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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ananda Carvalho

PROCEDIMENTOS CURATORIAIS:
PRÁTICAS COMUNICACIONAIS NO SISTEMA DA ARTE CONTEMPORÂNEA

Projeto de pesquisa de Doutorado no Programa


de Estudos Pós-graduados em Comunicação e
Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo na linha de pesquisa Processos de
Criação nas Mídias sob a orientação da Prof.
Dra. Cecilia Almeida Salles, desenvolvido com
auxílio de bolsa CNPq.

SÃO PAULO
2013
Resumo

A presente pesquisa busca mapear os procedimentos curatoriais em exposições


realizadas em São Paulo compreendendo-os como práticas da comunicação no sistema da arte
contemporânea. Observa a produção curatorial paulistana a partir de arquivos utilizados para
a comunicação das exposições como textos curatoriais (publicados em catálogos, folder ou
“textos de parede”), entrevistas dos curadores publicadas na imprensa, fotografias e vídeos
das exposições. Nesses arquivos, procura observar como o conceito expositivo é comunicado
através dos procedimentos curatoriais. Do ponto de vista metodológico, a pesquisa analisa os
objetos de acordo com a teoria dos processos de criação em rede proposta por Cecilia
Almeida Salles. Parte do statement curatorial, que pode ser compreendido como um princípio
direcionador, um conceito amplo e, muitas vezes, vago para identificar os nós de criação da
produção curatorial através dos possíveis desdobramentos de “espacificação” do pensamento
através dos recursos expositivos como textos e organização das obras no espaço. Do ponto de
vista da comunicação, também se apoia na teoria do pensamento complexo proposta por
Edgar Morin. Para compreender a denominação arte contemporânea, esta pesquisa concorda
com Anne Cauquelin que defende a existência de um sistema da arte que impera num regime
da sociedade da comunicação. Para a compreensão do conceito de curadoria, a pesquisa
dialoga com o pensamento de Paulo Herkenhoff, Ricardo Basbaum e Lisette Lagnado. Por
fim, procura revisar historicamente e conceitualmente os procedimentos curatoriais e analisar
a curadoria sob uma perspectiva de um sistema complexo, na medida em que são espaços
comunicacionais em relação aos processos de criação dos artistas.

Palavras-chave: comunicação, curadoria, procedimentos, arte contemporânea, redes de


criação.

1. Introdução

O desenvolvimento do circuito da arte contemporânea considera a tentativa de fuga da


