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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE DIREITO

CLARISSA BAHIA BARROSO FRANÇA

Estupro de vulnerável:
uma abordagem à luz do bem jurídico
dignidade sexual

BELO HORIZONTE
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE DIREITO

Estupro de vulnerável:
uma abordagem à luz do bem jurídico
dignidade sexual

Monografia apresentada sob orientação da


PROFESSORA MESTRE ISABEL PENIDO
DE CAMPOS MACHADO, como requisito
para obtenção do título de Bacharel em
Direito, na Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais.

BELO HORIZONTE
2010
Monografia intitulada ―Estupro de vulnerável: uma abordagem à luz do bem jurídico
dignidade sexual‖, elaborada pela graduanda Clarissa Bahia Barroso França, com banca
constituída pelos professores:

________________________________________

PROFª. MSC. ISABEL PENIDO DE CAMPOS MACHADO


ORIENTADORA

__________________________________________

PROFª. DRA. DANIELA DE FREITAS MARQUES


(EXAMINADORA)

__________________________________________

PROF. DR. LEONARDO AUGUSTO MARINHO MARQUES


(EXAMINADOR)

Belo Horizonte, 24 de novembro de 2010.


Ao pequeno Lucas, minha maior preciosidade.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por ter permitido a chegada desse momento;

à Profª. Isabel Penido de Campos Machado, pela orientação acadêmica, disponibilidade,


apoio, confiança, paciência, e, sobretudo, pela amizade;

aos meus pais, pelo amor incondicional, exemplo, incentivo, e dedicação de sempre;

aos meus irmãos, Matheus e Lucas, pela paciência, pelo carinho e apoio;

à Nathália Lipovetsky, pela amizade sincera, pelo carinho, pelo incentivo e apoio nesta e
em todas as etapas da minha vida;

a Felipe Magalhães Bambirra pela solicitude e pelos inúmeros conselhos acadêmicos;

aos meus queridos amigos Andre Michael Gabbard, Ana Beatriz Costa Koury, Laura
Rennó Tenenwurcel, Fábio Furtado Duque, Renata Ferri Silva Amaral, Stefânia Cançado
Kunstetter e Sarah Cristina Guimarães, por alegrarem minha vida diariamente.

aos amigos da UFMG, pelo carinho e companheirismo que tornaram inesquecíveis esses
cinco anos na Vetusta Casa de Afonso Pena.
―O meio social que não cuida das crianças não tem futuro.
O meio social que não cuida dos idosos não tem passado.
E contar somente com o presente fugaz não é mais que uma mera ilusão.‖
ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE
RESUMO

No contexto da entrada em vigor da Lei 12.015/09, a partir de uma definição dos


conceitos de dignidade e de vulnerabilidade sexuais, o presente estudo examina alguns dos
aspectos controvertidos do tipo de estupro de vulnerável relativos ao critério etário
adotado pelo legislador. Primeiramente, resgata a construção da doutrina da proteção
integral da criança e do adolescente e examina sua aplicação nos crimes sexuais. Em
segundo lugar, elucida o conceito de dignidade sexual no contexto das crianças e
adolescentes. Em um terceiro capítulo, analisa a pertinência e a legitimidade da
determinação de um tipo penal específico para a proteção dos menores de 14 (quatorze)
anos na esfera da sexualidade, além de dedicar-se à apreciação da tese que defende a
adequação do tipo penal do estupro de vulnerável mediante a relativização da
vulnerabilidade nos casos concretos, com base no grau de conscientização do menor de
14 (quatorze) anos relativamente à prática sexual.
RESUME

Dans le contexte de l'entrée en vigueur de la loi 12.015/09, à partir d'une


définition des notions de dignité et de vulnérabilité sexuelles, cette étude examine
quelques aspects controversés du type pénal de « viol de vulnérable » relatifs au critère
d'âge adopté par le législateur. Tout d'abord, il reprend la construction la doctrine de
protection intégrale de l‘enfant et examine son application dans les crimes sexuels.
Deuxièmement, il éclaire la notion de dignité sexuelle dans le contexte des enfants et des
adolescents. Dans un troisième chapitre, il examine de la pertinence et la légitimité de la
détermination d‘un délit pénal spécifique pour la protection des mineurs de 14 ans dans le
domaine de la sexualité, et aussi se dédie à l'évaluation de la thèse qui soutient l'adéquation
de l'infraction de viol de vulnérables par la relativisation de la vulnérabilité dans des cas
individuels, en fonction du degré de conscience des enfants de moins de 14 ans par
rapport aux pratiques sexuelles.
SUMÁRIO

Introdução ...................................................................................................................................... 1

1. A proteção da criança no Direito Internacional e Interno: a construção da doutrina da

proteção integral e sua aplicação nos crimes sexuais. ............................................................... 4

2. A dignidade sexual como bem juridicamente protegido. ................................................ 12

2.1. A dignidade sexual: origem conceitual e as especificidades no caso das crianças ... 15

3. O conceito de vulnerabilidade e suas implicações jurídicas ........................................... 22

3.1. O conceito de vulnerabilidade no contexto da sexualidade dos menores de 14

(quatorze) anos ......................................................................................................................... 23

3.2. A questão da relativização da figura da vulnerabilidade .............................................. 34

3.3. A análise da tipicidade conglobante como caminho alternativo ao raciocínio viciado

da relatividade da vulnerabilidade .......................................................................................... 42

Considerações finais .................................................................................................................... 45

Referências bibliográficas ........................................................................................................... 47


1

INTRODUÇÃO

Desde o final da década de 80, os fenômenos da violência e do abuso sexual


cometidos contra crianças e adolescentes têm sido objeto de uma crescente mobilização
social voltada à adoção de políticas públicas para seu enfrentamento, tanto por parte de
setores da sociedade civil, quanto de representantes dos poderes públicos. No plano
político, especialmente em virtude da elaboração do Plano Nacional de Enfrentamento da
Violência Sexual Infanto-Juvenil, foram estabelecidas propostas de medidas preventivas,
além de ter sido estimulado o empreendimento de ―ações sociais especializadas e
multiprofissionais dirigidas ao atendimento de crianças, adolescentes e famílias envolvidas
com a violência e o abuso sexual‖1.

No âmbito jurídico, por sua vez, verifica-se que essa mobilização social surgiu em
um momento em que se colocou em evidência a afirmação dos direitos das crianças e de
adolescentes. Assim, com o advento da Constituição de 1988, do Estatuto da Criança e do
Adolescente - Lei 8.069/90 e da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU,
exigia-se também a elaboração de leis e a utilização dos mecanismos jurídicos como forma
de efetivação do combate à violência e ao abuso sexual das crianças e adolescentes.

O Direito Penal, nesse contexto, por se tratar do ramo da ciência jurídica que age
na tutela dos bens mais relevantes na vida do indivíduo e da sociedade, há muito atua no
enfrentamento à violência e ao abuso sexual cometido contra as crianças e adolescentes.
Entretanto, ainda que não haja dúvidas acerca da necessidade da criminalização dessas
condutas em razão da necessidade de se assegurar um desenvolvimento sadio às crianças e
adolescentes, os crimes sexuais sempre foram fonte de inúmeras divergências quanto à
construção de sua tipicidade legal e de sua adequação social.

A Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, na tentativa de aprimorar a legislação penal


relativamente aos crimes sexuais, promoveu diversas modificações no Código Penal.
Dentre todas elas se destaca a criação de um novo tipo penal intitulado estupro de
vulnerável, que possui como sujeito passivo o menor de 14 (quatorze) anos, de ambos os
sexos, e ao qual é cominada a severa pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão.

1CASTANHA, Neide (Org.). Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil:


Uma Política em Movimento Relatório do Monitoramento 2003-2004, Brasília, 2007, p. 12.
2

Sem a ambição de apresentar respostas definitivas acerca da polêmica tipificação


da violência e do abuso sexual cometido contra crianças e adolescentes, muito menos de
empreender uma análise dogmática completa do crime descrito no artigo 217-A do
Código Penal, o presente trabalho pretende examinar alguns aspectos conceituais da nova
figura típica, principalmente no que diz respeito ao conceito de vulnerabilidade e sua
verificação nos casos concretos.

Para tanto, mostrou-se fundamental o exame de duas outras alterações realizadas


pelo legislador, com consequências diretas no combate à violência e ao abuso sexual
cometidos contra crianças e adolescentes. A primeira delas enfoca na mudança do bem
jurídico tutelado no título IV do Código Penal, que antes assegurava os costumes e, a
partir da vigência da Lei 12.015/09, passou a garantir a dignidade sexual dos indivíduos. A
segunda refere-se à criação um capítulo exclusivo para tratar dos crimes cometidos contra
as crianças e adolescentes, que agora foram classificados na categoria de vulneráveis.

Assim, no primeiro capítulo, buscou-se resgatar a construção da doutrina da


proteção integral da criança e do adolescente, examinando-a como fundamento para a
compreensão da proteção desses indivíduos contra os crimes sexuais. Já no segundo
capítulo, cuidou-se de elucidar o conceito de dignidade sexual, mostrando a importância
de uma abordagem específica nas hipóteses que envolvem crianças e adolescentes. Tal
esclarecimento é essencial para delinear a tipicidade em seu aspecto conglobante.

Por fim, no último capítulo, dedicou-se ao exame das implicações jurídicas da


introdução do conceito de vulnerabilidade no crime de estupro. Nesse contexto, em um
primeiro momento, analisou-se a pertinência e a legitimidade da determinação de um tipo
penal específico para a proteção dos menores de 14 (quatorze) anos na esfera da
sexualidade. Em seguida, buscamos apreciar a tese que defende a possibilidade da
relativização da vulnerabilidade excluir a tipicidade nos casos concretos, de forma
semelhante ao que ocorria com a presunção de violência anteriormente à vigência da Lei
12.015/09. Com relação a esse aspecto, importante destacar que houve um
amadurecimento sobre o objeto de estudo ao longo da monografia, já que a proposta
inicial de se defender o caráter absoluto da vulnerabilidade foi alterada posteriormente,
chegando-se à conclusão da necessidade de superação do raciocínio proposto pela
doutrina. Por último, propõe-se a análise da tipicidade conglobante como solução mais
3

apropriada ao raciocínio da relatividade da vulnerabilidade, a fim de se satisfazer a


necessidade de compatibilização da configuração delitiva com a realidade fática e de se
evitar a criminalização de condutas sem relevância penal.
4

1. A PROTEÇÃO DA CRIANÇA NO DIREITO INTERNACIONAL E INTERNO: A CONSTRUÇÃO


DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E SUA APLICAÇÃO NOS CRIMES SEXUAIS.

Faz parte da natureza humana o reconhecimento de que as crianças, em razão sua


situação de maior vulnerabilidade com relação a outras parcelas da população, demandam
proteção prioritária2. No que tange à normativa contemporânea do Direito Internacional
dos Direitos Humanos, diversos foram os instrumentos que, em resposta a tal
necessidade, estabeleceram os direitos da criança e as obrigações estatais deles
decorrentes3.

Em 1924, a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, proclamada


pela extinta Liga das Nações4, foi um dos primeiros instrumentos normativos que tratou
da matéria, ao elencar, ainda que de forma genérica sob a forma de cinco princípios, as
obrigações de todas as nações no sentido de se assegurar às crianças um desenvolvimento
físico, moral e espiritual. Posteriormente, tais necessidades foram reiteradas pela

2 ―A proteção especial baseia-se no reconhecimento de que os Estados devem tomar medidas positivas e
preventivas levando em conta as condições especiais da criança; quer dizer, a vulnerabilidade à qual está
exposta a criança e sua dependência dos adultos para o exercício de alguns direitos, o grau de maturidade,
seu desenvolvimento progressivo e o desconhecimento de seus direitos humanos e dos mecanismos de
exigibilidade que não permite localizá-la numa situação similar à dos adultos e, portanto, justifica a adoção
de medidas especiais‖. In: ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Relatório Sobre Castigo
Corporal os Direitos Humanos Das Crianças e Adolescentes. OEA/Ser.L/V/II.135, Doc. 14, 05 de
agosto 2009, p. 07, §23. Disponível em:
<http://www.cidh.oas.org/pdf%20files/CASTIGO%20CORPORAL%20PORTUGUES.pdf>. Acesso
em: 31/03/2010. Ver também: COSTA KOURY, Ana Beatriz; BAHIA BARROSO FRANÇA, Clarissa.
O Direito à Integridade Pessoal no Marco do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos.
Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, nº51, Jul-Dez, 2007, p. 54-55.
3 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao afirmar sobre a existência de um corpus juris afirmou

que ―a Corte [Interamericana de Direitos Humanos] sublinha que a existência do denominado corpus juris é
o resultado da evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos em matéria de infância que tem
como eixo o reconhecimento da criança como sujeito de direito. Portanto, o quadro jurídico de proteção
dos direitos humanos das crianças não se limita à disposição do artigo 19 da Convenção Americana, mas
inclui para fins de interpretação, entre outras, as disposições compreendidas nas declarações sobre os
Direitos da Criança de 1924 e 1959, a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, as Regras
Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores (Regras de Pequim de 1985), as
Regras sobre Medidas Não Privativas da Liberdade (Regras de Tóquio de 1990) e as Diretrizes das Nações
Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Regras de Riad de 1990), além dos instrumentos
internacionais sobre direitos humanos de alcance geral‖. In: ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS, Relatório..., cit. supra nota 2, p. 06, §19.
4 LIGA DAS NAÇÕES. Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia

da Liga das Nações em 26 de setembro de 1924.


5

Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, mediante o reconhecimento de que


―a maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais‖5.

Conferindo um tratamento mais específico, ainda no âmbito das Nações Unidas,


sobreveio em 1959 a Declaração sobre os Direitos da Criança 6, na qual se preceituou a
existência de princípios específicos de proteção às crianças. Nela se afirmou
expressamente o direito das crianças à educação, a um desenvolvimento saudável em
todas as esferas da vida, à proteção contra qualquer tipo de negligência, crueldade ou e de
exploração, entre outros. Sobre o tema, afirma MONACO que:

O ponto principal dessa declaração (resolução n. 1.386), relativamente à


sua antecessora na proteção da infância, é a mudança de paradigma que
se instala, muito em função da consolidação da Declaração de 1948 que
universaliza a proteção dos direitos humanos, uma vez que agora a
criança passa a ser vista como sujeito de direito e não mais como mero
receptor passivo das ações realizadas em seu favor, dando-se início à
aplicação de um princípio que trinta anos depois seria inserto na
convenção subseqüente, que é o princípio do melhor interesse da
criança.7
Os aludidos instrumentos normativos foram de suma importância para a
construção das bases principiológicas que atualmente regem a matéria. Entretanto, foi
apenas com a adoção da Convenção sobre os Direitos da Criança 8 pela Assembléia Geral
da ONU, em 1989, que se pôde observar uma significativa transformação do tratamento
jurídico dispensado a essa parcela da população9. Na citada Convenção, primeiramente,
cuidou-se de definir o conceito de criança como todo o ser humano com menos de
dezoito anos, com a ressalva de que é possível alterar esse limite de idade se a lei nacional

5 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de


dezembro de 1948, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral. Disponível em
< http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm >. Acesso em 21 de março
de 2010, artigo XXV.
6 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração dos Direitos da Criança, adotada e proclamada

pela resolução 1386 (XIV) da Assembléia Geral, em 20 de novembro de 1959.


