Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Alergia e imunologia
Alergia alimentar 6
Reações adversas às drogas 10
Rinossinusite alérgica 16
Urticária e angioedema 21
Cardiologia
Suporte básico de vida 290
Suporte avançado de vida 294
Cuidados pós- parada cardiorrespiratória 302
Bradicardia 305
Taquicardia 313
Dor torácica 329
Síndromes coronarianas 336
Crise hipertensiva 350
Dislipidemia 356
Doença coronária crônica 368
Doenças da aorta torácica 374
Endocardite infecciosa 382
Hipertensão arterial sistêmica 388
Insuficiência cardíaca 403
Insuficiência cardíaca descompensada 423
Miocardiopatias 431
Pericardiopatias 436
Síncope 441
Valvopatias 446
Endocrinologia
Diabetes mellitus 456
Hiperaldosteronismo primário 474
Hiperparatireoidismo primário 480
Hipertireoidismo 486
Hipófise 499
Hipoparatireoidismo 522
Hipotireoidismo 529
Insuficiência adrenal 535
Neoplasias endócrinas múltiplas 540
Tumores supra-renais 543
Tumores da tireoide 556
Epidemiologia
Erros sistemáticos 564
Anormalidade 567
Gastroenterologia
Câncer colo-retal 615
Cirrose hepática 626
Constipação intestinal 631
Diarreia crônica e má-absorção intestinal 638
Dispepsia 644
Doença do refluxo gastroesofágico 649
Doença inflamatória intestinal 654
Doenças hepáticas autoimunes 664
Doenças hepáticas metabólicas 669
Gastrite e doença ulcerosa péptica 674
Hepatites 681
Nutrição enteral e parenteral 701
Pancreatite crônica 709
Tumores hepáticos 714
Geriatria
Avaliação global do idoso 725
Principais síndromes geriátricas 727
Promoção do envelhecimento saudável 730
Ginecologia
Câncer de mama 733
Hematologia
Alterações trombóticas e anticoagulação 743
Anemias 750
Coagulopatias e doenças plaquetárias 779
Diagnóstico laboratorial das alterações da hemostasia 794
Hemocomponentes e reações transfusionais 799
Hemocromatose 810
Leucemias 813
Linfomas 824
Mielofibrose primária 838
Moléstias infecciosas
Dengue 864
Doença de Chagas 870
Doenças sexualmente transmissíveis com manifestações cutâneas 876
Esquistossomose 887
Febre amarela 891
Infecção pelo HIV e síndrome da imunodeficiência adquirida 894
Infecções oportunistas 914
Leishmaniose visceral 922
Leptospirose 927
Malária 931
Mononucleose infecciosa 936
Parasitoses intestinais 939
Toxoplasmose 949
Tuberculose 955
Nefrologia
Alterações tubulares renais 971
Doença renal crônica 981
Glomerulopatias 993
Manifestações renais das doenças sistêmicas 1004
Nefrite intersticial aguda 1024
Nefrolitíase 1026
Neurologia
Cefaleia 1034
Coma 1048
Delirium 1060
Distúrbios cognitivos 1064
Distúrbios do movimento 1078
Doença cerebrovascular 1089
Epilepsia e crise epiléptica 1108
Esclerose múltipla 1119
Infecções do sistema nervoso central 1132
Miastenia gravis 1150
Neuropatias periféricas 1160
Vertigem 1172
Oncologia
Dor e opioides 1179
Psiquiatria
Transtornos ansiosos 1232
Transtornos da sexualidade 1241
Transtornos do humor 1248
Reumatologia
Artrite reumatoide 1258
Doença mista do tecido conjuntivo 1265
Esclerose sistêmica 1271
Espondiloartropatias 1278
Gota 1289
Lúpus eritematoso sistêmico 1293
Miopatias inflamatórias idiopáticas 1301
Osteoartrose 1306
Osteoporose 1312
Vasculites sistêmicas 1322
Urologia
Câncer de próstata 1336
Epidemiologia
A prevalência estimada de reações adversas a alimentos é de 12-20% em adultos.
Entretanto, quando se considera apenas a prevalência da alergia alimentar, a estimativa
cai para 6-8% em lactentes e até 4% nos adultos, com predomínio em atópicos.
Etiologia
Alergia alimentar é caracterizada por início imediato dos sintomas quando o
mecanismo é mediado por IgE, reprodutibilidade e independência em relação à
quantidade ingerida, sendo raro o envolvimento de mais de três alimentos em um mesmo
indivíduo. Qualquer alimento pode causar alergia alimentar, mas, apesar disso, um
pequeno número de alimentos é responsável pela maioria das reações alérgicas induzidas
por alimentos. Leite, ovo, soja, trigo, amendoim e milho correspondem a cerca de 90%
das reações de hipersensibilidade em crianças, enquanto peixe, crustáceos, amendoim,
milho e castanhas correspondem a cerca de 85% das reações de hipersensibilidade em
adolescentes e adultos. Tem sido observado um aumento nas reações alérgicas a frutas,
como kiwi e mamão papaia, e sementes, como papoula, gergelim e canola.
Na intolerância alimentar, o intervalo entre a ingesta e o início dos sintomas pode
ser longo, com duração de horas, os sintomas podem não ser reproduzidos em exposições
posteriores, há dependência em relação à quantidade ingerida e a participação de
múltiplos alimentos é mais comum. Os alimentos mais comuns envolvidos são aqueles
com ação farmacológica, como alimentos com tiramina (queijos, vinho tinto) e alimentos
liberadores de histamina (chocolate, morango, tomate, abacaxi, etanol, suínos), aditivos
alimentares e lactose.
Fisiopatologia
A alergia alimentar pode envolver um mecanismo mediado por IgE, não-mediado
Quadro clínico
Manifestações clínicas cutâneas são as mais comuns, sobretudo prurido, urticária
e angioedema, que geralmente ocorrem até duas horas após a ingesta ou o contato com o
alimento. Embora seja comum, a ausência de sintomas cutâneos não exclui a
possibilidade de o alimento estar induzindo anafilaxia. A exacerbação da dermatite
atópica grave também é comum, embora a relação causa-efeito não seja tão clara.
Manifestações clínicas gastrointestinais aparecem em segundo lugar em
frequência nas manifestações de alergia alimentar e incluem náusea, vômitos, dor
abdominal e diarreia, que podem ocorrer isoladamente. Na síndrome de alergia oral
ocorre prurido com ou sem angioedema de lábios, língua e palato. Esofagite e
gastroenterite eosinofílicas podem ter mecanismo mediado por IgE, não-mediado por IgE
ou ambos e são caracterizadas por infiltração da parede de esôfago, estômago ou intestino
por eosinófilos e, frequentemente, eosinofilia periférica. Os sintomas de esofagite
eosinofílica são semelhantes aos da doença do refluxo gastroesofágico, mas não ocorre
resposta ao tratamento com inibidores de bomba de prótons e pró-cinéticos e a pHmetria
é normal. Enteropatias induzidas por proteína acometem principalmente lactentes,
manifestando-se na maioria das vezes por diarreia com ou sem muco e sangue, anemia e
déficit de crescimento.
Manifestações clínicas respiratórias isoladas são raras e incluem coriza, prurido
nasal, broncoespasmo e edema de laringe.
Os alimentos são causas comuns de anafilaxia. Os pacientes podem apresentar
manifestações cutâneas, respiratórias, gastrointestinais e cardiovasculares, como
hipotensão, síncope, arritmias e choque. Anafilaxia induzida por alimento dependente de
exercício é uma síndrome em que os sintomas somente ocorrem se determinado alimento
é ingerido duas a seis horas antes do exercício físico.
Tratamento
O alimento deve ser excluído totalmente da dieta, enfatizando a necessidade de
estar alerta para o risco de exposição acidental. A exclusão do alimento envolve
obrigatoriamente a restrição de qualquer fonte alimentar que contenha a proteína
alergênica. O paciente deve ser orientado para realizar leitura de rótulos, evitar situações
de alto risco (buffets) e reconhecer precocemente os sintomas alérgicos.
O paciente também deve ser orientado a evitar alimentos que apresentem
reatividade cruzada com o alimento ao qual ele é alérgico. A restrição de alimentos como
leite, ovo e trigo envolve o risco de déficit nutricional e, dessa forma, torna necessária a
orientação nutricional adequada. A suplementação de vitaminas e cálcio pode ser
necessária.
Anti-histamínicos podem melhorar os sintomas cutâneos mediados por IgE, mas
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Epidemiologia
Estima-se que as reações adversas às drogas ocorram em 15-30% dos pacientes
internados e 5% dos pacientes ambulatoriais. De todas as reações adversas, 10-15%
correspondem às reações de hipersensibilidade.
Fisiopatologia
Uma vez que o medicamento se comporte como um antígeno, seja pela sua
própria natureza proteica, como no caso da Insulina e da Estreptoquinase, seja pela
conjugação com proteínas do plasma, como no caso da Penicilina, ele pode desencadear
qualquer um dos quatro mecanismos de hipersensibilidade descritos por Gell & Coombs.
Tipo Mecanismo Exemplo
I - Imediata IgE, mastócitos e basófilos Anafilaxia, urticária, angioedema, asma
II - Citotóxica IgM e IgG, complemento, Citopenias, nefrites, pneumonites
fagocitose
III - Imunocomplexos IgM e IgG, complemento, Doença do soro, febre, urticária,
fagocitose glomerulonefrite, vasculites
IV - Tardia
IVa Th1, ativação de macrófagos Dermatite de contato
IVb Th2, linfócitos B, mastócitos e Exantema maculopapular com eosinofilia,
eosinófilos DRESS
IVc Linfócitos T CD4 + e CD8 + Exantema bolhoso maculopapular,
necrólise epidérmica tóxica
IVd Células T, neutrófilos Pustulose exantemática
No entanto, grande parte das reações de hipersensibilidade é considerada não-
alérgica por não haver participação direta do sistema imune. Os mecanismos que
envolvem a maioria dessas reações ainda são desconhecidos ou pouco elucidados.
Algumas drogas, como a Codeína, a Morfina e os contrastes iodados, podem provocar a
desgranulação direta dos mastócitos e dos basófilos, liberando os mediadores
inflamatórios que provocam reações clinicamente semelhantes às do tipo I.
Quadro clínico
O quadro clínico das reações de hipersensibilidade às drogas é muito variado,
podendo simular, praticamente, todas as doenças e síndromes conhecidas. As
manifestações cutâneas são as mais comuns, tanto de forma isolada quanto em associação
às manifestações sistêmicas. As erupções por drogas podem variar de um simples eritema
benigno e transitório até formas mais graves, como a síndrome de Stevens-Johnson e a
síndrome de Lyell ou necrólise epidérmica tóxica.
As erupções exantemáticas ou máculo-papulares são as manifestações cutâneas
mais frequentes das reações adversas a drogas. A erupção inicia-se, em geral, entre o
quarto e o décimo-quarto dias de tratamento ou até um ou dois dias após o seu término.
Prurido e febre baixa podem acompanhar o quadro cutâneo, desaparecendo após alguns
dias. O diagnóstico diferencial das reações exantemáticas por drogas inclui as erupções
virais, as erupções tóxicas, a reação enxerto versus hospedeiro aguda, a síndrome de
Kawasaki e a doença de Still. As drogas mais relacionadas com esse tipo de manifestação
são o Alopurinol as aminopenicilinas, as cefalosporina, os anticonvulsivantes e os
antibióticos do grupo das sulfonamidas.
A urticária caracteriza-se por placas e/ou pápulas eritematosas transitórias, com
prurido importante. Em até metade dos casos, está associada a angioedema, surgindo de
alguns minutos a poucas horas após a administração do medicamento. Os antibióticos e
os relaxantes musculares estão entre as principais causas de urticária e angioedema por
um mecanismo mediado por IgE, enquanto que os anti-inflamatórios não-hormonais são
as causas mais comuns por um mecanismo não-mediado por IgE.
A pustulose exantemática aguda generalizada caracteriza-se por pequenas pústulas
em grande quantidade, que aparecem sobre uma área de eritema, predominantemente em
pescoço, axilas, tronco e extremidades superiores. Não é raro o surgimento de
leucocitose, neutrofilia, hipocalcemia e insuficiência renal, que são transitórios. O tempo
entre a administração da droga e o surgimento das lesões é relativamente curto, menor do
que dois dias. A erupção dura alguns dias e é seguida de descamação superficial. As
principais drogas relacionadas ao quadro são as aminopenicilinas e o Diltiazem. Os
critérios diagnósticos incluem erupção pustular aguda, febre superior a 38º C, neutrofilia
com ou sem eosinofilia leve, pústulas subcórneas ou intra-epidérmicas na biópsia de pele
e resolução espontânea em menos de quinze dias.
O eritema fixo por drogas caracteriza-se por uma ou poucas placas eritêmato-
edematosas arredondadas e bem delimitadas, algumas vezes com bolha no centro da
lesão. Pode ocorrer em qualquer parte do corpo e envolver mucosas, sobretudo lábios e
genitais. A erupção involui em alguns dias, com uma lesão residual acastanhada, que
pode ser reativada no mesmo local após uma nova exposição à droga envolvida. Esse
quadro está relacionado, com frequência, ao uso de derivados da fenazona, sulfonamidas,
barbituratos, Fenolftaleína, tetraciclinas e Carbamazepina.
Tratamento
A primeira medida a ser tomada no tratamento de qualquer suspeita de reação
adversa às drogas é a eliminação de todas as drogas suspeitas. Alguns autores sugerem
até o uso de plasmaférese para os casos graves em uma tentativa de eliminar os
metabólitos da droga causadora e as citocinas inflamatórias envolvidas na fisiopatologia
da reação, embora esse tipo de conduta mais agressiva não tenha demonstrado um
benefício evidente.
Se o paciente estiver utilizando inúmeras drogas, deve-se eliminar as menos
necessárias e as mais prováveis e avaliar os riscos e os benefícios da suspensão das
demais drogas.
O tratamento farmacológico deve ser sempre orientado de acordo com o quadro
clínico. Reações imediatas mais brandas, como a urticária não-extensa ou o angioedema
palpebral, em geral, respondem bem apenas com anti-histamínicos anti-H1 por via oral.
Por outro lado, reações mais graves, como anafilaxia, requerem um tratamento de
urgência, sendo necessárias medidas como manutenção das vias aéreas, Adrenalina
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Epidemiologia
A rinossinusite alérgica é causada pela interação de fatores genéticos com fatores
ambientais, sendo mais frequente em indivíduos com antecedentes familiares de atopia,
sem preferência por sexo ou raça. Pode iniciar-se em qualquer faixa etária, porém é mais
frequente em crianças e adolescentes. Existem evidências de forte associação entre asma,
rinite e sinusite com pólipos nasais.
Fisiopatologia
O ar inspirado é veículo de inúmeras substâncias, como os alérgenos ambientais,
que, em indivíduos geneticamente predispostos, levam à formação de anticorpos IgE.
Incluem ácaros, fungos, barata, pólen e epitélio, saliva e urina de animais. Os odores
fortes e a fumaça de cigarro constituem os principais irritantes inespecíficos,
desencadeando os sintomas através de mecanismos não imunológicos.
A resposta inflamatória na reação de hipersensibilidade tipo I de Gell e Coombs
envolve uma fase de sensibilização, em que ocorre o reconhecimento antigênico e a
produção de IgE específica, que se liga a receptores de mastócitos, e uma fase efetora,
dividida em imediata e tardia, na qual o contato com o alérgeno leva à desgranulação de
mastócitos com liberação de vários mediadores responsáveis pelos sintomas.
Quadro clínico
O processo inflamatório da mucosa nasal se traduz clinicamente por prurido nasal
intenso, espirros em salva, obstrução nasal e coriza. O paciente pode apresentar, ainda,
lacrimejamento e prurido ocular, no conduto auditivo, no palato e na faringe.
Os sinais e sintomas podem se manifestar de forma sazonal ou perene, de acordo
com os alérgenos envolvidos.
Estigmas de atopia incluem prega transversa sobre o nariz, cianose da região
periorbital, linhas de Dennie-Morgan, fácies alongada e respiração bucal.
Nos quadros agudos, os sinais e sintomas mais comuns de acometimento dos seios
paranasais são dor na arcada dentária superior, dor ou pressão facial, congestão nasal,
obstrução nasal, secreção nasal e pós-nasal, hiposmia ou anosmia, febre, cefaleia,
halitose, fadiga, otalgia, tosse e irritação faríngea.
Classificação das rinites – Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma (ARIA)
Intermitente quando sintomas menos frequentes do que quatro dias por semana ou
com duração inferior a quatro semanas. Persistente quando sintomas com frequência
Exames complementares
Para estabelecer a etiologia alérgica da rinite, é importante documentar a
sensibilização alergênica, ou seja, a presença de anticorpos IgE contra alérgenos
ambientais. Essa avaliação pode ser feita in vitro através da dosagem sérica de IgE
específica ou in vivo através de testes cutâneos ou provas de provocação nasal.
Hemograma pode revelar eosinofilia, dosagem de IgE sérica total pode revelar
níveis elevados e citologia nasal pode revelar aumento de eosinófilos na mucosa.
Feito o diagnóstico de rinite, recomenda-se que os pacientes com doença
persistente sejam avaliados para asma através de história clínica, exame físico e, se
possível, espirometria antes e após o uso de broncodilatador.
A endoscopia nasal está recomendada em todos os pacientes com queixas nasais.
Nos casos mais complicados, podem ser utilizados métodos de imagem. A
radiografia simples dos seios paranasais apresenta valor diagnóstico limitado, sendo seu
uso controverso e discutível. A tomografia computadorizada deve ser solicitada em
rinossinusites que não estejam evoluindo bem com o tratamento adequado, em quadros
crônicos e recorrentes, nas complicações ou quando houver indicação cirúrgica. A
ressonância nuclear magnética tem valor importante nas complicações regionais e
intracranianas, bem como no diagnóstico diferencial de neoplasias e na suspeita de
sinusite fúngica.
Diagnóstico
Anamnese detalhada e exame físico minucioso são a base para o diagnóstico de
qualquer doença alérgica, sendo que os exames complementares importantes para o
diagnóstico etiológico.
Diagnóstico diferencial
Tratamento
Além de sensibilizar indivíduos predispostos, a exposição aos alérgenos pode
desencadear sintomas e promover a exacerbação da rinite, de modo que reduzi-la deve
sempre fazer parte do tratamento das alergias respiratórias. De fato, medidas de controle
ambiental podem contribuir para a diminuição da necessidade de outras intervenções.
O corticosteroide tópico nasal é a medicação de escolha para o tratamento de
manutenção da rinite alérgica. Seu uso regular é bastante eficaz na redução de coriza,
espirros, prurido e, principalmente, congestão nasal. Embora o início da ação não seja
imediato, pode-se observar melhora dos sintomas após seis a oito horas, atingindo seu
efeito pleno em alguns dias. Os efeitos colaterais são mínimos e, geralmente, locais,
como ressecamento da mucosa, sensação de queimação e sangramento discreto. No
entanto, a associação com corticosteroide inalatório, especialmente em criança, pode
aumentar o risco de efeitos colaterais sistêmicos.
Droga Apresentação Posologia
Dipropionato de 50mcg/jato e 100mcg/jato Dose inicial de 400mcg/dia fracionada em duas a
Beclometasona quatro doses ao dia
Budesonida 32mcg/jato, 50mcg/jato, Dose inicial de 200-256mcg/dia fracionada em
64mcg/jato e 100mcg/jato duas doses e manutenção com menor dose efetiva
Acetonido de 50mcg /jato e 55mcg/jato Dose inicial de 200-220mcg/dia, não fracionada, de
Triancinolona preferência pela manhã e manutenção com 100-
110mcg/dia
Propionato de 50mcg/jato Dose inicial de 200mcg/dia, não fracionada, de
Fluticasona preferência pela manhã, não devendo exceder
400mcg/dia
Furoato de 50mcg/jato Dose inicial de 200mcg/dia, não fracionada, de
Mometasona preferência pela manhã, e manutenção com
100mcg/dia
A utilização de corticosteroides sistêmicos raramente é necessária e deve ser
restrita a casos graves e refratários ao tratamento em virtude do elevado risco de efeitos
colaterais. Os mais indicados são a Prednisona e a Prednisolona, administrados por
períodos curtos. O uso de corticosteroides de depósito não tem indicação no tratamento
de rotina da rinite alérgica.
Leve intermitente Moderada a grave intermitente Leve persistente Moderada a grave persistente
Controle ambiental
Descongestionante intranasal por período inferior a dez dias ou oral
Anti-histamínico intranasal ou oral
Corticoide intranasal
Cromoglicato intranasal
Imunoterapia alérgeno específica
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Etiologia
Reações adversas a drogas, como anti-inflamatórios não-hormonais, Ácido
Acetilsalicílico, Dipirona, antibióticos betalactâmicos, sulfas, anestésicos, contrastes
iodados e inibidor da enzima de conversão da angiotensina.
Reações alérgicas a alimentos, como peixes, frutos do mar, oleaginosas, leite, ovo,
trigo e soja.
Reações adversas a aditivos alimentares, como corantes, conservantes e
antioxidantes.
Picadas de insetos, como vespas, abelhas e formigas.
Estímulos físicos.
Angioedema hereditário.
Doenças mediadas por complexos imunes, como urticária da doença do soro.
Doenças mediadas por auto-anticorpos, como lúpus eritematoso sistêmico.
Doenças linfoproliferativas e autoimunes que levem a deficiência adquirida do
inibidor de C1q-esterase.
Angioedema e urticária idiopáticos.
Epidemiologia
Cerca de 50% dos pacientes apresentam apenas urticária, 10% apenas angioedema
e 40% urticária com angioedema simultaneamente. Há uma prevalência maior em
mulheres e adultos jovens.
Fisiopatologia
O mastócito é a célula mais importante na fisiopatologia de qualquer tipo de
urticária e/ou angioedema. A desgranulação do mastócito pode ocorrer por mecanismos
imunológicos, como pela fixação de IgE específica para um determinado antígeno aos
receptores de alta afinidade dos mastócitos. Várias drogas, como Vancomicina,
Polimixina B, opiáceos e contrastes iodados, podem desgranular diretamente o mastócito
sem a participação de mecanismos imunológicos. O principal mediador liberado é a
histamina.
Classificação
Quadro clínico
Angioedema
O angioedema em geral é pouco pruriginoso e caracteriza-se por edema agudo da
cor da pele ou eritematoso em regiões de pele mais fina. Pode ser doloroso e progredir
lentamente nas primeiras 36 horas, desaparecendo no final do terceiro dia. O uso de
contraceptivos combinados orais e o período pré-menstrual são condições exacerbadoras,
enquanto que gestação e menopausa são condições protetoras.
Alterações sutis da tonalidade vocal, rouquidão e disfagia são pródromos da
obstrução parcial ou total das vias aéreas superiores por edema de laringe.
Sinais e sintomas mais comuns de acometimento do trato gastrointestinal incluem
dor abdominal em cólica difusa, vômitos e diarreia aquosa. Obstrução intestinal
transitória pode ser confundida com abdômen agudo obstrutivo e tem resolução
espontânea. Volvo e intussuscepção podem complicar o edema intestinal. Podem ocorrer
também ascite, com hemoconcentração e choque hipovolêmico, além de pancreatite
aguda e hipersecreção gástrica.
Outros sintomas menos comuns, como retenção urinária, dor pleurítica e tosse
podem ocorrer. Edema cerebral pode ocasionar cefaleia, tontura e hemiplegia.
Urticária
As pápulas da urticária são lisas, róseas ou avermelhadas e, às vezes, com um halo
claro central ou adquirindo forma serpiginosa. Têm duração média de doze horas,
durando menos de vinte e quatro horas. Na maioria das vezes são extremamente
pruriginosas. A urticária pode ou não ser acompanhada por angioedema e as lesões
podem ser isoladas, espalhadas ou generalizadas.
Pápulas urticariformes que duram mais de vinte e quatro horas, doloridas, pouco
pruriginosas, que deixam sequelas tipo hiperpigmentação e que não respondem
adequadamente ao tratamento padrão devem levar ao diagnóstico diferencial com
vasculite.
Exames laboratoriais
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico clínico da lesão urticariforme não é difícil, porém presença de
outras lesões associadas, ausência de prurido cutâneo e refratariedade ao tratamento
convencional sugerem diagnósticos alternativos.
Tratamento
Urticária
O ideal é que os pacientes sejam orientados a excluir os estímulos e/ou fatores
desencadeantes da urticária, evitando a ingesta de aditivos alimentares e substituindo as
drogas suspeitas. As doenças associadas devem ser tratadas de acordo.
As urticárias agudas podem ser bem controladas com o uso de anti-histamínicos,
como Loratadina, apresentada na forma de comprimidos de 10mg, com 10mg uma vez ao
dia, Desloratadina, apresentada na forma de comprimidos de 5mg, com 5mg uma vez ao
dia, Fexofenadina, apresentada na forma de comprimidos de 120mg e 180mg, com
180mg uma vez ao dia, Cetirizina, apresentada na forma de comprimidos de 10mg, com
Angioedema hereditário
Deve-se educar o paciente sobre a doença, evitando fatores que podem
desencadear as crises de angioedema, como mudanças bruscas de temperatura, traumas e
estresse emocional.
Na fase aguda, é necessário suporte de emergência, com intubação orotraqueal ou
traqueostomia para suporte ventilatório, acesso venoso, fluidos e medidas básicas de
emergência quando houver comprometimento de vias aéreas e hipotensão. Como uma
crise aguda de angioedema hereditário pode simular choque e/ou anafilaxia de outra
etiologia, podem ser utilizadas drogas como Adrenalina, anti-histamínicos e
corticosteroides, embora não haja comprovação da eficácia.
O tratamento de escolha é a reposição do próprio inibidor da C1q-esterase
(C1INH), quando disponível, na dose de 500-1000U por via intravenosa. O início de ação
ocorre em trinta a sessenta minutos, com remissão do edema dentro de duas a três horas,
sendo completa após 24 horas. Nos casos mais graves, a dose pode ser repetida. Plasma
Fresco Congelado consiste em segunda opção, quando não estiver disponível o
concentrado de C1INH, na dose de 1-2 unidades por dia por até dois dias, com risco de
exacerbação paradoxal da crise devido ao fato de o próprio plasma fornecer mais
complemento, o que pode intensificar o processo inflamatório.
Para a profilaxia de longa duração, são utilizados os andrógenos atenuados, que,
no fígado, estimulam a produção do inibidor da C1q-esterase. Comercialmente no Brasil
dispõe-se do Danazol, apresentado na forma de comprimidos de 50mg, 100mg e 200mg,
com dose de 50-400mg/dia fracionada em duas tomadas diárias, e do Estanazolol, com
dose de 1-4mg/dia. Esses andrógenos devem ser utilizados na menor dose necessária para
a remissão dos sintomas. Os efeitos adversos mais frequentes são hipertensão arterial,
amenorreia, virilização e colestase. A hepatite necrotizante é a complicação mais grave,
porém rara. Os pacientes devem ser seguidos ambulatorialmente e, a cada seis meses,
devem ser monitorizados função renal, função hepática, função tireoidiana, lípides,
amilase e ultrassonografia de abdômen.
Outra opção para profilaxia de longa duração é o uso de anti-fibrinolíticos, que
inibem a plasmina e bloqueiam a fibrinólise e a formação de fragmentos C2b, evitando a
Angioedema adquirido
O tratamento do angioedema adquirido baseia-se, fundamentalmente, no controle
da doença primária que causa a redução do inibidor da C1q-esterase. O concentrado de
C1INH pode ser utilizado nas crises, porém o seu benefício não será completo, pois há
autoanticorpos que rapidamente inativarão sua ação.
O tratamento do quadro agudo alérgico pode ser conduzido com antagonista H1,
associação de antagonistas H1 de classes diferentes ou associação de antagonistas H1 e
H2, além de glicocorticoides. Em caso de risco de comprometimento da via aérea, pode-
se administrar Adrenalina por via intramuscular, o que não surtirá efeito em caso de
angioedema mediado por bradicinina.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
An overview of angioedema: Clinical features, diagnosis and management. Clifton O Bingham. UpToDate, 2011.
Conceito
O aconselhamento é entendido como o uso de técnicas apropriadas que estimulem
a adesão à prática preventiva e de promoção da saúde. Trata-se de parte integrante e
fundamental de qualquer consulta médica.
Modelo Transteórico
O Modelo Transteórico é um método integrado de mudança comportamental
fundamentado no processo de decisão do indivíduo. Envolve emoções, cognições,
comportamentos e auto-avaliação. Postula a mudança como um processo envolvendo
cinco fases.
Pré-contemplação é o estágio em que o indivíduo não tem intenção de mudar em
um futuro próximo, habitualmente nos próximos seis meses. Nessa fase, a intervenção
mais efetiva é a informação de boa qualidade sobre os riscos do hábito ou comportamento
não-saudável.
Contemplação é estágio em que o indivíduo apresenta intenção de mudar nos
próximos seis meses. Para pessoas em fase de contemplação, devem ser enfatizados os
ganhos com a mudança e deve ser reforçada a capacidade para tal apesar das dificuldades
e dos fracassos anteriores.
Preparação é o estágio em que o indivíduo está pronto para efetuar a mudança
comportamental em um futuro próximo, habitualmente nos próximos trinta dias. Ao
médico, cabe suprir as necessidades práticas do paciente que estejam ao seu alcance,
ajudando-o a superar barreiras e propondo comportamentos facilitadores ou atividades
que desviem a atenção do hábito que será mudado.
Manutenção é o estágio em que o indivíduo trabalha para prevenir recaídas. São
necessárias ações de cautela.
A regressão ocorre quando o indivíduo migra para uma fase anterior do ciclo de
mudança. A recaída tende a ser regra quando se atinge a fase de ação para a maioria das
mudanças comportamentais. A grande maioria dos indivíduos retorna para as fases de
contemplação e preparação.
Modelo cognitivo-comportamental
A terapia cognitiva pode ser definida como um processo cognitivo de investigação
empírica, verificação da realidade e resolução de problemas entre o paciente e o
terapeuta. Proporciona um modelo para o entendimento dos distúrbios psicológicos que
se propõe a tratar, assim como um plano claro dos princípios gerais e dos procedimentos
do tratamento. Em outras palavras, sustenta que comportamentos, afetos, sensações
físicas e reações ao ambiente estão sustentados por pensamentos e crenças adquiridos ao
longo da existência. O foco central está na possibilidade de auxiliar o paciente a
Preceitos básicos
Definir com o indivíduo os fatores de risco prioritários e as intervenções mais
adequadas para cada um.
Manter um nível ideal de comunicação com a pessoa, levando em conta
diferenças de linguagem.
Informar a real necessidade da prevenção ou da promoção da saúde, abordando
inclusive crenças e aspectos culturais.
Esclarecer adequadamente as vantagens e desvantagens das medidas e dos
procedimentos recomendados.
Obter o comprometimento da pessoa com o processo de mudança que se pretende
iniciar ou dar continuidade e começar a agir o mais cedo possível.
Planejar programas de curto, médio e longo prazo, conforme a escala de
prioridades definida ao longo das consultas médicas.
Negociar metas conjuntas que sejam realistas e viáveis na prática, reforçando
positivamente mesmo os pequenos ganhos.
Propor planos de trabalho factíveis, de evolução progressiva, que sejam flexíveis
para o caso de necessitarem de modificação.
Implantar um sistema de monitoramento do progresso e de antecipação de
retrocessos eventuais.
Método PANPA
Pergunte a todo o paciente sobre os seus hábitos. Nessa fase, o objetivo é coletar,
selecionar e analisar informações que estejam implicadas no processo de decisão de
mudar.
Aconselhe, selecionando com o sujeito inicialmente um dos hábitos que será o
foco.
Negocie sempre. Muitas das estratégias sugeridas em livros, manuais, cursos,
congressos e até mesmo contatos informais servem para estimular a criatividade do
profissional e do paciente.
Prepare o momento de mudar ou adotar um novo hábito, oferecendo as diversas
possibilidades para chegar ao comportamento desejado, ressaltando vantagens e
desvantagens a partir das necessidades do sujeito.
Acompanhe o processo de mudança do cliente, estabelecendo um meio de
Atividade física
O aconselhamento para atividade física regular é recomendado para todos visando
melhorar o nível de saúde e reduzir os riscos. Segundo uma definição clássica, atividade
física é qualquer movimento corporal produzido pela musculatura esquelética que resulte
em gasto de energia. Já o exercício é o tipo de atividade física que é desenvolvido de
modo planejado, estruturado e repetitivo com o objetivo de melhoria ou manutenção do
condicionamento ou da aptidão física, habilidade individual de realizar atividade física,
que tem como componentes as resistências cardiorrespiratória e muscular, a força
muscular, a flexibilidade e a composição corporal.
A observação de uma redução da mortalidade geral entre os praticantes de
atividade física regular está bem estabelecida. Exercícios aeróbicos levam a redução dos
níveis de pressão arterial sistólica e diastólica, colesterol total, LDL-colesterol e
triglicérides, além de aumento dos níveis de HDL-colesterol. A prática de atividade física
regular também diminui o risco de diabetes mellitus tipo 2, cânceres em geral,
especialmente câncer de cólon, obesidade e quedas. Está associada a aumento e
manutenção da massa óssea e sensação geral de bem estar, com aumento da autoestima e
da qualidade do sono, com efeitos benéficos sobre a saúde mental.
Entre as estratégias úteis para o aumento dos níveis de prática de atividade física
em diferentes grupos da população estão campanhas comunitárias que utilizam meios de
comunicação locais, previsão de programas estruturados para a prática de atividades
físicas em escolas e universidades, criação de redes sociais envolvendo instituições
comunitárias dedicadas ao apoio a iniciativas de mudanças do comportamento sedentário,
ampliação e melhoria dos espaços públicos disponíveis para a prática de esportes,
caminhadas e práticas corporais diversas.
Deve-se estimar o nível de atividade física ideal para cada pessoa a cada
momento, identificar as principais barreiras encontradas para a sua realização e fornecer
as informações adequadas sobre os seus benefícios. É necessário ajudar cada um a
encontrar o tipo de exercício que mais se adapte ao seu perfil e à sua rotina diária, com
vistas à melhora da saúde e ao aumento da adesão à prática regular.
A maior parte das pessoas pode iniciar a prática de atividade física moderada sem
a necessidade de avaliação clínica e exames complementares prévios, desde que de forma
gradual e com atenção para o surgimento de sinais e sintomas não usuais. Avaliação
médica mais aprofundada está indicada, para auxiliar a definição do programa de
atividades mais apropriado, no caso de alto risco para doença coronariana, com sintomas
sugestivos de afecções cardíacas, pulmonares ou metabólicas e, ainda, no caso de homens
com idade superior a quarenta anos e mulheres com idade superior a cinquenta anos que
pretendam praticar atividades de maior intensidade. Neste caso, a avaliação pode incluir
exames complementares, como teste de esforço.
Pessoas sedentárias devem ser incentivadas a incorporar atividade física regular
na vida diária, com meta em curto prazo de atingir nível de atividade ligeiramente
superior ao basal. Como meta de longo prazo, propõe-se a prática de exercícios físicos
aeróbicos regulares de intensidade moderada, como caminhar rápido, correr, pedalar e
nadar, com duração de trinta minutos por sessão, pelo menos cinco dias por semana. A
Alimentação
Dieta e exercício devem ser dimensionados de modo a manter o peso desejado por
meio do equilíbrio entre ingesta calórica e dispêndio energético.
Todos os indivíduos devem limitar a ingesta de gordura, especialmente saturada, e
colesterol, dando preferência a frutas, verduras, legumes e grãos contendo fibras. É
recomendada a redução da gordura total ingerida para até 30% do total de calorias, da
gordura saturada para menos de 10% do total de calorias e do colesterol para menos de
300mg/dia. Azeite e óleos vegetais são fontes mais saudáveis de gorduras.
A base da ingesta proteico-calórica diária deve ser o consumo variado de peixes,
aves sem pele, carnes magras, grãos, cereais, legumes, verduras e frutas. Gorduras
saturadas, frituras, massas e produtos adoçados com açúcar devem ser evitados ao
máximo.
Mulheres devem ser encorajadas a consumir quantidades de cálcio adequadas para
Gorduras
Tipo de gordura Fonte Estado em Efeito sobre o
temperatura colesterol comparado
ambiente aos carboidratos
Monoinsaturada Azeite de oliva, azeitonas, óleo de Líquidas Abaixam LDL e
Apresenta somente canola, amendoim, castanhas, aumentam HDL
uma ligação dupla amêndoas, abacate
Carboidratos
Os carboidratos complexos, ricos em amido, como arroz, pão, macarrão e batatas,
são rapidamente quebrados no organismo e transformados em glicose. Ocorre um
aumento rápido dos níveis glicêmicos após a ingesta desses alimentos e um pico de
Proteínas
As proteínas da dieta podem ter origem em fontes animais e vegetais. Proteínas
completas são aquelas que contêm todos os aminoácidos necessários para a confecção de
uma nova proteína. As proteínas de origem animal tendem a ser completas, enquanto que
as de origem vegetal tendem a ser incompletas. Portanto, as pessoas que comem proteínas
vegetais devem ingerir uma grande variedade de alimentos de modo a ingerir todos os
aminoácidos necessários.
Apesar dessa desvantagem, as proteínas de origem vegetal apresentam grandes
vantagens em relação às de origem animal, já que elas contêm uma quantidade muito
menor de gorduras e uma quantidade muito maior de fibras.
Os processos de cozimento da carne, como o fritar e o grelhar, aumentam o risco
de câncer pela produção de aminas heterocíclicas, um grupo de carcinógenos.
Os estudos mostram que populações com alto consumo de proteínas de origem
vegetal provindas das nozes, das frutas e de verduras apresentam menos doença
cardiovascular. Entretanto, as nozes também são calóricas e não devem ser ingeridas em
excesso. A grande utilização de proteínas de origem vegetal regadas com azeite de oliva é
um dos segredos do perfil saudável e saboroso da dieta do Mediterrâneo.
Dietas ricas em proteínas estão associadas à osteoporose pelo aumento da
excreção de cálcio. A substituição de carboidratos por proteínas faz aumentar os níveis
séricos de HDL.
Frutas e verduras
Um consumo elevado de frutas e verduras diminui a prevalência de doenças
cardiovasculares e câncer, reduz os níveis pressóricos e protege contra a catarata, a
degeneração macular e a diverticulite.
Nenhum estudo provou até hoje que substituir frutas e verduras por cápsulas das
várias vitaminas nelas contidas tenha qualquer efeito benéfico na proteção dessas
doenças. Isso porque parece haver uma interação entre os componentes de frutas e
verduras que só ocorre quando eles são ingeridos juntos.
Cálcio
Tabagismo
É recomendado o aconselhamento visando a cessação do uso de todas as formas
de tabaco para pessoas de qualquer faixa etária.
Grávidas e pais fumantes devem ser informados quanto aos possíveis efeitos
deletérios do tabagismo sobre a saúde fetal e das crianças.
A prescrição de medicamentos é recomendada como tratamento adjuvante para
pacientes selecionados.
As estratégias que podem aumentar a aderência dos pacientes são conselhos
diretos e sugestões, reforços e lembretes, material de promoção da saúde, programas
comunitários, terapia medicamentosa e mensagens contra o início do uso do tabaco.
Sono
Medidas de higiene do sono incluem sair da cama no mesmo horário de manhã
todos os dias, independentemente de quanto tempo de sono foi obtido durante a noite,
deitar apenas quando estiver com sono e usar a cama e o quarto somente para dormir e
para atividade sexual, evitar café, chá, chocolate, refrigerantes a base de cola, álcool,
nicotina e medicamentos com cafeína por cerca de oito horas antes de dormir, evitar
refeições pesadas e excesso de líquidos antes de dormir, evitar cochilos durante o dia,
praticar atividade física no máximo quatro horas antes de deitar, de preferência ao ar
livre, procurar exposição solar logo após levantar e no final da tarde, tomar banho quente
de quinze a vinte minutos duas horas antes de dormir, ingerir um lanche com leite e/ou
derivados e carboidrato antes de dormir e manter horários constantes para dormir e
acordar mesmo nos finais de semana. Se não conseguir dormir, deve-se levantar da cama
depois de dez minutos, ir para outro ambiente e só retornar novamente para dormir.
Álcool e drogas
Pessoas com sinais de abuso ou uso perigoso de álcool ou drogas ilícitas devem
ser orientadas e aconselhadas, com discussão do risco de acidentes e problemas médicos
e psiquiátricos, estímulo direto para redução do consumo e programação de consultas
para acompanhamento regular. Pacientes com evidência de dependência devem ser
encaminhados para tratamento com especialistas ou programas comunitários sempre que
Atividade sexual
Acidentes e violência
Violência juvenil
Em situações de alta prevalência de violência, os médicos devem perguntar aos
jovens a respeito de comportamento violento, uso de álcool e drogas e disponibilidade de
revólveres e outras armas de fogo. Os indivíduos identificados como de alto risco de
Higiene bucal
Todos devem ser orientados a adotar escovação e uso de fita dental após cada
refeição. Pelo menos uma das sessões de escovação diária, de preferência a última antes
de dormir, deve ser minuciosa e demorada a ponto de deixar todas as superfícies
dentárias lisas. A língua também deve ser higienizada com a escova, seu cabo ou espátula
apropriada todos os dias.
Deve-se orientar dieta não cariogênica, pobre em sacarose, com três refeições
regulares, espaçadas de várias horas, evitando ingerir alimentos e bebidas nos intervalos.
Recomenda-se evitar tabaco e bebidas alcoólicas, além de realizar avaliação
odontológica regularmente, a cada seis a doze meses.
Pais devem ser encorajados a supervisionar a escovação dos filhos e a quantidade
de creme dental utilizada e limpar externamente os dentes ou mesmo as gengivas de
crianças muito pequenas.
O uso de mamadeira na cama deve ser desestimulado.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da mulher,
envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Roteiro de procedimentos básicos. Mário Ferreira Júnior, Ana Claudia Camargo, Milton de Arruda Martins. Centro de Promoção de
Saúde – CPS, Serviço de Clínica Médica Geral, HCFMUSP, 2010.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da mulher,
envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Anamnese
Identificação com ênfase especial em idade, gênero, procedência, ocupação, local
de trabalho e moradia.
Pesquisa de hábitos, comportamentos e estilo de vida:
- Quantidade e qualidade da dieta habitual, especificando tipo de alimento,
modo de preparo, frequência, horário e local das refeições, assim como
facilidades e dificuldades encontradas no dia-a-dia;
- Tarefas cotidianas em casa e no trabalho que envolvem atividade física,
além de tipo, frequência, duração e intensidade das sessões específicas de
exercícios, com as facilidades e dificuldades encontradas;
- Tabagismo atual ou prévio, tipo de produto, quantidade diária, duração
do hábito e tentativa prévia de cessação;
- Fatores causais de ansiedade ou depressão nas tarefas diárias ou nas
relações interpessoais e formas encontradas para enfrenta-los;
- Número de horas, qualidade e rituais diários dedicados ao sono e às
atividades de lazer;
- Quantidade e frequência de consumo de substâncias causadoras de
dependência e possíveis complicações;
- Prática sexual, ocorrência de comportamento sexual de risco associado a
abuso de álcool e hábito de uso de preservativo de borracha ou de outros
dispositivos para prevenção de gravidez e de doenças sexualmente
transmissíveis;
- Risco de acidentes, com informação sobre cuidados ao volante, uso de
capacetes, uso de cintos de segurança, proteção em janelas e vãos de
escada em casa, existência de piso ou calçado antiderrapante, prática de
atividades de lazer nas quais acidentes são frequentes e antecedente de
acidente envolvendo abuso de álcool;
- Risco de violência, com informação sobre fácil acesso a armas de fogo
em casa, envolvimento em ambientes em que o uso de armas ou
comportamento violento é comum e antecedente de violência envolvendo
abuso de álcool;
- Higiene bucal, com informação sobre frequência e duração das
escovações dentárias, uso de pasta e fio dental e periodicidade das
Questionário de Fagerström
Quanto tempo depois de acordar você fuma o seu primeiro cigarro?
0. Após 60 minutos;
1. 31-60 minutos;
2. 6-30 minutos;
3. Nos primeiros 5 minutos;
Você encontra dificuldade para evitar fumar em lugares onde é proibido, como igreja, local de trabalho,
cinema e shopping?
0. Não;
1. Sim;
Qual é o cigarro do dia que lhe traz mais satisfação?
0. Qualquer um;
1. O primeiro da manhã;
Quantos cigarros você fuma por dia?
0. 10 ou menos;
1. 11-20;
2. 21-30;
3. 31 ou mais;
Você fuma mais frequentemente no período da manhã?
0. Não;
1. Sim;
Você fuma mesmo estando doente a ponto de ficar acamado na maior parte do tempo?
0. Não;
1. Sim;
0-2 pontos indicam dependência muito baixa. 3-4 pontos indicam dependência
baixa. 5 pontos indica dependência média. 6-7 pontos indicam dependência elevada. 8-10
pontos indicam dependência muito elevada.
Questionário CAGE
C (cut) Já passou pela sua cabeça que você precisa parar de beber?
G (guilty) Alguma vez você se sentiu culpado pelo tanto que bebe ou bebeu?
E (eye- Alguma vez você teve que tomar alguma bebida logo cedo de manhã para acalmar os
opener) nervos ou espantar a ressaca?
Exame físico
O exame físico é um complemento importante da anamnese, principalmente
quando se buscam sinais que ajudem no diagnóstico de determinada doença. Não existe
evidência que justifique a realização de exame físico completo em pessoa assintomática
submetida a uma avaliação periódica de saúde.
No exame físico com enfoque preventivo, os procedimentos que apresentam
melhor evidência de benefício para mudar a evolução natural das doenças, com impacto
positivo na duração e na qualidade de vida das pessoas, são:
- Medida da pressão arterial;
- Medida de peso e altura para cálculo do índice de massa corpórea;
- Medida da circunferência abdominal, com risco aumentado se superior a
102cm em homens e 88cm em mulheres;
- Teste da acuidade visual com tabela de Snellen para pessoas com idade
superior a 65 anos, esperando-se que o paciente identifique
adequadamente a maioria dos símbolos até a linha 0.6;
Podem ser incluídos no exame físico, pela sua relativa simplicidade técnica,
apesar de insuficiente evidência científica sobre efetividade:
- Exame da pele com o propósito de identificar lesões malignas ou pré-
malignas;
- Exame da cavidade bucal com o objetivo de identificar lesões malignas
ou pré-malignas;
- Palpação abdominal para detecção de aneurisma de aorta abdominal em
homens com 60 anos de idade ou mais e história pregressa ou atual de
tabagismo;
Exames subsidiários
Além das informações obtidas na anamnese e no exame físico, o médico conta
com o apoio de exames subsidiários para o rastreamento de doenças.
Aconselhamento
O aconselhamento visando a adoção de hábitos de vida mais seguros e saudáveis é
um componente básico da avaliação periódica de saúde.
Quimioprofilaxia
Vacinas
Em geral, algumas situações devem ser observadas:
- Indicação universal, de acordo com a faixa etária;
- Indicação restrita a determinados grupos de risco;
- Disponibilidade do imunógeno na rede pública;
A lista mínima de vacinas indicadas para adultos, conforme o Setor de
Imunizações do HC-FMUSP, é a seguinte:
- Dupla do adulto (dT), com reforço a cada dez anos, para indivíduos já
imunizados contra tétano e difteria ou esquema completo com três doses
(0-2-6 meses) para os não imunizados;
- Hepatite B, com três doses (0-2-6 meses), para os indivíduos jovens com
até 24 anos não imunizados e para grupos de risco;
- MMR, com imunização contra sarampo, caxumba e rubéola, em dose
única, para indivíduos de qualquer idade não imunizados;
- Pneumocócica 23-valente, em dose única, indicada para pessoas com
idade acima de sessenta anos ou portadores de doença cardíaca ou
respiratória crônica, diabetes mellitus dependente de Insulina ou asplenia
anatômica ou funcional, com revacinação após cinco anos em pessoas com
Medicamentos profiláticos
Ácido Acetilsalicílico é indicado para profilaxia de doença cardiovascular em
indivíduos com risco cardiovascular aumentado, como hipertensos, diabéticos,
dislipidêmicos, tabagistas ou com antecedente familiar de doença coronariana precoce. A
recomendação quanto à dose é de 100mg/dia.
A utilização de drogas para redução do colesterol é recomendada para pessoas que
não apresentam boa resposta às modificações alimentares e à prática de atividade física.
Dentre as vitaminas, o Ácido Fólico (B9), componente do complexo B, é
recomendado para mulheres gestantes antes do início da gravidez e até o final do
primeiro trimestre.
A indicação de terapia de reposição hormonal de rotina não é recomendada.
Porém, todas as mulheres interessadas ou já em uso devem receber informação atualizada
sobre riscos e eventuais benefícios.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da mulher,
envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Roteiro de procedimentos básicos. Mário Ferreira Júnior, Ana Claudia Camargo, Milton de Arruda Martins. Centro de Promoção de
Saúde – CPS, Serviço de Clínica Médica Geral, HCFMUSP, 2010.
Recommendations for the use of human papillomavirus vaccines. UpToDaTe. 2011.
Screening for breast cancer. UpToDate. 2011.
História clínica
Idade, gênero, tipo sanguíneo, sorologia positiva para vírus C e aceitação de
transfusão de hemocomponente.
Doença de base que indicou o procedimento cirúrgico.
Antecedentes cirúrgicos e anestésicos.
Comorbidades, como cardiopatias graves (insuficiência cardíaca avançada,
doença arterial coronária e arritmias sintomáticas e/ou com repercussão hemodinâmica),
doença vascular periférica, insuficiência renal, doença vascular cerebral, diabetes
mellitus, hepatopatia, distúrbios hemorrágicos, distúrbios da tireoide e doença pulmonar
crônica.
Capacidade funcional.
Fatores de risco para cardiopatias.
Uso de marca-passo ou cardiodesfibrilador implantável.
Uso de medicamentos, drogas, fitoterápicos, álcool e drogas ilícitas.
Informações do cirurgião sobre urgência, risco e local do procedimento,
disponibilidade de Unidade de Terapia Intensiva, suporte técnico de pessoal e
equipamentos, tipo de anestesia, tempo cirúrgico, necessidade de transfusão e comissão
de controle de infecção hospitalar.
Dúvidas do paciente e de seus familiares com relação ao procedimento e seus
riscos. Ciência e acordo quanto ao risco e aos benefícios dos procedimentos. Ciência de
que o risco cirúrgico não se limita ao transoperatório e, eventualmente, haverá
necessidade de acompanhamento tardio. Ciência de que as complicações não se limitam
ao sistema cardiovascular.
Exame físico
Os objetivos são identificar cardiopatia pré-existente ou potencial, definir
gravidade e estabilidade da cardiopatia e identificar eventuais comorbidades.
Exames subsidiários
A indicação de exames pré-operatórios deve ser individualizada conforme as
doenças e comorbidades apresentadas pelos pacientes, assim como o tipo e o porte da
cirurgia proposta. Para procedimentos de baixo risco em pacientes de baixo risco clínico,
a operação poderia ser realizada sem exames pré-operatórios. Para os outros tipos de
procedimentos cirúrgicos e outros perfis de risco de pacientes, não há indicação da
realização rotineira de exames pré-operatórios em pacientes assintomáticos.
Eletrocardiograma é recomendado para pacientes com história e/ou anormalidades
ao exame físico sugestivas de doença cardiovascular, episódio recente de dor torácica
isquêmica, alto risco cardíaco, diabetes mellitus, obesidade e/ou idade superior a quarenta
anos. Também deve ser realizado em pacientes que serão submetidos a operação vascular
e em pacientes com pelo menos um fator de risco cardiovascular que serão submetidos a
Avaliação específica
Valvopatias
Pacientes portadores de valvopatia com indicação de tratamento intervencionista
valvar devem, prioritariamente, ser submetidos a tratamento cardíaco e, posteriormente, à
cirurgia não-cardíaca proposta.
Pacientes com valvopatia sintomática que serão submetidos à cirurgia não-
cardíaca devem estar com o tratamento comportamental e medicamentoso otimizado.
Lesões regurgitativas são compensadas com administração de vasodilatadores e
diuréticos. Estenose mitral beneficia-se de betabloqueio e diuréticos. Estenose aórtica é
de difícil manejo medicamentoso, podendo-se usar diuréticos, porém medicações
vasodilatadoras devem ser prescritas com cautela pelo risco de baixo débito e síncope.
O manejo da volemia e o controle hidroeletrolítico devem ser rigorosos em
portadores de valvopatia importante. Em pacientes com estenose aórtica importante,
deve-se evitar raquianestesia pela vasodilatação consequente.
Monitoração com pressão arterial invasiva pode ser usada em portadores de
valvopatia importante.
Não há indicação de betabloqueador, estatinas ou nitroglicerina de rotina em
portadores de valvopatia.
Todos os pacientes portadores de valvopatias devem ser avaliados quanto a
necessidade de profilaxia para endocardite infecciosa.
Todos os pacientes portadores de valvopatia ou prótese valvar que fazem
anticoagulação oral contínua devem ser avaliados quanto a necessidade de ajustes e ponte
de anticoagulação com Heparina no perioperatório. Caso haja disfunção de prótese, deve-
se conduzir o caso conforme portador de valvopatia nativa equivalente.
Pacientes com estenose aórtica importante, assintomática, em programação de
operações não-cardíacas de risco intermediário a alto, deverão ser submetidos ao
Arritmias cardíacas
Na avaliação pré-operatória dos indivíduos que já apresentam antecedente de
arritmias cardíacas, deve-se primordialmente definir a presença ou não de sintomas e a
associação com doença cardíaca estrutural e dano funcional, especialmente a doença
coronária e as várias formas de insuficiência cardíaca. Eventualmente, arritmias são
encontradas em eletrocardiograma de rotina durante a avaliação pré-operatória. A
presença de extra-sístoles ventriculares, mesmo as formas repetitivas e frequentes, em
indivíduos assintomáticos e sem cardiopatia estrutural, não implica maior risco.
Entretanto, em pacientes sintomáticos e/ou portadores de cardiopatias associadas
(isquemia miocárdica, disfunção ventricular), uma avaliação pré-operatória mais
minuciosa faz-se necessária, objetivando, essencialmente uma melhor estratificação e
reconhecimento da extensão do comprometimento.
Em portadores de fibrilação atrial permanente, recomenda-se o controle da
frequência cardíaca de repouso para valores inferiores a 90bpm, uma vez que o estresse
perioperatório implica em risco de aumento da frequência cardíaca e sintomas
relacionados.
A utilização de betabloqueadores, como Metoprolol 100mg/dia, no perioperatório
de cirurgias reconhecidamente relacionadas a uma alta incidência de fibrilação atrial,
como as cirurgias torácicas, relaciona-se a uma menor frequência desta arritmia, sem
implicar efeitos colaterais significativos.
Deve ser fortemente considerada a avaliação do cardiologista antes da operação
em caso de sintomas relacionados a baixo débito ou quadro sincopal na presença de
cardiopatia estrutural associada a comprometimento da função sistólica ventricular
esquerda e/ou isquemia miocárdica, sintomas relacionados a taquiarritmias em portadores
de síndrome de pré-excitação ventricular, sintomas relacionados a taquiarritmias,
sintomas relacionados a baixo débito em idosos com frequência cardíaca inferior a
50bpm, paciente assintomático com fibrilação atrial permanente e paciente assintomático
com alta densidade de arritmias ventriculares isoladas ou repetitivas em associação com
doença cardíaca estrutural.
Distúrbios de condução
Pré-síncope, síncope, fraqueza e dispneia podem ser decorrentes de quadros de
bloqueio atrioventricular de segundo grau do tipo II, avançado ou total. Nessas situações,
uma propedêutica mais complexa faz-se necessária para uma adequada avaliação do risco
perioperatório e a instituição da terapêutica adequada, incluindo o implante de marca-
passo cardíaco.
Deve ser fortemente considerada a avaliação do cardiologista antes da operação
em caso de bloqueio atrioventricular de alto grau, bloqueio atrioventricular de baixo risco
associado a sintomas de baixo débito, bloqueio trifascicular ou bloqueio bifascicular com
sintomas de baixo débito.
Marca-passo
O marca-passo e os eletrodos são susceptíveis a infecções oriundas de outros
focos do organismo e mesmo de manipulações cirúrgicas de qualquer natureza. Para
Cardiodesfibrilador implantável
A complexidade e a diversidade de comportamento dessas próteses e o risco de
arritmias graves durante a operação, além da possibilidade da interação com
interferências eletromagnéticas, como as do bisturi elétrico, levam-nos a recomendar que
seja considerada, sempre que possível, a presença do especialista junto com o
equipamento de programação do cardiodesfibrilador implantável, na sala de operação,
permitindo o ajuste do mesmo durante a intervenção e de acordo com as necessidades
metabólicas do paciente.
A função antitaquicardia deverá ser desligada e o paciente devidamente
monitorado. Ao desligar essa função, o paciente estará desprotegido, e o médico deverá
estar preparado para tratar uma arritmia de alto risco, por meio de um desfibrilador
externo e de drogas aplicáveis. O uso de drogas antiarrítmicas poderá também ser
necessário. Não raramente e de acordo com a orientação do especialista, esse tipo de
Procedimentos odontológicos
Embora bacteremia seja comumente relatada durante a realização de
procedimentos odontológicos, ocorre com frequência similar durante higiene oral e
mastigação. Por esse motivo, é recomendável, quando possível, a averiguação da saúde
bucal, com eliminação dos focos infecciosos e controle intensivo de higiene, dos
pacientes internados, cardiopatas ou não, previamente a procedimentos cirúrgicos,
visando a diminuir complicações perioperatórias.
Em pacientes cardiopatas, o uso de pequena quantidade de anestésicos locais com
vasoconstritor para procedimentos odontológicos é seguro e deve ser preferido em
relação ao uso de anestésicos locais sem vasoconstritor.
Em pacientes em anticoagulação oral, avaliação do tempo de protrombina deve
ser realizada pelo menos 24 horas antes do procedimento odontológico e, se a Razão
Normatizada Internacional (RNI) for inferior a 3.0, não será necessário suspender o uso
da medicação em caso de procedimentos cirúrgicos simples, como extração de até três
dentes, cirurgia gengival e raspagem periodontal. Quando o RNI foi superior ou igual a
3.0 ou os procedimentos cirúrgicos planejados forem de maior extensão, será necessário
discutir com o médico responsável.
O uso de Ácido Acetilsalicílico não deve ser interrompido para procedimentos
odontológicos.
Os antibióticos habitualmente utilizados na profilaxia de endocardite infecciosa,
como Amoxaxilina e Eritromicina, podem interferir no metabolismo de anticoagulantes
orais, devendo-se orientar os pacientes quanto ao possível aumento de sangramento e
fazer controle de RNI se necessário. Não é necessária a alteração do regime de
anticoagulante quando for utilizada dose única de antibiótico profilático.
Pacientes cardiopatas controlados, sob medicação otimizada, podem ser
submetidos a procedimento odontológico com segurança com os cuidados habituais de
rotina.
β-bloqueadores
Estatinas
Devem receber estatinas no perioperatório pacientes que serão submetidos a
operações vasculares, pacientes com doença arterial coronária conhecida e pacientes que
já faziam uso regular da medicação. Podem receber estatinas no perioperatório pacientes
de alto risco.
A introdução de Atorvastatina 20mg ou Sinvastatina 40mg em pacientes que serão
submetidos a operações vasculares deve ser feita, de preferência, duas semanas antes do
procedimento, com manutenção durante trinta dias. Após esse tempo, a dose deve ser
ajustada para a meta de LDL-colesterol de cada paciente. A suspensão de estatina no
perioperatório em pacientes que fazem uso crônico é um preditor independente de
eventos cardiovasculares após operações vasculares. Por outro lado, as evidências sobre o
uso de estatinas para a prevenção de complicações cardiovasculares em operações não-
vasculares são fracas.
O uso de estatinas no perioperatório é seguro. Embora pacientes que usam estatina
apresentem um nível de creatino-fosfoquinase (CPK) basal mais elevado, a ocorrência de
elevação maior que cinco vezes o seu valor de referência ou de rabdomiólise é rara.
α2-agonistas
Os α2-agonistas modulam a resposta das catecolaminas à cirurgia e à anestesia,
diminuindo a liberação de noradrenalina, a pressão arterial e a frequência cardíaca.
Devem receber Clonidina no perioperatório pacientes com doença arterial coronária
conhecida que serão submetidos a operações vasculares e que apresentam
contraindicação ao uso de β-bloqueadores.
Revascularização miocárdica
A revascularização miocárdica pode excepcionalmente ser indicada antes da
operação não-cardíaca, com o objetivo de reduzir o risco cardiovascular perioperatório.
Entretanto, as evidências são desfavoráveis à utilização dessa estratégia rotineiramente.
Pacientes que foram submetidos à angioplastia com stent farmacológico devem
receber Clopidogrel durante um ano, de forma que, nos casos de angioplastia para
pacientes com operação não-cardíaca programada para o próximo ano, não se deve
utilizar stent farmacológico. Nessas situações, a depender da premência cirúrgica, as
opções de tratamento percutâneo são utilização de stent convencional ou mesmo
angioplastia sem stent.
Deve ser realizada revascularização do miocárdio, cirúrgica ou percutânea, em
pacientes com indicação de revascularização do miocárdio, independentemente do
contexto perioperatório, em programação de operações não-cardíacas eletivas, pacientes
com evidência, durante avaliação perioperatória, de grandes áreas isquêmicas, baixo
limiar para isquemia e anatomia coronária de alto risco, como lesão de tronco de
coronária esquerda ou obstrução triarterial associada a disfunção ventricular, e pacientes
sem marcadores funcionais ou anatômicos de alto risco de complicação cardíaca
perioperatória, porém com indicação de revascularização miocárdica, antes de operações
não-cardíacas de risco intermediário a alto. Pode ser realizada revascularização do
miocárdio, cirúrgica ou percutânea, em pacientes sem marcadores funcionais ou
anatômicos de alto risco de complicação cardíaca perioperatória, porém com indicação de
revascularização miocárdica, antes de operações não-cardíacas de baixo risco.
Revascularização do miocárdio não é recomendada em pacientes com necessidade de
operação não-cardíaca de emergência, independentemente da gravidade dos sinais e
sintomas de obstrução coronária, e em pacientes com grave limitação prognóstica por
condições extracardíacas, em que se planeja procedimento cirúrgico não-cardíaco
Anticoagulação
O manejo de pacientes em uso de anticoagulantes no perioperatório depende do
risco do paciente apresentar, neste período, eventos tromboembólicos ao descontinuar o
anticoagulante e do risco de sangramento, caso a anticoagulação seja mantida. A
anticoagulação no perioperatório está associada a um aumento de 3.0% de sangramentos
graves. Há um consenso que RNI inferior a 1.5 não está associado a sangramento no
perioperatório.
A anticoagulação deve ser suspensa para realização de alguns exames
endoscópicos, como endoscopia digestiva alta e colonoscopia.
Risco de eventos tromboembólicos
Alto Próteses mecânicas mitrais, aórticas antigas ou associadas a acidente isquêmico transitório
ou acidente vascular cerebral isquêmico nos últimos seis meses
Fibrilação atrial com CHADS2 superior ou igual a 5 associada a doença valvar ou acidente
vascular cerebral nos últimos três meses
Tromboembolismo venoso nos últimos três meses ou associado a deficiência de proteína C,
proteína S ou antitrombina ou presença de anticorpo antifosfolípide
Controle glicêmico
No pré-operatório de pacientes ambulatoriais, deve-se solicitar glicemia de jejum
e hemoglobina glicada para todos os diabéticos, solicitar glicemia de jejum para aqueles
sem história de diabetes mellitus e manter glicemia de jejum de 90-130mg/dL, glicemia
pós-prandial de 70-180mg/dL e hemoglobina glicada inferior a 7.0%. A individualização
de metas deve ser considerada para idosos, portadores de insuficiência cardíaca, crianças
e gestantes. Não há evidência suficiente que embase o adiamento de cirurgia eletiva com
base no valor da glicemia de jejum e da hemoglobina glicada.
No pré-operatório de pacientes internados, deve-se monitorizar a glicose capilar
de diabéticos, avaliar hemoglobina glicada de diabéticos realizada ambulatorialmente e
Monitorização perioperatória
Durante o período perioperatório, deve-se otimizar a oferta de oxigênio tecidual
Anestesia
O uso da anestesia regional pressupõe maior estabilidade hemodinâmica e está
associado a excelente analgesia intra e pós-operatória, menor incidência de eventos
tromboembólicos, menor incidência de complicações respiratórias e, segundo alguns
estudos, menor recorrência de tumores e menor mortalidade. Devem ser consideradas
sempre as contraindicações ao bloqueio neuroaxial, como coagulopatia, plaquetopenia e
instabilidade hemodinâmica. O uso da anestesia combinada pode resultar em utilização
de menores doses de anestésicos venosos, menor tempo de anestesia e melhor analgesia.
Recomenda-se que a indução anestésica seja sempre realizada de forma lenta e
segura, evitando-se instabilidade hemodinâmica. Em pacientes com comprometimento da
função renal, a substituição do Midazolam por Propofol ou Etomidato, a substituição do
Fentanil por Remifentanil ou Sufentanil em baixas doses e a não utilização de relaxantes
musculares de eliminação renal permitem uma recuperação anestésica mais rápida. Em
pacientes com instabilidade hemodinâmica ou com reduzida reserva cardiovascular, a
Quetamina e o Etomidato devem ser os agentes de escolha para indução anestésica por
menor interferência hemodinâmica, apesar do uso do Etomidato poder estar associado a
ocorrência de insuficiência adrenal. Deve ser ressaltado que o Propofol está
contraindicado nos pacientes com instabilidade hemodinâmica ou reduzida reserva
cardiovascular por estar associado a hipotensão intraoperatória, choque e acidose
metabólica.
A ocorrência de hipotermia intraoperatória está relacionada ao aumento da
resposta ao estresse, à hipertensão e à ocorrência de eventos isquêmicos miocárdicos,
Transfusão de hemocomponentes
Pacientes com hemoglobina inferior ou igual a 7.0g/dL assintomáticos e sem
doença cardíaca isquêmica de base devem receber concentrados de hemácias. Nos casos
de insuficiência coronariana aguda recomenda-se manter a hemoglobina entre 9.0g/dL e
10.0g/dL.
Transfusão de plaquetas deve ser realizada para qualquer procedimento cirúrgico
quando a contagem plaquetária for inferior a 50000/mm3 e para as intervenções
neurológicas e oftalmológicas quando a contagem plaquetária for inferior a 100000/mm3.
Cessação do tabagismo
Pacientes internados devem ser ativamente abordados quanto ao antecedente e
status tabágico. Fumantes devem ser indagados quanto à intenção de parar de fumar e
sobre sintomas de abstinência nicotínica. Terapia de reposição de nicotina deve ser
iniciada em tabagistas internados que experimentem sintomas de abstinência. Pacientes
tratados durante a internação devem ser seguidos, por pelo menos um mês após a alta,
para manterem-se abstinentes.
Cessação do tabagismo reduz complicações cirúrgicas e clínicas e pacientes em
avaliação pré-operatória devem ser estimulados a cessar o tabagismo independentemente
do intervalo de tempo até a intervenção cirúrgica. A intervenção terapêutica deve sempre
incluir a abordagem cognitivo-comportamental associada ou não ao tratamento
farmacológico.
Risco pulmonar
Os eventos pulmonares mais frequentes são pneumonia, insuficiência respiratória
aguda, ventilação mecânica prolongada, broncoespasmo, atelectasia e descompensação
da doença pulmonar de base.
Risco renal
A insuficiência renal aguda no pós-operatório é definida como uma significativa
diminuição na taxa de filtração glomerular que ocorre no período de até duas semanas
após a cirurgia. Pode ser pré-renal, renal ou pós-renal.
Os pacientes com disfunção renal crônica e aqueles submetidos a operações de
aorta são de alto risco para o desenvolvimento de insuficiência renal aguda no pós-
operatório. Outras condições importantes para o desenvolvimento de insuficiência renal
aguda no pós-operatório incluem idade avançada, obesidade, operações de alto risco,
operações de emergência, doença vascular periférica, doença hepática e doença pulmonar
obstrutiva crônica.
No HC-FMUSP, utiliza-se algoritmo (Kheterpal et al, 2009) em que são incluídos
como fatores de risco cirurgia intraperitoneal, insuficiência renal leve, caracterizada por
creatinina 1.2-1.9mg/dL, ou moderada, caracterizada por creatinina superior ou igual a
2mg/dL, ascite, insuficiência cardíaca congestiva, cirurgia de emergência, idade superior
ou igual a 56 anos, hipertensão arterial sistêmica, sexo masculino e diabetes mellitus em
uso de medicação oral ou de Insulina. Os pacientes são estratificados em classe I, com até
dois fatores, associada a baixo risco de insuficiência renal aguda, ao redor de 0.2%, classe
II, com três fatores, associada a baixo risco de insuficiência renal aguda, ao redor de
0.8%, classe III, com quatro fatores, associada a moderado risco de insuficiência renal
aguda, ao redor de 1.8%, classe IV, com cinco fatores, associada a alto risco de
insuficiência renal aguda, ao redor de 3.3%, e classe V, com seis ou mais fatores,
associada a alto risco de insuficiência renal aguda, ao redor de 8.9%.
A proteção renal perioperatória sustenta-se em hidratação adequada, devendo-se
manter o volume plasmático e evitar hipotensão, diminuição do débito cardíaco, drogas
nefrotóxicas e uso indiscriminado de diuréticos. A correção das doses das medicações de
acordo com a função renal, em especial dos antibióticos, é de razoável importância.
Pacientes dialíticos devem ser submetidos a sessão de diálise no dia anterior ao da
cirurgia, com avaliação dos eletrólitos no dia da cirurgia. Em pacientes com necrose
tubular aguda, deve-se tomar cuidado com hipervolemia, que pode desencadear
complicações pulmonares, como congestão e pneumonia. Em caso de procedimento
endovascular ou de radiologia intervencionista, pode-se indicar para pacientes diabéticos
e/ou com disfunção renal crônica o uso de Soro Fisiológico 1mL/kg/hora por via
intravenosa 12 horas antes e 12 horas após o procedimento e de N-Acetilcisteína 1200mg
por via oral ou intravenosa de 12/12 horas 24 horas antes e 24 horas após o
procedimento. Alternativamente, pode-se substituir a infusão de Soro Fisiológico por
infusão de Bicarbonato de Sódio a 8.4% 150mL diluído em Soro Glicosado a 5% 850mL,
com 3mL/kg/hora durante uma hora antes do procedimento e 1mL/kg/hora durante seis
horas após o procedimento.
Risco adrenal
O aumento dos níveis de cortisol durante o estresse agudo é uma importante
resposta protetora. Entretanto, o estresse metabólico causado pelo ato cirúrgico pode
Risco hepático
A avaliação do risco cirúrgico em pacientes com doença hepática abrange a
severidade da doença hepática, a urgência da cirurgia, a disponibilidade de alternativas à
cirurgia e a ocorrência de comorbidades clínicas. Após a classificação de risco, o
avaliador deverá decidir com a equipe a relação entre risco e benefício do procedimento.
Classificação de Child
Critério 1 ponto 2 pontos 3 pontos Classificação
Encefalopatia hepática Ausente Grau I e II Grau III e IV Child A quando até 6 pontos.
Ascite Ausente Fácil controle Refratária Child B quando 7-9 pontos.
Risco de sangramento
A história de sangramento é o melhor indicador de sangramento no intra-
operatório. Fatores de risco maiores incluem sangramento em operação prévia,
sangramento menstrual e/ou obstétrico, epistaxe, história familiar de sangramento, uso de
Ácido Acetilsalicílico e/ou anti-inflamatório não-hormonal, contagem sanguínea
anormal, doença hepática, doença renal, doença hematológica e doença reumatológica.
Fatores de risco menores incluem etilismo e uso de drogas ilícitas.
No exame físico, petéquias podem estar associadas a plaquetopenia ou disfunção
plaquetária, equimoses podem estar associadas a doença adquirida ou hereditária que
predispõe sangramento, icterícia pode estar associada a doença hepática, artrite pode estar
associada a amiloidose ou hemofilia, dor óssea pode estar associada a mieloma ou
leucemia, espessamento de língua e pele pode estar associado a amiloidose e
hepatoesplenomegalia pode estar associada a doença hematológica ou hepática.
Bibliografia
Gualandro DM, Yu PC, Calderaro D, Marques AC, Pinho C, Caramelli B, et al. II Diretriz de Avaliação Perioperatória da Sociedade
Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol 2011; 96(3 supl.1): 1-68.
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da mulher,
envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Preoperative medical evaluation of the healthy patient. Gerald W Smetana. UpToDate, 2011.
Estimation of cardiac risk prior to noncardiac surgery. Jonathan B Shammash et al. UpToDate, 2011.
Management of cardiac risk for noncardiac surgery. Jonathan B Shammash et al. UpToDate, 2011.
Evaluation of preoperative pulmonary risk. Gerald W Smetana. UpToDate, 2011.
Assessing surgical risk in patients with liver disease. Lawrence S Friedman. UpToDate, 2012.
Prevention of venous thromboembolic disease in surgical patients. Graham F Pineo. UpToDate, 2011.
The surgical patient taking glucocorticoids. Gail A Welsh, Ellen F Manzullo and Lynnette K Nielman. UpToDate, 2012.
Cuidados clínicos perioperatórios. Prof. Dr. Fábio Santana Machado. Disciplina de Clínica Geral da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da mulher,
envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Tabagismo passivo
A exposição à fumaça do tabaco ambiental produz tanto efeitos agudos como
crônicos, sendo a dose equivalente mais nociva que a fumaça inalada diretamente.
Avaliação clínica
História do uso de tabaco, com idade de início, número de cigarros fumados por
dia, tentativas de cessação, tratamentos anteriores com ou sem sucesso, recaídas e
prováveis causas, sintomas de abstinência, exposição passiva ao fumo, formas de
convivência com outros fumantes e fatores associados, como café após as refeições,
conversas telefônicas, bebida alcoólica e ansiedade.
Grau de dependência, com teste de Fagerström para dependência à nicotina. Uma
pontuação superior a seis indica que provavelmente o paciente terá síndrome de
Avaliação complementar
A rotina básica inclui radiografia de tórax, espirometria pré-broncodilatador e
pós-broncodilatador, eletrocardiograma, hemograma completo e bioquímica sérica e
urinária. Medidas do monóxido de carbono no ar expirado e da cotinina urinária, sérica
ou salivar são úteis na avaliação e no seguimento do fumante e devem ser utilizadas,
quando disponíveis.
Marcadores de exposição
Para o monitoramento de pacientes em ambulatórios de cessação de tabagismo, o
marcador mais empregado, por apresentar resultado imediato, pela facilidade e pelo baixo
custo, é o monóxido de carbono no ar exalado, medido em equipamento portátil por meio
de expiração lenta e completa após uma respiração máxima seguida de pausa inspiratória
de quinze a vinte segundos. Sua meia-vida é de uma hora em situação de atividade física,
de duas a quatro horas em atividade normal e de até seis horas em repouso. Um indivíduo
que não fumou nas últimas 24 horas pode apresentar monóxido de carbono no ar exalado
normal, ou seja, inferior a 10ppm, habitualmente inferior a 6ppm. Poluição do ar, asma e
doença pulmonar obstrutiva crônica podem aumentar os níveis de monóxido de carbono
exalado, habitualmente sem ultrapassar 10ppm, exceto em situações de poluição em
ambientes fechados ou durante exposição em via de grande tráfego.
Para avaliação de tabagismo passivo, o marcador mais empregado é a dosagem de
cotinina no soro, na urina ou na saliva. Da nicotina absorvida, 90% é metabolizada, sendo
70-80% transformada em cotinina, que possui meia-vida de 16-18 horas, não sendo
influenciada pela poluição do ar. Indivíduos não fumantes apresentam cotinina sérica de
1ng/mL, enquanto que em fumantes varia de 10ng/mL a 300ng/mL, a depender da
quantidade de cigarros por dia. A concentração urinária é de cerca de cinco a dez vezes o
valor plasmático.
Tratamento
No atendimento ao tabagista, é importante avaliar o desejo de parar de fumar e
sugerir, aos que ainda não estejam motivados, pensar no assunto a cada consulta no
serviço de saúde. Vale explicar os malefícios relacionados ao cigarro e que em qualquer
tempo existem benefícios para a saúde e para a qualidade de vida ao parar de fumar.
Uma vez que o paciente manifeste o desejo de parar de fumar, ou seja, que passe
das fases pré-contemplativa, sem interesse, e contemplativa, em que pensa sobre os
malefícios do hábito, para a fase de ação, deve-se avaliar a carga tabágica, a presença de
comorbidades, a concomitância de outras dependências, o uso de medicações, a
convivência com fumantes na residência e no trabalho e o grau de dependência. Também
é importante identificar os fatores associados aos momentos em que acende o cigarro,
bem como alertar sobre sintomas de abstinência que podem ocorrer com a interrupção e
que, com o passar das semanas, reduzem de intensidade e frequência.
O tratamento do tabagista pode ser individual ou em grupo. É recomendável que
Intervenções motivacionais
Os métodos baseados na terapia comportamental cognitiva são fundamentais na
abordagem do fumante em todas as situações clínicas, mesmo quando é necessário apoio
medicamentoso. O fumante deve se sentir acolhido pelo médico, que deve abordá-lo com
empatia, respeito e confiança.
A terapia comportamental cognitiva deve ser oferecida tanto no atendimento
individual quanto em grupo. Os atendimentos devem ser estruturados com periodicidade
semanal no primeiro mês após a parada, quinzenal até completar a abordagem intensiva,
que geralmente dura três meses, e, finalmente, mensal até completar um ano. Material de
apoio deve ser preparado e fornecido aos pacientes para reforçar as orientações, tomando-
se como modelo as cartilhas elaboradas pelo Instituto Nacional do Câncer para o
programa nacional de controle do tabagismo.
Os fumantes pré-contemplativos devem ser estimulados a pensar em parar de
fumar. É preciso informá-los sobre os malefícios do tabagismo, os benefícios de parar e
os riscos para a saúde dos que convivem com ele. Os fumantes contemplativos devem ser
encorajados a marcar uma data dentro de trinta dias para parar, se possível. Devem
identificar os motivos que os levam a fumar e como poderão vencê-los. Nas consultas
subsequentes, é preciso voltar a tocar no assunto até que estejam decididos a parar de
fumar.
Quando o paciente entra na fase de preparação, deve-se estimular a definição
Tratamento farmacológico
Muitos pacientes motivados a cessar o tabagismo podem se beneficiar do uso de
uma ou mais modalidades de tratamento farmacológico. Em populações especiais, como
gestantes, lactantes, adolescentes e fumantes de menos de dez cigarros por dia, o esforço
deve ser concentrado na terapia comportamental.
A terapia de reposição de nicotina, a Bupropiona e a Vareniclina são consideradas
drogas de primeira linha, enquanto que a Nortriptilina e a Clonidina são os fármacos de
segunda linha no tratamento.
Reposição de nicotina
A terapia de reposição de nicotina tem como objetivo a substituição da nicotina do
cigarro por meio de doses menores e seguras, reduzindo a fissura e outros sintomas de
abstinência. Todas as formas são eficazes na cessação do tabagismo, podendo
praticamente dobrar a taxa de cessação no longo prazo quando comparadas ao placebo. A
reposição de nicotina pode ser feita com o emprego de apresentação de liberação lenta,
como o adesivo, ou de apresentação de liberação rápida, como a goma de mascar, a
pastilha, o comprimido sublingual, o spray nasal e a inalação oral, sendo as formas mais
utilizadas e disponíveis no Brasil a goma de mascar e o adesivo. A eficácia das diferentes
apresentações é equivalente, mas a adesão ao tratamento é maior com o adesivo. As
apresentações de liberação rápida de nicotina são mais efetivas no controle da fissura,
porém, apresentam maior risco de dependência.
Quanto ao adesivo, recomenda-se iniciar com uma dose de 21mg/dia durante
quatro a oito semanas e a seguir reduzir a dose para 14mg/dia durante duas a quatro
Bupropiona
O Hidrocloreto de Bupropiona de liberação prolongada é uma droga
antidepressiva e antagonista não-competitiva do receptor de nicotina, que age inibindo a
ação noradrenérgica no sistema nervoso central. Reduz a recaptação de serotonina e,
sobretudo, noradrenalina e dopamina nas sinapses, prolongando seus efeitos, reduzindo
os sintomas de abstinência e possibilitando melhor controle sobre a vontade de fumar.
Vareniclina
Agonista parcial dos receptores nicotínicos α4β2. Possui efeito dual, agonista e
antagonista, pois, por apresentar alta afinidade com o receptor, reduz, por competição, a
ligação da nicotina, mas induz uma baixa estimulação a esses receptores, liberando
menos Dopamina na área tegmental ventral do cérebro, reduzindo a sensação de prazer ao
fumar e os sintomas de abstinência da nicotina. As taxas de abstinência são mais elevadas
que aquelas obtidas com o uso de Bupropiona.
Os efeitos colaterais mais frequentes são cefaleia, insônia, sonhos anormais e
náusea. Seu uso não é recomendado em indivíduos com menos de dezoito anos,
gestantes, lactantes e associação com reposição de nicotina. Embora mais raros, outros
efeitos adversos descritos incluem tentativa de suicídio, suicídio, tremores e agitação.
Contraindicações incluem hipersensibilidade à Vareniclina e insuficiência renal grave.
A dose recomendada é de 0.5mg/dia durante três dias, 0.5mg duas vezes ao dia
pelos próximos três dias e, a partir de então, 1mg duas vezes ao dia durante doze semanas
a seis meses. Deve-se programar a data para parar de fumar no décimo dia do início do
uso. A apresentação existe na forma de comprimidos de 0.5mg e de 1mg.
Nortriptilina
Nortriptilina é um antidepressivo tricíclico com evidências de que aumenta as
Clonidina
Agonista alfa-adrenérgico que pode ser empregado em caso de impossibilidade ou
intolerância às drogas anteriores. A dosagem recomendada é de 0.2-0.4mg/dia em dose
única ou, preferencialmente, a cada doze horas, com duração de três a dez semanas.
Deve-se iniciar com 0.1mg/dia e aumentar progressivamente a cada três a quatro dias.
Quando são empregadas doses elevadas, a interrupção deve ser feita com redução gradual
da dose.
Boca seca, sedação, tontura, sonolência, obstipação e distúrbios da ereção são os
principais efeitos colaterais e geralmente limitam o seu uso. Não é indicado o uso em
gestantes e lactantes. Deve-se programar a interrupção do tabagismo após três dias do
início do uso da droga.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da mulher,
envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Diretrizes para cessação do tabagismo. Reichert J, Araújo AJ, Gonçalves CMC, Godoy I, Chatkin JM, Sales MPU et al. J Bras
Pneumol. 2008;34(10):845-880.
Roteiro de procedimentos básicos. Mário Ferreira Júnior, Ana Claudia Camargo, Milton de Arruda Martins. Centro de Promoção de
Saúde – CPS, Serviço de Clínica Médica Geral, HCFMUSP, 2010.
Treating Smokers in the Health Care Setting. Michael C Fiore and Timothy B Baker. N Engl J Med 2011;365:1222-31.
Epidemiologia
Alguns fatores de risco têm sido descritos, como atopia. Asma está associada a
maior gravidade.
Etiologia
Anafilaxia imunológica mediada por IgE, que pode ser causada por drogas, como
antibióticos, trombolíticos e Insulina, alimentos, como leite, ovo, trigo, soja, amendoim,
castanhas, peixe, crustáceos, sementes, frutas e verduras, venenos de cobra, aranha e
insetos, como abelha, vespa e formiga, líquido seminal, látex e imunobiológicos, como
extratos alergênicos e anticorpos monoclonais.
Anafilaxia imunológica não-mediada por IgE, que pode ser causada por ativação
do complemento, como em uso de hemoderivados e membranas de diálise, ativação
direta de mastócitos, como em uso de contrastes radiológicos, relaxantes musculares,
opiáceos e Vancomicina, e aumento de bradicinina, como em uso de inibidores de enzima
de conversão da angiotensina e anti-inflamatórios não-hormonais.
Anafilaxia não-imunológica ou reação anafilactoide, que pode ser causada por
frio, calor, atividade física e radiação ultravioleta.
Mecanismo desconhecido, como em uso de quinolonas e Fluoresceína.
Anafilaxia idiopática.
Quadro clínico
As manifestações clínicas de anafilaxia refletem a ação dos mediadores
inflamatórios liberados, principalmente a histamina, nos diferentes órgãos e tecidos. Os
sintomas iniciam-se em minutos a poucas horas, em geral cinco a trinta minutos após a
exposição ao agente causal. Os órgãos envolvidos e a gravidade da reação variam.
Fatores como antecedente de asma e velocidade rápida de progressão dos sintomas estão
relacionados a reações anafiláticas mais graves. Nem sempre os sintomas são imediatos e,
quando surgem após duas horas, denomina-se anafilaxia tardia. Existem também reações
bifásicas, que incidem em até 20% dos casos de anafilaxia e são caracterizadas pelo
recrudescimento de sintomas após algumas horas da resolução da fase imediata. Não há
fatores preditivos e a maioria das reações bifásicas ocorre dentro das primeiras oito horas.
Destacam-se o acometimento cutaneomucoso, respiratório, cardiovascular e
gastrointestinal.
As manifestações cutaneomucosas incluem rubor, prurido, urticária, angioedema,
Critérios diagnósticos
O diagnóstico de anafilaxia é eminentemente clínico. A anafilaxia é altamente
provável quando pelo menos um dos três critérios for satisfeito.
1. Doença de início agudo, em minutos a horas, com envolvimento de pele,
mucosa ou ambas e pelo menos um dentre comprometimento respiratório, redução da
pressão arterial e sintomas associados a disfunção terminal de órgão, como hipotonia,
síncope e incontinência.
2. Ocorrem rapidamente, minutos a horas após a exposição a provável alérgeno
para determinado paciente, dois ou mais dentre envolvimento de pele, mucosa ou ambas,
comprometimento respiratório, redução da pressão arterial, sintomas associados a
disfunção terminal de órgão e sintomas gastrointestinais persistentes.
3. Redução da pressão arterial superior a 30% em relação ao basal ou abaixo de
90mmHg após contato com alérgeno conhecido para determinado paciente.
Exames complementares
As dosagens de triptase e de histamina séricas podem ser úteis, particularmente
nos casos duvidosos, desde que disponíveis.
Outras investigações podem ser realizadas, envolvendo pesquisa in vitro de IgE
específica, testes cutâneos e testes de provocação.
Diagnóstico diferencial
Anafilaxia causada por excesso endógeno da produção de histamina, como em
mastocitose sistêmica, urticária pigmentosa, leucemia basofílica e cisto hidático.
Síndromes que abrangem rubor, como tumor carcinoide, pós-menopausa, uso de
álcool, carcinoma medular de tireoide e epilepsia.
Choques circulatórios de outras etiologias.
Doenças não-orgânicas, como transtorno do pânico, síndrome de Münchausen,
histeria e disfunção de prega vocal.
Angioedema adquirido ou hereditário.
Feocromocitoma.
Síndrome red-man por Vancomicina.
Tratamento
As condutas podem variar na dependência da gravidade.
Quando procurado pelo paciente após uma reação anafilática, o principal objetivo
do alergista é determinar a causa da reação e orientar os pacientes e os familiares a evitar
futuras exposições. Além disso, o paciente deve ser orientado a reconhecer sinais e
sintomas precoces de anafilaxia e a agir conforme plano de ação por escrito para
emergências.
O passo inicial no tratamento da anafilaxia é a avaliação rápida do quadro geral do
paciente, da permeabilidade das vias aéreas e do estado de consciência. Qualquer
comprometimento na permeabilidade das vias aéreas deve ser resolvido imediatamente.
Deve-se avaliar também a necessidade de oxigênio suplementar. A pressão arterial e a
frequência de pulso devem ser prontamente verificadas. O paciente deve ser colocado em
posição supina para favorecer o retorno venoso.
A Adrenalina é a principal medicação e deve ser prescrita o mais precocemente
possível. A via de administração principal é a intramuscular em vasto lateral da coxa.
Não há contraindicação absoluta ao uso na anafilaxia. A via intravenosa é utilizada nos
casos mais graves, como iminência de parada cardiorrespiratória, choque anafilático e
refratariedade ao tratamento inicial, desde que haja acesso imediatamente disponível. Os
intervalos de aplicação variam de cinco a quinze minutos conforme a gravidade do
quadro clínico, o nível de resposta à aplicação anterior e o aparecimento de efeitos
colaterais. A Adrenalina auto-injetável deve ser recomendada para os casos com história
prévia de reações sistêmicas graves e com grande risco de novas exposições.
Via Adultos
Intramuscular - Concentração 1:1000, com ampola padrão de 1mg/1mL;
- Dose de 0.3-0.5mL, que corresponde a 0.3-0.5mg;
Intravenosa - Concentração 1:10000, com ampola padrão de 1mg/1mL diluída em 9mL de Soro
Fisiológico;
- Dose de 0.1-0.3mL em infusão lenta em cinco minutos;
Intravenosa - Diluição de 1mL (1mg) em 250mL de solução, com 4mcg/mL;
contínua - Infunsão em bomba de infusão contínua com 1-4mcg/minuto;
O uso de anti-histamínicos pode ser útil como tratamento adjuvante. Uma
combinação de antagonistas H1 e H2 parece ser superior ao uso de antagonista H1
isoladamente. A via de administração pode ser parenteral ou oral, embora a via parenteral
seja mais indicada no contexto de emergência. Em adultos, preconiza-se Difenidramina
25-50mg por via intravenosa ou intramuscular até de 4/4 horas em associação com
Ranitidina 50mg por via intravenosa diluída em até 20mL de Soro Glicosado a 5% com
infusão em cinco minutos até de 8/8 horas.
O choque pode ser provocado pelo desvio de líquidos do meio intravascular para
o extravascular, sendo necessária geralmente a infusão de grandes volumes de solução
coloide ou cristaloide, com cerca de um a dois litros de Ringer Lactato ou Soro
Fisiológico rapidamente. Nos pacientes em uso de β-bloqueadores, o volume de infusão
deve ser maior, ao redor de cinco a sete litros, até a estabilização.
O papel dos corticosteroides no tratamento da anafilaxia não está bem
estabelecido. Entretanto, considerando seus efeitos nas outras doenças alérgicas, o seu
uso está indicado.
Bibliografia
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva Martins,
Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole, 2008.
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Etiologia e fisiopatologia
A exacerbação aguda da asma pode ser precipitada por vários desencadeantes,
como exposição a alérgenos, poluição atmosférica, exercício físico, mudanças climáticas,
estresse emocional, uso de drogas como Ácido Acetilsalicílico e β-bloqueadores, rinite,
sinusite, refluxo gastro-esofágico e infecção por agentes como rinovírus, vírus influenza,
vírus sincicial respiratório, M. pneumoniae e C. pneumoniae.
Quadro clínico
Uma história breve e direcionada deve ser realizada em todos os pacientes com o
objetivo de determinar o início e a gravidade dos sintomas, os fatores desencadeantes, as
medicações em uso, as características das exacerbações anteriores e a presença de
doenças concomitantes. O exame físico deve incluir frequência respiratória, uso de
musculatura acessória, frequência cardíaca, pulso paradoxal e ausculta pulmonar.
Indicam maior risco de evolução desfavorável história prévia de intubação ou
necessidade de internação em unidade de terapia intensiva, uso crônico de corticosteroide
por via oral, rápida piora clínica, história prévia de exacerbações graves de aparecimento
súbito, poucos sintomas apesar de grave broncoespasmo, sintomas predominantemente
noturnos, duas ou mais internações hospitalares em menos de um ano, três ou mais visitas
ao pronto atendimento em menos de um ano, hospitalização ou visita ao departamento de
emergência há menos de um mês, uso de mais de dois frascos de β2-agonista no mês,
comorbidade com doença cardiovascular e/ou doença pulmonar obstrutiva crônica,
doença psiquiátrica, problemas psicológicos, uso de drogas ilícitas, baixo nível
socioeconômico e acompanhamento ambulatorial inadequado.
Exames complementares
O diagnóstico é clínico e os principais sintomas são dispneia, opressão torácica e
sibilância. Os exames complementares podem ajudar a classificar a gravidade da doença
e sugerir complicações e fatores precipitantes. Os principais são o teste de função
pulmonar, a oximetria de pulso, a gasometria arterial e a radiografia de tórax.
As medidas de função pulmonar com volume expiratório forçado no primeiro
segundo (VEF1) ou pico de fluxo expiratório (PFE) permitem uma avaliação mais
objetiva da obstrução ao fluxo aéreo e caracterizam melhor o evento agudo, já que os
sinais e sintomas clínicos não possuem boa acurácia para estabelecer a gravidade da asma
aguda.
Oximetria de pulso deverá ser avaliada em todos os pacientes e tem como objetivo
identificar aqueles mais graves, com saturação inferior a 90%, bem como orientar o
tratamento com oxigênio suplementar, que visa saturação periférica de oxigênio superior
Classificação
Leve Moderada Grave Falência
respiratória
iminente
Dispneia Com atividade Com a fala Em repouso
Discurso Sentenças Frases Palavras Incapaz de falar
Posição do Capaz de deitar Prefere sentar Incapaz de deitar
corpo
Frequência Aumentada Aumentada Superior a 30ipm
respiratória
Uso de Ausente ou leve Frequente ou Presente Movimento
musculatura acentuado abdominal
acessória paradoxal
Ruídos Sibilos moderados Sibilos altos Sibilos altos na Pouco fluxo
adventícios do meio para o durante toda a inspiração e na aéreo e sibilos
final da expiração expiração expiração ausentes
Frequência Inferior a 100bpm 100-120bpm Superior a 120bpm Bradicardia
cardíaca relativa
Pulso Inferior a 10mmHg 10-25mmHg Superior a 25mmHg Ausência
paradoxal
Estado mental Pode estar agitado Normalmente Normalmente agitado Confuso ou
agitado entorpecido
Pico de fluxo Superior a 80% 60-80% Inferior a 60% ou Inferior a 60%
expiratório resposta à terapia dura
menos de duas horas
Sat. O2 Superior a 95% 91–95% Inferior a 91%
PaO2 Normal Superior a Inferior a 60mmHg
60mmHg
PaCO2 Inferior a 45mmHg Inferior a Superior ou igual a
45mmHg 45mmHg
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial inclui obstrução de vias aéreas superiores, disfunção de
glote, doença endobrônquica, como tumor, estenose ou corpo estranho, insuficiência
cardíaca congestiva descompensada, estenose mitral, pneumonia eosinofílica, vasculites
Oxigênio
O objetivo da suplementação é manter a saturação de oxigênio superior a 92%.
Anticolinérgicos
Reduzem a hipersecreção de muco, revertem o broncoespasmo e são alternativa
Corticoides sistêmicos
O corticoide sistêmico deve ser utilizado em todos os pacientes com exacerbação
aguda da asma, excetuando-se apenas os casos de broncoespasmo leve. O início de ação é
lento, não havendo diferença entre a administração oral e a intravenosa.
Devem estar disponíveis em casa para pacientes com asma moderada a grave, pois
há benefício com a administração precoce.
Preconiza-se ataque com Prednisona 1-2mg/kg/dia, geralmente 40-80mg, em uma
a duas doses, durante 7-14 dias.
Opções para as crises graves:
- Hidrocortisona com dose de ataque de 200-300mg por via intravenosa e
manutenção com 100-200mg de 6/6 horas, com máximo de 800mg/dia;
- Metilprednisolona com dose de ataque de 40mg por via intravenosa
manutenção com 40mg de 6/6 horas, com máximo de 160mg/dia;
Inibidores da fosfodiesterase
Raramente utilizados porque têm pouco benefício e risco de toxicidade.
Drogas incluem Metilxantinas, como a Aminofilina.
Efeitos colaterais incluem arritmias e convulsões.
Sulfato de Magnésio
Causa bronco-dilatação adicional e melhora a função pulmonar, com redução da
necessidade de internação em crises graves.
Preconiza-se Sulfato de Magnésio a 10% 20mL diluído em Soro Fisiológico 100-
200mL por via intravenosa em 20 minutos. Estudo recente evidenciou maior benefício na
nebulização de Salbutamol em solução com magnésio em comparação com Soro
Fisiológico.
Não foram demonstrados efeitos colaterais significativos.
Intubação orotraqueal
Indicações incluem hipercapnia e hipoxemia refratárias, instabilidade
hemodinâmica, diminuição do nível de consciência, bradicardia e fadiga da musculatura
respiratória.
Considerações
Em pacientes com má percepção dos sintomas, deve-se guiar o tratamento pela
função pulmonar. Em pacientes com asma de difícil controle, deve-se considerar má-
adesão, técnica inadequada de uso do dispositivo, sinusite e refluxo gastro-esofágico. Em
pacientes com crises graves, o tratamento ambulatorial deve abranger, no mínimo, o
mesmo que aquele preconizado para a asma persistente moderada. Após uma
exacerbação, retorno deve ser marcado em duas a quatro semanas.
Bibliografia
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva Martins,
Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole, 2008.
Global Strategy for Asthma Management and Prevention. Global Initiative for Asthma. 2009.
Etiologia
Infecções, mudanças climáticas, poluição atmosférica, má-aderência ao
tratamento e aumento da carga tabágica são alguns dos fatores desencadeantes da
exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica.
Estima-se que infecções sejam a causa mais frequente de exacerbação, com 70%
de etiologia bacteriana e 30% de etiologia viral. As bactérias envolvidas com maior
prevalência são Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella
Fisiopatologia
Há infecção do paciente por uma cepa diferente daquela com a qual ele é
colonizado, com piora dos sintomas e da função pulmonar. Ocorre aumento do número
de eosinófilos nas vias aéreas, com boa resposta ao uso de corticoides.
Diagnóstico e classificação
Os três critérios diagnósticos cardinais são aumento da dispneia, aumento da
produção de escarro e mudança no aspecto do escarro para purulento. Frequentemente, o
quadro clínico também é caracterizado por aumento da frequência ou da intensidade da
tosse
Exacerbação leve é caracterizada pela presença de um critério cardinal e de outro
achado adicional, como infecção de vias aéreas superiores, febre sem causa aparente,
sibilos, piora da tosse e aumento superior a 20% da frequência respiratória ou da
frequência cardíaca.
Exacerbação moderada é caracterizada pela presença de dois critérios cardinais e
exacerbação grave é caracterizada pela presença de três critérios cardinais. Ambas devem
ser tratadas com antibióticos.
Quadro clínico
Apontam para doença pulmonar obstrutiva crônica sibilos, expiração prolongada,
diminuição dos murmúrios vesiculares, aumento do diâmetro ântero-posterior do tórax,
taquipneia, taquicardia, roncos difusos, crepitações e bulhas cardíacas abafadas. Apontam
para hipertensão arterial pulmonar edema de membros inferiores, hepatomegalia, bulha
pulmonar hiperfonética e palpável e sopro de insuficiência tricúspide. Podem estar
presentes ingurgitamento das veias do pescoço na inspiração, denominado sinal de
Kussmaul, cianose e pletora.
Baqueteamento digital não constitui sinal de doença pulmonar obstrutiva crônica
e, se presente, pode indicar doenças associadas, como câncer de pulmão e abscesso
pulmonar.
Exames complementares
Radiografia do tórax geralmente é normal, sendo útil para o diagnóstico
diferencial. Evidencia bolhas de enfisema, retificação do diafragma, aumento dos espaços
retroesternal e retrocardíaco, aumento dos espaços intercostais e sinais de hipertensão
pulmonar. Áreas de enfisema são comuns nos lobos superiores e a presença em lobos
inferiores ocorre na deficiência de alfa-1-antitripsina.
Oximetria de pulso é indicada sempre se disponível. Gasometria arterial é
indicada quando saturação periférica de O2 inferior a 90% ou diminuição do nível de
consciência.
Eletrocardiograma é indicado quando houver pulso arrítmico, discrepância entre
frequência cardíaca e pulso periférico, dor precordial, palpitação, síncope ou congestão
pulmonar. Evidencia sobrecarga de câmaras direitas, arritmia cardíaca e/ou isquemia
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial inclui asma, insuficiência cardíaca, pneumonia,
arritmias, derrame pleural, tromboembolismo pulmonar, câncer de pulmão, tuberculose,
bronquiectasias, bronquiolite obliterante, panbronquite difusa e pneumotórax.
Tratamento
Objetivos
Melhorar a oxigenação do paciente e manter saturação periférica de oxigênio
superior a 92%.
Diminuir a resistência das vias aéreas com o uso de bronco-dilatadores, corticoide
e fisioterapia respiratória.
Melhorar a função da musculatura respiratória através de suporte ventilatório não-
invasivo, nutrição adequada e ventilação mecânica.
Bronco-dilatadores
Os bronco-dilatadores trazem melhora significativa da dispneia e do
broncoespasmo. Recomenda-se a associação de β2-agonistas com anticolinérgicos por via
inalatória.
Preconiza-se Salbutamol ou Fenoterol 10 gotas (2.5g) em 3-5mL de Soro
Fisiológico, com inalações a cada 15-20 minutos até três doses e, a seguir, aumento
gradual do intervalo entre as doses até estabilização. O uso de Salbutamol spray 400mcg
(4 puffs) em bomba com espaçador é alternativa aceitável.
Recomenda-se iniciar com β2-adrenérgico e adicionar o Brometo de Ipatrópio 20-
40 gotas em cada inalação se ausência de melhora, mas pode-se iniciar com a associação
em caso de exacerbação grave. Se paciente sem necessidade de internação, deve-se
iniciar ou aumentar a frequência de uso de β2 agonista de curta duração e/ou Brometo de
Ipatrópio.
Xantinas são utilizadas a critério médico.
Antibióticos
Uso controverso, uma vez que nem sempre a causa da descompensação é infecção
bacteriana, há resistência aos antibióticos epidemiologicamente comprovados e existem
efeitos negativos do uso rotineiro de drogas de amplo espectro.
Antibióticos são usados em exacerbações moderadas ou graves de doença
pulmonar obstrutiva crônica, desde que na presença de expectoração purulenta. Em
pacientes com necessidade de ventilação mecânica invasiva ou não-invasiva, recomenda-
se também a prescrição de antibióticos.
No Brasil, Amoxacilina, Sulfametoxazol-Trimetoprim e Doxicilina eram as
drogas mais indicadas. Em função da crescente resistência dos agentes, está indicada a
introdução de Macrolídeo, como a Azitromicina 500mg por via oral uma vez ao dia e
Claritromicina 500mg por via oral ou intravenosa de 12/12 horas, ou de Quinolona
respiratória, como a Levofloxacina 500mg por via oral ou intravenosa uma vez ao dia. A
administração deve ser feita por via parenteral no quadro grave, podendo-se optar pela
associação de Cefalosporina de 3ª geração, como Ceftriaxone 1g por via intravenosa de
12/12 horas, com Macrolídeo. Deve-se considerar cobertura para Pseudomonas sp. A
duração da antibioticoterapia é de cinco a sete dias.
Oxigênio
Suporte de oxigênio é indicado para exacerbações com saturação periférica de O2
inferior a 90%. Deve-se administrar O2 suplementar com baixos fluxos para manter
saturação superior a 90-92%.
Há risco de piora da acidose respiratória e da hipercapnia em doença pulmonar
obstrutiva crônica grave se O2 em altos fluxos. Nessa situação, saturação periférica de
oxigênio de 88-90% pode ser suficiente, pois o aumento do oxigênio inibe o centro
respiratório.
Recomenda-se a coleta de gasometria arterial após trinta a sessenta minutos do
início da suplementação de oxigênio para avaliar a retenção de CO2, os níveis de pH e os
níveis de bicarbonato. pH inferior a 7.35 com pCO2 superior a 45mmHg e frequência
respiratória superior a 25ipm é indicação de suporte ventilatório, que pode ser invasivo
ou não-invasivo.
Ventilação não-invasiva
Indicações incluem insuficiência respiratória aguda, piora ou ausência de melhora
da dispneia, uso de musculatura acessória, movimento abdominal paradoxal, acidose
moderada a grave e frequência respiratória superior a 25ipm.
Deve ser usada precocemente nesse grupo de pacientes, idealmente iniciada ainda
Conduta
1. Ao receber paciente com dispneia, aumento da expectoração e/ou escarro que
se torna purulento:
- Classificar a exacerbação em leve, moderada ou grave;
- Realizar exame físico, aferição de sinais vitais e oximetria de pulso;
- Investigar fatores precipitantes;
2. a) Se doente estável, realizar radiografia do tórax e considerar outros exames
complementares. A conduta inicial prevê:
- Inalação com 10 gotas de β2-agonista de 20/20 minutos na 1ª hora;
- Associar 40 gotas de Ipatrópio em cada inalação se houver exacerbação
grave ou pouca melhora com β2-agonista;
- Prednisona 30-40mg por via oral ou Metilprednisolona 1mg/kg por via
intravenosa;
- Oxigênio 1-3L/minuto se saturação periférica de O2 inferior a 90%, com
coleta de gasometria arterial após trinta a sessenta minutos;
- Considerar antibioticoterapia;
Se resposta favorável às medicações, a conduta prevê alta hospitalar com inalação
de 4/4 horas e Prednisona 30-40mg/dia por 7-10 dias. Deve-se evitar antibioticoterapia
para exacerbação leve e prescrever se exacerbação moderada a grave. Deve-se indicar
vacinação para pneumococo e influenza.
Se exacerbação moderada a grave com pouca melhora inicial, a conduta prevê:
- Ventilação não-invasiva;
- Manter corticoide intravenoso de 6/6 horas;
- Inalação a cada 1-2 horas, com menor frequência se melhora clínica;
- Associar antibioticoterapia;
- Considerar internação hospitalar;
- Considerar unidade de terapia intensiva se não houver melhora;
2. b) Se doente instável, com sonolência ou confusão mental, iminência de parada
cardiorrespiratória, grave insuficiência respiratória, hipotensão e/ou arritmia grave, a
conduta prevê intubação orotraqueal.
3. Em qualquer dos momentos, considerar:
- Monitorizar fluidos, eletrólitos e nutrição;
- Profilaxia de trombose venosa profunda com Heparina subcutânea;
- Identificar e tratar comorbidades e/ou fatores precipitantes, como
insuficiência cardíaca congestiva, diabetes mellitus, pneumonia, arritmias,
pneumotórax e outros;
- Acompanhar de perto a evolução do doente;
Definições
A hipoglicemia, com exceção dos pacientes diabéticos, é uma condição incomum
e deve ser prontamente identificada e corrigida, pois é potencialmente fatal.
Para que se confirme o diagnóstico de hipoglicemia, é necessário que haja
glicemia inferior a 70mg/dL, sintomas de hipoglicemia e melhora dos sintomas após a
administração de glicose.
Etiologia e fisiopatologia
De maneira geral, a hipoglicemia ocorre pelo desequilíbrio entre a produção dos
hormônios hipoglicemiantes, como a insulina, e dos hormônios hiperglicemiantes, como
o glucagon, as catecolaminas, o hormônio de crescimento e o cortisol.
As respostas hormonais precedem o aparecimento de sintomas de hipoglicemia.
Hipoglicemias de repetição podem alterar o limiar de surgimento dos sintomas.
O diabetes mellitus e o seu tratamento representam a principal causa de
hipoglicemia.
Em pacientes com insulinoma, mesmo em vigência de hipoglicemia, observam-se
níveis de insulina e peptídeo C acima do esperado. Já na hipoglicemia factícia, decorrente
do uso de Insulina exógena, o peptídeo C estará suprimido. No uso de Sulfoniluréia ou
Glinidas, o peptídeo C eleva-se e pode haver dificuldade no diagnóstico diferencial com
insulinoma.
Outras causas incluem insuficiência adrenal, etilismo, hepatopatia, sepse, jejum,
inanição, insuficiência renal crônica e grandes tumores.
Quadro clínico
Manifestações neurológicas incluem cefaleia, sonolência, tontura, ataxia, astenia,
dificuldade de concentração, lentificação do pensamento, confusão mental, irritabilidade,
alterações de comportamento, déficits neurológicos focais, convulsões e coma.
Manifestações adrenérgicas incluem palpitações, taquicardia, ansiedade, tremores,
sudorese, fome e parestesias. Idosos com diabetes mellitus de longa data podem não
apresentar sintomas adrenérgicos, o que retarda o diagnóstico da hipoglicemia e aumenta
o risco de sequelas neurológicas permanentes.
Deve-se sempre pensar em hipoglicemia em todo doente com alteração
neurológica no pronto-socorro.
Exames complementares
Além da glicemia, deve-se avaliar função renal e ficar atento para causas
subjacentes. Em não-diabéticos, outros exames poderão ser úteis de acordo com a
suspeita clínica, como função hepática, eletrólitos, cortisol sérico basal, insulina e
peptídeo C.
Teste de jejum prolongado tem duração de até 72 horas. Durante o teste é
Tratamento
Em qualquer doente que
chegue ao pronto-socorro com
agitação, confusão mental, coma
ou mesmo déficit neurológico
localizatório, deve-se
imediatamente verificar a
glicose capilar. Quanto mais
precocemente for corrigida uma
hipoglicemia, menor a chance de
sequelas neurológicas.
Confirmada a
hipoglicemia, deve-se infundir
60-100mL de Soro Glicosado a
50% por via intravenosa.
Em doentes sem acesso
venoso, pode-se fazer Glucagon
1.0-2.0mg por via subcutânea ou
intramuscular, embora seu efeito
seja fugaz e ineficaz em segunda
dose, pois depleta todo o estoque
de glicogênio hepático. Pode-se
prever uma ausência de resposta
em desnutridos ou hepatopatas.
Se a hipoglicemia é
pouco sintomática, pode-se
tentar glicose pela via oral
através da ingesta de algum
carboidrato de rápida absorção.
Em pacientes diabéticos
com uso de Insulina, sem causa
aparente de hipoglicemia, deve-se sempre investigar insuficiência renal, pois indica
redução da dose da medicação.
Em doentes desnutridos, hepatopatas ou etilistas, deve-se prescrever Tiamina
junto com a glicose para prevenir o surgimento de encefalopatia de Wernicke-Korsakoff.
Aplica-se 100mg de Tiamina por via intravenosa ou intramuscular juntamente com a
glicose.
Hiperglicemias
Epidemiologia
A mortalidade da cetoacidose diabética é muito pequena e depende
fundamentalmente da causa precipitante. No estado hiperosmolar hiperglicêmico, a
mortalidade é maior e se deve principalmente à idade avançada dos pacientes e à alta
frequência de comorbidades.
Etiologia e fisiopatologia
Em ambas as afecções, ocorre uma redução da secreção de insulina como
mecanismo central. Na cetoacidose diabética, há sobreposição com aumento de
hormônios contrarreguladores, como glucagon, cortisol, catecolaminas e hormônios de
crescimento. No estado hiperosmolar hiperglicêmico há uma produção suficiente de
insulina para suprimir a produção de glucagon e, dessa forma, não ocorre produção de
corpos cetônicos.
Os fatores precipitantes incluem infecções, tratamento irregular,
primodescompensação, afecções abdominais, doenças vasculares, medicações e drogas,
gestação, cirurgia e trauma.
Quadro clínico
Cetoacidose diabética
Ocorre principalmente em um subgrupo de população mais jovem, com média
etária entre 20 e 29 anos, embora possa ocorrer nos dois extremos de idade.
Muitas vezes o início é abrupto, mas os doentes podem apresentar pródromos com
duração de dias com poliúria, polidipsia, polifagia e mal-estar indefinido.
O doente irá apresentar-se, na grande maioria das vezes, desidratado, podendo
Exames complementares
Devem ser solicitados para todos os doentes com descompensação diabética
grave, além da medida de glicose capilar (Dextro®):
- Gasometria com potássio;
- Eletrólitos, com dosagem de potássio, sódio, cloro, magnésio e fósforo
séricos;
- Hemograma, que pode revelar leucocitose com desvio à esquerda mesmo
sem infecção;
- Glicemia;
- Urina tipo I e cetonúria, com dosagem sérica de cetoácidos se disponível;
- Eletrocardiograma, com busca de achados de hipercalemia e isquemia;
- Radiografia de tórax;
Outros exames podem ser necessários de acordo com a suspeita clínica.
Diagnóstico diferencial
Envolve a busca de fatores precipitantes e a diferenciação de outras causas de
acidose, dor abdominal e rebaixamento do nível de consciência.
Tratamento
Os princípios do tratamento são procurar e tratar os fatores precipitantes, corrigir
o déficit hídrico, corrigir a hiperglicemia e corrigir os déficits eletrolíticos.
Hidratação
Fase de expansão rápida com 15-20mL/kg/hora (1000-1500mL/hora) de Soro
Insulinoterapia
Exceto nos casos de hipocalemia, a insulinoterapia é realizada de forma
concomitante com a hidratação. Antes de iniciar a infusão no paciente, deve-se desprezar
cerca de 50mL da solução no equipo para saturar a ligação da insulina ao sistema, já que
é adsorvida ao plástico.
Apenas prescrever Insulina se o potássio sérico inicial for maior do que
3.3mEq/L. Se o potássio sérico for menor do que 3.3mEq/L, prescrever 1000mL de Soro
Fisiológico com 25mEq/L de potássio, o que equivale a 10mL de KCl a 19.1%, em uma
hora e dosar novamente após o término da infusão.
Ataque com dose de 0.10U/kg de Insulina Regular em bolus por via intravenosa.
Manutenção com dose de 0.10U/kg/hora em bomba de infusão contínua, com solução
preparada com 50U de Insulina Regular e 500mL de Soro Fisiológico (0.1U/mL).
Monitorização com glicose capilar de hora em hora. A taxa ideal de queda da
glicemia é 50-75mg/dL. Se redução inferior ao ideal, deve-se aumentar a taxa de infusão.
Se redução superior ao ideal, deve-se reduzir a taxa de infusão.
Quando a glicemia atingir 200mg/dL na cetoacidose diabética ou 300mg/dL no
estado hiperosmolar hiperglicêmico, pode-se reduzir a Insulina Regular intravenosa para
0.02-0.05U/kg/hora, com ajustes para manter glicemia de 150-200mg/dL na cetoacidose
diabética e 250-300mg/dL no estado hiperosmolar hiperglicêmico.
Suspender a infusão contínua de insulina quando houver controle do fator
precipitante, glicemia inferior a 200mg/dL e dois dentre pH superior a 7.30, ânion gap
inferior ou igual a 12mEq/L e bicarbonato superior ou igual a 15mEq/L. A negativação
da cetonúria não é critério para resolução da cetoacidose. Os cuidados antes da suspensão
da Insulina Regular intravenosa incluem prescrever 10U por via subcutânea, iniciar a
alimentação por via oral e aguardar uma hora antes de desligar a bomba.
Reposição de potássio
Habitualmente, o potássio sérico inicial é normal ou aumentado. Entretanto, o
déficit corporal de potássio é grande, em torno de 3-6mEq/kg de peso. Com hidratação,
reposição de Insulina, correção da acidose e correção da hipovolemia, haverá diminuição
drástica do potássio sérico. Por esse motivo, deve-se dosá-lo a cada duas a quatro horas e
repô-lo de forma agressiva. A primeira dosagem de potássio deve ser feita na gasometria,
imediatamente à chegada do doente.
Se dosagem sérica de potássio inferior a 3.3mEq/L, não prescrever a dose inicial
de Insulina, repor 20-30mEq de potássio em um litro de Soro Fisiológico em uma hora e
Reposição de fósforo
Indicada quando dosagem sérica inferior a 1mg/dL ou na vigência de disfunção de
ventrículo esquerdo, arritmias cardíacas ou achados de hemólise ou rabdomiólise.
Preconiza-se acrescentar 20-30mEq/L de Fosfato de Potássio em cada litro de
solução administrada para reposição de fluidos.
Cuidados
Avaliar eletrólitos, função renal e glicemia a cada duas a quatro horas até que o
doente esteja estável.
Após a resolução do estado hiperosmolar hiperglicêmico ou da cetoacidose
diabética, prescrever dieta por via oral ou enteral em pacientes com sequelas neurológicas
graves, continuar a administração de Insulina Regular por via intravenosa e adicionar
Insulina Regular por via subcutânea conforme glicose capilar. Desligar a bomba de
infusão apenas após uma a duas horas da aplicação da Insulina Regular por via
subcutânea. Iniciar esquema de Insulina com múltiplas doses.
Se estabilidade, transferir para enfermaria.
Complicações
Hipoglicemia é a principal complicação do tratamento.
Hipocalemia pode aparecer após a instituição do tratamento com Insulina.
Edema cerebral é complicação rara.
Síndrome do desconforto respiratório agudo.
Tromboembolismo pulmonar é complicação relativamente frequente em doentes
com estado hiperosmolar hiperglicêmico, mas é rara em doentes com cetoacidose
diabética.
Congestão pulmonar por sobrecarga hídrica.
Dilatação gástrica aguda é consequência de neuropatia autonômica e pode ser
tratada com passagem de sonda naso-gástrica.
Mucormicose é infecção fúngica que atinge principalmente os seios da face e
ocorre pela alteração do metabolismo de ferro que atinge esses doentes durante o
episódio de cetoacidose. Trata-se de condição muito grave e rara, mas com grande
Bibliografia
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva Martins,
Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole, 2008.
Hyperglycemic Crises in Adult Patients With Diabetes. DIABETES CARE, VOLUME 32, NUMBER 7, JULY 2009.
Epidemiologia
As infecções do trato urinário manifestam-se em qualquer idade, havendo,
contudo, uma maior prevalência desse problema em crianças com até seis anos de idade,
mulheres jovens com vida sexual ativa e adultos idosos.
Em recém-nascidos, cerca de 75% das infecções do trato urinário ocorrem em
crianças do sexo masculino e instalam-se por via hematogênica. Em crianças com mais
de três meses de idade, cerca de 90% das infecções do trato urinário manifestam-se no
sexo feminino e podem causar cicatrizes renais quando associadas a refluxo vésico-
ureteral.
Em homens adultos jovens, as infecções do trato urinário são muito raras e,
quando ocorrem, estão quase sempre associadas a anomalias urinárias estruturais. Por
outro lado, na faixa etária acima dos 60 anos, existe um aumento gradual da incidência,
que se relaciona com quadros de obstrução ou colonização prostática.
Etiologia e fisiopatologia
As infecções do trato urinário instalam-se quase sempre pela ascensão de
bactérias a partir do intróito vaginal nas mulheres e do meato uretral ou próstata em
homens. São causadas, em geral, por bactérias Gram-negativas aeróbias presentes na
flora intestinal.
Existe nítido predomínio de Escherichia coli nas infecções agudas sintomáticas,
enquanto que nas infecções crônicas adquiridas em ambiente hospitalar ou relacionadas
com anomalias estruturais do trato urinário é maior a incidência de Klebsiella sp, Proteus
sp, Pseudomonas sp, Enterobacter sp e Gram-positivos, como Staphylococcus
saprophyticus e Enterococcus sp, assim como de resistência aos antimicrobianos de uso
habitual.
A grande prevalência de infecção do trato urinário em idosos é, quase sempre, de
natureza multifatorial. A presença de doenças associadas, como diabetes mellitus,
cistocele, obstrução prostática e afecções neurológicas, além de reduzir a resistência
imunológica, pode prejudicar o esvaziamento vesical e favorecer a colonização do trato
urinário. Nas pacientes idosas, a ausência de estrógenos acompanha-se de
desaparecimento de lactobacilos vaginais e, consequentemente, de maior propensão para
Achados clínicos
Cerca de 85% das infecções do trato urinário agudas sintomáticas prevalecem em
crianças e mulheres jovens. Esses quadros manifestam-se sob a forma de envolvimento
do trato urinário superior, referido como pielonefrite aguda, ou sob a forma de infecção
que atinge o trato urinário inferior, referida como cistite.
Clinicamente, os quadros de cistite acompanham-se de disúria, polaciúria ou
urgência miccional e, ocasionalmente, hematúria terminal. Normalmente, não há febre ou
hipotermia, exceto em idosos, que também podem apresentar alterações do
comportamento e/ou do nível de consciência. Por outro lado, nos pacientes com
pielonefrite aguda, prevalecem dor lombar, febre, calafrios, astenia, náusea e vômitos, ou
seja, manifestações de caráter sistêmico. Pacientes com cateteres urinários de demora
geralmente não apresentam sinais e sintomas de infecção do trato urinário, devendo-se
investigar sempre que houver manifestações sistêmicas compatíveis com infecção.
30% das pielonefrites não apresentam manifestações típicas.
Disúria-polaciúria bacteriana
Quadros de disúria e polaciúria acompanhados de cultura de urina negativa
Exames complementares
A possibilidade de existir infecção urinária deve ser cogitada quando testes
químicos ou análise microscópica da urina apresentam-se alterados. O diagnóstico
definitivo, contudo, só deve ser firmado por meio de estudos bacteriológicos, com cultivo
da urina em meios específicos.
Todos os pacientes com quadro clínico de infecção do trato urinário devem ter seu
diagnóstico confirmado por meio da urocultura, exceto mulheres jovens com leucocitúria
confirmada por fitas reagentes ou análise do sedimento urinário. As indicações de cultura
urinária em mulheres jovens são sintomas atípicos, suspeita de infecção complicada,
falência terapêutica inicial e sintomas que recorrem em menos de um mês após o
tratamento de uma infecção do trato urinário.
Fitas reagentes
As fitas reagentes detectam esterase leucocitária, indicativa de leucocitúria
significativa, e nitrito, presente em caso de infecção por enterobactérias. Têm baixo custo
e praticamente afastam a presença de infecção quando negativas em paciente com
sintomatologia incaracterística. Entretanto, pacientes com sintomatologia sugestiva de
infecção do trato urinário e fita reagente negativa devem ter amostra de urina submetida a
análise de sedimento e/ou cultura para confirmação diagnóstica.
Sedimento urinário
O aumento do número de leucócitos na urina representa indício objetivo de
infecção urinária. Leucocitúria significativa é caracterizada por contagem igual ou
superior a 10000/mL ou 10/campo. Contudo, cerca de 20% dos pacientes com infecção
comprovada podem apresentar contagem normal de leucócitos, que ocorre,
principalmente, em pacientes com bacteriúria assintomática. Da mesma forma,
leucocitúria significativa pode surgir na ausência de infecção do trato urinário em
pacientes com tuberculose urogenital, litíase urinária, nefrite intersticial, neoplasias e
candidíase urinária.
A presença de cilindros leucocitários sugere pielonefrite. Nessa situação o pH
urinário geralmente é alcalino.
Hematúria, quando presente, geralmente é discreta. Proteinúria costuma ser
discreta e variável.
A presença de bactérias é frequente, mas precisa ser confirmada por cultura
urinária.
Cultura de urina
A cultura de urina representa o método mais preciso para definir a presença de
Estudos de imagem
Os exames de imagem são indicados em caso de suspeita ou diagnóstico de
infecção do trato urinário complicada ou recorrente para identificação de anormalidades
predisponentes.
Ultrassonografia é utilizada para identificação de cálculos, rins policísticos,
coleções e abscessos. Tomografia computadoriza é utilizada para descartar a presença de
cálculo perinefrético e tem maior sensibilidade na identificação de cálculos.
Uretrocistografia miccional é indicada em paciente transplantado renal com infecção do
trato urinário recorrente para afastar refluxo vesicoureteral, mas não deve ser realizada na
fase aguda da infecção do trato urinário, devendo ser postergada por pelo menos quatro
semanas após a cura. Urografia excretora também não deve ser realizada na fase aguda da
infecção do trato urinário pelo risco de nefrotoxicidade pelo contraste e pode fornecer
informações como duplicidade calicial, estenose de junção uretero-piélica, adequação do
esvaziamento vesical, cálculos urinários e hidronefrose. Cistoscopia é indicada em
pacientes idosos e transplantados renais com infecção do trato urinário recorrente e
hematúria para afastar neoplasia de bexiga, devendo ser realizada com urina estéril e/ou
após profilaxia antibiótica.
Tratamento
O tratamento das infecções do trato urinário deve ser feito com drogas que
atingem níveis terapêuticos adequados tanto no sangue quanto na urina e que sejam ativas
contra os germes Gram-negativos.
Agentes antimicrobianos como a Ampicilina, as cefalosporinas de primeira
Infecções assintomáticas
O tratamento das infecções do trato urinário assintomáticas é sempre difícil, já
que a bacteriúria raramente é erradicada de forma permanente. Existe, no momento,
tendência de não se tratar tais casos rotineiramente.
Bacteriúria assintomática em mulheres grávidas e pacientes que serão submetidos
a procedimentos urológicos com sangramento mucoso apresenta implicações mais
relevantes, com indicação de rastreamento e tratamento.
Critérios diagnósticos
O diagnóstico prevê aumento abrupto, em 48 horas, e absoluto da creatinina,
superior ou igual a 0.3mg/dL, aumento percentual da creatinina, superior ou igual a 50%
ou oligúria, caracterizada por débito urinário inferior a 0.5mL/kg/hora, por seis horas.
Também aceita-se aumento da creatinina sérica superior ou igual a uma vez e meia em
sete dias.
Aumento da Redução da taxa de Débito urinário
creatinina sérica filtração glomerular
estimada
Estágio 50% 25% Inferior a 0.5mL/kg/hora por seis horas
I
Estágio 100% 50% Inferior a 0.5mL/kg/hora por doze horas
II
Estágio 200% 75% Inferior a 0.5mL/kg/hora por vinte e
III quatro horas ou anúria por doze horas
Etiologia e fisiopatologia
Azotemia pós-renal
Caracteriza-se por obstáculo ao fluxo urinário, com aumento da pressão de
filtração. Apesar de presente em apenas 5% dos casos de insuficiência renal aguda, deve
ser sempre excluída rapidamente já que seu potencial de reversibilidade é inversamente
proporcional ao seu tempo de duração.
Principais causas:
- Obstrução ureteral e pélvica intrínseca por coágulos, cálculos e infecções
fúngicas ou bacterianas;
- Obstrução ureteral e pélvica extrínseca por hiperplasia prostática
benigna, câncer de próstata, tumores ginecológicos, tumores metastáticos,
fibrose retroperitoneal ou ligadura inadvertida dos ureteres;
- Obstrução vesical por cálculos, coágulos, hipertrofia prostática benigna,
neoplasia prostática maligna ou carcinoma da bexiga;
- Bexiga neurogênica;
- Obstrução uretral por estreitamentos, cicatrizes ou fimose;
A causa mais comum é a obstrução do colo vesical, que ocorre geralmente em
Azotemia pré-renal
Caracterizada por diminuição da perfusão renal e manutenção da integridade
tissular, com rápida reversão se a causa subjacente à diminuição do fluxo sanguíneo for
corrigida. Ocorre em 55-60% dos casos.
Existe um contínuo entre a azotemia pré-renal e a necrose tubular aguda
isquêmica. A transição da primeira condição, reversível, para a última, de insuficiência
renal estabelecida, se dá pelo prejuízo suficientemente grande do fluxo sanguíneo renal,
com a morte de células tubulares renais.
Principais causas:
- Redução do volume intravascular por hemorragias, perdas gastro-
intestinais, perdas renais ou perdas insensíveis;
- Redução do débito cardíaco por infarto agudo do miocárdio, arritmias,
hipertensão arterial maligna, tamponamento cardíaco, miocardiopatias,
disfunções valvares, hipertensão pulmonar, tromboembolismo pulmonar
ou ventilação com pressão positiva;
- Redução do volume arterial efetivo e/ou redução do fluxo plasmático
renal por insuficiência cardíaca congestiva, hipoalbuminemia, perdas para
o terceiro espaço, vasodilatação sistêmica ou ação de agentes externos,
como inibidores do sistema renina-angiotensina;
Achados clínicos
A sintomatologia é muito variável e a insuficiência renal aguda pode ser
assintomática ou diagnosticada em exames de triagem para pacientes que procuram o
serviço de emergência pelos mais diversos motivos.
Aproximadamente 50% dos casos têm a forma não-oligúrica. Os pacientes que
evoluem com insuficiência renal aguda oligúrica têm maior probabilidade de
apresentarem complicações metabólicas mais intensas, com pior prognóstico.
Alguns pacientes apresentam um quadro clínico mais intenso relacionado à
insuficiência renal aguda, denominado síndrome urêmica e caracterizado por distúrbios
neurológicos, com irritabilidade, sonolência, confusão mental, convulsões e/ou coma,
cardiovasculares, com pericardite, tamponamento pericárdico e/ou arritmias, pulmonares,
com congestão pulmonar, pneumonias e/ou pleurite, digestivos, com inapetência, náusea,
vômitos, gastrite, úlceras pépticas e/ou enterocolite, e hematológicos, com anemia,
alterações da função de linfócitos e neutrófilos e/ou defeitos plaquetários.
Sinais e sintomas
Sistema cardiovascular:
- Hipervolemia pode manifestar-se através de hipertensão leve, congestão
pulmonar incipiente com estertoração basal, derrame pleural, ascite e,
finalmente, edema agudo pulmonar e insuficiência respiratória aguda;
- Arritmias secundárias a distúrbios dos equilíbrios hidroeletrolítico e
acidobásico;
- Desidratação, hipotensão, choque e parada cardiorrespiratória;
Sistema respiratório:
- Taquipnéia e respiração profunda, acidótica;
Sistema neurológico:
- Sinais de hipocalcemia, como parestesias periorais, cãibras, confusão
mental, sinal de Chvostek, sinal de Trousseau e tetania espontânea;
- Sinais secundários à uremia, como confusão, sonolência, convulsões e
coma;
Sistema digestório:
- Vômitos intensos, hemorragia digestiva, soluços, dor à palpação do
abdômen e massas palpáveis;
Exames laboratoriais
Níveis de uréia aumentados acompanham a diminuição do fluxo urinário nas
condições de baixo volume intravascular efetivo, como na insuficiência cardíaca e no uso
de diuréticos. Também podem ser encontrados em condições associadas a um aumento de
sua produção hepática, como na ingesta proteica aumentada, sangramento intestinal,
estados hipercatabólicos, hipertermia e trauma muscular. Medicações associadas à
elevação da uréia incluem os corticoides e a Tetraciclina.
A função renal é comumente monitorada através das variações diárias da
creatinina sérica. No entanto, esta apresenta limitações como parâmetro do ritmo de
filtração glomerular, pois seu nível sérico depende não só da depuração urinária, mas
também da sua taxa de produção, do seu volume de distribuição e da sua excreção pelas
células do túbulo renal proximal. Podem ocorrer interferências na técnica laboratorial da
dosagem de creatinina por substâncias cromógenas presentes no plasma. O uso de
Cefalosporinas pode elevar falsamente o valor da creatinina sérica em até 20% e os
doentes ictéricos apresentam valores falsamente baixos.
O clearance de creatinina pode ser calculado com a fórmula [creatinina urinária
(mg/dL) x volume urinário (mL/minuto)] / creatinina plasmática (mg/dL). O ritmo de
filtração glomerular estimado pode ser calculado com a fórmula {[140 – idade] x peso
(kg) x 0.85 (se mulher)} / [72 x creatinina plasmática (mg/dL)].
Na insuficiência renal aguda pré-renal, a função tubular está preservada e é
responsiva ao estímulo dos sistemas poupadores de sódio. Já na necrose tubular aguda, a
reabsorção de sódio está prejudicada. A creatinina é reabsorvida em muito menor
quantidade do que o sódio em ambas as condições, o que permite a estimativa da fração
de excreção de sódio (FENa+) através da fórmula (sódio urinário x creatinina plasmática
x 100) / (sódio plasmático x creatinina urinária). Cautela em algumas situações:
- FENa+ baixa não é exclusividade de insuficiência renal aguda pré-renal,
podendo ser encontrada quando a filtração glomerular está reduzida, mas a
função tubular foi preservada, como em glomerulonefrites agudas,
vasculites, obstruções do trato urinário, nefropatia pós-contraste iodado,
Exames de imagem
Avaliação complementar radiológica pode útil na avaliação de obstrução do trato
urinário, cálculos, massas renais, patologias com características radiológicas específicas,
patência de artérias e veias renais com análise de fluxo, presença de refluxo vésico-
ureteral e bexiga neurogênica.
Radiografia de abdômen pode revelar cálculos. Ultrassonografia é o exame de
escolha e pode mostrar obstrução do trato urinário, alterações parenquimatosas, presença
de cistos e rins de tamanho aumentado, como ocorre em mieloma múltiplo, amiloidose e
diabetes mellitus. Outros exames incluem tomografia computadorizada,
angiorressonância e cintilografia.
Biópsia renal
Em geral não é necessária, mas pode estabelecer o diagnóstico e guiar a
terapêutica quando foram excluídas as causas pré-renais e pós-renais, com diagnóstico
presumido de insuficiência renal aguda por doença renal intrínseca não-relacionada a
isquemia ou a toxinas.
Pode ser indicada precocemente, de um a cinco dias, na suspeita de doença
sistêmica, como vasculite, de glomerulonefrite aguda, como no lúpus eritematoso
sistêmico, e de nefrite intersticial aguda, de necrose cortical bilateral ou na ausência de
diagnóstico provável. Também está indicada se não for observada melhora após quatro a
cinco semanas de tratamento na necrose tubular aguda.
Diagnóstico diferencial
Renal
Necrose Nefrite
Pré-renal Pós-renal Glomerulonefrite
tubular intersticial
aguda
aguda aguda
Tratamento
Antes de tratar a insuficiência renal aguda, a anamnese, o exame físico e a
avaliação laboratorial, se possível antes de qualquer intervenção, devem ter definido se a
insuficiência renal aguda é pré-renal, pós-renal ou diretamente relacionada ao
parênquima.
As medidas terapêuticas iniciais priorizam a correção da volemia, o equilíbrio
eletrolítico e o controle de manifestações ligadas às urgências dialíticas.
Na insuficiência renal aguda pós-renal, a rápida desobstrução do trato urinário é
fundamental. Sondagem vesical e procedimentos descompressivos não devem ser
postergados.
Na insuficiência renal aguda parenquimatosa, além de medidas gerais, a pesquisa
da causa desencadeante é mandatória. O controle do fator desencadeante ou agravante, a
manutenção do equilíbrio metabólico e o uso criterioso, quando não a proscrição, de
agentes nefrotóxicos são metas obrigatórias. Medicamentos devem ser corrigidos
conforme o clearance estimado. Particularmente em relação à necrose tubular aguda
secundária à precipitação de sedimentos, sendo a rabdomiólise patologia de destaque,
além da manutenção da homeostase, a hidratação agressiva e precoce é a medida de
maior impacto.
O distúrbio eletrolítico mais grave e que requer maior agressividade no
diagnóstico é a hipercalemia.
A hipocalcemia, embora comum, não requer tratamento imediato nos pacientes
assintomáticos. Nos pacientes com manifestações clínicas administra-se Gluconato de
Cálcio a 10% 10-20mL por via intravenosa em vinte minutos.
Usualmente a hiperfosfatemia pode ser controlada com uso de cálcio oral.
A acidose metabólica isolada secundária à insuficiência renal aguda não costuma
ser grave, sem necessidade de tratamento caso o bicarbonato sérico seja superior a
Manejo dialítico
Indicação
Uma vez que estratégias conservadoras tenham falhado em manter homeostase
minimamente aceitável ou quando as denominadas urgências dialíticas, como acidose
refratária, hipercalemia refratária, hipervolemia refratária, disnatremia de difícil correção
e uremia, se apresentam, faz-se necessário o emprego de terapia substitutiva renal. Fora
das emergências dialíticas, não há pontos de consenso pragmático em torno do momento
de iniciar tratamento dialítico. Aceita-se, porém, que níveis de uréia acima de 180mg/dL
e níveis de creatinina acima de 8mg/dL indicam processo dialítico.
Mecanismos
Difusão corresponde à passagem de soluto através de uma membrana
semipermeável, de acordo com o seu gradiente de concentração, e depende da
temperatura, da área da superfície de troca, da difusibilidade do soluto através da
membrana e da espessura da membrana.
Convecção é o transporte de soluto através de uma membrana semipermeável
junto ao solvente, subordinado ao gradiente de pressão transmembrana, e depende de taxa
de ultrafiltração, permeabilidade da membrana e concentração do soluto no plasma.
Ultrafiltração é a separação do plasma do sangue total pela passagem por uma
membrana semipermeável na qual se aplica um gradiente pressórico.
Adsorção é a separação do soluto em decorrência de sua ligação a sítios presentes
na membrana semipermeável.
Acesso vascular
Os cateteres são preferencialmente feitos de material biocompatível, flexível,
resistente à invasão bacteriana e de fácil manuseio. Aqueles com único lúmen são
utilizados para métodos arteriovenosos, como CAVH, CAVHD e SCUF. Hemodiálise
clássica, CVVH, CVVHD e CVVHDF necessitam, para sua realização, de cateter duplo
lúmen, uma vez que o sangue é impulsionado através de bomba rolete.
Para pacientes agudos, são utilizados cateteres semi-rígidos, sendo a maioria de
poliuretano. O comprimento do cateter é variável. Aqueles de curta permanência, sem
túnel, para inserção em veia subclávia direita ou veia jugular interna direita, não devem
ter mais do que 15cm, aqueles colocados no lado esquerdo não devem ter mais do que
20cm e aqueles posicionados em veia femoral podem ter 24cm ou mais.
Anticoagulação
O método ideal de anticoagulação é aquele que oferece melhor patência dos filtros
dialisadores, sem, no entanto, aumentar o risco de hemorragias ou comprometer o
equilíbrio metabólico do paciente. A técnica de avaliação do efeito anticoagulante deve
ser simples e segura, existindo, idealmente, um antídoto à disposição.
A Heparina ainda é o método mais utilizado. No entanto, a incidência de pacientes
com alta probabilidade de sangramento dificulta o seu uso. Mais recentemente, o uso de
Citrato Trissódico assumiu papel de destaque na anticoagulação em pacientes críticos. A
principal vantagem é ser regional, ou seja, com apenas o sistema extracorpóreo
permanecendo anticoagulado. O citrato quela os íons cálcio e interfere negativamente nas
vias intrínseca e extrínseca da cascata da coagulação. Na linha de devolução do sangue
são adicionados sais de cálcio em concentrações elevadas, com inativação do efeito do
citrato para o paciente. Há risco de alcalose metabólica e hipernatremia, com necessidade
Bibliografia
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Medicina Intensiva Baseada em Evidências. Luciano César Pontes de Azevedo. Editora Atheneu, 2009.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva Martins,
Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole, 2008.
Definition of acute kidney injury (acute renal failure). Paul M Palevsky. UpToDate, 2011.
Diagnostic approach to the patient with acute or chronic kidney disease. Theodore W Post, Burton D Rose. UpToDate, 2011.
Renal replacement therapy (dialysis) in acute kidney injury (acute renal failure) in adults: Indications, timing, and dialysis dose. Paul
M Palevsky. UpToDate, 2011.
Prevention of contrast-induced nephropathy. Michael R Rudnick, James A Tumlin. UpToDate, 2011.
Etiologia e fisiopatologia
A hipoxemia tem como principal causa a inadequação do balanço entre ventilação
e perfusão pulmonar, com perfusão de áreas alveolares parcialmente ventiladas. Sabe-se
que o ajuste da perfusão pulmonar é complexo e baseia-se em vasoconstrição hipóxica.
Outras causas de hipoxemia são alteração da capacidade difusional do oxigênio pela
membrana alvéolo-capilar, elevadas altitudes e hipoventilação alveolar.
Shunt verdadeiro ocorre quando o sangue passa do leito venoso para o arterial
sem circular pelos pulmões, como em comunicação interventricular e fístula
arteriovenosa. Efeito shunt, muito mais frequente, ocorre quando o sangue circula pelos
pulmões e não é oxigenado. Qualquer afecção que cause colapso ou preenchimento
alveolar pode gerar efeito shunt, como atelectasia, edema agudo de pulmão, pneumonia e
hemorragia alveolar.
Na insuficiência respiratória do tipo hipercápnica, a elevação da PaCO2 pode ser
decorrente da diminuição da frequência respiratória ou do volume corrente ou, ainda, do
aumento do espaço morto fisiológico. As causas pulmonares e cardíacas são as mais
comuns, mas doenças neuromusculares e sistêmicas também podem causar falência
respiratória.
Espaço morto ocorre quando há unidades alveolares ventiladas, porém não
perfundidas. Especialmente importante em situações de redução aguda do débito
cardíaco, com aumento do dióxido de carbono arterial e hipoxemia.
Na cidade de São Paulo, em ar ambiente, é possível usar a fórmula P(A-a)O2 = 130
– (PaO2 + PaCO2) para calcular o gradiente alvéolo-arterial de oxigênio. O valor normal
do gradiente é inferior a 20mmHg e implica que a hipoxemia é decorrente
exclusivamente da diminuição da pressão alveolar de oxigênio por hipoventilação e
hipercapnia. Quando superior a 20mmHg, há alterações no processo de oxigenação, que
podem ou não estar associados a hipoventilação alveolar.
Achados clínicos
As manifestações clínicas de desconforto respiratório incluem uma infinidade de
sinais e sintomas clínicos com intensidade também bastante variável, a depender da
Exames complementares
O diagnóstico de insuficiência respiratória geralmente é suspeitado por sinais de
desconforto respiratório. É, portanto, clínico e confirmado pela oximetria de pulso ou
pela gasometria.
A oximetria de pulso é um recurso muito útil por não ser invasiva, oferecer
resultado imediato e contínuo e ser uma medida direta. Sua acurácia é muito boa quando
saturação de hemoglobina superior a 70%. Podem interferir nos resultados má-perfusão
periférica, anemia, arritmias cardíacas, movimentação e esmalte de unhas.
A gasometria arterial, apesar de mais invasiva e de não oferecer resultado tão
imediato, é mais completa, pois permite avaliação não só da hipoxemia, mas também da
ventilação alveolar pela mensuração do CO2 e do estado metabólico pela mensuração do
pH.
Tratamento
O paciente com queixa de dispneia ou desconforto respiratório apresentando-se ao
setor de emergência deve ser prontamente avaliado, pois a insuficiência respiratória não-
corrigida pode rapidamente evoluir para parada respiratória. O objetivo principal é
corrigir hipoxemia e, em algumas situações especiais, a hipercapnia.
Quando houver sinais de nítido desconforto respiratório, o paciente deve ser
levado para a sala de emergência e rapidamente monitorizado com monitor cardíaco,
pressão arterial intermitente e oximetria de pulso. Se a oximetria de pulso revelar
porcentagem de hemoglobina saturada por oxigênio no sangue periférico inferior a 94%,
oxigênio suplementar deve ser oferecido imediatamente por cateter, máscara, dispositivos
especiais ou ventilação mecânica não-invasiva com um ou dois níveis de pressão. Em
caso de rebaixamento do nível de consciência com escala de coma de Glasgow inferior
ou igual a oito, instabilidade hemodinâmica ou risco eminente de parada
cardiorrespiratória, com respiração agônica e bradicardia, deve-se proceder
imediatamente com intubação orotraqueal. Se for possível, logo na entrada, uma amostra
de sangue arterial deve ser coletada para dosagem dos gases, antes da suplementação de
O2, mas em nenhum caso sua coleta deve retardar a correção de hipoxemia identificada
pela oximetria de pulso. Deve ser obtido acesso venoso de grosso calibre,
preferencialmente em veias antecubitais, com coleta de amostra para análise laboratorial.
Pacientes com diagnóstico de doença pulmonar obstrutiva crônica e suspeita de
retenção crônica de CO2 devem receber oxigênio suplementar com cautela e
Achados clínicos
A história e o exame físico são extremamente importantes na avaliação inicial e
no manejo da intoxicação exógena.
Os sinais vitais, como frequência cardíaca, frequência respiratória, pulso e
temperatura, devem ser anotados no prontuário e reavaliados periodicamente. Deve-se
medir a saturação arterial de oxigênio, a glicose capilar e o nível de consciência de
acordo com a escala de coma de Glasgow.
Particular atenção deve ser dada aos sistemas cardiovascular, respiratório e
neurológico. Todas as alterações oculares devem ser registradas.
É importante investigar se há doenças prévias que possam alterar o tratamento ou
aumentar a gravidade da intoxicação.
O paciente e a família podem fornecer informações acerca de medicamentos
ingeridos, hora e dia da ingesta e se a ingesta foi acidental ou intencional.
Os achados da história e do exame físico podem classificar os doentes em
síndromes, o que permite sugerir a etiologia e guiar a terapêutica.
132
Pedro Kallas Curiati
Síndrome Convulsão. Antidepressivos tricíclicos, β-bloqueadores, bloqueadores
convulsiva dos canais de cálcio, cocaína, fenotiazinas, inseticidas,
organofosforados, Isoniazida, Lítio, monóxido de carbono,
salicilatos e Teofilina.
Síndrome Bradicardia, hipotensão e vômitos. Amiodarona, β-bloqueadores, bloqueadores de canais de
bradicárdica cálcio, carbamatos, digitálicos e organofosforados.
Síndrome Alteração da coagulação 24-72 horas após a ingesta, com sangramento em Antagonistas de vitamina K e Varfarina Sódica.
hemorrágica pele, mucosas, trato gastrointestinal, sistema nervoso central, cavidades e
articulações.
Síndrome Taquicardia, hipotensão e pele quente em caso de vasodilatadores. Bloqueadores α e β adrenérgicos, bloqueadores de canais de
simpaticolítica Bradicardias em caso de agentes inotrópicos e/ou cronotrópicos negativos. cálcio e Clonidina.
Pode haver rebaixamento do nível de consciência. Há pouca alteração do
sistema nervoso central e profunda alteração cardiovascular.
Síndrome de Agitação, sudorese, tremor, taquicardia, taquipneia, midríase, ansiedade e Álcool etílico, antidepressivos, cocaína, fenobarbital,
abstinência confusão. Difícil diferenciar se é excesso da droga ou abstinência. hipnótico-sedativos e opióides.
Complicações incluem alucinações, convulsões e arritmias.
Síndrome de Icterícia, colúria, hipoalbuminemia, coagulopatia, encefalopatia hepática, Acetaminofen, Rifampicina e Pirazinamida.
insuficiência acidose, insuficiência renal e aumento de transaminases.
hepática aguda
133
Pedro Kallas Curiati
Exames complementares
Na grande maioria das intoxicações nenhum exame adicional é necessário.
Entretanto, em pacientes sintomáticos, com comorbidades significativas, em que a
identidade da substância ingerida é desconhecida, com potencial significativo de
toxicidade sistêmica ou ingesta intencional, recomenda-se a coleta de exames gerais,
como hemograma, glicemia, eletrólitos, gasometria, função hepática, função renal e
urina tipo I. Outros exames complementares incluem eletrocardiografia, radiografia de
tórax, lactato arterial, gap osmolar, corpos cetônicos e cristais de oxalato na urina.
Eventualmente, a dosagem das substâncias tóxicas pode ser necessária através de
testes quantitativos ou de testes qualitativos, conhecidos como screening toxicológico,
que têm maior utilidade quando a substância ingerida é desconhecida, em casos de
ingesta de múltiplas substâncias e quando os achados clínicos não são compatíveis com
a história. No entanto, o valor é limitado na maior parte dos pacientes, uma vez que o
tratamento é de suporte e geralmente não é influenciado pela identificação do agente
ingerido. A dosagem sérica quantitativa, por sua vez, será útil em situações em que
exista uma relação entre nível sérico, toxicidade e tratamento.
Diagnóstico diferencial
Qualquer doença de manifestação aguda entra no diagnóstico diferencial de uma
intoxicação exógena aguda. Da mesma forma, em qualquer paciente que chega ao
pronto-socorro com uma doença aguda, deve-se incluir intoxicação exógena no
diagnóstico diferencial. A intoxicação exógena pode ser confundida com várias doenças
ou com elas coexistir.
Tratamento
De maneira geral, deve-se tratar pacientes com intoxicação exógena aguda da
mesma maneira que outras doenças ameaçadoras à vida, seguindo os princípios do
suporte avançado de vida. Preconiza-se avaliar a perviedade das vias aéreas e proceder
com intubação orotraqueal se necessário, avaliar a ventilação e fornecer oxigênio e
ventilação mecânica se necessário, e avaliar frequência cardíaca, pressão arterial e
perfusão periférica e introduzir uso de marca-passo ou drogas vasoativas se necessário.
A seguir, deve-se proceder com exame neurológico e avaliar nível de consciência, sinais
autonômicos, pupilas e presença de sinais localizatórios.
Os princípios gerais do manejo de uma intoxicação exógena são reconhecer uma
intoxicação, identificar o tóxico, avaliar o risco da intoxicação, avaliar a gravidade do
paciente e estabilizá-lo clinicamente, diminuir a absorção do tóxico, aumentar a
eliminação do tóxico e prevenir nova exposição.
Se a intoxicação ocorreu através da pele, devem ser retiradas todas as roupas do
paciente e devem ser removidos todos os resíduos, com lavagem copiosa da pele. Se a
intoxicação ocorreu por via ocular, deve-se lavar os olhos com soro fisiológico e
solicitar avaliação imediata do oftalmologista. A maioria das intoxicações, contudo,
envolve o trato gastro-intestinal e as medidas possíveis são lavagem gástrica, carvão
ativado, irrigação intestinal, hiper-hidratação e alcalinização da urina. A indução de
vômitos não é mais recomendada em pronto-socorro.
É importante lembrar que na grande maioria dos pacientes que procuram o
pronto-socorro com uma intoxicação exógena, tudo o que é necessário é um detalhado
exame físico e uma observação cuidadosa. Algumas vezes, especialmente na primeira
hora da ingesta e quando a substância é potencialmente tóxica ou desconhecida, pode-se
indicar lavagem gástrica e/ou carvão ativado. Muito menos comum é a necessidade de
procedimentos dialíticos.
Carvão ativado
A dose recomendada é de 1g/kg. Deve-se diluir o carvão em água, Soro
Fisiológico ou catárticos, como Manitol e Sorbitol, geralmente 8mL de solução para
cada grama de carvão.
Geralmente, após duas horas da ingesta, o carvão é ineficaz.
Complicações são raras, especialmente quando o carvão é usado sem sonda
orogástrica. As principais são aspiração, vômitos, constipação e obstrução intestinal.
Contraindicações:
- Rebaixamento do nível de consciência com perda dos reflexos de
proteção das vias aéreas, situação em que é necessária intubação do
paciente antes do uso do carvão;
- Substâncias corrosivas, como ácidos ou bases;
- Hidrocarbonetos;
- Risco de hemorragia ou perfuração do trato gastro-intestinal em função
de cirurgia recente ou doenças pré-existentes;
- Ausência de ruídos hidroaéreos ou obstrução intestinal;
- Substâncias que não são adsorvidas pelo carvão, como álcool, metanol,
etilenoglicol, cianeto, ferro, lítio e flúor;
Carvão ativado em múltiplas doses é utilizado quando não houver
contraindicação e a intoxicação for grave ou potencialmente grave. Os principais
tóxicos em que há benefício são antidepressivos tricíclicos, Fenobarbital, Ácido
Valpróico, Carbamazepina, Teofilina e substâncias de liberação entérica ou prolongada.
Nessa situação, preconiza-se 0.25-0.50g/kg de 4/4 a 6/6 horas.
Diurese forçada
Hiper-hidratação com 1.000mL de soro fisiológico a cada seis ou oito horas em
adultos. Pode-se aumentar o volume até alcançar um débito urinário de 100-
400mL/hora.
Deve-se atentar para a sobrecarga de volume e a congestão pulmonar.
Os principais tóxicos que têm sua excreção aumentada com essa modalidade
terapêutica são álcool, brometo, cálcio, flúor, Lítio, potássio e Isoniazida.
Alcalinização da urina
Consiste em manter o pH urinário superior a 7.5.
Deve-se preparar uma solução com 850mL de Soro Glicosado a 5% e 150mL de
Bicarbonato de Sódio a 8.4%, que alcaliniza a urina e tem concentração fisiológica de
sódio. Se não houver contraindicação, infundir um litro dessa solução a cada seis a oito
horas e monitorizar o pH urinário.
A alcalinização da urina aumenta a excreção de Fenobarbital, salicilatos,
Clorpropamida, flúor, Metotrexato e sulfonamidas.
Métodos dialíticos
Hemodiálise clássica é o método mais usado e disponível, embora existam a
hemofiltração e a hemoperfusão.
Apesar de raramente ser necessária, a diálise tem importante papel em algumas
intoxicações exógenas e pode salvar a vida do paciente.
Princípios para a indicação de diálise:
- A intoxicação é grave ou tem um grande potencial de gravidade, como
nos pacientes que continuam a piorar apesar do suporte agressivo;
- Intoxicação grave e paciente com disfunção na metabolização do tóxico
por insuficiência hepática e/ou renal;
- Pacientes ainda estáveis, mas com concentração sérica de um
determinado tóxico potencialmente fatal ou com capacidade de causar
lesões graves ou irreversíveis;
- O tóxico é significativamente retirado do paciente com a diálise;
Hemodiálise retira barbitúricos, bromo, etanol, etilenoglicol, Hidrato de Cloral,
Lítio, metais pesados, metanol, Procainamida, salicilatos e Teofilina. Hemoperfusão
retira Ácido Valpróico, barbitúricos, Carbamazepina, Cloranfenicol, Disopiramida,
Fenitoína, Meprobamato, Paraquat, Procainamida e Teofilina.
Acetaminofen
Ácidos e álcalis
Os corrosivos são substâncias com pH ácido, como ácido sulfúrico e hipoclorito,
ou básico, como o hidróxido de sódio contido na soda cáustica. Na fase aguda, há dor,
eritema, disfonia, salivação excessiva, disfagia, dor abdominal e vômitos.
Exames complementares incluem hemograma, coagulograma, função renal,
eletrólitos, gasometria, radiografia de tórax, radiografia de abdômen e endoscopia
digestiva alta precoce, seis a vinte e quatro horas após a exposição. Dilatação
terapêutica de esôfago na endoscopia inicial é de grande risco e deve ser evitada.
Lavagem gástrica e carvão ativado são contraindicados. Hidratação rigorosa,
correção dos distúrbios eletrolíticos, uso de antieméticos, uso de bloqueadores H2 ou de
bomba de prótons e analgesia são medidas importantes. Em lesões por álcalis com risco
de estenose, pode haver benefício com o uso de Metilprednisolona 1-2mg/kg de 6/6
horas, com doses decrescentes durante quatorze dias. O uso de antibióticos de amplo
espectro é controverso. As estenoses devem ser tratadas por dilatação endoscópica três a
quatro semanas após a ingesta, se possível com stents. Casos mais graves podem
necessitar de correção cirúrgica.
Anticolinérgicos
Lavagem gástrica na primeira hora de ingesta seguida da administração de
carvão ativado, que pode ser usado após a primeira hora da ingesta devido à
hipomotilidade de todo o trato gastrointestinal. Benzodiazepínicos são úteis para a
agitação psicomotora. Medidas gerais incluem resfriamento do corpo e hidratação.
Existe um antídoto, a Fisostigmina, mas raramente é necessário o seu uso. Essa
droga é administrada com dose de 1-2mg por via intravenosa em dois a cinco minutos,
que pode ser repetida. Não deve ser usada em convulsões ou coma e é contraindicada se
houver distúrbios da condução cardíaca.
Em função de seus efeitos sobre a membrana celular, os antidepressivos
tricíclicos podem prolongar o intervalo QRS, com arritmias potencialmente fatais.
Outros sinais eletrocardiográficos incluem onda R em avR maior que 3mm e onda R em
avR maior que a onda S. Prefere-se o uso de carvão ativado em múltiplas doses, diálise
não é efetiva e, em caso de presença de distúrbios de condução e arritmias, deve-se
administrar Soro Glicosado a 5% 850mL com Bicarbonato de Sódio a 8.4% 150mL por
via intravenosa em bomba de infusão contínua com velocidade inicial de 200-
Anticonvulsivantes
Os mais frequentes são Fenobarbital, Fenitoína, Carbamazepina, Ácido
Valpróico e Clonazepam, todos com excelente absorção oral. É comum o uso de
preparações de liberação prolongada, que podem retardar o início das manifestações
tóxicas.
Todos atuam primariamente causando depressão do sistema nervoso central.
Causam alterações das funções cerebelares e vestibulares, o que pode causar ataxia,
nistagmo, diplopia, borramento visual, tontura, voz empastada, tremores, náusea e
vômitos. Posteriormente, pode ocorrer evolução para coma e depressão respiratória. Em
concentrações séricas muito altas, podem causar convulsões.
Carvão ativado é o método de escolha para descontaminação do trato
gastrointestinal e pode ser usado em múltiplas doses. Medidas de suporte são essenciais
e incluem intubação orotraqueal quando indicada, reposição volêmica e uso de drogas
vasoativas quando indicadas e tratamento de convulsões com interrupção da droga e uso
de benzodiazepínico por via intravenosa. Diálise pode ser útil quando houver
intoxicação grave, com concentrações séricas muito altas ou que continua a piorar a
despeito do uso de medidas habituais, podendo ser indicada em caso de ingesta de
Fenobarbital, Ácido Valpróico e Carbamazepina.
No caso de intoxicação por Carbamazepina, na presença de distúrbios do ritmo
cardíaco, pode-se usar Bicarbonato de Sódio. No caso de intoxicação por Fenobarbital,
recomenda-se alcalinizar a urina para aumentar a excreção.
Antidepressivos serotoninérgicos
Medicamentos seguros, com necessidade de grandes doses para evoluir com
intoxicação.
Os achados mais frequentes são náusea, vômito, dor abdominal, diarreia,
agitação, alteração do nível de consciência, confusão mental, convulsões, coma, tremor,
incoordenação, hiperreflexia, mioclonias, rigidez, diaforese, febre, flutuação da pressão
arterial, midríase, salivação, calafrios e taquicardia. Complicações incluem hipertermia,
acidose lática, insuficiência renal aguda, insuficiência hepática, rabdomiólise, síndrome
da angústia respiratória aguda e coagulação intravascular disseminada.
Preconiza-se lavagem gástrica e carvão ativado na primeira hora da ingesta.
Medidas de suporte são essenciais. Bloqueio da serotonina é realizado com
Ciproheptadina 4-8mg por via oral a cada duas a quatro horas, com máximo de 32mg ao
dia, ou Clorpromazina 50-100mg por via intravenosa lentamente, com máximo de
400mg ao dia e risco de hipotensão.
β-bloqueadores
As manifestações clínicas incluem náusea, vômitos, pele fria e pálida,
bradicardia, hipotensão, convulsões e depressão do sistema nervoso central, podendo
surgir broncoespasmo em asmáticos. Anormalidades metabólicas incluem hipercalemia,
hipoglicemia e, eventualmente, acidose metabólica com aumento de lactato devido à
hipotensão.
Lavagem gástrica pode potencializar a hipotensão devido à estimulação
Simpaticomiméticos
O paciente deve ser mantido bem hidratado e não deve usar medicamentos de
ação cardiovascular prolongada, pois após o efeito da cocaína, em duas a quatro horas,
tende a surgir hipotensão. Carvão ativado raramente é usado devido à intoxicação
ocorrer por via parenteral ou inalatória na maioria dos casos. Benzodiazepínicos são as
drogas de escolha, podendo ser associadas Nitroglicerina em edema agudo de pulmão e
síndromes coronarianas agudas, Nitroprussiato de Sódio em outras emergências
hipertensivas e Lidocaína em taquicardia ventricular e fibrilação ventricular. Deve-se
evitar o uso isolado de β-bloqueadores.
Isoniazida
Em doses tóxicas, inibe a síntese de GABA, em que a Piridoxina ou Vitamina
B6 é cofator de enzima-chave.
Lítio
A intoxicação por lítio afeta primariamente os rins e o sistema nervoso central.
Em caso de intoxicação leve, com litemia de 1.2-2.5mEq/L, há náusea, vômitos,
diarreia, letargia, fadiga e tremores finos. Em caso de intoxicação moderada, há
hipertensão, taquicardia, confusão mental, agitação, disartria, nistagmo, ataxia,
síndromes extrapiramidais, movimentos coreicos e atetose. Em caso de intoxicação
grave, com litemia superior a 3.5mEq/L, há desidratação severa, diabetes insipidus
nefrogênico, fraqueza, hipotireoidismo, arritmia cardíaca, leucocitose, insuficiência
renal aguda, bradicardia, hipotensão, hipertermia, convulsões e coma.
Avaliação complementar pode revelar leucocitose, hiperglicemia, albuminúria,
glicosúria e diabetes insipidus nefrogênico adquirido. O eletrocardiograma pode revelar
taquicardia ou bradicardia sinusal, achatamento ou inversão de onda T, prolongamento
do intervalo QT e bloqueio atrioventricular.
A conduta prevê internação hospitalar e suporte clínico. Lavagem gástrica na
primeira hora desde a ingesta não é indicada e carvão ativado não adsorve o Lítio e não
deve ser usado. Deve-se corrigir déficit de água e sal. Pode ser necessário tratar
convulsões, rebaixamento do nível de consciência, hipotensão e arritmias. Nas arritmias
refratárias, pode-se usar Sulfato de Magnésio intravenoso. É importante aumentar a
excreção renal de Lítio com expansão volêmica e alcalinização da urina. A hemodiálise
tem grande eficácia em baixar rapidamente as concentrações séricas do Lítio e deve ser
indicada em casos graves
Metanol e etilenoglicol
Intoxicação por metanol ou etilenoglicol deve sempre entrar no diagnóstico
diferencial de pacientes graves sem diagnóstico óbvio e que apresentam acidose
metabólica grave. Além da gasometria arterial, deve-se solicitar função renal e hepática,
eletrólitos, glicemia, lactato arterial, dosagem sérica de cetonas, medida direta da
osmolaridade sérica, dosagem sérica de tóxicos, urina tipo 1, pesquisa de cristais na
urina, eletrocardiografia e radiografia de tórax.
A lavagem gástrica deve ser indicada apenas na primeira hora da ingesta. Carvão
ativado não adsorve esses tóxicos. Suporte clínico é essencial e deve-se proceder com
intubação orotraqueal, reposição volêmica, uso de drogas vasoativas e tratamento de
convulsões conforme a necessidade. Em casos graves, uma vez feita a suspeita clínica,
devem ser colhidas amostras para diagnóstico, com dois frascos de 10mL com
Heparina, para que o antídoto seja iniciado imediatamente, antes da confirmação.
Os antídotos são Álcool Etílico intravenoso e Fomepizol, indisponível em nosso
meio. O Álcool a 100% é disponível em ampolas de 10mL e deve ser diluído em
proporção de uma para dez partes de Soro Glicosado, com administração inicial de
10mL/kg da solução obtida e manutenção com 1-2mL/kg/hora da solução obtida. O
ideal é alcançar uma concentração sérica de Etanol superior a 100mg/dL e manter até
que as concentrações dos tóxicos estejam em níveis seguros, abaixo de 10mg/dL.
Raticidas
Têm efeito semelhante ao das substâncias anticoagulantes. Antagonizam a
vitamina K e ocasionam hemorragia visceral e muco-cutânea quando ingeridos em
grande quantidade. Geralmente os sintomas se iniciam doze horas após a ingesta. O
paciente não poderá receber alta antes da análise de seu coagulograma, especialmente
do tempo de protrombina.
Preconiza-se descontaminação do trato gastrointestinal com lavagem gástrica e
uso de carvão ativado na primeira hora desde a ingesta. Uso de Plasma Fresco
Congelado intravenoso deverá ser indicado no sangramento maciço. Recomenda-se o
uso de Vitamina K, preferencialmente intravenosa, podendo também ser intramuscular
ou subcutânea, com dose de 10-20mg, sendo os efeitos na coagulação mais tardios.
Salicilatos
Sintomas incluem náusea, vômitos, sudorese, taquicardia, febre, letargia,
confusão mental e alcalose respiratória. Ocorre evolução para desidratação, acidose
metabólica com aumento do ânion gap e cetose. Em casos graves evolui com depressão
respiratória, coma, convulsões, edema pulmonar e cerebral e colapso cardiovascular.
Deve-se solicitar salicilemia.
Preconiza-se lavagem gástrica nas primeiras horas, seguida de carvão ativado em
múltiplas doses. Há risco de hipoglicemia, sendo possível que o paciente necessite de
grandes doses de glicose. Hidratação vigorosa com alcalinização está indicada. Pode-se
administrar Vitamina K por via intravenosa se houver tempo de protrombina
prolongado.
Recomenda-se monitorização e correção de sódio, potássio, cálcio, estado
acidobásico, volemia e débito urinário.
Hemodiálise pode ser indicada em pacientes graves, com piora do quadro clínico
apesar das medidas terapêuticas habituais ou com níveis séricos maiores que 100mg/dL.
Emergências hipertensivas
O tratamento de escolha prevê a associação de benzodiazepínicos aos
medicamentos habituais, como o Nitroprussiato de Sódio. Raramente pode ser
necessário o Labetalol. β-bloqueadores puros são contraindicados, ao menos quando
usados isoladamente.
Na maioria das vezes, com controle da agitação do paciente, a pressão arterial
tende à normalidade.
Prolongamento do intervalo QT
O tratamento consiste em carga de sódio e alcalinização da urina. Preconiza-se a
administração de Bicarbonato de Sódio 1-2mEq/kg em trinta a sessenta minutos, com
solução de manutenção para pH sérico superior a 7.5. A velocidade de infusão
dependerá do estado cardiovascular prévio e da monitorização do pH, com cerca de 3-4
litros ao dia de solução de 150mL Bicarbonato de Sódio a 8.4% com 850mL de Soro
Glicosado a 5%.
O paciente deve ser mantido no serviço de emergência com monitorização do
ritmo cardíaco e eletrocardiograma seriado.
Hipotensão
Imediatamente fornecer cristalóide em dois acessos calibrosos. Se persistir a
hipotensão, iniciar drogas vasoativas.
Uma fraca evidência suporta o uso de Dopamina como medicação inicial. Caso o
paciente persista hipotenso, deve-se iniciar Noradrenalina.
Em algumas situações, deve-se proceder ao tratamento da causa de base.
Parada cardiorrespiratória
Das causas de parada cardiorrespiratória, aquelas relacionadas às intoxicações
têm um melhor prognóstico.
Se taquicardia ventricular sem pulso ou fibrilação ventricular, proceder com
desfibrilação imediata. No suporte avançado de vida, após vinte a trinta minutos de
reanimação, suspender os esforços, exceto se houver evidência de viabilidade cerebral,
o que é muito raro. No entanto, em parada cardiorrespiratória relacionada a
intoxicações, os esforços podem ser prolongados, principalmente quando houver
hipotermia.
Não realizar provas clínicas de morte nem eletroencefalograma na vigência de
uma intoxicação aguda, pois não têm valor.
Insuficiência respiratória
Muitas vezes, uma máscara ou um cateter de oxigênio é tudo o que é necessário.
No entanto, em caso de hipóxia persistente, recomenda-se suporte ventilatório.
Em pacientes com intoxicação por monóxido de carbono, o oxímetro de pulso
pode mostrar uma saturação de oxigênio normal em doente com grave hipoxemia.
Não postergar intubação orotraqueal quando necessária, como em convulsões
reentrantes, incapacidade de proteger vias aéreas e hipoxemia refratária a oxigênio por
máscara.
Insuficiência respiratória ocorre mais frequentemente por edema pulmonar não
cardiogênico, ocasionado por opióides, organofosforados, cianeto, monóxido de
carbono, salicilatos e hipnótico-sedativos.
Hipoglicemia
Administrar solução de glicose intravenosa na presença de hipoglicemia,
caracterizada por glicose capilar inferior a 70mg/dL. A dose recomendada é de 60-
100mL de glicose a 50%. Devem ser prescritos 100mg de Tiamina por via
intramuscular concomitante à glicose em pacientes desnutridos e etilistas.
Glucagon 1mg por via intramuscular pode ser usado quando não se consegue
rapidamente um acesso venoso.
Hipotermia e hipertermia
Hipotermia e hipertermia podem ser tratadas com aquecimento ou resfriamento
externo passivos, respectivamente. Em emergências hipertérmicas, como overdose de
cocaína ou anfetamina, medidas agressivas de resfriamento podem ser salvadoras de
vida.
Antídotos
Tóxico Antídoto
Acetaminofen N-Acetilcisteína por via oral, com dose de ataque de 140mg/kg e manutenção
com 70mg/kg de 4/4 horas até completar 72 horas
Anticoagulantes Vitamina K 10-20mg por via intravenosa ou intramuscular e Plasma Fresco
cumarínicos Congelado se sangramento maciço
Anticolinérgicos Fisostigmina 1-2g por via intravenosa em 2-5 minutos, podendo ser repetida a
dose
Bibliografia
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Definição
A pneumonia adquirida na comunidade é um processo infeccioso agudo
pulmonar que acomete pacientes fora do ambiente hospitalar ou pacientes
hospitalizados com manifestações em até 48 horas da internação hospitalar.
Etiologia e epidemiologia
Streptococcus pneumoniae é o agente mais frequente em indivíduos com
pneumonia adquirida na comunidade, independentemente da idade e da presença de
fatores de risco para infecção por outros agentes. O segundo agente etiológico em
frequência depende dos métodos diagnósticos utilizados, das características do paciente
e das variações sazonais. Os germes atípicos, que incluem Mycoplasma pneumoniae,
Chlamydophila pneumoniae e Legionella pneumophila, causam pneumonia em todas as
idades e em associação com todas as comorbidades. Vírus também são isolados com
frequência. Uma parcela dos pacientes pode ter infecção mista, com pior prognóstico.
O risco de infecção por bacilos Gram-negativos entéricos é maior em caso de
institucionalização em casa de repouso, doença cardiopulmonar de base, múltiplas
comorbidades médicas e terapia antimicrobiana de amplo espectro recente. O risco de
infecção por Pseudomonas aeruginosa é maior em caso de doença pulmonar
parenquimatosa, como bronquiectasia e fibrose cística, uso de corticosteroide superior a
10mg de Prednisona ao dia por longo tempo, uso de antibiótico de amplo espectro por
mais de sete dias no último mês, neutropenia, imunossupressão e internação nos últimos
sete dias. Pacientes com escores PORT III, IV e V têm risco aumentado de infecção por
esses agentes.
O risco de infecção por Haemophilus influenzae é maior em caso de doença
pulmonar obstrutiva crônica e tabagismo.
O risco de infecção por S. pneumoniae resistente à Penicilina é maior em caso de
idade superior a 65 anos, uso de β-lactâmico nos últimos três meses, etilismo, múltiplas
comorbidades e doenças imunossupressoras. O pneumococo é considerado sensível em
caso de concentração inibitória mínima inferior a 0.06mcg/mL, de resistência
intermediária (20-25%) em caso de concentração inibitória mínima de 0.12-
1.00mcg/mL e de alta resistência (5%) em caso de concentração inibitória mínima
superior a 2.00mcg/mL. O germe de alta resistência à Penicilina costuma ser resistente à
maioria dos outros antibióticos, como Macrolídeos, Tetraciclinas, Cotrimoxazol e
Cefalosporinas, mas mantém sensibilidade a Vancomicina, às novas Quinolonas
respiratórias, à Quinupristin/Dalfopristin e à Linezolide. A resistência do S. pneumoniae
a Macrolídeos tem permanecido estável, mas há temor de que o uso disseminado dessa
classe deva aumentar o perfil de resistência em um futuro próximo.
O risco de infecção por anaeróbios é maior em caso de etilismo, doenças
neurológicas, distúrbios da deglutição, rebaixamento do nível de consciência,
convulsão, obstrução brônquica e dentes em péssimo estado.
Quadro clínico
Pneumonia deve fazer parte do diagnóstico diferencial em todos os pacientes que
procuram o pronto-atendimento referindo tosse, febre, expectoração, dor torácica e
Diagnóstico
O diagnóstico é realizado com base em dois ou mais sintomas clínicos
associados a infiltrado pulmonar de início recente e/ou alterações do exame pulmonar,
como murmúrio vesicular diminuído, estertores crepitantes, pectorilóquia e aumento do
frêmito toracovocal. O diagnóstico radiológico é feito por meio de radiografia de tórax
em duas incidências, póstero-anterior e perfil.
Exames complementares
Pacientes com suspeita de pneumonia devem ser submetidos a radiografia de
tórax, que poderá ser útil não só para confirmar uma consolidação parenquimatosa e
afastar outras causas para os sintomas do paciente, mas também para fornecer
informações importantes, como presença de cavitação, presença de derrame pleural e
número de lobos acometidos. O exame também pode ser indicado para avaliar pacientes
que não melhoram após três ou quatro dias de antibioticoterapia. Recomenda-se que
pacientes com queixas respiratórias significativas e com radiografia de tórax normal,
especialmente se neutropênicos, desidratados ou com história e exame físico muito
sugestivos, sejam submetidos a uma nova radiografia em 24-48 horas.
Não necessitam de exames adicionais aqueles pacientes com idade inferior a 50
anos classificados como PORT I na ausência de insuficiência cardíaca, câncer, doença
hepática, insuficiência renal, doença cerebrovascular e alterações marcantes no exame
físico, como confusão mental recente, frequência cardíaca superior a 125bpm,
frequência respiratória superior a 30ipm, pressão arterial sistólica inferior a 90mmHg e
temperatura superior a 40º C ou inferior a 35º C.
Os exames iniciais para aqueles pacientes que não se enquadram nos critérios
anteriormente descritos incluem hemograma, uréia, creatinina, sódio, potássio, glicose e
saturação periférica de oxigênio por oximetria de pulso. Gasometria arterial deve ser
colhida apenas se houver hipoxemia, com saturação periférica de oxigênio inferior a
90%, insuficiência respiratória ou suspeita de hipercapnia em paciente com doença
pulmonar obstrutiva crônica. Pacientes com fatores de risco ou achados clínico-
radiológicos atípicos devem ser submetidos a sorologia para o HIV após esclarecimento
e consentimento. Pacientes PORT II não necessitam de outros exames.
Em pacientes classificados como PORT III, IV ou V, deve-se acrescentar à
avaliação complementar coloração pelo Gram do escarro, dois pares de hemoculturas de
sítios diferentes, pesquisa de antígenos urinário de Legionela e pneumococo e dosagem
de proteína C reativa ou pró-calcitonina. Sorologias para C. pneumoniae, M.
pneumoniae, Coxiella burnetti, fungos e vírus não são indicadas de rotina e, em geral,
não mudam a conduta.
Broncoscopia com lavado broncoalveolar não é necessária na grande maioria
Estratificação de risco
CURB-65
Os fatores são confusão mental, uréia superior a 43mg/dL, frequência
respiratória superior ou igual a 30ipm, pressão sistólica inferior a 90mmHg ou diastólica
inferior ou igual a 60mmHg e idade superior ou igual a 65 anos.
Pacientes com zero ou um fator podem ser tratados ambulatorialmente. Pacientes
com dois ou mais fatores devem ser internados. Pacientes com três ou mais fatores
devem ser internados em unidade de terapia intensiva.
Escore de PORT
Características Pontos
Fatores demográficos
Idade (homem) Número de anos
Idade (mulher) Número de anos – 10
Institucionalizado em casa de repouso Número de anos + 10
Comorbidades
Câncer ativo ou diagnosticado no último ano +30
Cirrose ou hepatite crônica ativa +20
Insuficiência cardíaca +10
Doença cerebrovascular +10
SMART-COP
Infiltrado em mais de um lobo pulmonar vale 1 ponto, PaO2 inferior a 60mmHg
ou saturação periférica de oxigênio inferior a 90% vale 2 pontos, albumina inferior a
3.4mg/dL vale 1 ponto, pressão arterial sistólica inferior a 90mmHg vale 2 pontos,
confusão mental vale 1 ponto, frequência respiratória superior a 30ipm vale 1 ponto,
frequência cardíaca superior a 125bpm vale 1 ponto e pH inferior a 7.34 vale 1 ponto.
Diagnóstico diferencial
Os diagnósticos diferenciais mais frequentes incluem traqueobronquite, sinusite,
embolia pulmonar, edema pulmonar cardiogênico e não cardiogênico, câncer de
pulmão, tuberculose e bronquiectasia.
Doenças menos frequentes incluem pericardite, dor muscular, vasculite,
linfangite carcinomatosa, bronquiolite obliterante, pneumonite por hipersensibilidade,
corpo estranho, aspiração química, doenças ocupacionais, pneumonia eosinofílica,
lúpus, hemorragia alveolar, Hantavirus, sarcoidose, pneumonite por radiação, proteinose
alveolar, síndrome torácica aguda e anormalidades pulmonares congênitas.
Doenças pulmonares relacionadas ao HIV incluem pneumocistose, linfoma,
micobacteriose, histoplasmose, criptococose e citomegalovirose.
Tratamento
Local
Devem ser internados no hospital pacientes com escores PORT IV e V, com
breve estada no pronto-atendimento em caso de PORT III. Em função de aumento do
risco de morte, deve-se considerar internar pacientes com comorbidades, alterações
marcantes no exame físico, alterações marcantes nos exames complementares,
problemas sociais e PaO2 inferior a 60mmHg.
A decisão por internação em unidade de terapia intensiva é baseada na presença
de um critério maior ou de dois critérios menores dentre aqueles definidos por Ewig. Os
critérios maiores incluem choque séptico e necessidade de ventilação mecânica. Os
critérios menores incluem envolvimento de dois ou mais lobos, pressão arterial sistólica
inferior a 90mmHg e relação PaO2/FiO2 inferior a 250.
Antibioticoterapia
O ideal é iniciar a antibioticoterapia em até quatro horas da chegada ao pronto-
atendimento.
Situações não contempladas nos escores de PORT incluem risco aumentado para
infecção por Pseudomonas aeruginosa, pneumonia aspirativa, uso de drogas ilícitas,
etilismo, deficiência mental, graves problemas sociais e doenças neuromusculares.
A antibioticoterapia pode ser adaptada ao agente etiológico isolado. H.
influenzae é sensível a Azitromicina, Cefuroxima, Cefalosporinas de 3ª geração,
Quinolonas respiratórias e Amoxacilina-Clavulanato. Germes atípicos são sensíveis a
Tetraciclina, Doxiciclina, Macrolídeos e Quinolonas respiratórias. Bacilos Gram-
negativos normalmente são sensíveis a Cefalosporinas de 3ª geração e a Quinolonas
respiratórias. Pseudomonas aeruginosa é sensível a Cefepime, Imipenem, Meropenem e
Piperacilina/Tazobactam em monoterapia ou associados a Ciprofloxacina ou
Amicacina. Dependendo do padrão de sensibilidade local, a P. aeruginosa pode ser
sensível a Ceftazidime. Raramente, pode ser necessária Polimixina em germes
multirresistentes.
A duração do tratamento é de sete dias no paciente ambulatorial, sete a quatorze
dias no paciente internado e quatorze a vinte e um dias em caso de infecção por
Legionella sp.
Em pacientes PORT V, o consenso brasileiro sugere o uso de β-lactâmico, como
a Cefalosporina de 3ª geração, em associação com Quinolona respiratória. Opções de
Complicações
A resposta esperada é uma melhora clínica progressiva em 24-72 horas. Na
presença de melhora importante do estado geral, no terceiro ou quarto dias de
tratamento o paciente pode receber alta para continuar o tratamento por via oral, desde
que na ausência de contraindicação.
Pacientes que não melhoram no terceiro dia ou que pioram nas primeiras 48
horas:
- A bactéria é resistente, como pneumococo de alta resistência,
estafilococo resistente e pseudomonas;
- A doença não é causada por bactéria, podendo ser vírus, fungos,
micobactérias, pneumocistose ou nocardia;
- A doença não é pneumonia, podendo ser insuficiência cardíaca, embolia
pulmonar ou infarto agudo do miocárdio;
- Há uma complicação da pneumonia, como empiema, endocardite,
pericardite, abscesso hepático ou esplênico, meningite ou pioartrite;
- A pneumonia descompensa uma doença de base ou uma intercorrência
clínica faz o paciente piorar, como doença pulmonar obstrutiva crônica,
infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e embolia
Vacinação
A vacina pneumocócica é baseada na cápsula de 23 sorotipos de pneumococo,
com boa relação custo-efetividade e proteção em mais de 75% dos pacientes. As
principais indicações são idade superior a 65 anos, doenças crônicas, como insuficiência
cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes mellitus, insuficiência renal
crônica, alcoolismo, hepatopatia, esplenectomia, asplenia funcional e fístula liquórica, e
imunossupressão, como em infecção pelo HIV, leucemia, linfoma, mieloma, uso de
drogas mielossupressoras e uso de corticoide a longo prazo. Preconiza-se dose única em
indivíduos com idade superior a 65 anos. Pacientes que receberam a vacina antes dos 65
anos podem receber segunda dose quando atingirem essa faixa etária, desde que
respeitado intervalo de cinco anos. Uma segunda dose pode ser administrada após cinco
anos da primeira dose em imunossuprimidos, asplênicos, infectados pelo HIV, com
insuficiência renal crônica e com doenças linfoproliferativas.
A vacina contra influenza tem indicações semelhantes à vacina pneumocócica,
além de presidiários, funcionários da saúde e indivíduos institucionalizados. A
administração é anual.
Pneumonia hospitalar
Definição
Pneumonia hospitalar ou nosocomial é aquela que ocorre após 48 horas de
internação ou em pacientes com internações recentes nos últimos noventa dias por mais
de 48 horas.
Etiologia e epidemiologia
Os fatores de risco incluem idade superior a 70 anos, restrição ao leito, doença
pulmonar obstrutiva crônica, cirurgia torácica ou abdominal em andar superior, uso de
sonda naso-gástrica, uso prévio de antibióticos, diálise crônica, doenças ou medicações
imunossupressoras e uso de antiácidos e antagonistas H2, broncoscopia recente,
rebaixamento do nível de consciência, internação em unidade de terapia intensiva,
internação prévia recente e origem em hospital-dia ou home care.
Os micro-organismos mais comuns são bacilos Gram-negativos aeróbios, como
Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumanii, Enterobacter sp, Klebsiella
pneumoniae, Escherichia coli, Serratia marcescens, Stenotrophomonas maltophilia,
Proteus sp e Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae, Enterococcus sp,
Staphylococcus aureus e Legionella sp. A infecção raramente é polimicrobiana ou
fúngica.
Diagnóstico
O diagnóstico é baseado em associação de dados clínicos e laboratoriais, como
febre ou hipotermia, leucocitose ou leucopenia, aparecimento ou piora de secreção
pulmonar, sinais de insuficiência respiratória, surgimento ou agravamento de infiltrado
alveolar e/ou de broncograma aéreo.
Avaliação complementar
Culturas devem ser colhidas o mais precocemente possível e de preferência antes
do início do tratamento antibiótico. Recomenda-se a obtenção de duas amostras de
hemocultura periférica. Culturas quantitativas de secreção de via aérea inferior devem
ser solicitadas em casos graves, em pacientes sem melhora clínica, em falhas
terapêuticas e/ou em pacientes que necessitarem de intubação orotraqueal. O aspirado
traqueal deve ser coletado apenas em pacientes que necessitarem de intubação
orotraqueal, com melhor custo-benefício do que os demais métodos. Considera-se ponto
de corte para positividade de cultura mais de 105 unidades formadoras de colônia por
mL em aspirado traqueal, mais de 104 unidades formadoras de colônia por mL em
lavado broncoalveolar e mais de 103 unidades formadoras de colônia por mL em
escovado protegido.
Tomografia computadorizada de tórax pode ser utilizada em casos em que não
houver melhora clínica e/ou na suspeita de infecções fúngicas e complicações, como
empiemas, abscessos, cavitações, pneumotórax, derrame pleural loculado ou
espessamento pleural.
Tratamento
Os pacientes que podem apresentar pior evolução e prognóstico devem ser
identificados e tratados em unidade de terapia intensiva.
A administração de antibióticos deve ser inicialmente intravenosa e empírica,
direcionada para os agentes mais comuns e para o perfil de sensibilidade do setor do
hospital em que o paciente está internado. O tempo de tratamento deve ser o menor
possível, variando de sete a quatorze dias de acordo com a melhora clínica e o agente
infeccioso. Há possibilidade de suspensão se mais de 48 horas afebril, contagem de
leucócitos com normalização, estabilidade hemodinâmica e relação PaO2/FiO2
adequada. Há tendência de tratamento mais prolongado, por quatorze dias, nos pacientes
com Pseudomonas aeruginosa ou Acinetobacter baumanii.
A rotação de antibioticoterapia empírica e o descalonamento baseado em
antibiograma reduzem a incidência de bactérias resistentes. O uso de cobertura para
Prevenção
A principal medida é manter a cabeceira elevada.
Definição
Pneumonia associada à ventilação mecânica é aquela que se desenvolve após 48
horas de intubação traqueal e ventilação mecânica.
Classificação
Precoce, com menos de 72 horas de ventilação mecânica.
Tardia, com mais de 72 horas de ventilação mecânica. Geralmente evolui para
sepse grave e choque séptico.
Etiologia
Os principais micro-organismos variam de acordo com presença de
comorbidades, causa de internação, uso prévio de antibióticos, flora hospitalar e tempo
de ventilação mecânica invasiva.
Os principais agentes relacionados à pneumonia associada à ventilação mecânica
precoce são H. influenzae, enterobactérias multissensíveis e cocos Gram-positivos,
como S. pneumoniae e S. aureus sensível à Oxacilina.
Os principais agentes relacionados à pneumonia associada a ventilação mecânica
tardia são P. aeruginosa, Acinetobacter baumanii, Klebisiella pneumoniae com β-
lactamase de espectro expandido (ESBL), Serratia marcescens com β-lactamase de
espectro expandido (ESBL) e S. aureus resistente à Oxacilina (MRSA). As infecções
podem ser também polimicrobianas.
Nos últimos anos vem aumentando a incidência de agentes multirresistentes,
principalmente os Gram-negativos. Os fatores de risco são ventilação invasiva
prolongada, por mais de sete dias, uso de antibiótico de amplo espectro nos últimos
quinze dias, alta frequência de agentes resistentes na unidade, diálise crônica e doenças
ou medicações imunossupressoras.
Fatores de risco
Os principais fatores de risco são decúbito elevado a menos de 30º, presença de
sonda naso-gástrica, uso de protetores gástricos, síndrome do desconforto respiratório
agudo, aspiração traqueal, uso excessivo de sedativos e bloqueadores neuromusculares,
baixa pressão do cuff de tubos traqueais, inferior a 20cmH2O, uso prévio de antibióticos,
história prévia de doença pulmonar obstrutiva crônica, sexo masculino, idade superior a
sessenta anos, comorbidades graves e má-higiene oral.
Diagnóstico diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais são pneumonia aspirativa, atelectasia,
embolia pulmonar, síndrome do desconforto respiratório agudo, hemorragia alveolar,
contusão pulmonar, infiltrado tumoral, pneumonite por radioterapia, pneumonite por
drogas, pneumonite por hipersensibilidade e bronquiolite obliterante.
Tratamento
Momento do Sem uso prévio de antibióticos Com uso prévio de antibióticos
diagnóstico Estável Instabilidade Estável Instabilidade
clinicamente hemodinâmica e/ou clinicamente hemodinâmica e/ou
respiratória respiratória
Precoce Ceftriaxone ou Ceftazidima ou Cefepime ou Ceftazidima ou
Quinolona Cefepime ou Piperacilina/ Cefepime e
respiratória Piperacilina/ Tazobactam Vancomicina
Tazobactam e
Vancomicina
Tardio Ceftazidima ou Ceftazidima ou Ceftazidima ou Ceftazidima ou
Cefepime ou Cefepime ou Cefepime ou Cefepime ou
Piperacilina/ Carbapenem e Carbapenem e Carbapenem e
Tazobactam Vancomicina Vancomicina Vancomicina
O tempo de tratamento varia de sete a quatorze dias de acordo com a melhora
clínica e o agente infeccioso, com tendência para mais tempo nos pacientes com
Pseudomonas aeruginosa ou Acinetobacter baumanii e menos tempo nos pacientes com
os demais agentes.
Mudanças na antibioticoterapia empírica reduzem a incidência de bactérias
resistentes, assim como o descalonamento de acordo com o antibiograma. A evolução
do quadro clínico e os resultados das culturas de secreções pulmonares podem orientar a
pesquisa de diagnósticos diferenciais, a retirada ou manutenção do tratamento e o
descalonamento ou escalonamento da antibioticoterapia.
A associação de antibioticoterapia inalatória pode ser utilizada em pacientes em
ventilação mecânica intubados ou traqueostomizados por sete a quatorze dias. Devem
ser realizadas aspiração traqueal e nebulização com broncodilatador vinte minutos antes
da administração da antibioticoterapia inalatória, com Fenoterol 5-10 gotas e Brometo
de Ipratrópio 20-30 gotas em Soro Fisiológico 5mL. O fluxo do nebulizador deve ser
Bibliografia
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Encefalopatia hepática
Definição
A encefalopatia hepática é definida como um distúrbio na função do sistema
nervoso central que se instala como consequência da doença hepática.
Etiologia e fisiopatologia
O mecanismo fisiopatológico ainda não foi totalmente determinado e,
provavelmente, é multifatorial. A encefalopatia hepática na cirrose é secundária ao
comprometimento do clearance hepático de produtos tóxicos do intestino capazes de
determinar efeitos deletérios na função cerebral.
Embora muitos fatores tenham sido responsabilizados na fisiopatologia da
encefalopatia hepática, atualmente a inter-relação entre amônia, resposta inflamatória e
auto-regulação da hemodinâmica cerebral parece ser o mais importante.
Formas clínicas
Espectro de anormalidades neuropsiquiátricas em doentes com disfunção
hepática após a exclusão de outras doenças neurológicas.
Em pacientes com sinais e sintomas mínimos, geralmente as alterações são
documentadas apenas em testes neuropsiquiátricos. Essa é a forma mais frequente de
distúrbio e é denominada encefalopatia hepática mínima.
A forma episódica é caracterizada por manifestações clínicas ao longo de um
período de tempo curto, flutuando em gravidade. Nessa situação, os episódios cursam
com reconhecimento, na encefalopatia hepática precipitada, ou não, na encefalopatia
hepática espontânea, dos fatores precipitantes. Natureza recorrente se dois episódios
ocorrem no período de um ano.
A forma persistente é caracterizada por déficit neurológico que não reverte
completamente. Inclui distúrbios cognitivos que determinam repercussão no
desempenho das funções sociais e ocupacionais, com um grau menor ou maior de
comprometimento da autonomia do indivíduo.
Na insuficiência hepática fulminante, a instalação do quadro confusional agudo
pode ser acompanhada de edema cerebral, inclusive com evolução para herniação
cerebral e morte, o que raramente ocorre na cirrose.
Achados clínicos
Alterações no padrão do sono, com inversão do ciclo sono-vigília, insônia ou
sonolência excessiva.
Alteração do estado de consciência, com desorientação têmporo-espacial,
confusão, sonolência, letargia e coma.
Manifestações psíquicas, com mudança repentina ou gradativa da personalidade,
como apatia, euforia, agressividade, excitação e comportamento inadequado.
Achados neurológicos, como asterixis ou flapping, hiperreflexia e, menos
comumente, postura de descerebração transitória. Déficits neurológicos focais podem
estar presentes em alguns doentes, mas as manifestações neurológicas geralmente são
difusas.
Fatores precipitantes
Aumento da carga de nitrogênio por hemorragia digestiva, insuficiência renal,
aumento da ingesta protéica e/ou constipação.
Alterações hidroeletrolíticas, como hiponatremia, hipocalemia, hipovolemia,
hipóxia e/ou alcalose metabólica.
Desidratação.
Medicações e drogas, como benzodiazepínicos, excesso de diuréticos, narcóticos
e etanol.
Causas variadas, como peritonite bacteriana espontânea, outras infecções, shunts
Graduação clínica
O sistema mais amplamente usado e aceito é baseado nos critérios de West
Haven, que podem ser associados ao uso da escala de coma de Glagow nos doentes que
apresentam estágios avançados de encefalopatia hepática.
Grau Características
0 Encefalopatia hepática mínima, com ausência de evidências clínicas
I Períodos insignificantes de comprometimento da consciência, déficits de atenção, dificuldade
para somar ou subtrair, sonolência excessiva, insônia ou inversão do padrão de sono, euforia ou
depressão
II Letargia ou apatia, desorientação no tempo e no espaço, comportamento inadequado,
comprometimento da fala, asterixis
III Rebaixamento do nível de consciência, estupor, fala incompreensível, hiperreflexia
IV Coma
Exames complementares
O diagnóstico é clínico e apoia-se no desenvolvimento de manifestações
neurológicas compatíveis em doentes com cirrose ou shunt porto-sistêmico.
Diagnóstico diferencial
Raramente necessário. Deve-se guiar pelos achados clínicos.
Ultrassonografia ou tomografia computadorizada abdominal podem ser úteis em
pacientes cuja paracentese não revelou peritonite bacteriana espontânea ou sugeriu
peritonite segundária.
Tomografia computadorizada ou ressonância magnética de crânio são úteis
sobretudo no diagnóstico diferencial de lesões intracranianas e são recomendadas para
excluir anormalidades estruturais em doentes com sinais neurológicos focais,
encefalopatia grave, sinais de trauma crânio-encefálico, ausência de fatores
precipitantes ou sem melhora após início de tratamento adequado. A ressonância
magnética revela hipersinal em T1 nos núcleos da base dos pacientes com encefalopatia
hepática.
Líquor é útil na suspeita de encefalite ou meningite. Podem ser necessários
plasma e/ou plaquetas antes da coleta.
Eletroencefalograma pode sugerir doenças como estado de mal-epiléptico ou
Diagnóstico diferencial
Distúrbios hidro-eletrolíticos, hipoglicemia, uremia ou intoxicações.
Doenças intracranianas ou neuropsiquiátricas.
Síndrome de abstinência alcoólica ou síndrome de Wernicke-Korsakoff.
Asterixis pode estar presente em uremia, hipercapnia, intoxicação por Fenitoína
e hipomagnesemia.
Tratamento
A encefalopatia hepática é um indício de doença hepática avançada, que possui
como tratamento definitivo o transplante hepático, principalmente em pacientes
refratários, sem fatores desencadeantes e sem resposta à terapia medicamentosa.
Suporte clínico
Estabilizar clinicamente o doente, proteger as vias aéreas, expandir a volemia,
oferecer suporte de oxigênio se houver hipoxemia, monitorizar e obter acesso venoso
calibroso.
Devem-se suspender os diuréticos, sobretudo nos pacientes desidratados e/ou
com distúrbios hidro-eletrolíticos, e evitar o uso de benzodiazepínicos, que podem
precipitar ou acelerar a progressão da encefalopatia hepática.
Haloperidol é a droga de escolha para pacientes agitados que requeiram medidas
farmacológicas.
Definição
A peritonite bacteriana espontânea constitui infecção bacteriana de líquido
ascítico previamente estéril, na ausência de foco intra-abdominal de infecção. Trata-se
de uma das infecções mais comuns nos pacientes cirróticos com ascite, com grande
Etiologia e fisiopatologia
A combinação de hipertensão portal e vasodilatação arterial esplâncnica leva a
acúmulo de fluidos na cavidade peritoneal.
A ascite dos pacientes cirróticos e de crianças com síndrome nefrótica é
particularmente vulnerável a peritonite bacteriana espontânea, enquanto que as
decorrentes de carcinomatose peritoneal ou de insuficiência cardíaca raramente se
infectam espontaneamente.
Uma baixa concentração de proteínas no líquido ascítico, especialmente abaixo
de 1.0g/dL, aumenta o risco de peritonite bacteriana espontânea.
Bactérias aeróbias Gram-negativas, como Escherichia coli e Klebsiella
pneumoniae, e Streptococcus pneumoniae são os micro-organismos isolados com maior
frequência. Acredita-se que tais bactérias entéricas atravessam a mucosa intestinal até os
linfonodos mesentéricos e caem na circulação diretamente ou através do ducto torácico,
com bacteremias transitórias que levam à infecção da ascite. A presença de flora
polimicrobiana sugere peritonite secundária.
Achados clínicos
O quadro clínico costuma ser frustro e inespecífico. Cerca de 10-30% dos casos
são assintomáticos no momento do diagnóstico. Frequentemente, a peritonite bacteriana
espontânea apresenta-se através de piora da função renal ou de início de encefalopatia
hepática. Por esse motivo, paracentese diagnóstica é recomendada sempre que houver
deterioração clínica de um cirrótico com ascite.
Quando presentes, os sintomas mais comuns são febre, dor abdominal,
encefalopatia hepática, diarreia, íleo adinâmico, choque e hipotermia. Sinais clássicos
de peritonite são incomuns.
Fatores predisponentes
Os fatores predisponentes para o desenvolvimento de peritonite bacteriana
espontânea incluem doença hepática avançada, proteínas totais no líquido ascítico
inferiores a 1g/dL, sangramento gastro-intestinal agudo, infecção urinária,
procedimentos invasivos e episódio prévio.
Exames complementares
O diagnóstico é feito mediante a análise do líquido ascítico. Avalia-se
rotineiramente contagem de células com diferencial, albumina e cultura e
opcionalmente glicose, desidrogenase lática, amilase, Gram, adenosina deaminase,
citologia oncótica e triglicérides. O procedimento é seguro, mesmo na presença de
coagulopatia, com taxas de complicações muito baixas.
Indicações de paracentese:
- Cirróticos com ascite internados no hospital por qualquer razão;
- Chegada ao pronto-atendimento com encefalopatia hepática ou piora da
função renal;
- Pacientes com ascite que desenvolvem durante a hospitalização
sintomas e sinais locais sugestivos de peritonite, sepse, encefalopatia
hepática ou piora da função renal sem um fator predisponente claro;
- Todos os pacientes com ascite que apresentem sangramento gastro-
intestinal, antes da administração de antibióticos profiláticos;
Dez a trinta por cento dos pacientes apresentam culturas negativas do líquido
Critérios diagnósticos
O melhor critério diagnóstico de peritonite bacteriana espontânea é a presença de
contagem de polimorfonucleares igual ou superior a 250/mm3 no líquido ascítico.
Devem representar o tipo celular dominante e, na presença de líquido hemorrágico,
sugere-se diminuir um polimorfonuclear para cada 250 hemácias.
Peritonite bacteriana espontânea clássica é responsável por aproximadamente
dois terços das infecções do líquido ascítico. É caracterizada por contagem de
polimorfonucleares igual ou superior a 250/mm3 e cultura do líquido ascítico positiva
para um único agente.
Ascite neutrocítica cultura-negativa é caracterizada por contagem de
polimorfonucleares igual ou superior a 250/mm3 e cultura do líquido ascítico negativa.
Deve ser tratada como peritonite bacteriana espontânea clássica em função de evolução
e prognóstico semelhantes.
Bacteriascite não-neutrocítica monobacteriana representa uma colonização do
líquido ascítico por bactérias na ausência de reação inflamatória do fluido peritoneal.
Caracterizada por contagem de polimorfonucleares inferior a 250/mm3 e cultura do
líquido ascítico positiva para um único agente. Recomenda-se a realização de uma nova
paracentese, haja vista que até 40% desses pacientes evoluem com peritonite bacteriana
espontânea. Tratamento será indicado apenas se a nova contagem revelar contagem de
polimorfonucleares igual ou superior a 250/mm3.
Peritonite bacteriana secundária ocorre por perfuração ou inflamação aguda de
órgãos intra-abdominais. Sua diferenciação deve ser feita em razão da rápida
deterioração clínica, mesmo com antibioticoterapia, sem a necessária abordagem
cirúrgica. Deve-se suspeitar de peritonite secundária sempre que a cultura identificar
mais de um germe, especialmente anaeróbios e fungos, ou houver uma resposta
inadequada a antibióticos em pacientes inicialmente classificados como peritonite
bacteriana espontânea. O diagnóstico é sugerido por coloração pelo Gram com flora
mista, glicose inferior a 50mg/dL, concentração de proteínas superior a 1g/dL e
desidrogenase lática acima do limite superior de normalidade para o nível sérico. Pode
haver uma maior acurácia para o diagnóstico quando se incorpora antígeno
carcinoembrionário superior a 5ng/mL e fosfatase alcalina superior a 240U/L no líquido
ascítico. Quando persiste dúvida, deve-se coletar o líquido ascítico após 48 horas de
tratamento, com aumento da contagem de polimorfonucleares na peritonite bacteriana
secundária e diminuição na peritonite bacteriana espontânea. Nesses casos, o paciente
deve ser submetido a tomografia computadorizada de abdômen com contraste oral e
retal hidrossolúvel, ser avaliado pela equipe cirúrgica e ter ampliada a cobertura
antibiótica para anaeróbios com Metronidazol.
Diagnóstico diferencial
Deve-se diferenciar a peritonite bacteriana espontânea de peritonite bacteriana
secundária, neoplasias abdominais, ascite pancreática, tuberculose peritoneal e ascite
causada por fungos.
Antibioticoterapia
Cefotaxime é a medicação mais estudada para o tratamento da peritonite
bacteriana espontânea. O tratamento é feito com 2g de 8/8 horas por via intravenosa
durante cinco dias, exceto se o paciente não evoluir bem. Da mesma forma, Ceftriaxone
é útil, com a vantagem de ter menor custo e melhor posologia, com 1-2g por via
intravenosa uma vez ao dia
Outras opções incluem Amoxacilina/Clavulanato 1.2g de 8/8 horas por via
intravenosa durante dois dias e 625mg de 8/8 horas por via oral durante seis a doze dias,
Ofloxacina 400mg de 12/12 horas por via oral durante oito dias e Ciprofloxacina 200mg
de 12/12 horas por via intravenosa durante dois dias e 500mg de 12/12 horas por via
oral durante cinco dias.
Albumina
A disfunção renal ocorre em aproximadamente um terço dos pacientes com
peritonite bacteriana espontânea.
A administração de Albumina na dose de 1.5g/kg nas primeiras seis horas do
diagnóstico e na dose de 1g/kg em quatro a seis horas no terceiro dia de tratamento
reduziria a incidência de disfunção renal e a mortalidade intra-hospitalar.
Estudos recentes sugerem que apenas um subgrupo dos pacientes com peritonite
bacteriana espontânea realmente se beneficia da Albumina, podendo-se restringir a sua
indicação para aqueles com creatinina sérica superior a 1mg/dL, uréia superior a
60mg/dL ou bilirrubina total superior a 4mg/dL.
Resposta ao tratamento
A resolução é obtida em 90% dos casos com suporte clínico, antibioticoterapia e
Albumina.
Não há necessidade de paracentese de controle de tratamento, exceto em
pacientes que não melhoram com o tratamento ou que pioram apesar do tratamento.
Nesses casos, uma paracentese deve ser feita após 48 horas de tratamento e uma queda
da contagem de polimorfonucleares do líquido ascítico maior que 25% sugere terapia
apropriada.
Definição
Síndrome hepatorrenal é o desenvolvimento de insuficiência renal funcional em
pacientes com insuficiência hepática aguda ou crônica, que apresentam hipertensão
portal e ascite. Um importante fator de risco é a peritonite bacteriana espontânea, maior
responsável pela falência renal em cirróticos.
Classificação
Etiologia e fisiopatologia
A vasoconstrição renal reversível e a hipotensão arterial leve são as marcas da
síndrome hepatorrenal. É importante lembrar que os rins são histologicamente normais e
sua função tubular ainda está preservada no momento do diagnóstico, com ávida
retenção de sódio e oligúria.
Enquanto o paciente cirrótico está compensado do ponto de vista hemodinâmico,
há um balanço entre a vasodilatação esplâncnica, mediada principalmente pela liberação
de óxido nítrico, e a vasoconstrição sistêmica. Com a progressão da doença, a
capacidade renal de fluxo plasmático regular através de estímulos vasodilatadores é
perdida por diminuição da atividade das prostaglandinas. O rim passa a ser cada vez
mais dependente da pressão de perfusão sistêmica, que diminui progressivamente.
Achados clínicos
O achado clínico dominante é a redução do débito urinário. É extremamente
difícil diferenciar a síndrome hepatorrenal de insuficiência renal aguda pré-renal
associada a um quadro séptico ou de hipovolemia. Portanto, uma prova de volume, com
1.5L de Soro Fisiológico ou 1g/kg de Albumina, se faz necessária em todos os pacientes
para corroborar o diagnóstico.
Geralmente há uma complicação aguda sobreposta, sendo as principais:
- Ingesta de álcool em grande quantidade recentemente, com hepatite
alcoólica;
- Dor abdominal, febre e vômitos, com peritonite bacteriana espontânea;
- Melena ou hematêmese, com hemorragia digestiva alta;
- Infecções não-relacionadas diretamente com doença hepática,
principalmente pulmonar e do trato urinário;
- Retirada de grande quantidade de líquido ascítico recentemente,
geralmente acima de 5 litros, sem reposição de Albumina;
Exames complementares
Nenhum exame laboratorial confirma o diagnóstico com certeza. As alterações
laboratoriais são características da insuficiência hepática crônica descompensada
associada à insuficiência renal de padrão pré-renal. Em virtude da baixa reserva
funcional, esses pacientes podem apresentar rápida deterioração clínica com graves
distúrbios hidro-eletrolíticos e acidobásicos, indicando pior prognóstico e menor
resposta à terapêutica.
Recomenda-se avaliação da função renal e dos eletrólitos à chegada e
diariamente, avaliação do fígado tanto por exames séricos, como enzimas hepáticas e
testes de função, como por ultrassonografia, paracentese com pesquisa de peritonite
bacteriana espontânea, culturas de sangue e urina, radiografia de tórax, endoscopia
digestiva na suspeita de hemorragia, ultrassonografia de vias urinárias e biópsia renal na
suspeita de doença renal intrínseca. Proteinúria significativa, superior a 500mg/dia, e
anormalidades do sedimento urinário sugerem lesão renal parenquimatosa e não
Critérios diagnósticos
Recentemente, um workshop propôs novos critérios para o diagnóstico de
síndrome hepatorrenal:
-Cirrose com ascite;
- Creatinina sérica superior ou igual a 1.5mg/dL;
- Ausência de melhora com reposição volêmica com 1g/kg/dia de
Albumina, com no máximo 100g/dia, por dois dias consecutivos;
- Ausência de choque;
- Ausência de uso de drogas nefrotóxicas;
- Ausência de doença renal parenquimatosa, evidenciada por proteinúria
superior a 500mg/dia, hematúria superior a 50 células por campo ou
ultrassonografia renal anormal;
O conceito novo exclui o clearance de creatinina, aceita infecções para o
diagnóstico e utiliza a albumina como reposição volêmica, além de eliminar os critérios
diagnósticos menores.
Diagnóstico diferencial
Outras causas de insuficiência renal aguda, especialmente necrose tubular aguda.
Causas pré-renais, como hipovolemia e baixo débito cardíaco.
Causas pós-renais, como uropatia obstrutiva.
Tratamento
O tratamento de escolha é o transplante hepático. Todo o restante do tratamento
de suporte deve ser orientado na tentativa de minimizar a disfunção de órgãos em
preparação para o transplante.
Estudos têm demonstrado uma resposta favorável a vasoconstritores arteriolares
associados à Albumina, com 1g/kg no primeiro dia e 20-40g/dia a partir de então. A
Terlipressina, análogo de vasopressina, tem melhor performance hemodinâmica e
segurança e é responsável por diminuição dos níveis séricos de creatinina e aumento do
débito cardíaco, da pressão arterial média e do clearance de creatinina, com 0.5mg por
via intravenosa de 6/6 a 4/4 horas, com dose máxima de 2mg de 4/4 horas.
Alternativamente, Norepinefrina pode ser utilizada por via intravenosa na dose de 8-
50mcg/minuto.
Uma abordagem prática com bom custo-benefício é manter o tratamento até que
seja atingido um nível de creatinina de 1.5mg/dL ou até melhora de pelo menos 50% no
clearance de creatinina.
Métodos dialíticos não têm evidência de impacto na sobrevida e só devem ser
usados como suporte ao candidato ao transplante. Raciocínio análogo se aplica aos
shunts porto-cavais realizados por técnicas minimamente invasivas (TIPS).
Complicações
Infecções bacterianas graves, peritonite bacteriana secundária e pneumonia.
Complicações da insuficiência renal aguda, como hipercalemia grave, acidose
metabólica grave, hipervolemia e edema agudo de pulmão.
Hiponatremia com disfunção neurológica.
Hemorragia digestiva.
Encefalopatia hepática.
Prevenção
Considerando a elevada incidência de síndrome hepatorrenal após episódio de
peritonite bacteriana espontânea, é importante lembrar da evidência para o uso de
Albumina associada a antibiótico no tratamento desta afecção, com 1.5g/kg em seis
horas no primeiro dia e 1g/kg em quatro a seis horas após 48 horas de tratamento, por
via intravenosa. Recentemente, sugeriu-se limitar o uso de Albumina a pacientes com
creatinina superior a 1mg/dL ou bilirrubina superior a 4mg/dL.
A Albumina também deve ser utilizada como expansor plasmático após
paracentese com retirada de mais de 5 litros de líquido ascítico, com 8-10g de Albumina
para cada litro retirado.
Definição
Febre é definida como temperatura oral superior ou igual a 38.3º C, persistência
de temperatura oral superior a 38.0º C por mais de uma hora ou temperatura axilar
superior ou igual a 37.8º C. Neutropenia é definida por contagem de neutrófilos inferior
a 500/mm3 ou entre 500/mm3 e 1000/mm3 com tendência à queda nas próximas 48
horas.
Se à admissão no serviço de saúde o paciente não possui resultado de
hemograma para confirmação de neutropenia ou se após a coleta existe previsão de
demora para a obtenção do resultado, o paciente pode ser considerado neutropênico se
recebeu quimioterapia nas últimas seis semanas. Se a neutropenia não for confirmada,
deve-se reavaliar a prescrição de antimicrobianos. O nadir geralmente ocorre doze a
quatorze dias após o primeiro dia do esquema de quimioterapia.
Etiologia e fisiopatologia
Apesar de no passado a maioria dos casos de neutropenia febril ser causada por
bacilos Gram-negativos, atualmente a maior prevalência é de agentes Gram-positivos,
dentre os quais grande parte é resistente à Oxacilina, com sensibilidade apenas a drogas
como Vancomicina, Teicoplanina e Linezolida. As infecções por estes agentes são de
curso indolente e por esse motivo habitualmente não são contempladas na terapêutica
empírica inicial, uma vez que alguns dias de retardo no início da cobertura específica
não alterariam a mortalidade.
A despeito da prevalência maior dos Gram-positivos, são os Gram-negativos que
geram a maioria dos quadros de sepse grave e choque séptico, que aparecem poucas
horas após o episódio inicial de febre e que são evitados com a rápida introdução de
terapia antimicrobiana.
Os agentes Gram-negativos mais comumente relacionados a infecções em
neutropênicos febris são bacilos entéricos, como Escherichia coli e Klebsiella spp, além
de Pseudomonas spp. Dentre os agentes Gram-positivos, os mais frequentes são
Staphylococcus spp, Streptococcus spp, Enterococcus spp e Corynebacterium spp. Em
pacientes com neutropenia prolongada, com duração superior a cinco dias, aumenta a
incidência de infecções fúngicas, causadas principalmente por Candida spp e
Aspergillus spp.
Alguns achados clínicos podem estar relacionados com agentes patológicos
infrequentes. Abscesso perianal, foco infeccioso dentário, infecção gengival ou sinais de
irritação peritoneal são indicativos de infecção por anaeróbios. Sinusite com secreção
negra, lesões cutâneas eritematosas com necrose e hemorragia alveolar são sugestivos
de infecção por fungos filamentosos.
Quadro clínico
A queixa principal é de febre e a frequência de sintomas e sinais associados é
baixa em função de menor resposta inflamatória. Exame físico completo deve ser
realizado, com particular atenção aos sítios mais comuns de infecção, que incluem
Exames complementares
Os exames complementares objetivam a pesquisa etiológica, a definição do
prognóstico e a monitorização da toxicidade do tratamento.
Exames iniciais incluem hemograma, eletrólitos, função renal, enzimas
hepáticas, par de hemoculturas periféricas e de todas as vias do cateter, se presente,
colhidas antes da administração de antibióticos, radiografia de tórax na presença de
sintomas respiratórios e cultura de qualquer outro material de sítio suspeito de estar
envolvido na infecção. Tomografia computadorizada de cortes finos de pulmão e de
seios da face deve ser realizada em casos de neutropenia grave, caracterizada por menos
de 100 neutrófilos por mm3 durante período superior a sete dias, já que parcela
significativa de pacientes com radiografia de tórax normal apresentará evidência de
broncopneumonia. Punção liquórica é indicada na vigência de alteração do nível de
consciência. Pesquisa de Clostridium difficile nas fezes é indicada na vigência de
diarreia.
Exames seriados de controle incluem hemograma diário, par de hemoculturas
periféricas se febre, com no máximo um por dia, e função renal, eletrólitos e enzimas
hepáticas a cada três dias. A frequência de repetição dos exames de controle, bem como
a realização de outros exames complementares, dependem da situação clínica do
paciente e de sua evolução.
Quando disponíveis, culturas quantitativas têm valor prognóstico. A diferença de
tempo de crescimento entre as amostras colhidas no sangue periférico e no cateter
venoso central pode identificar infecção do acesso central em caso de mesmo agente
infeccioso e crescimento no mínimo duas horas antes no cateter.
A indicação de lavado nasal é controversa, mas fornece perfil de colonização útil
nas neutropenias prolongadas.
Recomenda-se a coleta de urina 1 e urocultura, mas a utilidade é duvidosa.
Diagnóstico diferencial
A neutropenia ocorre por diminuição da produção, granulopoiese ineficaz,
desvio para endotélio vascular e destruição periférica. As causas adquiridas incluem
infecções, como rickettsiose, medicações, como Clozapina, tionamidas e Sulfassalazina,
e doenças autoimunes, como o lúpus eritematoso sistêmico e a síndrome de Felty. As
causas congênitas incluem a síndrome de Chediaki-Higashi, a síndrome Schwachman-
Diamond-Oski e a neutropenia cíclica, que ocorre em intervalos usualmente de vinte e
um dias e é associada a infecções de cavidade oral. Outro grupo de doenças causadoras
de neutropenia são as da medula óssea, como anemia aplástica, mielodisplasia,
leucemias e aplasia pura da série branca. Pacientes com neutropenia benigna crônica ou
hiperesplenismo permanecem meses com contagens de neutrófilos abaixo de 200/mm3 e
permanecem livres de infecção.
Possíveis causas não-infecciosas de febre em neutropênicos são tumores, efeitos
adversos de medicamentos e reações transfusionais.
Prognóstico
Tratamento
A antibioticoterapia empírica deve ser iniciada imediatamente após o primeiro
pico febril, com intervalo máximo de sessenta minutos entre a admissão do paciente e o
início da administração da medicação. No caso de dúvidas quanto à presença de
neutropenia ou febre, a administração imediata e empírica de antibiótico é a conduta
com menor risco de complicação e maior benefício para o paciente, devendo ser
mantida até que adequada observação clínica e os resultados de exames laboratoriais
esclareçam o diagnóstico. Pacientes neutropênicos afebris com novos sinais e/ou
sintomas consistentes com infecção devem ser avaliados e manejados como se
estivessem febris.
A terapia empírica inicial deve conter um antibiótico ou uma associação de
antibióticos com boa atividade contra Pseudomonas sp, como Ceftazidima 2g por via
Algoritmos
Definição
A síndrome da veia cava superior resulta de obstrução ao fluxo sanguíneo na
veia cava superior por invasão ou compressão externa relacionadas a processos
patológicos envolvendo pulmão direito, linfonodos ou outras estruturas mediastinais ou
por trombose.
Fisiopatologia
Etiologia
Na era prévia ao uso de antibióticos, aneurismas de aorta torácica relacionados à
sífilis terciária, mediastinite fibrosante e outras complicações de infecções não-tratadas
eram causa frequente de síndrome da veia cava superior. Subsequentemente, neoplasias
malignas se tornaram a principal causa. Mais recentemente, a incidência de síndrome da
veia cava superior por trombose tem aumentado, em grande parte pelo aumento do uso
de dispositivos intravasculares, como cateteres e marca-passos.
Das doenças oncológicas que mais comumente levam à obstrução do fluxo da
veia cava superior, destacam-se os cânceres de pulmão, seguidos pelos linfomas
envolvendo o mediastino, em particular os linfomas não-Hodgkin agressivos. Outras
neoplasias mediastinais primárias que podem provocar a síndrome são os timomas, os
tumores de células germinativas, os mesoteliomas e os tumores sólidos com metástases
linfonodais mediastinais, dentre os quais destacam-se os cânceres de mama.
Até metade dos casos de síndrome da veia cava superior não-secundários a
neoplasia maligna são atribuíveis a mediastinite fibrosante, cuja principal causa é
resposta imunológica excessiva contra infecção prévia por Histoplasma capsulatum.
Outras infecções que podem estar associadas a mediastinite fibrosante incluem
tuberculose, actinomicose, aspergilose, blastomicose e filaríase. Nocardiose pode causar
síndrome da veia cava superior por disseminação por contiguidade a partir de foco
pulmonar, pleural ou cutâneo de infecção.
Fibrose vascular local pós-radiação deve fazer parte do diagnóstico diferencial.
Quadro clínico
Os sinais e sintomas dependem da velocidade de instalação da obstrução. Na
maior parte dos casos, há progressão das manifestações ao longo de algumas semanas e
então ocorre melhora progressiva relacionada à formação de colaterais venosas.
Os principais sinais e sintomas são dispneia, edema facial, sensação de peso no
segmento cefálico, tosse, edema de membros superiores, dor torácica, disfagia,
circulação venosa colateral no pescoço e na parede do tórax, pletora e cianose, que
tendem a piorar com o decúbito ou com a inclinação anterior do tronco. Pacientes com
edema cerebral podem apresentar cefaleia, confusão mental ou coma.
Outras manifestações, ainda que relacionadas predominantemente à doença de
base, também podem ser encontradas, como síndrome de Horner, paralisia das cordas
vocais e paralisia do nervo frênico.
Exames complementares
Exames complementares são sempre necessários para confirmação diagnóstica e
para orientar a escolha do melhor método para estabelecer a etiologia do processo.
