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Introdução

1- A esquina de encruzilhada à vista.

Em 2016, expressão “pós-verdade” (post-truth) viralizou. Em meados


daquele ano, os dicionários online Oxford mediram um crescimento de 2000% de usos
da expressão em relação ao ano anterior. A proliferação rápida, praticamente instantânea,
era indiscriminada e multilateral. Para o pessoal do Oxford, isso era a evidência de que a
expressão havia entrado de vez no léxico ocidental e de que essa entrada havia sido feita
por uma porta larga e bem iluminada: a do comentário político. Esse caráter, os índices
de busca e de usos da palavra fizeram com os linguistas, programadores, jornalistas e
outros profissionais que trabalham no banco de dados e no sítio eletrônico do dicionário
elegessem “pós-verdade” como “a palavra do ano” do Oxford1.

Com essa estatura, a palavra precisava de ter um significado definido. Os


linguistas que trabalham nessa ferramenta de pesquisa fixaram a definição do termo como
um “adjetivo relativo a circunstâncias em que apelos a emoções e crenças pessoais são
mais eficazes em moldar a opinião pública do que são os fatos objetivos”. A essa
definição, seguia-se uma história da expressão (menos de seu sentido, é verdade, do que
de seus usos) que, não por acaso, era contada por um jornalista. Neil Midgley,
comentarista cultural convidado do Oxford, falava da existência rarefeita e obscura da
expressão desde seus usos mais remotos e misteriosos nos anos 1990, até sua explosão
meteórica e repentina entre maio e outubro de 2016 e sua subsequente eleição. Para
Midgley, o estrondoso aumento de usos da expressão estava relacionado ao “contexto”
das eleições presidenciais estadunidenses que levaram Donald Trump à Casa Branca e às
discussões públicas sobre os processos que decidiriam o destino do Reino Unido em
relação à União Europeia, o Brexit. A consagração da palavra dependia de uma variação
marcada simplesmente pelo acréscimo do substantivo “político”, que então a
transformava em uma locução particular: “política da pós-verdade”2.

Com ela, disputaram outras palavras carentes e/ou objetos de definição do


dicionário que foram integradas ao léxico político de tal “contexto: “direita-alternativa”

1
Post-truth' declared word of the year by Oxford Dictionaries. British Broadcast Corporation News,
16/11/2016. [On-line] Disponível em: < https://www.bbc.com/news/uk-37995600>, acessado em
12/05/2018.
2
Word of the Year 2016 is... Oxford Dictionaries. [on-line] Disponível em <
https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2016>, acessado em 12/05/2018.
(alt-right), definida como substantivo que nomeava agrupamentos ideológicos que
usavam a internet para divulgar pontos de vista controversos ligados a tendências
reacionárias e/ou conservadoras; “Brexiteer”, substantivo que nomeava aqueles
indivíduos que defendiam a saída da Inglaterra da União Européia; “Latinx”, substantivo
de gênero neutro ou não-binário que definia pessoas de descendência ou origem latino-
americana; e entre outras que falavam de tendências culturais da geração dos “millenials”,
estava o adjetivo “woke”, que qualificava as denúncias individuais e informais online de
injustiças sociais, especialmente o racismo – a palavra e uma hashtag a transformava em
um comando operativo (#staywoke) se tornaram populares com esse mesmo sentido
depois do assassinato do jovem Michael Brown por um policial em Ferguson, no
Missouri, e foi propulsionada com as manifestações subsequentes do movimento Vidas
Negras Importam (Black Lives Matter)3.

Os linguistas do Oxford tinham razão. A locução substantiva “política da pós-


verdade” estava mesmo em alta e era poderosa. A campanha eleitoral de Donald Trump
para a presidência dos EUA e as movimentações pela saída do Reino Unido da União
Europeia eram os seus epítomes. E assim, elas sinalizaram a ruína do lugar dos fatos na
fundamentação e no funcionamento das democracias-liberais ocidentais. A queda, ou
melhor, a crise de uns era equivalente não só a crise da outra: era o começo de uma nova
temporalidade, ou melhor, de um novo tempo da política: a “era da política da pós-
verdade”. Pelo menos era isso o que argumentava o cientista político, sociólogo e escritor
Willian Davies nas páginas do The New York Times em agosto de 2016.

