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OS PINTORES DE HISTÓRIA.

A RELAÇÃO ENTRE ARTE E HISTÓRIA ATRAVÉS DAS TELAS DE BATALHAS DE PEDRO AMÉRICO
E VICTOR MEIRELLES.

Isis Pimentel de Castro

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação


em História Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em História.
Orientador: Prof. Dr. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães

Rio de Janeiro
Abril de 2007
OS PINTORES DE HISTÓRIA. A RELAÇÃO ENTRE ARTE E HISTÓRIA ATRAVÉS DAS TELAS
DE BATALHAS DE PEDRO AMÉRICO E VICTOR MEIRELLES.

ISIS PIMENTEL DE CASTRO

Orientador:
Prof. Dr. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação


em História Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em História.

Aprovada por:

____________________________________ (Orientador).
Prof. Dr. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães.

____________________________________
Profª. Drª. Maria Beatriz de Mello e Souza.

____________________________________
Profª. Drª. Sônia Gomes Pereira.

Rio de Janeiro
Abril de 2007

2
CASTRO, Isis Pimentel de.
Os Pintores de História. A relação entre arte e história através das
telas de batalhas de Pedro Américo e Victor Meirelles. Rio de Janeiro:
IFCS/UFRJ, 2007.
xiii, 178 f.: il.; 31 cm.
Orientador: Prof. Dr. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães.
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais/ Programa de Pós-graduação em História Social, 2007.
Referências: f.. 163-178.
1. Pintura Histórica. 2. Pedro Américo. 3. Vitor Meireles. 4. Academia
Imperial de Belas Artes. 5. Cultura Histórica. I. Castro, Isis Pimentel
de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em História Social. III.
Título.

3
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Manoel Salgado Guimarães, pelo carinho e cuidado com os

quais acompanhou a minha trajetória acadêmica desde a graduação. Agradeço o seu

comprometimento, dedicação e sensibilidade não somente como orientador, mas

principalmente como professor, por sempre buscar despertar em seus alunos o mesmo

entusiasmo e responsabilidade que tem como historiador.

Aos membros da banca de qualificação e defesa, Profª. Drª. Sônia Gomes Pereira e Profª.

Drª. Maria Beatriz de Mello e Souza, pela leitura minuciosa e pelas valiosas sugestões

que, sem dúvida, enriqueceram o resultado final desta pesquisa. Em particular, a Profª.

Drª. Maria Beatriz pelo afeto com o qual me acolheu, assim que ingressei no Programa de

Pós-graduação em História Social (PPGHIS), apresentando-me com paciência e interesse

os debates no campo da História da Arte.

A Profª. Drª. Maraliz Christo pelas preciosas considerações que fez ao meu trabalho.

Agradeço, em especial, por ter me concedido o prazer de visitar em sua companhia o

acervo do Museu Histórico Nacional (MHN), ocasião de aprendizado acadêmico e

enriquecimento pessoal.

A Profª. Drª. Ana Cavalcanti pelas preciosas indicações bibliográficas e debates sobre o

ambiente acadêmico do século XIX.

A Capes pelo apoio financeiro, sem dúvida, imprescindível a conclusão desta pesquisa.

A minha mãe pelo amor e apoio que tornaram possível a realização do trabalho que ora

apresento.

4
Ao meu pai que despertou em mim, com seus desenhos, pinturas e livros, a curiosidade

pelo mundo das artes visuais.

A Adriana Clen e Ana Paula Caldeira que foram minhas companheiras nessa jornada,

pessoas com quem troquei e cresci durante esses dois anos.

Aos meus amigos e amigas pelo socorro e compreensão nas presenças e ausências. Em

especial, Patrícia do Nascimento e Ana Paula Martins, pela revisão e leitura franca dessa

dissertação.

Aos colegas da pós-graduação, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), pelo

interesse, cumplicidade e generosidade.

A todos aqueles que encontrei pelo caminho em seminários, aulas e apresentações de

trabalhos, agradeço pelos preciosos debates e sugestões.

Muito obrigada a todos.

5
RESUMO

CASTRO, Isis Pimentel de. Os Pintores de História. A relação entre ate e história através

das telas de batalhas de Pedro Américo e Victor Meirelles. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ,

2007.

Esta dissertação analisa a relação entre a pintura histórica e a disciplina história

durante o século XIX e traça paralelos entre o trabalho do artista e do historiador. Estes

profissionais estavam engajados na formação de uma memória nacional e no

estabelecimento de uma identidade. A Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) e o

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) eram as instituições responsáveis pela

construção simbólica da nação, por meio da narrativa sobre o passado, através da pintura

histórica ou dos artigos do IHGB.

PALAVRAS-CHAVES: Pintura Histórica, Instituto Histórico; arte acadêmica.

6
ABSTRACT

CASTRO, Isis Pimentel de. Os Pintores de História. The relation between art and history

through historical paintings by Vitor Meireles and Pedro Américo. Rio de Janeiro:

IFCS/UFRJ, 2007.

This thesis analyzes the relation between historical painting and the history

discipline during the 19th century and draws a parellel between the artist’s work and the

historian. These professionals were engaged in the formation of the national memory and

establishment of an identity. The Imperial Academy of Fine Arts (AIBA) and the

Historical and Geographical Brazilian Institute (IHGB) were the institutions responsible

for the nation’s symbolic construction, by the narrative about the past, through the

historical painting and of the IHGB’s articles.

KEY-WORDS: historical painting; Historical Institute; academic arts.

7
SUMÁRIO

EPÍGRAFE ................................................................................................................. 11

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 14
PINTORES DE HISTÓRIA: ENTRE O HISTORIADOR E O ARTISTA ..................................... 19
A ARTE ACADÊMICA EM DEBATE................................................................................ 22
A MEMÓRIA NACIONAL FORJADA EM IMAGENS .......................................................... 31
IMAGEM E PALAVRA .................................................................................................. 35

CAPÍTULO 1 - AS EXPOSIÇÕES GERAIS DA ACADEMIA IMPERIAL: ESPAÇOS LÚDICOS


E INSTÂNCIAS DE CONSAGRAÇÃO ............................................................................. 40
1.1. A SEDUÇÃO DA IMAGEM ..................................................................................... 44
1.2. A EXPOSIÇÃO COMO LUGAR DE CONSAGRAÇÃO .................................................. 49

CAPÍTULO 2 - ENTRE O EMPIRICISMO E A IDEALIZAÇÃO ........................................ 52


2.1. A QUESTÃO ARTÍSTICA DE 1879......................................................................... 55
2.2. O GÊNERO PINTURA DE BATALHAS ...................................................................... 58
2.3. A PINTURA COMO DOCUMENTO ........................................................................... 59
2.4. BATALHA DO AVAÍ ............................................................................................. 62
2.5. BATALHA DOS GUARARAPES .............................................................................. 70
2.6. A PINTURA COMO IDEALIZAÇÃO.......................................................................... 74

CAPÍTULO 3 – AS MARCAS DE ENUNCIAÇÃO NA PINTURA HISTÓRICA E NA CRÍTICA


DE ARTE OITOCENTISTA ........................................................................................... 77
3.1. RESUMO HISTÓRICO: A CONSTRUÇÃO DE IMAGENS ATRAVÉS DE PALAVRAS ....... 81
3.2. A CRÍTICA DE ARTE ............................................................................................. 87
3.2.1. OS VESTÍGIOS DO PASSADO .............................................................................. 88
3.2.2. A DIMENSÃO DO TESTEMUNHO NAS VIAGENS ................................................... 90
3.2.3. A DIMENSÃO DO TESTEMUNHO NA CORRESPONDÊNCIA .................................... 94
3.2.4. PROCEDIMENTO DE CITAÇÕES: O CASO DE FILIPE CAMARÃO ........................... 96

8
CAPÍTULO 4 – A PINTURA COMO OBJETO HISTORIOGRÁFICO. OS MODELOS DE
ESCRITA DA HISTÓRIA ATRAVÉS DAS NARRATIVAS SOBRE A GUERRA DO PARAGUAI

E A INVASÃO HOLANDESA ........................................................................................ 99


4.1. AS GLÓRIAS MILITARES DA HISTÓRIA NACIONAL .............................................. 100
4.2. A LUTA CONTRA O ESTRANGEIRO: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE .......... 102
4.3. O IHGB E A ESCRITA DE UMA HISTÓRIA NACIONAL .......................................... 109
4.4. AS TELAS DE PEDRO AMÉRICO: O ESTRANHAMENTO COMO CONDIÇÃO
DE LEITURA .............................................................................................................. 118

CONCLUSÃO - A CONSTRUÇÃO DE UMA MEMÓRIA ATRAVÉS DE IMAGENS. OS USOS


DE PINTURAS HISTÓRICAS NOS LIVROS DIDÁTICOS ............................................... 126
A NATURALIZAÇÃO DE UMA TRADIÇÃO ................................................................... 129
A PINTURA HISTÓRICA COMO LUGAR DE MEMÓRIA .................................................. 131

ANEXOS .............................................................................................................. 134


1. QUADROS DE REFERÊNCIA ................................................................................... 134
2. DOCUMENTAÇÃO ICONOGRÁFICA ........................................................................ 135
3. RESUMOS HISTÓRICOS DOS CATÁLOGOS DAS EXPOSIÇÕES GERAIS
DE 1872 E 1879........................................................................................................ 143
3.1. DESCRIÇÃO DO RESUMO HISTÓRICO DO QUADRO “BATALHA DE CAMPO GRANDE”,
DE PEDRO AMÉRICO ................................................................................................ 143
3.2. DESCRIÇÃO DO RESUMO HISTÓRICO DO QUADRO “COMBATE NAVAL DO
RIACHUELO”, DE VICTOR MEIRELLES...................................................................... 148
3.3. DESCRIÇÃO DO RESUMO HISTÓRICO DO QUADRO “PASSAGEM DO HUMAITÁ”,
DE VICTOR MEIRELLES ............................................................................................ 153
3.4. DESCRIÇÃO DO RESUMO HISTÓRICO DO QUADRO “A BATALHA DO AVAÍ”, DE
DE PEDRO AMÉRICO ................................................................................................ 155
3.5. DESCRIÇÃO DO RESUMO HISTÓRICO DO QUADRO “PRIMEIRA BATALHA

9
DOS GUARARAPES”, DE VICTOR MEIRELLES............................................................ 157

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 163


1. BIBLIOGRAFIAS .................................................................................................... 163
1.1. SOBRE PEDRO AMÉRICO ................................................................................... 163
1.2. SOBRE VÍTOR MEIRELES ................................................................................... 163
1.3. SOBRE ARTE BRASILEIRA .................................................................................. 164
1.4. SOBRE ARTE INTERNACIONAL ........................................................................... 168
1.5. SOBRE A ESCRITA DA HISTÓRIA ......................................................................... 170
1.6. SOBRE TEMAS DIVERSOS ................................................................................... 172
2. DOCUMENTOS ...................................................................................................... 174
2.1. CORRESPONDÊNCIA .......................................................................................... 174
2.2. CRÍTICA DE ARTE .............................................................................................. 175
2.3. ARTIGOS DO IHGB ........................................................................................... 176
2.4. TEXTOS ESCRITOS PELOS ARTISTAS ................................................................... 177
2.5. TEXTOS CONSULTADOS PELOS ARTISTAS .......................................................... 177
2.6. CATÁLOGOS ...................................................................................................... 177
3. INSTITUIÇÕES PESQUISADAS................................................................................. 177
3.1. PESQUISA EM ARQUIVOS ................................................................................... 177
3.2. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA ................................................................................. 178
3.3. PESQUISA ICONOGRÁFICA ................................................................................. 178

10
EPÍGRAFE

“Em um teatro alemão foi representada uma construção oval, sob certo aspecto
anfiteatral, em cujos camarotes foram pintados vários espectadores, como se participassem
do que se passava lá embaixo. Muitos espectadores reais da platéia e dos camarotes
estavam insatisfeitos com essa imagem e quiseram ficar ofendidos por se querer imputar a
eles algo tão sem verdade e inverossímil. Nessa ocasião se dá uma conversa, cujo
conteúdo provável é aqui indicado.
O DEFENSOR DO ARTISTA: Permita-me que vejamos se não é possível que nos
aproximemos por algum caminho?
O ESPECTADOR: Não consigo imaginar como você pretende desculpar uma tal
representação.
O DEFENSOR: Mas, quando você vai ao teatro, você espera que tudo o que você no interior
dele seja verdadeiro e real?
O ESPECTADOR: Não! Mas exijo pelo menos que tudo deva parecer verdadeiro e real.
O DEFENSOR: Desculpe-me se desminto você diretamente, ao dizer: isso você não exije de
modo algum.
O ESPECTADOR: Mas isso seria surpreendente! Se não é isso que exijo, por que o
decorador perderia tempo em desenhar todas as linhas exatamente segundo as regras da
perspectiva, em pintar todos os objetos segundo a mais perfeita postura? Por que se
estudaria o figurino? Por que se demandaria tanto esforço para permanecer-lhe fiel, a fim
de me introduzir noutra época? Por que se elogiaria tanto o artista que mais
verdadeiramente exprime os sentimentos, o que na fala, na postura e nos gestos mais se
aproxima da verdade, o que me ilude de tal modo que acredito ver a coisa mesma e não
uma imitação? (...)
O DEFENSOR: Uma tal representação perfeita concordava consigo mesma ou com algum
outro produto da natureza?
O ESPECTADOR: Sem dúvida consigo mesma.
O DEFENSOR: E esta concordância era certamente uma obra de arte?
O ESPECTADOR: Certamente.
O DEFENSOR: Anteriormente havíamos negado à ópera uma espécie de verdade;
sustentamos que ela de modo algum representa de modo verossímil o que imita; mas

11
podemos negar a ela uma verdade interna que decorre da conseqüência de uma obra de
arte?
O ESPECTADOR: Se a ópera é boa, ela certamente constitui um pequeno mundo por si
mesmo, no qual tudo decorre segundo certas leis, que quer ser julgado segundo suas
próprias leis, que quer ser sentido segundo suas próprias propriedades.
O DEFENSOR: Não se segue disso que a verdade artística e a verdade natural são
completamente distintas e que o artista de modo algum poderia nem deveria aspirar que
sua obra parecesse uma obra da natureza?
O ESPECTADOR: Mas ela nos parece tantas vezes ser uma obra da natureza. (...)
O DEFENSOR: Então arrisco dizer: apenas a um espectador completamente inculto uma
obra de arte pode parecer uma obra da natureza, e tal espectador também é amado e tem
seu valor para o artista, embora esteja no mais baixo estágio. Mas infelizmente ele ficará
satisfeito apenas até o momento em que o artista descer até ele, nunca, porém, ele irá se
elevar juntamente com o artista autêntico quando este deve alçar vôo, para o qual o impele
o gênio, e concluir sua obra em toda a sua amplitude. (...)
O ESPECTADOR: Apenas para uma pessoa inculta, você dizia, uma obra de arte pode
parecer uma obra da natureza.
O DEFENSOR: Você certamente se lembra dos pássaros que foram içar as cerejas do grande
mestre.
O ESPECTADOR: Mas isso não comprova que estas frutas foram pintadas primorosamente?
O DEFENSOR: De modo algum, isso comprova muito antes que estes apreciadores eram
autênticos pardais.
O ESPECTADOR: Mas por causa disso não posso defender que tal quadro é excelente.
O DEFENSOR: Posso confiar-lhe uma história mais recente?
O ESPECTADOR: Em geral prefiro histórias a raciocínios.
O DEFENSOR: Um grande naturalista possuía entre seus bichos de estimação um macaco,
que de repente tinha sumido e depois de muita procura foi encontrado na biblioteca. Lá o
bicho estava sentado no chão e tinha em torno dele espalhadas gravuras em cobre de uma
obra de história natural. Admirado por este estudo zeloso do amigo da casa, o senhor se
aproximou e viu, para a sua admiração e para seu aborrecimento, que o animal curioso
havia roído todos os insetos que encontrou retratados.
O ESPECTADOR: Essa história é bem engraçada.
O DEFENSOR: E oportuna, espero eu. Mas você gostaria de colocar estas gravuras
ilustrativas ao lado do quadro de um tão grande mestre?

12
O ESPECTADOR: De fato não.
O DEFENSOR: Mas você considera o macaco entre os apreciadores incultos?
O ESPECTADOR: Bem, certamente entre os mais ávidos. Você desperta em mim um
pensamento singular! Não se poderia imaginar que um apreciador inculto justamente
requer que uma obra de arte seja natural a fim de também poder desfrutar dela de um
modo natural, muitas vezes grosseiro e ordinário? (...)
O DEFENSOR: Por sorte hoje a ópera será retomada e você não quer perdê-la, não é?
O ESPECTADOR: Sem dúvida.
O DEFENSOR: E os homens retratados?
O ESPECTADOR: Não irão me atrapalhar, porque me considero algo melhor que um
pardal”*.

*
GOETHE, Johann Wolfgang. Sobre verdade e verossimilhança das obras de arte (1798). In: Escritos sobre
arte. São Paulo: Associação Editorial Humanitas / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005, p.133-
141.

13
INTRODUÇÃO

A trajetória da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) por vezes se confundiu

com a do Segundo Reinado, a instituição acompanhou a consolidação do governo imperial

e acabou sendo extinta com seu declínio1. Inaugurada em 18262, ganhou vigor somente em

meados do XIX, com o patronato de D. Pedro II. Os laços estreitos com a monarquia

deram-lhe o monopólio do ensino e da produção artística oitocentista, em suas mãos

residia o poder de definir o que era arte e quem deveria ser considerado artista.

A AIBA, como lugar de construção de uma iconografia nacional, adquiriu força e

importância ao lado de outras instituições incumbidas de forjar a história nacional e

elaborar os símbolos da nação, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)

e o Colégio Pedro II. A Academia estava encarregada de duas missões: tecer uma

identidade nacional, através da definição de marcos históricos e heróis nacionais; e colocar

o jovem Império em consonância com as nações civilizadas, por meio da arte.

Considera-se como marco do desenvolvimento da arte acadêmica no Brasil, a

chegada da Missão Artística Francesa, em 1816. O ensino artístico da academia foi

inspirado na tradição artística francesa, entretanto encontramos também referências aos

estudos do teórico alemão Winckelmann, considerado o criador do movimento

neoclassicista.

O modelo de ensino da AIBA foi inspirado na Académie Royale de Peinture et de

Sculpture, fundada na França em meados do século XVII. André Félibien, secretário da

instituição durante a direção de Charles Lebrun, sistematizou os preceitos da doutrina

acadêmica – como a hierarquia dos gêneros artísticos, a composição, a unidade e etc –

1
FERNANDES, Cybele Vidal Neto. Os Caminhos da Arte. O ensino artístico na Academia Imperial das
Belas Artes – 1850/1890. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 2001 [Tese de doutoramento apresentada no
programa de Pós-Graduação em História Social].
2
O Decreto de 12 de Outubro de 1816, promulgado por D. João VI, foi responsável pela criação da “Escola
de Ciências, Artes e Ofícios”.

14
tradição esta que influenciou o ensino das academias em toda Europa e no Brasil até pelo

menos o final do século XIX.

Os estudos de Winckelmann também tiveram grande influência no ensino da

AIBA, citado diversas vezes por Taunay em seus discursos3, suas obras também faziam

parte do acervo bibliográfico da academia4. Para Winckelmann, a missão do artista era

instruir moralmente através de sua arte aqueles que a observavam, “o pincel que o artista

manejar, deverá ser mergulhado na inteligência”5, pois, contribuiria, desta forma, para o

afloramento de comportamentos e sentimentos considerados civilizados. O discurso visual

possuía uma função pedagógica, primordial na inspiração de virtudes e ideais

civilizatórios.

A compreensão, inspirada na filosofia clássica, de que a arte é uma imitação das

coisas e ações humanas, impregna-a de valores morais. Então, as artes superiores seriam

aquelas que se propusessem a representar ações virtuosas, que elevassem o espírito e

buscassem atingir a bela alma6, ideal só alcançado através da imitação das obras de arte da

Grécia Antiga7. A imitação aqui se aproxima mais da idéia de inspiração, no sentido de

alcançar o pensamento grego8: A pintura histórica por estar diretamente envolvida com a

exaltação dos momentos gloriosos da nação e dos atos heróicos de grandes homens, como
3
Félix Émile Taunay foi diretor da AIBA entre os anos de 1834 e 1851, durante esse período proferiu
diversos discursos onde fazia referência à obra de Winckelmann. Cf: Ata de 17/03/1842. Arquivos do Museu
D.João VI, EBA-UFRJ; Ata 20/3/1837. Idem; Ata de 2/4/1849. Idem; Sessão Pública 19/12/1845. Idem;
Sessão Pública de 19/12/1848. Idem; Sessão Pública de 19/12/1844. Idem.
4
De acordo com o arrolamento das obras pertencentes à biblioteca da AIBA, no ano de 1850, a casa possuía
duas publicações de Winckelmann, são elas: “Monumenti antichi inediti spuegati ed ilustrati da
Winchelmann”, e, “Ricerchi sopra un Apoline della villa dell’Eminentissimi Sig. Cardinale Alessandro
Albani. Da servere suplemento all’opera dei monumenti antichi inediti de Winchelmann”. Cf: Catálogo da
Biblioteca, com indicações das obras raras e valiosas. Universidade do Brasil. Escola de Belas Artes, 1957,
p. 7-15.
5
WINCKELMANN, J. J. Reflexões sobre a arte antiga. Porto Alegre: Movimento, 1975, p. 69.
6
A idéia de “bela alma” foi criada por Winckelmann, e por ele foi incessantemente perseguida em seus
trabalhos. De acordo com Bornheim (1998, p.96), a “bela alma” consiste no ideal do classicismo alemão de
“suspensão de todo o conflituoso em uma harmonia superior de nobre simplicidade e calma grandeza”.
7
O aprendizado do artista deveria ser feito a partir da observação da arte grega, pois esta teria em si a soma
de todos os ângulos perfeitos da natureza e superaria, dessa forma, a realidade em beleza e perfeição.
8
Gerd Bornheim define da seguinte forma o pensamento de Winckelmann: “O importante, quando se faz
arte não consiste em simplesmente copiar os antigos, e sim em pensar como os gregos, em comportar-se
como eles, exigindo da arte uma missão semelhante à dos gregos”. Cf: BORNHEIM, Gerd. Páginas de
Filosofia da Arte. 1. ed. Rio de Janeiro: UAPÊ, 1998, p.93.

15
no caso da pintura de batalhas, tornou-se o espaço privilegiado para gravar na alma de

seus observadores os nobres sentimentos de amor à pátria. De acordo com Winckelmann,

todas as artes têm dupla finalidade: devem ao mesmo tempo agradar e instruir.
Por essa razão, acharam muitos dentre os maiores paisagistas que se
desincumbiriam apenas de metade das suas obrigações para com a arte, se
deixassem as suas paisagens sem nenhuma figura humana9.

Dessa forma, a pintura histórica atenderia com louvor as finalidades da arte de

“agradar” e “instruir”. Considerada o gênero artístico mais nobre e completo10, tornou-se a

peça-chave da relação entre a Academia Imperial de Belas Artes e o Império, pois estava

inteiramente envolvida na construção de um passado linear e glorioso em suas telas.

Tomaremos como definição de pintura histórica, a elaborada por José Teixeira

Leite: “A que tem por tema um fato ou acontecimento passado, da história religiosa ou

secular da Humanidade, ou que se baseie no Mito, na Fantasia ou na Poesia” 11. A

existência de telas com motivos religiosos ou fantásticos existiram desde muito cedo no

campo artístico. Porém, com a Revolução Francesa, questões relacionadas à nacionalidade

ganharam vigor. Gradativamente os temas religiosos ou mitológicos perderam espaço para

aqueles relacionados à história nacional. Temáticas voltadas para atos heróicos e

sacrifícios individuais ganharam destaque, o bem-estar coletivo elevou-se sobre as

vontades individuais12. O que não significa dizer que esses motivos deixaram de ser

representados, apenas que temas como o das batalhas ganham mais força a partir da

Revolução Francesa.

9
WINCKELMANN, Op. cit., p. 69.
10
A pintura histórica era considerada a categoria artística mais importante por incluir em sua constituição
todos os demais gêneros da pintura. Em ordem decrescente a hierarquia dos gêneros de pintura estava desta
forma estabelecida: Pintura Histórica; Pintura de Paisagem, de Retrato e de Gênero. Temas oriundos da
imaginação, ligados a temáticas populares. Com o advento de movimentos como o Realismo, por exemplo,
essa hierarquia foi invertida, e temas do cotidiano foram valorizados.
11
LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário Crítico de Pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988,
p.245
12
STAROBINSKI, Jean. 1789. Os Emblemas da Razão. São Paulo: Cia. Das Letras, 1988.

16
No Brasil, a pintura histórica inspirada pelos grandes momentos da nação, só

começou a surgir a partir da Exposição Geral de 1863, quando Vítor Meireles expõe “A

Primeira Missa no Brasil”13. Antes disso, seus motivos eram quase sempre religiosos.

Entretanto, somente a partir da Exposição de 1872 a pintura de história ganhou

visibilidade e suscitou o interesse da população. A grande expressão desse gênero artístico

nesse momento se deve às mudanças implementadas por Araújo Porto-alegre, na Reforma

Pedreira de 185514. Segundo Carlos Zílio15, foram essas reformas que propiciaram a

criação do conceito de arte brasileira. Para Porto-alegre, arte brasileira seria aquela que

preferencialmente representasse temáticas da história nacional, ou seja, que servisse à

exaltação das glórias da pátria. O estilo deveria ser de inspiração européia, para assim

marcar seu pertencimento junto às nações ditas civilizadas, mas a temática deveria

valorizar a paisagem e os feitos históricos do Império. A crise do sistema monárquico e o

advento da República, ainda de acordo com Zílio, modificaram a concepção de arte, que

se fundou em novos termos, o que levou à valorização de novas técnicas e à utilização de

materiais genuinamente brasileiros16. Embora, as mudanças introduzidas com a reforma

não tivessem resultados imediatos, foi ela que estabeleceu as bases sobre as quais o ensino

13
Na Exposição Geral de 1860, Vítor Meireles já havia enviado um esboço deste quadro para figurar entre as
obras do evento. A reprodução da tela “Primeira Missa no Brasil”, está na página 127, no anexo desta
dissertação.
14
Decreto n° 1603 de 14 de Maio de 1855. Pensada e promulgada por Araújo Porto-Alegre, durante o
período que foi diretor da casa (22/04/1854-03/10/1857), trata-se de uma reforma estrutural, extremamente
significativa que colocou a instituição em consonância com o projeto político e civilizatório do Império.
Através das modificações nos estatutos da AIBA, Porto-Alegre buscou estreitar as relações entre arte e
indústria, aumentar a ascendência de professores brasileiros no seio da instituição, e criar uma arte que se
identificasse com a realidade brasileira.
15
Carlos Zílio elege o período da direção de Porto-Alegre como o primeiro a fundar o que ele chama de uma
escola de pintura brasileira. O autor mostra a preocupação de Araújo Porto-Alegre em nacionalizar a arte
produzida no período, identificá-la à realidade brasileira e não torná-la mera cópia da arte européia. (ZÍLIO,
Carlos. Formação do artista plástico no Brasil: o caso da Escola de Belas Artes. Arte e ensaios. Rio de
Janeiro: EBA/UFRJ, Ano I, 1994).
16
“Ignorando os vínculos retóricos da pintura histórica, a nova produção propõe implicitamente um
entendimento de arte brasileira tomada como arte que é feita no Brasil, ou seja, aquela realizada conforme
condições materiais e culturais especificas, próprias à sociedade brasileira” (Id. A modernidade efêmera:
anos 80 na Academia. In. 180 anos da Escola de Belas Artes. Anais do Seminário EBA 180. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1997, p. 238-239).

17
das “belas artes” atingiria o auge de sua vocação nacionalista a partir da década de 7017,

período que pretendemos estudar.

O corte cronológico escolhido inicia-se com a Exposição Geral de Belas Artes de

1872, momento em que são expostas as seguintes obras: “Passagem de Humaitá”, de Vítor

Meireles, “Batalha de Campo Grande”, de Pedro Américo e “Combate Naval de

Riachuelo”, de Vítor Meireles18. Optamos por iniciar nossa pesquisa neste momento, por

“considerar que a exposição destas pinturas de batalhas foi iniciadora da pintura de

história como visão pedagógica e propagandística do ideal nacional no país”19.

Escolhemos como marco final a Exposição Geral de 1879, a última da década, que contou

com o maior público da história das exposições da Academia Imperial. Nesta, foram

exibidos ao público, entre outros, os quadros: “A Batalha de Avahy”, de Pedro Américo e

“A Batalha dos Guararapes”, de Vítor Meireles20. Nossas fontes de pesquisa serão as telas

de batalhas acima especificadas, os catálogos das exposições de 1872 e de 1879, o

material de pesquisa dos artistas, a produção do IHGB e a crítica de arte dos principais

periódicos da época21.

A mensagem moralizadora da pintura histórica, pensada e criada para entrar em

contato com o público, só se completaria no momento das exposições. Porém para que tal

objetivo fosse alcançado era necessário um longo processo que envolvia observação,

pesquisa e estudo. As narrativas do passado construídas através desse gênero artístico

17
Foi esta a hipótese com a qual trabalhamos em nossa pesquisa monográfica. Quando tratamos do conceito
de “arte brasileira” em Araújo Porto-alegre, e suas implicações no desenvolvimento da cadeira de pintura
histórica na AIBA, durante o período em que este foi diretor da instituição. Cf: CASTRO, Isis P. de. Arte &
História em Araújo Porto-alegre. A cadeira de pintura histórica na Reforma Pedreira (1855-1857). Rio de
Janeiro: IFCS/UFRJ, 2005.
18
As reproduções dessas telas encontram-se no anexo dessa dissertação, entre as páginas 123 e 126.
19
ROSEMBERG, Lilia Ruth Bergstein. Pedro Américo e o olhar oitocentista Rio de Janeiro: Barroso
Edições, 2002. p. 24.
20
As reproduções dessas telas encontram-se no anexo dessa dissertação, entre as páginas 123 e 126.
21
A documentação textual utilizada reúne os artigos do IHGB sobre a Guerra do Paraguai e a Invasão
Holandesa, os catálogos das exposições de 1872 e 1879, a correspondência e a documentação consultada por
Vítor Meireles e Pedro Américo para compor suas obras. A referência dos artigos do Instituto Histórico, do
material bibliográfico consultado pelos artistas e sua correspondência, além da transcrição dos resumos
históricos das telas analisadas presentes nos catálogos das exposições encontram-se no anexo desta
dissertação, entre as páginas 151 e 165.

18
tinham como referência os parâmetros científicos de validação do discurso historiográfico

produzido no IHGB.

Pintores de História: entre o historiador e o artista

A identificação do espectador com a cena representada na pintura dependia de um

meticuloso trabalho de investigação empreendido pelo artista, do seu conhecimento acerca

da tradição pictórica, do seu exímio trabalho como retratista e pintor de paisagem, na

medida em que nenhum detalhe poderia ser mal representado. Os movimentos do corpo

deveriam ser perfeitamente delineados, as expressões faciais deveriam comover o

espectador, o panejamento das roupas pareceria mover-se com a silhueta do corpo, bem

como a paisagem, que deveria ser cuidadosamente reconstituída para abrigar os atores da

cena como em um palco22. Recursos como o claro-escuro e a execução da tela em grandes

dimensões, valorizavam a cena principal e garantiam à obra o caráter impactante da cena.

O objetivo era fazer o observador ter a impressão de ser testemunha ocular do evento. Até

o desenvolvimento do impressionismo as dimensões dos quadros eram essenciais a sua

consagração, uma vez que somente sob o impacto dessas telas podiam surgir as grandes

obras e os grandes artistas. Entretanto, havia um processo anterior à execução da obra tão

importante quanto suas dimensões, pois seria ele o responsável por legitimar aquela

narrativa como verdadeira, referimo-nos as pesquisa documental e bibliográfica

empreendida pelo pintor histórico.

No ano de 1868, Vítor Meireles permaneceu cerca de seis meses fazendo estudos

in loco para suas telas de batalha sobre a Guerra do Paraguai, realizou estudos sobre o

território, vivenciou o cotidiano em um navio de guerra e chegou a assistir à tomada da

22
A representação da paisagem era importante, quando relacionada às ações humanas. No quadro de pintura
histórica ela devia chamar a atenção do espectador para a cena, e não ser o foco de seu interesse. Sua
importância residia em representar o local onde o fato histórico aconteceu da forma mais realista possível,
novamente sua relevância está em dar à cena legitimidade e verossimilhança.

19
fortaleza de Humaitá23. O mesmo tipo de apreço pela precisão histórica pode ser percebido

em Pedro Américo, que trocou correspondência com o mordomo do príncipe Gaston

d’Orleans24, Sr. José Maria Jacintho Rabello, pediu-lhe informações sobre o traje que o

Conde d’Eu vestia, os nomes e postos das pessoas próximas a ele durante o combate na

região do Campo Grande, entre outros dados que julgava necessários para confeccionar

“Bosquejo da Batalha de Campo Grande”.

A tela não poderia ser puro exercício da imaginação do artista, mas sim fruto de

pesquisa documental, de leitura de textos sobre a época e observação dos personagens e do

local onde o evento ocorreu. Observemos o que diz o jornal italiano “Corriere Italiano”, de

26 de abril de 1888, sobre o quadro “Independência ou Morte”25, de Pedro Américo,

exposto em Florença no mesmo ano:

A ação foi estudada no próprio cenário e habilmente representada com todo


rigor histórico. (...) Em resumo, a nova tela de Pedro Américo é uma obra
colossal... e que traz o cunho de uma imaginação criadora e de um robusto
engenho; qualidades que se manifestam na concepção, no desenho, na verdadeira
reprodução dos tipos e dos costumes locais assim como do cenário onde se
passou o fato histórico e que o autor faz representar com tanta robustez de idéia e
de execução26.

O rigor no estudo da anatomia e a busca pela veracidade eram dois lados de um

mesmo objetivo, que era o de promover a ligação entre o observador e a pintura, ou

melhor, a identificação do cidadão com os eventos da história nacional representados na

tela.

A concepção de história narrada nessas pinturas estava sob responsabilidade do

Instituto Histórico, na medida em que sua produção visava solidificar os mitos de

fundação por ele próprio definidos, ordenar os “fatos históricos” de maneira linear e

atingir uma homogeneidade histórica de caráter evolutivo, épico e monumental. A

23
Episódio que Victor Meirelles pintou no ano de 1871, exposta na AIBA no ano de 1872.
24
O Conde d’Eu participou do episódio escolhido por Pedro Américo para retratar na tela “Batalha de
Campo Grande”.
25
A reprodução desta tela encontra-se no anexo desta dissertação, na página 123.
26
CORRIERE ITALIANO Apud ROSEMBERG, Op. cit, p. 72-73, grifos nossos.

20
instituição tinha como missão “reordenar” o passado, camuflar tudo aquilo que ferisse os

ideais de civilidade e ordem, tão preciosos à nova nação27. O IHGB era uma importante

instância de criação e controle da escrita do passado nacional. A AIBA e o Instituto

Histórico eram responsáveis pela construção do passado nacional, enquanto a primeira a

escrevia na tela a óleo, o segundo a fazia no papel. Qualquer outra visão que não a oficial,

não encontrava espaço para florescer.

A disciplina História nasceu no século XIX e marcou seu lugar enquanto ciência

através do apreço às fontes, único elo de ligação entre o historiador e o fato histórico28.

Segundo essa tradição, os vestígios do passado não eram uma representação, mas a própria

materialidade do fato histórico. A pintura histórica por lidar com o passado, também

deveria utilizar-se de fontes e buscar a verdade. Tanto a Academia de Belas Artes quanto

o IHGB, eram herdeiros dessa tradição, pois ambos eram responsáveis pela narrativa do

passado nacional. Mais do que isso, essas duas instituições lidavam com o elo entre o

passado e o presente. Quando Vítor Meireles e Pedro Américo, reinterpretavam os

episódios da Guerra do Paraguai e da Invasão Holandesa, eles os fazem “reviver”,

construíam uma memória que se apoiava na “(re) constituição de determinados episódios

narrativos e na veracidade do fato”29.

A preocupação com a ordem ancorava toda a produção do IHGB, empenhada em

narrar um passado, que inserisse a jovem nação no universo europeu de ordem, civilidade

27
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: nº 1, 1988.
28
Sabemos que o termo “fato histórico” não é hoje o mais indicado, justamente por pressupor a exigência de
um passado em si, imutável. O historiador da arte Ronaldo Brito ao traçar paralelos entre os estudos de arte e
os de história, sugere a substituição deste termo para “fato estético”. Este levaria em consideração a relação
de afetação e de subjetividade entre sujeito e objeto. Criado, no momento de construção da própria
disciplina, a idéia de “fato histórico” pressupõe a existência de um passado objetivo, a partir do qual é
possível se ter acesso pelas fontes, uma perspectiva rankiana da tarefa do historiador. É justamente por essa
característica que esse é o melhor termo para nos referimos à relação estabelecida no século XIX com o
passado, seja pelo historiador ou pelo pintor histórico. Cf: BRITO, Ronaldo. Fato Estético e Imaginação
Histórica. In: Cultura, Substantivo Plural. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil/ São Paulo: Ed.
34, 1996, p. 193-206.
29
ROSEMBERG, Op. cit., p. 153

21
e progresso30. Os artigos do IHGB e as telas de pintura histórica estavam carregadas de

uma dimensão didática, a escrita e a imagem serviam ao esclarecimento dos seus

cidadãos, deveriam gravar no espírito as virtudes de uma boa sociedade, ditadas, é claro,

pela elite do Império. Desta forma, tanto o Instituto Histórico quanto a Academia Imperial,

tornaram-se igualmente instâncias de controle social, exatamente por se constituírem

como lugares de construção do passado. Por esses motivos, procuraremos aprofundar em

nossa pesquisa as relações entre a escrita de uma história nacional na pintura e nos textos

vinculados direta ou indiretamente ao Instituto Histórico. José Neves Bittencourt nos dá

alguns indícios sobre a natureza desta relação:

Disciplina regular do currículo acadêmico, a Pintura Histórica trata com o


passado da Nação, e por isso reflete de forma cristalina, a produção do IHGB e as
determinações do programa romântico (...) tem uma função que acaba por
convergir na educação – ensinar o passado através das imagens31.

A arte acadêmica em debate

Discutir sobre a pintura histórica durante o século XIX apresentou alguns

problemas, por ter se tornado um tema marginal de pesquisa após o “movimento

modernista”, na medida em que a arte moderna delegou à produção artística do oitocentos

o papel de reles cópia dos modelos europeus. O movimento modernista brasileiro buscou

através da fundação de uma origem, de uma arte “genuinamente” brasileira, legitimar seu

lugar enquanto herdeira dessa tradição, na medida em que era responsável por

reconquistar no presente a “autenticidade” nacional32. Essa tradição concentrou suas

30
GUIMARÃES, Op. cit., p. 08
31
BITTENCOURT, José Neves. Espelho da nossa história: imaginário, pintura histórica e reprodução no
século XIX brasileiro. Tempo brasileiro: Memória e história. Rio de Janeiro: n° 87, outubro/dezembro,
1996, p. 70-71.
32 Importa salientar que a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), fundada em
1937, foi marcada pela atuação de intelectuais vinculados ao movimento modernista, como Lúcio Costa,
Rodrigo Melo Franco de Andrade, Mário de Andrade e outros. As políticas patrimoniais, pelo menos até a
década de 70, assumiram um importante papel na construção de um passado nacional essencialmente
barroco e moderno, por meio da seleção do que deveria ser considerado o patrimônio histórico e artístico
brasileiro. Cf: BAETA, Rodrigo Espinha. A crítica de cunho modernista à arquitetura colonial e ao Barroco
no Brasil: Lucio Costa e Paulo Santos. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo. Belo Horizonte, vol. 10, nº

22
pesquisas em torno do século XVIII ou XX. Tomemos o caso da obra “Artes Plásticas na

Semana de 22”, na qual a autora Aracy Amaral faz a seguinte afirmação sobre a arte

acadêmica:

Mas no Rio de Janeiro, capital federal ciosa de suas tradições, onde vida literária e
artística giram em torno das Academias, pouca efervescência toca os jovens
pintores e escultores. Êstes, com seus mestres formados segundo padrões rígidos
da Academia implantada pela Missão Le Breton, seguiram uma escola estrangeira
cuja excelência não estimulava a criatividade, mas antes a imitação servil dos
modelos importados. Importados de Paris, mas não da Paris dos impressionistas,
pós-impressionistas – e expressionistas, fauves, ou cubistas – mas sim dos ateliês
de professores como Horace Vernet, Cabanel, Vollon, procurados diligentemente
pelos pintores brasileiros33.

Nessa perspectiva, a vinda da Missão Artística Francesa, em 1816, era considerada

um empecilho à consolidação de uma “arte verdadeiramente brasileira”, já que promovia a

separação entre a população e a produção artística. Neste trecho, extraído do artigo “A

Academia Imperial de Belas Artes: ruptura com o Barroco”, Dilma Silva percebe de

maneira negativa a chegada da Missão de 1816: “Os nobres davinianos viriam a alterar o

curso de nossa verdadeira tradição artística – que era barroca”34. O movimento modernista

entendia-se como uma expressão artística singularmente brasileira, construindo sua origem

em outro estilo também considerado genuinamente brasileiro, o barroco. A linha evolutiva

que conduziria do barroco ao modernismo teria sido retardada pela implantação do

academicismo, considerado, nessa óptica, um movimento sem originalidade e expressão.

Todavia, a partir dos anos 70 e 80 recai sobre os estudos de arte acadêmica, um

expressivo interesse, pode-se tomar como exemplo o caso do livro de Nikolaus Pevsner,

11, p. 35-56, dez., 2003; CHUVA, Márcia. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco,
moderno e civilizado. Topoi, Rio de Janeiro, vol. 4, nº 7, p. 313-333, jul-dez, 2003; FONSECA, Maria
Cecília. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro:
UFRJ/IPHAN, 1997; GONÇALVES, José Reginaldo. A retórica da perda. Os discursos do patrimônio
cultural no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 2002. E sobre a questão da “autenticidade” e sua relação
com a construção de uma identidade nacional, Cf: GONÇALVES, José Reginaldo. Autenticidade, Memória
e Ideologias Nacionais: o problema dos patrimônios culturais. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 1, n.
2, p. 264-275, 1988.
33
AMARAL, Aracy A. Artes Plásticas na Semana de 22. São Paulo: Editora Perspectiva, 1970, p. 20,
grifos nossos.
34
SILVA, Dilma de Melo. A Academia Imperial de Belas Artes: ruptura com o Barroco. In. 180 anos da
Escola de Belas Artes. (Anais do Seminário EBA 180). Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.121.

