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Redes Generalizadas e Subversão da Ordem 

Aula Pública no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade 
Estadual de Campinas 

Mauro W. B. Almeida 

Junho de 2009 

Redes,  rizomas,  disseminação,  contágio:  tudo  isso  cresce  ao  acaso  e  é  difícil  de 
conter.  Rizomas  quebram  barreiras,  como  capim  que  aflora  sob  lajes.  Esse  crescimento 
tem um motor que foi, o crescimento a taxas extraordinárias da capacidade de processar 
e de transmitir informação. Em outras palavras, um crescimento explosivo da capacidade 
para conectar coisas e pessoas a custos que tendem a zero. O resultado no horizonte é um 
imenso coletivo do qual qual participamos juntos, humanos e não‐humanos, organismos 
e  máquinas,  idéias  e  objetos,  e  cujas  conseqüências  subversivas  de  longo  prazo  são 
imprevisíveis. O paradoxo é que esse motor de subversão é gerado pelo próprio sistema 
capitalista, proprietário, individualista e mercantil que ele ameaça subverter. 

De  tempos  em  tempos,  acontece  uma  explosão  das  forças  produtivas,  levando  a 
uma revolução nas relações sociais e no modo de existir das coisas. Um exemplo clássico 
é a revolução neolítica (c. 10.000 A.C), durante a qual se domesticaram plantas e animais 
–  foi  a  primeira  revolução  biotecnológica  ‐‐  ,  produziram‐se  instrumentos  moldados  de 
metal  e  instrumentos  moldados  de  barro  –  uma  das  primeiras  revoluções  técnicas..  O 
resultado foram cidades e classes dominantes, Estados e exércitos, e a subordinação das 
comunidades, bandos e tribos em quase toda parte a impérios centralizados.  

Um  exemplo  mais  recente  é  o  da  revolução  industrial  (c.  1800  D.C.).  Foi  desta 
última que Marx tratou no Manifesto do Partido Comunista.  Máquinas movidas a vapor 
produzido  pela  queima  de  carvão  e  a  suor  de  trabalhadores  produziram  uma  imensa 
expansão  de  mercadorias,  acompanhada  pela  tentativa  de  subordinação  mundial  da 
natureza  e  dos  povos  na  periferia  do  capitalismo.  Tentativa  que  resultou  em  impérios 
coloniais  que  subordinaram  boa  parte  ‐‐  mas  não  todos  ‐‐  os  antigos  impérios,  tribos  e 
comunidades  das  periferias.  E  principalmente,  generalizou  o  dinheiro  como  a  medida 
comum de todos os entes: não só coisas produzidas, mas também pessoas, terra e idéias 
se  tornaram  intercambiáveis  através  pelo  valor  corporificado  em  moeda‐ouro  e  depois 
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em  moeda‐signo.  Valor  é  rizoma:  atravessa  fronteiras  ontológicas,  desrespeita  limites 


morais e institucionais, conecta anônimamente crianças trabalhadoras no Sri Lanka com 
compradores  de  tênis  nos  EUA.  Junto  com  o  valor  como  rede  por  onde  flui  matéria 
conformada pelo trabalho humano, surgiu uma sociedade de indivíduos‐proprietários.  

O  indivíduo  proprietário  de  coisas  ‐‐  e  definido  antes  de  tudo  pelo  que  possui  e 
que é uma quantidade de dinheiro ‐‐ é também o indivíduo proprietário de suas idéias. É 
a figura figura romântica do viandante na tempestade aquele que é capaz de afrontar as 
forças da natureza equipado com o gênio criativo e individual, e é a imagem de Fausto. 
Em  termos  mais  prosaicos:  a  informação  pegou  carona  com  a  privatização:  surgiram 
copyright, propriedade intelectual, patentes – e para isso vale a pena fazer um pacto com 
o próprio diabo. 1 

Coisas  da  natureza  submetidas  á  predação  capitalista  ao  serem  convertidas  em 
matéria‐prima  da  indústria  ‐‐  quer  sejam  animais  ou  plantas,  combustíveis  fósseis  ou 
minérios,  bacias  hidrográficas  ou  florestas  –  são  a  geração  zero  de  mercadorias:  coisas 
extraídas  sem  serem  produzidas.    A  Revolução  Industrial  gerou  uma  vasta  destruição 
consumtiva dos “recursos naturais” para produzir "bens"  para consumo e para produzir 
outros bens: e podemos chamá‐los de mercadorias de segunda geração, coisas, tudo que é 
matéria‐prima  contida  em  uma  forma,  Zeug,  trecos.  Essas  mercadorias  de  segunda 
geração  são  controladas  na  produção  e  na  distribuição  por  imensas  estruturas 
hierárquicas  e  proprietárias:  assim,  compramos  o  que  comer,  o  que  usar,  o  que  ler, 
através dos ralos do Carrefour, Walmart, Casas Bahia e Magazines‐Luiza.  

