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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB

Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade

Fotografia e memória: a criação de passados

Rogério Luiz Silva de Oliveira

Vitória da Conquista
Fevereiro de 2011
i

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB


Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade

Fotografia e memória: a criação de passados

Rogério Luiz Silva de Oliveira

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade,
como requisito parcial e obrigatório para obtenção
do título de Mestre em Memória: Linguagem e
Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. Edson Silva de Farias


Co-orientador: Prof. Dr. Jorge Viana Santos

Vitória da Conquista
Fevereiro de 2011
ii

Oliveira, Rogério Luiz Silva de


Si381m Fotografia e memória: a criação de passados. Rogério Luiz Silva de
Oliveira. Orientador Edson Silva de Farias, co-orientador Jorge Viana
Santos - - Vitória da Conquista, 2011.
99 f.

Dissertação (mestrado – Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e


Sociedade ).
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 2011.

1. Fotografia 2. Memória 3. Imaginário. I. Farias, Edson Silva de. II.


Santos, Jorge Viana. III. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
IV. Título.

Título em inglês: Photography and Memory: the creation of pasts

Palavras-chaves em inglês: Photography. Memory. Imaginary.

Área de concentração: Multidisciplinaridade da Memória

Titulação: Mestre em Memória: Linguagem e Sociedade.

Banca Examinadora: Prof. Dr. Edson Silva de Farias (titular), Prof. Dr. Jorge Viana Santos
(titular), Prof. Drª. Milene de Cássia Silveira Gusmão (titular), Prof. Dr. Elder Patrick Maia
Alves (titular), Profa. Dra. Maria da Conceição Fonseca-Silva (suplente), Profa. Dra. Maria
Salete de Souza Nery (suplente)

Data da Defesa: 25 de fevereiro de 2011

Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e


Sociedade.
iii

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia


Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Edson Silva de Farias (UnB/UESB)


(Orientador(a))

Prof. Dr. Jorge Viana Santos (UESB)


(Co-orientador)

Prof. Drª. Milene de Cássia Silveira Gusmão (UESB)

Prof. Dr. Elder Patrick Maia Alves (UFAL)

Suplentes

Profa. Dra. Maria da Conceição Fonseca-Silva (UESB)

Profa. Dra. Maria Salete de Souza Nery (UFRB)

Local e data da Defesa de Dissertação: Vitória da Conquista, 25 de fevereiro de 2011

Resultado:
iv

À Família Mello, representada pelos


fotógrafos Manuel Euphrásio dos Santos Melo
(in memorian), Manoelito Magalhães Mello
(in memorian), Elísio Magalhães Melo e
Marco Antonio Jardim Melo.
v

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Prof. Dr. Edson Silva de Farias,

Ao meu co-orientador Prof. Dr. Jorge Viana Santos,

Ao Programa de Pós-graduação em Memória: linguagem e sociedade, da Universidade


Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB,

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES,

À Coordenadora do PPG em Memória: linguagem e sociedade, Prof. Drª Maria da


Conceição Fonseca-Silva,

Ao grupo de pesquisa Cultura, Memória e Desenvolvimento,

Aos professores Milene de Cássia Silveira Gusmão, Ana Elisabeth, Nilton Milanez,
Lúcia Ricotta, Gilberto Sobrinho, Iara Lis, Sírio Possenti, Luiz Nova, Jorge Miranda,
Pedro Ivo das Neves e Clédson Miranda dos Santos,

A Guilherme, Naiana e Míriam,

Ao Programa Janela Indiscreta – Cine-vídeo e toda a sua equipe

Aos meus pais Pedro e Lúcia,

A Nina,

Aos amigos Thiago, Sara, Thiaquelliny, Clara, Poliana, Ronaldo, Túlio, Lucineide,
Marleide, Cecília, Rogéria Maciel, Valter Rodrigues, Tarcísio Franco, Henrique
Oliveira, Ricardo Santos, Carlos Rizério, J. C. D’Almeida, Mônica Lula, Beto Viana,
Carlos Bernard e Elisa,

A Deus.
vi

RESUMO

O que uma fotografia nos informa? Como prova de que aquela cena retratada aconteceu,
o acesso que ela dá ao passado é de totalidade? Na leitura de uma imagem fotográfica
levamos em consideração as informações de que tipo de passado? Estas são questões
que estimulam a pesquisa que, por ora, é apresentada a partir deste resultado parcial em
forma de dissertação. As ideias nela contidas dizem respeito à relação entre fotografia e
memória. Para tanto, serve-nos de aporte teórico as reflexões do filósofo francês Gilles
Deleuze. A partir deste pensador, amadurecemos uma concepção de memória que,
quando aplicada à fotografia, nos levará a entendê-la como um processo de criação de
passados. A argumentação das páginas que seguem se dão no sentido de buscar
elementos que sustentem a suposição de que ao se ler uma fotografia, a atuação da
imaginação é tamanha que o passado encontrado está no presente. Ou seja, os signos
presentes na imagem fotográfica nos fazem ler o passado retratado a partir de sensações
presentes. A memória aplicada à fotografia é muito mais uma atualização que uma
rememoração do instante nela retratado. Para chegar a esta concepção de memória, o
eixo teórico escolhido ainda respeita diálogos entre o pensamento deleuzeano e os
conceitos de memória de Henri Bergson e David Hume.

PALAVRAS-CHAVE:

Fotografia. Memória. Imaginário.


vii

ABSTRACT

What a picture informs us? How proof of that scene had painted, is the access that it
give to the past of totality? Do in the reading of the photografic image we consider the
informations of what kind os past? Those are questions that incite the research present,
introduced, here, like partial result in form of paper. The ideas enclosed on her refer to
the relationship between photography and memory. The French philosopher Gilles
Deleuze´s reflections are considerated. The photography’s understood like, whereof this
philosopher, the creation process of pasts. The ideas of the next pages enable us to
understand that when we reading a picture, the imaginary action is so considerable that
the past joined is in the present. That is to say, the photographic images signs enable
reading the past whereof presents sensation. The memory applied on photgraphy is a
retrofit. The research respect the dialogue between Deleuze’s thought and the memory
concept of David Hume and Henri Bergson.

KEYWORDS

Photography. Memory. Imaginary.


viii

SUMÁRIO

Introdução..............................................................................................................10

1. Critérios para uma ontologia da imagem fotográfica...........................14


1.1. O conceito de memória....................................................................................15
1.2. Deleuze, a memória e os signos......................................................................25
1.3. Deleuze e o simulacro.....................................................................................33

2. Fotografia e memória....................................................................................41
2.1. Memória e decifração.......................................................................................42
2.2. Fotografia, memória e conotação.....................................................................46
2.3. A fotografia e os signos...................................................................................49
2.4. A memória e os fragmentos fotográficos........................................................57
2.5. A memória e os signos fotográficos................................................................64
2.6. Fotografia e imaginação..................................................................................68
2.7. A fotografia como simulacro...........................................................................76
2.8. A fotografia e a criação de passados...............................................................82

3.Considerações.......................................................................................93
Referências.........................................................................................................95
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Introdução

A fotografia como a possibilitadora da criação de passados. Esta é a ideia de que


partimos nesta pesquisa. Para isso, é necessário, contudo, a construção de uma
ferramenta analítica que nos sirva de base para a análise da fotografia. É preciso o
estabelecimento de um eixo teórico-metodológico que dê direcionamento aos
argumentos em torno da imagem fotográfica. Mais que isso, é indispensável a
apresentação de um entendimento de memória, esta faculdade que permite uma
abordagem multimodal e que, por isso mesmo, carece de um delineamento. A ideia da
pesquisa não é aplicada a um corpus específico, mas considera a fotografia em sua
totalidade. E considerar a fotografia como tal, neste caso específico, significa analisá-la
como memória em si, isto é, a fotografia não é um simples instrumento/artefato de
preservação de memórias, mas a própria memória.
O trabalho, em última conseqüência, visa a construção de um artefato de análise,
à luz do debate sobre a memória, e que sirva de modelo inspirador para a leitura de
autores clássicos dedicados ao estudo da imagem fotográfica. Para tanto, lançamos mão
de uma abordagem analítica. Ou seja, estamos munidos de uma metodologia que
primeiro constrói um modelo de observação e depois a aplica numa análise, que se
pretende rigorosa, dos leitores sugeridos anteriormente.
O percurso proposto no presente trabalho se inicia na definição de critérios
específicos para uma leitura da imagem fotográfica. E isto tem início no delineamento
do conceito de memória a ser considerado no trabalho. Neste sentido, devemos dizer
que a noção de memória pelo qual optamos encontra correspondência na filosofia de
Gilles Deleuze. Neste autor, constatamos a presença de um modo de entender a
memória que parece aplicável à fotografia e às realidades que ela gera quando alguém a
observa. Do pensamento deleuzeano, conseguimos apreender que, por meio de signos,
nossa relação com a imagem é de liberdade criadora. Diante de uma referida imagem,
nós somos levados a criar ficções, a criar realidades paralelas àquela essencial do
processo entre o criador da imagem e seu objeto.
As leituras serão variáveis tantas quantas forem as experiências de observação.
Este resultado múltiplo de sentidos se aproxima justamente daquilo que na filosofia
deleuzeana é chamado de simulacro. Esta categoria será de fundamental importância
para dar sustentação à ideia que temos da fotografia. O conceito de simulacro, definido
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como uma cópia sem semelhança, nos servirá de inspiração para que entendamos o que
a fotografia nos permite criar diante dela.
Antes, porém, de nos debruçarmos sobre esta categoria, deveremos recorrer a
outros dois autores que influenciaram consideravelmente o pensamento deleuzeano no
que diz respeito à memória: David Hume e Henri Bergson. Do primeiro, será importante
compreender a importância de uma outra faculdade auxiliar e complementar à memória:
a imaginação. Ou seja, reconhecer a ideia de simulacro na fotografia não será possível
senão tocando este tema da imaginação, tal qual a apresenta Hume. Na presente
pesquisa, o tom da participação humeana se dá no sentido de que na dedicação ao
exercício mnemônico, imaginar é fundamental. Sem falar que, para ele, muitas vezes o
que entendemos por memória é, na verdade, investida da imaginação. A convivência
entre estas duas faculdades exige um rigor de nós para que as ideias de uma não sejam
confundidas com as da outra. Contudo, para o contexto deste trabalho, interessa esse
grau de discussão sobre o quão importante é a imaginação num processo de observação,
como é o caso da de uma imagem fotográfica.
Em determinado momento do trabalho, abandonamos estas considerações
humeanas seguindo em direção a um outro filósofo, também dedicado ao tema da
memória: Henri Bergson. Dele, importa à pesquisa a ideia de que ao exercitarmos a
memória, prevalecerão as sensações presentes que temos reunidas no corpo. Ou seja, o
pensamento bergsoniano entende que a memória é um processo permanente de
atualização. Um fato passado é lido no presente, com sensações igualmente presentes, a
partir do que ele chama de elementos sensório-motores, que estão no corpo.
Notemos, então, que o caminho até o conceito deleuzeano de simulacro é
preparado a partir de diálogos com dois autores que pensaram sobre o mesmo tema.
Eles atuam como uma espécie de complemento à concepção de Deleuze sobre a
memória. Ou melhor, é como se neste último, encontrássemos o amadurecimento de
argumentos que permeiam as três diferentes obras. Além disso, ao nosso entender,
aquilo que Deleuze chamará de simulacro, encontra correspondência direta no debate
humeano sobre a imaginação e na atualização bergsoniana.
Destacada esta influência, a pesquisa, ainda no primeiro capítulo, vai estabelecer
esta aproximação entre os autores, delineando a ferramenta analítica a ser aplicada no
capítulo seguinte. Nessa primeira parte, o que se verá é uma apresentação do conceito
de simulacro, apreendido da obra de Deleuze, e respeitando os diálogos possíveis entre
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esta noção e quelas que caracterizam os pensamentos de Hume e de Bergson.


Importante dizer que o modo de entender a fotografia, como está exposto no segundo
capítulo, é viabilizado pelo confronto das ideias desta tríade de pensadores. Nela, o
simulacro funciona como uma espécie de elo entre as ideias dos três.
Nessa primeira seção do trabalho, consideraremos um quarto pensador: Charles
Sanders Peirce, cuja definição de signos será utilizada em associação com o debate da
memória. Acredita-se que os signos têm papel atuante na geração de simulacros. Dada à
sua capacidade de ser uma coisa no lugar de outra, os signos parecem contribuir
efetivamente para as múltiplas leituras possíveis para uma imagem. Os signos atuam,
neste sentido, como uma espécie de fisionomia provocadora de duplos. Como num
exemplo, do tipo que será visto ao longo do trabalho, é como se a imagem de um livro
me possibilitasse o despertar da minha imaginação, de modo que a ideia de livro a que
chego seja completamente diferente da de outro observador da mesma imagem. A citada
imagem como um simulacro, possível a partir da sugestão de um signo. Notemos que a
ideia peirceana de signo aparece, então, como uma forma provocadora de simulacros.
A primeira parte do texto se encerra com este conceito de simulacro. Assim,
concluímos a construção da ferramenta analítica a ser aplicada na segunda parte do
trabalho. Nela, nos dedicamos a ler autores clássicos da área da fotografia e da imagem,
e mostrar qual o resultado de leitura a que chegamos ao usar este entendimento de
memória, a partir do papel dos signos e da geração de simulacros.
A segunda seção, intitulada Fotografia e Memória, começa a ser delineada a
partir do subtítulo Memória e decifração. Nela, mostraremos o quanto a relação do
observador com fotografia é de decifração de um enigma. Ao passo em que não é capaz
de reproduzir o real tal como é, a fotografia exige de leitor a capacidade de decifrar.
Em Fotografia, memória e conotação, será considerada o pensamento de Roland
Barthes, entendendo a fotografia como dotada de uma mensagem conotada. Seus signos
são entendidos individual e isoladamente, fazendo com que as leituras sejam variáveis
conforme cada experiência diferente.
Neste tom, propõe-se a pensar a fotografia enquanto linguagem, em A fotografia
e os signos, propondo uma comparação com linguagens como a verbal. Tentamos
mostrar, nela, a incapacidade dos signos isoladamente e o quanto, por outro lado, estes
mesmos signos podem conduzir a leitura da imagem fotográfica.
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Nessa segunda parte, não se perderá de vista a limitação espaço-temporal da


fotografia, como em A memória e os fragmentos fotográficos, e o quanto este recorte
característico da fotografia interfere no exercício da memória. Nesta parte, há atenção
para as contribuições de autores como Susan Sontag e Walter Benjamin, em que se
destaca a relação entre técnica fotográfica e memória. Do mesmo modo, não deixamos
de tocar na questão do diálogo possível entre a memória e a fotografia, por meio de seus
signos. Em A memória e os signos fotográficos, consideraremos o sistema categorial de
Charles Sanders Peirce, constituído por primeiridade, secundidade e terceiridade,
demonstrando a ação sígnica mediante o problema da memória.
Conforme a ferramenta de análise que construímos, a discussão desta segunda
parte não pode deixar de fora o diálogo com a faculdade da imaginação. É o tema da
subseção Fotografia e imaginação, em que colocamos em prática aquele entendimento
que nasce, no trabalho, com Hume, e que encontra correspondência em autores
contemporâneos quando estes analisam a imagem fotográfica. Dou como exemplo,
autores da monta de Villém Flusser ou François Soulages. Autores contemporâneos que
trataram desta questão da imaginação no processo fotográfico, mesmo que, às vezes, de
maneira velada.
Como também não poderia faltar, reservamos espaço para a discussão do
simulacro aplicado à fotografia. Em A fotografia como simulacro, a partir da questão
levantada por Gilles Deleuze, dedicamos algumas páginas para pensar na maneira como
o tema do simulacro aparece para os autores da fotografia. Sem deixar, evidentemente,
de fazer uma leitura arrojada, a fim de perceber como a fotografia figura à luz do
próprio Deleuze e da memória, questão central da pesquisa.
Os argumentos apresentados nesta segunda parte do trabalho caminham para
esta última subseção, A fotografia e a criação de passados. Nela, há uma tentativa de
propiciar um lugar de convergência de todas as ideias discutidas ao longo do trabalho.
Se num primeiro momento, construimos uma ferramenta e na maior parte da segunda a
aplicamos, neste final chegamos a uma conclusão de que gerando os simulacros, a
fotografia, por meio de seus signos, tem a capacidade de criação de passados.
O trabalho que segue, portanto, é dividido em duas partes e estas em dois
capítulos. O primeiro capítulo é constituído pela montagem da ferramenta analítica; o
segundo, o espaço de aplicação dela.
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1. Critérios para uma ontologia da imagem fotográfica

Neste instante, estamos imersos num debate essencialmente ocupado pelo


conceito da memória. No entanto, uma noção de memória que não está apenas ligada à
preservação intacta de um passado, ou à lembrança suscitada pelos elementos do
patrimônio histórico; não é a memória do tipo que se discute em torno de casarios
antigos, ou de conjuntos arquitetônicos. Trata-se de uma memória que passa pelas
sensações que chamaremos de sensório-motoras, que atende aos ímpetos corporais, que
leva em consideração o fato de que a leitura do passado se dá, acima de tudo, no
presente.
O delineamento deste conceito exige, pois, a construção de um eixo teórico-
metodológico que nos servirá de aporte para uma ontologia da imagem fotográfica. O
eixo em questão abarca ideias dos filósofos David Hume, Henri Bergson e Gilles
Deleuze, em que se dispensa maior atenção a este último, principalmente no que diz
respeito ao modo como este pensa o conceito de simulacro. Compreende-se esta noção,
passando pelo debate que Deleuze promove com o pensamento platônico. Fazemos
referência ao modo como Platão tratou deste tema e de como se nota um certo
antiplatonismo de Deleuze, que segue utilizando o termo simulacro, porém aplicado de
um modo diferente em relação ao pensador clássico. Nesta passagem, importante dizer
que o pesquisador brasileiro Roberto Machado, aparece como um interlocutor em
algumas passagens, principalmente no que diz respeito aos comentários sobre este
rompimento de Deleuze em relação a Platão.
A ferramenta a ser construída, considera, ainda, as ideias de signos de Charles
Sanders Peirce. Entende esta sistematização categorial como necessária para se
compreender o modo como a memória acontece. Fala-se dos signos num
encaminhamento para a discussão maior que se dá em torno do simulacro.
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1.1. O conceito de memória

Trabalhando na perspectiva da imagem fotográfica como tendo sua função


delimitada, no que diz respeito ao acesso à situação real, é possível trabalhar com o
conceito de imaginação em contraposição ao de memória. Ou ao lado, como propõe o
filósofo escocês David Hume.
Perseguindo uma definição de memória, Hume estabelece uma comparação com
o conceito de imaginação. Ele considera, para isso, o homem como detentor do poder de
dar livre curso à sua fantasia para inventar qualquer cena passada de aventuras. Leva em
consideração a capacidade do homem de imaginar. Para esse pensador, essa
característica humana levanta dúvidas e questões sobre as ideias da memória,
principalmente à medida que elas se tornam muito fracas e sem vigor. É justamente
nesse instante que surgem dificuldades em determinar se uma imagem provém da
fantasia ou da memória, quando ela não se apresenta com as cores vivas que distinguem
a segunda destas faculdades (HUME, 2001, p. 121).
Para Hume, a memória é definida como uma espécie de ideia que, ao reaparecer
na mente, conserva um grau considerável de vivacidade primitiva, sendo algo
intermédio entre impressão e ideia, duas espécies distintas às quais se reduzem todas as
percepções humanas. Nesta argumentação, os conceitos de memória e imaginação se
confundem e é preciso fazer a diferenciação. As ideias da memória são muito mais
vivazes e mais fortes do que as da imaginação, e que a primeira destas faculdades pinta
os seus objetos com cores mais nítidas do que as empregadas pela segunda (HUME,
2001, p. 37).
Adaptado ao debate em torno da fotografia é como se a leitura da cena retratada
desse margem às investidas da imaginação. A reiteração das ideias que se tem das
informações da imagem pode ser posta, desse modo, no mesmo patamar de um exemplo
apresentado no tratado humeano. Pela repetição de suas mentiras, diz ele, o mentiroso
acaba por acreditar nelas como se fossem realidades, não se dando conta de que tudo
aquilo pode ser fruto da imaginação. O mesmo acontecerá diante das realidades
representadas na fotografia. Elas nunca fizeram parte do repertório do leitor e, por
similaridade com alguma situação que ele conhece, há um convite à divagação.
Falta nesse processo de leitura de uma cena desconhecida, a completude do
mecanismo de acionamento da memória. Neste caso, dois elementos indispensáveis
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estão fora: as ideias e as impressões, duas espécies que compõem a percepção do


espírito humano. As ideias são entendidas como imagens tênues despertadas pelas
impressões nos nossos pensamentos e raciocínio. Já as impressões, entendidas como as
percepções que penetram a mente humana com mais força e violência. Importa, ainda,
lembrar que todas essas ideias são originadas de impressões anteriores, e não temos
qualquer impressão de eu ou substância como sendo algo simples e individual (HUME,
2001, p. 725).
Com isso, se quer dizer que para que a memória possa aparecer na mente, as
impressões precisam preparar-lhe o caminho. Sem elas, é natural o defeito ou
imperfeição na faculdade de lembrança. Isso se deve ao fato de que a memória é
entendida como responsável por reter a ordem e a posição das ideias. Entende-se ainda a
memória como uma faculdade mediante a qual repetimos as nossas impressões. Sem
elas, o exercício da memória é falho ou, em últimas consequências, inexistente.
A relação de transição dessas impressões para a memória é denominada de causa
ou efeito. Essa passagem se baseia na experiência passada, ou seja, não existe
lembrança se não há experiência. Diante disso, cabe questionar se somos determinados
pela razão a fazer esta transição, ou por certa associação e relação de percepções. Caso
seja determinada pela razão, isso se dá de acordo com o princípio de que os casos de
que não tivemos experiência, devem assemelhar-se àqueles que experimentamos.
Da argumentação apresentada até aqui, entende-se que a relação com o passado
deve respeitar, necessariamente, a experiência, caso se tenha a intenção de buscar as
lembranças na memória. Quando isso não foi possível, o que ganha corpo é a
imaginação, evidenciada a partir da inexistência de impressões. Até esta seção, uma
lacuna parece ficar vazia e diz respeito ao modo como esse passado é interpretado ou
decifrado. O referencial humeano não permite avançar nesse sentido, na medida em que
o debate proposto pelo autor caminha para entender de que modo a noção de memória,
associada ao aprendizado, contribui para um entendimento da natureza humana.
Interessa a David Hume, nesse caso, estabelecer uma associação entre a memória e
temas como a moralidade.
Em busca de uma discussão teórica que contemple a relação do presente com o
passado, nossa abordagem deve seguir em outra direção. E, nesse caso, a saída talvez
esteja em pensar que o modo como se imagina o passado tem base no presente, com
vistas no futuro.
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Considerando esse nível de discussão, a continuidade do presente debate teórico


parece encontrar argumentos no pensamento de Henri-Bergson. Dando, inicialmente,
um exemplo, é como se ao lermos uma fotografia, levamos em consideração o que nos é
útil, a partir do presente e do passado que vivemos.
Para melhor entender, diremos que a fotografia, a partir da concepção de
memória bergsosiana, pode ser caracterizada pelo que ele chama de matéria, sobre a
qual age a memória. A matéria é entendida como “uma existência situada a meio
caminho entre a ‘coisa’ e a ‘representação’” (BERGSON, 2006, p. 2) Em meio a um
debate dualista, ele diz que a matéria não é aquilo que o idealista chama de
representação, nem aquilo que o realista chama de coisa.
A matéria é ainda definida como um conjunto de imagens, sobre as quais
prevalece uma: o corpo. Ele é parte integrante de um sistema de imagens e é soberano
em relação a todas as outras. Interessa a Bergson entender como todas as outras imagens
exteriores agem sobre esta imagem chamada corpo. Isso não se dá senão em
conformidade com um exercício de memória. Ela é definida como a síntese do passado
e do presente com vistas ao futuro e faz uso de um elemento sensório-motor. Tratando
de uma percepção que podemos chamar de sensório-motora, de atuação fundamental
nesse processo de atualização, pode-se dizer que nela o movimento recebido perde sua
singularidade objetiva ou subjetiva: “o percepto já não é mais puro, pois agora deve
prolongar-se em uma ação possível, envolvendo, portanto, uma imagem” (COSTA,
2006, p. 97). O vivo elimina muitos movimentos, enquadrando e limitando a percepção
às necessidades utilitárias e motoras, ou seja, à ação possível.
O corpo recebe influências do mundo exterior e do mesmo modo influencia as
imagens exteriores, produzindo movimento. Ele pode exercer sobre as outras imagens
uma influência real, além de ser capaz de decidir em meio a procedimentos
materialmente possíveis. Um dos meios pelo qual a matéria realiza esse reconhecimento
é por meio da percepção, definida como o movimento que está ligado ao resto do
mundo material.
A maneira como o movimento é recebido pelo vivo em sua percepção merece
atenção. Há uma interrupção em seu movimento infinito, da seguinte maneira: o
movimento percebido se prolonga até o cérebro, que não passa de um vazio que, na
concepção bergsoniana, é um intervalo entre o movimento recebido e o executado.
Neste caso, a imagem-afecção é a matéria que é reportada ao centro de indeterminação,
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que é o cérebro. As imagens aí geradas são qualidades-potências e se referem às causas


e aos corpos, mas não são os estados de coisas. Em tudo isso, a afecção são os efeitos
dos corpos sobre o vivo, o expresso do estado de coisas. Por estarem fora das
coordenadas espaço-temporais são imagens singulares do movimento que tende a se
prolongar em ação. Por outro lado, os afetos puros são as imagens que, por algum
motivo, não puderam se prolongar em uma ação e acabam por manter conjugações
virtuais com outras imagens não atuais.
Sobre a imagem-afecção, ela não é propriamente uma sensação, sentimento ou
paixão. Essas categorias são atualizáveis em um estado de coisas e pertencem ao real-
atual, ao existente individuado ou aos mundos originários das pulsões. Então os
sentimentos atualizados, as sensações profundas, são ou da ordem das ações ou das
paixões, mas pertencem ao corpo existente, seja ele originário ou atual. Retornando ao
afeto puro, ele não pertence ao atual, como a ação de um corpo, nem ao originário,
como a pulsão profunda.
Ainda tratando do pensamento bergsoniano, devemos falar sobre a percepção, o
que significa trazer à tona duas doutrinas que ele apresenta como realismo e idealismo.
Para ambas, a percepção tem interesse inteiramente especulativo; ela é conhecimento
puro. Para as duas, perceber é conhecer, mas a relação entre elas também é marcada
pelas diferenças.
O realismo parte do universo, ou seja, de um conjunto de imagens governadas
em suas relações mútuas por leis imutáveis. É obrigado a constatar que além desse
sistema existem percepções, isto é, sistemas em que estas mesmas imagens estão
relacionadas a uma única dentre elas, escalonando-se ao redor dela em planos diferentes
e transfigurando-se em seu conjunto a partir de ligeiras modificações desta imagem
central (BERGSON, 2006, p. 22).
Para a segunda, que parte desta mesma percepção, Bergson entende que:

[...] no sistema de imagens que ele se oferece há uma imagem privilegiada,


seu corpo, sobre o qual se regulam as outras imagens. Mas, se quiser ligar o
presente ao passado e prever o futuro, ele será obrigado a abandonar essa
posição central, a recolocar todas as imagens no mesmo plano, a supor que
elas não variam mais em função dele mas em função delas, e a tratá-las como
se fizessem parte de um sistema onde cada mudança dá a medida exata de sua
causa (BERGSON, 2006, p. 22).
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A percepção passa pelo que Bergson denomina de “sistema de imagens


solidárias e bem amarradas”, em que centros de ação real são representados pela
matéria viva. A exemplificação de Bergson para esta seção passa pelas espécies
inferiores, citando os celenterados, cujo aparelho urticante é um instrumento de
percepção assim como um meio de defesa.
Bergson quer nos dizer que a relação do organismo com objetos mais ou menos
distantes adquire a forma particular de uma percepção consciente. Sobre este tema,
Bergson acaba introduzindo no debate o dueto percepção versus lembrança:

Na verdade, não há percepção que não esteja impregnada de lembranças. Aos


dados imediatos e presentes de nossos sentidos misturamos milhares de
detalhes de nossa experiência passada. Na maioria das vezes, estas
lembranças deslocam nossas percepções reais, das quais não retemos então
mais que algumas indicações, simples ‘signos’ destinados a nos trazerem à
memória antigas imagens. A comodidade e a rapidez da percepção têm esse
preço; mas daí nascem também ilusões de toda espécie. Nada impede que se
substitua essa percepção, inteiramente penetrada de nosso passado, pela
percepção que teria uma consciência adulta e formada, mas encerrada no
presente, e absorvida, à exclusão de qualquer outra atividade, na tarefa de se
amoldar ao objeto exterior (BERGSON, 2006, p. 30).

