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A RELAÇÃO ENTRE ARTE E HISTÓRIA ATRAVÉS DAS TELAS DE BATALHAS DE PEDRO AMÉRICO
E VICTOR MEIRELLES.
Rio de Janeiro
Abril de 2007
OS PINTORES DE HISTÓRIA. A RELAÇÃO ENTRE ARTE E HISTÓRIA ATRAVÉS DAS TELAS
DE BATALHAS DE PEDRO AMÉRICO E VICTOR MEIRELLES.
Orientador:
Prof. Dr. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães
Aprovada por:
____________________________________ (Orientador).
Prof. Dr. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães.
____________________________________
Profª. Drª. Maria Beatriz de Mello e Souza.
____________________________________
Profª. Drª. Sônia Gomes Pereira.
Rio de Janeiro
Abril de 2007
2
CASTRO, Isis Pimentel de.
Os Pintores de História. A relação entre arte e história através das
telas de batalhas de Pedro Américo e Victor Meirelles. Rio de Janeiro:
IFCS/UFRJ, 2007.
xiii, 178 f.: il.; 31 cm.
Orientador: Prof. Dr. Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães.
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais/ Programa de Pós-graduação em História Social, 2007.
Referências: f.. 163-178.
1. Pintura Histórica. 2. Pedro Américo. 3. Vitor Meireles. 4. Academia
Imperial de Belas Artes. 5. Cultura Histórica. I. Castro, Isis Pimentel
de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em História Social. III.
Título.
3
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Manoel Salgado Guimarães, pelo carinho e cuidado com os
principalmente como professor, por sempre buscar despertar em seus alunos o mesmo
Aos membros da banca de qualificação e defesa, Profª. Drª. Sônia Gomes Pereira e Profª.
Drª. Maria Beatriz de Mello e Souza, pela leitura minuciosa e pelas valiosas sugestões
que, sem dúvida, enriqueceram o resultado final desta pesquisa. Em particular, a Profª.
Drª. Maria Beatriz pelo afeto com o qual me acolheu, assim que ingressei no Programa de
A Profª. Drª. Maraliz Christo pelas preciosas considerações que fez ao meu trabalho.
enriquecimento pessoal.
A Profª. Drª. Ana Cavalcanti pelas preciosas indicações bibliográficas e debates sobre o
A Capes pelo apoio financeiro, sem dúvida, imprescindível a conclusão desta pesquisa.
A minha mãe pelo amor e apoio que tornaram possível a realização do trabalho que ora
apresento.
4
Ao meu pai que despertou em mim, com seus desenhos, pinturas e livros, a curiosidade
A Adriana Clen e Ana Paula Caldeira que foram minhas companheiras nessa jornada,
Aos meus amigos e amigas pelo socorro e compreensão nas presenças e ausências. Em
especial, Patrícia do Nascimento e Ana Paula Martins, pela revisão e leitura franca dessa
dissertação.
5
RESUMO
CASTRO, Isis Pimentel de. Os Pintores de História. A relação entre ate e história através
das telas de batalhas de Pedro Américo e Victor Meirelles. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ,
2007.
durante o século XIX e traça paralelos entre o trabalho do artista e do historiador. Estes
construção simbólica da nação, por meio da narrativa sobre o passado, através da pintura
6
ABSTRACT
CASTRO, Isis Pimentel de. Os Pintores de História. The relation between art and history
through historical paintings by Vitor Meireles and Pedro Américo. Rio de Janeiro:
IFCS/UFRJ, 2007.
This thesis analyzes the relation between historical painting and the history
discipline during the 19th century and draws a parellel between the artist’s work and the
historian. These professionals were engaged in the formation of the national memory and
establishment of an identity. The Imperial Academy of Fine Arts (AIBA) and the
Historical and Geographical Brazilian Institute (IHGB) were the institutions responsible
for the nation’s symbolic construction, by the narrative about the past, through the
7
SUMÁRIO
EPÍGRAFE ................................................................................................................. 11
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 14
PINTORES DE HISTÓRIA: ENTRE O HISTORIADOR E O ARTISTA ..................................... 19
A ARTE ACADÊMICA EM DEBATE................................................................................ 22
A MEMÓRIA NACIONAL FORJADA EM IMAGENS .......................................................... 31
IMAGEM E PALAVRA .................................................................................................. 35
8
CAPÍTULO 4 – A PINTURA COMO OBJETO HISTORIOGRÁFICO. OS MODELOS DE
ESCRITA DA HISTÓRIA ATRAVÉS DAS NARRATIVAS SOBRE A GUERRA DO PARAGUAI
9
DOS GUARARAPES”, DE VICTOR MEIRELLES............................................................ 157
10
EPÍGRAFE
“Em um teatro alemão foi representada uma construção oval, sob certo aspecto
anfiteatral, em cujos camarotes foram pintados vários espectadores, como se participassem
do que se passava lá embaixo. Muitos espectadores reais da platéia e dos camarotes
estavam insatisfeitos com essa imagem e quiseram ficar ofendidos por se querer imputar a
eles algo tão sem verdade e inverossímil. Nessa ocasião se dá uma conversa, cujo
conteúdo provável é aqui indicado.
O DEFENSOR DO ARTISTA: Permita-me que vejamos se não é possível que nos
aproximemos por algum caminho?
O ESPECTADOR: Não consigo imaginar como você pretende desculpar uma tal
representação.
O DEFENSOR: Mas, quando você vai ao teatro, você espera que tudo o que você no interior
dele seja verdadeiro e real?
O ESPECTADOR: Não! Mas exijo pelo menos que tudo deva parecer verdadeiro e real.
O DEFENSOR: Desculpe-me se desminto você diretamente, ao dizer: isso você não exije de
modo algum.
O ESPECTADOR: Mas isso seria surpreendente! Se não é isso que exijo, por que o
decorador perderia tempo em desenhar todas as linhas exatamente segundo as regras da
perspectiva, em pintar todos os objetos segundo a mais perfeita postura? Por que se
estudaria o figurino? Por que se demandaria tanto esforço para permanecer-lhe fiel, a fim
de me introduzir noutra época? Por que se elogiaria tanto o artista que mais
verdadeiramente exprime os sentimentos, o que na fala, na postura e nos gestos mais se
aproxima da verdade, o que me ilude de tal modo que acredito ver a coisa mesma e não
uma imitação? (...)
O DEFENSOR: Uma tal representação perfeita concordava consigo mesma ou com algum
outro produto da natureza?
O ESPECTADOR: Sem dúvida consigo mesma.
O DEFENSOR: E esta concordância era certamente uma obra de arte?
O ESPECTADOR: Certamente.
O DEFENSOR: Anteriormente havíamos negado à ópera uma espécie de verdade;
sustentamos que ela de modo algum representa de modo verossímil o que imita; mas
11
podemos negar a ela uma verdade interna que decorre da conseqüência de uma obra de
arte?
O ESPECTADOR: Se a ópera é boa, ela certamente constitui um pequeno mundo por si
mesmo, no qual tudo decorre segundo certas leis, que quer ser julgado segundo suas
próprias leis, que quer ser sentido segundo suas próprias propriedades.
O DEFENSOR: Não se segue disso que a verdade artística e a verdade natural são
completamente distintas e que o artista de modo algum poderia nem deveria aspirar que
sua obra parecesse uma obra da natureza?
O ESPECTADOR: Mas ela nos parece tantas vezes ser uma obra da natureza. (...)
O DEFENSOR: Então arrisco dizer: apenas a um espectador completamente inculto uma
obra de arte pode parecer uma obra da natureza, e tal espectador também é amado e tem
seu valor para o artista, embora esteja no mais baixo estágio. Mas infelizmente ele ficará
satisfeito apenas até o momento em que o artista descer até ele, nunca, porém, ele irá se
elevar juntamente com o artista autêntico quando este deve alçar vôo, para o qual o impele
o gênio, e concluir sua obra em toda a sua amplitude. (...)
O ESPECTADOR: Apenas para uma pessoa inculta, você dizia, uma obra de arte pode
parecer uma obra da natureza.
O DEFENSOR: Você certamente se lembra dos pássaros que foram içar as cerejas do grande
mestre.
O ESPECTADOR: Mas isso não comprova que estas frutas foram pintadas primorosamente?
O DEFENSOR: De modo algum, isso comprova muito antes que estes apreciadores eram
autênticos pardais.
O ESPECTADOR: Mas por causa disso não posso defender que tal quadro é excelente.
O DEFENSOR: Posso confiar-lhe uma história mais recente?
O ESPECTADOR: Em geral prefiro histórias a raciocínios.
O DEFENSOR: Um grande naturalista possuía entre seus bichos de estimação um macaco,
que de repente tinha sumido e depois de muita procura foi encontrado na biblioteca. Lá o
bicho estava sentado no chão e tinha em torno dele espalhadas gravuras em cobre de uma
obra de história natural. Admirado por este estudo zeloso do amigo da casa, o senhor se
aproximou e viu, para a sua admiração e para seu aborrecimento, que o animal curioso
havia roído todos os insetos que encontrou retratados.
O ESPECTADOR: Essa história é bem engraçada.
O DEFENSOR: E oportuna, espero eu. Mas você gostaria de colocar estas gravuras
ilustrativas ao lado do quadro de um tão grande mestre?
12
O ESPECTADOR: De fato não.
O DEFENSOR: Mas você considera o macaco entre os apreciadores incultos?
O ESPECTADOR: Bem, certamente entre os mais ávidos. Você desperta em mim um
pensamento singular! Não se poderia imaginar que um apreciador inculto justamente
requer que uma obra de arte seja natural a fim de também poder desfrutar dela de um
modo natural, muitas vezes grosseiro e ordinário? (...)
O DEFENSOR: Por sorte hoje a ópera será retomada e você não quer perdê-la, não é?
O ESPECTADOR: Sem dúvida.
O DEFENSOR: E os homens retratados?
O ESPECTADOR: Não irão me atrapalhar, porque me considero algo melhor que um
pardal”*.
*
GOETHE, Johann Wolfgang. Sobre verdade e verossimilhança das obras de arte (1798). In: Escritos sobre
arte. São Paulo: Associação Editorial Humanitas / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005, p.133-
141.
13
INTRODUÇÃO
e acabou sendo extinta com seu declínio1. Inaugurada em 18262, ganhou vigor somente em
meados do XIX, com o patronato de D. Pedro II. Os laços estreitos com a monarquia
residia o poder de definir o que era arte e quem deveria ser considerado artista.
e o Colégio Pedro II. A Academia estava encarregada de duas missões: tecer uma
neoclassicista.
1
FERNANDES, Cybele Vidal Neto. Os Caminhos da Arte. O ensino artístico na Academia Imperial das
Belas Artes – 1850/1890. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 2001 [Tese de doutoramento apresentada no
programa de Pós-Graduação em História Social].
2
O Decreto de 12 de Outubro de 1816, promulgado por D. João VI, foi responsável pela criação da “Escola
de Ciências, Artes e Ofícios”.
14
tradição esta que influenciou o ensino das academias em toda Europa e no Brasil até pelo
AIBA, citado diversas vezes por Taunay em seus discursos3, suas obras também faziam
instruir moralmente através de sua arte aqueles que a observavam, “o pincel que o artista
manejar, deverá ser mergulhado na inteligência”5, pois, contribuiria, desta forma, para o
civilizatórios.
coisas e ações humanas, impregna-a de valores morais. Então, as artes superiores seriam
buscassem atingir a bela alma6, ideal só alcançado através da imitação das obras de arte da
alcançar o pensamento grego8: A pintura histórica por estar diretamente envolvida com a
exaltação dos momentos gloriosos da nação e dos atos heróicos de grandes homens, como
3
Félix Émile Taunay foi diretor da AIBA entre os anos de 1834 e 1851, durante esse período proferiu
diversos discursos onde fazia referência à obra de Winckelmann. Cf: Ata de 17/03/1842. Arquivos do Museu
D.João VI, EBA-UFRJ; Ata 20/3/1837. Idem; Ata de 2/4/1849. Idem; Sessão Pública 19/12/1845. Idem;
Sessão Pública de 19/12/1848. Idem; Sessão Pública de 19/12/1844. Idem.
4
De acordo com o arrolamento das obras pertencentes à biblioteca da AIBA, no ano de 1850, a casa possuía
duas publicações de Winckelmann, são elas: “Monumenti antichi inediti spuegati ed ilustrati da
Winchelmann”, e, “Ricerchi sopra un Apoline della villa dell’Eminentissimi Sig. Cardinale Alessandro
Albani. Da servere suplemento all’opera dei monumenti antichi inediti de Winchelmann”. Cf: Catálogo da
Biblioteca, com indicações das obras raras e valiosas. Universidade do Brasil. Escola de Belas Artes, 1957,
p. 7-15.
5
WINCKELMANN, J. J. Reflexões sobre a arte antiga. Porto Alegre: Movimento, 1975, p. 69.
6
A idéia de “bela alma” foi criada por Winckelmann, e por ele foi incessantemente perseguida em seus
trabalhos. De acordo com Bornheim (1998, p.96), a “bela alma” consiste no ideal do classicismo alemão de
“suspensão de todo o conflituoso em uma harmonia superior de nobre simplicidade e calma grandeza”.
7
O aprendizado do artista deveria ser feito a partir da observação da arte grega, pois esta teria em si a soma
de todos os ângulos perfeitos da natureza e superaria, dessa forma, a realidade em beleza e perfeição.
8
Gerd Bornheim define da seguinte forma o pensamento de Winckelmann: “O importante, quando se faz
arte não consiste em simplesmente copiar os antigos, e sim em pensar como os gregos, em comportar-se
como eles, exigindo da arte uma missão semelhante à dos gregos”. Cf: BORNHEIM, Gerd. Páginas de
Filosofia da Arte. 1. ed. Rio de Janeiro: UAPÊ, 1998, p.93.
15
no caso da pintura de batalhas, tornou-se o espaço privilegiado para gravar na alma de
todas as artes têm dupla finalidade: devem ao mesmo tempo agradar e instruir.
Por essa razão, acharam muitos dentre os maiores paisagistas que se
desincumbiriam apenas de metade das suas obrigações para com a arte, se
deixassem as suas paisagens sem nenhuma figura humana9.
peça-chave da relação entre a Academia Imperial de Belas Artes e o Império, pois estava
Leite: “A que tem por tema um fato ou acontecimento passado, da história religiosa ou
existência de telas com motivos religiosos ou fantásticos existiram desde muito cedo no
vontades individuais12. O que não significa dizer que esses motivos deixaram de ser
representados, apenas que temas como o das batalhas ganham mais força a partir da
Revolução Francesa.
9
WINCKELMANN, Op. cit., p. 69.
10
A pintura histórica era considerada a categoria artística mais importante por incluir em sua constituição
todos os demais gêneros da pintura. Em ordem decrescente a hierarquia dos gêneros de pintura estava desta
forma estabelecida: Pintura Histórica; Pintura de Paisagem, de Retrato e de Gênero. Temas oriundos da
imaginação, ligados a temáticas populares. Com o advento de movimentos como o Realismo, por exemplo,
essa hierarquia foi invertida, e temas do cotidiano foram valorizados.
11
LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário Crítico de Pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988,
p.245
12
STAROBINSKI, Jean. 1789. Os Emblemas da Razão. São Paulo: Cia. Das Letras, 1988.
16
No Brasil, a pintura histórica inspirada pelos grandes momentos da nação, só
começou a surgir a partir da Exposição Geral de 1863, quando Vítor Meireles expõe “A
Primeira Missa no Brasil”13. Antes disso, seus motivos eram quase sempre religiosos.
Pedreira de 185514. Segundo Carlos Zílio15, foram essas reformas que propiciaram a
criação do conceito de arte brasileira. Para Porto-alegre, arte brasileira seria aquela que
exaltação das glórias da pátria. O estilo deveria ser de inspiração européia, para assim
marcar seu pertencimento junto às nações ditas civilizadas, mas a temática deveria
advento da República, ainda de acordo com Zílio, modificaram a concepção de arte, que
não tivessem resultados imediatos, foi ela que estabeleceu as bases sobre as quais o ensino
13
Na Exposição Geral de 1860, Vítor Meireles já havia enviado um esboço deste quadro para figurar entre as
obras do evento. A reprodução da tela “Primeira Missa no Brasil”, está na página 127, no anexo desta
dissertação.
14
Decreto n° 1603 de 14 de Maio de 1855. Pensada e promulgada por Araújo Porto-Alegre, durante o
período que foi diretor da casa (22/04/1854-03/10/1857), trata-se de uma reforma estrutural, extremamente
significativa que colocou a instituição em consonância com o projeto político e civilizatório do Império.
Através das modificações nos estatutos da AIBA, Porto-Alegre buscou estreitar as relações entre arte e
indústria, aumentar a ascendência de professores brasileiros no seio da instituição, e criar uma arte que se
identificasse com a realidade brasileira.
15
Carlos Zílio elege o período da direção de Porto-Alegre como o primeiro a fundar o que ele chama de uma
escola de pintura brasileira. O autor mostra a preocupação de Araújo Porto-Alegre em nacionalizar a arte
produzida no período, identificá-la à realidade brasileira e não torná-la mera cópia da arte européia. (ZÍLIO,
Carlos. Formação do artista plástico no Brasil: o caso da Escola de Belas Artes. Arte e ensaios. Rio de
Janeiro: EBA/UFRJ, Ano I, 1994).
16
“Ignorando os vínculos retóricos da pintura histórica, a nova produção propõe implicitamente um
entendimento de arte brasileira tomada como arte que é feita no Brasil, ou seja, aquela realizada conforme
condições materiais e culturais especificas, próprias à sociedade brasileira” (Id. A modernidade efêmera:
anos 80 na Academia. In. 180 anos da Escola de Belas Artes. Anais do Seminário EBA 180. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1997, p. 238-239).
17
das “belas artes” atingiria o auge de sua vocação nacionalista a partir da década de 7017,
1872, momento em que são expostas as seguintes obras: “Passagem de Humaitá”, de Vítor
Riachuelo”, de Vítor Meireles18. Optamos por iniciar nossa pesquisa neste momento, por
Escolhemos como marco final a Exposição Geral de 1879, a última da década, que contou
com o maior público da história das exposições da Academia Imperial. Nesta, foram
“A Batalha dos Guararapes”, de Vítor Meireles20. Nossas fontes de pesquisa serão as telas
material de pesquisa dos artistas, a produção do IHGB e a crítica de arte dos principais
periódicos da época21.
contato com o público, só se completaria no momento das exposições. Porém para que tal
objetivo fosse alcançado era necessário um longo processo que envolvia observação,
17
Foi esta a hipótese com a qual trabalhamos em nossa pesquisa monográfica. Quando tratamos do conceito
de “arte brasileira” em Araújo Porto-alegre, e suas implicações no desenvolvimento da cadeira de pintura
histórica na AIBA, durante o período em que este foi diretor da instituição. Cf: CASTRO, Isis P. de. Arte &
História em Araújo Porto-alegre. A cadeira de pintura histórica na Reforma Pedreira (1855-1857). Rio de
Janeiro: IFCS/UFRJ, 2005.
18
As reproduções dessas telas encontram-se no anexo dessa dissertação, entre as páginas 123 e 126.
19
ROSEMBERG, Lilia Ruth Bergstein. Pedro Américo e o olhar oitocentista Rio de Janeiro: Barroso
Edições, 2002. p. 24.
20
As reproduções dessas telas encontram-se no anexo dessa dissertação, entre as páginas 123 e 126.
21
A documentação textual utilizada reúne os artigos do IHGB sobre a Guerra do Paraguai e a Invasão
Holandesa, os catálogos das exposições de 1872 e 1879, a correspondência e a documentação consultada por
Vítor Meireles e Pedro Américo para compor suas obras. A referência dos artigos do Instituto Histórico, do
material bibliográfico consultado pelos artistas e sua correspondência, além da transcrição dos resumos
históricos das telas analisadas presentes nos catálogos das exposições encontram-se no anexo desta
dissertação, entre as páginas 151 e 165.
18
tinham como referência os parâmetros científicos de validação do discurso historiográfico
produzido no IHGB.
medida em que nenhum detalhe poderia ser mal representado. Os movimentos do corpo
espectador, o panejamento das roupas pareceria mover-se com a silhueta do corpo, bem
como a paisagem, que deveria ser cuidadosamente reconstituída para abrigar os atores da
O objetivo era fazer o observador ter a impressão de ser testemunha ocular do evento. Até
consagração, uma vez que somente sob o impacto dessas telas podiam surgir as grandes
obras e os grandes artistas. Entretanto, havia um processo anterior à execução da obra tão
importante quanto suas dimensões, pois seria ele o responsável por legitimar aquela
No ano de 1868, Vítor Meireles permaneceu cerca de seis meses fazendo estudos
in loco para suas telas de batalha sobre a Guerra do Paraguai, realizou estudos sobre o
22
A representação da paisagem era importante, quando relacionada às ações humanas. No quadro de pintura
histórica ela devia chamar a atenção do espectador para a cena, e não ser o foco de seu interesse. Sua
importância residia em representar o local onde o fato histórico aconteceu da forma mais realista possível,
novamente sua relevância está em dar à cena legitimidade e verossimilhança.
19
fortaleza de Humaitá23. O mesmo tipo de apreço pela precisão histórica pode ser percebido
d’Orleans24, Sr. José Maria Jacintho Rabello, pediu-lhe informações sobre o traje que o
Conde d’Eu vestia, os nomes e postos das pessoas próximas a ele durante o combate na
região do Campo Grande, entre outros dados que julgava necessários para confeccionar
A tela não poderia ser puro exercício da imaginação do artista, mas sim fruto de
local onde o evento ocorreu. Observemos o que diz o jornal italiano “Corriere Italiano”, de
tela.
fundação por ele próprio definidos, ordenar os “fatos históricos” de maneira linear e
23
Episódio que Victor Meirelles pintou no ano de 1871, exposta na AIBA no ano de 1872.
24
O Conde d’Eu participou do episódio escolhido por Pedro Américo para retratar na tela “Batalha de
Campo Grande”.
25
A reprodução desta tela encontra-se no anexo desta dissertação, na página 123.
26
CORRIERE ITALIANO Apud ROSEMBERG, Op. cit, p. 72-73, grifos nossos.
20
instituição tinha como missão “reordenar” o passado, camuflar tudo aquilo que ferisse os
ideais de civilidade e ordem, tão preciosos à nova nação27. O IHGB era uma importante
escrevia na tela a óleo, o segundo a fazia no papel. Qualquer outra visão que não a oficial,
A disciplina História nasceu no século XIX e marcou seu lugar enquanto ciência
através do apreço às fontes, único elo de ligação entre o historiador e o fato histórico28.
Segundo essa tradição, os vestígios do passado não eram uma representação, mas a própria
materialidade do fato histórico. A pintura histórica por lidar com o passado, também
deveria utilizar-se de fontes e buscar a verdade. Tanto a Academia de Belas Artes quanto
o IHGB, eram herdeiros dessa tradição, pois ambos eram responsáveis pela narrativa do
passado nacional. Mais do que isso, essas duas instituições lidavam com o elo entre o
narrar um passado, que inserisse a jovem nação no universo europeu de ordem, civilidade
27
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: nº 1, 1988.
28
Sabemos que o termo “fato histórico” não é hoje o mais indicado, justamente por pressupor a exigência de
um passado em si, imutável. O historiador da arte Ronaldo Brito ao traçar paralelos entre os estudos de arte e
os de história, sugere a substituição deste termo para “fato estético”. Este levaria em consideração a relação
de afetação e de subjetividade entre sujeito e objeto. Criado, no momento de construção da própria
disciplina, a idéia de “fato histórico” pressupõe a existência de um passado objetivo, a partir do qual é
possível se ter acesso pelas fontes, uma perspectiva rankiana da tarefa do historiador. É justamente por essa
característica que esse é o melhor termo para nos referimos à relação estabelecida no século XIX com o
passado, seja pelo historiador ou pelo pintor histórico. Cf: BRITO, Ronaldo. Fato Estético e Imaginação
Histórica. In: Cultura, Substantivo Plural. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil/ São Paulo: Ed.
34, 1996, p. 193-206.
29
ROSEMBERG, Op. cit., p. 153
21
e progresso30. Os artigos do IHGB e as telas de pintura histórica estavam carregadas de
cidadãos, deveriam gravar no espírito as virtudes de uma boa sociedade, ditadas, é claro,
pela elite do Império. Desta forma, tanto o Instituto Histórico quanto a Academia Imperial,
nossa pesquisa as relações entre a escrita de uma história nacional na pintura e nos textos
o papel de reles cópia dos modelos europeus. O movimento modernista brasileiro buscou
através da fundação de uma origem, de uma arte “genuinamente” brasileira, legitimar seu
lugar enquanto herdeira dessa tradição, na medida em que era responsável por
30
GUIMARÃES, Op. cit., p. 08
31
BITTENCOURT, José Neves. Espelho da nossa história: imaginário, pintura histórica e reprodução no
século XIX brasileiro. Tempo brasileiro: Memória e história. Rio de Janeiro: n° 87, outubro/dezembro,
1996, p. 70-71.
32 Importa salientar que a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), fundada em
1937, foi marcada pela atuação de intelectuais vinculados ao movimento modernista, como Lúcio Costa,
Rodrigo Melo Franco de Andrade, Mário de Andrade e outros. As políticas patrimoniais, pelo menos até a
década de 70, assumiram um importante papel na construção de um passado nacional essencialmente
barroco e moderno, por meio da seleção do que deveria ser considerado o patrimônio histórico e artístico
brasileiro. Cf: BAETA, Rodrigo Espinha. A crítica de cunho modernista à arquitetura colonial e ao Barroco
no Brasil: Lucio Costa e Paulo Santos. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo. Belo Horizonte, vol. 10, nº
22
pesquisas em torno do século XVIII ou XX. Tomemos o caso da obra “Artes Plásticas na
Semana de 22”, na qual a autora Aracy Amaral faz a seguinte afirmação sobre a arte
acadêmica:
Mas no Rio de Janeiro, capital federal ciosa de suas tradições, onde vida literária e
artística giram em torno das Academias, pouca efervescência toca os jovens
pintores e escultores. Êstes, com seus mestres formados segundo padrões rígidos
da Academia implantada pela Missão Le Breton, seguiram uma escola estrangeira
cuja excelência não estimulava a criatividade, mas antes a imitação servil dos
modelos importados. Importados de Paris, mas não da Paris dos impressionistas,
pós-impressionistas – e expressionistas, fauves, ou cubistas – mas sim dos ateliês
de professores como Horace Vernet, Cabanel, Vollon, procurados diligentemente
pelos pintores brasileiros33.