Mas  há  também  as  mercadorias  de  terceira  geração:  os  chamados  produtos 
imateriais, que se constituem de mensagens e não do seu suporte material. Eles também 
eram  comprados  como  pacotes  de  matéria‐prima  transformada  pelo  trabalho  humano‐
corporal com ajuda de máquinas: livros e jornais vendidos pela madeira e pelo petróleo, e 
que contêm cada vez menos valor do trabalho intelectual. O problema é que informação é 
como a paisagem ou a via láctea que vemos ao longe: é difícil de empacotar.  

Os  bens  de  primeira  geração  põem  limites  ao  modo  de  produção  proprietário  e 
mercantil:  oceanos,  atmosfera,  biomas  (no  caso  brasileiro:  florestas  tropicais,  cerrados, 
caatinga,  mangues,  pantanal).  Esses  bens  globais  da  natureza  são  primeiro  exemplo  da 
falência dos mercados.  
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Coisas  de  terceira geração  também  não caber  no sistema proprietário‐mercantil: 


não  o  livro  de  madeira  e  tinta,  mas  a  informação  alfabética  e  visual‐analógica  contida 
nele;  não  o  CD  de  petróleo,  mas  a  informação  nele    codificada  digitalmente;  não  a  TV 
como aparelho, mas o fluxo de mensagens que ela transmite.   

É  claro  que  há  Finac  e  Siciliano;  Folha  de  São  Paulo  e  Estado  de  São  Paulo; 
Companhia das Letras e Editora Record, TV Globo e Jovem Band – em vez de pequenas e 
numerosas  livrarias.  Mas  vemos  também  indícios  permanentes  de  uma  nova  guerra  de 
guerrilha  espontaneamente  emergente  em  toda  parte,  e  que  afeta  não  apenas  os 
monopólios de produção corporativa de informação, mas também o monopólio do modo 
acadêmico de produzir conhecimento: wikis, rádios‐livres, cybercoletivos.  

Ouvi dizer num debate acadêmico que as idéias de Marx estão vencidas há não sei 
quanto  tempo.  Eis  contudo  um  exemplo  de  tese  marxista  muito  atual:  as  grandes 
transformações na história humana ocorrem quando o crescimento acelerado das forças 
produtivas entra em choque com relações de produção herdadas de uma época anterior. 
É  precisamente  o  que  estamos  testemunhando  com  a  expansão  explosiva  das  "forças 
produtivas  informacionais"  ,  que  entram  a  toda  hora  em  conflito  com  as  relações  de 
propriedade privada.2 

*** 

Na década de 1940, o inglês Alan Turing concebeu em um artigo visionário o que 
passou a se chamar de máquinas de Turing: máquinas virtuais capazes de computar tudo 
que  é  algoritmicamente  computável,  isto  é,  tudo  que  pode  ser  calculado  por  meio  de 
regras  mecânicas.  Em  outras  palavras,  ele  inventou  a  programação,  e  isso  antes  de 
existirem computadores – e, o que é ainda mais imortante, descobriu que nem tudo pode 
ser computado, e que portanto a razão humana não é computacional. (Voltarei a isso.) Na 
mesma época, o norte‐americanos Norbert Wiener e Claude Shannon, um matemático e 
um  engenheiro,  inventaram  a  cibernética  e  a  teoria  da  informação  ‐‐  e  isso  antes  que 
existissem autômatos e antes da era dos satélites geoestacionários que nos converterem 
em peixes nadando em um único campo eletromagnético de informação. Na Alemanha, o 
físico  Erwin  Schrödinger  anunciou  que  a  vida  era  essencialmente  codificação  e 
transmissão  de  informação  ‐‐  isso  antes  da  descoberta  do  código  genético  inscrito  na 
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molécula  do  DNA.  E  o  antropólogo  francês  Claude  Lévi‐Strauss  anunciou  que  sistemas 
sociais  são  máquinas  de  comunicação  entre  coletivos,  e  em  seguida,  que  mitologias  são 
produto de mentes coletivas ‐‐ e isso antes do Google. Em todos esses casos, a imaginação 
precedeu  a  invenção.    Tudo  isso  ocorreu  claramente  em  rede,  porque  a  simultaneidade 
não é coincidência. 