Sobre a percepção, por mais breve que ela seja “ela ocupa sempre uma certa
duração, e exige consequentemente um esforço da memória, que prolonga uns nos
outros, uma pluralidade de momentos” (BERGSON, 2006, p. 31).
É recorrente nessa argumentação a ideia de até onde é possível estabelecer uma
relação entre um fato e a lembrança real que se tem dele. Baseado nisso ele pensa que
uma imagem pode ser sem ser percebida, pode estar presente sem estar representada.
Neste sentido, a distância entre presença e representação parece medir o intervalo entre
a própria matéria e a percepção consciente que temos dela. Pensando em como se pode
transformar a existência pura e simples de um objeto material – que é a representação de
uma imagem –, Bergson sugere que se suprima de uma só vez o que a segue, o que a
precede e também o que a preenche, não conservando mais do que sua crosta exterior,
sua película superficial (BERGSON, 2006, p. 33).
Conceituando agora o segundo elemento do dueto sugerido anteriormente, diz-se
que há momentos em que percepções e lembranças vão se confundir. Nesse sentido, a
concepção bergsoniana entenderá sobre a lembrança:

[...] à medida que se torna mais clara e mais intensa, tende a se fazer
percepção, sem que haja momento preciso em que uma transformação radical
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se opere e em que se possa dizer, por conseqüência, que a lembrança é


transportada dos elementos imaginativos aos elementos sensoriais
(BERGSON, 2006, p. 147).

Sobre as lembranças, Bergson observa que não há nem pode haver no cérebro
uma região onde elas se fixem e se acumulem. A lembrança é a representação de um
objeto ausente. Chamadas do fundo da memória, as ideias ou as lembranças puras
desenvolvem-se em lembranças-imagens cada vez mais capazes de se inserirem num
esquema motor. É o que justifica a observação de Bergson sobre a semelhança de
características com a percepção. Afinal, conforme essas lembranças adquirem a forma
de uma representação mais completa, mais concreta e mais consciente, elas tendem a se
confundir com a percepção que as atrai. Nem na percepção, nem na memória, nem nas
operações superiores do espírito, o corpo contribui diretamente para a representação.
Nesta relação da memória com o corpo, dir-se-ia que uma memória
independente junta imagens ao longo do tempo à medida que são produzidas e nosso
corpo, vale ressaltar, é mais uma dessas imagens. O nosso corpo seria, deste modo, a
última imagem que obtemos a todo momento praticando um corte instantâneo no devir
em geral.
O corpo é entendido também como um limite movente entre o futuro e o
passado, como de uma extremidade móvel que nosso passado estenderia a todo
momento em nosso futuro. Corpo definido como um condutor interposto entre os
objetos que o influenciam e os objetos sobre os quais age e que, por outro lado,
recolocado no tempo que flui, ele está sempre situado no ponto preciso onde nosso
passado vem expirar numa ação.
Henri Bergson entende, portanto, que o resumo de todos os sentidos não é capaz
de dar a imagem completa de um corpo. Afinal, colher as percepções num conjunto
significa perceber conscientemente, escolher; e consciência, nestes termos, é sinônimo
de discernimento prático. As percepções de um mesmo objeto, por mais diversas, ainda
assim não reconstituirão a imagem completa do objeto.
Isso quer dizer que os nossos estados passados estão presentes em todas as
nossas decisões. Num exemplo, nosso caráter é formado a partir de nossa experiência
vivida. Conta, para isso, com o trabalho da consciência atual que, “a cada instante aceita
o útil e rejeita momentaneamente o supérfluo” (BERGSON, 2006, p. 171).
21

Na distinção entre percepção e lembrança feita por Bergson parece estar uma
chave importante para entender o modo como se dá a (re)constituição de um fato
passado. Procedimento esse que vai sempre desembocar num processo sensório-motor.
Henri Bergson propõe que se deve entender por percepção, pelo menos
provisoriamente, não a percepção concreta e complexa, aquela que minhas lembranças
preenchem e que oferece sempre certa espessura de duração, mas a percepção pura.
Uma percepção que, segundo Bergson, existe mais de direito do que de fato e é capaz,
pela eliminação da memória sob todas as suas formas, de obter da matéria uma visão ao
mesmo tempo imediata e instantânea (BERGSON, 2006, pp. 32-33). Na percepção
pura, o objeto percebido é um objeto presente, um corpo que modifica o nosso.
O passado, então, nesse debate que leva ao encontro da memória, é um ponto de
saída. O passado é o que não atua mais. A memória, assim, não consiste numa regressão
do presente ao passado. Por isso ele enxerga que perceber é lembrar, já que a memória
enriquece nosso presente com as experiências adquiridas. Bergson aponta dois tipos
distintos de memória, mas que se vinculam.
A primeira delas é configurada sob a forma de imagens-lembranças e entendida
como a memória por excelência, a memória verdadeira. Está ligada a todos os
acontecimentos da nossa vida cotidiana à medida que se desenvolvem. Não
negligenciaria nenhum detalhe, atribuindo a cada fato, a cada gesto, seu lugar e sua data.
Coextensiva à consciência, ela retém e alinha uns após outros todos os nossos estados à
medida que eles se produzem, dando a cada fato seu lugar e consequentemente
marcando-lhe a data, movendo-se efetivamente no passado definitivo, e não, como a
outra, num passado que recomeça a todo instante. Nas palavras precisas de Bergson,
isto é posto da seguinte maneira:

Por ela se tornaria possível o reconhecimento inteligente, ou melhor,


intelectual, de uma percepção já experimentada; nela nos refugiaríamos todas
as vezes que remontamos, para buscar aí uma certa imagem, a encosta de
nossa vida passada (BERGSON, 2006, p. 88).

A segunda tem como conseqüência a experiência depositada no corpo, com uma


série de mecanismos inteiramente montados, com reações cada vez mais numerosas e
variadas às excitações exteriores. Toma-se consciência desses mecanismos quando eles
entram em jogo e a consciência de todo um passado de esforços armazenado no presente
22

é ainda uma memória sempre voltada para a ação, assentada no presente e


considerando-se apenas o futuro.
À medida que as imagens se fixam e se alinham nessa segunda memória, os
movimentos que as continuam modificam o organismo, criam no corpo disposições
novas para agir. Ela está fixada no organismo e faz com que nos adaptemos à situação
presente. Antes hábito do que memória, ela desempenha nossa experiência passada, mas
não a evoca. Tem a ver com o prolongamento da percepção em ação nascente e a
criação de disposições novas para a ação do corpo. A percepção, segundo Bergson, atua
assim:

Esta só reteve do passado os movimentos inteligentemente coordenados que


representem seu esforço acumulado; ela reencontra esses esforços passados,
não em imagens-lembranças que os recordam, mas na ordem rigorosa e no
caráter sistemático com que os movimentos atuais se efetuam. A bem da
verdade, ela já não nos representa nosso passado, ela o encena; e, se ela
merece ainda o nome de memória, já não é porque conserve imagens antigas,
mas porque prolonga seu efeito útil até o momento presente (BERGSON,
2006, p. 89).

Esta segunda memória pode substituir a primeira e frequentemente até dá a


ilusão dela. Por ser ativa ou motora, deverá inibir a primeira. Para explicar isso, ele cita
o exemplo do cão, propondo um questionamento:

Quando o cão acolhe seu dono com festa e latidos alegres, ele o reconhece,
sem dúvida nenhuma; mas esse reconhecimento implica a evocação de uma
imagem passada e a reaproximação dessa imagem à percepção presente?
(BERGSON, 2006, p. 89).

Ao responder, a explicação de Bergson assinala que o cão até pode ter o passado
inteiramente desenhado em sua consciência, mas esse passado não o interessa o
suficiente para separá-lo do presente que o fascina e seu reconhecimento deve ser antes
vivido do que pensado: “Para evocar o passado em forma de imagem, é preciso saber
dar valor ao inútil, é preciso querer sonhar” (BERGSON, 2006, p. 90).
As observações fazem parte da discussão proposta por um pensador que acredita
que não há percepção que não se prolongue em movimento. Para ele, a educação dos
sentidos consiste precisamente no conjunto das conexões estabelecidas entre a
impressão sensorial e o movimento que o utiliza. Com a repetição da impressão, a
conexão se consolida.
23

Este movimento conectado com a impressão sensorial tem relação direta com o
deslocamento que o presente exerce sobre o passado. Nestes termos, a supressão das
antigas imagens resulta de sua inibição pela atitude presente. As imagens que poderiam
se enquadrar nessa atitude encontrarão um obstáculo menor que as outras; e, se, a partir
de então, alguma delas for capaz de superar o obstáculo, é a imagem semelhante à
percepção presente que irá superá-lo (BERGSON, 2006, p. 108).
A memória pode fortalecer e enriquecer a percepção, atraindo um número
crescente de lembranças complementares. No que diz:

Se a imagem retida ou rememorada não chega a cobrir todos os detalhes da


imagem percebida, um apelo é lançado às regiões mais profundas e afastadas
da memória, até que outros detalhes conhecidos venham a se projetar sobre
aqueles que se ignoram (BERGSON, 2006, p. 115).

Outro fator importante que deve ser incluído nesta discussão sobre o lugar da
lembrança ou do passado, é o corpo. Para começar, conforme a argumentação
bergsoniana, nossa consciência do presente já é memória. E, nisso, cabe dizer que ela
está justamente no corpo. Corpo este que não é nada mais que a parte invariavelmente
renascente de nossa representação. É a parte sempre presente, ou aquela que acaba a
todo momento de passar. Bergson diz:

Sendo ele próprio imagem, esse corpo não pode armazenar, já que faz parte
das imagens; por isso é quimérica a tentativa de querer localizar as
percepções passadas, ou mesmo presentes, no cérebro: elas não estão nele; é
ele que está nelas (BERGSON, 2006, p. 177).

O corpo é, portanto, o lugar de passagem dos movimentos recebidos e


devolvidos. É o ponto de encontro entre as coisas que agem sobre mim e as coisas; a
sede, enfim, dos fenômenos sensório-motores. Neste sentido, a memória do corpo,
constituída por este conjunto fenomênico que o hábito organizou é, portanto, uma
memória quase instantânea à qual a verdadeira memória do passado serve de base.
Na conclusão de Bergson, estabelecida a função e delimitada a atuação de corpo
e espírito, é oportuno sublinhar que o passado é desempenhado pela matéria e
imaginado pelo futuro. Nas palavras de Bergson, a matéria não se lembra do passado
porque, submetida à necessidade, ela desenvolve uma série de momentos em que cada
um equivale ao precedente. Por isso entende-se que o passado é dado no presente. Seria
24

em vão, então, buscar a leitura do passado no presente, caso este passado não se
depositasse nele na condição de lembrança.
Com esta conclusão bergsoniana, somos conduzidos ao complemento desta
conceituação de memória que se dará a partir do pensamento de Gilles Deleuze. Os
argumentos que apreendemos do pensamento bergsoniano parecem encontrar pertinente
continuidade nas ideias deleuzeanas. Ou seja, o entendimento de que o passado é dado
no presente, começa a ser delineado a partir do que pensa Henri Bergson. Busca-se o
diálogo com Deleuze, exatamente pelo fato de que em seu Matéria e Memória, Bergson
se dedicará a entender como, dentro do exemplo da memória, se dá a relação entre as
realidades do espírito e da matéria. Em outras palavras, interessará a ele o
esclarecimento de como se dá o problema da relação do espírito com o corpo,
conduzindo as ideias bergsonianas sobre a memória para a compreensão da vida
psicológica humana, o que exige de nós um distanciamento ou, em últimos fins, uma
busca pelo complemento da determinação do conceito de memória em questão em outro
lugar.
A continuidade está no destaque do modo como essa noção de memória emerge
do pensamento deleuzeano. Na abordagem deleuziana, este debate ganha forma naquilo
que diz respeito à relação dos signos com a memória. A conclusão de Bergson, em
Matéria e Memória, é compartilhada com Deleuze, na medida em que este último
entende “que a memória intervém como um meio de busca, mas não é o meio mais
profundo; e o tempo passado intervém como uma estrutura do tempo, mas não é a
estrutura mais profunda” (DELEUZE, 2006, p. 3).
A definição de memória, para Deleuze, repousa no estabelecimento de um
diálogo com os signos tal como entendeu Charles Sanders Peirce. Se em Hume, a
memória está apresentada em contraposição à imaginação, e em Bergson ela é intrínseca
aos mecanismos sensório-motores, para Deleuze tudo isso deve considerado com base
no papel exercido pelos signos.
Nesses termos, ele fala, então, de uma estrutura superficial que diz respeito ao
presente, às sensações presentes. Mergulhar no passado não é possível, senão por meio
da análise em que se leva em consideração o que se conhece. E esse mergulho no
passado se dá por meio de signos, condição essencial para um jogo de interpretação.
Esta é a tônica da seção seguinte, em que haverá prioridade para a forma como memória
e signo se relacionam no pensamento de Deleuze. É bom que se note que, a seguir, vão
25

aparecer amostras da influência bergsoniana nesta conexão entre signos e memória. Do


estudo, feito por Deleuze, sobre a obra Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust,
evidencia-se a maneira como os signos são peças fundamentais na argumentação
deleuzeana em favor de uma caracterização mnemônica dos signos.

1.2. Deleuze, a memória e os signos

Antes de chegar a esta associação entre memória e signos, que é o que nos
interessará, essencialmente, na filosofia deleuzeana, definimos como pertinente
compreender certo entendimento dele para com a faculdade da memória. Tratando deste
tema, Gilles Deleuze entende que o passado encontra-se encerrado entre dois presentes:
“aquele que ele foi e aquele em relação ao qual ele é passado” (DELEUZE, 2006, p.
124). Esta é uma das passagens de Diferença e Repetição, de onde também
apreendemos que “o atual presente não é tratado como o objeto futuro de uma
lembrança, mas como o que se reflete ao mesmo tempo em que forma a lembrança do
antigo presente” (DELEUZE, 2006, p. 125).
A partir daí dizemos que o entendimento de memória de Deleuze passa,
necessariamente, por Hume e, principalmente, por Bergson. Sobre este último, utilizo
evidências dos escritos do próprio Deleuze. Em Diferença e Repetição, ele dá provas do
que o interessa na filosofia bergsoniana, no que tange à memória, tratando do que ficou
conhecido como paradoxos do passado, numa referência a quatro questões pelas quais
Bergson buscava compreender e resolver o problema do passado puro. No
esclarecimento destes paradoxos fica nítida a tentativa de entender as relações entre o
passado e o presente. E, talvez daí, ficam claras as passagens iniciais desta seção
(conceitos deleuzeanos de memória) visto que a partir destes paradoxos, ele chega ao
entendimento de que o passado é, e não, era ou foi, como se poderia definir. Isto é, o
passado insiste com um antigo presente e consiste com atual e o novo. O passado é
sempre contemporâneo.
Parecem claras as influências de Bergson em Deleuze. A propósito, o próprio
reconhecimento deste último à obra do primeiro já bastaria, se levamos em consideração
O Bergsonismo, escrito por Deleuze. Mas cabe perguntar: onde estão os vestígios de
26

influência de David Hume no pensamento Deleuzeano? Ou, pelo menos, identificamos


alguma característica que nos possa conduzir a este entendimento?
Em busca de uma resposta preliminar diremos que poucas são as referências
diretas que encontramos neste sentido. Contudo, o modo como tentamos apreender a
compreensão deleuzeana de memória nos leva ao pensamento humeano. É bom dizer
uma vez mais que, para Hume, compreender a memória passa por entender a
imaginação e que ambas chegam a se misturar quando evocadas. Mas e Deleuze em
tudo isso? De que modo e como aparece? Na nossa compreensão, o modo mais
determinante como Deleuze vai tratar da memória envolve a discussão sobre os signos,
sobre o poder destes signos na relação que temos com a memória. E aí, sim, parece
existir um diálogo, na medida em que ao despertar a nossa memória, os signos põem à
prova a ação imaginária. Do mesmo modo como Hume desconfia de que as ideias da
memória às vezes podem se caracterizar como da imaginação, ao nos depararmos com
signos, como os da imagem, estamos diante de um duelo entre a memória e a
imaginação, no sentido de que as sensações que estes signos provocam não são
precisamente despertadas na lembrança. É seguindo este caminho que nossa
argumentação segue.
E aqui começamos por uma das leituras deleuzeanas que, na observação de
Roberto Machado, na apresentação da tradução brasileira de Diferença e Repetição, se
enquadra num dos três grupos de trabalhos de Deleuze: o de trabalhos que focalizam
pensamentos não tecnicamente filosóficos. Evidentemente que, como é natural da
filosofia dele, da leitura arrojada de livros assim brotam conceitos de uma filosofia
própria. Neste caso, consideramos a leitura feita por Deleuze diante da obra Em Busca
do Tempo Perdido, de Marcel Proust.
Este estudo mostra que nesse livro não há apenas uma exposição da memória
involuntária, mas também trata do relato do aprendizado de um homem de letras. Nesse
caso, é possível apontar certo platonismo de Proust, para quem aprender é relembrar.
Nesse processo de aprendizado, os signos são peças fundamentais, pois na definição
deleuziana o que nos ensina algo emite signos, ou seja, “todo ato de aprender é uma
interpretação de signos ou de hieróglifos” (DELEUZE, 2006, p. 4). Tudo é aprendido
por meio de decifração e interpretação.
Parênteses aqui. Isso, por si só, ou seja, esta capacidade interpretativa é muito
peirceana. Pensemos na definição de Charles Sanders Peirce, pelas palavras de Lúcia
27

Sanatella. Assim, estes signos seriam entendidos como algo que representam uma outra
coisa: seu objeto. E eles só podem representar seu objeto para um intérprete. Por
representar seu objeto, dirá Santaella, “produz na mente desse intérprete alguma outra
coisa (um signo ou quase-signo) que também está relacionada ao objeto não
diretamente, mas pela mediação do signo” (SANTAELLA, 2005, p. 58). Neste
processo, o interpretante seria aquilo que não se refere ao intérprete do signo, mas a um
processo relacional que se cria na mente do intérprete. Para a autora, o que Deleuze
entende por decifração ou interpretação será explicado desta maneira:

A partir da relação de representação que o signo mantém com seu objeto,


produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o significado
do primeiro (é o interpretante do primeiro). Portanto, o significado de um
signo é outro signo – seja este uma imagem mental ou palpável, uma ação
ou mera reação gestual, uma palavra ou um mero sentimento de alegria,
raiva... uma ideia, ou seja lá o que for – porque esse seja lá o que for, que é
criado na mente pelo signo, é um outro signo (tradução do primeiro)
(SANTAELLA, 2005, p. 59).

Esta breve apresentação de um elemento tão fundamental para o pensamento


peirceano talvez figure como a justificativa do porquê Deleuze escolher a obra de Proust
que, segundo ele, é baseada não na exposição da memória, mas no aprendizado dos
signos. No exemplo de Em Busca do Tempo Perdido, ela se apresenta como uma
exploração dos diferentes mundos de signos, que se organizam em círculos e se cruzam
em certos pontos. A pluralidade desses mundos se deve ao fato de que os signos não são
do mesmo tipo, não mantém com o seu sentido uma relação idêntica. Interessante ainda
notar que, aqui, estamos falando da leitura de Brassaï à obra proustiana, no seu Em
Busca... Marcel Proust não faz uma espécie de coletânea de recordações encadeadas
segundo as leis fortuitas da associação de ideias, mas fala sobre recordações
inconscientes, por meio do que chama de memória involuntária (BRASSAÏ, 2005, p.
149).
Na análise proposta por Deleuze, é estabelecida uma discussão sobre o
significado da busca pela verdade. Se debruçando sobre a narrativa proustiana, ele
entende que a verdade não é descoberta por afinidade, mas se trai por signos
voluntários. É como se, para Proust, a verdade fosse o resultado de uma violência sobre
o pensamento. E essa violência é exercida sobre nós a partir do signo.
Sobre isso, entende-se que certos signos nos obrigam a pensar no tempo perdido,
na passagem do tempo, na anulação do que passou e na alteração dos seres. No que vale
28

o exemplo de que rever pessoas que nos foram muito familiares é sinônimo de uma
revelação, já que seus rostos não mais habituais para nós trazem, em estado puro, os
signos e os efeitos do tempo. Os traços estão modificados. Essas mudanças são
entendidas, na obra de Proust, como uma corrida para o túmulo e não como uma
duração bergsoniana, que podemos entender da seguinte maneira.
É que a questão envolvendo passado e presente e a maneira como um pode
sucumbir diante do outro, rememora a importância de um termo caro no pensamento
bergsoniano: duração; e sua ligação com as lembranças. Contrariando psicólogos,
Bergson diz que:

[...] a imensa maioria de nossas lembranças tem por objeto os acontecimentos


e detalhes de nossa vida, cuja essência é ter uma data e, consequentemente,
não se reproduzir jamais. As lembranças que se adquirem voluntariamente
por repetição são raras, excepcionais. Ao contrário, o registro, pela memória,
de fatos e imagens únicos e seu gênero se processa em todos os momentos da
duração (BERGSON, 2006, p. 90).

Nesse mesmo sentido, fala-se dos signos sensíveis, também caracterizados como
signos de alteração e de desaparecimento. Sobre isso, Deleuze cita o exemplo escrito
por Proust, em que a botina e a lembrança da avó fazem sentir uma ausência dolorosa e
constitui o signo de um “tempo perdido” para sempre. Neste caso, o personagem, diante
da botina, chora porque uma memória involuntária lhe traz a lembrança desesperadora
da avó morta. Essa memória involuntária é uma sensação antiga que tenta se superpor,
se acoplar à sensação atual, e a estende sobre várias épocas ao mesmo tempo.
Outra definição de memória que se apreende de Proust e os Signos é o de que
ela implica “a estranha contradição entre a sobrevivência e o nada”, a dolorosa síntese
da sobrevivência e do nada. Daí porque o entendimento deleuzeano de que os signos
(mundanos, os do amor e os sensíveis) são signos de um tempo perdido: “são signos de
um tempo que se perde” (DELEUZE, 2006, p. 19). Nesse tempo que se perde há
verdades a serem descobertas, o que resulta no aprendizado. É por intermédio de signos
que se aprende. No caso do tempo que se perde e do tempo perdido, é a inteligência, e
apenas ela, que é capaz de tornar possível o esforço do pensamento, ou de interpretar o
signo.
As possibilidades múltiplas de entendimento parecem coadunar com a
capacidade sígnica de despertar a prática do aprendizado diante de uma referida
imagem. Deve-se abrir parêntese para esta questão do aprendizado, tão importante na
29

interpretação da obra proustiana. O trabalho dele não é voltado para o passado e as


descobertas da memória, mas para o futuro e os progressos do aprendizado que se dão
por meio dos signos, divididos, por ele, em duas metades: um lado designa um objeto e
significa alguma coisa diferente. “O lado objetivo é o lado do prazer, do gozo imediato
e da prática: enveredando por este caminho, já sacrificamos o lado da verdade”
(DELEUZE, 2006, p.26).
Ligados ao entendimento deleuzeano, diremos que o signo é sem dúvida mais
profundo que o objeto que o emite, porém ainda se liga a esse objeto, ainda está semi-
encoberto. Nessa perspectiva, o sentido do signo é mais profundo do que o sujeito que o
interpreta. Ou leva o sujeito a experimentar esta profundidade indicada pelo signo.
O filósofo francês nos diz que além dos objetos e desses signos, há as essências.
A essência, segundo ele, constitui a verdadeira unidade do signo e do sentido; e “é ela
que constitui o sentido como irredutível ao sujeito que o apreende” (DELEUZE, 2006,
p. 36). Essas essências são reveladas no nível da arte. Daí porque dizer que uma
essência é sempre um nascimento do mundo. Ela não é apenas particular, individual,
mas individualizante.
No que diz respeito a essa discussão sobre os signos, uma contribuição é muito
pertinente, quando se aborda a superioridade dos signos da arte. Deleuze entende que
estes signos não são materiais como todos os outros signos. São signos que têm uma
essência variada, ou seja, há uma diferença no modo de interpretar, decorrente da
maneira pela qual encaramos o mundo. A arte permite, dessa forma, que em vez de
contemplarmos um só mundo, ele é multiplicado em mundos correspondentes à
quantidade de artistas originais que existem. A obra de arte, então, não só nasce dos
signos como os faz nascer. Criaremos sempre novos referenciais para ler uma
determinada imagem.
Baseado na obra de Marcel Proust, dá-se seguimento à argumentação em torno
dos signos e chega-se naquilo que é entendido por memória. O mais essencial nessa
Recherche, de Proust, em A Busca do Tempo Perdido, não é a memória nem o tempo,
mas o signo e a verdade. O essencial não é o lembrar-se, mas o aprender. Dessa forma,
ele vê a memória como uma faculdade que só é capaz de interpretar certos signos.
Quanto à lembrança, voluntária ou involuntária, ela só intervém em momentos precisos
do aprendizado, para contrair o efeito ou para abrir novos caminhos. A memória, assim
como a inteligência e a imaginação, diversifica um determinado signo em relação a
30

outras espécies de signos. A memória não nos dá nenhuma verdade profunda. Em


termos deleuzianos, ela não nos força a interpretar alguma coisa ou a decifrar a natureza
de um signo, não nos força a mergulhar como “um mergulhador em suas sondagens”
(DELEUZE, 2006, p. 92).
De onde ele acredita que erramos ao acreditar nos fatos, já que crê na existência
apenas de signos. Do mesmo modo, define que erramos ao acreditar na verdade, quando
só existem interpretações. Indo mais fundo nessa questão, a conclusão é de que pensar é
sempre interpretar, isto é, explicar, desenvolver, decifrar, traduzir um signo.
Nesse mesmo sentido, ainda trabalhando com a ideia de significação da arte, o
pensador rompe com a noção de que criar é relembrar e afirma, por outro lado, que
relembrar é criar. Isso se deve ao nascimento de um mundo individuante, o fim de uma
cadeia associativa que escapa ao indivíduo constituído.
Antes de chegar a mais uma definição da memória, ainda respeitando a presença
dos signos, é possível destacar que os nomes, as coisas, os seres, estão todos
abarrotados de um conteúdo que os faz explodir, resultando num processo heterogêneo
de interpretação, a partir de elementos que lutam muito mais do que se conciliam.
Tomando esse pensamento como base, transfere-se essa argumentação para o debate
sobre a memória, acreditando que quando restituímos o passado em sua essência, a
conjunção do presente com o passado parece mais uma luta do que um acordo. O que
nos é dado, por fim, não é nem uma totalidade nem uma eternidade, mas um fragmento
do tempo (DELEUZE, 2006, p. 114).
Falando sobre isso, em Proust e os Signos, são suscitadas questões levantadas
por Henri Bergson. Este último é quem lembra que o todo não pode ser dado. O tempo,
entendido como último intérprete ou último interpretar, tem o estranho poder de afirmar
simultaneamente pedaços que não formam um todo no espaço, como também não
formam uma unidade por sucessão de tempo.
Já em Imagem-Tempo, a evocação que Deleuze faz em relação a Bergson diz
respeito ao que se chama de esquemas sensório-motores. É como se diante de certas
situações, como numa leitura de imagens, levássemos em conta a nossa situação, nossa
capacidade, nossos gostos (DELEUZE, 2005, p. 31).
Esses esquemas são utilizados conforme a necessidade da avaliação que
fazemos. Quando é desagradável demais os utilizamos para nos esquivar, para inspirar
resignação quando é horrível ou nos fazer assimilar quando é belo demais. Lembrando o
31

que diz Bergson, Deleuze cita que nós não percebemos uma imagem inteira.
Percebemos sempre menos, apenas o que estamos interessados em perceber, “ou
melhor, o que temos interesse em perceber, devido a nossos interesses econômicos,
nossas crenças ideológicas, nossas exigências psicológicas” (DELEUZE, 2005, p. 31).
Aplicando essa ideia ao cinema, Deleuze diz que ele não apresenta apenas
imagens, mas as cerca com um mundo. Dando continuidade a esse tema, ele relembra
mais uma vez Bergson, dizendo que essa imagem é bifacial, atual e virtual:

É como se uma imagem especular, uma foto, um cartão-postal se animassem,


ganhassem independência e passassem para o atual, com o risco de a imagem
atual voltar ao espelho, retomar lugar no cartão-postal ou na foto, segundo
um duplo movimento de liberação e de captura (DELEUZE, 2005, p. 88).