moldura, do pedestal e do “cubo branco” (símbolo das exposições de arte moderna, em que a
obra estaria aparentemente exposta de forma neutra). A observação dessa produção pressupõe
diversos questionamentos: a relação da obra com o espaço, a relação entre obra e espectador,
a efemeridade da obra, a relação entre documento e processo de criação, a dissolução da
autoria, a saída da exposição de seu espaço institucional e tradicional, a multiplicidade dos
meios, entre outros aspectos. Pode-se considerar também uma ênfase no desenvolvimento de
plataformas curatoriais do discurso através de palestras, debates e publicações.
O curador argentino Ferran Barenblit, que já dirigiu o Centro de Arte de Santa Mônica
(Barcelona) e atualmente é diretor do Centro de Arte Dos de Mayo da Comunidade de
Madrid, afirma que:
A história da arte do século XX bem que poderia ser definida como a tentativa de criar a
obra de arte impossível de ser exibida e colecionada. Uma obra que jamais possa ser
mostrada ao público de uma forma mais ou menos razoável, nem entrar num museu ou
numa coleção. A história da museologia, ou da curadoria, bem que poderia ter sido a
oposta: a tentativa de, a qualquer preço, expor e colecionar a obra de arte feita para não
poder ser jamais exposta e colecionável. Esta tensão definiu boa parte do modus operandi
das práticas curatoriais das últimas décadas, sinônimo oferecido ao conjunto de sua história.
(BARENBLIT e LAGNADO, 2010, p. 101)
Esse comentário um tanto polêmico sobre a tensão entre a produção artística e a
produção curatorial reflete uma das inquietações iniciais desse projeto. Observa-se que
mesmo que a produção artística contemporânea discuta a problemática do espaço, da autoria,
da participação, do efêmero e do processo, a maioria das exposições ainda apresentam um
texto curatorial-conceitual (por vezes explicativo, outras mais hermético) na sua entrada.
Isabel Tejeda Martín, curadora e pesquisadora espanhola, aponta também as dificuldades de
remontar obras site specific devido a perda de seu contexto e também a de expor obras que
foram produzidas para serem interativas, mas devido a preocupação em manter as condições
de preservação, estas são isoladas do público através de redomas, cubos, etc. (MARTÍN,
2006, p. 59).
Essas inquietações demandam pensar as estratégias de ação e criação dos curadores.
Cauê Alves (curador independe que vem realizando diversas exposições desde 2006) define o
papel do curador como:
(...) um profissional cuja ação pode ser instituinte no sentido em que abre um
acontecimento que está por vir (grifo meu) e assim possibilita uma série de outras
experiências que podem formar uma história. Ele retoma os sentidos instituídos de um
trabalho para reinventá-lo, pensar a partir dele. Em vez de criar outro trabalho de arte como
faz o artista, o curador deve atuar como alguém que tem experiência viva no interior do
trabalho, que suscita outras experiências. (ALVES, 2010, p. 46)
Esta pesquisa compreende o conceito de curadoria como uma esfera crítica do
pensamento desenvolvida em relação as possibilidades de presença de cada obra, de acordo
com Paulo Herkenhoff (2008, p. 24). O trabalho de Herkenhoff é importante principalmente
por sua atuação na 24a. Bienal de São Paulo de 1998 em que promove uma curadoria por
associações a partir do tema “antropofagia”. Ainda, segundo esse curador:
Curadoria é um processo de projeção temporária de sentidos e significados sobre a
obra (grifo meu), produz algum tipo de estranhamento, capaz de mover o conhecimento.
No oposto, a curadoria do tipo modelo Chanel, isto é, nenhuma ousadia e só reiteração de
certezas elegantes. Curadoria pode ser um jogo do sensível com a obra de arte, buscar um
diálogo poético, mas sem perder a perspectiva crítica. (Herkenhoff, 2008, p. 24).
Ao observar a história da curadoria, pode-se citar exposições que ficaram famosas por
colocar em prática a definição defendida à cima. As edições da Documenta de Kassel
(Alemanha) são um exemplo. A Documenta 5, realizada em 1972 com a curadoria de Harald
Szeemann, transformou o “museu de 100 dias", forma em que a exposição era organizada
anteriormente, em um “evento de 100 dias”, que “incluiu não apenas pintura e escultura, mas
instalações, performances, happenings e, claro, eventos, que perduraram pelos cem dias,
como a ‘Organização para a democracia direta’, de Joseph Beuys” (OBRIST, 2010, p. 104). A
décima edição, com curadoria de Catherine David em 1997, "inaugura no âmbito das
exposições internacionais de arte contemporânea, por meio dos 100 dias de debates, o
conceito de plataforma para a produção de conhecimento” (SPRICIGO, 2009, p. 72). Já a
Documenta 12, curada por Roger Buergel, desenvolveu plataformas discursivas através da
internet como o projeto Documenta 12 Magazines, que criou uma rede de comunicação com
diferentes mídias internacionais.
Pode-se citar ainda, a exposição que levou Szeemann a tornar-se curador independente e
posteriormente organizar a Documenta 5: "When Attitudes Become Form" (Quando as
Atitudes se Tornam Forma), realizada na Kunsthalle de Berna na Suíça, em 1969. Esta foi a
"primeira exposição a reunir artistas pós-minimalistas e conceituais numa instituição
européia" (OBRIST, 2010. p. 103) e seu catálogo que "discute como as obras poderiam
assumir forma material ou permanecerem imateriais, documenta esta revolução nas artes
visuais" (SZEEMANN apud OBRIST, 2010, p. 113). Já, as exposições “Paris – Berlim”,
“Paris – Moscou”, “Paris – Nova York” organizadas por Pontus Hultén, no final dos anos
1970, no Centro Georges Pompidou (Paris, França) "incluíam não apenas objetos de arte, que
iam do construtivismo ao pop, mas também filmes, cartazes, documentos e reconstruções de
espaços de exposições" (OBRIST, 2010, p. 48). E por último, na exposição "Thirty-Six
Hours" (Trinta e Seis Horas) realizada em 1978 no Museum of Temporary Art (Washington,
D.C., EUA), o curador Walter Hopps permaneceu durante dois dias e meio recebendo
trabalhos e organizando-os no espaço expositivo em conjunto com os artistas. Não havia
restrições, apenas que o trabalho passasse pela porta (OBRIST, 2010).
Dentro do contexto brasileiro, o trabalho de Walter Zanini como diretor do Museu de
Arte Contemporânea da USP é muito importante. Destaca-se a exposição Jovem Arte
Contemporânea, realizada em 1972:

