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Studium Theologicum de Curitiba

STUDIUM
REVISTA TEOLÓGICA
Studium: revista teológica/ Studium Theologicum de Curitiba - Ano 7
n. 11 - 2013.

Semestral

ISSN 1981-3155

1. Teologia – Periódicos. I. Studium Theologicum de Curitiba.


CDU: 2
Artigos
A jovialidade da
religião/religação
The joviality of religion/a re-linking of faith

José Maria Vigil, Cmf *

RESUMO: Este texto não tem, como tal, um caráter teológico, antes a sua é uma perspectiva de
antropologia da religião. A religiosidade humana vive uma jovialidade, em constante mudança.
Para compreender isso, torna-se necessário percebê-la em diferentes níveis e elementos da
realidade global que as religiões implicam: experiência religiosa, explicação religiosas, realização
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institucional e fundamento “objetivo” da religião. Tudo o que é a substância, o coração da
religiosidade continua vivo e jovial, cheio de força e criatividade, de mil maneiras diferentes,
inclusive nas aparências mais estranhas. A religião está viva, goza de boa saúde e de muita
jovialidade, inclusive onde classicamente acreditávamos que já nem existia mais. Ela se recompõe
a si mesma, se renova, adota novas formas, até mesmo onde parecia estar ausente: e nisso
demonstra uma jovialidade permanente, apesar de alguns sinais de vetustez.

PALAVRAS CHAVE: religião, experiência, explicação, jovialidade, religação.

ABSTRACT: This text has not, as such, a theological character, but a perspective of anthropology of
religion. Human religiosity lives a joviality constantly changing. To understand this, it is necessary
to see it at different levels and elements of the global reality that religions involve: religious
experience, religious explanation, realization and institutional foundation “goal” of religion. All
that is the substance, the heart of religiosity, is still alive and jovial, full of energy and creativity, in a
thousand ways, including the strangest appearances. The Religion is alive, in good health and lots
of joviality, even where classically we believed no more existed. She rebuilds herself, renews itself
and adopts new forms, even where it seemed to be absent: and it demonstrates a permanent
joviality, despite some signs of dilapidation.

KEY WORDS: religion, experience, explanation, joviality, re-linking.

* Espanhol, naturalizado nicaragüense e vive no Panamá, doutor em Teología e Psicologia. Colabora em Servicios
Koinonía en Internet e coordena a edição anual da “Agenda Latinoamericana Mundial”. É um dos coordenadores
da Asociación de Teólogos y Teólogas del Tercer Mundo; pesquisa teologia do pluralismo religioso.
Vamos tomar a palavra «jovialidade» não em sentido de caráter de
juvenil de uma realidade, equiparando-a ao conceito de vitalidade, como
antônimo de decrepitude ou velhice; uma pessoa ou entidade é jovial quando
tem vitalidade suficiente para crescer, desenvolver-se, superar dificuldades
e afastar o perigo de morte. É neste sentido que nos perguntamos - e nos
perguntam - pela jovialidade das religiões. Consideramos que a pergunta tanto
é teórica quanto prática: têm futuro (jovialidade , vitalidade) as religiões? E em
que se fundamenta esse futuro?

A história das religiões tem sido pura jovialidade

Um primeiro dado do que dispormos, que salta à vista, é a história


das religiões. Hoje em dia, o tema está ao alcance de qualquer um, dada a
disponibilidade de excelentes obras de estudo dessa temática. Referimo-nos

40 só à monumental obra de Mircea Eliade, acessível em qualquer biblioteca


especializada (inclusive na internet). São muitos volumes e dezenas de milhões
de páginas, até mesmo para uma leitura rápida. Porém, ninguém deveria
privar-se de realizar uma leitura «em diagonal», revisando estes volumes
mesmo superficialmente, com alguma atenção, para deixar-se impactar um
pouco pelo portentoso e inabarcável desenvolvimento das religiões humanas,
desde que temos alguma noticia histórica sobre elas. Basta «perder» umas
poucas horas nessa leitura, ainda que «transversal», para surpreender-se diante
da imensa vitalidade-jovialidade que o impulso religioso da humanidade
tem manifestado em sua história. A religiosidade humana tem sido pura
jovialidade, em constante atividade.