7 MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. A proteção da Criança no Cenário Internacional. Belo Horizonte: Del

Rey, 2005, p. 128. (grifos no original). Apud: MARX NETO, Edgard Audomar. O direito à imagem de crianças
e adolescentes. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2008, p. 7.
8 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela

resolução L 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, aprovada
pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n° 28, de 14 de setembro de 1990 e promulgada pelo decreto
n° 99.710, de 21 de novembro de 1990.
9 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinião Consultiva OC-17/02 de 28 de agosto de 2002. Serie
A No. 17, p. 15.
6

confere a maioridade mais cedo. A necessidade de se pautar segundo o critério etário 10 se


justifica, pois, devido a sua objetividade, limita a margem de discricionariedade dos
Estados signatários na apreciação da definição da maioridade, conferindo maior
aplicabilidade à convenção11.

Além disso, consagrou-se a chamada doutrina da proteção integral, a qual,


fundada na premissa de que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, e não mais
objetos, assegura com absoluta prioridade seus direitos individuais e as garantias
fundamentais a eles inerentes, impondo ao Estado a obrigação de adotar de medidas
protetivas específicas para tal finalidade12.

Nesse documento, os Estados signatários se comprometem a tutelar de forma


ampla as crianças e adolescentes não somente no que concerne aos direitos fundamentais
conferidos a todos os seres humanos, como o direito à vida, à não discriminação, à
proteção contra qualquer forma de tortura e maus tratos, mas também no que tange à
garantia do exercício de direitos que derivam de sua reconhecida condição especial, tais
como o direito a um desenvolvimento saudável, à educação e à instituição de um sistema
processual exclusivo para o seu julgamento13.

Assim, a normativa internacional dos direitos das crianças e adolescentes,


consubstanciada na doutrina da proteção integral, se orienta notadamente segundo o
princípio fundamental do interesse superior da criança. É o que preceitua o artigo 3º, item
1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, o qual estabelece que ―todas as ações
relativas às crianças, levadas a efeito por autoridades administrativas ou órgãos

10 Sobre a construção do conceito de infância, interessante a colocação de MARX NETO: ―A categoria


infância não se apresenta como um dado natural ou neutro. Pelo contrário, é o resultado de um longo
processo de diferenciação com fundamento na condição etária. Ou seja, a infância não é uma condição
biológica, mas uma construção da sociedade‖. In: MARX NETO, op. cit., O direito à imagem..., supra nota 7,
pp. 12-25.
11 A respeito do processo de elaboração da definição do conceito de criança na Convenção sobre os

Direitos da Criança, cf. O‘DONNEL, D. La convención sobre los derechos del niño: estructura y
contenido. Revista Infancia. Montevidéu, nº. 230, Tomo 63, Julho de 1990. Boletín del Instituto
Interamericano del Niño, 1990 pp. 11-25. Disponível em:
<http://www.iin.oea.org/IIN/cad/Participacion/pdf/la_convencion_sobre_los_derechos_del_nino.pdf
>. Acesso em 23/03/10.
12 SILVA PEREIRA, Tânia da. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de

Janeiro: Renovar, 1996, p. 59.


13 PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Criança e dignidade da pessoa humana. In: MIRANDA, Jorge;

SILVA, Marco Antonio Marques da. (Org.). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo:
Quartier Latin, 2008, pp. 1000-1001.
7

legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança‖14.


HAMMARBERG15, em estudo sobre os prováveis impactos da adoção da Convenção
realizado em 1990, já afirmava que seu foco principal é o interesse superior da criança,
asseverando que:

Mais do que qualquer convenção internacional anterior, a Convenção


reconhece as crianças como seres humanos de igual valor. Ela marca o
fim da antiga idéia de que as crianças, pelo menos em termos jurídicos,
não são mais do que as posses dos seus tutores. Ao mesmo tempo,
reconhece as crianças como crianças. A importância de uma infância feliz
é aceita para seu próprio benefício16.
No plano nacional, verifica-se que este novo paradigma em relação à população
infanto-juvenil, fundado na doutrina da proteção integral, passou a integrar o
ordenamento jurídico brasileiro antes mesmo da adoção da Convenção sobre os Direitos
da Criança, quando ela ainda estava em fase de elaboração. Segundo SILVA PEREIRA17, a
sociedade brasileira18, por ocasião da Assembléia Constituinte mobilizou-se para fazer
introduzir os direitos fundamentais da criança e do adolescente no artigo 227 do texto
constitucional19 que foi promulgado 1988.

Além da adaptação da Lei Maior às disposições normativas emanadas pelas


Nações Unidas, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA)20, o legislador brasileiro também cuidou de

14 A Corte Interamericana de Direitos Humanos ao discorrer sobre o tema, afirmou que ―este principio
regulador da normativa dos direitos da criança se funda na dignidade mesma do ser humano, nas
características próprias das crianças, e na necessidade de se propiciar o desenvolvimento destas, com o
pleno aproveitamento de suas potencialidades, assim como na natureza e alcances da Convenção sobre os
Direitos da Criança‖ (trad. livre). ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Condición Jurídica…, cit. supra nota 9, p.61, §53.
15 HAMMARBERG, Thomas. The UN Convention on the Rights of the Child-And How to Make It

Work. Human Rights Quarterly, [s.l.], The Johns Hopkins University Press,Vol. 12, nº 1, pp. 97-105, Fev.
1990, p. 99, trad. livre.
16 Idem.
17 SILVA PEREIRA, Direito..., op. cit., supra nota 12, pp.23 e 45.
18 Cf. o documento intitulado ―Carta à Nação Brasileira‖, produzido após a realização, em Brasília/DF, do

IV Congresso ―O Menor na Realidade Nacional‖, promovido pela Frente nacional dos Direitos da
Criança. In: PAULA, Criança e dignidade..., cit. in. MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 13, pp.
1005-1006.
19 Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB). Art. 227. É dever da família, da sociedade e do

Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (…)
20 Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras

providências. Diário Oficial da União, Brasília, 13 jul.1990 (doravante ECA).


8

promover a adequação21 do ordenamento jurídico infraconstitucional às diretrizes de


proteção da criança internacionalmente estabelecidas. Nos mais diversos domínios do
Direito, o ECA dispensou tratamento jurídico especial a todos os indivíduos que possuem
até dezoito anos de idade. A legislação brasileira foi inclusive além do que estabeleceu a
Convenção da ONU, pois dividiu os destinatários de suas normas em duas faixas etárias,
definindo a criança como a pessoa até 12 anos incompletos e o adolescente como aquela
entre 12 e 18 anos.

Ademais, com a finalidade específica de assegurar a proteção integral das crianças


e adolescentes, o Estatuto reforçou o fato de a criança gozar de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, explicitando que seu desenvolvimento como
pessoa deve ocorrer em condições de respeito, liberdade e dignidade 22. Conforme
assevera PAULA, não foi fácil a tarefa de explicitar juridicamente o conteúdo de cada uma
dessas condições23:

O legislador não ousou definir liberdade, preferindo indicar algumas


formas de sua manifestação, principalmente aquelas sujeitas à falta de
reconhecimento do mundo adulto. (…) Em seguida tratou do respeito,
agora sim construindo uma definição onde os valores positivos da
dignidade da pessoa humana são enunciados [nos artigos 17 e 18 do
ECA]24.
A trilogia liberdade-respeito-dignidade, eleita como o cerne da doutrina da
proteção integral25, também possui reflexos na seara penal, pois, a relevância de tais bens
jurídicos, já elevada quando se trata de adultos, se mostra ainda maior quando diz respeito
às crianças e adolescentes, justificando a criminalização de determinadas condutas
atentatórias ao desenvolvimento saudável desses indivíduos por meio da adoção de tipos
penais específicos. Por essa razão, o ECA consagrou um capítulo inteiro ao tratamento
dos delitos nos quais eles figuram como sujeitos passivos. Entretanto, embora sejam
previstos no citado diploma legal diversos crimes que visam proteger a dignidade das
crianças e adolescentes e garantir-lhes o respeito por parte dos adultos, tais como aqueles

21 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 02.
22 ECA, artigo 3º.
23 PAULA, Criança e dignidade..., cit. in. MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 13, p. 1009-1010.
24 Idem.
25 RIVERA, Deodato. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado (comentário ao art. 18, pp.

79/80). In: CURY, AMARAL E SILVA, MÉNDEZ (Coord.) São Paulo: Malheiros, 1992. Apud SILVA
PEREIRA, Direito..., op. cit. supra nota 12, p. 80.
9

relacionados à proscrição da participação da criança e do adolescente em cenas de sexo


explícito ou pornográficas26, a tutela desses indivíduos frente ao abuso praticado mediante
a realização de atos sexuais e libidinosos é feita no Código Penal.

Ocorre que, até recentemente, inexistia tipo penal específico para a tutela das
crianças e adolescentes contra as condutas de natureza sexual contra eles praticadas, já
que nos casos de estupro e atentado violento ao pudor em que a vítima não fosse maior
de 14 (quatorze) anos, o texto original do instrumento normativo penal se limitava a
determinar incidência de presunção de violência. Na redação revogada do art. 224 do
Código Penal:

Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de quatorze anos, b) é


alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não
pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.
Não obstante o recurso à técnica legislativa da presunção para se verificar a
ocorrência de violência tornasse o tipo penal mais rigoroso com aqueles que praticassem a
conjunção carnal ou outros atos libidinosos com menores de 14 (quatorze) anos, a
legislação assim configurada afastava-se das diretrizes estabelecidas pelo paradigma da
proteção integral.

Isso porque como os delitos de estupro e atentado violento ao pudor visavam


proteger qualquer pessoa27 da ingerência de outrem em sua esfera sexual, sem se
preocupar com o estabelecimento de uma tutela específica dirigida às crianças, concluía-se
que a liberdade sexual era o único valor jurídico protegido, independentemente da idade
da vítima28. Essa desconsideração da especificidade da proteção requerida pelas crianças e
adolescentes recebeu inúmeras críticas por parte da doutrina. Defendia-se ―a necessidade
de separação entre os crimes contra a liberdade sexual e os crimes sexuais contra
menores‖29, sob a justificativa de que, quando se trata da prática sexual com menores de
14 (quatorze) anos, a ilicitude da conduta delitiva não decorreria da ausência de
consentimento da vítima, mas sim da necessidade de proteger essas pessoas ―contra o
ingresso precoce na vida sexual, a fim de lhes assegurar crescimento equilibrado e sadio
26 ECA, artigos 240 a 241-E.
27 ESTEFAM, André. Crimes Sexuais: Comentários à Lei n. 12015/2009. São Paulo: Saraiva, 2009, p.57.
28 TRINDADE, Jorge; BREIER, Ricardo. Pedofilia: aspectos psicológicos e penais. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2007, p. 100.


29 FRANCO, Alberto Silva; SILVA, Tadeu. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 8ª Ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2007, p. 1019, apud ESTEFAM, Crimes sexuais..., op. cit. supra nota 27, p. 57.
10

sob esse aspecto‖30. Corroborando esse posicionamento, BREIER afirmava que ―o bem
jurídico, voltado apenas para a liberdade sexual, faz com que a legislação omita as demais
necessidades de tutela da vítima, principalmente nos casos das crianças vítimas de atos de
pedofilia‖31.

A primeira grande mudança efetuada pela Lei 12.015/09 na tentativa de


solucionar tal incoerência foi a criação um capítulo exclusivo para tratar dos crimes
cometidos contra as vítimas vulneráveis, entendidas como tal as crianças e adolescentes
em determinadas faixas etárias. Conforme se verifica do exame dos tipos penais incluídos
nesse capítulo, nos crimes de estupro de vulnerável (art. 217-A), corrupção de menores
(art. 218) e satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A)
considera-se vulnerável o menor de 14 (quatorze) anos. Esse patamar etário é mais
rigoroso apenas quanto ao delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de
exploração sexual de vulnerável (art. 218-B) no qual se entende serem vulneráveis os
menores de 18 anos.

Além disso, atendendo aos anseios da doutrina no que concerne à necessidade de


se dar tratamento jurídico diferenciado aos crimes sexuais cometidos contra a criança,
passou a figurar como delito autônomo o estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código
Penal), compreendido como aquele cujo sujeito passivo é o menor de 14 (quatorze)
anos32, cujo tipo penal é assim descrito:

Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14


(quatorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput
com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer
outra causa, não pode oferecer resistência
§ 2o (VETADO)
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos
§ 4o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

30 ESTEFAM, Crimes..., op. cit. supra nota 27, pp. 57-58.


31 TRINDADE; BREIER, Pedofilia...,. op. cit. supra nota 28, p. 103.
32 Apesar de reconhecer que o legislador equiparou, com acerto, a situação dos portadores de deficiência

mental e dos que não podem oferecer resistência à prática do ato à vulnerabilidade decorrente da faixa
etária, o presente estudo, por razões metodológicas, não abordará tais hipóteses.
11

Com a entrada em vigor da Lei 12.015/09 tornou-se ilícito, portanto, simples fato
de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com esses indivíduos, sem que
para a configuração do delito seja exigível que a conduta seja praticada mediante violência
ou grave ameaça, extinguindo-se a possibilidade de se considerar a ocorrência de violência
ficta33.

Partindo-se do pressuposto de que a aludida doutrina da proteção integral se


refere a todos os âmbitos do Direito nos quais se verifica a condição de vulnerabilidade
da criança e do adolescente34, o exame do tratamento jurídico da violência e do abuso
sexual cometidos contra os infantes não poderia se afastar do paradigma estabelecido pela
Convenção sobre os Direitos da Criança e adotado pelo ECA. Desse modo, sem adentrar
na discussão acerca da nova redação dada ao tipo penal descrito no artigo 217-A do
Código Penal, o que será tratado mais adiante, pode-se considerar um relevante progresso
a previsão de um delito autônomo de estupro no qual figuram como vítimas os menores
de 14 (quatorze) anos.