Radiografia de tórax pode revelar massas torácicas, alargamento mediastinal e
derrame pleural. Tomografia computadorizada de tórax pode auxiliar na avaliação de
Classificação
Grau Categoria Caracterização
0 Ausência de Obstrução ao fluxo sanguíneo na veia cava superior diagnosticada através de
sintomas exame radiológico, mas sem sintomas
1 Leve Edema em cabeça ou pescoço, cianose, pletora
2 Moderada Edema em cabeça ou pescoço com prejuízo funcional, como disfagia leve,
tosse, prejuízo leve a moderado da movimentação da cabeça, da mandíbula ou
dos olhos e distúrbios visuais
3 Grave Edema cerebral leve a moderado, com cefaleia e/ou tontura, edema laríngeo
leve a moderado e/ou redução da reserva cardiovascular, com síncope após
inclinar o corpo para frente
4 Ameaçadora à Edema cerebral significativo, com confusão mental e/ou obnubilação, edema
vida laríngeo significativo, com estridor, e/ou comprometimento hemodinâmico
significativo, com síncope, hipotensão e/ou disfunção renal
5 Fatal Morte
Cada sinal ou sintoma deve ser secundário à síndrome da veia cava superior para
fazer parte da classificação.
Tratamento
Em pacientes estáveis, é fundamental para uma decisão terapêutica adequada o
correto diagnóstico etiológico da doença de base. Medidas gerais de suporte, que podem
melhorar o conforto do paciente durante a investigação diagnóstica, incluem repouso no
leito com a cabeceira elevada, administração de oxigênio e dieta pobre em sódio. O uso
de diuréticos é controverso. Glicocorticoides podem ser utilizados em caso de
neoplasias responsivas, como linfoma e timoma.
Nos casos induzidos pela implantação de cateteres venosos centrais, além da
retirada do cateter, deve ser introduzida anticoagulação sistêmica.
A escolha da modalidade terapêutica depende do tipo de tumor, da gravidade dos
sintomas, das modalidades terapêuticas previamente utilizadas e do intervalo de tempo
tolerado para o início da resposta. Em caso de neoplasia maligna sensível a
quimioterapia sistêmica, recomenda-se o uso do esquema quimioterápico recomendado
para o tipo histológico específico, com colocação de stent em caso de sintomatologia
Algoritmo
Definições
Síndrome da lise tumoral é uma emergência oncológica causada por lise tumoral
Etiologia e fisiopatologia
O catabolismo dos ácidos nucleicos leva a hiperuricemia e a excreção aumentada
de ácido úrico pode resultar em precipitação nos túbulos renais e disfunção renal aguda.
Hiperfosfatemia com hipocalcemia secundária e depósito de fosfato de cálcio nos
túbulos renais também pode causar disfunção renal aguda. Também pode ocorrer
precipitação no coração, com arritmias cardíacas.
A síndrome da lise tumoral ocorre com maior frequência após o início de terapia
citotóxica em pacientes com linfomas de alto grau, particularmente o linfoma de
Burkitt, e leucemia linfoblástica aguda, mas pode ocorrer espontaneamente, em
associação com outras abordagens terapêuticas, como anticorpos monoclonais,
radioterapia e glicocorticoides, e em associação com outros tipos de neoplasia que
tenham alta taxa de proliferação celular, grande massa tumoral e/ou alta sensibilidade à
quimioterapia. Indicam grande massa tumoral bulky com diâmetro superior a 10cm,
contagem de leucócitos superior a 50.000/mm3, desidrogenase lática sérica superior a
duas vezes o limite superior da normalidade, infiltração visceral e envolvimento de
medula óssea. Outros fatores predisponentes incluem hiperuricemia e/ou
hiperfosfatemia prévias ao tratamento quimioterápico, doença renal prévia, exposição
prévia a agentes nefrotóxicos, oligúria e/ou urina ácida, desidratação, depleção volêmica
e hidratação inadequada durante o tratamento.
Quadro clínico
As manifestações clínicas da síndrome da lise tumoral refletem as anormalidades
metabólicas associadas e incluem náusea, vômitos, diarreia, anorexia, letargia,
hematúria, insuficiência cardíaca, arritmias cardíacas, convulsões, cãibras, tetania,
síncope e morte súbita. Dor em flanco pode ocorrer em caso de litíase urinária.
Exames complementares
A avaliação de pacientes com risco de síndrome de lise tumoral prevê controle
de peso, débito urinário e níveis séricos de sódio, potássio, fósforo, cálcio, ácido úrico,
ureia, creatinina e desidrogenase lática. Além disso, os pacientes deverão ser
submetidos na avaliação inicial a radiografia de tórax, eletrocardiograma e urina tipo 1.
Diagnóstico
O diagnóstico de síndrome da lise tumoral laboratorial é baseado na presença de
duas ou mais alterações metabólicas relacionadas à síndrome de três dias antes até sete
dias após o início de quimioterapia. São considerados ácido úrico com aumento superior
a 25% em relação ao basal ou valores acima de 8mg/dL, potássio com aumento superior
a 25% em relação ao basal ou valores acima de 6mEq/L, fósforo com aumento superior
a 25% em relação ao basal ou valores acima de 4.5mEq/L e cálcio com decrescimento
superior a 25% em relação ao basal ou valores abaixo de 7mg/dL.
O diagnóstico de síndrome da lise tumoral clínica é definido pela associação do
quadro laboratorial com pelo menos um dentre nível sérico de creatinina superior ou
igual a uma vez e meia o limite superior da normalidade, arritmia cardíaca, morte súbita
ou crise convulsiva, desde que não atribuíveis ao agente terapêutico utilizado.
Classificação da gravidade
Complicação Grau
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial é com outras causas de insuficiência renal, como
desidratação, uso de medicações nefrotóxicas, quadros infecciosos graves, compressão
renal ou infiltração direta do parênquima renal.
Estratificação de risco
A identificação de pacientes de alto risco e a instituição rápida de medidas
preventivas constitui a parte mais importante do tratamento.
Estão incluídos no grupo de risco alto para síndrome da lise tumoral, superior a
5%, pacientes com leucemia de Burkitt, linfoma de Burkitt estágios III ou IV, linfoma
de Burkitt estágios I ou II com desidrogenase lática superior ou igual a duas vezes o
limite superior da normalidade, leucemia linfoblástica aguda com contagem de
leucócitos superior ou igual a 100.000/mm3 e/ou desidrogenase lática superior ou igual
a duas vezes o limite superior da normalidade, leucemia mieloide aguda com contagem
de leucócitos superior ou igual a 100.000/mm3, linfoma linfoblástico estágios III ou IV,
linfoma linfoblástico estágios I ou II com desidrogenase lática superior ou igual a duas
vezes o limite superior da normalidade, leucemia/linfoma de células T com
desidrogenase lática acima do limite superior da normalidade e massa tumoral bulky,
linfoma difuso de grandes células B com desidrogenase lática acima do limite superior
da normalidade e massa tumoral bulky, linfoma de células T periférico com
desidrogenase lática acima do limite superior da normalidade e massa tumoral bulky,
linfoma transformado com desidrogenase lática acima do limite superior da normalidade
e massa tumoral bulky, linfoma de células do manto com desidrogenase lática acima do
limite superior da normalidade e massa tumoral bulky e doença de risco intermediário
com disfunção renal ou ácido úrico, potássio ou fósforo acima do limite superior da
normalidade. É recomendada hidratação intravenosa agressiva e o uso profilático de
Rasburicase em detrimento do Alopurinol antes do início do tratamento quimioterápico,
exceto em caso de deficiência de G6PD.
Estão incluídos no grupo de risco intermediário para síndrome da lise tumoral,
de 1-5%, pacientes com leucemia/linfoma de células T com desidrogenase lática acima
do limite superior da normalidade e sem massa tumoral bulky, linfoma difuso de
grandes células B com desidrogenase lática acima do limite superior da normalidade e
sem massa tumoral bulky, linfoma de células T periférico com desidrogenase lática
acima do limite superior da normalidade e sem massa tumoral bulky, linfoma
Prevenção
Hidratação intravenosa agressiva é indicada para todos os pacientes de risco
intermediário a alto para síndrome da lise tumoral com o objetivo de aumentar o débito
urinário e reduzir o risco de precipitação de ácido úrico nos túbulos renais. Pode levar a
sobrecarga volêmica potencialmente grave em pacientes com antecedente de disfunção
renal e/ou cardíaca. Preconiza-se 2-3L/m2/dia, com monitorização do débito urinário,
que deve ser mantido em 80-100mL/m2/hora. Diuréticos podem ser utilizados para
manter o débito urinário, se necessário, mas geralmente são dispensados em pacientes
com funções renal e cardíaca normais. Potássio e cálcio não devem ser incluídos na
solução utilizada, ao menos inicialmente.
O papel da alcalinização da urina com Acetazolamida ou Bicarbonato de Sódio
não está claro e é controverso, com indicação de Bicarbonato de Sódio atualmente
apenas em caso de acidose metabólica.
Alopurinol, apresentado na forma de comprimidos de 100mg e 300mg, preferido
em pacientes de risco intermediário sem hiperuricemia, é análogo da hipoxantina que
inibe de forma competitiva a xantina-oxidase e bloqueia o metabolismo da hipoxantina
e da xantina, metabólitos dos ácidos nucleicos, em ácido úrico. Reduz de maneira
efetiva a formação de ácido úrico e reduz a incidência de uropatia obstrutiva em
pacientes com neoplasias malignas e risco de síndrome da lise tumoral. No entanto, não
atua em hiperuricemia pré-existente e causa aumento dos níveis de hipoxantina e
xantina, que são menos solúveis que o ácido úrico, com risco de precipitação nos
túbulos renais e disfunção renal aguda apesar de hidratação e alcalinização da urina.
Apresenta interação com diversos fármacos, incluindo Ciclofosfamida, Metotrexato,
Tratamento
Unidade de terapia intensiva.
Monitorização cardíaca contínua.
Controle de diurese e balanço hídrico.
Dosagem de eletrólitos, creatinina e ácido úrico a cada quatro a seis horas.
Correção de distúrbios eletrolíticos específicos, como hipercalemia,
hiperfosfatemia e hipocalcemia sintomática, que deve ser tratada, se possível, após
correção da hiperfosfatemia para evitar precipitação.
Rasburicase 0.2mg/kg por via intravenosa uma vez ao dia.
Hidratação intravenosa associada ou não a diurético de alça.
Terapia de substituição renal, quando indicada, como em caso de oligúria severa
ou anúria, hipercalemia persistente e hipocalcemia sintomática induzida por
hiperfosfatemia.
Algoritmo
Definição
A compressão medular é complicação comum de neoplasias malignas e causa
dor e déficits neurológicos potencialmente irreversíveis. Qualquer indentação
identificada por métodos radiológicos no saco dural é considerada evidência de
compressão medular.
Etiologia
Tumor metastático de qualquer sítio primário pode produzir compressão
medular, principalmente aqueles com disseminação para a coluna vertebral. As causas
mais frequentes de compressão medular neoplásica são câncer de pulmão, câncer de
mama e mieloma múltiplo. Os tumores com maior incidência de compressão medular
são mieloma múltiplo, linfomas de Hodgkin e não-Hodgkin e câncer de próstata.
Quadro clínico
Uma vez que o principal determinante da eficácia do tratamento é o estado
neurológico do paciente no momento da intervenção, o objetivo deve ser estabelecer o
diagnóstico antes do desenvolvimento de dano à medula espinal.
Dor geralmente é o primeiro sintoma e frequentemente é intensa, localizada no
dorso e progressiva, eventualmente com piora relacionada a decúbito dorsal. Dor
presente apenas à movimentação sugere instabilidade da coluna vertebral, com possível
indicação cirúrgica. Com o passar do tempo, a dor pode adquirir padrão radicular, com
irradiação à movimentação da coluna ou à manobra de Valsalva. Piora abrupta da dor
pode indicar fratura patológica. Dor referida é pouco comum, mas pode dificultar o
diagnóstico.
Fraqueza está presente em parcela significativa dos pacientes ao diagnóstico e
tende a ser relativamente simétrica. Quando a lesão ocorre acima do cone medular, a
fraqueza ocorre por disfunção corticoespinal, com padrão piramidal típico, com
hiperreflexia abaixo do nível da compressão e sinal de Babinski. Quando a lesão ocorre
na cauda equina, a fraqueza é associada a reflexos tendíneos diminuídos nas pernas.
Lesão epidural lateralmente localizada pode afetar preferencialmente uma raiz nervosa e
produzir uma radiculopatia isolada ou sobreposta. A progressão dos déficits motores
cursa com fraqueza progressiva seguida por perda da função da marcha e paralisia.
Alterações sensitivas são menos comuns que alterações motoras, mas estão
presentes na maior parte dos pacientes ao diagnóstico. Quando um nível espinal
sensitivo está presente, a compressão medular tipicamente se situa um a cinco níveis
acima. O fenômeno de Lhermitte, caracterizado por sensação de eletricidade descendo a
medula espinal com a flexão do pescoço, pode ser encontrado em esclerose múltipla,
mielopatia espondilótica cervical, neurotoxicidade induzida por Cisplatina, mielopatia
induzida por radiação, trauma cervical e, raramente, neoplasia epidural ou subdural. A
perda sensitiva pode ocorrer com distribuição radicular.
Disfunção vesical e intestinal relacionada a compressão medular geralmente é
manifestação tardia. Neuropatia autonômica se apresenta comumente com retenção
Avaliação complementar
Ressonância nuclear magnética de todo o saco dural é a modalidade preferida
para a avaliação inicial de paciente com suspeita de compressão medular.
Mielografia, às vezes combinada com tomografia computadorizada após a
introdução de agente contrastado, era frequentemente utilizada em pacientes com
suspeita de compressão medular antes da disseminação do uso da ressonância nuclear
magnética. Mielografia por tomografia computadorizada é amplamente utilizada para
planejar o tratamento radiocirúrgico.
Radiografia simples de coluna vertebral é o método mais simples e pode ser útil
em pacientes com dor no dorso em caso de identificação de colapso de corpo vertebral
ou erosão de pedículo. No entanto, há risco de resultados falso-negativos, não devendo
ser utilizada como método de rastreamento de compressão medular.
Cintilografia óssea é mais sensível que a radiografia simples para a detecção de
metástases ósseas e permite avaliar com um único estudo todo o esqueleto. No entanto,
o resultado pode ser negativo em caso de neoplasias sem aumento do fluxo sanguíneo
ou formação óssea, como é o caso do mieloma múltiplo. Além disso, não identifica
compressão medular.
Diagnóstico diferencial
Dor musculoesquelética, abscesso epidural, metástases ósseas sem compressão
medular, metástases intramedulares, metástases leptomeníngeas, acometimento de
plexos nervosos pela neoplasia maligna, mielopatia por radiação, hemangiomas
cavernosos epidurais, hematomas epidurais, meningiomas, neurofibromas,
hematopoiese extra-medular, gota, artrite reumatoide e sarcoidose.
Tratamento
Os objetivos do tratamento são controle da dor, prevenção de complicações e
preservação ou melhora da função neurológica. O principal fator prognóstico isolado
para recuperação da capacidade de deambular após o tratamento é o estado neurológico
no momento da intervenção.
O manejo inclui administração imediata de glicocorticoides seguida por cirurgia
ou radioterapia. A maior parte dos pacientes necessita de analgesia adequada, muitas
vezes com o uso de opioides. Não há necessidade de que o paciente seja mantido
confinado no leito. Em caso de imobilidade e ausência de sangramento ativo ou outras
contraindicações, deve ser iniciada quimioprofilaxia para trombose venosa profunda. O
uso de compressão pneumática intermitente ou meias elásticas constitui alternativa para
os pacientes nos quais a quimioprofilaxia for contraindicada. Obstipação deve ser
manejada.
Em pacientes com déficit neurológico severo, sugere-se o uso de glicocorticoide
em dose alta, com Dexametasona 96mg por via intravenosa em bolus, 24mg por via
intravenosa de 6/6 horas durante três dias e, após, desmame ao longo de dez dias. Em
pacientes com déficit neurológico mínimo, sugere-se glicocorticoide em dose moderada,
com Dexametasona 10mg por via intravenosa em bolus, 4mg por via intravenosa de 6/6
horas e desmame gradual quando o tratamento definitivo estiver encaminhado. Não é
necessário o uso de glicocorticoide em pacientes com lesões epidurais pequenas e
exame neurológico normal.
Algoritmo
Definição
Obstrução intestinal maligna é definida por evidência clínica, incluindo
anamnese, exame físico e avaliação radiológica, de obstrução intestinal após o
ligamento de Treitz em paciente com câncer primário intra-abdominal incurável ou
câncer primário extra-abdominal associado a disseminação intraperitoneal.
Epidemiologia e etiologia
10-28% dos pacientes com câncer colo-retal desenvolvem obstrução intestinal
maligna durante o curso da doença, enquanto que 20-50% dos pacientes com câncer de
ovário apresentam sintomas de obstrução intestinal. O envolvimento intestinal por
câncer metastático comumente ocorre na forma de carcinomatose peritoneal difusa, mas
metástase gastrointestinal isolada pode ocorrer em até 10% dos casos. Câncer de mama
e melanoma são as neoplasias extra-abdominais que causam com maior frequência
obstrução intestinal maligna.
Quadro clínico
Pacientes com obstrução intestinal maligna geralmente descrevem um padrão de
piora gradual dos sintomas, com episódios de cólica abdominal, náusea, vômitos e
distensão abdominal, que se tornam mais frequentes e prolongados até a ocorrência de
obstrução completa.
Obstrução gástrica ou de intestino delgado proximal cursa com vômito aquoso
ou bilioso, com pouco ou nenhum odor e em grande quantidade, além de dor peri-
Avaliação complementar
Apesar de a localização da obstrução algumas vezes poder ser determinada pelo
quadro clínico, recomenda-se a realização de exame radiológico, preferencialmente
tomografia computadorizada de abdômen. Ressonância nuclear magnética também pode
ser usada.
Radiografia simples de abdômen em posição supina e ortostática é realizada
quando houver suspeita de obstrução de intestino delgado para documentar dilatação de
alças intestinais, nível líquido ou ambos. Radiografia contrastada de abdômen ajuda a
avaliar dismotilidade, local da obstrução e extensão da obstrução. Estudos contrastados
retrógrados, transretais, servem para excluir obstrução isolada ou concomitante do
intestino grosso.
Tomografia computadorizada de abdômen é útil para avaliar a extensão global
da doença, realizar estadiamento e decidir quanto à melhor abordagem terapêutica
dentre cirurgia, endoscopia e uso paliativo de medicamentos. No entanto, carcinomatose
pode não ser identificada.
Uma vez que o local da obstrução for identificado, estudos endoscópicos podem
ser úteis para elucidar a causa da obstrução e também para tratar o paciente, como em
caso de inserção de stent.
Tratamento
Na avaliação inicial, é necessário excluir causas agudas de obstrução intestinal e
emergência cirúrgica. Deve ser realizada ressuscitação volêmica para repor perdas
relacionadas aos vômitos. Sonda nasogástrica pode ser instalada para descomprimir o
intestino proximal e aliviar os sintomas.
Cirurgia pode ser benéfica em pacientes selecionados. Existem numerosas
opções disponíveis. Em caso de obstrução distal, ostomia pode ser criada com o
segmento do cólon não comprometido. Ostomia proximal tende a apresentar débito
elevado e pode causar distúrbios do equilíbrio hídrico, o que deve ser considerado caso
seja planejada ostomia em jejuno proximal. Fatores que devem ser considerados na
decisão terapêutica incluem idade, estado nutricional, estado funcional, comorbidades,
tratamento oncológico prévio e programado, saúde psíquica e rede de suporte social.
Pacientes com ascite persistente apresentam resultado cirúrgico ruim. Obstrução
intestinal maligna secundária a carcinomatose peritoneal difusa responde mal ou mesmo
não responde à intervenção cirúrgica.
Obstrução da via de saída gástrica e/ou do intestino delgado proximal é
complicação comum em pacientes com câncer de pâncreas, estômago distal, vesícula
biliar e vias biliares, podendo também resultar de metástases de neoplasias extra-
abdominais, como câncer de pulmão e mama. Atualmente são obtidos bons resultados
quanto ao alívio da obstrução e à redução dos sintomas com a inserção endoscópica de
stent metálico auto-expansível ou gastrostomia percutânea para drenagem. Ambas as
abordagens são particularmente úteis em pacientes com prognóstico limitado em curto
prazo. Complicações tardias da inserção endoscópica de stent metálico auto-expansível
incluem impactação de comida, obstrução por crescimento tumoral e migração. Os
Bibliografia
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
The Tumor Lysis Syndrome. Scott C. Howard et al. N Engl J Med 2011;364:1844-54.
Tumor lysis syndrome: Definition, pathogenesis, clinical manifestations, etiology and risk factors. Richard A Larson and Ching-Hon
Pui. UpToDate, 2012.
Tumor lysis syndrome: Prevention and treatment. Richard A Larson and Ching-Hon Pui. UpToDate, 2012.
Hyperleukocytosis and leukostasis. Charles A Schiffer. UpToDate, 2012.
Malignancy-related superior vena cava syndrome. Reed E Drews and Dmitry J Rabkin. UpToDate, 2012.
Clinical features and diagnosis of neoplastic epidural spinal cord compression, including cauda equina
Syndrome. David Schiff. UpToDate, 2012.
Treatment and prognosis of neoplastic epidural spinal cord compression, including cauda equina syndrome. David Schiff, Paul
Brown and Mark Edwin Shaffrey. UpToDate, 2012.
Overview of neutropenic fever syndromes. Eric Bow and John R Wingard. UpToDate, 2012.
Risk assessment of adult patients with chemotherapy-induced neutropenia. Eric Bow. UpToDate, 2012.
Treatment and prevention of neutropenic fever syndromes in adult cancer patients at low risk for complications. Eric Bow.
UpToDate, 2012.
Guia de utilização de anti-infecciosos e recomendações para a prevenção de infecções hospitalares / coordenação Anna Sara S.
Levin... [et al]. – 5. Ed. – São Paulo : Hospital das Clínicas, 2011.
Management of malignant bowel obstruction. Carla Ida Ripamonti, Alexandra M. Easson, Hans Gerdes. EUROPEAN JOURNAL
OF CANCER 44 (2008) 1105–1115.
Medical Treatment for Inoperable Malignant Bowel Obstruction: A Qualitative Systematic Review. Sebastiano Mercadante,
Alessandra Casuccio and Salvatore Mangione. Journal of Pain and Symptom Management. Vol. 33 No. 2 February 2007.
Fisiopatologia
O álcool causa alterações no sistema nervoso central que podem variar de
agitação a coma. Não há correlação precisa entre o nível sérico de álcool e as
manifestações neurológicas.
Exames complementares
O único exame complementar fundamental para as intoxicações alcoólicas leves
a moderadas é a dosagem da glicose capilar, devido ao risco aumentado de
hipoglicemia.
Fatores de complicação:
- Indícios de complicação traumática;
- Indícios de complicação clínica;
- Indícios de concomitância de outras substâncias;
Em geral, os pacientes com fatores de complicação devem ser internados e
adequadamente avaliados com radiografia de tórax, eletrocardiograma, hemograma,
enzimas hepáticas, amilase, função renal, eletrólitos, gasometria, creatinofosfoquinase,
Tratamento
A abordagem inicial deve ser a mesma de qualquer paciente grave, seguindo as
avaliações primária e secundária do suporte avançado de vida.
Não há nenhuma evidência que justifique a administração rotineira de glicose
intravenosa. Entretanto, a intoxicação alcoólica aguda aumenta o risco de hipoglicemia,
com indicação de realização de dosagem de glicose capilar em todos os pacientes.
Caso haja hipoglicemia ou não seja possível realizar a dosagem de glicose
capilar, deve-se prescrever 50-100g de glicose em associação com 100mg de Tiamina.
O tratamento básico consiste em suporte clínico e depende da presença ou
ausência de complicações clínicas ou cirúrgicas. Pacientes com intoxicação leve a
moderada, glicose capilar normal, ausência de fatores de complicação e adequado
suporte social devem ser liberados sem necessidade de outras medidas diagnósticas ou
terapêuticas. Os demais pacientes poderão receber uma hidratação com reposição
eletrolítica de acordo com o quadro clínico e com o resultado dos exames
complementares solicitados.
Os pacientes alcoolistas devem receber suplementação de vitamina B1 (Tiamina)
por via oral, com 100-300mg/dia, ou parenteral, com 100mg por via intravenosa ou
intramuscular uma a duas vezes por dia.
Cetoacidose alcoólica
O paciente se apresenta após um período de ingesta alcoólica seguido de
abstinência e diminuição da ingesta alimentar. Os sintomas mais comuns são náusea,
vômitos e dor abdominal. Hálito cetônico, taquicardia, desidratação e respiração de
Kusmaull também podem estar presentes. Febre geralmente está ausente, mesmo em
vigência de infecção concomitante.
Acidose com ânion gap aumentado está presente, podendo associar-se à alcalose
metabólica secundária aos vômitos e/ou alcalose respiratória. Hipoglicemia ou até
discreta hiperglicemia podem estar presentes. Sódio, potássio, cálcio, fósforo e
magnésio estão diminuídos.
A hidratação deve ser o tratamento inicial, devendo ser vigorosa e associada ao
controle glicêmico e à reposição eletrolítica necessária. Existem evidências de resolução
mais rápida da acidose com o uso de solução salina com glicose, sem alteração de
mortalidade. Outras medidas devem incluir a administração de Tiamina para prevenção
de encefalopatia de Wernicke. A hipofosfatemia que se desenvolve com a correção da
acidose é quase universal, mas somente precisa ser corrigida se nível sérico inferior a
1mg/dL e/ou presença de sintomas.
Síndrome de Wernicke-Korsakoff
Conjunto de alterações neurológicas decorrentes da deficiência de tiamina.
A doença de Wernicke é definida classicamente pela presença da tríade de
anormalidades oculomotoras, com nistagmo, paralisia do nervo abducente e paralisia do
olhar conjugado, que podem manifestar-se de forma aguda ou subaguda e ocorrer
isoladamente ou, mais frequentemente, em combinação. A síndrome de Korsakoff é um
distúrbio neuropsiquiátrico em que a memória retrógrada e anterógrada está afetada de
forma desproporcional às demais funções cognitivas.
Em pacientes alcoólatras e desnutridos, a amnésia de Korsakoff está geralmente
associada à doença de Wernicke. Portanto, o termo encefalopatia de Wernicke é
utilizado para descrever o conjunto de sintomas que abrange oftalmoparesia, nistagmo
horizontal ou vertical, ataxia cerebelar e estado confusional agudo. Quando este
conjunto de sintomas associa-se a um defeito persistente de memória, utiliza-se o termo
síndrome de Wernicke-Korsakoff. Além da tríade clássica, os pacientes podem
apresentar desnutrição calórico-proteica, neuropatia periférica e hipotermia.
Não há exames laboratoriais específicos para o diagnóstico. A deficiência de
tiamina pode ser detectada pela dosagem laboratorial, exame desnecessário para o
diagnóstico e para o tratamento. Exames de imagem não são necessários para todos os
pacientes e não devem retardar o tratamento.
A encefalopatia de Wernicke é considerada uma emergência médica e o seu
tratamento consiste na administração imediata de Tiamina 50-100mg por via
intravenosa ou intramuscular. Como a absorção intestinal é errática em pacientes
etilistas e desnutridos, o uso de Tiamina por via oral deve ser evitado na fase inicial do
tratamento. A reposição de Tiamina impede a progressão da doença e reverte as lesões
que ainda não progrediram para alterações estruturais fixas. A reversão do estado
confusional agudo permite a melhor caracterização dos distúrbios de memória.
Síndrome de abstinência
A síndrome da abstinência alcoólica inclui dois componentes:
- Cessação ou redução no uso crônico de grande quantidade de álcool;
- Presença de dois ou mais dos sintomas de abstinência, que incluem
ansiedade, agitação psicomotora, náusea ou vômitos, insônia, tremor nas
mãos, alucinações visuais, auditivas ou táteis transitórias, convulsões
tônico-clônicas generalizadas e hiperatividade autonômica, manifesta por
sudorese, taquicardia e hipertensão sistólica;
Em média, os sintomas de abstinência podem começar de cinco a dez horas após
a última dose, com pico entre 48 e 72 horas, desaparecendo em cinco a quatorze dias.
Delirium tremens é complicação grave com início abrupto de desorientação, confusão,
ideação paranoide, ilusões, alucinações especialmente visuais, sinais importantes de
ativação adrenérgica e febre.
É importante lembrar que na grande maioria dos casos os indivíduos entram em
abstinência em razão de complicações médicas que os impedem de ingerir álcool, como
vômitos e dor abdominal, ou que dificultam o acesso ao álcool, como trauma crânio-
Neuropatia periférica
Não há consenso quanto à etiologia da neuropatia periférica alcoólica, se
secundária a distúrbio nutricional ou ao efeito tóxico do álcool. Ocorre devido à
degeneração axonal e da bainha de mielina de nervos sensitivos, motores e
autonômicos.
As manifestações são geralmente simétricas e predominantemente distais e
incluem dormência, parestesias, dor, cãibras e fraqueza. Ao exame neurológico,
identifica-se fraqueza muscular distal com comprometimento mais intenso dos membros
inferiores, dor à palpação profunda dos músculos dos pés e das panturrilhas e abolição
dos reflexos profundos dos membros inferiores, além de combinações variáveis de
perda da sensibilidade superficial e profunda.
O tratamento inclui nutrição adequada, rica em vitaminas do complexo B, e
analgésicos.
Cardiomiopatia alcoólica
Ocorre mais comumente em homens de trinta a cinquenta e cinco anos de idade
com história de mais de dez anos de consumo excessivo de álcool. Mulheres etilistas, no
entanto, desenvolvem lesão miocárdica com uso de doses cumulativas de álcool
inferiores.
A instalação dos sintomas é geralmente insidiosa e muitas vezes precedida por
uma fase subclínica com disfunção sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo. Se o
consumo de álcool não é interrompido, desenvolve-se quadro de insuficiência cardíaca
Beribéri
As alterações fisiológicas da doença cardíaca por deficiência de tiamina se
diferenciam da cardiomiopatia alcoólica pela existência de um estado hiperdinâmico,
caracterizado por diminuição da resistência vascular periférica, aumento do débito
cardíaco, taquicardia e falência biventricular. O exame físico caracteriza-se pelo
alargamento da pressão de pulso.
Os exames laboratoriais devem demonstrar redução da concentração de tiamina
sérica ou redução da atividade de transcetolase eritrocitária.
O tratamento consiste em administração de dose inicial de Tiamina de 100mg
por via intravenosa e manutenção com 25mg/dia por via oral durante uma a duas
semanas. Melhora da congestão pulmonar, restabelecimento da diurese, diminuição da
frequência cardíaca e regressão da cardiomegalia podem ocorrer em 12-48 horas. A
reversão aguda da vasodilatação pode precipitar estado de baixo débito cardíaco, de
modo que recomenda-se a administração concomitante de diuréticos e digitálicos.
Alterações hematológicas
Anemia geralmente é macrocítica por interferência do álcool no metabolismo do
folato, mas outras causas e padrões podem ocorrer. O tratamento da macrocitose com ou
sem anemia é a abstinência, mas a melhora laboratorial demora dois a quatro meses.
Leucopenia por diminuição do número de neutrófilos pode ocorrer.
A principal causa de trombocitopenia é o hiperesplenismo, mas efeito tóxico
direto também ocorre. Após um período de abstinência combinado com melhora do
estado nutricional, frequentemente ocorre um período de trombocitose rebote.
Bibliografia
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Etiologia e fisiopatologia
O trombo causador da embolia pulmonar geralmente origina-se do sistema
venoso profundo das extremidades inferiores. Entretanto, o trombo pode ser formado
nas veias pélvicas, nas veias renais, nos membros superiores e nas câmaras direitas do
coração. Quanto à impactação do trombo, pode ocorrer desde o tronco da artéria
pulmonar até o nível arteriolar.
Fatores de risco primários incluem hiper-homocisteinemia, fator V de Leiden,
deficiência de proteína S, deficiência de proteína C, síndrome do anticorpo anti-
fosfolípide, gene mutante da protrombina, deficiência de anti-trombina, desordens do
plasminogênio, desfibrinogenemias e aumento dos fatores VII e VIII.
Os principais fatores de risco secundários incluem cirurgia de quadril, cirurgia
de joelho, traumatismo de membros inferiores, cirurgia abdominal de grande porte,
câncer abdômino-pélvico ou metastático, pós-operatório em unidade de terapia
intensiva, restrição ao leito, puerpério, parto cesariano, gravidez tardia e trombose
venosa profunda prévia. Outros fatores de risco secundários incluem insuficiência
cardíaca, doenças mieloproliferativas, cardiopatia congênita, doença pulmonar
obstrutiva crônica, doença neurológica com déficits, estados de hiperviscosidade,
anticoncepcional oral ou reposição hormonal, obesidade, cateter venoso central,
síndrome nefrótica, diálise crônica e doença inflamatória intestinal.
Achados clínicos
A embolia pulmonar geralmente apresenta-se de forma inespecífica, o que
dificulta o diagnóstico. A apresentação depende do tamanho do trombo, da localização e
do estado cardiorrespiratório prévio do paciente, podendo variar de colapso circulatório
a quadro de dispneia com dor torácica tipo pleurítica.
Os principais sintomas, em ordem decrescente de frequência, são dispneia, dor
pleurítica, tosse, edema em membro inferior, dor na perna, hemoptise, palpitações,
sibilância e dor precordial. Os principais sinais, em ordem decrescente de frequência,
são taquipnéia, estertores, taquicardia, B4, P2 hiperfonética, trombose venosa profunda,
diaforese, temperatura superior a 38.5º C e sibilos.
Infarto pulmonar ocorre em apenas 10% dos casos e é mais frequente em
pacientes com cardiopatias e pneumopatias crônicas.
Classificação
Classificação antiga
Embolia pulmonar maciça é caracterizada por quadro de choque ou hipotensão
arterial, não sendo causada por arritmia, hipovolemia ou sepse.
Embolia pulmonar submaciça é caracterizada por presença de disfunção
Classificação atual
Embolia pulmonar de alto risco, com risco de morte precoce superior a 15%, é
caracterizada por hipotensão ou choque. Indica-se trombólise ou embolectomia em
casos selecionados.
Embolia pulmonar de não-alto risco é subdividida em risco intermediário, com
risco de morte precoce de 3-15%, caracterizado por ausência de hipotensão e choque e
por presença de disfunção de ventrículo direito ou de lesão miocárdica, indicando-se
internação hospitalar, e risco baixo, com risco de morte precoce inferior a 1%,
caracterizado por ausência de hipotensão, choque, disfunção de ventrículo direito e
lesão miocárdica, indicando-se alta hospitalar precoce ou tratamento domiciliar. Os
principais marcadores de maior mortalidade na embolia pulmonar de não-alto risco são
relação entre os diâmetros do ventrículo direito e do ventrículo esquerdo superior a 0.9
em tomografia computadorizada ou superior ou igual a 0.9 em ecodopplercardiografia,
elevação de troponina e elevação de BNP.
Exames complementares
Os principais exames para a hipótese de tromboembolismo pulmonar são
radiografia de tórax, eletrocardiograma, ecocardiograma e D-dímero, enquanto que os
principais exames diagnósticos são cintilografia pulmonar, tomografia helicoidal de
tórax, ressonância magnética e arteriografia pulmonar.
O primeiro passo é o estabelecimento de uma probabilidade pré-teste. O escore
mais utilizado é o de Wells, com alta probabilidade se sete ou mais pontos,
intermediária probabilidade se dois a seis pontos e baixa probabilidade se zero ou um
pontos. Considera-se tromboembolismo pulmonar improvável quando pontuação igual
ou inferior a 4 e provável quando pontuação superior a 4.
Critérios Pontos
Suspeita de trombose venosa profunda 3.0
Diagnóstico alternativo menos provável que tromboembolismo pulmonar 3.0
Frequência cardíaca superior a 100bpm 1.5
Imobilização ou cirurgia nas quatro semanas anteriores 1.5
Trombose venosa ou embolia prévia 1.5
Malignidade 1.0
Hemoptise 1.0
Apesar de os achados nas radiografias de tórax serem inespecíficos, apenas 12%
delas são normais na embolia pulmonar. Atelectasias e alterações parenquimatosas,
como consolidações e áreas de hipoperfusão pulmonar ou oligoemia (sinal de
Westermark), são os achados mais comuns. Derrames pleurais são encontrados em até
47% dos pacientes. Podem estar presentes também elevação diafragmática, imagens
cuneiformes (sinal de Hamptom), aumento da área cardíaca e aumento do tronco da
artéria pulmonar e seus ramos (sinal de Palla).
As principais alterações eletrocardiográficas são bloqueio de ramo direito,
desvio do eixo elétrico para a direita, padrão S1Q3T3 e inversão da onda T nas
derivações precordiais de V1 a V4.
A gasometria arterial é de baixa especificidade e moderada sensibilidade para o
diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Pode-se calcular o gradiente alvéolo-
arteriolar de oxigênio com a fórmula 130 – (PaCO2 + PaO2), que quando superior a
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial inclui pneumonia ou traqueobronquite, asma,
exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica, infarto agudo do miocárdio, edema
agudo de pulmão, ansiedade, dissecção de aorta, tamponamento pericárdico, câncer de
Tratamento
Medidas gerais
Em casos com estabilidade clínica, deve-se preocupar com o início do
tratamento específico, que se dá basicamente com a anticoagulação dos pacientes.
Analgesia e suplementação de oxigênio muitas vezes são necessárias.
Nos casos de embolia maciça, a conduta terapêutica inicial tem por objetivo a
estabilidade hemodinâmica, oferecendo, se necessário, suporte farmacológico com
agentes vasoconstritores e inotrópicos. Nos pacientes hipotensos, a administração de
cristalóides é a conduta inicial, podendo-se abrir mão das aminas vasopressoras nos
casos refratários à reposição volêmica. Por vezes, a estabilização só ocorre após o
tratamento com trombolíticos.
O suporte ventilatório requer o cuidado de usar os menores níveis pressóricos
necessários para a oxigenação, uma vez que a pressurização diminui o retorno venoso e
piora o choque.
Anticoagulação
Enquanto se aguarda os resultados dos exames empregados, deve-se iniciar a
anticoagulação em todos os pacientes com tromboembolismo pulmonar provável.
Heparina Não-Fracionada deve ser administrada em infusão contínua por via
intravenosa para menor ocorrência de sangramentos e maior estabilidade dos níveis
séricos em relação à administração intermitente, sendo preferida em pacientes de alto
risco. A estratégia recomendada é uma dose de ataque de 80U/kg seguida de dose de
manutenção de 18U/kg/hora, com ajuste do ritmo de infusão de acordo com o tempo de
tromboplastina parcial ativada, que deve ser mantido com R entre 1.5 a 2.5 ou uma e
meia a duas vezes o valor de entrada. Recomenda-se repetição a cada 6 horas até
estabilização em três medidas. O tempo de tratamento deve ser, no mínimo, de cinco
dias e interrompido quando o controle do tratamento com anticoagulante oral estiver
estável por pelo menos dois dias, com RNI entre 2 e 3.
Heparina de Baixo Peso Molecular não necessita de bomba de infusão e de
controle de coagulograma, salvo em situações de insuficiência renal ou obesidade, em
que se deve dosar a atividade anti-Xa como monitorização. Em casos de choque e
instabilidade hemodinâmica, em função de perfusão periférica instável, essa classe de
droga também não é recomendada por ser administrada por via subcutânea e com
absorção errática. As principais drogas dessa classe são a Enoxaparina, que pode ser
administrada com 1mg/kg a cada 12 horas ou 1.5mg/kg uma vez ao dia, e a Dalteparina,
que pode ser administrada com 200UI/kg uma vez ao dia, ambas por via subcutânea. O
tempo de tratamento se assemelha ao da Heparina não-fracionada. A dose deve ser
reduzida a 75% em idosos e a 50% em pacientes com clearance de creatinina inferior a
30mL/minuto.
Esquema alternativo para uso de Heparina Não-Fracionada por via subcutânea
prevê solução de 20000U/mL ou 25000/mL, dose inicial de 333U/kg e manutenção com
250U/kg de 12/12 horas, sem necessidade de controle do coagulograma, desde que
creatinina inferior ou igual a 2.3mg/dL.
Contraindicações absolutas ao uso de Heparina incluem sangramento ativo,
plaquetopenia grave e acidente vascular encefálico, cirurgia ocular ou cirurgia do
sistema nervoso central nos últimos 7-14 dias. Os efeitos podem ser antagonizados com
Trombolíticos
O respaldo da literatura para utilização de agentes trombolíticos é para a embolia
pulmonar maciça, ou seja, embolia pulmonar com instabilidade hemodinâmica. Na
embolia submaciça, com disfunção de ventrículo direito sem instabilidade, não há
estudos que mostrem a superioridade da terapia trombolítica em relação à convencional
com Heparina em relação à mortalidade. Nesses casos, deve-se ponderar risco potencial
de hemorragia, tamanho da embolia, doença de base e marcadores de lesão.
Preconiza-se Estreptoquinase intravenosa com dose inicial de 250.000UI em
trinta minutos e manutenção com 100.000UI/hora durante 24 horas ou 1.500.000UI em
duas horas. Outra opção é Alteplase (Rt-PA) 100mg por via intravenosa em duas horas,
com 10% em bolus administrado em 1-2 minutos e o restante em 120 minutos, em
associação com Heparina Não-Fracionada.
A janela terapêutica é de 14 dias a partir do evento agudo, embora o principal
benefício seja nas primeiras 72 horas.
Contraindicações absolutas para o uso de trombolíticos na embolia pulmonar
incluem acidente vascular cerebral hemorrágico, neoplasia do sistema nervoso central,
trauma ou cirurgia do sistema nervoso central há menos de dois meses, sangramento
interno ativo ou há menos de seis meses e uso prévio de Estreptoquinase para
reutilização da droga. Contraindicações relativas incluem hipertensão arterial não-
controlada, acidente vascular cerebral isquêmico há menos de dois meses, sangramento
Embolectomia cirúrgica
Indicações incluem embolia maciça com risco de vida imediato e
contraindicação absoluta para trombólise ou ausência de resposta à terapia trombolítica.
Os melhores resultados são observados em casos de obstrução quase total do
tronco da artéria pulmonar ou de seus ramos principais.
Bibliografia
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Treatment of lower extremity deep vein thrombosis. Gregory YH Lip, Russell D Hull. UpToDate, 2011.
Etiologia e fisiopatologia
Para o desenvolvimento da trombose venosa profunda, são necessárias estase
sanguínea, lesão endotelial e hipercoagulabilidade, que em conjunto recebem a
denominação de tríade de Virchow.
Fatores de risco primários incluem hiper-homocisteinemia, fator V de Leiden,
deficiência de proteína S, deficiência de proteína C, síndrome do anticorpo
antifosfolípide, gene mutante da protrombina, desordens do plasminogênio e
desfibrinogenemias, deficiência de anti-trombina e aumento dos fatores VII e VIII.
Os principais fatores de risco secundários incluem cirurgia de quadril, cirurgia
de joelho, traumatismo de membros inferiores, cirurgia abdominal de grande porte, pós-
operatório em unidade de terapia intensiva, restrição ao leito, puerpério, cesária,
gravidez tardia, trombose prévia e câncer abdominal, pélvico ou metastático.
Outros fatores de risco secundários incluem insuficiência cardíaca, doenças
mieloproliferativas, cardiopatia congênita, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença
neurológica com disabilidade, estados de hiperviscosidade, anticoncepcional oral ou
reposição hormonal, obesidade, cateter venoso central, síndrome nefrótica, diálise
crônica e doença inflamatória intestinal.
Achados clínicos
Quando presente, a dor é o principal sintoma, está presente ao repouso e piora
com movimento.
O exame físico deve ser realizado em todos os pacientes com queixas nos
membros inferiores e diariamente em pacientes acamados por qualquer causa, mesmo
que assintomáticos. Os principais sinais encontrados são trajetos venosos por dilatação
de veias superficiais colaterais, cianose, palidez, edema de subcutâneo, edema muscular,
dor à palpação dos trajetos venosos e dor à dorsiflexão do pé com a perna estendida,
conhecida como sinal de Homans. Podem estar presentes febre e taquicardia.
Flegmasia alba dolens é quadro decorrente de trombose do segmento
iliofemoral, caracterizado por dor, edema e palidez no membro acometido. Há
vasoespasmo e diminuição dos pulsos no membro acometido.
Flegmasia cerúlea dolens é quadro decorrente da trombose da totalidade ou
quase totalidade das veias do membro inferior, caracterizado por dor excruciante e
edema intenso, com evolução rápida para cianose e resfriamento. Os dedos tornam-se
quase pretos, com bolhas de conteúdo sero-hemorrágico, e os pulsos distais diminuem.
Escore de Wells
Sinal ou sintoma Pontos
Câncer ativo 1
Paralisia ou imobilização recente 1
Restrição ao leito por mais de três dias ou cirurgia de grande porte há menos de quatro semanas 1
Exames complementares
O D-dímero é um exame limitado pela baixa especificidade de um resultado
positivo, estando sujeito à interferência de diversas situações. Porém, torna-se relevante
por sua alta sensibilidade e pelo alto valor preditivo negativo. Assim, se o D-dímero por
ELISA for negativo em paciente com probabilidade baixa de trombose venosa profunda,
pode-se considerar afastado o diagnóstico.
A ultrassonografia com Doppler vem se firmando como método de escolha para
o diagnóstico de trombose venosa profunda. O diagnóstico é feito pelos achados de
compressibilidade anormal da veia, fluxo anormal, presença de banda ecogênica e
alteração anormal do diâmetro durante a manobra de Valsalva.
A flebografia ou venografia convencional foi considerada por muitos anos o
padrão-ouro para o diagnóstico de trombose venosa profunda. Não é mais recomendada
como exame inicial em função de invasibilidade, uso de contraste nefrotóxico e risco de
complicações inerentes ao método. Seu uso está restrito a alguns pacientes com
probabilidade alta de doença nos quais os exames não invasivos apresentaram resultado
inconclusivo.
A venografia por ressonância magnética possui a mesma acurácia que a
venografia convencional. Dessa forma, pode ser uma boa alternativa para os pacientes
que necessitam de venografia, mas apresentam insuficiência renal ou alergia a contraste
iodado.
O principal uso da venografia por tomografia computadorizada é nos casos em
investigação de tromboembolismo pulmonar. Em um mesmo exame de tomografia
computadorizada, faz-se a avaliação das artérias pulmonares e das veias dos membros
inferiores.
Diagnóstico diferencial
São diversas as patologias que apresentam os sinais e sintomas sugestivos de
trombose venosa profunda. Os principais diagnósticos diferenciais são infecções de
subcutâneo em fase inicial, ruptura muscular, ruptura de cisto de Baker, miosite,
vasculites cutâneas e linfedema.
Tratamento
O objetivo do tratamento da trombose venosa profunda dos membros inferiores é
prevenir a ocorrência de embolia pulmonar e aliviar a estase venosa.
A medida terapêutica mais conhecida é a posição de Trendelemburg, que
promove a diminuição do volume do membro em três a quatro dias através da
estimulação da circulação colateral ou da própria fibrinólise espontânea, que ocorre em
até 30% dos casos nas primeiras horas.
Analgésicos e anti-inflamatórios não-hormonais podem ser ministrados como
sintomáticos. Tão logo se obtenha o alívio da dor e do edema, estimula-se a
deambulação do paciente e o uso de meias elásticas.
Paralelamente a tais medidas, são administrados anticoagulantes com o objetivo
de impedir a progressão do trombo, diminuir o risco de embolia pulmonar e melhorar o
Tratamento anticoagulante
As heparinas têm ação imediata após a administração, com inibição da trombina
e do fator X ativado, enquanto os anticoagulantes orais têm sua ação mais lenta, com
inibição da síntese dos fatores dependentes de vitamina K, os fatores II, VII, IX e X. O
tratamento deve ser iniciado com Heparina e anticoagulante oral simultaneamente,
sempre que possível.
A utilização concomitante se faz necessária até o momento em que o
anticoagulante oral atinja seu pleno efeito. A Heparina é mantida por no mínimo 5 dias,
até o tempo de protrombina atingir níveis terapêuticos, com INR entre 2 e 3 por dois
dias. Durante a gestação, deve ser usada apenas Heparina.
A Heparina Não-Fracionada deve ser infundida por via intravenosa, com dose
inicial e manutenção em infusão contínua. A dosagem deve ser corrigida pelo R do
TTPA a cada 6 horas até dois resultados consecutivos entre 1.5 e 2.5.
A Heparina de Baixo Peso Molecular apresenta maior biodisponibilidade pela
via subcutânea, menor risco de trombocitopenia, resposta anticoagulante altamente
correlacionada com o peso corpóreo, possibilidade de doses fixas sem necessidade de
monitorização e possibilidade de tratamento ambulatorial. Preconiza-se Enoxaparina
1mg/kg em duas doses diárias ou 1.5mg/kg em dose única diária. Em pacientes com
clearance de creatinina inferior a 30mL/minuto preconiza-se dose única diária de
1mg/kg, esquema que não deve ser utilizado em pacientes com insuficiência renal
crônica dialítica. A monitorização com fator Xa é necessária em pacientes com peso
superior a 120-150kg, com insuficiência renal crônica ou gestação.
As complicações relacionadas ao uso de Heparina incluem sangramentos,
plaquetopenia e osteoporose. É necessária a dosagem de plaquetas duas vezes por
semana e considera-se plaquetopenia induzida por Heparina quando queda das plaquetas
em 50% ou queda das plaquetas para nível inferior a 100000/mm3.
Os anticoagulantes orais são antagonistas competitivos da vitamina K. Os
dicumarínicos, como a Varfarina, não agem sobre os fatores já circulantes, mas sobre
aqueles que estão sendo sintetizados no fígado. Para a manutenção do tempo de
protrombina e do INR em nível terapêutico, deve-se administrar esse medicamento
sempre no mesmo horário e nas mesmas condições. Outra particularidade se aplica ao
paciente com deficiência de vitamina C.
As complicações do uso de anticoagulantes orais são hemorragia, reação
alérgica e necrose hemorrágica de pele e tecido celular subcutâneo. A reversão do efeito
anticoagulante é feita com a administração de vitamina K 5mg por via intravenosa ou
10mg por via subcutânea ou oral, sendo necessárias 24-36 horas para normalizar a
coagulação. Em pacientes com necessidade de correção imediata, orienta-se a
administração de plasma fresco congelado na dose de 10-15mL/kg, com repetição a
cada 6-8 horas se necessário.
O anticoagulante oral deve ser usado por um período prolongado, que varia de
acordo com a causa da trombose venosa profunda, sua extensão e história prévia da
doença, confirmada com exame de imagem. O tratamento pode durar de três meses a,
até mesmo, por toda a vida.
Tratamento trombolítico
O tratamento trombolítico deve ser considerado em pacientes com sintomas
Bibliografia
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Medicamentos
Em unidade de terapia intensiva, preconiza-se Insulina por via intravenosa, que é
a forma mais efetiva de alcançar o alvo glicêmico. Em internação hospitalar de paciente
não-crítico, é permitido o uso de Insulina por via subcutânea.
O uso hospitalar das biguanidas é limitado pelo risco de acidose lática,
complicação potencialmente fatal. Fatores de risco incluem insuficiência renal,
hipoperfusão tecidual, idade avançada e doença pulmonar. Em caso de exame
contrastado ou pequeno procedimento, recomenda-se suspender 24 horas antes. Em
unidade de terapia intensiva ou situações que aumentem o risco de insuficiência renal
ou cardíaca, recomenda-se suspender. A reintrodução pode ser feita quando a
administração oral for viável e quando as funções hepática e renal estiverem estáveis.
Sulfoniluréias estão relacionadas a risco aumentado de hipoglicemia. Ajuste de
dose rápido não é factível para atingir alvo em pacientes internados. Em caso de exames
e pequenos procedimentos, recomenda-se suspender no dia e reintroduzir após. Em caso
de cirurgia, internação clínica ou internação em unidade de terapia intensiva,
recomenda-se suspender. A reintrodução pode ser feita quando a administração oral for
viável e quando as funções hepática e renal estiverem estáveis.
As glitazonas apresentam poucos efeitos adversos agudos, mas aumentam o
volume intravascular, com descompensação de insuficiência cardíaca. Não apresentam
benefício de controle imediato de glicemia. Em caso de pequenos procedimentos e
cirurgias, recomenda-se suspender no dia. Em caso de internação clínica ou internação
em unidade de terapia intensiva, recomenda-se suspender. A reintrodução pode ser feita
quando a administração oral for viável e quando as funções hepática e renal estiverem
estáveis.
As glinidas apresentam menor tempo de ação, com menor risco de hipoglicemia
e maior ação no pós-prandial.
Acarbose é pouco potente e apresenta efeitos colaterais gastrointestinais
indesejáveis.
Gliptinas apresentam menor risco de hipoglicemia, mas são pouco potentes.
Insulinoterapia fisiológica
Insulina basal deve corresponder a metade da dose total diária. Opções incluem
NPH em regime de múltiplas doses, Glargina ou Determir em dose única, Insulina
Regular em regime de múltiplas doses e Insulina de infusão contínua subcutânea.
Insulina prandial deve corresponder a metade da dose total diária. Opções
incluem Insulina Regular e análogos de Insulina ultra-rápida. A administração é
realizada antes do café da manhã, antes do almoço e antes do jantar ou ao deitar. O
aporte calórico pode ser proveniente de Soro Glicosado, nutrição enteral, nutrição
parenteral e refeição oral.
O bolus de Insulina pré-prandial pode ser baseado em doses fixas ou baseado em
contagem de carboidratos e fator de correção. Em média, administra-se 1 UI de Insulina
para cada 10-25g de carboidratos ingeridos e considera-se fator de correção com 1U de
Insulina para diminuir 30-100mg/dL de glicose capilar acima do objetivo glicêmico.
Como exemplo de uso de fórmula para cálculo da dose de correção, que será
acrescida à dose relativa à contagem de carboidratos, em caso de objetivo glicêmico de
100mg/dL, fator de correção de 40mg/dL para cada 1UI de Insulina e escala de glicemia
de 70-140mg/dL, a fórmula de correção será glicemia atual – 100 / 40.
Bibliografia
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Glycemic Control in the ICU. Brian P. Kavanagh and Karen C McCowen. N Engl J Med 2010;363:2540-6.
Curso de insulinoterapia hospitalar. NEAD – Núcleo de Excelência em Atendimento ao Paciente Diabético da Unidade de Diabetes
do Serviço de Endocrinologia e Metabologia da DCM-1 do Hospital das Clínicas da Daculdade de Medician da USP.
Valores de referência
pH 7.40 ± 0.05 Saturação de O2 95-98%
pO2 80-100mmHg Ânion gap 10 ± 2mEq/L
pCO2 40 ± 5mmHg ∆AG / ∆HCO3- 1.0-1.6
[HCO3-] 24 ± 2mEq/L Osmolaridade estimada 290 ± 5mOsm/kg de H2O
Base excess 0 ± 2mEq/L Gap osmolar Até 10mOsm/kg
Etiologia e fisiopatologia
Para a manutenção do equilíbrio acidobásico e de um pH constante, necessita-se
de um adequado funcionamento dos rins, para eliminação dos ácidos fixos, e dos
pulmões, para eliminação do dióxido de carbono.
Desvios do pH afetam o desempenho orgânico e tecidual. Nesse sentido, existem
sistemas-tampão, que são sistemas químicos que tendem a manter o pH constante,
apesar da adição de ácidos ou bases ao meio interno. O principal tampão do extracelular
é o bicarbonato-ácido carbônico e o principal tampão do intracelular é o fosfato.
Os distúrbios podem ser respiratórios Distúrbios pH HCO3- pCO2
e/ou metabólicos. Cada distúrbio acidobásico Acidose metabólica ↓ ↓ ↓
simples leva à resposta compensatória que tende Alcalose metabólica ↑ ↑ ↑
a manter o pH o mais próximo do normal, porém Acidose respiratória ↓ ↑ ↑
Alcalose respiratória ↑ ↓ ↓
sem conseguir normalizá-lo.
A compensação respiratória de um distúrbio metabólico começa em minutos e
está completa em horas, enquanto que a resposta metabólica completa para um distúrbio
respiratório leva de três a cinco dias. Dessa forma, a compensação metabólica de
distúrbios respiratórios tem uma fase aguda, de pequena monta, dependente unicamente
dos sistemas-tampão, e uma fase crônica, dependente da excreção renal de ácido.
Habitualmente, em um distúrbio respiratório agudo, o bicarbonato não varia mais do
que 3-5mEq/L.
Exames complementares
Dependem da história, do exame físico e das hipóteses diagnósticas. Entretanto,
alguns exames úteis para a correta interpretação dos distúrbios acidobásicos são:
- Gasometria e lactato arteriais;
- Sódio, potássio e cloro séricos;
- Glicemia;
- Função renal;
- Cetoácidos na urina e/ou no sangue;
Em algumas circunstâncias podem ser solicitados cálculo direto da osmolaridade
sérica e perfil toxicológico.
Acidose metabólica
Inicialmente, deve-se calcular o ânion gap sérico.
O ânion gap urinário ajuda na diferenciação entre as acidoses metabólicas com
ânion gap normal. Funciona como uma estimativa da excreção renal de NH4+, que é
excretado como NH4Cl, com aumento do cloro urinário e ânion gap urinário negativo,
entre -20mEq/L e -50mEq/L. Em outras palavras, quando o rim não é a causa primária
da acidose metabólica, excreta ácido na vigência de acidose, como seria de se esperar.
Nas acidoses hiperclorêmicas de origem renal, portanto, o ânion gap urinário é positivo,
indicando um defeito na excreção renal de amônio.
A acidose tubular renal, por definição, é uma síndrome clínica caracterizada por
hipercloremia, acidose metabólica e prejuízo da acidificação urinária desproporcionais
ao déficit de filtração glomerular. Os tipos I, distal, e II, proximal, podem ser
congênitos ou adquiridos e associam-se a baixos níveis de potássio. O tipo IV é
adquirido e relacionado a hipoaldosteronismo hiporreninêmico.
Tratamento
Graus leves de acidose metabólica são agudamente bem tolerados. Entretanto,
em maior intensidade, com pH inferior a 7.10, a contratilidade miocárdica é diminuída e
ocorre diminuição da resistência periférica.
O tratamento da acidose metabólica dependerá da causa. Exceto em situações de
Alcalose metabólica
Etiologia:
- Contração de volume, como em vômitos, sonda naso-gástrica aberta,
adenoma viloso dos cólons, uso de diuréticos, estados edematosos,
depleção de potássio ou magnésio, recuperação de acidose metabólica,
síndrome de Bartter, síndrome de Gitelman e uso de ânions não
absorvíveis como Penicilina e Carbenicilina;
- Expansão de volume com renina alta, como em estenose de artéria renal
e hipertensão acelerada maligna, e com renina baixa, como em
hiperaldosteronismo primário, síndrome de Cushing, síndrome de Liddle
e defeitos enzimáticos adrenais hereditários;
- Carga exógena de base, como em uso de Bicarbonato, Citrato, Acetato,
antiácidos e resina de troca aniônica;
Acidose respiratória
Acidose respiratória aguda frequentemente é uma urgência médica.
Mecanismos:
- Neuromuscular, como em deformidade da caixa torácica, distrofias
musculares, miastenia gravis e poliomielite;
- Pulmonar, como em barotrauma, doença pulmonar obstrutiva crônica e
síndrome da angústia respiratória aguda;
- Rebaixamento do nível e consciência, como em acidente vascular
encefálico, infecção e uso de anestésicos, Morfina e benzodiazepínicos;
- Vias aéreas, como em asma e obstrução;
- Hipercapnia permissiva;
- Hipoventilação;
- Obesidade;
Deve-se tratar a causa de base.
Alcalose respiratória
Raramente ocorre pH superior a 7.55 e, consequentemente, manifestações graves
geralmente estão ausentes. A exceção é a síndrome de ansiedade e hiperventilação.
Causas:
- Ação no sistema nervoso central, como ansiedade, acidente vascular
encefálico, dor, febre, meningite, trauma e tumores;
- Hipóxia, como ocorre em altas altitudes, anemia grave, aspiração,
edema pulmonar e pneumonia;
- Estímulo dos receptores torácicos, como ocorre em hemotórax, derrame
pleural, embolia pulmonar e insuficiência cardíaca congestiva;
- Efeito hormonal, como ocorre na gravidez e no uso de progesterona;
- Hiperventilação mecânica;
Deve-se tratar a causa de base.
Bibliografia
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
Conceito
A hiponatremia é definida como sódio sérico inferior a 135mEq/L
Etiologia e fisiopatologia
Hiponatremia isotônica
Pseudo-hiponatremia ou hiponatremia isotônica pode ocorrer em graves
hipertrigliceridemias ou quando há substancial quantidade de paraproteínas no sangue.
Ocorre apenas com o uso de equipamentos de espectrofotometria de chama, que
detectam apenas o sódio em fase aquosa. Não ocorre com o uso de equipamentos com
eletrodos íon-específicos.
Hiponatremia hipertônica
Em indivíduos com hiperglicemia ou uso de Manitol intravenoso, o aumento da
osmolaridade ocasiona perda de sódio através de diurese osmótica e translocação de
água do intracelular para o extracelular, com hiponatremia hipertônica. Há componente
translocacional, podendo-se corrigir o sódio com a fórmula Na+ corrigido = Na+
medido + 1.6 x [(glicemia – 100) / 100]. Mensurações do sódio por ionometria não
apresentam essa distorção.
Hiponatremia hipotônica
Deve-se buscar sinais de aumento do volume do espaço extracelular, como
ascite e edema de membros inferiores, que podem indicar hiponatremia hipotônica
hipervolêmica. As principais causas são insuficiência cardíaca, insuficiência hepática,
insuficiência renal e síndrome nefrótica. Quanto menor o sódio, pior o prognóstico do
paciente.
Sinais ou sintomas de desidratação indicam hiponatremia hipotônica
hipovolêmica. O paciente pode perder sódio pelos rins, com sódio urinário superior a
20mEq/L, como em uso de diuréticos, hiperglicemia com diurese osmótica,
insuficiência adrenal, nefropatia perdedora de sal e acidose tubular renal, ou apresentar
perdas extra-renais, com sódio urinário inferior a 10mEq/L, como em diarreia, vômitos,
hemorragia, esmagamento muscular, queimaduras e perda de fluidos para o terceiro
espaço em pancreatite, obstrução intestinal e peritonite.
Em caso de hiponatremia com volemia normal, ou seja, na ausência de estado
edematoso ou de desidratação, há hiponatremia hipotônica euvolêmica. Se houver
possibilidade de hipotireoidismo, deve-se dosar hormônio tireo-estimulante (TSH) e T4
livre. Se houver possibilidade de insuficiência adrenal, em pacientes com dor
abdominal, hipotensão, vômitos, escurecimento da pele e/ou hiponatremia acompanhada
de hipercalemia, deve-se internar o paciente e investigar. Se houver possibilidade de
transtorno psiquiátrico, deve-se investigar a ocorrência de polidipsia primária,
caracterizada por ingesta compulsiva de muitos litros de água. Deve-se ainda considerar
a possibilidade de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e de uso de
Quadro clínico
Sintomas sistêmicos incluem fraqueza, adinamia, anorexia, fadiga, vômitos e
mal-estar. Manifestações neurológicas costumam ser progressivas e dependem do valor
do sódio sérico e da velocidade de instalação, com sonolência, confusão, convulsões e
coma. Outros sinais e sintomas dependem da etiologia da hiponatremia.
O grau de sintomatologia vai depender não só do nível sérico do sódio, mas,
principalmente, da rapidez com que se instalou o distúrbio.
Avaliação complementar
Além do sódio sérico, do sódio urinário e da glicemia, outros exames podem ser
necessários para o diagnóstico da causa da hiponatremia, como medida direta da
osmolaridade plasmática, dosagem de hormônio tireo-estimulante (TSH) e T4 livre,
dosagem de cortisol sérico basal e após estimulação com cortrosina (ACTH),
radiografia ou tomografia computadorizada de tórax e tomografia computadorizada de
crânio.
Diagnóstico diferencial
Podem simular hiponatremia intoxicações exógenas agudas, hipoglicemia,
hipóxia, hematoma subdural crônico, epilepsia, tumores do sistema nervoso central,
acidente vascular cerebral, sepse e hipercalcemia.
Fórmula de correção
A variação esperada do sódio sérico com um litro de qualquer solução pode ser
calculada com a fórmula ∆[Na+] = ([Na+] infusão – [Na+] doente) / (água corporal
total + 1).
A preparação utilizada é o Cloreto de Sódio (NaCl) a 3%, com 513mEq/L de
sódio, que pode ser elaborado com 150mL de NaCl a 20% diluído em 850mL de Soro
Glicosado a 5% ou Água Destilada. Já a água corporal total depende do sexo e da idade:
População Água corporal total (peso em Kg)
Homem jovem, com idade inferior a 65 anos Peso x 0.6
Homem idoso, com idade igual ou superior a 65 anos Peso x 0.5
Mulher jovem, com idade inferior a 65 anos Peso x 0.5
Mulher idosa, com idade igual ou superior a 65 anos Peso x 0.45
Recomenda-se variação máxima de 0.5-1.0mEq/L/hora e máximo de 12mEq/L
em 24 horas, com aumento do sódio sérico em 3mEq/L nas primeiras três horas de
tratamento e em mais 9mEq/L nas próximas vinte e uma horas, além de restrição
hídrica, Furosemida intravenosa, avaliação da necessidade de bloqueio do hormônio
antidiurético e tratamento da causa de base.
Complicações
A complicação mais temível é a desmielinização osmótica do sistema nervoso,
central, pontina e extra-pontina, relacionada ao aumento rápido iatrogênico do sódio
sérico. Há maior risco relacionado a mulheres jovens, em que a excreção de osmóis é
Hipernatremia
Conceito
Hipernatremia é definida como uma concentração sérica de sódio superior a
145mEq/L.
Etiologia e fisiopatologia
As principais causas de hipernatremia são medicamentos, como diuréticos de
alça, Lítio, Anfotericina B, Foscarnet e Demeclociclina, alterações eletrolíticas, como
hipercalcemia e hipocalemia, hiperglicemia com diurese osmótica e perda de água,
doença renal intrínseca com perda de água livre, fase poliúrica da necrose tubular
aguda, perdas pelo trato gastrointestinal, como vômitos, diarreia, fístulas e sonda naso-
gástrica, perdas pela pele, como em queimadura ou sudorese excessiva, e diabetes
insípidus, que pode ser central ou nefrogênico.
Dentre as causas de hipernatremia, deve-se atentar para o diabetes insípidus. A
principal característica é a perda de água livre pelos rins pela falta absoluta de
vasopressina ou pela resistência tubular à sua ação. Há aumento do sódio plasmático e
inapropriada urina hipotônica. O diabetes insípidus pode ser de etiologia idiopática,
central, como em trauma crânio-encefálico, tumores do sistema nervoso central, cistos,
histiocitose, tuberculose, sarcoidose, aneurismas, meningite, encefalite, linfoma,
encefalopatia anóxica, lúpus eritematoso sistêmico, granulomatose de Wegener e
síndrome de Guillain-Barré, ou nefrogênica, congênita ou adquirida, como em
hipercalcemia, hipocalemia, doença cística medular, obstrução crônica baixa de vias
urinárias com hidronefrose, necrose tubular aguda, anemia falciforme, sarcoidose,
amiloidose e uso de Carbonato de Lítio, Demeclociclina, Foscarnet, Anfotericina B,
aminoglicosídeos, Cisplatina e Rifampicina.
Quadro clínico
O achado clínico predominante costuma ser profunda desidratação, com
mucosas ressecadas. A hipernatremia ocasiona sede intensa, fraqueza muscular,
confusão mental, déficit neurológico focal, convulsões e coma. As alterações osmóticas
desencadeadas pela hipernatremia no sistema nervoso central podem ocasionar ruptura
vascular, sangramento cerebral, hemorragia subaracnóidea e sequela neurológica
permanente. Deve-se ter cautela ao atribuir déficits neurológicos localizatórios a
Avaliação complementar
O diagnóstico é feito com a dosagem sérica do sódio. Outros exames deverão ser
solicitados de acordo com a hipótese diagnóstica, como osmolalidade sérica,
osmolalidade urinária, glicemia, potássio sérico, cálcio sérico e tomografia
computadorizada de crânio.
Diagnóstico diferencial
A hipernatremia costuma ocorrer em indivíduos que não têm ou não conseguem
ter acesso à água, seja por doença neurológica prévia, seja porque o quadro atual é
doença grave ou doença neurológica ativa.
Em caso de volume extracelular aumentado, deve-se considerar o uso excessivo
de Bicarbonato de Sódio. Em caso de volume extracelular normal ou diminuído, deve-se
avaliar a osmolalidade urinária e o débito urinário. Se urina hipotônica, com
osmolalidade inferior a 250mOsm/L, há diabetes insípidus e o teste com vasopressina
poderá causar aumento da osmolalidade urinária em caso de etiologia central e mínima
alteração da osmolalidade urinária em caso de etiologia nefrogênica. Se urina
concentrada e com débito urinário inferior a 500mL/dia, deve-se considerar perdas pelo
trato gastrointestinal, perdas insensíveis e falta de acesso à água.
Tratamento
O tratamento da hipernatremia tem como objetivos hidratar o paciente, manter a
volemia, corrigir a instabilidade hemodinâmica, evitar a redução rápida e brusca do
sódio e tratar a causa de base. O uso de fórmulas para correção do sódio simplifica o
manejo do paciente, já que permite o cálculo da variação esperada do sódio com um
litro de qualquer solução.
Em pacientes hipovolêmicos, a prioridade é a infusão de Soro Fisiológico até a
estabilização hemodinâmica, com pressão arterial e pulso adequados. Após a
estabilização hemodinâmica, deve-se iniciar o uso de soro hipotônico.
O tratamento do diabetes insípidus central consiste na reposição nasal de
Desmopressina (DDAVP), com 10mcg de 8/8 horas, início de ação em uma hora e
efeito por até seis horas. Na impossibilidade de administração intranasal, utiliza-se
apresentação parenteral, com 4mcg/mL, início de ação em trinta minutos e dose de 1-
2mcg por via subcutânea ou intravenosa até de 8/8 horas.
Fórmula de correção
A variação esperada do sódio sérico com um litro de qualquer solução pode ser
calculada com a fórmula ∆[Na+] = ([Na+] infusão – [Na+] doente) / (água corporal
total + 1). As preparações utilizadas são o Soro Glicosado, com zero de sódio, o Cloreto
de Sódio a 0.9% ou Soro Fisiológico, com 154mEq/L de sódio e o Cloreto de Sódio a
0.45% ou Soro ao Meio, com 77mEq/L de sódio. Recomenda-se variação máxima de
0.5-1.0mEq/L/hora e máximo de 12mEq/L em 24 horas.
Hipocalemia
Conceito
Etiologia e fisiopatologia
Diminuição da ingesta isoladamente é causa rara.
Translocação do extracelular para o intracelular pode ocorrer em alcalose
metabólica, uso de medicações como Insulina, β-adrenérgicos, Teofilina, Cafeína,
Vitamina B12 e Ácido Fólico, paralisia periódica hipocalêmica e tireotoxicose.
Perdas pelo trato gastrointestinal ocorrem através de diarreia e vômitos.
Perdas renais são responsáveis pela maioria dos casos de hipocalemia crônica e
podem estar associadas a medicamentos, como diuréticos de alça e tiazídicos, estados
associados a hiperaldosteronismo e hipertensão arterial, como hiperaldosteronismo
primário, estenose de artéria renal, hipertensão acelerada maligna, síndrome de Cushing,
hiperfunção do néfron distal ou síndrome de Liddle e deficiência congênita da enzima
11β hidroxiesteroide desidrogenase, e estados associados a hiperaldosteronismo sem
hipertensão arterial, como síndrome de Bartter e hipovolemia absoluta ou relativa.
Outras causas incluem Anfotericina B, Penicilina em altas doses e sudorese
excessiva.
Quadro clínico
As manifestações clínicas dependem da gravidade da hipocalemia, da velocidade
de instalação da hipocalemia e das doenças de base. Nas hipocalemias mais graves, com
potássio sérico inferior a 2.5mEq/L, podem ocorrer fraqueza generalizada passível de
progredir até tetraplegia flácida, rabdomiólise, íleo paralítico, poliúria decorrente de
tubulopatia e distúrbios do ritmo cardíaco, com extra-sístoles e arritmias.
Exames complementares
As alterações eletrocardiográficas podem ser sutis e incluem ondas U,
achatamento da onda T, depressão do segmento ST, arritmias, principalmente em
cardiopatas e usuários de digitálicos, atividade elétrica sem pulso e assistolia.
Excreção urinária de potássio inferior a 15mEq/dia indica origem extra-renal,
como em sudorese, vômitos e diarreia, enquanto que excreção urinária de potássio
superior a 15mEq/dia indica perda renal de potássio, que pode ser por alteração tubular
ou por hiperaldosteronismo.
Nos casos de perda renal de potássio, o gradiente transtubular de potássio pode
ser calculado com a fórmula (K+ urinário / K+ sérico) / (osmolalidade urinária /
osmolalidade sérica). Quando inferior a 2 indica diurese osmótica, nefropatia perdedora
de sal ou uso atual de diuréticos. Quando superior a 4 na vigência de acidose metabólica
indica cetoacidose diabética, uso de Anfotericina ou acidose tubular renal tipo 1 ou 2.
Quando superior a 4 na vigência de alcalose metabólica indica hiperaldosteronismo,
síndrome de Liddle, deficiência de 11β hidroxiesteroide desidrogenase,
hipomagnesemia, abuso de diuréticos ou síndrome de Bartter.
Deve-se solicitar magnésio sérico.
Acidose metabólica pode indicar perda de potássio pelo trato gastrointestinal.
Alcalose metabólica pode indicar excesso de diuréticos em tempo remoto ou vômitos.
Outros exames deverão ser solicitados de acordo com a suspeita clínica e
incluem aldosterona sérica e atividade de renina plasmática, que podem ser úteis em
caso de hiperaldosteronismo primário, estenose de artéria renal e síndrome de Liddle,
Doppler de artérias renais, que pode ser útil na suspeita de estenose de artéria renal, e
dosagem de hormônio tireo-estimulante (TSH) e de T4 livre, que pode ser útil na
Diagnóstico diferencial
Inclui o diagnóstico das condições que podem levar à hipocalemia e das
condições que podem simular hipocalemia em indivíduos com potássio sérico normal.
Tratamento
O tratamento da hipocalemia abrange suporte clínico, tratamento da doença de
base e reposição de potássio.
O grau de depleção de potássio corporal é variável, mas, como regra geral, para
cada 1mEq/L de redução na concentração sérica há um déficit corporal total de 150-
400mEq. Por esse motivo, após a correção da concentração sérica do potássio, é
necessária a manutenção da reposição durante vários dias a várias semanas.
Cloreto de Potássio (KCl) xarope a 6% contém 12mEq de potássio em 15mL,
com dose usual de 10-20mL por via oral após as refeições, três a quatro vezes ao dia.
Cloreto de Potássio (KCl) xarope a 10% contém 13mEq de potássio em 10mL. Cloreto
de Potássio (KCl) comprimido de 600mg contém 8mEq de potássio, com dose usual de
1-2 comprimidos por via oral após as refeições, três a quatro vezes ao dia. Cloreto de
Potássio (KCl) a 19.1% contém 2.5mEq/mL de potássio, com ampolas disponíveis de
10mL e administração por via intravenosa.
A via oral é prioritária em função da segurança. Deve-se evitar o uso de potássio
intravenoso quando a concentração sérica for superior a 3mEq/L. Soluções de potássio
muito concentradas devem ser evitadas, pois podem causar flebite, sendo recomendada
concentração máxima em veia periférica de 40mEq/L e em veia central de 60mEq/L. A
velocidade ideal para reposição intravenosa de potássio é de 5-10mEq/hora e a
velocidade máxima para reposição intravenosa de potássio é 20-30mEq/hora. Em
situações de hipocalemia, deve-se evitar repor potássio em soluções com glicose, que
estimula a liberação de Insulina e pode piorar a hipocalemia. Após a normalização do
potássio, deve-se continuar a reposição por via oral por dias a semanas.
Complicações
Aquelas relacionadas ao tratamento incluem hipercalemia iatrogênica,
sobrecarga de volume, edema pulmonar e flebite.
Hipercalemia
Conceito
Hipercalemia é definida pela concentração sérica de potássio superior a 5mEq/L.
Etiologia e fisiopatologia
Deve-se sempre estar atento para a possibilidade de uma pseudo-hipercalemia,
que pode estar associada a coleta inadequada, com agulha fina, garroteamento firme,
tubo a vácuo e demora para o processamento da amostra, ou a estados com aumento do
número de células hematológicas, como leucocitose, poliglobulias e trombocitose. Se
houver suspeita, deve ser colhida uma nova amostra de sangue fresco heparinizado com
técnica rigorosa para evitar hemólise.
Acidose metabólica promove um deslocamento do potássio intracelular para o
meio extracelular.
Aumento da ingesta pela dieta raramente causa hipercalemia, mas pode ter um
papel importante se houver associação com insuficiência renal ou uso de agentes que
Quadro clínico
As manifestações clínicas são inespecíficas e podem se confundir com a própria
doença de base, com fraqueza, adinamia, insuficiência respiratória, parestesias, fraqueza
muscular, diminuição de reflexos, paralisia flácida ascendente, extra-sístoles, bloqueio
atrioventricular, fibrilação ventricular e assistolia. Manifestações específicas de cada
doença podem estar sobrepostas.
Avaliação complementar
O eletrocardiograma pode ser muito útil. As principais alterações incluem onda
T apiculada, achatamento da onda P, prolongamento do intervalo PR, alargamento do
complexo QRS, ritmo idioventricular, formação de onda sinusoidal, fibrilação
ventricular e assistolia.
Outros exames deverão ser solicitados de acordo com a suspeita clínica, como
função renal, gasometria e urina I para identificar causa renal, glicemia e cetonúria para
identificar descompensação diabética, creatinofosfoquinase para identificar
rabdomiólise e exames de função adrenal para identificar síndrome de Addison.
Diagnóstico diferencial
Inclui o diagnóstico das condições que podem levar a hipercalemia e das
condições que podem simular hipercalemia em indivíduos com potássio sérico normal.
Tratamento
O tratamento depende da severidade da hipercalemia e da condição clínica do
paciente. Promovem translocação do potássio do extracelular para o intracelular β2
agonista inalatório, Bicarbonato de Sódio e solução polarizante. Promovem diminuição
do potássio corporal diurético de alça, como a Furosemida, resinas trocadoras de íons,
como a Sulfona Poliestireno de Cálcio (Sorcal), e métodos dialíticos. Promove
estabilização elétrica do miocárdio sem alterar o potássio sérico Gluconato de Cálcio.
A Sulfona Poliestireno de Cálcio (Sorcal) não é absorvida e pode causar
constipação. Recomenda-se que seja diluída com um laxante, como Manitol ou Sorbitol.
A via preferencial é a oral, mas se houver vômitos pode-se utilizar a via retal com
enema de retenção, em que a dose é dobrada.
Complicações
Aquelas associadas ao tratamento da hipercalemia incluem hipoglicemia ou
hiperglicemia, sobrecarga de volume, edema agudo de pulmão e diarreia.
Hipocalcemia
Conceito
A hipocalcemia é definida como cálcio total inferior a 8.5mg/dL ou cálcio
ionizado inferior aos limites da normalidade. A hipoalbuminemia pode levar a
mensuração de cálcio total diminuída e, por esse motivo, a concentração do cálcio
sérico deve ser ajustada para a concentração de albumina através da fórmula Ca++
corrigido = Ca++ medido + [(4 – albumina) x 0.8].
Etiologia e fisiopatologia
Dentre as principais causas de hipocalcemia destacam-se alcalose, sepse,
hipoparatireoidismo primário, hipoparatireoidismo pós-cirúrgico, pseudo-
hipoparatireoidismo, hipomagnesemia, hiperfosfatemia, drogas anticonvulsivantes,
hipovitaminose D, doença hepática crônica, síndrome nefrótica, disfunções tubulares,
raquitismo dependente de vitamina D, pancreatite, metástases osteoblásticas de
carcinoma de próstata e uso de fármacos, como Heparina, aminoglicosídeos,
Quadro clínico
A hipocalcemia afeta praticamente todos os órgãos, porém os sintomas são mais
proeminentes nos sistemas neuromuscular e cardiovascular. O início dos sintomas está
mais relacionado com a velocidade da queda da concentração do cálcio do que com os
níveis de cálcio observados. Além disso, o determinante dos sintomas é o cálcio
ionizado.
Nos sistemas neuromuscular e tegumentar, podem ocorrer cãibras, hiperreflexia,
parestesias de extremidades e periorais, tetania, convulsões, laringoespasmo,
broncoespasmo, pele seca, alopecia, alterações dentárias, calcificação dos núcleos da
base, sinal de Chvostek e sinal de Trosseau. O sinal de Chvostek consiste na percussão
do nervo facial em seu trajeto a cerca de 2cm do lobo da orelha, com contrações dos
músculos perilabiais ipsilaterais. O sinal de Trosseau é obtido insuflando o
esfigmomanômetro 20mmHg acima da pressão sistólica por três minutos, com
contração do músculo adutor do polegar, flexão metacarpofalangeana, extensão
interfalangeana e flexão do punho. A hipocalcemia grave também é associada a
papiledema e, ocasionalmente, neurite óptica, que tendem a melhorar com a correção do
distúrbio eletrolítico. Cataratas e, menos frequentemente, ceratoconjuntivite podem
ocorrer.
No sistema cardiovascular pode ocorrer hipotensão refratária, bradicardia,
bloqueio atrioventricular total, arritmias, diminuição da contratilidade cardíaca com
sintomas de insuficiência cardíaca e alargamento do intervalo QT.
Avaliação complementar
Na fase aguda deve-se proceder da mesma forma que na hipercalcemia, com
solicitação dos exames direcionados para a suspeita clínica.
O comportamento dos níveis séricos de fósforo pode auxiliar na identificação da
etiologia da hipocalcemia. A hiperfosfatemia sugere hipoparatireoidismo, pseudo-
hipoparatireoidismo e insuficiência renal, enquanto que a hipofosfatemia é comumente
observada em casos de hiperparatireoidismo secundário por diminuição da produção
renal de calcitriol e em outros distúrbios da vitamina D.
Medidas séricas do PTH podem distinguir os pacientes com hipoparatireoidismo
primário daqueles com pseudo-hipoparatireoidismo.
Diagnóstico diferencial
Abrange tétano, miotonias, hipertermia maligna, distúrbios extrapiramidais,
convulsões e insuficiência cardíaca.
Tratamento
Em todos os casos, deve-se tratar a patologia de base e suspender sempre que
possível os fármacos que induzem hipocalcemia. A hipocalcemia sintomática deve ser
tratada com urgência em virtude da possibilidade de tetania, convulsões, arritmias e
laringoespasmo ou broncoespasmo. Para fins didáticos, a hipocalcemia pode ser
considerada leve quando ocorrer uma queda inferior a 20% do cálcio ionizado sem a
presença de sintomas ou grave quando ocorrer uma queda superior a 20% e/ou a
presença de sintomas. Os demais eletrólitos devem ser avaliados em conjunto e
corrigidos inicialmente, em especial o magnésio e o potássio. Sugere-se a reposição de
2g de Sulfato de Magnésio em 100mL de Soro Fisiológico em dez minutos como
esquema de reposição.
Hipercalcemia
Conceito
Hipercalcemia é definida como cálcio sérico superior a 10.5mg/dL e cálcio
iônico superior ao limite da normalidade.
Etiologia e fisiopatologia
A causa mais comum de hipercalcemia ambulatorial é o hiperparatireoidismo
primário, enquanto que no ambiente hospitalar é a hipercalcemia humoral maligna.
As causas endocrinológicas incluem hiperparatireoidismo primário e secundário,
hipertireoidismo, acromegalia e feocromocitoma.
As neoplasias podem causar hipercalcemia por meio de dois mecanismos
principais:
- Produção de um peptídeo denominado PTH related peptide (PTHrp),
geralmente encontrado em tumores de células escamosas, como os de
pulmão, laringe, esôfago, colo uterino e pele, além de tumores de rins,
bexiga, ovário, endométrio e mama, com a denominação de
hipercalcemia humoral maligna;
- Produção de fatores osteolíticos locais, principalmente no câncer de
mama e no mieloma múltiplo;
Mais raramente, alguns tipos de linfomas podem secretar 1,25 dihidróxi-
vitamina D e outros tumores podem secretar PTH, causando hiperparatireoidismo
ectópico.
Doenças infecciosas granulomatosas, como tuberculose, hanseníase,
histoplasmose e outras doenças fúngicas, assim como condições não-infecciosas
granulomatosas, como sarcoidose, granulomatose de Wegener e granuloma eosinofílico,
são associadas com produção aumentada de 1,25 dihidróxi-vitamina D e, portanto, com
absorção intestinal aumentada de cálcio. Outras causas de hipercalcemia são
imobilização no leito, intoxicação por ingesta de vitamina D durante reposição em doses
inadequadas, uso de diuréticos tiazídicos, tireotoxicose, insuficiência renal crônica, uso
Quadro clínico
Os sintomas são inespecíficos e podem inexistir ou se confundir com os
sintomas de outras patologias. O quadro clínico se torna mais acentuado quando o nível
de cálcio ultrapassa 12mg/dL.
No sistema gastro-intestinal pode ocorrer mal-estar geral, náusea, vômitos,
constipação e pancreatite. Dor abdominal e úlcera gástrica podem estar presentes.
No sistema cardiovascular, pode ocorrer aumento da resistência vascular,
alteração da contratilidade cardíaca com surgimento de arritmias, encurtamento do
intervalo QT e predisposição para intoxicação digitálica.
No sistema renal, pode ocorrer poliúria por ativação do receptor sensor do
cálcio, polidipsia, desidratação e hipovolemia. A excreção aumentada de cálcio
predispõe à litíase renal.
No sistema neurológico, pode ocorrer confusão mental, rebaixamento do nível
de consciência e até coma.
Avaliação complementar
Na avaliação inicial da hipercalcemia, deve-se dosar o cálcio iônico. Se esse
exame não estiver disponível, o cálcio total deve ser avaliado junto com a albumina,
com correção do valor obtido através de fórmula específica (cálcio total em mg/dL =
cálcio total aferido em mg/dL + 0.8 x [3.5 – albumina aferida em g/dL]). A dosagem
alterada do cálcio deve sempre ser repetida para confirmar o diagnóstico e excluir os
erros de análise laboratorial ou de coleta.
No atendimento de urgência, deve-se dosar também potássio, sódio, magnésio,
fósforo, glicose, uréia e creatinina. Deve-se solicitar um eletrocardiograma e outros
exames de acordo com as hipóteses diagnósticas formuladas. Deve-se dosar o
paratormônio, que quando elevado sugere o diagnóstico de hiperparatireoidismo
primário, podendo também corresponder a uso de Lítio e a hipercalcemia hipocalciúrica
familiar. Valores normais de paratormônio indicam a necessidade de pesquisar
eventuais neoplasias ou outras afecções que cursam com hipercalcemia.
História, exame físico, radiografia de tórax, paratormônio, 1,25 dihidróxi-
vitamina D, fosfato e fração de excreção de cálcio apresentam acurácia diagnóstica de
99%. Também podem ser solicitadas radiografias de crânio e ossos longos em caso de
suspeita de mieloma múltiplo e cintilografia óssea em caso de suspeita de outras
neoplasias com metástase óssea.
Tratamento
O tratamento da hipercalcemia consiste na terapêutica específica da doença de
base e na correção da calcemia no serviço de emergência. Na hipercalcemia leve, com
cálcio total entre o limite superior da normalidade e 12mg/dL e cálcio ionizado entre o
limite superior da normalidade e 6mg/dL, geralmente os pacientes são assintomáticos e
o tratamento deve ser direcionado à doença de base, com repetição da dosagem e
monitorização dos níveis séricos. Na hipercalcemia moderada, caracterizada por níveis
séricos de cálcio total de 12-13.9mg/dL e de cálcio ionizado de 6-6.9mg/dL, os
pacientes já apresentam sintomas e deve ser instituída terapêutica específica. Na
hipercalcemia grave, com níveis de cálcio total superiores ou iguais a 14mg/dL e de
cálcio ionizado superiores ou iguais a 7mg/dL, os sintomas são mais pronunciados e
deve ser instituído o tratamento de urgência.
1. Medidas gerais:
Hipomagnesemia
Conceito
A hipomagnesemia é definida como magnésio sérico inferior a 1.7mg/dL, sendo
grave quando inferior a 1.2mg/dL.
Etiologia e fisiopatologia
Perdas gastrointestinais, como em drenagem por sonda naso-gástrica
prolongada, vômitos, diarreia aguda ou crônica, má-absorção, esteatorreia, ressecção
intestinal extensa, fístula intestinal, hipomagnesemia intestinal primária, pancreatite
aguda, desnutrição grave e síndrome de realimentação.
Quadro clínico
Manifestações do sistema nervoso central incluem confusão, irritabilidade,
delírios, alucinações e rebaixamento do nível de consciência.
Manifestações do sistema neuromuscular incluem tetania, sinal de Chvostek,
sinal de Trosseau, espasmo carpopodal, convulsões generalizadas ou focais,
hiperreflexia, clônus, fasciculação muscular, tremores, fraqueza muscular, dificuldade
nos movimentos finos, insônia, nistagmo, ataxia, vertigem, disartria e movimentos
musculares involuntários atetoides ou coreiformes de extremidades.
Manifestações cardíacas incluem taquicardia sinusal ou nodal, extra-sístoles
ventriculares ou supra-ventriculares, arritmias, depressão do segmento ST e
achatamento ou inversão de onda T.
Manifestações gastrointestinais incluem anorexia, vômitos, íleo paralítico e má-
absorção.
Manifestações eletrolíticas incluem hipocalemia e hipocalcemia.
Outras manifestações incluem incontinência urinária e púrpura.
Tratamento
Devem ser tratados todos os pacientes com manifestações clínicas de
hipomagnesemia ou que apresentem complicações possivelmente decorrentes de déficit
de magnésio, mesmo que o nível sérico não esteja baixo, já que nem sempre reflete o
magnésio corpóreo total. Além disso, é necessário investigar a causa do distúrbio
eletrolítico e enfatizar sua correção sempre que possível.
A reposição por via oral é preferencial, principalmente em pacientes
assintomáticos, já que a infusão aguda de magnésio pode diminuir a reabsorção renal na
alça de Henle. As apresentações orais contém Pidolato de Magnésio, equivalente a
130mg, 5mmol ou 10mEq do elemento, com posologia preconizada de dois a quatro
flaconetes por dia. Não devem ser utilizadas preparações à base de fosfatos. Em caso de
tratamento com Tetraciclinas ou preparações à base de cálcio por via oral, recomenda-se
respeitar intervalo de pelo menos três horas. Pode ocasionar diarreia.
A reposição intravenosa é indicada para hipomagnesemia moderada a grave
sintomática. Se houver hipocalcemia associada, a reposição de magnésio deve ser
mantida por três a cinco dias. Sulfato de Magnésio a 10%, com ampola de 10mL,
contém 0.81mEq/mL. Sulfato de Magnésio a 20%, com ampola de 10mL, contém
1.62mEq/mL. Sulfato de Magnésio a 50%, com ampola de 10mL, contém 4.05mEq/mL.
Preconiza-se infusão de 1-2g de Sulfato de Magnésio por hora durante três a seis horas,
com infusão de manutenção de 0.5-1.0g por hora após o ataque. Nos casos com
Situações específicas
Em caso de tetania, convulsões ou síndromes relacionadas, preconiza-se Sulfato
de Magnésio a 10% 10mL por via intravenosa com velocidade de infusão de
2mL/minuto. Em situações menos urgentes, pode-se utilizar 0.5mEq/kg/dia e,
subsequentemente, 0.2-0.3mEq/kg/dia conforme a resposta clínica.
Em caso de fibrilação ventricular refratária à desfibrilação ou à Amiodarona,
preconiza-se Sulfato de Magnésio a 10% 10-20mL diluídos em Soro Glicosado a 5%
10mL por via intravenosa em bolus, com dose de manutenção de 0.5-1.0g/hora por via
intravenosa, com ajuste conforme os níveis séricos.
Em caso de uso de diurético tiazídico sem possibilidade de suspensão da droga,
pode haver benefício com a associação com diurético poupador de potássio, como
Amilorida.
Em caso de perda intestinal ou renal, são necessários 30-40mEq/dia para obter
resultado terapêutico.
Em caso de cetoacidose diabética, a adição de 2.5mEq por litro de solução
previne o déficit.
Em caso de uso de nutrição parenteral, a adição de magnésio na dose de
0.04mEq/kg/dia já é suficiente para manter os níveis séricos do cátion.
Em caso de eclâmpsia, preconiza-se Sulfato de Magnésio a 20% 20mL por via
intravenosa em 15-20 minutos ou Sulfato de Magnésio a 50% 20mL por via
intramuscular profunda dividido nas duas nádegas.
Em caso de crise asmática, o Sulfato de Magnésio pode ser utilizado de maneira
conjunta com outras terapias, com 25-75mg/kg por via intravenosa em vinte minutos e
dose máxima de 2g. A dose inalatória é de 1.5mL de Sulfato de Magnésio a 10%, com
três inalações com intervalos de vinte minutos.
Complicações
Em doses terapêuticas, o magnésio causa mínimos efeitos colaterais, como calor
e rubor facial. Pode ocorrer hipotensão transitória durante infusões rápidas. Nível sérico
superior a 12mg/dL causa alteração de condução cardíaca, fraqueza muscular, abolição
dos reflexos e insuficiência respiratória. Uma forma simples de monitorizar a toxicidade
é avaliar o reflexo patelar.
Hipermagnesemia
Conceito
Hipermagnesemia é definida como magnésio sérico superior a 2.2mg/dL.
Etiologia e fisiopatologia
Iatrogenia sempre deve ser considerada, principalmente em pacientes
hospitalizados.
Diminuição da filtração glomerular pode ser causada por insuficiência renal
funcional ou orgânica.
Sobrecarga exógena de magnésio pode ser causada por antiácidos, laxantes
(enema de Sulfato de Magnésio), tratamento de eclâmpsia e hemodiálise.
Sobrecarga endógena de magnésio pode ser causada por catabolismo celular e
Quadro clínico
Magnésio sérico de 3.6-6.0mg/dL cursa com tendência para hipotensão arterial,
vasodilatação periférica, rubor facial, sensação de calor, sede, náusea e vômitos.
Magnésio sérico de 6.0-8.4mg/dL cursa com sonolência, letargia, disartria e
sedação.
Magnésio sérico de 8.4-12.0mg/dL cursa com hiporreflexia profunda, fraqueza
muscular, paralisia de musculatura esquelética poupando o diafragma, paralisia do
músculo adutor da corda vocal, paralisia de alguns músculos faciais, paralisia de
músculo liso com dificuldade de micção, confusão mental e pupilas dilatadas com
reação diminuída a luz. Eletrocardiograma pode revelar prolongamento do intervalo PR,
alargamento do complexo QRS e aumento da altura da onda T.
Magnésio sérico de 12.0-18.0mg/dL cursa com depressão do centro respiratório,
com períodos de apneia progressivamente mais longos, paralisia muscular, coma e
hipotensão refratária. Eletrocardiograma pode revelar prolongamento dos intervalos PR
e QT, distúrbio de condução intraventricular, bradicardia sinusal, bloqueio
atrioventricular parcial ou completo e aumento da sensibilidade a estímulo vagal.
Magnésio sérico de 18.0-24.0mg/dL cursa com coma, apneia e parada
cardiorrespiratória.
Tratamento
Pacientes com função renal preservada usualmente respondem com a
descontinuidade da suplementação de magnésio sob qualquer forma, sem necessitar de
outras intervenções farmacológicas. Deve-se restringir a administração de magnésio
com identificação e remoção da sobrecarga exógena. Em caso de uso de nutrição
parenteral, o sulfato de magnésio deverá ser removido da composição. Indivíduos que
toleram expansão volêmica devem receber solução salina para facilitar a excreção de
magnésio. Na presença de filtração glomerular diminuída, os diuréticos de alça podem
ser utilizados para inibir a reabsorção de magnésio na alça de Henle.
Deve-se ainda oferecer suporte hemodinâmico e ventilatório para pacientes com
rebaixamento do nível de consciência, hipotensão ou depressão respiratória. Arritmias
cardíacas devem ser monitorizadas continuamente para detecção e tratamento precoce.
Deve-se também pesquisar e tratar distúrbios do cálcio, do fósforo, do potássio e do
sódio.
Em caso de magnésio sérico superior a 8mg/dL, preconiza-se tratamento de
urgência com Gluconato de Cálcio a 10% 10mL diluído em Soro Fisiológico 50mL por
via intravenosa em três minutos, com repetição conforme a evolução do paciente e a
monitorização da calcemia. Hemodiálise é uma opção de tratamento, principalmente em
pacientes com quadros graves e insuficiência renal. É conveniente lembrar que não
existe perigo imediato se os reflexos tendinosos profundos ainda estiverem presentes.
Hipofosfatemia
Etiologia e fisiopatologia
Perdas renais secundárias a hipocalcemia, hipomagnesemia, defeito tubular
renal, deficiência de vitamina D, diabetes mellitus, etilismo, hipertireoidismo,
raquitismo hipofosfatêmico, osteomalácia oncogênica ou hipercalcemia humoral.
Diminuição da absorção intestinal secundária a diarreia, vômitos, aspiração
naso-gástrica, má-absorção, intestino curto, antiácidos (Hidróxido de Alumínio),
quelantes (Sucralfate), deficiência de vitamina D, resistência à ação da vitamina D ou
nutrição parenteral com pouco fosfato.
Mudança de compartimento celular secundária a alcalose, administração de
glicose, síndrome de realimentação, administração de Insulina, síndrome da fome óssea,
sepse, tratamento de queimaduras e hipotermia.
Uso de drogas, como diuréticos, β-agonistas, antiácidos, anabolizantes,
glicocorticoides, Calcitonina, salicilatos, Insulina e etanol.
Quadro clínico
Sinais e sintomas ocorrem na vigência de depleção severa, com valores
inferiores a 1mg/dL, e estão relacionados ao déficit de produção energética. Incluem
fraqueza muscular, insuficiência respiratória, insucesso no desmame de ventilação
mecânica, tremores, parestesias, letargia, disfunção renal, disfunção hepática,
hipotensão, insuficiência cardíaca e rabdomiólise.
Avaliação complementar
Abrange dosagem de fósforo, cálcio, magnésio, sódio, potássio e glicose séricos,
avaliação da função renal com uréia e creatinina séricos, detecção de distúrbios do
equilíbrio acidobásico com gasometria arterial e exames direcionados para a causa
específica.
Tratamento
Tratar a causa de base é o principal objetivo, assim como corrigir distúrbios
eletrolíticos associados, especialmente a hipomagnesemia.
Em caso de valores séricos inferiores a 1mg/dL ou de 1-2mg/dL com sintomas
atribuíveis à hipofosfatemia, preconiza-se administração de fósforo por via intravenosa
na dose de 2mg/kg de 6/6 horas até nível sérico superior a 2mg/dL, quando a reposição
oral deve ser iniciada. Se disfunção renal, deve-se diminuir a velocidade de infusão pela
metade, com cautela se hipocalcemia associada. Fosfato de Potássio Monobásico é
apresentado em ampolas de 10mL com 25mg/mL (2.5%) ou 0.18mEq/mL e em ampolas
de 10mL com 200mg/mL (20%) ou 1.47mEq/mL para administração intravenosa.
Fosfato de Sódio e Potássio é apresentado em comprimidos com 250mg de Fósforo para
administração oral, contendo também 298mg de sódio (12.6mEq) e 45mg de potássio
(1.15mEq).
Em casos de déficit crônico, deve-se administrar 1000-1200mg/dia em duas a
três tomadas.
Complicações
Administração intravenosa de fosfato pode levar a hipocalcemia com tetania e
hipotensão e, em caso de hipercalcemia associada, podem ocorrer calcificações extra-
Hiperfosfatemia
Conceito
Hiperfosfatemia é definida como fosfato sérico acima de 5mg/dL.
Etiologia e fisiopatologia
Uso de fármacos, como laxantes, enemas, suplementos de fósforo e Vitamina D.
Liberação celular, como em rabdomiólise, hemólise, sepse, acidose,
esmagamentos, hepatite fulminante e lise tumoral.
Excreção renal diminuída, como em insuficiência renal, hipoparatireoidismo,
pseudo-hipoparatireoidismo e acromegalia.
Quadro clínico
O quadro clínico é inespecífico, sendo a maioria das manifestações secundária à
hipocalcemia associada ou à doença de base.
Agudamente, há hipocalcemia, com mialgia, fraqueza muscular, anorexia,
convulsões, tetania e arritmias. Cronicamente, há precipitação de cálcio e fósforo nos
tecidos moles com resposta inflamatória, dano celular e insuficiência de órgãos,
principalmente os rins, além de síndrome do olho vermelho devido à calcificação da
córnea e de deposição periarticular em dedos, costelas e ombros.
Avaliação complementar
Dosagem de eletrólitos séricos, com fósforo, cálcio, magnésio, sódio e potássio.
Avaliação da função renal, com uréia e creatinina séricos.
Avaliação de distúrbios do equilíbrio acidobásico, com gasometria arterial.
Exames direcionados para a causa de base.
Tratamento
O tratamento abrange a abordagem da doença de base, a retirada do fósforo da
circulação, o bloqueio da absorção intestinal e a correção da hipocalcemia associada.
Retira-se o aporte exógeno de fósforo, proveniente de dietas enterais ou
parenterais e de laxantes.
Retira-se o fósforo da circulação através de expansão volêmica e uso de
diuréticos em pacientes com função renal preservada, como Acetazolamida 15mg/kg de
4/4 horas. Deve-se considerar diálise precoce se hiperfosfatemia grave e/ou vigência de
insuficiência renal. Acidose deve ser tratada com o objetivo de deslocar o fósforo para o
meio intracelular. Pode-se administrar solução polarizante na hiperfosfatemia grave.
Usa-se quelantes do fósforo por via oral quando necessário, como Hidróxido de
Alumínio 30-60mL de 6/6 horas, Carbonato de Cálcio 1-2g de 6/6 horas e Sucralfate 1g
de 6/6 horas uma hora antes das refeições ou Sevelamer 800-1600mg/dia administrado
nas refeições, com ajuste da dose de acordo com a fosfatemia.
Trata-se a hipocalcemia associada com administração de cálcio inicialmente por
via intravenosa e depois por via oral. Recomenda-se não administrar por via intravenosa
se o fósforo estiver acima de 7mg/dL em virtude do risco de precipitação no sangue e
nos tecidos.
Bibliografia
Etiologia e fisiopatologia
Choque hipovolêmico
Caracteriza-se por um inadequado débito cardíaco em razão de volume
circulante inadequado. Com a progressão da depressão volêmica ocorre diminuição das
pressões de enchimento das câmaras cardíacas, inicialmente compensada com
taquicardia. Conforme o mecanismo vai sendo superado, os tecidos vão aumentando a
extração de oxigênio, com aumento na diferença entre o conteúdo arterial e venoso de
oxigênio (CA-V) e queda na saturação venosa mista de oxigênio (SVO2). As principais
etiologias são desidratação, hemorragia e sequestro de líquidos.
Classe I Classe II Classe III Classe IV
Perda volêmica Inferior a 750-1500mL ou 1500-2000mL ou 30- Superior a 2000mL
750mL ou 15% 15-30% 40% ou 40%
Frequência Inferior a Superior a Superior a 120bpm Superior a 140bpm
cardíaca 100bpm 100bpm
Pressão arterial Sem alterações Sem alterações Hipotensão Hipotensão
Enchimento Sem alterações Reduzido Reduzido Reduzido
capilar
Frequência Inferior a 20ipm 20-30ipm 30-40ipm Superior a 35ipm
respiratória
Débito urinário Superior a 20-30mL/hora 5-20mL/hora Desprezível
30mL/hora
Nível de Pouco ansioso Ansioso Ansioso e/ou confuso Confuso e/ou
consciência letárgico
Reposição Cristalóides Cristalóides Cristalóides e Cristalóides e
volêmica concentrado de concentrado de
hemácias hemácias
Choque obstrutivo
Definido como choque que ocorre em consequência de uma obstrução mecânica
ao débito cardíaco, com hipoperfusão tecidual. Ocorre no tamponamento cardíaco, em
que sinais clínicos como estase jugular, abafamento de bulhas cardíacas e pulso
paradoxal ajudam no diagnóstico. Outras causas comuns de choque obstrutivo incluem
tromboembolismo pulmonar, pneumotórax hipertensivo e coartação da aorta.
Choque cardiogênico
No choque cardiogênico, o problema se concentra na falência primária da bomba
cardíaca e o diagnóstico é baseado em hipotensão não-responsiva a volume, índice
cardíaco inferior a 2.2L/minuto/m2 e pressão de oclusão da artéria pulmonar superior a
15mmHg. A principal causa de choque cardiogênico é infarto agudo do miocárdio
extenso ou infartos menores em miocárdio previamente comprometido. Complicações
mecânicas, como regurgitação mitral aguda por ruptura de músculo papilar, ruptura do
Choque distributivo
Há má-distribuição de volume, como no choque séptico. Em sua fase inicial,
ocorre resistência vascular sistêmica diminuída, débito cardíaco normal ou aumentado e
pressões de enchimento normais ou um pouco diminuídas. Apesar do débito cardíaco
aumentado, sempre ocorre algum grau de depressão miocárdica, com fração de ejeção
relativamente diminuída. Em fases avançadas, a maior depressão miocárdica mimetiza
choque cardiogênico.
Outras causas de choque distributivo incluem choque anafilático, doenças
endócrinas, como hipocortisolismo e hipotireoidismo, e choque neurogênico, que é uma
disfunção autonômica caracterizada por hipotensão, bradicardia e pele seca.
Quadro clínico
No exame cardiovascular, devem constar, obrigatoriamente, avaliação de
frequência cardíaca e pressão arterial, estase jugular, ausculta cardíaca nos quatro focos
principais, pulsos periféricos, tempo de enchimento capilar e temperatura de
extremidades. Monitorização do débito urinário é um método não-invasivo e fácil para
reconhecer a hipoperfusão tecidual. Oximetria pode revelar hipoxemia.
Enchimento capilar lentificado associado à diminuição da temperatura de
membros é um achado bastante sugestivo de baixo débito cardíaco.
Sistema Sinais de má perfusão periférica
Cardiovascular Hipotensão, taquicardia e/ou acidose metabólica com aumento de lactato arterial
Respiratório Taquipnéia, dispneia e hipóxia
Nervoso central Rebaixamento do nível de consciência e delirium
Urinário Oligúria aguda e aumento de escórias nitrogenadas
Digestório Aumento de bilirrubinas, elevação de enzimas hepáticas, estase e íleo paralítico
Hematológico Coagulação intravascular disseminada
Monitorização não-invasiva
Na prática, quando um indivíduo apresenta-se em condição de choque
circulatório, deve ser monitorizado, no mínimo, com pressão arterial, cardioscópio e
oxímetro de pulso.
Cardioscópio é monitor cardíaco que permite avaliação precisa do ritmo
cardíaco e avaliação grosseira, porém rápida, de eventuais anormalidades na atividade
elétrica cardíaca.
A determinação da pressão arterial é importante pela sua facilidade e
importância na tomada de decisões terapêuticas. Pode ser feita com esfigmomanômetros
comuns ou com modelos automatizados, que podem ser programados para medidas
intermitentes. Para fins de monitorização, prefere-se sempre guiar qualquer terapêutica
pela pressão arterial média, porque é a mesma em qualquer porção do sistema arterial.
Embora não haja consenso, foi demonstrado que valores superiores a 65mmHg são
adequados para manter a perfusão orgânica.
Oxímetro de pulso é utilizado para a determinação da porcentagem de
hemoglobina saturada por oxigênio e avaliação da função de oxigenação pulmonar.
Valores de referência
Variável Valores normais
Variáveis medidas
Pressão arterial sistêmica Sistólica 90-140mmHg, diastólica 60-
90mmHg
Pressão de artéria pulmonar Sistólica 15-25mmHg, diastólica 6-
12mmHg
Pressão de oclusão da artéria pulmonar 4-12mmHg
Pressão venosa central 0-8mmHg
Pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO2) 70-100mmHg
Pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial 35-50mmHg
(PaCO2)
Débito cardíaco 4-8L/minuto
Porcentagem de hemoglobina saturada por oxigênio no 93-98%
sangue arterial (SaO2)
Porcentagem de hemoglobina saturada por oxigênio no 70-78%
sangue venoso (SvO2)
Pressão parcial de oxigênio no sangue venoso (PvO2) 36-42mmHg
Variáveis calculadas
Pressão arterial média 70-105mmHg
Pressão arterial pulmonar média 9-16mmHg
Índice cardíaco 2.8-4.2L/minuto/m2
Índice de volume sistólico 30-65mL/batimento/m2
Oferta de oxigênio (DO2) 500-650mL/minuto/m2
Consumo de oxigênio (VO2) 110-150mL/minuto/m2
Conteúdo arterial de oxigênio (CaO2) 16-22mL O2/dL
Conteúdo venoso de oxigênio (CvO2) 12-17mL O2/dL
Diferença arteriovenosa de oxigênio (CA-V) 3.5-5.5mL O2/dL
Tratamento
A busca pelo diagnóstico específico e tratamento adequado do quadro de base é
primordial.
Com base na fórmula DO2 = (VS x FC) x (1.34 x Hb x SaO2 + 0.003 x PaO2):
Medidas iniciais
A avaliação inicial e a monitorização são fundamentais para o manejo dos
indivíduos em choque.
Avaliar responsividade e checar o nível de consciência. Rebaixamento intenso
do nível de consciência normalmente está associado a potenciais riscos de inadequação
da ventilação e da oxigenação. É importante sempre conferir a glicemia.
Avaliar a adequação da ventilação e oferecer assistência ventilatória precoce. O
limiar para intubação orotraqueal deve ser bem baixo.
Monitorizar o paciente e obter um acesso venoso adequado. A partir dos dados
objetivos iniciais, como frequência cardíaca e pressão arterial, é possível traçar uma
estratégia de intervenção que deve, a não ser que haja evidências de hipervolemia,
incluir administração de soluções de expansão do intravascular. As principais
indicações de acesso venoso central são a necessidade de drogas vasoativas e a
monitorização das pressões de enchimento do átrio direito e da porcentagem de
saturação de oxigênio da hemoglobina. O limiar para indicação e aquisição de acesso
venoso central deve ser baixo.
Manejo da volemia
Acesso venoso calibroso deve ser providenciado. Se não for possível conseguir
um acesso periférico, deve ser providenciado um acesso central. A escolha da solução a
ser infundida ainda é tema de controvérsia e nem colóides nem cristaloides parecem ser
superiores um ao outro, porém o custo das soluções cristaloides é bem menor. Durante a
reposição volêmica, é comum o aparecimento de hipotermia, que deve ser prevenida
pelo uso de soluções cristalóides aquecidas.
Cristalóides são soluções com menor potencial expansor e tempo de efeito sobre
a volemia reduzido em relação aos colóides. As soluções mais comumente utilizadas
são o Soro Fisiológico e o Ringer Lactato. Em situações de hipovolemia, empregam-se
bolus de 500-1000mL de uma das soluções em quinze a trinta minutos. Pela sua alta
concentração de cloro, o uso de grandes volumes de solução salina leva à acidose
hiperclorêmica.
Concentrações (mEq/L) Na+ K+ Cl- Ca++ Lactato
Soro Fisiológico 154mEq/L - 154mEq/L - -
Ringer Lactato 130mEq/L 4mEq/L 110mEq/L 3mEq/L 3mEq/L
Colóides apresentam maior potencial expansor e maior tempo de efeito sobre a
volemia, mas também custo mais elevado do que o dos cristalóides. Em situações nas
quais é necessária rápida expansão volêmica, lança-se mão de infusões de 300-500mL
de um colóide sintético, como Amido, Gelatina ou Dextran, ou Albumina a 5%. De
todos os colóides, a Albumina é a que apresenta o melhor perfil de efeitos colaterais,
tendo um pequeno risco de reação anafilática e transmissão de infecções virais.
A pré-carga deve ser aumentada através de reposição volêmica agressiva, visto
que quase sempre há hipovolemia absoluta ou relativa. A quantidade inicial de fluidos
deve ser pelo menos 20mL/kg e deve ser monitorizada pela diminuição da taquicardia,
Agentes vasodilatadores
Pacientes adequadamente ressuscitados do ponto de vista volêmico que se
apresentem normotensos ou hipertensos são candidatos a terapias que interfiram na pós-
carga, princípio que é mais utilizado em casos de choque cardiogênico para facilitar o
trabalho do ventrículo esquerdo. Os vasodilatadores também estão indicados para
pacientes com pressão arterial média superior a 90mmHg em vigência de quadro
séptico. Apresentam início de ação rápido e meia-vida curta.
Nitroglicerina é apresentada na forma de ampola de 5mL ou 10mL com
5mg/mL. A diluição preconizada consiste em 50mg em 240mL de Soro Glicosado a 5%
ou Soro Fisiológico, com concentração de 200mcg/mL e preparação em recipientes de
vidro. Diluição alternativa prevê 100mg em 230mL de Soro Glicosado a 5% ou Soro
Fisiológico, com concentração de 400mcg/mL. A dose recomendada é de 0.05-
5.00mcg/kg/minuto. Pode-se iniciar com 5mcg/minuto e aumentar 5mcg/minuto a cada
três a cinco minutos até 20mcg/minuto e, se não houver resposta, aumentar
10mcg/minuto até 200mcg/minuto. A velocidade de 3mL/hora da diluição recomendada
corresponde a 10mcg/minuto. Age aumentando o óxido nítrico, que ativa GMP cíclico
e, consequentemente, gera perda da capacidade contrátil da musculatura lisa. Sua ação é
vasodilatação predominantemente venosa. Há preferência pelo seu uso em pacientes
com coronariopatia, pois produz vasodilatação das artérias coronárias. Em pacientes
com congestão pulmonar associada a falência cardíaca, deve ser usada nas maiores
doses toleradas, associada a baixas doses de diuréticos. Em pacientes com síndrome
coronariana aguda, deve ser usada nos casos em que há hipertensão, congestão ou dor.
Tolerância hemodinâmica e antianginosa pode surgir em 24-48 horas de administração
Receptores adrenérgicos
Em suma, receptores α-1 adrenérgicos existem nas paredes vasculares, com ação
vasoconstritora, e no coração, com ação inotrópica. Receptores β-1 adrenérgicos
existem no coração e têm ação inotrópica e cronotrópica. Receptores β-2 adrenérgicos
existem nas veias periféricas, com ação vasodilatadora. Receptores de Dopamina
existem em rins, mesentério, coronárias e cérebro.
Agente β-1 β-2 α-1
Norepinefrina ++ - +++
Epinefrina +++ ++ +++
Dopamina +(++) + +(++)
Dobutamina +++ + +
Bibliografia
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Fluid Therapy in Resuscitated Sepsis: Less is More. Lakshmi Durairaj and Gregory A Schmidit. CHEST / 133 / 1 / JANUARY,
2008
Microbiologia
Antes da década de 1980, bactérias aeróbias Gram-negativas eram os micro-
organismos predominantemente associados às infecções de corrente sanguínea
nosocomiais. Desde então, bactérias aeróbias Gram-positivas, como estafilococos
coagulase-negativos, S. aureus e enterococos, e Candida spp tiveram sua importância
relativa aumentada. As principais explicações são o maior reconhecimento desses
micro-organismos como patógenos ao invés de contaminantes, o uso de antibióticos de
amplo espectro e o uso crescente de cateteres intravasculares.
Estafilococos coagulase-negativos e S. aureus comumente são originários da
superfície cutânea e se proliferam pela superfície externa do cateter intravascular. As
mãos dos profissionais da área da saúde geralmente contaminam o cateter intravascular
com bactérias aeróbias Gram-negativas durante a inserção ou a manipulação do acesso
venoso.
Pseudomonas aeruginosa é o patógeno isolado com maior frequência em
cateteres intravasculares de pacientes queimados. S. aureus é o patógeno predominante
em infecção de corrente sanguínea relacionada a cateteres intravasculares em pacientes
com sorologia positiva para HIV, o que pode estar relacionado à maior colonização da
pele e da nasofaringe por essa bactéria nessa população. Bactérias Gram-negativas
Quadro clínico
Infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter intravascular deve ser
suspeitada quando infecção de corrente sanguínea ocorre em paciente com acesso
venoso central e ausência de outra fonte aparente. Febre é a manifestação clínica mais
comum, porém é pouco específica. Inflamação e secreção purulenta no sítio do cateter
são manifestações mais específicas, porém são menos frequentes. Outras manifestações
clínicas incluem instabilidade hemodinâmica, alteração do nível de consciência,
disfunção do cateter intravascular e sinais clínicos de sepse correlacionados
temporalmente com infusão pelo cateter intravascular.
Também podem ser observadas complicações relacionadas à infecção de
corrente sanguínea, como tromboflebite supurativa, endocardite, osteomielite e infecção
metastática.
Culturas de sangue periférico positivas para estafilococos coagulase-negativos,
S. aureus ou Candida spp na ausência de outra fonte infecciosa identificável deve
aumentar a suspeita de infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter
intravascular.
Melhora clínica dentro de 24 horas da remoção do cateter intravascular é
sugestiva de infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter intravascular.
Avaliação complementar
Culturas pareadas de sangue obtido de lúmen do cateter intravascular e de veia
periférica devem ser obtidas antes do início da antibioticoterapia. A evidência para
coleta de sangue de cada lúmen, em caso de mais de um lúmen, para o diagnóstico de
infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter intravascular, é limitada, devendo
ser realizada apenas quando não é possível obter amostra de sangue de veia periférica.
Nesse caso, duas ou mais amostras devem ser obtidas dos lúmens do cateter
intravascular em momentos diferentes. O mesmo volume de sangue deve ser inoculado
em cada frasco, com identificação adequada do sítio a partir do qual o material foi
obtido.
Culturas de cateter intravascular devem ser realizadas quando o cateter for
removido por suspeita de infecção de corrente sanguínea relacionada. Cateteres venosos
centrais devem ser avaliados através da cultura de segmento de 5cm incluindo sua
ponta em caso de inserção há menos de sete a dez dias. Por outro lado, em caso de
inserção há mais de sete a dez dias, a porção subcutânea deve ser encaminhada para
cultura, uma vez que é mais provável que infecção do sítio de inserção esteja envolvida
na patogênese da infecção de corrente sanguínea. Em caso de dispositivo implantável, a
ponta deve ser encaminhada para cultura mesmo em caso de inserção há mais de dez
dias. De maneira geral, cultura positiva de ponta de cateter intravascular na ausência de
bacteremia não constitui indicação de antibioticoterapia. Cateteres de artéria pulmonar
devem ser avaliados através de cultura do introdutor. Pontas de cateteres com
revestimento antimicrobiano devem ser submetidas a cultura com inibidores específicos
Prevenção
Recomenda-se preferir instalar cateter intravascular periférico nas extremidades
superiores em relação às extremidades inferiores e evitar instalar cateter intravascular
venoso central ou de artéria pulmonar em veia femoral.
Recomenda-se substituir ou remover cateter intravascular periférico a cada três a
quatro dias rotineiramente ou antes em caso de flebite ou disfunção. Na ausência de
sítios alternativos, o cateter intravascular periférico pode ser mantido no sítio atual na
ausência de sinais de flebite ou de outras complicações. Quando a adesão à técnica
Tratamento
De maneira geral, antibioticoterapia sistêmica não é indicada em caso de cultura
de ponta de cateter positiva na ausência de sinais clínicos de infecção, cultura positiva
de amostra de sangue obtida de lúmen do cateter associada a cultura negativas de
amostra de sangue obtida de veia periférica e flebite não associada a infecção.
Em pacientes com infecção de corrente sanguínea relacionada a cateter
intravascular, a remoção deverá ser realizada em caso de sepse grave, instabilidade
hemodinâmica, endocardite, evidência de infecção metastática, tromboflebite supurativa
e/ou bacteremia persistente após 72 horas de antibioticoterapia para a qual o micro-
organismo responsável é suscetível. Cateteres intravasculares de curta permanência,
inferior a quatorze dias, devem ser removidos em caso de infecção de corrente
sanguínea relacionada por S. aureus, enterococos, bacilos Gram-negativos, fungos e
Bibliografia
Epidemiology and microbiology of intravascular catheter infections. Robert Gaynes. UpToDate, 2012.
Bibliografia
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Stress ulcer prophylaxis in the intensive care unit. Gerald L Weinhouse. UpToDate, 2011.
Pacientes cirúrgicos
Bibliografia
Tromboembolismo Venoso: Profilaxia em Pacientes Clínicos. Projeto Diretrizes. Associação Médica Brasileira e Conselho Federal
de Medicina, 2005.
Prevention of venous thromboembolic disease in medical patients. Graham F Pineo. UpToDate, 2011.
Prevention of venous thromboembolic disease in surgical patients. Graham F Pineo. UpToDate, 2011.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Definições
Analgesia é definida como ausência ou supressão da sensação de dor,
experiência de caráter sensorial ou emocional associada a uma lesão tecidual real ou
potencial, com diferente limiar de acordo com cada paciente. Não há alteração
intencional do nível de consciência, embora possa ser um efeito colateral de certas
medicações utilizadas.
O conceito de sedação refere-se a alterações do nível de consciência.
Na sedação mínima ou ansiólise, o paciente apresenta resposta normal a
comandos verbais, embora com prejuízo das funções cognitivas e motoras. Não há
comprometimento das funções cardiovascular e respiratória.
Na sedação moderada, o paciente apresenta resposta a comandos verbais com ou
sem estímulo tátil leve, sem prejuízo para a ventilação ou alterações cardiovasculares.
Na sedação profunda não há consciência do meio e ocorre resposta débil apesar
de estímulos dolorosos repetitivos. São necessárias monitorização respiratória e
proteção de vias aéreas. Geralmente não há depressão cardiovascular.
Sedação dissociativa é estado hipnótico induzido pela Quetamina, com profunda
analgesia e amnésia. A proteção das vias aéreas permanece intacta, sem instabilidade
hemodinâmica. Pode ocorrer hipertensão arterial em alguns casos.
Anestesia geral consiste em completa perda de consciência mesmo aos estímulos
dolorosos, com necessidade de monitorização cardíaca e respiratória contínua.
Geralmente utilizada em centro cirúrgico.
Objetivos
Controlar movimentos abruptos e indesejados.
Proporcionar rápido retorno ao estado de consciência.
Minimizar os riscos de eventos adversos relacionados à técnica.
Proporcionar bem-estar ao paciente.
Monitorização
A observação clínica do paciente e as variações de pressão arterial, frequência
cardíaca, agitação e expressão facial permitem uma visão subjetiva do nível de sedação
e analgesia alcançado.
Pode ser tentada uma quantificação da dor por escalas visuais e/ou descritivas
verbais. Dentre as escalas de sedação existentes destacam-se a de Ramsay e a de
Medicações disponíveis
A via preferencial de uso é a intravenosa por ser menos agressiva e de maior
confiabilidade de efeitos e absorção. A associação de benzodiazepínicos com agentes
opióides é a mais indicada para os procedimentos em geral. A utilização de anti-
inflamatórios não-hormonais e anestesia local são técnicas adjuntas de sedação e
analgesia, com diminuição da necessidade de maiores doses dos medicamentos.
Com o objetivo de melhorar a qualidade da analgesia oferecida, deve-se
antecipar o aparecimento da dor, reconhecer sua presença, quantificar sua intensidade,
tratar adequadamente e, quando possível, eliminar sua causa.
Analgésicos simples
Dipirona deve ser usada preferencialmente por via intravenosa na emergência
para o tratamento de dor leve ou moderada e de febre. O risco de agranulocitose é
extremamente baixo e não justifica a não-utilização, como é feito nos Estados Unidos. É
apresentada na forma de ampolas de 2mL com 500mg/mL. A dose máxima diária é de
6g.
Anti-inflamatórios não-hormonais
Podem ser utilizados na emergência no tratamento de dores nas quais há
componente inflamatório, independentemente de sua intensidade. Devem ser utilizados
com precaução na presença de insuficiência renal, doença hepática e insuficiência
cardíaca, principalmente quando houver uso associado de inibidores da enzima
conversora da angiotensina, bloqueadores de receptor de angiotensina II ou diuréticos.
O uso parenteral pode diminuir a lesão mucosa direta, mas os efeitos sistêmicos
permanecem. As doses habituais são Cetoprofeno 100mg por via intravenosa diluído em
Soro Fisiológico 100mL para evitar flebite, com no máximo 300mg/dia, e Tenoxicam
20mg por via intravenosa uma vez ao dia.
Complicações incluem disfunção plaquetária, hemorragia digestiva e
insuficiência renal, principalmente em idosos e em pacientes com doenças associadas.
Benzodiazepínicos
Agentes sedativos de escolha, com efeito amnésico e de relaxamento muscular.
Possuem rápido início de ação e a decisão de qual usar depende do tempo de ação
desejado. Não apresentam propriedades analgésicas.
São antagonizados por Flumazenil 0.2mg (2mL) por via intravenosa de 1/1
minuto, com dose máxima de 1mg (10mL). Uma ampola contém 0.5mg.
Seu metabolismo hepático e sua eliminação renal podem potencializar os efeitos
na insuficiência desses órgãos. Ocasionam repercussão hemodinâmica discreta e são
sinérgicos se utilizados com opióides. O efeito colateral mais deletério é a depressão do
centro respiratório.
Diazepam tem meia-vida de eliminação prolongada e duração de 4-6 horas. O
metabólito pode acumular-se em tratamentos com altas doses, administração crônica,
recém-nascidos, idosos e pacientes com insuficiência renal e/ou hepática. É apresentado
na forma de ampola de 2mL com 5mg/mL. A dose recomendada é de 5-10mg ou 0.2-
0.3mg/kg por via intravenosa, com repetição se necessário.
Midazolam apresenta meia-vida de eliminação curta, de cerca de uma hora e
meia a três horas, e maior potência do que o Diazepam. Seu metabólito ativo pode
acumular-se em alguns casos, com retardo da recuperação. Tem maior solubilidade que
o Diazepam, permitindo diluição e administração intramuscular. As vantagens incluem
amnésia e efeito anticonvulsivante. A principal desvantagem é não proporcionar
analgesia. Pode causar redução do volume corrente e hipotensão. Apresenta início de
ação em trinta a sessenta segundos, com duração do efeito de quinze a trinta minutos. É
apresentado na forma de ampola de 3mL ou de 10mL com 5mg/mL e a dose
recomendada é de 0.1-0.3mg/kg, com diluição de 15mg em Água Destilada 12mL. Em
unidade de terapia intensiva, infusão contínua com dose de ataque de 5.0-7.5mg e
manutenção com 2.0-10.0mg/hora, com diluição de 150mg em Soro Glicosado a 5%
120mL, correspondendo a concentração de 1mg/mL. O despertar pode ser prolongado
ou mesmo imprevisível em caso de uso por mais de 72 horas, insuficiência renal,
insuficiência hepática e faixa etária geriátrica. Trata-se de excelente opção em casos de
agitação psicomotora com violência, com administração por via intravenosa ou
intramuscular, e melhora da performance do controle da agitação quando associado a
Haloperidol.
Propofol
Agente sedativo hipnótico, ansiolítico e amnésico sem propriedades analgésicas.
Devido a sua titulação dose-efeito equilibrada, tem sido muito utilizado em
procedimentos rápidos, como intubação traqueal e cardioversão. Sua farmacocinética é
pouco alterada na presença de insuficiência renal e/ou hepática. Não produz metabólicos
ativos.
Pode causar hipotensão por depressão miocárdica e vasodilatação, além de
apnéia. A instabilidade hemodinâmica e a depressão respiratória ocorrem em doses
intermitentes em bolus ou em doses elevadas contínuas, principalmente se associação
com opióides para analgesia. Deve-se monitorizar os parâmetros vitais do paciente
durante a infusão.
Diminui a pressão intracraniana e é anticonvulsivante. Por esse motivo, trata-se
da droga de escolha em pacientes com distúrbios neurológicos. Além disso, diminui a
resistência de toda a via aérea.
Apresenta início de ação em quinze a trinta segundos e duração do efeito de até
dez minutos, com recuperação do nível de consciência logo após o término da infusão.
É apresentado na forma de ampola de 20mL com 10mg/mL ou 20mg/mL. A
dose de indução anestésica recomendada é de 1.5-2.5mg/kg por via intravenosa, com
titulação durante a administração na velocidade de 20-40mg a cada dez segundos e
manutenção através de infusão contínua de 4-12mg/kg/hora ou repetidas doses em bolus
de 25-50mg conforme a necessidade clínica. Quando utilizado para promover sedação
em pacientes adultos ventilados mecanicamente na unidade de terapia intensiva,
recomenda-se administração em infusão contínua com 0.3/4.0mg/kg/hora, sem diluição.
Necessita de uma via de administração exclusiva e a infusão prolongada pode
causar Hipertrigliceridemia.
Haloperidol
Anti-psicótico empregado no tratamento de delírio, estados confusionais e
agitação psicomotora, com rápida sedação.
Quetamina
Agente sedativo hipnótico intravenoso de ação curta e com efeito analgésico,
particularmente útil para intervenções em pacientes asmáticos em broncoespasmo.
Opção também em pacientes instáveis hemodinamicamente ou com riscos relacionados
à queda da pressão arterial, como aqueles com traumatismo crânio-encefálico ou com
acidente vascular encefálico. Não diminui o drive respiratório.
Indicada para curativos dolorosos, desbridamento de pacientes queimados e
procedimentos ginecológicos.
Pode aumentar pressão arterial, débito cardíaco, frequência cardíaca e pressão
intracraniana, com elevado risco em síndromes coronarianas, dissecção de aorta e
convulsões. Em caso de alucinações e excitação relacionados ao uso da droga, pode ser
necessária a associação com um benzodiazepínico.
O início de ação ocorre em sessenta segundos e a duração é de dez a vinte
minutos. É apresentada na forma de ampola de 10mL com 50mg/mL. A dose
recomendada é de 1.5-2.0mg/kg por via intravenosa.
Etomidato
Agente sedativo hipnótico intravenoso de ação curta, não analgésico.
Particularmente indicado para intervenções de curta duração, com menos de dez
minutos, procedimentos diagnósticos e intervenções realizadas em ambulatório, quando
se deseja recuperação rápida com boas condições de orientação, deambulação e
equilíbrio.
Não causa instabilidade hemodinâmica, mas pode provocar vômitos, mioclonias
e insuficiência adrenal relativa, principalmente após infusão prolongada. Além disso,
diminui o limiar convulsivo.
Induz hipnose em quinze a quarenta e cinco segundos, com duração de até
quinze minutos.
É apresentado na forma de ampola de 10mL com 2mg/mL. A dose recomendada
é de 0.3mg/kg, não devendo exceder 60mg no total. Em unidade de terapia intensiva,
pode ser utilizada infusão contínua com dose de ataque de 0.2-0.6mg/kg e dose de
manutenção de 5-20mcg/kg/minuto. Contraindicado para sedação contínua.
Como não possui atividade analgésica, é recomendada a administração de 50-
100mcg de Fentanil por via intravenosa, um a dois minutos antes.
Dexmedetomidine (Precedex)
Medicação nova, agonista α2-adrenérgico de ação central, com propriedades
analgésicas e sedativas.
Tiopental
Barbitúrico apresentado na forma de ampola de 20mL com 50mg/mL, com dose
de 3-5mg/kg. As vantagens incluem sedação profunda, diminuição da pressão
intracraniana e efeito anticonvulsivante. Desvantagens incluem hipotensão, depressão
respiratória intensa, efeito cumulativo e flebite em veia periférica.
Bloqueadores neuromusculares
Succinilcolina é o bloqueador neuromuscular despolarizante que apresenta
melhor perfil para uso na situação de emergência em função de seu alto índice de
sucesso em intubação orotraqueal, de sua ação rápida e de sua duração curta, de seis a
dez minutos. Desvantagens incluem risco de hipercalemia com arritmias em pacientes
com insuficiência renal ou síndrome do esmagamento. É apresentada na forma de
ampola de 10mL com 10mg/mL, devendo-se diluir 100mg em Água Destilada 100mL.
A dose recomendada é de 0.6-1.5mg/kg por via intravenosa. Não é recomendado o uso
contínuo.
Rocurônio é opção à Succinilcolina, com efeito mais prolongado. É apresentado
na forma de ampola de 5mL com 10mg/mL. A dose recomendada é de 1.0mg/kg por via
intravenosa. Reversão pode ser conseguida com Neostigmina 0.06-0.08mg/kg por via
intravenosa quando 40% da função já está recuperada.
Pancurônio é o bloqueador neuromuscular de escolha para a maioria das
situações em unidade de terapia intensiva. É apresentado na forma de ampola de 2mL
com 2mg/mL. A dose recomendada é de 0.04-0.10mg/kg. Pode ser usado de forma
intermitente ou contínua e apresenta longa duração, de 60-90 minutos. Desvantagens
incluem efeito vagolítico importante, com taquicardia. Efeito imprevisível em
insuficiência renal e/ou hepática.
Em unidade de terapia intensiva, o uso de bloqueio neuromuscular aumenta a
incidência de polineuropatia do doente crítico e o tempo de ventilação mecânica, sem
evidência de benefício na morbimortalidade nem na diminuição do consumo de
oxigênio. Recomenda-se seu uso nos casos selecionados em que a sincronia entre
paciente e ventilador não é obtida após a otimização da sedação e da analgesia e
eventualmente durante manobras de recrutamento alveolar.
Cardioversão elétrica
Em geral, o paciente apresenta quadro cardiológico de base, com risco de
deterioração miocárdica, e/ou hipotensão. O procedimento é incômodo e gera dor. O
paciente necessita de bom nível de sedação, sendo recomendado Ramsay 5, porém é
necessário manter a estabilidade da via aérea. Após uma cardioversão elétrica bem
sucedida, o paciente não precisa mais de sedação, podendo permanecer acordado.
Deve-se fazer uso de Fentanil 2mcg/kg em dose baixa para analgesia seguido
Intubação orotraqueal
A intubação de sequência rápida é a primeira escolha na sala de emergência. A
escolha correta de fármacos proporciona laringoscopia mais fácil, aumenta o sucesso,
diminui a resposta fisiológica com hipotensão e reduz o risco de aspiração pulmonar.
Deve-se estabelecer acesso venoso adequado e monitorização de ritmo cardíaco,
pressão arterial, saturação periférica de oxigênio e nível de consciência. É importante o
posicionamento adequado do paciente, se possível com decúbito elevado para dificultar
a regurgitação e a aspiração de conteúdo gástrico.
É fundamental pré-oxigenar o paciente com calma, mantendo sempre o uso de
dispositivo bolsa-valva-máscara.
O uso de pré-indução com opióides aumenta a chance de sucesso na intubação
orotraqueal por permitir o uso de menores doses do indutor anestésico ao relaxar o
paciente e promover diminuição dos estímulos nocivos. As opções de sedação incluem,
em ordem de preferência, Etomidato 0.3mg/kg, Quetamina 2mg/kg, Propofol 2mg/kg e
Midazolam 0.3mg/kg por via intravenosa. As vias aéreas devem ser protegidas com a
manobra de Sellick.
Bloqueio neuromuscular deve ser usado quando não houver contraindicação. É
importante garantir que o paciente esteja ventilando sem obstrução das vias aéreas, com
expansão torácica bilateral. A seguir, preconiza-se a passagem do tubo, a confirmação
do posicionamento e a realização de cuidados pós-intubação.
Tempos Com Succinilcolina Com bloqueador No estado de mal asmático
neuromuscular não-
despolarizante
Zero Preparação Preparação Preparação
5 minutos Pré-oxigenar com oxigênio a Pré-oxigenar com oxigênio Pré-oxigenar com oxigênio a
100% a 100% 100%
8 minutos Pré-medicar com Fentanil Pré-medicar com Fentanil -
3mcg/kg se necessário 3mcg/kg se necessário
10 Etomidato 0.3mg/kg e Etomidato 0.3mg/kg e Quetamina 1.5mg/kg e
minutos Succinilcolina 1.5mg/kg Roncurônio 1.0mg/kg Succinilcolina 1.5mg/kg
11 minuos Laringoscopia, intubação e Laringoscopia, intubação e Laringoscopia, intubação e
confirmação baseada no CO2 confirmação baseada no confirmação baseada no CO2
exalado CO2 exalado exalado
Pós- Midazolam 0.3mg/kg com ou Midazolam 0.3mg/kg com Midazolam 0.3mg/kg com ou
intubação sem Pancurônio 0.1mg/kg ou ou sem Vecurônio sem Pancurônio 0.1mg/kg ou
Vecurônio 0.1mg/kg 0.1mg/kg Vecurônio 0.1mg/kg
Bibliografia
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Etiologia
Qualquer organismo pode causar sepse ou choque séptico, incluindo bactérias,
vírus, protozoários, fungos e espiroquetas.
Sempre lembrar das doenças próprias de cada região e próprias do Brasil, como
malária, febre amarela, leptospirose, dengue, arboviroses, hepatite viral, formas agudas
de doenças fúngicas, esquistossomose e doença de Chagas.
Achados clínicos
Em termos hemodinâmicos, a sepse caracteriza-se inicialmente por uma fase
hipodinâmica à custa de redução do volume intravascular e eventualmente depressão
miocárdica. Após ressuscitação, tipicamente ocorre evolução para padrão
hemodinâmico de débito cardíaco elevado e redução da resistência vascular sistêmica
por vasoplegia, com elevação do lactato arterial, redução da perfusão tecidual e
alteração do enchimento capilar. A saturação venosa tipicamente é alta e a presença de
ânions não mensuráveis altera o déficit de base na gasometria arterial.
Exames complementares
Não existe um exame laboratorial específico para o diagnóstico de sepse. Nunca
se deve deixar de avaliar com cuidado e de forma rápida, quase sempre com solicitação
de exames complementares, pacientes em quimioterapia, em uso de corticoide em altas
doses, em uso de imunossupressores, transplantados e com esplenectomia.
A presença de leucopenia, a despeito de ser previamente considerada como um
Tratamento
Indivíduos em sepse grave e choque séptico devem ser conduzidos em unidade
de terapia intensiva ou, em uma fase inicial, em unidades de emergência adequadas para
o seu cuidado, com monitorização eletrocardiográfica e de oximetria de pulso contínuas.
A evolução depende da identificação precoce do quadro, bem como da
precocidade e da eficácia do tratamento adotado na sala de emergência. O tratamento
geral da sepse inclui ressuscitação volêmica precoce guiada por metas,
antibioticoterapia imediata e remoção de focos infecciosos. Quando necessário, o
suporte com drogas vasoativas deve ser instituído.
Volemia
A medida inicial sempre é a restauração da volemia, conseguida através de
expansão do intravascular com provas de volume, ou seja, infusão rápida de uma
Vasopressores
Terapia com vasopressor deve ser instituída quando a reposição volêmica for
adequada, porém insuficiente para manter a pressão de perfusão. O vasopressor pode ser
necessário transitoriamente para manter a vida ou para manter a perfusão ainda com a
reposição volêmica em curso. Dopamina e Noradrenalina através de cateter venoso
central são eficientes na elevação da pressão arterial, em especial se o indivíduo está
adequadamente ressuscitado do ponto de vista volêmico. Todos os pacientes que
necessitem de vasopressores devem ter um cateter arterial inserido para monitorização
contínua da pressão arterial invasiva.
A Noradrenalina atua em receptores adrenérgicos, principalmente α1 e β1.
Aumenta consistentemente a pressão arterial e parece promover melhora da circulação
esplâncnica. Quando comparada à Dopamina, causa menos taquicardia e menos
alterações endócrinas.
A Dopamina atua em receptores adrenérgicos e dopaminérgicos. Quando
comparada à Noradrenalina, aumenta menos consistentemente a pressão arterial e causa
taquicardia e taquiarritmias. O uso deve ser limitado em pacientes taquicárdicos.
Adrenalina atua em receptores adrenérgicos e é indicada para casos de choque
refratário. O seu uso pode estar associado ao aparecimento de febre, diminuição de
fluxo esplâncnico e hiperlactatemia.
Dobutamina atua predominantemente em receptores adrenérgicos β1 e β2.
Melhora a perfusão esplâncnica e renal. Utilizada em diversas situações clínicas com
ação inotrópica e aumento da perfusão periférica. Aumenta a frequência cardíaca e o
consumo miocárdico de oxigênio, o que limita o uso em pacientes com insuficiência
coronariana. Na presença de hipotensão, deve ser utilizada em associação com
vasopressor.
Os vasodilatadores estão indicados para pacientes com pressão arterial média
superior a 90mmHg em vigência de quadro séptico e têm a vantagem de início de ação
rápido e meia-vida curta. O Nitroprussiato é um vasodilatador balanceado arterial e
venoso, enquanto que a Nitroglicerina tem ação predominantemente venosa.
Controle de glicemia
Todos os pacientes devem receber aporte nutricional, assim que possível,
preferencialmente por via enteral. Antes, devem receber aporte calórico com glicose
intravenosa para evitar cetose, com 400kcal/dia.
Embora seja conhecida há algum tempo a relação entre taxas elevadas de
glicemia e mortalidade em unidade de terapia intensiva, não há evidência de redução de
mortalidade com controle estrito. Do ponto de vista prático, o protocolo de insulina
regular humana diluído em soro fisiológico em infusão contínua deve ser ajustado de
acordo com a glicemia capilar visando manter níveis inferiores a 180mg/dL, que
parecem ser eficientes em diminuir a ocorrência de hipoglicemia associada ao controle
glicêmico.
Outras medidas
Profilaxia contra trombose venosa profunda através do uso de Heparina e/ou de
dispositivos mecânicos.
Profilaxia contra úlceras de estresse com bloqueador H2 ou bloqueador de
bomba de prótons.
Profilaxia contra pneumonia associada a ventilação mecânica através da
inclinação da cabeça do paciente a 30-45%.
Pacientes que desenvolvem síndrome da angústia respiratória aguda ou lesão
pulmonar aguda devem receber ventilação mecânica com estratégia protetora, que prevê
volume corrente baixo, de 4-6mL/kg, e limite para as pressões de vias aéreas, com
pressão de platô inferior a 30cmH2O.
Conduta
Sala de emergência.
Cabeceira elevada.
Monitorização de débito
urinário, pressão venosa central,
pressão arterial, pulso, perfusão
periférica e saturação periférica de
oxigênio.
Exames laboratoriais, com
hemograma, função renal,
gasometria arterial com lactato e
proteína C reativa.
Antibioticoterapia precoce.
Acesso venoso central.
Ressuscitação hemodinâmica
com expansão volêmica,
vasopressor e inotrópico para
saturação venosa central de
oxigênio superior ou igual a 70%.
Controle de foco infeccioso.
Suporte e tratamento para as
disfunções orgânicas com corticoide
em baixas doses, controle glicêmico
e ventilação mecânica protetora,
com volume corrente inferior ou igual a 6mL/kg e pressão de platô limitada a
30cmH2O.
Bibliografia
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Fluid Therapy in Resuscitated Sepsis: Less is More. Lakshmi Durairaj and Gregory A Schmidit. CHEST / 133 / 1 / JANUARY,
2008
Etiologia
Sepse, incluindo pneumonia.
Infecções respiratórias difusas, cujos agentes incluem C. pneumoniae, M.
pneumoniae, citomegalovírus, Leptospira sp, Pneumocystis sp e M. tuberculosis.
Vasculites, capilarites ou hemorragia alveolar, como vasculites com anticorpo
anti-citoplasma de neutrófilo positivo, síndrome do anticorpo antifosfolípide,
crioglobulinemia e lúpus eritematoso sistêmico.
Quadros intersticiais agudos idiopáticos, como pneumonia intersticial aguda,
pneumonia eosinofílica aguda, pneumonite por hipersensibilidade e pneumonia em
organização criptogênicas.
Aspiração de conteúdo gástrico.
Pancreatite grave.
Queimaduras extensas.
Uso de circulação extracorpórea.
Múltiplas transfusões.
Embolia gordurosa.
Trauma.
Quase afogamento.
Fisiopatologia
Áreas de intenso colapso em regiões gravidade-dependentes.
Áreas mais aeradas para onde é preferencial o fluxo aéreo pela relativa melhor
complacência e potencial hiperdistensão caso os volumes correntes não sejam limitados.
Áreas de interface potencialmente suscetíveis ao processo de abertura e
fechamento cíclico com consequente potencial de dano associado a estratégias de
ventilação mecânica inadequadas.
Achados clínicos
Hipoxemia potencialmente grave.
Tendência a regime de hipertensão no território vascular pulmonar em função de
hipóxia, heterogeneidade regional e vasoconstrição hipóxica, com possibilidade de
falência do ventrículo direito e consequente colapso hemodinâmico.
É possível como manifestação clínica não só a hipoxemia com repercussão em
cada sistema do organismo, como também um padrão hemodinâmico que pode ser
desde indivíduos dependentes de pouco suporte até pacientes dependentes de grandes
volumes de solução de expansão, drogas vasoativas e, eventualmente, suporte
ventilatório invasivo.
Exames complementares
Uma vez suspeitado o diagnóstico, ainda na sala de emergência, deve ser feita a
monitorização do paciente conforme o manejo da insuficiência respiratória aguda:
- História e exame clínico;
- Monitorização cardíaca, de pressão arterial e de oximetria de pulso;
- Radiografia de tórax;
- Coleta de exames gerais a depender dos potenciais diagnósticos
associados e desencadeantes;
- Gasometria arterial;
Conforme a gravidade de cada caso, e já em ambiente de terapia intensiva,
podem ser necessárias medidas adicionais, como uma monitorização hemodinâmica
mais adequada de pressão arterial invasiva, pressões de enchimento das câmaras
cardíacas, pressões do território pulmonar, débito cardíaco e monitorização metabólica
com porcentagem de hemoglobina saturada de oxigênio na veia cava superior e lactato.
Outro exame que pode ser útil é a tomografia computadorizada de tórax. Através
da análise dos cortes tomográficos, é possível estimar o volume de pulmão colapsado e
titular a estratégia ventilatória para homogeneizar esse sistema respiratório.
Mais recentemente tem sido estudado um método para obtenção de imagens
tomográficas dinâmicas através de um dispositivo portátil, a tomografia de
bioimpedância, que permite a avaliação em tempo real da ventilação alveolar, da
presença de áreas de colapso alveolar e da hiperdistensão do parênquima. Permite que,
através do ajuste das pressões do sistema respiratório, estabeleça-se a abertura dessas
áreas ou a minimização do processo de abertura e fechamento cíclico através, por
exemplo, da titulação da Positive End Expiratory Pressure (PEEP) ou da monitorização
da segurança de manobras de recrutamento alveolar.
Diagnóstico diferencial
O principal diagnóstico diferencial clínico-radiológico é com a disfunção
cardíaca do tipo edema agudo de pulmão, caracterizada por hipoxemia e infiltrado em
Tratamento
A monitorização adequada é muito importante.
Esses pacientes estão sujeitos às complicações inerentes às doenças de base e à
condição aguda. Devem receber os cuidados-padrão como profilaxia de infecções
nosocomiais, especialmente de pneumonia associada a ventilação mecânica, profilaxia
para sangramento em trato gastro-intestinal, profilaxia para trombose venosa profunda,
nutrição precoce e antibioticoterapia adequada quando indicada.
Na fase inicial, o emergencista deve ser agressivo na reposição volêmica, não
devendo tolerar hipotensão. Drogas vasoativas podem ser necessárias e seu uso deve ser
pautado nas necessidades hemodinâmicas e na otimização baseada nas variáveis
metabólicas.
Lesão pulmonar aguda e síndrome do desconforto respiratório agudo não
pressupõem intubação orotraqueal. A princípio, a ventilação não-invasiva pode ter um
papel importante na condução dos casos mais leves. No entanto, essa estratégia acaba
sendo uma exceção em vista de sua ineficiência e das necessidades elevadas em termos
de tempo e pressões por parte dos pacientes.
Existe uma tendência atual de que as estratégias de ventilação mecânica em
lesão pulmonar aguda e síndrome do desconforto respiratório agudo sejam pautadas em
um paradigma de open lung approach, ou seja, a homogeneização do sistema
respiratório através da abertura e manutenção da patência alveolar, evitando-se a
abertura e o fechamento cíclicos e consequente lesão pulmonar induzida pela ventilação
mecânica.
Ventilação protetora
Já está bem estabelecido que os volumes correntes para ventilação desses
pacientes devem ser inferiores a 6mL/kg de peso ideal, com pressões de platô do
sistema respiratório de no máximo 30cmH2O, ainda que para isso seja necessário tolerar
níveis mais elevados de pCO2, conceito conhecido como hipercapnia permissiva.
Sugere-se manter o pH superior a 7.20.
Na tentativa de homogeneização e minimização da abertura e fechamento
cíclicos, pode ser necessária a elevação das pressões basais do sistema através da PEEP,
que deve ser ajustada para valores superiores a 10cmH2O.
O peso ideal pode ser calculado em homens com a fórmula 50 + 0.91 (altura em
centímetros – 152.4) e em mulheres com a fórmula 45.5 + 0.91 (altura em centímetros
– 152.4).
Corticosteróides
Nos casos mais graves ou em que a evolução não é favorável, o uso de
Metilprednisolona em doses por volta de 1-2mg/kg de peso é defensável, apesar de esse
dado ser suportado por evidência não muito sólida.
Bibliografia
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Acute Respiratory Distress Syndrome: The Berlin Definition. The ARDS Definition Task Force. JAMA, Published online May 21,
2012
Objetivos
Manter as trocas gasosas, ou seja, corrigir a hipoxemia e a acidose respiratória
associadas à hipercapnia.
Aliviar o trabalho da musculatura respiratória que, em situações agudas de alta
demanda metabólica, está elevado. Reverter ou evitar a fadiga da musculatura
respiratória. Diminuir o consumo de oxigênio e, dessa forma, reduzir o desconforto
respiratório.
Permitir a aplicação de terapêuticas específicas.
Conceito
Estratégia de suporte ventilatório que permite oferecer altos fluxos de oxigênio
com FiO2 variáveis e ajustáveis, assim como pressão positiva nas vias aéreas através de
dispositivos específicos, como máscaras facial, nasal, full face e helmet.
As vantagens teóricas em relação à ventilação invasiva incluem eliminação das
possíveis complicações associadas com a intubação endotraqueal, diminuição de
infecções relacionadas a aplicação do suporte ventilatório, promoção de maior conforto
ao paciente, preservação dos mecanismos de defesa das vias aéreas, possibilidade de
manutenção da fala e da deglutição e maior flexibilidade para instituição e remoção do
suporte mecânico.
Indicações
Traz benefício em diversas situações bem estabelecidas, como doença pulmonar
obstrutiva crônica descompensada, edema agudo de pulmão, insuficiência respiratória
aguda em imunodeprimidos, como aqueles com síndrome da imunodeficiência
adquirida, transplante de órgãos sólidos e neutropenia, e desmame de ventilação
mecânica. Apesar de não ser recomendado o uso rotineiro, pode haver benefício em
outras situações, como crise de asma, insuficiência respiratória hipoxêmica e cuidados
paliativos. A ventilação mecânica não-invasiva pode prevenir intubação orotraqueal.
Critérios para seleção de pacientes elegíveis:
Abordagem inicial
É importante ressaltar que não se deve retardar uma intubação orotraqueal
indicada. A aplicação de ventilação não-invasiva no ambiente do pronto-socorro
permite estabilização muito mais rápida dos pacientes e pode reduzir a taxa de
intubação e mortalidade em alguns casos.
A falência da ventilação não-invasiva deve ser detectada rapidamente, sendo
necessários monitorização contínua, reajustes baseados na resposta clínica e presença de
profissional treinado. Após trinta minutos, deve-se colher nova gasometria e avaliar
conforto e queda das frequências cardíaca e respiratória.
A piora ou a persistência das anormalidades na condição clínica e/ou nas trocas
gasosas, assim como o surgimento de qualquer contraindicação para o uso de ventilação
não-invasiva, são suficientes para que seja considerada falência, com indicação de
intubação orotraqueal e ventilação invasiva.
Modos ventilatórios
No modo Continuous
Positive Airway Pressure (CPAP) o
indivíduo respira espontaneamente,
porém em relação a uma linha de
base que é a pressão supra-
atmosférica à qual é submetida a
via aérea. Pode ser fornecido por
aparelhos de ventilação mecânica
invasiva, por aparelhos específicos para esse modo ventilatórios ou por simples
geradores ou reguladores de fluxo.
No modo ventilação com
pressão de suporte, com dois níveis
de pressão, o operador programa o
aparelho para fornecer a
pressurização da via aérea em dois
níveis, um na expiração, Expiratory
Protocolo de iniciação
Avaliação do ambiente adequado para ventilação não invasiva.
Monitorização de ritmo cardíaco, frequência respiratória, pressão arterial e
porcentagem de hemoglobina saturada por oxigênio no sangue periférico.
Posicionamento do paciente com cabeceira elevada a 30º.
Seleção e colocação de interface adequada.
Seleção de ventilador e modo ventilatório adequados.
Aplicação de fixação, com espaço entre a face e a interface de cerca de dois
dedos.
Conexão da interface ao ventilador, que deverá ser ligado a seguir.
Início com baixas pressões em modo espontâneo limitado a pressão, com IPAP
de 8-12cmH2O e EPAP de 3-5 cmH2O.
Aumento gradual da IPAP até nível bem tolerado para atingir alívio da dispneia,
diminuição da frequência respiratória, aumento do volume corrente e boa sincronia
entre paciente e ventilador, geralmente 10-20cmH2O.
Ajuste da EPAP conforme a necessidade individual do paciente e de sua
patologia, geralmente 5-10cmH2O.
Oferta de oxigênio suplementar para porcentagem de hemoglobina saturada por
Conceito
Tratamento para os casos mais graves ou refratários de insuficiência respiratória
aguda, com necessidade de ambiente e condutas específicos, já que a instalação de via
aérea avançada, como cânula orotraqueal, cânula nasotraqueal, cricotireoidostomia e
traqueostomia, é procedimento altamente especializado e sujeito a complicações graves.
Frequentemente, é necessária a sedação e eventualmente a paralisação do paciente.
Indicações
O suporte ventilatório invasivo é indicado quando o paciente não é capaz de
realizar trocas gasosas adequadamente, apesar de suplementação de oxigênio.
Indicações de ventilação mecânica invasiva incluem fadiga da musculatura
respiratória, doença neuromuscular, drive ventilatório diminuído, obstrução de vias
aéreas, anormalidades de parede torácica, hipoxemia refratária e trabalho respiratório
excessivo. As situações clínicas em que a intubação e a ventilação mecânica são a
maneira mais segura de garantir a oferta de oxigênio aos tecidos são a parada
respiratória instalada ou iminente, a redução do nível de consciência que ameace a
proteção das vias aéreas e a instabilidade hemodinâmica.
Abordagem inicial
Na maioria das vezes, é necessário avaliar gasometria arterial, radiografia de
tórax, etiologia da insuficiência respiratória, resposta à suplementação de oxigênio e
tratamento específico e resposta à ventilação não-invasiva para decidir pela indicação de
ventilação invasiva. Quando se opta pela ventilação invasiva, deve-se proceder à
intubação orotraqueal, ficando a intubação nasotraqueal e a cricotireoidostomia
reservadas para situações especiais.
É necessário monitorizar pressão arterial, frequência cardíaca, oximetria de
pulso e gasometria arterial, além de confirmar o posicionamento do tubo, obter
radiografia de tórax e examinar cuidadosamente o paciente. Após a estabilização inicial,
novos ajustes devem ser feitos objetivando correção de hipoxemia e/ou hipercapnia.
Modos ventilatórios
Controlado
A característica fundamental desse modo ventilatório é a completa dependência
do indivíduo do aparelho, que controla todo o ciclo respiratório, inclusive a frequência
respiratória. É utilizado quando o drive ventilatório do indivíduo está ausente. O disparo
ocorre exclusivamente por tempo.
Assistido/controlado
Modo ventilatório em que o aparelho fornece um suporte ventilatório
Espontâneo
Nesse modo o indivíduo controla a frequência respiratória e é oferecido aporte
de oxigênio e, principalmente, pressurização do sistema respiratório. Todos os ciclos
são disparados e ciclados pelo paciente.
No modo pressão de suporte ventilatório, o operador programa o aparelho para
fornecer a pressurização da via aérea em dois níveis, um na expiração, Positive End
Expiratory Pressure (PEEP) ou Expiratory Positive Airway Pressure (EPAP), e um na
inspiração, Inspiratory Positive Airway Pressure (IPAP). A sensibilidade e o disparo do
aparelho podem ser controlados pelo operador, assim como a fração inspirada de
oxigênio. Os ciclos ventilatórios são ciclados a fluxo, a partir do momento em que o
fluxo inspiratório cai abaixo de níveis pré-fixados, geralmente 25%.
Curvas de pressão
À medida que o fluxo de ar adentra o
sistema respiratório, a pressão inspiratória se
eleva, pois é necessária para vencer dois
componentes, um resistivo, devido à
resistência ao fluxo de ar pelas vias aéreas, e
outro elástico, decorrente da distensão dos
pulmões e da parede torácica.
O ponto (1) do gráfico de um ciclo respiratório em modo ventilatório controlado
a volume com pausa inspiratória representa o pico de pressão inspiratória (Ppi) nas vias
aéreas, que sofre interferência tanto do fluxo, com pressão resistiva (Pres), como da
variação de volume, com pressão elástica (Pel). Já o ponto (2) marca a pressão de platô
(Pplatô) das vias aéreas, que representa a pressão de equilíbrio do sistema respiratório, na
ausência de fluxo. Na situação de fluxo zero ou pausa inspiratória, a pressão resistiva é
zero e a pressão observada no sistema (Pplatô) corresponde à soma da Pel do sistema
respiratório com a PEEP.
Equações:
- Ppi = Pres + Pel + PEEP;
Recrutamento alveolar
Determinadas patologias ou condições clínicas estão associadas a uma perda da
capacidade funcional de patência alveolar e consequente disponibilidade de unidades
alveolares para a ventilação. Na tentativa de homogeneizar a distribuição aérea nos
pulmões são utilizadas as manobras de recrutamento alveolar, que consistem na
elevação da pressão do sistema.
Existem várias maneiras de recrutar um pulmão doente e elas podem gerar
algum desconforto para o doente, de modo que em boa parte das vezes a tolerância às
manobras pode ser ruim e pode haver necessidade de sedação e, eventualmente, até
paralisação dos pacientes.
Auto-PEEP
Indivíduos que tenham dificuldade no esvaziamento aéreo durante o ciclo
respiratório podem ser submetidos a um acúmulo de volume aéreo represado nos
pulmões, com elevação do volume residual, de maneira automática e oculta, com
possibilidade de graves consequências, desde desconforto respiratório e
dessincronização com o aparelho até barotrauma.
Condições que estão frequentemente associadas ao aparecimento do auto-PEEP
são a taquipnéia, a inadequação da relação entre inspiração e expiração e a obstrução ao
fluxo aéreo, como na asma e na doença pulmonar obstrutiva crônica.
É possível suspeitar de auto-PEEP quando a curva de fluxo do ventilador não
atingir o eixo do valor zero ao final da expiração, o que significa que o sistema ainda
não havia terminado de esvaziar-se. Para medir o auto-PEEP, deve-se proceder com
pausa expiratória de 2-4 segundos e calcular a diferença entre a pressão aferida e a
PEEP, que poderá ser zerada durante a realização da manobra.
O tratamento do auto-PEEP prevê aumentar o valor do fluxo na ventilação com
volume controlado ou diminuir o tempo inspiratório nos modos de pressão controlada.
O tratamento da obstrução é premente e a compensação da taquipnéia diminui o risco de
manifestação desse quadro.
Bibliografia
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica. Ventilação mecânica : princípios, análise gráfica e modalidades ventilatórias.
Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho, Carlos Toufen Junior, Suelen Aires Franca. J Bras Pneumol. 2007;33(Supl 2):S 54-S 70III.
Avaliação do pulso
Provedores leigos de suporte básico de vida não devem tentar avaliar o pulso
carotídeo e devem assumir que há parada cardiorrespiratória em caso de adulto com
colapso súbito ou não responsivo na ausência de respiração normal. Os profissionais da
área da saúde devem dedicar não mais do que dez segundos à avaliação do pulso
carotídeo e, se não estiverem certos de o haver identificado, deverão assumir que há
parada cardiorrespiratória.
Ventilações de resgate
Uma vez iniciadas as compressões torácicas, um provedor de suporte básico de
vida treinado em ressuscitação cardiopulmonar deverá realizar ventilações de resgate
boca-a-boca ou através de dispositivo bolsa-válvula-máscara. A abertura das vias aéreas
pode ser feita através de elevação da mandíbula e hiperextensão da coluna cervical ou
de tração da mandíbula, preferida apenas na suspeita de lesão cervical. Cada ventilação
de resgate deverá ter a duração de um segundo, com volume suficiente para elevação
visível do tórax. Recomenda-se uma relação de trinta compressões para duas
ventilações.
Se o provedor de suporte básico de vida não for treinado em ressuscitação
cardiopulmonar, deverá proceder apenas com compressões torácicas.
Em caso de adulto com circulação espontânea, evidenciada por pulsos palpáveis
e cheios, que necessite de suporte ventilatório, deve-se administrar ventilações de
resgate a cada cinco ou seis segundos, o que corresponde a dez a doze por minuto.
Posição de recuperação é indicada para adultos não responsivos com respiração
normal e circulação efetiva. Prevê decúbito lateral com o braço inferior posicionado a
frente do corpo.
Algoritmos
Intubação endotraqueal
O tubo endotraqueal mantém as vias aéreas patentes, permite a aspiração de
Medicamentos
Durante a parada cardiorrespiratória, a provisão de ressuscitação cardiopulmonar
de alta qualidade e a rápida desfibrilação são de importância primária, enquanto que a
administração de drogas é de importância secundária.
Vasopressores
Epinefrina produz efeitos benéficos em vítimas de parada cardiorrespiratória
principalmente através da ligação a receptores α-adrenérgicos. É razoável considerar
administrar dose de 1mg por via intravenosa ou intraóssea a cada três a cinco minutos
durante a parada cardiorrespiratória. Doses mais elevadas podem ser necessárias para
tratar situações específicas, como intoxicação por bloqueador de canal de cálcio e β-
bloqueador. Se há demora na obtenção do acesso intravenoso ou intraósseo, a
medicação pode ser administrada por via endotraqueal na dose de 2.0-2.5mg.
Vasopressina é um vasoconstritor periférico, renal e coronariano não
adrenérgico. Como não existem evidências de que seus efeitos sejam diferentes
daqueles da Epinefrina na parada cardiorrespiratória, uma dose de 40 unidades por via
intravenosa ou intraóssea pode substituir a primeira ou a segunda dose de vasopressor
durante o suporte avançado de vida.
Antiarrítmicos
A Amiodarona afeta os canais de sódio, potássio e cálcio, além de apresentar
efeito α-bloqueador e β-bloqueador. Pode ser considerada no tratamento de fibrilação
ventricular e taquicardia ventricular sem pulso não-responsivas a desfibrilação,
ressuscitação cardiopulmonar e terapia vasopressora. Uma dose inicial de 300mg pode
ser seguida por uma dose de 150mg por via intravenosa ou intraóssea.
A Lidocaína é um antiarrítmico alternativo, mas sem evidências de eficácia na
parada cardiorrespiratória, podendo ser considerada quando não houver Amiodarona
disponível. Preconiza-se dose inicial de 1.0-1.5mg/kg por via intravascular. Em caso de
persistência da fibrilação ventricular ou da taquicardia ventricular sem pulso, doses
adicionais de 0.50-0.75mg/kg por via intravascular podem ser administradas a intervalos
de cinco a dez minutos até uma dose máxima de 3mg/kg.
Quando a fibrilação ventricular ou a taquicardia ventricular sem pulso estiverem
associadas a torção das pontas, os provedores de suporte avançado de vida podem
administrar uma dose de 1-2g de Sulfato de Magnésio.
Bibliografia
Part 8: Adult Advanced Cardiovascular Life Support. 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary
Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Robert W. Neumar, Chair; Charles W. Otto; Mark S. Link; Steven L. Kronick;
Michael Shuster; Clifton W. Callaway; Peter J. Kudenchuk; Joseph P. Ornato; Bryan McNally; Scott M. Silvers; Rod S. Passman;
Roger D. White; Erik P. Hess; Wanchun Tang; Daniel Davis; Elizabeth Sinz; Laurie J. Morrison. Circulation 2010;122;S729-S767.
Destaques das Diretrizes da American Heart Association 2010 para RCP e ACE. American Heart Association 2010.
Bibliografia
Algoritmo
Etiologia e fisiopatologia
A disfunção do nó sinusal idiopática ou primária ocorre em razão do
envelhecimento do nó sinusal e da musculatura atrial. As formas secundárias estão
associadas a algumas doenças cardíacas, a doenças com comprometimento cardíaco e a
ação de drogas.
Os bloqueios atrioventriculares podem ser congênitos ou adquiridos, transitórios
ou permanentes. O bloqueio atrioventricular adquirido idiopático ocorre por fibrose
envolvendo o esqueleto cardíaco ou o sistema de condução distal. Outras etiologias
incluem isquemia miocárdica, infecções, traumas e medicações.
A síndrome da hipersensibilidade do seio carotídeo e a síncope
neurocardiogênica também podem levar a bradiarritmias reflexas importantes.
Quadro clínico
Síncope e pré-síncope são as manifestações clínicas mais freqüentes de pacientes
portadores de bradiarritmias agudas paroxísticas e decorrem de hipoperfusão cerebral
transitória. As formas crônicas promovem diminuição do débito cardíaco no repouso e
no exercício, com queixas de dispnéia aos esforços e em repouso, fadiga e angina do
peito.
Os pacientes com síndrome bradi-taqui por disfunção do nó sinusal podem
queixar-se de sintomas referentes aos episódios de bradicardia e palpitações.
O exame físico revela déficit cronotrópico, diferentes intensidades de sopros
regurgitativos pelas valvas atrioventriculares pelo grau de dissincronia entre as câmaras
cardíacas, ondas A proeminentes no pulso venoso periférico e sinais de insuficiência
cardíaca.
Avaliação
Uma vez que hipoxemia é uma importante causa de bradicardia, a avaliação
inicial de qualquer paciente com bradicardia deve ser focada em sinais de aumento do
trabalho respiratório, como taquipnéia, retrações intercostais, retração supraesternal e
respiração paradoxal, e em porcentagem de hemoglobina saturada por oxigênio no
sangue arterial, que pode ser determinada por oximetria de pulso. Se a oxigenação for
inadequada ou o paciente apresentar sinais de aumento do trabalho respiratório, deve-se
prover oxigênio suplementar.
Recomenda-se monitorizar o paciente, avaliar a pressão arterial e estabelecer um
acesso intravenoso. Se possível, um eletrocardiograma de doze derivações deve ser
obtido, com atenção para presença, frequência e morfologia da onda P, intervalo PR,
correlação entre ondas P e complexos QRS e presença de bloqueio de ramo ou de
Identificação da arritmia
Disfunção do nó sinusal:
- Bradicardia sinusal é caracterizada por eixo normal da onda P e
frequência cardíaca inferior a 60bpm;
- Bloqueios sinoatriais são caracterizados por encurtamento progressivo
do intervalo PP até falha de uma onda ou ausência de ondas P em
intervalos múltiplos do intervalo PP basal;
- Pausa sinusal é caracterizada por pausas na atividade atrial maiores do
que 3 segundos;
- Síndrome bradi-taqui é caracterizada por episódios de fibrilação ou
taquicardia atrial intercalados com pausas sinusais;
Bradicardia atrial é caracterizada por onda P com orientação diferente da onda P
sinusal. Muitas vezes, o foco ectópico é próximo do nó sinusal, sendo difícil a
diferenciação no eletrocardiograma.
Bradicardia juncional é ritmo originado no nó atrioventricular, sem onda P ou
com onda P retrógrada, após o QRS, com orientação invertida.
O bloqueio atrioventricular pode ser causado por distúrbios eletrolíticos,
medicações ou alterações estruturais relacionadas a infarto agudo do miocárdio:
- Bloqueio atrioventricular de primeiro grau é caracterizado por
prolongamento anormal do intervalo PR, com duração superior a 0.20s, e
geralmente é reversível e secundário a fatores extrínsecos ao sistema de
condução;
- Bloqueio atrioventricular de segundo grau Mobitz I (Wenckebach) é
caracterizado por prolongamento progressivo do intervalo PR antes de
uma onda P bloqueada, geralmente associado a complexos QRS estreitos
e muitas vezes reversível e associado a fatores extrínsecos ao sistema de
condução;
- Bloqueio atrioventricular de segundo grau Mobitz II é caracterizado por
intervalo PR fixo antes e após ondas P bloqueadas, geralmente associado
a complexo QRS largo e a lesão irreversível intrínseca ao sistema de
condução;
- No bloqueio atrioventricular tipo 2:1 não ocorrem duas ondas P
conduzidas consecutivas que permitam avaliação da origem do bloqueio,
podendo corresponder a forma atípica de Mobitz I ou a Mobitz II;
- Bloqueio atrioventricular avançado é caracterizado por bloqueio de
mais da metade das despolarizações atriais, com algum grau de
Exames complementares
Eletrocardiograma
O eletrocardiograma é o método utilizado na emergência para auxiliar no
diagnóstico das bradiarritmias. O Holter deve ser indicado caso o eletrocardiograma
basal não seja elucidativo.
Estudo eletrofisiológico
Pacientes com síncope de origem indeterminada e portadores de bradicardia
sinusal, distúrbio de condução atrioventricular, cardiopatia estrutural e/ou idade
avançada têm indicação de estudo eletrofisiológico caso os métodos não-invasivos não
tenham sido conclusivos.
Diagnóstico diferencial
Hipoxemia.
Medicamentos, como β-bloqueadores, bloqueadores de canais de cálcio,
antiarrítmicos, antidepressivos tricíclicos e digitálicos.
Distúrbios dos equilíbrios hidroeletrolítico e acidobásico.
Síndrome da hipersensibilidade do seio carotídeo.
Síncope neurocardiogênica.
Isquemia miocárdica.
Cirurgia cardíaca.
Endocardite.
Extensão de calcificação das valvas mitral e aórtica.
Bloqueio atrioventricular total congênito.
Doença de Chagas.
Doença do nó sinusal.
Condicionamento físico.
Sono ou apneia obstrutiva do sono.
Hipertensão intracraniana.
Hipotireoidismo.
Doenças infiltrativas, como amiloidose, sarcoidose e hemocromatose.
Doenças inflamatórias, como vasculites e miocardites.
Drogas
Atropina é a droga de primeira linha para a bradicardia aguda sintomática, com
melhora da frequência cardíaca, dos sintomas e dos sinais associados, devendo ser
considerada enquanto se aguarda o marca-passo transcutâneo ou transvenoso.
Apresentada na forma de ampolas de 1mL com 0.25mg ou 0.50mg. A dose
recomendada é 0.5mg a cada três a cinco minutos até uma dose máxima de 3mg. Não há
necessidade de preparo ou diluição. Sua administração não deve atrasar a colocação de
marca-passo em paciente com má-perfusão. Deve ser utilizada com cautela em
pacientes com isquemia miocárdica, uma vez que frequência cardíaca elevada pode
aumentar o tamanho do infarto. A intervenção é ineficaz em pacientes submetidos
previamente a transplante cardíaco e provavelmente será ineficaz em pacientes com
bloqueio atrioventricular de segundo grau Mobitz II ou bloqueio atrioventricular de
terceiro grau.
Apesar de não serem agentes de primeira linha para o tratamento da bradicardia
sintomática, Dopamina, Epinefrina e Isoproterenol são alternativas quando a
bradiarritmia não é responsiva ao tratamento adequado com Atropina ou em
circunstâncias especiais, como intoxicação por bloqueador de canais de cálcio e β-
bloqueadores, em que também pode-se optar pelo uso do Glucagon, apresentado na
forma de frascos com 1mg de pó para injeção, com 2-3mg em trinta minutos e repetição
conforme a necessidade com velocidade de 5mg/hora até estabilização. O uso de
vasoconstritores requer que o paciente seja avaliado quanto à adequação da volemia,
com reposição conforme necessário.
Dopamina é uma catecolamina com ação tanto α-adrenérgica como β-
adrenérgica e pode ser titulada para atuar predominantemente na frequência cardíaca ou
na vasoconstrição. É apresentada na forma de ampola de 10mL com 5mg/mL. A
diluição preconizada consiste em cinco ampolas em 200mL de Soro Glicosado a 5% ou
de Soro Fisiológico, com concentração de 1000mcg/mL. Diluição alternativa prevê dez
ampolas em 150mL de Soro Glicosado a 5% ou de Soro Fisiológico, com concentração
de 2000mcg/mL. Em doses menores, tem efeito mais seletivo inotrópico e cronotrópico,
enquanto que em doses maiores, acima de 10mcg/kg/minuto, também tem efeito
vasoconstritor. Sua infusão é indicada em pacientes com bradicardia sintomática,
principalmente se associada a hipotensão arterial, nos quais Atropina não for apropriada
ou falhar. Deve-se iniciar a infusão com dose de 2-10mcg/kg/minuto e titular conforme
a resposta do paciente.
Epinefrina é uma catecolamina com ação tanto α-adrenérgica como β-
adrenérgica. Sua infusão é indicada em pacientes com bradicardia sintomática,
Marca-passo transcutâneo
As principais indicações de marca-passo na sala de emergência incluem
bradicardias sintomáticas com pulso presente, bloqueio atrioventricular de 3º grau com
QRS largo ou escape inferior a 60bpm, bloqueio atrioventricular de 2º grau Mobitz II ou
de 3º grau na presença de infarto agudo do miocárdio de parede anterior, bloqueio de
ramo alternante na presença de infarto agudo do miocárdio e bloqueio bifascicular novo
ou com tempo indeterminado associado a bloqueio atrioventricular de primeiro grau.
Trata-se de medida dolorosa, com necessidade de sedação. A avaliação por
especialista é recomendada. Pulsos elétricos são aplicados através de dois eletrodos
colados na pele do tórax. Os modernos desfibriladores já incluem o marca-passo
transcutâneo, devendo-se trocar o conector do cabo das pás pelo do cabo do marca-
passo.
Os eletrodos são autoadesivos e com gel condutor. A aplicação é muito simples
e rápida, mas exige atenção, já que a posição das pás não pode ser invertida. Para a
colocação dos eletrodos, é necessário realizar a limpeza da pele e a retirada dos pêlos no
local de colocação com o objetivo de diminuir o limiar da estimulação. O eletrodo
negativo deve ser colocado na face anterior do tórax, na região do ápice cardíaco, e o
eletrodo positivo na região infraescapular direita ou esquerda. Se o paciente não puder
ser virado, uma opção inclui colocar uma pá no esterno e outra no ápice cardíaco.
Material de intubação orotraqueal deve estar disponível.
A frequência de disparo de ve ser ajustada para 70-80bpm.
Em geral, inicia-se com 20-30mA e aumenta-se gradualmente até que cada
disparo do marca-passo transcutâneo corresponda a um complexo QRS, o que é
denominado captura elétrica, com pulso femoral palpável, o que é denominado captura
mecânica. O menor nível de energia que conduz todos os pulsos do marca-passo é
denominado limiar de estimulação. Deve-se manter um nível de energia acima do limiar
para que o paciente não perca abruptamente o comando do marca-passo transcutâneo.
Nos pacientes conscientes, a corrente de estimulação deve ser de 5-10mA acima do
limiar de captura mecânica, com a finalidade de diminuir a sintomatologia.
No modo de demanda, o estímulo é disparado apenas quando a frequência
cardíaca estiver abaixo da frequência do marca-passo transcutâneo, evitando
estimulações desnecessárias e a possibilidade do marca-passo transcutâneo aplicar o
estímulo elétrico sobre uma onda T de batimento espontâneo do paciente, com
consequente arritmia ventricular. No modo fixo, o aparelho dispara independentemente
da frequência cardíaca ou dos batimentos espontâneos do paciente, com uso indicado
apenas em situações de transporte ou quando o paciente está muito agitado, situações
em que o marca-passo transcutâneo pode interpretar oscilações ou interferências
musculares como batimentos cardíacos.
Marca-passo transvenoso
A sua instalação é mais trabalhosa, depende da experiência do médico e está
sujeita a complicações. O melhor local para realização do procedimento é a sala de
hemodinâmica.
O acesso venoso pelo qual é mais fácil a locação do eletrodo é o jugular direito.
Através de movimentos de rotação e de tentativa e erro, o eletrodo deve passar a valva
tricúspide e ser introduzido até encostar na parede do ventrículo direito, de preferência
próximo da sua ponta, na parede inferior, com um ângulo de aproximadamente 30º com
o plano horizontal.
A energia com que se mantém a estimulação nunca deve ser menor do que três
vezes a do limiar, porque na região em que o eletrodo encontra-se impactado ocorre
uma reação inflamatória que irá dificultar a condução do estímulo após alguns dias.
O marca-passo provisório pode ser passado também sem o auxílio da
radioscopia com o eletrocardiograma, porém com maior dificuldade. Conecta-se o
eletrodo na derivação “V” do eletrocardiograma e monitoriza-se o paciente nessa
derivação.
O paciente deve ser mantido monitorizado para imediata identificação de
qualquer perda de comando do marca-passo transvenoso. Nas primeiras 48 horas,
recomenda-se medir o limiar a cada doze horas, mantendo o gerador com energia três a
cinco vezes acima. Do terceiro ao sétimo dias, a recomendação é uma medida diária e
energia duas a três vezes acima.
As grandes vantagens desse método de estimulação em relação ao marca-passo
transcutâneo são o maior conforto do paciente, que pode movimentar-se livremente já
que o gerador de pulsos tem tamanho reduzido, a ausência de dor e a possibilidade de
uso por até quinze dias. As principais desvantagens são a necessidade de profissional
habilitado para sua passagem, os riscos de infecção, as complicações durante a
passagem e perfurações de vasos ou de câmaras cardíacas.
Marca-passo definitivo
O implante de marca-passo definitivo é indicado nas bradicardias sintomáticas
de causas bem definidas e não-reversíveis ou, ainda, profilaticamente, quando há
necessidade de utilização de medicações que sabidamente exacerbarão algum grau pré-
existente de disfunção do nó sinusal e doença do sistema de condução. O implante
promove melhora dos sintomas relacionados a bradicardias, embora não
necessariamente resulte em aumento na sobrevida. Nos bloqueios atrioventriculares
avançados, o implante de marca-passo definitivo pode constituir terapêutica primordial
para a sobrevida do paciente. Também está indicado na síndrome da hipersensibilidade
do seio carotídeo, na forma cardioinibitória. O papel do marca-passo definitivo nas
síndromes neuromediadas com bradicardias severas e/ou assistolias prolongadas é
controverso, sendo recomendado como adjuvante do tratamento em pacientes com
síncopes recorrentes, pródromos curtos ou ausentes e falha do tratamento clínico.
Os marca-passos podem ser unicamerais ou bicamerais, ou seja, atriais,
ventriculares ou ambos. A seleção do tipo de marca-passo e da programação apropriada
para cada paciente depende da presença ou ausência de anormalidades da condução
atrioventricular, da presença ou ausência de arritmias atriais, da intenção de manter
sincronia atrioventricular e da necessidade de responsividade da frequência.
Bibliografia
Part 8: Adult Advanced Cardiovascular Life Support. 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary
Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Robert W. Neumar, Chair; Charles W. Otto; Mark S. Link; Steven L. Kronick;
Michael Shuster; Clifton W. Callaway; Peter J. Kudenchuk; Joseph P. Ornato; Bryan McNally; Scott M. Silvers; Rod S. Passman;
Roger D. White; Erik P. Hess; Wanchun Tang; Daniel Davis; Elizabeth Sinz; Laurie J. Morrison. Circulation 2010;122;S729-S767.
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 6. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2011.
Clínica médica, volume 2: doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, emergências e terapia intensiva. – Barueri, SP: Manole,
2009.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Boletim de Cardiologia para o Internato. Ano 1, número 9. Carlos Pedrotti, Gustavo Hironaka, Leonardo Lopes. Preceptoria de
Cardiologia do Instituto do Coração, 2009.
Fisiopatologia
As arritmias cardíacas são originadas por um ou mais mecanismos dentre
automatismo anormal, atividade deflagrada e circuito de reentrada.
Quadro clínico
Esforços devem ser dispendidos para determinar se a taquicardia é a principal
causa dos sintomas apresentados pelo paciente ou se é secundária a uma condição
subjacente. Quando a frequência cardíaca é inferior a 150bpm, é pouco provável que os
sintomas sejam causados primariamente pela taquicardia, exceto em caso de disfunção
ventricular.
Queixas inespecíficas incluem tontura, mal estar e angústia. Queixas sugestivas
de doença cardíaca incluem síncope, dispneia, dor torácica, palpitação e hipotensão.
Tratamento
Se o paciente apresentar sinais de comprometimento cardiovascular relacionado
à frequência cardíaca, como alteração aguda do nível de consciência, desconforto
torácico isquêmico, insuficiência cardíaca aguda, hipotensão e outros sinais de choque,
deve-se proceder com cardioversão sincronizada imediata.
Se o paciente com taquicardia estiver estável, o provedor de suporte avançado de
vida terá tempo de obter um eletrocardiograma de 12 derivações, avaliar o ritmo
cardíaco, determinar se o complexo QRS tem duração superior ou igual a 0.12s e definir
as opções terapêuticas.
Se possível, deve-se estabelecer um acesso intravascular antes da cardioversão e
administrar sedação se o paciente estiver consciente. No entanto, não se deve atrasar a
cardioversão se o paciente estiver extremamente instável. Cardioversão sincronizada é a
administração de choque em sincronia com o complexo QRS, com indicação em
taquicardia supraventricular instável e taquicardia ventricular monomórfica instável.
Quando não for possível sincronizar o choque, deve-se utilizar choque não-sincronizado
de alta energia.
A dose de energia inicial recomendada para a cardioversão de fibrilação atrial
com onda bifásica varia de 120J a 200J, com aumento gradual nos choques
subsequentes em caso de falha. Já a cardioversão de flutter atrial e outras taquicardias
supraventriculares exige menos energia, com um choque inicial de 50-100J sendo
suficiente. A cardioversão com onda monofásica deve ser realizada com dose de energia
inicial de 200J, com aumento gradual nos choques subsequentes em caso de falha.
A taquicardia ventricular monomórfica com pulso responde bem à cardioversão
sincronizada com onda monofásica ou difásica com energia inicial de 100J. Se não
houver resposta ao primeiro choque, é razoável aumentar gradualmente a dose de
energia.
Arritmias com aparência polimórfica do complexo QRS usualmente não
permitem a sincronização, com indicação de choque não-sincronizado de alta energia
semelhante ao preconizado para fibrilação ventricular.
Taquicardia supraventricular
O ritmo é considerado supraventricular quando o complexo QRS é estreito, com
duração inferior a 0.12s, ou largo na presença de bloqueio de ramo ou aberrância de
condução dependente da frequência cardíaca.
A maior parte das taquicardias supraventriculares são regulares, causadas por
reentrada e caracterizadas por início e término abruptos. Distinguir as formas de
reentrada que são dependentes do miocárdio atrial, como na fibrilação atrial, daquelas
em que a reentrada é dependente parcialmente ou totalmente do nó atrioventricular,
como na taquicardia supraventricular paroxística, é importante em função de diferente
resposta à terapêutica com diminuição da condução pelo nó atrioventricular.
Um outro grupo de taquiarritmias é referido como taquicardias automáticas,
caracterizadas por início e término graduais, como taquicardia atrial, taquicardia atrial
multifocal e taquicardia juncional. Há maior dificuldade no tratamento, ausência de
resposta à cardioversão e necessidade de controle inicial com drogas que reduzem a
condução pelo nó atrioventricular.
Manobras vagais, como manobra de Valsalva e massagem do seio carotídeo, e
Adenosina são as opções preferidas para terapêutica inicial em caso de taquicardia
paroxística supraventricular estável. Se a taquicardia paroxística supraventricular não
responder às manobras vagais, deve-se administrar 6mg de Adenosina por via
intravenosa na forma de bolus seguido por 20mL de solução salina em uma veia de
grosso calibre. Se o ritmo não reverter em um a dois minutos, deve-se administrar bolus
de 12mg, que pode ser repetido uma vez. Em função do risco de fibrilação atrial de alta
resposta em pacientes com síndrome de Wolff-Parkinson-White, um desfibrilador deve
estar disponível. Como pode causar broncoespasmo, não deve ser usada em paciente
com asma. Deve-se reduzir a dose se infundida em acesso venoso central ou em
pacientes em uso de Dipiridamol ou Carbamazepina. Em pacientes instáveis, a droga
pode ser utilizada enquanto se prepara a cardioversão elétrica.
Efeitos colaterais da Adenosina são comuns e transitórios. Incluem eritema,
dispneia e desconforto torácico. A medicação é segura para gestantes, mas não deve ser
administrada para asmáticos.
Em caso de outras taquicardias supraventriculares, as manobras vagais e a
administração de Adenosina podem diminuir transitoriamente a frequência ventricular e
auxiliar no diagnóstico do ritmo, mas provavelmente não irão reverter a arritmia.
Após a reversão, o paciente deve ser monitorizado para recorrências, que serão
tratadas com Adenosina ou com um bloqueador do nó atrioventricular de longa duração,
como bloqueador de canais de cálcio e β-bloqueador. Se as manobras vagais ou a
administração de Adenosina falharem ou desencadearem outra forma de taquicardia
supraventricular, como fibrilação atrial ou flutter atrial, deve-se considerar tratamento
com um bloqueador do nó atrioventricular de longa duração, como bloqueador de canais
de cálcio não-dihidropiridínicos, como o Diltiazem e o Verapamil, e β-bloqueadores
para controle mais duradouro da frequência ventricular.
O Diltiazem pode ser administrado com dose de 15-20mg (0.25mg/kg) por via
intravenosa em dois minutos. Se necessário, pode ser administrada uma dose adicional
Sedação
Propofol:
- Ampolas de 1%, com 10mg/mL, e ampolas de 2%, com 20mg/mL;
- Dose de 30-50mg por via intravenosa em bolus;
- Em alguns pacientes, pode ser necessário repetir o bolus até doses de
200mg;
- Hipnótico, não é analgésico, mas amnésico, com efeito muito rápido,
raramente causando broncoespasmo;
- Não é drepressor cardiovascular, mas causa hipotensão;
Etomidato:
- Ampolas de 10mL com 2mg/mL;
- Deve-se pré-medicar com 100mcg (2mL) de Fentanil por via
intravenosa;
- Após dois minutos, infundir Etomidato na dose de 20mg (0.3mg/kg) por
via intravenosa em bolus;
- Hipnótico, não-analgésico e não-amnésico;
- Efeito muito rápido, não causa broncoespasmo ou depressão
cardiovascular, mas pode causar mioclonias, antagonizadas pelo uso
concomitante de Fentanil;
Midazolam:
- Ampolas de 3mL com 5mg/mL;
- Doses de 3-5mg (0.1-0.3mg/kg) em bolus, podendo-se repetir até
sedação adequada;
Prescrição
- Jejum;
- Repouso absoluto no leito;
- Monitorização de ritmo cardíaco, pressão arterial e saturação periférica de O2;
- Acesso venoso e coleta de hemograma, sódio e potássio séricos, função renal,
CK-MB e troponina I;
- Midazolam 2mL (10mg) por via intravenosa agora;
- Fentanil 2mL (100mcg) por via intravenosa agora;
- Ventilação com bolsa-válvula-máscara e reservatório de O2 a 10L/minuto;
Taquicardia sinusal
Definida como um aumento na frequência sinusal acima de 100bpm. Está
associada a situações de estresse emocional e uso de medicações, mas também pode
refletir doença sistêmica grave.
O mecanismo é estímulo adrenérgico nas células marca-passo.
Diagnóstico baseado em eixo da onda P entre 0 e +90 graus. No plano frontal as
ondas P podem ser negativas em V1 e V2, mas obrigatoriamente positivas de V3 a V6.
O tratamento prevê a identificação da causa associada, com tratamento
específico. Drogas β-bloqueadoras podem ser extremamente úteis para controle de casos
associados a estresse emocional.
Taquicardia atrial
Definida como taquicardia não-dependente da junção atrioventricular e
originada nos átrios.
O mecanismo da taquicardia atrial depende da etiologia. As taquicardias
automáticas podem ser encontradas principalmente em pacientes sem cardiopatia
estrutural, por atividade deflagrada em pacientes com alterações metabólicas e por
reentrada em pacientes com cicatrizes atriais.
Etiologia inclui coração normal, intoxicação digitálica, doença pulmonar
obstrutiva crônica, doença cardíaca orgânica, pós-operatório tardio de cirurgia cardíaca
e displasia atrial.
A apresentação clínica é variável, podendo ser paroxística, sustentada ou não-
sustentada. Aumento gradual da frequência cardíaca no início da taquicardia ou
diminuição gradual pouco antes do término são sugestivos do mecanismo automático. A
queixa principal do paciente é palpitação esporádica com duração variável, algumas
vezes mal-tolerada. A taquicardia atrial persistente apresenta correlação dos sintomas
com a resposta ventricular rápida, dependente da condução pela junção atrioventricular.
Flutter atrial
Definido como taquicardia atrial macro-reentrante que apresenta características
eletrocardiográficas típicas. Pode existir em indivíduos com coração normal, mas
também em pacientes com cardiopatia, especialmente naqueles com átrio direito
aumentado.
O mecanismo é macro-reentrada atrial, geralmente envolvendo o anel da valva
tricúspide, mais freqüentemente no sentido anti-horário, com flutter típico. Entretanto, a
reentrada pode se estabelecer no sentido horário, com flutter típico reverso, ou associada
a outras estruturas atriais, como o istmo mitral e as veias cavas, com flutter atípico.
Os pacientes geralmente se apresentam com sintomas agudos de palpitação,
dispnéia, dor precordial e fadiga. Entretanto, pode se manifestar também de maneira
insidiosa com palpitações aos esforços e insuficiência cardíaca progressiva.
Com relação ao diagnóstico, o flutter atrial manifesta-se ao eletrocardiograma
como taquicardia atrial sem linha isoelétrica entre as ondas P. No flutter típico, as ondas
P são regulares, com frequência de 250-350 por minuto, com morfologia típica similar a
“serrilhado”, com ondas P negativas nas derivações inferiores e condução
Fibrilação atrial
Arritmia sustentada caracterizada por ativação atrial desorganizada, sem
atividade mecânica atrial efetiva. É classificada atualmente em fibrilação atrial inicial na
primeira detecção da arritmia ou fibrilação atrial crônica, que pode ser paroxística, com
episódios com duração de até sete dias, persistentes, com episódios com duração
superior a sete dias, e permanente, com arritmia documentada de longa data, quando a
cardioversão não foi eficaz ou o médico tomou a decisão de não reverte-la.
Estão envolvidos atividade automática rápida de focos principalmente
relacionados às veias pulmonares e múltiplas áreas de reentrada, que perpetuam a
arritmia.
A apresentação clínica inicial é variável. Os pacientes podem queixar-se de
palpitações ao repouso ou aos esforços, dispnéia e piora da classe funcional da
insuficiência cardíaca. Um evento embólico sistêmico também pode ser a primeira
manifestação. No exame físico, há irregularidade do pulso e variação na intensidade da
primeira bulha.
Eletrocardiograma revela irregularidade de intervalos RR sem evidência de
ativação atrial organizada e regular, com ondas f cuja frequência geralmente é de cerca
de 350-700 por minuto. A investigação complementar inclui eletrocardiograma em
ritmo sinusal, radiografia de tórax, ecocardiograma transtorácico e exames laboratoriais
para descartar distúrbios hidroeletrolíticos e disfunção tireoidiana.
O tratamento é similar ao do flutter atrial se houver instabilidade hemodinâmica.
Taquicardias ventriculares
Seqüência de três ou mais batimentos de origem ventricular, com frequência de
100-250bpm. Quando a frequência cardíaca é inferior a 100bpm, denomina-se ritmo
idioventricular acelerado. Quando a frequência cardíaca é superior a 250bpm e não é
possível identificar uma linha isoelétrica entre os complexos QRS, denomina-se flutter
ventricular. Na fibrilação ventricular os complexos QRS são polimórficos e a frequência
é superior a 300bpm.
Taquicardias ventriculares podem ocorrer em indivíduos com o coração
estruturalmente normal, mas geralmente ocorrem em pacientes com cardiopatias
estruturais. Surgem freqüentemente na fase aguda do infarto do miocárdio.
Embora o mecanismo eletrofisiológico da maior parte das taquicardias
ventriculares recorrentes seja por reentrada relacionada com áreas de cicatrizes, em
alguns casos a deflagração das crises depende de estímulo simpático intenso, processo
inflamatório ou isquêmico, disfunção ventricular acentuada, distúrbios metabólicos ou
ação de drogas antiarrítmicas.
Com relação à morfologia dos complexos QRS, podem ser monomórficas ou
polimórficas. Com relação ao tempo de sustentação, podem ser não-sustentadas, com
mais de três batimentos e duração inferior a 30 segundos, ou sustentadas, com duração
superior a 30 segundos. Com relação à forma de apresentação, podem ser incessantes ou
paroxísticas, que são subdivididas em esporádicas e freqüentes.
As manifestações clínicas dependem de características eletrocardiográficas,
presença de cardiopatia e sua fase de evolução, repercussão hemodinâmica e presença
de possíveis fatores deflagradores transitórios, como drogas, medicamentos e distúrbios
tóxicos e metabólicos. Incluem palpitações taquicárdicas, pré-síncope, dispneia,
síncope, alteração do estado mental, sudorese, exacerbação de insuficiência cardíaca,
Bibliografia
Part 8: Adult Advanced Cardiovascular Life Support. 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary
Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Robert W. Neumar, Chair; Charles W. Otto; Mark S. Link; Steven L. Kronick;
Michael Shuster; Clifton W. Callaway; Peter J. Kudenchuk; Joseph P. Ornato; Bryan McNally; Scott M. Silvers; Rod S. Passman;
Roger D. White; Erik P. Hess; Wanchun Tang; Daniel Davis; Elizabeth Sinz; Laurie J. Morrison. Circulation 2010;122;S729-S767.
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 6. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2011.
Clínica médica, volume 2: doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, emergências e terapia intensiva. – Barueri, SP: Manole,
2009.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
Algoritmo
Etiologia
Afecções da parede torácica:
- Lesões em costelas, como fraturas, metástases e traumatismos;
- Comprometimento de nervos sensitivos, como no herpes zoster;
- Costocondrite, como na síndrome de Tietze;
- Fibromialgia;
- Síndromes radiculares;
- Dores musculares inespecíficas;
Afecções cardiovasculares, como síndrome coronariana aguda, pericardite,
dissecção de aorta, estenose aórtica e cardiomiopatia hipertrófica.
Afecções do sistema gastrointestinal, como refluxo gastro-esofágico, espasmo
esofágico, úlcera péptica, gastrite, ruptura de esôfago, pancreatite, colecistite aguda e
colangite.
Afecções pulmonares, como pneumotórax, embolia pulmonar, pneumonia e
pleurite.
Afecções psiquiátricas, como transtorno do pânico, transtorno de ansiedade
generalizada, depressão e transtornos somatoformes.
Abscesso subfrênico.
Classificação
Segundo as diretrizes mais atuais, a dor torácica pode ser classificada em quatro
grandes grupos com base na probabilidade de ser anginosa. Para facilitar a abordagem
dos pacientes por médicos com menos experiência, habitualmente utiliza-se um sistema
de pontuação para guiar a classificação.
A pontuação é baseada em três grupos de características da dor:
1. Tipo e localização – Dor em opressão ou aperto, mal caracterizada ou
em queimação aumenta a probabilidade de isquemia, enquanto que dor
do tipo pontada, facada ou rasgada costuma diminuir as chances da dor
ser isquêmica, sendo consideradas típicas as localizações precordial,
retroesternal e epigástrica;
- 2. Irradiações ou sintomas associados – Caracteristicamente, a dor
torácica anginosa irradia para ambos os membros superiores, região
cervical, mandíbula ou dorso, sendo os principais sintomas associados os
autonômicos, como sudorese, palidez e náusea, e os relacionados
diretamente à isquemia, como palpitações e dispneia;
- 3. Fatores de melhora ou piora – A dor anginosa tipicamente piora com
exercício físico, refeição copiosa e estresse emocional e melhora com o
repouso ou após a administração de nitratos;
Classificação da dor torácica:
- A. Dor definitivamente anginosa – Todos os três grupos de
características estão presentes;
- B. Dor provavelmente anginosa – Apenas dois grupos de características
estão presentes;
- C. Dor provavelmente não-anginosa – Apenas um grupo de
características está presente;
- D. Dor definitivamente não-anginosa – Nenhum grupo de
características está presente;
Dor osteomuscular
Geralmente tem características pleuríticas por ser desencadeada ou exacerbada
pelos movimentos dos músculos e/ou articulações. Palpação cuidadosa das articulações
ou dos músculos envolvidos quase sempre reproduz ou desencadeia a dor. Costuma ser
contínua, tem duração de horas a semanas e frequentemente tem uma localização em
área específica. Pode ser agravada com determinadas posições, respiração profunda,
movimento dos braços e rotação do tronco.
Dor psicogênica
Comum no pronto-socorro e costuma acometer doentes com depressão e/ou
transtorno ansioso. A dor costuma ser difusa e imprecisa, podendo estar associada a
utilização abusiva de analgésicos.
Exames complementares
A meta inicial é descartar síndrome coronariana aguda.
Eletrocardiograma
Todo doente com dor torácica na sala de emergência deve ser submetido
imediatamente ao eletrocardiograma. Em razão de sua baixa sensibilidade para o
diagnóstico de insuficiência coronária aguda, nunca deve ser o único exame
complementar utilizado para confirmar ou afastar essa doença.
Será normal na maioria dos doentes e um segundo exame deve ser obtido com
intervalo de no máximo três horas após o primeiro ou a qualquer momento em caso de
Nitrato sublingual
Um dos critérios tradicionalmente usados para o diagnóstico de angina típica é a
melhora da dor com o repouso ou com nitrato. No entanto, estudos recentes não têm
confirmado esse valor diagnóstico.
Não é recomendada a administração de nitrato sublingual antes da realização de
eletrocardiograma, pois doentes com infarto de parede inferior com infarto de ventrículo
direito podem evoluir com choque. O eletrocardiograma pode ser repetido após o uso do
medicamento com o objetivo de detectar alterações dinâmicas.
O alívio da dor pode ocorrer tanto em doença coronariana como em doença não-
coronariana.
Teste ergométrico
A maior utilidade é descartar doença coronariana significativa em doentes com
dor torácica de baixo risco.
Ecocardiograma
Um exame normal não deve afastar um infarto agudo do miocárdio ou angina de
alto risco. Ecocardiograma com Dobutamina fica reservado para os casos em que o teste
ergométrico foi inconclusivo ou não pode ser realizado.
Tem grande importância no diagnóstico de várias doenças e é recomendado nos
casos de derrame pericárdico, estenose aórtica e valvopatias, cardiomiopatia hipertrófica
e dissecção de aorta.
Definições
Síndrome coronariana aguda refere-se a uma constelação de sintomas clínicos
que são compatíveis com isquemia aguda do miocárdio.
Angina instável:
- Dor, desconforto torácico ou equivalente;
- Ocorre em repouso ou aos mínimos esforços e dura mais de dez
minutos;
- É severa e de início recente, há dois meses, ou mais intensa, frequente e
prolongada do que anteriormente, ou seja, progressiva;
Infarto agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST:
- Dor, desconforto torácico, equivalente ou alterações
eletrocardiográficas compatíveis;
- Elevação dos marcadores de necrose miocárdica;
Etiologia e fisiopatologia
A síndrome coronariana aguda sem elevação de ST tem etiologia multifatorial.
Entretanto, a principal causa é doença aterosclerótica.
Quatro processos fisiopatológicos estão envolvidos:
- Ruptura ou erosão de placa aterosclerótica, com formação de trombo
não-oclusivo e micro-embolização de agregados plaquetários;
- Obstrução dinâmica, com espasmo coronariano ou vasoconstrição;
- Obstrução mecânica progressiva;
- Isquemia secundária a anemia, hipertireoidismo, estenose aórtica, febre,
taquicardia, hipotensão e/ou hipoxemia;
Quadro clínico
A anamnese bem feita é fundamental para o diagnóstico e a estratificação das
síndromes coronarianas. A dor típica é descrita como retroesternal difusa, em aperto,
opressiva, com irradiação para membros superiores, mandíbula, dorso, pescoço ou
epigástrio e acompanhada de palpitação, sudorese fria, dispnéia, tosse, síncope, náusea e
vômitos. Muitas vezes o paciente com isquemia miocárdica se apresenta com
características atípicas. Em alguns casos, o paciente não consegue caracterizar a dor,
mas coloca sua palma da mão contra o centro do tórax, o que é denominado sinal de
Levine.
O início da dor isquêmica é geralmente gradual, com aumento da intensidade
com o tempo. Sua duração entre dez e vinte minutos aponta para uma maior
probabilidade de angina instável, enquanto que duração mais prolongada sugere infarto
agudo do miocárdio. A intensidade da dor torácica não guarda relação com o
diagnóstico.
Principalmente em pacientes idosos, diabéticos, negros e mulheres, o evento
isquêmico pode ocorrer com pouca ou nenhuma sensação de desconforto precordial,
configurando o conjunto dos demais sintomas presentes como equivalente isquêmico.
Exames complementares
Uma vez tendo entrado no pronto-socorro, o paciente com dor torácica deve
realizar um eletrocardiograma em, no máximo, dez minutos. Devem-se buscar
alterações no segmento ST, ondas T invertidas em duas ou mais derivações contíguas e
ondas Q patológicas. É particularmente importante realizar o exame na presença de
sintomas e a existência de um eletrocardiograma prévio para comparação é bastante útil
em algumas situações.
Também no primeiro instante do atendimento de um paciente com dor torácica
sugestiva de síndrome coronariana aguda faz-se necessária a coleta de amostra
sanguínea para mensuração de marcadores de necrose miocárdica. Os mais importantes
são CK-MB, troponinas e mioglobina. Preferencialmente, CK-MB e troponina devem
ser coletadas na admissão e repetidas com um mínimo de seis horas de dor.
CK-MB é o marcador mais amplamente disponível e pode ser medida a
atividade ou, idealmente, a massa. Quando testada a atividade, é sugerido mensurar
também a CPK total. A CK-MB é menos específica para necrose miocárdica que as
troponinas.
São testadas troponina I e troponina T cárdio-específicas, nenhuma das quais
geralmente é detectada em indivíduos sadios. A elevação tem início aproximadamente
seis horas após o evento isquêmico, com pico nas primeiras 24-48 horas e normalização
dentro de 7-14 dias.
A mioglobina é um marcador pouco específico, mas muito sensível para o
diagnóstico de infarto agudo do miocárdio. Deve ser usada exclusivamente para excluir
infarto agudo do miocárdio e tem particular importância nas primeiras quatro a seis
horas de dor, em que nenhum dos outros marcadores teve tempo de se elevar. Pode ser
detectada tão precocemente quanto duas horas após o início dos sintomas.
Outros exames de urgência incluem hemograma, glicemia, eletrólitos séricos,
função renal, coagulograma, colesterol total e frações, triglicérides, acido úrico e
radiografia de tórax. Deve ser realizado pelo menos um ecocardiograma nas primeiras
24 horas da chegada ao pronto-atendimento e outro na véspera da alta hospitalar.
Tratamento
Medidas gerais
Os pacientes devem permanecer em repouso em decúbito horizontal e ser
submetidos a monitorização precoce com eletrocardiograma contínuo na derivação com
maior supradesnivelamento do segmento ST. É recomendada uma sedação leve para
todos os pacientes se não houver contraindicações, preferencialmente com
benzodiazepínicos em dose baixa, como Diazepam 5-10mg por via oral de 8/8 horas.
Síndrome coronariana aguda de baixo risco não precisa necessariamente de
hospitalização. Em caso de risco moderado a alto, preconiza-se internação em unidade
coronariana.
Tratamento anti-isquêmico
A utilização de nitratos permite a redução da pré-carga, da tensão da parede do
ventrículo esquerdo e do consumo de oxigênio pelo miocárdio em função de dilatação
venosa e coronariana. Constituem o grupo de escolha para o controle da dor isquêmica,
da hipertensão e da congestão pulmonar. Dinitrato de Isossorbida (Isordil®) pode ser
administrado inicialmente por via sublingual com dose de 5mg em até três vezes
seguidas com intervalo de cinco minutos. Em seguida, Nitroglicerina (Tridil®) em
solução para infusão intravenosa deve ser iniciada nos pacientes com sintomas
Tratamento anti-plaquetário
O Ácido Acetilsalicílico exerce sua ação anti-agregante plaquetária através da
inibição da ciclo-oxigenase-1 (COX-1), com redução da síntese de tromboxano A2.
Deve ser introduzido imediatamente nos casos suspeitos, mesmo antes do diagnóstico,
na dose inicial de ataque de 200-300mg mastigada para absorção bucal. A manutenção
diária é feita com 100mg/dia por via oral em dose única. Deve ser evitado em pacientes
com antecedente de alergia aos salicilatos, úlcera gastro-intestinal com hemorragia ou
outros sangramentos ativos.
O Clopidogrel exerce seu efeito anti-plaquetário através da inibição do receptor
de ADP, o que reduz a ativação e a agregação plaquetárias. É administrado com ataque
de 300mg por via oral e manutenção de 75mg ao dia por um a nove meses. Naqueles
Tratamento anticoagulante
A Heparina Não-Fracionada age como anticoagulante através da aceleração da
ação da anti-trombina circulante, uma enzima proteolítica que inativa os fatores IIa, IXa
e Xa. Sua ação principal é a de evitar a propagação do trombo. É fundamental a
monitorização do tempo de tromboplastina parcial ativada periodicamente e ajuste da
dose de acordo com a relação dos tempos. A administração deve iniciar-se com bolus de
60U/kg, com máximo de 5000U, seguida de 12U/kg/hora (máximo de 1000U/hora) por
via intravenosa em bomba de infusão contínua e titulada para alcançar uma relação
entre 1.5 e 2.5. O tempo de tromboplastina parcial ativada deve ser monitorizado em
três, seis e doze horas após o início da infusão, seis horas após qualquer alteração da
infusão e a cada doze horas a partir de uma dose estável. Deve-se manter a medicação
por dois a cinco dias ou até o momento da revascularização. Durante o tratamento, a
contagem de plaquetas deve ser monitorizada.
A Heparina de Baixo Peso Molecular tem comportamento mais homogêneo,
melhor biodisponibilidade e meia-vida mais longa quando comparada à Heparina Não-
Fracionada. Seu efeito é previsível e reprodutível, não sendo necessário o controle dos
tempos de coagulação rotineiramente, exceto em pacientes com insuficiência renal, com
peso superior a 100kg e idosos, em que pode ser necessária a medida da atividade anti-
Xa para adequar a dose da medicação. Enoxaparina é a droga desse grupo de primeira
escolha, administrada em duas doses diárias de 1mg/kg por via subcutânea de 12/12
horas durante dois a cinco dias ou até o procedimento de intervenção. Pode ser usada
por via intravenosa no momento da angioplastia em pacientes que receberam a última
dose subcutânea há mais de oito horas. Antes de procedimentos cirúrgicos de grande
porte, como revascularização do miocárdio, deve ser suspensa com antecedência
mínima de 12 horas.
Em pacientes em uso crônico de Warfarin não se deve iniciar nenhuma Heparina
até a Razão Normatizada Internacional (RNI) estar menor do que 2.0, com
administração de vitamina K e monitorização diária. O cateterismo poderá ser realizado
quando a RNI for menor do que 1.5.
Em pacientes que desenvolvem plaquetopenia com Heparina, pode-se utilizar
um inibidor direto da trombina, como a Bivalirudina, com dose inicial de 0.1mg/kg em
bolus e manutenção de 0.25mg/kg/hora nas primeiras 24 horas. Fondaparinux é a
escolha em pacientes que serão manejados sem cateterismo, com dose inicial de 2.5mg
por via subcutânea uma vez ao dia, com contraindicação se clearance de creatinina
inferior a 30mL/minuto.
Prescrição
- Jejum ou dieta leve após controle consistente da dor;
- Obter acesso venoso calibroso e colher exames laboratoriais;
- Monitorização de ritmo cardíaco, pressão arterial, saturação periférica de
oxigênio e frequência respiratória na sala de emergência;
- Cateter nasal com O2 para porcentagem de hemoglobina saturada por oxigênio
no sangue arterial superior ou igual a 94%;
- Repouso absoluto no leito;
- Diazepam 5-10mg por via oral de 8/8 horas;
- Ácido Acetilsalicílico 200mg por via oral macerado agora e 100mg por via oral
uma vez ao dia;
- Clopidogrel 300mg por via oral agora com 75mg por via oral uma vez ao dia
na ausência de indicação de intervenção coronária percutânea ou 600mg por via oral
agora com 150mg por via oral uma vez ao dia durante uma semana e 75mg por via oral
uma vez ao dia a partir de então em caso de indicação de intervenção coronária
percutânea em pacientes com baixo risco de sangramento, exceto em pacientes com
síndrome coronariana aguda de baixo risco e em pacientes com indicação cirúrgica;
- Enoxaparina 1mg/kg por via subcutânea agora e de 12/12 horas, exceto em
pacientes com síndrome coronariana aguda de baixo risco;
- Dinitrato de Isossorbida 5mg por via sublingual até três doses com intervalo de
cinco minutos a critério médico, exceto se hipotensão arterial, bradicardia, taquicardia
ou infarto de ventrículo direito;
- Nitroglicerina 10mL (50mg) em 240mL de Soro Fisiológico ou Soro Glicosado
a 5% (200mcg/mL) ou Nitroglicerina 20mL (100mg) em 230mL de Soro Fisiológico ou
Soro Glicosado a 5% (400mcg/mL) por via intravenosa em bomba de infusão contínua a
critério médico, com velocidade inicial de infusão de 5-10mcg/minuto e titulação de 5-
10mcg/minuto a três a cinco minutos, em equipo de vidro, exceto se hipotensão arterial
ou infarto de ventrículo direito;
- Morfina 4mg por via intravenosa a critério médico, exceto se infarto de
ventrículo direito;
- Captopril 25mg por via oral de 8/8 horas;
- Propranolol 40mg por via oral de 8/8 horas, exceto se Killip III ou IV;
- Sinvastatina 40mg por via oral uma vez ao dia de noite;
- Tirofibam 50mL (0.25mg/mL) em 200mL de Soro Fisiológico ou Soro
Glicosado a 5% (0.05mg/mL) por via intravenosa em bomba de infusão contínua, com
Definições
Atualmente, o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio com ou sem elevação
do segmento ST é realizado sempre que ocorre curva típica nos marcadores bioquímicos
de necrose miocárdica, preferencialmente troponina e CK-MB massa, acompanhada por
pelo menos um dentre sintomas compatíveis com isquemia, desenvolvimento de ondas
Q patológicas no eletrocardiograma e alterações no eletrocardiograma indicativas de
sofrimento miocárdico.
Etiologia e fisiopatologia
O principal mecanismo patogenético de instabilização da placa aterosclerótica,
nas síndromes isquêmicas miocárdicas instáveis, é a ocorrência de rotura e/ou erosão da
placa aterosclerótica, com ativação inflamatória, aumento da agregação plaquetária,
vasoconstrição e trombose intra-luminal da artéria coronária. A oclusão por tempo
prolongado com completa interrupção no fornecimento de nutrientes para uma
determinada região do miocárdio constitui o substrato para o desenvolvimento do
infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST. A placa vulnerável é
composta por núcleo lipídico grande, capa fibrosa fina, neovascularização aumentada e
conteúdo de colágeno reduzido.
Quadro clínico
Classicamente recomenda-se incluir a possibilidade de infarto agudo do
miocárdio no diagnóstico diferencial de todos os pacientes que apresentam dor acima do
umbigo, principalmente se de forte intensidade. As características de dor torácica típica
no infarto agudo do miocárdio são as mesmas descritas para a síndrome coronariana
aguda sem elevação de ST.
Os principais focos de atenção no exame físico inicial do paciente com infarto
agudo do miocárdio são vias aéreas, respiração circulação, sinais vitais, presença de
estase jugular, presença de estertores crepitantes, presença de terceira bulha, presença de
bradicardia ou taquicardia, piora ou surgimento de sopro mitral, assimetria ou ausência
de pulsos, sinais de choque e sinais sugestivos de acidente vascular encefálico.
Exames complementares
Eletrocardiograma deve ser realizado idealmente em até dez minutos após a
chegada do paciente no pronto-socorro e repetido periodicamente conforme o caso.
Supradesnivelamento do segmento ST é caracterizado por elevação do ponto J,
localizado entre o complexo QRS e o segmento ST, superior a 0.1mV em relação à
linha de base.
Derivação Região Artéria provável
V1-V2 Septal Descendente anterior
V3-V4 Parede anterior Diagonal
V5-V6 e/ou D1-aVL Parede lateral Circunflexa
D2-D3-aVF Parede inferior Coronária direita
V1 a V6 Anterior extensa Coronária esquerda
V1-V2-V3(imagem espelho), V7-V8 Parede posterior Coronária direita
V1, V3R, V4R Ventrículo direito Coronária direita
O eletrocardiograma deve conter as derivações precordiais direitas, V7 e V8 se
infarto agudo do miocárdio de parede inferior.
Dentre os marcadores bioquímicos de necrose miocárdica, a CK-MB massa é o
marcador de eleição no acompanhamento dos pacientes com infarto agudo do miocárdio
com elevação de ST. É detectada no sangue periférico a partir da terceira ou quarta
horas de evolução e deve ser coletada no momento da chegada do paciente, a cada oito
horas até o pico e a cada doze horas até a normalização. Novas dosagens devem ser
solicitadas sempre que houver suspeita de novo quadro isquêmico. O pico ocorre ao
redor de 24 horas após o evento isquêmico, com normalização nas primeiras 48 horas.
Eletrólitos, glicemia, uréia e creatinina séricas, hemograma, coagulograma e
perfil lipídico devem ser dosados logo após a chegada do paciente ao hospital.
Radiografia de tórax e ecocardiograma, preferencialmente transesofágico, devem
ser solicitados de forma emergencial caso haja suspeita de dissecção aguda da aorta.
Ecocardiograma transtorácico deve ser realizado rotineiramente nas primeiras 24 horas
para análise da área comprometida e da função ventricular e a qualquer momento em
caso de instabilização súbita do quadro clínico ou aparecimento de novos sopros
cardíacos.
Estudo hemodinâmico em pacientes não submetidos à intervenção coronária
percutânea primária é indicado rotineiramente nos pacientes com disfunção ventricular,
Diagnóstico diferencial
Sempre ao se detectar um paciente com quadro clínico compatível com isquemia
aguda e eletrocardiograma normal, deve-se afastar o diagnóstico de dissecção aguda de
aorta por meio de ecocardiograma, tomografia computadorizada ou ressonância
magnética.
Tratamento
Medidas gerais incluem repouso no leito, oxigênio nasal caso a saturação seja
inferior a 94%, acesso venoso, analgesia com Morfina 2-4mg a cada cinco minutos até
dose máxima de 25mg e monitorização eletrocardiográfica contínua.
Todos os pacientes com síndrome coronariana aguda devem receber Ácido
Acetilsalicílico 200mg macerado o mais precocemente possível, até mesmo antes do
eletrocardiograma, seguido de 100mg/dia indefinidamente.
Heparina Não-Fracionada é utilizada rotineiramente na sala de hemodinâmica
quando da realização da angioplastia primária. Nos pacientes submetidos à terapia
fibrinolítica, o uso deve ser mantido por ao menos 48 horas.
Um estudo apontou superioridade da Enoxaparina quando utilizada como
adjuvante dos fibrinolíticos e nessa situação deve ser mantida preferencialmente durante
o tempo de internação ou até o oitavo dia. Em indivíduos com idade inferior a 75 anos,
preconiza-se 30mg por via intravenosa em bolus e manutenção com 1mg/kg por via
subcutânea a cada 12 horas. Em indivíduos com idade superior a 75 anos não é utilizado
bolus inicial e a dose de manutenção deve ser diminuída para 0.75mg/kg por via
subcutânea a cada 12 horas. Em pacientes com clearance de creatinina inferior a
30mL/minuto, independentemente da idade, a dose deve ser de 1mg/kg por via
subcutânea ou 40mg a cada 24 horas. Em caso de terapia fibrinolítica com
Estreptoquinase, o uso de Heparina é indicado apenas se risco de embolia sistêmica,
cujos principais fatores de risco são infarto agudo do miocárdio anterior extenso,
fibrilação atrial, embolia prévia ou trombo em ventrículo esquerdo.
Inibidor da glicoproteína IIbIIIa não tem indicação como adjuvante ao
fibrinolítico e no caso de intervenção coronária percutânea seu uso deve ser
individualizado, com indicação clara em pacientes com grande quantidade de trombo
intra-coronário.
Terapias de recanalização
Critérios para indicação de recanalização coronária:
- Dor sugestiva de isquemia miocárdica aguda com até doze horas de
evolução, não-responsiva ao uso de nitrato, que não precisa estar presente
no momento da avaliação;
- Supradesnivelamento do segmento ST superior a 1mm em pelo menos
duas derivações de mesma parede ou bloqueio de ramo esquerdo novo ou
presumivelmente novo;
Intervenção coronária percutânea primária é o método ideal no infarto agudo do
miocárdio com elevação de ST e deve ser realizada, idealmente, em até 90 minutos após
a chegada do paciente ao hospital. Vantagens incluem alto índice de reperfusão,
menores complicações hemorrágicas, menor mortalidade global, melhor recuperação
ventricular, avaliação anatômica, estratificação de risco e menor tempo de internação
Medicamentos coadjuvantes
Nitrato sublingual tem o objetivo de afastar eventual espasmo coronário,
revelado por melhora dos sintomas e da elevação do segmento ST. Administração
intravenosa é indicada no caso de isquemia persistente ou para controle de congestão
pulmonar ou hipertensão arterial, com uso rotineiro nas primeiras 24-48 horas de
evolução. Deve ser evitado em caso de suspeita de infarto de ventrículo direito, assim
como a Morfina.