A JAC-72 era uma mostra livre, de caráter conceitual, em sentido amplo, com obras de
natureza muito efêmera, construídas no interior do museu e abertas a todo tipo de material e
técnicas. Foi planejada para os jovens, mas não havia restrições de idade, um lote
trabalhando ao lado dos outros. O espaço para exposições temporárias (cerca de 1.000
metros quadrados) foi dividido em 84 áreas com diferentes dimensões e formatos,
designadas a cada um dos inscritos por lotes de desenho (ZANINI apud OBRIST, 2010, p.
188).

Os participantes permaneceram ocupando, literalmente, o museu nas duas semanas de


realização da mostra. A ênfase era deslocada do objeto produzido para os processos de
produção e visava, sobretudo, à consciência de suas significações. Ao se dispensar o júri ou
qualquer autoridade externa, a participação dos inscritos ocorreu sem qualquer censura ou
restrição. A possibilidade de confronto, colaboração, auxílio, permuta, construção e
destruição, além do discurso permanente entre os participantes, concretizou a autoria
coletiva da exposição. Em pleno regime militar, realizou-se na exposição/manifestação um
'exercício experimental de liberdade' (FREIRE, 2006, p. 27).

Posteriormente, em 1981, Zanini foi curador da 16ª Bienal de São Paulo e convidou
Julio Plaza para organizar uma das exposições especiais desta Bienal: uma chamada aberta
para envio de Arte Postal. É importante relembrar que naquela época, a Bienal de São Paulo
era organizada por núcleo de países, que selecionavam suas obras separadamente através de
vias diplomáticas. Segundo Zanini (apud OBRIST, 2010, p. 202):
A mudança decisiva consistia em eliminar as representações nacionais e organizar a
instalação dos trabalhos usando critérios de analogia, quanto à linguagem, à proximidade e
ao confronto com o que os trabalhos de outros países tinham em comum. Tentamos,
portanto, influenciar as escolhas dos comissários através de um regulamento que daria
alguma orientação sobre a nossa ideia. E, pela primeira vez, a Bienal pôde adotar uma
atitude de responsabilidade crítica. Também introduzimos os convites diretos para um certo
número de artistas.
Somada a essa tentativa de transformação da Bienal, a exposição de Arte Postal vem
questionar uma organização tradicional, já que qualquer pessoa poderia enviar um trabalho
para ser exposto1. A Arte Postal discute, principalmente, a produção de mensagens e seus
espaços de recepção. No texto curatorial desta exposição, Julio Plaza define essa produção
como “uma estrutura espaço-temporal complexa que absorve e veicula qualquer tipo de
1
Na época, foi divulgada uma carta convite (posteriormente reproduzida no catálogo da exposição):
“A XVI Bienal de São Paulo (16 de outubro a 20 de dezembro de 1981) apresentará em seu Núcleo I a produção
artística configurada nos sistemas de expressão e comunicação que utilizam os novos media. Nesse contexto será
incluída a arte postal, que permitirá a criação de um espaço aberto aos artistas que se dedicam a essa atividade
em contínua expansão no mundo de hoje. É inegável a importância de se dar melhor a conhecer ao público esse
novo sistema de arte criado para a intercomunicação dos artistas. Apreciaria poder contar com a sua participação.
Envie trabalhos (produção gráfica, registros musicais, vídeo-K7, fotografias, etc.). Anexe foto sua junto ao seu
ambiente de trabalho, ou de seus arquivos.” (FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO, 1981)
informação ou objeto, que penetra e se dilui no fluxo comunicacional (…)” (PLAZA, 2009, p.
453). A autoria dissolve-se para tornar importante a ação e a criação de relações. É uma arte
do trânsito, em que desenvolve-se sistemas variáveis de produção. Conforme propõe Julio
Plaza (2009, p. 452), é “a informação artística como processo e não como acumulação”.
Como resultado da exposição de Arte Postal na XVI Bienal de São Paulo foi produzido
um catálogo2 com imagens de praticamente todos os trabalhos expostos. Os artistas cujas
reproduções das obras não foram possíveis ou não chegaram a tempo do fechamento da
edição do catálogo tem seus nomes citados. A publicação também lista os endereços de todos
os artistas participantes. Essa estratégia ressalta a importância da compreensão de uma arte
em rede que possibilita novos circuitos de expressão da linguagem. Nesse sentido, os
pensamentos de Julio Plaza a partir da Arte Postal, que posteriormente se desdobraram em
estudos sobre o videotexto e as artes tecnológicas, chama a atenção para uma perspectiva
relacional e expandida do esquema “autor + obra + recepção” (como pode ser observado no
livro resultante de sua pesquisa de doutorado “Tradução Intersemiótica” e também no texto
“Arte e Interatividade”).
A transformação desse circuito da arte contemporânea também pode ser observada
através de Anne-Marie Schleiner (2003), curadora que desenvolve pesquisas sobre a cultura
das redes. A autora sintetiza as diferenças entre o curador tradicional (ou do passado) e o
“filtrador” (o curador do futuro) através de uma tabela um tanto dicotômica, mas que permite
visualizar algumas transformações:
Curador do passado3: Filtrador do futuro4:
Espaço expositivo em galerias ou museus Espaço periférico, ou que tende a não
existir
Formação em História da Arte Crítica a cultura pop, história da
tecnologia
Laços com mecenas endinheirados Laços com outros filtradores e artistas
Localizado em metrópolis ou espaços Localizações dispersas
urbanos
Lida com a burocracia e as instituições Circula por aí e evita as instituições
Arte como mercadoria Efêmero, desafios extremos de
conservação
Permanece dentro da comunidade Infiltra-se, subverte outras comunidades