23
chamado “Academias de arte”, escrito na década de 30 e lançado em 194035. No momento

em que foi publicada, a obra não obteve grande repercussão e enfrentou duras críticas.

Três décadas depois o livro foi reeditado e a grande procura o levou a ganhar uma edição

em italiano em 1982. Outra obra que marcou o crescimento do interesse pelo

academicismo foi “Peut-on parler d’une peinture pompier?”, de Jacques Thuillier36.

Segundo Coli (1999), embora Thuillier fosse um especialista no século XVII, ou melhor,

talvez porque estivesse distante dos estudos teóricos sobre o oitocentos, ele promoveu uma

ampla discussão sobre a arte acadêmica e valorizou-a como um legítimo objeto de

conhecimento37.

Muitos estudos têm confrontado as abordagens construídas sob o olhar modernista

e empenham-se em mostrar que embora os intelectuais e artistas brasileiros oitocentistas

buscassem inspiração na Europa, o faziam não por faltar-lhes originalidade, mas por que

tentavam inserir a nação brasileira, em processo de constituição, em um plano universal. A

inspiração residia nos ideais de civilização europeus, mas estes eram apropriados na

construção das especificidades nacionais. Tais estudos buscam compreender essa

produção artística em seu contexto. Duas compreensões bem distintas do que seria

“contexto” resultam em vertentes de pesquisa diferentes. Uma, procura entender a arte

acadêmica, em especial a pintura histórica, como um instrumento político do Segundo

Reinado. A arte seria explicada unicamente pelo contexto em que foi criada, sua produção

era determinada pelo projeto político imperial. Ainda sobre essa tradição, tomemos a

passagem abaixo da obra “A glorificação do Império”, de Celso Kelly:

(...) de 1864 a 1870, o Brasil sustentou contra o Paraguai uma guerra que custaria
a ambos os países milhares de vidas e um imenso desgaste econômico. Para os

35
PEVSNER, Nicokolaus. Academias de arte: passado e presente. São Paulo: Compainha das Letras,
2005.
36
THUILLIER, Jacques. Peut-on parler d’une peinture “pompier”? Paris: Presses Universitaires de
France, 1984.
37
COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira do século XIX? São Paulo: Editora Senac, 2005.

24
pintores brasileiros, tal guerra serviu de tema ou pretexto para a elaboração de
cenas heróicas e de glorificação do Império38.

Outra abordagem valoriza as várias nuances, muitas vezes contraditórias, que

caracterizam as relações humanas no tempo e espaço. O contexto aqui, não é entendido

como uma “fórmula”, que quando aplicada ao objeto o explica. Mas sim, como

interrogação, algo a ser “desvendado” a partir da pesquisa e não antes dela. Os estudos

atentos a essa dimensão do “contexto” não negam que a produção de pintura histórica

esteja intrinsecamente relacionada ao projeto civilizatório, mas não a entendem como um

mero instrumento de propaganda política do Imperador39.

Durante nossa pesquisa nos deparamos com uma vasta bibliografia sobre a

Academia Imperial, optamos por escolher aquelas que tratassem, mesmo que de maneira

secundária, do tema pintura histórica. Selecionamos, então, alguns trabalhos que julgamos

serem os mais significativos sobre o tema, seja por se aproximar de nossa análise ou por se

afastar dela. O primeiro deles, chama-se “Os Caminhos da Arte. O ensino artístico na

Academia Imperial das Belas Artes – 1850/1890”40. Trata-se da tese de doutorado da

historiadora da arte Cybele Vidal Neto Fernandes. Neste estudo, a autora volta-se para a

análise do ensino artístico no período que vai da Reforma Pedreira até a queda do Império,

que também conduz a AIBA à sua reformulação. Sua preocupação central é a questão do

ensino, o que nos oferece novos ângulos de análise sobre nosso objeto, uma vez que

podemos aprofundar o estudo acerca da pintura histórica como disciplina. No capítulo “O

Ensino artístico na AIBA”, a autora trata da cadeira de pintura histórica e levanta pontos

38
KELLY, Celso. A glorificação do império. In: Arte no Brasil. São Paulo: Editora Abril, 1979, p.54,
Grifos nossos.
39
Cf. COLI, J. Victor Meirelles e a pintura internacional. [Tese de livre docência] Campinas: UNICAMP,
1997.; Id. A Pintura e o olhar sobre si: Victor Meirelles e a Invenção de uma história visual no século XIX.
In: FREITAS, Marcos C. de. (org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto,
1998a. Id. Primeira Missa e a invenção da descoberta. In: NOVAES, Adauto. A descoberta do homem e do
mundo. São Paulo: Compainha das Letras, 1998b; Id. O sentido da batalha: Avahy, de Pedro Américo.
Projeto História, São Paulo: v. 24, 2002ª; DENIS, R. Cardoso. Ressuscitando um Velho Cavalo de Batalha:
Novas Dimensões da Pintura Histórica do Segundo Reinado. Concinnitas: Arte Cultura e Sociedade. Rio de
Janeiro: v. 1, n. 2, 1999, p. 201.
40
FERNANDES, Op. cit.

25
fundamentais, como a importância desta cadeira entre os demais gêneros artísticos

ensinados na instituição, os pré-requisitos necessários para cursá-la, os métodos de ensino

e a importância das Exposições Gerais na consagração dos artistas e suas obras. Embora

estabeleça a relação entre a AIBA e o IHGB, não o faz preocupada em se aprofundar nessa

questão, até porque o objetivo de sua análise não é este.

O artigo de José Neves Bittencourt, “Espelho da nossa história: imaginário, pintura

histórica e reprodução no século XIX brasileiro”41, é especialmente importante porque

traça um paralelo entre a produção de pintura histórica e a tradição historiográfica do

Instituto Histórico. Bittencourt está preocupado em apontar as semelhanças no tratamento

do passado por estas duas instituições, mostra que ambas tinham como função apagar as

manchas do passado, através da retirada de qualquer sombra de atraso e desordem. Suas

sugestões nos foram muito válidas na medida em que nos ajudaram a perceber o papel da

pintura histórica na escrita do que ele chama de “biografia da nação”. Apesar de se

preocupar em investigar as convergências entre a produção dessas duas instituições, o faz,

de maneira geral, sem prender-se à análise de quais correntes historiográficas balizaram ou

não a confecção dessas telas.

Os artigos de Jorge Coli sobre as telas de pintura histórica são especialmente

significativos, já que põem em debate dois pressupostos no qual se ancoram os estudos

sobre a arte brasileira oitocentista, até então tidos como intocáveis: 1) a problemática dos

estilos; 2) a questão do plágio na pintura histórica. No primeiro caso, Coli afirma que a

tentativa de classificação das obras de arte não contribui para os estudos em história da

arte, na medida em que partem de concepções pré-estabelecidas e não da observação da

obra em questão. Ele afirma a necessidade de se devolver as obras ao seu tempo,

historicizá-las, e não aplicar-lhes conceitos criados posteriormente e que acabam por

41
BITTENCOURT, Op. Cit..

26
culminar em análises superficiais e equivocadas do objeto: “o olhar que interroga é

sempre mais fecundo do que o conceito que define”42. Em suas palavras,

(...) ao invés de discutir se Meireles ou Américo são ou não são clássicos, são ou
não são românticos, são ou não são pré-modernos – o que me coloca em
parâmetros seguros e confortáveis, mas profundamente limitados – é preferível
tomar esses quadros como projetos complexos, com exigências específicas e
precisas, muitas vezes inesperadas43.

O segundo ponto é a questão do plágio, que será abordado em outro momento

desta narrativa. O autor refuta as análises que reafirmam as idéias de plágio na arte

acadêmica, pois argumenta que o procedimento por citações dentro da pintura de história

era um instrumento legítimo à natureza do gênero. Somente com o desenvolvimento do

Impressionismo, é que a originalidade passa a ser cobrada dos artistas.

Sobre a relação entre a pintura histórica e a produção do IHGB, dois artigos e uma

tese foram de especial importância: “A arte de construir a nação: pintura de história e a

Primeira República” 44, de Valéria Salgueiro; “Bandeirantes ao chão” 45 e “Pintura, história

e heróis no século XIX: Pedro Américo e Tiradentes Esquartejado”46, ambos de Maraliz

Christo.

O artigo, de Valéria Salgueiro, aborda a pintura histórica na Primeira República,

através dos trabalhos do pintor Antônio Parreiras em paredes de prédios públicos. O artigo

mostra como os temas representados estavam em consonância com a historiografia

brasileira, ambos voltados para a construção da nacionalidade, análise bem próxima da

que pretendemos fazer no decorrer desta pesquisa.

42
COLI, 2005, p. 11.
43
COLI, 1998a, p. 375.
44
SALGUEIRO, Valéria. A Primeira Missa revisitada os 500 anos. Estudos Ibero-Americanos, v. XXVI,
n°2, dez 2000. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.
45
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Bandeirantes ao chão. Estudos Históricos: Arte e História. Rio de
Janeiro: n° 30, 2002.
46
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Pintura, história e heróis no século XIX: Pedro Américo e
“Tiradentes Esquartejado”. São Paulo: IFCH/UNICAMP, 2005. [Tese de doutorado apresentada ao
Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas].

27
No artigo de Maraliz Christo sobre a tela de Bernardelli, a pintura histórica não é

abordada como uma das formas de se narrar a versão oficial do passado, produzida pelo

IHGB. Pelo contrário, a autora empenha-se em trilhar o caminho oposto, fazendo-nos

refletir como uma versão menos triunfalista dos bandeirantes, vai chocar-se com a

produção historiográfica do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, imbuído da

tarefa de criar uma imagem heróica para o aventureiro paulista. Analisando a forma como

as personagens foram representadas no quadro de Henrique Bernardelli, “Os

Bandeirantes”, de 1889, a autora defendeu que este possui uma mensagem condenatória à

violência empregada pelos bandeirantes contra os indígenas.

Já a sua tese sobre a tela de Pedro Américo, “Tiradentes Esquartejado”, nos

permite um passeio pela construção de uma memória acerca do episódio da Insurreição

Mineira, sobre as possíveis leituras do lugar do herói na tradição artística francesa, e,

principalmente sobre as possíveis armadilhas que a relação imagem/texto podem nos

trazer. Através da análise de várias telas de Pedro Américo, a autora afirma como

determinadas interpretações viciadas, canonizam essas imagens e impedem que as

interroguemos. As sugestões de Maraliz Christo e de Jorge Coli aliam-se para apontar os

os perigos de questionarmos essas telas tendo de antemão respostas pré-concebidas.

Acerca da bibliografia sobre o gênero de batalhas, convém chamar a atenção para o

artigo “Naked History”, de Susan Locke Siegfried47. Este trabalho traça um panorama das

pinturas de batalhas francesas através das obras de Lejeune e Gros, e, permite-nos

enquadrar as obras de Meireles e Américo na tradição artística de pintura militar.

Susan Siegfried afirma que somente após a Revolução Francesa, a cobrança por

narrativas pictóricas pautadas em pesquisa documental e em evidências empíricas passou a

47
SIEGFRIED, Susan Locke. Naked History: The rethoric of militar painting in post revolucionary France.
The art bulletin. v. LXXV, n. 2, junho, 1993.

28
ser uma exigência aos pintores de história. Desta forma, determinados procedimentos

advindos da ciência tornaram-se fundamentais para a execução destas telas.

Outro ponto importante a ser abordado nesse momento é a questão da bibliografia

sobre os artistas a serem analisados, suas obras e as exposições escolhidas como marcos

de delimitação dessa investigação. Como nosso trabalho será construído sobre as análises

das telas de batalhas de Vítor Meireles e Pedro Américo, apresentadas ao público nas

exposições de 1872 e 1879, torna-se imprescindível a menção de alguns estudos que se

ocupam desses pintores. O primeiro é o artigo de Mônica Cadorin, intitulado “A Pintura

Histórica de Vítor Meireles”48, no qual traça um panorama da trajetória do artista e suas

obras. O que mais nos chamou a atenção neste trabalho foi a análise de alguns dos quadros

que serão trabalhados nessa pesquisa. Suas sugestões sobre a tela “A Primeira Batalha dos

Guararapes” são muito pertinentes, pois segundo a autora, o pintor buscou representar a

união do povo brasileiro em torno de um sentimento nacional. Este olhar sobre o episódio

da invasão holandesa, foi construído no oitocentos através da produção historiográfica do

IHGB. A luta contra a invasão do elemento estrangeiro, o holandês, acabava por reforçar

os laços que ligavam as três etnias que compõem o Brasil, sendo interpretado por esta

tradição, como o primeiro momento de comunhão nacional da história brasileira.

Essa idéia de comunhão nacional estará presente em outros dois quadros do artista,

ocupados em retratar episódios da Guerra do Paraguai; são eles “Combate Naval de

Riachuelo” e “Passagem de Humaitá”. Essas telas, por tratarem de um assunto tão recente,

atingiam de maneira mais profunda a população, que ainda se recompunha das perdas

sofridas nessa guerra. Para a autora, Meireles procurou realçar a vitória do país na Guerra

e incitar o orgulho nacional, em detrimento de uma representação que abordasse a

violência e o horror da batalha. Cadorin frisa que embora a idéia de união esteja presente

48
CADORIN, Mônica de Almeida. A Pintura Histórica de Vítor Meirelles. In: Anais do Seminário EBA
180. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 1997.

29
na tela, ela é feita de maneira hierarquizada como é possível observar na distribuição

desses elementos no quadro. Sentimos falta de uma menção à produção do IHGB, que

desde 1847, quando Von Martius ganha o concurso “Como se deve escrever a História do

Brazil?”, ocupa-se dessa temática. É com o trabalho de Von Martius que pela primeira vez

a junção de três raças distintas em um mesmo território, impregna-se de uma

particularidade que lhe confere um sentido no plano das nações civilizadas, idéia anos

mais tarde reforçada pela obra de Francisco Adolfo Varnhagen.

Sobre Pedro Américo, iremos nos deter no livro de Liana Rosemberg, “Pedro

Américo e o olhar oitocentista”49, no qual compara de maneira muito sensível os ofícios do

historiador e do pintor histórico, pois realça o minucioso trabalho de pesquisa que há por

trás da confecção de uma tela desse gênero artístico. Ao tratar das telas “Batalha de

Campo Grande” e “A Batalha de Avahy”, Rosemberg preocupa-se em ressaltar a

importância da pintura histórica, enquanto construtora de um passado, narrativa legitimada

por uma extensa documentação pesquisada pelo artista para conferir ares de verdade à sua

obra. Pretendemos aliar os apontamentos da autora a um trabalho mais profundo de análise

das correntes historiográficas do Instituto Histórico e à elaboração de telas de pintura

histórica, levando em consideração as semelhanças e diferenças entre os ofícios do pintor

histórico e do historiador.

Grande parte dos trabalhos sobre a arte oitocentista recaem em análises de retratos

ou de cenas de gênero. Todavia, quando se dedicam às telas de batalhas, geralmente se

debruçam sobre os quadros de Américo e Meireles para tratar da “questão artística de

1879”. O objeto não é a narrativa sobre os eventos representados, mas as denúncias de

plágio acerca desses artistas. Ao escolhermos esse gênero artístico como objeto de nossa

pesquisa, foi nosso intuito resgatar o valor dessas pinturas como objeto de pesquisa não

49
ROSEMBERG, Op. Cit.

30
somente da história da arte, mas também dentro do projeto de construção de uma história

nacional, em curso durante o Segundo Reinado.

A memória nacional forjada em imagens

Os campos artístico e historiográfico alcançaram tal grau de autonomização que

são raros os profissionais que conseguem circular com desenvoltura nesses dois espaços.

O processo de especialização, intensificado no último século, dividiu em disciplinas

saberes que até então, não se reconheciam como distintos entre si. A autoridade conferida

ao especialista naturalizou um isolamento entre áreas de conhecimento que nem sempre

foram autônomas, como por exemplo, a arte e a história. Nesse sentido, articularemos os

conceitos de cultura histórica e regimes de historicidade para estabelecer a(s)

concepção(s) de história que circulariam entre as pinturas de história e o discurso

historiográfico do Instituto Histórico e definir o diálogo dessas duas produções.

A cultura histórica oitocentista possibilitou não só o surgimento da História como

disciplina, mas também a emergência de uma gama expressiva de produções que tinham o

passado como tema. A pintura histórica é um dos exemplos desse interesse, mas também

podemos mencionar os romances históricos e a arquitetura neoclássica. O interesse de uma

sociedade pelo passado e as diversas formas de experimentá-lo, significá-lo e representá-

lo, podem ser entendidos como cultura histórica50. No livro “As invenções da História”,

Stephen Bann aponta para a estreita ligação entre determinados saberes e a história como,

por exemplo, a medicina e o direito. O conceito de cultura histórica nos ajudará a

estabelecer o diálogo entre a arte e a história, ou seja, entre a pintura histórica e as

narrativas historiográficas. É certamente o espaço entre uma e outra que nos interessa

50
BANN, Stephen As invenções da história. Ensaios sobre a representação do passado. São Paulo: UNESP,
1994.

31
nessa pesquisa, ou seja, a apropriação dos métodos e discussões da história no campo da

arte.

Enquanto o conceito de cultura histórica corresponde à maneira de uma sociedade

se relacionar com o passado, a noção de regimes de historicidade tem um alcance mais

amplo. Segundo François Hartog51, os regimes de historicidade seriam os modos como

uma determinada sociedade articularia passado, presente e futuro, ou seja, sua relação

com o tempo. Uma sociedade constrói sua identidade na mediada em que significa a

passagem do tempo. É importante ressaltar que vários regimes de historicidade podem

coexistir num mesmo período e espaço. Por exemplo, a pintura de história pode ser

pensada como parte do regime moderno de historicidade52, pois se impregna de uma

perspectiva futurista, no qual a história obedeceria a uma lógica temporal progressista. Ou

seja, o passado seria a origem do atual estágio de desenvolvimento social e ao futuro

pertenceria o ápice da evolução, a completa realização do projeto civilizatório. Entretanto,

a pintura de história também se relaciona com o tempo de uma outra forma, uma vez que

entende esse passado como exemplo às futuras gerações. As telas de batalhas possuíam

uma função essencialmente didática e a história nessa perspectiva seria a única capaz de

alertar o homem sobre os erros e acertos de sua trajetória. Mais de um regime de

historicidade pode coexistir no tempo e no espaço. A pintura histórica possuía a missão de

educar seus espectadores por meio dos exemplos do passado, ao mesmo tempo que

inspirava valores morais necessários ao progresso da nação brasileira.

Com o passar dos anos, a pintura de história não perdeu sua importância simbólica

para a formação de uma identidade nacional, continuou a acompanhar a trajetória de várias

gerações de brasileiros. Seu significado foi reconstruído incessantemente nesse caminho.

51
HARTOG, François. Régimes d’historicité. Présentisme et experiences du temps. Paris: Seuil, 2003.
52
De acordo com Hartog, a queda do muro de Berlim teria marcado o fim de uma certa hegemonia do
regime moderno de historicidade, pois impossibilitou a uma perspectiva futurista da escrita da história, que
tornou não só o futuro, mas também o passado, imprevisíveis. Sendo assim, o novo regime de historicidade,
batizado como presentismo, expressa a atual “crise do tempo” (Idem, p. 11-30).

32
Essas imagens foram apropriadas e re-significadas através de outros meios como, por

exemplo, o livro didático e o cinema. No primeiro, muitas vezes, a pintura de história

toma contornos de verdade única e reforça o caráter unívoco do conhecimento histórico ali

transmitido. De acordo com Nora, um lugar nunca é dado, ele está sempre aberto a novas

significações, sendo incessantemente reformulado. Sobre isso:

Diferentemente de todos os objetos da história, os lugares de memória não têm


referentes na realidade. Ou melhor, eles são eles mesmos, seu próprio referente,
sinais que desenvolvem a si mesmos, sinais em estado puro. Não que tenham
conteúdo, presença física ou história: ao contrário. Mas o que os faz lugares de
memória é aquilo pelo que, exatamente, eles escapam da história. (...) Nesse
sentido, o lugar de memória é um lugar duplo: um excesso, fechado sobre si
mesmo, fechado sobre sua identidade; e recolhido sobre seu nome, mas
constantemente aberto sobre a extensão de suas significações53.

No caso do cinema, tomemos o exemplo do filme “Descobrimento do Brasil”

(1937), do diretor Humberto Mauro. Em artigo intitulado “Produção e formas de

circulação do tema do Descobrimento do Brasil”, Eduardo Morettin54 aponta como a

narrativa pictórica configurou-se como uma referência importante na produção do discurso

fílmico. Refere-se, no caso, às telas: “Desembarque de Cabral em Porto Seguro em 1500”

(c. 1900), “Nau Capitânea de Cabral (ou Índios a bordo da Capitânea de Cabral)” (s.d.),

ambas de Oscar Pereira da Silva, e, “Primeira Missa no Brasil”, de Vítor Meireles. Esta

última foi cuidadosamente reconstituída pelo diretor na tomada do filme que aborda a

celebração da primeira missa55. A apropriação desta pintura de história serviu para

imprimir à cena do filme o caráter canônico da imagem, transformada em representação

visual do fato e não em sua interpretação.

Estas imagens se eternizaram no imaginário com tal força que é quase impossível

pensar na missa realizada por ocasião do “Descobrimento”, sem nos remetermos

53
NORA, Pierre. Entre memória e história – a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: nº 10,
dezembro, 1993, p.27.
54
MORETTIN, E. V. Produção e formas de circulação do tema do Descobrimento do Brasil: uma análise de
seu percurso e do filme 'Descobrimento do Brasil' (1937), de Humberto Mauro. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 135-165, 2000.
55
Ver o fotograma da cena da primeira missa na página 127, no anexo dessa dissertação.

33
automaticamente à tela de Vítor Meireles. Esse gênero artístico busca envolver o

espectador em sua narrativa de tal forma que ele viesse a esquecer que se tratava de uma

representação do fato histórico e assumisse a posição de testemunha ocular do evento. A

circularidade destas imagens muitas vezes contribui para sua naturalização, uma vez que

esses discursos pictóricos, assim como a tradição historiográfica do IHGB, propunham-se

a narrar o que realmente aconteceu e não a buscar uma interpretação do passado, entre

tantas outras possíveis.

Tomar essa memória como questão é ao mesmo tempo problematizar nossa própria

identidade. O descentramento provocado pela experimentação do passado, conduz-nos a

uma forma de autoconhecimento. Segundo Nora:

Memória-espelho, dir-se-ia, se os espelhos não refletissem a própria imagem,


quando ao contrário, é a diferença que procuramos aí descobrir, e no espetáculo
dessa diferença, o brilhar repentino de uma identidade impossível de ser
encontrada. Não mais uma gênese, mas o deciframento do que somos à luz do que
não somos mais56.

A obra “Les lieux de mémoire”, organizada por Pierre Nora, teve seus volumes

publicados entre 1984 e 1993. No texto introdutório, Nora reflete sobre a “necessidade de

memória” que assola as sociedades contemporâneas. O fim das ideologias, a crise de uma

concepção universalista de história e a transformação da percepção histórica promovida

pela mídia, conduziu a sociedade moderna a uma nova lógica social, o presentismo. Esse

novo “regime de historicidade” trouxe à tona o incômodo sentimento de perda.

Esta sensação de perda tornaria a questão da memória um tema central na

contemporaneidade. A ânsia por memória estaria impressa na crescente demanda por

revistas, livros, filmes e reportagens relacionados às temáticas históricas, bem como na

preocupação com a preservação do patrimônio histórico57.

56
NORA, Op. Cit., p. 20)
57
Sobre essa questão, vale frisar que houve um deslocamento do conceito de “patrimônio” para outro bem
mais amplo, o de “bens culturais”, que inclui não só os bens de natureza material, mas também os
considerados imateriais (Cf: GONÇALVES, J. R. S. A Retórica da Perda. Rio de Janeiro: Editora da

34
Para François Hartog, “Les lieux de mémoire” torna-se ele mesmo um lugar de

memória, pois se configura como uma tentativa de saciar essa “necessidade de memória”

através de sua problematização. Ainda segundo Hartog, esta empreitada “accompagne la

vague mémorielle qui, depuis le milieu des annés 1970, s’est éstendue sur la France. Elle

l’a enregistrée, comme un sismographe, l’a réfléchie, comme un miroir, et a réfléchi sur

elle”58.

A história deveria ocupar-se dos “lugares ativos” da memória, aqueles que se

impõem como questão no presente. O conceito de lugares de memória coloca-se como

uma alternativa para a escrita de uma história nacional sem associá-la à tradição

historiográfica oitocentista. Distante de uma compreensão de história enquanto processo

evolutivo, Nora entende que é no presente que os objetos históricos ou os semióforos59 são

significados e é às necessidades do presente que eles respondem. Hartog resume a

proposta de Nora da seguinte forma: “On va bien du présent au présent, pour interroger le

moment présent”60.

Imagem e palavra

No século XIX, imagem e palavra ainda eram compreendidas em larga escala

como “meios transparentes através dos quais a realidade se apresentava à compreensão”61.

No caso específico dos textos, visuais ou verbais62, de cunho historiográfico, a relação

UFRJ/IPHAN, 2002; NORA, Op. Cit.). O debate global acerca da preservação dos bens intangíveis tornou-
se bastante expressivo, assim como o debate acerca do “patrimônio mundial”, o que aponta para a expansão
das políticas patrimoniais em todo o mundo. De acordo com arrolamento produzido pela UNESCO no ano
de 2000, os bens considerados patrimônios mundiais entre os anos de 1978 e 1984 chegavam a 183. Até o
ano de 1998 esse número alcançou o montante de 582 bens.
58
HARTOG, Op. Cit., p.114.
59
POMIAN, Krzyzstof. Colecções. In: ROMANO, Rugiero (dir.). Enciclopédia Einaudi (Memória-
História). Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984. v. 1.
60
HARTOG, Op. Cit., p. 155.
61
SANTAELLA, Lucia. Palavra, imagem & enigmas. Revista USP. Dossiê Palavra-Imagem, nº16, 1992-
1993, p. 37.
62
Os termos texto visual e texto verbal foram cunhados do artigo de mesmo nome, de Miriam Moreira Leite.
Cf: LEITE, M. L. M. Texto verbal e texto visual. In: FELDMAN-BIANCO, Bela & LEITE, Miriam M.

35
com a realidade é de caráter bem especifico, pois se ocupa do passado, ou seja, de

ausência. Os dois tipos de narrativa fundamentam-se em mecanismos de legitimação para

validar seu grau de fidelidade ao passado, amparam-se na documentação, na bibliografia,

nos testemunhos oculares e na própria dimensão da experiência para ratificar sua obra

como verdadeira. Segundo essa tradição, são os vestígios do passado, as fontes, que

tornam o seu resgate possível, tornando-o concreto, até mesmo palpável.

Partiremos da compreensão que nossas fontes de pesquisa – a pintura histórica, o

material de pesquisa consultado pelos artistas, a crítica de arte e os catálogos – podem

todos eles ser analisados como texto, cada um em sua especificidade. Acompanharemos

em diversos momentos dessa pesquisa como imagem e palavra se complementam na

tradição oitocentista. As palavras produzem imagens e as imagens constroem narrativas.

Durante muito tempo as imagens, tidas como instâncias menores em comparação à

escrita, acabaram circunscritas ao contexto artístico. Somente a partir da década de 70

estudos voltados para a hermenêutica, para a linguagem e para a semiótica nos mostraram

que o texto verbal, consagrado como a forma prioritária e mais confiável de expressão

ocidental e moderna, perdeu sua dimensão universal e imutável63. Não nutrimos mais a

crença de que imagens ou palavras podem nos restituir a realidade, ao contrário elas a

constroem, a transformam.

A crítica de arte, os catálogos e a própria pintura são elementos complementares

produzidos para serem lidos de maneira interdependente. Embora trabalhem com objetos e

linguagens essencialmente distintas, corroboravam uma com a outra, uma vez que são

produtos de instituições oficiais vinculadas ao projeto político do Império.

(orgs.). Desafios da Imagem. Fotografia, Iconografia e Vídeo nas Ciências Sócias. São Paulo: Papairus
Editora, 1998.
63
Cf: CHARTIER, R. A ordem dos livros. Brasília: Editora da UnB, 1994; FOUCAULT, M. O que é o
autor? Lisba: Editora Passagens, 1992. Idem. A ordem do discurso. São Paulo : Loyola, 1996. .

36
A relação entre imagem e a palavra acompanhará toda a trajetória de nosso

trabalho, seja a partir da comparação entre os textos dos catálogos das exposições e as

telas em questão, ou destas com a crítica de arte e com a bibliografia consultada pelos

artistas. Para apontar o grau de conformidade entre imagem e texto, buscamos identificar

alguns mecanismos utilizados pelos pintores para fazer referência à produção

historiográfica ou ao método de pesquisa do historiador. As formas de escrita de uma

história nacional serão analisadas a partir do entrecruzamento de dois campos distintos, a

arte e a história, dividindo-se em cinco etapas.

No primeiro capítulo, “As Exposições Gerais: espaços lúdicos e instâncias de

consagração”, analisamos o lugar ocupado pela exposição de arte no seio da sociedade

oitocentista, seu papel lúdico, sua função como controladora do conceito de arte e

consagradora de artistas e obras.

No segundo capitulo, “Entre empiricismo e idealismo”, o diálogo entre arte e

história não é mais visto no espaço das exposições de arte, mas no seio da própria

academia. O século XIX trouxe para o campo artístico a tensão entre duas concepções

diferentes quanto à função da arte: a obra de arte enquanto retrato da realidade ou como

superação da natureza. O embate dessas duas vertentes e os esforços dos artistas em se

adequaram a essas novas questões são nossos objetos de estudos nesse ponto da

investigação. As soluções para esses empasses, encontradas por Vitor Meirelles e Pedro

Américo, e os argumentos da crítica de arte acerca das pinturas desses artistas são nossos

focos de interesse.

Em “As marcas de enunciação na pintura histórica e na crítica de arte oitocentista”,

nosso objetivo é o de identificar e analisar as marcas de enunciação do gênero pintura

37
histórica64. As marcas de enunciação são os códigos utilizados ora pela crítica de arte, ora

pelo próprio artista para caracterizar a narrativa das telas como verdadeira, como por

exemplo a citação de informações conseguidas através de pesquisa na pintura ou a alusão

a textos científicos para legitimar determinada interpretação presente na imagem.

No último capítulo, “A pintura como objeto historiográfico”, abordamos o diálogo

entre arte e história como escritas historiográficas. Através das obras consultadas pelos

artistas e da produção do Instituto Histórico entre 1872 e 1879, acerca dos temas: a Guerra

do Paraguai e a Invasão Holandesa, buscamos perceber os entrecruzamentos e os

afastamentos desses dois saberes.

Durante toda a pesquisa identificamos e analisamos diversos procedimentos

utilizados pelos pintores históricos que advinham do campo da história, como o

arrolamento bibliográfico, o procedimentos de citações e a pesquisa com fontes primárias.

Entretanto, não encontrávamos nenhuma influência das pinturas de história no trabalho

dos historiadores, nenhuma menção à suas telas ou ao trabalho de pesquisa dos pintores.

Desta forma, optamos por investigar as primeiras referências dos historiadores às telas de

batalhas para tentar entender como essas imagens se vincularam tão estreitamente aos

fatos históricos representados que até hoje museus e livros didáticos encontram

dificuldades em romper com essa ligação.

Sendo assim, a influência da imagem sobre o texto será contemplada no final desta

dissertação como forma de conclusão. Somente no século XX, os livros didáticos passam

a trazer essas pinturas de história como parte de sua narrativa. Este gênero artístico que

tinha como um de seus principais objetivos retratar o passado como realmente aconteceu,

64
O termo “marcas de enunciação” foi criado por François Hartog, com o intuito de identificar os
mecanismos usados pelos primeiros historiadores para validarem seu conhecimento. Cf: HARTOG,
François. O Espelho de Heródoto. Ensaio sobre a representação do outro. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

38
acabava sendo tratado nesses livros como vestígios desses eventos históricos que

pretendiam representar65.

A análise do diálogo entre diferentes objetos historiográficos66 abrirá novos

horizontes sobre as concepções de história do XIX. O diálogo entre arte e história é o

ponto central de nossa pesquisa. Entrecruzando textos e imagens buscamos dar textura à

natureza dessa relação.

65
É comum encontrar, ainda hoje, livros didáticos que reproduzam pinturas históricas nos capítulos que
tratem de seus temas e não na parte que aborde o período de sua produção. Além disso, muitas delas não
vêem acompanhadas de legendas que identifiquem seu autor ou a data de sua confecção, corroborando para
a sua identificação direta com o passado que apenas representam.
66
Entendemos que o nosso objeto de estudo – pintura histórica – é por excelência um objeto historiográfico,
pois o termo “historiografia” não designa apenas textos acadêmicos dedicados à história, ele qualifica
qualquer artefato que tenha o passado como questão. Ou seja, um filme que trate da sociedade de corte
francesa é uma obra historiográfica, a nossa moeda de dez centavos também, pois alude ao episódio da
Independência do Brasil.

39
CAPÍTULO 1.

AS EXPOSIÇÕES GERAIS DA ACADEMIA IMPERIAL:

ESPAÇOS LÚDICOS E INSTÂNCIAS DE CONSAGRAÇÃO

Quem sabe desses infantis visitantes guardarão tão profunda impressão do que ali
observaram, que ainda um dia virão por ele atraídos fazer parte de nossa
comunhão nacional?67

A década de 90 marcou a consolidação de uma nova linguagem nas exposições de

artes plásticas no Brasil: as mega-exposições. As leis de incentivo cultural modificaram a

estrutura do mercado artístico brasileiro, já que as empresas privadas foram estimuladas a

patrocinar projetos culturais a fim de obter isenção do pagamento de impostos. Desta

forma, a arte tornava-se um negócio lucrativo às grandes corporações. As mega-

exposições trouxeram para os museus um novo público, até então indiferente ao circuito

de artes plásticas68.

Há 14 anos atrás, a imprensa registrou o que imaginava ser o maior sucesso de

público da história das exposições de arte no Brasil. As mostras simultâneas “Eco-92” e

“Viva o povo Brasileiro” atraíram aos salões do Museu de Arte Moderna (MAM) 147 mil

visitantes, em 45 dias69.

No ano de 1995, este suposto recorde foi suplantado pela exibição das obras de

Rodin, no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA). A fila para entrar na exposição

dobrava a esquina do museu, pessoas aguardavam até uma hora de espera para apreciar as

peças do escultor francês. A exposição recebeu em torno de 226 mil pessoas70.

67
VÍTOR MEIRELES Apud ROSA, Ângelo P. R; MELLO JR, Donato & PEIXOTO, Elza R. et al. Victor
Meirelles de Lima - 1832/1902. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982, p. 109.
68
Ver: Quadro de referência 1 com as principais exposições no Brasil a partir de 1986 que se encontra no
anexo desta dissertação, na página 121.
69
CÔRTES, C. O filão de Rodin. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 maio. 1995. Caderno B, p. 48.
70
MATTA, D. O Rio dá adeus à arte de Rodin. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 maio. 1995. Cidade, p.
16; Mostra de Rodin segue para SP. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 maio. 1995. Cidade, p. 19.

40
A partir daí, os recordes de público foram aumentando ano a ano71. Um acirrado

debate sobre a função social dessas mega-exposições foi avolumando-se. Alguns

afirmavam que a entrada do grande público nos museus estreitaria os laços entre arte e

sociedade, consequentemente o espaço museológico deixaria de ser exclusividade de uma

elite. Outros criticavam a falta de diálogo entre público e obra, uma vez que os visitantes

sem familiaridade com o campo artístico não construiriam nenhuma reflexão crítica sobre

as obras observadas, somente reforçariam o abismo entre a linguagem artística e o

espectador72. A polêmica avolumou-se com o novo milênio, outras grandes exposições

foram e estão sendo organizadas.

As leis de incentivo cultural associadas a altos investimentos em marketing são

explicações comuns para os sucessivos recordes de público nas exposições de arte. Mas

como interpretar tal fenômeno no século XIX, período anterior ao surgimento do rádio e

da televisão? O que atrairia o grande público às mostras de artes plásticas no XIX?

Recuemos mais de cem anos no tempo. Nos anos de 1872 e de 1879, a Academia

Imperial de Belas Artes abriu seus portões para duas exposições que marcaram a trajetória

dos eventos museológicos no Brasil até hoje. A Exposição de 1872 foi a primeira a

apresentar números significativos de visitação do público. As telas “Passagem de

Humaitá”, “Combate Naval de Riachuelo”, ambas de Vítor Meireles, e “Batalha de

Campo Grande”, de Pedro Américo, causaram tamanha curiosidade que atraíram um total

de 63.949 pessoas à exposição, sendo prorrogada graças ao interesse da população. Seu

público superou mais de cinco vezes o número de visitantes da mostra “Picasso”, no Paço

71
Ver quadro de referência 1, na página 121.
72
Sobre esse assunto é interessante conferir a entrevista de uma aluna do ensino médio sobre suas
impressões da 25ª Bienal de São Paulo, em 2002, que contou com o público recorde de 668.428 visitantes:
“A arte aqui é mais reflexiva e não como os quadros do Monet, por exemplo, que são mais contemplativos”,
diz também que gostou da exposição, mas que gosta mesmo é de arte acadêmica: “Quanto mais acadêmico
melhor, mas adorei a Bienal porque consegui encaixar perfeitamente as idéias dos artistas no meu cotidiano,
na minha vida”. Cf: CAMPOS, Antonia Junqueira Malta. 25ª Bienal de São Paulo: Arte Esquizofrênica.
Análise sobre repercussão da mostra em seu público e a função social do evento. Disponível em:
http://intra.vila.com.br/sites_2002a/urbana/antonia/apresentacao.html. Acesso em: 30 de janeiro de 2006.

41
Imperial, em 198673. Além do expressivo público, o ano de 1872 também foi marcante

pelo número de artistas brasileiros inscritos que superou com larga diferença a de

estrangeiros (47 inscritos/7 estrangeiros)74.

Mesmo com tamanha expressão, a Exposição Geral de 1872 parece apagar-se em

termos de público quando comparada ao sucesso de sua vigésima quinta edição no ano de

1879. Durante os sessenta e dois dias em que esteve aberta, a Exposição Geral de 1879 foi

objeto de polêmica nos jornais, de conversas acaloradas em cafés e em casas de toda a

corte. A apresentação fez circular no interior da academia 292.296 visitantes75, número

impressionante se comparado ao público das mostras de arte mais recentes. A Exposição

Geral de 1879 ficou marcada pelo clima de rivalidade entre as telas de batalhas de Pedro

Américo e Vítor Meireles – “A Batalha de Avahy” e “A Primeira Batalha dos Guararapes”

– colocadas lado a lado na ocasião. A polêmica, que a princípio ocupou-se em vangloriar o

talento de um ou de outro, acabou por ficar famosa pelas acusações de plágio feitas a

ambos, conhecida como “Questão Artística de 1879”. Praticamente todos os periódicos da

época trataram do assunto, como por exemplo: “O Jornal do Comércio”, “O Mequetrefe”,

“O Cruzeiro”, “Revista Ilustrada”, “A Gazeta de Notícias”, entre outros.

Se retomarmos aos números das exposições “Eco-92” e “Viva o povo Brasileiro”

exibidas simultaneamente no MAM, durante o ano de 1992, veremos que o público do

Salão de 1879 superou-as em 145.296 visitantes. Mesmo se levarmos em conta que a

exposição da academia durou um período maior, ainda sim a média diária de visitação à

73
Ver quadro de referência 1, página 121.
74
Até então as exposições foram marcadas pela presença dos artistas estrangeiros, estes superavam o
número de brasileiros inscritos. Podemos citar como exemplos duas exposições: a que aconteceu no ano de
1859, também marcada pela afluência de estrangeiros, onde o número de inscritos chegava a marca de 94
artistas, destes, 68 eram estrangeiros. Em 1879, o número de artistas brasileiros também superou o total de
estrangeiros como em 1872, dos 118 inscritos, somente 27 eram estrangeiros. Cf.: FERNANDES, Op. Cit..
75
ATAS da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia Imperial de Belas Artes em 17 de dezembro de
1884, p. 11- frente e verso. Arquivos do Museu Dom João VI – EBA/UFRJ.

42
AIBA foi superior ao MAM. Enquanto o Museu de Arte Moderna recebeu diariamente

3.267 visitantes, a Academia Imperial atraiu por dia 4.224 pessoas76.

O mesmo acontece se compararmos a exposição da AIBA, em 1879, com a do

Museu de Belas Artes, em 1995. A mostra “Rodin”, no MNBA, considerada na época o

recorde de público da história dos eventos de arte no Brasil, precisaria, para merecer tal

título, ter recebido mais 66.180 pessoas para ultrapassar a bilheteria da 25ª Exposição

Geral de Belas Artes. Número que excede o total de visitantes do MNBA durante todo ano

de 1994, que foi de 63.526 pessoas77.

Vamos tomar agora uma exposição que tenha ultrapassado em larga escala o

público da Academia Imperial em 1879. O último evento de grandes dimensões do

circuito artístico foi “Por ti América”, que reuniu 350 peças oriundas de onze museus e

instituições da América Latina, expostas no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), do

Rio de Janeiro, entre outubro de 2005 e janeiro de 2006. Em 111 dias, “Por ti América”

atraiu 777.572 pessoas, bem mais que o dobro do público do Salão de 187978. Convém

fazer uma ressalva, o número de visitantes da exposição da Academia Imperial

correspondia ao equivalente à população da cidade do Rio de Janeiro no mesmo período79.

Quantas mega-exposições contemporâneas podem se vangloriar do mesmo? Segundo

76
Ver: Quadro de referência 2 com as principais exposições do Rio de Janeiro acompanhadas da estimativa
diária de público, encontrado no anexo desta dissertação, na página 122.
77
MATTA, D. O Rio dá adeus à arte de Rodin. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 maio. 1995. Cidade, p.
16; Mostra de Rodin segue para SP. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 maio. 1995. Cidade, p. 19.
78
CCBB Rio: Últimos dias da mostra "Por Ti América". Notícias do CCBB, Rio de Janeiro, 26 jan. 2006.
Disponível em: http://www.bb.com.br/appbb/portal/bb/ctr/ntca/noticia.jsp?Noticia.codigo=149535. Acesso
em: 30 jan. 2006
79
Ana Maria Tavares Cavalcanti aponta que “segundo dados do IBGE, a população residente no Município
do Rio de Janeiro, em 1872, era de 274.972 habitantes; e em 1906, 522.651 habitantes”. Rafael Denis é
mais incisivo e afirma que a população do Rio de Janeiro em 1879 chegava a 300.000 habitantes, embora
não indique a documentação na qual se baseou para tal conclusão. De qualquer forma, mesmo que esse
montante não chegasse precisamente aos 300.000 habitantes, baseado nos dados do IBGE, a população
ficava entre 274.972 e 522.651 habitantes, o que comparado ao número de visitantes da Exposição de 1879
continua a causar surpresa. Cf: CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. A relação entre o público e a arte nas
Exposições Gerais da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. Anais
do XXIII Colóquio de História da Arte. Rio de Janeiro: CHBA/UERJ/UFRJ, 2004, p.58; DENIS, Op. Cit,
p. 210.

