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T í t u l o : Supercérebro
A u t o r i a : Deepak Chopra e Rudolph E. Tanzi
Esta edição © 2013 Self – Desenvolvimento pessoal
Título original Super Brain © 2012 Deepak Chopra e Rudolph E. Tanzi.
Publicado originalmente nos Estados Unidos por Harmony Books, 2012
S e l f – D e s e n vo lv i m e n t o p e s s oa l
Av. da Republica, 861, Bloco A, 5º Andar, 2775-274 Parede, Portugal
E-mail: editora.self@gmail.com
Self Desenvolvimento Pessoal Editora
Banian Design
E-mail: editar.banian@gmail.com
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Manifesto Self
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6
Tradução de Teresa Martins de Carvalho
7
Às nossas mulheres e amadas famílias
Aristóteles ensinava que o cérebro existe meramente para arrefecer o sangue
e não está envolvido no processo de pensar. Isto é verdade apenas para
certas pessoas.
— Will Cuppy
ÍNDICE
PARTE 1 - DESENVOLVENDO O SEU MAIOR DOM 15
UMA IDADE DE OURO PARA O CÉREBRO 17
CINCO MITOS A DISSIPAR 30
SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: PERDA DE MEMÓRIA 49
HERÓIS DO SUPERCÉREBRO 53
SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO: DEPRESSÃO 67
EPÍLOGO DE RUDY
OLHANDO PARA A DOENÇA DE ALZHEIMER COM ESPERANÇA E LUZ 269
EPÍLOGO DE DEEPAK
ALÉM-FRONTEIRAS 275
AGRADECIMENTOS 280
SOBRE OS AUTORES 281
PARTE 1
DESENVOLVENDO
O SEU MAIOR
DOM
UMA IDADE DE OURO
PARA O CÉREBRO
1
O primeiro estádio fechado e um dos mais famosos dos EUA, inaugurado em 1965 em
Houston, Texas, e oficialmente encerrado em 2005. (N. da T.)
2
Adaptação portuguesa da popular expressão em língua inglesa “three-pound universe”, ou
“universo de três libras”. (N. da T.)
17
De imediato nos confrontamos com uma questão crucial. Se o seu
mundo é único e personalizado à sua medida e de mais ninguém, quem
está por trás de tão notável criatividade, você ou o próprio cérebro? Se a
resposta for você, então abre-se de par em par a porta para uma maior cria-
tividade. Se a resposta for o seu cérebro, então poderá haver limitações físi-
cas drásticas quanto ao que será capaz de alcançar. Talvez os seus genes o
estejam a refrear, ou memórias tóxicas, ou uma baixa autoestima. Talvez
fique aquém por expetativas limitadas lhe terem contraído a consciência,
ainda que não o veja acontecer.
A matéria de facto do processo poderia facilmente enunciar ambas
as histórias, de ilimitado potencial ou limitação física. Comparativamente
com o passado, a ciência atual acumula nova matéria de facto com espan-
tosa velocidade. Entrámos numa idade de ouro para a investigação do
cérebro. A cada mês que passa, fazem-se novas conquistas, mas no meio
de tão entusiasmantes avanços, o que dizer do indivíduo, da pessoa que
depende do cérebro para tudo? Será esta uma idade de ouro para o seu
cérebro?
Detetamos uma enorme lacuna entre uma brilhante investigação e a
realidade de todos os dias. Vem-nos à mente um outro dizer da Faculdade
de Medicina de tempos idos: cada pessoa usa tipicamente apenas 10% do
seu cérebro. Literalmente falando, isso não é verdade. Num adulto saudável,
as redes neuronais operam em plena capacidade o tempo todo. Até os mais
sofisticados exames imagiológicos cerebrais disponíveis não revelariam
qualquer diferença detetável entre Shakespeare escrevendo um solilóquio
de Hamlet e um aspirante a poeta escrevendo o seu primeiro soneto. Mas o
cérebro físico não é nem de perto a história toda.
Para criar uma idade de ouro para o seu cérebro, tem de usar o dom
com que a natureza o dotou de uma nova maneira. Não é o número de neu-
rónios ou algum passe de mágica dentro da sua matéria cinzenta que torna
a vida mais vital, inspiradora e bem-sucedida. Os genes desempenham o
seu papel, mas os seus genes, tal como o resto do cérebro, são igualmente
dinâmicos. Diariamente, você dá entrada na tempestade de fogo invisível
de atividade eletroquímica que constitui a atmosfera cerebral. Desempenha
o papel de condutor, inventor, professor e utilizador do seu cérebro, tudo ao
mesmo tempo.
18
Como utilizador, é responsável por manter o seu cérebro em
boa ordem de funcionamento.
CÉREBRO BASE
Não me levo a comportar de modo muito diferente hoje do de
ontem.
Sou uma criatura de hábitos.
Não estimulo a mente com coisas novas muito frequentemente.
Gosto da familiaridade. É a maneira mais confortável de viver.
Para ser honesto, tudo é uma entediante repetição em casa, no
trabalho, e nos meus relacionamentos.
SUPERCÉREBRO
Encaro cada dia como um novo mundo.
Tomo atenção para não cair em maus hábitos, e se algum se
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instala, com facilidade lhe ponho fim.
Gosto de improvisar.
Abomino o tédio, que para mim significa repetição.
Deixo-me atrair por coisas novas em muitas áreas da minha
vida.
CÉREBRO BASE
Não posso propriamente dizer que esteja a crescer tanto como
quando era mais novo.
Se aprendo uma nova aptidão, levo-a só até certo ponto.
Resisto à mudança e às vezes sinto-me ameaçado por ela.
Não vou para além daquilo em que já sou bom.
Passo grande parte do tempo em atividades passivas como ver
televisão.
SUPERCÉREBRO
Continuarei a evoluir durante toda a minha vida.
Se aprendo uma nova aptidão, levo-a o mais longe possível.
Adapto-me rapidamente à mudança.
20
Se não sou bom numa coisa à primeira tentativa, tudo bem.
Gosto do desafio.
A atividade é que me faz vicejar, apenas com uma dose módica
de inação.
CÉREBRO BASE
Estou bastante instalado na minha abordagem à vida.
Estou casado com as minhas crenças e opiniões.
Deixo que os outros sejam os peritos.
Raramente vejo programas de televisão educativos ou assisto
a palestras.
Já se passou um bom tempo desde que me senti realmente
inspirado.
SUPERCÉREBRO
Gosto de me reinventar.
Alterei recentemente uma crença ou opinião há muito
sustentada.
Há pelo menos uma coisa em que sou perito.
Deixo-me atrair por vias educativas na televisão ou em univer-
sidades locais.
Sinto-me diariamente inspirado pela minha vida.
21
Utilizador: Não existe manual de instruções para o cérebro, mas
ele precisa de alimento, reparação e da devida manutenção ainda assim.
Certos nutrientes são físicos; a atual mania dos alimentos para o cérebro
faz as pessoas correrem para vitaminas e enzimas. Mas o devido alimento
para o cérebro é tanto mental como físico. O álcool e o tabaco são tóxi-
cos, e sujeitar o cérebro à sua exposição é fazer mau uso dele. A raiva e o
medo, o stress e a depressão são igualmente uma forma de má utilização.
No momento em que escrevemos este livro, um novo estudo revela que
uma rotina de stress diário fecha o córtex pré-frontal, a parte do cérebro
responsável pela tomada de decisões, correção de erros e avaliação de si-
tuações. É por isso que as pessoas dão em doidas em engarrafamentos. É
um stress rotineiro, e contudo a fúria, frustração e impotência que alguns
condutores sentem indicam que o córtex pré-frontal deixou de dominar
os impulsos primários por cujo controlo é responsável. Damos constan-
temente connosco a voltar à mesma questão: use o seu cérebro, não deixe
que o seu cérebro o use a si. As fúrias com o trânsito são um exemplo do
seu cérebro a usá-lo, mas o mesmo se passa com as memórias tóxicas, as
feridas de antigos traumas, maus hábitos que não conseguimos quebrar, e
mais trágico que tudo, vícios descontrolados. Esta é uma área de extrema
importância a ter em conta.
Com qual dos dois se identifica?
CÉREBRO BASE
Senti-me recentemente descontrolado em pelo menos uma
área da minha vida.
O meu nível de stress é muito elevado, mas eu dou conta dele.
Preocupo-me com depressões ou estou deprimido.
A minha vida está a ponto de ir numa direção que eu não
quero.
Os meus pensamentos podem ser obsessivos, assustadores ou
ansiosos.
SUPERCÉREBRO
Sinto-me confortavelmente detentor do controlo.
Faço por evitar situações stressantes afastando-me e deixando
ir.
Estou consistentemente de bom humor.
Não obstante acontecimentos inesperados, a minha vida está
encaminhada na direção que quero.
Gosto da forma como a minha mente pensa.
22
Ainda que o seu cérebro não venha com um manual de instruções,
pode usá-lo para seguir um trilho de crescimento, realização, satisfação
pessoal e novas aptidões. Sem se dar conta disso, é capaz de dar um salto
quântico na forma como usa o seu cérebro. O nosso destino final é o cére-
bro iluminado, que vai para além dos quatro papéis por si representados. É
uma rara espécie de relação, na qual você serve de observador, de silenciosa
testemunha de tudo o que o cérebro faz. Aqui jaz a transcendência. Quando
é capaz de ser a testemunha silenciosa, não se deixa enredar na atividade
cerebral. Permanecendo em total paz e silenciosa consciência, encontra a
verdade quanto às eternas questões respeitantes a Deus, à alma, e à vida
após a morte. A razão porque cremos ser real este aspeto da vida é que,
quando a mente deseja transcender, o cérebro está pronto a segui-la.
23
encontrando-se em geral sentados na fila de trás. O seu comportamento
segue um triste padrão.
Primeiro a criança tenta manter-se a par dos colegas. Quando esses
esforços falham, seja por que motivo for, instala-se o desencorajamento. A
criança deixa de se esforçar tanto como as crianças imbuídas de sucesso e
encorajamento. A fase seguinte é o dar nas vistas, a desestabilização à custa
de barulho ou disparates para chamar a atenção. Qualquer criança necessita
de atenção, ainda que negativa. As desestabilizações podem ser agressivas,
mas, com o tempo, a criança acaba por constatar que nada de bom acontece.
Dar nas vistas leva a desaprovação e castigos. De modo que entra na terceira
fase, que é o silêncio amuado. Não se volta a esforçar por se manter a par da
classe. Os colegas põem-lhe o rótulo de atrasado ou estúpido, um pária. A
escola tornou-se uma prisão sufocante em vez de local enriquecedor.
Não é difícil ver como este ciclo de comportamento afeta o cérebro.
Sabemos agora que os bebés nascem com 90% dos seus cérebros formados
e milhões de conexões extra. De modo que os primeiros anos de vida são
passados a joeirar de parte as conexões não utilizadas e a desenvolver as que
conduzirão a novas aptidões. Uma criança desencorajada, podemos nós
conjeturar, aborta este processo. As aptidões proveitosas não são desenvol-
vidas, e as partes do cérebro que caem em desuso atrofiam. O desencoraja-
mento é holístico, abarcando cérebro, psique, emoções, comportamento, e
posteriores oportunidades na vida.
Para operar bem, qualquer cérebro requer estimulação. Mas clara-
mente a estimulação é secundária face ao modo como a criança se sente,
que é mental e psicológico. Uma criança desencorajada relaciona-se com o
seu cérebro de forma diferente de uma criança encorajada, e os seus cére-
bros podem responder de maneira diferente também.
O supercérebro assenta no credo de conectar a mente e o cérebro de
uma nova forma. Não é o lado físico que faz a diferença crucial. É a resolu-
ção de uma pessoa, a sua intenção, paciência, esperança e diligência. Todas
elas são uma questão de como a mente se relaciona com o cérebro, para
melhor ou para pior. Podemos resumir esta relação em dez princípios.
O CREDO DO SUPERCÉREBRO
COMO A MENTE SE RELACIONA COM O CÉREBRO
1. O processo envolve sempre circuitos de retroalimentação.
2. Estes circuitos de retroalimentação são inteligentes e
adaptáveis.
3. A dinâmica cerebral equilibra-se e desequilibra-se mas
24
favorece sempre o equilíbrio conjuntural, conhecido como
homeostase.
4. Usamos o nosso cérebro para evoluir e desenvolvermo-nos,
guiados pelas nossas intenções.
5. A autorreflexão impulsiona-nos para território desconhecido.
6. Muitas diversas áreas do cérebro são coordenadas em
simultâneo.
7. Temos a capacidade de monitorizar muitos níveis de consci-
ência, ainda que o nosso foco esteja em geral confinado a um
nível (i.e., vigília, sono ou sonho).
8. Todas as qualidades do mundo conhecido, tais como visão,
som, textura e paladar são misteriosamente criadas pela inte-
ração de mente e cérebro.
9. A mente, não o cérebro, é a origem da consciência.
10. Só consciência pode entender consciência. Não há expli-
cação mecânica, operando a partir de factos respeitantes ao
cérebro, que baste.
Estas são ideias gerais. Temos muito que explicar, mas queríamos que
visse logo à partida as ideias gerais. Com o simples exaltar de duas palavras
da primeira frase — circuitos de retroalimentação —, você poderia magneti-
zar uma classe da Faculdade de Medicina por um ano. O corpo é um imenso
circuito de retroalimentação constituído por biliões de minúsculos circuitos.