O uso intravenoso de β-bloqueadores é recomendado rotineiramente em
pacientes não submetidos a recanalização e nos recanalizados que apresentam
taquicardia sinusal não relacionada com descompensação cardíaca, hipertensão arterial
sistêmica ou isquemia persistente. Em ambas as situações, recomenda-se a introdução
da formulação oral na sequência, com manutenção por tempo indefinido, com
frequência cardíaca alvo de 60bpm.
Inibidor da enzima conversora da angiotensina deve ser iniciado nas primeiras
24 horas de evolução em pacientes com infarto da parede anterior, fração de ejeção
ventricular esquerda inferior a 40% e/ou congestão pulmonar. Pode ser substituído por
bloqueador do receptor de angiotensina II em pacientes com intolerância.
Recomenda-se o uso de bloqueador da aldosterona em todo paciente com infarto
agudo do miocárdio sem disfunção renal ou hipercalemia, desde que apresentem fração
de ejeção igual ou inferior a 40% e sintomas de insuficiência cardíaca e/ou diabetes
mellitus.
O Diltiazem é o agente de escolha para pacientes com contraindicação para o
uso de β-bloqueadores ou que apresentem frequência cardíaca elevada ou isquemia
persistente ou recorrente.
Clopidogrel é indicado de forma rotineira para todos os pacientes com infarto
agudo do miocárdio com até 24 horas de evolução.
Os pacientes com LDL acima de 70mg/dL devem iniciar a terapêutica
hipolipemiante com estatina ainda durante a internação.
Anti-inflamatórios não-hormonais não devem ser administrados durante a
hospitalização por aumentarem o risco de morte, reinfarto, hipertensão arterial,
insuficiência cardíaca e ruptura miocárdica.
Prescrição
- Jejum;
- Obter acesso venoso calibroso;
- Cateter nasal com O2 para porcentagem de hemoglobina saturada por oxigênio
no sangue arterial superior ou igual a 94%;
- Monitorização de ritmo cardíaco, pressão arterial, frequência cardíaca e
frequência respiratória na sala de emergência;
- Repouso absoluto no leito;
- Diazepam 5-10mg por via oral de 8/8 horas;
- Ácido Acetilsalicílico 200mg por via oral agora e 100mg por via oral uma vez
ao dia;
- Clopidogrel 300mg por via oral agora com 75mg por via oral uma vez ao dia
em caso de indicação de terapia fibrinolítica ou 600mg por via oral agora com 150mg
por via oral uma vez ao dia durante uma semana e 75mg por via oral uma vez ao dia a
Bibliografia
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Boletim de Cardiologia para o Internato. Ano 1, número 6. Carlos Pedrotti, Gustavo Hironaka, Leonardo Lopes. Preceptoria de
Cardiologia do Instituto do Coração, 2009.
Boletim de Cardiologia para o Internato. Ano 1, número 8. Carlos Pedrotti, Gustavo Hironaka, Leonardo Lopes. Preceptoria de
Cardiologia do Instituto do Coração, 2009.
Part 10: Acute Coronary Syndromes. 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and
Emergency Cardiovascular Care. Robert E. O’Connor, Chair; William Brady; Steven C. Brooks; Deborah Diercks; Jonathan Egan;
Chris Ghaemmaghami; Venu Menon; Brian J. O’Neil; Andrew H. Travers; Demetris Yannopoulos. Circulation 2010;122;S787-
S817.
Rotinas nas síndromes isquêmicas miocárdicas instáveis. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Algoritmo
Etiologia
Hipertensão arterial sistêmica primária com tratamento inadequado ou má-
adesão terapêutica.
Hipertensão arterial sistêmica secundária não-reconhecida.
Uso de drogas ilícitas ou medicamentos.
Quadro clínico
A adequada caracterização da crise hipertensiva depende de anamnese e exame
físico minuciosos. A pressão arterial deve ser medida de forma adequada, com manguito
proporcional ao tamanho do paciente, em ambiente calmo, mais de uma vez, alternando
os braços e com aparelho calibrado. O paciente deve ser mantido em repouso e posição
Exames complementares
Em todos os pacientes com crises hipertensivas devem ser avaliados
hemograma, uréia e creatinina séricos, sódio e potássio séricos, radiografia de tórax,
eletrocardiograma de doze derivações, glicose capilar e urina tipo I. Conforme a
apresentação clínica, poderão ser necessários marcadores de necrose do miocárdio,
como CK-MB e troponina, marcadores de hemólise, como reticulócitos, haptoglobina,
pesquisa de esquizócitos, bilirrubina indireta e desidrogenase lática, gasometria arterial,
tomografia de crânio sem contraste, punção liquórica, ecocardiografia transtorácica,
ecocardiografia transesofágica, tomografia computadorizada helicoidal,
angiorressonância e arteriografia.
Normotensos prévios desenvolvem encefalopatia com valores pressóricos
menores. Hipertensos crônicos têm maior tolerância a níveis de pressão elevados e são
mais vulneráveis a reduções acentuadas de pressão arterial. Deve-se reduzir a pressão
arterial por etapas, sem normalizar rapidamente.
Tratamento
Em caso de pressão arterial acentuadamente elevada, deve-se avaliar se há lesões
em órgãos-alvo. Quando presentes, o paciente deve ser encaminhado à sala de
emergência e submetido a avaliação primária e secundária do suporte avançado de vida,
com realização dos exames complementares. Na ausência de lesões em órgãos-alvo e de
doenças cardiovasculares ou cerebrovasculares, deve-se tratar a causa de base do
aumento da pressão arterial, administrar analgésicos e tranquilizar e/ou administrar
ansiolítico. Na presença de insuficiência coronária crônica, insuficiência cardíaca
congestiva, aneurisma de aorta ou acidente vascular cerebral prévio, deve-se avaliar a
necessidade de exames complementares, otimizar o tratamento anti-hipertensivo,
medicar por via oral e agendar retorno ambulatorial precoce.
Conduta específica
No edema agudo de pulmão a anamnese revela paciente angustiado, com
dificuldade para falar e que já apresenta antecedente de algum grau de disfunção
ventricular. Ao exame físico, são encontrados estertores pulmonares crepitantes e baixa
saturação de oxigênio. Podem estar presentes terceira bulha, quarta bulha, estase jugular
e sibilos. Quando disponível, a avaliação complementar prevê a dosagem de peptídeo
natriurético cerebral (BNP), com insuficiência cardíaca improvável quando valores
abaixo de 100pg/mL, incerta quando valores de 100-400pg/mL e provável quando
Bibliografia
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Boletim de Cardiologia para o Internato. Ano 1, número 7. Carlos Pedrotti, Gustavo Hironaka, Leonardo Lopes. Preceptoria de
Cardiologia do Instituto do Coração, 2009.
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Fatores de risco
Os principais fatores de risco cardiovasculares são sexo masculino, idade maior
ou igual a 45 anos para homens e maior ou igual a 55 anos para mulheres, tabagismo,
hipertensão arterial sistêmica, HDL-colesterol baixo e história familiar de doença
coronariana em parentes de primeiro grau com menos de 55 anos para homens ou
menos de 65 anos para mulheres.
Outros fatores adicionais podem influenciar o risco de desenvolvimento de
doença arterial coronariana. Eles incluem os fatores relacionados ao estilo de vida,
como obesidade, sedentarismo e dieta aterogênica, e os emergentes, como lipoproteína,
homocisteína, glicemia de jejum alterada e evidência de doença aterosclerótica
subclínica. Os fatores de risco relacionados ao estilo de vida devem ser tratados,
enquanto que os emergentes podem ajudar na decisão da agressividade da terapêutica.
Avaliação clínica
A avaliação inicial de um paciente com hiperlipidemia envolve anamnese e
exame clínico detalhados para identificar causas primárias e secundárias. O paciente
deve ser indagado a respeito de história familiar de hiperlipidemia ou doença arterial
coronariana precoce. O exame clínico deve priorizar a avaliação do sistema
cardiovascular e as manifestações de hiperlipidemia.
As lesões associadas geralmente são causadas por dislipidemia primária.
Xantomas tendíneos são depósitos nodulares de colesterol localizados nos tendões de
Aquiles e em outros tendões, como extensores de mãos, joelhos e cotovelos. Xantomas
tuberosos são nódulos subcutâneos localizados em áreas sujeitas a traumatismo, como
cotovelos e joelhos. Xantelasmas são pequenas placas elevadas de cor amarelada
localizadas nas pálpebras acima ou ao redor do epicanto medial e eventualmente podem
ocorrer em indivíduos sem hiperlipidemia devido ao aumento da captação de
lipoproteínas oxidadas por macrófagos.
Avaliação laboratorial
As diretrizes recomendam que todos os indivíduos adultos sejam submetidos a
avaliação do perfil lipídico. Em caso de não haver alteração, os exames devem ser
repetidos após cinco anos.
O perfil lipídico é definido pelas determinações bioquímicas do colesterol total,
do colesterol ligado à HDL ou HDL-colesterol, dos triglicérides e do colesterol ligado à
LDL ou LDL-colesterol após jejum de doze a quatorze horas. O LDL-colesterol pode
ser calculado pela equação de Friedewald, substraindo-se do colesterol total o HDL-
colesterol e um quinto dos triglicérides. Em pacientes com hipertrigliceridemia,
Classificação
As dislipidemias primárias ou sem causa aparente podem ser classificadas
genotipicamente ou fenotipicamente através de análises bioquímicas.
Na classificação genotípica, as dislipidemias se dividem em monogênicas,
causadas por mutações em um só gene, e poligênicas, causadas por associações de
múltiplas mutações que isoladamente não seriam de grande repercussão.
A classificação fenotípica ou bioquímica considera os valores de colesterol total,
LDL-colesterol, triglicérides e HDL-colesterol. Compreende quatro tipos principais bem
definidos:
- Hipercolesterolemia isolada, caracterizada por elevação isolada do
LDL-colesterol, com dosagem superior ou igual a 160mg/dL;
- Hipertrigliceridemia isolada, caracterizada por elevação isolada dos
triglicérides, com dosagem superior ou igual a 150mg/dL, refletindo o
aumento do volume de partículas ricas em triglicérides, como VLDL,
IDL e quilomícrons;
- Hiperlipidemia mista, caracterizada por valores aumentados de LDL-
colesterol e triglicérides;
- HDL-colesterol baixo, caracterizado por redução do HDL-colesterol,
com dosagem inferior a 40mg/dL em homens e a 50mg/dL em mulheres,
isoladamente ou em associação com aumento de LDL-colesterol ou
triglicérides;
Estratificação do risco
O primeiro passo na estratificação do risco é a identificação de manifestações
clínicas de doença aterosclerótica, como doença coronária manifesta atual ou prévia,
doença arterial cerebrovascular, doença aneurismática ou estenótica da aorta abdominal
ou de seus ramos, doença arterial periférica e doença arterial carotídea com estenose
superior ou igual a 50%, ou de seus equivalentes, como diabetes mellitus tipos 1 ou 2,
que caracterizam alto risco de eventos cardiovasculares.
Os pacientes sem diagnóstico de doença cardiovascular ou de equivalentes e que
apresentam menos de dois fatores de risco são classificados como de baixo risco de
eventos cardiovasculares.
Entre os indivíduos sem doença aterosclerótica significativa e que apresentem
dois ou mais fatores de risco, pode-se estimar pelo Escore de Risco de Framingham
aqueles de risco baixo, com probabilidade inferior a 10% de infarto ou morte por
doença coronária no período de dez anos, e alto, com probabilidade superior a 20% de
infarto ou morte por doença coronária no período de dez anos. Para os indivíduos
identificados pelo Escore de Risco de Framingham como portadores de risco
Terapia nutricional
As recomendações dietéticas para tratamento das hipercolesterolemias incluem
gordura total com 25-35% das calorias totais, ácidos graxos saturados com 7% ou
menos das calorias totais, ácidos graxos poli-insaturados com 10% ou menos das
calorias totais, ácidos graxos monoinsaturados com 20% ou menos das calorias totais,
carboidratos com 50-60% das calorias totais, proteínas com cerca de 15% das calorias
totais, menos de 200mg/dia de colesterol, 20-30g/dia de fibras e quantidade total de
calorias ajustada para o peso desejável.
Para reduzir a ingesta de colesterol, deve-se diminuir o consumo de alimentos de
origem animal, em especial vísceras, leite integral e seus derivados, embutidos, frios,
pele de aves e frutos do mar, como camarão, ostra, marisco, polvo e lagosta. Para
diminuir o consumo de ácidos graxos saturados, aconselha-se a redução da ingesta de
gordura animal, presente em carnes gordurosas, leite e derivados, polpa e leite de coco e
alguns óleos vegetais, como os de dendê.
Os ácidos graxos insaturados são classificados em duas categorias principais, os
poli-insaturados, representados pelas séries ômega-6 (linoleico e araquidônico) e
ômega-3 (alfalinolênico, eicosapentaenóico-EPA e docosahexaenóico- DHA), e os
monoinsaturados, representados pela série ômega-9 (oleico). O ácido linoleico é
essencial e o precursor dos demais ácidos graxos poli-insaturados da série ômega-6,
cujas fontes alimentares são os óleos vegetais de soja, milho e girassol. A substituição
isocalórica dos ácidos graxos saturados por ácidos graxos poli-insaturados reduz o
colesterol total e o LDL-colesterol plasmáticos. Os ácidos graxos poli-insaturados
possuem o inconveniente de induzir maior oxidação lipídica e diminuir o HDL-
colesterol quando utilizados em grande quantidade. Os ácidos graxos ômega-3 são
encontrados nos vegetais (soja, canola e linhaça) e em peixes de águas frias (cavala,
sardinha, salmão e arenque). Promovem redução dos triglicérides plasmáticos pela
diminuição da síntese hepática de VLDL, podendo ainda exercer outros efeitos
cardiovasculares, como redução da viscosidade do sangue, maior relaxamento do
endotélio e também efeitos antiarrítmicos. Os ácidos graxos monoinsaturados (oléico)
exercem o mesmo efeito sobre a colesterolemia, sem, no entanto, diminuir o HDL-
colesterol e provocar oxidação lipídica. Suas principais fontes dietéticas são o óleo de
oliva, óleo de canola, azeitona, abacate e oleaginosas (amendoim, castanhas, nozes e
amêndoas).
Os ácidos graxos trans são sintetizados durante o processo de hidrogenação dos
Atividade física
A atividade física regular constitui medida auxiliar para o controle das
Cessação do tabagismo
A cessação do tabagismo constitui medida fundamental e prioritária na
prevenção primária e secundária da aterosclerose. Entre os métodos de suporte à
cessação, os mais efetivos são abordagem cognitivo-comportamental e farmacoterapia,
nicotínica e não-nicotínica. A terapia de reposição de nicotina está disponível na forma
de adesivos de liberação transdérmica e goma de mascar. Os medicamentos não-
nicotínicos incluem Bupropiona, Nortriptilina, Vareniclina e a Clonidina.
Tratamento medicamentoso
Os hipolipemiantes devem ser empregados sempre que não houver efeito
satisfatório das mudanças de estilo de vida ou impossibilidade de aguardar os efeitos
das mudanças de estilo de vida por prioridade clínica. A escolha da classe terapêutica
está condicionada ao tipo de dislipidemia presente.
Na hipercolesterolemia isolada, os medicamentos recomendados são as estatinas,
que podem ser administradas em associação a Ezetimiba, Colestiramina e,
eventualmente, fibratos ou Ácido Nicotínico.
No tratamento da hipertrigliceridemia isolada são prioritariamente indicados os
fibratos e, em segundo lugar, o Ácido Nicotínico ou a associação de ambos. Pode-se
ainda utilizar o ácido graxo ômega-3 isoladamente ou em associação com os fármacos.
Na hiperlipidemia mista, o nível de triglicérides deverá orientar como o
tratamento farmacológico será iniciado. Caso os níveis de triglicérides estejam acima de
500mg/dL, deve-se iniciar o tratamento com um fibrato, adicionando se necessário
Ácido Nicotínico e/ou ômega-3. Nesta situação, a meta prioritária é a redução do risco
de pancreatite. Após reavaliação, caso haja a necessidade de redução adicional da
Estatinas
As estatinas são inibidores da HMG-CoA redutase, uma das enzimas chave na
síntese intracelular do colesterol. Sua inibição reduz o conteúdo intracelular de
colesterol e, como consequência, há aumento do número de receptores de LDL nos
hepatócitos, que então removem mais VLDL, IDL e LDL da circulação para repor o
colesterol intracelular. Estes medicamentos reduzem o LDL-colesterol em 15-55% e os
triglicérides em 7-28% e elevam o HDL-colesterol em 2-10%. As estatinas reduzem a
mortalidade cardiovascular, a incidência de eventos isquêmicos coronários agudos, a
necessidade de revascularização do miocárdio e a incidência de acidente vascular
cerebral.
Devem ser administradas por via oral, em dose única diária, preferencialmente à
noite para os fármacos de meia-vida curta ou em qualquer horário para aqueles com
meia-vida maior, como Atorvastatina e Rosuvastatina.
O efeito terapêutico só será mantido com doses diárias, não devendo o fármaco
ser suspenso ou usado em dias alternados, salvo haja efeito colateral ou contraindicação
clínica. Os efeitos adversos são raros durante tratamento com estatinas. Os mais graves,
como hepatite, miosite e rabdomiólise, são observados ainda mais raramente. No
entanto, para identificar possíveis efeitos adversos recomenda-se a dosagem dos níveis
basais de creatinofosfoquinase e de transaminases, especialmente de alanina-
aminotransferase, e a repetição na primeira reavaliação ou a cada aumento de dose.
Recomenda-se monitorização cuidadosa em pacientes que apresentarem dor muscular
e/ou aumento de creatinofosfoquinase de três a sete vezes o limite superior da
normalidade. As estatinas devem ser suspensas caso ocorra um ou mais dentre aumento
progressivo da creatinofosfoquinase, aumento da creatinofosfoquinase acima de dez
vezes o limite superior da normalidade e persistência de sintomas musculares. Nestas
situações, após normalização do distúrbio que levou à suspensão, a mesma estatina com
dose menor pode ser reiniciada ou outra estatina pode ser tentada.
São evidências de hepatotoxicidade icterícia, hepatomegalia, aumento de
bilirrubina direta e aumento do tempo de protrombina. Na ausência de obstrução biliar,
a dosagem da bilirrubina direta é mais acurada que a simples dosagem das
transaminases para identificação e avaliação prognóstica de hepatotoxicidade. Nos casos
com identificação objetiva de hepatotoxicidade, recomenda-se suspensão da estatina e
pesquisa da etiologia. Em pacientes assintomáticos, a elevação isolada de uma a três
vezes o limite superior da normalidade das transaminases não justifica a suspensão do
tratamento com estatina. Caso ocorra elevação isolada e superior a três vezes do limite
superior da normalidade, um novo exame deverá ser feito para confirmação e outras
etiologias avaliadas. Nestes casos, a redução da dose ou suspensão da estatina deverá
ser baseada no julgamento clínico. Não há contraindicação do uso de estatinas em
pacientes com doença hepática crônica. Entretanto, é contraindicado seu uso em
pacientes com hepatopatias agudas.
Fármaco Doses Queda do LDL-colesterol
Ezetimiba
A Ezetimiba é um inibidor de absorção do colesterol que atua na borda em
escova das células intestinais inibindo a ação da proteína transportadora do colesterol.
Usada isoladamente, reduz em cerca de 20 % o LDL-colesterol. Entretanto, variações de
resposta podem ocorrer em indivíduos com absorção intestinal de colesterol acima ou
abaixo da média populacional. Tem sido mais frequentemente empregada em
associação com as estatinas, em função da potenciação da redução do colesterol
intracelular.
É recomendado o uso da Ezetimiba isoladamente em casos de intolerância à
estatina e em casos de sitosterolemia. Em associação com estatinas, a Ezetimiba pode
ser usada em casos de elevações persistentes do LDL-colesterol apesar de doses
adequadas de estatinas, em casos de hipercolesterolemia familiar homozigótica ou como
primeira opção terapêutica conforme indicação clínica.
A Ezetimiba é empregada na dose única de 10mg/dia. Pode ser administrada a
qualquer hora do dia, com ou sem alimentação, não interferindo na absorção de
gorduras e vitaminas lipossolúveis. Até o momento, raros efeitos colaterais têm sido
apontados. Por precaução, recomenda-se que ela não seja utilizada em casos de
dislipidemia com doença hepática aguda.
Resinas de troca
São fármacos que reduzem a absorção intestinal de sais biliares e,
consequentemente, de colesterol. Com a redução da absorção, reduz-se o colesterol
intracelular no hepatócito e, por este motivo, aumenta-se o número de receptores de
LDL e a síntese de colesterol. O efeito sobre a colesterolemia é variável, reduzindo em
média 20% dos valores basais de LDL-colesterol. Esse efeito é potencializado pelo uso
concomitante de estatinas. Ocasionalmente pode promover pequena elevação do HDL-
colesterol.
A Colestiramina pode ser usada como adjuvante às estatinas no tratamento das
hipercolesterolemias graves, podendo também ser utilizada em crianças, sendo a única
liberada para mulheres no período reprodutivo sem método anticoncepcional efetivo. É
apresentada em envelopes de 4g e a posologia inicial é de 4g/ dia, podendo-se atingir no
máximo 24g/dia, com doses superiores a 16g/dia dificilmente toleradas. A apresentação
na forma “light” pode melhorar sua tolerância, mas contém fenilalanina, o que restringe
seu uso em portadores de fenilcetonúria. Os principais efeitos colaterais relacionam-se
ao aparelho digestivo, por interferir na motilidade intestinal, com obstipação, plenitude
gástrica, náusea e meteorismo, além de exacerbação de hemorroidas preexistentes.
Raramente, pode ocorrer obstrução intestinal e acidose hiperclorêmica em idosos e
crianças, respectivamente. Diminui eventualmente a absorção de vitaminas
lipossolúveis (A, D, K, E) e de ácido fólico. Suplementação desses elementos a
crianças, ou eventualmente a adultos, pode ser necessária. Entre os efeitos bioquímicos,
verifica-se eventualmente aumento dos triglicérides, secundário ao estímulo à síntese
hepática de VLDL. Como consequência, seu uso deve ser evitado na
hipertrigliceridemia, particularmente se houver níveis acima de 400mg/dL. Qualquer
Fibratos
São fármacos derivados do ácido fíbrico que agem estimulando os receptores
nucleares denominados “receptores alfa ativados de proliferação dos peroxissomas”
(PPAR-α). Esse estímulo leva a aumento da produção e ação da lipase lipoprotéica,
responsável pela hidrólise intravascular dos triglicérides, e redução da Apo CIII,
responsável pela inibição da lipase lipoproteica. O estímulo do PPAR-α pelos fibratos
também leva a maior síntese da Apo AI e, consequentemente, de HDL.
Reduzem os níveis de triglicérides em 30-60%, mas a redução será mais
pronunciada quanto maior o valor basal. Aumentam o HDL-colesterol em 7-11%. Sua
ação sobre o LDL-colesterol é variável, podendo diminuí-lo, não modifica-lo ou até
aumentá-lo. Parecem ter efeitos pleiotrópicos, contudo não se conhece a relevância
clínica dos mesmos.
Os fibratos são indicados no tratamento da hipertrigliceridemia endógena
quando houver falha das medidas não-farmacológicas. Quando os triglicérides forem
muito elevados, acima de 500mg/dL, são recomendados inicialmente, junto com as
medidas não farmacológicas. Também podem ser usados no tratamento da dislipidemia
mista com predomínio de hipertrigliceridemia.
É infrequente a ocorrência de efeitos colaterais graves durante tratamento com
fibratos, levando à necessidade da interrupção do tratamento. Podem ocorrer distúrbios
gastrointestinais, mialgia, astenia, litíase biliar, diminuição de libido, erupção cutânea,
prurido, cefaleia e perturbação do sono. Raramente observa-se aumento de enzimas
hepáticas e/ou creatinofosfoquinase, também de forma reversível com a interrupção do
tratamento. Casos de rabdomiólise têm sido descritos com o uso da associação de
estatinas com Genfibrozil. Recomenda-se, por isso, evitar essa associação. É necessária
cautela em caso de doença biliar, uso concomitante de anticoagulante oral, cuja
posologia deve ser ajustada, função renal diminuída e associação com estatinas.
Fármaco Doses Aumento do HDL-colesterol Diminuição dos triglicérides
Bezafibrato 400-600mg/dia 5-30% 15-55%
Ciprofibrato 100mg/dia 5-30% 15-45%
Etofibrato 500mg/dia 5-20% 10-30%
Fenofibrato 250mg/dia 5-30% 10-30%
Genfibrozil 600-1200mg/dia 5-30% 20-60%
O Bezafibrato é apresentado na forma de comprimidos de 200mg para
administração até de 8/8 horas.
Ácido Nicotínico
O Ácido Nicotínico reduz a ação da lipase tecidual nos adipócitos, levando à
menor liberação de ácidos graxos livres para a corrente sanguínea. Como consequência,
reduz-se a síntese de triglicérides pelos hepatócitos.
Reduz o LDL-colesterol em 5-25%, aumenta o HDL-colesterol em 15-35% e
diminui os triglicérides em 20-50%.
Pode ser utilizado em pacientes com HDL-colesterol baixo isolado, mesmo sem
hipertrigliceridemia associada, e como alternativa aos fibratos e às estatinas ou em
associação com esses fármacos em portadores de hipercolesterolemia,
hipertrigliceridemia ou dislipidemia mista. Devido a menor tolerabilidade com a forma
de liberação imediata, com rubor e prurido, e à descrição de hepatotoxicidade com a
forma de liberação lenta, tem sido preconizado seu uso na forma de liberação
Bibliografia
IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de
Cardiologia. Arquivos Brasileitos de Cardiologia - Volume 88, Suplemento I, Abril 2007.
Clínica médica: diagnóstico e tratamento. Itamar de Souza Santos... [et al.]. São Paulo. Sarvier, 2008.
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Fisiopatologia
A demanda de oxigênio do miocárdio é determinada por frequência cardíaca,
pressão arterial sistólica, contratilidade e tensão das fibras da musculatura cardíaca.
Dessa forma, condições clínicas que interfiram nesses fatores, tais como exercício,
hipertensão arterial sistêmica, ansiedade, febre, dor, medicamentos vasoativos,
hipertrofia miocárdica e sobrecarga de volume, dentre outras, podem determinar
isquemia miocárdica pelo aumento do consumo de oxigênio.
Isquemia silenciosa é a isquemia sem sintomas concomitantes, detectada por
exames complementares.
Etiologia
A causa mais comum de doença arterial coronariana é a aterosclerose, um
processo imuno-inflamatório desencadeado pela oxidação das lipoproteínas de baixa
densidade (LDL-colesterol) e que ocorre inicialmente na camada subintimal das
artérias. Em associação, ocorrem disfunção endotelial e, consequentemente, redução das
substâncias protetoras produzidas pelo endotélio íntegro, como o óxido nítrico. A
gênese da doença aterosclerótica, assim como a sua gravidade, está intimamente
relacionada à presença de fatores de risco, que incluem hipertensão arterial sistêmica,
diabetes mellitus, resistência insulínica, tabagismo, dislipidemia, história familiar,
sedentarismo e obesidade. Agravantes de risco incluem história familiar de doença
arterial coronária prematura, microalbuminúria, hipertrofia ventricular esquerda,
insuficiência renal crônica, escore de cálcio coronário avaliado por tomografia
computadorizada superior a 400 ou acima do percentil 75 para idade e sexo, espessura
íntima média da carótida avaliada por ultrassonografia superior a 1mm, índice
tornozelo-braquial inferior a 0.9 e proteína C reativa ultra-sensível superior a 3mg/L na
ausência de afecções inflamatórias.
Arterites como arterite de Takayasu, arterite temporal, arterite pelo uso de
cocaína, arterite reumatoide e doença de Kawasaki também podem reduzir a luz das
artérias coronárias.
Alterações da microcirculação, tais como aquelas que ocorrem na hipertrofia
ventricular esquerda e na síndrome X, também podem causar insuficiência coronariana.
A síndrome X é secundária a disfunção endotelial ou alteração do tônus vascular e é
caracterizada por isquemia miocárdica detectada por eletrocardiograma ou cintilografia
de perfusão miocárdica na ausência de lesões obstrutivas das artérias coronárias na
cineangiocoronariografia. Quando ocorrem alterações eletrocardiográficas secundárias a
alterações no tônus vascular coronário, tem-se angina de Prinzmetal.
Outras causas de insuficiência coronariana incluem trajeto anômalo da artéria
Quadro clínico
A maioria dos indivíduos com doença nas artérias coronárias não apresenta
sintomas. A dor pode ser descrita como sensação de asfixia e ansiedade, constrição,
queimação, peso ou aperto. Os locais mais comuns do desconforto são o retroesternal e
o precordial, ocorrendo irradiação para superfície ulnar do antebraço esquerdo, membro
superior direito, dorso, pescoço e, raramente, acima da mandíbula. Pode ocorrer queixa
apenas de dor epigástrica ou desconforto torácico. Os equivalentes anginosos, como
dispneia, tontura, fadiga e eructações também são frequentes, sobretudo em idosos. Os
desencadeantes típicos incluem exercício e estresse emocional, sendo obtido alívio com
repouso e uso de nitratos.
Sinais de disfunção ventricular esquerda, como quarta bulha, podem sugerir
miocardiopatia isquêmica, embora outras doenças cardíacas, como miocardiopatia
valvar, hipertensiva e idiopática, também possam estar relacionadas. Sinais de disfunção
ventricular esquerda transitória durante episódio de dor isquêmica incluem sopro
sistólico de regurgitação mitral, estertores crepitantes pulmonares e terceira bulha. Em
pacientes com angina devido a outras causas que não obstrução coronária por ateromas,
podem ser encontrados sinais específicos do fator causal, como sopro sistólico aórtico
ejetivo em caso de estenose aórtica ou cardiomiopatia hipertrófica, mucosas descoradas
em caso de anemia e sinais de tireotoxicose em caso de hipertireoidismo.
Diagnóstico
Uma descrição detalhada das características da dor e dos fatores de risco de
doença arterial coronariana deve sempre ser obtida, de forma que ao final da anamnese
seja possível classificar em definitivamente anginosa, provavelmente anginosa ou
provavelmente não-anginosa.
O exame clínico é frequentemente normal nos pacientes com angina, não sendo
de grande utilidade no diagnóstico de doença arterial coronariana, mas pode ter achados
de grande valor prognóstico e auxiliar no diagnóstico diferencial da dor torácica.
Diagnóstico diferencial
Causas cardiovasculares, como doença coronária com ou sem aterosclerose,
doença valvar aórtica, cardiomiopatia hipertrófica ou dilatada, pericardite, dissecção e
aneurisma de aorta, prolapso da valva mitral, tromboembolismo pulmonar e hipertensão
pulmonar.
Causas gastrointestinais, como esofagite, espasmo esofágico, hérnia de hiato,
úlcera péptica, gastrite e colecistite.
Exames complementares
Métodos invasivos
O diagnóstico definitivo, a avaliação anatômica de sua gravidade e suas
repercussões no desempenho cardíaco ainda requerem cateterismo cardíaco,
cineangiocoronariografia e ventriculografia esquerda, que constituem padrão-ouro no
diagnóstico da coronariopatia obstrutiva. São consideradas lesões significativas aquelas
que apresentam obstrução de 50% ou mais do lúmen arterial.
A angiografia coronariana deve ser reservada para pacientes em que o
diagnóstico de coronariopatia obstrutiva permanece duvidoso a despeito do estudo
funcional, há sinais de alto risco nos testes não-invasivos, sintomas permanecem a
despeito da terapia ideal, existe sintomatologia importante com mínimo esforço,
etiologia isquêmica é muito evidente ou é alta a probabilidade de indicação de
revascularização miocárdica.
Pacientes com prognóstico reservado devido a outras doenças clínicas, nos quais
estão descartados procedimentos de revascularização do miocárdio, não devem ser
submetidos a cineangiocoronariografia.
Tratamento clínico
Correção de fatores que podem descompensar o quadro clínico estável dos
pacientes e diminuir o limiar para dor.
Redução de fatores de risco, com abordagem de hipertensão arterial sistêmica,
diabetes mellitus, dislipidemia, obesidade, tabagismo e sedentarismo.
A prática de atividade física reduz a demanda miocárdica de oxigênio e aumenta
a capacidade física ao esforço. Sob supervisão médica, o exercício físico é seguro e
benéfico, sobretudo caminhadas, objetivando um mínimo de trinta minutos três a quatro
vezes por semana.
Revascularização miocárdica
A intervenção coronária percutânea, também conhecida como angioplastia
coronária, com ou sem a introdução de próteses (stents), é um método terapêutico
amplamente utilizado para revascularizar o miocárdio isquêmico em pacientes com
estenoses coronárias. A indicação clínica mais comum é a angina do peito, estável ou
não, acompanhada de evidências de isquemia miocárdica. Também pode haver
benefício em pacientes assintomáticos com grande área de miocárdio sob risco ou lesão
proximal na artéria descendente anterior. A intervenção por cateter é mais eficaz no
alívio dos sintomas que o tratamento clínico, mas o valor na prevenção de morte por
causas cardíacas ainda não está completamente estabelecido em determinados
subgrupos de pacientes.
A cirurgia de revascularização miocárdica baseia-se em anastomose entre a
artéria aorta e a artéria coronária por meio de um enxerto. As principais indicações são
estenose do tronco de artéria coronária esquerda, obstrução coronariana triarterial e
angina de difícil controle. Quando há comprometimento da função ventricular, a
cirurgia confere maior benefício que outros tipos de tratamento.
Em suma, pacientes com doença em um ou dois vasos, com função ventricular
global normal ou discretamente comprometida e/ou com lesões anatômicas adequadas
são recomendados, em princípio, para intervenção coronária percutânea. Por outro lado,
pacientes com doença em dois ou três vasos e função ventricular esquerda
comprometida, com fração de ejeção inferior a 45%, com diabetes mellitus, doença no
tronco principal ou outras lesões impróprias para procedimentos endovasculares devem
ser considerados para revascularização cirúrgica como primeira opção.
Bibliografia
Clínica médica: diagnóstico e tratamento. Itamar de Souza Santos... [et al.]. São Paulo. Sarvier, 2008.
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Definição
O aneurisma de aorta é uma dilatação irreversível que excede uma vez e meia o
diâmetro normal para idade e peso.
Os diâmetros da aorta aumentam com a idade e variam de acordo com o sexo. O
diâmetro da aorta ascendente em milímetros pode ser calculado com a fórmula 31 +
(0.16 x idade) e da aorta descendente com a fórmula 21 + (0.16 x idade).
Epidemiologia
Cerca de 50-60% dos aneurismas de aorta torácica comprometem a aorta
ascendente, 30-40% comprometem a aorta descendente, 10% comprometem o arco
aórtico e 10% comprometem a porção toracoabdominal. A média de idade no
diagnóstico varia de 59 a 69 anos, com predominância no sexo masculino.
Etiologia e fisiopatologia
Os fatores predisponentes para os aneurismas de aorta incluem tabagismo,
hipertensão arterial, aterosclerose, desordens genéticas, como síndrome de Marfan e
síndrome de Ehler-Danlos, infecções, como sífilis, e doenças congênitas, como valva
aórtica bivalvulada. Pressupõe-se que quanto maior for o aneurisma, maior será o risco
de ruptura.
Quadro clínico
Aproximadamente três quartos dos aneurismas de aorta são assintomáticos.
Quando sintomáticos, podem se manifestar como dor torácica, lombar ou abdominal,
com ou sem instabilidade hemodinâmica. Nas situações de ruptura da aorta, poderão ou
não ocorrer exteriorização do sangramento, tamponamento cardíaco, hemotórax,
hemomediastino, sangramento para o retroperitônio, hematêmese e hemoptise. Quando
houver o comprometimento da valva aórtica com insuficiência valvar, o paciente poderá
apresentar insuficiência cardíaca. Também podem estar presentes manifestações
relacionadas ao efeito de massa da dilatação aneurismática, como síndrome da veia cava
superior, disfagia, insuficiência respiratória e disfonia. Poderão ocorrer fenômenos
embólicos manifestados como acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio,
isquemia mesentérica e isquemia de membros. A associação com aneurisma de aorta
abdominal é descrita em 10-20% dos pacientes com aneurismas ateroscleróticos da
aorta ascendente.
Avaliação complementar
Não ocorrem alterações eletrocardiográficas específicas.
Radiografia simples de tórax alterada geralmente é o primeiro indício da doença
da aorta. Na projeção póstero-anterior, a dilatação da aorta produz um contorno convexo
no mediastino superior à direita ou à esquerda, respectivamente, quando houver
dilatação no segmento ascendente ou descendente.
Aortografia é indicada para pacientes com idade superior a 40 anos para afastar
doença coronariana concomitante. Atualmente, retorna como método de imagem de
grande relevância pela possibilidade de tratamento endovascular das doenças da aorta e
Tratamento
O tratamento clínico visa a prevenção do crescimento do aneurisma e de suas
complicações, como a rotura e a dissecção. O tratamento medicamentoso objetiva o
rigoroso controle da pressão arterial, da frequência cardíaca e do perfil lipídico, além da
cessação, quando for o caso, do tabagismo. No InCor do HC-FMUSP, β-bloqueadores
são utilizados em todos os pacientes com aneurismas de aorta, salvo no caso de
contraindicação, com o objetivo de promover frequência cardíaca em torno de 60bpm e
pressão arterial sistólica em torno de 120mmHg. Outros fármacos, como os inibidores
da enzima de conversão da angiotensina e as estatinas possuem efeito protetor por
reduzirem o estresse oxidativo. Os pacientes com aneurismas de aorta devem evitar
exercícios isométricos e levantamento de peso. Os exercícios aeróbios geralmente são
seguros, mas deve ser avaliada a resposta da curva pressórica durante a realização com
o objetivo de evitar elevações acima de 180mmHg.
A cirurgia para correção do aneurisma de aorta é profilática para ruptura da
aorta, algumas vezes terapêutica, na vigência de sintomas relacionados, e raramente
paliativa. Os aneurismas de aorta torácica assintomáticos devem ser encaminhados para
tratamento cirúrgico quando seu diâmetro exceder 5cm pela relação entre a baixa
mortalidade do procedimento, inferior a 2%, e o risco de rotura com diâmetros
superiores a esse valor. O advento das próteses endovasculares permitiu, para lesões
específicas, o tratamento com diâmetros menores.
Além do tamanho, a velocidade de crescimento transversal do aneurisma maior
do que 0.5cm em seis meses ou 1cm em um ano é motivo de indicação de tratamento
cirúrgico em pacientes assintomáticos.
Alguns cuidados pré-operatórios devem ser observados nos pacientes com
aneurisma de aorta. Em função do risco de doença pulmonar obstrutiva crônica
associada, recomenda-se avaliação complementar com espirometria e gasometria
arterial. Pacientes com idade superior a 65 anos devem ser submetidos a
ultrassonografia Doppler de carótidas.
Dissecção de aorta
Classificação
As dissecções agudas são aquelas em que o diagnóstico foi estabelecido no
período de duas semanas a partir do início dos sintomas, enquanto que as dissecções
crônicas são aquelas diagnosticadas após esse período.
Classificação de Bakey:
- Tipo I – A dissecção envolve a aorta ascendente, o arco aórtico e a aorta
descendente;
- Tipo II – A dissecção é confinada à aorta ascendente;
- Tipo III – A dissecção é confinada à aorta descendente, distal à
emergência da artéria subclávia esquerda, podendo-se ficar restrita ao
tórax (IIIa) ou progredir até o abdômen (IIIb);
Classificação de Stanford:
- Tipo A – A dissecção envolve a aorta ascendente, não importando se há
extensão além do arco aórtico ou não;
- Tipo B – A dissecção não envolve a aorta ascendente;
Morbidade e mortalidade
Trata-se de doença extremamente letal, com 21% de mortalidade pré-hospitalar e
50% de mortalidade nos indivíduos mantidos sem tratamento nas primeiras 24 horas.
Quando há envolvimento da aorta ascendente, a mortalidade está relacionada a
complicações como tamponamento cardíaco, insuficiência aórtica aguda e
comprometimento do óstio coronário. Nas dissecções que não envolvem a aorta
ascendente, as principais causas de morte são a obstrução de vasos viscerais ou ilíacos e
a ruptura aórtica.
Etiologia e fisiopatologia
A hipertensão arterial encontra-se presente em 70-80% dos casos de dissecção
aórtica, sendo o fator de risco mais prevalente. O consumo de cocaína é causa rara de
dissecção aórtica.
Algumas doenças aórticas são fatores de risco bem estabelecidos:
- Aterosclerose;
Síndromes de má perfusão
O comprometimento dos ramos da aorta em um quadro de dissecção pode
ocorrer por diversos mecanismos e ter gravidade variável, resultando em isquemia dos
órgãos-alvo ou síndrome de má-perfusão. A oclusão de um ramo pode ocorrer pela
propagação da dissecção para dentro de um ramo arterial, com trombose ou estenose.
Entretanto, o principal mecanismo de interrupção do fluxo arterial em um ramo na
dissecção aórtica é a chamada obstrução dinâmica, em que a luz verdadeira colabada é
incapaz de prover volume adequado de sangue aos órgãos por ela irrigados.
Quadro clínico
A dor torácica é o sintoma mais comum, frequentemente descrita como uma
facada que rasga tecidos, com início súbito em sua máxima intensidade. Irradia-se com
frequência para região interescapular, região lombar e até para os membros inferiores. A
localização e a irradiação da dor podem levar à presunção da extensão da dissecção. Dor
precordial está associada à dissecção da aorta ascendente, dor cervical irradiada para
mandíbula está associada à dissecção do arco aórtico e dor interescápulo-umeral com
irradiação lombar se relaciona à dissecção da aorta descendente.
A hipertensão arterial está presente no exame físico inicial em 70% das
dissecções tipo B e em 25-35% das dissecções tipo A, sendo refratária à terapia clínica
inicial em parcela significativa dos casos.
Dispneia pode estar relacionada a insuficiência aórtica aguda e a tamponamento
cardíaco. Síncope pode complicar a apresentação clínica em 5-10% e sua presença pode
indicar tamponamento cardíaco ou envolvimento dos vasos braquiocefálicos.
Déficits nos pulsos periféricos e/ou assimetria da pressão arterial ocorrem em
30-50% dos pacientes com envolvimento do arco aórtico, do segmento toracoabdominal
ou de ambos. Os sintomas de uma síndrome de má-perfusão podem ser proeminentes
nas dissecções aórticas agudas, com infarto agudo do miocárdio, hemiplegia, paresia,
coma, isquemia de membros superiores, paraplegia e dor abdominal.
Exames complementares
A avaliação inicial de um paciente com dor torácica aguda envolve a realização
de um eletrocardiograma, que pode apresentar alterações isquêmicas agudas em cerca
de 20% das dissecções da aorta ascendente, principalmente em território de artéria
Tratamento
O sucesso da terapêutica da dissecção aórtica depende de um diagnóstico rápido
e da correta avaliação da extensão do processo patológico.
Tratamento clínico
A abordagem inicial prevê suporte de oxigênio, monitorização na sala de
emergência ou em unidade de terapia intensiva, acesso venoso, coleta de sangue para
avaliação laboratorial e eletrocardiograma de doze derivações. Deve ser conduzida
avaliação rápida da possibilidade de tamponamento cardíaco, com preferência pelo
tratamento definitivo ao invés da punção pericárdica.
O uso de β-bloqueador visa manter frequência cardíaca de 50-60bpm, se
tolerada. Preconiza-se Metoprolol 5mg por via intravenosa em 3-5 minutos, sendo a
dose máxima aquela que atingir a meta. Se houver contraindicação, podem ser
prescritos Verapamil ou Diltiazem.
Deve-se reduzir a pressão arterial ao menor valor tolerado pelo doente. Se
possível, a pressão arterial sistólica deve ser mantida com valores próximos de
120mmHg através do uso de Nitroprussiato de Sódio por via intravenosa em bomba de
Prescrição
- Jejum;
- Repouso absoluto no leito;
Evolução e acompanhamento
A principal complicação tardia é a dilatação aneurismática da parede externa da
falsa luz. Tomografias computadorizadas devem ser realizadas um, três, seis, nove e
doze meses após a alta hospitalar e a cada seis a doze meses a partir de então.
Bibliografia
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Boletim de Cardiologia para o Internato. Ano 1, número 3. Carlos Pedrotti, Gustavo Hironaka, Leonardo Lopes. Preceptoria de
Cardiologia do Instituto do Coração, 2009.
Clínica médica, volume 2: doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, emergências e terapia intensiva. – Barueri, SP: Manole,
2009.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Etiologia e fisiopatologia
Uma vez que exista circulação sanguínea de patógenos e estes apresentem
capacidade adesiva, sendo o paciente portador de alguma alteração anatômica cardíaca,
cria-se condição para infecção do endotélio cardíaco. Uma deficiência imunológica,
como ocorre em idosos, é mais um fator que colabora para a perpetuação da infecção.
As principais fontes de bacteremia são as infecções de pele, as manipulações
cirúrgicas e, no dia-a-dia, os procedimentos odontológicos.
Os agentes relacionados à endocardite infecciosa são diversos e variam de
acordo com o tipo de população avaliada. De modo geral, agentes etiológicos típicos
são Streptococcus viridans, Streptococcus bovis, Staphylococcus aureus, enterococo
comunitário e bactérias do grupo HACEK, que inclui Haemophilus parainfluenza, H.
aphrophilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis,
Eikenella corrodens e Kingella kingae. Outros possíveis agentes incluem
Staphylococcus epidermidis, bactérias Gram-negativas, anaeróbios e fungos.
Endocardite infecciosa causada por enterococos, que é associada a manipulação
do trato gênito-urinário, e Streptococcus bovis, que é associada a malignidade do trato
gastrointestinal e a pólipos colônicos, ocorrem mais frequentemente nos idosos.
Os principais grupos de risco são usuários de droga intravenosa, portadores de
doenças valvares com valvas nativas e portadores de prótese valvar.
Quadro clínico
As manifestações clínicas são variáveis e dependem do grau de acometimento do
coração, da virulência do micro-organismo relacionado à infecção e das comorbidades
do paciente. De modo geral, a infecção pode causar sintomas inespecíficos, como febre,
fadiga, astenia e emagrecimento, com evolução lenta e gradual. Em situações em que
ocorre grande destruição valvar, o paciente apresenta sinais de franca insuficiência
cardíaca.
A evolução lenta ao longo de semanas a meses, com grau discreto de toxicidade,
raramente acompanhada de infecção metastática, caracteriza o quadro da endocardite
infecciosa subaguda, que tem o Streptococcus viridans como principal agente, além de
enterococos, estafilococos coagulase negativos e cocobacilos Gram-negativos. A
evolução fulminante ao longo de dias a semanas para destruição valvar e infecção
metastática, com toxicidade significativa, caracteriza a endocardite infecciosa aguda,
tendo o Staphylococcus aureus como principal patógeno envolvido.
Febre e sopro são encontrados em 85% dos pacientes. O acometimento
neurológico inclui embolização séptica, aneurismas micóticos, meningite e abscessos.
Outros achados secundários a embolização periférica da vegetação ou a deposição de
imunocomplexos são as petéquias em mucosa, os nódulos de Osler, as lesões de
Exames complementares
O exame de fundo de olho deve fazer parte da rotina e permite avaliar sinais
periféricos da endocardite, como as manchas de Roth.
Exames laboratoriais incluem hemograma, função renal, eletrólitos,
coagulograma, provas de atividade inflamatória, fator reumatoide e urina I.
Devem ser colhidos no mínimo três pares de hemocultura, independentemente
da temperatura do doente, com intervalo de no mínimo uma hora e avisar o laboratório
sobre a possibilidade de germes de crescimento lento, como os do grupo HACEK.
Radiografia de tórax pode revelar infiltrado pulmonar correspondente à
embolização séptica quando a endocardite infecciosa acomete as câmaras direitas.
Eletrocardiograma é inespecífico e pode apresentar bloqueio atrioventricular
relacionado à presença de abscessos. Deve ser realizado diariamente durante o
tratamento.
Ecocardiograma é fundamental no diagnóstico de endocardite infecciosa e
fornece dados anatômicos e funcionais. A modalidade transesofágica apresenta
sensibilidade maior na detecção de vegetações, sendo indicada principalmente na
presença de prótese valvar, quando a modalidade transtorácica não consegue imagem de
boa qualidade e em caso de doente com alta suspeita clínica e exame transtorácico
normal. Em indivíduos com alta suspeita clínica e resultado negativo de ecocardiograma
transesofágico, é recomendável a realização de um segundo exame no intervalo de uma
semana. Em caso de ecocardiograma transtorácico positivo e com achados
ecocardiográficos de alto risco, como vegetações móveis ou grandes, insuficiência
valvar, sinais de extensão perivalvar e disfunção ventricular, deve-se realizar
ecocardiograma transesofágico para detectar complicações.
Tomografia computadorizada de crânio é realizada quando existe
comprometimento neurológico por embolização. Angiografia cerebral é indicada na
pesquisa de aneurismas micóticos.
Critérios maiores
Critérios menores
Predisposição, como condição cardíaca prévia ou uso de droga intravenosa.
Febre superior ou igual a 38º C.
Fenômeno vascular, com embolia em grande artéria, infarto pulmonar séptico,
aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, hemorragia conjuntival e lesão de
Janeway.
Fenômeno imunitário, com glomerulonefrite, nódulo de Osler, manchas de Roth
e fator reumatoide positivo.
Evidência microbiológica com hemocultura positiva sem preencher os critérios
maiores ou evidência sorológica de infecção ativa com micro-organismo compatível
com endocardite infecciosa.
Ecocardiograma compatível com endocardite infecciosa, mas sem preencher os
critérios maiores.
Diagnóstico diferencial
Quando a apresentação é inespecífica, síndromes infecciosas devem ser
pesquisadas.
Algumas doenças podem mimetizar a endocardite infecciosa, com destaque para
lúpus eritematoso sistêmico, febre reumática aguda, endocardite trombótica não-
infecciosa, mixoma atrial e anemia falciforme.
Tratamento
Antibioticoterapia
O tratamento depende do micro-organismo, do ambiente e das complicações de
cada paciente. Prevê antibiótico em altas doses e por tempo prolongado.
O início da terapêutica em pacientes com suspeita de endocardite deverá ser
baseado em coleta de hemocultura, identificação do germe e antibiograma. Nos doentes
hemodinamicamente estáveis com suspeita de endocardite subaguda, o tratamento
empírico não diminui as complicações precoces e pode obscurecer o diagnóstico
etiológico por comprometer o resultado das hemoculturas colhidas posteriormente,
Evolução
Em geral, a melhora da febre ocorre em cinco a sete dias. Em caso de febre com
duração de mais de sete dias em paciente com antibiótico correto e otimizado,
recomenda-se avaliação para complicações da endocardite infecciosa.
Deve-se colher hemoculturas diariamente até que se tornem estéreis e, a partir de
então, se houver recrudescência do quadro ou após quatro a seis semanas de terapia se o
doente evoluir bem. O tempo para tornar estéreis as culturas varia com o germe.
Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico, quando aplicado, deve estar associado à
antibioticoterapia.
Indicações:
- Endocardite em prótese valvar precoce, há menos de dois meses do
implante;
- Insuficiência cardíaca atribuída a disfunção de prótese valvar pela
endocardite infecciosa;
- Endocardite estafilocócica sem resposta à antibioticoterapia;
- Evidência de ruptura valvar, perfuração, abscesso, aneurisma, fístula ou
bloqueio atrioventricular novo;
- Endocardite por Gram-negativo com resposta inadequada à
antibioticoterapia;
- Bacteremia persistente após sete a dez dias de antibioticoterapia
adequada, sem outras infecções que justifiquem o quadro;
- Embolia periférica recorrente apesar da antibioticoterapia adequada;
- Endocardite em prótese valvar tardia com evolução clínica
desfavorável;
Complicações
As complicações incluem acometimento valvar, formação de abscessos e
embolização.
Profilaxia
Indicada para pacientes com condições de maior risco que serão submetidos a
intervenções que podem resultar em bacteremia por micro-organismo com potencial
para causar endocardite infecciosa.
Pacientes de maior risco:
- Prótese valvar;
- História prévia de endocardite infecciosa;
- Doença cardíaca congênita cianótica não-corrigida;
- Doença cardíaca congênita reparada completamente com material
protético por via cirúrgica ou endovascular nos últimos seis meses;
- Doença cardíaca congênita reparada com material protético com
defeitos residuais no local ou adjacente ao local da prótese;
- Doença valvar em coração transplantado;
Procedimentos de risco:
- Procedimentos dentários;
- Procedimentos em pacientes com infecção gastro-intestinal ou gênito-
urinária;
- Procedimentos em pele infectada, estrutura da pele ou tecido músculo-
esquelético;
- Cirurgia para colocação de prótese valvar ou material prostético
intravascular ou intracardíaco;
O antibiótico de escolha depende do paciente e do procedimento. Para pacientes
que serão submetidos a procedimentos odontológicos, o regime preferencial é
Amoxacilina 2g por via oral trinta a sessenta minutos antes. Pacientes que não podem
ingerir medicação por via oral podem receber Ampicilina 2g por via intravenosa ou
intramuscular. Em caso de alergia a penicilina, opções incluem Cefalexina 2g por via
oral, Claritromicina 500mg por via oral e Clindamicina 600mg por via oral.
Bibliografia
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Epidemiologia
Os fatores de risco para hipertensão arterial sistêmica incluem idade avançada,
cor não-branca, excesso de peso, ingesta excessiva de sódio, ingesta de álcool por
períodos prolongados de tempo, sedentarismo, herança genética e outros fatores de risco
cardiovascular.
Prevenção primária
As mudanças no estilo de vida são entusiasticamente recomendadas na
prevenção primária da hipertensão arterial sistêmica. As principais recomendações não-
medicamentosas são alimentação saudável, consumo controlado de sódio e de álcool,
ingesta de potássio e combate ao sedentarismo e ao tabagismo.
Para o manejo de indivíduos com comportamento limítrofe da pressão arterial,
recomenda-se considerar o tratamento medicamentoso apenas em condições de risco
cardiovascular global alto ou muito alto.
Diagnóstico
A hipertensão arterial sistêmica é diagnosticada pela detecção de níveis elevados
e sustentados de pressão arterial pela medida casual, que deve ser realizada em toda
avaliação por médicos de qualquer especialidade e demais profissionais da saúde.
A medida da pressão arterial pode ser realizada pelo método indireto, com
técnica auscultatória e uso de esfigmomanômetro de coluna de mercúrio ou aneroide
devidamente calibrado, ou com técnica oscilométrica pelos aparelhos semiautomáticos
digitais de braço validados, estando estes também calibrados.
Na primeira avaliação, as medidas devem ser obtidas em ambos os braços e, em
caso de diferença, recomenda-se utilizar como referência sempre o braço com o maior
valor para as medidas subsequentes. O indivíduo deverá ser investigado para doenças
arteriais se apresentar diferença de pressão entre os membros superiores maior do que
20mmHg para a pressão sistólica e maior do que 10mmHg para a pressão diastólica.
Em cada consulta, deverão ser realizadas pelo menos três medidas, sugerindo-se
intervalo de um minuto entre elas. A média das duas últimas deve ser considerada a
pressão arterial real.
A posição recomendada para a medida da pressão arterial é a sentada. As
medidas nas posições ortostática e supina devem ser feitas pelo menos na primeira
avaliação em todos os indivíduos e em todas as avaliações em idosos, diabéticos,
portadores de disautonomias, etilistas e/ou pacientes em uso de medicação anti-
hipertensiva.
A linha demarcatória que define hipertensão arterial sistêmica considera valores
Hipertensão mascarada
Há hipertensão mascarada quando o paciente apresenta medidas de pressão
arterial normais no consultório, porém com médias de pressão arterial elevadas na
MAPA durante o período de vigília ou na MRPA. Essa condição deve ser pesquisada
em indivíduos com pressão arterial normal ou limítrofe e mesmo nos hipertensos
aparentemente controlados, mas com sinais de lesões em órgãos-alvo.
Avaliação clínica
Deve-se obter história clínica completa. Além da medida da pressão arterial, a
frequência cardíaca deve ser cuidadosamente medida, pois sua elevação está relacionada
a maior risco cardiovascular. Para avaliação de obesidade visceral, recomenda-se a
medida da circunferência da cintura, sendo os valores de normalidade adotados 88cm
para mulheres e 102cm para homens.
O exame físico deve ser minucioso e o exame de fundo de olho deve ser sempre
feito ou solicitado na primeira avaliação, em especial em pacientes com hipertensão
arterial sistêmica estágio 3, que apresentam diabetes mellitus ou lesão em órgãos-alvo.
A obtenção do índice tornozelo braquial pode ser útil. As indicações incluem
idade entre 50 e 69 anos e tabagismo ou diabetes mellitus, idade superior ou igual a 70
anos, dor na perna com exercício, alterações dos pulsos em membros inferiores, doença
arterial coronária, carotídea ou renal e risco cardiovascular intermediário. Para o
cálculo, deve-se utilizar os valores de pressão arterial do braço e do tornozelo.
Considera-se normal quando acima de 0.9, obstrução leve quando 0.71-0.90, obstrução
moderada quando 0.41-0.70 e obstrução grave quando 0.00-0.40.
Avaliação complementar
A avaliação complementar básica indicada para todos os pacientes inclui análise
de urina, potássio plasmático, creatinina plasmática com estimativa do ritmo de filtração
glomerular, glicemia de jejum, hemoglobina glicada, colesterol total, HDL-colesterol e
triglicérides plasmáticos, ácido úrico plasmático e eletrocardiograma convencional.
A taxa de filtração glomerular estimada pode ser calculada com a fórmula de
Cockroft-Gault, sendo igual, em mL/minuto, a {[140 – idade] x peso (kg)} / [creatinina
plasmática (mg/dl) x 72] para homens e a 85% do total obtido para mulheres.
Considera-se função renal normal quando igual ou superior a 90mL/minuto sem outras
alterações no exame de urina, disfunção renal estágio 1 quando igual ou superior a
90mL/minuto com alterações no exame de urina, disfunção renal estágio 2 quando 60-
89mL/minuto com alterações no exame de urina, disfunção renal estágio 3 quando 30-
59mL/minuto, disfunção renal estágio 4 quando 15-29mL/minuto e disfunção renal
estágio 5 quando inferior a 15mL/minuto.
Radiografia de tórax é indicada para pacientes com suspeita clínica de
insuficiência cardíaca, quando os demais exames não estão disponíveis, e para avaliação
de acometimento pulmonar e de aorta.
Ecocardiograma é indicado para hipertensos estágios 1 e 2 sem hipertrofia
ventricular esquerda ao eletrocardiograma, mas com dois ou mais fatores de risco
cardiovascular, e hipertensos com suspeita clínica de insuficiência cardíaca.
Microalbuminúria é indicada em pacientes hipertensos, hipertensos com
síndrome metabólica e hipertensos com dois ou mais fatores de risco cardiovascular.
Ultrassonografia de carótida é indicada em pacientes com sopro carotídeo, sinais
de doença cerebrovascular ou doença aterosclerótica em outros territórios.
Teste ergométrico é indicado em suspeita de doença coronariana estável,
diabetes mellitus ou antecedente familiar para doença coronariana em paciente com
pressão arterial controlada.
Estratificação de risco
Para a tomada da decisão terapêutica, é necessária a estratificação do risco
Decisão terapêutica
A decisão terapêutica deve ser baseada no risco cardiovascular, considerando-se
a presença de fatores de risco, lesão em órgão-alvo e/ou doença cardiovascular
estabelecida e não apenas no nível de pressão arterial.
Categoria de risco Considerar
Sem risco adicional Tratamento não-medicamentoso isolado
Risco adicional baixo Tratamento não-medicamentoso isolado por até seis meses e, se não
atingir a meta, tratamento medicamentoso
Risco adicional médio, alto Tratamento não-medicamentoso associado a tratamento medicamentoso
e muito alto
Em hipertensos estágios 1 e 2 com risco cardiovascular baixo e médio,
Medicamentos
As evidências provenientes de estudos de desfechos clinicamente relevantes,
com duração relativamente curta, de três a quatro anos, demonstram redução de
morbidade e mortalidade com diuréticos, betabloqueadores, inibidores da enzima de
conversão da angiotensina, bloqueadores do receptor AT1 da angiotensina II e
antagonistas dos canais de cálcio. Esse benefício é observado com a redução da pressão
arterial sistêmica per se e, com base nos estudos disponíveis até o momento, parece não
depender da classe de medicamentos utilizada.
Qualquer medicamento dos grupos de anti-hipertensivos comercialmente
disponíveis, desde que resguardadas as indicações e contraindicações específicas, pode
ser utilizado para o tratamento da hipertensão arterial. Os medicamentos devem ser
Diuréticos
O mecanismo de ação anti-hipertensiva dos diuréticos se relaciona inicialmente
aos seus efeitos diuréticos e natriuréticos, com diminuição do volume extracelular.
Posteriormente, após cerca de quatro a seis semanas, o volume circulante praticamente
se normaliza e há redução da resistência vascular periférica. Para uso anti-hipertensivo,
são preferidos diuréticos tiazídicos e similares, em baixas doses. Os diuréticos de alça
são reservados para hipertensão associada a insuficiência renal com taxa de filtração
glomerular abaixo de 30mL/minuto/1.73m2 e/ou a insuficiência cardíaca com retenção
de volume. Em pacientes com aumento do volume extracelular, como em insuficiências
cardíaca e renal, o uso associado de diurético de alça e de diurético tiazídico pode ser
benéfico tanto para o controle do edema quanto da pressão arterial sistêmica,
ressalvando-se o risco maior de eventos adversos. Os diuréticos poupadores de potássio
apresentam pequena eficácia diurética, mas, quando associados aos tiazídicos e aos
diuréticos de alça, são úteis na prevenção e no tratamento de hipocalemia. Seu uso em
pacientes com redução da função renal poderá acarretar em hipercalemia.
Os principais efeitos adversos são hipocalemia, hipomagnesemia e
hiperuricemia. O emprego de baixas doses diminui o risco de efeitos adversos, sem
prejuízo da eficácia anti-hipertensiva, especialmente quando em associação com outros
anti-hipertensivos. Os diuréticos também podem provocar intolerância à glicose,
aumentar o risco do aparecimento do diabetes mellitus e promover aumento de
triglicérides, efeitos esses, em geral, dependentes da dose.
Medicamento Dose diária Fracionamento da
dose
Diuréticos tiazídicos
Clortalidona 12.5-25.0mg Uma vez ao dia
Hidroclorotiazida 12.5-25.0mg Uma vez ao dia
Indapamida 2.5-5.0mg Uma vez ao dia
Indapamida SR 1.5-5.0mg Uma vez ao dia
Diuréticos de alça
Bumetanida Dose mínima 0.5mg e dose máxima variável de acordo com Uma a duas vezes ao
a indicação médica dia
Furosemida Dose mínima 20mg e dose máxima variável de acordo com Uma a duas vezes ao
a indicação médica dia
Piretanida 6-12mg Uma vez ao dia
Diuréticos poupadores de potássio
Amilorida 2.5-10mg Uma vez ao dia
Espironolactona 25-100mg Uma a duas vezes ao
dia
Triantereno 50-100mg Uma vez ao dia
Betabloqueadores
Seu mecanismo anti-hipertensivo envolve diminuição inicial do débito cardíaco,
redução da secreção de renina, readaptação dos barorreceptores e diminuição das
catecolaminas nas sinapses nervosas. Betabloqueadores de terceira geração, mais
recentes, como o Carvedilol e o Nebivolol, também proporcionam vasodilatação, que,
no caso do Carvedilol, decorre em grande parte do bloqueio concomitante do receptor
alfa-1 adrenérgico e, no caso de Nebivolol, decorre do aumento da síntese e da liberação
endotelial de óxido nítrico. Estudos e metanálises recentes não têm apontado redução de
desfechos relevantes, principalmente acidente vascular encefálico, em pacientes com
idade superior a sessenta anos, situação em que o uso dessa classe de medicamentos
seria reservada para situações especiais, como coronariopatia, disfunção sistólica,
arritmias cardíacas e infarto do miocárdio prévio. Estudos de desfecho com Carvedilol,
Metoprolol, Bisoprolol e, recentemente, Nebivolol têm demonstrado que esses fármacos
são úteis na redução de mortalidade e morbidade cardiovasculares de pacientes com
insuficiência cardíaca, hipertensos ou não, independentemente da faixa etária. O
propranolol se mostra também útil em pacientes com tremor essencial, síndromes
hipercinéticas, cefaleia de origem vascular e hipertensão portal.
Os principais efeitos adversos são broncoespasmo, bradicardia, distúrbios da
condução atrioventricular, vasoconstrição periférica, insônia, pesadelos, depressão
psíquica, astenia e disfunção sexual. Betabloqueadores de primeira e segunda gerações
podem acarretar também intolerância à glicose, diabetes mellitus, hipertrigliceridemia,
elevação do LDL-colesterol e redução do HDL-colesterol. O impacto sobre o
metabolismo da glicose é potencializado quando são utilizados em combinação com
diuréticos. O efeito sobre o metabolismo lipídico parece estar relacionado à dose e à
seletividade, sendo de pequena monta com o uso de baixas doses de betabloqueadores
cardiosseletivos. Diferentemente, betabloqueadores de terceira geração têm impacto
neutro ou até podem melhorar os metabolismos da glicose e lipídico, possivelmente em
decorrência do efeito de vasodilatação com diminuição da resistência à insulina e
melhora da captação de glicose pelos tecidos periféricos. Estudos com o Nebivolol
também têm apontado para uma menor interferência na função sexual, possivelmente
em decorrência do efeito sobre a síntese de óxido nítrico endotelial.
A suspensão brusca dos betabloqueadores pode provocar hiperatividade
simpática, com hipertensão rebote e/ou manifestações de isquemia miocárdica,
Alfabloqueadores
Apresentam efeito hipotensor discreto em longo prazo como monoterapia,
devendo, portanto, ser associados com outros anti-hipertensivos. Podem induzir ao
aparecimento de tolerância, o que exige o uso de doses gradativamente crescentes. Têm
a vantagem de propiciar melhora discreta no metabolismo lipídico e glicídico e dos
sintomas de pacientes com hipertrofia prostática benigna.
Os principais efeitos adversos são hipotensão postural, mais evidente com a
primeira dose, sobretudo se a dose inicial for alta, palpitações e, eventualmente, astenia.
Medicamento Dose diária Fracionamento da dose
Doxazosina 1-16mg Uma vez ao dia
Prazosina 1-20mg Duas a três vezes ao dia
Prazosina XL 4-8mg Uma vez ao dia
Terazosina 1-20mg Uma a duas vezes ao dia
Vasodilatadores diretos
Atuam sobre a musculatura da parede vascular, promovendo relaxamento
muscular com consequente vasodilatação e redução da resistência vascular periférica.
São utilizados em associação com diuréticos e/ou betabloqueadores.
Os principais efeitos adversos são retenção hídrica e taquicardia reflexa, que
contraindica o uso como monoterapia.
Medicamento Dose diária Fracionamento da dose
Hidralazina 50-150mg Duas a três vezes ao dia
Minoxidil 2.5-80.0mg Duas a três vezes ao dia
Esquemas terapêuticos
A monoterapia pode ser a estratégia anti-hipertensiva inicial para pacientes com
hipertensão arterial estágio 1 e com risco cardiovascular baixo a moderado. O
tratamento deve ser individualizado e a escolha inicial do medicamento como
monoterapia deve basear-se em capacidade de reduzir morbidade e mortalidade
cardiovasculares, perfil de segurança, mecanismo fisiopatogênico predominante no
paciente a ser tratado, características individuais, doenças associadas e condições
socioeconômicas. Com base nesses critérios, as classes de anti-hipertensivos atualmente
consideradas preferenciais para o controle da pressão arterial em monoterapia inicial são
os diuréticos, os betabloqueadores, os bloqueadores dos canais de cálcio, os inibidores
da enzima de conversão da angiotensina e os bloqueadores do receptor AT1 da
angiotensina II. Alisquireno pode ser considerado como opção para o tratamento inicial
em monoterapia nos pacientes com hipertensão estágio 1 com risco cardiovascular
baixo a moderado, ressalvando-se que até o presente momento não estão disponíveis
estudos que demonstrem redução de mortalidade cardiovascular com o seu uso. A
posologia deve ser ajustada até que se consiga redução da pressão arterial pelo menos a
um nível inferior a 140x90mmHg. Se o objetivo terapêutico não for conseguido com a
monoterapia inicial, três condutas são possíveis. Se o resultado for parcial ou nulo, mas
sem reação adversa, recomenda-se aumentar a dose do medicamento em uso ou associar
anti-hipertensivo de outro grupo terapêutico. Quando não se obtiver efeito terapêutico
na dose máxima preconizada, ou se surgirem eventos adversos não-toleráveis,
recomenda-se a substituição do anti-hipertensivo inicialmente utilizado. Se ainda assim
a resposta for inadequada, devem-se associar dois ou mais medicamentos.
Bibliografia
VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Rev Bras Hipertens vol.17(1):7-60, 2010.
The Cochrane Review of Sodium and Health. Michael H. Alderman. American Journal of Hypertension. 2011.
Clínica médica, volume 2: doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, emergências e terapia intensiva. – Barueri, SP: Manole,
2009.
Etiologia
A insuficiência cardíaca é a via final comum da maioria das doenças que
acometem o coração. A etiologia abrange doença isquêmica, especialmente na presença
de fatores de risco, angina ou disfunção segmentar, hipertensão arterial, frequentemente
associada a hipertrofia ventricular e a fração de ejeção preservada, doença de Chagas,
especialmente na presença de dados epidemiológicos sugestivos, bloqueio de ramo
direito e bloqueio divisional ântero-superior, cardiomiopatia hipertrófica,
cardiomiopatia dilatada, cardiomiopatia restritiva, displasia arritmogênica do ventrículo
direito, drogas, como bloqueadores de canal de cálcio e agentes citotóxicos
(Doxorrubicina, Adriamicina, Daunorrubicina e Ciclofosfamida), toxinas, como álcool,
cocaína, mercúrio, cobalto e arsênio, doenças endócrinas, como diabetes mellitus,
hipotireoidismo, hipertireoidismo, síndrome de Cushing, insuficiência adrenal,
feocromocitoma e hipersecreção de hormônio de crescimento, desnutrição, como
caquexia, obesidade e deficiências de selênio, tiamina e carnitina, doenças infiltrativas,
como sarcoidose, amiloidose e hemocromatose, doenças extracardíacas, como fístula
arteriovenosa, beribéri, doença de Paget e anemia, doença renal crônica, miocardiopatia
periparto e infecção pelo vírus da imunodeficiência humana.
No Brasil, a principal etiologia é a cardiopatia isquêmica crônica associada a
hipertensão arterial. Em determinadas regiões geográficas do país e em áreas de baixas
condições socioeconômicas, ainda existem formas associadas a doença de Chagas,
endomiocardiofibrose e cardiopatia valvular reumática crônica.
Critérios de Framingham
Critérios maiores incluem dispneia paroxística noturna, distensão das veias do
pescoço, refluxo hepatojugular, pressão venosa central superior a 16cmH2O, estertores
pulmonares, edema agudo de pulmão, cardiomegalia na radiografia de tórax, B3 e perda
Avaliação inicial
A avaliação inicial do paciente com insuficiência cardíaca tem como objetivo
confirmar o diagnóstico, identificar a etiologia e os possíveis fatores precipitantes,
definir o modelo fisiopatológico, definir o modelo hemodinâmico, estimar o prognóstico
e identificar os pacientes que possam se beneficiar de intervenções terapêuticas
específicas.
Apontam para etiologia isquêmica angina de peito, infarto do miocárdio prévio,
fatores de risco para aterosclerose, área inativa em eletrocardiograma e disfunção
segmentar em ecocardiograma. Na doença de Chagas, podem ser encontrados dados
epidemiológicos sugestivos, como origem ou passagem por zona endêmica, familiares
com a doença, exposição a alimentos potencialmente contaminados, possibilidade de
transmissão materno-fetal e transfusão sanguínea, associados a insuficiência cardíaca de
predomínio direito, bloqueio de ramo direito e bloqueio divisional ântero-superior em
eletrocardiograma e disfunção segmentar de parede inferior, aneurisma de ponta de
Exames complementares
O eletrocardiograma pode fornecer úteis informações para diagnóstico, etiologia,
prognóstico e tratamento da insuficiência cardíaca. Quando normal, torna o diagnóstico
improvável.
A radiografia de tórax nas incidências póstero-anterior e perfil pode revelar
cardiomegalia, definida como índice cardiotorácico superior a 0.5, e sinais de congestão
pulmonar, como redistribuição vascular para os ápices, edema intersticial e/ou alveolar
e derrame pleural, que são úteis marcadores de disfunção ventricular e/ou elevação das
pressões de enchimento. A relação entre as alterações radiológicas e os dados
hemodinâmicos depende não só da gravidade da disfunção cardíaca, mas também da sua
duração. Os sinais de congestão venosa podem estar ausentes mesmo na presença de
pressões de enchimento elevadas e sinais radiológicos de congestão podem persistir
mesmo quando as alterações hemodinâmicas já foram otimizadas com o tratamento. A
etiologia da insuficiência cardíaca pode ser sugerida pela análise da forma da silhueta
cardíaca, pela presença de calcificação em topografia valvar ou de pericárdio e pela
presença de doença pulmonar.
A avaliação laboratorial inicial inclui eletrólitos, função renal, função hepática,
hormônio tireoestimulante (TSH) e glicemia de jejum. Sorologia para Chagas deve ser
realizada quando houver dados epidemiológicos sugestivos. Anemia, hiponatremia e
alteração da função renal são preditores prognósticos adversos. Hipocalemia é efeito
adverso comum do tratamento com diuréticos e pode causar arritmias fatais e aumentar
o risco de intoxicação digitálica. Por outro lado, hipercalemia pode complicar o
tratamento com inibidores da enzima conversora da angiotensina, bloqueadores dos
receptores da angiotensina, β-bloqueadores e Espironolactona. Elevação de enzimas
hepáticas pode ocorrer em decorrência de congestão e/ou hipoperfusão hepática.
O peptídeo natriurético do tipo B (BNP) é um polipeptídeo liberado pelos
Seguimento clínico
O seguimento clínico meticuloso dos pacientes é tarefa essencial para monitorar
Tratamento não-farmacológico
Dieta
A orientação nutricional tem fundamental importância no tratamento de
pacientes com insuficiência cardíaca, contribuindo para maior equilíbrio da doença,
melhorando a capacidade funcional e a qualidade de vida, com impacto positivo na
morbimortalidade.
Recomenda-se restrição do consumo de sódio para 2-3g/dia, desde que não
comprometa a ingesta calórica, na ausência de hiponatremia, além de restrição hídrica
de acordo com a condição clínica do doente, geralmente 1000-1500mL/dia em pacientes
sintomáticos com risco de hipervolemia. As principais fontes de sódio são sal de adição,
alimentos industrializados e conservas, condimentos em geral, pickles, azeitona,
aspargo, palmito, alimentos panificados, amendoim, grão de bico, semente de abóbora,
salgados, aditivos, como glutamato monossódico, e medicamentos, como antiácidos.
O valor calórico total da dieta deverá ser de 28kcal/kg e 32kcal/kg de peso na
ausência de edema para pacientes com estado nutricional adequado e nutricionalmente
depletados, respectivamente.
A composição da dieta deverá abranger 50-55% de carboidratos, priorizando os
carboidratos integrais com baixa carga glicêmica e evitando os carboidratos refinados,
30-35% de lipídeos, com ênfase nas gorduras monoinsaturadas e poliinssaturadas, em
especial os ácidos graxos da série ômega 3, e níveis reduzidos de gorduras saturadas e
trans, e 15-20% de proteínas, priorizando aquelas de alto valor biológico.
Há a necessidade de completa abstinência do álcool principalmente para
pacientes com miocardiopatia alcoólica, por causar depressão miocárdica e precipitar
arritmias. Entretanto, quantidades limitadas diárias, como 20-30mL de álcool em vinho
Planejamento familiar
Mulheres com insuficiência cardíaca em classe funcional III e IV devem ser
desaconselhadas a engravidar. Pacientes com insuficiência cardíaca devem receber
orientação sobre planejamento familiar. A orientação sobre os métodos contraceptivos
deve ser individualizada de acordo com etiologia da cardiomiopatia, classe funcional e
biotipo da paciente.
Reabilitação cardíaca
Programas de exercícios físicos ativos em associação com o tratamento
farmacológico otimizado têm sido recomendados para melhorar a condição clínica e a
capacidade funcional de pacientes estáveis em classe funcional II ou III, sendo
considerado custo efetivo. Vários estudos randomizados têm demonstrado que o
treinamento físico pode reduzir sintomas e aumentar a capacidade funcional. Entretanto
exercícios competitivos, extenuantes e puramente isométricos devem ser
desencorajados.
O condicionamento físico deveria ser estimulado para todos pacientes com
insuficiência cardíaca estável que sejam capazes de participar de programa de
treinamento físico. Tradicionalmente, o método utilizado para prescrição de exercício
aeróbico é a caminhada ou o cicloergômetro, mas recentemente a atividade física
intervalada tem sido demonstrada como método efetivo, seguro e bem tolerado em
pacientes com insuficiência cardíaca. A carga de trabalho é realizada em blocos de
menor e maior intensidade, variando de 50% a 80% da frequência cardíaca máxima.
Programas de treinamento físico domiciliar, hidroterapia, yoga, meditação e tai chi
chuan também têm sido propostos alternativamente. Recomenda-se exercício físico
aeróbico três a cinco vezes por semana inicialmente com duração de quinze a vinte
minutos e, se boa tolerância, de trinta minutos, além de exercício de resistência duas a
três vezes por semana com oito a dez repetições para cada grupo muscular e uso de
banda elástica ou peso livre. Deve-se incluir aquecimento, relaxamento e exercícios de
flexibilidade em todas as sessões.
Nos trabalhadores com tarefas laborativas de força, a troca de função deve ser
avaliada de modo individual e periódico e somente após otimização do tratamento
farmacológico e não-farmacológico. Quando a atividade profissional não interferir na
progressão, nos sintomas e na gravidade da doença, a realocação não é necessária. A
individualização de cada paciente dentro de seu contexto deve ser levada em
consideração na tomada de decisão.
A orientação sobre a atividade sexual deve fazer parte da rotina de abordagem
médica para os pacientes com insuficiência cardíaca crônica estável. As recomendações
e esclarecimentos são dados para assegurar a não-progressão dos sintomas. Não há
evidências de que o uso de inibidores orais da fosfodiesterase 5 aumente o risco de
infarto do miocárdio ou estimulem progressão da insuficiência cardíaca, exceto
naqueles pacientes que fazem uso de nitratos, por qualquer via, em que o seu uso tem
contra-indicação formal, pois poderá acarretar hipotensão arterial severa. As
informações a respeito da atividade sexual deverão partir do médico assistente, durante
a consulta médica.
O teste de esforço cardiopulmonar ou ergoespirométrico é uma técnica bem
estabelecida para avaliação da tolerância ao exercício na insuficiência cardíaca. O
consumo de oxigênio de pico (VO2 pico) medido no teste é um marcador prognóstico e
um importante critério na seleção de candidatos para transplante de coração. Além
disso, o teste poderá ajudar no diagnóstico diferencial de dispneia, avaliar a resposta a
intervenções terapêuticas e auxiliar na prescrição de exercício.
β-bloqueadores
Os β-bloqueadores apresentam diversas atuações na fisiologia e no metabolismo
do cardiomiócito de pacientes com insuficiência cardíaca em decorrência de sua ação no
Antagonista da aldosterona
Níveis elevados de aldosterona estimulam a produção de fibroblastos e
aumentam o teor da fibrose miocárdica, perivascular e perimiocítica, provocando
rigidez muscular e disfunção. Além disso, a aldosterona provoca dano vascular por
diminuição da complacência arterial e modula o equilíbrio da fibrinólise por aumentar o
inibidor do ativador do plasminogênio (PAI-1), predispondo a eventos isquêmicos. Pode
ocasionar disfunção de barorreceptores, ativação simpática e agravo da disfunção
miocárdica. Acarreta retenção de sódio e água, determinando perda de potássio e
magnésio. Aumenta a liberação de neuro-hormônio adrenérgico e o risco para arritmias
cardíacas e morte súbita.
Neste grupo de medicamentos, tem-se a Espironolactona, com maior tempo de
uso e estudos que comprovaram sua eficácia, e o Eplerenone, recentemente
comercializado, porém ainda não disponível no Brasil.
A Espironolactona tem eficácia comprovada na redução de mortalidade em
pacientes com classe funcional III a IV e fração de ejeção do ventrículo esquerdo
inferior a 35%. Em pacientes assintomáticos após infarto agudo do miocárdio e com
fração de ejeção do ventrículo esquerdo inferior a 40%, o Eplerenone reduziu
mortalidade geral e cardiovascular, hospitalização e morte súbita.
Pode-se iniciar o tratamento com Espironolactona na dose de 12.5-25.0mg/dia
Diuréticos
Promovem natriurese, contribuindo para a manutenção e o melhor controle do
estado volêmico.
Os diuréticos tiazídicos bloqueiam o co-transporte de sódio e cloro no começo
do túbulo distal. A ação natriurética é modesta em relação à de outros diuréticos, com
perda da efetividade em pacientes com clearance de creatinina inferior a 30 mL/minuto.
Os principais representantes são a Hidroclorotiazida e a Clortalidona.
Os diuréticos de alça determinam aumento da excreção da carga de sódio e
mantêm sua eficácia, a não ser que a função renal esteja gravemente comprometida. Os
principais representantes dessa classe são a Furosemida e a Bumetamida. Aumentam o
fluxo sanguíneo renal sem aumentar a taxa de filtração, especialmente após
administração intravenosa.
Na insuficiência cardíaca, os diuréticos são raramente utilizados como
monoterapia, sendo de preferência associados com inibidor da enzima de conversão da
angiotensina e β-bloqueador, com indicação em pacientes sintomáticos com sinais e
sintomas de congestão. Os diuréticos de alça são frequentemente utilizados nos
pacientes com classes funcionais mais avançadas em função de maior excreção de água
para o mesmo nível de natriurese, manutenção da eficácia a despeito da disfunção renal
frequentemente observada na insuficiência cardíaca e ação diurética diretamente
relacionada à dose utilizada. Por outro lado, os diuréticos tiazídicos têm sido utilizados
nas formas brandas de insuficiência cardíaca, com boa eficácia na melhora clínica dos
pacientes.
Os seus efeitos sobre a mortalidade não estão bem definidos, em função da
ausência de ensaios clínicos com esta finalidade. A utilização de doses elevadas dos
diuréticos não-poupadores de potássio está associada a aumento da mortalidade em
longo prazo. Devido à falta de evidências clínicas, os diuréticos devem ser evitados em
pacientes com classe funcional I.
O início da terapia com diuréticos deve obedecer a um racional de aumento
progressivo de doses conforme o estado congestivo. Nos pacientes em que há perda
progressiva do efeito diurético com Furosemida, a associação com tiazídicos,
promovendo bloqueio sequencial do néfron, pode levar a aumento do efeito diurético.
De maneira geral, sabe-se que o uso de diuréticos de alça promove ativação
adicional do eixo renina-angiotensina, agravando efeitos neuro-humorais deletérios.
Distúrbios eletrolíticos, como hipocalemia, hipomagnesemia e hiponatremia, e
metabólicos, como hiperglicemia, hiperlipidemia e hiperuricemia, hipovolemia e
ototoxidade são também observados na terapia diurética. Nos pacientes com disfunção
renal subjacente e/ou hipovolemia, o uso de diurético poderá agravar a função renal.
Grupo Droga Dose inicial Dose máxima
diária
Diuréticos de alça Furosemida 20mg de 24/24 a 12/12 horas 600mg
Bumetanida 0.5-1.0mg de 24/24 a 12/12 horas 10mg
Hidralazina e Nitrato
Os nitratos induzem vasodilatação ao regenerar o radical NO livre ou um
congênere de NO, o S-nitrosotiol (SNO). Doses baixas de Dinitrato de Isossorbida, até
30mg três vezes ao dia, dilatam preferencialmente o sistema venoso. Vasodilatação
arterial é tipicamente associada a doses maiores. A dosagem usual recomendada de
Mononitrato de Isossorbida é de 20-40mg as 8:00 e as 14:00 e de Dinitrato de
Isossorbida é 10-40mg as 8:00, as 14:00 e as 20:00.
Hidralazina é um dilatador seletivo da musculatura arterial. Tem sido descrita
como capaz de prevenir a tolerância ao nitrato. Após titulação progressiva, a dose média
eficaz de manutenção é de 50-75mg de 6/6 horas ou 100mg de 12/12 a 8/8 horas.
As indicações para uso de Hidralazina e nitrato na insuficiência cardíaca crônica
incluem pacientes de qualquer etnia com classe funcional II a III com contraindicação a
inibidor da enzima de conversão da angiotensina e a bloqueador do receptor de
angiotensina II, afrodescendentes com classe funcional III a IV em uso de terapêutica
otimizada e, com menor classe de recomendação, pacientes de qualquer etnia com
classe funcional III a IV em uso de terapêutica otimizada.
Digoxina
A Digoxina está indicada em pacientes com ritmo sinusal ou fibrilação atrial
sintomáticos com terapêutica otimizada e com fração de ejeção do ventrículo esquerdo
inferior a 45% e pacientes com fibrilação atrial assintomáticos com fração de ejeção do
ventrículo esquerdo inferior a 45% para controle de frequência cardíaca. O emprego da
Digoxina se associa à redução de hospitalizações, sem impacto na mortalidade A
suspensão do digital em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção
reduzida pode levar a piora sintomática e aumento nas hospitalizações. Os digitálicos
não estão indicados para o tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção
preservada e ritmo sinusal.
O uso da Digoxina está contraindicado em pacientes que apresentem bloqueio
atrioventricular de segundo grau Mobitz II, bloqueio atrioventricular de terceiro grau,
doença do nó sinusal sem proteção de marca-passo e síndromes de pré-excitação. Deve
ser administrada com precaução em idosos, portadores de disfunção renal e pacientes
com baixo peso. Cuidado adicional deve ser tomado em relação a interações
medicamentosas com drogas como Amiodarona, Quinidina, Verapamil, Diltiazem e
quinolonas, que podem elevar os níveis séricos da Digoxina.
A Digoxina é comumente prescrita na dose de 0.125-0.250mg/dia por via oral.
Não há evidência que suporte o uso de doses de ataque ou doses adicionais. A maior
parte dos pacientes deve receber 0.125mg por dia. Em idosos, portadores de
insuficiência renal e pacientes com peso baixo, especialmente mulheres, a dose de pode
ser ainda menor, com 0.125mg em dias alternados.
Pacientes em uso de Digoxina que apresentem distúrbios gastrointestinais, como
anorexia, náusea e vômitos, neurológicos, como confusão mental e xantopsia, ou
cardiovasculares, como bloqueios atrioventriculares, extra-sístoles ventriculares
polimórficas frequentes ou, mais especificamente, taquicardia atrial com bloqueio
Antiarrítmicos
Os β-bloqueadores devem ser usados como terapia primária para o tratamento de
arritmias ventriculares e prevenção de morte súbita em pacientes com insuficiência
cardíaca. A eficácia dos demais antiarrítmicos é questionável e cada medicamento tem
risco potencial de efeitos adversos, incluindo a pró-arritmia.
Não há benefício com uso de Amiodarona na prevenção primária quando
comparado ao placebo, independente da etiologia da insuficiência cardíaca. Só deve ser
usada com esse objetivo quando o paciente recusar o uso de cardiodesfibrilador
implantável. Por outro lado, é recomendada como terapia adjunta com β-bloqueadores
em pacientes com disfunção de ventrículo esquerdo com cardiodesfibrilador
implantável que tem episódios repetitivos de taquicardia ventricular ou choques
apropriados. Efetiva contra a maioria das arritmias supraventriculares, inclusive a
fibrilação atrial, a Amiodarona é a droga de escolha para a restauração e manutenção do
ritmo sinusal em pacientes com insuficiência cardíaca, se não houver indicação de
cardioversão elétrica.
Transplante cardíaco
Apesar dos avanços no tratamento clínico da insuficiência cardíaca, o transplante
cardíaco continua sendo reconhecido como a melhor modalidade de tratamento
cirúrgico para a insuficiência cardíaca terminal. Determina um grande impacto no
tratamento e os benefícios incluem melhor qualidade de vida, melhor qualidade de
exercício e maior sobrevida a médio e longo prazos.
Os pacientes candidatos a transplante são aqueles com doença avançada, classe
funcional IV permanente ou III intermitente com IV, com sintomas severos e
incapacitantes, sem alternativa de tratamento e com alta mortalidade em 1 ano. O
tratamento clínico deve ter otimização farmacológica e não-farmacológica. Avaliações
de resistência vascular pulmonar, pressões na artéria pulmonar, e gradiente
transpulmonar devem ser realizadas em todos os potenciais receptores. O teste de
vasorreatividade pulmonar com o emprego de drogas vasodilatadoras, como
Nitroprussiato, óxido nítrico, prostaglandinas e inibidores da fosfodiesterase 5, deve ser
realizado em pacientes com resistência vascular pulmonar acima de 4.5 woods. O
consumo de oxigênio (VO2) obtido no teste cardiopulmonar com o paciente alcançando
Etiologia
Fatores cardiovasculares, como isquemia ou infarto, hipertensão arterial
sistêmica não-controlada, doença valvar primária não-suspeitada, piora da insuficiência
mitral secundária, fibrilação atrial aguda ou não-controlada, arritmias e
tromboembolismo pulmonar.
Fatores sistêmicos, como infecções, febre, anemia, descompensação do diabetes
mellitus, disfunção tireoidiana, insuficiência renal e gravidez.
Fatores relacionados ao doente, como má adesão ao esquema farmacológico, má
adesão à dieta, consumo de álcool, uso de drogas ilícitas e tabagismo.
Fatores relacionados a fármacos, como intoxicação digitálica, uso de drogas que
retém água ou inibem as prostaglandinas, como anti-inflamatórios não-hormonais,
estrógenos, andrógenos, Clorpropamida, Minoxidil e glitazonas, uso de drogas
inotrópicas negativas, como antiarrítmicos do grupo I, antagonistas de cálcio e
antidepressivos tricíclicos, uso de drogas cardiotóxicas, como Adriamicina e
Transtuzumab, automedicação e terapias alternativas.
Fatores relacionados ao sistema de saúde, como falta de acesso à atenção
primária, falta de acesso a medicações efetivas e prescrição inadequada.
Abordagem inicial
Deve-se avaliar de maneira acurada e rápida o estado volêmico do paciente, a
perfusão tecidual e a presença de fatores precipitantes e comorbidades. O local de
atendimento dependerá, sobretudo, do grau de dispneia, do nível de consciência e do
estado geral do doente.
Pacientes nitidamente dispneicos, cianóticos e com má-perfusão periférica
devem ser encaminhados à sala de emergência e colocados em maca específica,
caracterizada por decúbito elevado. A seguir, deve-se proceder com monitorização de
ritmo cardíaco, pressão arterial, frequência respiratória e saturação periférica de
oxigênio, fornecimento de oxigênio suplementar sem causar hiperóxia, obtenção de
acesso venoso, coleta de sangue para análise laboratorial e avaliação da necessidade de
ventilação mecânica invasiva ou não-invasiva.
Avaliação complementar
Eletrocardiograma pode revelar isquemia, sobrecarga de câmaras, sinais de
pericardite e bloqueios.
Radiografia de tórax pode revelar sinais de congestão pulmonar, derrame
pleural, pneumotórax, condensações pulmonares localizadas e hiperinsuflação
pulmonar.
Exames gerais incluem hemograma, sódio, potássio, uréia, creatinina e glicose.
Em casos mais graves, devem ser dosadas enzimas hepáticas, albumina e INR.
Tratamento
Os objetivos terapêuticos nos doentes que chegam ao pronto-socorro com
insuficiência cardíaca descompensada são reverter as anormalidades hemodinâmicas
agudas, aliviar rapidamente os sintomas, investigar causas tratáveis de descompensação,
evitar a morte a curto prazo e iniciar tratamentos que irão diminuir a progressão da
doença e melhorar a sobrevida a longo prazo.
A abordagem inicial irá depender do grau e do tipo de descompensação da
insuficiência cardíaca. De uma maneira geral, os pacientes podem ser classificados em
quatro subgrupos distintos de acordo com o grau de congestão e de acordo com o grau
de perfusão tecidual.
Evidências de má-perfusão ou baixo débito cardíaco incluem pressão de pulso
reduzida, membros frios e pegajosos, sonolência, hipotensão sintomática, hiponatremia
e piora da função renal. Evidências de congestão ou pressão de enchimento capilar
pulmonar elevada incluem ortopnéia, pressão jugular elevada, B3, edema periférico,
ascite, crepitações e refluxo hepatojugular.
Ausência de sinais de congestão Presença de sinais de congestão
(seco) (úmido)
- Ajuste de medicações por via - Introdução e aumento das doses de diuréticos,
oral para redução de mortalidade e assumindo-se que o paciente já esteja usando
manutenção de estado volêmico inibidor da enzima de conversão da angiotensina;
Boa perfusão estável; - Em casos mais complexos, associação de
periférica - Tratamento da causa de vasodilatadores parenterais;
(quente) descompensação; - Inotrópicos geralmente não são necessários e
podem ser deletérios;
- Observação curta no pronto socorro ou
A internação nos casos mais graves; B
Medicações
Diuréticos
A presença de congestão é um critério fundamental para o uso de diuréticos,
base do tratamento da insuficiência cardíaca descompensada. Quando administrada por
via intravenosa, a Furosemida causa venodilatação em quinze minutos, diminuindo a
pré-carga tanto do ventrículo direito como do ventrículo esquerdo. Também induz
diurese aproximadamente trinta minutos após a administração, com pico em uma a duas
horas. A dose inicial é de 0.5-1.0mg/kg (40-80mg) por via intravenosa. Pode ser
repetida conforme a resposta do doente. Os principais efeitos colaterais são
hipocalemia, hipomagnesemia, piora da função renal por diurese excessiva,
ototoxicidade e intoxicação digitálica. Quando houver necessidade de diurese adicional
em doentes com piora da função renal, pode-se associar um inotrópico para melhorar a
perfusão renal.
Vasodilatadores
Os vasodilatadores determinam alívio da congestão pulmonar sem comprometer
o volume sistólico ou aumentar o consumo miocárdico de oxigênio, o que é de suma
importância para os pacientes de etiologia isquêmica. Podem aumentar débito cardíaco e
diurese. Têm utilização preferencial nas situações de pressões de enchimento ventricular
elevadas, aumentos significativos na resistência vascular pulmonar e sistêmica e
sobrecarga aguda de volume secundária a lesões valvares regurgitantes. Para serem
usados isoladamente, é necessário que a pressão arterial sistólica sistêmica esteja
adequada e idealmente superior ou igual a 85mmHg para evitar redução da pressão de
perfusão orgânica.
A Nitroglicerina melhora os sintomas de insuficiência cardíaca descompensada,
especialmente nos doentes com insuficiência coronariana aguda concomitante. A
melhora é resultante primariamente da redução da pré-carga através de seu efeito
venodilatador, que é mais precoce e ocorre em doses baixas. Além disso, reduz a pós-
carga e tem efeitos diretos sobre a circulação coronariana, com efeito arteriodilatador
Inotrópicos
Em pacientes com baixo débito cardíaco, com ou sem congestão, o emprego de
terapia inotrópica pode ser necessário para melhorar a perfusão tecidual e preservar a
função de órgãos vitais. Apesar de essas drogas terem sido usadas efetivamente para
aumentar a perfusão e o débito cardíaco, têm sido associadas a aumento de isquemia e
predisposição a arritmias, com uso de forma intermitente não-recomendado. Os
inotrópicos são mais apropriados para terapia de curta duração em pacientes com rápida
deterioração hemodinâmica, bem como em pacientes com insuficiência cardíaca crônica
e níveis basais elevados de escórias nitrogenadas que não alcançaram diurese
satisfatória apesar do uso de diuréticos de alça e vasodilatadores. São também eficazes
em suporte hemodinâmico temporário em pacientes à espera de transplante cardíaco ou
revascularização ou naqueles em situação de choque cardiogênico. Tais agentes são
divididos em agonistas beta-adrenérgicos, inibidores da fosfodiesterase III e
sensibilizadores de cálcio.
A Dobutamina estimula os receptores adrenérgicos β1 e β2. Efeitos adversos
incluem aumento da frequência cardíaca e aumento do consumo miocárdico de
oxigênio, bem como possível aumento do número de extra-sístoles e episódios de
taquicardia ventricular. Pode ser associada a Dopamina ou Noradrenalina, em situações
extremas, após restabelecimento da volemia e ajuste da terapia inotrópica. Doses
elevadas podem ser necessárias para obtenção do efeito desejado em pacientes em uso
de betabloqueador, o que, no entanto, não consiste em contraindicação ao seu uso. É
apresentada na forma de ampola de 20mL com 12.5mg/mL. A diluição preconizada é de
uma ampola em 230mL de Soro Glicosado a 5%, com concentração de 1000mcg/mL,
constituindo alternativa a diluição de quatro ampolas em 170mL de Soro Glicosado a
Profilaxias
Nos pacientes internados, a insuficiência cardíaca descompensada aumenta o
risco de trombose venosa profunda, com indicação de profilaxia medicamentosa.
Conduta
Internação hospitalar
Nível de recomendação classe I:
- Insuficiência cardíaca moderada a grave pela primeira vez;
- Insuficiência cardíaca recorrente complicada por eventos ou situações
clínicas agudas graves;
Doentes admitidos para tratamento de insuficiência cardíaca descompensada
devem receber alta quando estiverem próximos de seu peso seco, com melhora
significativa das alterações hemodinâmicas e sem dispneia de repouso ou aos mínimos
esforços.
Prescrição básica
- Jejum;
- Repouso relativo;
- Decúbito elevado;
- Cânula nasal com O2 a 2L/minuto;
- Captopril 25mg por via oral agora e a critério médico;
- Furosemida 40mg por via intravenosa agora e a critério médico;
- Enoxaparina 40mg por via subcutânea uma vez ao dia;
- Aguarda ecocardiograma, eletrocardiograma e radiografia de tórax;
- Aguarda coleta de exames gerais;
Choque cardiogênico
O choque cardiogênico é um estado de perfusão tecidual inadequado em
decorrência de disfunção cardíaca, com alta mortalidade.
O diagnóstico pode ser feito à beira do leito pela observação de hipotensão
associada a sinais de hipoperfusão tecidual, como oligúria, alterações da consciência e
extremidades frias e mal-perfundidas. É necessário documentar a disfunção miocárdica
e excluir hipovolemia.
Do ponto de vista hemodinâmico, os critérios diagnósticos de choque
cardiogênico são:
- Hipotensão, com pressão arterial sistólica inferior a 90mmHg ou queda
da pressão arterial média superior a 30mmHg, durante trinta minutos ou
mais;
Bibliografia
Montera MW, Almeida RA, Tinoco EM, Rocha RM, Moura LZ, Réa-Neto A, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. II Diretriz
Brasileira de Insuficiência Cardíaca Aguda. Arq Bras Cardiol.2009;93(3 supl.3):1-65
Clínica médica, volume 2: doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, emergências e terapia intensiva. – Barueri, SP: Manole,
Classificação
As miocardiopatias podem ser classificadas em primárias, de causa genética,
adquirida ou mista, e secundárias, relacionadas a doenças sistêmicas.
Exemplos de miocardiopatias primárias de causa genética incluem a
miocardiopatia hipertrófica, autossômica dominante, a displasia arritmogênica do
ventrículo direito, caracterizada pela substituição de parte do ventrículo direito por
tecido gorduroso, predispondo a arritmias, o ventrículo não-compactado, com
morfologia de “esponja” sobretudo na porção apical da câmara esquerda, as doenças do
sistema de condução, com alargamento do complexo QRS, longas pausas, bradicardias e
síncopes, e as canaliculopatias, como QT longo, QT curto, síndrome de Brugada,
taquicardia polimórfica ventricular catecolaminérgica e fibrilação ventricular idiopática.
Exemplos de miocardiopatias primárias adquiridas incluem a miocardite, que
pode ser secundária a toxinas, álcool, drogas, infecções, hipersensibilidade a drogas e
autoimunidade, a miocardiopatia de Tako-tsubo, em que disfunção ventricular é
acompanhada de aneurisma de ponta de ventrículo, ocorrendo após situação de estresse
e com regressão completa, a miocardiopatia periparto, que se desenvolve entre o último
mês de gravidez e o quinto mês de puerpério, e a taquicardiomiopatia.
Exemplos de miocardiopatias primárias mistas incluem a miocardiopatia
dilatada, que pode se originar tanto de doenças genéticas como de afecções
inflamatórias, infecciosas ou não, e a miocardiopatia restritiva não-hipertrofiada e não-
dilatada.
Exemplos de miocardiopatias secundárias incluem doenças infiltrativas, como
amiloidose, doença de Gaucher, doença de Hurler e doença de Hunter, doenças de
depósito, como hemocromatose, doença de Fabry e desmina, toxicidade relacionada a
drogas, metais pesados e agentes químicos, doenças endomiocárdicas, como
endomiocardiofibrose e síndrome hipereosinofílica (Loeffler), doenças granulomatosas,
como sarcoidose, doenças endócrinas, como diabetes mellitus, hipertireoidismo,
hipotireoidismo e acromegalia, doenças neuromusculares, como ataxia de Friedreich,
neurofibromatose e esclerose tuberosa, doenças por deficiência nutricional, como
beribéri, pelagra, escorbuto e kwashiorkor, doenças autoimunes, como lúpus
eritematoso sistêmico, dermatomiosite e esclerodermia, doenças por distúrbios
eletrolíticos e toxicidade de terapia oncológica, como Doxorrubicina, Ciclofosfamida e
radioterapia.
Miocardiopatia dilatada
Caracterizada pela dilatação das câmaras cardíacas e pelo comprometimento
sistólico de um ou de ambos os ventrículos.
A incidência estimada é de 5-8 casos para 100.000 habitantes por ano.
Embora a causa não seja identificada em muitos casos, um grande número de
doenças específicas do músculo cardíaco podem produzir as manifestações clínicas da
Miocardiopatia hipertrófica
Caracterizada pela presença de hipertrofia inapropriada, que ocorre na ausência
de uma causa aparente, como estenose aórtica ou hipertensão arterial sistêmica, muitas
vezes com o envolvimento predominante do septo ventricular de um ventrículo não-
dilatado.
A prevalência da doença é baixa, atingindo 0.2% da população geral. Pode ser o
distúrbio cardíaco geneticamente transmitido mais comum.
O quadro clínico é caracterizado por rigidez anormal do ventrículo esquerdo,
com comprometimento do relaxamento ventricular e aumento da pressão diastólica final
do ventrículo esquerdo. O sintoma mais comum é dispneia por congestão pulmonar,
mas a maior parte dos pacientes é assintomática, não sendo rara morte súbita como
primeira manifestação clínica. Dor torácica, dispneia e síncope formam tríade
relacionada a mau prognóstico.
A miocardiopatia hipertrófica deve ser investigada em atletas, pois é responsável
pela morte de muitos deles.
O diagnóstico é realizado usualmente por meio de ecocardiograma. O ventrículo
esquerdo se apresenta como uma câmara não-dilatada e hiperdinâmica, que geralmente
apresenta obliteração da via de saída, na ausência de outra doença cardíaca ou sistêmica
relacionada. A ressonância nuclear magnética cardíaca pode ser usada para determinar a
gravidade e a distribuição da hipertrofia ventricular e prover informações sobre as
funções sistólica e diastólica.
As principais características associadas com aumento do risco de morte súbita
são síncope inexplicada, história familiar de morte súbita prematura, taquicardia
ventricular não-sustentada no Holter de 24 horas, comportamento anormal da pressão
arterial em teste de esforço, grave hipertrofia ventricular, idade jovem e arritmias
induzidas em estudo eletrofisiológico, com indicação de avaliação cuidadosa quanto à
necessidade de cardiodesfibrilador implantável. Pacientes com síncope por taquicardia
ventricular ou fibrilação ventricular têm indicação de cardiodesfibrilador implantável.
Betabloqueadores aliviam sintomas como cansaço, dor precordial e dispneia por
reduzirem a frequência cardíaca e a demanda miocárdica de oxigênio. Paradoxalmente,
podem induzir à redução da capacidade de exercício por provocarem incompetência
cronotrópica. Verapamil em doses superiores a 480mg/dia é particularmente útil no
tratamento da dor precordial por reduzir a contratilidade e induzir o relaxamento
ventricular. O uso de Losartan melhora a função cardíaca diastólica pela ação anti-
fibrótica.
O tratamento cirúrgico deve ser considerado para pacientes com gradiente na via
de saída do ventrículo esquerdo superior a 50mmHg e sintomas refratários à medicação
padrão. O procedimento mais comumente adotado, denominado cirurgia de Morrow,
consiste em miectomia septal e resulta em redução significativa do gradiente de saída do
ventrículo esquerdo. Outras opções cirúrgicas incluem o marca-passo de dupla-câmara e
a ablação alcoólica do septo interventricular.
Miocardiopatia restritiva
Caracterizada por intensa rigidez do miocárdio ou do endocárdio, o que provoca
restrição do enchimento, aumento da pressão ventricular com uma pequena mudança de
volume e redução do volume diastólico de um ou ambos os ventrículos, com função
sistólica normal ou próxima do normal.
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Pericardite aguda
Definição
Pericardite aguda é um processo inflamatório que acomete o pericárdio, tendo
como resultado síndrome clínica usualmente composta por dor torácica, atrito de fricção
pericárdica e alterações eletrocardiográficas.
Epidemiologia
A pericardite aguda é o diagnóstico de admissão de 0.1% dos atendimentos
hospitalares e ocorre com maior frequência em homens do que em mulheres.
Etiologia
A causa mais comum de pericardite aguda é a idiopática. Outras causas incluem
infecção bacteriana, viral ou fúngica, infarto agudo do miocárdio, radiação, pós-
operatório de cirurgia cardíaca, trauma torácico perfurante ou cortante, neoplasias
primárias, como mesotelioma e angiossarcoma, e metastáticas, com origem em
pulmões, mamas, ossos, tecido linfoide e melanócitos, doenças do colágeno, como lúpus
eritematoso sistêmico e artrite reumatoide, distúrbios metabólicos, como uremia e
hipotireoidismo, e drogas, como dicumarínicos, Heparina, Penicilina, Fenitoína,
Procainamida, Hidralazina, Minoxidil, Cromolim Sódico, Metisergida e Doxorrubicina.
Quadro clínico
O sintoma mais comum de pericardite é a dor torácica retroesternal intensa,
lancinante, frequentemente irradiada para pescoço, ombros ou costas. A variação da
intensidade da dor com mudanças posicionais é um achado muito característico da
doença, com piora da dor na posição supina e com a inspiração e melhora ao sentar-se e
inclinar-se para frente. Um ruído descrito como raspar, ranger ou friccionar ocorre
devido aos depósitos fibrinosos no espaço pericárdico, com três componentes clássicos
à ausculta cardíaca, o primeiro na sístole atrial, o segundo na sístole ventricular e o
terceiro na fase inicial da diástole ventricular. Ouve-se melhor durante a inspiração no
bordo esternal esquerdo baixo com o paciente inclinado para frente. O ruído pode
desaparecer com o desenvolvimento de derrame pericárdico ou iminente tamponamento
cardíaco.
Diagnóstico
Tratamento
A maioria dos casos de pericardite aguda evolui sem complicações, com curso
autolimitado e possibilidade de tratamento ambulatorial. Indicações de exame de
imagem e internação hospitalar incluem suspeita clínica de grande derrame pericárdico,
instabilidade hemodinâmica, dor torácica importante, dispneia importante, suspeita de
doença de base grave e sinais ou sintomas que sugiram risco de deterioração clínica.
O tratamento medicamentoso da pericardite aguda baseia-se no controle da
doença de base. Anti-inflamatórios não-hormonais, como Indometacina oral, são
efetivos no alívio da dor. Em caso de pericardite recorrente ou se a resposta ao anti-
inflamatório não-hormonal for pequena, Prednisona pode ser iniciada em altas doses e
então retirada, com diminuição de doses em até três semanas. A Colchicina pode ser
efetiva nos casos de síndrome de Dressler refratária ou persistente e na pericardite
idiopática.
Derrame pericárdico
De maneira geral, as causas mais frequentes de um grande derrame pericárdico,
em ordem decrescente de importância, são as neoplasias, as infecções, as doenças do
colágeno e a radioterapia. No Brasil, a tuberculose também deve ser considerada.
O saco pericárdico geralmente contém 15-30mL de líquido. Ele pode acumular
80-200mL agudamente e até 2000mL lentamente. O desenvolvimento de tamponamento
depende mais da velocidade com a qual o acúmulo ocorre do que do tamanho do
derrame.
Normalmente, os sinais de falência diastólica ventricular direita desenvolvem-se
primeiro, seguidos dos sinais de falência diastólica ventricular esquerda. Os sintomas
surgem da compressão das estruturas ao redor do coração, como pulmões, estômago e
nervo frênico, ou da insuficiência cardíaca diastólica e incluem pressão ou dor torácica,
dispneia, náusea, plenitude abdominal e disfagia. A irritação do nervo frênico pode
causar soluços. Nos derrames de pequena monta, o exame físico é pouco característico.
Grandes derrames causam abafamento das bulhas cardíacas e, ocasionalmente, sinal de
Ewart, caracterizado por macicez à percussão, sons de respiração brônquica e aumento
da ressonância do som quando auscultado abaixo do ângulo da omoplata esquerda. Com
o aumento do tamanho do derrame, sinais e sintomas de tamponamento cardíaco podem
ocorrer.
Eletrocardiograma pode revelar baixa voltagem e alternância elétrica se o
derrame é grande. Radiografia de tórax pode revelar cardiomegalia se existe mais que
250mL de líquido no saco pericárdico. Deslocamento do revestimento pericárdico mais
do que 2mm abaixo da borda cardíaca é melhor visualizado na projeção lateral. No
ecocardiograma, o derrame pericárdico causa um espaço livre de ecos entre o pericárdio
visceral e o pericárdio parietal, com a extensão do espaço definindo o tamanho do
derrame.
Pericardiocentese deve ser realizada com propósito diagnóstico para pesquisa da
etiologia e com propósito terapêutico nos grandes derrames quando provocam um pré-
tamponamento ou um tamponamento do coração. Deve-se avaliar se o líquido é
hemorrágico, purulento ou quiloso. A contagem de células sanguíneas vermelhas
Tamponamento cardíaco
O tamponamento cardíaco ocorre quando o acúmulo de líquido no espaço
pericárdico causa um aumento na pressão intrapericárdica com subsequente compressão
cardíaca e comprometimento hemodinâmico. A elevação da pressão intrapericárdica
produz progressiva limitação do enchimento ventricular na diástole, resultando em
baixo débito cardíaco.
Os sintomas resultantes da diminuição do débito cardíaco e da congestão
incluem dispneia, desconforto torácico, fraqueza, agitação, sonolência, oligúria e
anorexia. Se o tamponamento desenvolve-se agudamente, o quadro clínico pode ser
dramático, com morte súbita ou choque.
A combinação dos sinais clássicos conhecidos como tríade de Beck, com
hipotensão, distensão venosa jugular e abafamento das bulhas cardíacas, ocorre em
aproximadamente 10-40% dos pacientes. Taquicardia, taquipneia e hepatomegalia são
comuns. Pulso paradoxal é definido como uma diminuição na pressão arterial sistólica
Pericardite constritiva
A pericardite constritiva decorre de um espessamento anormal do pericárdio, que
restringe o enchimento cardíaco e resulta em diminuição do enchimento ventricular e do
débito cardíaco.
A causa mais frequente é a idiopática, embora uma história prévia de pericardite
aguda ou crônica possa ocasionalmente ser extraída. No Brasil, a pericardite tuberculosa
também deve ser considerada.
O evento inicial causador de um processo inflamatório pericárdico crônico
resulta em espessamento fibroso, calcificação do pericárdio e limitação do volume
intrapericárdico, restringindo o enchimento ventricular e diminuindo o débito cardíaco.
Finalmente, insuficiência ventricular direita e esquerda ocorrem.
Os sintomas são frequentemente vagos e seu início é insidioso, incluindo mal-
estar, fadiga e tolerância diminuída ao exercício. Com a progressão da constrição,
sintomas de insuficiência cardíaca direita tornam-se aparentes, com edema periférico,
náusea, desconforto abdominal e ascite, e geralmente precedem sinais de insuficiência
cardíaca esquerda, como dispneia de exercício, ortopneia e dispneia paroxística noturna.
O aumento da pressão de enchimento ventricular causa distensão venosa jugular e sinal
de Kussmaul, com ausência de diminuição inspiratória da distensão venosa jugular. A
ausculta revela sons cardíacos abafados e, ocasionalmente, estalido pericárdico
característico, 60-200mseg após a segunda bulha cardíaca.
O tratamento medicamentoso é pouco efetivo e não modifica a progressão ou o
prognóstico da doença. Diuréticos e dieta hipossódica podem ser prescritos para
pacientes com sintomas de insuficiência cardíaca leve a moderada ou com
contraindicações para a cirurgia. Para a maioria dos pacientes, pericardiectomia é
recomendada.
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Etiologia e fisiopatologia
A síncope resulta de um hipofluxo cerebral transitório.
Síncopes neuralmente mediadas são caracterizadas por alterações nos reflexos de
bradicardia e/ou vasodilatação periférica. Incluem a síncope vasovagal, que é a mais
frequente, além da síncope situacional, precipitada por tosse, defecação e/ou micção
com esforço, da síndrome do seio carotídeo, com síncope por hipersensibilidade do seio
carotídeo, e da síncope associada à neuralgia do glossofaríngeo. Outras causas incluem
hipotensão ortostática, arritmias, doença anatômica ou estrutural cardiopulmonar e
afecções cerebrovasculares, como a síndrome do roubo da subclávia. Síncope idiopática
é menos frequente atualmente, em função do desenvolvimento de métodos diagnósticos
mais sofisticados.
Podem simular síncope crise epiléptica, insuficiência vértebro-basilar, ataque
isquêmico transitório de território carotídeo, hipoxemia, hipoglicemia, hiperventilação,
transtornos somatoformes, transtornos de ansiedade e intoxicações exógenas.
Quadro clínico
O racional da abordagem é estimar o risco de a causa da síncope ser cardíaca,
visto que outras causas, incluindo a famosa síncope vasovagal, possuem prognóstico
bastante favorável.
Anamnese e exame físico minuciosos são elementos primordiais na avaliação da
causa da síncope:
- História pessoal ou familiar de doença cardíaca;
- Uso de medicações potencialmente causadoras de síncope, como
bloqueadores de canal de cálcio, β-bloqueadores, α-bloqueadores,
nitratos, antiarrítmicos, diuréticos, antipsicóticos e antieméticos;
- Número de episódios de síncope e seu caráter temporal;
- Fatores precipitantes, especialmente posturais e situacionais;
- Sinais ou sintomas prodrômicos, como sudorese, náusea, vômitos, aura
e sintomas olfativos, visuais ou gustativos;
- Pressão arterial em ambos os membros superiores, tanto na posição
supina como em ortostase;
- Ausculta cardíaca e de sopros carotídeos;
- Exame neurológico;
Hipotensão ortostática indica possibilidade de desidratação, disfunção
autonômica e/ou uso de medicações, como diuréticos e anti-hipertensivos. Íctus
desviado, sopro de regurgitação mitral e B3 indicam a possibilidade de taquicardia
ventricular. Hipotensão e/ou assistolia ventricular durante massagem do seio carotídeo
indicam hipersensibilidade do seio carotídeo. Sopros de ejeção podem indicar obstrução
ao fluxo de saída do ventrículo esquerdo por estenose aórtica ou cardiomiopatia
hipertrófica. Segunda bulha pulmonar palpável ou hiperfonética pode indicar embolia
Exames complementares
O eletrocardiograma tem baixa sensibilidade e a presença de alterações do ritmo
pode elucidar o diagnóstico, definir condutas imediatas ou auxiliar na investigação
futura. Achados sugestivos de síncope induzida por arritmia incluem intervalo QT
longo, QRS largo, bloqueio atrioventricular, pausas sinusais, bradicardia severa, pré-
excitação ventricular, evidência de infarto miocárdico e baixa voltagem, sugestiva de
efusão pericárdica.
Em pacientes com eletrocardiograma normal e sem doença cardíaca, a síncope
neuralmente mediada é a principal hipótese. Doentes com episódio único de síncope e
exame físico e eletrocardiograma normais, sem nenhum achado sugestivo de doença de
base, podem ser acompanhados sem necessidade de investigação diagnóstica adicional.
Outros exames poderão ser necessários, especialmente nos casos de síncopes
recorrentes, episódios graves que levam a lesões ou acidentes e pacientes que exerçam
ocupações de alto risco. Dependendo dos achados, incluindo aqueles do
eletrocardiograma, pode ser necessário indicar testes específicos, como tilt-table test,
ecocardiograma, monitorização contínua do eletrocardiograma por Holter, telemetria ou
dispositivos de longa gravação, testes de isquemia miocárdica, cineangiocoronariografia
e estudo eletrofisiológico.
Algumas situações são consideradas de alto risco para morte súbita e pode ser
necessária a indicação de internação hospitalar para complementação da avaliação:
- História, exame físico ou exames complementares sugerem arritmia
como causa da síncope;
- Síncope em posição supina ou precedida por palpitação, dor torácica ou
dispneia;
- Ocupação de alto risco;
- Faixa etária geriátrica;
- Síncope em “desliga-liga”;
- Síncope relacionada ao esforço;
- Antecedente familiar de morte súbita;
Ecocardiograma é indicado sempre que doença cardíaca estrutural é suspeitada
em pacientes com síncope.
A monitorização eletrocardiográfica é indicada para pacientes com sinais
clínicos ou eletrocardiográficos de síncope secundária a arritmia cardíaca, sendo que a
duração e a técnica devem ser selecionadas com base no risco do paciente e na taxa de
recorrência prevista da síncope. Monitorização eletrocardiográfica intra-hospitalar
imediata é indicada em pacientes de alto risco. Holter é indicado para pacientes com
episódios de síncope ou pré-síncope frequentes, pelo menos uma vez por semana.
Dispositivo de longa gravação implantável é indicado na avaliação de pacientes com
síncope recorrente de origem indeterminada na ausência de critérios de alto risco e de
pacientes com alto risco nos quais avaliação abrangente não permitiu a identificação da
causa da síncope e não direcionou a abordagem para um tratamento específico.
Dispositivo de longa gravação externo pode ser considerado em pacientes com intervalo
entre os sintomas inferior ou igual a quatro semanas.
As principais indicações de estudo eletrofisiológico são a presença de sinais e/ou
sintomas de arritmia em paciente com doença isquêmica do coração e síncope e a falha
Diagnóstico diferencial
Algumas situações potencialmente catastróficas podem se apresentar com
síncope ou simular síncope. Independentemente da classificação, a presença dos
seguintes achados aponta para gravidade:
- Cefaleia súbita, com ou sem alteração neurológica, pode indicar
hemorragia subaracnóidea;
- Diplopia, disartria e vertigem podem indicar um acidente vascular
cerebral ou uma isquemia transitória do sistema vértebro-basilar;
- Dor torácica pode indicar isquemia miocárdica, embolia pulmonar ou
dissecção aórtica;
- Bradicardia intensa pode indicar bloqueio atrioventricular de alto grau;
- Dor abdominal pode indicar hemorragia digestiva, aneurisma da aorta
abdominal ou gravidez ectópica rota;
- Síncope desencadeada durante exercício físico pode indicar estenose
aórtica ou cardiomiopatia hipertrófica;
Diferenciar síncope de crise epiléptica pode, ocasionalmente, ser difícil.
Sintomas prodrômicos como náusea, vômitos, sudorese e palidez cutânea ocorrem na
síncope. A aura é típica da crise epiléptica. A recuperação da consciência na síncope é
rápida. Desorientação, lentificação ou demora maior do que cinco minutos para
recuperar a consciência são sugestivas de crises epilépticas. Quando é descrita atividade
motora rítmica, o diagnóstico mais provável é de crise epiléptica, porém síncope pode
ser acompanhada por rápidos movimentos similares. Perda de consciência precipitada
por dor ou antecipação de dor, longo tempo em ortostase, trauma, ambientes quentes e
estresse emocional geralmente sugere síncope neuralmente mediada.
Transtornos psiquiátricos podem simular síncope, mas não há perda da
consciência.
A hipotensão ortostática implica falência do sistema nervoso autônomo e
caracteriza-se por redução da pressão arterial sistólica igual ou superior a 20mmHg ou
da pressão arterial diastólica igual ou superior a 10mmHg após três minutos em posição
ortostática depois de repouso de cinco minutos em posição supina. Alternativamente,
pode ocorrer aumento da frequência cardíaca igual ou superior a 20bpm.
O diagnóstico de hipersensibilidade e síndrome do seio carotídeo é sugerido
quando a massagem do seio carotídeo induz assistolia ventricular com duração igual ou
superior a três segundos por parada sinusal e bloqueio atrioventricular e/ou diminuição
da pressão arterial sistólica de 50mmHg ou mais. Está indicada em todos os indivíduos
com idade superior a quarenta anos com síncope de etiologia desconhecida após a
avaliação clínica inicial.
A síncope vasovagal, embora geralmente benigna, pode ser recorrente, com
grande perda funcional e risco de graves lesões e fraturas. A síncope ocorre na posição
ortostática, com fase prodrômica, perda de consciência e período de recuperação. Os
doentes relatam situações que podem precipitar.
As síncopes de causa cardíaca são divididas em arritmias e doenças anatômicas.
Tratamento
A síncope não é uma doença, mas a manifestação ou sintoma de algum distúrbio
de base. Dessa forma, a abordagem inicial segue os mesmos princípios do suporte
avançado de vida. Em pacientes estáveis ou após estabilização, o tratamento deverá ser
feito para a causa de base. Entretanto, uma das atitudes de extrema importância é decidir
se o paciente deve ir de alta para o ambulatório ou se deve ser observado na unidade de
emergência ou internado. Os principais indícios de síncope de origem cardíaca, que
geralmente indicam necessidade de internação, são idade igual ou maior do que 45 anos,
antecedente pessoal de doença cardíaca, antecedente familiar de morte súbita, alterações
do eletrocardiograma ou do exame físico sugestivas de doença cardíaca estrutural ou
arritmia, síncope sem pródromos ou com trauma associado, síncope ao exercício e
síncope em posição supina. Em alguns estudos, preferiu-se considerar fator de risco para
síncope de origem cardíaca idade igual ou maior do que 65 anos.
O tratamento da hipotensão ortostática consiste em evitar situações de
vasodilatação periférica ou que dificultam o retorno venoso, como clima e banhos
quentes, exercício isométrico, grandes refeições, hiperventilação e ascensão rápida a
grandes altitudes, permanência em posição ortostática por tempo prolongado sem
movimentos e uso vasodilatadores, diuréticos, antidepressivos tricíclicos e álcool.
O tratamento da hipersensibilidade do seio carotídeo inclui evitar comprimir a
região do seio carotídeo com gravata ou colares, evitar medicamentos que possam
exacerbar a bradicardia e a hipotensão, uso de vasoconstritores ou inibidores da
recaptação de serotonina quando predomina vasodepressão e marca-passo definitivo de
câmara dupla quando predomina a cardioinibição.
O emergencista deve orientar o paciente, caso receba alta hospitalar, sobre os
riscos no trabalho e ao dirigir.
Cardiodesfibrilador implantável é indicado em pacientes com síncope secundária
a taquicardia ventricular sustentada, documentada ou induzida durante estudo
eletrofisiológico, sem causas corrigíveis. Ablação por radiofrequência é efetiva
especialmente em pacientes com taquicardia ventricular monomórfica idiopática do
ventrículo esquerdo ou do ventrículo direito. Indicações de cardiodesfibrilador
implantável que independem do estudo eletrofisiológico incluem fração de ejeção do
ventrículo esquerdo inferior ou igual a 30% com história prévia de infarto do miocárdio
e fração de ejeção do ventrículo esquerdo inferior ou igual a 35% com classe funcional
II ou III da New York Heart Association.
Embora arritmias supraventriculares possam ser tratadas com drogas
antiarrítmicas, a ablação por radiofrequência é a terapia preferida na maior parte dos
casos, especialmente aqueles em que estão envolvidos o nó atrioventricular ou uma via
acessória.
Marca-passo permanente é indicado quando disfunção do nó sinusal ou bloqueio
Bibliografia
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Boletim de Cardiologia para o Internato. Ano 1, número 5. Carlos Pedrotti, Gustavo Hironaka, Leonardo Lopes. Preceptoria de
Cardiologia do Instituto do Coração, 2009.
UpToDate, 2011.
Insuficiência mitral
As estimativas da prevalência da insuficiência mitral são comprometidas pela
presença de sopros benignos em grande proporção de adultos e pelo achado de
regurgitação fisiológica em até 80% da população.
Causas de insuficiência mitral primária ou orgânica incluem degeneração
mixomatosa, doença reumática, endocardite infecciosa, ruptura espontânea de cordas,
doenças vasculares do colágeno e trauma. Causas de insuficiência mitral funcional
incluem doença arterial coronariana, cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia
dilatada e dilatação atrial esquerda.
Na insuficiência mitral aguda, os principais achados são dispneia de repouso,
ortopneia e, em alguns casos, sinais e sintomas de baixo débito, com choque
cardiogênico. Por apresentarem átrio de tamanho normal, raramente são encontrados
nesses pacientes sinais de falência ventricular direita, como edema, ascite,
hepatomegalia e hipertensão pulmonar.
Estenose aórtica
A estenose aórtica caracteriza-se por obstrução ao fluxo de saída do ventrículo
esquerdo.
A causa mais comum dessa lesão é o processo degenerativo, que produz uma
imobilização das cúspides valvares aórticas por calcificação. Tem sido descrito que a
forma degenerativa de estenose aórtica é associada com fatores de risco para
aterosclerose, como tabagismo, hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia. Outra
causa frequente de estenose aórtica, a mais comum nos jovens, é a malformação
congênita valvar, como a valva aórtica bicúspide. A estenose aórtica reumática resulta
de aderências e fusão das comissuras e cúspides, estando frequentemente associada a
lesão mitral.
A estenose aórtica tem uma história natural caracterizada por um longo período
de latência de baixa morbidade e mortalidade, durante o qual o paciente é assintomático.
Após o início dos sintomas, a sobrevida média é menor do que três anos. As
manifestações clínicas são angina, síncope, dispneia e insuficiência cardíaca.
O pulso arterial caracteristicamente tem ascensão lenta e é de pequena amplitude
e sustentado, sendo denominado parvus et tardus. O frêmito sistólico pode ser palpado
especialmente com o paciente sentado e durante a expiração, geralmente no segundo
espaço intercostal e frequentemente transmitido até as carótidas. A primeira bulha é
normal e a quarta bulha é proeminente, provavelmente pela contração atrial vigorosa. A
segunda bulha pode apresentar componente único porque o seu primeiro componente
torna-se inaudível pela imobilidade da valva ou porque a sístole ventricular esquerda
prolongada faz com que coincida com o segundo componente. O sopro característico da
Insuficiência aórtica
A insuficiência aórtica pode ser causada por doença primária dos folhetos
valvares ou da parede da raiz aórtica. A doença reumática é causa comum de doença
primária da válvula aórtica que leva a regurgitação. Outras causas incluem estenose
aórtica degenerativa calcificante do idoso, endocardite infecciosa com destruição e
perfuração dos folhetos, valva aórtica bicúspide e deterioração estrutural de bioprótese
aórtica. Causas menos comuns incluem espondilite anquilosante, lúpus eritematoso
sistêmico, artrite reumatoide, síndrome de Reiter, doença de Crohn e defeitos septais
ventriculares. Regurgitação aórtica secundária à dilatação da aorta ascendente pode
estar associada a dilatação aórtica degenerativa, necrose cística da média isolada ou por
síndrome de Marfan, dissecção de aorta, aortite sifilítica, espondilite anquilosante,
artrite psoriática, síndrome de Behçet, arterite de células gigantes e hipertensão arterial
sistêmica. As causas mais comuns de regurgitação aórtica aguda são dissecção de aorta,
endocardite infecciosa e trauma.
No pacientes com regurgitação aórtica crônica, o ventrículo esquerdo dilata-se
gradativamente enquanto o paciente permanece assintomático ou oligossintomático. As
queixas principais são dispneia aos esforços, ortopneia e dispneia paroxística noturna.
Angina é frequente em estágio mais avançado da doença e a presença de síncope é rara.
Pacientes com regurgitação grave comumente queixam-se de desconfortável percepção
do batimento cardíaco e de dor torácica em virtude do impacto do coração contra a
parede torácica.
Em pacientes com regurgitação aórtica crônica grave, pode ser visualizado o
sinal de Musset, que é o batimento da cabeça simultâneo ao batimento cardíaco. Os
pulsos têm a característica de “martelo d’água”, com ascensão abrupta e colapso rápido.
O pulso arterial pode ser proeminente e melhor apreciado pela palpação da artéria radial
com o braço do paciente elevado. O sinal de Traube, também conhecido como pistol
shot, refere-se a sons sistólicos e diastólicos audíveis na artéria femoral. O sinal de
Muller consiste de pulsações sistólicas da úvula e o sinal de Quincke refere-se às
pulsações capilares. A pressão arterial sistólica é elevada e a arterial diastólica é
anormalmente baixa. O impulso apical é difuso e hiperdinâmico, deslocado lateral e
inferiormente. O murmúrio aórtico regurgitante, o principal achado clínico da
regurgitação aórtica, é um som de alta frequência, que começa imediatamente após o
primeiro componente da segunda bulha (A2), melhor audível com o paciente sentado e
com o corpo inclinado para frente. Na regurgitação grave, o sopro tem um pico precoce
e um padrão de decréscimo durante a diástole. A gravidade da lesão correlaciona-se
mais com a duração que com a intensidade do murmúrio.
Os achados eletrocardiográficos da regurgitação crônica são o desvio do eixo
para a esquerda e um padrão de sobrecarga ventricular esquerda. Defeitos de condução
Estenose tricúspide
A estenose tricúspide é quase sempre de etiologia reumática. Outras causas de
obstrução ao esvaziamento atrial são os tumores atriais, a atresia tricúspide congênita, a
endomiocardiofibrose e a síndrome carcinoide. A maior parte dos pacientes reumáticos
Insuficiência tricúspide
A disfunção da válvula tricúspide pode ocorrer com a válvula normal ou doente.
A causa mais comum de insuficiência tricúspide não é a afecção da válvula
propriamente dita, mas sim a dilatação do ventrículo direito e do anel tricúspide,
causando insuficiência secundária ou funcional Ocorre quando a pressão sistólica do
ventrículo direito excede 55mmHg. Dentre as causas, citam-se a estenose mitral, a
estenose da válvula pulmonar, o infarto do ventrículo direito, a hipertensão pulmonar
primária, o cor pulmonale, a cardiopatia congênita e a cardiomiopatia dilatada com
disfunção do ventrículo direito. A insuficiência tricúspide primária, com acometimento
do aparato valvar, pode ocorrer em valvulite reumática, endocardite infecciosa,
síndrome carcinoide, artrite reumatoide, radioterapia, trauma, síndrome de Marfan,
disfunção de músculos papilares e doenças congênitas, como anomalia de Ebstein.
Na ausência de hipertensão pulmonar, a insuficiência tricúspide habitualmente é
bem tolerada.
As manifestações clínicas incluem edema maciço, ascite, hepatomegalia
congestiva e distensão venosa jugular. Nos portadores de insuficiência tricúspide grave,
são observados perda de peso, caquexia, cianose e icterícia. Fibrilação atrial é comum.
A ausculta revela uma terceira bulha que origina-se do ventrículo direito e
acentua-se à inspiração. Quando a valvulopatia associa-se com hipertensão pulmonar, o
segundo componente da segunda bulha é acentuado e o sopro é holossistólico, sendo
mais intenso no quarto espaço intercostal da região paraesternal. Quando a valvulopatia
não é acompanhada de hipertensão pulmonar, como no trauma e na endocardite, o sopro
é de baixa intensidade e limitado à primeira metade da sístole. O sopro da insuficiência
tricúspide acentua-se durante a inspiração, o que é denominado sinal de Cavallo.
Os achados eletrocardiográficos são inespecíficos, sendo comumente
encontrados bloqueio incompleto do ramo direito, ondas Q em V1 e fibrilação atrial. A
radiografia de tórax pode revelar cardiomegalia com aumento das câmaras direitas,
derrame pleural e evidências de hipertensão atrial direita. A ecocardiografia tem como
Febre reumática
A febre reumática se expressa como uma reação inflamatória que envolve vários
órgãos, principalmente o coração, as articulações e o sistema nervoso central. As
manifestações clínicas da febre reumática seguem-se a uma faringoamigdalite causada
por estreptococos do grupo A, manifestando-se após um período latente de
aproximadamente três semanas. A importância da febre reumática advém de sua
capacidade de causar fibrose das valvas cardíacas, levando a graves alterações
hemodinâmicas e a doença cardíaca crônica.
Repouso no leito geralmente é considerado importante, pois diminui a dor
articular. Pode ser permitido ao paciente a deambulação quando houver remissão da
febre e as provas de fase aguda retornarem ao normal.
Os pacientes devem receber um tratamento com Penicilina por dez dias. Os
alérgicos à Penicilina devem ser tratados com Eritromicina.
Se houver insuficiência cardíaca, devem ser administrados digital, oxigênio,
diuréticos e dieta hipossódica. Os digitálicos devem ser usados com parcimônia, pois a
toxicidade pode ocorrer com dosagens convencionais.
Não há tratamento específico para a reação inflamatória causada pela febre
reumática. Pacientes com cardite leve ou sem cardite habitualmente respondem bem aos
salicilatos, que são particularmente efetivos em aliviar a dor articular, geralmente dentro
de um período de 24 horas. Recomenda-se Ácido Acetilsalicílico 100mg/kg/dia
fracionado em duas a três vezes por dia durante um mês ou até haver diminuição da
atividade inflamatória, clínica e laboratorialmente.
Pacientes com pericardite ou insuficiência cardíaca congestiva respondem mais
prontamente aos corticoides do que aos salicilatos. Recomenda-se Prednisona 1-
2mg/kg/dia, que deve ser continuada por dois a três esses.
A prevenção primária de surtos de febre reumática depende do reconhecimento e
tratamento rápidos da faringoamigdalite. A Penicilina é o agente antimicrobiano de
escolha para o tratamento, exceto em pacientes com história de alergia a Penicilina,
podendo ser administrada por via intramuscular ou oral. A Penicilina G Benzatina
intramuscular é preferida, particularmente para pacientes que dificilmente completarão
dez dias de tratamento por via oral e para aqueles com história familiar de febre
reumática ou doença reumática crônica. A Eritromicina oral é aceitável para pacientes
alérgicos a Penicilina, devendo o tratamento ser prescrito por dez dias. Uma prescrição
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Classificação
Diabetes mellitus tipo 1 resulta de destruição das células β pancreáticas,
geralmente com deficiência absoluta de insulina e tendência para cetose. Pode ter causa
auto-imune ou idiopática.
Diabetes mellitus tipo 2 resulta de deficiência progressiva na secreção de
insulina em um contexto de resistência periférica à ação da insulina. É uma desordem
heterogênea e de etiologia complexa, resultante de influências genéticas e ambientais.
Diabetes mellitus gestacional é aquele diagnosticado durante a gravidez.
Outros tipos específicos de diabetes mellitus incluem defeitos genéticos na
função das células β pancreáticas, defeitos genéticos na ação da insulina, doenças do
pâncreas exócrino (fibrose cística), doenças endócrinas e iatrogenia.
Diagnóstico
Critérios diagnósticos
1. Hemoglobina glicosilada (HbA1c) superior ou igual a 6.5%. O teste deve ser
realizado com método certificado e padronizado.
2. Glicemia de jejum superior ou igual a 126mg/dL. Jejum é definido como
ausência de ingesta calórica por pelo menos oito horas.
3. Teste de tolerância a glicose oral com 75g com glicemia superior ou igual a
200mg/dL após duas horas. O teste deve ser realizado conforme preconiza a
Organização Mundial da Saúde.
4. Glicemia randômica superior ou igual a 200mg/dL em paciente com sintomas
clássicos de hiperglicemia.
Especificações
Na ausência de hiperglicemia inequívoca, os três primeiros critérios devem ser
confirmados com repetição do teste.
Em condições em que a meia-vida dos eritrócitos está alterada, como na
gestação e nas anemias hemolítica e ferropriva, o diagnóstico de diabetes mellitus deve
ser baseado apenas em valores de glicemia.
Em algumas situações, os resultados de dois testes diferentes podem estar
disponíveis para um determinado paciente. Se ambos estiverem acima dos limiares
diagnósticos, confirma-se o diabetes mellitus. Por outro lado, se os resultados forem
discordantes, o teste cujo resultado estiver acima do limiar diagnóstico deverá ser
repetido, confirmando-se o diabetes mellitus em caso de persistência.
Rastreamento
Prevenção
Pacientes com tolerância à glicose diminuída, glicemia de jejum alterada ou
HbA1c de 5.7-6.4% devem ser encaminhados para programa de suporte à perda de peso,
tendo como meta redução de 5-10%, e à prática de atividade física, tendo como meta
pelo menos 150 minutos por semana de atividade aeróbia de intensidade moderada.
Avaliação
Anamnese clínica:
- Idade e características da instalação do diabetes mellitus;
- Educação prévia sobre a doença;
- Esquemas de tratamento prévios e resposta;
- Tratamento atual do diabetes, incluindo medicamentos, orientações
dietéticas, padrão de atividade física, resultado de monitoramento
glicêmico e forma como o paciente usa estes dados;
- Frequência, severidade e causa dos episódios de cetoacidose diabética;
- Frequência, severidade, causa e percepção dos sintomas dos episódios
de hipoglicemia;
- Histórico de complicações microvasculares relacionadas ao diabetes
mellitus, como retinopatia, nefropatia e neuropatia, e macrovasculares,
como doença arterial coronária, doença cerebrovascular e doença arterial
periférica;
- Problemas psicossociais e afecções dentárias;
Exame físico:
- Peso, altura, índice de massa corpórea e pressão arterial com o paciente
deitado, sentado e de pé;
- Fundoscopia, palpação da glândula tireóide e exame da pele para
identificação de acantose nigricans e sítios de aplicação da insulina;
-Exame do pé diabético, com inspeção, palpação dos pulsos pedioso e
tibial posterior, avaliação dos reflexos aquileu e patelar e determinação
da sensibilidade proprioceptiva, palestésica (diapasão de 128Hz) e tátil
(monofilamento de 10g);
Exames laboratoriais:
- HbA1c a cada três meses;
- Perfil lipídico com colesterol total, LDL, HDL e triglicérides
anualmente;
- Testes de função hepática anualmente;
- Albumina urinária e relação entre albumina e creatinina urinárias
anualmente;
- Creatinina sérica e taxa de filtração glomerular estimada anualmente;
- TSH anualmente se diabetes mellitus tipo 1, dislipidemia ou sexo
feminino e idade superior a 50 anos;
- Transglutaminase tecidual, anticorpos anti-endomísio e documentação
de níveis normais de IgA se diabetes mellitus tipo 1, logo após o
diagnóstico, com repetição em caso de déficit de crescimento, baixo
ganho ponderal, perda de peso ou sintomas gastrointestinais;
O diagnóstico etiológico do diabetes mellitus tipo 1 pode ser determinado pela
presença dos anticorpos antipancreáticos. Os marcadores humorais mais frequentes da
agressão imune são o anticorpo anti-insulina (IAA), o anticorpo anti-ilhotas de
Controle glicêmico
Existem duas técnicas principais para avaliar a efetividade do plano de manejo
do paciente diabético, o auto-monitoramento da glicose sanguínea ou intersticial e a
dosagem de HbA1c.
Auto-monitoramento da glicose sanguínea:
- Deve ser realizado três ou mais vezes ao dia em pacientes que utilizam
múltiplas doses diárias de Insulina ou sistema de infusão contínua de
Insulina;
- Em pacientes com uso menos frequente de doses de Insulina, terapias
hipoglicemiantes sem doses de Insulina ou tratamento nutricional
isolado, pode ser um guia útil do sucesso do tratamento;
- Medidas pós-prandiais podem ser suficientes para atingir metas de
glicose sanguínea pós-prandial;
- Deve-se garantir que os pacientes recebam instrução inicial e avaliação
continuada da técnica de monitoramento e do uso dos dados obtidos para
ajustar o tratamento, a dieta e a prática de atividade física;
- Pode ser uma ferramenta suplementar em pacientes com baixa
percepção dos sintomas de hipoglicemia e/ou episódios frequentes de
hipoglicemia;
Dosagem de HbA1c:
- Deve ser realizada pelo menos duas vezes ao ano em pacientes que
estão atingindo as metas do tratamento e que têm controle glicêmico
estável;
- Deve ser realizada quatro vezes ao ano em pacientes cujo tratamento
mudou ou que não estão atingindo as metas do tratamento;
Dosagem de frutosamina:
- Reflete o controle glicêmico nas últimas duas a três semanas;
- Indicada em caso de discrepância entre hemoglobina glicada e auto-
monitorização glicêmica, hemoglobinopatias ou alterações na meia-vida
dos eritrócitos e necessidade de avaliação mais rápida do controle
glicêmico após mudança no esquema terapêutico;
- Avaliação prejudicada em caso de hipoalbuminemia;
Metas do tratamento:
- Hb1Ac inferior a 7.0%, que é a principal meta do controle glicêmico;
- Glicose capilar pré-prandial de 70-130mg/dL;
- Pico de glicose capilar pós-prandial, uma a duas horas após a refeição,
Abordagem terapêutica
Tratamento nutricional
Indivíduos de categorias de risco aumentado para diabetes mellitus ou com
diabetes mellitus devem receber tratamento nutricional para atingir as metas do
tratamento.
Em indivíduos com sobrepeso ou obesidade, perda de peso modesta reduz a
resistência periférica à ação da insulina. Tanto dietas com baixo teor de carboidratos
Cirurgia bariátrica
Cirurgia bariátrica deve ser considerada para adultos com índice de massa
corpórea superior a 35kg/m2 e diabetes mellitus tipo 2, especialmente se esta doença ou
outras comorbidades são de difícil controle com mudanças de estilo de vida e terapia
farmacológica.
Indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 que foram submetidos a cirurgia
bariátrica demandam monitoramento médico e suporte para as mudanças de estilo de
vida a longo prazo.
Atividade física
Indivíduos com diabetes mellitus devem ser orientados a praticar pelo menos
150 minutos por semana de atividade física aeróbia de moderada intensidade. Na
ausência de contraindicações, também é recomendada a prática de exercícios
isométricos três vezes por semana.
Em indivíduos em uso de Insulina ou de drogas que estimulam sua secreção,
recomenda-se a ingesta adicional de carboidratos se a glicose prévia à prática de
atividade física for inferior a 100mg/dL.
Na presença de retinopatia proliferativa ou de retinopatia não-proliferativa
severa, atividade física aeróbia ou isométrica vigorosa pode ser contraindicada pelo
Hipoglicemia
Em indivíduos conscientes com hipoglicemia, 15-20g de glicose é o tratamento
preferencial, apesar de qualquer forma de carboidrato que contenha glicose pode ser
usada. 15g de carboidrato corresponde a uma colher de sopa rasa de açúcar, três balas
de caramelo, 150mL de suco de laranja, 150mL de refrigerante comum ou 1 sachê de
açúcar líquido. Se o auto-monitoramento da glicose sanguínea quinze minutos após o
tratamento revelar persistência da hipoglicemia, o tratamento deve ser repetido. Após a
glicose sanguínea retornar para o normal, os indivíduos deverão consumir uma refeição
ou um lanche para prevenir recorrências.
Glucagon deve ser prescrito para todos os indivíduos com risco significativo de
hipoglicemia severa e os familiares e cuidadores devem ser instruídos quanto à técnica
de aplicação.
Em caso de má-percepção dos sintomas de hipoglicemia ou um ou mais
episódios de hipoglicemia grave, deve-se flexibilizar as metas do tratamento por pelo
menos algumas semanas para reverter parcialmente a má-percepção e para diminuir o
risco de novos episódios no futuro.
Imunização
Todos os pacientes diabéticos com idade superior ou igual a seis meses devem
receber anualmente vacina contra influenza.
Todos os pacientes diabéticos com idade superior ou igual a dois anos devem
receber vacina pneumocócica polissacarídica. Revacinação única é recomendada para
indivíduos com idade superior a 64 anos previamente imunizados quando tinham idade
inferior a 65 anos se a dose foi administrada há mais de cinco anos. Outras indicações
para repetição da dose incluem síndrome nefrótica, doença renal crônica e outras causas
de imunodepressão, como transplante de órgãos.
Hipoglicemiantes orais
A preferência é pela associação de drogas de mecanismos de ação diferentes.
Metformina e tiazolidinedionas podem ser associadas entre si pois têm efeito sinérgico.
Biguanidas
Sulfoniluréias
As sulfoniluréias aumentam a secreção de insulina. Em termos de efetividade,
são semelhantes à Metformina, com redução dos níveis de HbA1c em aproximadamente
1.5 pontos percentuais.
A metabolização das sulfoniluréias é hepática, exceto a Clorpropamida, em que
a excreção é renal. O principal efeito adverso é a hipoglicemia, que pode ser prolongada
e ameaçadora à vida. Quadros severos são mais frequentes na população idosa.
Clorpropamida e Glibenclamida são associadas a risco substancialmente maior de
hipoglicemia do que as sulfoniluréias de segunda geração, como Glicazida, Glimepirida
e Glipizida, que são as drogas preferidas. Além disso, ganho de peso, aproximadamente
ao redor de 2kg, é comum após o início da terapia.
As principais contraindicações são gravidez, lactação, insuficiência hepática e
insuficiência renal. A Clorpropamida também é contraindicada na insuficiência
cardíaca, podendo causar retenção hídrica.
Fármaco Dose Fracionamento
Clorpropamida 125-500mg/dia Uma vez ao dia
Glibenclamida 2.5-20mg/dia Uma a duas vezes ao dia
Glipizida 2.5-20mg/dia Uma a três vezes ao dia
Glicazida 40-320mg/dia Uma a três vezes ao dia
Glicazida MR 30-120mg/dia Uma vez ao dia
Glimepirida 1-8mg/dia Uma a duas vezes ao dia
Glinidas
Inibidores da α-glicosidase
Os inibidores da α-glicosidase reduzem a digestão de polissacarídeos no
intestino delgado proximal, com redução da glicemia pós-prandial sem causar
hipoglicemia. Melhoram a função das células beta e a resistência à insulina e reduzem a
progressão de intolerantes a glicose para diabetes mellitus tipo 2. São menos efetivos
em reduzir a HbA1c, com aproximadamente 0.5-0.8 pontos percentuais.
Devem ser administrados antes das refeições e não agem em jejum. Má-absorção
e perda de peso não ocorrem, mas comumente há flatulência e sintomas
gastrointestinais, como diarreia, cólica e distensão abdominal. Em caso de hipoglicemia
secundária à associação com secretagogo de insulina, recomenda-se a ingesta de
glicose, frutose e lactose, mas não de sacarose.
A degradação é intestinal pelas amilases do intestino delgado e pelas bactérias.
Pequena fração dos produtos de degradação é absorvida e eliminada na urina.
As contraindicações incluem doenças intestinais, insuficiência renal,
insuficiência hepática e lactação.
Fármaco Dose Fracionamento
Acarbose 50-300mg/dia Três vezes ao dia antes das refeições
Tiazolidinedionas ou glitazonas
As tiazolidinedionas ou glitazonas aumentam a sensibilidade dos tecidos
muscular, adiposo e hepático à insulina endógena e exógena, com redução dos níveis de
HbA1c em aproximadamente 0.5-1.4 pontos percentuais. O efeito pleno ocorre após
quatro a seis meses de uso.
Os principais efeitos adversos são o ganho de peso e a retenção de fluidos, com
edema periférico, anemia dilucional e aumento do risco de insuficiência cardíaca. Efeito
sobre perfil lipídico é vantagem.
As opções disponíveis incluem a Pioglitazona e a Rosiglitazona, atualmente não
recomendada em função de potencial risco cardiovascular associado. A metabolização é
hepática e a excreção é renal no caso da Rosiglitazona e hepática no caso da
Pioglitazona.
Insulina
Insulinização
A Insulina é o tratamento mais antigo disponível, aquele com maior experiência
clínica e também o mais efetivo em reduzir a glicemia. Quando utilizada em doses
adequadas, pode reduzir os níveis de HbA1c para a meta terapêutica ou para valores
próximos desta.
Diferentemente das outras classes de medicamentos, não há dose máxima de
Insulina a partir da qual deixa de haver incremento do efeito terapêutico. Doses
relativamente altas comparadas àquelas utilizadas no diabetes mellitus tipo 1 podem ser
necessárias para superar a resistência periférica à ação da Insulina no diabetes mellitus
tipo 2.
Esquema basal-bolus
Simulação do padrão fisiológico de secreção de Insulina pelo pâncreas.
Reposição de Insulina basal com NPH, Glargina ou Detemir visa inibir a produção
hepática de glicose e controlar a glicemia de jejum e entre as refeições. Reposição de
Insulina prandial com Regular, Lispro, Aspart ou Glulisina controla a glicemia durante
o período absortivo. A secreção de insulina prandial pode ser mais bem reproduzida
com Insulina Regular administrada trinta a sessenta minutos antes das refeições
principais ou com Insulina ultra-rápida administrada imediatamente antes das refeições.
A Insulina NPH é administrada duas a quatro vezes ao dia e o seu ajuste deve ser
feito de acordo com a glicemia antes da próxima refeição. Recomenda-se que a última
dose de Insulina NPH do dia seja administrada antes de dormir, aproximadamente oito
horas antes de o paciente acordar. A utilização de doses de NPH antes do jantar pode
provocar hipoglicemia noturna e concentrações reduzidas de Insulina no período do
amanhecer.
A Insulina Detemir pode ser utilizada uma ou duas vezes ao dia. Caso sejam
utilizadas duas doses, a primeira pode ser administrada antes do desjejum e a segunda
antes do jantar ou ao dormir.
Ao substituir a Insulina NPH pela Insulina Glargina, deve-se reduzir a dose
diária em 10-30% e utilizar inicialmente uma aplicação diária. A frequência de
hipoglicemia é menor com a administração pela manhã. Um percentual ainda não
determinado de portadores de diabetes mellitus tipo 1 necessita de duas doses diárias de
Insulina Glargina.
Tipo de Insulina Início de ação Pico de ação Duração da ação
Ultra-rápida Lispro 5-10’ 0.5-1.5 horas 4-6 horas
Aspart 5-10’ 0.5-1.5 horas 4-6 horas
Glulisina 5-10’ 0.5-1.5 horas 4-6 horas
Rápida Regular 0.5-1.0 horas 2-3 horas 4-8 horas
Intermediária NPH 2-4 horas 4-10 horas 10-16 horas
Plana Glargina 2 horas Não tem 24 horas
Detemir 2 horas 6 horas (discreto) 12-24 horas
A dose total diária de Insulina deve ser de 0.4-0.8U/kg/dia, dividida em 50%
basal e 50% prandial. A Insulina prandial é composta por parcela para a refeição,
calculada através de contagem de carboidratos ou em dose fixa, e por parcela para
correção, calculada através de algoritmo ou fórmula.
1U de Insulina é suficiente para 10-20g (15g) de carboidratos. Pode-se utilizar a
fórmula 500 / dose total diária de Insulina para identificar a relação Insulina :
carboidratos. Para o cálculo do bolus, divide-se a contagem de carboidratos pela relação
Insulina : carboidratos.
Prevenção
Dislipidemia
Agentes anti-plaquetários
Deve-se considerar o uso de Ácido Acetilsalicílico na dose de 75-162mg/dia,
como estratégia de prevenção primária, em indivíduos com diabetes mellitus tipos 1 ou
2 e risco cardiovascular aumentado, superior a 10% em dez anos. Essa faixa de risco
inclui a maior parte dos homens com idade superior a cinquenta anos e das mulheres
com idade superior a sessenta anos que tenham pelo menos um fator maior de risco
cardiovascular adicional, como antecedente familiar de doença cardiovascular,
hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, dislipidemia e albuminúria. Não há evidência
Tabagismo
Todos os pacientes devem ser aconselhados a cessar o tabagismo.
O aconselhamento sobre cessar o tabagismo e outras formas de tratamento
devem ser incluídos na rotina de cuidados ao paciente diabético.
Nefropatia
De maneira geral, pode-se reduzir o risco de nefropatia ou diminuir a velocidade
de sua progressão com a otimização do controle glicêmico e do controle pressórico.
O rastreamento de nefropatia prevê a dosagem da albumina urinária anualmente
em indivíduos com diabetes mellitus tipo 1 há pelo menos cinco anos e em indivíduos
com diabetes mellitus tipo 2 a partir do diagnóstico, além da dosagem da creatinina
sérica anualmente em todos os indivíduos com diabetes mellitus. A dosagem da
creatinina sérica deve ser utilizada para calcular a taxa de filtração glomerular estimada
e para estagiar o nível de doença renal crônica, quando presente.
Em função da variabilidade na excreção urinária da albumina, duas a três
amostras coletadas em um período de três a seis meses devem apresentar resultado
anormal para o diagnóstico de nefropatia. Atividade física nas últimas 24 horas,
infecção, febre, insuficiência cardíaca, hiperglicemia acentuada e hipertensão arterial
acentuada podem elevar a excreção urinária de albumina em relação aos níveis basais.
Na ausência de gestação, inibidores da enzima de conversão da angiotensina ou
antagonistas do receptor da angiotensina II devem ser utilizados no tratamento de
indivíduos com microalbuminúria (30-299mg/dia) ou macroalbuminúria (≥300mg/dia).
Retinopatia
De maneira geral, pode-se reduzir o risco de retinopatia ou diminuir a velocidade
de sua progressão com a otimização do controle glicêmico e do controle pressórico.
O rastreamento de retinopatia prevê avaliação oftalmológica abrangente anual
com exame de fundo de olho após dilatação pupilar em indivíduos com diabetes
mellitus tipo 1 há pelo menos cinco anos e em indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 a
partir do diagnóstico. Avaliação menos frequente, a cada dois ou três anos, pode ser
considerada após um ou mais exames de fundo de olho normais. No entanto, avaliação
mais frequente será necessária em caso de progressão da retinopatia.
Mulheres diabéticas que planejam engravidar ou que engravidaram devem ser
submetidas a avaliação oftalmológica abrangente no primeiro trimestre e aconselhadas
quanto ao risco de desenvolvimento e/ou progressão de retinopatia. Devem ser
submetidas a acompanhamento durante a gestação e o primeiro ano após o parto.
Pacientes com edema macular, retinopatia diabética não-proliferativa severa ou
retinopatia diabética proliferativa devem ser prontamente encaminhados para
oftalmologista experiente.
Fotocoagulação a laser é indicada para reduzir o risco de perda de visão em
pacientes com retinopatia diabética proliferativa de alto risco, edema macular
clinicamente significativo ou retinopatia diabética não-proliferativa severa.
A presença de retinopatia diabética não constitui contraindicação para o uso de
Ácido Acetilsalicílico para proteção cardiovascular, uma vez que a medicação não
aumenta o risco de hemorragia retiniana.
Neuropatia
Todos os indivíduos com diabetes mellitus devem ser rastreados para
Pé diabético
Todos os indivíduos com diabetes mellitus devem ser submetidos a exame
abrangente dos pés anualmente para identificar fatores de risco preditivos de úlceras e
amputações, como amputação prévia, úlcera prévia, neuropatia periférica,
deformidades, doença vascular periférica, déficit visual, nefropatia diabética, controle
glicêmico ruim e tabagismo. A avaliação deve incluir inspeção, palpação de pulsos e
avaliação da sensibilidade.
Deve ser oferecida educação sobre autocuidados para os pés a todos os
indivíduos com diabetes mellitus.
Abordagem multidisciplinar é recomendada para indivíduos com úlceras nos pés
ou com fatores de risco preditivos de úlceras e amputações.
Indivíduos com antecedente de úlceras e/ou amputações de membros inferiores
ou tabagistas que perderam a sensibilidade protetora e que têm anormalidades
estruturais devem ser encaminhados para especialista em cuidados com os pés para
assistência preventiva e observação cuidadosa.
O rastreamento inicial de doença arterial periférica deve incluir história de
claudicação intermitente e palpação dos pulsos pediosos. Deve-se considerar a avaliação
Bibliografia
Standards of Medical Care in Diabetes—2010. American Diabetes Association. Diabetes Care, volume 33, supplement 1,S11-61,
january 2010.
Medical Management of Hyperglycemia in Type 2 Diabetes: A Consensus Algorithm for the Initiation and Adjustment of
Therapy. A consensus statement of the American Diabetes Association and the European Association for the Study of Diabetes.
Diabetes Care, volume 32, number 1, 193-203, january 2009.
Curso de Insulinoterapia Ambulatorial. NEAD – Núcleo de Excelência em Atendimento ao Paciente Diabético da Unidade de
Diabetes do Serviço de Endocrinologia e Metabologia da DCM-1 do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Curso de Complicações Crônicas do Diabetes - Núcleo de Excelência em Atendimento ao Paciente Diabético da Unidade de
Diabetes do Serviço de Endocrinologia e Metabologia da DCM-1 do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Fisiologia
Em condições normais, a produção de aldosterona é controlada pelo sistema
renina-angiotensina. A aldosterona age em receptores dos túbulos renais e coletores
renais, promovendo a reabsorção de sódio e a secreção de potássio e íons H+, com
consequente expansão volêmica e supressão da secreção de renina. Essa ação favorece o
desenvolvimento de hipertensão arterial sistêmica, hipocalemia e alcalose metabólica. A
expansão volêmica estimula a produção de fator natriurético, mas este é incapaz de
compensar a ação contínua da aldosterona. Uma resposta vascular anormal a
vasoconstritores endógenos exacerba a hipertensão arterial sistêmica.
A ação da aldosterona não se limita ao epitélio renal. Outros tecidos, como
coração, cérebro e vasos, são capazes de sintetizar aldosterona e também apresentam
receptores de mineralocorticoides, com ação autócrina e parácrina com hipertrofia
ventricular, aumento da fibrose do miocárdio e injúria vascular.
Etiologia
Além do hiperaldosteronismo primário, outras situações clínicas podem
apresentar excesso de mineralocorticoides com níveis reduzidos de renina, como em
hiperplasia adrenal congênita por deficiência de 11-beta-hidroxilase ou 17-alfa-
hidroxilase, deficiência congênita de 11-beta-hidroxiesteroide desidrogenase, ingesta de
alcaçuz e síndrome de Liddle.
As duas principais causas de hiperaldosteronismo primário são adenoma
produtor de aldosterona e hiperplasia adrenal idiopática ou bilateral. Outras
apresentações menos frequentes de hiperaldosteronismo primário são a hiperplasia
adrenal primária unilateral, o carcinoma adrenocortical produtor de aldosterona e as
formas familiares de hiperaldosteronismo, como aldosteronismo supressível por
glicocorticoide, adenoma produtor de aldosterona familiar e hiperplasia idiopática
familiar.
Quadro clínico
Indivíduos com hiperaldosteronismo primário habitualmente apresentam-se com
hipertensão arterial. Os adenomas produtores de aldosterona costumam ser mais
frequentes em pacientes do sexo feminino de meia-idade, enquanto que as hiperplasias
adrenais idiopáticas se apresentam mais em homens com idade mais avançada.
Os sintomas do hiperaldosteronismo primário geralmente são inespecíficos.
Alguns pacientes são assintomáticos, enquanto que outros têm sintomas relacionados à
hipertensão arterial, como cefaleia, ou à hipocalemia, como fraqueza muscular,
paralisia, cãibras, parestesias e, eventualmente, polidipsia, poliúria e arritmias cardíacas.
Avaliação complementar
As alterações laboratoriais sugestivas de hiperaldosteronismo são hipocalemia,
Tratamento
A importância do diagnóstico diferencial entre as diversas causas de
Algoritmos
Epidemiologia
Pode ocorrer em qualquer idade, mas a incidência é maior após os cinquenta
anos. Predomina no sexo feminino.
Etiologia e fisiopatologia
O hiperparatireoidismo primário pode ser esporádico, como em adenoma,
hiperplasia e carcinoma de paratireoide, ou familiar, como em neoplasias endócrinas
múltiplas I e II, hiperparatireoidismo familiar isolado, hipercalcemia hipocalciúrica
familiar e síndrome de hiperparatireoidismo com tumor de mandíbula.
A causa mais comum é o adenoma esporádico, geralmente único, que representa
85-90% dos casos. O mecanismo fundamental é a perda da auto-regulação das
paratireoides pelo cálcio extracelular. No adenoma, a secreção de paratormônio é
inibida por níveis elevados de cálcio, enquanto que na hiperplasia a secreção de
paratormônio é inibida por níveis normais de cálcio, com perda da auto-regulação em
função do número aumentado de células. Uma causa rara de hiperparatireoidismo
primário é o carcinoma de paratireoide, que corresponde a 1-3% dos casos, com
diagnóstico baseado na presença de pelo menos um dentre invasão de estruturas
contíguas, invasão linfonodal e metástases a distância. As formas familiares
correspondem a 10% dos casos e podem ser isoladas, como na hipercalcemia
hipocalciúrica familiar, ou fazer parte das neoplasias endócrinas múltiplas, em que o
achado histológico costuma ser de hiperplasia difusa das glândulas paratireoides. São
caracterizadas por hipercalcemia severa em cerca de 50% dos casos e acometimento de
múltiplas glândulas paratireóideas em cerca de 75% dos casos, além de alta taxa de
recorrência após ressecção cirúrgica. A síndrome de hiperparatireoidismo com tumor de
mandíbula se caracteriza por tumores da paratireoide associados a fibroma ossificante
da mandíbula, com risco aumentado de carcinoma de paratireoide. Hiperparatireoidismo
leve a moderado ocorre em aproximadamente 5% dos pacientes submetidos a terapia
crônica com Lítio, que reduz a sensibilidade da glândula paratireoide ao cálcio, e
frequentemente persiste após a suspensão da medicação. A história de irradiação
cervical na infância é causa rara de hiperparatireoidismo primário.
Independentemente da etiologia, o aumento do paratormônio sérico resultará em
hipercalcemia ao atuar em várias vias. No osso, promove a reabsorção de cálcio e
fosfato. No rim, determina a reabsorção de cálcio no túbulo distal, mas se a carga
filtrada for maior que a capacidade de reabsorção, ocorrerá hipercalciúria. A elevada
concentração sérica de calcitriol, causada pelo estímulo do paratormônio, pode
contribuir para a hipercalciúria. Ainda no rim, inibe a reabsorção de fosfato,
promovendo hiperfosfatúria e podendo levar a hipofosfatemia. Finalmente, aumenta a
síntese de 1,25 diidroxi-vitamina D, com aumento da absorção intestinal de cálcio.
Avaliação complementar
O diagnóstico de hiperparatireoidismo primário é baseado em hipercalcemia
associada a concentração sérica de paratormônio aumentada ou não-suprimida. Alguns
pacientes podem ter dosagem de cálcio sérico normal, sendo necessário excluir causas
de hiperparatireoidismo secundário e documentar níveis francamente elevados de
paratormônio. A medida do cálcio ionizado cursa com maior precisão diagnóstica,
especialmente nos pacientes com hipercalcemia intermitente ou falsa normocalcemia
por hipoalbuminemia e acidose. Na avaliação do paciente com hipercalcemia, a
dosagem do paratormônio sérico irá diferenciar o hiperparatireoidismo primário das
hipercalcemias independentes do paratormônio, em que ocorre supressão do hormônio,
com níveis inferiores a 30pg/mL. A dosagem do cálcio na urina de 24 horas deve ser
solicitada a todos os pacientes com hiperparatireoidismo primário e função renal
Diagnóstico diferencial
Causas de hipercalcemia dependentes de paratormônio incluem
hiperparatireoidismo primário, hipercalcemia hipocalciúrica familiar, síntese ectópica
de paratormônio e tratamento com Lítio. Causas de hipercalcemia independentes de
paratormônio incluem tumor sólido com metástases ósseas, hipercalcemia humoral
maligna, doenças granulomatosas produtoras de vitamina D, intoxicação por vitamina
D, hipertireoidismo, feocromocitoma, insuficiência adrenal, tumores de células das
ilhotas pancreáticas, medicações, como diuréticos tiazídicos, e imobilização.
Neoplasias malignas geralmente já são evidentes clinicamente no momento em
que causam hipercalcemia. Os níveis de paratormônio podem estar elevados em
situações clínicas específicas, como concomitância de hiperparatireoidismo primário e
produção de paratormônio pela neoplasia.
Hipercalcemia hipocalciúrica familiar é causada por uma mutação que inativa o
sensor de cálcio nas glândulas paratireoides e nos rins. História familiar de
hipercalcemia, especialmente em crianças pequenas, e ausência de sintomas e sinais de
hipercalcemia são característicos da doença. O diagnóstico é sugerido por clearance de
cálcio em relação ao clearance de creatinina, com cálculo através da fórmula [(cálcio
urinário de 24 horas/ cálcio sérico)/ (creatinina urinária de 24 horas/ creatinina
sérica)], inferior a 0.01, calciúria de 24 horas inferior a 100mg e presença de história
familiar associada. 15-20% dos pacientes podem ter concentração de paratormônio
discretamente aumentada, com dificuldade no diagnóstico diferencial com
hiperparatireoidismo primário quando associado a deficiência de vitamina D. No
entanto, nesta situação, a reposição de vitamina D aumenta a excreção de cálcio na
urina.
Pacientes em uso de diurético tiazídico e com hipercalcemia devem ter a droga
suspensa, com reavaliação de cálcio sérico e paratormônio dentro de três meses.
Persistência da hipercalcemia com paratormônio no limite superior da normalidade ou
elevado sugere a existência de hiperparatireoidismo primário.
Avaliação de função renal, 25-hidroxi vitamina D e excreção de cálcio pode
ajudar a diferenciar hiperparatireoidismo primário de hiperparatireoidismo secundário
em caso de níveis séricos normais de cálcio. Não é incomum a coexistência de
deficiência de vitamina D e hiperparatireoidismo primário.
Para diferenciar hipervitaminose D de hiperparatireoidismo primário,
tipicamente são dosadas ambas 25-hidroxi vitamina D e 1,25-diidroxi vitamina D.
O diagnóstico diferencial entre hiperparatireoidismo secundário e
hiperparatireoidismo primário associado a deficiência de vitamina D é baseado na
evolução dos parâmetros laboratoriais após a reposição da vitamina.
Tratamento
Tratamento cirúrgico
A experiência do cirurgião é o fator mais importante na determinação do sucesso
operatório. A cirurgia recomendada para pacientes com exames de imagem sem a
localização de um adenoma da paratireoide e para pacientes com múltiplos adenomas ou
com hiperplasia multiglandular é denominada cirurgia convencional, compreendendo a
exploração cervical bilateral sob anestesia geral, com identificação de todas as
glândulas. Também é preferida em pacientes do sexo masculino com idade inferior a
trinta anos em função do risco aumentado de neoplasia endócrina múltipla nessa
população. Havendo certeza do diagnóstico e não sendo encontradas anormalidades nas
paratireoides cervicais, está indicada a pesquisa da glândula paratireoide no mediastino.
A cirurgia consta da retirada do adenoma e, na hiperplasia associada a neoplasia
endócrina múltipla, paratireoidectomia total seguida de implante de fragmentos no
antebraço para evitar hipoparatireoidismo definitivo.
A localização de um adenoma da paratireoide com cintilografia e
ultrassonografia cervical, associada à monitorização do paratormônio intacto no intra-
operatório, permite, atualmente, a abordagem cirúrgica unilateral das paratireoides, com
incisões menores e anestesia local e/ou regional, denominada cirurgia minimamente
invasiva, com alta hospitalar no mesmo dia. Dessa forma, o cirurgião faz a remoção da
paratireoide hiperfuncionante sem a necessidade de identificar as paratireoides normais.
Após a cirurgia e dependendo do envolvimento ósseo, pode surgir hipocalcemia
sintomática em razão da rápida deposição esquelética de cálcio e fosfato, com
“síndrome da fome óssea”, que pode ser corrigida com administração parenteral de
cálcio. Em pacientes que foram submetidos a reoperação ou paratireoidectomia subtotal,
pode-se desenvolver hipoparatireoidismo definitivo.
Tratamento clínico
Atividade física deve ser encorajada para minimizar reabsorção óssea, assim
como hidratação com pelo menos seis a oito copos de água por dia para minimizar o
risco de nefrolitíase. A alimentação com restrição ou excesso de cálcio deve ser evitada,
recomendando-se dieta com cerca de 1000mg/dia. No entanto, em caso de concentração
sérica de calcitriol elevada, restrição moderada de cálcio na dieta, com ingesta inferior a
800mg/dia, pode ser necessária para evitar exacerbar hipercalcemia. Deve-se manter
ingesta de 400-600UI de vitamina D por dia e repor a vitamina em caso de insuficiência
ou deficiência na avaliação laboratorial. Diurético tiazídico e Lítio não devem ser
utilizados. Em caso de desidratação ou aparecimento de sintoma sugestivo de piora dos
níveis de cálcio, será necessário procurar auxílio médico.
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Primary Hyperparathyroidism. Claudio Marcocci and Filomena Cetani. N Engl J Med 2011;365:2389-97.
Pathogenesis and etiology of primary hyperparathyroidism. Ghada El-Hajj Fuleihan and Shonni J Silverberg. UpToDate, 2012.
Clinical manifestations of primary hyperparathyroidism. Ghada El-Hajj Fuleihan and Shonni J Silverberg. UpToDate, 2012.
Diagnosis and differential diagnosis of primary hyperparathyroidism. Ghada El-Hajj Fuleihan and Shonni J Silverberg. UpToDate,
2012.
Preoperative localization for parathyroid surgery in patients with primary hyperparathyroidism. Linwah Yip, Shonni J Silverberg
and Ghada El-Hajj Fuleihan.
Management of primary hyperparathyroidism. Shonni J Silverberg and .Ghada El-Hajj Fuleihan.
Doença de Graves
Definição
A doença de Graves é uma síndrome caracterizada por hipertireoidismo,
dermopatia localizada (mixedema pré-tibial), oftalmopatia, bócio e, raramente
acropaquia (baqueteamento digital).
Epidemiologia e fisiopatologia
Fatores genéticos, ambientais e constitucionais interagem, por mecanismos
desconhecidos, para provocar a doença autoimune. O principal fator causal do
hipertireoidismo na doença de Graves é a autoimunidade relacionada à produção de
anticorpos estimuladores da tireoide, que se ligam diretamente ao receptor de TSH dos
tireócitos. Já o antígeno implicado no processo imunológico da oftalmopatia de Graves
é o receptor de TSH presente nos fibroblastos e nos pré-adipócitos da região orbitária.
A doença de Graves é cerca de dez vezes mais comum em mulheres do que em
homens, o que pode estar relacionado aos efeitos moduladores dos estrógenos no
sistema imunitário. Sugere-se que certos eventos adversos podem desencadear a doença.
O tabagismo tem sido bastante relacionado à ocorrência de oftalmopatia e
hipertireoidismo. Em ambientes com deficiência de iodo, a sua suplementação pode
precipitar a doença de Graves em alguns indivíduos.
A doença de Graves e a tireoidite de Hashimoto podem concentrar-se na mesma
família ou coexistir em um mesmo paciente.
Quadro clínico
A intensidade e a duração da doença e a idade do paciente determinam a
apresentação clínica. Sintomas de hipertireoidismo incluem hiperatividade,
irritabilidade, insônia, ansiedade, intolerância ao calor, sudorese excessiva, palpitações,
fadiga, fraqueza, dispneia ao exercício por exacerbação de asma, perda de peso com
hiperfagia, prurido, sede e poliúria, hiperdefecação, oligomenorreia ou amenorreia,
perda de libido, disfunção erétil, dispepsia e náusea. Sinais de hipertireoidismo incluem
taquicardia sinusal, fibrilação atrial, tremores finos, hipercinesia, hiperreflexia, pele
quente e úmida, eritema palmar, onicólise, queda de cabelos, miopatia proximal,
insuficiência cardíaca de alto débito e paralisia periódica hipocalêmica.
Avaliação complementar
Todos os pacientes apresentam níveis de TSH suprimidos em associação com
níveis elevados de T4 livre. Se o TSH estiver baixo e o T4 livre for normal, sugere-se
dosar o T3 livre.
Em aproximadamente três quartos dos pacientes com doença de Graves são
encontrados anticorpos anti-tireoperoxidase (anti-TPO) e/ou anti-tireoglobulina (anti-
Tg).
A detecção de anticorpo anti-receptor de TSH (TRAb) no soro do paciente com
doença de Graves chega a 99%, porém sua aplicação clínica tem limitações, pois cerca
de 25% dos pacientes com tireoidite de Hashimoto também apresentam TRAb
circulante.
A cintilografia e a captação tireoidianas não são importantes para o diagnóstico
de doença de Graves e devem ser solicitadas em caso de programação de terapia com
iodo radioativo ou suspeita de outras causas de tireotoxicose.
Métodos de imagem ocular podem demonstrar espessamento da musculatura
extra-ocular ou aumento da gordura orbitária mesmo na ausência de sintomas ou sinais
clínicos de oftalmopatia de Graves. A tomografia computadorizada é um dos melhores
exames para visualização da órbita na doença de Graves e deve ser realizada, sempre
que possível, sem o uso de contraste iodado. Já a ressonância nuclear magnética tem
sido utilizada para avaliar tanto o comprometimento muscular como a atividade da
doença. Cintilografia com Octreoscan, derivado sintético de somatostatina marcado com
índio 111, ou com gálio 67 pode ser utilizada para avaliar objetivamente a atividade da
oftalmopatia.
Tratamento
Tratamento farmacológico
As tionamidas Metimazol e Propiltiouracil são os agentes de escolha para o
tratamento da doença de Graves. Metimazol inibe a organificação do iodeto na glândula
tireoide e Propiltiouracil inibe a captação de iodeto pela glândula e, em concentrações
elevadas, bloqueia a enzima 5’-desiodase, que converte T4 a T3 perifericamente.
Os agentes anti-tireoidianos têm efeitos imunossupressores desejáveis no
tratamento da doença de Graves, com diminuição dos títulos de TRAb e de moléculas
imunologicamente importantes, além de diminuição da infiltração linfocítica tireoidiana.
Os indivíduos previamente tratados com Propiltiouracil, quando submetidos ao
Radioiodo
O tratamento da tireotoxicose com radioiodo é considerado um recurso seguro,
eficiente e com excelente relação custo-benefício, produzindo eutireoidismo em seis a
oito semanas.
Muitos especialistas são favoráveis a essa modalidade como terapia inicial
preferencial em adultos Alguns, entretanto, recomendam tratar o primeiro episódio de
hipertireoidismo da doença de Graves com agente anti-tireoidiano, indicando radioiodo
para hipertireoidismo recorrente e pacientes com idade superior a cinquenta anos, em
função da maior incidência de fibrilação atrial.
O radioiodo deve ser evitado em crianças com idade inferior a sete anos e não
deve ser usado em grávidas e lactantes. As mulheres em idade fértil devem ser
orientadas a evitar a concepção por três a seis meses após o tratamento. A oftalmopatia
pode exacerbar após o radioiodo, especialmente em fumantes, o que pode ser prevenido
com o uso concomitante de corticosteroide, como Prednisona 40mg/dia ou
0.5mg/kg/dia, iniciado no dia seguinte à dose e com redução progressiva durante dois a
três meses. Pacientes alérgicos a contraste iodado geralmente não são alérgicos a
radioiodo.
A administração de agente anti-tireoidiano imediatamente antes ou após o
radioiodo pode reduzir sua eficiência terapêutica, particularmente no caso do
Propiltiouracil, sendo o Metimazol o agente preferido.
Os pacientes com tireotoxicose branda ou moderada podem receber o radioiodo
sem necessitar de pré-tratamento com agente anti-tireoidiano, mas recomenda-se utilizar
um β-bloqueador, como Propranolol 20-80mg de 8/8 a 6/6 horas. Em pacientes muito
tóxicos, especialmente se idosos e portadores de comorbidades, é aconselhável utilizar
agente anti-tireoidiano com o intuito de alcançar estado de eutireoidismo, com
suspensão sete a quatorze dias antes da administração do radioiodo. Se os sintomas de
tireotoxicose persistirem, o uso pode ser retomado, embora com possibilidade de
Cirurgia
Cirurgia na doença de Graves está indicada em casos especiais, como indivíduos
com alergia a tionamidas e impossibilidade de tratamento com radioiodo em função de
gravidez, coexistência de nódulo tireóideo de natureza indeterminada, tireomegalia com
sintomas compressivos, idade muito jovem ou escolha própria.
Quando não há possibilidade de preparo pré-operatório do paciente com agente
anti-tireoidiano para leva-lo ao eutireoidismo, é preconizado o uso de Propranolol
isolado ou em combinação com Iodeto de Potássio ou Ácido Iopanóico.
A incidência das complicações depende, essencialmente, da habilidade do
cirurgião. Hipotireoidismo e hipoparatireoidismo são as possíveis complicações
cirúrgicas e a taxa de mortalidade é inferior a 1% nos grandes centros. Em cerca de um
quarto das cirurgias os pacientes evoluem com hipocalcemia transitória, que pode ser
corrigida com suplementação oral de cálcio e vitamina D. Quando a hipocalcemia é
sintomática ou o cálcio ionizado encontra-se inferior a 4.0mg/dL (2.0mEq/L), a
reposição deve ser intravenosa.
Oftalmopatia
Não há consenso quanto à melhor abordagem terapêutica. Deve-se levar em
consideração a atividade da doença, que pode ser avaliada com base em avaliação
clínica evolutiva e exames de imagem.
Oftalmopatia leve, caracterizada por proptose moderada e retração palpebral,
geralmente requer pequenos cuidados e recomendação quanto a cessação do tabagismo.
Quando há lagoftalmo, deve-se evitar a exposição da esclera e da córnea durante o sono
por meio da oclusão ocular e/ou do uso de pomada ou gel lubrificantes. A oclusão pode
ser realizada com máscaras sem orifícios nos olhos ou prendendo a pálpebra superior na
região malar com micropore adesivo. O uso contínuo de colírios lubrificantes à base de
Metilcelulose a 5% ou a 10% e a utilização de óculos escuros são medidas importantes,
pois geralmente há ressecamento dos olhos e fotofobia. A retração palpebral costuma
melhorar com o controle do hipertireoidismo, podendo-se utilizar colírio de Guanetidina
a 5% ou a 10% quando isso não ocorre, com efeito não duradouro. Recentemente, vem
sendo utilizada a aplicação de toxina botulínica na pálpebra. Quando os métodos
anteriores não corrigirem a retração palpebral, indica-se a correção cirúrgica com
tarsotomia.
Oftalmopatia moderada é caracterizada por processo ativo lentamente
progressivo com predomínio inflamatório, manifestando-se por edema de pálpebra
superior e inferior, hiperemia conjuntival e quemose, sem comprometimento muito
significativo da motricidade ocular extrínseca. Neuropatia óptica com discreta
Adenoma tóxico
O adenoma tóxico funcionante autônomo surge de alterações monoclonais em
tireócitos, com aumento da captação de iodo e da síntese de hormônio tireoidiano,
independentemente de TSH. Trata-se da terceira causa de hipertireoidismo, com maior
incidência em mulheres, preferencialmente acima de sessenta anos. Aparentemente, sua
distribuição geográfica tem relação com deficiência de iodo.
A partir de três a quatro centímetros, os adenomas tóxicos são palpáveis e
apresentam produção hormonal suficiente para gerar manifestações clínicas. Os
sintomas são insidiosos em relação à doença de Graves, com predomínio de
acometimento cardiovascular nos pacientes mais idosos e ausência de sinais de
oftalmopatia.
Quando a produção hormonal do nódulo excede o limite normal, o nível de TSH
é suprimido. Adicionalmente à dosagem do T4 livre, é importante determinar T3 e T3
livre, que podem ser secretados primariamente em alguns casos. Os anticorpos contra a
tireoide são negativos. A cintilografia é o procedimento diagnóstico preliminar, em que
o adenoma tóxico surge como área morna ou quente conforme o grau de depressão do
tecido tireóideo adjacente. Assim como em qualquer outra lesão nodular solitária, a
ultrassonografia não acrescenta nenhuma informação ao diagnóstico funcional, podendo
haver aumento da vascularização em nódulos quentes em relação aos nódulos frios.
A doença nodular autônoma pode ainda apresentar-se na forma de
hipertireoidismo subclínico.
As tionamidas levam o paciente ao eutireoidismo, mas com a descontinuidade
do agente a tireotoxicose recidivará. O 131I tem sido usado com sucesso para tratar esses
nódulos. Pelo risco de hipotireoidismo após o radioiodo, pode-se preferir a remoção
cirúrgica do adenoma tóxico. Quando há sinais de compressão ou grande nódulo com
diâmetro superior a 6cm, a nodulectomia ou a lobectomia são os procedimentos
indicados. Injeção percutânea de etanol constitui alternativa em nódulos com volume de
até 30mL, tendo como efeitos adversos possíveis dor local, hematoma, febre,
exacerbação transitória do hipertireoidismo e disfonia temporária.
Tumores trofoblásticos
A mola hidatiforme e o coriocarcinoma constituem a doença trofoblástica
gestacional, que é uma causa rara de hipertireoidismo. Grandes quantidades de
gonadotrofina coriônica são produzidas, com fraca atividade similar à do TSH. O
tratamento da mola com remoção cirúrgica ou do coriocarcinoma com quimioterapia
cura o hipertireoidismo.
Hipertireoidismo subclínico
O hipertireoidismo subclínico é uma síndrome caracterizada pela diminuição do
nível sérico de TSH na presença de concentração sérica normal de T4 livre e T3, em
indivíduos assintomáticos ou minimamente sintomáticos.
Essa síndrome é mais comum em mulheres, idosos e indivíduos com bócio,
antecedente pessoal ou familiar de tireoidopatia, fibrilação atrial e/ou ingesta de
medicamento que contenha iodo, como Amiodarona.
As causas do hipertireoidismo subclínico são as mesmas do hipertireoidismo
clínico e da tireotoxicose, sendo a mais frequente o excesso de ingesta de Levotiroxina
intencional, como no tratamento de pacientes com carcinoma de tireoide, ou não-
intencional, como no tratamento inadequado de pacientes com hipotireoidismo.
Nos pacientes com hipertireoidismo subclínico de causa endógena, o TSH
normaliza-se em cerca de metade dos casos sem que seja instituído qualquer tratamento.
Os pacientes cujo TSH não se normaliza poderão evoluir para hipertireoidismo clínico.
Os pacientes com hipertireoidismo subclínico podem apresentar sinais e
sintomas de excesso de hormônio tireoidiano, com consequente diminuição da
qualidade e vida. Sobre o sistema cardiovascular, os principais efeitos de curto prazo
são taquicardia sinusal, extra-sístoles supraventriculares e fibrilação atrial, enquanto que
os principais efeitos a longo prazo são disfunção diastólica do ventrículo esquerdo e
disfunção sistólica do ventrículo esquerdo durante o esforço. Sobre o metabolismo
Crise tireotóxica
A crise tireotóxica é uma entidade rara com risco de morte.
Doença de Graves é a causa mais frequente de crise tireotóxica, embora também
possa ocorrer no adenoma tóxico e no bócio multinodular tóxico.
A fisiopatologia pode envolver aumento súbito de hormônio tireoidiano liberado
pela glândula por cirurgia tireoidiana, retirada de agente anti-tireoidiano, terapia com
radioiodo, uso de Amiodarona, palpação tireoidiana vigorosa e uso de contrastes
iodados. Outro mecanismo possível é a elevação repentina da disponibilidade do
hormônio tireoidiano livre no organismo pela redução da capacidade de ligação das
proteínas transportadoras de hormônio tireoidiano, como em cirurgia não-tireoidiana,
infecção, acidente vascular cerebral, tromboembolismo pulmonar, trabalho de parto,
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Emergências clínicas: abordagem prática / Herlon Saraiva Martins.. [et al.]. – 5. ed. ampl. e rev. – Barueri, SP : Manole, 2010.
Manual da residência de terapia intensiva / editores Andréa Remígio Oliveira... [et al.] . 2. ed. – Barueri, SP : Manole, 2011.
Radioiodine Therapy for Hyperthyroidism. Douglas S. Ross. N Engl J Med 2011;364:542-50.
Definição
Hipopituitarismo é a insuficiência parcial ou completa da secreção de um ou
mais hormônios da hipófise anterior. Pode resultar de doença hipofisária ou
hipotalâmica.
Etiologia
O hipopituitarismo congênito decorre do desenvolvimento anormal da hipófise
por mutações em genes que codificam moléculas sinalizadoras ou fatores de transcrição.
Outras causas de hipopituitarismo com início na infância incluem distúrbios perinatais,
anormalidades no parto, asfixia perinatal, hipoplasia ou aplasia da hipófise e ectopia da
hipófise. Causas de hipopituitarismo com início da vida adulta, adquiridas, incluem
ressecção cirúrgica, radioterapia, traumatismo crânio-encefálico, hipofisite primária,
que pode ser linfocítica, granulomatosa ou xantomatosa, hipofisite secundária, que pode
estar relacionada a sarcoidose, histiocitose X, infecções, granulomatose de Wegener ou
doença de Takayasu, hemocromatose, infecções, como tuberculose, pneumocistose,
histoplasmose, aspergilose, toxoplasmose e citomegalovirose, afecções vasculares,
como síndrome de Sheehan, aneurisma intracraniano, apoplexia hipofisária, diabetes
mellitus, hipotensão arterial, arterite e anemia falciforme, neoplasias, como adenomas
hipofisário, cisto de bolsa de Rathke, cisto dermoide, meningioma, germinoma,
ependimoma, glioma, craniofaringioma, gangliocitoma, leucemias, linfomas e
metástases, afecções funcionais, como restrição calórica, desnutrição, exercícios físicos
excessivos, insuficiência renal, insuficiêncua hepática, hiperprolactinemia,
hipotireoidismo e hipercortisolismo, síndrome da sela vazia e hipopituitarismo
idiopático.
Quadro clínico
As manifestações clínicas do hipopituitarismo são variáveis, muitas vezes
inespecíficas e de início insidioso em função de tipo e severidade da deficiência
hormonal, duração da doença e idade de início. Quando o hipopituitarismo se inicia na
infância, o seu efeito sobre todos os aspectos do desenvolvimento somático é observado,
além dos efeitos das deficiências hormonais específicas. Quando o hipopituitarismo é
secundário a tumores hipofisários de maior volume, sintomas relacionados ao efeito de
massa, como cefaleia e alterações visuais, podem estar presentes. Inicialmente, as
manifestações relacionadas à hipersecreção de prolactina, hormônio do crescimento,
hormônio corticotrófico ou hormônio tireotrófico por um adenoma hipofisário podem
estar presentes. Hiperprolactinemia é um achado comum nos macroadenomas devido à
compressão da haste hipofisária, com comprometimento do tônus inibitório
dopaminérgico. Classicamente, as deficiências hormonais do hipopituitarismo por
compressão hipofisária seguem a sequência hormônio do crescimento, gonadotrofinas,
hormônio tireotrófico e hormônio corticotrófico. A deficiência de prolactina é raramente
encontrada, exceto na síndrome de Sheehan, na qual ocorre deficiência de lactação.
Deficiência de hormônio do crescimento está relacionada a baixa estatura em
crianças, redução da massa muscular e óssea, diminuição da força muscular, aumento da
massa gordurosa visceral, fadiga, aterosclerose precoce e diminuição da qualidade de
Avaliação complementar
A avaliação da função hipofisária anterior deve ser sempre realizada quando
houver lesão hipotalâmica ou hipofisária e após irradiação craniana. Distúrbios da
função gonadal de etiologia indeterminada, alterações inflamatórias, trauma crânio-
encefálico, doenças granulomatosas, anormalidades do desenvolvimento crânio-facial,
sela vazia e história de hemorragia associada ao parto indicam a investigação da reserva
hormonal da hipófise anterior. A avaliação laboratorial inclui medidas da concentração
basal dos hormônios e da concentração após estimulação da secreção com testes
dinâmicos. O teste combinado é uma forma prática e eficaz de realizar tal investigação.
Consiste na administração de Insulina Regular 0.05-0.1UI/kg por via intravenosa,
hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) 100mcg por via intravenosa e hormônio
liberador de tireotrofina 200mcg por via intravenosa, com dosagens de glicose sérica,
hormônio do crescimento, cortisol, hormônio luteinizante, hormônio folículo-
estimulante e hormônio tireotrófico antes e quinze, trinta, quarenta e cinco, sessenta e
noventa minutos após. Dosagens basais de IGF-1, IGF-BP-3, testosterona no sexo
masculino, estradiol no sexo feminino, T4 livre e sulfato de dehidroepiandrosterona são
indicadas.
Tratamento
O tratamento do hipopituitarismo visa mimetizar a secreção fisiológica dos
hormônios deficientes, amenizando os sintomas decorrentes de cada deficiência e
melhorando a qualidade de vida do paciente. O tratamento da causa básica do
hipopituitarismo deve ser instituído quando necessário.
Em caso de deficiência de hormônio do crescimento em adultos, recomenda-se o
uso de hormônio do crescimento recombinante humano com dose inicial de 0.15-
0.30mg/dia (0.45-0.90UI/dia) por via subcutânea ao deitar e aumento gradual de acordo
com a resposta clínica e bioquímica, com dose de manutenção máxima de 1mg/dia
(3UI/dia). A monitorização tem como marcador bioquímico mais útil o IGF-1, mas
também inclui avaliação de composição corporal, densidade óssea e lípides séricos. Em
caso de deficiência de hormônio corticotrófico em adultos, recomenda-se o uso de
Acetato de Cortisona 25-37.5mg/dia por via oral em duas a três tomadas ou Prednisona
5-7.5mg/dia por via oral em dose única diária, com orientação para uso do dobro da
dose em situações de estresse e preferência por Hidrocortisona 100mg por via
intravenosa em bolus e 50-100mg de 6/6 horas por via intravenosa a partir de então se
crise aguda. Em caso de deficiência de hormônio tireotrófico em adultos, recomenda-se
o uso de Levotiroxina 1-2mcg/kg/dia por via oral, com início da reposição após
avaliação e correção da função da supra-renal, sendo recomendada dose inicial de
25mcg/dia e aumento de 25mcg/dia a cada uma a duas semanas até T4 sérico total e T4
sérico livre dentro dos limites da normalidade. Em caso de deficiência de
Hiperprolactinemia e prolactinomas
Fisiologia
A prolactina é o hormônio hipofisário essencial para a produção de leite no
período puerperal. Exerce diversas ações no sistema reprodutivo, regulando, de forma
negativa, os hormônios hipofisário responsáveis pelo estímulo gonadal. Provavelmente,
também é responsável por ação supressiva na secreção de estrogênio, progesterona e
testosterona pelas gônadas.
Epidemiologia
A hiperprolactinemia é a alteração do eixo hipotálamo-hipofisário mais comum,
sendo motivo frequente de galactorreia e alterações menstruais em mulheres, redução da
potencia sexual em homens e redução da libido e infertilidade em ambos os sexos.
Etiologia
A prolactina pode estar elevada em situações fisiológicas, como gestação,
lactação, atividade física, estímulo mamário e estresse. Fármacos relacionados a
hiperprolactinemia incluem anti-psicóticos, como Fenotiazina, Haloperidol e
Risperidona, pró-cinéticos, como Metoclopramida e Domperidona, antidepressivos,
como Sulpiride, inibidores da monoamina-oxidase, tricíclicos e inibidores seletivos da
receptação de serotonina, opioides, estrogênios, Verapamil e inibidores de protease.
Causas patológicas de hiperprolactinemia incluem afecções hipofisárias, como
prolactinoma, somatotrofinoma, adenoma não-funcionante, doença de Cushing,
metástase, síndrome da sela vazia, cistos selares, doenças infiltrativas (hipofisite,
sarcoidose, tuberculose, histiocitose) e doenças vasculares (aneurisma), afecções
hipotalâmicas, como neoplasias (meningioma, craniofaringioma, glioma, hamartoma),
cistos, doenças infiltrativas (hipofisite, sarcoidose, tuberculose, histiocitose), secção da
haste hipofisária e lesão actínica, hipotireoidismo primário, insuficiência renal crônica,
cirrose hepática, síndrome dos ovários policísticos, lesões da parede torácica e
macroprolactinemia. Quando nenhuma causa é identificada, a hiperprolactinemia é
considerada idiopática.
O prolactinoma é a principal causa patológica de hiperprolactinemia. Trata-se de
tumor monoclonal com patogênese ainda não completamente conhecida. Dentre os
Quadro clínico
Os sintomas relacionados à hiperprolactinemia dependem, principalmente, da
ação inibitória da prolactina sobre o eixo gonadal e do seu efeito estimulatório sobre a
galactopoese. Os efeitos da hiperprolactinemia sobre a função ovariana têm correlação
com o grau de elevação da prolactina, podendo variar de irregularidade menstrual, com
fase lútea curta, a ciclos anovulatórios e amenorreia. Embora a galactorreia possa
ocorrer sem hiperprolactinemia, é um sintoma comum nessa situação e depende da ação
permissiva do estrogênio, de modo que costuma estar ausente em homens e em
mulheres com hipogonadismo severo ou após a menopausa. Nos homens, a impotência
sexual é a manifestação mais comum. Outros sintomas ligados ao hipogonadismo, como
redução da libido e perda de massa óssea, podem estar presentes. A galactorreia deve
ser sempre pesquisada, visto que sua presença em pacientes do sexo masculino é
praticamente diagnóstica de hiperprolactinemia. Ginecomastia pode ocorrer em cerca de
10% dos pacientes do sexo masculino. Sinais de hipogonadismo, como redução da
barba e dos pelos corporais nos homens e palidez facial e envelhecimento precoce em
ambos os sexos, também podem ser encontrados. Manifestações clínicas decorrentes de
compressão tumoral podem estar presentes nos casos de macroprolactinoma, incluindo
cefaleia, hemianopsia bitemporal, hipopituitarismo e paralisia de nervos cranianos.
Raramente, macroprolactinomas gigantes, com diâmetro superior a 4cm, podem ser
diagnosticados por hidrocefalia ou epilepsia.
Avaliação complementar
A dosagem de prolactina basal geralmente confirma a suspeita clínica de
hiperprolactinemia, sem necessidade de testes dinâmicos. Existe correlação entre o
tamanho do prolactinoma e o nível sérico de prolactina, com valores acima de
250ng/mL sugestivos de macroprolactinoma. A prolactina humana circula em três
isoformas principais, a monomérica, a dimérica e a macroprolactina. A mais comumente
relacionada aos sintomas clássicos de hiperprolactinemia é a prolactina monomérica.
Embora seja dosada, a macroprolactina tem bioatividade reduzida, de modo que
macroprolactinemia deve ser suspeitada e pesquisada em caso de hiperprolactinemia
assintomática. O método de rastreamento mais utilizado é a dosagem de prolactina antes
e após o preparo do soro com polietilenoglicol, que, pela centrifugação, precipita as
moléculas de maior peso molecular. O resultado é avaliado pelo percentual de
recuperação da prolactina no sobrenadante.
Uma vez que a hiperprolactinemia tenha sido diagnosticada, história e exame
físico cuidadosos devem buscar descartar causas secundárias, como uso de fármacos,
hipotireoidismo, síndrome dos ovários policísticos e acromegalia. Podem ser utilizados
exames laboratoriais quando há suspeita de gravidez, insuficiência renal, disfunção
hepática ou hipotireoidismo.
Quando a hiperprolactinemia sintomática for diagnosticada, é mandatória a
investigação de tumor hipofisário por imagem. A ressonância nuclear magnética de
hipófise com Gadolínio é mais eficaz que a tomografia computadorizada de sela túrcica,
devendo ser preferida quando possível. A hiperprolactinemia associada à presença de
Tratamento
A decisão sobre o tipo de tratamento deve ser baseada na etiologia da
hiperprolactinemia. O tratamento das hiperprolactinemias secundárias deve ter como
objetivo a resolução da causa de base, quando possível. Dessa forma, a reposição de
hormônio tireoidiano deve tratar a hiperprolactinemia secundária ao hipotireoidismo, a
ressecção cirúrgica de adenoma hipofisário não-funcionante deve tratar a
hiperprolactinemia secundária à desconexão hipotálamo-hipofisária e a suspensão de
fármacos que causam hiperprolactinemia deve possibilitar que o nível de prolactina
retorne ao normal. Será enfocado a seguir apenas o tratamento dos prolactinomas e da
hiperprolactinemia idiopática.
Os objetivos do tratamento dos prolactinomas são reversão dos sintomas
decorrentes da hiperprolactinemia, resolução dos sintomas e riscos decorrentes da massa
tumoral e prevenção de recidivas.
Dentre as opções terapêuticas atuais, os agonistas dopaminérgicos constituem a
primeira escolha em função de sua eficácia tanto na normalização da prolactina como na
redução tumoral.
A Bromocriptina é apresentada na forma de comprimidos de 2.5mg, com dose
de 2.5-15mg/dia fracionada em duas a três tomadas diárias. Os efeitos colaterais mais
comuns da Bromocriptina são náusea, vômitos, dor abdominal, hipotensão postural,
tontura e congestão nasal, tendo sido descritos raramente depressão, psicose e fibrose
pulmonar. Para melhorar a aderência ao tratamento, a medicação deve ser iniciada de
modo gradual, com meio comprimido na refeição noturna e aumento progressivo
conforme a tolerabilidade até a dose terapêutica, com dose média de 5mg/dia em casos
de microprolactinoma e de 7.5mg/dia em casos de macroprolactinoma. Apesar da
eficácia da Bromocriptina, a maior parte dos pacientes necessita de tratamento em longo
prazo.
A Cabergolina é apresentada na forma de comprimidos de 0.5mg, com dose
usual de 0.5-1.0mg uma ou duas vezes por semana e dose máxima semanal de 7mg,
utilizada em raros casos resistentes. Os efeitos colaterais são semelhantes aos da
Bromocriptina, porém menos frequentes, tratando-se de medicação com maior eficácia e
tolerabilidade. Há controvérsia quanto à associação com risco aumentado de alteração
em válvulas cardíacas, sendo recomendada vigilância com ecocardiograma durante o
tratamento. A possibilidade de suspensão da medicação com manutenção da
Situações especiais
Acromegalia
Definição
A acromegalia é uma doença crônica debilitante que resulta da exposição a
excesso de hormônio do crescimento após o fechamento epifisário dos ossos longos.
Quando a hipersecreção crônica inicia-se na infância ou na adolescência, previamente à
fusão das epífises, ocorre o gigantismo hipofisário.
Epidemiologia
A doença incide em todas as raças com frequência praticamente igual em
homens e mulheres. Pode ocorrer em qualquer idade, com pico de incidência entre a
terceira e a quinta décadas de vida.
Fisiopatologia
Etiologia
Mais de 90% dos casos são esporádicos. Nos casos familiares, os
somatotrofinomas podem se manifestar de forma isolada ou fazer parte de uma
síndrome neoplásica hereditária, como a neoplasia endócrina múltipla tipo 1 e o
complexo de Carney. A acromegalia também pode fazer parte da síndrome de McCune-
Albright, relacionada a mutação pós-zigótica.
Na grande maioria dos casos, a acromegalia é decorrente da hipersecreção direta
de hormônio do crescimento, que, em geral, é proveniente da hipófise. A principal causa
é o adenoma hipofisário secretor de hormônio do crescimento. Causas raras incluem
carcinoma hipofisário e adenoma produtor de hormônio do crescimento localizado fora
da sela túrcica. A produção ectópica de hormônio do crescimento é extremamente rara,
tendo sido descrita em tumores de pulmão, mama, pâncreas, ovário e trato
gastrointestinal, além de linfoma não-Hodgkin. Em pequena parcela dos casos, a
hipersecreção de hormônio do crescimento é secundária à síntese excessiva de
hormônio liberador do hormônio do crescimento por tumores hipotalâmicos, como
gangliocitoma, neurocitoma e hamartoma, ou ectópicos, como tumor carcinoide, tumor
de ilhotas pancreáticas, carcinoma de pulmão de pequenas células, adenoma de supra-
renal, feocromocitoma, carcinoma medular da tireoide, carcinoma de mama e carcinoma
de endométrio.
Patologia
Na maior parte dos casos, o exame anatomopatológico revela adenoma
hipofisário, que pode ser produtor de hormônio do crescimento ou co-secretor de
hormônio do crescimento e prolactina, sendo raros hiperplasia, que pode ser
somatotrófica ou mamossomatotrófica, e carcinoma de hipófise. O carcinoma
hipofisário não apresenta um critério morfológico característico, de modo que o seu
diagnóstico é baseado na ocorrência de metástases para áreas distantes do espaço
subaracnóideo, para o parênquima cerebral e/ou para sítios extra-cranianos.
Quadro clínico
O quadro clínico é sistêmico e de evolução insidiosa, com progressão gradual
dos sinais e sintomas, o que acarreta retardo do diagnóstico. As características clínicas
mais relevantes são o aumento dos tecidos moles e o crescimento ósseo excessivo. O
aumento das extremidades, sobretudo das mãos e dos pés, leva à dificuldade em fechar
as mãos e à necessidade de aumentar progressivamente o tamanho de calçados e anéis.
As alterações crânio-faciais, como proeminência frontal, hipertelorismo, aumento dos
arcos zigomáticos, aumento de orelhas e nariz, lábios grossos, macroglossia,
afastamento dentário, má-oclusão dentária, aumento da protuberância da mandíbula,
macrognatia e prognatismo, tornam os traços faciais rudes, com aspecto típico. Nos
casos de longa evolução, pode haver desenvolvimento de pregas no couro cabeludo.
Acantose nigricans ocorre em parcela dos casos. O aumento das glândulas sebáceas e
sudoríparas da pele determina oleosidade cutânea e transpiração excessiva, muitas vezes
com odor corpóreo desagradável. A hiperidrose, sobretudo nas mãos, é um sinal clínico
frequente e que, em geral, reflete a atividade da doença. Em alguns casos, ocorre
Avaliação complementar
A investigação laboratorial visa confirmar a suspeita clínica de acromegalia por
meio da demonstração da hipersecreção de hormônio do crescimento e/ou IGF-1. Na
ausência de fatores que interferem nas dosagens laboratoriais, a acromegalia é excluída
quando o nível sérico randômico de hormônio do crescimento é inferior a 0.4mcg/L e o
IGF-1 é normal para a idade e o sexo. Caso um desses parâmetros esteja alterado, deve-
se proceder à determinação dos níveis de hormônio do crescimento durante o teste de
tolerância à glicose oral. O diagnóstico de acromegalia é estabelecido pela presença de
Tratamento
O tratamento da acromegalia visa normalizar os níveis de hormônio do
crescimento e IGF-1, diminuir e/ou estabilizar o tamanho do tumor, preservar ou
restaurar a função hipofisária normal, prevenir recidivas, melhorar a qualidade de vida e
Doença de Cushing
Definição
Epidemiologia
A incidência de doença de Cushing é maior em mulheres e acomete
predominantemente a faixa etária entre vinte e quarenta anos de idade. A síndrome de
Cushing relacionada à produção ectópica de hormônio corticotrófico apresenta discreta
predominância no sexo feminino, com maior incidência entre quarenta e sessenta anos
de idade.
Etiologia
A síndrome de Cushing independente de hormônio corticotrófico abrange
adenoma do córtex adrenal, carcinoma do córtex adrenal, hiperplasia adrenal e síndrome
de McCune-Albright. O cortisol é produzido de maneira autônoma pelo tecido
adrenocortical, com consequente supressão dos níveis de hormônio corticotrófico e
hormônio liberador do hormônio corticotrófico.
A síndrome de Cushing dependente de hormônio corticotrófico abrange a
doença de Cushing, caracterizada por tumor hipofisário produtor de hormônio
corticotrófico, a síndrome do hormônio corticotrófico ectópico, relacionada a carcinoma
pulmonar de pequenas células, carcinoma medular da tireoide, feocromocitoma e
tumores carcinoides de brônquios, timo e pâncreas, e casos com origem desconhecida
do hormônio corticotrófico. É responsável por mais de 80% dos casos nos indivíduos
adultos, com a maior parte decorrente da doença de Cushing. Geralmente, o tumor
hipofisário é um microadenoma, com dimensões inferiores a 10mm. Raramente, os
tumores extra-hipofisários podem produzir hormônio liberador do hormônio
corticotrófico.
De forma infrequente, a doença de Cushing surge como parte da síndrome
neoplasia endócrina múltipla tipo 1, que é definida pela presença de ao menos dois
dentre tumor de paratireoide, tumor de sistema endócrino gastrointestinal e tumor de
hipófise anterior.
Quadro clínico
As manifestações clínicas da síndrome de Cushing incluem, em ordem
decrescente de frequência, obesidade ou ganho de peso com preenchimento das fossas
supraclaviculares e da giba dorsal, pletora facial, face arredondada, diminuição da
libido, pele atrófica, diminuição ou parada do crescimento linear em crianças,
irregularidade menstrual, hipertensão arterial sistêmica, hirsutismo, depressão ou
labilidade emocional, hematomas, intolerância à glicose, fraqueza muscular, estrias
violáceas com tamanho superior a 1cm, osteopenia ou fratura, nefrolitíase, exoftalmo,
diabetes mellitus, cefaleia e hiperpigmentação cutânea. Também podem ocorrer
infecções fúngicas.
Os sinais e sintomas mais específicos incluem miopatia proximal com
concentrações séricas normais de creatinofosfoquinase, pele atrófica, equimoses e
alterações neuropsicológicas. Em crianças, ocorre ganho de peso associado a retardo do
crescimento e da puberdade.
Diagnóstico
Diagnóstico laboratorial
A secreção aumentada de cortisol pode ser avaliada pela determinação de sua
excreção na urina de 24 horas. Os principais interferentes são Carbamazepina,
Digoxina, Fenofibrato e outros medicamentos que acelerem o metabolismo dos
glicocorticoides. Pacientes com hipercortisolismo podem apresentar valores
discretamente elevados ou mesmo normais, o que justifica a solicitação de pelo menos
três amostras, sempre corrigidas pela excreção de creatinina, para aumentar a
especificidade do diagnóstico.
A perda do ritmo circadiano da secreção de cortisol é a alteração mais precoce
identificada na síndrome de Cushing e pode ser avaliada pelos níveis de cortisol sérico e
salivar à meia-noite. A coleta de amostra salivar é simples. Após higiene e certificação
da ausência de sangue na cavidade oral, um tubo de algodão deve ser mastigado por
dois a três minutos e, posteriormente, colocado em um recipiente apropriado
denominado salivete. A amostra do cortisol salivar é estável em temperatura ambiente
por até sete dias, permitindo que o paciente encaminhe posteriormente ao laboratório.
O teste de supressão com 1mg de Dexametasona à meia-noite, com cortisol
sérico normal esperado pela manhã inferior a 1.8mcgdL, pode apresentar resultados
falso-positivos.
Na síndrome de Cushing cíclica, caracterizada por hipercortisolismo
intermitente, devem ser realizadas coletas seriadas para o diagnóstico e a determinação
da periodicidade da secreção.
Diagnóstico diferencial
Uma vez definida a síndrome de Cushing, o passo seguinte para estabelecer o
diagnóstico diferencial entre suas causas é definir se o hormônio corticotrófico é
detectável ou indetectável no plasma. O manuseio adequado das amostras é
fundamental, pois o hormônio corticotrófico é rapidamente degradado por proteases
plasmáticas em temperatura ambiente, o que pode resultar em valores falsamente
baixos. Os tubos de coleta devem ser de plástico com EDTA e as amostras devem ser
mantidas em gelo, com imediata centrifugação em centrífugas refrigeradas e
congelamento do plasma até a dosagem hormonal. Valores de hormônio corticotrófico
inferiores a 5pg/mL indicam o diagnóstico de síndrome de Cushing independente do
hormônio corticotrófico, enquanto que valores superiores a 15pg/mL indicam o
diagnóstico de síndrome e Cushing dependente do hormônio corticotrófico. Em caso de
valores intermediários, é necessária a realização de testes dinâmicos.
No teste de supressão do cortisol com altas doses de Dexametasona, os
adenomas produtores de hormônio corticotrófico geralmente respondem ao efeito
supressor, enquanto que os tumores que causam síndrome de Cushing com hormônio
corticotrófico ectópico praticamente não respondem ao efeito supressor. Pode ser
utilizada dose de Dexametasona de 8mg à meia-noite.
A ressonância nuclear magnética é o exame indicado para avaliação da região
hipofisária, mas apresenta positividade em apenas uma parcela dos casos de doença de
Pseudo-Cushing
O pseudo-Cushing pode ser definido como estado clínico que apresenta algumas
ou todas as características da síndrome de Cushing verdadeira, com evidência
laboratorial de hipercortisolismo, mas com resolução completa após tratamento da
condição primária. Pode ocorrer em pacientes com doenças psiquiátricas, como
síndrome do pânico, transtorno de ansiedade generalizada, alcoolismo e,
principalmente, depressão. O cortisol sérico e salivar à meia noite superior a 7.5mcg/dL
e 0.13mcg/dL, respectivamente, apresenta alta sensibilidade e alta especificidade para o
diagnóstico diferencial entre pseudo-Cushing e síndrome de Cushing.
Tratamento
A cirurgia hipofisária por via transesfenoidal é o procedimento de escolha para o
tratamento da doença de Cushing, tanto pela baixa morbidade como pelos altos índices
de remissão. Quando não houver remissão do hipercortisolismo, o paciente poderá ser
submetido a nova abordagem cirúrgica por via transesfenoidal, porém com menor
possibilidade de cura. Quando não houver imagem compatível com tumor hipofisário,
podem ser preconizadas radioterapia hipofisária associada a medicação que bloqueie a
síntese de cortisol ou adrenalectomia unilateral associada a medicação com ação
adrenolítica.
Do ponto de vista clínico, a remissão é caracterizada por descamação da pele,
artralgia e sinais de insuficiência adrenal, como fraqueza, hipotensão postural e
taquicardia. Do ponto de vista hormonal, há grande controvérsia entre os trabalhos da
literatura. Admite-se que concentrações subnormais de cortisol associadas à necessidade
de reposição de glicocorticoide por longos períodos estão relacionadas a remissões mais
prolongadas. A ausência de resposta do hormônio corticotrófico e/ou do cortisol após
administração de hormônio liberador do hormônio corticotrófico ou Desmopressina
(DDAVP) apresenta valor prognóstico maior que a medida do cortisol sérico basal.
Em caso de insucesso da cirurgia transesfenoidal ou recorrência do
hipercortisolismo após um período de remissão, o tratamento clínico e/ou radioterápico
deverá ser instituído antes da adrenalectomia bilateral, já que o hipercortisolismo
prolongado está associado a alta taxa de mortalidade por infecções oportunistas e
doenças cardiovasculares. Para o tratamento clínico, diversos agentes farmacológicos
têm sido indicados, porém a eficácia é relativa, sobretudo quando o hipercortisolismo é
grave. Estão incluídos entre os fármacos que atuam na região hipotálamo-hipofisária
Definições
Os adenomas hipofisários clinicamente não-funcionantes dividem com os
prolactinomas a maior prevalência dentre os tumores hipofisários e podem produzir
hormônios ou fatores locais em quantidade suficiente para serem detectados em estudo
imuno-histoquímico, porém insuficiente para mensuração na circulação sistêmica.
Com o desenvolvimento de técnicas cada vez mais sensíveis de imagem, o
diagnóstico incidental de tumores da região selar tornou-se mais frequente. O achado
desses tumores em pacientes com queixas não-relacionadas a eles é denominado
incidentaloma de hipófise, podendo compreender quaisquer tumores hipofisários,
inclusive os clinicamente não-funcionantes.
Epidemiologia
Os adenomas hipofisários clinicamente não-funcionantes incidem
Etiologia
Os adenomas clinicamente não-funcionantes representam um grupo heterogêneo
de tumores, uma vez que podem expressar quaisquer hormônios, detectados através de
estudo imuno-histoquímico. Todavia, em sua maioria, expressam gonadotrofinas e,
mesmo entre aqueles com expressão negativa, há RNA mensageiro para gonadotrofinas
e suas subunidades, sugerindo que em grande parte derivam da linhagem gonadotrófica.
Os adenomas clinicamente não-funcionantes podem ocorrer associados à
neoplasia endócrina múltipla tipo 1. Entre os casos não-familiares, diferentemente de
outros tumores, os adenomas hipofisários não foram associados a mutações dos genes
p53 e do retinoblastoma.
Quadro clínico
Sintomas neurológicos incluem cefaleia, defeitos no campo visual,
principalmente hemianopsia bitemporal, paresia de nervos cranianos presentes no seio
cavernoso, como o III, o IV, o VI e os ramos oftálmico e mandibular do V, rinorreia,
convulsões e hidrocefalia.
O crescimento do tumor pode causar compressão da hipófise normal e/ou da
haste hipofisária, causando deficiência de um ou mais hormônios hipofisários. Os
sintomas dependem de qual ou quais setores hipofisários encontram-se deficientes.
Quando há deficiência de mais de dois hormônios hipofisários, utiliza-se o termo pan-
hipopituitarismo.
O hipogonadismo pode ser decorrente da compressão do setor gonadotrófico ou
da hiperprolactinemia secundária à desconexão da haste hipofisária.
Os tumores hipofisários podem apresentar insuficiência vascular relativa durante
seu crescimento, ocasionando apoplexia, ou seja, infarto tumoral. Fatores
desencadeantes incluem trauma, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus,
cirurgia cardíaca, testes endocrinológicos dinâmicos, radioterapia e anticoagulação. Em
geral, o infarto é hemorrágico e assintomático, sendo diagnosticado pela presença de
sinais de sangramento nos exames de imagem de rotina ou durante cirurgia. Porém, a
apoplexia sintomática é um quadro extremamente grave caracterizado por cefaleia
intensa, vômitos, oftalmoplegia, outros déficits neurológicos e meningismo, sendo
indicado o uso de glicocorticoides. Intervenção cirúrgica transesfenoidal imediata é
indicada em caso de redução do nível de consciência e/ou defeito visual, com grande
chance de reversão se realizada em até oito dias do início do quadro.
Avaliação complementar
Os adenomas clinicamente não-funcionantes podem secretar de forma
aumentada glicoproteínas e subunidades de hormônios glicoproteicos, como subunidade
alfa, beta-FSH, beta-LH, FSH e LH, o que auxiliaria no diagnóstico. No entanto, a
elevação ocorre em poucos casos e, nos pacientes com hipogonadismo, perde o valor.
Cerca de 40% dos casos apresentam resposta paradoxal ao TRH, que ocorre porque os
gonadotrofinomas, e não os gonadotrofos normais, expressam receptores de TRH.
Administra-se 200mcg por via intravenosa e procede-se à coleta de sangue para
Tratamento
Uma vez feita a avaliação, define-se a necessidade e a urgência do tratamento,
que dependerá principalmente dos sintomas neuro-oculares. Pacientes com sintomas
neurológicos, hipopituitarismo ou tumores de extensão supra-selar e desejo de
engravidar devem ser tratados.
Cirurgia constitui o tratamento de escolha e o principal objetivo é a
descompressão das vias ópticas e da hipófise normal. Devido ao habitual grande
tamanho dos tumores, sua ressecção cirúrgica completa frequentemente não é possível.
A principal via de acesso para a cirurgia é a transesfenoidal, que apresenta baixa
morbidade e baixa mortalidade. Com menor frequência, a via transcraniana é indicada
para os casos com sela túrcica normal e grande expansão supra-selar. Para pacientes
assintomáticos com microadenomas ou pequenos macroadenomas, a cirurgia não está
necessariamente indicada, podendo ser realizado acompanhamento clínico com exame
neuro-oftalmológico, dosagens hormonais e ressonância nuclear magnética periódicos.
A taxa de recidiva tumoral após a cirurgia é elevada, mas pode ser reduzida se
radioterapia for realizada no pós-operatório. Os pacientes submetidos à cirurgia devem
ser avaliados através de ressonância nuclear magnética três meses após o procedimento.
A radioterapia convencional deve ser fracionada em doses de no máximo
200cGy, com quatro a cinco sessões por semana, perfazendo o total de 4500-5000cGy.
A radiocirurgia é uma modalidade de radioterapia direcionada com precisão
estereotáxica e administrada em única sessão. Apesar de a radioterapia prevenir
recorrência no pós-operatório, os efeitos colaterais não são desprezíveis e incluem
hipopituitarismo, segunda neoplasia e vasculopatia cerebral. Atualmente, indica-se
radioterapia quando houver evidência de recorrência tumoral não curável com
reoperação ou remanescente tumoral pós-operatório de tamanho considerável ou em
crescimento.
O papel da farmacoterapia nos adenomas hipofisários clinicamente não-
funcionantes não é bem estabelecido. Apesar de alguns resultados promissores, a
farmacoterapia ainda constitui uma opção pouco atraente como terapia inicial e deve ser
considerada para os casos com contraindicação cirúrgica, sem cura cirúrgica ou que
Diabetes insipidus
Definição
Diabetes insipidus é uma síndrome caracterizada por poliúria hipotônica,
polidipsia e graus variáveis de hipertonicidade plasmática. A densidade e a
osmolalidade urinárias encontram-se em níveis inferiores a 1.010 e 300mOsm/kg,
respectivamente.
Fisiopatologia
Os principais reguladores da secreção da vasopressina são os osmorreceptores e
os receptores de volume ou barorreceptores. Náusea e vômito também são potentes
estimuladores da secreção da vasopressina. Aumentam a liberação da vasopressina
acetilcolina, anestésicos, angiotensina II, barbitúricos, Carbamazepina, drogas beta-
adrenérgicas, histamina, hipercapnia, hipóxia, Metoclopramida, analgésicos opioides,
prostaglandina E2, Vincristina e Ciclofosfamida. Aumentam a ação da vasopressina
anti-inflamatórios não-hormonais, Carbamazepina, Clorpropamida e desidratação
crônica. Reduzem a liberação da vasopressina álcool, drogas alfa-adrenérgicas,
Fenitoína e peptídeo natriurético atrial. Reduzem a ação da vasopressina
Demeclociclina, drogas alfa-adrenérgicas, hipercalcemia, hipocalemia, Lítio, peptídeo
natriurético atrial, prostaglandina E2 e proteína C quinase.