Academia Imperial de Belas Artes: ruptura com o Barroco”, Dilma Silva percebe de
maneira negativa a chegada da Missão de 1816: “Os nobres davinianos viriam a alterar o
curso de nossa verdadeira tradição artística – que era barroca”34. O movimento modernista
entendia-se como uma expressão artística singularmente brasileira, construindo sua origem
expressivo interesse, pode-se tomar como exemplo o caso do livro de Nikolaus Pevsner,
11, p. 35-56, dez., 2003; CHUVA, Márcia. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco,
moderno e civilizado. Topoi, Rio de Janeiro, vol. 4, nº 7, p. 313-333, jul-dez, 2003; FONSECA, Maria
Cecília. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro:
UFRJ/IPHAN, 1997; GONÇALVES, José Reginaldo. A retórica da perda. Os discursos do patrimônio
cultural no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 2002. E sobre a questão da “autenticidade” e sua relação
com a construção de uma identidade nacional, Cf: GONÇALVES, José Reginaldo. Autenticidade, Memória
e Ideologias Nacionais: o problema dos patrimônios culturais. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 1, n.
2, p. 264-275, 1988.
33
AMARAL, Aracy A. Artes Plásticas na Semana de 22. São Paulo: Editora Perspectiva, 1970, p. 20,
grifos nossos.
34
SILVA, Dilma de Melo. A Academia Imperial de Belas Artes: ruptura com o Barroco. In. 180 anos da
Escola de Belas Artes. (Anais do Seminário EBA 180). Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.121.
23
chamado “Academias de arte”, escrito na década de 30 e lançado em 194035. No momento
em que foi publicada, a obra não obteve grande repercussão e enfrentou duras críticas.
Três décadas depois o livro foi reeditado e a grande procura o levou a ganhar uma edição
Segundo Coli (1999), embora Thuillier fosse um especialista no século XVII, ou melhor,
talvez porque estivesse distante dos estudos teóricos sobre o oitocentos, ele promoveu uma
conhecimento37.
buscassem inspiração na Europa, o faziam não por faltar-lhes originalidade, mas por que
inspiração residia nos ideais de civilização europeus, mas estes eram apropriados na
produção artística em seu contexto. Duas compreensões bem distintas do que seria
Reinado. A arte seria explicada unicamente pelo contexto em que foi criada, sua produção
era determinada pelo projeto político imperial. Ainda sobre essa tradição, tomemos a
(...) de 1864 a 1870, o Brasil sustentou contra o Paraguai uma guerra que custaria
a ambos os países milhares de vidas e um imenso desgaste econômico. Para os
35
PEVSNER, Nicokolaus. Academias de arte: passado e presente. São Paulo: Compainha das Letras,
2005.
36
THUILLIER, Jacques. Peut-on parler d’une peinture “pompier”? Paris: Presses Universitaires de
France, 1984.
37
COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira do século XIX? São Paulo: Editora Senac, 2005.
24
pintores brasileiros, tal guerra serviu de tema ou pretexto para a elaboração de
cenas heróicas e de glorificação do Império38.
como uma “fórmula”, que quando aplicada ao objeto o explica. Mas sim, como
interrogação, algo a ser “desvendado” a partir da pesquisa e não antes dela. Os estudos
atentos a essa dimensão do “contexto” não negam que a produção de pintura histórica
Durante nossa pesquisa nos deparamos com uma vasta bibliografia sobre a
Academia Imperial, optamos por escolher aquelas que tratassem, mesmo que de maneira
secundária, do tema pintura histórica. Selecionamos, então, alguns trabalhos que julgamos
serem os mais significativos sobre o tema, seja por se aproximar de nossa análise ou por se
afastar dela. O primeiro deles, chama-se “Os Caminhos da Arte. O ensino artístico na
historiadora da arte Cybele Vidal Neto Fernandes. Neste estudo, a autora volta-se para a
análise do ensino artístico no período que vai da Reforma Pedreira até a queda do Império,
que também conduz a AIBA à sua reformulação. Sua preocupação central é a questão do
ensino, o que nos oferece novos ângulos de análise sobre nosso objeto, uma vez que
Ensino artístico na AIBA”, a autora trata da cadeira de pintura histórica e levanta pontos
38
KELLY, Celso. A glorificação do império. In: Arte no Brasil. São Paulo: Editora Abril, 1979, p.54,
Grifos nossos.
39
Cf. COLI, J. Victor Meirelles e a pintura internacional. [Tese de livre docência] Campinas: UNICAMP,
1997.; Id. A Pintura e o olhar sobre si: Victor Meirelles e a Invenção de uma história visual no século XIX.
In: FREITAS, Marcos C. de. (org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto,
1998a. Id. Primeira Missa e a invenção da descoberta. In: NOVAES, Adauto. A descoberta do homem e do
mundo. São Paulo: Compainha das Letras, 1998b; Id. O sentido da batalha: Avahy, de Pedro Américo.
Projeto História, São Paulo: v. 24, 2002ª; DENIS, R. Cardoso. Ressuscitando um Velho Cavalo de Batalha:
Novas Dimensões da Pintura Histórica do Segundo Reinado. Concinnitas: Arte Cultura e Sociedade. Rio de
Janeiro: v. 1, n. 2, 1999, p. 201.
40
FERNANDES, Op. cit.
25
fundamentais, como a importância desta cadeira entre os demais gêneros artísticos
e a importância das Exposições Gerais na consagração dos artistas e suas obras. Embora
estabeleça a relação entre a AIBA e o IHGB, não o faz preocupada em se aprofundar nessa
do passado por estas duas instituições, mostra que ambas tinham como função apagar as
sugestões nos foram muito válidas na medida em que nos ajudaram a perceber o papel da
sobre a arte brasileira oitocentista, até então tidos como intocáveis: 1) a problemática dos
estilos; 2) a questão do plágio na pintura histórica. No primeiro caso, Coli afirma que a
tentativa de classificação das obras de arte não contribui para os estudos em história da
41
BITTENCOURT, Op. Cit..
26
culminar em análises superficiais e equivocadas do objeto: “o olhar que interroga é
(...) ao invés de discutir se Meireles ou Américo são ou não são clássicos, são ou
não são românticos, são ou não são pré-modernos – o que me coloca em
parâmetros seguros e confortáveis, mas profundamente limitados – é preferível
tomar esses quadros como projetos complexos, com exigências específicas e
precisas, muitas vezes inesperadas43.
desta narrativa. O autor refuta as análises que reafirmam as idéias de plágio na arte
acadêmica, pois argumenta que o procedimento por citações dentro da pintura de história
Sobre a relação entre a pintura histórica e a produção do IHGB, dois artigos e uma
Christo.
através dos trabalhos do pintor Antônio Parreiras em paredes de prédios públicos. O artigo
42
COLI, 2005, p. 11.
43
COLI, 1998a, p. 375.
44
SALGUEIRO, Valéria. A Primeira Missa revisitada os 500 anos. Estudos Ibero-Americanos, v. XXVI,
n°2, dez 2000. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.
45
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Bandeirantes ao chão. Estudos Históricos: Arte e História. Rio de
Janeiro: n° 30, 2002.
46
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Pintura, história e heróis no século XIX: Pedro Américo e
“Tiradentes Esquartejado”. São Paulo: IFCH/UNICAMP, 2005. [Tese de doutorado apresentada ao
Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas].
27
No artigo de Maraliz Christo sobre a tela de Bernardelli, a pintura histórica não é
abordada como uma das formas de se narrar a versão oficial do passado, produzida pelo
refletir como uma versão menos triunfalista dos bandeirantes, vai chocar-se com a
tarefa de criar uma imagem heróica para o aventureiro paulista. Analisando a forma como
Bandeirantes”, de 1889, a autora defendeu que este possui uma mensagem condenatória à
trazer. Através da análise de várias telas de Pedro Américo, a autora afirma como
artigo “Naked History”, de Susan Locke Siegfried47. Este trabalho traça um panorama das
Susan Siegfried afirma que somente após a Revolução Francesa, a cobrança por
47
SIEGFRIED, Susan Locke. Naked History: The rethoric of militar painting in post revolucionary France.
The art bulletin. v. LXXV, n. 2, junho, 1993.
28
ser uma exigência aos pintores de história. Desta forma, determinados procedimentos
sobre os artistas a serem analisados, suas obras e as exposições escolhidas como marcos
de delimitação dessa investigação. Como nosso trabalho será construído sobre as análises
das telas de batalhas de Vítor Meireles e Pedro Américo, apresentadas ao público nas
obras. O que mais nos chamou a atenção neste trabalho foi a análise de alguns dos quadros
que serão trabalhados nessa pesquisa. Suas sugestões sobre a tela “A Primeira Batalha dos
Guararapes” são muito pertinentes, pois segundo a autora, o pintor buscou representar a
união do povo brasileiro em torno de um sentimento nacional. Este olhar sobre o episódio
IHGB. A luta contra a invasão do elemento estrangeiro, o holandês, acabava por reforçar
os laços que ligavam as três etnias que compõem o Brasil, sendo interpretado por esta
Essa idéia de comunhão nacional estará presente em outros dois quadros do artista,
Riachuelo” e “Passagem de Humaitá”. Essas telas, por tratarem de um assunto tão recente,
atingiam de maneira mais profunda a população, que ainda se recompunha das perdas
sofridas nessa guerra. Para a autora, Meireles procurou realçar a vitória do país na Guerra
violência e o horror da batalha. Cadorin frisa que embora a idéia de união esteja presente
48
CADORIN, Mônica de Almeida. A Pintura Histórica de Vítor Meirelles. In: Anais do Seminário EBA
180. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 1997.
29
na tela, ela é feita de maneira hierarquizada como é possível observar na distribuição
desses elementos no quadro. Sentimos falta de uma menção à produção do IHGB, que
desde 1847, quando Von Martius ganha o concurso “Como se deve escrever a História do
Brazil?”, ocupa-se dessa temática. É com o trabalho de Von Martius que pela primeira vez
particularidade que lhe confere um sentido no plano das nações civilizadas, idéia anos
Sobre Pedro Américo, iremos nos deter no livro de Liana Rosemberg, “Pedro
historiador e do pintor histórico, pois realça o minucioso trabalho de pesquisa que há por
trás da confecção de uma tela desse gênero artístico. Ao tratar das telas “Batalha de
por uma extensa documentação pesquisada pelo artista para conferir ares de verdade à sua
histórico e do historiador.
Grande parte dos trabalhos sobre a arte oitocentista recaem em análises de retratos
plágio acerca desses artistas. Ao escolhermos esse gênero artístico como objeto de nossa
pesquisa, foi nosso intuito resgatar o valor dessas pinturas como objeto de pesquisa não
49
ROSEMBERG, Op. Cit.
30
somente da história da arte, mas também dentro do projeto de construção de uma história
são raros os profissionais que conseguem circular com desenvoltura nesses dois espaços.
saberes que até então, não se reconheciam como distintos entre si. A autoridade conferida
foram autônomas, como por exemplo, a arte e a história. Nesse sentido, articularemos os
disciplina, mas também a emergência de uma gama expressiva de produções que tinham o
passado como tema. A pintura histórica é um dos exemplos desse interesse, mas também
lo, podem ser entendidos como cultura histórica50. No livro “As invenções da História”,
Stephen Bann aponta para a estreita ligação entre determinados saberes e a história como,
narrativas historiográficas. É certamente o espaço entre uma e outra que nos interessa
50
BANN, Stephen As invenções da história. Ensaios sobre a representação do passado. São Paulo: UNESP,
1994.
31
nessa pesquisa, ou seja, a apropriação dos métodos e discussões da história no campo da
arte.
uma determinada sociedade articularia passado, presente e futuro, ou seja, sua relação
com o tempo. Uma sociedade constrói sua identidade na mediada em que significa a
coexistir num mesmo período e espaço. Por exemplo, a pintura de história pode ser
a pintura de história também se relaciona com o tempo de uma outra forma, uma vez que
entende esse passado como exemplo às futuras gerações. As telas de batalhas possuíam
uma função essencialmente didática e a história nessa perspectiva seria a única capaz de
educar seus espectadores por meio dos exemplos do passado, ao mesmo tempo que
Com o passar dos anos, a pintura de história não perdeu sua importância simbólica
51
HARTOG, François. Régimes d’historicité. Présentisme et experiences du temps. Paris: Seuil, 2003.
52
De acordo com Hartog, a queda do muro de Berlim teria marcado o fim de uma certa hegemonia do
regime moderno de historicidade, pois impossibilitou a uma perspectiva futurista da escrita da história, que
tornou não só o futuro, mas também o passado, imprevisíveis. Sendo assim, o novo regime de historicidade,
batizado como presentismo, expressa a atual “crise do tempo” (Idem, p. 11-30).
32
Essas imagens foram apropriadas e re-significadas através de outros meios como, por
toma contornos de verdade única e reforça o caráter unívoco do conhecimento histórico ali
transmitido. De acordo com Nora, um lugar nunca é dado, ele está sempre aberto a novas
(c. 1900), “Nau Capitânea de Cabral (ou Índios a bordo da Capitânea de Cabral)” (s.d.),
ambas de Oscar Pereira da Silva, e, “Primeira Missa no Brasil”, de Vítor Meireles. Esta
última foi cuidadosamente reconstituída pelo diretor na tomada do filme que aborda a
Estas imagens se eternizaram no imaginário com tal força que é quase impossível
53
NORA, Pierre. Entre memória e história – a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: nº 10,
dezembro, 1993, p.27.
54
MORETTIN, E. V. Produção e formas de circulação do tema do Descobrimento do Brasil: uma análise de
seu percurso e do filme 'Descobrimento do Brasil' (1937), de Humberto Mauro. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 135-165, 2000.
55
Ver o fotograma da cena da primeira missa na página 127, no anexo dessa dissertação.
33
automaticamente à tela de Vítor Meireles. Esse gênero artístico busca envolver o
espectador em sua narrativa de tal forma que ele viesse a esquecer que se tratava de uma
circularidade destas imagens muitas vezes contribui para sua naturalização, uma vez que
a narrar o que realmente aconteceu e não a buscar uma interpretação do passado, entre
Tomar essa memória como questão é ao mesmo tempo problematizar nossa própria
A obra “Les lieux de mémoire”, organizada por Pierre Nora, teve seus volumes
publicados entre 1984 e 1993. No texto introdutório, Nora reflete sobre a “necessidade de
memória” que assola as sociedades contemporâneas. O fim das ideologias, a crise de uma
pela mídia, conduziu a sociedade moderna a uma nova lógica social, o presentismo. Esse
56
NORA, Op. Cit., p. 20)
57
Sobre essa questão, vale frisar que houve um deslocamento do conceito de “patrimônio” para outro bem
mais amplo, o de “bens culturais”, que inclui não só os bens de natureza material, mas também os
considerados imateriais (Cf: GONÇALVES, J. R. S. A Retórica da Perda. Rio de Janeiro: Editora da
34
Para François Hartog, “Les lieux de mémoire” torna-se ele mesmo um lugar de
memória, pois se configura como uma tentativa de saciar essa “necessidade de memória”
vague mémorielle qui, depuis le milieu des annés 1970, s’est éstendue sur la France. Elle
l’a enregistrée, comme un sismographe, l’a réfléchie, comme un miroir, et a réfléchi sur
elle”58.
uma alternativa para a escrita de uma história nacional sem associá-la à tradição
evolutivo, Nora entende que é no presente que os objetos históricos ou os semióforos59 são
proposta de Nora da seguinte forma: “On va bien du présent au présent, pour interroger le
moment présent”60.
Imagem e palavra
UFRJ/IPHAN, 2002; NORA, Op. Cit.). O debate global acerca da preservação dos bens intangíveis tornou-
se bastante expressivo, assim como o debate acerca do “patrimônio mundial”, o que aponta para a expansão
das políticas patrimoniais em todo o mundo. De acordo com arrolamento produzido pela UNESCO no ano
de 2000, os bens considerados patrimônios mundiais entre os anos de 1978 e 1984 chegavam a 183. Até o
ano de 1998 esse número alcançou o montante de 582 bens.
58
HARTOG, Op. Cit., p.114.
59
POMIAN, Krzyzstof. Colecções. In: ROMANO, Rugiero (dir.). Enciclopédia Einaudi (Memória-
História). Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984. v. 1.
60
HARTOG, Op. Cit., p. 155.
61
SANTAELLA, Lucia. Palavra, imagem & enigmas. Revista USP. Dossiê Palavra-Imagem, nº16, 1992-
1993, p. 37.
62
Os termos texto visual e texto verbal foram cunhados do artigo de mesmo nome, de Miriam Moreira Leite.
Cf: LEITE, M. L. M. Texto verbal e texto visual. In: FELDMAN-BIANCO, Bela & LEITE, Miriam M.
35
com a realidade é de caráter bem especifico, pois se ocupa do passado, ou seja, de
nos testemunhos oculares e na própria dimensão da experiência para ratificar sua obra
como verdadeira. Segundo essa tradição, são os vestígios do passado, as fontes, que
todos eles ser analisados como texto, cada um em sua especificidade. Acompanharemos
estudos voltados para a hermenêutica, para a linguagem e para a semiótica nos mostraram
que o texto verbal, consagrado como a forma prioritária e mais confiável de expressão
ocidental e moderna, perdeu sua dimensão universal e imutável63. Não nutrimos mais a
crença de que imagens ou palavras podem nos restituir a realidade, ao contrário elas a
constroem, a transformam.
produzidos para serem lidos de maneira interdependente. Embora trabalhem com objetos e
linguagens essencialmente distintas, corroboravam uma com a outra, uma vez que são
(orgs.). Desafios da Imagem. Fotografia, Iconografia e Vídeo nas Ciências Sócias. São Paulo: Papairus
Editora, 1998.
63
Cf: CHARTIER, R. A ordem dos livros. Brasília: Editora da UnB, 1994; FOUCAULT, M. O que é o
autor? Lisba: Editora Passagens, 1992. Idem. A ordem do discurso. São Paulo : Loyola, 1996. .
36
A relação entre imagem e a palavra acompanhará toda a trajetória de nosso
trabalho, seja a partir da comparação entre os textos dos catálogos das exposições e as
telas em questão, ou destas com a crítica de arte e com a bibliografia consultada pelos
artistas. Para apontar o grau de conformidade entre imagem e texto, buscamos identificar
oitocentista, seu papel lúdico, sua função como controladora do conceito de arte e
história não é mais visto no espaço das exposições de arte, mas no seio da própria
academia. O século XIX trouxe para o campo artístico a tensão entre duas concepções
diferentes quanto à função da arte: a obra de arte enquanto retrato da realidade ou como
adequaram a essas novas questões são nossos objetos de estudos nesse ponto da
investigação. As soluções para esses empasses, encontradas por Vitor Meirelles e Pedro
Américo, e os argumentos da crítica de arte acerca das pinturas desses artistas são nossos
focos de interesse.
37
histórica64. As marcas de enunciação são os códigos utilizados ora pela crítica de arte, ora
pelo próprio artista para caracterizar a narrativa das telas como verdadeira, como por
entre arte e história como escritas historiográficas. Através das obras consultadas pelos
artistas e da produção do Instituto Histórico entre 1872 e 1879, acerca dos temas: a Guerra
dos historiadores, nenhuma menção à suas telas ou ao trabalho de pesquisa dos pintores.
Desta forma, optamos por investigar as primeiras referências dos historiadores às telas de
batalhas para tentar entender como essas imagens se vincularam tão estreitamente aos
fatos históricos representados que até hoje museus e livros didáticos encontram
Sendo assim, a influência da imagem sobre o texto será contemplada no final desta
dissertação como forma de conclusão. Somente no século XX, os livros didáticos passam
a trazer essas pinturas de história como parte de sua narrativa. Este gênero artístico que
tinha como um de seus principais objetivos retratar o passado como realmente aconteceu,
64
O termo “marcas de enunciação” foi criado por François Hartog, com o intuito de identificar os
mecanismos usados pelos primeiros historiadores para validarem seu conhecimento. Cf: HARTOG,
François. O Espelho de Heródoto. Ensaio sobre a representação do outro. Belo Horizonte: UFMG, 1999.
38
acabava sendo tratado nesses livros como vestígios desses eventos históricos que
pretendiam representar65.
ponto central de nossa pesquisa. Entrecruzando textos e imagens buscamos dar textura à
65
É comum encontrar, ainda hoje, livros didáticos que reproduzam pinturas históricas nos capítulos que
tratem de seus temas e não na parte que aborde o período de sua produção. Além disso, muitas delas não
vêem acompanhadas de legendas que identifiquem seu autor ou a data de sua confecção, corroborando para
a sua identificação direta com o passado que apenas representam.
66
Entendemos que o nosso objeto de estudo – pintura histórica – é por excelência um objeto historiográfico,
pois o termo “historiografia” não designa apenas textos acadêmicos dedicados à história, ele qualifica
qualquer artefato que tenha o passado como questão. Ou seja, um filme que trate da sociedade de corte
francesa é uma obra historiográfica, a nossa moeda de dez centavos também, pois alude ao episódio da
Independência do Brasil.
39
CAPÍTULO 1.
Quem sabe desses infantis visitantes guardarão tão profunda impressão do que ali
observaram, que ainda um dia virão por ele atraídos fazer parte de nossa
comunhão nacional?67
exposições trouxeram para os museus um novo público, até então indiferente ao circuito
de artes plásticas68.
“Viva o povo Brasileiro” atraíram aos salões do Museu de Arte Moderna (MAM) 147 mil
visitantes, em 45 dias69.
No ano de 1995, este suposto recorde foi suplantado pela exibição das obras de
Rodin, no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA). A fila para entrar na exposição
dobrava a esquina do museu, pessoas aguardavam até uma hora de espera para apreciar as
67
VÍTOR MEIRELES Apud ROSA, Ângelo P. R; MELLO JR, Donato & PEIXOTO, Elza R. et al. Victor
Meirelles de Lima - 1832/1902. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982, p. 109.
68
Ver: Quadro de referência 1 com as principais exposições no Brasil a partir de 1986 que se encontra no
anexo desta dissertação, na página 121.
69
CÔRTES, C. O filão de Rodin. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 maio. 1995. Caderno B, p. 48.
70
MATTA, D. O Rio dá adeus à arte de Rodin. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 maio. 1995. Cidade, p.
16; Mostra de Rodin segue para SP. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 maio. 1995. Cidade, p. 19.
40
A partir daí, os recordes de público foram aumentando ano a ano71. Um acirrado
afirmavam que a entrada do grande público nos museus estreitaria os laços entre arte e
elite. Outros criticavam a falta de diálogo entre público e obra, uma vez que os visitantes
sem familiaridade com o campo artístico não construiriam nenhuma reflexão crítica sobre
explicações comuns para os sucessivos recordes de público nas exposições de arte. Mas
como interpretar tal fenômeno no século XIX, período anterior ao surgimento do rádio e
Recuemos mais de cem anos no tempo. Nos anos de 1872 e de 1879, a Academia
Imperial de Belas Artes abriu seus portões para duas exposições que marcaram a trajetória
dos eventos museológicos no Brasil até hoje. A Exposição de 1872 foi a primeira a
Campo Grande”, de Pedro Américo, causaram tamanha curiosidade que atraíram um total
público superou mais de cinco vezes o número de visitantes da mostra “Picasso”, no Paço
71
Ver quadro de referência 1, na página 121.
72
Sobre esse assunto é interessante conferir a entrevista de uma aluna do ensino médio sobre suas
impressões da 25ª Bienal de São Paulo, em 2002, que contou com o público recorde de 668.428 visitantes:
“A arte aqui é mais reflexiva e não como os quadros do Monet, por exemplo, que são mais contemplativos”,
diz também que gostou da exposição, mas que gosta mesmo é de arte acadêmica: “Quanto mais acadêmico
melhor, mas adorei a Bienal porque consegui encaixar perfeitamente as idéias dos artistas no meu cotidiano,
na minha vida”. Cf: CAMPOS, Antonia Junqueira Malta. 25ª Bienal de São Paulo: Arte Esquizofrênica.
Análise sobre repercussão da mostra em seu público e a função social do evento. Disponível em:
http://intra.vila.com.br/sites_2002a/urbana/antonia/apresentacao.html. Acesso em: 30 de janeiro de 2006.
41
Imperial, em 198673. Além do expressivo público, o ano de 1872 também foi marcante
pelo número de artistas brasileiros inscritos que superou com larga diferença a de
termos de público quando comparada ao sucesso de sua vigésima quinta edição no ano de
1879. Durante os sessenta e dois dias em que esteve aberta, a Exposição Geral de 1879 foi
Geral de 1879 ficou marcada pelo clima de rivalidade entre as telas de batalhas de Pedro
talento de um ou de outro, acabou por ficar famosa pelas acusações de plágio feitas a
exposição da academia durou um período maior, ainda sim a média diária de visitação à
73
Ver quadro de referência 1, página 121.
74
Até então as exposições foram marcadas pela presença dos artistas estrangeiros, estes superavam o
número de brasileiros inscritos. Podemos citar como exemplos duas exposições: a que aconteceu no ano de
1859, também marcada pela afluência de estrangeiros, onde o número de inscritos chegava a marca de 94
artistas, destes, 68 eram estrangeiros. Em 1879, o número de artistas brasileiros também superou o total de
estrangeiros como em 1872, dos 118 inscritos, somente 27 eram estrangeiros. Cf.: FERNANDES, Op. Cit..
75
ATAS da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia Imperial de Belas Artes em 17 de dezembro de
1884, p. 11- frente e verso. Arquivos do Museu Dom João VI – EBA/UFRJ.