43
dados do IBGE, a população estimada em 2005 para a cidade do Rio de Janeiro foi de

6.094.183 pessoas, mais de sete vezes o público de “Por ti América”80.

Voltamos então a nossa pergunta inicial: quais são os motivos que atraíram um

contingente tão expressivo de pessoas às exposições gerais de 1872 e 1879? Sabemos que

tamanha freqüência não era comum nos demais salões da AIBA, o público de 1879

ultrapassou em até quatorze vezes a Exposição Geral de 188481. Sendo assim, como

explicar números tão significativos?

1.1. A sedução da imagem

Um dos fatores que servem como explicação para tamanho sucesso é a função lúdica

das exposições em uma sociedade que ainda não era bombardeada por uma cultura visual

tão intensa como a nossa. Basta mencionarmos, como exemplo, os próprios catálogos das

Exposições Gerais que até o ano de 1884 não traziam as imagens das obras em exibição82,

algo impensável nos dias atuais. As artes visuais tornavam-se uma grande atração, pois

mexiam com a imaginação de um público que não estava acostumado ao domínio da

imagem.

A historiadora da arte Ana Maria Cavalcanti, através da análise de anúncios de

jornais e da literatura do período, chama a atenção para o gosto do público carioca pelos

espetáculos óticos, eventos que brincavam com a imaginação dos visitantes. Tanto nas

Exposições Gerais quanto em outros acontecimentos que ocorriam na cidade, o intuito de

seus organizadores e artistas era seduzir o público.

80
Esses dados correspondem a população estimada para 2005 até 01.07.2005. Disponível em:
www.ibge.gov.br Acesso em: 29 de janeiro de 2006.
81
A Exposição Geral de 1872 registrou a visita de 63.949 pessoas, enquanto o Salão de 1884, o último da
trajetória da Academia Imperial, recebeu 20.154 visitantes. Cf: ATAS da Sessão do Corpo Acadêmico da
Academia Imperial de Belas Artes em 17 de dezembro de 1884, p. 11- frente e verso. Arquivos do Museu
Dom João VI – EBA/UFRJ; ROSEMBERG, Lilia Ruth Bergstein. Pedro Américo e o olhar oitocentista
Rio de Janeiro: Barroso Edições, 2002, p. 24.
82
O primeiro catálogo ilustrado foi publicado no ano de 1884, graças à iniciativa do belga Laurent De
Wilde, bastante ligado ao pintor Johann Grimm. Essa foi uma das últimas exposições da Academia Imperial
antes de sua reformulação, sofrida com o advento da República.

44
No caso dos pintores de história a escolha do tema era parte fundamental nesse

processo de sedução. Atualmente, estamos acostumados a um tipo de disposição

museográfica que zela pela apreciação de cada obra individualmente, onde a iluminação e

a distância entre as peças são fundamentais para a fruição de um objeto artístico.

Entretanto, no século XIX, essas não eram questões para os organizadores de uma mostra

de arte, várias telas eram dispostas lado a lado de um extremo a outro de uma parede83.

Nesse sentido é que podemos entender a importância da escolha de um assunto que

chamasse atenção, que se destacasse entre tantas outras peças. Por exemplo, em 1872, o

Ministro do Império João Alfredo Correia de Oliveira acordou com Pedro Américo a

execução de um quadro sobre a primeira batalha nos Montes Guararapes. Algum tempo

depois, o artista informou ao ministro que não executaria aquele tema, mas um episódio

mais recente da história nacional: a Guerra do Paraguai. Provavelmente, a opção por um

tema vivo na memória dos espectadores garantiria mais facilmente a identificação entre o

observador e a cena retratada, atraindo a empatia do público e da crítica.

A exposição de cosmoramas, panoramas, ou mesmo, figuras de cera também atraiam

a atenção do público84. Assim como as telas de pintura histórica, os panoramas eram

executados e dispostos de forma que os seus observadores se sentissem inseridos na

paisagem representada. A ilusão era parte fundamental da ligação entre o público a as

obras, a sensação de experimentar um período ou um lugar era um dos maiores atrativos

desses eventos, porém não o único.

Um dos exemplos selecionados por Ana Cavalcanti para pensar os elementos que

atraíam a população do Rio de Janeiro às Exposições de Belas Artes da AIBA, foi o

anúncio de um espetáculo intitulado “Grandioso Museu de Bellas-Artes de Mme. Perony”,

publicado na Gazeta de Notícias em 17 de novembro de 1875. Tal anúncio também nos

83
No anexo desta dissertação, na página 128, encontra-se uma charge de Ângelo Agostini sobre a Exposição
Geral de 1884, onde podemos observar como seria a disposição das telas das mostras de arte do século XIX.
84
CAVALCANTI, Op. Cit..

45
ajudará a refletir sobre outros fatores que influíram na significativa afluência de público às

Exposições Gerais da AIBA.

8, Largo de S. Francisco de Paula, 8


Grandioso Museu de Bellas-Artes de Mme Perony
Inauguração
Quinta-feira, 18 de novembro de 1875.
A diretora tem a honra de prevenir ao respeitável público fluminense, que depois
de percorrer as principais cidades da Europa e da América, onde sempre obteve
benévolo acolhimento, resolveu demorar-se nesta cidade, montando o seu nunca
visto museu de bellas artes, no lugar acima; e convida este público ilustrado e
sempre ávido de novidades a visitá-lo, a fim de admirar o que de mais belo se há
visto em uma sorte de divertimento verdadeiramente novo nesta capital.
Em seu museu – organizado com o mesmo esmero, asseio e moralidade, que
tantos elogios há sempre merecido – encontrará o público fluminense ocasião de
admirar QUADROS VIVOS de assuntos históricos e religiosos, copiados de
grandes mestres da escola clássica e exibidos sob a direção do célebre artista Sr.
Keller, contratado expressamente para este fim com sua família; FIGURAS DE
CERA de tamanho natural, e em sua maioria constando de assuntos bíblicos;
PANTOMIMAS com transformações mágicas; CENAS MÍMICAS, patrióticas e
dramáticas; EXPERIÊNCIAS ELÉTRICAS E MAGNÉTICAS; e a alta novidade
e grande sucesso da CABEÇA QUE CANTA OU O REMORSO DE BARBE-
BLEUE
Exposição de figuras de cera e experiências de luz mágica, das 10 horas da manhã
às 5 da tarde; preço de entrada, 500 rs. por pessoa.
A mesma exposição com exibição de Quadros Vivos, Pantomimas, Cenas, etc.,
das 6 às 11 horas da noite, preço da entrada 15 por pessoa.
As famílias que trouxerem em sua companhia crianças, se fará diferença no preço
da entrada.85

Experiências elétricas, a cabeça que canta, os bonecos de cera ao lado de quadros

vivos inspirados em temas históricos, nos fazem pensar até que ponto as Exposições

Gerais assim como o “Grandioso Museu de Mme. Perony” não faziam parte de eventos

dedicados ao divertimento da população.

“Quadros vivos de assuntos históricos e religiosos, copiados de grandes mestres da

escola clássica”, remetem-nos automaticamente ao gênero pintura histórica. O jogo lúdico

que transmite aos observadores da tela “Batalha do Avaí” a sensação de ser testemunha

ocular deste acontecimento, permite também que outras formas de experimentação desse

passado sejam criadas. Os quadros vivos, tal qual as pinturas de história, possibilitam que

seus apreciadores vivenciem momentos históricos sem a distância imposta pela barreira do

tempo e do espaço. Essas obras acabam assumindo a função de um semióforo quando em

85
Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1875, p.4, grifos nossos.

46
contato com o público, pois estabelecem a mediação entre o visível e o invisível86 e

garantiam, assim, o diálogo entre o passado e o presente. As pinturas de história e os

quadros vivos constroem e legitimam uma representação do passado e assumem a própria

dimensão do invisível87. Enquanto semióforos, essas obras são re-significadas a cada

contato com o público, seu compromisso é essencialmente com o presente, com o

momento em que são produzidos e/ou significados.

A possibilidade de ver um fato histórico como se uma janela no tempo fosse aberta,

experiência próxima ao que hoje conhecemos com o cinema, sem dúvida fascinou os

visitantes das Exposições Gerais e do espetáculo de Madame Perony. E até hoje causa

encantamento aos visitantes do Museu Nacional de Belas Artes, ao se depararem com as

telas “Batalha dos Guararapes” e “Batalha do Avaí” colocadas lado a lado na Galeria

Nacional desta instituição. Observemos o que diz Affonso Albuquerque Mello, em artigo

publicado no Jornal do Commércio, do dia 06 de outubro de 1877, sobre o quadro “A

Batalha do Avahy”:

Oh! quanto estou arrependido!... porque não é um quadro, não é uma pintura o que
vi: é uma ação, um campo de batalha com todos os seus horrores, para quem
nunca viu o campo, para quem só tem lido as descrições militares desses episódios
tremendos da história humana.
Oh! sim!... Tenho visto, nos livros, batalhas, combates sem contas, muitas vezes
com as descrições mais vivas, que se tem dado desde os primeiros dias da
humanidade até hoje, mas nunca vira o sangue vivo a correr os olhos chamejantes,
o ferro brandindo e cortando, as faces contraídas, os peitos arquejantes, por cima
dos feridos os cadáveres, as contorções da morte abrigadas pelo desprezo ou pelas
patas dos cavalos... nunca vira tudo isto vivo, como desta vez!
(...) Na verdade, (nem sou, nem seria preciso dizê-lo; artista nem poeta; mas sofro
de todos estes sofrimentos e vi comigo sofrer muita gente), na verdade deve ser
grande a glória do artista que teve o poder de produzir tão dolorosas impressões
com a sua pintura tão viva como a realidade; mas o bem que tantos desejam que
dai resultasse não será efeito ainda daqui a muitas gerações.
Um aviso aos leitores:

86
Segundo Pomian pode-se entender o invisível como aquilo que está muito longe no espaço e no tempo ou,
ainda, fora de seu fluxo temporal, ou seja, na eternidade. Desta forma, o semióforo propicia o diálogo entre
diferentes tempos e espaços, realidades diversas. POMIAN, Op. Cit, p. 67.
87
Nesse sentido, Pomian se distancia de uma concepção que separa o objeto da idéia que o constitui, uma
vez que os compreende como instâncias inseparáveis. POMIAN, Op. Cit.

47
- Quem não quiser sofrer como eu, não veja o quadro do Sr. Pedro Américo88.

Por ocasião de sua exposição, em 1872, a tela “Combate Naval de Riachuelo”, de

Meireles, também impressionou por suas dimensões e causou em seus observadores a

sensação de estarem assistindo a batalha.

A realidade salta aos olhos, tanto ele soube imitar a natureza e tratar o seu assunto
com consciência e maestria.
Eis ali o grande drama de 11 de junho, representado com toda a sua majestade e
em todo o seu horrido esplendor! O espectador assiste a batalha e contempla
assombrado as diversas peripécias do triunfo de nossas armas.
Ante seus olhos desenrola-se o vasto panorama do teatro daquela ação, onde
manobram duas esquadras, que movem-se desordenadamente na luta encarniçada
de um combate gigantesco, e mau grado a enorme massa do fumo de tantos
canhões, não se perde um detalhe, um acessório, uma minuciosidade89.

A conexão entre a sensação causada diante de uma pintura histórica de grandes

dimensões e aquela sentida nos cinemas tampouco escapou à curadoria da exposição

“Expansão, Ordem e Defesa”, presente no Museu Histórico Nacional (MHN) desde 1994.

Tratado como um filme épico, a tela “Combate Naval de Riachuelo”, que mede 460 cm de

largura e 820 cm de comprimento, ocupa sozinha uma das salas do museu. Montada com o

propósito de brincar com a imaginação dos visitantes, a sala possui uma arquibancada

onde o observador pode sentar-se e apreciar a tela como se estivesse em um cinema. Por

ocasião de sua inauguração, ao lado do quadro eram exibidas imagens de alguns detalhes

da pintura, registradas pelo cineasta Silvio Tendler90. A arquibancada, a pouca iluminação

e a exibição dessas imagens dava uma idéia de movimento e aguçava ainda mais a

88
MELLO, Affonso de Albuquerque Mello. O quadro do Sr. Pedro Américo. Jornal do Commercio, dia 6
de outubro de 1877, p. 02.
89
SAMPAIO, João Zeferino Rangel de. Combate Naval de Riachuelo. História e Arte. Quadro de Vítor
Meireles. Notas para os visitantes da exposição. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1883, p.24.
90
Silvio Tendler possui licenciatura em História pela Universidade de Paris, mestrado em Cinema e História
pela École des Hautes-Études da Sorbonne e especialização em Cinema Documental aplicado às Ciências
Sociais no Musée Guimet, da mesma universidade. Entre os filmes que dirigiu encontram-se: “Os Anos JK,
Uma Trajetória Política” (1980), “Jango” (1984), “Glauber o Filme, Labirinto do Brasil” (2003) e “JK: O
menino que sonhou um país” (2002).

48
imaginação do público. Hoje, o vídeo não faz mais parte da exposição, mas ainda é

possível apreciar a tela de Meireles como se estivéssemos diante de um filme de guerra91.

Entretanto, não podemos somente destacar o caráter lúdico das Exposições Gerais, a

sedução conseguida através da ilusão servia a outros fins como, por exemplo, o

pedagógico.

1.2. A exposição como lugar de consagração

O Salon realizado pela Societé des Artistes Français foi aberto pela primeira vez

em 1667, em Paris, passando a acontecer anualmente. Essa exposição era organizada sob o

patrocínio e controle do ministro das finanças de Louis XIV, Coulbert, sendo organizada

no Louvre com o intuito de expor as obras dos artistas da Académie Royale de Peinture et

de Sculpture 92. Durante o século XIX, cabia à academia definir o que era arte e quem eram

os artistas, sendo o espaço das exposições de arte a consagração dos parâmetros

estabelecidos no seio da instituição. Segundo Bourdieu,

Esse papel de banco central foi representado, até meados do século XIX, pela
Academia, detentora do monopólio da definição legítima da arte e do artista, do
nomos, princípio de visão e de divisão legítima, que permite fazer distinção entre
arte e não arte, entre os verdadeiros artistas, dignos de serem pública e
oficialmente expostos, e os outros, devolvidos ao nada pela recusa do júri93.

Expor essas obras ao público possibilita a criação de um consenso entre o que é

visível e o que é invisível 94, através da circulação dos códigos de significação dessas

obras95. Nesse sentido, a pintura histórica assumiu uma postura singular, pois sua função

era essencialmente didática: “O artista tem como missão narrar a história às pessoas que

91
Infelizmente não conseguimos maiores informações ou registros sobre o curta de Silvio Tendler no Museu
Histórico Nacional, até a conclusão desta dissertação.
92
Cf: Como apreciar a arte. In: As belas artes. Enciclopédia de Pintura, Desenho, Escultura. Porto
Publicações e Artes Gráficas, 199 7, v. 10, p. 228.
93
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. Gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das
Letras, 1966, p. 260.
94
POMIAN, Op. Cit.
95
LEENHARDT, Jacques. Recepção da obra de arte. In. DUFRENNE, Mikel (org.). A Estética e as
Ciências da Arte. Lisboa: Livraria Bertrand, 1982. v. II.

49
não fazem parte de confrarias literárias, e que muitas vezes nem sabem ler”96. Essas telas

eram produzidas com a tarefa de criar uma memória nacional oficial, que inventasse e

fortalecesse uma identidade por meio da instituição de uma história comum. Segundo

Walter Luiz Pereira,

(...) este ritual [o das Exposições Gerais de 1872 e de 1879] implica na formação
de uma cultura visual estabelecida pela educação do olhar sobre a história, no
intuito de fazer uma leitura do passado para a promoção do civismo e da idéia de
nação97.

Os quadros históricos estavam em consonância com a narrativa da história nacional

escrita pelo Instituto Histórico, seus pintores não só se pautavam na produção dessa casa

para criar sua obra, como também se guiavam pelos próprios métodos de pesquisa usados

na disciplina história para realizá-las. Essas imagens além de se inserirem no projeto de

construção de memória nacional instituído no Segundo Reinado e conduzido pelo IHGB,

também traziam consigo a marca da verdade devido aos métodos científicos que as

balizaram. Estas telas mais do que consolidar a construção de um passado acabam

tornando-se elas mesmas uma janela para essa história.

Sendo assim, a pintura histórica marcou sua autoridade por meio da investigação

científica e distanciou-se de categorias como imaginação, carregadas nesse momento de

uma conotação negativa. Os pintores de história buscavam representar “o que realmente

aconteceu” e deveriam, portanto, afastar-se de tudo que pudesse falsear ou camuflar esse

passado. O pintor deveria permear todo seu trabalho por uma minuciosa pesquisa histórica

e atenta observação, pois seriam elas as responsáveis por resgatar e provar a existência do

fato que se desejava retratar, o que garantia sua legitimidade. De nada adiantariam todos

os estudos de anatomia e de claro-escuro, caso na representação de um grande momento

96
SQUEFF, Letícia Coelho. Entre a nação e a civilização – sobre a idéia de arte em Araújo Porto-Alegre.
Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro: vol. 30 (1998), Museu Histórico Nacional, 1998, p.
209.
97
PEREIRA, W. L. Óleo sobre tela, olhos para a história. Memória e pintura histórica nas Exposições
Gerais de Belas Artes do Brasil Império (1872 e 1879). Niterói: Universidade Federal Fluminense: 2003.
(Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História), p. 19.

50
da história nacional, o artista não vestisse os personagens com a roupa da época ou não

reconstituísse o ambiente o mais fidedignamente possível98. As fontes tornavam-se o

refúgio do artista.

Mais importante do que a observação do lugar onde o evento ocorreu, o

levantamento de depoimentos e a coleta de documentos, a análise da produção

historiográfica ocupava um lugar fundamental no processo de criação da tela. Como órgão

oficial responsável pela construção de uma memória nacional através da elaboração de

uma história, o IHGB funcionava como uma instância de controle social. Qualquer outra

visão que não a oficial, não encontrava espaço para florescer. Nesse sentido, a AIBA

também atuava como um mecanismo de controle e recompensa, na medida em que através

das Exposições Gerais selecionava aquilo que poderia ou não ser digno de apreciação do

monarca e outras autoridades. Justamente por serem instituições vinculadas ao Estado

Imperial e responsáveis pela elaboração de uma memória nacional, a AIBA e o IHGB

acabaram mantendo um estreito diálogo entre suas produções.

Ser fiel ao fato histórico e transmitir a partir dele uma lição, duas tarefas

fundamentais deste gênero artístico e que parecem tão bem se encaixar no projeto

civilizatório oitocentista, acabaram mostrando-se muitas vezes missões antagônicas. Como

ser leal ao passado e ao mesmo idealizá-lo para que cumpra sua tarefa civilizatória? Estava

posta assim a questão que tanto Pedro Américo quanto Vítor Meireles tentavam solucionar

ora partindo da tradição pictórica, ora da tradição historiográfica, ora do diálogo entre

ambas.

98
Podemos citar como exemplo dessa cobrança por verdade histórica, a crítica de Gonzaga Duque Estrada à
tela “Batalha de Avahy’, de Pedro Américo, onde o acusa de ter retratado habitantes da localidade no
conflito, numa região onde não havia moradores. Cf: DUQUE-ESTRADA. Arte Brasileira. Rio de Janeiro:
II. Lombaerts & Co., 1888, p. 120.

51
CAPÍTULO 2

ENTRE O EMPIRICISMO E A IDEALIZAÇÃO

As telas “A Primeira Batalha dos Guararapes”, de Vítor Meireles, e, “Batalha do

Avaí” foram protagonistas de uma das maiores polêmicas na trajetória das exposições de

arte no Brasil. Acusaram, ora uma, ora outra, de infidelidade ao fato histórico e/ou de

idealizar os combates representados, destituindo-os de emoção. A busca pela precisão

histórica começava a tornar-se uma exigência para os pintores no meio acadêmico.

Todavia, a idealização dos temas era, desde o Renascimento, uma condição para a

existência do gênero de pintura de história enquanto inspirador de elevados valores.

Portanto, as escolhas destes artistas devem ser inseridas num momento de reformulações

teóricas no campo acadêmico. Tais mudanças envolviam um intenso debate no qual a

função que a pintura histórica deveria assumir era o foco principal.

Esta discussão não se restringia ao ambiente acadêmico brasileiro, tomando a

crítica de arte francesa ou mesmo de outros países da América Latina podemos observar

um acirrado debate sobre a função didática da arte, acerca do valor do realismo na pintura

ou da importância à observação das leis acadêmicas99. No caso da França, em especial,

esta polêmica foi motivada pelo embate entre impressionistas e acadêmicos,

principalmente após a Exposição Universal de 1855, ocasião em que Courbet expôs suas

obras em um salão particular denominado “Réalisme”. Críticos como Paul Mantz

defendiam a subserviência da arte ao que ele denominava de “regras estéticas eternas”,

como proporção, harmonia e composição. Mantz rejeitava o realismo puro que deixava à

99
BAUDELAIRE, CASTAGNARY, DURANTY et alii. La Promenade du critique influent, anthologie
de la critique d’art en France 1850-1900. Paris: Hazan, 1990; COSTA, Laura Malosetti. Introducción. In:
Los primeros modernos. Arte y sociedad en Buenos Aires a fines del siglo XIX. Buenos Aires: Fondo de
Cultura Econômica de Argentina, 2001; PRAMPOLINI, Ida Rodríguez. Introducción. In: La crítica de arte
en México en el siglo XIX. México: Universidad Nacional Autónoma de México / Instituto de
Investigaciones Estéticas, 1997.

52
margem a idealização, a idéia, essencial para a transmissão de um conceito100. Outros

críticos como Edmond e Jules Goncourt, defendiam o realismo como único caminho para

a arte: “Non, À la plume l’idéal; au pincel lê réel!”101. Para os irmãos Goncourt a arte era

aristocrática por excelência e a crença em sua função didática, apenas uma ilusão.

Porém, em fins do século XIX, o potencial pedagógico das atividades artísticas

pareceu ser o centro das preocupações nos países latinos, como por exemplo, na

Argentina. A Sociedad Estímulo de Bellas Artes (SEBA), criada em 1876, em Buenos

Aires, tinha como uma de suas principais funções: “educar el gusto por las formas

‘elevadas’ del arte y transmitir em sus obras valores de civilización y refinamiento de la

cultura”102. No Brasil, a importância da arte como peça-chave no projeto civilizatório do

Império parecia inquestionável na segunda metade do oitocentos, porém questões

relacionadas à importância da fidelidade ao real impunham-se ao artista e à crítica de arte.

De modo geral, os estudos de história da arte oitocentistas podem ser divididos em

duas frentes: a empiricista e a idealista103. A primeira é marcada pelo método indutivo, que

consiste em alcançar generalizações através de elementos particulares, seu maior expoente

foi o italiano Giovanni Morelli.

Morelli buscou distinguir as obras originais das cópias por meio da identificação

de detalhes que caracterizassem a autoria do artista. Para ele, os aspectos gerais de uma

pintura, como aquilo que lhe caracteriza como pertencente a uma determinada escola, são

facilmente reproduzíveis. O método morelliano consistia em identificar e catalogar a

representação que cada artista fazia de pequenos detalhes como a forma das unhas, dos

lóbulos das orelhas, dos dedos e etc. É interessante pensar como o procedimento de

pesquisa dos historiadores oitocentistas também foi erigido a partir do método indiciário,

100
BAUDELAIRE, et alii. Op. cit, p.19-22.
101
Id, p.25.
102
COSTA. Op. Cit., p. 17.
103
FERNIE, Eric. Art History and its methods: a critical anthology. London, Phaidon, 1995, p.13.

53
só que ao invés de identificar a autoria por meio de signos pictóricos, o historiador

pressupunha resgatar o passado através de seus vestígios104. Os estudos empiricistas

pressupunham descrever o passado como realmente aconteceu por meio da sistematização

de seus fragmentos, os documentos. Ou, ainda, datar e compreender a partir de um

pequeno detalhe na obra de arte o período e a sociedade em que esta foi produzida.

A segunda vertente, o idealismo, configura-se como um sistema metafísico, no

qual cada época possui um “espírito” ou uma “essência” que transcende e conforma a

própria realidade. Hegel foi seu maior representante. Outros teóricos encontraram um

terceiro caminho por meio da adequação entre o empiricismo e o idealismo, como por

exemplo, Jacob Burckhardt105. Essa dualidade empiricismo/idealismo não é exclusividade

das teorias de história da arte no oitocentos, também pode ser observada na própria

produção artística do período, tema do qual nos ocuparemos.

Na segunda metade do século XIX, a instituição acadêmica francesa entrou numa

profunda crise promovida pelo embate entre modernidade e tradição106. Nesse momento,

como já mencionamos, organizaram-se circuitos artísticos independentes e,

conseqüentemente, os fundamentos da doutrina acadêmica foram questionados e debatidos

dentro e fora de seus muros. A pintura histórica, considerada na academia o gênero

artístico mais nobre e completo, ocupava um lugar central nessa discussão.

De um lado, a tradição da pintura de história como gênero essencialmente ligado a

preceitos morais, que remonta ao Renascimento. De outro, a demanda cada vez maior pela

reprodução exata dos fatos históricos. A forma e a função da pintura histórica passaram a

104
A partir da analogia entre os métodos de diferentes áreas (Morelli / signos pictóricos; Sherlock Holmes /
pistas; Freud / sintomas), Ginzburg aponta para a estreita relação entre esses saberes construídos sobre as
bases do paradigma indiciário. Cf: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. Morfologia e História.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
105
FERNIE, Op. Cit., p.14.
106
PEREIRA, Sônia Gomes. Desenho, composição, tipologia e tradição clássica _ uma discussão sobre o
ensino acadêmico do século 19. In: Arte & Ensaios. Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, ano X, nº 10, 2003, p.41.

54
ser temas desse debate, que ficou conhecido na história da arte como o confronto entre

“realistas” e “idealistas”107.

O embate entre a idealização e a precisão histórica também apareceu com força na

produção artística da Academia Imperial de Belas Artes e essa dicotomia mostrou-se

fundamental para compreender o ambiente acadêmico do século XIX. Esses eram os

preceitos não só através dos quais os artistas se guiavam, mas também a crítica de arte,

observemos o que diz este artigo sobre a “Batalha do Avaí”: “Eu creio que jamais um

assunto belicoso foi representado de modo mais verdadeiro e mais sublime; eu creio que

jamais houve união mais estreita e mais feliz entre a verdade histórica e a arte ideal”108.

Um dos pontos-chaves desta análise será identificar alguns artifícios encontrados

por Pedro Américo e Vítor Meireles para justificar suas obras e os parâmetros que

possivelmente balizaram sua confecção, tendo sempre em foco a ambigüidade

empiricismo/idealismo.

2. 1. A Questão Artística de 1879

Entre setenta e cinco retratos, sessenta e uma telas de paisagens brasileiras, trinta e

cinco cenas de costumes e dez projetos arquitetônicos, duas pinturas destacavam-se no

Salão de 1879: “Batalha do Avaí”, de Pedro Américo e “A Primeira Batalha dos

Guararapes”, de Vítor Meireles, telas monumentais que causavam profundo impacto em

seus observadores109. Ao se deparar com tais pinturas, o espectador tinha a impressão de

ser uma testemunha ocular dos eventos representados.

107
MATTOS, Claudia Valladão de. Imagem e palavra. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. &
MATTOS, Claudia Valladão de (orgs.). O Brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp/ Museu Paulista, 1999.
108
OSÓRIO, Fernando. O Sr. Fernando Osório (transcrição de um discurso na câmara dos deputados). Rio
de Janeiro: Jornal do Commercio, 2 de setembro de 1877, p.04.
109
A tela “A Primeira Batalha dos Guararapes”, de autoria de Vítor Meireles, possui 500 cm de altura e 925
cm de largura. Enquanto o quadro “A Batalha de Avahy”, de Pedro Américo, mede 500 cm de altura e 1000
cm de largura.

55
Contudo, a força dessas obras não se limitava a suas dimensões físicas, mas também

à expressividade e ao tratamento do tema. Ambas narravam momentos marcantes da

história militar brasileira. Em “Batalha do Avaí”, Pedro Américo ocupou-se da memória

recente do país, trouxe para a tela o drama de muitos brasileiros que lutaram ou perderam

seus familiares e amigos durante a Guerra do Paraguai. Através da tela “A Primeira

Batalha dos Guararapes”, Meireles evocou, aquela que era considerada no oitocentos, a

primeira demonstração de patriotismo dos cidadãos brasileiros, a Invasão Holandesa. A

narrativa desses eventos estava em processo de construção na história nacional110, ao trazê-

los para a arte, Meireles e Américo os faziam reviver por meio da invenção de uma

memória brasileira.

A exposição, lado a lado, dessas telas tornou a comparação entre os artistas

inevitável, culminando com acusações de plágio feitas a ambos111. A polêmica, liderada

por Ângelo Agostini, na “Revista Ilustrada”, tomou progressivamente a maioria dos

periódicos da época. Foi tema de crônicas, panfletos e livros de algumas das principais

personalidades do XIX – Rodolfo Dantas, Bittencourt da Silva, Rangel Sampaio, Carlos

de Laet, Melo Morais Filho, entre outros que optaram pelo anonimato. Uns tomavam

partido de Vítor Meireles e criticavam a falta de unidade da obra de Américo. Outros

acusavam Meireles de não dar à cena o tom grave que uma batalha exigia, ao mesmo

tempo em que se derramavam em elogios à tela de Américo. Tomemos um exemplo,

publicado na Revista Ilustrada, de 5 de abril de 1879, de autoria de Ângelo Agostini.

Continua aberta a exposição de belas artes, sendo as “Batalhas do Avaí” e


“Guararapes” os dois quadros para os quais se voltam todas as atenções. Ao lado,

110
O historiador Rollie Poppino realizou uma análise do conteúdo da “Revista do IHGB” durante o século
XIX, revelou-nos que 45% das temáticas relacionam-se à História. Sendo que do total dos artigos dessa área,
14% ocupavam-se do período da Guerra do Paraguai. E outros, 9% dedicavam-se a temas relacionados à
Invasão Holandesa. Cf: POPPINO, Rollie E. A Century of the Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. The Hispanic American Historical Review. Durham: 33(2): p. 307-23, maio, 1953.
111
Vítor Meireles foi acusado de plagiar as seguintes obras:“Virgínia morta na praia”, de Eugenio Isabey,
para compor “Moema” (1866); “La première messe en Kabylie”, de Vernet e “Primeira Missa”, de Blanchet
para pintar “A Primeira Missa no Brasil” (1860).

56
quase sempre, um do outro, (...) formam um verdadeiro contraste. Enquanto o
quadro do Sr. Victor impressiona pela falta de ação, pela paralisia de quase todos
os personagens, na “Batalha do Avaí” tudo se move, tudo tem vida, todos se
batem112.

Dar vida ao passado era um dos pontos mais recorrentes na cultura histórica

oitocentista. A crença de que o passado poderia ser resgatado e revivido pode ser analisada

sob vários aspectos nessa sociedade, desde a prática da taxidermia até a própria pintura

histórica. A taxidermia assim como a tela de história imortalizavam o passado. A primeira

não só empalhava os animais, mas também refaziam o seu habitat natural, tal qual as

pinturas de história que reconstituíam desde a indumentária até a topografia do ambiente

representado. O movimento atua de maneira incisiva nessas duas práticas, pois é o

envolvimento do espectador com o cenário e a ação dos personagens que possibilita a

experimentação desse passado. Podemos então entender a crítica de Agostini sobre a falta

de ação do quadro de Meirelles nessa perspectiva, como um elemento inibidor da

identificação entre o observador e a obra, impedindo que esse passado ganhasse vida. Em

uma charge e um texto, do dia 25 de abril de 1879, Agostini novamente reclama vida ao

quadro de Meirelles:

OFERECIDO AO EMINENTE PINTOR VÍTOR MEIRELES DE LIMA – Não


lhe parece, disse-me um dia o Vítor Meireles, que os soldados de A Batalha de
Avahy querem saltar da tela e dirigir os seus golpes sobre meu quadro? É verdade,
respondi-lhe: e nem mesmo assim os combatentes dos Guararapes deixam de ter
aquela calma, aquele sangue-frio, aquela impavidez e indiferentismo. Muito bem?
É isso mesmo. Não acha que isso daria uma boa caricatura? Certamente, meu caro
Victor, a sua idéia é magnífica e eu vou aproveitá-la113.

Ângelo Agostini não foi o único a reclamar vida e emoção à “A Primeira Batalha

dos Guararapes”, muitos outros se levantaram contra a tela de Meireles. Afirmavam que

sua pintura não foi fiel à tragédia de uma guerra, faltava-lhe ferocidade, dor e movimento.

Enquanto outros críticos, partidários de Meireles, acusavam Pedro Américo de não dar

unidade à tela em prol de uma representação sentimental e confusa da Guerra do Paraguai.

112
AGOSTINI, Ângelo. Revista Ilustrada, Rio de Janeiro, ano 4, nº 156, 5 abril 1879, p. 02, grifos nossos.
113
Idem, p.04. A reprodução da charge de Agostini, encontra-se no anexo desta dissertação, na página 128.

57
Não há unidade no quadro, é uma tela gigante que poderia ser retalhada em
duzentos ou mais pequenos painéis, representando cada um fato passado na
batalha do Avahy.
A idéia principal está morta, a batalha ali não existe.
(...) Se a unidade não existe, se a idéia principal está morta, se aquilo é tudo menos
uma batalha, se aí não vemos o movimento, a luta, o ardor, enfim a pugna travada,
se a perspectiva aérea não existe pela falta absoluta da graduação da luz, do que
serve dizer que esta ou aquela figura, este ou aquele grupo, esta ou aquela
expressão, estão bem representados?
O chefe da escola idealista, o simpático Dr. Pedro Américo, convença-se de uma
cousa – a precipitação, como sempre, desta vez o perdeu114.

Mas será que os modelos narrativos escolhidos pelos artistas não encontravam

nenhum parâmetro na tradição pictórica das cenas de batalha?

2.2. O gênero pintura de batalhas

Embora a representação de batalhas já fosse uma antiga conhecida dos movimentos

artísticos, somente em meados do XVII, elas passam a servir de testemunha ocular das

campanhas do monarca. Os artistas acompanhavam o exército real com o objetivo de

documentar as explorações reais. A tradição das cenas militares das expedições de Louis

XIV teve como um de seus expoentes o pintor Joseph Parrocel115 e sofreu um grande

declínio no curso do século XVIII, uma vez que a política monárquica estava interessada

em promover a paz o que deixava este gênero artístico à margem dos interesses do

governo.

O século XIX deu um novo ânimo à produção de telas militares. Segundo Susan

Siegfried, isso ocorreu graças à conjunção de dois fatores: a construção de uma

identificação entre Estado e indivíduo promovida pela Revolução Francesa e a criação de

uma nova retórica visual para expressar essa mudança116.

114
LEANDRO, José. A batalha do Avahy. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 7 de novembro de 1877,
p.02.
115
A reprodução de uma de suas telas, chamada “Halte e grenadiers”, encontra-se no anexo desta
dissertação, na página 129.
116
SIEGFRIED, Op. Cit..

58
A Revolução redefiniu a relação dos indivíduos com o governo. O indivíduo

passou a identificar seus interesses com os do Estado. As pinturas de batalhas estimulavam

essa vinculação, tornavam-se glorificações do patriotismo militar.

No Brasil, nas primeiras décadas de funcionamento da AIBA, o padrão

iconográfico de sua produção caracterizava-se pela representação de alegorias que

exaltassem as particularidades da jovem Nação. Essas iconografias estavam normalmente

associadas à figura do imperador D. Pedro II, e traziam símbolos que evocavam a

exuberância das terras tropicais e os símbolos monárquicos117.

A partir da década de 70, com o advento da Guerra do Paraguai, seu foco deslocou-

se da confecção de alegorias para a representação de ações gloriosas. Segundo Lilia

Schwarcz, a própria postura do imperador mudou com o combate. D. Pedro II partiu para a

região da guerra, acompanhou pessoalmente seu desenvolvimento e passou a usar

uniformes militares, tal como Napoleão118. A ação direta do imperador na guerra significou

num primeiro momento a associação de sua imagem a de um “rei guerreiro”, pouco a

pouco se pode observar o deslocamento da representação da figura do monarca,

considerado o herói absoluto, para a dos heróis anônimos. Nas palavras da autora, “a

Guerra do Paraguai representa o apogeu e o começo da decadência de D. Pedro”119. As

telas “A Primeira Batalha dos Guararapes” e “Batalha do Avaí” inserem-se nesse novo

universo iconográfico inaugurado no Brasil pela Guerra do Paraguai.

2.3. A Pintura como documento

Paulatinamente, os métodos científicos de pesquisa foram incorporados às

atividades artísticas durante o século XIX. A partir de 1801, o governo francês passou a

fornecer aos artistas participantes dos Salons a documentação textual oficial necessária

117
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador. São Paulo: Cia. Das Letras, 2002.
118
Idem.
119
Idem, p.295.

59
para a confecção de suas obras. Desta forma, os eventos narrados nestas pinturas estariam

em comunhão com a interpretação oficial, tornavam-se agentes propagadores e

ratificadores dessa história nacional. A demanda pelo uso de documentação e evidências

empíricas foi observada pela grande maioria dos pintores de temáticas nacionais como

forma de legitimação do seu trabalho. Podemos citar Théodore Géricault como exemplo

de um pintor que tomou a pesquisa científica como meio para alcançar uma narrativa fiel

do fato histórico.

Sua tela “A Balsa de Medusa”120, foi baseada na tragédia que acometeu uma

embarcação oficial que ia da França ao Senegal no dia 2 de julho de 1816. O navio “A

Medusa” naufragou e cerca de 150 pessoas ficaram à deriva no mar por 12 dias. Para

compor a tela, Géricault realizou entre 1818 e 1819, uma minuciosa pesquisa e uma

grande variedade de estudos para a pintura. Recolheu as informações publicadas nos

periódicos da época, conversou com os sobreviventes que lhe contaram sobre o

canibalismo necessário para sobreviverem. Consultou o carpinteiro da barca, que o ajudou

a fazer uma maquete da fragata, onde poderia estudar as possibilidades de composição

com bonecos de cera. Mas suas investigações não pararam aí, além dos estudos de

modelos vivos, Géricault visitou o Hospital Beaujon para observar detalhadamente os

doentes e moribundos e conseguir membros amputados do corpo humano para estudar em

seu ateliê, assim também fazia com as cabeças de bandidos guilhotinados, que serviam

para captar a dor e a morte em seu processo de decomposição121. Os pintores começavam,

então, a valer-se de recursos investigativos e, conseqüentemente, passaram a serem

cobrados por isso. Como Meireles e Américo se adaptaram a essa demanda?

120
A reprodução desta tela encontra-se na página 129, no anexo desta dissertação.
121
FRIEDLAENDER, Walter. De David a Delacroix. São Paulo: Cosac & Naify, 2001; GÉRICAULT:
Um olhar que investiga a realidade. São Paulo: MASP/XXIV Bienal de São Paulo/Núcleo Histórico, 1998.
Disponível em: http://www1.uol.com.br/bienal/24bienal/edu/cildo_meireles.htm Acesso em: 11 de Maio de
2006.

60
Com o objetivo de identificar os parâmetros encontrados por nossos artistas na

tradição pictórica para compor as obras em questão, dividiremos em dois os modelos

pictóricos do oitocentos, tal como fez a historiadora da arte americana Susan Siegfried122.

Para ela, a pintura militar do século XIX pode ser de caráter documental ou de caráter

afetivo. O arquétipo da pintura de caráter documental seria a obra “Batalha de Marengo”,

de Louis-François Lejeune, enquanto o modelo afetivo seria representado pela pintura

“Batalha de Nazaré”, de Antoine-Jean Gros, ambas expostas no Salon de 1801123. A

primeira trabalharia com um mapeamento racional de um evento bélico e ofereceria ao

espectador uma visão estratégica da batalha. Já o modelo afetivo, buscaria captar o

imediatismo da guerra através do recorte de um drama específico, sem preocupar-se em

inserí-la no plano geral da ação militar em si.

O trabalho de Lejeune estaria na fronteira entre a pintura de paisagem e a pintura

histórica, na medida em que a topografia dos lugares era cuidadosamente reconstituída

permitindo o seu reconhecimento. Em contrapartida, Gros apenas esboçava os elementos

paisagísticos, descaracterizando os lugares, sua atenção estava toda voltada para a

descrição do drama bélico, tornando sua tela extremamente atordoante. “Batalha de

Marengo”, distante de ser um retrato perturbador da guerra, trazia uma imagem

tranqüilizadora da batalha, pois Lejeune negligenciava a representação das emoções

humanas em favor da reprodução das personagens em escalas minúsculas. Embora

extremamente diferentes em sua composição, os dois artistas buscaram responder à

pressão por verdade histórica. Gros e Lejeune pautavam sua narrativa em uma extensa e

minuciosa pesquisa, a diferença é que enquanto o primeiro buscava ser fiel ao sentimento

do momento retratado, Lejeune era fiel à composição estratégica do exército no campo de

batalha.

122
SIEGFRIED, Op. Cit..
123
As reproduções destas telas encontram-se no anexo desta dissertação, na página 130.

61
Após esses breves apontamentos retomemos nossas questões iniciais: será que os

modelos narrativos escolhidos por Meireles e Américo não encontravam nenhum

parâmetro na tradição pictórica das cenas militares? Vimos que a partir da dicotomia

criada por Susan Siegfried podemos reconhecer duas possibilidades narrativas totalmente

diferentes uma da outra: o modo afetivo e o documental. Uma preocupada em fornecer o

retrato do exército como um todo e a outra empenhada em captar a experiência dramática

de um instante. A autora aponta como a exposição dessas telas gerou polêmica no Salon

de 1801. A exemplo do que aconteceria anos mais tarde no Brasil, o debate ocupou-se em

eleger qual das telas seria a mais fiel historicamente. A excelência da pintura histórica

passava a ser medida pelo apreço à pesquisa documental, caracterizando a representação

fiel do fato histórico.

