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Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación – e Avaliação Psicológica. RIDEP · Nº43 · Vol.1 · 2017
Recibido / Recebido: 04.03.2016 - Aceptado / Aceite: 30.05.2016 https://doi.org/10.21865/RIDEP44.2.04
Rui C. Campos1
Resumo
Este artigo de natureza teórica é composto por sete secções mais a conclusão. No primeiro tópico do artigo,
de cariz introdutório, centramo-nos na definição de avaliação psicológica, nos objectivos, nas questões e nos
métodos utilizados. No último tópico, tecemos considerações em torno da noção de diagnóstico
psicodinâmico e descrevemos depois uma proposta de avaliação psicológica psicodinâmica. Do segundo ao
sexto tópico, aborda-se cinco questões no âmbito epistemológico da avaliação psicológica e que resolvemos
aqui introduzir no sentido de ajudar a estruturar a proposta apresentada no final deste artigo. As cinco
questões são: Complementaridade entre diferentes tipos de métodos. Métodos diferentes para avaliação dos
mesmos constructos? Métodos diferentes para diferentes indivíduos? Uma bateria fixa ou uma bateria
flexível de provas? Múltiplos instrumentos unidimensionais ou um instrumento multi-dimensional? Teoria
psicodinâmica em avaliação psicológica, sim ou não?
Abstract
This paper of a theoretical nature consists of seven sections plus a conclusion. In the first, introductory, we
focus on the definition of psychological assessment and in objectives, issues and methods. In the last section
we weave considerations about psychodynamic diagnostic concept and we describe a proposal of
psychodynamic psychological assessment. From section two to section six we describe five issues in an
epistemological framework of psychological assessment that we decided to introduce here in helping to
structure the proposal presented the end of the paper. The five questions are: Complementarity between
different types of methods. Different methods to assess for the same constructs? Different methods for
different individuals? A fixed battery or a flexible battery of tests? Multiple one-dimensional instruments or
one multi-dimensional instrument? Psychodynamic theory in psychological assessment, yes or no?
Nota de autor: O texto desde artigo é, com algumas alterações, similar a parte do relatório de unidade curricular defendido em
provas agregação em psicologia clínica do autor na Universidade de Lisboa.
1
Departamento de Psicologia, Universidade de Évora, Escola de Ciências Sociais. Apartado 94, 7002-554 Évora, Portugal. E-
mail: rcampos@uevora.pt
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observação. Note-se ainda que se os pais são mentir no momento em que se auto-avalia ou pode
observadores privilegiados de comportamentos saber pouco sobre o seu comportamento, mesmo
particularmente perturbadores, como por exemplo quando a sua motivação para proporcionar um
os roubos. Os professores também podem ter um auto-relato fidedigno existe.
papel privilegiado na avaliação da criança, porque Finalmente os métodos projectivos. Apesar
podem comparar o seu comportamento com o de das muitas críticas a que foram sujeitos ao longo
crianças da mesma idade. Estão em contacto com da história, continuam a ser métodos privilegiados
o comportamento normativo das crianças e em avaliação da personalidade (Marques, 1994).
portanto podem avaliar com mais facilidade As vantagens da sua utilização prendem-se,
eventuais desvios relativamente a ele. Finalmente, sobretudo, com a riqueza da informação que
destacamos o facto da percepção dos pais e permitem obter e com o aspecto holístico e
professores determinar o modo como interagem integrativo das análises que são possíveis a partir
com a criança, o que influencia decididamente o dos protocolos. Mas também se prendem com o
seu comportamento (Simões, 1998a). Trata-se de facto de serem medidas indirectas, em oposição
uma rede complexa de inter-influências que aos inventários e questionários. Proporcionam
importa analisar e compreender em avaliação informação que de outro modo estaria
psicológica (veja-se Campos, 2013). indisponível, simplesmente porque a pessoa não
No que se refere aos questionários ou tem acesso a ela (não tem consciência de
inventários de personalidade, diga-se que determinadas características em si), ou não quer
consistem em conjuntos de itens, questões ou revelá-la, por exemplo, quando pretende falsear os
afirmações, sobre características pessoais, resultados de uma avaliação.
