Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
1
Aluno de graduação do curso de Ciências Sociais, orientado pelo professor Dr. Marcos Tadeu Del Roio,
da Faculdade de Filosofia e Ciências/campus de Marília – UNESP – Universidade Estadual Paulista/Júlio
de Mesquita Filho.
Bobbio aparece como um dos mais profícuos colaboradores do
neocontratualismo. O fio condutor de Bobbio é a idéia de que democracia e
socialismo são termos diametralmente opostos, ou seja, o autor italiano cria um
paradoxo, no qual, sem democracia não haveria socialismo, mas com
socialismo não haveria democracia.
Os intelectuais italianos do final do século XIX e início do XX tiveram a
preocupação de discutir o Risorgimento, seu processo histórico e seus
desdobramentos em exaustão, incluindo Norberto Bobbio, que esteve inserido
neste contexto de debates. Assim, incumbiram-se de pensar a incompletude da
“Rivoluzione Risorgimentale”2 que criou um Estado nacional, mas não foi
capaz de gerá-lo como corpo político articulado (RÊGO, 2001). Isso devido à
forma como ocorreu a unificação italiana, cujo processo, segundo Rêgo (2001),
caracterizou-se por representar um rearranjo de forças entre oligarquias
sulistas e burgueses do norte da Itália, dando vida a uma coalizão
conservadora que acabou por deixar de fora um novo elemento emergente: o
proletariado. Enquanto uma nova força política que surgira com o avanço da
sociedade industrial, o proletariado foi ignorado pelo “transformismo” italiano
que, por sua vez, criou um Estado-nação sem o povo.
A coluna mestra do liberal socialismo, Piero Gobetti (1923, Apud REGO, 2001),
aponta para a aliança conservadora entre a nascente burguesia do norte e aristocracia
sulista3. Tal constatação, que Gobetti (1923, p. 03 Apud REGO, 2001) chamou de
insuficiências práticas do liberalismo, de que o Risorgimento não teria sido capaz de
criar um “verdadeiro organismo unitário”, o levou a reconhecer, neste novo cenário
político italiano, novos atores sociais potencialmente capazes de criar um Estado
italiano moderno, laico e democrático: O liberalismo não soube fazer as contas com o
movimento operário, que se tornou herdeiro natural da função libertária, exercida até
então pela burguesia. Além do mais, não elaborou conceitos sobre os mais importantes
fenômenos da vida política, a luta de classes e a formação histórica dos partidos (p.72)
2
“[...] processo de formação das condições e das relações internacionais que permitiram à Itália unir-se
em nação e as forças nacionais desenvolverem-se e expandirem-se, não devem ser buscadas neste ou
naquele evento concreto registrado numa ou noutra data, mas precisamente no mesmo processo histórico
pelo qual o conjunto do sistema europeu se transforma. Mas, este processo não é independente dos
eventos internos da península e das forças que nela se localizam” (GRAMSCI, 2002 p.17).
3
Segundo Rego (2001), Gobetti foi caracterizado por seus contemporâneos, como “liberal progressista”,
morto pelo fascismo muito jovem, tal como Antônio Gramsci (2002), e influenciou toda uma geração de
intelectuais italianos, inclusive Norberto Bobbio.
Nesse sentido, para Piero Gobetti (1923), o movimento operário havia se
tornado herdeiro legítimo das transformações sociais e de uma via democrática
modernizadora do Estado italiano. Desse modo, este reconhecimento de um
liberal, Gobetti, serviu de elemento enraizador do diálogo e do pacto virtuoso
que se formara a partir de então, de partes em que, em tempos de vitalidade
democrática e liberdade, colocar-se-iam diametralmente em lados opostos.
O liberal-socialismo nasce, então, como um princípio republicano, em
oposição ao regime fascista, buscando superar a unilateralidade tanto do
liberalismo quanto do “Socialismo de Estado” soviético – “[...] produto de uma
‘revolução passiva’, no qual não havia propriedade privada individual, mas
havia, em contraparte, uma extração do valor excedente da produção que se
generalizava num Estado autocrático relativamente autônomo e que procedia a
distribuição e a circulação dos bens por meios burocráticos” (DEL ROIO, 2005,
p.71) –, tendo como seus principais artífices Aldo Capitini, Guido Calagero, na
própria Itália, e Carlo Rosselli, exilado na França, onde criou e organizou o
movimento “Giustizia e Libertà”.
