No ordenamento jurídico português, é imperativa a ideia de que o poder diretivo
do empregador não poderá, em regra, preponderar em relação a comportamentos da esfera pessoal do trabalhador e assim só aplicará sanções a comportamentos obtidos no horário e local de trabalho. Porém, é defendido por PEDRO ROMANO MARTINEZ, que o empregador não poderá ficar indiferente a atitudes do trabalhador que violem os deveres acessórios do trabalhador e aí estaremos presentes a um cumprimento defeituoso do contrato de trabalho, e nestes casos será importante ponderar a gravidade do incumprimento e a possibilidade de manutenção do contrato de trabalho e as consequências jurídicas do despedimento. Para BERNARDO XAVIER, não cabe ao empregador censurar os comportamentos do trabalhador, contudo existem exceções no que toca a “interesses muito atendíveis da entidade patronal ou exigências da particular natureza da prestação de trabalho”. Há comportamentos extralaborais passiveis de melindrar a esfera jurídicas das partes outorgantes num contrato de trabalho, comportamentos violadores da boa fé e que por isso justificam a cessação do contrato de trabalho. Pode ainda ser exemplo de justa causa de despedimento, quando um trabalhador na sua vida pessoal tiver comportamentos capazes de denegrir a imagem e o bom nome da empresa. E caso o mesmo tenha um tipo de vida contrário ao que a função e o contrato laboral determinam ou então possível de colocar em risco a relação de confiança entre as partes, pode ser despedido com justa causa. Há determinado atos, que por muito que se mantenham na esfera pessoal do trabalhador, podem inviabilizar qualquer hipótese de manutenção da relação de confianças e por isso laboral. Assim, nenhum ato que não revele ou origine qualquer repercussão direta na relação de confiança entre trabalhador e empregador, ou sobre as prestações contratuais e interesses da empresa, não parece ser justificativo de ser levado em conta e em consideração para um possível despedimento do trabalhador. Também, os casos em que um trabalhador ofenda outro colega de trabalho nas Redes Socias, ofensa que poderá ser visível a clientes, outros colegas e até empregador, dependente do grau de privacidade do seu perfil, poderá afetar o bom ambiente de trabalho e produzir um reflexo negativo na produtividade da empresa e até denegrir a imagem desta, o que poderá ser motivo para a cessação do contrato de trabalho. É esta a opinião de BERNARDO XAVIER e que por nós é partilhada. Concordamos com a autora TERESA COELHO MOREIRA, ao defender a manutenção do posto de trabalho ao trabalhador que cometa um crime em que a vítima é um familiar do empregador caso não haja repercussão ao nível laboral, afinal parece-nos ilusório que seja possível manter uma relação de confiança entre as partes num caso destes. Acreditamos que não seja possível ao empregador manter uma relação laboral pautada pela confiança com um trabalhador que tenha partilhado, por exemplo fotos em que a filha do empregador se encontra nua ou que difame a mesma nas Redes Sociais, mesmo que este ato não tenha repercussões para a prestação de trabalho em si. Contudo parece-nos razoável o entendimento de JORGE LEITE de que deve ser sancionado a perturbação causada na relação e prestação laboral da conduta privada do trabalhador e não a conduta em si. Regrando desta forma, o princípio da irrelevância disciplinar do comportamento extralaboral, “a não ser quando se concretize num facto ilícito, em obediência ao direito à reserva sobre a vida privada, sobre a liberdade deste e, em especial, ao direito a não ser controlado”. Serão os resultados destes comportamentos na esfera laboral que poderão justificar o despedimento, nos termos do art. 351º, nº1 CT e PEDRO ROMANO MARTINEZ considera “comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”. Para justificar um despedimento basta a violação dos deveres do trabalhador, quer sejam principais ou acessórios, e por isso não poderá violar o dever de lealdade e urbanidade para com o empregador, nos termos do art.128º, nº1, al. a) do