O diabetes insipidus pode ocorrer em decorrência de deficiência parcial ou total
de vasopressina, com diabetes insipidus central, neurogênico ou hipofisário, resistência
renal à ação antidiurética da vasopressina, com diabetes insipidus nefrogênico, bloqueio
da secreção da vasopressina por ingesta excessiva de água, com polidipsia primária, ou
alteração transitória decorrente da metabolização excessiva da vasopressina por enzimas
placentárias, com diabetes insipidus gestacional.
O diabetes insipidus central, neurogênico ou hipotalâmico constitui a etiologia
mais frequente de diabetes insipidus e resulta de deficiência na síntese de arginina-
vasopressina pelos neurônios magnocelulares dos núcleos supra-ópticos e
paraventriculares. Para a instalação do quadro clínico, é necessário que sejam destruídos
mais de 90% dos neurônios hipotalâmicos produtores de vasopressina. Em função disso,
o diabetes insipidus central não pode ser causado por uma lesão da neuro-hipófise, já
que a vasopressina vai continuar a ser sintetizada no hipotálamo e secretada por
terminações neoformadas acima do diafragma selar.
Etiologia
O diabetes insipidus central, neurogênico ou hipotalâmico pode ser congênito,
abrangendo formas autossômicas dominantes, autossômicas recessivas e associadas a
malformações cerebrais, ou adquirido, que pode ser idiopático ou secundário a trauma,
ressecção cirúrgica, tumores, como craniofaringioma, astrocitoma, germinoma,
meningioma, hamartoma, adenoma hipofisário com extensão supra-selar, neoplasia de
haste hipofisária, linfoma e metástases, doenças granulomatosas, como sarcoidose,
Quadro clínico
Poliúria, polidipsia e sede intensa são os principais sintomas de diabetes
insipidus. A hiperosmolaridade e a hipernatremia somente estarão presentes se o
paciente tiver comprometimento do mecanismo de sede, inconsciência ou falta de
acesso a água. Nessas condições, podem ocorrer sintomas neurológicos, como confusão
mental, hipertermia, alterações do equilíbrio e coma.
Avaliação complementar
Indicações de investigação incluem poliúria, com volume urinário superior a
30mL/kg e urina hipotônica, com osmolaridade inferior a 300mOsm/kg e densidade
inferior a 1.010, família com mais de um membro com diabetes insipidus, uso de drogas
que possam alterar a síntese ou a ação da vasopressina, distúrbios eletrolíticos
relacionados à alteração dos mecanismos de concentração urinária e enurese noturna.
Para estabelecer o diagnóstico de diabetes insipidus, é necessário determinar se o
paciente é capaz de concentrar a urina em resposta a um estímulo fisiológico. Se o
paciente apresenta desidratação associada a hipernatremia, o diagnóstico de polidipsia
primária é afastado e se estabelece o diagnóstico de diabetes insipidus decorrente de
defeito na secreção ou na ação da vasopressina. A administração de vasopressina
exógena, como a Desmopressina (DDAVP), permite diferenciar as duas possibilidades.
Pacientes com diabetes insipidus que estão conscientes geralmente apresentam o
mecanismo da sede preservado, o que mantém o sódio plasmático em níveis normais.
Nessa situação, um teste de desidratação ou prova de concentração possibilita o
diagnóstico de diabetes insipidus, além de diferenciar o diabetes insipidus central do
nefrogênico. O objetivo da prova de deprivação hídrica é a avaliação indireta da
secreção da vasopressina por meio da análise da capacidade de concentração urinária
em resposta a um aumento da osmolalidade plasmática, com consequente avaliação da
capacidade de concentração renal em resposta a vasopressina exógena, como a
Desmopressina (DDAVP). Urina concentrada e osmolalidade urinária com aumento
inferior a 10% após a infusão de Desmopressina indicam polidipsia primária. Urina não-
concentrada e osmolalidade urinária com aumento superior a 50% após a infusão de
Desmopressina indicam diabetes insipidus central. Urina não-concentrada e
osmolalidade urinária com aumento inferior a 10% após a infusão de Desmopressina
indicam diabetes insipidus nefrogênico. Urina pouco concentrada e osmolalidade
urinária com aumento de 10-50% após a infusão de Desmopressina indicam diabetes
insipidus parcial, que poderá ser central ou nefrogênico.
Tratamento
A maioria dos pacientes tem a sensação de sede normal e é capaz de beber uma
quantidade de água suficiente para manter a hidratação normal. A ingesta de água pode
ser muito grande, causando irritabilidade, problemas de ajuste social e prejuízo no
trabalho. A poliúria de longa duração pode levar a hidronefrose, megaureter e dilatação
de bexiga, porém geralmente sem prejuízo à função renal.
A Desmopressina (DDAVP) é o análogo sintético da vasopressina. Apresenta
uma atividade antidiurética mais prolongada e mais específica que a vasopressina, com
reduzida atividade pressórica. Possui vantagens relacionadas a eficácia, administração
simples, longa duração de ação e efeitos colaterais de pequena gravidade, como
cefaleia, náusea, rubor facial e dores abdominais. As desvantagens incluem alto custo e
grande variação de dose entre os indivíduos, independentemente da altura e do peso. O
início da ação ocorre em aproximadamente uma hora. A Desmopressina está disponível
em nosso meio para administração intra-nasal, oral e intravenosa. A apresentação intra-
nasal existe na forma de spray com 10mcg/puff em frascos de 2.5mL com 100mcg/mL.
A dose média diária em adultos é de 10-20mcg uma a duas vezes ao dia. A dose de
Desmopressina administrada por via oral, apresentada na forma de comprimidos de
0.1mg e 0.2mg, é cerca de dez a vinte vezes maior, devendo-se iniciar o tratamento com
meio comprimido de 0.1mg e aumentar progressivamente até uma dose plena de 0.1-
0.2mg três vezes ao dia. A Desmopressina para uso parenteral é apresentada na forma
de ampolas de 4mcg/1mL, com dose inicial pela via subcutânea de aproximadamente
0.5mcg duas vezes ao dia. Para potencializar os efeitos da vasopressina endógena ou
exógena, podem ser usadas Clorpropamida, Carbamazepina ou Clofibrato.
Definição
A síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético é desencadeada
quando concentrações plasmáticas da vasopressina estão elevadas em situações nas
quais a sua secreção deveria estar suprimida. Essa síndrome tem como manifestação
mais característica a hiponatremia. Trata-se da causa mais comum de hiposmolalidade
euvolêmica.
Fisiopatologia
Em condições fisiológicas, a liberação de vasopressina ocorre quando o
organismo necessita conservar água livre para manter normais a osmolalidade e a
volemia. Na síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético, a
vasopressina é secretada continuamente, mesmo na presença de hiponatremia e baixa
osmolalidade plasmática. O excesso de água livre acarreta uma expansão hiposmolar do
líquido extracelular, com consequente edema celular, sem sinais clínicos de edema
periférico. O aumento da filtração glomerular e a diminuição da reabsorção de sódio nos
túbulos proximais renais são os mecanismos regulatórios para o controle da
hipervolemia. A expansão do volume extracelular eleva os níveis do peptídeo
Etiologia
Tumores, como carcinoma pulmonar de pequenas células, mesotelioma, timoma,
carcinoma duodenal, carcinoma pancreático, carcinoma ureteral, carcinoma prostático,
carcinoma uterino, carcinoma de nasofaringe e leucemia.
Doenças neurológicas, como tumores, abscesso cerebral, hematoma subdural,
encefalite, meningite, lúpus eritematoso sistêmico com acometimento do sistema
nervoso central, hemorragia subaracnoide, acidente vascular encefálico isquêmico ou
hemorrágico, trauma, transecção de haste hipofisária e cirurgia transesfenoidal. A
hiponatremia associada com hemorragia intracraniana ou outro grave evento
neurológico pode também ser causada pela síndrome cerebral perdedora de sal, que
pode ser diferenciada da elevação inapropriada da vasopressina por causar depleção
volêmica.
Doenças pulmonares, como tuberculose, pneumonia viral ou bacteriana,
empiema, síndrome da angústica respiratória do adulto, doença pulmonar obstrutiva
crônica e ventilação com pressão positiva.
Drogas, como Carbamazepina, Oxcarbazepina, Clorpropamida, Clofibrato,
Ciclofosfamida, inibidores seletivos da receptação de serotonina, fenotiazinas,
antidepressivos tricíclicos e Nicotina.
Síndrome da imunodeficiência adquirida ou doenças oportunistas, como
pneumocistose e infecções do sistema nervoso central.
Cirurgias abdominais ou torácicas.
Idiopática.
Quadro clínico
A hiponatremia pode se manifestar com sinais sistêmicos, como fraqueza,
adinamia, anorexia, fadiga, vômitos e mal-estar. As manifestações neurológicas, como
sonolência, confusão, convulsão e coma, costumam ser progressivas e dependem da
concentração plasmática de sódio e da velocidade de instalação.
Os pacientes com síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético
crônica, em decorrência da retenção hídrica, geralmente ganham 3kg em água corporal.
Entretanto, apesar da expansão volêmica, não desenvolvem edema.
Diagnóstico
Diminuição efetiva da osmolalidade plasmática para menos de 275mOsm/kg,
devendo-se excluir pseudo-hiponatremia e hiperglicemia.
Concentração urinária inapropriada em relação ao nível de osmolalidade
plasmática, com osmolalidade urinária superior a 100mOsm/kg com função renal
normal. Isso não significa necessariamente que a osmolalidade urinária seja maior que a
osmolalidade plasmática, mas que a urina não está diluída em níveis máximos. Quando
a síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético é causada por uma
diminuição do limiar de sensibilidade dos osmorreceptores para liberação de hormônio
anti-diurético ante a hiponatremia, a secreção da vasopressina pode estar suprimida caso
a osmolalidade plasmática tenha atingido níveis suficientemente baixos. Dessa forma, a
urina pode apresentar uma osmolalidade não-elevada em virtude da supressão da
vasopressina.
Euvolemia clínica, definida pela ausência de sinais de hipovolemia, como
hipotensão postural, taquicardia e mucosas secas, ou hipervolemia, como edema
Tratamento
O fator etiológico da síndrome da secreção inapropriada do hormônio
antidiurético deve ser identificado e corrigido o mais precocemente possível. Drogas
relacionadas ao aumento dos níveis da vasopressina ou à potencialização da sua ação
devem ser suspensas.
O tratamento básico da síndrome da secreção inapropriada do hormônio
antidiurético crônica é a restrição da ingesta hídrica. Quando não for eficaz para a
correção da hiponatremia, uma alta ingesta de sódio e o uso de diuréticos de alça, como
Furosemida 40mg/dia, podem ser úteis.
Drogas que diminuam a resposta dos ductos coletores à vasopressina podem ser
utilizadas. A Demeclociclina, com 3-5mg/kg a cada oito horas por via oral, é superior
ao Lítio para essa finalidade, porém tem que ser usada com cautela por causa de sua
toxicidade.
Antagonistas seletivos dos receptores V2 ou que bloqueiam os receptores V2 e
V1a da vasopressina constituem uma nova modalidade terapêutica. Produzem uma
diurese de água seletiva sem afetar a excreção de sódio e potássio.
A reposição de sódio somente deverá ser feita nos casos graves, quando ocorrer
depleção aguda do sódio corporal total. Nessas condições, diuréticos de alça, como
Furosemida 2-4mg/kg/dose, podem ser utilizados associados a Soro Fisiológico,
evitando modificações rápidas no equilíbrio hidroeletrolítico. Nos casos graves,
recomenda-se o uso de solução de Cloreto de Sódio a 3%. A velocidade de correção do
sódio deve ser monitorada, de modo que não ocorra um aumento maior que
12mEq/L/dia. Pode ser necessário o uso de Furosemida para aumentar a excreção de
água livre.
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Etiologia e fisiopatologia
Independentemente da etiologia, o prejuízo das ações do paratormônio resulta
em reabsorção óssea e tubular de cálcio diminuída e redução na produção de 1,25-
diidroxi-vitamina D, com consequente redução da absorção intestinal de cálcio. A
resultante é uma hipocalcemia que, ao determinar baixa carga filtrável de cálcio,
promove excreção urinária de cálcio diminuída. Na falta de ação do paratormônio,
ocorre também redução do clearance de fosfato e a hiperfosfatemia é um achado
comum.
Quadro clínico
O quadro clínico do paciente com hipoparatireoidismo depende da hipocalcemia
e de sintomas e sinais das suas várias etiologias.
As manifestações clínicas da hipocalcemia são relacionadas a um aumento da
excitabilidade neuromuscular. A intensidade dos sintomas varia entre os indivíduos e
depende do grau de hipocalcemia e da velocidade da sua queda. Os sintomas mais
precoces são parestesias em extremidades e região perioral. Com hipocalcemia mais
acentuada, o paciente refere cãibras. Há acentuação do quadro clínico associada a
hiperventilação, como em esforços físicos, uma vez que a alcalose respiratória reduz a
concentração do cálcio ionizado. A manifestação clínica característica da hipocalcemia
aguda é a tetania, que pode ser acompanhada de sudorese, cólicas abdominais, vômitos
e broncoespasmo, provavelmente por disfunção do sistema nervoso autônomo. Em
crianças, o laringoespasmo pode ser a única manifestação de tetania. As convulsões
generalizadas podem ser desencadeadas pela hipocalcemia em pessoas predispostas. O
edema de papila tem sido descrito e, quando associado a quadro convulsivo, pode haver
confusão com tumor cerebral. Os sintomas de tetania podem ainda ser latentes, apenas
desencadeados por manobras, com os sinais de Chvostek e Trousseau.
Quando a hipocalcemia se instala de modo insidioso, costuma haver adaptação
do organismo e os sintomas surgem apenas durante períodos de aumento da demanda de
cálcio, como gestação, lactação, ciclo menstrual e estados de alcalose, ou durante o uso
de agentes que reduzem a calcemia.
Nos pacientes com hipoparatireoidismo crônico, a pele pode ser seca e
descamativa, as unhas, quebradiças, e os cabelos, secos e ásperos. Catarata está presente
em metade dos pacientes não-tratados, com patogênese obscura. Alterações psíquicas,
como labilidade emocional, ansiedade e depressão, podem estar presentes. As
manifestações cardíacas podem ser apenas eletrocardiográficas, como aumento do
intervalo QT, ou clínicas, com arritmias. Na hipocalcemia acentuada, a insuficiência
cardíaca pode se tornar refratária às medidas terapêuticas usuais.
A hiperfosfatemia persistente, associada à hipocalcemia, pode induzir à
calcificação de gânglios da base, que pode ser assintomática ou se manifestar como
parkinsonismo. A hipocalcemia durante o desenvolvimento dos dentes poderá ocasionar
retardo na erupção dos dentes, prejuízo da formação do esmalte, raízes defeituosas e
hipoplasia dos dentes.
Avaliação complementar
A comprovação laboratorial do diagnóstico é feita pela dosagem de cálcio
sérico. A concentração diminuída de cálcio sérico total deve ser interpretada em
Tratamento
O objetivo do tratamento do hipoparatireoidismo é controlar adequadamente as
manifestações clínicas da doença, mas também evitar o aparecimento de suas
complicações crônicas e, eventualmente, de complicações de seu tratamento. A
hipocalcemia deve ser normalizada.
Hipocalcemia aguda
Os pacientes sintomáticos com tetania, convulsões, intervalo QT prolongado ou
concentrações séricas de cálcio total corrigidas inferiores ou iguais a 7.5mg/dL
requerem a administração intravenosa imediata de cálcio para o desaparecimento dos
sintomas. As soluções disponíveis são Gluconato de Cálcio a 10%, com 90mg de cálcio
por ampola de 10mL, e Cloreto de Cálcio a 10%, com 272mg de cálcio por ampola de
10mL. Comumente utiliza-se 10-20mL de Gluconato de Cálcio a 10% diluído em 50-
100mL de Soro Glicosado a 5% ou Soro Fisiológico. A velocidade de infusão deve ser
lenta, em dez a vinte minutos, com cuidado redobrado em pacientes em uso de
digitálicos, pois a hipercalcemia predispõe a intoxicação digitálica e arritmias. Se
houver persistência da hipocalcemia, pode-se repetir a medicação ou iniciar infusão
intravenosa contínua. Deve-se diluir dez ampolas de Gluconato de Cálcio a 10% em
900mL de Soro Glicosado a 5% e infundir 50mL/hora, que corresponderá a 45mg de
cálcio por hora. Com a monitorização do cálcio sérico, diminui-se a velocidade de
infusão para 25mL/hora quando o cálcio sérico estiver no limite inferior da
normalidade. A solução a ser infundida não pode conter bicarbonato ou fosfato para
evitar a formação de sais insolúveis de cálcio. Soluções com mais de 200mg de cálcio
por 100mL devem ser evitadas pelo risco de flebite. A infusão intravenosa deverá ser
mantida até que o paciente comece a receber regime efetivo de reposição de cálcio e
vitamina D por via oral.
A hipomagnesemia deve ser corrigida com Sulfato de Magnésio ou Cloreto de
Magnésio. Cada ampola de Sulfato de Magnésio a 10% fornece 98mg (8.1mEq) de
magnésio. A injeção intramuscular pode ser dolorosa, dando-se preferência à via
intravenosa. A dose diária pode chegar a 48mEq de magnésio. Sugere-se a reposição de
2g de Sulfato de Magnésio em 100mL de Soro Fisiológico em dez a vinte minutos
como esquema inicial de reposição e a seguir 1g de Sulfato de Magnésio em 100mL em
infusão contínua a cada hora, que deverá ser mantida enquanto a concentração sérica de
magnésio for inferior a 0.8mEq/L, 1mg/dL ou 0.4mmol/L.
Cálcio intravenoso não é recomendado como tratamento inicial para pacientes
com hipocalcemia assintomática e disfunção renal, nos quais a correção da
hiperfosfatemia e da deficiência de calcitriol geralmente são os objetivos primários.
Hipocalcemia crônica
Medidas gerais incluem correção da hipomagnesemia e do hipotireoidismo,
quando presentes, uma vez que essas condições dificultam o tratamento do
hipoparatireoidismo.
O tratamento da hipocalcemia crônica prevê o uso de sais de cálcio e vitamina
D. O paratormônio 1,34 recombinante humano, quando utilizado, deve ser aplicado por
via intramuscular com dose de 20mcg de 12/12 horas, mas apresenta custo elevado, com
limitação para a aplicação na prática clínica rotineira.
A suplementação oral com 1-3g de cálcio elementar por dia deve ser instituída
em todos os casos. Os sais de cálcio são administrados em doses fracionadas e, nos
casos mais leves, são suficientes para a correção da hipocalcemia. O Carbonato de
Cálcio é o mais utilizado por ser mais facilmente encontrado e mais barato. Cada grama
fornece 400mg de cálcio elementar. Deve ser administrado com as refeições para que
ocorra sua solubilização. A dose, em cada tomada, não deve ultrapassar 1000mg de
cálcio elementar. A absorção do Lactato de Cálcio e do Citrato de Cálcio não é
dependente da acidez gástrica, com uso independente da alimentação.
O ideal é o uso da forma mais ativa da vitamina D, o calcitriol (1,25-diidroxi-
vitamina D3), apresentado na forma de cápsulas de 0.25mcg. Nos casos de
hipoparatireoidismo total e definitivo, a dose varia de 0.5mcg a 2mcg por dia fracionada
em duas tomadas diárias. Essa medicação é eficiente e apresenta baixo risco de
intoxicação por causa da sua meia-vida curta. Alternativamente, utiliza-se Alfacacidiol
(1-alfa-hidróxi-vitamina D3), apresentado na forma de cápsulas de 0.25mcg e 1mcg,
que, após a absorção, é metabolizado no fígado e circula como calcitriol, com dose de 1-
4mcg/dia. Outra forma terapêutica é o uso de vitamina D sob a forma de Colecalciferol
(vitamina D3), mais potente que o Ergocalciferol (vitamina D2), com 25000-
100000UI/dia. No entanto, essa forma depende de uma primeira hidroxilação hepática e
uma segunda hidroxilação renal. Tem como vantagem o custo mais baixo, porém há
maior risco de hipercalcemia e intoxicação em função de meia-vida mais longa.
Sintomas de intoxicação por vitamina D incluem poliúria, polidipsia, constipação
intestinal, anorexia, náusea e vômitos. O pseudo-hipoparatireoidismo geralmente
necessita de dose menor de vitamina D do que o hipoparatireoidismo, com
monitorização do tratamento pela dosagem de paratormônio.
Nos pacientes com hipoparatireoidismo por alteração no sensor de cálcio, o
tratamento tem por objetivo manter o cálcio sérico no limite inferior da normalidade,
tomando-se o cuidado para não agravar a hipercalciúria.
Com o intuito de prevenir as complicações do tratamento, é recomendado o
controle laboratorial mensal nos primeiros meses e a cada três a seis meses após o ajuste
da dose das medicações. O controle laboratorial é realizado com dosagens séricas de
cálcio, fosfato e creatinina e calciúria de 24 horas e em amostra isolada. Em caso de
hipercalciúria, superior ou igual a 300mg/dia, as doses de Carbonato de Cálcio e
Calcitriol deverão ser ajustadas. Na ausência de paratormônio, o cálcio urinário é mais
elevado para determinada concentração sérica de cálcio. Assim, alguns pacientes com
concentração sérica normal de cálcio podem apresentar hipercalciúria. Nessa condição,
associa-se diurético tiazídico, cujo efeito na reabsorção urinária de cálcio é aumentado
com o controle da ingesta de cloreto de sódio. Recomenda-se a realização de
ultrassonografia de rins e vias urinárias a cada dois anos ou anualmente quando houver
história de calculose ou hipercalciúria de difícil controle.
O tratamento do hipoparatireoidismo visa manter o fosfato sérico abaixo de
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Etiology of hypocalcemia in adults. David Goltzman. UpToDate, 2012.
Clinical manifestations of hypocalcemia. David Goltzman. UpToDate, 2012.
Diagnostic approach to hypocalcemia. David Goltzman. UpToDate, 2012.
Treatment of hypocalcemia. David Goltzman. UpToDate, 2012.
Definições
Hipotireoidismo é estado resultante da produção insuficiente de hormônios
tireoidianos. Segundo o momento em que ocorre, pode ser congênito ou adquirido.
Conforme a lesão que o determina, pode ser primário se localização na tireoide,
secundário se localização na hipófise ou terciário se localização no hipotálamo. De
acordo com a sua intensidade, pode ser subclínico ou clínico. Raramente, o
hipotireoidismo decorre de resistência ao hormônio tireoidiano.
Cretinismo é síndrome caracterizada por surdez neurossensorial, retardo mental,
baixa estatura e fácies característica que ocorre em indivíduos portadores de
hipotireoidismo congênito não-tratado.
Epidemiologia
O hipotireoidismo é a alteração funcional endócrina mais comum. Acomete mais
mulheres do que homens e a incidência em ambos os sexos aumenta com a idade.
A instalação de hipotireoidismo pode estar associada a período pós-parto, bócio,
doença nodular tireoidiana, tireoidite prévia, antecedente familiar de doença tireoidiana,
doença autoimune endócrina não-tireoidiana, irradiação cervical externa, cirurgia
tireoidiana, radioiodo, hipertensão pulmonar primária, doenças autoimunes não-
endócrinas e síndromes de Down e Turner.
Etiologia
Hipotireoidismo congênito
A deficiência endêmica de iodo persiste como causa importante de
hipotireoidismo congênito mundialmente. Em regiões de suficiência iódica, a doença
tem caráter esporádico na maior parte dos casos, resultando de disgenesia tireoidiana.
Outras causas incluem defeitos genéticos herdados da síntese hormonal tireoidiana,
resistência ao TSH ou ao hormônio tireoidiano, passagem transplacentária de anticorpos
anti-receptor de TSH (TRAb) da mãe com doença tireoidiana autoimune para o feto e
hemangioma hepático de grande dimensão, com elevada atividade da desiodase tipo 3.
Quadro clínico
O quadro clínico do hipotireoidismo depende do grau de insuficiência
tireoidiana, da época da vida em que tal deficiência se instalou, do tempo de duração da
disfunção glandular e de fatores individuais. Inclui fadiga e fraqueza, intolerância ao
frio, ganho de peso, obstipação, pele seca e áspera, bradicardia, rouquidão, melancolia e
disfunção cognitiva. Apneia do sono é frequente. Podem ocorrer mialgia, parestesia e
redução sensorial com comprometimento de paladar, audição e olfato. O exame físico
pode revelar pele seca, áspera e fria, queda de cabelos e sobrancelhas, movimentos e
fala lentos, rouquidão, reflexos tendíneos retardados, bradicardia, carotenemia, fácies
mixedematosa, edema periorbitário, edema generalizado que não cede à pressão dos
dedos, macroglossia, hipertensão diastólica, sinais de insuficiência cardíaca, ascite e
galactorreia.
Alterações menstruais podem ocorrer em mulheres com disfunção tireoidiana.
Avaliação complementar
A ocorrência de resultados anormais em exames rotineiros pode ser o primeiro
indício de deficiência hormonal. São especialmente comuns em pacientes com
hipotireoidismo elevações séricas do colesterol e da homocisteína, podendo ocorrer
também hiponatremia, hiperprolactinemia, hipoglicemia, elevação no nível de
creatinofosfoquinase e hipercarotenemia.
Concentrações elevadas de TSH identificam pacientes com distúrbio primário,
independentemente da causa ou do grau de deficiência. Os níveis normais séricos de
referência vão de 0.5mcU/mL a 4.2mcU/mL, com valor superior a 3mcU/mL podendo
indicar disfunção tireoidiana mínima e risco de progressão para hipotireoidismo.
Quando a elevação do TSH é detectada, o teste deve ser repetido e a concentração sérica
de T4 livre testada. Em portadores de hipotireoidismo central, o TSH sérico pode ser
baixo, normal ou discretamente elevado em concomitância com níveis baixos de T4
livre, sendo indicada avaliação complementar laboratorial e por métodos de imagem.
Pacientes eutireoideos com insuficiência renal, insuficiência adrenal ou hipotermia
podem apresentar elevações modestas dos níveis séricos de TSH. Níveis séricos
elevados de TSH também podem ocorrer em caso de tumores hipofisários secretores de
TSH ou resistência predominantemente hipofisária ao hormônio tireoidiano.
A detecção de auto-anticorpos tireoidianos é útil para confirmação diagnóstica
de tireoidite autoimune.
A demonstração de um padrão ultrassonográfico hipoecogênico, expressando
destruição da arquitetura tecidual folicular causada pelo processo autoimune, pode
ajudar a identificar os pacientes com tireoidite que têm autoanticorpos negativos.
Hipotireoidismo subclínico
Define-se hipotireoidismo subclínico como uma síndrome caracterizada por
elevação do nível sérico de TSH na presença de níveis séricos normais de hormônios
tireoidianos em indivíduos assintomáticos ou minimamente sintomáticos.
As causas são praticamente as mesmas do hipotireoidismo clínico.
Classificação:
- Grau I é caracterizado por TSH de 4.21mU/L a 6mU/L;
- Grau II é caracterizado por TSH de 6.01mU/L a 12mU/L;
- Grau III é caracterizado por TSH superior a 12mU/L;
Uma proporção substancial dos pacientes que apresentam hipotireoidismo
subclínico desenvolverá hipotireoidismo clínico, estando mais propensos aqueles com
TSH superior a 20mU/L, anti-TPO positivo e etiologia secundária a radioiodo para
tratamento de doença de Graves, radioterapia externa em elevada dose na região do
pescoço ou uso de Lítio.
Os pacientes com hipotireoidismo subclínico são habitualmente assintomáticos.
Quando presentes, os sintomas são inespecíficos e semelhantes aos encontrados nos
pacientes com hipotireoidismo clínico.
As principais consequências adversas do hipotireoidismo subclínico são
elevação do nível sérico de LDL-colesterol, diminuição da contratilidade miocárdica,
disfunção endotelial e aterogênese. Outras consequências adversas incluem transtornos
do humor, disfunção ovulatória com infertilidade, aborto espontâneo, sintomas
neuromusculares, elevação dos níveis séricos de creatinofosfoquinase e mioglobina,
diminuição do desenvolvimento mental de filhos, neuropatia periférica, aumento da
pressão intraocular e diminuição dos reflexos aquileu e estapedial.
Diagnóstico diferencial de hipotireoidismo subclínico inclui síndrome do
eutireoideo doente, surto agudo de doença psiquiátrica, deficiência de glicocorticoide,
insuficiência renal, interferência laboratorial pela presença de anticorpos heterófilos,
Coma mixedematoso
O coma mixedematoso é uma forma grave e potencialmente fatal do
hipotireoidismo inadequadamente tratado em que os mecanismos adaptativos para
manter a homeostase são rompidos.
Ocorre mais comumente em pacientes idosos do sexo feminino com antecedente
de hipotireoidismo e expostos a condições estressantes, como cirurgia e frio intenso.
Outros fatores precipitantes habituais incluem má aderência à reposição com
Levotiroxina, sangramento intestinal, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca,
infarto agudo do miocárdio, infecção, doença pulmonar, trauma e uso de Amiodarona
ou Lítio. A evolução clínica de letargia para estupor e coma pode ser acelerada por
drogas, especialmente sedativos, narcóticos e antidepressivos.
Os três elementos essenciais para o diagnóstico do coma mixedematoso são
alteração do nível de consciência, termorregulação defeituosa e presença de fatores
precipitantes. Os pacientes podem chegar ao pronto socorro com bradicardia e
hipotensão por redução do volume sanguíneo. Sintomas gastrointestinais podem estar
presentes, como atonia gástrica e diminuição da motilidade intestinal, com íleo
paralítico e megacólon. Há diminuição da resposta respiratória à hipoxemia e à
hipercapnia, com hipoventilação alveolar. Atrofia e perda de massa muscular podem
ocorrer, com elevação de enzimas musculares.
Diante de um paciente com quadro clínico sugestivo de mixedema, devem ser
solicitados exames complementares, embora o tratamento deva ser iniciado
imediatamente, antes do resultado do perfil hormonal. A avaliação complementar
abrange dois pares de hemoculturas, urina tipo 1, urocultura, coleta e análise de material
de outros focos suspeitos, função renal, que pode revelar aumento de creatinina,
eletrólitos séricos, que podem revelar hiponatremia e hipocloremia, gasometria arterial,
que pode revelar hipoxemia e hipercapnia, hemograma, que pode revelar anemia leve
normocrômica normocítica ou macrocítica, enzimas musculares, que costumam estar
elevadas, perfil metabólico, que pode revelar hipercolesterolemia e hipoglicemia, perfil
hormonal, que geralmente revela diminuição dos níveis de T3 e T4 totais, diminuição de
T4 livre e aumento de TSH, exceto no hipotireoidismo central, radiografia de tórax, que
pode revelar derrame pleural, aumento da área cardíaca e, eventualmente, infiltrado
pulmonar precipitante, e eletrocardiograma, que pode revelar baixa voltagem difusa.
Diagnósticos diferenciais incluem intoxicação exógena aguda, hipoglicemia,
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Emergências clínicas: abordagem prática / Herlon Saraiva Martins.. [et al.]. – 5. ed. ampl. e rev. – Barueri, SP : Manole, 2010.
Manual da residência de terapia intensiva / editores Andréa Remígio Oliveira... [et al.] . 2. ed. – Barueri, SP : Manole, 2011.
Etiologia
A insuficiência adrenal primária, também conhecida como doença de Addison, é
caracterizada por deficiência de glicocorticoide, mineralocorticoide e andrógenos.
Trata-se de condição rara, com predominância no sexo feminino, sendo habitualmente
diagnosticada na quarta década de vida. Decorre de doenças que destroem o córtex
adrenal, que alteram o seu desenvolvimento ou que interferem na síntese de esteroides
adrenais. As causas de insuficiência adrenal primária podem ser subdivididas em
adquiridas e genéticas. Geralmente, para que ocorra sintomatologia, deve haver
acometimento das duas adrenais. Dentre as causas adquiridas, incluem-se
autoimunidade, que pode ser esporádica ou associada às síndromes poliglandulares
autoimunes, infecções, como aquelas causadas por micobactérias (tuberculose), fungos
(histoplasmose e paracoccidioidomicose), citomegalovírus e vírus da imunodeficiência
humana, infiltração glandular, como em amiloidose e hemocromatose, neoplasias
malignas, como carcinoma de pulmão, carcinoma de mama, linfoma, melanoma,
carcinoma de estômago e carcinoma de cólon, adrenalectomia bilateral, hemorragia
intra-adrenal, como em sepse (síndrome de Waterhouse-Friderichsen), trauma,
trombocitopenia e uso de anticoagulantes, trombose de veia adrenal, como em
coagulação intravascular disseminada e síndrome do anticorpo antifosfolípide, e
medicamentos, como Cetoconazol, Metirapona, Mitotano, Etomidato, Rifampicina,
Fenitoína e Fenobarbital.
A causa mais frequente de doença de Addison em adultos é a adrenalite
autoimune. A destruição das adrenais por mecanismo autoimune resulta em adrenais
atróficas, com perda da maior parte das células do córtex, usualmente com camada
medular intacta. Em 60-75% dos casos são encontrados anticorpos anti-enzimas
esteroidogênicas, como anti-21-hidroxilase e anti-P450scc. Nas síndromes
poliglandulares autoimunes, as doenças mais comumente associadas à doença de
Addison são, em ordem de frequência, tireoidite de Hashimoto, doença de Graves,
gastrite crônica atrófica, diabetes mellitus do tipo 1, hipoparatireoidismo,
hipogonadismo hipogonadotrófico, vitiligo, alopecia, doença celíaca e anemia
perniciosa. A síndrome poliglandular autoimune do tipo 1, extremamente rara, resulta
de mutações no gene AIRE (autoimune regulator), é herdada com padrão autossômico
recessivo e tem como manifestações mais comuns candidíase mucocutânea,
hipoparatireoidismo e insuficiência adrenal. A síndrome poliglandular autoimune do
tipo 2 ou síndrome de Schmidit é bem mais frequente, resulta de herança autossômica
dominante, predomina em pessoas do sexo feminino com vinte a quarenta anos de idade
e tem como manifestações clínicas mais comuns doença de Addison, doença autoimune
da tireoide e diabetes mellitus do tipo 1. Outras manifestações que podem estar
presentes incluem hipogonadismo hipergonadotrófico, vitiligo, alopecia e síndrome de
má-absorção intestinal.
Dentre as causas genéticas, incluem-se hiperplasia adrenal congênita associada a
insuficiência adrenal, hipoplasia adrenal congênita, adrenoleucodistrofia, deficiência
Quadro clínico
O quadro clínico da insuficiência adrenal primária está diretamente relacionado
à rapidez e à intensidade do comprometimento adrenal. Os sintomas geralmente
ocorrem quando há destruição de mais de 90% da glândula. Inicialmente, ocorre uma
resposta anormal às situações de estresse, como infecção e trauma. Com a progressão da
destruição do córtex, as manifestações se tornam evidentes independentemente de
situações de estresse. Os sintomas mais comuns são relacionados à deficiência de
glicocorticoide e incluem fadiga, fraqueza, anorexia, letargia, perda de peso, tontura,
náusea, vômito, dor abdominal, febre e hipotensão. Nas mulheres, amenorreia pode
estar presente, especialmente se houver perda de peso importante ou associação com
ooforite autoimune. Dentre as manifestações mais específicas de falência adrenal está a
hiperpigmentação ocasionada pelo aumento da concentração plasmática de ACTH e
MSH, ambos derivados da molécula pró-opiomelanocortina (POMC), que estimulam a
produção de melanina na pele. Tipicamente, ela é observada em áreas expostas, pontos
de pressão, dobras cutâneas e mucosa oral. A deficiência de mineralocorticoide resulta
em hipovolemia, desidratação, hipotensão postural e avidez por sal. Em mulheres, a
deficiência de andrógenos ocasiona diminuição de pelos axilares e pubianos, além de
perda de libido.
As manifestações da insuficiência adrenal secundária diferem daquelas da
doença de Addison em alguns aspectos. Não há hiperpigmentação cutaneomucosa e,
como não há deficiência de mineralocorticoide, não ocorre depleção de volume,
desidratação, avidez por sal e hipercalemia. As manifestações gastrointestinais são
menos comuns. Podem ser observados sintomas relacionados à deficiência de outros
hormônios hipofisários, como LH, FSH, TSH e GH.
Avaliação complementar
Na doença de Addison, os achados bioquímicos mais comuns são hiponatremia,
hipercalemia e azotemia pré-renal. Outros achados incluem hipoglicemia de jejum,
hipoglicemia pós-prandial, hipercalcemia leve a moderada, elevação de transaminases e,
mais raramente, hipomagnesemia. Na insuficiência adrenal secundária, não ocorre
hipercalemia em razão da manutenção da integridade do sistema renina-angiotensina-
Tratamento
A crise adrenal aguda representa uma emergência clínica e deve ser prontamente
tratada sempre que suspeitada. Devem ser colhidos sódio, potássio, cortisol e ACTH
plasmáticos antes da administração parenteral de glicocorticoides. Hidrocortisona deve
ser administrada com dose de ataque de 100mg por via intravenosa em bolus e dose de
manutenção de 50-100mg por via intravenosa a cada seis horas. Em pacientes sem
diagnóstico prévio de insuficiência adrenal, pode-se preferir iniciar o tratamento com
Dexametasona 4mg por via intravenosa em bolus, já que não é medido nos ensaios para
dosagem de cortisol. Pacientes com hipotensão devem receber Soro Fisiológico para
expansão rápida e Soro Glicosado para hipoglicemia. A dose de glicocorticoide
Algoritmo
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Definição
Incidentaloma adrenal é definido como lesão adrenal com diâmetro superior a
1cm descoberta em exame radiológico em paciente sem sinal ou sintoma de doença
adrenal.
Epidemiologia
A frequência do incidentaloma adrenal varia de acordo com o tipo e a qualidade
do exame utilizado. Também está associada à idade, com predominância discreta no
sexo feminino.
Etiologia
O incidentaloma adrenal não é uma entidade patológica única, podendo ter
origem primária no córtex ou na medula da adrenal ou ser lesão secundária a processos
extra-adrenais infecciosos ou neoplásicos. As doenças infecciosas, como tuberculose e
blastomicose, já foram mais frequentes e, atualmente, estão se tornando mais raras.
Portanto, quando se está diante de um incidentaloma, a maior preocupação deve ser a de
identificar os principais tumores, que incluem adenoma de córtex, carcinoma de córtex,
feocromocitoma, metástase, mielolipoma, hiperplasia adrenal, ganglioneuroma e cisto
adrenal.
Como as adrenais são intensamente vascularizadas, elas são locais frequentes de
metástases, especialmente de tumores de pulmão e mama e linfoma, embora tumores de
rim, intestino e fígado, leucemia e sarcoma também possam se associar a metástases
adrenais. Em geral, elas ocorrem em pacientes com tumor primário evidente ou com
doença metastática generalizada.
Os mielolipomas são tumores mistos compostos de tecido gorduroso e
hematopoético. Embora sejam, na maioria das vezes, assintomáticos, podem sangrar e
causar dor. São tumores de diagnóstico difícil, identificados em exames radiológicos
pela grande quantidade de gordura tumoral.
A hiperplasia adrenal, em geral, é bilateral.
Avaliação complementar
Na avaliação funcional, deve-se considerar que a maioria dos incidentalomas
corresponde a tumores não-funcionantes e que o restante corresponde a tumores
produtores de cortisol, catecolaminas, aldosterona e, mais raramente, andrógenos. A
investigação laboratorial de feocromocitoma e hiperaldosteronismo primário deve ser
feita pela determinação de metanefrinas e catecolaminas urinárias e/ou plasmáticas e
pela determinação de aldosterona e atividade de renina plasmática, respectivamente. Em
caso de baixa probabilidade de feocromocitoma, prefere-se a avaliação de metanefrinas
e catecolaminas urinárias. O diagnóstico de síndrome de Cushing subclínica é mais
problemático e sua frequência varia de acordo com o método utilizado, sendo as
principais opções o ritmo de cortisol, o nível de ACTH, o nível de sulfato de
dehidroepiandrosterona (DHEAS), a resposta do ACTH ao CRH, o teste de depressão
com 1mg de Dexametasona, o teste de depressão com 2mg, 3mg ou 8mg de
Dexametasona e o cortisol urinário. As várias alterações relacionadas ao
Tratamento
Cirurgia é indicada para todos os tumores funcionantes, todos os
feocromocitomas, funcionantes ou não, todos os tumores de tamanho superior ou igual a
4cm e todos os tumores com tamanho inferior a 4cm com características radiológicas de
malignidade. Observação clínica é indicada para os tumores com tamanho inferior a
4cm com características radiológicas de benignidade, podendo-se considerar
adrenalectomia em pacientes jovens com poucas comorbidades, em caso de crescimento
do tumor e em caso de preferência por ressecção. Pela possibilidade de crescimento e de
eventual aquisição de funcionalidade é que se torna necessário o acompanhamento dos
incidentalomas em longo prazo. Não existe transformação de tumor benigno em tumor
maligno. A maioria dos autores concorda que uma segunda avaliação radiológica deva
ser feita em três a seis meses para detectar crescimento rápido do tumor. Alguns autores
consideram investigações radiológicas posteriores desnecessárias, enquanto outros as
recomendam. No HC-FMUSP, tem-se feito reavaliação a cada dois anos até completar
cinco anos e a cada três a cinco anos até completar dez anos. A avaliação funcional com
teste de depressão e com a determinação de cortisol urinário deve ser anual até
completar quatro anos. As vias de acesso cirúrgico mais utilizadas são a laparoscopia, a
lombotomia, a toracofrenolaparotomia e a laparotomia mediana. Considera-se que a
cirurgia laparoscópica deva ser realizada apenas nos pacientes com tumores menores do
que 10cm, preferencialmente com características de benignidade. Cirurgia aberta é
preferida em caso de tumores com invasão local ou vascular, sugestão radiológica de
malignidade, tumores corticais grandes, tumores com produção hormonal mista, história
familiar de feocromocitoma maligno e suspeita de feocromocitoma maligno.
Em pacientes com síndrome de Cushing subclínica que serão submetidos a
adrenalectomia, administração de glicocorticoide no período perioperatório é
recomendada para prevenir insuficiência adrenal, instabilidade hemodinâmica e morte.
Em pacientes com feocromocitoma, bloqueadores α-adrenérgicos devem ser
administrados antes da adrenalectomia.
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
The adrenal incidentaloma. William F Young, Norman M Kaplan and Electron Kebebew. UpToDate, 2012.
Feocromocitoma
Definição
O feocromocitoma é um tumor originário das células cromafins da medula
adrenal.
Fisiopatologia
Embora o feocromocitoma seja, na maioria das vezes, um tumor isolado e não
familiar, ele pode se apresentar como componente de doença genética de herança
autossômica dominante com alta penetrância. As síndromes genéticas associadas ao
feocromocitoma são as neoplasias endócrinas múltiplas dos tipos 2A, caracterizada por
carcinoma medular da tireoide, feocromocitoma e hiperplasia de paratireoides, e 2B,
caracterizada por carcinoma medular da tireoide, feocromocitoma e ganglioneuromatose
de mucosa e intestino, a doença de von Hippel-Lindau, caracterizada por
feocromocitoma, hemangioblastoma de sistema nervoso central, angiomas de retina,
carcinoma ou cistos renais, cistos ou tumores neuroendócrinos de pâncreas e
cistoadenoma de epidídimo, a neurofibromatose tipo 1, caracterizada por neurofibromas
de nervos periféricos e manchas café com leite, a síndrome paraganglioma familiar,
caracterizada por paragangliomas cervicais, e o feocromocitoma familiar.
Quadro clínico
A maioria dos sinais e sintomas encontrados é consequência direta dos efeitos
cardiovasculares, metabólicos e viscerais das catecolaminas, com hipertensão arterial
sistêmica associada ou não a outros sintomas dependentes da produção tumoral de
catecolaminas.
Uma parcela dos pacientes manifesta paroxismos adrenérgicos e valores de
pressão arterial normais nos períodos entre as crises. Os principais sintomas durante as
crises são palpitação, cefaleia e sudorese. Outros sintomas e/ou sinais, em ordem
decrescente de frequência, incluem palidez, náusea, dor abdominal, dispneia, tontura,
vômitos, tremores, dor torácica anginosa, embaçamento visual, poliúria pós-crise,
convulsão, rubor facial, dor nucal, urticária, acidente vascular cerebral hemorrágico,
calafrios e dor óssea. Nervosismo e ansiedade são frequentemente relatados durante os
paroxismos. Hiperglicemia também pode ocorrer.
Os paroxismos adrenérgicos ocorrem com frequência variável, esporadicamente
ou várias vezes por dia, com duração variável de minutos a horas, geralmente inferior a
quinze minutos. Embora nem sempre seja possível identificar o agente desencadeante,
as crises podem ser provocadas por palpação abdominal, aumento da pressão
abdominal, micção, estresse emocional e drogas, como Metoclopramida,
quimioterápicos e Glucagon.
Em pacientes assintomáticos, o feocromocitoma pode ser diagnosticado durante
a investigação de incidentaloma, o rastreamento de neoplasias endócrinas múltiplas, o
rastreamento de metástases adrenais e a investigação da síndrome de Cushing.
Pode ocorrer febre acompanhada de reações de fase ativa positivas.
Os feocromocitoma podem, como todos os tumores neuroendócrinos, produzir
outros peptídeos e aminas, incluindo somatostatina, calcitonina, vasopressina, ACTH,
histamina, serotonina, peptídeo intestinal vasoativo (VIP) e interleucinas. A produção
desses compostos pode modular ou mesmo neutralizar o efeito das catecolaminas e
mudar a apresentação clínica do feocromocitoma. Exemplos incluem feocromocitomas
produtores de VIP, que estão associados a quadro de diarreia, hipocalemia, desidratação
e hipotensão arterial, de aminas vasoativas, que provocam quadros alérgicos e tendência
à hipotensão postural, de ACTH, que levam à síndrome de Cushing, de fatores
Avaliação complementar
Indicações para investigação bioquímica incluem paroxismos de palpitação,
cefaleia e sudorese com ou sem hipertensão arterial, história familiar de
feocromocitoma, manifestações das síndromes genéticas associadas ao feocromocitoma,
incidentaloma adrenal, crises de hipertensão arterial ou arritmia desencadeadas por
intubação orotraqueal, cirurgia, anestesia ou parto, hipotensão arterial inexplicável após
cirurgia, crises de hipertensão arterial ou paroxismos adrenérgicos desencadeados por
coito, micção, exercícios ou mudança de posição, crises de hipertensão arterial ou
paroxismos adrenérgicos desencadeados pelo uso de β-bloqueadores, antidepressivos
tricíclicos, fenotiazídicos, histamina, glucagon, tiramina, TRH, ACTH e
quimioterápicos, hipertensão arterial com hipotensão postural, hipertensão arterial com
tumor abdominal, hipertensão arterial lábil, hipertensão arterial resistente ao tratamento
e hipertensão arterial com perda de peso.
Os tumores são heterogêneos, com padrões qualitativos variáveis de secreção,
sendo importante que se faça a determinação de pelo menos um metabólito e de pelo
menos uma catecolamina. Nos poucos casos de secreção hormonal episódica, a
determinação das catecolaminas em amostras de urina ou sangue coletadas após a crise
adrenérgica pode ser de grande valor diagnóstico.
Medicações podem interferir nos níveis plasmáticos e urinários das
catecolaminas. Os principais medicamentos que interferem, aumentando os níveis de
catecolaminas e seus metabólitos, são os antidepressivos tricíclicos, os β-bloqueadores e
o Paracetamol. Drogas como Fenoxibenzamina, Levodopa, diuréticos,
descongestionantes nasais, Metildopa e agentes psicoativos, como anfetaminas,
Buspirona, benzodiazepinos e inibidores da monoamino-oxidase, também alteram as
concentrações de catecolaminas circulantes. Todos esses medicamentos devem ser
interrompidos pelo menos duas semanas antes da avaliação laboratorial. Medicamentos
alternativos para tratamento da hipertensão durante a investigação de feocromocitoma
são os bloqueadores de canais de cálcio e os bloqueadores específicos alfa-1.
As determinações mais disponíveis são norepinefrina e epinefrina plasmáticas,
norepinefrina e epinefrina urinárias, metanefrinas urinárias totais ou fracionadas,
metanefrinas plasmáticas fracionadas e ácido vanilmandélico urinário. Recomenda-se,
para melhor acurácia do diagnóstico bioquímico do feocromocitoma, a combinação de
dois métodos, com repetição de cada método pelo menos duas vezes. As amostras
plasmáticas devem ser colhidas em repouso, após vinte minutos da instalação da cânula
intravenosa. As amostras urinárias geralmente são colhidas durante 24 horas, com uso
Tratamento
O tratamento medicamentoso, iniciado sete a quatorze dias antes da cirurgia, tem
como objetivos tratar a hipertensão arterial, evitar a ocorrência de paroxismos e corrigir
eventual hipovolemia. Se a correção da hipovolemia não for feita, os pacientes correm o
risco de desenvolver, após a retirada do tumor e o consequente desaparecimento da
vasoconstrição, hipotensão ou choque hipovolêmico. A vasodilatação provocada pelo
tratamento clínico e a ingesta de dieta rica em sal, iniciada no segundo ou terceiro dia de
tratamento farmacológico, são suficientes para corrigir, de forma mais fisiológica, a
volemia. A administração de volume por via parenteral deve ser feita nos pacientes que
permanecem com hipotensão postural e mantêm hematócrito elevado, apesar do
tratamento clínico.
A droga tradicionalmente recomendada é a Fenoxibenzamina, bloqueador α-
adrenérgico inespecífico, não-competitivo e de ação prolongada. A dose inicial
recomendada é de 10mg uma ou duas vezes ao dia, com aumentos de 10-20mg/dia de
Evolução e prognóstico
A hipertensão arterial e as crises adrenérgicas devem cessar imediatamente após
a retirada do tumor. Entretanto, a persistência de hipertensão no pós-operatório pode ser
transitória em razão do estoque excessivo de catecolaminas nas terminações
adrenérgicas simpáticas. O controle laboratorial deve ser realizado pelo menos duas
semanas após a retirada do tumor. Decorrido esse prazo, a manutenção da hipertensão
acompanhada de valores elevados de catecolaminas e/ou de seus metabólitos sugere
persistência de focos de tumor, que devem ser explorados preferencialmente pelo
mapeamento de corpo inteiro com 131I-MIBG. Em alguns casos, a hipertensão arterial
persiste sem evidência bioquímica ou radiológica de feocromocitoma residual.
O diagnóstico de doença maligna deve ser feito apenas na presença de
metástases em locais onde normalmente não existe tecido cromafin. Os locais
preferenciais de metástases são linfonodos regionais, osso, fígado e pulmões. Também
pode ocorrer trombose tumoral da veia cava inferior. O tratamento da doença maligna,
com metástases a distância, é problemático. A terapêutica da hipertensão arterial e das
crises adrenérgicas deve ser a mesma recomendada no preparo pré-cirúrgico dos
pacientes. O uso de quimioterápicos, como Ciclofosfamida, Vincristina e Dacarbazina
tem conduzido a resultados duvidosos. Vários centros tem reportado o uso, com relativo
sucesso, do 131I-MIBG, em doses mais elevadas do que aquelas utilizadas na exploração
topográfica do tumor, no tratamento do feocromocitoma metastático. A experiência
clínica com o uso de análogos da somatostatina ainda é muito limitada, mas a
somatostatina marcada com 111In ou 90Ytrium pode ser benéfica. A radioterapia também
tem sido proposta para o tratamento do feocromocitoma maligno, embora a sua eficácia
seja relativa. A ablação com radiofrequência tem se mostrado mais eficaz em alguns
pacientes com metástases ósseas e hepáticas. A evolução clínica dos pacientes com
doença metastática nem sempre é catastrófica, com muitos casos de comportamento
indolente e manutenção de boa condição clínica. A presença de metástases ganglionares
regionais não compromete necessariamente o prognóstico e sua exploração cuidadosa,
por ocasião da retirada do tumor primário, com o objetivo de retirar todos os possíveis
focos de tumor, deve ser efetuada em todos os pacientes. Não há tratamento curativo
para o feocromocitoma maligno, exceto se os sítios acometidos forem passíveis de
ressecção cirúrgica. Dessa forma, a ressecção cirúrgica com finalidade curativa é
recomendada sempre que possível.
Recomenda-se que os pacientes sejam acompanhados nos primeiros dez anos
após a cirurgia do tumor primário com avaliação clínica e determinação de
catecolaminas e/ou seus metabólitos pelo menos uma vez por ano e avaliação
radiológica anualmente durante os primeiros cinco anos e a cada dois a três anos a partir
de então. Após esse período, o controle pode ser mais espaçado ou ser feito quando
houver alguma indicação clínica. Nos pacientes com síndromes genéticas, o
acompanhamento deve ser feito durante toda a vida por causa da maior incidência de
multiplicidade tumoral e do maior risco de recorrência.
Algoritmo
Tumores supra-renais
Definições
Os tumores primários do córtex supra-renal são classificados como benignos
(adenomas) ou malignos (carcinomas), funcionantes ou não-funcionantes. A distinção
entre tumores benignos e malignos pode ser feita apenas com base em presença de
metástases, recorrência local e invasão de órgãos vizinhos.
Epidemiologia
A incidência de tumores supra-renais aumenta com a idade, com predomínio no
sexo feminino.
Os adenomas não-funcionantes representam a maioria dos tumores supra-renais.
Os carcinomas supra-renais são raros.
Fisiopatologia
A maioria dos tumores supra-renais é esporádica. Todavia, algumas síndromes
genéticas aumentam o risco de tumorigênese supra-renal, como a síndrome de Li-
Fraumeni, associada a carcinoma de mama, sarcomas, tumores de sistema nervoso
central e leucemias, a síndrome de Beckwith-Wiedemann, associada a macrossomia,
tumor de Wilms, neuroblastoma e hepatoblastoma, e a síndrome neoplasia endócrina
múltipla tipo 1, associada a tumores de paratireoide, pâncreas endócrino e hipófise.
Quadro clínico
Os sintomas dos tumores supra-renais são decorrentes de seu efeito de massa ou
da hipersecreção de hormônios. A dor abdominal pode estar associada a perda de peso e
sintomas gerais em alguns pacientes com carcinomas supra-renais. Os principais locais
de disseminação são fígado, pulmões e linfonodos.
Avaliação complementar
Todos os pacientes devem ser avaliados com glicemia de jejum, potássio sérico,
cortisol sérico, ACTH sérico, cortisol urinário de 24 horas, cortisol sérico de jejum as
8:00 após dose de 1mg de Dexametasona ao deitar, andrógenos adrenais (sulfato de
dehidroepiandrosterona, androstenediona e 17-OH progesterona), estradiol sérico em
homens e mulheres na pós-menopausa, aldosterona plasmática, atividade de renina
plasmática e metanefrinas e catecolaminas urinárias e plasmáticas.
Mais de dois terços dos pacientes com adenomas apresentam evidências
laboratoriais de hipercortisolismo, variando desde secreção subclínica e autônoma de
cortisol a quadros de síndrome de Cushing. Uma minoria dos adenomas secreta
exclusivamente andrógenos, determinando puberdade precoce isossexual independente
de gonadotrofinas em meninos e síndrome virilizante em meninas. Eventualmente, pode
ocorrer secreção concomitante de andrógenos e cortisol por tumores benignos do córtex
supra-renal. Adenomas supra-renais e, raramente, carcinomas, podem secretar
aldosterona, cujo fenótipo resultante é hiperaldosteronismo primário.
A secreção mista é o principal achado laboratorial dos carcinomas supra-renais.
Além do aumento do cortisol e dos andrógenos, que determina síndrome de Cushing
com síndrome virilizante, observa-se também a elevação de precursores da
esteroidogênese supra-renal, como 11-deoxicortisol e 17-alfa-hidroxiprogesterona.
Raramente, observa-se secreção de estradiol, determinando síndromes feminilizantes em
homens e mastalgia e sangramento uterino disfuncional em mulheres, e aldosterona,
determinando hipertensão mineralocorticoide.
Há relatos de hipoglicemia não-mediada por insulina e hiperglobulia como
síndromes paraneoplásicas de carcinomas supra-renais secretores de IGF-2 e
eritropoietina, respectivamente.
Os exames radiológicos representam uma importante ferramenta para o clínico
diferenciar os adenomas dos carcinomas supra-renais. O primeiro dado a ser avaliado é
o tamanho do tumor. Tumores malignos tendem a ser maiores, enquanto os adenomas
costumam apresentar menos de 4cm no maior eixo. Além do tamanho, o grau de
atenuação na tomografia computadorizada pode auxiliar na avaliação. Adenomas são
tumores ricos em gordura intracitoplasmática, o que lhes confere baixa atenuação na
fase pré-contraste da tomografia computadorizada, inferior ou igual a 10 UH. Outros
Estadiamento
As tomografias computadorizadas de abdômen e tórax possibilitam a avaliação
de fígado, linfonodos retroperitoneais e pulmões, os principais sítios de metástase. Na
suspeita clínica de acometimento ósseo, imagens direcionadas ou cintilografia óssea
possibilitam o diagnóstico.
European Network for The Study of Adrenal Tumors
- Estágio I – Doença restrita à supra-renal, com tumor inferior ou igual a
5cm;
- Estágio II – Doença restrita à supra-renal, com tumor superior a 5cm;
- Estágio III – Invasão local ou disseminação linfática;
- Estágio IV – Metástases à distância;
Alguns dados macroscópicos podem auxiliar a predizer o comportamento
biológico de um tumor do córtex supra-renal. Peso tumoral superior a 500g, presença de
extensas áreas de necrose ou hemorragia intratumoral, superfície lobulada e presença de
calcificações sugerem malignidade. Microscopicamente, a lista de critérios histológicos
proposta por Weiss e colaboradores pode ajudar na distinção entre adenomas e
carcinomas supra-renais. Os critérios atualizados incluem mais de seis mitoses por
cinquenta campos de grande aumento, células claras compreendendo 25% ou menos do
tumor, mitoses atípicas, necrose e invasão capsular. Cada critério recebe com 0 pontos
quando ausente ou 2 pontos quando presente no caso dos dois primeiros critérios e 1
ponto quando presente no caso dos três últimos critérios. O limiar para malignidade é
pontuação superior ou igual a 3.
Tratamento
O tratamento dos tumores do córtex supra-renal é cirúrgico, com o objetivo de
cura, exceto nos casos de carcinomas com disseminação extensa, nos quais deve-se
preferir oferecer suporte clínico e cuidados paliativos. Pacientes com tumores não-
funcionantes com tamanho inferior a 4cm e aspecto radiológico benigno podem ser
submetidos a tratamento conservador com controle radiológico.
Seguimento
Os adenomas supra-renais são curados após a cirurgia. O seguimento pós-
operatório dos pacientes com tumores secretores de cortisol é fundamental quando
ocorrer insuficiência supra-renal secundária e a reposição com glicocorticoides é
obrigatória até que o eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal possa ser reavaliado. Para
adenomas supra-renais, não há necessidade de exames de imagem no seguimento.
Para os carcinomas funcionantes, recomenda-se a avaliação laboratorial com
dosagem dos esteroides supra-renais e dos seus precursores a cada três meses. Contudo,
na maioria dos casos, os exames de imagem são mais sensíveis que as alterações
laboratoriais. Assim, tomografias computadorizadas de abdômen e tórax a cada três a
seis meses são fundamentais nos primeiros dois anos de acompanhamento após a
cirurgia. Depois desse período, a frequência do reestadiamento pode ser diminuída nos
casos sem evidência de recidiva, mas deve ser mantida por pelo menos cinco anos.
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Clinical presentation and evaluation of adrenocortical tumors. Andre Lacroix. UpToDate, 2012.
Treatment of adrenocortical adenomas. Andre Lacroix. UpToDate, 2012.
Treatment of adrenocortical carcinoma. Diane MF Savarese and Andre Lacroix. UpToDate, 2012.
Etiologia e fisiopatologia
Os adenomas da tireoide foliculares são geralmente monoclonais e originam-se
de uma série de estímulos, como radiação ionizante, elevação crônica do hormônio
tireoestimulante (TSH) e oncogenes. A mutação ativadora do receptor do TSH é uma
causa específica de nódulos autônomos isolados ou mesmo de nódulos autônomos
encontrados no bócio multinodular tóxico. Adenomas papilíferos provavelmente são
malignos.
Os tumores malignos da tireoide ocorrem pelo desequilíbrio entre a proliferação
celular e a apoptose. Para que a neoplasia se desenvolva, é necessário que ocorra uma
série de eventos acumulados durante anos. Esses eventos são regulados por uma
quantidade de genes que, ao sofrerem mutações, associam-se ao início da formação do
tumor. A maioria das mutações que ocorrem nos tumores malignos é somática e,
portanto, presente apenas nas células tumorais. Os carcinomas de tireoide incluem o
carcinoma papilífero, o carcinoma folicular, o carcinoma pouco diferenciado, o
carcinoma medular e o carcinoma indiferenciado ou anaplásico.
No carcinoma papilífero ocorrem rearranjos cromossômicos dos genes de
receptores de tirosina-quinase. A etiologia do carcinoma folicular não está tão bem
esclarecida, com algumas alterações genéticas tendo sido evidenciadas.
Os carcinomas papilíferos e foliculares familiares podem estar associados a
síndromes tumorais hereditárias, como polipose adenomatosa familiar, síndrome de
Cowden, síndrome de Werner, complexo de Carney e, possivelmente, síndrome de
Peutz-Jeghers.
O carcinoma medular da tireoide origina-se de células parafoliculares ou células
C. É esporádico em cerca de 75% dos casos e hereditário em cerca de 25% dos casos.
Nestes, trata-se de doença autossômica dominante com alto grau de penetrância e
variabilidade de expressão, podendo fazer parte da síndrome da neoplasia endócrina
múltipla dos tipos IIA ou IIB. O carcinoma medular da tireoide esporádico é uma lesão
única, frequentemente localizada no centro do lobo tireoidiano, enquanto que o
carcinoma medular da tireoide familiar localiza-se, em geral, entre os terços superior e
médio dos lobos tireoidianos, sendo, via de regra, multicêntrico.
O carcinoma pouco diferenciado é tumor de células foliculares com morfologia e
comportamento intermediário entre os carcinomas bem diferenciados e indiferenciados.
A etiologia do carcinoma pouco diferenciado é desconhecida, com alguns casos sendo
Quadro clínico
A grande maioria dos nódulos tireoidianos benignos e malignos é assintomática.
Sintomas locais, como disfagia e disfonia, são raros. Ocasionalmente pode ocorrer
sangramento no interior do nódulo, com aumento súbito de volume e dor local.
Raramente, o paciente apresenta-se com metástase a distância. Nódulo liso, macio e de
fácil mobilização sugere benignidade, enquanto que nódulo firme ou duro, de superfície
irregular e fixo sugere malignidade. Gânglios podem ser palpados nos triângulos
supraclaviculares e nas cadeias cervicais laterais, sugerindo processo maligno.
Os adenomas foliculares crescem lentamente e podem permanecer
assintomáticos por anos. Cerca de dez por cento são hiperfuncionantes, sendo
denominados tóxicos, podendo desencadear hipertireoidismo clínico ou subclínico.
Alguns podem permanecer assintomáticos por anos e, gradativamente, tornarem-se
tóxicos, sobretudo quando ultrapassam 3cm de diâmetro.
O carcinoma papilífero corresponde a 60-70% de todos os tumores malignos da
tireoide, com incidência maior na terceira e na quarta décadas de vidas, assim como no
sexo feminino. O curso da doença é quase sempre indolente, com maior agressividade
em crianças e indivíduos com idade superior a 45 anos. Frequentemente há metástases
para linfonodos cervicais, sem alteração do prognóstico em jovens, mas com maior risco
de recorrência e óbito naqueles com idade superior a 45 anos. As variantes mais
agressivas, como a esclerosante difusa e a de células altas, podem ocasionar metástases
à distância para pulmões e ossos. O prognóstico é excelente.
O carcinoma folicular tem um pico de incidência na quinta década de vida, é
mais comum nas mulheres e corresponde a cerca de um quarto dos casos de carcinoma
de tireoide. Trata-se de tumor de crescimento lento e frequentemente diagnosticado
antes do aparecimento de metástases. A invasão de músculos e/ou traqueia é típica das
formas mais agressivas. Metástases ganglionares não são comuns, sendo mais
frequentes na variante de células oncocíticas, porém há tendência para a ocorrência de
metástases à distância acometendo principalmente pulmão e ossos. A mortalidade dos
carcinomas foliculares minimamente invasivos é baixa, enquanto que a dos
extensivamente invasivos é de cerca de 50%.
O carcinoma pouco diferenciado corresponde a 4-7% dos carcinomas da
tireoide, com frequência maior em mulheres e após os cinquenta anos de idade.
Geralmente apresenta-se como nódulo único e com volume superior a 3cm, com
invasão local, metástase ganglionares e metástases a distância, predominantemente para
pulmão, fígado e ossos. É frequente o relato de crescimento repentino do tumor em uma
tireoide uninodular ou multinodular. A maioria dos pacientes morre nos três primeiros
anos após o diagnóstico.
O carcinoma medular da tireoide esporádico pode surgir em qualquer idade,
porém é encontrado com maior frequência durante a quinta e a sexta décadas de vida. O
diagnóstico geralmente é tardio e o paciente apresenta-se com nódulo único e indolor,
podendo estar associado a acometimento de gânglio cervical. Nos casos familiares, o
diagnóstico é precoce por rastreamento, sem sinais clínicos evidentes, que podem estar
associados a outras patologias, como neuromas, alterações esqueléticas,
Avaliação complementar
Exames laboratoriais
Os testes de função tireoidiana não são de grande valia, pois os pacientes com
nódulos tireoidianos benignos e malignos, em sua maioria, são eutiroidianos. Deve-se
realizar a medida do TSH sérico para identificar pacientes com hipotireoidismo ou
tireotoxicose não suspeitados. Os anticorpos anti-tireoidianos são úteis, principalmente
em mulheres jovens com bócio difuso para o diagnóstico de tireoidite de Hashimoto. O
cálcio sérico e a dosagem de paratormônio são importantes para o diagnóstico de
hiperparatireoidismo na suspeita de nódulo da paratireoide. A tireoglobulina não
diferencia nódulos benignos de malignos, mas a determinação do seu nível sérico antes
da cirurgia é útil para avaliar se o seu valor está compatível com o volume glandular e
nodular, já que valores muito elevados podem sugerir a presença de metástases, também
sendo útil no seguimento de pacientes que foram operados de câncer de tireoide. A
calcitonina é o principal produto secretado pelas células C e é considerado o marcador
bioquímico para diagnóstico e seguimento pós-operatório dos pacientes com carcinoma
medular da tireoide.
Cintilografia
Devido a sua baixa sensibilidade e especificidade, a cintilografia de tireoide é
pouco utilizada na avaliação inicial dos nódulos tireoidianos. As principais indicações
incluem determinar se um nódulo é funcionante em um paciente com hipertireoidismo,
determinar se um nódulo diagnosticado como suspeito para neoplasia folicular pela
punção aspirativa por agulha fina é hiperfuncionante e determinar o estado funcional
dos nódulos em um bócio multinodular.
Ultrassonografia
A ultrassonografia da tireoide, por ser um método simples, não invasivo e
apresentar boa correlação com os aspectos macroscópicos dos nódulos tireoidianos, é
um procedimento recomendado a todos os pacientes com suspeita de um ou mais
nódulos tireoidianos. Nenhum sinal é patognomônico, mas a combinação de algumas
características, como microcalcificações, hipoecogenicidade e contornos irregulares,
aumenta o risco de malignidade de uma lesão. A presença de halo hipoecogênico ao
Outros exames
Tratamento
Cirurgia
Todo paciente que apresentar alteração da voz ou rouquidão deve ser submetido
a laringoscopia indireta, que também está indicada para pacientes com suspeita de
extensão extra-tireoidiana do tumor.
A cirurgia é o tratamento indicado para todos os carcinomas da tireoide. Para
pacientes com diagnóstico pré-operatório de carcinoma bem diferenciado da tireoide,
recomenda-se a tireoidectomia total ou quase total. A dissecção da cadeia ganglionar
lateral é recomendável sempre que houver linfonodos metastáticos diagnosticados no
pré-operatório. A dissecção do compartimento central também pode ser considerada em
pacientes com carcinoma papilífero ou carcinoma folicular variante de células de
Hürtle, não sendo obrigatória para pacientes com carcinoma folicular.
Estadiamento pós-cirúrgico
Três grupos de pacientes com diferentes probabilidades de recorrência e
mortalidade podem ser identificados de acordo com os achados cirúrgicos e
anatomopatológicos. O estadiamento é importante para avaliar a necessidade de
tratamento com radioiodo.
Pacientes de muito baixo risco são aqueles com carcinomas de até 1cm,
unifocais, N0, M0, sem extensão extra-tireoidiana. A ablação com radioiodo não está
indicada, pois acredita-se que esses pacientes foram curados pela cirurgia. Pelo mesmo
motivo, a reposição com Levotiroxina deve manter TSH mensurável dentro da faixa
normal, sem necessidade de terapia supressiva.
Pacientes de baixo risco são aqueles com carcinomas T1bN0M0, T2N0M0 ou
T1 multicêntrico. Existem controvérsias a respeito da indicação de terapia ablativa com
radioiodo.
Pacientes de alto risco são aqueles com carcinomas T3, T4 ou qualquer T com
N1 e/ou M1. Quando o paciente é portador de câncer residual no pescoço, a distância ou
ambos, ou quando a doença persistente é altamente provável, o tratamento com
radioiodo é obrigatório, com aumento do tempo livre de doença e redução da
mortalidade.
Radioiodo
A administração de radioiodo após a cirurgia visa destruir qualquer resíduo de
tecido tumoral ou não-tumoral no leito tireoidiano. O tratamento com radioiodo permite
o acompanhamento do paciente com dosagem de tireoglobulina ou, eventualmente,
pesquisa de corpo inteiro, que deve ser realizada cinco a sete dias após a terapia com
radioiodo, permitindo a detecção de metástases.
O tratamento com radioiodo não está indicado em pacientes de risco muito baixo
e está indicado em caso de presença de metástases ganglionares, extensão extra-
tireoidiana, invasão vascular, tipos histológicos mais agressivos, tumores maiores que
4cm de diâmetro, metástases à distância ou ressecção incompleta do tumor.
É recomendável um preparo adequado com dieta pobre em iodo, com menos de
50mcg/dia, por três semanas antes do procedimento. Os pacientes devem permanecer
sem o hormônio tireoidiano por quatro a cinco semanas para alcançarem níveis de TSH
acima de 30mU/L. O uso de TSH recombinante pode ser usado no preparo do paciente.
A pesquisa de corpo inteiro antes da administração da dose de radioiodo não é
obrigatória, pois apresenta sensibilidade muito baixa e pode diminuir a eficácia da
terapêutica. Pode ser indicada quando não se conhece a extensão da tireoidectomia ou
Radioterapia externa
A radioterapia externa é utilizada como tratamento inicial ou de recorrência de
tumores irressecáveis que não captam iodo. Alguns pacientes com doença residual
macroscópica podem se beneficiar da realização de radioterapia externa associada ou
não a terapia com radioiodo.
O tratamento com radioterapia externa também pode ser indicado nos pacientes
com metástases nos ossos e/ou no cérebro.
Quimioterapia
A quimioterapia pode ser uma opção para os pacientes com carcinomas pouco
diferenciados e anaplásicos, porém o seu efeito é limitado e de curta duração.
Rediferenciação
O Ácido Retinóico é um metabólito da vitamina A capaz de induzir a
rediferenciação das células tumorais e o aumento da captação de iodo. Pode ser
administrado na dose de 1.5mg/kg/dia por cinco semanas. O tratamento geralmente é
bem tolerado, com poucos efeitos colaterais.
Seguimento
O seguimento a longo prazo dos pacientes com carcinoma bem diferenciado da
tireoide submetidos a tireoidectomia total e a tratamento com radioiodo deve ser
realizado com ultrassonografia cervical e dosagem de tireoglobulina sérica, TSH e T4
livre três meses após a radioiodoterapia. De seis a doze meses depois, deve ser realizada
dosagem de tireoglobulina, anti-tireoglobulina, TSH e T4 livre, além de ultrassonografia
cervical, devendo-se retirar a Levotiroxina quatro semanas antes ou utilizar estímulo
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Revised American Thyroid Association Management Guidelines for Patients with Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid
Cancer. The American Thyroid Association (ATA) Guidelines Taskforce on Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer.
THYROID. Volume 19, Number 11, 2009.
Viés de seleção
O viés de seleção ocorre quando são feitas comparações entre grupos de
pacientes que diferem de outras maneiras que não os principais fatores sob estudo,
maneiras essas que afetam o desfecho.
Os procedimentos utilizados para a seleção de indivíduos a serem investigados
geram estimativas de efeito diferentes das que seriam obtidas na população-alvo. Dessa
forma, a relação entre a exposição e a doença é diferente entre os indivíduos incluídos
no estudo e aqueles elegíveis não incluídos.
Exemplos incluem a avaliação de voluntários e de pacientes referidos para
serviços médicos.
O viés de seleção é debatido principalmente quando os pacientes são escolhidos
para a investigação e é importante no planejamento do estudo.
Viés de aferição
O viés de aferição ocorre quando os métodos de aferição são diferentes entre os
grupos estudados, com erro de classificação dos indivíduos quanto à exposição e/ou à
doença.
Conseqüências diferentes se erro na classificação de um dos eixos (exposição ou
doença) é independente, ou não, da classificação do outro eixo.
Classificação incorreta diferencial ocorre quando a classificação incorreta
depende da classificação do outro eixo. Classificação incorreta não-diferencial ocorre
quando a classificação incorreta independe da classificação do outro eixo.
Viés de confusão
Ocorre quando dois fatores estão associados e o efeito de um se confunde com
ou é distorcido pelo efeito do outro. Mistura de efeitos, com estimativa do efeito do
valor estudado misturado com o efeito de outro fator.
Mais importante em estudos observacionais.
Características de um fator de confusão:
- Associação com a doença e com a exposição em estudo;
- Distorção, com superestimação ou subestimação de um efeito, que
depende da direção das associações da variável de confusão com a
exposição e a doença;
- Fator de risco para a doença, que pode ser apenas um marcador;
- Associado com a exposição em estudo na população-alvo;
- Não ser passo intermediário na cadeia causal entre fator de exposição e
doença;
É necessário tratar do viés de confusão durante a análise dos dados, após as
observações já terem sido feitas.
Acaso
A divergência entre a observação em uma amostra e o valor verdadeiro na
população, devida exclusivamente ao acaso, chama-se variação aleatória.
O acaso pode afetar todos os estágios envolvidos nas observações clínicas.
Ao contrário do viés, que tende a distorcer a situação para uma direção ou outra,
a variação aleatória tem tanta probabilidade de resultar em observações acima do valor
verdadeiro como abaixo. Conseqüentemente, a média de muitas observações não-
enviesadas em amostras tende a se aproximar do valor verdadeiro na população, embora
isso possa não ocorrer com os resultados de amostras pequenas.
O acaso não pode ser eliminado, mas sua influência pode ser reduzida por meio
de um delineamento de pesquisa apropriado, e o efeito remanescente pode ser estimado
pela estatística.
Validade
Redução ou ausência de erro sistemático. Representa o grau de confiança na
conclusão do estudo. Vieses geram a possibilidade de conclusão incorreta ou inválida.
A interpretação de qualquer estudo prevê a avaliação dos vieses que poderiam explicar
os resultados.
Bibliografia
Fletcher, Robert H. Epidemiologia clínica : elementos essenciais / Robert H. Fletcher, Suzanne W. Fletcher ; tradução Roberta
Marchiori Martins. – 4. Ed. – Porto Alegre : Artmed, 2006.
Variação
As aferições clínicas de um mesmo fenômeno podem assumir uma gama de
valores, dependendo das circunstâncias em que ocorrem. A variação global é a soma das
variações relacionadas ao ato de medir, às diferenças biológicas intra-indivíduos de
tempos em tempos e às diferenças biológicas inter-indivíduos.
As diversas fontes de variação são cumulativas.
Distribuições
Os dados medidos em escalas intervalares são freqüentemente apresentados
como uma figura, denominada distribuição de freqüências, que mostra o número ou
proporção de um grupo definido de pessoas que possui os diversos valores da aferição.
Duas propriedades das distribuições são utilizadas para resumi-las:
- Tendência central, que é o centro da distribuição;
- Dispersão, que é o quanto os valores estão afastados do centro;
Distribuições reais são unimodais e grosseiramente em formato de sino.
A distribuição normal, baseada na teoria estatística, descreve a distribuição de
freqüência de aferições repetidas do mesmo objeto físico pelo mesmo instrumento, com
dispersão dos valores secundária apenas à variação aleatória. A curva é simétrica e em
forma de sino.
Regressão à média
Pode se esperar que os pacientes que são selecionados porque apresentam um
valor extremo em uma distribuição apresentem valores menos extremos em aferições
subseqüentes.
A prática consagrada de repetir os testes laboratoriais avaliados como anormais e
considerar o segundo resultado como o correto não é apenas pensamento positivo.
Bibliografia
Fletcher, Robert H. Epidemiologia clínica : elementos essenciais / Robert H. Fletcher, Suzanne W. Fletcher ; tradução Roberta
Marchiori Martins. – 4. Ed. – Porto Alegre : Artmed, 2006.
Sensibilidade e especificidade
Sensibilidade é a proporção de pessoas com a doença que têm um teste positivo.
Um teste sensível raramente deixará passar pessoas que tenham a doença e é muito útil
para o clínico quando o resultado for negativo.
Especificidade é a proporção de indivíduos sem a doença que têm um teste
negativo. Um teste específico raramente classificará de forma errônea as pessoas como
sendo portadoras da doença quando elas não são e é muito útil quando o resultado for
positivo.
Há um balanço entre sensibilidade e especificidade de um teste diagnóstico. Nas
situações em que os dados clínicos assumem uma gama de valores, a localização de um
ponto de corte é uma decisão arbitrária. Como conseqüência, para qualquer resultado do
teste expresso em uma escala contínua, uma característica, como a sensibilidade, pode
ser aumentada somente às custas da outra, a especificidade.
Uma forma de expressar a relação
entre a sensibilidade e a especificidade de
um determinado teste é construir uma
curva ROC (receiver operator
characteristic). Ela é construída por meio
da representação gráfica da taxa de
verdadeiro-positivos (sensibilidade) contra
a taxa de falso-positivos (1 –
especificidade) ao longo de uma faixa de
valores de possíveis pontos de corte. Os
testes com bom poder discriminatório
concentram-se no canto esquerdo superior
da curva ROC. Para eles, à medida que a
sensibilidade vai aumentando
progressivamente, há pouca ou nenhuma
perda na especificidade até que altos níveis de sensibilidade sejam atingidos.
As curvas ROC são especialmente valiosas para comparar testes alternativos
para um mesmo diagnóstico. A acurácia geral de um teste pode ser descrita como a área
sob a curva ROC. Quanto maior for a área, melhor será o teste.
Valor preditivo
A probabilidade da doença, dado o resultado de um teste, é chamada de valor
preditivo do teste. O valor preditivo positivo é a probabilidade de doença em um
paciente com um resultado positivo do teste. O valor preditivo negativo é a
probabilidade de não ter a doença quando o resultado do teste for negativo. A acurácia
é a proporção de todos os resultados do teste, tanto positivos como negativos, que
estejam corretos.
O valor preditivo de um teste não é uma propriedade do teste por si só. Ele é
determinado por sensibilidade e especificidade do teste e pela prevalência na população
sendo testada. A prevalência também é chamada de probabilidade anterior ou pré-teste.
Quanto mais sensível for um teste, maior será seu valor preditivo negativo. Por
outro lado, quanto mais específico for o teste, maior será o valor preditivo positivo.
Os resultados positivos, mesmo para um teste muito específico, quando
aplicados a pacientes com uma baixa probabilidade de ter a doença, serão, em grande
parte, falso-positivos. Por outro lado, os resultados negativos, mesmo para um teste
muito sensível, quando aplicados a pacientes com uma alta probabilidade de ter a
doença, serão, em grande parte, falso-negativos.
Em geral, a prevalência é mais importante do que a sensibilidade e a
especificidade na determinação do valor preditivo.
Os testes diagnósticos têm sua maior utilidade quando a presença da doença não
é muito provável nem muito improvável.
Razões de verossimilhança
As razões de verossimilhança são uma forma alternativa de descrever o
desempenho de um teste diagnóstico.
Uma vez que o uso das razões de verossimilhança depende das chances, para
entendê-las é necessário primeiro distinguir chances de probabilidade. Probabilidade é
utilizada para expressar sensibilidade, especificidade e valor preditivo. As chances, por
outro lado, são a razão de duas probabilidades complementares, a probabilidade de um
evento dividida por 1 menos a probabilidade do evento. As chances e a probabilidade
têm a mesma informação, mas a expressam de forma diferente.
A razão de verossimilhança para um determinado resultado de um teste
diagnóstico é definida como a probabilidade de tal resultado em pessoas com a doença
dividido pela probabilidade do resultado em pessoas sem a doença. Expressa quantas
Bibliografia
Fletcher, Robert H. Epidemiologia clínica : elementos essenciais / Robert H. Fletcher, Suzanne W. Fletcher ; tradução Roberta
Marchiori Martins. – 4. Ed. – Porto Alegre : Artmed, 2006.
Estudos de prevalência
Nos estudos de prevalência, as
pessoas de uma população são examinadas
para que se verifique a presença da condição
de interesse. Um outro termo empregado é
estudo transversal, porque as pessoas são
estudadas em um corte transversal no tempo.
Vantagens:
- Fornecem informações sobre a distribuição a as características do
evento investigado na população e orienta o médico quanto ao que
esperar em diferentes situações clínicas;
Estudos de incidência
A população sob investigação em um estudo de incidência é uma coorte,
definida como um grupo de pessoas que têm algo em comum quando são reunidas pela
primeira vez e que são, então, acompanhadas por um período de tempo para que se
verifique o desenvolvimento do desfecho. Por essa razão, os estudos de incidência
também são chamados de estudos de coorte.
Incidência cumulativa é o termo utilizado para descrever a taxa de novos eventos
em um grupo de pessoas de tamanho fixo, com todos os membros sendo observados
durante um período de tempo.
Uma outra abordagem para o estudo da incidência é medir o número de casos
que surgem em uma população em constante mudança, em que as pessoas estão sendo
estudadas e suscetíveis por períodos de tempo variados. A incidência derivada desse
tipo de estudo é chamada de densidade de incidência. Para garantir que a contribuição
dos pacientes individuais seja proporcional ao seu intervalo de seguimento, o
denominador da medida de uma densidade de incidência não é o número de pessoas em
risco por um determinado período de tempo, mas as pessoas-tempo em risco para o
desfecho. A densidade de incidência é expressa como o número de novos casos pelo
total de pessoas-ano em risco.
Uma desvantagem da abordagem que usa pessoas-ano é que ela engloba
diferentes durações de seguimento. Um pequeno número de pacientes acompanhados
por um longo período pode contribuir com a mesma quantidade de pessoas-ano que um
grande número de pacientes acompanhados por período curto.
Distribuição da doença
Uma epidemia é uma concentração de novos casos no tempo. O termo pandemia
é utilizado quando uma doença está especialmente disseminada. A existência de uma
epidemia é reconhecida por uma curva epidêmica, que monitora o crescimento e,
algumas vezes, a queda de casos de uma doença com o passar do tempo em uma
população.
A distribuição geográfica dos casos indica onde uma doença é mais ou menos
importante e fornece indícios para sua causa.
Quando a doença afeta certos tipos de pessoas no mesmo plano temporal e no
mesmo lugar que outras que não são afetadas, isso fornece indícios das causas e orienta
como devem ser direcionadas as estratégias de controle.
Bibliografia
Fletcher, Robert H. Epidemiologia clínica : elementos essenciais / Robert H. Fletcher, Suzanne W. Fletcher ; tradução Roberta
Marchiori Martins. – 4. Ed. – Porto Alegre : Artmed, 2006.
Fatores de risco
As características associadas com maior risco de ficar doente são chamadas de
fatores de risco. A exposição a um fator de risco significa que uma pessoa, antes de ficar
enferma, entrou em contato com ou manifestou o fator em questão.
Reconhecimento do risco
A dificuldade no reconhecimento do risco pode ser devida a:
- Latência longa de muitas doenças crônicas;
- Exposição freqüente a fatores de risco;
- Baixa incidência de doenças;
- Risco pequeno;
- Risco comum;
- Causas e efeitos múltiplos;
Uso do risco
Na medicina clínica, o conhecimento dos fatores de risco pode ser usado de
diversas formas:
- Os fatores de risco predizem o desenvolvimento futuro de doenças;
- Os fatores de risco podem ou não ser causais;
- Os fatores de risco ajudam a estabelecer a probabilidade pré-teste da
doença para testes diagnósticos;
- Os fatores de risco permitem estratificação da população em programas
de rastreamento;
- A remoção de fatores de risco pode prevenir doenças;
Estudos de coorte
Conceito
O termo coorte é utilizado para descrever um grupo de pessoas que têm algo em
Risco absoluto
O risco absoluto é a probabilidade de um evento ocorrer em uma população sob
estudo. Seu valor é o mesmo da incidência e os termos são freqüentemente
intercambiáveis.
Incidência = número de casos novos durante um período de tempo / número de
pessoas no grupo.
Risco atribuível
O risco atribuível é a incidência adicional de doença devido à exposição e leva
em consideração a incidência basal da doença por outras causas.
Risco atribuível = incidência em pessoas expostas – incidência em pessoas não
expostas.
Risco relativo
O risco relativo ou a razão de riscos indica quantas vezes é mais provável que as
pessoas expostas se tornem doentes em relação às pessoas não-expostas e expressa a
força da associação entre a exposição e a doença.
Mesmo com um risco relativo grande, o risco atribuível pode ser bem pequeno
se a doença for incomum.
Risco relativo = incidência em pessoas expostas / incidência em pessoas não
expostas.
Risco na população
Esse dado pode informar àqueles responsáveis por políticas de saúde sobre como
Estudos de caso-controle
Conceito
Duas amostras são selecionadas, uma com pacientes que desenvolveram a
doença em questão e outra com pessoas semelhantes, mas que não desenvolveram a
doença. Os pesquisadores avaliam, então, a freqüência de exposição prévia a um
possível fator de risco nos dois grupos. Os dados resultantes podem ser utilizados para
estimar o risco relativo de doença relacionado ao possível fator de risco.
Razão de chances
Uma abordagem usada para comparar a freqüência da exposição entre casos e
controles fornece uma medida do risco que é conceitualmente e matematicamente
semelhante ao risco relativo. É a razão de chances, definida como a chance de um caso
ser exposto dividida pela chance de um controle ser exposto.
Comunicação de risco
As informações sobre risco relativo são mais persuasivas do que os mesmos
dados apresentados como risco absoluto.
A formulação em termos de “perda” influencia as decisões mais do que a
formulação em termos de “ganho”.
Uma formulação positiva é melhor do que uma formulação negativa para
persuadir as pessoas a escolher opções arriscadas de tratamento.
Mais informações e informações que o paciente pode compreender bem estão
associadas a maior cautela ao decidir sobre fazer ou não um tratamento ou teste
diagnóstico.
O risco de não agir é visto como maior do que aquele de agir.
Bibliografia
Fletcher, Robert H. Epidemiologia clínica : elementos essenciais / Robert H. Fletcher, Suzanne W. Fletcher ; tradução Roberta
Marchiori Martins. – 4. Ed. – Porto Alegre : Artmed, 2006.
Coortes falsas
Os estudos de coorte verdadeiros devem ser diferenciados daqueles mascarados
como estudos de coorte. Nesses últimos, os pacientes são incluídos porque têm a doença
em questão e estão disponíveis no momento. O curso clínico da doença é então descrito
voltando-se no tempo e observando a evolução da primeira vez em que foram atendidos
até o presente.
Esses grupos de pacientes são chamados, algumas vezes, de coortes falsas,
coortes de sobreviventes ou coortes de pacientes disponíveis, embora não sejam, de
maneira alguma, coortes. Eles representam uma visão enviesada do curso da doença
porque incluem apenas aqueles pacientes que estão disponíveis para o estudo algum
Viés de suscetibilidade
Uma forma de viés de seleção, denominada viés de suscetibilidade, ocorre
quando os grupos de pacientes arrolados para o estudo diferem em outras formas que
não as variáveis sob estudo. Os grupos sob comparação não são igualmente suscetíveis
aos desfechos de interesse por razões diferentes do fator sob estudo.
Viés de migração
O viés de migração, outra forma de viés de seleção, pode ocorrer quando os
pacientes de um subgrupo de uma coorte deixam seu subgrupo original, abandonando o
estudo completamente ou passando para um dos outros subgrupos sob estudo. Se essas
mudanças ocorrerem em escala suficientemente grande, podem afetar a validade das
conclusões.
Viés de aferição
O viés de aferição é possível quando os pacientes em um subgrupo de uma
coorte têm uma probabilidade maior de ter seu desfecho detectado do que outros, em
outro subgrupo.
O viés de aferição pode ser minimizado de três formas gerais:
- Garantir que aqueles que registram os desfechos não estejam cientes do
grupo a que cada paciente pertence;
- Estabelecer regras cuidadosas para decidir se um desfecho ocorreu ou
não e seguir as regras;
- Despender esforços iguais para identificar desfechos para todos os
pacientes do estudo;
Bibliografia
Fletcher, Robert H. Epidemiologia clínica : elementos essenciais / Robert H. Fletcher, Suzanne W. Fletcher ; tradução Roberta
Marchiori Martins. – 4. Ed. – Porto Alegre : Artmed, 2006.
Amostragem
Os pacientes em ensaios clínicos são geralmente uma amostra altamente
selecionada e enviesada de todos os pacientes com a condição de interesse. Uma vez
que a heterogeneidade é restringida, a validade interna do estudo melhora. No entanto,
exclusões ocasionam redução da capacidade de generalização dos achados.
Ensaios clínicos grandes e simples são uma forma de superar o problema da
capacidade de generalização.
Intervenção
A intervenção propriamente dita pode ser descrita em relação a três
características gerais:
- Capacidade de generalização;
- Complexidade;
- Força;
Grupos de comparação
O valor de um tratamento só pode ser julgado pela comparação de seus
resultados com aqueles de um curso alternativo:
- Ausência de intervenção;
- Observação;
- Tratamento placebo;
- Tratamento convencional;
A questão não é se é feita uma comparação, mas quão adequada ela é.
Alocação do tratamento
Para estudar os efeitos específicos de uma intervenção clínica isentos de outros
efeitos, a melhor forma para designar os grupos de tratamento é a alocação aleatória ou
randomização. Os pacientes são alocados para o tratamento experimental ou para o
grupo-controle por meio de um entre vários procedimentos protocolares em que cada
paciente tem uma probabilidade igual de ser alocado para cada um dos grupos de
tratamento.
A alocação aleatória não garante que os grupos sejam semelhantes. As
diferenças entre os grupos podem surgir exclusivamente devido ao acaso, especialmente
quando o número de pacientes randomizados é pequeno. Por esse motivo, os autores de
ensaios clínicos randomizados controlados apresentam uma tabela comparando a
freqüência de várias características no grupo tratado e no grupo-controle, especialmente
aquelas sabidamente relacionadas ao desfecho.
Diferenças pequenas entre os grupos podem ser controladas durante a análise
dos dados. Em algumas situações, especialmente em ensaios clínicos pequenos, os
pacientes são reunidos em grupos ou estratos tendo níveis semelhantes de um fator
prognóstico e são randomizados separadamente em cada estrato, processo denominado
randomização estratificada.
Cegamento
Os participantes de um ensaio clínico podem modificar seu comportamento ou
sua maneira de relatar os desfechos de um modo sistemático se eles estiverem cientes de
qual tratamento estão recebendo, com prejuízo para a validade interna do estudo. Uma
forma de minimizar esse efeito é o cegamento ou mascaramento.
O cegamento pode acontecer em um ensaio clínico em quatro níveis:
- Os responsáveis por alocar os pacientes para os grupos de tratamento
não devem saber qual o próximo tratamento a ser designado, para evitar
que eles modifiquem o plano de randomização de acordo com essa
informação;
- Os pacientes não devem estar cientes de qual tratamento estão
recebendo, para que não alterem sua adesão ou seu relato de sintomas de
acordo com essa informação;
- Os médicos que cuidam dos pacientes no estudo não devem saber qual
é o tratamento que cada paciente está recebendo, para evitar tratá-los,
mesmo que inconscientemente, de forma diferente;
- Os pesquisadores que avaliam os desfechos não devem ter
conhecimento do tratamento que cada paciente está recebendo, pois a
aferição poderá ser afetada por tal informação;
Um ensaio clínico em que não há tentativa de cegamento é chamado de aberto.
Eficácia e efetividade
Os ensaios clínicos que visam responder se o tratamento pode funcionar sob
circunstâncias ideais são chamados ensaios clínicos de eficácia.
Os ensaios clínicos delineados para responder se o tratamento funciona sob
circunstâncias normais são chamados de ensaios clínicos de efetividade. Descrevem os
resultados da forma como a maioria dos pacientes os experimentaria em condições
reais.
Bibliografia
Fletcher, Robert H. Epidemiologia clínica : elementos essenciais / Robert H. Fletcher, Suzanne W. Fletcher ; tradução Roberta
Marchiori Martins. – 4. Ed. – Porto Alegre : Artmed, 2006.
Níveis de prevenção
A prevenção primária impede a ocorrência da doença e visa remover suas
causas. Freqüentemente é realizada na comunidade, fora do sistema de atenção à saúde.
A prevenção secundária detecta a doença precocemente, quando ainda é
assintomática e quando o tratamento pode impedir o seu avanço. A maior parte da
prevenção secundária é feita em cenários clínicos.
A prevenção terciária envolve as atividades clínicas que impedem o aumento da
deterioração ou reduzem as complicações após o surgimento de uma doença.
Rastreamento
Critérios
Três critérios são importantes para se decidir quais as doenças que devem ser
incluídas em um exame periódico de saúde:
- Gravidade ou carga de sofrimento causada pela doença;
- Qualidade do teste de rastreamento e duração da fase pré-clínica
detectável;
- Efetividade, segurança e custo da intervenção para a prevenção
primária ou a efetividade do tratamento para a prevenção secundária após
a descoberta da doença por meio do rastreamento;
Exames de rastreamento
Os exames de rastreamento são quase sempre destinados para uma doença
específica.
Indivíduos assintomáticos apresentam pequena probabilidade de ter uma doença
específica e, na grande maioria, não são beneficiados pelo rastreamento.
O rendimento do rastreamento diminui à medida que ele é repetido com o passar
do tempo. Na primeira vez que um rastreamento é conduzido, recebe a denominação de
rastreio de prevalência e identifica casos existentes por diferentes períodos de tempo.
Na segunda rodada de rastreamento, a maioria dos casos identificados terá adoecido
entre o primeiro e o segundo rastreios. Portanto, o segundo rastreamento, assim como os
subseqüentes, é denominado rastreio de incidência e, em função do menor número de
doentes a serem identificados, apresenta menor valor preditivo positivo para os
resultados do teste.
Viés de adesão
O terceiro tipo principal de viés que ocorre nos estudos de efetividade do
tratamento pré-sintomático, o viés de adesão, é resultado do grau em que os pacientes
seguem as recomendações médicas. Os pacientes aderentes tendem a apresentar
prognóstico melhor, independentemente do rastreamento.
Benefícios do rastreamento
Os principais benefícios dos testes de rastreamento são a relativa segurança dos
resultados negativos, a possibilidade de tratamento menos radical de doenças e o melhor
prognóstico, que associa-se à cura e à melhora da sobrevida e da qualidade de vida.
Avaliação do rastreamento
A avaliação do rastreamento é realizada através de estudos de intervenção ou
experimentais, em que avalia-se mortalidade geral, mortalidade específica, morbidade,
qualidade de vida e relação entre eficácia e efetividade. A mortalidade geral não
costuma ser alterada por programas de rastreamento para uma doença específica e a
morbidade comumente aumenta.
Independentemente da intervenção realizada, ela deve ser eficaz, capaz de
produzir um resultado benéfico em situações ideais, e efetiva, capaz de produzir um
resultado positivo sob condições usuais.
Novas técnicas
Tomografia computadorizada com baixa dose de radiação para rastreamento de
câncer de pulmão.
Colonoscopia virtual por tomografia computadorizada, sangue oculto de fezes
por teste imuno-químico e pesquisa de marcadores genéticos (DNA) nas fezes para
rastreamento de câncer colo-retal.
Ressonância nuclear magnética para rastreamento de câncer de mama em
mulheres com predisposição familiar ou genética.
Citologia de base líquida, pesquisa de DNA para HPV e inspeção visual do colo
uterino para rastreamento de câncer de colo do útero.
Teste de hipótese
Existem quatro possibilidades de relação entre as conclusões estatísticas e os
fatos na realidade. Duas delas levam a conclusões corretas:
- Há efeito ou diferença;
- Não há efeito ou diferença;
Existem também duas formas de resultados errados:
- Erro tipo I ou erro α é a probabilidade de encontrar diferença quando,
na verdade, não há;
- Erro tipo II ou erro β é a probabilidade de não encontrar diferença
quando, na verdade, há;
O erro tipo I é análogo a um resultado falso-positivo e o erro tipo II, a um
resultado falso-negativo. Na ausência de viés, a variação aleatória explica a incerteza de
uma conclusão estatística. As análises estatísticas são um meio para estimar os efeitos
da variação aleatória.
A maioria das estatísticas encontradas na literatura médica diz respeito à
probabilidade de um erro tipo I e são expressas pelo conhecido valor p, que é uma
estimativa quantitativa da probabilidade de que as diferenças nos efeitos tenham
ocorrido apenas em função do acaso, presumindo que não existam, de fato, diferenças
entre os grupos.
Já se tornou um hábito atribuir um significado especial aos valores de p que
ficam abaixo de 0.05 porque há um consenso geral de que uma probabilidade menor do
que 1 em 20 é, na verdade, tão pequena que é razoável concluir que é pouco provável
que tal ocorrência tenha surgido somente em função do acaso. Para contemplar várias
opiniões sobre o que é ou não suficientemente improvável, alguns pesquisadores
relatam as probabilidades exatas de p.
Uma diferença estatisticamente significativa, independentemente de quão
pequeno for o p, não quer dizer que ela seja clinicamente importante.
Os testes estatísticos são utilizados para estimar a probabilidade de um erro tipo
I. O que é testado é a hipótese nula, a proposição de que não há diferença verdadeira no
desfecho entre os grupos de tratamento. Ao final, rejeita-se a hipótese nula, concluindo
que há diferença, ou não, concluindo que não há evidências suficientes para apoiar uma
diferença.
A validade dos testes estatísticos depende de determinados pressupostos sobre os
dados. Um pressuposto típico é o de que os dados apresentam uma distribuição normal.
Se os dados não satisfazem esses pressupostos, o valor p resultante pode ser enganoso.
Tamanho de amostra
Comparações múltiplas
Se muitas comparações são feitas entre as variáveis em um grande banco de
dados, o valor p associado com cada comparação individual subestima com que
freqüência o resultado daquela comparação poderia ter surgido pelo acaso. A
interpretação do valor p de um único teste estatístico depende do contexto em que ele é
feito. Quanto mais comparações forem feitas, maior será a probabilidade de que uma
delas seja considerada estatisticamente significativa.
Os pesquisadores devem observar todos os aspectos de seus dados e
compartilhar achados interessantes com os leitores, mas eles devem deixar clara a
extensão em que os dados foram buscados.
Análises de subgrupos
Um perigo ao se examinar os subgrupos é o maior risco de resultados falso-
positivos por causa das comparações múltiplas. Um outro perigo é uma conclusão falso-
negativa em função da redução nos dados disponíveis.
Análises secundárias
Análises secundárias são aquelas que não são a principal razão do estudo, ou que
talvez não tenham sido planejadas quando o estudo foi concebido. Elas podem envolver
a análise de subgrupos, conforme descrição anterior, ou de diversos desfechos.
Métodos multivariáveis
A maioria dos fenômenos clínicos é resultado de muitas variáveis agindo em
conjunto de forma complexa.
Modelagem multivariável é o desenvolvimento de uma expressão matemática
dos efeitos de muitas variáveis tomadas em conjunto. Os modelos matemáticos são
utilizados de duas formas gerais em pesquisas clínicas:
- Para estudar o efeito independente de uma variável sobre o desfecho,
levando em conta os efeitos de outras variáveis que podem confundir ou
modificar essa relação;
- Para predizer um evento clínico calculando o efeito combinado de
diversas variáveis em conjunto;
Não há outra forma de ajustar para ou de incluir muitas variáveis ao mesmo
Bibliografia
Fletcher, Robert H. Epidemiologia clínica : elementos essenciais / Robert H. Fletcher, Suzanne W. Fletcher ; tradução Roberta
Marchiori Martins. – 4. Ed. – Porto Alegre : Artmed, 2006.
Estabelecimento da causa
Na medicina clínica, não é possível provar relações causais indubitáveis, pois a
compreensão das relações é baseada em evidências empíricas e é possível, ao menos em
teoria, que novas evidências possam alterar nosso entendimento.
Dois fatores, a causa suspeita e o efeito, obviamente precisam estar associados
para serem considerados em termos de relação causal. No entanto, nem todas as
associações são causais. Os vieses de seleção e de aferição e o acaso podem gerar
associações aparentes que não existem na natureza.
Antes de definir se a associação é causal, é necessário saber se ela ocorre
indiretamente, por meio de outro fator, ou diretamente.
Os clínicos normalmente contam com ensaios clínicos randomizados para
fornecer evidências sobre relações causais para tratamento e prevenção. Entretanto, esse
tipo de delineamento raramente é viável quando são estudados fatores de risco de
doenças, uma vez que não é ético randomizar intervenções consideradas nocivas. Para
tal, deve-se utilizar estudos observacionais.
Os estudos de coorte bem conduzidos são o segundo melhor tipo de
delineamento de pesquisa. Os estudos de caso-controle são vulneráveis ao viés de
seleção e podem ser suscetíveis aos vieses de confusão e de aferição. Os estudos
transversais são fracos porque não fornecem evidências diretas da seqüência de eventos.
Verdadeiras pesquisas de prevalência, estudos transversais de uma população definida,
protegem contra o viés de seleção, mas estão sujeitas aos vieses de aferição e de
confusão.
Estudos ecológicos
Os estudos em que a exposição a um fator de risco se caracteriza pela exposição
média do grupo a que os indivíduos pertencem são chamados de estudos agregados de
risco ou estudos ecológicos. A unidade de informação não é o indivíduo, mas o grupo.
Informação sobre doença e exposição em grupos populacionais, como escolas,
cidades e países.
O principal problema é um potencial viés, chamado de falácia ecológica, em que
os indivíduos que desenvolvem a doença em um grupo classificado como exposto
podem não ter sido eles próprios os indivíduos expostos ao fator de risco nesse grupo.
Além disso, a exposição pode não ser a única característica que distingue as pessoas no
grupo exposto daquelas no grupo não-exposto, isto é, pode haver fatores de confusão.
Os estudos agregados de risco são muito úteis para levantar hipóteses, que
Etapas
Transformar a necessidade de informação em perguntas passíveis de resposta.
Buscar, com máxima eficiência, a melhor evidência para responder a questão.
Avaliar criticamente as evidências quanto à sua validade e utilidade.
Implementar os resultados na prática clínica.
Avaliar o desempenho.
Revisões tradicionais
Em artigos de revisão tradicionais, um especialista com vários anos de
experiência na área resume as evidências e as recomendações.
Normalmente tratam de questões amplas e se ocupam de uma gama de questões.
A falta de estrutura das revisões tradicionais, contudo, pode esconder importantes
ameaças para a validade, com subjetividade e parcialidade.
Revisão sistemática
As revisões sistemáticas são revisões rigorosas de questões clínicas específicas.
Resumem a pesquisa original relevante e seguem um plano com embasamento científico
que foi decidido a priori e tornado explícito passo a passo. Como resultado, o leitor
pode avaliar a força das evidências para quaisquer conclusões
As revisões sistemáticas são especialmente úteis para tratar de uma única
questão focada. São necessários estudos fortes sobre a questão, mas cujos resultados não
tenham tanta concordância entre si a ponto de a questão já estar respondida.
Elementos de uma revisão sistemática:
- Definir a questão clínica;
- Identificar todos os estudos completos sobre a questão, publicados ou
não;
- Selecionar os estudos que preencham padrões elevados de validade
científica;
- Procurar por evidências de viés nos estudos selecionados;
- Descrever a qualidade científica dos estudos;
- Questionar se a qualidade está sistematicamente relacionada aos
resultados do estudo;
- Descrever os estudos com uma figura, como um gráfico de floresta;
- Decidir se os estudos são suficientemente semelhantes para justificar
Bibliografia
Fletcher, Robert H. Epidemiologia clínica : elementos essenciais / Robert H. Fletcher, Suzanne W. Fletcher ; tradução Roberta
Marchiori Martins. – 4. Ed. – Porto Alegre : Artmed, 2006.
Primário ou original
Experimental:
- Ensaio clínico;
- Ensaio de comunidade;
Observacional:
- Coorte;
- Caso-controle;
- Corte transversal;
- Ecológico;
- Série de dados;
Secundário
Revisão sistemática e metanálise.
Diretrizes ou guidelines.
Análise de decisão e custo-benefício.
Bibliografia
Fletcher, Robert H. Epidemiologia clínica : elementos essenciais / Robert H. Fletcher, Suzanne W. Fletcher ; tradução Roberta
Marchiori Martins. – 4. Ed. – Porto Alegre : Artmed, 2006.
Método
Como é fundamentalmente impossível demonstrar que dois tratamentos são
iguais, a partir da década de 1970 surgiram novos procedimentos metodológicos que
permitiram o desenvolvimento dos chamados estudos de equivalência, destinados a
mostrar a ausência de diferenças importantes entre tratamentos, e dos estudos de não-
inferioridade, de crescente utilização, que têm o objetivo de mostrar que um novo
tratamento não é, dentro de certos critérios, menos eficaz que outro já existente.
Os estudos de equivalência tornaram-se essenciais para a aprovação regulatória
dos medicamentos genéricos, enquanto os estudos de não-inferioridade são hoje
utilizados em situações nas quais comparações com placebo são inviáveis e controles
ativos são necessários.
As diferenças entre os estudos de superioridade, equivalência e não-inferioridade
estão essencialmente na formulação das hipóteses a serem testadas. Rejeitar a hipótese
nula significa, para os estudos de superioridade, que a medida de eficácia do novo
tratamento (T) é superior à medida de eficácia do tratamento controle (C), para os
estudos de não-inferioridade, que a diferença entre as medidas de eficácia do novo
tratamento (T) e do tratamento controle (C) é menor que uma margem de não-
inferioridade (M), e para os estudos de equivalência, que o módulo da diferença entre
as medidas de eficácia do novo tratamento (T) e do tratamento controle (C) é menor que
uma margem de equivalência (M). Em essência, o termo equivalente significa não-
inferior e não-superior.
Interpretação
Os estudos de não-inferioridade são destinados a estabelecer se um novo
tratamento não é menos eficaz que um tratamento padrão por mais que uma margem de
tolerância fixada previamente e denominada margem de não-inferioridade (M). Nesses
estudos, a hipótese nula é a de que o tratamento em investigação é inferior ao controle
por uma diferença maior ou igual a M, e a hipótese alternativa é a de que a diferença
entre tratamentos é menor que a margem. O método de escolha para a análise dos
estudos de não-inferioridade consiste na construção de intervalos de confiança,
usualmente de 95%. O tratamento é declarado não-inferior se o limite inferior do
intervalo de confiança da diferença entre tratamento e controle não incluir o valor da
margem especificada.
Um produto que se mostra não-inferior em relação a um tratamento estabelecido
quanto a uma variável de eficácia pode, entretanto, apresentar vantagens importantes,
como melhor tolerabilidade, conveniência de uso, vantagens galênicas, diferentes vias
de metabolização, menos interações, entre outras.
No planejamento, análise e interpretação dos estudos de não-inferioridade, pelo
menos cinco fatores devem ser cuidadosamente considerados para garantir a validade do
estudo:
1. Escolha da margem de não-inferioridade;
2. Número de pacientes necessários ao estudo;
3. Controle da sensibilidade do estudo;
4. Definição da população de análise;
5. Justificativa ética.
A margem de não-inferioridade quantifica a máxima perda de eficácia
clinicamente aceitável para que o tratamento em estudo possa ser declarado não-inferior
ao controle. Por conseguinte, não pode exceder a mínima diferença clinicamente
relevante que seria utilizada em um estudo de superioridade e, para assegurar a
manutenção de alguma eficácia, não pode ser igual ou maior que o efeito integral do
tratamento controle. A sua especificação é uma tarefa difícil, porém essencial, sendo
também um dos elementos necessários para o cálculo do tamanho da amostra. Valores
excessivamente altos para margem de não-inferioridade aumentam a probabilidade de
que tratamentos inferiores sejam declarados não-inferiores, enquanto valores pequenos,
mais conservadores, exigem amostras maiores, tornando mais dispendiosos os estudos
devido a um número maior de pacientes, além de óbvias implicações éticas. O valor da
margem de não-inferioridade deve ser estabelecido com base em considerações clínicas
e estatísticas e definido a priori, podendo ser especificado em termos absolutos ou
relativos, como diferenças entre médias ou proporções ou logaritmos de razão de
chances (odds ratio) ou relações entre taxas de risco (hazard rate). De uma forma
simples, a margem de não-inferioridade pode ser fixada como uma porcentagem do
efeito estimado do controle no estudo atual, usualmente entre 10% e 20%. A sua
definição deve, entretanto, levar em consideração a área terapêutica e a magnitude do
efeito do grupo controle. Deve-se também considerar a existência de outros possíveis
benefícios, de modo que aceita-se uma margem maior se existem vantagens clínicas
como uma redução importante de reações adversas.
Atualmente, há uma tendência em definir o valor da margem de não-
Avaliação de superioridade
Ambas não-inferioridade e superioridade podem ser avaliadas no mesmo ensaio
clínico sem prejuízo estatístico. Se um protocolo tem uma hipótese de não-inferioridade,
mas não uma hipótese de superioridade, é valido realizar ambos os testes. No entanto, se
um protocolo tem uma hipótese de superioridade, mas não uma hipótese de não-
inferioridade, adicionar a hipótese de não-inferioridade após o término pode ser
problemático pelo componente subjetivo da definição da margem de não-inferioridade.
Bibliografia
Estudos clínicos de não-inferioridade: fundamentos e controvérsias. Valdair Ferreira Pinto. J Vasc Bras 2010, Vol. 9, Nº 3.
Non-inferiority trials. Steven M Snapinn. Curr Control Trials Cardiovasc Med 2000, 1:19–21.
Through the looking glass: understanding non-inferiority. Jennifer Schumi and Janet T Wittes. Trials 2011, 12:106.
Fisiopatologia
O câncer colo-retal é causado pelo acúmulo de múltiplas lesões genéticas de
maneira sequencial ao longo do tempo. A patogênese inicial envolve mutação no gene
APC, que regula o crescimento celular e a apoptose, ou em um dos genes envolvidos no
reparo do mau pareamento do DNA, com falha na reparação de erros de transcrição do
DNA e acúmulo de novas mutações. A patogênese do câncer colo-retal ainda requer
mutações adicionais, incluindo o gene supressor de tumor DCC, o gene regulador do
ciclo celular p53 e o gene KRAS, envolvido na transdução de sinais mitogênicos através
das membranas celulares. A metilação do DNA pode resultar em inativação de genes
supressores de tumor, como p14 e p16.
Cerca de 96-98% dos cânceres colo-retais são adenocarcinomas, cujas variantes
incluem mucinoso, não-mucinoso e com células em anéis de sinete. Padrões
histológicos mais raros incluem tumor neuroendócrino, carcinoma epidermoide,
localizado predominantemente no reto, linfoma e sarcoma, incluindo GIST. A
apresentação geralmente é na forma de doença localizada, independentemente do tipo
histológico.
Fatores predisponentes incluem idade avançada, sexo masculino, raça negra,
doença inflamatória intestinal, antecedente familiar e síndromes hereditárias, que, no
entanto, estão associadas a uma porcentagem pequena dos cânceres colo-retais.
Também existem evidências de que obesidade, sedentarismo, tabagismo, etilismo
excessivo, dieta rica em alimentos gordurosos e pobre em fibras, ureterocolostomia,
transplante renal, acromegalia, infecção pelo HIV e hipoandrogenismo aumentam o
risco de câncer colo-retal.
Pólipos colônicos
Pólipo intestinal é definido como massa grosseiramente visível de células
epiteliais com protrusão a partir da superfície mucosa para o lúmen do intestino. Pode
ser séssil, plano ou pedunculdado. É classificado em não-neoplasico e neoplásico ou
adenomatoso. Pode raramente causar sintomas, como sangramento, prolapso ou
obstrução. Pólipo neoplásico apresenta potencial de tornar-se maligno.
Pólipos não-neoplásicos, também denominados não-adenomatosos, que
correspondem a cerca de 90% de todos os pólipos detectados no intestino grosso, podem
ser encontrados em mais da metade das pessoas na faixa etária geriátrica. São
categorizados em hiperplásicos, inflamatórios, linfoides e juvenis. A maior parte dos
pólipos não-neoplásicos são hiperplásicos e resultam de maturação anormal de células
epiteliais da mucosa, com pequeno diâmetro e localização preferencial no sigmoide
distal e no reto. Pólipos hiperplásicos geralmente não estão associados a aumento do
risco de malignidade, mas indivíduos com múltiplos pólipos hiperplásicos grandes e
com predomínio à direita podem apresentar risco aumentado. Pacientes com doença
Rastreamento
O objetivo do rastreamento é reduzir a mortalidade relacionada ao câncer colo-
retal através da remoção de adenomas precursores e detecção de tumores malignos em
estágios mais precoces e curáveis. A longa latência entre o desenvolvimento de
adenoma e a evolução para carcinoma, ao redor de dez a vinte anos, torna o câncer colo-
retal uma doença prevenível através de colonoscopia com polipectomia.
Para determinar se um paciente apresenta risco aumentado para câncer colo-
retal, deve-se questionar a cada cinco a dez anos a partir dos vinte anos de idade quanto
a antecedente pessoal de câncer colo-retal e/ou pólipo adenomatoso, antecedente
pessoal de doença inflamatória intestinal e antecedente familiar de câncer colo-retal
e/ou pólipo adenomatoso avançado. O paciente é considerado de risco usual em caso de
Prevenção
Indivíduos com risco aumentado para câncer colo-retal devem ser incentivados a
cessar tabagismo, reduzir o consumo de álcool, aumentar o consumo de frutas e vegetais
e praticar atividade física.
Anti-inflamatórios não-hormonais, incluindo Ácido Acetilsalicílico, com pelo
menos 75mg/dia durante cinco anos, podem reduzir a formação de adenomas e inibir o
desenvolvimento do câncer colo-retal. Suplementação de cálcio, com 1200mg/dia,
diminuiria a taxa de adenomas metacrônicos, mas não há evidência de redução na
incidência de câncer colo-retal. O uso rotineiro de Ácido Acetilsalicílico e a
suplementação de cálcio não são recomendados de forma rotineira, mas podem ser
Quadro clínico
Sintomas comuns relacionados à doença primária incluem sangramento
gastrointestinal, dor abdominal e alteração do hábito intestinal. Pacientes com doença
disseminada apresentam anorexia, emagrecimento e sintomas relacionados a disfunção
hepática, como icterícia e ascite.
Tumores proximais tendem a produzir com maior frequência sangramento e
sintomas associados, enquanto que tumores mais distais apresentam com maior
frequência obstrução e perfuração intestinais. Cânceres de reto podem ainda se
manifestar com tenesmo e afilamento das fezes, além de dor neuropática por
envolvimento do plexo nervoso sacral.
A anamnese deve incluir antecedente pessoal de câncer colo-retal, pólipos
adenomatosos e doença inflamatória intestinal e antecedente familiar de neoplasia
colônica.
O exame físico deve incluir pesquisa de lesões extra-intestinais características
das síndromes de Gardner e de Peutz-Jeghers, além de sinais de disseminação sistêmica
da doença, como linfonodos supraclaviculares aumentados ou nódulos de Virchow,
fígado aumentado, massa umbilical ou nódulo de Sister Mary Joseph e ascite. O toque
retal pode revelar um tumor intestinal distal ou sinais de disseminação local, com
prateleira de Blumer.
Avaliação complementar
As fezes podem apresentar sangue oculto ou evidente em parcela significativa
dos casos avançados. Anemia por deficiência de ferro e elevação de enzimas hepáticas
corroboram o diagnóstico. Os níveis de antígeno carcinoembrionário (CEA) podem
estar elevados, mas não devem guiar o diagnóstico em função de baixa sensibilidade e
especificidade, com indicação de dosagem no período pré-operatório visando
seguimento clínico após o tratamento.
Colonoscopia é o método diagnóstico de escolha e permite a identificação de
tumores sincrônicos e a obtenção de material para análise histológica.
Ultrassonografia endoscópica permite definir o grau de invasão local, além de
identificar linfonodos aumentados e guiar amostragem para análise histológica.
Apresenta alta sensibilidade para detecção de recorrência de câncer retal.
Ressonância nuclear magnética também pode permitir um estadiamento local
acurado para câncer retal.
Tomografia computadorizada de abdômen e pelve deve ser realizada para
pesquisa de metástases hepáticas. Radiografia de tórax ou tomografia computadorizada
de tórax também são recomendadas para o estadiamento. Tomografia por emissão de
pósitrons pode ser indicada, mas não faz parte da avaliação de rotina.
Estadiamento
Tumores primários do reto podem disseminar para os pulmões sem
comprometimento do fígado, o que não é usual para tumores colônicos proximais. Isso
ocorre porque a drenagem venosa do trato gastrointestinal é feita através do sistema
porta, mas a veia retal inferior drena para a veia cava inferior.
Estadiamento TNM
Tx Tumor primário não pôde ser avaliado
T0 Sem evidência de tumor primário
Tis Carcinoma in situ – intraepitelial ou com invasão da lâmina própria
Estágios TNM
Estágio T N M
0 Tis N0 M0
I T1-2 N0 M0
IIA T3 N0 M0
IIB T4a N0 M0
IIC T4b N0 M0
IIIA T1-2 N1 M0
T1 N2a M0
IIIB T3-4 N1 M0
T2-3 N2a M0
T1-2 N2b M0
IIIC T4a N2a M0
T3-T4a N2b M0
T4b N1-2 M0
IVA Qualquer Qualquer M1a
Qualquer Qualquer M1b
Estágio I está relacionado a invasão da parede intestinal. Estágio II está
relacionado a invasão através da parede intestinal sem disseminação para linfonodos
regionais. Estágio III está relacionado a disseminação para linfonodos regionais. Estágio
IV está relacionado a disseminação para fígado, pulmões, linfonodos a distância e
retroperitônio.
Prognóstico
Além do estadiamento pelo sistema TNM, fatores adicionais que marcam pior
prognóstico em pacientes candidatos a ressecção potencialmente curativa de câncer
colo-retal incluem histologia com células em anéis de sinete, invasão linfática, vascular
ou perineural, ausência de resposta linfoide, obstrução intestinal pré-operatória, níveis
elevados de antígeno carcinoembrionário, margens positivas, tumor de alto grau e
doença microssatélite estável. O tamanho do tumor não influencia o prognóstico.
Tratamento
Ressecção endoscópica
Adenomas benignos, assim como adenomas com displasia severa ou carcinoma
in situ, sem evidência de câncer invasivo, podem ser manejados de maneira efetiva
através de polipectomia endoscópica, desde que as margens estejam livres de câncer.
Cirurgia
Ressecção cirúrgica é a principal modalidade terapêutica para pacientes com
câncer colo-retal regionalmente confinado. Pacientes altamente selecionados com
doença metastática também podem ser submetidos a abordagem cirúrgica com
finalidade curativa. O objetivo é ressecção do tumor com margens livres e ressecção em
bloco da principal artéria responsável pela irrigação do território acometido juntamente
com os vasos linfáticos correspondentes. No mínimo doze linfonodos devem ser
excisados para exame microscópico para garantir a acurácia do estadiamento
patológico. A reconstrução do trânsito intestinal com anastomose primária pode ser
realizada na maior parte dos pacientes, mas derivação proximal com colostomia pode
ser necessária em caso de peritonite difusa, perfuração livre, instabilidade
hemodinâmica ou tumor obstrutivo à esquerda. Cânceres colo-retais sincrônicos podem
ser ressecados individualmente ou através de colectomia subtotal. Tumores aderidos a
estruturas adjacentes devem ser removidos em bloco. Ooforectomia profilática não é
recomendada, mas mulheres com um ovário grosseiramente envolvido com câncer
devem ser submetidas a ooforectomia bilateral por causa do risco de envolvimento
contralateral. Abordagem laparoscópica é considerada tão efetiva quanto a abordagem
cirúrgica aberta, com melhora do tempo de recuperação, constituindo opção na ausência
de obstrução, perfuração, doença localmente avançada e abordagem cirúrgica
abdominal extensa prévia.
Excisão total do mesorreto é recomendada para cânceres acometendo o reto
baixo, enquanto que excisão do mesorreto até porção 5cm distal ao tumor pode ser
suficiente para cânceres acometendo o reto alto. Excisão local transanal é aceitável para
cânceres retais baixos com mínimo risco de envolvimento linfonodal, como aqueles
com estádio T1, tamanho inferior a 3cm, bem diferenciados, localizados dentro de 8cm
da margem anal, sem invasão vascular ou linfática e com comprometimento de menos
de um terço da circunferência retal.
Dados recentes sugerem que pacientes com doença estádio IV com tumor
primário assintomático podem iniciar com segurança a terapia sistêmica sem serem
submetidos a ressecção cirúrgica.
Tumores obstrutivos que podem ser completamente removidos devem ser
ressecados, com anastomose primária sendo geralmente considerada aceitável nesse
contexto. Eventualmente, pode ser necessária estomia para desvio proximal do trânsito
intestinal, principalmente em caso de câncer localmente avançado irressecável. Outra
opção é a colocação de stent por via endoscópica para alívio de obstrução aguda.
Intestino perfurado geralmente é ressecado, com opção de anastomose primária,
com ou sem estomia para desvio proximal do trânsito intestinal a depender de fatores
como o grau de contaminação fecal e o estado geral de saúde do paciente.
Radioterapia
Radioterapia pode ser utilizada com finalidade curativa ou paliativa para
tumores colônicos de grande tamanho, com papel mais importante no tratamento do
câncer de reto do que do câncer de cólon. Pode estar relacionada a melhora do controle
Quimioterapia
As pirimidinas fluoradas constituem a base tanto do tratamento quimioterápico
adjuvante como do tratamento quimioterápico paliativo em pacientes com doença
metastática. A droga mais utilizada é o 5-Fluorouracil, cuja eficácia pode ser aumentada
com a administração de moduladores bioquímicos, como o Leucovorin. Outros agentes
quimioterápicos comumente utilizados incluem Irinotecano e Oxaliplatina.
Pacientes com câncer colo-retal estádio I ressecados apresentam elevada taxa de
cura, que não é facilmente melhorada com o uso de quimioterapia sistêmica.
Pacientes com câncer colo-retal estádio II apresentam uma chance maior de
recidiva, com potencial benefício com o uso de quimioterapia sistêmica, mas a
indicação envolve controvérsia em função de baixa magnitude absoluta do efeito.
Geralmente é oferecido esquema que não inclui Oxaliplatina, como aquele que contém a
associação de 5-Fluorouracil com Leucovorin. Acredita-se que pacientes com obstrução
intestinal clínica apresentam maior risco de recorrência e recebem quimioterapia
adjuvante com maior frequência, geralmente com os esquemas prescritos comumente
para doença estádio III.
Todos os pacientes com acometimento linfonodal devem receber quimioterapia
sistêmica adjuvante. Opções incluem a combinação 5-Fluorouracil, Leucovorin e
Oxaliplatina, assim como regimes contendo Irinotecano e biológicos, como
Bevacizumab e Cetuximab, que são indicados para pacientes com doença avançada,
mas não estão relacionados a benefício claro no contexto pós-operatório. A duração
padrão do tratamento é de seis meses.
Pacientes que não são candidatos à quimioterapia combinada são algumas vezes
tratados com Capecitabina.
Adenocarcinoma retal
De maneira geral, pacientes com câncer retal estádio I submetidos a ressecção
cirúrgica padrão não necessitam de tratamento adicional. No entanto, pacientes com
maior risco, como aqueles com estádio T2, estádio T1 com histologia pouco
diferenciada, invasão linfática e/ou vascular ou margens cirúrgicas limítrofes, tratados
com excisão local, devem receber irradiação pélvica adjuvante com ou sem
quimioterapia com 5-Fluorouracil ou devem ser reencaminhados ao centro cirúrgico
para excisão total do mesorreto.
A radioterapia neoadjuvante é padronizada para tumores estádios II e III para
reduzir as taxas de recidiva local, aumentar a chance de preservação do esfíncter e
possivelmente aumentar a sobrevida. As principais considerações são o tempo, se pré-
operatório ou pós-operatório, o curso, se curto ou longo, e a associação ou não com
quimioterapia sistêmica. Irradiação pré-operatória de curso curto, durante cinco dias,
pode ser considerada e utilizada se não é necessário controle local pré-operatório para
ressecção cirúrgica bem sucedida, sendo necessária quimioterapia adjuvante com
Pirimidina isoladamente em caso de estádio II ou combinada a Oxaliplatina em caso de
estádio III para minimizar o risco de metástases a distância. Irradiação pré-operatória de
Seguimento
Anamnese e exame físico a cada três a seis meses nos primeiros três anos, a cada
seis meses durante dois anos e anualmente a partir de então.
Dosagem dos níveis séricos de antígeno carcinoembrionário a cada três meses
por pelo menos três anos e a cada seis meses até que sejam completados cinco anos em
pacientes com câncer colo-retal estádios II ou III que seriam candidatos a cirurgia ou
terapia sistêmica. O uso adjuvante de 5-Fluorouracil pode estar relacionado a resultados
falso-positivos, devendo-se aguardar o término na quimioterapia adjuvante.
Tomografia computadorizada de tórax, abdômen e pelve anualmente durante três
anos para pacientes com alto risco de recorrência, como aqueles com câncer colo-retal
estádio III ou estádio II com invasão linfovascular ou histologia pouco diferenciada.
Para pacientes com câncer colo-retal estádio IV, a avaliação radiológica deverá ser
repetida a cada três a seis meses durante dois anos e a cada seis a doze meses a partir de
então até que sejam completados cinco anos. Tomografia computadorizada de pelve
anual durante três anos também deve ser considerada para vigilância de câncer de reto,
particularmente quando não é realizada irradiação pélvica.
Colonoscopia após um ano. Em caso de adenoma avançado, repetir em um ano.
Em caso de ausência de pólipos ou adenoma avançado, repetir após três anos e então a
cada cinco anos. Na ausência de colonoscopia pré-operatória em função de obstrução
intestinal, o exame deverá ser realizado três a seis meses após a abordagem cirúrgica.
Proctossigmoidoscopia flexível a cada seis meses durante cinco anos para
pacientes com câncer de reto.
Bibliografia
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
Screening for colorectal cancer: Strategies in patients at average risk. Robert H Fletcher. UpToDate, 2012.
Screening for colorectal cancer: Strategies in patients with possible increased risk due to family history. Robert H Fletcher and Scott
D Ramsey. UpToDate, 2012.
Colorectal cancer: Epidemiology, risk factors, and protective factors. Dennis J Ahnen and Finlay A Macrae. UpToDate, 2012.
Clinical manifestations, diagnosis, and staging of colorectal cancer. Dennis J Ahnen, Finlay A Macrae and Johanna Beldell.
UpToDate, 2012.
Overview of the management of primary colon cancer. Miguel A Rodriguez-Bigas and Axel Grothey. UpToDate, 2012.
Epidemiologia
A constipação é uma queixa frequente na população geral, com maior
prevalência em idosos, mulheres e indivíduos de baixo nível socioeconômico.
Etiologia
As causas de constipação podem ser classificadas em primárias e secundárias.
As causas primárias são decorrentes de problemas inerentes ao próprio intestino e são
divididas em constipação com trânsito intestinal normal, constipação com trânsito
intestinal lento e distúrbio anorretal.
Constipação com trânsito intestinal normal é a forma mais frequente de
constipação, também denominada constipação funcional ou constipação crônica
idiopática. Apesar de o trânsito intestinal e da frequência evacuatória serem normais, os
pacientes podem se queixar de constipação associada a desconforto e dor abdominal. A
diferenciação com síndrome do intestino irritável com predomínio de constipação deve
ser realizada quando possível.
Constipação com trânsito intestinal lento é caracterizada pelo retardo da
passagem das fezes pelos cólons, geralmente evidenciada pelo estudo do trânsito
intestinal colônico. Os pacientes se queixam de baixa frequência evacuatória e distensão
abdominal, além de tenderem a ser mais refratários ao tratamento clínico. Postula-se que
haja anormalidades do plexo mioentérico, alterações da inervação colinérgica e
anormalidades do sistema de transmissão neuromuscular.
Os distúrbios anorretais são caracterizados pela incoordenação do mecanismo
defecatório dependente da musculatura pélvica. As queixas mais frequentes são
sensação de evacuação incompleta ou de estar obstruído e a necessidade de manipulação
digital para evacuar. Há maior prevalência em idosos, particularmente no sexo
feminino. O diagnóstico é confirmado pelos exames de manometria anorretal e
defecografia. Os mecanismos fisiopatológicos são diversos e incluem dificuldade de
relaxamento ou contração inadequada do músculo puborretal e do esfíncter anal externo,
denominada dissinergia do assoalho pélvico, incapacidade de retificação do ângulo
anorretal e descida excessiva do períneo.
As causas secundárias de constipação incluem diversas doenças. Afecções
gastrointestinais incluem tumores intestinais, estenoses isquêmicas, inflamatórias e
actínicas, compressões extrínsecas, megacólon chagásico e idiopático, pseudo-obstrução
intestinal, retocele, prolapso retal, fissura anal, síndrome do intestino irritável e inércia
Quadro clínico
Evacuações infrequentes, ausência de urgência evacuatória, dificuldade para
evacuar, esforço inefetivo evacuatório, necessidade de manobras digitais, sensação de
evacuação incompleta, dor anal ou perianal, prolapso anal ao ato evacuatório e escape
fecal. Distensão abdominal. Dor ou desconforto abdominal relacionados ou não à
evacuação. Halitose, cefaleia, náusea e cansaço.
O exame neurológico é de suma importância, sendo necessário para descartar
lesões centrais e, particularmente, lesões medulares. Deve-se pesquisar a sensibilidade
nos dermátomos sacrais.
Avaliação complementar
Sugere-se que os pacientes com constipação intestinal crônica sejam avaliados
com hemograma completo, glicemia, TSH, cálcio e creatinina. Além disso, sugere-se
que sejam submetidos a colonoscopia aqueles com idade superior a 50 anos,
emagrecimento ou sangramento intestinal. A sorologia para doença de Chagas pode ser
realizada conforme o contexto epidemiológico do paciente. Indicações de investigação
diagnóstica complementar ou encaminhamento para gastroenterologista para pacientes
geriátricos incluem constipação de início recente associada a emagrecimento, anemia,
fezes com sangue, dor abdominal ou antecedente familiar de câncer colônico,
constipação crônica associada a alterações na forma das fezes, alterações na frequência
das evacuações, emagrecimento, anemia ou dor abdominal, constipação crônica
refratária ao tratamento com laxativos, constipação crônica sem melhora com ingesta de
fibras, prática de atividade física e reeducação do hábito intestinal e incontinência fecal
de início recente.
A endoscopia pode revelar a pigmentação marrom escura da melanosis coli, por
abuso de laxativos. O exame do reto distal pode evidenciar prolapso anterior da mucosa
ou úlcera retal solitária. O uso do colonoscópio serve para excluir doenças estruturais do
intestino grosso.
O trânsito intestinal colônico avalia inércia colônica e disfunção do assoalho
pélvico. Substâncias radiopacas são ingeridas e radiografias abdominais são realizadas
posteriormente.
Manometria anorretal mede a pressão do canal anal e do reto em contração e no
repouso e avalia o reflexo inibitório retal. Identifica hipertonia do esfíncter anal, perda
do reflexo inibitório retal e contração paradoxal do esfíncter anal externo, denominada
dissinergia.
Teste de expulsão do balão retal avalia a capacidade de evacuar balão cheio de
água, geralmente com 50mL. Define a presença de distúrbios funcionais da defecação.
Exame da latência motora do nervo pudendo é indicado no diagnóstico de lesões
Tratamento
Inicialmente, deve-se identificar comorbidades e drogas que possam atuar na
gênese da constipação.
Medidas não-farmacológicas incluem reeducação do hábito intestinal, ingesta de
fibras, ingesta hídrica e prática de atividade física. Os pacientes devem ser estimulados
a evacuar no mesmo horário e a evitar abolir o desejo de evacuar. O período da manhã,
logo após o café, tende a ser o horário mais adequado. Outro fator importante é a
existência de banheiros adequados com privacidade e fácil acesso. Recomenda-se que
30g de fibras sejam consumidas diariamente, sendo estimulada a ingesta de frutas,
vegetais e produtos integrais, como cereais. Todavia, o aumento deve ser gradual para
evitar o aumento do processo fermentativo intestinal, com produção excessiva de gases,
distensão e desconforto abdominal. A fim de que haja formação do bolo fecal, é
recomendado aos pacientes ingesta hídrica de 1.5-2.0 litros por dia, exceto em situações
nas quais a hipervolemia deve ser evitada. Na medida do possível, caminhadas diárias
ou prática de natação devem ser estimuladas.
Nas situações em que não há melhora da constipação intestinal com a adoção de
medidas gerais, o tratamento farmacológico deve ser instituído. Medidas farmacológicas
incluem, como primeira linha, agentes formadores de massa ou osmóticos, como
Hidróxido de Magnésio e polietilenoglicóis, seguidos, como segunda linha, por
estimulantes, como Bisacodil. Na constipação refratária ao tratamento clínico pode ser
de grande auxílio na terapêutica definir o mecanismo fisiopatológico de base, com
indicação de dieta rica em fibras, laxativos formadores de massa e osmóticos nos casos
de constipação funcional, drogas pró-cinéticas na constipação com trânsito intestinal
lento e biofeedback nos distúrbios anorretais.
Formadores de massa são compostos por fibras, substâncias hidrofílicas que
absorvem água do lúmen intestinal, aumentam o bolo fecal, amolecem as fezes e,
portanto, facilitam a evacuação. Além disso, amentam a motilidade gastrointestinal
levando à diminuição do tempo de trânsito intestinal e à maior frequência evacuatória.
As fibras solúveis, como o Psyllium, absorvem água rapidamente e são decompostas nos
cólons. As fibras insolúveis, como a Metilcelulose, absorvem menos água do que as
fibras solúveis e, por não serem degradadas nos cólons, mantém o volume líquido das
fezes até a evacuação. A introdução de fibras deve ser gradual para evitar flatulência e
Algoritmo
Bibliografia
Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
Etiologia
Hepatites virais B, C e D. A transmissão sexual e vertical do vírus B relaciona-se
a vida sexual promíscua e passado de doenças sexualmente transmissíveis. A exposição
parenteral aos vírus B e C inclui transfusão de sangue e hemoderivados e transplante de
órgãos antes de 1992, hemodiálise, uso de drogas intravenosas com compartilhamento
de agulhas e seringas, emprego de cocaína inalatória, tatuagem e piercing.
Doença alcoólica do fígado.
Medicamentos, como Isoniazida, Alfa-Metildopa, Vitamina A e Metotrexato.
Doenças autoimunes do fígado, como hepatite autoimune, cirrose biliar primária
e colangite esclerosante primária.
Doenças metabólicas, como esteato-hepatite não-alcoólica, hemocromatose,
doença de Wilson, deficiência de alfa-1 antitripsina e tirosinemia.
Distúrbios vasculares, como insuficiência cardíaca direita e síndrome de Budd-
Chiari.
Doenças hepatobiliares, como cirrose biliar secundária, atresia de vias biliares,
ductopenia do adulto, colestase intra-hepática familiar progressiva e cirrose
criptogênica.
Classificação
Morfologicamente, a cirrose hepática é classificada em macronodular, formada
por nódulos com diâmetro superior ou igual a 3mm, micronodular, formada por nódulos
com diâmetro inferior a 3mm, e mista, formada por nódulos de tamanhos variados. Essa
classificação não tem qualquer valor prognóstico e alguns casos de cirrose hepática de
padrão micronodular podem evoluir para padrão macronodular. O padrão micronodular
é mais frequentemente visto na etiologia alcoólica, enquanto que o padrão macronodular
é mais comum na etiologia viral e na doença de Wilson.
A cirrose hepática compensada é frequentemente assintomática ou
oligossintomática, sendo os sinais e sintomas, quando presentes, geralmente
inespecíficos, tais como fadiga, astenia, anorexia, emagrecimento e perda de massa
muscular. Icterícia e sinais periféricos de doença crônica parenquimatosa do fígado, tais
como eritema palmar, telangiectasias, ginecomastia e atrofia testicular podem também
estar presentes. A cirrose hepática é dita descompensada na ocorrência de qualquer
complicação secundária à insuficiência hepática ou à hipertensão portal, como ascite,
hemorragia digestiva varicosa, encefalopatia hepática e peritonite bacteriana
espontânea.
Classificação de Child-Pugh Turcotte para pacientes cirróticos
Critério 1 ponto 2 pontos 3 pontos Child A quando 5-6 pontos.
Encefalopatia hepática Ausente Grau I e II Grau III e IV Child B quando 7-9 pontos.
Tratamento
A abordagem terapêutica da cirrose hepática compensada inclui tratamento da
causa subjacente, tratamento dos sintomas associados, prevenção de complicações e de
descompensação da doença, suporte nutricional e avaliação para transplante de fígado.
Algumas causas de cirrose hepática podem ter indicação de tratamento
específico, mesmo quando a doença encontra-se em fase cirrótica, visando diminuir sua
progressão e o risco de descompensação da cirrose hepática. As principais doenças do
fígado na fase cirrótica que merecem consideração de tratamento são as hepatites pelos
vírus B e C, a hepatite autoimune, a hemocromatose hereditária e a doença de Wilson.
Abstinência alcoólica é obrigatória para pacientes com doença alcoólica de fígado.
Entre os sintomas associados à causa subjacente da cirrose hepática, o prurido é
uma manifestação frequente e, em muitos casos, incapacitante. Colestiramina, Ácido
Ursodeoxicólico e anti-histamínicos podem ser alternativas terapêuticas. O edema de
membros inferiores é uma manifestação comum, mesmo na ausência de ascite, e pode
requerer restrição de sal e uso de diuréticos.
Deve-se restringir o uso de medicações hepatotóxicas e o consumo de álcool.
Fatores precipitantes de encefalopatia alcoólica, como obstipação intestinal e uso de
benzodiazepínicos, devem ser evitados.
Vacinação contra as hepatites A e B pode auxiliar na prevenção de insulto
adicional em um fígado com baixa reserva funcional.
Pacientes com varizes de esôfago podem requerer profilaxia primária com
betabloqueadores não-seletivos para evitar o primeiro episódio de ruptura. Profilaxia
primária é indicada para todo paciente com varizes de esôfago de médio e grosso
calibre, assim como para todo paciente com varizes de esôfago de pequeno calibre
associadas a doença hepática avançada, Child B ou C, e/ou red spots em sua superfície.
O uso de beta-bloqueadores não seletivos, como Propranolol e Nadolol, reduz o risco de
sangramento em 45%, sendo recomendados em doses suficientes para induzir
diminuição da pressão portal em 20% ou abaixo de 12mmHg, o que se correlaciona
habitualmente com redução da frequência cardíaca basal em 25%. Propranolol,
apresentado na forma de comprimidos de 40mg e 80mg, é iniciado com dose de 20mg
por via oral duas vezes ao dia e titulado até dose máxima tolerada ou frequência
cardíaca de aproximadamente 55bpm. Nadolol, apresentado na forma de comprimidos
de 40mg e 80mg, é iniciado com dose de 40mg por via oral uma vez ao dia e titulado até
dose máxima tolerada ou frequência cardíaca de aproximadamente 55bpm. Estudo
recente evidenciou o benefício do uso de Carvedilol, apresentado na forma de
comprimidos de 3.125mg e 6.25mg, com dose de 6.25-12.5mg/dia fracionada em duas
vezes. Em pacientes com varizes esofágicas de baixo risco, com pequeno calibre, sem
red spots e sem doença hepática avançada, o uso de beta-bloqueadores pode retardar o
crescimento das varizes e prevenir a ocorrência de hemorragias, sendo opcional. Na
presença de contraindicações ou efeitos colaterais ao uso de betabloqueadores, pode-se
Bibliografia
Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Diagnostic approach to the patient with cirrhosis. Eric Goldberg and Sanjiv Chopra. UpToDate, 2011.
Overview of the complications, prognosis, and management of cirrhosis. Eric Goldberg and Sanjiv Chopra. UpToDate, 2011.
Initial therapy of ascites in patients with cirrhosis. José Such and Bruce A Runyon. UpToDate, 2011.
Hepatopulmonary Syndrome – A Liver-Induced Lung Vascular Disorder. Roberto Rodríguez-Rosin and Michael J Krowka. N Engl
J Med 2008;358:2378-87.
Renal Failure in Cirrhosis. Pere Ginès and Robert W Schrier. N Engl J Med 2009;361:1279-90.
Management of Varices and Variceal Hemorrhage in Cirrhosis. Guadalupe Garcia-Tsao and Jaime Bosch. N Engl J Med
2010;362:823-32.
Definição
Na prática clínica, a diarreia é definida como aumento do número de evacuações
associado à diminuição da consistência das fezes. A duração mínima necessária para
definir um quadro de diarreia como crônico geralmente é superior a seis a oito semanas.
Fisiopatologia
A diarreia é decorrente de alteração em absorção, secreção ou motilidade
intestinal.
Etiologia
As causas de diarreia crônica são múltiplas e incluem inflamação da mucosa,
formação de gradiente osmótico, secreção de íons, iatrogenia, má-absorção de nutrientes
e alteração da motilidade.
Diarreia osmótica pode estar relacionada a ingesta de Mg2+, SO42- ou PO43- e a
má-absorção de carboidratos. Esteatorreia pode estar associada a síndromes má-
absortivas, como em doenças da mucosa, intestino curto, diarreia pós-ressecção
intestinal, supercrescimento bacteriano e isquemia mesentérica, ou a má-digestão, como
em insuficiência pancreática e redução dos sais biliares. Diarreia inflamatória pode estar
associada a doença inflamatória intestinal, como em doença de Crohn, retocolite
ulcerativa, colite linfocítica e colite colágena, a jejunoileíte ulcerativa e a diverticulite.
Doenças infecciosas relacionadas a diarreia incluem colite pseudomembranosa,
infecções por bactérias invasivas, como tuberculose e yersinose, infecções por vírus,
como citomegalovírus e herpes simples, e infecções por protozoários, como ameba e
giárdia. Neoplasias relacionadas a diarreia incluem as de cólon e os linfomas. Diarreias
secretoras estão relacionadas a abuso de laxativos, síndromes congênita, toxinas
bacterianas e má-absorção de sais biliares. Dismotilidade está relacionada a vagotomia
ou simpatectomia, neuropatia diabética, hipertireoidismo e síndrome do intestino
irritável. Tumores neuroendócrinos relacionados a diarreia incluem gastrinoma,
VIPoma, somatostatinoma, mastocitose, síndrome carcinoide e carcinoma medular da
tireoide. Outras causas de diarreia incluem colite isquêmica, enterocolite actínica,
vasculites, reação a drogas e doença de Addison.
Investigação
Uma boa história clínica, o exame físico e a realização de alguns exames
laboratoriais simples são de fundamental importância para o direcionamento mais
racional e produtivo na investigação diagnóstica.
A anamnese deve incluir questionamento quanto a características das fezes,
evacuações noturnas, emagrecimento, investigações anteriores, medicamentos em uso,
alimentação, tempo de evolução, evolução contínua ou intermitente, associação com dor
abdominal, idade superior a cinquenta anos, antecedentes pessoais e antecedentes
familiares. Diarreia com pequeno número de evacuações ao dia, porém volumosas, com
odor fétido e presença de gordura ou alimentos não-digeridos, é sugestiva de origem
Tratamento
O tratamento deve ser direcionado para a condição subjacente, quando possível.
Quando a causa não é elucidada, a terapêutica empírica pode ser benéfica. Nos casos de
diarreia aquosa, opióides, como a Loperamida, com 2-4mg duas a quatro vezes ao dia,
ou o Difenoxilato, podem ser úteis. Agentes que se ligam a sais biliares, como a
Colestiramina, com 2-4g por via oral duas a quatro vezes ao dia, são efetivas no
tratamento de diarreias relacionadas aos sais biliares, mas podem piorar os sintomas em
caso de ressecção ileal ou doença em mais de 100cm do íleo.
Medicamentos utilizados para diarreia secretora ou inflamatória severa
geralmente têm efeitos colaterais mais significativos. O análogo de somatostatina
Octeotride, com dose inicial de 100-600mcg/dia por via subcutânea dividida em duas a
quadro administrações diárias e dose máxima de 1500mcg/dia, reduz a diarreia na
síndrome carcinoide e nos tumores neuroendócrinos. Também é efetivo no tratamento
da diarreia relacionada à síndrome de dumping e ao uso de quimioterapia. Preparação
subcutânea de longa duração, com 20-30mg por via intramuscular uma vez por mês, já
está disponível. A secreção pancreática pode ser diminuída, com piora da diarreia.
Clonidina, com dose inicial de 0.1mg duas vezes ao dia e dose máxima de 0.6mg
duas vezes ao dia, é útil na diarreia por abstinência de opióide e por diabetes mellitus.
Alosetron, com 0.5mg a 1mg por via oral duas vezes ao dia durante quatro
semanas, pode ser útil na síndrome do intestino irritável severa com predomínio de
diarreia.
Definição
A má absorção pode ser definida pela absorção deficiente de um ou mais
nutrientes da dieta, independentemente de haver diarreia ou esteatorreia.
Frequentemente, ocorre em associação a doenças do intestino delgado, mas outros
órgãos, como pâncreas, fígado, vias biliares e estômago também podem estar
envolvidos.
Etiologia
Doenças gástricas, como gastrite autoimune, gastrite atrófica e gastrectomia.
Doenças pancreáticas, como insuficiência pancreática por pancreatite crônica ou
fibrose cística, deficiências congênitas de enzimas pancreáticas e tumores pancreáticos.
Doenças hepáticas, como erros inatos da síntese ou do transporte de ácidos
biliares, cirrose e hipertensão portal.
Doenças biliares, como tumores, colangite esclerosante e cirrose biliar primária.
Doenças intestinais, como amiloidose, enterite autoimune, supercrescimento
bacteriano, doença celíaca, defeitos congênitos nos enterócitos, doença de Crohn,
deficiência de enteroquinase, gastroenterite eosinofílica, fístulas entéricas, alergia
alimentar, doença enxerto versus hospedeiro, hipolactasia, infecções intestinais, enterite
isquêmica, linfoma de intestino delgado, ressecções intestinais, mastocitose,
imunodeficiência primária, enterite actínica e sarcoidose.
Doenças linfáticas, como linfangectasia intestinal, que pode ser primária ou
secundária a linfoma, tumores sólidos ou trauma com lesão ou obstrução do ducto
torácico.
Tumores neuroendócrinos, como tumor carcinoide, glucagonoma,
somatostatinoma e gastrinoma.
Doença vascular e cardíaca, como insuficiência cardíaca congestiva e pericardite
constritiva.
Fisiopatologia
Mecanismo Substratos mal- Etiologia
patofisiológico absorvidos
Má-digestão
Deficiência de Gorduras, vitaminas Doença parenquimatosa hepática, doença
conjugação de ácidos lipossolúveis, cálcio e obstrutiva biliar, supercrescimento bacteriano no
biliares magnésio intestino delgado e deficiência de
colecistoquinina
Insuficiência pancreática Gorduras, proteínas, Doenças congênitas, pancreatite crônica,
carboidratos, vitaminas tumores pancreáticos, inativação de enzimas
lipossolúveis, vitamina pancreáticas por síndrome de Zollinger-Ellison
B12
Digestão mucosa Carboidratos e proteínas Doenças congênitas, deficiência de lactase
reduzida adquirida e doenças generalizadas da mucosa,
como doença celíaca e doença de Crohn
Consumo intraluminal de Vitamina B12 Supercrescimento bacteriano, infecção por
nutrientes helmintos
Má-absorção
Redução na absorção da Gorduras, proteínas, Defeitos congênitos de transporte, doenças
mucosa carboidratos, vitaminas e generalizadas da mucosa, como doença celíaca e
minerais doença de Crohn, ressecção ou by-pass
intestinal, infecções e linfoma intestinal
Supercrescimento bacteriano
As principais causas de supercrescimento bacteriano no intestino delgado estão
relacionadas à diminuição da secreção ácida pelo estômago, como em gastrite atrófica,
uso de antiácidos, cirurgias gástricas que diminuem a secreção cloridropéptica e
diminuição da motilidade por diabetes mellitus ou esclerodermia. Condições anatômicas
ou pós-cirúrgicas que levem à estase ou à recirculação das bactérias habitualmente
restritas ao cólon também provocam o supercrescimento bacteriano.
As bactérias anaeróbias desconjugam precocemente os ácidos biliares, que assim
são mais facilmente absorvidos, diminuindo, portanto, a concentração luminal e
prejudicando a formação de micelas. As bactérias utilizam a vitamina B12 para a
produção de folato e liberam proteases que degradam dissacaridases presentes na borda
em escova do intestino delgado, com deficiência de dissacarídeos e de vitamina B12.
O diagnóstico é feito por meio de cultura de aspirado duodenal ou jejunal, com
crescimento de mais de 100.000 unidades formadoras de colônia, ou de testes
respiratórios, como o do hidrogênio expirado após ingesta de carboidrato e o da xilose
marcada com C14.
O tratamento envolve a correção dos fatores predisponentes, quando possível, o
uso de pró-cinéticos e antibioticoterapia, sendo Tetraciclina, quinolonas,
Amoxacilina/Clavulanato, Cefalexina e Metronidazol as drogas de escolha, com uso
durante quatorze dias. Medicamentos que reduzem a secreção ácida gástrica devem ser
suspensos sempre que possível. Se os fatores predisponentes não forem corrigidos, há
risco de deficiência de vitamina B12, vitaminas lipossolúveis e cálcio, com necessidade
de sua suplementação.
Doença celíaca
A doença celíaca é uma doença induzida pelo consumo de proteínas presentes
em trigo, centeio e cevada. Afeta primariamente o trato gastrointestinal em indivíduos
geneticamente suscetíveis, com lesão característica, porém inespecífica, da mucosa do
intestino delgado, que resulta em má-absorção de nutrientes pelo segmento envolvido.
Há melhora com a retirada do glúten da dieta.
A prevalência é maior em crianças com baixa estatura, pacientes com diabetes
mellitus tipo I e pacientes com queixas dispépticas.
A predisposição genética é um fator bem estabelecido, com risco atribuído ao
antígeno leucocitário humano (HLA) classe II, com HLA-DQ2 e HLA-DQ8
encontrados na maior parte dos casos.
A apresentação clínica varia desde oligossintomática ou assintomática até forma
clássica com déficit de crescimento, desnutrição e diarreia crônica aquosa. Adultos
geralmente se apresentam com anemia e osteoporose, sem diarreia ou outros sintomas
gastrointestinais, em função de má-absorção de ferro, folato, vitamina B12 e cálcio.
Outras manifestações extra-intestinais incluem dermatite herpetiforme, neuropatia
Doença de Whipple
A doença causada pelo Tropheryma whippelii é multi-sistêmica, com
envolvimento de trato gastro-intestinal, sistema nervoso central, coração, mais
frequentemente com endocardite com hemocultura negativa, e outros órgãos. O
diagnóstico definitivo é realizado pela detecção do T. whippelii por reação em cadeia da
polimerase em associação com achado característico de macrófagos tumefeitos
positivos para PAS no exame histopatológico. O tratamento é feito com antibióticos de
amplo espectro, como Penicilina G Benzatina 1200000UI/dia por via intramuscular
associada a Estreptomicina 1g/dia por via intramuscular, Ceftriaxone 2g/dia por via
intravenosa ou intramuscular ou Meropenem 1g de 8/8 horas por via intravenosa,
durante quatorze dias, com Sulfametoxazol/Trimetoprim 800mg/160mg de 12/12 horas
por via oral a partir de então e durante um ano.
Intolerância à lactose
A deficiência de lactase é a causa mais comum de má-absorção seletiva de
carboidratos. Neonatos apresentam alta concentração dessa enzima, mas durante o
crescimento ocorre uma redução geneticamente programada e irreversível da sua
atividade na maioria da população, resultando em má-absorção de lactose, que pode ou
não estar associada a sintomas gastrointestinais. A sintomatologia típica envolve dor
abdominal em cólica, flatulência e eructações. Secundariamente, podem ocorrer diarreia
osmótica por dificuldade na reabsorção de grande quantidade de ácidos graxos de cadeia
curta produzidos pela metabolização da lactose por bactérias colônicas. O diagnóstico é
feito por teste respiratório, com avaliação do hidrogênio expirado após ingesta de
lactose, ou sanguíneo após sobrecarga de lactose. O tratamento compreende uma dieta
pobre em alimentos que contenham lactose ou reposição de lactase por via oral.
Algumas doenças intestinais podem causar deficiência de lactase secundária e
reversível, como gastroenterite viral, doença celíaca, giardíase e supercrescimento
bacteriano.
Mecanismos desconhecidos
Existem certas condições que são causadoras de síndrome de má-absorção,
porém o mecanismo desencadeante ainda permanece desconhecido, como em
hipoparatireoidismo, insuficiência adrenal, hipertireoidismo e síndrome carcinoide.
Bibliografia
Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
Epidemiologia
Dispepsia apresenta elevada prevalência na população geral. É discretamente
mais frequente entre as mulheres.
Etiologia
A dispepsia pode ser dividida em orgânica, em que existe um marcador
biológico relacionado às queixas, e funcional, presente em cerca de metade dos casos.
Dispepsia funcional
Segundo o consenso de Roma III, define-se dispepsia funcional como dor
crônica ou recorrente ou desconforto em abdômen superior na ausência de qualquer
causa orgânica, sistêmica ou metabólica e sem achados da síndrome do intestino
irritável.
A frequência é maior em mulheres.
A fisiopatologia permanece obscura, estando possivelmente associada a
hipersensibilidade visceral, disfunção motora e fatores psicossociais.
Com base nos critérios do consenso de Roma III, a dispepsia funcional pode ser
subdividida em desconforto pós-prandial e dor epigástrica.
Síndrome do desconforto pós-prandial é caracterizada por empachamento pós-
prandial e/ou saciedade precoce que impossibilita o término normal da alimentação
várias vezes por semana durante os últimos três meses, com início, no mínimo, nos
últimos seis meses. Critérios que corroboram o diagnóstico incluem distensão do
abdômen superior, náusea pré-prandial e eructação. Síndrome da dor epigástrica pode
coexistir.
Síndrome da dor epigástrica é caracterizada por dor em queimação localizada no
epigástrio no mínimo uma vez por semana, intermitente, não-generalizada ou localizada
em outras regiões e não aliviada por defecação ou eliminação de flatos durante os
últimos três meses, com início, no mínimo, nos últimos seis meses.
Dispepsia é comum em pacientes com síndrome do intestino irritável.
Neoplasias
A prevalência de neoplasia em pacientes dispépticos é de 2%, com 98% dos
casos em indivíduos com idade superior a 45 anos. Fatores que aumentam o risco
incluem história prévia de cirurgia gástrica, história familiar de câncer gástrico,
neoplasia esofágica ou gástrica prévia e infecção por H. pylori. Sintomas e sinais de
alarme incluem vômitos frequentes, sangramentos gastrointestinais, anemia ferropriva,
disfagia, odinofagia, emagrecimento não-explicado, massas abdominais palpáveis,
linfonodomegalia e mudança no padrão dos sintomas. Icterícia, febre e úlcera péptica
prévia também são considerados sintomas e sinais de alarme para doença orgânica.
Neoplasias precoces podem ser assintomáticas ou manifestar-se de forma indistinguível
em relação a doenças benignas.
Avaliação complementar
Endoscopia digestiva alta apresenta alta acurácia diagnóstica. Resultado normal
pode estar associado a dispepsia funcional e a doença do refluxo gastroesofágico não-
erosiva. O médico deve distinguir o paciente com alta probabilidade de ter doença
orgânica grave, com necessidade de avaliação complementar e diagnóstico definitivo,
daquele que pode ser tratado empiricamente com inibição da secreção ácida gástrica ou
erradicação do H. pylori. A prevalência de neoplasia é rara em pacientes dispépticos
sem sintomas de alarme e não há evidência de que o atraso no diagnóstico em algumas
semanas comprometa o resultado. Para decidir entre tratamento empírico e endoscopia
precoce, o médico deve se basear em nível de ansiedade do paciente, idade, presença de
sinais de alarme, presença de sintomas de refluxo gastroesofágico e infecção pelo H.
pylori. Endoscopia digestiva alta é necessária em usuários de anti-inflamatórios não-
hormonais que persistem sintomáticos apesar da sua descontinuação ou do início de
agente inibidor da secreção ácida gástrica.
Infecção crônica pelo H. pylori está associada a úlceras pépticas e a câncer
gástrico. Testes não-invasivos incluem teste respiratório da uréia, avaliação sorológica e
acesso ao antígeno fecal. Erradicação empírica do H. pylori nos pacientes com dispepsia
e teste não-invasivo positivo resolve os sintomas na maior parte dos pacientes sem
diagnóstico de doença ulcerosa péptica, mas não tem impacto significativo naqueles
infectados sem doença ulcerosa.
Hemograma completo, eletrólitos avaliação hepática e função tireoidiana devem
ser considerados. Amilase sérica, protoparasitológico de fezes e teste de gravidez são
solicitados quando necessário.
Cintilografia gástrica e manometria gastroduodenal são reservadas para
pacientes com vômitos frequentes e podem revelar alteração na motilidade gástrica.
pHmetria esofágica é útil no diagnóstico de refluxo gastroesofágico em pacientes com
sintomas atípicos. Ultrassonografia de abdômen e tomografia computadorizada são
indicadas em caso de suspeita de doença biliopancreática.
Tratamento
A maioria dos pacientes com dispepsia funcional apresenta sintomas moderados
e intermitentes que respondem a modificações no estilo de vida. Sintomas refratários, no
entanto, podem ser de difícil manejo.
Terapia dietética não foi sistematicamente estudada, mas parece lógico alertar
para que sejam evitados alimentos que agravam os sintomas. Em geral, recomenda-se
comer mais frequentemente, com refeições menores.
Os fármacos disponíveis até o momento para o manejo da dispepsia funcional
possuem eficácia limitada e alto índice de efeito placebo. Para pacientes H. pylori
negativos com dispepsia não-investigada e sem sinais de alarme, um teste empírico com
supressão ácida por quatro a oito semanas é recomendável como terapia de primeira
linha. Se houver falha na supressão ácida após duas a quatro semanas, é razoável a
terapia com escalonamento da dose ou da medicação. Se houver recorrência dos
sintomas, outro curso do mesmo tratamento está justificado. Pacientes que não
respondem a medidas simples devem ter seu diagnóstico reconsiderado.
Os inibidores da secreção ácida gástrica, como os inibidores da bomba de
prótons e os antagonistas dos receptores H2, são a primeira escolha para dispepsia
funcional tipo dor epigástrica e os pró-cinéticos, como Metoclopramida, Domperidona,
Bromoprida e Cisaprida, são preferidos para dispepsia funcional tipo desconforto pós-
prandial. Dentre os inibidores da bomba de prótons, Omeprazol é apresentado na forma
de cápsulas de 10mg, 20mg e 40mg e é utilizado com dose inicial de 20mg pela manhã,
Pantoprazol é apresentado na forma de comprimidos revestidos de 20mg e 40mg e é
utilizado com dose inicial de 40mg pela manhã e Esomeprazol é apresentado na forma
de comprimidos de 20mg e 40mg e é utilizado com dose inicial de 40mg pela manhã.
Dentre os antagonistas dos receptores H2, a Ranitidina é apresentada na forma de
comprimidos de 150mg e 300mg e é utilizada com dose inicial de 150mg de 12/12
horas ou 300mg a noite, Cimetidina é apresentada na forma de comprimidos de 200mg
e 400mg e é utilizada com dose inicial diária de 200mg nas principais refeições e ao
deitar, 400mg de 12/12 horas ou 800mg a noite e Famotidina é apresentada na forma de
comprimidos de 20mg e 40mg e é utilizada com dose inicial diária de 20mg de 12/12
horas ou 40mg de noite. Dentre os pró-cinéticos, a Metoclopramida é apresentada na
forma de comprimidos de 10mg, solução oral com 5mg/5mL e gotas pediátricas com
4mg/mL (21 gotas) e é utilizada com dose de 10mg dez a trinta minutos antes de cada
Algoritmos
Fisiopatologia
A fisiopatologia da doença do refluxo gastroesofágico tem como evento
principal o retorno patológico para o esôfago de agentes agressores, representados
principalmente por ácido clorídrico, pepsina, sais biliares e enzimas pancreáticas.
Para ocorrer lesão dos órgãos expostos, é necessário que os fatores de defesa,
que compõem a chamada barreira anti-refluxo, sejam superados. A área de alta pressão
encontrada junto à transição esofagogástrica está relacionada à pressão intrínseca do
esfíncter inferior do esôfago, à localização intra-abdominal do esfíncter inferior do
esôfago, à compressão extrínseca pelo diafragma e ao ligamento freno-esofágico, que
cria um ângulo agudo entre o esôfago e o estômago. A depuração esofágica está
relacionada à peristalse e à salivação. A resistência da mucosa esofágica está
relacionada a junções firmes, matriz extracelular e secreção de bicarbonato. Entre os
mecanismos facilitadores do refluxo, o relaxamento transitório do esfíncter inferior do
esôfago é o mais importante.
Agentes que diminuem a pressão do esfíncter inferior do esôfago incluem
alimentos, como chocolate, gorduras e café, medicamentos, como bloqueadores de
canais de cálcio, Meperidina, Morfina, Dopamina, Diazepam, barbitúricos, Teofilina,
Prostaglandina E2 e Prostaglandina I2, hormônios, como progesterona, secretina,
glucagon, somatostatina, VIP e GIP, agentes neuronais, como betabloqueadores,
anticolinérgicos, alfabloqueadores e agonistas do ácido nítrico, tabaco e álcool.
Atualmente, acredita-se que a presença de hérnia hiatal seja um fator facilitador
para o aparecimento de doença do refluxo gastroesofágico, embora sua existência não
indique necessariamente a ocorrência de doença do refluxo.
Quadro clínico
Manifestações típicas incluem pirose e regurgitação ácida. Manifestações
pulmonares incluem asma, tosse crônica, pigarro, bronquite crônica, pneumonia de
repetição e bronquiectasia. Manifestações otorrinolaringológicas incluem faringites,
otites, sinusites e laringites. Manifestações orais incluem desgaste do esmalte dentário,
aftas e halitose.
A intensidade e a frequência dos sintomas são fracos preditores da presença e da
gravidade da esofagite. A duração da doença, por outro lado, está associada a aumento
do risco de complicações.
Sinais e sintomas de complicações da doença do refluxo gastroesofágico
englobam disfagia, odinofagia, hematêmese, melena, anemia e emagrecimento.
Avaliação complementar
A endoscopia digestiva alta, apesar de baixa sensibilidade para o diagnóstico de
doença do refluxo gastroesofágico, é importante no diagnóstico diferencial com outras
Diagnóstico
Pirose e/ou regurgitação com frequência mínima de duas vezes por semana por
período superior ou igual a quatro semanas sugere o diagnóstico de doença do refluxo
gastroesofágico. Na forma erosiva, há erosões identificadas no exame endoscópico. Na
forma não-erosiva, erosões não são detectadas.
Teste terapêutico
Pacientes portadores de manifestações clínicas típicas de doença do refluxo
gastroesofágico e sem sinais de alarme podem ser considerados para receber teste
terapêutico com medicação inibidora da bomba de prótons em dose plena diária por
quatro semanas como conduta inicial, em conjunto com as medidas comportamentais. O
teste é considerado positivo quando são abolidos os sintomas inicialmente presentes,
sugerindo fortemente o diagnóstico de doença do refluxo gastroesofágico. Em caso de
resposta inicial insatisfatória, o teste terapêutico pode ser continuado com
fracionamento da dose em duas administrações diárias. Em caso de persistência da
resposta insatisfatória, há falha do teste terapêutico.
Complicações
Complicações são mais frequentes em indivíduos que não procuram auxílio
médico, em casos refratários ao tratamento e em indivíduos que não seguem o
tratamento corretamente. As complicações mais comuns são esôfago de Barret,
estenose, úlceras e sangramento esofágico.
O esôfago de Barret consiste em substituição do epitélio escamoso estratificado
do próprio esôfago por epitélio metaplásico do tipo colunar intestinal. Está relacionado
a risco potencial de desenvolvimento de adenocarcinoma de esôfago.
A estenose ocorre como consequência da inflamação, com fibrose da parede e
redução da luz esofágica. A principal manifestação clínica é a disfagia.
O sangramento esofágico na doença do refluxo gastroesofágico costuma ser
lento e insidioso, podendo ser responsável por quadros de anemia crônica. Mais
raramente, pode ocorrer hematêmese.
Tratamento
O tratamento da doença do refluxo gastroesofágico tem como objetivos
principais o alívio dos sintomas, a cicatrização das lesões e a prevenção de recidivas e
complicações.
Medidas comportamentais
Elevar a cabeceira da cama em aproximadamente 15cm.
Moderar a ingesta de alimentos gordurosos, alimentos cítricos, bebidas
alcoólicas, bebidas gasosas, menta, molho de tomate, chocolate e condimentos em
excesso, na dependência da correlação com os sintomas.
Evitar deitar-se logo após as refeições, por pelo menos uma a duas horas.
Evitar refeições copiosas, procurando fracionar a dieta.
Suspender o consumo de tabaco.
Evitar líquidos durante a refeição.
Reduzir o peso corpóreo.
Tratamento medicamentoso
Inibidores da bomba de prótons são as drogas de primeira escolha no tratamento
da doença do refluxo gastroesofágico. É importante salientar que bloqueiam apenas as
bombas de prótons ativas e, portanto, devem ser administrados sempre antes de uma
refeição, já que o principal fator ativador é o alimento. Omeprazol é apresentado na
forma de cápsulas de 10mg, 20mg e 40mg e é utilizado com dose diária plena de 40mg,
Pantoprazol é apresentado na forma de comprimidos revestidos de 20mg e 40mg e é
utilizado com dose diária plena de 40mg, Esomeprazol é apresentado na forma de
comprimidos de 20mg e 40mg e é utilizado com dose diária plena de 40mg e
Lansoprazol é apresentado na forma de cápsulas de 15mg e 30mg e é utilizado com
dose plena de 30mg. Tratamento a longo prazo de manutenção deve ser titulado para a
menor dose que permita o controle adequado dos sintomas.
Os bloqueadores dos receptores H2 da histamina são eficazes como
bloqueadores da secreção ácida basal e estimulada. Os mais utilizados em nosso meio
são a Ranitidina, a Famotidina e a Cimetidina. São medicamentos seguros, com baixa
frequência de efeitos adversos e com preço acessível. A principal limitação é a baixa
eficácia em casos mais graves e o mecanismo de tolerância, que pode surgir com o uso
crônico.
Os pró-cinéticos apresentam a propriedade de elevar a amplitude das contrações
peristálticas do corpo esofágico, acelerar o esvaziamento gástrico e elevar a pressão no
esfíncter inferior do esôfago. A Metoclopramida é o agente mais antigo e apresenta
efeitos adversos indesejáveis devido à ação sobre o sistema nervoso central, como
sonolência e efeitos extra-piramidais. É apresentada na forma de comprimidos de 10mg,
solução oral com 5mg/5mL e gotas pediátricas com 4mg/mL (21 gotas) e é utilizada
com dose de 10mg dez a trinta minutos antes de cada refeição principal e, se necessário,
ao deitar. A Domperidona é um derivado da Metoclopramida com ação limitada no
sistema nervoso central e menos efeitos colaterais. É apresentada na forma de
comprimidos de 10mg e solução oral com 1mg/mL e é utilizada com dose inicial de
10mg quinze a trinta minutos antes de cada refeição principal e, se necessário, ao deitar.
Antiácidos, alginatos e Sucralfato podem ser usados em situações especiais para
fornecer alívio sintomático passageiro. Atuam neutralizando a secreção ácida e são
eficazes para o controle em curto prazo dos sintomas, com propriedade curativa bastante
limitada.
Tratamento cirúrgico
As evidências clínicas têm demonstrado que não existem diferenças
significativas entre os resultados dos tratamentos clínico e cirúrgico. Este é indicado
para os pacientes que respondem satisfatoriamente ao tratamento clínico, mas que não
podem ou não querem continuar o uso de medicamentos, e para pacientes com grandes
hérnias hiatais ou complicações da doença do refluxo gastroesofágico, como estenose,
úlcera e adenocarcinoma.
A intervenção cirúrgica consiste na recolocação do esôfago na cavidade
abdominal, na aproximação dos pilares do hilo diafragmático, denominada hiatoplastia,
e no envolvimento do esôfago distal pelo fundo gástrico, denominado fundoplicatura. O
procedimento pode ser feito por laparotomia ou por laparoscopia. Nas formas com
estenose intensa associada a distúrbios motores graves, a esofagectomia deve ser
considerada.
Epidemiologia
A doença inflamatória intestinal pode acometer indivíduos de ambos os sexos
em qualquer faixa etária, porém incide predominantemente dos vinte aos quarenta anos
de idade. A doença de Crohn é mais comum entre os judeus Ashkenazi.
Os fatores de risco para doença inflamatória intestinal incluem fatores genéticos
e fatores ambientais, como dieta rica em carboidratos e pobre em frutas, uso de
anticoncepcionais e anti-inflamatórios não-hormonais e infecções prévias por
Paramyxovirus, Mycobacterium avium paratuberculosis e Escherichia coli. O
aleitamento materno reduz o risco. Tabagismo e apendicectomia diminuem o risco de
retocolite ulcerativa e aumentam o risco de doença de Crohn.
Etiopatogenia
Na doença inflamatória intestinal, suscetibilidade genética, alterações luminais,
ruptura da barreira mucosa e anormalidades da imuno-regulação propiciam que agentes
agressores gerem amplificação do processo imune e inflamatório.
Anatomia patológica
A retocolite ulcerativa é caracterizada por inflamação difusa da mucosa do
intestino grosso. Nos períodos de maior atividade da doença, a mucosa dos cólons exibe
hiperemia, edema, friabilidade, sangramento fácil ao toque, exsudato fibrinomucoide,
erosões e ulcerações. Nos casos de longa evolução, o cólon pode ter aspecto tubular,
com perda das haustrações e mucosa atrófica, pálida. Em muitos casos, podem ser vistos
pseudopólipos constituídos por ilhas de mucosa com estrutura relativamente preservada
cercadas por áreas de erosão ou ulceração confluente. No exame histopatológico,
encontra-se distorção em graus variáveis da arquitetura das criptas da mucosa. Há
considerável depleção de células caliciformes, bem como intenso infiltrado
inflamatório, que acomete a mucosa e, eventualmente, a submucosa, mas não se estende
às camadas mais profundas. Na fase aguda e nos períodos de ativação da doença, esse
infiltrado inflamatório é predominantemente constituído por neutrófilos
polimorfonucleares, enquanto que na fase crônica prevalecem as células mononucleares.
Quadro clínico
A retocolite ulcerativa e a doença de Crohn apresentam características clínicas e
evolutivas diversas, que são determinadas por vários fatores, entre eles localização,
extensão e intensidade do processo patológico subjacente, bem como existência ou não
de manifestações de envolvimento sistêmico.
Retocolite ulcerativa
O quadro clínico da retocolite ulcerativa depende da extensão da doença e da sua
gravidade. O comprometimento do intestino grosso pode se limitar aos segmentos
distais, estender-se ao hemicólon esquerdo ou afetar parte ou todo o cólon transverso e o
cólon ascendente.
A retocolite ulcerativa distal, definida por proctite ou proctossigmoidite,
geralmente se manifesta com sintomatologia leve a moderada, sendo comuns diarreia,
dor abdominal em cólica precedendo as evacuações, sangramento retal, tenesmo e
presença de muco e pus nas fezes. Pode ocorrer também obstipação, urgência,
incontinência e dor anorretal. As manifestações extra-intestinais são infrequentes.
A retocolite ulcerativa de hemicólon esquerdo, limitada pela flexura esplênica, a
retocolite extensa, que ultrapassa a flexura esplênica, e a pancolite, que acomete o ceco,
geralmente se manifestam com sintomatologia moderada a grave. Febre, astenia,
anorexia e perda de peso são comuns. Há também diarreia com muco, pus e sangue,
tenesmo e dor abdominal, que é mais intensa do que na retocolite ulcerativa distal. As
manifestações extra-intestinais podem preceder as manifestações intestinais, ocorrem
em 20-30% dos casos e incluem artralgia, artrite não-erosiva migratória de grandes
articulações, sacroileíte, espondilite anquilosante, osteopenia, osteoporose, episclerite,
uveíte, irite, colangite esclerosante primária, doença hepática gordurosa, anemia de
doença crônica, anemia ferropriva, anemia hemolítica autoimune, amiloidose,
nefrolitíase por oxalato de cálcio ou ácido úrico, aftas orais, eritema nodoso, pioderma
gangrenoso e tromboembolismo venoso. O exame físico pode ser normal ou revelar
febre, emagrecimento, desidratação, palidez, taquicardia, dor abdominal, edema e
manifestações extra-articulares.
Quanto ao curso clínico, a retocolite ulcerativa pode ser dividida em forma
aguda fulminante, forma crônica contínua e forma crônica intermitente, que é a mais
frequente.
Os pacientes com retocolite ulcerativa podem desenvolver complicações
variadas, dentre as quais a mais temível é o megacólon tóxico, caracterizado por
dilatação aguda do cólon, geralmente no segmento transverso, superior ou igual a 6cm,
associada a manifestações sistêmicas. Embora pouco frequente, associa-se a alta
mortalidade. Manifesta-se por dor e distensão abdominais de grande intensidade em
Doença de Crohn
A doença de Crohn apresenta manifestações clínicas mais variadas, uma vez que
pode acometer todo o trato digestivo, desde a boca até o ânus e a região perianal, bem
como assumir formas evolutivas peculiares, caracterizadas por fistulização e estenose de
segmentos intestinais. Quanto à localização, em aproximadamente um terço ou mais dos
casos há doença restrita ao íleo terminal e em mais da metade dos casos há
acometimento do íleo terminal e do cólon proximal. O comprometimento isolado do
intestino grosso é menos frequente. Raramente, ocorre doença localizada em segmentos
mais proximais do intestino delgado, estômago ou boca.
A diarreia é o sintoma mais comum na doença de Crohn e caracteriza-se por
número não-exagerado de evacuações. Habitualmente não é relatada a presença de
sangue, muco ou pus nas fezes, exceto em casos com envolvimento do cólon distal. A
dor abdominal é, com maior frequência, contínua, de intensidade moderada a alta e com
localização predominante no quadrante inferior direito. Cólicas no hipogástrio
precedendo as evacuações e por elas aliviadas indicam o comprometimento do intestino
grosso. Dor em cólica mais intensa e difusa, associada a distensão abdominal, náusea,
vômitos e diminuição ou parada da eliminação de gases e fezes indica oclusão dos
segmentos intestinais comprometidos, o que é mais usual quando há envolvimento
exclusivo do íleo terminal. Febre, astenia e emagrecimento, acompanhados ou não de
diminuição da ingesta de alimentos, são manifestações da repercussão da doença no
estado geral do paciente.
O exame físico é variável, sendo comuns alterações indicativas de desnutrição.
O abdômen pode apresentar distensão de grau variável e presença de massas ou plastrão
na palpação profunda do quadrante inferior direito, não sendo raro ocorrer dor à
descompressão brusca dessa região. A avaliação minuciosa das regiões perianal e
perineal é obrigatória em todos os casos suspeitos, mesmo naqueles em que a história
clínica não sugere nenhuma anormalidade. Fissuras, fístulas e abscessos são achados
muito frequentes.
As manifestações extra-intestinais são as mesmas da retocolite ulcerativa e
ocorrem também em cerca de 30% dos casos. Em função do acometimento ileal,
também são relevantes a deficiência de vitamina B12 e a má absorção de sais biliares,
com esteatorreia e colelitíase por cristais de colesterol.
A doença de Crohn tem como complicações características a formação de
fístulas e estenoses. As fístulas perianais são as mais comuns, mas também podem
ocorrer fístulas entre alças intestinais, bem como comunicações fistulosas entre o
intestino e a bexiga ou a vagina. Em proporção menor dos casos, podem ocorrer fístulas
enterocutâneas. A penetração das lesões para a cavidade peritoneal, seguida do
tamponamento por alças ou pelo epíplon, pode se associar à formação de abscessos.
Avaliação complementar
O diagnóstico da doença inflamatória intestinal baseia-se em um conjunto de
Exames endoscópicos
A endoscopia tem papel chave no diagnóstico e no manejo da doença
inflamatória intestinal. Além disso, é o principal método para obtenção de material para
análise histológica.
A endoscopia digestiva alta pode revelar alterações semelhantes às observadas
no intestino delgado e no cólon. A biópsia de regiões aparentemente normais pode
revelar granulomas ou inflamação transmural, aspectos característicos da doença de
Crohn. Mais recentemente, a enteroscopia com duplo balão tem se revelado um método
com grande sensibilidade para detectar aftas e úlceras no intestino delgado, além de
permitir a realização de biópsias e procedimentos terapêuticos.
A cápsula endoscópica reconhece lesões que não seriam identificadas em outros
exames, é fácil de ser realizada e é bem tolerada pelos pacientes, sendo especialmente
empregada para diagnóstico de sangramento oculto e avaliação do intestino delgado,
com contraindicação em caso de uso de marca-passo, suspeita de obstrução
gastrointestinal, estenoses, fístulas ou distúrbios da deglutição.
A retossigmoidoscopia pode revelar, na fase ativa da retocolite ulcerativa,
erosões e ulcerações em mucosa retal congesta, friável e edemaciada. Na grande maioria
dos pacientes com doença de Crohn, o reto encontra-se poupado, mas algumas vezes a
biópsia demonstra alterações inflamatórias ou mesmo granuloma. A extensão para os
demais segmentos do intestino grosso deve ser verificada por meio de colonoscopia ou,
em circunstâncias específicas, enema opaco.
A colonoscopia é de grande importância na avaliação diagnóstica da doença
inflamatória intestinal, permitindo identificar as alterações de atividade das mucosas,
determinar a extensão e o grau de atividade da doença, avaliar a resposta terapêutica,
identificar complicações, como displasia e neoplasia, e coletar biópsia do íleo terminal.
Exames de imagem
A radiografia simples de abdômen é útil nos casos mais graves para verificação
de dilatação colônica e presença de pneumoperitônio. O enema opaco com duplo
contraste pode revelar perda das haustrações, contornos colônicos irregulares, falhas de
enchimento, aumento do espaço pré-sacral e aspecto tubular do cólon. Nos casos
crônicos, ocasionalmente verifica-se a presença de estenose, que em casos de longa
duração pode estar associada a carcinoma.
O exame contrastado do intestino delgado ou trânsito intestinal é o exame de
escolha para investigar o acometimento do intestino delgado na doença de Crohn,
deixando outras modalidades de exames de imagem para uma avaliação mais detalhada
e/ou para evidenciar complicações da doença. Evidencia espessamento e edema das
válvulas coniventes, presença de estenoses segmentares, significativa alteração do
padrão mucoso com ou sem evidências de ulceração, aspecto pavimentoso e presença de
fístulas.
As imagens intestinais da tomografia computadorizada helicoidal com
enteróclise ou enterografia melhoraram muito nos últimos anos. Podem identificar
espessamentos segmentares das alças, lesões extrínsecas e complicações, como trajetos
fistulosos, fístulas e abscessos. Uma desvantagem é a radiação. Outra desvantagem é a
dificuldade de diferenciar peristalse de lesões salteadas.
A ressonância nuclear magnética com ou sem enteróclise é outro método não
invasivo utilizado para quantificar o espessamento mural, graduar a inflamação e
determinar a extensão da doença, sendo superior à tomografia computadorizada na
Exames laboratoriais
Os exames laboratoriais podem ser normais ou apenas discretamente alterados, o
que acontece, sobretudo, nos casos leves ou quando a doença se restringe aos segmentos
mais distais do cólon. O hemograma pode revelar anemia hipocrômica microcítica,
leucocitose de grau não muito acentuado e trombocitose. Há, com frequência, elevação
de provas de atividade inflamatória, como velocidade de hemossedimentação, alfa-1
glicoproteína ácida e proteína C reativa. Nos casos mais graves, podem ocorrer
hipoalbuminemia, hipocloremia, hiponatremia e presença de leucócitos nas fezes.
Também devem ser avaliados uréia e creatinina séricos, eletrólitos, função hepática,
perfil de ferro e vitamina B12.
O anticorpo perinuclear contra estruturas citoplasmáticas do neutrófilo (p-
ANCA) é encontrado predominantemente em casos de retocolite ulcerativa, enquanto
que o anticorpo anti-Saccharomyces cerevisiae (ASC) é encontrado predominantemente
em casos de doença de Crohn. No entanto, não podem ser considerados marcadores
sorológicos definitivos.
Cultura de fezes para Clostridium difficile, Campylobacter spp, Escherichia coli,
Salmonella spp e Shiguella spp é recomendada para excluir uma causa infecciosa para a
diarreia. Protoparasitológico de fezes também deve ser solicitado. Pacientes com doença
severa e refratária devem ser investigados quanto a infecção por citomegalovírus através
de avaliação histológica, imunoquímica, sorológica, por cultura ou por pesquisa de
DNA. No paciente imunocomprometidos, o sarcoma de Kaposi também pode simular o
quadro clínico de doença inflamatória intestinal.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial nos casos de doença de Crohn em que há
envolvimento predominante do intestino delgado deve ser realizado com as infecções
crônicas, como tuberculose intestinal e paracoccidioidomicose, bem como com doenças
neoplásicas, como o linfoma. Quando há envolvimento predominantemente do intestino
grosso, deve-se buscar diferenciação com as mesmas doenças.
Tratamento
Antes de tratar um paciente com doença inflamatória intestinal, é fundamental
conhecer a gravidade, a extensão e o comportamento da doença para individualização
do tratamento e escolha das melhores opções em cada grupo terapêutico.
Medidas gerais
É fundamental que o médico informe o paciente sobre o caráter crônico da
doença inflamatória intestinal e a necessidade de controles periódicos, forneça suporte
emocional e estimule a boa relação médico-paciente. Medicação antidiarreica, como
opiáceos, ou anticolinérgica, como antiespasmódicos, deve ser administrada com
cautela, pois pode desencadear megacólon tóxico. O consumo de anti-inflamatórios não-
hormonais deve ser evitado, pois pode exacerbar a doença. O tabagismo, na doença de
Corticoides
Os corticoides constituem os medicamentos de escolha para casos moderados a
graves de doença inflamatória intestinal. Recomenda-se Prednisona por via oral com
0.75-1.0mg/kg/dia até a remissão clínica, quando então se procede à diminuição gradual
da dose em 10mg/dia por semana até 0.5mg/kg/dia e 5mg/dia por semana até a retirada
completa. Se houver recaída da doença, pode-se aumentar o corticosteroide para a dose
que precedeu àquela em que ocorreu a recaída. Em casos graves, internados, indica-se
Hidrocortisona com 100mg por via intravenosa de 8/8 a 6/6 horas por cerca de uma
Imunomoduladores
Neste grupo de medicamentos, é comum incluir a Azatioprina, a 6-
Mercaptopurina, a Cloroquina, a Ciclosporina e o Metotrexato. Mais recentemente, o
Tacrolimo e o Micofenolato Mofetil têm sido testados.
A Azatioprina, apresentada na forma de comprimidos de 50mg administrados
com dose de 2-3mg/kg/dia não-fracionada, e a 6-Mercaptopurina, apresentada na forma
de comprimidos de 50mg administrados com dose de 1.0-1.5mg/kg/dia não-fracionada,
constituem os imunomoduladores mais utilizados no tratamento das doenças
inflamatórias intestinais. Após sua absorção, a Azatioprina é rapidamente convertida em
6-Mercaptopurina nas hemácias, havendo geração de metabólitos ativos do grupo dos 6-
tioguanina nucleosídeos. Na fase aguda da retocolite ulcerativa ou da doença de Crohn,
esses medicamentos estão especificamente indicados nas formas corticosteroide-
dependentes e corticosteroide-resistentes. Também podem ser usados visando a
manutenção da remissão da retocolite ulcerativa, em particular nos casos em que o
emprego da Sulfassalazina ou da Mesalazina não se mostra bem sucedido. Na doença de
Crohn, um conjunto crescente de dados apoia o emprego da Azatioprina ou da 6-
Mercaptopurina na manutenção da doença em remissão, seja após o tratamento clínico,
seja após ressecção de segmentos intestinais acometidos. Do mesmo modo, o emprego
desses imunomoduladores tem sido recomendado no tratamento das formas
fistulizantes. Os efeitos colaterais podem ser de natureza alérgica, com febre, exantema
cutâneo e mal-estar, ou por intolerância, com náusea, vômitos, mal-estar e diarreia.
Esses medicamentos podem causar ainda hepatite, pancreatite e depressão da medula
óssea, com leucopenia, neutropenia, trombocitopenia e anemia. Azatioprina e 6-
Mercaptopurina costumam ser usadas por, pelo menos, quatro anos, se não houver
evidências de toxicidade. No entanto, a doença inflamatória intestinal tende a recair
após suspensão do medicamento, justificando a tendência mais atual de mantê-lo
indefinidamente.
A Ciclosporina, apresentada na forma de cápsulas de 25mg, 50mg e 100mg,
Terapia biológica
Diversos anticorpos anti-TNF têm sido testados, porém o Infliximab é o
medicamento mais testado e já comercializado no Brasil. Traz benefícios para os
pacientes com doença inflamatória intestinal, sobretudo na doença de Crohn, cuja
história natural parece ser modificada. É apresentado na forma de frasco-ampola com
100mg de Infliximab para ser reconstituído com água para injetáveis e diluído em Soro
Fisiológico. Na retocolite ulcerativa, está indicado para doença ativa leve a moderada,
doença ativa grave, doença refratária e manutenção da remissão. Na doença de Crohn,
está indicado na doença ativa grave e refratária e na presença de fístulas perianais tanto
para indução como para manutenção da remissão. A dose recomendada é de 5-10mg/kg
nas semanas 0, 2 e 6 para indução e de 5-10mg/kg a cada oito semanas para
manutenção, com infusão em duas horas. Os efeitos colaterais ocorrem numa frequência
menor que 10% e, em alguns trabalhos, não superior à do placebo. Incluem reações à
infusão, infecções de vias aéreas superiores, febre, cefaleia, náusea, dor abdominal e,
menos comumente, tontura, dor torácica, artralgia, reações de hipersensibilidade,
processos infecciosos, obstrução intestinal e lúpus. O medicamento está contraindicado
em cardiopatas e em pacientes com obstrução ou infecção. No caso de fístulas perianais
ou perineais com abscessos, estes devem ser drenados antes da infusão do anti-TNF e da
antibioticoterapia.
Os algoritmos atuais para o tratamento da doença de Crohn baseiam-se na
introdução progressiva de aminossalicilatos, corticosteroides e imunossupressores. A
terapia anti-TNF é reservada aos pacientes que falham aos tratamentos anteriores. A
Probióticos e prebióticos
O tratamento com probióticos, constituído pela administração de altas
concentrações de bactérias não-patogênicas que modificam a flora intestinal,
substituindo as cepas mais agressivas e reduzindo a agressão antigênica oriunda das
bactérias patogênicas, tem obtido resultados animadores tanto em pacientes com
retocolite ulcerativa como em portadores da doença de Crohn.
Prebióticos, como Inulina, frutoligossacárides, hemicelulose e plantago ovata,
são utilizados pelas bactérias intestinais e parecem ter papel na manutenção da flora
bacteriana intestinal e consequentemente no metabolismo das células epiteliais do
cólon.
Nutrição
A terapia nutricional em doentes com doença inflamatória intestinal tem dois
objetivos principais, repor os nutrientes deficientes e ser aplicada como tratamento
primário. As deficiências específicas mais encontradas são cálcio, vitamina D, ácido
fólico, vitamina B12, ferro, zinco e selênio.
Conduta
Sulfassalazina e 5-ASA por via oral, retal ou ambas representam o tratamento de
primeira linha para retocolite ulcerativa. Pacientes com proctite ou proctossigmoidite
podem ter o tratamento iniciado com Mesalazina 1g por via retal na forma de
supositório uma vez ao dia antes de dormir. Em caso de falha terapêutica, a próxima
etapa prevê o uso de glicocorticoides por via retal. Pacientes com retocolite ulcerativa
moderada a grave refratária a tratamento tópico e ao uso de derivados 5-aminosalicílicos
são candidatos ao uso de corticoide oral ou agentes imunossupressores, como
Azatioprina e 6-Mercaptopurina. Pacientes que não respondem ao uso de corticoides ou
que continuam dependendo do seu uso podem se beneficiar da introdução de Infliximab.
Especialistas sugerem que pacientes com doença extensa e severa poderiam receber um
curso de corticoides por via intravenosa durante cinco a sete dias, com introdução de
Infliximab ou Ciclosporina intravenosa em caso de ausência de resposta. Após a
remissão ser atingida, o objetivo é manter o paciente livre de sintomas, o que pode ser
atingido com diferentes medicações, com exceção dos glicocorticoides, em função do
perfil de efeitos colaterais. Também existem múltiplas opções cirúrgicas de tratamento,
com indicação em pacientes com resposta insatisfatória ao tratamento clínico ou com
complicações da doença, como hemorragia massiva, perfuração de cólon, megacólon
persistente por mais de 72 horas, displasia e carcinoma. A protocolectomia com
ileostomia é curativa, mas complicações incluem obstrução do intestino delgado,
fístulas, dor persistente, infertilidade e disfunção sexual e vesical. Já a protocolectomia
com bolsa ileal e anastomose bolsa-anal é atualmente o procedimento de escolha, já que
preserva a função esfincteriana. Inflamação da bolsa ileal é complicação frequente do
procedimento e pode ser manejada com uso de antibióticos, como Metronidazol,
Ciprofloxacino e Rifamicina.
Em pacientes com doença de Crohn leve a moderada, o tratamento inicial será
influenciado pelo sítio de acometimento. Lesões orais geralmente coexistem com
Bibliografia
Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Ulcerative colitis. Silvio Danese and Claudio Fiocchi. N Engl J Med 2011;365:1713-25.
Definition of and risk fators for inflammatory bowel disease. Mark A Pappercorn. UpToDate, 2011.
Clinical manifestations, diagnosis, and prognosis of ulcerative colitis in adults. UpToDate, 2011.
Clinical manifestations, diagnosis and prognosis of Crohn’s disease in adults. UpToDate, 2011.
Medical management of ulcerative colitis. Mark A Peppercorn and Richard J Farell. UpToDate, 2011.
Overview of the medical management of mild to moderate Crohn’s disease in adults. Richard J Farell and Mark A Peppercorn.
UpToDate, 2011.
Overview of the medical management of severe or refractory Crohn’s disease in aduls. Richard J Farell and Mark A Peppercorn.
UpToDate, 2011.
Surgical management of inflammatory bowel disease. UpToDate, Jacques Heppell, UpToDate, 2011.
Definição
Colangite esclerosante primária é doença hepática colestática crônica
caracterizada por inflamação difusa e consequente fibrose obliterante da árvore biliar
intra-hepática e/ou extra-hepática.
Epidemiologia
A doença é duas vezes mais comum no sexo masculino e incide com maior
frequência dos vinte e cinco aos quarenta e cinco anos de idade, mas já foi descrita em
todas as faixas etárias.
Etiologia e fisiopatologia
Acredita-se que a colangite esclerosante primária ocorra como consequência de
sistema imune geneticamente propenso a ativação contra o epitélio biliar.
Quadro clínico
A colangite esclerosante primária tem início insidioso e curso flutuante, com
periódicas exacerbações e remissões. O quadro clínico pode variar desde forma
assintomática até doença hepática avançada, sendo mais comum o quadro inicial de
icterícia, fadiga, prurido e dor abdominal. Colangite bacteriana é complicação presente
em pacientes com estenoses dominantes. 60-80% dos pacientes têm doença inflamatória
intestinal, cuja evolução clínica é independente da doença biliar. Em 10-30% dos casos,
ocorre evolução para colangiocarcinoma, com deterioração do quadro clínico, sem
correlação com o tempo de duração da doença.
A colangite esclerosante primária evolui para cirrose hepática, que pode
complicar com insuficiência hepática, hipertensão portal, ascite, encefalopatia e
carcinoma hepatocelular.
Os pacientes geralmente apresentam múltiplos fatores de risco para osteoporose,
como cirrose, colestase e uso de corticosteroide para o tratamento da doença
inflamatória intestinal. Deve-se realizar densitometria óssea em caso de cirrose ou
colestase grave, com bilirrubina acima de três vezes o limite superior da normalidade.
Colelitíase ocorre em um terço dos pacientes.
Avaliação complementar
Até 45% dos pacientes podem se apresentar com elevação assintomática de
fosfatase alcalina e gama glutamil transpeptidase.
A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica é considerada o padrão-ouro
para o diagnóstico. As alterações características são múltiplas estenoses segmentares,
geralmente de 5-20mm, intra-hepáticas e/ou extra-hepáticas, com ou sem dilatações a
montante, associadas a finas irregularidades murais, cuja combinação sugere o aspecto
de um rosário ou colar de contas. São mais específicas as saculações similares a
divertículos, presentes em cerca de um quarto dos casos, e as estenoses extra-hepáticas
muito curtas, de 1-2mm. A colangiorressonância tem ampliado seu espaço no
Diagnóstico diferencial
A colangite esclerosante primária deve ser diferenciada das colangites
secundárias, causadas por obstrução, isquemia, toxinas, neoplasias,
hipogamaglobulinemia e doenças hepáticas infiltrativas.
Tratamento
O tratamento efetivo da colangite esclerosante primária é limitado devido,
principalmente, à falta de pleno conhecimento a respeito da fisiopatologia e dos fatores
responsáveis pela sua evolução. As terapias apoiam-se na modificação da doença e no
procedimento endoscópico associados a medicações para alívio dos sintomas.
Ácido Ursodesoxicólico, apresentado na forma de comprimidos de 300mg, atua
em redução da colestase, imunomodulação e modificação da doença. Dose inicial de 10-
15mg/kg induz resposta bioquímica, sem melhora dos sintomas, da mortalidade, da
necessidade de transplante hepático e da incidência de colangiocarcinoma, enquanto que
dose inicial de 25-35mg/kg induz melhora histológica e endoscópica, sendo ainda
necessária comprovação da eficácia e havendo risco de aumento da mortalidade.
Recomenda-se suspender o uso em pacientes que já o fazem, com reintrodução na dose
de 10-15mg/kg em caso de piora do prurido e da icterícia.
Imunossupressores, como corticosteroide, Metotrexato, Azatioprina,
Ciclosporina e Tacrolimus reduzem a atividade inflamatória, mas estudos não
comprovaram a eficácia. Estão relacionados a risco de osteoporose, colangite e sepse.
Tratamento endoscópico tem como alvo terapêutico estenoses dominantes e
permite a distinção entre caráter benigno e maligno da estenose dominante através da
realização de biópsias e análise citológica. Deve ser evitado nos pacientes com
insuficiência hepática avançada devido ao risco de deterioração clínica.
Pacientes com colangite recorrente apesar dos esforços para tratar estenoses
dominantes podem ser manejados com antibioticoprofilaxia a longo prazo.
Antagonistas opióides, como Naloxone, antagonistas serotoninérgicos, como
Ondansetron, e resina quelante de sais biliares, como Colestiramina, constituem opções
Definição
A cirrose biliar primária é uma inflamação não-supurativa, destrutiva, crônica e
progressiva dos ductos biliares, que acarreta alterações na secreção de bile e retenção de
substâncias tóxicas, com resultante dano hepático, fibrose e cirrose.
Epidemiologia
A cirrose biliar primária ocorre com maior frequência em pacientes do sexo
feminino, geralmente a partir dos cinquenta anos de idade. O risco é maior em fumantes
e indivíduos com antecedente da doença em familiar de primeiro grau.
Etiologia e fisiopatologia
O mimetismo molecular tem sido implicado na patogênese da cirrose biliar
primária e alguns agentes infecciosos têm despertado o interesse, como E. coli e
Novosphingobium aromaticivorans, bactérias Gram-negativas que apresentam
sequencias antigênicas parecidas com epitopos dos complexos enzimáticos, o que
induziria a produção de autoanticorpos.
Quadro clínico
A fadiga e o prurido são as manifestações iniciais mais comuns da colangite
biliar primária. A evolução clínica geralmente é indolente. As manifestações
hemorrágicas secundárias à hipertensão portal podem ocorrer antes das manifestações
de insuficiência hepática, pois a doença lesa inicialmente os ductos biliares dos espaços-
porta, acarretando fibrose portal precoce. A icterícia pode surgir no início do quadro ou
mais tardiamente, quando costuma apresentar caráter progressivo, sendo acentuada em
caso de fator precipitante, como hepatotoxicidade por drogas, hemorragia digestiva alta
e infecções. Outras manifestações clínicas incluem hepatomegalia, xantomas,
xantelasmas, dor abdominal e osteoporose. Ascite comumente não ocorre até estágio
tardio da doença.
A cirrose biliar primária comumente está associada a outras doenças, geralmente
de natureza autoimune. As associações mais significativas são com a síndrome de
Sjögren, a variante CREST da esclerodermia, as doenças autoimunes da tireoide, a
acidose renal distal e a doença reumatoide.
Avaliação complementar
O anticorpo anti-mitocôndria (AMA) e anti-M2 é marcador sorológico, sendo
detectado em cerca de 95% dos casos. Os pacientes sem esse anticorpo são classificados
como portadores de cirrose biliar AMA negativo ou colangite autoimune. Pode ser
detectado em outras doenças, como hepatite autoimune e hepatite C. Anticorpos anti-
núcleo também são detectados em cerca de 40% dos casos. A reatividade contra
proteínas do poro nuclear (anti-gp210) é muito específica da colangite biliar primária e
estaria associada a formas mais graves da doença.
Tratamento
O tratamento da cirrose biliar primária deve ser focado no manejo de sintomas e
sinais, como prurido, osteoporose e dislipidemia, assim como da doença de base. Para o
manejo da doença de base, o Ácido Ursodesoxicólico é a única droga eficaz liberada.
Deve ser utilizada na dose de 10-15mg/kg. Prolonga a sobrevida sem transplante
hepático e diminui a progressão da fibrose e o desenvolvimento de hipertensão portal.
Contudo, os resultados favoráveis são mais bem verificados nos pacientes com lesões
histológicas iniciais. Pacientes não-respondedores apresentam anormalidades
bioquímicas hepáticas persistentes e piora histológica hepática apesar do tratamento
com Ácido Ursodesoxicólico por pelo menos seis a doze meses. Se os exames séricos
normalizarem dentro de seis meses, a droga deve ser continuada e uma biópsia hepática
deve ser realizada dentro de dezoito a vinte e quatro meses. Se a biópsia revelar
estabilidade ou melhora, a droga deve ser continuada indefinidamente e a biópsia deve
ser repetida a cada dois a três anos, ou mesmo com menor frequência.
Outras drogas foram propostas para o tratamento da cirrose biliar primária, como
corticosteroides, Penicilamina, Azatioprina, Clorambucil, estrógenos, Ciclosporina,
Metotrexato e Colchicina, porém a eficácia não foi comprovada. Colchicina 0.6mg de
12/12 horas por via oral pode ser introduzida se os exames séricos não se normalizarem
dentro de seis meses com o uso isolado de Ácido Ursodesoxicólico ou se biópsia de
controle revelar lesões de ductos biliares continuadas e/ou piora do padrão histológico.
Biópsia hepática deve ser repetida após um ano de uso da Colchicina e se padrão
histológico estável ou melhor, sem aumento óbvio da fibrose, a terapia combinada
deverá ser mantida, com nova biópsia após dois anos. Sugere-se acrescentar
Metotrexato 0.25mg/kg uma vez por semana por via oral em caso de ausência de
melhora dos exames séricos apesar do uso de Ácido Ursodesoxicólico e Colchicina,
piora inequívoca do padrão histológico apesar do uso de Ácido Ursodesoxicólico e
Colchicina, prurido severo e/ou fadiga incapacitante sem resposta terapêutica após seis
meses e doença estágio IV em biópsia, com inflamação portal 3+ ou 4+ e lesões floridas
dos ductos biliares. Recomenda-se a realização de endoscopia digestiva alta para
pesquisa de sinais de hipertensão portal em pacientes que iniciarão o uso de
Metotrexato. Em pacientes em uso de Metotrexato, também recomenda-se hemograma
completo mensalmente nos primeiros seis meses e a cada três meses a partir de então,
exames de função hepática a cada três meses e repetição da biópsia hepática anualmente
Prognóstico
Em pacientes com doença sintomática e icterícia, a sobrevida média é de sete
anos.
Bibliografia
Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Treatment of primary sclerosing cholangitis. Kris V Kowdley. UpToDate, 2011.
Overview of the treatment of primary biliary cirrhosis. Marshall M Kaplan. UpToDate, 2011.
Definição
A hemocromatose hereditária é um distúrbio do metabolismo de ferro
caracterizado pela elevação progressiva dos níveis do metal na circulação sanguínea.
Tem herança autossômica recessiva, associada a mutações nos genes HFE, hepcidina
(HAMP), hemojuvelina (HJV) e receptor 2 da transferrina (TfR2).
Etiologia e fisiopatologia
A hepcidina, produzida no fígado, é o hormônio central no controle da
homeostase do ferro. Trata-se de um peptídeo de 25 aminoácidos que, ao interagir com
a ferroportina, reduz a quantidade de ferro liberada pelos enterócitos e macrófagos para
a circulação. Eleva-se na presença de maiores níveis séricos de ferro e de inflamação
aguda. A modulação da hepcidina está ainda relacionada à ação do HFE, da HJV e do
TfR2. Mutações nesses genes não permitem o aumento dos níveis de hepcidina
adequadamente e, assim, enterócitos e macrófagos perpetuam a liberação de ferro para a
circulação sanguínea.
O ferro excedente presente na circulação sanguínea determina elevação da
saturação de ferro da transferrina. Com o tempo, o acúmulo crescente determina
deposição tecidual e elevação da ferritina sérica. O ferro acumulado no interior das
células parenquimatosas induz a formação de radicais livres. O ambiente de estresse
oxidativo provoca inflamação e favorece o desenvolvimento de fibrose.
Quadro clínico
A maioria dos casos cursa com sintomas inespecíficos, embora alterações
laboratoriais possam ser detectadas. A manifestação de doença avançada é rara. O grau
de sobrecarga de ferro determina o dano aos órgãos.
A forma clássica da doença, associada a mutação em nos genes HFE e TfR2, é
identificável antes da quarta ou da quinta décadas de vida em indivíduos do sexo
masculino, enquanto que nas mulheres a progressão é mais lenta, provavelmente devido
à proteção oferecida pela menstruação. A forma juvenil, associada a mutações nos genes
HJV e HAMP, cursa com fenótipo idêntico ao quadro clássico, porém de modo mais
agressivo, com acúmulo de ferro acentuado e síndrome presente já na segunda ou na
terceira décadas de vida, sendo mais proeminente o acometimento cardíaco e endócrino.
Os sintomas iniciais são inespecíficos, como dor abdominal, perda de peso,
astenia e letargia. O fígado é o principal órgão envolvido, podendo haver
hepatomegalia, esplenomegalia, ascite, edema e icterícia, além de risco elevado de
degeneração da cirrose para carcinoma hepatocelular. Outras alterações frequentes são
hiperpigmentação cutânea, diabetes mellitus secundário a lesão pancreática e artralgia.
O coração também sofre depósito de ferro e as alterações eletrocardiográficas são
relativamente comuns. Há ainda a possibilidade de ocorrerem arritmias cardíacas e
insuficiência cardíaca. Por fim, o hipogonadismo hipogonadotrófico é secundário à
deposição de ferro na glândula pituitária e se expressa nos homens como impotência e
nas mulheres como amenorreia.
Estágios
Estágio I é caracterizado por predisposição genética sem anomalia expressa,
exceto por elevação assintomática da saturação de transferrina.
Estágio II é caracterizado por sobrecarga de ferro hepático assintomática.
Estágio III é caracterizado por sobrecarga de ferro com sintomas inespecíficos.
Estágio IV é caracterizado por sobrecarga de ferro com dano de órgãos.
Avaliação complementar
O teste bioquímico que se altera mais precocemente é a saturação de
transferrina, que constitui o melhor método isolado de detecção de hemocromatose
hereditária, com índices a partir de 45% em homens e 35% em mulheres sendo
sugestivos do diagnóstico. Outro teste relevante é a dosagem da ferritina sérica, com
valores acima de 300mcg/L para homens e 200mcg/L para mulheres sendo sugestivos
de sobrecarga de ferro.
A pesquisa de mutações HFE possui a vantagem de não modificar o resultado a
despeito das variações bioquímicas ou histológicas. O teste genético é indicado em caso
de quadro clínico suspeito e alterações do perfil de ferro sugestivas. Proporção
significativa dos portadores de mutações nos genes relacionados à hemocromatose
hereditária não desenvolverão a doença.
A dosagem da concentração de ferro hepático permite o cálculo do índice de
ferro hepático. Índices superiores a 1.9 micromoles de ferro por grama por ano de idade
são altamente sugestivos de hemocromatose hereditária.
A ressonância nuclear magnética vem sendo proposta como um método não-
invasivo e eficaz para detectar e quantificar a sobrecarga de ferro em órgãos como
fígado, coração e cérebro. O decréscimo da intensidade de sinal do parênquima dos
órgãos nas sequencias em T2 é inversamente proporcional ao grau de acúmulo do metal,
o que permitiria conhecer a distribuição tridimensional do ferro nas vísceras, bem como
quantificar a massa depositada. Está indicada nos casos de avaliação genética ou
histológica inconclusiva.
Diagnóstico diferencial
Os diagnósticos diferenciais da hemocromatose hereditária abrangem causas
primárias ou hereditárias e secundárias ou adquiridas de sobrecarga de ferro.
Tratamento
De maneira geral, os indivíduos apresentam a função de eritropoiese preservada
e respondem bem ao tratamento com flebotomia.
A flebotomia, também denominada sangria terapêutica, é o método mais seguro,
efetivo e econômico no manejo da hemocromatose hereditária. Consiste na remoção de
uma unidade de sangue, com 350-400mL, que contém 200-250mg de ferro, uma a duas
vezes por semana. O objetivo é atingir um grau de depleção de ferro com ferritina
inferior a 50ng/mL e saturação de transferrina de 16%. Após a obtenção desses valores,
inicia-se uma terapia de manutenção, com intervalos de dois a três meses. O início da
flebotomia antes do surgimento de lesões irreversíveis permite garantia de expectativa
de vida normal.
Quando há contraindicações à flebotomia por comorbidades associadas, como
Doença de Wilson
Definição
A doença de Wilson caracteriza-se pela excreção deficiente de cobre pela bile. O
metal excedente deposita-se no organismo e afeta diversos órgãos, particularmente
fígado e cérebro. A herança é autossômica recessiva.
Etiologia e fisiopatologia
Mutações no gene ATP7B acarretam defeito no transporte do íon do sangue para
a bile. O metal deposita-se nos tecidos orgânicos, onde promove lesão por aumento da
produção de radicais livres e falha nas defesas antioxidantes.
A ATP7b, expressa no complexo de Golgi, transporta o cobre para a
apoceruloplasmina, que, por sua vez, é ativada em holoceruloplasmina, forma estável na
circulação sanguínea. Na doença de Wilson, a ATP7b defeituosa não ativa a
apoceruloplasmina sérica, que é rapidamente removida da circulação sanguínea. Isso
justifica os baixos níveis de ceruloplasmina sérica.
Quadro clínico
Os primeiros sinais e sintomas podem se manifestar na infância, na adolescência
ou na juventude, tendendo a assumir proporção incapacitante e até mesmo fatal.
Pacientes com a forma hepática da doença apresentam sintomas em faixas etárias mais
precoces do que aqueles com a forma neurológica, antes dos vinte anos de idade. A
agressão ao fígado se expressa como hepatite aguda, crônica ou fulminante ou como
descompensação de hepatopatia crônica. O grau de envolvimento varia de elevações
discretas das enzimas hepáticas até perda completa da função. Os sintomas associados
podem incluir fadiga, anorexia, emagrecimento, astenia, ascite, icterícia,
hepatoesplenomegalia, encefalopatia e coagulopatia.
As manifestações neurológicas são de padrão extrapiramidal ou cerebelar, com
oligocinesia, hipertonia plástica, instabilidade postural, distonia, coreia, atetose, tremor,
disartria, disfagia e alteração da marcha. Alterações psiquiátricas, como agitação,
irritabilidade, ansiedade, comportamento bizarro e depressão frequentemente
acompanham a doença neurológica. Entretanto, demência e psicose são mais raras.
O anel de Kayser-Fleischer ocorre virtualmente na totalidade dos casos com a
forma neurológica e caracteriza as formas com maior deposição sistêmica de cobre. A
catarata em girassol é outra alteração mais rara, também secundária à deposição de
cobre no cristalino.
Avaliação complementar
Quando se diagnostica o primeiro indivíduo afetado pela doença de Wilson em
uma família, deve-se buscar ativamente por novos casos em familiares de primeiro e
segundo graus.
Ceruloplasmina é inferior a 20mg/dL, cobre sérico é inferior a 100mcg/dL e
cobre urinário é superior a 100mcg em 24 horas.
Estudo anatomopatológico de tecido hepático revela hepatite crônica ativa,
esteatose, glicogênio nuclear, infiltrado mononuclear e cirrose. Não há padrão
patognomônico. Cirrose descompensada, anemia hemolítica e tremores intensos são
contraindicações à realização de biópsia hepática. A quantificação de cobre no tecido
hepático revela mais de 250mcg/g de peso seco e a coloração de rodanina ou ácido
rubeânico em tecido hepático é positiva.
Ressonância nuclear magnética de encéfalo em T1 revela atrofia cerebral e hipo-
sinal em gânglios da base e em T2 revela hipersinal em gânglios da base, substância
branca, tálamo, cérebro médio e ponte, com sinal das faces do panda gigante e sinal do
panda em miniatura.
Teste genético revela mutações em ambos os alelos do gene ATP7B. É realizado
apenas em protocolos de pesquisa.
Tratamento
O tratamento clínico costuma ser eficaz se o diagnóstico for estabelecido em
tempo hábil e deve ser conduzido preferencialmente em centros de referência.
D-Penicilamina, quelante de cobre, apresentada na forma de cápsulas de 250mg,
é o tratamento de primeira linha. Deve-se iniciar com 500mg por dia e aumentar a dose
gradualmente até dose diária de 1-2g em duas a três tomadas com o objetivo de manter a
cuprúria em 200-500mg em 24 horas, evitando-se excreção urinária de cobre acima de
1000mg em 24 horas. Com o uso, pode ocorrer piora neurológica com sequelas
definitivas e elastose perfurante serpiginosa. Não é segura na gestação.
Trientina, outro quelante que mobiliza cobre do tecido e compete na ligação com
a albumina, também é eficaz e vem sendo indicada quando existe intolerância à D-
Penicilamina, porém com menor potência. A dose recomendada é de 1-2g/dia em duas a
quatro tomadas distantes das refeições. É segura na gestação e instável em temperatura
ambiente elevada.
Os sais de zinco são uma alternativa terapêutica capaz de manter o balanço de
cobre equilibrado por induzir a síntese de metalotioneína do enterócito, levando ao
aumento da eliminação de cobre pelas fezes. Podem ser indicados como droga de
manutenção após a remoção da sobrecarga de cobre com agentes quelantes.
Recomenda-se 220mg de Sulfato de Zinco três vezes ao dia ou 150mg de Acetato de
Zinco três vezes ao dia uma hora antes das refeições. Há segurança na gestação.
O Tetratiomolibidato de Amônio parece ser útil nos pacientes com doença
neurológica grave, podendo ser associado aos sais de zinco.
Além do tratamento medicamentoso, os pacientes são orientados a evitar
alimentos ricos em cobre, em particular fígado, cérebro, chocolate, café, nozes, feijão,
mariscos e cogumelos. Por fim, a indicação de transplante hepático ortotópico é
inequívoca quando os pacientes com doença de Wilson apresentam doença hepática
terminal.
Definição
Deficiência de alfa-1 antitripsina é condição de herança autossômica co-
dominante associada a determinadas variantes alélicas do gene Pi. As principais
manifestações clínicas são doença hepática neonatal, enfisema pulmonar e cirrose
hepática de instalação precoce. Constitui também fator de risco para doença neoplásica
pulmonar e hepática.
Etiologia e fisiopatologia
A alfa-1 antitripsina é glicoproteína de alto peso molecular produzida
principalmente no fígado e presente na circulação sanguínea em níveis elevados. Sua
função mais específica consiste em contrabalancear a atividade da elastase neutrofílica e
de outras proteases. Protege os pulmões da agressão da tripsina. Na vigência de
processos tumorais ou infecciosos, eleva seus níveis séricos.
Quadro clínico
O espectro de manifestações clínicas é amplo, bem como a faixa etária
acometida, que abrange de neonatos a idosos. As manifestações hepáticas compreendem
elevação de transaminases, hepatomegalia assintomática, icterícia, prurido, hipertensão
portal, hemorragia digestiva alta e cirrose hepática, com ou sem carcinoma
hepatocelular associado. Mesmo os pacientes que manifestam cirrose hepática podem
apresentar curso clínico relativamente estável e indolente, sendo pouco frequente a
necessidade de transplante hepático. Sexo masculino e obesidade são fatores de risco
agravantes na evolução.
Avaliação complementar
A dosagem sérica de anti-tripsina por nefelometria pode ser indicada para
triagem diagnóstica na investigação de alterações hepáticas, após a exclusão das
etiologias mais comuns. O diagnóstico é estabelecido pela fenotipagem da Pi (alfa-1
antitripsina) sérica, realizada por eletroforese de focalização isoelétrica.
A biópsia hepática é característica, porém não é patognomônica.
Tratamento
A alfa-1 antitripsina purificada do plasma de indivíduos normais pode ser
administrada por via intravenosa na dose semanal de 60mL/kg de massa corpórea. Os
poucos estudos têm sugerido possibilidade de incremento da função pulmonar e redução
da mortalidade nos portadores de doença respiratória. Existem, ainda, perspectivas de se
dispor comercialmente da alfa-1 antitripsina purificada ou recombinante por via
inalatória.
Bibliografia
Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Definição
Gastrite é inflamação do estômago detectada através de exame histológico da
mucosa gástrica. O termo gastropatia é atribuído ao achado de lesão e regeneração do
epitélio na ausência de inflamação.
Gastrite aguda
As gastrites agudas surgem subitamente e apresentam curta duração. Podem
acometer o corpo gástrico, a região antral ou ambos. A reação inflamatória pode
acometer de maneira isolada ou simultânea a mucosa do duodeno.
Os anti-inflamatórios não-hormonais, entre os quais está incluído o Ácido
Acetilsalicílico, são os agentes responsáveis pelo maior número de casos de gastrite
aguda. Os principais fatores de risco para lesão gástrica pelo uso desses medicamentos
são idade superior a sessenta anos, história pregressa de úlcera, uso de altas doses, uso
concomitante de corticosteroides e uso concomitante de anticoagulantes. Uso profilático
de inibidor de bomba de prótons é recomendado para indivíduos com pelo menos um
fator de risco que irão fazer uso de anti-inflamatórios não-hormonais. Pesquisa e
tratamento de infecção por H. pylori são indicados para pacientes que iniciarão
tratamento contínuo com anti-inflamatórios não-hormonais não seletivos e para
pacientes com pelo menos um fator de risco que estejam em uso ou irão iniciar o uso de
anti-inflamatórios não-hormonais, independentemente do tipo, da dose e do tempo.
As infecções bacterianas e virais também estão entre as causas mais frequentes
de agressão ao estômago. Estafilococos, shigellas e salmonelas são comuns nas
gastroenterocolites agudas, que ocorrem com maior frequência no verão. Vômitos,
diarreia e febre são os principais sintomas. Em razão da alta prevalência de gastrite
crônica associada ao H. pylori, supõe-se que muitos casos de dispepsia aguda sejam
decorrentes de uma infecção primária pela bactéria.
Giardíase e estrongiloidíase, em suas fases iniciais, ocasionam gastrite aguda e,
por vezes, são responsáveis por gastroduodenites que podem mimetizar os sintomas de
uma úlcera. Os sintomas podem adquirir caráter crônico, com flatulência, dores
abdominais de localização variada e irregularidade do hábito intestinal com diminuição
da consistência das fezes.
As infecções fúngicas ocorrem usualmente em pacientes imunossuprimidos. O
micro-organismo encontrado com maior frequência nesses casos é a Candida albicans,
muitas vezes associada a citomegalovírus e, mais raramente, herpes vírus.
O estresse agudo intenso, como grandes cirurgias, queimaduras graves e fraturas
múltiplas, pode provocar erosões e úlceras agudas na mucosa gástrica, que ocasionam
hemorragia digestiva alta. Essas lesões também são denominadas úlceras de estresse,
lesão aguda da mucosa gastroduodenal, úlceras de Cushing quando associadas a
traumatismo craniano e úlceras de Curling quando decorrente de queimaduras extensas.