Importante dizer que atual e virtual, apesar de distintos, são indiscerníveis e não
param de inverter seus papéis. Quando essa imagem virtual se torna atual, ela é visível e
límpida, como um espelho ou num cristal terminado. Por outro lado, quando a virtual se
torna atual ela é invisível, opaca e tenebrosa, como um cristal que mal foi retirado da
terra. Levando isso às últimas consequências, a própria imagem atual tem uma imagem
virtual que a ela corresponde, como um duplo ou um reflexo. É como se no final disso o
par virtual-atual se prolongasse imediatamente em opaco-límpido, que é a expressão que
marca essa troca.
Ao conceituar o flash-back, a argumentação de Deleuze continua com a
definição de memória, entendida por ele numa associação com a conduta. Conforme
essa argumentação, é no presente que se faz uma memória, para ela servir no futuro,
quando o presente for passado. Assim, a memória tem a função do futuro que retém o
que se passa para dele fazer o objeto por vir da outra memória. A memória é definida a
partir da análise da obra do cineasta Mankiewicz, de que ela “nunca poderia evocar e
contar o passado, se não se tivesse constituído no momento em que o passado ainda era
presente, portanto, com um objetivo por vir” (DELEUZE, 2005, p. 68).
Nessa perspectiva, é possível dizer que o atual é sempre um presente que muda
ou que passa. É possível até dizer, nesse debate, que o presente se torna passado quando
já não é. É como se cada momento oferecesse dois aspectos: ele é atual e virtual, de um
lado percepção e de outro, lembrança.
Evocando Bergson, a imagem virtual pura é o que se pode chamar de lembrança
pura, que é distinta das imagens mentais, das imagens-lembrança, sonho ou devaneio.
32

Estas últimas são imagens virtuais. Essa imagem virtual se define em função do atual
presente, do qual ela é o passado. Ela é a imagem virtual que corresponde a tal imagem
atual, em vez de se atualizar, de ter de se atualizar em outra imagem atual. É o que ele
chama de uma imagem-cristal. Numa exemplificação, ele diz que não é na imagem-
lembrança, mas na lembrança pura que permanecemos contemporâneos da criança que
fomos.
Essas imagens-lembrança são encontradas em estratos definidos como lençóis de
passado. Estabelecendo uma exemplificação, é como se cada um ou cada acontecimento
tivesse um lençol de passado. É como se diante de uma fotografia de um fato que não
conhecemos, recorrêssemos a distintos lençóis de passado. Nestes lençóis, as imagens-
lembrança encontradas seriam diferentes. É o que possibilita a diversidade de recriações
diante de um determinado fato.
Nesse sentido, é feita uma referência à renovação da equivalência platônica
criar-lembrar feita por Marcel Proust. Trabalha-se com a idéia de que criar e lembrar
nada mais são do que dois aspectos da mesma produção – “o interpretar, o decifrar, o
traduzir constituem o próprio processo de produção” (DELEUZE, 2006, p. 139).
Essa tradução também parece ter relação com aquilo que se chama de lençóis do
passado. Para isso, citamos um exemplo que deixa claro o modo como recriamos um
fato, ou deciframos, com base num amplo repertório, composto por várias situações:

É provável que, quando lemos um livro, assistimos a um espetáculo ou


olhamos um quadro, e com mais razão, quando somos nós mesmos o autor,
um processo análogo se desencadeie: constituímos um lençol de
transformação que inventa um tipo de continuidade ou de comunicação
transversais entre vários lençóis e tece entre eles um conjunto de relações
não-localizáveis (DELEUZE, 2005, p. 150).

A partir da discussão estabelecida por Gilles Deleuze, apreendemos, então, que


imagens do passado são muito mais apresentação de novas coisas do que,
necessariamente, um instrumento de lembrança. Os signos que compõem cada imagem
precisam de uma interpretação, num ato em que se considera as vivências atuais de
quem as interpreta. E, aqui, o conceito de lençóis do passado é fundamental para
entender o esquema proposto pelo autor para explicar como se dá a relação de memória
quando um leitor se depara com uma imagem referente ao passado. Faltando-lhe ter
vivido experiências diante de uma cena retratada, os signos imagéticos ensinam, muito
mais do que fazem lembrar e reconstituir. O recorte ou o enquadramento estabelecidos
33

transformam aquele fragmento num delimitado ambiente sígnico, permitindo escapar de


uma única originalidade do seu objeto.
As imagens que parecem brotar da memória, em forma de lembranças, na
verdade são cópias, por assim dizer, de um real. Na ação da memória, cuja visão fica
nebulosa por conta da imaginação, as imagens de um passado se misturam com outras
de variados passados, resultando em imagens sem semelhança. Quando esta imagem é
despertada por um signo, esta imagem tem, pelo menos, uma forma, sem querer dizer
que esta memória será uniforme. Muito pelo contrário, o fato de os signos funcionarem
como signos para qualquer um, eles despertarão ainda mais a criação de imagens
dessemelhantes em relação ao real inspirador.
Na filosofia deleuzeana, este fenômeno, se assim posso dizer, tem nome e
conceituação. Notemos como esta passagem é o bastante: “O simulacro é o sistema em
que o diferente se refere ao diferente por meio da própria diferença” (DELEUZE, 2006,
p. 384). Uma expressão cara ao pensamento deleuzeano e que parece indispensável à
construção da ferramenta analítica que colocaremos em prática no segundo capítulo. A
realidade criada pela leitura dos signos, então, não tem uma natureza próxima à do
simulacro, tal como se acaba de apresentar? Inevitavelmente, buscamos esta
aproximação. O que até agora temos chamado de criação de ficções, novas realidades
ou situação dessemelhante, na verdade tem nome na filosofia deleuzeana. A parte que
segue é dedicada à definição desta noção cara para Deleuze e chave-central para a
presente pesquisa. Ocasionalmente, aproveitaremos para tentar buscar o texto fundador
para esta questão à qual Deleuze se dedica. E, neste caso, encontramos o texto Sofista,
de Platão, que dará elementos imprescindíveis para esclarecimento do tema.

1.3. Deleuze e o simulacro

No texto Sofista, Platão, a partir do diálogo entre Teeteto e o Estrangeiro de


Eléia, trata do tema do simulacro, definido como algo que parece com seu objeto, sem
ser realmente parecido. Neste referido texto, o trecho do diálogo intitulado “As artes
ilusionistas: mimética” traz a discussão do simulacro como pano de fundo para
esclarecer o que é a figura do sofista. Neste caso, o sofista é o homem que traz em si
uma falsa aparência da ciência universal, mas não a realidade. Isto é, o homem como o
sofista pratica a arte da mimética, no sentido de fabricar imitações e homônimos da
34

realidade. Se ele não é capaz de saber todas as coisas, de criar a verdadeira realidade,
então ele criará ficções verbais, causando a sensação de que tudo o que ele fala, sobre
todas as coisas, é verdadeiro. Por isso, o sofista é considerado como um mágico, um
imitador de realidades. E diante destas características, o Estrangeiro questiona qual deve
ser o nome do resultado deste exercício do sofista:

Mas que nome daremos ao que parece copiar o belo para espectadores
desfavoravelmente colocados, e que, entretanto, perderia esta pretendida
fidelidade de cópia para os olhares capazes de alcançar, plenamente,
proporções tão vastas? O que assim simula a cópia, mas que de forma alguma
o é, não seria um simulacro? (PLATÃO, 1972, 161)

No que Teeteto concorda que sim, dizendo que a arte da produção imagens tem
duas formas: a arte da cópia e a arte do simulacro. Por fim, nesta breve seção do Sofista,
o Estrangeiro reconhece estarem ele e Teeteto diante de uma questão “Extremamente
difícil”, que é a do de uma coisa poder mostrar e parecer sem ser, dizer algo sem,
entretanto, dizer com verdade (PLATÃO, 1972, 162).
Desta contribuição platônica apreendemos que, de uma maneira ilustrativa, toda
imagem é uma cópia dessemelhante em relação ao seu original. O que nos leva a
questionar a natureza das imagens de reprodução da realidade.
Evidentemente que de toda esta discussão vai nos interessar para seguir em
direção ao pensamento de Gilles Deleuze sobre esta categoria, o simulacro. Não
continuar seguindo os passos de Platão talvez seja a melhor escolha, visto que no
próprio texto do Sofista, interessará a ele questionar a natureza da existência das coisas.
Acreditamos que optar por continuar na concepção platônica seria questionar se a
reprodução do real é, ou não, alguma coisa. E não é este o caminho do presente
trabalho, na medida em que nos interessa fazer questionamentos a partir da ideia de que
sim, esta reprodução, mesmo diferente do seu objeto real, é alguma coisa. Sendo assim,
a nossa escolha é por seguir os passos de Deleuze, tentando traçar o seu entendimento
para esta categoria e de que modo a compreensão do pensamento dele sobre o tema nos
motivará na construção de uma ferramenta analítica.
No debate deleuzeano, os signos imagéticos nos aproximarão desta questão cara
ao pensamento de Deleuze, concernente ao simulacro. Neste entendimento do pensador
francês em torno da memória não poderá faltar esta noção que mereceu destaque em
algumas de suas obras, como foi o caso de A Lógica do Sentido. A questão toda é
35

“como relacionar memória com aquilo determinado como simulacro”? Ou “de que
modo os signos permitem a relação com o simulacro”?
A começar por uma distinção feita por Deleuze entre boas cópias e simulacros,
assim iniciaremos:
As cópias são possuidoras em segundo lugar, pretendentes bem fundados,
garantidos pela semelhança; os simulacros são como os falsos pretendentes,
construídos a partir de uma dissimilitude, implicando uma perversão, um
desvio essenciais. É neste sentido que Platão divide em dois o domínio das
imagens-ídolo: de um lado, as cópias-ícones, de outro os simulacros-
fantasmas (DELEUZE, 1974, p. 262).

Diante desta diferenciação que propõe, Deleuze busca definir o conjunto da


motivação platônica, no que diz respeito a esses dois tipos de imagens. A busca
platônica, então, seria pela distinção entre as boas e más cópias ou entender que as
cópias são sempre bem fundadas e os simulacros sempre submersos na dessemelhança.
É como se a tentativa fosse de permitir um triunfo das cópias sobre os simulacros, de
recalcar os simulacros, de mantê-los encadeados no fundo, de impedi-los de subir à
superfície.
O entendimento de Deleuze passa pela consideração de que essa semelhança não
deve ser entendida como uma relação exterior: “ela vai menos de uma coisa a outra do
que de uma coisa a uma Ideia, uma vez que é a Ideia que compreende as relações e
proporções constitutivas da essência interna” (DELEUZE, 1974, p. 262).
Considerando aqui a interpretação de Roberto Machado, por estar situado na
perspectiva de uma filosofia da diferença, para Deleuze é insuficiente definir o
platonismo pela distinção entre a essência e a aparência. Há, sim, duas distinções: uma
que estabelece uma distinção rigorosa entre modelo e cópia, entendendo que esta última
não é uma simples aparência, justamente por manter uma relação espiritual com a Ideia
considerada como modelo; a outra diz respeito à própria cópia e ao fantasma. Dessa
segunda obtém-se critérios seletivos entre as cópias e os simulacros.
As cópias seriam consideradas e fundadas pela sua relação com o modelo. Já o
simulacro é desqualificado porque não suporta nem a prova da cópia nem a exigência do
modelo, é considerado como as más imagens. Esclarecendo ainda mais o simulacro, é
possível falar disso a partir de um exemplo. É como se o objeto, a qualidade etc.,
pretendesse alguma coisa, por baixo do pano, graças a uma agressão, a uma insinuação
ou uma subversão contra o pai, sem passar pela Ideia. Diz-se que se o simulacro é uma
cópia da cópia, um ícone infinitamente degradado, uma semelhança infinitamente
36

afrouxada, passa-se à margem da essência. O simulacro seria, assim, uma imagem sem
semelhança, enquanto a cópia é uma imagem dotada de semelhança. Ao considerarmos
o simulacro, há uma reversão do platonismo e a aceitação de uma multiplicidade
falsificante do mundo.
A cópia, por sua vez, é dividida em dois tipos por Platão: a boa cópia, que é
aquela bem fundada, o ícone, que é uma imagem dotada de semelhança; a má cópia é a
que implica uma perversão, o simulacro-fantasma, uma imagem sem semelhança. Nessa
perspectiva, o platonismo estaria, então, construído sobre a vontade de expulsar os
fantasmas ou simulacros.
É o que faz com que Deleuze seja um antiplatônico. Isso porque Deleuze
considera os simulacros não como simples imitações, como uma cópia de cópia, uma
semelhança infinitamente diminuída, um ícone degradado, mas como uma maquinaria,
uma máquina dionisíaca, uma potência positiva que, quando não é mais recalcada, ela é
a própria coisa. Se no platonismo a idéia é a coisa, na reversão do platonismo cada coisa
é elevada ao estado de simulacro.
Um exemplo dado por Deleuze é bem esclarecedor nesse sentido, permitindo-
nos entender o modo como compreende o simulacro dissociado da coisa. Ele fala do
catecismo, que foi influenciado pelo platonismo, e responsável pela noção de que Deus
fez o homem à sua imagem e semelhança, mas que, pelo pecado, perdeu essa
semelhança embora conservasse a imagem. Conclui-se que tornamo-nos, assim,
simulacros, perdendo a existência moral para entrarmos na existência estética. Dessa
forma, o simulacro interioriza uma dissimilitude, por não ser possível defini-lo com
relação ao modelo que se impõe às cópias, modelo do Mesmo do qual deriva a
semelhança das cópias. “Se o simulacro tem ainda um modelo, trata-se de um outro
modelo, um modelo do Outro de onde decorre uma dessemelhança interiorizada”
(DELEUZE, 1974, p. 263). O que quer dizer que o simulacro não é uma cópia
degradada, mas encerra uma potência positiva que nega tanto o original como a cópia,
tanto o modelo como a reprodução. Nenhum modelo resiste à vertigem do simulacro.
Nestes termos, estamos a falar dos efeitos exteriores ao simulacro, relacionados
ao conceito de simulação. Essa simulação é o próprio fantasma, ou seja, o efeito do
funcionamento do simulacro enquanto maquinaria, máquina dionisíaca. O que quer
dizer que o mesmo e o semelhante não têm mais por essência senão ser simulados, isto
37

é, exprimir o funcionamento do simulacro. Dizer que o Mesmo e o Semelhante sejam


simulados, no entanto, não significa que sejam aparências e ilusões.
Para prosseguirmos é importante considerar uma ideia que está no âmago dessa
discussão. É que o simulacro, essa imagem sem semelhança ou que coloca a semelhança
no exterior, é a diferença. A valorização do simulacro é uma das maneiras de priorizar o
projeto geral de pensar a diferença nela mesma, sem submetê-la à identidade, à
oposição, à analogia, à semelhança. É como se nos bastasse entender os sentidos criados
em torno de uma imagem, por exemplo.
A propósito das imagens e considerando as que nos cercam o tempo todo, por
todos os lados, cabe apresentar a pergunta levantada pelo pesquisador Cláudio da Costa:
“há diferenças entre todas essas imagens que percebo ou tudo não passa de simulacros
que nos mostram que perdemos o contato com o mundo físico e material?” (COSTA,
2006, p. 93). Buscando a resposta no próprio Deleuze, sublinharemos:

O simulacro é, pois, insensível, somente é sensível a imagem que leva a


qualidade, e que é feita da sucessão muito rápida, da somatória de muitos
simulacros idênticos. O que dizemos da rapidez de formação dos simulacros
é ainda verdade para as emanações da profundidade, mas em menor medida:
os simulacros são mais rápidos que as emanações, como se houvesse com
relação ao tempo sensível, diferenciais de diversas ordens (DELEUZE, 1974,
p. 282).

Quando existe considerável independência das imagens formadas de uma leitura


com relação aos objetos, surgirá uma espécie de simulacro: os fantasmas. A imagem
aparenta estar no lugar do próprio objeto. O simulacro, por sua vez, tem três variedades
principais: teológica, onírica e erótica. Os teológicos são feitos de simulacros que se
cruzam espontaneamente no céu, onde são desenhadas imensas imagens de nuvens,
altas montanhas e figuras de gigantes. Uma metáfora para demonstrar que os simulacros
se encontram em toda parte. Somos banhados neles e somos atingidos por eles como por
fluxos de ondas. O segundo gênero de fantasmas é constituído de simulacros
particularmente sutis e delgados, provenientes de objetos diversos, aptos a se dissolver,
condensar e dissipar, rápidos e tênues demais para se oferecerem à vista, mas capazes de
fornecer visões que lhe são próprias: centauros, cérberos e assombrações, ou ainda todas
as imagens que correspondem ao desejo, ou ainda e, sobretudo, as imagens de sonho.
Esse desejo não chega a ser criador, mas torna o espírito atento e o faz selecionar entre
todos os fantasmas sutis que nos banham aqueles que mais convêm. Os fantasmas
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eróticos também são constituídos por simulacros emitidos por objetos muito diversos,
aptos a se condensar. A imagem constituída por esses simulacros está ligada ao objeto
de amor real. No entanto, este objeto não pode ser absorvido nem possuído. Somente a
imagem inspira e ressuscita o desejo, miragem que não assinala mais uma realidade
consistente.
O outro fator determinante em relação a esse movimento, ação do simulacro, é o
tempo. Por causa disso, o movimento talvez seja constitutivo dos “acontecimentos”.
Este acontecimento exprime aquilo que se dá e que se vai sem destruir a natureza da
coisa, num movimento compatível com sua ordem, que seriam os movimentos dos
compostos e de seus simulacros, ou os movimentos e colisões de cada átomo. Voltando
ao tempo, é como se os simulacros não fossem percebidos em si, mas somente numa
somatória num mínimo tempo sensível (imagem).
A imagem prova a sucessão e a somatória dos simulacros que se fazem num
tempo menor que o mínimo de tempo contínuo sensível. Por sua vez, os simulacros
inspiram à sensibilidade um falso sentimento da vontade e do desejo. Nesse sentido,
eles produzem a miragem de um falso infinito nas imagens que formam, e fazem nascer
a dupla ilusão de uma capacidade infinita de prazeres e de uma possibilidade infinita de
tormentos, exemplificando a partir de uma sugerida mistura de avidez e de angústia, de
cupidez ou culpabilidade tão características do homem religioso.
Nesta terceira espécie dos simulacros, o fantasma, que é a mais rápida, assiste-se
ao desenvolvimento da ilusão e dos mitos que a acompanham. Ela mistura teologia,
erotismo e onirismo. No caso do desejo amoroso, por exemplo, ele não possui senão
simulacros que lhe fazem conhecer o amargor e o tormento, mesmo no prazer que ele
deseja infinito. Do mesmo modo, nossa crença nos deuses repousa em simulacros que
nos parecem dançar, modificar seus gestos, lançar vozes que nos prometem penas
eternas, em suma, representar o infinito.
Numa aproximação entre os conceitos propostos nesta seção, essa capacidade do
simulacro de provocar ilusões diferenciais está ao lado do resultado provocado pelo
exercício da memória, do modo como a temos entendido. Ora, já foi posto que a
memória considerada, aqui, permite as investidas de uma atualização dada no presente.
Há, portanto, o distanciamento de uma suposta essência e, por outro lado, a elaboração
de uma nova realidade. Se o passado não é unívoco, a sua recriação respeitará sempre
um roteiro heterogêneo, variável segundo cada experiência.
39

Se consideramos os signos, como os da arte, eles sempre possibilitarão a criação


de novas realidades ou de novas interpretações. Daí a pertinência de extrair do
pensamento de Deleuze esta noção de simulacro que coloca as coisas sempre como uma
apresentação de real e, não, uma representação dele. Isto é, por mais eficazes que forem
signos eles sempre funcionarão como uma apresentação do real, logo como um
simulacro.
Dentro do debate que estabelecemos até aqui, esta apresentação de real, quando
associada a um exercício de memória, é possibilitada pela ação da imaginação. Isto é, se
estou diante de um elemento que nos remete a um passado, ele funciona como uma
apresentação de um real presente. O simulacro é, portanto, um elemento resultante deste
processo de criação de sentido.
À luz da memória, é imprescindível compreender e considerar o sentido
antiplatônico de Deleuze, quanto ao fato de considerar os simulacros não apenas como
cópias das cópias. Diferente disso, ele entende o simulacro como algo novo que surge,
guardando certa similaridade com o objeto originário, no entanto, com vida própria. Isto
é, quando confrontamos as ideias da tríade Hume, Bergson e Deleuze, no que diz
respeito à memória, apreendemos que o resultado da prática mnemônica tem total
relação com o surgimento do simulacro tal qual nos apresenta a concepção deleuzeana.
Ora, seguindo cronologicamente tem-se, primeiro, uma ideia humeana de
memória. Nela, a atuação da imaginação é fundamental para que entendamos a primeira
noção. Quero dizer que ao nos lembrarmos, necessariamente o nosso imaginário vai
atuar. Logo, o resultado disso é uma espécie de cópia ampliada de uma lembrança pura.
E, neste caso, a minha lembrança é nova, não é somente uma cópia de uma lembrança
ideal. Isso nos levará a pensar a memória enquanto geradora de um simulacro, cuja
existência depende, incondicionalmente, da imaginação. Por razões já explicitadas neste
capítulo, abandonamos Hume e continuamos a perseguição da definição da relação
memória versus simulacro, em Henri Bergson.
Diante da leitura que fazemos deste pensador francês, deveremos considerar que
o surgimento do simulacro, que consideramos aqui, depende da atuação do corpo,
respeitando a concepção bergsoniana. Isto é, se o simulacro, mesmo diferente de seu
original, permite um diálogo com seu observador, então este simulacro permite
inúmeros entendimentos tantos quantos forem os seus observadores. Diante do
simulacro, considero as minhas sensações presentes e dialogo com este simulacro,
40

fazendo surgir uma nova apresentação de um mesmo real. Como também já foi
explicitado, neste capítulo mesmo, deixamos Bergson nestas contribuições, seguindo
em direção a Deleuze, por estar nele o foco principal do que nos servirá de base no
segundo capítulo.
Em Deleuze, encontramos, pois, o ponto alto desta questão que relaciona
memória e simulacro. Afinal de contas, ele é o motivador para pensarmos nisso. E,
neste sentido, está na essência do pensamento dele a saída para justificarmos esta
constatação. Para começar, não devemos nos esquecer que Deleuze é um filósofo da
diferença, e a partir das suas leituras de pensadores clássicos faz brotar os conceitos
diferenciais que constituirão a sua filosofia. Ou seja, a partir da repetição de ideias
filosóficas, artísticas, literárias, etc. ele faz surgir uma filosofia diferencial. Isto, por si
só, já demonstra que a busca pelo múltiplo está no cerne do pensamento dele.
Das coisas, ou da interpretação delas, será possível sempre o surgimento de
duplos ou múltiplos, utilizando termos recorrentes na obra dele. O que, para o que nos
interessa por ora, nos conduz para esta discussão em torno do simulacro e da memória.
Em que medida?
Considerando um simulacro, constituído por signos, diremos que ele vai
provocar a nossa memória. Ele vai suscitar, em nós, lembranças ou a tentativa de busca
por elas. Nesta investida, pesarão as nossas influências pessoais, como a formação
religiosa ou cultural, e o diálogo com este simulacro será variável conforme haja
mudança de observador. Logo, as memórias que serão criadas em torno do simulacro
são múltiplas. O resultado do exercício mnemônico, em Deleuze, é um simulacro
tipicamente deleuzeano. A memória vai guardar características semelhantes ao seu
passado, porém de um modo geral, será caracterizado como algo novo.
Este modo como entendemos o simulacro nos serve como condição fundamental
para a construção da ferramenta analítica que aplicaremos na segunda parte deste
estudo. Quer dizer, esta maneira de associar memória, signos e simulacro, permeará a
seguinte seção, em que se busca compreender como se dá a referida relação numa
ontologia da imagem fotográfica. Nesta segunda parte, esta ferramenta parece ficar mais
clara, mais compreensível, já que algumas aplicações são propostas.
41

2. Fotografia e memória

Nesta segunda parte do trabalho, a ênfase recai sobre a relação entre a memória
e a fotografia. Nela, aplicamos a ferramenta analítica construída a partir do confronto de
ideias, cujo ponto mais alto está no pensamento do filósofo Gilles Deleuze. Com a
noção de memória já construída no capítulo anterior, aqui há um aprofundamento de
como é estabelecida esta relação fotografia-memória. Isso, a partir da leitura de
pensadores clássicos da área da fotografia e também da aplicação dos pensamentos
filosóficos que temos amadurecido até esta parte da dissertação. A discussão feita no
primeiro capítulo nos dará um direcionamento para a leitura dos autores clássicos da
fotografia, permitindo-nos um posicionamento diante de uma ontologia da imagem.
É notável, nesta parte do trabalho, a atenção dispensada aos signos e às
exigências de decifração feitas pelos elementos constituintes da imagem fotográfica. A
partir de exemplos de abordagem da fotografia pelo cinema, argumentamos em favor da
hipótese de que a fotografia funciona como uma modalidade de criação de passados.
Num primeiro momento, trazemos exemplos como o do filme Blow-up, de
Antonioni, que ilustra bem a reflexão estabelecida em torno desta necessidade de
decifração diante da análise fotográfica. Exemplificações que dividem espaço com o
confronto teórico entre as ideias de Hume, Bergson e, principalmente, Deleuze.
Este segundo capítulo tratará, também, da interferência da imaginação no
processo de interpretação da imagem fotográfica. O que demonstrará os ruídos causados
na relação entre fotografia e memória por esta outra faculdade. Nesta seção, começa a
ganhar corpo a ideia de que a memória é atualizada com base no presente e de que há
um caráter de aprendizado quando se debruça sobre uma leitura imagética.
A fotografia, nesta seção, será entendida como instrumento capaz de ajudar na
descoberta de tempos, exatamente a partir do entendimento de memória indicado. Uma
descoberta possível a partir da atuação dos signos fotográficos, que têm a força de
violentar a memória e fazer com que a imaginação seja ressaltada.
É ainda neste capítulo que será dada uma prova do diálogo entre os signos e a
possível criação de múltiplos passados diante de uma mesma foto. Os signos em
questão advêm da concepção peirceana que, a partir de sua sistematização categorial,
divide o signo em três: ícone, índice e símbolo. Interessará ao trabalho compreender de
que forma a fotografia, como um fragmento espaço-temporal, e como um signo, acende
42

as ideias da imaginação, a ponto de fazer com que esta faculdade, por vezes, sobreponha
a memória. Este último capítulo merece atenção, acima de tudo, por implicar na
aplicação da ferramenta analítica construída na primeira metade do trabalho.

