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Era 1937. O rádio vivia sua fase áurea A partir de então, o cearense nascido em O golpe contou com o apoio do Exér-
no Brasil – a televisão só chegaria 13 anos Pacoti, admirador do presidente da Repú- cito, seduzido pela postura fortemente na-
depois. A Ceará Rádio Clube, então PRE blica, virou um desafeto de Vargas. “Eu cionalista e anti-comunista de Vargas. “O
9, era a única emissora no território es- sou um anti-getulista porque ele cassou que ele mais focalizava para sustentar o
tadual. Valendo-se desse importante meio o mandato que me foi dado pelo povo”, discurso do Estado Novo era a questão da
de comunicação, o presidente Getúlio explica Caracas. unidade nacional”, avalia o pesquisador
Vargas fez um longo e grave pronuncia- Caracterizado pelo forte controle so- do Núcleo de Documentação Cultural
mento à nação na noite de 10 de novem- cial, intervencionismo estatal na econo- da UFC (Nudoc), Francisco Moreira. Foi
bro. A “proclamação ao povo brasileiro”, mia e centralismo político-administrativo, esse mesmo discurso que atraiu até setores
irradiada do Palácio Guanabara, no Rio o Estado Novo limitou o poder nos esta- da intelectualidade. O golpe tinha a sim-
de Janeiro, para todo o País, encerrava-se dos e municípios. Os governadores pas- patia da classe média. No Ceará, apoiaram
assim: “Restauremos a Nação na sua auto- saram a ser interventores nomeados pelo o regime intelectuais expressivos, como os
ridade e liberdade de ação: na sua autori- presidente, que por sua vez indicavam os advogados José Martins Rodrigues e Fran
dade, dando-lhe os instrumentos de poder prefeitos. Martins. O primeiro foi secretário da Fa-
real e efetivo com que possa sobrepor-se zenda, o segundo foi chefe do Departa-
às influências desagregadoras, internas mento Estadual de Imprensa e Propagan-
ou externas; na sua liberdade, abrindo o da (Deip), braço da censura. Os dois eram
plenário do julgamento nacional sobre os aliados de outro intelectual e sustentáculo
meios e os fins do governo e deixando-a local do Estado Novo, o interventor Me-
construir livremente a sua história e o seu nezes Pimentel.
destino”. Segundo o único ministro de João
Começava o Estado Novo. Embora o Goulart ainda vivo, o cearense de Cra-
pronunciamento enfatizasse as palavras teús Expedito Machado, o interventor
“autoridade” e “liberdade”, a primeira já conseguiu construir uma grande equipe
prevalecia e continuou prevalecendo so- e realizar uma boa administração. “Foi
bre a segunda. O que o presidente fez foi um homem muito honesto, competen-
dar um golpe, instaurando de vez no País te, rigoroso”. E conservador. A liderança
uma ditadura, legitimada agora por uma política de Menezes Pimentel, natural de
nova constituição, que extinguia partidos Santa Quitéria, estava atrelada à Igreja
políticos e impedia eleições, conhecida Católica. Nas eleições indiretas de 1935,
depois como “Polaca” por ter se inspirado foi eleito governador pela Liga Eleitoral
na Constituição da Polônia, de tendência Católica (LEC), fundada no Ceará em
fascista. O governo fechou todas as casas 1933 e que logo se transformou em parti-
legislativas, cassando automaticamente do político e forte – a LEC elegeu a maio-
todos os mandatos, entre eles os de 15 ria dos deputados, o que garantiu a vitória
vereadores de Fortaleza eleitos em 1936. Waldemar Caracas teve mandato de de Pimentel.
