de grandeza ”.
A experiência do arquétipo da divindade causa um impacto muito forte que o ego
às vezes não agüenta.
Algumas pessoas saem feridas, outras subestimam a experiência, outras super
valorizam a mesma, e poucas sobrevivem e conseguem exprimir esse encontro com
Deus ou Silfo. A arte muito ajuda nessa última atitude. Através da arte
podemos deixar essa emoção fluir e ser expressa. O trabalho expressivo oferece
continente e também despotencializa essa energia tão forte que veio desse
encontro com o numinoso.
Segue alguns trabalhos de clientes meus que expressaram plasticamente esse
encontro com o numinoso.
Uma experiência pessoal
Embora eu não siga nenhuma religião, tenho uma fé enorme, um grande sentimento
de religiosidade. E esse assunto me deixa bem sensibilizada.
No dia do meu aniversário, era um sábado. Desci para o play com meu filho.
Estava descalça, perto da mata, sentindo o sol e o vento no meu corpo; meu
filho do meu lado, ele botou a mão no meu rosto e disse: “ mãe, feliz
aniversário, eu te amo ”. Por alguns instantes fui tomada de uma emoção muito
forte. O sol, o vento, meu filho, eu pertencendo a um todo, o milagre da vida,
a maternidade, Deus. Meus olhos se encheram de lágrimas, meu corpo parecia que
estava levitando, eu não enxerguei mais essa realidade, eu só vi luz ao meu
redor. Não dá pra descrever o que eu senti. Nada falei, não comentei com
ninguém, e, assim como o quarto rabino da estória, usei a arte pra expressar
minha emoção.
Peguei o pincel e comecei a pintar, primeiro com aquarela no papel, depois
numa tela com tinta acrílica. Peguei o pincel, e deixei que a minha mão
fluísse em sintonia com o que estava sentindo.
Depois, peguei a argila e deixei meus dedos modelarem, coagulando,
concretizando a imagem.
Senti que Deus me deu esse momento de presente de aniversário.
Conclusão
No envelhecimento há um movimento de interiorização, de ida a regiões mais
profundas do ser, buscando o Self e ou Deus.
O idoso, que estiver mais conectado ao Arquétipo da Sabedoria, aberto a essa
busca, vai encontrar uma maneira de expressar esse divino de formas mais
belas.
E nesse momento a Arteterapia trabalhando com processos pré-verbais, além de
interiorizar esse mergulho no inconsciente, ajuda na expressão desses
conteúdos, trazendo imagens de uma memória ancestral,
E se esse processo de intereza se der, a gente realiza no indivíduo a estória
do homem, a coletividade, a totalidade.
Lígia Diniz
Psicóloga – CRP 19000
Arteterapeuta
Membro Fundadora da Associação de Arteterapia do Rio de Janeiro
Pós Graduada em Psicologia Junguiana
Membro Trainée do Instituto Junguiano do Rio de Janeiro
Bacheral em Artes Cênicas
Referências
BOFF , Leonardo – A Águia e a Galinha: Uma Metáfora da Condição Humana .
Petrópolis, RJ: VOZES, 2002.