33 DUPRET, Cristiane. Manual de Direito Penal. Niterói: Editora Impetus, 2009, Adendo Lei nº
12.015/2009, p. 02.
34 FURNISS, T. Abuso sexual da criança – uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artes Médicas,

1993, apud TRINDADE; BREIER, Pedofilia..., op. cit. supra nota 28, p. 26.
12

2. A DIGNIDADE SEXUAL COMO BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO.

Segundo leciona BITENCOURT35, com base nos ensinamentos de JESCHECK36, ―o


bem jurídico constitui a base da estrutura e interpretação dos tipos penais‖. Nessa esteira
de pensamento, uma detida análise do bem jurídico tutelado em cada um dos diversos
grupos de tipos penais revela-se de fundamental importância tanto para a compreensão da
razão de ser dos delitos tipificados pelo legislador, quanto para possibilitar a correta
identificação das condutas efetivamente puníveis mediante sanção penal. A necessidade
de se perceber esses dois aspectos do tipo penal representa a garantia da aplicação do
princípio fundamental da ofensividade, o qual, de acordo com BITENCOURT37,

tem a pretensão de que seus efeitos tenham reflexos em dois planos: no


primeiro, servir de orientação à atividade legiferante, fornecendo
substratos político-jurídicos para que o legislador adote, na elaboração
do tipo penal, a exigência indeclinável de que a conduta proibida
represente ou contenha verdadeiro conteúdo ofensivo a bens jurídicos
socialmente relevantes; no segundo plano, servir de critério
interpretativo, constrangendo o intérprete legal a encontrar em cada caso
concreto indispensável lesividade ao bem jurídico protegido.
Como não poderia ocorrer de modo diverso com relação ao tipo penal de
estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal), a discussão acerca da definição do
bem jurídico por ele protegido torna-se imprescindível.

Conforme dito anteriormente, a Lei 12.015/09 criou um capítulo destinado à


proteção dos indivíduos considerados vulneráveis e instituiu um novo tipo penal que
contém uma nova modalidade de estupro, específico para os casos em que a vítima possui
menos de 14 (quatorze) anos. Contudo, essas não foram as únicas inovações. Dentre
outras, a referida Lei também modificou o bem jurídico resguardado no Título IV do
Código Penal. Assim, deixou o legislador de tutelar os costumes para proteger bem
jurídico mais amplo representado pela dignidade sexual38. A mudança de objeto da
proteção legal não poderia ser mais coerente, pois se coaduna melhor com os ditames do

35 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 326.
36 JESCHECK, ao tratar das distintas funções exercidas pelo bem jurídico em Direito Penal, assevera que ―o
bem jurídico deve ser o conceito central do tipo, em torno do qual devem girar todos os elementos
objetivos e subjetivos e, portanto, constitui importante instrumento de interpretação‖ In: JESCHECK, H.
H. Tratado de Derecho Penal. apud BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit. supra nota 35, p. 326.
37 BITENCOURT, Tratado..., op. cit. supra nota 35, p. 28.
38 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal– Parte Especial. Niterói: Editora Impetus, 2009, Adendo Lei nº

12.015/2009, p. 03.
13

Estado Democrático de Direito adotado pela Constituição Brasileira de 198839, eis que
deixa de ter em vista o simples resguardo da moral pública sexual40 e dos bons costumes,
para prezar pela tutela da dignidade da pessoa humana do ponto de vista sexual41.

Embora seja notável a maior harmonia com os preceitos constitucionais, a


adoção pelo legislador da dignidade sexual como bem jurídico protegido também traz
consigo algumas dificuldades que, por exigirem maior empenho por parte do aplicador do
Direito, serão tratadas no presente capítulo.

A primeira delas trata-se da fluidez do conceito do qual deriva a dignidade sexual,


qual seja a dignidade da pessoa humana. Apesar de nos parecer lógico entender a
dignidade sexual como uma das dimensões42 da dignidade da pessoa humana43, a
compreensão do que vem a ser a dignidade sexual não é tão facilmente dedutível. Inexiste
no ordenamento jurídico brasileiro uma definição explícita do que vem a ser a dignidade
da pessoa humana, inexistindo também, por conseguinte, definição de dignidade sexual.
Além disso, são raras as manifestações doutrinárias e jurisprudenciais no sentido de
construir tais conceitos de modo mais concreto, verificando-se mais frequentemente entre
os doutrinadores e aplicadores do Direito a tendência de deixar o significado intrínseco
do que vem a ser a dignidade para a compreensão intuitiva 44. Conforme afirma
SCHACHTER45, embora em algumas situações uma definição abstrata de dignidade não seja
necessária para se verificar a violação a esse bem jurídico, ―não é inteiramente satisfatório

39 CAPEZ, Fernando. A objetividade jurídica nos crimes contra a dignidade sexual. In: Âmbito Jurídico, Rio
Grande, 74, 01/03/2010. Disponível em http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7510. Acesso em 09/08/2010
40 Sob a perspectiva da redação original do Código Penal, lecionava Damásio Evangelista de Jesus, ―a lei

penal, (…), protege o interesse jurídico concernente à conservação do mínimo ético reclamado pela
experiência social em torno dos fatos sexuais. Em última análise, protege-se a moral pública sexual.
Evidentemente, o intérprete e aplicador da lei devem valer-se, mais do que nunca, da observação dos
costumes vigentes na sociedade onde vivem‖. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – Parte
Especial: Dos crimes contra a Propriedade Imaterial a dos Crimes contra a paz pública. São Paulo: Saraiva.
Vol 3, 1982/1983. p. 91.
41 CAPEZ, A objetividade..., op. cit supra nota 39.
42 Segundo Andreia Sofia Esteves Gomes, ―o conceito de dignidade da pessoa humana emerge da

necessidade (…) de proteger a pessoa humana na integralidade de suas várias dimensões‖. GOMES,
Andreia Sofia Esteves. A dignidade da pessoa humana e o seu valor jurídico partindo da experiência
constitucional portuguesa. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. (Org.). Tratado
Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 27
43 CAPEZ, Fernando, A objetividade..., op. cit supra nota 39.
44 SCHACHTER, Oscar. Human Dignity as a Normative Concept. The American Journal of International

Law,[s.l.], American Society of International Law, Vol. 77, nº 4, pp. 848-854, 1983, p. 850, trad. livre.
45 Idem.
14

aceitar a idéia de que a dignidade humana não pode ser definida ou analisada em termos
gerais‖46. Isso porque, explica o citado autor,

sem uma idéia razoavelmente clara de seu significado geral, não podemos
rejeitar o uso falacioso do conceito, nem podemos, sem compreender
seu significado, traçar implicações específicas para uma conduta
relevante.47
A segunda dificuldade, por sua vez, refere-se ao intrincado conceito de
sexualidade que, na atualidade, não mais é entendido como restrito às manifestações
vinculadas ao ato sexual. Se com relação aos adultos a sexualidade esteve na origem dos
maiores tabus da sociedade, a idéia inicialmente desenvolvida por FREUD48 de que as
crianças não são seres assexuados provocou, e até hoje provoca, certo espanto ou
desconforto na opinião popular49. Contudo, com a eleição da dignidade sexual como bem
jurídico tutelado no crime de estupro de vulnerável, os reflexos da polêmica questão
referente à sexualidade infantil passam também a possuir reflexos na esfera jurídica. Isso
porque surge a necessidade de se determinar (i) se as crianças e adolescentes menores de
14 (quatorze) anos têm direito ao exercício de sua sexualidade e (ii) de que forma devem
fazê-lo, tornando, então, especialmente complexa a compreensão da dignidade sexual dos
indivíduos considerados vulneráveis.

Portanto, mesmo que se vislumbre a impossibilidade de se definir de modo


extremamente concreto a dignidade da pessoa humana e dignidade sexual, a discussão
acerca dos contornos desses conceitos mostra-se necessária para a compreensão das
condutas penalmente relevantes no contexto da proteção dos menores de 14 (quatorze)
anos.

46 Idem.
47 Idem.
48 Nesse sentido, aduz FREUD que ―faz parte da opinião popular sobre a pulsão sexual que ela está ausente

na infância e só desperta no período da vida designado da puberdade. Mas esse não é apenas um erro
qualquer, e sim um equívoco de graves conseqüências, pois é o principal culpado de nossa ignorância de
hoje sobre as condições básicas da vida sexual. Um estudo aprofundado das manifestações sexuais da
infância provavelmente nos revelaria os traços essenciais da pulsão sexual, desvendaria sua evolução e nos
permitiria ver como se compõe a partir de diversas fontes.‖ In: FREUD, Sigmund. Obras Psicológicas
completas de Sigmund Freud: Volume VII: Um caso de Histeria, Três ensaios sobre a sexualidade e outros
trabalhos (1901-1905). Rio de Janeiro: IMAGO, 1972, p. 193.
49 IPPÓLITO, Rita. O lugar da escola na educação sexual: Algumas Questões para o Debate. In:

CASTANHA, N. (org.). Direitos sexuais são direitos humanos. Brasília: Comitê Nacional de Enfrentamento à
Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, 2008, p. 98.
15

2.1. A dignidade sexual: origem conceitual e as especificidades no caso das


crianças

Com origem no vocábulo latino dignitas, que quer dizer merecimento, respeito e
nobreza50, o conceito de dignidade, nas lições de GOMES, é fruto de um permanente
processo de construção51 cujo início remonta à antiguidade. Assim, as noções do que vem
a ser dignidade e de quais indivíduos dela são titulares, tal como conhecemos hoje,
evoluíram ao longo da história, tendo sido fortemente influenciadas em um primeiro
momento pelo ideário cristão52. Ao abordar as modificações no conceito de dignidade
trazidas pela filosofia cristã, sintetiza AGRA:

Na antiguidade, o conceito da dignidade da pessoa humana estava ligado


ao mérito, que poderia ser aferido pelo dinheiro, título de nobreza,
capacidade intelectual, etc. Os gregos acreditavam que o que diferenciava
os homens dos animais era a capacidade de empreender um pensamento
lógico, utilizando uma linguagem própria, que era designada pela palavra
logos, que representava a linguagem, a razão, advindo, assim, a
necessidade de respeito aos homens por essa capacidade e distinção.
Com o advento da ideologia cristã, em que o homem passa a ser
concebido à imagem e semelhança de Deus, a dignidade passou a ser
mérito de todos os seres humanos, independentemente de suas
qualidades; como seres concebidos à igualdade e semelhança de Deus, a
integridade dos homens faz parte da essência divina, merecendo,
portanto, ser respeitada53.
Conforme assevera GOMES, além da filosofia cristã, em que se destacam o
trabalho de Santo Agostinho e de Santo Tomás de Aquino, outras formulações advindas
do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII contribuíram de forma
importante para a determinação do sentido atribuído à dignidade da pessoa humana 54,
sendo que a principal característica dos aportes dos pensadores dessa época foi a
verificação de ―um processo de racionalização e laicização do conceito de dignidade da
pessoa humana, sem, contudo, se desconsiderar a nota de igualdade de todos os homens

50 SIQUEIRA JR., Paulo Hamilton. A dignidade da pessoa humana no contexto da pós-modernidade. In:
MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. (Org.). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade
Humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 253.
51 GOMES, A dignidade..., cit. in: MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 42, p. 26.
52 GOMES, A dignidade..., cit. in: MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 42, p. 24.
53 AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 2ªed., Rio de Janeiro, 2007, p. 100, apud

SIQUEIRA JR., A dignidade..., cit. in: MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 50, p. 253.
54 GOMES, A dignidade..., cit. in: MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 42, p. 25.
16

em dignidade e liberdade.‖55. Nesse contexto, uma influência decisiva na construção da


idéia de dignidade humana foi a filosofia kantiana, segundo a qual a dignidade humana,
entendida como ―o respeito pelo valor intrínseco de cada pessoa‖ 56, ―deve significar que
os indivíduos não podem ser percebidos ou tratados meramente como instrumentos ou
objetos da vontade dos outros‖57.

A concepção de dignidade com fundamento na doutrina de KANT serviu, assim,


de inspiração para a adoção do princípio da dignidade humana como a pedra angular dos
direitos elencados na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 194858. A partir de
então, referências a esse princípio são encontradas nas mais diversas resoluções e
declarações emanadas de organizações internacionais59, bem como em constituições de
inúmeros países60.

Essas breves considerações acerca da construção histórica do conceito de


dignidade, embora sejam de extrema importância para a compreensão dos fundamentos
da concepção de dignidade da pessoa humana, não elidem os vagos e imprecisos
contornos do conceito61. Entretanto, mesmo diante da reconhecida dificuldade de se
chegar a um conceito suficientemente concreto, de acordo com o que aduz GOMES, é
preciso ―procurar densificar o conceito de dignidade da pessoa humana para efeitos de
definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental‖ 62. Nesse sentido,
as lições de ALMEIDA fornecem um aprofundamento sobre o tema63 que julgamos
satisfatório, afirmando o aludido autor que a dignidade:

55 GOMES, A dignidade..., cit. in: MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 42, p. 25.
56 SCHACHTER, Human Dignity as..., op. cit. supra nota 44, p. 850, trad. livre.
57 Idem.
58 GOMES, A dignidade..., cit. in: MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 42, p. 25. Registre-se

que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em seu Artigo I, estabelece que ―todas as
pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em
relação umas às outras com espírito de fraternidade‖.
59 SCHACHTER, Human Dignity as..., op. cit. supra nota 44, p. 849, trad. livre.
60 Conforme aduz GOMES, ―disposições semelhantes existem, designadamente, nas Constituições belga

(artigo 23º), finlandesa (artigo 1º), alemã (artigo 1º), grega (artigo 2º), espanhola (artigo 10º, nº.1),
colombiana (artigo 1º), romena (artigo 1º), cabo-verdiana (artigo 1º), russa (artigo 21º), sul-africana (artigos
1º, 10º e 35º), polaca (artigo 30º) e timorense (artigo 1º). Constituições como as da Índia, da Bulgária, da
Irlanda ou da Venezuela também aludem, expressamente, à ‗dignidade da pessoa humana‘ nos respectivos
preâmbulos‖. GOMES, A dignidade..., cit. in: MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 42, p. 23.
61 GOMES, A dignidade..., cit. in: MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 42, p. 25.
62 GOMES, A dignidade..., cit. in: MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 42, p. 26.
63 ALMEIDA, Vasco Duarte de. Sobre o valor da dignidade da pessoa humana. Revista da Faculdade de

Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, Vol. 46, nº 1, pp. 623-648, 2005.


17

refere-se ao reconhecimento do valor intrínseco e soberano da pessoa


perante quaisquer condições externas, valor que se impõe por igual a
todos os membros da sociedade e vai muito para além da dignitas ligada à
honra, ao prestígio ou ao mérito social de qualquer cidadão em
particular. Cada pessoa, só pelo fato de o ser, é merecedora do máximo
respeito e proteção sociais, sobretudo em contextos que tornam evidente
a fragilidade da condição humana. Tal valor postula a existência de
garantias que assegurem a respectiva proteção, seja no plano subjetivo,
como bem ou conjunto de bens jurídicos atribuídos e titulados pelas
pessoas individualmente consideradas, seja no plano objetivo, como algo
a integrar nos bens comuns da coletividade e a proteger, preventiva ou
sucessivamente, sempre que for questionada ou posta em perigo a
incolumidade da pessoa humana. De resto, a dignidade deve ser afirmada
em todas as circunstâncias e fases da existência humana, em qualquer
posição social em que se encontre a pessoa e independentemente da
organização política a que se encontra sujeita64
Igualmente de grande valia, destacamos o conceito contido nas lições de
SALGADO65.:

Entende-se a dignidade humana como uma expressão tipicamente


moderna que exprime o valor inquantificável do ser humano, a sua
natureza de fim em si mesmo, natureza que, por sua vez, exige um
tratamento compatível com o seu valor, que será posterior e
gradativamente garantido e efetivado através de direitos que, justamente
por tutelarem o homem em sua dignidade, recebem o nome de
fundamentais. A dignidade humana permite uma visão absolutamente
universal do homem, prescindindo de qualquer outra qualificação, como
raça, religião ou atuação político-social.
Uma leitura atenta dos conceitos de dignidade da pessoa humana traçado pelos
aludidos autores nos leva a destacar alguns pontos importantes. Primeiramente, sobreleva-
nos notar a ampla abrangência da dignidade, como característica essencial e inerente a
qualquer ser humano, seja qual for seu gênero, orientação sexual, idade, condição
socioeconômica, sendo inclusive irrelevante sua capacidade civil, política ou de
discernimento. Em outras palavras, nos dizeres de BULOS ―a força jurídica do pórtico da
dignidade começa a espargir desde o ventre materno, perdurando até a morte, sendo inata
ao homem‖66.

