Sei sulla pagina 1di 69

1 INTRODUÇÃO

De acordo com (BENEVOLO, 1981):

“A história da urbanística moderna é, numa primeira


fase, uma história de simples fatos: as mudanças produzidas
gradualmente pela revolução industrial nas cidades e nos campos só
mais tarde surgem claramente e são percebidas como problemas,
quando as quantidades em jogo se tornam suficientemente grandes. A
primeira mudança decisiva é o aumento de população, devido à
diminuição da taxa de mortalidade que, pela primeira vez, se afasta
decididamente da de natalidade. À medida que aumenta o número dos
habitantes, muda a sua distribuição no território como efeito das
transformações econômicas”.

De acordo com Benévolo (1923), o intervalo de tempo considerado na


História da arquitetura moderna, do último terço do século XVIII ao final do século XX,
a paisagem construída sofreu quatro transformações sucessivas, cujos efeitos se
encontram combinados na paisagem de hoje. Com o fim dos assentamentos
tradicionais, surge um primeiro modelo de urbanização “moderno”, concebido por volta
da metade do século XIX com as características de partilha de solo urbano e territorial
entre as administrações públicas e privadas; divisão de trabalho nos gêneros técnico
e artístico; uma definição do repertorio formal do qual extrair essas variantes que inclui
todos os modelos oferecidos pelas muitas épocas do passado e por todos os países.
Benévolo diz ainda que, com o fracasso do primeiro modelo foi criado
um segundo, colhido pelo movimento moderno no primeiro pós-guerra, com as
características de uma nova abordagem da projetação do ambiente construído, onde
é rejeitada a distinção entre as duas abordagens tradicionais, a técnica e a artística;
um campo novo e mais vasto de escolhas não dependentes dos modelos do passado
e livre de sujeição às regras da perspectiva; nova divisão de tarefas entre a
administração pública e outros operadores. Contudo, tais modelos não conseguem
satisfazer as necessidades dos cidadãos mais pobres que abandonam os antigos
assentamentos por causa da explosão demográfica e da migração do campo para as
cidades.

3
Com a Revolução Industrial houve um rápido e significativo
desenvolvimento, que se deu em relação a cidades inglesas, rapidamente atingiu,
também, a França e a Alemanha. Surgiram problemas devido a essa migração como
o crescimento sem planejamento, a desenfreada especulação imobiliária e um sem
fim de fábricas poluentes. Acarretando péssimas condições sanitárias e habitacionais
e a liberdade de abusar do direito de explorar a miséria humana. Os privilegiados
buscando guarida nos melhores enclaves do centro urbano ou em áreas reservadas
às suas mansões na periferia. Áreas da preferência dos visitantes da cidade, sem
contato com a miséria da periferia e do entorno, situação ainda hoje reconhecida em
nossas próprias cidades. Como solução surge então o modelo de civilização ideal
“Utopista”, segundo o dicionário Michaelis a palavra utopia significa fantasia, logo o
modelo nada mais é que uma cidade imaginária, fantástica.
Com relação ao crescimento das cidades como fenômeno social, os
planejadores da época não apresentaram nada de novo, a exceção foi Ebenezer
Howard com sua ideia de cidade-jardim, apresentada em 1897. Queria simplesmente
estancar o crescimento das cidades e dirigi-lo para assentamentos industriais
autônomos e reunir as vantagens de se morar na cidade com as vantagens de se
morar no campo. As teorias que tentaram explicar a transformação, o crescimento, o
sentido e a função da cidade para informar seus melhoramentos e/ou planejamento,
tiveram grande importância nas intervenções feitas, tanto pelo Estado quanto pela
sociedade em várias manifestações. Essas teorias, pensadas nos países do centro
capitalista e apropriadas na periferia, muitas vezes representam “idéias fora do lugar”
aplicadas em áreas seletivas e deixando grande parte das cidades como “lugares fora
das idéias”. Por outro lado, é nas cidades (e no campo, com articulação nas cidades)
que se construíram as forças sócio-culturais, econômicas e políticas que formaram o
Brasil, produziram seu espaço urbano-regional e ainda o fazem. Das cidades coloniais
às metrópoles atuais, os referenciais teóricos foram sendo redefinidos, adaptados,
recriados para explicar processos sócio-espaciais e informar projetos políticos de
classes e grupos de interesse, dentro e fora do Estado. De outra parte, os “lugares
fora das idéias”, nas suas diversas escalas das cidades ao espaço (incompletamente)
urbanizado dos nossos dias, realimentam também os modos de ver a produção do
espaço urbano e regional no Brasil e forjando assim nosso planejamento urbano e
regional, na relação dialética entre as teorias advindas do capitalismo avançado.

4
2 CIDADE INDUSTRIAL DE TONY GARNIER

A cidade de Lyon, a terceira da França em tamanho, sofria as


consequências do crescimento de uma cidade grande. Um centro mundial da indústria
da seda, mas também com grandes fábricas de maquinaria e de produtos químicos.
Passou por consideráveis transformações na segunda metade do século
XIX. Já nos anos 1860 foi objeto de trabalhos de saneamento urbano tendo Paris
como modelo. Em 1880 realizaram-se vários projetos de renovação urbana com um
enfoque nitidamente sanitarista, e em 1900 foram implantadas instituições de
educação e outros serviços dignos de uma metrópole regional.
Esse contexto teve importância para o jovem arquiteto Tony Garnier, que
nasceu em 1869 e cresceu num dos melhores bairros operários de Lyon. Estudou
arquitetura na Academia de Belas-Artes daquela cidade entre 1886 e 1889. Em 1889,
foi contemplado pela Academia de Lyon com uma bolsa para formação continuada
em Paris. Ali chegou, portanto no ano da grande exposição internacional — a
exposição da qual a maioria se lembra por causa da torre Eiffel.
Segundo o professor Frank Svensson (2013), foi comunicado a Paris
pela academia de Roma que o comportamento de Garnier não era condizente com a
época, os esboços de uma cidade do futuro foram destruídos e para continuar seu
trabalho em Roma, dedicou-se à reconstrução de toda Tusculum, uma cidade da
Antiguidade hoje conhecida como Frascati, localizada na antiga Itália (Lácio).
Retornando a Paris, em 1904, a reconstrução de Tusculum tornou-se
objeto de exposição e foi aprovada como seu trabalho principal. Foi autorizado a expor
também os esboços de sua cidade do futuro, como complemento a seu trabalho de
Prix de Rome.
Em Lyon suas primeiras incumbências foram o seu famoso projeto de
abatedouros, um grande hospital, um estádio municipal, uma exposição internacional.
E em 1917 teve este trabalho publicado em dois volumes, com 164 pranchas, sob o
título Une cité industriei/e, Étude pour La Construccion des Villes.
Garnier idealizou a cidade com uma população de 35.000 habitantes,
não por achar que essa fosse uma quantidade ideal, mas por considerar que uma
cidade menor não teria os problemas que gostaria de abordar arquitetonicamente, ao

5
mesmo tempo em que uma cidade maior seria impossível de manusear da forma por
ele desejada. Em sua imaginada paisagem havia ainda uma microrregião, campos de
lavoura capazes de nutrir a população urbana, um rio como via de transporte dos
produtos industrializados. Um afluente capaz de produzir energia elétrica, luz e
aquecimento para toda a cidade. Pressupunha que a rede viária, o transporte, a água
e o esgoto seriam de responsabilidade pública como também, a definição do uso do
solo, o loteamento do mesmo, o abastecimento, a saúde e o lixo. Garnier confronta
sua nítida divisão da cidade em áreas de função especifica com a contínua ampliação
da diversificada constituição urbana. Com estudos de insolação e ventilação para
melhor conforto pessoal.
“Uma cidade industrial tem como princípios diretores a
análise e a separação das funções urbanas, a exaltação dos espaços
verdes que desempenham o papel de elementos isoladores, a
utilização sistemática dos materiais novos, em particular do concreto
armado”. (CHOAY, 1979, pág. 163).

A cidade foi construída com base numa grelha de estradas


perpendiculares e paralelas, imaginada em torno de uma via principal. Tem sua
origem na praça da estação ferroviária, e as vias foram distribuídas no sentido Leste-
Oeste, para seguir a melhor orientação solar. As ruas norte-sul teria largura de 20
metros e as Leste-Oeste de 13 a 19 metros. Todos os principais prédios públicos
estariam concentrados no distrito central e seriam agrupados por funções: a. Serviços
administrativos e locais de encontros; b. Museus; c. Esportes e lazer. Os prédios de
serviços administrativos, locais de encontros e os museus estariam situados em
parques e em uma rua principal. As escolas
primárias seriam distribuídas ao longo do setor
residencial.
As partes vegetativas entre as
casas funcionam de livre acesso aos
pedestres. O tráfego de veículos é vinculado à
via principal no sentido Leste-Oeste partindo
da estação da estrada de ferro, como mostra Figura 01. Esquema de zoneamento da cidade
industrial de Tony Garnier.
as Figuras 01, 02, 03, 04 e 05, à seguir.
Fonte: Frank Svensson, 2013.

6
Figura 02. Estação Central da cidade. Figura 03. Zona Industrial.

Fonte: FIFIAPG, 2011. Fonte: FIFIAPG, 2011.

Figura 04. Zona Residencial. Figura 05. Zona Profissional.


Fonte: FIFIAPG, 2011. Fonte: FIFIAPG, 2011.

Dessa forma, o arquiteto Tony Garnier foi relevante para a história da


urbanística moderna após a revolução industrial, com suas soluções para uma cidade
ideal e adequada devido aos problemas habitacionais e péssimas condições
sanitárias naquele período.
Tony Garnier com sua proposta para uma cidade industrial separou
distintos lugares em zoneamento onde facilitaria o meio de locomoção dos habitantes
e além de tudo uma cidade organizada. Sua proposta foi concretizada na cidade de
Lyon na França, cidade em que nasceu e viveu com seus pais, e lá fez inúmeras obras
como a Halle Tony Garnier, lugar que hoje é conhecido como Monumento Histórico
por todo o mundo e que realiza diversos eventos como concertos musicais e shows.

7
3 HAUSSMANN E O PLANO PARA PARIS

De acordo com Benévolo (1981), pode-se estabelecer a seguinte


cronologia para a cidade de Paris na França:

 400d.C – Invasão dos povos do Reno. Paris torna-se uma das


cidades mais importantes da região;
 1100 – Início da construção da Catedral de Notre Dame;
 1348 – Peste Negra. (Papado em Avignon entre 1309 a 1377);
 Séculos XIV e XV – Paris torna-se a cidade mais populosa da
Europa;
 1500 – Noite do Massacre de São Bartholomeu; reforma do
Castelo do Louvre; os reis voltam a residir em Paris (1528);
 1700 – Construção da Ìlle de La Cité;
 1789 – Revolução Francesa.

Seguindo esta ordem, entre 1830-1850 a “urbanística moderna” dá seus


primeiros passos por mérito de técnicos
e de higienistas. Os arquitetos estavam
ocupados e preocupados em escolher
entre um estilo clássico ou gótico e
desprezar os produtos decorrentes da
revolução industrial (resistência) como
mostra a Figura 06. Diante deste
cenário, as leis sanitárias surgem então
Figura 06. Planta de Paris em 1853, antes dos
de forma modesta e aos poucos se trabalhos de Haussmann.
constrói uma “complicada” legislação Fonte: BENÉVOLO, 1998.
urbanística, como mostra abaixo:

 Insuficiência de esgotos e água potável;


 Execução de obras públicas: estradas, ruas, ferrovias (através de
uma cartografia mais precisa e de novos processos de

8
expropriação do solo);
 Intervenção pública no sentido de acompanhar de perto a vida
econômica e social da população;
 Reformas transformaram-se em instrumento de controle sobre a
vida econômica e social;
 Edificação com um mínimo de regularidade: Planimetria e
altimetria;
 Novas construções seguem certos padrões construtivos;
 Novos órgãos técnicos da comunidade fazem a prestação de
contas;

Georges-Eugène Haussmann (1809-


1891) foi um advogado, funcionário público, político
e administrador francês (Figura 07). Nomeado
prefeito de Paris por Luis Napoleão III, tendo o título
de “Barão”, foi o grande remodelador de Paris,
cuidando do planejamento da cidade, durante 17
anos, contando com a colaboração de arquitetos e
engenheiros renomados da Paris da época. Ele
planejou uma “cidade nova”, modificando parques
parisienses e criando outros, construindo vários
edifícios públicos, como a L’Opéra. Além disso, Figura 07. Georges-Eugène Haussmann.
melhorou também o sistema de distribuição de Fonte: BENÉVOLO, 1998.
água e ampliou a rede de esgotos, e em 1861 iniciou a instalação dos esgotos entre
La Villette e Les Halles, supervisionados pelo engenheiro Belgrand (BENÉVOLO,
1998).
As transformações propostas para
Paris custariam dois bilhões de francos (moeda
corrente da época) e compreendiam os seguintes
requisitos:
 Abertura de ruas traçadas no conjunto
habitacional existente e na faixa
periférica (ver Figura 07) – a velha Paris
Figura 07. Implantação de novas ruas.
Fonte: BENÉVOLO, 1998. 9
compreendia 3,84 km de ruas e Haussmann abriu 95 km de novas ruas e
avenidas;
 Novos serviços primários: aquedutos, esgoto, instalação de iluminação a gás,
a rede de transportes públicos;
 Novos serviços secundários: escolas, hospitais, colégios, quartéis, prisões e
parques públicos (bois de boulogne e bois de vincennes);
 Nova estrutura administrativa: cidade se estende até as fortificações externas
e é dividida em 20 arrondissements (parcialmente autônomos);
 Construção de boulevards.

Diante dessas transformações, Paris passou a ter uma nova divisão com
20 arrondissements (distritos administrativos) como mostra a Figura 08 (a linha mais
grossa define o antigo cinturão alfandegário do século XVIII,) e a Figura 09, ambas à
baixo:

Figura 08. Esquema dos distritos administrativos. Figura 09. Planta dos distritos administrativos de Paris.
Fonte: BENÉVOLO, 1998. Fonte: BENÉVOLO, 1998.

A Île de la Cité (Ilha da Cidade) é uma de duas ilhas no rio Sena (a outra
é a Île Saint-Louis) que pertencem à cidade de Paris, na França. Esta ilha hoje é o
centro da capital francesa e onde foi fundada a cidade medieval de Paris. As Figura
10 e 11 á seguir, mostram as propostas de Haussmann para a Ilha.

10
Figura 10. A Île de la Cité e seus arredores medievais Figura 11. A Île de la Cité transformada por Haussmann:
antes das obras de Haussmann. novas ruas transversais (vermelho), espaços públicos (azul
claro) e dos edifícios (azul mais escuro).
Fonte: BENÉVOLO, 1998.
Fonte: BENÉVOLO, 1998.