42
AIBA foi superior ao MAM. Enquanto o Museu de Arte Moderna recebeu diariamente
recorde de público da história dos eventos de arte no Brasil, precisaria, para merecer tal
título, ter recebido mais 66.180 pessoas para ultrapassar a bilheteria da 25ª Exposição
Geral de Belas Artes. Número que excede o total de visitantes do MNBA durante todo ano
Vamos tomar agora uma exposição que tenha ultrapassado em larga escala o
circuito artístico foi “Por ti América”, que reuniu 350 peças oriundas de onze museus e
Rio de Janeiro, entre outubro de 2005 e janeiro de 2006. Em 111 dias, “Por ti América”
atraiu 777.572 pessoas, bem mais que o dobro do público do Salão de 187978. Convém
76
Ver: Quadro de referência 2 com as principais exposições do Rio de Janeiro acompanhadas da estimativa
diária de público, encontrado no anexo desta dissertação, na página 122.
77
MATTA, D. O Rio dá adeus à arte de Rodin. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 maio. 1995. Cidade, p.
16; Mostra de Rodin segue para SP. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 maio. 1995. Cidade, p. 19.
78
CCBB Rio: Últimos dias da mostra "Por Ti América". Notícias do CCBB, Rio de Janeiro, 26 jan. 2006.
Disponível em: http://www.bb.com.br/appbb/portal/bb/ctr/ntca/noticia.jsp?Noticia.codigo=149535. Acesso
em: 30 jan. 2006
79
Ana Maria Tavares Cavalcanti aponta que “segundo dados do IBGE, a população residente no Município
do Rio de Janeiro, em 1872, era de 274.972 habitantes; e em 1906, 522.651 habitantes”. Rafael Denis é
mais incisivo e afirma que a população do Rio de Janeiro em 1879 chegava a 300.000 habitantes, embora
não indique a documentação na qual se baseou para tal conclusão. De qualquer forma, mesmo que esse
montante não chegasse precisamente aos 300.000 habitantes, baseado nos dados do IBGE, a população
ficava entre 274.972 e 522.651 habitantes, o que comparado ao número de visitantes da Exposição de 1879
continua a causar surpresa. Cf: CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. A relação entre o público e a arte nas
Exposições Gerais da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. Anais
do XXIII Colóquio de História da Arte. Rio de Janeiro: CHBA/UERJ/UFRJ, 2004, p.58; DENIS, Op. Cit,
p. 210.
43
dados do IBGE, a população estimada em 2005 para a cidade do Rio de Janeiro foi de
Voltamos então a nossa pergunta inicial: quais são os motivos que atraíram um
contingente tão expressivo de pessoas às exposições gerais de 1872 e 1879? Sabemos que
tamanha freqüência não era comum nos demais salões da AIBA, o público de 1879
ultrapassou em até quatorze vezes a Exposição Geral de 188481. Sendo assim, como
Um dos fatores que servem como explicação para tamanho sucesso é a função lúdica
das exposições em uma sociedade que ainda não era bombardeada por uma cultura visual
tão intensa como a nossa. Basta mencionarmos, como exemplo, os próprios catálogos das
Exposições Gerais que até o ano de 1884 não traziam as imagens das obras em exibição82,
algo impensável nos dias atuais. As artes visuais tornavam-se uma grande atração, pois
imagem.
jornais e da literatura do período, chama a atenção para o gosto do público carioca pelos
espetáculos óticos, eventos que brincavam com a imaginação dos visitantes. Tanto nas
80
Esses dados correspondem a população estimada para 2005 até 01.07.2005. Disponível em:
www.ibge.gov.br Acesso em: 29 de janeiro de 2006.
81
A Exposição Geral de 1872 registrou a visita de 63.949 pessoas, enquanto o Salão de 1884, o último da
trajetória da Academia Imperial, recebeu 20.154 visitantes. Cf: ATAS da Sessão do Corpo Acadêmico da
Academia Imperial de Belas Artes em 17 de dezembro de 1884, p. 11- frente e verso. Arquivos do Museu
Dom João VI – EBA/UFRJ; ROSEMBERG, Lilia Ruth Bergstein. Pedro Américo e o olhar oitocentista
Rio de Janeiro: Barroso Edições, 2002, p. 24.
82
O primeiro catálogo ilustrado foi publicado no ano de 1884, graças à iniciativa do belga Laurent De
Wilde, bastante ligado ao pintor Johann Grimm. Essa foi uma das últimas exposições da Academia Imperial
antes de sua reformulação, sofrida com o advento da República.
44
No caso dos pintores de história a escolha do tema era parte fundamental nesse
museográfica que zela pela apreciação de cada obra individualmente, onde a iluminação e
Entretanto, no século XIX, essas não eram questões para os organizadores de uma mostra
de arte, várias telas eram dispostas lado a lado de um extremo a outro de uma parede83.
chamasse atenção, que se destacasse entre tantas outras peças. Por exemplo, em 1872, o
Ministro do Império João Alfredo Correia de Oliveira acordou com Pedro Américo a
execução de um quadro sobre a primeira batalha nos Montes Guararapes. Algum tempo
depois, o artista informou ao ministro que não executaria aquele tema, mas um episódio
tema vivo na memória dos espectadores garantiria mais facilmente a identificação entre o
Um dos exemplos selecionados por Ana Cavalcanti para pensar os elementos que
83
No anexo desta dissertação, na página 128, encontra-se uma charge de Ângelo Agostini sobre a Exposição
Geral de 1884, onde podemos observar como seria a disposição das telas das mostras de arte do século XIX.
84
CAVALCANTI, Op. Cit..
45
ajudará a refletir sobre outros fatores que influíram na significativa afluência de público às
vivos inspirados em temas históricos, nos fazem pensar até que ponto as Exposições
Gerais assim como o “Grandioso Museu de Mme. Perony” não faziam parte de eventos
que transmite aos observadores da tela “Batalha do Avaí” a sensação de ser testemunha
ocular deste acontecimento, permite também que outras formas de experimentação desse
passado sejam criadas. Os quadros vivos, tal qual as pinturas de história, possibilitam que
seus apreciadores vivenciem momentos históricos sem a distância imposta pela barreira do
85
Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1875, p.4, grifos nossos.
46
contato com o público, pois estabelecem a mediação entre o visível e o invisível86 e
A possibilidade de ver um fato histórico como se uma janela no tempo fosse aberta,
experiência próxima ao que hoje conhecemos com o cinema, sem dúvida fascinou os
visitantes das Exposições Gerais e do espetáculo de Madame Perony. E até hoje causa
telas “Batalha dos Guararapes” e “Batalha do Avaí” colocadas lado a lado na Galeria
Nacional desta instituição. Observemos o que diz Affonso Albuquerque Mello, em artigo
Batalha do Avahy”:
Oh! quanto estou arrependido!... porque não é um quadro, não é uma pintura o que
vi: é uma ação, um campo de batalha com todos os seus horrores, para quem
nunca viu o campo, para quem só tem lido as descrições militares desses episódios
tremendos da história humana.
Oh! sim!... Tenho visto, nos livros, batalhas, combates sem contas, muitas vezes
com as descrições mais vivas, que se tem dado desde os primeiros dias da
humanidade até hoje, mas nunca vira o sangue vivo a correr os olhos chamejantes,
o ferro brandindo e cortando, as faces contraídas, os peitos arquejantes, por cima
dos feridos os cadáveres, as contorções da morte abrigadas pelo desprezo ou pelas
patas dos cavalos... nunca vira tudo isto vivo, como desta vez!
(...) Na verdade, (nem sou, nem seria preciso dizê-lo; artista nem poeta; mas sofro
de todos estes sofrimentos e vi comigo sofrer muita gente), na verdade deve ser
grande a glória do artista que teve o poder de produzir tão dolorosas impressões
com a sua pintura tão viva como a realidade; mas o bem que tantos desejam que
dai resultasse não será efeito ainda daqui a muitas gerações.
Um aviso aos leitores:
86
Segundo Pomian pode-se entender o invisível como aquilo que está muito longe no espaço e no tempo ou,
ainda, fora de seu fluxo temporal, ou seja, na eternidade. Desta forma, o semióforo propicia o diálogo entre
diferentes tempos e espaços, realidades diversas. POMIAN, Op. Cit, p. 67.
87
Nesse sentido, Pomian se distancia de uma concepção que separa o objeto da idéia que o constitui, uma
vez que os compreende como instâncias inseparáveis. POMIAN, Op. Cit.
47
- Quem não quiser sofrer como eu, não veja o quadro do Sr. Pedro Américo88.
A realidade salta aos olhos, tanto ele soube imitar a natureza e tratar o seu assunto
com consciência e maestria.
Eis ali o grande drama de 11 de junho, representado com toda a sua majestade e
em todo o seu horrido esplendor! O espectador assiste a batalha e contempla
assombrado as diversas peripécias do triunfo de nossas armas.
Ante seus olhos desenrola-se o vasto panorama do teatro daquela ação, onde
manobram duas esquadras, que movem-se desordenadamente na luta encarniçada
de um combate gigantesco, e mau grado a enorme massa do fumo de tantos
canhões, não se perde um detalhe, um acessório, uma minuciosidade89.
“Expansão, Ordem e Defesa”, presente no Museu Histórico Nacional (MHN) desde 1994.
Tratado como um filme épico, a tela “Combate Naval de Riachuelo”, que mede 460 cm de
largura e 820 cm de comprimento, ocupa sozinha uma das salas do museu. Montada com o
propósito de brincar com a imaginação dos visitantes, a sala possui uma arquibancada
onde o observador pode sentar-se e apreciar a tela como se estivesse em um cinema. Por
ocasião de sua inauguração, ao lado do quadro eram exibidas imagens de alguns detalhes
e a exibição dessas imagens dava uma idéia de movimento e aguçava ainda mais a
88
MELLO, Affonso de Albuquerque Mello. O quadro do Sr. Pedro Américo. Jornal do Commercio, dia 6
de outubro de 1877, p. 02.
89
SAMPAIO, João Zeferino Rangel de. Combate Naval de Riachuelo. História e Arte. Quadro de Vítor
Meireles. Notas para os visitantes da exposição. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1883, p.24.
90
Silvio Tendler possui licenciatura em História pela Universidade de Paris, mestrado em Cinema e História
pela École des Hautes-Études da Sorbonne e especialização em Cinema Documental aplicado às Ciências
Sociais no Musée Guimet, da mesma universidade. Entre os filmes que dirigiu encontram-se: “Os Anos JK,
Uma Trajetória Política” (1980), “Jango” (1984), “Glauber o Filme, Labirinto do Brasil” (2003) e “JK: O
menino que sonhou um país” (2002).
48
imaginação do público. Hoje, o vídeo não faz mais parte da exposição, mas ainda é
Entretanto, não podemos somente destacar o caráter lúdico das Exposições Gerais, a
sedução conseguida através da ilusão servia a outros fins como, por exemplo, o
pedagógico.
O Salon realizado pela Societé des Artistes Français foi aberto pela primeira vez
em 1667, em Paris, passando a acontecer anualmente. Essa exposição era organizada sob o
patrocínio e controle do ministro das finanças de Louis XIV, Coulbert, sendo organizada
no Louvre com o intuito de expor as obras dos artistas da Académie Royale de Peinture et
de Sculpture 92. Durante o século XIX, cabia à academia definir o que era arte e quem eram
Esse papel de banco central foi representado, até meados do século XIX, pela
Academia, detentora do monopólio da definição legítima da arte e do artista, do
nomos, princípio de visão e de divisão legítima, que permite fazer distinção entre
arte e não arte, entre os verdadeiros artistas, dignos de serem pública e
oficialmente expostos, e os outros, devolvidos ao nada pela recusa do júri93.
visível e o que é invisível 94, através da circulação dos códigos de significação dessas
obras95. Nesse sentido, a pintura histórica assumiu uma postura singular, pois sua função
era essencialmente didática: “O artista tem como missão narrar a história às pessoas que
91
Infelizmente não conseguimos maiores informações ou registros sobre o curta de Silvio Tendler no Museu
Histórico Nacional, até a conclusão desta dissertação.
92
Cf: Como apreciar a arte. In: As belas artes. Enciclopédia de Pintura, Desenho, Escultura. Porto
Publicações e Artes Gráficas, 199 7, v. 10, p. 228.
93
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. Gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das
Letras, 1966, p. 260.
94
POMIAN, Op. Cit.
95
LEENHARDT, Jacques. Recepção da obra de arte. In. DUFRENNE, Mikel (org.). A Estética e as
Ciências da Arte. Lisboa: Livraria Bertrand, 1982. v. II.
49
não fazem parte de confrarias literárias, e que muitas vezes nem sabem ler”96. Essas telas
eram produzidas com a tarefa de criar uma memória nacional oficial, que inventasse e
fortalecesse uma identidade por meio da instituição de uma história comum. Segundo
(...) este ritual [o das Exposições Gerais de 1872 e de 1879] implica na formação
de uma cultura visual estabelecida pela educação do olhar sobre a história, no
intuito de fazer uma leitura do passado para a promoção do civismo e da idéia de
nação97.
escrita pelo Instituto Histórico, seus pintores não só se pautavam na produção dessa casa
para criar sua obra, como também se guiavam pelos próprios métodos de pesquisa usados
também traziam consigo a marca da verdade devido aos métodos científicos que as
Sendo assim, a pintura histórica marcou sua autoridade por meio da investigação
aconteceu” e deveriam, portanto, afastar-se de tudo que pudesse falsear ou camuflar esse
passado. O pintor deveria permear todo seu trabalho por uma minuciosa pesquisa histórica
e atenta observação, pois seriam elas as responsáveis por resgatar e provar a existência do
fato que se desejava retratar, o que garantia sua legitimidade. De nada adiantariam todos
96
SQUEFF, Letícia Coelho. Entre a nação e a civilização – sobre a idéia de arte em Araújo Porto-Alegre.
Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro: vol. 30 (1998), Museu Histórico Nacional, 1998, p.
209.
97
PEREIRA, W. L. Óleo sobre tela, olhos para a história. Memória e pintura histórica nas Exposições
Gerais de Belas Artes do Brasil Império (1872 e 1879). Niterói: Universidade Federal Fluminense: 2003.
(Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História), p. 19.
50
da história nacional, o artista não vestisse os personagens com a roupa da época ou não
refúgio do artista.
uma história, o IHGB funcionava como uma instância de controle social. Qualquer outra
visão que não a oficial, não encontrava espaço para florescer. Nesse sentido, a AIBA
das Exposições Gerais selecionava aquilo que poderia ou não ser digno de apreciação do
Ser fiel ao fato histórico e transmitir a partir dele uma lição, duas tarefas
fundamentais deste gênero artístico e que parecem tão bem se encaixar no projeto
ser leal ao passado e ao mesmo idealizá-lo para que cumpra sua tarefa civilizatória? Estava
posta assim a questão que tanto Pedro Américo quanto Vítor Meireles tentavam solucionar
ora partindo da tradição pictórica, ora da tradição historiográfica, ora do diálogo entre
ambas.
98
Podemos citar como exemplo dessa cobrança por verdade histórica, a crítica de Gonzaga Duque Estrada à
tela “Batalha de Avahy’, de Pedro Américo, onde o acusa de ter retratado habitantes da localidade no
conflito, numa região onde não havia moradores. Cf: DUQUE-ESTRADA. Arte Brasileira. Rio de Janeiro:
II. Lombaerts & Co., 1888, p. 120.
51
CAPÍTULO 2
Avaí” foram protagonistas de uma das maiores polêmicas na trajetória das exposições de
arte no Brasil. Acusaram, ora uma, ora outra, de infidelidade ao fato histórico e/ou de
Todavia, a idealização dos temas era, desde o Renascimento, uma condição para a
Portanto, as escolhas destes artistas devem ser inseridas num momento de reformulações
crítica de arte francesa ou mesmo de outros países da América Latina podemos observar
um acirrado debate sobre a função didática da arte, acerca do valor do realismo na pintura
principalmente após a Exposição Universal de 1855, ocasião em que Courbet expôs suas
como proporção, harmonia e composição. Mantz rejeitava o realismo puro que deixava à
99
BAUDELAIRE, CASTAGNARY, DURANTY et alii. La Promenade du critique influent, anthologie
de la critique d’art en France 1850-1900. Paris: Hazan, 1990; COSTA, Laura Malosetti. Introducción. In:
Los primeros modernos. Arte y sociedad en Buenos Aires a fines del siglo XIX. Buenos Aires: Fondo de
Cultura Econômica de Argentina, 2001; PRAMPOLINI, Ida Rodríguez. Introducción. In: La crítica de arte
en México en el siglo XIX. México: Universidad Nacional Autónoma de México / Instituto de
Investigaciones Estéticas, 1997.
52
margem a idealização, a idéia, essencial para a transmissão de um conceito100. Outros
críticos como Edmond e Jules Goncourt, defendiam o realismo como único caminho para
a arte: “Non, À la plume l’idéal; au pincel lê réel!”101. Para os irmãos Goncourt a arte era
aristocrática por excelência e a crença em sua função didática, apenas uma ilusão.
pareceu ser o centro das preocupações nos países latinos, como por exemplo, na
Aires, tinha como uma de suas principais funções: “educar el gusto por las formas
duas frentes: a empiricista e a idealista103. A primeira é marcada pelo método indutivo, que
Morelli buscou distinguir as obras originais das cópias por meio da identificação
de detalhes que caracterizassem a autoria do artista. Para ele, os aspectos gerais de uma
pintura, como aquilo que lhe caracteriza como pertencente a uma determinada escola, são
representação que cada artista fazia de pequenos detalhes como a forma das unhas, dos
lóbulos das orelhas, dos dedos e etc. É interessante pensar como o procedimento de
pesquisa dos historiadores oitocentistas também foi erigido a partir do método indiciário,
100
BAUDELAIRE, et alii. Op. cit, p.19-22.
101
Id, p.25.
102
COSTA. Op. Cit., p. 17.
103
FERNIE, Eric. Art History and its methods: a critical anthology. London, Phaidon, 1995, p.13.
53
só que ao invés de identificar a autoria por meio de signos pictóricos, o historiador
pequeno detalhe na obra de arte o período e a sociedade em que esta foi produzida.
qual cada época possui um “espírito” ou uma “essência” que transcende e conforma a
própria realidade. Hegel foi seu maior representante. Outros teóricos encontraram um
terceiro caminho por meio da adequação entre o empiricismo e o idealismo, como por
das teorias de história da arte no oitocentos, também pode ser observada na própria
profunda crise promovida pelo embate entre modernidade e tradição106. Nesse momento,
preceitos morais, que remonta ao Renascimento. De outro, a demanda cada vez maior pela
reprodução exata dos fatos históricos. A forma e a função da pintura histórica passaram a
104
A partir da analogia entre os métodos de diferentes áreas (Morelli / signos pictóricos; Sherlock Holmes /
pistas; Freud / sintomas), Ginzburg aponta para a estreita relação entre esses saberes construídos sobre as
bases do paradigma indiciário. Cf: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. Morfologia e História.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
105
FERNIE, Op. Cit., p.14.
106
PEREIRA, Sônia Gomes. Desenho, composição, tipologia e tradição clássica _ uma discussão sobre o
ensino acadêmico do século 19. In: Arte & Ensaios. Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, ano X, nº 10, 2003, p.41.
54
ser temas desse debate, que ficou conhecido na história da arte como o confronto entre
“realistas” e “idealistas”107.
preceitos não só através dos quais os artistas se guiavam, mas também a crítica de arte,
observemos o que diz este artigo sobre a “Batalha do Avaí”: “Eu creio que jamais um
assunto belicoso foi representado de modo mais verdadeiro e mais sublime; eu creio que
jamais houve união mais estreita e mais feliz entre a verdade histórica e a arte ideal”108.
por Pedro Américo e Vítor Meireles para justificar suas obras e os parâmetros que
empiricismo/idealismo.
Entre setenta e cinco retratos, sessenta e uma telas de paisagens brasileiras, trinta e
107
MATTOS, Claudia Valladão de. Imagem e palavra. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. &
MATTOS, Claudia Valladão de (orgs.). O Brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp/ Museu Paulista, 1999.
108
OSÓRIO, Fernando. O Sr. Fernando Osório (transcrição de um discurso na câmara dos deputados). Rio
de Janeiro: Jornal do Commercio, 2 de setembro de 1877, p.04.
109
A tela “A Primeira Batalha dos Guararapes”, de autoria de Vítor Meireles, possui 500 cm de altura e 925
cm de largura. Enquanto o quadro “A Batalha de Avahy”, de Pedro Américo, mede 500 cm de altura e 1000
cm de largura.
55
Contudo, a força dessas obras não se limitava a suas dimensões físicas, mas também
recente do país, trouxe para a tela o drama de muitos brasileiros que lutaram ou perderam
Batalha dos Guararapes”, Meireles evocou, aquela que era considerada no oitocentos, a
los para a arte, Meireles e Américo os faziam reviver por meio da invenção de uma
memória brasileira.
periódicos da época. Foi tema de crônicas, panfletos e livros de algumas das principais
de Laet, Melo Morais Filho, entre outros que optaram pelo anonimato. Uns tomavam
acusavam Meireles de não dar à cena o tom grave que uma batalha exigia, ao mesmo
110
O historiador Rollie Poppino realizou uma análise do conteúdo da “Revista do IHGB” durante o século
XIX, revelou-nos que 45% das temáticas relacionam-se à História. Sendo que do total dos artigos dessa área,
14% ocupavam-se do período da Guerra do Paraguai. E outros, 9% dedicavam-se a temas relacionados à
Invasão Holandesa. Cf: POPPINO, Rollie E. A Century of the Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. The Hispanic American Historical Review. Durham: 33(2): p. 307-23, maio, 1953.
111
Vítor Meireles foi acusado de plagiar as seguintes obras:“Virgínia morta na praia”, de Eugenio Isabey,
para compor “Moema” (1866); “La première messe en Kabylie”, de Vernet e “Primeira Missa”, de Blanchet
para pintar “A Primeira Missa no Brasil” (1860).
56
quase sempre, um do outro, (...) formam um verdadeiro contraste. Enquanto o
quadro do Sr. Victor impressiona pela falta de ação, pela paralisia de quase todos
os personagens, na “Batalha do Avaí” tudo se move, tudo tem vida, todos se
batem112.
Dar vida ao passado era um dos pontos mais recorrentes na cultura histórica
oitocentista. A crença de que o passado poderia ser resgatado e revivido pode ser analisada
sob vários aspectos nessa sociedade, desde a prática da taxidermia até a própria pintura
não só empalhava os animais, mas também refaziam o seu habitat natural, tal qual as
experimentação desse passado. Podemos então entender a crítica de Agostini sobre a falta
identificação entre o observador e a obra, impedindo que esse passado ganhasse vida. Em
uma charge e um texto, do dia 25 de abril de 1879, Agostini novamente reclama vida ao
quadro de Meirelles:
Ângelo Agostini não foi o único a reclamar vida e emoção à “A Primeira Batalha
dos Guararapes”, muitos outros se levantaram contra a tela de Meireles. Afirmavam que
sua pintura não foi fiel à tragédia de uma guerra, faltava-lhe ferocidade, dor e movimento.
Enquanto outros críticos, partidários de Meireles, acusavam Pedro Américo de não dar
112
AGOSTINI, Ângelo. Revista Ilustrada, Rio de Janeiro, ano 4, nº 156, 5 abril 1879, p. 02, grifos nossos.
113
Idem, p.04. A reprodução da charge de Agostini, encontra-se no anexo desta dissertação, na página 128.
57
Não há unidade no quadro, é uma tela gigante que poderia ser retalhada em
duzentos ou mais pequenos painéis, representando cada um fato passado na
batalha do Avahy.
A idéia principal está morta, a batalha ali não existe.
(...) Se a unidade não existe, se a idéia principal está morta, se aquilo é tudo menos
uma batalha, se aí não vemos o movimento, a luta, o ardor, enfim a pugna travada,
se a perspectiva aérea não existe pela falta absoluta da graduação da luz, do que
serve dizer que esta ou aquela figura, este ou aquele grupo, esta ou aquela
expressão, estão bem representados?
O chefe da escola idealista, o simpático Dr. Pedro Américo, convença-se de uma
cousa – a precipitação, como sempre, desta vez o perdeu114.
Mas será que os modelos narrativos escolhidos pelos artistas não encontravam
artísticos, somente em meados do XVII, elas passam a servir de testemunha ocular das
documentar as explorações reais. A tradição das cenas militares das expedições de Louis
XIV teve como um de seus expoentes o pintor Joseph Parrocel115 e sofreu um grande
declínio no curso do século XVIII, uma vez que a política monárquica estava interessada
em promover a paz o que deixava este gênero artístico à margem dos interesses do
governo.
O século XIX deu um novo ânimo à produção de telas militares. Segundo Susan
114
LEANDRO, José. A batalha do Avahy. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 7 de novembro de 1877,
p.02.
115
A reprodução de uma de suas telas, chamada “Halte e grenadiers”, encontra-se no anexo desta
dissertação, na página 129.
116
SIEGFRIED, Op. Cit..
58
A Revolução redefiniu a relação dos indivíduos com o governo. O indivíduo
A partir da década de 70, com o advento da Guerra do Paraguai, seu foco deslocou-
Schwarcz, a própria postura do imperador mudou com o combate. D. Pedro II partiu para a
uniformes militares, tal como Napoleão118. A ação direta do imperador na guerra significou
considerado o herói absoluto, para a dos heróis anônimos. Nas palavras da autora, “a
telas “A Primeira Batalha dos Guararapes” e “Batalha do Avaí” inserem-se nesse novo
atividades artísticas durante o século XIX. A partir de 1801, o governo francês passou a
fornecer aos artistas participantes dos Salons a documentação textual oficial necessária
117
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador. São Paulo: Cia. Das Letras, 2002.
118
Idem.
119
Idem, p.295.
59
para a confecção de suas obras. Desta forma, os eventos narrados nestas pinturas estariam
empíricas foi observada pela grande maioria dos pintores de temáticas nacionais como
forma de legitimação do seu trabalho. Podemos citar Théodore Géricault como exemplo
de um pintor que tomou a pesquisa científica como meio para alcançar uma narrativa fiel
do fato histórico.