2.1. Memória e decifração

Levantei a câmera, fingi estudar um enquadramento que não os incluía, e


fiquei na espreita, certo de que enfim os apanharia no gesto revelador, a
expressão que resume tudo, a vida que o movimento mede com um
compasso, mas que uma imagem rígida destrói ao seccionar o tempo, se não
escolhemos a imperceptível fração essencial (CORTÁZAR, 1994, p. 67).

Estas são as palavras de Roberto Michel, personagem do conto As Babas do


Diabo, de Julio Cortázar. Um tradutor e fotógrafo amador que, num certo domingo sete
de novembro, sai do número 11 da rue Monsieur-le-Prince, em Paris. Entendedor de
que uma das maneiras de combater o nada é tirar fotografias, ele caminha sem direção
portando uma Cóntax (uma câmera fotográfica). No momento em que aproximava o
fósforo do cigarro viu, pela primeira vez, um rapazinho que aparentava estar nervoso.
Minutos depois, faz um registro com a câmera, compondo o visor com uma árvore, um
parapeito e o sol das onze. Após clicar é procurado por uma mulher que, irritada por ter
sido fotografada, diz que Michel não tinha o direito de fotografá-la sem permissão. Diz
que quer o rolo de filme, pedido negado por Roberto Michel.
Interessante notar sobre este conto, que ele serviu de base para a realização do
filme Blow-up, de Michelangelo Antonioni. No projeto cinematográfico, ficará claro o
porquê da irritação da mulher, já que ali havia sido fotografada a cena de um crime, que
depois inquietará Roberto Michel.
Fazendo referência à frase que abre esta seção, ao captar indícios/provas de um
crime, o fotógrafo teria capturado uma fração essencial de tempo, já que ele lutará para
provar que, no canto sem nitidez da fotografia, havia parte do corpo de um homem que
foi assassinado. A imagem fotográfica não encontra correspondência na realidade, afinal
o corpo já não estava mais no parque (local do assassinato), no dia em que, ao revelar o
filme, ele percebe a existência de um cadáver. O tema do filme concentra-se na
impossibilidade de fazer o real coincidir com a sua representação a posteriori, porque
entre os dois, na distância, aconteceu algo que não é apenas do tempo. Há, neste sentido,
uma separação entre o real e o que é fotografado.
43

Na busca desenfreada por comprovar a presença de um cadáver naquela foto,


Roberto é chamado de intrometido por aquela mulher que deseja possuir aquele material
que o fotógrafo tem. A intensidade com que ela passa a desejar ter o filme só dá ainda
mais certeza de que o fato aconteceu como ele imagina, fazendo gerar um processo de
recriação do episódio. As fotografias servem de resquício de um passado, confirmado
com desdobramentos como o medo que ela tem de que as provas ganhem grandes
proporções de significados.
A discussão nos levaria a entender e trabalhar com a idéia de que uma imagem
antecipa outra imagem. Procedimento que, nessa linha de pensamento, é o que se pode
definir, portanto, como memória. Ou seja, não se aborda a memória, aqui, como a
faculdade de lembrar, mas a recriação de um acontecimento com base no que nos é
presente.
A fotografia de uma cena passada traz, sim, dificuldades interpretativas. Aquilo
que apreendo de uma imagem fotográfica é muito mais relacionado ao meu repertório
de conhecimento, do que à realidade fotografada. A relação que estabelecemos com ela
é de cunho interpretativo. A partir de signos imagéticos, entramos como que num jogo
de decifração. Nessa busca, o sentido se apresenta de modo multiforme, não há uma
única interpretação.
Cabe, aqui, dizer que quando se tratam de fotografias de uma determinada
cidade, feitas ao longo de vários anos, certamente devemos recorrer aos elementos
constitutivos da imagem, como vestimentas, cenários ou gestos, a fim de apreender
alguma significação. Essa relação de aprendizado, afinal de contas as imagens desse
tipo ensinam muito mais que possibilitam uma preservação da memória, coloca em cena
a questão levantada por David Hume, em que contrapõe memória e imaginação, tema já
tratado no capítulo 1.
Numa primeira análise, a fotografia parece dar margem às investidas
imaginárias. Porém, se avançamos no debate teórico apresentado, aquilo que poderia ser
chamado de imaginação, na verdade, se trata de uma atualização. Quero dizer que, tal
como propõe o debate bergsoniano, os elementos sensório-motores são fundamentais
para qualificar esse ato como ligado à memória. O presente ajuda o leitor a ter algum
tipo de acesso ao passado fotografado, levando em consideração o que é vivenciado
hoje ou que foi vivido no passado do próprio leitor. Interpreta-se com o auxílio do
44

corpo, tal como argumenta Bergson. Recorre-se ao lençóis do passado que cada um tem,
reforça Deleuze.
A recorrência a estes lençóis de passado tem, nos signos, uma válvula de escape.
Quer dizer, se não é possível redescobrir o passado real, retratado na fotografia, os
signos ajudam numa descoberta de passados particulares. À luz de Deleuze, o caminho
para descobrir estes passados passa pelos signos. É aí que ele considera a classificação
de Charles Sanders Peirce, que entende os signos como algo que está no lugar de
alguma coisa para alguém, em alguma relação ou alguma qualidade. Considera-se as
três tricotomias a partir das quais Peirce divide os signos: conforme o signo em si
mesmo, conforme a relação do signo para com seu objeto e conforme seu interpretante o
interpreta. Isso significa dizer que o aprendizado possível diante das imagens se dá
justamente nesse jogo de atribuição de sentidos e de correlações com o que se conhece
previamente. Em certa medida, nessa liberdade de recorrer a um baú de lembranças
próprias, há, sim, espaço para as investidas da imaginação. No entanto, elas não
colocam essas lembranças num grau especulativo diante da cena retratada. Elas
despertam lembranças de outra natureza, tão reais quanto as que se tornaram ocultas na
fotografia. Os signos da fotografia, neste sentido, funcionarão como uma espécie de
forma do simulacro que se apresenta por meio da imagem.
Partimos do entendimento da memória, portanto, como a criação do passado.
Diante dele, acredita-se ser a fotografia um artefato pelo qual se cria e se imagina o
passado. Por meio dela, temos um acesso limitado ao real. Ela não dá a dimensão
precisa daquilo que está retratado. Ela traz, ocultamente, uma história, cujos mínimos
detalhes são, em sua completude, desconhecidos.
Um exemplo que ilustra bem o que se quer dizer é o filme argentino El Secreto
de Sus Ojos1. Nesse filme, produzido em 2009, a fotografia figura como uma chave
central da trama. É a partir da leitura de imagens fotográficas que o personagem
Benjamín Espósito, o primeiro Oficial de Justiça de um juizado, ajuda a desvendar um
crime. A análise dessas imagens e a apreensão do sentido se dão por meio de uma
atualização, de uma leitura de fotos feitas em momentos em que ele não esteve presente,
porém lida com a bagagem de sentidos trazida pelo investigador.
As fotografias, encontradas nos álbuns do viúvo da jovem professora Lilliana
Colotto, brutalmente assassinada em casa, evidenciavam um olhar apaixonado de

1
El Secreto de Sus Ojos. Direção: Juan José Campanella. Argentina. 2009.
45

Isidoro Gómez em direção à vítima quando eles eram muito jovens. Décadas depois
essa mulher é assassinada e o caso fica sob a responsabilidade de um homem que um
dia também foi apaixonado por uma jovem mulher e que também havia sido fotografado
num momento em que olhava apaixonadamente para a mulher que desejava. Nesse
momento em que o personagem Benjamín Espósito encontra essas fotografias antigas e
as compara com a foto em que ele olhava para Irene Menéndez Hastings, a Secretária do
Juizado, por quem ele era apaixonado, o oficial passa a trabalhar com a hipótese de que
Gómez é o principal suspeito do crime.
Ele leva em consideração que daquele grupo que está na fotografia, Isidoro
Gómez poderia ser capaz de ter matado Liliana, por amor. A partir de então, as
investigações tomam um novo rumo e, de fato, prova-se que ele é o assassino. O filme,
respeitando a devida dimensão fictícia, é um exemplo que evidencia essa capacidade
móvel da fotografia. Uma recriação que está ligada ao que é essencial na fotografia
presente no filme. Mais que isso, demonstra o caráter de decifração que permeia a
leitura da imagem fotográfica.
É interessante notar que a fotografia do filme em questão, provocou um novo
efeito e uma diferente interpretação. Conforme se foi contemplando, as imagens da
memória fizeram com que ela revelasse outras imagens de episódios esquecidos e de
expressões verbais que tiveram os seus significados alterados, com o correr do tempo.
Ao olhar para aquela fotografia, não era ela exatamente que Benjamín Espósito estava
vendo, mas sim outras imagens que se desencadearam na memória despertada por
aquela que estava diante dos olhos. Imagens armazenadas na memória dele e que
constituíram a chave do enigma em questão. O segredo que os olhos de Isidoro Gómez
guardava foi descoberto por Espósito não apenas pela evidência do gesto, mas por uma
decifração baseada num modelo que o investigador tinha em seu cabedal de lembranças.
A imagem fotográfica tem, portanto, uma mensagem para cada um de seus
observadores. Mensagem jamais única, a mensagem chega a todos aqueles que a lêem.
Quando se trata da memória nela contida, este passado é atualizado com base em
sensações atuais e o enigma por ela trazido é decifrado a partir de uma relação aberta.
Isso pelo fato de o real não poder ser apresentado por ela. A fotografia, vale dizer, não é
o registro da coisa em si, mas de um fenômeno. Este fenômeno fotográfico é recebido
por um sujeito individual que reconhece outras fotografias na fotografia em questão.
46

Dizemos isso porque uma foto, justamente por não se assemelhar ao objeto fotografado,
se assemelha, na verdade, a uma foto.
O fenômeno é o que é capturado pelas lentes fotográficas. O porquê, voltando ao
exemplo do filme supracitado, de Benjamín Espósito reconhecer naquela fotografia um
suposto acusado de um crime. É uma outra fotografia que o ajuda. A partir de seus
elementos, a fotografia nos coloca numa dada dimensão, permitindo, por isso, o
processo de decifração.
Tal como diante de um enigma, é como se a fotografia tivesse uma mensagem a
ser decifrada. E evidentemente que, ao falar disso, traz-se à cena o clássico debate em
torno da questão de que a fotografia é, ou não, um análogo perfeito do real. Mesmo
guardando características similares do objeto real, ou tendo a capacidade de registrar
características marcantes dele, quando se busca a memória do fragmento fotográfico,
entra em jogo esta necessidade de decifrá-la, de buscar fora dela, as referências de
leitura. São exigidos ao observador, critérios de conotação para melhor exercitar a
memória.

2.2. Fotografia, memória e conotação

Muito da ideia de que diante da fotografia mergulhamos num jogo de decifração,


se deve aos elementos constitutivos da imagem, principalmente no sentido de eles
conduzirem a nossa compreensão de determinada cena. Há relação entre cada uma das
partes que compõem a imagem com a noção de memória. Ora, se consideramos a
memória como um mergulho no passado a partir do presente, cada objeto, pessoa,
móvel, etc., que estiver na imagem, conduzirá a nossa leitura para a referida situação
retratada.
É assim, então, que este jogo de decifração diante da imagem fotográfica nos
permite trazer à baila uma concepção historicamente definida pelo senso comum: a de
que a fotografia é o analogon perfeito do real. E cabe, pois, compreender a problemática
trazida por isso para o exercício da memória.
Ao afirmar essa capacidade analógica, é como se a fotografia trouxesse uma
mensagem primeira que, de certo modo, preenche plenamente sua substância e não
deixa lugar ao desenvolvimento de uma mensagem segunda. O que dentro do tema
fotografia e memória, colocaria esta técnica como um instrumento eficaz de preservação
47

de uma memória efetiva, pura, intocável. Acrescentando ao debate a contribuição de


Roland Barthes, pensamos, então, junto com ele no sentido de propor uma diferença
entre essa definição do senso comum e aquilo que a fotografia permite entender.
Na concepção barthesiana, coloca-se uma contraposição entre mensagem
denotada e conotada. Na primeira delas, a fotografia figura como o próprio analogon.
Absolutamente analógica, ela seria impossibilitada de recorrer a um código, já que
representa o real. Ela é contínua e não caberia procurar as unidades significativas de
uma primeira mensagem. Estaríamos diante de uma memória dada. Nela, há um caráter
utópico que dá a sensação de que a mensagem denotada é uma espécie de estado
primitivo da imagem, tornando-se radicalmente objetiva, ou seja, inocente. O que faz,
em outras palavras, parecer que ela constitui uma mensagem sem código.
Por outro lado, por comportar um plano de expressão e um plano de conteúdo,
significantes e significados, há a obrigação de investida numa verdadeira decodificação.
Neste tipo de mensagem, a fotografia é um objeto trabalhado, escolhido, composto,
construído, tratado segundo normas profissionais, estéticas ou ideológicas. Há uma
imposição de sentido à mensagem fotográfica, fazendo gerar diferentes níveis de
produção da fotografia. Na mensagem conotada, os signos da mensagem são
descontínuos, isto é, mesmo quando o significante parece abranger toda a imagem, é,
ainda assim, um signo separado dos outros. Haveria, portanto, procedimentos de
conotação.
Destes procedimentos, chamamos a atenção para dois, muito sugestivos para o
que é do interesse para o desdobramento em torno da memória como a entendemos no
presente texto e que tem a ver com a ideia de codificação.
Primeiro, a pose na fotografia. Ela sugere a leitura de significados de conotação.
Ver uma fotografia posada é sempre estar diante de uma incerteza, já que ela não
informa nada além do fato de estar uma pessoa reproduzida mecanicamente, com
determinada vestimenta ou num provável lugar, caso eu não conheça a pessoa ali
fotografada. Caso a pessoa seja conhecida saberei até o nome, mas farei suposições
quanto à situação em que se deu tal ato. Ela abre espaço para possíveis leituras. Ela
resulta de um efeito analógico, atribuído à fotografia, sem, no entanto, se encerrar nela
mesma. Do mesmo modo, objetos compõem outro procedimento sugestivo de
conotação. Isso por eles constituírem excelentes elementos de significação. São
completos em si mesmos, mas não o são se buscamos o entendimento que extrapole a
48

reprodução por si só. A mensagem conotada dialoga com a noção de memória, no


sentido de que a codificação que compõe a imagem solicitará a prática de uma leitura
em que levará em consideração a memória particular de seu leitor.
Em virtude deste código de conotação, as leituras da fotografia são sempre
históricas, no sentido de depender sempre do saber do leitor. Como numa língua, é
inteligível apenas para os que aprenderam sua gramática. Compreende-se os signos da
imagem isoladamente, sem haver uma conexão entre eles que leve todo e qualquer
intérprete a um único e mesmo entendimento. Numa comparação com a linguagem
verbal, diremos que mesmo que alguém aprendesse todas as palavras de um dicionário
de determinada língua, de nada valeria se não houvesse o domínio da gramática que
rege tal língua. Por estas e outras, a mensagem da fotografia aparece como que
codificada, impondo dificuldades na tentativa de esboçar uma leitura que seja única. Daí
a idéia de o código de conotação ser considerado histórico ou cultural. Nele, os signos
são gestos, atitudes, expressões, cores ou efeitos, dotados de certos sentidos em virtude
dos usos de uma determinada sociedade (BARTHES, 1990, p. 21).
A mensagem conotada, nestes termos, tem relação direta com o debate que une
fotografia e memória, no sentido de uma mesma imagem despertar as várias
possibilidades de significação e, logo, criação de passados, com base em contextos
históricos ou culturais bem particulares. O que tem relação com o que poderíamos
chamar de léxico, um conceito da concepção barthesiana. Léxico podendo ser definido
como uma parte do plano simbólico da linguagem e que corresponde a um conjunto de
práticas e de técnicas. Neste caso, é exatamente o caso das diferentes leituras da
imagem. É como se houvesse em cada pessoa uma pluralidade, uma coexistência de
léxicos. O número e a identidade de cada um destes léxicos formam o idioleto de cada
um. Por fim, a imagem conotada seria, então, constituída por uma arquitetura de signos
provindos de uma profundidade variável de léxicos (de idioletos). Nas palavras de
Barthes a definição é dada deste modo:

A imagem, em sua conotação, seria, assim, constituída por uma arquitetura


de signos provindos de uma profundidade variável de léxicos (de idioletos),
cada léxico, por mais “profundo” que seja, sendo codificado, se, como se
pensa atualmente, a própria psichê é articulada como uma linguagem; quanto
mais se desce à profundidade psíquica de um indivíduo, mais raros são os
signos e mais classificáveis (BARTHES, 1990, p. 39).
49

A memória reúne significados para os signos que são acionados pela fotografia,
quando esta serve de instrumento para o despertar de lembranças. Diante de uma mesma
situação fotografada as reações irão aos extremos.
Quando se circula pela superfície de uma imagem, o olhar tende sempre a se
voltar para elementos preferenciais. Eles passam a ser centrais e são portadores de
significados. O que nos leva a entender que as fotografias não são conjuntos de
símbolos com significados inequívocos, ou seja, não denotativos. Elas oferecem aos
seus receptores um espaço interpretativo, por meio de símbolos conotativos.
Desta discussão, inspirada nas ideias barthesianas, fica esta contribuição de que
muito do que percebe num exercício de memória advém desta capacidade conotativa da
imagem fotográfica. Os elementos conotativos funcionam suscitando a nossa
imaginação e forçando a nossa memória a buscar referências no presente, a fim de obter
uma compreensão de passado.
As reflexões barthesianas, deste modo, são inspiradoras no sentido de nos levar a
pensar que a capacidade conotativa da fotografia faz gerar um outro nível de sentido
para a fotografia em questão. Este outro sentido é totalmente aberto, permite o
desdobramento de asas fora de uma suposta essência dada. É como se a leitura ficasse
suspensa entre a imagem e a sua descrição. E, nisso, os signos têm papel fundamental.
Fazem, ao final das contas, com que a interpretação seja de certo modo indiferente à
história ou ao sentido principal, se é que ele existe.
São os signos os responsáveis por preencher este espaço que fica aberto entre o
observador e a imagem. Tal como numa linguagem, eles forçam o leitor a atribuir um
sentido aos mínimos detalhes, mesmo que não seja o sentido real. Nas páginas que
seguem, a fotografia é tomada como uma linguagem e seus signos merecem atenção.

2.3. A fotografia e os signos

Não seria muita novidade tratar da fotografia como sendo ela uma linguagem. O
próprio nome atribuído a esta técnica, em sua origem, sugere isso. Derivada dos termos
gregos photos e graphein, significa “escrita com a luz”. Mesmo antes disso, Joseph
Nicéphore Niepce chamou o processo em que imagem aparecia na chapa de heliografia,
cuja análise etimológica levará a “escrita do Sol”. Ou Fox Talbot, que chamava a
câmera fotográfica de “caneta da natureza”. Verdade seja dita, independente do modo
50

como seja definida, a fotografia tem elementos o bastante para ser tratada como uma
linguagem, dotada de códigos que convidam para um jogo de significação. Baseando-
nos numa antiga etimologia, a palavra imagem deveria estar ligada à raiz de imitari. E
essa representação analógica (a cópia) poderá produzir verdadeiros sistemas de signos, e
não apenas simples aglutinações.
Esta sistematização dos signos permite à fotografia ser uma linguagem
representativa de realidades. Ela acaba prevalecendo sobre as formas de arte, neste caso,
por ser dotada da capacidade de reproduzir ambientes de modo bem análogo (talvez o
mais análogo dos tipos de reprodução) à forma como eles aparecem.
Esta capacidade reprodutiva da fotografia não se faz senão por meio de dados do
que podemos identificar como conhecimento visual. E daí, talvez, a urgência e
necessidade em se falar de uma sintaxe visual. De modo parecido como num
alfabetismo verbal, é necessária a compreensão de um sistema de símbolos ou a
combinação das letras e dos sons, na linguagem visual existem linhas gerais para a
criação de composições. Há elementos básicos que podem e devem ser aprendidos e
compreendidos para que haja um entendimento, não tão rigoroso, vale notar, como
numa alfabetização verbal. O que quer dizer que mesmo sem passar por uma iniciação
ao alfabetismo visual é possível realizar a leitura de uma imagem. Ressalte-se que o
conhecimento de determinados fatores pode levar a uma melhor compreensão das
mensagens visuais, como afirma Donis A. Dondis:

O alfabetismo visual jamais poderá ser um sistema tão lógico e preciso


quanto à linguagem. As linguagens são sistemas inventados pelo homem para
codificar, armazenar e decodificar informações. Sua estrutura, portanto, tem
uma lógica que o alfabetismo visual é incapaz de alcançar (DONDIS, 1997,
p. 20).