(sentimentos, comportamentos, atitudes ou Este último aspecto relaciona-se com uma das
pensamentos) relativamente aos quais os características que permite definir a especificidade
indivíduos se devem posicionar, respondendo às deste tipo de métodos, que é o facto de um
perguntas ou concordando/discordando com as desconhecimento por parte dos indivíduos dos
afirmações (Kline, 1999). objectivos da avaliação ou pelo menos, sobre
As vantagens dos inventários e dos quais e como os elementos das respostas se
questionários de personalidade têm a ver com o relacionam com aspectos específicos da
facto de possuírem normas que permitem a personalidade (Lindzey, 1961; Anastasi & Urbina,
interpretação dos resultados do indivíduo, 1997; Feranandez-Balesteros, 2005). Por
comparando-os com os resultados do grupo exemplo, o indivíduo não saberá que a utilização
normativo de referência. Além disso, podem, em sistemática da cor negra como determinante das
muitos casos, ser respondidos num período de respostas ao Rorschach pode relacionar-se com a
tempo relativamente breve. Por outro lado, a presença de afectividade negativa, muito comum
cotação é objectiva, não depende do examinador e em indivíduos deprimidos. A riqueza da
a precisão é geralmente elevada, ou pelo menos, informação que permitem obter e o facto de serem
aceitável. Trata-se de medidas de auto-avaliação medidas indirectas, bem como a relatividade das
porque se pressupõe que o indivíduo fará uma críticas que são normalmente apresentadas,
auto-avaliação do seu comportamento. O tornam, em nossa opinião, os métodos projectivos,
pressuposto teórico fundamental por detrás destes ou pelo menos alguns deles, métodos importantes
instrumentos é de que o indivíduo é capaz de se em avaliação da personalidade (veja-se sobre esta
avaliar e será mesmo quem está na melhor posição discussão Campos, 2011).
para fornecer informação sobre si próprio, pelo No entanto, limitações psicométricas e as
que se assume que os questionários serão métodos dificuldades na interpretação e consequentemente,
úteis em avaliação da personalidade (Kline, 1999). a necessidade de uma exigente formação do
Naturalmente que os questionários não estão utilizador são problemas importantes que têm sido
isentos de problemas, de que se destaca a questão apontadas aos métodos projectivos (Fernández-
do auto-relato. Aquilo que o indivíduo comunica a Balesteros, 2005).
partir de um questionário pode não corresponder
ao seu comportamento real. O sujeito pode estar a
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conduzida e quando sabemos ler o que a teoria desenvolvimental marcado por disrupções
previamente nos ensinou nos resultados de uma mínimas permitirão que a criança, e mais tarde o
prova, no comportamento que observamos frente- adulto, possam utilizar a sua energia psíquica no
a-frente, ou no material recolhido numa entrevista. manejo dos impulsos e no teste da realidade.
Por conseguinte, é fundamental, a correcta Relações disfuncionais entre a criança e as figuras
utilização da técnica na recolha e posteriormente significativas, por outro lado, desviarão a energia
na leitura da informação (não apenas o saber psíquica das funções adaptativas do Ego porque,
teórico), ou seja, por exemplo, saber como aplicar, pelo menos, parte dos recursos internos terão de
cotar e interpretar uma prova psicológica, como ser utilizados para lidar com as experiências
colocar as perguntas e saber estar numa entrevista, traumáticas (Bornstein, 2005). Embora a força do
ou saber que aspectos observar num dado paciente Ego possa variar contextualmente em função de
e, ainda, e não menos importante, a utilização de aspectos diversos, alguns trabalhos mostram
métodos bem validados e a consciência da também que a força do Ego tende a ser bastante
importância do rigor psicométrico. Teoria estável (e.g., Nestor, 2002).
psicodinâmica e avaliação psicológica poderão e Conforme o desenvolvimento se processa e os
deverão estar, assim, ao serviço uma da outra indivíduos chegam à adolescência e à idade
(Campos, 2012). adulta, desenvolvem um estio defensivo particular
– uma forma típica de lidar com os conflitos, com
O diagnóstico psicodinâmico e uma proposta a ansiedade e com as ameaças internas e externas.
de avaliação psicológica psicodinâmica Experiências desenvolvimentais precoces
Bornstein (2005, 2006) considera que para gratificantes associam-se à construção de um
uma caracterização da dinâmica interna do estilo defensivo flexível e adaptativo (e.g.,
indivíduo, três constructos são fundamentais: os Vaillant, 1994, Ihilevich & Gleser, 1986), mas
introjectos, isto é, as representações objectais e do experiências negativas conduzem à construção de
Self, os mecanismos de defesa e a força do Ego, um estilo menos eficiente na forma de lidar com a
constructos e sua avaliação que permitirão ansiedade, envolvendo maior distorção da
caracterizar e classificar a patologia em níveis de realidade interna e externa (Bornstein, 2005). Os
gravidade, propondo o que designa de modelo mecanismos de defesa prevêem o funcionamento
tripartido da psicopatologia. A consideração dos indivíduos em áreas muito diversas (e.g.,
destes três aspectos permite, de alguma forma, Cramer, 2000; Perry, 1991).