Sua tela “A Balsa de Medusa”120, foi baseada na tragédia que acometeu uma
Medusa” naufragou e cerca de 150 pessoas ficaram à deriva no mar por 12 dias. Para
compor a tela, Géricault realizou entre 1818 e 1819, uma minuciosa pesquisa e uma
com bonecos de cera. Mas suas investigações não pararam aí, além dos estudos de
seu ateliê, assim também fazia com as cabeças de bandidos guilhotinados, que serviam
120
A reprodução desta tela encontra-se na página 129, no anexo desta dissertação.
121
FRIEDLAENDER, Walter. De David a Delacroix. São Paulo: Cosac & Naify, 2001; GÉRICAULT:
Um olhar que investiga a realidade. São Paulo: MASP/XXIV Bienal de São Paulo/Núcleo Histórico, 1998.
Disponível em: http://www1.uol.com.br/bienal/24bienal/edu/cildo_meireles.htm Acesso em: 11 de Maio de
2006.
60
Com o objetivo de identificar os parâmetros encontrados por nossos artistas na
pictóricos do oitocentos, tal como fez a historiadora da arte americana Susan Siegfried122.
Para ela, a pintura militar do século XIX pode ser de caráter documental ou de caráter
pressão por verdade histórica. Gros e Lejeune pautavam sua narrativa em uma extensa e
minuciosa pesquisa, a diferença é que enquanto o primeiro buscava ser fiel ao sentimento
batalha.
122
SIEGFRIED, Op. Cit..
123
As reproduções destas telas encontram-se no anexo desta dissertação, na página 130.
61
Após esses breves apontamentos retomemos nossas questões iniciais: será que os
parâmetro na tradição pictórica das cenas militares? Vimos que a partir da dicotomia
criada por Susan Siegfried podemos reconhecer duas possibilidades narrativas totalmente
de um instante. A autora aponta como a exposição dessas telas gerou polêmica no Salon
de 1801. A exemplo do que aconteceria anos mais tarde no Brasil, o debate ocupou-se em
eleger qual das telas seria a mais fiel historicamente. A excelência da pintura histórica
A tela “Batalha do Avaí” foi exposta pela primeira vez em Florença, no ano de
da batalha. O sucesso da tela de Américo em Florença chegou aos ouvidos dos críticos
124
“A Batalha de Avahy” foi pintado na sala da biblioteca do ex-convento da SS. Annunziata, em Florença.
62
composição e na evidência do fato, representando em todas as suas
particularidades com plena e terrível verdade125.
oitocentista, a pintura de história por excelência seria aquela que permitisse ao espectador
ler a sua narrativa tal qual o faz com uma crônica. Pintor e historiador produzem imagens
Logo que a tela “A Batalha de Avahy” foi exposta no Brasil vieram as críticas à
125
OSÓRIO, Op. cit, p.03.
126
CÔRREA, Luiz. A Batalha do Avahy (quadro histórico do Dr. Pedro Américo) I. Rio de Janeiro: Jornal
do Commercio, 02 de outubro de 1877, p. 02.
63
Se fôssemos assinalar o agigantado número de inverossimilhanças, se os
detivéssemos a fazer proeminar as faltas de perspectiva e de desenho, certo
estamos de que, a parte das figuras isoladas e as maravilhosas águas que se
estendem ao fundo, bem pouco sobraria, que reclamasse admiração.
Entretanto, apontemos algumas: o cavalo morto sob os varais do carro, uma
cabeça que, à esquerda, aparece como que saindo de uma moldura de cobertores,
representam adiantado estado de decomposição, quando o combate durou poucas
horas; o menino montado na peça; o pescoço do cavalo negro do paraguaio que
aborda o oficial; as escleróticas dos beligerantes, alvejando a distância enorme; a
nenhuma aeração no espaço e entre os grupos; a transparência negativa dos
horizontes, cujas tintas se tornam mais opacas quanto mais retirados, denunciam
no pintor impetuosidade cega e irrefletida, um cérebro no qual as células
ideadoras, umas adormecidas, outras na atividade mais laboriosa, geraram um
pesadelo de batalha127.
A comparação entre as duas telas fez com que muitos tomassem partido da
Uma composição sem unidade não existe; por conseqüência o quadro da “Batalha
dos Guararapes”, não obstante seus defeitos de execução, é o primeiro, na ordem
de merecimento por muitas razões, e especialmente por uma muito simples – a de
ser o único que fica em campo!128
único ato, para que o argumento narrativo não se perca na diversidade de ações. Por outro
multiplicidade de combates isolados que lhe são característicos? Estava assim, posto para
Américo procurou à sua maneira guiar-se por esses dois preceitos. Assim como
estratégias militares, Américo nos presenteia com um panorama dos horrores e tormentos
de guerra, como a aflição da mãe que protege a criança, o menino campesino que tenta
127
SAMPAIO, João Zeferino Rangel de. O quadro da Batalha de Guararapes, seu pintor e seus críticos.
Rio de Janeiro: Serafim, 1880, p.61-2, grifos nossos.
128
Folhetim do Jornal do Commercio – Academia de Belas-Artes (exposição). Rio de Janeiro: Jornal do
Commercio, 05 de abril de 1879.
64
salvar o que resta dos bens de sua família, no canto inferior à direita da tela, o paraguaio
ferido que tenta arduamente se levantar, em primeiro plano também a direita, ou, o
desespero dos soldados brasileiros que tentam socorrer um oficial brasileiro desacordado,
no centro da tela em segundo plano129. O nosso olhar se perde frente a tantos conflitos
individuais.
expressividade de suas emoções é sem dúvida marcante nas duas telas. O espectador é
envolvido na emoção dos personagens da tela, transpondo-se para aquela cena, como
do cadáver do cavalo morto durante a batalha, não significa dizer que o quadro não tenha
sido projetado sobre bases documentais. Antes de começar sua execução, o artista
batalha, entre outros objetos, além de enviar ao artista algumas anotações suas, onde
recomenda um momento da batalha para ser pintado, sugestão esta seguida131. Sendo
assim, Pedro Américo teve à sua disposição não só peças utilizadas no episódio, como
129
As reproduções desses detalhes da tela de Américo podem ser apreciados nas páginas 124 e 125, no
anexo desta dissertação.
130
Breve Resumo da Batalha do Avahy em 11 de dezembro de 1868. Rio de Janeiro: Livraria Serafim
José Alves, s.d. Arquivo Museu Regional de Areia; Marquês de Caxias Ibid. 1872; Ordem do Dia n.272.
Arquivo do Exército. Palácio Duque de Caxias, Rio de Janeiro.
131
Este material encontra-se no arquivo dos descendentes do pintor, ao qual não tivemos acesso, tais
informações foram extraída do livro “Pedro Américo e o olhar oitocentista”, da historiadora da arte Lilia
Rosemberg.
65
também o testemunho do personagem principal do combate e foi apoiado nesse material
executar a tela. Embora, não seja nossa intenção analisar “Independência ou Morte”, o
texto sobre este quadro traz alguns apontamentos importantes para entendermos como o
pesquisa documental para executar sua tela. Durante todo o texto, Pedro Américo arrola o
material consultado para representar os trajes da Guarda de Honra, o perfil dos militares
Minucioso até o escrúpulo. Fui duas vezes a São Paulo, depois de compulsar na
Biblioteca Nacional, no Instituto Histórico e nas coleções particulares as obras nas
quais alguma passagem me podia auxiliar; visitei a gloriosa colina do Ipiranga em
companhia do Sr. Barão de Ramalho, presidente da Comissão do Monumento que
ali se está erigindo, sob cujos olhos desenhei de diversos pontos sítio que serviu de
cenário ao segundo e mais grandioso canto da rápida epopéia, assim como já dias
antes e acompanhado do arquiteto Dr. Tommazzo Bezzi e de diversos outros
distintos diretores dos trabalhos do referido monumento, o havia feito em relação
aos horizontes do lugar em que se passou o fato inicial, antes de reunir-se D.
Pedro à guarda133.
132
MELO, Pedro Américo de Figueiredo e. O Brado do Ipiranga ou a Proclamação da Independência do
Brasil. In: OLIVEIRA. & MATTOS. Op. cit., p.11-27.
133
Idem, p.21-22.
66
Recebam os ilustrados Srs. Prefeito comendador Chilovi e bibliotecário da
Biblioteca Nacional de Florença barão Podestá; ministro e cônsul-geral do Brasil
em Portugal barão de Carvalho Borges e Paulo Porto Alegre; conde Strumpfl
zelador da Biblioteca Imperial de Viena; William Huant da Militar de Londres, e
particularmente o Sr. Visconde de São Januário, ministro da Guerra de Portugal,
os meus sinceros agradecimentos pelos favores que se serviram dispensar-me no
intuito de facilitar minhas laboriosas pesquisas134.
desenvolverem uma série de técnicas com esse fim. A metodologia de trabalho dos
informações e a partir delas decidir o que convém ou não entrar na sua narrativa.
Pedro Américo deixa bem clara sua opinião sobre até que ponto o artista deve
submeter sua obra à precisão histórica: “a realidade inspira e não escraviza o pintor”136.
Enumera ao longo do texto vários exemplos de detalhes que ocorreram durante o episódio
caprichos da realidade. A pintura histórica tal como a historia magistra vitae seria
responsável por imortalizar o passado, seus heróis e suas lições, para que as futuras
gerações aprendessem com os erros do passado, pois assim repetiriam somente seus bons
exemplos.
134
Idem, p.23.
135
Idem, p.19.
136
Idem, loc. cit, grifos do autor.
67
intenção moral da pintura, e por conseqüência imerecedora da contemplação dos
pósteros137.
criação do IHGB, uma das principais preocupações de seus membros fundadores foi
legitimar a autoridade da história sobre o passado através da definição do que não seria
uma narrativa historiográfica, logo, aquilo que não fosse história dar-se-ia o nome de
não possuíam um sentido, uma moral. Caberia à história dotar esse passado de sentido. É a
função da história e não das crônicas reconstituir o espírito de uma época e transmitir ao
seu leitor uma moral. No mesmo sentido que os fundadores do IHGB pensaram a história,
Pedro Américo parece compreender a pintura histórica, estabelecendo como seu papel
principal a transmissão de um conceito, sacrificando para isso detalhes que não serviam à
preocupado com a unidade, na medida em que é ela a responsável pela transmissão de uma
137
Idem, p.20, grifos nossos.
138
HUDSON, Otaviano. Pedro Américo pintor de batalhas. Descripção do quadro histórico da batalha de
Campo-Grande. Rio de Janeiro: Typografia da Republica, 1871, p.11.
68
moral. Em seus relatos, o artista descreve o seu trabalho como uma tarefa de captação,
outras minúcias do episódio que não se ajustavam à narrativa da história nacional, como
por exemplo, os relatos que afirmavam que Sua Alteza cavalgava em um asno às margens
do Ipiranga ou que a Guarda de Honra não estaria vestida com seus trajes de gala.
Detalhes que, segundo o artista não devem ser incorporados à escrita da história nacional e
muito menos à pintura histórica que serve aos mesmos fins, pois são “incidentes
grande número de informações para a partir delas executar uma tela “digna de ser
do particular ao geral, assim como Humboldt afirmava ser esse o sentido do caminho que
primeiro texto a deslocar o foco da história para o historiador142. Neste texto, Humboldt
estabelecer as conexões entre esses fragmentos, isso somente é possível graças a sua
139
MELO, Op. cit., p.19.
140
Idem, loc. cit.
141
Idem, loc. cit.
142
HUMBOLDT, Wilhelm Von. Sobre a tarefa do historiador. Anima. História, teoria e cultura. Rio de
Janeiro 1(2): 79-89.
69
poeta, para ele ambos utilizam a “fantasia”, entretanto para os historiadores essa
está em alcançar o sentido geral da história, já que o particular somente pode fornecer uma
visão deficiente.
muito às impressões de Pedro Américo sobre qual deveria ser o objetivo do pintor
entre a pesquisa e o seu projeto final. As informações trazidas à tona pela investigação e
que não ajudariam a fornecer um sentido geral à história não devem ser incluídas na
história, mas também se apropriaram dos debates sobre concepção de história e da tarefa
do historiador para definir a natureza de sua obra e de sua condição de pintor de história.
Em 1879, Vítor Meireles foi acusado de produzir uma imagem falsa da Invasão
Holandesa, na medida em que uma guerra não poderia ser representada de forma tão
pacífica. Entretanto, para chegar até aquela narrativa o artista empreendeu um meticuloso
diversos estudos, indo pesquisar durante esse período no Instituto Arqueológico, Histórico
ajudaram a confeccionar sua tela. Mas sua pesquisa não se limitou a essa instituição:
70
Assim em cerca de três meses que residiu no Recife, muitas vezes foi ao
Guararapes, onde passou dias inteiros; percorreu Olinda, batendo de porta em
porta, por assim dizer, em busca de uns quadros representando, segundo constara-
lhe, a batalha que ia pintar, e, só depois de muito tempo, os pode encontrar,
estragados, atirados a um canto, descolados, pois são pintados em madeira,
representando dois, as duas batalhas dos Guararapes e o terceiro a das Tabocas; foi
a Iguarassu, por lhe falarem em quadros comemorativos da guerra holandesa,
existentes na matriz de S. Cosme e S. Damião; foi ao Cabo de Santo Agostinho;
visitou na capital todos os edifícios legados pelos batavos. Estudou tudo, pediu a
tudo inspirações, procurou apoderar-se por intermédio dos despojos físicos, do
espírito que os presidiu143.
Portanto, o caso é que a opção de Meireles por aquela linguagem não o afasta de
uma preocupação científica. Muito pelo contrário, a idéia de resgatar o espírito de uma
época a partir de seus vestígios, era segundo Humboldt, uma das principais tarefas do
historiador144.
Embora não seja nosso intuito afirmar que Meireles inspirou-se em Lejeune para
confeccionar sua tela, é importante salientar que a releitura da tradição das pinturas
militares operada por Lejeune foi fundamental para a produção do pintor brasileiro. No
tempo, somente no oitocentos, essa tradição foi resgatada com o trabalho de Lejeune. A
Sendo assim, não é, de forma alguma, fora de propósito estabelecer paralelos conceituais
topografia dos lugares que retratava. O espectador poderia reconhecer o ambiente onde a
143
SAMPAIO, Op. cit., 1880, grifos nossos.
144
HUMBOLDT. Op. Cit.
71
monumentos e montanhas – que tornassem possível a identificação do lugar onde a cena
se desenrolava passou ser comum, justamente pela exigência de precisão histórica. Atento
ser representado na tela, o resumo histórico, que a acompanha, também localiza o Cabo de
Santo Agostinho e aponta para a sua importância na trama, deixando claro ao leitor a
(...) corria boato que os holandeses preparavam-se para nova investida, tendo por
ponto objetivo da sua exploração, com êxito certo de melhor colheita, o Cabo
Santo Agostinho; situado em distância de 20 léguas de caminho, ao sul do Recife,
que naquela época tanto se distinguia por seu grande desenvolvimento. (...)
Barreto de Menezes, por sua parte, apenas teve notícia do ocorrido, convoca o
conselho que decide sair logo ao encontro do inimigo. (...) No último plano, sobre
o horizonte, vê-se o Cabo Santo Agostinho147.
Agostinho, atua em duas frentes: localizar onde ocorreu o evento histórico e permear o
discurso com um elemento que remeta à história oficial. Duas maneiras de legitimar a
quadro está na disposição do exército no campo batalha, sem enfoque em nenhuma ação
145
VARNHAGEN, Francisco A. de. História das lutas com os holandeses no Brasil. Desde 1624 até
1654. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2002.
146
Em 1871, o historiador Francisco Adolfo Varnhagen, considerado o pai da historiografia brasileira,
publicava o ensaio “História das Lutas com os Holandeses no Brasil desde 1624 a 1654”, impresso em
Viena. No mesmo ano em que Meireles recebeu a encomenda para a tela “Primeira A Primeira Batalha dos
Guararapes”, Varnhagen já publicava a segunda edição de sua obra, que só foi concluída em 1874.
147
Catálogo das obras expostas na Academia das Belas Artes, em 15 de março de 1879. Rio de Janeiro:
Tip. Pereira Braga & cia., 1879, p. 18-22.
72
militar utilizada na ocasião para dispor os personagens de forma a validar seu discurso
em “História das Lutas dos Holandeses no Brasil”, principal fonte do artista na execução
da tela. Baseado nesta obra, Meireles dividiu o quadro em três partes segundo a posição de
cada uma das frentes do exército lusitano. A imagem não se torna apenas uma
representação de um episódio da história nacional, mas uma janela para esse passado. Se
no caso de Lejeune, a reprodução das manobras de guerra em suas pinturas serviu para
documentar a batalha, tal qual um relatório, no caso de Meireles, esse recurso permitiu que
Meirelles faz da obra de Varnhagen. “Batalha dos Guararapes” parece tornar-se imagem-
representação da estratégia militar identificada pelo historiador naquele combate, vai mais
além. Ao retratar a Invasão Holandesa, o artista não a representa como uma luta entre
Varnhagen para o episódio, como veremos a frente. Meireles não somente se utiliza do
livro para compor a tela como também o traduz através da imagem. É ainda mais curioso
constatar que além da utilização que o artista faz das informações presentes na obra do
historiador, o resumo histórico que acompanha a tela cita e por vezes, parafraseia o texto
148
Em seu texto “Quelle est la relation entre le texte et l’image?”, sugere que para o autor definir o grau de
conformidade entre texto e imagem em uma pesquisa faz-se necessário colocar três interrogações acerca da
forma, do efeito e da natureza da imagem. Após fazer esse exercício e observando outros critérios, como o
período em que foram produzidas, concluímos que o quadro “Primeira Batalha dos Guararapes” pode ser
considerada um “imagem-cópia” da obra de Varnhagen, definição da própria autora, uma vez que Meireles
exprime a obra do historiador em imagem. RAYNAUD, Christiane. Le commentaire de document figuré
en histoire médiévale. Paris: Masson & Armand Colin Éditeurs, 1997.
73
de Varnhagen, reforçando essa idéia de imagem-cópia, como veremos no próximo
responsável pela institucionalização de uma tradição teórica que tem suas origens no
valorização da pintura histórica sobre os demais gêneros pictóricos segue uma tradição
que remonta a Leon Battista Alberti, em sua obra “Da pintura”149. Afirma, Alberti: “A
maior obra do pintor não é um colosso, mas uma história. A história proporciona mais
glória ao engenho do que o colosso”150. Mais uma vez um topos da historia magistra vitae
reaparece quando falamos de pintura histórica, a sua função distribuir a glória entre
aqueles que a merecem, tornando-os imortais, deixando para a posteridade suas lições e
exemplos.
narrativa. Tal doutrina baseou-se na Regra de Horácio, Ut Pictura Poesis, segundo a qual
eficaz na memória, enquanto aquelas adquiridas por meio da audição seriam facilmente
149
ALBERTI, Leon Battista. Da pintura. São Paulo: Editora Unicamp, 1992, p. 107.
150
Idem, loc. cit.
74
esquecidas. A visão era apreciada enquanto instrumento de conhecimento mais confiável e
Sendo assim, o pintor, tal como o poeta, distinguia-se por sua capacidade de invenção e
não somente por sua técnica. O pintor não faria uma simples cópia do real, mas
artístico. É interessante observar que muitos dos princípios estabelecidos por Félibien são
Batalha dos Guararapes”. O artista escreveu uma crônica com o intuito de filiar sua
arte e afirma ter submetido a sua pintura a esse preceito. Segundo o artista, “A Primeira
Batalha dos Guararapes”, centra-se em um único assunto, eliminado de sua narrativa tudo
exposta. Legitima assim sua composição a partir de uma tradição que concebe uma obra
unidade. O cumprimento desta doutrina exigia uma alta dose de idealização, uma vez que
151
SAMPAIO, Op. Cit., 1880, p.244.
75
todas as figuras deveriam estar associadas e funcionar como reforço para a caracterização
específica da ação do herói retratado. Todo o quadro deveria demonstrar uma única ação
(virtuosa), num único momento e num único cenário. Nas palavras de Félibien:
Ainda na defesa de sua obra, Meireles chama a seu favor outros princípios da
Os episódios, por mais pitorescos e característicos de uma batalha, cujo fim fosse
tão somente representar a destruição ou o extermínio de uma raça pela outra, não
poderiam, na tela dos Guararapes, contribuir senão para excitar o interesse
calculado pelo artista, que só cogitou de chamar a atenção do espectador sobre as
personagens principais. (...) O movimento na arte de compor um quadro não é,
nem pode ser tomado no sentido que lhe querem dar os nossos críticos. O
movimento resulta do contraste das figuras entre si e dos grupos entre uns e
outros; desse contraste, nas atitudes e na variedade das expressões, assim como
também nos efeitos bem calculados das massas de sombra e de luz, pela perfeita
inteligência da perspectiva, que, graduando os planos, nos dá também a devida
proporção entre as figuras em seus diferentes afastamentos, nasce a natureza do
movimento, sob o aspecto de verossímil, e não cunho do delírio154.
legitima tudo o que ele representa em sua tela como “verossímil” e não fruto do
“delírio”.
Os meus estudos feitos na Europa, nos países onde mais se engrandeceu o culto
das musas, deram-se o conhecimento, ao menos, dos princípios fundamentais da
composição artística, que não se leva ou se abate pela vontade do artista ou dos
que o deprimem155.
152
FÉLIBIEN Apud OLIVEIRA & MATTOS. Op. Cit., p.123.
153
Cf: FÉLIBIEN, André. Entretien sur les viés et les ouvrages des plus excellents peintres anciens et
modernes. Paris, Trévoux, 1725; Id. Diálogos sobre as vidas e as obras dos mais excelentes pintores antigos
e modernos. In: LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A pintura – textos essenciais. vol. 3. São Paulo:
Editora 34, 2004.
154
SAMPAIO, Op. Cit., 1880, p.244, grifos nossos.
155
Idem, p.245.
76
CAPÍTULO 3
Na pintura histórica, a arte cava seus alicerces no terreno sólido da verdade, ou, se
julgarem melhor, da Verossimilhança; edificar sobre outras bases é patentear
desejo de aumentar o não pequeno número de ruínas existentes156.
História. Há uma extensa bibliografia sobre este assunto, em especial, no século XIX,
quando a disciplina foi fundada a partir do pressuposto de que seria possível resgatar o
passado através de seus vestígios, as fontes. Entretanto, essa conexão entre conhecimento
validação da pintura de história era o procedimento de citações. Essas citações serão aqui
divididas em duas categorias: as referências às fontes de pesquisa, sejam elas cartas, livros
ou não, na medida em que ele deveria ter domínio da tradição artística, dialogar com as
obras de arte do passado e do presente. “Para o pintor nada pode se tornar um ‘tema’,
156
Idem, p.26.
157
GOMBRICH, E. H. Norma e forma – estudos sobre a arte da Renascença. São Paulo, Martins Fontes,
1990, p. 170.
77
A citação era um instrumento legítimo da arte oitocentista. A 25ª Exposição Geral
foi marcada pelas acusações de plágio feitas a Pedro Américo e a Vítor Meireles, episódio
conhecido como “Questão Artística de 1879”. Todavia, cabe ressaltar que a própria
concepção de originalidade foi criada pelos impressionistas, portanto algo fora de questão
para os pintores de história. A referência a outras obras era uma forma do artista exibir sua
Ainda sobre esse assunto, convém apontar outra finalidade a que servia o
investigação documental, o artista também podia se fazer valer da citação para imprimir
a análise de Jorge Coli sobre o quadro “A Primeira Missa no Brasil”, de Vítor Meireles,
exposta pela primeira vez no ano de 1861158. Coli aponta que a busca por uma narrativa
mais verossímil não se restringia à pesquisa histórica, como no caso da “Carta de Pero Vaz
Salon de Paris160.
como projetou o altar em que foi realizada a missa. Isso conferia à tela uma legitimidade
que não poderia escapar a Meireles. Como abordar uma temática análoga sem fazer
referência à obra de um artista que não somente representou uma cena semelhante, como
158
COLI, Jorge. Primeira Missa e a invenção da descoberta. In: NOVAES, Adauto. A descoberta do
homem e do mundo. São Paulo: Compainha das Letras, 1998b.
159
A “Carta de Pero Vaz Caminha”, foi publicada somente em 1817, na “Corografia Brasílica”, de Aires de
Casal.
160
“Salon – exposição de pintura, feita anualmente em Paris, pela Societé des Artistes Français. Realizada
pela primeira vez em 1667, sob égide do ministro das finanças de Louis XIV, Coulbert, foi organizada no
Louvre para mostrar os trabalhos dos artistas vivos membros da Real Academia de Pintura e Escultura”. Cf:
Como apreciar a arte. In: As belas artes. Enciclopédia de Pintura, Desenho, Escultura. Porto Publicações e
Artes Gráficas, 199 7, v. 10, p. 228.
78
Como já foi assinalado, Vernet presenciara o acontecimento, fora mesmo seu
metteur-en-scènè. Esta situação, na qual um outro pintor, inda mais de grande
prestígio, era testemunha e participante do fato histórico, introduz um aspecto
suplementar na ‘verdade’ que Meireles buscava: além da carta de Caminha, além
do estudo da natureza local, havia uma experiência visual contemporânea análoga
àquela passada em 1500, que permitia um reforço na verossimilhança da imagem.
Por todas essas razões, nosso brasileiro tomou-a como modelo, e dela extraiu o
núcleo de sua obra161.
do lugar onde o combate foi travado. A alusão a esses materiais podia ser feita na própria
imagem, como foi o caso da citação da obra de Varnhagen na tela “Primeira Batalha de
marcas de enunciação162.. São esses códigos que conformam uma narrativa como
verdadeira, expressões como “eu vi” e/ou “eu ouvi” configuram-se como centrais na
presença dessas marcas de enunciação que tornam o relato mais ou menos crível.