A emergência dos regimes ditos “totalitários”4, nas décadas iniciais do
século passado, tornou evidentes duas formas antagônicas de “autoritarismo”
que, em nome da democracia, colocaram em xeque a própria democracia: de
um lado, o Stalinismo; e, de outro, o Fascismo. O fascismo se afirmou como a
negação tanto do liberalismo na política, enquanto ditadura, quanto do
socialismo de Estado na economia, enquanto defesa da sociedade capitalista
ameaçada pela Revolução Socialista em curso.
Tais acontecimentos levaram a humanidade a pensar o renascimento
das questões democráticas e rediscuti-las à exaustão, criando-se um terreno
extremamente fértil para as discussões das práticas democráticas: duas formas
distintas de pensar a sociedade, mas que se entrecruzaram em um
determinado momento, que se caracterizou, essencialmente, pela falta de
democracia.
4
“[...] na medida em que o fascismo ascendia no Ocidente passivo e o socialismo estatal se configurava
como novo Oriente, a noção de totalitarismo se consolidou como representação do outro negativo da
liberal-democracia e do Ocidente, elemento, ele mesmo, da crise da modernidade capitalista” (DEL
ROIO, 1998, p.199).
[...] a relação entre democracia e liberalismo: hoje, estamos habituados a usar
a expressão liberal-democracia que até nos esquecemos que os liberais puros,
desde o inicio do século, sempre consideraram a democracia (e, imaginem, a
simples democracia formal), como uma estrada aberta em direção à perda de
liberdade, à revolta das massas contra as elites, à vitória do homem-rebanho
sobre os pastores dos povos, não diversamente como os democratas puros (os
liberais democratas) consideram hoje, o socialismo (Bobbio, Qual Socialismo?
p.64, 1983).
[...] de forma que, se possível, quando o tempo tiver chegado, tudo o que neles
esteja certo possa ser adotado, e tudo o que for errado possa ser rejeitado pelo
consenso geral, e que, ao invés de um conflito hostil, físico ou apenas moral,
entre o velho e o novo, as melhores partes dos dois possam ser combinadas
num tecido social renovado” (Mill, p.41).
5
Ver “teoria da adaptação do capitalismo” de Bernstein IN:LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou
revolução?.
fazer avançar as próprias instituições democráticas burguesa. Todavia, Bobbio
parece negligenciar o fato de que a democracia tem um principio isonômico
apenas na esfera formal, no plano do ideal. Pois na esfera da sociedade civil os
conflitos e as contradições se explicitam nas mais diversas organizações
sociais. Assim como Robert Michels (p137-8), Bobbio parece acreditar que:
[...] Cada vez mais persuadida de que essa guerra só poderá terminar com sua
própria derrota, a burguesia recua com horror diante das ruínas que irá
cumular. Sente necessidade de descanso, de renovação, de idealismo e
quando essa necessidade tiver alcançado o paroxismo, o que é quase fatal, ela
se passará de armas e bagagens para o lado inimigo. O triunfo do proletariado
realizar-se-á, assim sem derramamento de sangue, sem violência de qualquer
espécie, unicamente porque a classe operária terá sabido se impor pela
superioridade moral, pela promessa de um futuro fecundo, feito de bondade e
justiça que ela traz ao mundo.
[...] mais interessados nos problemas inerentes aos meios pelos quais se
conquista o poder e não aos meios com os quais o poder será exercido depois
da conquista. Por teoria do estado compreende-se, geralmente, o estudo das
instituições através das quais o poder é exercido. E a instituição à qual é
delegada a função de providenciar e organizar todos os meios para se chegar
ao fim primeiro, a conquista do poder político, é, nos estados modernos, o
partido (Bobbio, 1983, Qual socialismo? p.24).
6
[...] o Estado consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada no instrumento
da violência legitima [...] O Estado só pode existir, portanto, sob condição de que os homens dominados
se submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores” (Weber, Ciência e Política:
duas vocações, 2004, p.57).
cumpra às regras do jogo democráticas, pactuadas, nas grandes organizações
que tendem a se expandirem.