2
Atualmente a Fundação Bienal de São Paulo disponibiliza todas as edições de seus catálogos para serem
visualizados online: http://www.bienal.org.br/FBSP/pt/AHWS/Publicacoes/Paginas/default.aspx
3
Texto original: Past Curator: museum or gallery exhibition space; art history education; ties to wealthy patrons
of art; urban metropolis-located; navigates bureaucracy and institutions well; art as Commodity; stays within Art
Community.
4
Future Filter Feeder: space peripheral, in tandem or 0; pop culture criticism, tech history; ties to other Filter
Feeders and artists; dispersed locations; flows around and avoids institutions; ephemera, extreme preservation
challenges; infiltrates, subverts other communities.
artística
Fonte: SCHLEINER, Anne-Marie. Fluidities and Oppositions among Curators, Filter Feeders, and Future
Artists. Disponível em: http://www.intelligentagent.com/archive/Vol3_No1_curation_schleiner.html

A compreensão de Schleiner para o “curador-filtrador” pode ser observada em


conjunto ao conceito de “curador-etc” proposta pelo artista, crítico, curador e professor
Ricardo Basbaum. No início dos anos 2000, Basbaum escreveu o texto “Amo os Artistas-etc”
como resposta ao projeto do curador Jens Hoffmann para discutir a seguinte proposição: “A
próxima Documenta deveria ser curada por um artista”. Apesar desta publicação enfocar o
conceito de “artista-etc”, conforme o próprio título do texto, o autor define também a sua
visão sobre o papel do curador:
(...) quando o curador questiona a natureza e a função de seu papel como curador,
escreveremos ‘curador-etc’ (de modo que poderemos imaginar diversas categorias, tais
como curador-escritor, curador-diretor, curador-artista, curador-produtor, curador-
agenciador, curador-engenheiro, curador-doutor, etc) (BASBAUM, 2004).
No desenvolvimento de seus textos e trabalhos, Basbaum discute a recepção e o espaço
expositivo, nos quais os termos “espectador”, “curador” e “artista” confundem-se. Explora o
circuito “criação + recepção” de forma lúdica, sensorial e conceitual através de palavras,
diagramas e objetos.
É assim que meu trabalho se constitui: nas idas e vindas entre uma irredutível condição
conceitual e o imperativo do enfrentamento sensorial – haverá aí tanto uma fenomenologia
do conceito como a efervescência das sensações (sejam imediatas, sejam mediadas), do
voltar-se ao (corpo do) outro. Percebo que a área de trabalho que tenho desdobrado se
estrutura em direta relação com diversos aspectos de um conceitualismo ampliado, em
contato com o corpo e generoso com deslocamentos entre papéis e linguagens.
(BASBAUM e LAGNADO, 2009)
Esta breve contextualização procura observar alguns procedimentos curatoriais que
colocam-se em relação as produções artísticas contemporâneas com o objetivo de delimitar o
problema desta pesquisa.
2. Delimitação do problema: procedimentos curatoriais
Dentro desse contexto, o tema da minha pesquisa de doutorado é Procedimentos
curatoriais: práticas comunicacionais no sistema da arte contemporânea. Observar a demanda
de uma atitude relacional entre as ações curatoriais, textos curatoriais, obras, exposições,
artistas e espaço expositivo é um ponto inicial para esta pesquisa. Escolhe-se delimitar o
objeto em procedimentos curatoriais. Desse modo, a pesquisa reflete principalmente sobre
a produção curatorial paulistana de exposições de arte contemporânea, apesar de fazer
algumas referências a exposições históricas realizadas em outras cidades ou países. O período
de análise concentra-se nos anos 2000 a 2012, entretanto também há a possibilidade de
comentar-se mostras históricas de outros períodos. Como o objetivo desta pesquisa não é