Um livro mais acessível ainda que com alcance também de globalidade


seria uma História de Deus, não que Karen Armstrong pretende apresentar uma
história de Deus (4000 anos) «da forma em que homens e mulheres o tenham
experimentado desde Abraão até nossos dias». Armstrong nos presta o serviço
de haver lido uma infinidade de investigações e de resumir-nos essa pujante
e inabarcável história da ebulição das idéias, sentimentos e representações
religiosas nestes poucos milênios que nos é permitido conhecer desde uma
perspectiva histórica. A história conhecida das religiões nos mostra que elas,
ou a força religiosa humana que as move, é de uma vitalidade tremenda,
inabarcável e imprevisível. As religiões têm estado continuamente em
movimento, em transição e mútua fecundação, em transformação constante:
pura vitalidade.
Distinguindo níveis e elementos

Sem dúvida, para tratar de descobrir onde reside concretamente essa


jovialidade – essa vitalidade - convém discernirmos as diferentes realidades,
elementos ou níveis que podem estar confusamente agrupados nesse conjunto de
pujante realidade que chamamos «as religiões», ou «o religioso». Já sabemos que
«tudo está relacionado com tudo», e que, nesse sentido, muitas realidades da vida
não são separáveis, porém, pode-se distinguí-las intelectualmente, por motivos de
inteligência (intus-legere, ler dentro, descobrir o escondido...). Vejamos: no mundo
da religião, um mundo tão vital e com frequência tão caótico, tão difícil de apreender
e de «ordenar» segundo nossas necessidades humanas de compreensão, podemos
distinguir distintos níveis de realidade em todo esse mundo do religioso.

• Poderíamos considerar em primeiro lugar o mundo da experiência


religiosa. Referimo-nos à experiência religiosa que as pessoas têm.
O ser humano tem sido homo religiosus desde tão cedo quanto tem
sido homo1. Tem «experimentado» uma realidade transcendente, maior,
superior... poderosa que por vezes se escapa... da que tanto tem sentido a
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necessidade de proteger-se, como o desejo incoercível de invocá-la e gozá-
la (Otto: mysterium tremendum et fascinosum). Tem-se lhe dado muitos
nomes, ela é sentida de maneiras muito diferentes. Porém, a experiência
mesma da transcendência, mais além de seus nomes e suas formas
mutantes, não há dúvida de que tem tido uma constante histórica
universal. Mística, interiorização, contemplação, êxtase, transe, estados
modificados (superiores) de consciência... experiência religiosa.

• Outro nível diferente do mundo do religioso seria o nível da explicação


religiosa. Seja qual for a sede da experiência religiosa, o ser humano
nunca deixará de ser, por sua vez, racional, inteligente, com uma
inteligência veiculada pela linguagem, e não pode deixar esta capacidade
e esta exigência à margem de sua experiência religiosa. Não lhe basta
experimentar/sentir; necessita também sentir desde sua inteligência.
Inteligência senciente, dizia Zubiri. Necessita explicar-se-lhe tudo: a
natureza das coisas, a natureza global, a realidade global (a famosa
pergunta que Leibniz formularia: «porque existe algo ao invés de não
existir nada?»), e a própria realidade pessoal: porquê eu existo e para
quê?
1 Até há bem pouco tempo, pensavamos que homo religiosus era apenas o homo sapiens
sapiens... Hoje isto começa a não estar tão claro. Também pensavamos o mesmo a respeito do
pensamento simbólico, da arte rupestre, da utilização sofisticada de instrumentos... e hoje as
provas arqueológicas começam a sugerir o contrario. Nossa humanidade se enraizaria mais no
homo que no sapiens...
Não é uma necessidade meramente racional... É tão experiencial e
«senciente» como a outra. O «sentido» da vida, o sentido da realidade, o sentido
de si mesmo, não é uma resposta intelectual meramente teórica, uma necessidade
que só as pessoas com curiosidade intelectual sentiram... A nossa própria escala,
todos necessitamos de sentido. O ser humano, o homo - e a mulier - sapiens, tem-
se caracterizado ancestralmente pela necessidade de colocar sua vida - ainda
que seja virtual, imaginativa, miticamente - em contextos mais amplos. Não
necessitamos saber só o que é, porquê é e para quê estamos fazendo isto a curto
prazo, senão que, aqui também,temos uma sede de infinito: desejariamos colocar
nossa vida num contexto mais amplo, o do «plano de Deus», os arcanos desígnios
dos deuses... para «sentir» como nossa vida participa do sentido da mesma
realidade global, da Realidade divina, do cosmo...