Em segundo lugar, relevante observar que a dignidade, enquanto ―valor


intrínseco e soberano da pessoa perante quaisquer condições externas‖, deve ser

64 ALMEIDA, Sobre o..., op. cit. supra nota 63, p. 631, grifos não constantes no original.
65 SALGADO, K. A filosofia da dignidade humana; A contribuição do alto medievo. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2009, p. 13-14, grifos não constantes no original.
66 SIQUEIRA JR., A dignidade..., cit. in: MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 50, p. 253.
18

observada nas mais variadas dimensões da vida do homem, envolvendo tanto aspectos
―espirituais (liberdade de ser, pensar e criar etc.)‖67, como ―materiais (renda mínima, saúde
alimentação, lazer moradia, educação etc.)‖68. A respeito da extensão do princípio da
dignidade humana na tutela do indivíduo, pertinente a ponderação de GOMES:

A dignidade como dimensão intrínseca do ser humano articula-se com o


processo de construção da identidade pessoal de cada um, permitindo a
cada pessoa orientar a sua vida de acordo com o seu projeto espiritual e
desenvolver livremente a sua personalidade.69
Por fim, e talvez mais importante, destaque-se que a dignidade da pessoa
humana, tal como acima definida, revela-se como cerne do conjunto de direitos chamados
fundamentais. A dignidade humana possui, então, não apenas um aspecto subjetivo,
intimamente relacionado à autonomia individual de cada ser humano de desenvolver
livremente a sua personalidade (autodeterminação), mas também se limita por um aspecto
objetivo, representado pela indisponibilidade dos direitos fundamentais. Desse modo, a
garantia da dignidade não poderá ser eliminada, nem mesmo nas situações em que o
indivíduo age voluntariamente no sentido de renunciá-la70, isto é, conforme aduz MATOS,
―o homem não escolhe se quer ter ou não dignidade, nem esta pode, em momento algum,
ser olvidada‖71. O posicionamento da doutrina e jurisprudência, principalmente as de
origem européia, tem corroborado esse caráter objetivo da dignidade da pessoa humana,
conforme afirma MALBY72:

67 Idem.
68 Idem.
69 GOMES, A dignidade..., cit. in: MIRANDA; SILVA, Tratado..., op. cit. supra nota 42, p. 27.
70 Nesse sentido também se posiciona MALBY, trazendo à luz alguns casos paradigmáticos do direito

europeu: ―o caso Brown da ECtHR [Corte Européia de Direitos Humanos], o caso Lancer des Nains
[Lançamento de anões] do Conselho de Estado francês, e a decisão alemã Peep Show mostram que, no
espírito europeu, a dignidade não está indissoluvelmente ligada a uma visão liberal-individualista do seres
humanos como pessoas cujas escolhas de vida merecem respeito. Em Brown, o tribunal declarou que, em
relação aos masoquistas consentidos ‗a proteção da vida privada significa a proteção da intimidade da
pessoa e da dignidade, e não a proteção de sua baixeza ou a promoção do imoralismo criminal‘. Em Lancer
des Nains [Lançamento de anões], o Conselho de Estado francês decidiu que era uma afronta à dignidade
humana para permitir o lançamento (por esporte) de uma pessoa escolhida por causa de sua deficiência
física, não obstante a participação voluntária do anão envolvido‖ MALBY, Steven. Human Dignity and
Human Reproductive Cloning. Health and Human Rights, Harvard School of Public Health/François-
Xavier Bagnoud Center for Health, [s.l.], Vol. 6, nº 1, pp. 102-135, 2002, p. 110, trad. livre.
71 MATOS, Inês Lobinho. A dignidade da pessoa humana na jurisprudência do Tribunal Constitucional

mormente, em matéria de direito penal e direito processual penal. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco
Antônio Marques da. (Org.). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008,
p. 83.
72 MALBY, Human Dignity..., op. cit. supra nota 70, p. 110.
19

Esta abordagem sugere que o Estado pode introduzir regulamentações


para restringir a liberdade das pessoas de fazer escolhas que, do ponto de
vista do Estado, interfiram na dignidade de um indivíduo, de um grupo
social, ou da raça humana como um todo. Note que este recurso para o
elemento objetivo da dignidade da pessoa não é necessariamente um
recurso à dignidade do indivíduo interessado, ou até mesmo à dignidade
das pessoas diretamente afetadas pela ação. Pelo contrário, as ações de
um indivíduo podem ser capazes de violar a dignidade coletiva, ou
mesmo serem incompatíveis com uma (mais metafísica) noção de
dignidade, mesmo se nenhuma perda concreta para o grupo ou a
sociedade possa ser diretamente identificada.
Diante de tão amplo espectro de indivíduos merecedores do reconhecimento de
sua dignidade, bem como da vasta extensão dos aspectos da vida humana que devem ser
orientados segundo esse valor, é imperioso reconhecer a necessidade de se formular um
juízo de concretização do termo segundo as características de cada situação examinada 73.
Nesse contexto, a sexualidade, devido a sua importância na vida de todas as pessoas, vem
a ser uma das perspectivas cuja proteção jurídica deve ocorrer sob a ótica da dignidade.

A noção de sexualidade é complexa74 e abrange mais do que os comportamentos


física ou socialmente considerados estritamente sexuais75, motivo pelo qual não
pretendemos, no presente trabalho, esgotar profundamente todos os aspectos a ela
relacionados. Entretanto, convém destacar o conceito estabelecido pelas orientações
conjuntas da Organização Mundial da Saúde e a Organização Panamericana de Saúde, o
qual define a sexualidade como

uma dimensão essencial do ser humano o qual inclui sexo, gênero,


identidade sexual e de gênero, orientação sexual, erotismo, afeto
emocional/amor, e reprodução. Ela é vivenciada ou expressa em
pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, atividades,
práticas, papéis, relacionamentos. A sexualidade é o resultado da
interação de fatores biológicos, psicológicos, socioeconômicos, culturais,
éticos e religiosos/espirituais.(…)

73 A esse respeito, assevera ALMEIDA que a dignidade ―Trata-se de um critério em boa parte
indeterminado, que necessita, portanto, de um indispensável juízo de concretização a formular de situação
para situação. Diferentes tradições valoram de forma diferente o conteúdo e o alcance do critério da
dignidade‖. In: ALMEIDA, Sobre o..., op. cit. supra nota 63, p. 639
74 VANCE, C. S. (org.). Pleasure and Danger: Exploring Female Sexuality, London: Pandora Press, 1992,

p.04, apud MILLER, Alice M. Sexual but Not Reproductive: Exploring the Junction and Disjunction of
Sexual and Reproductive Rights. Health and Human Rights, Vol. 4, nº 2, Reproductive and Sexual Rights,
pp. 68 -109, 2000, p. 74, trad. livre.
75 MILLER, Sexual but…, op. cit. supra nota 74, p. 73, trad. livre.
20

A sexualidade está presente em todo o ciclo de vida, embora as


diversas expressões e influências que afetam a sexualidade possam variar
ao longo do tempo76.
Como se pode observar, a sexualidade é um aspecto que integra a personalidade
humana desde o nascimento77, sendo, por conseguinte, fundamental que se assegure a
todos os indivíduos seu desenvolvimento em consonância com o princípio dignidade da
pessoa humana. Em outras palavras, a todos os seres humanos deve ser garantido um
processo livre, autônomo e saudável de construção de sua sexualidade, o que se traduz no
ordenamento jurídico pela inclusão dos direitos sexuais no rol dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, ao discorrer sobre a classificação dos direitos sexuais como


direitos fundamentais, assevera GRAUPNER78 que a autodeterminação sexual abrange dois
aspectos básicos: o direito de engajar-se em uma manifestação de sexualidade desejada e o
direito de ser livre e de estar protegido de manifestações de sexualidade indesejadas, assim
como do abuso sexual e da violência sexual. Assim, conclui o citado autor, a menos que
estes dois aspectos sejam cumpridos, a dignidade sexual não pode ser realizada na sua
verdadeira essência.

Se, como já dito, o exercício dos direitos sexuais deve ser a todos assegurado,
observando-se o respeito à dignidade humana, não poderia ocorrer de modo diverso com
relação às crianças e adolescentes, visto que eles não são seres assexuados, ao contrário do
que demonstram as construções do conceito de infância manifestadas pelo senso
comum79. Embora não prevista de maneira expressa no ordenamento jurídico brasileiro,
no cenário internacional a garantia do desenvolvimento digno da sexualidade já encontra
guarida nos Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos
em relação à orientação sexual e identidade de gênero, os chamados Princípios de
Yogyakarta, elaborados em 26 março de 2007 por um grupo de especialistas em direitos

76 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Promotion of Sexual Health: Recommendations for Action,


Maio, 2000, pp. 8-9, trad. livre.
77 GROFF, Alcione Maria. Sexualidade e Contexto Escolar. EDUCERE – Revista da Educação, vol. 2, nº2,

jul-dez, 2002, p. 192. Disponível em: <http://revistas.unipar.br/educere/article/viewFile/849/746>.


Acesso em: 29/04/10.
78 GRAUPNER, Helmut. Sexuality and Human Rights in Europe. Journal of Homosexuality, [s.l.], Routledge,

Vol. 48, nº 3, pp. 107-139, 2005, p.110, trad. livre.


79 SAYÃO, Débora Thomé. Gênero, Infância, Sexualidade e Educação. In: CASTANHA, N. (org.).

Direitos sexuais são direitos humanos. Brasília: Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra
Crianças e Adolescentes, 2008, p. 45.
21

humanos80. Em seu artigo 6º, o referido documento inova afirmando que não apenas
adultos, mas ―todas as pessoas com idade superior à idade de consentimento‖ têm o
direito de exercer atividade sexual, sem, no entanto, especificar um padrão ideal de idade.
Também a declaração da Federação Internacional de Paternidade Planejada (FIPP),
reconhece o direito dos menores de 18 anos à atividade sexual, estabelecendo, contudo,
limites subjetivos ao exercício de tal direito. Nesse sentido, a citada Organização Não-
Governamental afirma que devida atenção deve ser dada à evolução das capacidades
sexuais de cada indivíduo menor de 18 anos, lembrando a existência de um especial dever
de assegurar que essas pessoas não sejam sexualmente abusadas:

Diversos princípios governam o inter-relacionamento entre os direitos


da criança e do adolescente e outros interesses. Entre eles: o
reconhecimento de pessoas menores de dezoito anos como sujeitos de
direitos, o maior interesse da criança, o desenvolvimento das capacidades
da criança, a não-discriminação, e a responsabilidade de assegurar
condições para o desenvolvimento.
No contexto dos direitos sexuais, estes princípios requerem uma
abordagem individualizada, permeada pela demonstração de maturidade
e consideração de circunstâncias particulares, tais como: a capacidade de
discernimento da criança ou adolescente; condições de saúde física e
mental; relacionamento com os pais ou outras partes interessadas;
relações de poder entre os envolvidos, e a natureza do assunto em pauta.
(…) Todas as crianças e adolescentes têm o direito de desfrutar de
proteção especial contra todas as formas de exploração. Isto inclui
proteção contra a exploração sexual, prostituição infantil e todas as
formas de abuso sexual, violência e assédio, inclusive a submissão de
crianças à participação em quaisquer atividades sexuais ou práticas
sexuais e o uso de crianças em espetáculos e materiais pornográficos81.
A discussão acerca da atividade sexual dos menores e em que medida ela ocorre
pautada no princípio da dignidade humana exige, portanto, uma análise do caso concreto
que ultrapassa a questão do consentimento, mais atenta às especificidades de cada criança
ou adolescente envolvido, a fim de se cumprir as exigências de proteção contra o abuso
sexual.

80 O‘FLAHERTY, Michael; FISHER, John. Sexual Orientation, Gender Identity and International Human
Rights Law: Contextualising the Yogyakarta Principles. Human Rights Law Review, [s.l.], Oxford University
Press,Vol.8, nº2, pp. 207-248, 2005, p.208, trad. livre.
81 INTERNATIONAL PLANNED PARENTHOOD FEDERATION. Direitos sexuais: uma declaração da

IPPF- International Planned Parenthood Federation. Rio de Janeiro : BEMFAM, 36 p., 2009, p. 14
22

3. O CONCEITO DE VULNERABILIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS

No contexto das mudanças trazidas pela Lei 12.015/09, o legislador teria


atribuído a qualidade de vulnerável aos menores de 14 (quatorze) anos como forma de
reconhecer que eles são indivíduos especialmente suscetíveis de serem vítimas de
condutas delitivas lesivas à sua dignidade sexual82. Logo, a criação da norma penal
específica para o resguardo da dignidade sexual desses indivíduos, com a cominação de
pena mais elevada do que aquela prevista para a repressão da mesma conduta delitiva
envolvendo vítima maior de 14 (quatorze) anos83, se legitimaria pela necessidade de o
Estado atuar na prevenção da ocorrência de violência e abuso sexual, proporcionando-
lhes a especial proteção a que fazem jus em razão de sua condição de vulnerabilidade.

Apesar da importância do conceito de vulnerabilidade84 como fator de


legitimação da existência da nova modalidade de estupro, sua definição objetiva não é
trazida no Código Penal. Ao contrário, o legislador se limita a elencar algumas hipóteses
nas quais se caracteriza a vulnerabilidade do sujeito passivo do crime. São elas: o fato de
ser menor de 14 (quatorze) anos; o acometimento de enfermidade ou deficiência mental
que elida o necessário discernimento para a prática do ato sexual e, por fim, a existência
de qualquer outra causa que suprima a possibilidade de o indivíduo oferecer resistência.

