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RESUMO
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
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orienta e nos direciona para esta proposição tão importante e ao mesmo tempo tão
complexa e que está intimamente relacionada a como obtemos ou não o prazer (Fou-
cault, 1977a).
2. HOMOSSEXUALIDADE HOJE
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so sexual voltado para alguém do mesmo sexo, pois “(...) Por homossexual, entende-
mos a condição humana de um ser pessoal que, ao nível da sexualidade, caracteriza-se
desta peculiaridade de sentir-se constitutivamente instalado na forma de expressão ex-
clusiva com um parceiro do mesmo sexo”. (Vidal, 1985, p. 58).
Sob esta concepção, a sexualidade não deve ser vista de maneira reducionista
e, assim, descarta-se como definidoras da homossexualidade condutas como a “pede-
rastia”, a “prostituição” ou violação, pois estas se são consideradas “formas desvian-
tes”, as são tanto em condições hetero como homossexuais.
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Sob esta perspectiva, desejar ou não o outro, sendo ele homem ou mulher, in-
depende da “vontade” ou da deliberação da pessoa. Isso significa que esse fato, por si
só, já caberia para espantar todo e qualquer tipo de preconceito e discriminação que
possa existir contra os homossexuais.
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As neurociências apontam, também, que a atração que se sente pelo outro, se-
ja ele de que sexo for, é o resultado da formação do feto no útero influenciado por car-
gas genéticas e questões hormonais.
Para ele, não devemos catalogar, convencionar, enumerar e discriminar formas de ser e
de agir. As pessoas que possuem a afetividade e a sexualidade voltadas para alguém
do mesmo sexo, simplesmente possuem esta determinada forma de ser, estar e se rela-
cionar com o outro. Não necessariamente estão enquadradas em determinados “rótu-
los” e isto significa que, ao dizer que esta ou aquela forma de obtenção do prazer é cer-
ta ou errada, não permite que o ser humano se desenvolva plenamente em sua vida
“devir”, isto é não chega a “ser o que se é”, mas sim vive de forma a adequar-se aos
padrões e critérios sociais estabelecidos pelos dispositivos.
A vontade de saber
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Segundo Michel Foucault (1999, p. 26), a partir do século XVIII “houve uma
fermentação discursiva sobre a sexualidade, com uma proliferação de discursos sobre o
sexo, tendo como função verificar e conhecer tanto as formas como os objetos de ativi-
dade e desejo sexual”.
Ele afirma que nasceu uma incitação política, econômica e técnica ao se falar
do sexo, e isto não de uma forma a se fazer uma teoria geral da sexualidade, algo quali-
tativo, mas sim uma análise quantitativa de classificação e especificação da sexualida-
de com fins de domínio e poder.
Foi incitado que as instituições falassem cada vez mais dele, com detalhes e
explicações de como funcionava. Como exemplo, Foucault cita a confissão pastoral ca-
tólica depois do Concílio de Trento que procurava saber intensa e minuciosamente so-
bre a prática sexual: posições, gestos, toques, sensações etc.
A partir disto, concebia-se um “casal legítimo” que, por sua vez, poderia ditar
as leis do sexo e servia como modelo das estruturas de como deveria ser a sexualidade
– marido e mulher, dentro do casamento, numa estrutura monogâmica e que deveria
desempenhar seu papel sexual entre “quatro paredes” com o principal objetivo da pro-
criação. “O quarto dos pais era, portanto, a única forma legítima de se fazer sexo”
(Foucault, 1999, p.9).
Ainda de acordo com Foucault (1999), a partir desse modelo, foi criada uma
“scientia sexualis” no Ocidente, isto é, uma ciência do sexo que tinha o papel da confis-
são, do falar, a fim de produzir um saber sobre o sexo. Ao contrário de ser ocultado,
reprimido e negado, existe nesta “ciência” um aspecto central de revelação e esquadri-
nhamento do sexo. Os ocidentais são levados a confessar tudo, expor seus prazeres
como uma obrigação já internalizada.
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Todo aquele que não se enquadra na proposta “família monogâmica” que visa
apenas à procriação e não ao prazer acaba sendo excluído de alguma forma, como des-
taca Foucault: “ (...) e se o estéril insiste, e se mostra demasiadamente, vira anormal: re-
ceberá este status e deverá pagar as sanções” (Foucault, 1999, p. 24). E mais: “coloca-se
um imperativo: não somente confessar os atos contrários à lei, mas procurar fazer de
seu desejo, de todo o seu objeto de desejo um discurso. Se possível nada deve escapar a
tal formulação, mesmo que as palavras empregadas devam ser neutralizadas” (Fou-
cault, 1999, p. 24).