Neste nível entram em jogo os desenvolvimentos incontáveis e


inabarcáveis das explicações religiosas: os relatos cosmogônicos, as teogonias
originarias, os relatos ou narrativas, os mitos, boa parte das Escrituras Santas,
as incontáveis doutrinas com seu anexo debate doutrinal tecido de ortodoxia e
42 heterodoxia, os dogmas como supostas opiniões definitivas...

• Outro nível é o da realização institucional que, ainda que nem


sempre, acompanha ordinariamente a estas experiências religiosas, são
as instituições globais das religiões, que servem de alguma maneira
como proprietárias ou representantes de uma determinada corrente
ou família de correntes religiosas. Ainda que estando vinculadas
originariamente ao religioso, são instituições humanas, entidades
realmente sociológicas, que funcionam como tais, com as leis que a
sociologia reconhece nas instituições, com sua própria concupiscência
institucional.

Muito frequentemente, estas instituições monopolizaram o nome das


«religiões», de forma que quando falamos do presente, o futuro (ou a jovialidade)
das religiões, é nessas instituições que estamos pensando... Para um pensamento
atento às exigências da verdade, é claro que a instituição religiosa mesma não tem
fundamento senão pelos outros dois níveis da realidade religiosa: desconectadas
das experiências e das explicações religiosas, as instituições se convertem em
fantasmas institucionais que não representam nada mais que a si mesmas,
num dos mais contraditórios aspectos da dinâmica das instituições sociais, bem
conhecido desde a sociologia.

• Obviamente, além desses três níveis de realidade, cabe pensar num


último nível da realidade religiosa, o mais dificilmente exprimível,
que poderíamos denominar simplesmente como «isso que está aí»,
quer dizer, o Mistério último ao que precisamente sempre se refere a
experiência religiosa, com qualquer nome com que o faça. Referimo-
nos ao que - sem duvida incorretamente - poderíamos denominar o
fundamento «objetivo» da religião, algo que cada experiência ou
movimento religioso tem interpretado de uma maneira própria, lhe
há posto um nome diferente, e o «imagina» com toda criatividade -
inclusive pela vía apofática, da renuncia à toda «imaginação».

De que «religião», de qual de seus elementos que acabamos de tentar


demolir, desmontar rudimentarmente, é a jovialidade pela que nos estamos
perguntando? Vai ser muito útil que tenhamos intentado primeiro esta distinção
entre níveis bem diferentes da «religião» como realidade global, porque é provável
que cada um deles tenha uma jovialidade bem diferente.

A experiência religiosa

Respeito à experiência religiosa, não cabe duvidar de sua jovialidade, 43


de sua vitalidade perene, de sua capacidade de superar dificuldades e de viver
em uma eterna juventude, sempre renovada, renascendo e atropelando-se a si
mesma com novos impulsos que ultrapassam os anteriores. Diríamos que esse
nível da religião, o da experiência religiosa, não é algo exterior ao ser humano.
É o mesmo ser humano enquanto devidamente capacitado para sintonizar com
uma dimensão que lhe transcende, que é capaz de sair-lhe ao encontro tanto na
realidade de sua vida diária como nas experiências limites extremas.

As experiências religiosas não cessam de acompanhar o ser humano em


todo seu caminho evolutivo.