Assim, no que tange à determinação das condutas penalmente relevantes no


contexto da proteção dos menores de 14 (quatorze) anos, além da necessidade de
compreensão da amplitude do bem jurídico tutelado, tratada no capítulo anterior, também
se faz necessário um exame dos elementos que compõem a nova figura delitiva
consubstanciada no artigo 217-A do Código Penal, em especial no que diz respeito ao
emprego do conceito de vulnerabilidade utilizado em sua denominação jurídica. Afinal,
conforme leciona MAXIMILIANO, é regra básica de hermenêutica jurídica que ―as

82 Nesse sentido, cf. HAREL, Alon; PARCHOMOVSKY, Gideon. On Hate and Equality. The Yale Law
Journal, New Haven: The Yale Law Journal Company, Vol. 109, No. 3, pp. 507-539, Dez., 1999. pp. 509-
510.
83 Idem.
84 Embora seja uma novidade na esfera penal, o conceito de vulnerabilidade não é inédito no ordenamento

jurídico brasileiro, estando presente também no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de
1990, que estabelece o Código de Defesa ao Consumidor.
23

expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação
real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis‖85.

Neste contexto, o presente capítulo se propõe a definir o conceito de


vulnerabilidade e explicitar sua aplicabilidade no caso da sexualidade dos menores de 14
(quatorze) anos, analisando, primeiramente, a pertinência da determinação do parâmetro
de idade escolhido pelo legislador. Em segundo lugar, dedica-se a demonstrar a superação
da antiga discussão sobre a revogada presunção de violência, especialmente no que tange
à controvérsia acerca da (im)possibilidade da relativização do critério etário nos casos
concretos.

3.1. O conceito de vulnerabilidade no contexto da sexualidade dos menores de 14


(quatorze) anos

Segundo FERREIRA o vulnerável é caracterizado como aquele ―que pode ser


vulnerado (ferido)‖86 ou então ―o lado fraco de um assunto ou de uma questão, ou do
ponto pelo qual alguém pode ser atacado‖87. Embora tais significações corretamente
demonstrem a posição de risco que o vulnerável ocupa perante os demais, percebe-se que
são pouco elucidativas quando se pretende constatar, na prática, situações de desigualdade
capazes de caracterizar determinado indivíduo ou grupo como vulnerável.

De fato, conforme consta no dicionário, o conceito de vulnerabilidade reflete a


posição de fraqueza88 ou desvantagem de um indivíduo ou grupo com relação aos outros.
Contudo, uma definição restrita como essa nos levaria a equiparar, de modo equivocado,
a vulnerabilidade com a existência de uma mera disparidade de forças, quando, na
verdade, reconhecer um indivíduo como vulnerável vai mais além do que isso. Segundo a

85 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 250.
86 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª Edição. Rio de
Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1995, p.1792.
87 Idem.
88 FORSTER, Jacques. Reversing the spiral of vulnerability. In: International Review of the Red Cross, Genebra,

International Committee of the Red Cross for the International Red Cross and Red Crescent Movement,
nº 301, 1994, p. 319, trad. livre.
24

Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, a vulnerabilidade é


constatada a partir da

existência de determinadas circunstâncias responsáveis pelo aumento


significativo do risco de que haja situações que ameacem a sobrevivência
ou a capacidade de um indivíduo ou grupo de viver com um mínimo de
segurança socioeconômica e de dignidade humana.89
A partir dessa observação, percebe-se que a vulnerabilidade deve ser entendida
como um termo específico90, pois não é possível compreendê-la sem antes identificar
quais são os fatores capazes de determinar a situação de fraqueza de um indivíduo, e, em
seguida, estabelecer o nexo de causalidade entre essa fraqueza e as limitações que este
encontra no exercício de seus direitos. Em outras palavras, o real significado do termo só
pode ser alcançado levando-se em consideração as circunstâncias de cada caso concreto91.

Os fatores capazes de tornar um indivíduo ou grupo vulnerável são tão diversos92


que é possível afirmar que todos os seres humanos serão considerados vulneráveis em
alguma etapa de suas vidas93. Podem ser tanto físicos94 (v.g. idade e sexo biológico),

89 FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA E DO CRESCENTE VERMELHO.


Improving the situation of the most vulnerable -Strategic Work Plan for the Nineties, revisado e adotado pela
Assembléia Geral em sua IX Sessão, Birmingham, 25-28 de Outubro de 1993, p.7, trad. livre.
90 GRAZ, Liesl. A question of vulnerability. In: Red Cross, Red Crescent, International Red Cross and Red

Crescent Movement, Genebra, nº03, 1997, Disponível em: <


http://www.redcross.int/EN/mag/magazine1997_3/2-7.html .>. Acesso em: 05/05/2010, trad. livre.
91 Cf. no mesmo sentido: HOFFMASTER, Barry. What Does Vulnerability Mean. In: The Hastings Center

Report, Vol. 36, Nº 2 (Mar. - Abr., 2006), p. 38, trad. livre.


92 ―Os fatores de (vantagem ou) desvantagem são muito numerosos. Alguns decorrem de condições

próprias do sujeito – a saúde, a idade ou o sexo, entre elas -; outras, de circunstâncias sociais – a condição
de indígena, estrangeiro, detido, por exemplo.‖ ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS.
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Sentença de 4 de julho de 2006.
Série C No. 149. Voto fundamentado do Juiz Sergio García Ramírez, p. 01, §5º, trad. livre.
93 GRAZ, A question..., op. cit. supra nota 90. No mesmo sentido, interessante a afirmação de

HOFFMASTER no sentido de que a vulnerabilidade é um aspecto na natureza humana ainda mais marcante
do que a própria racionalidade: ―Os seres humanos são racionais, mas os seres humanos também têm um
corpo, e porque têm corpos, eles são vulneráveis. De fato, a vulnerabilidade é uma característica ainda
mais básica da nossa constituição humana do que a racionalidade, porque, enquanto todos os seres
humanos são vulneráveis, não todos os seres humanos são racionais ou mesmo possuem o potencial para
se tornarem racionais. Todos os seres humanos nascem em vulnerabilidade e permanecem profundamente
vulneráveis por algum tempo, mas os seres humanos que nascem sem certas partes de seus cérebros ou
com extrema deficiência mental nunca irá se tornar racional‖. In: HOFFMASTER, What Does..., op. cit.
supra nota 91, p. 43, trad. livre.
94 Sobre esse aspecto, interessante a observação de HOFFMASTER no sentido de que ―quando a

vulnerabilidade é o resultado de causas naturais, há pouco, se houver alguma, diferença entre ser
‗vulnerável‘ e estar ‗em risco‘.‖ In: HOFFMASTER, What Does..., op. cit. supra nota 91, p. 41, trad. livre.
25

quanto psíquicos95 (v.g. desenvolvimento mental) ou socioeconômicos96 (v.g. identidade de


gênero, pobreza e acesso à educação), inclusive, apresentando-se de forma conjugada na
maioria das vezes97. Um exemplo que ilustra como a vulnerabilidade deve ser avaliada em
seu aspecto multidimensional é a situação dos meninos de rua. Para esses indivíduos,
aliadas ao fato de serem crianças e adolescentes em tenra idade, as condições
socioeconômicas nas quais vivem os tornam especialmente incapazes de assegurar o
respeito a seus direitos98.

A vulnerabilidade decorrente de fenômenos naturais, a exemplo da idade, parece


ser mais facilmente percebida do que a resultante de circunstâncias socioeconômicas, já
que aquela pode ser frequentemente associada à fragilidade do corpo humano. A respeito,
ponderou CANÇADO TRINDADE que ―[d]e modo geral, é ao início e ao final do tempo
existencial que se experimenta maior vulnerabilidade, frente à proximidade do
desconhecido (o nascimento e a primeira infância, a velhice e a morte).‖99

95 Nesse sentido, manifestou-se a Corte Interamericana de Direitos Humanos: ―(e)m virtude de sua
condição psíquica e emocional, as pessoas portadoras de deficiência mental são particularmente
vulneráveis a qualquer tratamento de saúde e essa vulnerabilidade se vê aumentada quando essas pessoas
ingressam em instituições de tratamento psiquiátrico. Essa vulnerabilidade aumentada se verifica em razão
do desequilíbrio de poder existente entre os pacientes e o pessoal médico responsável por seu tratamento
e pelo alto grau de intimidade que caracteriza os tratamentos das doenças psiquiátricas.‖In:
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso
Ximenes Lopes vs. Brasil. Sentença de 4 de julho de 2006. Série C No. 149, p. 52, §129.
96 Discorrendo acerca da pobreza como fonte de vulnerabilidade, FORSTER afirma que ―o setor

empobrecido da população do país continua muito vulnerável, mesmo que possa ter apenas os meios para
sobreviver. Os pobres estão à mercê dos acasos da vida familiar (doenças, acidentes, morte de um chefe
de família, perda de emprego). Apenas ‗redes de segurança‘, tais como os fornecidos pela seguridade social
e solidariedade de grupo ou família podem impedir que eles sejam atraídos para a espiral de adversidade
cumulativa. A relação entre pobreza relativa e vulnerabilidade, portanto, depende não só do rendimento
médio, mas também sobre a natureza do tecido social In: FORSTER, Reversing..., op. cit. supra nota 88, p.
319, trad. livre.
97 Por serem em certa medida temas conexos, as ponderações de CANÇADO TRINDADE sobre as causas

do fenômeno da discriminação também se aplicam às causas da vulnerabilidade: ―dificilmente a


discriminação ocorre com base em um único elemento (v.g. raça, origem nacional ou social, religião, sexo,
entre outros), sendo antes uma mescla complexa de vários deles (inclusive casos de discriminação de jure)‖.
In: ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Condición Jurídica…, cit. supra nota 9, voto fundamentado do juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, p.
23, §62, trad. livre.
98 Nesse mesmo sentido, cf. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana

de Direitos Humanos. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Mérito.
Sentença de 19 de novembro de 1999. Serie C No. 63.
99 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Condición Jurídica…, cit. supra nota 9, Voto fundamentado do Juiz Cançado Trindade, p. 02, §5º, trad. livre.
26

Devido à peculiar condição de indivíduo em desenvolvimento, as crianças e


adolescentes reúnem uma série de características que justificam a sua classificação como
grupo vulnerável, tais como:

(…) não terem acesso ao conhecimento pleno de seus direitos; não


terem atingido condições de defender seus direitos frente às omissões e
transgressões capazes de violá-los; não contarem com meios próprios
para arcar com a satisfação de suas necessidades básicas; não poderem
responder pelo cumprimento das leis e deveres e obrigações inerentes à
cidadania da mesma forma que o adulto, por se tratar de seres em pleno
desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e sociocultural100.
Essas particularidades que indicam a vulnerabilidade se refletem em todas as
dimensões da vida das crianças e adolescentes, inclusive no que diz respeito à sexualidade.
Parece ser indubitável o consenso acerca do fato de que as crianças e adolescentes, por
serem fisicamente mais frágeis, possuem maior dificuldade de oferecer resistência
concreta (mecânica) à realização de atos sexuais quando utilizada pelo agente efetiva
violência ou agressão. O mesmo consenso não se verifica, contudo, quando se trata de
caracterizar a vulnerabilidade desses indivíduos diante de uma situação de abuso sexual,
ou seja, nos casos em que o agente se aproveita da vítima em virtude de sua incapacidade
de oferecer resistência101. No mesmo sentido, aduz GRAUPNER que

enquanto há um consenso básico sobre a eficácia e a necessidade do


direito penal [no combate do abuso sexual infantil], há uma boa dose de
controvérsia sobre a exata construção das infrações102.
O citado autor prossegue afirmando que uma das questões em torno da qual gira
tal controvérsia se refere à dificuldade de se determinar até que idade deve chegar a
proteção especial conferida às crianças e adolescentes103, asseverando que

É fácil admitir que um contato sexual com uma criança de 5 anos de


idade sempre é um abuso, mas é muito mais difícil de sustentar que uma
relação sexual com uma criança de 12 anos de idade em todo e qualquer
caso é abusivo e é definitivamente impossível sustentar que o contato
sexual um individuo de 16 anos de idade é um abuso em todo caso. Se a
idade limite é muito alta a lei pode facilmente entrar em conflito com a

100 COSTA, Antonio Carlos Gomes. Natureza e implantação do novo Direito da Criança e do
Adolescente. In: SILVA PEREIRA, Tânia da. (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei 8.069/90:
estudos sociojurídicos. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, l992, p. 26. Apud SILVA PEREIRA, Direito..., op. cit.,
supra nota 12, p.28.
101 GOMES, L. F. A presunção de violência nos crimes sexuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 18.
102 GRAUPNER, Helmut. Sexual Consent: the criminal law in Europe and outside Europe. Journal of

Psychology & Human Sexuality, [s.l.], Routledge, vol. 16, nº 2, 2005, p. 113, trad. livre.
103 GRAUPNER, Sexual Consent…, op. cit. supra nota 102, p. 114, trad. livre.
27

necessidade dos adolescentes à liberdade sexual e poderia facilmente


passar de um meio de proteção a uma ameaça em si mesma para a
autodeterminação sexual de menores. Assim, os legisladores têm que
encontrar um equilíbrio razoável e justo entre a necessidade dos
adolescentes à proteção do sexo indesejado e sua igualmente necessária
liberdade de participar na autodeterminação das relações sexuais.104
O Direito penal brasileiro, mesmo antes das alterações provocadas pela Lei
12.015/09, já adotava o limite mínimo de 14 (quatorze) anos para considerar válido o
consentimento de um indivíduo para os atos sexuais. Agora sob a perspectiva da proteção
da dignidade sexual e alicerçada no conceito de vulnerabilidade, a escolha desse marco
etário pelo legislador parece se justificar no fato de que diversas circunstâncias fazem com
que as crianças e adolescentes nessa faixa etária sejam alvos mais fáceis de abuso sexual.

Todavia, a questão da definição da idade a partir da qual o consentimento da


vítima seria um dos mecanismos válidos para assegurar sua dignidade sexual não é
pacífica. Alguns doutrinadores criticam a escolha da idade de 14 (quatorze) anos como
limite mínimo e sugerem que a harmonização das normas do Código Penal com o que
preceitua o Estatuto da Criança e do Adolescente exigiria a redução desse patamar para 12
anos. Nesse sentido, lecionava GOMES, ainda quando vigente a presunção de violência:

O reconhecimento legal de que o adolescente (entre doze anos e dezoito


anos) está sujeito a medidas socioeducativas (são medidas educativas só
―formalmente‖, como se sabe, porque substancialmente não são
diferentes das sanções penais)105, porque não se confundem com as
aplicáveis ao menor (medidas de proteção), é a prova mais que suficiente
de que o legislador agora nele (adolescente) entreviu certa capacidade de
discernimento, de compreensão. (…) Se o adolescente conta com capacidade de
decisão e, sobretudo de sujeitar-se a medidas socioeducativas por ato
infracional, emerge inconciliavelmente aporética, nos dias atuais, a
presunção legal do artigo 224, ―a‖ do CP, no sentido de que o menor de

104Idem, grifos não constantes no original.