As  redes  generalizadas  têm  a  ver  com  tudo  isso:  com  máquinas  de  Turing, 
autômatos,  informação,  DNA  e  ontologias  coletivamente  produzidas.  Vamos  apenas 
indicar porque.  

Redes  são  coisa  antiga,  e  até  mesmo  pré‐neolítica.  Sempre  houve  redes  de 
parentesco,  redes  de  reciprocidade  e  de  vingança,  redes  agrobiológicas  (é  o  tema  da 
pesquisa  que  minha  colega  Laure  Emperaire  e  eu  coordenamos  no  momento),  redes  de 
produção intelectual de mitos e cosmologias. O que mudou dos últimos 60.000 anos para 
cá,  mais  ou  menos,  foi  a  escala.  Quando  muda  a  escala,  a  natureza  das  redes  de 
informação  muda  radicalmente.  E  é  essa  a  mudança  subversiva.  Eis  um  pequeno 
retrospecto da teoria.  

Em  1923,  nasceu  na  Hungria  Paul  Erdös,  que  veio  a  ser  uma  figura  matemática 
curiosa. Erdös era tão avesso à propriedade privada nunca teve casa nem emprego, e seus 
bens  se  resumiam  a  duas  maletas  velhas  que  carregava  para  as  casas  alheias  onde 
sempre se hospedou enquanto viveu. E era tão avesso à figura do gênio solitário que se 
tornou  o  campeão  em  produção  matemática  colaborativa,  com  uns  1.500  artigos 
publicados e cerca de 500 colaboradores. Há um jogo entre matemáticos, que consiste em 
calcular o seu número de Erdös. Se voce colaborou com ele diretamente num artigo, seu 
número de Erdös é um. Se colaborou com alguém que colaborou com Erdös, seu número 
de Erdös é dois. E assim por diante. E isso leva a um assunto para o qual Erdös deu uma 
importante  contribuição:  quantos  passos  é  preciso  para  conectar  uma  pessoa  qualquer 
com  outra  pessoa  qualquer  no  planeta?  Esse  é  um  problema  importante  da  teoria  das 
redes.  

Em uma série de artigos publicados a partir de 1959, em colaboração com outro 
matemático húngaro chamado Paul Rény, Paul  Erdös propôs a seguinte pergunta: como é 
que evolui no tempo uma grande rede que se expande ao acaso? Isso foi muito antes da 
web ter sido inventada. As redes dinâmicas e randômicas que Erdös e Rény imaginaram e 
estudaram  têm  as  propriedades  daquilo  que  bem  mais  adiante  Gilles  Deleuze  chamará 
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pelo nome de rizoma.3  Nas redes de Erdös‐Rény, o número n de objetos tende ao infinito; 
a  cada  momento  uma  nova  conexão  surge  ao  acaso,  e  a  comunicação  é  gratuita  e 
instantânea.  No  artigo  de  1959,  os  dois  matemáticos  húngaros  chegaram  ao  seguinte 
resultado um tanto inesperado: redes em crescimento experimentam revoluções.  Eis as 
fases que eles descreveram  reduzidas a três.  

Fase 1-2. . No começo, o número de conexões é muito pequeno em relação ao


número de objetos-agentes. Nessa fase, há "árvores" separadas umas das outras: isto é,
pequenos grupos conectados entre si, e sem ciclos fechados. Também há ciclos
fechados, também isolados uns dos outros. Até aqui, o universo de pessoas forma um
grande número de pequenas ilhas, cada uma delas com sua estrutura própria.

Fase 3-4. Ocorre quando o número de conexões chega à metade do número de


pessoas.

"Nesse momento -- dizem Erdös e Rény -- a estrutura das redes de n objetos e N


conexões muda abruptamente. Na verdade, essa súbita mudança na estrutura foi
o fato mais surpreendente descoberto pela investigação da evolução dos grafos
aleatórios" .

O que ocorre nesse ponto é o aparecimento de um componente gigante, com


uma estrutura bastante complexa. A partir daí, os pequenos componentes (a maioria
deles árvores) fundem-se um atrás do outro no componente gigante. Os componentes
menores têm ainda uma pequena chance de sobrevivência, mas não por muito tempo.