Sendo assim, os pintores históricos deixavam suas marcas de enunciação nas telas
que produziam com o intuito de validar sua narrativa como verdadeira. A relação entre o
público e o artista também era estabelecida por meio da credibilidade, era o estatuto de
verdade que definia aquela obra como pertencente a esse gênero artístico.
representação dos momentos históricos eleitos pelo IHGB como símbolos de nossa
história. O sucesso da função didática destas telas somente seria possível se fossem
apreendidas como um relato fiel do fato histórico, pois assim o observador a tomaria como
161
COLI, Op. Cit., p. 113.
162
Esse termo foi criado por François Hartog, no livro “O Espelho de Heródoto, onde o autor busca através
de um jogo de espelhos fazer-nos refletir através da narrativa heroditiana sobre os princípios
epistemológicos que marcam o conhecimento historiográfico ainda hoje. Cf: HARTOG, 1999.
79
real e estabeleceria uma relação de confiança com ela. Esses quadros estavam cercados de
apreciação dos quadros que adequava o olhar do observador ao do artista, na crítica de arte
que elegia quais telas eram mais fidedignas ou não e, é claro, na própria pintura que trazia
oitocentista, em especial da pintura histórica. O objetivo deste gênero artístico parece ter
sofrido um deslocamento da sua função didática para sua capacidade de apreensão do real,
As temáticas religiosas são pouco a pouco deixadas a margem por aquelas voltadas
idealização aceito em uma obra sobre a história nacional é bem inferior ao permitido numa
pintura mítica. A consulta às fontes não é mais uma opção, mas uma exigência.
O artista precisa reunir dados sobre o fato a ser representado, e por isso realiza
bibliográfica como uma dimensão do “eu ouvi”, das informações obtidas através do relato
configuram-se como uma extensão do “eu vi”. A pesquisa apóia-se na opsis, ou seja, na
autópsia, aquilo que se pode ver, contudo quando as barreiras do tempo e do espaço se
80
mais verdadeira e confiável163. Todo o tempo os pintores de história trabalham entre a
opsis e a akôe, legitimando a partir dessas dimensões as suas narrativas como verossímeis.
de 1841164. Até o ano de 1862 esse arrolamento de artistas e obras era divulgado no
passou a ser publicada de maneira independente. Esses catálogos não eram ilustrados,
tratavam-se de relações com os nomes dos artistas, suas obras, e a localização dessas na
exposição. Alguns traziam informações complementares, como é o caso dos textos sobre
as pinturas de história, e são eles, justamente, o nosso maior interesse nos catálogos das
Esses textos visavam dar maior clareza ao público dos episódios narrados nas telas.
Entendemos que eles são parte integrante da pintura histórica, pois as completam, na
obra. O roteiro de leitura dessas obras divide-se em dois momentos: o resumo histórico
O resumo histórico narra passo a passo as etapas que conduziram até a batalha em
questão. Utilizando-se, às vezes, de uma linguagem pessoal, relata cada lance do embate,
recorrendo a uma narrativa que prima pela emoção e dinamismo. O leitor acompanha cada
163
HARTOG. Op. Cit., 1999.
164
A primeira exposição data de 1829 e não teve catálogo publicado.
81
embate são utilizados para que o leitor produza imagens do evento. O visitante da
Exposição Geral já era envolvido em imagens antes mesmo de apreciar as obras de arte, o
catálogo era o responsável por fazer com que o espectador produzisse imagens da tela
Às 3 ½ horas da madrugada, logo depois de nascer a lua, dado pelo navio chefe o
sinal de avançar, rompeu a honrosa marcha o Barroso levando a seu lado o
monitor Rio Grande, seguido pelo Bahia com o Alagoas, e após estes, o
Tamandaré com o Pará166.
anoitecer a bordo de um navio de guerra. Imaginar e sentir a tensão da nossa tropa com o
avanço das forças paraguaias por entre a correnteza das águas, durante a Guerra do
Paraguai.
do leitor no tempo. E poderíamos ir mais além, atua como uma forma de canonização
daquela data, inserindo-a na linha do tempo dos fatos gloriosos da história brasileira, como
165
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 146 - Batalha de Campo Grande,
de Pedro Américo. Catálogo da Exposição Geral de 1872. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes.
Acervo do Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
166
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 167 – Passagem do Humaitá, de
Vítor Meireles. Idem.
167
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 166 – Combate Naval do
Riachuelo – jornada de 11 de Junho de 1865, de Vítor Meireles. Idem.
82
No memorável dia 19 de abril de 1648, destinado a marcar mais um triunfo em
testemunho de quanto pode o ardor e o patriotismo de um povo, ferido nos seus
brios e que, firme na verdadeira justiça da causa que defende, e pela fé com que
combate, sabe ser o vencedor; acharam-se os dois exércitos enfrentados para
renhida luta168.
topografia do terreno da batalha. O resumo histórico concede mais que um relato de fatos,
ele dá ao leitor as ferramentas para que ele imagine a cena, fornecendo durante a narrativa
paisagens da batalha.
Esses textos nos fornecem por diversas vezes imagens épicas das batalhas
postura passiva de leitor para a de testemunha ocular do combate, posição essa coroada
quando se coloca diante da tela. Em alguns casos, o autor utiliza-se da primeira pessoa do
A luta prolongou-se terrível, porque indecisa, durante algum tempo, até por vezes
pareceu-nos necessário ceder. (...) A presença do general em chefe na extrema
vanguarda do exército, o aspecto a um tempo galhardo e imponente dos oficiais
que o acompanhavam, e sobretudo a impetuosidade dos nossos soldados, que
168
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 143 - Primeira Batalha dos
Guararapes, de Vítor Meireles. Catálogo da Exposição Geral de 1879. Arquivo da Academia Imperial de
Belas Artes. Acervo do Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
169
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 133 - A Batalha do Avay, de
Pedro Américo. Idem.
170
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 167 – Passagem do Humaitá, de
Vítor Meireles. Op. cit, 1872.
83
seguiam tão nobre exemplo, foram motivos que determinaram a retirada
precipitada dos paraguaios, os quais, à medida que fugiam para se
entrincheirarem em uma defesa próxima, iam, segundo é seu costume,
incendiando a macega e o sarçal do campo, para assim nos anteporem um
obstáculo invencível, e ao mesmo tempo subtraírem-se aos nossos olhos, envoltos
eles e nós nas labaredas e nos imensos turbilhões de fumo que se levantavam da
terra171.
Todavia, é na descrição dos quadros que encontramos sua legitimação através dos
artistas realizaram suas pesquisas e qual o material analisado. No caso do texto que
realizadas por Pedro Américo para compor os soldados paraguaios, desde seu aspecto
credibilidade ao tema representado. Essas viagens indicam que o artista realizou pesquisas
no local da batalha, mas principalmente imprimem na tela a dimensão do “eu vi”, ou seja,
como verdadeira, pois os conhecimentos produzidos através da visão são mais confiáveis
(...) o autor fez uma viagem a Pernambuco com o único fim de estudar a
topografia do lugar, onde se deu a batalha, conforme o refere a História173.
171
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 146 - Batalha de Campo Grande,
de Pedro Américo. Idem.
172
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 146 - Batalha de Campo Grande,
de Pedro Américo. Idem.
173
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 143 - Primeira Batalha dos
Guararapes, de Vítor Meireles. Op. cit., 1879.
84
desempenho, foi a custa do governo ao Paraguai fazer os indispensáveis estudos,
pertencem aquele ministério174.
Entre todos os textos dos catálogos consultados um, em especial, chamou nossa
atenção. Trata-se do resumo relativo à tela “Primeira Batalha dos Guararapes”. Ele é o
único que além de trazer todos os códigos acima mencionados, também utiliza-se de
outros instrumentos de legitimação, como por exemplo a citação direta de uma obra
historiográfica.
obra “Castrioto Lusitano”, de Rafael de Jesus175 e outra à “História das Lutas contra os
Rodrigues176 como uma das quatro obras mais importantes acerca da história dos
holandeses no Brasil, produzidas no século XVII. Junto ao Frei Rafael de Jesus encontram-
se nomes como: Frei João de Santa Teresa, Dom Francisco Manuel de Melo e Diogo Lopes
Santiago. A obra deste último foi publicada nas páginas da Revista do Instituto Histórico e
próximo capítulo.
174
Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 167 – Passagem do Humaitá, de
Vítor Meireles. Op. cit., 1872, grifos nossos.
175
"Frei Rafael de Jesus, monge beneditino, nascido em Guimarães em Maio de 1614, morreu no Convento
de Lisboa em 23-XII-1693. Foi procurador geral da Ordem de S. Bento, no Porto, em 1668, e em Braga, em
1676. Exerceu ainda outros cargos, entre os quais o de cronista-mor da ordem, para que foi nomeado em 11-
XI-1681. A sua fama de pregador em Lisboa e em várias cidades de Espanha mereceu-lhe a nomeação de
pregador régio. A relação das suas obras é vasta: entre as quais Castrioto Lusitano, Parte I, entre-presa e
restauração de Pernambuco, e das capitanias confinantes, vários e belicosos sucessos entre Portugueses e
Belgas, acontecidos pelo decurso de 24 anos, e tirados de notícias, relações e memórias certas, oferecidos a
João Fernandes Vieira, Castrioto Lusitano, Lisboa, 1670; Castrioto Lusitano, ou história da guerra entre o
Brasil e a Holanda, durante os anos de 1624 a 1654, terminada pela gloriosa restauração de Pernambuco e
das capitanias confinantes; nova edição, dedicada a S. M. I. o Senhor D. Pedro II; ornada com retrato de
João Fernandes Vieira e duas estampas históricas, edição feita em Paris, em 1844, por João Pedro Aillaud,
sendo coordenador da obra o Dr. Caetano Lopes de Moura". Cf: GRANDE Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira. Lisboa: Ed. Enciclopédia, 1936 - 1960. v.14
176
RODRIGUES, José Honório. Historiografia del Brasil (siglo XVII). Tradução do português por A.
Alatorre. México, Instituto Panamericano de Geografia e História, 1963, p. 75.
85
Esta obra é uma biografia João Fernandes Vieira e foi o próprio que a encomendou
Após a publicação desta obra, Rafael de Jesus foi nomeado o cronista-mor do reino no ano
de 1681. Embora Varnhagen tenha criticado muito este livro, considerando-o evasivo,
utilizou-o como fonte para a sua “História das Lutas com os Holandeses no Brasil”.
Sua primeira edição data de 1679178, vinte e cinco anos depois da expulsão dos
holandeses e trinta e um anos após a primeira batalha ocorrida no Monte dos Guararapes.
Importante título a ser incluído entre a bibliografia selecionada pelo artista, já que se trata
na obra de Rafael de Jesus para dar a hora precisa em que o combate nos Guararapes
das Lutas com os Holandeses no Brasil desde 1624 a 1654”, impresso em Viena. No
mesmo ano em que Meireles recebeu a encomenda para a tela “Primeira Batalha dos
Guararapes”, Varnhagen já publicava a segunda edição de sua obra, que só foi concluída
em 1874.
177
Jorge Castrioto (Gjergj Kastrioti) nasceu em 1405 e faleceu em 1468, conhecido como como
Skanderbeg, proclamou guerra contra os turcos no ano de 1443 e derrotou o exército de Murad II. Castrioto
foi transformado pela história nacional albanesa em um de seus principais heróis por ser considerado o
responsável pela construção de uma identidade nacional.
178
Segundo J. H. Rodrigues data desta época a primeira edição de “Castrioto Lusitano”, e ainda de acordo
com ele o manuscrito presente no acervo da Torre do Tombo seria o original. Cf: RODRIGUES, Op. cit., p.
77.
179
A nota do catálogo diz o seguinte: “Vide CASTRIOTO LUSITANO, p 508 da nona edição, segundo a de
1679, imprensa por Claesbeerch, e publicada em Paris por J. P Arlland, no ano de 1844”. Cf: Descrição do
resumo histórico e descrição resumida do quadro número 143 - Primeira Batalha dos Guararapes, de Vítor
Meireles. Op. cit, 1879.
86
O conhecimento que Meireles tinha da obra de Varnhagen é inquestionável. O
resumo histórico também faz alusão ao autor na referência bibliográfica180, mas não se
abaixo trechos das duas narrativas, onde podemos observar sua semelhança. Primeiro o
3. 2. A crítica de arte
180
A nota do catálogo diz o seguinte: “Vide as partes oficiais de Barreto de Menezes na obra “Os holandeses
no Brasil”, de Varnhagen, p. 231”. Idem.
181
Catálogo das obras expostas na Academia das Belas Artes, em 15 de março de 1879. Op. Cit., 1879,
p. 20.
182
VARNHAGEN, Op. Cit, p.237-238.
87
periódicos da época ocuparam-se desses eventos. Não só no Brasil, mas também em
observação das leis acadêmicas, os parâmetros que configuravam esta ou aquela obra
como arte, além de fornecer roteiros de leituras das peças e da exposição como um todo183.
histórica enquanto um relato fiel da história, além da própria definição e função deste
gênero que circulava no oitocentos. Assim como a história, a arte possuía um sentido
moral.
experimentação por meio do contato com algum vestígio seu. O "eu vi" torna crível a fala
defesas das obras de Meireles e Américo. No Jornal do Comércio, do ano de 1879, Vítor
183
BAUDELAIRE et alii, Op. cit.; COSTA, Op. cit; PRAMPOLINI, Op. cit.
184
SAMPAIO, Op. Cit., 1880, p. 245.
185
HARTOG, Op. Cit, 1999.
88
Meireles foi recriminado por usar como modelos armas e roupas pertencentes ao Teatro do
Sr. Ferrari e não os originais da época para executar a tela “Primeira Batalha dos
Guararapes”.
No Rio de Janeiro, afora algumas setas, arcos e toucados de plumas dos nossos
selvagens, que se encontram no Museu Nacional, os artistas tem de se contentar
com os recursos fantásticos e anacronismos do guarda-roupa do Teatro do Sr.
Ferrari, e ainda assim só durante dois ou três meses do ano.
A respeito de armas notáveis só conheço aqui a lança-obelisco do General Osório,
e a bengala tortuosa do Barão de Caiapó.
Modelos desenhados também os não há no Brasil, e como estes objetos
indispensáveis à feitura de um quadro histórico, faltam muitos outros (...).
Com estes elementos ou, melhor ainda, com a falta deles, pintou o Sr. Vítor
Meireles a sua Batalha dos Guararapes.
Agora, pergunto eu, poderá alguém exigir neste quadro: exatidão na aparência dos
principais personagens do quadro, verdade absoluta nos acessórios, e correção
minuciosa no desenho do nu, quando Vítor Meireles não teve a sua disposição
nem retratos, nem museus, nem modelos?
Em que poderá, com justiça, exercer-se severidade para o quadro deste pintor?
Composição? 186
Rangel de Sampaio defende o amigo lembrando aos críticos que Meireles foi a
Engana-se, pois, quem pensar que Victor, por carecer de modelos para a
reprodução da armas, vestuários e outros acessórios do fato, a que deu o último
traço de imortalidade, deixou alguma coisa a desejar a semelhante respeito.
Se ele não os teve com a abundância, com que os encontraria na Europa,
principalmente nos Países Baixos, não deixou de obtê-los em Pernambuco.
Há no Recife uma associação importante, que só não tem compreendido bem seu
papel civilizador, porque só tem olhos para o período holandês: _ É o Instituto
Arqueológico Pernambucano. Pois bem, nele Vítor Meireles encontrou armas e
muitos outros acessórios, de que teve necessidade187.
armas do século XVII do artista? Meireles reuniu cópias de diversos instrumentos bélicos
para ajudá-lo a compor seu quadro188, porém a defesa que Sampaio fez do amigo não
mencionou essa coleção, optou por validar a obra pelo contato visual com as peças
originais. Afirmar que o artista viu peças originais do período e que a partir delas compôs
186
SAMPAIO, Op. Cit, 1880, p. 24-25, grifos do autor.
187
Idem, p. 259.
188
No acervo do Museu Histórico Nacional (MHN), encontram-se diversos equipamentos de defesa que são
atribuídos a essa coleção de Meireles, alguns desses objetos fazem parte da exposição permanente
“Expansão, Ordem e Defesa”, ainda em exibição nessa instituição.
89
sua tela, garante muito mais legitimidade do que um conhecimento obtido por meio de
cópias. O pintor viu, ele mesmo, as peças, as tocou, experimentou esse passado através do
tato e da visão, ninguém lhe contou, esse passado não lhe foi transmitido por meio da
akôe, mas sim da autópsia. A defesa é muito mais legitima quando pautada na vivência,
por que mencionar as cópias se Sampaio tinha algo muito mais valioso, o contato visual do
pinturas de história; a marca "ele viu"/ “eu vi” é constantemente retomada seja pelos
críticos ou pelo próprio artista. O ato de ir até o local da guerra invoca a dimensão da
a todo momento o autor chama em defesa de Meireles o fato dele ter examinado a região
onde o combate se desenrolou. Nessa mesma obra, o autor também enfatiza a viagem feita
pelo artista ao cenário da Guerra do Paraguai, com o intuito de reunir informações para
três meses, teve como objetivo visitar o Monte dos Guararapes, lugar onde se desenrolou a
batalha contra os holandeses no século XVII. Na outra viagem, o artista seguiu para o
90
No caso da viagem a Humaitá e Riachuelo, é óbvia a dimensão do testemunho, o
artista vai à guerra para “ver ele mesmo” a batalha que pretende representar. Meireles
pinta o que viu, ou melhor, ele pode pintar a Guerra do Paraguai por que ele a
história, a visão entendida como o sentido humano mais confiável, era o único capaz de
pois seria a única possível de ser verdadeiramente relatada, nenhuma informação obtida
por meio da akôe era digna de confiança. Somente aquele que experimentou pode narrar a
posteridade a sua vivência, o fato de ter vivido a guerra qualifica Meireles para narrá-la.
da viagem a Humaitá, o artista vê o evento e é isso que o gabarita para retratá-lo, no caso
experimentação desse passado não lhe era de todo inacessível na perspectiva do século
XIX. Observe o que diz Rangel de Sampaio sobre a viagem de Meireles a Pernambuco:
O contato com o lugar da batalha parece permitir a vivência desse passado, através
da visão do palco da ação, essa dimensão do “eu vi” gabarita o artista a representá-la. A
pintura é responsável por resgatar o passado, dar-lhe vida, a autópsia executada pelo
189
SAMPAIO, Op. Cit, 1880, p.10.
91
imortalização através da pintura, restitui vida a esse passado. A fixação da cultura
oitocentista com ressurreição do passado, ou seria melhor dizer com a morte, com a
Ao lado da escrita e da leitura, podemos colocar o ato de pintar e apreciar uma tela
de história como uma forma de luto191, que paga as dívidas do presente com o passado,
Uma das principais críticas à tela de Pedro Américo, “Batalha do Avaí”, devem-se
ao fato do artista não ter ido ao lugar da batalha como o fez Meireles. Entretanto, para
defender-se, Américo também recorre a outro topos da história, a akôe. O artista chama
qualificados a lhe narrar o episódio. Américo legitima a sua interpretação como fidedigna
a partir do fato de ter recolhido informações com as testemunhas da batalha, para ele mais
importante que observar o espaço onde a guerra se desenrolou, seria consultar seus
próprios participantes.
190
CATROGA, Fernando. Memória, história e historiografia. Coimbra: Quarteto, 2001, p. 41-2, grifos do
autor.
191
Na obra “Luto e Melancolia”, de 1917, Sigmund Freud buscou compreender a relação estabelecida pelos
homens com a experiência da perda, seja ela consciente ou inconsciente. Segundo ele, o luto seria antes de
tudo um comportamento patológico, uma resposta à privação do objeto amado: “O luto, via de regra, é a
reação à perda de uma pessoa querida ou de uma abstração que esteja no lugar dela, como pátria, liberdade,
ideal etc” (FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. Novos Estudos. (32): 130-141, março. 1992, p. 131). O
indivíduo percebe que o objeto amado já não existe mais e investe no deslocamento da libido que a ele
estava vinculado.
O processo de desligamento do objeto amado conduz a uma supervalorização do mesmo. Curiosamente, o
ato de lembrança é, ao mesmo tempo, um movimento de desligamento do objeto de amor: “Assim como o
luto leva o ego a renunciar ao objeto, declarando-o morto e oferecendo-lhe como prêmio permanecer vivo,
também cada uma das batalhas de ambivalência afrouxa a fixação da libido ao objeto, desvalorizando-o,
rebaixando-o, como que também matando-o” (Idem, p. 140). A ausência gera a possibilidade da lembrança,
o ato de lembrar é a ratificação dessa perda e a possibilidade de vida.
92
Poderão taxar este testemunho como não tendo mais do que um valor genérico,
por isso que o ilustre oficial que o presta não esteve na batalha. Pois bem, leiamos
o depoimento de um que esteve, e até foi gravemente ferido:
<< Illm. Sr. Dr. Pedro Américo. – Corte, 8 de Outubro de 1877. – Respondo á sua
carta de 4 do corrente. Tive a satisfação de examinar cuidadosamente o seu belo
quadro. É uma obra d’arte admirável, e penso que muito justos forão os elogios
que lhe fizeram os celebres pintores da Itália.
<< Quanto á parte histórica o que posso dizer é que, apreciado no todo o seu
quadro dá uma perfeita idéia da batalha do Avahy; se, porém, nos detalhes
apresenta algum senão, eu não descubro; poderá ele existir, mas o que afianço é
que nem ao próprio soldado que assistiu á batalha é dado descreve-la minuciosa
e completamente.
<< Sou, etc. – Marques do Herval. >>
Ora aí tem como é o meu idealismo: muito mais positivo do que o positivismo dos
que negão e criticam sem saber; idealismo que baseia-se nos fatos essenciais e só
despreza ou transforma aquilo que pode ser alterado ou omitido sem ofensa dos
grandes princípios da arte ou da dignidade da história.
Agora vejamos se as afirmações dos que não foram ao Paraguay, e só nesta
circunstância se lembrarão dele, serão mais valiosas do que a do artista que
meditou sobre o assunto durante mais de 4 anos, que foi guiado pelas informações,
partes oficiais, diário de campanha, etc., etc., a elle mandados de propósito pelo
general em chefe, e que depois de tantos sacrifícios para realizar uma obra digna
do seu país, tem a satisfação de vê-la sancionada pelos próprios generais que
assistirão á batalha192.
O fato de Américo não ter visitado Campo Grande ou Avaí também depunha
artista não havia feito estudos in loco? A desconfiança gerou uma série de críticas contra
192
AMÉRICO, Pedro. Bellas Artes – O quadro historico da batalha do Avahy. Jornal do Commercio, dia
27 de outubro de 1877, p. 02.
93
em todos os seus acidentes como se realmente me houvesse transportado
repentinamente a esse país de dolorosas recordações para tantas famílias
brasileiras.
<< Foi sem duvida em virtude desta minha exclamação, ao reconhecer aquelas
regiões de fisionomia somente peculiar ao Baixo-Paraguay, que V. S. me honrou
com sua carta de hoje, pedindo o meu parecer sobre o seu sublime
quadro.....................................
<< Seu, etc. – Barão de Teffé. – Outubro 4 de 1877. >>
Bastava este testemunho, mas vamos a outro: é o do oficial que está no quadro á
direita do Sr. Duque de Caxias.
<< Rio de Janeiro, 13 de Outubro de 1877. – Illm. Sr. Dr. Pedro Américo de
Figueiredo. – Respondendo á pergunta que V. S. me dirigiu em sua carta de 14 do
corrente, a saber: << Qual a impressão que me causou a paisagem representada no
quadro da batalha de Avahy? >> vou cumprir esse dever, repetindo as mesmas
palavras, pouco mais ou menos, que lhe dirigi por ocasião de ir ver o dito quadro..
<< Não me admira a reprodução da configuração de todo o terreno, sua ondulação,
o rio, brejos e montanhas pouco elevadas que se avistam lá ao longe no fundo do
quadro, porque para isso V. S. poderia ter sido socorrido por fotografias e esboços
que tivesse obtido do campo do Avahy; o que me admira e surpreende de forma a
me supor transportado aqueles lugares é a natureza do Paraguay em toda a
paisagem, e sobretudo na cor da vegetação, do campo e do arvoredo. Seu, etc. –
Barão da Penha. >>193
imprimir na tela a cor local, tornando possível ao apreciador do quadro sentir transportado
para aquele lugar e época. O espectador, graças ao exímio talento e pesquisa do pintor,
entre Pedro Américo e os protagonistas da batalha ratifica sua narrativa como verdadeira.
Sempre que foi acusado de alguma imprecisão histórica, é ao relato dos combatentes que o
artista recorre. As críticas mais recorrentes à sua infidelidade ao fato histórico gira em
193
Idem, loc. Cit, grifos nossos.
94
O fato de desabotoar-se a meio a farda de um general, que está absorto no êxito de
uma grande batalha, e que figura num quadro de tantos pormenores, não constitui
atentado contra a integridade dos seus costumes, não fere os seus brios militares,
não atinge ao seu caráter; e, se o fizesse, era em bom sentido, mostrando-o
despreocupado de si próprio, e todo entregue aos seus terríveis e solenes deveres.
Bem o sabe o Sr. duque, o qual riu-se muito, quando lhe perguntei se queria que
eu retocasse a pintura para satisfazer aos inventores de boatos194.
desabotoados.
A prova, porém, de que o costume do general em chefe era todo individual, que
não tinha esse alcance que se lhe quer atribuir, que não era propriamente para dar
o exemplo – como já se disse – é que o chefe do seu estado-maior na mesma
batalha trazia << a farda abotoada somente pela parte superior, por três botões
>>, segundo me escreveu em papel que ainda conservo.
Mas quando mesmo o fosse, era fato que teria muita significação no terreno da
disciplina militar, mas nenhuma em um conjunto estético tão complexo, aonde
primeiro que tudo é necessário atender-se ás mil exigências da arte, essa outra
disciplina do gosto, que muitas vezes exclui a própria realidade naquilo que não é
puramente essencial e característico195.
afirma que assim o fez para ser fiel “à situação real dos personagens”. Respaldado no
testemunho do Duque de Caxias, o artista aponta que não é ele que peca em relação à
história, mas sim aqueles que o criticam, que não possuem nenhuma documentação ou
relato para ratificar seu argumento, apenas partem de suposições. Ele, ao contrário,
somente afirma aquilo que suas pesquisas lhe asseguram, utilizando inclusive citações da
carta de Caxias para provar que sua representação condizia com o ocorrido.
