Sei sulla pagina 1di 2

O MODELO PSICOLÓGICO DA LOUCURA

Com o fim da monarquia micênica e o advento de uma aristocracia que, traduzindo o poder material e militar
em prestígio político, deterá o poder nas cidades-estados, os ideais épicos começam a ceder espaço às razões
políticas, e os heróis demolidores da epopéia começam a perder prestígio juntamente com os mitos que os
enaltecem. Com isso, a loucura deixa de ser referida às maquinações de algum deus e seus agentes e o termo
atê passa a designar não apenas o estado de espírito de quem transgride a ordem mas também as desgraças
reais decorrentes da transgressão, significando castigo, ruína devido a um crime. Começa-se a se vislumbrar,
então, no tempo dos trágicos, que o comportamento “errado” do homem passa a fazer parte da cadeia causal
que resulta na loucura. Nas tragédias gregas encontramos termos que designam falas e ações como “loucura”,
“mania”, “delírio”, “desvario”, “furor louco” etc, o que não quer dizer que seus autores pretenderam explicar a
psicopatologia humana, mas que, ao retratar a vida humana com seus dramas e aberrações, esboçaram uma
concepção de loucura que variou entre uma visão implicitamente mito-teológica, como em Sófocles, passando
por uma visão meio mito-teológica e meio psicológica, como em Ésquilo, e a uma visão explicitamente
psicológica, como em Eurípides.
Sófocles, no Ajax, apesar de mostrar que o desviar-se dos valores parentais e a falha em evitar a hybris
conduzem à vergonha, que, por sua vez, produz a loucura, o homicídio e o suicídio, deixa implícito que a
hybris, na verdade, só leva à loucura porque irrita ou desafia os deuses, o que o torna mais próximo de uma
visão mito-teológica do que de uma visão psicológica da loucura.
Na Orestíada, de Ésquilo, Orestes recebe a ordem de Apolo, sob ameaça de ser condenado a sofrimentos
terríveis e morte infame, para que vingue a morte do pai matando a própria mãe e seu amante. Oscilando entre
a lealdade ao pai e o respeito à mãe, embora assassina, Orestes se sente impotente e angustiado pois ele antevê
uma vida de tristeza e sofrimento. Envolvido em profunda melancolia que, às vezes, era substituída, em meio
ao desespero e autocomiseração, por arroubos furiosos típicos da mania com impulsos homicidas, numa
espécie de psicose maníaco-depressiva, Orestes, diante do dilema imposto pelo desígnio divino, desgarra-se da
realidade, oscila entre a lucidez e o delírio, sofrendo alucinações aterrorizantes com as Eríneas que, atuando
não mais como determinantes da atê - como na obra de Homero - mas como componentes da loucura,
aparecem perseguindo-o e torturando-o pelo crime cometido, no papel de vingadoras da morte da mãe,
Clitemnestra. Neste caso, podemos dizer que Orestes enlouqueceu porque não suportou o dilema causado pela
imposição de uma norma social transformada em imposição divina que obrigava o resgate da honra maculada
do pai ultrajado enquanto marido traído e herói nacional desrespeitado. Assim, a loucura é concebida, em
Ésquilo, como produto de conflitos impostos por um poder transcendente, sendo os outros conflitos, os
psicológicos, componentes e não causas ou determinantes dela, o que o situa a meio caminho entre uma visão
mito-teológica e uma visão psicológica da loucura.
Eurípedes, em Orestes, apresenta, comparativamente a Ésquilo, um quadro mais completo e mais nítido do
personagem que, na noite em que visita a pira crematória, seis dias
depois da cremação do corpo da mãe, tem alucinações terríveis com
as Eríneas vertendo sangue pelos olhos, prontas para atacá-lo, e passa,
então, a perceber tudo como ameaça, o que caracteriza um nítido
quadro clínico de psicose paranóica. Orestes vive e sofre sua loucura
conscientemente e chega a situar a origem dela na “minha mente”, no
“fato de que eu sei e tenho consciência do que fiz, e era horrendo”. O
tipo de loucura de Orestes é crônico, isto é, não é um arroubo
passageiro pois está vinculado a traços de caráter, relacionado a um
modo patológico de viver, a uma forma disfuncional de relacionar-se
com a realidade, a uma percepção distorcida do mundo e da vida que
permanece mesmo nos momentos sem crise, diferente das loucuras
agudas dos outros heróis loucos de Eurípides.
Em Medéia, de Eurípides, a protagonista sofre a amargura pela infidelidade de Jasão e vive o conflito entre o
amor materno e a sede de vingança, optando, no entanto, por levar ao marido o máximo de sofrimento, mesmo
reconhecendo o quanto também lhe trará aflição sua decisão de matar os próprios filhos. Medéia é apresentada
como impulsionada não por forças divinas, supra-humanas, mas por uma pluralidade contraditória, conflitiva,
de forças ou processos psicológicos naturais presentes no homem. A tragédia termina com a loucura da
personagem principal que, no entanto, não perde o entendimento, pois seu raciocínio é lúcido e realista, mas
sua razão já não tem mais nenhum controle sobre os atos, apenas assiste e serve, impotente, ao ciúme
obsessivo e ao ódio homicida que a conduzirá fatalmente à sua própria ruína. O que Medéia perde é o senso da
medida, o bom senso, sendo sua loucura caracterizada por um quadro de mania ou furor maníaco homicida 1.