Para Davies, esse novo tempo da política não era simplesmente o filho do
casamento de movimentos de extrema-direita (chamados de “populistas”) com as redes
sociais. Para entender este fenômeno, como ele sugeria, era preciso voltar aos primórdios
do humanismo secular, avançar pelo racionalismo iluminista, passar pela consolidação de
um processo de afirmação dos fatos na vida pública pelo jornalismo de meados do século
XX e chegar ao mundo hiper-acelerado das tecnologias de informação e comunicação do
século XXI. A política da pós-verdade era a política deste mundo presente, cuja a marca
seria a substituição dos fatos pelos dados. Ela é baseada em cálculos que medem o que
sentem e o que fazem os usuários dos social-media e oferece respostas eficazmente
localizadas. Ela é a realização radical da utopia mcluhaniana de que o “meio é a

3
WOKE. Merriam-Webster Dictionary. [On-line] Disponível em: < https://www.merriam-
webster.com/words-at-play/woke-meaning-origin>
mensagem”: a política da pós-verdade é a política do algoritmo. O argumento e o diálogo
pelo consenso no espaço público estavam suspensos. As crenças e “teorias da
conspiração” distribuídas e consumidas on-line eram, agora, o fundamento desse novo
tempo da política estranho aos princípios das democracias liberais.

Bruce McCominskey pesquisa e leciona cursos de retórica, de estilo, de


composição e de redação de textos no Departamento de Inglês da Universidade do
Alabama, em Birgminghan. Fora dos meios jornalísticos de grande circulação, audiência
e acesso - que a essa altura já tinham dado a “pós-verdade” como algo auto-evidente - e
com um ou outro periódico acadêmico, McCominskey ele foi um dos primeiros a falar de
maneira mais sistemática sobre a linguagem da pós-verdade quando o verbete do Oxford
parecia obsoleto: o mundo e a política da pós-verdade pareciam complicados demais para
serem definidos por um verbete, embora houvesse – e ainda haja – pressa para saber como
assim e por que assim.

Respondendo a esta urgência, McCominskey fez um ensaio sintético sobre a


retórica da política “pós-verdade”. O seu negócio era a linguagem como ato comunicativo
que dava sentido ao mundo. E, desse ponto de partida, ele sugeria que o traço que
distinguia a comunicação dessa nova forma de fazer política era a sua autossuficiência
referencial. McCominskey argumentava que a linguagem (propriamente política) da pós-
verdade seria puramente estratégia e dissolveria os limites entre o falso e o verdadeiro,
entre a falácia e o argumento sólido. A retórica da pós-verdade seria, na verdade,
antirretórica; seu fim último seria “a desestabilização e até mesmo a destruição da noção
de verdade”. Sua lógica de articulação seria a dos “falastrões” (“bulshiters”), nomeada
com a alcunha de seus porta-vozes, que pouco se importam com a qualidade do falam,
desde que, sistemática e controladamente, colhessem os lucros imediatos e mediados da
realização dos efeitos de suas declarações e proclamações.

Se McCominskey e suas referências não se preocuparam com grandes


questões filosóficas sobre uma ontologia da pós-verdade, alguns cientistas se
preocuparam mais ou menos com isso. Entre eles está um elenco internacional recrutado
por Michael Peters, Sharon Rider, Mats Hyvonen e Tina Besley para compor uma
coletânea de ensaios que saiu neste ano de 2018 pelo principal selo editorial da gigante
Springer. Mais ou menos ao mesmo tempo, essa fileira foi engrossada pelo filósofo Lee
McIntyre, uma espécie de intelectual público do século XXI que transita por posições de
destaque nos media, no ensino, na pesquisa e na administração universitária
estadunidense. O objeto de estudos de McIntyre e a filosofia da Ciência e o seu Post-truth
foi escrito a partir, mas não nos limites dessa perspectiva. Talvez isso tenha a ver com a
natureza do objeto e do argumento (como o autor sugere), ou com uma demanda editorial.
De qualquer forma, o livro de McIntyre é, até então, o último volume da prestigiosa série
de divulgação científica da editora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, a The
MIT Press Essential Knoledge Series (Série Conhecimento Essencial), que integra títulos
que evocam, tratam e respondem a uma espécie de “precisamos falar sobre” temas que os
editores da casa julgam mais ou menos controversos e que sejam de interesse de um
grande público formado por não expertos.