3.1 Projeto Urbanístico para Paris

Segundo Benévolo (1998), o principal objetivo da reforma urbana


idealizada por Haussmann para Paris, é o de liberar o tecido urbano para facilitar
manobras militares. A grande transformação da cidade ocorre em um terço do tecido
da cidade sobre a idéia da grande expansão.
Um dos principais pontos da reforma de Haussmann é a reforma da Ìlle
de la Cité em área militar. Para atingir esse objetivo, todas as edificações existentes
são demolidas. Para Haussmann, “a arquitetura é um problema administrativo” e só
deve visar os interesses de Napoleão, interesses esses, de cunho estritamente
militares. A partir daí, é produzido um urbanismo totalmente racionalista visando
apenas à técnica e desconsiderando o aspecto histórico. O foco principal é a melhoria
da circulação, o acesso rápido a toda a cidade como visão estratégica, estabelecendo
uma imagem geral de modernidade. Esta mudança de imagem envolve também a
questão da insalubridade. Para isso são
eliminados bairros considerados
degradados, as ruas são arborizadas e
recebem sistema de iluminação.
A antiga cidade medieval,
com traçado orgânico e ruas estreitas, é
cortada por grandes eixos e contornada
por um anel viário (ver Figura 12). São Figura 12. Intervenção no Sistema Viário.

Fonte: BENÉVOLO, 1998.


11
criadas praças com monumentos que servem como ‘cenário’. São criados vários
boullevard e um novo elemento urbano, o carrefour (rotatória). Essas intervenções
regularizam o traçado não aproveitando o existente, transfigurando a cidade. A partir
deste ponto de vista é que foi produzido um urbanismo totalmente racionalista
visando apenas à técnica e desconsiderando o aspecto histórico.
O núcleo medieval é cortado em todos os sentidos (ver Figura 13),
Haussmann sobrepõe ao corpo da antiga cidade uma nova malha de ruas largas e
retilíneas formando um sistema coerente de comunicação entre as estações
ferroviárias e os
principais centros
da vida urbana.
Ele evita destruir
os monumentos
mais importantes
criando anéis ao
redor destas
obras interligadas
por perspectivas
Figura 13. Esquema de trabalhos de Haussmann em Paris – as linhas mais grossas são as
viárias. As novas ruas – tracejado quadriculado, novos bairros – tracejado horizontal, os dois grandes
parques periféricos: o Bois de Boulogne (à esquerda) e o Bois de Vincennes (à direita).
construções ao
Fonte: BENÉVOLO, 1998.
longo das ruas
são disciplinadas. Introduz-se a
obrigatoriedade de apresentar um
requerimento de construção (1859).
Fixam-se novas relações entre altura
das construções e a largura das casas e
das ruas:
 Para ruas com largura de 20m ou
mais a altura deve ser igual à
largura;
 As coberturas apresentam a
Figura 14. Esquematização das Edificações.
inclinação de 45º graus (ver
Fonte: BENÉVOLO, 1998.
Figura 14).

12
 Para ruas mais estreitas a altura
pode ser maior uma vez e meia a
largura da rua.

O plano criado para o


centro da cidade, previa a reformulação
da área em um dos extremos dos
Champs-Elysées (Campos Elíseos).
Haussmann criou uma estrela com 12
avenidas amplas (pontas) ao redor do
Arco do Triunfo, onde grandes mansões
Figura 15. Esquematização da região do Arco do Triunfo.
foram erguidas entre 1860 e 1868 sobre
Fonte: BENÉVOLO, 1998.
os escombros da antiga cidade (ver
Figura 15).
Para Benévolo (1998),
Haussmann procurou enobrecer o
ambiente urbano com os instrumentos
urbanísticos tradicionais: a busca pela
regularidade, a escolha de um edifício
monumental antigo ou moderno como
pano de fundo de cada nova rua. O
Palácio Parisiense construído na época
de Haussmann apresenta a
padronização das fachadas, como
mostra a Figura 16.
Os ambientes privados e
públicos – até agora ligados e
misturados – na cidade burguesa se
tornam contrapostos entre si: de um lado
as casas, de outro os laboratórios,
estúdios, escritórios e a rua é o elemento
Figura 16. Palácio Parisiense.
de ligação que permite a mistura dos dois
Fonte: BENÉVOLO, 1998.
elementos.

13
São abertos parques e
jardins públicos: Jardin dês Tulleries,
Palais Royal, Parc Montsouris (ver Figura
17).
Surge a figura do quarteirão
que é determinado pelo sistema viário –
neste caso o quarteirão é residual,
configurado a partir do que ‘sobra’ depois
de definido o traçado viário, tornando-se Figura 17. Parc Montsouris.
um elemento complexo formado por lotes Fonte: GOOGLE IMAGENS, 2017.
de formato irregular. São definidas leis de ocupação: cada lote é perpendicular à rua
e não tem a mesma medida padrão; os edifícios passam a ter leis de padronização
para as fachadas; a tipologia urbana. Segue um catálogo pré-definido, passam a
apresentar unicidade arquitetônica; as galerias e passagens passam a ter função
comercial – multifuncionalidade do quarteirão e abrigam cafés e lojas. São definidas
áreas especiais para as estações ferroviárias.
O plano regulador colocado para a cidade moderna não foi apenas
desenhado no papel, mas traduzido para a realidade, controlando todas as suas
consequências técnicas, formais, administrativas e financeiras.

14
4 O PLANO DE ILDEFONS CERDÀ PARA BARCELONA

A proposta de Cerdà para a cidade de Barcelona, aprovada inicialmente


em 1859, apresenta uma intervenção completamente diferente. Os dois traçados
urbanísticos básicos na época, a quadrícula e o radial – neste caso o segundo
subordinado ao primeiro – eram sintetizados em um grande retângulo de sessenta por
vinte módulos, localizado no espaço livre deixado entre a cidade medieval amuralhada
e os povoados vizinhos e cortado por duas diagonais. Ver Figura 18 abaixo:

Figura 18. Plano Cerdà para Barcelona.


Fonte: TARRAGÓ CID, 1994.

Como um dos primeiros tratadistas de arquitetura e urbanismo a


reivindicar a salubridade das habitações de maneira radical e efetiva como a condição
primeira a satisfazer na criação da nova cidade, considerando a moradia como suporte
fundamental da qualidade de vida. A casa é o ponto de partida do raciocínio de Cerdà.
As habitações planejadas por Cerdà tinham como características: a privacidade do
indivíduo no lar, com condições dignas de vida, o higienismo (sol, vento, ar, luz
natural), que deveriam estar presentes nas habitações e o custo, adaptação do
empreendimento para a classe operária.
Emprega grande esforço na formulação das “ilhas tipo” e, a partir do
reconhecimento da quadrícula como o traçado que reúne tanto vantagens de ordem
circulatória, topológica, construtiva, jurídica como urbanística, chega ao módulo

15
quadrado de 113m de lado com um
chanfro de 20m como o mais
adequado.
Ao compreender a
necessidade de compactação da
cidade industrial, abre mão de
qualquer exemplo de habitação
unifamiliar com jardim, ideais no seu
pensamento, mas procura manter o Figura 19. Plano Cerdà para Barcelona – Ilha Tipo.
máximo de qualidade ambiental, Fonte: TARRAGÓ CID, 1994.
como mostra a Figura 19.
Cerdà escreve em sua
“Teoria Geral da Urbanização” que a
presença dos dois conceitos
diretores, a “habitação” e a
“circulação”, que hoje mais do que
nunca continuam sendo os dois pólos Figura 20. Seção viária definida com o critério da
operacionais do urbanismo estão independência entre os meios de locomoção.
Fonte: TARRAGÓ CID, 1994.
presentes no plano de Barcelona no
cuidado com a habitação e no projeto cuidadoso de uma rua realmente racional, com
20m de largura e separação entre os meios de locomoção, como pode ser visualizado
na Figura 20.
Devemos entender como cidade tradicional um organismo urbano
gerado através de um longo processo
histórico. Neste contexto, tanto o traçado
viário como a habitação coletiva são
elementos que não podem ser concebidos
separadamente. Não existem, portanto
espaços indefinidos nesta relação restrita
aos domínios do público e do privado. A
quadra da cidade tradicional se caracteriza
por ser claramente delimitada e Figura 21. Interação das Quadras no Plano Cerdà.
homogênea. Ver Figura 21. Fonte: TARRAGÓ CID, 1994.

16
O plano de Cerdà desenha uma grelha ortogonal, com quadras de 113m
x 113m e vias de 20m de largura, elevando a taxa de superfície viária, incluindo
praças, de 17% para 34%, ver Figura 22. A cada conjunto de nove quadras (Figura
23) e vias correspondentes se inscreve dentro de um quadrado de 400m de lado. A
quadricula estende-se até os núcleos urbanos vizinhos e envolve a cidade medieval.

Figura 22. Grelha ortogonal do Plano Cerdà. Figura 23. Conjunto de quadras do Plano Cerdà.
Fonte: TARRAGÓ CID, 1994. Fonte: TARRAGÓ CID, 1994.

Apesar de aparentar a imposição de uma nova ordem, indiferente ao


contexto, o ajuste das bordas é feito com extrema habilidade tendo como suporte
avenidas diagonais que surgem a partir de conexões pré-existentes. O corte diagonal
nas arestas da quadra transforma o simples cruzamento de vias em lugar, gera
também desta forma maior amplitude visual dos edifícios de esquina. As grandes
avenidas possibilitam a conexão metropolitana e a integração à viabilidade universal.
A tipologia é ortogonal, homogênea e igualitária. O melhor exemplo de habitação
coletiva inserida neste contexto é a Casa Milà de Antoni Gaudí.
O plano previa quadra com ocupação perimetral em dois ou no máximo
três lados. Os edifícios não ultrapassariam mais do que dois terços da superfície do
quarteirão. Os espaços internos resultantes se abririam para a cidade oferecendo
equipamentos públicos e generosas áreas arborizadas. O importante é enfatizar que
neste momento a quadra passa de uma condição de residual para se tornar suporte
de uma composição urbana que a tem como espaço da cidade. O perímetro da quadra
deixa de ser o limite do espaço público.
Cerdà prevê o fluxo simultâneo de pedestres (com ou sem carga), de
carruagens e trens elétricos. Serviços como água, rede de esgoto, telégrafo, ferrovia

17
e rede de energia elétrica são
planejados de modo que não
poluam ou interfiram na paisagem
da cidade (cabos, fios, postes e
etc.), estes devem ser
subterrâneos. Cerdà pensa na
cidade como um todo: o ato de ir e
vir, seja qual for o meio de
transporte, a ordenação dos
serviços básicos, o enquadramento Figura 24. Plano geométrico parcelado.
e as perspectivas do lugar. Fonte: TARRAGÓ CID, 1994.

No “Plano geométrico parcelado” Cerdà mostra como seria a relação dos


lotes após a passagem da via proposta em seu projeto, ver Figura 24. Desenhou isto
na escala 1/500 para todo o território indicando as cotas atuais, as futuras cotas das
ruas e a área de calçada. Ainda desenhou 7 perfis longitudinais e verticais que serviam
para estabelecer o nível das novas vias.
Em 1865, a epidemia de cólera e a crise industrial, diminuem a verba
para a continuação das obras de expansão da cidade. Após a crise, uma dualidade
toma conta da sociedade: uma grande quantia é liberada para a continuidade do plano
de expansão, só que sua utilização estava dividida entre a construção das grandes
vias (indenização dos moradores) e o novo projeto de ocupação do solo (loteamento).
Garriga, arquiteto do governo, propõe a construção de um grande boulevard,
referenciado nos casos de Berlim e Paris, com largura
de 60m junto à área da antiga muralha, o que se opõe
aos planos de Cerdá, que era de tornar a área um
elemento de costura entre a expansão e o centro
histórico de Barcelona. A cada proposta de Garriga,
Cerdá apresentava uma contra proposta. O projeto do
boulevard foi alterado e corrigido por Cerdà
posteriormente. As ruas eram planejadas seguindo os
princípios da orientação solar, largura, perfis
transversais, tipo de pavimentação, diferença de cotas Figura 25. Planejamento das ruas.
entre outros, ver Figura 25. As paisagens, praças e Fonte: TARRAGÓ CID, 1994.

18
quadras deveriam interagir entre si, além de
serem elementos harmônicos na cidade: isso
seria possível através da análise de cortes
(relação altura x largura) e na relação da casa
com a quadra, ver Figura 26.
As muralhas são as condições do Figura 26. Relação altura x largura.
Fonte: TARRAGÓ CID, 1994.
contorno e um elemento importante para a
densificação do tecido urbano. Cada porta da
cidade é o ponto de confluência de vias, sendo
estes acessos centros do movimento. Quando
limitamos as vias de acesso (interior x exterior),
limitamos também a expansão natural das cidades,
como pode ser visualizado na Figura 27.
Os centros de ação de Cerdà eram
classificados conforme o tipo de atividade exercida
e a mobilidade permitida pelo espaço: políticos ou
administrativos, econômicos ou industriais, viários Figura 27. As muralhas.
existentes, lazer ou áreas verdes. Fonte: TARRAGÓ CID, 1994.

Do desejo original de Cerdà permaneceu apenas o traçado viário (ver


Figura 28), que é o elemento mais visível e conhecido de sua obra. As quadras foram
maciçamente ocupadas no perímetro junto ao alinhamento da calçada retomando um
caráter que a reaproximou da quadra tradicional. Originalmente as quadras foram
concebidas em média com 67.000m³ de área construída (ver Figura 29), atualmente
após 150 anos de adensamento progressivo temos em média 295.000m³ de área
construída por quadra.

Figura 28. Traçado viário. Figura 29. Ocupação original.

Fonte: TARRAGÓ CID, 1994. Fonte: TARRAGÓ CID, 1994.


19
5 CIDADE JARDIM DE EBENEZER HOWARD

Ebenezer Howard, (Londres, 29 de janeiro de 1850 - Hertfordshire, 1 de


maio de 1928 foi um pré-urbanista inglês que tornou-se conhecido por sua publicação
Cidades-jardins de Amanhã (Garden Cities of Tomorrow), de 1898, na qual descreveu
uma cidade utópica em que pessoas viviam harmonicamente juntas com a natureza
(OTONI, 1992)
De acordo com Newton (1971), a visão utópica de Howard foi uma
tentativa de resolver os problemas de insalubridade, pobreza e poluição nas cidades
por meio de desenho de novas cidades que tivessem uma estreita relação com o
campo. Ele apostava nesse casamento cidade-campo como forma de assegurar uma
combinação perfeita com todas as vantagens de uma vida urbana cheia de
oportunidades e entretenimento juntamente com a beleza e os prazeres do campo;

“... cidade e campo devem estar casados, e dessa feliz


união nascerá uma nova esperança, uma nova vida, uma nova
civilização”. (OTONI, 1992, pág. 17).

Desta união, o movimento das pessoas de cidades congestionadas se


daria naturalmente como um imã para uma cidade próxima da natureza que ele
considerava ser fonte de vida, riqueza e felicidade. Além disso, a indústria se
deslocaria para o campo como estratégia de desenvolvimento econômico
simultaneamente a produção agrícola que teria mercados prontos da cidade próxima
ao núcleo rural.
Sua intenção não era criar um subúrbio jardim, mas uma entidade
cidade-campo em combinação permanente com dimensões controladas de 2.400
hectares para 32.000 pessoas, sendo 2.000 hectares para a área rural de 2.000
habitantes e 400 hectares para a parte urbana de 30000 habitantes dividas em 6
partes ou bairros com 5.000 habitantes. A zona agrícola agiria como um amortecedor
contra o crescimento incontrolável do centro populacional. Para Howard, quando uma
cidade atingisse a sua capacidade de suporte, novas cidades deveriam ser formadas
em torno de uma cidade central de 58.000 habitantes, um núcleo cultural, formando
uma constelação de cidades interligadas por meio de ferrovias e rodovias.