compreender como é que perturbações ocorridas As experiências de cuidado são internalizadas
cedo no desenvolvimento podem ter um efeito sob a forma de representações mentais do Self e
duradouro e mais tarde comprometer o dos outros. Estas representações, também
funcionamento psicológico dos indivíduos, designadas por alguns autores de introjectos,
gerando a disfuncionalidade. Além do mais, estes evoluem ao longo do tempo mas têm também
três elementos estão relacionados e tendem a co- qualidades relativamente estáveis e difíceis de
variar (Trimboli & Farr, 2000). Assim por modificar (Westen, 1991; Bornstein 2005). A
exemplo, níveis elevados de força do Ego estão investigação realizada por diversos autores (e.g.,
associados a defesas adaptativas e a introjectos Blatt, 2008) confirma que pessoas cujos
benignos, enquanto níveis baixos de força do Ego introjectos são conceptualmente evoluídos e
se relacionam com defesas rígidas e imaturas e afectivamente positivos têm menor probabilidade
introjectos malevolentes (Sugarman, 2000). de desenvolver psicopatologia significativa
Na perspectiva psicanalítica, o Ego é (Bornstein, 2006). Note-se também que há
responsável pelo pensamento racional, pelo teste relações previsíveis entre as representações
da realidade e pelo controlo dos impulsos. As objectais e as representações do Self. Na maior
experiências relacionais precoces condicionam o parte das vezes, estes dois tipos de representações
desenvolvimento do Ego e a capacidade do são estruturas que se reforçam mutuamente
indivíduo para lidar eficazmente com os impulsos (Bornstein, 2005, 2006).
e de ter um contacto adequado com a realidade. McWilliams (2004) também destaca na sua
Um estilo parental positivo e um processo proposta de avaliação e formulação psicanalítica
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de casos, para além da avaliação de dimensões adolescente, as relações com os pais e no adulto,
como os afectos e as crenças do indivíduo, a com o cônjuge, e a avaliação das representações
avaliação do estilo defensivo, quer das defesas de objecto. Finalmente, no capítulo da avaliação
mais caracteriais, estáveis, quer das defesas que do Self, propõe que seja avaliada a auto-estima, os
designa de situacionais, as identificações, os objectos do Self de acordo com a perspectiva de
padrões de relação, que na verdade têm Kohut (1971) e a identidade e, ainda, as fronteiras
justamente a ver e são consequência, do Self e as relações mente-corpo, ou seja, a forma
respectivamente, das representações de objecto, e como o indivíduo percebe o seu próprio corpo e se
ainda, a questão da auto-estima que podemos relaciona com ele; se há limites corporais bem
considerar uma aspecto específico a incluir na definidos ou se pelo contrário eles são ténues,
avaliação do Self. Smith (1998) apresenta uma precisando o indivíduo de os definir. Mais
proposta de avaliação muito semelhante a esta. recentemente, Gabbard (2006) acrescenta que se
A Operationalized Psychodynamic Diagnosis- avalie também a capacidade de mentalização.
2 (OPD-2; OPD Task Force, 2008), um Por outro lado, para Blatt (1991, 2008) as
importante manual de diagnóstico psicodinâmico, diferentes perturbações podem ser
apresenta para o eixo IV uma proposta de conceptualizadas em torno de duas grandes
avaliação da estrutura interna do indivíduo, configurações psicopatológicas. Em resultado de
estrutura esta que é definida como remetendo, na perturbações no processo normal de
verdade, para a descrição dos introjectos, ou seja, desenvolvimento, alguns indivíduos tornam-se
do Self e das suas relações com os outros, da excessivamente preocupados com o
delimitação interno-externo, da percepção dos relacionamento, em detrimento do
outros, da regulação do Self e das relações desenvolvimento da auto-definição (Blatt & Blass,
objectais e da qualidade das vinculações. Esta 1992). Outros, lidam com as perturbações no
avaliação é realizada com base no material processo dialético de desenvolvimento
apresentado em entrevista, nomeadamente, exagerando as tentativas de consolidar um sentido
interacções e experiências relatadas, contra- do Self em detrimento do estabelecimento de
transferência experimentada pelo entrevistador e relações significativas. Pode, assim, considerar-se
capacidade introspectiva demonstrada pelo duas configurações primárias de psicopatologia,
indivíduo. anaclítica e introjectiva, consoante a ênfase é
Gabbard (1998) propõe um esquema bastante colocada no relacionamento ou na auto-definição
completo para uma avaliação psicodinâmica na (Blatt, 2008). O autor salienta a importância da
prática clínica. Para além da avaliação de aspectos avaliação destas duas dimensões, relacionamento
mais descritivos e psiquiátricos, de que e auto-definição e de uma caracterização básica da
destacamos a interacção entre os eixos I e IV do configuração/estilo de personalidade/
DSM-IV, ou seja a relação entre o diagnóstico psicopatologia que o indivíduo privilegia, dadas
sindromático e uma caracterização dos as implicações clínicas que essa avaliação pode
acontecimentos de vida significativos (problemas ter.