Fase 4-5. Um único continente gigante e poucos pontos isolados: e quase


certamento a rede se torna conexa, isto é, não há conexões isoladas dela. Todos os
pontos tornam-se igualmente conectados entre si.

Em  resumo:  No  começo,  as  redes  crescem  como  filamentos  separados  entre  si  e 
abertos.  Depois  esses  fios  começam  a  formar  ciclos,  continuando  a  existir  separaos  um 
dos outros, como ilhas em um arquipélago. Mas há um certo momento em que de repente 
tudo  muda:  surgem  uma  rede‐monstro,  que  engole  as  pequenas  ilhas,  e  torna  todos  os 
participantes interconectados entre si. 4 

Mais de quarenta anos depois da publicação dos artigos de Erdös e Rény surgiram 
desenvolvimenos da teoria das grandes redes, já em plena era da internet. Vou mencionar 
apenas dois deles: a teoria dos "mundos pequenos"  e a teoria das "redes sem escala" .  No 
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fundo essas teorias surgiram a partir da busca da lógica subjacente á idéia de "seis passos 
de separação".   

A teoria dos "mundos pequenos", uma continuação da visão de Erdos,  ensina que  

"...  ou  o  mundo  é  fragmentado  em  muitos  grupos  pequenos,  como  cavernas 
isoladas,  ou  é  conectado  em  um  único  componente  gigante  no  qual  virtualmente  todo 
mundo pode se conectar a todo mundo. 5 A diferença em relação a Erdös e Rény é que no 
modelo  de  Duncan  Watts,  quando  pessoas  compartilham  contatos  aumenta  a 
probabilidade  de  que  elas  se  contatem  entre  si.    Basta  essa  regra  local  para  que  a 
distância se encurte notavelmente.  

"... Você só conhece quem você conhece, e quem sabe na maior parte tempo 
os seus amigos conhecem as mesmas pessoas que você também conhece. Mas se 
apenas um amigo é amigo de uma única pessoa que é amigo de alguém que nada 
tem  em  comum  com  você,  então  existe  um  caminho  conectador.  Você  pode  não 
usar esse caminho, e pode nem saber que ele existe, mas ele existe. E quando se 
trata da propagação de idéias, de influência, e até de doenças, aquele caminho será 
importante, quer você saiba ou não." 6 

Em  suma,  a  teoria  dos  mundos  pequenos  introduz  no  modelo  do  rizoma 
erdosiano‐deleuziano  o  fato  mais  ou  menos  óbvio  de  que  conexões  na  rede  não  são 
formadas  ao  acaso,  e  sim  gerando  "pequenos  mundos"    aparentemente  isolados;  e  que 
bastam  pequenos  atalhos  conectando  esses  pequenos  mundos  para  que  todos  se 
conectem  com  todos.  E  esse  modelo  sugere  uma  rede  democrática  e  comunitária  como 
ideal. Entro no Facebook, e minha cunhada conhece Vicki, o artista plástico que tem 1.500 
amigos.  

Mas  o  outro  resultado  recente  é  mais  importante  e  perturba  essa  imagem 


democrática  da  rede.  Ele  foi  introduzido  por  Albert‐László  Barabási,  outro  húngaro,  e 
bem familiarizado com a teoria de Paul Erdös. Nas redes de Erdös e mesmo na versão de 
Duncan Watts, a grande maioria dos agentes possui o mesmo grau de conectividade que 
os  demais.  A  distribuição  do  número  de  conexões  segue  uma  curva  normal:  é  como  a 
altura,  ou  o  chamado  QI.  Barabási  descobriu  que  as  grandes  redes,  em  sua  maioria,  são 
"sem  escala"  ,    o  que  significa  o  seguinte:  as  conectividade  não  é  distribuída 
igualitariamente  nas  redes,  da  mesma  maneira  que  o  dinheiro  não  é  distribuído 
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igualitariamente  na  sociedade.  Uns  poucos  hubs  concentram  um  grande  número  das 
conexões, e a grande maioria dos agentes tem um número pequeno de conexões. De um 
lado há o Google e a Wikipedia; de outro lado nós, usuários comuns.  A web é oligárquica. 
Ricos  ficam  mais  ricos.  Descobriu‐se  que  junto  com  as  redes‐monstram  surgem  novas 
hierarquias:  pontos  através  dos  quais  passa  a  vasta  maioria  das  conexões,  enquanto  a 
vasta  maioria  permanece  conectada  a  um  conjunto  relativamente  pequenos  de  outros 
pontos. 7 