2.4. Batalha do Avaí

A tela “Batalha do Avaí” foi exposta pela primeira vez em Florença, no ano de

1877, a inauguração da exposição contou com as presenças do Imperador D. Pedro II e da

Imperatriz D. Thereza Cristina, do Prefeito Peruzzi, do diretor da Academia, o

Comendador Fabris, dos príncipes Corsoni e Strozzi, além de outras importantes

personalidades européias124. A exposição, que durou 18 dias, recebeu um número

expressivo de visitantes. O artista ganhou inúmeras críticas favoráveis, enaltecendo a sua

preocupação com a precisão histórica e a sua capacidade de captar a intensidade dramática

da batalha. O sucesso da tela de Américo em Florença chegou aos ouvidos dos críticos

brasileiros que se apressaram em se unir ao coro de louvores à “Batalha do Avaí”:

O quadro submetido a exame revela um engenho e uma fantasia não comuns, os


quais mais especialmente se manifestaram no caráter bem entendido da

124
“A Batalha de Avahy” foi pintado na sala da biblioteca do ex-convento da SS. Annunziata, em Florença.

62
composição e na evidência do fato, representando em todas as suas
particularidades com plena e terrível verdade125.

Os críticos engrandeciam o vigor da batalha representada, a maestria na execução

dos detalhes da cena e de seus personagens.

Na luta interna do moço pintor redemoinhava o vendaval da batalha porfiada das


hostes combatentes. Era a febre do gênio em pulsação de patriotismo a delirar as
sublimidades da verdade na arte.
De um lado carretas arrebentadas, mortos os cavalos, despedaçados os membros
dos heróis, canhões a vomitar esturgindo estilhaços medonhos, fumo, fogo e
sangue por toda a parte a cobrir esse inferno humano, onde a honra sacando a
espada não a repõe senão vingado o ultraje e glorificado o nome.
Céu e terra, homens e animais, águas e montes, cadáveres e destroços
ensangüentados, tudo era um cenário comovente, grandioso, horrível e de
venerandas recordações no alcaçar da pátria.
Ele quis arrancar a muda e rasa tela o grito, a vozeria, as blasfêmias inimigas, os
estouros, as agonias e os suspiros derradeiros dos combatentes; não bastava vê-los,
quis que o pincel criador desse aquele que contemplasse obra tão ingente, os sons,
os roncos, os silvos e os estertores da morte ao lado das exclamações da vida.
A natureza potente que vive em sua alma quis criar horizontes revestidos de
serras, de campos, de águas e tudo coberto por um céu pesado, dele pendendo
nuvens negras e densas de tempestade, de rolos de fumo dos canhões, com alguns
clarões de sol a romper daquela massa compacta de negrume.
E para que tudo fosse completo deu eloqüência a cada traço de fisionomia, a cada
músculo a mover-se e a todo esse conjunto de ação dos que se empenhavam na
luta.
Roupas e armas, cabelos e barbas, arreios e mais acessórios desse tremendo
cenário, tudo, enfim, devia dizer a verdade a soletrar-se, como quem lê nas
páginas de uma crônica as passagens narradas por mão de mestre126.

Observe como imagem e palavra se correspondem na perspectiva da cultura

oitocentista, a pintura de história por excelência seria aquela que permitisse ao espectador

ler a sua narrativa tal qual o faz com uma crônica. Pintor e historiador produzem imagens

com palavras, e, palavras com imagens.

Logo que a tela “A Batalha de Avahy” foi exposta no Brasil vieram as críticas à

sua falta de unidade às imprecisões históricas nela encontradas.

No primeiro plano, quase no centro, destaca-se a figura de um soldado inimigo, ao


peito do qual, a alguns passos, um oficial brasileiro descarrega um tiro e - fato
extraordinário! - brilha o cilindro de fogo a luz do dia, sem que o vulto morada a
arena! (sic)
A que o paraguaio que trepado sobre a roda da carroça dos imigrantes, faz
pontaria, sustendo entre duas mãos enorme pistola? Qual o seu alvo? Para quem
atira ele?

125
OSÓRIO, Op. cit, p.03.
126
CÔRREA, Luiz. A Batalha do Avahy (quadro histórico do Dr. Pedro Américo) I. Rio de Janeiro: Jornal
do Commercio, 02 de outubro de 1877, p. 02.

63
Se fôssemos assinalar o agigantado número de inverossimilhanças, se os
detivéssemos a fazer proeminar as faltas de perspectiva e de desenho, certo
estamos de que, a parte das figuras isoladas e as maravilhosas águas que se
estendem ao fundo, bem pouco sobraria, que reclamasse admiração.
Entretanto, apontemos algumas: o cavalo morto sob os varais do carro, uma
cabeça que, à esquerda, aparece como que saindo de uma moldura de cobertores,
representam adiantado estado de decomposição, quando o combate durou poucas
horas; o menino montado na peça; o pescoço do cavalo negro do paraguaio que
aborda o oficial; as escleróticas dos beligerantes, alvejando a distância enorme; a
nenhuma aeração no espaço e entre os grupos; a transparência negativa dos
horizontes, cujas tintas se tornam mais opacas quanto mais retirados, denunciam
no pintor impetuosidade cega e irrefletida, um cérebro no qual as células
ideadoras, umas adormecidas, outras na atividade mais laboriosa, geraram um
pesadelo de batalha127.

A comparação entre as duas telas fez com que muitos tomassem partido da

“Batalha de Guararapes” pela unidade e clareza da cena:

Uma composição sem unidade não existe; por conseqüência o quadro da “Batalha
dos Guararapes”, não obstante seus defeitos de execução, é o primeiro, na ordem
de merecimento por muitas razões, e especialmente por uma muito simples – a de
ser o único que fica em campo!128

O embate entre precisão histórica e idealização pode ser observado nesses

fragmentos da crítica de arte do oitocentos. De um lado a idealização, que zela pela

transmissão de um conceito e para isso exige a concentração do artista na execução de um

único ato, para que o argumento narrativo não se perca na diversidade de ações. Por outro

lado, como ser fiel na representação de um evento bélico deixando à margem a

multiplicidade de combates isolados que lhe são característicos? Estava assim, posto para

Pedro Américo, o debate sobre a função da pintura histórica: representar o passado de

forma fidedigna ou transmitir uma moral à posteridade.

Américo procurou à sua maneira guiar-se por esses dois preceitos. Assim como

Lejeune, ele não se restringiu à representação de um drama específico, ao contrário

preocupou-se em realizar um panorama da batalha. Porém, ao invés de um mapeamento de

estratégias militares, Américo nos presenteia com um panorama dos horrores e tormentos

de guerra, como a aflição da mãe que protege a criança, o menino campesino que tenta

127
SAMPAIO, João Zeferino Rangel de. O quadro da Batalha de Guararapes, seu pintor e seus críticos.
Rio de Janeiro: Serafim, 1880, p.61-2, grifos nossos.
128
Folhetim do Jornal do Commercio – Academia de Belas-Artes (exposição). Rio de Janeiro: Jornal do
Commercio, 05 de abril de 1879.

64
salvar o que resta dos bens de sua família, no canto inferior à direita da tela, o paraguaio

ferido que tenta arduamente se levantar, em primeiro plano também a direita, ou, o

desespero dos soldados brasileiros que tentam socorrer um oficial brasileiro desacordado,

no centro da tela em segundo plano129. O nosso olhar se perde frente a tantos conflitos

individuais.

Justamente na intensidade dramática da tela “Batalha do Avaí” encontra-se o elo

de ligação com o modelo afetivo, representado pela obra de Gros. Os personagens de

“Batalha de Nazareth” e “Batalha do Avaí” parecem nos envolver em suas tragédias

particulares. É possível acompanhar o martírio de cada um dos personagens, a

expressividade de suas emoções é sem dúvida marcante nas duas telas. O espectador é

envolvido na emoção dos personagens da tela, transpondo-se para aquela cena, como

acontece quando assistimos a um filme ou a uma peça de teatro.

Se a tela de Pedro Américo é acusada de ser imprecisa, pecando seja na luz

produzida pela explosão da pólvora pela manhã ou no avançado estado de decomposição

do cadáver do cavalo morto durante a batalha, não significa dizer que o quadro não tenha

sido projetado sobre bases documentais. Antes de começar sua execução, o artista

consultou algumas publicações como o resumo histórico sobre a batalha de Avaí, o

“Manuscrito de Caxias” e a “Ordem do dia, 272”130. Trocou correspondência com o Duque

de Caxias, de quem recebeu uniformes, armas, fotografias, uma planta do campo de

batalha, entre outros objetos, além de enviar ao artista algumas anotações suas, onde

recomenda um momento da batalha para ser pintado, sugestão esta seguida131. Sendo

assim, Pedro Américo teve à sua disposição não só peças utilizadas no episódio, como
129
As reproduções desses detalhes da tela de Américo podem ser apreciados nas páginas 124 e 125, no
anexo desta dissertação.
130
Breve Resumo da Batalha do Avahy em 11 de dezembro de 1868. Rio de Janeiro: Livraria Serafim
José Alves, s.d. Arquivo Museu Regional de Areia; Marquês de Caxias Ibid. 1872; Ordem do Dia n.272.
Arquivo do Exército. Palácio Duque de Caxias, Rio de Janeiro.
131
Este material encontra-se no arquivo dos descendentes do pintor, ao qual não tivemos acesso, tais
informações foram extraída do livro “Pedro Américo e o olhar oitocentista”, da historiadora da arte Lilia
Rosemberg.

65
também o testemunho do personagem principal do combate e foi apoiado nesse material

que compôs “Batalha do Avaí”.

Em 1888, Pedro Américo publica “O Brado do Ipiranga ou a Proclamação da

Independência do Brasil”132. Na primeira parte faz um relato minucioso do episódio da

Independência e na segunda apresenta os parâmetros segundo os quais se guiou para

executar a tela. Embora, não seja nossa intenção analisar “Independência ou Morte”, o

texto sobre este quadro traz alguns apontamentos importantes para entendermos como o

artista resolveu a dualidade empiricismo/idealismo. Ao falar de sua pintura, Américo

discorre sobre as dificuldades em trabalhar com um episódio tão longínquo da história e os

impasses encontrados ao confrontar as fontes documentais com as exigências estéticas do

meio artístico. A tensão entre “realidade” e “inspiração” é para ele a peça-chave do

trabalho do pintor histórico.

Tal qual um historiador, o pintor também precisa apoiar-se numa minuciosa

pesquisa documental para executar sua tela. Durante todo o texto, Pedro Américo arrola o

material consultado para representar os trajes da Guarda de Honra, o perfil dos militares

que acompanhavam D. Pedro I, a raça dos cavalos utilizados na ocasião, as viagens

realizadas ao local do episódio e as instituições em que pesquisou.

Minucioso até o escrúpulo. Fui duas vezes a São Paulo, depois de compulsar na
Biblioteca Nacional, no Instituto Histórico e nas coleções particulares as obras nas
quais alguma passagem me podia auxiliar; visitei a gloriosa colina do Ipiranga em
companhia do Sr. Barão de Ramalho, presidente da Comissão do Monumento que
ali se está erigindo, sob cujos olhos desenhei de diversos pontos sítio que serviu de
cenário ao segundo e mais grandioso canto da rápida epopéia, assim como já dias
antes e acompanhado do arquiteto Dr. Tommazzo Bezzi e de diversos outros
distintos diretores dos trabalhos do referido monumento, o havia feito em relação
aos horizontes do lugar em que se passou o fato inicial, antes de reunir-se D.
Pedro à guarda133.

Mais à frente agradece as pessoas e instituições que o auxiliaram nesse trabalho.

132
MELO, Pedro Américo de Figueiredo e. O Brado do Ipiranga ou a Proclamação da Independência do
Brasil. In: OLIVEIRA. & MATTOS. Op. cit., p.11-27.
133
Idem, p.21-22.

66
Recebam os ilustrados Srs. Prefeito comendador Chilovi e bibliotecário da
Biblioteca Nacional de Florença barão Podestá; ministro e cônsul-geral do Brasil
em Portugal barão de Carvalho Borges e Paulo Porto Alegre; conde Strumpfl
zelador da Biblioteca Imperial de Viena; William Huant da Militar de Londres, e
particularmente o Sr. Visconde de São Januário, ministro da Guerra de Portugal,
os meus sinceros agradecimentos pelos favores que se serviram dispensar-me no
intuito de facilitar minhas laboriosas pesquisas134.

A exigência cada vez maior de fidelidade histórica obriga os artistas a

desenvolverem uma série de técnicas com esse fim. A metodologia de trabalho dos

historiadores acaba servindo de parâmetro aos pintores históricos e a comparação entre o

ofício desses profissionais inevitável. O artista vê-se obrigado a reunir e selecionar as

informações e a partir delas decidir o que convém ou não entrar na sua narrativa.

E se o historiador afasta dos seus quadros todos os incidentes perturbadores da


clareza das suas lições e da magnitude de seus fins, com muito mais razão faz o
artista, que procede dominado pela idéia da impressão estética que deverá produzir
no espectador a sua obra135.

Pedro Américo deixa bem clara sua opinião sobre até que ponto o artista deve

submeter sua obra à precisão histórica: “a realidade inspira e não escraviza o pintor”136.

Enumera ao longo do texto vários exemplos de detalhes que ocorreram durante o episódio

da Independência e que não convinham aos desígnios da arte. São os princípios da

composição e a função pedagógica da pintura histórica que devem sobrepor-se aos

caprichos da realidade. A pintura histórica tal como a historia magistra vitae seria

responsável por imortalizar o passado, seus heróis e suas lições, para que as futuras

gerações aprendessem com os erros do passado, pois assim repetiriam somente seus bons

exemplos.

Do mesmo modo, conhecendo pelas estampas e pelos retratos literários a nobre


fisionomia do Fundador do Império, e sabendo que D. Pedro na tarde de 7 de
setembro sofria de um incômodo gástrico que o obrigou a separar-se da sua
Guarda de Honra, não deveria o artista alterar desfavoravelmente os traços do
augusto moço naquele momento solene; porque se tal ocorrência foi com efeito
real, e até mereceu a atenção do cronista, ela é indigna da história, contrária à

134
Idem, p.23.
135
Idem, p.19.
136
Idem, loc. cit, grifos do autor.

67
intenção moral da pintura, e por conseqüência imerecedora da contemplação dos
pósteros137.

Em 1871, Otaviano Hudson faz a seguinte declaração sobre a maneira como

Américo relaciona idealização e pesquisa científica:

A arte é uma interpretação racional e não uma imitação servil da natureza.


Conforme com a teoria que ensina publicamente no seu curso de Estética, Pedro
Américo não vai à pesquisa de pequenas manifestações da vida para atingir o ideal
que almeja; mas de todas elas escolhe as mais expressivas, as mais eloqüentes, e
longe de as copiar servilmente o eminente artista corrige-as, quer aformoseando
como no semblante de Arouca, quer acentuando os traços gerais característicos,
como nas figuras dos robustos soldados do ditador tirano, e ainda no expressivo
arcabouço do cadáver do cavalo a que acima aludimos138.

É interessante observar a diferenciação feita pelo próprio artista entre o trabalho do

historiador e do cronista, e a maneira como ele se filia ao primeiro. No momento de

criação do IHGB, uma das principais preocupações de seus membros fundadores foi

legitimar a autoridade da história sobre o passado através da definição do que não seria

uma narrativa historiográfica, logo, aquilo que não fosse história dar-se-ia o nome de

crônica. Segundo essa tradição, as crônicas forneciam relatos fragmentados do passado,

não possuíam um sentido, uma moral. Caberia à história dotar esse passado de sentido. É a

função da história e não das crônicas reconstituir o espírito de uma época e transmitir ao

seu leitor uma moral. No mesmo sentido que os fundadores do IHGB pensaram a história,

Pedro Américo parece compreender a pintura histórica, estabelecendo como seu papel

principal a transmissão de um conceito, sacrificando para isso detalhes que não serviam à

função didática deste gênero artístico.

Embora tenha recebido críticas em relação à fragmentação de cenas também na tela

“Independência ou Morte”, vimos que Pedro Américo mostrou-se extremamente

preocupado com a unidade, na medida em que é ela a responsável pela transmissão de uma

137
Idem, p.20, grifos nossos.
138
HUDSON, Otaviano. Pedro Américo pintor de batalhas. Descripção do quadro histórico da batalha de
Campo-Grande. Rio de Janeiro: Typografia da Republica, 1871, p.11.

68
moral. Em seus relatos, o artista descreve o seu trabalho como uma tarefa de captação,

seleção e síntese de informações.

Um quadro histórico deve, como síntese, ser baseado na verdade e reproduzir as


faces essenciais do fato, e, como análise, em um grande número de raciocínios
derivados, a um tempo, da ponderação das circunstâncias verossímeis e prováveis,
e de conhecimento das leis e das convenções da arte139.

Além do referido “problema gástrico” de D. Pedro I, Américo faz referências a

outras minúcias do episódio que não se ajustavam à narrativa da história nacional, como

por exemplo, os relatos que afirmavam que Sua Alteza cavalgava em um asno às margens

do Ipiranga ou que a Guarda de Honra não estaria vestida com seus trajes de gala.

Detalhes que, segundo o artista não devem ser incorporados à escrita da história nacional e

muito menos à pintura histórica que serve aos mesmos fins, pois são “incidentes

perturbadores da clareza das suas lições e da magnitude dos seus fins”140.

Américo afirmava que para compor um quadro de história ponderava entre um

grande número de informações para a partir delas executar uma tela “digna de ser

oferecida à contemplação pública”141. O deslocamento do oficio do pintor de história dá-se

do particular ao geral, assim como Humboldt afirmava ser esse o sentido do caminho que

deveria trilhar o historiador.

No ano de 1821, Wilhelm von Humboldt escreve “Sobre a tarefa do historiador”,

primeiro texto a deslocar o foco da história para o historiador142. Neste texto, Humboldt

afirma que o historiador deve compor o todo a partir do conjunto de fragmentos. Os

acontecimentos sempre são vistos de maneira parcial, cabe ao profissional de história

estabelecer as conexões entre esses fragmentos, isso somente é possível graças a sua

capacidade imaginativa. Nesse sentido, Humboldt compara o ofício do historiador ao do

139
MELO, Op. cit., p.19.
140
Idem, loc. cit.
141
Idem, loc. cit.
142
HUMBOLDT, Wilhelm Von. Sobre a tarefa do historiador. Anima. História, teoria e cultura. Rio de
Janeiro 1(2): 79-89.

69
poeta, para ele ambos utilizam a “fantasia”, entretanto para os historiadores essa

criatividade submete-se à experiência e à investigação da realidade. A busca do historiador

está em alcançar o sentido geral da história, já que o particular somente pode fornecer uma

visão deficiente.

Esse deslocamento do olhar do historiador do especifico para o geral assemelha-se

muito às impressões de Pedro Américo sobre qual deveria ser o objetivo do pintor

histórico. A “fantasia”/”imaginação” aparece na fala de ambos como elo fundamental

entre a pesquisa e o seu projeto final. As informações trazidas à tona pela investigação e

que não ajudariam a fornecer um sentido geral à história não devem ser incluídas na

narrativa, pois forneceriam visões parciais do fato e tornariam turva a contemplação do

todo. Os pintores de história tomaram não só os métodos de pesquisa da disciplina

história, mas também se apropriaram dos debates sobre concepção de história e da tarefa

do historiador para definir a natureza de sua obra e de sua condição de pintor de história.

Continuaremos a ver em Meireles como se dá o embate entre idealismo e empiricismo, e

os caminhos encontrados por ele para solucionar essa tensão.

2.5. A Batalha dos Guararapes

Em 1879, Vítor Meireles foi acusado de produzir uma imagem falsa da Invasão

Holandesa, na medida em que uma guerra não poderia ser representada de forma tão

pacífica. Entretanto, para chegar até aquela narrativa o artista empreendeu um meticuloso

trabalho de investigação. Meireles passou três meses em Pernambuco onde realizou

diversos estudos, indo pesquisar durante esse período no Instituto Arqueológico, Histórico

e Geográfico de Pernambucano (IAHGP) onde encontrou armas e outros acessórios que o

ajudaram a confeccionar sua tela. Mas sua pesquisa não se limitou a essa instituição:

70
Assim em cerca de três meses que residiu no Recife, muitas vezes foi ao
Guararapes, onde passou dias inteiros; percorreu Olinda, batendo de porta em
porta, por assim dizer, em busca de uns quadros representando, segundo constara-
lhe, a batalha que ia pintar, e, só depois de muito tempo, os pode encontrar,
estragados, atirados a um canto, descolados, pois são pintados em madeira,
representando dois, as duas batalhas dos Guararapes e o terceiro a das Tabocas; foi
a Iguarassu, por lhe falarem em quadros comemorativos da guerra holandesa,
existentes na matriz de S. Cosme e S. Damião; foi ao Cabo de Santo Agostinho;
visitou na capital todos os edifícios legados pelos batavos. Estudou tudo, pediu a
tudo inspirações, procurou apoderar-se por intermédio dos despojos físicos, do
espírito que os presidiu143.

Portanto, o caso é que a opção de Meireles por aquela linguagem não o afasta de

uma preocupação científica. Muito pelo contrário, a idéia de resgatar o espírito de uma

época a partir de seus vestígios, era segundo Humboldt, uma das principais tarefas do

historiador144.

Embora não seja nosso intuito afirmar que Meireles inspirou-se em Lejeune para

confeccionar sua tela, é importante salientar que a releitura da tradição das pinturas

militares operada por Lejeune foi fundamental para a produção do pintor brasileiro. No

século XVII, as pinturas de batalhas tornaram-se formas de documentar as explorações

reais, de registrar essas viagens como um testemunho ocular. Esquecida durante um

tempo, somente no oitocentos, essa tradição foi resgatada com o trabalho de Lejeune. A

dimensão da pintura militar como testemunha ocular foi reinventada, conformando a

possibilidade de Meireles executar “A Primeira Batalha dos Guararapes” daquela forma.

Sendo assim, não é, de forma alguma, fora de propósito estabelecer paralelos conceituais

entre “Batalha de Marengo”, de Lejeune, e “A Primeira Batalha dos Guararapes”.

Desta forma, encontramos duas preocupações em comum nas telas de Lejeune e

Meireles: 1) a representação topográfica; 2) a reconstituição de estratégias militares.

Como já foi mencionado, Lejeune procurava reconstituir com muito cuidado a

topografia dos lugares que retratava. O espectador poderia reconhecer o ambiente onde a

batalha foi travada. A presença de determinados elementos na pintura – como ruínas,

143
SAMPAIO, Op. cit., 1880, grifos nossos.
144
HUMBOLDT. Op. Cit.

71
monumentos e montanhas – que tornassem possível a identificação do lugar onde a cena

se desenrolava passou ser comum, justamente pela exigência de precisão histórica. Atento

a essa demanda, Meirelles representa ao fundo, na linha do horizonte, o Cabo de Santo

Agostinho. Na obra “História das Lutas dos Holandeses no Brasil”, de Varnhagen145, a

tentativa de tomada do Cabo de Santo Agostinho pelos holandeses aparece como

deflagradora da batalha no Monte dos Guararapes146. Lugar importante na trama, além de

ser representado na tela, o resumo histórico, que a acompanha, também localiza o Cabo de

Santo Agostinho e aponta para a sua importância na trama, deixando claro ao leitor a

importância do lugar para o desenrolar do combate.

(...) corria boato que os holandeses preparavam-se para nova investida, tendo por
ponto objetivo da sua exploração, com êxito certo de melhor colheita, o Cabo
Santo Agostinho; situado em distância de 20 léguas de caminho, ao sul do Recife,
que naquela época tanto se distinguia por seu grande desenvolvimento. (...)
Barreto de Menezes, por sua parte, apenas teve notícia do ocorrido, convoca o
conselho que decide sair logo ao encontro do inimigo. (...) No último plano, sobre
o horizonte, vê-se o Cabo Santo Agostinho147.

Nesse sentido, a representação topográfica, em especial do Cabo de Santo

Agostinho, atua em duas frentes: localizar onde ocorreu o evento histórico e permear o

discurso com um elemento que remeta à história oficial. Duas maneiras de legitimar a

narrativa pictórica por meio da ênfase no verossímil.

A representação de estratégias militares também atua como um instrumento

autenticador da veracidade da história contada no quadro. No caso de Lejeune a ênfase do

quadro está na disposição do exército no campo batalha, sem enfoque em nenhuma ação

em especial. Enquanto “A Primeira Batalha dos Guararapes” narra um momento

específico e bem definido da trama, o artista utiliza-se do seu conhecimento da estratégia

145
VARNHAGEN, Francisco A. de. História das lutas com os holandeses no Brasil. Desde 1624 até
1654. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2002.
146
Em 1871, o historiador Francisco Adolfo Varnhagen, considerado o pai da historiografia brasileira,
publicava o ensaio “História das Lutas com os Holandeses no Brasil desde 1624 a 1654”, impresso em
Viena. No mesmo ano em que Meireles recebeu a encomenda para a tela “Primeira A Primeira Batalha dos
Guararapes”, Varnhagen já publicava a segunda edição de sua obra, que só foi concluída em 1874.
147
Catálogo das obras expostas na Academia das Belas Artes, em 15 de março de 1879. Rio de Janeiro:
Tip. Pereira Braga & cia., 1879, p. 18-22.

72
militar utilizada na ocasião para dispor os personagens de forma a validar seu discurso

como mais verdadeiro.

Vítor Meireles compõe os personagens na cena conforme a narrativa de Varnhagen

em “História das Lutas dos Holandeses no Brasil”, principal fonte do artista na execução

da tela. Baseado nesta obra, Meireles dividiu o quadro em três partes segundo a posição de

cada uma das frentes do exército lusitano. A imagem não se torna apenas uma

representação de um episódio da história nacional, mas uma janela para esse passado. Se

no caso de Lejeune, a reprodução das manobras de guerra em suas pinturas serviu para

documentar a batalha, tal qual um relatório, no caso de Meireles, esse recurso permitiu que

a obra se tornasse uma espécie de fragmento desse passado.

A íntima relação entre imagem e palavra pode observada na apropriação que

Meirelles faz da obra de Varnhagen. “Batalha dos Guararapes” parece tornar-se imagem-

cópia, na definição de Christiane Raynaud148, de “História das Lutas dos Holandeses no

Brasil”. A influência de Varnhagen é tão presente na pintura que não se restringe à

representação da estratégia militar identificada pelo historiador naquele combate, vai mais

além. Ao retratar a Invasão Holandesa, o artista não a representa como uma luta entre

civilizados e bárbaros, mas como um combate entre heróis, justamente a abordagem de

Varnhagen para o episódio, como veremos a frente. Meireles não somente se utiliza do

livro para compor a tela como também o traduz através da imagem. É ainda mais curioso

constatar que além da utilização que o artista faz das informações presentes na obra do

historiador, o resumo histórico que acompanha a tela cita e por vezes, parafraseia o texto

148
Em seu texto “Quelle est la relation entre le texte et l’image?”, sugere que para o autor definir o grau de
conformidade entre texto e imagem em uma pesquisa faz-se necessário colocar três interrogações acerca da
forma, do efeito e da natureza da imagem. Após fazer esse exercício e observando outros critérios, como o
período em que foram produzidas, concluímos que o quadro “Primeira Batalha dos Guararapes” pode ser
considerada um “imagem-cópia” da obra de Varnhagen, definição da própria autora, uma vez que Meireles
exprime a obra do historiador em imagem. RAYNAUD, Christiane. Le commentaire de document figuré
en histoire médiévale. Paris: Masson & Armand Colin Éditeurs, 1997.

73
de Varnhagen, reforçando essa idéia de imagem-cópia, como veremos no próximo

capítulo desta dissertação.

2.6. A pintura como idealização

Em 1648, foi fundada na França a Académie Royale de Peinture et de Sculpture,

responsável pela institucionalização de uma tradição teórica que tem suas origens no

Renascimento. A doutrina acadêmica estabeleceu uma hierarquia entre os diferentes

gêneros da pintura, no qual a pintura de história ocupava a mais alta posição. A

valorização da pintura histórica sobre os demais gêneros pictóricos segue uma tradição

que remonta a Leon Battista Alberti, em sua obra “Da pintura”149. Afirma, Alberti: “A

maior obra do pintor não é um colosso, mas uma história. A história proporciona mais

glória ao engenho do que o colosso”150. Mais uma vez um topos da historia magistra vitae

reaparece quando falamos de pintura histórica, a sua função distribuir a glória entre

aqueles que a merecem, tornando-os imortais, deixando para a posteridade suas lições e

exemplos.

Durante a gestão de Charles Lebrun, na segunda metade do século XVII, o

secretário da Académie Royale, André Félibien sistematizou estes preceitos nas

Conférences de l’ Académie Royale de Peinture et de Sculpture. Até o final do século

XIX, as doutrinas acadêmicas perduraram em toda Europa e na América Latina.

A competição entre as artes, em especial a literatura e as artes visuais, acirrada

durante o Renascimento, estimulou o desenvolvimento de uma tradição de pintura

narrativa. Tal doutrina baseou-se na Regra de Horácio, Ut Pictura Poesis, segundo a qual

as noções transmitidas através da visão seriam sedimentadas de maneira mais rápida e

eficaz na memória, enquanto aquelas adquiridas por meio da audição seriam facilmente

149
ALBERTI, Leon Battista. Da pintura. São Paulo: Editora Unicamp, 1992, p. 107.
150
Idem, loc. cit.

74
esquecidas. A visão era apreciada enquanto instrumento de conhecimento mais confiável e

legítimo, dessa forma a arte tornava-se fundamental na consolidação de valores morais.

Sendo assim, o pintor, tal como o poeta, distinguia-se por sua capacidade de invenção e

não somente por sua técnica. O pintor não faria uma simples cópia do real, mas

transmitiria um conceito, o que reafirmava o caráter racional da pintura.

A pintura histórica tornou-se o sustentáculo do ensino acadêmico e a sua

valorização garantiu ao pintor um novo status dentro do âmbito social. Em suas

“Conférences”, André Félibien dedicou-se à sistematização de regras para esse gênero

artístico. É interessante observar que muitos dos princípios estabelecidos por Félibien são

evocados por Meireles em resposta à acusação de ausência de emoção em “A Primeira

Batalha dos Guararapes”. O artista escreveu uma crônica com o intuito de filiar sua

composição à tradição artística européia. Nesta, Meireles explicita um a um os preceitos

da arte acadêmica aos quais se subordinou para executar sua tela.

Meireles aponta a unidade da composição como um dos princípios essenciais da

arte e afirma ter submetido a sua pintura a esse preceito. Segundo o artista, “A Primeira

Batalha dos Guararapes”, centra-se em um único assunto, eliminado de sua narrativa tudo

que pudesse causar confusão ao observador e impedir a compreensão da mensagem ali

exposta. Legitima assim sua composição a partir de uma tradição que concebe uma obra

de arte somente se guiada pelo principio da unidade.

É dessa subordinação rigorosa na disposição dos episódios e sua relativa


importância que resulta, sempre, num painel, o caráter de grandiosidade, a
simplicidade e a perfeita unidade que, ainda os mais estranhos nesses preceitos da
arte, jamais deixaram de reconhecer como indeclinável, e que me ufano de ter ali
observado. (...) A arte entre nós está ainda no período da juventude, a produção,
como a crítica, não pode deixar de seguir as normas estabelecidas pelos povos, em
que uma e outra têm melhor florescido151.

Nas Conférences, Félibien pregava a necessidade de obedecer-se ao princípio da

unidade. O cumprimento desta doutrina exigia uma alta dose de idealização, uma vez que

151
SAMPAIO, Op. Cit., 1880, p.244.

75
todas as figuras deveriam estar associadas e funcionar como reforço para a caracterização

específica da ação do herói retratado. Todo o quadro deveria demonstrar uma única ação

(virtuosa), num único momento e num único cenário. Nas palavras de Félibien:

O que chamamos de História ou de Fábula em um quadro é a imitação de uma


ação que aconteceu, ou poderia ter acontecido, entre várias pessoas; é preciso, no
entanto observar que em um quadro só poderá haver um único tema; e ainda que
lhe seja coberto com um grande número de figuras, elas devem todas ter uma
relação com a figura principal152.

Ainda na defesa de sua obra, Meireles chama a seu favor outros princípios da

teoria da pintura, como a importância da ordenação das figuras, das proporções, da

perspectiva e do claro-escuro, também pregadas por André Félibien153.

Os episódios, por mais pitorescos e característicos de uma batalha, cujo fim fosse
tão somente representar a destruição ou o extermínio de uma raça pela outra, não
poderiam, na tela dos Guararapes, contribuir senão para excitar o interesse
calculado pelo artista, que só cogitou de chamar a atenção do espectador sobre as
personagens principais. (...) O movimento na arte de compor um quadro não é,
nem pode ser tomado no sentido que lhe querem dar os nossos críticos. O
movimento resulta do contraste das figuras entre si e dos grupos entre uns e
outros; desse contraste, nas atitudes e na variedade das expressões, assim como
também nos efeitos bem calculados das massas de sombra e de luz, pela perfeita
inteligência da perspectiva, que, graduando os planos, nos dá também a devida
proporção entre as figuras em seus diferentes afastamentos, nasce a natureza do
movimento, sob o aspecto de verossímil, e não cunho do delírio154.

O artista alia a excelência de sua formação artística, que o torna familiarizado

com as doutrinas da tradição pictórica, e a sua fidelidade à pesquisa empírica que

legitima tudo o que ele representa em sua tela como “verossímil” e não fruto do

“delírio”.

Os meus estudos feitos na Europa, nos países onde mais se engrandeceu o culto
das musas, deram-se o conhecimento, ao menos, dos princípios fundamentais da
composição artística, que não se leva ou se abate pela vontade do artista ou dos
que o deprimem155.

152
FÉLIBIEN Apud OLIVEIRA & MATTOS. Op. Cit., p.123.
153
Cf: FÉLIBIEN, André. Entretien sur les viés et les ouvrages des plus excellents peintres anciens et
modernes. Paris, Trévoux, 1725; Id. Diálogos sobre as vidas e as obras dos mais excelentes pintores antigos
e modernos. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A pintura – textos essenciais. vol. 3. São Paulo:
Editora 34, 2004.
154
SAMPAIO, Op. Cit., 1880, p.244, grifos nossos.
155
Idem, p.245.

76
CAPÍTULO 3

AS MARCAS DE ENUNCIAÇÃO NA PINTURA HISTÓRICA

E NA CRÍTICA DE ARTE OITOCENTISTA

Na pintura histórica, a arte cava seus alicerces no terreno sólido da verdade, ou, se
julgarem melhor, da Verossimilhança; edificar sobre outras bases é patentear
desejo de aumentar o não pequeno número de ruínas existentes156.

A relação entre verdade e conhecimento historiográfico definiu, pelo menos desde

de Tucídides, a identidade do historiador e até hoje é tema de discussões no campo da

História. Há uma extensa bibliografia sobre este assunto, em especial, no século XIX,

quando a disciplina foi fundada a partir do pressuposto de que seria possível resgatar o

passado através de seus vestígios, as fontes. Entretanto, essa conexão entre conhecimento

e verdade não é exclusividade do campo historiográfico, ela perpassou vários saberes no

oitocentos, tendo sido um deles a arte.

Os pintores de história também imprimiam em suas pinturas elementos que

serviam para legitimar a credibilidade de seu relato. Um dos principais instrumentos de

validação da pintura de história era o procedimento de citações. Essas citações serão aqui

divididas em duas categorias: as referências às fontes de pesquisa, sejam elas cartas, livros

ou viagens; e, as citações à obras de outros pintores.

A segunda categoria refere-se à natureza do trabalho do artista, seja pintor histórico

ou não, na medida em que ele deveria ter domínio da tradição artística, dialogar com as

obras de arte do passado e do presente. “Para o pintor nada pode se tornar um ‘tema’,

senão aquilo que ele é capaz de assimilar no vocabulário que já aprendeu”157.

156
Idem, p.26.
157
GOMBRICH, E. H. Norma e forma – estudos sobre a arte da Renascença. São Paulo, Martins Fontes,
1990, p. 170.

77
A citação era um instrumento legítimo da arte oitocentista. A 25ª Exposição Geral

foi marcada pelas acusações de plágio feitas a Pedro Américo e a Vítor Meireles, episódio

conhecido como “Questão Artística de 1879”. Todavia, cabe ressaltar que a própria

concepção de originalidade foi criada pelos impressionistas, portanto algo fora de questão

para os pintores de história. A referência a outras obras era uma forma do artista exibir sua

erudição, de demonstrar seu domínio sobre a tradição artística.

Ainda sobre esse assunto, convém apontar outra finalidade a que servia o

instrumento de citações. Além de garantir a veracidade da cena representada através da

investigação documental, o artista também podia se fazer valer da citação para imprimir

em suas telas testemunhos mais fidedignos do acontecimento. Tomaremos como exemplo,

a análise de Jorge Coli sobre o quadro “A Primeira Missa no Brasil”, de Vítor Meireles,

exposta pela primeira vez no ano de 1861158. Coli aponta que a busca por uma narrativa

mais verossímil não se restringia à pesquisa histórica, como no caso da “Carta de Pero Vaz

Caminha”159. O autor chama nossa atenção para outro procedimento, a referência de

Meireles à obra de Horace Vernet, “Première messe en Kabilie”, apresentada em 1855 no

Salon de Paris160.

Vernet não somente participou pessoalmente do evento representado no quadro,

como projetou o altar em que foi realizada a missa. Isso conferia à tela uma legitimidade

que não poderia escapar a Meireles. Como abordar uma temática análoga sem fazer

referência à obra de um artista que não somente representou uma cena semelhante, como

também vivenciou o momento em questão? Nas palavras de Coli,

158
COLI, Jorge. Primeira Missa e a invenção da descoberta. In: NOVAES, Adauto. A descoberta do
homem e do mundo. São Paulo: Compainha das Letras, 1998b.
159
A “Carta de Pero Vaz Caminha”, foi publicada somente em 1817, na “Corografia Brasílica”, de Aires de
Casal.
160
“Salon – exposição de pintura, feita anualmente em Paris, pela Societé des Artistes Français. Realizada
pela primeira vez em 1667, sob égide do ministro das finanças de Louis XIV, Coulbert, foi organizada no
Louvre para mostrar os trabalhos dos artistas vivos membros da Real Academia de Pintura e Escultura”. Cf:
Como apreciar a arte. In: As belas artes. Enciclopédia de Pintura, Desenho, Escultura. Porto Publicações e
Artes Gráficas, 199 7, v. 10, p. 228.

78
Como já foi assinalado, Vernet presenciara o acontecimento, fora mesmo seu
metteur-en-scènè. Esta situação, na qual um outro pintor, inda mais de grande
prestígio, era testemunha e participante do fato histórico, introduz um aspecto
suplementar na ‘verdade’ que Meireles buscava: além da carta de Caminha, além
do estudo da natureza local, havia uma experiência visual contemporânea análoga
àquela passada em 1500, que permitia um reforço na verossimilhança da imagem.
Por todas essas razões, nosso brasileiro tomou-a como modelo, e dela extraiu o
núcleo de sua obra161.

Na outra categoria de citação, o artista legitima a sua pintura como verdadeira

através de referências às obras de renomados historiadores, aos relatos de testemunhas

oculares ou à sua experiência pessoal, seja no campo de batalha ou na observação in loco

do lugar onde o combate foi travado. A alusão a esses materiais podia ser feita na própria

imagem, como foi o caso da citação da obra de Varnhagen na tela “Primeira Batalha de

Guararapes”, ou em instâncias indiretas, como nos catálogos das exposições ou na crítica

de arte. A esses dispositivos de ratificação de um texto visual ou verbal é dado o nome de

marcas de enunciação162.. São esses códigos que conformam uma narrativa como

verdadeira, expressões como “eu vi” e/ou “eu ouvi” configuram-se como centrais na

demarcação dos limites do verossímil em uma narrativa historiográfica. É a ausência ou a

presença dessas marcas de enunciação que tornam o relato mais ou menos crível.

Sendo assim, os pintores históricos deixavam suas marcas de enunciação nas telas

que produziam com o intuito de validar sua narrativa como verdadeira. A relação entre o

público e o artista também era estabelecida por meio da credibilidade, era o estatuto de

verdade que definia aquela obra como pertencente a esse gênero artístico.

A pintura de história buscava fundar uma identidade nacional através da

representação dos momentos históricos eleitos pelo IHGB como símbolos de nossa

história. O sucesso da função didática destas telas somente seria possível se fossem

apreendidas como um relato fiel do fato histórico, pois assim o observador a tomaria como

161
COLI, Op. Cit., p. 113.
162
Esse termo foi criado por François Hartog, no livro “O Espelho de Heródoto, onde o autor busca através
de um jogo de espelhos fazer-nos refletir através da narrativa heroditiana sobre os princípios
epistemológicos que marcam o conhecimento historiográfico ainda hoje. Cf: HARTOG, 1999.

79
real e estabeleceria uma relação de confiança com ela. Esses quadros estavam cercados de

mecanismos de legitimação, seja no catálogo da exposição onde havia roteiros de

apreciação dos quadros que adequava o olhar do observador ao do artista, na crítica de arte

que elegia quais telas eram mais fidedignas ou não e, é claro, na própria pintura que trazia

consigo códigos que a conformavam como real.

O século XIX inaugura no campo artístico um novo debate acerca do realismo. O

grau de aproximação do real torna-se um dos componentes fundamentais da arte

oitocentista, em especial da pintura histórica. O objetivo deste gênero artístico parece ter

sofrido um deslocamento da sua função didática para sua capacidade de apreensão do real,

embora não haja uma sobreposição completa, progressivamente as pinturas de história

foram tornando-se uma representação que se pretendia verdadeira e objetiva do passado.

As temáticas religiosas são pouco a pouco deixadas a margem por aquelas voltadas

para a história nacional. Os pintores históricos vêem-se confrontados com novas

exigências e buscam em outros campos os instrumentos para saciá-las. O grau de

idealização aceito em uma obra sobre a história nacional é bem inferior ao permitido numa

pintura mítica. A consulta às fontes não é mais uma opção, mas uma exigência.

O artista precisa reunir dados sobre o fato a ser representado, e por isso realiza

observação in loco, arrola a documentação e bibliografia existentes sobre o assunto e se

possível entrevista testemunhas do evento. A orelha (akoê) e o olho (opsis), as bases do

método heroditiano, aparecem, aqui, como fortes marcas de enunciação. A pesquisa

bibliográfica como uma dimensão do “eu ouvi”, das informações obtidas através do relato

de terceiros. Enquanto, a observação dos cenários de guerra e de seus vestígios materiais

configuram-se como uma extensão do “eu vi”. A pesquisa apóia-se na opsis, ou seja, na

autópsia, aquilo que se pode ver, contudo quando as barreiras do tempo e do espaço se

colocam a akôe a substitui. Mas é a autópsia a responsável pelo conhecimento de natureza

80
mais verdadeira e confiável163. Todo o tempo os pintores de história trabalham entre a

opsis e a akôe, legitimando a partir dessas dimensões as suas narrativas como verossímeis.