psicossociais), propõe uma avaliação de diversos A distinção entre duas configurações de
aspectos que permitirão uma formulação de caso psicopatologia é importante para o processo
psicodinâmica, em três áreas fundamentais: o Ego, terapêutico. Os pacientes anaclíticos e os
as relações de objecto e o Self. No primeiro pacientes introjectivos mudam de forma diferente
capítulo, podem destacar-se a força do Ego e os e respondem diferencialmente a diferentes tipos
mecanismos de defesa. Salienta ainda a relação de intervenção terapêutica (Blatt, 1990, 1991,
entre Ego e Super-ego. Na verdade, uma avaliação 1995, 2008). Os trabalhos de Blatt (2008) também
do Ego implica compreender como é que fluem as mostram a importância da avaliação dos
relações entre as três instâncias psíquicas: Ego, Id introjectos para o processo terapêutico. A
e Super-ego. No que respeita à avaliação objectal, evolução no processo psicoterapêutico envolverá,
para além da avaliação da própria relação com o muito provavelmente, segundo o autor, uma
clínico, Gabbard propõe que sejam avaliadas as reactivação do processo de desenvolvimento
relações com familiares, de onde se destaca, no normal e uma revisão das representações objectais
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e do Self (Blatt & Luyten, 2009). Também a força diagnóstico pode ser efectuado de forma mais
do Ego (Bornstein, 2006; Meyer & Handler, eficaz através de entrevistas (Simth, 1998). Os
1997) e os mecanismos de defesa (e.g., Ihilevich testes servirão, sobretudo, como auxílio à
& Gleser, 1991, 1995) são aspectos relevantes na caracterização da estrutura da personalidade (para
avaliação psicodinâmica pela importância que têm uma avaliação psicológica compreensiva, que é a
para o processo terapêutico. única forma de avaliação a que uma teoria
psicanalítica do funcionamento psicológico pode
Conclusão dar origem), estrutura da personalidade essa que
explicaria as queixas e os sintomas. Os testes
Propomos uma avaliação psicológica serão uma boa ferramenta para o estudo dos
psicodinâmica centrada em quatro grandes áreas: processos mentais, podendo auxiliar na tomada de
por um lado, a avaliação objectal (representações decisão terapêutica. As provas psicológicas
objectais e relacionamentos familiares e podem ajudar a decifrar o puzzle clássico – um
amorosos), a avaliação do Self e a avaliação do mesmo comportamento pode reflectir tipos de
Ego e, por outro, uma avaliação do funcionamento interno muito diferentes e o
relacionamento e da auto-definição ou das mesmo tipo de funcionamento interno pode
características anaclíticas ou introjectivas da originar comportamentos diferentes (Smith,
personalidade, combinando de certo modo uma 1998).
avaliação de aspectos de cariz mais evolutivo com Em avaliação psicológica propomos a
uma avaliação caracteriológica ou, nas palavras utilização de instrumentos formais de avaliação.
de McWilliams (2005), uma abordagem De qualquer forma, não decorre desta proposta a
maturacional ou maturativa e uma abordagem ideia de que enquanto estratégias de avaliação,
tipológica no diagnóstico psicodinâmico. Vários estes instrumento têm um estatuto superior ao de
autores combinam estas duas perspectivas na outro tipo de técnicas como a entrevista e a
conceptualização da psicopatologia, como é o observação. A entrevista, podendo ser um método
caso de Kernberg (2004) e parece-nos legítimo informal de avaliação é, também, uma
fazer uma aproximação a esta lógica numa metodologia de excelência. Em muitos casos o
proposta de avaliação psicológica psicodinâmica. psicólogo não utiliza métodos formais, mas
Assumimos um entendimento psicodinâmico realiza sempre uma ou mais entrevistas. A
do mal-estar e da disfuncionalidade e assumimos entrevista permite, entre outros aspectos,
igualmente que a compressão das queixas estabelecer uma relação de confiança antes da
apresentadas pelos indivíduos em avaliação eventual aplicação de testes psicológicos, permite
psicológica implica, para além de outros aspectos, conhecer as expectativas e motivação
uma caracterização das áreas acima referidas, relativamente à avaliação (do indivíduo e de
logo, uma caracterização da dinâmica interna da outros informadores), recolher dados sobre a
pessoa. história e contexto de vida do indivíduo e levantar
Note-se também que o objectivo é a hipóteses que serão posteriormente testadas
compressão do indivíduo e a caracterização do seu mediante o uso de outros instrumentos. Os dados
funcionamento interno, não um diagnóstico no da entrevista podem ser integrados com os dados
sentido formal, muito menos um diagnóstico provenientes de outros métodos (Simões, 1998b).