20
Dentro dos ideais de Howard, o direito ao espaço era o mais defendido
por ele, por influência do cooperativismo, onde as terras agrícolas adquiridas para a
instalação da cidade seriam registradas em nome de industriais de posição
responsável e honra indubitável que arrendariam para os futuros moradores. O lucro
comumente obtido pelo empresário loteador serviria para amortizar a dívida do
empréstimo e seria revertido para a comunidade, em forma de infra-estrutura e
edifícios públicos como patrimônio coletivo. O comércio e a indústria seriam
incentivados por meio de baixas taxas e longos prazos de arrendamento para
possibilitar a fixação de novos moradores.
Howard concebia sua Cidade-Jardim de forma a propiciar aos homens
mais liberdade em uma vida comunitária renovada, diferentemente de
empreendedores que pensam somente na eficácia e no rendimento. De acordo com
Otoni (6), ele tinha a síntese conciliadora entre o socialismo e o individualismo, pois
não acreditava no liberalismo do Estado Inglês e nem na atuação do Estado socialista
controlador de todas as atividades. Reduzia o papel do Estado ao município e
acreditava que sua cidade-jardim poderia ser uma empresa privada. Por isso Howard
teve apoio das mais variadas posições políticas com sua posição moderadora.
Em 1903, a “Primeira Cidade-Jardim Ltda” foi registrada como
propriedade mista autorizada para vender ações para levantar o capital necessário.
Isto significa que nenhuma cooperativa formal foi estabelecida e não ficou claro
quando as posses de terras seriam transferidas para a comunidade. Isto só veio a ser
concretizado sessenta anos depois.

5.1 O Desenho das Cidades-Jardins

O modelo proposto, chamado de Cidade-jardim, deveria ser construído


numa área que compreenderia, no total, 2400 hectares, sendo 400 hectares
destinados à cidade propriamente dita e o restante às áreas agrícolas. O esquema
feito para a cidade assume uma estrutura radial, sendo composto por 6 bulevares de
36 metros de largura que cruzam desde o centro até a periferia, dividindo-a em 6
partes iguais. No centro, seria prevista uma área de aproximadamente 2,2 ha, com

21
um belo jardim, sendo que
na sua região periférica
estariam dispostos os
edifícios públicos e
culturais (teatro,
biblioteca, museu, galeria
de arte) e o hospital. O
restante desse espaço
central destinar-se-ia a
um parque público de 56
hectares com grandes
áreas de recreação e fácil Figura 30. Esquema da Cidade-Jardim.
acesso, como pode ser Fonte: HOWARD, 1996.
visualizado na Figura 30.
Ao redor de todo o Parque Central estaria localizado o “Palácio de
Cristal”, uma grande
arcada envidraçada que
se destinaria a abrigar as
atividades de comércio e
a se constituir num jardim
de inverno, estando
distante no máximo 558m
de qualquer morador (Ver
Figura 31). Nesse local,
poderiam ser
comercializadas as
mercadorias que
requerem “o prazer de
escolher e decidir” Figura 31. Esquema da Cidade-Jardim.
(HOWARD, 1996). Fonte: HOWARD, 1996.
Funcionaria também como um jardim de inverno, onde os habitantes poderiam
passear ao abrigo da chuva e contemplar a paisagem. Defronte à Quinta Avenida e
ao Palácio de Cristal, existiria um conjunto de casas ocupando lotes amplos e

22
independentes. Mais adiante, estariam os lotes comuns, de cerca de 6,1 x 40m, em
número de 5.500. A população estaria próxima de 30.000 habitantes na cidade e 2.000
no setor agrícola. Com isso, a densidade média seria de 200 a 220 pessoas por
hectare segundo Hall (2002), o que, de certa forma, contraria a noção geralmente
aceita de que a Cidade-Jardim defende baixas densidades habitacionais. Entretanto,
utilizando o esquema geral de Howard como base, obteve-se uma área total para a
cidade de 416,83 hectares. Para uma população de 30.000 pessoas, portanto, a
densidade média bruta seria de 71,97 habitantes por hectare, o que é bem inferior ao
estimado por Hall (2002). Calculando apenas a área dos “setores” residenciais
(incluindo a Grande Avenida), ter-se-ia aproximadamente 251,72 hectares, o que daria
uma densidade média de 119,18 habitantes por hectare, que pode ser considerada
uma densidade de baixa a média.
A Grande Avenida dividiria a cidade em duas partes e possuiria 128 m
de largura. Ela constituiria, na verdade, mais um parque, com 46,5 ha, e nela estariam
dispostas, em seis grandes lotes, as escolas públicas. Também nessa avenida
estariam localizadas as igrejas necessárias para atender à diversidade de crenças
existentes na cidade. No anel externo estariam os armazéns, mercados, carvoarias,
serrarias, etc., todos de frente à via férrea que circunda a cidade. Dessa forma, o
escoamento da produção e a recepção de mercadorias e matéria-prima seria facilitado
(e barateado), evitando também a circulação do tráfego pesado pelas ruas da cidade,
diminuindo a necessidade de manutenção.

5.2 As Receitas da Cidade-Jardim

Howard concebeu um mecanismo engenhoso para viabilizar a criação e


a manutenção de uma Cidade-Jardim. Inicialmente, um terreno localizado em área
rural deveria ser comprado por um grupo de pessoas, para abrigar a futura cidade.
Esse terreno seria comprado por um preço baixo, compatível com o preço de terras
rurais, a partir de um financiamento. O aumento do número de habitantes nessas
terras seria capaz de diluir os juros do financiamento e de constituir um fundo para ir
quitando aos poucos o principal. Assim, a partir de pagamentos relativamente

23
pequenos, os habitantes da Cidade-Jardim poderiam quitar a dívida assumida e ainda
obter recursos para as ações coletivas necessárias (construção de edificações
públicas, manutenção dos espaços abertos, etc.). Na área rural, a competição natural
entre os produtores, as culturas e os modos de produção deveriam indicar quais
produtos seriam cultivados. Aqueles que conseguissem gerar mais renda se
estabeleceriam nos arredores da Cidade-Jardim. A renda, entretanto, não seria
apropriada por um único indivíduo, já que a terra teria sido adquirida coletivamente.
Os benefícios obtidos em termos financeiros pelo aumento do valor da terra e, como
consequência, pelo incremento da renda fundiária, seriam convertidos em menores
impostos e mais investimentos coletivos (HOWARD, 1996).

5.3 Mecanismo de Crescimento

Hall (2002) destaca ainda


outro equívoco no que diz respeito às
interpretações da Cidade-Jardim. Segundo
ele, os autores costumam descrevê-la como
um espaço urbano isolado em uma grande
área rural. Hall argumenta que Howard
propôs, ao contrário, que um sistema de
cidades fosse construído dentro de
distâncias não muito grandes. Assim, tão
logo a população da primeira cidade-jardim
atingisse seu máximo, outra cidade seria
construída em local próximo, cuidando Figura 32. O diagrama perdido.
entretanto para que uma área rural fosse Fonte: HOWARD, 1996.
mantida entre as duas. Estas seriam conectadas por estradas de ferro, que se
encarregariam de possibilitar o intercâmbio de mercadorias. Hall (2002) mostra o que
ele chama de “o diagrama perdido” (Ver Figura 32), que mostra a disposição
esquemática desse sistema de cidades e que consta apenas da primeira edição do
livro de Howard, tendo sido suprimido nas versões seguintes.

24
6 CIDADE RADIOSA DE LE CORBUSIER

Ville Radieuse é o nome de um dos projetos mais ambiciosos do grande


designer franco-suíço Le Corbusier. O projeto foi desenhado por Corbusier em 1924,
e era o esboço da cidade ideal na visão do arquiteto. Ele passou a reproduzir suas
ideias para a Ville Radieuse em diversos trabalhos nos anos seguintes (CHOAY,
1998).
O sonho da
Cidade Radiante, então, seria
uma cidade linear, baseada no
corpo humano, com cabeça,
espinha dorsal, braços e
pernas. O projeto manteria a
idéia vigente de blocos altos de
moradia, livre circulação e
espaços verdes abundantes, já
presentes nos trabalhos Figura 33. Ville Radieuse.
anteriores de Corbusier, como Fonte: ARCHTECTURECLUB, 2010.
mostra a Figura 33. Essas ideias estariam presentes em diversos projetos de
Corbusier nos anos posteriores também, na Grécia, Rússia e Algéria, onde ele
chegaria perto de realizar o sonho da ‘cidade ideal’.
De acordo com
Choay (1998), nos anos 1930, Le
Corbusier se aliou a movimentos
sindicais, e propôs a Cidade
Radiante como base de uma
reforma política. Os princípios da
Cidade Radiante seriam publicados
em diversos estudos do arquiteto
francês ao longo dos anos, mas ela
nunca chegou a ser construída, ver Figura 34. Maquete da proposta de uma Ville Radieuse.
Figura 34. O urbanismo modernista Fonte: HERANÇA CULTURAL, 2013.

25
foi muito influenciado por Le
Corbusier com o plano da Ville
Radieuse de 1933, com o qual
prometeu um futuro com luz do
sol, ar fresco e zonas verdes
para os habitantes da cidade.
A nova cidade de
Le Corbusier constaria de
gigantes blocos de
apartamentos e grandes
espaços ajardinados, como
mostra a Figura 35. Uma visão Figura 35. Blocos de apartamentos e grandes espaços ajardinados.
utópica pós-guerra, para Fonte: HERANÇA CULTURAL, 2013.
conversão de favelas a lugares limpos, e de modernos apartamentos, o qual foi uma
prioridade política. A Ville Radieuse influiu a Carta de Atenas de CIAM de 1933, um
documento elogioso das virtudes das cidades e zonas residenciais com torres
gigantes, sobre o planejamento urbano nos anos posteriores à Segunda Guerra
Mundial.
Segundo Rueda (2000), A Ville Radieuse, “A cidade contemporânea de
três milhões de habitantes” proposta por Le Corbusier para o centro de Paris é um
mito na história contemporânea do planejamento urbano. A proposta, de acordo a Le
Corbusier, poderia aumentar a capacidade das zonas urbanas e, ao mesmo tempo,
melhorar o meio ambiente urbano e a eficiência da cidade. Os pensamentos e
princípios de desenho incorporados na proposta da Ville Radieuse rapidamente
converteram-se em modelo para os arquitetos do pós-guerra. Tal proposta era
ambiciosa, inclusive propôs demolir toda a parte do centro de Paris, que acarretou
várias objeções.
A Ville Radieuse foi desenhada para acomodar ao menos seis vezes a
população do centro de Paris. Segundo Le Corbusier, o desenho da Ville Radieuse
representa um indiscutível ideal da liberdade pessoal. Achava que muitas cidades de
princípios do século XX foram caóticas e ineficientes; ele, portanto, chegou com a
proposta da Ville Radieuse que tinha os seguintes objetivos:

26
 Proporcionar meios eficazes para as comunicações;
 Proporcionar uma grande quantidade de zona verde;
 Proporcionar um melhor acesso ao sol;
 Reduzir o tráfico urbano.

Finalmente deram-
se conta de que a construção alta
era a melhor instância com os
melhores meios para cumprir
estes objetivos e, ao mesmo
tempo, atender a crescente
população urbana (ver Figura
36). O desenho da Ville Radieuse
é quase simétrico no centro, o
qual é o núcleo de todos os tipos
de transporte público. O terminal
Figura 36. Modulação proposta para Paris.
central é um ponto de acesso ao
Fonte: ARCHTECTURECLUB, 2010.
metrô na parte inferior da coberta
do sistema subterrâneo, e o comboio é na parte superior da coberta do sistema
subterrâneo. A planta superficial
está aberta aos carros e táxis. A
parte central está reservada para
24 arranha-céus, que também são
os elementos mais controvertidos
em todo o desenho (ver Figura
37). Estes arranha-céus
cruciformes são principalmente
para fins comerciais e hoteleiros.
Em todos os arranha-céus com Figura 37. Maquete da Modulação.
dimensões de 190m x 190m e uma Fonte: ARCHDAILY, 2013.
altura a mais de 200m, foram desenhadas para abrigar de quinhentas mil a oitocentas
mil pessoas. Segundo Le Corbusier, esta zona se converteria no centro cívico e a
sede de todas as principais empresas. Em torno dos arranha-céus encontram-se uns

27
bairros residenciais que
oferecem alojamento para as
pessoas que trabalham nos
arranha-céus. Estes blocos de
moradia conhecem-se como
apartamentos, chalés, etc.
Dentro destes blocos de
moradias, apartamentos e
dúplex a cada uma tem seu
próprio jardim e cada Figura 38. Perspectiva.
apartamento seria uma casa por Fonte: ARCHDAILY, 2013.
seus próprios meios. As zonas
edificadas só representam o
15% do total de superfície de
lugar da Ville Radieuse, assim,
a formação de canhões de
concreto poderia ser evitada e
os habitantes desfrutariam da
grande quantidade de jardins e
áreas verdes ao ar livre (ver
Figura 38). Por outra parte, os
apartamentos teriam acesso a
plena luz do dia e o problema do
ruído urbano se reduziria ao
mínimo. Na Ville Radieuse, o
distrito de negócios, o distrito
residencial, o transporte básico
e a rua de lojas comerciais
estão organizados em uma
forma cartesiana, onde todos os
elementos em seu conjunto Figura 39. Zoneamento.
funcionam como uma “máquina Fonte: ARCHDAILY, 2013.
da vida” (ver Figura 39). À luz do progresso da tecnologia da construção, Le Corbusier

28
achava que milhões de residentes poderiam beneficiar das vantagens deste
planejamento racional. Ainda que sua proposta se apresentou pela primeira vez para
o centro de Paris, Le Corbusier propô-la também para adaptar a outros lugares, como
em Algiers em Argélia, Barcelona em Espanha, Buenos Aires na Argentina e São
Paulo no Brasil. Como se mencionou antes, o plano da Ville Radieuse pode se dividir
em dois grandes distritos, isto é, o distrito de negócios e o distrito residencial. Os
arranha-céus representam a única forma construída no distrito de negócios, enquanto
o distrito residencial está composto por três blocos de moradias. Estes blocos de
moradias denominam-se moradia “costas-costas”, moradia “celular” e moradia
“jardim” (RUEDA, 2000).

6.1 Análise da Ville Radieuse

De acordo com Newton (1971), em primeiro plano, examina-se na


atuação da luz do dia nos arranha-céus, já que são os elementos mais controvertidos
da proposta da Ville Radieuse. Durante todo o desenvolvimento da cidade, três
versões do desenho dos arranha-céus podem se encontrar. A modificação mais
importante entre estas três
versões do desenho foi a
mudança das superfícies
uniformes das fachadas por
planos com formas
amplamente serrada.
Segundo Le Corbusier, o
benefício destas formas
serradas é que formam
verdadeiras armadilhas de luz
(ver Figura 40). Além da
Figura 40. Análise da Ville Radieuse.
modificação dos blocos de
Fonte: ARCHTECTURECLUB, 2010.
construção, Le Corbusier
propôs também, orientar o plano em sua totalidade da Ville Radieuse ao chamado

29
eixo heliotérmico. O eixo heliotérmico varia do eixo geográfico a razão de 19° para o
este de Paris. Le Corbusier achava que o orientar o plano em sua totalidade a este
eixo heliotérmico poderia melhorar o rendimento global da luz do dia. O mérito da
proposta dos arranha-céus é obviamente, a enorme quantidade de superfície utilizável
e espaço aberto que proporciona.