O uso abusivo de etanol é uma das causas de gastrite aguda.
Gastrite crônica
Diagnóstico
O exame histológico da mucosa é obrigatório para o diagnóstico de gastrite, de
modo que endoscopia digestiva alta com biópsia é imprescindível.
Tratamento
A maior parte das gastrites é assintomática. O tratamento só é indicado para
pacientes com dispepsia aguda ou sangramento digestivo, sendo individualizado de
acordo com a etiologia.
Em caso de lesão aguda da mucosa gastroduodenal associada ao uso de anti-
inflamatórios não-hormonais, deve-se suspender o seu uso. Quando não for possível,
preconiza-se considerar a substituição por inibidor específico da COX-2, como o
Celecoxib, e associar inibidor de bomba de prótons em dose única diária. Nos
indivíduos infectados pelo H. pylori, o tratamento prevê a erradicação da bactéria. A
gastrite causada por agentes oportunistas em pacientes imunossuprimidos deve receber
tratamento específico.
A gastrite crônica tem no H. pylori o principal agente etiológico, sendo curada
com a erradicação da bactéria. Entretanto, a gastrite crônica é entidade eminentemente
histológica e não existem evidências científicas de que seja causa de dispepsia. Não há
consenso quanto à indicação de tratamento da infecção pelo H. pylori. Paciente com
conhecimento das alternativas e do risco pode optar pelo tratamento. De modo geral,
Definição
As ulcerações pépticas são soluções de continuidade da mucosa gastrointestinal
secundárias aos efeitos cáusticos do ácido clorídrico e da pepsina, atingindo a
submucosa. Lesões mais superficiais, que não atingem a submucosa e, portanto, não
deixam cicatrizes, são definidas como erosões.
Epidemiologia
As úlceras duodenais predominam em populações ocidentais, enquanto que as
gástricas são mais frequentes na Ásia, em especial no Japão. O baixo nível
socioeconômico e suas consequências estão diretamente relacionados com a infecção
pelo H. pylori.
Etiologia e fisiopatologia
A alimentação, o uso de determinados medicamentos, o hábito de fumar e o
estado emocional influenciam a produção de ácido. No entanto, o fator ambiental de
maior repercussão é o H. pylori, quer em razão da inflamação da mucosa, quer por
alterar os mecanismos que regulam a produção de ácido.
A integridade da mucosa depende de um mecanismo complexo no qual os
elementos responsáveis pela defesa da mucosa devem estar aptos a exercer proteção
eficaz contra os fatores agressivos.
Em geral, a produção de ácido está aumentada na úlcera duodenal, sendo normal
ou baixa na úlcera gástrica.
Nos pacientes com úlcera duodenal, a prevalência de infecção pelo H. pylori é
de 90-95%. A inflamação em geral se restringe ao antro gástrico, sendo geralmente
poupada a região do corpo gástrico. A produção de gastrina é aumentada e, ante um
estímulo fisiológico, ocorre produção mais prolongada de HCl e esvaziamento gástrico
mais rápido, de modo que o ácido é produzido por mais tempo e ofertado mais
rapidamente ao bulbo duodenal. Uma das consequências é a maior frequência de áreas
de metaplasia gástrica, que são colonizadas pelo H. pylori.
Nos pacientes com úlcera gástrica, a prevalência de infecção pelo H. pylori é de
60-70%, com uma proporção apreciável de úlceras gástricas relacionadas ao uso de anti-
inflamatórios não-hormonais. Há pangastrite com diminuição da massa funcional de
células parietais. Assim, mesmo na presença de hipergastrinemia, não há hipersecreção
ácida. O mecanismo envolvido na gênese da úlcera é a fragilidade da mucosa,
provavelmente decorrente do processo inflamatório e do comprometimento dos
mecanismos de defesa representados por camada mucosa, bicarbonato, capacidade
surfactante do muco, vascularização mucosa e regeneração mucosa.
Úlceras H. pylori negativas estão relacionadas com situações relativamente
Quadro clínico
A dor abdominal na doença ulcerosa péptica é epigástrica, em queimação,
ocorrendo duas a três horas após as refeições, aliviada com nova ingesta alimentar ou
com uso de antiácidos, podendo despertar o paciente durante a noite em dois terços dos
casos de úlcera duodenal e em um terço dos casos de úlcera gástrica. Pode ocorrer
hiperfagia e ganho ponderal em pacientes com úlcera duodenal e anorexia e perda
ponderal em pacientes com úlcera gástrica. A dor da úlcera gástrica pode não apresentar
melhora com a alimentação ou com o uso de antiácidos, eventualmente até sendo
precipitada pelas refeições.
Muitos pacientes procuram assistência médica para o tratamento das
complicações da doença sem nunca ter apresentado sintomatologia prévia. O
sangramento é a complicação mais frequente da doença ulcerosa péptica, podendo
manifestar-se com melena, hematêmese, sangue oculto nas fezes e instabilidade
hemodinâmica. As perfurações são complicações ainda mais graves, podem manifestar-
se por irritação peritoneal e instabilidade hemodinâmica e ocorrem com maior
frequência na pequena curvatura gástrica e na parede anterior do bulbo duodenal, tendo
no tabagismo um fator de risco mais importante que o uso de anti-inflamatórios não-
hormonais. Obstruções secundárias a edema ou cicatrização também podem ocorrer.
Avaliação complementar
A endoscopia digestiva alta continua sendo o exame de eleição para o
diagnóstico de lesões ulcerosas. Permite a definição da natureza e da etiologia da úlcera,
além da retirada de fragmentos de biópsias nos bordos das lesões para exame
histológico e do antro e/ou do corpo para pesquisa de H. pylori. O antro gástrico é a
localização mais frequente da úlcera péptica do estômago, com predomínio na pequena
curvatura, acometendo o epitélio gástrico não-secretor de ácido. A úlcera duodenal é a
forma predominante de úlcera péptica e localiza-se na grande maioria dos casos na
primeira porção do duodeno ou bulbo duodenal. É obrigatória a realização de biópsias
das bordas de toda lesão gástrica ulcerada, com retirada de múltiplos fragmentos para
exame histológico visando diagnóstico diferencial com câncer gástrico. Deve-se sempre
repetir a endoscopia das lesões gástricas seis semanas após o início do tratamento para
avaliar a cicatrização, uma vez que, apesar de biópsias múltiplas, uma neoplasia gástrica
eventualmente pode não ser diagnosticada, sendo recomendada a realização de novas
biópsias se houver ulceração, depressão hiperêmica ou mesmo cicatriz. Se o estudo
histológico for negativo para malignidade e houver redução significativa do tamanho da
úlcera, superior a 50%, o prazo de tratamento com a mesma droga poderá ser
prolongado, com reavaliação endoscópica após o término do uso. Se a redução não for
significativa, ou seja, inferior a 50%, outros tipos de tratamento deverão ser instituídos
por mais 45 dias, com reavaliação endoscópica após o término do uso.
Classificação das úlceras pépticas - Sakita
Fases Descrição da úlcera
Active A1 Base recoberta por fibrina espessa, com restos necróticos ou depósito de hematina e
bordas bem definidas, a pique, escavadas, edemaciadas, com hiperemia, geralmente sem
convergência de pregas
Tratamento
O tratamento da úlcera péptica tem como finalidade o alívio dos sintomas, a
cicatrização das lesões e a prevenção das recidivas e das complicações.
Pró-secretores
Pró-secretores agem fundamentalmente no estímulo de fatores responsáveis por
manter a integridade da mucosa, como o muco, o bicarbonato e os fatores surfactantes, e
favorecer a replicação celular e o fluxo sanguíneo da mucosa. Incluem os antiácidos, o
Sucralfato, os sais de bismuto coloidal e as prostaglandinas. De modo geral, são pouco
utilizados, sendo os anti-secretores os medicamentos de escolha para a cicatrização da
úlcera.
Os antiácidos têm a propriedade de neutralizar o conteúdo gástrico, diminuindo
a concentração de ácido da solução que chega ao bulbo duodenal. Hidróxido de
Alumínio é apresentado na forma de suspensão oral com 615mg/10mL, sendo a dose
recomendada 10-20mL cerca de uma hora após as refeições e ao deitar. Droxaine® é
apresentação comercial na forma de solução oral com Hidróxido de Alumínio
300mg/5mL, Hidróxido de Magnésio 100mg/5mL e Oxetacaína 10mg/5mL, com dose
recomendada de 5-10mL quatro vezes ao dia, quinze minutos antes das refeições e ao
deitar.
O Sucralfato é um octasulfato de alumínio cuja ação depende do estímulo de
prostaglandinas endógenas e da inibição de algumas enzimas citotóxicas do H. pylori.
Forma uma película protetora sobre a base da ulceração, absorve pepsina e sais biliares
e forma uma barreira à difusão do ácido e da pepsina. É apresentado na forma de
comprimidos mastigáveis de 1g e suspensão oral com 200mg/mL, sendo a dose
recomendada 1g quatro vezes ao dia, sempre antes das refeições.
Os sais de bismuto coloidal aliam à sua ação bactericida importante atividade
pró-secretora decorrente da liberação de prostaglandinas endógenas. O mais utilizado é
o Subcitrato de Bismuto, apresentado na forma de comprimidos de 120mg, que devem
ser administrados quatro vezes por dia, trinta a sessenta minutos antes das refeições e à
noite, antes de deitar, sempre com o estômago vazio.
Em razão de alto custo, efeitos colaterais e uso indevido como abortivo, o
Misoprostol foi praticamente abandonado, embora seja altamente eficaz em prevenir
lesões agudas de mucosa provocada por anti-inflamatórios não-hormonais.
Anti-secretores
Os bloqueadores dos receptores de histamina H2 das células parietais reduzem
em aproximadamente 70% a secreção ácida estimulada pela refeição. Ranitidina é
apresentada na forma de comprimidos de 150mg e 300mg e é utilizada com dose de
150mg de 12/12 horas ou 300mg à noite, Cimetidina é apresentada na forma de
comprimidos de 200mg e 400mg e é utilizada com dose de 200mg nas principais
refeições e ao deitar, 400mg de 12/12 horas ou 800mg à noite e Famotidina é
apresentada na forma de comprimidos de 20mg e 40mg e é utilizada com dose de 20mg
de 12/12 horas ou 40mg à noite. O medicamento deve ser administrado durante quatro a
seis semanas.
Erradicação do H. pylori
Sugere-se que o tratamento da úlcera duodenal deva ser restrito à erradicação da
bactéria naqueles casos em que a lesão não é muito profunda nem múltipla. Nos casos
em que a úlcera é profunda, com mais de 1cm, o bom senso indica a manutenção do
inibidor de bomba de prótons por um período de dez dias após a conclusão do esquema
de erradicação.
Os esquemas tríplices são os mais indicados e os esquemas quádruplos devem
ser reservados para situações especiais, como falha terapêutica. Atualmente, o esquema
considerado de primeira linha associa um inibidor de bomba de prótons em dose padrão
com Claritromicina 500mg e Amoxacilina 1000mg ou Metronidazol 500mg, devendo
ser administrado duas vezes ao dia por um período mínimo de sete dias.
Podem ser realizadas até duas tentativas de repetir o tratamento em caso de
falha, sendo a primeira opção a associação de inibidor de bomba de prótons em dose
padrão, Subcitrato de Bismuto 240mg, Furazolidona 200mg e Amoxacilina 1000mg,
devendo ser administrada duas vezes por dia durante dez a quatorze dias. A segunda
opção consiste em inibidor de bomba de prótons em dose padrão duas vezes ao dia,
Amoxacilina 1000mg duas vezes ao dia e Levofloxacino 500mg uma vez ao dia durante
dez dias ou associação de inibidor de bomba de prótons em dose padrão, Furazolidona
400mg e Levofloxacino 500mg uma vez ao dia durante dez dias.
Controle da erradicação é indicado em caso de úlcera gástrica ou duodenal ou
linfoma MALT de baixo grau. Prefere-se a realização de teste respiratório com uréia
marcada quando não houver indicação de nova endoscopia. Se exame endoscópico,
recomenda-se teste da urease e avaliação histológica. Inibidores de bomba de prótons
devem ser suspensos duas semanas antes do exame, bloqueadores dos receptores de
histamina H2 devem ser suspensos 24 horas antes do exame e antimicrobianos devem
ser evitados quatro semanas antes do exame.
Bibliografia
Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Úlcera péptica. Projeto Diretrizes, Federação Brasileira de Gastroenterologia, Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de
Medicina. 2003.
Helicobacter pylori Infection. Kenneth E.L. McColl. N Engl J Med 2010;362:1597-604.
Definição
Hepatite alcoólica é uma síndrome clínica caracterizada por icterícia e falência
hepática que geralmente ocorre após décadas de uso de grandes quantidades de álcool.
Não é incomum que o paciente tenha cessado o uso de álcool algumas semanas antes do
início dos sintomas.
Fisiopatologia e epidemiologia
A gênese e o desenvolvimento do dano hepático pelo álcool são multifatoriais e
envolvem o metabolismo do etanol e a estimulação das células de Kupffer por
endotoxinas. Diversos cofatores aumentam o risco de hepatite alcoólica e incluem
predisposição genética, sexo feminino e hepatite crônica viral. Há predomínio na faixa
etária dos quarenta aos sessenta anos.
Geralmente, é necessário um consumo de 40-80g/dia de álcool para os homens e
de 20-60g/dia de álcool para as mulheres para o desenvolvimento de lesões hepáticas.
Quadro clínico
Sinais sugestivos de etilismo podem estar presentes, como desajuste profissional
e afetivo, depressão e antecedentes de trauma e violência.
Em casos leves, pode não haver sinais ou sintomas, sendo presumido o
diagnóstico com base em análise bioquímica sérica.
Os pacientes moderadamente enfermos apresentam fadiga, anorexia, perda de
peso, icterícia de rápida instalação, febre e hepatomegalia dolorosa. A febre é
geralmente baixa e não pode ser imediatamente atribuída à hepatite alcoólica
isoladamente até que outras causas sejam excluídas. Pode haver ascite por obstrução
inflamatória da veia porta.
Em casos graves, os sinais de descompensação da função hepática tornam-se
mais evidentes, incluído coagulopatia e encefalopatia.
Exames complementares
Na hepatite alcoólica aguda, os níveis de transaminases estão geralmente
elevados acima de duas vezes o limite superior da normalidade, raramente acima de
300U/L. Aumentos maiores devem alertar para a possibilidade de outras formas de
hepatite, especialmente virais, tóxicas ou isquêmicas. A relação entre aspartato
transaminase e alanina transaminase é tipicamente maior do que dois.
As enzimas canaliculares também estão aumentadas, geralmente até duas a três
vezes, o que ajuda a diferenciar de outras formas de hepatite aguda. Hiperbilirrubinemia
é alteração comum, geralmente superior a 5mg/dL. Leucocitose com neutrofilia é
achado frequente e importante. Hipoalbuminemia e coagulopatia indicam falência
hepática mais grave. Elevação dos valores de creatinina sérica pode indicar instalação
de síndrome hepatorrenal e maior mortalidade. O volume corpuscular médio encontra-
se elevado em alcoolistas e hepatopatas sem anemia.
Infecções bacterianas devem ser rastreadas através de culturas de urina e sangue
periférico, celularidade e cultura do líquido ascítico quando presente e radiografia de
tórax. Ultrassonografia hepática pode ser útil para identificar abscesso, carcinoma
Diagnóstico
O diagnóstico da hepatite alcoólica depende fundamentalmente da detecção do
abuso de álcool pelo paciente e do reconhecimento do quadro clínico e laboratorial.
O diagnóstico diferencial inclui esteato-hepatite não-alcoólica, hepatite viral
aguda ou crônica, hepatite medicamentosa, doença de Wilson fulminante, hepatite
autoimune, deficiência de α1-antitripsina, abscesso hepático, colangite e
descompensação da função hepática relacionada a carcinoma hepatocelular.
Prognóstico
O escore de Maddrey, o escore MELD (Model for End-Stage Liver Disease) e o
escore de Glasgow são utilizados para decidir pelo início do tratamento com
corticosteroides, enquanto que o escore de Lille é usado para decidir por suspender o
uso da medicação após uma semana por falta de eficácia.
O principal índice de gravidade e prognóstico é o índice de Maddrey, calculado
com a fórmula 4.6 x (tempo de protrombina do paciente em segundos – tempo de
protrombina de controle em segundos) + bilirrubina total em mg/dL. Indica hepatite
alcoólica grave quando superior a 32.
O escore MELD é calculado através da fórmula 9.6 x loge(creatinina em mg/dL)
+ 3.8 x loge(bilirrubinas em mg/dL) + 11.2 x loge(RNI) + 6.4. Deve-se arredondar para
valor inteiro.
O escore de Glasgow varia de 5 a 12:
Critério 1 ponto 2 pontos 3 pontos
Idade Inferior a 50 anos Superior ou igual a 50 anos -
Leucócitos Inferior a 15000/mm3 Superior ou igual a 15000/mm3 -
Uréia Inferior a 14mg/dL Superior ou igual a 14mg/dL -
RNI Inferior a 1.5 1.5-2.0 Superior a 2.0
Bilirrubina Inferior a 7.3mg/dL 7.3-14.6mg/dL Superior a 14.6mg/dL
O escore de Lillie pode ser calculado no site www.lillemodel.com e quando
superior a 0.45 indica ausência de resposta a corticosteroides.
Sinais de boa evolução clínica seriados também foram estudados, sendo o
principal deles a queda rápida e progressiva das bilirrubinas séricas.
Tratamento
O manejo da hepatite alcoólica, assim como das demais condições clínicas
associadas ao abuso de álcool, consiste fundamentalmente na interrupção do uso da
substância, que deve ser imediata e durar por toda a vida. Existem evidências recentes
de que Baclofeno, um agonista do receptor GABA, promove abstinência a curto prazo
em etilistas com cirrose alcoólica, com perfil de segurança aceitável. Já o perfil de
segurança do Naltrexone em pacientes com insuficiência hepática de etiologia alcoólica
ainda não foi estabelecido.
Evolução
A recuperação da hepatite alcoólica depende basicamente de abstinência do
álcool, manifestações clínicas moderadas e tratamento adequado. A icterícia e a febre
regridem algumas semanas, mas a ascite e a encefalopatia podem persistir por meses a
anos.
Esteato-hepatite não-alcoólica
Definição
A doença hepática gordurosa não-alcoólica abrange amplo espectro desde
esteatose simples sem sinais inflamatórios até esteato-hepatite e fibrose, que podem
evoluir para cirrose. A esteato-hepatite não alcoólica é caracterizada por esteatose
macro ou microvesicular, infiltrado inflamatório lobular misto e balonização
hepatocelular em área da veia centrolobular (zona III), podendo apresentar fibrose e
corpúsculos de Mallory, com evolução para cirrose em 15-25%. Já a esteatose simples
evolui para doença crônica e cirrose em apenas 3% dos casos.
Epidemiologia
Etiologia
Distúrbios metabólicos, como obesidade, diabetes mellitus ou intolerância à
glicose, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica, dieta hipercalórica, nutrição
parenteral total e perda rápida de peso.
Doenças metabólicas hereditárias, como abetalipoproteinemia, doenças de
depósito de glicogênio, homocistinúria, lipodistrofia hereditária, hiperlipoproteinemias,
tirosinemia, doença de Weber-Christian e doença de Wilson.
Drogas e toxinas, como Tamoxifeno, Amiodarona, estrógeno, glicocorticoides,
Cloroquina, bloqueadores de canal de cálcio, Tetraciclina, Ácido Valpróico,
Metotrexato e substâncias tóxicas voláteis.
Procedimentos cirúrgicos, como by-pass jejuno-ileal, ressecções intestinais
extensas, gastroplastias com derivação jejuno-ileal e derivação biliopancreática para
obesidade.
Fisiopatologia
A hiperinsulinemia favorece a lipogênese hepática e a lipólise periférica,
aumentando excessivamente o aporte de ácidos graxos ao fígado. O aumento da geração
de espécies reativas de oxigênio, consequente ao excesso de ácidos graxos no
hepatócito, seria importante na evolução de esteatose para esteato-hepatite e fibrose.
Quadro clínico
A doença hepática gordurosa não-alcoólica ocorre em todas as idades, embora
tipicamente tenha maior prevalência na quarta e na quinta décadas de vida, com
distribuição igual entre os sexos. Os pacientes geralmente são assintomáticos e
descobrem a doença por elevação de aminotransferases ou por ultrassonografia de
abdômen. Quando ocorrem, os sintomas são geralmente inespecíficos e vagos, como
desconforto no quadrante superior direito do abdômen, fadiga crônica e dispepsia.
Raramente, sintomas como náusea, anorexia e prurido são referidos pelos pacientes.
Ao exame físico, os pacientes geralmente estão acima do peso, são hipertensos e
apresentam adiposidade visceral. Hepatomegalia é encontrada em cerca de metade dos
casos. Estigmas de insuficiência hepática e hipertensão portal ocorrem menos
frequentemente do que em outras hepatopatias crônicas, embora esplenomegalia possa
ocorrer em até um quarto dos pacientes. Acantose nigricans é reconhecida como
marcador clínico de resistência insulínica.
Avaliação complementar
Tipicamente, pacientes portadores de doença hepática gordurosa não-alcoólica
apresentam elevação de alanina aminotransferase, usualmente menor do que quatro
vezes o limite superior da normalidade. Já a aspartato aminotransferase, embora tenha
elevação menor do que a alanina aminotransferase, pode estar aumentada na presença
de cirrose. Em metade dos pacientes coexiste elevação de gama-glutamiltransferase, que
algumas vezes pode ser a única enzima hepática com níveis séricos alterados.
Hiperglicemia, hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia são frequentes. Devem ser
excluídos rotineiramente hepatites virais B e C, hepatite autoimune, doença de Wilson,
hemocromatose e deficiência de alfa-1-antitripsina.
Tratamento
O tratamento da doença hepática gordurosa não-alcoólica baseia-se no
tratamento das condições associadas, como obesidade, diabetes mellitus e
hipertrigliceridemia, assim como na descontinuação de drogas hepatotóxicas. A perda
gradual do excesso de peso, sem exceder 1.6kg/semana, e a prática de exercícios físicos
devem ser sempre recomendadas.
Vitamina E é associada a redução dos níveis séricos de transaminases e melhora
do padrão histológico, inclusive com redução da fibrose hepática. No entanto, em
função de receio quanto a possível aumento de mortalidade relacionado a sua
suplementação e a evidências limitadas dos benefícios, o uso rotineiro não é
recomendado. A dose preconizada é de 800UI por dia, não fracionada.
Hepatite viral
Etiologia
Os vírus das hepatites A, B, C, D e E são responsáveis por cerca de 90% dos
casos de hepatite aguda. Outros agentes etiológicos virais possíveis incluem o vírus da
hepatite G, o citomegalovírus, o Epstein-Barr vírus, o vírus da febre amarela, o herpes
simples vírus, o vírus da rubéola, o adenovírus, o enterovírus e o varicela zoster vírus.
O vírus da hepatite A é um vírus RNA e pertence à família dos Picornaviridae.
Trata-se do principal causador de hepatite no mundo.
O vírus da hepatite B é um vírus DNA e pertence à família Hepadnaviridae. É
composto por um envelope lipoproteico, o AgHBs, e por uma estrutura central, o core,
que contém as proteínas AgHBc e AgHBe, a DNA-polimerase e o genoma.
Tradicionalmente dividido em oito genótipos, de A a H.
O vírus da hepatite C é um vírus RNA e pertence à família Flaviviridae.
Transmissão
As infecções pelos vírus das hepatites A e E são transmitidas pela via fecal-oral.
Por essa razão, são infecções intimamente relacionadas com condições socioeconômicas
e de saneamento básico. A principal diferença epidemiológica entre elas é que a hepatite
A é endêmica nos países em desenvolvimento, com taxas elevadas de infecção em
crianças e adolescentes, enquanto a hepatite E costuma ser epidêmica, com grandes
surtos quando ocorre contaminação da água potável em regiões subdesenvolvidas.
As hepatites B, C e D apresentam transmissão essencialmente parenteral, sendo
também importantes as vias sexual e vertical. Embora os três tipos de vírus sejam
causadores de hepatite após transfusão de hemocomponentes e em usuários de drogas
intravenosas, as hepatites B e D são consideradas doenças sexualmente transmissíveis e
são transmitidas por via vertical durante o parto com maior frequência, enquanto que a
transmissão sexual e vertical da hepatite C é de menor importância epidemiológica,
porém mais comum quando associada à infecção pelo vírus da imunodeficiência
humana.
Fisiopatologia
As hepatites caracterizam-se por comprometimento do fígado, no qual ocorre
morte celular por necrose e apoptose, degeneração de hepatócitos e inflamação portal
e/ou intralobular.
Hepatites agudas
Hepatite aguda clássica exibe necrose multifocal em lise dos hepatócitos, que
podem ser circundados por infiltrado inflamatório mononuclear. Ocasionalmente, são
notados focos de necrose em saca-bocado, constituindo atividade periportal.
Hepatite aguda com necrose em ponte é caracterizada por pontes de necrose dos
hepatócitos que unem estruturas vasculares entre si e cujos mecanismos e significado
não estão elucidados.
Hepatite aguda com necrose maciça ou hepatite fulminante caracteriza-se por
necrose confluente dos hepatócitos pan-acinar ou pan-lobular, de tipo liquefativa. Em
meio à necrose, há exsudação de neutrófilos reativos.
Hepatites crônicas
Classicamente, define-se como hepatite crônica a persistência de reação
inflamatória, que se mantém sem melhora pelo prazo mínimo de seis meses. As
Quadro clínico
Síndromes clínicas
O quadro clínico é semelhante para todas as hepatites, independentemente da
etiologia. Do ponto de vista didático, pode-se classificar em hepatite aguda benigna
ictérica, hepatite aguda benigna anictérica, hepatite aguda grave, hepatite aguda
prolongada e hepatite aguda colestática.
Após um período de incubação variável, que depende do agente etiológico, a
hepatite aguda benigna ictérica manifesta-se por um período prodrômico insidioso, de
duração variável, com manifestações gerais e inespecíficas, como cansaço, astenia,
anorexia e dor em hipocôndrio direito. Febre, quando presente, geralmente é de baixa
intensidade, exceto em alguns casos cujo agente etiológico é o vírus da hepatite A. A
seguir, surge colúria, acolia fecal, icterícia, anorexia, náusea, vômitos e prurido, com
borda amolecida e dolorosa do fígado palpável em cerca de 70% dos pacientes e baço
palpável em cerca de 20%. Podem aparecer, transitoriamente, algumas aranhas
vasculares. Após uma a duas semanas, inicia-se o período de convalescença, com
retorno do apetite, desaparecimento dos sintomas, com redução lenta e progressiva da
icterícia e da colúria. A recuperação completa tende a ocorrer em quatro a seis semanas.
Na forma anictérica, os sintomas são menos intensos e não ocorre o
aparecimento de icterícia franca, podendo haver discreta colúria.
As formas agudas graves podem evoluir para o óbito do paciente dentro de oito
semanas, sendo denominadas fulminantes, ou para insuficiência hepática em mais de
oito semanas, sendo denominadas subfulminantes. Indícios de gravidade são
representados por distúrbios de comportamento, como agitação, prostração, sonolência e
coma, fenômenos hemorrágicos, como epistaxe, gengivorragia, hemorragias digestivas,
equimoses e hematomas, edema em membros inferiores e ascite.
As formas prolongadas são as que evoluem por períodos longos, de até seis
meses, sem, contudo, apresentar características de doença crônica.
A forma colestática apresenta icterícia mais intensa, prurido acentuado, colúria
persistente e acolia fecal, evoluindo por períodos mais prolongados do que o habitual.
Exames complementares
Baseiam-se na demonstração de anticorpos desenvolvidos pelo hospedeiro na
presença do vírus ou na detecção de partículas virais ou de seus ácidos nucleicos. De
maneira geral, todos os pacientes devem ser avaliados com hemograma completo com
contagem de plaquetas, enzimas canaliculares e transaminases e função hepática.
A hepatite A é diagnosticada pela presença, no soro do paciente, de anticorpos
anti-VHA. Os anticorpos totais e da classe IgG permanecem geralmente por toda a vida,
enquanto que os da classe IgM persistem apenas na fase aguda da doença ou por alguns
meses após a infecção. Os níveis das aminotransferases oscilam na faixa de 600-
2000U/L, com predomínio de aspartato aminotransferase sobre alanina
aminotransferase. As bilirrubinas variam de 5mg/dL a 15mg/dL na maior parte dos
casos.
Na hepatite B, existem diversos marcadores séricos. O AgHBs indica infecção,
que pode ser aguda na presença do anti-HBc IgM ou crônica na sua ausência. O AgHBe
é um marcador de replicação viral e de infectividade, sendo contraposto ao anti-HBe. O
anti-HBs indica imunidade natural ou induzida por vacina. Pode-se ainda determinar a
presença do DNA do vírus da hepatite B por meio de reação em cadeia da polimerase,
que comprova a presença e a atividade do vírus. A quantificação do DNA é importante
na indicação de tratamento. As aminotransferases aumentam significativamente no soro,
atingindo com frequência valores acima de 1000U/L. A alanina aminotransferase
apresenta-se mais elevada do que a aspartato aminotransferase na maioria dos casos.
Nas formas ictéricas da hepatite B aguda, o aumento da bilirrubina ocorre por elevação
da bilirrubina direta, atingindo cerca de 10-15mg/dL. As enzimas colestáticas, gama-
glutamiltransferase e fosfatase alcalina, também aumentam nas formas ictéricas em
níveis moderados. Nos pacientes com hepatite crônica com indicação terapêutica, a
biópsia hepática é preconizada para estadiamento e avaliação do grau de atividade,
constituindo os principais critérios AgHBs positivo por mais de seis meses, reação em
cadeia da polimerase para DNA com mais de 100.000 cópias ou 20.000UI por mL e
elevação persistente ou intermitente de transaminases. A genotipagem não é necessária
na prática clínica diária, mas pode ser indicada em pacientes AgHBe positivos em que é
considerado tratamento com Interferon, já que há resposta mais favorável em caso de
genótipo A. Também devem ser pesquisadas outras causas de doença hepática,
incluindo hepatite C, hepatite D e hemocromatose.
Em relação à hepatite C, a presença de anticorpos indica apenas a ocorrência de
infecção atual ou pregressa, sendo necessária pesquisa do RNA do vírus por reação em
cadeia da polimerase para caracterizar doença em atividade, além de sua quantificação
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial das hepatites virais agudas deve ser feito com doenças
febris e ictéricas prevalentes, como a leptospirose, a febre amarela e a malária. Os
quadros sépticos, especialmente por bactérias Gram negativas, e doenças não
infecciosas, como as hepatites autoimunes e medicamentosas, são diagnósticos
diferenciais importantes das hepatites virais agudas.
Tratamento
De maneira geral, as hepatites virais agudas não têm tratamento específico,
sendo recomendado repouso no leito enquanto persistirem as alterações clínicas e
laboratoriais, geralmente durante duas a quatro semanas. Sugere-se dieta hipogordurosa
com aporte calórico proveniente de carboidratos e proibição da ingesta de bebidas
alcoólicas por um ano. Nas hepatites agudas graves e nas formas fulminante e
subfulminante, pode haver indicação de transplante de fígado.
Nas hepatites crônicas, o tratamento visa eliminar o vírus e interromper ou
mesmo regredir o processo inflamatório e a fibrose, impedindo a evolução para cirrose
hepática e para hepatocarcinoma. O Interferon-α, com ação antiviral e
imunomoduladora, é usado em esquemas prolongados de seis meses a um ano,
isoladamente nos casos de hepatite B ou D e associado à Ribavirina na hepatite C. A
Lamivudina e outros antivirais, como Adefovir, Entecavir, Telbivudina e Tenofovir, têm
sido usados em casos selecionados de hepatite B crônica.
Hepatite B
O tratamento específico para o vírus da hepatite B é indicado para as formas
crônicas da doença, caracterizadas por AgHBs positivo por mais de seis meses, com
evidência de replicação viral, caracterizada por AgHBe positivo e/ou pesquisa de DNA
Hepatite C
As metas para o tratamento da hepatite C são semelhantes àquelas da hepatite B.
Incluem erradicação ou supressão prolongada da replicação viral, redução da
inflamação hepática e diminuição da taxa de progressão da agressão hepática. O
tratamento específico é indicado basicamente para a doença crônica com evidência
virológica e histológica. A indicação é amplamente aceita em indivíduos com idade
superior ou igual a 18 anos, RNA do vírus da hepatite C detectável no soro, biópsia
hepática com hepatite crônica e fibrose significativa, função hepática compensada,
caracterizada por bilirrubina total inferior a 1.5mg/dL, RNI inferior a 1.5, albumina
superior a 3.4g/dL, contagem de plaquetas superior a 75.000/mm3 e ausência de
evidência de encefalopatia hepática, hemoglobina superior a 13g/dL em homens e
12g/dL em mulheres, contagem de neutrófilos superior a 1.500/mm3, creatinina inferior
a 1.5mg/dL, desejo de aderir ao tratamento e ausência de contraindicações. O
tratamento pode ser considerado em caso de falha de tratamento prévio, uso atual de
álcool ou drogas ilícitas desde que aceitando tratar o abuso, biópsia hepática sem fibrose
ou com fibrose mínima, hepatite C aguda, coinfecção com HIV, idade inferior a 18
anos, doença renal crônica, cirrose descompensada e transplante hepático prévio.
Contraindicações incluem transtorno depressivo maior não-controlado, transplante de
rim, coração ou pulmão, hepatite autoimune ou outras condições que possam ser
exacerbadas com o uso de Interferon ou Ribavirina, doença tireoidiana não-tratada,
comorbidade severa, idade inferior a dois anos, gestação, idade fértil sem aderência a
contracepção e hipersensibilidade a drogas utilizadas no esquema.
Preconiza-se Interferon Peguilado 180mcg/semana, contraindicado em
indivíduos com depressão maior e doenças autoimunes, em associação com Ribavirina
1000mg/dia para pacientes com peso inferior ou igual a 75kg e 1200mg/dia para
Hepatite D
O tratamento específico da hepatite D também é direcionado para os casos de
doença crônica. O Interferon-α é o medicamento mais utilizado, sendo o esquema
recomendado 5.000.000-10.000.000UI três vezes por semana por via subcutânea
durante doze meses contados a partir da normalização das transaminases.
Prevenção
A imunização ativa contra o vírus da hepatite A está indicada particularmente
para profissionais de saúde, imunodeprimidos, indivíduos com doença hepática crônica
e turistas em áreas de elevada prevalência, sendo as reações adversas pouco frequentes.
Contraindicações incluem hipersensibilidade a qualquer dos componentes. A posologia
para adultos é dose única de 1440 unidades, que corresponde a 1mL de suspensão, e
para crianças é dose única de 720 unidades, que corresponde a 0.5mL de suspensão.
Pode ser administrada por via intramuscular. Em hemodialisados e
imunocomprometidos, pode haver necessidade de doses adicionais. Em caso de
necessidade de proteção imediata, como na profilaxia pós-exposição, pode-se empregar
vacina contra o vírus da hepatite A acrescida da administração de imunoglobulina
humana na dose de 0.02mL/kg por via intramuscular.
Em relação à hepatite B, há um agente imunizante de alta eficiência e
praticamente isento de efeitos colaterais que protege contra os vírus das hepatites B e D
e, de certa forma, contra o hepatocarcinoma. Recomenda-se atualmente a imunização
universal por via intramuscular, iniciando-se já nos recém-nascidos, em esquema de três
doses. Os grupos de risco em que a vacinação é mais indicada incluem comunicantes
sexuais e domiciliares de pacientes AgHBs positivos, profissionais com risco elevado de
contato com sangue e hemoderivados, pacientes em programa de hemodiálise, pacientes
com doenças hematológicas que os levam a receber transfusão de sangue ou de
hemoderivados com frequência, pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida,
pacientes com infecção pelo vírus da hepatite C pacientes homossexuais ou bissexuais
com múltiplos parceiros, profissionais do sexo, crianças nascidas de mães portadoras e
pacientes candidatos a transplantes de órgãos. Para imunização passiva, existe ainda a
imunoglobulina hiperimune, HBIG, que deve ser usada nos casos de pós-exposição em
dose de 0.06mL/kg por via intramuscular seguida de uma dose da vacina contra a
hepatite B e nos recém-nascidos de mães AgHBs positivas, junto com a primeira dose
da vacina. Quanto à prevenção secundária, devem pesquisados AgHBs e anti-HBs em
pessoas nascidas em áreas hiperendêmicas, homossexuais, usuários de drogas, pacientes
sob diálise, pacientes HIV positivos, mulheres grávidas e habitantes da mesma casa ou
contatos sexuais de pacientes infectados. Recomenda-se ainda a vacinação para hepatite
A de todos os pacientes com hepatite B crônica que não sejam imunes. Nos pacientes
considerados portadores inativos, caracterizados por AgHBs positivo, AgHBe negativo,
alanina aminotransferase normal e pesquisa de DNA com menos de 100.000 cópias por
mL, e naqueles com hepatite crônica deve ser realizada avaliação periódica a cada seis
meses para rastreamento de carcinoma hepatocelular com ultrassonografia de abdômen
Hepatite autoimune
Definição
A hepatite autoimune é uma hepatite crônica de etiologia desconhecida em que
há autoanticorpos circulantes e alta concentração de gamaglobulinas. Frequentemente
evolui para cirrose na ausência de tratamento imunossupressor.
Fisiopatologia
Postula-se que um agente ambiental, como vírus e drogas, desencadeie uma
cascata de eventos mediados por linfócitos T e direcionados para antígenos hepáticos
em indivíduo geneticamente predisposto à doença, com processo necroinflamatório e
fibrótico progressivo do fígado.
Classificação
A hepatite autoimune clássica ou do tipo 1 incide em todas as faixas etárias,
acomete mulheres em cerca de 75% dos casos, associa-se a outras doenças autoimunes e
apresenta amplo espectro de gravidade. Falha do tratamento é infrequente, com recaída
após a suspensão das drogas e necessidade de manutenção a longo prazo variável.
A hepatite autoimune tipo 2 incide predominantemente na infância e em adultos
jovens, acomete mulheres em cerca de 95% dos casos, associa-se a outras doenças
autoimunes e geralmente apresenta manifestações clínicas severas. Falha do tratamento
é frequente, sendo comum a recaída após a suspensão das drogas, com necessidade de
manutenção a longo prazo em aproximadamente 100% dos casos.
Exames complementares
Há elevação significativa de transaminases e pouca alteração de bilirrubina e
fosfatase alcalina, mas quadro colestático mais intenso pode ocorrer. A gamaglobulina
sérica eleva-se com frequência. É comum o encontro de teste falso-positivo para anti-
VHC, que deve ser investigado com pesquisa de RNA viral por reação em cadeia da
polimerase.
A hepatite autoimune tipo 1 é caracterizada pela presença de fator anti-núcleo
e/ou anticorpo anti-músculo liso, que inclui o anticorpo anti-actina. Também podem
estar presentes anticorpo anti-mitocôndria, anticorpo anti-citoplasma de neutrófilo
perinuclear (p-ANCA) e anticorpo anti-antígeno solúvel hepático e antígeno fígado
pâncreas (anti-SLA/LP).
A hepatite autoimune tipo 2 é definida pela presença de anticorpos anti-
microssomo fígado/rim 1 (anti-ALKM1) e/ou anti-citosol hepático tipo 1 (anti-LC1).
Um terceiro tipo, caracterizado pelo anticorpo anti-antígeno hepático solúvel,
também chamado de anticorpo anti-antígeno solúvel hepático e antígeno fígado
pâncreas (anti-SLA/LP), não foi universalmente aceito.
A biópsia hepática deve ser indicada mesmo nos quadros clássicos com o
objetivo de estadiar e acompanhar o tratamento. Não é específica e pode revelar grande
espectro de padrões histológicos:
- Infiltrado mononuclear portal com infiltrado periportal causando
necrose tipo saca-bocado;
- Alterações dos ductos biliares, com colangite destrutiva ou não-
destrutiva;
- Infiltrado intenso de plasmócitos, com rosetas de hepatócitos e células
gigantes multinucleadas;
- Fibrose em ponte porta-centro, com nódulos regenerativos e,
eventualmente, cirrose;
Diagnóstico diferencial
Na abordagem diagnóstica, é importante excluir outras doenças, como doença de
Wilson, deficiência de α1-antitripsina, hemocromatose, hepatites virais e hepatite
medicamentosa.
Tratamento
A hepatite autoimune habitualmente evolui para cirrose hepática e raramente
entra em remissão espontânea, o que justifica o tratamento na tentativa de impedir a sua
Complicações
As complicações da hepatite autoimune incluem carcinoma hepatocelular e
cirrose hepática.
Definição
Lesão hepática significativa é definida como aumento de alanina
aminotransferase para valores acima de três vezes o limite superior da normalidade,
aumento de fosfatase alcalina para valores acima de duas vezes o limite superior da
normalidade ou aumento de bilirrubina total para valores acima de duas vezes o limite
superior da normalidade, desde que associado a pelo menos um dos parâmetros
anteriores.
Os modelos de lesão hepática aguda induzida por medicamentos podem ser
citotoxicidade, colestase, misto de citotoxicidade com colestase e esteatose. Muitos
medicamentos podem causar hepatite crônica pelo seu uso prolongado.
O padrão hepatocelular é caracterizado por elevação predominantemente de
alanina aminotransferase e está relacionado a drogas como Acarbose, Paracetamol,
Alopurinol, Amiodarona, Baclofeno, Bupropiona, Fluoxetina, antiretrovirais,
Isoniazida, Cetoconazol, Lisinopril, Losartan, Metotrexato, anti-inflamatórios não-
hormonais, Omeprazol, Paroxetina, Pirazinamida, Rifampicina, Risperidona, Sertralina,
Estatinas, Tetraciclinas, Trazodona, Trovafloxacina e Ácido Valpróico. O padrão
colestático é caracterizado por elevação predominantemente de fosfatase alcalina e está
relacionado a drogas como Amoxacilina-Clavulanato, esteroides anabolizantes,
Clorpromazina, Clopidogrel, contraceptivos orais, Eritromicina, estrógenos, Irbesartan,
Mirtazapina, Fenotiazinas, Terbinafina e antidepressivos tricíclicos. Padrão misto está
relacionado a drogas como Amitriptilina, Azatioprina, Captopril, Carbamazepina,
Clindamicina, Ciproheptadina, Enalapril, Flutamida, Nitrofurantoína, Fenobarbital,
Fenitoína, Sulfonamidas, Trazodona, Sulfametoxazol-Trimetoprim e Verapamil.
Fisiopatologia
A maioria dos medicamentos é eliminada do organismo através da via urinária
ou biliar. Ambas as vias demandam que os medicamentos sejam hidrossolúveis, mas a
maioria dos medicamentos absorvidos pelo intestino é lipossolúvel, com necessidade de
metabolização hepática por hidroxilação, oxidação, redução ou conjugação.
Entre os medicamentos que aumentam sua hepatotoxicidade com o álcool estão
Paracetamol, Isoniazida, cocaína, Metotrexato e Vitamina A.
A atividade das enzimas da família do citocromo P450, principal sistema de
metabolização de medicamentos, é afetada pela ingesta proteica e pelo estado
nutricional. Medicamentos que inibem esse sistema incluem Eritromicina,
Claritromicina, Cetoconazol e Ritonavir. Medicamentos que induzem as enzimas desse
sistema incluem Rifampicina, Fenitoína, Carbamazepina, Fenobarbital, Dexametasona e
Etanol.
A idade também interfere na taxa de metabolização de medicamentos, com
diminuição em idosos da atividade das enzimas da família do citocromo P450 para
Paracetamol, Isoniazida, Verapamil, Nifedipina, Lidocaína e Propranolol.
Hepatotoxinas intrínsecas são medicamentos capazes de causar necrose de
hepatócitos diretamente de maneira dependente da dose. Geralmente, após um período
variável de latência, há grande aumento das transaminases, com discreto aumento da
fosfatase alcalina. Medicamentos com essa potencialidade são geralmente retirados da
prática clínica pelas agências reguladoras. Os que persistem em uso clínico apresentam
ação hepatotóxica somente em grandes doses, como Paracetamol, Sulfato Ferroso,
Etanol, Metotrexato, 6-Mercaptopurina, L-Asparaginase e Azatioprina.
Reações de hipersensibilidade ou idiossincrásicas são caracterizadas por
Quadro clínico
Um grande espectro de apresentações clínicas pode ser visto em pacientes com
hepatotoxicidade por medicamento, desde leves anormalidades bioquímicas em
pacientes assintomáticos até hepatites agudas semelhantes às hepatites virais.
Outras causas de lesão hepática devem ser excluídas, como hepatites virais,
hepatite alcoólica, hepatite autoimune, doenças metabólicas, afecções das vias biliares e
alterações hemodinâmicas.
Tratamento
A recuperação é esperada na maioria dos pacientes com a descontinuação do
medicamento suspeito e poucos tratamentos específicos são benéficos, como o uso de
N-Acetilcisteína para toxicidade por Paracetamol e uso de corticoide nas reações de
hipersensibilidade.
Bibliografia
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Clínica médica: diagnóstico e tratamento. Itamar de Souza Santos... [et al.]. São Paulo. Sarvier, 2008.
Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Alcoholic Hepatitis. Michael R Lucey, Philippe Mathurin and Timothy R Morgan. N Engl J Med 2009;360:2758-69.
Autoimmune Hepatitis. Edward L Krawitt. N Engl J Med 2006;354:54-66.
Drug-Related Hepatotoxicity. Victor J Navarro and John R Senior. N Engl J Med 2006;354:731-9.
Pioglitazone, Vitamin E, or Placebo for Nonalcoholic Steatohepatitis. Arun J Sanyal et al. N Engl J Med 2010;362:1675-85.
Requerimento energético
O alvo da terapia nutricional é definido pelo requerimento energético, que pode
ser calculado através de equações preditivas ou mensurado por calorimetria indireta,
método baseado no consumo de oxigênio, na produção de gás carbônico e na ventilação
minuto. Coeficiente respiratório de 1.0 indica carboidrato como substrato oxidado, de
0.85 indica carboidrato, lipídio e proteína como substratos oxidados, 0.80-0.82 indica
proteína como substrato oxidado e 0.7 indica lipídio como substrato oxidado. Quando
superior a 1.0 indica lipogênese como substrato oxidado e quando inferior a 0.7 indica
cetose como substrato oxidado.
A utilização de equações deve ser feita com cautela. Segundo a fórmula da
ASPEN (American Society for Parenteral and Enteral Nutrition), o requerimento
energético habitual em pacientes internados em unidade de terapia intensiva geralmente
situa-se em 25-30kcal/kg/dia. Segundo a fórmula de Harris Benedict, pode-se calcular o
gasto energético basal em homens com a fórmula 66.5 + (13.75 x peso em kg) + (5.003
x altura em cm) – (6.775 x idade em anos) e em mulheres com a fórmula 655.1 + (9.563
x peso em kg) + (1.85 x altura em cm) – (4.676 x idade em anos). O gasto energético
total pode ser calculado com a multiplicação do gasto energético basal pelo fator injúria
e pelo fator atividade, que combinados variam de 1.2 a 2.0. Pode-se também multiplicar
pelo fator térmico, com 1.1 para 38º C, 1.2 para 39º C, 1.3 para 40º C e 1.4 para 41º C.
Em indivíduos obesos, o peso ajustável é calculado com a fórmula peso ideal + (peso
atual – peso ideal) x 0.25. Em adultos queimados, a necessidade calórica pode ser
calculada com a fórmula 25kcal x peso em kg + 40kcal x porcentagem de superfície
corporal queimada.
A glicose, representando os carboidratos, com 4kcal/g, permanece como a
primeira fonte calórica nos doentes hipermetabólicos, mas a sua taxa máxima de
oxidação é 5mg/kg/minuto ou 7.2g/kg/dia, com parte sendo fornecida pela
gliconeogênese. Administração de quantidades superiores de glicose leva a
hiperglicemia, hiperosmolaridade, esteatose hepática, aumento da produção de dióxido
de carbono, aumento do trabalho respiratório, diurese osmótica, desidratação e maior
risco de infecções. Sugere-se que a nutrição não seja realizada acima das necessidades
energéticas do paciente e que sempre seja utilizada uma fonte calórica mista, em que a
glicose contribua com aproximadamente 50-60% do valor calórico total.
Os lípides, com 9kcal/g, devem ser administrados não só para prevenir a
deficiência de ácidos graxos essenciais, mas também como fonte energética, uma vez
que a oxidação de glicose está limitada. O excesso de utilização de lípides causa
bloqueio do sistema reticuloendotelial, citotoxicidade por peroxidação lipídica,
formação de radicais livres, aumento do consumo de vitamina E, antiagregação
plaquetária e hiperlipidemia. A dose recomendada de lípides é de 30% do valor calórico
total, com, no máximo, 1.5g/kg/dia, não sendo aconselhável a infusão de mais de 109g
em 24 horas em caso de administração intravenosa. Para evitar deficiência de ácidos
graxos essenciais, recomenda-se 5-10% do valor calórico total na forma de ácido
linoleico e linolênico. Não está determinada a relação ideal entre triglicérides de cadeia
média e triglicérides de cadeia longa a ser administrada, mas preconiza-se atualmente
uma mistura com 50% de cada.
Nutrição parenteral
Nutrição parenteral é definida como conjunto de procedimentos terapêuticos
para manutenção ou recuperação do estado nutricional do paciente por meio de nutrição
parenteral, na forma de solução ou emulsão, composta basicamente por carboidratos,
aminoácidos, lipídios, vitaminas e minerais, estéril e apirogênica, acondicionada em
recipiente de vidro ou plástico, destinada à administração intravenosa em pacientes
desnutridos ou não, em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando a síntese
ou a manutenção de tecidos, órgãos ou sistemas.
Indicações absolutas incluem transplante de medula óssea, impossibilidade de
acesso enteral por obstrução gastrointestinal ou íleo prolongado e impossibilidade de
absorver nutrientes pelo trato gastrointestinal por ressecção intestinal maciça, síndrome
do intestino curto grave e doença inflamatória intestinal ativa. Indicações relativas
incluem sangramento gastrointestinal com necessidade de repouso gastrointestinal
prolongado, mucosite ou anorexia grave por quimioterapia, radioterapia ou transplante
de medula óssea, cirurgias extensas com previsão de íleo prolongado por mais de cinco
dias, diarreia grave por má-absorção e pancreatite grave com necessidade de repouso
intestinal por mais de cinco dias. A nutrição parenteral também pode ser empregada
quando a reposição enteral for insuficiente para a reposição nutricional antes do
esquema terapêutico programado e em caso de complicações sépticas pós-operatórias
com alto grau de catabolismo. Contraindicações incluem condições terminais sem
melhora de sobrevida ou do sofrimento e instabilidade hemodinâmica.
A nutrição parenteral deve ser realizada em pacientes críticos nos quais não há
possibilidade de se realizar nutrição enteral por mais de sete dias consecutivos após
Bibliografia
Manual do residente de cirurgia de cabeça e pescoço. – São Paulo, SP: Keila & Rosenfeld, 1999.
Medicina Intensiva Baseada em Evidências. Luciano César Pontes de Azevedo. Editora Atheneu, 2009.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Epidemiologia
A prevalência de pancreatite crônica sintomática em países ocidentais é de cerca
de 25-30/100.000, com incidência estimada de 3-9/100.000. Já a prevalência de
evidência histológica de pancreatite crônica em estudos de autópsia aproxima-se de 5%,
indicando que várias pessoas desenvolvem lesão pancreática crônica em decorrência do
envelhecimento normal, de outras doenças e da exposição a toxinas, como o álcool, sem
sinais ou sintomas de pancreatite crônica.
Etiologia
Álcool causa cerca de 70-80% dos casos de pancreatite crônica, sendo necessária
ingesta prolongada e substancial, semelhante a cinco a oito doses diárias durante mais
de cinco anos. No entanto, a maior parte das pessoas com esse padrão de consumo
alcoólico não desenvolve pancreatite crônica, havendo cofatores importantes, como
predisposição genética, ingesta de gordura e tabagismo. Existe evidência de que o
tabagismo isoladamente pode causar pancreatite crônica.
Pancreatite hereditária é uma doença autossômica dominante caracterizada por
pancreatite aguda e crônica de início precoce, insuficiência pancreática endócrina e
exócrina e risco elevado de adenocarcinoma de pâncreas. Mutações no gene do
tripsinogênio (PRSS1) aparenta causar ganho de função em que o tripsinogênio, uma
vez ativado como tripsina, é difícil de inativar. Mutações no gene de um inibidor do
tripsinogênio (SPINK1) com perda de função predispõem a pancreatite crônica, mas,
diferente das mutações no gene do tripsinogênio (PRSS1), não são suficientes para
causar a doença. Mutações maiores no gene CFTR levam a fibrose cística, que está
associada a pancreatite crônica e atrofia pancreática, enquanto que mutações mais
brandas predispõem a pancreatite crônica sem causar as manifestações respiratórias da
fibrose cística, estando presentes nos pacientes com pancreatite crônica idiopática.
Pancreatite autoimune frequentemente se apresenta como massa relacionada a
icterícia obstrutiva, mimetizando a apresentação clínica de neoplasias malignas, mas
pode se apresentar também como pancreatite crônica e, raramente, como pancreatite
aguda. Características da doença incluem edema difuso do pâncreas, elevação da
imunoglobulina sérica G4 (IgG4) e envolvimento de outros órgãos, especialmente
estruturas biliares, glândula salivar, retroperitônio e rins, que apresentam infiltrado
inflamatório crônico com plasmócitos que expressam IgG4 em sua superfície.
Pancreatite tropical é encontrada primariamente no sul da Índia. É caracterizada
por início na infância, insuficiência pancreática exócrina, calcificações pancreáticas
difusas e diabetes mellitus. Pode haver um componente genético, como mutações no
gene SPINK1, mas cofatores, como desnutrição e toxinas dietéticas parecem estar
associados.
Em cerca de 20% dos pacientes, nenhuma causa clara de pancreatite crônica é
encontrada. Existem duas formas de pancreatite crônica idiopática. Na primeira, a dor é
a característica clínica principal e as manifestações surgem no início da vida adulta. Na
Fisiopatologia
Apesar de a maior parte das pancreatites crônicas evoluir a partir de múltiplos
episódios de pancreatite aguda, um único episódio grave que cause necrose pancreática
substancial pode produzir insuficiência pancreática endócrina e exócrina. A
fisiopatologia da dor é complexa.
Quadro clínico
O sintoma mais comum é dor abdominal, que pode ser episódica ou constante e
geralmente é referida no epigástrio com irradiação para o dorso. Se a dor é episódica,
considera-se que o paciente apresente pancreatite aguda ou agudização de pancreatite
crônica. Quando a dor é severa, náusea e vômitos podem ocorrer. A dor pode piorar,
melhorar ou permanecer estável ao longo do tempo.
Até 5% dos pacientes não apresentam dor e se apresentam com insuficiência
pancreática exócrina, com esteatorreia e emagrecimento, ou endócrina, com diabetes
mellitus.
A doença tende a ser progressiva, mesmo que a causa original seja removida.
Avaliação complementar
O diagnóstico pode ser suspeitado com base no quadro clínico, mas deve ser
confirmado através de testes que identifiquem dano estrutural ou alteração funcional do
pâncreas. A pancreatite crônica é uma doença lentamente progressiva em que dano
visível à glândula e insuficiência funcional podem não ser aparentes durante anos.
Todos os testes diagnósticos são mais acurados quando a doença é avançada.
Exames para avaliar dano estrutural incluem biópsia pancreática, radiografia
simples, ultrassonografia abdominal, ultrassonografia endoscópica, tomografia
computadorizada, ressonância nuclear magnética com colangiopancreatografia e
colangiopancreatografia retrógrada endoscópica. Exames para avaliar alteração
funcional incluem teste hormonal (secretina), teste da elastase fecal, tripsina sérica,
balanço de gordura nas fezes e glicemia.
Radiografia simples pode revelar calcificação pancreática difusa ou focal em
pacientes com pancreatite crônica avançada, com alta especificidade e baixa
sensibilidade. Ultrassonografia abdominal tem utilidade limitada porque o gás presente
nas alças intestinais limita a visualização do pâncreas, mas ducto pancreático anormal,
calcificações pancreáticas, atrofia glandular e alterações da ecotextura podem ser
encontrados em cerca de 60% dos pacientes. Ultrassonografia endoscópica permite
avaliação detalhada do parênquima e do ducto pancreáticos, de modo que resultado
normal praticamente exclui pancreatite crônica e resultado bastante anormal corrobora o
diagnóstico. Tomografia computadorizada é o teste diagnóstico mais utilizado para
pancreatite crônica e achados característicos incluem dilatação do ducto pancreático,
calcificações ductais ou parenquimatosas e atrofia pancreática. A ressonância nuclear
magnética também permite avaliação detalhada do pâncreas e a colangiopancreatografia
por ressonância nuclear magnética permite avaliar melhor a morfologia do ducto
pancreático. Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica permite avaliação mais
detalhada do ducto pancreático e pode revelar dilatação, irregularidade, litíase e
constrição, mas não deve ser indicada com finalidade puramente diagnóstica em função
de risco de pancreatite aguda em pacientes com pâncreas de aparência normal.
Tripsinogênio sérico é anormalmente baixo em pacientes com pancreatite
Tratamento
Dor
Deve-se pesquisar complicações específicas tratáveis, como pseudocisto
pancreático, obstrução de órgão oco adjacente e carcinoma pancreático, antes de iniciar
o tratamento da dor abdominal, o que pode ser feito com imagem de tomografia
computadorizada ou ressonância nuclear magnética de boa qualidade. Pacientes com
dilatação do ducto pancreático superior a 5mm são candidatos a terapia endoscópica e
cirúrgica para descompressão. Pacientes sem dilatação do ducto pancreático geralmente
não são apropriados para terapia endoscópica ou cirúrgica e devem receber tratamento
clínico, que abrange cessação de etilismo e tabagismo, analgesia, antioxidantes e
enzimas pancreáticas.
Recomenda-se iniciar o tratamento com analgésicos menos potentes, como
Tramadol 50mg de 6/6 horas, sendo recomendado associar medicação adjuvante, como
Amitriptilina, inicialmente 50mg uma vez ao dia de noite, inibidor seletivo da
receptação de serotonina, Gabapentina, inicialmente com 100mg uma vez ao dia de
noite ou Pregabalina, inicialmente com 50mg três vezes ao dia, em caso de necessidade
de analgésicos mais potentes. Antioxidantes, com mistura de selênio 500mcg, vitamina
E 300UI, vitamina C 1000mg, betacaroteno 10000UI e metionina 2g, podem apresentar
efeito benéfico no controle da dor. Terapia de suplementação de enzimas pancreáticas
com cápsulas sem revestimento entérico também pode ter efeito benéfico no controle da
dor por digerir no duodeno um fator liberador da secreção pancreática, com feedback
negativo. As preparações não-entéricas não são aprovadas para o uso clínico, mas
devem ser administradas com agente que reduza a secreção ácida gástrica para prevenir
a desnaturação das proteases.
Bloqueio do plexo celíaco guiado por ultrassonografia endoscópica, realizado
com anestésico local ou esteroide, ou neurólise, realizada com álcool absoluto, são
relativamente fáceis e seguros, mas alívio substancial da dor é atingido apenas durante
semanas ou meses.
A colangiopancreatografia retrógada endoscópica permite dilatar constrições e
instalar stents, além de remover cálculos ductais, que podem necessitar de litotripsia
intra-ductal ou extracorpórea para serem retirados. A terapia é tecnicamente bem
sucedida em mais de 80% de pacientes cuidadosamente selecionados, com alívio da dor
em 70-80% dos pacientes.
Cirurgia é mais efetiva e apresenta resultado mais duradouro do que a terapia
Insuficiência exócrina
Esteatorreia e má-digestão não ocorrem até aproximadamente 90% da secreção
enzimática pancreática ser perdida, geralmente após cinco a dez anos de doença. Os
pacientes podem perceber perda de peso e fezes oleosas e flutuantes, mas geralmente
não se queixam de diarreia. Digerem mal gordura, proteína e carboidrato, mas o
prejuízo na digestão de gordura geralmente é mais severo. Também pode ocorrer má-
absorção de vitaminas lipossolúveis, como a vitamina D. Quantificação da gordura nas
fezes coletadas em período de 72 horas em vigência de dieta rica em gordura é o método
mais acurado para documentar a esteatorreia e avaliar a efetividade do tratamento, mas
raramente é realizada.
Terapia enzimática, que reduz significativamente a quantidade de gordura nas
fezes, pode reduzir a perda de peso e é dividida em cápsulas de revestimento entérico,
preferidas para o tratamento da insuficiência exócrina em função de maior potência e
necessidade de menor número de cápsulas, e cápsulas sem revestimento entérico, que
não estão disponíveis clinicamente, mas seriam preferidas se o objetivo fosse tratar a
dor abdominal. As cápsulas são identificadas pelo conteúdo de lipase, apesar de todas
conterem também proteases e amilase. O objetivo do tratamento, que é administrar pelo
menos 10% do débito pancreático normal com cada refeição, traduz-se por
aproximadamente 30000UI de lipase a cada refeição. A maior parte dos produtos tem a
dose quantificada em unidades U.S. Pharmacopeia (USP), que correspondem a um
terço do total de unidades internacionais (UI). Como a maior parte dos pacientes ainda
produz algumas enzimas, como a lipase gástrica, geralmente não é necessário usar a
dose plena de 90000USP de lipase em cada refeição. As enzimas devem ser divididas ao
longo da refeição, com partes iguais antes, durante e imediatamente depois da refeição.
Suplementação com Vitamina D 400-1000UI/dia e cálcio 1.0-1.5g/dia é apropriada
porque osteopenia e osteoporose são comuns. O sucesso do tratamento é definido por
ganho de peso e redução ou ausência de óleo visível nas fezes. Falha do tratamento é
comumente relacionada a dose inadequada, devendo-se aumenta-la até 90000 unidades
USP por refeição e encorajar a adesão terapêutica do paciente. Algumas preparações
com revestimento entérico podem não liberar enzima suficiente no intestino delgado a
menos que sejam usadas concomitantemente a um agente que reduza a secreção ácida
gástrica. Alguns pacientes podem não responder ao tratamento em função de
concomitância de outra doença que também cause má-absorção, com síndrome do
supercrescimento bacteriano. Apresentações comerciais na forma de cápsulas contendo
microesferas com revestimento entérico (ácido-resistente) incluem Ultrase®, com
Lipase 4500 unidades USP, Amilase 20000 unidades USP e Protease 25000 unidades
USP, Creon® 10.000, com Lipase 10000 unidades USP, Amilase 33200 unidades USP
e Protease 37500 unidades USP, Creon® 25.000, com Lipase 25000 unidades USP,
Amilase 74700 unidades USP e Protease 62500 unidades USP e Panzytrat 25.000, com
Lipase 25000 unidades USP, Amilase 93375 unidades USP e Protease 78125 unidades
USP. As cápsulas devem ser ingeridas inteiras e com o auxílio de um líquido.
Insuficiência endócrina
Assim como a insuficiência exócrina, o diabetes mellitus é uma complicação
tardia da pancreatite crônica, ocorrendo anos ou décadas após o início da doença.
Complicações
Pseudocistos, quando descobertos em pacientes com pancreatite crônica,
geralmente são maduros e apresentam cápsula circunjacente visível. Assim como na
pancreatite aguda, não requerem tratamento se não causam sintomas e não estão
crescendo rapidamente. Complicações incluem infecção, sangramento e rotura. Se o
pseudocisto apresenta continuidade com o ducto pancreático, o sangramento pode
atravessar o ducto, atingir o duodeno e causar melena. Embolização do pseudocisto
pode controlar de maneira efetiva o sangramento. Pseudocistos podem vazar para o
compartimento peritoneal, com ascite pancreática, ou para o compartimento pleural,
com derrame pleural pancreático, com quadro clínico de distensão abdominal e
dispneia, respectivamente, ao invés de dor abdominal, e amilase no fluido superior a
400UI/L. Terapia endoscópica com colocação de stent na conexão entre o pseudocisto e
o ducto pancreático é altamente efetiva nessa situação. Algumas estruturas císticas
dentro e ao redor do pâncreas podem corresponder a neoplasias císticas, o que pode ser
sugerido por parede espessa ou nodular, múltiplas septações internas e ausência de
história de pancreatite, que indicam investigação complementar com ultrassonografia
endoscópica e aspiração. Pseudocistos sintomáticos requerem drenagem guiada por
ultrassonografia endoscópica, podendo também ser manejados por via percutânea ou
cirúrgica, enquanto que neoplasias císticas requerem ressecção.
Pancreatite crônica é fator de risco importante para adenocarcinoma ductal
pancreático.
Prognóstico
Em dez a vinte anos, a maior parte dos pacientes irá desenvolver insuficiência
exócrina ou endócrina. A mortalidade geral está aumentada em 3.6 vezes em
comparação com controles pareados por idade. A sobrevida média em dez anos é de
70% e em vinte anos é de 45%. O óbito geralmente ocorre por malignidade,
complicações pós-operatórias e complicações do uso de álcool e tabaco.
Bibliografia
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
Carcinoma hepatocelular
Epidemiologia
A taxa de incidência geralmente aumenta com a idade e atinge pico em torno dos
sessenta anos. A raça não tem um papel patogenético direto.
Etiologia
A cirrose hepática, independentemente da etiologia, pode predispor ao
carcinoma hepatocelular, devendo ser considerada uma condição pré-maligna. Os vírus
das hepatites B e C são as principais causas de cirrose hepática em pacientes com
carcinoma hepatocelular. O efeito do álcool parece ser dependente da dose.
Vários estudos epidemiológicos e biológicos sugerem um papel importante da
infecção pelo vírus da hepatite B na gênese do carcinoma hepatocelular, mas o
mecanismo exato não está elucidado.
Em relação aos carcinógenos químicos, a aflatoxina B1 é o mais documentado.
Trata-se de uma micotoxina produzida pela espécie de fungo Aspergillus, que cresce no
milho e no amendoim armazenados em condições propícias de temperatura, calor e
umidade.
A exposição a hormônios esteroides exógenos pode aumentar o risco de
adenoma e carcinoma hepatocelular.
Quadro clínico
A apresentação clínica do carcinoma hepatocelular, assim como sua incidência,
varia de acordo com a região geográfica e o fator de risco a que determinada população
está exposta.
Antigamente, a maioria dos pacientes com carcinoma hepatocelular era
diagnosticada em fase avançada, apresentando sintomas constitucionais, como perda de
peso, mal-estar e anorexia, ou descompensação da cirrose hepática, com icterícia,
encefalopatia, ascite e hemorragia varicosa. Também podem ocorrer dor abdominal,
massa abdominal palpável e saciedade precoce. Atualmente, o diagnóstico do carcinoma
hepatocelular é feito por exames complementares em estágios mais precoces, sendo os
pacientes muitas vezes assintomáticos.
Os sítios mais comuns de disseminação extra-hepática da doença são pulmões,
linfonodos intra-abdominais, ossos e glândulas adrenais.
Rastreamento
O rastreamento de carcinoma hepatocelular é indicado para pacientes com
cirrose ou fibrose hepática avançada, assim como para pacientes infectados pelo vírus
da hepatite B, principalmente se de etnia africana e idade superior a vinte anos, etnia
asiática e idade superior a quarenta anos ou, independentemente da etnia, antecedente
familiar de carcinoma hepatocelular. A prática do rastreamento em cirróticos com
ultrassonografia e dosagem de alfa-fetoproteína sérica periódicas e os avanços nos
métodos de imagem tornaram possível o diagnóstico precoce do carcinoma
hepatocelular. O intervalo de seis meses adotado pela maioria das instituições para o
Diagnóstico
O diagnóstico tomográfico é baseado na demonstração de hipervascularização na
fase arterial e de clareamento nas fases tardias após o realce. Washout é definido como
hipointensidade do nódulo nas fases tardias da tomografia computadorizada e/ou da
ressonância nuclear magnética quando comparado com o parênquima adjacente. O filme
simples, sem contraste, no entanto, é necessário para se diferenciar um nódulo com
realce de um nódulo hiperdenso. No filme sem contraste, a maioria dos carcinomas
hepatocelulares é hipodensa.
Embora a literatura revele resultados muito similares entre ressonância nuclear
magnética e tomografia computadorizada multi-slice para detecção de carcinoma
hepatocelular, a principal característica desses métodos é o comportamento
hipervascular do tumor primário. A distribuição fisiológica do iodo e do gadolíneo é
comparável e essa é a principal razão da similaridade. O carcinoma hepatocelular
apresenta-se hipointenso em T1 e hiperintenso em T2.
Como métodos invasivos, tem-se a tomografia por arteriografia e por portografia
e a ultrassonografia por arteriografia com injeção de microbolhas de gás livre.
Quando surge em fígado cirrótico, o carcinoma hepatocelular pode ser
diagnosticado através de métodos não-invasivos de acordo com o nível de alfa-
fetoproteína sérica e o padrão vascular nos estudos dinâmicos de imagem. Entretanto,
em lesões menores do que 2cm de diâmetro, o padrão típico de vascularização arterial
pode não ser encontrado e, nesses casos, a biópsia deve ser realizada.
Em caso de lesão com tamanho superior a 2cm, o diagnóstico pode ser definido
com segurança através de tomografia computadorizada ou ressonância nuclear
magnética. Em caso de lesão com 1-2cm de diâmetro, achados concordantes de
tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética são recomendados para
que o diagnóstico possa ser definido com segurança. Nesses pacientes, níveis de alfa-
Tratamento
A ressecção cirúrgica do carcinoma hepatocelular ainda é muito restrita, pois
muitos pacientes apresentam função hepática comprometida secundária à cirrose
hepática ou têm múltiplas lesões, apesar de o diagnóstico ter sido realizado em estágio
precoce. Além disso, o carcinoma hepatocelular frequentemente apresenta um padrão
multicêntrico de recorrência. Portanto, o carcinoma hepatocelular é caracterizado por
uma resposta ruim a ressecções radicais na maioria dos casos. Os melhores preditores de
sobrevida após a ressecção cirúrgica parecem ser ausência de hipertensão portal
relevante, tumor restrito ao fígado, ausência de invasão de estruturas vasculares e nível
de bilirrubina inferior a 1mg/dL.
O transplante hepático foi inicialmente considerado no tratamento dos casos de
carcinoma hepatocelular sem possibilidade de ressecção. Por causa das altas taxas de
recorrência, o transplante não conseguiu atingir objetivo curativo nesses casos. No
entanto, ele é uma opção terapêutica para pacientes com doença hepática avançada e
carcinoma hepatocelular passível de ressecção. O estádio do tumor, com tamanho e
número de lesões, parece ser um fator importante de recorrência. Vários estudos
demonstraram que os resultados do transplante hepático para carcinoma hepatocelular
são comparáveis aos obtidos com doença não-maligna quando há uma lesão menor ou
igual 5cm ou até três lesões, cada uma menor ou igual a 3cm.
O número de candidatos ao transplante hepático em relação à oferta limitada de
órgãos é o principal fator limitante para realização desse procedimento. Por esse motivo,
muitos centros de transplante utilizam terapias ablativas ou quimioembolização numa
tentativa de prevenir o crescimento e a disseminação do tumor antes do transplante.
As terapias ablativas locais incluem injeção percutânea de etanol, ablação por
radiofrequência e outras formas menos documentadas, como terapia de coagulação por
micro-ondas, terapia de coagulação intersticial por laser e crioterapia. A injeção
percutânea de etanol guiada por ultrassonografia ou tomografia computadorizada induz
necrose de extensão dependente do tamanho da lesão, sendo o seguimento realizado
com tomografia computadorizada. A ausência de realce após a injeção de contraste é
considerada evidência de necrose completa do tumor. Recorrências locais ou novas
lesões podem ser tratadas repetidamente. Sugere-se que a eficácia seja comparável à da
cirurgia para pequenos tumores. As vantagens da ablação por radiofrequência incluem
menor número de aplicações e obtenção de uma área de necrose mais uniforme. As
Colangiocarcinoma intra-hepático
Quadro clínico
O colangiocarcinoma periférico raramente produz sintomas até que o tumor
atinja um estado avançado. A icterícia é mais frequente, precoce e mais importante que
nos casos de carcinoma hepatocelular. A presença de hepatomegalia não é um achado
frequente, assim como ascite. A apresentação clínica do colangiocarcinoma hilar é um
quadro de icterícia obstrutiva com ou sem perda de peso.
Avaliação complementar
Observam-se elevadas concentrações de bilirrubina, fosfatase alcalina e gama
glutamil transferase. Em pacientes com colangite esclerosante primária, tem-se utilizado
a dosagem sérica de CA 19-9 como ferramenta de rastreamento. Entretanto, não existem
estudos randomizados controlados que indiquem sua eficácia.
A tomografia computadorizada mostra uma lesão hipodensa, hipovascular nos
estudos dinâmicos, com captação periférica de contraste durante a fase portal. A
ressonância magnética mostra um tumor que é hipodenso em T1 e hiperdenso em T2. A
dilatação do ducto biliar pode sugerir o diagnóstico.
O diagnóstico definitivo é baseado na histologia. Pode ser realizada
colangiopancreatografia retrograda endoscópica com citologia por escovação.
Tratamento
O diagnóstico precoce é raro e o prognóstico associado ao tumor é geralmente
ruim. O tratamento é essencialmente cirúrgico, com sobrevida atingindo 40-60% em
Metástases hepáticas
As metástases hepáticas são os tumores malignos mais comuns no fígado e se
associam a prognóstico ruim, com exceção do câncer cólo-retal, quando permite
ressecção cirúrgica, e das metástases de tumores neuroendócrinos, que apresentam
comportamento menos agressivo e potencial de cura.
A tomografia computadorizada geralmente revela lesão hipovascular com
captação característica do contraste, enquanto que em poucos casos há um contraste
hipervascular sugerindo tumor carcinoide, melanoma, hipernefroma ou câncer de
tireoide.
A pesquisa pelo tumor primário deve ser feita em pacientes que apresentam
condição geral aceitável para se submeter a uma ressecção cirúrgica ou tratamento
paliativo. Alguns sintomas podem guiar para a origem do tumor primário, como
alteração do hábito intestinal e enterorragia no câncer colo-retal, icterícia nos tumores
pancreáticos e síndrome carcinoide nos tumores neuroendócrinos. Os marcadores
tumorais podem ser úteis, mas não são parâmetros definitivos. O antígeno
carcinoembrionário (CEA) está aumentado em 90% dos cânceres colo-retais com
metástases, o CA-125 pode estar elevado nos tumores pancreáticos e de ovário, o
antígeno prostático específico está elevado nos tumores prostáticos e o ácido 5-
hidroxiindolacético pode estar elevado nos tumores neuroendócrinos.
Para os casos em que o tumor primário é conhecido, a biópsia é necessária
quando há dúvidas sobre a natureza da lesão. Por outro lado, para tumores primários
desconhecidos, a biópsia dirigida da lesão é um exame definitivo para esclarecimento
diagnóstico.
O tratamento cirúrgico da doença metastática pode prolongar a sobrevida para
câncer colo-retal, tumores neuroendócrinos e alguns tumores renais, mas é controversa
para a maioria dos outros tumores.
Hemangioma
O hemangioma cavernoso é o tumor hepático benigno mais comum. Com o
recente progresso dos exames de imagem, ele é frequentemente encontrado em
indivíduos assintomáticos. Trata-se de malformação congênita. Incide em quase todas as
idades, mais é mais frequente da terceira à quinta décadas de vida. Predomina no sexo
feminino.
Os hemangiomas são, em grande parte, pequenos e assintomáticos. Geralmente
estão localizados na região subcapsular do lobo hepático direito. Hemangiomas grandes
ou múltiplos podem causar sintomas, como dor no andar superior do abdômen
decorrente de infarto parcial ou compressão de estruturas adjacentes. Outros sintomas
incluem saciedade precoce, náusea e vômitos. Raramente, os hemangiomas se rompem.
Ao exame físico, pode-se detectar hepatomegalia.
A síndrome de Kasabach-Merritt é uma entidade clínica rara com
trombocitopenia e coagulopatia intravascular disseminada associada a um hemangioma
cavernoso gigante, caracterizado por tamanho superior a 4cm. A coagulopatia de
consumo habitualmente é desencadeada por um procedimento cirúrgico ou
odontológico.
À ultrassonografia, o hemangioma tipicamente se apresenta como uma massa
hiperecoide, homogênea, lobulada e bem delimitada, podendo também apresentar áreas
Adenoma hepático
O adenoma hepático é um tumor hepático raro, caracterizado pela proliferação
benigna de hepatócitos. Também ocorre predominantemente no sexo feminino. Sua
patogênese está mais claramente associada ao uso de anticoncepcionais orais ou
medicações esteroides contendo anabolizantes. Outro grupo de risco inclui os pacientes
com doença de depósito de glicogênio, nos quais há maior risco de adenomas múltiplos
e de transformação maligna.
A maioria dos pacientes com lesões pequenas são assintomáticos. Grandes
adenomas podem causar sensação de desconforto no quadrante superior direito. O
adenoma apresenta importância clínica pela sua tendência de ruptura espontânea e
hemorragia. Portanto, dor abdominal aguda e hemorragia intraperitoneal podem ocorrer.
Na ausência de malignidade, a alfa-fetoproteína sérica e a função hepática estão,
geralmente, normais. Gestação aumenta o risco de ruptura espontânea e sangramento.
À ultrassonografia, os adenomas têm aspecto variável e inespecífico,
dependendo das características do tumor. Padrões hipoecoide, hiperecoide e misto
representam adenoma simples, adenoma com metamorfose gordurosa e adenoma com
hemorragia e necrose, respectivamente. Lesão hiperecoide com região central
hipoecoide tende a ser mais característica. Na tomografia computadorizada e na
ressonância nuclear magnética, o adenoma apresenta achados mais específicos. Ao
contrário da hiperplasia nodular focal, o adenoma é mais heterogêneo devido a
hemorragia intratumoral, necrose e componente de gordura. Apresenta realce precoce
por causa do rico suprimento arterial. O realce periférico com progressão centrípeta
geralmente é visto. À ressonância nuclear magnética, o sinal do adenoma é variado em
T1. A cintilografia hepática com enxofre coloidal geralmente demonstra lesão
hipocaptante ou não-captante, refletindo número e função diminuídos das células de
Kupffer. Biópsia geralmente não é recomendada porque adenomas hepáticos estão
associados a elevado risco de sangramento e o material obtido por punção geralmente
não é diagnóstico.
Por causa do risco de ruptura espontânea ou transformação maligna, o adenoma
deve ser diagnosticado e tratado com ressecção cirúrgica. Especialmente em adenomas
pequenos, com tamanho inferior a 5cm, a descontinuação do uso de estrógeno e o
seguimento com ultrassonografia dentro de seis meses podem constituir uma alternativa
clínica, sendo indicada ressecção cirúrgica em caso de ausência de regressão. Outros
tratamentos incluem enucleação cirúrgica, transplante e embolização arterial hepática.
Lesões císticas
Cisto hidático
O cisto hidático ou cisto equinococo ainda é endêmico em certas partes do
mundo, sendo causado pelo cestoide Echinococcus granulosis. Os humanos se infectam
através da ingesta de ovos do parasita, por meio do contato com ovelhas, gatos,
cachorros, gado, água ou alimentos contaminados. O parênquima hepático filtra a
maioria dos embriões e aqueles que não são destruídos se transformam em cistos
pequenos, que crescem com o tempo. Dependendo da condição do parasita e da reação
do hospedeiro, o cisto pode degenerar e eventualmente colapsar, deixando uma área de
calcificação no fígado. Após o envolvimento hepático inicial, podem ser detectados
extensão local e disseminação para pulmões, cérebro, ossos e olhos.
A maioria dos pacientes é assintomática, mas alguns indivíduos podem
apresentar dor abdominal, febre e/ou hepatomegalia. Choque anafilático pode ocorrer
devido à ruptura dos cistos na cavidade peritoneal. Outros achados que podem facilitar o
diagnóstico são eosinofilia, testes sorológicos positivos e imagens radiológicas. Na
ultrassonografia e na tomografia computadorizada, os cistos hidáticos aparecem como
lesões bem delineadas, com paredes distintas. Podem ser vistos margens calcificadas,
septações intra-hepáticas e cistos filhos. As imagens de ressonância magnética
demonstram claramente as três camadas, com margem hipointensa em T1 e T2 e matriz
hidática hipointensa em T1 e hiperintensa em T2.
O tratamento cirúrgico pode ser curativo se todo o cisto for removido. Cuidado
especial deve ser tomado para não derramar o líquido durante a cirurgia, pelo risco de
reação anafilática. Tratamento laparoscópico é seguro e efetivo. O uso de Albendazol ou
Mebendazol isoladamente não é efetivo, mas pode ser recomendado como adjuvante.
Cisto de colédoco
Os cistos de colédoco são anomalias congênitas dos ductos biliares e podem
Cistoadenoma biliar
Entidade incomum de crescimento lento, pré-maligna. A transformação para
cistoadenocarcinomas é incomum. Ocorre predominantemente em mulheres com idade
entre trinta e cinquenta anos. Na tomografia computadorizada com contraste, é uma
lesão multilocular com realce tópico das paredes do cisto, septações internas e nódulos
murais. A ressecção cirúrgica é obrigatória na suspeita de cistoadenocarcinoma.
Doença de Caroli
Doença autossômica recessiva rara, caracterizada por dilatação sacular não
obstrutiva dos ductos biliares intra-hepáticos e múltiplos cálculos intra-hepáticos. Está
associada a doença renal policística. Os sintomas mais comuns são ataques recorrentes
de febre, dor no quadrante superior do abdômen e icterícia. O tratamento cirúrgico pode
ser necessário em casos de colangite refratária recorrente. Nesses casos, também
recomenda-se uso de antibiótico de largo espectro.
Peliose hepática
Lesão hepática benigna caracterizada pela presença de espaços císticos
preenchidos por sangue. Ocorre em fígado, baço, medula óssea e pulmões e tem sido
relacionada a medicações, como estrógenos, corticoides e Tamoxifeno, neoplasias,
como carcinoma hepatocelular, adenoma hepático, linfoma de Hodgkin e mieloma
múltiplo, transplante renal e infecções, como tuberculose e síndrome da
imunodeficiência adquirida. O tratamento deve incluir retirada do possível agente causal
e tratamento específico com antibióticos em pacientes com infecções primárias ou
secundárias.
Abscesso hepático
Abscesso hepático piogênico é causado por micro-organismos como resultado de
Bibliografia
Clínica médica, volume 4: doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Hepatocellular carcinoma. Hashem B El-Serag. N Engl J Med 2011;365:1118-27.
Approach to the patient with a focal liver lesion. Jonathan M Schwartz and Jonathan B Kruskal. UpToDate, 2011.
Clinical features and diagnosis of primary hepatocellular carcinoma. Jonathan M Schwartz and Robert L Carithers. UpToDate,
2011.
Overview of the treatment approaches for hepatocellular carcinoma. Eddie K Abdalla and Keith E Stuart. UpToDate, 2011.
Hepatic hemangioma. Michael P Curry and Sanjiv Chopra. UpToDate, 2011.
Focal nodular hyperplasia. Sanjiv Chopra. UpToDate, 2011.
Hepatic adenoma. Miachael P Curry and Nezam H Afdhal. UpToDate, 2011.
Algoritmo
Equilíbrio e mobilidade
O avaliador deve inquirir sobre a ocorrência de quedas e traumas e também
avaliar seu risco. Pacientes com história de duas ou mais quedas em um período de um
ano têm maior risco de quedas subsequentes e merecem avaliação mais detalhada.
Devem ser pesquisadas deformidades em membros e articulações, além do uso de
órteses. A observação da marcha e a execução de manobras para testar o equilíbrio,
como a de Romberg, ajudam na avaliação.
A força dos quadríceps pode ser testada solicitando que o paciente levante-se de
uma cadeira sem o apoio dos braços. No teste Get up and go, o paciente deve levantar-
se da cadeira sem o apoio dos braços, caminhar três metros, retornar à cadeira e sentar-
se novamente. Demora além de vinte segundos indica sujeito com mais problemas de
marcha e equilíbrio, que deve requerer avaliação mais detalhada.
Funções cognitivas
Como a prevalência de transtornos cognitivos aumenta com a idade, o seu
rastreio torna-se mais importante em idosos. Um teste simples e consagrado para avaliar
o estado cognitivo é o Mini Exame do Estado Mental. É fundamental ter em mente as
possíveis limitações sensoriais ou de escolaridade do paciente para analisar a pontuação
ou a própria escolha do instrumento.
Funções sensoriais
A deficiência auditiva deve ser inquirida ativamente e pode ser avaliada por
meio de testes como o do sussurro, no qual o examinador sussurra palavras aleatórias a
uma distância fixa atrás de cada orelha, que pode ser de 15cm, 20cm, 30cm ou 60cm, e
solicita que o paciente as repita. Se o paciente acertar 50% ou menos das palavras, deve
apresentar hipoacusia e necessita de avaliação mais detalhada.
Deve-se perguntar aos pacientes sobre antecedentes oftalmológicos, uso de
lentes ou óculos, bem como dificuldades no cotidiano. O teste de triagem visual mais
conhecido é o de Snellen, no qual o paciente é posicionado a seis metros de um quadro
com letras à altura dos olhos. Os pacientes apresentam deficiência visual que merece ser
referida se, mesmo com lentes ou óculos, falham em ler as letras da linha 20/40.
Afeto
Sintomas somáticos sem explicação orgânica, desinteresse e apatia, alterações
cognitivas, perda de peso e pessimismo injustificado podem ser mais evidentes do que
tristeza. Instrumentos de rastreio de depressão, como a escala geriátrica de depressão de
quinze itens (GDS15), são úteis para avaliação do afeto.
Suporte social
A rede de suporte social do indivíduo pode ser esboçada a partir de dados da
Condições ambientais
A avaliação ambiental engloba a avaliação da adequação e da segurança do
domicílio, assim como o acesso a serviços de saúde. A melhor maneira de desempenhar
a avaliação ambiental é, sem dúvida, a visita domiciliar. Devem ser verificados
iluminação, presença de apoios em áreas de maior risco, como cozinha, sanitários e
escadas, e presença de obstáculos à deambulação segura. O acesso a serviços de saúde
pode ser verificado na própria comunidade. É interessante obter também uma avaliação
econômica sucinta para saber com que recursos o paciente pode contar.
Avaliação funcional
O bom desempenho funcional dos idosos é um dos maiores objetivos da
assistência geriátrica. Pode ser visto como resultante da interação de variáveis clínicas,
psicológicas, cognitivas, sociais e ambientais, de modo que a falha ou alteração no
desempenho de alguma função deve ser investigada. O desempenho funcional dá-se em
três níveis de complexidade crescente.
As atividades básicas de vida diária contemplam o autocuidado e incluem os
atos de tomar banho, vestir-se, cuidar da higiene íntima, transferir-se, ser continente e
alimentar-se. A avaliação sistematizada pode ser realizada por meio da aplicação da
escala de Katz.
As atividades instrumentais de vida diária são corriqueiras, mas exigem mais
habilidades específicas que as atividades básicas de vida diária. Incluem fazer compras,
gerenciar o orçamento doméstico, utilizar meios de transporte público ou dirigir
veículos, usar o telefone, cuidar da casa, preparar alimentos, lavar roupas e usar os
medicamentos. Podem ser avaliadas pela escala de Lawton.
Há também a expectativa de que indivíduos independentes possam desempenhar
as atividades avançadas, que incluem participação ativa na comunidade, papel familiar
responsável, prática de atividade física e engajamento em atividades recreativas ou
ocupacionais.
Avaliação nutricional
O método mais simples é a medida do índice de massa corpórea. Na história
clínica, o relato de perda de peso de 5-10% no período de seis meses deve suscitar
preocupação e motivar investigação específica.
Para melhor direcionar a avaliação nutricional, instrumentos práticos como a
Mini Avaliação Nutricional foram desenvolvidos. Recomenda-se que pacientes com
baixo peso ou sobrepeso sejam encaminhados para avaliação nutricional formal por
profissional competente.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da
mulher, envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Incontinência urinária
Incontinência urinária é definida como a perda involuntária de urina em
quantidade suficiente para que se torne um problema social ou de higiene. A continência
depende não somente do trato urinário inferior, mas também da integridade das funções
mentais, da mobilidade, da destreza e da motivação.
Muitos pacientes têm perdas urinárias por causas reversíveis, que incluem
delirium, depressão, déficit de estrógeno vaginal, débito urinário alto, infecção,
imobilidade, iatrogenia e impactação fecal.
Incontinência urinária de esforço é caracterizada por perda urinária nos
momentos em que há aumento da pressão intra-abdominal, como ao tossir ou agachar.
Incontinência urinária de urgência é caracterizada por necessidade imperiosa de urinar e
perda de urina antes de conseguir chegar ao toalete. Incontinência mista é caracterizada
por associação de sintomas de urgência e esforço. Incontinência paradoxal ocorre por
extravasamento quando a bexiga está cheia.
Durante a anamnese, o médico deve questionar quanto a continência urinária
caso não seja mencionado espontaneamente pelo paciente. Informações adicionais
importantes incluem hábito intestinal, ingesta hídrica e abordagens terapêuticas prévias.
No exame físico, além da avaliação geral, deve-se dar atenção à avaliação abdominal e
pélvica. Exames complementares indicados a todos os pacientes incluem glicemia,
creatinina e urina tipo 1. Exames mais complexos, como ultrassonografia de rins e vias
urinárias e estudo urodinâmico são indicados somente em casos selecionados.
O tratamento consiste em resolução das causas transitórias e, no caso de
incontinência definitiva, opções de acordo com o tipo e com as doenças associadas,
incluindo fisioterapia, medicações e cirurgias.
Instabilidade e quedas
Uma queda incidental pode ser definida como um deslocamento não-intencional
do corpo para um nível inferior à posição inicial com incapacidade de correção em
tempo hábil.
Fatores extrínsecos ou ambientais incluem piso molhado, degrau, tapetes
escorregadios, calçadas mal-alinhadas e falta de luminosidade. Fatores intrínsecos
incluem perda de acuidade visual, alteração da propriocepção, perda auditiva, alteração
da marcha e apresentações agudas de doenças. Os fatores podem ainda ser classificados
Imobilidade
A síndrome da imobilidade está relacionada à incapacidade do indivíduo de
movimentar todo o corpo ou parte dele, com perda ou redução significativa dessa
capacidade.
Alterações da mobilidade podem ter seu início abrupto, como após um acidente
vascular encefálico, ou lento, como na progressão de doenças crônicas ou na perda do
condicionamento físico. Em ambas as situações há perda de funcionalidade.
Uma das principais consequências da imobilidade é o aparecimento de úlceras
por pressão. Outra complicação comum é a trombose venosa profunda, com risco de
tromboembolismo pulmonar. Também podem ocorrer constipação e impactação fecal,
alterações endócrinas com aumento do estímulo ao catabolismo, diminuição da
produção hepática de proteína com consequentes hipoalbuminemia e perda de peso,
comprometimento psicológico e perda cognitiva.
As consequências da imobilidade são geralmente mais graves do que suas
causas, sendo necessário evita-la.
Iatrogenia
Define-se iatrogenia como ocorrência ou condição não-intencional, justificada
ou não, decorrente de intervenção da equipe multidisciplinar de saúde, que resulta em
prejuízo para a saúde do paciente. Também é considerada iatrogenia a omissão de uma
conduta ou de uma intervenção amplamente reconhecida.
Não só entre indivíduos hospitalizados, mas também entre os pacientes
ambulatoriais com diversas comorbidades, polifarmácia, adesão irregular ao tratamento
e acompanhamento por vários especialistas, a ocorrência de iatrogenia é comum.
Incapacidade cognitiva
O envelhecimento está associado ao aumento da prevalência de doenças
cerebrais, como a demência, o acidente vascular encefálico e o delirium.
Comprometimento cognitivo se correlaciona com isolamento social, fragilidade física,
depressão, piora do quadro cognitivo e aumento de mortalidade.
No processo normal do envelhecimento, há alterações da memória, como
alterações na forma de organização da informação, com dificuldade de utilizar
estratégias de memorização e de inibir estímulos competitivos e irrelevantes, sem
alteração no cotidiano do indivíduo.
O delirium é um quadro confusional agudo com comprometimento flutuante da
atenção e da função cognitiva. É considerado uma síndrome por ser resultante da
interação de fatores precipitantes em indivíduos vulneráveis, ou seja, aqueles com idade
avançada, grande número de comorbidades, comprometimento funcional, insuficiência
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da
mulher, envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Avaliação global
A avaliação geriátrica global é o ponto inicial para uma abordagem completa da
saúde do idoso. A partir da avaliação global, é possível fazer diagnósticos das doenças,
mapear riscos de saúde e planejar condutas.
Imunização
A situação atual de imunização deve ser investigada ativamente, se possível com
a confirmação pelo cartão de vacinação.
A vacinação anual para influenza é amplamente recomendada para pacientes
com idade superior a 60 anos e deve ser aplicada no outono.
Todos os idosos devem receber pelo menos uma dose da vacina pneumocócica.
Aqueles com alto risco devem receber uma nova dose em cinco anos.
A vacina dupla do adulto (dT) deve ser administrada a cada dez anos e o toxoide
tetânico deve ser administrado cinco anos após a última dose se houver ferimento
considerado contaminado.
Rastreamento
O rastreamento é bem indicado para o diagnóstico precoce de doenças ou
condições de saúde que se beneficiam de intervenções reconhecidas para diminuir
morbidade e, principalmente, mortalidade. Deve ter baixo custo, apresentar boa relação
entre risco e benefício e ter instrumentos com alta sensibilidade e especificidade.
Saúde bucal
O tratamento e a prevenção de doenças orais em idosos não apenas melhoram as
condições bucais, mas também são responsáveis pela manutenção da saúde geral do
paciente. As doenças e disfunções orais podem ser extremamente dolorosas, com
impacto na qualidade de vida e comprometimento de alimentação, fala e interações
sociais.
Depressão
Os distúrbios depressivos em idosos estão associados a alta mortalidade
cardiovascular e a efeito negativo sobre o bem estar e as atividades de vida diária.
Fatores sociais, psicológicos, físicos e biológicos interagem na etiologia da depressão
em idosos.
O rastreamento prevê o uso da escala de depressão geriátrica (GDS). As versões
com trinta e com quinze questões têm boa sensibilidade e especificidade.
Entre as intervenções efetivas para o tratamento da depressão em idosos estão os
antidepressivos, a eletroconvulsoterapia e a psicoterapia.
Incontinência urinária
A incontinência urinária pode ocorrer em todas as idades, porém sua frequência
aumenta com o envelhecimento. Os pacientes idosos na maioria das vezes não se
queixam dessa situação. Devem ser investigadas causas frequentes de incontinência
urinária, como delirium, diabetes mellitus, restrições de mobilidade, infecção urinária e
efeitos de medicações.
Funcionalidade
A capacidade funcional é um dos importantes marcadores de um envelhecimento
bem sucedido e da qualidade de vida dos idosos. Pode ser avaliada por meio do
questionamento quanto a capacidade de realizar de forma independente as atividades
básicas de vida diária e as atividades instrumentais de vida diária. É possível avaliar a
condição funcional com medidas objetivas obtidas por meio de indicadores de aptidão
física, como flexibilidade, força muscular, agilidade e equilíbrio.
Hábitos saudáveis
Um dos maiores desafios em promoção de saúde está relacionado a mudanças de
hábitos, como sedentarismo, dieta inadequada, tabagismo e etilismo. O processo passa
por diversos estágios, que podem ser contínuos, mas frequentemente são cíclicos.
As intervenções dependem do estágio de mudança em que se encontra o
paciente, que pode ser de pré-contemplação, contemplação, preparação, ação,
manutenção e recaída.
Atividade física
Os benefícios da prática de atividade física para a saúde têm sido amplamente
documentados, na prevenção, no tratamento e na reabilitação de doenças, com
diminuição da morbidade por todas as causas e ampliação da expectativa de vida.
Existe discordância sobre qual seria o melhor exercício para provocar efeito
benéfico no idoso, mas, de maneira geral, deve-se procurar desenvolver exercícios de
flexibilidade, equilíbrio e força muscular. As atividades com boa adesão incluem
ciclismo, musculação, natação, hidroginástica, dança, ioga e tai chi chuan. A caminhada
merece destaque por ser acessível e não requerer habilidade especializada ou
aprendizagem.
A maioria dos indivíduos pode iniciar uma atividade moderada com segurança
sem realizar teste de esforço se o nível da atividade for inicialmente baixo e for
Dieta
A dieta bem orientada pode prevenir e tratar algumas doenças e condições de
saúde que acompanham o envelhecimento. É importante estimular o conhecimento da
composição dos principais alimentos e o hábito de verificar as calorias contidas nos
rótulos dos alimentos. O aumento do consumo de fibras reflete no controle do peso e,
em associação com o aumento da ingesta hídrica, pode melhorar o ritmo intestinal. As
necessidades de cálcio podem ser alcançadas com uma dieta rica em laticínios, mas
frequentemente se faz necessária uma suplementação tanto de cálcio como de vitamina
D.
Relacionamentos pessoais
A saúde sexual deve ser abordada de maneira clara e natural, tratando as causas
orgânicas e psicológicas de disfunção sexual.
As atividades culturais e de lazer e os grupos de terceira idade, de exercícios e
de turismo estão entre as várias possibilidades de aumentar o convívio e a inserção
social.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da
mulher, envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Rastreamento
O autoexame das mamas pode ser recomendado às mulheres a partir dos vinte
anos de idade, com periodicidade mensal. Deve ser realizado quatro a seis dias após a
menstruação. O efeito de tal prática sobre a mortalidade por câncer de mama é um
assunto controverso, com redução da recomendação por parte de médicos e sociedades
médicas.
O exame clínico das mamas, realizado por médico ou paramédico treinado, é
recomendado às mulheres a partir dos vinte anos de idade a cada três anos até os
quarenta anos e, a partir de então, anualmente.
Diagnóstico
O diagnóstico clínico é feito por meio da verificação de áreas de abaulamento ou
retração, fluxo papilar e nódulo ou massa palpáveis. Os exames de imagem prestam-se
ao diagnóstico precoce, permitindo a conduta com base na normatização de BI-RADS
para mamografia, ultrassonografia e ressonância nuclear magnética. Avaliação
complementar pode ser limitada a hemograma, análise bioquímica e radiografia de
tórax. Em caso de evidência clínica de doença avançada, a investigação de metástases
para pulmões, ossos e fígado pode ser realizada com tomografia computadorizada e
cintilografia óssea.
O uso de métodos de imagem tem possibilitado a detecção de lesões não-
palpáveis na mama. Entretanto, frequentemente não permite diferenciar as lesões
benignas das lesões malignas devido à significativa sobreposição de achados entre elas.
Por esta razão, a biópsia é indicada para muitas lesões não-palpáveis identificadas por
métodos de imagem, especialmente no rastreamento mamográfico. Atualmente, as
técnicas de biópsia percutânea estão consolidadas como alternativa segura à biópsia
cirúrgica excisional para muitas mulheres, com resultados comparáveis, menor invasão
e menor risco de cicatrizes e complicações significativas. O critério mais importante na
escolha da técnica de imagem que guiará o procedimento é a visualização confiável da
lesão-alvo, sendo possível utilizar mamografia (estereotaxia), ultrassonografia ou
ressonância nuclear magnética.
A localização pré-operatória consiste na colocação de um marcador junto da
lesão não-palpável para que ela possa ser identificada pelo cirurgião durante a exérese
cirúrgica. Os marcadores mais utilizados são fios metálicos com gancho na sua
extremidade e coloides marcados com elementos radioativos. Após a excisão cirúrgica,
é conveniente a radiografia do espécime ressecado para confirmar a remoção da lesão-
alvo.
A punção aspirativa por agulha fina consiste na introdução de agulha fina de
23G a 25G no interior da lesão com o objetivo de aspirar células que serão utilizadas
para determinar a natureza benigna ou maligna da anormalidade. Trata-se de técnica
simples, não-traumática e virtualmente sem complicações. No entanto, depende da
habilidade de quem realiza o procedimento, requer um patologista treinado em citologia
Estadiamento
Estadiamento TNM Estágios TNM
Tx Tumor primário não pôde ser avaliado Estágio T N M
T0 Sem evidência de tumor primário 0 Tis N0 M0
Tis Carcinoma in situ I T1 N0 M0
T1mic Carcinoma microinvasor, com invasão menor ou IIA T0-T1 N1 M0
igual a 0.1cm T2 N0 M0
T1 Tumor menor ou igual a 2cm IIB T2 N1 M0
T1a – Tumor maior que 0.1cm e menor ou igual a T3 N0 M0
0.5cm IIIA T0-2 N2 M0
T1b – Tumor maior que 0.5cm e menor ou igual T3 N1-2 M0
que 1cm IIIB T4 Qualquer M0
T1c – Tumor maior que 1cm e menor ou igual a IIIC Qualquer N3 M0
2cm IV Qualquer Qualquer M1
T2 Tumor maior que 2cm e menor ou igual a 5cm
T3 Tumor maior que 5cm
T4 Tumor de qualquer diâmetro acometendo pele e/ou
parede torácica
T4a – Tumor com extensão para parede torácica,
sem adesão ou invasão nos músculos peitorais
T4b – Ulceração, nódulos satélites ipsilaterais e/ou
edema cutâneo sem critérios para carcinoma
inflamatório
T4c – Concomitância de características T4a e T4b
T4d – Carcinoma inflamatório
Anatomia patológica
Os tumores malignos da mama são classificados segundo o padrão de
diferenciação histológica, que reflete os seus diferentes tipos celulares. Os carcinomas
são os mais frequentes, enquanto as neoplasias com diferenciação mesenquimal são
muito raras e podem ser puras, denominadas sarcomas, ou mistas, acompanhadas de
componente epitelial, correspondendo aos tumores phyllodes.
As variáveis de maior impacto prognóstico são o estado linfonodal da axila e,
em seguida, o tamanho do tumor. Outras variáveis anatomopatológicas clássicas que
contribuem para refinar a classificação dos casos incluem tipo histológico, grau
histológico, grau nuclear, comprometimento vascular, expressão de receptores de
estrogênio e amplificação do oncogene HER2.
A maioria dos carcinomas mamários é do tipo ductal invasivo, que é seguido de
longe pelo tipo lobular infiltrativo. Dentre os tipos histológicos mais raros, alguns têm
comportamento biológico mais favorável, como os carcinomas tubular, mucinoso do
tipo coloide, cribiforme infiltrativo, secretor e adenocístico, enquanto que outros têm
comportamento mais agressivo, como os carcinomas metaplásico e micropapilar
invasivo. Os carcinomas medular, lobular e papilífero invasivo constituem tipos
histológicos de prognóstico intermediário.
A doença de Paget da papila mamária caracteriza-se pela presença de células
glandulares grandes, poligonais, de citoplasma claro e núcleo vesiculoso, dispostas na
espessura da epiderme, isoladas ou em pequenos grupos. A maioria dos casos associa-se
a carcinoma in situ ou invasivo no tecido mamário subjacente, cujas células migram
para a epiderme a partir dos ductos. Há expressão significativa da proteína HER2,
relacionada à migração celular intraepitelial. As células são caracteristicamente
negativas para receptor de estrógeno e expressam receptor de andrógenos. Carcinomas
invasivos que se apresentam com doença de Paget associada têm prognóstico pior.
A denominação carcinoma inflamatório refere-se à apresentação clínica e não a
um tipo histológico específico, embora critérios anatomopatológicos sejam utilizados. A
entidade clínica caracteriza-se por eritema da pele mamária em, pelo menos, dois terços
da sua superfície, associado a espessamento difuso e aspecto em “casca de laranja”. À
palpação, a mama está, em geral, difusamente endurecida, embora, em alguns casos,
possa ser palpado um nódulo. Na biópsia da pele, são identificados numerosos êmbolos
neoplásicos na derme, geralmente negativos para receptores de estrógeno.
A denominação componente intraductal extenso refere-se à presença de
carcinoma in situ simultaneamente na área de tumor invasivo e no tecido mamário
Tratamento
O tratamento é constituído por um conjunto de modalidades que inclui cirurgia,
quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia e imunoterapia.
A cirurgia pode ser radical ou conservadora, com ou sem reparação do defeito
estético. As cirurgias radicais são representadas pelas mastectomias, sejam elas
realizadas por meio da retirada da glândula mamária com pele, complexo aréolo-papilar,
músculo peitoral maior e músculo peitoral menor (técnica de Halsted), preservando o
músculo peitoral maior (técnica de Patey) ou preservando o músculo peitoral maior e o
músculo peitoral menor (técnica de Madden). Mastectomias mais conservadoras
incluem aquelas com preservação de pele e até do complexo aréolo-papilar. As cirurgias
conservadoras incluem as técnicas com preservação parcial da glândula mamária que,
em virtude disso, necessitam de associação com radioterapia adjuvante. As
denominações usualmente utilizadas para as cirurgias conservadoras incluem
quadrantectomia, tumorectomia, lumpectomia e ressecção segmentar da mama.
A radioterapia adjuvante é indicada nas pacientes submetidas a cirurgia
conservadora e naquelas que sofreram mastectomia radical por tumores localmente
avançados e/ou com axila francamente acometida. Tem a finalidade de melhorar o
controle locorregional.
A hormonioterapia tem finalidade de ablação estrogênica e é prescrita
geralmente de forma adjuvante em pacientes portadoras de tumores que expressam
receptor de estrógeno. Inclui desde a ablação ovariana cirúrgica, radioterápica ou
através de análogos de GnRH, passando por moduladores seletivos do receptor
estrogênico, como Tamoxifeno e Raloxifeno, até inibidores da enzima aromatase, como
Letrozole e Anastrozole. A escolha da modalidade depende da faixa etária no momento
do diagnóstico.
A quimioterapia sistêmica pode ser adjuvante ou neoadjuvante. A quimioterapia
neoadjuvante tem por finalidade principal a diminuição do tamanho tumoral e da
radicalidade cirúrgica. Existem inúmeros esquemas prescritos com base na análise dos
fatores prognósticos. Drogas com atividade contra o câncer de mama incluem
Ciclofosfamida, Doxorrubicina, Metotrexato, Paclitaxel, Docetaxel, Vinorelbine,
Capecitabine, Gemcitabine, Carboplatina, Ixabepilone, Doxorrubicina peguilhada e
Paclitaxel ligado a nano-albumina.
A imunoterapia é baseada no uso do anticorpo monoclonal Transtuzumab,
prescrito em pacientes com expressão do HER2.
Seguimento oncológico
Pelo risco vinte vezes maior, em relação à população geral, de câncer de mama
contralateral, a mamografia é particularmente importante visando a detecção de tumores
iniciais na mama oposta e recidiva local na mama tratada por cirurgia conservadora.
Até o momento, não existem evidências que indiquem que o tratamento das
metástases em um estádio inicial e assintomático esteja associado a menor morbidade e
maior sobrevida do que o tratamento das metástases no momento quando surgem
Bibliografia
Clinica médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da mulher,
envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Screening for breast cancer. Suzanne W Fletcher. UpToDate, 2012.
An overview of breast cancer. Daniel F Hayes. UpToDate, 2012.
Management of hereditary breast and ovarian cancer syndrome and patients with BRCA mutations. Claudine Isaacs, Suzanne W
Fletcher and Beth N Peshkin. UpToDate, 2012.
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
Fisiologia
A via intrínseca da coagulação é avaliada pelo tempo de tromboplastina parcial
ativada, que sofre influência dos fatores da coagulação V, VIII, IX, X, XI, XII,
protrombina e fibrinogênio. A via extrínseca da coagulação é avaliada pelo tempo de
protrombina, que sofre influência dos fatores V, VII, X, protrombina e fibrinogênio. A
via comum compreende os fatores V, X, protrombina e fibrinogênio.
Etiologia e fisiopatologia
As alterações trombóticas são distúrbios complexos e multicausais em que
fatores de risco adquiridos e congênitos interagem entre si, determinando o
desenvolvimento e o aparecimento de trombo dentro do leito vascular.
Os fatores de risco desencadeantes incluem uso de contraceptivos orais, terapia
de reposição hormonal, gestação, puerpério, cirurgias de grande porte, internação
hospitalar, restrição prolongada ao leito, viagens prolongadas, varizes sem tratamento
específico, imobilizações de membros inferiores e câncer.
As trombofilias compreendem alterações ou características hematológicas que
resultam no aumento da capacidade do organismo de produzir coágulo de fibrina ou na
redução da capacidade de inibir a ativação da coagulação. As trombofilias podem ser de
etiologia congênita, adquirida ou mista. As principais trombofilias congênitas são
deficiência de antitrombina, deficiência de proteína C, deficiência de proteína S, fator V
resistente a proteína C (fator V de Leiden) e protrombina mutante. As trombofilias
adquiridas ou mistas mais importantes são síndrome antifosfolipídica, hiper-
homocisteinemia, aumento de fatores da coagulação, deficiência de fibrinólise e
plaquetopenia induzida por Heparina tipo II.
Pesquisa de trombofilias
A avaliação laboratorial básica de todo paciente com trombose inclui
hemograma completo, coagulograma, função renal, eletrólitos, função hepática e análise
da urina.
No indivíduo assintomático com antecedentes familiares de trombose, a pesquisa
de trombofilias visa aconselhamento quanto a contracepção oral, gestação, reposição
hormonal e/ou demais situações consideradas desencadeantes de trombose aguda.
As trombofilias hereditárias devem ser suspeitadas em caso de trombose em
pacientes com antecedentes familiares, trombose em pacientes jovens, trombose em
locais não usuais, trombose sem fator de risco desencadeante e trombose recorrente. A
investigação deverá abranger atividade de anti-trombina, de proteína C, de proteína S
Anticoagulação
Os anticoagulantes mais frequentemente utilizados na prática clínica são
Heparina Não-Fracionada, Heparina de Baixo Peso Molecular e Warfarina Sódica.
Indicações
São várias as indicações dos anticoagulantes no tratamento em ambulatório,
tanto para término do tratamento que teve início no hospital, como para a prevenção
primária e secundária de eventos tromboembólicos. Os anticoagulantes não exercem
Heparina Não-Fracionada
O efeito anticoagulante da Heparina Não-Fracionada tem início imediato quando
administrada por via intravenosa e após uma a duas horas quando administrada por via
subcutânea. Trata-se do anticoagulante de escolha na necessidade de anticoagulação
imediata e pode ser utilizada na profilaxia de eventos trombóticos com baixas doses por
via subcutânea, na anticoagulação plena para tratamento agudo de eventos
tromboembólicos e em circuitos de circulação extracorpórea.
Quando utilizada para profilaxia, a Heparina Não-Fracionada será administrada
na dose de 5000 unidades por via subcutânea a cada oito ou doze horas em função do
peso e do risco trombótico do paciente, sem necessidade de controle laboratorial
sistemático.
A anticoagulação plena por via intravenosa deverá ser iniciada com dose de
ataque em bolus que será calculada em função do valor do R-TTPa basal e poderá
atingir 5000UI no paciente adulto, visando saturar os sítios de ligação da Heparina e
obter nível estável em até seis horas. A dose de manutenção deverá ser iniciada
imediatamente após a dose de ataque e, no paciente adulto, poderá ser de 18U/kg/hora
por infusão contínua intravenosa. A anticoagulação plena pela Heparina Não-
Fracionada necessita de controle laboratorial para monitorar a intensidade de
anticoagulação. O exame mais frequentemente utilizado para esse fim é a relação do
tempo de tromboplastina parcial ativada (R-TTPa), avaliado de 6/6 horas, cujo valor
terapêutico está no intervalo 1.5-2.5. A dosagem da atividade anti-Xa é outro exame que
pode ser utilizado para mensurar o nível de anticoagulação pela Heparina Não-
Fracionada e deverá ter seu valor no intervalo 0.3-0.7U/mL. A diluição é feita com 5mL
Warfarina
A Warfarina Sódica é o anticoagulante mais utilizado em todo mundo. Pertence
à classe dos cumarínicos e exerce sua atividade por meio da inibição da vitamina K.
A vitamina K promove a síntese de resíduos do ácido alfa-carboxiglutâmico, que
são essenciais para a atividade biológica dos fatores de coagulação II, VII, IX e X, além
das proteínas anticoagulantes C e S.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Clínica médica: diagnóstico e tratamento. Itamar de Souza Santos... [et al.]. São Paulo. Sarvier, 2008.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Evaluation of the patient with established venous thrombosis. Kenneth A Bauer, Gregory YH Lip. UpToDate. 2011.
Definições
Anemia ocorre quando a massa de glóbulos vermelhos é insuficiente para
oxigenar adequadamente os tecidos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define
anemia como uma redução na concentração de hemoglobina. Os níveis de hemoglobina
indicativos de anemia ao nível do mar são 13g/dL para homens adultos, 12g/dL para
mulheres adultas e 11g/dL para mulheres grávidas.
Classificação fisiopatológica
A base da classificação é a presença ou não de reticulocitose, que expressa
resposta medular. Uma estratégia que auxilia na interpretação da contagem de
reticulócitos é corrigir a contagem para os níveis de hemoglobina e hematócrito
encontrados, conforme a fórmula (hemoglobina encontrada / hemoglobina normal) x
(porcentagem dos reticulócitos). Na presença de formas precursoras, dever-se-á dividir
o número de reticulócitos pela metade como fator de correção para a maior meia-vida
circulante.
Classificação morfológica
A classificação morfológica leva em consideração tamanho e concentração de
Diagnóstico diferencial
Se a anemia for microcítica hipocrômica, deve-se considerar a causa mais
comum, que é a deficiência de ferro. Geralmente, na anemia ferropriva, existe também
aumento do RDW, que reflete o grau de anisocitose. O teste definitivo para determinar a
carência de ferro é a determinação da ferritina sérica, que, no entanto, pode não estar
diminuída se houver processos inflamatórios, infecciosos e/ou neoplásicos
concomitantes. O ferro sérico está diminuído, a capacidade total de ligação do ferro está
aumentada e a saturação de transferrina está diminuída.
Se os estoques de ferro estiverem normais, o principal diagnóstico diferencial é
com as talassemias, anemias causadas por diminuição ou ausência de síntese de uma ou
mais cadeias globínicas da molécula de hemoglobina. O diagnóstico pode ser
confirmado através de eletroforese hemoglobina.
Uma terceira causa de anemia microcítica hipocrômica, a anemia sideroblástica
congênita, é caracterizada pela incapacidade de incorporação do ferro pela proto-
porfirina para a formação do heme. Esse tipo de anemia é caracterizado por sobrecarga
de ferro, hipocromia, microcitose e anisocitose. A coloração da medula óssea pelo azul
da Prússia revela a presença de sideroblastos em anel, devido ao ferro acumulado nas
mitocôndrias que estão localizadas ao redor do núcleo. O ferro sérico, a ferritina e a
saturação de transferrina estão aumentados, enquanto que a capacidade total de ligação
de ferro pode estar normal ou diminuída.
A anemia de doença crônica, que geralmente é normocrômica normocítica, pode,
às vezes, ser discretamente microcítica hipocrômica. Cabe ressaltar que a hipocromia é
mais importante que a microcitose, com volume corpuscular médio raramente inferior a
72fL e RDW geralmente normal. A anemia é leve a moderada, a ferritina sérica está
elevada, o ferro sérico e a capacidade total de ligação de ferro estão diminuídos e a
saturação de transferrina está pouco diminuída ou normal.
Quando a anemia for normocítica normocrômica, deve-se avaliar se há
Tratamento
O ideal é encontrar a causa e aplicar o tratamento apropriado. Eventualmente, no
entanto, a natureza ou gravidade da anemia exigem ações mais imediatas e
inespecíficas, como as transfusões de hemocomponentes.
O conjunto de evidências da literatura indica que não há benefícios em manter
níveis de hemoglobina superiores a 7-10g/dL na maior parte dos pacientes, com dúvidas
no contexto do paciente cardiopata. Não se deve preconizar o uso de transfusões com o
intuito de substituir o tratamento específico de anemias carenciais e não há evidências
de segurança ou efetividade na prática de manter a hemoglobina em níveis pré-
estabelecidos, tanto no contexto de terapia intensiva como na emergência.
Anemia ferropênica
Etiologia e fisiopatologia
Em indivíduos normais, o conteúdo corpóreo total de ferro é mantido dentro de
limites estreitos, sendo as perdas repostas pela dieta. O ferro da dieta é disponível em
duas formas, o ferro heme, presente nas carnes, e o ferro não-heme, presente em
vegetais. O ferro mais bem absorvido é o ferro heme, que praticamente não sofre a
influência de fatores facilitadores ou inibidores. O principal componente da dieta é o
ferro não-heme, cuja biodisponibilidade requer digestão ácida e sofre interferência de
Quadro clínico
Como a instalação da anemia decorrente de carência de ferro é lenta, o
organismo se adapta e suporta, de forma praticamente assintomática, níveis muito
baixos de hemoglobina. Fadiga, perda da capacidade de exercer atividades habituais,
irritabilidade, cefaleia, palpitações e dispneia aos esforços podem ocorrer. Um sintoma
peculiar é a perversão do apetite.
No exame físico, pouco se encontra além de mucosas descoradas. Geralmente os
pacientes não apresentam taquicardia devido à adaptação à anemia. A língua pode
perder as papilas filiformes. Nos casos de longa duração, pode haver queilite angular e
alterações ungueais, como estrias longitudinais e deformidades. Nos casos associados à
telangiectasias hemorrágica familiar, doença de Rendu Osler Weber, pode haver
alterações características em pele e mucosas.
Avaliação complementar
Hemograma revela hemoglobina baixa, volume corpuscular médio baixo,
hemoglobina corpuscular média baixa, concentração de hemoglobina corpuscular média
baixa e RDW alto. Perfil de ferro revela ferro sérico baixo, capacidade total de ligação
do ferro alta, saturação de transferrina baixa e ferritina sérica baixa. Ferritina normal ou
elevada não exclui carência, visto que pode aumentar em doenças inflamatórias,
infecciosas e neoplásicas e após a ingesta de bebidas alcoólicas.
A dosagem sérica dos receptores de transferrina é inversamente relacionada à
gravidade da deficiência de ferro e pode ser útil para distinguir deficiência de ferro de
anemia das doenças crônicas. Em situações de exceção, em que coexistem diferentes
doenças e é importante confirmar a ferropenia, pode ser necessária a realização de
mielograma com coloração pelo azul da Prússia.
Após o diagnóstico laboratorial de anemia ferropênica, deve ser feita
investigação rigorosa de perdas. As perdas gastrointestinais intermitentes podem ser
difíceis de diagnosticar e a pesquisa deve ser exaustiva. Na ausência de sintomas,
métodos de triagem não-invasivos podem ser úteis para pesquisa de doença celíaca,
como anticorpos antiendomísio e antigliadina, de gastrite atrófica autoimune, como
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras causas de microcitose, como
talassemias, anemia sideroblásticas congênita, envenenamento por chumbo e,
eventualmente, anemia das doenças crônicas.
Tratamento
O tratamento de escolha é a reposição de ferro por via oral, além do tratamento,
sempre que possível, da doença de base. O composto mais comumente utilizado é o
Sulfato Ferroso, com 120-180mg de ferro elementar por dia em duas a três doses.
Efeitos colaterais ocorrem em 10-20% dos pacientes, sendo os mais comuns distensão
abdominal, diarreia e obstipação intestinal. A administração do medicamento junto com
as refeições diminui o desconforto abdominal, com melhor adesão ao tratamento, o que
compensa a menor absorção. Suco de laranja e carne aumentam a absorção, enquanto
que cereais, chá, leite e medicações que diminuem o pH gástrico reduzem a absorção.
Em caso de intolerância, pode-se tentar substituir por medicamentos líquidos, que
permitem melhor titulação da dose. Após três semanas de tratamento, observa-se um
aumento médio de 2g/dL na dosagem de hemoglobina. O volume corpuscular médio
aumenta gradativamente. O tratamento visa a normalização da concentração de
hemoglobina e a reposição dos estoques de ferro, que, dependendo da doença de base,
dura em torno de seis meses. O Sulfato Ferroso pode ser utilizado na forma de gotas
com 25mg/mL de ferro elementar, com cerca de 25 gotas por mL, de modo que cada
gota contém 1mg de ferro elementar, ou de drágeas, com 40mg de ferro elementar.
A principal causa de falha de tratamento é falta de adesão. No entanto, deve-se
considerar diagnóstico incorreto, com necessidade de afastar talassemia, anemia das
doenças crônicas, sangramento excessivo com perdas maiores do que a reposição,
outras deficiências associadas e má-absorção do medicamento, que é rara.
Anemias hemolíticas
Conceito
As anemias hemolíticas caracterizam-se por sinais de destruição excessiva de
eritrócitos acompanhados de sinais de resposta medular.
Classificação
As anemias hemolíticas podem ser agudas ou crônicas, intravasculares ou
extravasculares, causadas por defeitos intrínsecos ou extrínsecos dos eritrócitos,
hereditárias ou adquiridas.
Anemias hemolíticas hereditárias:
- Defeitos da membrana do eritrócito incluem esferocitose hereditária,
Quadro clínico
As manifestações mais comuns são palidez e icterícia, acompanhadas ou não por
esplenomegalia.
Início abrupto sugere transfusões incompatíveis, ingesta de substâncias
oxidantes em pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD),
doença febril aguda, púrpura trombocitopênica trombótica e anemia hemolítica
autoimune. Taquicardia e outros sintomas de anemia grave podem ser proeminentes.
Início insidioso permite adaptação cardiovascular, com sintomas escassos. A
anamnese deve abranger antecedentes familiares, consanguinidade e ingesta de
medicamentos.
Avaliação complementar
A observação do esfregaço de sangue periférico pode orientar o pedido de
exames específicos conforme a morfologia das hemácias.
A abordagem laboratorial inicial revela anemia normocítica normocrômica ou
macrocítica, reticulocitose absoluta, desidrogenase lática elevada, bilirrubina indireta
elevada, haptoglobina reduzida ou ausente, hemoglobinemia, hemoglobinúria,
hemossiderinúria e hiperplasia eritroide na medula óssea.
Síndrome hemolítico-urêmica
Condição semelhante à púrpura trombocitopênica trombótica, porém com
fisiopatologia distinta e grau de insuficiência renal mais pronunciado. Na infância, está
frequentemente relacionada a infecções causadas por enterobactérias, ocorrendo em
parcela significativa dos episódios de diarreia sanguinolenta por E. coli. Exotoxinas
produzidas pelas bactérias estão na gênese do processo patológico. Formas esporádicas
associadas a infecções virais ocorrem em adultos. A plasmaférese não tem o efeito
observado na púrpura trombocitopênica trombótica.
Anemias megaloblásticas
Conceito
As anemias megaloblásticas constituem um subgrupo das anemias macrocíticas
caracterizado por anormalidades morfológicas típicas nas células precursoras das
linhagens eritrocítica, granulocítica e megacariocítica da medula óssea, secundárias à
síntese retardada do DNA. A síntese do RNA permanece inalterada, embora a divisão
celular esteja comprometida, com célula maior do que o normal, núcleo imaturo,
cromatina reticulada e citoplasma maduro.
Etiologia e fisiopatologia
Vitamina B12
A vitamina B12, também denominada cobalamina, está presente somente em
bactérias e alimentos de origem animal. A maioria da vitamina B12 presente nos
alimentos está ligada a proteínas, sendo liberada por proteólise durante a digestão
péptica ácida no estômago. Une-se então à proteína R, também denominada
haptocorrina, presente na saliva e no suco gástrico. O complexo da vitamina B12 com a
haptocorrina é quebrado pela tripsina do suco pancreático no pH alcalino da segunda
porção do duodeno, onde a vitamina B12 se liga ao fator intrínseco produzido pelas
células parietais do corpo e do fundo gástrico. O complexo da vitamina B12 com o
fator intrínseco prossegue até o íleo terminal, onde se une a receptores específicos da
membrana das células epiteliais, que mediam a absorção. A vitamina B12 é
termoestável, resistindo a cozimento em altas temperaturas.
A deficiência nutricional de vitamina B12 acomete vegetarianos, particularmente
os estritos, que não consomem produtos de origem animal, e populações com hábitos
impostos pela pobreza.
Má-absorção da cobalamina dos alimentos pode caracterizar-se pela dissociação
inadequada da cobalamina da proteína dos alimentos e por absorção normal de
cobalamina livre. Ocorre predominantemente em pacientes com cirurgia gástrica ou
Folatos
Os folatos são sintetizados por micro-organismos e plantas. As principais fontes
da dieta são vegetais, especialmente folhas verdes e frutas, e proteína animal. O ácido
fólico pode ser absorvido inalterado, mas o folato dos alimentos, sob a forma de
poliglutamato, deve ser hidrolisado a monoglutamato na borda em escova do enterócito
antes de ser transportado para o interior da célula. Os folatos são termolábeis e podem
ser destruídos por cozimento, especialmente fervura. A absorção ocorre
predominantemente no jejuno. A deficiência pode ser decorrente de diminuição do
suprimento ou de aumento das necessidades.
A gravidez e a lactação são estados em que ocorre aumento das necessidades de
folatos para o crescimento fetal e o desenvolvimento dos tecidos maternos. Os pacientes
com hemólise crônica e com doenças exfoliativas da pele têm aumento das necessidades
devido ao aumento da produção celular.
O esprú tropical e a doença celíaca podem cursar com deficiência de folatos
devido à má-absorção causada pelas anormalidades da mucosa intestinal.
O abuso de álcool é causa frequente de deficiência de folatos porque, além de
causar alterações na qualidade da dieta, ainda pode interferir no metabolismo, na
utilização e no estoque.
Dentre os medicamentos, o Trimetoprim, a Pirimetamina e o Metotrexato
causam inibição da dihidrofolato redutase, que pode ser revertida pelo ácido folínico. A
Sulfassalazina induz megaloblastose por diminuir a quebra de poliglutamatos a
monoglutamato antes da absorção ou por induzir anemia hemolítica, com aumento das
necessidades. Os contraceptivos orais podem aumentar o catabolismo dos folatos,
enquanto que os anticonvulsivantes diminuem a absorção. Quimioterápicos,
antineoplásicos e agentes anti-retrovirais induzem megaloblastose por interferir na
Quadro clínico
O quadro clínico da deficiência de vitamina B12 e da deficiência de folatos é
muito semelhante, exceto quanto à disfunção neurológica.
A anamnese deve abranger informações sobre dieta, abuso de álcool, história
familiar de doenças hematológicas e autoimunes, uso de anticonvulsivantes, anemias
hemolíticas, doenças intestinais, cirurgias gástricas ou intestinais, inalação acidental ou
proposital de óxido nitroso.
Os sintomas de apresentação geralmente são os de anemia crônica, que, com a
progressão, associam-se a sintomas cardiovasculares. Há palidez e icterícia, com
coloração amarelo-esverdeada da pele. Atrofia das papilas linguais é comum, com
língua lisa e muito vermelha. Além da presença de glossite, outras mucosas também
podem ser acometidas. Aumento da tireoide pode estar presente nos casos com
componente de autoimunidade. Nos casos com anemia grave e sintomas
cardiovasculares, pode haver esplenomegalia discreta devido à congestão e à
hematopoese extramedular.
Na deficiência de vitamina B12, sintomas neurológicos podem acompanhar o
quadro de anemia, mas podem ocorrer também na ausência de anormalidades
hematológicas. A doença neurológica afeta principalmente a substância branca das
colunas lateral e dorsal da medula espinal, com desmielinização. Os sintomas sensoriais
subjetivos constituem a mais precoce e frequente evidência de envolvimento do sistema
nervoso central. Mais comumente, o paciente experimenta parestesias que começam na
ponta dos pés e evoluem para uma distribuição em bota e luva nos quatro membros.
Fraqueza muscular, ataxia, espasticidade, distúrbios da marcha, reflexo de Babinski,
impotência e perda do controle vesical e fecal podem ocorrer em casos avançados. Os
sintomas cerebrais incluem alterações emocionais e cognitivas em graus variáveis de
intensidade. Tanto as alterações da medula espinal como do cérebro podem ser
detectadas por ressonância nuclear magnética. Manifestações menos comuns incluem
oftalmoplegia, perversão do apetite e do olfato e neurite retrobulbar. Diferente da
anemia, a lesão neurológica nem sempre responde ao tratamento com cobalamina. O
tratamento com ácido fólico em pacientes com deficiência de vitamina B12 pode
permitir o aparecimento da lesão neurológica ou eventualmente acelerá-lo, de modo que
folato não deve ser administrado isoladamente como teste terapêutico. Embora raras, a
neuropatia periférica, a neuropatia óptica e a degeneração combinada subaguda da
medula espinal têm sido descritas na deficiência de folatos.
Os pacientes que apresentam deficiência de vitamina B12 em consequência de
anemia perniciosa podem ter outros distúrbios imunológicos associados, como
hipotireoidismo, vitiligo, hipoparatireoidismo, hipoadrenalismo e miastenia gravis.
Avaliação complementar
Hemograma pode revelar alterações em número e morfologia nas três séries. A
anemia está presente em graus variáveis e, na ausência de doenças associadas, é
macrocítica e com reticulócitos baixos. A macrocitose precede o aparecimento da
anemia e pode ser obscurecida ou mascarada pela coexistência de deficiência de ferro,
talassemia ou doença inflamatória. Os leucócitos podem estar em número normal ou
reduzido, geralmente como resultado de neutropenia. As plaquetas podem estar
reduzidas em número, com formas bizarras e de grande tamanho. Quanto às
características morfológicas do sangue periférico, os dois achados mais importantes são
hipersegmentação dos neutrófilos e macroovalocitose dos eritrócitos, detectados pela
Diagnóstico
A anemia megaloblástica faz parte do diagnóstico diferencial das anemias
macrocíticas, que abrangem reticulocitose em resposta à perda de sangue ou à hemólise,
insuficiência da medula óssea por aplasia medular ou mielodisplasia, doença hepática,
toxicidade do etanol e de agentes quimioterápicos, doenças da tireoide e deficiência de
vitaminas. A abordagem prevê inicialmente reconhecer que a anemia megaloblástica
está presente, então distinguir se a deficiência é de folato, de vitamina B12 ou
combinada e então diagnosticar a doença de base ou o mecanismo causador.
Tratamento
O tratamento consiste em identificar e tratar a causa de base e, quando possível,
corrigir a deficiência.
Folatos
A reposição com Ácido Fólico é feita, habitualmente, por via oral, com uma
dose diária de 1mg. A maioria das preparações tem 5mg de Ácido Fólico, bastando
administrar um comprimido por dia. A duração do tratamento depende da doença de
base. O Leucovorin é indicado apenas em pacientes que não conseguem reduzir o Ácido
Fólico, como aqueles que usam drogas que inibem a di-hidrofolato-redutase ou que
possuem determinados erros inatos do metabolismo dos folatos. A toxicidade do Ácido
Resposta ao tratamento
A resposta ao tratamento ocorre muito rapidamente e, por esse motivo, a coleta
de exames deve preceder a administração do medicamento. O sinal mais útil é a
reticulocitose, que aparece em dois a três dias, com pico máximo em cinco a oito dias.
Após cinco a sete dias, observa-se aumento de hemoglobina e hematócrito, com valores
normais em quatro a oito semanas, independentemente do grau de anemia. O volume
corpuscular médio diminui gradualmente e os números de neutrófilos e de plaquetas
normalizam em uma semana. Os neutrófilos hipersegmentados desaparecem em
quatorze dias. Na medula óssea, a eritropoiese ineficiente reverte em 24 horas. O ferro
sérico diminui em 24-48 horas para níveis subnormais e pode permanecer baixo por
várias semanas. O folato sérico diminui nas primeiras 24 horas após o tratamento e os
níveis de desidrogenase lática normalizam em uma a duas semanas.
Anemias hereditárias
Esferocitose hereditária
A esferocitose hereditária é uma doença hemolítica familiar caracterizada por
anemia, icterícia intermitente, esplenomegalia de graus variáveis e resposta favorável à
esplenectomia. A forma de herança é autossômica dominante em 75% e não-dominante
em 25% dos casos. Pode ser diagnosticada em qualquer período da vida.
A alteração responsável pelo aparecimento dos esferócitos envolve
anormalidades nas interações verticais entre as proteínas da membrana eritrocitária. A
desestruturação da membrana leva à perda de lípides, com consequente formação de
esferócitos.
A anemia é, em geral, leve a moderada, mas pode ser muito acentuada. A
icterícia pode ser pronunciada nos recém-nascidos, com necessidade de
exsanguineotransfusão. Após o período neonatal, a icterícia costuma tornar-se leve a
moderada, podendo ser intermitente, piorando em associação com esforço físico,
infecções, estresse emocional e gravidez. A esplenomegalia está presente em mais de
75% dos casos. Cálculos biliares são frequentes. Como em outras anemias hemolíticas
crônicas constitucionais, podem surgir úlceras de perna. Agravamento agudo da anemia
pode ocorrer nas crises de anemia aplástica, decorrente de infecção pelo parvovírus
humano B19, ou megaloblástica, decorrente de deficiência de folatos, podendo estar
associada a leucopenia e a plaquetopenia. Hematopoese extramedular, simulando
tumores, principalmente paravertebrais e mediastinais, é complicação da doença.
Anemia pode estar presente ou ausente, mas reticulocitose ocorre em todos os
casos e reflete tentativa de compensação medular. Hiperbilirrubinemia indireta e
aumento de desidrogenase lática também ocorrem. Presença de esferócitos é
característica da doença, embora possa ocorrer também nas anemias hemolíticas
autoimunes por anticorpos quentes, que devem ser excluídas através do teste de Coombs
direto. Ocorre aumento da concentração de hemoglobina corpuscular média. A
fragilidade osmótica está aumentada e a deformabilidade eritrocitária, estudada por
ectacitometria, está diminuída. O estudo das proteínas da membrana pode orientar a
pesquisa do defeito genético.
No período neonatal, casos com hemólise grave e hiperbilirrubinemia acentuada,
Eliptocitose hereditária
A eliptocitose hereditária compreende um grupo de doenças caracterizadas pela
presença de hemácias elípticas no sangue periférico, geralmente sem repercussão
clínica. Ocasionalmente, no entanto, pode cursar com anemia hemolítica de graus
variáveis, com necessidade de transfusão de sangue e esplenectomia.
A eliptocitose hereditária comum é causada por defeitos nas chamadas
interações horizontais entre as proteínas da membrana eritrocitária. Nas formas
heterozigotas, não ocorrem anemia, esplenomegalia e reticulocitose. Nas formas
homozigotas ou com dupla heterozigose, a hemólise pode ser proeminente, com anemia,
reticulocitose e fragmentação celular. A piropoiquilocitose hereditária é uma forma rara
de eliptocitose hereditária que se caracteriza por acentuada fragmentação celular e
sensibilidade térmica anormal.
A avaliação morfológica das hemácias no esfregaço de sangue periférico é o
principal elemento para a avaliação diagnóstica e da gravidade do quadro. Para a
identificação do defeito de base, é necessário o estudo das proteínas da membrana em
centros especializados.
Como não há manifestações clínicas na maioria dos casos, em geral não há
necessidade de tratamento. Pacientes com hemólise crônica e anemia podem se
beneficiar da esplenectomia. O uso de Ácido Fólico está indicado nos casos com anemia
hemolítica.
Estomatocitose hereditária
O termo estomatocitose hereditária designa uma série de doenças hereditárias do
eritrócito, caracterizadas por anormalidades no mecanismo de regulação do volume
celular. Dependendo do tipo de defeito, as células tornam-se hiper-hidratadas, com
hidrocitose hereditária, desidratadas, com xerocitose hereditária, ou com fenótipos
intermediários.
A estomatocitose hereditária cursa com anemia hemolítica leve a moderada, com
reticulocitose e macrocitose. A concentração de hemoglobina corpuscular média está
elevada na xerocitose e diminuída na hidrocitose. O diagnóstico é baseado na
determinação da quantidade intraeritrocitária de sódio e potássio, além de provas
específicas com as quais são estudados os diversos canais de troca iônica da membrana
eritrocitária. A ectacitometria em gradiente osmótico parece ser o teste diagnóstico mais
importante na identificação das células estomatocíticas. Além dos sinais laboratoriais de
hemólise, os pacientes com estomatocitose cursam com sobrecarga de ferro,
apresentando aumento da saturação de transferrina e hiperferritinemia,
Eritroenzimopatias
Deficiência de piruvatoquinase
Trata-se da mais frequente enzimopatia do ciclo metabólico eritrocitário
associado à glicólise.
A expressão clínica é variável. Nas formas graves neonatais, a hemólise pode ser
pronunciada a ponto de haver necessidade de exsanguineotransfusão para evitar
Kernicterus. Durante a vida, os pacientes podem apresentar graus variáveis de anemia,
icterícia e esplenomegalia. Cálculos biliares e úlceras de perna podem estar presentes.
O tratamento prevê transfusão de sangue nos primeiros anos de vida para
garantir crescimento adequado, com uso de quelante de ferro para evitar hemossiderose.
A esplenectomia pode ser útil quando a hemólise é constante e grave, devendo ser
realizada após os seis anos de idade para diminuir os riscos de infecção, com vacinação
contra S. pneumoniae e H. influenzae. Suplementação de Ácido Fólico é indicada.
Hemoglobinopatias
Talassemias
As talassemias constituem um grupo heterogêneo de doenças hereditárias
caracterizadas por diminuição ou ausência de síntese de uma ou mais cadeias globínicas
da molécula de hemoglobina. A hemoglobina do adulto é formada por uma mistura de
hemoglobina A, caracterizada por duas cadeias alfa e duas cadeias beta, hemoglobina
A2, caracterizada por duas cadeias alfa e duas cadeias delta, e F, caracterizada por duas
cadeias alfa e duas cadeias gama.
Doenças falciformes
As doenças falciformes constituem um grupo de anemias hereditárias que
cursam com anemia hemolítica crônica, vasculopatia, fenômenos vaso-oclusivos e lesão
orgânica aguda e crônica generalizada. Elas se caracterizam pela presença em
homozigose ou dupla heterozigose da hemoglobina S, que resulta de uma mutação no
Aplasia medular
Conceito
A anemia aplástica ou aplasia medular caracteriza-se por pancitopenia e
hipocelularidade da medula óssea, com falência na produção de glóbulos vermelhos,
neutrófilos e plaquetas. O tecido hematopoético normal é substituído por gordura, sem
evidências de fibrose ou infiltração por neoplasia. Segundo alguns autores, para o
diagnóstico é necessária a presença de dois dentre hemoglobina inferior a 10g/dL,
contagem plaquetária inferior a 10000/mm3 e contagem de neutrófilos inferior a
1500/mm3.
Etiologia e fisiopatologia
Cerca de 15% das anemias aplásticas são congênitas, abrangendo a anemia de
Fanconi, a disqueratose congênita, a síndrome de Shwachman-Diamond, a
trombocitopenia amegacariocítica e a anemia de Diamond-Blackfan. Já as anemias
aplásticas adquiridas podem ser idiopáticas, com 70% dos casos, ou secundárias, com os
15% restantes. A fisiopatologia da anemia aplástica adquirida é complexa devido à
grande diversidade de fatores associados e tem por base processo imunológico aliado a
componente genético.
Muitos medicamentos e produtos químicos têm sido associados à doença por
causarem reação idiossincrásica. Entre eles, o benzeno e seus metabólitos têm clássica
relação. Produtos ocupacionais ou de uso doméstico, como os inseticidas, foram
também relatados como agentes causais. O medicamento mais envolvido é o
Cloranfenicol, porém outras drogas de amplo uso, como Furosemida e Alopurinol,
também têm sido relacionados. Ação citostática é outro mecanismo através do qual
medicamentos podem causar anemia aplástica.
Cerca de 5-10% das anemias aplásticas ocorrem após um episódio de hepatite,
embora nenhuma associação direta com o vírus ou com o tratamento possa ser apontada.
O parvovírus B19, o vírus da imunodeficiência humana, as micobactérias e o vírus
Epstein-Barr são agentes infecciosos associados à doença.
Mecanismo imunológico é preponderante em casos associados a gestação,
timoma, lúpus eritematoso sistêmico, fasciíte eosinofílica e doença do enxerto contra o
hospedeiro.
Em alguns casos, especialmente após terapêutica imunossupressora, ocorre
evolução da anemia aplástica para síndrome mielodisplásica e/ou leucemia mieloide
aguda e/ou aparecimento de clones de hemoglobinúria paroxística noturna,
demonstrando a íntima relação entre as doenças.
Quadro clínico
As manifestações clínicas da doença dependem da gravidade da insuficiência
medular. Ao exame físico, observa-se palidez cutaneomucosa, podendo estar presentes
petéquias, equimoses e/ou sangramento mucoso. Aumento de linfonodos, fígado e baço
não é observado. Infecção é achado infrequente, podendo estar presente em pacientes
com neutropenia grave. Em crianças e adultos jovens, sinais sugestivos de anemia
aplástica constitucional devem ser pesquisados.
Avaliação complementar
Os exames complementares visam confirmar o diagnóstico, estabelecer o
prognóstico, auxiliar na pesquisa etiológica, pesquisar a presença de clones associados e
orientar a terapêutica.
Os exames para o diagnóstico incluem hemograma completo, contagem de
reticulócitos e análise morfológica de aspirado e biópsia de medula óssea. O
hemograma e a contagem de reticulócitos revelam pancitopenia, anemia normocítica ou
macrocítica, reticulocitopenia, neutropenia e linfocitose relativa. Intensa poiquilocitose,
Classificação
Anemia aplástica grave é caracterizada por celularidade medular inferior a 25%
com dois parâmetros de sangue periférico dentre contagem de neutrófilos inferior a
500/mm3, contagem de plaquetas inferior a 20000/mm3 e contagem de reticulócitos
inferior a 20000/mm3.
Anemia aplástica muito grave é caracterizada por celularidade medular inferior a
25% com dois parâmetros de sangue periférico dentre contagem de neutrófilos inferior a
200/mm3, contagem de plaquetas inferior a 20000/mm3 e contagem de reticulócitos
inferior a 20000/mm3.
Anemia aplástica não-grave não preenche critérios para a anemia aplástica grave
ou muito grave.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras entidades que cursam com
pancitopenia e medula óssea hipocelular, como tricoleucemia, linfomas, leucemia de
linfócitos grandes granulares, mielofibrose, micobacterioses atípicas, anorexia nervosa,
síndrome mielodisplásica hipocelular e alguns casos de leucemia linfoide aguda da
infância.
Tratamento
Terapêutica de suporte
Terapêutica imunossupressora
A terapêutica imunossupressora consiste basicamente em globulinas policlonais
antilinfocíticas e antitimocíticas, Ciclosporina A ou terapia combinada.
As globulinas antilinfocíticas e antitimocíticas são soros heterólogo produzidos
em animais, como cavalos e coelhos, imunizados com timócitos ou com linfócitos de
ductos torácicos humanos. A infusão das globulinas, geralmente utilizando esquemas de
cinco dias de infusão, pode causar reações alérgicas, plaquetopenia grave e doença do
soro. Os pacientes podem apresentar resposta completa ou parcial.
A Ciclosporina A é um agente imunossupressor com ação específica em função
dos linfócitos T. Tem a vantagem de ser medicamento administrado ambulatorialmente,
por via oral, utilizando-se a dose de 5mg/kg/dia. A apresentação é na forma de
comprimidos de 25mg, 50mg ou 100mg ou de solução oral com 100mg/mL. A resposta
é variável, sendo recomendada manutenção do medicamento por pelo menos seis meses
Bibliografia
Clínica médica: diagnóstico e tratamento. Itamar de Souza Santos... [et al.]. São Paulo. Sarvier, 2008.
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Evidence-Based Management Of Sickle Cell Disease In The Emergency Department. Emergency Medicine Practice. August 2011,
Volume 13, Number 8.
Definição
A doença de von Willebrand é uma anormalidade hemorrágica causada por
redução e/ou disfunção do fator de von Willebrand.
Epidemiologia
É a doença hemorrágica hereditária mais comum e acomete 0.8-2.0% da
população.
Fisiopatologia
A síntese do fator de von Willebrand é realizada pelas células endoteliais e pelos
megacariócitos. O gene que codifica essa produção está localizado no cromossomo 12.
O fator de von Willebrand é uma glicoproteína multimérica que desempenha
duas importantes funções, mediar a adesão das plaquetas às estruturas do subendotélio
vascular em sítios de lesão vascular e a agregação plaquetária em condições de alto
estresse de cisalhamento e transportar o fator VIII, protegendo-o da depuração rápida.
A doença de von Willebrand é caracterizada por mutações que levam ao
comprometimento da síntese, nos tipos 1 e 3, ou da função, no tipo 2, do fator de von
Willebrand.
A doença de von Willebrand do tipo 1, autossômica incompletamente
dominante, com penetrância variável, compromete aproximadamente 70% dos pacientes
e representa uma deficiência quantitativa do fator de von Willebrand. No tipo 3, doença
autossômica recessiva, há deficiência virtualmente completa, com níveis extremamente
reduzidos ou indetectáveis de fator de von Willebrand. Já no tipo 2, doença geralmente
Quadro clínico
A expressão clínica da doença de von Willebrand é geralmente leve na maioria
dos pacientes com tipo 1, com maior gravidade nos tipos 2 e 3. Em geral, a intensidade
do sangramento se correlaciona com o grau de redução da função do fator de von
Willebrand e da atividade do fator VIII.
Sangramentos cutâneos e mucosos, com equimoses, epistaxe, menorragia e
sangramento em cavidade oral, predominam nas formas leves, enquanto hemartroses,
hematomas intramusculares e hemorragias pós-traumáticas e pós-cirúrgicas são
observados nas formas graves. A gravidade dos sintomas pode diminuir com o aumento
da idade. Durante gravidez e terapia com estrógeno, pode ocorrer aumento de fator VIII,
o que torna a sintomatologia mais branda.
Avaliação complementar
Um conjunto de testes deve ser realizado para o diagnóstico da doença de von
Willebrand. Os testes de triagem, como tempo de sangramento e tempo de
tromboplastina parcial ativado, devem ser suplementados com testes específicos, como
quantificação do antígeno e da atividade funcional do fator de von Willebrand e da
concentração do fator VIII. Para determinação dos subtipos, deve-se avaliar a agregação
plaquetária induzida pela ristocetina e o padrão multimérico do fator de von Willebrand.
Tratamento
O tratamento da doença de von Willebrand se baseia na reposição da proteína
deficiente durante os episódios hemorrágicos e antes da realização de procedimentos
invasivos. Isso pode ser realizado com o emprego da Desmopressina (1-Deamino-8-
Arginina Vasopressina, DDAVP) ou de concentrados plasmáticos contendo fator de von
Willebrand.
DDAVP promove a liberação do fator de von Willebrand dos estoques das
células endoteliais, devendo-se administrar solução apresentada na forma de 4mcg/mL
na dose de 0.3mcg/kg por via intravenosa com diluição em 50-100mL de Soro
Fisiológico ou por via subcutânea, com elevação das concentrações do fator de von
Willebrand e do fator VIII. Também é possível a administração por spray intranasal,
apresentado na forma de 100mcg/mL, com doses de 150mcg e 300mcg. Como a
resposta individual é reprodutível, uma dose teste deve ser administrada ao diagnóstico
com a finalidade de caracterizar seu padrão.
Terapias adjuvantes incluem drogas antifibrinolíticas, preparados com
estrógenos e progestágenos e concentrados de plaquetas.
Os concentrados plasmáticos contendo fator VIII e fator de von Willebrand são
indicados para pacientes que não apresentam resposta a DDAVP ou quando a resposta é
inadequada para a situação.
Situação clínica Dose de fator Administração Objetivo
VIII (UI/kg)
Cirurgia de grande porte 50 Diária ou em dias Fator VIII superior a 50UI/dL
alternados por no mínimo sete dias
Cirurgia de pequeno 30 Diária ou em dias Fator VIII superior a 30UI/dL
porte alternados por no mínimo 5-7 dias
Sangramento espontâneo 20-40 Única
ou após trauma
Hemofilia
Definição
As hemofilias A e B compreendem uma categoria de doenças hemorrágicas
hereditárias que resultam de anormalidades qualitativas ou funcionais dos fatores VIII e
IX, respectivamente. A hemofilia A corresponde a 80% dos casos.
Fisiopatologia
Embora sejam doenças de transmissão recessiva ligada ao cromossomo X, em
parcela significativa dos casos de hemofilia A não há história familiar. Já na hemofilia
B a maioria dos pacientes refere antecedente familiar de diátese hemorrágica.
Quadro clínico
A frequência e a intensidade das hemorragias geralmente são proporcionais à
intensidade da deficiência do fator. Hemofilia é definida como grave quando a atividade
do fator é inferior a 1% (0.01U/mL), moderada quando é de 1-5% (0.01-0.05UI/mL) e
leve quando é superior a 5% (0.05UI/mL) e inferior a 40% (0.40UI/mL). Quando o
nível plasmático é superior a 40%, não há manifestações hemorrágicas.
As manifestações clínicas das hemofilias A e B são idênticas. De todos os
episódios hemorrágicos dos hemofílicos, 90% ocorrem nas articulações e nos músculos.
O sangramento articular se manifesta por sensação premonitória, representada
por formigamento e calor na articulação pouco antes do início do edema e da dor,
desconforto e discreta limitação da mobilidade articular, que são seguidos de dor,
aumento do volume e da temperatura e limitação da movimentação da articulação
acometida. As articulações mais frequentemente acometidas incluem joelhos, cotovelos,
tornozelos, ombros, quadris e punhos. Os sangramentos geralmente acometem uma
articulação e com a repetição causam destruição articular.
As hemorragias intramusculares podem ocorrer espontaneamente ou após
pequenos traumas. Quando pequenos e superficiais, os hematomas são autolimitados e
não apresentam maior significado clínico, exceto desconforto local. Porém, os
hematomas podem aumentar progressivamente. Quando acometem compartimentos
fechados, causam compressão de estruturas vitais, com isquemia distal, contraturas e
neuropatia.
Sangramentos de língua, garganta e pescoço podem se desenvolver rapidamente
e são particularmente perigosos, pois podem provocar rápida obstrução das vias aéreas
superiores. Sangramentos retroperitoneais e intraperitoneais são comuns.
A hematúria é uma manifestação clínica frequente da hemofilia grave.
Geralmente é benigna e não se associa com perda de função renal. Na maioria das vezes
é indolor, porém pode haver dor lombar e abdominal do tipo cólica renal decorrente da
presença de coágulos na pelve renal ou no ureter.
O sangramento do trato gastrointestinal não é incomum. Nos pacientes em que o
sangramento é persistente ou recorrente, existe, com frequência, uma lesão anatômica
associada.
O sangramento intracraniano é o de maior risco para o paciente hemofílico. Em
adultos, mais da metade dos casos ocorrem sem trauma prévio. Geralmente há cefaleia,
vômitos e letargia. Qualquer hemofílico com cefaleia não-habitual deve ser investigado.
Na suspeita, o paciente deve ser tratado imediatamente com a reposição do fator
Avaliação complementar
Como os fatores VIII e IX fazem parte do mecanismo intrínseco da coagulação,
o tempo de tromboplastina parcial ativada encontra-se prolongado, com normalidade da
contagem plaquetária, do tempo de protrombina e do tempo de sangramento. O
diagnóstico definitivo é feito pela dosagem dos fatores VIII e IX.
Tratamento
A abordagem é complexa e inclui o uso de terapia de reposição de concentrado
do fator deficiente, tratamento adjuvante, tratamento preventivo e tratamento das
complicações da doença e decorrentes de sua terapia.
As manifestações hemorrágicas dos pacientes hemofílicos devem ser tratadas
com a reposição do fator deficiente. Contudo, o uso de DDAVP pode tornar
desnecessária essa modalidade terapêutica nos pacientes com hemofilia A leve ou
moderada. A terapia de substituição envolve a educação e o treinamento de técnicas de
auto-infusão de concentrado de fator ao paciente e à sua família, sendo o pilar do
tratamento domiciliar.
No Brasil, é vetado o uso de crioprecipitado no tratamento de pacientes com
hemofilia A e doença de von Willebrand não-responsivos ao DDAVP, devendo o
tratamento de substituição ser sempre realizado com concentrados comerciais de fator,
exceto na sua indisponibilidade.
A reposição do fator VIII ou IX deve ser feita o mais precocemente possível
quando indicada. Deve-se considerar o nível do fator a ser alcançado, que varia com o
tipo e o local do sangramento ou com o procedimento a ser realizado. A meia-vida do
fator VIII varia de 8-12 horas e a infusão de 1U/kg produz uma elevação plasmática de
2U/dL ou 2% de atividade do fator. A meia-vida do fator IX é de aproximadamente 24
horas e a infusão de 1U/kg resulta em um incremento plasmático de 1U/dL ou 1% de
atividade do fator. Pequenas hemorragias podem necessitar de nível de fator de 20-
30UI/dL, com dose inicial de 10-15UI/kg de fator VIII e de 20-30UI/kg de fator IX a
cada 24 horas até a resolução.
Local da hemorragia Nível de fator Dose inicial (UI/dL) Frequência das Duração
(UI/dL) Fator VIII Fator IX doses (horas) (dias)
Articulação ou músculo 30-50 15-25 30-50 24 1-2
Mucosa nasal ou do trato 30-50 15-25 30-50 24 Até a
urinário resolução
Trato gastrointestinal 50-80 25-40 50-80 12-24 Até a
resolução
Língua, retrofaringe e sistema 80-100 40-50 80-100 12 7-10
nervoso central
DDAVP produz um aumento transitório do fator VIII e do fator de von
Willebrand em pessoas normais, em indivíduos com hemofilia A leve a moderada e em
alguns pacientes com doença de von Willebrand. Após uma dose de 0.3mcg/kg em
hemofílicos leves a moderados, pode haver um incremento de três a cinco vezes nas
concentrações plasmáticas dos fatores VIII e de von Willebrand em relação aos valores
Definição
A coagulação intravascular disseminada é uma síndrome caracterizada pela
ativação sistêmica da coagulação, que leva ao depósito intravascular de fibrina na
microvasculatura e ao consumo de fatores da coagulação e plaquetas.
Etiologia e fisiopatologia
É sempre secundária a uma doença de base. As condições mais frequentemente
associadas são sepse, trauma, câncer, complicações obstétricas, como embolia de
líquido amniótico e placenta prévia, doenças vasculares, como hemangioma gigante e
aneurisma de aorta, reações a toxinas e anormalidades imunológicas, como reação
alérgica grave, reação transfusional hemolítica e rejeição de transplante.
Quadro clínico
Se a ativação ocorrer lentamente, um excesso de pró-coagulantes é produzido,
predispondo a trombose. Enquanto o fígado compensar o consumo de fatores e a medula
mantiver uma contagem plaquetária adequada, não haverá manifestação hemorrágica. O
paciente poderá permanecer assintomático, com aumento dos níveis de produtos de
degradação da fibrina, ou apresentar manifestações de trombose venosa e/ou arterial.
Trata-se do quadro de coagulação intravascular disseminada crônica.
Na coagulação intravascular disseminada aguda, ocorre exposição a grande
quantidade de fator tecidual em um curto período, com geração maciça de trombina.
Ocorrem coagulação intravascular e depleção de plaquetas, fibrinogênio, protrombina e
fatores V e VIII, além da produção de produtos de degradação da fibrina, que interferem
na hemostasia. A consequência clínica é diátese hemorrágica sistêmica e, em função do
depósito disseminado de fibrina intravascular, injúria sistêmica de tecidos e anemia
hemolítica microangiopática. Manifestações hemorrágicas de qualquer tipo podem ser
encontradas, além de tromboembolismo e disfunção renal, hepática, pulmonar e do
sistema nervoso central.
Avaliação complementar
Os testes realizados em série são mais úteis para o diagnóstico de coagulação
Tratamento
O fundamental é o tratamento da doença de base. O uso de plasma fresco
congelado e concentrado de plaquetas é uma opção quando o paciente tem sangramento
ativo, apresenta risco hemorrágico ou precisa de procedimento invasivo. O uso de
Heparina provavelmente é útil em pacientes com coagulação intravascular disseminada,
particularmente naqueles com deposição extensa de fibrina ou evento trombótico. As
drogas antifibrinolíticas somente são indicadas para pacientes com aumento da atividade
fibrinolítica, como na coagulação intravascular disseminada associada a neoplasia ou
quando há sangramento excessivo sem resposta à terapia de reposição. Nos pacientes
com coagulação intravascular disseminada relacionada a sepse, pode-se utilizar
concentrado de proteína C ativada recombinante humana.
Doença hepática
As doenças hepáticas podem cursar com comprometimento variável da
hemostasia, decorrente de inúmeros fatores, como defeitos qualitativos e quantitativos
das plaquetas, redução da síntese de fatores e inibidores da coagulação, deficiência de
vitamina K, síntese de fatores de coagulação com defeitos funcionais, redução da
depuração de fatores da coagulação ativados, hiperfibrinólise e coagulação intravascular
disseminada.
Em pacientes com doença hepática grave, todos os fatores da coagulação, exceto
o fator de von Willebrand, podem estar deficientes. Uma dieta pobre e a má-absorção
decorrente da produção inadequada de sais biliares contribuem para a diminuição da
carboxilação de precursores dos fatores dependentes de vitamina K.
As manifestações clínicas variam de simples alterações dos testes laboratoriais a
hemorragias e, com menor frequência, fenômenos trombóticos.
O tratamento das anormalidades hemostáticas da doença hepática está indicado
apenas durante sangramento de varizes esofágicas e antes de cirurgia e procedimentos
invasivos. Agentes específicos incluem vitamina K oral ou parenteral na suspeita da sua
deficiência. Utilizam-se também plasma fresco congelado, transfusão de plaquetas,
concentrado de complexo protrombínico e crioprecipitado conforme a situação clínica e
laboratorial. Também são usados agentes antifibrinolíticos e DDAVP, apesar de pouca
evidência de benefício.
Fisiopatologia
Quando a superfície endotelial do vaso sanguíneo sofre agressão ou ferimento,
um tampão hemostático contendo plaquetas e fibrina é formado e interrompe o
sangramento, permitindo o início do processo de reparo tecidual e cicatrização.
Sob condições de fluxo sanguíneo com elevada força de cisalhamento, as
plaquetas circulantes entram em contato com os componentes expostos do subendotélio
e aderem através da interação entre a glicoproteína de membrana Ib-V-IX e o fator de
von Willebrand depositado no subendotélio. As plaquetas presas à parede vascular
movem-se lentamente e tornam-se ativadas. Em seguida, as plaquetas sofrem mudança
em sua forma, com ativação do citoesqueleto, tornam-se esféricas, emitem pseudópodos
Etiologia
A disfunção plaquetária hereditária mais comum é a doença de von Willebrand.
O grupo heterogêneo constituído por defeitos na secreção plaquetária e na transdução de
sinal comporta provavelmente as disfunções plaquetárias hereditárias mais frequentes
após a doença de von Willebrand. Já a trombastenia de Glanzmann, a síndrome de
Bernard-Soulier e a afibrinogenemia são doenças raras. `
Disfunções plaquetárias adquiridas ocorrem em muitas doenças adquiridas, com
etiologias diversas. Os distúrbios adquiridos da função plaquetária incluem uso de
medicamentos, como Ácido Acetilsalicílico, anti-inflamatórios não-hormonais, beta-
bloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio e antibióticos beta-lactâmicos, uremia,
doença hepática, doenças hematológicas, como mielodisplasias, mieloproliferações e
leucemias, paraproteinemias, como mieloma múltiplo e macroglobulinemia de
Waldenström, doenças imunológicas, infecções, coagulação intravascular disseminada e
glicogenoses. O comprometimento bioquímico específico e as anomalias
fisiopatológicas que resultam na disfunção plaquetária são desconhecidos na maioria
dos casos. Em várias doenças, as anormalidades ocorrem em múltiplas funções da
plaqueta.
Quadro clínico
História de sangramentos é subjetiva, variável e evolutiva durante a vida de uma
pessoa. Os pacientes devem ser avaliados para a presença de doenças que podem causar
disfunção plaquetária adquirida ou vasculites. O uso de medicamentos deve ser
interrogado.
Manifestações hemorrágicas típicas das disfunções plaquetárias incluem
equimoses inexplicadas ou em grande número, epistaxe, particularmente com duração
superior a trinta minutos, resultando em anemia ou em admissão hospitalar, menorragia,
particularmente se presente desde a menarca, sangramento oral ou gastrointestinal,
sangramento durante o parto, sangramento após procedimentos invasivos e sangramento
após exodontias.
História familiar compatível com as formas dominantes de doença plaquetária
deve ser pesquisada e a presença de consanguinidade aumenta a probabilidade de
doenças plaquetárias recessivas.
Avaliação complementar
Os testes de triagem incluem contagem plaquetária e avaliação de morfologia
plaquetária, tempo de sangramento, testes de agregação plaquetária e retração do
coágulo.
O principal indicador da presença de distúrbio plaquetário é a presença de tempo
de sangramento prolongado ou de outro teste anormal da hemostasia primária em
associação com contagem plaquetária normal, em pacientes em que doença de von
Tratamento
As disfunções plaquetárias hereditárias são raras e necessitam de serviço
especializado para investigação diagnóstica, tratamento e acesso 24 horas por dia. Os
pacientes devem portar cartão de identificação com a descrição de condições clínicas e
cuidados específicos. Orientações devem ser oferecidas quanto ao estilo de vida e ao
uso de medicamentos que interferem na função plaquetária. Recomenda-se imunização
para as hepatites A e B e monitorização sorológica para infecções transfusionais.
Os inibidores da fibrinólise, como o Ácido Tranexâmico 15-25mg/kg por via
oral três vezes ao dia ou 10mg/kg por via intravenosa três vezes ao dia e o Ácido
Épsilon Aminocapróico, são utilizados com frequência nos pacientes com disfunções
plaquetárias hereditárias, em especial no tratamento de sangramentos mucosos. A
Desmopressina é um dos medicamentos mais utilizados nas plaquetopatias hereditárias,
uma vez que promove a hemostasia adequada na maioria dos casos, com dose de
0.3mcg/kg diluída em 30-50mL de Soro Fisiológico por via intravenosa em trinta
minutos, 0.3mcg/kg por via subcutânea ou 150mcg ou 300mcg por via intranasal.
Transfusões de concentrados de plaquetas são apropriadas nas disfunções plaquetárias
graves e quando outros agentes falharem no controle do sangramento. Fator VII ativado
recombinante é um agente terapêutico alternativo, com indicação na trombastenia de
Glanzmann refratária à transfusão de concentrado de plaquetas. Os anticoncepcionais
orais também são usados no tratamento das mulheres com disfunção plaquetária e que
apresentam menorragia.
O manejo da diátese hemorrágica associada aos distúrbios de função plaquetária
adquiridos é baseado no tratamento da doença de base. Na maioria dos casos, o
distúrbio hemorrágico é leve e raramente requer tratamento específico ou profilaxia com
transfusões de concentrados de plaqueta ou DDAVP. Nas alterações induzidas por
medicamentos, basta a remoção do agente causador da disfunção plaquetária. O uso de
Eritropoetina ou de transfusões de concentrados de hemácias frequentemente corrige a
anemia e o tempo de sangramento prolongado na uremia. Infusões de DDAVP também
são utilizadas para a correção da tendência hemorrágica das doenças mieloproliferativas
e das doenças de depósito de glicogênio.
Definição
A plaquetopenia é definida como uma redução na contagem plaquetária para
valores inferiores a 150000/mm3. Em condições fisiológicas, o pool plaquetário é
distribuído em dois compartimentos, com dois terços no sangue periférico e um terço no
Etiologia e fisiopatologia
Existem três mecanismos básicos responsáveis pela ocorrência de plaquetopenia,
a diminuição da produção, o aumento da destruição e a alteração da distribuição.
Alteração da produção ocorre em lesão medular por álcool, drogas ou irradiação,
anemia aplástica, infiltração medular por câncer metastático, leucemia, linfoma,
mieloma múltiplo ou mielofibrose, anemia megaloblástica, síndrome mielodisplásica e
plaquetopenias congênitas.
Aumento da destruição ocorre em coagulação intravascular disseminada,
púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítico-urêmica, sepse, púrpura
trombocitopênica idiopática, plaquetopenia induzida por fármacos, trombocitopenia
induzida por Heparina, colagenoses, hepatites B e C, infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana, pelo citomegalovírus e pelo vírus varicela zoster, linfoma e
leucemia linfocítica crônica.
Sequestro ocorre em hiperesplenismo.
Hemodiluição ocorre em transfusão maciça.
Pseudoplaquetopenia
A pseudoplaquetopenia ou plaquetopenia espúria é uma condição não-patológica
na qual a contagem de plaquetas está falsamente reduzida em contadores automáticos.
Pode ser reconhecida por meio da análise das plaquetas em distensão de sangue
periférico. É causada, na maioria dos casos, por autoanticorpos naturais contra o
complexo glicoproteína IIb/IIIa, exposto in vitro na superfície plaquetária pelo
anticoagulante ácido tetra-acético etilenodiamina (EDTA), levando a aglutinação
plaquetária. Os agregados podem ser interpretados pelo contador automático como
leucócitos, com falsa impressão de plaquetopenia. Uma estratégia para obtenção da
plaquetometria real é a coleta da amostra em tubo com anticoagulante alternativo, como
a heparina e o citrato de sódio. A pseudoplaquetopenia também pode ser secundária à
presença de plaquetas gigantes, observadas em algumas trombocitopenias hereditárias, e
de macroplaquetas. O satelitismo plaquetário é outro exemplo de pseudoplaquetopenia e
é causado por anticorpos IgG contra a glicoproteína IIb/IIIa, que reagem
simultaneamente com o receptor III leucocitário, formando uma imagem característica
de roseta, com plaquetas ao redor da superfície dos neutrófilos e monócitos.
Quadro clínico
Deve-se questionar o paciente quanto a manifestações hemorrágicas, localização
e gravidade do sangramento, presença de sintomas sistêmicos que sugiram causas
secundárias, como neoplasias, colagenoses e infecções, presença de esplenomegalia, uso
de medicações e álcool, história familiar de plaquetopenia e sangramento, histórico
transfusional, fatores de risco para infecção pelo vírus da imunodeficiência humana ou
pelos vírus das hepatites e antecedentes de neoplasias hematológicas e não-
hematológicas.
Muitos pacientes com plaquetopenia podem ser assintomáticos. Em geral,
indivíduos com plaquetometria superior a 50000/mm3 não apresentam manifestações
hemorrágicas espontâneas. Os fenômenos hemorrágicos característicos na
trombocitopenia ocorrem em território cutaneomucoso, com petéquias, equimoses,
menorragia e metrorragia, epistaxe e, mais raramente, sangramento gastrointestinal. O
início do sangramento é imediato.
Definição
A púrpura trombocitopênica idiopática é uma patologia caracterizada por
plaquetopenia adquirida isolada, que frequentemente é crônica ou recorrente em adultos
e aguda e autolimitada após evento infeccioso viral em crianças. Não existem critérios
para o diagnóstico, que é realizado após a exclusão de outras causas de plaquetopenia.
Etiologia e fisiopatologia
A patogênese parece estar associada à destruição plaquetária e/ou à inibição da
produção plaquetária via anticorpos específicos. A citotoxicidade mediada por células T
tem sido postulada para pacientes sem autoanticorpos demonstráveis.
Quadro clínico
Existe uma variabilidade significativa na apresentação clínica da púrpura
trombocitopênica idiopática. O início do quadro pode ser abrupto e agudo ou insidioso.
O sangramento em pacientes sintomáticos pode variar de petéquias e equimoses
espontâneas a hemorragias graves. As manifestações clínicas de plaquetopenia são
aquelas características de alteração da hemostasia primária, sem sinais e sintomas
sistêmicos. Parcela significativa dos pacientes é assintomática, com diagnóstico após a
observação incidental de plaquetopenia no hemograma.
As manifestações clínicas ocorrem habitualmente naqueles indivíduos com
contagem plaquetária inferior a 30000/mm3, sendo mais evidentes e graves em níveis
Avaliação complementar
O diagnóstico é confirmado após a exclusão de outras causas de plaquetopenia,
sendo fundamentado em história clínica, exame físico e análise integral do hemograma
e da distensão do sangue periférico, que não devem revelar alterações que sugiram
outras etiologias.
Os únicos testes recomendáveis para os pacientes com suspeita de púrpura
trombocitopênica idiopática são sorologias para vírus da imunodeficiência humana e da
hepatite C em pacientes com fatores de risco associados, teste de função tireoidiana para
exclusão de hipertireoidismo e/ou hipotireoidismo previamente à esplenectomia eletiva
e mielograma em pacientes com idade superior a 60 anos para descartar síndrome
mielodisplásica e com idade inferior a 18 anos para descartar leucemias agudas. O
mielograma também deve ser realizado em pacientes não-responsivos à terapia e
previamente à esplenectomia com o objetivo de reavaliar e confirmar o diagnóstico.
Outros estudos diagnósticos geralmente não são necessários na avaliação de
rotina dos pacientes com púrpura trombocitopênica idiopática.
A morfologia da medula óssea é normal, com número normal ou aumentado de
megacariócitos, geralmente com desvio para formas mais imaturas. A mielopoese e a
eritropoiese são normais.
A função plaquetária pode variar de acordo com a especificidade do anticorpo,
quando presente, o que pode ser parcialmente responsável pela gravidade variável das
manifestações hemorrágicas com níveis plaquetários semelhantes.
Tratamento
O objetivo do tratamento é alcançar um nível seguro para a prevenção de
sangramentos graves, sem o tratamento desnecessário em pacientes com plaquetopenia
leve a moderada.
Pacientes com contagem plaquetária superior a 50000/mm3 não apresentam
sangramentos clinicamente significativos e podem ser submetidos seguramente a
procedimentos cirúrgicos invasivos, excetuando-se aqueles com abordagem de sistema
nervoso central, em que uma plaquetometria superior a 100000/mm3 é necessária.
Diante de pacientes com plaquetopenia moderada a grave com eventos
hemorrágicos, os glicocorticoides, frequentemente administrados na forma de
Prednisona 1mg/kg/dia, são a terapêutica de primeira linha, com manutenção até um
nível seguro de plaquetometria ser atingido e, a partir de então, desmame em
aproximadamente quatro a seis semanas. A maior parte dos adultos responde a essa
abordagem em duas semanas, grande parte na primeira semana, mas apenas em uma
parcela a resposta se mantém a longo prazo. Um protocolo alternativo com
Dexametasona 40mg/dia por quatro dias foi proposto.
Sequestro esplênico
A esplenomegalia pode causar sequestro de elementos do sangue, com
citopenias, sobretudo plaquetopenia. Hiperesplenismo é uma síndrome caracterizada por
esplenomegalia ou apenas elevação da atividade esplênica, associada a um ou mais
dentre citopenias, aumento dos precursores na medula óssea e correção após
esplenectomia. As plaquetas no compartimento esplênico estão em equilíbrio com as
plaquetas circulantes e podem ser mobilizadas com infusão de epinefrina ou durante
plaquetaférese.
Há vários distúrbios que causam hiperesplenismo, sendo o mais comum a cirrose
hepática com hipertensão portal. Causas infecciosas incluem hepatites virais,
mononucleose infecciosa, citomegalovirose, toxoplasmose, tuberculose, endocardite
bacteriana subaguda, malária e calazar. Causas hematológicas incluem doença
falciforme, anemias hemolíticas, talassemia, síndromes mieloproliferativas crônicas,
leucemia linfocítica crônica, linfomas e leucemias agudas. Causas reumatológicas
incluem lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Felty, febre reumática e sarcoidose.
Causas de esplenomegalia congestiva incluem cirrose, trombose de veia porta, trombose
de veia esplênica, síndrome de Budd-Chiari e insuficiência cardíaca. Outras causas
incluem doença de Gaucher, doença de Niemann-Pick e amiloidose.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Testes de triagem
A investigação de uma possível doença hemorrágica deve incluir os testes que
avaliam a hemostasia secundária e primária, empregando-se inicialmente testes de
triagem.
O tempo de protrombina (TP) avalia a eficiência da via extrínseca da
coagulação, que abrange os fatores II, V, VII e X. Os resultados são expressos em
tempo de coagulação em segundos, relação dos tempos (paciente / normal), relação
normatizada internacional (INR) e atividade de protrombina. Tempo de protrombina
prolongado é indicativo de concentração reduzida de um ou mais fatores da via
extrínseca, presença de inibidores específicos, deficiência de vitamina K, doença
hepática ou uso de medicamentos.
O tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) reflete a integridade do
sistema intrínseco da coagulação, que abrange pré-calicreína, cininogênio de alto peso
molecular e fatores VIII, IX, XI e XII. Também se altera nas deficiências dos fatores I
(fibrinogênio), II (protrombina), V e X, que fazem parte da via comum. Os resultados
são expressos em tempo de coagulação em segundos e relação dos tempos (paciente /
normal). O prolongamento do tempo de tromboplastina parcial ativada pode ocorrer por
deficiência de um ou mais fatores da via intrínseca, coleta de sangue inadequada,
presença de inibidores específicos ou interferência.
O prolongamento do tempo de trombina pode ocorrer por baixa concentração de
fibrinogênio, fibrinogênio qualitativamente anormal, presença de inibidores de
polimerização da fibrina, presença de anti-trombina anormal e presença de Heparina na
amostra.
Após a detecção da alteração dos testes de triagem da hemostasia secundária,
antes de prosseguir com os testes específicos, é recomendável o estudo das misturas a
50%, com uma parte do plasma testado e uma parte do pool de plasmas normais para
diferenciar deficiência de fator de presença de anticorpos no plasma que interferem com
a normalização dos tempos de coagulação.
Na alteração somente do tempo de protrombina, após a confirmação de que o
paciente não está fazendo uso de anticoagulante oral, deve-se fazer o estudo das
misturas. Se o resultado retornar à faixa de normalidade, a maior suspeita é a de
deficiência do fator VII, sendo que a próxima etapa seria determinar a atividade desse
fator. Se não houver correção, deve-se investigar a presença de inibidor específico para
o fator VII.
No caso de alteração somente do tempo de tromboplastina parcial ativado, o
primeiro passo é verificar se o prolongamento é decorrente de deficiência de algum
fator da via intrínseca ou da presença de um inibidor através da mistura a 50% do
plasma do paciente com plasma normal. Se não houver correção imediata, a suspeita é
Testes especiais
Quando há suspeita de deficiência de fator por estudo das misturas e/ou história
familiar, a determinação específica dos fatores de coagulação é indicada.
Quando há suspeita de inibidor de fator da coagulação por estudo das misturas, a
pesquisa específica é indicada.
Testes de triagem
A contagem das plaquetas têm aplicação prática particularmente no diagnóstico
das plaquetopenias e plaquetoses, sendo o primeiro teste de triagem. Quando há suspeita
de pseudoplaquetopenia, o diagnóstico pode ser confirmado com a contagem de
Testes especiais
O teste de agregação plaquetária avalia a função das plaquetas in vitro na
presença de agentes que induzem a agregação, como adenosina difosfato, adrenalina,
colágeno, ácido araquidônico, ristocetina e plasma bovino.
Além da agregação plaquetária, outros métodos podem auxiliar na investigação
de doenças hemorrágicas relacionadas às plaquetas, como a pesquisa da deficiência da
cicloxigenase e da deficiência da tromboxano-sintetase.
Para a confirmação diagnóstica da doença de von Willebrand, são empregados
determinação da atividade do fator VIII:C, quantificação do antígeno de von Willebrand
e avaliação da atividade do cofator de ristocetina. Para a definição do subtipo, os testes
necessários incluem agregação plaquetária induzida pela ristocetina, fator de von
Willebrand intraplaquetário, afinidade do fator de von Willebrand pelo fator VIII:C e
análise do padrão multimérico do fator de von Willebrand. Os fatores de von
Willebrand, VIII:C e fibrinogênio são proteínas de fase aguda e seus níveis podem estar
temporariamente elevados por estresse, exercícios, gestação e contraceptivos contendo
estrogênios.
Trombofilia
Em geral, os testes laboratoriais devem ser realizados para auxiliar na decisão de
prevenção primária, tratamento ou prevenção secundária, preconizando-se aguardar três
meses após o episódio trombótico.
A anti-trombina é uma glicoproteína plasmática sintetizada no fígado cuja
função é inibir a atividade proteolítica das enzimas IIa, IXa, Xa e XIa. As deficiências
hereditárias podem ser divididas em tipo I, com deficiência quantitativa, e tipo II, com
deficiência funcional. As deficiências adquiridas podem ser secundárias a coagulação
intravascular disseminada, síndrome nefrótica, doenças hepáticas e terapia de L-
Asparginase. Altas doses de Heparina também podem causar diminuição nos níveis
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Concentrado de hemácias
O concentrado de hemácias é preparado com base no sangue total por
centrifugação. Tem hematócrito de 65-80%, volume de 200-250mL e quantidades
residuais de plaquetas e leucócitos não-funcionantes, além do plasma restante, ao redor
de 60mL, que não contém fatores de coagulação lábeis. A solução anticoagulante
utilizada é o citrato fosfato dextrose adenina (CPDA-1) ou a salina adenina glicose
manitol (SAG-M), que mantêm a viabilidade das hemácias armazenadas por um período
de 35 e 42 dias, respectivamente, à temperatura de 2-6º C.
O propósito primário da transfusão de concentrado de hemácias é aumentar a
concentração de oxigênio nos tecidos. Está indicada quando os mecanismos
fisiológicos, que incluem aumento do débito cardíaco e aumento do conteúdo de 2,3
difosfoglicerato nos eritrócitos, não conseguem compensar a anemia e surgem sinais e
sintomas. A condição clínica do paciente deve ser considerada, pois a decisão de
transfundir é complexa e depende de fatores causais, gravidade, cronicidade e,
principalmente, capacidade do paciente compensar a anemia.
De maneira geral, transfusão de concentrados de hemácias não se justifica se
hemoglobina acima de 10g/dL, é indicada se hemoglobina inferior a 7g/dL e depende
das condições clínicas do paciente se hemoglobina de 7-10g/dL. Pacientes de alto risco
incluem aqueles com idade superior a 65 anos ou com doenças cardiovasculares e/ou
respiratórias, que devem ser transfundidos se valor de hemoglobina inferior a 8g/dL.
Anemia aguda é uma condição clínica causada normalmente por perda de sangue
e suas manifestações devem ser distinguidas daquelas da hipovolemia, sendo a
estimativa da perda sanguínea importante na decisão transfusional. Anemia crônica é
caracterizada por evolução lenta, sem alteração volêmica.
Toda transfusão de hemocomponentes deve ser administrada por meio de um
filtro de transfusão padrão de 170µ, com o tempo de infusão devendo ser adaptado à
situação clínica do paciente, sem ultrapassar quatro horas. Em adultos, uma unidade de
concentrado de hemácias aumenta os níveis de hemoglobina em aproximadamente
1g/dL e o hematócrito em aproximadamente 3-4%. Na ausência de sangramento ativo,
recomenda-se transfundir um concentrado de hemácias por vez.
Os testes pré-transfusionais têm como objetivo fundamental garantir a
compatibilidade sanguínea entre doador e receptor a fim de que os hemocomponentes
transfundidos tenham sobrevida aceitável e não causem dano ao receptor. Em
hemocomponentes que contenham eritrócitos, como sangue total, concentrado de
hemácias e concentrado de granulócitos, é obrigatória a realização de determinação do
grupo ABO e do tipo Rh e pesquisa de anticorpos irregulares em amostra sanguínea do
receptor, determinação do grupo ABO e do tipo Rh e teste de hemólise na amostra do
hemocomponente e prova cruzada entre o soro do receptor e as hemácias do doador.
Os efeitos adversos incluem reação febril não-hemolítica, reação alérgica, reação
Concentrado de plaquetas
Os serviços de hemoterapia dispõem, atualmente, de dois tipos básicos de
concentrados de plaquetas:
- Concentrado de plaquetas randômico, com 50-70mL, obtido do
fracionamento de uma unidade de sangue total;
- Concentrado de plaquetas obtido por processo de doação exclusiva de
plaquetas, conhecido como aférese de plaquetas, com mais de 200mL;
O concentrado de plaquetas e a aférese de plaquetas devem ser mantidos sob
agitação constante, em temperatura controlada de 20-24º C, com validade de três a cinco
dias a depender do plastificante utilizado na bolsa.
A aférese de plaquetas tem algumas vantagens. É possível preparar com
soluções aditivas, minimizando reações transfusionais por proteínas plasmáticas ou
incompatibilidade ABO menor, realizar culturas utilizando métodos sensíveis e aplicar
tecnologia de redução de patógenos.
Em adultos, preconiza-se uma unidade de concentrado de plaquetas randômico
para cada dez quilos de peso ou uma unidade de aférese de plaquetas. O tempo de
infusão depende da capacidade de sobrecarga circulatória, funções cardíaca e renal e
relação entre volume de hemocomponente e volemia do paciente, geralmente não
expondo o paciente a riscos quando entre vinte e trinta minutos. Os concentrados de
plaquetas devem ser ABO e Rh compatíveis e administrados através de equipo com
filtro padrão de 170µ.
Na falta de plaquetas ABO idênticas, recomenda-se a seleção do concentrado de
plaquetas com plasma incompatível com título de iso-hemaglutininas baixo. Em
situações de emergência nas quais plaquetas Rh negativo não estiverem disponíveis,
podem ser transfundidas plaquetas Rh positivo em pacientes Rh negativo,
recomendando-se proceder à imunização passiva contra o antígeno D. A
imunoglobulina anti-D é recomendada, se possível, antes ou imediatamente após a
transfusão de plaquetas, em crianças do sexo feminino e em mulheres em idade fértil,
com dose de 25mg ou 125UI, suficiente para cobertura de aproximadamente 1mL de
hemácias Rh incompatível.
A transfusão de uma unidade de concentrado de plaquetas deve elevar a
contagem plaquetária em 5.000-10.000/mm3 em um adulto de 70kg na ausência de
condições associadas com a diminuição da sobrevida plaquetária. Pacientes com
esplenomegalia, febre, infecção e coagulação intravascular disseminada podem
apresentar baixo rendimento e, nesse caso, a dose inicial pode ser de 1.5-2.0 unidades
para cada 10kg de peso, sendo as doses subsequentes definidas com base na resposta
inicial. A refratariedade é definida como baixo rendimento do incremento plaquetário
em repetidas transfusões. Uma aférese corresponde a cerca de seis unidades de
plaquetas.
Contraindicações incluem púrpura trombocitopênica trombótica,
trombocitopenia induzida pela Heparina, síndrome hemolítica urêmica, púrpura pós-
transfusional e síndrome HELLP.
Indicações terapêuticas incluem sangramento ativo e plaquetas abaixo de
50.000/mm3, sangramento espontâneo de sistema nervoso central ou oftalmológico e
plaquetas abaixo de 100.000/mm3 e disfunção plaquetária por uremia ou drogas
antiplaquetárias refratária a DDAVP e crioprecipitado. Transfusões de plaquetas podem
Crioprecipitado
O crioprecipitado é preparado mediante o descongelamento do plasma fresco
congelado à temperatura de 2-6º C. O sobrenadante é removido e o precipitado restante
contém quantidades concentradas de fator VIII, superior ou igual a 80UI, fibrinogênio,
superior ou igual a 150mg, fator XIII, de 50-75UI, e fator de von Willebrand, de 100-
150UI, em um volume de 10-20mL. O produto é armazenado a -20º C ou menos por
doze meses.
Indicações incluem reposição de fibrinogênio em pacientes com hemorragia por
deficiência congênita ou adquirida na falta de concentrado industrial, reposição de
fibrinogênio em pacientes com coagulação intravascular disseminada grave, reposição
de fator XIII em pacientes com hemorragia por deficiência desse fator quando não se
dispuser do concentrado de fator XIII industrial e reposição de fator de von Willebrand
em pacientes que não respondem à Desmopressina (DDAVP) na indisponibilidade do
concentrado de von Willebrand industrial ou de concentrado de fator VIII rico em
multímero de von Willebrand. Também há indicação na composição de fórmula da cola
de fibrina autóloga para uso próprio.
A dose em adultos é de uma unidade para cada dez quilos de peso. O
crioprecipitado deve ser descongelado em banho-maria a 30-37º C. A administração é
realizada em filtro padrão de transfusão de 170µ. Na amostra do receptor, é realizada
tipagem ABO e Rh, não sendo necessária prova de compatibilidade.
Deve ser feito controle periódico do fibrinogênio antes e após a transfusão.
Efeitos adversos incluem reação febril não-hemolítica, alergia, transmissão de doenças
infecciosas, contaminação bacteriana, trombose e hemólise.
Concentrado de granulócitos
Os concentrados de granulócitos são, geralmente, preparados por meio de
leucaférese de doador único ou extraídos da camada leucoplaquetária de uma unidade
de sangue total fresco. Cada unidade contém mais de 1010 granulócitos e quantidades
variáveis de linfócitos, plaquetas e hemácias, sendo diluída em 200-300mL de plasma.
Para facilitar a coleta de granulócitos, recomenda-se que o doador receba corticosteroide
ou fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF) horas antes da coleta.
O concentrado de granulócitos deve ser infundido preferencialmente nas
primeiras seis horas e nunca após 24 horas de suas coleta. Durante o período de estoque,
Reações transfusionais
As reações transfusionais ocorrem em aproximadamente 10% dos pacientes
submetidos ao tratamento hemoterápico. Podem ser classificadas de acordo com o
tempo de ocorrência em imediatas e tardias e de acordo com o mecanismo em
imunológicas e não-imunológicas. Geralmente, as reações imediatas ocorrem nas
primeiras 24 horas após o início da transfusão de sangue e as reações tardias ocorrem
após esse período. No Ambulatório de Transfusão do HC-FMUSP, as reações mais
comumente observadas foram reação transfusional febril não-hemolítica e reação
alérgica.
No mínimo, a dupla conferência dos dados da bolsa de sangue, do paciente e do
prontuário deverá ser realizada antes do início da infusão de qualquer hemocomponente.
Reações transfusionais
Reação transfusional febril não-hemolítica é uma das reações transfusionais mais
comuns e é considerada benigna, sendo definida como aumento de temperatura corporal
acima de um grau Celsius, excluindo-se outras etiologias causadoras de febre. Ocorre
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Medicina Intensiva Baseada em Evidências. Luciano César Pontes de Azevedo. Editora Atheneu, 2009.
Fisiopatologia
A hepcidina, que é produzida pelo fígado, controla a absorção e a utilização do
ferro por sua ação sobre a ferroportina, a molécula responsável pela liberação de ferro
dos tecidos para a corrente sanguínea. A produção de hepcidina é regulada por estoques
de ferro, nível de oxigênio, atividade eritropoética e inflamação.
Etiologia
Hemocromatose hereditária, que abrange doença associada ao gene HFE, doença
associada ao gene da hemojuvelina, doença associada ao gene da hepcidina, doença
associada ao gene do receptor da transferrina tipo 2, doença associada ao gene da
ferroportina, sobrecarga africana de ferro e sobrecarga de ferro neonatal.
Sobrecarga associada a eritropoiese ineficaz, que abrange beta-talassemia
intermedia, beta-talassemia major, anemia sideroblástica congênita e anemias
diseritropoéticas congênitas.
Atransferrinemia congênita.
Aceruloplasminemia.
Sobrecarga associada à transfusão crônica, que abrange beta-talassemia major,
doença falciforme, anemia aplástica grave, aplasia pura de série vermelha e síndromes
mielodisplásicas.
Doenças hepáticas, que abrangem doença hepática alcoólica, hepatites virais
crônicas, esteatose hepática e shunt porto-cava.
Porfiria cutânea tardia.
Estomatocitose hereditária.
Quadro clínico
A sobrecarga de ferro leva à disfunção orgânica por causa da deposição
parenquimatosa. Os órgãos mais afetados são fígado, articulações, coração e órgãos
endócrinos, como pâncreas, hipófise e supra-renais. A pigmentação da pele pode estar
alterada.
Os sintomas iniciais da doença podem ser inespecíficos, caracterizados por
fadiga, artralgias e mal-estar. Conforme a doença progride, há intensificação dos
sintomas e dos achados de exame físico. Manifestações comuns incluem sintomas de
hipogonadismo, como disfunção erétil e alteração na distribuição de pelos. Alguns
pacientes já procuram atenção médica com manifestações avançadas, como
sangramento por varizes esofágicas e hepatomegalia.
Há risco aumentado de infecções por bactérias siderofílicas, como a Yersinia
Avaliação complementar
A hemocromatose hereditária é frequentemente descoberta em exames
laboratoriais de pacientes assintomáticos ou apresentando sintomas constitucionais
inespecíficos. O achado laboratorial sugestivo de sobrecarga de ferro é a elevação da
ferritina, associada à elevação do ferro sérico e da saturação de transferrina.
É importante excluir outras causas de hiperferritinemia, já que algumas não são
relacionadas à sobrecarga de ferro e/ou demandam abordagens diferentes. A ferritina é
uma proteína de fase aguda e aumenta em condições inflamatórias e em doenças
hepáticas. A saturação da transferrina é um bom exame nesse contexto, pois a maior
parte das hemocromatoses hereditárias possui saturação de transferrina superior a 45%
para mulheres e 50% para homens. Doenças inflamatórias diminuem a saturação da
transferrina. A história clínica e os exames devem ser dirigidos no sentido de excluir
outras causas de sobrecarga de ferro, como anemias hemolíticas, porfiria cutânea tardia
e hepatites.
Como a forma mais comum de hemocromatose hereditária é aquela relacionada
ao gene HFE, na suspeita clínica deve ser solicitada a pesquisa da mutação deste gene.
A biópsia hepática, que é tradicionalmente proposta na investigação dos
pacientes, pode ser reservada para pacientes com ferritina superior a 1000ng/mL,
elevação de enzimas hepáticas, hepatomegalia ou coexistência com outras doenças
hepáticas.
Nos últimos anos, a ressonância nuclear magnética hepática e cardíaca passou a
ocupar um papel na monitorização e no diagnóstico das complicações.
Tratamento
O tratamento de escolha na hemocromatose hereditária é a flebotomia
terapêutica, que só não deve ser instituída nas situações em que coexistem anemia e
hemocromatose hereditária. O nível de ferritina para início do tratamento é de
300ng/mL. A fase de indução envolve a realização semanal ou quinzenal de flebotomias
na quantidade de aproximadamente 7mL/kg, com retirada de no máximo 550mL de
sangue por procedimento. O objetivo é atingir um grau de depleção de ferro com
ferritina inferior a 50ng/mL e saturação de transferrina de 16%. A partir de então, é
iniciada fase de manutenção, que envolve a realização de flebotomia em média a cada
três meses. É recomendável avaliar os níveis de ferritina e a saturação de transferrina a
cada seis meses. Em situações em que níveis menores de hemoglobina impedem a
aplicabilidade do programa, é aconselhável a realização de flebotomias em menor
quantidade e com menor frequência. Em situações de exceção, é possível utilizar
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Conceito
Doença de curso agudo caracterizada pela proliferação na medula óssea de clone
celular mieloide que perdeu sua capacidade de diferenciação.
Epidemiologia
Mais frequente em idosos com idade superior a setenta anos.
Fisiopatologia
Em geral, as leucemias agudas caracterizam-se pela proliferação rápida de um
clone, que perde sua capacidade de diferenciação, com acúmulo de células de aspecto
citológico imaturo ou blastos no sangue periférico e na medula óssea. A proliferação
exagerada do clone dentro da medula óssea leva a uma inibição da hematopoese normal,
com anemia, plaquetopenia e neutropenia.
Quadro clínico
Falência medular, com cansaço, fraqueza, palidez cutaneomucosa, petéquias,
sangramento gengival, metrorragia, equimoses e processos infecciosos.
Infiltração de órgãos e tecidos pelo clone leucêmico, com discreta
hepatoesplenomegalia, hipertrofia gengival e, mais raramente, infiltração cutânea.
Massa tumoral formada por mieloblastos, com acometimento de coluna espinhal
e órbita.
Leucostase, síndrome caracterizada por isquemia de múltiplos órgãos, com
disfunção respiratória e do sistema nervoso central.
Avaliação complementar
O hemograma revela anemia, plaquetopenia e, habitualmente, leucocitose às
custas de blastos ou, com menor frequência, número normal ou diminuído de leucócitos
normais com a presença de blastos. O mielograma revela medula inteiramente
substituída por blastos. Na leucemia mieloide aguda, os blastos têm uma relação núcleo-
citoplasma mais baixa, com cromatina frouxa, presença de vários nucléolos e
citoplasma granular, com presença de bastonete de Auer.
É importante a demonstração da origem mieloide do blasto, já que isso define o
prognóstico e o tratamento. Com este intuito, deve-se fazer imunofenotipagem dos
blastos por meio de citometria de fluxo. Certos marcadores ou antígenos de membrana,
como CD13, CD14 e CD33 permitem definir a origem mieloide do blasto. Na ausência
de citometria de fluxo, deve ser feita a citoquímica dos blastos, pois a presença de grãos
peroxidase-positivos ou Sudan Black positivos ou uma reação de alfa-naftil acetato
esterase (ANAE) positiva permitem definir se o blasto é mieloide ou não e, ainda, se há
componente monocítico.
Ao diagnóstico, também é necessário colher material de medula óssea para
cariótipo, já que, conforme as anomalias cromossômicas encontradas, é possível
classificar as leucemias mieloide agudas em grupos prognósticos. Também é necessária
a pesquisa do gene BCR/ABL por reação em cadeia da polimerase para, junto com o
cariótipo, fazer o adequado planejamento terapêutico.
Tratamento
Tratamento de suporte
Deve-se verificar se existe acesso venoso adequado. Usualmente, os pacientes
requerem o uso de cateteres de longa permanência para garantir que a terapia seja
adequadamente administrada, nos horários certos e com a velocidade necessária, sendo
recomendável o uso de bombas de infusão.
Se o paciente for um neutropênico febril, antes de começar a quimioterapia, é
necessário iniciar antibioticoterapia de amplo espectro. Para preservar a função renal, o
paciente deve ser adequadamente hidratado por via intravenosa com 3000mL/m2/dia e
usar Alopurinol 600mg/dia por via oral, apresentado na forma de comprimidos de
300mg. Para evitar náusea e vômitos, deve-se recomendar o uso de Ondansetrona 8mg
antes da quimioterapia e a cada doze horas após o término, apresentada sob a forma de
ampolas de 2mL com 2mg/mL para aplicação intravenosa e de comprimidos de 4mg e
de 8mg para uso oral.
Concentrados de plaquetas devem ser utilizados de forma profilática se a
contagem cair para menos de 10000/mm3 no sangue periférico. O uso e fatores de
crescimento, como G-CSF e GM-CSF, está indicado em infecções fúngicas e é
recomendado em pacientes neutropênicos que permanecem febris apesar do uso de
antibióticos de amplo espectro. O G-CSF é apresentado na forma de ampola de 1mL
com 300mcg, sendo recomendada dose de 5mcg/kg/dia por via subcutânea ou
intravenosa.
Terapia pós-remissão
O objetivo é, após alcançar a remissão completa, evitar a recidiva da doença.
Para portadores de anomalias cariotípicas de bom prognóstico, três ou mais ciclos
mensais de quimioterapia com Citarabina em doses elevadas é o tratamento
Conceito
A leucemia linfoide aguda se caracteriza pela proliferação clonal e pelo acúmulo
na medula óssea e no sangue periférico de células imaturas denominadas linfoblastos,
que ocupam a medula e inibem o crescimento e a maturação normal dos precursores
hematopoéticos da série vermelha, granulocítica e megacariocítica.
Epidemiologia
A leucemia linfoide aguda é a neoplasia mais frequente na infância. No adulto,
sua incidência é menor, aumentando após os quarenta anos de idade.
Fisiopatologia
Contato com agentes químicos, como benzeno, agrotóxicos, tintas e solventes.
Exposição a radiação ionizante ou tratamento prévio com quimioterapia por
neoplasia.
Vírus, como o Epstein-Barr, o da imunodeficiência humana e o T linfotrópico
humano.
Alterações cromossômicas, como a observada em crianças com síndrome de
Down.
Quadro clínico
Os sintomas estão relacionados com grau de infiltração da medula óssea e
diminuição da produção dos precursores normais das séries eritrocítica, granulocítica e
megacariocítica, além da intensidade com que as células anômalas infiltram outros
órgãos.
O quadro clínico é caracterizado por palidez cutaneomucosa, fadiga, cansaço,
palpitação, dispneia, febre, infecções, petéquias, equimoses espontâneas, gengivorragia
e epistaxe. Ao exame físico, os pacientes podem apresentar adenomegalias e
hepatoesplenomegalia.
Infiltração do sistema nervoso central pode ocorrer já ao diagnóstico ou em
Avaliação complementar
Diagnóstico
Hemograma completo, que geralmente revela anemia normocítica
normocrômica, leucocitose com presença de blastos circulantes, neutropenia e
plaquetopenia.
Mielograma, que geralmente revela hipercelularidade em razão dos blastos, com
hipocelularidade em maior ou menor grau das outras séries.
Prognóstico
Citogenética convencional e/ou molecular e biologia molecular.
Exames gerais para detecção de associação com outras doenças:
- Bioquímica completa, com uréia, creatinina, ácido úrico, sódio,
potássio, bilirrubina total e frações, transaminases, desidrogenase lática,
fosfatase alcalina, gama glutamil transferase, cálcio, fósforo e magnésio;
- Sorologia completa, com hepatites A, B e C, vírus da imunodeficiência
humana, vírus T linfotrópico humano, doença de Chagas, toxoplasmose e
citomegalovírus;
- Coagulograma completo;
- Urina 1;
- Radiografia simples de tórax em incidências póstero-anterior e perfil;
- Ecocardiograma;
- Ultrassonografia de abdômen;
Diagnóstico
O diagnóstico é baseado na avaliação da medula óssea e segue critérios
morfológicos, citoquímicos, imunofenotípicos, citogenéticos e moleculares. Para o
diagnóstico de leucemia aguda é necessário o encontro de 30% ou mais de blastos na
medula óssea, caracterizados pela ausência de grânulos no citoplasma das células, com
menos de 3% positivos na reação de peroxidase ou Sudan Black. É fundamental o
estudo imunofenotípico para distinguir a leucemia linfoide aguda de leucemia mieloide
com diferenciação mínima ou de leucemia bifenotípica.
Classificação FAB
L1, caracterizada por blastos pequenos, homogêneos, com alta relação núcleo-
citoplasmática, citoplasma escasso e núcleo pouco evidente.
L2, com blastos de tamanho variável, relação núcleo-citoplasmática menor,
citoplasma basofílico sem grânulos, núcleo com membrana nuclear irregular e
cromatina frouxa com nucléolo proeminente.
Classificação imunofenotípica
Leucemia linfoide aguda de linhagem B, caracterizada por CD19, CD79a e/ou
CD22 positivos:
- Pró-B (BI), sem expressão de outros antígenos de diferenciação B;
- Comum (BII), com CD10 positivo;
- Pré-B (BIII), com IgM citoplasmática positiva;
- B maduro (BIV), com kappa ou lamba de citoplasma ou de membrana
positivas;
Leucemia linfoide aguda de linhagem T, caracterizada por CD3 citoplasmático
ou de membrana positivo:
- Pró-T (TI), com CD7 positivo;
- Pré-T (TII), com CD2, CD5 e/ou CD8 positivos;
- T cortical ou tímico (TIII), com CD1a positivo;
- T maduro (TIV), com CD3 de membrana positivo e CD1a negativo;
- Anti-TCR alfa/beta positivo (subgrupo a);
- Anti-TCR gama/delta positivo (subgrupo b);
- My+, com expressão associada de um ou dois marcadores mieloides;
Tratamento
O objetivo é a erradicação do clone leucêmico e o restabelecimento da
hematopoese normal. A quimioterapia deve ser precedida de hidratação adequada com
3L/m2/dia por via intravenosa e de Alopurinol 600mg/dia por via oral. Em muitas
situações, principalmente quando o paciente apresenta hiperleucocitoses, é necessário
alcalinizar a urina, mantendo pH urinário superior a 7 por meio do uso de Bicarbonato
de Sódio a 8.4% por via intravenosa. Em pacientes com contagem de leucócitos
superior a 100000/mm3, pode ser indicada leucoaférese.
Deve-se tratar as infecções bacterianas, fúngicas e, eventualmente, virais com
medicamentos de amplo espectro. Preconiza-se Anfotericina B ou Lipossomal para as
infecções fúngicas e, eventualmente, Aciclovir para as infecções virais.
Adota-se terapia de suporte com hemoderivados para manter níveis de
hemoglobina com os quais o paciente se sinta confortável e contagem de plaquetas
superior a 10000/mm3. Os hemoderivados devem ser irradiados e leucodepletados. As
plaquetas devem ser obtidas, de preferência, por aférese.
Conceito
Doença mieloproliferativa clonal caracterizada pela presença do cromossomo
Philadelphia em células primordiais e em suas descendentes.
Durante a fase crônica da doença ocorre expansão clonal maciça de células
mieloides, que mantêm a capacidade de diferenciação, sendo bem controlada com
terapias citorredutoras, como a Hidroxiuréia. Entretanto, com o passar do tempo, o
clone leucêmico perde a capacidade de diferenciação e a doença progride para uma
leucemia aguda denominada de crise blástica, resistente a terapia quimioterápica mais
agressiva.
Epidemiologia
Todas as faixas etárias podem ser acometidas, com uma média de 45 anos na
população brasileira.
Fisiopatologia
O cromossomo Philadelphia, anormalidade genética característica da leucemia
mieloide crônica, resulta de uma translocação recíproca e equilibrada entre os braços
longos dos cromossomos 9 e 22. A consequência molecular é a geração de uma proteína
híbrida BCR-ABL com atividade tirosina-quinase aumentada, necessária e suficiente
para a atividade oncogênica da fase inicial da leucemia mieloide crônica. O mecanismo
pelo qual ocorre a translocação é desconhecido.
Fase crônica
A leucemia mieloide crônica é uma doença progressiva que evolui em fases,
sendo o diagnóstico geralmente feito na fase crônica, caracterizada por curso indolente e
fácil controle terapêutico. O principal achado de exame clínico é a esplenomegalia. Os
sintomas típicos apresentados ao diagnóstico são a fadiga, geralmente relacionada à
anemia, e o desconforto abdominal, relacionado à esplenomegalia. Sudorese e perda de
peso não são raras, enquanto que febre é menos comum nessa fase, bem como sintomas
relacionados à disfunção plaquetária, como sangramentos ou tromboses. Manifestações
relacionadas a hiperviscosidade, como priapismo e distúrbios visuais, são raras.
Fase acelerada
A fase acelerada é um estágio intermediário no qual os pacientes apresentam
sinais de progressão da doença, sem critérios de leucemia aguda. Essa fase é
caracterizada por um agravamento dos sintomas constitucionais, esplenomegalia
progressiva, refratariedade ao tratamento e progressiva leucocitose e/ou trombocitose.
Anemia e trombocitopenia também são observadas com frequência. Observa-se
aumento da porcentagem de blastos promielocíticos e basófilos na medula óssea e/ou no
sangue periférico.
Crise blástica
Em algum momento durante o curso da leucemia mieloide crônica, após um
intervalo médio de três a seis anos, ocorre uma mudança relativamente abrupta no curso
da doença, com acúmulo progressivo de elementos celulares imaturos no sangue
periférico ou na medula óssea, como mieloblastos e promielócitos. Quando o número de
blastos é superior a 30% ou evidencia-se a presença de um sarcoma granulocítico, o
diagnóstico de fase aguda ou crise blástica é estabelecido. Os blastos podem apresentar
fenótipo mieloide, linfoide ou mesmo serem bifenotípicos.
Diferentemente da fase crônica, a crise blástica encerra prognóstico
extremamente reservado, apresentando uma resposta precária às diversas manobras
terapêuticas utilizadas.
Tratamento
O principal objetivo do tratamento da leucemia mieloide crônica é a supressão
do clone Philadelphia ainda na fase crônica.
A Hidroxiuréia é droga bem tolerada, com poucos efeitos colaterais, mas sem
nenhum impacto na sobrevida, sendo reservada apenas para o controle da leucocitose.
O Interferon-alfa está relacionado a aumento da sobrevida, mas cursa com
efeitos colaterais constitucionais em praticamente todos os pacientes.
O transplante de medula óssea é considerado a única modalidade terapêutica
curativa para a leucemia mieloide crônica.
O Mesilato de Imatinibe atua como bloqueador da atividade tirosina-quinase e
inibe a proliferação de células leucêmicas que expressam as proteínas p210 e p190, com
Manejo
O primeiro passo do tratamento de um paciente com leucemia mieloide crônica é
o controle hematológico, que pode ser feito com Hidroxiuréia enquanto os exames de
confirmação diagnóstica, como citogenética e reação em cadeia da polimerase, são
aguardados. Resposta hematológica prevê redução no número de plaquetas para menos
de 450000/mm3, redução no número de leucócitos para menos de 10.000/mm3, redução
no número de células circulantes, ausência de esplenomegalia e ausência de sintomas
constitucionais.
Tendo a comprovação do cromossomo Philadelphia e/ou do transcrito BCR-
ABL, dá-se início ao tratamento com Mesilato de Imatinibe na dose de 400mg/dia na
fase crônica e 600mg/dia nas fases acelerada e de crise blástica. A resposta
hematológica completa deverá ser atingida em torno de três meses e, durante esse
tempo, o paciente deverá ser monitorizado com hemograma e bioquímica semanalmente
nas primeiras seis semanas e a cada quatro semanas a partir de então.
A resposta citogenética, avaliada através de monitorização da porcentagem do
número de células Philadelphia positivas em medula óssea, é o melhor parâmetro para
avaliação de resposta ao tratamento, sendo considerada resposta citogenética completa a
ausência de células Philadelphia positivas. É recomendada uma primeira avaliação
citogenética antes do tratamento e a cada seis meses até a obtenção da resposta
citogenética completa, com repetição a cada doze meses a partir de então. Deve-se
aumentar a dose de Mesilato de Imatinibe de 400mg para 600mg ou de 600mg para
800mg se houver perda da resposta inicial ou resposta subótima.
Conceito
A leucemia linfoide crônica é uma proliferação clonal de um linfócito B maduro
com uma importante heterogeneidade nas suas manifestações clínicas e biológicas. A
leucemia linfoide crônica e o linfoma linfocítico de células pequenas são diferentes
manifestações da mesma doença e, consequentemente, são conduzidos da mesma
maneira.
Epidemiologia
Etiologia e fisiopatologia
Não existem fatores etiológicos claros na leucemia linfoide crônica. Também
não foi identificada associação com exposição a radiação ionizante e substâncias
químicas. Um dos mais importantes fatores de risco é a história familiar.
Quadro clínico
Atualmente, ao diagnóstico, cerca de metade dos pacientes são assintomáticos e
a doença é detectada durante avaliação clínica e laboratorial de rotina, com linfocitose
em sangue periférico associada ou não a adenomegalia, esplenomegalia e
hepatomegalia. Quando ocorre envolvimento ganglionar, é possível encontrar desde
aumento linfonodal discreto até adenomegalia maciças, que geralmente são simétricas e
podem acometer todas as cadeias ganglionares. Manifestações de comprometimento da
medula óssea, como anemia e trombocitopenia, são encontradas ao diagnóstico em uma
parcela dos pacientes. Astenia, sudorese noturna, febre de origem indeterminada e
sangramentos nos casos mais avançados são os sintomas mais encontrados. Raramente
ocorre infiltração pulmonar e de sistema nervoso central.
Aumento na incidência de infecções resulta, sobretudo, de
hipogamaglobulinemia.
Fenômenos autoimunes decorrentes de alteração no sistema imunológico e de
perda dos mecanismos regulatórios das células T ocorrem em uma parcela dos
pacientes, devendo-se investigar a ocorrência de anemia hemolítica autoimune e
púrpura trombocitopênica imunológica, que também podem ser desencadeadas pelo
tratamento com análogos de purina. Aplasia pura de série vermelha, caracterizada pelo
aparecimento de anemia importante sem aumento do número de reticulócitos na
ausência de neutropenia e plaquetopenia, é rara.
Durante a evolução da doença, em uma proporção dos casos, pode ocorrer a
transformação da leucemia linfoide crônica para outra doença linfoide maligna
agressiva. A síndrome de Richter é caracterizada por crescimento rápido de
linfonodomegalia, hepatoesplenomegalia, febre, perda de peso, anemia e
trombocitopenia, com diagnóstico baseado em exame anatomopatológico com
transformação para linfoma de células grandes.
Os pacientes apresentam um risco aumentado para desenvolverem uma segunda
neoplasia.
Avaliação complementar
Os esfregaços de sangue periférico revelam linfócitos pequenos, pouco maiores
que os eritrócitos, com núcleo regular e cromatina condensada, sem nucléolo evidente,
com citoplasma escasso e ligeiramente basófilo, sem granulações específicas. Além
disso, o número de prolinfócitos, caracterizados por tamanho médio com citoplasma
mais abundante, cromatina densa e nucléolo evidente, é menor do que 10%. Em alguns
casos, a morfologia pode ser atípica.
O aspirado de medula óssea é geralmente hipercelular e evidencia um infiltrado
com pelo menos 30% de linfócitos maduros, além de permitir uma avaliação da
hematopoese normal residual. Por outro lado, a biópsia de medula óssea revela padrão
variável de infiltração, que pode ser intersticial, nodular, misto e difuso.
A dosagem de imunoglobulinas pode ser informativa em pacientes que
Estadiamento
Os dois sistemas mais utilizados na prática clínica até hoje são o sistema de
estadio clínico de Raí e o de Binet. Ambos foram baseados em parâmetros relacionados
à massa tumoral e agrupam os pacientes em grupos de risco distintos.
Estadio Áreas Hemoglobina Plaquetas/mm3 Sobrevida média
comprometidas (g/dL) em anos
A - Baixo risco Inferior a três Superior ou igual Superior ou igual a 12
áreas a 10 100.000
B – Risco Três ou mais áreas Superior ou igual Superior ou igual a 5
intermediário a 10 100.000
C – Risco alto Indiferente Inferior a 10 Inferior a 100.000 2
Parâmetros
Anamnese, com presença de sintomas sistêmicos.
Exame físico, com cadeias linfonodais periféricas, anel de Waldeyer, fígado e
baço.
Avaliação laboratorial, como hemograma completo com contagem de
reticulócitos, velocidade de hemossedimentação, função renal, função hepática,
eletrólitos, eletroforese de proteínas, dosagem de ácido úrico, desidrogenase lática e
beta-2-microglobulina.
Técnicas de imagem, com radiografia de tórax e tomografia computadorizada de
região cervical, tórax, abdômen e pelve.
Avaliação patológica, com biópsia de medula óssea e procedimentos invasivos
adicionais em situações especiais.
Em situações especiais, dosagem de imunoglobulinas, teste de Coombs direto e
pesquisa de anticorpos contra plaquetas.
Critérios diagnósticos
Linfocitose absoluta no sangue periférico superior a 5000/mm3, com linfócitos
morfologicamente maduros e menos de 55% de prolinfócitos.
Linfocitose inferior a 5000/mm3, porém com achados clínicos, imunofenotípicos
e histológicos de medula óssea compatíveis com leucemia linfoide crônica.
Medula óssea com mais de 30% de linfócitos.
Tratamento
O tratamento não é curativo e está associado ao aparecimento de manifestações
colaterais e toxicidade. Pacientes com doença de baixo risco estável frequentemente não
necessitam de terapia durante muitos anos após o diagnóstico. O mesmo ocorre para
uma proporção de casos de risco intermediário, que permanecem estáveis antes de
necessitarem de terapia. Por outro lado, os pacientes com doença de alto risco devem
iniciar terapia ao diagnóstico.
Pacientes com doença de baixo risco ou de risco intermediário sintomática ou
em progressão e pacientes com doença de alto risco têm indicação de quimioterapia. Se
idade inferior a 65 anos, preconiza-se Fludarabina e Ciclofosfamida por via intravenosa
com no mínimo seis ciclos de três dias. Se idade superior a 65 anos e funcionalidade
preservada, preconiza-se Fludarabina por via oral com pelo menos seis ciclos de cinco
dias. Se idade superior a 65 anos com comorbidades, preconiza-se Clorambucil por via
oral, com doze ciclos de quatro dias na presença de resposta clínica e laboratorial.
Na vigência de remissão completa, deve-se suspender o tratamento. Se ocorrer
remissão parcial, deve-se individualizar a terapia.
Administração concomitante de corticosteroides deve ser evitada caso a
associação produza maior toxicidade e aumente a probabilidade de aparecimento de
infecções oportunistas. Em todos os pacientes deve ser realizada profilaxia para
Pneumocystis sp com Sulfametoxazol/Trimetoprim 800mg/160mg por via oral de 12/12
horas três vezes por semana. Preconiza-se suporte com G-CSF 300mcg/dia por via
subcutânea em caso de neutropenia.
O tratamento da autoimunidade após Fludarabina é conduzido com
corticosteroide em dose de 1mg/kg por dez a quatorze dias, com redução lenta da dose
nos três meses seguintes. Se não houver resposta, o tratamento deve ser individualizado
e está indicado o uso de imunoglobulina intravenosa, Ciclosporina ou Rituximabe, que é
anti-CD20.
Outras modalidades terapêuticas incluem esplenectomia nas citopenias
refratárias, irradiação esplênica nos pacientes não candidatos à esplenectomia e
Metilprednisolona em doses altas nos pacientes com doença refratária e sem outras
opções terapêuticas.
Nos pacientes inicialmente tratados com Fludarabina e com duração de resposta
superior ou igual a doze meses a reintrodução do mesmo esquema quimioterápico está
indicada. Se os pacientes receberam Fludarabina isoladamente e não houver
contraindicação, é preconizada a associação com Ciclofosfamida. Naqueles pacientes
com duração de resposta curta, inferior a seis meses, além da associação de Fludarabina
com Ciclofosfamida, devem ser consideradas outras opções terapêuticas, como a adição
de Rituximabe.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Linfomas indolentes
Conceito
Em geral, os linfomas indolentes são neoplasias de linfócitos maduros, pequenos
e de baixa taxa de proliferação ou divisão. Ao diagnóstico, os pacientes geralmente
apresentam-se em estádio avançado e comumente com infiltração de medula óssea e
sangue periférico. Atualmente, permanecem incuráveis, com a exceção do linfoma de
zona marginal extralinfonodal do tecido linfoide associado à mucosa (MALT).
Formas clínicas
Doenças predominantemente disseminadas apresentam infiltração de medula
óssea, com ou sem infiltração do sangue periférico, linfadenomegalia e esplenomegalia.
Abrangem leucemia linfocítica crônica, linfoma linfocítico, linfoma linfoplasmocítico,
macroglobulinemia de Waldenström, tricoleucemia, linfoma da zona marginal esplênica
e mieloma múltiplo.
Doença extralinfonodal primária origina-se em sítio extralinfonodal,
principalmente no tecido linfoide associado à mucosa do trato gastrointestinal e menos
comumente em pulmão, anexo ocular, pele, tireoide e mama. O principal diagnóstico
diferencial é com doença linfoproliferativa reacional.
Doenças predominantemente linfonodais tem como principais representantes o
linfoma folicular, o linfoma da zona marginal linfonodal, que é raro, e alguns casos de
linfoma da zona do manto. No diagnóstico diferencial, devem ser considerados
Linfoma folicular
O linfoma folicular é uma neoplasia linfoide do centro germinativo, com
variável proporção de centrócitos e centroblastos e padrão de infiltração linfonodal do
tipo folicular ou nodular. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, é graduado
de acordo com a porcentagem de centroblastos.
Trata-se da segunda neoplasia maligna linfoide B mais frequente. Predomina no
adulto, com incidência semelhante em ambos os sexos.
A evolução do linfoma folicular é lenta, gradual e contínua. As manifestações
clínicas são variadas, mas predomina o envolvimento linfonodal, caracterizado por
linfadenomegalia localizada ou generalizada. Sintomas sistêmicos, como febre,
emagrecimento e sudorese, podem ser tênues ou estarem ausentes. Embora indolente,
pode adquirir comportamento agressivo durante sua evolução.
O diagnóstico requer análise histológica e imuno-histoquímica de amostra obtida
por biópsia excisional de linfonodo ou de tecido comprometido. Caso exista a
possibilidade de outras neoplasias, a punção por agulha fina pode ser o exame inicial.
Em vigência de linfocitose, o diagnóstico pode ser estabelecido por imunofenotipagem
de sangue periférico. Em geral, as células linfoides do linfoma folicular expressam
antígenos B CD20, CD19, CD79b, CD10 e BCL-2, mas são CD5 negativas.
Após o diagnóstico, os pacientes devem ser estadiados para avaliar a extensão da
doença por meio de exames de imagem, como tomografia computadorizada de pescoço,
tórax, abdômen e pelve, biópsia de medula óssea, dosagem de desidrogenase lática e
hemograma.
Os principais diagnósticos diferenciais são doenças infecciosas e inflamatórias
crônicas e tumor sólido.
A estratégia de tratamento e acompanhamento dos pacientes deve basear-se no
estadiamento, na presença de sintomas B e na análise dos fatores de prognóstico clínico,
como idade e comorbidades, e biológicos, já que não existe terapia curativa. O
tratamento do linfoma folicular compreende um espectro de ação extremamente variável
e possível, desde observação sem tratamento até quimioterapia em altas doses, sem
consenso quanto à abordagem ideal. A radioterapia em campo envolvido é a melhor
opção para pacientes em estádios I e II na ausência de bulky e sintomas sistêmicos.
Não se deve iniciar tratamento precoce depois do diagnóstico se o paciente
estiver assintomático. Deve-se iniciar terapia com droga única, como alquilante oral,
quando for necessário, pois terapias agressivas combinadas não impactam na sobrevida.
O linfoma folicular é uma doença incurável e o tratamento paliativo dos sintomas é
entendido como aceitável. A transformação para linfoma agressivo independe do tipo,
do tempo e da terapêutica utilizada.
Tricoleucemia
A tricoleucemia ou leucemia de células pilosas é um linfoma difuso de grandes
células B indolente e raro, assim denominado por apresentar célula linfoide neoplásica
rica em projeções citoplasmáticas, que pode ser encontrada em medula óssea ou sangue
periférico, com infiltração esplênica restrita à polpa vermelha.
Predomina no sexo masculino e acomete indivíduos com mais de 55 anos de
idade.