No processo criativo da imagem, um elemento é fundamental para a linguagem


visual trabalhada na fotografia: a composição. Nela, e em outros elementos também
(como perspectiva, profundidade de campo, enquadramento, etc.), evidencia-se a
intenção do fotógrafo. O entendimento desse processo pode ser determinante no
entendimento e resolução dos problemas visuais, no que diz respeito à falta de
compreensão de quem lê a imagem. As decisões compositivas são determinantes para
apreender o objetivo e o significado da manifestação visual e influencia diretamente no
que é recebido pelo leitor. Na composição, instante vital do processo criativo, o
51

fotógrafo tem o controle sobre seu trabalho e tem a oportunidade de expressar o sentido
que a imagem deseja transmitir.
O desejo de transmissão de determinado sentido pode esbarrar na sobreposição,
por vezes violenta, que alguns elementos visuais exercem nesse instante de atribuição
de sentido. Destaco quesitos como a linha, a cor, a direção, a forma, a textura, a escala,
a dimensão ou o movimento. Critérios cujo significado é variável para cada um e que
vistos numa fotografia podem significar diferentes coisas. Uma lição muito exemplar de
quais elementos podem e devem ser considerados na leitura da fotografia é o filme
Letter to Jane2, dirigido por Jean-Luc Godard e Jean-Pierre-Gorin, em 1972, em que há
uma desconstrução de uma fotografia publicada numa revista francesa, em que aparece
a atriz Jane Fonda, que recebe críticas nesta leitura. A fotografia de Jane Fonda, tirada
pelo fotógrafo Joseph Kraft, foi publicada no jornal francês L’Express, no início do mês
de agosto de 1972, no instante em que ela estava diante de vietnamitas. A foto foi tirada
a pedido do governo do Vietnã do Norte como representante, na ocasião, da aliança
revolucionária entre os povos do Vietnã do Sul e do Vietnã do Norte.
Este filme, para Susan Sontag, é uma aula de como decifrar a natureza não
inocente do enquadramento, do ângulo ou do foco numa foto (SONTAG, 2004, p. 124).
Entendemos esta conclusão quando ouvimos uma voz em off dizer que para a leitura da
imagem, deve-se levar em consideração alguns elementos elementares da imagem,
como a disposição de olhos e boca, ou o enquadramento. Como toda foto é fisicamente
muda, alerta o narrador, é preciso recorrer às peças que a compõem. No caso do filme,
os autores recorrem a partes que eles classificarão como elementos, cada um composto
por determinadas pequenas partes. Dos elementos menos elementares, se falará de
quesitos como a posição da câmera e de como pode haver audácia ao se optar por
recursos como o contra-picado, explicado pelo narrador como um recurso muito
utilizado pelo cinema, a exemplo de Orson Welles. Na referida foto, a expressão da atriz
Jane Fonda é valorizada e não é possível ver o que ela está olhando. “Enquadra-se a
atriz”, diz o narrador em off, “como se ela fosse a vedete”.
O segundo, ele chamará de elementos e a valorização recai no sentido da
fotografia, de sua mensagem. Onde cabe perguntar se aquela foto serve somente ao
Vietnã e à causa vietnamita, ou também funciona nos EUA ou na França. O filme, com
esta leitura arrojada, não nos permite perder de vista que a principal discussão é o

2
Letter to Jane. Direção: Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin. França. 1972.
52

porquê de Jane Fonda ter sido fotografada naquela situação e o porquê de a Aliança
Revolucionária utilizar esta imagem como símbolo de uma luta. Quer dizer, a imagem
de uma estrela “militante”.
Notemos que a interpretação desta imagem se dá num contexto extremamente
específico. Os dois diretores haviam dirigido um filme três meses antes da realização
daquela foto. E o questionamento que fazem, diz, exatamente, respeito a isso. Ou seja,
como é que Jane Fonda, uma atriz reconhecida internacionalmente, pôde ter sua imagem
utilizada numa causa tão específica, de um povo tão característico? Os argumentos dos
diretores, nesse sentido, se baseiam num outro elemento da própria fotografia. Por que a
imagem da atriz aparece de forma tão nítida e em primeiro plano, sendo que a expressão
de um jovem vietnamita é exibida de um modo tão tímido, tão secundário, tão opaco?
Não seria mais interessante, perguntam os autores desta carta para Jane, que os nativos,
com expressão tão sugestiva e autêntica, fossem os protagonistas?
Eis uma análise discursiva da imagem. Vale muito mais o entendimento do
cenário ideológico que ambientaliza esta interpretação, do que necessariamente entender
o enredo do exato dia em que o momento foi registrado. Em instante algum há
referência à busca pelos dados precisos, pelo lugar onde se deu a ação, ou mesmo quem
estava ali diante da atriz. O questionamento diante de saber por que a atriz e não outro,
no primeiro plano, é muito mais para argüir sobre as causas e motivos de fotografar uma
pessoa famosa internacionalmente a optar por um anônimo que representasse de forma
caracterizada um símbolo daquele povo.
No que concerne à memória, a evocação que se faz diz respeito ao vivido pelos
autores da carta. O conjunto de referências é construído com base numa pessoalidade e
não num ambiente universal. Não há nada de coletivo quando os diretores recorrem ao
processo de produção do filme que realizaram com a atriz. A chave para a decifração
dos elementos da imagem está na concatenação de ideias muito pessoais e particulares.
Mesmo quando se trata dos efeitos da imagem num cenário universal, a referência está
em questões ideológicas amarradas conforme uma formação pessoal. Se a atriz está no
primeiro plano e o Vietnã no segundo, há, nisso, uma formatação capitalista, no sentido
de tornar uma fotografia que poderia ser de luta de um povo, num produto, numa
ideia/mercadoria.
Optando por uma abordagem aprofundada sobre estes elementos constitutivos da
imagem, os chamaremos de signos. Neste caso, adotando a perspectiva de Charles
53

Sanders Peirce, com sua teoria dos signos, é necessário incluir a relação existente entre
os signos e a fotografia. Dirão muitos autores dedicados a pensar a fotografia que ela
guarda características tanto icônicas quanto indiciais. Índice porque a fotografia seria a
prova, a constatação documental que o objeto, o assunto retratado é uma espécie de
rastro indicial, representada por uma marca luminosa deixada pelo referente na chapa
fotográfica. De outro lado, ícone por ser entendida como a comprovação documental da
aparência do assunto e da semelhança que o mesmo tem com a imagem fixada na chapa
ou em alguma outra superfície que a tecnologia fotográfica permita. Há um elevado
grau de semelhança com o referente que lhe deu origem.
Uma imagem fotográfica reúne diversos elementos icônicos ou indiciais. Isso
permite que ela forneça informações para diferentes áreas do conhecimento. Daí porque
propiciar análises e interpretações multidisciplinares. Daí porque as diversas leituras
possíveis para uma mesma fotografia.
O caráter sígnico da fotografia terá relação direta com o jogo de interpretação do
que nela está retratado. Cito aqui a atenção que Boris Kossoy dá ao que chama de
desmontagem do signo fotográfico. Isso se dá a partir de uma análise iconográfica, por
meio da qual se busca fazer uma verdadeira arqueologia do documento. Uma análise
que seria possível a partir de duas linhas distintas e multidisciplinares de análise, a fim
de decodificar informações explícitas e implícitas do documento fotográfico.
Na primeira delas, sugere-se fazer uma reconstituição do processo que originou
a fotografia. Determina-se os elementos que contribuíram para a sua materialização,
seus elementos constitutivos, como o assunto, fotógrafo e tecnologia. Considera-se, para
tanto, a época e o lugar. Na segunda linha, propõe-se uma recuperação do inventário de
informações codificadas na imagem fotográfica. Parte-se para uma minuciosa
identificação dos detalhes icônicos que compõem seu conteúdo.
Nessa perspectiva teórica apontada por Kossoy, será levado em consideração
que o documento fotográfico é uma representação a partir do real. Representação onde
está registrado um aspecto selecionado de um real, organizado cultural, técnica e
esteticamente, portanto ideologicamente. Cabe notar, no entanto, que esta não é a
representação do real. É o que nos permite entender porque se torna obscura essa
tentativa de acesso ao real fotografado.
Estão estabelecidas, aqui, as prerrogativas que permitem Kossoy tratar do tema
da criação de ficções a partir de imagens. Notemos os exemplos dados por ele mesmo.
54

Ao considerar o advento do cartão postal, cuja “idade de ouro” foi completada em 1899,
momento de enorme propagação deste formato de fotografia, o autor diz que ele foi o
responsável por trazer a sensação de que era possível conhecer o mundo todo sem sair
de casa. De certo modo, a prática a partir dos postais contribuiu para uma “construção
do nacional”, no caso da produção cultural brasileira. Ao valorizar feitos heróicos como
os contidos nas pinturas heróicas, ou vistas de logradouros e panoramas de cidades,
difundidas pelo Brasil, chamaram a atenção de fotógrafos de todo o país que viram,
nisso, uma possibilidade comercial, de ganhar dinheiro representando uma determinada
realidade. Bem que se poderia dizer que a construção foi, na verdade, de um nacional,
na medida em que os cenários muitas vezes retratados pouco remetia a uma idéia de
“nacional”. Na referida exemplificação, os fotógrafos se aproveitaram de uma
característica da técnica fotográfica que a torna diferente, por exemplo, da criação
literária. Ao contrário desta última, a fotografia fornece “provas” de uma realidade que
se pretende mostrar.
Atendo-me à idéia de criação de ficções, pode-se dizer que estas realidades
criadas pela fotografia, em torno de uma construção do nacional, encontraram campo
fértil também a partir dos retratistas do período do império, do fotojornalismo – tempos
depois - e, não esqueçamos, da construção de conceitos muitas vezes equivocados de
fora para dentro que partem do olhar do europeu sobre o Brasil. Avaliações a que eles
chegaram, motivadas por imagens que traziam pessoas vestidas conforme a moda
européia do momento, com mobiliários de formas clássicas e vitorianas, ou objetos e
decoração que de nada tinham de nacional, mas européias.
Os signos fotográficos que enriquecem essas imagens de um passado, por essas e
outras, nos colocam diante de realidades superpostas. Ou seja, aquilo que se vê retratado
na imagem (definida como segunda realidade ou de representação), convive com aquela
que se imagina e que teve lugar no passado, numa primeira realidade. Notemos que a
relação de memória que se estabelece não é a de uma lembrança plena. Em termos
peirceanos, são resquícios indiciais, que nos apontam que caminhos foram desbravados,
sem saber precisamente quando e como. A fotografia como um espetáculo misterioso
em sua trama, em seus códigos, símbolos, portando segredos nunca revelados, como
aponta Boris Kossoy:
55

Por tais razões servem as imagens e os arquivos. Para que possamos fazer
essas e outras descobertas; para que possamos preservar a lembrança de
certos momentos e das pessoas que nos são caras; para que nossa imagem
não se apague; para que não percamos as referências do nosso passado, dos
nossos valores, da nossa história, dos nossos sonhos; para que possamos
preservar as imagens dos desaparecidos e torturados; para que tenhamos
provas que fatos hediondos ocorreram, para que não nos esqueçamos
(KOSSOY, 2002, p. 130).

Aqui, está a se falar de um ponto que é muito caro ao presente texto e que tem a
ver com a relação da fotografia com a imaginação, num processo em que pesa a
presença dos signos. Apesar destas evidências oferecidas pela fotografia, como na
última passagem citada, a reconstituição – seja histórica ou mesmo de recordação
pessoal – implicará sempre num processo de criação de realidades. Isso por ser
justamente elaborada por meio de imagens mentais dos próprios receptores envolvidos.
Daí porque se dizer que uma análise iconográfica, por mais competente que seja, ainda
será insuficiente. Ela sempre será afetada por uma sucessão de construções imaginárias.
Pesará o contexto particular que resulta na materialização da fotografia, fazendo valer
ainda a história do momento daqueles personagens que se vê representados, o
pensamento intrínseco a cada um dos fragmentos fotográficos, a vida dos modelos
referentes. Neste processo, a realidade interior é invisível ao sistema ótico da câmera.
Nesse sentido, a fotografia faz a função de testemunha que dá forma e contornos nítidos
às fantasias da imaginação individual e do imaginário coletivo.
Estes contornos da fotografia explicam porque determinadas imagens se tornam
símbolos de uma era, de um movimento, etc. Vamos ao exemplo da clássica fotografia
do revolucionário Che Guevara, registrada pelo fotógrafo cubano Alberto Korda.
Aquela imagem é o ponto de convergência de diversas lutas individuais. Ela é
construída e se sustenta por causa das mais diversas construções de realidades
individuais. A imagem estampada na camisa de um estudante universitário tem um
sentido diverso da situação em que uma dona de casa vê a camisa exposta na vitrine de
uma loja. As duas visões se encontram, naturalmente, no imaginário coletivo que
envolve a história da fotografia. Em ambos os casos, haverá uma mínima concordância
de que a imagem representa alguém ou uma situação de algum tipo de resistência, de
luta, de revolução.
A dimensão sígnica em que estamos envolvidos, aceita que, na fotografia,
estamos diante de um código visual. As fotos são constituídas a partir de uma
56

gramática, em que cada uma é um pequeno pedaço do mundo. Estes fragmentos é que
darão a sensação de que somos capazes de reter o mundo inteiro em nossas cabeças,
gerando a possibilidade de uma espécie de ontologia de imagens. É essa coleção de
imagens que temos arquivada e que, mais que isso, interferirá na leitura de todas as
outras imagens que necessitarmos ler.
A interpretação de signos instaurada na Recherche proustiana, por exemplo,
resulta num processo de aprendizado. Decifrar, este, relacionado muito mais ao futuro
que ao passado. O tempo, neste caso, é uma questão fundamental para esta interpretação
e ainda mais determinante no caso da fotografia. O que mostra que signo e sentido estão
sempre em relação com o tempo. Os quatro tipos de signos apresentados são, portanto,
quatro estruturas temporais subordinadas a duas categorias mais gerais: o tempo perdido
e o tempo redescoberto (MACHADO, 2010, p. 204).
A primeira estrutura, correspondente aos signos mundanos, é o tempo perdido no
sentido de tempo que passa. O narrador perde um tempo no vazio da vida social, da vida
mundana. Essa perda é parte de seu aprendizado dos signos. A verdade que se descobre
nesse tempo é a passagem ou o efeito do tempo.
A segunda estrutura está relacionada aos signos amorosos. A perda de tempo
possibilitada pelo amor é mais radical do que a que se tem na vida social. O porquê do
sofrimento que ele causa.
A terceira estrutura, ligada aos signos sensíveis, é o tempo redescoberto, no
sentido de um tempo que redescobre um “centro de envolvimento” no cerne de um
tempo já “desdobrado”, já desenvolvido, que é redescoberto no âmago do tempo
perdido como uma imagem da eternidade.
A última estrutura temporal diz respeito aos signos artísticos. Neste caso, a arte é
de fundamental importância para uma teoria do exercício do pensamento. Só ela
possibilita a descoberta do tempo como “tempo puro”, “tempo original absoluto”,
“tempo primordial” idêntico à eternidade, já que a eternidade é o “estado complicado do
tempo”. Quando revela a essência, o signo artístico redescobre esse tempo. A arte
permite a descoberta do tempo tal como ele se encontra na essência. Daí porque dizer
que só a obra de arte nos faz redescobrir o tempo. Ela porta signos de um tempo original
absoluto. Aqui, precisamos incluir algumas ideias, por se tratar da estrutura na qual
parecem estar as melhores condições para abrigar a fotografia. Este tempo redescoberto
por ela, ou que ela permite redescobrir, diz respeito ao passado particular de cada leitor
57

particular. O fato de os signos estarem no lugar de outra coisa, representando uma outra
coisa que existe na realidade, permite aos signos fotográficos despertar sentimentos
muito fortes em direção a um entendimento. E ainda mais principalmente por seu alto
teor de analogia àquilo que, de fato, busca representar a partir de seu mecanismo
reprodutor. Isto é, se vejo uma fotografia consigo identificar se aquela é uma foto de um
estádio de futebol, de uma cachoeira ou de um haras. Esses signos (a imagem do estádio
está no lugar do estádio real) logo ativam a minha memória e acabo por acionar um
referencial afetivo que leva a um pensamento diferencial. Chego a uma ideia de estádio
que está na minha essência, que não é a essência precisa da cena. Mesmo que eu
conheça e tenha visitado o estádio fotografado, a essência a que chego é diferente da do
fotógrafo, por exemplo, ou do funcionário que trabalha neste estádio, ou de um jogador
que disputou partidas ali.
A fotografia enquanto um signo, algo que está no lugar de outra coisa, não
permite uma leitura linear. Entre a coisa em si e a foto recebida por um sujeito
particular, há inúmeras rupturas e metamorfoses. Primeiro, poderíamos dizer que a
máquina fotográfica só consegue captar um dos fenômenos possíveis da coisa em si.
Diante de todas as representações possíveis, a máquina só consegue conservar uma.
Segundo, é permitido dizer que na observação há uma série de seleções, como no da
escolha de um dos negativos fotográficos, em meio a tantos outros, que vai ganhar uma
cópia em papel, por exemplo. Simples detalhes que poderão modificar substancialmente
a direção do entendimento do observador.
Não se deve perder de vista que aqui está embutida a predominância da questão
técnica sobre o desdobramento da memória. Se a escolha do negativo a ganhar uma
cópia em papel já influencia neste exercício, o que dizer do recorte registrado no
negativo em si. Fala-se, neste caso, da movimentação que o recorte espaço-temporal
fotográfico causa na conexão fotografia-memória. Nesta próxima seção, trazemos
exemplos e leituras de autores clássicos que nos inspiram a pensar este tema da relação
entre técnica fotográfica e memória.

2.4. A memória e os fragmentos fotográficos

Em seu livro, Sobre a fotografia, Susan Sontag dá o pertinente exemplo de que é


por meio de fotos que cada família constrói uma crônica visual de si mesma, como que
58

num conjunto portátil de imagens que dá testemunho de sua coesão. Os conectivos entre
os fragmentos são, no entanto, variáveis conforme cada leitura. O nível de entendimento
com base num mesmo álbum vai se dar mediante uma liberdade de atribuição de
reconhecimento de determinados episódios. Haverá, naturalmente, esquecimentos,
interditos, na medida em que nem todas as lembranças vão se dar na mesma proporção.
Lembro-me do caso em que mãe e filha se concentram na leitura do conteúdo de
uma imagem fotográfica no interior de um monóculo do acervo da família3. Ao reverem
aquela imagem juntas, pela enésima vez, as leituras são variáveis em relação às vezes
anteriores e uma discorda da maneira como a outra rememora o fato. Imagine-se uma
fotografia em que há o congelamento de parte de um desfile de 7 de setembro há quatro
décadas. A identificação de dados como quem estava na fotografia, onde aconteceu, em
que ano exatamente, ficarão num lugar indefinido entre elas e a imagem.
Entenderemos a fotografia, nestes termos, como um fragmento que, com a
passagem do tempo, tem as suas amarras afrouxadas. Aos olhos de Susan Sontag, ela é
uma imagem que fica à deriva num passado flexível e abstrato, aberto a qualquer tipo de
leitura e de associação a outras fotos. Compara-se, por isso, o livro de fotografias com
um livro de citações (SONTAG, 2004, p. 86). Fazendo referência a Walter Benjamin,
que a autora considerou como um dos maiores críticos da fotografia, a foto será
entendida como uma espécie de descriação do passado, a fabricação de uma realidade
nova, paralela, que torna o passado algo imediato, ao mesmo tempo que sublinha sua
ineficácia cômica ou trágica, reveste a especificidade do passado com uma ironia
ilimitada, transforma o presente no passado e passado em condição pretérita.
Analisando a fotografia deste lugar, entendemos que a mensagem trazida por ela
é, a um só tempo, transparente e misteriosa. De outro modo, as verdades que ela tenta
transmitir têm relação estreita com as necessidades de compreensão. O que levará o
leitor a não compreender, muitas vezes, a essência da foto, ou ir numa direção
totalmente diversa daquela intenção do fotógrafo. É muito eficaz, nesse sentido, o
exemplo dado por Susan Sontag sobre o trabalho dos fotógrafos humanistas. É como se
a beleza das imagens sobrepusesse a verdade das imagens. É como no exemplo das
fotografias tiradas por Lewis Hine de crianças exploradas em fábricas e minas

3
O monóculo é uma peça plástica que se tornou muito comum no Brasil e serve de artefato para a
visualização de imagens fotográficas. É uma espécie de câmara em que numa extremidade há um
fotograma colorido e, de outro, uma pequena lente com ínfima quantidade de grau. Ao colocar diante de
um dos olhos o lado que tem a lente, é possível visualizar a fotografia ampliada.
59

americanas. A composição atraente pode sobrepujar a relevância do tema retratado. O


mesmo vale para publicações como Trabalhadores, do fotógrafo brasileiro Sebastião
Salgado. Pode acontecer de a complexidade da temática ser posta em segundo plano,
mediante a atração despertada pelas formas e jogos de luz e sombra das imagens
fotográficas.
Talvez, aí, o porquê de não ser à toa as publicações de Salgado trazerem sempre
textos explicativos das cenas fotografadas. As fotografias são acompanhadas de
elementos da linguagem verbal que tentam demarcar um determinado espaço onde
podem se dar as interpretações, ou quem sabe a delimitação de até onde vai a intenção
do fotógrafo. Parece ser este um exemplo da força dos signos da fotografia. Elementos
que acabam modificando o entendimento de determinadas cenas ou fatos. O que exige
da fotografia um ato explicativo, esclarecedor.
Quando não se estabelece uma delimitação deste tipo, entra em jogo a
capacidade da fotografia de fazer-se criar imagens. Neste processo criador, agirão
operações praticamente automáticas, que não permitem uma representação. No
desdobramento desse processo, que resulta na leitura da imagem, resultará numa relação
inusitada entre imagem e realidade. A potência da imagem é experimentada de um
modo diferente, fazendo gerar novos mapas do real. Ou seja, a fotografia não permite a
posse da realidade, mas o possuir de imagens. As fotos tornam as imagens
imediatamente acessíveis, sem dar a textura e a essência das coisas. Apresentando uma
interpretação de Sontag para o que Marcel Proust pensa, seria a fotografia não um
instrumento da memória, mas uma invenção dela, ou um substituto (SONTAG, 2004, p.
181).
Ao dizer isso, aquilo que a fotografia fornece não é apenas um registro do
passado, mas um modo novo de lidar com o presente. Os sentimentos que ela desperta,
de um modo geral, não são os mesmos que temos na vida real. Vale notar aqui que se,
de um lado, a recriação que fazemos diante da fotografia difere da ideia passada pela
foto, de outro lado a fotografia passa a ser a imagem que temos de um determinado
acontecimento. Não será difícil reunir exemplos de pessoas que não se lembram do que
aconteceu em determinado dia, mas têm, na mente, o retrato do que aconteceu. Diante
de uma imagem da minha infância, ao lado de amigos num momento festivo na escola,
não saberei, ao certo, o que aconteceu no dia em que a foto foi feita; no entanto, aquela
fotografia vai ser o resumo visual do sucedido acrescida de sensações que tenham sido
60

vivenciadas antes ou depois do referido dia. A irreverência de um certo amigo ou a


habilidade musical de um outro só serão do meu conhecimento por causa de todo um
ano ou período maior no qual tenhamos convivido.
À primeira vista a fotografia parece ser uma mensagem, como já dissemos,
direta e sem códigos. Porém, é mais forte acreditar-se que nela se desenvolvem
significações ligadas ao plano da conotação. Identificada como algo essencialmente
ligado ao instante congelado, ela não registra a passagem de tempo e, por isso, ela não
consegue, por si só, fornecer tantas informações. Para a interpretação deste texto visual,
será necessária uma justaposição de diversas imagens sobre a mesma questão, tomadas
em momentos diferentes. Este argumento é compreensível quando se leva em
consideração o exemplo da pesquisa histórica. A compreensão de uma determinada foto
passa pelo auxílio de imagens da mesma época, da mesma cidade ou mesmo fotógrafo.
A busca por coesão nesta comunicação da linguagem fotográfica, justamente por se
tratar de um recorte temporal, dificultará a compreensão do todo em qualquer
circunstância.
Ao se tratar de conseguir uma leitura que seja produtiva, já não se trata de buscar
leitura e significação únicas, mas múltiplas. Do único, se passa aos múltiplos. A
passagem se dá por meio de um processo de interpretação. Tenta-se recompor a
arquitetura interior da imagem. É uma tentativa de se descobrir relações entre elementos
que não estão somente no conteúdo de uma fotografia. No caso de uma leitura de
fotografias pela perspectiva histórica, esta arquitetura interior é desenvolvida pelo
levantamento de recorrências temáticas, da formação de núcleos em torno das imagens
fundamentais e do relacionamento subterrâneo que apresentam, as inter-relações
estabelecidas com outras imagens.
Propondo uma comparação, as fotografias poderiam ser identificadas como as
imagens armazenadas na memória, enquanto as imagens lembradas são resíduos
substituíveis de experiências contínuas. Há que se considerar que estas lembranças das
fotografias substituem lembranças de pessoas ou acontecimentos, que são mutáveis,
enquanto a fotografia fixa pode ser revista várias vezes. E rever fotografias pode ser
sinônimo de reativação de memória de sujeitos. É o uso que a história oral tem feito, por
exemplo. Uma outra coisa que esta área tem realizado é o que chamam de teste
projetivo. Uma técnica desenvolvida na psicologia, fazendo com que as mesmas
fotografias desencadeiem lembranças e associações diferentes nos vários sujeitos da
61

pesquisa. Aqui uma exemplificação quanto à mutabilidade destas lembranças


despertadas pela fotografia.
Há, deste modo, o aparecimento de um outro caráter da fotografia e que diz
respeito ao aumento da percepção visual, a partir de imagens fotográficas. Quando hoje
analisamos fotografias da década de 1920, naturalmente estabelecemos um comparativo
com a época em que vivemos. A percepção da atualidade certamente será ampliada ao
se considerar alguns resquícios do passado. Esta ampliação perceptiva é certamente
estimulada por uma regressão aos elementos pretéritos de sociedades anteriores.
A ampliação perceptiva se dará não pelo que a foto diz, mas pelo estímulo que
ela provoca. “A fotografia não explica, não interpreta, não comenta. É muda e nua,
plana e fosca”, diria Philippe Dubois (DUBOIS, 1993, p. 84). Ela mostra simples, pura
e brutalmente, signos que são semanticamente vazios ou brancos. O que faz com que ela
permaneça essencialmente enigmática. Dialogando com Roland Barthes, o índice pára
com o “isso foi”, não o preenche com o “isso quer dizer”. Daí o entendimento, na
concepção barthesiana, de que no seu princípio constitutivo (a mensagem como tal) a
foto é dita “sem código”, ou seja, “pura denotação”, ligada diretamente a seu
“analogon”.
As maneiras de interpretar determinadas imagens podem estar em lugares tão
opostos, que as reações geradas chegam a ser inusitadas, como foi o caso do filme
brasileiro Narradores de Javé4. Dirigido por Eliana Caffé, em 2003, argumentaremos
no seguinte sentido. Aos 55 minutos de filme, percebe-se o quanto a produção tem, mais
que uma relação com a memória, uma ligação forte com a fotografia no tocante ao
processo de criação do passado a partir de seus signos. Ao tentar reunir histórias sobre a
localidade de Javé, ameaçada de deixar de existir por conta da construção de uma
represa, os moradores querem mostrar que a comunidade tem uma história que não pode
ir, literalmente, por água abaixo.
No que concerne à memória, demarco uma passagem envolvendo dois velhos
homens, conhecidos como “os gêmeos”. Eles discutem fatos relacionados ao
surgimento da própria família. Primeiro de tudo, a passagem é cômica, na medida em
que eles tentam revelar o enredo de uma história familiar a partir do uso de uma
fotografia em que estão dois irmãos gêmeos de nomes Cosme e Damião. Eles, na
juventude, teriam se apaixonado por uma mesma mulher, Margarida, a mãe dos dois

4
Narradores de Javé. Direção: Eliana Caffé. Brasil. 2003.
62

senhores que conversam. O que eles tentam resolver é o seguinte: um dos irmãos,
Armando Peneré, diz que Dona Margarida se casou com Cosme, o pai dele, e que
Damião é que seria o pai do irmão. A história é bem curiosa, pois Armando Peneré
alega que Margarida foi para a cama com os dois irmãos, Cosme e Damião, e que eram
filhos de pais diferentes, mesmo sendo gêmeos. Enredo a parte, deve-se considerar o
meio pelo qual se conduz esta passagem. O tempo todo eles duelam com a memória,
sempre auxiliada pela fotografia. Em certo momento, um dos “gêmeos” apresenta uma
fotografia, que seria a prova de que Damião se casou com Margarida e que atestava a
legitimidade de seu parentesco com ele. Antônio Biá ouve atento a tudo o que é dito e,
no momento em que escuta o relato sobre a fotografia, a imagem ganha um movimento
na cabeça dele. Responsável por escrever aquelas histórias ele tenta recriar o episódio
em que Dona Margarida teria se casado. Sanfona, banjo, dança e bebedeira no
terreiro...tudo isso ganha vida na cabeça de Biá, que dispara num processo de recriação
de um passado que não viveu. O tempo todo ele vai se deixando levar pelos atalhos da
história contada pelos irmãos; jamais segue o principal caminho. Parece ele se basear na
primeira frase do diálogo desta passagem do filme, que é dita pelo personagem
Armando Peneré: “(...) uma terra vale pelo que produz, mas ela pode valer mais ainda
pelo que esconde”. Todo o filme é permeado por esta variação entre lembrança e
esquecimento. A dúvida paira sobre o processo de recontar a história de Javé e essa
passagem ilustra bem o espírito do filme, além, acima de tudo, de mostrar o modo como
a fotografia atua nessa rememoração.
Uma outra passagem do filme se transforma num argumento ainda mais forte no
que diz respeito à profundidade psíquica onde residem signos. Neste caso, o grupo que
está tentando reunir as histórias vividas na comunidade de Javé chega à casa de um
jovem que mora sozinho. Biá encontra o jovem Daniel. Ele fala do seu falecido pai,
Isaías. Daniel mostra a cama em que o pai dormia e onde ele faleceu. Diante da cama, o
jovem se lembra de quando era criança e via o pai deitado. Enquanto ele conta, aparece
uma fotografia do pai, feita três meses antes de ele morrer, desvairado pelo amor de
uma mulher chamada Santinha. A realidade que cerca a atmosfera daquelas fotografias
é habitada por histórias como a de um homem que chegou a cavalo, armado, querendo
saber onde estava uma peça de ouro que ele guardava. Naquela ocasião, ele sacou uma
arma e atirou contra o homem que tentava assaltá-lo. Daniel diz que perdeu todo o seu
63

medo a partir deste dia em que viu o pai matar um homem. A fotografia despertou nele
as lembranças fortes da infância, dizendo que só sairia daquela casa morto.
A reação de Daniel é diferente e inusitada em relação às dos outros moradores. É
radical diante da notícia da construção da represa. Ele é intenso, pega a arma e faz com
que sua relação com o passado seja muito mais complexa. Se para os outros moradores,
a fotografia do pai do jovem é a prova de que ele existiu, que ele morou no vilarejo,
para o filho, a imagem é como uma pequena centelha que causa um incêndio a depender
do modo como é acionada. O fogo que aparece na memória de Daniel tem uma
intensidade diferente nos outros moradores de Javé.
A passagem nos leva à comprovação de que o modo como os signos estão
internalizados nas memórias particulares extrapolam a realidade. O exemplo, associado
a esta constatação, nos permite evocar algo dito pela autora Susan Sontag, muito
sugestivo, aqui: “Como o fogo da lareira num quarto, as fotos – sobretudo as de
pessoas, de paisagens distantes e de cidades remotas, do passado desaparecido – são
estímulos para o sonho” (SONTAG, 2004, p. 26).
A fidelidade ao ali fotografado, seja no caso da fotografia do pai do jovem
Daniel ou não, só seria possível com o auxílio da linguagem verbal. Seria necessária a
inclusão da legenda, tal como alertou Walter Benjamin em seu Pequena história da
fotografia. “Não se tornará a legenda a parte mais essencial da fotografia?”, perguntava
o autor, acreditando que a introdução da legenda iria favorecer a literalização de todas
as relações da vida e sem a qual qualquer construção fotográfica correria o risco de
permanecer vaga e aproximativa (BENJAMIN, 1994, p. 107). A pertinência destas
palavras é comprovada e reforçada quando se chega à discussão que se dá no espaço
entre a fotografia e a construção do passado. É onde se reconhecerá o quão vago é o
conjunto de informações visuais oferecidos pela fotografia.
As fotografias comunicam, sim, uma atmosfera e exprime sentimentos. Há,
porém, uma limitação na transmissão de informações necessárias para uma construção
social de significados culturais. Ela traz vestígios, mas é muda. Não fala de nomes, de
datas; apenas sugere períodos, probabilidades. Estes indícios, tratados nesta pesquisa
como signos, é que colocam a fotografia numa relação com a memória. Uma memória
que sempre reacende as ideias criadoras daquele que se arrisca na leitura da imagem
fotográfica.
64

Ditas de outro modo, as palavras desta seção nos conduzem para a discussão em
torno do simulacro gerado pela fotografia. Neste caso, é possível propor uma relação
entre a questão da técnica fotográfica e estas realidades sem semelhança com a situação
retratada. E daí, fazendo referência ao recorte fotográfico, motivador disto que
chamamos de fragmento fotográfico, tem totalmente a ver com a questão do simulacro,
com a geração do duplo. Ao passo em que a fotografia faz um recorte de uma cena,
aquilo que está fora do fotograma, vai necessitar ser criado. Logo, o resultado disso é
uma formulação de realidade, a partir deste fragmento espaço-temporal.
Este fragmento, por sua vez, é constituído por outros inúmeros fragmentos, que
denominaremos signos. Diríamos que, em comparação à relação do recorte fotográfico
com a memória, os signos são envolvidos em microrrelações com a memória. Cada um
dos signos fotográficos despertam a memória de seu observador, dando um sentido final
inédito. O sistema sígnico categorial de Charles Sanders Peirce ajuda a pensar sobre esta
questão, em páginas a seguir, bem como a apresentação de um exemplo de leitura
imagética.