Que um ser seja «humano» significa, precisamente, entre outras cosas,


que terá chegado a este estágio evolutivo, em que - como o mamífero tenha
chegado ao nível dos afetos, caricias, sentimentos... apoiados por seu cérebro
límbico - o ser humano está permanentemente ligado, de uma maneira ou outra,
à experiência da transcendência, ao sentimento religioso, à espera dessa energia
misteriosa com que, com tanta frequência, se encontra e a cujo acesso quisera
poder controlar e disponibilizar.

O tempo presente segue mostrando a sobrevivência desta jovialidade


da experiência religiosa. Apesar das transformações dos últimos séculos,
apesar da revolução científica, industrial, tecnológica... apesar, também, desse
certo «desencantamento do mundo» que o cientificismo, o mecanicismo e o
mercantilismo atuais trouxeram consigo, continua a brotar, incontida, a experiência
religiosa, em movimentos de revival (reavivamento) religioso por todo o planeta,
com movimentos carismáticos e neopentecostais que numericamente levam
vantagem nas estatísticas. E não só nos movimentos de retrocesso conservador até
formas religiosas antigas; também num mundo urbano, industrial, metropolitano,
profissional, tecnológico e supercomunicável, nos encontramos, ainda onde
menos poderíamos esperá-lo, formas de expressão do sentimento religioso com
as que o homem e a mulher moderna cidadãos convivem e aos que com não
pouca frequência voltam.

Não é que tudo neste nível da experiência religiosa seja simples e sem
problemas, nem que se possa deixar de observar que se está numa grave crise,
pois as formas, os meios, as expressões da dita experiência, numa parte não
majoritária; porém, qualitativamente muito significativa da sociedade, estão
mudando. As formas e chavões clássicos da experiência religiosa já não seduzem
com a necessidade religiosa dos homens e mulheres que se consideram mais
«atuais», da nova sociedade... Porém, em todo caso, as religiões podem contar
com a forca sempre renovada da experiência religiosa, que tem acompanhado o
44 ser humano desde sempre e não vai abandoná-lo na hora presente. Quer dizer:
a religião como sentimento/experiência religiosa está viva, e goza de muita boa
saúde, é pura jovialidade, apesar de qualquer crise.

A «explicação» religiosa

Dissemos que forma parte também das religiões esse mundo abarrotado
de interpretações, doutrinas, cosmogonias, teologias, dogmas... são também
fruto inevitável do componente heurístico-racional do ser humano, junto com
sua inerente necessidade de indagação de sentido. Por isso, também este nível da
religiosidade tem exibido uma fecundidade e uma jovialidade tremendamente
criativa no passado. Recordávamos, no início, que as obras enciclopédicas de
Mircea Eliade nos serviam para percorrer rapidamente uma visão panorâmica
desta inabarcável criatividade, tão jovial. Podemos recordar também aqueles
séculos nos quais a própria sociedade laica discutia com veemência os debates
teóricos sobre as mais complexas doutrinas teológicas, sobre sua ortodoxia ou
heterodoxia. A tremenda divisão e subdivisão interna das grandes religiões dá
conta das feridas históricas que esta mesma jovialidade, tão fecunda em novas
«explicações»˝ religiosas produziu na história.

A inadequação entre o pathos religioso e o logos racional é a responsável


desta fecundidade explicativa das religiões, tão jovial e tão polêmica. Um mesmo
sentimento pode ser expresso por um sem fim de obras literárias de ficção (poesias,
narrativas, dramas, mitos...) diferentes, e todas o expressam adequadamente.
No religioso ocorre outro tanto: uma mesma experiência religiosa poderia ser
expressa por mil construções teóricas explicativas diferentes, dependentes em
cada caso da cultura, da filosofia e da idiossincrasia da sociedade. O mundo do
pensamento não é fácil de dirigir, nem de se uniformizar. É livre por sua própria
natureza. E por isso é um desafio aos afãs do controle e da dominação por parte
de poder quando este entra (tão frequentemente) o mundo das religiões; daí
que os impérios nos tenham deixado por herança religiões controladoras do
pensamento e das «explicações» religiosas.