Cada célula fala com todas as outras e escuta as respostas recebidas. É essa
a simples essência da retroalimentação, um termo retirado da eletrónica. O
termóstato na sua sala de estar sente a temperatura e liga o aquecimento se a
divisão arrefece demasiado. À medida que a temperatura sobe, o termóstato
recebe essa informação e responde desligando o aquecimento.
O mesmo sistema cá-e-lá opera através de interruptores no organis-
mo que regulam igualmente a temperatura. Nada de fascinante, até à data.
Mas quando você pensa um pensamento, o seu cérebro envia informação
para o coração, e se a mensagem for de entusiasmo, medo, excitação sexual,
ou muitos outros estados, pode fazer o coração bater mais depressa. O cé-
rebro enviará uma contramensagem dizendo ao coração para abrandar de
novo, mas se este circuito de retroalimentação se romper, o coração pode
continuar disparado como um carro sem travões. Os doentes que tomam
esteroides estão a substituir os esteroides naturais feitos pelo sistema endó-
crino. Quanto mais tempo se tomar esteroides artificiais, mais diminuem
os naturais, e consequentemente as glândulas endócrinas atrofiam.
As glândulas endócrinas são responsáveis por enviar a mensagem
que faz abrandar um coração disparado. De modo que se um doente parar
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de tomar um medicamento esteroide de repente em vez de ir reduzindo,
o organismo poderá ser deixado sem travões. A glândula endócrina não
teve tempo para voltar a crescer. Nesse caso, alguém poderia vir sub-rep-
ticiamente por detrás de si, gritar “Buu!” e fazer o seu coração disparar
descontrolado. Resultado? Um ataque cardíaco. Com tais possibilidades,
subitamente os circuitos de retroalimentação começam a tornar-se fasci-
nantes. Para os tornar magnetizantes, há formas extraordinárias de usar a
retroalimentação cerebral. Qualquer pessoa comum ligada a uma máquina
de biorretroalimentação pode rapidamente aprender a controlar os meca-
nismos orgânicos que de costume funcionam automaticamente. Poderá
baixar a pressão arterial, por exemplo, ou alterar a frequência cardíaca.
Poderá induzir o estado de ondas alfa associado à meditação e criatividade
artística.
Não que seja necessária uma máquina de biorretroalimentação.
Experimente o seguinte exercício: olhe para a palma da sua mão. Sinta-a
enquanto a observa. Agora imagine que está a ficar mais quente; veja a cor
a tornar-se mais rosada. Se se mantiver focado nesta intenção, a palma da
sua mão ficará de facto mais quente e rosada. Os monges budistas tibetanos
usam este simples circuito de biorretroalimentação (uma avançada técnica
de meditação chamada tumo) para aquecerem o corpo inteiro.
É uma técnica tão eficaz que os monges que dela fazem uso se podem
sentar em gélidas grutas a meditar uma noite inteira nada mais envergan-
do do que as suas finas túnicas de seda açafrão. Aqui o simples circuito
de retroalimentacão tornou-se completamente abrangente, pois aquilo que
podemos induzir pelo simples intento não tem limite. Os mesmos monges
budistas atingem estados de compaixão, por exemplo, que dependem de al-
terações físicas no córtex pré-frontal do cérebro. Os seus cérebros não o fa-
zem sozinhos; seguem ordens da mente. Transpomos assim uma fronteira.
Quando um circuito de retroalimentação mantém uma normal frequência
cardíaca, o mecanismo é involuntário — está a usá-lo a si. Mas se você alte-
rar intencionalmente a sua frequência cardíaca (por exemplo, imaginando
determinada pessoa que o excite romanticamente), será você a usá-lo em
vez disso.
Levemos este conceito para o ponto em que a vida se pode tornar
miserável ou feliz. Considere as vítimas de acidentes vasculares cerebrais.
A ciência médica fez enormes avanços na sobrevivência de doentes acome-
tidos de acidentes vasculares cerebrais, mesmo massivos, alguns dos quais
podem ser atribuídos a melhores medicamentos e à disseminação de uni-
dades de trauma, dado que estes acidentes devem idealmente ser assistidos
o mais rapidamente possível. O pronto tratamento está a salvar incontáveis
vidas, comparativamente ao passado.
26
Mas sobrevivência não é o mesmo que recuperação. Droga alguma
revela comparável sucesso ao permitir a recuperação de vítimas de parali-
sia, o efeito mais comum de um acidente vascular cerebral. Tal como com
as crianças desencorajadas, com as vítimas destes acidentes tudo parece
depender da retroalimentação. Dantes ficavam maioritariamente confina-
das a uma cadeira e sujeitas à atenção médica, e o seu curso de resistência
mínima era usar o lado do corpo que não fora afetado pelo acidente vas-
cular cerebral. Agora a reabilitação toma ativamente o curso da resistência
máxima. Se a mão esquerda de uma doente ficou paralisada, por exemplo,
o terapeuta fá-la-á usar apenas essa mão para pegar numa chávena de café
ou pentear o cabelo.
A princípio estas tarefas são fisicamente impossíveis. O simples levan-
tar de uma mão paralisada causa dor e frustração. Mas se o doente repetir
a intenção de usar a mão debilitada, uma e outra vez, novos circuitos de
retroalimentação são desenvolvidos. O cérebro adapta-se, e lentamente ve-
rifica-se uma nova função. Vemos hoje notáveis recuperações em doentes
que andam, falam e usam normalmente os seus membros com reabilitação
intensiva. Há nem vinte anos, tais funções teriam definhado ou mostrado
apenas progressos mínimos.
E tudo o que temos feito até à data foi explorar as implicações de duas
palavras.
O credo do supercérebro faz a ponte entre dois mundos, a biologia
e a experiência. A biologia é fantástica a explicar os processos físicos, mas
é totalmente inadequada a falar-nos no significado e propósito da nossa
experiência subjetiva. Qual será a sensação de ser uma criança desenco-
rajada ou uma vítima paralisada de acidente vascular cerebral? A história
começa com essa pergunta, e a biologia vem a seguir. Precisamos de ambos
os mundos para nos compreendermos a nós próprios. De contrário, caí-
mos na falácia biológica que sustenta que os seres humanos são controlados
pelos seus cérebros. Deixando de lado incontáveis argumentos entre várias
teorias de mente e cérebro, a meta é clara: queremos usar o nosso cérebro,
não deixar que ele nos use a nós.
Alongar-nos-emos sobre estes dois princípios com o desenrolar do
livro. Conquistas significativas na neurociência apontam todas na mesma
direção. O cérebro humano pode fazer muitíssimo mais do que alguma vez
se pensou. Contrariando crenças estafadas, as suas limitações são impos-
tas por nós, não pelas suas debilidades físicas. Por exemplo, aquando da
nossa formação médica e científica, a natureza da memória era um com-
pleto mistério. Por essa altura circulava um outro dizer: «Sabemos mais ou
menos tanto acerca da memória como se o cérebro estivesse cheio de ser-
radura.» Afortunadamente, os exames imagiológicos cerebrais estavam no
27
horizonte, e os investigadores de hoje podem observar em tempo real as
áreas do cérebro a “iluminar-se”, exibindo a deflagração dos neurónios, à
medida que as pessoas examinadas se lembram de determinadas coisas. O
telhado do Astrodome é agora feito de vidro, poder-se-ia dizer.
Mas a memória permanece esquiva. Não deixa vestígios físicos nos
neurónios, e ninguém sabe realmente como são armazenadas as memórias.
Mas isso não é razão para pôr quaisquer limitações àquilo que os nossos
cérebros podem recordar. Uma jovem prodígio indiana da matemática deu
uma demonstração onde lhe foi pedido que multiplicasse dois números,
cada um com trinta e dois algarismos, de cabeça. Ela deu a resposta, de
sessenta e quatro ou sessenta e cinco algarismos, segundos depois de ouvir
os números enunciados. Em média, a maior parte das pessoas consegue
lembrar-se apenas de seis ou sete algarismos de relance. Qual deveria então
ser a norma no que toca à memória, a da pessoa média ou a da excecional?
Em vez de se dizer que a menina-prodígio da matemática tem melhores
genes ou um dom especial, faça-se outra pergunta: treinou o cérebro para
ter uma supermemória? Existem cursos de aprendizagem dessa aptidão, e
as pessoas médias que os frequentam podem levar a cabo feitos como re-
citar de cor a Bíblia Sagrada, não usando mais que os genes e os dons com
que nasceram. Tem tudo a ver com a forma como se relaciona com o seu
cérebro. Ao estabelecer expetativas mais elevadas, entra numa fase de mais
elevado funcionamento.
Uma das coisas únicas do cérebro humano é que pode fazer apenas o
que pensa poder fazer. No momento em que diz “A minha memória já não
é o que era” ou “Hoje não me lembro de uma só coisa”, está de facto a treinar
o cérebro para corresponder às suas diminuídas expetativas. Baixas expe-
tativas equivalem a baixos resultados. A primeira regra do supercérebro é
que o seu cérebro está sempre a espiar os seus pensamentos. Assim escuta,
assim aprende. Se lhe ensinar limitação, o seu cérebro ficará limitado. Mas,
e se fizer o oposto? E se ensinar o seu cérebro a ser ilimitado?
Pense no seu cérebro como sendo um piano de cauda Steinway. Todas
as teclas estão no lugar, prontas a soar ao toque de um dedo. Seja um prin-
cipiante a sentar-se ao teclado ou um virtuoso de renome mundial como
Vladimir Horowitz ou Arthur Rubinstein, o instrumento é fisicamente
o mesmo. Mas a música que dele ressoará será inteiramente diferente. O
principiante usa menos de 1% do potencial do piano; o virtuoso transcende
os limites do instrumento.
Se o mundo da música não dispusesse de virtuosos, ninguém ja-
mais adivinharia as coisas espantosas que um Steinway de cauda pode fa-
zer. Afortunadamente, a investigação ao funcionamento do cérebro está
a facultar-nos exemplos surpreendentes de inexplorado potencial vindo
28
brilhantemente à luz. Só agora estão esses espantosos indivíduos a ser estu-
dados com exames imagiológicos cerebrais, o que torna mais assombrosas
e simultaneamente mais misteriosas as suas capacidades.
Consideremos Magnus Carlsen, o prodígio norueguês do xadrez.
Conquistou o título mais elevado do xadrez, grão-mestre, com treze anos
de idade, o terceiro mais novo da história. Por essa altura, numa partida
relâmpago, ele forçou a um empate Gary Kasparov, o ex-campeão mundial
de xadrez. «Estava nervoso e intimidado», recorda Carlsen, «senão tê-lo-ia
derrotado.» Para jogar xadrez a este nível, um grão-mestre tem de poder
reportar-se, instantânea e automaticamente, a milhares de jogos armazena-
dos na sua memória. Sabemos não estar o cérebro cheio de serradura, mas
o modo como uma pessoa é capaz de recordar tão vasta armazenagem de
jogadas individuais — num total de muitos milhões de possibilidades — é
um total mistério. Numa demonstração televisionada das suas capacidades,
o jovem Carlsen, que tem agora vinte e um anos, jogou simultaneamente
uma partida relâmpago contra dez adversários — de costas viradas para os
tabuleiros.
Por outras palavras, teve de ter em mente dez tabuleiros de xadrez
distintos, com as suas trinta e duas peças, enquanto o relógio concedia ape-
nas segundos por cada jogada. O desempenho de Carlsen define o limite da
memória, ou uma pequena fatia dela. Se é difícil para uma pessoa normal
imaginar ter uma tal memória, o facto é que Carlsen não esforça o cérebro.
O que faz, diz ele, fá-lo com total naturalidade.
Acreditamos que cada notável façanha é um sinal a apontar o cami-
nho. Você não saberá o que o seu cérebro pode fazer até testar os seus limi-
tes e tentar ir mais além. Por mais deficiente uso que esteja a fazer do seu
cérebro, uma coisa é certa: ele é a porta de entrada para o seu futuro. O seu
sucesso na vida depende do seu cérebro, pela simples razão de que toda a
experiência nos chega através do cérebro.
Queremos que Supercérebro seja o mais prático possível, pois pode
solucionar problemas de longe muito mais difíceis, ou mesmo impossíveis,
para o cérebro base. Cada capítulo terminará com a sua própria secção
Soluções do Supercérebro, com uma hoste de sugestões inovadoras para
superar muitos dos mais comuns desafios da vida.
29
CINCO MITOS A DISSIPAR
30
O cérebro perde milhões de células por dia, e os neurónios perdi-
dos não podem ser substituídos.
De facto, o cérebro contém células estaminais capazes de amadurecer sob a
forma de novos neurónios ao longo de toda a vida. O modo como perde-
mos ou ganhamos neurónios é uma questão complexa. A maior parte das
descobertas são boas notícias para quem quer que tenha medo de perder a
capacidade mental com a idade.
É uma boa-nova a demolição destes cinco mitos. A antiga visão fazia o cé-
rebro parecer fixo, mecânico e em constante deterioração. O que está longe
de ser o caso. Você está a criar realidade neste preciso minuto, e se esse pro-
cesso permanecer vivo e dinâmico, o seu cérebro será capaz de se manter a
par, ano após ano.
Discutamos agora em detalhe como dissipar estes velhos mitos uma
vez aplicados à sua própria experiência e expetativas.
31
Este novo crescimento recompensa as conexões perdidas na complexa rede
neuronal de que cada neurónio faz parte.