A democratização das relações na web é ilusória então? Bem, o interessante é que 
ao  mesmo  tempo  que  gigantes  como  o  Google,  surgem  facebooks,  twitters,  wikis, 
antigoogles  ‐‐  apropriados  de  vez  em  quando  por  corporações,  reinventados  anti‐
coorporativamente,  e  reapropriados.  Vemos  então  uma  espécie  de  jogo  dialético  entre 
hierarquia  e  anti‐hierarquia.  Assim  como  o  preço  do  livro  baixou  brutalmente  com 
invenção da tipografia no século XVI, o custo do fluxo de informação baixou brutalmente 
com  a  invenção  da  computação,  da  transmissão  digital  de  informação  e  da  internet  no 
século  XX:  um  resultado  é  que  a  produção  e  circulação  de  informação  se  tornaram 
possíveis em grande escala, coletivamente, e através de fronteiras.  Ao lado dos hubs que 
são  como  grandes  aeroportos  de  transito,  há  um  número  indefinidamente  crescente  de 
pequenos aeroportos que reúnem inteligências coletivas parelalas e alternativas.  

Há quatro conseqüências subversivas dessa dialética entre concentração em novas 
árvores informacionais e dispersão em rizomas‐rede.  

1. Uma delas é a erosão do direito de propriedade intelectual individual. Vemos a 
todo  momento  a  propriedade  intelectual  sobre  mensagens  desabar  sob  a  pressão 
subversiva das mega‐redes erdösianas, ou se quiserem, de rizomas deleuzianos. O toque 
de  finados  da  propriedade  intelectual  de  músicas,  de  livros,  de  artigos,  de  jornais,  de 
discos  está  soando  porque  todos  esses  produtos  são  de  fatos  bens  de  segunda  geração: 
estamos  comprando  madeira,  óleo  e  esforço  físico  humano  ao  comprar  a  Folha  de  São 
Paulo e o Estado de São Paulo.  Os produtos de terceira geração que estão contidos nesses 
suportes‐coisas  hoje  fluem  imaterialmente,  por  assim  dizer,  em  acervos‐nuvem,  no 
campo eletromagnético, e dispersos em uma infinidade de suportes.  Essa é a subversão 
na circulação dos bens imateriais: eles não podem ser apropriados do mesmo modo que 
madeira e petróleo. Uma vez ouvida a poesia e a melodia, ela é apropriada em nuvem, e 
torna‐se bem coletivo.  
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2. O outro efeito subversido das redes se dá sobre a produção. Redes corporificam 
inteligência  coletiva,  ou  melhor,  coletivos  inteligentes.  Para  quem  estranha  essa  noção, 
lembro mais uma vez que Lévi‐Strauss já exemplificou exaustivamente o funcionamento 
dessas  inteligências‐em‐rede  no  caso  dos  produtores  coletivos  de  mitos.  E  como  o 
exemplo  dos  coletivos  produtores  de  mitologias  e  cosmologias  indígenas  mostra,  no 
fundo  "nunca  fomos  modernos"  ‐‐  apesar  da  ilusão  cuidadosamente  preservada  do 
intelectual  goethiano  que  cria  em  isolamento  e  é  o  "dono"    absoluto  de  sua  criação 
porque ela é fruto de sua individualidade.  

3.  Há  um  terceiro  efeito  subversivo:  a  o  coletivo  inteligente  inclui  não  apenas 
redes de humanos, mas suas extensões e agregados que podem ser próteses de memória, 
de sensores e de computação.  E nada impede que nessas redes‐pensantes se incluam não 
apenas  humanos  mas  também  plantas  e  animais.  Turing  já  havia  entrevisto  essa 
interação  através  da  fronteira  programa‐natureza  quando  introduziu  oráculos  nas  suas 
máquinas de pensar: fontes de informação não programadas, em que a natureza informa 
por  assim  dizer  o  agente  de  cálculo,  ou  dialoga  com  ele.  O  oráculo  de  Matrix  tem  base 
teórica  sólida!  Os  agentes‐rede  incluem  multidivíduos  humanos,  assim  como  máquinas, 
animais, paisagens. Incluem agentes mortos e por nascer; presentes e ausentes; as redes 
criam avatares para todos! 8 

4.  Um  quarto  efeito  subversivo:  redes  multiplicam  as  ontologias.  Ontologias  ‐‐  o 
saber do que é que existe e do que é que não existe, e que é de fato um campo de luta ‐‐ 
são  construídas  e  destruídas  em  rede.  Ontologias  são  hoje  construídas  e  descontruídas 
em  rede  semânticas.  O  que  é  gente?  O  que  é  pessoa?  Quando  começa  a  existir?  Em 
quantos tipos?  