Pois bem, à diferença do que dizíamos no item anterior, cremos que este
nível religioso das explicações (teologias, relatos, mitos, doutrinas, dogmas...)
entraram em crise e não gozam já da jovialidade da que durante os milênios
passados fez sucesso. É fato que durante todo esse tempo a inteligência e a
imaginação religiosa têm ido de mãos dadas, numa dança de liberdade sem
competidores. Podiam improvisar e criar qualquer dança, com a mais pura
criatividade. As páginas do livro estavam em branco, e poderia se escrever nelas
qualquer interpretação com a mais pura criatividade e jovialidade.
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Porém, os tempos mudaram neste campo. Passamos de um mundo
ignorante e pré-científico, para uma sociedade profundamente marcada por um
desenvolvimento extraordinário da ciência, com sua atual explosão científica.
Hoje o livro da natureza, do cosmos - macro e micro - se abre diante de nós com
inimaginável generosidade, e o conhecimento se amplia a cada dia, ao ritmo de
investigações que nos enchem de quantidades imensas de novas informações
que não somos capazes de processar.

Neste novo contexto, o costume religioso de se aventurar em novas


interpretações, novas explicações sobre o mundo, a realidade e seu sentido,
explicações que os espíritos religiosos mais criativos costumavam inovar ou
aventurar-se sem outra base que sua própria genialidade, se vê condenada hoje
em dia num contexto de recusa. Já não vivemos em tempos adequados para que
as religiões se aventurem em novas explicações. Nem os melhores gênios vão ser
bem acolhidas. Neste tempo de ciências, é ela a que leva e dirige o roteiro pela
qual a Humanidade trata de chegar à verdade.

A necessidade religiosa de sentido segue igualmente viva, é constitutiva


de nossa humanidade. Porém, no novo contexto de uma sociedade que superou
a época pré-científica, a explicação religiosa que mais acolhida tem é aquela que
se produz no diálogo profundo com a ciência. E aí sim, diríamos que a parte mais
jovial das novas explicações religiosas tem a ver com a nova cosmologia. Dito
de outro modo: a nova cosmologia, o novo relato sobre o mundo que a ciência
nos oferece hoje, é o fator que mais profundamente está mudando o imaginário
e o sentimento religioso atualmente, o foco de maior jovialidade. De fato, esta
jovialidade - criatividade inabarcável - está em movimento permanente: há
uma quantidade imensa de grupos, pessoas e comunidades que buscam e que
encontram novas «explicações religiosas», e os encontram por caminhos novos
marcados, sobretudo, pela ciência. Outra coisa é que as instituições religiosas não
querem reconhecê-los nem acolhê-los.

As instituições religiosas

E as religiões/instituições gozam atualmente dessa jovialidade? Estão


reagindo com flexibilidade e adaptabilidade às situações atuais de crise que
atravessam? Irão superá-las com facilidade?

Recordemos em primeiro lugar que falamos das instituições que


46 acompanham às religiões como um de seus níveis do religioso global. A religião,
cada religião é muito mais que la instituição. Ainda que esta desaparecesse um
dia, não desapareceria com isso a religião à que serve; a religião é, sobretudo, o
mundo da experiência e das explicações religiosas que se dá nas pessoas e nos
povos. A instituição é muito importante - para alguns aspectos podemos dizer
que é imprescindível - porém, não é equiparável adequadamente à religião, que
tem uma identidade mais profunda, sempre transbordante diante de qualquer
camisa de força institucional.

Feita esta memória, devemos reconhecer que nem todas as


institucionalizações da religião são iguais, nem todas têm o mesmo valor. Umas
estão envelhecendo e decrescendo, enquanto alguma continua crescendo
numericamente - o que atualmente não significa sem mais que elas estejam indo
bem. É fácil generalizar e falar de um modo semelhante a todas, Porém, há religiões
tremendamente institucionalizadas, e há outras com uma institucionalização
muito menor, mais ágil e por isso mesmo menos afetada pelas dificuldades
próprias desta época para com as instituições/religiões. Quais seriam estas
dificuldades?