Um deles era o ferroviário Waldemar Ca- vereador cassado pelo Estado Novo “Era um movimento extremamen-
bral Caracas, hoje com 100 anos. A notí- te conservador”, resume o historiador
cia do golpe lhe veio como um presente As eleições para sucessão de Getúlio Francisco Moreira. O representante mais

O velho Estado Novo


de grego. Vereador de primeiro mandato, estavam marcadas para dois meses depois, expressivo da LEC no Ceará foi o advo-
havia completado 30 anos um dia antes, mas o governo já havia sido ameaçado gado Waldemar Falcão (1895-1946), que
em 9 de novembro. pela Intentona Comunista, em 1935, e se elegeu deputado federal constituinte
Na parede da sala do apartamento denunciava a existência de um novo pla- em 1934. Assumidamente fascista e anti-
onde mora, Caracas mantém o quadro no comunista para tomar o poder, o Plano comunista, Falcão, nascido em Baturité,
Raimundo Madeira com a reprodução das fotografias dos 15 Cohen. Tarde demais. O clima de tensão, seria depois ministro do Trabalho, Indús-
vereadores e do então prefeito de Forta- com o temor da população diante da possi- tria e Comércio, com a implantação do
leza, Raimundo Alencar Araripe. O Esta- bilidade da implantação do socialismo no Estado Novo. Foi, portanto, pelas mãos
70 anos depois da implantação do Estado Novo no Brasil, um olhar sobre o passado. Na tentativa
do Novo impediu a trajetória política de Brasil, era propício ao que Vargas preten- de um cearense que o Brasil passou a ter o
de saber como foi o período para os cearenses, Universidade Pública consultou documentos e Caracas, eleito pelo Partido Republicano dia. O presidente já havia articulado com que hoje é considerado um dos principais
livros, ouviu historiadores e estudiosos e conversou com testemunhas do regime instaurado por Progressista (PRP), e da primeira mulher o Congresso a criação da Lei de Segurança legados da Era Vargas: os avanços nas áre-
Getúlio Vargas. O passado se faz presente no espaço geográfico. Vários nomes citados nas próximas cearense a conquistar um mandato eleti- Nacional, em 1935 e, aproveitando-se da as previdenciária e trabalhista.
páginas identificam ruas, avenidas, prédios, sem ser identificados pela população. São referências vo, a professora aposentada Maria de Jesus situação e da própria lei, deu o golpe que “À frente dessa pasta, intensificou o
Melo, vereadora pelo Partido Integralista. o manteve por mais oito anos no poder. controle das organizações sindicais pelo
geográficas, mas também históricas, culturais, políticas e ideológicas
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governo, introduziu o imposto sindical, e Correio do Ceará, o mais censurado foi de Fortaleza nas eleições de 1947, primei- Rodrigues (1896-1952), comunista tam- ça, superlotação e maus-tratos na prisão. mentos exerciam influência sobre a popu-
regulamentou o salário mínimo, criou o O Povo. ro pleito municipal após o Estado Novo. bém preso diversas vezes e em diferentes “Quanto aos suplícios, são os mesmos de lação, o que poderia lhe despertar mais
Instituto de Previdência e Assistência aos Durante o regime, ele saía para as reuniões locais. todos os tempos. Veio a Independência, autonomia política, econômica e social,
Servidores do Estado (Ipase) e regulamen- Resistência e repressão do PCB, que atuava na clandestinidade, e Natural de Granja, Theodoro sofreu a a República, a Aliança Liberal e a sala, se o que incomodava às elites, sobretudo os
tou a Justiça do Trabalho”, aponta o Cen- não dizia à mulher para onde ia. Era um primeira prisão na vizinha Camocim, em mudou de local, não mudou contudo o latifundiários, a Igreja e o próprio Estado
tro de Pesquisa e Documentação Histórica Se a Igreja e a imprensa eram setores perigo. José Júlio foi levado ao partido pe- 1931, sendo em seguida transferido com regime do açoite”, referia-se à sala de tor- Novo, cuja idéia do “novo homem” que
Contemporânea do Brasil, da Fundação onde o apoio ao Estado Novo no Ceará las mãos do médico Isnard Teixeira (1912- mais 15 cearenses militantes do PCB para tura que continuava em uso. “Quem ler procurava construir era incompatível com
Getúlio Vargas. Em 1938, Waldemar Fal- era quase total e permanente, havia outros 1998) e do militar do Exército Antonio o Rio. Entre eles, estava uma mulher, Luí- com mais atenção o que acabo de expor a independência e a rebeldia que esses mo-
cão chegou a presidir a Conferência In- segmentos que se comportavam diferente, dos Santos Teixeira, ambos naturais de sa Costa, de 23 anos, tecelã de uma fábri- poderá julgar qual era o nosso abatimento vimentos representavam.