105 Embora não possua relação direta com o tema do presente trabalho, importante registrar nossa
discordância com a afirmação do ilustre autor acerca da diferenciação meramente formal entre as sanções
penais e as medidas socioeducativas. Não obstante a realidade frequentemente ofereça panorama diverso,
a exemplo das lamentáveis condições da Fundação para o Bem Estar do Menor (FEBEM) no Complexo
do Tatuapé, o aspecto predominantemente pedagógico é o que diferencia (ou deveria diferenciar) as
medidas aplicáveis aos adolescentes das penas impostas aos adultos. A respeito, assevera Olympio Sotto
Maior que ―para o adolescente autor de ato infracional a proposta é de que, no contexto da proteção
integral, receba ele medidas sócio-educativas (portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu
processo de desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social. O
educar para a vida social visa, na essência, ao alcance de realização pessoal e de participação comunitária,
predicados inerentes à cidadania.‖ CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral e.; GARCÍA
MÉNDEZ, Emilio.; COSTA, Antonio Carlos Gomes da,. Estatuto da criança e do adolescente
comentado: comentários jurídicos e sociais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 83.
28

catorze anos não tem capacidade ética para entender o ato sexual ou não
tem capacidade de manifestar validamente sua vontade106.
Na mesma esteira, porém se referindo à atual configuração da legislação penal,
assevera NUCCI:

O legislador encontra-se travado na idade de 14 anos, no cenário dos


atos sexuais, há décadas. É incapaz de acompanhar a evolução dos
comportamentos na sociedade. Enquanto o Estatuto da Criança e do
Adolescente proclama ser adolescente o maior de 12 anos, a proteção
penal ao menor de 14 anos continua rígida. Cremos que já devesse ser
tempo de unificar esse entendimento e estender ao maior de 12 anos a
capacidade de consentimento em relação aos atos sexuais107.
As observações feitas por essa parcela da doutrina são de grande valor, pois, de
fato, ao prever a incidência de medidas socioeducativas quando verificada a prática pelo
adolescente de ato infracional108, o ECA inseriu no ordenamento jurídico brasileiro a
importante noção de que, embora inimputáveis perante a legislação penal comum, ―os
adolescentes respondem pelos delitos que praticarem‖109.

Menos convincentes, todavia, são os argumentos apresentados pelos autores no


que diz respeito à proposta de atrelar a idade limite que caracteriza a vulnerabilidade
penalmente relevante ao marco de 12 (doze) anos estabelecido pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente para o início da adolescência.

Para se examinar a pertinência da fixação em 14 (quatorze) anos do limite da


vulnerabilidade penalmente relevante para a tipificação do crime de estupro é preciso ter
em mente que a maturidade e o desenvolvimento sexual variam em cada indivíduo, sendo
impossível sua determinação segundo um marco etário preciso. Assim, a atribuição do
status de sexualmente vulnerável a um indivíduo em razão de sua idade, a exemplo do que
ocorre com a determinação da inimputabilidade penal, ―atende a ponderações que o
legislador faz da realidade infantojuvenil, calcado em apreciações científicas, porém,

106 GOMES, A presunção..., op. cit. supra nota 101, pp.39-40.


107 NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de
2009. São Paulo: RT, 2009, p.37-38.
108 ECA, art. 103.
109AMARAL E SILVA, Antônio Fernando. O Mito da Inimputabilidade Penal do adolescente. Revista da

Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, v. 5. Florianópolis:AMC, 1998. Disponível em:
<http://tjsc25.tj.sc.gov.br/academia/cejur/arquivos/mito_amaral_silva.htm>. Acesso em: 10/09/2010.
29

unicamente, de caráter probabilístico‖110. Por isso, lembra GRAUPNER que todo limite de
idade, independentemente do patamar no qual ele seja fixado, ―é uma decisão
arbitrária‖111, motivo pelo qual sempre haverá condutas que não exigem punição, embora
se amoldem à descrita no preceito penal, e vice-versa.

Ao contrário do que parecem sugerir os citados autores, acreditamos que a


escolha desse limite não deve se pautar unicamente em um critério de harmonização
legislativa, sendo necessária uma justificação que mostre a efetividade da proteção que a
norma penal confere ao bem jurídico tutelado. Segundo leciona FERRAJOLI, a verificação
dessa efetividade

Trata-se de uma questão empírica de tipo sociológico que deve ser


resolvida sobre a base já não do que dizem as normas, senão do que, de
fato, ocorre. (…) Em consequência, terá de se servir, onde não se
disponha de dados estatísticos coincidentes com as mudanças
legislativas, de estudos de direito comparado, ademais de hipóteses
oferecidas por investigações psicológicas e sociais de tipo extrapenal.
Embora aproximativos e hipotéticos, seus resultados constituem a base
de toda aproximação crítica à questão dos bens penais e de qualquer
política criminal dirigida à sua tutela112.
Nesse sentido, entendemos que, para uma efetiva tutela da dignidade sexual, é
preciso que a opção do legislador na escolha da idade que caracteriza o limite da
vulnerabilidade sexual possua lastro em observações biopsicossociais e na análise do
direito comparado.

Por uma série de fatores internos e externos, quando se trata do exercício da


sexualidade, a vulnerabilidade intrínseca das crianças e adolescentes é agravada nos
indivíduos que ainda não atingiram a puberdade, ou há pouco alcançaram essa etapa de
seu desenvolvimento. Do ponto de vista biológico, é certo que desde o nascimento, as
crianças apresentam manifestações sexuais a partir das quais têm condições de sentir
sensações corporais prazerosas113. Entretanto, como o desenvolvimento e a maturação

110 COSTA, Tarcísio José Martins. A incapacidade penal do menor no direito comparado. Apud LIRA, Fernando.
Menoridade penal. Garantia do direito à liberdade do indivíduo menor de 18 anos. Revista da Faculdade de
Direito de Campos, Ano IV, Nº 4 e Ano V, Nº 5 - 2003-2004, p.501.
111 GRAUPNER, Sexual Consent…, op. cit. supra nota 102, p. 113, trad. livre
112 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Juarez Tavares et alii. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2002, p.381.


113 AGUIAR, Beatriz; SANTOS, Joseleno. Desenvolvimento da Sexualidade de Crianças e Adolescentes.

In: CASTANHA, N. (org.). Direitos sexuais são direitos humanos. Brasília: Comitê Nacional de Enfrentamento
à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, p. 26.
30

completa de seus órgãos sexuais ainda estão por vir com a chegada da puberdade, verifica-
se a impossibilidade de apresentarem resposta fisiológica adulta diante da estimulação
sexual antes da conclusão dessa fase114. Por sua vez, sob o aspecto psicológico, é nesse
período que as bases para a organização de uma sexualidade saudável na vida adulta estão
sendo construídas115. Em consequência disso, as crianças e adolescentes nessa faixa etária
se revelam incapazes de compreender as atividades sexuais com a mesma conotação dada
pelos adultos, tornando-se, desse modo, inaptas a concordar com tais atos na maioria das
vezes116.

A vulnerabilidade resultante da conjugação de tais fatores intrínsecos aos infantes


é ainda aumentada pela existência de agravante externa, representada pela possibilidade de
atuação de indivíduos acometidos por uma espécie de transtorno de preferência sexual117,
denominada pedofilia, que se manifesta pela busca de relações sexuais com crianças.
Embora os critérios para o seu diagnóstico possam variar ligeiramente entre os
estudiosos, não há divergência quanto à constatação de que os indivíduos acometidos por
essa patologia têm como alvo crianças em idade pré-puberal ou que acabaram de ingressar
na puberdade118.

114 NEDEFF, Cristiano Carvalho. Contribuições da sexologia sobre a sexualidade do adolescente: uma
revisão bibliográfica. Psico Utp Online – Revista Eletrônica de Psicologia, nº03, Curitiba, out. 2003, p.04.
Disponível em: < http://www.utp.br/psico.utp.online/site3/contribsexologia.pdf>. Acesso em:
08/05/2010.
115 Tratando da construção da sexualidade da criança e de sua suscetibilidade a aceitar diversos tipos de

prática sexual sem oferecer resistência, assevera FREUD: ―É instrutivo que a criança, sob a influência da
sedução, possa tornar-se perversa polimorfa e ser induzida a todas as transgressões possíveis. Isso mostra
que traz em sua disposição a aptidão para elas; por isso sua execução encontra pouca resistência, já que,
conforme a idade da criança, os diques anímicos contra os excessos sexuais — a vergonha, o asco e a
moral — ainda não foram erigidos ou estão em processo de construção. (…) Em condições usuais, ela
pode permanecer sexualmente normal, mas, guiada por um sedutor habilidoso, terá gosto em todas as
perversões e as reterá em sua atividade sexual.‖ FREUD, Obras Psicológicas..., op. cit. supra nota 48, p. 196.
116 AMAZARRAY, Mayte Raya; KOLLER, Silvia Helena. Alguns aspectos observados no

desenvolvimento de crianças vítimas de abuso sexual. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 11, n. 3, 1998.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
79721998000300014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 05/05/2010. doi: 10.1590/S0102-
79721998000300014.
117 Na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID -10, a pedofilia é incluída entre

os Transtornos de Personalidade e de Comportamento em Adultos e é definida como ―uma preferência


sexual por crianças, meninos, meninas ou ambos, usualmente de idade pré-puberal ou no início da
puberdade‖. Disponível em:
<http://apps.who.int/classifications/apps/icd/icd10online/?gf60.htm+f654>, acesso em 10/04/2010.
118 No Manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais, em seu texto revisado em 2000

(DSM-IV-TR) define-se que ―o foco parafílico da Pedofilia envolve atividade sexual com uma criança pré-
31

Nesse sentido, afirmam KAPLAN & SADOCK que a pedofilia ―envolve impulso ou
excitação sexual recorrente e intensa por crianças de treze anos de idade ou menos,
persistindo por, no mínimo, seis meses.‖119 Corroborando essas afirmações, em estudo
sobre os aspectos psicológicos da pedofilia, TRINDADE assevera que

os pedófilos preferem as crianças que são bem infantis, ou seja, que


parecem ser totalmente inocentes, não são muito conscientes do mundo
que as cerca, e que se mostram mais imaturas para a sua idade. (…)
tendem a escolher as crianças que mostram maior grau de
vulnerabilidade120.
A impossibilidade de se afirmar com absoluta certeza que a reunião desses fatores
aumenta o risco de os menores pré-puberes sofrerem esse tipo de violência ou abuso
reside unicamente no fato de que a determinação de qualquer risco não pode estar
dissociada do cálculo de probabilidades, e esse, por sua vez, só pode ser realizado com
base em dados matemáticos que se aproximem ao minimamente da realidade. Ocorre que
a existência de elementos estatísticos seguros, infelizmente, não se verifica no contexto
das investigações sobre o abuso sexual, muito menos quando se trata dos delitos
cometidos contra crianças. Ao contrário, os estudos sobre o tema são enfáticos ao
declarar que o silêncio imposto às vítimas tanto pelos abusadores quanto por seus
próprios representantes legais é uma das características mais marcantes dessa natureza de
delitos121 e que acaba por ocultar grande parte de suas ocorrências122. Ao tentar
estabelecer as razões pelas quais a violência contra a criança é oculta, não denunciada e,
consequentemente ―sub-registrada‖, a ONU asseverou que:

(…) muitas crianças têm medo de denunciar os incidentes de violência


dos quais são vítimas. Frequentemente, os pais, que deveriam proteger os
seus filhos, ficam em silêncio se a violência é cometida por um cônjuge
ou membro da família, um membro mais influente da sociedade como
um empregador, um policial ou um dirigente da comunidade. O medo
está intimamente relacionado com o estigma que muitas vezes envolve o
fato de denunciar a violência, particularmente em lugares onde ―a honra

púbere geralmente com 13 anos ou menos). O indivíduo com Pedofilia deve ter 16 anos ou mais e ser
pelo menos 5 anos mais velho que a criança.‖
119 KAPLAN H. & SADOCK B. J. Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990, p. 379, apud

TRINDADE; BREIER, Pedofilia..., op. cit. supra nota 28,, p. 19.


120 TRINDADE; BREIER, Pedofilia..., op. cit. supra nota 28, pp. 24-25.
121 Cf. a esse respeito, BRAUN, S. A violência sexual infantil na família. Do silencio à revelação do segredo.

Porto Alegre: Editora Age Ltda., 2002.


122 Nesse sentido, cf. MARCHIORI, Hilda. Victimas vulnerables: niños víctimas de abuso sexual.

ILANUD Al Día, San José, Instituto Latinoamericano de las Naciones Unidas Para la Prevención del
Delito y el tratamiento del Delincuente, Ano 14, Nº27, pp.281-291, 2006, p. 281, trad. livre.
32

da família‖ é colocada acima da segurança e do bem-estar da criança. Em


especial, o estupro ou outras formas de violência sexual pode levar ao
ostracismo, mais violência ou morte123.
No Brasil, são escassas as pesquisas que se dedicam à sistematização dos dados
referentes ao abuso sexual. Além do reduzido alcance dos estudos em decorrência da
dificuldade de se chegar próximo ao número real de abusos cometidos, as estatísticas
existentes, a exemplo daquela levada a efeito pela Associação Brasileira Multiprofissional
de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA)124, não se dedicam ao exame da
incidência de cada crime sexual nas diferentes faixas etárias das vítimas.

Diante da ausência de estimativas que retratem a realidade brasileira mais


detalhadamente, apenas a título de demonstração da probabilidade de incidência de crimes
sexuais por faixa etária, bem como ressalvadas as diferenças socioeconômicas, culturais e
jurídicas, interessante observar os resultados obtidos por SNYDER, em pesquisas realizadas
a partir dos dados coletados no National Incident-Based Reporting System, pertencente ao
Escritório Federal de Investigação norte-americano, o Federal Bureau of Investigation (FBI).
Segundo ele, no período que abrange os anos de 2000 e 2001, dentre os menores de 18
anos vítimas de abuso sexual125, 47% foram crianças com menos de 12 anos126, sendo que
a idade modal dentre os jovens que sofreram esse tipo de violação foi de 14 (quatorze)
anos para vítimas do sexo feminino e 05 anos para as do sexo masculino 127. Em análise
anterior, porém alcançando período mais longo, de 1991 a 1996, o mesmo autor concluiu
que

Um por cento das vítimas destes crimes tinha 54 anos de idade ou mais.
Sete por cento das vítimas tinham mais de 34 anos (…). Outros 12%
tinham idades de 25 a 34 anos, e 14% estavam entre as idades de 18 e 24.

123 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Rapport de l’expert indépendant chargé de l’étude des Nations
Unies sur la violence à l’encontre des enfants, A/61/299 (2006), p. 09, trad. livre.
124 Em relatório intitulado ―Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Brasil‖, a

ABRAPIA, levando em conta o período de 01 de janeiro de 2000 a 31 de janeiro de 2003, fornece


informações como ―denúncias de abuso sexual por região‖, ―colocação dos estados por número de
denúncias de abuso sexual‖, ―os primeiros municípios em número de denúncias de abuso sexual‖, ―perfil
das vítimas de abuso sexual (sexo)‖, ―perfil dos abusadores sexuais (sexo e faixa etária)‖, ―vínculo do
agressor com a vítima de abuso sexual (com vínculo e sem vínculo; intrafamiliar e extrafamiliar)‖.
Disponível em < http://www.observatoriodainfancia.com.br/IMG/pdf/doc-92.pdf>, acesso em
05/04/2010.
125 SNYDER, Howard N.; SICKMUND, Melissa. Juvenile Offenders and Victims: 2006 National Report.