fazer uma história da curadoria, as exposições não são discutidas por um critério cronológico.
Este recorte um tanto abrangente, justifica-se pois a tese procura desenvolver um
mapeamento dos processos de criação da curadoria através dos procedimentos que se
ressaltarem ao longo das pesquisa.
Inicialmente, parte-se da definição de procedimentos de criação proposta por Cecilia
Almeida Salles.
Os recursos criativos são os modos como o artista lida com as propriedades das
matérias-primas, ou seja, modos de transformação. Há uma potencialidade de
exploração dada por elas e, ao mesmo tempo, há limites ou restrições que o artista
pode se adequar ou burlar, dependendo do que ele pretende de sua obra. Toda ação
sobre as matérias-primas gera seleções e tomadas de decisão. O artista tem as
ferramentas como instrumentos mediadores que o auxiliam nessa manipulação
(SALLES, 2010, p. 32).

A partir dessa ideia das potencialidades dos modos de transformação de um trabalho


artístico, observa-se os procedimentos curatoriais que englobam a seleção e tomadas de
decisão para a construção de uma exposição. O primeiro procedimento a ser observado é o
statement curatorial, que pode ser compreendido como os princípios direcionadores que
compõem o projeto poético, um conceito amplo e, muitas vezes, vago. A partir deste conceito
ou tema observa-se os possíveis desdobramentos de “espacificação” do pensamento através
dos recursos expositivos como textos, da organização das obras no espaço e da produção de
história da arte e diálogo. Sob esta perspectiva, a tese se divide em quatro grandes campos de
procedimentos que serão aprofundados ao longo da pesquisa.

- Primórdios: da acumulação à desconstrução do cubo branco


Este campo reflete sobre algumas tendências na história das exposições destacando os
principais procedimentos quando a profissão de curador ainda não estava estabelecida. Desse
modo, observa-se os salões e as exposições por acumulação; os primórdios do circuito das
artes no Brasil; a criação do modelo do Cubo branco e sua respectiva desconstrução; a crítica
aos espaços expositivos tradicionais (como o caso da Galeria REX em São Paulo); as
primeiras exposições em que apareceram a figura do curador (como a Documenta); as
releituras/remontagens de exposições históricas; exposições que não apresentam critérios de
seleção, mas possuem statements curatoriais (como a JAC-72; a Mostra de Arte Postal na
16a. Bienal; Ocupação – Paço das Artes; Temporada de Projetos na temporada de projetos;
Artes e Ofícios 1 – Para Todos).

- Procedimentos curatoriais na Bienal de São Paulo


A Bienal de São Paulo apresenta procedimentos curatoriais que são desdobrados ou
utilizados como referência em outras curadorias no país, portanto torna-se necessário uma
observação mais detalhada de como seus procedimentos foram modificando-se ao longo de
sua trajetória, mas especificamente na chamada “era dos curadores”, iniciada em 1981. Desde
o início da mostra (em 1951), identifica-se que a questão das representações nacionais era um
princípio direcionador que demandava diversas discussões. Walter Zanini, na 16a. e na 17a.
Bienal, e Sheila Leirner, posteriormente na 18a. e na 19a. Bienal, foram os primeiros
profissionais a assinarem como curadores da exposição. Cada um deles desenvolveu uma
série de diferentes procedimentos que sinalizavam um início de uma tentativa de
desconstrução das representações nacionais. Ao longo dos anos, esse formato de organização
foi defendido, criticado e revisto até chegar a sua abolição na 27a. edição da exposição em
2006. A tese observa ainda as edições seguintes até a 30a. Bienal considerando a proposição
de conceitos após o fim das representações nacionais.