ternacional do Trabalho, em Genebra. “A chegando até mesmo a oferecer alguma Itapipoca e testemunhas de um dos mo- ca em Fortaleza, “esforçada defensora dos de nervos, a nossa fadiga e perturbação de O Cangaço desafiava o governo e as
elite cearense estava presente no plano mentos mais polêmicos da Era Vargas. ideais proletários”, presa só “porque teve espírito. Sem nunca termos passado por elites, pois assaltava fazendas, seqüestrava
estadual e nacional”, observa a profes- Eles estavam presos no Rio de Janeiro, a altivez de protestar contra a atitude de tais peripécias, era o caso de alguns terem coronéis e promovia saques. Os seus prin-
sora do Departamento de História da em 1936, quando o presidente autori- um patrão reacionário”. Além dela, havia enlouquecido, se a resignação não fosse a cipais representantes, que agiam em todo
UFC, Simone de Souza. zou a deportação para a Alemanha de padeiros, operários, lavradores, todos cida- nossa companheira inseparável”, descreve o Nordeste, o pernambucano Virgulino
Além da Liga Eleitoral Católica, o Olga Benário (1908-1942), grávida de dãos entre 23 e 44 anos. Os 16 deportados à página 33. Ferreira, o Lampião, e o alagoano Cristi-
conservadorismo que apoiou o Estado Luís Carlos Prestes (1898-1990) – a faziam parte de um grupo maior preso A truculência iria piorar nos anos se- no Gomes da Silva Cleto, o Corisco, fo-
Novo no Ceará era representado ain- comunista de origem judaica acabaria entre 19 e 25 de janeiro de 1931. Foram guintes. O escritor e jornalista Joel Silveira ram mortos pela Polícia. O Caldeirão era
da pela União dos Moços Católicos, morta em um campo de concentração presos 56 operários no Ceará, todos tidos (1918-2007) chegou a dizer que, com o um sítio no município cearense do Crato,
da qual diversos setores da sociedade nazista. como comunistas, que organizaram na- Estado Novo, e o temido Filinto Müller onde durante dez anos, sob o comando do
local faziam parte, e pela Legião Cea- O protesto coletivo realizado pelos quele mês a Marcha contra a Fome, mani- (1900-1973) como chefe da Polícia Políti- beato José Lourenço, os camponeses vive-
rense do Trabalho (LCT), organização presos e narrado pelo escritor Gracilia- festação contra o novo regime, crescimen- ca entre 1933 e 1942, a Alemanha enviou ram uma experiência de divisão igualitária
operária corporativista, anticomunista no Ramos (1892-1953) em Memórias to da miséria e do desemprego. para o Brasil elementos da Gestapo, por da produção. Em setembro de 1936, o
e antiliberal que existiu entre 1931 e do Cárcere teve a participação dos dois Os manuscritos sobre essa experiência meio do que ele chama de “primeiro acor- sítio foi incendiado e bombardeado. Em
1937. A LEC, os círculos operários ca- cearenses. “Todos os presos políticos foram apreendidos na segunda prisão de do internacional de torturadores”. “Então reação, camponeses armaram uma embos-
tólicos e a LCT “colaboram na mon- se manifestaram contra a deportação Theodoro, em 1932, e publicados em li- começou a surgir a tortura científica. Por- cada, matando alguns policiais. A Polícia
tagem de um projeto político para o e houve então um quebra-quebra de vro quase 70 anos depois, em 2000, pelo que até aquela época era na base do casse- promoveu então um massacre de agricul-
operariado cearense, educando-o para, panela, marmita, tudo o que a gente Arquivo Público do Rio de Janeiro. Os 16 tete mesmo. Logo depois do golpe a coisa tores, cuja estimativa do número de mor-
juntamente com os patrões, fundarem tinha em mãos, um protesto que du- deportados foi escrito em forma de diá- foi terrível, vários morreram, tem gente tos ultrapassa 300.