Compartilhamos, neste ponto, com a hipótese interpretativa da Comissão


Teológica Internacional da EATWOT, em sua proposta de um «paradigma pós-
religional» (Revista VOICES 2012-janeiro). Um dos atrativos da proposta é sua
simplicidade estrutural: as religiões não existem desde sempre, provém do
período agrário; antes havia religião, porém, não religiões; são a forma concreta
que a religiosidade do ser humano adotou para ajudar a sua sobrevivência
naquela época, onde a humanidade devia reinventar-se a si mesma para passar da
configuração de hordas tribais de coletores e caçadores nômades, para viver em
sociedade (urbanização). As religiões (insistamos: não a religiosidade) foram uma
inovação genial que, efetivamente, ajudou à humanidade a auto-configurar-se
em um modo novo, a superar a dificuldade para sobreviver. Pois bem, as religiões
foram dessa maneira um instrumento adequado ao tempo agrário. Porém, é essa
época agrária a que está atualmente em vias de desaparecimento ao desembocar
na «sociedade pós-agrária» que vem. Nesta situação, as religiões (agrárias), ou se
adaptam e deixam de ser «agrárias», buscando um novo modo de configuração
que requer a sociedade do futuro, ou provavelmente desaparecerão no mesmo
ritmo em que vai desaparecendo a sociedade agrária.

Isto quer dizer, se é assim realmente, as religiões se veem a si mesmas num


momento como nunca antes se tinham podido ver: ameaçadas de dissolução
pelo final da época que lhes deu origem, na que elas nasceram. É a conjuntura
histórica ou evolutiva na qual mais que tudo a jovialidade vai a ser necessária, a
base de flexibilidade, adaptabilidade e capacidade de reconversão inteligente.
Vão ter as religiões essa jovialidade necessária? 47
Mostrar isto requereria um tratamento mais acurado - não para este
momento -, porém, em todo caso podemos aludir ao essencial do que deveria ser
aduzido. O mais importante seria detectar e trazer à luz quais são os elementos
fundamentais que configuram a estrutura interna das «religiões agrárias», para
ver na continuação se estes elementos pode sobreviver na nova época que
há de sobreviver à progressiva desaparição da sociedade agrária. Dito muito
brevemente: os estudos antropológicos mostram que os elementos estruturais
essenciais das religiões agrárias têm sido a epistemologia mítica, as crenças
e a absolutização da submissão (com a exceção do budismo em relação a este
terceiro elemento). A epistemologia mítica, o considerar os mitos como fonte de
conhecimento sagrado e sua interpretação literal veiculada nas crenças impostas
sobre os fiéis seguidores, são elementos não só inaceitáveis, senão realmente
impossíveis numa sociedade da informação e/ou do conhecimento. A submissão
(a fé no judaísmo, os fiéis/infiéis no cristianismo), (a palavra «islã» significa
submissão), como o maior mérito exigido pela religião agrária, parece também
impossível na sociedade humana depois que as conquistas da Ilustração e da
emancipação política se estenderam virtualmente por todo o planeta.

Ante esse desafio cabe pensar que a religiosidade, a religião profunda,


a experiência religiosa de que falávamos, vai sobreviver e há de exibir um
comportamento extremamente jovial e cheio de vitalidade. Porém, as formas
religiosas institucionais, «religionais» (usa-se esta palavra para evitar as confusões
que sobreviriam se se dissera «religiosas»), não vão poder resistir, não vão ser aceitas
na nova sociedade. Nesse sentido, as religiões poderão subsistir se deixarem de
ser religiões «agrárias», quer dizer, se forem capazes de desprenderem-se destes
elementos fundamentais que estruturavam o essencial das religiões agrárias.
Se forem capazes de abandonar estes elementos «agrários» que escondem seu
passado e de encontrar novos elementos estruturais, adequados aos valores que
configuram a nova consciência humana evolutiva pós-agrária, poderão sobreviver
e seguirão ajudando à humanidade e a sua evolução. Se não lograrem fazê-lo,
ficarão pelo caminho.

Perguntamos: Existe jovialidade suficiente nas religiões?