Washington, DC: U.S. Department of Justice, Office of Justice Programs, Office of Juvenile Justice and
Delinquency Prevention, 2006, trad. livre.
126 SNYDER; SICKMUND, Juvenile …, op. cit. supra nota 125, p. 32
127 SNYDER; SICKMUND, Juvenile …, op. cit. supra nota 125, p.. 31
33

O restante, mais de dois terços (67%) de todas as vítimas de abuso sexual


relatado às delegacias, eram jovens (menores de 18 anos à época do
crime). Mais da metade de todas as vítimas jovens tinham idade inferior a
12 anos. Ou seja, 33% de todas as vítimas de abuso sexual relatado às
delegacias possuíam de 12 a 17 anos e 34% eram menores de em 12 anos
de idade. O mais preocupante é que uma em cada sete vítimas de
agressão sexual (ou 14% do total das vítimas) relatadas às autoridades era
menor de 6 anos128.
No mesmo sentido de tais estatísticas, diversos estudiosos de vitimologia,
psicólogos e psiquiatras afirmam a grande incidência de vítimas em idade pré-puberal nos
casos de abuso sexual infantil. MARCHIORI, por exemplo, observa ―meninas de 3, 5, 6, 10
anos vítimas de delitos, com uma média de idade, segundo alguns vitimólogos de 7 a 9
anos‖129. No mesmo sentido, ao tratar especificamente dos abusos sexuais ocorridos no
ambiente familiar, GORGAL assevera que ―é muito grande o número de meninas, meninos
e adolescentes vítimas desta forma de violência‖ 130, e completa dizendo que ―a idade de
maior incidência é por volta da puberdade (de 9 a 12 anos de idade), mas as vemos em
qualquer idade, inclusive em bebês‖131.

Além disso, a análise do direito comparado realizada por GRAUPNER mostra que
a criminalização dos atos sexuais praticados com menores pré-puberes, com o limite de
idade fixado em 14 (quatorze) anos de idade, é a mesma adotada em diversos outros
ordenamentos jurídicos, o que reforça ainda mais o entendimento de que é razoável o
parâmetro etário adotado na nova modalidade de estupro. Segundo o aludido autor:

Hoje todos os Estados na Europa132 e todas as jurisdições estrangeiras


estudadas133 têm limites mínimos de idade. (…) O limite mínimo de

128 SNYDER, Howard N. Young Children as Reported to Law Enforcement: Victim, Incident, and Offender.
Washington, DC: National Center for Juvenile Justice, Jul. 2000, p. 02. trad. livre.
129 MARCHIORI, Victimas…, op. cit. supra nota 122, p. 282, trad. livre.
130 GORGAL, Alicia Casas. ¿De Qué Hablamos Cuando Hablamos De Violencia Sexual Hacia Niños,

Niñas Y Adolescentes? In: CESARE, Luis A. (Org). La protección de los derechos de los niños, niñas y adolescentes
frente a la violencia sexual. Instituto Interamericano da Criança, Out. 2003, p. 67. Disponível em:
<http://www.iin.oea.org/La_proteccion_de_los_derechos.pdf>. Acesso em 09/04/2010, trad. livre.
131 Idem.
132 Albânia, Andorra, Arménia, Azerbaijão, Bélgica, Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Bielorússia, Geórgia,

Moldávia, Rússia, Ucrânia, Croácia, Chipre, República Checa, Dinamarca, Estónia, Färöer, Finlândia,
França, Alemanha, Gibraltar, Grécia, Gronelândia, Guernsey, Irlanda, Hungria, Ilha de Man, Itália, Jersey,
Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Macedônia, Malta, Mónaco, Holanda, Noruega, Polónia, Roménia,
Portugal, San Eslováquia, Marino, Eslovênia, Espanha, Suécia, Reino Unido, Vaticano, Áustria, Islândia,
Liechtenstein, Suíça e Turquia.
133 Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Gana, Índia, Japão, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Filipinas,

África do Sul, Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia, Tuvalu, EUA.


34

idade é fixado em 12 anos e o máximo em 17 (…). Na maioria das


jurisdições o limite é fixado em 14, 15 ou 16.
(…)
Os governos nacionais freqüentemente designaram comissões de peritos
para examinar minuciosamente a lei sobre crimes sexuais e fazer
recomendações. A maioria destas comissões na Europa recomendou
uma idade mínima limite de 14 anos, a holandesa ―Comissão-Melai‖, até
mesmo de 12. Também os peritos ouvidos por ambas as câmaras do
parlamento alemão e pelo austríaco parlamento foram favoráveis a um
limite de idade de 14. Três comissões sugeriram 15 e apenas um 16134.
Diante de tais constatações, ainda que não se possa falar na existência de um
maior risco objetivamente calculado, a conclusão que se chega é de que há circunstâncias
biológicas e sociológicas suficientes a apontar que as crianças e adolescentes menores de
14 (quatorze) anos sejam alvos mais fáceis de abuso sexual. Tudo isso, aliado ao fato de a
idade limite de 14 (quatorze) anos ser adotada em grande parte dos ordenamentos
jurídicos estrangeiros na tipificação dos delitos sexuais, demonstra plenamente razoável a
decisão do legislador em continuar considerando os menores de 14 (quatorze) anos
especialmente vulneráveis no que diz respeito à sexualidade.

3.2. A questão da relativização da figura da vulnerabilidade

A constatação do estupro cometido contra o adulto é verificável pelo uso da


força física por parte do agressor, ou mesmo pelo emprego de grave ameaça, geralmente
relacionada à integridade física da vítima. Diversamente, nos abusos sexuais cometidos
contra crianças e adolescentes em idade pré-pubere, em virtude de sua incapacidade de
compreender com a mesma conotação de sexualidade a prática à qual estão sendo
submetidos, as formas de coação tendem a ser mais sutis e de mais difícil comprovação,
podendo, inclusive, ser exercidas por meios não violentos. Conforme observa GORGAL,
―a coação está presente através de diferentes maneiras, seja por pressão, seja por ameaças,

134 GRAUPNER, Sexual Consent…, op. cit. supra nota 102, pp. 115 e 142, trad. livre.
35

chantagens, prêmios e castigos, sedução, engano, ou mais raramente, por meio da força
física‖135.
Em razão de o ato sexual praticado pelo adulto com a criança e com o
adolescente em idade pré-pubere poder se realizar não apenas mediante coação física, mas
também psicológica, leciona NUCCI que, sob a ótica da legislação anterior à vigência da
Lei 12.015/09, aplicava-se a fórmula da presunção de violência contida no artigo 224136.
Prossegue o mencionado autor relembrando que
a tipificação do crime de estupro ou atentado violento ao pudor era feita
por extensão: art. 213 combinado com o art. 224 ou artigo 214
combinado com o art. 224. Com isso, considerava-se violenta a relação
sexual do agente com pessoa menor de 14 anos ou contando com outra
espécie de deficiência de consentimento.137
A divergência jurisprudencial e doutrinária instaurada em torno da discussão
sobre o caráter absoluto ou relativo da presunção de violência138 era enorme. Os
doutrinadores que defendiam essa tese, que entendia a disposição do revogado artigo 224
como de natureza iuris et de iure, baseava-se fundamentalmente na tese da incapacidade do
menor de consentir e possuía larga aceitação na jurisprudência da Suprema Corte,
destacando-se os seguintes julgados:
DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE ESTUPRO.
VIOLÊNCIA PRESUMIDA. MENOR DE 14 ANOS DE IDADE.
PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. Interpretação do art.
224, a, do Código Penal, relativamente à presunção de violência quando
a vítima não for maior de 14 (quatorze) anos de idade. 2. A vítima, com
apenas onze anos de idade na época dos fatos, não tinha discernimento
suficiente para consentir com a prática do ato sexual. 3. É pacífica a
jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que o eventual
consentimento da ofendida, menor de 14 anos, para a conjunção carnal e
mesmo sua experiência anterior, não elidem a presunção de violência,
para a caracterização do estupro. 4. Ordem denegada139.

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL


PENAL. ALEGAÇÃO DE QUE A PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA
NO ESTUPRO DE MENOR DE QUATORZE ANOS SERIA
RELATIVA EM RAZÃO DO CONSENTIMENTO DA
OFENDIDA: IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO

135 GORGAL, ¿De Qué…, op. cit. supra nota 130, p. 54, trad. livre.
136 NUCCI, Crimes contra..., op. cit. supra nota 107, p. 34.
137 Idem.
138 NUCCI, Crimes contra..., op. cit. supra nota 107, pp. 34-35.
139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. HC 94818/MG, Rel.: Ministra Ellen Gracie , ac.

de 24/06/2008, DJe 152, Divulgação em 14/08/2008 , Publicação em 15/08/2008, Ementário nº02328-


04, p.719.
36

DELITO QUANDO A VÍTIMA É MENOR DE QUATORZE


ANOS. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. É
firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que o
eventual consentimento da ofendida, menor de 14 anos, para a
conjunção carnal e mesmo sua experiência anterior não elidem a
presunção de violência, para a caracterização do estupro. Precedentes. 2.
Habeas Corpus indeferido140.

Por sua vez, outra parcela da doutrina, que entendia pela relatividade da
presunção de violência inserta no artigo 224 do Código Penal, invocava a
incompatibilidade de uma interpretação absoluta com o que preceituavam os princípios
constitucionais da presunção de inocência e do contraditório, além da adequação da
norma aos costumes sexuais da atualidade. Assim, nas lições de GOMES, entendiam seus
defensores que aquela presunção poderia ser afastada:
a) Quando há erro (de tipo) sobre a idade; b) quando a vítima não conta
com comportamento irrepreensível e, por fim, (…) c) também ficaria
excluída a presunção quando a vítima menor conta com maturidade
sexual bastante (autodeterminação sexual) e adere voluntariamente ao
ato, ainda que não revele moral inatacável141
Nesse sentido, importante destacar o posicionamento do Supremo Tribunal
Federal em voto de lavra do Ministro Marco Aurélio, no qual se sugere a relativização da
aludida presunção:
(…)ESTUPRO - CONFIGURAÇÃO - VIOLÊNCIA PRESUMIDA -
IDADE DA VÍTIMA - NATUREZA. O estupro pressupõe o
constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou
grave ameaça - artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última,
por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou
demonstrada a aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a
aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos
14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo
penal. Alcance dos artigos 213 e 224, alínea "a", do Código Penal142.

Em vista de tamanha controvérsia, numa tentativa de colocar fim à divergência


referente à caracterização do estupro, sobreveio a Lei 12.015/09 por meio da qual o

140 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. HC 93263/RS, Rel.: Ministra Carmen Lúcia, ac.
de 19/02/2008, DJe 065, Divulgação em 10/04/2008 , Publicação em 11/04/2008, Ementário nº02314-
05, p.950.
141 GOMES, A presunção..., op. cit. supra nota 101, p. 53.
142 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. HC 73662/MG, Rel.: Ministro Marco Aurélio,

ac. de 21/05/1996, DJ 20/09/1996, p.34535, Ementário nº01842-02, p.310, RTJ Vol 163-03, p.1028,
grifos não constantes no original.
37

legislador substituiu a técnica da presunção de violência143 pela utilização do conceito de


vulnerabilidade.
A conduta que antes era considerada criminosa por presunção legal, suscitando
discussões acerca de sua compatibilidade com a proibição da imputação por
responsabilidade penal objetiva no direito penal brasileiro144, passa a ser tipificada sem
que haja necessidade de se comprovar o elemento da violência quando se verifica a
vulnerabilidade da vítima. O avanço representado por essa modificação é evidente, pois a
reprovabilidade da conduta do agente que pratica o ato sexual com menores de certa
idade independe da utilização de meio violento, já que o consentimento da vítima é, na
maioria das vezes, debilitado pela impossibilidade de compreender os riscos envolvidos na
atividade sexual.
Não obstante pareça clara a intenção do legislador de eliminar a discussão acerca
da relativização dos elementos estruturais do estupro cometido contra os menores de 14
anos, há autores que se manifestam no sentido de que a supressão da técnica da
presunção não logrou atingir esse objetivo. Para essa parcela da doutrina145, o que teria
ocorrido, ao contrário, seria apenas a alteração do objeto da discussão travada
anteriormente. Se antes haveria uma presunção de violência que poderia ser absoluta ou
relativa, agora subsistiria um raciocínio de presunção implícito, porém referente ao
conceito de vulnerabilidade146. Nesse sentido, leciona NUCCI:

O nascimento de tipo penal inédito não tornará sepulta a discussão


acerca do caráter relativo ou absoluto da anterior presunção de violência.
Agora, subsumida na figura da vulnerabilidade, pode-se tratar da mesma
como sendo absoluta ou relativa. Pode-se considerar o menor, com 13
anos, absolutamente vulnerável a ponto de seu consentimento para a
prática sexual ser completamente inoperante, ainda que tenha experiência
sexual comprovada? Ou será possível considerar relativa a
vulnerabilidade em alguns casos especiais, avaliando-se o grau de
conscientização do menor para a prática sexual? Essa é a posição que nos
parece acertada.147

143 ESTEFAM, Crimes sexuais..., op. cit. supra nota 27, p. 58.
144 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 6. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 481.
145 NUCCI, Crimes contra..., op. cit. supra nota 107, p. 33.
146 BARROS, Francisco Dirceu. Vulnerabilidade nos Novos Delitos Sexuais. Jornal Carta Forense,

02/03/2010. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=5314>. Acesso em:


10/05/2010.
147 NUCCI, Crimes contra..., op. cit. supra nota 107, p. 37.
38

De fato, a configuração da nova norma penal incriminadora não foi capaz de


pacificar a discussão acerca da necessidade de se ajustar a caracterização do estupro à
realidade. Ao contrário, pode-se inclusive afirmar que a polêmica foi até mesmo
reforçada, já que o leque de condutas típicas não está restrito apenas às conjunções
carnais, mas abrange qualquer ato libidinoso. Desse modo, considerada unicamente a
adequação das condutas dos agentes ao tipo penal descrito, por exemplo: o abuso sexual
continuado da filha por seu pai, a sodomização148 violenta de um menino de nove anos de
idade, a relação sexual consensual, ou mesmo um mero beijo, entre uma menina de treze e
seu namorado de dezesseis anos de idade, todas essas condutas seriam classificadas
juridicamente como estupro de vulnerável.
Se, por um lado, as variadas nuances que distinguem as condutas capazes de
serem subsumidas ao tipo penal em questão nos compelem a concluir pela a necessidade
―da aplicação das leis [de crimes sexuais] com a reserva da possibilidade de se filtrar os
casos de menor importância e casos em que nenhum dano tenha sido feito‖149, por outro,
ousamos divergir do entendimento esposado pela citada doutrina150 de que tal
ajustamento se opere mediante a flexibilização do conceito de vulnerabilidade a partir do
grau de conscientização da criança ou adolescente para a prática sexual.
A proposta dos defensores dessa tese parece-nos inadequada, na medida em que
ignora as origens da vulnerabilidade desses indivíduos.
Primeiramente, constata-se que esse raciocínio desconsidera que a vulnerabilidade
atribuída às crianças e adolescentes menores de 14 anos pelo legislador não decorre
apenas de fatores estritamente sexuais, mas, conforme se demonstrou no tópico anterior,
é o resultado de uma série de fatores biológicos e, sobretudo, psicológicos, que
convergem na impossibilidade de compreensão das atividades sexuais e seus efeitos da
mesma forma como os adultos o fazem.
Ademais, a nosso ver, compreender a vulnerabilidade como a simples ausência de
experiência sexual comprovada seria confundi-la, de forma equivocada, com a inocência.
Esta, por sua vez, alude a preconceitos e concepções discriminatórias a respeito dos

148 Segundo FERREIRA, a sodomia consiste na ―conjunção anal, entre homem e mulher, ou entre
homossexuais masculinos‖, In: FERREIRA, Novo Dicionário..., op. cit. supra nota 86, p. 1603.
149 GRAUPNER, Sexual Consent…, op. cit. supra nota 102, p. 113.
150 A título exemplificativo, cf. NUCCI, Crimes contra..., op. cit. supra nota 107, p. 37 e ESTEFAM, Crimes

sexuais..., op. cit. supra nota 27, p. 59.