uma sociedade em que a organização rou muito tempo”, lembra Teixeira, rio. Nele, o autor denuncia fome, doen- mutilada”, revelou o jornalista à Folha de Com a implantação do Estado Novo, a
corporativista das classes impede as hoje com 98 anos, preso também vá- São Paulo em 1979. repressão imediata se reveste do velho dis-
manifestações dos conflitos sociais”, rias vezes e em várias cidades. Na pri- No Ceará, a benevolência do Estado curso em nome da moral e dos bons costu-
acrescenta Simone de Souza no livro meira prisão, em 1930, era acusado de Novo é apenas uma imagem construída, mes. “O regime instaurado ainda fecharia
Uma nova história do Ceará. A extin- chefiar uma revolução comunista no segundo a professora Simone de Souza. as lojas maçônicas e centros espíritas na
ção dessas organizações com o Estado Rio, mas não sabia sequer o que signi- Se não foi tão truculento como em Per- capital e no interior do Estado, as livrarias
Novo não mudou a postura adesista ficava o comunismo. Ao sair da prisão, nambuco, por exemplo, também fez suas tiveram seus estoques revisados para apre-
da Igreja. “A Igreja tem um papel fun- comprou cinco livros sobre o assunto, vítimas no Ceará, perseguindo e prenden- ensão de livros e revistas portadoras de
damental, falando bem do governo, Antônio dos Santos Teixeira participou de inclusive o resumo de O Capital, de do. A imagem de benevolência talvez te- filosofia e ensinamentos que procuravam
acomodando a população”, observa o protesto contra a deportação de Olga Benário Karl Marx (1818-1883), e virou um nha relação com a figura do interventor, fazer vingar doutrinas subversivas no espí-
historiador Lindercy Lins, mestre em para a Alemanha comunista convicto. Menezes Pimentel, muito ligado a grupos rito do povo. Foi instado um serviço de
História Social pela UFC. Antonio dos Santos Teixeira e Is- católicos. “Monsenhor Tabosa o construiu controle e de pensões e hotéis”, descreve o
Outro setor que, se não apoiou, não resistência. Dentro da própria intelectua- nard Teixeira estiveram nos porões imun- como intelectual católico”, observa Simo- pesquisador Francisco Moreira.
fez oposição ao regime foi a imprensa. lidade, o governo Vargas fez suas vítimas dos das torturas e privações descritas em ne. “Em qualquer lugar, o Estado Novo O período imediatamente anterior à
Além da falta de liberdade para fazer a antes mesmo de 10 de novembro de 1937. Memórias do Cárcere. No livro, Graciliano foi truculento. Mais por causa da Igreja é decretação do Estado Novo “foi mais de
crítica, já não havia entre os jornais locais Acusada de comunista e por assumir pos- Ramos chega a fazer referência a Isnard, que se construiu essa imagem de bom in- um mês de preparação infra-estrutural e
o mesmo caráter combativo da República turas contrárias à ditadura, a escritora um dos “médicos do Pavilhão, atentos à terventor no Ceará”. de propaganda ideológica, mexendo com
Velha. O Nordeste era ligado à Igreja Ca- Rachel de Queiroz (1910-2003) foi presa higiene”, como bom sanitarista que era. A repressão a dois movimentos sociais a emoção coletiva”, a partir de 4 de ou-
tólica, com a qual o interventor mantinha várias vezes. “Franzino e miúdo”, “apareceu descalço, nordestinos da época, o Caldeirão e o tubro, segundo o professor de História da
estreitas ligações, e O Estado, segundo Si- E foram os comunistas o principal alvo com bagagem reduzida: um pijama e uma Cangaço, aconteceu sob ordens de Getú- Universidade Estadual do Ceará, Erick
mone de Souza, atuou quase como porta- da repressão de Vargas. “Bastava a sus- escova de dentes”. Outro registro contun- lio. O livro De Caldeirão a Pau de Colher, Araújo. Ele reforça que, nesse ínterim, até
voz da Interventoria. “O Estado funciona peita de ser comunista para ser preso ou dente do período inicial da Era Vargas e do geólogo Ruy Bacelar, cita que o presi- centros espíritas foram fechados em For-
como propagandista do Estado Novo no perseguido. As liberdades ficaram muito cuja importância documental é compará- Livro narra memórias do militante dente exigiu uma ação dos interventores. taleza. Um dos motivos possíveis seria a
Ceará”. De todos os jornais, que ainda limitadas”, lembra o iguatuense José Júlio vel ao livro do alagoano foi feito por um comunista Theodoro Rodrigues na “Acabem com eles a todo preço senão interveniência da Igreja Católica. “A Igreja
incluíam O Unitário, Gazeta de Notícias Cavalcante, hoje com 89 anos, vereador jornalista cearense, Francisco Theodoro prisão no Rio de Janeiro serão destituídos”, teria dito. Os movi- apoiou e ajudou a gerir esse Estado”. Com

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Combativo, foi preso várias vezes nas dé- ser compreendida por aqueles que querem pelo seu governo. “Ele regulamentou o sa- sempre para a data inaugurações como presentasse os países do Eixo na Capital.