Vamos caminhar para um final provisório, que é um elogio à função subversiva da 
razão.  Não  tenho  problemas  com  a  razão.  A  razão  não  se  confunde  porém  com 
racionalidades, isto é, com cânones: computacionais, lógicos, algorítmicos ou normativos. 
A razão generalizada é uma potência para a subversão, pois é a capacidade para destruir 
e  construir  racionalidades  canônicas  de  todo  tipo.  Habitus  e  cânones  alimentam‐se  da 
experiência,  como  a  ciência  normal:  mas  a  razão  subversiva  que  tenho  em  mente, 
seguindo o pensamento de Newton da Costa, não pode se guiar pela experiencia passada 
como guia para o futuro. A razão subversiva nos ensinou, com Hume, que o passado não é 
uma base racional para prever o futuro. A razão recusa‐se a justificar a crença de que o 
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sol  nascerá  amanhã,  assim  como  das  leis  científicas  testadas  no  passado.  A  razão,  por 
outro lado, é terreno da invenção imaginativa de mundos possíveis. Lembremos aqui dos 
feitos  imaginativos  de  Turing,  de  Wiener,  de  Erdös,  de  Lévi‐Strauss  ‐‐  e  mais 
iluminadoramente,  da  imaginação  de  Riemann,  saltando  para  além  dos  limites  da 
experiência  geométrica  e  imaginando  espaços  não‐euclideanos,  na  verdade  uma 
infinidade de tais espaços, cada um deles um mundo possível. Pois o provável ‐‐ produto 
da  crença  apoiada  no  passado  ‐‐  não  é  o  possível:  produto  da  razão  que  antecipa 
revolucionáriamente o futuro.  

Concluindo:  redes  generalizadas,  coletivos  trans‐específicos,  são  agentes 


dispersos de uma subversão em curso de formas de propriedade e de poder, e também de 
modos  de  existir.  O  que  virá  depois,  são  vocês,  agentes‐coletivos,  avatares  da  razão 
coletiva, é que inventarão, aliados a pau, pedra, cães e baleais, chips e moléculas.  

                                                        
NOTAS 
1 ) Sobre o individualismo possessivo, ver o clássico de C. B. Macpherson, The Political 

Theory of Possessive Individualismo, Hobbes to Locke, 1962 (edição brasileira da Editora 
Paz e Terra, 179). O Sturm and Drang é o exemplo por excelencia da  exaltação do Genius 
individual pelo romantismo, e refiro‐me aqui em particular ao Wandrers Sturmlied de 
Goethe.  
2 A meu ver, o conteúdo do livro de Yochai Benkler pode ser resumido dessa maneira, 

embora a linguagem desse autor em nada evoque Marx. Yochai Benkler. The Wealth of 
Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom, Yale University Press, 
2006. 
3 P.Erdös, A.Rényi. On random graphs. Publicação original: Publicationes Mathematicae, 6
(1959) 290-297. Encontra-se a tradução para o inglês na internet. Para a versão de Gilles
Deleuze e Felix Guattari: Mille Plateaux, Paris, Les Éditions de Minuit, 1980.

4 Baseado no artigo de Erdös e Rény ciado na nota anterior.  

5 Duncan J. Watts. Six Degrees. The Science of a Connected Age.  New York, Norton 

Company, 2003, p. 82,   
6 Idem, p. 83.  

7 Albert‐László Barabási. Linked.  New York, Penguin, 2003. Ver também Albert‐László 

Barabási e Réka Albert, Emergence of Scaling in Random Networks, Science, vol. 286, 15, 
1999, pp. 509‐512.  Neste artigo, Barabási e Albert afirmam: "A common property of 
many large networks is that the ertex connectivities follow a scale‐free power‐law 
  10 

                                                                                                                                                                               
distribution. This feature was found to be a consequence of two generic mechanisms: (i) 
networks expand continuously by the addition of new vertices, and (ii) new vertices 
attach preferentially to sites that are already well connected." (p. 509). 
8 Bruno Latour. Reassembling the Social. An Introduction to Actor­Network­Theory. Oxford, 

Oxford University Press, 2005.  De um ponto de vista completamente diferente, ver 
Jürgen Habermas, Kommunikatives Handeln und detranszendentalisierte Vernunft, 
Stuttgart, Reclam, 2001.  

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