Olhando para trás, parece-nos bizarro que a ciência tenha em tempos
negado aos neurónios uma capacidade comum aos outros nervos. Desde
finais do século XVIII, era do conhecimento dos cientistas que os neuró-
nios do sistema nervoso periférico (os nervos que percorrem o corpo fora
do cérebro e da espinal medula) se podiam regenerar. Em 1776, William
Cumberland Cruikshank, anatomista de origem escocesa, cortou uma sec-
ção de pouco mais de um centímetro do nervo vago — ou “vagueador”
— do pescoço de um cão. O nervo vago corre para o cérebro ao longo da
artéria carótida na garganta, e está envolvido na regulação de algumas fun-
ções importantes — frequência cardíaca, transpiração, movimentos mus-
culares da fala — e na manutenção da laringe aberta para respirar. Se ambas
as ramificações do nervo forem cortadas, o resultado é letal. Cruikshank
cortou apenas uma e descobriu que o vazio por ele criado rapidamente foi
preenchido com novo tecido nervoso. Quando submeteu o seu artigo à
Real Sociedade, contudo, o mesmo foi acolhido com ceticismo e não foi
publicado durante décadas.
Por essa altura, provas adicionais iam confirmando que os nervos
periféricos como o vago se podem curar quando cortados. (Você pode ex-
perimentar o mesmo fenómeno se um corte profundo lhe deixar um dedo
dormente; passado algum tempo o tato volta.) Mas durante séculos as pes-
soas tinham acreditado que os nervos do sistema nervoso central (cérebro
e espinal medula) careciam da mesma capacidade.
É verdade que o sistema nervoso central não se pode regenerar com a
mesma robustez e rapidez do sistema nervoso periférico.
Contudo, devido à “neuroplasticidade”, o cérebro pode remodelar e
remapear as suas conexões na sequência de uma lesão. Este remapeamento
é a definição funcional de neuroplasticidade, que é agora matéria mais que
sensível. Neuro vem de neurónio, enquanto plasticidade reporta a maleabili-
dade. A velha teoria era a de que os bebés mapeavam as suas redes neuronais
como parte natural do seu desenvolvimento, após o que o processo parava e
o cérebro ficava equipado da sua cablagem fixa. Agora vemos as projeções
dos neurónios no cérebro como longos e finos vermes reconfigurando-se
continuamente em resposta à experiência, aprendizagem, e lesões. A cura e
a evolução estão intimamente ligadas.
O seu cérebro está em autorremodelação neste preciso momento.
Não é necessária uma lesão para desencadear o processo — basta estar vivo.
Você pode promover a neuroplasticidade, além disso, expondo-se a novas
experiências. Melhor ainda é dispor-se deliberadamente a aprender novas
aptidões. Se mostrar paixão e entusiasmo, tanto melhor. O simples passo de
32
DIAGRAMA 1: NEURÓNIOS E SINAPSES
As células nervosas (neurónios) são verdadeiras maravilhas da
natureza com a sua capacidade de criar o nosso sentido de re-
alidade. Os neurónios interconectam-se entre si formando vas-
tas e intrincadas redes neuronais. O seu cérebro contém cerca
de cem mil milhões de neurónios e até mil biliões de conexões,
chamadas sinapses.
Os neurónios projetam fios vermiformes conhecidos por
axónios e dendrites, que emitem sinais simultaneamente quími-
cos e elétricos através da lacuna entre sinapses. Um neurónio
contém muitas dendrites para receber informação das outras
células nervosas. Mas tem apenas um axónio, que se pode
estender até mais de um metro (sensivelmente 39 polegadas)
de comprimento. O cérebro de um adulto humano contém bem
mais de 100.000 milhas (160.000 quilómetros) de axónios e in-
contáveis dendrites — bastantes para dar mais de quatro voltas
à Terra.
33
se dar a uma pessoa mais velha um animal de estimação do qual cuidar ins-
tila mais vontade de viver. O facto de o cérebro estar a ser afetado faz a di-
ferença, mas temos de nos lembrar de que os neurónios são simples servos.
O bisturi de dissecação revela alterações ao nível das projeções nervosas e
dos genes. O que realmente revigora uma pessoa mais velha, no entanto, é
adquirir um novo propósito e algo novo para amar.
Neuroplasticidade é mais que mente sobre matéria. É mente trans-
formando-se em matéria à medida que os seus pensamentos criam novo
crescimento neuronal. Em tempos idos, o fenómeno era escarnecido e os
neurocientistas eram menosprezados por usarem o termo neuroplasticida-
de. Ainda assim, muitos novos conceitos que provavelmente darão fruto e
se revelarão correntes daqui a décadas são hoje considerados destituídos
de sentido e inúteis. A neuroplasticidade ultrapassou um início acidentado
para se tornar uma estrela.
Que a mente tivesse tal poder sobre a matéria foi significativo para
ambos na década de 1980. Deepak estava focado no lado espiritual da co-
nexão mente-corpo, promovendo a meditação e a medicina alternativa. Era
inspirado por um dizer com que se deparara em tempos: «Se quer saber
quais eram os seus pensamentos no passado, olhe para o seu corpo hoje. Se
quer saber como será o seu corpo no futuro, olhe para os seus pensamentos
hoje.»
Para Rudy, esta descoberta derrubadora de paradigmas calou fundo
quando era estudante graduado da Faculdade de Medicina de Harvard no
programa de neurociência. Trabalhando no Hospital Pediátrico de Boston,
estava a tentar isolar o gene que produz a principal toxina cerebral da do-
ença de Alzheimer, a proteína beta-amiloide — peptídeo A-beta para en-
curtar —, a substância adesiva que se acumula no cérebro e se correlaciona
com os neurónios que se estão a tornar disfuncionais e a colapsar. Rudy
passava furiosamente em revista cada artigo que conseguia encontrar sobre
a doença de Alzheimer e a sua tóxica amiloide. Esta pode tomar a forma de
beta-amiloide na doença de Alzheimer, ou de prião amiloide nas doenças
relacionadas com a das Vacas Loucas.
Certo dia leu um artigo que demonstrava como o cérebro de um do-
ente de Alzheimer lidara com a acumulação de beta-amiloide, num esforço
de remodelar a parte atingida do cérebro responsável pela memória de cur-
to prazo, o hipocampo, localizado no lobo temporal (assim chamado por se
situar no crânio sob as têmporas).
O facto de que o cérebro pudesse tentar encontrar maneira de contor-
nar lesões devastadoras alterou toda a perspetiva de Rudy sobre a doença
que vinha estudando, dia e noite, num exíguo laboratório do tamanho de
uma pequena arrecadação no quarto piso do hospital. Entre 1985 e 1988,
34
ele focou-se em identificar o gene que faz com que a beta-amiloide se acu-
mule excessivamente no cérebro dos doentes de Alzheimer. Trabalhava
diariamente lado a lado com a sua colega Rachel Neve, com música por
pano de fundo, especialmente de Keith Jarrett, incontestavelmente o me-
lhor pianista de jazz de todos os tempos.
Rudy adorava os concertos de Keith Jarrett pela sua brilhante im-
provisação. Jarrett tinha a sua própria palavra para isso: “extemporizado”.
Por outras palavras, vivendo o momento, radicalmente espontâneos. Para
Rudy, Jarrett expressava em música a forma como o cérebro funciona no
mundo do dia-a-dia — respondendo no momento em direções criativas
com base no alicerce de toda uma vida de experiências. A sabedoria autor-
renovando-se no momento. A memória vivificando-se. É justo dizer que
quando Rudy descobriu o primeiro gene de Alzheimer, a proteína precur-
sora amiloide (PPA), naquele pequeno laboratório do quarto piso, a sua
musa foi Keith Jarrett.
Com este pano de fundo, entra em cena o artigo de 1986 que deu
a esperança de regeneração do tecido cerebral aos doentes de Alzheimer.
Estava um dia extemporaneamente frio mesmo para um inverno de
Boston, e Rudy encontrava-se sentado na zona de estantes de livre consulta
no terceiro piso da biblioteca da Faculdade de Medicina de Harvard, ina-
lando o familiar odor de papel antigo bafiento — alguns destes documentos
científicos não viam a luz do dia há décadas.
Entre os novos artigos sobre a doença de Alzheimer havia um da re-
vista Science, reportado por Jim Geddes e colegas, com o intrigante título
“Plasticidade da Circuitagem do Hipocampo na Doença de Alzheimer”.
Depois de o folhear de relance, Rudy correu disparado para a máquina de
trocos a fim de obter um punhado de moedas para a fotocopiadora. (O
luxo das revistas computorizadas ainda era coisa do futuro.) Depois de o
ler atentamente com Rachel, entreolharam-se de olhos arregalados pelo
que lhes pareceu horas, exclamando finalmente: “É do outro mundo!” O
mistério de um cérebro capaz de se autocurar acabara de dar entrada nas
suas vidas.
A essência daquele estudo que se revelou crucial era esta. Na doença
de Alzheimer, uma das primeiras coisas a descambar é a memória de curto
prazo. No cérebro, as projeções neuronais-chave que permitem que a infor-
mação sensorial seja armazenada são literalmente cortadas. (Estamos no
mesmo campo de Cruikshank quando cortou o nervo vago do cão.) Mais
especificamente, há uma pequena bolsa dilatada de neurónios no cérebro
chamada córtex entorrinal, que atua como estação intermediária de toda a
informação sensorial que absorvemos, repassando-a ao hipocampo para
armazenação de curto prazo. (Se se lembra de que Rudy trabalhava com
35
uma colega chamada Rachel, isso é o hipocampo a fazer o seu trabalho.)
O hipocampo deriva o seu nome do termo latino para cavalo-marinho, ao
qual se assemelha. Desenhe dois C’s com os indicadores e polegares com
uma mão em frente da outra e enganche-os num plano paralelo, e é basica-
mente essa a forma certa.
Digamos que chega a casa vinda das compras e quer falar a uma
amiga de uns sapatos encarnados que seriam perfeitos para ela. A imagem
desses sapatos, passando pelo córtex entorrinal, é repassada através de pro-
jeções neuronais a que se dá o nome de via perfurante. Chegámos agora à
razão fisiológica para uma pessoa com a doença de Alzheimer não se lem-
brar desses sapatos. Nos doentes de Alzheimer a região exata em que a via
perfurante perfura o hipocampo contém rotineiramente uma abundância
de beta-amiloide neurotóxica, que provoca um curto-circuito na transfe-
rência da informação sensorial. Para cumular os estragos, as terminações
nervosas começam a atrofiar e colapsar na mesma região, rompendo efeti-
vamente a via perfurante.
Os neurónios do córtex entorrinal de onde deveriam germinar essas
terminações nervosas depressa morrem, já que dependem da derivação de
fatores de crescimento, as proteínas que sustentam a sua sobrevivência, pe-
las terminações nervosas que dantes faziam a ligação com o hipocampo.
Com o tempo, a pessoa deixa de poder processar memória e aprendizagem
de curto prazo, e instala-se a demência. O resultado é devastador. Como diz
um ditado: «Não sabemos que temos Alzheimer por nos termos esquecido
onde pusemos as chaves do carro. Sabemos que temos Alzheimer quando
nos esquecemos para que é que elas servem.»
No seu estudo crucial, Geddes e os seus colegas demonstraram que,
nesta área de massiva extinção neuronal, algo puramente mágico ocorre.
Dos neurónios sobreviventes das vizinhanças começam a germinar novas
projeções para compensar as que se perderam. Esta é uma forma de neuro-
plasticidade chamada regeneração compensatória. Pela primeira vez, Rudy
deparava-se com uma das mais miraculosas propriedades do cérebro. Era
como se uma rosa fosse colhida de um arbusto, e o arbusto ao lado lhe es-
tendesse uma nova rosa.
Rudy sentiu subitamente um profundo apreço pelo refinado poder
e resiliência do cérebro humano. Nunca dês o cérebro por vencido, pensou.
Com a neuroplasticidade, o cérebro evoluiu para um órgão maravilhosa-
mente adaptável e notavelmente regenerativo. Existia a esperança de que
mesmo no caso de um cérebro já em processo de lesão pela doença de
Alzheimer, fosse uma questão de a apanhar a tempo para a neuroplasti-
cidade poder ser desencadeada. É uma das mais brilhantes possibilidades
para investigação futura.
36
Mito 2. A cablagem fixa do cérebro não pode ser alterada.
Durante todo o tempo anterior à comprovada legitimidade da neuroplasti-
cidade, a medicina poderia ter dados ouvidos ao filósofo suíço Jean-Jacques
Rousseau, que alegou em meados do século XVIII não ser a natureza estag-
nada ou maquinal mas viva e dinâmica. Ele avançou com a proposta de
que o cérebro estava a ser continuamente reorganizado segundo as nossas
experiências. Por conseguinte, as pessoas deviam praticar exercício mental
tal como exercício físico. Para todos os intentos e propósitos, esta pode ter
sido a primeira declaração de que o nosso cérebro é flexível e plástico, capaz
de se adaptar às mudanças do meio ambiente.
Bastante mais tarde, em meados do século XX, o psicólogo nor-
te-americano Karl Lashley facultou a prova para este fenómeno. Lashley
treinou ratos a procurarem num labirinto recompensas em comida, re-
movendo-lhes então grandes porções do córtex cerebral, pedaço a pedaço,
para verificar quando é que eles se esqueceriam do que tinham aprendido
previamente. Partiu do princípio, dada a delicadeza do tecido cerebral e da
total dependência de qualquer criatura do seu cérebro, que a remoção de
uma pequena porção acarretaria uma severa perda de memória.