3. 1. Resumo Histórico: a construção de imagens através de palavras

Os catálogos das Exposições Gerais da AIBA começaram a ser publicados a partir

de 1841164. Até o ano de 1862 esse arrolamento de artistas e obras era divulgado no

periódico “Notícia do Palácio da Academia Imperial de Belas Artes”, somente em 1864

passou a ser publicada de maneira independente. Esses catálogos não eram ilustrados,

tratavam-se de relações com os nomes dos artistas, suas obras, e a localização dessas na

exposição. Alguns traziam informações complementares, como é o caso dos textos sobre

as pinturas de história, e são eles, justamente, o nosso maior interesse nos catálogos das

Exposições de 1872 e 1879.

Esses textos visavam dar maior clareza ao público dos episódios narrados nas telas.

Entendemos que eles são parte integrante da pintura histórica, pois as completam, na

medida em que conformam o olhar do observador de acordo com a interpretação oficial da

obra. O roteiro de leitura dessas obras divide-se em dois momentos: o resumo histórico

propriamente dito e a descrição do quadro. O resumo histórico busca inserir o observador

no momento representado na tela e a descrição do quadro, além de identificar os

personagens, o lugar e a data, também justifica as escolhas do artista.

O resumo histórico narra passo a passo as etapas que conduziram até a batalha em

questão. Utilizando-se, às vezes, de uma linguagem pessoal, relata cada lance do embate,

recorrendo a uma narrativa que prima pela emoção e dinamismo. O leitor acompanha cada

um dos momentos da batalha, como se fosse uma testemunha do próprio combate.

Recursos como a data, a hora, as tropas, os objetos e as pessoas encontradas durante o

163
HARTOG. Op. Cit., 1999.
164
A primeira exposição data de 1829 e não teve catálogo publicado.

81
embate são utilizados para que o leitor produza imagens do evento. O visitante da

Exposição Geral já era envolvido em imagens antes mesmo de apreciar as obras de arte, o

catálogo era o responsável por fazer com que o espectador produzisse imagens da tela

antes mesmo de vê-la. Imagem e palavra parecem a todo momento se complementarem

durante o século XIX.

Às 6 horas da manhã do dia 16 de agosto de 1869, levantou acampamento o 1°


grupo do exército brasileiro, e pôs-se em marcha pela mesma estrada por onde
havia fugido o ditador Francisco Solano Lopez, com todo o seu exército e
comitiva, encontrando pouco adiante muitas carretas quebradas bem como cavalos
mortos, e diversos objetos abandonados pelo inimigo165.

Às 3 ½ horas da madrugada, logo depois de nascer a lua, dado pelo navio chefe o
sinal de avançar, rompeu a honrosa marcha o Barroso levando a seu lado o
monitor Rio Grande, seguido pelo Bahia com o Alagoas, e após estes, o
Tamandaré com o Pará166.

O leitor do catálogo pode visualizar o amanhecer num acampamento militar ou o

anoitecer a bordo de um navio de guerra. Imaginar e sentir a tensão da nossa tropa com o

avanço das forças paraguaias por entre a correnteza das águas, durante a Guerra do

Paraguai.

Na manhã do glorioso e para sempre memorável dia 11 de Junho de 1865 às 9hs,


anunciavam as vigias ter à vista uma esquadra inimiga, a qual, favorecida pela
grande correnteza das águas, em poucos minutos passou em frente a nossa
margem oposta, e foi seguindo águas abaixo, para colocar-se junto da barranca do
Riachuelo167.

A especificação da data, assim como do horário, serve como forma de localização

do leitor no tempo. E poderíamos ir mais além, atua como uma forma de canonização

daquela data, inserindo-a na linha do tempo dos fatos gloriosos da história brasileira, como

é o caso do dia da primeira luta no Monte dos Guararapes.

165
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 146 - Batalha de Campo Grande,
de Pedro Américo. Catálogo da Exposição Geral de 1872. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes.
Acervo do Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
166
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 167 – Passagem do Humaitá, de
Vítor Meireles. Idem.
167
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 166 – Combate Naval do
Riachuelo – jornada de 11 de Junho de 1865, de Vítor Meireles. Idem.

82
No memorável dia 19 de abril de 1648, destinado a marcar mais um triunfo em
testemunho de quanto pode o ardor e o patriotismo de um povo, ferido nos seus
brios e que, firme na verdadeira justiça da causa que defende, e pela fé com que
combate, sabe ser o vencedor; acharam-se os dois exércitos enfrentados para
renhida luta168.

Aliada à explicitação da data e hora, também recorre-se à descrição do clima e da

topografia do terreno da batalha. O resumo histórico concede mais que um relato de fatos,

ele dá ao leitor as ferramentas para que ele imagine a cena, fornecendo durante a narrativa

paisagens da batalha.

No dia 11 de dezembro de 1868, sob o comando do invicto general Duque de


Caxias deu-se esta memorável batalha as margens do Rio Avahy, confluente do
Paraguai.
Era chuvoso o dia e a batalha que feriu-se as10 horas da manhã terminou cerca de
meio-dia pouco antes o sol rompeu as densas nuvens que escureciam o céu, e
iluminou ao longe as coxilhas de Lomas Valentinas169.

Esses textos nos fornecem por diversas vezes imagens épicas das batalhas

nacionais, assemelhando-se mesmo com uma composição de pintura histórica.

Nesta ocasião, no meio do medonho estampido que partia de Humaitá, e dentre as


densas nuvens de fumaça que toldavam o ar, vê-se subir um foguete que, partindo
do Barroso, anuncia a toda a esquadra que o Passo de Humaitá está vencido170.

O resumo histórico acaba complementando a pintura, pois é a partir da leitura que

o visitante da exposição começa a ser seduzido pela narrativa da batalha, deslocando-se da

postura passiva de leitor para a de testemunha ocular do combate, posição essa coroada

quando se coloca diante da tela. Em alguns casos, o autor utiliza-se da primeira pessoa do

plural para reforçar a inserção do leitor da narrativa:

A luta prolongou-se terrível, porque indecisa, durante algum tempo, até por vezes
pareceu-nos necessário ceder. (...) A presença do general em chefe na extrema
vanguarda do exército, o aspecto a um tempo galhardo e imponente dos oficiais
que o acompanhavam, e sobretudo a impetuosidade dos nossos soldados, que

168
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 143 - Primeira Batalha dos
Guararapes, de Vítor Meireles. Catálogo da Exposição Geral de 1879. Arquivo da Academia Imperial de
Belas Artes. Acervo do Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
169
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 133 - A Batalha do Avay, de
Pedro Américo. Idem.
170
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 167 – Passagem do Humaitá, de
Vítor Meireles. Op. cit, 1872.

83
seguiam tão nobre exemplo, foram motivos que determinaram a retirada
precipitada dos paraguaios, os quais, à medida que fugiam para se
entrincheirarem em uma defesa próxima, iam, segundo é seu costume,
incendiando a macega e o sarçal do campo, para assim nos anteporem um
obstáculo invencível, e ao mesmo tempo subtraírem-se aos nossos olhos, envoltos
eles e nós nas labaredas e nos imensos turbilhões de fumo que se levantavam da
terra171.

Todavia, é na descrição dos quadros que encontramos sua legitimação através dos

procedimentos científicos. Em algumas descrições, seus autores indicam onde e como os

artistas realizaram suas pesquisas e qual o material analisado. No caso do texto que

acompanhava o quadro “Batalha de Campo Grande”, existe a especificação das pesquisas

realizadas por Pedro Américo para compor os soldados paraguaios, desde seu aspecto

físico até seus uniformes.

As figuras paraguaias foram tiradas, mais ou menos modificadas pelas exigências


da composição, dos muitos prisioneiros, e outros paraguaios, que estiveram nesta
capital. Os uniformes e as armas brasileiras, bem como todos os objetos
paraguaios, foram fielmente copiados do natural (Para maiores esclarecimentos,
consultem-se as primorosas descrições, apreciações ou análises do painel, que
correm impressas)172.

As viagens ao local da batalha também eram um ponto importante para imprimir

credibilidade ao tema representado. Essas viagens indicam que o artista realizou pesquisas

no local da batalha, mas principalmente imprimem na tela a dimensão do “eu vi”, ou seja,

da experiência. A autópsia como elemento por excelência de ratificação de uma narrativa

como verdadeira, pois os conhecimentos produzidos através da visão são mais confiáveis

do que os obtidos pelo ouvido.

(...) o autor fez uma viagem a Pernambuco com o único fim de estudar a
topografia do lugar, onde se deu a batalha, conforme o refere a História173.

Estes dois quadros (“Passagem de Humaitá” e “Combate Naval de Riachuelo”)


encomendados em 1868 pelo Exmo. Sr. Conselheiro Affonso Celso de Assis
Figueiredo, então Ministro da Marinha, e que o artista para o seu maior

171
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 146 - Batalha de Campo Grande,
de Pedro Américo. Idem.
172
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 146 - Batalha de Campo Grande,
de Pedro Américo. Idem.
173
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 143 - Primeira Batalha dos
Guararapes, de Vítor Meireles. Op. cit., 1879.

84
desempenho, foi a custa do governo ao Paraguai fazer os indispensáveis estudos,
pertencem aquele ministério174.

Entre todos os textos dos catálogos consultados um, em especial, chamou nossa

atenção. Trata-se do resumo relativo à tela “Primeira Batalha dos Guararapes”. Ele é o

único que além de trazer todos os códigos acima mencionados, também utiliza-se de

outros instrumentos de legitimação, como por exemplo a citação direta de uma obra

historiográfica.

O autor do texto do catálogo especifica a bibliografia a partir da qual encontrou

determinadas informações, valendo-se duas vezes de notas de rodapé, uma referindo-se à

obra “Castrioto Lusitano”, de Rafael de Jesus175 e outra à “História das Lutas contra os

Holandeses no Brasil”, de Varnhagen.

“Castrioto Lusitano”, de Rafael de Jesus, é sublinhada por José Honório

Rodrigues176 como uma das quatro obras mais importantes acerca da história dos

holandeses no Brasil, produzidas no século XVII. Junto ao Frei Rafael de Jesus encontram-

se nomes como: Frei João de Santa Teresa, Dom Francisco Manuel de Melo e Diogo Lopes

Santiago. A obra deste último foi publicada nas páginas da Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro (RIHGB), entre os anos de 1875 e 1879, e voltaremos a ela no

próximo capítulo.

174
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 167 – Passagem do Humaitá, de
Vítor Meireles. Op. cit., 1872, grifos nossos.
175
"Frei Rafael de Jesus, monge beneditino, nascido em Guimarães em Maio de 1614, morreu no Convento
de Lisboa em 23-XII-1693. Foi procurador geral da Ordem de S. Bento, no Porto, em 1668, e em Braga, em
1676. Exerceu ainda outros cargos, entre os quais o de cronista-mor da ordem, para que foi nomeado em 11-
XI-1681. A sua fama de pregador em Lisboa e em várias cidades de Espanha mereceu-lhe a nomeação de
pregador régio. A relação das suas obras é vasta: entre as quais Castrioto Lusitano, Parte I, entre-presa e
restauração de Pernambuco, e das capitanias confinantes, vários e belicosos sucessos entre Portugueses e
Belgas, acontecidos pelo decurso de 24 anos, e tirados de notícias, relações e memórias certas, oferecidos a
João Fernandes Vieira, Castrioto Lusitano, Lisboa, 1670; Castrioto Lusitano, ou história da guerra entre o
Brasil e a Holanda, durante os anos de 1624 a 1654, terminada pela gloriosa restauração de Pernambuco e
das capitanias confinantes; nova edição, dedicada a S. M. I. o Senhor D. Pedro II; ornada com retrato de
João Fernandes Vieira e duas estampas históricas, edição feita em Paris, em 1844, por João Pedro Aillaud,
sendo coordenador da obra o Dr. Caetano Lopes de Moura". Cf: GRANDE Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira. Lisboa: Ed. Enciclopédia, 1936 - 1960. v.14
176
RODRIGUES, José Honório. Historiografia del Brasil (siglo XVII). Tradução do português por A.
Alatorre. México, Instituto Panamericano de Geografia e História, 1963, p. 75.

85
Esta obra é uma biografia João Fernandes Vieira e foi o próprio que a encomendou

a Frei Rafael de Jesus. Ao contar a história da invasão e da restauração através da vida de

Vieira, o autor compara o biografado ao príncipe albanês Jorge Skanderbeg Castrioto177.

Após a publicação desta obra, Rafael de Jesus foi nomeado o cronista-mor do reino no ano

de 1681. Embora Varnhagen tenha criticado muito este livro, considerando-o evasivo,

utilizou-o como fonte para a sua “História das Lutas com os Holandeses no Brasil”.

Sua primeira edição data de 1679178, vinte e cinco anos depois da expulsão dos

holandeses e trinta e um anos após a primeira batalha ocorrida no Monte dos Guararapes.

Em 1844, “Castrioto Lusitano” foi reeditado e oferecido em homenagem à D. Pedro II.

Importante título a ser incluído entre a bibliografia selecionada pelo artista, já que se trata

de uma obra encomendada por um dos principais personagens do combate, representado

na tela, e considerado um clássico da literatura sobre o tema, consultado inclusive pelo

maior ícone da historiografia brasileira, Varnhagen. O autor do texto do catálogo se pauta

na obra de Rafael de Jesus para dar a hora precisa em que o combate nos Guararapes

começou e em que o artista se baseou para definir a iluminação da cena 179.

Em 1871, o historiador Francisco Adolfo Varnhagen publicava o ensaio “História

das Lutas com os Holandeses no Brasil desde 1624 a 1654”, impresso em Viena. No

mesmo ano em que Meireles recebeu a encomenda para a tela “Primeira Batalha dos

Guararapes”, Varnhagen já publicava a segunda edição de sua obra, que só foi concluída

em 1874.

177
Jorge Castrioto (Gjergj Kastrioti) nasceu em 1405 e faleceu em 1468, conhecido como como
Skanderbeg, proclamou guerra contra os turcos no ano de 1443 e derrotou o exército de Murad II. Castrioto
foi transformado pela história nacional albanesa em um de seus principais heróis por ser considerado o
responsável pela construção de uma identidade nacional.
178
Segundo J. H. Rodrigues data desta época a primeira edição de “Castrioto Lusitano”, e ainda de acordo
com ele o manuscrito presente no acervo da Torre do Tombo seria o original. Cf: RODRIGUES, Op. cit., p.
77.
179
A nota do catálogo diz o seguinte: “Vide CASTRIOTO LUSITANO, p 508 da nona edição, segundo a de
1679, imprensa por Claesbeerch, e publicada em Paris por J. P Arlland, no ano de 1844”. Cf: Descrição do
resumo histórico e descrição resumida do quadro número 143 - Primeira Batalha dos Guararapes, de Vítor
Meireles. Op. cit, 1879.

86
O conhecimento que Meireles tinha da obra de Varnhagen é inquestionável. O

resumo histórico também faz alusão ao autor na referência bibliográfica180, mas não se

limita a isso, o texto parafraseia a narrativa de Varnhagen em alguns momentos. Segue

abaixo trechos das duas narrativas, onde podemos observar sua semelhança. Primeiro o

texto do resumo histórico:

Dispondo o ataque em três corpos, confia um dos flancos a Camarão, outro a


Henrique Dias e o centro a João Fernandes Vieira, ordenado mais, que, dada a
primeira carga, acometessem todos a arma branca. Avançaram os nossos com a
maior resolução, e tal foi o ímpeto, que rompendo logo os batalhões inimigos,
ficaram estes completamente desordenados, perdidos, e cheio de grande confusão.
Henrique Dias, esse novo Cipião, mais uma vez mostra quanto pode o valor dos
seus pretos, apossando-se por um momento da artilharia do inimigo, das suas
munições e caixa do dinheiro; mas, lançando o inimigo a sua brigada de reserva
comandada por Van-Elst e Hous contra Henrique Dias, não pode este sustentar-se,
recuperando aquele o que havia já perdido181.

Agora o mesmo evento, porém nas palavras de Varnhagen:

Ordenou, pois, o ataque em três corpos, confiando o de um dos flancos ao


Camarão, o do outro a Henrique Dias, e o centro a João Fernandes Vieira. Dada a
primeira descarga, acometeram todos a arma branca, e conseguindo romper o
inimigo, chegaram a ter-lhe tomada a artilharia, munições e caixa do dinheiro.
Lançando, porém, o chefe contrário a brigada de reserva, com os terços de van
Elst e Haus, contra Henrique Dias, obrigou-o a retirar-se, sem lhe poder acudir a
tempo a nossa reserva; pelo que conseguiu recobrar a sua artilharia, e o mais que
se lhe havia tomado, visto que os nossos, ao romper as fileiras do inimigo, haviam
ficado mais desordenados que ele.182

Considerado o fundador da historiografia brasileira, a presença de Varnhagen entre

a bibliografia é mais um mecanismo utilizado para dar credibilidade não só ao texto do

catálogo, mas à própria pintura.

3. 2. A crítica de arte

Como já mencionamos, as Exposições Gerais da Academia Imperial foram

marcadas pela expressiva presença do público. Graças a essa popularidade, diversos

180
A nota do catálogo diz o seguinte: “Vide as partes oficiais de Barreto de Menezes na obra “Os holandeses
no Brasil”, de Varnhagen, p. 231”. Idem.
181
Catálogo das obras expostas na Academia das Belas Artes, em 15 de março de 1879. Op. Cit., 1879,
p. 20.
182
VARNHAGEN, Op. Cit, p.237-238.

87
periódicos da época ocuparam-se desses eventos. Não só no Brasil, mas também em

diversos países da Europa e da América Latina, a crítica de arte exercia um papel-chave,

debatendo sobre a função didática da arte, o valor do realismo na pintura, a importância à

observação das leis acadêmicas, os parâmetros que configuravam esta ou aquela obra

como arte, além de fornecer roteiros de leituras das peças e da exposição como um todo183.

É possível identificar nessas narrativas os mecanismos de legitimação da pintura

histórica enquanto um relato fiel da história, além da própria definição e função deste

gênero que circulava no oitocentos. Assim como a história, a arte possuía um sentido

moral.

A arte moderna tem um norte, a verdade; tem um fio, a justiça.


A justiça e a verdade, eis a missão civilizatória que lhe pode impor, sem o
rebaixar.184.

A crítica de arte não raras vezes especificava os procedimentos de pesquisa

utilizados pelos artistas, como é o caso das citações, do levantamento bibliográfico, da

coleta de relatos de testemunhas sobre o tema das telas, entre outros.

3. 2.1. Os vestígios do passado

No livro “O Espelho de Heródoto”, Hartog aponta a supremacia da visão sobre a

audição no que se refere à credibilidade do relato histórico185. A visão pressupõe a

experiência com o passado, seja através da participação direta no evento narrado ou da

experimentação por meio do contato com algum vestígio seu. O "eu vi" torna crível a fala

do historiador, na medida em que ele a legitima pela experimentação desse passado.

Encontramos na crítica de arte a visão como elemento central nas acusações e

defesas das obras de Meireles e Américo. No Jornal do Comércio, do ano de 1879, Vítor

183
BAUDELAIRE et alii, Op. cit.; COSTA, Op. cit; PRAMPOLINI, Op. cit.
184
SAMPAIO, Op. Cit., 1880, p. 245.
185
HARTOG, Op. Cit, 1999.

88
Meireles foi recriminado por usar como modelos armas e roupas pertencentes ao Teatro do

Sr. Ferrari e não os originais da época para executar a tela “Primeira Batalha dos

Guararapes”.

No Rio de Janeiro, afora algumas setas, arcos e toucados de plumas dos nossos
selvagens, que se encontram no Museu Nacional, os artistas tem de se contentar
com os recursos fantásticos e anacronismos do guarda-roupa do Teatro do Sr.
Ferrari, e ainda assim só durante dois ou três meses do ano.
A respeito de armas notáveis só conheço aqui a lança-obelisco do General Osório,
e a bengala tortuosa do Barão de Caiapó.
Modelos desenhados também os não há no Brasil, e como estes objetos
indispensáveis à feitura de um quadro histórico, faltam muitos outros (...).
Com estes elementos ou, melhor ainda, com a falta deles, pintou o Sr. Vítor
Meireles a sua Batalha dos Guararapes.
Agora, pergunto eu, poderá alguém exigir neste quadro: exatidão na aparência dos
principais personagens do quadro, verdade absoluta nos acessórios, e correção
minuciosa no desenho do nu, quando Vítor Meireles não teve a sua disposição
nem retratos, nem museus, nem modelos?
Em que poderá, com justiça, exercer-se severidade para o quadro deste pintor?
Composição? 186

No que concerne a questão do contato com os objetos originais do século XVII,

Rangel de Sampaio defende o amigo lembrando aos críticos que Meireles foi a

Pernambuco onde pode “ver” diversos artefatos dessa época.

Engana-se, pois, quem pensar que Victor, por carecer de modelos para a
reprodução da armas, vestuários e outros acessórios do fato, a que deu o último
traço de imortalidade, deixou alguma coisa a desejar a semelhante respeito.
Se ele não os teve com a abundância, com que os encontraria na Europa,
principalmente nos Países Baixos, não deixou de obtê-los em Pernambuco.
Há no Recife uma associação importante, que só não tem compreendido bem seu
papel civilizador, porque só tem olhos para o período holandês: _ É o Instituto
Arqueológico Pernambucano. Pois bem, nele Vítor Meireles encontrou armas e
muitos outros acessórios, de que teve necessidade187.

É interessante questionar porque Sampaio não menciona a coleção de cópias de

armas do século XVII do artista? Meireles reuniu cópias de diversos instrumentos bélicos

para ajudá-lo a compor seu quadro188, porém a defesa que Sampaio fez do amigo não

mencionou essa coleção, optou por validar a obra pelo contato visual com as peças

originais. Afirmar que o artista viu peças originais do período e que a partir delas compôs

186
SAMPAIO, Op. Cit, 1880, p. 24-25, grifos do autor.
187
Idem, p. 259.
188
No acervo do Museu Histórico Nacional (MHN), encontram-se diversos equipamentos de defesa que são
atribuídos a essa coleção de Meireles, alguns desses objetos fazem parte da exposição permanente
“Expansão, Ordem e Defesa”, ainda em exibição nessa instituição.

89
sua tela, garante muito mais legitimidade do que um conhecimento obtido por meio de

cópias. O pintor viu, ele mesmo, as peças, as tocou, experimentou esse passado através do

tato e da visão, ninguém lhe contou, esse passado não lhe foi transmitido por meio da

akôe, mas sim da autópsia. A defesa é muito mais legitima quando pautada na vivência,

por que mencionar as cópias se Sampaio tinha algo muito mais valioso, o contato visual do

artista com os vestígios do passado.

3.2.2. A dimensão do testemunho nas viagens

As viagens ocupam um lugar central nos argumentos de defesa ou acusação às

pinturas de história; a marca "ele viu"/ “eu vi” é constantemente retomada seja pelos

críticos ou pelo próprio artista. O ato de ir até o local da guerra invoca a dimensão da

experiência, ou seja, de ter vivenciado alguma forma aquele passado.

No texto de Rangel de Sampaio sobre o quadro “Primeira Batalha dos Guararapes”

a todo momento o autor chama em defesa de Meireles o fato dele ter examinado a região

onde o combate se desenrolou. Nessa mesma obra, o autor também enfatiza a viagem feita

pelo artista ao cenário da Guerra do Paraguai, com o intuito de reunir informações para

pintar “Combate Naval de Riachuelo” e “Passagem de Humaitá”.

A primeira viagem mencionada por Sampaio foi a Pernambuco e durou cerca de

três meses, teve como objetivo visitar o Monte dos Guararapes, lugar onde se desenrolou a

batalha contra os holandeses no século XVII. Na outra viagem, o artista seguiu para o

campo de batalha, em Humaitá, e observou a bordo do vapor Brazil alguns momentos da

Guerra do Paraguai, inclusive a tomada da fortaleza localizada nesse região, em 1868.

Essas incursões atuam como marcas de credibilidade do relato do artista através da

“experiência”, embora o façam de formas diferentes.

90
No caso da viagem a Humaitá e Riachuelo, é óbvia a dimensão do testemunho, o

artista vai à guerra para “ver ele mesmo” a batalha que pretende representar. Meireles

pinta o que viu, ou melhor, ele pode pintar a Guerra do Paraguai por que ele a

“experimentou”. Segundo Tucídides, somente por meio da opsis se poderia escrever a

história, a visão entendida como o sentido humano mais confiável, era o único capaz de

produzir um conhecimento válido. A história deveria ser sempre a história do presente,

pois seria a única possível de ser verdadeiramente relatada, nenhuma informação obtida

por meio da akôe era digna de confiança. Somente aquele que experimentou pode narrar a

posteridade a sua vivência, o fato de ter vivido a guerra qualifica Meireles para narrá-la.

Em Pernambuco, a vivência dá-se de modo mais sutil. Enquanto no caso particular

da viagem a Humaitá, o artista vê o evento e é isso que o gabarita para retratá-lo, no caso

da Invasão Holandesa é impossível pela barreira do tempo assistí-la. Entretanto, a

experimentação desse passado não lhe era de todo inacessível na perspectiva do século

XIX. Observe o que diz Rangel de Sampaio sobre a viagem de Meireles a Pernambuco:

Consciencioso como é, atento ao estudo topográfico, e todos os acidentes físicos,


que se ligam aos assuntos que intenta imortalizar em suas telas, ele, encarregado
de comemorar a batalha dos Guararapes, ia examinar o teatro da ação.
E fazia bem. Os lugares célebres como que se prestam a narrar-nos os gloriosos
feitos de que foram testemunhas _ assim saibamos interrogá-los.
Quando sobe-se pelo dorso inclinado dos Guararapes em demanda da Igreja dos
Prazeres , do meio d'aquela paisagem esplêndida, iluminada por um céu da mais
pura e nítida safira, e bafejada pelas mais frescas brisas do Atlântico; e de cima
d'aquele solo esburacado pelas chuvas torrenciais do inverno e endurecido pelo sol
de fogo d'aquelas regiões: parece que homens, feitos, hábitos, costumes _ todo o
passado se desperta do túmulo da história, como no poema árabe os cavalheiros
desencantados, mediante a aspersão da água cor de ouro, pela Princesa
Parizade189.

O contato com o lugar da batalha parece permitir a vivência desse passado, através

da visão do palco da ação, essa dimensão do “eu vi” gabarita o artista a representá-la. A

pintura é responsável por resgatar o passado, dar-lhe vida, a autópsia executada pelo

artista e impressa na tela possibilita que o passado se desperte do “túmulo da história”. A

189
SAMPAIO, Op. Cit, 1880, p.10.

91
imortalização através da pintura, restitui vida a esse passado. A fixação da cultura

oitocentista com ressurreição do passado, ou seria melhor dizer com a morte, com a

ausência, aparece-nos como questão uma vez mais.

(...) assim como a visita à necrópole é acto memorial de re-presentificação _


suscitado a partir de sinais que referenciam um objeto ausente –, também a escrita
(e a leitura) da história se constrói a partir de traços e de re-presentações que
visam situar, na ordem do tempo, algo que se sabe ter existido mas que já não
existe190.

Ao lado da escrita e da leitura, podemos colocar o ato de pintar e apreciar uma tela

de história como uma forma de luto191, que paga as dívidas do presente com o passado,

permitindo que as sociedades se situem temporalmente e moralmente.

Uma das principais críticas à tela de Pedro Américo, “Batalha do Avaí”, devem-se

ao fato do artista não ter ido ao lugar da batalha como o fez Meireles. Entretanto, para

defender-se, Américo também recorre a outro topos da história, a akôe. O artista chama

em sua defesa a troca de correspondência com os participantes da batalha, que não só

conhecem o ambiente do combate, mas eles participaram do mesmo, tornando-os

qualificados a lhe narrar o episódio. Américo legitima a sua interpretação como fidedigna

a partir do fato de ter recolhido informações com as testemunhas da batalha, para ele mais

importante que observar o espaço onde a guerra se desenrolou, seria consultar seus

próprios participantes.

190
CATROGA, Fernando. Memória, história e historiografia. Coimbra: Quarteto, 2001, p. 41-2, grifos do
autor.
191
Na obra “Luto e Melancolia”, de 1917, Sigmund Freud buscou compreender a relação estabelecida pelos
homens com a experiência da perda, seja ela consciente ou inconsciente. Segundo ele, o luto seria antes de
tudo um comportamento patológico, uma resposta à privação do objeto amado: “O luto, via de regra, é a
reação à perda de uma pessoa querida ou de uma abstração que esteja no lugar dela, como pátria, liberdade,
ideal etc” (FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. Novos Estudos. (32): 130-141, março. 1992, p. 131). O
indivíduo percebe que o objeto amado já não existe mais e investe no deslocamento da libido que a ele
estava vinculado.
O processo de desligamento do objeto amado conduz a uma supervalorização do mesmo. Curiosamente, o
ato de lembrança é, ao mesmo tempo, um movimento de desligamento do objeto de amor: “Assim como o
luto leva o ego a renunciar ao objeto, declarando-o morto e oferecendo-lhe como prêmio permanecer vivo,
também cada uma das batalhas de ambivalência afrouxa a fixação da libido ao objeto, desvalorizando-o,
rebaixando-o, como que também matando-o” (Idem, p. 140). A ausência gera a possibilidade da lembrança,
o ato de lembrar é a ratificação dessa perda e a possibilidade de vida.

92
Poderão taxar este testemunho como não tendo mais do que um valor genérico,
por isso que o ilustre oficial que o presta não esteve na batalha. Pois bem, leiamos
o depoimento de um que esteve, e até foi gravemente ferido:
<< Illm. Sr. Dr. Pedro Américo. – Corte, 8 de Outubro de 1877. – Respondo á sua
carta de 4 do corrente. Tive a satisfação de examinar cuidadosamente o seu belo
quadro. É uma obra d’arte admirável, e penso que muito justos forão os elogios
que lhe fizeram os celebres pintores da Itália.
<< Quanto á parte histórica o que posso dizer é que, apreciado no todo o seu
quadro dá uma perfeita idéia da batalha do Avahy; se, porém, nos detalhes
apresenta algum senão, eu não descubro; poderá ele existir, mas o que afianço é
que nem ao próprio soldado que assistiu á batalha é dado descreve-la minuciosa
e completamente.
<< Sou, etc. – Marques do Herval. >>
Ora aí tem como é o meu idealismo: muito mais positivo do que o positivismo dos
que negão e criticam sem saber; idealismo que baseia-se nos fatos essenciais e só
despreza ou transforma aquilo que pode ser alterado ou omitido sem ofensa dos
grandes princípios da arte ou da dignidade da história.
Agora vejamos se as afirmações dos que não foram ao Paraguay, e só nesta
circunstância se lembrarão dele, serão mais valiosas do que a do artista que
meditou sobre o assunto durante mais de 4 anos, que foi guiado pelas informações,
partes oficiais, diário de campanha, etc., etc., a elle mandados de propósito pelo
general em chefe, e que depois de tantos sacrifícios para realizar uma obra digna
do seu país, tem a satisfação de vê-la sancionada pelos próprios generais que
assistirão á batalha192.

O fato de Américo não ter visitado Campo Grande ou Avaí também depunha

contra ele em relação à descrição topográfica. Como os visitantes da exposição poderiam

acreditar que aquela representação geográfica do campo do combate era verdadeira, se o

artista não havia feito estudos in loco? A desconfiança gerou uma série de críticas contra

“Batalha de Campo Grande” e “A Batalha de Avahy” e novamente foram os relatos dos

participantes da batalha que argumentaram a seu favor.

A fidelidade da paisagem tem sido contestada com alguma aparência de razão, e


sobre este assunto os realistas, ou materialistas da arte, têm – muito de indústria –
raciocinado á priori, isto é, contrariamente ao seu modo sistemático de raciocinar,
que é todo indutivo, o raciocínio é este:
<< Quem nunca foi a um país não o pode retratar. Ora, o autor do quadro não foi
ao Paraguay, ao lugar da ação, logo, a pintura é inexata. >>
Neste caso, em vez de estamparmos a negar ou a afirmar aquilo que nós não
sabemos ao certo, recorramos ao testemunho insuspeito dos que lá estiveram. Foi
o que fiz, já há dias, perguntando por carta a diversos oficiais que estiveram no
Paraguay, << qual a impressão que lhes causará o fundo do quadro. >>
Eis o que me responderão:
<< ... Honrado pois com o seu conhecimento pessoal em uma das ocasiões que
fôra saciar o espírito naquela fonte de sobrenatural inspiração, abstive-me, com
cuidado, de articular uma palavra sequer em referencia ao que já fôra julgado
pelos competentes, mas não pude conter-me quanto a propriedade com que V. S.
soube transplantar para a sua tela esses campos e esteiros característicos do
Paraguay, essa paisagem á que me acostumara durante três anos, e que agora aí vi-
a desenvolvida diante de mim, tão fiel em todos os seus detalhes, tão verdadeira

192
AMÉRICO, Pedro. Bellas Artes – O quadro historico da batalha do Avahy. Jornal do Commercio, dia
27 de outubro de 1877, p. 02.

93
em todos os seus acidentes como se realmente me houvesse transportado
repentinamente a esse país de dolorosas recordações para tantas famílias
brasileiras.
<< Foi sem duvida em virtude desta minha exclamação, ao reconhecer aquelas
regiões de fisionomia somente peculiar ao Baixo-Paraguay, que V. S. me honrou
com sua carta de hoje, pedindo o meu parecer sobre o seu sublime
quadro.....................................
<< Seu, etc. – Barão de Teffé. – Outubro 4 de 1877. >>
Bastava este testemunho, mas vamos a outro: é o do oficial que está no quadro á
direita do Sr. Duque de Caxias.
<< Rio de Janeiro, 13 de Outubro de 1877. – Illm. Sr. Dr. Pedro Américo de
Figueiredo. – Respondendo á pergunta que V. S. me dirigiu em sua carta de 14 do
corrente, a saber: << Qual a impressão que me causou a paisagem representada no
quadro da batalha de Avahy? >> vou cumprir esse dever, repetindo as mesmas
palavras, pouco mais ou menos, que lhe dirigi por ocasião de ir ver o dito quadro..
<< Não me admira a reprodução da configuração de todo o terreno, sua ondulação,
o rio, brejos e montanhas pouco elevadas que se avistam lá ao longe no fundo do
quadro, porque para isso V. S. poderia ter sido socorrido por fotografias e esboços
que tivesse obtido do campo do Avahy; o que me admira e surpreende de forma a
me supor transportado aqueles lugares é a natureza do Paraguay em toda a
paisagem, e sobretudo na cor da vegetação, do campo e do arvoredo. Seu, etc. –
Barão da Penha. >>193

O artista através do método heroditiano, pautado na opsis e na akôe, consegue

imprimir na tela a cor local, tornando possível ao apreciador do quadro sentir transportado

para aquele lugar e época. O espectador, graças ao exímio talento e pesquisa do pintor,

pode experimentar aquele passado.

3.2.3. A dimensão do testemunho na correspondência

No que se refere a tela “Batalha do Avaí”, a troca de correspondência estabelecida

entre Pedro Américo e os protagonistas da batalha ratifica sua narrativa como verdadeira.

Sempre que foi acusado de alguma imprecisão histórica, é ao relato dos combatentes que o

artista recorre. As críticas mais recorrentes à sua infidelidade ao fato histórico gira em

torno de três elementos: a colocação do Barão do Triunfo em segundo plano, a

representação da farda do Duque de Caxias desabotoada e o fato de ter chovido no dia do

combate e o artista ter pintado raios de sol na “Batalha do Avaí”.

Em relação ao episódio da farda desabotoada de Duque de Caxias, primeiro o

artista desdenha a importância de tal detalhe.

193
Idem, loc. Cit, grifos nossos.

94
O fato de desabotoar-se a meio a farda de um general, que está absorto no êxito de
uma grande batalha, e que figura num quadro de tantos pormenores, não constitui
atentado contra a integridade dos seus costumes, não fere os seus brios militares,
não atinge ao seu caráter; e, se o fizesse, era em bom sentido, mostrando-o
despreocupado de si próprio, e todo entregue aos seus terríveis e solenes deveres.
Bem o sabe o Sr. duque, o qual riu-se muito, quando lhe perguntei se queria que
eu retocasse a pintura para satisfazer aos inventores de boatos194.

Porém, logo depois se utiliza do próprio parâmetro da precisão histórica para

legitimar a sua representação. Defende-se afirmando que a farda de Duque de Caxias

estava desabotoada e ele assim a pintou, baseado no próprio depoimento do duque. E

nesse momento a preocupação com a verdade chega à minúcia do número de botões

desabotoados.

A prova, porém, de que o costume do general em chefe era todo individual, que
não tinha esse alcance que se lhe quer atribuir, que não era propriamente para dar
o exemplo – como já se disse – é que o chefe do seu estado-maior na mesma
batalha trazia << a farda abotoada somente pela parte superior, por três botões
>>, segundo me escreveu em papel que ainda conservo.
Mas quando mesmo o fosse, era fato que teria muita significação no terreno da
disciplina militar, mas nenhuma em um conjunto estético tão complexo, aonde
primeiro que tudo é necessário atender-se ás mil exigências da arte, essa outra
disciplina do gosto, que muitas vezes exclui a própria realidade naquilo que não é
puramente essencial e característico195.

No caso da representação do Barão do Triunfo em segundo plano, Pedro Américo

afirma que assim o fez para ser fiel “à situação real dos personagens”. Respaldado no

testemunho do Duque de Caxias, o artista aponta que não é ele que peca em relação à

história, mas sim aqueles que o criticam, que não possuem nenhuma documentação ou

relato para ratificar seu argumento, apenas partem de suposições. Ele, ao contrário,

somente afirma aquilo que suas pesquisas lhe asseguram, utilizando inclusive citações da

carta de Caxias para provar que sua representação condizia com o ocorrido.

Objeção muito mais importante seria a que põe em duvida a situação real dos
personagens, se, todavia, de leves alterações nas distancias relativas dos
personagens representados num quadro resultassem grandes perturbações para a
história, ou grandes desaires para a estética. No caso a que se aplica esta
observação, direi que, tanto quanto pude, fui fiel à verdade. O general Barão do
Triunfo não podia estar colocado no primeiro plano sem grande desprezo das
informações que colhi da fonte a mais autorizada e competente.

194
Idem, loc. cit.
195
Idem, loc. cit.

95
<< No momento em que se deu o episodio acima – diz o Sr. Duque de Caxias,
aludindo ao ferimento do Sr. Marques do Herval, num documento expressamente
escrito para guiar-me na composição do quadro – apareciam ao longe, pelos
flancos do inimigo, duas colunas de cavalaria brasileira que o cercavam, e das
quais uma era comandada pelo general Barão do Triunfo. >>
Ora, eu aproximei a tanto, essa coluna, quanto, sem violar a história, podia fazê-lo
no interesse da arte e da semelhança individual.
Sob esse ponto de vista, se há em mim algum pesar é o de não ter podido colocar
mais próximo o Sr. Visconde de Pelotas << o qual, como oficial de cavalaria, foi –
segundo o Sr. Duque de Caxias – o que mais fez nessa batalha, pelo que foi
elevado a general nesse dia. >>
As informações do Exm. Sr. duque, além de serem da maior competência, provão
uma grande imparcialidade, bem digna da atenção do artista que se inspira na
confiança dos testemunhos, muitas vezes astuciosos, dos contemporâneos196.

Do mesmo modo como nos casos anteriores, o artista também legitima a sua

representação dos raios solares na pintura pautado em fontes documentais, mais uma vez é

a carta de Caxias que ancora a sua pintura. Outro ponto importante surge nessa citação de

Pedro Américo, a relação imagem/palavra aparece mais uma vez, aqui ele explicita que a

palavra, representada pela carta do Duque de Caxias, guia seu pincel. O texto verbal

conduz a composição do quadro definindo o que deve ser representado ou não.

A falta de chuva torrencial em todo o quadro foi considerada como uma omissão
anti-historica. Vejamos.
<< Principiou o combate ás 10 horas da manhã, pouco mais ou menos, diz o Exm.
Sr. Duque de Caxias no documento supracitado.
<< O dia estava escuro e chuvoso ao principiar o fogo: de repente desfizeram-se
as nuvens e apareceu o sol radiante. >>
Não fui, pois, inexato em representar a chuva já ao longe, e cessada nos primeiros
planos, quando é evidente que pintei a batalha próxima ao seu desenlace197.

3.2.4. Procedimento de citações: o caso de Filipe Camarão

A representação do índio Filipe Camarão na tela “Batalha dos Guararapes” gerou

uma grande polêmica entre os críticos de Vítor Meireles. Segundo eles, na ocasião deste

combate, Camarão já estaria em idade avançada e não jovem como o artista o colocou. O

interessante é que Meireles para defender-se de tais acusações cita dois autores:

Varnhagen e d’Orbigny.

196
Idem, loc. Cit, grifos nossos.
197
Idem, loc. cit.

96
Em “História das lutas com os holandeses no Brasil”, Varnhagen narra sua

pesquisa para estabelecer a data de nascimento de Antônio Filipe Camarão. A partir dos

nomes, Filipe e Antônio, o historiador conclui que Camarão teria sido batizado por volta

de 1580, ano em que “lutavam em Portugal pela Coroa, o Prior do Crato D. Antônio e

Filipe II”198, seu nome seria uma homenagem a esses dois religiosos. Da possível data do

batismo até a sua morte teriam se passado 68 anos, estimando que ele tivesse sido batizada

pelo menos com 10 anos de idade, ele teria falecido aos 78 anos.

Após a leitura dessa obra, Vítor Meireles afirma que havia começado a pintar

Filipe Camarão como um senhor de idade avançada.

O Visconde de Porto-Seguro, na sua última obra Holandeses no Brasil, diz


positivamente, tratando do célebre Camarão, que, adoentado e enfraquecido em
parte pelo cansaço e pela velhice, terminava aquele índio os seus dias, tendo, pelo
menos, setenta anos de idade.
Neste pressuposto tinha-o eu pintado, já velho, notando-se-lhe mesmo alguns
cabelos brancos199.

Todavia, dois fatores o fizeram mudar de idéia: a importância de Filipe Camarão

para a história do Brasil e o acesso a teorias raciais. Meireles aponta que durante a

execução do quadro recebeu a visita de diversas pessoas, entre elas o desembargador

Tristão de Alencar Araripe, e todas elas julgaram inoportuno a representação deste

personagem como um idoso, sua aparência cansada não estaria condizente com um herói

de nossa história. A função moral da pintura sobrepõe-se à fidelidade ao passado. Um

herói não poderia ser retratado de forma caricatural, seu papel de exemplo para a

posteridade não pode se submeter a esse preciosismo histórico. O papel pedagógico da

pintura histórica está acima dessas minúcias, mesmo que verossímeis.

Uma circunstância, porém, que julguei não dever desprezar, pela sua origem
respeitosa, foi que me fez alterar a fisionomia do índio em questão, para dar-lhe a
aparência que hoje se nota na tela dos Guararapes e que se particulariza como
defeito...