6.2 Legado da Ville Radieuse

Para Choay (1998), nossa cidade contemporânea parece-se à sua, com


torres de escritórios de vidro e moradias em edifícios altos blocos, rodeados de
campos de erva com caminhos curvilíneos, mas sem a ordem e o enfoque urbano que
ele desejaria. Agora estamos
muito familiarizados com a
crítica de seu Plano Voisin e a
Ville Radieuse, que são
responsáveis por inumeráveis
desastres urbanos executados
em seu espírito. Jane Jacobs,
em sua rejeição, disse: "Seus
arranha-céus cuidadosamente
organizado no parque são uma
terrível simplificação excessiva
de ordem urbana. Sua rígida Figura 41. Legado da Ville Radieuse.
separação das funções faz uma Fonte: ARCHTECTURECLUB, 2010.
verdadeira diversidade impossível; sua grande escala desumana e espaços vazios
acabam com a vitalidade de uma atraente cidade” (ver Figura 41). Em última
instância, no entanto, seus planos para a cidade da manhã não são mais que
diagramas para levar uma mensagem radical, que têm resultados desastrosos em
mãos equivocadas.
A resposta de Jacobs aos projetos inspirados pela visão de Le Corbusier
é polêmica: “a grande altura de projetos de moradia e de negócios são os que morrem

30
como “ilhas insalubres” da cidade moderna, e os densos e complexos distritos que Le
Corbusier queria são as verdadeiras fontes da saúde urbana”. Por que, então,
estamos trazendo seus projetos até o dia de hoje? Talvez tivesse bastantes intuições
a respeito da forma a que tinha de assumir a cidade comodamente. Ironicamente,
ainda estamos cativados pelas ambições e as formas que caracterizam seus planos,
que são, naturalmente, de seu tempo, não do nosso. O mundo tem sido testemunha
de grandes mudanças desde os anos 20 e se vê influída por um conjunto totalmente
novo de fenômenos tecnológicos e condições sociopolíticas. Portanto, seria lógico que
nós tratássemos de lhe dar sentido a nosso tempo, e de projetar novos esquemas
(com menos efeitos nocivos) em consequência.

31
7 PLANO DE PEREIRA PASSOS PARA O RIO DE JANEIRO - RJ

Segundo Resende (1965), no Rio de Janeiro, as questões estéticas,


sanitárias, viárias e habitacionais foram abordadas no primeiro Plano datado de 1875
(ver Figura 42) com a criação da
Comissão de Melhoramentos da Cidade
do Rio de Janeiro e perdurai até 1902.
Este Plano não foi totalmente executado.
O Rio de Janeiro da
primeira década do século XX
apresentava-se como uma capital de
aparentes contradições. A reforma
empreendida pelo prefeito, do então
Distrito Federal, Francisco Pereira
Figura 42. Rio de Janeiro – mapa da cidade – 1875.
Passos, visava eliminar, sobretudo, as
Fonte: ALMACARIOCA, 2014.
contradições do espaço urbano carioca.
Era preciso a cidade assumir feições novas, de acordo com as determinações
econômicas e ideológicas do momento.
De acordo com Resende (1965), com a economia brasileira crescendo
rapidamente, tornava-se importante à agilidade das exportações, e a inserção cada
vez maior do Brasil no modelo capitalista internacional. Era de urgência agilizar a
circulação de mercadorias, que pendia devido às características do espaço colonial
da cidade. Tendo, então, a cidade ser cortada em todos os sentidos, afetando lugares
e a vida das pessoas.
O Rio de Janeiro tinha
que se tornar uma nova capital, espaço
do moderno, da civilização, que
simbolizasse realmente a importância
do Brasil, e fosse expressão dos
valores e modos de vida cosmopolita e
moderna da elite do país (ver Figura Figura 43. 07/09 de 1906 – Prefeito Pereira Passos ao centro.
43). Dentro desse quadro havia uma Fonte: ALMACARIOCA, 2014.

32
tensão entre a civilização e o atraso. “Era preciso acabar com a noção de que o Rio
era sinônimo de febre amarela e de condições anti-higiênicas; transformá-lo num
verdadeiro símbolo do ‘novo Brasil” (ABREU, 1997). A cidade tinha a função de servir
de exemplo para todo país. Tinha que estabelecer a sua vocação moderna, conforme
as grandes capitais europeias.
Segundo Abreu (1997), Pereira Passos, apoiado por Rodrigo Alves e os
setores dominantes da sociedade, estabelece seu plano e dando início ao “bota-
abaixo”, começa a realizar as obras de embelezamento e saneamento da cidade.
Com as obras de demolição, vários prédios que serviam de moradia às
populações pobres, foram destruídas (ver
Figura 44). De fato com o alargamento
das ruas centrais e a inauguração de
novas vias de comunicação, ocorreu a
destruição de inúmeros cortiços, que eram
entendidos como sínteses da
insalubridade e da violência, espaço da
barbárie. A reorganização do espaço
urbano carioca, sob novas orientações
Figura 44. Avenida Central, futura Avenida Rio Branco.
econômicas e ideológicas, não condizia
Fonte: ABREU, 1997.
com a presença de pobres na área central
da cidade. Afastar os pobres da área central da cidade e não permiti-los entrar nas
áreas nobres são objetivos de todos os prefeitos até Pereira Passos. A cidade com a
reforma define quem deve ou não deve estar na área central (ABREU, 1997).
Pereira Passos declara guerra ao comércio dos quiosques e proibi a
venda de produtos por ambulantes. A feira livre, inclusive, na cidade do Rio de Janeiro
foi criada em 1904, como um modelo de inspiração européia, assentada em
“modernos” princípios de beleza, disciplina e higiene, modelo este que paulatinamente
se difundiu e se consolidou pelo Brasil urbano. Proibisse também o exercício da
mendicância, e como dito anteriormente começa a demolir uma série de cortiços. Ou
seja, tudo que viesse imacular a imagem da cidade. A população pobre que morava
nas propriedades coletivas se via forçadas a morar, grande parte, com outras famílias,
a pagar aluguéis altos, ou ir morar nos subúrbios, já que eram poucas as moradias
populares feitas pelo governo em substituição às destruídas.

33
De acordo com Rodrigues (2001), Pereira Passos ao eliminar as
contradições do espaço urbano carioca gerava novas contradições. Com a destruição
de inúmeros cortiços, a única alternativa, para uma população pobre que precisava
morar próximo ao local de trabalho foi à favela. Os morros do centro, até então poucos
habitados, passam rapidamente a serem habitados dando origem a algumas atuais
comunidades carentes.
No entanto, como disse anteriormente, nem todos que eram expulsos
dos cortiços, foram morar na favela. Grande parte da população foi morar na área
suburbana da cidade, contribuindo para a ocupação do espaço. O Rio de Janeiro
continuou uma cidade de contrastes, onde o novo se misturava com o velho, como
por exemplo, ao lado do homem moderno surgiam tipos urbanos ligados à pobreza
urbana. Fixou-se assim o cenário, a imagem que se ia caracterizar a aparência do Rio
(ABREU, 1997).

7.1 Plano de Embelezamento e Saneamento da Cidade

Segundo Rodrigues (2001), este plano de Pereira Passos faz


intervenções de ordem sanitária, viária e
estética aproveitando idéias da proposta
de 1875. Seu plano tem influência de
Haussmann (plano de remodelação de
Paris). O principal objetivo do Plano é o
“embelezamento” dando nova fisionomia
arquitetônica à Cidade através da
erradicação dos cortiços e casas de
cômodo e valorização dos espaços
centrais (ver Figura 45). São determina
recuos das edificações e pavimentação Figura 45. Mapa da cidade do Rio de Janeiro – 1908.
diferenciada, substituindo as antigas Fonte: ALMACARIOCA, 2014.
vielas por ruas arborizadas e mais largas. São feitas também, obras de escoamento
das águas pluviais, favorecendo o Centro e os bairros vizinhos e parte da zona sul.

34
Demonstra preocupação com esgotamento sanitário e sistema de abastecimento de
água. O sistema viário é um ponto trabalhado, prevendo abertura de grandes eixos de
circulação – as avenidas são o principal ponto do plano. As questões habitacionais
trazem sérias consequências para a população de baixa renda. São efetuadas
demolições e desapropriações nas áreas do Centro – a valorização desta área faz
com que a população seja expulsa. População de classe baixa vai para os subúrbios,
longe dos locais de trabalho ou para os morros próximos ao Centro e isso causa o
aumento do processo de favelização. Para atender a esta demanda Pereira Passos
instituiu uma política habitacional e construiu inicialmente 120 casas. Sua política não
teve continuidade após sua administração.
Tomando como base o Plano de Melhoramentos, são complementas as
reformas efetuadas pelo Presidente Rodrigues Alves (Porto do Cais do Rio de
Janeiro), concluídas as obras do Canal do Mangue, demolição do Morro do Senado e
abertura de grandes avenidas como a Av. Central (atual Rio Branco).

7.2 Principais Obras de Pereira Passos

 Avenida Passos – prolongamento da Rua do Sacramento (Centro),


trecho que vai da Praça Tiradentes até a Rua Senhor dos Passos;
 Avenida Central (atual
Avenida Rio Branco) (ver
Figura 46);
 Avenida Mem de Sá – é
uma via diagonal – liga a
Lapa aos bairros da Tijuca
e de São Cristóvão
(1.550m de extensão –
17m de largura);
 Avenida Francisco Bicalho Figura 46. Avenida Central, atual Av. Rio Branco – 1905.
Fonte: ALMACARIOCA, 2014.
– é resultante das obras de
saneamento com o prolongamento do Canal do Mangue;

35
 Avenida Beira-Mar – vai do
início da Avenida Rio Branco
até a praia de Botafogo – foi
executada em área aterrada
(5.200m de extensão – 33m de
largura) (ver Figura 47);
 Cais do Porto do Rio de Janeiro
– as obras abrangeram Figura 47. Avenida Beira-Mar – 1906.
drenagem e construção de Fonte: ALMACARIOCA, 2014.
muralha do cais, além de
colocação de trilhos da Estrada
de Ferro Leopoldina e linhas do
Cais do Porto;
 Av. Rodrigues Alves – é
resultante das obras do Cais
do Porto – usada para ligação
com a Zona Norte;
 Avenida Atlântica – é toda
48. 1906- Alargamento da Rua da Carioca –
executada sobre aterro. São Figura
Todos os imóveis do lado direito foram demolidos.
construídas muralhas e Fonte: ALMACARIOCA, 2014.
passeios;
 Túnel do Leme;
 Obras de higiene – instalação
de mictórios e defecatórios em
locais de aglomeração como
praças e recantos;
 Obras executadas também no
Passeio Público, Praça XV,
Figura 50. Final do século XIX – cortiço na Rua
Praça São Salvador, Praça dos Inválidos.
Tiradentes, Largo da Lapa, Fonte: ALMACARIOCA, 2014.
dentre outras.

36
A reforma urbana empreendida pelo prefeito Pereira Passos buscou
articular diversas regiões da cidade com o centro urbano do Rio de Janeiro, algo
fundamental em seu projeto de integração conservadora, no qual o centro urbano da
cidade aparecia como centro modelar da civilização, lugar da sua exemplaridade para
os habitantes das demais regiões da urbe (BENCHIMOL, 1992).
Desta forma, a reforma Passos não buscou excluir a presença das
camadas populares do centro, mas integrá-las de maneira conservadora, ou seja,
estimulando a participação destas no centro urbano a partir de sua adesão a uma
visão de mundo e, por conseguinte, comportamento burguês europeu.
Não sem sentido, quando Passos produziu o primeiro relatório da
reforma urbana ao Imperador, em 1875, projetou uma grande avenida ligando o centro
urbano do Rio de Janeiro com o bairro popular de Vila Isabel. Da mesma forma,
quando emitiu o segundo relatório da Comissão de Melhoramento da Cidade do Rio
de Janeiro, em 1876, apontou para a necessidade de se construir casas para
operários nas ruas secundárias do centro da cidade, que passava então a ser o objeto
da sua reforma. Na mesma perspectiva, projetou três vilas operárias junto ao centro
urbano, além de quatro artérias ligando esta região a diversos bairros operários do
Rio de Janeiro. Aproveitando as ligações viárias que estabeleceu entre o centro e as
várias partes da cidade, constrói atrações no centro do Rio de Janeiro, como o aquário
da cidade e diversas praças com coretos e bandas para entretenimento dos que por
lá passassem. Na última das suas Mensagens à Câmara Municipal, quando fez um
balanço da reforma que realizou, ressaltou que a reforma urbana empreendida fora
importante para não afastar do centro da cidade a população do Rio de Janeiro. Por
fim, após já ter abandonado a prefeitura da capital, Passos deixaria registrado no seu
diário de viagem o seu desencanto com o fato da população do Rio de Janeiro pouco
utilizar o centro da cidade (BENCHIMOL, 1992).
Assim, podemos afirmar que em sua ação reformadora o prefeito
expressou uma visão de integração típica de determinados setores da elite européia
– perplexos diante do fenômeno do crescimento da classe operária – que, a partir de
uma visão de mundo aristocrática, pensaram em “elevar espiritualmente o
operariado”, possibilitando o seu convívio com as elites urbanas das grandes cidades
através de sua adesão à visão de mundo destas, o que se daria pelo controle
governamental da civilidade urbana, pelas melhorias no espaço público e pelo

37
fomento ao sentimento estético e cultural na cidade, além da educação escolar da
população(BRENNA, 1985).
Longe de empreender uma intervenção urbana com o fim de isolar as
camadas populares do centro da cidade, o organicismo da reforma urbana de Pereira
Passos pensou em aproximar e atrair o operariado ao centro do Rio de Janeiro, a fim
de que este, inserto em uma ética burguesa na utilização do espaço público,
disseminasse a urbanidade desejada pelo prefeito para além dos limites do centro
urbano.
Assim, podemos afirmar que Pereira Passos pensou em um projeto de
integração urbana, um projeto de integração conservadora.

38
8 PLANO ATTÍLIO CORRÊA PARA GOIÂNIA-GO

Attílio Corrêa Lima (Figura 51) nasceu em


Roma, em 08 de Abril de 1901. Seu pai foi professor da
Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro,
mesma escola que Corrêa Lima se matriculou como
“aluno livre” em sua adolescência. Em 1920, ingressou
no curso de arquitetura, diplomando-se engenheiro-
arquiteto em 1925. Foi um nome importante na história
do desenvolvimento do modernismo brasileiro. Attílio
atua como arquiteto e urbanista em um momento em
que a produção modernista se encontra em plena
Figura 51. Attílio Corrêa Lima.
ebulição, com experimentações de todas as ordens pelo
Fonte: MANSO, 2001.
mundo afora.