Com abaladora surpresa, Lashley descobriu que podia remover 90%
do córtex de um rato e o animal continuava a orientar-se com sucesso no
labirinto. Conforme se verificou, ao tomarem conhecimento do labirinto,
os ratos criam muitos tipos diferentes de sinapses redundantes com base
em todos os seus sentidos. Muitas diferentes partes dos seus cérebros inte-
ragem formando uma variedade de associações sensoriais sobrepostas. Por
outras palavras, os ratos não viam apenas o caminho para a comida no labi-
rinto; cheiravam e sentiam de igual forma o caminho. Quando eram remo-
vidos pedaços do córtex cerebral, do cérebro germinavam novas projeções
(axónios) formando novas sinapses para tirar partido dos outros sentidos,
usando as pistas que restavam, por mais ínfimas que fossem.
Aqui temos a primeira forte pista de que o termo “cablagem fixa” de-
veria ser encarado com ceticismo. O cérebro tem circuitagem mas não ca-
bos; os circuitos são constituídos de tecido vivo. Mais importante ainda, são
reformatados por pensamentos, memórias, desejos e experiências. Deepak
recorda-se de um controverso artigo médico de 1980 intitulado, meio a
brincar, “Será o Cérebro Realmente Necessário?” Baseava-se no trabalho
do neurologista britânico John Lorber, que vinha trabalhando com vítimas
de um distúrbio cerebral conhecido por “hidrocefalia” (água no cérebro),
em que se forma um excesso de fluidos. A pressão daí resultante espreme as
células cerebrais da sua vida. A hidrocefalia leva a retardamento bem como
a outros severos danos e até mesmo à morte.
37
Lorber escrevera anteriormente a respeito de dois bebés nascidos
sem córtex cerebral. Apesar desta deficiência rara e fatal, contudo, pare-
ciam estar a desenvolver-se normalmente, sem quaisquer sinais exteriores
de danos. Uma das crianças sobreviveu por três meses, a outra por um ano.
Como se isto não fosse já por si digno de nota, um colega da Universidade
de Sheffield enviou a Lorber um jovem com uma cabeça anormalmente
grande. Licenciara-se em matemática com distinção e tinha um QI de 126.
Não tinha sintomas de hidrocefalia; o jovem levava uma vida normal. No
entanto uma TAC revelou, segundo as palavras de Lorber, que ele “não ti-
nha virtualmente cérebro”. O crânio estava revestido por uma fina camada
de células cerebrais com cerca de um milímetro de espessura (menos de um
décimo de polegada), enquanto o restante espaço do crânio estava preen-
chido por fluido cerebral.
Estarrecedor distúrbio de contemplar, este, mas Lorber foi mais longe,
registando mais de seiscentos casos. Dividiu os seus objetos de estudo em
quatro categorias dependendo da quantidade de fluido existente no cére-
bro. A categoria mais severa, que constituía apenas 10% da amostra, con-
sistia em pessoas cuja cavidade cerebral estava 95% preenchida de líquido.
Destas, metade eram gravemente retardadas; a outra metade, contudo, ti-
nha QI superiores a 100.
Como não era de admirar, os céticos passaram ao ataque. Alguns du-
vidaram de que Lorber tivesse lido corretamente as TAC, mas ele assegu-
rou-lhes que as suas provas eram sólidas. Outros argumentaram que ele
não pesara de facto a restante matéria do cérebro, ao que ele respondeu
secamente: “Não posso dizer se o cérebro do estudante de matemática pesa
50 ou 150 gramas, mas é claro que nem de perto se aproxima do normal
quilo e meio.” Por outras palavras, duas a seis onças podem estar envolvi-
das, mas isso não são nem de perto quase três libras. Neurologistas mais
compreensivos declararam que estes resultados eram mais que prova da
redundância do cérebro — muitas funções são copiadas e sobrepõem-se.
Mas outros descartaram esta explicação, fazendo notar que «redundância
é uma saída para se contornar algo que não se entende». Até hoje, todo o
fenómeno está envolto em mistério, mas nós temos de o manter presente
à medida que a nossa discussão se desenrola. Poderia isto ser um exemplo
radical do poder da mente para fazer o cérebro — até mesmo um cérebro
drasticamente reduzido — levar a cabo ordens?
Apenas temos de considerar mais que lesões cerebrais. Num exemplo
mais recente de religação neuronal, o neurocientista Michael Merzenich
e colegas da Universidade da Califórnia, São Francisco, pegaram em sete
pequenos macacos que foram treinados para usar os dedos na procura de
comida. Pequenos grãos com aroma a banana eram colocados no fundo
38
de pequenos compartimentos, ou poços de comida, num painel de plás-
tico. Alguns dos poços eram largos e rasos; outros eram estreitos e fun-
dos. Naturalmente que ao tentarem apanhar a comida, os macacos eram
mais bem-sucedidos com os poços largos e rasos e quase sempre falhavam
nos poços estreitos e fundos. No entanto, com o passar do tempo, todos
os macacos se tornaram extremamente hábeis, acabando por ser sempre
bem-sucedidos, por mais que os seus dedinhos tivessem de se esticar para
apanhar os grãos.
A equipa tirou então exames imagiológicos cerebrais de uma área
específica conhecida por córtex somatossensorial, que controla os movi-
mentos dos dedos das mãos, esperando demonstrar que a experiência de
aprender uma habilidade alterara de facto os cérebros dos macacos. Foi um
sucesso. Esta região do cérebro religava-se a outras regiões a fim de aumen-
tar as probabilidades de encontrar mais comida no futuro. Merzenich ar-
gumentou que, à medida que as regiões do cérebro começam a interagir de
novo, a religação cria um novo circuito. Nesta forma de neuroplasticidade,
“neurónios que deflagram juntos, ligam-se juntos”. Na nossa vida de todos
os dias, se intencionalmente nos dispusermos a aprender coisas novas ou
fazer coisas familiares de maneiras diferentes (como ir para o trabalho por
um caminho diferente ou apanhar o autocarro em vez de ir de carro), reli-
gamos efetivamente o nosso cérebro e melhoramo-lo. O exercício físico faz
músculo; o exercício mental cria novas sinapses para fortalecerem a rede
neuronal.
Muitos outros exemplos reforçam a ideia de que a tradicional doutri-
na do cérebro estagnado e estático era falsa. As vítimas de acidente vascular
cerebral não tinham de ficar emperradas na lesão cerebral causada por um
vaso sanguíneo obstruído ou coágulo. À medida que as células cerebrais
morrem, as células vizinhas podem compensar isso, mantendo a integrida-
de do circuito neuronal. Para tornar isto mais pessoal, você vê a casa onde
cresceu, recorda o seu primeiro beijo, e acalenta o seu círculo de amigos
graças a um circuito neuronal altamente personalizado que levou toda uma
vida a criar.
Um exemplo da miraculosa capacidade de o cérebro se autorreligar
é o caso de um mecânico de automóveis que sofreu um grave trauma ce-
rebral depois de ser cuspido do carro num acidente de viação. Ficou pa-
ralisado e apenas capaz de comunicar por piscares de olhos ou acenos de
cabeça. Após dezassete anos, contudo, este homem saiu espontaneamente
do seu estado semicomatoso. Na semana que se seguiu, passou por uma
espantosa recuperação, ao ponto de readquirir um discurso fluente e al-
guns movimentos nos membros. No ano e meio seguinte, os seus exames
imagiológicos cerebrais forneceram provas evidentes de que ele estava a
39
regenerar novos trilhos capazes de restaurar a sua função cerebral. Das sau-
dáveis células nervosas germinavam novos axónios (troncos principais) e
dendrites (numerosas e finas ramificações) para criar circuitagem neuronal
que compensasse as células mortas — neuroplasticidade clássica!
A ideia subjacente é que não dispomos de “cablagem fixa”. O nosso
cérebro é incrivelmente resiliente; o maravilhoso processo de neuroplasti-
cidade dá-lhe a si a capacidade, nos seus pensamentos, sentimentos e ações,
de se desenvolver em qualquer direção à sua escolha.
3
New old age, no original; jogo de palavras com a conhecida expressão New Age (Nova
Era). (N. da T.)
40
O problema é que demasiados de nós aderimos à norma. À medi-
da que avançamos na idade, tendemos a ficar preguiçosos e apáticos ante
a aprendizagem. Deixamo-nos perturbar por menores focos de tensão, e
esses focos de tensão perduram por mais tempo. O que dantes era des-
contado como “manias” de velho pode agora ser reportado à conexão
mente-cérebro. Por vezes o cérebro é dominante nesta parceria. Suponha
que um restaurante está demorado a sentar as pessoas com reservas pre-
viamente feitas. Uma pessoa mais nova obrigada a esperar na fila sente-se
minimamente aborrecida, mal-estar que se dissipa uma vez sentada. Uma
pessoa mais velha poderá reagir com um acesso de cólera — e permanecer
ressentida mesmo depois de ser encaminhada ao seu lugar. Esta é a dife-
rença na resposta ao stress físico pela qual o cérebro é responsável. De igual
modo, quando as pessoas mais velhas se sentem subjugadas por demasiada
informação sensorial (um ruidoso engarrafamento, um grande armazém
apinhado de gente), os seus cérebros exibirão provavelmente uma função
diminuída para aguentarem os tsunâmis de dados do mundo fervilhante
de atividade.
Em grande parte do tempo, no entanto, é a mente que domina a
conexão mente-cérebro. À medida que avançamos na idade, tendemos a
simplificar as nossas atividades mentais, frequentemente como mecanis-
mo de defesa ou cobertor de segurança. Sentimo-nos seguros com o que
conhecemos, e desviamo-nos do caminho para evitar aprender qualquer
coisa nova. O comportamento é sentido pelos jovens como irritabilidade e
teimosia, mas a verdadeira causa pode ser reportada à dança entre a mente
e o cérebro. Para muitas, embora não todas, pessoas mais velhas, a música
abranda. O que é mais importante é que não saiam da pista de dança — o
que aplanaria o caminho para o declínio da mente e do cérebro igualmente.
Em vez de fazer novas sinapses, o seu cérebro persiste em fixar-se nas que já
tem. Nesta espiral decrescente de atividade mental, a pessoa mais velha terá
eventualmente menos dendrites e sinapses por neurónio no córtex cerebral.
Afortunadamente podem ser feitas escolhas conscientes. Você pode
escolher estar consciente dos pensamentos e sentimentos evocados pelo
seu cérebro minuto a minuto. Pode escolher seguir uma curva ascenden-
te de aprendizagem, independentemente da idade que tenha. Ao fazê-lo,
criará novas dendrites, sinapses, e trilhos neuronais que realcem a saúde
do seu cérebro e ajudem mesmo a prevenir a doença de Alzheimer (como
sugerem as descobertas das mais recentes investigações).
Se a inevitabilidade tem sido posta em questão, o que dizer da irre-
versibilidade dos efeitos do envelhecimento? À medida que avançamos
na idade, muitos de nós sentimos cada vez mais que a nossa memória está
a declinar. Não nos lembramos porque entramos numa sala e brincamos,
41
na defensiva, quanto à nossa senilidade. Rudy tem um gato maravilhoso
que o segue para todo o lado como um cão. Por mais de uma vez, Rudy
levantou-se do seu maple na sala de estar e dirigiu-se à cozinha com o
gato a reboque, só para dar, uma vez lá chegado, consigo e o gato a olha-
rem estupidamente um para o outro. Nenhum deles sabe o propósito da
viagem. Conquanto nos possamos referir a estes lapsos como exemplos
de perda de memória relacionada com a idade, eles devem-se na realida-
de a uma falta de aprendizagem — de registo de novas informações no
cérebro. Em muitos casos, ficamos tão embotados ou abstraídos quanto
ao que estamos a fazer que o simples défice de atenção leva a uma falta
de aprendizagem. Quando não nos conseguimos lembrar de um simples
facto como onde pusemos as chaves, isso significa que não aprendemos
ou registámos onde as pusemos para começar. Como utilizadores do
nosso cérebro, não registámos ou consolidámos a informação sensorial
numa memória de curto prazo durante o processo de pousar as chaves.
Não se pode lembrar aquilo que nunca se aprendeu.
Se permanecer alerta, um cérebro saudável continuará a servi-lo com
o avançar da idade. Deve contar com pronta vigilância, e não com o pavor
da debilitação e senilidade. No nosso entender — Rudy fala como eminente
investigador da doença de Alzheimer —, uma campanha pública que cau-
sasse alarme quanto à senilidade teria um efeito nocivo. As expetativas são
poderosos estímulos para o cérebro. Se conta perder a memória e repara
no mais ínfimo lapso com ansiedade, está a interferir no natural, espontâ-
neo e destituído de esforço ato de se lembrar. Biologicamente, até 80% das
pessoas com mais de setenta anos não têm perda de memória significativa.
As nossas expetativas deverão seguir essa descoberta, e não o nosso pavor
oculto e amplamente infundado.
Se se tornar apático e embotado quanto à sua vida, ou se simples-
mente for perdendo o entusiasmo pelas suas experiências de momento a
momento, o seu potencial de aprendizagem está debilitado. Como evidên-
cia física, um neurologista pode apontar as sinapses que têm de ser con-
solidadas para a memória de curto prazo. Mas na maior parte dos casos
um acontecimento mental precedeu a evidência física: nunca chegámos a
aprender o que acreditamos ter esquecido.