cadas de 30 e 40. A mais emblemática fazer patrulhamento ideológico ou enqua- lário dos trabalhadores”, cita o comunista dos bustos do ministro do Trabalho Wal- As instalações mais atingidas foram as da
das prisões foi quando fazia um discurso dramento em conceitos como alienados, Antonio dos Santos Teixeira, preso várias demar Falcão (1939) e de Vargas (1941). Casa Veneza, importante loja de calçados
contra a ditadura e em defesa da adesão desmobilizados”, avalia Erick. vezes. “Ele promoveu avanços na legisla- Dessa forma, mesmo distante, Getúlio se na época, nas proximidades da Praça do
do Brasil aos aliados na Segunda Guerra ção trabalhista, na época uma das mais fazia presente na vida do povo. A figura Ferreira, que foi depredada, saqueada e
Mundial, enquanto Vargas ainda se mos- As muitas faces de Vargas avançadas do mundo”, admite José Júlio mítica de Vargas não se desconstruiu nem incendiada.
trava indeciso sobre qual grupo de países Cavalcante, também comunista. com o fim do Estado Novo. Em 1950, ele “As crianças ficavam apavoradas,
apoiaria. “Getúlio mandou abrir processo Ele cultivou veneração e ódio. Se no Vargas foi também um exaltado na- retoma o poder, eleito por voto direto. A armavam-se de baladeira para atirar nos
contra meu pai no Tribunal de Segurança plano político centralizou o poder, im- cionalista. “Preservou a independência frase escrita antes do controverso suicídio, alemães se aqui chegassem. Eu mesmo fui
Nacional, na capital do País, no qual foi pôs um forte controle sobre a sociedade nacional, mesmo sabendo manter boas re- quatro anos depois, só reforçaria o mito uma delas”, lembra o advogado Tarcísio
defendido pelo famoso advogado Victor e perseguiu os opositores, no plano social lações internacionais”, observa o advogado que ele sempre quis construir em torno de Leitão, na época com apenas sete anos. A
do Espírito Santo, que apesar de todas criou uma legislação nas áreas trabalhista e Tarcísio Leitão. Preso várias vezes durante si. “Deixo a vida para entrar na história”. advogada Olga Nunes, hoje com 82 anos,
as suas habilidades, não conseguiu evitar previdenciária que ainda hoje é lembrada o regime implantado entre 1964 e 1985, lembra-se dos blackouts noturnos quando
uma pena de 25 anos de reclusão”, descre- como referência a favor dos trabalhadores Tarcísio coloca Getúlio em posição de su- Fortaleza em um contexto de guerra ia de bonde fazer o Pré-jurídico no Liceu
ve o jornalista e filho Cid Carvalho. e no plano desenvolvimentista abriu os ca- perioridade sobre os governos militares. do Ceará. “As luzes eram desligadas para
O escritor ficou preso de 1943 a 1945, minhos para a industrialização brasileira e “Eram bobocas fardados, não entendiam O Estado Novo coincidiu com a Se- não orientar os alemães em possíveis no-
mas veio a queda de Vargas e ele foi solto. a modernização do Estado. nada de estratégia militar ou política. Não gunda Guerra Mundial, que teve início vos bombardeios”, explica o centenário
Além das prisões, Jader de Carvalho, que Apesar da repressão que o Estado Novo teve nenhum Getúlio entre eles. Vargas era em 1939. A distância do Ceará do centro Waldemar Caracas. A reação era instigada
já era professor do Liceu do Ceará quando e a própria Era Vargas representaram, Ge- nacionalista, os milita- pela propaganda políti-
da implantação do Estado Novo, perdeu túlio Dornelles Vargas deixou um legado res eram entreguistas”. ca nacionalista do Esta-
o lugar na mais famosa escola do Estado, que, após 53 anos de sua morte, é reco- Nacionalista e tam- do Novo, reforçada por
voltando a lecionar também só após o fim nhecido mesmo por quem foi perseguido bém populista, Getúlio líderes políticos locais,
do regime. Hoje aos 72 anos, Cid Carva- gostava de encarnar o embora Vargas tenha
lho, que tinha apenas dez anos quando o papel de pai dos pobres demorado até 1941 a
Estado Novo ruiu, lembra que a casa onde e cultivava isso. “O ani- se decidir pelo apoio
morava vivia cercada por policiais. versário de Vargas era aos aliados (Inglaterra,
Busto do ex-ministro Waldemar Falcão comemorado como de França, Estados Unidos
no Centro de Fortaleza
Dinâmica relação entre classes popu- um ente querido muito e União Soviética). Era
o Estado Novo, continuou a perseguição lares e Estado próximo”, reforça o his- a reação legítima à ofen-
a outros credos e expressões religiosas, toriador Erick Araújo. sa ao Estado brasileiro.