Apesar da ênfase diferenciada, os trabalhos de McCominskey, a coletânea da


Springer e o livro de McIntyre se encontram em alguns pontos. O primeiro deles é o
formato ensaístico. E a escolha pelo formato não é casual; este é um terreno novo, mas
extremamente acidentado e a forma mais ou menos livre desse tipo de texto permite uma
aproximação mais frouxa, ainda que sistemática, e a elaboração de hipóteses e
proposições que podem ou não serem demonstradas, que podem ou não ter vida longa e
serem reproduzidas - o ensaio, aqui e em outros terrenos, é uma boa forma de abrir
caminhos. Seja como for, à comunidade do formato correspondia a regularidade do ritmo
da argumentação em todos os casos: a uma exposição detalhada do que seria a
objetividade (de acordo com os critérios da prática científica ou da boa argumentação e
através da mobilização de um léxico mais ou menos coeso de palavras auxiliares e/ou
traços distintivos como lógica, evidência, indícios, provas etc.) e a uma investigação sobre
a pós-verdade (dada a ver ou tida como a negação ou uma ausência radical dos traços
característicos da primeira substância), ou vice-e-versa, seguia-se um “o que fazer?”.

Os encontros e os estranhamentos não terminam no limite dos aspetos formais


e das premissas fundamentais compartilhadas por estes trabalhos. Eles são menos
unilaterais do que eu e seus autores damos a ver. De qualquer forma, o limite é um bom
marco e ele se situa exatamente sobre as intenções realizadas em cada um dos volumes.
As de McCominskey são relativamente diferentes das do diverso elenco de intelectuais
reunidos pela Springer e das de McIntyre. Elas se coadunam em algum momento, mas
isso é da natureza do objeto comum a todos. O que importa é que o ensaio de
McCominskey trata de um aspecto funcional, por assim dizer, enquanto os outros se
preocupam com aspectos ontológicos ou epistemológicos. Em todos os casos, o que se
busca é criar fronteiras, definir limites e propor ações. Nos dois últimos volumes, isso
passa por uma intenção própria e declaradamente normativa em relação à prática
científica e, a partir daí, implica ou é implicado, constituiu ou é constituído como um
problema ou domínio político. Enfim, o que se busca definir é: isto é (ou deve ser)
política; aquilo é (ou deve ser) ciência; isto é (ou deve ser) algum cruzamento.

A tese de McIntyre é uma expressão desse modelo. Seu pressuposto é o de


que a qualidade dos ataques à verdade, e não o ataque em si mesmo, era o que marcava
distintivamente este mundo que era o objeto de seu ensaio. A verdade já esteve sob ataque
de diferentes formas e em diferentes lugares, mais precisamente, na ciência, no jornalismo
e na política. O exame dessas distintas e distintivas formas de ataque justificava esse
pressuposto de McIntyre e demonstrava sua tese de que no mundo da pós-verdade, o que
está em jogo é a verdade como “mecanismo de afirmação de poder político”.