Na década de 1930, dentro do contexto da “revolução” promovida por


Getúlio Vargas e seu grupo, a implantação de uma capital moderna em pleno sertão
do Brasil central poderia soar como uma loucura, mas para o governo federal
constituído o significado era estratégico, pois apontava para a direção da fronteira a
ser explorada, uma enorme porção do território pronta para ser incorporado ao
sistema capitalista periférico que o grupo varguista tentava articular. Para o grupo
mudancista de Goiás, a transferência da capital para uma cidade totalmente nova
significava, em grande medida, o rompimento com o isolamento e a estagnação que
o Estado vivia até então. O isolamento vivido por Goiás representava descrédito para
o Estado, agravado pela crise financeira oriunda da quebra da bolsa de Nova Iorque
em 1929 (MANSO, 2001).
O plano de Goiânia foi confiado pelo interventor federal do Estado, Pedro
Ludovico Teixeira, à Attílio Corrêa Lima por meio de um convite que partiu do próprio
governador em 1932. A partir do convite feito, estava nas mãos de Corrêa Lima o
desafio de satisfazer a contento as aspirações de uma elite urbana goiana em
formação e fazer pelo Estado o mesmo que a nova cidade de Belo Horizonte fez por
Minas Gerais, colocar o Estado no diapasão da expansão dos mercados da periferia
do capitalismo ligando suas novas elites urbanas aos fluxos do capital. Dessa forma,
39
na visão desta elite, a cidade planejada por Lima deveria promover a ação civilizatória
ao prever o espaço apropriado para as funções econômicas e ao ordenar de certa
forma o desenvolvimento social da nova região de fronteira (MANSO, 2001).
A primeira ação de
Corrêa Lima foi modificar
ligeiramente a localização da futura
cidade em relação ao que havia sido
estabelecido pela comissão
designada para elaborar o programa
referente à nova capital (ver Figura
52). É interessante perceber na
explicação de Lima a utilização
plena da racionalidade Figura 52. Esboço da Implantação de Goiânia.
característica da modernidade Fonte: LIMA, 1937.
fazendo uso inclusive de linguagem que aproximava a nova ciência do urbanismo com
o conhecimento científico stricto sensu das ciências biológicas.
Na concepção urbanística de Attilio Corrêa Lima para Goiânia, o
elemento urbano mais importante era a praça central, foco privilegiado das
perspectivas engendradas pelas
principais vias traçadas – avenidas
Goiás, Tocantins e Araguaia -
conforme se pode perceber pela
Figura 53.
Lima considerava
que uma capital necessitava da
imponência monumental e, para
tanto, lançou mão, na nova cidade, Figura 53. A Praça Cívica, elemento central na concepção de Attilio
Corrêa Lima, ainda na década de 1930. Percebem-se já os três eixos
do expediente formal do pâte d’oie principais convergindo para o palácio do governo.
nascendo em frente ao palácio do Fonte: MANSO, 2001.
governo estadual. Lima afiançava que: “guardando as devidas proporções, o efeito
monumental procurado é o do princípio clássico adotado em Versalhes, Karlsruhe e
Washington” (LIMA, 1937). A influência francesa é claramente notada na solução
adotada pelo arquiteto em relação à geometria das avenidas, da praça e na solução

40
estética dos bulevares como
mostra a Figura 54.
Do estudo de Lima
para o planejamento de Goiânia, é
possível inferir, em uma forma
embrionária e ainda muito
incipiente, um planejamento
regional pelo fato do arquiteto ter
levado em conta a pequena
cidade de Campinas, nas
proximidades do sítio escolhido,
em consideração ao demonstrar o
interesse em preservá-la e não
como um obstáculo ao
desenvolvimento da nova cidade,
mas como elemento a ser levado
em conta no futuro
desenvolvimento da nova capital.
Tal preocupação pode ser aduzida Figura 54. Plano original do núcleo inicial da cidade de Goiânia
proposto por Attilio Corrêa Lima.
da transformação da velha estrada
Fonte: MANSO, 2001.
- que dava acesso à Campinas e
a outros pequenos arraiais no
entorno - na Avenida
Anhanguera, que já no final da
década de 1940 assumirá posto
de grande importância na
hierarquização das vias e do
tráfego da futura capital (ver
Figura 55). A Avenida
Anhanguera recebeu por parte do
arquiteto a proposta de um
parque linear no cruzamento do
Figura 55. Traçado Urbano Inicial de Goiânia.
eixo norte-sul, onde se
Fonte: LIMA, 1937.
41
concentrariam o comércio e o tráfego mais intenso.
Corrêa Lima demonstra particular atenção a questões como as de
zoning, topografia, áreas verdes, hierarquia das vias e tráfego. Esta preocupação
comunica inapelavelmente a maturação, no pensamento urbanístico nacional, das
questões centrais do urbanismo desde o seu nascimento na condição de disciplina
científica. Corrêa Lima deixa evidente que para atender plenamente à vida moderna
o plano de uma cidade deveria ter em conta a independência econômica da cidade,
além de se preocupar com os outros elementos já mencionados anteriormente.
O zoning é encarado
no urbanismo moderno deste
período como a grande ferramenta
para o satisfatório sucesso do
planejamento urbano. Os escritos
de Prestes Maia (1950) sobre o
plano elaborado por ele para a
cidade de Santos deixam isso
muito claro, uma vez que Maia
separa um capítulo inteiro para
esclarecer sobre a importância do
zoneamento no planejamento das
cidades. Corrêa Lima entende que
o zoneamento deveria ser aplicado
de uma forma que não limitasse
em demasia a liberdade
do Figura 56. Zoneamento Inicial de Goiânia.
proprietário e, por isso, mesmo Fonte: LIMA, 1937.
abraçando o ideário moderno, o zoning em Goiânia não foi tão rigoroso (ver Figura
56). A cidade foi dividida em cinco grandes zonas com os usos separados: A praça
central concentrando toda a estrutura administrativa do Estado e município; um setor
comercial na confluência da Avenida Pedro Ludovico (futura Avenida Goiás, um dos
três eixos principais que nascem da praça central) com a Avenida Anhanguera; a
região norte da cidade, no outro extremo do eixo principal, próximo à estação de ferro,
esta em posição de destaque fazendo um contraponto com o próprio palácio em um
dos pólos visuais da principal perspectiva elaborada pelo arquiteto – notamos aqui a

42
adoção de um princípio caro às cidades jardins - seria dedicada às indústrias, os
setores sul e oeste seriam eminentemente voltados para as residências suburbanas
e as demais áreas identificadas como rurais.
Outra preocupação de Corrêa Lima foi com a arborização da cidade. A
solução encontrada foi a da constituição de parques e avenidas parques entremeados
por pequenos lagos (ver
Figura 57). No entanto,
Graeff (1985: 13) afiança
que ao propor um
tratamento paisagístico
de avenida parque, com
renque central de
árvores frondosas,
fechando a perspectiva,
Corrêa Lima acaba por
eliminar os efeitos Figura 57. Estudo para o Parque dos Buritis.
intencionados por essa Fonte: LIMA, 1937.
mesma perspectiva e que daria às três avenidas convergentes a expressão anunciada
e, assim, na ausência de alamedas, o pitoresco
vigorou sobre o monumental. O abastecimento
de água foi um ponto bastante estudado por
Lima com a sugestão do aproveitamento e
preservação do rio que abasteceria a cidade
bem como de seus afluentes. Nesse sentido,
Corrêa Lima apresentou ao governador uma
proposta de delimitação rigorosa do perímetro
urbano da cidade para que fosse prevenida pelo
Estado a deterioração a bacia da região através
da aquisição dos terrenos assim como uma
esquematização da rede de esgoto para a
capital (ver Figura 58). Aqui também
percebemos uma intenção regional do
planejamento. Figura 58. Esquema de sistema de Esgoto.
Fonte: LIMA, 1937.
43
Além dos projetos arquitetônicos e urbanísticos, Corrêa Lima teve a
preocupação de propor para o Estado um projeto de organização administrativa e um
regulamento para as construções da cidade, o primeiro com a finalidade de separar a
cidade das influências políticas
e especulativas e o segundo
procurando definir o
regulamento urbanístico (ver
Figura 59). Percebe-se uma
preocupação que extrapola a
arquitetura, considerando a
cidade em várias dimensões
inclusive aquela política. Lima
entregou em 1935 ao governo
do Estado um conjunto de
projetos que situava o plano de
Goiânia na vanguarda da
discussão urbana do entre
guerras com a predominância
de espaços para as vias
públicas, jardins e parques.
Seu plano estruturava uma
grande fluência para o tráfego
Figura 59. Centro Cívico e Edifícios Públicos.
e continham uma grande
Fonte: LIMA, 1937.
preocupação com o bem estar dos munícipes a partir do desenho das ruas de cada
bairro. Com a entrega dos planos em janeiro de 1935, Attilio Corrêa Lima foi desligado
das obras já em andamento.

44
9 PLANO PILOTO DE LÚCIO COSTA PARA BRASÍLIA – DF

Uma ideia revolucionária, que marcaria para sempre a história do


urbanismo contemporâneo. Ousada, pioneira, mas ao mesmo tempo de uma
simplicidade surpreendente, apresentada na forma de um memorial descritivo e
singelos esboços em lápis.
O projeto do arquiteto e
urbanista Lucio Costa (ver Figura 60), que
derrotou outros 25 perante um júri
internacional, em março de 1957, não era
apenas o traçado de uma cidade voltada para
a administração pública e que expressava "a
grandeza de uma vontade nacional", como
determinava o edital do concurso. Ele sugeria
uma nova concepção de vida, baseada no
resgate de valores essenciais ao bem-estar Figura 60. Lucio M. F. Ribeiro de Lima e Costa.
coletivo. Uma cidade-parque em que homem Fonte: COSTA, 2001.
e natureza convivessem de forma harmoniosa e em que os laços comunitários fossem
fortalecidos. Uma capital arrojada e moderna, com um sistema viário inovador,
pontuada por monumentos de forte impacto cívico e arquitetônico (COSTA, 2001).
Segunda Costa (2001), a concepção do Plano Piloto nasceu do gesto de
quem assinala uma cruz. Um símbolo de conquista, de quem toma posse de um
território. Adaptado à topografia local e ao escoamento das águas, um dos eixos dessa
cruz, o Norte-Sul, seria arqueado e daria ao desenho final a noção de um pássaro –
ou, como diria mais tarde Lucio Costa, a sugestão de uma libélula, uma borboleta, um
arco e flecha...
Entre os princípios básicos do projeto estão a setorização urbana por
atividades determinadas e uma técnica rodoviária que elimina cruzamentos. A cidade
gira em torno de dois grandes troncos de circulação, o Eixo Monumental, que vai de
Leste a Oeste, e o Eixo Rodoviário-Residencial, que vai de Norte a Sul e é cortado
transversalmente pelas vias locais.
Com exceção da área central, onde prevalecem edifícios mais altos e

45
mais aglomerados, o Plano Piloto se caracteriza pela paisagem horizontalizada, pela
predominância de espaços livres e pela grande amplitude visual (COSTA, 2001). São
quatro escalas: a residencial, a monumental, a gregária e a bucólica.

9.1 O Plano Piloto

O concurso requeria um projeto para uma cidade que deveria ser


concebida não como simples organismo capaz de preencher satisfatoriamente e sem
esforço as funções vitais próprias de uma cidade moderna qualquer, não apenas como
urbs, mas como civitas, possuidora dos atributos inerentes a uma capital. E, para
tanto, a condição primeira é achar-se o urbanista imbuído de uma certa dignidade e
nobreza de intenção, porquanto dessa atitude fundamental decorrem a ordenação e
o senso de conveniência e medida capazes de conferir, ao conjunto projetado, o
desejável caráter monumental. Monumental, não no sentido de ostentação, mas no
sentido da expressão palpável, por assim dizer, consciente, daquilo que vale e
significa.
Cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo
tempo cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e à especulação intelectual, capaz
de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração, num foco de
cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país.
Dito isto, vejamos como nasceu, se
definiu e resolveu a presente solução:

1 - Nasceu do gesto primário de quem assinala um


lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se
em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz (ver
Figura 61 – Rascunho 1).

2 – Procurou-se depois a adaptação à topografia


local, ao escoamento natural das águas, à melhor
orientação, arqueando-se um dos eixos a fim de Figura 61. Rascunhos do Plano Piloto.
Fonte: COSTA, 2001.
46
contê-lo no triângulo equilátero que define a área urbanizada (ver Figura 61 –
Rascunho 2).

3 – E houve o propósito de aplicar princípios francos da técnica rodoviária — inclusive


a eliminação dos cruzamentos — à técnica urbanística, conferindo-se ao eixo
arqueado, correspondente às vias naturais de acesso, a função circulatória tronco,
com pistas centrais de velocidade e pistas laterais para o tráfego local e dispondo-se
ao longo desse eixo o grosso
dos setores residenciais (ver
Figura 62 – Rascunho 3).

4 – Como decorrência dessa


concentração residencial, os
centros cívico e administrativo,
o setor cultural, o centro de
diversões, o centro esportivo, o
setor administrativo municipal,
os quartéis, as zonas
destinadas a armazenagem, ao
abastecimento e às pequenas
indústrias locais, e, por fim, a
estação ferroviária, foram-se
naturalmente ordenando
e Figura 62. Rascunhos do Plano Piloto.
dispondo ao longo do eixo Fonte: COSTA, 2001.
transversal que passou assim a ser o eixo monumental do sistema (ver Figura 62 –
Rascunho 4). Lateralmente à intersecção dos dois eixos, mas participando
funcionalmente e em termos de composição urbanística do eixo monumental,
localizaram-se o setor bancário e comercial, o setor dos escritórios de empresas e
profissões liberais, e ainda os amplos setores do varejo comercial.

5 – O cruzamento desse eixo monumental, de cota inferior, com o eixo


rodoviário-residencial impôs a criação de uma grande plataforma liberta do tráfego
que não se destine ao estacionamento ali, remanso onde se concentrou logicamente

47
o centro de diversões da cidade, com os cinemas, os teatros, os restaurantes etc. (ver
Figura 63 – Rascunho 5).

6 – O tráfego destinado aos


demais setores prossegue,
ordenado em mão única, na área
térrea interior coberta pela
plataforma e entalada nos dois
topos mas aberta nas faces
maiores, área utilizada em grande
parte para o estacionamento de
veículos e onde se localizou a
estação rodoviária interurbana,
acessível aos passageiros pelo
nível superior da plataforma (ver
Figura 63 – Rascunho 6).
Apenas as pistas de velocidade
mergulham, já então
subterrâneas, na parte central
desse piso inferior que se espraia
em declive até nivelar-se com a
esplanada do setor dos Figura 63. Rascunhos do Plano Piloto.
ministérios. Fonte: COSTA, 2001.

7 – Desse modo e com a introdução de três trevos completos em cada ramo do eixo
rodoviário e outras tantas passagens de nível inferior, o tráfego de automóveis e
ônibus se processa tanto na parte central quanto nos setores residenciais sem
qualquer cruzamento. Para o tráfego de caminhões estabeleceu-se um sistema
secundário autônomo com cruzamentos sinalizados mas sem cruzamento ou
interferência alguma com o sistema anterior, salvo acima do setor esportivo e que
acede aos edifícios do setor comercial ao nível do subsolo, contornando o centro
cívico em cota inferior, com galerias de acesso previstas no terrapleno (ver Figura 63
– Rascunho 7).