Objeção muito mais importante seria a que põe em duvida a situação real dos
personagens, se, todavia, de leves alterações nas distancias relativas dos
personagens representados num quadro resultassem grandes perturbações para a
história, ou grandes desaires para a estética. No caso a que se aplica esta
observação, direi que, tanto quanto pude, fui fiel à verdade. O general Barão do
Triunfo não podia estar colocado no primeiro plano sem grande desprezo das
informações que colhi da fonte a mais autorizada e competente.
194
Idem, loc. cit.
195
Idem, loc. cit.
95
<< No momento em que se deu o episodio acima – diz o Sr. Duque de Caxias,
aludindo ao ferimento do Sr. Marques do Herval, num documento expressamente
escrito para guiar-me na composição do quadro – apareciam ao longe, pelos
flancos do inimigo, duas colunas de cavalaria brasileira que o cercavam, e das
quais uma era comandada pelo general Barão do Triunfo. >>
Ora, eu aproximei a tanto, essa coluna, quanto, sem violar a história, podia fazê-lo
no interesse da arte e da semelhança individual.
Sob esse ponto de vista, se há em mim algum pesar é o de não ter podido colocar
mais próximo o Sr. Visconde de Pelotas << o qual, como oficial de cavalaria, foi –
segundo o Sr. Duque de Caxias – o que mais fez nessa batalha, pelo que foi
elevado a general nesse dia. >>
As informações do Exm. Sr. duque, além de serem da maior competência, provão
uma grande imparcialidade, bem digna da atenção do artista que se inspira na
confiança dos testemunhos, muitas vezes astuciosos, dos contemporâneos196.
Do mesmo modo como nos casos anteriores, o artista também legitima a sua
representação dos raios solares na pintura pautado em fontes documentais, mais uma vez é
a carta de Caxias que ancora a sua pintura. Outro ponto importante surge nessa citação de
Pedro Américo, a relação imagem/palavra aparece mais uma vez, aqui ele explicita que a
palavra, representada pela carta do Duque de Caxias, guia seu pincel. O texto verbal
A falta de chuva torrencial em todo o quadro foi considerada como uma omissão
anti-historica. Vejamos.
<< Principiou o combate ás 10 horas da manhã, pouco mais ou menos, diz o Exm.
Sr. Duque de Caxias no documento supracitado.
<< O dia estava escuro e chuvoso ao principiar o fogo: de repente desfizeram-se
as nuvens e apareceu o sol radiante. >>
Não fui, pois, inexato em representar a chuva já ao longe, e cessada nos primeiros
planos, quando é evidente que pintei a batalha próxima ao seu desenlace197.
uma grande polêmica entre os críticos de Vítor Meireles. Segundo eles, na ocasião deste
combate, Camarão já estaria em idade avançada e não jovem como o artista o colocou. O
interessante é que Meireles para defender-se de tais acusações cita dois autores:
Varnhagen e d’Orbigny.
196
Idem, loc. Cit, grifos nossos.
197
Idem, loc. cit.
96
Em “História das lutas com os holandeses no Brasil”, Varnhagen narra sua
pesquisa para estabelecer a data de nascimento de Antônio Filipe Camarão. A partir dos
nomes, Filipe e Antônio, o historiador conclui que Camarão teria sido batizado por volta
de 1580, ano em que “lutavam em Portugal pela Coroa, o Prior do Crato D. Antônio e
Filipe II”198, seu nome seria uma homenagem a esses dois religiosos. Da possível data do
batismo até a sua morte teriam se passado 68 anos, estimando que ele tivesse sido batizada
pelo menos com 10 anos de idade, ele teria falecido aos 78 anos.
Após a leitura dessa obra, Vítor Meireles afirma que havia começado a pintar
para a história do Brasil e o acesso a teorias raciais. Meireles aponta que durante a
personagem como um idoso, sua aparência cansada não estaria condizente com um herói
herói não poderia ser retratado de forma caricatural, seu papel de exemplo para a
Uma circunstância, porém, que julguei não dever desprezar, pela sua origem
respeitosa, foi que me fez alterar a fisionomia do índio em questão, para dar-lhe a
aparência que hoje se nota na tela dos Guararapes e que se particulariza como
defeito...
198
VARNHAGEN, Op. cit., p.248.
199
SAMPAIO, Op. cit., 1880, p. 241.
97
(...) O Sr. Desembargador Tristão de Alencar Araripe, por mais de uma vez
honrando com sua presença o meu atelier, também manifestou o seu pesar por ver
assim caracterizado aquele personagem. E eu, que só desejo acertar, já pela fé que
me mereciam as observações judiciosas, já por não parecer uma obstinação,
entendi dever ceder, modificando-o no sentido em que hoje o apresento200.
Além das sugestões para alterar a aparência de Camarão, outro fator foi decisivo
lentamente e mesmo com a idade em torno dos cem anos, eles continuariam com a
aparência jovem.
Mais de uma pessoa me afirmou que Camarão, que eu havia representado, apesar
dos seus setenta anos, não podia ser afigurado como velho, porque era ele índio, e
que essa raça do norte, tão robusta, só começa a mostrar indícios de velhice depois
de cem anos, e ainda em apoio de uma tal asserção temos o que nos diz d'Orbigny
na sua obra O homem americano da América Meridional201.
As escolhas de Meireles são legitimadas por pelas fontes que consultou, pelo seu
optar por uma representação jovem de Camarão, mesmo aos 70 anos de idade, o fez
ancorado em pesquisas de teor científico e histórico. O artista de uma só vez legitima a sua
perspectiva oitocentista.
através de métodos tão familiares ao campo da História. Desde Heródoto, a opsis e a akôe
referências bibliográficas. As marcas de enunciação são apenas uma das inúmeras formas
capítulo perceber essa relação por meio da circulação dos temas tratados por ambas
200
Idem, loc. cit.
201
Idem, loc. cit.
98
CAPÍTULO 4
(...) entendemos uma preocupação de natureza historiográfica que lance seu olhar
sobre produções de passado que não se atenham exclusivamente à produção de
textos escritos sobre o passado, campo tradicionalmente abordado pela
historiografia. Alargando seu olhar, ampliando o foco e diversificando seus
objetos, a historiografia, em diálogo permanente com outras disciplinas e outros
campos da produção do conhecimento histórico, poderá, segundo entendo, a partir
do exercício sistemático e metódico da crítica, ajudar-nos a desnaturalizar a
História, reafirmando sua humanidade por excelência e por princípio202.
história, ele qualifica qualquer artefato que tenha o passado como questão. Sob esta
uma sociedade pode estabelecer com o passado, permitindo a ampliação do debate sobre
realizada dentro das paredes do Instituto Histórico, ela foi se delineando também fora de
seus muros.
historiográfico talvez não seja tão difícil quanto pensar o mesmo a respeito de uma murça,
mesmo que seja a do Imperador. Contudo, esta parte da indumentária real, confeccionada
com penas de galo-da-serra e de tucano, era, segundo o próprio D. Pedro II, uma forma de
homenagem aos índios brasileiros. Ambas, a ópera e a murça, são formas de incorporação
202
GUIMARÃES, Manoel Salgado. Expondo a história. Imagens construindo o passado. Anais do Museu
Histórico Nacional, Rio de Janeiro: (34) Museu Histórico Nacional, 2002.
203
Carlos Gomes (1836-1896) escreveu a ópera “O Guarani”, inspirada na obra homônima de José de
Alencar, que estreou no ano de 1870. O espetáculo foi apresentado em toda a Europa e na América do Norte.
“Tendo seu trabalho financiado por D. Pedro II, a obra de Carlos Gomes combinava as normas européias
com o desejo de exprimir os aspectos considerados mais originais em nossa cultura. Compunha-se música
romântica, mas de base indígena, como a afirmar uma identidade ao mesmo tempo niversal e particular”. Cf:
SCHWARCZ, Op. Cit., p. 139.
99
da cultura indígena na história nacional escrita durante o século XIX. Em ambas, o índio
foi representado de forma idealizada como o bom selvagem, exaltado como origem da
nação, ligado sempre aos elementos da natureza, como se também fosse um deles.
pelos membros do IHGB são objetos, por excelência, historiográficos. Buscaremos nesse
definidos pelo IHGB204 e refletir como estes são apropriados pela pintura de história. O
diálogo entre esses dois campos será analisado a partir das diferentes narrativas acerca da
antes é necessário entender o porquê desses temas se tornarem tão importantes para a
comum: todas retratam conquistas militares nacionais. Nos casos das pinturas sobre a
Guerra do Paraguai, três das quatro telas selecionadas ocupam-se da fase final da batalha,
entre 1868 e 1869. Os combates travados em Humaitá e Avaí inserem-se numa seqüência
tela “Passagem de Humaitá” aborda o episódio ocorrido no ano de 1868. Trata-se de uma
cena noturna, na qual uma nau brasileira sob a autoridade do capitão Delfim de Carvalho
204
Utilizaremos como objeto de análise os primeiros artigos do IHGB que procuraram fundar os parâmetros
para a escrita de uma história nacional, são eles: 1)BARBOSA, Januário da Cunha. Discurso no ato de
estatuir-se o IHGB. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro: 1(1): 9-17,
jan/mar, 1839. 2) MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Como se deve escrever a História do Brasil.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: 6(24): 381-403. Jan. 1845.
3)MATOS, Raimundo José da Cunha. Dissertação acerca do sistema de escrever a História Antiga e
Moderna do Império do Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro:
(26): 121-143. 1863.
100
acabava de passar, vitoriosa, a barreira paraguaia e garantia ao Império o domínio da
de 1868, logo após a batalha em Itororó, momento em que o Duque de Caxias decidiu
perseguir Solano Lopes. É importante ressaltar que no período que vai de 1867 a 1869, as
tropas brasileiras estiveram sob o comando do Marechal Luís Alves Lima, o Duque de
Caxias. E foi ele uma das personagens de destaque da tela de Pedro Américo, montado em
um cavalo branco no canto direito da tela, ele aponta para o centro da cena. Além dos
ao seu término. Entretanto, a questão não era mais a derrota das tropas paraguaias, mas
sim a captura de Solano López. Duque de Caxias retira-se do comando das forças
brasileiras, D. Pedro II nomeia o Conde d’Eu, marido da princesa Izabel, para seu lugar.
Aos vinte e sete anos de idade, D. Gaston de Orléans, o Conde d’Eu, comanda o exército
forças paraguaias já haviam sido tecnicamente vencidas e o Rio Paraguai já estava sob
Lopes que havia fugido para uma região montanhosa com o que havia restado do seu
exército.
Caxias no comando do exército brasileiro. Vítor Meireles escolheu uma das primeiras
205
“Em 1º de maio de 1865, em Buenos Aires, foi assinado o Tratado Secreto da Tríplice Aliança. Nele se
determinava que só se negociaria a paz mediante a deposição de Solano López. Estabeleciam-se, também,
novas fronteiras entre os países litigantes ao final do combate, assim como sentenciava que o Paraguai,
enquanto nação agressora, pagaria pelos gastos decorrentes da guerra” (SCHWARCZ, 2002, p. 303).
101
A única das telas selecionadas que trata da Invasão Holandesa é, ao mesmo tempo,
uma das pinturas históricas de maior circulação no Brasil, ao lado de telas como “A
de muitos duelos no Monte dos Guararapes, este foi escolhido em especial, por representar
a coragem das tropas brasileiras que mesmo em menor número cercaram e venceram as
recuar devido ao grande número de mortos e feridos ao fim do conflito. Convém lembrar
que essa batalha não marcou a expulsão dos holandeses da Capitania de Pernambuco, que
Sendo assim, todos os temas abordados nas pinturas de Américo e Meireles exibidas
militar nacional”. O que determinou a escolha de tais momentos históricos? Será que
tomá-los como representações vitoriosas da nação basta para compreender sua escolha? A
construção de uma identidade nacional é sem dúvida o ponto central para a resposta a
investiram na invenção de uma história em que as diferenças seriam deixadas para trás,
uma história de união e patriotismo nacional, forjada a partir da luta contra o estrangeiro.
A luta contra o “outro” foi o caminho mais eficaz para criar essa identidade.
Os dois assuntos mais explorados nas produções da AIBA e do IHGB, entre 1872 e
102
brasileira marcados na cultura oitocentista como ocasiões, essencialmente, de comunhão
nacional. Ao pintar a tela “Batalha dos Guararapes”, Victor Meirelles buscou representar a
união do povo brasileiro em torno de um sentimento nacional. Este olhar sobre o episódio
IHGB, podemos mencionar como exemplo o livro do Varnhagen, “História das Lutas com
por reforçar os laços que ligavam as três etnias que compõem o Brasil, interpretado por
assunto tão recente, atingiam de maneira mais profunda a população, que ainda se
recompunha das perdas sofridas no combate. Meirelles procurou realçar a vitória do país
povo em prol do bem-estar da pátria. É importante frisar que embora a idéia de união
esteja presente nas obras, foi feita de maneira hierarquizada, como é possível observar na
O Instituto Histórico desde 1847, quando Von Martius ganhou o concurso “Como
se deve escrever a História do Brazil?”207, ocupou-se dessa temática. Foi com o trabalho de
Von Martius que pela primeira vez a junção de três raças distintas em um mesmo
no plano das nações civilizadas, idéia anos mais tarde reforçada pela obra de Francisco
Adolfo Varnhagen.
206
VARNHAGEN, Op.cit.
207
MARTIUS, Op. Cit.
103
Von Martius é o primeiro a dar um passo em direção a uma perspectiva positiva da
miscigenação. Nesta obra, é justamente essa pluralidade racial que permite a incorporação
do Brasil no mundo civilizado. A junção das três raças, na perspectiva de Martius, dava o
em sua formação as características de três etnias distintas. Segundo ele, só era possível
escrever uma história nacional a partir da composição racial desse povo, na medida em
que este era o diferencial que tornava o Império brasileiro apto a fazer parte do conjunto
Cada raça possuiria uma índole própria determinada por suas características físicas
distinção entre as raças aponta para uma hierarquia estabelecida de acordo com o grau de
civilização de cada uma delas. É ele que determina quão influente será uma determinada
raça para o progresso de uma nação. Para Martius, o português por ser o herdeiro dos
portugueses aqui chegaram, teriam sido uma grande civilização, assim como os maias e os
astecas. Von Martius acreditava que todos descendiam de uma mesma origem. As tribos
decadência como teria acontecido no passado indígena. Pelo seu passado, os indígenas
208
Idem, p. 381-382.
104
ocupam a segunda posição na hierarquia racial. Os negros não possuíam um passado
Para Von Martius, o regime monárquico era o único capaz de imprimir um caráter
nacional à diversidade racial, cultural e territorial do Brasil. É a Nação que unifica, torna
único o que era contraste, o branco, o índio e o negro só podem ter suas diferenças
miscigenação ganhava na tela de Vítor Meireles sua primeira imagem. Nela, brancos,
mestres de campo André Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira, Dias Cardoso,
holandeses. Esse exército composto por estas três etnias era o lugar de fundação de uma
identidade nacional.
que o olha atordoado. Ainda no centro do quadro estão João Fernandes Vieira, Dias da
209
MEIRELES. In: SAMPAIO, Op. Cit., 1880, p. 18.
105
Silva, ao lado de André Vidal, e Dias Cardoso, em primeiro plano. Barreto de Menezes,
tela, direita e esquerda respectivamente, nenhum dos dois em ato de bravura comparável
próprio povo brasileiro, com o branco ocupando o topo da hierarquia, responsável pela
civilização das demais raças. Em plano geral, o combate apontava para a força que a nação
brasileira, se unida, poderia ter sobre as demais civilizações. Pois, era no movimento de
definição e repúdio ao “outro” que se construía o que era a nação brasileira210. Enquanto o
“outro” seja ele paraguaio ou holandês, era definido como o bárbaro, a nação brasileira
se acuados, porém ainda lutando bravamente ao redor de seu comandante caído. Tal
narrativa encontra parâmetro na obra de Varnhagen, texto a partir do qual o artista baseou-
se para compor a tela. Em “História das lutas com os holandeses no Brasil”, Varnhagen
primeiro beneficio trazido pela guerra foi a aproximação entre as três raças. O segundo, a
união entre as capitanias que formavam o território colonial. O mais importante benefício
para Varnhagen foi a civilização dos povos do norte e do sul da colônia através do contato
com os holandeses. A civilização não foi somente fomentada pelo contato, mas também
210
GUIMARÃES, Op. cit., 1988.
211
Idem, p.07.
106
pelo desenvolvimento da infra-estrutura da região, pois essas guerras possibilitaram a
Quanto à cultura do Brasil em geral, não hesitamos em asseverar que ela havia
ganho muito com a guerra holandesa. E não só nas capitanias do Nordeste, onde
os povos estavam em contato com indivíduos de uma nação mais ativa e
industriosa, como até nas do Sul, com as invasões contra os selvagens. É um
axioma comprovado pela história, que às vezes estas são civilizadoras, e que
trazem energia e atividade a povos entorpecidos pela incúria, a preguiça e o
ilhamento. Durante a guerra foram devassados, acaso pela primeira vez por gente
civilizada, muitos matos e campos, fundindo-se por vontade ou por força os
próprios índios seus moradores nessa civilização guerreira, digamos assim, pois
que o intuito era de guerrear os contrários, e quando menos o pensavam se viam
absorvidos pela civilização daqueles a cujo lado combatiam – Muitos caminhos
apenas trilhados eram aplanados para darem lugar à passagem de tropas; alguns
rios ficavam acessíveis à navegação, às vezes pelo simples desvio de uns paus que
entulhavam os seus leitos; e todos sabem quanto a facilidade das comunicações
civiliza os povos.212.
como bravos e honrados soldados que até quando derrotados sabem manter sua dignidade.
Mesmo que não explicite essa intenção, ao defender-se das críticas contra seu quadro,
Meireles afirma que seu objetivo ao produzi-lo foi exaltar todos os heróis que ali se viam
eles.
No caso das telas sobre a Guerra do Paraguai, pelo menos duas delas abordam os
momentos em que a batalha já estava praticamente ganha. Nessa ocasião, a questão não
212
ODÁLIA, Nilo (org.). Varnhagen. São Paulo: Editora Ática, 1979, p. 108.
213
SAMPAIO. Op. Cit, 1880, grifos nossos.
107
era mais vencer, mas sim capturar e exterminar o líder da barbárie Solano Lopes. A
progressista e aos ideais civilizatórios que, por sua vez, tomaram forma na figura de D.
artigos e obras publicadas pelos membros do Instituto Histórico também estimulavam essa
idéia de que o Brasil possuía uma missão civilizatória em relação às repúblicas latino-
americanas.
orgulhosos das vitórias da pátria. Jorge Coli aponta como essas imagens operam como
era forjada, por meio da exaltação das vitórias militares do Estado e do apagamento das
214
COLI, Op. Cit, 1998.
108
revoltas do período regencial. O passado deveria ser escrito a partir das glórias, dos
momentos de triunfo da jovem nação sobre o “outro”, como a vitória brasileira sobre o
“aspirações comuns” entre os sujeitos nacionais215. Coube à escrita da história, por meio de
textos visuais e escritos, fundar e organizar essa memória nacional e estabelecer os elos de
identificação entre seus cidadãos. Mas qual seria a natureza da relação entre a produção do
retirada de Laguna”216, escrito por Alfredo d’Escrangnole Taunay217, que ainda hoje é
celebrado como um dos clássicos literários sobre a Guerra do Paraguai. Esta obra narra a
tentativa de invasão das tropas brasileiras ao Paraguai através da região do Mato Grosso
do Sul, missão abortada devido à fome, à epidemia de cólera que acometia os soldados, ao
215
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Editora Ática, 1991.
216
A primeira edição de 1871 foi publicada originalmente em francês, somente três anos depois saiu a
edição em português.
217
“Taunay era um militar de carreira e se demitiu mais tarde (1885) do exército com o posto de major. Foi
ainda deputado por duas legislaturas e escritor de vasta obra na literatura brasileira. Além do clássico
romance Inocência e de outras peças de ficção, escreveu diversos trabalhos de cunho memorialístico sobre
sua participação na guerra do Paraguai: Dias de guerra e de sertão e Cartas da campanha, entre outros.
Publicou ainda o Diário do exército referente ao comando do Conde D'Eu na campanha do Paraguai (1869-
1870). Deixou suas Memórias do Visconde de Taunay, escritas no fim de sua vida, entre 1890 e 1892, sob o
impacto da proclamação da República e morte do Imperador. Deixou-as sob a guarda do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro com instruções expressas para que somente fossem publicadas a partir de 1943 e com
autorização de seus familiares” Cf: SALLES, Ricardo. Memórias de Guerra: Guerra do Paraguai e narrativa
nacional. Vestígios da Guerra Grande. Mato Grosso do Sul: UFMS. Disponível em:
http://www.ledes.net/guerragrande/pdfs/artigos/literatura/memoriasdeguerra.pdf Acesso em: 23 de março de
2006.
109
região. É interessante o destaque que o autor deu ao papel desempenhado pela natureza, as
em segundo plano218. Obra dedicada a D. Pedro II, “A retirada da Laguna”, descreve uma
guerra civilizada, onde a grandeza dos homens de Sua Majestade sobressai-se sobre todas
No ano de 1872, Meireles recebeu a encomenda para a tela “Primeira Batalha dos
segunda edição de “História das Lutas com os Holandeses no Brasil desde 1624 a
importância da exaltação das glórias militares das guerras holandesas para a elevação dos
218
O capítulo VII da obra narra o maior combate travado entre paraguaios e brasileiros durante sua
empreitada a terras inimigas, ou seja, dos vinte e um capítulos do livro, Taunay dedica somente um ao
confronto propriamente dito. Ainda sim, a riqueza de detalhes não está na descrição do combate, mas na
narrativa sobe o cenário onde a luta ocorreu.
219
TAUNAY, Alfredo d’Escrangnole. Relatório Geral da Comissão de engenheiros junto as forças em
expedição para a Província de Mato Grosso/1865. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
Rio de Janeiro, tomo 37, parte II, 1874;
220
A primeira edição desta obra é de 1871.
110
alguns, quando, com o assentimento de vários amigos, pareceu-nos que não
deixaria de concorrer a acoroçoar os que já se queixavam de uma guerra de mais
de oito anos, a avivar-lhes a lembrança, apresentando-lhes, de forma conveniente,
o exemplo de outra mais antiga, em que o próprio Brasil, ainda insignificante
colônia, havia lutado – durante 24 anos sem descanso e, por fim, vencido – contra
uma das nações mais guerreiras da Europa, naquele tempo.
Tal foi o estímulo que tivemos para nos lançarmos, antes do tempo prometido, à
redação da história especial dos mencionados 24 anos de luta (...)221.
História marcasse seu lugar de autoridade sobre o passado por meio do distanciamento das
crônicas. No artigo “Como se deve escrever a História do Brasil”, Von Martius224 afirma
que o historiador deve sempre trabalhar com uma perspectiva filosófica. A história
filosófica era aquela que articularia o particular ao universal, estabeleceria nexos entre
acontecimento e o abordava com riqueza de minúcias. Por ser tão particular e fragmentária
a crônica não conseguia obter uma visão universal do acontecimento, este se perdia na
humana.
na RIHGB, não pudessem ser encarados como narrativas de história, nos moldes
para construir uma história universal. A crônica e o relatório, entendidos como formas
221
VARNHAGEN. Op. Cit., 2002, p. 11-12.
222
Para José Honório Rodrigues a crônica de Santiago, escrita a partir de 1634, seria a descrição mais
completa das batalhas de Guararapes. RODRIGUES, Op. cit.
223
SANTIAGO, Diogo Lopes de. História da Guerra de Pernambuco e feitos memoráveis do mestre de
campo João Fernandes Vieira, herói digno de eterna memória, primeiro aclamador da guerra. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, tomo 38, 1875.
224
Em 1840, Januário da Cunha Barbosa elaborou um concurso para premiar quem melhor estabelecesse os
parâmetros para a escrita de uma história nacional. O texto do cientista alemão Von Martius foi o vencedor.
111
inferiores de narrativa, eram utilizados como fontes de pesquisa e não como modelos de
conhecimento legítimo sobre o passado. O valor desses textos estava centrado no seu
podemos esquecer que ele era um dos personagens principais da batalha por ele mesmo
relatada.
Temos que levar em consideração outra questão importante levantada por Raimundo
José da Cunha Matos225. Ele afirmava que era impossível a escrita de uma história nacional
enquanto não fosse arrolada boa parte da documentação relativa às províncias do Império.
vez que concediam relatos detalhados das províncias de Pernambuco e de Mato Grosso e,
Cunha Barbosa226 deixou expressa que a principal missão daquela casa era construir uma
identidade nacional por meio do levantamento e análise dos aspectos físicos e morais da
Nação.
225
O artigo “Dissertação acerca do sistema de escrever a História Antiga e Moderna do Império do Brasil”,
de Raimundo José da Cunha Matos, embora tenha sido publicado em 1863, foi escrito antes de 1839, data do
falecimento do autor. Raimundo José da Cunha Matos foi um dos membros fundadores do Instituto
Histórico.
226
Membro fundador do Instituto Histórico, Januário Barbosa criou e dirigiu a RIHGB e incentivou o
intercâmbio deste com os centros de pesquisa europeus. Em 1839, um ano após a criação do Instituto
Histórico, saiu a sua primeira revista, na qual Barbosa publicou o primeiro regimento da casa.
227
BARBOSA Op. cit., grifos nossos.
112
identidade nacional. Para Guimarães, a história e a geografia, cada uma delas “forneceria
Nação, na sua integralidade, em seus aspectos físicos e sociais, estaria delineado” 228.