Nada como a emoção solidifica a memória. Quando crianças, apren-
demos sem esforço pois a gente nova é naturalmente apaixonada e entu-
siasta no que toca à aprendizagem. Emoções de júbilo e maravilhamento,
mas igualmente de horror e pavor, intensificam a aprendizagem. Isso tranca
as memórias, frequentemente para toda a vida. (Tente lembrar-se do seu
primeiro passatempo ou do seu primeiro beijo. Agora tente lembrar-se em
quem votou pela primeira vez, ou da marca do carro do vizinho quando
42
tinha dez anos. Habitualmente uns são coisa fácil e outros não tão fácil as-
sim — a não ser que tivesse uma paixão precoce por política e carros.)
Por vezes o fator surpresa que conta para as crianças conta também
para os adultos. Uma forte emoção é frequentemente a chave. Todos nos
lembramos de onde estávamos aquando dos ataques do 11 de setembro,
tal como as pessoas mais velhas se lembram de onde estavam no dia 12 de
abril de 1945, quando o Presidente Roosevelt morreu subitamente de férias
na “pequena Casa Branca” em Warm Springs, Geórgia. Dado a memória
permanecer um terreno tão inexplorado, não sabemos dizer, em termos de
função cerebral, porque é que as emoções intensas podem fazer que nela
se depositem memórias ricamente detalhadas. Algumas emoções intensas
podem ter o efeito oposto: no abuso sexual infantil, por exemplo, esse pode-
roso trauma é suprimido e apenas pode ser recuperado com terapia intensi-
va ou hipnose. Estas questões não se podem resolver até que se dê resposta
a algumas perguntas básicas: o que é uma memória? Que tipo de vestígio
físico, se é que o há, deixa uma memória dentro de uma célula cerebral?
Até que surjam as respostas, cremos que o comportamento e as ex-
petativas são a chave. Quando nos apaixonamos e entusiasmamos de novo
por aprender, à semelhança das crianças, formam-se novas dendrites e
sinapses, e a nossa memória pode de novo ficar tão forte como quando
éramos mais novos. De igual modo, quando recordamos uma antiga me-
mória por recuperação ativa (i.e., procedemos a uma revisão mental para
recordarmos o passado com precisão), fazemos novas sinapses, o que re-
força as velhas sinapses, aumentando as probabilidades de que nos venha-
mos a recordar da mesma memória novamente no futuro. Tem tudo a ver
connosco, condutores e utilizadores dos nossos cérebros. Nós não somos
o nosso cérebro; somos muito mais. No fim de contas, é isso que importa
sempre lembrar.
43
cérebro aos vinte anos de idade não se altera significativamente quando
chegamos aos setenta.
Ao crescimento de novos neurónios chama-se neurogénese. Foi pela
primeira vez observada há cerca de vinte anos nos cérebros de certas aves.
Por exemplo, quando os diamantes-mandarins se estão a desenvolver e a
aprender novos trinados para propósitos de acasalamento, os seus cérebros
aumentam visivelmente de tamanho — novos neurónios são produzidos
para acelerar o processo de aprendizagem. Depois de o diamante-manda-
rim aprender o trinado, muitos dos novos neurónios morrem, restituindo
o cérebro ao seu tamanho original. Este processo é conhecido por morte
celular programada, ou apoptose. Os genes não só sabem quando está na
altura de novas células nascerem (digamos, como quando nos crescem os
dentes definitivos para substituir os dentes de leite ou quando passamos pe-
las alterações da puberdade), mas igualmente quando está na altura de uma
célula morrer, tal como quando renovamos as células da pele, perdemos os
glóbulos sanguíneos ao fim de uns meses, e muitos outros casos. A maioria
das pessoas fica admirada ao saber deste facto. A morte existe ao serviço
da vida — você pode resistir à ideia, mas as suas células compreendem-no
perfeitamente.
Nas décadas que se seguiram a estas frutíferas descobertas, os cientis-
tas observaram a neurogénese no cérebro dos mamíferos, particularmente
no hipocampo, que é usado para a memória de curto prazo. Sabemos agora
que vários milhares de novas células nervosas nascem diariamente no hi-
pocampo. O neurocientista Fred Gage do Instituto Salk demonstrou que o
exercício físico e o enriquecimento ambiental (circunstâncias de vida esti-
mulantes) estimulam o crescimento de novos neurónios nos ratos. O mes-
mo princípio se vê em funcionamento nos jardins zoológicos. Os gorilas
e outros primatas definham se forem mantidos em jaulas confinadas sem
nada que fazer, mas florescem em vastos cercados com árvores, baloiços e
brinquedos. Se pudéssemos aprender ao certo como induzir em seguran-
ça a neurogénese no cérebro humano, mais eficazmente poderíamos tratar
condições em que se perderam ou lesaram gravemente células cerebrais:
doença de Alzheimer, lesão traumática cerebral, acidente vascular cerebral
e epilepsia. Poderíamos também confiantemente manter a saúde do nosso
cérebro com o avançar da idade.
O investigador de Alzheimer Sam Sisodia da Universidade de Chicago
demonstrou que o exercício físico e a estimulação mental protegem os ratos
de desenvolver a doença de Alzheimer, mesmo quando induzidos a carre-
gar uma mutação humana de Alzheimer no seu genoma. Outros estudos
com roedores oferecem encorajamento para o cérebro normal, também.
Ao escolher fazer exercício todos os dias, você pode aumentar o número
44
de novas células nervosas, tal como faz quando procura ativamente apren-
der novas coisas. Ao mesmo tempo, promove a sobrevivência destas novas
células e conexões. Em contraste, o stress e trauma emocional conduzem à
produção de glucocorticoides no cérebro, toxinas que inibem a neurogéne-
se em animais de laboratório.
Podemos com segurança descartar o mito quanto à perda de milhões
de células cerebrais por dia. Até o aviso parental de que o álcool mata os
neurónios se revelou ser uma meia-verdade. O consumo casual de álcool
na realidade apenas mata um número mínimo de neurónios, mesmo entre
alcoólicos (que, no entanto, incorrem em muitos reais riscos de saúde). A
verdadeira perda resultante da bebida ocorre nas dendrites, mas estudos
parecem indicar que este dano é maioritariamente reversível. A ideia subja-
cente por agora é a de que, à medida que avançamos na idade, áreas-chave
do cérebro envolvidas na memória e aprendizagem continuam a produzir
novas células nervosas, e que este processo pode ser estimulado pelo exercí-
cio físico, atividades mentalmente estimulantes (como a leitura deste livro)
e interação social.
45
cerebral. Alguns neurocientistas acham convincente o argumento de que
certas pessoas são programadas para se tornarem antissociais, criminosas
ou raivodependentes, assim como outras são programadas para a ansieda-
de, depressão, autismo e esquizofrenia.
Mas o enfatizar do cérebro inferior negligencia uma poderosa verda-
de. O cérebro é multidimensional, de forma a permitir que qualquer experi-
ência ocorra. Qual a experiência que dominará não é algo automático nem
geneticamente programado. Há um equilíbrio entre desejo e contenção,
escolha e compulsão. Aceitar que a biologia é destino deita por terra todo
o propósito de se ser humano: devemos submeter-nos ao destino apenas
como última e desesperada escolha, mas o argumento para um cérebro
inferior dominante faz da submissão a primeira escolha. Como pode isso
ser tolerado? Encolhemos os ombros ao facto de os nossos antepassados
se terem resignado ao pecado humano pois diz-se ter ele sido herdado da
desobediência de Adão e Eva no Jardim do Éden. A herança genética corre
o risco de induzir à mesma resignação, ataviada de garbo científico.
Embora experimentemos diariamente medo e desejo como reações
naturais ao mundo, não temos de ser governados por eles. Um condutor
frustrado retido na autoestrada de Los Angeles no meio de asfixiante polui-
ção sentirá a mesma resposta lutar-ou-fugir dos seus antepassados à caça
do antílope na savana africana ou do tigre-dente-de-sabre na Europa do
Norte. Esta resposta ao stress, um ímpeto instintivo, foi-nos incutida, mas
não faz os condutores abandonarem em massa os seus veículos para fu-
girem ou atacarem-se uns aos outros. Freud sustentava que a civilização
depende de dominarmos os nossos impulsos primários para que mais al-
tos valores possam prevalecer, o que soa razoavelmente verdadeiro. Mas
ele acreditava pessimisticamente que pagamos um preço elevado por isso.
Reprimimos os nossos ímpetos inferiores mas nunca os extinguimos ou
nos reconciliamos com os nossos medos e agressividades mais profundos.
O resultado são erupções de violência em massa como as duas guerras
mundiais, quando toda essa energia reprimida cobra o seu tributo de for-
mas horrendas e incontroláveis.
Não podemos resumir os milhares de livros que têm sido escritos so-
bre este tema, ou oferecer a resposta perfeita. Mas seguramente que rotular
seres humanos como fantoches do instinto animal está errado, em primeiro
lugar por ser algo tão desequilibrado. O cérebro superior simplesmente é
tão legítimo, poderoso e evolutivo como o cérebro inferior. Os maiores cir-
cuitos do cérebro, que formam circuitos de retroalimentação entre as áreas
superior e inferior, são maleáveis. Se você for um enforcer do hóquei profis-
sional e a sua tarefa for iniciar brigas no gelo, provavelmente terá escolhi-
do moldar a sua circuitagem cerebral de modo a favorecer a agressividade.
46
Mas foi sempre uma escolha, e se o dia alguma vez chegar em que venha a
lamentar a sua escolha, pode retirar-se para um mosteiro budista, meditar
sobre a compaixão e modelar a circuitagem cerebral numa nova e mais ele-
vada direção. A escolha está sempre lá.
Com rara exceção, a liberdade de escolha não é interditada pela pro-
gramação previamente instalada. “O cérebro levou-me a fazê-lo” tornou-se
uma explicação automática para quase todos os comportamentos indese-
jáveis. Podemos estar conscientemente cientes das nossas emoções e esco-
lher não nos identificarmos com elas. Isto é mais fácil de dizer do que de
fazer para uma pessoa que sofra de distúrbio bipolar, toxicodependência
ou de qualquer fobia. Mas a estrada para o bem-estar cerebral começa com
a consciência. Termina igualmente na consciência, e a consciência possi-
bilita cada passo do caminho. No cérebro, a energia flui para onde vai a
consciência.
Quando a energia deixa de fluir, emperramos. O emperramento é
uma ilusão, mas quando nos acontece a nós, parece bem real. Considere
uma pessoa com um medo mortal de aranhas. As fobias são reações fixas
(i.e., emperradas). Um aracnofóbico não pode ver uma aranha sem sentir
uma onda automática de medo. O cérebro inferior desencadeia uma com-
plexa cascata química. As hormonas disparam através da corrente sanguí-
nea para acelerar o coração e fazer subir a pressão arterial. Os músculos
preparam-se para lutar ou fugir. Os olhos semicerram-se bem focados, com
a visão assestada em túnel na coisa que se teme. A aranha torna-se enorme
aos olhos da mente. Tão poderosa é a reação de medo que o cérebro su-
perior — a parte que sabe quão pequenas e inofensivas são a maioria das
aranhas — fica bloqueado no escuro.
Aqui está um excelente exemplo do cérebro a usá-lo a si. Impõe uma
falsa realidade. Todas as fobias são no fundo distorções da realidade. As
alturas não são automaticamente motivo para pânico; nem os espaços aber-
tos, andar de avião e a miríade de outras coisas de que os fóbicos têm medo.
Ao abrirem mão do poder que têm de usar o cérebro, os fóbicos ficam em-
perrados numa reação fixa.
As fobias podem ser tratadas com sucesso trazendo-as à consciência
e restituindo o controlo ao utilizador do cérebro, que é o seu lugar. Uma
técnica é fazer a pessoa imaginar aquilo de que tem medo. A um aracno-
fóbico, por exemplo, é pedido que veja uma aranha e que vá aumentando
e diminuindo a imagem. Depois, que faça a imagem andar para trás e para
diante. Este simples ato de emprestar movimento ao objeto temido pode
ser muito eficaz na dispersão do seu poder de indução, pois o medo imobi-
liza a mente. Gradualmente, a terapia pode passar para uma aranha numa
caixa de vidro. Ao fóbico é pedido que se aproxime o mais que puder sem
47
entrar em pânico. É-lhe permitido alterar a distância de acordo com o seu
nível de conforto, e com o tempo esta liberdade de alterar as coisas restabe-
lece igualmente o controlo. O fóbico aprende que tem mais opções do que
simplesmente desatar a fugir.
Obviamente, o cérebro superior pode dominar até os medos mais ins-
tintivos; de contrário, não teríamos alpinistas (medo das alturas), funâm-
bulos (medo de cair), e domadores de leões (medo da morte). O mais triste,
contudo, é que somos todos como o fóbico que não pode sequer imaginar
a imagem de uma aranha sem ser tomado de suores frios. Rendemo-nos
aos medos, não de aranhas, mas daquilo a que chamamos normal: fracasso,
humilhação, rejeição, velhice, doença e morte. É tragicamente irónico que
o mesmo cérebro capaz de conquistar o medo nos sujeite igualmente a me-
dos que nos assombram ao longo das nossas vidas.
As denominadas criaturas inferiores gozam da liberdade do medo
psicológico. Quando uma chita ataca uma gazela, esta entra em pânico e
luta pela vida. Mas não se encontrando presente predador algum, a gazela
leva uma vida despreocupada, pelo que nos é dado saber. Nós, humanos,
contudo, sofremos terrivelmente no nosso mundo interior, e este sofrimen-
to traduz-se em problemas físicos. Os riscos são muito elevados no que toca
a deixar-se usar pelo seu cérebro. Mas se for você a começar a usá-lo em vez
disso, as recompensas são ilimitadas.