48
8 – Fixada assim a rede geral do tráfego
automóvel, estabeleceram-se, tanto nos
setores centrais como nos residenciais,
tramas autônomas para o trânsito local dos
pedestres a fim de garantir-lhes o uso livre
do chão, (ver Figura 64 – Rascunho 8)
sem contudo levar tal separação a
extremos sistemáticos e anti-naturais pois
não se deve esquecer que o automóvel,
hoje em dia, deixou de ser o inimigo
inconciliável do homem, domesticou-se, já
faz, por assim dizer, parte da família Ele só
se “desumaniza”, readquirindo vis-à-vis do
pedestre feição ameaçadora e hostil
Figura 64. Rascunhos do Plano Piloto.
quando incorporado à massa anônima do
Fonte: COSTA, 2001.
tráfego. Há então que separá-los, mas sem
perder de vista que em determinadas condições e para comodidade recíproca, a
coexistência se impõe.

9 – Veja-se agora como


nesse arcabouço de circulação
ordenada se integram e articulam os
vários setores. Destacam-se no
conjunto os edifícios destinados aos
poderes fundamentais que, sendo em
número de três e autônomos,
encontraram no triângulo equilátero,
vinculado à arquitetura da mais remota
antiguidade, forma elementar
Figura 65. Rascunhos do Plano Piloto.
apropriada para contá-los. Criou-se
Fonte: COSTA, 2001.
então um terrapleno triangular, com arrimo de pedra à vista, sobrelevado na campina
circunvizinha a que se tem acesso pela própria rampa da auto-estrada que conduz à
residência e ao aeroporto (ver Figura 65 – Rascunho 9).

49
10 – Nesta plataforma onde, como se via anteriormente, o tráfego é apenas local,
situou-se então o centro de diversões da cidade (mistura em termos adequados de
Piccadilly Circus, Times Square e Champs Elysées). A face da plataforma debruçada
sobre o setor cultural e a esplanada dos ministérios, não foi edificada com exceção de
uma eventual casa de chá e da
ópera, cujo acesso tanto se faz
pelo próprio setor de diversões,
como pelo setor cultural contíguo,
em plano inferior. Na face fronteira
foram concentrados os cinemas e
teatros, cujo gabarito se fez baixo
e uniforme, constituindo assim o
conjunto deles um corpo
arquitetônico contínuo com
galeria, amplas calçadas, terraços
e cafés, servindo as respectivas
fachadas em toda a altura de
campo livre para a instalação de
painéis luminosos de reclame (ver
Figura 66 – Rascunho 11). As
várias casas de espetáculo Figura 66. Rascunhos do Plano Piloto.
estarão ligadas entre si por Fonte: COSTA, 2001.
travessas no gênero tradicional da rua do Ouvidor, das vielas venezianas ou de
galerias cobertas (arcades) e articuladas a pequenos pátios com bares e cafés, e
“loggias” na parte dos fundos com vista para o parque, tudo no propósito de propiciar
ambiente adequado ao convívio e à expansão (ver Figura 66 – Rascunho 11). O
pavimento térreo do setor central desse conjunto de teatros e cinemas manteve-se
vazado em toda a sua extensão, salvo os núcleos de acesso aos pavimentos
superiores, a fim de garantir continuidade à perspectiva, e os andares se previram
envidraçados nas duas faces para que os restaurantes, clubes, casas de chá etc.,
tenham vista, de um lado para a esplanada inferior, e do outro para o aclive do parque
no prolongamento do eixo monumental e onde ficaram localizados os hotéis
comerciais e de turismo e, mais acima, para a torre monumental das estações rádio

50
emissoras e de televisão, tratada como elemento plástico integrado na composição
geral (ver Figura 66 – Rascunho 11 e 12). Na parte central da plataforma, porém
disposto lateralmente, acha-se o saguão da estação rodoviária com bilheteria, bares,
restaurantes, etc., construção baixa, ligada por escadas rolantes ao “hall” inferior de
embarque separado por envidraçamento do cais propriamente dito. O sistema de mão
única obriga os ônibus na saída a uma volta, num ou noutro sentido, fora da área
coberta pela plataforma, o que permite ao viajante uma última vista do eixo
monumental da cidade antes de entrar no eixo rodoviário residencial — despedida
psicologicamente desejável. Previram-se igualmente nessa extensa plataforma
destinada principalmente, tal como no piso térreo, ao estacionamento de automóveis,
duas amplas praças privativas dos pedestres, uma fronteira ao teatro da ópera e outra,
simetricamente oposta, em frente a um pavilhão de pouca altura debruçado sobre os
jardins do setor cultural e destinado a restaurante, bar e casa de chá. Nestas praças,
o piso das pistas de rolamento, sempre de sentido único, foi ligeiramente sobrelevado
em larga extensão, para o livre cruzamento dos pedestres num e noutro sentido, o
que permitirá acesso franco e direto tanto aos setores do varejo comercial quanto ao
setor dos bancos e escritórios (ver Figura 64 – Rascunho 8).

11 – Lateralmente a esse setor central de diversões, e articulados a ele, encontram-


se dois grandes núcleos destinados exclusivamente ao comércio — lojas e
“magazins”, e dois setores distintos, o bancário-comercial, e o dos escritórios para
profissões liberais, representações e empresas, onde foram localizados,
respectivamente, o Banco do Brasil e a sede dos Correios e Telégrafos. Estes núcleos
e setores são acessíveis aos automóveis diretamente das respectivas pistas, e aos
pedestres por calçadas sem cruzamento (ver Figura 64 – Rascunho 8), e dispõem
de auto-portos para estacionamento em dois níveis, e de acesso de serviço pelo
subsolo correspondente ao piso inferior da plataforma central. No setor dos bancos,
tal como no dos escritórios, previram-se três blocos altos e quatro de menor altura,
ligados entre si por extensa ala térrea com sobreloja de modo a permitir
intercomunicação coberta e amplo espaço para instalação de agências bancárias,
agências de empresas, cafés, restaurantes, etc. Em cada núcleo comercial, propõe-
se uma sequência ordenada de blocos baixos e alongados e um maior, de igual altura
dos anteriores, todos interligados por um amplo corpo térreo com lojas, sobrelojas e

51
galerias. Dois braços elevados da pista de contorno permitem, também aqui, acesso
franco aos pedestres.

12 – O setor esportivo, com extensíssima área destinada exclusivamente


ao estacionamento de automóveis, instalou-se entre a praça da Municipalidade e a
torre radio emissora, que se prevê de planta triangular com embasamento
monumental de concreto aparente até o piso dos “studios” e mais instalações, e
superestrutura metálica com mirante localizado a meia altura (ver Figura 66 –
Rascunho 12). De um lado o estádio e mais dependências tendo aos fundos o Jardim
Botânico; do outro o hipódromo com as respectivas tribunas e vila hípica e, contíguo,
o Jardim Zoológico, constituindo estas duas imensas áreas verdes, simetricamente
dispostas em relação ao eixo monumental, como que os pulmões da nova cidade (ver
Figura 62 – Rascunho 4).

13 – Na praça Municipal, instalaram-se a Prefeitura, a Polícia Central, o Corpo de


Bombeiros e a Assistência Pública. A penitenciária e o hospício, conquanto afastados
do centro urbanizado, fazem igualmente parte deste setor.

14 – Acima do setor municipal foram dispostas as garagens da viação urbana, em


seguida, de uma banda e de outra, os quartéis e numa larga faixa transversal o setor
destinado ao armazenamento e à instalação das pequenas indústrias de interesse
local, com setor residencial autônomo, zona esta rematada pela estação ferroviária e
articulada igualmente a um dos ramos da rodovia destinada aos caminhões.

15 – Percorrido assim de ponta a ponta esse eixo dito monumental, vê-se que a
fluência e unidade do traçado (ver Figura 65 – Rascunho 9), desde a praça do
Governo até a praça Municipal, não exclui a variedade, e cada setor, por assim dizer,
vale por si como organismo plasticamente autônomo na composição do conjunto.
Essa autonomia cria espaços adequados à escala do homem e permite o diálogo
monumental localizado sem prejuízo do desempenho arquitetônico de cada setor na
harmoniosa integração urbanística do todo.

16 – Quanto ao problema residencial, ocorreu a solução de criar-se uma

52
seqüência contínua de grandes quadras dispostas, em ordem dupla ou singela, de
ambos os lados da faixa rodoviária, e emolduradas por uma larga cinta densamente
arborizada, árvores de porte, prevalecendo em cada quadra determinada espécie
vegetal, com chão gramado e uma cortina suplementar intermitente de arbustos e
folhagens, a fim de resguardar melhor, qualquer que seja a posição do observador, o
conteúdo das quadras, visto sempre num segundo plano e como que amortecido na
paisagem (ver Figura 67 –
Rascunho 13). Disposição
que apresenta a dupla
vantagem de garantir a
ordenação urbanística
mesmo quando varie a
densidade, categoria,
padrão ou qualidade
arquitetônica dos edifícios, e
de oferecer aos moradores
extensas faixas sombreadas
para passeio e lazer,
independentemente das
áreas livres previstas no
interior das próprias quadras
(ver Figura 64 – Rascunho
8). Dentro destas “super-
quadras” os blocos
residenciais podem dispor-
se da maneira mais variada, Figura 67. Rascunhos do Plano Piloto.
Fonte: COSTA, 2001.
obedecendo porém a dois
princípios gerais: gabarito máximo uniforme, talvez seis pavimentos e pilotis, e
separação do tráfego de veículos do trânsito de pedestres, mormente o acesso á
escola primária e às comodidades existentes no interior de cada quadra. Ao fundo das
quadras estende-se a via de serviço para o tráfego de caminhões, destinando-se ao
longo dela a frente oposta às quadras, à instalação de garagens, oficinas, depósitos
do comércio em grosso etc., e reservando-se uma faixa de terreno, equivalente a uma

53
terceira ordem de quadras, para floricultura, horta e pomar. Entaladas entre essa via
de serviço e as vias do eixo rodoviário, intercalaram-se então largas e extensas faixas
com acesso alternado, ora por uma, ora por outra, e onde se localizaram a igreja, as
escolas secundárias, o cinema e o varejo do bairro, disposto conforme a sua classe
ou natureza (ver Figura 67 – Rascunho 13). O mercadinho, os açougues, as vendas,
quitandas, casas de ferragens, etc., na primeira metade da faixa correspondente ao
acesso de serviço; as barbearias, cabeleireiros, modistas, confeitarias, etc., na
primeira seção da faixa de acesso privativa dos automóveis e ônibus, onde se
encontram igualmente os postos de serviço para venda de gasolina. As lojas dispõem-
se em renque com vitrinas e passeio coberto na face fronteira às cintas arborizadas
de enquadramento dos quarteirões e privativas dos pedestres, e o estacionamento na
face oposta, contígua às vias de acesso motorizado, prevendo-se travessas para
ligação de uma parte a outra, ficando assim as lojas geminadas duas a duas, embora
o seu conjunto constitua um corpo só (ver Figura 67 – Rascunho 14). Na confluência
das quatro quadras localizou-se a igreja do bairro, e aos fundos dela as escolas
secundárias, ao passo que na parte da faixa de serviço fronteira à rodovia se previu o
cinema a fim de torná-lo acessível a quem proceda de outros bairros, ficando a
extensa área livre intermediária destinada ao clube da juventude, com campo de jogos
e recreio.

17 – A gradação social poderá ser dosada facilmente atribuindo-se maior valor a


determinadas quadras como, por exemplo, às quadras singelas contíguas ao setor
das embaixadas, setor que se estende de ambos os lados do eixo principal
paralelamente ao eixo rodoviário, com alameda de acesso autônomo e via de serviço
para o tráfego de caminhões comum às quadras residenciais. Essa alameda, por
assim dizer, privativa do bairro das embaixadas e legações, se prevê edificada apenas
num dos lados, deixando-se o outro com a vista desimpedida sobre a paisagem,
excetuando-se o hotel principal localizado nesse setor e próximo do centro da cidade.
No outro lado do eixo rodoviário-residencial, as quadras contíguas à rodovia serão
naturalmente mais valorizadas que as quadras internas, o que permitirá as gradações
próprias do regime vigente; contudo, o agrupamento delas, de quatro em quatro,
propicia num certo grau a coexistência social, evitando-se assim uma indevida e
indesejável estratificação. E seja como for, as diferenças de padrão de uma quadra a

54
outra serão neutralizadas pelo próprio agenciamento urbanístico proposto, e não
serão de natureza a afetar o conforto social a que todos têm direito. Elas decorrerão
apenas de uma maior ou menor densidade, do maior ou menor espaço atribuído a
cada indivíduo e a cada família, da escolha dos materiais e do grau e requinte do
acabamento. Neste sentido deve-se impedir a enquistação de favelas tanto na
periferia urbana quanto na rural. Cabe à Companhia Urbanizadora prover dentro do
esquema proposto acomodações decentes e econômicas para a totalidade da
população.

18 – Previram-se igualmente setores ilhados, cercados de arvoredo e de campo,


destinados a loteamento para casas individuais, sugerindo-se uma disposição
dentada em cremalheira, para que as casas construídas nos lotes de topo se
destaquem na paisagem, afastadas umas das outras, disposição que ainda permite
acesso autônomo de serviço para todos os lotes (ver Figura 67 – Rascunho 15). E
admitiu-se igualmente a construção eventual de casas avulsas isoladas de alto padrão
arquitetônico — o que não implica tamanho — estabelecendo-se porém como regra,
nestes casos, o afastamento mínimo de um quilômetro de casa a casa, o que
acentuará o caráter excepcional de tais concessões.

19 – Os cemitérios localizados nos extremos do eixo rodoviário-residencial evitam aos


cortejos a travessia do centro urbano. Terão chão de grama e serão
convenientemente arborizados, com sepulturas rasas e lápides singelas, à maneira
inglesa, tudo desprovido de qualquer ostentação.

20 – Evitou-se a localização dos bairros residenciais na orla da lagoa, a fim de


preservá-la intacta, tratada com bosques e campos de feição naturalista e rústica para
os passeios e amenidades bucólicas de toda a população urbana. Apenas os clubes
esportivos, os restaurantes, os lugares de recreio, os balneários e núcleos de pesca
poderão chegar à beira d’água. O clube de Golf situou-se na extremidade leste,
contíguo à Residência e ao hotel, ambos em construção, e o Yatch Club na enseada
vizinha, entremeados por denso bosque que se estende até à margem da represa,
bordejada nesse trecho pela alameda de contorno que intermitentemente se
desprende da sua orla para embrenhar-se pelo campo que se pretende eventualmente

55
florido e manchado de arvoredo. Essa estrada se articula ao eixo rodoviário e também
à pista autônoma de acesso direto do aeroporto ao centro cívico, por onde entrarão
na cidade os visitantes ilustres, podendo a respectiva saída processar-se, com
vantagem, pelo próprio eixo rodoviário-residencial. Propõe-se, ainda, a localização do
aeroporto definitivo na área interna da represa, a fim de evitar-lhe a travessia ou o
contorno.