CT. Além de se exigir um nexo de causalidade entre o comportamento ilícito com o vínculo contratual, é também exigido que o mesmo comportamento seja considerado grave, critério que não estará sujeito a ponderação por parte do empregador mas sim do critério “do empregador razoável” e assim ser praticamente impossível a manutenção do contrato laboral, havendo uma rutura sem ponto de remediação, tendo sempre em conta o disposto no art. 351º, nº2 do CT. Caberá ao empregador provar que perante tais ações a manutenção do posto de trabalho causaria prejuízos sérios para empresa. E caberá ao juiz ponderar com base na natureza das funções exercidas, o tipo de comportamento, a finalidade e tipo da empresa e todas as outras circunstâncias envolventes. A verdade é que tudo o que publicamos nas Redes Sociais, desde fotos, comentários, páginas de que gostamos, e até o que pensamos que sejam apenas desabafos para os nossos amigos on-line , podem vir a trazer repercussões inesperadas. Afinal, em apenas segundos conseguimos ver publicações que foram geradas no outro lado do mundo e de pessoas que não fazemos a mínima ideia de quem sejam, para isso basta clicar na opção de “ Partilhar ”. Um exemplo disso é a notícia do despedimento de dois professores na sequência da publicação, no Facebook , de uma fotografia de um colega sentado em cima dos trabalhos dos alunos, seguida de vários comentários de outros colegas a respeito do prémio “Professor do Mês”, é um caso em que o empregador releva comportamentos extralaborais para fundamentar um despedimento de justa causa. Aqui, o empregador justifica a sua decisão, por achar que o comportamento dos professores revela desprezo pela profissão. Parece-nos ser uma sanção desproporcional e excessiva, atendendo ao caso em concreto. A regra geral é a defesa da vida privada em relação à vida profissional e por isso ser irrelevante um comportamento extraprofissional para a relação laboral. Pareceu-nos que o entendimento do empregador foi exatamente o contrário, não tendo respeitado a regra geral, no sentido de que haja um nexo de causalidade entre o comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral, com base em critérios de objetividade e proporcionalidade e, por isso, que tais comportamentos afetem o bom nome da empresa e violem o dever de lealdade de tal maneira que seja impossível continuar a relação laboral. Para JÚLIO GOMES, a relevância laboral de um comportamento da vida pessoal pode resultar da violação de deveres acessórios de conduta, que se traduz numa situação de incumprimento ou de um cumprimento defeituoso do contrato de trabalho. É indiscutível que se o trabalhador estiver identificado, assim como a entidade patronal, a mesma poderá vir a sofrer variados danos e por isso há sempre que analisar o caso em concreto e ver se o trabalhador ultrapassou o limite no exercício do seu direito de informação ou de liberdade de expressão ou se agiu conforme e dentro dos parâmetros legais. Contudo ainda outros dois fatores serão tomados em consideração, e esses fatores são a parametrização da conta do trabalhador e qual o tipo de serviço da Rede Social. No entender de TERESA COELHO MOREIRA, opinião que também é partilhada por nós, se o trabalhador teve o cuidado de restringir o seu perfil apenas aos seus amigos, o mesmo terá um grau de privacidade acrescido, o mesmo não acontecerá a alguém que não tenha restringido o seu perfil apenas aos seus amigos, e assim amigos dos amigos e até as pessoas no geral poderá ver o que foi partilhado, aqui estaremos presente a uma esfera pública. Porém, o nosso ordenamento jurídico não está isento de casos de despedimentos com base no controlo feito pelo empregador que foram sujeitos à apreciação por parte do juiz para decisão da justa causa dos mesmos. Serão alguns destes casos que iremos analisar seguidamente e que serão como uma conclusão de tudo o que foi analisado ao longo de toda a presente dissertação. O Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de Março de 2012, e o Tribunal da Relação do Porto, de 8 de Fevereiro