Guerra do Paraguai, e os enquadrassem num plano mais amplo que era o da história
universal. Assim, essas guerras deixavam de ser eventos isolados para se tornarem
documentação era uma forma de lutar contra a passagem do tempo e tornar possível a
também aparece como questão na obra de Diogo de Santiago. A relação estabelecida com
228
GUIMARÃES, Op. Cit., 2002, p.14.
113
o tempo nessa obra é a de um tempo cíclico, no qual o passado seria modelo para o
imortalizados através da escrita para evitar que as ações gloriosas de homens virtuosos se
Como quer que a memória dos homens seja frágil e de pouca dura na
conservação das espécies de seus indivíduos, e com o decurso largo dos tempos
pela maior parte acabe e não permaneça, e sem se sentir receba em si muita faltas,
principalmente quando as cousas andam por boca de muitos, que uns diminuem e
outros acrescentam, conforme aquela antiga sentença: “Fama eundo crescit”. Foi
cousa muito necessária, que houvesse histórias e crônicas para conservação dos
ilustres feitos, heróicas obras dos famosos e insignes varões que em letras e
armas se esmeram, para que a posteridade conhecesse seu valor preclaro, e tão
famosos exemplos imitasse; assim o diz o sapientíssimo Justo Lypseusd, estas
palavras no prólogo dos Annaes de Tacito: “ut impietate faciem praevisam
facilius agnoscimus; sic in história noti moris exempla”229.
Em artigo já mencionado, o medo da ação do tempo volta a aparecer, desta vez foi
Barante para a escrita da história. Uma das propostas de Barante residia no investimento
na função didática da história, uma vez que sua principal missão era ensinar o leitor
através de exemplos, de forma que ele pudesse construir seu próprio juízo. Cabe frisar que
Januário da Cunha Barbosa fez referência à obra “Histoire des ducs de Bourgogne”231, de
229
SANTIAGO, Op. Cit., p.249-250, grifos nossos.
230
BARBOSA, Op. Cit., p. 09.
231
BARANTE, Prosper de. Histoire des ducs de Bourgogne, 1364-1477. In: GAUCHET, Marcel (org.).
Philosophie des sciences historiques. Le moment romantique.Paris: Seuil, 2002.
114
Prosper de Barante, o que nos deixa alerta para a possível circulação que este autor
A principal forma de exaltar esses grandes exemplos da história nacional era por
meio das biografias, um dos gêneros mais publicados na revista do IHGB. Estas se
leitores. Diogo de Santiago escolheu como personagem de sua biografia aquele que era
considerado um dos responsáveis pelo levante contra o domínio holandês: João Fernandes
Ele também foi representado com destaque na tela “Primeira Batalha dos
Guararapes” como um herói nacional, colocado no centro da tela, ao lado de André Vidal
de Negreiros e Dias da Silva. “Herói digno de eterna memória”, João Fernandes Vieira,
segundo Santiago, desde a tenra idade denunciava seu caráter virtuoso e sua coragem. O
interesse do jovem por assuntos bélicos parece frisar sua predestinação a ser o “libertador”
(...) e n’ela (Ilha da Madeira) foi criado, nascendo de nobres pais, e doutrinado
conforme a qualidade de sua pessoa, instruído assim nas primeiras letras, como
nos bons costumes como os nobres costumam doutrinar seus filhos, e já n’aquela
tenra idade mostrava o generoso coração, e excelentes ações e virtudes com que a
natureza o esmerou tanto, ocupando-se em exercícios nobres em que gastava o
tempo, mostrando sempre um brio e espírito muito diferente dos outros moços
com quem passava a idade da perícia, muito afeiçoado as cousas da guerra e
virtudes morais a que era inclinado, sendo de boa inclinação, sinal certo de seu
232
SANTIAGO, Op. Cit., p.328.
115
generoso animo, que, como diz Sêneca _ Magnanimi est proprium placidum esse.
Era muito apartado de todo o gênero de vícios, e sentia em seu coração um
movimento e abalo que o incitava a cousas grandiosas, com um pensamento
altivo, e assim conversava com os moços mais nobres e briosos233.
celebrado em textos e pinturas, não só como exemplo às futuras gerações, mas como
forma de pagar uma dívida com o passado. Dívida essa, paga não só através da celebração
dos heróis da batalha dos Guararapes, mas também do enaltecimento deste episódio como
sobre seu quadro “Primeira Batalha dos Guararapes”:“A tela dos Guararapes é uma dívida
daqueles ilustres varões”234. A construção de uma tradição que enxergava aquele momento
longínquo da história brasileira como a primeira vez em que brancos, índios e negros se
irmanaram em prol da soberania nacional, implicava numa dívida com esse passado, já
desse mito fundador da nação brasileira tornava possível a coroação desse patriotismo com
Pedro Américo para pintar a primeira batalha travada no Monte dos Guararapes. O acordo
foi selado, Pedro Américo viajou para Itália e recolheu-se no Convento de Annunziata de
Florença para iniciar a confecção da tela. Não muito tempo depois, o artista escreveu ao
Ministro do Império informando que não pintaria mais aquele tema e sim um quadro sobre
Meireles235.
233
Idem, p.331.
234
MEIRELES. In: SAMPAIO, Op. Cit., 1880.
235
Tanto Pedro Américo quanto Vítor Meireles selaram contratos muito semelhantes com o governo. Neles,
as dimensões das telas eram deixadas ao arbítrio dos artistas, e estabelecia-se o prazo de quatro anos para a
116
Mal haviam se passado três anos após o fim da Guerra do Paraguai quando a
encomenda das telas foi feita, o país ainda contabilizava os prejuízos da batalha e a
população ainda chorava suas perdas. Durante e após a guerra, ela transformou-se em
o artista Edoardo De Martino236 foi à batalha para registrá-la e entre os anos de 1868 e
1872, o artista executou cerca de onze telas sobre a luta237. Mesmo tratando-se de um
na pintura como uma epopéia entre civilizados e bárbaros. Portanto, além dos artigos do
confecção das mesmas. O quadro A Batalha dos Guararapes pode ser encontrado no Museu Nacional de
Belas Artes (MNBA), na cidade do Rio de Janeiro.
236
"Artista italiano, nascido no Reino de Nápoles em 1838, Edoardo De Martino veio para o Brasil
supostamente em 1868, embora possa aqui ter estado anteriormente em virtude de alguns dos seus estudos
retratarem as Ilhas Malvinas (Falkland) em 1866. Deixa a oficialidade na Marinha italiana, fixando sua
residência em Montevidéu e Porto Alegre. Como aluno da Real Escola Naval e do Instituto de Belas Artes
de Nápoles, especializou-se em temas marinhos, e sua aptidão para a arte na reprodução da temática
histórica determina sua designação pelo Imperador Pedro II para acompanhar a oficialidade superior na
Guerra do Paraguai e, como pintor oficial da Corte, registrar pictoricamente os acontecimentos no front.
Participa das Exposições Gerais da Academia Imperial das Belas Artes, onde em 1870 e premiado com
medalha de ouro por seu trabalho 'Uma Noite de Luar no Cabo d'Born'. No ano de 1871 e agraciado com
dois títulos: Membro Correspondente da Academia Imperial de Belas Artes e Cavaleiro da Ordem Rosa,
condecoração concedida pelo Imperador Pedro II". Cf: PEREIRA, Walter. E fez-se a memória naval. A
coleção de Edoardo Martino no Museu Histórico Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de
Janeiro: vol. 31:1999, p.150.
237
No Museu Histórico Nacional, é possível apreciar algumas pinturas de De Martino, entre elas encontram-
se as telas referentes a Guerra do Paraguai: "Uma Noite de Luar em Montevidéu"; "Abordagem da Corveta
Maceió pela Escuna Dois de Dezembro" (1873); "Combate Naval de Riachuelo" (1870); "Abordagem do
Encouraçado Barroso e do Monitor Rio Grande" (1868); "Acampamento no Chaco" (1871); "Abordagem
dos Encouraçados Cabral e Lima Barros"; "Bombardeio de Curuzu"; "Fragata Independência"; "Canoas em
Vigília no Chaco" (1868).
117
4.4. As telas de Pedro Américo: o estranhamento como condição de leitura.
grande durante o século XIX, que ainda hoje é difícil enxergar suas representações sem
vinculá-las a uma narrativa grandiloqüente do poder imperial, seja ele, cultural, político ou
militar. A força dessa tradição parece nos deixar cegos para as inúmeras possibilidades de
leitura que esses símbolos nos oferecem, como é o caso das pinturas de batalhas de Pedro
Américo.
Separar a pintura do que aprendemos sobre ela é uma tarefa difícil, senão impossível,
mas esse esforço é essencial para o historiador da arte. A força da tradição textual pode
textos e imagens deve ser conduzido com cuidado para que não haja sobreposição de um
oitocentos.
imagem e palavra pode ser muito fecundo, caso não se transforme em uma camisa-de-
força para a interpretação do historiador da arte. Em “On n'y voit rien”, Arasse faz uma
crítica a esse tipo de análise através de um diálogo simulado com uma historiadora que
interpreta o quadro “Marte e Vênus surpreendidos por Vulcano”, de Tintoreto, a partir dos
Son article est impeccable et, franchement, lê contexte qu’elle suggère me paraît
plus pertinent, plus convaincant que les références que tu as invoquées de ton côté.
Mais, à la limite, peu importe. Ce que je trouve plus significatif, c’est que je n’ai
pas eu besoin de textes pour voir ce qui se passe dans le tableau (...) On dirait que
tu pars des textes, que tu as besoin de textes pour interpréter les tableaux, comme
118
si tu ne faisais confiance ni à ton regard pour voir, ni aux tableaux pour te montrer,
d’eux-mêmes, ce que le peintre a voulu exprimier238.
históricas, a crítica de arte e o resumo histórico dos catálogos das exposições. E uma vez
mais esse diálogo será necessário. Encerraremos esse capítulo apontando para as inúmeras
Esquartejado” serão o uma espécie de diretriz para a nossa análise das obras de Américo e
o material por ele consultado para executá-las. Nosso objetivo com a apropriação de
alguns pontos dessa tese é antes de tudo nos afastarmos das armadilhas do
Nossa investigação foi toda ela tecida por meio da relação entre arte e história,
entre texto e imagem, nos momentos iniciais dessa investigação supúnhamos que houvesse
análise das telas de Pedro Américo e a leitura da tese da historiadora Maraliz Christo nos
leituras antagônicas que se colocaram como questão para o desenrolar de nosso trabalho:
exército brasileiro. Contudo, o artista escolheu uma cena pouco convencional para retratar
238
ARASSE, Daniel. On n'y voit rien. Paris: Gallimard, 2002. Apud. CHRISTO, Op. Cit., 2005, p.06-7.
239
RAYNAUD. Op. Cit.
240
ROSEMBERG, Op.cit; OLIVEIRA & MATTOS, Op. Cit.
241
CHRISTO, Op. Cit., 2005.
119
na sua obra. Trata-se do momento em que o comandante-chefe das forças brasileiras,
Mais uma vez, durante essas cenas horrendas, manifestaram os oficiais brasileiros
a Sua Alteza a opinião que tinham acerca do grande risco que corria
continuamente a avançar. O Conde porém julga indigno retroceder, e esporeando
o famoso ginete, acha-se de súbito em frente aos paraguaios, torvos e revoltos.
Foi então que o valente capitão Almeida Castro, ajudante de ordens do Conde,
ouvindo antes o brado interno de uma alma dedicada e ingênua, do que a voz fria e
áspera da disciplina militar, lançou a mão direita às rédeas do cavalo de Sua
Alteza, pedindo-lhe que deixasse ao soldado a glória de sacrificar-se pela pátria e
pelo general!
Eis a ocasião escolhida pelo artista, cuja tela representa a bravura do general, a
dedicação do soldado brasileiro, e o momento em que se torna decisiva a nossa
vitória242.
recebeu duras críticas por conceder patente tão alta a um estrangeiro. Nesse sentido, a tela
tornou-se muito significativa, afinal haviam se passado não mais que dois anos após o fim
sua obra.
Gaston de Orléans em posição de destaque, montado em cavalo branco, parece mais que
242
Catálogo da Exposição Geral de 1872. Op. Cit.
243
Idem.
120
desconstrói essa interpretação. Segundo a autora, ao contrário de celebrar o herói,
Pedro Américo estaria atento a essas mudanças pelas quais o campo da pintura
estava passando desde a segunda metade do século XIX, na contramão da tradição artística
também foi questão em outras telas do pintor, como “Batalha de Campo Grande”,
diversos militares que participaram da ação, para que lhe ajudassem a reconstituir o
Laguna”244, livro consultado pelo artista para compor sua tela. O momento do combate de
Campo Grande escolhido pelo pintor não agradou Taunay que lhe sugeriu outra ocasião
mais conveniente.
escolhida. O artista retrata a figura de Conde d’Eu sem vida, apático diante da batalha. Os
primeiros estudos para a tela, representam a figura do príncipe com mais virilidade e
244
TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle. A Retirada da Laguna. São Paulo: Melhoramentos, 1963.
245
Carta a Pedro Américo de Alfredo Escragnolle Taunay. Curugnaty, 22 dez 1869. Arquivo Histórico do
Museu Imperial de Petrópolis.
121
presença na cena, quase desvencilhando-se dos ajudantes que insistiam em protegê-lo.
Entretanto, essa não foi a imagem que Américo conscientemente buscou representar no
quadro.
tradição pictórica internacional, pensando em um diálogo deste artista com nomes como o
de Vernet, Delacroix e Luigi Bechi. Para ela, a ausência de dinamismo na figura de Conde
d’Eu é intencional. Américo procurava valorizar a figura do herói anônimo que arrisca a
sua própria vida para salvar a de seu comandante mantendo, no entanto, a hierarquia das
posições. A representação dos heróis anônimos nas telas de Pedro Américo não
(...) Pedro Américo não consegue, não quer ou não lhe convém querer, representar
comandante e comandados no mesmo nível, definindo claramente os últimos
como heróis. O artista coloca o general brasileiro no vértice de uma composição,
segundo parte da crítica, ‘fantasiosa’, mantendo a hierarquia das posições,
protegendo o status do general. Entretanto, paradoxalmente, Pedro Américo
subverte sua própria lógica ao transformar o Conde d”Eu em ‘manequim’,
concentrando a força da ação nos comandados246.
246
CHRISTO, Op. Cit., p. 201.
247
Idem, Op. Cit., 1963, p. 27.
A hierarquia entre soldados e oficiais é fundamental na narrativa de Taunay. Os
“bizarros soldados” encontram-se sob a autoridade dos “oficiais de Vossa Majestade”, são
estes últimos os personagens centrais de sua obra, embora não sejam os únicos. E todos,
Pareceu-nos o fogo paraguaio melhor dirigido do que até então, mas nossa gente
não arredou pé. Eram, entretanto, simples recrutas valetudinários, saídos de
Goiás, verdade é que comandados por valente oficial, o capitão Ferreira de Paiva.
Ficamos sabendo o que podíamos esperar da coragem e da abnegação deles para o
resto da retirada248.
As qualidades dos soldados brasileiros louvadas pelo autor estão mais ligadas à sua
resistência do que exatamente à sua coragem. A bravura parece não ser algo intrínseco ao
caráter dos soldados, mas algo que eles precisam provar e demonstrar a cada instante,
justamente por não ser algo de sua natureza. “Ficamos sabendo o que podíamos esperar da
249
coragem e da abnegação deles para o resto da retirada” . Ao que parece a maior
vantagem dos soldados era o fato de serem chefiados pelo “valente oficial”. Novamente
fica clara subserviência dos “bizarros soldados” aos “oficiais da Vossa Majestade”250. Não
podemos ignorar que esta obra foi um dos materiais de consulta de Pedro Américo e por
mais que desejasse representar a iniciativa do ajudante ao proteger seu superior, a questão
da hierarquia não poderia ser colocada de lado, até por que a função da pintura é
imortalizar um momento que servirá de lição às futuras gerações. Em resposta a uma carta
seguinte afirmação:
248
Idem, p. 75, grifos nossos.
249
TAUNAY. Op. Cit, p. 75.
250
SALLES, Op. Cit.; Idem. Guerra do Paraguai – Memórias e Imagens. Edições Biblioteca Nacional, Rio
de Janeiro 2003.
bravura e tanto heroísmo da parte do general, quanto denodo e dedicação da
parte dos soldados brasileiros (...)251.
A tela “Batalha de Campo Grande” encontra-se hoje no Museu Imperial, seu pintor
foi saudado como um dos protegidos de Sua Majestade, considerado o pintor oficial do
Império, justamente por isso é difícil enxergá-lo para além de uma representação da
veremos como a posição secundária ocupada pelo herói nas obras de Américo obedece a
figura do herói não é um consenso. Para Claudia Mattos252, o artista coloca o Duque de
Caxias observando o êxito das estratégias militares que ele próprio criou. Esta autora
Todavia, é necessário indagar frente a cada quadro, como esse contraste adquire
sentido. Em nosso entender, esse procedimento funciona nos quadros de maneira
diversa, não pela falta de domínio do artista sobre a própria composição, como
sugere a autora, mas por perseguir objetivos diferentes. Na Batalha de Campo
Grande, o contraste, ao mesmo tempo, destaca e enfraquece o herói: na Batalha de
Avahy, o herói contemplativo é ‘engolido’ pela agitação que o circunda, por que a
ênfase do artista recai sobre o caos e não sobre o herói. Em Independência ou
Morte, a movimentação em torno de D. Pedro I não o oculta pelo contrário,
conduz nosso olhar ao seu encontro. Um simples exercício de imaginação ajuda-
nos a compreender a intenção do pintor. Se tirarmos da cena a figura de Caxias, o
quadro permanece em sua lógica de exposição do caos, subsiste sem o herói. No
entanto, se retiramos D. Pedro I, para quem todos olhariam?253
Nas telas de Pedro Américo a guerra acaba sobrepondo-se aos heróis. O intuito de
Américo, mais do que glorificar heróis nacionais, era o de retratar o caráter conturbado de
251
Folhetim da República. Rio de Janeiro, 25 out 1871, grifos nossos.
252
OLIVEIRA; MATTOS, Op. Cit.
253
CHRISTO, Op. Cit, p. 166.
uma guerra, seus horrores, emoção e violência, ao contrário de Meirelles que prezava
Dois artistas com trajetórias muito parecidas, que se dedicaram a pintar temas
semelhantes e que viveram no limite entre duas áreas de conhecimento que hoje nos são
tão distintas, a arte e a história, mas que ao mesmo tempo encontraram caminhos
diferentes para se apropriaram desse diálogo. Cada um a sua maneira, estes pintores
escreveram páginas importantes da história nacional. Suas telas são até hoje reproduzidas
em livros didáticos, enquanto obras como a de Varnhagen, não são sequer mencionadas
aos jovens estudantes. Podemos dizer que essas pinturas históricas simbolizam a
acredita poder resgatar o passado por meio de seus vestígios. Afinal, essas imagens
possuem uma ligação tão estreita com os episódios que representam que são usadas em
livros didáticos e filmes como janelas para a história, por meio delas o passado pode ser
novamente experimentado.
CONCLUSÃO
Vítor Meireles, são apenas alguns exemplos de pinturas de história que estabeleceram uma
ligação tão estreita com os fatos históricos narrados que se configuraram em nosso
O vínculo estreito que percebemos hoje entre essas imagens e os episódios que
gênero pintura histórica e da concepção de história no século XIX. Como vimos até aqui,
este estilo pictórico almejava, cada vez mais intensamente, documentar o passado. As
dimensões da obra e o trabalho de pesquisa que envolvia sua confecção aliados ao intenso
lhes, no momento mesmo de sua criação, o caráter de vestígio do passado. Tal gênero
Todavia, quando nos interrogamos sobre a influência deste gênero pictórico sobre
o Instituto Histórico a resposta não é tão direta e simples. O projeto de pesquisa que
originou esta dissertação tinha como objetivo central estabelecer o diálogo entre as
Entretanto, com o desenrolar dos estudos começamos a perceber que não havia um
intercâmbio claro entre as duas instituições, mas sim um interesse dos pintores históricos
na produção do IHGB e nos métodos de seus profissionais. Esses artistas buscavam ali o
confecção de suas telas. Vítor Meireles para compor “Primeira Missa no Brasil” utilizou-
se da Carta de Pero Vaz de Caminha. E Pedro Américo para pintar a sua “Batalha do
experiência na Guerra do Paraguai. A leitura dos clássicos sobre os temas escolhidos era
com os pintores de história foi um pedido de indicação de Pedro Américo como membro
da casa, feito pelo Barão do Rio Branco, no ano de 1889. Entretanto, sua sugestão não teve
êxito e o nome do artista foi recusado. Em carta ao amigo, Américo queixa-se da falta de
atrelamento dessas imagens aos eventos da história nacional construídos pelo próprio
instituto? É com o intuito de refletir sobre essas questões que nos perseguiram durante este
254
Carta de Pedro Américo ao Barão do Rio Branco. Florença, 26/09/1889. Correspondência, Arquivo
Histórico, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro, grifos nossos.
A resposta a essas perguntas nos pode ser sugeridas através dos livros didáticos.
Estes foram os veículos que garantiam a consolidação da História do Brasil escrita no seio
Instituto Histórico.
Entre meados do século XIX e a primeira década do século XX, encontramos pelo
menos quatro livros didáticos que tivessem a reprodução de uma das telas estudadas nessa
manual de história para o ensino primário “Nossa Pátria”, do paranaense José Francisco da
Rocha Pombo. Não só pelo fato do seu autor ser membro do IHGB desde 1900, mas
principalmente pela sua trajetória singular como historiador. Rocha Pombo marcou sua
atuação no campo da história pela combinação entre ciência e educação, já que foi o único
escritor de livros didáticos que também possuiu uma obra de referência no campo
acadêmico, o livro “História do Brasil”, de 1908256. É interessante observar que ele não se
limitou a produzir manuais para o ensino primário, o fez também para o ensino secundário
e superior. Suas obras tiveram um imenso sucesso editorial, no caso de “Nossa Pátria”,
foram impressos cerca de 452.000 exemplares, entre 1917 e 1970, anos de sua primeira e
última edição.
Algumas das telas com as quais os ocupamos nessa pesquisa aparecem no livro de
255
ANDRADE, Maria Guilhermina Loureiro de Andrade. Resumo da História do Brazil. Para uso das
escolas primárias brasileiras. Boston: Ginn & Company Publishers, 1888; BITTENCOURT, Feliciano
Pinheiro. Elementos de História do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1907; PEIXOTO, Afrânio.
Minha terra e minha gente. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1916; POMBO, Rocha. Nossa
Pátria. Narração dos fatos da história do Brasil através de sua evolução com muitas gravuras explicativas.
São Paulo/Rio de Janeiro: Weisflog Irmãos, 1917.
256
Obra de fôlego dividida em dez volumes.
Guararapes”. Através delas e da forma como são usadas tentaremos refazer o caminho que
as transformaram em “imagens canônicas” 257 por meio da sua utilização e circulação nos
manuais de história.
É ainda durante o século XIX que os primeiros livros didáticos começam a circular
nacional de material didático começa a avolumar-se, mas é somente nas primeiras décadas
batalhas, aos conflitos étnicos e às invasões estrangeiras que são vencidas sob o comando
heróis para compor uma épica História do Brasil. Neste momento, a interpretação oficial
da história nacional já está consolidada pelo IHGB. E uma das pedras angulares dessa
tradição é a união racial como elemento primeiro de nossa identidade, essa seria a matriz
tradição oitocentista, que tem em Varnhagen seu maior expoente. A união das três raças
aparece em todo o capítulo dedicado à temática da Invasão Holandesa, evocado como pilar
fundador da nacionalidade.
exaltados representam cada um deles uma das três raças brasileiras: André Vidal e João
257
SALIBA, Elias Thomé. As imagens canônicas e o ensino de história. Sinopse. Revista de Cinema, São
Paulo, nº.7, 2002.
Vieira, comandantes da tropa branca; Filipe Camarão, dos índios; e Henrique Dias, dos
negros.
(...) os holandeses começaram outra vez a abusar dos colonos; e estes foram
pensando de novo em libertar a terra oprimida.
Cada um deles foi um verdadeiro herói.
As três raças que tinham povoado o Brasil ali estiveram sempre aliadas contra
aqueles usurpadores: os Henrique Dias e os Camarão não se mostraram menos
bravos e dignos que os André Vidal e os João Vieira.
Os lances daquela guerra, como as batalhas dos Guararapes e outras, mostraram
que os colonos já eram capazes de defender a terra.
Ao cabo de uns dez anos de lutas desesperadas, foram os holandeses expulsos; e
nunca mais tentaram coisa alguma no Brasil258.
Essas batalhas são descritas como combates de homens mal equipados que
trecho abaixo, Rocha Pombo exalta a valentia e o sentimento pátrio dos portugueses, como
Este país estava em guerra com a Espanha; e como o Brasil estava, então, sendo
governado pelo rei espanhol, entenderam os holandeses que era ocasião de tomar
um pedaço do nosso território, de que o governo da Espanha parecia não fazer
grande caso.
Mas enganaram-se, porque os próprios colonos defenderam melhor a terra do que
si tivessem rei seu.
E era isso muito natural, porque eles aqui tinham já a sua nova pátria, pela qual
tantos deles deram a própria vida259.
A mesma exaltação à coragem e ao patriotismo dos brasileiros pode ser vista nos
capítulos referentes à Guerra do Paraguai, momento em que Solano López é descrito como
na narrativa oficial.
Aquele homem (Solano López) era tão cruel que ia deixando o solo, por onde
fugia, juncado de cadáveres dos seus próprios amigos e até dos irmãos.
Todos os que não venciam eram mortos.
Quando não apanhava os oficiais que se deixavam derrotar, vingava-se deles
matando-lhes as mulheres e os filhos.
Mas os nossos o perseguiam com a mesma pressa com que ele fugia.
Afinal, meteu-se pelos matos e pelas montanhas desertas, atropelado sempre e sem
ter descanso em parte alguma.
258
POMBO, Rocha. Op. Cit, p.71-72.
259
Idem, p.69-70, grifos nossos.