Clinicamente, apresenta-se com história prolongada, esplenomegalia acentuada,
ausência de linfadenomegalia, infiltração difusa de medula óssea e pancitopenia com
células pilosas circulantes. Geralmente, ocorrem infecções oportunistas, vasculites e
fenômenos autoimunes.
Aspirado de medula óssea difícil, seco, é achado frequente na tricoleucemia e na
fase hipocelular da mielofibrose e de outras linfoproliferações B, principalmente
linfoma de zona marginal esplênica. É possível confirmar o diagnóstico por
imunofenotipagem de sangue periférico ou medula óssea e histologia de biópsia de
medula óssea.
As principais drogas para tratamento da tricoleucemia são os análogos de purina,
principalmente a 2-Clorodeoxiadenosina, que proporciona longas remissões, mesmo
com doenças residual mínima detectável e taxa de recaída. Outras opções terapêuticas
menos eficazes são esplenectomia e alfa-Interferon.
Linfomas agressivos
Conceito
Os linfomas agressivos e muito agressivos caracterizam-se por alta taxa de
proliferação celular, crescimento rápido e sobrevida medida em meses e semanas,
respectivamente. Ao contrário dos linfomas indolentes, os linfomas agressivos podem
ser curados. No entanto, quando refratários, progridem rapidamente para o óbito.
Diagnóstico
Estadiamento
A avaliação inicial abrange anamnese e exame físico, análise laboratorial de
parâmetros hematológicos e bioquímicos com dosagem de desidrogenase lática e
biópsia de medula óssea. Exames de imagem devem incluir tomografia
computadorizada de tórax, abdômen e pelve e tomografia por emissão de pósitrons com
fluorodesoxiglicose (FDG-PET) se disponível. Cintilografia de corpo inteiro com gálio
67 pode ser utilizada na ausência do FDG-PET. Se houver comprometimento testicular,
epidural ou de seios da face, a punção lombar para análise citológica do líquido
cefalorraquidiano é mandatória.
O estadiamento baseia-se na classificação de Ann Arbor, desenvolvida
inicialmente para linfoma de Hodgkin. Estádio 1 é caracterizado por uma única cadeia
de linfonodos acometida. Estádio 2 é caracterizado por duas ou mais cadeias do mesmo
lado do diafragma. Estadio 3 é caracterizado por duas ou mais cadeias dos dois lados do
diafragma. Estádio 4 é caracterizado por infiltração não-contígua de órgãos não-
linfoides, como fígado, sistema nervoso central, pulmão e medula óssea. Febre,
sudorese e emagrecimento superior a 10% do peso corporal em seis meses definem
sintomas B.
Linfoma de efusões
Neoplasia maligna rara de células B grandes que se apresenta em forma de
efusões e sem massa tumoral visível. É mais comum em jovens do sexo masculino e
imunocomprometidos, principalmente portadores do vírus da imunodeficiência humana.
Está associado ao herpesvírus humano tipo 8 e a altos níveis de citocinas, como IL-6 e
IL-10. Alguns pacientes têm história prévia de sarcoma de Kaposi e raramente o
linfoma associa-se à doença de Castleman multicêntrica. Os locais mais comuns de
comprometimento são pleura, pericárdio e cavidade peritoneal. Outros locais envolvidos
são o trato gastrointestinal, os tecidos moles e o tecido extralinfonodal. Em geral, há
efusões sem linfadenomegalia ou organomegalia.
Linfoma de Burkitt
Neoplasia maligna muito agressiva. Segundo a Organização Mundial de Saúde,
pode ser dividida nas variantes clínicas endêmica, esporádica e associada à
imunodeficiência.
O linfoma de Burkitt endêmico incide em crianças africanas com idades entre
quatro e sete anos, predominando no sexo masculino e envolvendo os ossos da
mandíbula e da face, os rins, o trato gastrointestinal, os ovários e a mama. O vírus
Epstein-Barr é encontrado em quase 100% dos casos.
O linfoma de Burkitt esporádico ocorre em todo o mundo, com média de idade
de 30 anos, predominando em homens. O baixo nível socioeconômico e a infecção
precoce pelo vírus Epstein-Barr associam-se a maior prevalência. A principal área
acometida é o abdômen, especialmente a região ileocecal. Outros locais, como ovário,
rins, omento e anel de Waldeyer também podem ser comprometidos. O acometimento
bilateral da mama pode ocorrer no início da puberdade ou durante a amamentação.
Derrame pleural e ascite neoplásica não são incomuns. Raramente, há infiltração de
medula óssea por mais de 25% de células neoplásicas, caracterizando a leucemia
linfoide aguda L3 do grupo Francês, Americano e Britânico (FAB).
Linfoma de Burkitt associado à imunodeficiência ocorre em pacientes infectados
pelo vírus da imunodeficiência, submetidos à transplante e com imunodeficiências
congênitas. Geralmente, os pacientes são jovens, sem diagnóstico prévio de síndrome da
imunodeficiência adquirida e com contagem de células CD4 superior a 200/mm3. O
vírus Epstein-Barr está associado a 30-40% dos casos.
O imunofenótipo é de linfoma de célula B, com CD20 positivo, CD10 positivo,
Bcl-6 positivo, Bcl-2 negativo, TdT negativo e sIg positivo, com marcador de
proliferação celular Ki67 superior a 99%.
Geralmente, os pacientes apresentam-se com doença tipo bulky pelo curto tempo
de duplicação das células neoplásicas. Cerca de 30% apresentam doença limitada ao
diagnóstico, enquanto que 70% têm doença disseminada, em estádios III e IV de Ann
Arbor. Frequentemente há desidrogenase lática elevada, com alto risco de infiltração do
sistema nervoso central e da medula óssea.
Os linfomas de Burkitt esporádicos e associados à imunodeficiência não
apresentam a alta sensibilidade à quimioterapia do linfoma de Burkitt endêmico, com
pior prognóstico. Utilizam-se esquemas de curta duração com altas doses de
quimioterapia combinada à profilaxia do sistema nervoso central.
Linfoma de Hodgkin
Conceito
Classificação
O aspecto histológico característico do linfoma de Hodgkin é caracterizado por
células tumorais de Reed-Sternberg, células mononucleares e células de Hodgkin,
rodeadas por linfócitos T, formando rosetas dentro de um infiltrado inflamatório
composto por células reacionais. A proporção de células clonais malignas é baixa,
geralmente correspondendo a 2% da massa tumoral. Derivam de células B maduras em
98% dos casos e de células T em 2% dos casos.
Atualmente, a classificação empregada é a proposta pela Organização Mundial
de Saúde, que incorporou as modificações sugeridas pela classificação REAL e
compreende duas entidades:
- Linfoma de Hodgkin com predominância linfocitária nodular;
- Linfoma de Hodgkin clássico, subdividido em quatro subtipos de
prognóstico similar, incluindo rico em linfócitos, esclerose nodular,
celularidade mista e depleção leucocitária;
Epidemiologia
O linfoma de Hodgkin corresponde a menos de 1% dos casos novos de câncer
no Brasil e cerca de 30% de todos os linfomas.
O linfoma de Hodgkin com predominância linfocitária corresponde a 5% dos
casos, ocorrendo predominantemente no sexo masculino, entre trinta e cinquenta anos
de idade.
O linfoma de Hodgkin clássico corresponde a 95% dos casos, com distribuição
etária bimodal, sendo o primeiro pico entre quinze e trinta anos e o segundo após os
cinquenta anos de idade. Entre os subtipos de linfoma de Hodgkin clássico, o mais
comum é a esclerose nodular, único subtipo em que não há predominância no sexo
masculino.
Etiologia e fisiopatologia
A etiologia do linfoma de Hodgkin não é conhecida e não existem evidências de
fatores de risco ambientais ou hereditários. A fisiopatologia envolve transformação
neoplásica de linfócitos periféricos maduros do centro germinativo.
Quadro clínico
O linfoma de Hodgkin é um tumor que acomete, predominantemente,
linfonodos, baço e outros tecidos linfoides. Sua disseminação tende a ocorrer com o
acometimento progressivo de áreas nodais contíguas. A queixa mais comum dos
pacientes é o aparecimento de massas nodais indolores e de crescimento progressivo.
A maioria dos pacientes portadores de linfoma de Hodgkin com predominância
linfocitária nodular se apresenta com doença localizada e comprometimento de
linfonodos periféricos cervicais, axilares ou inguinais, raramente com envolvimento de
mediastino, baço e medula óssea. Mesmo em indivíduos com doença avançada, o curso
clínico é indolente e as recidivas são frequentes e sempre responsivas ao tratamento.
No linfoma de Hodgkin clássico, a maioria dos pacientes apresenta aumento dos
linfonodos da região supradiafragmática, enquanto que início da doença na região
infradiafragmática ocorre em cerca de 10% dos casos. Podem ocorrer sintomas de
compressão de vias aéreas, tosse não-produtiva, dor torácica e franca síndrome da veia
cava superior. Esplenomegalia é encontrada mais frequentemente em pacientes com
Diagnóstico
O diagnóstico deve ser baseado em biópsia ganglionar excisional e avaliação
histológica por um hemopatologista. Análise imuno-histoquímica do tecido tumoral é
fundamental para a correta classificação. No linfoma de Hodgkin com predominância
linfocitária nodular, as células neoplásicas são positivas para CD45 e para marcadores
da linhagem linfoide B, como CD20, CD79a e cadeias pesada e leve de
imunoglobulinas, sendo negativas para CD15 e CD30. No linfoma de Hodgkin clássico,
as células neoplásicas são positivas para CD30 em quase todos os casos e para CD15 na
maior parte dos casos, sendo sempre negativas para CD45 e na maior parte dos casos
negativas para marcadores da linhagem linfoide B. O vírus Epstein-Barr pode ser
encontrado com frequência nas células tumorais do linfoma de Hodgkin clássico e
raramente nas células tumorais do linfoma de Hodgkin com predominância linfocitária
nodular.
Estadiamento
Procedimentos necessários
Avaliação clínica:
- História clínica detalhada com ênfase na presença de sintomas B,
intolerância ao álcool e prurido;
- Exame físico de todas as cadeias linfonodais periféricas, do anel de
Waldeyer, do baço e do fígado;
Avaliação laboratorial, com hemograma completo, velocidade de
hemossedimentação, função renal e hepática, eletrólitos, albumina sérica e
desidrogenase lática.
Técnicas de imagem, com radiografia simples de tórax em incidências póstero-
anterior e lateral, tomografia computadorizada de região cervical, tórax, abdômen e
pelve e tomografia por emissão de pósitrons com 18F-fluorodesoxiglicose ou
cintilografia com gálio 67. Em situações especiais, técnicas de imagem adicionais
incluem cintilografia óssea, ultrassonografia de abdômen e ressonância nuclear
magnética.
Avaliação patológica, com biópsia de medula óssea bilateral em pacientes com
estádio clínico IIB a IV. Procedimentos invasivos adicionais podem ser necessários em
situações especiais. Recomenda-se realizar exame citológico de qualquer efusão.
Avaliação de toxicidade cardíaca com eletrocardiograma e
ecodopplercardiograma, pulmonar com testes de função pulmonar com espirometria e
capacidade de difusão de CO, tireoidiana com dosagem de hormônio tireo-estimulante e
gonadal com espermograma e dosagem de hormônio luteinizante e hormônio folículo-
estimulante.
Fatores prognósticos
Indicam prognóstico desfavorável em estádios iniciais velocidade de
hemossedimentação inferior a 50mm/hora na ausência de sintomas sistêmicos ou
inferior a 30mm/hora na vigência de sintomas B, mais de três sítios envolvidos, bulky
disease, doença esplênica extensa e subtipos histológicos.
Tratamento
Na prática médica, a intensidade do tratamento varia de acordo com os fatores
prognósticos. Nos estádios iniciais com fatores prognósticos favoráveis, são realizadas
terapias menos intensas visando diminuir a toxicidade relacionada ao tratamento. Nos
casos mais avançados e com fatores prognósticos desfavoráveis, são introduzidos
esquemas mais agressivos, com o objetivo de aumentar a chance de cura. As principais
modalidades terapêuticas são a quimioterapia e a radioterapia, atualmente utilizadas em
combinação com certa frequência.
O esquema quimioterápico de primeira linha mais comumente utilizado é o
ABVD, com Doxorubicina, Bleomicina, Vinblastina e Dacarbazina por via intravenosa.
O critério de exclusão para utilização do esquema é a presença de miocardiopatia com
diminuição da fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Todos os pacientes devem ser
pré-medicados com Cloridrato de Ondansetrona 8mg e Dexametasona 20mg para
profilaxia de náusea e vômitos. Se ocorrer neutropenia, pode-se associar,
profilaticamente, fator estimulador de colônias de granulócitos humanos para evitar a
ocorrência de episódios de neutropenia febril em ciclos subsequentes de tratamento.
Todos os pacientes com bulky disease devem receber radioterapia.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Epidemiologia
A mielofibrose primária incide predominantemente na sexta década de vida e de
forma semelhante em homens e mulheres. Pode ocorrer em 25-50% dos pacientes
portadores de policitemia vera e em 2-3% dos pacientes portadores de trombocitemia
essencial.
Quadro clínico
Aproximadamente 30% dos pacientes são assintomáticos à apresentação e o
diagnóstico é sugerido por achados anormais no sangue periférico ou por
esplenomegalia identificada incidentalmente. Nos demais casos, pode haver sintomas
decorrentes de estado hipercatabólicos, como febre, emagrecimento e sudorese, sendo
também comuns sintomas relacionados à falência medular, como hemorragias,
infecções e intolerância aos esforços. Gota e nefrolitíase podem ocorrer por causa da
hiperuricemia, secundária à taxa elevada de proliferação celular.
Esplenomegalia está presente na maior parte dos pacientes, enquanto que
hepatomegalia ocorre em cerca de metade. No entanto, na fase pré-fibrótica, em que
ocorre predomínio de proliferação mieloide na medula óssea sem fibrose, somente uma
parcela dos casos apresenta esplenomegalia.
Durante a evolução da doença, os pacientes tendem a apresentar complicações
secundárias à pancitopenia e à hipertensão portal secundária ao fluxo espleno-portal
aumentado. A hemossiderose secundária é frequente em pacientes com alta necessidade
transfusional, com surgimento de insuficiência cardíaca e arritmias.
Transformação para leucemia aguda secundária pode ocorrer em uma
porcentagem dos casos.
Avaliação complementar
A mielofibrose primária é caracterizada por leucocitose com desvio à esquerda,
presença eritroblastos no sangue periférico, poiquilocitose da série vermelha com
presença de eritrócitos em forma de lágrima no esfregaço sanguíneo, graus variados de
fibrose com hiperplasia megacariocítica atípica na medula óssea e ausência de
cromossomo Philadelphia no cariótipo da medula óssea ou do gene híbrido BCR/ABL.
Os achados diagnósticos podem ser muito variáveis conforme o estágio da
doença em que se encontra o paciente. O estágio pré-fibrótico, também conhecido como
fase celular, ocorre em 20-25% dos casos, enquanto que o estágio fibrótico está presente
em 75-80%.
No estágio pré-fibrótico, os achados laboratoriais são característicos de doença
mieloproliferativa crônica e podem incluir anemia leve, leucocitose leve a moderada e
plaquetose. Dacriócitos, plaquetas atípicas e megacariócitos circulantes podem estar
Diagnóstico diferencial
Durante o estágio pré-fibrótico, distinguir mielofibrose primária de policitemia
vera ou trombocitemia essencial pode ser difícil. Doenças neoplásicas e inflamatórias
associadas à fibrose de medula óssea também precisam ser diferenciadas de
mielofibrose primária.
Tratamento
Nenhum tratamento medicamentoso é curativo ou aumenta a sobrevida dos
pacientes portadores de mielofibrose primária, de modo que o objetivo do tratamento é
diminuir os sintomas. Dessa forma, em pacientes assintomáticos, a conduta é
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Diagnóstico
A eletroforese de proteínas é o método de escolha para a pesquisa de
paraproteína e deve ser feita no soro e na urina. O componente monoclonal é
reconhecido como um pico com base estreita na fração beta ou gama. Quando
detectado, deve-se complementar a investigação com imunofixação sérica e/ou urinária
para determinação da classe de cadeia leve e pesada da imunoglobulina. A
imunofixação também deve ser realizada na ausência de componente monoclonal na
eletroforese de proteínas quando existe suspeita clínica forte de doença relacionada ao
plasmócito.
Atualmente, um novo método laboratorial, baseado na pesquisa de cadeias leves
livres kappa e lambda no soro, denominado serum-free light chain assay (FLC), é
utilizado para detecção do componente monoclonal. A relação normal kappa/lambda é
de 0.26-1.65. Esse teste é particularmente importante nos pacientes com suspeita clínica
de amiloidose e quando o componente monoclonal é muito pequeno e não detectado nos
outros exames.
É essencial diferenciar as gamopatias monoclonais das gamopatias policlonais,
que resultam de doenças inflamatórias e processos reacionais.
Mieloma múltiplo
Conceito
O mieloma múltiplo é uma neoplasia caracterizada pela infiltração da medula
óssea por plasmócitos malignos, pela presença de imunoglobulinas monoclonais séricas
e/ou urinárias e por lesões osteolíticas, podendo ocorrer anemia, insuficiência renal e
infecções de repetição.
Epidemiologia
O mieloma múltiplo é a neoplasia linfoide mais frequente em negros e a segunda
mais frequente em brancos. Acomete principalmente indivíduos na sétima década de
vida.
Quadro clínico
As manifestações clínicas são resultado da combinação de infiltração da medula
óssea, complicações decorrentes da presença de paraproteína e deficiência de
imunoglobulinas normais.
Dor óssea está presente em mais de dois terços dos pacientes e piora à
movimentação. Pode ocorrer perda de alguns centímetros de altura devido ao colapso de
vértebras. Exames de imagem, como ressonância nuclear magnética, tomografia por
emissão de pósitrons (PET-CT) e cintilografia com MIBI têm permitido melhor
avaliação da doença óssea, mas a radiografia de esqueleto continua sendo o método
padrão para estudo. Sintomas relacionados à compressão da medula espinhal, como
parestesias, plegias, incontinência ou retenção urinária e obstipação intestinal, estão
associados a plasmocitomas em vértebras ou a fratura compressiva de vértebras.
Avaliação complementar
A confirmação laboratorial prevê a realização de eletroforese de proteína sérica e
urinária, imunofixação sérica e urinária e proteinúria de 24 horas.
Na eletroforese de proteínas, pico monoclonal é encontrado em cerca de 80%
dos casos. 10% dos pacientes apresentam hipogamaglobulinemia e 10% apresentam
padrão normal. Nos pacientes que secretam apenas cadeia leve, o componente
monoclonal pode ser detectado apenas na urina. 1% dos casos são não-secretores.
O aspirado de medula óssea habitualmente apresenta infiltrado plasmocitário
superior ou igual a 10%, podendo variar de menos de 5% a 100%. O envolvimento pode
ser focal, requerendo em alguns casos inúmeras avaliações com mielograma e/ou
biópsia da medula óssea.
Outros exames são importantes para a avaliação da lesão orgânica ou tecidual
com o intuito de estabelecer o estadiamento clínico e prever o prognóstico, como
hemograma completo, uréia, creatinina, cálcio ionizado, desidrogenase lática, albumina,
imunoglobulinas, beta2-microglobulina, viscosidade sanguínea e estudo radiológico do
esqueleto, com radiografias simples de crânio, coluna, tórax, pelve, úmero e fêmur.
Critérios diagnósticos
Mieloma múltiplo assintomático é caracterizado por pico monoclonal com
concentração superior ou igual a 3g/dL e/ou mielograma com 10% ou mais de
Prognóstico
A sobrevida dos pacientes com mieloma múltiplo pode variar de poucos meses a
dez anos.
Até recentemente, o estadiamento de Durie & Salmon era o método padrão para
a identificação de pacientes segundo o risco. Esse sistema baseia-se em combinação de
fatores que se correlacionam com a massa tumoral, como valores de hemoglobina no
sangue, cálcio sérico, concentração do componente monoclonal no soro e/ou na urina e
acometimento ósseo avaliado pelo estudo radiológico.
Mais recentemente, vem sendo proposto, sob a organização da International
Myeloma Working Group (IMWG), um novo sistema de estadiamento, o International
Staging System (ISS), baseado nos valores da albumina sérica e da beta2-
microglobulina, que é a cadeia leve do antígeno de histocompatibilidade. O novo
sistema é simples e os pacientes são classificados em três grupos de risco, com estadio
de I a III.
Outro fator prognóstico no mieloma múltiplo é a desidrogenase lática, cujos
valores elevados estão associados a presença de doença extra-óssea, resposta pobre ao
tratamento e sobrevida curta, mesmo em pacientes submetidos a transplante autólogo de
medula óssea.
Variantes clínicas
Quando não é encontrado pico monoclonal sérico ou urinário, o diagnóstico de
mieloma múltiplo pode ser dificultado. Essa forma de mieloma múltiplo, denominada
mieloma múltiplo não-secretor, é rara e apresenta duas variantes, uma em que os
plasmócitos malignos sintetizam, mas não secretam paraproteína e outra em que os
plasmócitos não sintetizam paraproteína. Em ambos os casos, o diagnóstico deverá ser
realizado por mielograma ou biópsia de medula óssea. No mieloma múltiplo produtor
não-secretor, a paraproteína pode ser determinada por técnicas de imuno-histoquímica
ou por citometria de fluxo com pesquisa das cadeias pesadas e leves no citoplasma. Os
achados clínicos do mieloma múltiplo não-secretor são semelhantes aos do mieloma
múltiplo secretor, mas a incidência de insuficiência renal é menor.
O mieloma múltiplo forma osteoesclerótica é uma neoplasia de plasmócitos
frequentemente associada a polineuropatia, hepatomegalia, esplenomegalia,
endocrinopatias, gamopatia monoclonal e acometimento de pele. Anemia é encontrada
raramente. Trombocitose é comum. Hipercalcemia, insuficiência renal e fraturas
patológicas são raras. O estudo radiográfico demonstra lesões osteoescleróticas, ao
contrário das osteolíticas habitualmente observadas no mieloma múltiplo.
O acometimento do sangue periférico pelo mieloma múltiplo, caracterizando
leucemia de células plasmocitárias, ocorre raramente. Os critérios incluem plasmócitos
com contagem superior ou igual a 2000/mm3 ou correspondendo a 20% ou mais dos
leucócitos no sangue periférico. A incidência de lesões osteolíticas e dor óssea é menos
comum do que no mieloma múltiplo, enquanto que hepatoesplenomegalia e
adenomegalia são mais comuns.
Critérios de resposta
Remissão completa é caracterizada por ausência de pico monoclonal sérico e/ou
urinário pela imunofixação de proteínas, medula óssea com 5% ou menos de
plasmócitos e desaparecimento de qualquer plasmocitoma. Remissão completa estrita é
caracterizada ainda por ausência de plasmócitos monoclonais na medula óssea,
demonstrada por imuno-histoquímica ou imunofenotipagem e relação de cadeias leves
livres normal.
Remissão parcial muito boa é caracterizada por ausência de pico monoclonal
Amiloidose primária
Definição
A amiloidose é uma doença incomum, resultante da deposição de material
proteináceo amorfo, acometendo virtualmente qualquer órgão, com disfunção e
compressão de estruturas normais adjacentes. Abrange um grande grupo de doenças,
com diferentes proteínas reconhecidas como causa de doença amiloide.
Classificação
Amiloidose primária ou amiloidose de cadeia leve de imunoglobulinas (AL) é
uma neoplasia de plasmócitos que secretam imunoglobulina anormal.
Amiloidose secundária (AA) é associada a processos inflamatórios crônicos, que
cursam com aumento da produção de proteína sérica amiloide A, uma proteína de fase
aguda sintetizada pelo fígado.
Amiloidose familiar é associada à mutação da proteína transtiretina, uma
proteína de transporte da tiroxina e do retinol, também produzida pelo fígado, que
determina cardiomiopatia familiar ou polineuropatia familiar.
Amiloidose beta2-microglobulina, associada à hemodiálise.
Epidemiologia
A amiloidose primária é uma doença rara em adultos. Em 80% dos casos é
encontrada uma imunoglobulina monoclonal e em 20% dos casos há associação com
mieloma múltiplo.
Quadro clínico
A amiloidose renal manifesta-se usualmente com proteinúria, determinando
síndrome nefrótica. Os níveis séricos de creatinina geralmente encontram-se dentro dos
limites da normalidade. Envolvimento cardíaco é habitual e rapidamente progressivo.
Hepatomegalia é usual. O paciente apresenta aumento de fosfatase alcalina e ausência
de anormalidades na tomografia computadorizada e na ressonância nuclear magnética.
Esplenomegalia é rara. Hipoesplenismo pode ocorrer e é identificado pela presença de
corpúsculos de Howell-Jolly no sangue periférico. Macroglossia é observada em parcela
dos pacientes. Síndrome de má-absorção pelo acometimento do intestino delgado e
neuropatia periférica podem ocorrer. Perda de peso é comum. O paciente pode
apresentar púrpura em pescoço, face e região periorbitária.
A amiloidose localizada é tipicamente benigna e pode se manifestar
Avaliação complementar
Deve-se considerar o diagnóstico de amiloidose primária em caso de síndrome
nefrótica não-diabética, cardiomiopatia não-isquêmica com ecocardiograma
demonstrando hipertrofia de ventrículo esquerdo, hepatomegalia sem alterações na
ultrassonografia, polineuropatia ou proteinúria de cadeia leve com mielograma com
menos de 10% de plasmócitos. Nessas situações, recomenda-se solicitar imunofixação
de soro e urina, devendo-se considerar a possibilidade de amiloidose em caso de
positividade.
O diagnóstico pode ser feito através de pesquisa de amiloide na gordura do
subcutâneo, na biópsia de medula óssea ou em órgão acometido. O depósito é
reconhecido com coloração hematoxilina-eosina e vermelho Congo. Os plasmócitos
costumam estar aumentados nos tecidos adjacentes e na medula óssea. Para o
diagnóstico de amiloidose primária, além do depósito amiloide no órgão em estudo,
deve ser demonstrada a presença de cadeia leve monoclonal no sangue e/ou na urina ou
no mesmo tecido estudado.
Exames prognósticos incluem ecodopplercardiograma, troponina sérica,
hormônio natriurético cerebral (BNP) e beta2-microglobulina.
Prognóstico
A sobrevida é bastante variável e depende do órgão predominantemente
acometido e do número de órgãos acometidos.
Tratamento
O tratamento da amiloidose primária deve ser iniciado antes que dano orgânico
irreversível tenha ocorrido. Realizado o diagnóstico, deve-se estabelecer uma estratégia
de tratamento baseada em fatores de risco para a indicação de transplante autólogo de
células progenitoras hematopoéticas ou tratamento quimioterápico convencional. O
tratamento com quimioterapia em altas doses com suporte de células progenitoras
hematopoéticas autólogas é considerado a melhor opção terapêutica. Na maioria dos
casos, como o clone é pequeno e a porcentagem de plasmócitos na medula óssea é
baixa, quimioterapia de indução antes do transplante de medula óssea é desnecessária.
Quando existe contraindicação para a realização do transplante autólogo, deve ser
ministrada quimioterapia convencional com protocolos adequados às condições clínicas
dos pacientes. O tratamento da amiloidose primária localizada é conservador e baseado
em excisão e terapia local.
A síndrome nefrótica necessita de suporte geral e terapia com diurético. O uso
de inibidor de enzima conversora da angiotensina pode reduzir a proteinúria. A
insuficiência renal pode ser tratada com diálise ou transplante renal.
A insuficiência cardíaca pode responder inicialmente aos diuréticos, estando
contraindicados bloqueadores de canal de cálcio, β-bloqueadores e Digoxina. Marca-
passo cardíaco pode ser necessário em pacientes com anormalidades de condução. Em
pacientes com insuficiência cardíaca terminal, o transplante cardíaco pode ser a única
opção e deve ser seguido do tratamento específico da amiloidose primária.
A neuropatia autonômica pode ser manejada com meias elásticas.
Paresia gástrica pode ser melhorada com o uso de pró-cinéticos e diarreia pode
ser manejada com Octreotide.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Multiple Myeloma. Antonio Palumbo and Kenneth Anderson. N Engl J Med 2011;364:1046-60.
Epidemiologia
A policitemia vera é um tumor de ocorrência rara que acomete principalmente
indivíduos do sexo masculino entre a sexta e a oitava décadas de vida, com maior
frequência na raça caucasiana do que na raça negra.
Etiologia e fisiopatologia
A poliglobulia secundária pode ser decorrente de duas alterações
fisiopatológicas, a elevação fisiológica dos níveis de Eritropoetina em resposta a hipóxia
ou a elevação não-fisiológica dos níveis de Eritropoetina por produção anormal do
hormônio. A elevação fisiológica dos níveis de Eritropoetina em resposta a hipóxia
pode ocorrer em casos de doença pulmonar obstrutiva crônica, grandes altitudes,
síndromes de hipoventilação, cardiopatia cianótica e hemoglobina anormal com alta
afinidade por oxigênio. A produção anormal de Eritropoetina pode ocorrer por produção
ectópica por tumores ou pela produção aumentada pelo tecido renal em casos de doença
policística renal e estenose de artéria renal.
Na policitemia vera, a produção aumentada de eritrócitos é causada por
alterações clonais em uma célula precursora hematopoética multipotente. Entre as
alterações clonais observadas, a principal e mais estudada é a mutação adquirida no
gene da Janus kinase 2 (JAK2), com perda da capacidade de regulação do ciclo celular e
manutenção da capacidade de diferenciação em células maduras.
Quadro clínico
Tanto os pacientes com policitemia vera como aqueles com poliglobulias
secundária apresentam quadro clínico similar.
Durante a fase inicial da doença, denominada pré-policitêmica, ocorre aumento
progressivo do número de eritrócitos que não é suficiente para acarretar alterações da
viscosidade sanguínea. Os pacientes são assintomáticos e podem ser diagnosticados
apenas por exames de rotina.
Na fase de franca policitemia, são frequentes os sintomas relacionados ao
aumento da viscosidade sanguínea e ao comprometimento da microcirculação, tais
como isquemia digital, cefaleia, alterações auditivas tipo tinitus, distúrbios visuais,
astenia, alteração do estado mental, epistaxe e hipertensão. A viscosidade elevada
também aumenta o risco de tromboses arteriais ou venosas. Os sinais clínicos incluem
pletora facial, cianose de extremidades e, no caso de policitemia vera, esplenomegalia,
prurido generalizado normalmente após exposição a água quente e eritromelalgia,
caracterizada por eritema, dor e edema em extremidades.
Além das complicações trombóticas, 10-30% dos pacientes com policitemia vera
podem evoluir com mielofibrose secundária em fases avançadas da doença e em 1.5%
dos casos pode ocorrer transformação para leucemia aguda secundária. Com o
tratamento adequado, a expectativa de vida dos portadores de policitemia vera é similar
Avaliação complementar
Hemograma com hemoglobina acima de 17.5g/dL ou hematócrito acima de 51%
em homens ou hemoglobina acima de 15.0g/dL ou hematócrito acima de 48% em
mulheres indica necessidade de investigação com exames complementares.
O primeiro passo é confirmar se o aumento de hemoglobina ou hematócrito é
real, com poliglobulia absoluta, ou secundário a diminuição do volume plasmático, com
poliglobulia relativa. Para confirmação da presença de poliglobulia absoluta, é
necessária a avaliação da massa eritrocitária por meio de exame com 51Cr. Hematócrito
superior a 60% em homens e a 56% em mulheres sempre está associado a poliglobulia
absoluta, sendo dispensável a avaliação da massa eritrocitária.
A dosagem da Eritropoetina sérica é o exame de escolha para distinguir entre
poliglobulia secundária e policitemia vera. A investigação de poliglobulia secundária
deve sempre ser iniciada pela avaliação da saturação de oxigênio arterial em vigília e
durante polissonografia se houver suspeita de síndrome da apneia do sono. No caso de
saturação de oxigênio normal, deve-se prosseguir a investigação com a realização de
eletroforese de hemoglobina e da mensuração da afinidade da hemoglobina por
oxigênio. Na ausência de hemoglobina anormal, o passo seguinte é afastar a presença de
tumores produtores de Eritropoetina por meio de ultrassonografia ou tomografia
computadorizada de abdômen e pelve. Em pacientes tabagistas, pode ser necessária a
quantificação da carboxihemoglobina.
Se não forem encontradas causas de poliglobulia secundária, os dois
diagnósticos possíveis serão poliglobulia idiopática ou policitemia vera, cuja distinção é
baseada nos critérios diagnósticos estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde.
Tratamento
Poliglobulia secundária
O tratamento da poliglobulia secundária visa a correção dos níveis de
eritropoetina sérica, com consequente normalização da quantidade de eritrócitos, sendo
a abordagem da doença de base ou de suas consequências fundamental. No caso de
doenças pulmonares hipoxêmicas, a administração de oxigenioterapia está indicada em
pacientes com hematócrito superior a 51%. No caso de síndromes hipoventilatórias,
pode ser necessário o uso de ventilação não-invasiva. Nas cardiopatias cianóticas, a
cirurgia reparadora está indicada. Cirurgia, quimioterapia e radioterapia são
possibilidades terapêuticas em portadores de poliglobulia secundária de etiologia
Policitemia vera
Não existe terapia curativa disponível. O tratamento tem como objetivos a
melhoria dos sintomas e a diminuição do risco de trombose com o menor risco possível
de induzir transformação leucêmica.
Para pacientes de baixo risco trombótico, caracterizados por idade inferior a 60
anos, ausência de trombose prévia, contagem de plaquetas inferior a 1500000/mm3 e
ausência de fator de risco cardiovascular, a terapia de escolha é a flebotomia seriada,
com retirada de no máximo 10% da volemia em intervalos periódicos com o intuito de
manter o hematócrito abaixo de 45% nos homens e de 43% nas mulheres. Com a
repetição periódica do procedimento, inicialmente realizado semanalmente, ocorre
ferropenia, que controla a proliferação anormal de precursores eritroides.
Para pacientes de risco intermediário, caracterizados por idade inferior a 60 anos
e ausência de trombose prévia, a flebotomia também pode ser utilizada como terapia
exclusiva. Porém, em casos com alta necessidade de flebotomia, baixa tolerância ao
procedimento, esplenomegalia progressiva ou plaquetose secundária, com contagem de
plaquetas acima de 600000/mm3, a terapia medicamentosa citorredutora está indicada.
Os fármacos de escolha são a Hidroxiuréia e o Interferon-alfa.
Para pacientes de alto risco trombótico, caracterizados por idade superior ou
igual a 60 anos e história de trombose prévia, a terapia de escolha é sempre a
citorredução medicamentosa.
A Hidroxiuréia é uma droga citostática inibidora da síntese de DNA das células
progenitoras hematopoéticas, com efeito mielossupressor, sendo indicada para todos os
pacientes de alto risco trombótico e para aqueles com risco intermediário e idade
superior a 45 anos. A dose varia de 500mg/dia a 3g/dia, devendo ser titulada
individualmente para manter o hematócrito abaixo de 45% em homens e 43% em
mulheres.
O Interferon-alfa é um modificador da resposta biológica de mecanismo de ação
desconhecido que apresenta ação mielossupressora. Por não ser fármaco citostático,
pode ser utilizado com segurança em gestantes e pacientes com idade inferior a 45 anos.
As doses variam 3mU a 9mU por via subcutânea diariamente, com indicação em
pacientes de alto risco que apresentam controle inadequado do hematócrito com o uso
de Hidroxiuréia e em pacientes de risco intermediário com idade inferior a 45 anos.
Apresenta como efeitos adversos sintomas de gripe e toxicidade hepática,
neuropsiquiátrica e tireoidiana.
O Ácido Acetilsalicílico em baixas doses de 100-200mg/dia é indicado para
profilaxia secundária de pacientes com quadro de trombose arterial prévia.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Etiologia
As porfirias abrangem a porfiria por deficiência de ALA de-hidrase, a porfiria
aguda intermitente, a porfiria eritropoética congênita, a porfiria cutânea tardia, a
coproporfiria hereditária, a porfiria variegata e a protoporfiria eritropoética ou eritro-
hepática.
Fisiopatologia
O grupo prostético heme é essencial ao organismo humano, fazendo parte da
molécula de hemoglobina e também da mioglobina, dos citocromos mitocondriais e
microssomais, da catalase, da peroxidase, da triptofano-pirrolase e da óxido nítrico-
sintetase. O heme participa do transporte de oxigênio e de elétrons, do metabolismo
oxidativo de várias substâncias endógenas e exógenas, da decomposição do peróxido de
hidrogênio e dos peróxidos orgânicos e da oxidação do triptofano. Aproximadamente
85% do heme é produzido no sistema hematopoético e o restante é produzido quase
totalmente no fígado, no qual a maior parte está incorporada ao citocromo P450
microssomal. Este citocromo tem importante papel biotransformador sobre agentes
carcinogênicos, esteroides, vitaminas, ácidos graxos e prostaglandinas.
Os defeitos genéticos das porfirias são transmitidos de forma dominante, com
exceção da porfiria eritropoética congênita, que tem herança recessiva.
Classificação
As porfirias costumam ser classificadas como hepáticas ou eritropoética com
base no principal local de expressão do defeito enzimático. Porfirias hepáticas incluem a
porfiria por deficiência de ALA de-hidrase, a porfiria aguda intermitente, a
coproporfiria hereditária, a porfiria variegata, a porfiria cutânea tardia e a porfiria eritro-
hepática. Porfirias eritropoética incluem a porfiria eritropoética congênita e a
protoporfiria eritropoética.
Outra forma de classificar as porfirias é por suas manifestações clínicas.
Porfirias com manifestações cutâneas sem doença neurológica incluem a porfiria
eritropoética congênita, a protoporfiria eritropoética e a porfiria cutânea tardia. Porfirias
que produzem doença neurológica sem manifestações cutâneas incluem a porfiria aguda
intermitente. Porfirias com doença cutânea e neurológica incluem a porfiria variegata e
a coproporfiria hereditária.
Uma terceira forma de classificar as porfirias é em formas agudas e não-agudas,
levando em consideração se o paciente apresenta ou não crises neurológicas agudas de
grande gravidade, com risco de morte. Formas agudas incluem a porfiria aguda
intermitente, a porfiria variegata, a coproporfiria hereditária e a porfiria por deficiência
de ALA de-hidrase. Formas não-agudas incluem a porfiria cutânea tardia, a
Quadro clínico
As manifestações cutâneas incluem fotossensibilidade, fragilidade da pele,
bolhas, hipopigmentação, hiperpigmentação, hirsutismo e alopecia.
As manifestações neurológicas incluem dores em extremidades, costas, tórax,
cabeça e pescoço, paresias, paralisia respiratória, sintomas mentais, convulsões e
manifestações neuroviscerais, como dor abdominal, vômitos e obstipação intestinal.
Os ataques agudos são manifestações frequentes, muitas vezes precipitados por
algum fator externo, como drogas, que incluem barbitúricos, hidantoínas, Rifampicina,
progesterona e álcool, jejum prolongado, doenças intercorrentes e estresse. As
manifestações clínicas das porfirias agudas são raras antes da puberdade. As
manifestações clínicas mais comuns durante ataques agudos são dor abdominal em
cólica, frequentemente no hipogástrio, com duração de horas a dias, obstipação
intestinal, taquicardia e hipertensão arterial. Sintomas neurológicos incluem neuropatia
periférica, predominantemente motora. Sinais neuropsiquiátricos incluem ansiedade,
depressão, insônia, alucinações, paranoia, convulsões e coma.
Avaliação complementar
Um achado laboratorial comum é a hiponatremia, relacionada à excessiva
secreção de hormônio antidiurético, que pode ser agravada por iatrogenia.
O diagnóstico de porfiria é estabelecido com o achado de aumento de
porfobilinogênio na urina em amostra isolada, fresca e sem adição de conservantes. Os
valores estão geralmente bastante elevados, variando de 20mg a 200mg, em comparação
a um controle normal de 0-4mg.
Após a determinação do porfobilinogênio urinário, investiga-se o tipo de porfiria
presente atavés de mensuração da porfobilinogênio deaminase eritrocitária, diminuída
na porfiria aguda intermitente e normal na coproporfiria hereditária e na porfiria
variegata, e dos níveis de porfirinas urinárias, fecais e plasmáticas. Na porfiria aguda
intermitente, ocorre aumento principalmente da uroporfirina na urina, com as porfirinas
fecais e plasmáticas normais ou discretamente aumentadas. Na coproporfiria hereditária,
há aumento da coproporfirina urinária e da coproporfirina fecal, com níveis normais de
porfirinas plasmáticas. Na porfiria variegata, também há aumento da coproporfirina
urinária e fecal e da protoporfirina fecal, mas os níveis de porfirinas plasmáticas são
caracteristicamente aumentados.
Para o diagnóstico de deficiência da ALA de-hidrase, na qual porfobilinogênio é
normal ou somente discretamente aumentado, é preciso medir a ALA urinária. Outros
achados incluem aumento da zinco protoporfirina eritrocitária, que sugere o diagnóstico
de protoporfiria eritropoética, e acentuada deficiência da atividade da enzima ALA de-
hidrase eritrocitária, que caracteriza a porfiria por deficiência de ALA de-hidrase.
Análise molecular para a identificação da mutação gênica pode ser útil na
pesquisa e na orientação de familiares de pacientes sintomáticos.
Diagnóstico
Em vista da gravidade e da potencial letalidade das porfirias, deve-se considerar
a possibilidade diagnóstica ao se defrontar com pacientes com sinais e sintomas
compatíveis, em geral em situações de atendimento de urgência. A rapidez do
diagnóstico é de suma importância para a instituição de medidas terapêuticas. Na
anamnese, é muito importante pesquisar história pregressa de crises semelhantes sem
etiologia definida, bem como antecedente de laparotomias brancas por dores
Tratamento
O tratamento das porfirias não-agudas inclui fotoproteção, que deve ser feita
com o uso de protetores solares e vestimentas apropriadas, evitar exposição à luz solar e
evitar traumas cutâneos, uso de álcool e terapia estrogênica. Na porfiria cutânea tardia,
na qual existe associação com hemocromatose, diabetes mellitus e infecção pelo vírus
da hepatite C, é benéfica a depleção dos estoques de ferro. Recomenda-se, nesses casos,
a flebotomia, com retirada de 400-500mL de sangue a cada quinze dias por três a seis
meses. Cloroquina em doses baixas, com 125mg duas vezes por semana, pode ser usada
com o objetivo de facilitar a eliminação das porfirinas. Na porfiria eritropoética
congênita e na porfiria hepatoeritropoética, é recomendada a mudança de ritmo dia e
noite. Na porfiria eritropoética congênita, pode-se indicar esplenectomia com o objetivo
de diminuir a hemólise e a plaquetopenia. O transplante de medula óssea também pode
ser indicado nos casos graves.
O tratamento das porfirias agudas inclui a remoção de fatores precipitantes, a
suplementação nutricional com pelo menos 300g de glicose por dia, a suplementação de
sódio na vigência de hiponatremia e de magnésio na vigência de hipomagnesemia, o
controle eletrolítico frequente, a analgesia adequada com derivados de opióides e o
controle de sintomas digestivos com Promazina, Clorpromazina e Trifupromazina. A
vigilância do estado clínico neurológico, particularmente da respiração, é muito
importante, podendo haver necessidade de transferência para unidade de terapia
intensiva. Agentes bloqueadores beta-adrenérgicos podem ser usados com cuidado para
tratar os achados simpaticomiméticos, como taquicardia e hipertensão arterial. A
administração intravenosa de Heminas é o tratamento de escolha para vários casos que
necessitam de internação hospitalar para tratamento de crises agudas, com início o mais
rápido possível na dose de 3-4mg/kg/dia e uso durante três a cinco dias. Hematina
Liofilizada pode ser reconstituída com albumina humana para aumentar a estabilidade e
evitar efeitos adversos sobre a coagulação e a flebite, que são muito frequentes. O uso
de Heme Arginato, na dose de 3mg/kg uma vez ao dia em infusão rápida, durante quatro
dias consecutivos, pode ser de valia se disponível, pois causa menos flebite. O
tratamento clínico deve ser acompanhado do ponto de vista laboratorial pela dosagem
da excreção de porfirinas urinárias, se possível diariamente.
Pacientes graves, com quadro de múltiplos ataques agudos, podem ser
submetidos a transplante de fígado, indicado principalmente na protoporfiria
eritropoética.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Epidemiologia
As síndromes mielodisplásicas são as doenças neoplásicas da medula óssea mais
prevalentes, particularmente na população idosa. Há evidências de que agentes
ambientais e ocupacionais, particularmente o benzeno, possam aumentar o risco de seu
aparecimento.
Etiologia e fisiopatologia
A falência medular nas síndromes mielodisplásicas decorre de eritropoiese
ineficaz, apoptose exacerbada das células hematopoéticas e proliferação celular
inadequada do clone neoplásico. A lesão inicial da célula progenitora pode decorrer de
insultos herdados ou adquiridos.
Na maior parte das vezes, a doença é primária, também denominada síndrome
mielodisplásica de novo. A síndrome mielodisplásica secundária, que ocorre após
exposição a quimioterápicos e/ou radioterapia, é denominada síndrome mielodisplásica
relacionada à terapêutica. A doença primária geralmente é idiopática, mas em raros
casos tem um componente familiar ou ocorre após doença hematológica prévia, como
hemoglobinúria paroxística noturna e aplasia medular. Anormalidades genéticas, como
anemia de Fanconi, síndrome de Bloom e síndrome de Down predispõem a síndrome
mielodisplásica na infância.
Quadro clínico
Grande parte dos pacientes adultos com síndrome mielodisplásica primária são
assintomáticos, sendo investigados por alteração de hemograma de rotina. As queixas
principais incluem astenia, perda de peso, sangramento cutaneomucoso, infecções e
febre de origem indeterminada. Doenças inflamatórias, como dermatite neutrofílica
(síndrome de Sweet), vasculite cutânea, polimialgia reumática e condrites podem estar
associadas.
A maior parte dos pacientes com mielodisplasia apresentam anemia refratária ao
uso de Ácido Fólico e Vitamina B12. Dentre as infecções, predominam as de etiologia
bacteriana, enquanto que as de etiologia fúngica e viral ocorrem raramente.
O exame físico não revela adenomegalia ou visceromegalias, à exceção de
esplenomegalia em casos de leucemia mielomonocítica crônica.
Avaliação complementar
A análise do sangue periférico revela a presença de uma ou mais citopenias. Em
alguns casos, pode haver macrocitose isolada, leucocitose à custa do aumento de
monócitos, com leucemia mielomonocítica crônica, e trombocitose. A anemia é do tipo
normocítica ou macrocítica com reticulocitopenia. A análise do esfregaço pode revelar a
presença de neutrófilos hipossegmentados, monocitose, plaquetas com grânulos
Diagnóstico
O diagnóstico se baseia na presença de displasia medular envolvendo uma ou
mais linhagens hematopoéticas e uma ou mais citopenias periféricas. Deve ser
salientada a importância da exclusão de doenças que cursam com citopenias e displasias
medulares. Testes imunofenotípicos podem auxiliar em alguns casos.
Diagnóstico diferencial
Em casos de difícil diagnóstico, particularmente quando não há aumento de
blastos, hipossegmentação de neutrófilos, sideroblastos em anel e anormalidades
citogenéticas clonais, é fundamental distinguir a anemia refratária de causas reacionais e
potencialmente reversíveis. Deficiência de vitamina B12 e/ou folatos, exposição recente
a agentes mielotóxicos e uso de fatores de crescimento hematopoéticos devem ser
descartados. Devem ser pesquisadas doenças autoimunes, renais, hepáticas, tireoidianas,
infecciosas virais e etilismo.
O diagnóstico diferencial entre síndrome mielodisplásica hiperfibrótica e
mielofibrose crônica idiopática pode ser bastante difícil. No entanto, na mielofibrose
crônica idiopática as alterações displásicas ocorrem exclusivamente na série
megacariocítica. A presença da mutação V617F no gene JAK2 pode direcionar o
diagnóstico mais para síndrome mieloproliferativa do que mielodisplástica.
A síndrome mielodisplásica pode ser confundida com a anemia aplástica, porém
o achado de elementos displásicos, principalmente da série megacariocítica, favorece o
Entidades especiais
As síndromes mielodisplásicas das crianças compreendem um grupo de
patologias bastante diversas em relação às dos adultos. São doenças raras,
compreendendo cerca de 10% dos casos de leucemia mieloide aguda. Ocorre associação
com anormalidades genéticas constitucionais e síndromes de instabilidade
cromossômica.
As síndromes mielodisplásicas relacionadas à terapêutica são doenças clonais
agressivas que acometem mais pacientes jovens, com pancitopenia acentuada, menor
porcentagem de blastos na medula óssea, alta incidência de displasia multilinhagem,
alta incidência de anormalidades citogenéticas clonais e alta taxa de fibrose e
hipocelularidade medulares. Ocorrem em um período que varia de quatro a sete anos
após a exposição a agentes quimioterápicos, geralmente alquilantes. Pacientes
portadores de linfomas de Hodgkin e não-Hodgkin, mieloma múltiplo e neoplasias
gastrointestinais estão entre os mais afetados. Outra população de risco são os pacientes
submetidos a regimes de condicionamento pré-transplante de células-tronco. O curso
clínico é desfavorável.
Prognóstico
O escore prognóstico mais utilizado é o IPSS, cujas variáveis de prognóstico
incluem porcentagem de blastos na medula, alterações cariotípicas e número de
Tratamento
A idade, as condições clínicas do paciente e os fatores de prognóstico devem ser
levados em conta no momento da escolha de terapêutica que vise aumentar a sobrevida
ou melhorar a qualidade de vida. Em relação à eficácia do tratamento, apesar de várias
terapêuticas terem sido testadas nas últimas décadas, apenas o transplante de células-
tronco alogênico foi capaz de aumentar a sobrevida nessa doença e apenas quatro
drogas foram liberadas pelo Food and Drug Administration (FDA) para tratamento das
síndromes mielodisplásicas, a Lenalidomida, a Azacitidina, a Decitabina e o quelante de
ferro oral Deferasirox. Nas fases precoces da doença, drogas antiapoptóticas,
antiangiogênicas, moduladoras do sistema imunológico e modificadoras do
microambiente medular têm seu papel, enquanto que na síndrome mielodisplásica tardia
melhor resposta pode ser obtida com agentes citotóxicos e transplante alogênico.
A terapêutica de suporte visa reduzir a morbidade e a mortalidade relacionadas a
complicações da pancitopenia e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Ela inclui
suporte com hemocomponente e tratamento das infecções. O nível recomendado de
hemoglobina deve ser o adequado para manter o paciente em boas condições de
oxigenação. É recomendado o uso de concentrado de hemácias leucodepletadas e, para
candidatos a transplante de células-tronco, derivados de sangue CMV negativos. A
transfusão de concentrado de plaquetas está indicada para pacientes com contagem
inferior a 20000/mm3 na vigência de sangramento e/ou febre e/ou que estejam em
vigência de tratamento agressivo, podendo ser indicada profilaticamente para contagens
de plaquetas inferiores a 10000/mm3. Pacientes febris devem ser considerados de risco,
sendo eles neutropênicos ou não. Antibioticoterapia empírica muitas vezes se faz
necessária. O uso de fator estimulante de colônias granulocíticas deve ser
individualizado.
A dependência de transfusão de concentrado de hemácias leva à sobrecarga de
ferro. Pacientes com ferritina sérica superior a 1000ng/mL e portadores de síndrome
mielodisplásica de baixo risco, síndrome mielodisplásica estável e candidatos a
transplante de medula óssea devem ser submetidos a quelação de ferro. Deferiprone não
está indicado por provocar neutropenia.
No Serviço de Hematologia do HC-FMUSP, tem-se utilizado Eritropoetina
30000-40000U/semana em portadores de síndrome mielodisplásica anêmicos e com
eritropoetina sérica inferior a 200U/L. A associação com G-CSF potencializa a ação da
Eritropoetina e é realizada nos pacientes com eritropoetina sérica de 200-500U/L ou
com falha terapêutica com a administração de Eritropoetina isolada, sendo preconizada
dose de 300-600mcg/semana por via subcutânea.
Agentes imunossupressores, como globulina antitimocítica (GAT), globulina
antilinfocítica (GAL) e Ciclosporina A são utilizados nas síndromes mielodisplásicas
visando a melhora da pancitopenia, que decorreria da supressão da hematopoese por
clones de células T auto-reativos.
A Talidomida é droga com ação imunomoduladora, antiangiogênica e anti-TNF.
A Lenalidomida possui uma atividade anti-TNF muito superior a seu análogo, a
Talidomida e, in vitro, inibe a proliferação de linhagens celulares com deleção do 5q.
Em pacientes de alto risco, o transplante de célula-tronco é a única opção para a
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Epidemiologia
A trombocitemia essencial é uma doença pouco frequente, com incidência duas
vezes maior nas mulheres e idade média ao diagnóstico entre 65 e 70 anos.
Etiologia e fisiopatologia
É descrita na maioria dos pacientes com doenças mieloproliferativas com
cromossomo Philadelphia negativo a presença de uma mutação adquirida no gene da
Janus kinase 2 (JAK2), uma das quatro quinases da família Janus, detectável em
plaquetas, granulócitos e eritroblastos. A presença de mutação em heterozigose faz com
que ocorra aumento, de leve a moderado, da atividade de quinase, suficiente para a
mieloproliferação de megacariócitos maiores e maduros, que apresentam maior
produção de plaquetas hipersensíveis, complicando com eventos microvasculares
mediados por plaquetas. A presença de mutação em homozigose, com atividade
pronunciada de quinase, associa-se ao quadro clássico de policitemia, com
mieloproliferação das três linhagens.
Os pacientes com trombocitemia essencial e policitemia vera podem cursar com
episódios trombóticos ou isquêmicos microvasculares.
Quadro clínico
Um número significante de pacientes com trombocitemia essencial é
assintomático ao diagnóstico. Nos casos sintomáticos, o quadro clínico é caracterizado
pela presença de complicações trombóticas venosas e arteriais ou hemorrágicas. Outras
manifestações incluem os distúrbios microvasculares, com cefaleia, parestesias de
extremidades, distúrbios visuais e eritromelalgia, e as perdas gestacionais no primeiro
trimestre. Esplenomegalia pode ser encontrada à palpação.
As manifestações hemorrágicas são limitadas aos sangramentos cutâneos e
mucosos e são primariamente observadas nos pacientes com contagens plaquetárias
mais elevadas.
Em uma proporção dos pacientes a trombocitemia essencial irá se transformar
em mielofibrose ou leucemia mieloide aguda e, em um número menor, em uma
condição semelhante à policitemia vera.
Avaliação complementar
Devido à ausência de um marcador molecular positivo para trombocitemia
essencial, seu diagnóstico é feito somente após a exclusão de outras condições clínicas
que podem cursar com trombocitose.
Considerando-se como limite superior da normalidade para a contagem
Tratamento
A abordagem terapêutica da trombocitemia essencial baseia-se no conceito de
estratificação de risco para eventos vaso-oclusivos e hemorrágicos. Até o momento, não
há droga capaz de curar a alteração de base da trombocitemia essencial ou impedir sua
evolução clonal.
Indivíduos de risco baixo são aqueles com idade inferior a 60 anos, sem história
de trombose prévia, com contagem plaquetária inferior a 1500000/mm3 e sem fatores de
risco cardiovascular. Indivíduos de risco intermediário são aqueles com idade inferior a
60 anos e sem história de trombose prévia, mas com contagem plaquetária superior a
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Etiologia e fisiopatologia
O vírus da dengue é o maior causador de letalidade entre os componentes do
gênero Flavivirus. Atualmente circulam em nosso meio os sorotipos virais 1, 2 e 3, com
relatos isolados do sorotipo 4.
O principal vetor da dengue é o Aedes aegypti, um mosquito de hábitos urbanos
e peculiares. O mosquito infectado transmite o vírus da dengue ao homem, que, por sua
vez, infecta novos mosquitos e, assim, sucessivamente. O pequeno mosquito branco e
negro possui hábitos domésticos e coloca seus ovos em água limpa. Alimenta-se de dia,
principalmente ao nascer do dia e logo após o entardecer. O ciclo silvestre da dengue,
diferentemente do da febre amarela, é desprovido de relevância para a perpetuação da
doença.
Quadro clínico
Dengue clássica
Há suspeita em caso de doença febril aguda com duração máxima de sete dias,
acompanhada de pelo menos dois dentre cefaleia, dor retro-orbitária, mialgia, artralgia,
prostração e exantema. A confirmação é laboratorial ou clínico-epidemiológica, com
estadia nos últimos quinze dias em área onde esteja ocorrendo transmissão de dengue ou
que tenha a presença do Aedes aegypti. O diagnóstico clínico da dengue não é simples
fora de um contexto epidêmico. O quadro inespecífico costuma ser confundido com
outras doenças virais.
A febre é elevada e pode apresentar melhora discreta, com recidiva após um dia.
No entanto, geralmente persiste por até sete dias. Concomitantemente, até 50% dos
pacientes apresentam um eritema cutâneo, quase sempre tênue, que desaparece em até
cinco dias, às vezes com descamação. Uma característica importante e que pode causar
confusão no diagnóstico é o prurido cutâneo associado.
A dor muscular está sempre presente nos pacientes sintomáticos, porém a
intensidade é variável. Já a típica dor retro-orbital nem sempre está presente para
reforçar a suspeita clínica.
Os pacientes com dengue clássica podem apresentar manifestações hemorrágicas
e atípicas, como sangramentos gengivais, epistaxe, metrorragia, petéquias e equimoses.
O monitoramento clínico e da contagem de plaquetas assegura ao médico assistente as
condições para diferenciar as formas mais graves e tranquilizar o paciente.
Os sinais de alerta para a progressão para febre hemorrágica da dengue são dor
abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, hepatomegalia dolorosa, derrames
cavitários, sangramentos importantes, hipotensão arterial e ortostática, diurese reduzida,
letargia ou agitação, pulso rápido e fraco, extremidades frias e com cianose, lipotimia,
sudorese, hipotermia e elevação repentina do hematócrito.
Prova do laço
Deve-se calcular um quadrado de 2.5cm de lado no antebraço da pessoa, aferir a
pressão arterial, calcular o valor médio através da fórmula (pressão arterial sistólica +
pressão arterial diastólica) / 2, insuflar novamente o manguito até o valor médio e
manter por cinco minutos em adultos e três minutos em crianças ou até o aparecimento
de petéquias ou equimoses e contar o número de petéquias no quadrado. A prova será
positiva se houver vinte ou mais petéquias em adultos e dez ou mais petéquias em
crianças.
Exames complementares
Dengue clássica
Hematócrito, hemoglobina, plaquetas e leucograma são indicados para pacientes
Confirmação etiológica
Em um contexto epidêmico, a necessidade de confirmação etiológica dos
quadros clínicos típicos torna-se secundária. Para a confirmação do diagnóstico, recorre-
se à identificação de anticorpos específicos ou ao isolamento viral ou de seu RNA, com
indicação em situações endêmicas, na suspeita de febre hemorrágica da dengue e em
gestantes.
O isolamento do RNA viral por reação em cadeia da polimerase pode ser feito
com material coletado até o quinto dia após o início dos sintomas.
O teste MAC-ELISA tem sido o mais utilizado nos últimos anos para identificar
anticorpos contra a dengue. Após cinco dias de sintomas já há possibilidade de
identificar os anticorpos IgM, que podem perdurar por até noventa dias. A identificação
de anticorpos IgG é mais tardia e esse anticorpo é mais inespecífico, com possibilidade
de múltiplas reações cruzadas.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da dengue clássica se faz com gripe, rubéola, sarampo
e outras infecções virais ou bacterianas. Sintomas respiratórios estão ausentes na
dengue.
Na forma hemorrágica, o diagnóstico diferencial deve ser realizado com outras
doenças virais ou bacterianas graves que desencadeiem choque, como a
meningococcemia. Pode-se considerar leptospirose, febre amarela, malária, hepatite
infecciosa e outras febres hemorrágicas transmitidas por mosquitos ou carrapatos.
Tratamento
A dengue não tem tratamento específico. Prescreve-se sintomáticos, como
analgésicos e anti-eméticos, nos pacientes com ausência de manifestações hemorrágicas
espontâneas ou induzidas e com ausência de sinais de alarme. Estão contraindicados os
salicilatos na suspeita de dengue, por aumentarem o risco de sangramento e de síndrome
de Reye. Medicações anti-pruriginosas podem ser utilizadas, embora o prurido nesses
pacientes, apesar de incômodo, seja autolimitado. Pode-se orientar hidratação oral,
principalmente se diarreia ou vômitos proeminentes estiverem associados.
Os pacientes com prova do laço positiva, mas sem sinais de alerta, com
plaquetas acima de 100.000/mm3 e aumento do hematócrito inferior a 10% em relação
ao basal podem ser manejados ambulatorialmente, mas recomenda-se repetir os exames
Prevenção
Doença de notificação compulsória. Todos os casos suspeitos devem ser
notificados à Vigilância Epidemiológica.
O principal meio de controle é através do combate às formas larvárias do
mosquito, já que não há vacinas e os inseticidas são pouco eficazes. Entretanto, isso só
pode ser alcançado pela conscientização da população, que deve reduzir ao máximo as
condições para oviposição da fêmea.
Transmissão
Sua transmissão é relacionada aos vetores, ao agente e aos reservatórios, além de
um conjunto de fatores socioeconômicos e culturais. Estende-se do centro-oeste do
México até o sul da Argentina e do Chile, onde as péssimas condições de habitação
favorecem o contato entre o triatomíneo, cuja espécie mais importante no Brasil é o
Triatoma infestans, e o homem. Pessoas e mamíferos domésticos são reservatórios
comuns da infecção. A transmissão ocorre pelo contato do homem suscetível com
excreções contaminadas do inseto vetor.
A transmissão por via transfusional é a segunda mais importante via de
propagação da infecção. A transmissão transplacentária é a terceira via mais prevalente,
pode ocorrer em qualquer período da gestação e é muito mais frequente em mães com
infecção pelo vírus da imunodeficiência humana. A transmissão oral ocorre pela ingesta
de alimentos contaminados com o parasita, sendo usual entre mamíferos do ciclo
silvestre, que ingerem triatomíneos ou outros mamíferos infectados. Dentre outras vias
menos frequentes de transmissão, podem ocorrer acidente com material biológico em
laboratório, manipulação inadequada de material contaminado por pessoas suscetíveis,
transplante de órgão de doador com parasitose para receptor com reação sorológica
negativa para T. cruzi e ingesta de leite materno infectado de nutrizes chagásicas. A
transmissão sexual é teoricamente possível, mas sem comprovação definitiva.
Fisiopatologia
Na fase aguda, considera-se na patogenia das lesões principalmente o papel do
parasita seguido de amplificação da resposta imune de hipersensibilidade tardia na
miocardite. Na fase crônica, além da presença do parasita para justificar o infiltrado
inflamatório, deve-se considerar a falta de modulação da resposta imune com
predomínio de resposta TH1 na miocardiopatia chagásica, com presença de linfócitos
CD8 positivos nos tecidos e secreção de citocinas inflamatórias.
Transmissão vetorial
Geralmente, indivíduos expostos adquirem a doença por transmissão vetorial,
com a penetração do agente através da pele lesada. Os parasitas são visualizados na
forma intracelular amastigota principalmente em fibras cardíacas, células musculares
lisas e estriadas e sistema retículo-endotelial.
Cerca de 10-20% dos casos evoluem com síndrome febril. Cerca de 5-10%,
principalmente lactentes, evoluem com doença grave, com insuficiência cardíaca ou
Transmissão vertical
Casos são crianças nascidas de mães com sorologia positiva para T. cruzi, sendo
necessária a identificação do parasita e/ou de anticorpos de origem não-materna. O
espectro clínico varia de infecção assintomática em cerca de 50-75% a doença grave,
caracterizada por prematuridade, abortamento e retardo do crescimento intrauterino,
podendo ser acompanhada de sepse, febre, hepatoesplenomegalia, edema, miocardite,
meningoencefalite, exantema, icterícia e comprometimento pulmonar.
Transmissão acidental
O quadro clínico é inespecífico na maioria das vezes, cursando com febre e,
eventualmente adenomegalia, discreto edema de membros e discreto exantema, que
pode ser petequial.
Em serviços com manipulação de materiais contaminados, é fundamental fazer o
seguimento dos trabalhadores com provas sorológicas periódicas. O diagnóstico
diferencial é realizado com síndrome da mononucleose infecciosa, colagenoses, doença
do soro, sífilis e infecções bacterianas.
Aconselha-se profilaxia por dez dias com Benzonidazol em situações de risco,
como acidentes pérfuro-cortantes ou por contato com mucosas durante a manipulação
de materiais contendo parasitas vivos. Acidentes em laboratório com alta carga
parasitária devem ser tratados por período mínimo de trinta dias com Benzonidazol e
submetidos a monitorização clínico-sorológica.
Transmissão oral
Quando se observa mais de um doente febril com provável fonte comum
alimentar, com adenomegalia, hepatomegalia, esplenomegalia, exantema, edema,
miocardite, pericardite e comprometimento visceral de causa não conhecida, com
hemorragias e icterícia, deve-se suspeitar de aquisição oral da moléstia de Chagas. Não
há sinais de porta de entrada.
Megaesôfago chagásico
Síndrome de disfagia crônica consequente à incoordenação motora da
musculatura esofágica provocada por redução dos neurônios dos plexos nervosos
intramurais, com dilatação e alongamento do órgão. Com a destruição dos plexos de
Meissner e Auerbach, desorganiza-se a atividade motora dos esfíncteres superior e
inferior, que controlam a passagem do bolo alimentar. A associação com cardiopatia é
variável.
O quadro clínico é caracterizado por disfagia mais acentuada para sólidos,
regurgitação, dor retroesternal, sialorréia, hipertrofia de glândulas salivares, azia e
emagrecimento. Complicações incluem aspiração pulmonar, úlceras esofágicas,
esofagite, perfuração e neoplasias esofágicas.
O diagnóstico é estabelecido com base em quadro clínico, sorologia e exames
complementares, que incluem estudo radiológico contrastado do esôfago e exame
endoscópico, que avalia possibilidade de estenose orgânica, condições da mucosa e
presença de possíveis tumores. Diagnóstico diferencial é realizado com divertículo de
esôfago, distúrbios funcionais decorrentes de esofagite de refluxo, estenose orgânica por
tumores malignos e ingesta de cáusticos.
Tratamento clínico é indicado para pacientes com megaesôfago não-avançado ou
com idade avançada e alto risco cirúrgico. Recomendações dietéticas incluem mastigar
bem os alimentos e evitar ingesta de alimentos antes de deitar-se. A abordagem
medicamentosa inclui Nifedipino, Dinitrato de Isosorbitol e injeção de toxina botulínica
no esfíncter inferior do esôfago. Nutrição enteral por sonda pode ser necessária. A
abordagem cirúrgica inclui dilatação por sonda, dilatação por balão e esofagectomia.
Enteropatia chagásica
O envolvimento do intestino delgado na doença de Chagas é menos frequente e
menos conhecido. A disfunção e a dilatação decorrem de lesão de neurônios do sistema
nervoso entérico, com incoordenação motora, alteração do trânsito e distensão de fibras
musculares. A dilatação do íleo é rara, enquanto que a dilatação dos outros segmentos é
frequentemente associada a megaesôfago e/ou megacólon.
O quadro clínico pode ser de síndrome dispéptica, síndrome de pseudo-
obstrução intestinal ou síndrome de supercrescimento bacteriano.
Recomendações dietéticas incluem dieta sem irritantes de mucosa, fracionada,
de menor volume, com mastigação adequada. Pode ser associado inibidor de bomba de
prótons se esofagite de refluxo. O tratamento cirúrgico abrange anastomose
duodenojejunal em caso de megaduodeno e enterectomia parcial em caso de megajejuno
ou megaíleo se os segmentos dilatados não forem extensos.
Megacólon chagásico
Prevenção
Triagem sorológica em bancos de sangue com provas de referência de alta
sensibilidade e especificidade.
Triagem de doadores de órgãos com pelo menos duas provas sorológicas de alta
sensibilidade e especificidade.
Monitorização de pacientes com doença de Chagas crônica que recebem
imunossupressão por drogas por meio de exames parasitológicos, sorológicos e
moleculares periódicos.
Vigilância de vetores.
Cuidados de higiene e antissepsia com alimentos, particularmente se não forem
submetidos a processo de pasteurização ou fervura.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Definição
A sífilis ou lues é moléstia infecciosa produzida pelo Treponema pallidum, que
determina lesões cutâneas polimorfas e pode comprometer outros tecidos,
particularmente os sistemas cardiovascular e nervoso. Apresenta evolução crônica, em
que se distinguem períodos de latência e atividade, recentes ou tardios, caracterizando-
se as lesões do período de atividade recente pela riqueza de parasitas e reversibilidade
das lesões e, as de atividade tardia, pela escassez de parasitas e tendência destrutiva e
desorganizadora.
Transmissão
A transmissão da sífilis adquirida é sexual e na área gênito-anal, na quase
totalidade dos casos. O contágio extra-genital é raro, encontrado particularmente nos
lábios, pois frequentemente há lesões contagiantes na mucosa bucal.
Na sífilis congênita há infecção fetal por via hematogênica, transplacentária, a
partir das primeiras semanas da gravidez.
Sífilis primária
A lesão inicial, denominada cancro duro ou protossifiloma, surge, em média,
uma a duas semanas após a infecção, no ponto de inoculação do treponema. No entanto,
o período de incubação pode durar até quarenta dias.
O cancro duro inicia-se como pápula inflamatória e evolui para lesão única,
erosiva ou ulcerativa, indolor, com base infiltrada e fundo limpo. Apresenta-se, à
palpação, com consistência dura e cartilaginosa.
Localiza-se quase sempre nos genitais externos. Pode ocorrer cancro duro extra-
genital, com a maior parte dos casos acima do pescoço, em lábios e amígdalas, e
acometimento digital em médicos e dentistas.
Após uma a duas semanas ocorre adenite satélite, com gânglios duros, não-
inflamatórios e pouco dolorosos.
As reações sorológicas para sífilis (RSS) tornam-se positivas, em geral, entre a
segunda e a quarta semanas do aparecimento do cancro. O cancro duro pode
desaparecer espontaneamente, geralmente sem deixar cicatriz, em cerca de quatro
semanas.
Sífilis secundária
Essa fase é caracterizada pela disseminação de treponemas pelo organismo e
Diagnóstico
Na sífilis primária, o cancro duro deve ser diferenciado do cancroide, que é
doloroso e múltiplo. Em caso de dúvida, pode-se fazer a pesquisa em campo escuro para
T. pallidum e o exame bacterioscópico para Haemophilus ducreyi.
A sífilis secundária e a sífilis cutânea tardia apresentam aspectos multiformes e
devem ser diferenciadas de inúmeras dermatoses, devendo-se solicitar reações
sorológicas para sífilis sempre que houver suspeita. Na neurossífilis, é indispensável o
exame do líquido cefalorraquidiano.
Exames laboratoriais
Exame de campo escuro de material do fundo da lesão permite a identificação do
T. pallidum e confirma o diagnóstico de cancro duro. Pode ser usada nas lesões pápulo-
erosivas da sífilis secundária. Outras provas caracterizadas pela demonstração direta do
agente etiológico incluem pesquisa direta com material corado com impregnação pela
prata de Fontana ou com coloração de Giemsa, pesquisa direta por imunofluorescência e
pesquisa direta pela reação em cadeia da polimerase.
Exames sorológicos não-específicos ou anti-lipídicos incluem o Venereal
Disease Research Laboratory (VDRL) e o PRP, com baixo custo e fácil execução. São
indispensáveis para o seguimento porque podem ser realizados de forma quantitativa e
permitem acompanhar o título sorológico. No entanto, essas reações não são específicas,
pois evidenciam anticorpos anti-lipídicos que ocorrem tanto na sífilis como em outras
doenças. Além disso, há necessidade de confirmação com alguma sorologia anti-
treponêmica.
Exames sorológicos específicos ou anti-treponêmicos empregam o T. pallidum
ou parte dele como antígeno. Incluem o Fluorescent Treponemal Antibody Absorbed
Test (FTA-Abs) e o ELISA.
Resultados falso-positivos são caracterizados por VDRL reagente em doente
com anamnese negativa para sífilis e FTA-Abs não-reagente. A presença de anticorpos
anti-lipídicos pode ser permanente, como em síndrome anti-fosfolipídica, lúpus
eritematoso sistêmico, colagenoses e hepatite crônica, ou temporária, como em
infecções, vacinações, medicamentos e transfusões. Os títulos nas reações falso-
positivas geralmente são baixos, exceto em doenças como a hepatite e a toxoplasmose.
Resultados falso-negativos podem ocorrer em síndrome da imunodeficiência adquirida,
fase precoce da sífilis primária, sífilis tardia e vigência de altos níveis de anticorpos.
O comprometimento do sistema nervoso é comprovado pelo exame do líquor.
Na sífilis recente ocorre inicialmente pleocitose e alteração das proteínas em cerca de
40% dos doentes e em 25% o VDRL ou o FTA-Abs tornam-se reagentes. VDRL ou
FTA-Abs reagentes no líquor comprovam os sinais clínicos de neurossífilis, enquanto
FTA-Abs não-regente exclui o diagnóstico. A avaliação deve ser realizada em todos os
pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida e sífilis.
Tratamento
Penicilina é a droga de escolha e não existem relatos de resistência no T.
pallidum. Esquemas alternativos são utilizados apenas nos casos em que seu uso não é
possível em função de alergia.
Sífilis recente:
Tratamento preventivo
Indivíduos que tiveram contato com doente comprovadamente com sífilis podem
receber, profilaticamente, uma injeção de Penicilina G Benzatina de 2.400.000 unidades
por via intramuscular, uma ampola em cada nádega.
Seguimento
Na sífilis recente, a negativação sorológica ocorre geralmente do sexto ao nono
mês após o tratamento, inicialmente com uma queda do título sorológico das reações
lipídicas ou não-específicas, que devem ser avaliadas três, seis e doze meses após o
tratamento. Em indivíduos com coinfecção pelo vírus da imunodeficiência humana,
também se deve repetir a avaliação sorológica vinte e quatro meses após o tratamento.
Recomenda-se considerar novo tratamento se sinais clínicos persistem ou recorrem,
títulos aumentam quatro vezes ou mais, títulos não caem e títulos não se tornam
negativos.
Na sífilis tardia há uma queda do título sorológico e a negativação pode ocorrer
no segundo ano, com necessidade de controle sorológico a cada seis meses durante dois
anos. A persistência de anticorpos em títulos baixos pode durar vários anos e, caso não
haja elevação do título, não há necessidade de novo tratamento. Recomenda-se
considerar novo tratamento em pacientes com neurossífilis prévia se contagem de
células não diminui em seis meses e proteínas não normalizam em dois anos.
Transmissão
O cancroide resulta quase sempre de transmissão direta no ato sexual. Contatos
acidentais são excepcionais. Existe a possibilidade de mulheres, principalmente as
profissionais do sexo, serem portadoras assintomáticas.
A infecção é dez vezes mais comum em homens.
Manifestações clínicas
Período de incubação dura três a cinco dias.
A manifestação inicial é mácula, que evolui para pápula, vesícula ou pústula e
finalmente ulceração.
Úlceras dolorosas, geralmente múltiplas, com bordas irregulares, talhadas a
pique, envoltas por halo eritematoso, com fundo purulento, base mole e odor fétido.
Localizam-se preferencialmente nos genitais e também podem ser encontrados em torno
do ânus. Em homens predomina acometimento do prepúcio e do sulco balano-prepucial.
Em mulheres, predomina acometimento de colo uterino e de grandes e pequenos lábios.
Com a evolução, as úlceras podem coalescer e levar à formação de lesões ulcerativas
gigantes, acometendo planos teciduais profundos e produzindo fístulas.
A complicação mais frequente é o bubão regional, que é adenite inguinal quase
sempre unilateral, extremamente dolorosa, de evolução aguda. Ocorre em 30-50% dos
casos e é raro no sexo feminino. O processo evolui rapidamente para liquefação e
fistulização, com orifício único.
As lesões do cancro mole não evoluem para cura espontânea e, em geral, deixam
pequena cicatriz após a cura.
Diagnóstico
Diagnóstico diferencial com cancro duro, herpes simples e linfogranuloma
venéreo.
Bacterioscopia do material do fundo da úlcera coletado com haste de platina ou
níquel cromado é o método eletivo para o diagnóstico laboratorial e permite a pesquisa
direta do bacilo em esfregaço corado pelo Gram. A pesquisa do bacilo de Ducrey deve
ser sempre complementada pela pesquisa do treponema em campo escuro na linfa que
emerge após a limpeza da lesão com gaze. Pode-se ainda raspar o fundo da lesão e
realizar esfregaço para a pesquisa de Calymmatobacterium granulomatis e células de
Tzank.
Cultura em ágar-chocolate demora 48 horas. Biópsia é sugestiva para
diagnóstico presuntivo e bacilos raramente podem ser demonstrados. Reação de Ito-
Reenstierna é intradermorreação do tipo tuberculínico, com resultado positivo após 24-
48 horas em 75% dos doentes.
Em todos os casos de cancroide é aconselhável fazer, trinta dias após a cura,
sorologia para sífilis e para vírus da imunodeficiência adquirida.
Tratamento
Cuidados locais, com lavagem frequente com água e sabão.
Opções terapêuticas:
- Tianfenicol granulado 5g por via oral em dose única;
- Tianfenicol cápsulas 500mg de 8/8 horas por via oral durante 5 dias;
Definição e transmissão
Infecção transmitida por contato sexual causada pela Chlamydia trachomatis
sorotipos L1, L2 e L3, bactéria intracelular obrigatória. Excepcionalmente pode ocorrer
inoculação acidental com localização extragenital.
Epidemiologia
Distribuição universal. No Brasil a frequência tem diminuído progressivamente
e atualmente trata-se de quadro raro.
Manifestações clínicas
Período de incubação variável, de três a trinta e dois dias.
A lesão primária é pápula, vesícula, exulceração ou ulceração superficial,
indolor, com involução em poucos dias. Uma cicatriz pode ser observada por meio de
exame minucioso da genitália. No homem, localiza-se preferencialmente na glande, no
freio, no prepúcio e no escroto. Na mulher, localiza-se preferencialmente em paredes
vaginais e colo uterino. Também pode ocorrer uretrite.
Após duas a quatro semanas surge a manifestação mais característica da
moléstia, a adenopatia inguinal, preferencialmente unilateral, sendo bilateral em cerca
de um terço dos casos, observada como regra nos homens e excepcionalmente nas
mulheres. Vários linfonodos são comprometidos e ocorre evolução de gânglios firmes,
levemente dolorosos e móveis para massa volumosa e dolorosa aderida à pele,
denominada bulbão. A pele sobrejacente torna-se eritêmato-edematosa e descamativa
seguindo-se ruptura dos linfonodos em um terço dos casos através de vários pontos de
drenagem, conferindo aspecto de “escumadeira”, o que explica a denominação
poroadenite inguinal para a doença. Geralmente ocorre cicatrização do processo sem
sequelas, mas em um quinto dos casos pode haver recorrência e formação de fístulas
que drenam secreção seropurulenta por semanas ou meses. Na mulher a infecção
localiza-se nos gânglios ilíacos profundos e/ou peri-retais, podendo haver dor e
drenagem de sangue, pus ou muco através do reto decorrente da ruptura do gânglio para
o seu interior.
Ocorrem manifestações sistêmicas, como febre, artralgia, mialgia, cefaleia,
prostração, sudorese noturna e hepatomegalia, geralmente discretas. Raramente,
ocorrem meningite, meningoencefalite, eritema nodoso, eritema polimorfo, urticária e
exantema máculo-papular.
A síndrome ano-genital engloba uma grande variedade de quadros clínicos, em
Diagnóstico
Diagnóstico diferencial com cancroide, sífilis, tuberculose,
paracoccidioidomicose e doença da arranhadura do gato. Quando ocorre síndrome ano-
retal, o diagnóstico diferencial deve ser feito com donovanose, doença de Crohn, colites
ou retites, hidradenite crônica e neoplasias.
O diagnóstico laboratorial:
- Detecção do agente por exame direto do esfregaço obtido de aspiração
do bulbão com coloração de Giemsa, com pesquisa de corpúsculos de
inclusão intracelulares de Chlamydia trachomatis, denominados
corpúsculos de inclusão de Gamma-Miyagawa;
- Cultura de aspirado do bulbão, swab e biópsia de mucosa retal;
- Teste de fixação de complemento;
- Microimunofluorescência;
- Ampliação do DNA por reação em cadeia da polimerase;
É importante excluir laboratorialmente sífilis e infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana pela possibilidade de coinfecção. Podem estar presentes
manifestações inespecíficas, como hipergamaglobulinemia e VDRL falso positivo.
Tratamento
Doxiciclina 100mg de 12/12 horas por via oral durante 21 dias.
Alternativas incluem Tetraciclina 500mg de 6/6 horas por via oral durante 21
dias, Eritromicina 500mg de 6/6 horas por via oral durante 21 dias, Sulfametoxazol-
Trimetoprim 800/160mg de 12/12 horas por via oral durante 21 dias e Tianfenicol
500mg de 8/8 horas por via oral durante 14 dias.
O bulbão inguinal flutuante não deve ser abordado cirurgicamente com incisão e
drenagem, uma vez que pode ocorrer a formação de trajetos fistulosos contínuos. A
conduta mais recomendada nesses casos é a punção aspirativa com agulha grossa,
devendo penetrar através da pele normal, superiormente ao bulbão. As fases tardias da
doença, quando ocorrem estenose retal, fístulas e elefantíase, pouco se beneficiam com
o tratamento clínico, necessitando de abordagem cirúrgica ampla, como vulvoplastia,
ressecção perineal ampla com colostomia, enxertia e, por vezes, cicatrização por
segunda intenção.
Donovanose
Definição
Enfermidade de evolução progressiva e crônica, de localização genital. Pode
ocasionar lesões granulomatosas e destrutivas. Também é conhecida como granuloma
inguinal ou granuloma venéreo. O agente etiológico é o Calymmatobacterium
granulomatis, bactéria Gram-negativa intracitoplasmática. Nas lesões, esse micro-
organismo é encontrado dentro de macrófagos sob a forma de pequenos corpos ovais
denominados corpúsculos de Donovan.
Quadro clínico
A doença inicia-se por lesão nodular, única ou múltipla, de localização
subcutânea, que erode e produz ulceração bem definida, que cresce lentamente e sangra
com facilidade. Acomete principalmente pele e tecido celular subcutâneo em genitália,
região perianal e região inguinal.
As úlceras têm fundo granulomatoso e crescimento exofítico, são pouco
dolorosas e podem causar fibrose e linfedema em graus variáveis. Existe risco de
carcinoma espinocelular associado ao quadro.
É rara a ocorrência de sintomas gerais e há ausência de adenopatia satélite.
Diagnóstico
Diagnóstico diferencial com cancro mole, sífilis secundária, condiloma
acuminado, carcinoma espinocelular, leishmaniose, paracoccidioidomicose e úlcera
fagedênica tropical.
O diagnóstico definitivo é estabelecido através da demonstração de corpúsculos
de Donovan em esfregaço de material proveniente de lesões suspeitas ou cortes
tissulares com coloração de Giemsa, Leishman ou Wright. Exame histopatológico
evidencia corpúsculos de Donovan dentro dos histiócitos.
Cultura em saco vitelino de ovos embrionados é difícil e raramente utilizada.
Sorologia tem positividade tardia e resultados falso-positivos.
Tratamento
Agente extremamente sensível ao tratamento.
Duração variável, geralmente até um mês após a resolução do quadro.
Drogas:
- Cloranfenicol 2g por dia por via oral;
- Tianfenicol granulado 2.5g em dose única por via oral no primeiro dia e
500mg de 12/12 horas por via oral a partir de então;
- Tetraciclina 500mg de 6/6 horas por via oral;
- Doxiciclina 100mg de 12/12 horas por via oral;
- Ciprofloxacino 750mg de 12/12 horas por via oral;
Não havendo resposta na aparência das leões nos primeiros dias de tratamento,
recomenda-se adicionar um aminoglicosídeo, como Gentamicina 1mg/kg/dia de 8/8
horas por via intravenosa. A resposta ao tratamento é avaliada clinicamente, sendo que
o critério de cura é o desaparecimento da lesão. As sequelas deixadas por destruição
tecidual extensa ou obstrução linfática podem exigir correção cirúrgica.
Gonorréia (blenorragia)
Definição
Infecção causada por diplococo Gram-negativo denominado Neisseria
gonorrhoeae, que se desenvolve na mucosa genital e eventualmente nas mucosas anal e
da orofaringe.
Epidemiologia
Mais comum nos homens, particularmente na faixa etária dos 15 aos 25 anos.
Quadro clínico
O período de incubação pode variar de um a dez dias. Portadores assintomáticos
constituem o principal fator de manutenção da doença.
No homem, os sintomas surgem dois a cinco dias após o contato, com prurido
intra-uretral e/ou disúria. A seguir, surge secreção uretral muco-purulenta, espessa,
abundante, amarelo-esverdeada. O meato uretral fica edemaciado e eritematoso, com
micção dolorosa e frequente sensação de mal-estar. Eventualmente pode ocorrer
adenopatia inguinal e temperatura subfebril.
70-80% das mulheres são assintomáticas ou oligossintomáticas. As 20-30%
sintomáticas apresentam quadro agudo de corrimento abundante, espesso, amarelo-
esverdeado, com quadro de vulvovaginite. Na progressão da infecção ocorre
endometrite e salpingite, o que constitui o quadro de doença inflamatória pélvica aguda,
que é caracterizada por febre, dores no abdômen inferior e dispareunia. Podem
apresentar apenas endocervicite ou uretrite com sintomas inespecíficos.
Manifestações extragenitais incluem ano-retite, faringite, oftalmia e gonococcia
disseminada.
Complicações
Progressão da infecção para uretra posterior, que ocorre em 50% dos casos.
Epididimite, orquite, prostatite, parafimose, salpingite aguda, abscessos,
pélvicos ou peri-hepatite, doença inflamatória pélvica aguda, infertilidade por fibrose
das trompas e bartolinite.
Diagnóstico
O diagnóstico é confirmado pela detecção do gonococo em esfregaço de
secreção purulenta corado por Gram, com exame bacterioscópico.
Cultura demora 24-48 horas.
Tratamento
Ceftriaxone 250mg por via intramuscular.
Ciprofloxacina 500mg por via oral.
Ofloxacina 400mg por via oral.
Penicilina G Procaína 4.800.000 UI por via intramuscular e Probenecida 1g por
via oral.
Ampicilina 3.5g ou Amoxacilina 3.0g e Probenecida 1g por via oral.
Tianfenicol granulado 2.5g por via oral.
Algoritmos
Etiologia e fisiopatologia
Esquistossomose é infecção causada por trematódeos do gênero Schistosoma.
Podem causar doença em humanos S. mansoni, S. japonicum, S. mekongi, S.
malayensis, S. haematobium e S. intercalatum. As quatro primeiras espécies parasitam
vasos do sistema porta e têm seus ovos eliminados nas fezes. S. haematobium parasita
preferencialmente vasos do plexo vesical e tem seus ovos eliminados na urina. S.
intercalatum causa com maior frequência infecção do sistema porta, mas pode parasitar
vasos do plexo vesical. No Brasil, a única espécie de interesse sanitário é o S. mansoni.
Machos e fêmeas de S. mansoni permanecem acasalados nos pequenos vasos
que irrigam a submucosa intestinal, onde a fêmea libera cerca de trezentos ovos por dia,
dois quais aproximadamente um terço consegue alcançar a luz intestinal, com
eliminação nas fezes. Ao atingirem coleções de água doce, ocorre a liberação dos
miracídios, que têm algumas horas para penetrar, através das partes moles, moluscos
planorbídeos do gênero Biomphalaria. Em seguida, sofrem intensas transformações e
multiplicação, que, após um período de trinta a quarenta dias, resultarão na formação de
dezenas de milhares de cercarias. Em respostas a estímulos ambientais, as cercarias são
liberadas, devendo encontrar em algumas horas os hospedeiros vertebrados suscetíveis,
nos quais provocam lesões em função da liberação de enzimas queratinolíticas.
Após a penetração das cercarias na pele, estas atingem as circulações linfática e
venosa, transformando-se em esquistossômulos. Essas formas jovens chegam aos
pulmões, onde passam à circulação arterial e, então, para a circulação portal.
Quadro clínico
À penetração das cercarias pela pele, segue-se quadro de prurido, caracterizando
a dermatite cercariana. Essa manifestação, que tende a ser mais acentuada nas
reexposições, é autolimitada.
A forma aguda da esquistossomose é aquela que se segue, após um período de
seis a oito semanas, ao primeiro contato com coleções hídricas que contenham cercarias,
sendo observada em indivíduos que não habitam áreas endêmicas, visitando-as de forma
casual, ou ainda em crianças de pouca idade nas áreas endêmicas. Trata-se de doença
febril, com curva térmica irregular, toxêmica, geralmente com instalação abrupta. São
comuns exantema máculo-papular, que pode ser urticariforme, diarreia, às vezes do tipo
disenteria, dor, distensão abdominal e broncoespasmo. Ao exame físico, nota-se
hepatoesplenomegalia dolorosa de pequenas dimensões, além de micropoliadenopatia
generalizada. O dado laboratorial mais característico é a intensa leucocitose com grande
eosinofilia. O diagnóstico deve levar em conta dados epidemiológicos, clínicos e
laboratoriais, assinalando-se que o exame parasitológico de fezes somente se torna
positivo para ovos de S. mansoni cerca de 35 dias após a infecção. Embora
ocasionalmente esse quadro possa apresentar gravidade, costuma ser autolimitado a não
mais de trinta a quarenta dias, havendo remissão completa dos sinais e dos sintomas. Se
não diagnosticado e tratado, o paciente evolui para as formas crônicas da doença.
Avaliação complementar
Exames inespecíficos
Os exames inespecíficos não revelam alterações características nas formas
crônicas da doença. O hemograma pode revelar anemia, leucopenia e plaquetopenia nas
formas hepatoesplênicas com hiperesplenismo. As enzimas hepáticas não costumam
estar alteradas de maneira importante. Pode ser observada proteinúria de intensidade
variável nos casos com comprometimento renal.
A ultrassonografia e a endoscopia digestiva alta são exames subsidiários
importantes na avaliação da hipertensão portal e suas consequências. Nas formas
pulmonares, radiografia de tórax revela retificação ou abaulamento do arco médio,
ecocardiograma revela hipertrofia de câmaras direitas e do tronco da artéria pulmonar e
eletrocardiograma revela sobrecarga de câmaras direitas.
Exames específicos
O diagnóstico da esquistossomose baseia-se no encontro de ovos do parasito,
seja em exame parasitológico de fezes, seja em exames histopatológicos, sobretudo da
mucosa retal. Os métodos de exame de fezes mais apropriados são os de sedimentação,
como o de Hoffman e Pons & Janer. A técnica de Kato-Katz tem a vantagem de
permitir a contagem de ovos, fato que tem importância por permitir a avaliação da carga
parasitária. A realização de cinco análises de fezes parece ser superior, em termos de
eficácia diagnóstica, à biópsia retal, devendo esta última ser reservada para situações
especiais. A positividade do exame de fezes ocorre a partir de trinta a trinta e cinco dias
da infecção, com risco de resultado falso-negativo nos primeiros dias das manifestações
clínicas da forma aguda.
Diversas técnicas sorológicas foram desenvolvidas para o diagnóstico da
esquistossomose, destacando-se imunofluorescência indireta e ELISA. Foram
desenvolvidas técnicas para a detecção de antígenos do parasita no soro e na urina.
Também encontram-se disponíveis técnicas de biologia molecular para pesquisa de
DNA do trematódeo nas fezes e no soro de pacientes, com boa sensibilidade e
especificidade em indivíduos com baixa carga parasitária. A intradermorreação com
esquistossomina tem importância epidemiológica.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da esquistossomose na sua fase aguda deve ser
realizado com doenças que evoluam sindromicamente com hepatoesplenomegalia febril,
como febre tifoide, brucelose, tuberculose miliar, formas anictéricas de leptospirose,
forma aguda da doença de Chagas e infecções mononucleose “símile”. A intensa
eosinofilia sugere o diagnóstico de esquistossomose aguda.
Tratamento
O tratamento da esquistossomose baseia-se na utilização de fármacos
específicos, tendo por objetivo a erradicação dos vermes adultos. Está indicado em
todos os casos parasitologicamente ativos, mesmo nas formas mais graves da doença,
visto que pode haver involução, mesmo que parcial, das alterações hepáticas e da
hipertensão portal.
Atualmente, as drogas disponíveis para quimioterapia são Praziquantel e
Oxamniquine. As taxas de cura após tratamento em dose única são similares para ambas
as droga, mas o Praziquantel tem menos efeitos adversos e tem ação contra as várias
espécies de Schistosoma. Ambos os fármacos devem ser evitados em mulheres grávidas
e nutrizes.
O Praziquantel, apresentado na forma de comprimidos de 150mg e 500mg, deve
ser administrado em dose única de 50-60mg/kg por via oral. Os efeitos adversos são
predominantemente gastrointestinais.
O Oxamniquine, apresentado na forma de comprimidos de 250mg, deve ser
administrado em dose única de 12.5-15.0mg/kg por via oral. Além de efeitos adversos
relacionados com o sistema digestivo, pode haver neurotoxicidade, com sonolência,
tontura e, mais raramente, convulsões.
O controle de cura pode ser realizado pela realização de seis exames de fezes
com intervalo mensal, sendo o primeiro deles feito quarenta e cinco a sessenta dias após
o tratamento.
Tratamento cirúrgico para alívio da hipertensão portal pode ser indicado em
alguns casos, seja pela realização de derivações porto-cava ou espleno-renal.
Desvantagens incluem encefalopatia hepática pós-operatória e eficácia apenas
temporária. Métodos mais conservadores incluem a esplenectomia com desconexão
ázigo-portal. A escleroterapia e a ligadura elástica das varizes esofagianas são métodos
bem menos invasivos e menos complexos que, embora com efeitos benéficos apenas
temporários, permitem uma prevenção adequada da hemorragia digestiva alta ao longo
do tempo na maioria dos casos. Esses procedimentos devem ser associados com
medidas farmacológicas para controle da hipertensão portal, representado pela
utilização crônica de betabloqueadores por via oral.
Prevenção
Estabelecimento de rede de saneamento básico constituída por sistemas de
tratamento e fornecimento domiciliar de água e recolhimento e tratamento de dejetos
domiciliares.
Controle dos planorbídeos.
Tratamento dos seres humanos infectados.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Transmissão
A febre amarela possui um ciclo simples, tipo vetor-hospedeiro, sendo o homem
um hospedeiro acidental.
A forma urbana, adquirida nas cidades, ainda ocorre na África. O vetor dessa
forma é o Aedes aegypti, o mesmo da dengue.
No ciclo silvestre, os mosquitos Haemagogus e Sabethes desempenham o papel
de vetor e reservatório do vírus, enquanto os macacos são, a exemplo do homem,
hospedeiros amplificadores da infestação. Os mosquitos apresentam hábitos diurnos,
são facilmente infectados pelos vírus e habitam as copas das árvores. Acometem o
homem que adentra a floresta por trabalho ou lazer sem vacinação pregressa.
Quadro clínico
O período de incubação da doença é curto, de três a sete dias. Todo paciente
residente ou oriundo de uma área de risco há quinze dias ou menos, sem vacina ou com
histórico vacinal desconhecido e que apresente um quadro febril com duração de até
sete dias deve ser considerado um caso suspeito de febre amarela.
A febre amarela possui apresentações clínicas que variam desde formas
assintomáticas ou oligossintomáticas, em 65% dos casos, até formas fulminantes, em
5% dos casos.
Sintomatologia presente em intensidade máxima e acompanhada de dores
abdominais, febre sem concomitância de taquisfigmia (sinal de Faget), fenômenos
hemorrágicos severos, como melena, hematêmese, petéquias e equimoses, oligoanúria e
comprometimento do sistema nervoso central, com agitação, sonolência, confusão ou
coma, sugerem a forma fulminante da febre amarela. Nas formas graves, pelo menos um
dos componentes da tríade que caracteriza a disfunção hepato-renal está presente,
enquanto que na forma fulminante todos os componentes estão presentes, com icterícia,
hematêmese e oligúria. Há hepatomegalia.
O início das manifestações nas formas graves se dá de forma abrupta, com febre
elevada, cefaleia intensa e mialgia. Em seguida, surgem náusea e vômitos. Pode haver
um período de remissão por 24-48 horas, seguido pela intensificação dos sintomas
dispépticos, com hematêmese e outras manifestações hemorrágicas, em geral
acompanhadas de plaquetopenia severa. Dá-se ainda o aparecimento de icterícia
decorrente de bilirrubina conjugada, com valores superiores a 20-30mg/mL, e elevação
de transaminases. Por volta do sétimo dia de doença surge insuficiência renal e pode
ocorrer encefalopatia. Se superada esta fase, ocorre uma recuperação lenta, progressiva
e plena, sem sequelas.
Forma Evolução Principais Grupos mais acometidos
clínica (dias) manifestações
Leve Até 2 Febre e cefaleia Crianças com anticorpos maternos IgG
Avaliação complementar
Diante de um caso suspeito, faz-se necessária a confirmação diagnóstica. No
caso confirmado, além da presença de sintomas compatíveis, é realizado o diagnóstico
específico por meio de detecção viral com isolamento, imuno-histoquímica ou reação
em cadeia da polimerase, ou de sorologias, com IgM em não-vacinados ou elevação em
pelo menos quatro vezes do título de IgG. A partir do quinto dia de sintomas é possível
realizar a pesquisa de IgM específica contra o vírus pela técnica de ELISA ou de
inibição da hemaglutinação. Esses anticorpos permanecem por até três meses, mas em
vacinados deve-se comparar o título primário com o de convalescença, sendo uma
elevação maior do que quatro vezes compatível com infecção recente. No caso de óbito,
deve-se procurar o RNA viral por técnicas de reação em cadeia da polimerase no soro
ou no fígado.
Em relação aos exames inespecíficos, destaca-se proteinúria maciça. Devem ser
solicitados hemograma, coagulograma, fibrinogênio, sódio e potássio séricos, uréia e
creatinina séricas, transaminases, bilirrubinas, creatinofosfoquinase, gasometria arterial,
urina I e hemocultura.
O perfil sorológico para hepatites virais deve ser solicitado.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial é feito com outras causas de febre hemorrágica, como
dengue, hantavirose, febre purpúrica brasileira e febre maculosa brasileira, que
habitualmente não cursam com icterícia. Outro diagnóstico diferencial é a leptospirose,
caracterizada por hipocalemia e elevação discreta de transaminases. As infecções
Tratamento
Não há uma terapia específica para a febre amarela. Para as formas graves, o
tratamento deve ser realizado com medidas intensivas, com suporte clínico e reposição
das perdas hematológicas e hídricas, preservando a função renal e o equilíbrio
hemodinâmico. Considerando a disfunção hepática severa, o suporte nutricional
específico e a manutenção da reserva glicêmica devem ser observados com atenção. A
disfunção renal pode levar à indicação precoce de hemodiálise. Deve-se evitar o uso de
anti-inflamatórios não-hormonais e outros medicamentos que possam deteriorar a
função renal e aumentar os riscos de sangramento.
É importante que, nos casos suspeitos com forma moderada, os pacientes sejam
hospitalizados e monitorizados cuidadosamente ante o risco de progressão. Nos casos
graves e fulminantes, os pacientes devem ser internados em unidade de terapia
intensiva.
Prevenção
A febre amarela é uma doença de notificação compulsória no Brasil. Assim,
diante de uma suspeita, é obrigatório notificar o caso às autoridades sanitárias, que
desencadeiam uma investigação epidemiológica, que deve resultar em vacinação de
bloqueio. Dessa forma, a vacina com vírus vivos atenuados é a medida mais eficaz para
a prevenção da febre amarela, uma vez que o combate aos vetores silvestres é inviável.
A vacina é recomendada aos moradores de regiões endêmicas ou aos indivíduos que
viajam para elas.
A vacinação abaixo dos seis meses de vida é contraindicada pelo risco de
encefalite viral. Portadores de imunodeficiências não devem, salvo situações
individualizadas, ser vacinados. As gestantes também possuem contraindicação relativa
a vacinação, pelo risco de transmissão ao concepto. Por fim, indivíduos com alergia à
proteína do ovo não devem ser imunizados.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Patogenia
A transmissão sexual do HIV-1 pode ocorrer por exposição das mucosas do trato
genital e gastrointestinal a sêmen, fluido pré-seminal, secreção cervicovaginal ou
sangue contaminados. As doenças sexualmente transmissíveis aumentam a
concentração do HIV-1 nas secreções mucosas, elevando o risco de transmissão do
vírus.
Janela imunológica
Anticorpos específicos contra o HIV começam a ser produzidos após o contágio.
No entanto, o tempo exato para seu aparecimento depende de vários fatores,
relacionados ao hospedeiro e ao agente viral, podendo ocorrer níveis baixos durante a
infecção recente. O período total para a detecção de anticorpos, isto é, a janela
imunológica, dura, em média, 29 dias. O Ministério da Saúde recomenda que o teste
anti-HIV seja realizado 60 dias após uma possível infecção.
Anamnese
Informações específicas sobre a infecção pelo HIV, com data do primeiro exame
anti-HIV, documentação do teste, tempo provável de soropositividade, situações de
risco para infecção, presença ou história de doenças oportunistas, contagem de
linfócitos T CD4 positivos e/ou carga viral prévias, uso prévio de terapia anti-retroviral
e efeitos adversos relacionados e compreensão sobre a doença.
Informações sobre o risco, com vida sexual, utilização de preservativos, história
de sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis, abuso de tabaco, álcool e outras
drogas, uso de drogas injetáveis e interesse em reduzir danos à saúde.
História médica atual e passada, com história de doença mental, história de
tuberculose, hospitalizações, outras doenças e uso de práticas complementares e/ou
alternativas.
História reprodutiva, com desejo de ter filhos e uso de métodos contraceptivos.
História social, com rede de apoio social, condições de domicílio, condições de
alimentação, emprego e aspectos legais.
História familiar, com doenças cardiovasculares, dislipidemia e diabetes
mellitus.
Exame físico
Em pele, pesquisar sinais de dermatite seborreica, foliculite, micose, molusco
contagioso e sarcoma de Kaposi.
Em cabeça e pescoço, realizar, sempre que possível, fundoscopia quando
contagem de linfócitos T CD4 positivos inferior a 200 por mm3. Na orofaringe,
pesquisar candidíase oral e/ou leucoplasia pilosa.
Pesquisar linfadenopatia.
Em abdômen, pesquisar hepatomegalia e esplenomegalia.
Em sistema nervoso central, pesquisar sinais focais e avaliar estado cognitivo.
Em região genital, anal e perianal, pesquisar corrimentos, úlceras e verrugas.
Prevenção
Recomenda-se que seja feita avaliação do risco cardiovascular global utilizando
a escala de Framingham como rotina em toda pessoa com infecção pelo HIV.
Além da adoção de um estilo de vida que inclua atividade física rotineira e
Avaliação laboratorial
A abordagem laboratorial no início do acompanhamento clínico de pacientes
assintomáticos precede e auxilia a avaliação do benefício de iniciar terapia anti-
retroviral, permitindo complementar a avaliação da condição geral de saúde, bem como
pesquisar a presença de comorbidades. A contagem de linfócitos T CD4 positivos
estabelece o risco de progressão para síndrome da imunodeficiência adquirida e morte,
sendo o indicador laboratorial mais importante em pacientes assintomáticos para definir
o momento de iniciar o tratamento. Para esse grupo de pacientes, a carga viral tem
maior importância quando a contagem de linfócitos T CD4 positivos estiver próxima a
500 por mm3, auxiliando a estimar a intensidade da deterioração imunológica no
período até a próxima consulta agendada, apoiando assim a decisão de iniciar o
tratamento.
O teste tuberculínico (PPD) é um importante marcador de risco para o
desenvolvimento de tuberculose. Quando negativo, inferior a 5mm, deve ser repetido
anualmente para orientar a indicação de quimioprofilaxia com Isoniazida. Como parte
dessa avaliação, antes de iniciar a quimioprofilaxia, deve-se excluir tuberculose ativa
usando critérios clínicos, exame de escarro e radiografia de tórax.
Exame Periodicidade e comentários
Hemograma Repetir a cada três a seis meses ou, com maior frequência, em caso de sintomas
ou uso de drogas mielotóxicas
Repetir a cada três a quatro meses para pacientes em tratamento anti-retroviral
Contagem de Repetir a cada três a seis meses, quando valores discrepantes ou, com maior
linfócitos T CD4 frequência, quando houver tendência de queda
positivos Repetir a cada três a quatro meses para pacientes em tratamento anti-retroviral
Carga viral Repetir quando contagem de linfócitos T CD4 positivos próxima a 500 células
por mm3
Repetir a cada três a quatro meses para pacientes em tratamento anti-retroviral
Avaliação hepática e Repetir uma vez ao ano
renal Repetir a cada três a quatro meses para pacientes em tratamento anti-retroviral
Exame básico de Inicial para pesquisa de proteinúria relacionada ao HIV
urina Repetir a cada três a quatro meses para pacientes em uso de medicamentos
nefrotóxicos
Exame Inicial
parasitológico de
fezes
Colpocitologia Repetir em seis meses e, se normal, anualmente
oncótica
Citologia oncótica Opcional, devendo ser considerada em pessoas que tenham prática receptiva anal
anal
PPD Repetir anualmente caso o indivíduo seja não reator
Nos casos de contato com tuberculose ou PPD superior ou igual a 5mm, já está
indicada a quimioprofilaxia, não sendo necessário, portanto, realizar o exame
Imunizações
Adultos e adolescentes que vivem com HIV podem receber todas as vacinas do
calendário nacional, desde que não apresentem deficiência imunológica importante. À
medida que aumenta a imunodepressão, eleva-se também o risco relacionado à
administração de vacinas de agentes vivos, bem como se reduz a possibilidade de
resposta imunológica consistente. Sempre que possível, deve-se adiar a administração
de vacinas em pacientes sintomáticos ou com imunodeficiência grave, caracterizada por
contagem de linfócitos T CD4 positivos inferior a 200 células por mm3, até que um grau
satisfatório de reconstituição imune seja obtido com o uso de terapia anti-retroviral, o
que proporciona melhora na resposta vacinal e reduz o risco de complicações pós-
vacinais. A administração de vacinas com vírus vivos atenuados em pacientes com
imunodeficiência deve ser condicionada à análise individual de risco-benefício e não
deve ser realizada em casos de imunodepressão grave.
A vacina contra Haemophilus influenzae tipo b é indicada para menores de
dezenove anos de idade não-vacinados, com duas doses com intervalo de dois meses.
A vacina contra Varicela zoster não possui dados que respaldem seu uso
rotineiro em adultos e adolescentes HIV positivos suscetíveis, devendo-se avaliar risco
e benefício conforme a situação imunológica.
A vacina para febre amarela, contraindicada em gestantes, não tem eficácia e
segurança estabelecidas para pacientes portadores do HIV. Pode ser recomendada
levando-se em consideração a condição imunológica do paciente e a situação
epidemiológica local. É indicada em áreas de alto risco para indivíduos com contagem
de linfócitos T CD4 positivos superior a 350 células por mm3. Não é indicada em áreas
de baixo risco nem para indivíduos com contagem de linfócitos T CD4 positivos
inferior a 200 células por mm3. Também não é indicada em áreas de médio risco para
indivíduos com contagem de linfócitos T CD4 positivos entre 200 e 350 células por
mm3.
A vacina dupla do adulto, contra difteria e tétano, deve ser administrada em três
doses com intervalo de dois meses e reforçada a cada dez anos. Gestantes devem seguir
o calendário habitual.
Tratamento
O objetivo básico do tratamento antirretroviral é diminuir a mortalidade e a
morbidade consequentes à infecção pelo HIV. A supressão da replicação viral leva à
recuperação ou preservação da função imune e, com isso, à diminuição da frequência de
infecções e neoplasias oportunistas. Estudos recentes sugerem que a supressão viral
também diminui a inflamação e a ativação imunológica crônicas, que podem estar
associadas a algumas condições clínicas previamente não consideradas como associadas
à infecção pelo HIV, como eventos cardiovasculares.
Efeitos adversos
Náusea, anorexia, cefaleia, alterações no paladar, mal-estar e insônia são
frequentes nas primeiras quatro semanas de uso da AZT. O paciente deve ser orientado
a persistir com a medicação, pois após esse período, tais efeitos desaparecem, com
melhora considerável do apetite. A cefaleia pode persistir em alguns pacientes, porém
raramente chega a ser necessária a substituição do medicamento. Conforme já discutido,
o AZT deverá ser suspenso quando ocorrer anemia e/ou neutropenia após seu início,
desde que exista uma tendência consistente de queda dos glóbulos vermelhos e/ou
brancos que leve a potencial prejuízo ao paciente. O 3TC habitualmente é bem tolerado
nas primeiras quatro semanas de terapia inicial, sendo rara a ocorrência de efeitos
adversos. Eventualmente podem ocorrer pancreatite ou neuropatia periférica. O ddI EC
é melhor tolerado que a apresentação tamponada, mas pode ocasionar náusea, vômitos,
diarreia e anorexia, principalmente logo após seu início. Atenção especial é necessária
ao risco de pancreatite, podendo determinar hiperamilasemia com ou sem dor
abdominal ou até mesmo quadro grave de pancreatite aguda. Tais efeitos podem ocorrer
nas primeiras quatro semanas, mas geralmente são mais tardios. A polineuropatia
periférica, quando ocorre, é mais tardia.
O TDF é normalmente bem tolerado. O risco de toxicidade renal associado ao
uso de TDF é de 1.5/1000 pacientes/ano, com elevação da uréia e da creatinina,
disfunção tubular proximal (síndrome de Fanconi) e diabetes insipidus. Os principais
efeitos adversos do EFZ estão relacionados ao sistema nervoso central, tais como
tonturas com sensação de embriaguez, sonolência ou insônia, dificuldade de
Falha do tratamento
Diagnóstico
Após a instituição do tratamento anti-retroviral, basicamente três aspectos da
evolução podem caracterizar falha ou sucesso terapêutico:
- Evolução da carga viral;
- Evolução da contagem de linfócitos T CD4 positivos;
- Ocorrência de eventos clínicos;
A falha virológica é definida por não-obtenção ou não-manutenção de carga
viral indetectável. Caracteriza-se por carga viral confirmada acima de 400 cópias por
mL após 24 semanas ou acima de 50 cópias por mL após 48 semanas de tratamento ou,
ainda, para indivíduos que atingiram supressão viral completa, por rebote confirmado de
carga viral acima de 400 cópias/mL. Deve ser confirmada em três a quatro semanas para
excluir transativação hereróloga.
O declínio progressivo da contagem de linfócitos T CD4 positivos caracteriza
falha imunológica. Deve-se considerar, entretanto, que há ampla variabilidade biológica
individual e interindividual nas contagens dessas células, assim como variabilidade
laboratorial referente à reprodutibilidade técnica do teste. Existe também a variação
circadiana dos níveis de CD4 e, portanto, recomenda-se que a amostra para o teste seja
obtida no período da manhã. Frente a reduções maiores que 25% na contagem de
linfócitos T CD4 positivos, deve-se suspeitar de falha imunológica e proceder a
confirmação do exame.
A progressão clínica da infecção expressa principalmente por meio de infecções
ou tumores oportunistas, tem sido a referência para caracterizar falha clínica. No
entanto, na ausência de falha virológica, a ocorrência de doenças oportunistas não indica
falha do tratamento anti-retroviral, mas sim reflete, na maior parte dos casos,
reconstituição imune parcial e insuficiente.
Causas
Uma das causas mais frequentes é a baixa adesão ao tratamento, dada a
complexidade da posologia e a ocorrência de efeitos adversos.
A insuficiente potência do esquema anti-retroviral também pode acarretar
supressão viral parcial.
Fatores farmacológicos, como má-absorção do anti-retroviral, eliminação
acelerada do medicamento e baixa penetração em alguns santuários de replicação viral.
Transativação heteróloga, que pode elevar a carga viral sem ocasionar
repercussões clínicas relevantes, seleção de resistência ou falha virológica definitiva.
Resistência celular.
Erro laboratorial.
Teste de genotipagem
Estudos sobre a utilidade do teste de genotipagem para detecção de resistência
do HIV aos medicamentos anti-retrovirais apontaram para benefício da resposta
virológica à terapia anti-retroviral quando o teste é utilizado para auxiliar na escolha de
um esquema de resgate.
Na prática clínica, o teste de genotipagem possibilita troca de esquemas anti-
retrovirais com resistência identificada ao invés de presumida, propicia o uso de drogas
Teste de fenotipagem
A fenotipagem é a comparação direta da capacidade replicativa do vírus do
paciente em relação a um vírus de referência frente a concentrações seriadas dos anti-
retrovirais.
Enfuvirtida
A Enfuvirtida foi o primeiro inibidor de fusão aprovado para uso clínico. É um
peptídeo sintético de 36 aminoácidos lineares, apresentado sob a forma de pó liofilizado
branco ou acinzentado, para ser aplicado por via subcutânea. É indicada exclusivamente
para terapia de resgate fazendo parte de um esquema contendo, no mínimo, uma a duas
outras drogas ativas. Por ter baixa barreira genética, a resistência desenvolve-se
rapidamente se for usada sem outra droga ativa no esquema, ou seja, em monoterapia
funcional. Seu mecanismo de ação é distinto das demais classes de drogas e, por isso,
não há resistência cruzada com os demais anti-retrovirais disponíveis. Os efeitos
adversos mais comuns são locais, relacionados à administração por via subcutânea,
como desconforto, dor, eritema, equimose, prurido, enduração, nódulos e cistos. Há
relatos de hipersensibilidade, incluindo febre, exantema, náusea, vômitos, calafrios,
hipotensão, distúrbios respiratórios, glomerulonefrite, síndrome de Guillain-Barré,
elevação de transaminases, trombocitopenia, neutropenia e hiperglicemia, mas não são
frequentes. A Enfuvirtida só deve ser indicada durante a gravidez na ausência de outras
opções ativas e mais seguras.
Duplo IP
Sabe-se que em caso de resistência muito ampla aos IP, uma das alternativas que
pode ser utilizada é o aumento da dose das medicações ou a associação de dois IP com
Darunavir
O Darunavir (DRV), previamente denominado TMC114, é um novo IP com alta
afinidade por essa enzima. Apresenta potência antiviral elevada, mesmo na presença de
mutações de resistência aos IP de uso corrente. O DRV possui estrutura não-peptídica
que contém em sua molécula um radical de sulfonamida e, portanto, deve ser utilizado
com cuidado em pessoas com história de alergia a sulfas.
Medicina preventiva
No Brasil, são obrigatórias as notificações da síndrome da imunodeficiência
adquirida e, em grupos específicos, da infecção por HIV.
O risco relativo de infecção por HIV aumenta na presença de outras doenças
sexualmente transmissíveis.
Comportamento de risco inclui transfusão de sangue ou hemoderivados, uso de
drogas injetáveis com compartilhamento de agulhas e seringas, relação sexual não
protegida e múltiplos parceiros sexuais.
A exposição sexual pode ser decorrente tanto de situações que envolvam
violência sexual como acidental. Nas duas situações, de acordo com o Ministério da
Saúde, a profilaxia deve ser iniciada preferencialmente em um prazo de 72 horas. As
situações em que a exposição sexual ocorre com parceiro cuja sorologia para o HIV é
desconhecida devem ser avaliadas cuidadosamente antes da instituição da profilaxia.
Para a profilaxia, são recomendados esquemas com três drogas, com duração de 28 dias.
As combinações de primeira escolha consistem em AZT, 3TC e IDV/r, AZT, 3TC e
LPV/r e AZT, 3TC e NFV. Em caso de contraindicação ao AZT, como hemoglobina
inferior a 8.0g/dL e/ou contagem de neutrófilos inferior a 500/mm3, as combinações de
Anexos
Neurotoxoplasmose
Lesão encefálica causada pela reativação de Toxoplasma gondii no sistema
nervoso central. Geralmente, a doença manifesta-se em indivíduos com contagem de
linfócitos T CD4 positivos inferior a 100 células por mm3, sendo rara em pacientes com
contagem de linfócitos T CD4 positivos superior a 200 células por mm3.
As manifestações clínicas mais comuns são sintomas de encefalite, com cefaleia,
convulsões, paresia, hemiplegia, alterações de pares cranianos, confusão mental e
rebaixamento do nível de consciência. A febre é infrequente. Ao exame físico, são
observados déficits neurológicos focais. Manifestações extraneurológicas são raras,
sendo descritos quadros de pneumonia e coriorretinite.
Tomografia computadorizada de crânio e ressonância nuclear magnética
evidenciam lesões únicas ou múltiplas acometendo principalmente gânglios da base,
com realce anelar e edema peri-lesional. Em decorrência do edema acentuado, pode
ocorrer apagamento de ventrículos e desvio de linha média.
O diagnóstico definitivo é difícil de ser realizado, pois o reaparecimento de
anticorpo IgM na reativação é raro. Alguns pacientes com contagem de linfócitos T
CD4 muito baixa podem apresentar sorologia negativa para anticorpo da classe IgG.
Detecção de T. gondii por reação em cadeia da polimerase no líquor pode auxiliar no
diagnóstico, uma vez que a especificidade é de 100%, porém possui baixa sensibilidade,
ao redor de 50%. A punção liquórica é contraindicada na presença de edema importante
com efeito de massa ou desvio de linha média. No exame quimiocitológico de líquor,
geralmente não são encontradas alterações significativas, estando a celularidade
preservada e a proteinorraquia e a glicorraquia pouco alteradas.
Devido à alta prevalência de sorologia positiva para toxoplasmose no nosso
meio, em caso de lesão sugestiva em pacientes com HIV, a terapia empírica deve ser
iniciada. Se houver resposta clínica e radiológica em duas a três semanas, o diagnóstico
estará estabelecido. O tratamento de escolha é Sulfadiazina 1g por via oral de 6/6 horas
se peso inferior a 60kg ou 1.5g por via oral de 6/6 horas se peso superior ou igual a
60kg associada a Pirimetamina 200mg por via oral no primeiro dia e 50mg por via oral
nos dias subsequentes e Ácido Folínico 15mg por via oral uma vez ao dia durante pelo
menos seis semanas. Dexametasona é indicada em caso de edema ou efeito de massa
importante secundários à lesão, devendo ser descontinuada logo que possível.
Anticonvulsivantes devem ser administrados quando houver convulsões.
Alternativas terapêuticas incluem Clindamicina 600mg por via oral ou
intravenosa de 6/6 horas associada a Pirimetamina e Ácido Folínico,
Sulfametoxazol/Trimetoprim 25mg/kg /5mg/kg por via oral ou intravenosa e
Azitromicina 900-1200mg por via oral uma vez ao dia associada a Pirimetamina e
Ácido Folínico.
O controle da resposta ao tratamento deve ser realizado com exame de imagem
dez a quatorze dias após o início do tratamento. Em caso de ausência de resposta, deve-
se realizar biópsia.
Após o tratamento de ataque, institui-se a terapia de manutenção com
Sulfadiazina 500-1000mg por via oral de 6/6 horas associada a Pirimetamina 25-50mg
Tuberculose
Doença causada por M. tuberculosis, de alta prevalência mundial.
A coinfecção de HIV com tuberculose aumenta o risco de adoecimento por
tuberculose, assim como a disseminação e a gravidade da doença.
A manifestação clínica de tuberculose em pacientes HIV positivos é influenciada
pelo grau de imunodeficiência. Em indivíduos com contagem de linfócitos T CD4
positivos superior a 350 células por mm3, a apresentação clínica em geral é similar à das
pessoas sem infecção por HIV, com doença localizada, geralmente pulmonar, e padrão
radiológico típico de cavitação ou infiltrado micronodular em ápices pulmonares.
Manifestações extrapulmonares, normalmente ganglionares, podem ser encontradas, não
diferindo daquelas dos imunocompetentes.
À medida que a imunodepressão evolui, manifestações extrapulmonares ou
disseminadas tornam-se mais frequentes. Em pacientes com contagem de linfócitos T
CD4 positivos inferior a 50 células por mm3, o acometimento sistêmico pode ser
importante, com febre elevada e progressão para sepse. Pode ocorrer acometimento do
sistema nervoso central, com meningite ou meningoencefalite. A evolução geralmente é
subaguda, com cefaleia e febre, acompanhada de perda de peso e sinais e sintomas de
irritação meníngea. Na presença de meningoencefalite, quadros convulsivos podem ser
encontrados. Envolvimento de órgãos do sistema retículo-endotelial também é
frequente, com comprometimento ganglionar, hepático, esplênico e de medula óssea,
ocasionando quadros de dor abdominal, icterícia obstrutiva, hepatoesplenomegalia e
citopenias. Derrames pleural, pericárdico e peritoneal também podem ser encontrados.
Acometimento de suprarrenal e tubo digestivo podem estar presentes nas formas
disseminadas da doença.
O diagnóstico de tuberculose deve ser realizado pela procura do agente em
secreção, fluido ou tecido do órgão acometido.
No tratamento de tuberculose em pacientes coinfectados pelo HIV, deve-se levar
em consideração a interação medicamentosa entre Rifampicina e drogas anti-retrovirais,
assim como a adesão do paciente e o risco de efeitos colaterais, particularmente nas
primeiras semanas de tratamento. Assim, deve-se priorizar a terapia anti-tuberculosa, de
preferência com esquemas que incluem a Rifampicina. O esquema a ser utilizado para o
tratamento da tuberculose no portador de HIV não difere do recomendado ao paciente
sem essa comorbidade.
Todo paciente com HIV que não teve tuberculose deve ser submetido a teste
tuberculínico e, se não reator, o exame deve ser repetido seis meses após o início da
terapia anti-retroviral, devido à possibilidade de reconstituição imunológica com
restauração da resposta tuberculínica, e anualmente para detecção de viragem do exame.
Em caso de reação positiva, superior ou igual a 5mm, deve-se afastar doença ativa e
iniciar a quimioprofilaxia com Isoniazida 300mg/dia durante seis meses para reduzir o
Criptococose
Infecção fúngica causada por Cryptococcus neoformans, que acomete, em geral,
pacientes com contagem de linfócitos T CD4 positivos inferior a 100 células por mm3.
A doença pode atingir qualquer parte do organismo, porém a localização no sistema
nervoso central é a mais comum em pacientes infectados pelo HIV.
O quadro clínico geralmente é subagudo, caracterizado por febre e cefaleia
intermitente, que se torna cada vez mais frequente, com perda de peso e adinamia.
Apenas 30% dos pacientes apresentam sinais de irritação meníngea e fotofobia.
Encefalite, manifestada por letargia, alterações cognitivas e alterações comportamentais,
pode estar presente.
Punção liquórica revela elevação da pressão intracraniana, elevação da
proteinorraquia, celularidade pouco alterada ou normal e glicorraquia pouco diminuída
ou normal. No esfregaço direto com tinta da China, é possível observar formas fúngicas.
Histoplasmose
Doença fúngica causada por Histoplasma capsulatum. A infecção ocorre por
inalação de microconídios. A doença geralmente se manifesta em pacientes com
contagem de linfócitos T CD4 positivos inferior a 100 células por mm3.
A manifestação clínica mais comum é a forma disseminada, comprometendo
pulmões, medula óssea, fígado, baço, gânglios, trato digestivo, pele e, raramente,
sistema nervoso central. O quadro clínico é subagudo, caracterizado por febre, astenia,
perda de peso e adinamia. No comprometimento pulmonar, tosse, dor torácica e
dispneia podem estar presentes. Ao exame físico, são encontradas alterações na ausculta
pulmonar, hepatoesplenomegalia, adenomegalia e lesões cutâneas pápulo-crostosas.
Radiografia e tomografia computadorizada de tórax evidenciam infiltrados
micronodulares. Avaliação laboratorial revela pancitopenia e elevação de desidrogenase
lática. O diagnóstico é baseado na identificação de H. capsulatum em sangue periférico,
medula óssea, raspado de pele, secreção pulmonar ou outros materiais obtidos dos
órgãos acometidos. A detecção de antígeno no sangue ou na urina possui alta
sensibilidade nas formas disseminadas. Testes sorológicos também podem ser utilizados
para auxiliar o diagnóstico.
O tratamento é feito com Anfotericina B 0.7mg/kg por via intravenosa uma vez
ao dia por pelo menos dez dias. Quando houver envolvimento do sistema nervoso
central, é necessário manter o tratamento por pelo menos doze a dezesseis semanas. A
fase de manutenção é feita com Itraconazol 200mg por via oral duas vezes ao dia, não
sendo recomendada interrupção.
Alternativas terapêuticas incluem Itraconazol 400mg por via intravenosa uma
vez ao dia para a fase aguda e Fluconazol 800mg por via oral uma vez ao dia para a fase
Citomegalovírus
Doença causada pela reativação do citomegalovírus, geralmente em pacientes
com contagem de linfócitos T CD4 positivos inferior a 50 células por mm3. Pode
acometer qualquer órgão, sendo mais comum a ocorrência de lesões em olhos, como
retinite, tubo digestivo, como úlceras esofágicas, gástricas e colônicas, medula óssea,
sistema nervoso central e pulmões.
A coriorretinite pode ser assintomática quando acomete a periferia da retina,
sendo um achado ao exame de fundo de olho, ou cursar com borramento visual,
escotomas, redução do campo visual e cegueira. Ao exame do fundo do olho, é
observada lesão característica de retinite necrotizante, com aspecto amarelo
esbranquiçado, com ou sem hemorragia retiniana. Pode ser encontrado descolamento de
retina.
A lesão esofágica é responsável por disfagia, perda de peso, febre e desconforto
retroesternal. A colite por citomegalovírus caracteriza-se por febre, perda de peso,
anorexia, diarreia e dor abdominal. A diarreia pode ser sanguinolenta e perfuração
intestinal pode ser uma complicação. O diagnóstico é feito por endoscopia com
visualização de úlceras na mucosa e biópsia de lesão, que revela corpúsculos de
inclusão característicos. O uso de reação de imuno-histoquímica específica para
citomegalovírus ou de reação em cadeia da polimerase auxilia o diagnóstico.
Acometimento hematológico é caracterizado por pancitopenia, febre, perda de
peso e adinamia. Mielograma com pesquisa através de reação em cadeia da polimerase
positiva em vigência de quadro clínico compatível confirma o diagnóstico.
Pneumonite por citomegalovírus em pacientes infectados pelo HIV é incomum.
Cursa com tosse seca, dispneia progressiva e hipoxemia. Radiografia de tórax evidencia
infiltrado intersticial difuso. O diagnóstico é feito por biópsia transbrônquica.
Comprometimento neurológico pode levar a demência, encefalite ou
polirradiculomielopatia. A evolução geralmente é subaguda. A demência é semelhante
ao complexo demência por HIV, com alteração de raciocínio, letargia e confusão,
porém, em geral, há febre. Exame liquórico evidencia pleocitose linfocítica ou
neutrofílica, glicorraquia normal ou pouco diminuída e proteinorraquia normal ou pouco
aumentada. Quadros de encefalite apresentam evolução mais aguda, com déficits
neurológicos focais, frequentemente com alteração de pares cranianos. A evolução
geralmente é rápida. Exames de imagem evidenciam realce periventricular. A
polirradiculomielopatia apresenta quadro semelhante à síndrome de Guillain-Barré,
caracterizada por perda progressiva de força nos membros inferiores e alteração de
controle esfincteriano. Exame e líquor revela pleocitose com predomínio neutrofílico,
hipoglicorraquia e elevação de proteínas. O diagnóstico de comprometimento
neurológico pelo citomegalovírus é confirmado pela identificação no líquor, geralmente
por meio de reação em cadeia da polimerase.
O tratamento da reativação com citomegalovírus é feito com Ganciclovir
5mg/kg por via intravenosa de 12/12 horas durante quatorze a vinte e um dias,
associado, em caso de retinite, a Valganciclovir 900mg por via oral de 12/12 horas
durante quatorze a vinte e um dias. Alternativa terapêutica para retinite inclui Foscarnet
90mg/kg por via intravenosa de 12/12 horas durante quatorze a vinte e um dias e
implante ocular de Ganciclovir associado a Ganciclovir 5mg/kg por via intravenosa de
12/12 horas durante quatorze a vinte e um dias.
Profilaxia secundária é realizada com Ganciclovir 5mg/kg por via intravenosa
uma vez ao dia ou Foscarnet 90-120mg/kg por via intravenosa uma vez ao dia até
Sarcoma de Kaposi
Neoplasia de origem vascular causada por herpesvírus 8, atualmente também
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Etiologia
A leishmaniose visceral é causada por protozoários da família
Trypanosomatidae, ordem Kinetoplastidae, gênero Leishmania. As espécies que causam
doença visceral incluem L. chagasi, L. donovani, L. infantum e L. archibaldi. A
leishmaniose visceral americana é causada pela L. chagasi. A L. donovani é o agente
etiológico da doença na Índia e a L. infantum é o agente etiológico da doença no
Mediterrâneo.
O parasita é intracelular obrigatório e se multiplica nas células do sistema
fagocítico mononuclear do mamíferos suscetíveis. No Brasil, a leishmaniose visceral
americana é uma zoonose de canídeos, que se transmite ao homem pela picada do vetor,
hospedeiro intermediário, que é um mosquito classificado como flebotomídeo, cuja
espécie é Lutzomyia longipalpis. Somente as fêmeas do vetor são hematófagas, de
modo que somente elas podem transmitir a doença. Contaminam-se quando sugam o
sangue da pele dos canídeos infectados, ingerindo parasitos ali presentes. Existem
formas raras de transmissão congênita por via transplacentária.
Quadro clínico
O período de incubação da leishmaniose visceral é variável, geralmente com
duração de dois a cinco meses.
A forma assintomática corresponde à infecção inaparente e é detectada em
indivíduos sem manifestação clínica através de inquéritos epidemiológicos ou em áreas
de transmissão através de positividade da intradermorreação ou presença de anticorpos
específicos no soro. Os títulos de anticorpos são baixos e podem permanecer positivos
por tempo indeterminado. Os indivíduos que tiveram leishmaniose visceral foram
tratados e se curaram apresentam também positividade do teste intradérmico e
anticorpos específicos em títulos baixos.
A forma oligossintomática pode passar despercebida ou ser confundida com
outras doenças infecciosas. O paciente, em geral criança, apresenta discreto
comprometimento do estado geral, anemia discreta, diarreia, emagrecimento e
adinamia. Em geral, não se relata febre. A hepatomegalia normalmente está presente e
não ultrapassa 5cm. A esplenomegalia, ao contrário da forma clássica da leishmaniose
visceral, é discreta e pode estar ausente. As alterações laboratoriais são pouco evidentes,
com hemograma normal ou com anemia discreta, velocidade de hemossedimentação
elevada e eletroforese de proteínas normal. A intradermorreação é geralmente negativa.
Os anticorpos anti-leishmania estão sempre presentes. Esses quadros são autolimitados
e, em geral, não se indica tratamento. Os sintomas podem persistir por cerca de três a
seis meses. A pesquisa de parasitas em aspirado de medula óssea e a cultura têm baixa
Avaliação complementar
Exames inespecíficos
Os exames laboratoriais inespecíficos que auxiliam no diagnóstico são o
hemograma e a eletroforese de proteínas. O hemograma revela anemia, leucopenia com
neutropenia e, frequentemente, plaquetopenia. Na eletroforese de proteínas, são
observados diminuição da albumina e elevação da gamaglobulina em pico policlonal.
Exames específicos
O diagnóstico específico direto geralmente é feito pelo encontro de formas
amastigotas de leishmânias em esfregaços corados pela coloração de Leishman ou
Giemsa obtidos por punção de medula óssea ou punção esplênica. Esse material deve
ser cultivado em meio especial, NNN. O mesmo material obtido por punção também
pode ser inoculado em hamster, por via intraperitoneal.
Diagnóstico diferencial
No diagnóstico diferencial da forma clássica, devem ser consideradas as doenças
de curso crônico e que apresentem durante a evolução febre e hepatoesplenomegalia,
como a histoplasmose, a tuberculose miliar, a toxoplasmose, a endocardite bacteriana e
a malária crônica. Devem ser incluídas as doenças não transmissíveis, como os
linfomas, as leucemias e as colagenoses.
No decurso da forma hepatoesplênica da fase crônica da esquistossomose
mansônica não ocorre febre. Já a enterobacteriose septicêmica prolongada é uma
bacteremia crônica por enterobactérias, principalmente Salmonella spp, que acomete
indivíduos com esquistossomose mansônica, especialmente na forma hepatoesplênica,
sendo uma das principais hipóteses no diagnóstico diferencial da leishmaniose visceral.
Tratamento
Internação hospitalar
A internação está indicada, de forma geral, a todos os pacientes com a forma
grave da leishmaniose visceral, com alterações laboratoriais que podem ser
consideradas como fatores de mau prognóstico em decorrência de risco de infecção ou
sangramento, como leucopenia menor que 1000/mm3, neutropenia menor que 500/mm3
e plaquetopenia abaixo de 50000/mm3. Outros achados que também indicam gravidade
são hemoglobina sérica inferior a 7g/dL, creatinina superior a duas vezes o valor de
referência, alteração no coagulograma, alteração hepática, como bilirrubina total acima
dos valores de referência, transaminases acima de cinco vezes o limite superior da
normalidade e albumina inferior a 2.5g/dL, e exame radiológico do tórax sugestivo de
pneumonia.
Antimonial Pentavalente
Atualmente, existem duas apresentações do Antimonial Pentavalente, o
Estibogluconato de Sódio, usado em países de língua inglesa, e o Antimoniato de N-
Metilglucamina (Glucantime®), empregado habitualmente na França e no Brasil, com
frascos de 5mL contendo 81mg de Antimonial Pentavalente por mL. A dose
recomendada para o tratamento da leishmaniose visceral é 20mg/kg/dia de Antimônio
Pentavalente, com duração de vinte a quarenta dias sendo o tempo médio de tratamento
vinte e oito dias. A dose para tratamento deve ser calculada com base no conteúdo de
Antimônio Pentavalente em cada ampola, nunca ultrapassando a dose de três ampolas
por dia, ou seja, 15mL/dia.
As contraindicações ao uso dos antimoniais são gestação, cardiopatia, nefropatia
e hepatopatia. Os efeitos adversos incluem artralgia, mialgia, náusea, vômito, cefaleia,
anorexia, aumento de transaminases, fosfatase alcalina, lipase e amilase, leucopenia,
alargamento do intervalo QT e alterações do segmento ST. Efeitos colaterais menos
Anfotericina
Embora a utilização do Antimonial Pentavalente tenha sido ampla e tenha
modificado o panorama da doença em muitos países, incluindo o Brasil, a droga com
maior potencial leishmanicida é a Anfotericina B, que existe em formulação
convencional na forma de Desoxicolato e em formulações lipídicas, todas para
aplicação intravenosa lenta.
A formulação Desoxicolato é apresentada na forma de frascos liofilizados com
50mg de Anfotericina. A dose preconizada é de 0.5-0.7mg/kg/dia ou 1mg/kg em dias
alternados até uma dose total de 2-3g, sem ultrapassar dose diária de 50mg. Esse
esquema apresenta alta toxicidade, sobretudo renal, com distúrbios hidroeletrolíticos,
mas também cardíaca. Os efeitos adversos mais comuns são aqueles que ocorrem
durante a infusão da droga, como febre, anorexia, náusea, vômitos e flebite. Não existe
um valor de creatinina estabelecido para interromper o tratamento, porém níveis acima
de 2.0mg/dL podem ser considerados de risco. A hipopotassemia pode ser manejada
com reposição oral quando o potássio sérico encontra-se acima de 2.5mEq/L. Anemia e
leucopenia também podem ocorrer. O monitoramento do tratamento deve consistir em
dosagem dos níveis séricos de sódio, potássio, magnésio, uréia e creatinina, além da
realização de eletrocardiograma, duas vezes por semana.
As formulações lipídicas são medicamentos mais recentes com menos efeitos
adversos. A mais estudada na leishmaniose visceral é a Anfotericina Lipossomal
(Ambisome®), apresentada em frasco-ampola de 50mg de Anfotericina, com dose de 4-
5mg/kg/dia durante cinco dias. Trata-se da droga de primeira escolha nas formas graves.
Outras drogas
Uma droga que vem se tornando bastante atrativa no tratamento da leishmaniose
visceral tem sido a Miltefosina, quimioterápico de apresentação oral e com poucos
eventos adversos. No entanto, necessita de mais estudos para determinar seus efeitos na
leishmaniose visceral brasileira. As diamidinas aromáticas, como a Pentamidina,
também são bastante eficazes no tratamento da leishmaniose visceral.
Nas formas refratárias ao tratamento antimonial, têm sido avaliados muitos
esquemas alternativos, sendo um dos mais referidos a utilização de Alopurinol em doses
de 15-20mg/kg/dia, divididas em duas a três tomadas diárias, durante cerca de quatorze
dias, em associação com o antimonial.
Nos casos de insucesso com o uso de Anfotericina B, principalmente se for de
formulação lipídica, a recomendação é repetir o tratamento.
Evolução
A recidiva é considerada como retorno dos sinais e dos sintomas da doença,
assim como positivação do exame parasitológico, antes de doze meses de completado o
tratamento. A falha terapêutica é definida como a não melhora dos critérios clínicos e
laboratoriais durante a reavaliação do paciente após um, três, seis e doze meses de
acompanhamento.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Etiologia
As leptospiras são bactérias helicoidais móveis aeróbicas ou microaerófilas
obrigatórias que compartilham características de bactérias Gram-positivas e Gram-
negativas. Quando coradas, são facilmente visualizadas em microscopia de campo
escuro ou de contraste de fase. A espécie patogênica para o homem é a Leptospira
interrogans e a saprofítica ou de vida aquática, não-patogênica, é a Leptospira biflexa.
Transmissão
Geralmente, o homem se infecta quando entra em contato com água ou solo
contaminado com urina de animais infectados. Os ratos infectados com leptospiras
muitas vezes se tornam portadores crônicos e eliminam leptopiras pela urina por meses
ou anos. As leptospiras penetram através de solução de continuidade da pele ou pelas
mucosas, mesmo íntegras. Algumas formas de transmissão mais raras são descritas,
como a transplacentária, por acidentes em laboratório e por mordedura de rato.
Nos países desenvolvidos, os principais relatos de transmissão são relacionados
a atividades recreacionais e/ou esportivas, como natação em lagos, represas ou rios.
Quadro clínico
A maioria das infecções são assintomáticas ou autolimitadas, influenza-símile.
Todavia, uma pequena parte corresponde a formas graves, como a síndrome de Weil,
caracterizada por icterícia, insuficiência renal e fenômenos hemorrágicos, e a síndrome
hemorrágica pulmonar.
O período de incubação é variável, usualmente sete a quatorze dias, com
extremos de um a trinta dias. A leptospirose pode apresentar uma evolução bifásica, que
geralmente não é observada nas formas mais graves. O primeiro período é o de
leptospirosemia, que dura de quatro a sete dias. Segue-se um período de defervescência
de um a dois dias, seguido de período de recrudescência da febre e dos sintomas, que
pode durar quatro a trinta dias, correspondendo ao segundo período ou fase imune da
leptospirose.
Forma anictérica
A doença tem início abrupto com febre, calafrios, cefaleia e mialgia, sobretudo
nos músculos da panturrilha, mas podendo acometer outros grupos musculares. Rigidez
de nuca pode refletir acometimento meníngeo. Anorexia, náusea, vômitos, diarreia,
prostração, dores articulares e hiperemia ou hemorragia conjuntival são frequentemente
observados. Na pele, podem ocorrer exantemas máculo-papular, eritematoso ou
petequial.
Seguindo-se a defervescência, inicia-se, após um a dois dias, a fase imune, em
que os anticorpos específicos começam a ser detectados no soro. A principal
manifestação clínica da fase imune da forma anictérica é a meningite do tipo linfocitária
Avaliação complementar
Exames inespecíficos
Hemograma pode revelar neutrofilia e desvio à esquerda. Leucocitose
geralmente está presente em graus variados, mas também se pode observar leucopenia
ou contagem normal. Plaquetopenia é muito frequente na síndrome de Weil, com
intensidade variável. Anemia pode ser leve a moderada, consequente ao quadro
Exames específicos
O isolamento da Leptospira no sangue, na urina ou no líquor pode ser feito em
meios de cultura apropriados. A cultura só pode ser considerada negativa após seis a
oito semanas de incubação. Todavia, possui baixa sensibilidade.
Na prática, a maioria dos casos de leptospirose é diagnosticada por sorologia. Os
anticorpos são detectáveis no sangue após cinco a sete dias do início dos sintomas e
podem persistir por semanas ou meses após a cura. Os testes mais utilizados são
ELISA-IgM e micro-aglutinação, que é o padrão-ouro. A sensibilidade na primeira
semana de doença é em torno de 25%.
A reação em cadeia da polimerase tem se mostrado útil no diagnóstico de
leptospirose. Os principais fatores limitantes são o custo, a falta de padronização e a
necessidade de tecnologia apropriada.
Estudos identificaram boa sensibilidade e especificidade para os testes
diagnósticos baseados em proteínas recombinantes, que estão sendo incorporadas em
plataforma de teste rápido.
Diagnóstico
Considera-se caso confirmado de leptospirose quando ocorrer isolamento da
Leptospira em algum espécime clínico, aumento de quatro vezes no título inicial ou
título único superior ou igual a 1:800 pela reação de soroaglutinação microscópica ou
detecção de anticorpos da classe IgM pela reação de ELISA.
Diagnóstico diferencial
Tratamento
De modo geral, a leptospirose é uma doença autolimitada. As formas leves e
moderadas requerem tratamento sintomático, hidratação e antibioticoterapia. Nas
formas graves, a terapêutica de suporte é de suma importância e compreende reposição
volêmica e correção de distúrbios hidroeletrolíticos. Quando a insuficiência renal não
for revertida, preconiza-se submeter o paciente a diálise, com hemofiltração ou
hemodiálise clássica, precocemente. Diálise peritoneal é uma opção.
O tratamento das formas leves pode ser conduzido com Doxiciclina 100mg de
12/12 horas por via oral ou Amoxacilina 500mg de 8/8 horas por via oral. Já o
tratamento das formas moderadas e graves pode ser conduzido com Penicilina G
Cristalina 1500000UI de 6/6 horas por via intravenosa, Ceftriaxone 1g uma vez ao dia
por via intravenosa ou Ampicilina 0.5-1.0g de 6/6 horas por via intravenosa durante sete
dias.
O tratamento da insuficiência respiratória preconiza a monitorização e a
manutenção da pressão parcial de oxigênio acima de 80mmHg. Para tanto, deve-se
utilizar todas as técnicas terapêuticas, inclusive ventilação mecânica com estratégia
protetora e hipercapnia permissiva, com volume corrente inferior a 6mL/kg e pressão
expiratória final positiva elevada, superior a 15cmH2O. Deve-se evitar reposição hídrica
em excesso.
Prevenção
Evitar que o homem entre em contato com água ou solo contaminado constitui a
base das medidas profiláticas. Além disso, diversas providências devem ser adotadas
para controlar os animais portadores, em especial os roedores e os animais domésticos.
Outras medidas incluem rede de esgoto adequada, retificação e canalização de córregos,
coleta e destino adequado do lixo e campanhas educacionais.
Para pessoas que vão atuar em áreas de risco, pode-se recomendar a
administração de antibiótico profilático. A população mais indicada a receber esse tipo
de tratamento são os militares, os bombeiros e os profissionais que irão se submeter a
situação de risco por um tempo limitado. A Doxiciclina é o antitbiótico mais
recomendado, com dose de 200mg uma vez por semana por via oral. Em relação à
profilaxia secundária, os estudos são limitados. Alguns autores indicam
antibioticoterapia após enchentes ou exposições ocasionais com Doxiciclina 100mg de
12/12 horas por via oral durante sete dias.
As vacinas disponíveis para humanos são baseadas em extrato bruto da bactéria
e só protegem contra os sorotipos nela contidos. No Brasil, não existe vacina disponível
para aplicação em humanos.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Etiologia
Quatro espécies do gênero Plasmodium são reconhecidas como agentes
etiológicos da malária humana, P. malariae, P. vivax, P. falciparum e P. ovale. No
Brasil ocorre a transmissão das três primeiras espécies, com P. vivax, responsável pela
maior parte dos casos. A resposta imune na malária caracteriza-se por ser espécie-
específica, estágio-específica, fraca e de curta duração.
Portadores de hemoglobina S, como na anemia falciforme, e hemoglobina fetal,
como na talassemia, são relativamente resistentes à malária, já que o parasita não
sobrevive bem nas hemácias que possuem a hemoglobina alterada. Indivíduos que são
grupo sanguíneo Duffy negativos são resistentes à malária por P. vivax.
A transmissão natural da malária humana ocorre pela picada do mosquito
infectado. Os vetores são insetos da ordem Diptera, da família Culicidae, do gênero
Anopheles. Uma via de transmissão pouco habitual é a malária induzida, resultado do
contato com sangue infectado. A prevalência e os mecanismos de transmissão
placentária são pouco conhecidos.
Quadro clínico
O período de incubação varia conforme a espécie de plasmódio. Na infecção
pelo P. falciparum, varia de sete a onze dias, enquanto que na infecção pelo P. vivax
varia de dez a quatorze dias e na infecção pelo P. malariae varia de quatorze a vinte e
oito dias. Já na infecção induzida por transfusão de sangue ou hemoderivados o período
de incubação varia de dez horas a sessenta dias e na infecção congênita varia de três a
oito semanas.
O quadro clínico clássico da malária aguda caracteriza-se pelo paroxismo
secundário ao rompimento das hemácias parasitadas ao final do ciclo eritrocitário, com
intervalo de tempo variável, ao redor de 48 horas na infecção por P. falciparum e P.
vivax (febre terçã) e de 72 horas na infecção por P. malariae (febre quartã). No entanto,
indivíduos que vivem em áreas hiperendêmicas e recebem múltiplas picadas de
mosquitos infectados habitualmente apresentam mais de um ciclo de esquizogonia não
simultânea, com paroxismos em intervalos menores de 48 horas.
A evolução clínica, em especial as complicações relacionadas à doença, varia
conforme características da espécie envolvida e do grau de imunidade do hospedeiro.
Malária grave
Crianças, gestantes e primoinfectados apresentam risco elevado de evoluir para
formas graves de malária. As formas graves e de urgência, com raras exceções, são
observadas nas infecções por P. falciparum.
O paciente apresenta febre persistente, podendo não ser muito elevada, e não
apresenta calafrios nem sudorese. A cefaleia é intensa e o vômito é frequente. Ocorre
delírio. Geralmente, mais de 2% das hemácias encontram-se parasitadas, ocorrendo
anemia.
Se o paciente não for tratado de forma adequada, poderá evoluir rapidamente
para forma grave da doença, com acentuação dos sinais e dos sintomas, surgindo as
complicações. Pode ocorrer comprometimento renal, pulmonar, cerebral, hepático ou
hematológico, com anemia ou trombocitopenia.
Critérios clínicos de gravidade incluem hipertermia contínua, alteração do nível
de consciência, convulsão, icterícia, sangramentos anormais, choque circulatório, lesão
pulmonar aguda, microglobinúria e hemoglobinúria. Critérios laboratoriais de gravidade
incluem hiperparasitemia com mais de 2% nos primoinfectados e parasitemia superior a
100000 trofozoítos por mm3, anemia severa, insuficiência renal aguda, hipoglicemia,
hiperlactatemia e distúrbios hidroeletrolíticos.
Malária na criança
Em crianças maiores de cinco anos de idade, a malária habitualmente tem a
mesma evolução que em adultos, porém nem sempre se observam os sinais
característicos do paroxismo palúdico, levando, com frequência, a erro diagnóstico.
Entretanto, em regiões endêmicas, a infecção causada pelo P. falciparum é responsável
por alta taxa de morbidade e mortalidade em crianças em idade pré-escolar.
Os lactentes geralmente não apresentam paroxismos típicos. Tornam-se flácidos
e sonolentos, perdem o apetite, têm frio e podem apresentar vômitos e convulsões. A
febre pode ser contínua, remitente, intermitente ou irregular. Posteriormente, podem
surgir dores abdominais e diarreia. A despeito de não ser achado comum, podem surgir
hepatomegalia e esplenomegalia. Nas evoluções mais graves surge icterícia e anemia.
A despeito da malária grave quase sempre ser causada pelo P. falciparum, a
infecção pelo P. vivax pode também ter evolução grave em crianças pela alta taxa de
reticulócitos.
Malária na gestante
Avaliação complementar
Hemograma pode revelar anemia e/ou trombocitopenia discreta, com
leucometria normal ou alterada. A concentração sérica das enzimas hepáticas pode estar
normal ou discretamente elevada. Nos casos graves, de comprometimento sistêmico
múltiplo, as alterações laboratoriais dependem do órgão envolvido. As alterações
laboratoriais devem ser monitorizadas para uma adequada condução do caso.
Os métodos diagnósticos padrão-ouro são a gota espessa e o esfregaço de sangue
periférico, ambos de realização simples. Possibilitam a identificação da espécie e do
estágio do plasmódio envolvido na infecção, bem como a quantificação da carga
parasitária.
Os métodos indiretos consistem na demonstração da presença de anticorpos
específicos contra plasmódio no soro, que não se correlaciona com infecção em
atividade.
O diagnóstico molecular pela reação em cadeia da polimerase apresenta elevada
sensibilidade e especificidade para detecção de plasmódio.
Diagnóstico diferencial
As doenças que mais comumente podem ser confundidas com o paroxismo da
malária em sua forma típica são aquelas acompanhadas de bacteremia. Quanto às
complicações, o diagnóstico diferencial depende do órgão ou sistema acometido.
Tratamento
O tratamento de malária habitualmente é bastante eficaz, desde que iniciado de
modo precoce e utilizado de maneira correta. Idealmente, devem ser utilizados
medicamentos que atuem nas diferentes fases do ciclo. No Brasil, o Ministério da Saúde
recomenda os esquemas a serem utilizados, estando as drogas disponíveis gratuitamente
nas unidades de referência. A decisão de como tratar o paciente com malária deve ser
precedida de informações sobre idade, comorbidades, história prévia de malária, espécie
de plasmódio, gravidade da doença e suscetibilidade aos antimaláricos convencionais.
Quimioprofilaxia
Viajantes que se dirigem a áreas rurais da África e do Sudeste Asiático devem
procurar orientação em serviços especializados, que levará em conta o risco de adquirir
malária de acordo com o estilo de viagem e as destinações previstas, bem como o perfil
de resistência dos parasitas locais às drogas disponíveis.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Quadro clínico
O período de incubação é de cerca de quatro a seis semanas, mas a fonte da
infecção é raramente identificada.
A mononucleose infecciosa é caracterizada clinicamente por febre,
faringoamigdalite, linfadenomegalia generalizada e hepatoesplenomegalia, ocorrendo,
sobretudo, em crianças e adultos jovens. Os principais sintomas da doença são dor de
garganta, astenia intensa, cefaleia e dor abdominal. A febre, na maioria dos casos, não
ultrapassa duas semanas de duração, mas a resolução completa dos sinais e sintomas
pode levar várias semanas.
Os pacientes apresentam-se, via de regra, com bom estado geral, apesar da
abundância de achados ao exame clínico. A faringe encontra-se sempre muito
hiperemiada e o exsudato de amígdalas, quando presente, é membranoso, de aspecto
branco-acinzentado, cobrindo em geral toda a loja amigdaliana. Ao contrário do que se
observa na difteria, o exsudato da mononucleose infecciosa nunca invade os tecidos
adjacentes à loja amigdaliana. Já a amigdalite estreptocócica é caracterizada pela
presença de pontos purulentos não confluentes, sendo o pus facilmente retirado com
uma espátula. Em casos raros, o processo inflamatório na faringe é muito intenso e,
além do exsudato, observa-se hiperemia e edema importantes, chegando a prejudicar a
respiração. Petéquias de palato ocorrem em cerca de metade dos pacientes. A
linfonodomegalia é dolorosa e generalizada, atingindo praticamente todas as cadeias
ganglionares. O fígado e o baço apresentam aumento moderado e são dolorosos. O
aumento de linfonodos, fígado e baço pode perdurar por semanas ou meses após o
término da febre. Icterícia pode ser observada eventualmente. Em alguns casos, pode
ocorrer edema palpebral de curta duração, conhecido como sinal de Hoagland.
Hepatite, com ou sem icterícia e plaquetopenia, faz parte do quadro clínico
habitual da mononucleose infecciosa. Contudo, existem complicações que são raras,
mas potencialmente graves. Incluem hemorragia subcapsular e ruptura do baço,
trombocitopenia grave, pericardite, encefalite, síndrome de Guillain-Barré e outras
complicações neurológicas, como mielite transversa, encefalomielite, paralisia do nervo
facial e paralisia de outros pares cranianos. São ainda relatadas complicações
respiratórias, como pneumonite intersticial, cardíacas, como miocardite e pericardite,
renais, como hematúria e proteinúria transitórias, e hematológicas, como anemia
aplástica, granulocitopenia e síndrome hemofagocítica, quase todas com regressão
espontânea.
Doenças linfoproliferativas
Avaliação complementar
Os achados laboratoriais incluem, além das alterações no hemograma, aumento
moderado de enzimas hepáticas e presença de anticorpos anti-núcleo, anti-hemácia e
heterofilos, que são a base da reação de Paul-Bunnell-Davidsohn. Icterícia leve, às
custas de aumento da bilirrubina direta, pode ser vista em cerca de 10% dos casos. Os
achados característicos do hemograma na mononucleose infecciosa são leucocitose às
custas de aumento absoluto, superior a 3000/mm3, e relativo, superior a 50%, de
linfócitos, com presença de linfócitos atípicos. Plaquetopenia moderada pode ocorrer
em quase metade dos casos.
O diagnóstico específico é dado pela positividade da reação de Paul-Bunnell-
Davidsohn ou pela pesquisa de anticorpos para cápside do vírus Epstein-Barr de classe
IgM (anti-VCA).
Tratamento
O tratamento é sintomático. Estudos controlados não mostraram eficácia clínica
do tratamento com Aciclovir e outros antivirais. Não existem também estudos
comprovando a utilidade do uso e corticosteroides no tratamento da mononucleose
infecciosa.
Prevenção
No momento, não existe vacina comercialmente disponível para prevenir a
mononucleose infecciosa.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Giardíase
Infecção causada pelo protozoário flagelado Giardia lamblia, atualmente
denominado Giardia duodenalis ou Giardia intestinalis. É adquirida pela ingesta de água
ou alimentos contaminados por cistos. Tem distribuição universal e é, atualmente, uma
das parasitoses mais diagnosticadas.
Muitos casos passam despercebidos por serem assintomáticos, porém cerca de
metade dos indivíduos contaminados apresentam quadro clínico caracterizado com
frequência por diarreia líquida, volumosa, com três a cinco evacuações por dia, com
muco, sem sangue, às vezes acompanhada de desconforto abdominal ou dor abdominal
em cólica, raramente com náusea, vômitos e febre baixa. A infecção parece ser, com
frequência, mais sintomática quando acomete crianças. Os sintomas podem regredir sem
tratamento específico após algumas semanas ou persistir sob a forma de diarreia crônica
com síndrome de má-absorção e emagrecimento. Quadros atípicos podem se manifestar
com dor epigástrica ou simulando cólica biliar.
O diagnóstico é feito por meio do exame das fezes. Nas fezes líquidas,
predominam as formas trofozoítas, sendo o exame a fresco, com fezes coradas por
Lugol ou hematoxilina-férrica, a técnica mais adequada. Nas fezes formadas,
predominam os cistos, muito resistentes às condições ambientais, e as técnicas de
fixação e concentração são úteis para melhorar a sensibilidade do exame, com a de
Faust e a de Ritchie usualmente empregadas. Como a eliminação do parasita nas fezes é
intermitente, para o correto diagnóstico é imprescindível o exame de três amostras de
fezes colhidas com o intervalo de uma semana.
Atualmente, os compostos imidazólicos são as drogas de primeira escolha no
tratamento da giardíase. Emprega-se o Tinidazol, apresentado na forma de comprimidos
de 500mg, na dose de 2g por via oral em dose única para adultos. O Metronidazol,
apresentado na forma de comprimidos de 250mg, deve ser utilizado com dose de 250mg
três vezes por dia por via oral durante sete a dez dias para adultos. Outros compostos
imidazólicos estão disponíveis com a mesma eficácia dos demais, podendo ser
administrados na mesma dose do Tinidazol, como Nimozarol, Secnidazol e Ornidazol.
O controle de cura deve ser realizado com exames coproparasitológicos colhidos
sete, quatorze e vinte e um dias após o tratamento. O emprego de Albendazol,
apresentado na forma de comprimidos de 400mg, na dose de 400mg por dia, durante
cinco dias, também mostrou-se eficaz. Deve-se atentar para o fato de que determinados
pacientes permanecem infectados com G. duodenalis, às vezes por longos períodos de
tempo, apesar de adequadamente tratados.
Criptosporidíase
Trata-se de infecção determinada mais frequentemente por coccídios do gênero
Cryptosporidium spp, parasitas intracelulares causadores de quadros de diarreia
autolimitada em indivíduos imunocompetentes e diarreia crônica em 10-30% dos
pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida e contagem de linfócitos T CD4
positivos inferior a 200/mm3. Pode haver infecção assintomática. A maior parte dos
casos em seres humanos deve-se a C. hominis e a C. parvum. Na vigência de
comprometimento imunológico importante, pode ocorrer enterite com diarreia líquida
Ciclosporíase
Infecção determinada por Cyclospora cayetanensis, agente intracelular
potencialmente causador de quadros diarreicos em imunocompetentes e de diarreia
crônica em indivíduos com comprometimento da imunidade celular, sobretudo
pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida e contagem de linfócitos T CD4
positivos inferior a 100/mm3.
Na prática clínica, as características da doença diarreica por C. cayetanensis são
indistinguíveis daquelas causadas por Cryptosporidium spp. O diagnóstico é feito da
mesma maneira que o da criptosporidíase. A exemplo daquilo que ocorre com a
criptosporidíase, a ciclosporíase também deve ser considerada no contexto da diarreia
dos viajantes, sobretudo quando houver deslocamento para áreas consideradas
endêmicas, principalmente aquelas de clima tropical ou subtropical.
O tratamento em imunocompetentes com quadros sintomáticos é feito com a
associação Sulfametoxazol/Trimetoprim, apresentada na forma de comprimidos de
400mg/80mg e 800mg/160mg, com 800mg/160mg quatro vezes ao dia por via oral
durante dez dias e 800mg/160mg três vezes por semana de manutenção até que seja
obtida melhora da imunidade celular pelo controle da carga viral do retrovírus.
Isosporíase
A infecção pelo coccídeo Isospora belli pode causar doença diarreica em
indivíduos imunocompetentes, embora sua presença no tubo digestivo dessa população
seja mais frequentemente assintomática. É nos imunodeprimidos, sobretudo pela
presença de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, que essa infecção assume
maior importância clínica, com quadros diarreicos extremamente graves em pacientes
com imunidade celular comprometida, nos quais o número de linfócitos T CD4
positivos é menor que 100/mm3.
Microsporidíase
Infecção reconhecida predominantemente em indivíduos imunocomprometidos
por infecção pelo vírus da imunodeficiência humana determinada por parasitas
intestinais intracelulares obrigatórios pertencentes a vários gêneros e espécies, sendo
mais comuns Enterocytozoon bieneusi e Encephalitozoon intestinalis.
O quadro clínico consiste em enterite com diarreia líquida e emagrecimento
acentuado em decorrência de má absorção, sem febre. A contagem de linfócitos T CD4
positivos em geral é inferior a 100/mm3.
Até recentemente, o diagnóstico baseava-se exclusivamente na análise de
fragmentos de biópsia intestinal por meio de microscopia eletrônica. Contudo, hoje é
possível contar com a técnica de coloração tricrômica modificada por Weber, além de
métodos de biologia molecular.
O tratamento recomendado é feito com Albendazol na dose de 400-800mg duas
vezes por dia por via oral durante período superior a três semanas em caso de infecção
por E. intestinalis. Já nos casos de infecção por E. bieneusi, a resposta ao Albendazol é
insatisfatória na maioria das vezes e a Fumagilina parece ter atividade anti-parasitária,
havendo boas perspectivas de que tenha utilidade terapêutica.
Amebíase
Trata-se de protozoose com distribuição mundial causada por Entamoeba
histolytica, cuja transmissão ocorre por intermédio da ingesta de água ou alimentos
contaminados por cistos do protozoário presentes nas fezes de indivíduos infectados.
Outra modalidade de transmissão é o contato sexual oro-anal.
As apresentações clínicas variam desde formas assintomáticas a formas
intestinais e extra-intestinais. As formas intestinais são, mais comumente,
oligossintomáticas, com náusea, flatulência, cólicas abdominais e alterações do ritmo
intestinal leves. A forma disentérica, denominada retocolite amebiana aguda, manifesta-
se por sangue e muco nas fezes, cólicas abdominais intensas, tenesmo, náusea, vômitos
e cefaleia, com febre baixa em parcela dos casos. Raramente ocorre enterorragia ou
complicações como perfuração intestinal e megacólon tóxico. A amebíase intestinal
crônica pode suceder a forma disentérica, sendo caracterizada por períodos de diarreia
recorrente, com muco nas fezes, dor abdominal e perda de peso intercalados por
períodos assintomáticos. A forma pseudotumoral, denominada ameboma, localiza-se
quase sempre na parede de reto, sigmoide ou ceco. Em geral, esses tumores são
pequenos, mas podem atingir grandes dimensões, com obstrução intestinal.
As formas extra-intestinais atingem, sobretudo, o fígado, sob a forma de
pequenos focos de necrose parenquimatosa, que, após coalescerem, dão origem a
Balantidíase
Trata-se da infecção pelo maior protozoário ciliado, Balantidium coli, parasita
de suínos, cuja incidência na espécie humana é atualmente rara. As infecções em
crianças podem se apresentar com quadros de síndrome disentérica de extrema
gravidade. O diagnóstico é facilmente estabelecido pelo encontro de formas
trofozoíticas muito características nas fezes. O tratamento é realizado com Tetraciclina,
apresentada na forma de comprimidos de 500mg, com dose de 30-50mg/kg/dia por via
oral em quatro tomadas diárias durante dez dias, ou com Metronidazol, com dose de
20mg/kg/dia por via oral em três tomadas diárias durante sete dias.
Diantamebíase
Este parasita, frequentemente estudado no grupo das amebas, é, na realidade, um
flagelado. Não apresenta estágio de cisto, sendo binucleado. Vive no intestino grosso,
sendo raramente descrito fagocitando hemácias.
A ocorrência de doença diarreica é relatada em 15-20% dos portadores de D.
fragilis. O quadro clínico é caracterizado por dor abdominal, fezes amolecidas mucoides
ou mesmo hemorrágicas, flatulência, fraqueza, fadiga, náusea, vômitos e
emagrecimento.
A transmissão deste parasita ainda é discutível, mas pode estar relacionada com
a transmissão de outros parasitas intestinais, como ovos de nematódeos, ou transmissão
direta entre homens, como em homens que têm relação sexual com outros homens.
O tratamento dos casos sintomáticos pode ser realizado com Tetraciclina na dose
de 250mg quatro vezes ao dia durante sete dias ou com Metronidazol na dose de 750mg
três vezes ao dia durante dez dias.
Outros protozoários
Diversas outras espécies de protozoários podem ser identificadas em exames
parasitológicos de fezes, porém não são patogênicas, apenas comensais. Incluem
Entamoeba coli, Entamoeba hartmanni, Endolimax nana, Iodamoeba butschlii,
Chilomastix mesnilli e Trichomonas hominis.
Helmintíases
Ancilostomíase
Trata-se de infecção causada por um conjunto de helmintos pertencentes à
família Ancylostomatidae, classificados em duas subfamílias distintas, Ancylostominae
e Necatorinae. A subfamília Ancylostominae contém parasitas que possuem cápsula
bucal com dentículos, abrangendo Ancylostoma duodenale, parasita habitual do
intestino delgado do ser humano e que raramente parasita outros animais, Ancylostoma
ceylanicum, espécie parasita de seres humanos na Ásia, Ancylostoma brasiliense,
parasita habitual de cães e gatos que, ao infectar seres humanos, dá origem a migrações
cutâneas conhecidas como síndrome de larva migrans cutânea, e Ancylostoma caninum,
parasita de cães que, além de ocasionar a síndrome da larva migrans cutânea em seres
humanos, pode, raramente, causar migrações no intestino delgado, dando origem a uma
enterite eosinofílica. Já a subfamília Necatorinae contém parasitas possuidores de
aparato bucal com placas cortantes, sendo apenas uma espécie de interesse médico, o
Necator americanus.
O habitat de Ancylostoma duodenale e Necator americanus é representado pelo
duodeno, pelo jejuno e pela porção proximal do íleo de seres humanos. Os parasitas
Estrongiloidíase
Trata-se da geo-helmintíase causada por Strongyloides stercoralis, adquirida pela
penetração ativa de larvas pela pele do hospedeiro, à semelhança do que ocorre com os
ancilostomídeos. As larvas, após a passagem pelos pulmões, são deglutidas e terminam
sua maturação, dando origem a fêmeas adultas, partenogenéticas, que, inseridas na
mucosa ou na submucosa do duodeno, ovipõe. Logo após a postura, os ovos eclodem
liberando larvas, que são eliminadas com as fezes. No solo, estas larvas se transformam
em vermes adultos machos e fêmeas de vida livre, que, por meio de reprodução
sexuada, dão origem a larvas filarioides, que são infectantes. Uma característica muito
importante do ciclo biológico de Strongyloides stercoralis é a ocorrência de auto-
infecção. Dessa forma, mesmo sem reexposição a solo que contenha larvas infectantes,
o parasitismo é mantido por tempo indefinido.
Após a fase de invasão, podem ocorrer manifestações pulmonares, que
caracterizam a síndrome de Löeffler. O quadro clínico decorrente da presença das
fêmeas adultas na intimidade da mucosa ou da submucosa do intestino delgado pode ser
dividido em formas habituais, com escassa sintomatologia ou com epigastralgia, e em
hiperinfecção, com quadros diarreicos e síndrome de má-absorção.
Ascaridíase
Trata-se da helmintíase causada por nematoide da família Ascaridae denominado
Ascaris lumbricoides, vulgarmente referido como lombriga. A transmissão ocorre com a
ingesta de ovos larvados após permanecerem por período mínimo de dez a quinze dias
no solo, carreados por mãos sujas de terra ou material fecal ou, ainda, por alimentos e
água contaminados com fezes. Os ovos ingeridos liberam larvas infectantes no intestino
delgado, que atravessam a mucosa intestinal, alcançam a veia porta, passam pelo fígado
e atingem, por fim, os alvéolos pulmonares e a árvore traqueobrônquica, de onde são
eliminadas no escarro ou deglutidas. No tubo digestivo, tornam-se vermes adultos e se
reproduzem, liberando ovos nas fezes.
Especialmente em crianças, a passagem larvária pelo fígado pode ocasionar
hepatomegalia e pelos pulmões, a síndrome de Löeffler. Hepatite ascaridiana e abscesso
ascaridiano no fígado são ocorrências raras. Também na ascaridíase intestinal, a
infecção pode ser sintomática ou não. Os sintomas gastrointestinais incluem náusea,
vômitos, cólicas abdominais e meteorismo. Em casos de parasitismo intenso, podem
ocorrer as chamadas complicações cirúrgicas, como abdômen agudo obstrutivo,
apendicite, obstrução do colédoco, obstrução da ampola de Vater e obstrução do canal
de Wirsung, com consequente pancreatite. Também pode ocorrer migração dos vermes
para o estômago, com vômito subsequente e aspiração destes para a árvore
traqueobrônquica.
O diagnóstico é facilitado pela eliminação diária de grande número de ovos pela
fêmea do parasita, permitindo que a identificação seja feita por qualquer técnica, em
praticamente qualquer amostra.
As opções terapêuticas envolvem o Levamizol, apresentado na forma de
comprimidos de 80mg e 150mg, com dose de 150mg por via oral em dose única para
adultos. Essa droga deve ser entendida como de escolha, pois, ao provocar paralisia
Enterobíase
Também conhecida como oxiuríase, é uma helmintíase intestinal causada pelo
Enterobius vermicularis, nematoide filiforme transmitido por ingesta ou inalação de
ovos infectantes. Ao chegarem ao duodeno, os ovos eclodem em larvas, que completam
seu desenvolvimento no intestino grosso, onde as fêmeas, após serem fecundadas, se
enchem de ovos e migram até a mucosa anal e perianal, morrendo por dessecação e
liberando os ovos. Os sintomas são relacionados à migração das fêmeas, principalmente
na mucosa anorretal, com intenso prurido e desconforto locais, mais comuns à noite.
Em meninas, pode haver vulvovaginite pela presença de fêmeas na genitália, condição
de difícil tratamento.
O diagnóstico deve levar em consideração a peculiaridade biológica do parasita,
que, em geral, não elimina os ovos nas fezes, mas os deposita na mucosa perianal.
Assim, o diagnóstico é feito mediante esfregaço anal ou swab, que consiste em justapor
uma fita adesiva na mucosa anal e depois transferi-la para uma lâmina para análise ao
microscópio óptico.
O tratamento de escolha deve ser feito com Mebendazol em dose única de
100mg ou Albendazol em dose única de 400mg. O Pamoato de Pirvínio, apresentado na
forma de comprimidos de 100mg, em dose única de 10mg/kg pode ser utilizado em
mulheres grávidas, uma vez que não é absorvido. Deve-se lembrar da conveniência de
tratar todos os moradores do domicílio do paciente diagnosticado, mesmo que estes
sejam assintomáticos, levando-se em conta a fácil disseminação da helmintíase nesse
ambiente.
Tricuríase
Trata-se de infecção promovida por Trichuris trichiura, nematoide que
geralmente só determina manifestações clínicas em caso de parasitismo muito intenso.
O ciclo biológico é simples. Após a ingesta dos ovos, ocorre liberação das larvas no
intestino grosso, onde evoluem para vermes adultos, que se alimentam de sangue.
A infecção é assintomática na maioria dos adultos. A sintomatologia mais
exuberante ocorre especialmente em crianças desnutridas e de baixa idade, sendo
representada por irritabilidade, insônia, anorexia, diarreia prolongada, por vezes
disenteria, enterorragia e, eventualmente, prolapso retal.
O diagnóstico pode ser obtido pelo exame parasitológico das fezes,
preferencialmente por meio da utilização de técnicas de concentração e do método de
Kato-Katz.
O fármaco mais adequado à terapêutica da tricuríase, Oxipirantel, não está mais
disponível comercialmente no Brasil. Assim, Albendazol em dose única de 400mg ou
Mebendazol em dose de 100mg duas vezes ao dia durante três dias ou dose única de
500mg são as drogas de escolha.
Himenolepíase
Trata-se de infecção por platelmintos da família Hymenolepididae contendo um
parasita habitual do ser humano, Hymenolepis nana, conhecido por tênia anã, e um
excepcional, Hymenolepis diminuta. Esses vermes vivem frequentemente na porção
terminal do íleo, em grande número. A transmissão ocorre por ingesta de ovos
embrionados eliminados nas fezes de indivíduos parasitados no caso de Hymenolepis
nana. Como os ovos sobrevivem poucos dias no meio ambiente, a transmissão está
relacionada ao fecalismo com ausência de medidas de higiene bucal. Infecção por
Hymenolepis diminuta é habitualmente adquirida quando seres humanos ingerem, de
forma acidental, insetos nos quais a larva cisticercoide se desenvolveu.
As manifestações clínicas ocorrem quando o parasitismo é muito intenso,
correspondendo à eliminação de mais de 15000 ovos por grama de fezes. Após a ingesta
de ovos de Hymenolepis nana, há liberação das larvas cisticercoides, que invadem a
mucosa intestinal, evoluindo para vermes adultos, que ficam repletos de ovos. Do ponto
de vista clínico, podem estar presentes diarreia, dor abdominal, principalmente em
quadrante inferior direto do abdômen, meteorismo, anorexia, perda de peso e cefaleia. É
incomum a ocorrência de himenolepíase em adultos, sendo mais frequente em crianças
com menos de oito anos de idade.
O diagnóstico é facilmente realizado pela identificação dos ovos no exame de
fezes.
O tratamento é simples e eficaz, com Praziquantel em dose única de
25mg/kg/dia, repetida dez dias após. O controle de cura deve ser feito sete, quatorze e
vinte e um dias depois do fim do tratamento.
Difilobotríase
Seres humanos podem ser infectados por diversas espécies de cestódeos do
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Quadro clínico
A maioria das infecções causadas por Toxoplasma gondii em seres humanos,
congênitas e adquiridas, transcorre de forma assintomática. As quatro principais
apresentações da doença são infecção congênita, infecção primária em
imunocompetentes, infecção progressiva em imunocomprometidos e coriorretinite
isolada. Em imunocompetentes, as formas clínicas mais comuns são constituídas pela
toxoplasmose adquirida aguda benigna ou forma linfoglandular e pela toxoplasmose
ocular tardia. A toxoplasmose congênita em recém-nascidos tem características
peculiares em virtude da imaturidade do sistema imunológico do feto e do recém-
nascido. Em imunodeprimidos, particularmente em indivíduos com síndrome da
imunodeficiência adquirida, a reativação da infecção latente pode causar doença grave,
cuja forma clínica mais comum é a encefalite.
Toxoplasmose em imunodeprimidos
A encefalite é a variedade clínica pela qual a toxoplasmose se manifesta com
maior frequência em doentes com síndrome da imunodeficiência adquirida, quase
sempre como resultado de reativação de infecção latente, localizada no encéfalo, que se
estabeleceu muitos anos antes, de forma congênita ou adquirida. As lesões instalam-se
com maior frequência no córtex cerebral, embora possam ser detectadas em qualquer
área do sistema nervoso central. O aparecimento dos sintomas e dos sinais de encefalite
dá-se quase sempre de modo insidioso e progressivo, porém, em alguns casos, a
instalação é abrupta. O quadro clínico é grave, constituído por distúrbios do
comportamento, confusão mental, torpor, convulsões, delírio, ataxia, coma e déficits
neurológicos focais, às vezes acompanhados de rigidez de nuca. As lesões espinhais
manifestam-se sob a forma de disfunção urinária e intestinal. Raramente ocorrem
diabetes insipidus, síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético e pan-
hipopituitarismo.
Depois da encefalite, a manifestação mais comum da infecção oportunista por
Toxoplasma gondii em doentes com síndrome da imunodeficiência adquirida é a
pneumonia. A instalação dos sintomas, como febre, tosse e dispneia, e dos sinais, como
estertores crepitantes na ausculta pulmonar e taquipneia, é progressiva. Geralmente, a
hipótese inicial é pneumonia por Pneumocystis carinii.
Toxoplasmose ocular
Na coriorretinite causada por Toxoplasma gondii, as lesões podem ser isoladas
ou múltiplas, unilaterais ou bilaterais. Na toxoplasmose adquirida em pessoas
imunologicamente normais, a ocorrência de coriorretinite é pouco frequente, limitando-
se quase sempre a apenas um dos globos oculares. Na toxoplasmose congênita, a
coriorretinite ocorre em cerca de 75% dos doentes, podendo, em casos muito graves, ser
acompanhada de glaucoma e descolamento de retina.
Como manifestação isolada e tardia da toxoplasmose em pessoas
imunologicamente normais, a coriorretinite costuma se manifestar na adolescência ou
na vida adulta, em geral na segunda ou na terceira décadas de vida, como consequência
da reativação de foco ocular latente que se estabeleceu no feto durante infecção
congênita e que foi inaparente no recém-nascido. Nessa eventualidade, a coriorretinite é
bilateral e os episódios podem ser recorrentes, determinando perda progressiva da visão.
Os sintomas são visão borrada, escotomas, fotofobia, dor e lacrimejamento. O frequente
acometimento da mácula em extensão variável acarreta perda parcial ou total da visão.
Avaliação complementar
Diagnóstico diferencial
Doença neonatal causada por citomegalovírus, vírus da rubéola, vírus herpes
simples, Treponema pallidum e Listeria monocytogenes pode confundir-se com
toxoplasmose congênita. A sepse e a fase aguda da doença de Chagas também devem
ser lembradas.
A forma linfoglandular da toxoplasmose adquirida em pessoas
imunocompetentes é a única cuja suspeita diagnóstica pode ser feita rapidamente com
base no quadro clínico e epidemiológico. Deve-se fazer o diagnóstico diferencial com
linfoma, mononucleose infecciosa, infecção por citomegalovírus, doença da arranhadura
do gato, tuberculose, sarcoidose e metástases de neoplasia maligna.
O diagnóstico diferencial da coriorretinite toxoplasmótica deve ser efetuado com
uveíte posterior causada por Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium leprae ou
Treponema pallidum. O citomegalovírus pode provocar retinite em doente com
síndrome da imunodeficiência adquirida ou outras condições imunodepressoras.
Tratamento
No tratamento específico da toxoplasmose são empregados diversos
medicamentos, como Sulfadiazina, apresentada na forma de comprimidos de 500mg,
Pirimetamina, apresentada na forma de comprimidos de 25mg, Espiramicina,
apresentada na forma de comprimidos de 250mg e 500mg, e Clindamicina, apresentada
na forma de comprimidos de 300mg. O Sulfametoxazol pode ser prescrito, em doses
apropriadas, no lugar da Sulfadiazina. Quando se opta pela associação de Sulfadiazina e
Pirimetamina, recomenda-se incluir no esquema o Ácido Folínico, apresentado na forma
de comprimidos de 15mg e 50mg, para prevenir leucopenia, anemia e plaquetopenia
provocados pela Pirimetamina e Bicarbonato de Sódio para prevenir a cristalúria com
formação de cálculos provocada pela Sulfadiazina. Para cada 15mg de Pirimetamina
devem ser administrados 5mg de Ácido Folínico, com dose máxima de 50mg. No
tratamento da toxoplasmose em gestantes, pode-se optar pelo uso de Espiramicina
alternado a cada três a quatro semanas com a associação de Sulfadiazina, Pirimetamina
e Ácido Folínico, no decorrer de toda a gravidez.
O tratamento é desnecessário em casos leves de toxoplasmose linfoglandular em
indivíduos imunocompetentes. Já em casos com sintomas e sinais moderados a intensos
Profilaxia
A profilaxia da toxoplasmose merece especial consideração em grávidas,
mulheres sexualmente ativas em idade fértil e imunodeprimidos. Nas mulheres com
toxoplasmose adquirida durante a gravidez, o tratamento tem como principal finalidade
evitar a infecção fetal ou torna-la mais branda.
No Brasil, deve ser realizado no pré-natal e em mulheres em idade fértil o teste
sorológico para toxoplasmose. As seguintes precauções devem ser adotadas para evitar
a infecção adquirida por Toxoplasma gondii:
- Não ingerir carne mal cozida ou crua nem leite de vaca ou de cabra não
fervido;
- Não manusear carne crua sem luvas e, se isso ocorrer, lavar as mãos em
seguida com água e sabão;
- Lavar cuidadosamente frutas, legumes e verduras antes do consumo;
- Afastar qualquer tipo de contato direto com gatos ou com materiais
potencialmente contaminados com fezes desses animais;
A quimioprofilaxia primária da toxoplasmose em adultos com síndrome da
imunodeficiência adquirida e teste sorológico positivo para toxoplasmose, cujo número
de linfócitos CD4 positivos no sangue é menor que 100/mm3, pode ser a mesma
efetuada na prevenção da pneumonia por Pneumocystis carinii, com
Sulfametoxazol/Trimetoprim 800mg/160mg uma vez ao dia por via oral.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Fisiopatologia
O M. tuberculosis é transmitido de uma pessoa com doença ativa para outra,
exclusivamente por via inalatória, através de gotículas de secreção respiratória. A
inalação do bacilo induz no pulmão eliminação, infecção latente ou rápida progressão
para doença. A reativação da infecção a partir do foco primário após anos de latência é
denominada infecção pós-primária.
Os doentes bacilíferos, isto é, aqueles cuja baciloscopia de escarro é positiva, são
a principal fonte de infecção. Doentes com tuberculose pulmonar e baciloscopia
negativa, mesmo que tenham resultado da cultura positivo, são muito menos eficientes
como fontes de transmissão, embora isto possa ocorrer. As formas exclusivamente
extrapulmonares não transmitem a doença.
Quadro clínico
A tuberculose pulmonar classicamente apresenta-se com tosse há mais de duas
semanas associada ou não a outros sintomas respiratórios, como dor torácica, dispneia e
hemoptise, e/ou sistêmicos, como febre vespertina, sudorese noturna, anorexia e
emagrecimento. As formas extrapulmonares apresentam, além das manifestações
sistêmicas, sinais e sintomas relacionados com a localização da doença, como
linfonodomegalia, derrame pleural, espessamento pleural, rouquidão, meningite,
hematúria, dor lombar, obstrução intestinal, dor óssea, edema peri-articular,
conjuntivite, uveíte e nódulos cutâneos.
Tubercúlides são manifestações à distância do foco infeccioso desencadeadas
por imunocomplexos. Incluem febre, eritema nodoso e eritema endurado de Bazin.
Avaliação complementar
Para a coleta de escarro, o paciente deve ser orientado a lavar bem a boca ao
despertar pela manhã, inspirar profundamente, prender a respiração por um instante e
escarrar após forçar a tosse. Deverá repetir essa operação até obter três eliminações de
escarro, evitando que escorra pela parede externa do pote. Na impossibilidade de envio
imediato da amostra para o laboratório ou unidade de saúde, esta poderá ser conservada
em geladeira comum até no máximo sete dias.
Microscopia
Os primeiros exames a serem solicitados são a radiografia de tórax e a pesquisa
de bacilo álcool-ácido resistente no escarro, que apresenta elevado valor preditivo
positivo e baixa sensibilidade. No Brasil, o padrão é a coloração por Ziehl-Neelsen.
Devem ser coletadas duas amostras de escarro espontâneo, uma no momento que o
sintomático respiratório procura atendimento e outra pela manhã ao acordar. Nos
pacientes sem expectoração espontânea e com radiografia sugestiva de tuberculose, a
indução do escarro com solução salina hipertônica (5mL de Cloreto de Sódio a 3-5%)
está indicada por ter rendimento diagnóstico semelhante ao da broncoscopia com lavado
broncoalveolar. A coleta de três escarros induzidos em dias diferentes é mais custo-
efetiva do que uma broncoscopia para o diagnóstico de tuberculose pulmonar.
A pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente por microscopia direta deve ser
solicitada aos pacientes que apresentem critérios de definição de sintomático
respiratório, suspeita clínica e/ou radiológica de tuberculose pulmonar,
independentemente do tempo de tosse e suspeita clínica de tuberculose extrapulmonar,
situação na qual podem ser examinados materiais biológicos diversos.
Análise histopatológica
Método empregado na investigação das formas extrapulmonares e nas formas
pulmonares que se apresentam radiologicamente como doença difusa ou que incidem
em indivíduos imunossuprimidos. Nos pacientes não imunossuprimidos, a baciloscopia
do tecido usualmente é negativa e a presença de um granuloma com necrose de
caseificação é compatível com o diagnóstico de tuberculose. Nos pacientes
imunossuprimidos, é menos frequente a presença de granuloma com necrose caseosa,
mas é mais frequente a positividade da baciloscopia no material de biopsia. No entanto,
o único método diagnóstico de certeza de tuberculose é a cultura seguida da
confirmação da espécie de M. tuberculosis por testes bioquímicos ou moleculares.
Radiografia simples
Embora a radiografia de tórax seja um importante meio de diagnóstico da
tuberculose pulmonar primária, alterações pulmonares não são demonstradas em até
15% dos casos. Opacidades parenquimatosas, frequentemente unifocais e
predominantemente no pulmão direito, acometem os lobos superiores na infância e os
lobos médio e inferior em adultos. Opacidades arredondadas persistentes de até 3cm de
diâmetro, também denominadas tuberculomas, são manifestações não-habituais, mais
comuns em lobos superiores e podem estar associadas à calcificação de linfonodos
hilares. Linfonodomegalia é observada na maioria das crianças e em até 40% dos
adultos, habitualmente unilateral, podendo ser bilateral em até 30% dos casos, tendo
como regiões mais comprometidas a hilar e a paratraqueal direita. Atelectasia decorre
da compressão extrínseca das vias aéreas por linfonodomegalia e é a principal
manifestação em crianças com idade inferior a dois anos, sendo os segmentos mais
comprometidos o anterior dos lobos superiores e o medial do lobo médio. Padrão miliar
é caracterizado por pequenas opacidades nodulares de 1-3mm de diâmetro distribuídas
de forma simétrica, com distribuição assimétrica em até 15% dos casos. Derrame
pleural é considerado uma manifestação tardia da tuberculose primária, ocorre em 25%
dos casos e é raro na infância. Nódulo de Ghon é opacidade parenquimatosa relacionada
Métodos moleculares
Os testes moleculares para o diagnóstico da tuberculose são baseados na
amplificação e na detecção de sequências específicas de ácidos nucleicos do complexo
M. tuberculosis em espécimes clínicos, com resultados em 24-48 horas. Na prática
clínica, permitem o diagnóstico precoce de tuberculose em cerca de 60% dos casos com
bacilo álcool-ácido resistente negativo e posterior cultura positiva e a diferenciação
entre tuberculose e infecção por micobactérias não-tuberculosas em pacientes com
pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente positiva.
Diagnóstico
Caso novo ou virgem de tratamento é paciente que nunca recebeu tratamento
para a tuberculose por período igual ou superior a um mês. Caso de recidiva é
caracterizado por diagnóstico atual de tuberculose com pesquisa ou cultura positivas em
indivíduo com história de tuberculose anterior curada com medicamentos.
Diagnóstico de tuberculose pulmonar é baseado em cultura positiva para M.
tuberculosis. Diagnóstico de presunção de tuberculose é baseado em presença de duas
pesquisas positivas para bacilo álcool-ácido resistente ou uma pesquisa positiva
Tuberculose extrapulmonar
Embora a tuberculose extrapulmonar seja paucibacilar, o diagnóstico
bacteriológico, assim como o diagnóstico histopatológico, deve ser buscado. Todo
material coletado por biópsia deve ser também armazenado em água destilada ou soro
fisiológico, ambos estéreis, para viabilizar a realização da cultura.
Tuberculose pleural
Trata-se da forma mais comum de tuberculose extrapulmonar em indivíduos
com sorologia negativa para o vírus da imunodeficiência humana. Ocorre mais em
jovens e cursa com dor torácica pleurítica. Também podem ocorrer astenia,
emagrecimento, anorexia, febre e tosse seca.
A cultura associada ao exame histopatológico do fragmento pleural permite o
diagnóstico em até 90% dos casos. A determinação da adenosina deaminase é o método
acessório principal, mas também pode estar elevada em empiema, linfoma, artrite
reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico. O conjunto de exsudato com mais de 75% de
linfócitos, adenosina deaminase superior a 40 U/L e ausência de células neoplásicas
permite o início do tratamento. Entre os métodos moleculares, reação em cadeia da
polimerase tem potencial utilidade, mas sem evidências para o uso clínico. O escarro
induzido em indivíduos com sorologia negativa para o vírus da imunodeficiência
humana tem cultura positiva em 50% dos casos, mesmo quando a radiografia de tórax
não apresenta outra alteração além do derrame pleural, podendo atingir 75% de
positividade em pacientes com sorologia positiva para o vírus da imunodeficiência
humana.
Tuberculose ganglionar
Trata-se da forma mais frequente de tuberculose extrapulmonar em pacientes
com sorologia positiva para o vírus da imunodeficiência humana e crianças. Cursa com
aumento subagudo, indolor e assimétrico das cadeias ganglionares. Ao exame físico, os
gânglios podem apresentar-se endurecidos ou amolecidos, aderidos entre si e aos planos
profundos.
Os gânglios podem fistulizar, liberando secreção na qual a pesquisa de bacilo
álcool-ácido resistente pode ser positiva. Punção ou biópsia do gânglio são indicadas e o
produto deve ser encaminhado para análise histopatológica, baciloscopia direta e cultura
para micobactérias. O método molecular de melhor desempenho é a reação em cadeia
da polimerase, mas não há estudos sobre sua acurácia no uso rotineiro.
Tuberculose pericárdica
Tem apresentação clínica subaguda e geralmente não se associa à tuberculose
pulmonar, embora possa ocorrer simultaneamente à tuberculose pleural. Os principais
sintomas são dor torácica, tosse seca e dispneia. Pode haver febre, emagrecimento,
astenia, tontura, edema de membros inferiores, dor no hipocôndrio direito por congestão
hepática e aumento do volume abdominal por ascite. Raramente ocorre quadro clínico
compatível com tamponamento cardíaco.
Tuberculose óssea
Mais comum em crianças e entre a quarta e a quinta décadas de vida. Atinge
mais a coluna vertebral e as articulações coxofemoral e do joelho, embora possa ocorrer
em outros locais. A tuberculose de coluna, denominada mal de Pott, é responsável por
cerca de 1% de todos os casos de tuberculose e por até metade de todos os casos de
tuberculose óssea. O quadro clínico é caracterizado pela tríade dor lombar, dor à
palpação local e sudorese noturna, afetando com maior frequência a coluna torácica
baixa e a coluna lombar.
A osteomielite pode se apresentar radiologicamente como lesões císticas bem
definidas, áreas de osteólise ou lesões infiltrativas. Na tuberculose de coluna vertebral, a
Notificação
A tuberculose é uma doença de notificação compulsória e todo caso
diagnosticado, assim como a evolução do tratamento para cura, abandono, falência,
óbito ou mudança de diagnóstico devem ser notificados ao Serviço de Vigilância
Epidemiológica. Todos os casos de falência ou de tuberculose multirresistente, além
daqueles que necessitem de esquemas especiais, devem ser encaminhados para os
centros de referência, notificados no Sistema de Tuberculose Multirresistente e
encerrados no SINAM.
Tratamento
Todos os pacientes que iniciam tratamento para tuberculose devem ser
submetidos a sorologia para o vírus da imunodeficiência humana.
O tratamento diretamente observado constitui uma mudança na forma de
administrar os medicamentos, sem mudanças no esquema terapêutico, em que o
profissional treinado passa a observar a tomada da medicação do paciente desde o início
Esquema básico
Indicado para todos os casos novos de todas as formas de tuberculose pulmonar
e extrapulmonar, exceto meningoencefalite, bem como para todos os casos de recidiva e
retorno após abandono. Pacientes que apresentarem pesquisa direta de bacilo álcool-
ácido resistente positiva no final do segundo mês de tratamento devem realizar cultura
com identificação da micobactéria e teste de sensibilidade pela possibilidade de
tuberculose resistente.
Abandono de tratamento é interrupção do tratamento para tuberculose por
período igual ou superior a trinta dias após a data prevista para seu retorno no
tratamento autoadministrado ou trinta dias após a última ingesta de dose no tratamento
supervisionado. Retratamento após abandono ocorre quando paciente
bacteriologicamente positivo reinicia o tratamento após o abandono. O paciente que
retorna ao sistema após abandono deve ter sua doença confirmada por nova investigação
diagnóstica por baciloscopia, devendo ser solicitada cultura, identificação e teste de
sensibilidade antes da reintrodução do tratamento.
Esquema Fármacos e quantidade por comprimido Peso Dose Meses
2RHZE – Rifampicina (150mg), Isoniazida 20-35kg 2 comprimidos 2
Fase (75mg), Pirazinamida (400mg), 36-50kg 3 comprimidos
intensiva Etambutol (275mg) >50kg 4 comprimidos
4RH – Fase Rifampicina (150mg ou 300mg), 20-35kg 1 comprimido de 4
de Isoniazida (100mg ou 200mg) 300/200mg
manutenção 36-50kg 1 comprimido de
300/200mg e 1
comprimido150/100mg
>50kg 2 comprimidos de
300/200mg
Os medicamentos deverão ser administrados preferencialmente em jejum, uma
hora antes ou duas horas após o café da manhã, em uma única tomada ou, em caso de
intolerância digestiva, junto com uma refeição.
Em casos individualizados cuja evolução clínica inicial não tenha sido
satisfatória, com o parecer emitido pela referência, o tratamento poderá ser prolongado
na sua segunda fase.
As reações adversas mais frequentes ao esquema básico são mudança da
coloração da urina, intolerância gástrica, alterações cutâneas, icterícia e dores
articulares. Deve ser ressaltado que quando a reação adversa corresponde a uma reação
de hipersensibilidade grave, como plaquetopenia, anemia hemolítica ou insuficiência
renal, o medicamento suspeito não pode ser reiniciado após a suspensão, pois na
reintrodução a reação adversa é ainda mais grave. A Rifampicina interfere na ação dos
contraceptivos orais, devendo as mulheres, em uso desse medicamento, receberem
orientação para utilizar outros métodos anticoncepcionais.
O acompanhamento da evolução da doença em adultos prevê pesquisa de bacilo
Situações especiais
Diabetes mellitus
Deve-se considerar o prolongamento do tratamento para um total de nove meses
e substituir o hipoglicemiante oral por Insulina durante esse período. O tratamento
também deve ser prolongado em transplantados, portadores de neoplasia maligna e
pacientes em uso de medicamento imunossupressor.
Gestação
Indica-se o uso de Piridoxina 50mg/dia durante a gestação pelo risco de crise
convulsiva no neonato devido à Isoniazida.
Não há contraindicações à amamentação, desde que a mãe não seja portadora de
mastite tuberculosa. É recomendável, entretanto, que faça uso de máscara cirúrgica ao
amamentar e cuidar da criança.
Insuficiência renal
O tratamento só é modificado em caso de insuficiência renal com clearance de
creatinina inferior ou igual a 30mL/minuto ou indicação de diálise. Recomenda-se evitar
Estreptomicina e Etambutol ou, na ausência de alternativa, administrar em doses
reduzidas e com intervalos maiores. O esquema mais seguro prevê o uso de Isoniazida,
Rifampicina e Pirazinamida durante dois meses e Isoniazida e Rifampicina durante
quatro meses.
Hepatopatia
Deve-se solicitar dosagem de transaminases, bilirrubinas e fosfatase alcalina no
início, a cada quinze dias nos primeiros dois meses e mensalmente até o fim do
tratamento em paciente adulto com história de consumo de álcool, doença hepática
prévia ou atual, uso de outras medicações hepatotóxicas e infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana. Em caso de hepatite ou doença hepática sem fator etiológico
Profissionais de saúde
Síndrome de Fanconi
Etiologia e fisiopatologia
Em sua forma hereditária, a síndrome de Fanconi apresenta dois componentes,
disfunção generalizada do túbulo proximal, que leva a bicarbonatúria, fosfatúria,
uricosúria, glicosúria e aminoacidúria, e doença óssea metabólica resistente à vitamina
D. Pode estar relacionada a erros inatos do metabolismo, como cistinose, tirosinemia,
galactosemia e doença de Wilson.
Doenças sistêmicas que acometem o compartimento tubulointersticial renal,
como o mieloma múltiplo, a gamopatia monoclonal e a síndrome de Sjögren, podem
levar à síndrome de Fanconi. A síndrome também pode resultar de toxicidade direta,
como no uso terapêutico de aminoglicosídeos e na intoxicação por chumbo ou cádmio.
A disfunção generalizada e não-seletiva dos túbulos proximais parece ser
consequência de um defeito no transporte ativo de sódio nesse segmento ao qual o
transporte de outros solutos, como glicose e aminoácidos, está acoplado.
A síndrome de Dent é uma variante que engloba um grupo heterogêneo de
doenças hereditárias ligadas ao sexo nas quais os homens homozigotos apresentam
acidose tubular proximal, raquitismo hipofosfatêmico, glicosúria, aminoacidúria e
nefrocalcinose, com progressão para insuficiência renal crônica, e as mulheres
apresentam um fenótipo muito mais leve, sem nefrocalcinose e sem progressão para
insuficiência renal crônica.
A doença óssea encontrada na síndrome de Fanconi tem gênese multifatorial,
com acidose metabólica e hipofosfatemia decorrentes de perdas tubulares de
bicarbonato e fosfato e deficiência de vitamina D ativa, pois é no túbulo proximal que a
Quadro clínico
Tanto na forma hereditária como na forma adquirida, as manifestações clínicas
mais comuns da síndrome de Fanconi são poliúria, que pode levar à desidratação,
hipocalemia, que pode se manifestar como fraqueza muscular ou arritmias cardíacas,
acidose metabólica, que induz hiperventilação, e, às vezes, vômitos. A doença óssea se
manifesta como osteomalácia no adulto e como déficit de crescimento e raquitismo na
criança. Apresar da presença de fosfatúria, calciúria e acidose metabólica persistente,
nefrocalcinose e nefrolitíase são achados incomuns, o que ajuda no diagnóstico
diferencial com outras formas de acidose tubular renal.
Avaliação complementar
O diagnóstico de síndrome de Fanconi, suspeitado pela presença de acidose
metabólica, é confirmado pela presença de disfunção tubular proximal não-seletiva, ou
seja, por fosfatúria, aminoacidúria, glicosúria e uricosúria aumentadas. Principalmente
no adulto, devem ser procuradas doenças sistêmicas associadas ou agentes nefrotóxicos.
A acidose metabólica, na síndrome de Fanconi, apresenta anion gap normal, ou seja, é
hiperclorêmica.
Tratamento
O tratamento consiste na reposição, baseada nos níveis plasmáticos, de sódio,
potássio, bicarbonato, fosfato, cálcio e magnésio, além da reposição de vitamina D. Não
deve-se esquecer de tratar a doença de base ou retirar o agente nefrotóxico. A principal
reposição a ser feita é a de bicarbonato, geralmente com 5-15mEq/kg/dia, concomitante
à de potássio. Apesar de, na maioria das vezes, a acidose metabólica não ser muito
grave, sua correção é difícil. Quando se administra Bicarbonato de Sódio, ocorre um
aumento do volume extracelular, com consequente aumento da oferta de sódio às
porções distais do néfron e da secreção de potássio, que ainda se torna maior pela
presença de intensa bicarbonatúria. Em geral, a ingesta de grandes quantidades de álcali
é melhor tolerada e mais facilmente atingida quando é administrada sob a forma de
Citrato de Sódio, com 1mEq/mL de Citrato de Sódio e 1mEq/mL de Ácido Cítrico na
solução de Shohl. O Citrato de Sódio é convertido em bicarbonato pelo fígado e fornece
maior quantidade de álcali. Como alternativa, em casos de hipocalemia de difícil
tratamento, a solução de Shohl pode ser modificada pela substituição de Citrato de
Sódio por Citrato de Potássio.
Atenção especial deve ser dada à reposição de cálcio, fósforo e vitamina D com
o objetivo de evitar o surgimento de raquitismo ou osteomalácia.
Fisiopatologia
O bicarbonato filtrado é reabsorvido predominantemente no túbulo proximal
através de trocador Na+/H+, com o restante sendo reabsorvido no néfron distal
primariamente através da secreção de íons hidrogênio pela H+-ATPase. Desse modo, em
condições normais, virtualmente não há bicarbonato na urina final.
O potássio filtrado é reabsorvido passivamente no túbulo proximal e na alça de
Henle, de modo que a maior parte do potássio urinário é oriunda de secreção no néfrons
distal. Esse processo é influenciado por aldosterona e aporte de água e sódio ao néfron
distal.
Acidose tubular renal distal não-seletiva, com hipercalemia e perda de sal, ou tipo IV
Há deficiência ou resistência à ação da aldosterona, com redução da excreção
tubular de amônio. Essa alteração tubular geralmente está associada à presença de
diabetes mellitus ou de doenças tubulointersticiais, como nefropatia obstrutiva e anemia
falciforme. A acidose tubular renal distal hipercalêmica também pode estar presente em
doença de Addison, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome da imunodeficiência
adquirida e uso de anti-inflamatórios não-hormonais, Espironolactona, Triantereno,
inibidores da enzima de conversão da angiotensina e antagonistas do receptor AT1 da
angiotensina II. Outros medicamentos associados incluem Ciclosporina A, Tacrolimo,
Heparina, Amilorida, Pentamidina e Trimetoprim. Na acidose tubular renal
hipercalêmica associada ao diabetes mellitus, é comum o achado de hipoaldosteronismo
hiporreninêmico. Quando a alteração tubular distal é mais generalizada, em geral ocorre
também excessiva perda urinária de sódio. Como, em geral, a capacidade de formação
de acidez titulável está preservada, a capacidade de acidificar a urina está íntegra,
embora haja diminuição da amônia em consequência da hipercalemia.
Além da presença de hipercalemia, altamente sugestiva do diagnóstico desse tipo
de acidose tubular renal, geralmente há algum grau de disfunção renal crônica, com
filtração glomerular em torno de 40-60mL/minuto. Cabe lembrar, porém, que a
hipercalemia que decorre somente da diminuição da filtração glomerular apenas é
observada quando esta é menor que 20mL/minuto A acidose metabólica hiperclorêmica
é discreta.
O gradiente de concentração transtubular de potássio (TTKG) pode ser calculado
com a fórmula [potássio urinário/ (osmolaridade urinária/ osmolaridade sérica] /
potássio sérico. Hipercalemia deve ser associada a aumento da liberação de aldosterona
e da secreção de potássio, com TTKG superior a 10 em indivíduos normais. Um valor
inferior a 7 ou, particularmente, inferior a 5 é altamente sugestivo de
hipoaldosteronismo. O TTKG é relativamente acurado desde que a osmolaridade
urinária exceda a osmolaridade sérica e a concentração urinária de sódio seja superior a
25mEq/L.
O tratamento consiste em restrição de potássio na dieta, administração de
diuréticos de alça para aumentar a excreção de potássio e hidrogênio e administração de
resinas de troca iônica. Além disso, no caso de hipoaldosteronismo, orgânico ou
funcional, pode-se fazer uma reposição com Fludrocortisona, apresentada na forma de
comprimidos de 0.1mg, com dose de 0.05-0.2mg/dia, porém com risco de agravar ou
desencadear edema e hipertensão arterial sistêmica, principalmente nos casos com
filtração glomerular mais diminuída ou na presença de nefropatia diabética. A
administração de pequenas doses de bicarbonato pode auxiliar o controle da acidose e
da hipercalemia, porém, como no caso da reposição de mineralocorticoides, também
pode agravar o edema e a hipertensão arterial sistêmica.
Diagnóstico diferencial
O anion gap urinário é resultante da diferença entre os cátions e os ânions
usualmente medidos na urina, sendo calculado através da fórmula (Na+ + K+) – Cl-.
Avalia a excreção urinária aproximada de NH4+. A amônia sintetizada no túbulo
proximal é permeável, sendo transformada no cátion NH4+, impermeável, nas porções
distais do néfron pela secreção ativa de H+, sendo assim excretada. Geralmente, o anion
gap urinário é negativo por causa do NH4+ não medido. Assim, quanto menor a
Síndrome de Bartter
A porção espessa ascendente da alça de Henle é o segmento do néfrons onde
ocorre absorção de sódio filtrado por meio do cotransportador Na+-K+-2Cl-. O
transporte de sódio nesse segmento gera uma diferença de potencial com lúmen tubular
positivo, afetando o transporte tubular não somente do potássio, mas também dos íons
cálcio e magnésio, que também são absorvidos. O maior exemplo de uma situação
clínica em que há interferência nesse sistema de transporte é a administração de
diuréticos de alça, como a Furosemida.
A síndrome de Bartter, com herança autossômica recessiva, simula o uso crônico
de Furosemida. Já foram descritos cinco subtipos, com uma de suas formas associada a
surdez neurossensorial. Os defeitos genéticos que induzem alterações nos
transportadores levam a perda de sal e depleção de volume intravascular, com
consequente aumento da secreção de renina, hiperaldosteronismo e aumento da
produção de prostaglandinas. Concentrações normais de aldosterona podem ser
encontradas mesmo na presença de altos níveis de renina quando a hipocalemia é grave.
O aumento da excreção urinária de prostaglandinas é um fator agravante da poliúria,
pois inibem o funcionamento do sistema de reabsorção de sódio da alça espessa e
atenuam a ação do hormônio antidiurético nos dutos coletores, dificultando a formação
de urina concentrada. Apesar das altas concentrações de angiotensina II, os pacientes
apresentam hiporresponsividade vascular tanto à angiotensina como à adrenalina, sendo
normotensos ou hipotensos. O aumento da oferta de sódio aos dutos coletores corticais,
com aumento da absorção de sódio em consequência do hiperaldosteronismo, aumenta a
Síndrome de Gitelman
A síndrome de Gitelman ocorre em decorrência de uma diminuição na absorção
de sódio pelo túbulo contornado distal, segmento no qual os diuréticos tiazídicos agem
inibindo o cotransportador Na+-Cl-.
Trata-se de doença autossômica recessiva que leva a um quadro semelhante ao
uso crônico de diuréticos tiazídicos. Caracteriza-se por hipocalemia, hipomagnesemia,
depleção de volume circulante, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e
alcalose metabólica. A diferença mais marcante com a síndrome de Bartter é a presença
de hipocalciúria e o diagnóstico mais tardio, geralmente na infância tardia ou na idade
adulta. O quadro clínico pode abranger cãibras e condrocalcinose.
Quadros de alterações tubulares com hipocalemia e alcalose metabólica podem
ser diferenciados por um teste com tiazídicos. Após a administração de 50mg de
Hidroclorotiazida por via oral, indivíduos normais apresentam um aumento, em relação
ao basal, da fração de excreção de cloreto de 2.3-5.4%. Os pacientes com síndrome de
Bartter, em uso de diuréticos ou com vômitos apresentam aumentos maiores que 5.4%,
enquanto que pacientes com síndrome de Gitelman apresentam aumentos menores que
2.3%.
A terapia é baseada em bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona
com medicamentos como diuréticos antagonistas da aldosterona ou inibidores da
enzima de conversão da angiotensina, com risco de hipotensão arterial sintomática,
além de reposição de potássio e magnésio.
Nefrolitíase
Além da acidose tubular renal clássica, outras alterações tubulares podem levar à
nefrolitíase.
A cistinúria é uma patologia hereditária autossômica recessiva em que existe a
formação de cálculos renais de cistina. Pode ser resultante de um defeito no transporte
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Overview of renal tubular acidosis. Ellie Kelepouris and Zalman S Agus. UpToDate, 2012.
Pathophysiology of renal tubular acidosis and the effect on potassium balance. Michael Emmett. UpToDate, 2012.
Etiology and diagnosis of distal (type 1) and proximal (type 2) renal tubular acidosis. Michael Emmett. UpToDate, 2012.
Treatment of distal (type 1) and proximal (type 2) renal tubular acidosis. Michael Emmett. UpToDate, 2012.
Evaluation of the patient with hypercalemia and diagnosis of hypoaldosteronism (type 4 RTA). Burton D Rose and Lynnette K
Nieman. UpToDate, 2012.
Etiology and treatment of hypoaldosteronism (type 4 RTA). Lynnette K Nieman and Willian F Young Jr. UpToDate ,2012.
Diagnosis of polyuria and diabetes insipidus. Daniel G Bichet. UpToDate, 2012.
Clinical manifestations and causes of nephrogenic diabetes insipidus. Daniel G Bichet. UpToDate, 2012.
Treatment of nephrogenic diabetes insipidus. Daniel G Bichet. UpToDate, 2012.
Nephrolithiasis in renal tubular acidosis. Gary C Curhan. UpToDate, 2012.
Genetic disorders of the collecting tubule sodium channel: Liddle's syndrome and pseudohypoaldosteronism type 1. William F
Young. UpToDate, 2012.
Bartter and Gitelman syndromes. Michael Emmet. UpToDate, 2012.
Classificação
Estágio Descrição Ritmo de filtração Ação
glomerular
(mL/minuto/1.73m2)
1 Lesão renal com ritmo de Superior a 90 Diagnóstico e tratamento de
filtração glomerular normal ou comorbidades, redução da
aumentado e albuminúria progressão e redução do risco
persistente cardiovascular
2 Lesão renal com redução leve 60-89 Estimativa da progressão
no ritmo de filtração glomerular
e albuminúria persistente
3 Lesão renal com redução 30-59 Avaliação e tratamento das
moderada no ritmo de filtração complicações
glomerular
4 Lesão renal com grave redução 15-29 Preparação para terapia de
no ritmo de filtração glomerular substituição da função renal
5 Falência renal Inferior a 15 ou Terapia substitutiva se uremia
diálise
Epidemiologia
No Brasil, a primeira causa de doença renal crônica é hipertensão arterial
sistêmica, seguida por diabetes mellitus e glomerulonefrite crônica. As principais causas
de morte entre os pacientes que recebem terapia renal substitutiva são as doenças
cardiovasculares, seguidas pelas doenças infecciosas.
Etiologia e fisiopatologia
A doença renal crônica é a fase final comum a diversas doenças renais.
Fatores de risco incluem diabetes mellitus, doença cardiovascular, hipertensão
arterial sistêmica, dislipidemia, obesidade, síndrome metabólica, tabagismo, infecção
pelo vírus da imunodeficiência humana ou pelo vírus da hepatite C, neoplasia, história
familiar de doença renal e uso de drogas potencialmente nefrotóxicas.
Quadro clínico
A progressão insidiosa é a característica clínica da doença renal crônica, de
modo que o rim mantém a capacidade de regulação da homeostase até fases avançadas
da doença.
A noctúria, decorrente da perda da capacidade de concentração urinária, costuma
ser um dos primeiros sintomas, mas dificilmente é valorizada pelo paciente.
Posteriormente, surgem as manifestações decorrentes dos distúrbios hidroeletrolíticos e
Avaliação complementar
Muitos pacientes podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos, de modo que
o diagnóstico da doença renal crônica inclui necessariamente a realização de exames
complementares. O primeiro passo na abordagem do paciente com suspeita de doença
renal crônica é determinar se há perda de função renal e qual o grau de declínio na
filtração glomerular. O passo seguinte é identificar fatores de risco para doença renal
crônica e sua progressão e evidenciar sinais de injúria renal por meio da análise do
sedimento urinário, da pesquisa de proteínas na urina e da avaliação ultrassonográfica
do parênquima renal. Na vigência de déficit de função renal, devem ser buscadas causas
com potencial de tratamento e reversão, tais como obstrução de vias urinárias, estenose
de artéria renal e doenças imunológicas em atividade, como lúpus eritematoso sistêmico
e vasculite.
As principais anormalidades laboratoriais são elevação nos níveis séricos de
uréia e creatinina, hipercalemia, hipocalcemia, hiperfosfatemia, acidose metabólica,
anemia normocítica e normocrômica e, em fases avançadas da falência renal,
hiponatremia hipervolêmica.
Ultrassonografia renal
A ultrassonografia das vias urinárias é adequada para definir o diagnóstico de
obstrução do trato urinário, refluxo vesicoureteral e doença renal policística
autossômica dominante, assim como para diferenciar tumores sólidos de cistos renais.
Biópsia renal
A avaliação da histologia renal é um importante instrumento para o diagnóstico,
determina o prognóstico e direciona a terapêutica dos pacientes com doença renal. Saber
a causa da doença renal tem importância prognóstica também no transplante renal, uma
vez que algumas doenças podem recidivar no enxerto renal. Entretanto, no momento do
diagnóstico de doença renal crônica, habitualmente, o grau de fibrose glomerular é
demasiado avançado para definir o aspecto histológico da doença de base, o córtex renal
está reduzido de tamanho e o risco de sangramento decorrente do procedimento
percutâneo não compensa os potenciais benefícios e, na maioria das vezes, contraindica
a sua realização.
Rastreamento
Pacientes com fatores de risco para doença renal crônica devem ser avaliados
com pesquisa de proteínas na urina através da razão entre albumina e creatinina em
amostra isolada e dosagem de creatinina sérica para estimativa do ritmo de filtração
glomerular. Pesquisa de hematúria é indicada para pacientes com risco elevado de
glomerulonefrite. Ultrassonografia de vias urinárias pode ser recomendada para
pacientes com antecedente familiar de doença renal policística.
Tratamento
A doença renal crônica é uma doença sem cura e a perda de função renal
progride até fases terminais, quando a terapia renal substitutiva se torna necessária.
Pacientes com doença renal crônica estágios III e IV devem ser vacinados contra
influenza, hepatite B e pneumococo. No estágio V, são preconizadas quatro doses da
vacina contra hepatite B.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Epidemiology of chronic kidney disease. Gregorio T Obrador and Brian J G Pereira. UpToDate, 2011.
Screening for chronic kidney disease. Gregorio T Obrador and Brian J G Pereira. UpToDate, 2011.
Diagnostic approach to the patient with acute or chronic kidney disease. Theodore W Post and Burton D Rose. UpToDate, 2011.
Overview of the management of chronic kidney disease in adults. Theodore W Post and Burton D Rose. UpToDate, 2011.
Statins and chronic kidney disease. Behdad Afzali and David J A Goldsmith. UpToDate, 2011.
Antihypertensive therapy and progression of nondiabetic chronic kidney disease. Burton D Rose and George L Bakris. UpToDate,
2011.
Management of secondary hyperparathyroidism and mineral metabolism abnormalities in adult predialysis patients with chronic
kidney disease. L Darryl Quarles and Robert E Cronin. UpToDate, 2011.
Pathogenesis and treatment of metabolic acidosis in chronic kidney disease. Burton D Rose. UpToDate, 2011.
Stage IV Chronic Kidney Disease. Hanna Abboud and Willian L Henrich. N Engl J Med 2010;362:56-65.
Oral Phosphate Binders in Patients with Kidney Failure. Marcello Tonelli, Neesh Pannu and Braden Manns. N Engl J Med
2010;362:1312-24.
Treatment of chronic kidney disease. Jeffrey M Turner et al. Kidney International (2012) 81, 351–362.
Quadro clínico
As doenças glomerulares podem se apresentar sob formas brandas, como
hematúria macroscópica, hematúria microscópica e proteinúria subnefrótica, ou sob
formas mais floridas, como síndrome nefrítica, definida por edema, hipertensão arterial
sistêmica e hematúria, e síndrome nefrótica, definida por edema, proteinúria superior a
3g/dia e hipoalbuminemia.
O diagnóstico clínico das doenças glomerulares é dificultado na prática porque
uma mesma doença pode se apresentar com características nefrítica e nefrótica. Assim,
a biópsia renal com estudo histológico por microscopia óptica, imunofluorescência ou
até microscopia eletrônica é um recurso diagnóstico imprescindível.
Síndrome nefrítica
As doenças que produzem inflamação aguda em mais de metade dos glomérulos,
com glomerulonefrite difusa aguda, são aquelas que se exteriorizam de forma mais
exuberante como síndrome nefrítica, caracterizada por edema por overfill, hipertensão
arterial sistêmica, hematúria e graus variáveis de insuficiência renal, além de proteinúria
pouco intensa, inferior a 3g/dia. As formas proliferativas focais, com menos de metade
dos glomérulos acometidos, não apresentam síndrome nefrítica plena, mas apenas
alguns de seus sintomas e sinais, frequentemente apenas com hematúria. Neste grande
grupo de doenças, o mecanismo imunológico é o mais comumente envolvido.
As principais causas são glomerulonefrite proliferativa aguda difusa, como em
glomerulonefrite pós-estreptocócica, glomerulonefrite proliferativa difusa ou focal,
como nefropatia por IgA, síndrome de Henoch-Schönlein e nefrite lúpica, endocardite
bacteriana por Staphylococcus aureus ou Streptococcus viridans, glomerulonefrite
membrano-proliferativa tipos I e II e glomerulonefrite fibrilar.
Doença Associação clínica Teste laboratorial
Glomerulonefrite pós- Faringite, impetigo Anti-estreptolisina O (ASLO) elevada
estreptocócica
Endocardite bacteriana Sopro, febre Hemocultura positiva C3 sérico diminuído
Derivações ventriculares Hidrocefalia Hemocultura positiva e C3 sérico diminuído
infectadas tratada
Abscesso visceral História clínica Hemocultura positiva e C3 e C4 séricos normais
Proteinúria assintomática
Caracterizada por proteinúria isolada superior a 150mg/dia e inferior a 3g/dia na
ausência de outras alterações urinárias, como hematúria, e sem sintomas ou sinais
sistêmicos, como edema e hipertensão arterial sistêmica. É, portanto, diagnóstico feito
através do exame de urina. As doenças mais frequentes nesse grupo são a
glomeruloesclerose segmentar e focal e a glomerulonefrite membranosa, que têm
evolução benigna a menos que mudem suas características clínicas, com
desenvolvimento de hipertensão arterial sistêmica e proteinúria maciça.
A microalbuminúria, definida como a excreção de 30-299mg de albumina por
dia, é um importante marcador de doença glomerular. Esse parâmetro também é
utilizado para identificar o risco de desenvolvimento de nefropatia em pacientes
diabéticos, assim como o risco cardiovascular em pacientes hipertensos. O achado de
outras proteínas urinárias, que não a albumina, tem significado próprio.
A proteinúria tubular, constatada pelo achado urinário de beta-2 microglobulina,
retinol binding protein (RBP) ou outras proteínas de baixo peso molecular, é
característico de doenças com comprometimento túbulo-intersticial, quer
primariamente, como na nefrite túbulo-intersticial, quer secundário a glomerulopatias,
como a glomeruloesclerose segmentar e focal.
A proteinúria encontrada em estados de hiperprodução de proteínas,
particularmente cadeias leves de globulinas, que se infiltram pelo glomérulo, são
características de paraproteinemias e devem ser pesquisadas adequadamente.
O achado de pequenas quantidades de albumina urinária também pode ocorrer
em certas situações funcionais, não-patológicas, como febre e estados de ativação
adrenérgica, com a denominação de proteinúria funcional, ou posição ortostática e
deambulação, com a denominação de proteinúria ortostática.