de 2010, decidiram quanto à ilicitude da prova do correio eletrónico no caso do Acórdão do TRP e quanto à ilicitude da prova do Messenger no caso do Acórdão do TRL, devido à sua natureza privada e por isso protegida pelo art. 22º do CT e pelo art.14º também do mesmo código, pelo direito à liberdade de expressão do trabalhador. Por sua vez, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 30 de Janeiro de 2014, considerou que, constituiria justa causa de despedimento, a divulgação feita pelo trabalhador, através do Facebook , de mensagens em que o conteúdo das mesmas, manchava o bom nome e a honra do representante legal da entidade patronal, principalmente quando não conseguiu provar a veracidade das acusações feitas, assim foi decidido que “ em face desta matéria de facto provada e tendo em consideração os referidos aspetos jurídicos decorrentes do direito que, ao caso, é aplicável, também nós, à semelhança do que se verificou na sentença recorrida, não podemos deixar de concluir que os comportamentos assumidos de forma culposa – já que podia e tinha capacidade para agir de modo diverso – pelo aqui autor, constituem grave violação dos seus deveres laborais de respeito, urbanidade e mesmo de lealdade devidos ao legal representante da sua entidade empregadora”. O trabalhador tinha a plena consciência que ao agir dessa forma prejudicava e feria a honra e o bom nome da outra parte e dá ainda a crer que seria esse o objetivo do trabalhador. O trabalhador tentou esconder a sua identidade, utilizando um perfil falso, e ao fazer isso, o trabalhador demonstra que tinha consciência que os seus atos poderiam ser sancionados pela entidade empregador e que estaria assim a violar deveres laborais, tendo em conta o princípio da boa fé que deve se manter na execução do contrato de trabalho. O Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, de 24 de Setembro de 2014, analisou o grau de privacidade do perfil de um trabalhador que publicou um estado ofensivo ao bom nome e dignidade do Presidente do Conselho da Administração da sua entidade patronal. O Tribunal considerou que embora o perfil do trabalhador fosse restrito a apenas aos amigos do mesmo, o trabalhador na sua mensagem pediu expressamente que os seus amigos partilhassem a mesma publicação, e por isto deixou de ser possível considerar tal publicação como esfera privada do mesmo, já que era intenção máxima do trabalhador que fosse tornada pública e de conhecimento geral. Ao analisar esta questão, o Tribunal considerou consensual a ideia de que, para maior parte dos cidadãos, têm uma noção geral das funcionalidades do Facebook, noções que são possíveis retirar do próprio Centro de Ajuda online da Rede Social em causa. A questão centra-se no conceito de privacidade que o Facebook nos tenta induzir ao utilizar o conceito de “amigos” que em nada se parece com o conceito mais íntimo da palavra. A verdade é que há uma tendência de os utilizadores desta Rede, aceitarem pessoas que, normalmente não fazem parte do nosso círculo de amizades. Se na vida real podemos contar pelos dedos da mão os amigos com quem partilhamos a nossa vida íntima, nas Redes Sociais online isso não acontece, sendo que há pessoas com mais de 500 amigos. No presente caso, o funcionário não restringiu a sua publicação a um grupo restrito de amigos, além de que mesmo que assim fosse, a verdade é que a publicação pode muito bem ser partilhada pelos amigos do utilizador, e assim adiante. E foi através de um amigo do utilizador, que a entidade patronal teve acesso à publicação. Para além disso, o trabalhador tentou dar a ideia de que tentou manter a privacidade da sua publicação, ideia que não foi sustentada até pelo texto em si. Afinal no próprio texto da publicação, o trabalhador promoveu à partilha do mesmo ao pedir aos seus amigos que o fizessem. Esse mesmo incentivo permitiu a que o Tribunal considerasse o conhecimento por parte do empregador oficioso, sendo por isso fácil para o empregador tomar conhecimento do facto já que foi pedido pelo trabalhador para que a publicação fosse