Obrigava agora todo o povo das cidades e vilas a acompanhá-lo; e aqueles pobres
que, mortos de fome ou de cansaço, não podiam mais andar, ficavam morrendo
pelos caminhos, ou eram degolados por ordem do tirano.
Assim, chegou ele ao seu último dia, em Cerro-Corá, na margem esquerda do
Aquidaban.
Ali, derrotado e ferido gravemente, ainda quis fugir, mas foi morto por um
soldado nosso.
Tinha ele, nesse dia (1 de Março de 1870) assinado a condenação da própria mãe.
Devia esta ser executada no dia seguinte!... e só porque o filho cruel tinha sabido
que ela se mostrava sentida e horrorizada de tanto sangue que se derramava.
Por isso, nem a própria mãe pode chorar por ele!
A guerra é uma coisa horrível; e só se torna justa num caso como este, em que é
preciso livrara de tais algozes a pobre humanidade260.
brasileiro continua a ser exaltado, ainda nos moldes do século XIX, como o salvador da
nação paraguaia. Assim como aconteceu com “Batalha dos Guararapes”, “Batalha do
Pombo. Além da reprodução dessas pinturas, única menção a elas são as legendas que
trazem apenas os títulos e os autores do quadros. Essas imagens são usadas como registros
A obra de Rocha Pombo nos permite estabelecer o diálogo entre a obra acadêmica
e a didática, justamente pelo seu autor circular nesses dois níveis da produção de História
no Brasil. “Nossa Pátria”, assim como tantos outros livros que vieram depois, foram
veículos pelos quais a história oficial produzida pelo Instituto Histórico era disseminada e
pouco a pouco naturalizada como a verdadeira história nacional, tal como aspiravam seus
com inúmeras reproduções de imagens por todo o livro. Nela, intercalam-se textos,
260
Idem, p.123-125.
fotografias de monumentos históricos espalhados pelo território brasileiro, gravuras de
manuais de história que circularam em grande escala tanto na França quanto aqui, já
pedagógicos: “As crianças têm necessidade de ver as cenas históricas para compreender a
história. É por esta razão que os livros de história que vos apresento estão repletos de
“Ver as cenas históricas”, essa era, e ainda é em muitos casos, a função da pintura
histórica nos livros didáticos. Tal afirmação remonta a uma tradição que delega à imagem
maioria de suas reproduções pode ser divida em duas categorias: as imagens produzidas
aos fatos e por isso mais confiáveis segundo uma certa tradição, são tratadas como
vestígios desse passado. No caso das pinturas históricas, a legitimidade vem da aura de
verdade construída no momento de sua produção. Segundo Thaís Fonseca, essas imagens
serviram, aqui, como em muitos livros didáticos, para fazer “ver” um momento da nossa
261
LAVISSE, Ernest. Histoire de France: cours élémentaires. Paris: A. Colin, 1887, p.03. Apud:
BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. In: O saber histórico em sala de aula.
São Paulo: Editora Contexto, s.d. (Grifos nossos)
262
FONSECA, Thaís Nívia de Lima e. “Ver para compreender”: arte, livro didático e a história da nação. In:
SIMAN, Lana Maria de Castro & FONSECA, Thaís Nívia de Lima e. Inaugurando a História e
construindo a nação. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p.94. (Grifos nossos)
história. Suas condições de produção, as intenções dos artistas e a própria linguagem
estética das obras parecem não existir. A pintura de história perde seu cunho de
naturalização dessas imagens como janelas para a história fez com que perdessem sua
Nesse sentido, é que tentamos refazer o percurso que levou algumas pinturas
enxergá-la como fruto de tensões entre vários projetos de escrita da história. O discurso
que as tensões e os embates sobre os quais foi construído lhe são restituídos, devolvendo
1. QUADROS DE REFERÊNCIA
QUADRO 1
263 Ver: 2001 - Surrealismo (evento multidisciplinar). Linha do Tempo-CCBB, Rio de Janeiro. Disponível
em: http://www.bb.com.br/appbb/portal/hs/anv/LinhaTempo.jsp. Acesso em: 30 jan. 2006; 26ª Bienal de SP
termina abaixo da expectativa. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 dez 2004, Cotidiano, p. C12; ARTE na
África é eleita melhor exposição de 2003. Notícias do CCBB, Rio de Janeiro, 26 mar. 2004. Disponível em:
www.bb.com.br/appbb/portal/bb/ si/ntcas/noticia.jsp?Noticia.codigo=127663. Acesso em: 30 jan. 2006;
CCBB Rio: Últimos dias da mostra "Por Ti América". Notícias do CCBB, Rio de Janeiro, 26 jan. 2006.
Disponível em: http://www.bb.com.br/appbb/portal/bb/ctr/ntca/noticia.jsp?Noticia.codigo=149535. Acesso
em: 30 jan. 2006; CÔRTES, C. O filão de Rodin. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 maio. 1995. Caderno
B, p. 48; Dezembro. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 dez 1996, Revista da Folha, p. 42; EDIÇÃO recebe
668.428 pessoas e bate recorde. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 jun 2002, Ilustrada, p. E1; GRAÇA,
Eduardo. Martelada da fortuna. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 maio. 1998. Caderno B, p. 51;
JORNAL do Brasil, Rio de Janeiro, 23 maio. 1997. Registro, p. 22; MOSTRA de Rodin segue para São
Paulo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 maio. 1995. Cidade, p. 19; NEGROMONTE, Marcelo. Monet é
visto por 401.201 pessoas em SP. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 agos 1997, Ilustrada, p. 5-10;
QUADRO 2
264 Ver: 2001 - Surrealismo (evento multidisciplinar). Linha do Tempo-CCBB, Rio de Janeiro. Disponível
em: http://www.bb.com.br/appbb/portal/hs/anv/LinhaTempo.jsp. Acesso em: 30 jan. 2006; ARTE na África
é eleita melhor exposição de 2003. Notícias do CCBB, Rio de Janeiro, 26 mar. 2004. Disponível em:
www.bb.com.br/appbb/portal/bb/ si/ntcas/noticia.jsp?Noticia.codigo=127663. Acesso em: 30 jan. 2006;
ATAS da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia Imperial de Belas Artes em 17 de dezembro de
1884, p. 11- frente e verso. Arquivos do Museu Dom João VI – EBA/UFRJ; CCBB Rio: Últimos dias da
mostra "Por Ti América". Notícias do CCBB, Rio de Janeiro, 26 jan. 2006. Disponível em:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/bb/ctr/ntca/noticia.jsp?Noticia.codigo=149535. Acesso em: 30 jan.
2006; CÔRTES, C. O filão de Rodin. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 maio. 1995. Caderno B, p. 48;
GRAÇA, Eduardo. Martelada da fortuna. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 maio. 1998. Caderno B, p.
51; JORNAL do Brasil, Rio de Janeiro, 23 maio. 1997. Registro, p. 22; MOSTRA de Rodin segue para São
Paulo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 maio. 1995. Cidade, p. 19;
2. DOCUMENTAÇÃO ICONOGRÁFICA
INDEPENDÊNCIA OU MORTE!.
Pedro Américo, 1887-1888. 7,60 X 4,15 m. Óleo sobre tela. São Paulo: Museu Paulista/USP.
BATALHA DO AVAHY.
Pedro Américo, 1877. 500 X 1000 cm. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes.
Detalhes:
BATALHA DO AVAÍ.
Pedro Américo, 1877.
(detalhe A)
BATALHA DO AVAÍ.
Pedro Américo, 1877.
(detalhe)
BATALHA DO AVAÍ.
Pedro Américo, 1877.
(detalhe)
PASSAGEM DE HUMAITÁ.
Victor Meirelles, 1871. 268 X 435 cm. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional.
COMBATE NAVAL DE RIACHUELO.
Vitor Meireles, 1881. 460 X 820 cm. Óleo sobre tela. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional
Resumo Histórico
grupo do exército brasileiro, e pôs-se em marcha pela mesma estrada por onde havia
fugido o ditador Francisco Solano Lopez, com todo o seu exército e comitiva,
encontrando pouco adiante muitas carretas quebradas bem como cavalos mortos, e
Sua Alteza o Sr. Conde D'Eu, que, quando fez marchar o 2° corpo sobre Barreiro
grande, seguindo ele próprio com o 1° para Gaacupe, tinha em vista surpreender o
inimigo pela frente e retaguarda, caso fugisse este de Ascurra, acelerou um pouco a nossa
exército paraguaio.
terreno, quanto por sua boa e bem colocada artilharia, começou o inimigo e estender-se em
linha de batalha pelo vasto campo denominado Nhú-Guassu, ou Campo Grande, de onde
265
Catálogo da Exposição Geral de 1872. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes. Acervo do
Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
A luta prolongou-se terrível, porque indecisa, durante algum tempo, até por vezes
O general José Luiz que comandava o 1° corpo do exército, deu aí mais uma prova
de sua intrepidez e sangue frio, mandando artilharia tomar uma posição vantajosa para
bravo general Pedra, o qual, seguindo na frente dos seus soldados, de um ímpeto levou o
inimigo até o arroio Juquiry, onde falharam-lhe os passos e caiu do cavalo, acometido por
Nessa porfia terrível um dos adversários tentou perpassá-lo com a lança, cujo ferro
Imediatamente por trás dele vinham os infantes que comandava; mas estes,
inimigas, começavam a rarear rapidamente, ao passo que se tornava o perigo cada vez
mais terrível, por um último e desesperado esforço paraguaio, que comandava o general
Caballero.
começou a mover o seu exército, forte de 6.000 homens, como para retirar-se, ou simular
Mandou então Sua Alteza que avançássemos, e transpondo logo o lugar do Juquiry
sentir-se ele, e seu estado maior, debaixo de uma verdadeira saraiva de projéteis.
impetuosidade dos nossos soldados, que seguiam tão nobre exemplo, foram motivos que
determinaram a retirada precipitada dos paraguaios, os quais, à medida que fugiam para se
mesmo tempo subtraírem-se aos nossos olhos, envoltos eles e nós nas labareda se nos
desesperada fúria: os cavaleiros sentiam falsearem os passos dos seus ginetes e mal
podiam fugir aos perigos inominados que encontravam, e os peões, que vinham após eles,
pulando por cima do fogo e atravessando os mais tremendos obstáculos, sentiam-se quase
asfixiados, como os pobres feridos que pisavam, e por vezes se achavam, de repente face a
face com um vulto horrendo, tisnado, veloz como a serpente traiçoeira, que brandia a
Mais uma vez, durante essas cenas horrendas, manifestaram os oficiais brasileiros
a Sua Alteza a opinião que tinham a cerca do grande risco que corria continuamente a
avançar. O Conde porém julga indigno retroceder, e esporeando o famoso ginete, acha-se
Foi então que o valente capitão Almeida Castro, ajudante de ordens do Conde,
ouvindo antes o brado interno de uma alma dedicada e ingênua, do que a voz fria e áspera
da disciplina militar, lançou a mão direita às rédeas do cavalo de Sua Alteza, pedindo-lhe
Eis a ocasião escolhida pelo artista, cuja tela representa a bravura do general, a
estas Sua Alteza, cujo cavalo e rigorosamente sofreado pelo capitão (hoje major) Almeida
Castro, que já traz ferida a mão esquerda, e o animal que cavalga prestes a sair de
combate.
capitão Almeida Castro largue as rédeas que tem presas, dando-lhe ao mesmo tempo voz
No fundo, e no mesmo plano vertical que passa pelos olhos do observador e pela
João Mendes Salgado, precedendo um corpo de infantes, que carrega corajosamente por
cima da macega incendiada, na parte inferior o venerando frei Fidelis d'Avila, em cujos
braços expira exangue o bravo e jovem capitão Arouca, ferido de ma bala paraguaia.
bárbaro que tentara perpassá-lo com a lança, mais ao longe no terceiro e quarto planos,
primeiro plano, muitos inimigos que resistem, ou fogem aos golpes dos nossos soldados.
da composição, dos muitos prisioneiros, e outros paraguaios, que estiveram nesta capital.
Meirelles266.
Resumo histórico
Ofendidos os brios e a dignidade do Brasil pela guerra que, sem motivo nem
Mato Grosso, surgiram de todos os pontos do Império valentes legiões de defensores, que
Não menos briosa a Marinha de Guerra almejava ansiosa tomar parte na luta
anunciavam as vigias ter à vista uma esquadra inimiga, a qual, favorecida pela grande
correnteza das águas, em poucos minutos passou em frente a nossa margem oposta, e foi
com a insígnia do capitão de mar e guerra Meza, Igurey, Marques de Olinda, Salto,
Paraguay, Iporá, Jejuy e Ibera armados com 6 peças cada um, e trazendo a reboque
6chatas, cada uma das quais, com uma guarnição de 50 praças, montava num canhão de
calibre 68. Além da tripulação trazia cada navio 300 homens de infantaria, gente toda
seu prolongamento, na extremidade que fica ao sul e forma a ponta do Riachuelo, mais
1.000 homens de infantaria com o seu acampamento inteiramente oculto pelo mato.
chefe de divisão Francisco Manuel Barroso, o qual, a bordo da fragata a vapor Amazonas,
descer e vir dar volta em ouro canal mais abaixo, por não poder naquele lugar manobrar
A Parnahyba, não tendo boa marcha, foi ficando atrás e distante dos outros navios,
circunstância favorável para o inimigo, que não podendo realizar seu plano com o
Jequitinhonha, tentou faze-lo com o Parnahyba, que em pouco tempo se viu acometida
por todos os lados, mas repelindo fortemente o furioso inimigo com a metralha e bala, tais
estragos causou a Paraguary, que esta se viu obrigada a ir encalhar sobre uma ilha a
parte da imortal Parnahyba, cujo convés ficou logo nadando em sangue, foi então que se
travou em breve espaço uma luta medonha, combatendo-se a ferro frio, e corpo a corpo,
foi nesta heroína porfia que deram a vida pela pátria o jovem Greenhalgh, que respondeu
com um tiro de revolver a aviltante intimidação de arriar o pavilhão brasileiro que ele
Marcilio Dias, e tantos outros que tão bem souberam defender o seu posto. Uma luta tão
desigual acabaria por exterminar toda valente guarnição, não aconteceu, porém, assim,
primeiro, e depois o Amazonas, a Beberibe e a Araguary, bem como todos os outros, cada
qual fez quanto pode para destruir o inimigo, e tão vivo era fogo da metralha, bala e
Fazer rápidas evoluções a toda força do vapor, e, como fora seu navio um
foram logo dois metidos a pique, e recuando o invulnerável Amazonas, se prepara para
Reina a confusão entre os paraguaios, muitos dos quais se atiram aos rios,
procurando fugir a nado: os navios que restam buscam escapar ao perigo iminente que os
ameaça, e abandonam algumas chalas que, tomadas pela correnteza, caem águas abaixo,
continuando porém as que estavam sobre a margem junto a barranca a fazer fogo ativo.
sinal número 10- sustentar o fogo que a vitória é certa -, grato sinal que é imediatamente
reconhecido por todos os navios da esquadra imperial. Era 3 ½ horas da tarde, e apesar da
esforço, a vitória porém, não se faz esperar mais, e, no meio do maior entusiasmo, o chefe
a Nação brasileira! – e os vivas de toda a esquadra são muitas vezes repetidos pelos ecos
O momento escolhido pelo artista é aquele em que depois de ter metido a pique
dois navios paraguaios, eis a ré o Amazonas, e sendo visto e é reconhecido por todos os
vasos da esquadra o sinal – sustentar o fogo que a vitória é certa – grita o valente chefe
Sobre o vapor Amazonas vê-se no passadiço o chefe Barroso, tendo a seu lado o
plano, à direita, um vapor paraguaio a pique, tendo parte do convés fora d’água, sobre o
qual estão diversos grupos de inimigos, que, apesar de derrotados, fazem ainda m último
esforço de vingança, na caixa de roda, meio imersa n’água, um marinheiro brasileiro, que
sem dúvida caira dentro do navio inimigo no momento do choque dado pelo Amazonas, é
Beberibe perseguem os vapores paraguaios que seguem rio acima, vê-se o Jejuy a pique; e
duas chatas que caem águas abaixo. No último plano o Jequitinhonha, adornado, jaz
Taquary e o Salto, finalmente mais longe ainda, esta a Paraguary encalhado na margem
do rio.
3.3. Descrição do resumo histórico e descrição resumida do quadro número 167 –
Resumo histórico
Barroso, Bahia, Tamandaré, e dos monitores Rio Grande, Alagoas e Pará, forçaram o
passo de Humaitá.
empresa, os encouraçados Brasil, navio chefe, Herval, Colombo, Cabral, Silvado e Lima
Às 3 ½ horas da madrugada, logo depois de nascer a lua, dado pelo navio chefe o
sinal de avançar, rompeu a honrosa marcha o Barroso levando a seu lado o monitor Rio
Grande, seguido pelo Bahia com o Alagoas, e após estes, o Tamandaré com o Pará.
rompeu dela um fogo de bala tão sustentado e rápido, que dentro em pouco tempo: terra,
céu e águas era tudo fogo e fumo, de todas aquelas baterias assestadas sobre as barrabcas
do rio, choviam incessantemente milhares de projetéis, e era tão forte o troar da artilharia,
Do lado do Chaco, perto do lugar onde estavam presas as grossas correntes de ferro
esquadra.
267
Catálogo da Exposição Geral de 1872. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes. Acervo do
Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
Aquelas formidáveis correntes que tanto horror causaram, os torpedos e outras
máquinas infernais, tudo foi vencido pela coragem inaudita dos valentes marinheiros que
passo. Ao passar pelas correntes, uma bala cortara a Alagoas os cabos de reboque que o
correntezas das águas, vem caindo rio abaixo naquela volta difícil quase encalhar na ponta
de pedras. O Tamandaré e o Pará, tendo vencido esta ponta perigosa, estão perto do lugar
das correntes.
densas nuvens de fumaça que toldavam o ar, vê-se subir um foguete que, partindo do
Estes dois quadros (números 166 e 167) encomendados em 1868 pelo Exmo. Sr.
artista para o seu maior desempenho, foi a custa do governo ao Paraguai fazer os
Resumo Histórico
Caxias deu-se esta memorável batalha as margens do Rio Avahy, confluente do Paraguai.
Era chuvoso o dia e a batalha que feriu-se as10 horas da manhã terminou cerca de
meio-dia pouco antes o sol rompeu as densas nuvens que escureciam o céu, e iluminou ao
tenente Alves Pereira sobraçando dois estandartes paraguaios, e cercado de inimigos por
todos os lados, o oficial que caído, procura defendê-lo e o segundo- tenente de marinha
Cunha Telles; mais para a esquerda, montado sobre uma peça de artilharia, vê-se o jovem
cadete Serafim, que se tornou célebre pelo seu heroísmo e temeridade, e foi poucos dias
Um pouco mais para o centro do quadro, vê-se o bravo general Osório, Marquês do
Duque de Caxias, rodeado de seu estado-maior, composto dos brigadeiros Barão da Penha,
268
Catálogo da Exposição Geral de 1879. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes. Acervo do
Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
e José Luiz Menna Barreto, capitão de mar e guerra Luiz Alves Pereira e Cândido Xavier
Rozado.
Resumo histórico
invasão dos holandeses, por tantos anos lhes pesava, possuídos de fé e cheios de plena
confiança pela santa causa que defendiam, buscavam a todo o transe repelir aqueles
animava aqueles bravos patriotas que ali se levantavam para expelir do solo querido da
surgiam de toda a parte, ainda a custo de inauditos sacrifícios, os beneméritos heróis que,
temperados nos rigores das privações e na dor profunda de se verem conculcados pelo pé
uma quase destruição, reuniam, em um só grupo, todas as classes que com a maior
continuar como vítimas imoladas à ambição e à rapina daquela pirataria, e assim elevados
269
Catálogo da Exposição Geral de 1879. Arquivo da Academia Imperial de Belas Artes. Acervo do
Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
para disputar o terreno avassalado e vingar a morte e o cativeiro de seus pais, filhos,
irmãos e amigos.
soldados e muito do terreno que haviam ocupado, viram-se forçados por aqueles
nobre e cívico exemplo de amor à pátria! Aquele exército que se erguera disposto a morrer
índios e brancos que, embora bem distintos pela cor, nem por isso deixavam de se igualar
governador dos pretos, minas e crioulos, André Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira
último o General em Chefe; que bem pouco haviam acabava de receber este encargo por
ordem e nomeação, que D. João IV, Rei de Portugal, antes lhe havia feito em 12 de
mais ou menos bem fortificados, nessa nova posição sitiavam aqueles valentes com a
maior vigilância o inimigo, que, agora, mais dificilmente se expunha às suas ousadas
tropelias. Entretanto, corria boato que os holandeses preparavam-se para nova investida,
tendo por ponto objetivo da sua exploração, com êxito certo de melhor colheita, o Cabo
Nassau, desde a sua retirada para a Europa, à testa de uma força de 4000 homens,
repartidos em sete corpos, tendo por comandantes os coronéis: H. Hous. Van-Elst. Hautin,
puseram-se a caminho e, tendo apenas marchado légua e meia, fizeram alto, tendo já
degolado 40 homens dos nossos, um pouco mais além da barreta, onde havia uma
abegoaria e junto um posto guarnecido com 100 homens, que protegiam aquela posição.
Aí se lhe reuniram cinco peças de artilharia que haviam feito subir pelo rio Beberibe,
Barreto de Menezes, por sua parte, apenas teve notícia do ocorrido, convoca o
Levando todas as forças disponíveis, e pelos bandos que imediatamente fez correr,
só não pegaram em armas, velhos, mulheres e crianças. Conseguindo assim reunir cerca de
mesma tarde, marchou o exército para os montes Guararapes, e aí chegando, logo depois
de passar aqueles outeiros, fez alto na baixa deles, onde passaram a noite; ocupando a
retaguarda dos alagadiços, ficando assim tanto encoberto pela mata que de cima do morro
testemunho de quanto pode o ardor e o patriotismo de um povo, ferido nos seus brios e
que, firme na verdadeira justiça da causa que defende, e pela fé com que combate, sabe ser
Com efeito, o inimigo fazendo, às oito horas da manhã, ver as suas avançadas,
sobre os nossos, não conseguiram desalojar-nos, e sustendo-se o fogo por mais de duas
horas, assim lhe correspondemos, embora sem vantagem. Barreto de Menezes reconhece,
então, a sua má posição, e compreendendo que não devia retirar-se, mas sim acometer o
Henrique Dias e o centro a João Fernandes Vieira, ordenado mais, que, dada a primeira
carga, acometessem todos a arma branca. Avançaram os nossos com a maior resolução, e
tal foi o ímpeto, que rompendo logo os batalhões inimigos, ficaram estes completamente
desordenados, perdidos, e cheio de grande confusão. Henrique Dias, esse novo Cipião,
mais uma vez mostra quanto pode o valor dos seus pretos, apossando-se por um momento
da artilharia do inimigo, das suas munições e caixa do dinheiro; mas, lançando o inimigo a
sua brigada de reserva comandada por Van-Elst e Hous contra Henrique Dias, não pode
este sustentar-se, recuperando aquele o que havia já perdido. João Fernandes Vieira e D.
Antônio Felipe Camarão também, mais uma vez, encheram-se de novos louros pelo valor
que desenvolveram e o esforço que faziam para vencer o inimigo, que então, muito mais
forte pela desigualdade de número, parecia levar de vencida toda a nossa gente, que já
muito fadigada, parecendo não poder sustentar o peso deles, vinha-se retirando sobre os
nossos.
gravidade e perigo dos combatentes patriotas, ordena que André Vidal de Negreiros,
auxiliado com a gente que tinha de reserva tome a vanguarda, e logo, começando
novamente, ainda mais renhido o combate, consegue (este é o momento escolhido pelo
seus comandantes, destruir todas as suas forças que são finalmente rechaçadas sobre os
alagadiços, onde pereceram os que não encontraram a morte no ferro daqueles patriotas.
270
Nota do autor do texto catálogo: Vide as partes oficiais de Barreto de Menezes na obra “Os holandeses no
Brasil”, de Varnhagen , p. 231.
O valente Sargento-mor Dias Cardoso também muito concorreu com o seu auxílio
e sangue frio para o bom êxito desta ação, apresentando-se aqui e ali, onde o seu heroísmo
Boqueirão, aí se achava fortificado com uma peça de artilharia, defendendo a todo transe
Segismundo abandona o campo para refugiar-se novamente no Recife, onde chegou no dia
seguinte.
Os troféus da nossa vitória foram trinta e três bandeiras, entre elas a dos Estados
Gerais, que foram depois remetidas para a Bahia, uma peça de artilharia de bronze, muitas
Nesta gloriosa batalha, onde o inimigo perdeu mais de 900 homens, e que tão
importante foi para nós, as perdas que sofremos foram quase insignificantes.
Tal é o assunto deste quadro, em que figuram no centro André Vidal de Negreiros,
Antônio Felipe Camarão, e por diante D. Diogo Pinheiro Camarão, seu sobrinho, que com
o mesmo posto o substituiu por sua morte, três meses depois desta batalha: à esquerda
Henrique Dias e sobre o primeiro plano, Dias Cardoso. No centro vê-se, derrotado, o
que se acha no Boqueirão, onde termina a mata. No último plano, sobre o horizonte, vê-se
271
Nota do autor do texto catálogo: Vide CASTRIOTO LUSITANO, p 508 da nona edição, segundo a de
1679, imprensa por Claesbeerch, e publicada em Paris por J. P Arlland, no ano de 1844.
Este quadro foi encomendado no ano de 1872 pelo Exmo Sr. Conselheiro João
Alfredo Correia de Oliveira, então Ministro do Império; e o autor fez uma viagem a
Pernambuco com o único fim de estudar a topografia do lugar, onde se deu a batalha,
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Carta a Pedro Américo de Taunay, 22 dez 1869. Arquivo Histórico do Museu Imperial,
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Carta de Pedro Américo ao Sr. José Maria Jacintho Rabello, 20 dez 1869. Arquivo
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2.6. CATÁLOGOS:
3. INSTITUIÇÕES PESQUISADAS