198
VARNHAGEN, Op. cit., p.248.
199
SAMPAIO, Op. cit., 1880, p. 241.

97
(...) O Sr. Desembargador Tristão de Alencar Araripe, por mais de uma vez
honrando com sua presença o meu atelier, também manifestou o seu pesar por ver
assim caracterizado aquele personagem. E eu, que só desejo acertar, já pela fé que
me mereciam as observações judiciosas, já por não parecer uma obstinação,
entendi dever ceder, modificando-o no sentido em que hoje o apresento200.

Além das sugestões para alterar a aparência de Camarão, outro fator foi decisivo

para esta mudança: os estudos científicos. Respaldando-se na obra “O homem americano

da América Meridional”, de Orbigny, Meireles afirma que os índios envelheceriam

lentamente e mesmo com a idade em torno dos cem anos, eles continuariam com a

aparência jovem.

Mais de uma pessoa me afirmou que Camarão, que eu havia representado, apesar
dos seus setenta anos, não podia ser afigurado como velho, porque era ele índio, e
que essa raça do norte, tão robusta, só começa a mostrar indícios de velhice depois
de cem anos, e ainda em apoio de uma tal asserção temos o que nos diz d'Orbigny
na sua obra O homem americano da América Meridional201.

As escolhas de Meireles são legitimadas por pelas fontes que consultou, pelo seu

conhecimento da bibliografia sobre o tema e acerca das teorias raciais do oitocentos. Ao

optar por uma representação jovem de Camarão, mesmo aos 70 anos de idade, o fez

ancorado em pesquisas de teor científico e histórico. O artista de uma só vez legitima a sua

representação como verdadeira e a vincula a um discurso científico, irrefutável na

perspectiva oitocentista.

Observamos como os artistas e a crítica de arte ratificavam a seu argumento

através de métodos tão familiares ao campo da História. Desde Heródoto, a opsis e a akôe

formam as bases do método historiográfico, embora de outra forma, ainda permanecem

como topos da história ainda hoje, transformadas em notas de rodapé, citações e

referências bibliográficas. As marcas de enunciação são apenas uma das inúmeras formas

de diálogo entre a pintura de história e a disciplina história, buscaremos no próximo

capítulo perceber essa relação por meio da circulação dos temas tratados por ambas

200
Idem, loc. cit.
201
Idem, loc. cit.

98
CAPÍTULO 4

A PINTURA COMO OBJETO HISTORIOGRÁFICO.

OS MODELOS DE ESCRITA DA HISTÓRIA ATRAVÉS DAS NARRATIVAS SOBRE A GUERRA DO

PARAGUAI E A INVASÃO HOLANDESA

(...) entendemos uma preocupação de natureza historiográfica que lance seu olhar
sobre produções de passado que não se atenham exclusivamente à produção de
textos escritos sobre o passado, campo tradicionalmente abordado pela
historiografia. Alargando seu olhar, ampliando o foco e diversificando seus
objetos, a historiografia, em diálogo permanente com outras disciplinas e outros
campos da produção do conhecimento histórico, poderá, segundo entendo, a partir
do exercício sistemático e metódico da crítica, ajudar-nos a desnaturalizar a
História, reafirmando sua humanidade por excelência e por princípio202.

O termo “historiografia” não designa apenas textos acadêmicos dedicados à

história, ele qualifica qualquer artefato que tenha o passado como questão. Sob esta

perspectiva, um trabalho de cunho historiográfico torna-se atento as diversas relações que

uma sociedade pode estabelecer com o passado, permitindo a ampliação do debate sobre

os modelos de escrita da história. A escrita historiográfica oitocentista, não foi somente

realizada dentro das paredes do Instituto Histórico, ela foi se delineando também fora de

seus muros.

Compreender a ópera “O Guarani”203, de Carlos Gomes, como um objeto

historiográfico talvez não seja tão difícil quanto pensar o mesmo a respeito de uma murça,

mesmo que seja a do Imperador. Contudo, esta parte da indumentária real, confeccionada

com penas de galo-da-serra e de tucano, era, segundo o próprio D. Pedro II, uma forma de

homenagem aos índios brasileiros. Ambas, a ópera e a murça, são formas de incorporação

202
GUIMARÃES, Manoel Salgado. Expondo a história. Imagens construindo o passado. Anais do Museu
Histórico Nacional, Rio de Janeiro: (34) Museu Histórico Nacional, 2002.
203
Carlos Gomes (1836-1896) escreveu a ópera “O Guarani”, inspirada na obra homônima de José de
Alencar, que estreou no ano de 1870. O espetáculo foi apresentado em toda a Europa e na América do Norte.
“Tendo seu trabalho financiado por D. Pedro II, a obra de Carlos Gomes combinava as normas européias
com o desejo de exprimir os aspectos considerados mais originais em nossa cultura. Compunha-se música
romântica, mas de base indígena, como a afirmar uma identidade ao mesmo tempo niversal e particular”. Cf:
SCHWARCZ, Op. Cit., p. 139.

99
da cultura indígena na história nacional escrita durante o século XIX. Em ambas, o índio

foi representado de forma idealizada como o bom selvagem, exaltado como origem da

nação, ligado sempre aos elementos da natureza, como se também fosse um deles.

Esse olhar sobre a natureza da pesquisa historiográfica, torna possível o diálogo

entre fontes de caráter totalmente diferentes, abrindo novos horizontes sobre as

concepções de história do XIX. Igualmente, a pintura de história e as obras publicadas

pelos membros do IHGB são objetos, por excelência, historiográficos. Buscaremos nesse

capítulo, identificar os parâmetros estabelecidos para a escrita de uma história nacional

definidos pelo IHGB204 e refletir como estes são apropriados pela pintura de história. O

diálogo entre esses dois campos será analisado a partir das diferentes narrativas acerca da

Invasão Holandesa e da Guerra do Paraguai, como elas se entrecruzam e se afastam. Mas,

antes é necessário entender o porquê desses temas se tornarem tão importantes para a

tradição historiográfica oitocentista.

4.1. As glórias militares da história nacional

As telas de pinturas de história selecionadas para esta investigação tem algo em

comum: todas retratam conquistas militares nacionais. Nos casos das pinturas sobre a

Guerra do Paraguai, três das quatro telas selecionadas ocupam-se da fase final da batalha,

entre 1868 e 1869. Os combates travados em Humaitá e Avaí inserem-se numa seqüência

de vitórias do exército brasileiro, que culminaram com a tomada de Assunção, em 1869. A

tela “Passagem de Humaitá” aborda o episódio ocorrido no ano de 1868. Trata-se de uma

cena noturna, na qual uma nau brasileira sob a autoridade do capitão Delfim de Carvalho

204
Utilizaremos como objeto de análise os primeiros artigos do IHGB que procuraram fundar os parâmetros
para a escrita de uma história nacional, são eles: 1)BARBOSA, Januário da Cunha. Discurso no ato de
estatuir-se o IHGB. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro: 1(1): 9-17,
jan/mar, 1839. 2) MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Como se deve escrever a História do Brasil.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: 6(24): 381-403. Jan. 1845.
3)MATOS, Raimundo José da Cunha. Dissertação acerca do sistema de escrever a História Antiga e
Moderna do Império do Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro:
(26): 121-143. 1863.

100
acabava de passar, vitoriosa, a barreira paraguaia e garantia ao Império o domínio da

navegação do Rio Paraguai. Já “Batalha do Avaí” retrata o conflito do dia 11 de dezembro

de 1868, logo após a batalha em Itororó, momento em que o Duque de Caxias decidiu

perseguir Solano Lopes. É importante ressaltar que no período que vai de 1867 a 1869, as

tropas brasileiras estiveram sob o comando do Marechal Luís Alves Lima, o Duque de

Caxias. E foi ele uma das personagens de destaque da tela de Pedro Américo, montado em

um cavalo branco no canto direito da tela, ele aponta para o centro da cena. Além dos

combates do Avaí e do Humaitá, também se incluem nessa série de glórias militares, as

lutas em Itororó e Lomas.

Após a ocupação de Assunção, o Duque de Caxias considerava que a guerra chegara

ao seu término. Entretanto, a questão não era mais a derrota das tropas paraguaias, mas

sim a captura de Solano López. Duque de Caxias retira-se do comando das forças

brasileiras, D. Pedro II nomeia o Conde d’Eu, marido da princesa Izabel, para seu lugar.

Aos vinte e sete anos de idade, D. Gaston de Orléans, o Conde d’Eu, comanda o exército

imperial na batalha travada na região de Campo Grande ou Nhaussú, nesse momento as

forças paraguaias já haviam sido tecnicamente vencidas e o Rio Paraguai já estava sob

domínio da Tríplice Aliança. Tratava-se, então, de capturar o presidente paraguaio Solano

Lopes que havia fugido para uma região montanhosa com o que havia restado do seu

exército.

A pintura “Combate Naval de Riachuelo” tratou do episódio anterior à posse de

Caxias no comando do exército brasileiro. Vítor Meireles escolheu uma das primeiras

lutas após a assinatura do Tratado Secreto da Tríplice Aliança205, no qual a fragata

brasileira Amazonas saiu vitoriosa de uma batalha naval na região do Riachuelo.

205
“Em 1º de maio de 1865, em Buenos Aires, foi assinado o Tratado Secreto da Tríplice Aliança. Nele se
determinava que só se negociaria a paz mediante a deposição de Solano López. Estabeleciam-se, também,
novas fronteiras entre os países litigantes ao final do combate, assim como sentenciava que o Paraguai,
enquanto nação agressora, pagaria pelos gastos decorrentes da guerra” (SCHWARCZ, 2002, p. 303).

101
A única das telas selecionadas que trata da Invasão Holandesa é, ao mesmo tempo,

uma das pinturas históricas de maior circulação no Brasil, ao lado de telas como “A

Primeira Missa no Brasil”, também de Meirelles e “Independência ou Morte”, de Pedro

Américo. O quadro “A Primeira Batalha dos Guararapes” representa o conflito travado na

Capitania de Pernambuco contra os holandeses. O combate retratado teria sido o primeiro

de muitos duelos no Monte dos Guararapes, este foi escolhido em especial, por representar

a coragem das tropas brasileiras que mesmo em menor número cercaram e venceram as

forças holandesas. Ainda que numericamente superiores, os holandeses foram obrigados a

recuar devido ao grande número de mortos e feridos ao fim do conflito. Convém lembrar

que essa batalha não marcou a expulsão dos holandeses da Capitania de Pernambuco, que

só veio a ocorrer em 1654.

Sendo assim, todos os temas abordados nas pinturas de Américo e Meireles exibidas

nas Exposições Gerais de 1872 e 1879 representam episódios vitoriosos da “história

militar nacional”. O que determinou a escolha de tais momentos históricos? Será que

tomá-los como representações vitoriosas da nação basta para compreender sua escolha? A

construção de uma identidade nacional é sem dúvida o ponto central para a resposta a

essas perguntas. Nesse momento de definição da nação brasileira era primordial o

estabelecimento de elos identitários entre as diferentes etnias do país. O IHGB e a AIBA

investiram na invenção de uma história em que as diferenças seriam deixadas para trás,

uma história de união e patriotismo nacional, forjada a partir da luta contra o estrangeiro.

A luta contra o “outro” foi o caminho mais eficaz para criar essa identidade.

4.2. A luta contra o estrangeiro: a construção de uma identidade

Os dois assuntos mais explorados nas produções da AIBA e do IHGB, entre 1872 e

1879, eram a Guerra do Paraguai e a Invasão Holandesa. Dois episódios da história

102
brasileira marcados na cultura oitocentista como ocasiões, essencialmente, de comunhão

nacional. Ao pintar a tela “Batalha dos Guararapes”, Victor Meirelles buscou representar a

união do povo brasileiro em torno de um sentimento nacional. Este olhar sobre o episódio

da invasão holandesa, foi construído no oitocentos através da produção historiográfica do

IHGB, podemos mencionar como exemplo o livro do Varnhagen, “História das Lutas com

os holandeses no Brasil”206. O confronto com o invasor estrangeiro, o holandês, acabava

por reforçar os laços que ligavam as três etnias que compõem o Brasil, interpretado por

esta tradição, como o primeiro momento de comunhão nacional da história brasileira.

A mesma idéia de comunhão nacional esteve presente na composição de mais dois

quadros do artista, ocupados em retratar episódios da Guerra do Paraguai; são eles:

“Combate Naval de Riachuelo” e “Passagem de Humaitá”. Essas telas, por tratarem de um

assunto tão recente, atingiam de maneira mais profunda a população, que ainda se

recompunha das perdas sofridas no combate. Meirelles procurou realçar a vitória do país

na guerra e incitar, desta forma, o orgulho nacional em detrimento da representação da

violência e do horror da batalha. Novamente, o que o artista priorizou foi a “união” do

povo em prol do bem-estar da pátria. É importante frisar que embora a idéia de união

esteja presente nas obras, foi feita de maneira hierarquizada, como é possível observar na

distribuição desses elementos na tela.

O Instituto Histórico desde 1847, quando Von Martius ganhou o concurso “Como

se deve escrever a História do Brazil?”207, ocupou-se dessa temática. Foi com o trabalho de

Von Martius que pela primeira vez a junção de três raças distintas em um mesmo

território, impregnou-se de uma particularidade que conferiu à nação brasileira um sentido

no plano das nações civilizadas, idéia anos mais tarde reforçada pela obra de Francisco

Adolfo Varnhagen.

206
VARNHAGEN, Op.cit.
207
MARTIUS, Op. Cit.

103
Von Martius é o primeiro a dar um passo em direção a uma perspectiva positiva da

miscigenação. Nesta obra, é justamente essa pluralidade racial que permite a incorporação

do Brasil no mundo civilizado. A junção das três raças, na perspectiva de Martius, dava o

sentido universal à história do Brasil, pois conferia ao brasileiro a singularidade de possuir

em sua formação as características de três etnias distintas. Segundo ele, só era possível

escrever uma história nacional a partir da composição racial desse povo, na medida em

que este era o diferencial que tornava o Império brasileiro apto a fazer parte do conjunto

das nações civilizadas. Em suas palavras:

Qualquer que se encarregar de escrever a História do Brasil, país que tanto


promete, jamais deverá perder de vista quais os elementos que aí concorrerão para
o desenvolvimento do homem.
São, porém estes elementos de natureza muito diversa, tendo para a formação do
homem convergido de um modo particular três raças, a saber a de cor de cobre, ou
americana, a branca ou Caucasiana, e enfim a preta ou etiópica. Do encontro, da
mescla, das relações mútuas e mudanças dessas três raças, formou-se a atual
população, cuja história por isso mesmo tem um cunho muito particular208

Cada raça possuiria uma índole própria determinada por suas características físicas

e morais, a soma dessas particularidades imprimiria ao Brasil seu caráter singular. A

distinção entre as raças aponta para uma hierarquia estabelecida de acordo com o grau de

civilização de cada uma delas. É ele que determina quão influente será uma determinada

raça para o progresso de uma nação. Para Martius, o português por ser o herdeiro dos

colonizadores europeus ocupa o topo da hierarquia racial.

Já os indígenas, embora estivessem em um estado de decadência quando os

portugueses aqui chegaram, teriam sido uma grande civilização, assim como os maias e os

astecas. Von Martius acreditava que todos descendiam de uma mesma origem. As tribos

aborígenes serviam como modelo, pois ensinavam às sociedades civilizadas a não

cometerem os mesmos erros, evitando assim que a civilização ocidental caísse em

decadência como teria acontecido no passado indígena. Pelo seu passado, os indígenas

208
Idem, p. 381-382.

104
ocupam a segunda posição na hierarquia racial. Os negros não possuíam um passado

civilizado e encontravam-se em um estágio muito avançado de degeneração, sendo a mais

inferior das três raças.

Para Von Martius, o regime monárquico era o único capaz de imprimir um caráter

nacional à diversidade racial, cultural e territorial do Brasil. É a Nação que unifica, torna

único o que era contraste, o branco, o índio e o negro só podem ter suas diferenças

anuladas em nome de um projeto maior: a formação de uma nação brasileira. É a esse

sentido que obedece a mistura das raças.

O modelo de Von Martius para a escrita de uma história nacional baseada na

miscigenação ganhava na tela de Vítor Meireles sua primeira imagem. Nela, brancos,

índios e negros eram representados através de figuras de destaque do exército real: os

mestres de campo André Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira, Dias Cardoso,

Barreto de Menezes e Dias da Silva, simbolizavam os brancos; D. Antônio Felipe

Camarão e D. Diogo Pinheiro Camarão, os índios; Henrique Dias, os negros. No resumo

histórico o artista exaltou a coragem e o patriotismo do exército real em luta contra os

holandeses. Esse exército composto por estas três etnias era o lugar de fundação de uma

identidade nacional.

Aquele exército que se erguera disposto a morrer pela salvação do princípio


sublime da nacionalidade, compunha-se de três classes: pretos, índios e brancos
que, embora bem distintos pela cor, nem por isso deixavam de se igualar pelo
valor que afinara nas amarguras da mesma adversidade209.

Mesmo que todos estivessem retratados na tela, o artista, à maneira de Von

Martius, distinguiu-os hierarquicamente. André Vidal de Negreiros ocupa o centro da tela,

montado em um cavalo branco no momento em que derrota o coronel holandês Keeweer,

que o olha atordoado. Ainda no centro do quadro estão João Fernandes Vieira, Dias da

209
MEIRELES. In: SAMPAIO, Op. Cit., 1880, p. 18.

105
Silva, ao lado de André Vidal, e Dias Cardoso, em primeiro plano. Barreto de Menezes,

comandante da tropa, aparece à esquerda no fundo da tela indo à captura de Segismundo

Van Schkoppe, governador dos holandeses. Índios e negros encontram-se visivelmente

pouco representados. D. Antônio Felipe Camarão e Henrique Dias ocupam as laterais da

tela, direita e esquerda respectivamente, nenhum dos dois em ato de bravura comparável

àquele desempenhado pelo mestre de campo André Vidal.

O exército real, representado segundo essa tradição oitocentista, simbolizava o

próprio povo brasileiro, com o branco ocupando o topo da hierarquia, responsável pela

civilização das demais raças. Em plano geral, o combate apontava para a força que a nação

brasileira, se unida, poderia ter sobre as demais civilizações. Pois, era no movimento de

definição e repúdio ao “outro” que se construía o que era a nação brasileira210. Enquanto o

“outro” seja ele paraguaio ou holandês, era definido como o bárbaro, a nação brasileira

tornava-se a “representante da idéia de civilização no Novo Mundo”211

Entretanto, não podemos afirmar que na tela de Meireles os holandeses ganhassem

uma forma caricatural. Em “Primeira Batalha dos Guararapes”, os holandeses encontram-

se acuados, porém ainda lutando bravamente ao redor de seu comandante caído. Tal

narrativa encontra parâmetro na obra de Varnhagen, texto a partir do qual o artista baseou-

se para compor a tela. Em “História das lutas com os holandeses no Brasil”, Varnhagen

enumera diversos pontos positivos que foram conseqüências da Invasão Holandesa. O

primeiro beneficio trazido pela guerra foi a aproximação entre as três raças. O segundo, a

união entre as capitanias que formavam o território colonial. O mais importante benefício

para Varnhagen foi a civilização dos povos do norte e do sul da colônia através do contato

com os holandeses. A civilização não foi somente fomentada pelo contato, mas também

210
GUIMARÃES, Op. cit., 1988.
211
Idem, p.07.

106
pelo desenvolvimento da infra-estrutura da região, pois essas guerras possibilitaram a

comunicação entre essas capitanias por meio da criação e ampliação de estradas.

Quanto à cultura do Brasil em geral, não hesitamos em asseverar que ela havia
ganho muito com a guerra holandesa. E não só nas capitanias do Nordeste, onde
os povos estavam em contato com indivíduos de uma nação mais ativa e
industriosa, como até nas do Sul, com as invasões contra os selvagens. É um
axioma comprovado pela história, que às vezes estas são civilizadoras, e que
trazem energia e atividade a povos entorpecidos pela incúria, a preguiça e o
ilhamento. Durante a guerra foram devassados, acaso pela primeira vez por gente
civilizada, muitos matos e campos, fundindo-se por vontade ou por força os
próprios índios seus moradores nessa civilização guerreira, digamos assim, pois
que o intuito era de guerrear os contrários, e quando menos o pensavam se viam
absorvidos pela civilização daqueles a cujo lado combatiam – Muitos caminhos
apenas trilhados eram aplanados para darem lugar à passagem de tropas; alguns
rios ficavam acessíveis à navegação, às vezes pelo simples desvio de uns paus que
entulhavam os seus leitos; e todos sabem quanto a facilidade das comunicações
civiliza os povos.212.

A narrativa de Meireles parece sincronizar-se com a obra de Varnhagen, na medida

em que sua tela não inferioriza os combatentes holandeses, ao contrário representa-os

como bravos e honrados soldados que até quando derrotados sabem manter sua dignidade.

Mesmo que não explicite essa intenção, ao defender-se das críticas contra seu quadro,

Meireles afirma que seu objetivo ao produzi-lo foi exaltar todos os heróis que ali se viam

reunidos, o que nos dá margem a conjecturar se os holandeses estavam incluídos entre

eles.

Na representação da Batalha dos Guararapes não tive em vista o fato da batalha no


aspecto cruento e feroz propriamente dito. Para mim a batalha não foi isto, foi o
encontro feliz, onde os heróis daquela época se viram todos reunidos.
A tela dos Guararapes é uma dívida de honra que tínhamos a pagar, com
reconhecimento, em memória do valor e patriotismo daqueles ilustres varões.
Meu fim foi todo nobre e o mais elevado; era preciso tratar aquele assunto como
um verdadeiro quadro histórico, na altura que a história merecidamente consagra
àquele punhado de patriotas que, levados pelo entusiasmo e pelo amor da pátria,
se constituíram assinalados beneméritos.
A minha preocupação foi tornar saliente, pelo modo que julguei mais próprio e
mais digno, o merecimento respectivo de cada um deles, conforme a importância,
que se lhe reconhece de direito213.

No caso das telas sobre a Guerra do Paraguai, pelo menos duas delas abordam os

momentos em que a batalha já estava praticamente ganha. Nessa ocasião, a questão não

212
ODÁLIA, Nilo (org.). Varnhagen. São Paulo: Editora Ática, 1979, p. 108.
213
SAMPAIO. Op. Cit, 1880, grifos nossos.

107
era mais vencer, mas sim capturar e exterminar o líder da barbárie Solano Lopes. A

barbárie se personificou na imagem de Solano Lopes, principal ameaça ao espírito

progressista e aos ideais civilizatórios que, por sua vez, tomaram forma na figura de D.

Pedro II. Ao contrário do que acontece em “Primeira Batalha de Guararapes”, Pedro

Américo representa na tela “Batalha do Avaí”, o embate entre civilização e barbárie. Os

paraguaios são retratados quase desnudos e com expressões de pavor, enquanto os

brasileiros encontram-se uniformizados, em situações de heroísmo e coragem, verdadeiros

mártires na luta pela civilização.

A imagem não era a única que reforçava essa dicotomia civilização/barbárie, os

artigos e obras publicadas pelos membros do Instituto Histórico também estimulavam essa

idéia de que o Brasil possuía uma missão civilizatória em relação às repúblicas latino-

americanas.

A Invasão Holandesa e a Guerra do Paraguai foram tomados como lugares, por

excelência, de construção de um passado épico e monumental. Esses episódios da história

nacional foram re-significados de modo que todos podiam se sentir representados e

orgulhosos das vitórias da pátria. Jorge Coli aponta como essas imagens operam como

elementos incitadores do sentimento de identidade nacional.

As batalhas de Avaí e de Guararapes, pintadas por Pedro Américo e Vítor


Meireles, são, no século passado, episódios maiores da História que o Brasil está
criando para si próprio, instaurados visualmente, e participantes do grande mito
de uma identidade nacional, heróica e consciente. A escolha dos temas possui
intenções evidentes: mito fundador, Guararapes opera uma síntese das raças na
mesma luta e funda a primeira legitimação de um país que se descobre senhor de
seus destinos políticos. O feito guerreiro é batismo de fogo dessa solidariedade
entre brasileiros, e a garantia de um sentimento inabalável. Avaí, por sua vez,
instaura o heroísmo contemporâneo de uma nação que se confirma pela vitória214

Entre lembrança e esquecimento, a escrita de uma história nacional no oitocentos

era forjada, por meio da exaltação das vitórias militares do Estado e do apagamento das

214
COLI, Op. Cit, 1998.

108
revoltas do período regencial. O passado deveria ser escrito a partir das glórias, dos

momentos de triunfo da jovem nação sobre o “outro”, como a vitória brasileira sobre o

Paraguai e sobre os holandeses. Essa invenção de um passado comum visava

fundamentalmente a criação de uma identidade nacional que sacrificasse as diferenças em

prol de um ideal mais sublime, o da nação. Ela é formada a partir da construção de

“aspirações comuns” entre os sujeitos nacionais215. Coube à escrita da história, por meio de

textos visuais e escritos, fundar e organizar essa memória nacional e estabelecer os elos de

identificação entre seus cidadãos. Mas qual seria a natureza da relação entre a produção do

IHGB e a narrativa escolhida pelos artistas para figurar nas telas?

4.3. O IHGB e a escrita de uma história nacional

Um ano antes da encomenda dessas telas e três anos depois da encomenda de

“Combate Naval de Riachuelo” e “Passagem de Humaitá”, foi publicado o livro “A

retirada de Laguna”216, escrito por Alfredo d’Escrangnole Taunay217, que ainda hoje é

celebrado como um dos clássicos literários sobre a Guerra do Paraguai. Esta obra narra a

tentativa de invasão das tropas brasileiras ao Paraguai através da região do Mato Grosso

do Sul, missão abortada devido à fome, à epidemia de cólera que acometia os soldados, ao

desconhecimento do terreno e ao contra-ataque paraguaio. Taunay serviu como oficial

engenheiro nessa expedição, e busca narrar com riqueza de detalhes a topografia da

215
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Editora Ática, 1991.
216
A primeira edição de 1871 foi publicada originalmente em francês, somente três anos depois saiu a
edição em português.
217
“Taunay era um militar de carreira e se demitiu mais tarde (1885) do exército com o posto de major. Foi
ainda deputado por duas legislaturas e escritor de vasta obra na literatura brasileira. Além do clássico
romance Inocência e de outras peças de ficção, escreveu diversos trabalhos de cunho memorialístico sobre
sua participação na guerra do Paraguai: Dias de guerra e de sertão e Cartas da campanha, entre outros.
Publicou ainda o Diário do exército referente ao comando do Conde D'Eu na campanha do Paraguai (1869-
1870). Deixou suas Memórias do Visconde de Taunay, escritas no fim de sua vida, entre 1890 e 1892, sob o
impacto da proclamação da República e morte do Imperador. Deixou-as sob a guarda do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro com instruções expressas para que somente fossem publicadas a partir de 1943 e com
autorização de seus familiares” Cf: SALLES, Ricardo. Memórias de Guerra: Guerra do Paraguai e narrativa
nacional. Vestígios da Guerra Grande. Mato Grosso do Sul: UFMS. Disponível em:
http://www.ledes.net/guerragrande/pdfs/artigos/literatura/memoriasdeguerra.pdf Acesso em: 23 de março de
2006.

109
região. É interessante o destaque que o autor deu ao papel desempenhado pela natureza, as

condições adversas do terreno e a escassez de alimentos aparecem em sua narrativa como

os principais obstáculos ao sucesso da operação militar, o poderio militar inimigo aparece

em segundo plano218. Obra dedicada a D. Pedro II, “A retirada da Laguna”, descreve uma

guerra civilizada, onde a grandeza dos homens de Sua Majestade sobressai-se sobre todas

as adversidades encontradas no caminho. Além dessa obra, Taunay publicou em 1874, na

revista do Instituto Histórico, um relatório sobre esta expedição ao Mato Grosso219.

Ambos, o livro e o relatório, funcionavam como testemunhas oculares do conflito, já que

escrito por um de seus ilustres personagens.

Além da Guerra do Paraguai, a memória de outra batalha foi construída com o

objetivo de reforçar a identidade nacional e envolver a população com o sentimento

patriota. Trata-se da Invasão Holandesa que se tornou símbolo da unidade nacional,

pensada como o primeiro momento de comunhão da Nação brasileira.

No ano de 1872, Meireles recebeu a encomenda para a tela “Primeira Batalha dos

Guararapes” e Varnhagen, chamado de pai da historiografia brasileira, publicava a

segunda edição de “História das Lutas com os Holandeses no Brasil desde 1624 a

1654”220. No prefácio à edição de 1872, o historiador deu o seguinte depoimento sobre a

importância da exaltação das glórias militares das guerras holandesas para a elevação dos

ânimos após longos anos de luta contra o Paraguai:

Porém, o homem põe e Deus dispõe. Achávamo-nos, por motivos de serviço


público, no Rio de Janeiro, acidentalmente em Petrópolis, e ainda estava por
decidir a titânica luta que o Brasil sustentou no Paraguai, e nem sequer as armas
aliadas haviam vencido o Humaitá, e éramos testemunhas dos desfalecimentos de

218
O capítulo VII da obra narra o maior combate travado entre paraguaios e brasileiros durante sua
empreitada a terras inimigas, ou seja, dos vinte e um capítulos do livro, Taunay dedica somente um ao
confronto propriamente dito. Ainda sim, a riqueza de detalhes não está na descrição do combate, mas na
narrativa sobe o cenário onde a luta ocorreu.
219
TAUNAY, Alfredo d’Escrangnole. Relatório Geral da Comissão de engenheiros junto as forças em
expedição para a Província de Mato Grosso/1865. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
Rio de Janeiro, tomo 37, parte II, 1874;
220
A primeira edição desta obra é de 1871.

110
alguns, quando, com o assentimento de vários amigos, pareceu-nos que não
deixaria de concorrer a acoroçoar os que já se queixavam de uma guerra de mais
de oito anos, a avivar-lhes a lembrança, apresentando-lhes, de forma conveniente,
o exemplo de outra mais antiga, em que o próprio Brasil, ainda insignificante
colônia, havia lutado – durante 24 anos sem descanso e, por fim, vencido – contra
uma das nações mais guerreiras da Europa, naquele tempo.
Tal foi o estímulo que tivemos para nos lançarmos, antes do tempo prometido, à
redação da história especial dos mencionados 24 anos de luta (...)221.

Entre 1875 e 1879, o combate contra os holandeses ocupou as páginas da revista do

Instituto Histórico, período no qual foi publicada a obra “História da Guerra de

Pernambuco e feitos memoráveis do mestre de campo João Fernandes Vieira” 222


, de

Diogo Lopes de Santiago223.

Neste momento de definição do seu campo disciplinar, era importante que a

História marcasse seu lugar de autoridade sobre o passado por meio do distanciamento das

crônicas. No artigo “Como se deve escrever a História do Brasil”, Von Martius224 afirma

que o historiador deve sempre trabalhar com uma perspectiva filosófica. A história

filosófica era aquela que articularia o particular ao universal, estabeleceria nexos entre

eventos e dados e imprimir-lhes-ia um sentido. A crônica ocupava-se somente de um

acontecimento e o abordava com riqueza de minúcias. Por ser tão particular e fragmentária

a crônica não conseguia obter uma visão universal do acontecimento, este se perdia na

multidão de eventos e impossibilitava a apreensão do sentido que movia a história

humana.

Mesmo que o texto de Diogo de Santiago e o relatório de Taunay, ambos publicados

na RIHGB, não pudessem ser encarados como narrativas de história, nos moldes

oitocentistas, sua importância residia em ceder ao historiador os componentes necessários

para construir uma história universal. A crônica e o relatório, entendidos como formas

221
VARNHAGEN. Op. Cit., 2002, p. 11-12.
222
Para José Honório Rodrigues a crônica de Santiago, escrita a partir de 1634, seria a descrição mais
completa das batalhas de Guararapes. RODRIGUES, Op. cit.
223
SANTIAGO, Diogo Lopes de. História da Guerra de Pernambuco e feitos memoráveis do mestre de
campo João Fernandes Vieira, herói digno de eterna memória, primeiro aclamador da guerra. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 38, 1875.
224
Em 1840, Januário da Cunha Barbosa elaborou um concurso para premiar quem melhor estabelecesse os
parâmetros para a escrita de uma história nacional. O texto do cientista alemão Von Martius foi o vencedor.

111
inferiores de narrativa, eram utilizados como fontes de pesquisa e não como modelos de

conhecimento legítimo sobre o passado. O valor desses textos estava centrado no seu

caráter de testemunho contemporâneo aos eventos, no caso da obra de Taunay não

podemos esquecer que ele era um dos personagens principais da batalha por ele mesmo

relatada.

Temos que levar em consideração outra questão importante levantada por Raimundo

José da Cunha Matos225. Ele afirmava que era impossível a escrita de uma história nacional

enquanto não fosse arrolada boa parte da documentação relativa às províncias do Império.

Vista sob esse aspecto, “História da Guerra de Pernambuco” e o “Relatório da Comissão

de Engenheiros” forneciam a base necessária à construção de uma história nacional, uma

vez que concediam relatos detalhados das províncias de Pernambuco e de Mato Grosso e,

consequentemente, das guerras travadas nesses lugares.

Ao escrever o primeiro regimento do Instituto Histórico e Geográfico, Januário da

Cunha Barbosa226 deixou expressa que a principal missão daquela casa era construir uma

identidade nacional por meio do levantamento e análise dos aspectos físicos e morais da

Nação.

coligir, metodizar, publicar e arquivar os documentos para a história e geografia


do império no Brasil; e assim também promover os conhecimentos destes dois
ramos filológicos por meio do ensino público, logo que o seu cofre proporcione
esta despesa227

Esquadrinhar o território brasileiro, estabelecer suas fronteiras e conhecer sua

natureza tornava-se imprescindível para a consolidação do projeto de construção de uma

225
O artigo “Dissertação acerca do sistema de escrever a História Antiga e Moderna do Império do Brasil”,
de Raimundo José da Cunha Matos, embora tenha sido publicado em 1863, foi escrito antes de 1839, data do
falecimento do autor. Raimundo José da Cunha Matos foi um dos membros fundadores do Instituto
Histórico.
226
Membro fundador do Instituto Histórico, Januário Barbosa criou e dirigiu a RIHGB e incentivou o
intercâmbio deste com os centros de pesquisa europeus. Em 1839, um ano após a criação do Instituto
Histórico, saiu a sua primeira revista, na qual Barbosa publicou o primeiro regimento da casa.
227
BARBOSA Op. cit., grifos nossos.

112
identidade nacional. Para Guimarães, a história e a geografia, cada uma delas “forneceria

os dados imprescindíveis para a definição do quadro nacional em vias de esboço; história e

geografia enquanto dois momentos de um mesmo processo, ao final do qual o quadro da

Nação, na sua integralidade, em seus aspectos físicos e sociais, estaria delineado” 228.

Conhecer detalhadamente o território brasileiro era o único meio de escrever uma

história filosófica. Segundo Von Martius, somente sob a perspectiva filosófica o

historiador poderia imprimir um caráter nacional à diversidade cultural e racial das

províncias do Império. Desta forma, Taunay e Diogo de Santiago permitiam, através de

suas obras, que o historiador conhecesse melhor os eventos da Invasão Holandesa e da

Guerra do Paraguai, e os enquadrassem num plano mais amplo que era o da história

universal. Assim, essas guerras deixavam de ser eventos isolados para se tornarem

momentos cruciais de comunhão nacional. Essa tradição encontrava na batalha no Monte

Guararapes a origem de um processo que culminaria com a consolidação do projeto de

construção de uma identidade nacional do Segundo Reinado, simbolizado também por

outra batalha, a Guerra do Paraguai.

As diretrizes do instituto – coligir, arquivar, publicar e ensinar – marcavam a

necessidade de proteger o passado da ação do esquecimento. Durante seus primeiros anos,

a Revista dedicou-se especialmente à publicação de fontes primárias, como “História da

Guerra de Pernambuco” ou “Relatório da Comissão de Engenheiros”. A divulgação dessa

documentação era uma forma de lutar contra a passagem do tempo e tornar possível a

escrita de uma história nacional.

Preservar os grandes momentos da história nacional e transmiti-los às futuras

gerações eram algumas das principais missões do Instituto Histórico. A preservação

também aparece como questão na obra de Diogo de Santiago. A relação estabelecida com

228
GUIMARÃES, Op. Cit., 2002, p.14.

113
o tempo nessa obra é a de um tempo cíclico, no qual o passado seria modelo para o

presente. Para Santiago, os grandes momentos da história da humanidade deveriam ser

imortalizados através da escrita para evitar que as ações gloriosas de homens virtuosos se

perdessem no esquecimento. O passado deveria servir de exemplo à posteridade.

Como quer que a memória dos homens seja frágil e de pouca dura na
conservação das espécies de seus indivíduos, e com o decurso largo dos tempos
pela maior parte acabe e não permaneça, e sem se sentir receba em si muita faltas,
principalmente quando as cousas andam por boca de muitos, que uns diminuem e
outros acrescentam, conforme aquela antiga sentença: “Fama eundo crescit”. Foi
cousa muito necessária, que houvesse histórias e crônicas para conservação dos
ilustres feitos, heróicas obras dos famosos e insignes varões que em letras e
armas se esmeram, para que a posteridade conhecesse seu valor preclaro, e tão
famosos exemplos imitasse; assim o diz o sapientíssimo Justo Lypseusd, estas
palavras no prólogo dos Annaes de Tacito: “ut impietate faciem praevisam
facilius agnoscimus; sic in história noti moris exempla”229.

Em artigo já mencionado, o medo da ação do tempo volta a aparecer, desta vez foi

Januário da Cunha Barbosa quem apontou a importância de se glorificar os exemplos do

passado para que estes não fossem esquecidos:

A nossa história abunda de modelos de virtudes; mas um grande número de feitos


gloriosos morrem ou dormem na obscuridade, sem proveito das gerações
subseqüentes. O Brasil, senhores, posto que em circunstâncias não semelhantes às
da França, pode contudo apresentar pela história, ao estudo e emulação de seus
filhos, uma longa série de varões distintos por seu saber e brilhantes qualidades.
Só tem faltado que os apresentasse em bem ordenada galeria, colocando-os
segundo os tempos e os lugares, para que sejam melhor percebidos pelos que
anhelam seguir os seus passos nos caminhos da honra e da glória nacional230.

Tal preocupação se aproxima consideravelmente das sugestões de Prosper de

Barante para a escrita da história. Uma das propostas de Barante residia no investimento

na função didática da história, uma vez que sua principal missão era ensinar o leitor

através de exemplos, de forma que ele pudesse construir seu próprio juízo. Cabe frisar que

Januário da Cunha Barbosa fez referência à obra “Histoire des ducs de Bourgogne”231, de

229
SANTIAGO, Op. Cit., p.249-250, grifos nossos.
230
BARBOSA, Op. Cit., p. 09.
231
BARANTE, Prosper de. Histoire des ducs de Bourgogne, 1364-1477. In: GAUCHET, Marcel (org.).
Philosophie des sciences historiques. Le moment romantique.Paris: Seuil, 2002.

114
Prosper de Barante, o que nos deixa alerta para a possível circulação que este autor

poderia ter entre os intelectuais do IHGB.

A principal forma de exaltar esses grandes exemplos da história nacional era por

meio das biografias, um dos gêneros mais publicados na revista do IHGB. Estas se

adequavam ao caráter pedagógico da instituição, uma vez que forneciam às próximas

gerações modelos de virtude e estabeleciam as lições a serem apreendidas por seus

leitores. Diogo de Santiago escolheu como personagem de sua biografia aquele que era

considerado um dos responsáveis pelo levante contra o domínio holandês: João Fernandes

Vieira. Nas palavras do autor:

Este Pernambuco, que chamam a Nova Lusitânia ou novo Portugal, teve um


homem (e tem hoje) com o nome venturoso de João, que na língua hebraica
significa boa graça, o qual com sua bondade, boa graça, afabilidade, liberalidade e
outras virtudes morais de que foi dotado, veio a ser o impulsor e origem desta
venturosa liberdade, quando os moradores estavam em tão ínfimo grau de miséria,
tão derrocados, tão oprimidos, com tão pouco animo e tão vexados da tirania
holandesa232.

Ele também foi representado com destaque na tela “Primeira Batalha dos

Guararapes” como um herói nacional, colocado no centro da tela, ao lado de André Vidal

de Negreiros e Dias da Silva. “Herói digno de eterna memória”, João Fernandes Vieira,

segundo Santiago, desde a tenra idade denunciava seu caráter virtuoso e sua coragem. O

autor marca a educação européia como signo de distinção, de nobreza. Ao destacar o

interesse do jovem por assuntos bélicos parece frisar sua predestinação a ser o “libertador”

daqueles oprimidos pela tirania holandesa.

(...) e n’ela (Ilha da Madeira) foi criado, nascendo de nobres pais, e doutrinado
conforme a qualidade de sua pessoa, instruído assim nas primeiras letras, como
nos bons costumes como os nobres costumam doutrinar seus filhos, e já n’aquela
tenra idade mostrava o generoso coração, e excelentes ações e virtudes com que a
natureza o esmerou tanto, ocupando-se em exercícios nobres em que gastava o
tempo, mostrando sempre um brio e espírito muito diferente dos outros moços
com quem passava a idade da perícia, muito afeiçoado as cousas da guerra e
virtudes morais a que era inclinado, sendo de boa inclinação, sinal certo de seu

232
SANTIAGO, Op. Cit., p.328.

115
generoso animo, que, como diz Sêneca _ Magnanimi est proprium placidum esse.
Era muito apartado de todo o gênero de vícios, e sentia em seu coração um
movimento e abalo que o incitava a cousas grandiosas, com um pensamento
altivo, e assim conversava com os moços mais nobres e briosos233.

Considerado exemplo de abnegação e patriotismo, João Fernandes Vieira deveria ser

celebrado em textos e pinturas, não só como exemplo às futuras gerações, mas como

forma de pagar uma dívida com o passado. Dívida essa, paga não só através da celebração

dos heróis da batalha dos Guararapes, mas também do enaltecimento deste episódio como

momento fundador de uma comunhão brasileira. Retomemos a afirmação de Meireles

sobre seu quadro “Primeira Batalha dos Guararapes”:“A tela dos Guararapes é uma dívida

de honra que tínhamos a pagar, com reconhecimento, em memória do valor e patriotismo

daqueles ilustres varões”234. A construção de uma tradição que enxergava aquele momento

longínquo da história brasileira como a primeira vez em que brancos, índios e negros se

irmanaram em prol da soberania nacional, implicava numa dívida com esse passado, já

que no presente o Império empenhava-se em construir essa união nacional. A invenção

desse mito fundador da nação brasileira tornava possível a coroação desse patriotismo com

a Guerra do Paraguai, completando a linha evolutiva da história oitocentista.