como macumba e catimbó. “Houve pri- Durante o Estado Novo, as classes po- Inauguração de bustos, Essa propaganda po-
sões, fechamentos de centros, execrações pulares de Fortaleza estabeleceram com celebração de missas, lítica se reproduzia tam-
públicas, estigmatização muito forte”, diz o governo e outras instituições relações uso de bandas musi- bém no discurso para
Erick, que defendeu na Universidade de muito dinâmicas, que se caracterizavam cais, tudo era festa para convencer a população
São Paulo(USP) a tese de doutorado Nos ora pela adesão, ora pela resistência, mas, o presidente do Brasil a entregar todo tipo de
labirintos da cidade: Estado Novo e o coti- sobretudo, pela negociação. “Havia a ade- na data do seu nasci- metal para a fabricação
diano das classes populares em Fortaleza. são, com um elenco de cumplicidade com mento, 19 de abril. As de armas e criar a sen-
A implantação do Estado Novo obri- o sistema; a resistência passiva, que não era festividades ocorriam em O Obelisco da Vitória, em frente à Faculdade de Direito da UFC, erguido em sação de participação do
gou os sindicatos a se atrelarem ao gover- frontal com o regime, e a radicalizada, que todo o País, repetindo-se 1943, é símbolo da resistência dos estudantes contra o totalitarismo País na guerra, sentindo-
no. Se houve espaço para a resistência à evitava intermediações, como da imprensa no aniversário da decreta- se parte do Exército, mes-
ditadura de Vargas, ela partiu de poucas e de advogados; e a negociação, que repre- ção do Estado Novo e no dia 1º de maio. do poder não o manteve distanciado do mo não estando no conflito. “As pessoas
organizações de trabalhadores, como grá- sentava o maior volume de casos”, descre- Segundo o historiador Lindercy Lins, que grande conflito. A notícia do torpedea- também aproveitam para vender e ganhar
ficos, sapateiros, alfaiates e funcionários ve o historiador Erick Araújo. defendeu a dissertação de mestrado Um mento de navios brasileiros na costa ce- um dinheiro a mais, também tirando pro-
da Companhia de Força e Luz, a Light, Em função dos interesses, as classes dia, muitas histórias... Trajetória e concep- arense pelas forças do Eixo (Alemanha, veito disso”, observa o historiador Erick
segundo Francisco Moreira. Os resistentes populares se aproximavam ou se distan- ções do 1º de Maio em Fortaleza da Primei- Itália e Japão) provocou a reação da popu- Araújo. Com esses materiais, a população
eram quase todos ligados ao PCB. ciavam das instituições. Sem desconside- ra República ao Estado Novo, no varguis- lação e instaurou um clima de medo, mas ajudava a erguer as famosas “pirâmides”.