2.5. A memória e os signos fotográficos

Dizer da existência de um complexo de relações existente na relação com o


signo é fazer referência à busca dos passados que cada um de nós reserva para a
interpretação de fotografias, sejam elas quais forem. Apresento, aqui, como exemplo, a
passagem do documentário Evandro Teixeira: instantâneos da realidade5, dirigido por
Paulo Fontenelle, em que o cantor e compositor Chico Buarque fala da sensação que a
fotografia causa nele. A de que ao rever uma fotografia, mesmo quando se trata de uma
imagem de uma cena que nós vivemos, há sempre o questionamento das condições em
que ela foi realizada: em que lugar, de que modo, por quem; tudo isso favorecendo a
recriação individual e particular de uma cena. Há, de certo modo, também uma
experiência de aprendizado, na medida em que a imagem fotográfica dá forma àquilo
que estamos imaginando. E a forma daquilo que permeia nosso imaginário vem,
exatamente, no papel exercido pelos elementos sígnicos.
Consideramos uma semiótica peirceana da imagem fotográfica e, assim, diremos
que os signos nunca se esgotam. Olho para uma foto e construo uma realidade diferente
5
Evandro Teixeira: instantâneos da realidade. Direção: Paulo Fontenelle. Brasil. 2003.
65

da do outro. Na perspectiva de Peirce, haverá experiências colaterais da mente do


intérprete. O signo peirceano não se esgota, mediante uma variação de sentidos que,
para ele, é inesgotável. Daí porque dizermos que os interpretantes nunca estão fechados.
E para pensar isso ele propõe uma semiótica triádica, a partir de um sistema categorial
composto por primeiridade, secundidade e terceiridade.
A primeira categoria é a forma de ser daquilo que é como é, positivamente e sem
nenhuma referência a qualquer outra coisa. A segunda baseia-se na relação de um
primeiro a um segundo. Já a terceira põe um segundo em relação a um terceiro. Esta
terceira categoria, a que mais nos interessa aqui, é a da mediação, do hábito, da
lembrança, da continuidade, da síntese, da comunicação e da semiose, da representação
ou dos signos.
Pois bem, a terceiridade abriga os signos e implica na unificação do veículo do
signo, com o objeto representado no signo e a consciência interpretativa. Vamos a um
exemplo, utilizando a fotografia, para darmos continuidade. A foto é a de uma panela de
barro e isto figura como o veículo do signo. A panela de barro representada é o segundo
elemento. Já a minha capacidade de associar aquele objeto ali retratado a uma panela de
barro, ou a pensar que na casa dos meus pais, quando eu era criança, havia uma panela
de barro em que se cozinhava arroz nas confraternizações familiares, constitui a
categoria terceiridade. Importa-nos dizer que por comportar este aspecto interpretativo,
a fotografia é entendida como um signo da categoria mais complexa.
Tentemos, então, entender que é possível estabelecer um diálogo entre essa
capacidade sígnica da fotografia com a noção de memória. E começamos com uma
breve análise de um relato extraído do livro Lendo Imagens, do pesquisador Alberto
Manguel. Este livro traz exemplos de experiências pessoais na leitura de imagens. Situo
os textos apresentados no referido debate permeado pela classificação sistemática de
Peirce, e dizendo que a investida do autor está na proposta da categoria da terceiridade.
De que modo?
Chama-me a atenção uma delas, em que Manguel propõe a leitura da pintura
Barcos na praia de Saintes-Maries, de Vincent Van Gogh. Distante de qualquer
perspectiva de teoria da arte parte-se para uma leitura bem pessoal do que se está vendo
na tela. Ele se lembra do tempo de criança e de um presente dado pela tia: um livro que
trazia imagens de obras de Van Gogh. Ele conta que não havia muitos textos e os
poucos existentes informavam sobre a vida do artista.
66

Quando em 2001 ele resolve fazer esta leitura do referido quadro, os detalhes do
livro dado pela tia já faziam parte de sua gramática e a ela se somaram informações
acumuladas ao longo de uma vida. Bem mais tarde, Manguel descobriu fatos que
esclareciam algumas dúvidas deixadas pela imagem por si só. Um deles dizia que o
nome da obra fazia referência a Saintes-Maries porque em junho de 1888, Van Gogh
caminhou de Arles até Saintes-Maries-de-la-Mer, que era uma aldeia de pescadores para
a qual ciganos de toda a Europa fazem peregrinações anuais. Se no início havia apenas a
referência da pintura, depois se descobriu que em Saintes-Maries ele fez desenhos de
boates e de casas de prostituição que posteriormente transformaria em pinturas. A citada
pintura pode ser considerada um fruto da impressão que conhecer o Mediterrâneo, ao 35
anos, causou em Van Gogh.
Baseado nesta experiência e naquilo que leu vindo de Francis Bacon, Manguel
entende que:

[...] só podemos ver aquilo que, em algum feitio ou forma, nós já vimos
antes. Só podemos ver as coisas para as quais já possuímos imagens
identificáveis, assim como só podemos ler em uma língua cuja sintaxe,
gramática e vocabulário já conhecemos (MANGUEL, 2001, p. 27).

Numa comparação com um texto verbal, o autor diz que diferente de um excerto
de texto, uma imagem se apresenta à nossa consciência instantaneamente, encerrada
pelo seu recorte (moldura), limitando-a e exigindo uma complementação a partir de
outras imagens e fontes, o que pode ser transferido para a fotografia. Pensa-se, por isso,
que a imagem de uma obra de arte existe em algum local entre percepções: entre aquela
que o pintor imaginou e aquela que o pintor pôs na tela; entre aquela que podemos
nomear e aquela que os contemporâneos do pintor podiam nomear; entre aquilo que
lembramos e aquilo que aprendemos; entre o vocabulário comum, adquirido de um
modo social, e um vocabulário mais profundo, de símbolos ancestrais e secretos
(MANGUEL, 2001, p. 29).
Por extensão, diremos que os signos da imagem fotográfica terão algum sentido
se houver uma antecipação de imagens. Quer dizer, é preciso reunir elementos numa
gramática que permita ao leitor falar de um lugar parecido com aquele representado
imageticamente. Notemos isso quando se fala da utilização das cores pela artista nova-
iorquina Joan Mitchell. Infuenciada por Jackson Pollock, artista que iniciou sua carreira
em meio ao caos social e moral dos anos da Depressão nos Estados Unidos e, também,
67

em pleno pesadelo da Segunda Guerra Mundial na Europa, nas cores que ela representa
se dá a expressão de uma artista que não transmite uma narrativa, mas algo à beira do
movimento. É como se nada acontecesse em sua pintura, nada fosse representado.
As cores, neste caso, figuram como um destes elementos gramaticais da
imagem. Possuem, para tanto, critérios a serem levados em consideração e que podem
brotar das mais diversas áreas. Para a psicologia, representada no texto de Manguel pelo
psicólogo americano William James, as cores só podem ser percebidas em contraste
com outras cores e se não é possível identificar o contraste não se pode ter uma
sensação autêntica do seu oposto ou do seu complemento. Uma outra referência,
buscada num comentador medieval do talmude, são quatro as cores principais,
referentes ao pó do qual o homem foi criado: o vermelho do sangue, o preto das
entranhas, o branco dos ossos e o verde da pele pálida.
Evidentemente que o modo de entender as cores poderá ser variável como, do
mesmo modo, diversa será a maneira de atribuir sentido a formas geométricas ou
profundidade de campo, quem sabe. Comparativamente, os signos imagéticos
permitirão uma variação de atribuição de sentido e de significado a depender de quem
seja o leitor e a depender do que seja o próprio signo. Isso porque o signo é
extremamente aberto e, do mesmo modo como nos leva a um reconhecimento, também
pode levar a um conhecimento.
Isso nos levará a dizer que a fotografia tem uma característica semiótica que a
faz funcionar como ícone e também como índice, que são dois dos tipos de signos
peirceanos, que se juntam ao terceiro tipo, os símbolos. Bem, ela é icônica por
demonstrar uma aparente semelhança com a realidade que retrata; é indexical por ter
relação causal com a realidade devido às leis da ótica, por ter uma ligação física com o
seu objeto. Seria, por fim,um ícone indexical, por conter características dos dois tipos de
signos. Considerando o terceiro tipo de signos, os símbolos, diremos que a fotografia é
destituída desta função, visto que, na definição peirceana, o símbolo é algo
convencionado, de algum modo, como simbolizador de uma nação, instituição, etc.
Neste sentido, a fotografia pode, muito bem, registrar um símbolo, mas não ser um
símbolo por si só. Se estamos diante de uma fotografia de uma bandeira de um país,
temos diante de nós a fotografia de um símbolo. Por mais representativa que seja uma
imagem, no sentido de simbolizar uma guerra, uma festa, uma tragédia, ela será
destituída da caracterização que faz dela um símbolo.
68

Neste trabalho damos atenção aos dois primeiros tipos, visto que parecem
melhor se relacionar com o debate central do trabalho, que diz respeito à memória. Estes
aspectos de iconicidade e indexicalidade nos levam, neste trabalho, a tentar entender a
relação da presença destes signos fotográficos com a memória. Quer dizer, se a
fotografia tem traços de semelhança da realidade, é questionável se o sentido que ela
nos apresenta é fiel ou não à realidade congelada naquele passado da fotografia. Há,
inegavelmente, uma relação contígua com os objetos nela retratados e, por isso mesmo,
isso é questão com que devemos nos preocupar. Por causa disso, é que das categorias
apresentadas por Peirce, no seu sistema semiótico, devemos entender que a fotografia
está na terceira delas, exatamente porque o fator interpretação é a prova de que a
iconicidade e a indexicalidade fotográficas não são por si suficientes no sentido de
apresentar um passado. A relação de memória que se apreende deve respeitar, portanto,
memórias particulares, considerando que mesmo as capacidades icônica e indexical da
fotografia não são suficientes para revelar a verdade do seu objeto.
Os índices e ícones que saltam aos olhos do intérprete são decifrados com base
num mapa intrínseco que ele detém e que o leva ao caminho do tesouro, que é a verdade
dele diante da imagem fotográfica que ele vê. A fotografia é uma referência
colaborativa para a construtividade e a criatividade. Num debate de memória, ela não
traz, portanto, uma mensagem codificada, já que ela vai sempre trazer um sentido em
qualquer situação. E, mais do que isso, ela permite o acréscimo de predicados.
Estes novos atributos, acrescidos à imagem, estão no campo da imaginação. A
capacidade imaginária é a responsável por nos colocar no seio de um processo de
criação de novas realidades. Em outras palavras, a imaginação nos leva a decifrar
imagens. Nesta seção seguinte, trazemos a contribuição de autores clássicos e
contemporâneos sobre este tema.

2.6. Fotografia e imaginação

O modo como temos apresentado a noção de memória, nos conduz à


aproximação entre a fotografia e a imaginação ou a capacidade criadora. Falo desta
última expressão, nestes termos, por parecer, ela, necessária para o aprendizado
estabelecido entre o intérprete e os signos apresentados pela fotografia. Parece-nos que
69

o aprendizado solicitado na experiência com a imagem passa pela exigência de buscar


no interior do próprio intérprete os elementos que o possibilitarão estreitar os laços com
a imagem em questão. Elementos estes que serão necessários para o estabelecimento de
um diálogo com os objetos retratados e que resultará num livre exercício da imaginação.
A imaginação no processo da fotografia será favorecida, ou estimulada, pela
ação dos signos. Em Deleuze está a chave para a condução desta abordagem e não
devemos perder de vista a importância dele como elo fundamental entre signos,
memória e imaginação, que emergem ao longo do trabalho de pensadores como Charles
Sanders Peirce, David Hume e Henri Bergson. O pensamento dele, permitindo diálogos
com os referidos pensadores, permite entender que por meio de signos, interpretados em
conformidade com as sensações presentes do leitor, ficamos entre a memória e a
possibilidade de imaginação diante de determinada cena passada.
Neste sentido, no lugar onde real e imaginário se encontram, a fotografia permite
uma duplicação de aparências. Há, nela, uma ocupação de duplos, visto que a leitura
que fazemos figura como uma espécie de réplica do visível, dando espaço para o
imaginado. A fotografia está na linha de continuidade de um processo que não começou
nem terminou nela. Entendida como um signo, pelo contrário, a sua referência está fora
dela. E por ser um signo ela é um duplo. Ela interpreta a realidade, por estar no lugar de
parte dela. O acesso que temos ao mundo apresentado pela fotografia é mediado pelos
signos e, neste caso, há uma deformação, uma transfiguração, uma transformação da
realidade que ela reflete, processos possibilitados pela capacidade imaginária. Os
pedaços do mundo, apresentados no fotograma, são dissecados num processo de
cumprimento às exigências do ímpeto imaginário. Uma imaginação que não é simples e
livre criação. Diante da imagem fotográfica imaginamos a cena retratada com base nas
nossas informações pessoais reais.
Sempre considerando que a noção de imaginação que adotamos advém do
pensamento humeano, deve-se dizer que o entendimento da influência desta faculdade
passa pela abordagem comparativa com a outra faculdade que é a memória. Na leitura
deleuzeana, memória e imaginação parecem convergir para um mesmo ponto, como se a
existência de uma dependesse da outra. Somando-se a elas, no que nos interessa por ora,
a participação ativa dos signos.
Em Deleuze, portanto, encontramos o ponto amadurecido que nos serve de
alicerce para pensar a fotografia em meio a esta relação entre memória e imaginário.
70

Permitam-me citar um exemplo marcadamente deleuzeano e que traduz o poder do


imaginário numa leitura imagética.
Em Os Sete Saberes necessários à educação do futuro, do autor Edgar Morin,
encontramos um debate que nos conduz para uma discussão sobre memória, com
características extremamente deleuzianas, pelo menos do modo como temos entendido.
Ao falar dos sete saberes necessários para uma educação do futuro e falando
especificamente do primeiro, no que chama de “As cegueiras do conhecimento: o erro e
a ilusão”, ele chega a uma questão que muito interessa o objeto desta pesquisa. No
primeiro capítulo do livro ele diz que é como se o erro e a ilusão tivessem uma dupla
face. Erro e ilusão que, para o autor, parasitam a mente humana desde o aparecimento
do homo sapiens. No que diz: “Quando consideramos o passado, inclusive o recente,
sentimos que foi dominado por inúmeros erros e ilusões” (MORIN, 2004, p. 15).
O debate estabelecido por Morin está associado às formas de conhecimento,
logo ao aprendizado; porém, não está limitado a isso. Quando analiso a seguinte
passagem, isto fica mais claro:

Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções


cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelos
sentidos. Daí resulta, sabemos bem, os inúmeros erros de percepção que nos
vêm de nosso sentido mais confiável, o da visão. Ao erro de percepção
acrescenta-se o erro intelectual. O conhecimento, sob forma de palavra, de
ideia, de teoria, é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio da
linguagem e do pensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro. Este
conhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução, comporta a
interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor,
de sua visão do mundo e de seus princípios de conhecimento (MORIN, 2004,
p. 20).

Adiante nos interessa, desse debate de Morin, a distinção que ele propõe entre
imaginário e real. E aqui os dados de uma pesquisa são bem pertinentes e trata da
importância da fantasia e do imaginário no ser humano. A pesquisa que ele apresenta
informa que dado que as vias de entrada e de saída do sistema neurocerebral, que
colocam o organismo em conexão com o mundo exterior, representam apenas 2% do
conjunto, enquanto 98% se referem ao funcionamento interno, constituiu-se um mundo
psíquico relativamente independente, em que fermentam necessidades, sonhos, desejos,
ideias, imagens, fantasias, e este mundo infiltra-se em nossa visão ou concepção do
mundo exterior (MORIN, 2004, p.21).
71

Esse caminho prepara a chegada da discussão sobre a memória, ou pelo menos o


modo como ele a entende. A memória seria uma fonte de erros inúmeros. A memória,
não-regenerada pela rememoração, tem uma tendência a degradar-se, mas cada
rememoração pode embelezá-la ou desfigurá-la. Nossa mente, inconscientemente, tende
a selecionar as lembranças que nos convêm e a recalcar, ou mesmo apagar, aquelas
desfavoráveis, e cada qual pode atribuir-se um papel vantajoso. A memória tende a
deformar as recordações por projeções ou confusões inconscientes. Existem, às vezes,
falsas lembranças que julgamos ter vivido, assim como recordações recalcadas a tal
ponto que acreditamos jamais as ter vivido. Assim, a memória, fonte insubstituível de
verdade, pode ela própria estar sujeita aos erros e às ilusões (MORIN, 2004, p. 22).
Não devemos perder de vista que esta discussão em torno de real e imaginário
respeita as definições apresentadas por Deleuze para estes dois conceitos. Neste caso,
mais uma vez é preciso falar da influência de Bergson, de onde ele herda esta tentativa
de esclarecer o par real-irreal. Em que termos, então, age este imaginário?
A começar pelo real, ele será entendido como uma conexão legal, como um
encadeamento prolongado dos atuais. Já o irreal seria a aparição brusca e descontínua à
consciência, sendo um virtual enquanto se atualiza. O real e o irreal, dirá Deleuze, são
sempre distintos, porém a distinção entre os dois não seja muito discernível
(DELEUZE, 1992, p. 84). Nisso, o imaginário aparece como uma noção extremamente
complicada, tal como se nota no pensamento humeano. No entanto, se em Hume, o
imaginário contrapõe a memória, no modo deleuzeano ele está entre o real e o irreal.
Imaginemos uma troca entre uma imagem atual e uma imagem virtual, em que o virtual
se torna atual e vice-versa. O imaginário é justamente este conjunto de trocas, ou a
“imagem-cristal”, nos termos deleuzeanos. O que se vê neste cristal é o falso, ou a
potência do falso. Imaginar é produzir imagens-cristal, fazer a imagem funcionar como
cristal. Este último adquire certa autonomia e ultrapassa a noção de imaginário, que se
torna, por isso, pouco determinada.
Esta indeterminação, ou pouca determinação, em torno do imaginário parece dar
elementos para o entendimento do último exemplo cinematográfico que demos e,
principalmente, para o que é de interesse deste texto que é a fotografia. Determinada ou
não, o imaginário tem a capacidade de trazer elementos fundamentais para a
interpretação de imagens, dotada de seus signos e elementos sugestivos para a atuação
da capacidade imaginativa.
72

Como numa janela, no alto de um prédio, e por onde olhamos um fragmento de


cidade que as suas bordas nos permitem, a imagem fotográfica também tem suas
delimitações. E este aspecto – digamos - geométrico, por si só, seria condição para
afirmarmos uma dada limitação fotográfica no que diz respeito ao reconhecimento do
instante nela congelado. No entanto, parece não ser somente limitado o espírito que
toma o registro fotográfico. Quer dizer, se não tenho a dimensão real e exata do instante
ali registrado, a fotografia suscita, pelo menos, algum tipo de relação com uma
memória.
Ao associarmos esta faculdade marcada, sim, por lembranças, mas também por
esquecimentos, à fotografia, chegaremos a um amadurecimento concernente ao
processo da memória que não será possível sem esta outra faculdade, que é a
imaginação. Ela é determinante no que diz respeito ao procedimento de recriação de um
passado a partir de imagens fotográficas. Digo, se uma fotografia não me dá uma
dimensão precisa, a partir de um pequeno fragmento de real, ela figura, na verdade,
como uma espécie de centelha causadora de um turbilhão de lembranças que vão mais
além do que o fotógrafo quis retratar. Ao ler uma imagem fotográfica, o leitor, distante
daquele passado congelado, decifra aquela imagem diante dele como que numa
atualização.
Refletindo sobre esta questão, o pesquisador francês François Soulages diz que a
arte fotográfica, por não trazer certeza nem clareza, permite que a imaginação criadora
do receptor possa sonhar diante de uma foto (SOULAGES, 2005, p. 202). Nesse
sentido, a obra fotográfica liberta a imaginação de quem a recebe. Ela recusa ser a
memória fiel do passado, mudando as imagens. O que nos faz acreditar que a cena da
fotografia não é imposta, mas sugerida para que os leitores possam caminhar com ela.
Este entendimento ganha tanta força na argumentação de Soulages, ao ponto de
acreditar que diante uma obra fotográfica, por exemplo, o leitor se torna um artista,
tamanho o poder das imagens na força de interpretação que as pessoas lhes podem dar.
Considerando este conceito de imaginação, concordaremos em dizer que a
fotografia solicita uma abordagem poética de seu observador. Ela não se faz de uma só
vez. Depende de um triângulo artístico, composto por criador, obra e receptor. Ela tem,
portanto, um antes e um depois. E este depois tem um valor autobiográfico para o
receptor que diante dela imagina. Diante do que Soulages nos dirá:
73

Uma foto não é uma prova, mas um vestígio do objeto a ser fotografado que é
incognoscível e infotografável, e, ao mesmo tempo, do sujeito que fotografa,
que também é incognoscível, e do material fotográfico; é, portanto, a
articulação de dois enigmas, o do objeto e o do sujeito. É por isso que a
fotografia é interessante: ela não fornece uma resposta, mas coloca e impõe
esse enigma dos enigmas que faz com que o receptor passe de um desejo de
real a uma abertura para o imaginário, de um sentido a uma interrogação
sobre o sentido, de uma certeza a uma preocupação, de uma solução a um
problema. A própria fotografia é enigma; incita o receptor a interpretar, a
questionar, a criticar, em resumo, a criar e a pensar, mas de maneira
inacabável (SOULAGES, 2005, p. 346).

Este breve excerto encontra correspondência justamente no eixo teórico que


sustenta a presente pesquisa. A capacidade imaginária é a responsável por fazer nascer
este simulacro, a partir da leitura da imagem fotográfica. Em virtude deste despertar
imaginário é que novas realidades se tornam viáveis e possíveis. Se a objeto da
fotografia é inapreensível em sua totalidade, o sujeito, diante dela, se vê de frente para
escolhas que o constituem como sujeito criador, sujeito livre, em últimas consequências,
sujeito poético.
Na história recente do tratamento científico que se dedica à fotografia, muitos
foram os trabalhos em que apareceu esta discussão em torno da memória como que
associada à noção de imaginação. De um modo geral, o debate mostra-se velado,
implícito em abordagens que, muitas vezes, se dedicam a entender os aspectos estéticos,
discursivos, históricos ou sociais da fotografia. O esforço, neste caso, é por encontrar
nos liames destas obras tão fundamentais para se pensar a fotografia, os argumentos que
nos permitam associar o diálogo da fotografia com a memória.
Neste sentido, as teorias clássicas de contemplação da fotografia se encaixam
bem no debate que propomos em torno da memória e da imaginação. Talvez Vilém
Flusser, aquele que suscitou o nascimento de uma “filosofia da caixa preta”, ao dizer
que o operator (o fotógrafo) não é autônomo em relação ao equipamento, tenha dito
implicitamente que por meio da câmera são construídas novas realidades, logo novos
passados, quando tratamos da fotografia. Ela cria realidades precisamente nela, numa
relação íntima com o específico leitor da vez. A fotografia exerce a função, por isso, de
nos dar uma outra representação dos fenômenos. Ou, utilizar palavras mais adequadas
ao pensamento deleuzeano, ela nos proporciona uma apresentação de fenômenos, visto
que o que emerge da leitura imagética são novas realidades.
A fotografia não rememora o passado. O efeito produzido por ela não é o de
restituir o que é abolido pelo tempo ou pela distância, mas o de atestar que o que vejo de
74

fato existiu. O que vejo não é imaginação ou lembrança, mas imagino e lembro coisas
com base no que vejo. Este tempo passado e real, igualmente me convida para pensar no
que foi passado e real para mim. Ela não inventa, é uma marca de autenticação
codificada, uma emanação do real passado e poderia ser entendida muito mais como
uma contralembrança, já que não tem esta capacidade literal de fazer evocar
lembranças. Apesar de ser um testemunho seguro, é fugaz.
Esta fugacidade tem relação direta com a imaginação, que pode ser conceituada
como a capacidade de abstração específica. Baseado em Villém Flusser, em sua
Filosofia da Caixa Preta, diria que numa fotografia a imaginação age codificando
fenômenos de diferentes dimensões em símbolos planos e decodificando mensagens
codificadas. Imaginação, portanto, como a capacidade de fazer e decifrar imagens
(FLUSSER, 2002, p. 7). De um lado a imaginação permite abstrair duas dimensões dos
fenômenos e de outro, permite reconstituir as duas dimensões abstraídas na imagem.
Por vezes, o processo de criação que à fotografia atribuímos é abordado numa
associação em que se faz necessário o auxílio de fontes secundárias aos documentos
fotográficos, para que sua realidade seja compreendida. Mas como dizer que fontes
documentais paralelas ajudam a desvendar o passado de determinada imagem, se a
própria construção destas fontes é deficiente por sua vez? Elas são, sim, necessárias
para trabalhos como o dos historiadores, visto que é nelas que se busca evidências.
Contudo, o que sugerimos é a eficaz capacidade dos signos da imagem fotográfica no
despertar da ação de nosso imaginário.
Considerar este caráter mágico das imagens é essencial para a compreensão das
suas mensagens. Consideramos, para tanto, que as fotografias são códigos que traduzem
eventos em situações. Elas não eternizam eventos, mas substituem eventos por cenas.
Nesse sentido, a imaginação se torna alucinação e o homem passa a ser incapaz de
decifrar imagens, de reconstituir dimensões abstraídas. Numa evocação ao tratado
humeano, dedicado à natureza humana6, a imaginação sobrepõe a memória, por
apresentar cores mais vivas e mais fortes que a segunda. O que era decifração, agora é
criação. O distanciamento das informações abstraídas é tamanho que se chega a um
novo referencial para aquela imagem.