48
SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO:
PERDA DE MEMÓRIA
Temos vindo a insistir na tecla de que precisa de se relacionar com o seu cé-
rebro de uma nova forma. Isto é especialmente verdadeiro para a memória.
Não podemos esperar que a memória seja perfeita, e o modo como reage
às suas imperfeições é consigo. Se vê cada pequeno lapso como um sinal
de aviso de inevitável declínio da idade, ou uma indicação de que lhe falta
massa cinzenta, está a criar as condições para que a sua crença se torne rea-
lidade. De cada vez que se queixa “Está a faltar-me a memória”, reforça essa
mensagem no cérebro. No equilíbrio de mente e cérebro, a maior parte das
pessoas é demasiado lesta a culpar o cérebro. Aquilo em que deveriam pôr
os olhos é no hábito, comportamento, atenção, entusiasmo e focalização,
tudo coisas essencialmente mentais.
Assim que deixa de prestar atenção e desiste de aprender coisas novas,
não está a dar qualquer encorajamento à memória. Um simples axioma
sustenta: «Seja o que for a que dê atenção, cresce.» Portanto, para encorajar
a sua memória a crescer, precisa de prestar atenção à forma como se desen-
rola a sua vida. O que significa isto, especificamente? A lista é longa, mas
contém atividades que vêm naturalmente. A única diferença à medida que
avança na idade é que tem de fazer escolhas mais conscientes do que fazia
mais cedo na vida:
49
Conte manter a memória intacta. Resista às expetativas mais
baixas das pessoas que racionalizam a perda de memória
como “normal”.
50
simplesmente lembrava-me do que queria. Isto era válido mesmo quando
tinha de abastecer a despensa depauperada com vários sacos de mercearias.
»Comecei a manter uma lista de compras na secretária, e aconteceu
uma coisa espantosa. Um ou dois dias depois, não conseguia lembrar-me
do que queria comprar. Sem a minha lista na mão, ficava impotente, vague-
ando pelos corredores do supermercado na esperança de que, ao avistar
batatas ou xarope de ácer, me lembrasse de que era disso que ia à procura.
»A princípio ri-me despreocupado, até uma semana em que me es-
queci de comprar açúcar em duas idas ao supermercado. Agora estou a ten-
tar fazer o desmame das listas. Faço os possíveis, mas ficamos dependentes
de listas muito rapidamente.”
Aprendendo com o exemplo dele, sente-se e considere as coisas a que
poderia estar a prestar mais atenção usando enquanto isso menos muletas.
O nosso Deliberado Programa de Memória guiá-lo-á, dado que inclui as
áreas mais significativas a que vale a pena prestar mais atenção. As coisas
mais familiares podem parecer destituídas de importância, mas contam.
Será capaz de fazer o desmame de listas para coisas de que se consegue
lembrar? Tente levar a sua lista de compras para o supermercado mas não
olhar para ela. Compre o mais que puder de memória, e só então consulte
a sua lista. Quando chegar ao ponto de nada lhe escapar, faça o desmame
completo das listas.
Será capaz de parar de se censurar por lapsos de memória? Morda
a língua da próxima vez em que estiver para dizer automaticamente “Não
consigo lembrar-me de uma coisa” ou “Mais um episódio de senilidade”.
Seja paciente e espere. Se contar que as memórias surjam, elas quase sem-
pre o fazem.
Deixe de bloquear a memória. Recuperar uma memória é tarefa deli-
cada: você pode facilmente intrometer-se no processo de lembrança estan-
do atarefado, distraído, preocupado, stressado, cansado por falta de sono
ou mentalmente sobrecarregado por fazer duas ou mais coisas ao mesmo
tempo. Examine essas coisas primeiro, antes de censurar o cérebro.
Providencie um ambiente que seja bom para a memória, que tenha o
oposto daquilo que acabámos de mencionar como obstáculos. Por outras
palavras, tome cuidado com o stress, durma o suficiente, seja regular nos
seus hábitos, não se sobrecarregue mentalmente com múltiplas tarefas, e
por aí adiante. O desenvolvimento de hábitos regulares ajuda, dado que o
cérebro opera mais facilmente pela repetição. Se vive de maneira dispersa e
distraída, a sobrecarga sensorial para o seu cérebro é nociva e desnecessária.
Se está a ficar mais velho e sente que pode estar a dar-se uma perda
de memória, não entre em pânico nem se resigne ao inevitável. Em vez
disso, centre o seu esforço em atividades mentais que estimulem a função
51
cerebral. Determinado software, incluindo os denominados “ginásios cere-
brais”, e livros como Keep Your Brain Alive4 (Neuróbica), de que o neuro-
biólogo Larry Katz, da Universidade Duke, é coautor, são concebidos para
exercitar o cérebro de uma forma sistemática. Os relatos de reversão de me-
mória branda a moderada com o exercitar do cérebro são por enquanto
episódicos, mas encorajadores todavia.
Finalmente, encare como natural todo este projeto. O seu cérebro foi
concebido para o seguir a si, e quanto mais descontraído estiver, melhor
será para a sua parceria mente-cérebro. A melhor memória é aquela em que
você se apoia com simples confiança.
4
Mantenha o Seu Cérebro Vivo, na edição em português da Editora Sextante brasileira. (N.
da T.)
52
HERÓIS DO
SUPERCÉREBRO
53
partículas no universo conhecido é estimado ser apenas de 10 seguido de
setenta e nove zeros!
Pode pensar que está a ler esta frase neste preciso momento, ou a es-
preitar pela janela para ver como está o tempo, mas na realidade não está.
O que na realidade está a fazer é a sobrepor-se ao universo. É um facto, não
ficção-científica. Ocasionalmente este facto invade a vida de todos os dias
com resultados espantosos. Quando o faz, a complexidade é um amigo ou
inimigo, e por vezes um pouco de ambos. Um dos clubes mais exclusivos
do mundo consiste num punhado de pessoas que partilham uma condição
misteriosa que só recentemente, em 2006, foi descoberta: hipertimesia. Elas
lembram-se de tudo. Têm uma capacidade de lembrança absoluta. Quando
se reúnem, podem levar a cabo jogos mentais como: “Qual o melhor 4 de
abril da sua vida?” Cada pessoa folheia rapidamente o seu Rolodex mental,
só que em vez de fichas com notas, veem os factos passados de cada dia 4 de
abril das suas vidas. Numa questão de um minuto alguém dirá: “Oh, 1983,
definitivamente. Vesti um fato de banho novo, e eu e a minha mãe bebemos
laranjada na praia enquanto o meu pai lia o jornal. Isso foi à tarde; às seis
horas fomos comer lagosta a uma marisqueira.”
São capazes de se lembrar de cada dia das suas vidas com completa e
infalível precisão. (Timesia, uma das palavras-raiz de hipertimesia, é o termo
grego para “ato de recordar”. A outra palavra, hiper, significa “excessivo”.) Os
investigadores localizaram apenas sete ou oito norte-americanos até à data
que evidenciam esta condição, mas não se trata de uma moléstia. Nenhuma
destas pessoas tem qualquer lesão cerebral, e nalguns casos a sua capacida-
de de se lembrarem de cada detalhe das suas vidas começou subitamente,
num determinado dia em que a memória vulgar deu um salto quântico.
Para se qualificar ao diagnóstico de hipertimesia, uma pessoa tem
de passar por testes de memória que parecem impossíveis. A uma mulher
deu-se a ouvir o tema musical de uma série que passou na televisão apenas
em dois episódios na década de 1980, mas, tendo visto um deles, soube
dizer instantaneamente o nome do programa. Outra candidata era uma fã
de basebol. Foi-lhe pedido que recordasse a pontuação de um determinado
jogo entre Pittsburgh e Cincinatti anos antes. “É uma resposta ardilosa”, re-
plicou ela. “O avião da equipa de Pittsburgh avariou e a equipa não chegou.
Não houve jogo.”
Discutimos a memória no capítulo anterior deste livro, e a hiperti-
mesia é o exemplo consumado de uma capacidade por todos partilhada
extrapolada a níveis sobre-humanos — não deixando contudo de ser muito
humana ainda assim. Quando inquirida se gostava de se lembrar perfeita-
mente de tudo, uma mulher suspirou: “Lembro-me de cada vez que a mi-
nha mãe me disse que eu era gorda de mais.” As pessoas com hipertimesia
54
concordam que revisitar o passado pode ser intensamente doloroso. Evitam
pensar nas piores experiências das suas vidas, desagradáveis à lembrança de
qualquer um mas extraordinariamente vívidas para elas, tão vívidas como
se estivessem de facto a vivê-las. A maior parte do tempo, a sua total lem-
brança é incontrolável. A mera menção de uma data provoca-lhes um des-
bobinar de imagens na imaginação, em paralelo com as visões normais.
(“É como um ecrã dividido; estou a falar com alguém e a ver outra coisa
qualquer”, explica um indivíduo.)
Você e eu não temos hipertimesia, portanto qual é a relação disso
com o objetivo do supercérebro? É então que entra o problema da com-
plexidade. A ciência tem estudado a lembrança total e os centros cerebrais
da memória; vários deles estão alargados nas pessoas com hipertimesia.
Desconhece-se a causa. Os investigadores suspeitam de ligações ao distúr-
bio obsessivo-compulsivo (DOC), dado que as pessoas com hipertimesia
apresentam frequentemente comportamentos compulsivos; ou a várias for-
mas de défice de atenção, dado que os portadores de lembrança total não
podem pôr fim às memórias quando elas começam a afluir. Talvez sejam
pessoas que nunca desenvolveram a capacidade de esquecer. Pode-se sem-
pre contar com uma coisa no que toca ao cérebro humano: não se pode
olhar para lado algum sem se olhar para todo o lado.
À procura de heróis
A forma de contornar o problema da complexidade é dar-lhe a volta com-
pleta. Se o seu cérebro está adiante do universo, então o seu potencial oculto
deverá ser muito maior do que se supõe. Podemos deixar esse trilião de
conexões aos cientistas. Escolhamos três áreas onde, num cérebro saudá-
vel normal, seja alcançável um desempenho perfeito. Em cada área haverá
alguém que abriu caminho. Estes são heróis do supercérebro, ainda que
possa nunca os ter visto dessa maneira.
HERÓI #1
ALBERT EINSTEIN
PELA ADAPTABILIDADE
O nosso primeiro herói é o físico Albert Einstein, mas não o escolhemos
pelo seu intelecto. Einstein — como os génios em geral — é um mode-
lo de sucesso. Tais pessoas possuem uma inteligência e criatividade muito
além da norma. Se soubéssemos o seu segredo, cada um de nós teria mais
sucesso independentemente do que fizéssemos. As pessoas muitíssimo
bem-sucedidas não têm meramente sete hábitos5. Usam o cérebro de uma
5
Alusão a The Seven Habits of Highly Effective People, editado em português com o título
55
maneira afinada para o sucesso. Se se restringir à maneira de Einstein usar
o seu cérebro, limita as suas possibilidades de sucesso. Não é uma questão
de “bons genes” apenas. Einstein usava o seu cérebro de uma maneira que
qualquer pessoa pode aprender.
A chave é adaptabilidade.
O supercérebro tira partido da sua capacidade inata de se adaptar.
Esta capacidade é necessária à sobrevivência. De todas as coisas vivas, os hu-
manos têm-se adaptado a todos os ambientes do planeta. Confrontem-nos
com os climas mais duros, as mais estranhas dietas, as piores doenças, ou
as mais temíveis crises desencadeadas por forças naturais, e nós adapta-
mo-nos. O Homo sapiens fá-lo tão incrivelmente bem que o tomamos por
garantido até nos aparecer à frente alguém que extrapola a adaptabilidade a
um novo nível, alguém como Einstein.
Einstein adaptava-se encarando o desconhecido e conquistando-o. O
seu campo era a física, mas toda a gente é diariamente confrontada com o
desconhecido. A vida está cheia de inesperados desafios. Para se adaptar
ao desconhecido, Einstein desenvolveu três forças e evitou três obstáculos:
Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes pela editora brasileira Best Seller. (N. da T.)
56
Newton visionara a física. Notavelmente, Einstein pegou nas noções mais
básicas do sistema newtoniano, como a gravidade e o espaço, e reinven-
tou-as totalmente.
Fê-lo, como o mundo inteiro depressa apurou, através da teoria da
relatividade e da sua famosa equação, E=mc2. Estava envolvida uma mate-
mática superior, mas isso era uma manobra de diversão. Einstein disse certa
vez a uns jovens estudantes: «Não se preocupem com os problemas que têm
com a matemática. Asseguro-vos que os meus são muito maiores.» Não
se tratava de falsa modéstia. O seu método criativo era mais como sonhar
do que cogitar; assim que “viu” como funcionavam o tempo e o espaço,
seguiu-se mais tarde o urdir da prova matemática, com grande dificuldade.
Quando enfrenta um novo problema, você pode resolvê-lo de velhas
maneiras ou de uma nova maneira. O primeiro é de longe o caminho mais
fácil de seguir. Pense num casal de longa data que passa o tempo a discutir.
Sentem-se frustrados e bloqueados. Nenhum quer ceder um centímetro
que seja. O resultado é um ritual em que repetem as mesmas obstinadas
opiniões, fazem as mesmas queixas rezingonas, exibem a mesma incapaci-
dade de aceitar o ponto de vista do outro. Qual seria uma nova maneira de
tirar um casal de longa data da sua infelicidade?