O segundo paradoxo, apontado por Bobbio, encontra-se no fato de que
o estado moderno não cresceu apenas em tamanho, não é um crescimento
apenas quantitativo, também o é um crescimento qualitativo. Já que se
desenvolveram outras instituições no corpo do estado, aumentando suas
funções. Sendo que tais funções foram resolvidas através do crescimento do
aparelho burocrático hierarquizado, ou seja, não democrático. Desta forma cria-
se e amplia-se, pouco a pouco, e Bobbio reconhece este fator, um estado
racional-legal que aprisiona o indivíduo, como bem previu Weber, naquilo que
ele denomina de “jaula de aço”. Há aqui um crescimento paralelo entre um
estado democrático que se expande historicamente, que estende a
emancipação política a grupos antes excluídos, ao mesmo tempo em que há a
ampliação de um estado burocratizado que aprisiona o cidadão, nas mais
diversas esferas da sociedade. Bobbio acredita que a ampliação da
democracia e o surgimento do socialismo, como expansão da democracia, são
fenômenos sociais que carregam junto consigo a necessidade da burocracia.
Daí Bobbio cobrar uma teoria do estado socialista de Marx e dos marxistas,
pelo fato, constatado por ele, de que a necessidade de mais democracia, ou de
um estado socialista, como expressão da ampliação da democracia, necessita,
naturalmente, de um grande aparato burocrático, que cresce analogamente a
democracia.
O terceiro paradoxo, apontado por Bobbio, encontra-se no âmago da
sociedade industrial, ou seja, o fenômeno criado pelo Capital, em que há uma
necessidade de se criar especialistas. Desta forma, o pensamento técnico
acaba se alastrando por todas as instituições governamentais, como melhor
forma de governo. Esta expansão da tecnocracia7 acaba por coibir o avanço da
democracia nas mais diversas esferas da sociedade. Ora, democracia e
tecnocracia são dimensões que se negam reciprocamente, pelo fato de o
desenvolvimento de uma anular a outra. Esta anulação é colocada como um
paradoxo por Bobbio. Pois somente na sociedade industrial os indivíduos
7
[...] A tecnocracia é o governo dos especialistas, isto é, daqueles que sabem uma só coisa, mas sabem,
ou deveriam saber bem; a democracia é o governo de todos, isto é, daqueles que deveriam decidir não
com base na competência, mas com base na própria experiência”(Bobbio, Qual socialismo? 1983, p.61)
conseguiram emanciparem-se politicamente, através do ideário liberal, que se
saiu vitorioso através das revoluções burguesas e o avanço do capitalismo.
Todavia, ao mesmo tempo em que se deu o avanço da democracia burguesa,
como forma libertadora do indivíduo, se deu também seu aprisionamento
através do avanço avassalador da tecnocracia burocrática, na qual, o cidadão
deixa de governar e transfere seus direitos aos especialistas. A democracia
assim é negada, pelo fato de não estarmos mais diante do poder que emana
do povo, baseado em sua cultura política, e sim naquilo que pensa o
especialista ser o melhor para a sociedade. O cidadão perde aqui a sua
soberania de decisão, paralelamente perde o status de cidadão, pois o status
de cidadão é sugerido como a sua competência em identificar as necessidades
sociais e agir politicamente para que elas se tornem viáveis. Sendo assim, a
própria democracia deixa de ser democracia, pelo fato de que as decisões
assumem um caráter técnico, negando seu caráter essencialmente político.
Bibliografia
BOBBIO, Norberto (1986 a). O Futuro da Democracia: uma defesa das regras
do jogo. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
___. (1983) Qual socialismo? Debate sobre uma alternativa; Trad. Iza de Salles
Freaza – Rio de Janeiro: Paz e Terra.
___. (2001) Capítulos sobre o socialismo/John Stuart Mill; trad. Paulo César
Castanheira. –São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.
ROSSELLI, Carlos. (1988) Socialismo liberal. Trad. Sergio Bath. São Paulo: C.
H. Cardim.
WEBER, Max. (2004) Ciência e Política: duas vocações. 15ª ed. Trad.
Leonidas Hegenberg, Octany S. da Mota. São Paulo: Cultrix.