Em um momento importante de sua argumentação, McIntyre lida com o


problema ou com a suposta relação de paternidade entre a pós-modernidade a pós-
verdade. E se para ele essa era uma questão circunstancial e de importância relativa, ela
atravessava a coletânea da Springer. Em todos os casos, o tom é conciliador e busca fugir
das disputas, dos debates e dos falsos debates sobre se o o chamado “pós-modernismo”,
sua ênfase subjetiva e sua crítica às meta-narrativas haviam ou não criado o caldo de
cultura que cozinhou a pós-verdade. Para McIntyre, isso não era uma questão; a pós
verdade (e suas manifestações como a negação da mudança climática, do aquecimento
global etc.) bebe da fonte da anti-ciência, mas a extrapola significativamente. Para alguns
dos cientistas sociais publicados na coletânea da Springer, a pós-verdade tinha a ver com
o estabelecimento de formas de vida baseadas no consumismo radical que permitiam, em
certas condições, a escolha mais ou menos cômoda de que tipo de informação ou crença
consumir e reproduzir. O ponto de síntese do volume é, entretanto, mais preciso: as
condições da política e do mundo da pós-verdade não seriam, de forma alguma, um
desenvolvimento do pós-estruturalismo, do pós-positivismo, do pós-modernismo ou de
qualquer outro “pós”; ela não pertence a esse terreno de polêmicas e falsas polêmicas
filosóficas ou epistêmicas. As ferramentas para saber como não é assim estariam na
história intelectual e na economia política e poderiam ser consultadas ali, naquele volume,
onde ficava sugerido que as formas e os regimes de verdade mudaram, assim como
mudaram os modos de concentração, de produção e de circulação de informação como
mercadoria4.

De acordo com essa última proposição, essas mudanças seriam efeitos e


implicações do advento das mídias digitais em um “mundo dominado por estruturas
globais de comunicação controladas por alguns poucos indivíduos que têm em conta
bilhares de usuários e que põem funcionar uma lógica distributiva que desloca a
autoridade jornalística para a crença pessoal baseada no peso emocional exercido por
questões individuais ou grupais”. Esse quadro complexo pouco teria a ver com as
preposições ou prefixos que marcam tempos ou situações que se sucedem (igualmente no
tempo), mas com uma outra locução substantiva: essas formas de compreender e viver no
mundo seriam o indício de que estaríamos em uma modernidade viral.

Se este argumento estiver certo, neste mundo de deslocamentos hiper-


acelerados, a política ganha mesmo uma nova feição e o cientista social comentarista do
NYT não estaria engado. O tempo e a fronteira desse mundo e da política desse mundo
é, ao mesmo tempo e contingentemente, o viral, o da visualização e da reprodução
massiva e instantânea. E, se for assim, um de seus aspectos, vetores ou manifestações
centrais seria o que se convencionou chamar, em inglês, de “fake News”: notícias falsas
que se tornam verdadeiras enquanto são massivamente replicadas no espaço curtíssimo
de sua duração on-line. Para McIntyre, esse tipo de texto era a negação ou a ruptura do
padrão de reportagens estabelecido pelo advento das agências de notícias em meados do
século XIX, o padrão “Associated Press” de imparcialidade. Sua falsidade é sistemática,
deliberada, arbitrária e consciente; sua criação e sua circulação tem certos propósitos e
encontra nas plataformas digitais a realização de anseios ideológicos e ou/financeiros que
produzem (ou podem produzir) efeitos drásticos sobre o espaço público - e a eleição e o
mandato de D. Trump seriam o corolário disso).

Em meados de 2017, a expressão fake-news foi uma das mais buscadas no


domínio estadunidense do Google. De acordo com os dados fornecidos por uma
ferramenta de web analitics da empresa, em janeiro daquele ano o índice de interesse pela

4
Essas duas teses poderiam ser encontradas articuladas em um artigo dos economistas Hunt Allcott e
Matthew Gentzkow. Este trabalho é baseado em uma análise microeconômica (oferta e consumo) em um
mercado de informações durante as eleições presidenciais de 20116 nos EUA. Ele foi publicado no
influente Journal of Economic Perspectives, no segundo semestre de 2017 e, em menos de um ano, já foi
citado mais de 800 vezes. C.f: ALCOTT, H.; GENTZKOW, M. Social Media and Fake News in the 2016
Election. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, primavera de 2017, pp. 211-236.
expressão havia atingido um pico de 100 % e chegado a 75% em julho. Nesse meio tempo,
a palestra de uma historiadora “virou viral”.