No ano de 1872, o Ministro do Império João Alfredo Correia de Oliveira contratou

Pedro Américo para pintar a primeira batalha travada no Monte dos Guararapes. O acordo

foi selado, Pedro Américo viajou para Itália e recolheu-se no Convento de Annunziata de

Florença para iniciar a confecção da tela. Não muito tempo depois, o artista escreveu ao

Ministro do Império informando que não pintaria mais aquele tema e sim um quadro sobre

Guerra do Paraguai, chamado “Batalha do Avaí”. O Ministro do Império João Alfredo de

Oliveira transferiu a encomenda da tela sobre o combate em Guararapes à Vítor

Meireles235.

233
Idem, p.331.
234
MEIRELES. In: SAMPAIO, Op. Cit., 1880.
235
Tanto Pedro Américo quanto Vítor Meireles selaram contratos muito semelhantes com o governo. Neles,
as dimensões das telas eram deixadas ao arbítrio dos artistas, e estabelecia-se o prazo de quatro anos para a

116
Mal haviam se passado três anos após o fim da Guerra do Paraguai quando a

encomenda das telas foi feita, o país ainda contabilizava os prejuízos da batalha e a

população ainda chorava suas perdas. Durante e após a guerra, ela transformou-se em

motivo de vários quadros, seja com o objetivo de motivar a população ou de fazê-la

esquecer as mazelas da guerra.

É interessante pensar que mesmo antes do conflito terminar já havia um

investimento em direção de torná-lo história. Por determinação do Imperador D. Pedro II,

o artista Edoardo De Martino236 foi à batalha para registrá-la e entre os anos de 1868 e

1872, o artista executou cerca de onze telas sobre a luta237. Mesmo tratando-se de um

evento contemporâneo, a Guerra do Paraguai foi transformada em um tema épico, tratada

na pintura como uma epopéia entre civilizados e bárbaros. Portanto, além dos artigos do

IHGB, a pintura teve um papel importante na canonização da Guerra do Paraguai, assim

como da Invasão Holandesa.

confecção das mesmas. O quadro A Batalha dos Guararapes pode ser encontrado no Museu Nacional de
Belas Artes (MNBA), na cidade do Rio de Janeiro.
236
"Artista italiano, nascido no Reino de Nápoles em 1838, Edoardo De Martino veio para o Brasil
supostamente em 1868, embora possa aqui ter estado anteriormente em virtude de alguns dos seus estudos
retratarem as Ilhas Malvinas (Falkland) em 1866. Deixa a oficialidade na Marinha italiana, fixando sua
residência em Montevidéu e Porto Alegre. Como aluno da Real Escola Naval e do Instituto de Belas Artes
de Nápoles, especializou-se em temas marinhos, e sua aptidão para a arte na reprodução da temática
histórica determina sua designação pelo Imperador Pedro II para acompanhar a oficialidade superior na
Guerra do Paraguai e, como pintor oficial da Corte, registrar pictoricamente os acontecimentos no front.
Participa das Exposições Gerais da Academia Imperial das Belas Artes, onde em 1870 e premiado com
medalha de ouro por seu trabalho 'Uma Noite de Luar no Cabo d'Born'. No ano de 1871 e agraciado com
dois títulos: Membro Correspondente da Academia Imperial de Belas Artes e Cavaleiro da Ordem Rosa,
condecoração concedida pelo Imperador Pedro II". Cf: PEREIRA, Walter. E fez-se a memória naval. A
coleção de Edoardo Martino no Museu Histórico Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de
Janeiro: vol. 31:1999, p.150.
237
No Museu Histórico Nacional, é possível apreciar algumas pinturas de De Martino, entre elas encontram-
se as telas referentes a Guerra do Paraguai: "Uma Noite de Luar em Montevidéu"; "Abordagem da Corveta
Maceió pela Escuna Dois de Dezembro" (1873); "Combate Naval de Riachuelo" (1870); "Abordagem do
Encouraçado Barroso e do Monitor Rio Grande" (1868); "Acampamento no Chaco" (1871); "Abordagem
dos Encouraçados Cabral e Lima Barros"; "Bombardeio de Curuzu"; "Fragata Independência"; "Canoas em
Vigília no Chaco" (1868).

117
4.4. As telas de Pedro Américo: o estranhamento como condição de leitura.

O investimento na construção de uma memória em torno destes episódios foi tão

grande durante o século XIX, que ainda hoje é difícil enxergar suas representações sem

vinculá-las a uma narrativa grandiloqüente do poder imperial, seja ele, cultural, político ou

militar. A força dessa tradição parece nos deixar cegos para as inúmeras possibilidades de

leitura que esses símbolos nos oferecem, como é o caso das pinturas de batalhas de Pedro

Américo.

Separar a pintura do que aprendemos sobre ela é uma tarefa difícil, senão impossível,

mas esse esforço é essencial para o historiador da arte. A força da tradição textual pode

aprisionar a interpretação da imagem, sobrepor-se a ela, silenciando-a. O diálogo entre

textos e imagens deve ser conduzido com cuidado para que não haja sobreposição de um

ao outro, limitando ao invés de aprofundar o debate sobre a escrita da história no

oitocentos.

É comum no domínio da História da Arte a aliança entre textos visuais e verbais,

em especial de narrativas textuais contemporâneas ao objeto artístico, com o intuito de

compreender a intenção do artista e a linguagem por ele escolhida. O diálogo entre

imagem e palavra pode ser muito fecundo, caso não se transforme em uma camisa-de-

força para a interpretação do historiador da arte. Em “On n'y voit rien”, Arasse faz uma

crítica a esse tipo de análise através de um diálogo simulado com uma historiadora que

interpreta o quadro “Marte e Vênus surpreendidos por Vulcano”, de Tintoreto, a partir dos

textos que circulavam naquele período.

Son article est impeccable et, franchement, lê contexte qu’elle suggère me paraît
plus pertinent, plus convaincant que les références que tu as invoquées de ton côté.
Mais, à la limite, peu importe. Ce que je trouve plus significatif, c’est que je n’ai
pas eu besoin de textes pour voir ce qui se passe dans le tableau (...) On dirait que
tu pars des textes, que tu as besoin de textes pour interpréter les tableaux, comme

118
si tu ne faisais confiance ni à ton regard pour voir, ni aux tableaux pour te montrer,
d’eux-mêmes, ce que le peintre a voulu exprimier238.

O tempo todo trabalhamos nessa pesquisa com palavras e imagens: as pinturas

históricas, a crítica de arte e o resumo histórico dos catálogos das exposições. E uma vez

mais esse diálogo será necessário. Encerraremos esse capítulo apontando para as inúmeras

possibilidades de entrecruzamento de palavra e imagem, que fogem de uma leitura

viciada. Os argumentos da historiadora Maraliz Christo, construídos em sua tese de

doutorado “Pintura, história e heróis no século XIX: Pedro Américo e Tiradentes

Esquartejado” serão o uma espécie de diretriz para a nossa análise das obras de Américo e

o material por ele consultado para executá-las. Nosso objetivo com a apropriação de

alguns pontos dessa tese é antes de tudo nos afastarmos das armadilhas do

entrecruzamento de imagens e palavras..

Nossa investigação foi toda ela tecida por meio da relação entre arte e história,

entre texto e imagem, nos momentos iniciais dessa investigação supúnhamos que houvesse

uma consonância completa da pintura com a produção do Instituto Histórico. Nosso

projeto de pesquisa inicial era fundamentado na idéia de imagem-cópia239, contudo a

análise das telas de Pedro Américo e a leitura da tese da historiadora Maraliz Christo nos

fizeram enxergar essa relação de maneira bem mais complexa.

Os quadros bélicos de Pedro Américo acabam gerando uma dupla interpretação,

leituras antagônicas que se colocaram como questão para o desenrolar de nosso trabalho:

de um lado o culto ao herói240, de outro enfraquecimento da figura do herói241.

Tomemos a tela “Batalha de Campo Grande” como exemplo. Como vimos, o

combate na região de Campo Grande é lembrado como mais um momento de vitória do

exército brasileiro. Contudo, o artista escolheu uma cena pouco convencional para retratar

238
ARASSE, Daniel. On n'y voit rien. Paris: Gallimard, 2002. Apud. CHRISTO, Op. Cit., 2005, p.06-7.
239
RAYNAUD. Op. Cit.
240
ROSEMBERG, Op.cit; OLIVEIRA & MATTOS, Op. Cit.
241
CHRISTO, Op. Cit., 2005.

119
na sua obra. Trata-se do momento em que o comandante-chefe das forças brasileiras,

Conde d’Eu, recebe o contra-ataque da tropa paraguaia e um ajudante-de-ordens vendo em

perigo a vida do príncipe segura-lhe as rédeas do cavalo impedindo-o de avançar.

Mais uma vez, durante essas cenas horrendas, manifestaram os oficiais brasileiros
a Sua Alteza a opinião que tinham acerca do grande risco que corria
continuamente a avançar. O Conde porém julga indigno retroceder, e esporeando
o famoso ginete, acha-se de súbito em frente aos paraguaios, torvos e revoltos.
Foi então que o valente capitão Almeida Castro, ajudante de ordens do Conde,
ouvindo antes o brado interno de uma alma dedicada e ingênua, do que a voz fria e
áspera da disciplina militar, lançou a mão direita às rédeas do cavalo de Sua
Alteza, pedindo-lhe que deixasse ao soldado a glória de sacrificar-se pela pátria e
pelo general!
Eis a ocasião escolhida pelo artista, cuja tela representa a bravura do general, a
dedicação do soldado brasileiro, e o momento em que se torna decisiva a nossa
vitória242.

Convém ressaltar, que no dia 15 de abril de 1869, o príncipe D. Gaston d’Orleans, o

Conde d’Eu, tornava-se o marechal do exército brasileiro. O Imperador D. Pedro II

recebeu duras críticas por conceder patente tão alta a um estrangeiro. Nesse sentido, a tela

tornou-se muito significativa, afinal haviam se passado não mais que dois anos após o fim

da guerra e Pedro Américo escolhe D. Gaston de Orléans como personagem principal de

sua obra.

A presença em destaque do príncipe dá margem a duas possíveis leituras do quadro:

a primeira entende como intenção do artista louvar a escolha de D. Pedro II e camuflar as

críticas ao Conde d’Eu, representando-o como um comandante virtuoso e destemido,

colocado no centro do quadro montado em um corcel branco.

A segunda interpretação parece-nos ir além do que seria óbvio, na medida em que

interroga o quadro antes de lhe adequar a respostas previamente elaboradas. Ao vermos D.

Gaston de Orléans em posição de destaque, montado em cavalo branco, parece mais que

natural entendermos que se trata da representação de um herói. Todavia, Maraliz Christo

em sua tese de doutorado intitulada “Pintura, História e heróis no século XIX”243,

242
Catálogo da Exposição Geral de 1872. Op. Cit.
243
Idem.

120
desconstrói essa interpretação. Segundo a autora, ao contrário de celebrar o herói,

“Batalha de Campo Grande” insere-se numa tendência artística internacional de

enfraquecimento da figura do herói, representada pelos trabalhos de Gros, Delacroix,

Vernet, Delaroche e Laurens.

Pedro Américo estaria atento a essas mudanças pelas quais o campo da pintura

estava passando desde a segunda metade do século XIX, na contramão da tradição artística

vigente no Brasil. Esse deslocamento da representação do herói absoluto para um discurso

negativo da imagem do herói encontrou em “Tiradentes Esquartejado”, de 1893, seu

coroamento no trabalho do pintor. Contudo, a problematização da imagem do herói

também foi questão em outras telas do pintor, como “Batalha de Campo Grande”,

“Batalha do Avaí” e “Independência ou morte”.

Para executar “Batalha de Campo Grande”, o artista trocou correspondência com

diversos militares que participaram da ação, para que lhe ajudassem a reconstituir o

momento da batalha como, por exemplo, o Visconde de Taunay, autor de “A retirada da

Laguna”244, livro consultado pelo artista para compor sua tela. O momento do combate de

Campo Grande escolhido pelo pintor não agradou Taunay que lhe sugeriu outra ocasião

mais conveniente.

Curugnaty, 22 de Dezembro de 1869


Amigo Pedro Américo
(...) Aconselho-lhe que tome o episódio da transposição do passo não só pela
variedade que V. será (ilegível) reprodução e dúvidas sucessivas, pois que todos a
cada instante continham o príncipe. (...)
O amigo distante
Alfredo Escragnolle Taunay245.

Pedro Américo não acatou os conselhos de Taunay e manteve-se fiel à cena

escolhida. O artista retrata a figura de Conde d’Eu sem vida, apático diante da batalha. Os

primeiros estudos para a tela, representam a figura do príncipe com mais virilidade e

244
TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle. A Retirada da Laguna. São Paulo: Melhoramentos, 1963.
245
Carta a Pedro Américo de Alfredo Escragnolle Taunay. Curugnaty, 22 dez 1869. Arquivo Histórico do
Museu Imperial de Petrópolis.

121
presença na cena, quase desvencilhando-se dos ajudantes que insistiam em protegê-lo.

Entretanto, essa não foi a imagem que Américo conscientemente buscou representar no

quadro.

Maraliz Christo procura relacionar esses e outros quadros de Américo com a

tradição pictórica internacional, pensando em um diálogo deste artista com nomes como o

de Vernet, Delacroix e Luigi Bechi. Para ela, a ausência de dinamismo na figura de Conde

d’Eu é intencional. Américo procurava valorizar a figura do herói anônimo que arrisca a

sua própria vida para salvar a de seu comandante mantendo, no entanto, a hierarquia das

posições. A representação dos heróis anônimos nas telas de Pedro Américo não

significava colocá-los no mesmo nível, representá-los em relação de eqüidade.

(...) Pedro Américo não consegue, não quer ou não lhe convém querer, representar
comandante e comandados no mesmo nível, definindo claramente os últimos
como heróis. O artista coloca o general brasileiro no vértice de uma composição,
segundo parte da crítica, ‘fantasiosa’, mantendo a hierarquia das posições,
protegendo o status do general. Entretanto, paradoxalmente, Pedro Américo
subverte sua própria lógica ao transformar o Conde d”Eu em ‘manequim’,
concentrando a força da ação nos comandados246.

A questão da hierarquia também é um ponto importante na narrativa de Visconde

de Taunay. Observemos o que o autor, na dedicatória em homenagem ao Imperador D.

Pedro II, afirma:

(...) inaugurou Vossa Majestade, na América do Sul, a guerra humanitária, a que


os prisioneiros poupa e salva, trata feridos inimigos com os desvelos dispensados
aos compatriotas, a que considerando a efusão de sangue humano deplorável
contingência, aos povos apenas impõe os sacrifícios indispensáveis ao sólido
estabelecimento da paz.
E é principalmente sob este ponto de vista que ouso achar-me autorizado a colocar
sob o augusto patrocínio imperial a desataviada narrativa da Retirada da Laguna,
obra da constância e da disciplina em que os oficiais de Vossa Majestade, devendo
defender, por entre obstáculos os mais diversos, as bandeiras e os canhões a eles
confiados, jamais cessaram quanto lhes foi possível, de conter o legítimo desforço
de bizarros soldados, exasperados pelo furor do inimigo, e obstar à crueldade
tradicional de auxiliares índios, vingativos como soem ser247.

246
CHRISTO, Op. Cit., p. 201.
247
Idem, Op. Cit., 1963, p. 27.
A hierarquia entre soldados e oficiais é fundamental na narrativa de Taunay. Os

“bizarros soldados” encontram-se sob a autoridade dos “oficiais de Vossa Majestade”, são

estes últimos os personagens centrais de sua obra, embora não sejam os únicos. E todos,

soldados, oficiais, índios e armamentos são instrumentos da ação do Imperador. Mais à

frente, Taunay glorifica a ação dos soldados em combate:

Pareceu-nos o fogo paraguaio melhor dirigido do que até então, mas nossa gente
não arredou pé. Eram, entretanto, simples recrutas valetudinários, saídos de
Goiás, verdade é que comandados por valente oficial, o capitão Ferreira de Paiva.
Ficamos sabendo o que podíamos esperar da coragem e da abnegação deles para o
resto da retirada248.

As qualidades dos soldados brasileiros louvadas pelo autor estão mais ligadas à sua

resistência do que exatamente à sua coragem. A bravura parece não ser algo intrínseco ao

caráter dos soldados, mas algo que eles precisam provar e demonstrar a cada instante,

justamente por não ser algo de sua natureza. “Ficamos sabendo o que podíamos esperar da
249
coragem e da abnegação deles para o resto da retirada” . Ao que parece a maior

vantagem dos soldados era o fato de serem chefiados pelo “valente oficial”. Novamente

fica clara subserviência dos “bizarros soldados” aos “oficiais da Vossa Majestade”250. Não

podemos ignorar que esta obra foi um dos materiais de consulta de Pedro Américo e por

mais que desejasse representar a iniciativa do ajudante ao proteger seu superior, a questão

da hierarquia não poderia ser colocada de lado, até por que a função da pintura é

imortalizar um momento que servirá de lição às futuras gerações. Em resposta a uma carta

de Quintino Bocaiúva, publicada no Folhetim da República, de 1871, o artista faz a

seguinte afirmação:

Esforcei-me, é verdade, para honrar a arte brasileira e a nossa pátria,


aformoseando e reproduzindo na tela, na tela que há de ser contemporânea do
porvir, um dos mais grandiosos episódios de uma batalha na qual houve tanta

248
Idem, p. 75, grifos nossos.
249
TAUNAY. Op. Cit, p. 75.
250
SALLES, Op. Cit.; Idem. Guerra do Paraguai – Memórias e Imagens. Edições Biblioteca Nacional, Rio
de Janeiro 2003.
bravura e tanto heroísmo da parte do general, quanto denodo e dedicação da
parte dos soldados brasileiros (...)251.

A tela “Batalha de Campo Grande” encontra-se hoje no Museu Imperial, seu pintor

foi saudado como um dos protegidos de Sua Majestade, considerado o pintor oficial do

Império, justamente por isso é difícil enxergá-lo para além de uma representação da

glorificação de herói nacional. Contudo, seguindo as argumentações de Maraliz Christo,

veremos como a posição secundária ocupada pelo herói nas obras de Américo obedece a

outro fim, o de destacar a guerra em si e não os seus atores.

Em “Batalha do Avaí”, outro de nossos heróis nacionais é representado: o Duque

de Caxias. O então comandante-em-chefe das tropas brasileiras é retratado bem longe do

caos do combate, observando a guerra em segurança. Novamente, essa interpretação da

figura do herói não é um consenso. Para Claudia Mattos252, o artista coloca o Duque de

Caxias observando o êxito das estratégias militares que ele próprio criou. Esta autora

pensa as telas militares de Américo em termos de contraste entre movimento e rigidez, ou

seja, a austeridade do herói e a agitação à sua volta. Segundo Maraliz Christo,

Todavia, é necessário indagar frente a cada quadro, como esse contraste adquire
sentido. Em nosso entender, esse procedimento funciona nos quadros de maneira
diversa, não pela falta de domínio do artista sobre a própria composição, como
sugere a autora, mas por perseguir objetivos diferentes. Na Batalha de Campo
Grande, o contraste, ao mesmo tempo, destaca e enfraquece o herói: na Batalha de
Avahy, o herói contemplativo é ‘engolido’ pela agitação que o circunda, por que a
ênfase do artista recai sobre o caos e não sobre o herói. Em Independência ou
Morte, a movimentação em torno de D. Pedro I não o oculta pelo contrário,
conduz nosso olhar ao seu encontro. Um simples exercício de imaginação ajuda-
nos a compreender a intenção do pintor. Se tirarmos da cena a figura de Caxias, o
quadro permanece em sua lógica de exposição do caos, subsiste sem o herói. No
entanto, se retiramos D. Pedro I, para quem todos olhariam?253

Nas telas de Pedro Américo a guerra acaba sobrepondo-se aos heróis. O intuito de

Américo, mais do que glorificar heróis nacionais, era o de retratar o caráter conturbado de

251
Folhetim da República. Rio de Janeiro, 25 out 1871, grifos nossos.
252
OLIVEIRA; MATTOS, Op. Cit.
253
CHRISTO, Op. Cit, p. 166.
uma guerra, seus horrores, emoção e violência, ao contrário de Meirelles que prezava

muito mais a celebração dos heróis.

Dois artistas com trajetórias muito parecidas, que se dedicaram a pintar temas

semelhantes e que viveram no limite entre duas áreas de conhecimento que hoje nos são

tão distintas, a arte e a história, mas que ao mesmo tempo encontraram caminhos

diferentes para se apropriaram desse diálogo. Cada um a sua maneira, estes pintores

escreveram páginas importantes da história nacional. Suas telas são até hoje reproduzidas

em livros didáticos, enquanto obras como a de Varnhagen, não são sequer mencionadas

aos jovens estudantes. Podemos dizer que essas pinturas históricas simbolizam a

consolidação de um determinado modelo de escrita da história, de caráter rankiano, que

acredita poder resgatar o passado por meio de seus vestígios. Afinal, essas imagens

possuem uma ligação tão estreita com os episódios que representam que são usadas em

livros didáticos e filmes como janelas para a história, por meio delas o passado pode ser

novamente experimentado.
CONCLUSÃO

A CONSTRUÇÃO DE UMA MEMÓRIA ATRAVÉS DE IMAGENS.

OS USOS DE PINTURAS HISTÓRICAS NOS LIVROS DIDÁTICOS.

Existem diversos episódios da história brasileira que ao serem narrados,

automaticamente nos remetem a imagens que se fixaram de maneira muito intensa em

nosso imaginário, como é o caso da primeira missa realizada em nosso território, da

Independência do Brasil ou da Invasão Holandesa. “Independência ou Morte”, de Pedro

Américo, “Primeira Missa no Brasil” e “Primeira Batalha dos Guararapes”, ambos de

Vítor Meireles, são apenas alguns exemplos de pinturas de história que estabeleceram uma

ligação tão estreita com os fatos históricos narrados que se configuraram em nosso

imaginário como janelas para o passado que representam.

O vínculo estreito que percebemos hoje entre essas imagens e os episódios que

compõem a história nacional apresenta-se como o coroamento da própria conformação do

gênero pintura histórica e da concepção de história no século XIX. Como vimos até aqui,

este estilo pictórico almejava, cada vez mais intensamente, documentar o passado. As

dimensões da obra e o trabalho de pesquisa que envolvia sua confecção aliados ao intenso

diálogo entre a tela e a produção do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, imprimia-

lhes, no momento mesmo de sua criação, o caráter de vestígio do passado. Tal gênero

artístico, portanto, era avaliado pela exatidão de seu discurso.

Todavia, quando nos interrogamos sobre a influência deste gênero pictórico sobre

o Instituto Histórico a resposta não é tão direta e simples. O projeto de pesquisa que

originou esta dissertação tinha como objetivo central estabelecer o diálogo entre as

pinturas históricas e a produção do Instituto Histórico durante os anos de 1872 e 1879.

Entretanto, com o desenrolar dos estudos começamos a perceber que não havia um
intercâmbio claro entre as duas instituições, mas sim um interesse dos pintores históricos

na produção do IHGB e nos métodos de seus profissionais. Esses artistas buscavam ali o

material e os instrumentos necessários à sua própria escrita da história. Podemos citar

como exemplo o levantamento bibliográfico realizado pelos artistas antes de iniciarem a

confecção de suas telas. Vítor Meireles para compor “Primeira Missa no Brasil” utilizou-

se da Carta de Pero Vaz de Caminha. E Pedro Américo para pintar a sua “Batalha do

Avaí”, recorreu às memórias pessoais de Alfredo d’Escragnolle Taunay sobre sua

experiência na Guerra do Paraguai. A leitura dos clássicos sobre os temas escolhidos era

parte fundamental do métier do pintor de história.

A única informação que tivemos sobre alguma forma de aproximação do IHGB

com os pintores de história foi um pedido de indicação de Pedro Américo como membro

da casa, feito pelo Barão do Rio Branco, no ano de 1889. Entretanto, sua sugestão não teve

êxito e o nome do artista foi recusado. Em carta ao amigo, Américo queixa-se da falta de

reconhecimento dos sócios do instituto pela sua obra pictórica:

Agradeço-lhe o seu pensamento de me propor para membro do Instituto; não


tenho porém causa impressa acerca do Brasil, que valha a pequena noticia sobre o
painel da Proclamação da Independência. O meu estudo a respeito dos Tipos
indígenas da América do Sul estão apenas em esboço (literário); e por ora não os
posso acabar. Se aquele sábio instituto dêsse valor aos quadros históricos, já há
muito que pela cabeça me havia de ter passado a idéa de lhe oferecer fotografias
dos que tenho pintado com tanto estudo e consciência254.

Será que podemos considerar esse episódio como um indício da natureza da

relação entre o Instituto Histórico e as pinturas históricas brasileiras? Se entendermos que

o IHGB estava fechado às contribuições desse gênero artístico, como explicar o

atrelamento dessas imagens aos eventos da história nacional construídos pelo próprio

instituto? É com o intuito de refletir sobre essas questões que nos perseguiram durante este

trabalho que concluiremos esta dissertação.

254
Carta de Pedro Américo ao Barão do Rio Branco. Florença, 26/09/1889. Correspondência, Arquivo
Histórico, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro, grifos nossos.
A resposta a essas perguntas nos pode ser sugeridas através dos livros didáticos.

Estes foram os veículos que garantiam a consolidação da História do Brasil escrita no seio

do IHGB. Os manuais de história de maior circulação entre o ensino primário e secundário

entre fins do oitocentos e início do século XX eram obras de historiadores vinculados ao

Instituto Histórico.

Entre meados do século XIX e a primeira década do século XX, encontramos pelo

menos quatro livros didáticos que tivessem a reprodução de uma das telas estudadas nessa

pesquisa, são eles: “Resumo da História do Brasil”, de Maria Guilhermina Andrade;

“Elementos de História do Brasil”, de Feliciano Bittencourt; “Minha terra e minha gente”,

de Afrânio Peixoto; e, “Nossa Pátria”, de Rocha Pombo255. Tomaremos aqui, o caso do

manual de história para o ensino primário “Nossa Pátria”, do paranaense José Francisco da

Rocha Pombo. Não só pelo fato do seu autor ser membro do IHGB desde 1900, mas

principalmente pela sua trajetória singular como historiador. Rocha Pombo marcou sua

atuação no campo da história pela combinação entre ciência e educação, já que foi o único

escritor de livros didáticos que também possuiu uma obra de referência no campo

acadêmico, o livro “História do Brasil”, de 1908256. É interessante observar que ele não se

limitou a produzir manuais para o ensino primário, o fez também para o ensino secundário

e superior. Suas obras tiveram um imenso sucesso editorial, no caso de “Nossa Pátria”,

foram impressos cerca de 452.000 exemplares, entre 1917 e 1970, anos de sua primeira e

última edição.

Algumas das telas com as quais os ocupamos nessa pesquisa aparecem no livro de

Rocha Pombo: “Batalha do Avaí”, “Combate Naval de Riachuelo”, “Batalha dos

255
ANDRADE, Maria Guilhermina Loureiro de Andrade. Resumo da História do Brazil. Para uso das
escolas primárias brasileiras. Boston: Ginn & Company Publishers, 1888; BITTENCOURT, Feliciano
Pinheiro. Elementos de História do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1907; PEIXOTO, Afrânio.
Minha terra e minha gente. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1916; POMBO, Rocha. Nossa
Pátria. Narração dos fatos da história do Brasil através de sua evolução com muitas gravuras explicativas.
São Paulo/Rio de Janeiro: Weisflog Irmãos, 1917.
256
Obra de fôlego dividida em dez volumes.
Guararapes”. Através delas e da forma como são usadas tentaremos refazer o caminho que

as transformaram em “imagens canônicas” 257 por meio da sua utilização e circulação nos

manuais de história.

A naturalização de uma tradição

É ainda durante o século XIX que os primeiros livros didáticos começam a circular

no Brasil. Tratam-se de traduções e adaptações de obras estrangeiras, principalmente

francesas. No final do oitocentos a discussão sobre a importância de uma produção

nacional de material didático começa a avolumar-se, mas é somente nas primeiras décadas

do século XX que se percebe uma produção expressiva de livros didáticos brasileiros.

Alinhada à produção do Instituto Histórico, “Nossa Pátria” dá especial atenção às

batalhas, aos conflitos étnicos e às invasões estrangeiras que são vencidas sob o comando

de heróis nacionais. No início da República, existe a preocupação em criar e glorificar

heróis para compor uma épica História do Brasil. Neste momento, a interpretação oficial

da história nacional já está consolidada pelo IHGB. E uma das pedras angulares dessa

tradição é a união racial como elemento primeiro de nossa identidade, essa seria a matriz

formadora das demais características e valores nacionais do povo brasileiro.

O texto de Rocha Pombo é um dos muitos exemplos da consolidação dessa

tradição oitocentista, que tem em Varnhagen seu maior expoente. A união das três raças

aparece em todo o capítulo dedicado à temática da Invasão Holandesa, evocado como pilar

fundador da nacionalidade.

No caso da invasão holandesa, a exemplo do que ocorre na pintura, os heróis

exaltados representam cada um deles uma das três raças brasileiras: André Vidal e João

257
SALIBA, Elias Thomé. As imagens canônicas e o ensino de história. Sinopse. Revista de Cinema, São
Paulo, nº.7, 2002.
Vieira, comandantes da tropa branca; Filipe Camarão, dos índios; e Henrique Dias, dos

negros.

(...) os holandeses começaram outra vez a abusar dos colonos; e estes foram
pensando de novo em libertar a terra oprimida.
Cada um deles foi um verdadeiro herói.
As três raças que tinham povoado o Brasil ali estiveram sempre aliadas contra
aqueles usurpadores: os Henrique Dias e os Camarão não se mostraram menos
bravos e dignos que os André Vidal e os João Vieira.
Os lances daquela guerra, como as batalhas dos Guararapes e outras, mostraram
que os colonos já eram capazes de defender a terra.
Ao cabo de uns dez anos de lutas desesperadas, foram os holandeses expulsos; e
nunca mais tentaram coisa alguma no Brasil258.

Essas batalhas são descritas como combates de homens mal equipados que

derrotam o inimigo em nome do amor à pátria. A pátria e o sentimento de esforço, doação

e colaboração se realizam pela defesa do patrimônio comum em momentos de perigo. No

trecho abaixo, Rocha Pombo exalta a valentia e o sentimento pátrio dos portugueses, como

se estes já se reconhecessem enquanto brasileiros:

Este país estava em guerra com a Espanha; e como o Brasil estava, então, sendo
governado pelo rei espanhol, entenderam os holandeses que era ocasião de tomar
um pedaço do nosso território, de que o governo da Espanha parecia não fazer
grande caso.
Mas enganaram-se, porque os próprios colonos defenderam melhor a terra do que
si tivessem rei seu.
E era isso muito natural, porque eles aqui tinham já a sua nova pátria, pela qual
tantos deles deram a própria vida259.

A mesma exaltação à coragem e ao patriotismo dos brasileiros pode ser vista nos

capítulos referentes à Guerra do Paraguai, momento em que Solano López é descrito como

um líder cruel, ditatorial, autoritário e covarde, a exemplo do que paralelamente acontecia

na narrativa oficial.

Aquele homem (Solano López) era tão cruel que ia deixando o solo, por onde
fugia, juncado de cadáveres dos seus próprios amigos e até dos irmãos.
Todos os que não venciam eram mortos.
Quando não apanhava os oficiais que se deixavam derrotar, vingava-se deles
matando-lhes as mulheres e os filhos.
Mas os nossos o perseguiam com a mesma pressa com que ele fugia.
Afinal, meteu-se pelos matos e pelas montanhas desertas, atropelado sempre e sem
ter descanso em parte alguma.

258
POMBO, Rocha. Op. Cit, p.71-72.
259
Idem, p.69-70, grifos nossos.
Obrigava agora todo o povo das cidades e vilas a acompanhá-lo; e aqueles pobres
que, mortos de fome ou de cansaço, não podiam mais andar, ficavam morrendo
pelos caminhos, ou eram degolados por ordem do tirano.
Assim, chegou ele ao seu último dia, em Cerro-Corá, na margem esquerda do
Aquidaban.
Ali, derrotado e ferido gravemente, ainda quis fugir, mas foi morto por um
soldado nosso.
Tinha ele, nesse dia (1 de Março de 1870) assinado a condenação da própria mãe.
Devia esta ser executada no dia seguinte!... e só porque o filho cruel tinha sabido
que ela se mostrava sentida e horrorizada de tanto sangue que se derramava.
Por isso, nem a própria mãe pode chorar por ele!
A guerra é uma coisa horrível; e só se torna justa num caso como este, em que é
preciso livrara de tais algozes a pobre humanidade260.

Os próprios títulos dos capítulos já denunciam a abordagem adotada pelo autor:

“Vamos libertar o povo paraguaio” e “Destruímos a tirania de López”. O império

brasileiro continua a ser exaltado, ainda nos moldes do século XIX, como o salvador da

nação paraguaia. Assim como aconteceu com “Batalha dos Guararapes”, “Batalha do

Avaí” e “Combate Naval do Riachuelo” não são mencionados no interior do texto de

Pombo. Além da reprodução dessas pinturas, única menção a elas são as legendas que

trazem apenas os títulos e os autores do quadros. Essas imagens são usadas como registros

visuais dos fatos narrados, como janelas para esse passado.

A obra de Rocha Pombo nos permite estabelecer o diálogo entre a obra acadêmica

e a didática, justamente pelo seu autor circular nesses dois níveis da produção de História

no Brasil. “Nossa Pátria”, assim como tantos outros livros que vieram depois, foram

veículos pelos quais a história oficial produzida pelo Instituto Histórico era disseminada e

pouco a pouco naturalizada como a verdadeira história nacional, tal como aspiravam seus

autores, sendo a pintura histórica um importante elemento nesse processo de canonização

da escrita da História do Brasil.

A pintura histórica como lugar de memória

A primeira edição do manual escolar “Nossa Pátria”, de Rocha Pombo, já contava

com inúmeras reproduções de imagens por todo o livro. Nela, intercalam-se textos,
260
Idem, p.123-125.
fotografias de monumentos históricos espalhados pelo território brasileiro, gravuras de

viajantes e pinturas históricas. Ernest Lavisse, historiador francês, autor de diversos

manuais de história que circularam em grande escala tanto na França quanto aqui, já

chamava a atenção em 1887 para as benesses da utilização de imagens com fins

pedagógicos: “As crianças têm necessidade de ver as cenas históricas para compreender a

história. É por esta razão que os livros de história que vos apresento estão repletos de

imagens. Desejamos forçar os alunos a fixarem as imagens”261.

“Ver as cenas históricas”, essa era, e ainda é em muitos casos, a função da pintura

histórica nos livros didáticos. Tal afirmação remonta a uma tradição que delega à imagem

maior eficácia na transmissão de conhecimentos, pois o discurso visual possuía uma

função pedagógica, primordial na inspiração de virtudes e ideais civilizatórios.

O livro “Nossa Pátria” é um bom exemplo da consolidação desse pensamento. A

maioria de suas reproduções pode ser divida em duas categorias: as imagens produzidas

por viajantes e as pinturas de história. As primeiras, por serem registros contemporâneos

aos fatos e por isso mais confiáveis segundo uma certa tradição, são tratadas como

testemunhas oculares da história, imprimem à narrativa de Pombo legitimidade por serem

vestígios desse passado. No caso das pinturas históricas, a legitimidade vem da aura de

verdade construída no momento de sua produção. Segundo Thaís Fonseca, essas imagens

“representando episódios consagrados pela historiografia oficial, acabaram por tornar-se a

memória visual da nação”262.

“Batalha dos Guararapes”, “Batalha do Avaí” e “Combate Naval do Riachuelo”

serviram, aqui, como em muitos livros didáticos, para fazer “ver” um momento da nossa

261
LAVISSE, Ernest. Histoire de France: cours élémentaires. Paris: A. Colin, 1887, p.03. Apud:
BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. In: O saber histórico em sala de aula.
São Paulo: Editora Contexto, s.d. (Grifos nossos)
262
FONSECA, Thaís Nívia de Lima e. “Ver para compreender”: arte, livro didático e a história da nação. In:
SIMAN, Lana Maria de Castro & FONSECA, Thaís Nívia de Lima e. Inaugurando a História e
construindo a nação. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p.94. (Grifos nossos)
história. Suas condições de produção, as intenções dos artistas e a própria linguagem

estética das obras parecem não existir. A pintura de história perde seu cunho de

representação para tornar-se um fragmento desse passado que buscou retratar. A

naturalização dessas imagens como janelas para a história fez com que perdessem sua

complexidade, a sua dimensão historiográfica foi perdida, transformaram-se em vestígios

irrefutáveis de uma história nacional construída e consolidada pelo IHGB, tornaram-se a

“memória visual da nação”.

Nesse sentido, é que tentamos refazer o percurso que levou algumas pinturas

históricas a possuir tamanha força e importância, desnaturalizar seu lugar de “imagens

canônicas”. Pensar a historiografia como um “lugar de memória” possibilita-nos entendê-

la como um esforço de construção de um passado, que envolve lembrança e esquecimento.

O movimento de historicizar a produção historiográfica nos ajuda a desnaturalizá-la,

enxergá-la como fruto de tensões entre vários projetos de escrita da história. O discurso

historiográfico visto à luz da idéia de lugares de memória ganha textura, na medida em

que as tensões e os embates sobre os quais foi construído lhe são restituídos, devolvendo

às pinturas de história sua historicidade.


ANEXOS

1. QUADROS DE REFERÊNCIA

QUADRO 1

AS EXPOSIÇÕES COM RECORDE DE PÚBLICO NO BRASIL, A PARTIR DO FINAL DA DÉCADA DE 80263

EXPOSIÇÃO/ PERÍODO DA TOTAL DE DIAS ESTIMATIVA DE


INSTITUIÇÃO MOSTRA DA EXPOSIÇÃO PÚBLICO

Picasso/Paço 28/05 a 06/07/1986 40 dias 12.000


Imperial
Eco-92 e Viva o povo 05/06 a 19/07/1992 45 dias 147.000
Brasileiro/MAM
Rodin/MNBA 18/04 a 28/05/1995 44 dias 226.106
23ª Bienal 06/10 a 08/12/1996 64 dias 398.879
Internacional de São
Paulo/MASP
Monet/MNBA 13/03 a 19/05/1997 68 dias 432.776
Monet/MASP 28/07 a 10/08/1997 75 dias 401.201
Salvador 23/03 a 28/05/1998 58 dias 245.000
Dali/MNBA
Surrealismo/CCBB- 21/08 a 28/10/2001 69 dias 739.719
RJ
25ª Bienal de São 23/03 a 02/06/2002 72 dias 668.428
Paulo/MASP
Arte da 13/10/2003 a 84 dias 747.300
África/CCBB-RJ 04/01/2004
26ª Bienal de São 26/09 a 19/12/2004 85 dias 880.000
Paulo/MASP
Por ti 11/10/2005 a 111 dias 777.572
América/CCBB-RJ 29/01/2006

263 Ver: 2001 - Surrealismo (evento multidisciplinar). Linha do Tempo-CCBB, Rio de Janeiro. Disponível
em: http://www.bb.com.br/appbb/portal/hs/anv/LinhaTempo.jsp. Acesso em: 30 jan. 2006; 26ª Bienal de SP
termina abaixo da expectativa. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 dez 2004, Cotidiano, p. C12; ARTE na
África é eleita melhor exposição de 2003. Notícias do CCBB, Rio de Janeiro, 26 mar. 2004. Disponível em:
www.bb.com.br/appbb/portal/bb/ si/ntcas/noticia.jsp?Noticia.codigo=127663. Acesso em: 30 jan. 2006;
CCBB Rio: Últimos dias da mostra "Por Ti América". Notícias do CCBB, Rio de Janeiro, 26 jan. 2006.
Disponível em: http://www.bb.com.br/appbb/portal/bb/ctr/ntca/noticia.jsp?Noticia.codigo=149535. Acesso
em: 30 jan. 2006; CÔRTES, C. O filão de Rodin. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 maio. 1995. Caderno
B, p. 48; Dezembro. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 dez 1996, Revista da Folha, p. 42; EDIÇÃO recebe
668.428 pessoas e bate recorde. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 jun 2002, Ilustrada, p. E1; GRAÇA,
Eduardo. Martelada da fortuna. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 maio. 1998. Caderno B, p. 51;
JORNAL do Brasil, Rio de Janeiro, 23 maio. 1997. Registro, p. 22; MOSTRA de Rodin segue para São
Paulo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 maio. 1995. Cidade, p. 19; NEGROMONTE, Marcelo. Monet é
visto por 401.201 pessoas em SP. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 agos 1997, Ilustrada, p. 5-10;
QUADRO 2

EXPOSIÇÕES NO RIO DE JANEIRO COM ESTIMATIVA DIÁRIA DE PÚBLICO264

EXPOSIÇÃO/ TOTAL DE DIAS ESTIMATIVA DE MÉDIA DE PÚBLICO


INSTITUIÇÃO DA EXPOSIÇÃO PÚBLICO POR DIA

Exposição Geral de 22 dias 63.949 2.907


1872/AIBA
Exposição Geral de 62 dias 292.296 4.714
1879/AIBA
Eco-92 e Viva o 45 dias 147.000 3.267
povo
Brasileiro/MAM
Rodin/MNBA 44 dias 226.106 5.139
Monet/MNBA 68 dias 432.776 6.364
Salvador 58 dias 245.000 4.224
Dali/MNBA
Surrealismo/CCBB- 69 dias 739.719 10.720
RJ
Arte da 84 dias 747.300 8.896
África/CCBB-RJ
Por ti 111 dias 777.572 7.005
América/CCBB-RJ

264 Ver: 2001 - Surrealismo (evento multidisciplinar). Linha do Tempo-CCBB, Rio de Janeiro. Disponível
em: http://www.bb.com.br/appbb/portal/hs/anv/LinhaTempo.jsp. Acesso em: 30 jan. 2006; ARTE na África
é eleita melhor exposição de 2003. Notícias do CCBB, Rio de Janeiro, 26 mar. 2004. Disponível em:
www.bb.com.br/appbb/portal/bb/ si/ntcas/noticia.jsp?Noticia.codigo=127663. Acesso em: 30 jan. 2006;
ATAS da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia Imperial de Belas Artes em 17 de dezembro de
1884, p. 11- frente e verso. Arquivos do Museu Dom João VI – EBA/UFRJ; CCBB Rio: Últimos dias da
mostra "Por Ti América". Notícias do CCBB, Rio de Janeiro, 26 jan. 2006. Disponível em:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/bb/ctr/ntca/noticia.jsp?Noticia.codigo=149535. Acesso em: 30 jan.
2006; CÔRTES, C. O filão de Rodin. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 maio. 1995. Caderno B, p. 48;
GRAÇA, Eduardo. Martelada da fortuna. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 maio. 1998. Caderno B, p.
51; JORNAL do Brasil, Rio de Janeiro, 23 maio. 1997. Registro, p. 22; MOSTRA de Rodin segue para São
Paulo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 maio. 1995. Cidade, p. 19;
2. DOCUMENTAÇÃO ICONOGRÁFICA

BATALHA DE CAMPO GRANDE OU NHUASSÚ.