21 – Quanto à numeração urbana, a referência deve ser o eixo monumental,


distribuindo-se a cidade em metades NORTE e SUL; as quadras seriam assinaladas
por números, os blocos residenciais por letras, e finalmente o número do apartamento
na forma usual, assim por exemplo, N-Q3 – L – ap. 201. A designação dos blocos em
relação à entrada da quadra deve seguir da esquerda para a direita, de acordo com a
norma.

22 – Resta o problema de como dispor do terreno e torná-lo acessível ao capital


particular. Entendo que as quadras não devem ser loteadas, sugerindo, em vez da
venda de lotes, a venda de quotas de terreno, cujo valor dependerá do setor em causa
e do gabarito, a fim de não entravar o planejamento atual e possíveis remodelações
futuras no delineamento interno das quadras. Entendo também que esse
planejamento deveria de preferência anteceder a venda das quotas, mas nada impede
que compradores de um número substancial de quotas submetam à aprovação da
Companhia projeto próprio de urbanização de uma determinada quadra, e que, além
de facilitar aos incorporadores a aquisição de quotas, a própria Companhia funcione,
em grande parte, como incorporadora. E entendo igualmente que o preço das quotas,
oscilável conforme a procura, deveria incluir uma parcela com taxa fixa, destinada a
cobrir as despesas do projeto, no intuito de facilitar tanto o convite a determinados
arquitetos como a abertura de concursos para a urbanização e edificação das quadras
que não fossem projetadas pela Divisão de Arquitetura da própria Companhia. E
sugiro ainda que a aprovação dos projetos se processe em duas etapas, anteprojeto
e projeto definitivo, no intuito de permitir seleção prévia e melhor controle da qualidade
das construções. Da mesma forma quanto ao setor do varejo comercial e aos setores
bancário e dos escritórios das empresas e profissões liberais, que deveriam ser
projetados previamente de modo a se poderem fracionar em sub-setores e unidades

56
autônomas, sem prejuízo da integridade arquitetônica, e assim se submeterem
parceladamente à venda no mercado imobiliário, podendo a construção propriamente
dita, ou parte dela, correr por conta dos interessados ou da Companhia, ou ainda,
conjuntamente.

23 – Resumindo, a solução apresentada é de fácil apreensão, pois se caracteriza pela


simplicidade e clareza do risco original, o que não exclui, conforme se viu, a variedade
no tratamento das partes, cada qual concebida segundo a natureza peculiar da
respectiva função, resultando daí a harmonia de exigências de aparência
contraditória. E assim que, sendo monumental é também cômoda, eficiente,
acolhedora e íntima. E ao mesmo tempo derramada e concisa, bucólica e urbana,
lírica e funcional. O tráfego de automóveis se processa sem cruzamentos, e se restitui
o chão, na justa medida, ao pedestre. E por ter o arcabouço tão claramente definido,
é de fácil execução: dois eixos, dois terraplenos, uma plataforma, duas pistas largas
num sentido, uma rodovia no outro, rodovia que poderá ser construída por partes —
primeiro as faixas centrais como um trevo de cada lado, depois as pistas laterais, que
avançariam com o desenvolvimento normal da cidade. As instalações teriam sempre
campo livre nas faixas verdes contíguas às pistas de rolamento. As quadras seriam
apenas niveladas e paisagisticamente definidas, com as respectivas cintas plantadas
de grama e desde logo arborizadas, mas sem calçamento de qualquer espécie, nem
meios-fios. De uma parte,
técnica rodoviária; de
outra, técnica paisagística
de parques e jardins.
A Figura 68
mostra o projeto inicial da
capital brasileira.

Figura 68. Projeto inicial do Plano Piloto.


Fonte: COSTA, 2001.
57
10 PLANO DE LUIZ F. C. TEIXEIRA PARA PALMAS – TO

Desde a criação da República e da Federação, o território do Estado do


Tocantins fez parte do Estado de Goiás. O primeiro registro de busca de autonomia
da região onde se construiu a cidade de Palmas data de 1821. Neste ano, o ouvidor-
geral da então Comarca de São João das Duas Barras (mais tarde São João da
Palma, hoje Paranã), Joaquim Teotônio Segurado, assumiu a iniciativa de criar um
governo autônomo da Coroa Portuguesa em uma área de terra no sul do território que
hoje forma o estado do Tocantins. Esta área incluía ainda as localidades de
Cavalcante e Natividade. Esse episódio está registrado no nome da principal avenida
da capital, que homenageia o ouvidor. Há registro também, de 1873, de uma proposta
frustrada do Visconde de Taunay para criação da Província de Boa Vista do Tocantins
(TEIXEIRA, 2009).
Outra iniciativa de desmembramento do norte de Goiás deu-se em 1956.
Mais tarde, em 1972, o deputado Siqueira Campos, então presidente da Comissão da
Amazônia, apresentou projeto de redivisão da Amazônia Legal, do qual constava a
criação do Estado do Tocantins. Até 1988, vários outros projetos foram tentados e
frustrados. Todo esse esforço separatista desembocou na Assembleia Constituinte de
1988, cujo artigo 13 das Disposições Transitórias da Constituição Federal criou o
Estado do Tocantins, desmembrado do Estado de Goiás. O novo Estado passou a
integrar a Região Norte, fazendo parte da Amazônia Legal (GRUPOQUATRO, 1989).

10.1 A escolha do local da Nova Capital

Segundo Teixeira (2009), criado o novo Estado e eleito o governador,


Siqueira Campos, começa a disputa pela localização da capital. Conforme previsto na
Constituição Federal, o governo do Estado do Tocantins deveria se instalar em uma
capital provisória até a escolha definitiva. Os estudos para a determinação do lugar
da capital, entretanto, já avançavam em duas frentes: instalá-la em uma das cidades
existentes ou escolher um sítio novo para construir uma cidade nova. A opção por

58
Araguaína, no norte do Estado, além de estar situada próxima à área conflituosa de
mineração e garimpo do Pará, disputaria influência no sul do Maranhão. A opção por
Gurupi, no sul, poderia manter a capital sob a influência de Goiás, o que era
contraditório com o esforço de separação dos dois Estados.
De acordo com Teixeira (2009), a opção pela construção de uma cidade
nova se afirmava pouco a pouco. A estratégia, além de procurar escapar das disputas
políticas consolidadas nas cidades eleitas como alternativas durante o processo de
escolha visavam intervir de uma maneira positiva sobre a organização do espaço
territorial do Tocantins. Estrategicamente, o governador Siqueira Campos identificou
um quadrilátero de 90x90 km, situado no centro geográfico do Estado, como área
geopolítica mais favorável à construção da capital. Determinou ainda a elaboração de
estudos de pré-seleção de áreas para que a assembleia constituinte do Estado
escolhesse a mais adequada. O relatório
que envolvia aspectos de topografia,
hidrografia, paisagem, disponibilidade de
infraestrutura, entre outros, definiu quatro
áreas com potencial para implantar uma
cidade do porte de capital de Estado. Duas
delas situavam-se à margem esquerda e
outras duas, na margem direita do Rio
Tocantins.
Havia grupos pró-margem
esquerda e pró-margem direita do Rio
Tocantins. A margem esquerda já havia
sido beneficiada pela construção da
Figura 69. Região de escolha do local de implantação.
rodovia Belém–Brasília, com impactos
Fonte: GRUPOQUATRO, 1989.
inclusive no esvaziamento das cidades mais antigas da região, junto às margens do
Rio Tocantins. A margem direita era tida como a mais atrasada do Estado (ver Figura
69). A disputa chegou a gerar especulação da criação, no futuro, de outro movimento
separatista do território da margem direita, caso a capital fosse construída na margem
esquerda. A decisão final foi tomada por uma comissão especial do Estado, com
decisiva influência do governador eleito. O sítio escolhido, um quadrilátero de 12x32
km, incluía terras das duas margens do Rio Tocantins, situadas nos municípios de

59
Taquaruçu do Porto e Porto Nacional. Todavia decidiu-se que a cidade seria
construída em uma faixa de terra situada entre a margem direita do Rio Tocantins e a
Serra do Lajeado, próximo ao antigo povoado de Canela, no município de Taquaruçu
do Porto. De fato, essa região central, ainda pouco desenvolvida, mas com um
povoamento considerável em torno de cidades como Porto Nacional, Miracema do
Tocantins e Paraíso do Tocantins, poderia ser positivamente influenciada pela
presença da capital. Uma forte rede de cidades poderia ser formada no coração do
Estado sob o impulso multiplicador da capital. A Constituição Estadual, promulgada
em 5 de outubro de 1989, definiu Palmas como a capital do Estado, estabelecendo a
data de 1º de janeiro de 1990 para a transferência da capital de Miracema do
Tocantins para Palmas. Antes, em 29 de dezembro de 1989, o município de
Taquaruçu do Porto teve sua sede transferida para o local onde estava sendo
construída a capital e seu nome mudado para Palmas. A pedra fundamental de
construção da cidade foi lançada em 20 de maio de 1989. Uma lei de 13 de fevereiro
de 1990 anexou o Distrito de Canela ao novo município de Palmas. Outra lei, de 19
de dezembro de 1995, anexou também o Distrito de Taquaralto. O Taquaralto,
portanto, faz hoje parte da cidade de Palmas, constituindo-se em bairro. A divisão
distrital do Município de Palmas hoje inclui, além da sede, os Distritos de Taquaruçu
e Buritirana. O sítio urbano de Palmas tem limites bastante definidos e apresenta forte
identidade paisagística. O sítio é formado por uma faixa de terra com baixas
declividades, estendendo-se por uma distância média de 15 km entre a margem direita
do Rio Tocantins e a encosta da Serra do Lajeado. O rio, posteriormente o lago, e a
serra estão alinhados no sentido norte-sul. A barreira natural formada pela serra está
protegida da ocupação por uma reserva ecológica estadual, atingindo altitudes
máximas que ultrapassam 600 metros em relação ao nível do mar. A altitude média
da área do sítio indicado para a construção da cidade é de 260 metros. O lago formado
pela Usina Hidrelétrica do Lajeado inundou uma significativa faixa de terra até a cota
estimada de 212 metros. A área designada para implantação do plano básico está
situada entre os ribeirões Água Fria e Taquaruçu Grande. Nesta região, entre os
ribeirões Água Fria, ao Norte, e Taquaruçu, ao Sul, foi desenhada a área urbana de
Palmas, com 11.085 hectares e capacidade para abrigar cerca de 1,2 milhão de
habitantes (GRUPOQUATRO, 1989).
De acordo com Teixeira (2009), outras duas áreas – ao Norte do Água

60
Fria, com 4.625 hectares, e ao Sul do Taquaruçu, com 4.869 hectares – foram
reservadas à futura expansão da cidade, fazendo com que Palmas tenha na realidade,
potencial para conter uma população superior a 2 milhões de habitantes. Portanto, os
recursos hídricos e a proteção de suas matas de galeria foram elementos
determinantes para a configuração urbanística do macrozoneamento e do desenho
da cidade. Trata-se de avanço no planejamento do território onde a bacia hidrográfica
insinua a organização do território.

10.2 O Plano Urbanístico

De acordo com Teixeira (2009) O sítio urbano, com alguns limites bem
demarcados pelo Rio Tocantins e pela Serra do Lajeado, sugeria uma planta linear
para a cidade. O rio, o lago artificial projetado e a serra puderam garantir um bom
enquadramento urbanístico e paisagístico da cidade no lugar.
O eixo da rodovia estadual TO-132 (hoje TO-010) foi deslocado para
leste, servindo de referência ao traçado viário. Acompanhando a cota de enchente do
futuro lago, foi projetada uma via-parque junto à qual foram previstas amplas áreas
verdes de lazer e recreação destinadas ao uso público. As matas ciliares junto aos
ribeirões foram preservadas,
formando grandes faixas verdes,
entremeando as quadras
destinadas à edificação
(GRUPOQUATRO, 1989).
Teixeira (2009)
afirma que entre a rodovia e a via-
parque foi projetada a Avenida
Joaquim Teotônio Segurado, Figura 70. Praça dos Girassóis.
principal via da cidade, Fonte: GRUPOQUATRO, 1989.
homenageando o pioneiro da luta regionalista do Tocantins. A Avenida Juscelino
Kubitschek, cruzando a Teotônio Segurado, completa o traçado viário básico da
cidade. No cruzamento dessas duas grandes avenidas foram localizados os principais

61
edifícios públicos do governo estadual e a Praça dos Girassóis, que simbolizam a
cidade (ver Figura 70). No local estão o Palácio Araguaia, sede do Executivo, o
Palácio João d´Abreu, sede do Legislativo, e o Palácio Feliciano Machado Braga, sede
do Judiciário. Em torno dessa praça foi prevista a localização de usos e atividades
urbanas capazes de gerar centralidade, com bancos, escritórios, clínicas médicas,
restaurantes, cinemas e mesmo edifícios mistos com apartamentos a partir do
primeiro andar.
A opção por uma malha viária ortogonal, em xadrez, além de econômica
e de se adequar bem ao sítio urbano, garantiu simplicidade quase didática para a
implantação do plano (ver Figura 71).

Figura 71. Plano Urbanístico de Palmas.


Fonte: GRUPOQUATRO, 1989.

O sistema viário básico e os módulos de quadras são os elementos


geradores e disciplinadores principais da ocupação urbana. O sistema de quadras
permite a grande flexibilidade da implantação, abrigando o uso residencial com
densidade máxima prevista de 300 habitantes por hectare. A quadra padrão tem cerca

62
de 700x700 metros podendo abrigar uma população de 8 a 12 mil habitantes. Esse
formato quadrado básico pode sofrer adaptações dependendo da posição da quadra
e das condições do sítio urbano em cada trecho da cidade. As vias confrontantes com
os limites das quadras formam um sistema de circulação arterial, enquanto dentro de
cada quadra os loteamentos particulares progressivos vão definindo um sistema de
arruamento vicinal com alamedas, de modo a garantir segurança aos pedestres e
áreas verdes indispensáveis ao conforto e ao lazer da população. Os cruzamentos
dessas avenidas arteriais são em rótula, visando disciplinar o trânsito e reduzir o risco
de acidentes (GRUPOQUATRO, 1989).
De acordo com o plano urbanístico, uma vez implantada a rede básica
de quadras, a partir da abertura das vias arteriais, cada uma delas seria objeto de
parcelamento interno próprio, podendo as soluções variar em cada caso, inclusive
quanto aos tipos construtivos permitidos para as edificações (casas, edifícios de
apartamentos, residências geminadas, etc.). Nos miolos das quadras foram previstos
equipamentos públicos básicos, como praças e escolas (GRUPOQUATRO, 1989).
As quadras foram planejadas como unidades básicas de organização da
vida urbana, vindo até mesmo
nos dias atuais a servir de base
territorial para a criação de
associações de moradores na
cidade (ver Figura 72). O
comércio e os serviços de
caráter vicinal, de afluência mais
imediata e cotidiana da
população, foram previstos para
trechos mais ou menos regulares
das vias arteriais formadas pelas
Figura 72. Distribuição das quadras.
quadras (TEIXEIRA, 2009).
Fonte: GRUPOQUATRO, 1989.
De acordo com
Teixeira (2009), No eixo da rodovia foi prevista a implantação de comércio atacadista,
indústrias e outras atividades de caráter regional geradores de tráfego de carga mais
pesada. A Avenida Teotônio Segurado foi programada para abrigar grandes
equipamentos públicos, comércio e serviços geradores de muito tráfego, como

63
hospitais, sede da polícia, hotéis, shopping centers, supermercados, edifícios de
apartamentos, etc. Devido ao tipo de uso previsto para esse eixo e sua posição no
conjunto do sistema viário da cidade, a Avenida Teotônio Segurado deverá se
consolidar, como já vem
ocorrendo, como um grande
corredor de transporte
coletivo de Palmas.
O plano
urbanístico procurou evitar
a excessiva separação das
funções urbanas, abrindo
possibilidades de
convivência de usos
compatíveis entre si, dentro
de limites mínimos de
segurança, conforto, bem-
estar e configuração da Figura 73. Distribuição das quadras.
paisagem urbana (ver Fonte: GRUPOQUATRO, 1989.
Figura 73). Em alguns locais foi prevista até mesmo a tradicional edificação de dois
andares com comércio no térreo e residência no andar superior (TEIXEIRA, 2009).