“Poucos eram os que tinham coragem rar o autoritarismo em voga, segundo o mo, “Igreja e Estado andavam de mãos também de revolta. A cidade, que chega ao “Era panela, penico, tubo de pasta de den-
de fazer oposição ao regime, pois eram professor, é um mito que a sociedade esti- dadas, rumo ao apagamento da memória fim da guerra com pouco mais de 200 mil te, pilhas e pilhas de metal”, acrescenta
perseguidos e presos”, observa o advoga- vesse completamente imobilizada e muita militante” da data. habitantes, cerca de 8% da população do Tarcísio Leitão.
do e militante histórico do PCB, Tarcí- precipitação colocá-la apenas como refém A estratégia era conferir ao 1º de Maio Estado, entrou em polvorosa. O episódio O sentimento nacionalista fazia os es-
sio Leitão. Entre os intelectuais, um dos do Estado. “O Estado Novo não impediu um caráter festivo, cívico e de exaltação das mais marcante desse período foi o quebra- tudantes se empenharem na campanha de
Busto em homenagem a Getúlio Var-
mais expressivos foi o professor, jornalista inteiramente as reações da população, que conquistas oferecidas pelo Estado Novo quebra promovido no dia 18 de agosto arrecadação de dinheiro para erguer, em
gas, na Praça dos Voluntários, em
e escritor Jader de Carvalho (1902-1985). manteve uma relação inteligente, difícil de Fortaleza aos trabalhadores. Assim, foram postas de 1942, em Fortaleza, contra o que re- 1943, diante da Faculdade de Direito o

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incentivava o elogio ao trabalho”, compara


o professor do Departamento de Filosofia Arigós viraram soldados da borracha no inferno verde
da UFC, sociólogo e pesquisador da músi-
ca brasileira, Dilmar Miranda. de (re)colonizar a área, apresentar alterna- to também no Interior. Há registros que
A Ceará Rádio Clube, instalada em tiva de trabalho aos agricultores vítimas da apontam o número de até 60 mil traba-
1933, licenciada no ano seguinte com o estiagem, ampliar as fronteiras agrícolas e lhadores mobilizados para compor o Exér-
prefixo PRE 9, também sofreu vigilância. atender a interesses dos Estados Unidos, cito da Borracha. “Eles foram recrutados
Com a criação do Deip, toda a progra- que precisavam do látex brasileiro como em outros estados, mas em número pouco
mação da rádio e as composições tocadas matéria-prima estratégica para a guerra, significativo”, compara Edson Holanda,
eram submetidas à censura. milhares de pessoas foram mobilizadas. professor do Departamento de História da
“Aqui não se fazia música de protesto Quase todas ficaram por lá, pois não UFC que, em 2005, defendeu na Pontifí-
ou de teor político. Eram sambas, valsi- tinham condições materiais para voltar cia Universidade Católica (PUC) de São
nhas... A efervescência era na capital fede- ou morreram em conflitos ou vítimas de Paulo, a dissertação de mestrado Ida ao
ral. Lá os compositores sofreram censura”, doenças para as quais não apresentavam Inferno Verde: Experiências da Migração de
explica o pesquisador Miguel Ângelo Aze- imunidade. Os trabalhadores não encon- Trabalhadores do Ceará para a Amazônia
vedo, o Nirez. De acordo com ele, pelo traram na Amazônia o paraíso exaltado (1942-1945).
que se tem conhecimento até hoje, o Deip nos discursos de Vargas ou pintado nos Os trabalhadores foram levados para

litogravura de Pierre Chabloz


não chegou a impedir nenhuma das com- cartazes de propaganda encomendados ao o que depois passariam a chamar de “in-
posições cearenses da época, mas todas artista plástico suíço Pierre Chabloz. In- ferno verde”. Além da luta pela sobrevi-
passavam pelo crivo da censura. A prova, corporação de direitos sociais, por se tratar vência e da pressão do governo, há de se
o pesquisador tem guardada na sua casa- de um serviço patriótico; aquisição de di- considerar que também houvesse algum
museu: dois livros do período que esta- nheiro fácil, com possibilidade de virarem sentimento de patriotismo. Apesar de
Nirez e os registros da Ceará Rádio Clube: músicas eram examinadas pelo Deip empresários da borracha... Promessas, so- todas as intempéries, os arigós, como fi-
antes de serem tocadas
vam sob o poder da Polícia e lhe foram
presenteados por “um conhecido”. Um nhos que não se concretizaram. caram conhecidos os cearenses na região,