Segundo ele, a sociedade moderna não teve como objetivo o fazer calar e con-
denar o sexo, mas sim a majoração extrema do assunto e a colocação do mesmo como
segredo, conforme consta: “(...) o que é próprio das sociedades modernas não é terem
condenado o sexo a permanecer na obscuridade, mas sim o terem-se devotado a falar
dele sempre, valorizando-o como segredo” (Foucault, 1999, p. 36).
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repressão na fala e na atitude. Muito pelo contrário, fez-se uma vontade, uma intenção
acerca de se falar de sexo, a fim de justificar um domínio “daquilo que se sabe”.
4. O DISPOSITIVO DA SEXUALIDADE
O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos e (...) está
sempre inscrito em um jogo de poder, estando sempre, no entanto, ligado a uma
ou a configurações de saber que dele nascem mas que igualmente o condicionam
(...) estratégias de relações de força sustentando tipos de saber e sendo sustenta-
dos por eles. (Foucault, 1979, pp. 244 -247).
Ele disserta muito acerca dos saberes, dos poderes e das subjetividades que
ocorrem no mundo (Foucault, 2003).
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contrárias, atendendo a uma demanda social, surge esta rede de dispositivos que se-
grega e determina o “normal” e o “patológico”, a sexualidade “sadia” e a “doente”.
Para Foucault, a “batalha” pelos direitos dos gays é considerado um episódio que não
representa a etapa final. Um direito está mais ligado a seus efeitos reais, atitudes, com-
portamentos do que a formulações legais.
Por isso, não adianta ficar lutando e requerendo direitos, levantando bandei-
ras e praticando manifestações, crendo que a sociedade se modificará por conta disso.
É necessário lutar para dar espaço aos estilos de vida homossexual, às escolhas
de vida em que as relações sexuais com pessoas do mesmo sexo sejam importan-
tes. Não basta tolerar dentro de um modo de vida mais geral a possibilidade de
fazer amor com alguém do mesmo sexo, a título de componente ou de suplemen-
to.(...) O fato de fazer amor com alguém do mesmo sexo pode muito naturalmen-
te acarretar toda uma série de escolhas, toda uma série de outros valores e de op-
ções para os quais ainda não há possibilidades reais. (Foucault, 2004a, p. 119)
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outro lado, existe, a seu ver, uma maneira do homossexual viver sem grandes conflitos
internos e externos pela busca exclusiva de uma vida prazerosa, não só na esfera amo-
rosa e afetiva, mas também de outras formas de prazer no dia-a-dia, como a dietética –
prazer pela alimentação – a sublimação (grifo nosso) – a obtenção do prazer pela satisfa-
ção de sentir-se útil e produtivo -, a arte, a beleza, a religiosidade, além de um enrique-
cimento das relações sociais.
Isto não significa, para ele, deixar de lado o desejo, a vontade e a própria ma-
nifestação de sua forma de ser. Significa, pelo contrário, uma maior gama de possibili-
dades de se buscar a felicidade, não se fixando exclusivamente na sexualidade, como
se esta fosse o único caminho de se obter prazer na vida. Vive-se modernamente num
empobrecimento das relações causado pelas instituições.
Pela questão das “linhas de fuga” de Foucault, que tenta escapar da fixação da
sexualidade, rumando para o prazer do ser humano, pode-se compreender que existe
um modo de vida, de ser, de amar, de viver inerente ao homossexual, diverso do pro-
pagado pela cultura sexual moderna, à qual Foucault atribui ser escrava dos dispositi-
vos. Neste sentido, “linha de fuga” passa a existir para as questões da sexualidade hu-
mana, homo ou heterossexual, e se referem ao prazer de ser e viver não só nesta forma
de expressar e sentir prazer, mas se abrir para o maior número de possibilidades agra-
dáveis que a vida dispõe, tais como o prazer intelectual, espiritual, estético, dietético,
profissional, artístico, entre outros.
Por outro lado, a “ars erótica”, cultuada em sociedades orientais como a China,
Japão e Índia, mostra que o importante é a busca do prazer encarnado como prática e
recolhido como experiência. O prazer deve ser visto em todas as suas facetas: intensi-
dade, qualidade específica, duração, reverberações no corpo e na alma, mantendo-se
“discreto” e “quieto” sob pena de perder sua eficácia, se for divulgado. Suas caracterís-
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Para Foucault, um caminho de saída, uma linha de fuga é dizer não ao sexo rei!
Dizer não à sexualidade como primazia e questão mais importante existente e elaborar
formas de se voltar para o conhecimento do prazer, sua qualificação, intensidade, ma-
neira, de tal modo a encontrar satisfação em todas as etapas e possibilidades da vida:
alimentação, amizade, estética, ascese, amor e outras formas de obter e dar prazer.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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ção do conhecimento sobre o sexo e não necessariamente sobre o prazer e suas verten-
tes.
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