A probabilidade de ser encontrado rim normal ou com pequenas alterações em
biópsia é grande, sem influência no tratamento, de modo que a avaliação histológica não
é indicada. Terapia imunossupressora não estará indicada na maioria dos casos
Síndrome nefrótica
Síndrome clínico-laboratorial decorrente do aumento de permeabilidade às
proteínas plasmáticas e caracterizada por proteinúria superior a 3.5g/1.73m2/dia, com
consequente hipoalbuminemia e edema. Retenção renal primária de sódio, com overfill,
estaria na gênese do edema, porém, nas fases avançadas, em que a hipoalbuminemia é
intensa, o papel de hipovolemia predomina, com underfill. O achado de hiperlipidemia,
com elevação de LDL-colesterol e triglicérides, não é obrigatório, porém é muito
comum, assim como a hipercoagulabilidade, relacionada à perda de fatores de
coagulação, a desnutrição proteica e a suscetibilidade a infecções. Várias anormalidades
na coagulação podem ser responsáveis pela hipercoagulabilidade no estado nefrótico,
sendo as mais importantes níveis plasmáticos elevados de fatores V, VII e VIII,
hiperfibrinogenemia, deficiência de antitrombina III e proteína S, distúrbios da
fibrinólise, hiperatividade plaquetária e trombocitose. As tromboses podem ser venosas,
com maior frequência, ou arteriais, ocorrendo trombose de veia renal em até metade dos
indivíduos com glomerulonefrite membranosa.
Dentre as glomerulopatias primárias que mais frequentemente causam síndrome
Diagnóstico diferencial
Nefrótica Nefrítica
Lesão mínima ++++ -
Glomerulonefrite membranosa ++++ +
Glomeruloesclerose segmentar e focal +++ ++
Glomerulonefrite mesangial ++ ++
Glomerulonefrite membrano-proliferativa ++ +++
Glomerulonefrite difusa aguda + ++++
Glomerulonefrite crescêntica + ++++
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
Fisiopatologia
O envolvimento glomerular no lúpus eritematoso sistêmico é mediado por
imunocomplexos, cuja deposição ou formação in situ ativa a cascata do sistema
complemento. As alterações mais importantes, com implicações prognósticas, abrangem
quatro padrões, segundo o compartimento glomerular envolvido, denominados
mesangial, proliferativo focal, proliferativo difuso e membranoso.
Quadro clínico
Avaliação complementar
A nefrite lúpica caracteriza-se por evolução em longo prazo, com episódios de
recidiva e períodos de remissão. Um dos aspectos mais importantes no seguimento dos
pacientes é, portanto, a detecção precoce dos surtos de atividade renal para o uso
judicioso das drogas imunossupressoras.
Vários testes séricos estão alterados na atividade do lúpus eritematoso sistêmico,
com destaque para velocidade de hemossedimentação, proteína C reativa, frações do
complemento, autoanticorpos, imunocomplexos e várias citocinas. Em relação à
atividade nefrítica lúpica, entretanto, os testes com maior valor preditivo são os níveis
séricos do complemento total, da fração C3 do complemento e dos títulos de anti-
dsDNA. O exame cuidadoso do sedimento renal é extremamente útil, especialmente
quando suas características podem ser comparadas com exames anteriores. O aumento
Tratamento
O tratamento e o prognóstico da nefropatia do lúpus eritematoso sistêmico estão
diretamente relacionados ao tipo de lesão histológica subjacente, ao grau de
comprometimento da filtração glomerular e, possivelmente, às notas atribuídas aos
índices de atividade e cronicidade avaliados pela biópsia renal Em qualquer uma das
classes histológicas da nefrite lúpica, recomenda-se a utilização de Hidroxicloroquina,
que está relacionada a menor risco de ativação da doença, lesão renal e eventos
trombóticos, exceto em caso de contraindicação. Em qualquer uma das classes
histológicas da nefrite lúpica com proteinúria superior ou igual a 0.5g em 24 horas,
recomenda-se a utilização de drogas inibidoras do sistema renina-angiotensina, tendo
em vista seu efeito anti-proteinúrico, renoprotetor e modulador da atividade inflamatória
tecidual, exceto em caso de contraindicação. O uso de estatinas é indicado no controle
das dislipidemias e, possivelmente, no retardo da progressão para a perda funcional,
com meta de LDL-colesterol inferior a 100mg/dL. Os níveis de pressão arterial
sistêmica devem ser mantidos menores ou iguais a 130x80mmHg.
Os pacientes que se apresentam com alterações renais mínimas ou leves, com
proteinúria inferior a 1g/dia e creatinina sérica normal, como ocorre habitualmente nas
classes I e II, não necessitam de tratamento específico para a nefropatia, mas apenas de
suporte terapêutico direcionado para as manifestações extra-renais. O uso de anti-
inflamatórios não-hormonais em doses altas deve ser evitado pelo risco de piora da
função renal, mesmo que a nefropatia tenha evolução estável. Em longo prazo, os
pacientes com alterações urinárias leves têm bom prognóstico, com sobrevida renal
superior a 85% em dez anos. Em 20-30% dos casos, o quadro clínico pode sofrer
transformação, com surgimento de proteinúria nefrótica e disfunção renal. Essa situação
se correlaciona com a mudança da lesão histológica, geralmente para a forma
proliferativa difusa, classe IV.
As glomerulonefrites proliferativas focal grave, classe III(A), e difusa, classes
IV-S e IV-G, devem ser consideradas em conjunto, uma vez que apresentam
manifestações clínicas e prognóstico semelhantes. Na fase de indução da nefrite lúpica
proliferativa difusa, utiliza-se Metilprednisolona sob a forma de pulsos intravenosos de
1g/dia durante três dias, seguida por Prednisona por via oral com 60-80mg/dia durante
um período de seis a oito semanas. O uso de drogas citostáticas possivelmente estará
indicado na maioria dos pacientes com classe IV, uma vez que tais agentes têm
demonstrado eficácia no controle das recidivas, na prevenção da insuficiência renal
crônica e na redução da dose total de corticosteroides. O esquema ideal não está bem
estabelecido, mas um dos mais utilizados é o do grupo National Institutes of Health, que
consiste na administração intravenosa de Ciclofosfamida, apresentada na forma de
Diretriz
Etiologia
A etiologia das vasculites sistêmicas, de um modo geral, não é conhecida,
sabendo-se, no entanto, que, em certas circunstâncias, podem ser identificados alguns
agentes causais representados por drogas, como Propiltiouracil, Alopurinol,
Penicilamina, Hidralazina e sulfas, agentes infecciosos, como vírus da hepatite B,
parvovírus B19 e bactérias, e genética, como em deficiência hereditária de alfa-1-
antitripsina associada ao ANCA.
O envolvimento renal nas vasculites sistêmicas ocorre em 50-90% dos casos e a
lesão descrita como glomerulonefrite crescêntica necrotizante pauci-imune corresponde
a aproximadamente metade de todas as glomerulonefrites rapidamente progressivas. Por
outro lado, entre as nefrites pauci-imunes, cerca de 80% dos pacientes têm vasculites
sistêmicas e até 85% têm sorologia positiva para ANCA. Na população geral, as
vasculites dos vasos de pequeno calibre afetam principalmente a faixa etária acima dos
cinquenta anos, mas também podem atingir pessoas mais jovens.
Patologia
A lesão histológica predominante no parênquima renal de pacientes com
vasculite é glomerulonefrite necrotizante focal e segmentar, sem depósitos de
imunoagregados (pauci-imune) ou evidências de proliferação celular intraglomerular.
Em 80% dos casos, ocorre a formação de crescentes epiteliais agudos ou em vários
estágios de evolução. Em geral, existe boa correlação entre a creatinina sérica inicial e o
porcentual de glomérulos comprometidos com crescentes. Além da lesão glomerular,
algum grau de infiltrado intersticial pode ser descrito na vasculite renal, geralmente
acompanhando a glomerulonefrite crescêntica grave. Granulomas necrotizantes
intersticiais, com células gigantes multinucleadas, podem ser observados na
granulomatose de Wegener e na síndrome de Churg-Strauss. O envolvimento vascular
extra-glomerular é pouco frequente.
Quadro clínico
O envolvimento renal nas vasculites sistêmicas necrotizantes é frequente e muito
bem caracterizado nas entidades associadas ao ANCA, como a poliangeíte
microscópica, a granulomatose de Wegener e a glomerulonefrite crescêntica pauci-
imune sem evidências de vasculite extra-renal. A síndrome de Churg-Strauss é bastante
rara e poucos pacientes apresentam manifestações renais relevantes.
As vasculites relacionadas ao ANCA acometem indistintamente ambos os sexos,
com maior prevalência por volta dos 55 anos de idade, com predileção para indivíduos
de raça branca. De maneira característica, os pacientes se apresentam com febre,
anorexia, emagrecimento e astenia, frequentemente precedidos por pródromos que
Avaliação complementar
Em relação aos exames complementares, o teste do ANCA é o mais importante
para o diagnóstico. Outros achados menos específicos incluem velocidade de
hemossedimentação e proteína C reativa aumentadas, anemia, leucocitose e,
ocasionalmente, trombocitose. A eosinofilia é observada em pacientes com síndrome de
Churg-Strauss e, menos frequentemente, em pacientes com granulomatose de Wegener
e poliangeíte microscópica. O padrão de ANCA mais encontrado nas vasculites renais é
o perinuclear, encontrado em casos de poliangeíte microscópica, glomerulonefrite
crescêntica necrotizante e, eventualmente, granulomatose de Wegener. O padrão de
ANCA citoplasmático é o mais frequente em pacientes com granulomatose de Wegener.
A documentação histológica é imprescindível para o diagnóstico definitivo de
vasculite necrotizante. A biópsia renal também permitirá avaliar o grau de
reversibilidade das lesões.
Tratamento
O tratamento permite sobrevida de até 70% em cinco anos.
Na fase de indução, a droga de escolha é a Metilprednisolona, administrada sob
a forma de pulsos intravenosos de 1g/dia durante três dias consecutivos, seguida por
Prednisona por via oral na dose de 0.5-1mg/kg/dia. A Ciclofosfamida, apresentada na
forma de comprimidos de 50mg, deve ser acrescentada ao esquema, preferencialmente
por via oral, na dose de 1-3mg/kg/dia, mas também podendo ser utilizada por via
intravenosa. Na vasculite extra-renal grave ou mesmo quando ocorrer perda rápida da
função renal até nível dialítico, tem sido proposto o uso de plasmaférese intensiva, com
sete a dez trocas diárias de quatro litros de plasma e substituição por Albumina a 5%.
Após a fase de indução terapêutica da doença aguda, que dura 12-24 semanas,
inicia-se a fase de manutenção, com duração de até 36 meses, podendo ser utilizada a
Ciclofosfamida oral com 1-2mg/kg/dia acompanhada de Prednisona 10-20mg/dia ou
mesmo a Ciclofosfamida intravenosa sob a forma de pulsos mensais na dose de 0.75-
1g/m2 de superfície corporal durante seis a dose meses. Azatioprina, apresentada na
Púrpura de Henoch-Schönlein
A púrpura de Henoch-Schönlein se manifesta habitualmente como vasculite de
pequenos vasos da pele, das articulações, do trato gastrointestinal e dos glomérulos
renais, tendo como manifestações clínicas um quadro de púrpura dos membros
inferiores, artralgias, dor abdominal, sangramentos gastrointestinais e glomerulonefrite.
Trata-se de uma afecção que atinge especialmente crianças, sendo incomum em adultos.
A maioria dos pacientes com púrpura de Henoch-Schönlein relata antecedente
de infecção do trato respiratório precedendo o quadro clínico típico da síndrome. Vários
agentes microbianos potencialmente patogênicos têm sido implicados na sua etiologia,
incluindo estreptococos beta-hemolíticos, estafilococos, micobactérias, Haemophilus
spp, Yersinia spp e numerosos vírus. Mais raramente, os episódios de vasculite podem
surgir após ingesta de drogas ou alimentos. Depósitos de imunoglobulinas e frações do
complemento estão invariavelmente presentes na pele e nos glomérulos renais. Tendo
em vista as semelhanças histológicas com a nefropatia por IgA, também denominada
doença de Berger, muitos consideram que a púrpura de Henoch-Schönlein seja a sua
forma de manifestação sistêmica. Em ambas ocorre aumento na concentração sérica de
IgA-fibronectina, imunocomplexos e fatores reumatoides da classe IgA.
A biópsia de pele nos casos de púrpura mostra aspecto típico de vasculite
leucocitoclástica de pequenos vasos, com deposição de IgA. A biópsia renal pode
revelar desde proliferação mesangial leve até lesões mais graves, como glomerulonefrite
proliferativa difusa, com ou sem crescentes epiteliais. A presença de IgA no mesângio,
demonstrada por imunofluorescência, é o mais importante critério diagnóstico.
O quadro clínico é caracterizado por antecedente de episódios de infecção das
vias aéreas superiores, que são seguidos de exantema purpúrico na face extensora dos
membros inferiores, artralgias, dores abdominais, hematúria e proteinúria. Em geral, os
sinais e sintomas de cada surto purpúrico duram até três meses, exceto a nefrite, que
pode ser evolutiva e crônica. Habitualmente, ocorrem duas a três recidivas da síndrome
durante o primeiro ano de evolução, com tendência de remissões prolongadas no
seguimento em longo prazo. A hematúria macroscópica é a manifestação mais comum
do envolvimento renal na púrpura de Henoch-Schönlein, ocorrendo em até 80% dos
pacientes. Hematúria microscópica e síndrome nefrótica são bem menos frequentes.
Ocasionalmente, as manifestações renais têm as características da síndrome nefrítica,
com edema, hipertensão arterial sistêmica e redução da filtração glomerular, simulando
a glomerulonefrite pós-estreptocócica. Em pacientes adultos, pode ocorrer a variante da
glomerulonefrite rapidamente progressiva, que evolui quase sempre para insuficiência
renal dialítica.
Os testes laboratoriais são inespecíficos e apenas auxiliam na exclusão de outros
diagnósticos. A contagem de plaquetas e provas de coagulação habitualmente são
normais, assim como são normais ou negativos o complemento sérico, o fator anti-
Síndrome de Goodpasture
A síndrome de Goodpasture ou glomerulonefrite associada ao anticorpo anti-
membrana basal glomerular é bastante incomum, porém deve ser considerada no
diagnóstico diferencial de nefropatias graves com envolvimento pulmonar. O quadro
clínico é variável, mas, em sua forma completa, caracteriza-se por insuficiência renal
rapidamente progressiva associada a hemorragia pulmonar. Em alguns pacientes, pode
ser encontrada apenas hematúria microscópica, sem manifestações clínicas renais nem
hemoptise. A síndrome de Goodpasture acomete indivíduos de qualquer idade, com dois
picos distintos de prevalência, um na segunda e outro na quinta décadas de vida, com
predomínio em jovens do sexo masculino. Nas mulheres com idade superior a 50 anos,
é mais frequente a forma de glomerulonefrite crescêntica, sem acometimento pulmonar.
Nos países do hemisfério norte, ocorre uma típica distribuição sazonal, mais comum na
primavera, e racial, com acometimento quase exclusivo de indivíduos brancos. A
doença ocorre, ocasionalmente, em pintores e em pessoas que têm contato com
solventes hidrocarbonados.
Os antígenos responsáveis pela formação dos autoanticorpos que deflagram a
reação inflamatória glomerular na síndrome de Goodpasture estão localizados na porção
não-colágena do colágeno IV da membrana basal glomerular. É possível que uma
agressão de qualquer natureza lese a membrana basal glomerular e exponha os
antígenos, desencadeando o processo em indivíduos geneticamente predispostos à
doença.
O principal indicador histológico da glomerulonefrite anti-membrana basal
glomerular é o padrão linear do depósito de IgG ao longo da parede capilar glomerular
na imunofluorescência do fragmento de biópsia renal. O mesmo padrão pode ser
Síndrome hemolítico-urêmica
A síndrome hemolítico-urêmica se caracteriza pela ocorrência de insuficiência
renal aguda associada a anemia hemolítica microangiopática e plaquetopenia. Trata-se
de uma doença bastante heterogênea e de causa multifatorial, acometendo com maior
frequência a população pediátrica. A principal lesão anatômica é a microangiopatia
trombótica de vasos da microcirculação, que resulta em isquemia e insuficiência de
órgãos e aparelhos. Ambos os sexos são acometidos.
A síndrome hemolítico-urêmica pode estar associada a várias condições que têm
Doenças infecciosas
Endocardite bacteriana
O envolvimento renal na endocardite bacteriana pode ocorrer por meio de
abscessos ou infartos renais relacionados a embolização séptica, necrose tubular aguda,
glomerulonefrite aguda ou rapidamente progressiva por deposição de imunocomplexos
e nefrite intersticial por ação nefrotóxica de medicamentos.
A glomerulonefrite da endocardite se assemelha ao perfil das síndromes
nefríticas pós-infecciosas, cujo quadro clínico é caracterizado por hematúria
macroscópica, edema, hipertensão arterial sistêmica e redução do ritmo de filtração
glomerular. Na maioria dos casos, seu curso é para cura completa ou com pequenas
sequelas de fibrose renal. O exame de urina mostra hematúria com hemácias
Esquistossomose
A glomerulonefrite membrano-proliferativa com aspecto lobulado é a lesão renal
Paraproteinemias
As paraproteinemias constituem um grupo de doenças que se caracterizam pela
produção e/ou deposição de proteínas monoclonais de modo isolado ou sob a forma de
macromoléculas de composição complexa. Destacam-se, pela frequência e gravidade, o
mieloma múltiplo, a macroglobulinemia de Waldenström, a amiloidose e as doenças de
cadeias leves e pesadas.
Macroglobulinemia de Waldenström
Na macroglobulinemia, a imunoglobulina monoclonal patogênica é a IgM e o
quadro clínico se deve à hiperviscosidade sanguínea, caracterizando-se por fadiga, perda
de peso, sangramentos e distúrbios visuais em pacientes com idade superior a sessenta
anos. Seu curso costuma ser lento e progressivo, com anemia, hepatomegalia e
linfoadenopatia. O envolvimento renal é raro, sendo o achado mais frequente o depósito
de material eosinofílico nas luzes capilares, constituído por agregados de IgM. Alguns
autores observam que 10-20% dos pacientes apresentam proteinúria de Bence Jones,
sendo a quantidade excretada em geral inferior a 500mg/dia. Além dos pseudotrombos
capilares, a macroglobulinemia pode, mais raramente, se manifestar histologicamente
como glomeruloesclerose nodular, semelhante à doença de deposição de cadeias leves,
glomerulonefrite mesangiocapilar e doença de lesões mínimas, que se acompanha de
síndrome nefrótica.
Crioglobulinemia
O envolvimento renal na crioglobulinemia ocorre em 20-25% dos pacientes e o
quadro clínico mais frequente é o da síndrome nefrítica, com proteinúria moderada,
hematúria, hipertensão arterial sistêmica grave e insuficiência renal não-dialítica. O
diagnóstico laboratorial pode ser firmado pela demonstração de crioglobulinas
circulantes do tipo IgM monoclonal e IgG policlonal, pela presença de fator reumatoide
IgM e por hipocomplementenemia às custas de consumo dos componentes iniciais da
via clássica.
O vírus da hepatite C tem sido considerado o principal fator etiológico da
vasculite associada à crioglobulinemia mista, antigamente rotulada “essencial”. As
lesões glomerulares da crioglobulinemia podem ter vários padrões de glomerulonefrites.
Amiloidose
Trata-se de doença caracterizada pela deposição de proteína insolúveis de
aspecto fibrilar, acometendo os espaços extracelulares de órgãos e tecidos. De modo
muito característico, a substância amiloide se cora por vermelho Congo e tioflavina-T,
facilitando o diagnóstico pela análise histológica dos locais afetados.
A amiloidogênese é vista como um processo em que um determinado estímulo
provoca alteração na concentração e/ou na estrutura de uma proteína sérica que, após
clivagem proteolítica anômala, passa por uma sequência de polimerização e deposição
tecidual.
Por definição, amiloidose primária é a forma de amiloidose não associada a
outra doença sistêmica. A proteinúria está presente em 80% dos casos, em nível
nefrótico em uma parcela destes. Os rins geralmente estão aumentados de tamanho. O
diagnóstico deve ser considerado em paciente com síndrome nefrótica ou insuficiência
renal de causa não definida na faixa etária superior a quarenta anos. Nesse contexto,
impõe-se a pesquisa de proteína monoclonal no soro e na urina, preferencialmente por
imunofixação. Praticamente dois terços dos pacientes com amiloidose primária
apresenta proteína monoclonal no soro e em um quinto dos casos são detectadas
proteínas de Bence Jones. Cadeias leves do tipo lambda são mais comuns que as do tipo
kappa e o inverso ocorre no mieloma múltiplo. Os depósitos teciduais podem ser
revelados por reatividade com anticorpos de cadeia leve, sendo negativos quando é
utilizado anticorpo anti-proteína amiloide. Além do rim, há depósitos em coração,
língua, nervos periféricos, vasos sanguíneos e trato digestório.
Amiloidose secundária está associada a estímulos inflamatórios crônicos, que
acompanham doenças infecciosas, inflamatórias e neoplásicas. A proteína amiloide
sérica é sintetizada no fígado e tem seu nível elevado cerca de mil vezes o valor basal
em resposta a determinado estímulo inflamatório agudo ou a necrose tecidual. A artrite
reumatoide é um dos mais característicos exemplos de doença inflamatória crônica que
pode evoluir com amiloidose secundária e cursa com níveis elevados de proteína
amiloide sérica tanto em pacientes com amiloidose como naqueles sem a doença.
Amiloidose renal hereditária é uma doença rara em que a deposição de amiloide
é preferencial no rim, mas também ocorre com frequência o acometimento do sistema
nervoso periférico, com neuropatias motoras e sensoriais. Uma das variantes bem
conhecidas da amiloidose hereditária é aquela decorrente de mutação na molécula da
transtirretina, que é produzida no fígado. Em outra forma de amiloidose hereditária, a
proteína envolvida é uma mutação da apolipoproteína A.
Neoplasias
A glomerulonefrite membranosa é a lesão renal mais frequentemente associada
às neoplasias sólidas, representadas pelos carcinomas broncogênicos, colo-retais, renais,
de mama e gástricos. De modo geral, a manifestação clínica mais comum é a síndrome
nefrótica, que pode surgir ao mesmo tempo em que a instalação da neoplasia, mas, em
algumas ocasiões, pode preceder o diagnóstico clínico do tumor.
O mecanismo envolvido nas lesões glomerulares associadas às neoplasias não é
totalmente conhecido, mas existem algumas teorias explicativas. Os antígenos
associados a tumores foram apontados como integrantes de imunocomplexos
nefritogênicos.
O tratamento das glomerulopatias associadas às neoplasias depende do tipo e do
estadiamento da condição maligna. A remissão da proteinúria pode ocorrer em pacientes
com neoplasias sólidas tratadas cirurgicamente, porém não se pode afastar nesses casos
uma remissão espontânea da doença glomerular. Nas neoplasias linfoproliferativas, por
outro lado, ocorre boa correlação entre atividade da doença e ocorrência de proteinúria e
síndrome nefrótica.
Doenças hepáticas
Cirrose hepática
O depósito glomerular de IgA é um achado comum na cirrose hepática,
particularmente na hepatopatia crônica associada ao etilismo. O mecanismo implicado é
pouco conhecido. A maioria dos pacientes não demonstra sintomas ou sinais clínicos
evidentes de nefropatia, sendo o diagnóstico cogitado pelo achado de hematúria e
proteinúria discretas. Não ocorre síndrome nefrótica nem hematúria macroscópica. A
lesão histológica mais frequente ocorre sob forma de proliferação.
Outra forma de envolvimento renal na cirrose, porém menos frequente, é a
glomeruloesclerose cirrótica, em que ocorre uma lesão esclerótica difusa glomerular. É
necessário diagnóstico diferencial com outras formas de glomeruloesclerose, como
diabetes mellitus e amiloidose. Essa lesão glomerular é geralmente silenciosa,
manifestando-se apenas por proteinúria leve. A imunofluorescência frequentemente
revela IgA em mesângio, além de IgM e IgG.
Diabetes mellitus
Entre os principais fatores de risco para progressão da doença renal estão
controle glicêmico ruim e presença de hipertensão arterial sistêmica.
A nefropatia diabética, expressão genérica que designa apenas lesão do
parênquima renal ocasionada por diabetes mellitus, é classificada em três diferentes
fases, de hiperfiltração, de microalbuminúria e de macroalbuminúria. Essas fases
apresentam sinais clínicos, laboratoriais e histológicos distintos, além de potencial de
reversibilidade diferente.
A primeira fase da nefropatia diabética, conhecida como fase de hiperfiltração, é
caracterizada por um incremento na taxa de filtração glomerular, habitualmente na
ordem de 25-50% em relação à taxa basal do indivíduo. Essa fase costuma durar anos e
é totalmente reversível com o controle rigoroso da glicemia e da pressão arterial. A
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genito-urinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
American College of Rheumatology Guidelines for Screening, Treatment, and Management of Lupus Nephritis. Arthritis Care &
Research. Vol. 64, No. 6, June 2012, pp 797–808.
Quadro clínico
A maior parte dos pacientes apresenta sintomas e sinais inespecíficos de
disfunção renal aguda, com início agudo ou subagudo de náusea, vômitos e mal-estar,
ou ausência de sintomas e sinais.
No caso da nefrite intersticial aguda induzida por fármacos, o início do quadro
clínico geralmente ocorre de três a cinco dias após uma segunda exposição ao
medicamento a semanas a meses após uma primeira exposição.
Classicamente, os pacientes apresentam sintomas, sinais e alterações
laboratoriais de reação alérgica, com exantema, febre e eosinofilia, mas a tríade
completa está presente em apenas 10% dos casos.
Avaliação complementar
A análise do sedimento urinário revela leucócitos, eritrócitos e cilindros
leucocitários, com excreção de proteínas usualmente normal ou discretamente
aumentada, geralmente com valores inferiores a 1g/dia. No entanto, sedimento urinário
relativamente normal não exclui o diagnóstico. A avaliação laboratorial também revela
aumento da concentração de creatinina sérica, eosinofilúria e eosinofilia. A fração de
excreção de sódio geralmente é superior a 1%, mas valores inferiores podem ser
encontrados.
A análise histológica revela edema intersticial e infiltrado intersticial com
predomínio de linfócitos T e monócitos. Eosinófilos, plasmócitos e neutrófilos também
podem ser encontrados. Tubulite ocorre quando células inflamatórias invadem a
membrana basal tubular. A formação de granulomas, característica da doença renal
relacionada à amiloidose, pode ser encontrada em qualquer forma de nefrite intersticial
aguda. Indicações de biópsia renal incluem dúvida diagnóstica, disfunção renal
avançada e ausência de melhora espontânea após suspensão da droga suspeita.
Cintilografia com Gálio revela captação difusa, intensa e bilateral consistente
com infiltrado inflamatório intersticial. Apesar de resultado semelhante poder ser obtido
em outras doenças, na necrose tubular aguda o exame é quase sempre negativo. Um
resultado negativo não exclui o diagnóstico de nefrite intersticial aguda.
Diagnóstico
O diagnóstico é suspeitado com base em história clínica e achados laboratoriais
e confirmado com análise histológica, mas teste terapêutico com corticosteroides e
Prognóstico
Recuperação da função renal é geralmente incompleta, com elevação persistente
da creatinina sérica em até 40% dos pacientes. Diálise aguda usualmente é necessária,
mas apenas cerca de 10% dos pacientes persistem dependentes de terapia substitutiva
renal. Indicadores clínicos de menor probabilidade de recuperação da função renal
incluem disfunção renal aguda prolongada, superior a três semanas, nefrite intersticial
aguda secundária a anti-inflamatórios não-hormonais e achados histológicos, como
granulomas intersticiais, fibrose intersticial e atrofia tubular.
Tratamento
A suspensão do medicamento suspeito de causar a nefrite intersticial aguda é a
base do tratamento, com indicação de imunossupressão com corticosteroides em caso de
ausência de melhora subsequente da função renal dentro de três a sete dias. Preconiza-se
Prednisona 1mg/kg/dia, com máximo de 60mg/dia, durante pelo menos uma a duas
semanas, com desmame gradual após a creatinina sérica atingir nível basal ou próximo
do basal, com duração total de dois a três meses. Em caso de disfunção renal aguda
severa, pode-se iniciar o tratamento com Metilprednisolona intravenosa com 0.5-1g/dia
durante três dias. Biópsia renal é recomendada antes do início do uso de corticosteroides
para confirmação do diagnóstico e exclusão de outras doenças e de nefrite intersticial
com dano crônico significativo, na qual o tratamento imunossupressor poderá não ser
indicado. Micofenolato Mofetil pode ser considerado em pacientes dependentes de
corticosteroides, resistentes a corticosteroides ou incapazes de tolerar o tratamento com
corticosteroides, desde que com biópsia comprovando a nefrite intersticial aguda. A
nefrite intersticial aguda por anti-inflamatórios não-hormonais parece responder menos
ao uso de glicocorticoides.
Bibliografia
Clinical manifestations and diagnosis of acute intersticial nephritis. Burton D Rose and Gerald A Appel. UpToDate, 2012.
Treatment of acute interstitial nephritis. Abhijit V Kshirsagar and Ronald J Falk. UpToDate, 2012.
Fisiopatologia
A formação de cálculos é o resultado da ocorrência isolada ou em conjunto de
aumento na concentração urinária de solutos, diminuição de inibidores da cristalização e
aumento de condições promotoras da formação de cálculos. Outro mecanismo
conhecido é a infecção por bactérias produtoras de urease.
Quadro clínico
As manifestações clínicas são variáveis e dependem do tamanho, do número, da
localização e do grau de obstrução dos cálculos. As formas mais comuns de
apresentação no pronto socorro são dor e hematúria, com infecção do trato urinário e
insuficiência renal aguda ocorrendo com menor frequência. A descrição clássica da dor
causada pela litíase renal é a cólica ureteral, cujo mecanismo é a obstrução ao fluxo
urinário, com aumento da pressão intraluminal, distensão da cápsula renal e contração
da musculatura ureteral. É caracterizada por dor intensa no flanco ou na região lombar,
com irradiação para hipogástrio, testículos ou grandes lábios, podendo ser acompanhada
por hematúria macroscópica, disúria, náusea, vômitos e íleo paralítico. Oligúria ou
anúria podem estar presentes nos casos de obstrução parcial ou total ao fluxo urinário,
respectivamente.
Ao exame físico, o paciente pode encontrar-se com fácies de dor, pálido,
taquicárdico e, às vezes, hipertenso. Febre pode acompanhar os casos com infecção
Avaliação complementar
Hemograma completo, uréia, creatinina e potássio séricos, gasometria venosa e
urina tipo I fazem parte da avaliação inicial. Hematúria reflete a passagem do cálculo
pelas vias urinárias. Leucocitúria, às vezes com nitrato positivo e visualização de
bactérias, sugere infecção urinária. Aumento de uréia, creatinina e potássio pode sugerir
obstrução do trato urinário.
Exames de imagem são fundamentais para a confirmação do diagnóstico de
litíase. Os cálculos de oxalato de cálcio são radiodensos e possuem forma arredondada,
os cálculos de ácido úrico são radiolucentes e possuem forma arredondada ou irregular e
os cálculos de estruvita e cistina são radiodensos e possuem forma irregular.
A radiografia simples de abdômen é útil e pode revelar opacificação nas áreas de
projeção de rins, ureteres e bexiga. Condições que simulam cálculos renais incluem
cálculos em vias biliares, calcificação de linfonodos mesentéricos, calcificações
pancreáticas, calcificações renais e flebólitos. Cálculos radiolucentes, de tamanho
reduzido ou sobrepostos a estruturas ósseas podem não ser visualizados.
A ultrassonografia de rins e vias urinárias pode detectar não somente a presença
de cálculos, mas também a ocorrência de dilatação pielocalicial. Todos os cálculos
podem ser visualizados por ultrassonografia, mas o exame não permite uma avaliação
muito precisa da região ureteral.
A tomografia computadorizada helicoidal atualmente é o teste de escolha por
apresentar alta sensibilidade e especificidade. Pode detectar o cálculo, assim como
definir o ponto e o grau de obstrução. Na grande maioria das vezes, não requer o uso de
contraste intravenoso, que pode ser útil na suspeita de cálculos de Indinavir, que são
radiolucentes e podem causar mínimos sinais de obstrução.
Tratamento
Na maioria das vezes, um episódio agudo de cólica renal sem complicações pode
ser manejado de forma conservadora com medicações intravenosas analgésicas, anti-
inflamatórias e antiespasmódicas.
O controle da dor pode ser conseguido com analgésicos simples, anti-
inflamatórios não-hormonais e, às vezes, com drogas mais potentes, como Meperidina e
Morfina. Antiespasmódicos, como Brometo de N-Butilescopolamina, também podem
ser empregados. Quando houver suspeita de cálculo de ácido úrico, radiolucente, pode-
se tentar alcalinizar a urina com citrato de potássio com o intuito de dissolver o cálculo
em poucos dias. Em caso de desidratação, pode-se prescrever Soro Fisiológico por via
intravenosa.
Em caso de litíase renal com infecção do trato urinário, cuja suspeita é baseada
em febre, leucocitose, disúria, leucocitúria, nitrito e bactérias na urina, dor intratável,
hematúria macroscópica intensa e obstrução do trato urinário com ou sem disfunção
renal, o paciente deverá ser internado e avaliado por um urologista. Nos casos de
infecção do trato urinário, deve ser iniciada antibioticoterapia, com Ceftriaxone 1g por
via intravenosa de 12/12 horas após coleta de urocultura.
Na presença de hematúria macroscópica, deve-se considerar a suspensão do uso
de medicamentos como Warfarina, Ácido Acetilsalicílico e Heparina, além de solicitar
contagem de plaquetas e coagulograma. Na maioria dos casos, é necessária sondagem
vesical de demora e irrigação vesical com Soro Fisiológico frio, a 15-20º Celsius, para
evitar formação de coágulos e obstrução do trato urinário.
Quadro clínico
No consultório, o médico geralmente receberá paciente após episódio agudo de
cólica renal, com achado de litíase em exame de rotina, após eliminação espontânea de
cálculo, em investigação de hematúria ou em investigação de insuficiência renal.
Avaliação complementar
Pacientes sem fatores de risco e que apresentaram primeiro episódio de cólica
renal aguda de resolução simples, sem disfunção renal ou infecção do trato urinário
associadas, não necessitam de investigação extensa. Por sua vez, pacientes com alto
risco de recorrência, como homens brancos de meia-idade e com antecedentes
familiares, e aqueles com cálculos compostos de cistina, ácido úrico, fosfato de cálcio
ou estruvita, diarreia crônica ou má-absorção intestinal, fraturas ósseas patológicas ou
osteoporose, infecção do trato urinário, idade inferior a vinte anos ou gota necessitam de
investigação completa.
A investigação começa com anamnese e exame físico. A anamnese deve ser
dirigida para encontrar etiologia sistêmica para a litíase, abordar aspectos dietéticos,
identificar as atividades profissionais e recreativas, discriminar os medicamentos em
uso e avaliar os antecedentes pessoais e familiares.
Exames bioquímicos gerais para a investigação incluem hemograma, sódio,
potássio, cloro, pH, bicarbonato, uréia, creatinina, ácido úrico, cálcio e fósforo séricos,
urina I, urocultura e urina de 24 horas com dosagens de sódio, potássio, creatinina,
ácido úrico, magnésio, cálcio, citrato e oxalato.
Com relação ao cálcio, quando estiver elevado ou no limite superior da
normalidade, devem-se considerar os diagnósticos diferenciais de hipercalcemia, como
sarcoidose, mieloma múltiplo, outras neoplasias malignas e hiperparatireoidismo
primário, devendo-se dosar os níveis de paratormônio. Acidose metabólica e
hipocalemia podem sugerir acidose tubular renal distal, que está associada a nefrolitíase
e nefrocalcinose. No exame de urina I, densidade elevada pode refletir urina
concentrada por baixa ingesta de líquidos. pH urinário elevado é encontrado em
pacientes com cálculo de estruvita ou fosfato de cálcio, enquanto que pH baixo pode ser
encontrados em pacientes com litíase por ácido úrico ou oxalato de cálcio. Na análise do
sedimento urinário, cristais hexagonais são patognomônicos de cistinúria. Em pacientes
com suspeita de cálculos de estruvita, principalmente naqueles com história de infecção
do trato urinário, pH urinário superior a 6.5 e bactérias na urina I, deve-se solicitar
urocultura, com identificação do agente mesmo que a contagem de colônias seja inferior
a 100.000/mL, já que a produção de urease pode ocorrer com contagens baixas de
bactérias. A coleta da urina de 24 horas deve ser realizada em mais de uma ocasião, em
geral três vezes, e com o paciente consumindo sua dieta habitual, sendo desprezada a
Tratamento
De posse dos dados de anamnese e exame físico, exames laboratoriais de sangue
e urina, exames de imagem e análise do cálculo, o médico pode determinar a
programação terapêutica geral e individualizada para cada distúrbio metabólico
subjacente.
Nas orientações dietéticas gerais, deve-se incluir ingesta de líquidos,
predominantemente água, para obter um volume urinário de 2.0-2.5 litros por dia. A
ingesta de suco de maçã, tomate ou uva pode aumentar risco de formação de cálculos,
enquanto que suco de laranja ou limão pode diminuir o risco por aumentar a excreção
de citrato. O consumo moderado de café, chá ou vinho reduz o risco de litíase em
mulheres. Em pacientes com litíase por cistina, o volume urinário deve ser maior, em
torno de 4.0 litros por dia.
A restrição do consumo de sal para cerca de 3g por dia ou menos reduz a
excreção urinária de cálcio e deve ser encorajada em pacientes com hipercalciúria. O
consumo de alimentos industrializados com alto teor de sódio deve ser evitado. A cada
consulta, o médico pode monitorizar o consumo por meio da dosagem de sódio urinário
em 24 horas.
Ainda em relação aos pacientes com hipercalciúria, o uso de diuréticos
tiazídicos, como a Hidroclorotiazida, com dose inicial de 12.5mg/dia, e a Clortalidona,
com dose inicial de 25mg/dia, é eficaz em reduzir a calciúria. O paciente deve ser
orientado a aumentar o consumo de alimentos com potássio para prevenir hipocalemia e
dosar os níveis séricos do íon dez dias após o início do tratamento.
O consumo de proteínas em alguns grupos de pacientes, principalmente aqueles
com hipercalciúria e/ou hiperuricosúria, deve ser restrito a 0.8-1.2g de proteína animal
por quilograma de peso corpóreo a cada dia, já que o metabolismo de certos
aminoácidos pode gerar íons sulfato, com precipitação de cálcio na urina. A ingesta de
proteína animal também aumenta a carga filtrada de cálcio, com hipercalciúria, além de
causar acidose metabólica e reduzir o pH urinário, com redução da excreção urinária de
citrato, aumento da excreção urinária de ácido úrico e formação de cálculos de ácido
úrico.
A recomendação atual para ingesta de cálcio gira em torno de 800-1200mg/dia
para pacientes com litíase renal. Não deve haver restrição ao consumo de cálcio, nem
mesmo em pacientes com hipercalciúria, pois a falta de cálcio no lúmen intestinal leva a
um aumento da absorção de oxalato, com hiperoxalúria secundária.
Pacientes que apresentam uricosúria devem restringir o consumo de alimentos
Tratamento urológico
A maioria dos cálculos com tamanho igual ou inferior a 4mm é eliminada
espontaneamente. Pode ser realizado tratamento clínico para cálculos com tamanho
inferior a 10mm em caso de controle satisfatório dos sintomas. O uso de Tansulosina
0.4mg por via oral uma vez ao dia durante quatro semanas pode facilitar a passagem da
pedra. Bloqueador de canal de cálcio, como Nifedipino, constitui alternativa.
O tratamento urológico visa a remoção do cálculo das vias urinárias, a sua
desobstrução e, eventualmente, a correção de malformações anatômicas. Atualmente, as
técnicas de remoção de cálculos incluem litrotripsia extracorpórea por ondas de choque,
ureteroscopia, nefrolitotomia percutânea e cirurgia aberta. Como técnica de
desobstrução, deve ser citada, além da destruição do cálculo por ureteroscopia com ou
sem a colocação de cateter duplo J, a nefrostomia percutânea, preferida em caso de
obstrução aguda com infecção associada pelo menor risco de desenvolvimento de sepse
e pela possibilidade de anestesia local.
As situações em que é comum a necessidade de intervenção do urologista são
infecção do trato urinário, obstrução do trato urinário, dor intratável e ausência de
resposta ao tratamento clínico.
Como técnica mais empregada, a litotripsia consiste em sessões de cerca de
trinta minutos sob analgesia e anestesia nas quais ondas de choque são aplicadas em
direção ao cálculo. O número de sessões depende do tamanho, da composição e da
quantidade dos cálculos. Os resultados são melhores para cálculos menores do que 2cm,
com coeficiente de atenuação inferior a 900 unidades Hounsfield e com distância da
pele inferior a 10cm e piores para cálculos grandes, múltiplos, associados a obstrução,
coraliformes, em rim em ferradura, em cálice inferior (especialmente se dilatado) e em
divertículo calicinal. O uso de litotripsia para tratamento de cálculos em cálice inferior
deve ser limitado para cálculos menores do que 1cm e de cálculos coraliformes deve ser
limitado para cálculos pequenos. As complicações mais comuns são obstrução ureteral,
hemorragias, hematomas e infecções. Contraindicações incluem infecção do trato
urinário ativa, coagulopatia ou diátese hemorrágica não-tratadas, obstrução distal e
gestação. Obesidade e deformidades da coluna espinal podem dificultar o
posicionamento adequado do paciente. Anticoagulantes, antiagregantes plaquetários e
anti-inflamatóios não-hormonais devem ser suspensos sete a dez dias antes do
procedimento. É necessário documentar resultado negativo de cultura de urina antes do
procedimento. Em mulheres em idade fértil, teste de gravidez deve ser realizado se
radiação ionizante será usada durante o procedimento. Os pacientes são orientados a
iniciar jejum para sólidos e líquidos na noite anterior ao procedimento e, a depender do
tamanho, da radioteransparência e da localização do cálculo, podem ser orientados a
usar laxativos previamente ao procedimento. Recomenda-se o uso de antibiótico
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Urologia Básica: Curso de Graduação Médica. Miguel Srougi, José Cury. . 1ª edição. Barueri, São Paulo. Manole, 2006.
Diagnosis and acute management os suspected nephrolithiasis. Gary C Curhan, Mark D Aronson, Glenn M Preminger. UpToDate,
2011.
Evaluation of the adult patient with established nephrolithiasis treatment if stone composition is unknown. Glenn M Preminger,
Gary C Curhan. UpToDate, 2011.
Options in the management of renal and ureteral stones in adults. Glenn M Preminger. UpToDate, 2011.
Shock-Wave Lithotripsy for Renal Calculi. Margaret S Pearle. N Engl J Med 2012;367:50-7.
CEFALEIAS PRIMÁRIAS
Enxaqueca ou migrânea
Epidemiologia
Acomete 15% da população adulta do Reino Unido, sendo três vezes mais
frequente em mulheres do que em homens.
Classificação
Enxaqueca comum ou sem aura.
Enxaqueca clássica ou com aura, que pode ser hemiplégica, familiar ou
esporádica, basilar, caracterizada por vertigem, diplopia, zumbido e ataxia, ou retiniana,
caracterizada fosfenas, escotomas e amaurose.
Síndromes da infância precursoras de enxaqueca, com vômitos, dor abdominal e
vertigem.
Quadro clínico
Dor latejante, pulsátil, de forte intensidade, que causa o abandono das atividades
diárias, em princípio unilateral, com piora ao esforço físico.
Fotofobia, fonofobia, náusea ou vômitos.
Após a dor melhorar, o paciente apresenta sono.
Aura é um conjunto de sinais de disfunção neurológica focal que aparecem
Complicações da enxaqueca
Cefaleia crônica diária, com sintomas em mais do que quinze dias por mês
durante três meses ou mais do que 180 dias em um ano, sem abuso de medicações
analgésicas.
Status enxaquecoso é a denominação da crise de enxaqueca com duração
superior a 72 horas. Em geral acomete pacientes que já têm antecedente de enxaqueca e
que apresentam dor com as mesmas características habituais, porém que não melhora
Tratamento
Os objetivos incluem reduzir a frequência e a intensidade dos ataques, reduzir a
incapacidade associada, melhorar a qualidade de vida, prevenir a cefaleia e evitar o
abuso de analgésicos.
Controle de fatores predisponentes e desencadeantes através de medidas para
controlar o estresse, controle de padrões alimentares, combate ao sedentarismo,
avaliação da atividade profissional, atuação sobre fatores físicos e químicos ambientais,
diminuição ou abolição do tabagismo e manutenção do ritmo de atividade diária regular.
Técnicas não-farmacológicas
O paciente pode ser orientado a aplicar gelo, descansar em ambiente silencioso e
agradável, praticar medidas de relaxamento e dormir.
Técnicas farmacológicas
Tratamento estratificado:
- Tratamento inespecífico com analgésicos, anti-inflamatórios não-
hormonais e pró-cinéticos;
- Tratamento específico com triptanos e ergotamínicos;
Opções de analgesia simples incluem Ácido Acetilsalicílico 500-1000mg por via
oral até de 6/6 horas, Paracetamol 500mg por via oral até de 6/6 horas e Dipirona 1-2g
por via oral até de 6/6 horas.
Anti-inflamatórios não-hormonais são efetivos e opções incluem Naproxeno
250-500mg por via oral de 12/12 a 8/8 horas, Ibuprofeno 400-600mg por via oral até de
6/6 horas, Cetoprofeno 100mg por via intramuscular ou intravenosa até de 12/12 horas,
Diclofenaco 50mg por via oral até de 8/8 horas, 75mg por via intramuscular até de
12/12 horas ou supositório de 100mg por via retal até de 12/12 horas e Tenoxicam 20-
40mg por via intravenosa ou intramuscular uma vez ao dia. Contraindicações incluem
alergia conhecida, úlcera péptica e insuficiência renal. Deve-se evitar o uso em
hipertensos e idosos.
Antieméticos pró-cinéticos potencializam o tratamento analgésico por
promoverem o esvaziamento gástrico e tratarem náusea e vômitos. Podem ser utilizados
Metoclopramida 10mg por via oral ou intravenosa até de 8/8 horas e Domperidona 10-
20mg por via oral até de 8/8 horas ou supositório de 30-60mg por via retal até de 12/12
horas.
Tratamento profilático
Técnicas não-farmacológicas
Condicionamento físico.
Terapia física.
Acupuntura.
Tratamento odontológico.
Psicoterapia.
Técnicas farmacológicas
Cefaleia tensional
Epidemiologia
Menos debilitante do que a enxaqueca, porém mais prevalente. Pode atingir até
Fisiopatologia
Mecanismos pericranianos miofasciais estão relacionados à cefaleia tensional
esporádica, enquanto que a sensibilização das vias de dor estaria mais relacionada à
cefaleia tensional crônica.
Fatores predisponentes incluem sedentarismo, estresse e depressão.
Quadro clínico
Dor de origem muscular, vaga, em pressão ou constrição ao redor da cabeça,
bilateral, às vezes latejante, irradiada para musculatura posterior do pescoço ou até
região interescapular, com duração de trinta minutos a sete dias. Às vezes é
acompanhada de fraqueza e cansaço.
Dor à palpação de musculatura cervical posterior.
Geralmente associada à ansiedade em casos agudos ou à depressão em casos
crônicos. É importante questionar sobre mudança de hábitos de vida, como cessação do
tabagismo.
Periodicidade
Esporádica infrequente quando menos de um dia por mês, com ou sem dor
pericraniana.
Esporádica frequente quando entre um e quinze dias por mês.
Crônica quando mais do que quinze dias por mês durante pelo menos três meses
ou quando mais de 180 dias em um ano.
Tratamento
A abordagem não-farmacológica inclui prática de atividade física regular,
orientações para manejo do estresse e encaminhamento para fisioterapia.
A abordagem farmacológica aguda inclui analgésicos simples por via oral, com
Conduta
Analgesia com Ácido Acetilsalicílico, Dipirona ou Paracetamol.
Em caso de falha terapêutica, indica-se o uso de anti-inflamatório não-hormonal
por 3-5 dias. Em caso de refratariedade, deve-se avaliar o uso de antidepressivos
tricíclicos, inicialmente 25mg nos primeiros três dias, com aumento para 50mg no
quarto dia. Opções incluem Imipramina, Amitriptilina e Nortriptilina. É necessário
aguardar quinze dias antes de aumentar novamente a dose da droga.
Inibidores da recaptação de serotonina não apresentam efeito em cefaleias
tensionais.
Acupuntura é de eficácia comprovada para o tratamento da cefaleia tensional.
Cefaleia em salvas
Epidemiologia
Paciente típico é o homem magro, com idade entre vinte e cinquenta anos,
tabagista e etilista. Há hereditariedade autossômica dominante em cerca de 5% dos
casos.
Fisiopatologia
Possível origem hipotalâmica, relacionada à alteração na resposta de
quimiorreceptores à hipoxemia, com prejuízo da regulação da concentração arterial de
oxigênio.
Quadro clínico
Cefaleia intensa retro ou periorbitária e temporal, sempre do mesmo lado, com
duração entre quinze e cento e oitenta minutos, que deve estar acompanhada de pelo
menos um dentre injeção conjuntival e/ou lacrimejamento ipsilateral, congestão nasal
e/ou rinorréia ipsilateral, edema palpebral ipsilateral, sudorese da fronte e da face
ipsilateral, miose e/ou semiptose ipsilateral e sensação de inquietação ou agitação. Não
há uma causa secundária atribuível à cefaleia.
A forma episódica ocorre em clusteres tipicamente com duração de seis a doze
semanas uma vez por ano ou uma vez a cada dois anos. A frequência das crises varia de
uma em dias alternados até oito por dia.
Cinco crises semelhantes são necessárias para o diagnóstico.
Em geral o paciente acorda a noite com dor em função da queda da pressão
parcial de oxigênio durante o sono REM.
Comumente a dor é agravada pelo decúbito horizontal.
O paciente fica inquieto e, muitas vezes, desespera-se.
Episódios estão associados a alterações na luminosidade ou nos horários da
Tratamento
Medidas comportamentais incluem tratamento da ansiedade, promoção da
abstinência de álcool e introdução de medidas de higiene do sono.
Crise aguda:
- Oxigênio a 100% 10-15L/minuto durante dez a vinte minutos em
máscara não-reinalante;
- Sumatriptano 6-12mg por via subcutânea;
- Analgésicos comuns e opiáceos têm pouco efeito e não devem ser
prescritos;
A medicação profilática deve ser introduzida o quanto antes após o início de um
novo cluster. Para a maior parte das drogas, a dose deve ser titulada o mais rápido
possível até a dose máxima tolerada. Na ausência de benefício aparente dentro de uma
semana do uso da dose máxima tolerada, a droga deve ser descontinuada e substituída
ou associada a outra medicação.
Verapamil é um agente de primeira linha tanto para cefaleia em salvas episódica
como para a doença crônica. Doses de 80mg de 8/8 a 6/6 horas podem ser suficientes,
mas pode ser necessário titular para até 960mg/dia em alguns casos. Efeitos colaterais
incluem constipação e rubor facial. Eletrocardiograma deve ser avaliado quanto a
presença de bloqueio atrioventricular antes de a dose atingir 480mg/dia e sempre que
for aumentada a partir de então. β-bloqueadores não devem ser utilizados
concomitantemente.
Prednisolona pode ser preferida porque, diferente das outras opções
farmacológicas, pode ser iniciada já em dose alta. Preconiza-se 60-100mg por via oral
uma vez ao dia por dois a cinco dias, com redução de 10mg/dia a cada dois ou três dias
a partir de então, de modo a que a medicação seja suspensa em duas a três semanas.
Recidiva pode ocorrer durante o desmame, de modo que a droga pode ser utilizada em
combinação com outro medicamento profilático até que ele seja efetivo.
Carbonato de Lítio deve ser considerado em cefaleia em salvas episódica ou
crônica se o Verapamil não for efetivo. Na forma episódica, com tratamento esperado
de menor duração, inferior a doze semanas, doses mais elevadas, de 800-1600mg/dia
podem ser necessárias, com nível sérico devendo ser mantido em 1.0-1.4mmol/L. O
paciente poderá desenvolver tolerância após o tratamento de dois ou três clusteres. Na
forma crônica, com necessidade de tratamento a longo prazo, pode haver benefício com
o uso de doses diárias de 600-900mg, com concentração sérica de 0.3-0.8mmol/L.
Sintomas de intoxicação incluem náusea, diarreia, poliúria e polidipsia e indicam
necessidade de suspender o tratamento. Efeitos colaterais a longo prazo incluem tremor,
edema, distúrbios eletrolíticos, fraqueza muscular, distúrbios do sistema nervoso
central, anormalidades eletrocardiográficas, hipotireoidismo e hipertireoidismo. As
funções renal, tireoidiana e cardíaca devem ser monitorizadas. Anti-inflamatórios não-
hormonais não devem ser utilizados concomitantemente.
Com exceção da Prednisolona, a medicação profilática deve ser continuada na
cefaleia em salvas episódica até que o paciente esteja assintomático por pelo menos
duas semanas. As drogas devem ser retiradas com desmame gradual ao invés de
suspensas abruptamente. Em caso de recidiva, o tratamento deve ser reiniciado.
Epidemiologia
Quadro clínico
Início do quadro com uma cefaleia primária, mais comumente enxaqueca do que
cefaleia tensional. Com o uso excessivo de analgésicos, especialmente aqueles com
combinação de drogas contendo barbitúricos, Codeína e cafeína, ocorre mudança nas
características da dor e a cefaleia torna-se diária. O uso de triptanos em dez ou mais dias
do mês e de analgésicos simples em quinze ou mais dias do mês está relacionado a risco
aumentado de cefaleia por uso excessivo de analgésicos.
Dor logo pela manhã, em opressão, com piora com atividade física, raramente
associada a náuseas e vômitos. Frequentemente, no caso da enxaqueca transformada em
cefaleia crônica diária, as dores se apresentam com características de cefaleia tensional,
as crises de exacerbação perdem o caráter pulsátil e os fenômenos associados, como
náusea, vômitos, fonofobia e fotofobia, ficam menos intensos.
Doses baixas diárias apresentam maior risco em relação a doses altas semanais.
Critérios diagnósticos
Critério diagnóstico prevê cefaleia presente por pelo menos quinze dias no mês,
caracterizada por piora significativa da dor durante abuso de medicação analgésica e
com resolução da dor com reversão para o padrão episódico prévio dentro de dois meses
após a suspensão da medicação. Tipo de cefaleia crônica diária.
Tratamento
É fundamental suspender os analgésicos de abuso para bloquear o efeito rebote.
Ergotamínicos, triptanos e analgésicos simples podem ser suspensos abruptamente.
Barbitúricos e opióides devem ser titulados ao longo de duas a quatro semanas e, se
necessário, principalmente em caso de comorbidade com depressão e ansiedade, durante
internação hospitalar.
Recomenda-se tratamento dos sintomas com o uso de Naproxeno 250-500mg
por via oral de 12/12 horas durante três semanas ou 250mg por via oral de 8/8 horas por
duas semanas, 250mg por via oral de 12/12 horas por mais duas semanas e 250mg por
via oral uma vez ao dia nas últimas duas semanas. Opções de medicação de resgate
incluem anti-inflamatórios não-hormonais por qualquer via de administração,
Dexametasona 12-16mg/dia por via intravenosa, intramuscular ou oral durante alguns
dias, Sumatriptano 6-12mg/dia por via subcutânea ou 100-200mg/dia por via oral,
Naratriptano 2.5mg por via oral de 12/12 horas, Clorpromazina 12.5-25.0mg por via
intravenosa de 6/6 horas por dois dias e, em caso de dependência de opióides, Clonidina
transdérmica 0.1mg a cada dois ou três dias.
Ao mesmo tempo deve ser iniciada a medicação profilática, que pode requerer
combinações de drogas e suporte psicológico e psiquiátrico.
CEFALEIAS SECUNDÁRIAS
Exames complementares
Exame do fundo de olho e exame neurológico são obrigatórios na investigação
de cefaleia secundária.
Tomografia computadorizada é melhor exame para avaliar hemorragia aguda,
além de ser técnica relativamente barata e acessível. Ressonância magnética é melhor
exame para avaliar a fossa posterior e é mais sensível que a tomografia
computadorizada.
Avaliação do líquor com manometria é indicada em cefaleia de início súbito
com tomografia computadorizada de crânio normal, cefaleia acompanhada de sinais de
Arterite temporal
Também é conhecida como arterite de células gigantes, que deve ser suspeitada
em indivíduos com idade igual ou superior a cinquenta anos, cefaleia localizada de
início recente e artéria temporal dolorida à palpação ou com diminuição do pulso.
O quadro clínico caracterizado por dor ou claudicação associada à mastigação,
deglutição e movimentação da língua. Em parte dos pacientes, há associação com
Neuralgia do trigêmeo
A neuralgia do trigêmeo é a mais comum do segmento crânio-cervical.
Convencionou-se aplicar o termo neuralgia clássica para os casos com
apresentação típica, mesmo quando compressão vascular da raiz do nervo, presente na
maior parte dos casos, for identificada. O termo secundário deve ser reservado para
todas as outras lesões que possam ser demonstráveis, como tumores, angiomas,
aneurismas gigantes, placas desmielinizantes de esclerose múltipla, infartos, processos
inflamatórios e infecciosos, traumatismos a malformações da base do crânio.
A neuralgia clássica do trigêmeo é caracterizada pela ocorrência de crises de dor
de curta duração, com menos de dois minutos, paroxísticas, lancinantes, em choque,
pontada ou agulhada, no território de uma ou mais divisões nervo. O transtorno é
predominantemente unilateral e a frequência dos sintomas varia muito de paciente para
paciente. As dores geralmente são espontâneas, mas comumente são desencadeadas por
estímulos triviais, como escovar os dentes, mastigar, falar, barbear-se e fumar. Pode
haver espasmo facial no lado afetado. Pico de incidência entre a quinta e a sétima
décadas de vida, com predomínio no sexo feminino.
Nas neuralgias clássicas o exame clínico e neurológico de um modo geral é
normal, porém existe sempre a obrigatoriedade de execução de exames de neuroimagem
para excluir causas secundárias.
Excluindo-se as causas secundárias que tenham indicação cirúrgica absoluta e a
esclerose múltipla, que tem tratamento específico, o tratamento farmacológico é a
primeira abordagem para as neuralgias do trigêmeo. Os efeitos colaterais podem ser
minimizados com o fracionamento da dose ao longo do dia e monoterapia deve ser
preferida.
Drogas anticonvulsivantes, bloqueadoras dos canais de sódio, que suprimem as
descargas ectópicas e estabilizam as membranas neuronais, constituem a primeira
escolha. A Carbamazepina é a droga a ser utilizada inicialmente, com dose inicial de
400mg/dia e dose máxima de 1200mg/dia. A maioria dos pacientes fica livre da dor em
duas semanas. Oxcarbazepina é tão eficaz quanto a Carbamazepina e é mais bem
tolerada pelos pacientes idosos. Em caso de piora aguda no ambiente de pronto-socorro,
a infusão intravenosa de Fenitoína 15mg/kg em duas horas pode ser adotada.
Se o tratamento farmacológico não controlar as dores devem ser considerados
procedimentos cirúrgicos percutâneos ou abertos.
Pseudotumor cerebral
Hipertensão intracraniana benigna idiopática.
Fatores de risco incluem sexo feminino, obesidade e hipervitaminose A.
Bibliografia
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Clínica médica: diagnóstico e tratamento. Itamar de Souza Santos... [et al.]. São Paulo. Sarvier, 2008.
Headache. T J Steiner, Manuela Fontebasso. BMJ 2002;325:881–6
British Association for the Study of Headache Guidelines for All Healthcare Professionals in the Diagnosis and Management of
Migraine, Tension-Type Headache, Cluster Headache and Medication-Overuse Headache. 3rd edition. 2010.
Etiologia
Causas metabólicas, como hiponatremia ou hipernatremia, hipoglicemia ou
hiperglicemia, hipóxia, acidose, uremia, hipercalcemia, encefalopatia hepática,
hipotireoidismo ou hipertireoidismo e insuficiência adrenal.
Causas infecciosas, como meningite, encefalite, abscesso cerebral e sepse.
Causas vasculares, como encefalopatia hipertensiva, choque, vasculite, acidente
vascular cerebral isquêmico e acidente vascular cerebral hemorrágico.
Estado de mal epiléptico.
Causas ambientais, como hipotermia e síndromes hipertérmicas.
Intoxicações exógenas, como aquelas por monóxido de carbono, etanol,
etilenoglicol, metanol, sedativos, hipnóticos, antidepressivos e opióides.
Causas estruturais e traumáticas, como tumor, hidrocefalia, hematoma subdural,
hematoma epidural, contusão cerebral e edema cerebral difuso.
Encefalomielite disseminada aguda.
Trombose venosa central.
Fisiopatologia
Dois componentes da consciência devem ser analisados, o nível e o conteúdo. O
conteúdo de consciência relaciona-se basicamente à função do córtex cerebral, enquanto
que o nível de consciência depende de projeções para todo o córtex oriundas da
formação reticular ativadora ascendente, situada na porção posterior da transição ponto-
mesencefálica.
Alterações de consciência podem ocorrer em encefalopatias focais supra-
tentoriais, em encefalopatias difusas e/ou multifocais e em encefalopatias focais infra-
tentoriais, que acometem diretamente a formação reticular ativadora ascendente.
As encefalopatias difusas são, na maior parte das vezes, relacionadas a
patologias clínicas, como transtornos metabólicos e intoxicações exógenas. Já nas
encefalopatias focais é provável que seja encontrada doença intracraniana, como
acidente vascular cerebral, contusão cerebral, abscesso e neoplasia.
Meningites, múltiplas metástases cerebrais, hemorragia subaracnóide e
hipertensão intracraniana podem causar quadros difusos, enquanto que hipoglicemia,
encefalopatia hepática e uremia podem apresentar-se com sinais localizatórios,
simulando um quadro focal.
Quadro clínico
Após o atendimento inicial e uma sumária avaliação neurológica, o médico que
assiste o paciente com alteração de estado de consciência deve estar apto a reconhecer
as situações de lesão difusa ou multifocal do sistema nervoso central e a presença de
encefalopatias focais.
O exame inicial deve abranger sinais de trauma, pressão arterial e temperatura
Exames complementares
Dado que existe uma ampla gama de etiologias que podem levar a alterações de
consciência, é fundamental um amplo rastreamento tóxico-metabólico e infeccioso em
praticamente todos os casos.
Exames para causas tóxicas, metabólicas, infecciosas e sistêmicas dependem do
contexto clínico e do exame físico. Incluem hemograma, eletrólitos, osmolaridade
plasmática, gasometria arterial, função renal, função hepática, função tireoidiana,
transaminases, glicemia, coagulograma, urina tipo 1 e eletrocardiograma. Com relação à
gasometria arterial, alcalose respiratória sugere encefalopatia hepática e intoxicação por
salicilato, acidose respiratória sugere intoxicação aguda por sedativos, doença pulmonar
avançada e sepse e acidose metabólica sugere cetoacidose diabética, uremia, acidose
lática, choque séptico e intoxicação aguda por metanol, etilenoglicol, paraldeído,
salicilato e Isoniazida.
Pacientes com encefalopatias focais devem sempre ser submetidos a exame de
imagem intracraniano. Com exceção de casos de hipoglicemia, hiperglicemia grave,
encefalopatia hepática e uremia, o achado de encefalopatia focal se relaciona a causas
estruturais.
Diante de um paciente com alterações ao exame que sugiram uma encefalopatia
difusa ou multifocal, neuroimagem está indicada se ausência de história clínica, se
história clínica ou dados do exame clínico claramente apontam para uma patologia
neurológica, se não há causa clínica provável ou a causa já foi corrigida sem a
normalização do exame neurológico ou se paciente com história de imunodepressão,
neoplasias ou coagulopatias. Nesses casos, os exames necessários incluem geralmente
uma tomografia computadorizada de crânio inicialmente sem e, se necessário, com
contraste.
Em casos nos quais o diagnóstico não seja esclarecido com o exame de imagem
está indicada a realização de punção liquórica, que fornece a medida da pressão
intracraniana e auxilia no diagnóstico de doenças inflamatórias, infecciosas e
neoplásicas do sistema nervoso central, além de definir situações de hemorragia
subaracnóide. Deve-se avaliar pressão de abertura, aparência do líquido cérebro-
espinhal, protreinorraquia, glicorraquia, celularidade, cultura, coloração com tinta da
China, pesquisa de antígeno de Cryptococcus sp e reação em cadeia da polimerase para
vírus.
Se ainda assim o diagnóstico não for estabelecido, pode-se realizar um
eletroencefalograma. Alentecimento difuso da atividade elétrica cerebral com ou sem
ondas trifásicas é padrão inespecífico e indica sofrimento cortical difuso. Presença de
estado de mal epiléptico eletrográfico indica crise epiléptica não-convulsiva.
Eletroencefalograma normal descarta organicidade e indica investigação de causas
psiquiátricas.
Em caso de rebaixamento do nível de consciência em paciente com epilepsia,
deve-se considerar estado pós-ictal, dano permanente ao córtex cerebral em
consequência de estado de mal epiléptico, lesão estrutural secundária a crise, estado de
mal epiléptico não-convulsivo e iatrogenia.
Escala de Jouvet
Pode-se ainda avaliar o nível de consciência através da escala de Jouvet. Sua
vantagem em relação a escala de coma de Glasgow é que permite certa correlação
anatômica, já que alteração de perceptividade implica em disfunção cortical e alteração
de reatividade implica em disfunção da formação reticular ativadora ascendente. Sua
grande desvantagem, porém, é que é de aplicação mais difícil.
Perceptividade Lúcido, obedece a ordens complexas e até escritas P1
Desorientado no tempo e no espaço, não obedece a comandos escritos P2
Obedece apenas a ordem verbal P3
Apresenta apenas blinking P4
Não apresenta sequer blinking P5
Reatividade Inespecífica Ao estímulo verbal, acorda e orienta os olhos R1
Ao estímulo verbal só acorda, sem orientar os olhos para o estímulo R2
Ao estímulo verbal, sequer acorda R3
Específica Ao estímulo doloroso, acorda, retira o estímulo, tem mímica de dor e D1
vocaliza
Ao estímulo doloroso, acorda e retira o estímulo, porém não apresenta D2
mímica de dor ou vocalização
Ao estímulo doloroso, apresenta apenas retirada motora D3
Resposta negativa D4
Autonômica Ao estímulos doloroso, apresenta taquicardia, taquipnéia e midríase V1
Nível de consciência
Coma é estado em que o indivíduo não demonstra conhecimento de si próprio e
do ambiente, caracterizado pela ausência ou extrema diminuição do alerta
comportamental, permanecendo não-responsivo aos estímulos internos e externos e com
os olhos fechados. Esse estado deve permanecer por pelo menos uma hora. Sua causa é
lesão ou disfunção da formação reticular ativadora ascendente, do córtex cerebral
difusamente ou de ambos. Lesões supratentoriais focais, embora possam comprometer o
nível e o conteúdo da consciência, são insuficientes para levar ao coma a menos que
causem compressão de estruturas no hemisfério contralateral ou no compartimento
infratentorial. Abertura ocular, sem fixação visual ou seguimento, e flexão inespecífica
dos membros podem ocorrer com estímulo doloroso. A maior parte dos pacientes
emerge do coma em uma a duas semanas.
A situação clínica em que há agudamente um déficit global da atenção
denomina-se estado confusional agudo, síndrome mental orgânica ou ainda delirium. Os
três aspectos fundamentais são transtorno de vigilância e aumento do nível de distração,
incapacidade de manter uma coerência de pensamento e incapacidade em executar uma
série de movimentos com objetivo definido.
Uma situação em que há comprometimento da perceptividade com relativa ou
total preservação da reatividade é o chamado estado vegetativo persistente. Trata-se de
um estado de vigília sem percepção do ambiente. Os olhos ficam abertos e podem se
fechar sob ameaça, mas não ficam orientados a um estímulo, embora possam, às vezes,
simular seguimento. Com relação à parte motora, postura descerebrada pode dar lugar a
respostas flexoras, porém lentas e distônicas. Um intenso reflexo de preensão costuma
aparecer, assim como mastigação e deglutição. Embora a maior parte dos pacientes não
vocalize, sons ininteligíveis podem ser obtidos por estímulos dolorosos. Há ciclo
circadiano de sono e vigília. Os reflexos relacionados aos pares cranianos geralmente
estão intactos. Há incontinência urinária e fecal. O diagnóstico é clínico e não existem
exames complementares definidores.
Estado de consciência mínima é caracterizado por capacidade de fazer contato
visual ou mover a cabeça ao comando verbal, capacidade de segurar ou usar objeto ao
comando verbal, abulia, ausência de emoções e alguma verbalização inteligente.
Podem simular alterações do nível de consciência psicose de Korsakoff, afasia
de Wernicke, depressão, demência e psicose aguda.
Padrão motor
A via motora estende-se do giro pré-central até a porção baixa do tronco, no
bulbo, onde decussa para o lado oposto para atingir a medula cervical. Essa via é
frequentemente afetada em lesões estruturais do sistema nervoso central.
A avaliação do padrão motor inclui observação da movimentação espontânea do
paciente, a pesquisa de reflexos e de sinais patológicos, a pesquisa do tônus muscular
pela movimentação e balanço passivos e a observação dos movimentos em resposta a
estimulação dolorosa.
Hemiparesia com comprometimento facial sugere envolvimento hemisférico
contralateral. Hemiparesia com comprometimento facial e paratonia sugere
envolvimento hemisférico contralateral com herniação central incipiente ou afecção
frontal predominante. Sinergismo postural flexor ou decorticação sugere disfunção
supratentorial. Sinergismo postural extensor ou descerebração pode ocorrer por lesões
do tronco encefálico alto ao diencéfalo. Flacidez e ausência de resposta sugerem lesão
periférica associada ou lesão pontina baixa e bulbar. Resposta extensora anormal no
membro superior com flacidez ou resposta flexora fraca no membro inferior sugere
lesão em tegmento pontino.
Morte encefálica
Independentemente da etiologia, o estado neurológico pode deteriorar para uma
situação de irreversibilidade e ausência de funções encefálicas, que caracteriza a morte
encefálica. A confirmação deve basear-se em perfeito conhecimento da etiologia da
causa do coma, irreversibilidade do estado de coma, ausência de reflexos do tronco
encefálico e ausência de atividade cerebral cortical.
Critérios clínicos
Diagnóstico da doença ou situação que precipitou a condição clínica.
Afastar situações que simulem ou dificultam o diagnóstico de morte encefálica,
como intoxicações exógenas, hipotermia, choque, encefalite de tronco, traumatismo
facial múltiplo, síndrome do cativeiro, alterações pupilares prévias e distúrbio
Exames subsidiários
Demonstram falta de atividade encefálica eletroencefalograma, potencial
evocado, dosagem de neurohormônios e vasopressina.
Demonstram ausência de fluxo vascular encefálico angiografia encefálica,
angiografia com isótopo radioativo, tomografia computadorizada com contraste, SPECT
e Doppler transcraniano.
Tratamento
O tratamento inicial do coma deve ser pautado pelos princípios que regem a
atenção aos pacientes graves e prioriza cuidados com vias aéreas, ventilação e
circulação. A abordagem comumente inclui administração de oxigênio suplementar,
obtenção de acesso venoso, coleta de exames laboratoriais, monitorização de ritmo
cardíaco, pressão arterial e oximetria de pulso, aferição da glicose capilar, administração
de 60-100mL de Soro Glicosado a 50% e de 100mg de Tiamina por via intravenosa se
hipoglicemia, administração de antídotos em caso de intoxicação exógena, tratamento
de crises convulsivas e controle da hipertensão intracraniana. Deve-se tratar hipertensão
intracraniana e infecções quando presentes. Na ausência de causa imediatamente
reversível para o coma, deve-se proceder com intubação orotraqueal precocemente.
Hipotensão deve ser corrigida com decúbito em Trendelemburg e infusão de
cristalóides e/ou vasopressores. Hipertensão extrema deve ser corrigida com Labetalol
10mg por via intravenosa, Hidralazina 10mg por via intravenosa ou Nicardipina
5mg/hora por via intravenosa. Hipotermia é corrigida com cobertores aquecidos, mas
pode ser induzida em pacientes submetidos a ressuscitação cardiopulmonar bem
sucedida. Hipertermia deve ser corrigida com cobertores resfriados, blocos de gelo e
lavagem com água.
Não há risco significativo com a administração empírica de Soro Glicosado a
50% 60mL por via intravenosa em indivíduo com alto risco para hipoglicemia e de
Naloxone 0.4mg por via intravenosa de 3/3 minutos em indivíduos com suspeita de
intoxicação por opióides. Flumazenil 0.2mg por via intravenosa de 1/1 minuto pode ser
administrado lentamente em indivíduos com suspeita de intoxicação por
benzodiazepínicos, mas deve ser evitado em caso de epilepsia ou de intoxicação por
antidepressivo tricíclico.
Em pacientes com causa estrutural aguda para o coma, deve-se proceder com
derivação ventricular externa se hidrocefalia, considerar evacuar eventual tumor ou
hematoma, considerar craniectomia descompressiva e considerar o uso de agentes
osmóticos, como Manitol a 20% 0.25-1.0g/kg a cada duas a quatro horas por via
Monitorização cerebral
A monitorização cerebral visa evitar lesões secundárias após evento agudo e
grave. Deve-se controlar a pressão arterial sistêmica e evitar hipotensão, hipoxemia,
hipovolemia, hiperglicemia e hipertermia. Distúrbios hidroeletrolíticos devem ser
corrigidos.
Eletroencefalograma
Indicado em rebaixamento do nível de consciência não explicado por quadros
tóxico-metabólicos e/ou anatômicos. Permite a identificação de eventos epilépticos
isolados ou o diagnóstico de estado de mal não-convulsivo.
Em neurotraumatologia, o uso do eletroencefalograma ajuda a titular a dose
necessária quando é induzido coma barbitúrico.
Etiologia e fisiopatologia
Segundo a American Psychiatric Association (APA), os diversos tipos de
delirium podem ser agrupados de acordo com a etiologia que precipitou ou induziu o
quadro clínico em delirium devido à condição médica geral, delirium induzido por
substâncias, delirium devido a múltiplas etiologias e delirium não-especificado.
Tipicamente, a maioria dos casos de delirium apresenta vários fatores de risco,
como idade avançada, sexo masculino, doença clínica com comprometimento do estado
geral de saúde, demência, doença cerebrovascular, depressão e polifarmacoterapia,
particularmente se, entre as múltiplas medicações em uso incluem-se drogas com ação
anticolinérgica, anti-histamínica, sedativo-hipnótica e narcótica. A interação de fatores
predisponentes e precipitantes com fatores agravantes ou perpetuadores influencia a
evolução do quadro.
Quadro clínico
O delirium deve fazer parte do diagnóstico diferencial em todos os pacientes
que apresentam alteração aguda no estado de consciência, alterações cognitivas, como
déficits de memória, desatenção, desorientação e perturbação da linguagem, alteração
da atividade psicomotora, com agitação ou lentificação, alteração do ciclo sono-vigília,
labilidade afetiva, alterações que flutuam ao longo de um dia e evidência de um
distúrbio fisiológico, clínico ou farmacológico relacionado ao aparecimento dos
sintomas observados. Alterações da sensopercepção são frequentes, caracteristicamente
com alucinações ou ilusões visuais e auditivas seguidas de interpretação delirante.
Normalmente não há sinais neurológicos focais de natureza motora ou sensitiva, com a
possível exceção de tremores, mioclonias e asterixis.
Os subtipos de delirium quanto à atividade psicomotora e ao nível de alerta
abrangem hiperativo (25%) agitado ou alerta, hipoativo (25%) letárgico ou hipoalerta,
misto (35%) e atividade psicomotora normal (15%).
Exames complementares
Exames laboratoriais básicos, indicados para todos os pacientes com delirium,
incluem hemograma, eletrocardiograma, radiografia de tórax, gasometria arterial ou
saturação periférica de oxigênio, urina tipo I e bioquímica do sangue, com dosagem de
glicose, albumina, uréia, creatinina, transaminases, bilirrubinas, fosfatase alcalina,
sódio, potássio, cálcio, magnésio e fósforo.
Exames adicionais, solicitados conforme a condição clínica, incluem urocultura
com antibiograma, rastreamento de drogas na urina, hemocultura, medidas dos níveis
séricos de medicações, coleta e análise do líquor, tomografia computadorizada ou
ressonância nuclear magnética de crânio, eletroencefalograma e exames de sangue,
como VDRL, dosagem de metais pesados, níveis de vitamina B12 e folato, função
tireoidiana, eletroforese de proteínas, pesquisa de anticorpo antinuclear, porfirinas
urinárias e sorologia para HIV.
Diagnóstico diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais para confusão mental na sala de
emergência são delirium, demência, depressão, psicose aguda, afasia de Wernicke e
psicose de Korsakoff.
Tratamento
Prioridades universais incluem avaliar e tratar imediatamente alterações dos
sinais vitais potencialmente fatais, verificar o nível de consciência, realizar uma
dosagem da glicose capilar e procurar na história e no exame físico elementos que
forneçam informações para que se possa inferir qual o processo responsável pelo atual
quadro confusional. Inicialmente devem ser priorizadas condições clínicas reversíveis
ou que cursam com morbimortalidade significativa na fase aguda. A avaliação do nível
de consciência deve ser realizada rotineiramente.
Após estabelecer o diagnóstico de delirium, o tratamento envolve a identificação
da causa de base para tratamento específico e a adoção de medidas inespecíficas.
Medidas inespecíficas
Evitar o uso de múltiplas medicações, especialmente aquelas envolvidas na
etiologia do delirium. Retirar lentamente as medicações que podem causar algum tipo
de abstinência.
Remover o quanto antes cateteres venosos, vesicais e enterais e equipamentos de
monitorização.
Adequar o horário de medicações e procedimentos a um sono noturno
ininterrupto.
Fornecer pistas para orientação, como calendários, fotos de familiares, rótulos e
relógio. Permitir ao paciente o uso de suas lentes corretivas e/ou de seu aparelho de
audição. Manter uma iluminação boa durante o dia e limitada à noite.
Evitar modificar a localização do leito do paciente. Evitar intervenções que
limitem a mobilidade do paciente, como acesso venoso e contenção mecânica.
Estimular o paciente a sentar fora do leito.
Promover intervenções ambientais e de apoio e esclarecimento ao paciente e à
família. Flexibilizar os horários de visita familiar.
Tratamento medicamentoso
O manejo das alterações comportamentais decorrentes do delirium é um aspecto
fundamental do tratamento. O controle farmacológico pode ser necessário para prevenir
acidentes, favorecer as avaliações clínicas e possibilitar a realização de exames
subsidiários. Sintomas que invariavelmente requerem tratamento farmacológico são
agitação psicomotora, psicose e insônia. Em idosos, devem ser preferidas doses iniciais
menores dos medicamentos.
Os antipsicóticos constituem a primeira escolha para o tratamento dos pacientes
em delirium, eficazes tanto para as formas hiperativas como para as hipoativas.
Haloperidol é a droga preferida e mais usada, pois possui menos metabólitos ativos,
efeitos colinérgicos limitados e poucos efeitos sedativos e hipotensores. É apresentado
na forma de comprimidos de 1mg, 5mg e 10mg, solução oral com 2mg/mL
(0.1mg/gota) e solução injetável com 5mg/mL, podendo ser administrado por via oral,
intramuscular ou intravenosa. A ação não é imediata, levando de trinta a sessenta
minutos após a aplicação parenteral e mais tempo após a administração por via oral. Há
risco de efeitos extrapiramidais importantes, como rigidez, acatisia, agitação e síndrome
neuroléptica maligna. Em casos de gravidade leve, doses baixas, de 1-10mg, por via
oral, costumam controlar a agitação. Em casos moderados a graves, deve-se administrar
0.5-1.0mg de Haloperidol por via intravenosa ou intramuscular de acordo com o nível
do distúrbio e da tolerância do paciente, com observação durante vinte a trinta minutos.
Caso o efeito seja insuficiente, deve-se dobrar a dose e continuar a monitorização,
repetindo o ciclo até que haja o efeito desejado, ocorra intolerância ou o paciente fique
obnubilado. Não há limites precisos de dose, mas geralmente aceita-se como máximo o
uso de 100mg de Haloperidol em 24 horas ou 60mg em 24 horas se houver uso
concomitante de benzodiazepínicos. Quando o objetivo for alcançado, deve-se reduzir a
dose pela metade e iniciar a administração por via oral com duas a três tomadas por dia.
A via intravenosa não é contraindicada, mas sempre que possível deve ser evitada por
causa do aumento de efeitos colaterais.
Mais recentemente, os antipsicóticos atípicos têm sido empregados com êxito no
manejo farmacológico do delirium, mantendo, segundo alguns autores, eficácia
comparável à do Haloperidol. Destacam-se Risperidona, Olanzapina, Quetiapina e
Ziprasidona, que causam menos efeitos colaterais agudos e têm menor risco de provocar
sintomas extrapiramidais. Quetiapina é apresentada na forma de comprimidos de 25mg,
100mg e 200mg para administração oral, com dose inicial de 50mg duas vezes ao dia e
podendo-se titular conforme a necessidade com aumentos de 50mg duas vezes ao dia
diariamente até a dose máxima de 400mg/dia.
Para o tratamento da insônia, delirium tremens e pacientes com doses muito altas
de antipsicóticos podem ser usados benzodiazepínicos, preferencialmente os de meia-
vida curta ou ultracurta, que têm início de ação mais rápido que os antipsicóticos, mas
podem piorar o quadro clínico em razão do efeito sedativo. Lorazepam é apresentado na
forma de comprimidos de 1mg e 2mg, com dose de 1-2mg a cada trinta a sessenta
minutos, com controle da agitação geralmente com dose de 4-8mg.
Inibidores da colinesterase não têm um papel no tratamento ou na prevenção de
delirium.
Prognóstico
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da
mulher, envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Clínica Médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – Barueri, SP:
Manole, 2009.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Manual da residência de medicina intensiva. Andréa Remigio de Oliveira... [et al.]. 2. ed. Barueri, SP. Manole, 2011.
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Conceito
Demência é uma síndrome decorrente de comprometimento do sistema nervoso
central.
Epidemiologia
A prevalência de demência na população idosa é muito alta, dobrando a cada
cinco anos, aproximadamente, a partir dos 65 anos.
Diagnóstico diferencial
Declínio cognitivo leve do idoso é uma redução da memória própria do
envelhecimento. É leve, praticamente não interfere nas atividades cotidianas e não é
acompanhada de declínio importante em outras esferas da cognição. A principal
característica é a dificuldade na lembrança, em um dado momento, de nomes ou
aspectos da informação que posteriormente são corretamente evocados.
Funções cognitivas Preservadas Alteradas
Inteligência Habilidades cristalizadas, Inteligência fluida, que consiste em capacidade de
obtidas com a experiência raciocínio flexível e resolução de problemas
Atenção Atenção sustentada Atenção dividida
Funções executivas Funções executivas do -
cotidiano
Avaliação cognitiva
É aconselhável que a avaliação cognitiva seja realizada de modo estruturado,
com testes que quantifiquem o desempenho e que permitam aplicação relativamente
breve.
O Mini Exame do Estado Mental (MEEM) pode ser aplicado em menos de dez
minutos. Escores abaixo de 24 pontos são considerados sugestivos de problemas
cognitivos. Como qualquer teste cognitivo, sofre influência da escolaridade, de modo
que, para indivíduos com nível superior, escores abaixo de 27 sugerem declínio
cognitivo, enquanto que para analfabetos ocorre o mesmo para escore abaixo e 18.
ORIENTAÇÃO TEMPORAL Pontuação
Dia da semana 1
Dia do mês 1
Mês 1
Ano 1
Hora aproximada 1
ORIENTAÇÃO ESPACIAL Pontuação
Local específico, como aposento ou setor 1
Instituição 1
Bairro ou rua próxima 1
Cidade 1
Estado 1
MEMÓRIA IMEDIATA Pontuação
Repetir o nome de três objetos não-relacionados, como vaso, carro e tijolo 1-3
ATENÇÃO E CÁLCULO Pontuação
Subtrair sucessivamente (100-7; 93-7; 86-7; 79-7; 72-7) 1-5
Soletrar a palavra MUNDO de trás para frente
MEMÓRIA DE EVOCAÇÃO Pontuação
Recordar as 3 palavras 1-3
LINGUAGEM Pontuação
Nomear um relógio e uma caneta 1-2
Repetir “nem aqui, nem ali, nem lá” 1
Obedecer o comando verbal “pegue este papel com a mão direita, dobre-o ao meio e 1-3
coloque-o no chão”
Ler e obedecer o comando ”feche os olhos” 1
Escrever uma frase 1
PRAXIA CONSTRUTIVA Pontuação
Copiar um desenho 1
Diagnóstico nosológico
As doenças que causam demência incluem doenças degenerativas primárias
tendo demência como síndrome principal ou associada, doenças vasculares cerebrais,
doenças infecciosas, hidrocefalias, doenças desmielinizantes, doenças priônicas,
epilepsia, distúrbios metabólicos, intoxicações, carências nutricionais, doenças
autoimunes, neoplasias, traumatismo craniano e estado pós-anóxico. Doenças
psiquiátricas são responsáveis por pseudo-demência.
Na anamnese e nos exames físico e neurológico, as principais hipóteses
diagnósticas já começam a ser investigadas.
Exames gerais incluem hemograma, velocidade de hemossedimentação,
eletroforese de proteínas séricas, glicemia, uréia, creatinina, bilirrubinas, albumina,
transaminases, gama-glutamiltrasferase, sódio, potássio, cálcio, fósforo, tiroxina livre,
hormônio tireo-estimulante, reações para sífilis, anticorpos anti-HIV se idade inferior a
sessenta anos, vitamina B12 e radiografia de tórax. Exames especializados incluem
tomografia computadorizada de crânio ou ressonância magnética de crânio, cintilografia
de perfusão (SPECT), exame neuropsicológico, eletroencefalograma e avaliação do
líquido cefalorraquidiano. Exames utilizados em casos especiais incluem cobre sérico,
pesquisa de anticorpos antinucleares, anti-tireoide e anti-Hu e pesquisa de intoxicações.
Em casos muito especiais, indica-se biópsia cerebral.
A vantagem mais óbvia da investigação é detectar os casos de demência
potencialmente reversíveis.
Demências secundárias
Demências vasculares
A causa mais frequente de demência secundária é a doença vascular cerebral. O
quadro clínico depende do calibre dos vasos e dos territórios de irrigação afetados.
A fisiopatologia abrange infarto único estrategicamente situado, múltiplos
infartos em territórios de grandes vasos, doença Início abrupto 2
de vasos pequenos, hipoperfusão com isquemia de Deterioração em degraus 1
territórios terminais, hemorragia cerebral e outros Curso oscilante 2
mecanismos. Confusão noturna 1
Para casos em que há dúvida entre Conservação relativa da personalidade 1
Depressão 1
demência degenerativa e demência vascular, pode
Queixas somáticas 1
ser usado o escore isquêmico de Hachinski. Incontinência emocional 1
Escores maiores ou iguais a 7 são muito Hipertensão arterial sistêmica 1
sugestivos de demências vasculares e escores Acidente vascular cerebral anterior 2
menores ou iguais a 4 são mais comuns na doença Evidência de aterosclerose 1
de Alzheimer e em outras demências Sintomas neurológicos focais 2
degenerativas. Escores intermediários podem ser Sinais neurológicos focais 2
Hidrocefalia
Hidrocefalia a pressão normal é uma suspeita sempre presente na investigação
de um paciente com demência, particularmente pela possibilidade de reversão, por
vezes dramática, com tratamento específico. Caracteriza-se pela presença de redução da
velocidade de processamento de informações (bradipsiquismo) e esquecimento
associados à dificuldade de marcha, que apresenta a peculiaridade de não depender de
alterações motoras evidentes dos membros inferiores.
Quando o paciente é examinado deitado ou sentado, não há déficit de força, de
sensibilidade ou de coordenação nos membros inferiores que possam justificar a
alteração da marcha e, ao ficar em pé, o equilíbrio estático é normal. Porém, quando o
paciente caminha, existe alargamento da base de sustentação, os passos têm amplitude
reduzida e pode parecer que os pés estão colados ao chão, o que dificulta a troca de
passos. Essa condição é denominada apraxia de marcha e é causada por
comprometimento de fibras que têm origem nas fibras motoras e pré-motoras dos lobos
frontais e que em seu trajeto passam ao lado dos cornos frontais dos ventrículos laterais.
Com a evolução, surgem urgência e incontinência urinárias.
A tríade clássica de alteração da marcha com características apráxicas,
deterioração cognitiva e incontinência urinária não é exclusiva da hidrocefalia a pressão
normal e pode se manifestar em doenças neurodegenerativas, como doença de
Parkinson, paralisia supranuclear progressiva e degeneração de múltiplos sistemas. O
teste de punções repetidas do líquor é o mais utilizado e consiste na retirada de 30mL,
com melhora da marcha indicando bom prognóstico com tratamento cirúrgico. Outros
testes utilizados são estudo do fluxo no aqueduto de Sylvius com a ressonância nuclear
magnética e monitorização da pressão do líquor
O tratamento é cirúrgico, mediante a implantação de sistema que deriva o líquor
do ventrículo para o peritônio.
Fisiopatologia
As manifestações clínicas da doença de Alzheimer decorrem da redução do
número de neurônios e de sinapses em regiões específicas do sistema nervoso central.
As alterações neuropatológicas típicas são as placas neuríticas e os emaranhados
neurofibrilares, que são acúmulos de filamentos das proteínas tau.
O peptídeo beta-amiloide é o principal constituinte do centro da placa neurítica e
é um fragmento de uma proteína maior, denominada proteína precursora do amiloide,
que é sintetizada a partir de um gene localizado no cromossomo 21. A proteína
precursora do amiloide sofre clivagem mediada por enzimas, o que resulta em diferentes
peptídeos. A clivagem mais comum segue a via denominada alfa-secretase, na qual o
peptídeo beta-amiloide é cindido. Alternativamente, na via denominada amiloidogênica,
sob ação das enzimas beta-secretase e gama-secretase, é liberado o peptídeo beta-
amiloide. Existem evidências de que tanto oligômeros solúveis como polímeros desse
Quadro clínico
A doença de Alzheimer inicia-se com comprometimento da capacidade de
memorizar novas informações, dificuldade que pode ser demonstrada pelo mau
desempenho em testes de memória tardia. Na sua progressão, agregam-se, de modo
progressivo, dificuldades em funções executivas, transtornos na orientação topográfica e
leves distúrbios de linguagem. Essa é a fase denominada demência leve, que depende
principalmente do acometimento da formação hipocampal e de núcleos colinérgicos
basais, especialmente o núcleo basal de Meynert. Ainda na fase leve ocorre
acometimento de estruturas paralímbicas, como cíngulo, especialmente em sua porção
posterior, giro para-hipocampal, pólo temporal e córtex órbito-frontal, e também de
áreas corticais mais recentes, como os neocórtices frontal dorsolateral e temporal.
À medida que a doença evolui para demência moderada, surgem transtornos de
funções executivas, de linguagem e de praxia, discalculia, agnosia visual, alterações do
humor e alterações do comportamento, evidenciando acometimento de áreas de
associação multimodal situadas na encruzilhada têmporo-parieto-occipital e nas áreas
occípito-temporais, além de agravamento das alterações paralímbicas.
Na fase de demência grave, que geralmente se manifesta depois de mais de cinco
anos de evolução, existe progressiva redução do número de palavras inteligíveis que o
paciente emite ao longo de um dia, dificuldade para controlar esfíncteres e para
caminhar e incapacidade para reconhecer pessoas que não os familiares mais próximos.
Com o avançar da doença, mesmo a capacidade de manter-se sentado ou de sorrir é
perdida. Nessa fase, o acometimento cortical é praticamente difuso, sendo menos
afetadas apenas as áreas corticais primárias.
Exames complementares
Técnicas com valor para o diagnóstico que ainda não são aplicadas
rotineiramente incluem espectroscopia por ressonância nuclear magnética, comparação
computadorizada entre a imagem obtida do paciente com um banco de dados para
identificação das áreas mais afetadas e comparação computadorizada entre exames
sequenciais. A maioria dos estudos com tomografia por emissão de pósitrons (PET) e
tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) em pacientes com
doença de Alzheimer revela tipicamente uma redução bilateral e frequentemente
assimétrica do fluxo sanguíneo e do metabolismo em regiões temporais posteriores ou
têmporo-parietais, porém tais alterações podem estar ausentes nas fases iniciais da
doença ou ocorrer em outros tipos de demência, como a vascular e a da doença de
Parkinson. Substâncias que se ligam transitoriamente às placas têm sido testadas para
emprego em neuroimagem, sendo a mais conhecida o Pittsburg compound B (PIB), que
se liga ao amiloide das placas e é detectado pela tomografia por emissão de pósitrons
(PET) quando previamente associado a material que emite pósitrons. Outra descoberta
recente é a do composto conhecido pela sigla FDDNP, que marca simultaneamente
placas amiloides e emaranhados neurofibrilares, podendo ser acoplado a radioisótopo e
detectado com tomografia por emissão de pósitrons (PET).
Entre indivíduos com transtorno cognitivo leve, níveis reduzidos de peptídeo
beta-amiloide e elevados de tau e tau fosforilada no líquor predizem o diagnóstico de
doença de Alzheimer.
Diagnóstico e classificação
O diagnóstico de doença de Alzheimer obedece aos critérios propostos pelo
National Institute of Neurologic and Communicative Disorders and Stroke e pela
Alzheimer’s Disease and Related Disorters Association (NINCDS-ADRDA) em 1984 e
modificados pela Alzheimer’s Association em 2011. Os pacientes podem ser
classificados em demência de Alzheimer provável, demência de Alzheimer possível e
demência de Alzheimer provável ou possível com evidência de processo fisiopatológico
da doença de Alzheimer.
Demência de Alzheimer provável é diagnosticada na vigência das seguintes
características:
A. O início dos sintomas é insidioso, ao longo de meses ou anos;
B. A história de declínio cognitivo é clara;
C. Os déficits cognitivos mais proeminentes se adequam a uma categoria
entre apresentação amnéstica, caracterizada por prejuízo do aprendizado
e da evocação de informações recentemente aprendidas, além de
disfunção em pelo menos um outro domínio cognitivo, e apresentação
não-amnéstica, caracterizada por déficits predominantemente em
linguagem, habilidades visuo-espaciais ou função executiva, além de
Tratamento
Estratégias não-farmacológicas incluem utilizar agenda, listas e lembretes para
auxiliar a perda de memória em fase inicial, estabelecer uma rotina diária regular com a
participação ativa do paciente, perguntar apenas uma questão de cada vez e permitir
tempo suficiente para a resposta, calmamente reorientar o paciente quando necessário,
dividir as tarefas em pequenas partes simples e estabelecer expectativas realistas para o
que o paciente consegue ou não realizar.
Procedimentos que impeçam a formação do peptídeo beta-amiloide, seu depósito
no parênquima do sistema nervoso central ou seu efeito tóxico, que promovam sua
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da
mulher, envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Clínica Médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – Barueri, SP:
Manole, 2009.
Early Alzheimer’s Disease. Richard Mayeux. N Engl J Med 2010;362:2194-201.
Introduction to the recommendations from the National Institute on Aging and the Alzheimer’s Association workgroup on
diagnostic guidelines for Alzheimer’s disease. C.R. Jack Jr. et al. / Alzheimer’s & Dementia -(2011) 1–6.
The diagnosis of dementia due to Alzheimer’s disease: Recommendations from the National Institute on Aging and the Alzheimer’s
Association workgroup. G.M. McKhann et al. / Alzheimer’s & Dementia -(2011) 1–7.
Fisiologia
Fisiopatologia
No parkinsonismo, admite-se que ocorra uma redução da atividade inibitória
sobre a via indireta e da atividade excitatória sobre a via direta dos gânglios da base
como consequência de disfunção da alça dopaminérgica nigro-estriatal. Essas alterações
resultam em intensificação da atividade inibitória sobre o tálamo e, consequentemente,
redução da estimulação cortical.
Nas coreias, admite-se que, em função de alterações estriatais atingindo
preferencialmente neurônios que expressam ácido gama aminobutírico (GABA) e
encefalina, ocorra redução da atividade inibitória exercida sobre o globo pálido externo
pela via indireta. Na sequência das conexões do circuito ocorre redução da inibição do
tálamo e hiperatividade da alça tálamo-cortical. O balismo é classicamente decorrente
de lesões do núcleo subtalâmico de Luys.
Parkinsonismo
Epidemiologia
Quadro clínico
A bradicinesia ou acinesia é um distúrbio caracterizado por pobreza de
movimentos, lentidão na iniciação e na execução de atos motores voluntários e
automáticos e dificuldade na mudança de padrões motores, na ausência de paralisia.
Pode englobar incapacidade de sustentar movimentos repetitivos, fatigabilidade
anormal, dificuldade de realizar atos motores simultâneos, redução da expressão facial
(hipomimia), diminuição da expressão gestual corporal e redução da deglutição
automática da saliva, com sialorréia. A escrita tende para micrografia. A marcha
desenvolve-se a pequenos passos, às vezes arrastando os pés, e há perda dos
movimentos associados dos membros superiores (marcha em bloco), hesitação no
início, interrupções e aceleração involuntária. A fala apresenta comprometimento da
fonação e da articulação das palavras, com disartria hipocinética.
A rigidez é uma forma de hipertonia plástica, em que há resistência à
movimentação passiva dos membros, contínua ou intermitente, com fenômeno da roda
denteada. Há acometimento preferencial da musculatura flexora e alterações típicas de
postura incluem ântero-flexão do tronco e semiflexão dos membros (postura simiesca).
O tremor parkinsoniano é clinicamente descrito como de repouso, assimétrico,
exacerbado por marcha, esforço mental e estresse emocional e diminuído por
movimentação voluntária do segmento afetado e sono. A frequência varia de quatro a
seis ciclos por segundo, com envolvimento preferencial de mãos e alternância entre
pronação e supinação.
A instabilidade é decorrente da perda de reflexos de readaptação postural e trata-
se de manifestação tardia no parkinsonismo primário.
Etiologia
Parkinsonismo primário
No parkinsonismo primário ou doença de Parkinson idiopática, afecção
neurodegenerativa progressiva, o quadro clínico é dominado pelas manifestações
motoras representadas pela síndrome parkinsoniana. No entanto, os pacientes também
podem apresentar alterações cognitivas, psiquiátricas e autonômicas.
As alterações cognitivas em fases iniciais da moléstia, quando presentes,
geralmente são discretas, com distúrbios visuoespaciais e disfunção executiva.
Entretanto, em cerca de 15-20% dos casos, em fases adiantadas da evolução da doença,
podem instalar-se alterações cognitivas graves, configurando quadro demencial.
Depressão está presente em cerca de 40% dos pacientes e pode ocorrer em
qualquer fase da evolução da doença.
Entre as alterações autonômicas, a mais frequente é a obstipação intestinal,
podendo também estar presentes seborreia, hipotensão postural e alterações vesicais.
Em fases iniciais ou mesmo em fases mais avançadas o parkinsonismo pode
apresentar-se de forma fragmentária, com dificuldade para o seu reconhecimento. A
forma rígido-acinética caracteriza-se pela presença de acinesia e/ou rigidez, enquanto
que a forma hipercinética caracteriza-se pela presença de tremor.
Atualmente, a doença pode ser dividida em clássica, com início na meia idade, e
genética, geralmente de início mais precoce e associada a história familiar.
Parkinsonismo plus
O parkinsonismo plus ou atípico é caracterizado por quadro neurológico no qual
uma síndrome parkinsoniana, geralmente expressa apenas por acinesia e rigidez, sem
tremor, associa-se a distúrbios autonômicos, cerebelares, piramidais, de neurônio motor
inferior ou, ainda, de motricidade ocular extrínseca. O parkinsonismo atípico, ao
contrário do que ocorre com a doença de Parkinson idiopática, geralmente instala-se de
forma simétrica, cursa precocemente com instabilidade e quedas e responde mal ao
tratamento, inclusive à Levodopa. Relaciona-se a uma série de moléstias neurológicas
degenerativas ou dismetabólicas.
Doenças neurodegenerativas, geralmente esporádicas, que se instalam na meia
idade, após os quarenta anos, oferecem maior dificuldade diagnóstica porque têm a
apresentação mais semelhante com a forma clássica da doença de Parkinson idiopática.
O seu reconhecimento precoce reveste-se de importância em função de pior
prognóstico, estando entre essas moléstias a paralisia supranuclear progressiva, a atrofia
de múltiplos sistemas, a degeneração córtico-basal e a demência com corpos de Lewy.
A paralisia supranuclear progressiva é uma doença degenerativa relacionada à proteína
tau que se apresenta na sua forma mais típica como uma síndrome parkinsoniana na
qual sobressai a instabilidade postural, acentuada já na fase inicial da doença, com
desenvolvimento ao longo do segundo ou do terceiro anos de evolução de
oftalmoparesia supranuclear vertical. A atrofia de múltiplos sistemas é uma doença que
pode manifestar-se com predomínio de parkinsonismo ou com predomínio de alterações
cerebelares, em ambos os casos com distúrbios autonômicos graves, incluindo
hipotensão postural, impotência sexual e disfunção de esfíncter vesical, podendo-se
encontrar em imagens de ressonância magnética alterações de sinal no putâmen e atrofia
de tronco cerebral e cerebelo. A degeneração corticobasal é uma doença degenerativa
rara relacionada à proteína tau, de início mais tardio, rígido-acinética, com acentuada e
persistente assimetria e associada a uma ou mais manifestações de disfunção cortical
dentre apraxia ideomotora, síndrome da “mão alienígena”, alterações sensoriais
corticais e mioclonias corticais. A demência com corpos de Lewy é caracterizada por
parkinsonismo, espontâneo ou desencadeado por neurolépticos, demência com flutuação
do déficit cognitivo e início antes do parkinsonismo ou até um ano após as
manifestações iniciais e alucinações visuais
Doenças com instalação precoce, antes dos quarenta anos, associadas a história
familiar, são mais facilmente distinguíveis da doença de Parkinson idiopática. Incluem
doença de Wilson, forma rígida da doença de Huntington, doença de Hallervorden-
Spatz, calcificação estriato-pálido-denteada (síndrome de Fahr), degeneração palidal,
parkinsonismo com neuroacantocitose, doença de Machado-Joseph, demência
frontotemporal com parkinsonismo, complexo parkinsonismo-demência-esclerose
Avaliação complementar
Ressonância nuclear magnética do encéfalo deve ser realizada para excluir
anomalias estruturais específicas de causas de parkinsonismo secundário, como
hidrocefalia, tumores e infartos lacunares. Também pode revelar sinais de doenças
específicas em pacientes com parkinsonismo atípico.
Tomografia por emissão de pósitrons e tomografia por emissão de fóton único
podem ser úteis para o diagnóstico precoce da doença de Parkinson idiopática.
Tratamento
O tratamento não-farmacológico da doença de Parkinson idiopática abrange
educação, suporte social e psicológico, exercício físico, abordagem fonoaudiológica e
orientações nutricionais.
As síndromes parkinsonianas determinadas por drogas, algumas intoxicações
exógenas, como por organofosforados, e processos expansivos do sistema nervoso
central geralmente são controladas apenas com a remoção da causa básica. Já o
parkinsonismo encefalítico ou pós-encefalítico, vascular, metabólico ou decorrente de
algumas intoxicações exógenas, como por manganês e herbicidas, geralmente é
definitivo e o tratamento deve ser sintomático.
As drogas empregadas no tratamento das síndromes parkinsonianas têm como
mecanismo básico de ação o aumento da atividade dopaminérgica e a redução da
atividade colinérgica. As principais são a Levodopa, os agonistas dopaminérgicos, os
anticolinérgicos e a Amantadina. Drogas que bloqueiam a metabolização da dopamina,
como os inibidores da monoamino-oxidase (MAO), que incluem Selegilina e
Rasagilina, ou da catecol-orto-metiltransferase (COMT), que incluem Tolcapone e
Entacapone, podem potencializar o efeito da Levodopa.
O primeiro fator a ser considerado no paciente recém-diagnosticado é a
neuroproteção. Não há, até o momento, agente farmacológico que seja
comprovadamente eficaz em retardar o processo degenerativo, mas podem ter efeito
neuroprotetor, embora não comprovado, a Selegilina, a Rasagilina, a Amantadina e os
agonistas dopaminérgicos. Destacam-se a Selegilina e a Amantadina.
Como terapia sintomática, na fase inicial, podem ser associados à Selegilina um
anticolinérgico e/ou Amantadina. Porém, em pacientes com idade superior a setenta
anos ou déficit cognitivo, os efeitos colaterais podem impedir o seu uso. Em pacientes
com idade mais avançada, a Levodopa é a droga de escolha.
Quando na evolução da doença de Parkinson se torna necessária a introdução de
drogas mais potentes de efeito sintomático, surge nova controvérsia quanto a introdução
precoce ou tardia de Levodopa e o papel dos agonistas dopaminérgicos. Os principais
argumentos contra o uso precoce da Levodopa são a sua possível toxicidade e o maior
risco de induzir flutuações motoras ou discinesias quando comparada com agonistas
dopaminérgicos.
Levodopa
A Levodopa é transformada em dopamina sob a ação da enzima dopa-
Inibidores da monoamino-oxidase
Selegilina e Rasagilina, inibidores seletivos da monoamino-oxidase B, são
modestamente efetivas no tratamento sintomático do parkinsonismo primário e podem
ter efeito neuroprotetor. Em muitos pacientes, no entanto, podem não produzir
benefício significativo na funcionalidade.
Selegilina é apresentada na forma de comprimidos de 5mg, com dose de 5mg
Agonistas dopaminérgicos
Os agonistas dopaminérgicos, drogas que estimulam diretamente os receptores
dopaminérgicos, têm sido desenvolvidos na tentativa de superar as limitações da
Levodopa no tratamento da doença de Parkinson idiopática. Numerosos agonistas
dopaminérgicos foram testados nas últimas décadas, porém as drogas que já foram
definitivamente incorporadas ao arsenal terapêutico são Bromocriptina, Lisurida,
Piribedil, Pramipexol, Ropinirol e Apomorfina. Não necessitam de conversão
metabólica, não competem com aminoácidos pelo transporte através do intestino e para
o cérebro e não dependem de captação e liberação neuronal. Além disso, geralmente
apresentam ação com duração mais prolongada. Cabergolina e Pergolida não devem ser
utilizadas em função do risco de lesão cardíaca valvar.
Os agonistas dopaminérgicos têm eficácia comparável, mas o Pramipexol e o
Ropinirol têm um perfil de efeitos colaterais mais favorável e, por essa razão, são os
mais utilizados atualmente. O Pramipexol é apresentado na forma de comprimidos de
0.125mg, 0.25mg, 0.5mg, 1mg e 1.5mg, iniciando-se com 0.375mg/dia em três vezes e
aumentando, se necessário, 0.375mg/dia a cada cinco a sete dias até alcançar a dose
eficaz, geralmente 1.5-4.5mg/dia. O Ropirinol é apresentado na forma de comprimidos
Anticolinérgicos
Os anticolinérgicos, como Biperideno e Trihexifenidila, reduzem a atividade
colinérgica, com o restabelecimento do equilíbrio com a dopamina no striatum. No
entanto, embora apresentem ação satisfatória sobre o tremor parkinsoniano, apresentam
reduzida capacidade de controlar a bradicinesia e frequentemente induzem efeitos
colaterais anticolinérgicos sistêmicos, com sialosquese, obstipação intestinal, retenção
urinária, estado confusional, déficit cognitivo e alucinações.
A dose inicial da Trihexifenidila é de 0.5-1mg duas vezes ao dia, com aumento
gradual para 2mg três vezes ao dia.
Atualmente, os anticolinérgicos são drogas de segunda linha no tratamento da
doença de Parkinson idiopática e melhor indicados para jovens que apresentam tremor
como manifestação predominante da doença.
Amantadina
A atividade anti-parkinsoniana da Amantadina, que é um agente antiviral, foi
descoberta casualmente. A sua potência é consideravelmente menor que a da Levodopa
e o seu mecanismo de ação é bloqueio da recaptação de dopamina na fenda sináptica e
atividade anticolinérgica. Atua ainda como antagonista de receptor N-metil-D-aspartato
(NMDA), um dos tipos de receptor para ácido glutâmico. A ação anti-glutamatérgica
pode explicar o efeito sobre a discinesia induzida por Levodopa.
É apresentada na forma de comprimidos de 100mg, com doses de 100-
300mg/dia divididas em três vezes. Reduz a intensidade da discinesia e das flutuações
motoras induzidas pela Levodopa.
Os efeitos colaterais mais importantes são confusão mental, alucinações, insônia
e pesadelos, especialmente em pacientes muito idosos. Efeitos colaterais periféricos
incluem livedo reticular e edema de membros inferiores, que raramente limitam o uso
da droga, que quando necessário, deve ser retirada gradualmente. Deve-se ter cautela
em caso de insuficiência renal.
Cirurgia
Ao contrário do que ocorreu com as técnicas cirúrgicas anteriormente
introduzidas para o tratamento da doença de Parkinson idiopática, a moderna
palidotomia foi proposta com uma base racional, calcada nos atuais conhecimentos de
Coreias
A coreia caracteriza-se por movimentos involuntários de início abrupto,
explosivo, geralmente de curta duração, repetindo-se com intensidade e topografia
variáveis, assumindo caráter migratório e errático. Os movimentos voluntários nos
segmentos afetados, assim como a marcha, são influenciados pelos movimentos
coreicos, que provocam interrupções e desvios da trajetória, conferindo um caráter
bizarro à movimentação do paciente. Por vezes, o paciente incorpora deliberadamente o
movimento coreico em um movimento voluntário, com o intuito de torna-lo menos
aparente, porém resultando em gesticulação exagerada, caracterizando o chamado
maneirismo. A coreia acompanha-se de certo grau de hipotonia e os reflexos miotáticos
profundos tendem a ser pendulares.
As coreias são classificadas em hereditárias, como em doença de Huntington,
coreoacantocitose, coreia familiar benigna e coreoatetose paroxística, associadas a
doenças dismetabólicas ou degenerativas do sistema nervoso central, como em doença
de Wilson, encefalopatia mitocondrial e doença de Lesch Nyhan, autoimunes, como em
coreia de Sydenham e lúpus eritematoso sistêmico, vasculares, como em acidente
vascular cerebral isquêmico e acidente vascular cerebral hemorrágico, infecciosas,
como em infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, associadas a distúrbios
metabólicos e endócrinos, como em coreia gravídica, hipertireoidismo,
hipoparatireoidismo, hiperparatireoidismo, hipoglicemia e hiperglicemia, intoxicações
exógenas, como em intoxicação por monóxido de carbono, manganês, mercúrio, titânio
e chumbo, e associadas ao uso de drogas, como anfetaminas, xantinas, neurolépticos,
benzamidas, bloqueadores de canais de cálcio, Levodopa, anticoncepcionais,
antieméticos, Lítio e Fenitoína.
Hemibalismo
O hemibalismo é caracterizado por movimentos involuntários amplos, de início
e fim abruptos, envolvendo segmentos proximais dos membros, podendo também
acometer o tronco e o segmento cefálico, envolvendo apenas um lado do corpo. Leva a
deslocamentos bruscos e violentos, colocando em ação grandes massas musculares. O
quadro tem instalação abrupta, em pacientes com perfil para doença cerebrovascular.
Nos pacientes mais jovens, deve-se sempre considerar a presença de granuloma por
Atetose
Atetose, ou coreoatetose, é caracterizada por movimentos involuntários lentos,
sinuosos, frequentemente contínuos, lembrando uma contorção, envolvendo
predominantemente as extremidades distais.
Ocorre com maior frequência em crianças do que em adultos, geralmente por
anóxia em sistema nervoso central.
Distonia
Distonia é caracterizada por movimentos involuntários, geralmente em torção,
variando em velocidade, frequentemente mantidos por um segundo ou mais no ponto
máximo da contração muscular. Quando persistem por alguns segundos ou minutos, a
expressão postura distônica é mais apropriada. A presença de um tremor postural
semelhante ao tremor essencial em pacientes com as mais variadas formas de distonia é
relativamente comum e sugere que as anormalidades fisiológicas presentes nas distonias
predisponham ao aparecimento desse tipo de tremor. A distribuição topográfica dos
movimentos distônicos é variável e qualquer território muscular pode ser acometido,
inclusive os músculos oculares extrínsecos, levando às chamadas crises oculógiras.
De acordo com o território muscular envolvido, a distonia pode ser classificada
em focal, segmentar, hemidistonia, multifocal e generalizada. De acordo com a sua
etiologia, podem ser divididas em idiopáticas ou primárias e sintomáticas ou
secundárias.
Admite-se que a disfunção ocorra em nível estriatal, mais especificamente no
putâmen.
O tratamento sintomático das distonias tem base empírica, já que a fisiopatologia
é pouco conhecida. Das drogas empregadas, os anticolinérgicos são os agentes
farmacológicos mais efetivos, ainda que a resposta terapêutica em geral não seja tão
boa. Algumas formas de distonia generalizada da infância respondem muito bem à
Levodopa, que, portanto, sempre deve ser testada nesses casos. As opções restantes são
os benzodiazepínicos, o Baclofeno e os neurolépticos. O Baclofeno intratecal tem sido
empregado com algum sucesso em distonias que afetam predominantemente os
membros inferiores.
De modo geral, os resultados do tratamento farmacológico sistêmico das
distonias são precários e a introdução da toxina botulínica em injeções intramusculares,
indicada principalmente para as formas focais de distonia, constituiu-se em avanço
marcante. Atua na junção neuromuscular e bloqueia a liberação de acetilcolina na fenda
sináptica. A duração do efeito é, em média, três meses. Efeitos colaterais sistêmicos são
pouco comuns, sem gravidades e transitórios. Incluem náusea, sialosquese e obstipação
intestinal. Os efeitos colaterais locais, igualmente transitórios, são relacionados a
paresia excessiva dos músculos injetados.
O tratamento cirúrgico das distonias, indicado em casos selecionados, envolve
procedimentos periféricos, com denervação da musculatura acometida, e centrais, com
intervenção estereotáxica no segmento medial do globo pálido.
Definições
Os tipos de doença cerebrovascular são divididos com base no aspecto
patológico em acidentes vasculares cerebrais isquêmicos, responsáveis por
aproximadamente 80% dos casos, e eventos hemorrágicos, que abrangem a hemorragia
cerebral intraparenquimatosa ou acidente cerebral vascular hemorrágico e a hemorragia
subaracnóide.
O acidente vascular cerebral é definido como um déficit neurológico, geralmente
focal, de instalação súbita e rápida evolução, com etiologia vascular. Segundo a
definição clássica, a duração dos sintomas e dos sinais neurológicos deve ser superior a
24 horas ou levar à morte.
O ataque isquêmico transitório têm, geralmente, as mesmas características e os
mesmos mecanismos do acidente vascular cerebral isquêmico, porém com regressão
completa do déficit neurológico em menos de 24 horas. Mais recentemente, foi proposta
uma nova definição que leva em consideração ausência de infarto cerebral nos exames
de imagem e duração dos sintomas inferior a uma hora.
Epidemiologia
As doenças cerebrovasculares representam a maior causa de morte no Brasil e
uma das três principais causas de mortalidade na maioria dos países industrializados, ao
lado de doença isquêmica do coração e câncer. As doenças cerebrovasculares também
constituem a segunda causa mais frequente de demência, apenas superadas pela doença
de Alzheimer, além de serem desencadeantes comuns de epilepsia, depressão e quedas
com fraturas.
Etiologia e fisiopatologia
Os mais comuns mecanismos causadores do acidente vascular isquêmico são
trombose de grandes artérias, embolia de origem cardíaca e trombose de pequenas
artérias. Entre outros mecanismos menos comuns estão a dissecção arterial, as arterites e
os estados hipercoaguláveis ou trombofilias.
A trombose de grandes artérias pode determinar insulto isquêmico por trombose
no local da placa ou, mais comumente, tromboembolismo artério-arterial. Os principais
fatores de risco para doença aterosclerótica são idade avançada, hipertensão arterial
sistêmica, diabetes mellitus, tabagismo, dislipidemia e sedentarismo. Suas principais
manifestações clínicas envolvem comprometimento cortical, com afasia, negligência e
déficit motor desproporcionado, ou disfunção de tronco encefálico ou cerebelo. Os
pacientes acometidos habitualmente têm estenose significativa, superior a 50%, ou
oclusão de uma grande artéria ou mesmo de um ramo arterial cortical. Podem estar
presentes antecedente de claudicação intermitente, doença isquêmica do coração e
acidente isquêmico transitório no mesmo território vascular, além de achado ao exame
físico de sopro carotídeo e diminuição de pulsos periféricos. Lesões isquêmicas
corticais, cerebelares, do tronco encefálico ou hemisféricas subcorticais maiores que
15mm de diâmetro são consideradas de origem potencialmente aterosclerótica de
Quadro clínico
Deve ser indagada a hora exata do início dos sintomas ou, na impossibilidade da
obtenção dessa informação, o momento em que o paciente foi visto normal pela última
vez. Outras informações incluem existência de doenças associadas, fatores de risco para
sangramento gastrointestinal ou gênito-urinário e antecedentes de acidente vascular
cerebral prévio, trauma de crânio, doença cardíaca ou coagulopatia. Também é
importante saber sobre a condição neurológica prévia e sobre o uso de medicações.
Aspectos relevantes do exame físico incluem ritmo cardíaco, frequência
cardíaca, ausculta cardíaca, ausculta carotídea, pressão arterial, temperatura, fundo de
olho, peso e pontuação na escala de déficit neurológico do National Institutes of Health
(NIH), que reflete a gravidade e o prognóstico. Os resultados variam de 0 a 42, sendo
quantificados déficits em onze categorias.
A suspeita de acidente vascular cerebral isquêmico deve existir nos casos em
Exames complementares
Exames complementares são úteis na investigação de certos diagnósticos
diferenciais, podem revelar potenciais fatores de risco e auxiliam na decisão terapêutica.
Na fase aguda, devem ser solicitados rapidamente após a suspeita diagnóstica e incluem
hemograma completo, glicemia, uréia e creatinina séricas, sódio e potássio séricos,
tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativada, marcadores de necrose
Diagnóstico diferencial
Alterações metabólicas incluindo hipoglicemia, hiperglicemia e encefalopatia
hepática, além de hipóxia e infecções sistêmicas, causam alterações focais que podem
mimetizar um acidente vascular cerebral isquêmico. As infecções do sistema nervoso
central, como a encefalite herpética e o abscesso cerebral, podem causar déficits focais.
Outros diagnósticos diferenciais incluem os déficits pós-críticos, as neoplasias
cerebrais, o hematoma subdural crônico, a enxaqueca, as doenças desmielinizantes, as
labirintopatias, as paralisias faciais periféricas e outras paralisias periféricas agudas.
Tratamento
O tratamento dos quadros neurológicos isquêmicos deve ter como princípio
Medidas gerais
As medidas gerais visam garantir ao paciente a manutenção da permeabilidade
das vias aéreas superiores, permitindo uma ventilação adequada, e a manutenção da
circulação. É importante avaliar o sistema cardiovascular, incluindo o ritmo cardíaco e o
traçado eletrocardiográfico.
Deve-se utilizar oxigênio suplementar nos pacientes com algum grau de hipóxia
com o objetivo de assegurar saturação periférica de oxigênio superior ou igual a 95%.
A maioria dos pacientes deve receber hidratação intravenosa com 2000-3000mL
por dia de soluções salinas isotônicas, procurando-se evitar o uso de soluções
hipotônicas e glicosadas.
A glicemia deve ser estritamente monitorizada e a Insulina Regular deve ser
utilizada se os níveis glicêmicos excederem 180mg/dL. Também a hipoglicemia deve
ser prontamente corrigida.
Hipertermia deve ser monitorizada e corrigida com antitérmicos e compressa
fria.
Hipotensão arterial persistente não é comum na fase aguda do acidente vascular
cerebral isquêmico, mas deve ser prontamente corrigida.
As recomendações de conduta mais recentes são de que a hipertensão arterial
sistêmica não seja tratada em pacientes não candidatos ao tratamento trombolítico,
exceto se os níveis diastólicos estiverem acima de 120mmHg, os níveis sistólicos
estiverem acima de 220mmHg ou a pressão arterial média for superior a 130mmHg. Os
pacientes com indicação de tratamento trombolítico tendo como único critério de
exclusão o próprio nível pressórico elevado, com tempo hábil para o tratamento,
deverão receber medicação anti-hipertensiva para controle adequado da pressão arterial,
que deve ser rigoroso pelo menos durante as primeiras 24 horas, visando valores
inferiores a 180x105mmHg. Pela necessidade de controle rápido e monitorização
frequente, recomenda-se o uso de drogas parenterais, como o Labetalol e a Nicardipina,
não disponíveis no Brasil. Em nosso meio, alguns autores sugerem o uso de Metoprolol.
Nos pacientes hipertensos sem indicação de tratamento parenteral, deve-se introduzir
medicação anti-hipertensiva por via oral após 24-48 horas, com preferência por
inibidores da enzima de conversão da angiotensina, bloqueadores do receptor da
angiotensina II e betabloqueadores.
Em função do risco de vômitos e broncoaspiração, é prudente prescrever jejum
oral nas primeiras 24 horas. Antes do retorno à alimentação por via oral, recomenda-se
uma avaliação da deglutição para descartar disfagia e então decidir pela melhor via.
Tratamento trombolítico
O ativador do plasminogênio tecidual, Alteplase ou rT-PA intravenoso é o único
agente farmacológico com eficácia comprovada na melhora funcional de pacientes com
acidente vascular cerebral agudo, tendo sido utilizado até há pouco tempo com janela
terapêutica de 180 minutos. No entanto, existem evidências de benefício com até 270
minutos de evolução.
O rT-PA deve ser administrado com dose de 0.9mg/kg, sendo 10% em bolus
administrado durante um minuto e o restante em sessenta minutos com uso de bomba de
infusão contínua. Um frasco de 50mg é diluído em 50mL de água para injeção,
obtendo-se concentração final de 1mg/mL. A solução reconstituída pode ser diluída em
Manejo de complicações
Crises epilépticas são mais frequentes nas primeiras 24 horas de evolução, sendo
geralmente parciais com ou sem generalização secundária. Epilepsia se desenvolve em
um terço dos pacientes em que as crises epilépticas ocorrem nessa fase precoce e em
metade dos pacientes em que as crises se iniciam mais tardiamente. O uso de
anticonvulsivantes deve ser iniciado somente após uma primeira crise para prevenção de
recorrência.
O edema cerebral atinge seu máximo entre o segundo e o quinto dias de
evolução. Alternativas de tratamento incluem hiperventilação, diuréticos osmóticos,
drenagem liquórica, hipotermia leve em alguns casos e descompressão cirúrgica. A
descompressão cirúrgica reduz significativamente a mortalidade nos infartos supra-
Prescrições
Acidente vascular isquêmico não submetido à trombólise:
- Jejum por via oral;
- Soro Fisiológico 1000mL por via intravenosa de 12/12 horas;
- Ácido Acetilsalicílico 300mg por via oral uma vez ao dia;
- Omeprazol 40mg por via intravenosa uma vez ao dia;
- Enoxaparina 40mg por via subcutânea uma vez ao dia para profilaxia de
trombose venosa profunda ou 1mg/kg de 12/12 horas por via subcutânea
na presença de embolia de origem cardíaca, estado hipercoagulável,
dissecção arterial extracraniana, trombose de artéria basilar ou episódios
isquêmicos transitórios de repetição;
- Avaliação da glicose capilar de 6/6 horas;
- Insulina Regular por via subcutânea conforme glicose capilar, com 2UI
se 180-200mg/dL, 4UI se 201-250mg/dL, 6UI se 251-300mg/dL, 8UI se
301-350mg/dL e 10UI se acima de 350mg/dL;
- Soro Glicosado a 50% 60mL por via intravenosa se glicose capilar
inferior a 70mg/dL;
- Não puncionar membro parético;
- Monitorização contínua com saturação periférica de oxigênio,
frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial não-invasiva
intermitente, ritmo cardíaco e temperatura;
- Avisar imediatamente equipe médica se pressão arterial sistólica
superior a 220mmHg ou pressão arterial diastólica superior a 120mmHg;
Profilaxia secundária
A profilaxia secundária do acidente vascular isquêmico tem como pilares o
controle de seus inúmeros fatores de risco modificáveis, como hipertensão arterial
sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemia, obesidade, tabagismo, etilismo e
sedentarismo, o uso de medicações de ação antitrombótica e a possibilidade de
abordagem cirúrgica ou por radiologia intervencionista.
A endarterectomia de carótida tem eficácia comprovada para estenose severa, de
70-99%, em pacientes com evento isquêmico carotídeo recente. O benefício é mais
modesto em pacientes sintomáticos portadores de estenose carotídea moderada, de 50-
69%, sendo recomendada quando o risco cirúrgico e da angiografia é inferior a 5%. A
indicação em pacientes assintomáticos é mais controversa, sendo validada para
Epidemiologia
O acidente vascular cerebral hemorrágico, também denominado hemorragia
intracerebral ou hemorragia cerebral intraparenquimatosa, exibe elevada mortalidade.
Acomete preferencialmente indivíduos idosos e sua incidência dobra a cada década a
partir de 45 anos de idade, com discreto predomínio no sexo masculino.
Etiologia e fisiopatologia
A hipertensão arterial destaca-se como o principal fator etiológico e é
responsável pela maior parte dos casos, com predomínio na população com idades entre
50 e 70 anos. Em adultos jovens, especial atenção deve ser dada às malformações
vasculares, como aneurismas, malformações arteriovenosas e angiomas cavernosos, e ao
uso de drogas simpatomiméticas, como anfetaminas, cocaína e crack. Em indivíduos
idosos não-hipertensos, a angiopatia amiloide cerebral parece ser mecanismo comum de
hemorragia intracraniana lobar. Outros fatores etiológicos incluem neoplasias, como
glioblastoma multiforme, metástase de melanoma, carcinoma renal, carcinoma
broncogênico e coriocarcinoma, uso de anticoagulantes, uso de fibrinolíticos, diáteses
hemorrágicas, como hemofilia, púrpura trombocitopênica idiopática e leucemia aguda, e
vasculites primárias ou secundárias do sistema nervoso central.
Os acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos secundários a hipertensão
arterial sistêmica são mais frequentemente localizados na profundidade dos hemisférios
cerebrais, sendo comuns em putamen e tálamo, podendo também exibir topografia
lobar, cerebelar, pontina e no núcleo caudado. Surgem a partir da ruptura de pequenas
artérias perfurantes, alvo de processo degenerativo de sua parede denominado lipo-
hialinose, e de micro-aneurismas, descritos por Charcot e Bouchard.
O período de sangramento na hemorragia intracraniana hipertensiva pode ser
breve e autolimitado, durando alguns minutos. No entanto, em mais de um terço dos
pacientes, o volume do hematoma pode aumentar dramaticamente nas três horas
iniciais, com consequente deterioração clínica. O efeito tóxico do sangue sobre o
parênquima cerebral circunjacente, acrescido de fatores mecânicos compressivos, pode
provocar sofrimento isquêmico ao redor do hematoma.
Quadro clínico
As manifestações clínicas comuns a todas as hemorragias intracranianas incluem
cefaleia, vômitos e rebaixamento do nível de consciência. O volume do hematoma se
correlaciona diretamente com a intensidade e a gravidade do quadro clínico.
Ao contrário do acidente vascular cerebral isquêmico, em que habitualmente o
déficit neurológico é máximo na sua instalação, na hemorragia intracraniana é comum a
progressão dos déficits neurológicos focais e da sintomatologia da hipertensão
intracraniana no curso de algumas horas.
Nas hemorragias talâmicas, do núcleo caudado, lobares extensas e putaminais,
observa-se com frequência extensão do sangramento para o sistema ventricular. Deve-se
estar atento na hemorragia talâmica para deterioração clínica abrupta causada por
hidrocefalia como resultado da obstrução do aqueduto de Sylvius por coágulo
intraventricular.
Características clínicas do acidente vascular cerebral hemorrágico segundo sua localização
Exames complementares
Avaliação geral inclui hemograma, uréia e creatinina séricas, glicemia, sódio e
potássio séricos, tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativada,
gasometria arterial, radiografia simples de tórax, eletrocardiograma de doze derivações
e tomografia computadorizada de crânio sem contraste. Recomenda-se perfil
toxicológico em casos suspeitos.
A tomografia computadorizada é essencial para confirmação diagnóstica,
avaliação da extensão para o sistema ventricular e detecção de hidrocefalia. A
hemorragia intracraniana é caracterizada como imagem hiperatenuante e homogênea. O
exame deverá ser repetido após poucas horas se houver piora do quadro neurológico.
A ressonância nuclear magnética pouco acrescenta à tomografia
computadorizada nas hemorragias intracranianas de etiologia hipertensiva. No entanto,
em casos atípicos pode detectar malformações vasculares e tumores intracranianos.
Angiografia cerebral está indicada nos pacientes com suspeita de sangramento
por aneurismas e malformações artério-venosas. Mais raramente, o diagnóstico de
vasculite pode ser sugerido pela presença de estenoses e dilatações arteriais intercaladas.
O exame do líquido cefalorraquidiano geralmente está contraindicado pelo risco
de desencadear herniação uncal ou tonsilar. Pode ser útil em casos suspeitos de vasculite
ou endocardite.
Diagnóstico diferencial
O infarto hemorrágico deve ser sempre considerado quando se avalia o paciente
com lesão cerebral hemorrágica. A transformação hemorrágica costuma ocorrer 48-72
horas após o íctus.
Traumatismo crânio-encefálico com contusão hemorrágica também deve ser
diferenciado do acidente vascular cerebral hemorrágico e geralmente tais lesões são
múltiplas e superficiais.
Acidente vascular Lesão hiperdensa, homogênea, com efeito de massa, predominantemente
cerebral hemorrágico subcortical, não respeitando território de distribuição arterial e frequentemente
com extensão ventricular e hidrocefalia
Infarto hemorrágico Lesão hiperdensa, salpicada e heterogênea, com pouco efeito de massa,
predominantemente cortical, respeitando território arterial nas embolias e sem
inundação ventricular ou hidrocefalia
Tratamento
Cuidados gerais
À admissão no serviço de emergência, o paciente deve ter seus sinais avaliados e
estabilizados. Ênfase deve ser direcionada à proteção das vias aéreas em pacientes com
alteração do sensório e, se o escore da escala de coma de Glasgow for igual ou menor
Prescrição
- Jejum por via oral;
- Soro Fisiológico 1000mL por via intravenosa de 12/12 horas;
- Omeprazol 40mg por via intravenosa uma vez ao dia;
- Avaliação da glicose capilar de 6/6 horas;
- Insulina Regular por via subcutânea conforme glicose capilar, com 2UI se 180-
200mg/dL, 4UI se 201-250mg/dL, 6UI se 251-300mg/dL, 8UI se 301-350mg/dL
e 10UI se acima de 350mg/dL;
- Soro glicosado a 50% 60mL por via intravenosa se glicose capilar inferior a
70mg/dL;
- Monitorização contínua com saturação periférica de oxigênio, frequência
cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial não-invasiva intermitente,
ritmo cardíaco e temperatura;
- Avisar imediatamente se pressão arterial sistólica superior a 180mmHg ou
pressão arterial diastólica superior a 105mmHg;
- Metoprolol 5mg por via intravenosa em três minutos a critério médico;
- Nitroprussiato de Sódio 50mg em Soro Glicosado a 5% 248mL por via
intravenosa em bomba de infusão contínua a critério médico com equipo
protegido da luz;
- Meias de compressão intermitente em membros inferiores, com Heparina Não-
Fracionada 5000UI de 12/12 a 8/8 horas por via subcutânea a partir do segundo
dia;
- Não puncionar membro parético;
- Repouso no leito, com cabeceira elevada a 30º;
- Fisioterapia;
- Fonoterapia;
- Internação em unidade de terapia intensiva;
Hemorragia subaracnóide
Definições
Hemorragia subaracnóide, conhecida também como hemorragia meníngea, é
Etiologia
A causa mais frequente de hemorragia subaracnóide espontânea é a ruptura de
aneurisma sacular intracraniano, que representa 75-80% dos casos. A hemorragia
subaracnóide aneurismática pode incidir por predisposição familiar via herança
autossômica dominante ou em associação com outras doenças predisponentes, como
síndrome de Marfan, síndrome de Ehlers-Danlos, pseudoxantoma elástico, doença do
rim policístico e coarctação da aorta.
O aneurisma sacular ou congênito compreende cerca de 90% de todos os
aneurismas intracranianos e se localiza preferencialmente nas bifurcações das grandes
artérias intracranianas, particularmente no polígono de Willis. Nos homens, o aneurisma
intracraniano se localiza mais comumente na artéria cerebral anterior ou na artéria
comunicante anterior, enquanto que nas mulheres sua topografia mais frequente é a
junção da artéria carótida interna com a artéria comunicante posterior. A ruptura de um
aneurisma intracraniano causa frequentemente hemorragia subaracnóide, mas pode
ocorrer também sangramento intraparenquimatoso, intraventricular ou subdural. Para o
desenvolvimento do aneurisma sacular interagem aterosclerose, hipertensão arterial
sistêmica e predisposição congênita a alterações da lâmina elástica interna das artérias
intracranianas.
Os aneurismas fusiformes ou arterioscleróticos compreendem quase 7% de todos
os aneurismas intracranianos, podendo também causar hemorragia subaracnóide. Sua
apresentação clínica mais característica é com síndrome compressiva do tronco cerebral
e neuropatia craniana às custas de sua localização mais frequente no sistema vértebro-
basilar.
Sabe-se que cerca de 5% das hemorragias subaracnóides devem-se a ruptura de
malformação arteriovenosa e que 15-20% desses casos podem cursar com angiografia
que não evidencia a fonte da hemorragia. Outras causas incluem angiomas, discrasias
sanguíneas, uso de drogas, tumores intracranianos, trombose venosa cerebral,
dissecções arteriais intracranianas e angiites.
Sendo irritativo, o sangramento produz também sinais inflamatórios meníngeos
e incremento do volume do cérebro, podendo evoluir com sinais e sintomas de
hipertensão intracraniana. Imediatamente após a hemorragia subaracnóide ocorre
diminuição progressiva do fluxo sanguíneo cerebral, com diminuição da pressão de
perfusão cerebral. Hidrocefalia pode ocorrer agudamente por bloqueio da passagem de
líquor ou por aumento da sua viscosidade.
Crises epilépticas ocorrem em 10-25% dos pacientes. Edema pulmonar
neurogênico e arritmias cardíacas possivelmente resultam de descarga simpática maciça.
Disfunção hipotalâmica tem sido apontada como causa de hiponatremia.
Quadro clínico
Cefaleia é o sintoma mais frequente e está presente em 85-95% dos pacientes. É
súbita, muitas vezes associada a náusea e/ou vômitos e tipicamente descrita como a pior
da vida. Costuma irradiar para a região occipital ou cervical, acompanhada de irritação
meníngea. Outros sintomas incluem convulsões, fotofobia, lentificação e confusão.
É conhecido o fenômeno tônico semelhante a uma convulsão no momento da
hemorragia, semelhante a opistótono, provavelmente decorrente da súbita elevação da
pressão intracraniana, que também pode estar relacionada a breve perda de consciência
Diagnóstico diferencial
Diagnóstico diferencial com formas de cefaleia benigna, porém similarmente
impactantes, como a cefaleia relacionada ao orgasmo e “em trovoada”. Na síndrome de
Call-Flemming há histórico de enxaqueca e associação frequente com uso de inibidores
da recaptação de serotonina, com sinais de déficit neurológico focal secundário a um
vasoespasmo transitório. Tais pacientes não têm sangramento na tomografia
computadorizada de crânio, mas ainda assim devem ser submetidos a coleta e exame de
líquor para afastar hemorragia subaracnóide.
Exames complementares
O procedimento auxiliar de escolha para detectar hemorragia subaracnóide é a
tomografia computadorizada de crânio, que demonstra magnitude, localização, tamanho
ventricular e provável topografia do aneurisma roto.
Frente a resultado não-conclusivo de imagem ou quando a tomografia
computadorizada é dúbia, a punção liquórica deve ser realizada. Devem ser coletados
Prognóstico e complicações
Cerca de 15-20% dos pacientes com hemorragia subaracnóide aneurismática
morrem antes de chegar ao hospital. No restante dos pacientes, complicações que
ocorrem incluem ressangramento, déficit neurológico isquêmico secundário a
vasoespasmo, hidrocefalia, disfunção hipotalâmica e convulsões.
Tratamento
Uma vez confirmado o diagnóstico de hemorragia subaracnóide, os pacientes
devem ter sua terapêutica conduzida em unidade de terapia intensiva. Angiografia
cerebral por cateterismo femoral, incluindo o sistema vértebro-basilar, deve ser
realizada tão cedo quanto possível. Caso um aneurisma roto seja evidenciado, os
pacientes devem ser submetidos a cirurgia corretiva assim que viável.
Aos cuidados pré-operatórios de praxe, devem-se agregar medidas de acesso
venoso central, cateter arterial para pressão arterial média e pré-medicação de apoio
com anticonvulsivantes, corticosteroides, protetor gástrico, bloqueadores de canal de
cálcio e analgésicos. Nos pacientes com graduação neurológica ruim ou com
instabilidade hemodinâmica, deve-se instalar cateter em artéria pulmonar.
Monitorização cardíaca é fundamental para todos os pacientes, dada a
possibilidade de arritmias e transtornos cardíacos relacionados. Cateter de drenagem
intraventricular poderá ser instalado nos pacientes com hidrocefalia aguda.
Prescrição
- Jejum por via oral;
- Repouso absoluto no leito, com decúbito elevado a 30º;
- Soro Glicosado a 5% 1000mL, NaCl a 20% 40mL e KCl a 19.1% 10mL por
via intravenosa de 8/8 horas;
Complicações
O vasoespasmo cerebral geralmente ocorre entre três e doze dias após o
sangramento e a quantidade de sangue visualizada na tomografia computadorizada de
crânio é o melhor parâmetro para prevê-lo. O Doppler transcraniano deve ser realizado
frequentemente para o seu diagnóstico e monitoramento, a cada dois dias ou mesmo
diariamente, com valores superiores a 120cm/segundo em grandes artérias sendo
indicativos de vasoespasmo. O tratamento inicial do vasoespasmo sintomático consiste
na terapia hiperdinâmica, com hipervolemia, hipertensão e hemodiluição. O paciente
deve ser monitorizado com acesso venoso central e pressão arterial invasiva. Deve
receber pelo menos três litros por dia de solução cristalóide, com monitorização
contínua dos níveis de sódio. A pressão arterial média deve ser mantida entre 90mmHg
e 130mmHg. Caso não surta efeito, angiografia cerebral deve ser realizada e, se
estreitamento arterial for detectado, procede-se a angioplastia transluminal com infusão
intra-arterial de droga vasodilatadora, como Papaverina.
O ressangramento causa altas taxas de morbidade e mortalidade, podendo ser
evitado com a terapêutica precoce do aneurisma. Hidrocefalia sintomática deve ser
tratada com derivação ventricular externa ou mesmo derivação ventricular permanente.
Hiponatremia pode ser causada tanto por secreção inapropriada de hormônio
antidiurético como por síndrome perdedora de sal. Nesta, deve-se proceder à agressiva
administração de cristaloides e coloides por via intravenosa, visto que a hipovolemia
eleva o risco de isquemia cerebral, acarretando consequente piora do prognóstico.
Bibliografia
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Definições
Epilepsia é a ocorrência de duas ou mais crises epilépticas não-provocadas.
Epilepsia ativa é definida como aquela com crises nos últimos 12 meses ou, com base
em um conceito mais amplo, nos últimos 24 meses.
Por crise epiléptica entende-se manifestação de atividade epiléptica, excessiva
ou hipersincrônica, de neurônios do cérebro, geralmente com caráter autolimitado. Do
ponto de vista clínico, crise epiléptica é a manifestação clínica paroxística da
hiperexcitabilidade neuronal, com manifestação motora, sensitiva ou psíquica.
Epidemiologia
Afecção neurológica mais comum, com prevalência em torno de 1% na
população geral. A prevalência de epilepsia ativa é mais alta em crianças e idosos.
Diagnóstico
Uma anamnese cuidadosa é o elemento mais importante individualmente para o
diagnóstico. O exame neurológico é normal na maior parte dos pacientes. Exames
complementares, como o eletroencefalograma e tomografia computadorizada de
encéfalo ou ressonância nuclear magnética de encéfalo são utilizados para sustentar e
complementar o diagnóstico.
Diagnóstico diferencial
A primeira questão a ser abordada em um paciente com suspeita de epilepsia é a
diferenciação de outros eventos paroxísticos não-epilépticos, como síncopes,
hipoglicemia e crises psicogênicas. A anamnese deve abranger os períodos pré-ictal,
ictal e pós-ictal.
O paciente com epilepsia muitas vezes tem pródromo produtivo e geralmente a
crise, com duração na dimensão dos minutos, vem associada a movimentos
involuntários tônicos, clônicos, tônico-clônicos ou, eventualmente, mioclônicos.
Durante a crise epiléptica, o paciente pode sofrer traumatismo, como mordedura de
língua ou queda ao solo, com traumatismo crânio-encefálico ou dos membros. Em geral,
a pele é quente, cianótica e com rubor. Após a crise, há período de sonolência excessiva,
confusão mental e desorientação, com recuperação progressiva. A sonolência pode
durar de 24 a 48 horas e o paciente comumente se queixa de dores no corpo. Liberação
do esfíncter é comum e o eletroencefalograma é alterado em 90% dos casos.
Classicamente, a síncope é caracterizada por perda súbita da consciência de
curta duração, na dimensão dos segundos, geralmente sem pródromo ou aura. Quando o
paciente se lembra dos momentos que precederam a síncope, ele descreve fenômenos
negativos, como escurecimento da visão, sensação de desfalecimento e, dependendo do
quadro, palpitações. Liberação do esfíncter é pouco comum, o período pós-crítico é
curto, o eletroencefalograma é normal em 98% e o paciente refere náusea e vontade de
evacuar. Movimentos involuntários geralmente estão ausentes, mas espasmos
musculares em pequena quantidade podem ocorrer em função de hipóxia
O quadro clínico da hipoglicemia é variável, dependente de quão baixa é a
glicemia e do tempo de exposição a esses valores. De maneira geral, os fenômenos são
Classificação
Uma vez que o diagnóstico tenha sido estabelecido, o próximo passo consiste em
definir o tipo de crise e a síndrome epiléptica, que vão definir a abordagem diagnóstica
e terapêutica, bem como trazer informações sobre o prognóstico do paciente.
Exames complementares
O eletroencefalograma é o exame complementar mais importante e na maioria
dos pacientes pode detectar alterações específicas da atividade elétrica cerebral,
denominadas descargas epileptiformes, muitas vezes influenciadas pelo sono e pelo
despertar. Se exames seriados forem realizados com o uso de métodos apropriados de
ativação, como sono, fotoestimulação intermitente e hiperventilação, o número de
resultados falso-negativos pode chegar a 8%. Uso indicado para o diagnóstico de
epilepsia e, em alguns casos, para o acompanhamento do tratamento com alguns
medicamentos, como o Valproato.
A tomografia computadorizada de crânio e a ressonância nuclear magnética são
as modalidades de neuroimagem estrutural mais utilizadas no diagnóstico de pacientes
com epilepsia. Os pacientes com quadro clínico compatível com uma das síndromes
epilépticas idiopáticas prescindem dessa investigação.
Esclerose mesial temporal é a forma mais comum de epilepsia refratária no
adulto, com crises parciais simples ou complexas demoradas, com automatismos e
generalização secundária eventual. Ressonância nuclear magnética revela displasia
hipocampal e eletroencefalograma detecta espículas focais no lobo temporal.
Avaliação laboratorial com hemograma completo, função renal, enzimas
hepáticas, função hepática e eletrólitos é útil antes do início do tratamento
farmacológico da epilepsia, uma vez que ajuste de dose pode ser necessário em caso de
insuficiência renal ou de insuficiência hepática. Níveis de albumina devem ser
mensurados antes da administração de drogas com alto índice de ligação proteica, como
Fenitoína e Valproato de Sódio. Em adolescentes e adultos com crises generalizadas de
causa desconhecida, recomenda-se rastreamento de drogas de abuso.
Tratamento
Os pacientes devem ser desencorajados a participar de atividades nas quais uma
crise epiléptica aumente o risco de acidentes ou de morte, como dirigir, operar
determinados equipamentos, trabalhar em alturas elevadas e nadar sem supervisão. Há
necessidade de observar sinais de depressão, com interrogatórios direcionados para o
diagnóstico, tendo em vista a necessidade de tratamento e acompanhamento
psiquiátricos.
De maneira geral, devem ser considerados os fatores envolvidos na
probabilidade de recorrência após a primeira crise epiléptica para indicar o início do
Crise epiléptica
Conceitos
Crise aguda sintomática ou crise provocada é crise epiléptica decorrente de uma
causa imediata identificada.
Crise isolada é uma ou mais crises recorrendo no período de 24 horas. Pode
corresponder a uma crise aguda sintomática ou à primeira manifestação de epilepsia.
Etiologia
Epilepsia
Nas epilepsias idiopáticas, que representam apenas 5% dos casos nos pacientes
adultos, pressupõe-se hiperexcitabilidade cortical, com início geralmente antes dos vinte
anos de idade, possibilidade de história familiar de epilepsia e ausência de outras
anormalidades neurológicas ao exame de imagem.
Nas epilepsias sintomáticas existem lesões corticais adquiridas em qualquer
momento da vida. A etiologia dessas lesões inclui afecções congênitas, doenças
infecciosas do sistema nervoso central, lesões vasculares, neoplasias e doenças
degenerativas.
Nas epilepsias criptogênicas, provavelmente sintomáticas, não são observadas
lesões ao exame de neuroimagem, mas os pacientes não apresentam as características
clínicas das epilepsias idiopáticas.
Quadro clínico
Em um paciente que apresente uma primeira crise epiléptica, devem ser
pesquisados:
- Presença de febre, que pode indicar meningoencefalite viral, bacteriana
ou de etiologia fúngica;
- Rigidez de nuca, que pode indicar meningite, encefalite e hemorragia
meníngea;
- Evidência de traumatismo craniano, que pode ser fator causal ou
decorrente da crise;
- Presença de déficit neurológico focal, que pode indicar lesão
neurológica aguda ou crônica relacionada à crise;
Devem ser pesquisadas na história clínica:
- Evidência de doença clínica descompensada;
- História de uso de medicação prescrita, de uso drogas ilícitas ou de
tentativa de suicídio;
- História de etilismo crônico, com redução ou ausência da ingesta de
álcool nas últimas horas ou dias, o que indica abstinência alcoólica;
Exames complementares
Todo paciente deve imediatamente ser submetido a medida de glicose capilar e,
Conduta
A prioridade inicial é avaliar se há hipoglicemia e realizar as manobras de
suporte avançado de vida. Após a estabilização, deve-se realizar história clínica
completa, exame físico, exame neurológico e avaliação do fundo de olho.
A conduta farmacológica com medicação antiepiléptica é reservada para casos
selecionados, uma vez que a grande maioria das crises tende a não se repetir uma vez
eliminado o fator causal. O uso de drogas antiepilépticas tem como objetivo cessar uma
crise prolongada e prevenir novas crises.
Algoritmos
Quadro clínico
A esclerose múltipla é a doença inflamatória mais frequente do sistema nervoso
central em adultos jovens. Ocorre em adultos jovens, com predomínio em brancos de
ascendência caucasoide e no sexo feminino. Apresenta um grande espectro clínico, com
duas formas bem distintas de evolução, a forma recorrente-remitente e a forma
progressiva. Do primeiro sintoma da doença aos sintomas que são comuns durante
décadas, a estrutura básica da esclerose múltipla está vinculada ao surgimento de placas
de desmielinização aleatórias na substância branca do sistema nervoso central. Os
sintomas da fase progressiva correspondem, como regra, a uma acentuação dos
sintomas e sinais neurológicos pré-existentes.
Charcot descreveu a tríade clínica composta por nistagmo, disartria e ataxia
sinais resultantes do comprometimento das estruturas do tronco cerebral e das conexões
cerebelares. Vertigem é frequente.
A doença se instala com sintomas e sinais neurológicos na forma recorrente-
remitente na maior parte dos casos, com surtos bem individualizados, caracterizados por
pico em dias a semanas, e recuperação total ou com sequelas. No intervalo entre os
surtos, a doença se mantém estável, sem progressão. A forma secundariamente
progressiva se caracteriza por uma fase precedente de recorrência e remissão seguida de
progressão dos déficits sem novos surtos ou com surtos subjacentes, havendo
progressão dos déficits entre os surtos. A forma primariamente progressiva se
caracteriza desde o início da doença por progressão dos déficits, evoluindo, entretanto,
com períodos de estabilização ou mesmo discreta melhora. A forma progressiva-
recorrente é caracterizada desde o início de modo progressivo, intercalada por surtos
definidos com ou sem recuperação total. No intervalo dos surtos, continua a progressão.
A doença pode se instalar com um único sintoma ou polissintomática. Nem
sempre a apresentação polissintomática corresponde à ocorrência de múltiplos sítios de
lesão. No tronco cerebral, uma única lesão pode comprometer vias de motricidade
ocular, sensitivas, motoras e da coordenação. Os sintomas da esclerose múltipla são
secundários às lesões dos tratos mielinizados do sistema nervoso central e, para que
Avaliação complementar
As lesões costumam situar-se na substância branca do sistema nervoso central e
são evidenciadas pela imagem de ressonância nuclear magnética com grande precisão.
Têm localização periventricular, perpendicular à parede do ventrículo ou ao corpo
caloso, e morfologia alongada, afilada ou globoide. Na medula espinal, as lesões são
nodulares ou alongadas no sentido rostro-caudal e localizadas na porção dorsal ou
lateral, com múltiplos segmentos afetados. São facilmente reconhecidas nos cortes
axiais e sagitais do encéfalo, principalmente na sequência FLAIR (fluid attenuated
inversion-recovery), variante da sequência ponderada em T2 na qual é suprimido o sinal
do líquor. As lesões mesencefálicas, pontinas e bulbares, assim como as cerebelares,
podem ter ótima identificação com imagem de ressonância nuclear magnética, sendo
importante realçar a relevância de uma sequência ponderada em T2 ou densidade de
prótons para detectar lesões na fossa posterior, uma relativa limitação da sequência
FLAIR. A utilização do contraste paramagnético Gadolínio permite identificar as lesões
agudas ou subagudas, com idade inferior a quatro meses, nas quais ocorrem as
alterações da barreira hematoencefálica. Na lesão aguda, o contraste é homogêneo e
nodular, com intenso hipersinal na aquisição pesada em T1 pós-contraste. Com o
decorrer de dias ou semanas, a lesão adquire realce periférico completo ou incompleto.
As lesões antigas podem contrastar nas bordas, porém o realce é mais tênue e a porção
central apresenta um hipossinal nítido na sequência T1 pós-contraste. Há lesões
conhecidas como buracos negros, que apresentam importante hipossinal na aquisição T1
pré-contraste, sem realce significativo na fase pós-contraste, com idade avançada. As
lesões observadas na imagem de ressonância nuclear magnética não guardam relação
com os sintomas neurológicos. A espectroscopia de prótons revela nos pacientes com
esclerose múltipla queda do N-acetil aspartato, marcador de concentração e viabilidade
neuronal e axonal, e aumento de mio-inositol, marcador de gliose e osmorregulador, e
colina, marcador de proliferação celular e/ou desmielinização. Na técnica de difusão, as
lesões crônicas de esclerose múltipla apresentam coeficiente de difusão aparente
aumentado. O estudo do tensor de difusão agrega conhecimento ao estudo das lesões,
mostrando diminuição da anisotropia com o acometimento do tecido. O processo de
transferência de magnetização (TM) depende da quantidade de prótons que residem na
mielina e, por isso, representa um método para quantificar indiretamente a quantidade
de mielina no tecido.
O líquor obtido pela punção lombar tem grande importância para o diagnóstico
da esclerose múltipla. Permite identificar a presença de processo inflamatório e suas
características reacionais. No líquor dos pacientes com esclerose múltipla são avaliados
rotineiramente os perfis citomorfológico e proteico. A análise do perfil citomorfológico
objetiva comprovar a existência de processo inflamatório e sua caracterização quanto à
proporção de linfócitos, eosinófilos, plasmócitos, macrófagos e neutrófilos. Nos
pacientes com esclerose múltipla, em razão da quebra da barreira hematoencefálica, há
aumento da quantidade de proteínas no líquor. Na rotina clínica, a eletroforese em
acetato de celulose ou agarose é o procedimento que permite identificar as modificações
proteicas que ocorrem durante o processo inflamatório. Durante uma recidiva da
doença, o aumento das proteínas no líquor é identificado pelo aumento do teor de
albumina, que não existe no encéfalo e cuja presença indica quebra da barreira
Diagnóstico
O diagnóstico das doenças desmielinizantes é baseado em anamnese, sinais
clínicos, avaliação do líquor, imagem de ressonância nuclear magnética e exames de
sangue. Em algumas situações, o diagnóstico da esclerose múltipla nas fases iniciais só
consegue ser definido após a biópsia cerebral.
Classificação
Diagnóstico diferencial
Mielinólise pontina e extrapontina, adrenoleucodistrofia e mielopatia pós-
radiação são doenças crônicas que, apesar de não terem caráter inflamatório, lesam a
mielina e podem apresentar evolução progressiva.
As vasculites sistêmicas, o lúpus eritematoso sistêmico, a doença de Sjögren, a
doença de Behçet e a sarcoidose podem ter comportamento semelhante ao da esclerose
múltipla.
Embolia de origem cardíaca é frequente em jovens, principalmente em
comprometimento valvar reumático, doença de Chagas e endocardite bacteriana.
Doença vascular cerebral também pode estar relacionada a síndrome do anticorpo anti-
fosfolípide.
As mielopatias recorrentes com duração de meses ou anos podem ser
dependentes de malformações vasculares da medula espinal.
Doenças infecciosas que mimetizam a esclerose múltipla incluem sífilis, doença
de Lyme (Borrelia burgdorferi), síndrome da imunodeficiência adquirida, mielopatia
pelo HTLV-1 e leucoencefalopatia multifocal progressiva (vírus JC).
As síndromes paraneoplásicas podem mimetizar a esclerose múltipla, sendo que
os sintomas neurológicos precedem por vezes o aparecimento da neoplasia.
Malformações venosas encefálicas ou medulares podem simular a ocorrência de
esclerose múltipla.
Doenças carenciais, como a mielose funicular por deficiência de vitamina B12
ou ácido fólico, que podem envolver tratos mielinizados da medula, simulam a
esclerose múltipla.
Linfoma do sistema nervoso central apresenta lesão ou lesões hiperintensas nas
aquisições T2 e FLAIR em região periventricular que simulam desmielinização.
Doenças degenerativas, como paraplegias espástica e ataxias hereditárias, são de
diagnóstico diferencial difícil.
Tratamento
O tratamento da esclerose múltipla pode ser dividido em tratamento dos surtos e
tratamento profilático da esclerose múltipla recorrente-remitente.
Drogas imunomoduladoras
Interferon-beta 1b Interferon-beta 1a Interferon- Acetato de
beta 1a Glatirâmer
Drogas imunossupressoras
Azatioprina Ciclofosfamida Mitoxantrone Metotrexate Cladribina Fludaribina
Apresentação Comprimidos Frasco-ampola Solução Comprimidos de Frasco-ampola Frasco-ampola
de 50mg com injetável 2.5mg com 1mg/mL com 50mg de pó
1000mg/75mL 20mg/10mL liofilizado
e 200mg/20mL injetável
Dose 2.5-3.0mg/kg 800mg/m2 12mg/m2, 7.5-10mg 0.07mg/kg 20-30mg/m2/dia
cumulativa durante cinco
inferior a dias
140mg/m2
Via de Oral Intravenosa Intravenosa Oral Intravenosa Intravenosa
administração
Frequência Diária Mensal Trimestral ou Semanal Mensal, com Mensal, com
mensal ajuste individual ajuste individual
Indicação Esclerose Esclerose Esclerose Esclerose Esclerose Esclerose
múltipla múltipla múltipla múltipla múltipla múltipla
recorrente- recorrente- recorrente- secundariamente recorrente- recorrente-
remitente remitente grave remitente grave progressiva remitente grave remitente grave
ou com falha ou ou ou
do uso de secundariamente secundariamente secundariamente
Interferon progressiva progressiva progressiva
Contra- Gestação, Gestação, Gestação, Gestação, Gestação, Gestação,
indicações doença doença doença cardíaca doença hepática doença hepática doença hepática
hepática hepática ou
renal
Efeitos Linfoma, Linfoma, Linfopenia, Linfopenia, Linfopenia, Linfopenia,
adversos neoplasias neoplasias lesão cardíaca neoplasias neoplasias neoplasias
Tratamento sintomático
Os sintomas são tratados individualmente e paralelamente ao tratamento com
drogas que mudam a evolução natural da doença.
Em caso de déficits motores, recomenda-se a elaboração por fisiatras de planos
de fisioterapia motora.
Em caso de déficits sensitivos, o paciente deve ser orientado quanto a possíveis
Bibliografia
Clínica Médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – Barueri, SP:
Manole, 2009.
Clinically isolated syndromes suggestive of multiple sclerosis. Michael J Olek. UpToDate, 2012.
Comorbid problems associated with multiple sclerosis in adults. Michael J Olek. UpToDate, 2012.
Epidemiology and clinical features of multiple sclerosis in adults. Michael J Olek. UpToDate, 2012.
Diagnosis of multiple sclerosis in adults. Michael J Olek. UpToDate, 2012.
Treatment of acute exacerbations of multiple sclerosis in adults. Michael J Olek. UpToDate, 2012.
Treatment of relapsing-remitting multiple sclerosis in adults. Michael J Olek. UpToDate, 2012.
Treatment of progressive multiple sclerosis in adults. Michael J Olek. UpToDate, 2012.
Optic neuritis: Pathophysiology, clinical features, and diagnosis. Benjamin Osborne and Laura J Balcer. UpToDate, 2012.
Optic neuritis: Prognosis and treatment. Benjamin Osborne and Laura J Balcer. UpToDate, 2012.
1. Meningites bacterianas
Etiologia e epidemiologia
Atualmente os principais agentes, em ordem decrescente de frequência, são S.
pneumoniae, N. meningitidis, S. agalactiae, L. monocytogenes e H. influenzae do tipo
b. Outros agentes etiológicos, como enterobactérias e estafilococos, são muito mais
raros e costumam acometer pacientes nas fases inicial ou terminal da vida.
Meningite meningocócica pode ser suspeitada em situação de epidemia, quando
a evolução for muito rápida e desfavorável, quando o quadro clínico se iniciar com
petéquias, exantema, grandes equimoses ou palidez acentuada das extremidades e
quando houver colapso circulatório. Meningite pneumocócica é frequentemente
acompanhada por infecção pulmonar, otite ou sinusite. Meningite por H. influenzae é
frequentemente acompanhada de infecção em vias aéreas superiores, sobretudo em
crianças.
Estreptococos do grupo B ocorrem habitualmente em crianças com menos de um
mês de vida, sendo responsáveis pela maior parte das meningites bacterianas nessa faixa
etária.
Pacientes com sistemas de derivação do trânsito do líquor ou em pós-operatório
neurocirúrgico apresentam frequentemente meningites por estafilococos ou bacilos
Gram-negativos. Doentes com abscessos cerebrais, doenças linfoproliferativas ou
mieloproliferativas, colagenoses, processos infecciosos ou tumorais dos ossos do crânio
ou metástases cerebrais apresentam suscetibilidade aumentada para meningites por
Listeria sp, Acinetobacter sp e Pseudomonas sp. Em pacientes imunodeprimidos deve
ser sempre considerada a possibilidade de tratar-se de meningite por L. monocytogenes.
A mortalidade da meningite por N. meningitidis e por H. influenzae varia de 5%
a 15%, enquanto que nas meningites por S. pneumoniae situa-se entre 15% e 30%.
Poucos pacientes que se recuperam de meningite meningocócica apresentam sequelas,
enquanto que cerca de 10% dos pacientes que se recuperam de meningites por H.
influenzae e 30% dos que sobrevivem de meningite por pneumococos podem apresentar
problemas neurológicos.
Quadro clínico
Síndrome da hipertensão intracraniana é caracterizada por cefaleia intensa,
náusea, vômitos e certo grau de confusão mental. Habitualmente os vômitos são
precedidos por náusea, de modo que a ocorrência clássica de vômitos em jato é
observada apenas esporadicamente.
Síndrome toxêmica é caracterizada por sinais gerais de toxemia, incluindo febre
alta, mal-estar e agitação psicomotora. É frequente o achado de dissociação entre pulso,
que se altera pouco, e temperatura, que atinge níveis elevados.
Síndrome da irritação meníngea é caracterizada por rigidez de nuca e sinais de
Kernig, Brudzinski e Laségue.
A presença de duas dentre as três síndromes sugere meningite aguda.
Tratamento
As meningites bacterianas devem ser encaradas como emergências médicas. Por
esse motivo, frequentemente é necessário iniciar o tratamento antibiótico antes de
conhecer o agente etiológico e internar o paciente em unidade de terapia intensiva com
isolamento respiratório. Cuidados incluem cabeceira elevada a 30º e monitorização de
ritmo cardíaco, pressão arterial, temperatura, glicose capilar, frequência cardíaca e
frequência respiratória.
Idade Agentes mais prováveis Esquema de escolha
Inferior a S. agalactiae, L. Ampicilina 75mg/kg de 6/6 horas associada a
três meses monocytogenes, E. coli, S. Ceftriaxone 50-75mg/kg de 12/12 horas ou a
pneumoniae Cefotaxime 50-75mg/kg de 6/6 horas
3 meses a 18 N. meningitidis, S. pneumoniae, Ceftriaxone 50-75mg/kg ou 2g de 12/12 horas
anos H. influenzae
18 a 50 anos S. pneumoniae, N. meningitidis, Ceftriaxone 2g de 12/12 horas
H. influenzae
Superior a S. pneumoniae, L. Ampicilina 2g de 4/4 horas associada a Ceftriaxone 2g
50 anos monocytogenes, bacilos Gram- de 12/12 horas
negativos
Na faixa etária superior a três meses de idade, deve-se acrescentar Vancomicina
em áreas com mais de 2% de pneumococos altamente resistentes.
Agente etiológico Esquema de escolha Esquema alternativo Duração do
tratamento
H. influenzae Ceftriaxone ou Cefotaxime Cloranfenicol 7-10 dias
N. meningitidis Penicilina G Cristalina ou Ceftriaxone, Cefotaxime ou 7-10 dias
Ampicilina Cloranfenicol
S. pneumoniae Ceftriaxone ou Cefotaxime Penicilina G Cristalina ou 10-14 dias
com CIM < 0.1 Meropenem
S. pneumoniae Ceftriaxone ou Cefotaxime Trocar Vancomicina por 10-14 dias
com CIM ≥ 0.1 associados a Vancomicina Rifampicina ou usar Vancomicina
isoladamente
S. agalactiae Penicilina G Cristalina ou Vancomicina 14-21 dias
Ampicilina
L. monocytogenes Ampicilina associada a Sulfametoxazol-Trimetoprim 14-21 dias
Gentamicina
Tem sido preconizado o uso sistemático de corticosteroides no tratamento das
Prescrição
- Dieta geral ou jejum conforme a condição clínica do paciente;
- Soro fisiológico 1000mL por via intravenosa de 8/8 horas ou soro de
manutenção basal se jejum;
- Ceftriaxone 2g de 12/12 horas por via intravenosa;
- Ampicilina 2g de 4/4 horas por via intravenosa se idade superior a cinquenta
anos;
- Dexametasona 0.15mg/kg por via intravenosa no ato da administração da
primeira dose de Ceftriaxone e de 6/6 horas durante quatro dias;
- Controle de glicose capilar, com Insulina Regular por via subcutânea e Soro
Glicosado a 5% por via intravenosa conforme protocolo;
- Repouso no leito, com cabeceira elevada a 30º;
- Monitorização contínua de ritmo cardíaco, frequência cardíaca, frequência
respiratória, pressão arterial, temperatura e oximetria;
- Isolamento respiratório para gotículas;
- Notificação da suspeita de meningite bacteriana e convocação de contactantes;
- Internação em unidade de terapia intensiva;
Evolução
Nas primeiras quatro a seis horas deve haver melhora significativa do quadro de
confusão mental. Entre seis e doze horas costuma diminuir a febre. Os sinais de irritação
meníngea melhoram mais tardiamente, geralmente depois de alguns dias.
Classicamente, o segundo exame do líquor deve ser feito cerca de 72 horas após
o primeiro. Na prática, quando o quadro clínico apresenta melhora muito expressiva e
os sinais infecciosos regridem quase por completo em três a quatro dias, pode ser
dispensada a segunda coleta.
As principais complicações são os abscessos cerebrais, as coleções subdurais e
as ventriculites, que devem ser suspeitados quando a melhora clínica não ocorre como
esperado, o paciente apresenta piora do nível de consciência, ocorrem crises
convulsivas, surgem sinais focais no exame neurológico ou o exame de líquor exibe
evolução mais lenta do que o esperado ou sinais de piora. Nessas eventualidades,
2. Meningites virais
Enterovírus, vírus herpes simples, varicela zoster e Epstein-Barr são
responsáveis por cerca de 95% das meningites virais. Dentre os enterovírus estão
incluídos echovírus, poliovírus e coxsackievírus.
O quadro infeccioso é relativamente semelhante ao das meningites bacterianas
agudas, porém menos intenso.
O diagnóstico é feito pelo exame do líquor. Classicamente há aumento do
número de células, geralmente inferior a 500/mm3, predomínio de linfomononucleares,
proteinorraquia e glicorraquia dentro dos limites da normalidade e pesquisa de bactérias
e fungos negativa. O número de células pode ultrapassar 1000/mm3, especialmente na
caxumba. Alguns vírus podem ocasionar resposta inicial mediada por
polimorfonucleares nas primeiras 48 horas. Aumentos discretos da concentração
proteica podem ocorrer mais tardiamente.
A etiologia viral pode ser confirmada através da cultura para vírus ou, mais
frequentemente, pela reação em cadeia da polimerase. A pesquisa etiológica nas
meningites virais é restrita às formas mais graves e menos típicas. Exames de
neuroimagem são normais.
O tratamento é sintomático, reservando-se o uso de corticosteroides para os
casos em que a resposta inflamatória é intensa e mantida e/ou acompanhada por
hipertensão intracraniana com manifestações clínicas importantes. Quando o exame do
líquor por ocasião do diagnóstico evidencia a participação de polimorfonucleares em
percentuais elevados, preconiza-se assumir a etiologia bacteriana para fins de
tratamento e repetir o exame em 24 horas, com possibilidade de suspensão dos
antibióticos se diminuição drástica do percentual de neutrófilos.
Na vigência de quadros mais agressivos ou mais frequentes determinados pelo
herpes simples 2 ou pelo vírus varicela zoster é indicado o tratamento com Aciclovir em
doses semelhantes àquelas utilizadas para a meningoencefalite herpética.
3. Encefalites virais
Encefalite é uma infecção aguda do parênquima cerebral que se caracteriza
clinicamente por febre, cefaleia e alterações da consciência. Pode haver também sinais
de acometimento neurológico focal ou multifocal e crises convulsivas parciais ou
generalizadas.
Em pacientes sem síndrome da imunodeficiência adquirida, as causas mais
frequentes de encefalite são o vírus herpes simples tipo 1, o vírus herpes simples tipo 2
em recém nascidos e os arbovírus.
A encefalomielite aguda disseminada pós-infecciosa pode assemelhar-se, na
apresentação clínica, a uma encefalite viral. É doença aguda desmielinizante que
acomete o encéfalo, o nervo óptico e a medula espinhal. Ocorre geralmente alguns dias
ou semanas após infecção do trato respiratório ou após vacinação.
Etiologia e fisiopatologia
O vírus herpes simples tipo 1 é o agente causal da encefalite aguda esporádica
mais frequente no mundo ocidental, com distribuição universal. 6-15% dos casos são
causados pelo vírus herpes simples tipo 2, que é o principal agente em recém-nascidos.
A infecção primária acontece habitualmente na mucosa da orofaringe e, na
Tratamento
O tratamento recomendado é Aciclovir 10mg/kg de 8/8 horas por via intravenosa
durante duas a três semanas. Preconiza-se internação em unidade de terapia intensiva. É
necessário monitorizar a função renal e corrigir a dose da medicação para o clearance
de creatinina, quando necessário.
Em raros casos de hipertensão intracraniana com falência de resposta ao
tratamento clínico, poderá ser indicada cirurgia descompressiva após introdução de
cateter para medida da pressão intracraniana.
A abordagem é semelhante em caso de encefalite pelo vírus varicela zoster.
Hemorragias meníngeas
A presença de sangue no sistema liquórico costuma produzir reação
inflamatória, aumento do número de células, valores percentuais variados de neutrófilos
e, tipicamente, a presença de macrófagos com hemácias ou pigmentos derivados do
heme no seu citoplasma. Não há diminuição das taxas de glicose e não são detectados
agentes etiológicos de natureza infecciosa. O tratamento clínico restringe-se ao uso de
corticosteroides com a finalidade de reduzir a intensidade da resposta inflamatória.
Meningismo
A injeção de quimioterápicos, contrastes radiológicos ou radioisótopos no
sistema liquórico pode desencadear fenômenos irritativos nas meninges, por vezes com
presença marcante de polimorfonucleares. São fenômenos de curta duração, mas que
devem ser sempre considerados cuidadosamente devido à possibilidade de
contaminação do material injetado ou de coexistência de processo infeccioso.
1. Neurotuberculose
Embora outras micobactérias, como M. bovis e M. africanus, possam causar a
doença no ser humano e o M. avium seja um agente oportunista importante, a
neurotuberculose é provocada na maioria das vezes pelo Mycobacterium tuberculosis ou
bacilo de Koch.
Os granulomas caseosos formados precocemente no sistema nervoso central
podem romper-se para o espaço subaracnóideo e causar meningite tuberculosa. Podem
também ocupar o parênquima cerebral e causar os granulomas ou, menos
frequentemente, os abscessos tuberculosos.
Quadro clínico
A meningoencefalite tuberculosa é a forma mais frequente de neurotuberculose e
é a sua complicação mais grave. No estágio inicial, o paciente não apresenta alterações
cognitivas nem do estado de consciência e não há alterações detectáveis ao exame
neurológico. A seguir, o paciente pode apresentar algum grau de confusão mental e
podem aparecer sinais de localização, como hemiparesia e acometimento isolado de um
nervo craniano. No último estágio, o paciente evolui com torpor e coma e pode
apresentar acometimento de múltiplos nervos cranianos e hemiplegia ou paraplegia.
Em cerca de um quarto dos pacientes há acometimento de nervos cranianos,
principalmente o VI nervo e, menos frequentemente, o III, o IV, o VII e o VIII nervos.
Raramente o acometimento é bilateral. Hemiparesia, papiledema e convulsões ocorrem
em cerca de 10-15% e tubérculos na coroide podem ser visualizados ao exame de fundo
de olho em cerca de 10%.
Em adultos, as manifestações iniciais podem ser semelhantes às das meningites
agudas, com elementos das três síndromes clássicas. Em crianças, cefaleia ocorre
raramente, hidrocefalia é muito frequente e ocasionalmente pode haver dor abdominal e
obstipação intestinal.
É característica a ocorrência de período prodrômico de duas a quatro semanas
antes do aparecimento da sintomatologia neurológica, com sinais inespecíficos, como
Diagnóstico
O diagnóstico é feito com base nas manifestações clínicas, no exame do líquor e
nos exames de neuroimagem.
O líquor pode revelar pleocitose de 50-500/mm3, perfil citomorfológico de
características mistas, aumento da concentração de proteínas, ao redor de 50-200mg/dL,
diminuição da glicorraquia, com taxas de 20-40mg/dL, aumento do teor de lactato e
elevação das taxas de adenosina-deaminase. A demonstração do bacilo da tuberculose
no líquor é muito difícil. O bacilo da tuberculose cresce em meios de cultura próprios
em até metade dos pacientes, geralmente entre trinta e cento e vinte
dias. Outra opção é a reação em cadeia da polimerase para detecção
e amplificação do DNA do M. tuberculosis.
As alterações de neuroimagem mais frequentes são os
espessamentos meníngeos, particularmente na base do crânio.
Podem ser evidenciados facilmente pela tomografia
computadorizada com contraste ou pela ressonância nuclear
magnética, especialmente se for usado Gadolínio. Também são muito frequentes as
hidrocefalias, comunicantes ou não, e os infartos.
Tratamento
O tratamento deve ser instituído precocemente, mesmo que não haja
confirmação do diagnóstico. A ocorrência de processo infeccioso subagudo do sistema
nervoso central, principalmente quando acompanhado de sinais focais, autoriza o clínico
a introduzir imediatamente esquema terapêutico específico, que não difere para os
pacientes portadores do HIV. No entanto, deve-se atentar para a interação da
Rifampicina com os inibidores de protease.
Fase intensiva por dois meses com comprimido contendo Rifampicina 150mg,
Isoniazida 75mg, Pirazinamida 400mg e Etambutol 275mg. Preconizam-se 4
comprimidos por dia para adultos com peso superior a 50kg.
Fase de manutenção por sete meses com comprimido contendo Rifampicina
300mg e Isoniazida 200mg. Preconizam-se 2 comprimidos por dia para adultos com
peso superior a 50kg.
Deve ser associado corticosteroide ao esquema, com Prednisona 1-2mg/kg/dia
por via oral durante quatro semanas ou Dexametasona 0.4mg/kg/dia por via intravenosa
durante quatro a oito semanas nos casos mais graves, com redução gradual da dose nas
quatro semanas subsequentes. O tratamento neurocirúrgico é pouco utilizado e
restringe-se aos casos de hidrocefalia resistente ao tratamento com corticosteroides.
Prognóstico
A mortalidade média é de cerca de 25%. Dentre os pacientes que sobrevivem,
20-30% apresentam sequelas neurológicas, tais como alterações mentais, motoras,
2. Neuromicoses
Em sua maioria, os fungos não causam doenças em pessoas hígidas, embora
possam atingir algumas estruturas orgânicas.
A principal porta de entrada é o sistema respiratório, através da inalação de
esporos. A infecção localiza-se nos pulmões, costuma ser assintomática ou
acompanhada de sintomas respiratórios vagos e, na maioria das vezes, é debelada
rapidamente pelo sistema imunológico. Ocasionalmente, os micro-organismos que
colonizaram o pulmão atingem a corrente circulatória.
Mais raramente, a disseminação pode ocorrer a partir de:
- Cateteres intravenosos ou lesões na mucosa oral ou intestinal, como no
caso da candidíase;
- Lesões da pele, como na esporotricose;
- Infecções dos seios paranasais, como nas infecções por Aspergillus sp,
Zygomycetes sp e mucormicose;
- Fraturas dos ossos do crânio ou procedimentos neurocirúrgicos;
No sistema nervoso central, os fungos podem ser responsáveis por meningites,
2.1. Neurocriptococose
Infecção fúngica causada por Cryptococcus neoformans, que acomete, em geral,
pacientes com contagem de linfócitos T CD4 positivos inferior a 100 células por mm3.
A doença pode atingir qualquer parte do organismo, porém a localização no sistema
nervoso central é a mais comum em pacientes infectados pelo HIV. O fungo tem larga
distribuição no solo e em excreções de pombos.
O quadro clínico geralmente é subagudo, caracterizado por febre e cefaleia
intermitente, que se torna cada vez mais frequente, com perda de peso e adinamia.
Apenas 30% dos pacientes apresentam sinais de irritação meníngea e fotofobia.
Encefalite, manifestada por letargia, alterações cognitivas e alterações comportamentais,
pode estar presente.
Punção liquórica revela elevação da pressão intracraniana, elevação da
proteinorraquia, celularidade pouco alterada ou normal e glicorraquia pouco diminuída
ou normal. No esfregaço direto com tinta da China, é possível observar formas fúngicas.
Em caso de alta suspeita e pesquisa com tinta da China negativa, a pesquisa de antígeno
com prova de látex pode auxiliar no diagnóstico. Lesões podem ser evidenciadas na
ressonância nuclear magnética de crânio.
Pode cursar com comprometimento extrameníngeo, associado ou não ao
acometimento do sistema nervoso central. A lesão pulmonar caracteriza-se por tosse
seca e dispneia, com achado radiológico de infiltrado micronodular. Doença
disseminada com acometimento de pele, suprarrenal, próstata e medula óssea também
pode ocorrer. A hemocultura e a pesquisa de antígeno no sangue podem auxiliar no
diagnóstico das formas extrameníngeas.
O tratamento deve ser iniciado com Anfotericina B 0.7mg/kg por via intravenosa
uma vez ao dia e 5-Flucitosina 100mg/kg/dia por via oral fracionada em quatro doses
diárias durante pelo menos duas semanas. A fase de consolidação é baseada no uso de
Fluconazol, com 400mg por dia durante pelo menos oito semanas, até a negativação da
cultura no líquor.
A vida média da Anfotericina é de 12-24 horas, com pico sérico de 6-8 horas.
Em geral, sua excreção ocorre por meio da urina. Limitações incluem pouca penetração
pela barreira hematoencefálica e efeitos adversos como toxicidade renal, hipocalemia,
reações alérgicas, febre, calafrios, falência hepática, convulsões, fibrilação ventricular e
parada cardíaca. Preconiza-se infusão em quatro a seis horas. Em pacientes que
experimentam febre, hipotensão, náusea, tremores ou outras reações não-anafiláticas,
pré-medicação deve ser administrada trinta a sessenta minutos antes da infusão da
Anfotericina B, incluindo Hidrocortisona 100-300mg/dia, antipiréticos e anti-eméticos.
Alternativas terapêuticas para a fase de ataque incluem Anfotericina B 0.7mg/kg
1. Neurossífilis
Etiologia e fisiopatologia
A neurossífilis é causada pelo Treponema pallidum, bactéria que invade o
sistema nervoso central em período variável de três a dezoito meses após a infecção
inicial.
O primeiro evento relacionado ao acometimento do sistema nervoso central é o
desenvolvimento de processo inflamatório meníngeo, clinicamente sintomático ou não.
Quando há manifestações clínicas, o quadro é semelhante ao das meningites benignas
de tipo viral. A confirmação é feita pelo exame do líquor. Os fenômenos imunológicos e
fisiopatológicos que acontecem no período que transcorre entre o processo inflamatório
inicial e o desenvolvimento da neurossífilis não são conhecidos.
Forma meningovascular
A forma meningovascular manifesta-se após período variável entre seis meses e
dez anos da infecção inicial, na maioria das vezes entre seis e sete anos. Ocorre
processo inflamatório das meninges predominantemente de tipo crônico, acompanhado
de fenômenos arteríticos.
As manifestações clínicas decorrem do acometimento de áreas cerebrais nutridas
pelas artérias afetadas. Podem ocorrer desde quadros caprichosos decorrentes da lesão
de estruturas irrigadas por uma única arteríola até lesões mais extensas decorrentes do
acometimento de artérias médias ou grandes. Ocasionalmente, a neurossífilis atinge a
medula espinhal e manifesta-se clinicamente como síndrome da artéria espinhal anterior
da medula.
Diagnóstico
O exame do líquor é o procedimento mais útil para o diagnóstico e controle de
evolução da neurossífilis. As principais alterações são pleocitose inferior a 50/mm3,
perfil citomorfológico de tipo crônico, proteinorraquia aumentada geralmente de 40-
200mg/dL, aumento de gamaglobulina e presença de anticorpos. Os anticorpos
inespecíficos ou não-treponêmicos, como o Venereal Disease Research Laboratory
(VDRL), são testes simples e com boa especificidade, mas com baixa sensibilidade. Os
anticorpos específicos ou treponêmicos, como o Fluorescent Treponemal Antibody
Absorption (FTA-Abs), são caracterizados por alta sensibilidade e especificidade.
A fase de regressão da doença é lenta e começa com diminuição do número de
células. A seguir, ocorre queda da concentração proteica, diminuição dos títulos de
anticorpos e, finalmente, diminuição dos teores de globulinas.
Tratamento
Penicilina G Cristalina 2.000.000-4.000.000 UI de 4/4 horas por via intravenosa
durante 10-14 dias ou Penicilina G Procaína 2.000.000-4.000.000 UI/dia por via
intramuscular associada a Probenecida 500mg 6/6 horas por via oral durante 14 dias.
Alternativa inclui Ceftriaxone 1-2g/dia durante 14 dias.
Jarisch-Herxheimer é reação imunoalérgica após as primeiras doses do
tratamento com Penicilina relacionada à destruição do treponema. A conduta prevê a
administração de corticosteroides.
Conceito
Neurocisticercose é a infecção do sistema nervoso central provocada por
cisticercos, formas larvárias da Taenia solium.
Fisiopatologia
Em condições normais, o ciclo da doença compreende o homem como
hospedeiro definitivo da Taenia solium e os suínos como hospedeiros intermediários
infectados pela forma larvária da tênia. A ingesta pelo homem de carne suína com
cisticercos viáveis provoca a teníase.
A cisticercose humana ocorre quando, acidentalmente, o ser humano ingere ovos
da Taenia solium e ocupa a posição de hospedeiro intermediário da doença. Esses ovos
podem ser ingeridos através de água ou alimentos contaminados, em virtude de
condições precárias de higiene pessoal ou, eventualmente, devido a refluxo do conteúdo
intestinal para a cavidade gástrica em pacientes com teníase.
O adequado funcionamento da interface entre parasita e hospedeiro permite que
o cisticerco sobreviva no sistema nervoso central durante um período médio de quatro a
seis anos. O processo inflamatório característico da cisticercose tem início quando os
cisticercos começam a exibir sinais de perda de vitalidade e apresentam seus antígenos
de superfície já desprotegidos ao sistema imunológico do hospedeiro.
Quadro clínico
O quadro clínico pode ser influenciado pelo número de parasitas, pela sua
localização, pelo seu tipo e tamanho, pela sua viabilidade biológica e pelas
características da resposta inflamatória de cada paciente.
As formas clínicas incluem a forma hipertensiva, com hipertensão intracraniana,
geralmente sem sinais de localização, a forma epiléptica, com crises focais ou
generalizadas, uma associação das formas hipertensiva e epiléptica e as formas
psíquicas ou demenciais.
Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se no quadro clínico, nos dados de neuroimagem e nos
dados do exame do líquor.
A tomografia computadorizada permite a visualização dos parasitas sediados no
sistema nervoso central. As informações principais fornecidas são a presença de
dilatação do sistema ventricular, o número de parasitas, a localização em relação ao
sistema liquórico e o estágio de evolução biológica. Vesículas com imagem nítida e sem
realce após a injeção de contraste sugerem a presença de cisticercos íntegros. Sinais
radiológicos de processo inflamatório em volta do parasita, como realce periférico pelo
contraste e edema, sugerem fase de degeneração das vesículas. Presença de
calcificações indica apenas processo cicatricial, sem qualquer atividade da doença.
A reação inflamatória do hospedeiro em relação ao parasita transparece no líquor
desde que os cistos estejam localizados em posição favorável à sinalização imunológica.
As principais características são pleocitose, geralmente inferior a 50/mm3, predomínio
de linfomononucleares, presença de polimorfonucleares eosinófilos e presença de
anticorpos específicos. Outras características incluem presença de neutrófilos na fase de
degeneração dos cistos, aumento da atividade de adenosina-deaminase, aumento do teor
de gamaglobulinas, presença de bandas oligoclonais e síntese local de imunoglobulinas
Tratamento
Para o controle do processo inflamatório durante os surtos da doença são
utilizados corticosteroides e anti-histamínicos. O esquema terapêutico utilizado com
sucesso no HC-FMUSP prevê a administração, na fase aguda, de Dexametasona 0.1-
0.6mg/kg/dia para crianças ou 4-18mg/dia para adultos, com doses decrescentes durante
os primeiros dez a quinze dias, associada, desde o início, com Dexclorfeniramina
(Polaramine®) 6-10mg/dia fracionada em três a quatro tomadas, que deverá ser mantida
indefinidamente.
As drogas parasiticidas têm sua indicação formal em pacientes com cistos no
parênquima cerebral, desde que não haja sinais de degeneração biológica dos parasitas,
mas não são utilizadas no HC-FMUSP. A droga de escolha é o Albendazol na dose de
15-20mg/kg/dia durante oito dias, acompanhado ou não de corticosteroides, de acordo
com a indicação clínica.
Os pacientes que apresentam dilatação do sistema ventricular que não regride
após o uso de medicação anti-inflamatória devem ser submetidos à colocação de cateter
de derivação de trânsito do líquor. A retirada cirúrgica de cisticercos é procedimento
excepcional.
As convulsões deverão ser tratadas com anticonvulsivantes, como Fenitoína,
Fenobarbital, Carbamazepina, Oxcarbazepina, Valproato de Sódio, Topiramato e
Lamotrigina. Os níveis séricos devem ser mensurados e utilizados para adaptação das
dosagens das drogas. Em caso de epilepsia mesial temporal, amidaloipocampectomia
poderá ser feita.
A hidrocefalia não comunicante deverá ser tratada com derivação ventrículo-
peritoneal. Casos de hidrocefalia aguda serão submetidos à derivação externa
transitória. A hidrocefalia comunicante poderá ser tratada com punções liquórica
repetidas, derivação ventrículo-peritoneal, derivação lombo-peritoneal, terceiro
ventriculostomia ou drenagem do ventrículo para o seio venoso transverso.
Profilaxia
As indicações para profilaxia primária da toxoplasmose em pacientes com HIV
são a sorologia positiva para T. gondii e a contagem de CD4 menor que 100
células/mm3. Pode ser descontinuada quando o CD4 superar 200 células/mm3 durante
três meses. Preconiza-se Sulfametoxazol-Trimetoprim 400mg/180mg dois comprimidos
por dia.
A profilaxia secundária consiste no tratamento supressivo e pode ser suspensa se
a contagem de células CD4 superar 200/mm3 por seis meses e o paciente tiver sido
tratado por seis semanas com o esquema específico supressivo.
3. Criptococose
A maior parte dos casos é observada em pacientes com contagens de linfócitos
CD4 muito baixa, inferior a 200 células/mm3.
Nos pacientes portadores do vírus HIV com neurocriptococose predominam os
sinais de hipertensão intracraniana, com cefaleia de forte intensidade, náusea e vômitos,
geralmente de início insidioso. Febre, sinais de irritação meníngea, fotofobia,
convulsões e sinais focais são menos frequentes.
O controle da hipertensão intracraniana pode ser feito através de punções
lombares de repetição, associadas ou não ao emprego de Acetazolamida.
Estrongiloidíase disseminada
Forma aguda e grave de sepse que segue uso de corticoide em altas doses ou
outras imunodepressões em portador assintomático.
Quadro clínico caracterizado por púrpuras periumbilicais confluentes,
broncoespasmo, síndrome da angústia respiratória aguda, endocardite, rebaixamento do
nível de consciência, convulsões e coma.
O diagnóstico é difícil e depende de alta suspeição em função da elevada
mortalidade.
Preconiza-se profilaxia com Albendazol 400mg por via oral de 12/12 horas
durante três a sete dias ou Ivermectina 200mcg/kg/dose com duas doses administradas
em dois dias consecutivos ou com duas semanas de intervalo antes de iniciar o uso de
corticoide em altas doses.
O tratamento ótimo é desconhecido, geralmente sendo necessário prolongar ou
repetir a terapia com Ivermectina, podendo-se prescrever a droga durante cinco a sete
dias ou associá-la ao Albendazol até que ocorra resposta clínica. A duração do
tratamento deve ser guiada pela resposta clínica, com regime diário mantido até
resolução dos sintomas e negativação dos exames de fezes por pelo menos duas
semanas. Uso de Ivermectina por via subcutânea, retal ou intravenosa consiste em
alternativa.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – Barueri, SP:
Manole, 2009.
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
A Neurologia que Todo Médico Deve Saber, 2ª edição. Ricardo Nitrini & Luiz Alberto Bacheschi. Editora Atheneu, 2003.
Epidemiologia
Ainda que a doença possa ter início em qualquer idade, ela acomete
principalmente mulheres entre vinte e quarenta anos e homens entre quarenta e sessenta
anos. As mulheres são mais frequentemente acometidas e a incidência aumenta com a
idade. Há alta incidência de outras doenças imunológicas associadas, como lúpus
eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, doença de Graves e tireoidite, bem como de
história familiar de doenças autoimunes.
Fisiopatologia
A patogênese da miastenia gravis envolve ataque imunológico mediado por
anticorpos contra o receptor nicotínico de acetilcolina pós-sináptico na junção
neuromuscular. Esses anticorpos induzem disfunção da membrana pós-sináptica na
placa motora mediada pelo complexo de ataque da membrana C5-C9, com redução
numérica e funcional dos receptores nicotínicos de acetilcolina pós-sinápticos.
Em cerca de 10-20% dos pacientes não são encontrados anticorpos contra o
receptor nicotínico de acetilcolina pós-sináptico no soro. Em parte desses casos, o
anticorpo é dirigido a uma proteína intrínseca da membrana da placa terminal, que é
uma tirosina-cinase músculo-específica (anti-MuSK). Muito provavelmente, outros
anticorpos e fatores plasmáticos estão envolvidos na miastenia gravis soronegativa.
Em contraste ao anticorpo contra o receptor nicotínico de acetilcolina pós-
sináptico, no qual ocorre ligação predominantemente com IgG1 e IgG3, com
consequente fixação de complemento, o subtipo de anticorpos direcionados à tirosina-
cinase músculo-específica é do tipo IgG4, que não ativa complemento.
As anormalidades imunológicas envolvem disfunção do timo. A maioria dos
pacientes com miastenia gravis soropositiva tem anormalidades tímicas, como
hiperplasia tímica e timoma. O timo é um órgão ligado ontogeneticamente às células T,
tendo um papel importante nos mecanismos de tolerância de antígenos próprios, que
provavelmente estão desregulados nos pacientes miastênicos.
Fatores genéticos também estão envolvidos na patogênese da miastenia gravis.
Quadro clínico
A característica cardinal da miastenia gravis é a fraqueza flutuante associada a
fadiga da musculatura esquelética.
Clinicamente, alterações da junção neuromuscular com frequência cursam com
fraqueza muscular bulbar e proximal dos membros, além de ptose palpebral,
oftalmoparesia e diplopia. A maioria dos pacientes apresenta flutuação dos sintomas,
tipicamente oligossintomáticos ou assintomáticos ao acordar e com piora durante o
transcorrer do dia, principalmente nas fases iniciais da doença. Com a evolução, muitos
pacientes deixam de apresentar períodos assintomáticos, porém persistem com flutuação
dos sintomas durante o dia.
Diagnóstico
A confirmação do diagnóstico pode ser feita por meio de testes à beira-do-leito,
estudo eletrofisiológico e exames laboratoriais.
Testes à beira-do-leito
O teste do gelo consiste na aplicação de um bloco de gelo na pálpebra acometida
por um período de dois minutos, observando-se, em seguida, melhora da ptose por um
período de quinze minutos. Apresenta sensibilidade de 89% e especificidade de 100%,
sendo indicado particularmente se o teste do Edrofônio for contraindicado ou não
estiver disponível. Vantagens incluem baixo custo, simplicidade e fácil aplicação.
Desvantagens incluem não avaliar a fraqueza extraocular.
A observação clínica da resposta à administração de inibidores da colinesterase
muscular, como Edrofônio, Neostigmina e Piridostigmina, com melhora da força, serve
de base para inúmeros testes diagnósticos. O Cloreto de Edrofônio (Tensilon®) tem
rápido início de ação, em trinta segundos, e curta duração do efeito, cinco a dez
minutos, o que o torna um agente ideal para a realização de teste à beira-do-leito. O
teste consiste em administrar 2mg por via intravenosa e, na ausência de efeitos
adversos, complementar a dose com 6-8mg por via intravenosa após trinta segundos. O
paciente deve ser observado quanto à melhora na força de um músculo extraocular.
Estudo eletrofisiológico
A eletroneuromiografia é utilizada em pacientes com suspeita de desordem da
junção neuromuscular para confirmar um defeito na transmissão neuromuscular e
excluir outras doenças da unidade motora que podem contribuir para o quadro clínico.
Dois testes eletrofisiológicos utilizados com esse propósito são o estudo da estimulação
elétrica repetitiva e a eletromiografia de fibra única. Estudo eletrofisiológico com
estimulação repetitiva a 2Hz pode revelar o padrão clássico de decremento superior a
10% a partir do quinto estímulo nos casos de miastenia gravis, síndrome miastênica de
Eaton Lambert, botulismo e alguns casos de síndromes miastênicas congênitas. A
eletroneuromiografia de fibra única apresenta sensibilidade de 87-91% e especificidade
de 96% para o diagnóstico de miastenia gravis. Confusão diagnóstica pode ocorrer com
esclerose lateral amiotrófica e blefaroespasmo, que podem ser distinguidos da miastenia
gravis por história e exame clínico.
Testes laboratoriais
O teste imunológico utilizado é a determinação de anticorpos contra o receptor
nicotínico de acetilcolina no soro, que ocorre em cerca de 80% dos pacientes
miastênicos, com sensibilidade de 50-75% na miastenia gravis puramente ocular e de
70-95% na miastenia gravis generalizada. Trata-se de teste de execução complexa e alto
custo. Em geral, a identificação do anticorpo não modifica a evolução do caso ou a
conduta terapêutica. Os títulos séricos não predizem a gravidade da doença. Embora
dados quanto à especificidade sejam escassos e a ocorrência de falsos-positivos seja
rara, o anticorpo contra receptor nicotínico da acetilcolina pode ocasionalmente ser
encontrado em hepatite autoimune, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide em
uso de D-Penicilamina, polineuropatias inflamatórias, esclerose lateral amiotrófica,
timoma e parentes de pacientes com miastenia gravis.
Anticorpos contra o receptor da tirosina-cinase músculo-específica (anti-MuSK)
foram relatados em cerca de 15% dos pacientes com anticorpos contra o receptor
nicotínico de acetilcolina (anti-AChR), ocorrendo apenas na miastenia gravis
generalizada. Os pacientes com anticorpos anti-MuSK podem ter apresentações atípicas
caracterizadas por paresia facial, bulbar e de musculatura cervical, com relativa
preservação da musculatura ocular.
Os anticorpos contra músculo estriado e anti-titina em geral revelam a existência
de miastenia gravis associada a timoma, mesmo que não haja evidências em exames de
imagem. O anticorpo anti-rianodina em geral ocorre em idosos com miastenia gravis. O
anticorpo anti-rapsina também tem sido identificado.
Exames radiológicos
Feito o diagnóstico de miastenia gravis, o estudo com imagem de tomografia
computadorizada do mediastino poderá revelar timo normal, hiperplasia do timo, timo
atrófico ou tumores benignos ou malignos do timo. A imagem por ressonância nuclear
magnética também poderá ser realizada com o mesmo objetivo.
Tratamento
O objetivo maior da terapêutica é induzir e manter a remissão clínica.
A terapia sintomática objetiva a melhora da condução na junção neuromuscular
pelo uso de anticolinesterásicos. Esses agentes inibem a hidrólise da acetilcolina,
aumentando, assim, o tempo de exposição dos receptores nicotínicos. Se o tempo de
exposição for excessivo, ocorrerá uma despolarização mantida, com bloqueio
colinérgico da junção neuromuscular. A medicação de escolha é o Brometo de
Piridostigmina (Mestinon®), apresentado na forma de comprimidos de 60mg, com dose
de meio a um comprimido três a cinco vezes ao dia. Deve-se iniciar com doses baixas,
em geral de 30mg três vezes ao dia, com administração antes das principais refeições e
aumento a cada 72 horas, com dose média de 240mg/dia. O Hidrocloridrato de
Ambenonio (Mytelase®), apresentado na forma de comprimidos de 10mg, que não está
disponível no comércio, pode ser iniciado com doses baixas, em geral de 5mg, também
de 8/8 a 6/6 horas, com aumento gradual. Efeitos adversos incluem os muscarínicos,
como diarreia, cólica intestinal, sialorreia e bradicardia, e os nicotínicos, como
fasciculações, que requerem redução imediata da dose ou suspensão da medicação.
Também são relatados dor precordial, infarto do miocárdio, espasmo esofageano e
cãibras. Os efeitos adversos podem ser controlados com Loperamida 2mg/dia.
O tratamento de base etiopatogênica visa a redução do fenômeno imunológico
Crise miastênica
Um dos primeiros sinais de alarme em pacientes com miastenia é o aumento da
frequência da tosse, particularmente após salivação, o que significa disfunção da
musculatura bulbar. Disfagia e habilidade para proteger as vias aéreas podem ser
avaliadas à beira-do-leito solicitando ao paciente que degluta 3mL de água. Tosse após
deglutição indica aspiração secundária à fraqueza da musculatura bulbar e, nesse caso, a
alimentação oral deve ser suspensa, devendo ser oferecida apenas por sonda
nasoenteral. Um exame cuidadoso com o objetivo de identificar os primeiros sinais de
dificuldade respiratória é importante. Taquipneia e taquicardia são sinais de
comprometimento respiratório incipiente. Muitos pacientes apresentam um padrão de
fala em estacato, necessitando fazer uma pausa entre as palavras. Fraqueza progressiva
do trapézio e dos músculos do pescoço usualmente corre em paralelo com a
deterioração da função diafragmática. Por fim, o uso da musculatura respiratória
acessória intercostal e abdominal sugere fraqueza diafragmática. Avaliação da reserva
Diagnósticos diferenciais
Botulismo
O botulismo é causado por uma toxina produzida por Clostridium botulinum,
organismo anaeróbio Gram-positivo encontrado comumente em terra e produtos
agrícolas. O C. botulinum é engolido, germina e se propaga no trato gastrointestinal,
produzindo toxina in vivo. O consumo de mel e xarope de milho foi associado ao
botulismo infantil, mas na maior parte dos casos a fonte de infecção não é evidente.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – Barueri, SP:
Manole, 2009.
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
Mononeuropatia
O termo mononeuropatia indica lesão focal de um único nervo periférico. As
causas mais frequentes são trauma e compressão focal.
A mononeuropatia mais comum é a síndrome do túnel do carpo, causada pela
compressão do nervo mediano. A neuropatia do nervo ulnar, relacionada a sua
compressão no cotovelo, é a segunda causa mais comum de mononeuropatia. As
mononeuropatias focais também podem estar associadas a agentes etiológicos tóxicos e
metabólicos.
A eletroneuromiografia é indispensável para o diagnóstico, assim como para
localizar o sítio da lesão e determinar o grau de comprometimento. Pode evidenciar
quadro de mononeuropatia múltipla não diagnosticada clinicamente.
Mononeuropatia múltipla
A mononeuropatia múltipla está relacionada ao envolvimento de múltiplos
nervos periféricos com diferentes intensidades. Em alguns casos, pode progredir de
forma somatória, com evolução para déficit simétrico e confluente, que pode mimetizar
polineuropatia simétrica distal. As principais causas são vasculites, diabetes mellitus,
sarcoidose, crioglobulinemia, hanseníase, doença de Lyme, neuropatia hereditária com
suscetibilidade a pressão, infecção pelo HIV, invasão neoplásica de nervos ou raízes,
granulomatose linfomatoide, neuropatia multifocal com bloqueio de condução e
neurofibromatose.
Vasculites
As vasculites geralmente são sistêmicas e associadas a poliarterite nodosa,
síndrome de Churg-Strauss, granulomatose de Wegener ou doenças do tecido
conjuntivo, como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico e síndrome de
Sjögren, mas podem ser restritas ao sistema nervoso periférico.
A neuropatia ocorre por envolvimento de vasos nutrientes do nervo por processo
inflamatório. A vasculite tende a ser focal, assimétrica e com desenvolvimento de
mononeuropatia múltipla. Na evolução, com o comprometimento progressivo, há uma
confluência dos nervos envolvidos. Também podem ocorrer polineuropatia periférica e
mononeuropatia isolada. Com frequência, as manifestações sensitivas predominam e
Diabetes mellitus
As neuropatias focais e multifocais podem ocorrer no diabetes mellitus, embora
sejam mais raras.
Neuropatias de nervos cranianos em geral ocorrem em pacientes idosos, sendo a
alteração mais frequente a lesão isolada do terceiro nervo. O sexto nervo é afetado
menos comumente e o quarto nervo raramente é envolvido sozinho. Em geral, o início é
abrupto e pode ser indolor ou associado com cefaleia. A inervação pupilar com
frequência não é afetada na paralisia do terceiro nervo. A recuperação é a regra.
Excetuando a inervação da musculatura ocular extrínseca, o sétimo nervo é o mais
acometido.
Os nervos periféricos podem ser afetados de forma isolada ou associadamente.
Os mais comumente afetados são ulnar, mediano, radial, femoral, cutâneo lateral da
coxa e fibular. Em geral, o início é abrupto, com dor. A lesão normalmente situa-se no
mesmo local das paralisias por compressão. Também são descritos casos com dor no
tronco devido a radiculopatia.
A neuropatia motora proximal ou amiotrofia diabética cursa com dor e fraqueza
na extremidade proximal do membro inferior, acometendo os músculos iliopsoas,
quadríceps femoral e adutor da coxa, com preservação dos extensores da coxa e flexores
da perna. As manifestações podem ocorrer de um lado, regredir e aparecer do outro
lado. A lesão geralmente é microvasculite do plexo lombossacral ou das raízes nervosas.
Hanseníase
A hanseníase é uma doença infecciosa primária do sistema nervoso periférico
causada pelo Mycobacterium leprae. A lesão inicial é pápula ou mácula, geralmente
hipopigmentada, com diminuição da sensibilidade, decorrente de invasão dos nervos
cutâneos pelo bacilo.
A manifestação clínica é determinada pela resposta imunológica do hospedeiro.
A forma tuberculoide causa uma resposta celular, com formação de granuloma e lesão
do tecido. A forma lepromatosa causa uma resposta imunológica mínima, com
proliferação e disseminação do agente.
O sintoma principal é a perda sensitiva, principalmente à dor e à temperatura,
acometendo nervos cutâneos e mistos em partes do corpo com temperatura
relativamente baixa. A perda sensitiva é acompanhada de perda da função motora
devido à invasão de nervos próximos da pele, sendo o nervo ulnar o mais acometido.
O diagnóstico é feito pela biópsia de pele ou nervo.
O tratamento é feito com sulfonas, sendo a Dapsona a mais utilizada. Nas formas
reacionais tipos I e II, os corticosteroides são empregados no tratamento da neurite.
Doença de Lyme
A doença de Lyme é causada pela Borrelia burgdorferi, transmitida por um
Polineuropatias
Na maioria das polineuropatia ocorre alteração da função dos nervos periféricos
de modo simétrico, distal e bilateral. Em caso de envolvimento de raízes espinais ou
raízes e troncos dos nervos periféricos, podem ser usados os termos polirradiculopatia
ou polirradiculoneuropatia, respectivamente.
A fraqueza muscular pode ser decorrente de desmielinização segmentar,
interrupção axonal ou destruição do neurônio motor, sendo o grau de fraqueza
proporcional ao número de neurônios motores alfa afetados.
A maioria das polineuropatias tem distribuição característica, com acometimento
inicial e mais grave dos músculos dos pés e das pernas e mais tardio e menos intenso
dos músculos das mãos e dos antebraços, como nas neuropatias nutricionais,
metabólicas e tóxicas. Esse comportamento justifica-se por lesão primária do corpo
celular do neurônio, com diminuição da síntese proteica e consequente falência de
suprimento para as partes mais distais dos axônios. Decorre desse mecanismo a atrofia
muscular, que também é intensa quando há lesão axonal. Nas neuropatias
desmielinizantes, a atrofia é mais discreta, sendo consequente ao desuso dos músculos.
A hipotonia muscular geralmente acompanha os quadros em que o comprometimento
periférico é importante e deve-se à interrupção do arco reflexo espinal.
A perda dos reflexos profundos na neuropatia periférica é comum. A presença de
fasciculações e cãibras não é um achado importante na maioria das polineuropatias.
Fasciculações podem ocorrer em algumas neuropatias crônicas e ocasionalmente em
radiculopatias crônicas.
A sensibilidade está mais comprometida nos segmentos distais dos membros,
frequentemente assumindo a forma de “bota” e “luva” e acometendo mais os membros
inferiores que os superiores. Na maioria das polineuropatia, todas as modalidades
sensitivas estão comprometidas e, à medida que a doença progride, há hipoestesia ou
anestesia nas partes proximais dos membros e do tronco. Outro padrão de perda
sensitiva, frequente nas neuropatias com comprometimento de axônios mielínicos finos
e amielínicos, é hipoestesia térmica e dolorosa com preservação da sensibilidade tátil
vibratória e cineticopostural. Nas neuropatias em que o maior comprometimento é das
grandes fibras mielínicas, há perda da sensibilidade tátil, enquanto que as sensibilidades
térmica e dolorosa estão preservadas.
Parestesias são frequentemente referidas como queimação ou formigamento,
podendo ocorrer no território de um nervo periférico ou, na polineuropatia simétrica,
com padrão de “bota” e “luva”. Hiperestesia é sensibilidade aumentada a um estímulo.
Hiperpatia é uma resposta dolorosa, desagradável, a um estímulo nocivo,
principalmente se repetido. Esses fenômenos ocorrem em lesão parcial do nervo
periférico ou durante recuperação da injúria nervosa.
Ataxia sensitiva pode resultar de deaferentação proprioceptiva, ocorrendo em
Exames complementares
Testes básicos incluem hemograma, velocidade de hemossedimentação, proteína
C reativa, ácido fólico, vitamina B12, glicose, hemoglobina glicosilada, função renal,
função hepática, função tireoidiana, eletroforese de proteínas no sangue, urina 1,
eletroforese de proteínas na urina e radiografia ou tomografia computadorizada de tórax.
Testes específicos:
- Para doenças do tecido conjuntivo e vasculites, fator anti-núcleo, fator
reumatoide, anti-Ro, anti-La, ANCA e crioglobulinas;
- Para agentes infecciosos, sorologias para Campylobacter jejuni,
citomegalovírus, hepatites B e C, HIV, doença de Lyme e herpes-vírus;
- Para doenças do trato gastrointestinal, endoscopia e biópsia;
- Para metais pesados, testes em sangue, urina, cabelo e unha;
- Para afecções imunológicas, anticorpos anti-gangliosídeos e anticorpos
paraneoplásicos;
- Para doenças genéticas, testes genéticos moleculares;
- Líquido cefalorraquidiano;
- Biópsia de nervo;
- Biópsia de pele;
- Investigação de doenças malignas;
- Investigação de porfiria;
- Investigação de sarcoidose;
Bibliografia
Clínica Médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – Barueri, SP:
Manole, 2009.
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
N Engl J Med 2012;366:2294-304. Nobuhiro Yuki and Hans-Peter Hartung.
Avaliação clínica
Vários achados da história e do exame físico podem sugerir uma causa não-
neurológica e não-vestibular para os sintomas do paciente.
O nistagmo espontâneo é a manifestação clínica da assimetria de tônus neural
dos núcleos vestibulares. Quando tem origem periférica, é inibido pela fixação visual. O
nistagmo periférico é comumente unidirecional, horizontal ou rotatório, com uma fase
lenta vestibular e outra rápida por correção central, velocidade constante e aumento da
frequência com o deslocamento do olho no sentido da fase rápida, que em geral tem
direção contrária ao labirinto menos funcionante. O nistagmo espontâneo vertical não
pode ser explicado pelo envolvimento de um único labirinto e, portanto, sua presença
sugere etiologia central.
O Head Impulse Test é um teste útil para a observação da assimetria de
informação entre os dois labirintos. Quando há comprometimento de um dos labirintos,
há dificuldade em manter a fixação do olhar à rotação da cabeça para o lado
comprometido, pois a correção do globo ocular depende de sua informação. Assim, o
teste consiste em ficar de frente para o paciente, segurando sua cabeça entre as mãos e
solicitando que fixe um ponto entre os olhos do examinador. Então, a cabeça é girada
bruscamente para um dos lados e, quando o giro é efetuado para o lado comprometido,
há um atraso do ajuste vestibular na correção do olhar, que manifesta-se como desvio do
olhar e sacada corretiva para manter a fixação da imagem. A positividade do teste
sugere comprometimento vestibular e o seu resultado negativo confirma lesão do
sistema nervoso central.
O teste de Romberg consiste em pedir ao paciente que fique em pé, com os pés
juntos e os olhos fechados. O teste é positivo quando a estabilidade corporal pode ser
Diagnóstico diferencial
Um passo extremamente importante no pronto-socorro é diferenciar se a
vertigem tem causa central ou periférica.
Característica Lesão periférica Lesão central
Intensidade da Muito intensa Pouco intensa
vertigem
Duração dos Finita e recorrente, com Pode ser crônica
sintomas minutos, dias ou semanas
Hipoacusia e/ou Comum Raro
zumbido
Alterações Sinais exclusivos de Sinais de comprometimento de outros nervos
neurológicas comprometimento vestíbulo- cranianos, cerebelo e vias motoras ou sensitivas
coclear
Equilíbrio estático Alteração moderada, com Alteração importante e, nas lesões cerebelares,
e dinâmico desvio para o lado da lesão desvio para o lado lesado ou ausência de sentido
preferencial
Coordenação Normal Comprometida nas lesões cerebelares
apendicular
Motricidade ocular Normal Diplopia por lesão de nervos cranianos ou lesões
extrínseca internucleares e desalinhamento ocular
Reflexo vestíbulo- Patológico para o lado lesado Normal
ocular
Nistagmo Inibido pela fixação visual Fixação visual não inibe e pode aumentar o
espontâneo nistagmo
Direção do Horizonto-rotatório Vertical ou rotatório puro, raramente horizontal,
nistagmo podendo mudar de direção
Nistagmo evocado Na mesma direção do nistagmo Pode ser em qualquer direção e pode ocorrer em
pelo olhar espontâneo mais de uma direção
Nos casos em que o paciente apresenta sinais e sintomas de comprometimento
central, os diagnósticos diferenciais são acidente vascular cerebral isquêmico ou
hemorrágico de tronco encefálico ou cerebelo, ataques isquêmicos transitórios, lesões
com efeito de massa e infartos da região ponto-mesencefálica e da região caudal do
bulbo.
Exames complementares
Em geral, exames complementares não são necessários em todos os pacientes e
deverão ser guiados pelos achados de história, exame físico e exame neurológico.
O exame otoneurológico, com avaliação funcional do labirinto, é composto por
audiometria, impedanciometria e eletronistagmografia. Não há indicação de exames
vestibulares específicos durante uma crise labiríntica.
A solicitação de um exame de imagem com urgência, preferencialmente a
Neurite vestibular
Uma das principais causas de vertigem é a neurite vestibular, por vezes
denominada neuronite vestibular. Muitos pacientes utilizam o termo labirintite, que,
embora possa estar presente, é de ocorrência mais rara e se caracteriza por infecção viral
ou bacteriana das porções vestibular e coclear do labirinto, com a presença de sintomas
auditivos.
Acomete igualmente homens e mulheres e pode se manifestar em qualquer
idade, sendo mais frequente dos trinta aos sessenta anos e rara em crianças. A etiologia
mais aceita atualmente é uma infecção da divisão superior do nervo vestibular pelo
herpes simples tipo 1, sem comprometimento coclear.
O paciente com lesão vestibular periférica relata um quadro agudo de vertigem
rotatória, desequilíbrio, tendência de queda preferencialmente para um dos lados,
náusea e vômitos. O quadro quase sempre é harmônico, com todos os sintomas
presentes na mesma intensidade. Não há alterações auditivas. Embora possa haver
pequena flutuação dos sintomas, que costumam piorar com qualquer tipo de
movimento, a queixa é constante durante alguns dias, havendo melhora lentamente
progressiva em uma a duas semanas. Com frequência, há história de infecção de vias
aéreas alguns dias antes do episódio, que geralmente é único.
Ao exame neurológico, observa-se na pesquisa do equilíbrio estático o sinal de
Romberg vestibular, ou seja, tendência de queda para o lado lesado com um curto
período de latência após o paciente fechar os olhos. Naqueles pacientes que conseguem
realizar o teste de equilíbrio dinâmico há um desvio da marcha com olhos fechados
também para o lado lesado. Ao se solicitar ao paciente que ande para frente e para trás
nota-se a marcha em estrela. Há nistagmo espontâneo horizonto-rotatório para o lado
sadio, sempre no mesmo sentido, independentemente da direção do olhar.
O principal diagnóstico diferencial é o infarto cerebelar, que pode se manifestar
exclusivamente por vertigem. A falta de inibição do nistagmo pela fixação ocular e a
integridade do reflexo vestíbulo-ocular durante o Head Impulse Test fecham o
Síndrome de Ramsay-Hunt
Denota reativação do vírus Varicela-Zoster, que se manifesta como uma dor no
ouvido e na região da mastoide seguida por erupção de vesículas no conduto auditivo
externo. Nessa síndrome há uma perda combinada da função vestibular e auditiva
associada a paralisia facial periférica.
Doença de Ménière
Caracterizada pela tríade típica de ataques recorrentes de vertigem de início
súbito e duração de até duas horas, déficit auditivo neurossensorial flutuante, que
eventualmente pode persistir como sequela, e zumbido. Podem ocorrer também
sintomas como sensação de pressão no ouvido, desequilíbrio, náusea e vômitos. Os
ataques geralmente têm duração de horas, mas um certo grau de tontura e desequilíbrio
pode persistir por dias.
A patogênese reside no aumento da pressão da endolinfa nos canais
semicirculares. Etiologias relacionadas à síndrome incluem infecções da orelha média,
distúrbios metabólicos, traumatismos, migrânea e otosclerose. Quando não é
identificado um possível fator causal, a síndrome de Ménière é denominada de doença
de Ménière.
Nas fases iniciais da doença, os ataques podem ser monossintomáticos, com
predomínio dos sintomas auditivos ou vestibulares. Nos períodos intercrise pode haver
ausência de sintomas, persistência das queixas auditivas ou ainda desequilíbrio ao
movimento. A evolução costuma ser lenta e benigna, mas alguns casos podem evoluir
rapidamente, levando à surdez. Com o passar do tempo, não mais ocorre a flutuação dos
sintomas e a lesão labiríntica é instalada.
O diagnóstico é clínico. Exames complementares incluem audiometria,
eletronistagmografia, eletrococleografia e teste do glicerol.
O tratamento prevê dieta hipossódica, com 2-3g de sódio por dia, redução da
ingesta de álcool e cafeína, cessação do tabagismo, Hidroclorotiazida, apresentada na
forma de comprimidos de 25mg, com dose recomendada de 25-50mg/dia por via oral,
Betaistina, apresentada na forma de comprimidos de 8mg e 16mg, com dose
recomendada de 8-16mg de 8/8 horas por via oral, e tratamento sintomático em crises
agudas com sedativos labirínticos. Recentemente, surgiu uma nova proposta de
tratamento clínico baseada na teoria da concentração plasmática da vasopressina e seu
efeito sobre as aquaporinas, com orientação para que o paciente ingira quantidade
elevada de água. A abordagem cirúrgica é reservada a pacientes com vertigem
incapacitante com falha do tratamento clínico. Dentre os procedimentos propostos, estão
a descompressão do saco endolinfático, de menor risco e com preservação da função
labiríntica, a labirintectomia química e a neurectomia do nervo vestibular.
Fístula perilinfática
Define-se fístula labiríntica como uma comunicação anormal entre a orelha
interna e a orelha média. Apresenta-se clinicamente como um surto agudo de vertigem
acompanhada de perda auditiva, geralmente precedida por esforço físico ou trauma,
Tratamento
Anti-histamínicos e benzodiazepínicos aliviam os sintomas por uma diminuição
da excitabilidade vestibular, embora possam retardar a compensação. Antieméticos são
importantes no controle de náusea e vômitos. É importante lembrar que essas
medicações devem ser utilizadas apenas na fase aguda.
Opções de anti-histamínicos incluem Dimenidrato (Dramin®), apresentado na
forma de comprimidos de 100mg e solução oral com 12.5mg/5mL, Dimenidrato com
Pirodoxina (Dramin B6®), apresentado na forma de comprimidos de 50mg de
Dimenidrato com 10mg de Piridoxina, solução oral com 25mg de Dimenidrato e 5mg
de Piridoxina por mL (20 gotas) e solução injetável intramuscular com 50mg de
Dimenidrato e 50mg de Piridoxina por mL, e Dimenidrato com Piridoxina, Glicose e
Frutose (Dramin B6 DL®), apresentado na forma de solução injetável intravenosa com
30mg de Dimenidrato, 50mg de Piridoxina, 1000mg de Glicose e 1000mg de Frutose
em 10mL, com dose recomendada de Dimenidrato de 25-50mg de 6/6 a 4/4 horas por
via oral ou 50mg de 8/8 a 6/6 horas por via intravenosa ou intramuscular, Meclizina,
apresentada na forma de comprimidos de 12.5mg, 25mg e 50mg, com dose
recomendada de 25-50mg de 8/8 horas por via oral, Prometazina, apresentada na forma
de comprimidos de 25mg e solução injetável intramuscular com 50mg/2mL, com dose
recomendada de 50mg por via oral de 8/8 horas ou 25-50mg por via intramuscular de
8/8 horas, e Cinarizina, apresentada na forma de comprimidos de 25mg e 75mg, com
dose recomendada de 25mg de 8/8 horas ou 75mg uma vez ao dia por via oral. Opções
de benzodiazepínicos incluem Diazepam, apresentado na forma de comprimidos de 5mg
e 10mg e de solução injetável intravenosa com 5mg/mL, com dose recomendada de 2.5-
5.0mg de 24/24 a 12/12 horas por via oral, Lorazepam, apresentado na forma de
comprimidos de 1mg e 2mg, com dose recomendada de 1-2mg de 24/24 a 12/12 horas
por via oral, e Clonazepam, apresentado na forma de solução oral com 2.5mg por mL
(25 gotas) e de comprimidos de 0.5mg e 2mg, com dose recomendada de 0.25mg de
12/12 a 8/8 horas por via oral. Opções de antieméticos incluem Metoclopramida 5-
10mg de 8/8 a 6/6 horas por via oral e 10mg de 8/8 a 6/6 horas por via intravenosa.