Pedro Américo, 1871. 530 X 332 cm. Óleo sobre tela. Petrópolis: Museu Imperial.

INDEPENDÊNCIA OU MORTE!.
Pedro Américo, 1887-1888. 7,60 X 4,15 m. Óleo sobre tela. São Paulo: Museu Paulista/USP.
BATALHA DO AVAHY.
Pedro Américo, 1877. 500 X 1000 cm. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes.

Detalhes:

BATALHA DO AVAÍ.
Pedro Américo, 1877.
(detalhe A)
BATALHA DO AVAÍ.
Pedro Américo, 1877.
(detalhe)

BATALHA DO AVAÍ.
Pedro Américo, 1877.
(detalhe)

PASSAGEM DE HUMAITÁ.
Victor Meirelles, 1871. 268 X 435 cm. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional.
COMBATE NAVAL DE RIACHUELO.
Vitor Meireles, 1881. 460 X 820 cm. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional

A PRIMEIRA BATALHA DOS GUARARAPES.


Vitor Meireles, 1879. 500 X 925 cm. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes.
PRIMEIRA MISSA NO BRASIL.
Vitor Meireles, 1860. 268 X 356 cm. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes.

Fotograma de DESCOBRIMENTO DO BRASIL, filme de Humberto Mauro, de 1937.


EXPOSIÇÃO DE BELAS ARTES – “EM TODO O MÊS DE NOV. CONTINUOU A HAVER EXTRAORDINÁRIA
CONCORRÊNCIA, SOBRETUDO NAS 5ª FEIRAS, DIAS CONSAGRADOS À FINA FLOR DA SOCIEDADE FLUMINENSE!”.
Ângelo Agostini. Revista Ilustrada, ano 9, nº 396, 1884. Oficina Litográfica da Revista Ilustrada, Rio de
Janeiro, 1884.

OFERECIDO AO EMINENTE PINTOR VICTOR MEIRELLES DE LIMA.


Ângelo Agostini. Revista Ilustrada, ano 4, nº 158, 1879. Oficina Litográfica da Revista Ilustrada, Rio de
Janeiro, p. 04.
HALTE DE GRENADIERS.
Charles Parrocel. c. 1737. Paris: Musée du Louvre.

THE RAFT OF THE MEDUSA.


Théodore Géricault. 1818-19. Óleo sobre tela, 419 X 716. Paris: Musée du Louvre.
3. RESUMOS HISTÓRICOS DOS CATÁLOGOS DAS EXPOSIÇÕES GERAIS DE 1872 E 1879

3.1. Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 146 -

Batalha de Campo Grande, de Pedro Américo265.

Resumo Histórico

Às 6 horas da manhã do dia 16 de agosto de 1869, levantou acampamento o 1°

grupo do exército brasileiro, e pôs-se em marcha pela mesma estrada por onde havia

fugido o ditador Francisco Solano Lopez, com todo o seu exército e comitiva,

encontrando pouco adiante muitas carretas quebradas bem como cavalos mortos, e

diversos objetos abandonados pelo inimigo.

Sua Alteza o Sr. Conde D'Eu, que, quando fez marchar o 2° corpo sobre Barreiro

grande, seguindo ele próprio com o 1° para Gaacupe, tinha em vista surpreender o

inimigo pela frente e retaguarda, caso fugisse este de Ascurra, acelerou um pouco a nossa

marcha, e, a duas ou três léguas desse povoado, começamos a hostilizar a retaguarda do

exército paraguaio.

Desde então respondemo-nos com tiroteios e protegidos, tanto pelos acidentes de

terreno, quanto por sua boa e bem colocada artilharia, começou o inimigo e estender-se em

linha de batalha pelo vasto campo denominado Nhú-Guassu, ou Campo Grande, de onde

não tardou romper contra nós um fogo vigorosíssimo e tenaz.

Nesse momento, porém estavam já as nossas linhas dispostas em batalha,

assestadas as peças, unidas às fileiras, e, ocupando os flancos a cavalaria que tínhamos,

começamos um fogo cerrado de infantaria e artilharia.

265
Catálogo da Exposição Geral de 1872. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes. Acervo do
Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
A luta prolongou-se terrível, porque indecisa, durante algum tempo, até por vezes

pareceu-nos necessário ceder.

O general José Luiz que comandava o 1° corpo do exército, deu aí mais uma prova

de sua intrepidez e sangue frio, mandando artilharia tomar uma posição vantajosa para

metralhar o inimigo, e no mesmo tempo carregar a infantaria, confiada ao comando do

bravo general Pedra, o qual, seguindo na frente dos seus soldados, de um ímpeto levou o

inimigo até o arroio Juquiry, onde falharam-lhe os passos e caiu do cavalo, acometido por

rês paraguaios armados, de quem defendeu-se por alguns minutos.

Nessa porfia terrível um dos adversários tentou perpassá-lo com a lança, cujo ferro

encontrando felizmente a gravata de couro resvalou pela superfície lustrosa, ferindo-lhe

levemente o pescoço do general.

Imediatamente por trás dele vinham os infantes que comandava; mas estes,

cansados da pugna, e em grande número mortalmente feridos pela metralha e fuzilaria

inimigas, começavam a rarear rapidamente, ao passo que se tornava o perigo cada vez

mais terrível, por um último e desesperado esforço paraguaio, que comandava o general

Caballero.

Vendo, porém Caballero que não recuávamos, antes avançávamos heroicamente,

começou a mover o seu exército, forte de 6.000 homens, como para retirar-se, ou simular

retirada, sem, contudo diminuir a intensidade de sua resistência.

Mandou então Sua Alteza que avançássemos, e transpondo logo o lugar do Juquiry

denominado Passo do Arroio, aproxima-se das baterias e fileiras paraguaias a ponto de

sentir-se ele, e seu estado maior, debaixo de uma verdadeira saraiva de projéteis.

A presença do general em chefe na extrema vanguarda do exército, o aspecto a um

tempo galhardo e imponente dos oficiais que o acompanhavam, e sobretudo a

impetuosidade dos nossos soldados, que seguiam tão nobre exemplo, foram motivos que
determinaram a retirada precipitada dos paraguaios, os quais, à medida que fugiam para se

entrincheirarem em uma defesa próxima, iam, segundo é seu costume, incendiando a

macega e o sarçal do campo, para assim nos anteporem um obstáculo invencível, e ao

mesmo tempo subtraírem-se aos nossos olhos, envoltos eles e nós nas labareda se nos

imensos turbilhões de fumo que se levantavam da terra.

Houve alguns minutos de uma confusão extrema: os cavalos, respirando um hálitos

fumegante, relinchavam impacientes e saltavam por cima de munições incendiadas, com

desesperada fúria: os cavaleiros sentiam falsearem os passos dos seus ginetes e mal

podiam fugir aos perigos inominados que encontravam, e os peões, que vinham após eles,

pulando por cima do fogo e atravessando os mais tremendos obstáculos, sentiam-se quase

asfixiados, como os pobres feridos que pisavam, e por vezes se achavam, de repente face a

face com um vulto horrendo, tisnado, veloz como a serpente traiçoeira, que brandia a

espada ou o machado, e com quem era necessário combater!

Mais uma vez, durante essas cenas horrendas, manifestaram os oficiais brasileiros

a Sua Alteza a opinião que tinham a cerca do grande risco que corria continuamente a

avançar. O Conde porém julga indigno retroceder, e esporeando o famoso ginete, acha-se

de súbito em frente aos paraguaios, torvos e revoltos.

Foi então que o valente capitão Almeida Castro, ajudante de ordens do Conde,

ouvindo antes o brado interno de uma alma dedicada e ingênua, do que a voz fria e áspera

da disciplina militar, lançou a mão direita às rédeas do cavalo de Sua Alteza, pedindo-lhe

que deixasse ao soldado a glória de sacrificar-se pela pátria e pelo general!

Eis a ocasião escolhida pelo artista, cuja tela representa a bravura do general, a

dedicação do soldado brasileiro, e o momento em que se torno decisiva a nossa vitória.


Descrição resumida do quadro

No alto e ao mesmo tempo no vértice da pirâmide formada pelas figuras principais,

estas Sua Alteza, cujo cavalo e rigorosamente sofreado pelo capitão (hoje major) Almeida

Castro, que já traz ferida a mão esquerda, e o animal que cavalga prestes a sair de

combate.

À direita do Conde, o coronel de engenheiros Dr. R. Enéas Galvão, brada ao

capitão Almeida Castro largue as rédeas que tem presas, dando-lhe ao mesmo tempo voz

de prisão por ordem de Sua Alteza.

No fundo, e no mesmo plano vertical que passa pelos olhos do observador e pela

destra do general em chefe, vê-se o major Benedito de Almeida Torres, e um pouco a

frente, mais a esquerda do observador, o capitão (hoje major) de engenheiros Dr. A. E.

Taunay, tendo em sua retaguarda o tenente-coronel Moraes e mais além o clarim-mor do

exército, que também é retrato.

Na extrema esquerda vê-se, na parte superior do quadro, o capitão de mar e guerra

João Mendes Salgado, precedendo um corpo de infantes, que carrega corajosamente por

cima da macega incendiada, na parte inferior o venerando frei Fidelis d'Avila, em cujos

braços expira exangue o bravo e jovem capitão Arouca, ferido de ma bala paraguaia.

À direita do painel, e um tanto longe, avista-se o general Pedra em luta com o

bárbaro que tentara perpassá-lo com a lança, mais ao longe no terceiro e quarto planos,

brasileiros e inimigos na mais encarniçada luta, e um pouco a frente do Pedra, quase no

primeiro plano, muitos inimigos que resistem, ou fogem aos golpes dos nossos soldados.

As figuras paraguaias foram tiradas, maias ou menos modificadas pelas exigências

da composição, dos muitos prisioneiros, e outros paraguaios, que estiveram nesta capital.

Os uniformes e as armas brasileiras, bem como todos os objetos paraguaios, foram


fielmente copiados do natural (Para maiores esclarecimentos, consultem-se as primorosas

descrições, apreciações ou análises do painel, que correm impressas).

O quadro pertence ao Ministro da Guerra.


3.2. Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 166 –

Combate Naval do Riachuelo – jornada de 11 de Junho de 1865, de Victor

Meirelles266.

Resumo histórico

Ofendidos os brios e a dignidade do Brasil pela guerra que, sem motivo nem

provocação, lhe declara o ditador do Paraguai, apreendendo inesperadamente, e a traição e

falsa fé, o vapor Marquês de Olinda, e invadindo o território brasileiro em Uruguaiana e

Mato Grosso, surgiram de todos os pontos do Império valentes legiões de defensores, que

formando um poderoso exército, correram ao campo de batalha para desagravar a pátria

ultrajada, e expulsar o audacioso inimigo que ousara pisar o solo brasileiro.

Não menos briosa a Marinha de Guerra almejava ansiosa tomar parte na luta

travada, e sulcando as águas do Parta, achava-se já no rio Paraná estacionando sobre a

margem direita, duas léguas abaixo da cidade de Corrientes.

Na manhã do glorioso e para sempre memorável dia 11 de Junho de 1865 às 9hs,

anunciavam as vigias ter à vista uma esquadra inimiga, a qual, favorecida pela grande

correnteza das águas, em poucos minutos passou em frente a nossa margem oposta, e foi

seguindo águas abaixo, para colocar-se junto da barranca do Riachuelo.

Compunha-se a esquadra paraguaia dos seguintes navios: Taquary, navio chefe

com a insígnia do capitão de mar e guerra Meza, Igurey, Marques de Olinda, Salto,

Paraguay, Iporá, Jejuy e Ibera armados com 6 peças cada um, e trazendo a reboque

6chatas, cada uma das quais, com uma guarnição de 50 praças, montava num canhão de

calibre 68. Além da tripulação trazia cada navio 300 homens de infantaria, gente toda

escolhida para dar abordagem.


266
Catálogo da Exposição Geral de 1872. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes. Acervo do
Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
Na barranca sobre a ponta denominada Santa Catarina, tinha o inimigo

cautelosamente preparado uma bateria de 32 peças guarnecidas por 1.000 homens, e no

seu prolongamento, na extremidade que fica ao sul e forma a ponta do Riachuelo, mais

1.000 homens de infantaria com o seu acampamento inteiramente oculto pelo mato.

Procurar o inimigo e dar-lhe batalha foi a deliberação que imediatamente tornou o

chefe de divisão Francisco Manuel Barroso, o qual, a bordo da fragata a vapor Amazonas,

ordenou que avançasse a esquadra imperial na seguinte ordem.

Na vanguarda a corveta Belmonte, indo-lhes nas águas a fragata Amazonas, e as

canhoneiras Parnayba, e Ipyranga, a corveta Jequitinhonha, com a insígnia do chefe

Goimensoro, e as canhoneiras Araguary, Iguatemy, Beberibe e Mearim. Encontrando o

inimigo em Riachuelo postado em linha de combate, foi obrigada a esquadra imperial a

descer e vir dar volta em ouro canal mais abaixo, por não poder naquele lugar manobrar

convenientemente, e tendo havido nessa rápida passagem um fogo intensíssimo de ambos

os lados, sofreu muito a Belmonte.

O Jequitinhonha ao descer, aproximando-se demais da barranca, encalhou, e aí,

exposto a um fogo crudelíssimo, soube heroicamente defender da abordagem, que mais de

uma vez tentou dar-lhe o inimigo.

A Parnahyba, não tendo boa marcha, foi ficando atrás e distante dos outros navios,

circunstância favorável para o inimigo, que não podendo realizar seu plano com o

Jequitinhonha, tentou faze-lo com o Parnahyba, que em pouco tempo se viu acometida

por todos os lados, mas repelindo fortemente o furioso inimigo com a metralha e bala, tais

estragos causou a Paraguary, que esta se viu obrigada a ir encalhar sobre uma ilha a

margem do Chaco, o Taquary, o Salto e o Marques de Olinda, porém, conseguiram

aborda-la. Seiscentos inimigos furiosamente enraivecidos ocuparam bem depressa uma

parte da imortal Parnahyba, cujo convés ficou logo nadando em sangue, foi então que se
travou em breve espaço uma luta medonha, combatendo-se a ferro frio, e corpo a corpo,

foi nesta heroína porfia que deram a vida pela pátria o jovem Greenhalgh, que respondeu

com um tiro de revolver a aviltante intimidação de arriar o pavilhão brasileiro que ele

defendia, Pedro Afonso, do 9º de infantaria, Andrade Maia, o intrépido marinheiro

Marcilio Dias, e tantos outros que tão bem souberam defender o seu posto. Uma luta tão

desigual acabaria por exterminar toda valente guarnição, não aconteceu, porém, assim,

porque a Providência Divina velava pelo Brasil.

Seguir, combater, perseguir e exterminar o inimigo era a idéia fixa de todos os

brasileiros naquele momento solene de amor da pátria. A esquadra da volta: a Mearim

primeiro, e depois o Amazonas, a Beberibe e a Araguary, bem como todos os outros, cada

qual fez quanto pode para destruir o inimigo, e tão vivo era fogo da metralha, bala e

fuzilaria, que, no dizer do chefe Barrosso _ era uma chuva de respeito.

Na intenção de salvar a Parnahyba, uma feliz idéia ocorre ao pensamento do chefe,

que é logo posta em prática.

Fazer rápidas evoluções a toda força do vapor, e, como fora seu navio um

Merrimak, investir sobre os navios inimigos e destroça-los, foi obra de um momento:

foram logo dois metidos a pique, e recuando o invulnerável Amazonas, se prepara para

investir sobre o terceiro, quando este percebe a manobra, e procura escapar-se

abandonando o costado da Parnahyba.

Reina a confusão entre os paraguaios, muitos dos quais se atiram aos rios,

procurando fugir a nado: os navios que restam buscam escapar ao perigo iminente que os

ameaça, e abandonam algumas chalas que, tomadas pela correnteza, caem águas abaixo,

continuando porém as que estavam sobre a margem junto a barranca a fazer fogo ativo.

Nesta ocasião manda o chefe brasileiro içar no lais da vergado do Amazonas o

sinal número 10- sustentar o fogo que a vitória é certa -, grato sinal que é imediatamente
reconhecido por todos os navios da esquadra imperial. Era 3 ½ horas da tarde, e apesar da

derrota manifesta, o inimigo audaz, em frenético desespero, procura fazer um último

esforço, a vitória porém, não se faz esperar mais, e, no meio do maior entusiasmo, o chefe

brasileiro, imponente sobre o passadiço do imortal Amazonas brada - Viva o Imperador e

a Nação brasileira! – e os vivas de toda a esquadra são muitas vezes repetidos pelos ecos

daquelas solitárias margens.

O resto da esquadra inimiga foge rio acima, e é tenazmente perseguida pelas

canhoeiras Beberibe, Mearim e Araguary.

O momento escolhido pelo artista é aquele em que depois de ter metido a pique

dois navios paraguaios, eis a ré o Amazonas, e sendo visto e é reconhecido por todos os

vasos da esquadra o sinal – sustentar o fogo que a vitória é certa – grita o valente chefe

Barroso – Viva o Imperador do Brasil! – São 3 ½ horas da tarde.

Descrição resumida do quadro

Sobre o vapor Amazonas vê-se no passadiço o chefe Barroso, tendo a seu lado o

prático Bernardino, o comandante Brito, e o guarda-marinha Barbosa, avante, sobre o

castelo de proa, o imediato Delphim Carlos de Carvalho, dirigindo a manobra, no primeiro

plano, à direita, um vapor paraguaio a pique, tendo parte do convés fora d’água, sobre o

qual estão diversos grupos de inimigos, que, apesar de derrotados, fazem ainda m último

esforço de vingança, na caixa de roda, meio imersa n’água, um marinheiro brasileiro, que

sem dúvida caira dentro do navio inimigo no momento do choque dado pelo Amazonas, é

mortalmente ferido a tiro de revolver por um oficial paraguaio ao longo a Aguary e o

Beberibe perseguem os vapores paraguaios que seguem rio acima, vê-se o Jejuy a pique; e

duas chatas que caem águas abaixo. No último plano o Jequitinhonha, adornado, jaz

encalhado perto da barranca, e um vapor paraguaio ainda mais ao longe foge


precipitadamente. Pela popa do Amazonas, no centro do quadro, vê-se o Mearim que vai

prestar socorro à Parnahyba. À esquerda, e no segundo plano, vê-se m grupo de

paraguaios e alguns camalotes, mais ao longe e em terceiro plano, a Parnahyba, entre o

Taquary e o Salto, finalmente mais longe ainda, esta a Paraguary encalhado na margem

do rio.
3.3. Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 167 –

Passagem do Humaitá, de Victor Meirelles267.

Resumo histórico

A 19 de fevereiro de 1868, a esquadra encouraçada brasileira,composta dos navios

Barroso, Bahia, Tamandaré, e dos monitores Rio Grande, Alagoas e Pará, forçaram o

passo de Humaitá.

Haviam previamente tomado conveniente posição para auxiliar aquela perigosa

empresa, os encouraçados Brasil, navio chefe, Herval, Colombo, Cabral, Silvado e Lima

Barros, ficando estes dois últimos ao lado do Chaco.

Às 3 ½ horas da madrugada, logo depois de nascer a lua, dado pelo navio chefe o

sinal de avançar, rompeu a honrosa marcha o Barroso levando a seu lado o monitor Rio

Grande, seguido pelo Bahia com o Alagoas, e após estes, o Tamandaré com o Pará.

Percebida a manobra da esquadra imperial pelas sentinelas da formidável Humaitá,

rompeu dela um fogo de bala tão sustentado e rápido, que dentro em pouco tempo: terra,

céu e águas era tudo fogo e fumo, de todas aquelas baterias assestadas sobre as barrabcas

do rio, choviam incessantemente milhares de projetéis, e era tão forte o troar da artilharia,

que sentia-se a terra estremecer.

Do lado do Chaco, perto do lugar onde estavam presas as grossas correntes de ferro

que partiam a fortaleza, e interpretavam a navegação no rio, mandou o astucioso inimigo

fazer fogueiras, a fim de serem melhor divulgados da fortaleza, os movimentos da

esquadra.

267
Catálogo da Exposição Geral de 1872. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes. Acervo do
Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
Aquelas formidáveis correntes que tanto horror causaram, os torpedos e outras

máquinas infernais, tudo foi vencido pela coragem inaudita dos valentes marinheiros que

compunham a divisão avançada da esquadra.

Já o Barroso e o Rio Grande haviam dobrando a ponta do Chaco, transposto o

passo. Ao passar pelas correntes, uma bala cortara a Alagoas os cabos de reboque que o

ligavam ao Bahia, e desarranjado-se-lhe ao mesmo tempo a máquina, tomado pelas

correntezas das águas, vem caindo rio abaixo naquela volta difícil quase encalhar na ponta

de pedras. O Tamandaré e o Pará, tendo vencido esta ponta perigosa, estão perto do lugar

das correntes.

Nesta ocasião, no meio do medonho estampido que partia de Humaitá, e dentre as

densas nuvens de fumaça que toldavam o ar, vê-se subir um foguete que, partindo do

Barroso, anuncia a toda a esquadra que o Passo de Humaitá está vencido.

É este o momento escolhido pelo artista.

Estes dois quadros (números 166 e 167) encomendados em 1868 pelo Exmo. Sr.

Conselheiro Affonso Celso de Assis Figueiredo, então Ministro da Marinha, e que o

artista para o seu maior desempenho, foi a custa do governo ao Paraguai fazer os

indispensáveis estudos, pertencem aquele ministério.


3.4. Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 133 - A

Batalha do Avay, de Pedro Américo268.

Resumo Histórico

No dia 11 de dezembro de 1868, sob o comando do invicto general Duque de

Caxias deu-se esta memorável batalha as margens do Rio Avahy, confluente do Paraguai.

Era chuvoso o dia e a batalha que feriu-se as10 horas da manhã terminou cerca de

meio-dia pouco antes o sol rompeu as densas nuvens que escureciam o céu, e iluminou ao

longe as coxilhas de Lomas Valentinas.

Descrição resumida do quadro

No primeiro plano do quadro há dois grupos principais: o da esquerda representa o

tenente Alves Pereira sobraçando dois estandartes paraguaios, e cercado de inimigos por

todos os lados, o oficial que caído, procura defendê-lo e o segundo- tenente de marinha

Cunha Telles; mais para a esquerda, montado sobre uma peça de artilharia, vê-se o jovem

cadete Serafim, que se tornou célebre pelo seu heroísmo e temeridade, e foi poucos dias

depois, morrer em Lomas Valentinas.

O grupo da direita representa uma família indígena que emigrava, conduzida em

um carro campônio, e foi surpreendida pela batalha.

Um pouco mais para o centro do quadro, vê-se o bravo general Osório, Marquês do

Herval, ferido no rosto.

No segundo plano, a esquerda e sobre uma eminência, se acha o general em chefe

Duque de Caxias, rodeado de seu estado-maior, composto dos brigadeiros Barão da Penha,

268
Catálogo da Exposição Geral de 1879. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes. Acervo do
Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
e José Luiz Menna Barreto, capitão de mar e guerra Luiz Alves Pereira e Cândido Xavier

Rozado.

Em planos mais remotos, vê-se acima do carro campônio o destemido Barão do

Triunfo, no centro o tenente-coronel Sá e Brito, mortalmente ferido, e mais tarde o general

Câmara (então coronel).


3.5. Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 143 -

Primeira Batalha dos Guararapes, de Victor Meirelles269.

Resumo histórico

Em 1648, os pernambucanos, cansados de sofrer a tremenda tirania, que, com a

invasão dos holandeses, por tantos anos lhes pesava, possuídos de fé e cheios de plena

confiança pela santa causa que defendiam, buscavam a todo o transe repelir aqueles

implacáveis inimigos que tanto os oprimiam com insultos, traições, sacrilégios e

violências, mais próprias de bárbaros do que de gente civilizada.

Havia chegado a hora solene! A Providência amerceada de tantos sofrimentos,

animava aqueles bravos patriotas que ali se levantavam para expelir do solo querido da

pátria o inimigo estrangeiro.

Para reivindicar os direitos da liberdade que os holandeses lhes haviam roubado,

surgiam de toda a parte, ainda a custo de inauditos sacrifícios, os beneméritos heróis que,

temperados nos rigores das privações e na dor profunda de se verem conculcados pelo pé

dos estrangeiros que já anteriormente se tinham apoderado de quase toda a Capitania,

bradavam em íntima conflagração - liberdade! Liberdade! ...

As queixas angustiosas do povo, as preces da multidão oprimida pela malvadeza de

uma quase destruição, reuniam, em um só grupo, todas as classes que com a maior

abnegação e sincero entusiasmo preferiam sacrificar-se por seus legítimos direitos a

continuar como vítimas imoladas à ambição e à rapina daquela pirataria, e assim elevados

no estoicismo do amor da pátria, que já se engrandecera nos combates em que se

enobrecera com os louros colhidos em Porto-Calvo, Tabocas e Casa-Forte, preparavam-se

269
Catálogo da Exposição Geral de 1879. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes. Acervo do
Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
para disputar o terreno avassalado e vingar a morte e o cativeiro de seus pais, filhos,

irmãos e amigos.

Os holandeses perseguidos naqueles combates, perdendo grande número de

soldados e muito do terreno que haviam ocupado, viram-se forçados por aqueles

denodados patriotas a limitar num só ponto o seu círculo de operações, concentrando

nobre e cívico exemplo de amor à pátria! Aquele exército que se erguera disposto a morrer

pela salvação do princípio sublime da nacionalidade, compunha-se de três classes: pretos,

índios e brancos que, embora bem distintos pela cor, nem por isso deixavam de se igualar

pelo valor que se afinara nas amarguras da mesma adversidade.

D. Antônio Felipe Camarão era o governador dos índios, Henrique Dias,

governador dos pretos, minas e crioulos, André Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira

e Barreto de Menezes, os Mestres-de-Campo, que comandavam os brancos, sendo este

último o General em Chefe; que bem pouco haviam acabava de receber este encargo por

ordem e nomeação, que D. João IV, Rei de Portugal, antes lhe havia feito em 12 de

fevereiro de 1647, a fim de substituir a João Fernandes Vieira.

No arraial novo do Bom Jesus, a uma légua de distância do Recife, aí alojados e

mais ou menos bem fortificados, nessa nova posição sitiavam aqueles valentes com a

maior vigilância o inimigo, que, agora, mais dificilmente se expunha às suas ousadas

tropelias. Entretanto, corria boato que os holandeses preparavam-se para nova investida,

tendo por ponto objetivo da sua exploração, com êxito certo de melhor colheita, o Cabo

Santo Agostinho; situado em distância de 20 léguas de caminho, ao sul do Recife, que

naquela época tanto se distinguia por seu grande desenvolvimento.

E, com efeito, no dia 18 de abril, em virtude do que os Srs. do Supremo Conselho

haviam deliberado - Segismundo Van-Schkoppe, que no governo havia substituído a

Nassau, desde a sua retirada para a Europa, à testa de uma força de 4000 homens,
repartidos em sete corpos, tendo por comandantes os coronéis: H. Hous. Van-Elst. Hautin,

Pedro Keeweer, Vandden-Brand e Brink, às 7 horas da manhã, passando pelos afogados,

puseram-se a caminho e, tendo apenas marchado légua e meia, fizeram alto, tendo já

degolado 40 homens dos nossos, um pouco mais além da barreta, onde havia uma

abegoaria e junto um posto guarnecido com 100 homens, que protegiam aquela posição.

Aí se lhe reuniram cinco peças de artilharia que haviam feito subir pelo rio Beberibe,

continuando no dia seguinte sua marcha para os Guararapes.

Barreto de Menezes, por sua parte, apenas teve notícia do ocorrido, convoca o

conselho que decide sair logo ao encontro do inimigo.

Levando todas as forças disponíveis, e pelos bandos que imediatamente fez correr,

só não pegaram em armas, velhos, mulheres e crianças. Conseguindo assim reunir cerca de

2.500 homens compreendidos os pretos de Henrique Dias e os índios de Camarão, nessa

mesma tarde, marchou o exército para os montes Guararapes, e aí chegando, logo depois

de passar aqueles outeiros, fez alto na baixa deles, onde passaram a noite; ocupando a

vanguarda, a lingüeta de terra entre os montes e os brejos, e o grosso do exército à

retaguarda dos alagadiços, ficando assim tanto encoberto pela mata que de cima do morro

se estendia até a ponta do Boqueirão.

No memorável dia 19 de abril de 1648, destinado a marcar mais um triunfo em

testemunho de quanto pode o ardor e o patriotismo de um povo, ferido nos seus brios e

que, firme na verdadeira justiça da causa que defende, e pela fé com que combate, sabe ser

o vencedor; acharam-se os dois exércitos enfrentados para renhida luta.

Com efeito, o inimigo fazendo, às oito horas da manhã, ver as suas avançadas,

entreteve um tiroteio, enquanto chegava o grosso do exército, que foi ocupando

imediatamente as alturas do monte; dessa posição, vantajosa, rompendo vivíssimo fogo

sobre os nossos, não conseguiram desalojar-nos, e sustendo-se o fogo por mais de duas
horas, assim lhe correspondemos, embora sem vantagem. Barreto de Menezes reconhece,

então, a sua má posição, e compreendendo que não devia retirar-se, mas sim acometer o

inimigo, dá ordens nesse intuito.

Dispondo o ataque em três corpos, confia um dos flancos a Camarão, outro a

Henrique Dias e o centro a João Fernandes Vieira, ordenado mais, que, dada a primeira

carga, acometessem todos a arma branca. Avançaram os nossos com a maior resolução, e

tal foi o ímpeto, que rompendo logo os batalhões inimigos, ficaram estes completamente

desordenados, perdidos, e cheio de grande confusão. Henrique Dias, esse novo Cipião,

mais uma vez mostra quanto pode o valor dos seus pretos, apossando-se por um momento

da artilharia do inimigo, das suas munições e caixa do dinheiro; mas, lançando o inimigo a

sua brigada de reserva comandada por Van-Elst e Hous contra Henrique Dias, não pode

este sustentar-se, recuperando aquele o que havia já perdido. João Fernandes Vieira e D.

Antônio Felipe Camarão também, mais uma vez, encheram-se de novos louros pelo valor

que desenvolveram e o esforço que faziam para vencer o inimigo, que então, muito mais

forte pela desigualdade de número, parecia levar de vencida toda a nossa gente, que já

muito fadigada, parecendo não poder sustentar o peso deles, vinha-se retirando sobre os

nossos.

Barreto de Menezes, que, planície onde se achava, a tudo atendia270, vendo a

gravidade e perigo dos combatentes patriotas, ordena que André Vidal de Negreiros,

auxiliado com a gente que tinha de reserva tome a vanguarda, e logo, começando

novamente, ainda mais renhido o combate, consegue (este é o momento escolhido pelo

pintor), aproveitando-se do esforço de todos, confundir o inimigo, matando muitos dos

seus comandantes, destruir todas as suas forças que são finalmente rechaçadas sobre os

alagadiços, onde pereceram os que não encontraram a morte no ferro daqueles patriotas.

270
Nota do autor do texto catálogo: Vide as partes oficiais de Barreto de Menezes na obra “Os holandeses no
Brasil”, de Varnhagen , p. 231.
O valente Sargento-mor Dias Cardoso também muito concorreu com o seu auxílio

e sangue frio para o bom êxito desta ação, apresentando-se aqui e ali, onde o seu heroísmo

era mais necessário.

Barreto Menezes, perto dos alagadiços, repele Segismundo, que, ocupando o

Boqueirão, aí se achava fortificado com uma peça de artilharia, defendendo a todo transe

aquele ponto estratégico de suma importância para a final decisão do combate.

Depois de ferido em uma perna e aproveitando a noite que foi tempestuosa,

Segismundo abandona o campo para refugiar-se novamente no Recife, onde chegou no dia

seguinte.

Os troféus da nossa vitória foram trinta e três bandeiras, entre elas a dos Estados

Gerais, que foram depois remetidas para a Bahia, uma peça de artilharia de bronze, muitas

munições e armas, ficando também em nosso poder o Coronel Keeweer.

Nesta gloriosa batalha, onde o inimigo perdeu mais de 900 homens, e que tão

importante foi para nós, as perdas que sofremos foram quase insignificantes.

Tal é o assunto deste quadro, em que figuram no centro André Vidal de Negreiros,

João Fernandes Vieira e Dias da Silva, capitão de cavalaria: à direita do espectador D.

Antônio Felipe Camarão, e por diante D. Diogo Pinheiro Camarão, seu sobrinho, que com

o mesmo posto o substituiu por sua morte, três meses depois desta batalha: à esquerda

Henrique Dias e sobre o primeiro plano, Dias Cardoso. No centro vê-se, derrotado, o

coronel holandês Keeweer.

Ao longe, junto dos alagadiços, Barreto de Menezes ao encontro de Segismundo,

que se acha no Boqueirão, onde termina a mata. No último plano, sobre o horizonte, vê-se

o Cabo Santo Agostinho.

Eram cinco horas da tarde271.

271
Nota do autor do texto catálogo: Vide CASTRIOTO LUSITANO, p 508 da nona edição, segundo a de
1679, imprensa por Claesbeerch, e publicada em Paris por J. P Arlland, no ano de 1844.
Este quadro foi encomendado no ano de 1872 pelo Exmo Sr. Conselheiro João

Alfredo Correia de Oliveira, então Ministro do Império; e o autor fez uma viagem a

Pernambuco com o único fim de estudar a topografia do lugar, onde se deu a batalha,

conforme o refere a História.


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2. DOCUMENTOS

2.1. CORRESPONDÊNCIA:

Arquivo particular do Barão do Rio Branco. Correspondência. Arquivo Histórico, Palácio


do Itamaraty, Rio de Janeiro

Carta a Pedro Américo de Ferro Cardoso, Rio de Janeiro, 8 out 1871. Folhetim da
República, 9-10 out 1871. Arquivo Histórico do Museu Imperial, Petrópolis.

Carta a Pedro Américo de Francisco Pereira Reis, Rio de Janeiro, 3 out 1871. A Reforma,
7 out 1871. Arquivo Histórico do Museu Imperial, Petrópolis.

Carta a Pedro Américo de Ladisláo Netto, Rio de Janeiro, 09 jun 1870. Jornal do
Commercio, 15 jun 1870. Arquivo Histórico do Museu Imperial, Petrópolis.

Carta a Pedro Américo de Quintino Bocaiúva. Folhetim da República, Rio de Janeiro, 25


out 1871 e Artista, Rio Grande do Sul, 19 nov 1871. Arquivo Histórico do Museu
Imperial, Petrópolis

Carta a Pedro Américo do capitão Francisco d’Almeida Castro, 24 fev 1870. Arquivo
Histórico do Museu Imperial, Petrópolis.

Carta a Pedro Américo de Taunay, 22 dez 1869. Arquivo Histórico do Museu Imperial,
Petrópolis.

Carta de Pedro Américo ao Sr. José Maria Jacintho Rabello, 08 nov 1869. Arquivo
Histórico do Museu Imperial, Petrópolis.

Carta de Pedro Américo ao Sr. José Maria Jacintho Rabello, 20 dez 1869. Arquivo
Histórico do Museu Imperial, Petrópolis.

Carta de Pedro Américo ao Barão do Rio Branco, Florença, 27 out 1889.


Correspondência. Arquivo Histórico, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro.

Carta de Pedro Américo ao Barão do Rio Branco, Florença, 29 set 1889. Correspondência.
Arquivo Histórico, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro.

Carta de Pedro Américo ao Barão do Rio Branco, Florença, 08 agos 1890.


Correspondência. Arquivo Histórico, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro.

Carta de Pedro Américo ao Barão do Rio Branco, Florença, 29 out 1892.


Correspondência. Arquivo Histórico, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro.

Carta de Pedro Américo ao Barão do Rio Branco, Florença, 14 nov 1892.


Correspondência. Arquivo Histórico, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro.
Carta de Pedro Américo ao Barão do Rio Branco, Florença, 02 dez 1892.
Correspondência. Arquivo Histórico, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro.

Carta de Pedro Américo ao Barão do Rio Branco, Florença, 27 out 1889.


Correspondência. Arquivo Histórico, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro.

2.2. CRÍTICA DE ARTE:

AGOSTINI, Ângelo. Oferecido ao eminente pintor Vítor Meireles de Lima Revista


Ilustrada, Rio de Janeiro, ano 4, nº 156, 5 abril 1879.

ANDRADE, Luis de. Considerações sobre a batalha do Avahy, quadro histórico de


Pedro Américo. Rio de Janeiro: Dias da Silva Junior, 1877.

CÔRREA, Luiz. A Batalha do Avahy (quadro histórico do Dr. Pedro Américo) I. Rio de
Janeiro: Jornal do Commercio, 02 de outubro de 1877.

FOLHETIM do Jornal do Commercio _ Academia de Belas-Artes (exposição). Rio de


Janeiro: Jornal do Commercio, 05 de abril de 1879.

GAZETA de Notícias, Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1875

HUDSON, Otaviano. Pedro Americo pintor de batalhas. Descripção do quadro historico


da batalha de Campo-Grande. Rio de Janeiro : Typografia da Republica, 1871.

LEANDRO, José. A batalha do Avahy. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 7 de


novembro de 1877.

MELLO, Affonso de Albuquerque Mello. O quadro do Sr. Pedro Américo. Jornal do


Commercio, dia 6 de outubro de 1877

OSÓRIO, Fernando. O Sr. Osório (transcrição de um discurso na Câmara dos Deputados).


Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 2 de setembro de 1877.

SAMPAIO, João Zeferino Rangel de. Combate Naval de Riachuelo. História e Arte.
Quadro de Victor Meirelles. Notas para os visitantes da exposição. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1883.

_______________________. O quadro da Batalha de Guararapes, seu pintor e seus


críticos. Rio de Janeiro: Serafim J. A., 1880.

SOUTO, José Leão Ferreira. Vítor Meireles _ monografia artística. Rio de Janeiro, 1879.

VASARI, Giorgio. Análise crítica da Batalha de Campo Grande e do Combate de


Riachuelo, dos distintos mestres, Dr. Pedro Américo e Comendador Victor Meirelles.
Rio de Janeiro: 1872.
2.3. ARTIGOS DO IHGB:

BARBOSA, Januário da Cunha. Discurso no ato de estatuir-se o IHGB. Revista do


Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro: vol. 1, n.1, jan/mar, 1839.

Documento importante a respeito de Antônio Teixeira de Mello, o restaurador do


Maranhão do poder dos holandeses. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 39, parte 1, II trimestre, 1876, p.411-412.

MATOS, Raimundo José da Cunha. Dissertação acerca do sistema de escrever a História


Antiga e Moderna do Império do Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Rio de Janeiro: (26): 121-143. 1863.

MORAES, Francisco Teixeira de Morais. Relação histórica e política dos tumultos que
sucederam na cidade de São Luiz do Maranhão, com os sucessos notáveis que n’elle
aconteceram. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,
tomo 40, parte I, 1877.

Primeiro anexo ao relatório da Comissão de engenheiros. Revista do Instituto Histórico


e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 37, parte II, 1874.

Quarto anexo ao relatório geral da Comissão de engenheiros junto às forças em operações


ao sul da Província de Mato Grosso/1866. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 37, parte II, 1874.

Relatório da Comissão de engenheiros desde o rio Taquary até a vila de Miralda, com
documentos anexos e trabalhos parciais de alguns ajudantes da mesma comissão, junto as
forças em expedição para a Província de Mato Grosso/1866. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 37, parte II, 1874.

RIBEIRO, Duarte da Ponte. Limites do Brasil com o Paraguai. Carta da Fronteira do


Império do Brasil com a República do Paraguai. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 35, parte II, vol. 45, 1872.

SANTIAGO, Diogo Lopes de. História da Guerra de Pernambuco e feitos memoráveis do


mestre de campo João Fernandes Vieira, herói digno de eterna memória, primeiro
aclamador da guerra. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de
Janeiro, tomo 38-42, 1875-1879.

Segundo anexo ao relatório da Comissão de engenheiros junto às forças em operações ao


sul da Província de Mato Grosso/1866. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 37, parte II, 1874.

TAUNAY, Alfredo d’Escrangnole. Relatório Geral da Comissão de engenheiros junto as


forças em expedição para a Província de Mato Grosso/1865. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 37, parte II, 1874.

Terceiro anexo ao relatório geral da Comissão de engenheiros junto às forças em


operações ao sul da Província de Mato Grosso/1866. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 37, parte II, 1874.
VON MARTIUS, Karl Friedrich Philipp. Como se deve escrever a História do Brasil.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: 6(24): 381-403.
Jan. 1845.

2.4. TEXTOS ESCRITOS PELOS ARTISTAS:

MELO, Pedro Américo de Figueiredo e. O Brado do Ipiranga ou a Proclamação da


Independência do Brasil. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. & MATTOS, Claudia
Valladão de (orgs.). O Brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp/ Museu Paulista, 1999.

_______________________. Bellas Artes – O quadro historico da batalha do Avahy.


Jornal do Commercio, dia 27 de outubro de 1877.

2.5. TEXTOS CONSULTADOS PELOS ARTISTAS:

BREVE Resumo da Batalha do Avahy em 11 de dezembro de 1868. Rio de Janeiro:


Livraria Serafim José Alves, s.d. Arquivo Museu Regional de Areia; Marquês de Caxias
Ibid. 1872;

ORDEM do Dia n.272. Arquivo do Exército. Palácio Duque de Caxias, Rio de Janeiro.

TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle. A Retirada da Laguna. São Paulo: Melhoramentos,


1963.

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História das Lutas com os Holandeses no Brazil
desde 1624 a 1654. Salvador: Progresso, 1955.

2.6. CATÁLOGOS:

Catálogo da Exposição Geral de 1872. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes.


Acervo do Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.

Catálogo da Exposição Geral de 1879. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes.


Acervo do Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.

3. INSTITUIÇÕES PESQUISADAS

3.1. PESQUISA EM ARQUIVOS:

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro.

Museu Histórico e Diplomático do Itamaraty, Rio de Janeiro.

Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.


Museu Imperial, Petrópolis.

Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

3.2. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA:

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro.

Biblioteca da Escola de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro.

Mediateca da Maison de France, Rio de Janeiro.

Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

3.3. PESQUISA ICONOGRÁFICA:

Museu Histórico e Diplomático do Itamaraty, Rio de Janeiro.

Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

Museu Imperial, Petrópolis.

Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Museu Naval, Museu Imperial, Petrópolis.

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