A historiadora era a estadunidense Deborah Lipstadt. Bem conhecida e


reconhecida por seus pares, no início da década de 1990 Lipstadt publicou um importante
trabalho sobre o negacionismo do Holocausto nos EUA. Denying the Holocaust: the
growing assault on truth and memory (um título que poderia ser coetâneo dos que foram
diretamente ou indiretamente discutidos até agora) teve grande circulação, saiu por
grandes editoras e foi traduzido em diferentes línguas. Mais tarde, este mesmo livro levou
a sua autora e os seus editores ingleses à corte judicial. Em 1996, eles eram réus em um
processo movido pelo negacionista inglês David Irving, que denunciava ter sido objeto
de calunia por parte de Lipstadt. Este destacado caso durou até o ano 2000 e gerou
cobertura jornalística, livros e filmes.5

Em de abril de 2017, Lipstadt estava de volta à Inglaterra, na Universidade


Oxford para falar sobre essas experiências. Ela estava na programação de uma série de
palestras produzidas para a internet e que tinha “a verdade” (the Truth) como o tema. Seu
trabalho e sua trajetória como historiadora lhe colocavam em destaque na programação
que tinha o objetivo de propor soluções criativas para o problema de “como desenvolver
o pensamento crítico sem abrir mão da empatia” neste mundo da pós-verdade e das fake-
news. Ela e os colegas deveriam demonstrar que “era difícil definir e compreender o
conceito de verdade, mas que este era um desafio e um elemento unificador
exclusivamente humano”6.

Lipstadt integrou suas experiências, os resultados de sua pesquisa e a vitória


contra David Irving ao que ela apresentou como uma história sobre “mentirosos,

5
em 2005, Lipstadt publicou e vendeu bem um livro de memórias em que relatava seus combates
judiciais com o negacionista David Irving e o processo que teriam levado “a história ao julamento”, no
final de 2016 este mesmo texto serviu de inspiração para o filme “Denial”, originalmente produzido para
internet e circulado em formato digital
6
A série de palestras era organizada pelo departamento de “empreendedorismo social” da Escola de
Negócios da Universidade de Oxford. Ela funcionava como uma franquia que levava a marca registrada
dos TED Talks: palestras curtas, comoventes e engajadoras sobre tecnologia, entretenimento e design
que apresentavam on-line “ideias que valem a pena ser disseminadas”. O problema a ser explorado pelo
evento era o “de como desenvolver o pensamento crítico sem abrir mão da empatia” neste mundo da
“pos-verdade”, das “fake-news”, dos “fatos alternativos” e das redes sociais? Os organizadores do
evento garantiam que respostas as essas questões seriam dadas durante a programação que seria
dedicada a fazer “pensar cuidadosamente sobre o conceito de verdade e sobre os seus cambiantes
papeis políticos, sociais e econômicos”. Especialistas que lidam com a verdade e escritores de ficção
iriam demonstrar que “nem sempre é fácil de achar, definir e compreender o conceito de verdade”, mas
que estes eram “um desafio e um elemento unificador exclusivamente humano.”
processos judiciais e risadas”. Os risos de Lipstadt são reações denunciativas de situações
ou de objetos de absurdos. Talvez por esse caráter, eles marcavam os três movimentos de
sua história. Ela riu quando soube do absurdo da negação do “mais bem documentado
genocídio” já perpetrado; riu quando dois proeminentes historiadores do Holocausto
sugeriram que ela pesquisasse sobre o negacionismo e, consequentemente, o levasse a
sério; e, finalmente, mais uma vez diante do absurdo, riu quando recebeu a notificação de
que um negacionista havia a processado judicialmente por danos morais.

As primeiras risadas correspondem à introdução de Lipstadt. A segunda e a


terceira são o miolo de sua história. Na segunda, elas levam ao trabalho de pesquisa que
deu em Denying....Depois de falar como chegou ao objeto e ao problema de sua pesquisa,
Lipstadt escolhe ressaltar dois resultados de sua pesquisa: i) “os negacionistas são lobos
vestidos em pele de cordeiro”, eles não passam de neo-nazistas que transfiguram
preconceitos e racismo em uma linguagem racional; ii) “não há apenas fatos e opiniões;
há fatos, opiniões e mentiras”, e, ao fazerem o que fazem, os negacionistas tentam mover
a mentira para o terreno da opinião (ainda que “controversa”) e, assim, transformá-la em
fatos – uma falsificação consciente e dissimulada. Com a terceira risada, Lipstadt começa
a falar do processo movido por David Irving contra ela e seus editores. Aqui ela relata
como descobriu e provou que os escritos de Irving (e, por extensão, o que se baseavam
neles) que negavam o Holocausto eram uma distorção deliberada da verdade. Usando os
mesmos procedimentos de sua pesquisa original, Lipstadt e a equipe de sua defesa
conferiram as fontes arroladas nas notas de rodapé de Irving e demonstraram que elas ou
não existiam, ou estavam alteradas, ou foram submetidas a algum tipo de fraude
processual que as corrompiam e descaracterizavam como evidencia.