- Exposições monográficas: a espacialização de conceitos


Em geral, o statement curatorial propõe uma hipótese a ser defendida, razão pela qual
denomina-se este campo de “exposições monográficas”. Apesar do termo permitir fazer
referência a uma compreensão mais acadêmica, não é com esse intuito que é utilizado aqui.
Compreende-se “exposições monográficas” como o processo de articulação do pensamento
para a produção da pesquisa curatorial que engloba diferentes materialidades para a
espacialização de conceitos. Desse modo, este campo busca observar uma diversidade de
procedimentos em que o statement curatorial, a seleção e articulação das obras discutam o
espaço expositivo. Para tanto, observa exposições que organizam-se no espaço expositivo
tradicional mas que propõem elementos para a desconstrução do modelo do cubo branco
(como “Caos e Efeito” e “Itaú Contemporâneo -1981-2006”, ambas no Itaú Cultural);
curadorias que propõem aproximações temporais para construção de conceitos (como “Arte
no Brasil” na Pinacoteca e “o AGORA, o ANTES – uma síntese do acervo do MAC” no
MAC-USP); exposições que trabalham os conceitos curatoriais fora do espaço expositivo
tradicional (“Arte/Cidade”, “Planos de fuga: uma exposição em obras”, “O interior está no
exterior”) e curadorias que discutem seus conceitos tanto no espaço físico como no espaço
online (Redes de Criação no Itaú Cultural).

- Plataformas de pesquisa e diálogo


Uma das perspectivas de compreensão do trabalho do curador é sua responsabilidade
perante a construção da história da arte. A seleção ou exclusão de uma obra para uma
exposição implica na produção de história. Nesse contexto, a leitura de trajetórias de artistas e
temas, a articulação e relação entre obras, a pesquisa de registros e/ou outros documentos são
ações que podem ser englobadas por procedimentos curatoriais que expressam plataformas de
pesquisa e diálogo. Deste modo, este campo de procedimentos observa a curadoria como ato
de comunicar os trabalhos artísticos. Dentro da plataforma de pesquisa para produção de
história da arte, observa-se exposições coletivas (“Galeria Expandida” na Luciana Brito
Galeria, “Tékhne” no MAB-FAAP e “Aberto fechado: caixa e livro na arte brasileira” na
Pinacoteca) e exposições individuais (Hélio Oiticica e Lygia Clarck, ambas realizados no Itaú
Cultural). Sob a perspectiva de uma plataforma de diálogo, considera-se projetos que
envolvem não apenas exposições, mas também publicações experimentais e encontros com
conversas, debates e palestras (como o projeto “Fora a fora” realizado na Intermeios,
proposições realizadas na Casa Tomada, na Casa da Xiclet, no Ateliê 397 e em outros espaços
independentes). Reflete-se também sobre os projetos de pesquisa e formação de novos
curadores (Grupo de estudos de curadoria do MAM, Programa Novos Curadores, Laboratório
Curatorial 2013-SP-Arte).
3. Objetivos
- Revisar historicamente e conceitualmente as ações e procedimentos curatoriais.
- Mapear os procedimentos curatoriais em exposições de arte contemporânea realizadas em
São Paulo, principalmente na última década.
- Identificar os nós de criação da produção curatorial no período citado a partir de quatro
aspectos: texto curatorial, “statement” curatorial, espaço expositivo, pesquisa e seleção de
artistas.
- Aprofundar e analisar detalhadamente quatro campos de procedimentos curatoriais: Da
acumulação à desconstrução do cubo branco; Procedimentos curatoriais na Bienal de São
Paulo; Exposições monográficas: a espacialização de conceitos; Plataformas de pesquisa e
diálogo.
- Analisar a curadoria sob uma perspectiva do pensamento complexo tal qual proposto por
Edgar Morin.
- Compreender a curadoria como ato comunicativo conforme definição apresentada por
Cecilia Almeida Salles.
4. Perguntas

- Quais são os procedimentos desenvolvidos pelos curadores em relação ao espaço expositivo,


as proposições de texto, organização de arquivos e processos artísticos?