nosológico. Esta questão remeteria, no fundo, para A entrevista é também um espaço privilegiado de
uma outra discussão em avaliação da observação de comportamentos. É claro que a
personalidade que não aprofundaremos – qual é o entrevista, enquanto metodologia de avaliação,
seu fim último (caracterizar e compreender a também apresenta problemas. Uma avaliação e
personalidade, ou realizar um diagnóstico formal? um diagnóstico com base na entrevista implicam
– veja-se Weiner, 2000a, 2000b). Se o objectivo é que o psicólogo esteja dependente da capacidade
chegar a um diagnóstico de cariz nosológico, por (e da vontade) do indivíduo de revelar
exemplo, então os métodos de avaliação mais informação; essa avaliação será sempre assente no
formais para nada servem, dado que esse auto-relato do indivíduo (veja-se Bornstein 2001).
Além do mais, não permite uma mensuração
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objectiva dos constructos aqui propostos, que Beutler, L. E.., & Berren, M. R. (Eds.) (1995).
poderão apenas ser avaliados informalmente. Integrative assessment of adult personality.
Apenas um parêntesis para referir que a New York: Guilford.
utilização ou não de provas psicológicas numa Beutler, L. E., & Groth-Marnat, G. (2003).
determinada avaliação poderá depender de vários Integrative assessment of adult personality
aspectos (veja-se Pallás & Lorens, 2010). Do (2nd ed). New York: Guilford Press.
tempo disponível, da natureza do caso, do setting Blatt, S. J. (1991). A cognitive morphology of
em causa e do objectivo e, portanto, do pedido, ou psychopathology. Journal of Nervous and
seja, da razão que motivou o indivíduo a recorrer Mental Disease, 179, 449-458.
ao clínico. O tipo de provas a utilizar dependerá Blatt, S. J. (2008). Polarities of experience:
também de vários aspectos. As referências Relatedness and self-definition in personality
teóricas do psicólogo poderão ser importantes. development, psychopathology, and the
Faz-nos sentido a utilização de instrumentos therapeutic process. Washington, DC:
unidimensionais e de auto-avaliação. Na verdade, American Psychological Association Press.
faz também sentido utilizar instrumentos que Blatt, S., J., & Blass, R. B. (1992). Relatedness
avaliem uma área específica do funcionamento and self-definition: Two primary dimensions
interno, por exemplo, as representações objectais, in personality development, psychopathology,
mas avaliem essas representações relativamente a and psychotherapy. In J. W. Barron, M. N.
uma multiplicidade de aspectos, e que se pode Eagle & D. L. Wolitzky (Eds.), Interface of
considerar que apresentam algumas das Psychoanalysis and Psychology (p. 399-428).
características dos métodos projectivos - é o caso Washington, DC: American Psychological
do Object Relations Inventory. Outro exemplo é o Association.
CAT, mas especificamente para a avaliação dos Blatt, S., & Luyten, P. (2009). A structural–
mecanismos de defesa. developmental psychodynamic approach to
Finalmente, assumimos uma lógica da psychopathology: Two polarities of
utilização de uma bateria fixa de provas para a experience across the life span. Development
avaliação das quatro áreas do funcionamento and Psychopathology, 21, 793-814.
psicológico (aspectos psicodinâmicos) que Bornstein, R. F. (1998). Implicit and self-
referimos, mas com a possibilidade de utilizar attributed dependency strivings: Differential
adicionalmente outros instrumentos para avaliar relationships to laboratory and field measures
outros aspectos que se consideram relevantes of help-seeking. Journal of Personality and
numa avaliação clínica da personalidade, como os Social Psychology, 75, 778-787.
sintomas psicopatológicos, os acontecimentos de Bornstein R. F. (2001). Clinical utility of the
vida negativos e o risco suicidário (veja-se Rorschach inkblot method: Reframing the
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