10.3 Estratégia de Implantação

De acordo com Teixeira (2009), a estratégia de implantação do plano


previu uma expansão controlada da urbanização. Uma vez aberto o sistema viário
básico, as quadras seriam progressivamente implantadas como módulos, de acordo
com a demanda por espaços exigida pelo ritmo do crescimento urbano. Isso permitia,
em princípio, evitar a dispersão das frentes de urbanização pela área total prevista
para a cidade, garantindo o aproveitamento racional e econômico da infraestrutura
dos serviços públicos que avançaria, por assim dizer, em ondas. O sentido da
expansão das quadras obedeceria inclusive às declividades apresentadas pelo

64
terreno para adequação das instalações de infraestrutura que pudessem se servir da
gravidade, como o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e a drenagem de
águas pluviais.
De
acordo com Teixeira
(2009), a
implantação integral
do núcleo central,
entre o córrego
Brejo Comprido e o
córrego Suçuapara,
prevista para a Figura 74. Perspectiva de Implantação.
primeira etapa, Fonte: GRUPOQUATRO, 1989.
permitiria abrigar uma população estimada cerca de 200 mil habitantes nos primeiros
dez anos (até o ano2000) (ver Figura 74). O processo de implantação seguiria até a
ocupação de toda a área reservada ao plano básico, quando então a cidade atingiria
a população total de 1,2 milhão de habitantes.

10.4 Evolução urbana

Segundo Velasques (2010), Palmas foi concebida como uma cidade


aberta. O plano urbanístico e a estratégia de sua implantação consideraram que uma
cidade, antes de ser um produto acabado, é um processo sem fim. Na verdade, um
plano não deve ser somente um desenho ou uma forma preconcebida. Um plano de
cidade deve ser, antes de tudo, um jogo com definições básicas sobre a organização
do espaço urbano e regras mínimas que orientarão sua implantação no tempo. A
gestão pública do processo de evolução urbana é que – inspirada na correção original
do plano urbanístico – deveria cuidar do detalhamento, aperfeiçoamento e correção
do plano, de acordo com as exigências de cada contexto. Todavia o processo de
gestão da implantação da cidade por parte do governo foi orientado principalmente
por questões políticas em detrimento das orientações do plano diretor.

65
Em março de 1989, foi criada a Comissão de Implantação da Nova
Capital (Novatins). O agente principal de implantação de Palmas é, desde a sua
origem, o Poder público, já que a cidade foi fundada por razões político-administrativas
(VELASQUES, 2010).
Como capital do Estado, Palmas é, ao mesmo tempo, sede dos governos
estadual e municipal. A função de governo é a principal força motora da criação e do
desenvolvimento da cidade. A necessidade de instalação imediata dos governos
exigiu prioridade para os investimentos na construção dos edifícios públicos. Algumas
instalações, como a própria sede do governo estadual, foram construídas
provisoriamente até a conclusão dos edifícios definitivos. O Palacinho, como ficou
conhecida a sede provisória do governo estadual, hoje está tombado como bem do
patrimônio histórico da cidade (VELASQUES, 2010).
Foi também priorizada a implantação do sistema viário principal e da
infraestrutura básica, como abastecimento da água, energia elétrica, hospital e outros
serviços e equipamentos indispensáveis. As empresas, num Estado que procurou
nascer já com um perfil privatista, foram chamadas a complementar o investimento
público na construção da cidade (VELASQUES, 2010).
Segundo Teixeira (2009), o impacto da fundação de Palmas atraiu gente
de quase todos os lugares do país. A posição geográfica do Estado no Brasil, fazendo
fronteira com seis outros Estados e situado em uma região de transição entre o
Cerrado, o semi-árido do Nordeste e a Floresta Amazônica, tornou Palmas um lugar
de fácil afluência de migrantes de várias origens. Havia também o agravante da
ausência de cidades próximas com força de contenção e triagem de parte dessa
migração para Palmas. Os que se estabeleceram na cidade manifestaram vínculo e
identidade com o lugar, assumindo compromissos de longo prazo com a decisão de
se estabelecerem em Palmas.
De acordo com Teixeira (2009), como costuma ocorrer neste tipo de
empreendimento no Brasil, são os mais pobres que se fixam primeiro e em maior
número. O controle sobre esses novos grupos sociais, experimentando uma
convivência recente e sujeita a tensões, inspirou a edição de uma lei seca no território
da cidade em construção. Apesar disso, a força empreendedora dos pioneiros vencia
pouco a pouco os céticos e os descrentes na decisão da construção e no futuro da
cidade.

66
A primeira grande desapropriação de terras, realizada pelo Estado,
ocorreu em abril de 1990 e atingiu 24 propriedades na área destinada ao plano básico
da cidade. As principais fazendas desapropriadas foram Suçuapara e Triângulo. A
venda dos lotes foi iniciada por leilão público, em janeiro de 1990 (VELASQUES,
2010).
Com o avanço da urbanização, o Estado desapropriava terra rural e
vendia terra urbana já valorizada pela ação governamental, estratégia que permitiu a
formação de algum capital para investimento. A estratégia de implantação por etapas
do plano básico, a partir do núcleo central, foi logo rompida pelo governo estadual. Os
mecanismos de formação do preço e de acesso à terra dirigiam boa parte da demanda
por moradia sobretudo para os bairros de Taquaral e Aureny´s, projetados pelo próprio
governo e situados fora da área do plano básico. Ocuparam, portanto, o território
destinado à expansão urbana norte, quando deveriam ser implantadas após a
urbanização de 70% da área projetada pelo plano diretor. Esse processo deveu-se,
em grande parte, a políticas de governo deliberadamente de segregação da
população mais pobre, antecipando uma forma de organização do espaço urbano que
o mercado imobiliário, por si só, talvez só pudesse construir ao longo de muitos anos.
O resultado desse processo implicou uma baixa densidade na ocupação do solo, com
impactos negativos nos custos de implantação da infraestrutura urbana. Com o
espalhamento da cidade e a restrição do número de contribuintes por quadra, a
demanda por infraestrutura e serviços urbanos cresceu, pressionando a capacidade
de resposta dos governos. Esse foi o caso da pavimentação de ruas, do
abastecimento de água, da energia elétrica e da iluminação pública. O retorno desses
investimentos, por outro lado, tornou-se lento, reduzindo a capacidade de
reinvestimento especialmente das empresas concessionárias. A expansão das redes
de serviços fez crescer, também, os custos da sua manutenção. No caso dos serviços
não autofinanciáveis, como a educação, o impacto sobre o orçamento municipal é
significativo (VELASQUES, 2010).
Segundo Teixeira (2009), houve invasões em áreas públicas e privadas,
em áreas industriais e em área de preservação ambiental, como resultados marginais
do processo de urbanização. Os abrigos provisórios de lona plástica foram se
constituindo na marca dos que não encontravam acesso fácil ao mercado imobiliário.
Hoje, procura-se contornar essas invasões com o mínimo de tensões sociais,

67
buscando-se inclusive preservar algumas diretrizes gerais do plano diretor da cidade.
Segundo Velasques (2010), a preocupação com a expansão da
ocupação urbana, e, sobretudo das invasões para além do plano básico, fez surgir um
grande loteamento de sítios de recreio no entorno da cidade, como estratégia de
contenção. Na realidade essa estratégia veio agravar o problema da ocupação urbana
espraiada.
Na Vila União, área de invasão ao norte da cidade, a iniciativa de
consolidação do assentamento pôde atingir bons resultados com o emprego de
tecnologias apropriadas e a participação dos moradores na construção das casas. Os
outros assentamentos ao norte tornaram-se áreas onde os níveis de pobreza,
desemprego e dependência dos serviços e equipamentos públicos são altos
(VELASQUES, 2010).
Segundo Velasques (2010), o Taquaralto, que já era um povoado antes
mesmo da fundação de Palmas, já apresentava um comércio próprio que atendia as
necessidades locais. A região chamada Aureny´s foi implantada em etapas, com
participação de alguns poucos financiamentos federais. Esse processo evidencia o
surgimento de núcleos carentes, em contradição com a cidade planejada na sua
ocupação e expansão. Na verdade, conforme Faida Kran “a população foi empurrada
para as áreas de habitação popular”, longe da cidade planejada. Outro trabalho de
dissertação em mestrado, em Geografia, mostra o impacto na ocupação territorial,
afirmando que “o plano diretor já foi corrompido, desvirtuado e até mesmo
desconhecido”.
A questão da ocupação territorial reflete a ineficiência do processo de
implantação da cidade. O custo por habitação de urbanização é 5 vezes maior que o
previsto pelo plano. Os reflexos são enormes quanto à implantação e à prestação de
serviços de segurança, saúde, transporte coletivo, limpeza urbana, habitação, etc.
Palmas tem portanto desafios pela frente. O principal deles é promover o
adensamento das áreas urbanizadas evitando novos loteamentos que produzam
vazios urbanos. Com isso talvez se consiga devolver a Palmas os princípios de
ordenamento territorial estabelecidos pelo plano diretor (VELASQUES, 2010).

68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Maurício de A. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:


IPLANRIO, 1997.
ALVA, Eduardo Neira. Metrópoles (in)sustentáveis. Rio de Janeiro, Relume
Dumará, 1997.
ARCHDAILY. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/787030/classicos-da-
arquitetura-ville-radieuse-le-corbusier?ad_medium=widget&ad_name=navigation-
next>. Acesso em: 08 Novembro. 2017.
ARQUITETANDOBLOG. Disponível em: <
https://arquitetandoblog.wordpress.com/author/arquitetandoblog/page/6>. Acesso
em: 08 Novembro. 2017.
BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Hausmann Tropical. A renovação
urbana na cidade do Rio de Janeiro no início do Século XX. Rio de Janeiro:
Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1992.
BENEVOLO, Leonardo, 1923 - A arquitetura no novo milênio / Leonardo
Benevolo; tradução Letícia Martins de Andrade. – São Paulo: Estação Liberdade,
2007. 496 p. : il.
BENEVOLO, Leonardo,1981- As origens da urbanística moderna / Leonardo
Benevolo; tradução Conceição Jardim e Eduardo L. Nogueira.
BENÉVOLO. Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Perspectiva,
1998, p.91-128.
BRENNA, Giovanna Rosso Del. O Rio de Janeiro de Pereira Passos. Uma cidade
em questão II. Rio de Janeiro: Index, 1985.
CHOAY, Françoise. O Urbanismo. Editora Perspectiva, São Paulo, 1979.
CHOAY, Françoise. O Urbanismo – utopias e realidades, uma antologia. 5ª edição,
Editora Perspectiva SA, São Paulo, 1998.
COSTA, Lúcio. Com a palavra, Lúcio Costa. Organização: Maria Elisa Costa. 1ª
ed. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001, p. 58.
FIFIAPG. Tony Garnier e seu conceito sobre arquitetura, junho, 2011.
Disponível em: <tonygarnier.blogspot.com.br/2011/06/tony-garnier-e-seu-conceito-
sobre.html >. Acesso em: 9 Novembro. 2017.

69
FRANK SVENSSON. Tony Garnier e sua antevisão do século XX, fevereiro, 2013.
Disponível em: < franksvensson.blogspot.com.br/ >. Acesso em: 9 Novembro. 2017.
GRAEFF, Edgard. Goiânia: 50 anos. Série: Oito vertentes e dois momentos de
síntese da arquitetura brasileira. Brasília: MEC-SESU, 1985.
GRUPOQUATRO. Memorial do projeto da capital do estado do Tocantins:
Palmas/Plano Básico. Goiânia, 1989 (Mimeog.).
HALL, P. Cities of tomorrow: an intellectual history of urban planning and design in
the twentieth century. 3rd ed. Oxford, UK?; Malden, MA: Blackwell Publishers, 2002.
HERANÇA CULTURAL. Disponível em: <tonygarnier.blogspot.com.br/2011/06/tony-
garnier-e-seu-conceito-sobre.html >. Acesso em: 10 Novembro. 2017.
HOWARD, Ebenezer. Cidades-Jardins de amanhã. São Paulo: Hucitec, 1996.
LIMA, Attilio Corrêa. Goiânia. Arquitetura e Urbanismo, ano 2. Rio de Janeiro, 1937.
MAIA, Francisco Prestes. O plano regional de Santos. São Paulo: Prefeitura
Municipal, 1950.
MANSO, Celina Fernandes Almeida. Goiânia; Uma Concepção Urbana e Moderna
– Um Certo Olhar. Goiânia: Edição do autor, 2001.
NEWTON, Norman T. Design on the land. The development of landscape
architecture. The Belknap Press of Harvard University, Press Cambridge,
Massachusets, 1971.
OTONI, Dácio Araújo Benedito. Introdução. In HOWARD, Ebenezer. Pág 17, Op. cit.
1992.
REZENDE, F. Vera. Texto: “Evolução da produção urbanística na cidade do Rio
de Janeiro, 1900-1950-1965” Rio Maravilha. Revista Manchete, Edição Especial. Rio
de Janeiro, 1974.
RODRIGUES, Antônio Edmílson M. “Cidade e Modernidade”. In: Anais
Transdisciplinares: Experimentando a fronteira entre a Psicologia e outras práticas
teóricas.Rio de Janeiro: UERJ/ DEPEXT/ NAPE, 2001.
RUEDA, Salvador. Modelos de ciudad: indicadores básicos. Las escalas de la
sostenibilidade. Quaderns D’arquitetura e urbanismo. Barcelona, Collegio D’
Arquitetos de Catalunya, mar. 2000, p. 27.
SEGRE, Roberto. Texto: “Rio de Janeiro metropolitano: saudades da Cidade
Maravilhosa” Texto: “Evolução Urbana do Rio de Janeiro” Texto: “Planos de
conjunto”.

70
TEIXEIRA, Luiz Fernando Cruvinel. A formação de Palmas. Revista da UFG.
Goiânia, v. 11, n. 6, p. 91-99, jun. 2009.
VELASQUES, Ana Beatriz Araujo. 2010. A concepção de Palmas (1989) e sua
condição moderna. 245f. Tese (Doutorado em Urbanismo), Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
WISNIK, Guilherme. Lucio Costa, Espaços da arte brasileira. Cosac & Naify
Edições. São Paulo, 2001.
ALMACARIOCA. Crédito das fotos/mapas: almacarioca.com.br, Revista Manchete,
2014.

71

Potrebbero piacerti anche