6
HUME, David. Tratado da Natureza Humana. Fundação Calouste Gulbenkian, Tradução Serafim da
Silva Fontes.
75

Vale citar, então, uma experiência que parece ilustrar bem isso. Em Dreams7, de
Akira Kurosawa, em um dos “sonhos”, o personagem está numa galeria de arte, diante
da tela Campo de Trigo com Corvos, de Vincent Van Gogh. A imaginação o leva para
dentro daquela pintura, para um cenário onde as cores vívidas do artista dão as boas-
vindas. Ajudado por lavadeiras à beira de um rio, que indicam onde o pintor pode estar,
ele segue à procura de Van Gogh e o avista no meio do descampado, com tela e pincel
nas mãos. Eles ficam um de frente para o outro e perguntado pelo admirador sobre uma
faixa que usava na cabeça, o artista diz que se tratava de um ferimento surgido quando
da feitura de um auto-retrato em que a orelha não cabia na tela e ele acabou arrancando-
a fora. A imaginação daquele homem então distorceu um fato histórico. Conta-se que,
na verdade, Van Gogh, em certa feita, arrancou a própria orelha esquerda, embalou-a
num pedaço de papel e presenteou uma prostituta de Saintes-Maries-de-la-mer. Naquele
sonho o episódio ganhava outro significado, uma nova criação. Talvez o caráter
aparentemente não-simbólico, objetivo, das imagens técnicas – como é o caso da
fotografia – faz com que seu observador as olhe como se fossem janelas diante de um
cenário móvel e não imagens estáticas.
Limitemo-nos, porém, às imagens técnicas que, segundo Flusser, são aquelas
produzidas por aparelhos. Sobre elas, o observador confia nas imagens técnicas tanto
quanto confia em seus próprios olhos, pelo fato de os aparelhos terem a intenção de
representar algo. Nesta tentativa, o fotógrafo é aquele que produz símbolos, manipula-os
e os armazena. Esta produção se dá das mais variadas formas, fazendo gerar os levantes
da imaginação.
Diante do turbilhão de informações, de acontecimentos, de gente, do
congestionamento de informações visuais, a fotografia aparece como um meio de
registrar e guardar o que “vale a pena”, o que queremos que fique. A importância da
fotografia para a memória entra nesse sentido. Já se tornou impossível pensar o
cotidiano sem imagens fotográficas. E curioso notar que, mesmo não tendo uma
fotografia para cada situação, o imaginário cria a imagem em nós e para nós. A partir
das fotografias, supomos. Ela não é, necessariamente, memória, mas apontamento dela.
Funciona como um lembrete do que parece ter se perdido no cotidiano. Mas o que e
como a fotografia nos faz lembrar? Que passado está em questão?

7
Dreams. Direção: Akira Kurosawa. EUA. 1990.
76

Quando vemos uma fotografia a relação que estabelecemos com ela é a do


despertar de um passado bem particular, bem presente. Seja lá qual for o tipo de
fotografia a que fazemos referência. Estamos impossibilitados de atingir um único
passado. A título de exemplificação, importando-os somente o que diz respeito à ligação
entre fotografia e passado, vamos aos argumentos apresentados pelo sociólogo José de
Souza Martins, que pensa a fotografia a partir de seu uso nas pesquisas sociológicas e
antropológicas. Ele entende que mesmo que consigamos fazer uma etnografia dos
elementos da composição fotográfica e consigamos, portanto, desconstruir os tempos da
fotografia para chegar à realidade social que ela pretende documentar, “estaremos em
face de algo que é outra coisa, diversa daquilo que ‘estava lá’ no momento do ato
fotográfico” (MARTINS, 2008, p. 66). Em outras palavras, ela é um testemunho, ao
mesmo tempo em que é uma criação a partir de um visível fotográfico. Toda fotografia,
portanto, representa o testemunho de uma criação e, de outro lado, representará sempre
a criação de um testemunho. Notemos que este testemunho é criado no presente.
A ação da imaginação, necessariamente, vai fazer formar novas realidades. É
esta faculdade a responsável pela geração de múltiplos, de duplos, na imagem
fotográfica. Ao imaginar, o observador cria uma realidade diferente da que foi
registrada pelo fotógrafo. O resultado disso é um simulacro. Esta categoria é basilar
para esta pesquisa, já que é o conceito que envolve toda a discussão proposta. Por esta
importância, entendemos ser necessária uma parte em que há uma aplicação desta
ferramenta à fotografia.

2.7. A fotografia como simulacro

Numa breve ressalva, digo que na primeira seção foi levantada a questão em
torno do simulacro à luz de Gilles Deleuze. Construíamos, ali, um alicerce sobre o qual
nos basearíamos para propor uma leitura dos teóricos da fotografia que até aqui foram
citados. Em outros termos, buscávamos uma definição aplicável à fotografia e,
principalmente, à sua relação com a memória. E, neste caso, parece-nos indispensável
tratar do simulacro dando atenção especificamente para a imagem fotográfica, ou seja,
entendo-a como um simulacro, por si só. Somos conduzidos a esta altercação mediante
o resultado a que chegamos, na medida em que entendemos a memória, aplicada à
77

fotografia, como sendo um processo de criação de passados. O que poderíamos


considerar, para tanto, como uma espécie de duplicação semelhante. Explicamos.
Tal como dissemos em páginas anteriores, a fotografia surgiu com esta ideia
arraigada de ferramenta de representação do real. Contudo, com o passar do tempo, com
o aperfeiçoamento de análises, enfim, o fotografar passou a ser entendido e definido
como uma relação de imitação, em que uma coisa existe anteriormente à sua imagem e
independentemente dela, e que uma e outra estão ligadas e separadas uma da outra ao
mesmo tempo. A imagem fotográfica, neste caso, oscila entre semelhança e
dessemelhança. Há uma aparente sensação de que ela é mesma, mas também é outra; de
que é variável entre a duplicação e a diferença.
Por um lado, o fator material demonstra certa semelhança; de outro, há um
apontamento para um mundo superior de Ideias. Talvez obscuro este outro lado, mas
significando dizer que condenada à dessemelhança, a fotografia deforma o objeto
embora se fazendo passar por ele. Caminhando para o esclarecimento da ideia de
simulacro, lembraremos que, ao não reproduzir o objeto exatamente como ele é, o
simulacro procura ser indiscernível.
Fazendo referência à alegoria da caverna, que Platão apresenta em A República,
é como se, diante da fotografia, fôssemos os prisioneiros que vêem, passando diante
deles, aquelas sombras projetadas na parede, sem que reconheçamos o objeto real8
projetado atrás de nós. Como demonstra a própria alegoria, ao reconhecer o objeto
gerador daquela sombra, um dos prisioneiros libertado percebe que jamais reconheceria
aquelas peças, a partir da projeção das sombras. Os objetos de madeira que passam
diante da fogueira, criam novas realidades, constroem uma ideia completamente
diferente. São cópias indiscerníveis, como aparece na definição de simulacro, dada mais
tarde por Deleuze.

8
No Livro VII, de A República, Platão apresenta o diálogo entre Sócrates e Gláucon, conhecido como
Mito da Caverna. No início do diálogo, Sócrates sugere que Gláucon imagine uma situação, assim
descrita: “Imagina homens que estão numa morada subterrânea, semelhante a uma furna, cujo acesso se
faz por uma abertura que abrange toda a extensão da caverna que está voltada para a luz. Lá estão eles,
desde a infância, com grilhões nas pernas e no pescoço de modo que fiquem imóveis onde estão e só
voltem o olhar para a frente, já que os grilhões os impedem de virar a cabeça. De longe chega-lhes a luz
de uma fogueira que arde num local mais alto, atrás deles, e, entre a fogueira e os prosioneiros, há um
caminho em aclive ao longo do qual se ergue um pequeno muro semelhante ao tabique que os mágicos
põem entre eles e os espectadores quando lhes apresentam suas habilidades”. Ele continua a descrição:
“Imagina homens passando ao longo desse pequeno muro e levando toda espécie de objetos que
ultrapassam a altura do muro e também estátuas de homens e de outros animais, feitas de pedra e de
madeira, trabalhadas das mais diversas maneiras. Alguns dos que carregam, como é natural, vão falando,
e outros seguem em silêncio”. (PLATÃO, 2006, p. 267)
78

Quando consideramos a voz dos homens que carregam aqueles objetos, na


caverna, Gláucon, no mito platônico, dirá que os prisioneiros jamais imaginariam que
elas vinham de homens como eles. Isso por estarem acostumados, desde a infância, com
aquelas cópias projetadas na parede da caverna, e que, para eles, eram o objeto original.
Bom esclarecer que o mito citado traz, como tema central, uma discussão sobre os
processos educacionais, dentro de uma dimensão política, o porquê de não
continuarmos analisando-o. Interessa-nos, dele, perceber o quanto esta alegoria é
ilustrativa daquilo que tentamos entender em relação ao processo fotográfico e ao
simulacro resultante da sua interpretação. Comparamos a projeção das imagens na
parede com imagens fotográficas; e os prisioneiros com observadores de fotografias. E a
conclusão a que chegamos é a de que, do mesmo modo como os prisioneiros criam uma
realidade diante daquelas cópias, os observadores da fotografia imaginam situações
múltiplas em relação ao objeto real fotografado.
Estes argumentos já seriam suficientes para sugerirmos a inevitável relação com
o conceito de memória com que se trabalha na presente pesquisa. Pois bem, entendemos
que a fotografia, enquanto simulacro, é geradora de uma dessemelhança em relação ao
seu objeto original. Importará, no entanto, sublinhar o que diz respeito à memória. E,
nesse sentido, o que seria, então o jogo de interpretação de uma fotografia senão um
exemplo de surgimento de simulacro?
Notemos o quanto a definição de memória, enquanto atualização no presente,
guarda relação com este modo de entender o simulacro. Quero dizer que se a leitura que
faço de uma determinada fotografia reserva um distanciamento da situação retratada
real, isso por si só já coloca o meu ato de leitor na condição de um simulacro. Ou, em
outras palavras, o resultado disso é um simulacro. Ou, ainda, para não utilizar, tão
pontual e precisamente, este conceito, diria que é muito estreita esta ligação entre as
duas coisas.
Para não cometer o equívoco de uma errônea aplicação, fico na dimensão de
leitura que considera a noção de temporalidade da imagem fotográfica. Falo de um lugar
em que não importa necessariamente saber se o que está representado é ou não uma
árvore, mas que noção de tempo tenho diante da imagem. Como é que o temporal é
entendido por mim? Do que me lembro quando vejo tal imagem da árvore? Esta é a
questão.
79

Neste sentido, a situação me coloca diante de um simulacro na medida em que


ao olhar aquela árvore fotografada não é do exato objeto árvore que me lembro.
Diferente disso, eu faço uma duplicação semelhante, fazendo gerar um verdadeiro do
simulacro em lugar de um verdadeiro da cópia. É pertinente, para justificar esta
compreensão, lembrar uma definição de simulacro, apresentada pelo próprio Deleuze e
que nos dá fundamentos para pensar ainda mais esta questão. Em Lógica do Sentido, ele
diz que “O simulacro é construído sobre uma disparidade, sobre uma diferença, ele
interioriza uma dissimilitude” (DELEUZE, 1974, p. 263).
O mundo gerado pela memória fotográfica é múltiplo, é cambiável. Nas palavras
do pesquisador André Rouillé, a fotografia, graças à sua precisão, tem a capacidade de
“alterar a visão do objeto” (ROUILLÉ, 2009, p. 74). Isso se referindo à capacidade
mimética e à limitação espaço-temporal do recorte proporcionado por uma imagem
fotográfica. Esta imitação consiste em fazer surgir a diferença na duplicação. E aqui, é
um erro grave considerar que a imagem fotográfica faz um corte ou captura um real
preexistente. A associação entre simulacro e memória (aqui) nos conduzirá à conclusão
de que ela é a produção de um novo real, a partir de um processo conjunto de registro e
de transformação a partir de alguma coisa do real dado. Ela registra transformando,
construindo, criando.
Ao analisarmos o processo técnico da fotografia, em si, perceberemos ainda que
esta construção entre a coisa e o objeto será múltipla. Entre o operador e o objeto não
haverá um sentido único. Tratando desta relação técnica e simulacro, o autor André
Rouillé dirá:

Entre a coisa e a imagem, os fluxos não seguem a trajetória da luz, mas


dirigem-se a sentidos múltiplos. A imagem é tanto a impressão (física) da
coisa como o produto (técnico) do dispositivo, e o efeito (estético) do
processo fotográfico. Ao invés de estarem separadas por um “corte
semiótico” radical, a imagem e a coisa estão ligadas por uma série de
transformações. A imagem constrói-se no decorrer de uma sucessão
estabelecida de etapas (o ponto de vista, o enquadramento, a tomada, o
negativo, a tiragem, etc.), através de um conjunto de códigos de transcrição
da realidade empírica: códigos ópticos (a perspectiva), códigos técnicos
(inscritos nos produtos e aparelhos), códigos ideológicos, etc. Muitas
sinuosidades que vêm perturbar as premissas tão sumárias dos enunciados do
verdadeiro fotográfico (ROUILLÉ, 2009, p. 79).

Entre a imagem e a coisa está interposta uma série de outras imagens que a
corrigem, comentam, acrescentam em seu sentido. E em tudo isso, as transformações
80

técnicas possibilitadas pela fotografia são fundamentais, nos seguintes termos. Um


fenômeno real é transformado num outro, fotográfico, em que se torna plano,
bidimensional, em vez de tridimensional, como é na realidade. Nas palavras de Rouilé,
“As coisas do mundo são transformadas em sais, depois em grãos de prata, esses
eventualmente substituídos pela tinta de impressão, ou por símbolos digitais”
(ROUILLÉ, 2009, p. 94).
A partir destas transformações ocasionadas pelos aspectos técnicos, a fotografia
gera uma duplicação de aparências. No que concerne à discussão sobre a memória, isso
tem um papel determinante. A fotografia enquanto um registro que gera duplicidade,
provocará a ação da imaginação, suscitando o exercício de uma memória criativa.
Afinal de contas, uma foto é sempre invisível, na medida em que não é ela que vemos,
como diria Roland Barthes (1984, p. 16). É justamente da concepção barthesiana que
retiraremos um fragmento que dá sustentação para o que constatamos. Dirá Barthes que
“a fotografia é sempre apenas um canto alternado de “Olhem”, “Olhe”, “Eis aqui”; ela
aponta com o dedo um certo vis-à-vis e não pode sair dessa pura linguagem dêictica”
(Barthes, 1984, p. 14). Isto se referindo à busca por uma representação de real. Ao se
propor análoga ou mimética, ela esbarra nesta caracterização barthesiana.
Esta capacidade de autentificar a existência de um ser, ou de um objeto, não
permite que encontremos na imagem fotográfica o objeto por inteiro, tal como em sua
essência, em sua totalidade. Há, por conta do noema9 da fotografia, uma relação de
reconhecimento de semelhança, no entanto, ela acaba nos fazendo reconhecer realidades
que não são as originais da fotografia. A realidade que vemos na imagem fotográfica é
semelhante, sem ser, contudo, verossímil à realidade. Citando Walter Benjamin, o
pesquisador brasileiro Arlindo Machado sublinha um excerto que nos coloca diante
desta questão:

A natureza que fala à câmera é distinta da que fala aos olhos; distinta,
sobretudo, porque um espaço elaborado inconscientemente aparece no lugar
de um espaço que o homem elaborou com consciência. É possível, por
exemplo, que alguém se dê conta, mesmo que seja de forma bem geral, da
maneira de andar das pessoas, mas seguramente não sabe nada de sua atitude
nessa fração de segundo em que o passo se alarga (apud MACHADO, 1984,
p. 48).

9
Em seu A Câmara Clara, no capítulo “O ar”, Roland Barthes chama de noema a capacidade que a
fotografia tem de autentificar a existência do ser retratado. O noema da fotografia é, ainda, chamado por
ele de “Isso foi”.
81

Se estas informações não são dadas de uma maneira homogênea e unívoca, serão
permitidas leituras e atribuições variadas de sentidos. Neste caso, é como se diante da
foto fosse possível uma penetração num espaço simbólico. O leitor ignora o seu próprio
lugar e se imagina no mesmo ponto privilegiado do espaço que organizou a imagem. O
resultado gerado é uma imagem sem semelhança com o real, ou melhor, é uma nova
imagem, um simulacro.
Sobre esta questão que trata do simulacro, é possível encontrar passagens que
nos convidam para uma reflexão, mais uma vez no trabalho Estética da fotografia:
perda e permanência, de François Soulages. Influenciado pelo pensamento de
Bachelard, ele busca uma definição para o conceito de imaginação e a compreende
como a capacidade de formar imagens, ou até mesmo de deformar imagens fornecidas
pela percepção. A partir do exemplo da fotografia, é como se ela permitisse o exercício
da faculdade de libertação das imagens primeiras, mudando estas imagens.
A partir de argumentos assim é possível buscar uma aproximação entre o
simulacro e a imaginação. Ou pelo menos, esta última como criadora de possibilidade
de surgimento do simulacro. Ao estabelecermos este diálogo, entenderemos o fotógrafo
como um criador de mundos. O resultado de seu trabalho será um álbum de ilusões.
Passe o tempo que passar, a fotografia terá sempre algo a dizer, justamente porque a
mensagem que ela precisa passar não está precisamente nela. O que leva Soulages a
entendê-la assim:

(...) diante de toda foto, vários sentidos podem ser produzidos/recebidos em


função dela, de seu contexto de apresentação e do receptor. Pode haver
unanimidade no universo dos signos unívocos, como, por exemplo, na
matemática, mas nunca há unanimidade diante de uma foto, diante de uma
imagem. O signo é fechado, a imagem é aberta; o signo é coisa, a imagem é
pessoa. É característica da fotografia o fato de ser potencialmente rica de um
número infinito de sentidos (SOULAGES, 2005, p. 267).

Aplicando, em seu estudo, uma estética da fotografia, é possível encontrar um


argumento forte, nas palavras deste autor, no sentido de caracterizar a fotografia como
simulacro. Para este pesquisador, o objeto O a ser fotografado não pode ser atingido,
sendo O = x. O que atribui à fotografia uma capacidade de autonomia em relação ao real
originário. E isso tira, então, a fotografia do “isto existiu”, levando-a para o “isto foi
encenado”. Seria uma encenação ficcional, em que pese o referente imaginário.
82

Com a associação entre imaginação e simulacro, caminhamos para a parte final


deste estudo. Nesta, o que temos discutido ganha forma na ideia de que a fotografia é
capaz de favorecer a criação de passados. Ao lermos uma fotografia, imaginamos. Ao
imaginarmos, criamos realidades múltiplas em relação ao real fotografado. Ao criar
duplos, geramos simulacros e, ao fazer isso, criamos passados para uma mesma imagem
fotográfica.

2.8. A fotografia e a criação de passados

Todo o debate estabelecido até aqui, nos conduz a este ponto, em que nos
debruçamos sobre o ponto final neste percurso em que fotografia e memória seguem
emparelhadas. O confronto destes dois conceitos resulta, por fim, no nosso
entendimento de que a técnica fotográfica é responsável pela criação de passados para o
seu observador. Iniciamos a seção evocando Marcel Proust, que neste trabalho aparece
como uma referência analítica, tanto de uma perspectiva filosófica quanto discursiva
sobre a fotografia, a partir da autora Susan Sontag, que dirá que Proust, ao colocar a
fotografia como um instrumento de memória, a fotografia é muito mais uma invenção
dela, ou um substituto, do que necessariamente um artefato. A fotografia teria então
uma relação superficial com o passado. O que resultará no modo de dizer que a
fotografia fornece não apenas um registro do passado, mas um modo novo de lidar com
o presente.
Esta é a conclusão que tiramos quando analisamos usos da fotografia, como o
das ciências, a exemplo da sociologia. Cabe-nos perguntar: até que ponto é possível
utilizar a prática da fotografia e a sua significação como material para a sociologia ou
antropologia? Em Un Art Medio, Pierre Bourdieu diz que:

Compreender adequadamente uma fotografia, seja seu autor um campeniso


corso, um pequeno burguês de Bolonha ou um profissional parisiense, não é
apenas recuperar as significações que proclama (é dizer, na medida certa, as
intenções explícitas de seu autor), é também, decifrar o excedente de
significação que revela, na medida em que participa da simbologia de uma
época, de uma classe ou de um grupo artístico (BOURDIEU, 2003, p. 44).

Notemos que, do mesmo modo como aconteceria com fotografias históricas ou


mesmo de família, estas considerações em torno da fotografia de uso da sociologia
83

também apenas delimitarão um certo espaço onde se imaginará. Neste tipo de uso, a
fotografia indicará vestígios, nunca dará certezas. Ela indica uma temporalidade
destemporalizada que só conserva do devir as marcas materiais congeladas. Após esta
breve exemplificação, se faz importante dizer que, na verdade, esta é a natureza da
fotografia, seja lá qual for seu uso. Enquanto linguagem, faltarão a ela alguns elementos
que provocam esta incompletude.
É preciso fazer referência à inexistência, na linguagem fotográfica, de unidades
elementares e discretas, como são os fonemas no código linguístico. A partir destes
elementos é que se constrói uma mensagem. Nesta ausência, o que aparece é uma fusão
entre os signos e seu referente.
O que nos levará a dizer que diante de uma foto, não olhamos apenas para ela.
Sempre olhamos para a relação entre nós e ela. Neste caso, é possível dizer que
pensamos por conceitos e por imagens. E estas imagens são sempre um elo no
movimento do pensamento que ligam as que as precedem às que as seguem. Que
discussão, então, caberia em se tratando de fotografia e passado?
No livro O Ato Fotográfico e outros ensaios, o autor Philippe Dubois toca nesta
questão delicada para o pensamento em torno da fotografia. Considerada como um
processo mecânico, foi muito comum dizer que a fotografia não poderia mentir sendo,
assim, a reprodução fiel da realidade. Por causa disso, foi tomada como uma espécie de
prova, ao mesmo tempo necessária e suficiente, que atesta indubitavelmente a existência
daquilo que mostra. Por este motivo, ela é tida como capaz de usurpar a realidade, já
que não é apenas uma imagem (como uma pintura é uma imagem), uma interpretação.
Mais que isso, “ela é um vestígio, algo diretamente decalcado do real, como uma
pegada ou uma máscara mortuária”, diria Susan Sontag (SONTAG, 2004, 170).
No trabalho citado de Philippe Dubois, o autor propõe o percurso histórico de
algumas posições sobre esta questão, das quais destacamos três principais.
Na primeira delas, a fotografia é entendida como espelho do real, transparecendo
o discurso da mimese. É ingenuamente percebida como um analogon objetivo do real.
Ela é considerada como a imitação mais perfeita da realidade. Capacidade mimética
esta associada à natureza técnica e ao procedimento mecânico. Essa concepção, tão
comum em todo o século XIX, gerou reações nos artistas contra o domínio crescente da
indústria técnica contra o afastamento da criação e do criador. Priorizava-se uma
fixação do que o autor chama de sinistro visível em detrimento das “realidades
84

interiores” e das “riquezas do imaginário”. Esta perspectiva permitiu que vozes


consideráveis se levantassem a fim de reivindicar o espaço que era das artes plásticas.
Destaque-se o poeta Charles Baudelaire, para quem a fotografia era um simples
instrumento de uma memória documental do real. Via a importância do papel da
fotografia na conservação do traço do passado ou como auxílio às ciências em seu
esforço para uma melhor apreensão da realidade.
Não considerar a fotografia como uma manifestação artística era explicado por
ele pelo fato de acreditar que a arte é aquilo mesmo que permite escapar do real. Ideia
compartilhada por André Bazin, que também estabelece uma delimitação do espaço de
fotografia e pintura em lugares opostos. A fotografia, portanto, como tendo a função
documental, de referência, de concreto, de conteúdo; e a pintura como uma
manifestação de arte, fazendo exercitar o imaginário. Estas constatações encontram
suporte no próprio desenrolar da técnica fotográfica. Ou seja, se fazemos uma regressão
a Joseph Nicéphore Niepce ou Fox Talbot, entenderemos que as pesquisas realizadas
por eles caminharam no sentido de um melhoramento da capacidade de mimetismo do
meio. “Trata-se de tornar cada vez mais verdadeiro, de estar cada vez mais próximo da
visão real que temos do mundo” (DUBOIS, 1993, p. 33).
Na segunda posição, a fotografia é considerada como a transformação do real,
em que prevalece um discurso do código e da desconstrução. Funciona com base num
princípio da realidade de significado como pura “impressão”, um simples “efeito”.
Neste caso, a fotografia é beneficiada por uma transferência de realidade da coisa para a
sua reprodução. Essa idéia, diferente daquela do século XIX (discurso sobre a
semelhança), prevalece no século XX e insiste na transformação do real pela foto. Nesta
concepção, considera-se as muitas “falhas” da fotografia na tentativa de representação
perfeita do mundo real.
Esta segunda perspectiva, desperta a atenção, por exemplo, da teoria da
percepção. No caso de Rudolf Arnheim a fotografia apresenta diferenças aparentes com
relação ao real. Assim, a fotografia apresenta ao mundo uma imagem determinada ao
mesmo tempo pelo ângulo de visão escolhido, por sua distância do objeto e pelo
enquadramento. Soma-se a isso o fato de que há uma substituição da tridimensional pela
bidimensionalidade e a questão do isolamento de um ponto preciso do espaço-tempo
que passa a ser puramente visual. Citando o fotógrafo americano Richard Avedon,
Dubois acrescenta ao seu argumento que “as fotos têm uma realidade que as pessoas
85

não têm. Só por intermédio das fotos é que conheço essas pessoas” (apud DUBOIS,
1993, p. 44).
A terceira das posições trata a fotografia como traço de um real, prevalecendo o
discurso do índice e da referência. A imagem é remetida a seu referente. A proposta é a
de que seja dado um prosseguimento à análise imagética, indo além da simples
denúncia do “efeito de real”. Nela, a imagem é dotada de um valor todo singular ou
particular, pois é determinado exclusivamente por seu referente: traço de um real. Ela
protagoniza uma fase de desconstrução de códigos e se estrutura em dois eixos:
semiótico e ideológico. No primeiro, a mensagem é dotada de uma codificação,
enquanto no segundo há uma mensagem sem código, em que a foto é um puro ato-traço.
Das três concepções apresentadas o que se percebe é que na lógica delas há a
consideração de que as fotografias propriamente ditas quase não têm significação elas
mesmas. O sentido lhes é exterior e determinado por sua relação efetiva com o seu
objeto e com sua situação de enunciação. Há um afastamento da imagem em relação à
sua experiência referencial, ao ato que a funda. Sua realidade nada diz além de uma
afirmação de existência. Para ele, “A foto é em primeiro lugar índice. Só depois ela
pode tornar-se parecida (ícone) e adquirir sentido (símbolo)” (DUBOIS, 1993, p. 53).
Antes de simbolizar alguma idéia, a fotografia indica e atesta que aquilo de fato
aconteceu. É condizente lembrar que a fotografia, como índice, por maior e mais
estreito que seja o vínculo físico, por mais próxima que esteja do objeto que ela
representa, e do qual ela emana, ainda assim ela permanece absolutamente distante dele.
Convém acrescentar que na relação com o passado, a leitura da imagem
fotográfica requer aquilo que Bazin denomina de “ontologia da imagem fotográfica”
(BAZIN, 2007, p. 6). O que significa dizer que a característica essencial da imagem
fotográfica deve ser procurada não no resultado, mas na gênese. Se o objetivo é
compreender o que constitui a originalidade da imagem fotográfica deve-se,
obrigatoriamente, ver o processo bem mais do que o produto. Acrescentando a isso,
Dubois diz:

Deve-se levar em consideração o conjunto de dados que definem, em todos


os níveis, a relação de constituição da imagem com sua situação referencial,
tanto no momento da produção (relação com o referente e com o sujeito-
operador: o gesto do olhar sobre o objeto: momento da “tomada”) quanto da
recepção (relação com o sujeito-espectador: o gesto do olhar sobre o signo:
momento da retomada – da surpresa do equívoco (DUBOIS, 1993, p. 66).
86

Até aqui se falou do caráter indicial da fotografia, tratando do modo como se dá


a representação/apresentação do real. No entanto, neste Ato fotográfico, não se pode
perder de vista a questão do tempo e do espaço, que também estão inseridos nesse
debate que envolve a fotografia e a memória. Ela é um corte tanto espacial quanto
temporal. Ela aparece como uma fatia única e singular de espaço-tempo.
Tratando primeiro do corte temporal provocado pela fotografia, uma imagem
não restitui a memória de percurso temporal, mas a memória de uma experiência de
corte radical da continuidade. Corte este que fundamenta o próprio ato fotográfico.
Imaginando um exemplo, pensamos numa cerimônia de formatura em que um aluno
precisa percorrer um corredor, até chegar ao palco onde receberá o seu diploma, e no
meio do caminho o fotógrafo pede para que ele pare e pose para uma fotografia.
Supondo que o mesmo aluno, muitos anos depois, reveja esta fotografia, a foto coloca-o
numa espécie de instante vazio, num buraco do tempo. Preenchê-lo, ou seja, restituir
essa lembrança parada ao movimento de seu percurso, recolocar-se naquele contexto,
reinscrever-se no tempo daquela história só é possível fazendo-o de fora, tirando-se da
própria fotografia, tirando-se do próprio corte e mergulhando numa memória que não é
mais a dele. É preciso recosturar de fora, tornando essa reconstituição uma ficção.
O corte espacial, recorrendo-se ao espaço pictural para explicá-lo, corresponde
ao preenchimento de um quadro, de um espaço favorecido de antemão, uma superfície
mais ou menos virgem que o pintor encherá mais ou menos de signos. No caso da
fotografia, porém, a opção é sempre por um recorte, por uma separação. Cada tomada é
uma espécie de machadada que retém um plano do real que exclui, renega, rejeita o
fora-de-quadro, o fora-de-campo.
Fazendo referência a estes últimos, o que uma fotografia não mostra é tão
importante quanto o que ela revela. Existe uma relação do fora com o dentro, que
permite que a leitura da fotografia seja lida com base como portadora de uma “presença
virtual”. O ali registrado na imagem está ligada consubstancialmente a algo que não está
ali diante de nossos olhos. E de que modo o que estava ao lado do que foi recortado é
sugerido? A partir da lógica do índice. É ele quem faz com que diante de qualquer foto
experimentemos o sentimento de um além da imagem perfeitamente existencial. Mesmo
essa característica indicial possibilitará uma relação conturbada com a busca pelo
passado.
87

O pesquisador brasileiro, Boris Kossoy, em seu A fotografia como fonte


histórica: introdução à pesquisa e interpretação das imagens do passado, faz uma
abordagem em torno da fotografia, dispensando atenção à sua natureza enquanto resíduo
material de um passado ou como testemunha de um fato passado. Desta maneira, a
fotografia vai ser entendida como uma espécie de fonte primária para aqueles que se
debruçam sobre a interpretação da imagem. No entanto, alerta o autor, na fotografia o
leitor vai encontrar informações acerca de um passado determinado e, a partir daí,
efetuará as correspondentes interpretações conforme suas próprias idiossincrasias.
A tônica proposta pelos trabalhos deste referido autor servem de argumento e
soma-se à idéia essencial do presente texto, no sentido de entender a fotografia como
um instrumento limitado nesse acesso ao real passado. Evidente, e vale ressaltar, que a
perspectiva de Kossoy é a de um historiador da fotografia ou a partir da fotografia,
quem sabe. O que quer dizer que a abordagem dele diz respeito ao uso da fotografia
enquanto instrumento da história. E daí, sim, brotam idéias que mostram essa referida
limitação.
Ao se desenvolver uma pesquisa histórica as informações fotográficas devem ser
acrescentadas com outros tipos de fontes, como as que são encontradas em pesquisas
bibliográficas, entrevistas, acervos particulares e uma infinidade de materiais que
possam servir de fonte e pesquisa. Localizar as fotografias é apenas o princípio de um
longo caminho que deverá ser percorrido. O estabelecimento de critérios diante dessa
busca por fontes complementares é o que tornará mais fecundo o estudo da fotografia no
seu contexto histórico e maiores serão as possibilidades para os demais pesquisadores
que também utilizarem as fotografias enquanto meios de conhecimento em outros
estudos históricos específicos.
Discutir a natureza da fotografia como documento nos permite entender a
complexidade do que significa se arriscar na leitura de uma imagem fotográfica a fim de
buscar o entendimento se tudo o que ali está registrado. Seguindo uma recomendação de
Kossoy, os analistas históricos de imagens fotográficas deveriam considerar publicações
especializadas sobre fotografia, o que possibilitaria, poderíamos assim entender, melhor
identificar os aspectos técnicos que viabilizaram a fotografia e, não só isso, também
permitiria fazer uma associação à época em que foi feita. É como se pela imagem,
pudesse se dizer se ela foi feita com determinado tipo de filme ou de determinado
processo de revelação, e que isso só seria possível em determinada década. Serve de
88

exemplo dizer que uma fotografia feita em 1910, em Vitória da Conquista, no interior
da Bahia, com um colorido vivo, e em forma de retrato, só foi possível a partir de
negativos de vidro, com retoques de grafite e coloridas em processo manual10.
Seja ele como for, esse procedimento vai ser sempre deficiente. Mesmo que se
mostre ampla, a leitura da imagem fotográfica só será um pouco mais aprofundada, caso
se utilize fontes externas. Serão elas a complementação do que é iconográfico, sem ser
total. Vai ser levado em consideração o conceito de caracteres internos da imagem
fotográfica. São exemplos deles: edificações – das quais se conhece a data de
construção – transformações arquitetônicas de edifícios, igrejas e outras construções
marcantes da cidade, a presença de objetos como lampiões a gás, tipo de instalação
elétrica.
Estes elementos internos trazem um determinado “movimento” à imagem, no
sentido de permitir ampliar as possibilidades de elementos. Mas e quando se tratam de
retratos? Quando estão em questão formatos padronizados como carte-de-visite, tão
propagado na década de 1960, em que um retrato ilustrava uma espécie de postal? Neste
caso, a estaticidade dá bem menos sugestões de como pode ter acontecido aquela
situação e, muito mais, quem estava ali retratado, onde e em que condições. Por outro
lado, a relação que se estabelece com o tempo, aí, é de outro modo. Num retrato, parece
haver o desejo de perpetuar a própria imagem, coisa que no desenrolar do tempo não
será possível. Congelar aquele instante implica em perpetuar a própria imagem,
resultando numa auto-apreciação posterior.
Parece-nos que a questão em torno da fotografia diz respeito a um processo de
interpretação. Nesse sentido, não é possível entender que a imagem fotográfica é capaz
de descrever situações ou detalhes como numa linguagem escrita. Ela até permite saber,
por exemplo, como se vestiam pessoas em determinada década passada, ou como se
maquiavam certas mulheres; contudo, as possibilidades imaginativas são muito mais
possíveis, muito mais dadas. Até visualizamos um fragmento de passado diante de um

10
Observou-se esta situação em pesquisa desenvolvida em Vitória da Conquista, a partir de fotografias da
Família Mello, uma família de fotógrafos da referida cidade. Dentre as fotografias, foi possível encontrar
imagens fotográficas registradas no início do século XX. O resultado da pesquisa pode ser visto no artigo
“A fotografia e um breve debate acerca da modernidade”, apresentado no VI Encontro de Estudos
Multidisciplinares em Cultura – ENECULT, realizado em Salvador – Bahia, em maio de 2010. Neste
texto, constatou-se que, no caso destas fotografias feitas do período citado, só era possível obter tal
resultado com a utilização de chapas de vidro, retocadas manualmente, o que justifica o colorido das
imagens, impossível somente utilizando o negativo revelado. As imagens do tipo da que citamos neste
texto, foram feitas pelo fotógrafo Manuel Euphrásio dos Santos Mello.
89

testemunho direto. Mas a fotografia não é, por isso, um documento incontestável e não
livra o leitor de imaginar diante daqueles personagens ali retratados.
Esta constatação livra a fotografia da definição reducionista de documento. O
próprio Kossoy faz, no desdobramento de suas pesquisas em torno da fotografia,
observações nesse sentido. Há uma busca por melhor explicitar o caráter de
representação que é atribuído à fotografia. A fotografia é então encarada como um
instrumento dotado da capacidade de evocar realidades e de ficções. Essa ideia leva em
direção ao conceito e que as imagens fotográficas não se esgotam em si. Diferente disso,
elas são apenas o ponto de partida a partir de onde se tentará desvendar o passado
(KOSSOY, 2002, p. 21). A tarefa do leitor é a de tentar decifrar a realidade interior das
representações fotográficas, seus significados ocultos, sua tramas, realidades e ficções.
Na maneira como temos entendido a natureza da fotografia, quer dizer, atribuindo a ela
a capacidade de estimular a criação de passados, encontraremos uma contribuição de
Boris Kossoy nos seguintes termos:

Na imagem fotográfica, encontram-se, indissociavelmente incorporados,


componentes da ordem material que são os recursos técnicos, ópticos,
químicos ou eletrônicos, indispensáveis para a materialização da fotografia e,
os de ordem imaterial, que são os mentais e os culturais. Estes últimos se
sobrepõem hierarquicamente aos primeiros e, com eles, se articulam na
mente e nas ações do fotógrafo ao longo de um complexo processo de
criação (KOSSOY, 2002, p. 27).

O momento de registro do instante, por meio da câmera, vai receber atenção


especial de Boris Kossoy. A representação fotográfica, ele usa este termo, estaria
alicerçada em dois elementos: fragmentação e congelamento. Na primeira, o assunto é
selecionado do real, num recorte espacial. Já o congelamento é a paralisação da cena, é
uma interrupção temporal.
Entendo, aqui, que o tempo é interrompido temporariamente, pois ele não pára
de passar para a fotografia. O tempo é parado entre o enquadramento e o clique e segue
num ritmo intenso de atualização. Do mesmo modo como entre o assunto e sua imagem
materializada ocorrem interferências que alteram a informação primeira, entre a
essência do momento registrado e a leitura da imagem num futuro distante, há um
imenso abismo, em que intervém influências de todos os lados.
Ligado à idéia de fotografia como criadora de realidades e de ficções, Boris
Kossoy pensa na existência de realidades para a fotografia, das quais destacam-se duas:
90

primeira e segunda realidades. A história oculta e interna que a fotografia traz é a sua
realidade interior. Por natureza, é complexa, invisível fotograficamente e inacessível
fisicamente, se confundindo com a primeira realidade. Assim como esta última, é o
próprio passado. Ela é a realidade do assunto em si na dimensão da vida passada
(KOSSOY, 200, p. 36). Ela diz respeito à história particular do assunto. Esta primeira
realidade tem curtíssima duração e sua existência se limita ao instante em que se dá o
registro.
A segunda realidade é a realidade do momento posterior ao registro. É a
realidade do assunto representado e está ligado aos limites bidimensionais da imagem
fotográfica, “não importando qual seja o suporte no qual esta imagem se encontre
gravada” (KOSSOY, 2002, p. 37). Esta segunda realidade é a realidade fotográfica do
documento, cuja referência é sempre presente de um passado inacessível. Ele diz que
“Toda e qualquer fotografia que vemos será sempre uma segunda realidade”
(KOSSOY, 2002, p. 37).
Esta contraposição entre duas realidades sugere que devamos entender os
mecanismos internos de produção e de recepção das imagens que, neste caso, deverão
ser entendidos como componentes de um processo de criação de realidades. Deste
modo, entendemos que o assunto uma vez retratado na imagem é um novo real. Ele é
interpretado e idealizado. Há uma atribuição de novos sentidos. Essa interpretação é
construída. Detentora de signos, a fotografia não se permite leituras singulares. Longe
disso, ela permite interpretações plurais, variando conforme varie quem a aprecie, do
modo como apresenta Kossoy:

A fotografia estabelece em nossa memória um arquivo visual de referência


insubstituível para o conhecimento do mundo. Essas imagens, entretanto,
uma vez assimiladas em nossas mentes, deixam de ser estáticas; tornam-se
dinâmicas e fluidas e mesclam-se ao que somos, pensamos e fazemos. Nosso
imaginário reage diante das imagens visuais de acordo com nossas
concepções de vida, situação sócio-econômica, ideologia, conceitos e pré-
conceitos. Não obstante todo o conhecimento e experiência que temos
acumulado ao longo de nossas vidas - que injetamos quando de nossa leitura
de imagens – necessitamos ainda recorrer à imaginação (KOSSOY, 2002, p.
45).

Por isso a fotografia aciona a nossa imaginação para dentro de um mundo


representado, moldável conforme as nossas imagens mentais, nossas fantasias e
ambições, nossos conhecimentos e ansiedades. A imagem fotográfica ultrapassa, na
91

mente do receptor, o fato que representa. Quando Vanda, personagem do filme


brasileiro Quincas Berro d’água11, adaptado do romance A morte e a morte de Quincas
Berro d’água, de Jorge Amado, vê uma fotografia no porta-retrato, ao lado de seu pai
quando ela era criança, a janela se abre para um passado que não é exatamente o da
situação retratada. Após quinze anos sem ver o pai, ela o reencontra no dia que ele
morreu e, diante daquele corpo sem vida, as lembranças de momentos felizes, como o
da fotografia, são suplantados pela avalanche de ressentimentos que geraram a
separação entre eles. Em vez de se lembrar do instante inalcançável entre a pose e o
disparo do fotógrafo (ou minutos antes ou depois deste), a lembrança é a de que num
certo dia Vanda e a mãe conversavam sobre um tema que incomodou o pai a ponto de
ele não suportar mais o ambiente caseiro e agredi-las verbalmente, chamando-as de
“Jararaca”.
Como diante de uma janela que recorta uma paisagem, a fotografia caracteriza-
se, então, como uma moldura que aponta a não possibilidade do Todo. Certamente, ao
olhar pela janela para uma baía, saltarão aos olhos pequenos detalhes como o navio que
corta a costa, a cumeeira de uma igreja ou as formas de um forte; porém, jamais o
dinamismo que envolvia aquela cena, o ir e vir de coisas e pessoas, o nome dos prédios
históricos. Tudo isso será substituído pelo meu conhecimento de uma cena parecida
com esta. Se a foto é da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, reconhecerei nela a Baía
de Todos os Santos em Salvador, que é a que conheci e vivenciei.
Num caso assim a segunda realidade substitui a primeira e se inscreve no
documento. Este registro criativo do assunto corresponde, portanto, à segunda realidade
e é sujeita a múltiplas interpretações. O que leva a definir-se a fotografia como uma
realidade moldável em sua produção, fluida em sua recepção plena de verdades
explícitas e de segredos implícitos, documental, mas imaginária. Por realimentar o
imaginário num processo sucessivo, possibilitando inúmeras representações, é capaz de
executar uma interminável construção e criação de novas realidades. Daí porque dizer
que a fotografia não pode ser esgotada, visto que a tensão entre seu material e seu
referente estará para sempre perdida. Entendendo-a como um enigma, evocamos mais
uma vez o pesquisador François Soulages:

11
Quincas Berro D’água. Direção: Sérgio Machado. Brasil. 2010.
92

Por ser enigma é que a fotografia, como um haicai, pede uma recepção
poética e uma fala ao mesmo tempo sempre necessária e sempre inadequada.
A ambigüidade é ainda mais forte porque a fotografia pode sempre ser, de
certa forma, da esfera de uma encenação, de uma instalação e de uma
negociação. Assim, no que tem de mais rico, a arte fotográfica cria obras que
só podem nos sensibilizar e nos comover, nos desestabilizar e nos abalar, e,
portanto, só podem nos enriquecer. A fotografia é então fonte de surpresa: ela
nos faz pensar e imaginar, sonhar e ver; ela pode nos incitar a filosofar; ela
deve nos convidar à meditação (SOULAGES, 2005, p. 346).

Na leitura de uma foto, há uma abertura ao que ela não é. Ela é ultrapassada,
trabalhada com tal intensidade que o processo criativo é incontrolável por seu
observador. Uma mesma foto pode ser apresentada e atualizada numa infinidade de
contextos diferentes. Ela não é entregue pronta, mas é aberta, adquirindo uma nova
dimensão e um novo destino a cada observação. A história nela contida também é viva,
visto que cada recepção pode ser uma nova recriação.
No instante em que está diante de uma fotografia, o espectador reúne derivações
da história do grupo do qual faz parte. Ao ler uma imagem fotográfica, haverá
implicação de questões ideológicas, que são ideias, concepções de mundo, formas de
consciência, sistemas de pensamento, senso comum e também relações imaginárias. As
coisas na fotografia não são como elas se mostram ao olhar desprevenido. Para
compreendê-las é preciso fazer um desvio, dar um salto por trás do visível, destruir a
aparência familiar, natural com que aparecem aos nossos olhos, como se fossem
originárias em si mesmas e independentes do sujeito que as opera e as modifica.
Diremos, diante de toda esta argumentação que o valor e informação trazidos por
uma fotografia estão cada vez menos no que ela traz de sua suposta origem documental
e cada vez mais naquilo que lhe é exterior. O olhar a tem como um objeto e a tornará
um tipo de elo para uma narrativa sentimental. Em lugar de uma rememoração, haverá,
diante da fotografia, um processo de criação de passados, possibilitada pelo presente de
cada um de seus intérpretes.
93

3 Considerações finais

O percurso feito nesta dissertação teve início na construção de uma ferramenta


analítica, em que pesou a contribuição do filósofo francês Gilles Deleuze. É a partir da
obra deste autor que se delineia e se define o eixo teórico-metodológico aplicado à
fotografia.
Na primeira parte do trabalho, nos dedicamos a apresentar o conceito de
memória que interessaria à relação com a fotografia. Neste sentido, percorremos um
caminho que partiu do escocês David Hume, passando por Henri Bergson, e chegando a
Gilles Deleuze. Optou-se por esta tríade porque, talvez, apenas a concepção deleuzeana
não nos desse por completo a noção necessária para a compreensão da fotografia
enquanto memória. Qual foi, então, a ideia de memória a que se chegou?
O trabalho chegou a uma definição de memória que leva em consideração as
sensações presentes, resultando num processo de atualização. Este entendimento foi
amadurecido a partir das contribuições humeanas, que nos levaram a pensar sobre a
importância da imaginação quando se fala em memória. Deste autor, apreendemos a
discussão sobre esta faculdade que dá direcionamentos inusitados ao resultado do
exercício mnemônico. É na discussão de David Hume que alicerçamos a ideia de que na
leitura da fotografia, a capacidade imaginária do seu leitor é imprescindível para a
atribuição de sentido que se dá à cena retratada.
Numa segunda parada deste percurso de definição da memória, encontramos as
ideias de Henri Bergson. Tendo já em mente a ideia humeana de imaginação, nos
debruçamos sobre o trabalho Matéria e Memória a fim de sublinhar os indícios que nos
levassem à compreensão de memória. E o que nele encontramos diz respeito a uma
conceituação de memória que a define como uma faculdade possível por meio de
elementos sensório-motores. Isto é, exercitamos a memória a partir de sensações
presentes, com o que ele chama de corpo. Ou seja, todo o repertório de conhecimento,
ou mesmo de sensações, que trago, me servirão de bagagem para a atualização da
memória.
A leitura destes dois autores preparou a chegada da concepção deleuzeana de
memória. E, aqui vale dizer, o pensamento dos dois encontra correspondência nas ideias
de Deleuze. Ao que pudemos apreender, a memória, para Gilles Deleuze, considera a
atuação da imaginação, permite dizermos que o corpo age na prática mnemônica e
94

acrescenta a isso que o exercício da memória é possível a partir do papel dos signos.
Queremos dizer que os signos, os da definição de Charles Sanders Peirce, fazem com
que busquemos em nosso repertório de conhecimento os elementos suficientes para a
compreensão de fatos passados que não vivemos. Para dar o exemplo de uma imagem, é
como se diante de um quadro considerássemos toda a nossa bagagem cultural, religiosa,
etc., para dar um sentido à referida imagem.
Sendo assim, este modo de entender a memória em Deleuze, nos leva,
necessariamente, a uma categoria cara ao pensamento dele: o simulacro. Esta
capacidade que temos de imaginar e atualizar um determinado fato, com base no que
nos é presente, nos permite, exatamente, criar novas realidades. Isto nos autoriza a
produzir apresentações diante da realidade. Isto é, ainda no caso da imagem, ao
observarmos uma pintura, a realidade que criamos é diferente daquela do quadro em si e
diferente da que é criada por outra pessoa que também a observe. Tratando deste tema,
encerramos a primeira parte da dissertação, ficando como modelo analítico esta
ferramenta aplicada no capítulo 2.
A partir disso, partimos para uma segunda parte com a intenção de aplicar este
modo de observação, a fim de entender de que maneira a fotografia se relaciona com a
noção definida de memória e de como ela incita o surgimento de simulacros, a partir de
seus signos.
Dotada de signos, a fotografia foi tratada como uma causadora de ilusão. As
câmeras, por sua vez, como construtoras de configurações próprias, resultando numa
forma diferenciada dos objetos e seres que povoam o mundo. Na medida em que são
fabricados “simulacros”, as figuras retratadas significam, portanto, as coisas mais que as
reproduzem. A fotografia acaba sendo um sistema simbólico que, em vez de exprimir
passivamente a presença pura e simples das coisas, constrói representações. Ela até pode
ser considerada um espelho do mundo, mas conforme um dia escreveu o autor Arlindo
Machado, “um espelho dotado de memória” (MACHADO, 1984, p. 10).
O espectador deixa de ser um leitor passivo; torna-se ativo visto que há uma
necessidade de movimento ante a imagem fotográfica. Exige-se uma ação sempre
produtiva de interpretação e de alteração do objeto representado. É criada uma terceira
significação, além daquela da fotografia e da do espectador. Ao reunirem-se estas duas,
estamos diante de um terceiro aspecto, que é o do simulacro.
95

Ou seja, se a fotografia tem uma limitação, no que diz respeito àquilo que
informa sobre a essência do objeto fotografado, ela permite e solicita um investimento
da capacidade criadora. Criamos em vez de lembrarmos; aprendemos em vez de
rememorarmos. Compreendemos, assim, que, diante de uma fotografia, o sujeito vê o
presente avançar sobre o passado e sobre o futuro e ele acaba mergulhando numa
temporalidade que lhe parece própria da intimidade, mas que não passa da apropriação
de um desejo diante da cena. A interpretação que se faz não é, portanto, contida por sua
vivência, mas por uma vontade apontada pelas vivências próprias. A fotografia, assim,
revela nossa memória mais onírica e a põe diante de nossos olhos saudosos de um
presente, não de um passado. Nesta atualização, age, determinantemente, o imaginário.
Ele, que se torna um personagem da história contemporânea, propõe que imaginar a
imagem faz com que se veja nela o que de fato ela quer dizer, ou seja, é condição para a
construção de sua indicialidade.
Ao respeitarmos este caráter indicial, se reconhecerá o papel da fotografia como
uma artefato auxiliar na restauração que pode faltar à memória. Ela fornece a forma
dessas lembranças. Apesar de presa ao real, por seus traços de certa forma análogos, a
foto não consegue ficar presa à realidade, acabando por se descolar dela e pegar carona
nas asas da imaginação. Ela permite que as investidas imaginativas sejam familiares
àquilo que está representado. Ela delimita, por seu ritmo ou forma, o espaço onde se
darão as divagações. A realidade da imagem é transportada para a realidade de quem
cria o seu próprio passado conforme determinada foto. A fotografia foi entendida, por
fim, como uma criadora de passados, tantos quantos forem os seus leitores.
Decifra-se signos imagéticos a fim de dar a eles uma significação que, por sinal,
é nova. Aprendizado, associado à decifração, resulta no entendimento de memória.
Diríamos que, a partir dela, faz-se nascer novos signos. Pesa, neste processo, as
especulações da imaginação; interferem, neste caminho, as sensações presentes; é
determinante, num fim último, a livre interpretação dos signos.
96

Referências
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Editorial.

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