Obelisco da Vitória, “símbolo da consci- difusão, da literatura social e política, e da dos volumes tem toda a programação da O governo recrutava “voluntários”, numa referência às aves de arribação, tam-
ência estudantil à resistência aos regimes imprensa”. emissora de 16 a 31 de janeiro de 1945. O Estado Novo e a guerra levaram mas muitos se viam obrigados a aceitar bém reagiram. “Logo na viagem, quando
totalitários”, como diz o jurista Paulo Bo- O governo criou o DIP e seus braços Para cada página, o carimbo do Deip e a para a Amazônia cearenses que nunca ou iam deslumbrados com a eficiente identificavam que o pacto não havia sido
navides, que participou do movimento nos estados. O Ceará passou a ter o seu De- assinatura do diretor liberando o material mais retornaram. Entre 1942 e 1945, o propaganda do Estado Novo. O Serviço selado, desistiam, ficando pelo caminho,
como acadêmico de Direito. “Havia um partamento Estadual de Imprensa e Propa- para veiculação. governo empreendeu enorme esforço para Especial de Mobilização de Trabalhadores ou, chegando lá, não indo para o seringal
movimento grande na faculdade. Nas es- ganda (Deip), que seguia a mesma diretriz: No segundo volume, de 1943, compo- transportar até a região levas de trabalha- (Semta) foi criado em 1942, tendo Forta- e buscando outras formas de ocupação”,
cadarias, os alunos faziam discursos con- controlar a informação e a liberdade de sições de mais de 40 autores cearenses ou dores, a maioria do Ceará. Numa tentativa leza como sede e postos de recrutamen- observa Holanda.
tra a ditadura, a guerra e o fascismo. Essas expressão e exaltar a figura do presidente e radicados no Ceará. Uma das composições
coisas todas se misturavam”, conta Olga difundir a ideologia do Estado Novo. escapou do olho local do Estado Novo. A
Nunes, que entrou na faculdade em 1944, O leque de atuação e o poderio de pro- letra No País do Samba, de Moacir Ribei-
ano em que o Brasil acabou mandando 25 paganda eram tamanhos que, aos estudan- ro de Carvalho, era a antítese do que de-
mil homens para combater na Itália. No tes, o DIP encaminhava cartilhas cívicas fendia o Estado Novo. “Vou formar meu
dia 8 de maio de 1945, a guerra terminou. contando a história do Brasil sob o viés ministério só de malandro escolado, pois
Cinco meses depois, o Estado Novo caiu. varguista e enaltecendo o presidente. “As falando muito sério, eu também sou di-
falas, os discursos de Getúlio eram man- plomado. Quero ver minha nação com o
Censura versus exaltação dados para as escolas”, reforça a professora samba bem formado sem revolução” era
Simone de Souza. um dos trechos. Por que não teria sido
Nos últimos dias de 1939, dois anos A censura atingiu principalmente o censurada? “A música que tocava aqui não
depois da implantação do Estado Novo, rádio e os jornais. Getúlio, além de não ia para o resto do Brasil. O Rio ditava a
Getúlio Vargas criou o Departamento de desconsiderar o potencial de comunicação música para o País”, justifica Nirez.
Imprensa e Propaganda (DIP). Ao mesmo que o rádio tinha, serviu-se muito bem No Ceará, o Deip foi dirigido pelo in-
tempo em que institucionalizava a censu- dele para propagar a ideologia do Estado telectual Fran Martins, irmão do fundador
ra, apresentava a medida como incentivo Novo. Em 1940, o governo passa a con- da UFC, Antônio Martins Filho (1904-
ao desenvolvimento de uma produção trolar o mais importante veículo do País, a 2002). Uma das páginas do material ad-
cultural essencialmente nacional. Em um Rádio Nacional. quirido por Nirez revela que o próprio
dos seus itens, o decreto diz, sem meias- A música, que tinha o rádio como o Departamento chegou a ter um programa
palavras, ao que veio: “fazer a censura do meio mais importante de divulgação, so- na rádio, o “programa do Deip”. O De-
teatro, do cinema, de funções recreativas e freu forte controle. “Nas letras, era proibi- partamento também promovia “curso de
do o elogio à malandragem, enquanto se Cearenses mobilizados para trabalhar na extração do látex seguem rumo ao Norte. No detalhe, cartaz incentiva a empreitada
esportivas de qualquer natureza, da radio- preparação anti-nazista”. (Foto: Aba Film/acervo Mauc)

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