Em vez de ficarem emperrados em velhos comportamentos, pro-
gramados nos seus cérebros, poderiam usar os seus cérebros das seguintes
maneiras:
57
Reconstrua os laços que se foram esfiapando.
58
a licitação vencedora foi de $1, mas não foi, pois neste leilão o vencedor
ganhava a nota de dólar, mas quem fizesse a segunda licitação mais elevada
tinha de pagar essa quantia ao leiloeiro. Assim se eu ganho licitando $2,
e você perde licitando $1.50, deverá entregar essa quantia, sem nada em
troca.
Quando foi feita esta experiência, a licitação foi muito acima de um
dólar. Tipicamente, dois estudantes masculinos foram os últimos licitado-
res a fazer os seus lances. Sentiam-se competitivos; cada um queria punir o
outro; nenhum dos dois queria ser o perdedor a ser punido. Quaisquer que
fossem os seus motivos, fatores irracionais foram aumentando mais e mais
as licitações. (É de admirar que não tivessem disparado, terminando apenas
quando um licitador ficasse sem dinheiro.)
Igualmente interessante é o facto de que quando os experimenta-
dores tentam eliminar o lado emocional da tomada de decisões, falham.
Ninguém levou a cabo ainda um estudo em que os participantes tomassem
decisões puramente racionais. Pagamos um prémio elevado por nos ape-
garmos teimosamente às nossas opiniões, sustentados por emoções, me-
mórias, crenças e hábitos emperrados.
Conclusão: Se quer alcançar sucesso nalgum campo, faça como
Einstein. Maximize a capacidade de adaptação do seu cérebro.
HERÓI #2
UM BEBÉ RECÉM-NASCIDO
PELA INTEGRAÇÃO
O nosso próximo herói não é famoso nem génio algum, nem sequer do-
tado. É qualquer bebé recém-nascido. Os bebés são modelos de saúde e
bem-estar. Cada célula dos seus corpos vibra de vida. Veem o mundo como
um lugar de infindável descoberta. Cada dia, senão cada minuto, é como
um novo mundo. O que contribui para o seu estado de robusto bem-estar
59
não é o facto de nascerem de bom humor. Os seus cérebros estão, isso sim,
em constante movimento, remodelando-se à medida que o mundo se ex-
pande. Hoje é um novo mundo, seja você um bebé ou não, se o mesmo se
expandir sobre o que você vivenciou ontem.
Os bebés não se fecharam nem se deixaram emperrar em velhos e
estafados condicionamentos. Seja o que for que os seus cérebros absorve-
ram ontem permanece no lugar enquanto novos horizontes continuam a
abrir-se: andar, falar, aprender a relacionar-se e sentir. Quando crescemos,
tornamo-nos nostálgicos ante a inocência da infância. Temos uma sensa-
ção de perda. O que foi que perdemos que os bebés têm em abundância?
A chave é integração.
Entre todas as coisas vivas, os seres humanos absorvem cada possível
entrada de informação e integram-na — isto é, fazemos um quadro global.
Neste preciso minuto, tal como um bebé recém-nascido, você está a passar
em revista milhares de milhões de bits de dados brutos para formar um
mundo coerente. O psiquiatra Daniel Siegel propõe um termo técnico para
este passar em revista: sisp6. Refere-se a
S — Sensação
I — Imagem
S — Sentimento
P — Pensamento
Nada é real se não passar por estes canais: ou o sente com uma sensa-
ção (como dor ou prazer), o imagina visualmente, o sente emocionalmen-
te ou o pensa. O processo dá-se constantemente, e contudo é por demais
misterioso. Visualize em imaginação um belo pôr-do-sol. Nenhuns fotões
de luz tocam a sua retina, como aconteceria se estivesse a contemplar um
pôr-do-sol real. Luz alguma ilumina o seu córtex visual, que está imerso na
mesma escuridão do resto do cérebro. E, contudo, microvolts de eletrici-
dade bombeando iões para trás e para diante ao longo dos seus neurónios
produzem magicamente uma imagem plena de luz, para não falar da beleza
e da cascata de associações com todos os outros pores-do-sol que você já
viu. (A forma como o cérebro correlaciona esta imagem por meios físicos
com a sua imaginação é um mistério central na conexão mente-cérebro.)
Integrar bits de dados brutos em imagens da realidade é um processo
que vai bem até ao nível celular, pois tudo o que o cérebro faz é comunicado
ao resto do corpo. Muito literalmente, quando se sente deprimido ou tem
uma ideia luminosa ou pensa correr perigo, as suas células acorrem em
6
Em inglês sift, peneirar: Sensation, Image, Feeling, Thought. (N. da T.)
60
reunião. Tecnicamente, o que está em funcionamento é um circuito de re-
troalimentação que integra mente, corpo e o mundo exterior num só pro-
cesso. Os dados que dão entrada estimulam o sistema nervoso. Surge uma
resposta. O relatório desta resposta é enviado para cada célula, e por sua vez
as células dizem o que pensam do assunto.
Os bebés são perfeitas máquinas de retroalimentação. Pode aprender
com eles o que significa integrar a sua própria realidade pessoal com maior
sucesso. Simplesmente fazer em consciência o que a natureza concebeu no
cérebro da criança.
61
para abordarmos o mundo como um todo, e quando desmembramos a
experiência aos pedaços, essa inteireza quebra-se. Então, em vez de viver na
realidade, você passa a ser enganado por uma ilusão da realidade.
Pense num ditador que se habituou a deter um poder inquestionável.
Mantém-se no lugar através do terror e de uma polícia secreta. Suborna
os seus inimigos ou fá-los desaparecer no meio da noite. Tipicamente, tais
ditadores ficam pasmados quando a oposição se subleva, e até ao momen-
to de serem depostos ou assassinados pela turba, acreditam ser legítimos.
Fantasiam mesmo que o povo oprimido num estado policial ama o seu
opressor. Isto é a ilusão da realidade levada ao extremo.
A queda de ditadores fascina-nos a outro nível pois pressentimos, al-
gures no íntimo, que o poder ilimitado nos poderia fazer o mesmo a nós.
Uma magia negra parece passar um véu ante os olhos do iludido. Mas quan-
do se trata da ilusão da realidade em que toda a gente vive, não há magia ne-
gra. Há apenas um falhanço a integrar. Nascemos com a capacidade de criar
o todo, e contudo escolhemos em vez disso a negação, repressão, esqueci-
mento, inatenção, memória seletiva, predisposição pessoal e velhos hábitos.
Estas influências são difíceis de superar. Desde já porque a inércia está do
lado delas. Mas você não se poderá sentir equilibrado, seguro, feliz e harmo-
nizado enquanto não reconquistar a inteireza que surge naturalmente para
cada recém-nascido. É esta a chave tanto do bem-estar como da saúde física.
Ser-se uma pessoa plenamente integrada significa ter-se três forças
que reflitam a abordagem de um bebé ao mundo e evitar três obstáculos
que nos assolam quando adultos.
62
VOCÊ ESTÁ A FICAR MAIS INTEGRADO QUANDO
Cria um espaço seguro onde pode ser você mesmo.
Convida os outros para o mesmo espaço seguro de forma a
que eles possam ser eles mesmos.
Deseja conhecer-se a si próprio.
Encara as áreas de negação, aceita as verdades duras, e enfrenta
a realidade.
Faz as pazes com o seu lado obscuro, não o usando nem como
aliado secreto nem como temido inimigo.
Avalia honestamente e cura culpa e vergonha.
Um sentido de mais elevado propósito começa a despontar.
Sente-se inspirado.
Oferece-se para prestar serviço aos outros.
Uma realidade superior parece real e atingível.
HERÓI #3
O BUDA
PELA EXPANSÃO DE CONSCIÊNCIA
Usamos o nosso cérebro antes de tudo e acima de tudo para sermos cons-
cientes, e algumas pessoas levam a sua consciência muito mais longe que
outras. Os nossos heróis, os nossos modelos de crescimento interior, são os
guias espirituais da humanidade onde quer que apareçam. Um herói em
particular, o Buda, e a espécie que ele representa — santos, sábios e visio-
nários — exibem até à perfeição um traço único dos seres humanos: viver
com o fito do sentido, o que conduz a uma ânsia pelo mais alto sentido. O
sentido vem de dentro. Vai para além dos factos irracionais da vida. Os da-
dos brutos que se escoam para os cinco sentidos são destituídos de sentido
por si só. Olhando para as vidas breves e brutais dos homens das cavernas
do Paleolítico ou dos primitivos caçadores e coletores, você jamais suspei-
taria que os seus cérebros fossem capazes de matemática, filosofia, arte e
razão superior. Essas capacidades estavam ocultas, e uma figura como o
Buda, que viveu entre a pobreza e luta pela vida na Índia de há mais de dois
mil anos indica que muita coisa permanece oculta dentro de nós, se ao me-
nos pudéssemos dar conta da nossa ânsia de sentido.
A chave é expansão de consciência.
Independentemente do tipo de experiência que esteja a ter, tê-la pres-
supõe que se encontra consciente. Ser humano é ser consciente — a única
questão é quão consciente. Pondo de lado todas as implicações da religião e
misticismo, o estado de mais elevada consciência que Buda exemplifica faz
63
parte da herança de todos. Um velho adágio indiano compara a consciência
a uma lâmpada à porta, irradiando luz para dentro de casa e para fora para o
mundo ao mesmo tempo. Torna-o consciente das coisas “lá fora” e “aqui den-
tro” simultaneamente. O estado de consciência cria uma relação entre ambos.
Será essa relação boa ou má? Os céus e infernos concebidos na men-
te humana são todos produtos do pensamento. Abrimos caminho com o
pensamento para dentro deles, e abrimos caminho com o pensamento para
fora. «És apenas tão seguro como os teus pensamentos», diz um sábio afo-
rismo. Mas de onde vêm os pensamentos — tanto os perigosos e de risco,
como os tranquilizadores e de confiança? Têm origem no domínio invisível
da consciência. Para a mente, a consciência é o útero da criação. Para al-
cançar uma vida plena de sentido, você tem de descortinar como ser mais
consciente; só então se transforma no autor do seu próprio destino.
Trilhe a senda espiritual, seja como for que a defina, com sin-
ceridade e esperança.
64
A consciência é uma coisa curiosa; todos a temos, mas nunca temos
o suficiente. E no entanto a provisão é infinita. Por representar este eter-
no desenrolar, o Buda é mais que o Budismo. Os maiores guias espirituais
exemplificam três forças e evitam três obstáculos.
65
a sua felicidade em si próprio, não nos outros.
O medo deixa de ser tão persuasivo como era.
Vê que a realidade é um campo rico de possibilidades, e anseia
por explorá-lo.
Escapa às muletas do pensamento “nós versus eles” no que
toca a religião, política e estatuto social.
Não se sente ameaçado pelo desconhecido nem o teme. O fu-
turo nasce no desconhecido e em nenhum outro lugar.
Pode ver sabedoria na incerteza. Esta atitude permite que a
vida flua naturalmente, sem a necessidade de tornar as coisas
pretas ou brancas.
Vê o facto de aqui estar como uma recompensa por si só.
66
SOLUÇÕES DO SUPERCÉREBRO:
DEPRESSÃO
Neste capítulo, demos mais um passo para lhe mostrar como usar o seu
cérebro em vez de deixar que ele o use a si. Aplicar este princípio à depres-
são, que aflige milhões de pessoas — é a primeira incapacidade entre os
norte-americanos dos quinze aos quarenta e cinco anos —, resultará num
imenso bem. Este é o exemplo mais doloroso de pessoas a serem usadas
pelo cérebro. Tal como um antigo doente o descreveu, “Sentia-me como
se estivesse a cair e a ponto de bater no chão, só que em vez de durar um
segundo, o sentimento de pânico durava dias e dias, e eu não sabia sequer
do que tinha medo.” Os que sofrem de depressão sentem-se vitimizados
por um cérebro retorcido.
Embora a depressão seja classificada como um distúrbio de humor,
atribuível à incapacidade de o cérebro reagir apropriadamente ao stress
interior e exterior, afeta o corpo inteiro. Põe de pantanas os ritmos do or-
ganismo, em termos de regularidade de sono. Provoca uma perda de in-
teresse pelo sexo e diminui o apetite. As pessoas deprimidas encaram os
atos de comer e fazer amor com fatigada indiferença. Nas interações sociais
sentem-se desligadas. Não entendem claramente o que as outras pessoas
lhes dizem; não conseguem exprimir aos outros o que sentem — estar com
outras pessoas é como que uma mancha indistinta.
O cérebro está envolvido em todos estes sintomas do corpo inteiro.
Os exames imagiológicos cerebrais de pessoas deprimidas mostram um
padrão único em que algumas áreas do cérebro estão mais ativas e outras
menos. A depressão afeta tipicamente o córtex cingulado anterior (en-
volvido nas emoções negativas, mas igualmente na empatia), a amígdala
(responsável pelas emoções e pela resposta a situações novas — as pessoas
deprimidas em geral não respondem bem a coisas novas) e o hipotálamo
(envolvido em impulsos como o sexo e o apetite). Estas áreas interconecta-
das ligam-se numa espécie de circuito deprimido — a rede que queremos
afetar positivamente a fim de regressar ao normal.
A depressão é acionada por um estímulo, mas o estímulo pode ser tão
pequeno que passa despercebido. Uma vez desencadeado o estímulo pela
primeira vez, o cérebro muda, e depois no futuro precisa de disparos cada
vez menores para entrar em depressão, até que finalmente quase nenhum
seja necessário. Quando isso sucede, a pessoa torna-se prisioneira das emo-
ções em fuga que podem conduzir a distúrbios de humor.