partilhada por outros e por isso o trabalhador não poderia ignorar a possibilidade de tal publicação chegasse ao conhecimento do empregador, não podendo desta forma de beneficiar do artigo 22º do CT. Também o Tribunal da Relação do Porto, de 8 de Setembro de 2014, considerou lícito o despedimento de um trabalhador que resolver publicar num grupo “trabalhadores do …” do Facebook diversos temas relativos à vida interna da empresa que seriam prejudiciais e ofensivos ao bom nome da empresa e que não corresponderiam à verdade, além do que não se poderia considerar tais publicações como privadas pois o grupo onde foram publicadas, era composto apenas por trabalhadores da empresa e que por isso não havia qualquer expectativa de privacidade, como é referido neste excerto do presente acórdão “Não havendo essa expectativa de privacidade, e estando o trabalhador ciente de que publicações com eventuais implicações de natureza profissional, designadamente porque difamatórias para o empregador, colegas de trabalho ou superiores hierárquicos, podem extravasar as fronteiras de um “grupo” criado na rede social Facebook , não lhe assiste o direito de invocar o carácter privado do grupo e a natureza “pessoal” das publicações, não beneficiando da tutela da confidencialidade prevista no artigo 22.º do Código do Trabalho.” Os Tribunais não têm reconhecido as legítimas expectativas de privacidade dos perfis e publicações do utilizador das Redes Sociais pela falta de garantias de privacidade que resulta dos Termos de Uso e Políticas de Privacidade dos provedores de serviços e pelo facto de que terceiros, em qualquer momento, podem partilhar o conteúdo sem necessitar de qualquer autorização da “fonte da publicação. Também, o Grupo de Trabalho do Artigo 29º, sustenta esta opinião. No Parecer 5/2009, o referido Grupo, refere alguns detalhes que sustentam a ideia da natureza pública das páginas das Redes Sociais, detalhes como: a ausência de restrições de acesso a o mural, o grande número de contactos que cada utilizador tem, que revela a falta de critérios na aceitação dos seus “amigos online ”. Para JEAN-EMMANUEL RAY, quando um utilizador autoriza que os amigos dos seus amigos acedam ao seu perfil, não há como considerar que esse perfil seja um espaço privado, mas sim público. Concordámos assim, com a posição deste autor. Porém, o controlo e a vigilância das condutas extralaborais não são aceitáveis tendo em conta o princípio da reserva da intimidade privada e da dignidade da pessoa humana. Competindo aos tribunais, em defesa destes princípios, inspecionar os meios de obtenção de prova. Afinal, como já foi referido no 1º capítulo, uma das vulnerabilidades das Redes Sociais é a possibilidade de criação de perfis falsos, pelo que não será justo para com o trabalhador não haver uma fiscalização que verifique a veracidade do mesmo. Além disso, o empregador pode ter tomado conhecimento dos factos através de outros colegas, e é preciso saber se esses colegas sofreram qualquer espécie de coação ou pressão pelo empregador, e se for o caso, estes meios de prova serão nulos. As empresas ao criar os chamados “Códigos de Conduta” estão a adaptar-se às novas realidades, com o objetivo de prevenir possíveis conflitos. É essencial que cada caso seja analisado individualmente, e que haja uma aproximação entre os direitos enquanto cidadão e enquanto trabalhador, havendo, porém, sempre um equilíbrio entre o direito à liberdade de expressão e à privacidade e entre os interesses do empregador. Não nos podemos esquecer que o trabalhador é um representante da empresa para que trabalha, é muitas das vezes a imagem e o espelho da mesma, dependente da função que o trabalhador tenha na mesma, e por isso tudo, isso deverá ser analisado. Porém, e tendo o trabalhador atuado no âmbito extralaboral, e por isso na esfera da sua intimidade e liberdade, e pensando nos interesses, tanto da entidade patronal como do trabalhador, apenas casuisticamente é que se poderá saber qual o equilíbrio adequado entre os deveres e direitos de um cidadão/ trabalhador.