- Como estes procedimentos configuram-se como modos de comunicar o pensamento


curatorial?
5. Justificativa

A minha pesquisa de mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC-SP foi uma


continuidade de meus estudos sobre a expressão audiovisual da comunicação através das
confluências entre a linguagem videográfica e o documentário. Esse percurso foi iniciado
ainda na graduação em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, quando busquei um
desdobramento prático para a teoria e dediquei-me à produção de vídeos. O objetivo geral da
dissertação de mestrado foi observar a linguagem audiovisual para encontrar na produção
brasileira contemporânea de documentários-ensaios uma maneira de expandir a noção
tradicional do que é um documentário.
Após a finalização do mestrado, fui convidada para integrar a equipe editorial do
Canal Contemporâneo, uma comunidade digital que trabalha há dez anos na construção de um
acervo in progress. A experiência no Canal Contemporâneo me levou a uma atuação
profissional que enfoca a arte contemporânea e a comunicação online. Participei da produção
do site do Centro Cultural da Espanha e, de agosto de 2009 a outubro de 2010, fui editora do
site do Museu da Imagem e do Som e do Paço das Artes. A partir de 2011, intesifiquei a
minha atuação profissional como crítica de arte por meio de relatos, textos críticos,
acompanhamento de processos artísticos; a residência na Casa Tomada; e a participação no
Núcleo de Críticos do Paço das Artes (2012). As atividades profissionais somam-se à
pesquisa que desenvolvo desde 2007 junto ao grupo arte&meios tecnológicos (CNPq/FASM)
coordenado por Christine Mello. A demanda por um aprofundamento maior justifica o desejo
da realização dessa pesquisa de doutorado.
O objetivo agora é ampliar os horizontes de pesquisa. Pelo enfoque contemporâneo de
suas linhas de pesquisa e considerando a importância da continuidade dos estudos de
mestrado, acredito que essa pesquisa de doutorado demanda sua realização junto ao programa
de Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Considerando que o projeto apresenta uma visão
processual e relacional sobre os procedimentos e a comunicação do pensamento curatorial,
escolhe-se seguir a linha de pesquisa Processos de Criação nas Mídias.
6. Fundamentação Teórica

Cecilia Almeida Salles defende “a associação da noção de rede a um modo de


pensamento, na medida em que buscamos a compreensão da plasticidade do pensamento em
construção, que se dá, (...) justamente nesse seu potencial de estabelecer nexos” (SALLES). A
autora desdobra esse conceito para propor uma teoria de crítica aos processos de criação em
que os princípios norteadores da abordagem são os nós da rede. As proposições teóricas e
metodológicas propostas por Salles são referências fundamentais nesta pesquisa. Por este
viés, além da definição de procedimentos de criação, já comentada na delimitação do
problema, é importante citar a ideia de projeto poético e dos princípios direcionadores:
As tendências do percurso podem ser observadas como atratores, que funcionam
como uma espécie de campo gravitacional, indicando a possibilidade que
determinados eventos ocorram. Nesse espaço de tendências vagas está o projeto
poético do artista, princípios direcionadores, de natureza ética e estética,
presentes nas práticas criadoras, relacionados à produção de uma obra específica
e que atam a obra daquele criador como um todo. São princípios relativos à
singularidade do artista: planos de valores, formas de representar o mundo, gostos e
crenças que regem o seu modo de ação. Este projeto está inserido no espaço e tempo
da criação, que inevitavelmente afetam o artista (SALLES, 2010, p. 46).

Dentro da teoria dos processos de criação em rede, é possível pensar também a


curadoria sob uma perspectiva relacional e como ato comunicativo.
As tendências do processo de criação podem também ser observadas sob o ponto de
vista de seu aspecto social. A obra em construção carrega as marcas singulares do
projeto poético que a direciona, que faz parte de complexas redes culturais, na
medida em que se insere na frisa do tempo da arte, da ciência e da sociedade em
geral. O aspecto comunicativo do processo de criação envolve também uma
grande diversidade de diálogos de natureza inter e intrapessoais: do artista com
ele mesmo, com a obra em processo, com futuros receptores e com a crítica
(SALLES, 2010, p. 89).