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Está deprimido? Todos usamos a palavra casualmente, mas estar tris-
te ou em baixo não é o mesmo que estar deprimido. Para ser diagnosticado
com depressão, aguda (curto prazo) ou crónica (longo prazo), os seus hu-
mores param o padrão normal de oscilar para trás e para diante. Não lhe
é possível sacudir um sentimento de tristeza, impotência e desespero, ou
interessar-se por coisas ao seu redor. As atividades de todos os dias parecem
subjugadoras. Freud associou a depressão a desgosto, e ambas as condições
são similares. Em muitos casos, tal como o desgosto naturalmente se dissipa
ao fim de um tempo, o mesmo acontece com a depressão. Mas se perdura,
a pessoa encara o dia-a-dia sem esperança de alívio. A pessoa vê a sua vida
como um fracasso total e pode não ver razão para continuar a viver. (Cerca
de 80% dos suicídios são causados por um acesso de profunda depressão.)
As pessoas com depressão de longo prazo frequentemente não con-
seguem assinalar quando começaram os sintomas, ou porquê. Poderão
sentir que a chave é genética se a família é dada a depressões, ou poderão
ter uma reminiscência solta de quando notaram pela primeira vez que es-
tavam sempre tristes ou se sentiam sem esperança sem motivo aparente. A
depressão, a par do autismo, é considerada o mais genético dos distúrbios
psicológicos; até 80% das vítimas têm alguém na família que tem ou teve
depressão. Mas na maior parte dos casos, os genes apenas predispõem uma
pessoa para distúrbios de humor não assegurando contudo a sua concreti-
zação. Para a manifestação de uma doença psiquiátrica, genes e ambiente
trabalham combinados.
Muitas pessoas deprimidas dir-lhe-ão que o problema delas não é o
sentimento de depressão em si mas a subjugadora fadiga que sentem —
como alguém disse, o oposto de estar deprimido não é estar feliz, é ter vita-
lidade. A fadiga, por sua vez, conduz a mais depressão. Uma vez que decide
com lúcida consciência e inabalável intenção que você não é o seu cérebro,
pode estar em uníssono com as suas emoções e reações ao mundo exterior.
Agindo como condutor do seu cérebro, pode ativamente reprogramar a sua
própria neuroquímica e até atividade genética, não mais escravo de distúr-
bios de humor.
A chave é fazer com que as partes emperradas ou desequilibradas do
seu cérebro se movimentem de novo. Assim que isso acontece, pode contar
com o tempo para trazer o cérebro de volta ao equilíbrio natural. É essa a
meta que nós gostaríamos de ajudar a antecipar, e é igualmente a aborda-
gem mais holística.
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admiradas quando um amigo, médico ou terapeuta lhes diz que estão de-
primidas. Várias teorias sobre a influência genética e os desequilíbrios quí-
micos no cérebro das pessoas deprimidas são ainda generalizadas, mas tais
explicações caíram sob uma sombra de dúvida. (Investigação básica tem
revelado que os doentes deprimidos não diferem geneticamente dos ou-
tros. Assim como não é claro que os antidepressivos funcionem corrigindo
um desequilíbrio químico. Mas quando os doentes deprimidos recebem a
psicoterapia certa, desabafando sobre os seus sentimentos, os seus cérebros
mudam de forma similar às mudanças provocadas por drogas. Portanto
mais um mistério é acrescentado: como podem os atos de falar e tomar um
comprimido produzir o mesmo resultado fisiológico? Ninguém sabe.) Se
conhecesse um jovem com más maneiras à mesa, a que é que o atribuiria?
O mais provável é que supusesse ter este comportamento começado algures
na infância e tornado-se um hábito. Se o hábito persistiu, é porque a pessoa
não viu uma razão válida para o alterar. E se a depressão tiver o mesmo
perfil? Poderíamos refazer para trás os passos de como ela se desenvolveu
e então desfazê-los.
Encaremos pois a depressão como um comportamento fixo. Os com-
portamentos fixos têm três componentes:
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económica de 2008, 60% das pessoas que perderam o em-
prego dizem ter ficado ansiosas ou deprimidas. O número é
bem mais elevado entre aqueles que tinham sido dispensa-
dos do trabalho há mais de um ano. Se se submeter a uma
dose de stress durante um longo período de tempo, é bem
mais provável que tenha uma depressão. O stress de longa
duração pode ser provocado por um emprego enfadonho,
um relacionamento azedo, épocas prolongadas de solidão e
isolamento social, e doença crónica. Em certa medida, uma
pessoa deprimida está a reagir a circunstâncias más, seja de
agora ou do passado.
2. A resposta. Uma causa exterior não o pode deixar deprimido
a menos que responda de certa forma. As pessoas que estão
deprimidas aprenderam há muito tempo a ter uma resposta
enviesada, tal como a que se segue, quando algo deu para o
torto nas suas vidas:
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respostas deprimidas, geradas no interior, e passado algum
tempo estas respostas tornam-se um hábito.
Desfazendo o Passado
Assim que a depressão de uma pessoa se torna um hábito, o que provavel-
mente acontece anos antes de reconhecer que está triste e sem esperança,
ela deixa de requerer um estímulo exterior. As pessoas deprimidas estão
deprimidas por estarem deprimidas. Uma película cinzenta reveste tudo;
o otimismo é impossível. Este estado derrotado diz-nos que o cérebro for-
mou trilhos fixos, e que talvez — ou provavelmente — estarão envolvidos
dados genéticos e neurotransmissores. Todo o sistema de suporte da pessoa
para criar a sua realidade pessoal entra em ação.
Quando a resposta deprimida é interiorizada, é como carvão em
brasa que se inflamará à mais pequena mexida. Um incidente menor
como um pneu furado ou um cheque devolvido não deixa à pessoa espa-
ço para decidir: “Isto vai incomodar-me ou não?” A resposta deprimida já
está programada. As pessoas deprimidas até com boas notícias se podem
sentir tristes; estão sempre à espera que o outro sapato caia, pois estão
encurraladas no hábito da depressão. O desequilíbrio do cérebro pode
ser reportado à atividade mental. Os exames imagiológicos cerebrais das
pessoas deprimidas parecem sustentar esta associação. Demonstram que
as mesmas áreas que se iluminam devido aos efeitos benéficos de antide-
pressivos iluminam-se igualmente se a pessoa participa de psicoterapia
e desabafa com sucesso sobre a sua depressão. A fala é uma forma de
comportamento.
Se o comportamento nos pode tirar da depressão, é mais que razoá-
vel supor que o comportamento nos pode fazer entrar nela. (De momento
poremos de lado o tipo de depressão que tem causas físicas — ou, segundo
a terminologia médica, orgânicas —, tal como muitas doenças e demência
senil, bem como dieta pobre e toxinas ambientais. Quando a causa física é
corrigida, a depressão desaparece em geral automaticamente.) Dado que
esta explicação parece razoável, as questões-chave são como evitar entrar
na resposta deprimida e como reverter a depressão uma vez instalada.
Podemos abordar as questões da prevenção e melhoria usando as mesmas
três categorias que temos vindo a discutir.
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penso à resposta deprimida, mas, se não for, poderá acicatá-lo a elevar-se
ainda mais alto. Não há como evitar as coisas más, mas alguns fatores ainda
as pioram mais:
O stress é repetido.
O stress é imprevisível.
Você não tem qualquer controlo sobre o stress.
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ver uma forma proveitosa de resolver tal situação, negam a si próprias
decisões-chave que poderiam funcionar; em vez disso inclinam-se a não
tomar decisão alguma, coisa que raramente funciona. Aguentam dema-
siado tempo a má situação. Quando a depressão não está presente, você
pode em geral descortinar o que resolver, o que aguentar, e o que deixar
para trás. Essas são escolhas básicas que terá de fazer ao longo da vida.
Se sabe ter propensão para a depressão, é importante que lide com
os problemas mais pronta e diretamente do que talvez fizesse de outro
modo, pois quanto mais esperar, mais hipótese dá à resposta deprimi-
da de se instalar. Falo de situações comuns como um potencial conflito
no trabalho, um adolescente em casa que desrespeita a hora imposta de
recolher, ou um parceiro que não faz a sua parte do trabalho domésti-
co. A depressão deixa-o excessivamente sensível a pequenos estímulos,
levando a uma sensação de resignação impotente. Mas se agir atempa-
damente, antes de chegar a este estádio, tem espaço para gerir um stress
diário e energia para levar a cabo a decisão de o fazer. Aprenda como
tomar prontamente tais decisões, ignorando a vozinha que lhe diz para
não fazer ondas. Você não está a fazer ondas; está a barrar o caminho à
resposta deprimida.
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SUBSTITUIÇÃO DE CRENÇAS TÓXICAS
3. Nada dá certo.
Em vez disso, pode pensar: alguma coisa me há de ocorrer, as
coisas resolvem-se por si, posso pedir ajuda, se uma coisa não
resulta há sempre outra qualquer, ou ser pessimista não me
ajuda a encontrar a solução.
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cama para enfrentar o dia (um sinal de depressão). Para se tornar flexível,
tem de derrotar a resposta deprimida no seu próprio jogo.
Como fazer isso? Se a sua reação automática estiver associada a triste-
za, impotência e desespero, recuse-se a aceitá-la. Dê-se um momento, res-
pire fundo e recorra à nossa lista de respostas alternativas. Encontre uma
que funcione. É algo que requer tempo e esforço, mas compensa. Aprender
uma nova resposta forma novos trilhos neuronais no cérebro. E abre igual-
mente portas. Que espécie de portas? Quando está deprimido, tende a iso-
lar-se, ser solitário, apático, inativo, passivo e fechado à mudança. As novas
portas têm exatamente o efeito oposto. Ao introduzir uma nova resposta,
resiste à tentação de cair de novo em crenças velhas e cediças. Em vez de
se isolar, constata que as outras pessoas lhe são benéficas. Em vez de ficar
passivo, vê que assumir a responsabilidade lhe é benéfico também.
Outra estratégia é reduzir a resposta deprimida, que tão subjugadora
parece, a pedaços manejáveis. A melhor tática é dar um passo de cada vez,
escolhendo um pedaço com o qual se sinta pronto a lidar. A inércia é a me-
lhor amiga da depressão. Terá sempre um esforço a superar antes de poder
realmente fazer algo positivo. Por isso não transforme o esforço num pico
dos Himalaias.
Levar-se a superar o mais pequeno esforço incita o cérebro a abrir
mão de um velho padrão por um novo. Você está de facto a expandir a sua
consciência quando deixa entrar impulsos novos e frescos da fonte, que é o
seu eu real. Atrás da máscara de depressão, que é um comportamento atado
a uma resposta fixa, jaz o seu eu real, a essência do ser capaz de dirigir o
processo de cura. Dito simplesmente, só você tem o poder de criar a cura. A
depressão cria a ilusão de que todo o poder lhe foi arrancado. Na verdade,
assim que dá com uma abertura, pode reclamar o seu eu real, passo a passo.
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Para a pessoa deprimida, o “eu mau” é triste e impotente, enquanto o “eu
bom” é feliz e otimista. Mas na verdade a depressão lança a sua sombra
sobre tudo. Os melhores momentos são meramente prelúdios de uma re-
caída. O “eu mau” acabará por ganhar no fim; o “eu bom” é meramente
o seu peão.
A guerra é invencível, cada vitória é apenas temporária, e o pên-
dulo continua a oscilar para trás e para diante. Quando uma guerra é
invencível, porquê lutar? O segredo para derrotar qualquer hábito enrai-
zado é deixar de lutar consigo mesmo, encontrar um lugar interior que
não esteja em guerra. Em termos espirituais, esse lugar é o verdadeiro
eu. A meditação abre caminho para o alcançar; as tradições de sabedoria
de todo o mundo afirmam que a ninguém pode ser negada paz, calma,
silêncio, a plenitude do júbilo e reverência pela vida. Quando as pessoas
torcem o nariz e me dizem que não acreditam em meditações, a minha
resposta é a de que não devem acreditar no cérebro, já que quatro dé-
cadas de investigação cerebral provaram que o cérebro é transformado
pela meditação, e agora novas evidências sugerem que os dados genéti-
cos melhoram igualmente com a meditação. Isto é, os genes certos são
ligados e os errados desligados.
Para desafiar a resposta deprimida, não é suficiente virar-se simples-
mente para dentro. Tem de ativar o seu eu real e trazê-lo para o mundo. Até
que possa provar a utilidade de novas respostas e crenças, as velhas mante-
rão um finca-pé na sua consciência. Você está muito acostumado a elas, e
elas sabem a forma mais rápida de retornar. Portanto, quebrar o hábito da
depressão envolve fazer um misto de trabalho interior e trabalho exterior,
como se segue:
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TRABALHO EXTERIOR: MUDAR DE COMPORTAMENTO
Reduza as condições stressantes.
Encontre um trabalho que o preencha.
Não se associe a pessoas que aumentam a sua depressão.
Descubra pessoas que estejam perto de quem você quer ser.
Aprenda a dar de si. Seja generoso de espírito.
Adote bons hábitos de sono, e faça exercício ligeiro uma vez
por dia.
Foque-se nos relacionamentos em vez de distrações e consu-
mismo sem fim.
Aprenda a reeducar-se descobrindo pessoas maduras e emo-
cionalmente saudáveis capazes de amar, que pratiquem a acei-
tação, e que não formulem julgamentos.
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