Por fim, Lipstadt sintetiza a história e elabora o seu sentido em um “contexto


de questionamento da verdade”. Para ela, era auto evidente que nesse “contexto” “ a
verdade e os fatos estão sobre ataque; as mídias sociais, apesar de todas as suas vantagens,
permitem que a distância entre fatos e mentiras seja dissolvida; e o extremismo (...) se
apresenta como discurso racional. ” Esse era um cenário complicado. Nesse mundo, “a
verdade estava na defensiva”. Mas a recomendação, ou melhor, a lição final da
historiadora era a de que i) o extremismo pode se esconder sob a forma de um discurso
racional e, para escapar dessa dissimulação, é preciso deter-se aos fundamentos desse
discurso; ii) “a verdade não é relativa”; e iii) “é preciso tomar a ofensiva” pela verdade.
Enquanto essas discussões e afirmações sobre a pós-verdade, sobre as “fake-
news”, sobre os “fatos-alternativos” estavam circulando na velocidade da fibra óptica, e
enquanto a curta palestra de Lipstatd caminhava para os dois milhões de visualizações
em diferentes plataformas online, eu estava às voltas com uma pesquisa que tratava dos
mesmos mentirosos e das mesmas mentiras que a historiadora havia se dedicado a
combater. E agora, enquanto escrevo este texto que introduz os resultados dessa pesquisa,
vejo essas mesmas categorias serem aplicadas mais ou menos indiscriminadamente para
falar do processo eleitoral que deve levar um militar reformado e deputado de extrema-
direita – um “falastrão”, para ficar com McCoskley – ao Palácio da Alvorada.

Já não estou mais às voltas com a pesquisa – pelo menos por enquanto. Os
seus resultados estão aqui e, depois dessa longa e aparentemente inútil digressão, logo há
de saber do que ela se trata. Mais antes, dois ou três parágrafos.

Primeiro, sobre momento às voltas. Entre meados de 2016 e de 2017, eu me


realizei de que não sabia e não conhecia o terreno em que estava entrando. Não sabia o
que fazer, como fazer com o material que tinha submetido ao concurso de seleção para o
curso de Mestrado deste Programa de Pós-Graduação em História da UFRRJ.
Ingenuamente, eu intencionava fazer um “estudo de caso” sobre uma organização
negacionista estadunidense particular. Como as coisas ingênuas são, essa era uma posição
parecia relativamente confortável. De alguma forma, eu comecei a lidar com o universo
da extrema-direita estadunidense em 2013, através um projeto de iniciação científica que
se estendeu até 2015 e que, além de relatórios de qualidade duvidosa, rendeu um trabalho
de conclusão de curso satisfatório. E o estudo de caso era um formato prático, por assim
dizer; ele resolvia um problema que, na verdade, eu soube depois, não era
necessariamente um problema – pelo menos não um problema de pesquisa. Eu tomaria
uma instituição como unidade, investigaria seus agentes e processos de forma
longitudinal e: pronto! A dissertação estaria completa.

Essa ilusão começou a se desfazer à medida em que eu fui entrando como um


estrangeiro neste campo que me era e ainda é estranho: o dos historiadores. E esse
momento (que não é um momento) corresponde, ao mesmo tempo, ao ponto máximo e ao
zênite da confusão do estar às voltas. Ele coincide com o que foi chamado e tratado como
o retorno das manifestações públicas da extrema-direita nos EUA (e no mundo ocidental)
e coincide com este fenômeno ou o que quer seja da pós-verdade e das fake-news. No que
meus olhos de estrangeiro na disciplina viam era que o meu objeto de estudo, se não era
equivalente, estava no mesmo terreno destes fenômenos.

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