Do ponto de vista da comunicação, esse estudo compreende o conceito de curadoria


como uma forma de conhecimento. Retoma a teoria sobre o pensamento complexo, proposta
pelo pesquisador Edgar Morin (1998 e 2007), que procurou observar o conhecimento como
um sistema, que só existe porque há outras partes e, quando elas se integram, modificam umas
às outras.
(...) o conhecimento não é um simples produto: dispõe de potencialidades geradoras-
organizacionais, não somente ao nível dos paradigmas, axiomas, postulados,
esquemas, concepções, mas mesmo ao nível das informações. Além disso, está ativo
e presente na autoprodução permanente da sociedade, que se desenrola a partir das
interações entre indivíduos, comportando sempre uma dimensão cognitiva.
(MORIN, 1998, p. 107)

Neste sentido, a pesquisa procura por objetos possíveis de serem observados como
sistemas de ideias. Este conceito deve ser considerado de acordo com a proposta de Morin
(1998, p. 173): a partir de “um certo número de aspectos auto-eco-organizadores que
asseguram a sua integridade, a sua identidade, a sua autonomia, a sua perpetuação, e
permitem-lhe metabolizar; transformar e assimilar os dados empíricos da sua competência”.
Os objetos devem ser observados como possibilidades de interação num sentido ecológico,
físico, sociocultural e noológico. Como um sistema, os elementos heterogêneos,
continuamente, ajudam-se e contradizem-se, organizam-se e desorganizam-se.
Para compreender a denominação arte contemporânea, esta pesquisa concorda com
Anne Cauquelin que defende a existência de um sistema da arte e que o seu conhecimento é
que “permite apreender o conteúdo das obras” (CAUQUELIN, 2005, p. 14). Para isso deve
ser considerado o “papel dos diversos agentes ativos no sistema: o produtor, o comprador
passando pelos críticos, publicitários, curadores, conservadores, as instituições, os museus,
Fonds Régional d’Art Contemporain e Direction Regionale des Affaires Culturalles etc”
(CAUQUELIN, 2005, p. 15). A autora também defende que a arte contemporânea, em
contraposição a arte moderna que seguia um esquema fechado de um regime de consumo,
acontece numa sociedade configurada pela comunicação. E Cauquelin explica os elementos
que compõem esse sistema da arte contemporânea ou as práticas da comunicação:
Em primeiro lugar, a noção de ‘rede’: redes conectadas e metarredes. Depois vêm: 2) o
bloqueio, ou autonomia; 3) redundância, ou saturação da rede; 4) a nominação ou
prevalência do continente (a rede) sobre o conteúdo; 5) a construção da realidade em
segundo grau, ou simulação. (CAUQUELIN, 2005, p. 58 e 59)

A bibliografia específica sobre o tema curadoria possui poucas publicações em


português. Para discutir os processos de criação curatoriais é importante também citar os
livros “Uma breve história da curadoria” (OBRIST, Hans Ulrich), “Sobre o ofício do curador”
(RAMOS, Alexandre Dias, org.), “Panorama do pensamento emergente” (TEJO, Cristiana,
org.); os conceitos e reflexões de Lisette Lagnado, Paulo Herkenhoff, Adriano Pedroso e
Ricardo Basbaum na Revista Marcelina e em outras publicações; o pensamento de Agnaldo
Farias, Aracy Amaral, Cristina Freire, Glória Ferreira, Felipe Scovino, Moacir dos Anjos,
publicado tanto em artigos como em textos curatoriais.
7. Metodologia

Do ponto de vista metodológico, esta pesquisa busca por interconexões, nós e relações
que permitam mapear os procedimentos curatoriais de exposições de arte contemporânea
realizadas em São Paulo. Para tanto, será dividida em duas etapas:
Etapa 1:
- Mapeamento de textos curatoriais, releases e outras informações sobre exposições de
arte contemporânea realizadas em São Paulo (sites e catálogos);
- Pesquisa de publicações e registros de eventos em que se discute a curadoria no Brasil;
- Revisão histórica e bibliográfica sobre procedimentos curatoriais.
Etapa 2:
- Análise dos procedimentos curatoriais de acordo com a teoria dos processos de criação
em rede proposta por Cecilia Almeida Salles.
8. Cronograma

2010 2011 2012 2013 2014


1º sem 2º sem 3º sem 4º sem 5º sem 6º sem 7º sem 8º sem
Pesquisa
bibliográfica
Cursar
disciplinas
Leitura e
análise dos
textos
Levantament
o e análise
do objeto de
pesquisa
Redação
da tese
Qualificação
Redação do
texto final
Defesa
da tese

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