Tanto para Ésquilo quanto para Eurípides a loucura é produto de conflitos mas para este se trata de conflitos
interiores entre a paixão e a norma, a razão e o instinto, o desejo e a vergonha como acontece com Fedra, em
Hipólito, que, temendo tanto a censura social quanto a força do desejo, sofre de melancolia ao pensar em
aceitar um dia a idéia de desonrar seu marido.
Por fim, além dos três tipos precedentes de loucura - Paranóia, Mania e Melancolia - Eurípides nos oferece o
retrato da Esquizofrenia na peça As Bacantes na qual ele explora profundamente os limites, lábeis, que
separam a sanidade da loucura ao nos apresentar um outro tipo de demência: a loucura extática. Depois de ter
sido desrespeitado por Agave, mãe de Penteu, rei de Tebas, e seus parentes ante sua natureza divina, Dioniso
decide obrigá-la, junto a seus parentes, a respeitá-lo e cultuá-lo num ritual orgiástico, mas Agave se entrega
tão impetuosamente ao rito que se torna, na verdade, uma líder das Bacantes. Penteu, por sua vez, apesar de
seu moralismo que atribui aos rituais báquicos obscenidades exageradas e que o impede de aceitar-se no papel
de Bacante, acaba sendo atraído por Dioniso para espiar a orgia entre as sacerdotisas de Baco na montanha e a
vestir-se de mulher pois como homem poderia ser esquartejado pelas Mênades em exaltação extática. Na
montanha, Penteu não admite que sua mãe com as irmãs participem da festa orgiástica, mas ao mesmo tempo
deseja ardentemente observá-las secretamente, confessando seus desejos mais vergonhosos, como o de espiar
a mãe em situações de intimidade e seu desejo de ser acalentado como um bebê nos braços maternos. Penteu,
então, busca a alienação extática, a orgia dionisíaca para operar um desrecalque de suas necessidades sexuais
reprimidas, inclusive a vontade, temida, de ser mulher já que, educado para o poder, recusa-se a aceitar seu
lado feminino, esquiva-se de cultuar um deus bissexual que prestigia as mulheres e lhes oferece, além do
prazer grupal, livre expressão tanto aos desejos de nutrir e acariciar como ao de serem nutridas e acariciadas,
de exercerem atividades masculinas e de superarem a prepotência dos homens. Aparentemente, o êxtase
dionisíaco produzido pelo vinho, a excitação grupal e a embriaguês da libertação como forma de “sair de si
mesmo”, livra os personagens das inibições, conflitos e ambigüidades, no entanto, na verdade, ele acaba
conduzindo Agave ao esquartejamento cruel do próprio filho muito amado, mas percebido como um filhote de
leão, cuja cabeça é apresentada orgulhosamente como prova de sua proeza como caçadora que desmembra
feras vivas com as próprias mãos, sem a necessidade de armas como os machos. Assim, ao invés de ser uma
sadia realização de impulsos reprimidos, o entregar-se das Bacantes e de Agave aos prazeres da montanha é
um surto esquizofrênico pois, além de se organizarem e se emanciparem em torno de um Deus, sob o comando
masculino, seus conflitos e desejos bloqueados, típicos da situação da mulher ateniense do século V a.C., são
resolvidos senão no plano da alucinação. Os loucos de As Bacantes não tem consciência da loucura que é
apresentada, então, como delírio alucinatório, perda de contato com a realidade circunstante e da consciência
dos próprios atos, sendo sua essência a dissociação da personalidade e a perda da própria identidade real. É
importante notar que, nessa tragédia, não é Dioniso que causa a loucura pois ele só faz explorar as motivações
psicológicas, passionais, preexistentes à sua ação, o que caracteriza a visão de Eurípides sobre a loucura como
sendo de natureza essencialmente psicológica. Com Eurípides, a loucura é concebida não mais em relação a
uma ordem transcendente, fundada no fatalismo oriundo da crença nos desígnios dos deuses, que exime o
homem de qualquer responsabilidade moral, mas em relação a uma ordem interna, fundada na racionalidade 2
oriunda do conhecimento da natureza humana (“conhece-te a ti mesmo”), que responsabiliza o próprio homem
pelo descontrole das paixões: a insensatez e a irracionalidade passa a ser explicada pela ignorância e pela
indisciplina intelectual ou pela fraqueza ante os impulsos instintivos. A obra de Eurípides representa o
nascimento da psicologia enquanto concepção do homem como dotado de uma individualidade intelectual e
afetiva, de uma natureza contraditória, conflitiva e, por vezes, patológica.
Anselmo de Lima Chaves
Psicólogo (CRP 02343)
Fonte:
PESSOTTI, Isaías, A loucura e as épocas, Editora 34, Rio de Janeiro, 1994.

1
No século XIX, essa loucura lúcida se chamará de manie raisonnante e terá como característica essencial a ausência de
distúrbios nas faculdades intelectuais e imaginativas e a perda de controle da vontade.
2
O racionalismo de Eurípedes, discípulo de Anaxágoras e amigo de Sócrates, é a opção por uma visão racional da realidade em
toda a sua desordem, uma visão despojada das distorções (irracionais) do mito. Toda a obra deste autor é marcada pela
exposição da contradição entre os ideais éticos e políticos de uma ordem na vida social e psicológica baseada na razão e a
realidade da desordem, incoerência e miséria da conduta dos homens regidos pelas paixões e apetites humanos.

Potrebbero piacerti anche