Minha opinião pessoal é que, por si mesmas, por sua própria natureza,
de iure, são capazes, pode, transformar-se. O passado é testemunha das grandes
transformações que nelas se ocorreram. É certo que nenhuma das transformações
históricas registradas foram tão profundas como a que está em curso, pelo que
não cabe extrapolar o passado para adivinhar o futuro; porém, a lucidez que
demonstram muitas pessoas religiosas na atualidade - pensadores, teólogos/as,

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leigos/as carismáticos - faz pensar que não estamos falando de um impossível. As
religiões poderiam, podem, devem transformar-se.

Junto a essa percepção intuitiva do que deveria ser, está a percepção de


que de facto está ocorrendo nas não poucas décadas passadas, mas que vamos
tomando conhecimento crescente desta perspectiva de mudança epocal e
de análise antropológico-cultural da estrutura das religiões agrárias. Há várias
décadas as religiões têm reduzidos, até certo ponto, suas polêmicass, não têm
conseguido ainda digerir, desde um perspectiva pluralista, a nova consciência
de sua própria diversidade, elas parecem estar presas numa atitude imobilista,
quando não francamente involucionista.

Teoricamente, de iure, têm, devem ter essa jovialidade, porém, de facto


parecem demonstrar o contrário. Esta contradição nos deixa ao menos o bom
sabor na boca de que, ainda que as coisas de fato não estejam bem, parece que
de direito poderiam mudar a qualquer momento. Seja a esperança o último
elemento a ser abandonado.

Conclusão: religação jovial

Esta poderia ser uma conclusão provisória, à espera de que os


acontecimentos evoluam e nos deixem entrever mais claramente para onde
vamos. Tudo o que é a substância, o coração da religiosidade, a saber, a experiência
religiosa e a busca de sentido, continua vivo e jovial, cheio de força e criatividade,
de mil maneiras diferentes, incluso nas aparências mais estranhas. Por exemplo,
nas formas que até agora considerávamos o analogatum princeps da negação da
religião, no ateísmo, hoje descobrimos profundidades religiosas e espirituais,
«pagãos» que se reivindicam como religiosos, ateus que proclamam «a alma do
ateísmo» ou a espiritualidade do ateísmo (Comte Spoville). Hoje já é óbvio que
foi um erro considerar não religioso o paganismo, ou não se ter tido lucidez para
descobrir a possibilidade simplesmente pós-teísta do ateísmo clássico. O coração
da religião, a «religação» mesma, não está em crise, não está em decadência
decrépita nem em retirada. Está viva, goza de boa saúde e de muita jovialidade,
inclusive onde classicamente acreditávamos que não estava. Recompõe-se a si
mesma, se renova, adota novas formas, inclusive até onde há pouco nos parecia
estar ausente. É, quiçá, a fonte mesma de qualquer forma de jovialidade que
aparece no mundo do religioso.

Agora pois, as religiões agrárias, suas estruturas fundamentais, sua


institucionalização tradicional... não parecem gozar da mesma jovialidade, e
parecem encaminhar-se para um ocaso incerto. Porém, como dizíamos: tudo
pode mudar, deveria mudar e a esperança seria a última a se perder.
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Post data: o cristianismo concretamente

Estivemos falando desde a perspectiva da antropologia cultural e da


epistemologia, não desde a teologia. E abordamos o tema com uma visão
conscientemente ampla, buscando abarcar o problema das religiões em sua
pluralidade. Porém, o que dizer do cristianismo concretamente? Como perceber aí
a jovialidade, a vitalidade, a capacidade de afrontar a hodierna crise das religiões?

É outro tema, e é muito importante. Porque, queiramos ou não, o


cristianismo, como os outros dois monoteísmos, é uma religião agrária, neolítica e
as observações que nos faz a ciência (antropologia cultural e epistemologia) não
podem ser despachadas a golpe de citações bíblicas ou simplesmente ignoradas.
Um cristianismo lúcido e sincero tem que escutar a ciência e dialogar com ela. Se
faltasse este mínimo e primeiro jeito jovial, tal seria sinal de uma falta, todavia,
maior da própria jovialidade para resolver o problema fundamental. Trata-se de
um tema que nos desafia e nos convida a estudá-lo, quanto antes.


Tradução: Hr.

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