Todo e qualquer medicamento de uso na fase aguda deve ser utilizado durante o menor
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da
mulher, envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Clínica Médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – Barueri, SP:
Manole, 2009.
Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Herlon Saraiva
Martins, Maria Cecilia de Toledo Damasceno, Soraia Barakat Awada. 2ª edição revisada e ampliada. Barueri, São Paulo. Manole,
2008.
Emergências clínicas : abordagem prática. Herlon Saraiva Martins... [et al.]. 5. ed. ampl. e ver. Barueri, SP. Manole, 2010.
Formulações
Rotação de opioides
Rotação de opioides consiste na substituição de um opioide forte por outro
quando um balanço satisfatório entre alívio da dor e efeitos adversos não é atingido. É
recomendada em caso de analgesia insatisfatória e efeitos adversos severos não-
controláveis. Outras indicações incluem benefício esperado com a mudança da via de
administração, necessidade de substituir medicação atual por outra com propriedades
farmacocinéticas diferentes, como em caso de disfunção renal, e considerações
relacionadas ao custo do tratamento. A taxa de sucesso aparente é de 40-80%, sendo
comum substituir Morfina, Hidromorfona e Fentanil por Metadona.
A prática de substituir um analgésico opioide por outro requer que a droga nova
seja prescrita com dose inicial segura e eficaz, de modo a evitar tanto toxicidade como
Medicação de resgate
Exacerbações da dor oncológica secundárias a controle insatisfatório basal
devem ser tratadas com doses adicionais de formulação oral de liberação imediata
seguidas de titulação da dose de uso regular. A titulação da dose de uso regular pode ser
feita com aumento de 30-100% da dose diária total em relação ao último período de 24
horas ou, alternativamente, aumento da quantidade média diária de medicação de
resgate utilizada nos últimos dias, com ajuste pela equivalência de potência analgésica.
Bibliografia
Use of opioid analgesics in the treatment of cancer pain: evidence-based recommendations from the EAPC. Caraceni et al. Lancet
Oncol 2012; 13: e58–68.
Opioid Rotation: The Science and the Limitations of the Equianalgesic Dose Table. Knotkova et al. J Pain Symptom Manage
2009;38:426e439.
Cancer pain management with opioids: Optimizing analgesia. Russel K Portenoy, Zankhana Mehta and Ebtesam Ahmed.
UpToDate, 2012.
Management of Opioid Analgesic Overdose. Edward W Boyer. N Engl J Med 2012;367:146-55.
Fisiopatologia
O desenvolvimento e a expressão da asma são influenciados por fatores
individuais, como predisposição genética para atopia, predisposição genética para hiper-
responsividade brônquica, obesidade, sexo masculino na infância e sexo feminino na
idade adulta, e fatores ambientais, como alérgenos, infecções, sensibilizadores
ocupacionais, fumaça de cigarro, poluição e alimentação, em que aleitamento materno
exclusivo durante os primeiros meses traz proteção. Os principais alérgenos incluem
ácaros, pelo de animais, baratas, fungos e pólen. Outros fatores incluem a maturação do
sistema imunológico e a exposição a agentes infecciosos durante os primeiros anos de
vida.
Atopia é um importante fator predisponente identificável para o
desenvolvimento de asma alérgica. Pode-se definir atopia como uma característica
herdada de um indivíduo relacionada à síntese de imunoglobulina do isotipo E (IgE)
diante de alérgenos do meio ambiente.
Quadro clínico
O diagnóstico de asma é suspeitado em caso de episódios recorrentes de
sibilância, dispneia, sensação de sufocamento e tosse, particularmente durante a noite ou
o início da manhã. Também pode haver exposição incidental a alérgenos precedendo os
sintomas, variabilidade sazonal dos sintomas e história familiar positiva para asma e
atopia.
Quando a asma é alérgica, o paciente costuma queixar-se de sintomas de
rinoconjuntivite alérgica e dermatite atópica, com coriza, salva de espirros, prurido
nasal, congestão nasal, lacrimejamento, prurido ocular, hiperemia ocular, eczema e
prurido cutâneo. A doença alérgica tende a começar em idades mais precoces, ter
evolução mais benigna, estar associada a exposição aos alérgenos e ser acompanhada de
antecedentes pessoais e familiares de doenças atópicas. A asma não-alérgica está
associada a quadros de rinite não-alérgica.
Existem pacientes com variante da doença em que predomina a tosse, sendo
importante documentar variabilidade da função pulmonar ou hiper-responsividade das
vias aéreas e pesquisar eosinófilos na expectoração. Um diagnóstico diferencial
importante é a bronquite eosinofílica, caracterizada por tosse e eosinófilos na
expectoração, mas com índices de função pulmonar normais. Outros diagnósticos
diferenciais são tosse induzida por inibidores da enzima de conversão da angiotensina,
refluxo gastro-esofágico, sinusite crônica, disfunção de corda vocal e gotejamento pós-
nasal.
Atividade física é uma importante causa de sintomas de asma na maior parte dos
pacientes e para alguns é a única causa. Broncoespasmo induzido por exercício
tipicamente ocorre cinco a dez minutos após o término do exercício, com manifestações
Avaliação complementar
Medidas de função pulmonar permitem avaliar a gravidade, a variabilidade e a
reversibilidade da limitação ao fluxo aéreo, além de confirmar o diagnóstico.
A espirometria é o método recomendado, com aferição do volume expiratório
forçado no primeiro segundo (VEF1) e da capacidade vital forçada (CVF) durante
manobra de expiração forçada. O grau de reversibilidade no VEF1 que indica asma é
geralmente aceito como 12% e 200mL em relação ao valor prévio ao uso de
broncodilatador. No entanto, a maior parte dos pacientes com asma não apresentará
reversibilidade em todas as avaliações, particularmente após o início do tratamento, de
modo que o teste possui baixa sensibilidade. O exame é reprodutível, mas dependente
de esforço, de modo que instruções apropriadas sobre como realizar a manobra
expiratória forçada devem ser oferecidas e o maior valor dentre três registros deve ser
considerado. Os valores preditos são baseados em idade, sexo, altura e etnia. Como
muitas doenças pulmonares podem causar redução do VEF1, é útil o cálculo da relação
VEF1/CVF.
O pico de fluxo expiratório (PFE) é aferido usando equipamento apropriado e
pode ser útil tanto para o diagnóstico como para a monitorização da asma. Como os
valores obtidos com diferentes equipamentos variam e o espectro de valores preditos é
amplo, as medidas devem ser preferencialmente comparadas ao maior valor prévio do
próprio paciente. Instrução cuidadosa é necessária, já que o exame é dependente de
esforço. O PFE comumente é aferido logo no início da manhã, antes do uso dos
medicamentos, quando os valores estão próximos ao seu nível inferior, e no final da
noite, quando os valores estão próximos ao seu nível superior. Uma forma de descrever
a variabilidade diurna do PFE é a sua amplitude, ou seja, a diferença entre os valores
máximo e mínimo de um determinado dia, expressa em porcentagem do valor médio do
dia, devendo-se calcular para um período de uma a duas semanas. Uma outra forma de
descrever a variabilidade diurna do PFE é o valor mínimo em porcentagem do valor
máximo tendo como referência temporal uma semana, índice que requer apenas uma
leitura diária, correlaciona-se melhor com a hiper-responsividade brônquica e envolve
cálculo simples. Apesar de a espirometria ser o método preferido para documentar a
limitação ao fluxo aéreo, uma melhora de 60L/minuto ou 20% do PFE após uso de
broncodilatador inalatório ou uma variabilidade diurna superior a 20% em caso de única
medida diária ou a 10% em caso de duas medidas diárias sugere o diagnóstico de asma.
Outras utilidades incluem melhorar o controle da doença, particularmente em pacientes
com má percepção dos sintomas, e identificar causas ambientais.
Em pacientes com sintomas consistentes com asma, mas função pulmonar
normal, medidas de responsividade das vias aéreas a estímulo direto com metacolina ou
histamina por via inalatória ou a estímulo indireto com manitol por via inalatória ou
exercício físico podem ser úteis. Esses testes são sensíveis, porém pouco específicos
para o diagnóstico de asma, já que hiper-responsividade brônquica é descrita em
pacientes com rinite alérgica, fibrose cística, bronquiectasia e doença pulmonar
obstrutiva crônica. A resposta ao agente provocativo é usualmente expressa como a
concentração que causa 20% de declínio no VEF1.
A avaliação da inflamação das vias aéreas associada à asma pode ser realizada
com o exame citológico da expectoração espontânea ou induzida por salina hipertônica,
que pode revelar aumento de eosinófilos ou neutrófilos. Além disso, níveis de óxido
nítrico e monóxido de carbono exalados também são sugeridos como marcadores de
Classificação
Controlada Parcialmente Descontrolada
controlada
Frequência de Menor ou igual a Mais do que duas vezes Três ou mais características da
sintomas diurnos duas vezes por por semana asma parcialmente controlada
semana em qualquer semana
Limitação das Nenhuma Qualquer
atividades
Frequência de Nenhuma Qualquer
sintomas noturnos
Frequência de uso Menor ou igual a Mais do que duas vezes
de medicação de duas vezes por por semana
resgate semana
Função pulmonar Normal Inferior a 80% do predito
ou do melhor
desempenho pessoal
A avaliação do controle da asma deve incluir não apenas as manifestações
clínicas, mas também o risco futuro esperado de exacerbações, declínio acelerado da
função pulmonar e efeitos adversos do tratamento, que está relacionado a controle
clínico precário, exacerbações frequentes no último ano, internação prévia em unidade
de terapia intensiva por exacerbação, VEF1 baixo, exposição a fumaça de cigarro e alta
dose de medicamentos.
A gravidade da asma é classificada com base na intensidade do tratamento
necessário para alcançar o controle, sendo considerada leve aquela que é bem
controlada com tratamento de baixa intensidade, como glicocorticoide inalatório em
dose baixa, modificador de leucotrieno e cromona, e severa aquela que requer
tratamento de alta intensidade ou em que o controle não é alcançado apesar de
tratamento de alta intensidade.
Diagnóstico diferencial
Síndrome de ansiedade e hiperventilação.
Síndrome do pânico.
Obstrução de vias aéreas superiores e inalação de corpo estranho.
Disfunção de corda vocal.
Tratamento
Medicamentos de controle são utilizados diariamente e a longo prazo, incluindo
glicocorticoides inalatórios e sistêmicos, modificadores de leucotrieno, β2-agonistas
inalatórios de longa duração, Teofilina de liberação sustentada, cromonas e anti-IgE.
Medicamentos de alívio são usados conforme a necessidade para reverter
broncoespasmo e aliviar sintomas, incluindo β2-agonistas inalatórios de curta duração,
anticolinérgicos inalatórios, Teofilina de curta duração e β2-agonistas orais de curta
duração.
O tratamento pode ser administrado por via inalatória, oral, subcutânea,
intramuscular ou intravenosa. A via inalatória é vantajosa porque as drogas atingem
diretamente as vias aéreas, com maior concentração local e menor risco de efeitos
colaterais sistêmicos.
A educação sobre a doença deve ser parte de todos os contatos entre os
profissionais da área da saúde e os pacientes. O objetivo é prover ao indivíduo com
asma, à sua família e aos outros cuidadores informação e treinamento para que sigam
adequadamente o esquema terapêutico medicamentoso e saibam ajustá-lo conforme um
plano previamente desenvolvido com os profissionais de saúde. Aspectos essenciais
incluem enfoque no desenvolvimento de parceria, aceitação de que trata-se de um
processo contínuo, compartilhamento de informações, discussão abrangente sobre as
expectativas e abordagem de medos e preocupações. Deve-se oferecer informação
específica, treinamento e aconselhamento sobre o diagnóstico, a diferença entre
medicamentos de controle e de alívio, os efeitos colaterais potenciais dos
medicamentos, o uso de dispositivos inalatórios, a prevenção de sintomas, os sinais
sugestivos de exacerbação e as ações a serem tomadas, a monitorização do controle da
asma e as indicações para que o paciente procure assistência médica. Os pacientes
devem ser convidados a demonstrar sua técnica de uso dos dispositivos inalatórios a
cada consulta, com novas orientações sempre que necessário.
Apesar de o tratamento farmacológico para a asma ser altamente efetivo no
controle dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida, medidas para prevenir os
sintomas através da redução do contato com fatores desencadeantes devem ser
implementadas sempre que possível. Medidas para controle de alérgenos domiciliares
incluem usar revestimento impermeável para a roupa de cama, lavar a roupa de cama
em ciclo quente (55-60º C), substituir carpetes por piso duro, usar acaricidas, reduzir o
número de objetos que acumulam pó, utilizar aspiradores de pó específicos, remover e
lavar com água quente pelúcias, remover gato ou cachorro de casa, manter o animal de
estimação fora das principais áreas da casa, utilizar filtros de ar específicos e dar banho
nos animais de estimação. No entanto, não existem evidências de benefício clínico até o
momento para a maioria das medidas. Com relação a poluição fora do domicílio,
pacientes com asma controlada não precisam evitar condições ambientais desfavoráveis,
mas aqueles com doença de difícil controle devem ser orientados a evitar atividade
física extenuante em caso de frio, baixa humidade do ar e/ou alta taxa de poluentes,
evitar ambientes com fumaça de cigarro e permanecer em ambientes climatizados. A
identificação precoce de sensibilizadores ocupacionais e o afastamento do paciente de
Medicamentos de controle
Glicocorticoides inalatórios
Os corticoides inalatórios são atualmente as medicações anti-inflamatórias mais
efetivas para o tratamento da asma, com evidência de que melhoram a qualidade de vida
e a função pulmonar e reduzem a hiper-responsividade brônquica, a inflamação das vias
aéreas, a frequência e a intensidade das exacerbações e a mortalidade.
O principal benefício em adultos é atingido com doses relativamente baixas,
equivalentes a 400mcg de Budesonida por dia. Doses maiores estão relacionadas a
aumento discreto do benefício, com mais efeitos colaterais. Tabagismo reduz a resposta
a glicocorticoides inalatórios, de modo que doses maiores podem ser necessárias em
fumantes.
Para atingir o controle clínico, a associação com outra classe de medicamentos
de controle é preferida em relação ao aumento da dose de glicocorticoide inalatório. No
entanto, há relação clara entre a dose inalada de glicocorticoide inalatório e a prevenção
de exacerbações agudas graves da asma.
Efeitos colaterais locais incluem candidíase orofaríngea, disfonia e tosse, que
podem ser reduzidos com o uso de espaçadores e com a lavagem oral após a inalação.
Produtos ativados nos pulmões e não na faringe, como Ciclesonida e Beclometasona, e
novas formulações e dispositivos que reduzem a deposição na orofaringe podem
minimizar os efeitos colaterais locais sem a necessidade de uso de espaçadores ou de
lavagem oral após a inalação. Há certo grau de biodisponibilidade sistêmica, mas efeitos
colaterais, que incluem supressão adrenal, redução da densidade mineral óssea,
hematomas, catarata e glaucoma, não são significativos com dose diária equivalente a
400mcg ou menos de Budesonida.
Droga Apresentação Dose baixa diária Dose média diária Alta dose diária
Dipropionato de 50mcg e 250mcg* 200-500mcg Superior a 500mcg, Superior a
Beclometasona 100mcg, 200mcg e até 1000mcg 1000mcg, até
400mcg# 2000mcg
Budesonida+ 200mcg* 200-400mcg Superior a 400mcg, Superior a
100mcg, 200mcg e até 800mcg 800mcg, até
400mcg# 1600mcg
Ciclesonida+ 80mcg e 160mcg* 80-160mcg Superior a 160mcg, Superior a
até 320mcg 320mcg, até
1280mcg
Flunisolida 250mcg* 500-1000mcg Superior a Superior a
1000mcg, até 2000mcg
2000mcg
Propionato de 50mcg e 250mcg& 100-250mcg Superior a 250mcg, Superior a
Fluticasona até 500mcg 500mcg, até
1000mcg
Teofilina
A Teofilina é medicação broncodilatadora disponível como formulação de
liberação prolongada, adequada para administração uma a duas vezes ao dia. Pode ser
utilizada como terapia adjunta em pacientes que não atingem o controle da asma com o
uso isolado de glicocorticoides, porém com menor efetividade que os β2-agonistas
inalatórios de longa duração.
Os efeitos colaterais, particularmente com altas doses, superiores ou iguais a
10mg/kg/dia, são significativos e reduzem a utilidade da droga. Incluem sintomas
gastrointestinais, arritmias cardíacas, convulsões e mesmo morte. Doses baixas, que
oferecem benefício anti-inflamatório pleno, são associadas a menos efeitos adversos e a
Cromonas
O papel do Cromoglicato de Sódio e do Nedocromil no tratamento a longo prazo
da asma é limitado, com eficácia demonstrada em pacientes com doença leve e
broncoespasmo induzido por exercício. O efeito anti-inflamatório é fraco e a efetividade
é inferior a de glicocorticoides inalatórios em dose baixa.
Efeitos colaterais são incomuns e incluem tosse e dor de garganta.
Anti-IgE
Omalizumab é uma opção limitada a pacientes com níveis elevados de IgE
sérica, com indicação em asma alérgica severa sem controle com glicocorticoides
inalatórios. O melhor controle da doença é demonstrado por redução dos sintomas,
menor necessidade de medicamentos de alívio e menor frequência de exacerbações.
A droga é apresentada na forma de pó para solução injetável com 150mg em
cada frasco. A dose e a frequência de administração são determinadas pelo nível sérico
basal de IgE em UI/mL, medido antes do início do tratamento, e pelo peso corpóreo. A
via utilizada é a subcutânea.
Anti-IgE parece ser uma terapia adjuvante segura.
Glicocorticoides sistêmicos
Tratamento com glicocorticoides sistêmico em longo prazo, ou seja, por período
superior a duas semanas, pode ser necessário para asma severa não-controlada, mas seu
uso é limitado pelo risco de efeitos adversos significativos. Preparações orais são
preferidas em relação às parenterais para tratamento em longo prazo em função de
menor efeito mineralocorticoide, meia-vida relativamente curta e menor efeito em
musculatura estriada.
Os efeitos adversos incluem osteoporose, hipertensão arterial sistêmica, diabetes
mellitus, supressão do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, obesidade, catarata,
glaucoma, atrofia da pele com estrias e hematomas e fraqueza muscular.
Pacientes asmáticos que recebem glicocorticoides sistêmicos em longo prazo
devem receber tratamento preventivo para osteoporose. Densitometria óssea deve ser
realizada em qualquer paciente em uso de glicocorticoides sistêmicos por período
superior a seis meses com dose diária média superior ou igual a 7.5mg de Prednisona,
em mulheres na pós-menopausa em uso de glicocorticoides sistêmicos por período
superior a três meses com dose diária média superior ou igual a 5mg/dia e em qualquer
paciente com história de fraturas relacionadas a osteoporose.
Imunoterapia
O papel da imunoterapia alérgeno-específica na asma do adulto é limitado.
Medicamentos de alívio
Glicocorticoides sistêmicos
Apesar de os glicocorticoides sistêmicos não serem usualmente encarados como
medicamentos de alívio, são importantes no tratamento de exacerbações agudas severas
da asma. Seus principais efeitos são evidentes apenas após quatro a seis horas, com a
terapia oral sendo preferida e apresentando a mesma efetividade da terapia parenteral.
Um curso típico de glicocorticoide sistêmico é 40-50mg de Prednisolona por dia
durante cinco a dez dias.
Anticolinérgicos
Teofilina
Teofilina de curta duração pode ser considerada para alívio de sintomas. Apesar
de não apresentar efeito broncodilatador adicional em relação a doses adequadas de β2-
agonistas inalatórios de curta duração, pode melhorar o drive respiratório.
A Teofilina tem potencial para importantes efeitos adversos, o que pode ser
evitado com dose e monitorização apropriadas. Teofilina de curta duração não deve ser
administrada para pacientes já em uso e Teofilina de liberação sustentada, a menos que
a concentração sérica seja baixa e possa ser monitorizada.
Etapas do tratamento
O objetivo do tratamento da asma, que consiste em atingir e manter o controle
clínico, pode ser atingido na maior parte dos pacientes com estratégia de intervenção
farmacológica. Cada paciente é designado para uma dentre cinco etapas do tratamento
conforme o seu nível atual de controle da doença. O racional envolve avaliar o nível de
controle, tratar para atingir o controle e monitorizar para manter o controle. O nível de
controle atual da doença, preferencialmente nas últimas quatro semanas, e a etapa atual
de tratamento são os fatores determinantes na seleção da abordagem farmacológica.
Nível de controle Ação terapêutica
Doença controlada Encontrar a menor etapa do tratamento que mantenha a doença controlada
Doença parcialmente Considerar a próxima etapa do tratamento para atingir o controle da doença
controlada
Doença descontrolada Direcionar o tratamento para as próximas etapas até atingir o controle da
doença
Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Etapa 4 Etapa 5
Educação e controle ambiental
Vacinação anual contra influenza se asma moderada a grave
β2-agonista inalatório de curta duração para alívio das crises
Selecione 1 Selecione 1 Adicione 1 ou mais Adicione 1 ou
ambos
Bibliografia
Global strategy for asthma management and prevention. Global Initiative for Asthma. 2010.
Clínica Médica, volume 7: alergia e imunologia clínica, doenças da pele, doenças infecciosas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Epidemiologia
O carcinoma pulmonar é uma doença de etiopatogenia multifatorial, em que se
destacam tabagismo, agentes ocupacionais, como exposição a asbesto, sílica,
hidrocarbonetos policíclicos e metais pesados (arsênico, cromo e níquel), iatrogenia,
como irradiação torácica prévia, agentes ambientais, como exposição a radônio e
tabagismo passivo, e agentes sociodemográficos, como gênero, hormônios, dieta,
exposição a compostos derivados da queima de gorduras animais, antecedente de
doenças pulmonares, como fibrose pulmonar, e predisposição genética. Há implicação
direta do número de cigarros consumidos, do tempo de exposição e da idade de
iniciação no risco relativo de câncer de pulmão.
A taxa de sobrevida média em cinco anos é de 13%. Isso se deve a vários
fatores, entre os quais o diagnóstico tardio, a idade avançada dos pacientes no momento
do diagnóstico e a baixa taxa de resposta completa ao tratamento sistêmico com
quimioterapia.
Quadro clínico
Sintomas e sinais inespecíficos são comuns e incluem anorexia, fadiga, febre e
perda de peso. Achados considerados específicos para neoplasia pulmonar dividem-se
entre aqueles atribuídos à lesão primária, aqueles relacionados à extensão intratorácica
da doença e aqueles atribuíveis a metástases e a síndromes paraneoplásicas.
Quando acometem as vias aéreas, as neoplasias pulmonares podem ocasionar
tosse, sibilos, hemoptise e pneumonias recorrentes. Quando acometem a pleura visceral,
podem causar dor torácica ventilatório-dependente e derrame pleural. Dispneia é
frequente, podendo ser consequente a obstrução de vias aéreas, envolvimento linfático
ou derrame pleural volumoso.
Síndrome de Pancoast é secundária ao envolvimento do gânglio estrelado e do
plexo braquial por tumores apicais, comumente próximos à impressão da clavícula e dos
vasos subclávios sobre o pulmão, com dor em ombro de forte intensidade, atrofia
muscular, destruição dos arcos costais superiores e síndrome de Claude-Bernard-
Horner, caracterizada por ptose palpebral, enolftalmia, miose e anidrose facial
ipsilateral. Síndrome da veia cava superior ocorre secundária a linfonodomegalias
mediastinais ou invasão tumoral. Outros achados clínicos relacionados à extensão
intratorácica da doença incluem rouquidão por acometimento do nervo laríngeo
recorrente, paralisia frênica por acometimento do nervo frênico, dor torácica por
acometimento costal, derrame pleural por extensão direta, obstrução linfática ou
atelectasia e derrame pericárdico por extensão direta ou obstrução linfática.
Manifestações relacionadas às metástases estão presentes em cerca de um terço
dos pacientes com câncer de pulmão. Os locais mais comuns de metástase são ossos,
fígado, suprarrenais, linfonodos distantes e sistema nervoso central. Eventualmente,
surgem metástases cutâneas e pulmonares.
Síndromes paraneoplásicas representam um grupo de distúrbios não
relacionados diretamente ao tumor primário ou às metástases e ocorrem em pelo menos
10% dos portadores de câncer de pulmão. A fisiopatologia é ainda pouco conhecida,
mas está relacionada a produção de substâncias biologicamente ativas pelo tumor ou em
Avaliação complementar
Radiologicamente, o câncer de pulmão pode se apresentar como atelectasia,
nódulo, massa densa ou cavitada, derrame pleural, opacidades em vidro fosco ou
consolidações. A tomografia computadorizada de tórax tem se firmado como o melhor
exame no diagnóstico de lesões pulmonares e supera a radiografia simples de tórax pelo
seu alto poder de definição. A ressonância nuclear magnética pode ser indicada para
determinar a invasão de estruturas mediastinais e da parede torácica. A tomografia por
emissão de pósitrons tem sido importante no diagnóstico de nódulos indefinidos e no
estudo do mediastino.
Os principais métodos não-cirúrgicos para obtenção de amostra de células ou
tecido da lesão pulmonar primária são citologia do escarro, biópsia por broncoscopia e
biópsia percutânea transtorácica. A citologia do escarro representa método não-
invasivo, devendo ser colhidas no mínimo três amostras, com maior utilidade em
pacientes com lesões centrais e/ou hemoptise. A broncoscopia tem valor principalmente
para lesões centrais endobrônquicas. As lesões periféricas em contato com a pleura
parietal podem ser diagnosticadas por biópsia transtorácica guiada por tomografia
computadorizada. Na impossibilidade de obtenção do diagnóstico por meio de métodos
menos invasivos, a abordagem cirúrgica com videotoracoscopia ou toracotomia
convencional torna-se necessária, permitindo análise histológica transoperatória e, se
necessário, terapêutica com extirpação cirúrgica do tumor.
Derrame pleural deve ser investigado com toracocentese para estudo
citopatológico do líquido. A biópsia pleural percutânea tem menor sensibilidade que a
pesquisa de células neoplásicas no líquido pleural. Em pacientes com alta suspeita
clínica de acometimento pleural e toracocentese não-diagnóstica, pode-se optar por
videotoracoscopia.
Doença linfonodal mediastinal pode ser inicialmente investigada com punção
aspirativa transcarinal por broncoscopia ou com punção aspirativa guiada por
ultrassonografia endoscópica esofágica ou endobrônquica. Nos casos de resultado
inconclusivo, a investigação dos linfonodos mediastinais suspeitos deve ser
Rastreamento
O rastreamento tem como objetivo identificar pacientes com doença precoce,
aumentando as chances de cura. As características do método de rastreamento ideal são
eficácia, com redução de mortalidade e/ou melhora na qualidade de vida, segurança e
custo-efetividade.
Apesar de algumas evidências apontarem para aumento da detecção de
neoplasias pulmonares em indivíduos assintomáticos, os estudos conduzidos até a
presente data não conseguiram demonstrar redução da mortalidade com uso de
radiografias e citologias seriadas.
Existem evidências de que o rastreamento anual por tomografia
computadorizada com baixo teor de radiação anualmente durante pelo menos três anos
permite o achado de cânceres em estágios mais precoces, quando comparado ao
rastreamento por radiografia simples de tórax, com redução da mortalidade em
indivíduos de alto risco, caracterizados por idade entre 55 e 74 anos no início do
programa de rastreamento, fumantes ou que deixaram de fumar há quinze anos ou
menos, com antecedente de tabagismo de pelo menos 30 maços-ano ou de pelo menos
20 maços-ano em associação com fator de risco adicional, exceto tabagismo passivo.
Tanto o rastreamento com radiografia de tórax como aquele com tomografia
computadorizada com baixo teor de radiação apresentam altas taxas de resultados falso-
positivos, com necessidade de avaliação radiológica seriada e, eventualmente,
procedimentos invasivos para confirmação diagnóstica.
Até o presente momento, não há evidências que permitam recomendações a
favor do rastreamento de câncer de pulmão, apesar de a tomografia computadorizada de
tórax de baixa dosagem parecer um método promissor. A cessação do tabagismo é uma
intervenção muito superior a qualquer método de rastreamento para redução de
mortalidade.
Classificação
De maneira geral, os tumores primários são divididos em carcinoma de pulmão
de células não-pequenas e carcinoma de pulmão de células pequenas. O comportamento
distinto desses tipos celulares influencia tanto a forma de abordagem como o
prognóstico dos pacientes.
Outros tipos histológicos incluem carcinoma adenoescamoso, carcinoma de
elementos pleomórficos e sarcomatoides e tumor carcinoide.
Estadiamento
Alguns achados de exame físico indicam estádios mais avançados de doença,
tendo, portanto, valor prognóstico.
Ainda que não tenham implicação diretamente prognóstica, alguns exames são
solicitados de rotina aos pacientes com neoplasias pulmonares por sua utilidade na
avaliação clínica geral, para investigação de avanço da doença e para avaliação de
eventuais comorbidades. Incluem hemograma, marcadores de função renal, eletrólitos
séricos com dosagem de cálcio sérico, transaminases hepáticas, enzimas canaliculares
hepáticas, bilirrubinas e albumina. Alterações nos níveis de enzimas hepáticas dirigem a
investigação para metástase hepática. Alterações da calcemia ou dos níveis de fosfatase
alcalina dirigem a investigação para metástases ósseas. A pesquisa de marcadores
tumorais séricos não é feita rotineiramente.
Os exames de imagem mais utilizados para o estadiamento das neoplasias
pulmonares são tomografia computadorizada de tórax com contraste, tomografia
computadorizada de abdômen com contraste, tomografia computadorizada de crânio ou
ressonância nuclear magnética de crânio, cintilografia óssea e tomografia por emissão
de pósitrons de corpo inteiro fundida com imagem de tomografia computadorizada
(PET-CT). O estadiamento anatomopatológico envolve biópsia das lesões com suspeita
clínica e/ou radiológica de extensão intratorácica ou extratorácica da doença, com
aspirado transbrônquico por broncoscopia guiada ou não por ultrassonografia, aspirado
transesofágico guiado por endoscopia, mediastinoscopia ou toracoscopia. Derrames
pleurais também devem ser puncionados para análise citológica naqueles doentes em
que evidências de acometimento pleural mudem a proposta terapêutica.
O desempenho funcional pode ser avaliado com o sistema do Eastern
Cooperative Oncology Group (ECOG) e com o escore de Karnofsky.
Desempenho funcional (performance status)
Sistema Escore de Critérios
ECOG Karnosfky
0 100 Ausência de sintomas.
1 90 Mínimos sintomas, sem limitações para atividades de vida diária.
Tratamento
Bibliografia
Clínica médica, volume 2: doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, emergências e terapia intensiva. – Barueri, SP: Manole,
2009.
Clínica cirúrgica. – Barueri, SP: Manole, 2008.
Overview of the risk fators, pathology, and clinical manifestations of lung cancer. David E Midthun. UpToDate, 2012.
Overview of the initial evaluation, treatment and prognosis of lung cancer. David E Midthun. UpToDate, 2012.
Diagnosis and staging of non-small cell lung cancer. Karl W Thomas and Michael K Gould. UpToDate, 2012.
Pathobiology and staging of small cell carcinoma of the lung. Anthony Elias. UpToDate, 2012.
Screening for lung cancer. Mark E Deffebach and Linda Humphrey. UpToDate, 2012.
Fisiopatologia
A limitação crônica do fluxo aéreo característica da doença pulmonar obstrutiva
crônica é causada por uma combinação de doença de pequenas vias aéreas, denominada
bronquiolite obstrutiva, e destruição do parênquima, denominada enfisema.
Fatores de risco
Predisposição genética, como deficiência hereditária de alfa-1 antitripsina.
Baixo nível socioeconômico.
Prematuridade, crescimento pulmonar reduzido e desnutrição.
Hiper-responsividade brônquica.
Exposição a fumaça de cigarro, poluição ambiental, fumaça proveniente de
fogão e sistemas de aquecimento que utilizam biomassa em ambientes pouco ventilados
e agentes ocupacionais.
Infecções virais e bacterianas, incluindo tuberculose.
Quadro clínico
Os principais sintomas são dispneia progressiva, geralmente agravada por
esforço e persistente, tosse crônica, que pode ser intermitente e sem expectoração, e
expectoração crônica. Sibilância e sensação se sufocamento são sintomas inespecíficos
e que variam entre os dias ou mesmo durante o curso de um único dia. Emagrecimento e
anorexia são comuns em estágios avançados.
O exame físico pode revelar cianose central, tórax em barril, abdômen protruso,
costelas horizontalizadas, achatamento do diafragma, taquipneia, uso de musculatura
acessória da ventilação, fígado facilmente palpável no rebordo costal direito, redução
dos murmúrios vesiculares, sibilância, estertores pulmonares e edema de membros
inferiores, que pode ser o único sinal de cor pulmonale.
História de exposição a fatores de risco, como fumaça de cigarro, agentes
ocupacionais e fumaça proveniente de fogão e sistemas de aquecimento, também está
presente.
Avaliação complementar
Espirometria deve ser indicada para pacientes em que haja suspeita de doença
pulmonar obstrutiva crônica. Trata-se do método de avaliação da limitação ao fluxo
aéreo mais padronizado, mais reprodutível e mais objetivo disponível até o momento.
Inclui as medidas da capacidade vital forçada (CVF), caracterizada pelo ar exalado de
maneira forçada a partir do ponto de inspiração máxima, do volume expiratório forçado
Diagnóstico
O diagnóstico clínico de doença pulmonar obstrutiva crônica deve ser
considerado em todo indivíduo com dispneia, tosse e/ou expectoração crônicas, com ou
sem fatores de risco conhecidos para a doença. Poderá ser confirmado com
espirometria, na qual VEF1/CVF após o uso de broncodilatador inferior a 0.70 confirma
a presença de limitação ao fluxo aéreo que não é completamente reversível.
Os principais diagnósticos diferenciais são asma, insuficiência cardíaca,
bronquiectasia, tuberculose, bronquiolite obliterante e panbronquiolite difusa.
Classificação
Apesar de VEF1 e VEF1/CVF serem recomendados para o diagnóstico e a
avaliação da severidade da doença pulmonar obstrutiva crônica, o grau de
reversibilidade da limitação ao fluxo aéreo não mais é recomendado para diagnóstico,
diferencial com asma e predição de resposta ao tratamento com broncodilatadores ou
corticosteroides. Além disso, existe apenas uma fraca correlação entre VEF1, sintomas e
prejuízo da qualidade de vida relacionada à saúde, com necessidade de avaliação formal
Seguimento clínico
Visa garantir que os objetivos do tratamento estão sendo atingidos.
Deve incluir avaliação de exposição a fatores de risco, especialmente fumaça de
cigarro, progressão da doença e surgimento de complicações, terapia farmacológica e
não-farmacológica, exacerbações e comorbidades.
O declínio da função pulmonar é melhor acompanhado através de espirometria
periódica, que pode ser realizada até uma vez ao ano. Deve-se rastrear os pacientes para
insuficiência respiratória com oximetria de pulso e avaliar a gasometria arterial em caso
de saturação periférica de oxigênio inferior a 92%. Diagnóstico de cor pulmonale pode
ser feito com base em radiografia de tórax, eletrocardiograma, ecocardiograma,
cintilografia e ressonância nuclear magnética. Hemograma pode revelar policitemia,
definida como hematócrito superior a 55%, na presença de hipoxemia, ou anemia, que
pode estar presente em um quarto dos pacientes.
Durante o seguimento clínico, espirometria com teste de broncodilatação,
radiografia de tórax e gasometria arterial em caso de uso contínuo de oxigênio
suplementar são repetidos anualmente.
Tratamento não-farmacológico
Educação do paciente
Orientação quanto a cessação do tabagismo é a medida que tem maior
capacidade de influenciar a história natural da doença pulmonar obstrutiva crônica. A
educação do paciente também permite melhor resposta a exacerbações. Discussões
sobre terminalidade permitem o estabelecimento de diretrizes avançadas e decisão
terapêuticas efetivas no final da vida. É vital aos pacientes entender a natureza de sua
doença, os fatores de risco para sua progressão e o seu papel e o papel dos profissionais
da área da saúde na obtenção de resultados otimizados.
Todos os pacientes devem receber informação e aconselhamento sobre a redução
de fatores de risco, a natureza da doença, o uso de nebulizadores, nebulímetros
pressurizados, inaladores de pó seco e outras formas de tratamento farmacológico,
reconhecimento e tratamento de exacerbações e estratégias para minimizar a dispneia.
Pacientes selecionados devem receber adicionalmente informação sobre complicações
da doença, tratamento com oxigênio e diretrizes avançadas quanto a decisões de final de
vida.
Reabilitação pulmonar
Os principais objetivos são reduzir sintomas, melhorar a qualidade de vida e
aumentar a participação em atividades físicas e emocionais cotidianas, sendo abordados
a perda de condicionamento físico, o isolamento social relativo, os transtornos de
humor, a perda muscular e o emagrecimento.
Os componentes dos programas de reabilitação pulmonar variam, mas
geralmente incluem treinamento de exercícios físicos, cessação do tabagismo,
Oxigenioterapia
Uma das principais medidas não-farmacológicas, a oxigenioterapia pode ser
administrada através de terapia contínua em longo prazo, durante exercício físico ou
para alívio de dispneia aguda. O principal objetivo é aumentar a pressão parcial de
oxigênio (PaO2) no sangue arterial para pelo menos 60mmHg ao nível do mar em
repouso ou aumentar a saturação periférica de oxigênio (SaO2) para pelo menos 90%.
A administração de oxigênio contínua em longo prazo, com mais de quinze
horas por dia, a pacientes com falência respiratória crônica, melhora a sobrevida e pode
ter efeitos benéficos sobre hemodinâmica, sistema hematológico, condicionamento
físico, mecânica pulmonar e estado mental. Está indicada em pacientes com PaO2
inferior ou igual a 55mmHg ou SaO2 inferior ou igual a 88% com ou sem hipercapnia,
confirmadas duas vezes em um período de três semanas. Também pode ser indicada em
caso de PaO2 inferior a 60mmHg ou SaO2 inferior a 90% se houver evidência de
hipertensão pulmonar, insuficiência cardíaca ou policitemia, definida por hematócrito
superior a 55%. A titulação dos fluxos é feita com o oxímetro de pulso durante repouso,
exercício e sono até que seja obtida saturação periférica de oxigênio superior ou igual a
90%. O período de oxigenioterapia domiciliar deve incluir doze horas noturnas.
Recomenda-se a adição de 1L/minuto de oxigênio durante a noite em relação ao valor
prescrito durante o dia em repouso e aumento do fluxo de oxigênio aos esforços.
Durante viagens aéreas, deve-se manter PaO2 superior a 50mmHg, o que pode ser
atingido em pacientes com hipoxemia moderada a severa com o uso de cânula nasal
com oxigênio 3L/minuto ou de máscara de Venturi com fração inalada de oxigênio de
31%. Pacientes com PaO2 superior a 70mmHg ao nível do mar podem viajar com
segurança sem oxigênio suplementar.
A prescrição inicial inclui fonte de oxigênio suplementar, como gás ou líquido,
sistema de liberação, como cilindro, concentrador ou líquido, duração e fluxo durante
repouso, exercício e sono.
Quando o oxigênio é prescrito logo após uma exacerbação, deve-se reavaliar sua
indicação após um período de trinta a noventa dias por meio de gasometria arterial.
A combinação de ventilação não-invasiva com pressão positiva intermitente com
administração de oxigênio contínua em longo prazo pode ser benéfica em parcela dos
pacientes, principalmente em caso de hipercapnia acentuada durante o período diurno.
Tratamento farmacológico
O tratamento farmacológico é destinado para prevenir e controlar os sintomas,
reduzir a frequência e a gravidade das exacerbações, melhorar o estado de saúde e
melhorar a tolerância ao exercício. Tende a ser cumulativo, com mais medicações sendo
necessárias conforme a doença evolui. Deve ser mantido no mesmo nível por períodos
Broncodilatadores
Os broncodilatadores são medicamentos centrais no manejo sintomático da
doença pulmonar obstrutiva crônica, podendo ser utilizados conforme a necessidade
para alívio de sintomas ou de forma regular para preveni-los ou reduzi-los. Melhoram o
esvaziamento dos pulmões, tendem a reduzir a hiperinsuflação pulmonar e melhoram a
tolerância a esforço. A intensidade do benefício, especialmente em estágios mais
avançados da doença, não é facilmente previsível a partir da melhora no VEF1. O uso
regular desses medicamentos não modifica a progressão da doença nem o seu
prognóstico. Efeitos colaterais são previsíveis e dose-dependentes. Efeitos adversos são
menos frequentes e controlados mais rapidamente após a suspensão dos medicamentos
com o uso inalatório em relação ao uso oral. A combinação de broncodilatadores de
classes farmacológicas diferentes pode melhorar a eficácia do tratamento e diminuir o
risco de efeitos colaterais em comparação com o aumento da dose de um único
broncodilatador.
A ação principal dos β-agonistas é relaxar o músculo liso das vias aéreas através
do estímulo a receptores β2. Terapia oral apresenta início de ação mais lento e maior
risco de efeitos colaterais do que a terapia inalatória. O efeito broncodilatador de β2-
agonistas inalatórios de curta duração geralmente persiste por 4-6 horas, enquanto que o
efeito broncodilatador de β2-agonistas inalatórios de longa duração geralmente persiste
por doze horas ou mais. O Indacaterol, um novo β2-agonista inalatório, dura 24 horas.
Efeitos adversos incluem taquicardia sinusal, distúrbios do ritmo cardíaco em pacientes
muito suscetíveis, exacerbação de tremor essencial, hipocalemia e aumento do consumo
de oxigênio.
O efeito mais importante das medicações anticolinérgicas em pacientes com
doença obstrutiva crônica parece ser o bloqueio do efeito da acetilcolina sobre
receptores M3. As atuais drogas de curta duração também bloqueiam receptores M2 e
modificam a transmissão na junção pré-ganglionar. Aumentos significativos na função
pulmonar podem ser obtidos com a administração de anticolinérgicos inalatórios em
associação a β-agonistas inalatórios, mesmo em pacientes com doença moderada a
severa. O uso de drogas de longa duração melhora a efetividade da reabilitação
pulmonar. O principal efeito adverso é boca seca.
Ainda resta controvérsia quanto aos efeitos exatos dos derivados de xantinas.
Podem atuar como inibidores da fosfodiesterase não-seletivos, mas também apresentam
um espectro além da ação broncodilatadora. A Teofilina é uma droga efetiva na doença
pulmonar obstrutiva crônica, mas, devido à toxicidade potencial, broncodilatadores
inalatórios são preferidos quando disponíveis. Doses baixas reduzem exacerbações em
pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, mas não aumentam a função
pulmonar pós-broncodilatador. A toxicidade é dose-dependente, o limiar terapêutico é
pequeno e a maior parte dos benefícios da droga ocorrem com níveis próximos daqueles
considerados tóxicos. Efeitos adversos incluem arritmias atriais ou ventriculares, crises
convulsivas, cefaleia, insônia, náusea e pirose.
Apesar de a monoterapia com β2-agonistas ser aparentemente segura, a
combinação de broncodilatadores com diferentes mecanismos de ação pode aumentar o
grau de broncodilatação para a mesma ou menor quantidade de efeitos colaterais.
Glicocorticoides
Os efeitos de glicocorticoides por via oral e inalatória na doença pulmonar
Inibidores da fosfodiesterase IV
A principal ação dos inibidores da fosfodiesterase IV é reduzir a inflamação
através da inibição do metabolismo do AMP cíclico intracelular. Roflumilast é
administrado com dose única diária de 500mcg por via oral e não possui efeito
broncodilatador direto. Existem evidências de que melhora o VEF1 em pacientes
tratados com Salmeterol e Tiotrópio e reduz exacerbações tratadas com glicocorticoides
por via oral em pacientes com VEF1 inferior a 50%.
Apresentam mais efeitos adversos que as medicações inalatórias para doença
pulmonar obstrutiva crônica. Os mais frequentes são náusea, diminuição do apetite, dor
abdominal, diarreia, distúrbios do sono e cefaleia.
Vacinas
Vacina contra influenza contendo vírus vivos ou atenuados é recomendada para
todos os pacientes, com administração anual.
Vacina polissacarídica contra pneumococo é recomendada para pacientes com
idade superior ou igual a 65 anos e/ou com VEF1 inferior a 40% do predito ou
comorbidades significativas, como insuficiência cardíaca.
Outros fármacos
O uso profilático de antibióticos não apresenta efeito significativo na frequência
de exacerbações na doença pulmonar obstrutiva crônica ou, quando apresenta, não há
relação favorável entre benefícios e efeitos adversos. Paciente que persiste com
Tratamento cirúrgico
Bulectomia é um procedimento cirúrgico antigo para enfisema bolhoso. A
remoção de uma bolha volumosa que não contribui para a troca gasosa descomprime o
parênquima pulmonar adjacente e alivia sintomas locais, como hemoptise, infecção e
dor torácica. Pode ser realizada por toracoscopia. Em pacientes selecionados, reduz
dispneia e melhora função pulmonar.
Cirurgia de redução de volume pulmonar é procedimento no qual partes do
pulmão são ressecadas para reduzir a hiperinsuflação, tornando os músculos
respiratórios mais eficientes do ponto de vista mecânico e aumentando o recolhimento
elástico, com melhora do fluxo expiratório.
Em pacientes adequadamente selecionados com doença pulmonar obstrutiva
crônica muito avançada, o transplante de pulmões melhora a qualidade de vida e a
capacidade funcional, sem diminuição da mortalidade. Os critérios para indicação são
VEF1 inferior a 35% do predito, PaO2 inferior a 55.6mmHg, PaCO2 superior a
50mmHg e hipertensão pulmonar secundária. Complicações comuns incluem
mortalidade operatória, rejeição aguda, bronquiolite obliterante, citomegalovirose,
infecções oportunistas fúngicas ou bacterianas e doenças linfoproliferativas.
Bibliografia
Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive pulmonary disease. Global Initiative for
Chronic Obstructive Lung Disease. 2010.
Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive pulmonary disease. Global Initiative for
Chronic Obstructive Lung Disease. 2011.
Clínica médica, volume 2: doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, emergências e terapia intensiva. – Barueri, SP: Manole,
2009.
Antibiotic Prevention of Acute Exacerbations of COPD. Richard P Wenzel, Alpha A Fowler and Michael B. Edmond. N Engl J
Med 2012; 367:340-347
1215
Pedro Kallas Curiati
Anticolinérgicos de curta duração
Brometo de 20mcg e 40mcg* 0.25mg/mL (20 gotas) - - 6-8
Ipratrópio Dose de 20-40mcg três a quatro vezes ao dia. Dose de 0.5mg (40 gotas, 2mL)
(Atrovent®) Máximo de 240mcg por dia. três a quatro vezes por dia, com
pelo menos quatro horas de
intervalo entre as doses.
Brometo de 100mcg* 1.5mg/mL - - 7-9
Oxitrópio Dose de 100-200mcg duas a três vezes ao
dia.
Anticolinérgicos de longa duração
Tiotrópio 2.5mcg* - - - >24
(Spiriva®) Dose de 5mcg uma vez ao dia.
Metilxantinas
Aminofilina - - Pílulas de 100mg e 200mg 240mg/10mL Até 24
Dose de 100-200mg duas a três Dose de 240-480mg
vezes por dia. uma ou duas vezes ao
dia por injeção
intravenosa lenta em
cinco a dez minutos.
Teofilina SR - - Pílulas de 100mg, 200mg e - Até 24
300mg
Dose inicial de 300-400mg
uma vez ao dia e dose de
manutenção de 400-600mg
uma vez por dia.
Combinação de Β2-agonistas de curta duração com anticolinérgico
Fenoterol/ 100mcg/40mcg* - - - 6-8
Ipratrópio Dose de 100mcg/40mcg para broncoespasmo
(Duovent®) agudo, com possibilidade de repetição após
cinco minutos, devendo-se aguardar pelo
menos duas horas antes de nova
administração. Manutenção ou profilaxia
com 100mcg/40mcg três vezes por dia.
Glicocorticoides inalatórios
1216
Pedro Kallas Curiati
Beclometasona 50mcg e 250mcg* 0.2-0.4mg/mL - - -
100mcg, 200mcg e 400mcg#
Dose de 250-500mcg ou 200-400mcg duas
vezes por dia.
Budesonida 200mcg* 0.25mg/mL e 0.50mg/mL - - -
100mcg, 200mcg e 400mcg# Dose de 0.25-0.50mg uma vez
Dose de 200-400mcg duas vezes por dia, ao dia, com máximo de 1mg se
com máximo de 800mcg duas vezes por dia uso prévio de glicocorticoides
se uso prévio de glicocorticoides por via oral por via oral.
ou inalatória.
Fluticasona 50mcg e 250mcg& - - - -
Dose de 500mcg duas vezes por dia.
Combinação de Β2-agonistas de longa duração com glicocorticoides
Formoterol/ 6mcg/100mcg , 6mcg/200mcg e 12/400mcg# - - - -
Budesonida Dose de 6-12mcg de Formoterol e 100-
(Alenia®) 400mcg de Budesonida duas vezes por dia.
Salmeterol/ 25mcg/50mcg, 25mcg/125mcg e - - - -
Fluticasona 25mcg/250mcg*
(Seretide®) 50mcg/100mcg, 50mcg/250mcg e
50mcg/500mcg#
Dose de 25-50mcg de Salmeterol e 50-
500mcg de Fluticasona duas vezes ao dia.
*
Nebulímetro pressurizado; #Inalador de pó seco; &Nebulímetro pressurizado e inalador de pó seco;
1217
Pedro Kallas Curiati
FIBROSE CÍSTICA
Definição
Fibrose cística é uma doença autossômica recessiva causada por mutações no
gene que codifica a proteína CFTR (cystic fibrosis transmembrane conductance
regulator). Afeta pulmões, pâncreas, intestinos, fígado, glândulas sudoríparas, seios
nasais e ductos deferentes. Resulta em morbidade substancial e mortalidade precoce.
Epidemiologia
A incidência de fibrose cística nos Estados Unidos, na Europa e na Austrália
varia de 1:3000 a 1:5000 nascimentos. A doença é mais comum em brancos não-
hispânicos, mas também ocorre de forma significativa em hispânicos, afrodescendentes
e indígenas e raramente em asiáticos.
Fisiopatologia
A fisiopatologia da fibrose cística está relacionada às funções de transporte de
íons da proteína CFTR, uma glicoproteína de membrana que funciona como canal de
cloreto e que está envolvida na regulação do transporte transepitelial de sódio e
bicarbonato.
Nas vias aéreas, a disfunção da proteína CFTR reduz a secreção de cloreto das
células epiteliais para o lúmen e aumenta a absorção de sódio do lúmen para o interior
das células epiteliais. Com isso, ocorre um afilamento da camada líquida na superfície
das vias aéreas, com prejuízo do clearance muco-ciliar. A infecção crônica subsequente
leva a resposta inflamatória intensa com predomínio de neutrófilos, cujos produtos, que
incluem enzimas proteolíticas e oxidantes, mediariam as alterações patológicas
subsequentes nas vias aéreas, como bronquiectasia, bronquiolectasia, estenose
brônquica e fibrose. A formação de rolhas de muco nas vias aéreas, secundária à
infecção crônica e à inflamação, é outra característica proeminente da doença.
A proteína CFTR é expressa nos ductos pancreáticos, onde o prejuízo da
secreção de cloreto e bicarbonato para o lúmen leva ao aumento da viscosidade das
secreções, com obstrução ductal e dilatação acinar. A exposição do tecido pancreático
às enzimas proteolíticas de origem acinar leva a um pâncreas de aspecto cístico e
fibrótico, com insuficiência exócrina completa em cerca de 85% dos pacientes.
A proteína CFTR é expressa nos intestinos, onde o aumento da viscosidade do
mecônio pode gerar íleo meconial no período neonatal e interferir com o
desenvolvimento intestinal normal, com risco de estenoses e atresias em jejuno e íleo.
No fígado, obstrução de ductos biliares é a primeira alteração patológica
detectada, podendo cursar com áreas de esclerose focal.
Nas glândulas sudoríparas, disfunção da proteína CFTR leva à falência da
absorção de cloreto do lúmen, com prejuízo na absorção de sódio e aumento da
quantidade de cloreto e sódio no suor. Essa anormalidade não está associada a
destruição tecidual.
Os ductos deferentes são as estruturas do trato reprodutor masculino mais
sensíveis à disfunção da proteína CFTR, com obstrução frequente no período fetal ou na
infância.
Diabetes mellitus, comum em crianças e adultos, ocorre quando a fibrose
extensa do pâncreas exócrino se estende para as ilhotas de Langerhans. Osteopenia e
osteoporose, comuns em adultos, resultam de desnutrição e infecção crônica. Atraso da
Quadro clínico
Sem tratamento de suporte específico, a maior parte dos pacientes sucumbe
ainda na infância por desnutrição ou doença pulmonar. Com uso de reposição de
enzimas pancreáticas, prestação de melhor cuidado pulmonar e desenvolvimento de
centros especializados, a maior parte dos pacientes atualmente vive até a terceira ou a
quarta décadas de vida.
Tosse, frequentemente persistente após infecções virais, é a manifestação
precoce mais proeminente da doença. Infecções virais podem demandar internação
hospitalar com maior frequência em crianças com fibrose cística. Apesar de a doença
pulmonar iniciar na infância, a função pulmonar frequentemente é preservada até a
adolescência, quando um declínio de curso acentuado comumente se inicia e
exacerbações se tornam mais frequentes. A maior parte dos pacientes apresenta tosse
produtiva diária ao final da adolescência ou no início da vida adulta.
A fibrose cística causa doença pulmonar obstrutiva, inicialmente com fluxo
reduzido nos volumes pulmonares mais baixos O volume expiratório forçado no
primeiro segundo é o parâmetro que melhor se correlaciona com o prognóstico e
começa a diferir de forma marcante do normal durante a adolescência. A sua taxa de
declínio geralmente prediz o curso clínico.
Os indivíduos com fibrose cística estão sujeitos a exacerbações agudas,
caracterizadas por tosse, dispneia, redução da tolerância para exercícios, fadiga,
aumento da expectoração e alteração na cor da expectoração, com duração de dias a
semanas. Frequentemente há aumento dos estertores pulmonares e redução da saturação
periférica de oxigênio e da função pulmonar. Há evidência de que a perda de função
pulmonar permanente é acelerada durante os períodos de exacerbação. Complicações
pulmonares também incluem pneumotórax, hemoptise e hipertensão pulmonar.
Insuficiência pancreática exócrina, aparente no primeiro ano de vida na maior
parte dos pacientes, resulta em prejuízo do crescimento e dificuldade para manutenção
do peso normal ao longo de toda a vida. Pacientes de todas as idades podem apresentar
sinais de má-absorção. Deficiências de vitaminas lipossolúveis e de elementos traço são
comuns, porém de diagnóstico difícil sem monitorização laboratorial. Cerca de 15% dos
pacientes mantêm a função pancreática exócrina, com episódios recorrentes de
pancreatite aguda em cerca de um sexto.
Obstrução intestinal pode ocorrer em qualquer faixa etária. Frequentemente, o
bloqueio ocorre na válvula ileocecal, mas constipação generalizada crônica é ainda mais
comum. Pode ocorrer intussuscepção do apêndice cecal. Doença inflamatória intestinal
e neoplasias gastrointestinais são mais frequentes do que na população geral. Dor
abdominal crônica pode ocorrer em qualquer período da vida, com dificuldade para
identificação da sua causa.
Anormalidades hepáticas são inicialmente detectadas através de esplenomegalia
ou fígado palpável de consistência firme ao exame físico. Ocasionalmente, hematêmese
leva ao diagnóstico de varizes esofágicas. Sequestro esplênico leva a neutropenia e/ou
trombocitopenia. A redução da síntese de fatores da coagulação também pode predispor
a sangramento. Icterícia pode ser a primeira manifestação de comprometimento
hepático. Com exceção da gama-glutamiltransferase, os níveis das enzimas hepáticas
frequentemente são normais, mesmo em casos com doença avançada. Litíase biliar é
Avaliação complementar
Nas fases iniciais da doença, a radiografia de tórax revela hiperinsuflação
pulmonar e espessamento peri-brônquico. Tomografia computadorizada pode revelar
bronquiectasia.
Infecção de vias aéreas pode ser detectada através de cultura de escarro ou
lavado broncoalveolar, cuja realização é recomendada a cada três meses. Pseudomonas
aeruginosa é o patógeno principal. Staphylococcus aureus, que é outro patógeno
proeminente, pode ser resistente à Oxacilina e existir na forma de pequenas colônias, o
que dificulta a antibioticoterapia. A maior parte das infecções permanecem
endobrônquicas e raramente causam doença invasiva, apesar de infecção por
Burkholderia spp poder resultar em sepse, declínio acelerado da função pulmonar e
morte. Infecção por micobactérias não-tuberculosas pode causar doença granulomatosa
nas vias aéreas. Aspergillus spp e outras espécies de fungos, comumente identificados
em amostras de escarro, podem causar micose broncopulmonar alérgica. A natureza
polimicrobiana da doença de vias aéreas é reconhecida. Stenotrophomonas maltophilia,
Achromobacter xylosoxidans e Inquilinus limosus são frequentemente identificados em
culturas seriadas de material de vias aéreas. Infecção por bactérias anaeróbias também é
importante.
O rastreamento neonatal prevê a mensuração do tripsinogênio imunorreativo, um
marcador de injúria pancreática, em gota de sangue seca colhida nos primeiros dias de
vida. A próxima etapa consiste na análise de mutação genética, mas não é realizada em
todos os centros. O teste do suor é utilizado para a confirmação diagnóstica e mede a
concentração de cloreto no suor estimulado pelo método de iontoforese por Pilocarpina.
A diferença de potencial transepitelial está alterada na fibrose cística por causa
do transporte anormal de sódio e cloreto. A medida da diferença de potencial
transepitelial nasal pode ser utilizada na investigação diagnóstica, particularmente em
adultos.
Em suma, os exames complementares recomendados na investigação e na
avaliação de um paciente com suspeita de fibrose cística incluem determinação de
eletrólitos no suor, análise estendida de mutação no gene que codifica a proteína CFTR,
diferença de potencial transepitelial nasal, tomografia computadorizada de tórax de alta
resolução, tomografia computadorizada de seios paranasais e análise microbiológica de
escarro ou lavado broncoalveolar para identificação de bactérias e fungos.
Diagnóstico diferencial
Tratamento
O tratamento da fibrose cística é melhor conduzido em centros especializados
com abordagem multidisciplinar, educação do paciente e da família, monitorização da
função pulmonar e intervenção rápida em caso de anormalidades.
Doença pulmonar
Infecções pulmonares podem ser tratadas com antibióticos orais, inalados ou
sistêmicos. Aumento da tosse e outros sintomas respiratórios devem ser manejados com
a introdução de antibióticos ou a troca de antibióticos dentro de período de poucos dias.
Nebulização com antibióticos, como Aztreonam 75mg duas a três vezes ao dia ou
Tobramicina 300mg duas vezes ao dia durante quatro semanas, com possibilidade de
repetição do ciclo com intervalos de quatro semanas, isoladamente ou em associação
com tratamento por via oral, melhora a função pulmonar e reduz a frequência das
exacerbações em pacientes com infecção crônica por Pseudomonas aeruginosa. Uso
crônico de macrolídeo por via oral, como Azitromicina 250mg/dia, 250mg três vezes
por semana se peso inferior a 40kg ou 500mg três vezes por semana se peso superior a
40kg, reduz a frequência das exacerbações e melhora a função pulmonar, com indicação
em pacientes com evidência de inflamação das vias aéreas, como tosse crônica, ou
qualquer redução do volume expiratório forçado no primeiro segundo. Antes do início
do tratamento com Azitromicina, recomenda-se colher amostra de escarro para pesquisa
de infecções micobacterianas não-tuberculosas, que contraindicam o uso de macrolídeos
isoladamente. Alterações mais severas nos sintomas ou falha aguda na função pulmonar
demandam antibioticoterapia intravenosa direcionada para o patógeno cultivado.
Infecções micobacterianas não-tuberculosas são tratadas por seis meses ou mais com
múltiplos agentes antibióticos. Micose broncopulmonar alérgica deve ser tratada com
corticosteroides e agentes anti-fúngicos.
Muitos pacientes apresentam hiper-reatividade das vias aéreas e se beneficiam
do uso de agentes broncodilatadores. As principais indicações para agonistas de
receptores beta-2-adrenérgicos inalatórios são uso antes de sessões de fisioterapia
respiratória para facilitar o clearance de secreções das vias aéreas e uso antes de
inalação com salina hipertônica, antibióticos e/ou DNAse para limitar a
broncoconstrição induzida por esses agentes e potencialmente melhorar a penetração e a
distribuição nas vias aéreas. Recomenda-se também o uso crônico de agonistas de
receptores beta-2-adrenérgicos de curta duração a cada quatro a seis horas ou de longa
duração a cada doze horas nos pacientes com obstrução ao fluxo aéreo e evidência de
melhora do fluxo expiratório com o uso desses agentes.
Curso breve de corticosteroide por via oral, como Prednisona 0.5-1.0mg/kg/dia,
com máximo de 40-60mg/dia, durante cinco dias, frequentemente é útil nas
exacerbações agudas, com indicação em pacientes com predomínio de sintomas
semelhantes aos da asma, resposta documentada a broncodilatador na prova de função
pulmonar, sibilos e/ou redução do murmúrio vesicular na ausculta pulmonar. O uso
crônico pode levar a complicações severas.
Agentes utilizados para alterar a viscosidade das secreções respiratórias incluem
salina hipertônica a 7% nebulizada inalatória, com 4mL duas vezes ao dia, e DNAse I
Doença gastrointestinal
Reposição de enzimas pancreáticas é a base do tratamento da insuficiência
pancreática exócrina. Como a acidez gástrica reduz a atividade das enzimas,
bloqueadores H2 ou inibidores de bomba de prótons são frequentemente utilizados.
Para o aporte nutricional adequado de pacientes com fibrose cística é
recomendada dieta hipercalórica, hiperproteica e hiperlipídica. Crianças e adolescentes
frequentemente utilizam múltiplos suplementos nutricionais diariamente para manter o
peso. Reposição de vitaminas lipossolúveis é necessária na maior parte dos casos. Cerca
Bibliografia
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
Cystic fibrosis: Overview of the treatment of lung disease. Richard H Simon. UpToDate, 2012.
Fibrose Cística: Diagnóstico e Tratamento. Adde FV, Marostica PJC, Ribeiro MAGO, Santos CIS, Solé D, Vieira SE. Sociedade
Brasileira de Pediatria, Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia,
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. 2011.
Terapia Nutricional na Fibrose Cística. Epifanio M, Spolidoro JVN. Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral,
Sociedade Brasileira de Clínica Médica, Associação Brasileira de Nutrologia. 2011.
Etiologia
Nódulos Tumor primário Adenocarcinoma, carcinoma espinocelular, tumor de grandes células,
malignos de pulmão tumor de pequenas células, tumor bronquíolo-alveolar, tumor
carcinoide
Metástase Mama, partes moles, rim, cabeça e pescoço, melanoma, cólon, células
pulmonar de outro germinativas
sítio
Conduta HC-FMUSP
A estratégia a ser adotada perante um paciente com nódulo pulmonar solitário
depende da probabilidade de que a lesão pulmonar seja maligna. Se o risco é baixo, o
acompanhamento radiológico é suficiente. Quanto maior for o risco, maior será a
necessidade de investigação. Pacientes com alto risco de câncer devem receber o
diagnóstico de certeza.
Variável Risco de câncer
Baixo Médio Alto
Diâmetro (cm) <1.5 1.5-2.2 ≥2.3
Idade (anos) <45 45-60 >60
Tabagismo Não ≤ 20 cigarros por dia > 20 cigarros por dia
Bordas do nódulo Lisas Lobuladas Espiculadas
Se calcificações benignas ou estabilidade em exames prévios por pelo menos
dois anos, a conduta prevê acompanhamento clínico. Se ausência de calcificações
benignas e estabilidade em exames prévios por pelo menos dois anos, deve-se
estratificar o risco de câncer.
Se risco baixo, a conduta prevê acompanhamento com tomografia
computadorizada após três, seis e doze meses.
Se risco intermediário, indica-se avaliação complementar com tomografia por
emissão de pósitrons ou com protocolo de captação pós-contraste. Se negativo, a
conduta prevê acompanhamento com tomografia computadorizada após três, seis e doze
meses. Se positivo, a conduta prevê biópsia cirúrgica aberta ou por videotoracoscopia
com análise por congelação e lobectomia se malignidade.
Se risco alto, deve-se estratificar o risco cirúrgico. Se risco cirúrgico baixo, a
conduta prevê biópsia cirúrgica aberta ou por videotoracoscopia com análise por
congelação e lobectomia se malignidade. Se risco cirúrgico alto, a conduta prevê
avaliação complementar com tomografia por emissão de pósitrons ou com protocolo de
captação pós-contraste e acompanhamento com tomografia computadorizada após três,
seis e doze meses se resultado negativo.
Bibliografia
Clínica cirúrgica. – Barueri, SP: Manole, 2008.
Diagnostic evaluation and management of the solitary pulmonar nodule. Steven E Weinberger. UpToDate, 2012.
Computed tomographic and positron emission tomographic scanning of pulmonary nodules. Paul Stark. UpToDate, 2012.
Distúrbios obstrutivos
Um distúrbio ventilatório obstrutivo consiste em redução desproporcional do
fluxo máximo de ar no pulmão em relação à CVF. Implica em estreitamento da via
aérea durante a expiração e é definido pela redução da relação VEF1/CVF abaixo do
percentil 5 do valor predito, ou seja, abaixo do limite inferior da normalidade para
determinada população. Também é possível considerar relação abaixo de 0.7 em
indivíduos adultos jovens e abaixo de 0.65 em indivíduos idosos com idade superior a
70 anos como critério para identificação de obstrução ao fluxo aéreo.
O volume expiratório forçado nos primeiros seis segundos (VEF6) é um índice
que se aproxima da CVF em indivíduos normais e que pode ser útil na avaliação de
pacientes com obstrução ao fluxo aéreo severa, nos quais a expiração forçada pode
demorar até quinze segundos para ser completada, com maior taxa de desistência dos
pacientes antes do seu término e risco de que a obstrução ao fluxo aéreo seja
subestimada. Dessa forma, a relação VEF1/ VEF6 é uma alternativa aceitável e validada
à relação VEF1/CVF.
A redução dos fluxos expiratórios em porções intermediárias da capacidade
vital, como o fluxo expiratório forçado médio de 25-75% da CVF (FEF25-75%) e o fluxo
expiratório forçado a 75% da CVF (FEF75%), também pode indicar a presença de
obstrução. Redução isolada dos fluxos expiratórios médios e terminais sem redução da
relação VEF1/CVF, embora não específica, pode indicar doença obstrutiva em pequenas
vias aéreas.
A capacidade vital lenta (CVL) é aferida com o paciente expirando em seu
próprio ritmo. Apesar de não ser utilizada de forma rotineira, já é sugerido que a relação
VEF1/CVL pode ser preferível em algumas populações de pacientes.
Atenção especial deve ser dada aos casos em que VEF1 e CVF estão
concomitantemente reduzidos, com relação VEF1/CVF normal, padrão que
frequentemente reflete falência do paciente em inalar e exalar completamente. Também
pode indicar que o fluxo é tão pequeno que o indivíduo não consegue exalar o suficiente
para esvaziar os pulmões. A figura ilustra exemplos de distúrbios pulmonares
obstrutivos com relação VEF1/CVF diminuída (a) e normal (b).
Distúrbios mistos
Um distúrbio ventilatório misto é caracterizado pela coexistência de obstrução e
restrição, com relação VEF1/CVF e CPT abaixo do percentil 5 do valor predito. Como a
CVF pode estar reduzida tanto em caso de obstrução como em caso de restrição, a
presença de um componente restritivo em um paciente com obstrução não pode ser
inferida apenas com base nas medidas de VEF1 e CVF.
Se a relação VEF1/CVF é baixa e o maior valor de CVF estiver abaixo dos
limites da normalidade, sem medida de CPT disponível, é possível afirmar que a CVF
está provavelmente reduzida em função de hiperinsuflação, mas que a sobreposição de
um componente restritivo não pode ser excluída. Por outro lado, quando a relação
VEF1/CVF é baixa e a CVF é normal, a sobreposição de componente restritivo pode ser
desconsiderada.
Algoritmo
VC – vital
capacity; FEV1 –
forced expiratory
volume in one
second;
LLN – lower
limits of normal;
TLC – total lung
capacity;
DL,CO – diffusing
capacity for carbon
monoxide;
PV – pulmonary
vascular;
CW – chest wall;
NM –
neuromuscular;
ILD – interstitial
lung diseases;
CB – chronic
Bibliografia
Interpretative strategies for lung function tests. Pellegrino R, Viegi G, et al. Eur Respir J 2005; 26: 948–968.
Spirometry for health care providers. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. 2010.
Clínica médica, volume 2: doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, emergências e terapia intensiva. – Barueri, SP: Manole,
2009.
Critérios diagnósticos
Ansiedade e preocupação excessivas ocorrem na maioria dos dias por pelo
menos seis meses, com diversos eventos ou atividades, tais como desempenho escolar
ou profissional.
O indivíduo considera difícil controlar a preocupação.
A ansiedade e a preocupação estão associadas a três ou mais dos seguintes
sintomas, com pelo menos alguns deles presentes na maioria dos dias durante os últimos
seis meses:
- Inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele;
- Fatigabilidade;
- Dificuldade em concentrar-se ou sensações de "branco" na mente;
- Irritabilidade;
- Tensão muscular;
- Perturbação do sono, com dificuldades em conciliar ou manter o sono,
sono insatisfatório ou inquietação;
Ansiedade, preocupação ou sintomas físicos causam sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo.
A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou
de uma condição médica geral e nem ocorre exclusivamente durante transtorno do
humor, transtorno psicótico ou transtorno invasivo do desenvolvimento.
Avaliação complementar
A necessidade de exames complementares é restrita às situações em que se
suspeita de sintomas ansiosos secundários a condições médicas gerais. Exames
geralmente úteis incluem hemograma, função renal, eletrólitos, glicemia, função
tireoidiana, urina tipo 1, exame toxicológico de urina ou sangue e eletrocardiograma.
Tratamento
Psicoterapia comportamental-cognitiva é efetiva para o tratamento do transtorno
de ansiedade generalizada.
Antidepressivos:
- Inibidores seletivos da recaptação de serotonina são considerados
tratamento de primeira linha, incluindo Paroxetina, Escitalopram,
Sertralina, Fluvoxamina, Fluoxetina e Citalopram;
- Alguns autores também consideram a Venlafaxina e a Duloxetina,
inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina, como primeira
linha de tratamento;
- Todas as classes de antidepressivos podem ser utilizadas, com exceção
de drogas noradrenérgicas mais seletivas, como Desipramina,
Bupropiona e Maprotilina;
- Antidepressivos tricíclicos estão associados a maior incidência de
efeitos colaterais e a maior risco de envenenamento;
- O tratamento deve ser mantido por pelo menos um ano após o controle
Ataques de pânico
Episódios de medo intenso acompanhados de vários sintomas físicos e
cognitivos. Após o início, os sintomas atingem um pico rapidamente, em até dez
minutos, e têm duração limitada, de até uma hora. Há sensação de morte iminente.
Períodos distintos de intenso temor ou desconforto durante os quais quatro ou
mais dos seguintes sintomas desenvolvem-se abruptamente e alcançam um pico em dez
minutos: palpitações ou ritmo cardíaco acelerado; sudorese; tremores ou abalos;
sensação de falta de ar ou sufocamento; sensação de asfixia; dor ou desconforto
torácico; náusea ou desconforto abdominal; sensação de tontura, instabilidade, vertigem
ou desmaio; desrealização (sensação de irrealidade) ou despersonalização (sensação de
estar distante de si mesmo); medo de perder o controle ou enlouquecer; medo de morrer;
parestesias; calafrios ou ondas de calor.
Agorafobia
Ansiedade acerca de estar em locais ou situações das quais possa ser difícil ou
embaraçoso escapar ou cujo auxílio pode não estar disponível na eventualidade de um
ataque de pânico ou de sintomas tipo pânico. As situações incluem estar fora de casa
desacompanhado, estar em meio a uma multidão, permanecer em uma fila, estar em
uma ponte e viajar de ônibus, trem ou automóvel.
As situações são evitadas ou suportadas com acentuado sofrimento ou com
ansiedade acerca de ter um ataque de pânico ou sintomas tipo pânico ou exigem
companhia.
A ansiedade ou esquiva não é melhor explicada por um outro transtorno mental.
Tratamento
Antidepressivos:
- Inibidores seletivos da recaptação de serotonina são as medicações de
primeira escolha, incluindo Sertralina, Paroxetina, Fluoxetina,
Fluvoxamina, Citalopram e Escitalopram;
- Há particular sensibilidade aos efeitos colaterais, sendo recomendado
iniciar com metade ou mesmo um quarto da dose que seria usada para
depressão;
- Inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina, como a
Venlafaxina de liberação controlada, consistem em alternativa eficaz;
- Tricíclicos consistem em alternativa em caso de intolerância ou
refratariedade ao uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina
e inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina;
- O tratamento deve ser mantido por período prolongado, de no mínimo
um ano, em função dos elevados índices de recaída após a suspensão;
Benzodiazepínicos:
- Incluem Diazepam, Clonazepam, Lorazepam e Alprazolam;
- Drogas eficazes, porém com alto índice de recorrência após sua
interrupção;
- Risco de dependência iatrogênica e falta de eficácia nos sintomas
depressivos;
- Principal indicação no início do tratamento e nas épocas de
exacerbação, em combinação com antidepressivo;
- São preferíveis as drogas de meia-vida longa, como o Clonazepam, ou
aquelas com formulações de liberação controlada, como o Alprazolam;
Fobias específicas
Critérios diagnósticos
Medo acentuado e persistente, excessivo ou irracional, revelado pela presença ou
antecipação de um objeto ou situação fóbica, como altura, avião, elevador, dirigir,
sangue, injeção, insetos e animais.
A exposição ao estímulo fóbico provoca, quase que invariavelmente, uma
resposta imediata de ansiedade, que pode assumir a forma de um ataque de pânico.
O indivíduo reconhece que o medo é excessivo ou irracional.
A situação fóbica é evitada ou suportada com intensa ansiedade ou sofrimento.
A esquiva, a antecipação ansiosa ou o sofrimento na situação temida interferem
significativamente na rotina, no funcionamento ocupacional, nas atividades sociais ou
nos relacionamentos do indivíduo ou existe sofrimento acentuado por ter a fobia.
Em indivíduos com menos de 18 anos, a duração mínima é de seis meses.
A ansiedade, os ataques de pânico ou a esquiva fóbica associados com o objeto
ou a situação específica não são melhor explicados por efeitos fisiológicos diretos de
uma substância ou de uma condição médica geral nem por outro transtorno mental.
Tratamento
Terapia comportamental-cognitiva é o tratamento de eleição. Em geral, terapia
farmacológica tem papel secundário. Benzodiazepínicos são utilizados eventualmente se
o estímulo fóbico é esporádico apenas.
Fobia social
Critérios diagnósticos
Medo acentuado e persistente de uma ou mais situações sociais ou de
desempenho nas quais o indivíduo é exposto a pessoas estranhas ou ao possível
escrutínio por outras pessoas. O indivíduo teme agir de um modo que lhe seja
humilhante e embaraçoso.
A exposição à situação social temida quase que invariavelmente provoca
ansiedade, que pode assumir a forma de um ataque de pânico ligado a situação ou
predisposto pela situação
A pessoa reconhece que o medo é excessivo ou irracional.
As situações sociais e de desempenho temidas são evitadas ou suportadas com
intensa ansiedade ou sofrimento.
A esquiva, a antecipação ansiosa ou o sofrimento na situação social ou de
desempenho temida interferem significativamente na rotina, no funcionamento
ocupacional, nas atividades sociais ou nos relacionamentos do indivíduo ou existe
sofrimento acentuado por ter a fobia.
Em indivíduos com menos de dezoito anos, a duração é de no mínimo seis
meses.
O temor ou esquiva não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma
Tratamento
Casos mais leves, restritos a poucas situações sociais, podem ser manejados com
terapia comportamental-cognitiva ou terapia farmacológica com ß-bloqueadores nas
situações de exposição, com Propranolol 20-60mg com trinta a sessenta minutos de
antecedência, ou benzodiazepínicos em situações de exposição, com Clonazepam 0.25-
1mg ou Lorazepam 0.5-2mg com trinta a sessenta minutos de antecedência.
Casos mais graves, generalizados, podem ser manejados com terapia
comportamental cognitiva ou terapia farmacológica com inibidores seletivos da
recaptação de serotonina, inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina ou, em
caso de refratariedade, inibidores irreversíveis da monoamino-oxidase.
Benzodiazepínicos podem ser associados. Em caso de substituição de inibidor seletivo
da recaptação de serotonina ou inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina por
inibidor da monoamino-oxidase, é necessária a suspensão do antidepressivo
previamente em uso duas semanas antes do início da nova medicação, exceto no caso da
Fluoxetina, que deve ser suspensa cinco semanas antes. O tratamento medicamentoso
deve ser continuado por seis a doze meses após o controle dos sintomas.
A dessensibilização das situações temidas e a instalação de novos repertórios
comportamentais são essenciais.
Critérios diagnósticos
Tratamento
Transtorno obsessivo-compulsivo
Obsessões
Pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que, em algum
momento, são experimentados como intrusivos e inadequados e causam acentuada
ansiedade ou sofrimento.
Os pensamentos, impulsos ou imagens não são meras preocupações excessivas
com problemas da vida real.
A pessoa tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos ou imagens.
Também pode procurar neutralizá-los com algum outro pensamento ou ação.
A pessoa reconhece que os pensamentos, impulsos ou imagens obsessivas são
produto de sua própria mente e não são impostos a partir de fora, como na inserção de
pensamentos.
Há sofrimento e prejuízo funcional.
Compulsões
Comportamentos repetitivos ou atos mentais que a pessoa se sente compelida a
executar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras que devem ser
rigidamente aplicadas.
Os comportamentos ou atos mentais visam prevenir ou reduzir o sofrimento ou
evitar algum evento ou situação temida. Entretanto, esses comportamentos ou atos
mentais não têm uma conexão realista com o que visam a neutralizar ou evitar ou são
claramente excessivos.
Em algum momento a pessoa reconhece que os sintomas são irracionais e
excessivos.
Há sofrimento e prejuízo funcional.
Quadro clínico
Obsessões % Compulsões %
Critérios diagnósticos
Presença de obsessões ou compulsões.
Em algum ponto durante o curso do transtorno, o indivíduo reconhece que as
obsessões ou compulsões são excessivas ou irracionais. Esse critério não se aplica a
crianças.
As obsessões ou compulsões causam acentuado sofrimento, consomem mais de
uma hora por dia ou interferem significativamente na rotina, no funcionamento
ocupacional ou acadêmico, nas atividades ou nos relacionamentos sociais habituais do
indivíduo.
Se outro transtorno do eixo I estiver presente, o conteúdo das obsessões ou
compulsões não estará restrito a ele.
A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou
de uma condição médica geral.
Tratamento
Terapia comportamental-cognitiva consiste no tratamento de primeira linha, com
tratamento farmacológico indicado em caso de indisponibilidade ou preferência do
paciente.
Em função de sua segurança e tolerabilidade, os inibidores seletivos da
recaptação de serotonina são a terapêutica farmacológica de primeira escolha. A ação
sobre os sintomas obsessivo-compulsivos parece não estar vinculada ao efeito
antidepressivo dessas drogas. São necessárias pelo menos oito semanas de tratamento
em dose adequada para estabelecer se o paciente respondeu à medicação. Venlafaxina
de liberação controlada pode ter efeito comparável ao dos inibidores seletivos da
recaptação de serotonina.
Associação com neurolépticos atípicos, como a Risperidona, é justificada em
caso de resposta insatisfatória ao uso de inibidor seletivo de recaptação de serotonina ou
Clomipramina e em caso de tiques e síndrome de Tourette.
Recomenda-se não diminuir ou descontinuar o tratamento psicofarmacológico
antes de um a dois anos do controle dos sintomas. Após esse período, a medicação pode
ser diminuída lentamente, em torno de um quarto da dose a cada dois meses, com
acompanhamento médico periódico e sessões de terapia comportamental-cognitiva.
São necessários doses e tempo maiores que para outros transtornos para atingir
Bibliografia
Fundamentos em Psiquiatria. Pedro Gomes de Alvarenga, Arthur Guerra de Andrade. – Barueri, SP: Manole, 2008.
Clínica Médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – Barueri, SP:
Manole, 2009.
Generalized anxiety disorder: Epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. Paul Ciechanowski and Wayne Katon.
UpToDate, 2012.
Treatment of generalized anxiety disorder. Alexander Bystristsky. UpToDate, 2012.
Panic disorder: Epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. Wayne Katon and Paul Ciechanoswski. UpToDate, 2012.
Agoraphobia in adults: Epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. Randi E McCabe. UpToDate, 2012.
Pharmacotherapy for panic disorder. Peter P Roy-Byrne. UpToDate, 2012.
Psychotherapy for panic disorder. Michelle Craske. UpToDate, 2012.
Specific phobia in adults: Epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. Randi E McCabe. UpToDate, 2012.
Treatment of specific phobia in adults. Paul Ciechanoswki and Wayne Katon. UpToDate, 2012.
Social anxiety disorder: Epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. Franklin R Schneier. UpToDate, 2012.
Pharmacotherapy for social anxiety disorder. Murray B Stein. UpToDate, 2012.
Posttraumatic stress disorder: Epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. Paul Ciechanowski and Wayne Katon.
UpToDate, 2012.
Pharmacotherapy for posttraumatic stress disorder. Murray B Stein. UpToDate, 2012.
Obsessive-compulsive disorder: Epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. Paul Ciechanowski and Wayne Katon.
UpToDate, 2012.
Pharmacotherapy for obsessive-compulsive disorder. Paul Ciechanowski and Wayne Katon. UpToDate, 2012.
Epidemiologia
O desejo sexual hipoativo e a dificuldade para atingir o orgasmo são as queixas
femininas mais frequentes. Entre os homens, a disfunção erétil e a ejaculação precoce
são as mais comuns.
Enquanto a prevalência da disfunção erétil tende a aumentar com a idade, a
ejaculação precoce se mantém estável para qualquer faixa etária. O desejo sexual
feminino tende a diminuir com o advento do climatério e da menopausa, enquanto que a
capacidade para o orgasmo geralmente melhora com os anos de experiência sexual.
Etiologia
As disfunções sexuais resultam de fatores orgânicos e/ou emocionais, além de
condições socioculturais e econômicas, que agem de forma isolada ou conjunta.
Sedentarismo, estresse, tabagismo, uso de drogas ilícitas, uso excessivo de
bebidas alcoólicas e obesidade comprometem a ereção e a lubrificação vaginal por meio
de disfunção endotelial progressiva.
Diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia e doenças
cardiovasculares são as principais enfermidades associadas às falhas da função sexual.
O mecanismo é disfunção endotelial, que resulta em comprometimento vascular, com
repercussão na ereção e na lubrificação.
Depressão e ansiedade também podem predispor às disfunções sexuais por
diminuição de libido, autoestima, capacidade de concentração e autocontrole.
Distúrbios hormonais, como déficits de hormônios sexuais e disfunção
tireoidiana, também podem interferir na função sexual.
Medicamentos e substâncias que afetam adversamente a função sexual incluem
anticonvulsivantes, como Carbonato de Lítio, Valproato, Carbamazepina, Fenitoína e
Fenobarbital, neurolépticos, como Clorpromazina, Flufenazina, Tioridazina,
Haloperidol e Risperidona, ansiolíticos, como benzodiazepínicos, diuréticos, como
tiazídicos, de alça e antagonistas da aldosterona, anti-hipertensivos, como Reserpina,
Metildopa, bloqueadores adrenérgicos (β, α1 e α2), inibidores da enzima de conversão da
angiotensina e bloqueadores de canais de cálcio, anti-cancerígenos, como 5-Fluouracil,
Tamoxifeno e Vimblastina, antidepressivos tricíclicos, como Clomipramina,
Amitriptilina, Imipramina, Nortriptilina e Desipramina, inibidores da monoamina-
oxidase, como Fenelzina e Trancilpramina, inibidores seletivos da recaptação de
serotonina, como Fluoxetina, Paroxetina, Sertralina, Fluvoxamina e Venlafaxina,
antialérgicos, inibidores da secreção ácida gástrica, como Cimetidina e Ranitidina,
anorexígenos, hormônios, como progesterona e corticoide, e anti-lipêmicos, como
Anamnese
Quociente sexual
Responda o questionário com sinceridade, baseando-se nos últimos seis meses de sua vida sexual
Legenda: 0 – Nunca; 1 – Raramente; 2 – Às vezes; 3 – 0 1 2 3 4 5
Aproximadamente 50% das vezes; 4 – Na maioria das vezes;
5 – Sempre;
1 – Seu interesse por sexo é suficiente para você querer
iniciar o ato sexual?
2 - Sua capacidade de sedução dá a você confiança de se
lançar em atividade de conquista sexual?
3 – As preliminares de seu ato sexual satisfazem você e sua
(seu) parceira (o)?
4 – Seu desempenho sexual varia conforme sua (seu) parceira
(o) seja ou não capaz de se satisfazer durante o ato sexual
com você?
5 – Você consegue manter o pênis ereto o tempo que precisa
para completar a atividade sexual com satisfação?
6 – Após o estímulo sexual, sua ereção é suficientemente
rígida para garantir uma relação sexual satisfatória?
7 – Você é capaz de obter e manter a mesma qualidade de
ereção nas várias relações sexuais que realiza em diferentes
dias?
8 – Você consegue controlar a ejaculação para que seu ato
sexual se prolongue o quanto desejar?
9 – Você consegue chegar ao orgasmo nas relações sexuais
que realiza?
10 – Seu desempenho sexual o estimula a fazer sexo outras
vezes, em outras oportunidades?
O resultado é obtido pela soma dos índices de cada questão, Domínios investigados:
com o total multiplicado por dois. - Desejo – questão 1;
O escore final apresenta a qualidade de desempenho e - Autoconfiança – questão 2;
satisfação sexual: - Qualidade da ereção – questões 5, 6 e
- 82-100 pontos – Bom a excelente; 7;
- 62-80 pontos – Regular a bom; - Controle da ejaculação – questão 8;
- 42-60 pontos – Desfavorável a regular; - Capacidade de atingir o orgasmo –
- 22-40 pontos – Ruim a desfavorável; questão 9;
- 0-20 pontos – Nulo a ruim; - Satisfação geral com as preliminares e
o intercurso – questões 3, 4 e 10;
Responda o questionário com sinceridade, baseando-se nos últimos seis meses de sua vida sexual
Legenda: 0 – Nunca; 1 – Raramente; 2 – Às vezes; 3 – 0 1 2 3 4 5
Aproximadamente 50% das vezes; 4 – Na maioria das vezes; 5 –
Sempre;
1 – Você costuma pensar espontaneamente em sexo, lembra de
sexo ou se imagina fazendo sexo?
2 – O seu interesse por sexo é suficiente para você participar da
relação sexual com vontade?
3 – As preliminares a estimulam a continuar a relação sexual?
4 – Você costuma ficar lubrificada durante a relação sexual?
5 – Durante a relação sexual, à medida que a excitação do seu
parceiro vai aumentando, você também se sente mais estimulada
para o sexo?
Exame físico
Sinais de hipogonadismo, como testículos pequenos, ginecomastia e redução de
pilificação demandam atenção.
Toque retal é indicado para avaliar o tônus do esfíncter anal e o reflexo
bulbocavernoso.
Pulsos periféricos devem ser palpados para pesquisa de doença vascular.
Avaliação complementar
Exames laboratoriais incluem testosterona sérica matinal, glicemia de jejum,
perfil lipídico, hemograma e função renal.
Avaliação vascular baseada em injeção intracavernosa de Prostaglandina E1,
ultrassonografia duplex e tumescência peniana noturna não é recomendada para uso
rotineiro, mas pode ser útil em casos selecionados.
Diagnóstico
O diagnóstico das disfunções sexuais, dos transtornos de preferência e dos
transtornos de identidade sexual é essencialmente clínico. Deve-se observar um período
mínimo de seis meses de sintomatologia. É importante investigar o parceiro para afastar
possíveis erros de interpretação.
Muito relevante para o diagnóstico, assim como para o planejamento terapêutico
e o prognóstico, é a distinção entre os transtornos sexuais primário e secundários,
adquiridos após um período de funcionamento normal, e entre disfunção generalizada,
presente em qualquer circunstância, e situacional.
Recomenda-se também considerar a idade e a experiência sexual do paciente.
Disfunções sexuais
Alteração nos processos próprios do ciclo de resposta sexual ou presença de dor
associada ao intercurso, com acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal. É
necessária ausência de explicação por outro transtorno do Eixo I e de relação exclusiva
com efeitos fisiológicos diretos de substância ou condição médica geral.
Tipos:
- Disfunção por falta, exemplificada por disfunção erétil, inibição do
desejo sexual e anorgasmia;
Transtornos de preferência
Fantasias ou comportamentos sexuais intensos recorrentes envolvendo objetos
não-humanos, crianças ou adultos, sem consentimentos destes, infringindo sofrimento
ou humilhação a si próprio ou ao parceiro, por um período mínimo de seis meses. O
comportamento, os desejos ou as fantasias provocam acentuado sofrimento,
prejudicando o funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da
vida.
Para a pedofilia, o indivíduo deve ter, pelo menos, dezesseis anos, sendo ao
menos cinco anos mais velho do que a (s) criança (s) envolvida (s).
Tratamento
Ejaculação precoce
O tratamento medicamentoso consiste no uso de medicamentos que interferem
na transmissão serotoninérgica, retardando a ejaculação.
Os fármacos de primeira escolha são os antidepressivos inibidores da recaptação
da serotonina. Paroxetina é apresentada na forma de comprimidos de 10mg, 20mg e
30mg, com dose de 20-60mg uma vez ao dia pela manhã juntamente com a alimentação,
titulada com incrementos de 10mg a cada duas a três semanas. Fluoxetina é apresentada
na forma de comprimidos de 10mg e 20mg, com dose de 20-60mg uma vez ao dia pela
manhã com ou sem a alimentação. Sertralina é apresentada na forma de comprimidos de
50mg e 100mg, com dose de 50-200mg uma vez ao dia pela manhã ou de noite com ou
sem a alimentação, com titulação com incrementos de 50mg com intervalo mínimo de
uma semana.
Antidepressivos tricíclicos também podem ser utilizados, apesar da menor
tolerância. Amitriptilina é apresentada na forma de comprimidos de 10mg, 25mg e
75mg, com dose de 75-150mg/dia fracionada em até três vezes, preferencialmente no
período noturno, titulada gradualmente conforme a tolerância do paciente, podendo
atingir até 300mg em casos selecionados. Clomipramina é apresentada na forma de
comprimidos de 10mg, 25mg e 75mg, com dose de 25-150mg/dia fracionada em até três
vezes, titulada gradualmente, podendo atingir até 250mg em casos selecionados.
Outras opções terapêuticas incluem ansiolíticos, aplicações tópicas de cremes de
Lidocaína, associações de inibidores da fosfodiesterase 5 com inibidores seletivos da
recaptação de serotonina e psicoterapia.
Anosgarmia
Bupropiona para anorgasmia induzida por antidepressivo.
Buspirona ou Alprazolam para anorgasmia induzida por ansiedade. Buspirona é
apresentada na forma de comprimidos de 5mg e 10mg, com dose inicial de 15mg/dia
fracionada em duas a três vezes e titulação em 5mg/dia a cada dois a três dias conforme
a necessidade, com máximo de 60mg/dia. Alprazolam é apresentado na forma de
comprimidos de 0.25mg, 0.5mg e 1.0mg, com dose habitual de 0.25-0.50mg duas a três
vezes ao dia e máximo de 4.5mg/dia.
Em caso de disfunção psicogênica ou mista, psicoterapia poderá ser indicada.
Vaginismo
Ansiolítico em dose variável, conforme o caso.
Exercícios específicos com auxílio dos dedos ou de moldes dilatadores.
Gel hidrossolúvel para melhora da lubrificação.
Psicoterapia.
Transtornos de preferência
O tratamento baseia-se em psicoterapia, para a identificação dos elementos
associados ao comportamento parafílico e o desenvolvimento de alternativas mais
adequadas de relacionamento sexual, e medicamentos, que inibem a libido. No Brasil, a
medicação utilizada nesses casos é a antidepressiva, como Fluoxetina 80mg/dia, e
antipsicótica. Há países que adotam, também, substâncias antiandrogênicas, como o
Acetato de Ciproterona e o Acetato de Medroxiprogesterona. É importante fazer o
acompanhamento em longo prazo até que o paciente atinja, pelo menos, a quinta década
de vida, quando a frequência desse tipo de comportamento costuma recrudescer.
O tratamento dos casos de transexualismo envolve equipe multidisciplinar para
formulação diagnóstica correta, avaliação psiquiátrica apoio psicológico, administração
do uso de hormônios, avaliação de condições familiares e sociais, preparação para a
cirurgia, ato cirúrgico e acompanhamento pós-operatório.
Bibliografia
Clínica Médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – Barueri, SP:
Manole, 2009.
Erectile Dysfunction. Kevin T McVary. N Engl J Med 2007;357:2472-81.
Critérios diagnósticos
Cinco ou mais sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de duas
semanas e representam uma mudança do funcionamento prévio. No mínimo, um dos
sintomas é humor deprimido ou perda de interesse ou prazer. Não se incluem sintomas
que sejam causados claramente por condições médicas gerais ou delírios e alucinações
incongruentes com o humor.
(1) Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias,
indicado pelo relato subjetivo ou por observações feitas por terceiros.
(2) Diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as
atividades diárias, na maior parte do dia, quase todos os dias,
indicada pelo relato subjetivo ou por observações feitas por terceiros.
(3) Perda ou ganho significativo de peso sem estar de dieta ou aumento
ou diminuição do apetite quase todos os dias.
(4) Insônia ou hipersônia quase todos os dias.
(5) Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias observáveis
pelos outros e não meramente sensações subjetivas de inquietação ou
de estar mais lento.
(6) Fadiga ou perda da energia quase todos os dias.
(7) Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada, que
podem ser delirantes, quase todos os dias e não meramente auto-
recriminação ou culpa por estar doente.
(8) Capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se ou indecisão quase
todos os dias por relato subjetivo ou observação feita pelos outros.
(9) Pensamentos de morte e não apenas medo de morrer, ideação suicida
recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano
específico para cometer suicídio.
Os sintomas não preenchem os critérios de um episódio misto de transtorno
bipolar, causam angústia clinicamente significativa ou prejuízo nas atividades sociais,
ocupacionais e outras funções importantes, não se devem a efeitos psicológicos diretos
de alguma substância ou condição médica geral e não são melhor explicados por luto,
isto é, perda de um ser amado, a menos que persistam por mais de dois meses ou sejam
caracterizados por prejuízo significativo das funções, preocupação mórbida com
inutilidade, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor.
Especificadores
O transtorno depressivo é considerado leve quando poucos sintomas estão
presentes além daqueles necessários para fazer o diagnóstico e o indivíduo consegue
funcionar com esforço extra, moderado quando existe comprometimento das funções e
incapacitação parcial, grave sem sintomas psicóticos quando todos os sintomas estão
presentes e existe importante comprometimento funcional e grave com sintomas
psicóticos quando há presença de delírios ou alucinações concomitantes à síndrome
depressiva grave.
Características catatônicas incluem comportamentos ou movimentos estranhos,
como imobilidade, atividade motora excessiva despropositada, rigidez, adoção de
Subtipos
A depressão melancólica caracteriza-se por perda de interesse ou prazer em
atividades normalmente agradáveis, humor depressivo não-reativo a estímulos
prazerosos de qualidade distinta da tristeza normal, sentimentos de culpa, insônia
terminal, piora matutina, acentuada diminuição do apetite, perda de peso e retardo ou
agitação psicomotora. O diagnóstico é baseado na presença de um dentre os dois
primeiros sintomas e de três dentre os demais sintomas no período mais grave do
episódio atual de transtorno do humor. Antidepressivos tricíclicos, Venlafaxina,
Milnaciprano e Mirtazapina apresentam eficácia superior à dos inibidores seletivos da
recaptação de serotonina. Depressão melancólica prediz boa resposta à
eletroconvulsoterapia.
A depressão atípica caracteriza-se por inversão dos sintomas vegetativos típicos,
ou seja, aumento de apetite, ganho de peso e hipersônia, além de falta de energia
marcante, reatividade do humor e padrão persistente de sensibilidade à rejeição
interpessoal. Há maior eficácia dos inibidores da monoamino-oxidase não-seletivos em
relação aos antidepressivos tricíclicos e inibidores seletivos da recaptação da serotonina,
com resultados controversos com Moclobemida. Recomenda-se tentar inibidor seletivo
da recaptação seletiva de serotonina e, se não houver resposta, trocar por
Tranilcipromina, com necessidade de dieta e proibição do uso de derivados de Morfina,
Adrenalina, descongestionantes nasais, antigripais e simpaticomiméticos. Há boa
resposta à terapia comportamental-cognitiva.
A depressão sazonal caracteriza-se pela ocorrência de episódios depressivos em
determinadas estações do ano, mais comumente no início do outono e do inverno, com
remissão na primavera. Ocorre predominantemente em mulheres e os sintomas atípicos
são frequentes. A abordagem prevê fototerapia e inibidor seletivo da recaptação de
serotonina.
A depressão puerperal desenvolve-se nas primeiras quatro semanas após o parto,
via de regra em primíparas, mas frequentemente tem início durante a gestação.
Distingue-se do “blues” puerperal, quadro transitório e benigno nos primeiros sete a dez
dias após o parto, e da psicose puerperal, condição rara que é um transtorno bipolar
grave na maior parte dos casos.
A depressão psicótica é transtorno depressivo grave caracterizado por sintomas
psicóticos, com delírios e/ou alucinações. Os delírios podem ser congruentes ou
incongruentes com o humor. As alucinações geralmente são auditivas, mas podem ser
visuais. É importante a associação de antidepressivos com antipsicóticos e
eletroconvulsoterapia.
Distimia é um estado depressivo crônico de intensidade leve marcado por
sentimentos frequentes de insatisfação e pessimismo. A maior parte dos pacientes
desenvolve francos episódios depressivos superpostos, de pior resposta terapêutica. Os
critérios diagnósticos preveem humor deprimido na maior parte do dia, na maioria dos
dias, indicado por relato subjetivo ou observação feita por terceiros, pelo período
Diagnóstico diferencial
Deve-se diferenciar sintoma, síndrome e transtorno. São inúmeras as condições
clínicas e as medicações associadas a quadros depressivos. Nem sempre é fácil
diferenciar um estado de humor patológico de reações afetivas normais.
Diagnóstico diferencial
O principal erro diagnóstico é o de depressão unipolar, principalmente em
mulheres, seguido de alcoolismo e esquizofrenia em homens. Transtornos que cursam
com impulsividade aumentada, transtornos relacionados ao uso de substâncias,
transtornos ansiosos, depressão unipolar, psicose, distúrbio de déficit de atenção e
hiperatividade e transtorno de personalidade borderline, entre outros, podem ocorrer
associados ao transtorno bipolar, representar um agravamento dos sintomas ou ser
estado misto ou mania.
Tratamento
Ó transtorno bipolar requer tratamento psiquiátrico especializado que aja
agudamente e preventivamente, atenda as necessidades psicossociais do paciente e
minimize a falta de adesão. Tanto a família como o cuidador devem ser amparados e
receber psicoeducação sobre o transtorno bipolar.
O tratamento de escolha consiste no uso de estabilizadores do humor,
substâncias que tratam e podem prevenir novos episódios, mas não agravam a
sintomatologia maníaco-depressiva ao longo da vida. Na fase aguda de mania, podem
ser utilizados benzodiazepínicos e/ou antipsicóticos. Casos de difícil controle podem ser
tratados com eletroconvulsoterapia.
Carbonato de Lítio tem eficácia em torno de 70-80% no tratamento da mania,
com latência de resposta de duas a três semanas e moderado efeito antidepressivo. É
apresentado na forma de comprimidos de 300mg e 450mg. A meia-vida de eliminação
varia de dezoito a vinte e quatro horas, com dosagem inicial de 300-900mg/dia e
titulação para faixa terapêutica de 900-1800mg/dia fracionada em duas a três vezes por
dia de acordo com a litemia, que deve ser de 0.6-1.2mEq/L, com dose tóxica próxima da
dose terapêutica. A primeira dosagem da litemia deverá ser feita entre o quarto e o
sétimo dias de tratamento, a segunda ao fim da segunda semana e a terceira ao fim do
primeiro mês. O acompanhamento clínico rigoroso em relação à evolução psiquiátrica e
quanto à presença de efeitos colaterais é tão ou mais importante do que as dosagens
plasmáticas da droga. Efeitos adversos incluem acne, queda de cabelo, exantema,
leucocitose e hipotireoidismo. Intoxicação cursa com tremor, ataxia, déficits cognitivos,
dispepsia, aumento de peso, diarreia, diabetes insipidus, insuficiência renal aguda,
alterações de onda T e bloqueio sinoatrial. Monitorização laboratorial prevê função
tireoidiana, função renal, hemograma, urina tipo I e litemia pelo menos cinco dias após
alteração da dose e a cada seis meses após estabilização da litemia
Divalproato é apresentado na forma de comprimidos de 500mg, com dose inicial
de 250-750mg/dia e titulação para faixa terapêutica de 25mg/kg/dia fracionada, ajustada
Bibliografia
Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da
mulher, envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Clínica Médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – Barueri, SP:
Manole, 2009.
Bipolar Disorter: A Focus on Depression. Mark A. Frye. N Engl J Med 2011;364:51-9.
1256
Pedro Kallas Curiati
Moduladores Mirtazapina 15 15-45 - - ++ - - + ++ Baixa
de
noradrenalina
e serotonina
Moduladores Reboxetina 4 8-10 - + - ++ + ++ - Baixa
de
noradrenalina
Inibidores Tranilcipromina 10 20-60 - + - ++ + ++ - Crise Alta
irreversíveis hipertensiva,
risco de
da síndrome
monoamino serotoninérgi
oxidase ca
Inibidores Moclobemida 150 300-600 + + - + - - - Baixa
reversíveis
da
monoamino
oxidase A
Antagonistas Agomelatina 25 25-50 - + - - - - - Baixa
da
melatonina
1257
Pedro Kallas Curiati
ARTRITE REUMATOIDE
Definição
A artrite reumatoide é uma doença inflamatória crônica sistêmica de caráter
autoimune que acomete grandes e pequenas articulações periféricas de forma aditiva e
simétrica e evolui para deformidade e perda funcional se não adequadamente tratada.
Epidemiologia
A artrite reumatoide é a artropatia inflamatória crônica mais comum. É mais
prevalente em mulheres e pode afetar indivíduos de todas as idades.
Fatores indicativos de pior prognóstico incluem presença de autoanticorpos,
particularmente em níveis elevados, atividade da doença elevada e ocorrência de
erosões ósseas precocemente.
Fisiopatologia
Há evidências de interação de vários fatores para o desenvolvimento da doença,
dentre os quais herança genética, ação hormonal, agentes infecciosos e tabagismo. O
alvo primário da inflamação é a membrana sinovial.
Quadro clínico
Com frequência, o quadro articular característico da artrite reumatoide é
precedido de manifestações gerais, como fadiga, mialgia e febre. O início da doença
ocorre, habitualmente, entre os vinte e os sessenta anos de idade, com a maior
incidência entre trinta e cinco e quarenta e cinco anos.
A história clínica é variável, acreditando-se que existam pacientes com evolução
benigna em um padrão monocíclico ou oligocíclico, pacientes com evolução policíclica
com períodos de melhora e piora, mas sempre progressivos, e pacientes com padrão
agressivo, evoluindo com rapidez para deformidade e perda funcional.
Manifestações articulares
O quadro clínico, desde o início caracterizado por dor e edema das articulações,
é frequentemente poliarticular, envolvendo, em especial, as pequenas articulações de
mãos e pés, embora qualquer uma das articulações diartrodiais do organismo seja
passível de acometimento. Em cerca de um terço dos pacientes, a doença pode estar
limitada a uma ou duas articulações, geralmente um ou ambos os joelhos. Na maioria
dos pacientes, o acometimento articular é simétrico e aditivo.
A rigidez articular é observada principalmente pela manhã e melhora com a
movimentação. Sua duração é indicativa da intensidade do processo inflamatório.
As articulações mais acometidas nos membros superiores são punhos,
metacarpofalangeanas e interfalangeanas proximais. Ao contrário da artrite psoriática e
da osteoartrose, o envolvimento das interfalangeanas distais é incomum. O conjunto de
punho alargado pela sinovite, atrofia dos músculos interósseos das mãos e aumento de
volume das articulações metacarpofalangeanas e/ou interfalangeanas proximais, com
aspecto característico, é denominado de mão reumatoide. Deformidades típicas, embora
não patognomônicas, são observadas na evolução da doença, como desvio ulnar dos
dedos, dedo em “pescoço de cisne”, caracterizado por hiperextensão da articulação
interfalangeana proximal e flexão da articulação interfalangeana distal, e botonniere,
caracterizada por flexão da articulação interfalangeana proximal e hiperextensão da
Manifestações extra-articulares
As manifestações extra-articulares podem ocorrer em até 20% dos pacientes e
afetar pele e tecido subcutâneo, com nódulos subcutâneos e vasculites cutâneas, olhos,
com ceratoconjuntivite sicca, episclerite, esclerite e nódulos coroides e retinianos,
pericárdio, com pericardite, coração, com miocardite, nódulos no sistema de condução e
vasculite coronária, pulmões, com nódulos pulmonares, fibrose intersticial e
bronquiolite obliterante, pleura, sistema nervoso central e periférico, com neuropatias
periféricas por compressão, compressão medular por subluxação C1-C2, mononeurites
múltiplas e vasculite do sistema nervoso central, baço e fígado, com síndrome de Felty,
caracterizada por esplenomegalia, febre, neutropenia e úlcera de membros inferiores, e
vias aéreas superiores e inferiores, incluindo cordas vocais, laringe e passagens nasais.
Sintomas gerais, como febre e emagrecimento, também podem ser identificados, assim
como anemia de doença crônica.
Avaliação complementar
O fator reumatoide é um autoanticorpo dirigido contra a fração constante (Fc) de
outro anticorpo da classe IgG, sendo encontrado em 70-80% dos pacientes com artrite
reumatoide. Geralmente é uma imunoglobulina M (IgM), mas pode ser também das
classes IgA, IgG e IgE. Pode ser positivo, frequentemente de forma transitória e em
títulos baixos, em indivíduos normais, sobretudo em idosos e mulheres. Em títulos mais
elevados, é detectado em um grande número de patologias, particularmente doenças
autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, esclerose
sistêmica, dermatomiosite, polimiosite, crioglobulinemia mista e doença mista do tecido
Diagnóstico
O diagnóstico de artrite reumatoide é clínico. Exames laboratoriais e radiografias
complementam uma história clínica bem feita e o exame físico articular.
Tratamento
As metas do tratamento são controlar a dor e o edema com um mínimo de efeitos
colaterais, evitar a lesão articular, a deformidade e a perda funcional e manter a
qualidade de vida e a capacidade para o trabalho e o lazer.
Além de um programa de fisioterapia e/ou terapia ocupacional com técnicas de
proteção articular, o paciente deve receber tratamento sintomático, com anti-
inflamatórios e analgésicos, e de base.
O uso de aparelhos para imobilização das articulações pode ser muito útil na
prevenção de deformidades. A terapia intra-articular com corticosteroides é um
instrumento valioso nos casos de artrite refratária e deve ser muito útil na prevenção de
Agentes biológicos
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
2010 Rheumatoid arthritis classification criteria: an American College of Rheumatology/European League Against Rheumatism
collaborative initiative. Daniel Aletaha, Tuhina Neogi, Alan J Silman, et al. Ann Rheum Dis 2010 69: 1580-1588.
EULAR recommendations for the management of rheumatoid arthritis with synthetic and biological disease-modifying
antirheumatic drugs. Josef S Smolen, Robert Landewé, Ferdinand C Breedveld, et al. Ann Rheum Dis published online May 5,
2010.
Epidemiologia
Mais comum que a esclerose sistêmica e menos comum que o lúpus eritematoso
sistêmico, a doença mista do tecido conjuntivo acomete principalmente mulheres, com
idade de início variando de quatro a cinquenta e seis anos, havendo maior incidência na
quarta década de vida.
Fisiopatologia
A etiologia da doença mista do tecido conjuntivo não é conhecida e pouco se
sabe sobre a sua fisiopatologia. Diferente do lúpus eritematosos sistêmico, a exposição
solar não é desencadeante.
Quadro clínico
O início da doença é habitualmente insidioso. As manifestações mais frequentes
no início da doença são poliartrite, fenômeno de Raynaud, edema difuso de dedos e/ou
mãos, mialgia e fraqueza muscular. Febre baixa, fadiga, perda de peso e adinamia não
são raras.
Manifestações dermatológicas incluem edema de dedos, espessamento cutâneo,
esclerodactilia, livedo reticular, telangiectasias, eritema malar, fotossensibilidade,
heliotropo, sinal de Gottron, queda de cabelos, calcinose, hipopigmentação ou
hiperpigmentação, eritema nodoso, lúpus discoide, lúpus subagudo, eritema multiforme,
vasculite livedoide e vasculite leucocitoclástica pustular. Nódulos subcutâneos com
características histopatológicas de nódulo reumatoide podem estar presentes em regiões
peritendinosas, no dorso das mãos ou no antebraço.
A artrite é simétrica, com distribuição semelhante à da doença reumatoide. Pode
ser erosiva e ter fator reumatoide e/ou anticorpo anti-peptídeo citrulinado cíclico
positivo. Pode evoluir sem deformidades, com artropatia de Jaccoud, com deformidades
importantes ou, mais raramente, de forma mutilante. Outras manifestações músculo-
esqueléticas incluem artralgia e miosite.
Manifestações cardiovasculares incluem pericardite, miocardite, lesões valvares,
distúrbios de condução, isquemia miocárdica, hipertensão arterial pulmonar, fenômeno
de Raynaud, microangiopatia na capilaroscopia peri-ungueal semelhante ao padrão lento
da esclerose sistêmica, com capilares gigantes e micro-hemorragias, e anticorpos anti-
fosfolípides.
Manifestações neuropsiquiátricas incluem neuropatia do trigêmeo, meningite
asséptica, mielite transversa, convulsões, coreoatetose, ataxia, rebaixamento do nível de
consciência, cefaleia, distúrbios de memória, neuropatia periférica sensitiva,
polirradiculoneuropatia aguda, psicose, delírio paranoide, síndrome do pânico e
alucinações táteis e visuais. Existem relatos também de hemorragia cerebral, síndrome
da cauda equina e encefalopatia multifocal progressiva.
Avaliação complementar
Exames gerais com provas de atividade inflamatória, inespecíficos, devem ser
realizados, atentando-se para a ocorrência de aumento de gamaglobulina na eletroforese
de proteínas, comum em processos inflamatórios, porém mais acentuado na doença
mista do tecido conjuntivo. O hemograma pode revelar citopenias. Apesar de o
comprometimento renal ser raro, urina tipo 1 deve ser solicitada.
Enzimas musculares, como aldolase, desidrogenase lática, aspartato
aminotransferase, e creatinofosfoquinase devem ser dosadas para diagnóstico
diferencial com miopatia de origem neurológica. Eletroneuromiografia complementa a
investigação. Biópsia muscular revela infiltrado inflamatório endomisial, perimisial e
peri-fascicular e fibras atróficas endomisiais e perimisiais.
Exame de importância em todos os pacientes com fenômeno de Raynaud é a
capilaroscopia peri-ungueal.
Dentre os auto-anticorpos, espera-se positividade de fator anti-núcleo (FAN)
com padrão pontilhado e anticorpos anti-antígenos extraíveis do núcleo (anti-ENA),
secundários à presença de anticorpos anti-U1RNP em altos títulos, acima de 1:1000 por
hemaglutinação. Segundo a maioria dos critérios de classificação, a negatividade do
anticorpo anti-dsDNA não é necessária. No entanto, por causa da alta especificidade
desse anticorpo para lúpus eritematoso sistêmico quando pesquisado por
imunofluorescência indireta, sua positividade persistente afasta o diagnóstico de doença
mista do tecido conjuntivo, o que também é válido para o anticorpo anti-Sm. Outros
auto-anticorpos podem estar presentes, como anti-Ro, anti-La e fator reumatoide. Os
anticorpos anti-cardiolipina, mesmo quando positivos, aparentemente não provocam
manifestações trombóticas ou hemorrágicas. Síndrome anti-fosfolípide secundária é
Diagnóstico
Tratamento
Em função de sua raridade e de pouco tempo após sua descrição, não há
trabalhos controlados sobre o tratamento da doença mista do tecido conjuntivo. Desse
modo, não é possível orientar a terapêutica por meio da medicina baseada em
evidências.
O quadro cutâneo, quando decorrente de processo inflamatório, com lesões
eritematosas ou vasculíticas, terá boa resposta a corticoide em doses baixas a
moderadas, com até 0.5mg/kg/dia de Prednisona ou equivalente, e a droga de
manutenção, como Difosfato de Cloroquina 250mg/dia ou Hidroxicloroquina
400mg/dia. Em caso de vasculite extensa ou profunda, mais grave, deve-se utilizar dose
alta de corticosteroide ou mesmo pulsoterapia, além de drogas citotóxicas, como
Azatioprina 1-3mg/kg/dia. Pode ser necessário o emprego de Ciclofosfamida em
pulsoterapia mensal com 0.5-1g/m2 de superfície corporal. O edema difuso de dedos ou
mãos já foi indicação de corticoterapia, mas atualmente essa decisão foi abandonada
pelo fato de esse sinal clínico não estar relacionado a doença ativa.
O espessamento cutâneo não responde a corticosteroide, mas responde a drogas
anti-fibróticas, como a Colchicina, com dose de 0.5-1mg/dia, que só trará benefício ao
paciente em caso de manifestação limitada a mãos, antebraço e face. Em casos mais
graves e extensos, com comprometimento de tórax e abdômen, está indicada a
pulsoterapia mensal com Ciclofosfamida. Caso haja manifestações semelhantes às do
lúpus eritematoso sistêmico, com indicação de uso de corticosteroide, deve-se avaliar a
relação entre risco e benefício em razão do risco de crise renal esclerodérmica.
A calcinose não tem tratamento específico com bons resultados, mas as drogas
mais comumente utilizadas são os bifosfonatos.
O tratamento do quadro articular deve adotar os mesmos procedimentos
indicados para a doença reumatoide, com algumas ressalvas. Hidroxicloroquina
400mg/dia ou Difosfato de Cloroquina 250mg/dia, Metotrexato 7.5-15mg/semana,
Sulfassalazina e Leflunomide são bem tolerados e sem riscos para o paciente. Os
medicamentos D-Penicilamina, sais de outo e anti-TNF alfa estão contraindicados pelo
risco de síndrome semelhante ao lúpus eritematoso sistêmico. Os anti-inflamatórios
não-hormonais têm sua utilidade, devendo ser administrados conjuntamente a inibidores
de bomba de prótons.
Para o tratamento do quadro muscular, deve-se utilizar costicosteroide em doses
de 10-20mg/dia de Prednisona ou equivalente, raramente superiores a 0.5mg/kg/dia. O
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Definition and diagnosis of mixed connective tissue disease. Robert M Bennett. UpToDate, 2012.
Clinical manifestations of mixed connective tissue disease. Robert M Bennett. UpToDate, 2012.
Prognosis and treatment of mixed connective tissue disease. Robert M Bennett. UpToDate, 2012.
Epidemiologia
Trata-se de doença rara, com pico de incidência entre trinta e cinquenta anos de
idade, mais prevalente em mulheres e em negros.
Fisiopatologia
A esclerose sistêmica é uma doença complexa de etiologia desconhecida, sendo
improvável que um fator isolado, genético ou ambiental, seja a causa da doença. Podem
participar exposição a sílica, óleo contaminado, solventes, como cloridrato de vinil e
benzeno, drogas, como Bleomicina e L-Triptofano, vírus, como retrovírus e
citomegalovírus, fatores mecânicos, como vibração intensa, microquimerismo fetal e
genética.
São importantes na patogênese da esclerose sistêmica lesão vascular, ativação
imune e ativação de fibroblastos, com produção excessiva de colágeno. Vários
anticorpos foram identificados, sendo alguns altamente específicos, como o anti-
centrômero para a forma limitada e o anti-Scl-70 para a forma difusa da esclerose
sistêmica. Os anticorpos anti-endotélio estão presentes em cerca de 30% dos pacientes e
podem contribuir para a lesão.
Quadro clínico
O fenômeno de Raynaud caracteriza-se pela mudança de cor dos dedos em três
fases, com palidez intensa, cianose e hiperemia reacional. Está presente nos dedos em
resposta a frio ou estresse e provoca extremidades frias, com formigamento e dolorosas.
Na forma limitada da esclerose sistêmica, o fenômeno de Raynaud pode ser a única
queixa por longo período de tempo e só vai ser valorizado se surgir alguma complicação
isquêmica. Já na forma difusa, este fenômeno surge concomitante a outros sinais da
doença ou é um sinal isolado por curto período de tempo. O fenômeno de Raynaud
primário ou doença de Raynaud é comum, principalmente em países frios, é mais
frequente em adolescentes do sexo feminino, é caracterizado por episódios isolados de
palidez ou cianose digital, ocorre sem isquemia periférica, úlcera digital, cicatrizes ou
gangrena e cursa com capilaroscopia normal, fator anti-núcleo negativo e velocidade de
hemossedimentação normal. O fenômeno de Raynaud secundário é raro, é mais
frequente em mulheres em idade fértil, é caracterizado por pelo menos duas fases, com
palidez e cianose, ocorre com sinais de isquemia arterial, como úlceras digitais,
Avaliação complementar
O fator anti-núcleo é positivo na maior parte dos pacientes, mas os anticorpos
específicos da doença são o anti-centrômero na doença limitada e o anti-topoisomerase I
(Scl-70) na doença difusa. Anticorpos contra RNA polimerase I, II e III e fibrilarina
também são encontrados na forma difusa e geralmente são responsáveis pelo padrão
nucleolar na imunofluorescência.
A capilaroscopia, exame simples, não-invasivo e barato, é de grande auxílio na
abordagem diagnóstica.
As alterações mais características nas radiografias de mãos são reabsorção de
tecidos moles nas polpas digitais, calcificações de tecidos moles, osteólise, provocando
perda das falanges distais, e deformidades com tendência para luxação da primeira
articulação carpo-metacarpiana.
A avaliação do trato gastrointestinal, principalmente do esôfago, deve ser feita
rotineiramente com manometria, esofagograma e endoscopia digestiva alta. O trânsito
intestinal deve ser avaliado quando houver diarreia e desnutrição. No enema opaco, a
presença de dilatações do cólon e pseudo-divertículo é muito sugestiva de esclerose
sistêmica.
Diagnóstico
• Critério maior:
o Espessamento da pele proximal às articulações
metacarpofalangeanas;
• Critérios menores:
o Esclerodactilia;
o Cicatrizes em polpas digitais;
o Fibrose pulmonar;
Para o diagnóstico, é necessário o critério maior ou dois critérios menores.
Diagnóstico diferencial
Desordens com envolvimento semelhante de órgãos internos incluem cirrose
biliar primária, hipertensão arterial pulmonar primária e fibrose pulmonar idiopática.
Desordens com alterações de pele assimétrica incluem morfea, esclerodermia
linear e golpe de sabre.
Doenças do tecido conjuntivo incluem doença mista, superposição e lúpus
eritematoso sistêmico.
Desordens associadas ao fenômeno de Raynaud incluem fenômeno de Raynaud
primário, fenômeno de Raynaud induzido por drogas, como beta-bloqueadores,
derivados ergotamínicos e tabaco, fatores ocupacionais, como manejo de máquinas que
causam intensa vibração, feocromocitoma, síndrome carcinoide, arteriosclerose,
vasculites, crioglobulinemia, síndrome de hiperviscosidade, policitemia e outras
colagenoses, como síndrome de Sjögren, doença mista do tecido conjuntivo e lúpus
Tratamento
Fenômeno de Raynaud
Devem ser eliminados todos os fatores que pioram o vasoespasmo, como
tabagismo, beta-bloqueadores e derivados ergotamínicos. O uso de meias e luvas, bem
como evitar a exposição de qualquer parte do corpo ao frio, é de grande auxílio. Quando
essas medidas não são suficientes, os agentes mais eficazes são os bloqueadores de
canais de cálcio, como a Nifedipino, apresentado na forma de comprimidos revestidos
de 10mg e 20mg, com dose diária de 10mg duas vezes ao dia a 20mg três vezes ao dia,
e o Diltiazem, apresentado na forma de comprimidos revestidos de 30mg e 60mg, com
dose máxima diária de 360mg fracionada em três a quatro tomadas. A simpatectomia
cervical ou lombar pode ser eficaz em casos graves e resistentes, mas foi abandonada
como prática rotineira, pois seus benefícios são mantidos por curto período de tempo.
Em caso de úlceras de difícil cicatrização e/ou gangrena, terapias adicionais são
necessárias. As doses dos vasodilatadores devem ser aumentadas até o máximo
tolerado, deve-se introduzir Ácido Acetilsalicílico em dose anti-agregante e deve-se
considerar o uso de Pentoxifilina, apresentada na forma de comprimidos revestidos de
400mg, com dose de um comprimido duas a três vezes ao dia. Bosentan, apresentado na
forma de comprimidos de 62.5mg e 125mg, com dose inicial de 62.5mg duas vezes ao
dia e titulação até 125mg duas vezes ao dia, um antagonista não-seletivo da endotelina,
pode ter efeito benéfico na isquemia digital e reduzir a incidência de ulceração. O
análogo sintético de prostaciclina Iloprost administrado por via parenteral, com 0.5-
2ng/kg/minuto, é um potente vasodilatador, inibe a agregação e a adesão plaquetária,
aumenta a deformabilidade das hemácias, altera a função dos neutrófilos, pode ajudar a
reparar o endotélio lesado e reduz a produção e a liberação de citocinas pró-fibróticas. O
uso de inibidores da fosfodiesterase-5, como Sildenafil, Tadalafil e Vardenafil, também
pode ser tentado.
O alívio da dor é de grande importância e esquemas isolados ou combinados
com Paracetamol, Codeína e anti-depressivos são de grande auxílio.
Quando a úlcera se torna infectada, é importante a limpeza constante e o uso de
antibiótico tópico e oral com cobertura para Staphylococcus aureus.
Pele
A D-Penicilamina, apresentada na forma de comprimidos revestidos de 300mg,
com dose de um a três comprimidos por dia, agente capaz de afetar a produção de
colágeno e com provável efeito imunossupressor, tem sido utilizada rotineiramente no
tratamento dos pacientes com esclerose sistêmica.
A Colchicina, avaliada em estudo randomizado controlado com placebo não
Doença pulmonar
Há melhora do escore de Rodnan, da gravidade da dispneia e de medidas de bem
estar com o uso de Ciclofosfamida, apresentada na forma de comprimidos de 50mg e de
frasco-ampola de 200mg/20mL e 1000mg/75mL. Preconiza-se 1-2mg/kg por via oral
uma vez ao dia ou 500-750mg/m2 uma vez por mês na forma de pulso com ou sem
corticosteroide. Metotrexato, Azatioprina, Ciclosporina e plasmaférese já foram
utilizados, porém seus resultados precisam ser confirmados.
Ecocardiograma deve ser realizado anualmente para pesquisa de sinais de
hipertensão arterial pulmonar. O melhor controle da hipertensão arterial pulmonar
ocorre com o uso de prostaciclinas por via intravenosa, subcutânea ou inalatória,
inibidores da endotelina 1, como o Bosentan, ou inibidores da fosfodiesterase 5, com
diminuição da mortalidade e melhora da qualidade de vida. A terapêutica anticoagulante
é mandatória.
Doença gastrointestinal
A orientação dos hábitos alimentares ao paciente, como ingerir refeições
pequenas e frequentes, evitar comer até duas horas antes de dormir e manter a cabeça
elevada ao dormir, é fundamental. Os pró-cinéticos, como a Metoclopramida e a
Domperidona, melhoram a peristalse do esôfago e aceleram o esvaziamento gástrico. O
uso de inibidores de bomba de prótons, como o Omeprazol, representa um grande
avanço no cuidado dos pacientes, com dose habitual de 20mg duas vezes ao dia e
indicação empírica para prevenir estenose esofágica.
Quando há sinais de acelerado crescimento bacteriano devido a estase, o
tratamento prevê o uso de antibióticos, como Ciprofloxacino, Amoxacilina e
Metronidazol. Para preservar a eficácia do antibiótico, é necessário o seu rodízio
mensal, reservando alguns períodos livres.
Doença cardíaca
A pericardite sintomática tem boa resposta com anti-inflamatórios não-
hormonais ou baixas doses de corticosteroides. Em pacientes com grandes derrames, a
pericardiocentese pode ser necessária. Em caso de suspeita de comprometimento
cardíaco, a avaliação inicial prevê eletrocardiograma, radiografia de tórax, creatinina
sérica, troponina I sérica e ecocardiograma.
Doença renal
O tratamento da crise renal é baseado principalmente no controle adequado da
pressão arterial sistêmica. Os inibidores da enzima de conversão da angiotensina são as
drogas de escolha e o seu uso diminuiu drasticamente a evolução para a insuficiência
renal. Essas drogas devem ser mantidas mesmo que a insuficiência renal piore ou o
paciente necessite de diálise, pois o quadro pode ser revertido mesmo após alguns anos
de diálise. Se necessário, bloqueadores de canais de cálcio podem ser associados. Beta-
bloqueadores devem ser evitados pelo risco de piora da isquemia digital.
A monitorização renal é recomendada de forma rotineira, com medida mensal da
pressão arterial e avaliação da proteinúria a cada três a seis meses, desde que os
resultados obtidos sejam normais. Creatinina sérica, taxa de filtração glomerular
estimada e sedimento urinário também são úteis.
Bibliografia
Epidemiologia
Antes consideradas raras, as espondiloartropatias estão sendo reconhecidas como
muito mais prevalentes.
Etiologia e fisiopatologia
As espondiloartropatias apresentam etiopatogenia pouco conhecida. Porém,
mecanismos genéticos, como o antígeno HLA-B27, ambientais e infecciosos parecem
estar envolvidos, provavelmente modulando uma resposta imunológica alterada.
O HLA-B27, expresso em 7% da população europeia ocidental sadia, pode estar
presente em até 80-90% dos casos de espondilite anquilosante, mas é menos prevalente
nas espondiloartropatias enteropáticas, sendo detectado em 35-75%.
Interação com antígenos bacterianos em hospedeiros geneticamente predispostos
foi comprovada. Na artrite psoriásica, estresse emocional pode desencadear o quadro
clínico.
Quadro clínico
Os achados mais frequentes nas espondiloartropatias são envolvimento de
coluna lombar e articulações sacro-ilíacas, artrite periférica assimétrica de grandes
articulações dos membros inferiores, ausência de fator reumatoide no soro,
envolvimento de ênteses, cartilagens e cápsulas ligamentares, podendo ocorrer erosões
ósseas e deposição de osso reativo com a formação de esporões, envolvimento extra-
articular, podendo abranger olhos, valva aórtica, pele, parênquima pulmonar e uretra, e
agregação familiar, com positividade para HLA-B27.
O paciente clássico com espondiloartropatias é indivíduo do sexo masculino,
jovem, que apresenta dor lombar de caráter inflamatório, pior em repouso e pela manhã,
com rigidez matinal associada a dor e edema de articulações de membros inferiores,
muitas vezes com envolvimento de ênteses em calcâneos e plantas dos pés.
Ao exame físico, observa-se retificação da coluna lombar e dor à palpação de
articulações sacro-ilíacas. O teste de Schöber geralmente é positivo já nas fases iniciais,
assim como são evidentes a restrição da expansibilidade torácica, com variação do
perímetro torácico, medido ao nível do quarto espaço intercostal, entre a inspiração e a
Avaliação complementar
Os exames complementares são inespecíficos e muitas vezes negativos. Nos
casos mais graves, podem revelar aumento da atividade inflamatória com elevação de
proteínas de fase aguda, além de hemograma com discreta leucocitose e anemia
normocítica normocrômica. O HLA-B27 não faz parte da rotina diagnóstica, nem deve
ser supervalorizado, mas pode auxiliar nos casos iniciais ou dúbios. Nos casos de
monoartrite, punção do líquido sinovial pode ser necessária e revela padrão inflamatório
de grau variável.
Exames de imagem, como radiografia simples de coluna em incidências ântero-
posterior e perfil, pelve em incidência ântero-posterior e articulações periféricas
envolvidas, são extremamente úteis, podendo revelar sacroileíte e retificação da coluna
lombar, que pode se prolongar até a coluna cervical, com sindesmófitos, calcificações
ligamentares e a clássica coluna em bambu da espondilite anquilosante. Tomografia
computadorizada e, preferencialmente ressonância nuclear magnética podem ser de
grande valia nos casos precoces, nos quais a radiografia simples pode ser normal. No
esqueleto periférico e nas fases de atividade inflamatória, os achados radiológicos se
caracterizam por edema de partes moles das regiões afetadas seguido por
irregularidades do periósteo e rarefação óssea periarticular.
Tratamento
Embora as bases do tratamento das doenças que constituem o grupo das
espondiloartropatias sejam semelhantes, o que vai determinar o esquema terapêutico é a
evolução dos diferentes quadros clínicos específicos. Faz-se também necessária
individualização terapêutica e abordagem conjunta com diversos especialistas, como o
gastroenterologista, o dermatologista e o oftalmologista.
Exercícios físicos são importantes no planejamento terapêutico, devendo-se
evitar esportes de alto impacto e preferir práticas como natação e alongamento. A
cessação do tabagismo deve ser orientada a todos os pacientes fumantes. É importante
ressaltar, ainda, a necessidade de medidas fisioterápicas e de reabilitação precoces.
Intervenções cirúrgicas, como tenotomia e artroplastia, principalmente das articulações
coxofemorais e dos joelhos, podem proporcionar melhor mobilidade e dar recuperação
funcional ao paciente. Fusão cervical é indicada para subluxação atlanto-axial com
comprometimento neurológico.
O tratamento farmacológico comum às diferentes espondiloartropatias constitui-
se no alívio da dor e na redução da atividade inflamatória com analgésicos e anti-
inflamatórios não-hormonais, como Indometacina, apresentada na forma de
comprimidos de 25mg e 50mg e supositórios de 100mg, com dose de até 200mg/dia
fracionada em até quatro tomadas diárias, Diclofenaco de Sódio, apresentado na forma
de comprimidos de 50mg, com dose de até 150mg/dia fracionada em até três tomadas
diárias, e Naproxeno, apresentado na forma de comprimidos de 250mg e 500mg, com
dose de até 1500mg/dia fracionada em até três tomadas diárias. Para avaliar a eficácia, o
anti-inflamatório não-hormonal deve ser utilizado regularmente durante pelo menos
quatro semanas, com suspensão em caso de resposta insatisfatória. Em caso de artrite
enteropática, deve-se ter cautela com o uso de anti-inflamatórios não-hormonais, pois
podem exacerbar a doença inflamatória intestinal subjacente.
Atualmente, agentes biológicos, como os inibidores do TNF Infliximab,
Etanercepte, Adalimumab e Golimumab, têm sido utilizados com excelente resposta
clínica, ganhando posição de destaque no tratamento das espondiloartropatias, mas sem
evidência satisfatória até o momento de bloqueio da evolução da doença. São indicados
após três a seis meses de falha com anti-inflamatórios não-hormonais. Em caso de
artrite periférica, pode-se indicar Sulfassalazina. Os principais preditores de resposta ao
tratamento com inibidores do TNF são doença com curta duração, níveis elevados de
proteína C reativa e idade jovem. Efeitos adversos potenciais incluem reativação de
tuberculose latente e exacerbação ou mesmo desenvolvimento de doença
desmielinizante.
O único agente modificador do curso da doença considerado potencialmente útil
na espondilite anquilosante é a Sulfassalazina, com maior efetividade no tratamento da
artrite periférica do que da artrite axial. Apresentada na forma de comprimidos de
500mg, com dose inicial de 500mg uma vez ao dia e aumento de 500mg/dia uma vez
por semana até dose de 2000-3000mg/dia fracionada em duas tomadas diárias. Os
efeitos adversos mais comuns são náusea, tontura, cefaleia e exantema. Hemograma
deve ser monitorizado no mínimo a cada três meses, já que leucopenia e neutropenia
podem ocorrer subitamente. A principal indicação é espondilite anquilosante com artrite
periférica em paciente no qual outra medicação que não um inibidor do TNF é desejada.
A Sulfassalazina deve ser descontinuada na ausência de melhora dentro do período de
Espondilite anquilosante
A espondilite anquilosante é uma doença inflamatória sistêmica crônica
caracterizada pelo acometimento primário da coluna vertebral, com envolvimento das
articulações sacro-ilíacas de forma simétrica. Em seu espectro clínico, podem ocorrer
entesites, com inflamação de inserções ligamentares e tendíneas, e artrite periférica, em
geral assimétrica, preferencialmente de membros inferiores, como tornozelos, quadril e
joelhos, e mais raramente de membros superiores, sobretudo ombros.
Ocorre uma ampla variação na distribuição mundial da prevalência da
espondilite anquilosante, havendo forte correlação em determinadas populações com a
presença do HLA-B27.
Em geral, o início do quadro clínico ocorre na segunda ou na terceira décadas de
vida, de forma insidiosa, sendo três vezes mais frequente nos homens do que nas
mulheres, nas quais as características clínicas e radiológicas evoluem mais lentamente.
A lombalgia é a queixa mais comum e mais precoce, com irradiação para a região glútea
profunda e para a linha articular das sacro-ilíacas, geralmente de forma bilateral. Após
alguns meses, pode tornar-se persistente, com rigidez e sensação dolorosa difusa na
região lombar baixa. Há rigidez matinal, melhora com atividade física moderada ou
banho quente e piora no leito ou após períodos de inatividade física. Em alguns casos,
há pouca manifestação axial nas fases iniciais, com predomínio de mialgia seguida por
dor nas regiões de inserção tendinosa ou ligamentar. As entesites de parede torácica,
com envolvimento de articulações costo-esternais, processos espinhosos, escápulas e
articulações costo-vertebrais, podem causar dor e dificuldade de expansão torácica pela
manhã, com respiração predominantemente abdominal ou diafragmática. Manifestações
gerais, como febre, anorexia e inapetência, podem ser encontradas nos estágios iniciais
e mais frequentemente na forma de início juvenil.
Exame físico minucioso é crucial para o estabelecimento do diagnóstico precoce
da doença. Encontra-se limitação parcial do movimento da coluna lombar,
comprometendo hiperextensão, rotação, flexão para frente e flexão lateral, além de
deformidade do pescoço em flexão, acentuação da cifose torácica e perda da lordose
lombar. Testes como a distância do terceiro dedo para o chão, o exame detalhado das
articulações coxofemorais e o teste de Schöber devem ser executados de maneira
rotineira. A avaliação da expansibilidade torácica é realizada na altura do quarto espaço
intercostal com os braços do paciente elevados e as mãos atrás da cabeça. Com a
evolução do quadro, pode ocorrer a anquilose óssea da coluna, caracterizada pela fusão
das articulações interapofisárias, com perda total ou parcial dos movimentos dos
diversos segmentos da coluna vertebral. O paciente adota a clássica “posição de
esquiador”, com retificação cervical e lombar, acentuação da cifose torácica e flexão
Artrites reativas
Em geral, as artrites reativas são assimétricas e assépticas, cursando em surtos
agudos com duração média de quatro a cinco meses, podendo chegar a um ano. Podem
Artrite psoriásica
Definição
A artrite psoriásica é uma artropatia soronegativa inflamatória que se associa à
psoríase cutânea. Afeta mais caucasianos do que outras raças.
Etiologia e fisiopatologia
A etiopatogenia da artrite psoriásica permanece obscura, mas o surgimento da
doença parece sofrer influência de fatores ambientais, infecciosos e imunogenéticos,
com maior prevalência de HLA-B27. Muitas vezes, estresse emocional pode estar
presente como gatilho.
Quadro clínico
O exame físico revela as lesões cutâneas eritêmato-descamativas associadas à
artropatia inflamatória. As lesões cutâneas podem ser variadas, localizadas ou difusas,
gutatas ou pustulosas.
A forma clássica caracteriza-se por envolvimento das articulações
interfalangeanas distais de mãos e pés, geralmente acompanhado de lesões ungueais
caracterizadas por estrias transversais, pitting nails e hiperqueratose subungueal.
A artrite mutilante é a forma mais grave da doença, já que se apresenta de forma
erosiva e destrutiva, algumas vezes acompanhada de sintomas sistêmicos, como perda
de peso e febre. Envolvimento cutâneo disseminado e sacroileíte são comuns. Afeta
preferencialmente os dedos dos pés e das mãos, as articulações metacarpofalangeanas e
metatarsianas e associa-se a osteólise das falanges envolvidas, anquilose e osteoporose,
com deformidades graves.
A forma espondilítica acomete o esqueleto axial, associa-se ao antígeno HLA-
B27, em geral é assintomática e cursa com envolvimento iliossacral em parte dos casos.
Os sintomas do processo inflamatório em coluna lombar baixa ou parede torácica são
mínimos ou ausentes, havendo pouca correlação entre achados clínicos e radiológicos.
Em geral, há assimetria quanto ao envolvimento das sacroilíacas e à presença de
sindesmófitos. Manifestações extra-articulares, como uveíte, fibrose pulmonar e
insuficiência aórtica, são raras.
A forma monoarticular ou oligoarticular assimétrica em algum momento no
curso da doença evolui para poliartrite. Em geral, há pouca relação entre a atividade
cutânea e a articular. Ocorre acometimento de maneira assimétrica das articulações
interfalangeanas proximais, interfalangeanas distais e metacarpofalangeanas, além de
dedos dos pés, tornozelos, calcanhares, joelhos e quadris.
A tenossinovite digital leva ao característico “dedo em salsicha”. Na poliartrite
simétrica tipo reumatoide, pequenas e grandes articulações são afetadas de maneira
semelhante à artrite reumatoide, mas o envolvimento das interfalangeanas distais, o
fator reumatoide negativo e a ausência de nódulos subcutâneos auxiliam no diagnóstico.
É importante ressaltar que os padrões de comprometimento articular podem
modificar-se ou superpor-se ao longo do tempo. Outras manifestações observadas são
conjuntivite, uveíte, entesite, dactilite e lesões mucosas.
Avaliação complementar
A avaliação laboratorial é inespecífica, mas velocidade de hemossedimentação,
proteína C reativa e alfa-1 glicoproteína ácida em geral estão aumentadas na fase ativa
Critérios diagnósticos
Inflamação musculoesquelética, com artrite, entesite ou dor lombar.
Pelo menos três pontos:
- Psoríase (2 pontos), psoríase prévia (1 ponto) ou história familiar de
psoríase (1 ponto);
- Lesões ungueais (1 ponto);
- Dactilite, atual ou prévia, documentada por reumatologista (1 ponto);
- Fator reumatoide negativo (1 ponto);
- Formação óssea justa-articular em radiografias simples (1 ponto);
Tratamento
O tratamento consiste na utilização de anti-inflamatórios não-hormonais, agentes
imunossupressores, fisioterapia e terapia ocupacional. Em geral, o alívio dos sintomas
articulares ocorre na maioria dos pacientes com o uso de anti-inflamatórios não-
hormonais, como Naproxeno, Indometacina e inibidores da ciclo-oxigenase 2, mas sem
influência na evolução clínica e radiológica da doença. Dessa forma, agentes
modificadores do curso da doença devem ser iniciados precocemente, especialmente em
pacientes com comprometimento articular mais grave, maior número de articulações
afetadas, sintomas persistentes apesar de terapêutica com anti-inflamatórios não-
hormonais ou rápida progressão radiológica ou funcional.
Apesar da exacerbação das lesões cutâneas ter sido descrita com o uso de
Quinacrian e Cloroquina, antimaláricos, como Hidroxicloroquina, podem
eventualmente ser benéficos para a manifestação articular da doença. Colchicina, na
dose de 0.5-1.5mg/dia, pode ser útil para alguns pacientes, com melhora da rigidez
matinal e da dor articular. A melhor opção terapêutica para a artrite psoriásica é, no
entanto, Metotrexato. Sulfassalazina na dose de 1-3g/dia pode ser uma alternativa,
especialmente para a forma axial da doença, assim como a Leflunomida, a Azatioprina
na dose de 1-3mg/kg/dia para casos refratários e a Ciclosporina A na dose de 2.5-
5.0mg/kg/dia, que controla as manifestações cutâneas e articulares também nos casos
refratários.
Corticosteroides sistêmicos são evitados, já que geralmente doses elevadas são
necessárias para controlar a doença e recidivas são comuns. As apresentações tópicas
para controle das lesões cutâneas são absorvidas pela pele e podem proporcionar certo
alívio articular. Já o corticoide intra-articular pode auxiliar no manejo de sinovites
isoladas, mas exige cuidados rigorosos de assepsia pelo alto risco de contaminação
articular por bactérias, sendo recomendado evitar que a agulha passe pela placa
psoriásica.
Recentemente, agentes biológicos, como os inibidores do TNF Adalimumabe,
Bibliografia
Clínica médica: diagnóstico e tratamento. Itamar de Souza Santos... [et al.]. São Paulo. Sarvier, 2008.
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
Clinical manifestations, diagnosis, and management of undifferentiated spondyloarthritis and related spondyloarthritides. David T
Yu. UpToDate, 2012.
Pathogenesis of spondyloarthritis. David T Yu. UpToDate, 2012.
Clinical manifestations of ankylosing spondilytis in adults. David T Yu. UpToDate, 2012.
Diagnosis and differential diagnosis of ankylosing spondylitis. David T Yu. UpToDate, 2012.
Assessment and treatment of ankylosing spondylitis in adults. David T Yu. UpToDate, 2012.
Reactive arthritis (formerly Reiter syndrome). David T Yu. UpToDate, 2012.
Arthritis associated with gastrointestinal disease. Peter H Schur. UpToDate, 2012.
Clinical manifestations and diagnosis of psoriatic arthritis. Dafna D Gladman. UpToDate, 2012.
Treatment of psoriatic arthritis. Dafna D Gladman. UpToDate, 2012.
Epidemiologia
A gota acomete principalmente os homens, com pico de incidência aos quarenta
anos de idade. A disparidade entre homens e mulheres diminui com o avançar da idade,
pelo menos em parte devido ao declínio nos níveis de estrogênio, que apresenta efeito
uricosúrico. Existe uma forte influência hereditária.
Fisiopatologia
O ácido úrico é um produto normal do catabolismo das purinas, excretado
basicamente pelo rim. A concentração normal no plasma é de até 6.8mg/dL e acima
desse nível a solubilidade diminui, com aumento progressivo do risco de deposição nos
tecidos sob a forma de cristais.
Existem dois mecanismos básicos de doença:
- Aumento na produção de ácido úrico, que pode ocorrer devido a defeito
enzimático, alto metabolismo de ácidos nucleicos, dieta rica em purinas e
estresse, como em traumatismo, cirurgia e infecção;
- Diminuição da eliminação de ácido úrico pelo rim, com deficiência
específica presente na maior parte dos portadores de gota,
independentemente da função renal;
Classificação
Gota primária:
- Idiopática;
- Defeito enzimático;
Gota secundária:
- Aumento do metabolismo de ácidos nucleicos, como em neoplasias,
tratamento quimioterápico, hiperparatireoidismo, psoríase, estresse físico
e estresse emocional;
- Diminuição da eliminação de ácido úrico pelo rim, como em
insuficiência renal, uso de substâncias que reduzem o clearance do ácido
úrico, como diuréticos, Ácido Acetilsalicílico em doses de até 1g/dia,
drogas contra tuberculose e etanol, intoxicação por chumbo e acidose
metabólica;
Quadro clínico
Hiperuricemia assintomática caracteriza-se por níveis elevados de ácido úrico
sérico, acima de 6.8mg/dL, porém sem nenhuma manifestação da doença.
Artrite gotosa aguda é uma das manifestações clínicas mais características do
sistema musculoesquelético. A crise manifesta-se por artralgia quase sempre
monoarticular, de início repentino, intensa, acompanhada de edema, calor e eritema
locais, com duração de três a dez dias e regressão espontânea. As articulações
periféricas dos membros são as mais comumente afetadas. Irritabilidade, febre e poliúria
Exames complementares
Ácido úrico sérico geralmente é maior do que 6.8mg/dL, embora existam raros
casos de gota com uricemia normal.
Provas de atividade inflamatória, como velocidade de hemossedimentação e
proteína C reativa, podem elevar-se na fase aguda.
Hemograma pode revelar leucocitose na fase aguda.
Excreção de ácido úrico em urina de 24 horas serve para diferenciar indivíduos
hiperexcretores, normoexcretores e hipoexcretores, sendo normal 300-800mg.
Clearance de ácido úrico geralmente é reduzido, inferior a 6.5mL/minuto.
Glicemia, colesterol e triglicérides podem estar alterados.
A análise do líquido sinovial revela presença de cristais de monourato de sódio
extra-articulares e intra-articulares, com grande quantidade de polimorfonucleares na
fase aguda. Deve ser enviado material para bacterioscopia e cultura para diagnóstico
diferencial.
Exame anatomopatológico revela presença de granulomas envolvendo massas de
cristais de urato em tofos e articulações comprometidas.
Na radiografia convencional, verificam-se múltiplas erosões ósseas em saca-
bocado com bordas escleróticas e espiculadas. Habitualmente, o osso afetado torna-se
mais denso que o adjacente. Calcificações periarticulares são incomuns. Os tofos podem
ser identificados como opacidades tênues na radiografia e às vezes tornam-se
calcificados. Com a evolução da doença, surgem lesões ósseas líticas disseminadas,
redução do espaço articular, osteófitos, anquilose e osteopenia.
Ultrassonografia de vias urinárias e dosagem de uréia e creatinina são utilizadas
para pesquisa de doença renal associada.
Diagnóstico
Baseia-se em história clínica, hiperuricemia, achados de cristais de monourato
de sódio em tofos, líquido sinovial e sinóvia e quadro radiográfico.
Tratamento
Crise articular
As drogas de primeira opção são os anti-inflamatórios não-hormonais.
Diclofenaco e Indometacina podem ser administrados com 50mg de 8/8 horas por via
oral durante dois dias e 25mg de 8/8 horas por via oral durante mais três dias ou 50mg
de 8/8 horas por via oral durante três dias e 25mg de 8/8 horas por via oral durante mais
quatro a sete dias. Naproxeno pode ser administrado com 500mg de 12/12 horas por via
oral durante cinco dias ou 500mg de 12/12 horas por via oral durante três dias e 250mg
de 12/12 horas por via oral durante mais quatro a sete dias, com apresentações injetáveis
nos quadros mais graves. Devem ser evitados em caso de insuficiência renal ou
hepática, distúrbios da coagulação, insuficiência cardíaca ou alergia. Estão associados a
risco aumentado de eventos adversos trombóticos e gastrointestinais.
Corticosteróides por via oral ou intra-articular são altamente eficazes, estão
indicados quando o tratamento com anti-inflamatórios não-hormonais for
contraindicado ou ineficaz e podem ser utilizados durante todo o período de duração da
crise. Prednisolona pode ser administrada com 30-35mg/dia por via oral durante cinco
dias. Prednisona pode ser administrada com 30-60mg/dia por via oral durante dois dias
conforme a gravidade da crise e redução de 5-10mg/dia a cada dois dias até completar
dez dias. É necessária cautela em pacientes com hiperglicemia ou insuficiência cardíaca.
A Colchicina pode ser usada na dose de 0.5mg de 8/8 horas por via oral,
ressaltando-se que pode provocar diarreia e dor abdominal.
A medicação escolhida deverá ser administrada por sete a dez dias para garantir
a resolução dos sintomas.
Medidas adjuvantes incluem crioterapia e repouso da articulação acometida.
Hiperuricemia
Inicialmente, deve-se orientar uma dieta adequada, com restrição parcial da
ingesta de carnes em geral e leguminosas, como feijão, lentilha e ervilha. A ingesta de
bebidas alcoólicas deve ser proibida. Pode-se aumentar a ingesta de vitamina C.
A escolha da melhor opção medicamentosa deve ser feita após a avaliação da
excreção e do clearance do ácido úrico, além da investigação de litíase urinária com
história, ultrassonografia e radiografia. Há benefício em pacientes com hiperuricemia e
pelo menos duas crises ao ano ou com gota tofácea crônica.
Nos indivíduos hipoexcretores e normoexcretores sem calculose, indica-se o uso
de uricosúricos, que bloqueiam a reabsorção tubular renal de urato, como
Benzbromarona 50-200mg/dia, que é muito eficaz, mesmo em indivíduos com baixo
clearance de creatinina, apesar de apresentar certo grau de hepatotoxicidade. Probenecid
deve ser iniciado com dose de 250mg/dia por via oral e aumentado em 500mg/dia por
mês até dose máxima de 2-3g/dia de 12/12 horas em pacientes com função renal normal
para atingir a meta do tratamento. Sulfinpirazona também age como uricosúrico.
Inibidores da síntese do ácido úrico são usados nos indivíduos hiperexcretores e
hiperprodutores de ácido úrico ou ainda naqueles que apresentam urolitíase. A única
opção terapêutica do grupo dos inibidores da xantina oxidase até recentemente era é o
Bibliografia
Clínica médica: diagnóstico e tratamento. Itamar de Souza Santos... [et al.]. São Paulo. Sarvier, 2008.
Manual de Reumatologia para graduação em medicina. Ricardo Fuller. São Paulo. Pontes Editores Ltda. 2007.
Gout. Tuhina Neogi. N Engl J Med 2011;364:443-52.
Epidemiologia
A doença, característicamente, é muito prevalente em mulheres em idade fértil,
sendo que seus primeiros sinais e sintomas se iniciam principalmente entre a segunda e
a terceira décadas de vida. No entanto, pode ocorrer com relativa frequência em
crianças e idosos, com menor predomínio do gênero feminino.
A doença parece ser mais prevalente na raça negra.
Fisiopatologia
A patogênese possui origem multifatorial. O componente genético parece
apresentar um papel de destaque. A participação hormonal é evidenciada pela maior
prevalência na população feminina em idade fértil. A influência de fatores ambientais é
bem reconhecida e a exposição à luz ultravioleta é capaz de induzir e exacerbar a
atividade inflamatória cutânea e sistêmica. Substâncias químicas, como Sulfadiazina,
Sulfametoxazol-Trimetoprim e estrogênio, também são reconhecidas como
desencadeantes de exacerbações. Agentes infecciosos virais são considerados na gênese
da doença.
Existe uma forma especial de doença, o lúpus induzido por medicamentos como
Procainamida e Hidralazina, com um quadro clínico mais brando, sem acometimento
renal e do sistema nervoso central, na presença exclusiva dos anticorpos anti-histona.
Quadro clínico
O lúpus é uma doença pleomórfica que não apresenta um padrão clássico de
comprometimento sistêmico. As manifestações clínicas podem aparecer isoladamente,
de forma consecutiva ou de forma aditiva. Articulações e pele são acometidas com
maior frequência, enquanto que rins e sistema nervoso central são acometidos em
quadros mais graves. Sintomas gerais e constitucionais podem estar presentes, como
febre, anorexia e perda insidiosa de peso.
Manifestações cutâneas
As lesões cutâneas específicas permitem considerar três quadros clínicos
cutâneos, que podem evoluir com ou sem comprometimento sistêmico. Outras lesões
cutâneas inespecíficas frequentes são alopecia, vasculite cutânea, fenômeno de Raynaud
e livedo reticular. As úlceras orais podem ser diferenciadas das aftas por serem mais
dolorosas e persistentes.
O lúpus eritematoso cutâneo crônico, também conhecido como lúpus discoide,
consiste em dermatose de evolução crônica e é a variante clínica mais comum do lúpus
eritematoso cutâneo. As lesões cutâneas são desencadeadas ou agravadas por exposição
a radiação ultravioleta, frio ou drogas. As lesões discoides podem ser localizadas ou
generalizadas e caracterizam-se por eritema de cor rosada a violeta, com atrofia central
e descamação. Afetam frequentemente a face, especialmente as regiões malares e o
dorso do nariz, com aspecto característico em asa de borboleta. Acometem o couro
Manifestações musculoesqueléticas
Extremamente frequentes nas fases precoces da doença. Apesar de não existir
um padrão articular, a grande maioria dos casos cursa com poliartrite episódica, de
caráter migratório ou aditivo, sempre não-deformante. Por vezes, há rigidez matinal
proeminente, com dificuldade para diagnóstico diferencial com artrite reumatoide. A
artropatia tipo Jaccoud caracteriza-se por desvio ulnar, deformidade do tipo “pescoço de
cisne” e subluxação das articulações interfalangeanas do polegar, mas é facilmente
passível de redução e alinhamento durante o exame físico.
Manifestações cardiovasculares
A pericardite é uma das manifestações cardíacas mais frequentes. O quadro
agudo pode ser isolado ou fazer parte de serosite generalizada. Os sintomas variam de
discretos e transitórios até graves e persistentes, mas a evolução é habitualmente
subaguda ou crônica, raramente cursando com tamponamento cardíaco.
A miocardite é caracterizada por taquicardia persistente e sinais clínicos de
insuficiência cardíaca de instalação aguda.
A endocardite de Libman-Sacks é caracterizada pela presença de vegetações
verrucosas próximas às bordas valvares.
Aterosclerose precoce e acelerada é importante causa de mortalidade por infarto
agudo do miocárdio.
Manifestações pleuro-pulmonares
A pleurite é manifestação pulmonar frequente, enquanto que doença intersticial
pulmonar é rara e deve ser diferenciada de infecções. Hipertensão arterial pulmonar
pode ocorrer de forma leve, mas é necessário descartar embolia pulmonar recorrente e
Manifestações neurológicas
Manifestações difusas incluem convulsões, predominantemente tônico-clônicas
e recidivantes mesmo após introdução de medicação anticonvulsivante, psicose,
cefaleia, pseudotumor cerebral e síndrome orgânica cerebral.
Manifestações focais incluem acidente vascular cerebral, mielite transversa,
síndrome de Guillain-Barré, meningite asséptica, neuropatia craniana periférica,
tremores, coreia e parkinsonismo.
Devem ser excluídos infecções, anormalidades metabólicas, hemorragias,
tromboses, crise hipertensiva e reação adversa de medicamentos.
Manifestações renais
A identificação da nefrite lúpica deve ser realizada o mais precocemente
possível, através de alterações laboratoriais e histológicas, já que sintomas e sinais
ocorrem quando há grau avançado de síndrome nefrótica ou insuficiência renal.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a glomerulonefrite lúpica pode ser
classificada através de biópsia renal com base em padrão histológico:
- I – Normal;
- II – Mesangial, caracterizada por hematúria e proteinúria discretas, sem
hipertensão ou alteração de função renal;
- III – Proliferativa segmentar e focal, caracterizada por sedimento
nefrítico e, frequentemente, proteinúria nefrótica, hematúria, cilindrúria,
hipertensão arterial e insuficiência renal de grau leve;
- IV – Proliferativa difusa, caracterizada por combinação de sedimento
nefrítico e nefrótico, com proteinúria e hematúria significativas,
hipertensão arterial e insuficiência renal significativa;
- V – Membranosa, caracterizada por síndrome nefrótica;
- VI – Esclerose glomerular;
A biópsia inicial é de extrema valia principalmente quando existem fatores como
diabetes mellitus, crise hipertensiva, síndrome do anticorpo antifosfolípide e uso de
medicamentos potencialmente nefrotóxicos. Além disso, auxilia na análise dos índices
de atividade e cronicidade renais.
Manifestações hematológicas
As manifestações hematológicas podem preceder em anos o diagnóstico da
doença. A série branca apresenta-se alterada com maior frequência, com leucopenia e
linfopenia isoladas ou em associação sendo os principais achados.
Anemia está presente na maior parte dos pacientes e pode ser classificada em
imune e não-imune. A anemia hemolítica com Coombs positivo é a principal
representante do grupo das anemias imunes. Pode ser identificada outra forma de
hemólise, a anemia hemolítica microangiopática, caracterizada por Coombs negativo e
identificação de esquizócitos na periferia, geralmente relacionada a presença de
vasculite sistêmica. A causa mais comum de anemia não-imune é a anemia de doença
crônica, seguida pela anemia secundária a deficiência de ferro e pela anemia secundária
a doença renal.
O grau de plaquetopenia é variável e formas graves são pouco comuns.
Exames complementares
A complementação diagnóstica inclui as provas inflamatórias de fase aguda,
Critérios diagnósticos
CRITÉRIOS CLÍNICOS
1. Lúpus cutâneo agudo, incluindo rash malar lúpico, lúpus bolhoso, necrólise
epidérmica tóxica lúpica, rash máculo-papular lúpico e rash por
fotossensibilidade lúpico, na ausência de dermatomiosite, ou lúpus cutâneo
subagudo, com lesões psoriasiformes não-enduradas e/ou anulares policíclicas
que resolvem sem deixar cicatriz, apesar de ocasionalmente deixarem
despigmentação pós-inflamatória ou telangiectasias;
2. Lúpus cutâneo crônico, incluindo lúpus discoide clássico localizado, acima do
pescoço, ou generalizado, lúpus hipertrófico ou verrucoso, paniculite lúpica ou
lúpus profundo, lúpus mucoso, lúpus túmido, lúpus pernioso e sobreposição de
líquen plano com lúpus discoide;
3. Úlceras orais ou nasais na ausência de outras causas, como vasculite, doença de
Behçet, infecção (herpesvírus), doença inflamatória intestinal, artrite reativa e
alimentação ácida;
4. Alopecia não-cicatricial, com afilamento difuso ou fragilidade com fios
quebrados visíveis, na ausência de outras causas, como alopecia areata, drogas,
deficiência de ferro e alopecia androgênica;
5. Sinovite envolvendo duas ou mais articulações, com inchaço ou efusão, ou dor
envolvendo duas ou mais articulações, com rigidez matinal de pelo menos trinta
minutos;
6. Serosite, com pleurite por mais de um dia, efusão pleural, atrito pleural, dor
pericárdica típica por mais de um dia (pior com decúbito dorsal e melhor com
inclinação do corpo para a frente), efusão pericárdica, atrito pericárdico ou sinais
eletrocardiográficos de pericardite;
7. Sedimento urinário com proteinúria superior ou igual a 500mg em 24 horas ou
superior ou igual a 0.5g/g de creatinina urinária ou cilindros hemáticos;
8. Convulsões, psicose, mononeurite múltipla na ausência de outras causas, como
vasculite primária, mielite, neuropatia periférica ou de pares cranianos na
ausência de outras causas, como vasculite primária, infecção e diabetes mellitus,
estado confusional agudo na ausência de outras causas, como intoxicação e
distúrbio metabólico;
9. Anemia hemolítica;
10. Leucopenia inferior a 4000/mm3 em pelo menos uma ocasião na ausência de
outras causas, como síndrome de Felty, drogas e hipertensão portal ou linfopenia
inferior a 1000/mm3 em pelo menos uma ocasião na ausência de outras causas,
como corticosteroides, drogas e infecções;
11. Trombocitopenia inferior a 100000/mm3 em pelo menos uma ocasião na
ausência de outras causas, como drogas, hipertensão portal e púrpura
trombocitopênica trombótica;
CRITÉRIOS IMUNOLÓGICOS
Tratamento
Aspectos relacionados a doença e sua evolução, com possíveis complicações e
riscos decorrentes dela ou de seu tratamento, devem ser explicados e discutidos com o
paciente.
A frequência com a qual testes laboratoriais de monitorização da doença são
realizados depende da atividade e da gravidade das manifestações clínicas. Preconiza-se
avaliação complementar semanal em caso de nefrite lúpica ativa, a cada dois a três
meses em caso de redução da taxa de filtração glomerular estimada e doença estável,
sem proteinúria, a cada quatro a seis meses em caso de nefrite lúpica prévia e taxa de
filtração glomerular estimada normal, sem proteinúria, com doença quiescente, e a cada
seis a doze meses em caso de ausência de envolvimento renal, com doença quiescente.
Sugere-se hemograma completo, velocidade de hemossedimentação, proteína C reativa,
urina 1, proteinúria, creatinina sérica, taxa de filtração glomerular estimada, anti-
dsDNA e frações C3 e C4 do complemento. Em indivíduos com antecedente de nefrite
lúpica, dosagem de proteínas e de creatinina na urina e de albumina sérica é
recomendada.
Deve-se orientar proteção contra luz solar e outras formas de radiação
ultravioleta pelos riscos de exacerbação ou indução de lesões cutâneas e até mesmo de
manifestações sistêmicas, preferindo-se produtos com fator de proteção solar superior
ou igual a 55. O grau de foto-sensibilidade é determinante na restrição à exposição solar
e na frequência e na intensidade da fotoproteção. O tabagismo deve ser desestimulado
por dificultar a melhora das manifestações cutâneas. O uso de bloqueadores dos canais
de cálcio e a proteção contra o frio são medidas efetivas no tratamento do fenômeno de
Raynaud, que tende a se tornar menos intenso com o controle da doença. Dieta
balanceada deve ser recomendada para promover melhor qualidade de vida com base
em comorbidades e complicações da doença ou da terapêutica. As pacientes em idade
fértil devem ser orientadas a não engravidar até a doença estar quiescente por pelo
menos seis meses e o uso de contraceptivos combinados orais deve ser evitado em caso
de enxaqueca, fenômeno de Raynaud, antecedente de flebite e positividade para
anticorpo antifosfolípide. As lesões discoides podem ser tratadas com pomadas ou
apósitos oclusivos de corticoides fluorados ou com infiltração de Triamcinolona 2.5-
5.0mg/mL.
A terapêutica medicamentosa deve ser obrigatoriamente individualizada, pois
depende dos sistemas comprometidos e da intensidade do processo inflamatório.
Gestantes geralmente são manejadas com corticosteroides, mas anti-inflamatórios não-
hormonais e Hidroxicloroquina provavelmente são seguros.
Anti-inflamatórios não-hormonais devem ser utilizados com cautela,
Bibliografia
Clínica médica: diagnóstico e tratamento. Itamar de Souza Santos... [et al.]. São Paulo. Sarvier, 2008.
Manual de Reumatologia para graduação em medicina. Ricardo Fuller. São Paulo. Pontes Editores Ltda. 2007.
Dermatologia. Sebastião A.P. Sampaio & Evandro A. Rivitti. São Paulo. Artes Médicas. 2007.
Overview of the therapy and prognosis of systemic lúpus erythematosus in adults. Peter H Schur & Daniel J Wallace. Uptodate.
2010.
Derivation and Validation of the Systemic Lupus International Collaborating Clinics Classification Criteria for Systemic Lupus
Erythematosus. Arthritis & Rheumatism. Vol. 64, No. 8, August 2012, pp 2677-2686.
Epidemiologia
As miopatias inflamatórias idiopáticas têm taxas altas de morbidade e
mortalidade. Apesar de ocorrerem em qualquer idade, em adultos há um pico na quinta
década de vida e em crianças há um pico entre dez e quinze anos de idade. As mulheres
são duas vezes mais acometidas que os homens.
Fisiopatologia
A etiologia das miopatias inflamatórias idiopáticas é desconhecida, porém, assim
como em outras doenças do tecido conjuntivo, acredita-se que fatores ambientais
desencadeiem a reação inflamatória crônica em indivíduos geneticamente suscetíveis.
Quadro clínico
Sintomas constitucionais, como fadiga persistente, perda de peso, febre, mialgia
e artralgia podem estar presentes no início da doença. A queixa predominante é fraqueza
muscular proximal, simétrica, progressiva, em geral insidiosa. Raramente, há casos com
evolução aguda. Mialgia pode ocorrer em até metade dos casos.
Os pacientes referem dificuldade para realizar atividades diárias, como levantar
uma cadeira, carregar objetos e pentear os cabelos. A musculatura flexora do pescoço
pode estar afetada, com dificuldade para levantar a cabeça do travesseiro. Em casos
agudos ou graves, pode ocorrer disfagia e fraqueza respiratória, com broncoaspiração.
Manifestações extra-articulares
Alguns pacientes apresentam poliartrite simétrica de pequenas articulações,
especialmente em fases precoces da doença, geralmente transitória e não-erosiva.
O envolvimento pulmonar ocorre em até metade dos pacientes, podendo
abranger pneumonia aspirativa, geralmente recorrente, doença pulmonar intersticial,
geralmente manifestada por tosse, dispneia e estertores crepitantes na ausculta
pulmonar, derrame pleural e hipertensão pulmonar.
Síndrome anti-sintetase é caracterizada por anticorpo específico da miosite, anti-
Jo1, doença pulmonar intersticial, poliartrite com deformidade, especialmente em mãos,
febre, fenômeno de Reynaud e mãos de mecânico, geralmente com curso recidivante.
Apesar de o envolvimento cardíaco ser comum, geralmente é assintomático.
Podem ocorrer distúrbios de ritmo, pericardite e, mais raramente, tamponamento
cardíaco e insuficiência cardíaca.
A musculatura faríngea pode ser acometida, com disfagia alta. Pode ocorrer
envolvimento de musculatura lisa em qualquer porção do trato gastrointestinal. A
dermatomiosite juvenil é mais comumente associada a ulcerações em trato
gastrointestinal e hemorragias, que são resultantes de vasculite sistêmica.
Uma manifestação tardia e, eventualmente, incapacitante é a calcinose, que pode
ocorrer em pele, tecido subcutâneo, fáscia e músculos. Compromete especialmente
indivíduos com dermatomiosite juvenil.
Há relatos de glomerulonefrite em pacientes com polimiosite, mas essa
associação é rara.
Avaliação complementar
Devem-se dosar os níveis séricos de enzimas musculares, como
creatinofosfoquinase (CPK), aldolase, desidrogenase lática, alanina aminotransferase e
aspartato aminotransferase. A CPK é a enzima mais utilizada por ser mais sensível, com
utilidade no diagnóstico e no acompanhamento terapêutico. Os seus níveis séricos estão
aumentados, em média, em dez vezes em relação ao limite superior da normalidade. A
aldolase também é uma enzima que predomina no tecido muscular, mas é um pouco
menos específica que a CPK, podendo estar elevada em doenças hepáticas e de outros
órgãos.
Títulos significativos de autoanticorpos estão presentes em metade dos
pacientes. O fator anti-núcleo é positivo com maior frequência nas miopatias
inflamatórias associadas a outras doenças do tecido conjuntivo e menor frequência
naquelas associadas a neoplasias. Dentre os anticorpos específicos para miosites, o anti-
Jo1 é o único amplamente disponível para detecção de forma rotineira. Ele faz parte do
grupo dos anticorpos anti-sintetase, que se ligam às proteínas responsáveis pela ligação
dos aminoácidos aos seus RNA transportadores específicos.
Critérios diagnósticos
Para o diagnóstico definitivo de polimiosite são necessários os quatro critérios
iniciais e para o diagnóstico definitivo da dermatomiosite são necessários apenas quatro
dos cinco critérios, mas com a inclusão obrigatória do último critério, referente às lesões
cutâneas.
1. Fraqueza muscular proximal e simétrica.
2. Elevação dos níveis séricos de enzimas musculares, especialmente
creatinofosfoquinase e aldolase.
3. Alterações miopáticas à eletromiografia, com potenciais de unidade motora de
curta duração e baixa amplitude, polifásicos e com fibrilações espontâneas.
4. Biópsia com achados compatíveis com miopatia inflamatória, como necrose,
degeneração, regeneração e infiltrado inflamatório.
5. Lesões de pele características, como heliotropo, caracterizado por edema e
eritema nas pálpebras superiores, sinal de Gottron, caraterizado por edema e
eritema nas superfícies extensoras das articulações dos dedos, e eritema das
superfícies extensoras de cotovelos ou joelhos.
Diagnóstico diferencial
Medicamentos, como corticosteroides, etanol, hipolipemiantes, D-Penicilamina,
Colchicina, cocaína, Ciclosporina, Cloroquina, Zidovudina e L-Triptofano.
Evolução clínica
A polimiosite e a dermatomiosite têm um curso variável, podendo responder
com rapidez ao tratamento, evoluir com recidivas frequentes ou evoluir
progressivamente sem resposta a diversas modalidades de tratamento. Fatores de mau
prognóstico incluem demora de mais de seis meses para iniciar o tratamento após o
início dos sintomas, idade superior a cinquenta anos, presença de neoplasia, doença
rapidamente progressiva levando o paciente a ficar acamado ou em cadeira de rodas,
doença pulmonar, presença de anti-Jo1, disfagia e diagnóstico de miosite por corpúsculo
de inclusão.
Tratamento
A reabilitação é de extrema importância e deve ser iniciada no diagnóstico para
evitar retrações e atrofias musculares maiores. A recomendação atual é de mobilização
precoce do paciente, sendo inicialmente passiva e progressivamente ativa.
Corticosteroide é o agente de escolha no tratamento inicial das miopatias
inflamatórias idiopáticas. A via oral é a preferida, com 1mg/kg/dia de Prednisona. A via
intravenosa é indicada para pacientes graves ou com fatores de mau prognóstico, com
Metilprednisolona 1000mg/dia durante três dias e, após, manutenção por via oral com
Prednisona. Recomenda-se manter corticosteroide em doses altas até a melhora objetiva
da força muscular e normalização dos níveis séricos de CPK. A resposta inicial deve
ocorrer em quatro a seis semanas e a melhora clínica objetiva em três a seis meses. A
dose diária de Prednisona deve ser diminuída progressivamente em 5mg a cada mês até
atingir 20mg e, então, em 2.5mg a cada mês até dose de manutenção de 5-10mg/dia,
com manutenção por até um ano.
Atualmente é recomendado o uso de imunossupressor no diagnóstico quando o
paciente apresentar doença grave ou sinais de mau prognóstico. No entanto, não há
trabalhos que orientem a escolha da melhor medicação, que deverá ser utilizada por pelo
menos um ano, com redução gradual após a retirada da Prednisona e tempo médio de
uso ao redor de três anos. Em casos refratários, a associação de imunossupressores é
comum. Metotrexato, apresentado na forma de comprimidos de 2.5mg, com dose de
7.5-25mg/semana, em associação a Ácido Fólico, parece ser mais efetivo em homens e
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
Epidemiologia
A osteoartrose acomete aproximadamente 3.5% da população geral e sua
prevalência aumenta com a idade, atingindo 10% dos indivíduos com idade superior a
60 anos. Trata-se de uma das principais causas de afastamento do trabalho.
Fisiologia
A cartilagem normal é um tecido altamente diferenciado, constituído por uma
matriz extracelular, responsável por aproximadamente 95% do volume do tecido, e por
condroblastos, que ocupam os 5% restantes. A matriz cartilaginosa é composta por uma
rede de proteoglicanos, açúcares com estrutura terciária altamente complexa, capazes de
exercer a função de mola biológica. Os proteoglicanos são constituídos por
grupamentos denominados agrecanos, ligados ao ácido hialurônico. Os agrecanos, por
sua vez, têm um eixo central proteico no qual se ligam polímeros de açúcares
denominados glicosaminoglicanos. Existem vários tipos de glicosaminoglicanos e na
cartilagem hialina predominam o sulfato de condroitina e o sulfato de queratano, que
são cadeias de dissacarídeos, ricos em glicosamina.
Fisiopatologia
Do ponto de vista fisiopatológico, a osteoartrose é caracterizada por
insuficiência da cartilagem articular decorrente de um predomínio de degradação sobre
síntese, que evolui com inflamação local, proliferação sinovial e enfraquecimento global
de ligamentos e músculos. Surge como resultado da interação de fatores biológicos e
mecânicos.
Etiopatogenia
Algumas formas de osteoartrose são fortemente vinculadas à transmissão
genética, como a forma generalizada e a forma nodal das mãos.
Existe um aumento na prevalência e na incidência da osteoartrose com o
envelhecimento.
Traumas podem ocasionar sequelas na conformação óssea e articular, roturas
miotendíneas, capsulares e ligamentares, consolidação viciosa, roturas e descolamentos
osteocartilaginosos e meniscais e lesões neurovasculares. Essas alterações podem
provocar perda da congruência e da estabilidade da articulação, favorecendo o
surgimento ou agravamento da osteoartrose.
A obesidade pode ser um fator de risco para osteoartrose em determinadas
articulações de carga.
Deformidades articulares podem aumentar a carga sobre a cartilagem e
Quadro clínico
O principal sintoma da osteoartrose é a dor articular. No início, ela é inconstante
e de fraca intensidade. Com a progressão da doença, torna-se contínua e difusa, com
característica basicamente mecânica, isto é, aparece com o início do movimento e
melhora com o repouso, o que permite diferenciá-la da artrite reumatoide, na qual a dor
é do tipo inflamatória, presente mesmo ao repouso. A evolução do processo leva a perda
gradual da estabilidade articular e, consequentemente, a dor de maior intensidade, com
limitação funcional da articulação.
No exame físico, é comum encontrar dor à palpação, crepitação aos movimentos
e alargamento articular de consistência óssea. Às vezes, estão presentes sinais
inflamatórios, derrame articular e comprometimento musculotendíneo. Os casos de
evolução mais grave apresentam redução importante da amplitude do movimento,
podendo chegar à anquilose. A rigidez matinal, quando presente, geralmente é de curta
duração, inferior a quinze minutos. A identificação de dor localizada periarticular
remete à possibilidade do diagnóstico de bursites, tendinites ou lesões ligamentares.
Avaliação complementar
A graduação da lesão articular da osteoartrose pode ser realizada por métodos de
imagem convencionais, como radiografias simples, tomografia computadorizada e
ressonância nuclear magnética.
A radiografia simples é o exame complementar mais utilizado na rotina
diagnóstica. As alterações mais características são redução do espaço articular, que
indica perda da cartilagem articular, aumento da densidade óssea subcondral ou
esclerose óssea subcondral e osteófitos, que indicam remodelação óssea. Cistos e
erosões ósseas podem estar presentes nos casos mais graves e são circundados por um
osso com densidade normal ou até aumentada, o que ajuda na diferenciação com os
cistos e as erosões que ocorrem nas artropatias inflamatórias, como a artrite reumatoide,
em que existe osteopenia.
Outros exames complementares, utilizados rotineiramente na reumatologia,
como provas de atividade inflamatória, têm aplicação muito restrita na osteoartrose,
pois, via de regra, são normais. O exame do líquido sinovial revela um aspecto amarelo
citrino, elevação de leucócitos discreta e viscosidade preservada ou levemente
diminuída. Sua análise se presta principalmente ao diagnóstico diferencial nos casos em
que o derrame articular se instala agudamente, como ocorre, por exemplo, na artropatia
por cristais de pirofosfato de cálcio.
Classificação
A osteoartrose é definida como idiopática quando não existem fatores
predisponentes identificáveis e secundária quando decorre de agentes locais ou
sistêmicos que, ao agirem na articulação, modificam suas características biomecânicas.
Tanto a forma idiopática como a secundária podem ocorrer de modo localizado ou
generalizado. A forma localizada é restrita a um ou dois grupos articulares e a
generalizada envolve três ou mais grupos articulares. Na osteoartrose secundária, existe
geralmente o envolvimento de poucas articulações, sendo mais frequentes aquelas que
suportam carga. A forma idiopática comumente é poliarticular e quase sempre envolve
as mãos.
Diagnóstico
O diagnóstico da osteoartrose é baseado, sobretudo, no quadro clínico e na
avaliação por meio de métodos de imagem. A dor é sintoma de presença obrigatória.
Tratamento
O tratamento da osteoartrose tem por objetivos básicos o alívio dos sintomas, a
recuperação da função, o retardo da evolução da doença e a regeneração dos tecidos
lesados.
O tratamento farmacológico da osteoartrose se apoia em duas vertentes, o
tratamento com medicação sintomática de curta duração, como analgésicos e anti-
inflamatórios não-hormonais, e o tratamento com medicamentos de ação lenta, que se
subdividem em fármacos sintomáticos de ação lenta, como hialuronatos, Cloroquina,
Sulfato de Glicosamina, Sulfato de Condroitina, Diacereína e extratos insaponificados
de soja e abacate, e fármacos modificadores da doença, como Diacereína, Sulfato de
Glicosamina e Ácido Hialurônico.
Tratamento não-farmacológico
Devem-se identificar os fatores de risco presentes na vida do paciente e orientá-
lo quanto a natureza da doença e sua evolução. É imprescindível o treinamento em
medidas de proteção articular, como evitar posturas inadequadas, perder peso, praticar
tipo de atividade física ideal e iniciar programa de fortalecimento muscular.
Recomenda-se que o paciente transfira carga para articulações maiores, poupe
articulações afetadas e distribua os esforços bilateralmente.
Qualquer exercício que gere dor articular deve ser suspenso e o tratamento físico
reavaliado. Exercícios de impacto e carga acentuada e torção articular devem ser
evitados, pois podem acelerar a osteoartrose. Exercícios aeróbios, como marcha,
natação, bicicleta e hidroginástica são habitualmente bem tolerados. Exercícios de
resistência são tão eficazes quanto os aeróbios no controle da dor, na melhora funcional
e na qualidade de vida.
Palmilhas, bengalas e calçados especiais são medidas auxiliares de grande valor.
Palmilhas em cunha lateral com 6-8mm de altura promovem redução significativa da
carga no compartimento medial do joelho varo e diminuem o estiramento dos
ligamentos colaterais laterais. Da mesma maneira, utilizam-se palmilhas em cunha
medial para o joelho valgo. Há melhora da eficácia quando as palmilhas são utilizadas
com tornozeleiras e outros estabilizadores do tornozelo. Uma bengala contralateral
reduz em até 60% a carga do quadril lesado e deve ter comprimento suficiente para
permitir um ângulo de 20-30º entre o braço e o antebraço quando empunhada. Os
calçados devem apresentar solado com boa capacidade de absorção de impacto,
estabilidade, com fixação no antepé e no calcanhar, e salto de 2-3cm.
O realinhamento da patela com desvio lateral por meio de fita adesiva é uma
medida simples e tem sua principal indicação na osteoartrose da faceta lateral patelo-
femoral. A joelheira fenestrada constitui uma opção. Joelheiras com hastes articuladas
melhoram a estabilidade dos joelhos quando os exercícios de fortalecimento forem
insuficientes.
A aplicação de calor atua sobre as terminações nervosas e sobre as fibras gama
do fuso muscular, além de melhorar a extensibilidade do colágeno e do músculo, e pode
ser realizada sob as formas superficial e profunda. O calor superficial é obtido pelos
métodos de condução, com bolsas térmicas, convenção, com banho quente, e radiação
infravermelha. O calor profundo pode ser obtido com ultra-som, ondas curtas e micro-
ondas. Sua eficácia é questionável. A utilização de frio reduz a espasticidade muscular e
aumenta o limiar da dor. A aplicação é feita com bolsas térmicas ou massagem com
gelo por períodos de vinte a trinta minutos.
A estimulação elétrica transcutânea do nervo é útil como procedimento
analgésico. A acupuntura pode ser utilizada para melhorar a dor e a contratura muscular.
Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico geralmente é indicado quando ocorre falha do tratamento
clínico. Inclui irrigação, debridamento artroscópico, fenestração do osso subcondral,
remoção de osteófitos, osteotomia, colocação de próteses e artrodese. Transplante de
cartilagem e condrócito, uso de matriz artificial e aplicação de fatores de crescimento
apresentam resultados aceitáveis apenas nos casos de lesões focais em indivíduos mais
jovens.
Epidemiologia
A prevalência da osteoporose está aumentando em todos os países em
consequência do envelhecimento populacional.
Fisiopatologia
As fraturas são decorrentes da diminuição da resistência óssea e das quedas.
Fatores de risco maiores incluem história pessoal de fratura na vida adulta,
história de fratura por fragilidade em parente de primeiro grau, história atual de
tabagismo, baixo peso, inferior a 57kg ou com índice de massa corpórea inferior ou
igual a 19kg/m2, uso de corticoide oral por mais de três meses e idade avançada.
Fatores de risco menores incluem deficiência de estrógeno em pessoas com
menos de 45 anos, baixa ingesta de cálcio durante a vida, atividade física inadequada,
etilismo superior a duas doses diárias, déficit visual, saúde comprometida, quedas
recentes e demência.
Etiologia
A osteoporose é uma síndrome classificada em primária e secundária. Na
osteoporose primária, não são conhecidas as causas que produzem a diminuição da
massa óssea. A osteoporose primária compreende a osteoporose juvenil, a osteoporose
idiopática e a osteoporose involutiva.
A osteoporose juvenil é bastante rara, acomete jovens de oito a quatorze anos
durante o estirão do crescimento puberal e evolui rapidamente com fraturas vertebrais
em alguns anos. Tem curso clínico autolimitado, mas o paciente pode ter como sequelas
deformidades vertebrais, como cifose e escoliose. O diagnóstico diferencial deve ser
realizado principalmente com a osteogênese imperfeita.
A osteoporose idiopática do adulto jovem também tem baixa prevalência, sua
Quadro clínico
A diminuição da massa óssea é assintomática, sendo a osteoporose uma doença
de evolução silenciosa e o quadro clínico evidente apenas por ocasião das fraturas, que
ocorrem geralmente nas vértebras, no terço distal do antebraço, no fêmur e no úmero.
A fratura vertebral é a manifestação clínica mais comum da osteoporose. Em
dois terços dos casos, é assintomática e diagnosticada na radiografia torácica ou
abdominal realizada por outros motivos. Os pacientes podem permanecer
assintomáticos até que tenham ocorrido várias fraturas e uma deformidade significativa
tenha se instalado. As fraturas vertebrais podem se manifestar com dor aguda nas costas
após movimento rápido de flexão, extensão ou mesmo tosse ou espirro. A maior parte
das fraturas ocorre na região torácica baixa ou lombar alta. A dor pode ser leve ou
intensa, restrita ao sítio de fratura ou irradiada para a região anterior do abdômen. Os
episódios agudos de dor desaparecem após quatro a seis semanas, mas podem recorrer
com o desenvolvimento de novas fraturas. Fraturas vertebrais por osteoporose
raramente estão associadas a complicações como compressão radicular. Nos casos em
que a fratura vertebral é indolor, ela pode ser diagnosticada por meio da perda da altura
ou do aumento progressivo da cifose dorsal. A perda progressiva da altura resulta no
encurtamento progressivo da musculatura paravertebral e na sua contração ativa, com
dor e fadiga. Em alguns pacientes, as costelas inferiores podem encostar-se na crista
ilíaca, levando a desconforto, dor contínua e pronunciada distensão abdominal.
As alterações esqueléticas que acompanham a osteoporose podem reduzir a
capacidade das cavidades torácica e abdominal, com consequente alteração das funções
cardíaca, pulmonar, gástrica e vesical, dificultando a respiração e causando hérnia de
hiato e incontinência urinária. Também podem ocasionar limitação dos movimentos que
causam impacto em sua vida diária.
As fraturas de quadril são relativamente comuns na osteoporose. As fraturas
femorais são, geralmente, decorrentes de queda, podendo, no entanto, acontecer
espontaneamente. Ocorrem no colo do fêmur ou são transtrocantéricas. Outro sítio
comum de fratura em indivíduos com osteoporose é o terço distal do antebraço por
queda sobre a mão, com fratura de Colles.
Avaliação complementar
Densitometria óssea
A densitometria óssea de dupla emissão com fonte de raios X (DXA) ainda é o
padrão de referência para diagnóstico, monitorização e investigação clínica do paciente
Exames laboratoriais
Alguns exames gerais devem ser realizados para afastar causas secundárias de
perda de massa óssea, como cálcio e fósforo séricos para hiperparatireoidismo e
osteomalacia, 25-OH-vitamina D para deficiência de vitamina D e osteomalacia,
fosfatase alcalina para osteomalacia e doença de Paget, calciúria de 24 horas para
hipercalciúria e deficiência de vitamina D, eletroforese de proteínas para mieloma
múltiplo, hormônio tireoestimulante (TSH) para hipertireoidismo, hormônio folículo
estimulante para menopausa, testosterona livre para hipogonadismo masculino,
anticorpos anti-gliadina e anti-endomísio para doença celíaca, paratormônio intacto para
hiperparatireoidismo, creatinina sérica para insuficiência renal, enzimas hepáticas para
insuficiência hepática e cortisol livre em urina de 24 horas ou teste com supressão com
Dexametasona para síndrome de Cushing.
Na população geral, as indicações de dosagem de vitamina D incluem doenças
Diagnóstico
Na avaliação clínica de um paciente com suspeita de osteoporose, devem ser
considerados inicialmente os fatores de risco e afastadas causas secundárias.
O diagnóstico de osteoporose pode ser feito pela constatação de uma fratura por
fragilidade ou, antes que isso ocorra, pela medida da densidade mineral óssea.
Prevenção e tratamento
O objetivo do tratamento da osteoporose é reduzir o risco de fratura.
O tratamento ideal ainda é a prevenção, já que nenhuma terapia restaura
plenamente a massa óssea perdida. Baseia-se em otimizar o pico de massa óssea na
juventude e impedir, sempre que possível, a perda de massa óssea.
Medidas não-farmacológicas
A dieta para tratamento ou prevenção de osteoporose inclui a ingesta adequada
de calorias, cálcio e vitamina D. Excesso de oxalatos, presentes em frutas e vegetais, ou
fitatos, presentes em cereais e farinhas, uso de Tetraciclina ou Sulfato Ferroso e
deficiência de vitamina D dificultam a absorção adequada de cálcio. A ingesta excessiva
de sódio e proteínas e o uso de diuréticos não tiazídicos aumentam a excreção renal,
piorando o balanço de cálcio do organismo. As carnes e os alimentos industrializados,
como congelados, enlatados e refrigerantes a base de cola, apresentam grande
quantidade de fosfatos, que, no lúmen intestinal, podem formar cristais com cálcio e
impedir sua absorção.
A ingesta de 1000-1500mg de cálcio por dia pode diminuir a velocidade da
perda óssea, especialmente em mulheres após a menopausa ou com idade avançada.
Quando estas quantidades não forem alcançadas pela dieta, a complementação com sais
de cálcio deve ser prescrita. O Carbonato de Cálcio é o suplemento mais recomendado
devido ao baixo custo e sua absorção é melhor quando administrado juntamente com as
refeições, já que os alimentos estimulam a secreção gástrica e retardam o esvaziamento
Medidas farmacológicas
Bifosfonatos são medicamentos anticatabólicos com alta afinidade pela
hidroxiapatita óssea, onde se depositam por longos períodos. Ao serem capturados pelos
osteoclastos, inibem sua atividade, acelerando sua apoptose e diminuindo a reabsorção
óssea e a osteoclastogênese. A absorção dos bifosfonatos é baixa e prejudicada pela
ingesta concomitante de alimentos contendo cálcio, ferro, café, chá e sucos de frutas.
Por isso, a administração oral deve ser feita em jejum com um copo d’água, a ingesta de
alimentos só deve ser feita após um intervalo de trinta minutos para Alendronato e
Risedronato e sessenta minutos para Ibandronato e o paciente deve evitar se deitar por
pelo menos uma hora. São bem tolerados, mas cerca de 10% dos pacientes podem
apresentar sintomas relacionados a esofagite dentro de um mês do início da terapia,
podendo ocorrer, mais raramente, úlceras esofágicas e perfuração esofágica. Para
minimizar o risco de esofagite, o bifosfonato deve ser tomado com um copo de água e o
indivíduo não deve deitar nos trinta minutos seguintes. Se o indivíduo, por alguma
razão, ficar acamado, apresentar disfagia ou tiver acalasia ou doença do refluxo
gastroesofágico severa, a medicação não deverá ser administrada. Outras
contraindicações incluem osteonecrose de mandíbula, arritmias, reação alérgica prévia,
clearance estimado de creatinina inferior ou igual a 35mL/minuto, hipocalcemia,
vitamina D insuficiente ou deficiente, gestação e lactação. Ajuste da dose pode ser
necessário em pacientes com disfunção renal estágio III, com filtração glomerular
estimada de 30-59mL/minuto. Uma reação de fase aguda, caracterizada por febre,
mialgia, dor óssea e fraqueza ocorre em cerca de 20% dos pacientes após uma infusão
intravenosa inicial de bifosfonatos e em uma pequena parcela daqueles com tratamento
por via oral. Alendronato é apresentado na forma de comprimidos de 10mg e 70mg,
com dose recomendada de 10mg uma vez ao dia ou 70mg uma vez por semana.
Ibandronato é apresentado na forma de comprimidos de 150mg, com dose recomendada
de 150mg uma vez por mês. Risedronato é apresentado na forma de comprimidos de
5mg e 35mg, com dose recomendada de 5mg uma vez ao dia ou 35mg uma vez por
semana. Ibandronato é apresentado na forma de comprimidos de 150mg, com dose
recomendada de 150mg uma vez por mês. Ácido Zoledrônico é apresentado na forma de
ampolas de 4mg para administração intravenosa em pelo menos quinze minutos com
diluição em 100mL de Soro Fisiológico ou Soro Glicosado a 5%, com dose
recomendada de 5mg uma vez por ano. Além de serem medicamentos de escolha para o
tratamento da osteoporose, particularmente quando há indícios de remodelação
aumentada, os bifosfonatos também estão indicados na prevenção da perda óssea em
pacientes recebendo glicocorticoides, com duração ideal do tratamento desconhecida,
embora o uso contínuo por sete anos tenha sido bem tolerado. A duração ótima do
tratamento com bifosfonatos é desconhecida, mas parece que a descontinuação após
Indicações do tratamento
A decisão pelo tratamento de paciente com osteoporose baseia-se na análise do
risco de fraturas e na eficácia e na tolerância das medicações.
A história de uma fratura por fragilidade óssea indica a necessidade de
tratamento medicamentoso. O tratamento de primeira linha é com bifosfonatos. O
Ranelato de Estrôncio, o Raloxifeno e os estrógenos representam medicações
alternativas, sobretudo em mulheres mais jovens. A Calcitonina é outra opção, embora a
evidência de eficácia seja limitada. Apesar de a avaliação da densidade mineral óssea
não seja necessária para decisão do tratamento nos pacientes que apresentam fratura por
fragilidade vertebral e de fêmur, esse é o exame normalmente solicitado. Dada a
dificuldade de interpretar se uma fratura de antebraço é causada por fragilidade, a
medida da densidade mineral óssea em coluna lombar e fêmur é necessária para orientar
a conduta terapêutica. O benefício da terapia da osteoporose estabelecida é limitado se a
expectativa de vida é curta. Em qualquer opção de tratamento, a oferta de cálcio e
vitamina D deve ser adequada.
As mulheres que apresentam T-Score abaixo de -2.5 desvios padrão na
densitometria óssea de coluna lombar ou quadril têm osteoporose e devem ser tratadas,
a menos que a expectativa de vida seja curta ou o risco de fraturas seja baixo. O
tratamento de mulheres com osteopenia é mais polêmico e a decisão se baseia no risco
de fratura e depende da magnitude do déficit na densidade mineral óssea e de fatores de
risco adicionais. O instrumento Fracture Risk Assessment Tool (FRAX,
www.shef.ac.uk/FRAX) pode ser utilizado para auxiliar na decisão através da estimativa
do risco de fratura osteoporótica no período de dez anos, com indicação em caso de
risco superior a 3% para fratura de quadril ou superior a 20% para fratura osteoporótica
de importância clínica. Também é indicado manejo farmacológico em caso de uso
crônico de corticostroide, com dose igual ou superior a 7.5mg/dia de Prednisona por
período igual ou superior a três meses.
Avaliação do tratamento
A medida da densidade mineral óssea em coluna e fêmur pode ser repetida
depois de um ano de tratamento. Se existe diminuição significativa em ambos os locais,
a terapia deve ser modificada. Se existe perda em um local e nenhuma mudança ou
aumento no outro local, as medidas devem ser repetidas em um ano.
A abordagem recomendada é a combinação da medida de marcadores do
metabolismo ósseo com medida de densidade mineral óssea. Antes do início do
tratamento, são medidos a densidade mineral óssea e um marcador de reabsorção óssea,
como o telopeptídeo interligador do colágeno tipo I C-terminal (CTx). Após um mês, o
paciente deve ser reavaliado quanto à tolerância. Após três e seis meses, deve ser
repetida a medida do marcador de reabsorção óssea, cuja redução superior a 30% indica
que a medicação está provavelmente tendo o efeito desejado e deve ser continuada por
um ano, quando a densidade mineral óssea deve então ser reavaliada.
A avaliação de fratura é feita em toda consulta por meio da anamnese e da
medida da estatura. A radiografia de coluna toracolombar é realizada sempre que se
constata redução maior ou igual a 3cm na estatura do paciente e após três anos para
Capilarites
Doença de Henoch-Schönlein
A púrpura de Henoch-Schönlein é vasculite sistêmica caracterizada por púrpura
palpável não relacionada a trombocitopenia ou coagulopatia, artrite ou artralgia, dor
abdominal e disfunção renal. É mais comum em crianças com três a quinze anos de
idade, com cerca de 90% dos casos na faixa etária pediátrica, no sexo masculino e na
raça branca ou asiática. Ocorre preferencialmente no outono, no inverno e na primavera,
com cerca de metade dos casos precedidos por infecção de vias aéreas superiores. Em
contraste com outras formas de vasculite sistêmica, trata-se de doença frequentemente
autolimitada.
A púrpura de Henoch-Schönlein é uma vasculite imune-mediada associada a
depósito IgA. O achado histológico característico é vasculite leucocitoclástica, com
restos de neutrófilos, acompanhada de depósito de imune-complexos contendo IgA nos
órgãos afetados. A biópsia de pele das lesões purpúricas demonstra o envolvimento de
pequenos vasos, principalmente vênulas pós-capilares, na derme papilar. Existe
predomínio de neutrófilos e monócitos no infiltrado inflamatório e a
imunofluorescência demonstra depósitos de IgA, C3 e fibrina na parede dos vasos
envolvidos.
Todos os pacientes desenvolvem púrpura palpável. O rash geralmente se inicia
com eritema, mácula ou urticária, evoluindo para púrpura palpável, equimoses ou
petéquias. Tipicamente, apresenta distribuição simétrica, localizada em áreas
dependentes de gravidade ou pressão, como os membros inferiores. Em crianças
menores, as nádegas frequentemente são envolvidas. Artrite ou artralgia geralmente é
migratória ou transitória, oligoarticular e não-deformante, comprometendo grandes
articulações de membros inferiores, como quadris, joelhos e tornozelos. Manifestações
gastrointestinais estão presentes em cerca de metade das crianças, ocorrem
classicamente dentro de oito dias do aparecimento do rash e podem ser leves, como
náusea, vômitos, dor abdominal em cólica e íleo paralítico transitório, ou graves, como
Vasculite crioglobulinêmica
Crioglobulinas são imunoglobulinas com precipitação no frio, reversível com
aquecimento. A presença anormal dessas proteínas no sangue de um indivíduo é
denominada crioglobulinemia e, quando associada a vasculite, é denominada vasculite
crioglobulinêmica.
Crioglobulinemia tipo I é caracterizada por um único tipo de imunoglobulina
(monoclonal) e raramente se apresenta com vasculite importante, estando associada a
doenças neoplásicas de células B, como macroglobulinemia de Waldenström, linfoma e
mieloma múltiplo. Crioglobulinemias podem ser caracterizadas por mais de uma
variedade de imunoglobulinas, sendo denominadas mistas e divididas em dois grupos, o
tipo II e o tipo III. Crioglobulinemia tipo III é caracterizada por composição policlonal,
sendo associada a doenças autoimunes, como síndrome de Sjögren, lúpus eritematoso
sistêmico e artrite reumatoide, ou doenças infecciosas com ativação linfocitária B, como
mononucleose, hepatites virais B e C e endocardite bacteriana. Crioglobulinemia tipo II
é caracterizada por pico monoclonal e componente policlonal, incluindo doenças
associadas ao tipo III com componente monoclonal e doenças associadas ao tipo I
quando o pico monoclonal tiver atividade de fator reumatoide. Quando a doença
responsável pelo aparecimento da crioglobulinemia não é encontrada, ela é denominada
crioglobulinemia essencial. A maioria das vasculites crioglobulinêmicas é secundária à
infecção crônica pelo vírus da hepatite C.
A idade média ao diagnóstico é de cerca de cinquenta anos, com frequência
maior em mulheres do que em homens.
O quadro clínico mais frequente é caracterizado pela tríade constituída por
fraqueza e indisposição, lesões purpúricas palpáveis em membros inferiores e artralgia
Síndrome de Churg-Strauss
A síndrome de Churg-Strauss é caracterizada por vasculite com formação de
granuloma e infiltração de eosinófilos tanto na parede vascular como no tecido extra-
vascular. Acomete indivíduos com antecedente de asma, rinite alérgica e polipose nasal,
com maior frequência na quinta década de vida. Alguns pacientes, depois da primeira
fase, em que predominam os fenômenos alérgicos, apresentam uma segunda fase, em
que são encontrados infiltrados inflamatórios nos tecidos, com pneumonite, hepatite ou
enterite eosinofílicas. Na terceira fase é iniciada a vasculite, geralmente acompanhada
de sintomas em múltiplos sistemas. Além da asma, nos pulmões costumam ocorrer
pneumonites migratórias, caracterizadas por infiltrados localizados, geralmente já
tratados com antibióticos, que mudam de localização no exame radiológico de controle.
Hemorragia alveolar pode ocorrer, mas com menor frequência do que nas outras
vasculites associadas aos ANCA. O achado de glomerulonefrite segmentar e focal com
crescentes em geral não se diferencia daquele encontrado na poliangiite microscópica e
na granulomatose de Wegener. Para confirmação do diagnóstico, além da história prévia
de alergias e dos achados clínicos, são de grande auxílio eosinofilia periférica, vasculite
com infiltrado granulomatoso ou eosinofílico em biópsia e detecção de P-ANCA.
O diagnóstico é baseado na presença de quatro dentre asma, com história de
chiado ou achado de sibilos expiratórios difusos, hemograma com eosinofilia superior a
10% na contagem diferencial, mononeuropatia, incluindo mononeurite múltipla, ou
polineuropatia, radiografia simples de tórax com infiltrado pulmonar migratório,
anormalidade de seios paranasais e biópsia com acúmulo de eosinófilos nas áreas extra-
vasculares.
Poliangiite microscópica
O termo poliangiite microscópica é usado para designar uma vasculite pauci-
imune de pequenos vasos que, em geral, é acompanhada de glomerulonefrite pauci-
imune. Diferentemente das outras vasculites associadas aos ANCA, não é uma doença
granulomatosa e o achado histopatológico é de infiltrado inflamatório misto com
destruição da parede de artérias e arteríolas, praticamente idêntico ao encontrado na
poliarterite nodosa.
A poliangiite microscópica diferencia-se da poliarterite nodosa por acometer
pulmões e rins de forma muito semelhante às outras vasculites associadas aos ANCA. A
poliarterite nodosa, quando acomete o pulmão, só atinge os ramos das artérias
brônquicas, poupando os ramos das artérias pulmonares. Na poliangiite microscópica,
com frequência são encontrados infiltrados pulmonares migratórios, semelhantes aos da
síndrome de Churg-Strauss, e hemorragia alveolar, idêntica à da granulomatose de
Wegener. A forma clássica da poliarterite nodosa se manifesta inicialmente de forma
mais agressiva, com hipertensão arterial sistêmica de difícil controle e insuficiência
renal, causadas por isquemia cortical renal, com sedimento renal pouco alterado. Na
poliangiite microscópica, em contraste, o quadro renal é de glomerulonefrite pauci-
imune, com proteinúria e hematúria importantes e evolução mais lenta para hipertensão
arterial sistêmica e insuficiência renal. Existe uma forma de glomerulonefrite
denominada glomerulonefrite necrosante limitada ao rim, que também está associada ao
P-ANCA, sendo considerada uma forma de poliangiite microscópica limitada ao rim.
Poliarterite nodosa
Poliarterite nodosa é uma vasculite sistêmica necrosante que compromete
artérias musculares de médio calibre, com envolvimento ocasional de pequenas artérias
musculares. Não está associada a anticorpos anti-citoplasma de neutrófilos (ANCA).
A incidência da doença aumenta com a idade, com pico na sexta década de vida
e predomínio no sexo masculino.
A maioria dos casos é de etiologia idiopática, embora o vírus da hepatite B e a
leucemia de células cabeludas sejam importantes na patogênese de alguns casos. Outros
agentes virais implicados em alguns casos incluem o vírus da hepatite C, o vírus da
imunodeficiência humana, o citomegalovírus e o parvovírus B19.
A poliarterite nodosa é caracterizada por reação inflamatória com necrose
fibrinoide em paredes de artérias de médio e pequeno calibres. Em contraste com outras
formas de vasculite sistêmica, não envolve veias. Os infiltrados celulares contém
leucócitos polimorfonucleares e células mononucleares. Fragmentos de leucócitos
(leucocitoclasia) podem ser notados. Interrupção da lâmina elástica interna e externa é
observada, podendo evoluir para o desenvolvimento de dilatação aneurismática.
Pacientes com poliarterite nodosa tipicamente apresentam fadiga, fraqueza,
febre, artralgia, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência renal, disfunção
neurológica, dor abdominal e envolvimento multi-sistêmico.
As manifestações cutâneas podem incluir livedo reticular, úlceras cutâneas,
nódulos subcutâneos, eritema nodoso e erupção vesicular ou bolhosa, que podem ser
focais ou difusos e geralmente estão presentes em membros inferiores. Envolvimento
cutâneo progressivo pode ser grave, incluindo infarto e gangrena de dedos e ulcerações
com extensão até o tecido subcutâneo. Envolvimento renal leva a hipertensão arterial e
diferentes graus de disfunção. Ruptura de aneurisma de artéria renal pode causar
hematoma peri-renal. Infartos renais múltiplos podem ocorrer em indivíduos com
Doença de Kawasaki
A doença de Kawasaki, também denominada síndrome do linfonodo
mucocutânea, é uma das vasculites da infância mais comuns. Trata-se de condição
frequentemente autolimitada, com febre e manifestações inflamatórias agudas durando
ao redor de doze dias na ausência de tratamento. Contudo, complicações, como
aneurisma de artéria coronária, comprometimento da função miocárdica, infarto do
miocárdio, arritmia e oclusão arterial periférica podem ocorrer, com aumento da
morbidade e da mortalidade.
Meninos são mais afetados do que meninas. A maior parte dos casos ocorre em
crianças com idade inferior a cinco anos. A doença é infrequente em crianças com idade
inferior a seis meses e rara após o final da infância.
A etiologia da doença de Kawasaki permanece desconhecida, mas dados
epidemiológicos sugerem que seja causada por um agente transmissível. Há variação
sazonal na incidência da doença, que geralmente ocorre em epidemias. Ocorre alteração
da resposta imunológica. Fatores genéticos estão envolvidos.
A doença de Kawasaki se manifesta com febre, conjuntivite não-purulenta,
eritema dos lábios e da mucosa oral, língua em framboesa, adenomegalia, eritema
palmar com descamação palmo-plantar e rash cutâneo, que podem não estar presentes
ao mesmo tempo. Outras manifestações clínicas incluem poliartrite e, mais raramente,
envolvimento do sistema nervoso central, com meningite asséptica e comprometimento
de pares cranianos, e envolvimento pulmonar. As manifestações cardíacas, como
pericardite e miocardite, são comuns na fase aguda, podendo surgir insuficiência
cardíaca e arritmias. A complicação cardíaca mais grave é a arterite coronária, com
detecção de aneurismas uma a quatro semanas após o início da doença, sendo o
ecocardiograma o método de escolha e indicado em todos os casos. Ocorre em 20-25%
das crianças não tratadas e somente em 4% daquelas que recebem tratamento adequado.
Nenhum parâmetro laboratorial está incluído entre os critérios diagnósticos para
doença de Kawasaki, mas alguns achados podem ajudar, como provas de atividade
inflamatória elevadas, leucocitose com desvio à esquerda, trombocitose, anemia
normocrômica normocítica, leucocitúria, elevação de transaminases, elevação de
triglicérides e LDL-colesterol, diminuição de HDL-colesterol, hiponatremia e
hipoalbuminemia.
O diagnóstico requer a presença de febre durante pelo menos cinco dias sem
qualquer outra explicação e pelo menos quatro dentre conjuntivite bilateral não-
purulenta, alterações de mucosa oral, como lábios hiperemiados ou rachados, hiperemia
Arterite de Takayasu
A arterite de Takayasu é uma vasculite sistêmica que atinge predominantemente
mulheres jovens e acomete a aorta, os seus ramos primários e as artérias pulmonares.
Trata-se de doença rara que predomina na Ásia, mas que ocorre em todo o
mundo. Não só a prevalência, mas também os tipos topográficos parecem sofrer grandes
variações étnicas e geográficas. O início da doença ocorre entre os quinze e os trinta e
cinco anos de idade na maioria dos casos e muito raramente após os cinquenta anos de
idade. O sexo feminino é acometido com maior frequência.
Sua etiologia é desconhecida. Acredita-se que fatores genéticos e ambientais
interajam para desencadear a doença. A doença parece ser mais frequente em países
com maior prevalência de tuberculose. Às vezes, a arterite de Takayasu ocorre
associada a doença inflamatória, como doença inflamatória intestinal, lúpus eritematoso
sistêmico, espondilite anquilosante, febre reumática, glomerulonefrite membrano-
proliferativa e granulomatose de Wegener.
Infiltrado celular mononuclear invade a parede arterial, aparentemente através
dos vasos da vasa vasorum, e ocorre formação de granuloma com células gigantes e
destruição tecidual. Na maioria dos casos, a doença evolui de forma muito lenta e o
processo inflamatório é progressivamente substituído por fibrose, que predomina na
camada adventícia e leva lentamente à oclusão arterial. De forma simultânea, ocorre
proliferação da camada íntima, que predispõe à ocorrência de trombose. Nos casos mais
graves, costuma ocorrer formação de aneurismas. Depois de muitos anos de evolução,
ocorre a formação de placas de ateroma. Predominam os estreitamentos do calibre, que
variam de estenoses leves a oclusões. Dilatações arteriais, entretanto, costumam
predominar na aorta ascendente e, com frequência, provocam insuficiência aórtica e
miocardiopatia valvar.
O quadro clínico varia conforme o local, a gravidade, a velocidade e a duração
do acometimento arterial. Alguns pacientes evoluem de forma extremamente lenta e
totalmente assintomática e a doença é descoberta de maneira casual. O achado clínico
que leva à suspeita é a diminuição de pulso, a presença de sopro ou a assimetria da
medida da pressão arterial nos membros. Na fase pré-estenótica, o paciente apresenta
manifestações sistêmicas inespecíficas, como febre, emagrecimento, indisposição,
cefaleia, dor torácica atípica, dor abdominal e eritema nodoso. Após essa fase, o
Arterite temporal
A arterite temporal, também conhecida como cefaleia de Horton, arterite cranial
e arterite de células gigantes, é uma vasculite que afeta artérias de grande e médio
calibre, com preferência para ramos extra-cranianos das carótidas, em especial a artéria
temporal superficial de indivíduos com mais de cinquenta anos de idade.
Dentre as vasculites sistêmicas, a arterite temporal é a mais frequente. É menos
frequente em países de latitude menor e incide mais em brancos do que em amarelos e
negros. A idade média de início é de cerca de setenta e dois anos. Quase nunca ocorre
antes dos cinquenta anos de idade. A frequência é maior no sexo feminino.
O início da doença pode ser insidioso ou abrupto e a maioria dos doentes
apresenta manifestações constitucionais, como anorexia, perda de peso, febre baixa,
fadiga e depressão. A cefaleia, geralmente de forte intensidade e localizada apenas em
uma área da cabeça, é o sintoma mais comum e normalmente faz parte do quadro
inicial. Hipersensibilidade da região temporal, com incômodo ao usar óculos, pentear os
cabelos ou apoiar a cabeça no travesseiro à noite, é queixa frequente. Uma das
manifestações mais específicas da arterite temporal é a claudicação de mandíbula, com
Polimialgia reumática
A polimialgia reumática é considerada uma doença relacionada à arterite
temporal. Trata-se de doença inflamatória sistêmica que ocorre em indivíduos com
idade superior a cinquenta anos, comumente associada a elevação da velocidade de
hemossedimentação e a anemia.
A polimialgia reumática pode fazer parte de um espectro de doenças
inflamatórias, com um componente de vasculite sistêmica. Aproximadamente metade
dos pacientes com arterite de células gigantes apresentam dores e outros sintomas
clínicos característicos de polimialgia reumática, enquanto que cerca de 10% dos
pacientes com polimialgia reumática apresentam ou desenvolvem arterite de células
gigantes.
Há pico de incidência entre sessenta e oitenta anos de idade, com casos
documentados em indivíduos com menos de cinquenta anos de idade. Há predomínio
discreto no sexo feminino.
A polimialgia reumática é caracterizada por curso subagudo ou crônico de dores
difusas pelo corpo, rigidez matinal e dor em região cervical, ombros e cintura pélvica.
Os sintomas geralmente são simétricos, mas pode ocorrer assimetria da dor. Alguns
pacientes queixam-se de fraqueza, fadiga, anorexia, perda de peso e febre. Sinovite e
bursite são consideradas as principais causas de desconforto e rigidez articular. A
sinovite é leve, pode ser transitória, é relativamente comum nas articulações periféricas
e responde com rapidez ao uso de corticosteroides. Alguns pacientes apresentam edema
depressível nas mãos, nos punhos, nos tornozelos e no dorso dos pés. Tenossinovite dos
flexores pode ser a causa de síndrome do túnel do carpo. A força muscular é difícil de
ser avaliada devido à dor intensa, mas é normal quando realizada analgesia adequada.
O achado laboratorial característico é elevação da velocidade de
hemossedimentação, que pode exceder 100mm/hora. A proteína C reativa também
encontra-se elevada. Anemia normocítica é encontrada em cerca de metade dos
pacientes. Trombocitose e leucocitose podem ser encontradas quando a doença está
ativa. A frequência de fator reumatoide, fator anti-núcleo e outros auto-anticorpos é
semelhante àquela encontradas na população geral.
Radiografias das articulações inflamadas raramente revelam qualquer alteração.
Por outro lado, a imagem de ressonância nuclear magnética confirma a inflamação de
estruturas sinoviais extra-articulares. A ultrassonografia revela derrame articular.
O diagnóstico é baseado em idade superior ou igual a cinquenta anos, dor
articular e rigidez matinal com duração superior ou igual a trinta minutos bilateralmente
por pelo menos um mês envolvendo pelo menos duas regiões dentre pescoço, ombros
ou região proximal dos braços e quadris ou região proximal das coxas e velocidade de
hemossedimentação superior ou igual a 40mm/hora. Alguns autores acrescentam a
resposta imediata dos sintomas com o uso de corticosteroides como um critério
adicional. A presença de outra doença para explicar esses achados exclui o diagnóstico.
O diagnóstico diferencial inclui artrite reumatoide, hipotireoidismo, endocardite
infecciosa, fibromialgia, neoplasia maligna, polimiosite, bursite, tendinite e amiloidose.
A polimialgia reumática apresenta uma rápida resposta ao tratamento com
corticosteroide, geralmente em doses baixas. A maioria dos sintomas resolve-se em 48-
72 horas e a velocidade de hemossedimentação, a anemia e a trombocitose normalizam
em sete a dez dias. Dependendo do peso do paciente e da gravidade dos sintomas, a
dose inicial de Prednisona pode variar de 7.5mg a 20mg por dia, com aumento se os
sintomas não forem controlados em uma semana. O diagnóstico diferencial com arterite
Bibliografia
Clínica médica, volume 5: doenças endócrinas e metabólicas, doenças ósseas, doenças reumatológicas. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Goldman’s Cecil medicine / [edited by] Lee Goldman, Andrew I. Schafer.—24th ed. 2012.
Fisiopatologia
Todo homem nasce com predisposição para câncer de próstata em função de
proto-oncogenes. A neoplasia maligna surge porque as múltiplas divisões celulares que
vão ocorrendo com o passar dos anos acompanham-se de perdas de genes supressores e
de ativação de oncogenes. A testosterona não está relacionada à gênese do câncer de
próstata, mas acelera o crescimento da neoplasia já existente. Fatores de risco incluem
antecedente familiar de câncer de próstata, ingesta de alimentos com alto teor de
gordura e raça negra.
Aproximadamente 98% das neoplasias da próstata são adenocarcinomas e o
restante compreende sarcomas, carcinomas epidermoides e carcinomas de células
transicionais. Os adenocarcinomas localizam-se na zona periférica da glândula em cerca
de 75% dos casos, na zona transicional em aproximadamente 25% dos casos e na zona
central em menos de 5% dos casos. A diferenciação glandular é um importante fator
prognóstico e está relacionada com o comportamento biológico do tumor e com a
sobrevida do paciente.
Quadro clínico
A evolução de pacientes com câncer de próstata é relativamente imprevisível,
com casos de rápida disseminação antes mesmo de surgirem sintomas locais e casos de
evolução lenta e indolente, com lesões que permanecem estacionárias. De uma maneira
geral, tende a prevalecer a última forma de evolução clínica.
No passado, a maioria dos pacientes com câncer de próstata apresentava doença
disseminada. Atualmente, a maior parte dos casos é identificada ainda com doença
localizada.
Nos pacientes com tumor circunscrito à próstata, a doença é assintomática. Por
sua vez, na maior parte dos pacientes com tumor localmente avançado, há obstrução
urinária, com urgência, noctúria, polaciúria e hesitação, e hematúria macroscópica. O
surgimento súbito de obstrução urinária em um paciente com padrão miccional recente
satisfatório é manifestação comum de câncer de próstata. Em caso de hiperplasia
benigna, os sintomas obstrutivos tendem a evoluir de forma mais lenta.
Com menor frequência, pacientes com câncer de próstata podem apresentar
dores ósseas, uremia, anemia, perda de peso, adenopatia cervical ou inguinal, linfedema,
trombose venosa profunda de membros inferiores e/ou hemospermia como primeira
manifestação da doença.
Avaliação complementar
A detecção do tumor primário é feita através de toque digital, medida do PSA
sérico e ultrassonografia transretal. No toque digital, nódulos ou áreas endurecidas
assimétricos são sugestivos de câncer de próstata. Sob o ponto de vista prático, níveis
séricos de PSA inferiores a 2.5ng/mL em pacientes com toque prostático normal
Estadiamento
Além do toque retal, que permite avaliar localmente a extensão do tumor, o
estadiamento é feito por meio de dosagem de fosfatase ácida, fosfatase alcalina e
antígeno prostático específico, cintilografia óssea, ultrassonografia transretal,
ressonância nuclear magnética de pelve e retroperitônio, PET-CT e linfadenectomia
ilíaca. O rastreamento de metástases ósseas com cintilografia óssea pode ser
desnecessário em paciente com PSA sérico inferior a 10ng/mL, escore de Gleason
inferior ou igual a seis e estágio clínico T1 ou T2.
Fosfatase ácida sérica elevada indica doença extra-prostática regional ou
metastática. Níveis séricos iniciais elevados não têm valor prognóstico, mas a sua
redução com o tratamento indica melhor prognóstico, principalmente quando os valores
se normalizam. Elevações posteriores indicam recrudescimento da doença.
Fosfatase alcalina eleva-se frequentemente em pacientes com metástases ósseas
e, ao contrário do que ocorre com a fosfatase ácida, valores iniciais elevados parecem se
relacionar com pior prognóstico.
Os níveis de PSA dependem diretamente do volume de tecido prostático
existente. Em hiperplasia benigna da próstata, cada grama de tecido eleva os níveis
séricos de PSA em 0.31ng/mL. Em adenocarcinomas de próstata, cada grama de tecido
eleva os níveis séricos de PSA em 3.5ng/mL, indicando que, quanto maior o valor do
PSA, maiores são o volume e a extensão do tumor. O extravasamento tumoral para além
da cápsula e a doença metastática em osso acompanham-se de níveis séricos de PSA
que ultrapassam, respectivamente, 20ng/mL e 100ng/mL.
A cintilografia óssea com Tc99 constitui forma relativamente precisa de
identificar metástases ósseas. As lesões surgem, geralmente, na forma de áreas
hipercaptantes múltiplas, assimétricas, acometendo principalmente coluna, pelve,
costelas, escápula, crânio e fêmur. Resultados falso-positivos devem-se, principalmente,
a processos degenerativos articulares, fraturas antigas, doenças ósseas metabólicas e
doença óssea de Paget. Nas lesões cintilográficas de natureza duvidosa, deve-se
recorrer, sucessivamente, a estudo de imagem por ressonância nuclear magnética ou
tomografia computadorizada e, quando necessário, a biópsia óssea se a área suspeita for
Estágios TNM
Estágio Tumor Linfonodos Metástases à PSA Escore de Gleason
primário regionais distância
I T1a-c, T2a N0 M0 < 10ng/mL ou indisponível ≤ 6 ou indisponível
IIA T1a-c N0 M0 < 20ng/mL 7
T1a-c, T2a N0 M0 ≥10ng/mL e < 20ng/mL ≤6
T2a N0 M0 < 20ng/mL 7
T2b N0 M0 < 20ng/mL ou indisponível ≤ 7 ou indisponível
IIB T2c N0 M0 Qualquer Qualquer
T1-2 N0 M0 ≥ 20 Qualquer
T1-2 N0 M0 Qualquer ≥8
III T3a-b N0 M0 Qualquer Qualquer
IV T4 N0 M0 Qualquer Qualquer
Qualquer N1 M0 Qualquer Qualquer
Qualquer Qualquer M1 Qualquer Qualquer
Bibliografia
Clínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia, doenças renais e genitourinárias. – Barueri, SP: Manole, 2009.
Clinical presentation, diagnosis, and staging of prostate cancer. Philip W Kantoff and Mary-Ellen Taplin. UpToDate, 2012.
Overview of treatment for clinically localized prostate cancer. Eric A Klein. UpToDate, 2012.
Overview of treatment for advanced prostate cancer. Nancy A Dawson. UpToDate, 2012.
Screening for prostate cancer. Richard M Hoffman. UpToDate, 2012.