39

dogmas que envolvem o desenvolvimento da sexualidade. Por isso a noção de inocência


sexual não deve orientar a interpretação acerca da lesividade de uma norma jurídica penal.
Isso porque, ao invés de promover a proteção das crianças, uma interpretação nessa linha
acabaria por provocar a estigmatização de grande parte dos menores, já que a imagem de
absoluta pureza dos infantes não passa de um ideal romântico que jamais foi (nem será)
constatado na prática151. Qualquer argumentação que afaste a reprovabilidade dos crimes
praticados contra crianças e adolescentes taxados como ―impuros‘ acaba por segregar
essas vítimas, marginalizando-as.
Assim, o conceito de vulnerabilidade trazido pela lei 12.015/09 não se confunde
com a noção de inocência sexual, pois o conhecimento sobre o sexo ou a existência de
anterior experiência sexual não é suficiente para equiparar o comportamento infantil ao
do adulto. Se assim o fosse, o Direito acabaria legitimando a ocorrência dos recorrentes
abusos sexuais. Sobre esse aspecto, interessantes as conclusões de KITZINGER, a partir da
análise dos trabalhos de SUMMIT, KRYSO, SGROI e outros:

A noção de inocência e, por conseguinte, o potencial para a perda da


inocência também pode facilitar a vitimização: a criança sexualmente
vitimizada pode ser vista nem como criança nem como adulto, mas sim
como parte de uma ―mercadoria danificada‖ na qual faltam tanto os
atributos da infância quanto aqueles do adulto (…) (Sgroi, 1982: 114).
Uma criança que é conhecida por ser vítima de abuso sexual está
frequentemente sujeita à exploração futura: ―uma bizarra consequência
do processo de rotulagem é a fascinação que a menina apresenta aos
outros... Publicamente deflorada como ela é, ela é considerada como não
merecedora de respeito ou de proteção‖ (Summit e Kryso, 1978: 244). A
inocência, então, é um conceito problemático, porque é ele próprio uma
mercadoria sexual e porque uma criança que é algo menos do que ―um
anjo‖ pode ser vista como ―jogo justo‖, tanto pelos tribunais e por
outros homens que se valerão de uma criança que sabem que tem sido
abusada (Ward, 1984: 159; Sarnacki Porter et al., 1982: 114).152
Ressalte-se que, ainda na vigência da presunção de violência, a jurisprudência já se
posicionava nesse sentido, sendo bastante elucidativos os apontamentos do Ministro Félix
Fischer:

Tudo isto, de fato, calcado na innocentia consilii considerada, é bem de ver,


como impossibilidade de compreensão em termos de madureza, de

151 KITZINGER, Jenny. Defending Innocence: Ideologies of Childhood, Feminist Review, Basingstoke:
Palgrave Macmillan Journals, No. 28, Family Secrets: Child Sexual Abuse (Primavera, 1988), pp. 77-87, p.
81, trad. livre.
152 Idem.
40

capacidade psico-ética, de consideração quanto aos efeitos produzidos


pelos fatos sexuais. Não se confunde, pois, a falta de innocentia consilii com
a experiência, até mesmo reiterada, da prática mecânica de atividade
sexual. Caso contrário, ad argumentandum, toda e qualquer prostituta
infantil, v.g., de 9 ou 10 anos de idade teria que ser considerada como
madura e o seu consentimento considerado válido. O que, data venia, é
algo lógica e axiologicamente ininteligível153.
Ademais, outro argumento utilizado pelos que defendem a relativização do
critério etário adotado no crime de estupro de vulnerável é de que alguns desses
indivíduos possuem maturidade e experiência suficiente para se autodeterminar
sexualmente. Contudo, tal raciocínio também se revela inadequado. Isso porque quando
se considera a vulnerabilidade unicamente conforme o comportamento e o grau de
conscientização da criança e do adolescente menor de 14 (quatorze) anos relativamente à
prática sexual volta-se a atenção sobre a adequação da conduta da vítima, em detrimento
da análise da reprovabilidade da conduta do réu e de sua culpabilidade.
Desse modo, é importante estar atento para que o conceito de vulnerabilidade
não reavive discussões que já haviam sido superadas na vigência da sistemática antiga.
Feitas essas considerações e levando em conta que a nova figura delitiva do
estupro de vulnerável sequer alude ao uso de presunções em sua estrutura, não se pode
concordar com a afirmação de NUCCI no sentido de que subsiste a ―discussão acerca do
caráter relativo ou absoluto da anterior presunção de violência‖154. Ao contrário, observa-
se que o legislador seguiu a linha de raciocínio proposta pelo Ministro Luiz Vicente
Cernicchiaro, em artigo publicado muito antes da entrada em vigor da Lei 12.015/09. Em
seu trabalho, CERNICCHIARO defendia que:
[a presunção legal de violência] seja ela relativa ou absoluta, não deve
existir. Se é imprescindível proteger as vítimas menores de 14 anos,
sigamos o modelo alemão, que define como delito manter relações
sexuais com pessoa menor de 14 anos. ―Alcançar-se-á o mesmo
resultado, com harmonia constitucional, sem ficções contrastantes,
muitas vezes, com a realidade.‖155

A justificativa trazida pelo referido Ministro para a total abolição da técnica da


presunção no processo de configuração do delito de estupro se pautava na

153 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. REsp 252827/GO , Rel.: Min. Ministro FELIX
FISCHER , ac. de 08/08/2000, DJ de 04/09/2000 p. 183, LEXSTJ vol. 137 p. 390.
154 NUCCI, Crimes contra..., op. cit. supra nota 107, p. 37.
155 GOMES, A presunção..., op. cit. supra nota 101, p. 57.
41

incompatibilidade entre o seu emprego e os princípios constitucionais de Direito Penal,


conforme asseverado em seu voto no seguinte aresto:
A responsabilidade penal, consoante princípios constitucionais, é
subjetiva. Não se transige com a responsabilidade objetiva e, muito
menos, a responsabilidade por fato de terceiro. Além do mais,
consequência lógica, impõe-se a culpabilidade (sentido moderno do
termo), ou seja, reprovabilidade ao agente da conduta delituosa. Em
consequência, não há, pois, como sustentar-se, em Direito Penal,
presunção de fato. Este é fenômeno ocorrente no plano da experiência.
Existe ou não existe. Não se pode punir alguém por delito, ao
fundamento de que se presume que o cometeu. Tal como o fato (porque
fato), o crime existe ou não existe. Assim, evidente a
inconstitucionalidade do art. 224 do Código Penal. (...) Presumir
violência é punir por crime não cometido. (…) Pune-se, insistindo, pela
conduta. Não porque o legislador pressupõe fato!156

Também nos parece que, diversamente do que entende NUCCI157, a


vulnerabilidade não pode ser tratada como sendo absoluta ou relativa. Isso porque a
caracterização dessa elementar do tipo seja como absoluta, seja como relativa, exige a
aplicação do mesmo raciocínio inerente ao conceito de presunção, cuja incompatibilidade
com os princípios constitucionais foi bem demonstrada por CERNICCHIARO.
Embora não seja correto afirmar que a caracterização dos menores de 14 como
sexualmente vulneráveis seja absoluta e não admita flexibilizações, o que se observa da
leitura do tipo penal em questão é que dentro da análise da tipicidade formal, o critério
etário utilizado pelo legislador é rígido. Contudo, é preciso entender que essa rigidez não
significa que basta a constatação de que um dos indivíduos envolvidos na atividade sexual
seja menor de 14 anos para que se tenha configurado o crime previsto no artigo 217-A do
Código Penal. Mais do que isso, é necessário verificar se, na prática, o agente da ação
delituosa aproveitou-se da situação de vulnerabilidade do sujeito passivo para praticar os
atos.

156 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. REsp 46424/RO, Rel.: Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro, ac. 14/06/1994, DJ 08/08/1994 p. 19576, LEXSTJ vol. 65 p. 385, RDJTJDFT vol. 44 p.
124.
157 NUCCI, Crimes contra..., op. cit. supra nota 107, p. 37.
42

3.3. A análise da tipicidade conglobante como caminho alternativo ao raciocínio


viciado da relatividade da vulnerabilidade

Para se evitar a criminalização de condutas sem relevância penal, a configuração


do crime de estupro de vulnerável exige uma minuciosa análise casuística que ultrapasse a
verificação da tipicidade formal, ou seja, não basta a mera adequação da conduta do réu
―ao modelo abstrato previsto na lei penal‖158. Assim, em entendimento análogo ao que é
utilizado pela jurisprudência nos crimes contra o patrimônio159, um exame da tipicidade
conglobante160 se faz necessário para a constatação da tipicidade penal de determinada
conduta. Nesse sentido, lecionam ZAFFARONI e PIERANGELI que a verificação da
tipicidade:
(…) não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro
passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na
averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da
norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem
normativa. (…)
A função deste segundo passo do juízo de tipicidade penal será, pois,
reduzi-la à verdadeira dimensão daquilo que a norma proíbe, deixando de
fora da tipicidade penal aquelas condutas que somente são alcançadas
pela tipicidade legal, mas que a ordem normativa não quer proibir,
precisamente porque as ordena ou as fomenta (…)161

Com base nas lições dos citados autores, GRECO acrescenta que a tipicidade
conglobante se verifica quando (i) a conduta do agente é antinormativa e (ii) encontra-se
revestida de tipicidade material, ou seja, é preciso aferir a importância da lesão ao bem
jurídico no caso concreto.
Nos casos em que se questiona a configuração do delito de estupro de vulnerável,
por conseguinte, o raciocínio a ser seguido deve ser o mesmo, pois, se a tipicidade formal
é rígida (14 anos), a constatação da tipicidade conglobante exige uma ofensa efetiva da
dignidade sexual, além de ser contrária às condutas fomentadas pelo Estado.

158 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal– Parte Geral. Niterói: Editora Impetus, 2006, p. 164.
159 A título de exemplo, cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. REsp 1148198/MT ,
Rel.: Min. Ministro FELIX FISCHER , ac. de 02/09/2010, DJ de 04/10/2010.
160 Sobre a teoria da tipicidade conglobante, cf. ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José

Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp.
392-404 e pp.474-494.
161 ZAFFARONI; PIERANGELI, Manual…, op. cit. supra nota 160, p. 396.
43

Assim, nas hipóteses em que se constata a participação de indivíduo com menos


de 14 (quatorze) anos em ato de natureza sexual, se estivermos diante de processos e
condutas saudáveis de descoberta da sexualidade, afastado estaria o requisito da
antinormatividade e, consequentemente, a tipicidade penal. Isso porque a formação da
sexualidade da criança e do adolescente faz parte de seu desenvolvimento físico, mental,
moral e social, o que é assegurado pelo ECA, em seu artigo 3º, in verbis:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições
de liberdade e de dignidade.
Uma reflexão como essa, em vista da peculiaridade das ―relações que criança e
adolescente vivenciam com o seu corpo e com sua sexualidade, nos contextos de
desigualdade sociogeográficas (…) de gênero/diversidade/etnia e raça‖162, exige uma
análise muito mais rigorosa e diferenciada em relação aos parâmetros adotados pelos
adultos. Assim, apenas uma abordagem multidisciplinar de cada caso, com uma atuação
conjunta de psicólogos, médicos, assistentes sociais e profissionais do Direito, seria capaz
de determinar se a conduta dos envolvidos contribui ou não para o desenvolvimento
saudável da sexualidade dos menores de 14 anos.
Nesse contexto, torna-se relevante avaliar, por exemplo, se o ato sexual deu-se
mediante o uso de violência ou manipulação psicológica, se a diferença de idade entre
vítima e pretenso agressor destoa do que se julga um relacionamento tolerável no meio
em que esses vivem, se o agente era membro da família da vítima e nela poderia exercer
alguma forma de controle163. Ponderados esses aspectos, a hipótese de um namoro entre
um adolescente de 15 e uma menina de 13 seria considerada atípica pela ausência de
antinormatividade, não havendo que se falar em prática de ato infracional.
Em outras palavras, é obvio que, como todo bem jurídico, a dignidade sexual não
possui contornos delimitados aprioristicamente, de modo que sua determinação necessita
de um raciocínio a luz da realidade e do caso concreto. Como ressaltamos anteriormente,

162LEAL, Maria Lúcia Pinto. O impacto das ONGs no enfrentamento da exploração sexual comercial de
crianças e adolescentes. In: MALLAK, L. S.; VASCONCELOS, G. O. M. (Org.). Compreendendo a violência
sexual em uma perspectiva multidisciplinar. Carapicuíba: Fundação Orsa Criança e Vida, 2002.

GUERRINA, Britton. Mitigating Punishment for Statutory Rape. The University of Chicago Law Review,
163

Vol. 65, No. 4 (Autumn, 1998), pp. 1251-1277. p. 1274.


44

é, portanto, necessário que não se busque a saída fácil da discussão a pureza da vítima ou
o seu grau de consciência e desenvolvimento sexual, pois o bem jurídico tutelado é muito
mais complexo e exige uma compreensão multidimensional164.

164Para uma compreensão dos fenômenos da violência e do abuso sexual sob perspectivas outras que não
apenas a jurídica, cf. MALLAK; VASCONCELOS, Compreendendo..., op. cit. supra nota 162.
45

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência e o abuso sexual infanto-juvenil não são assuntos fáceis de serem


abordados, pois envolvem temas polêmicos, tais como os referentes ao gênero, à
sexualidade, à moral e às relações familiares. Em vista desses fatores de dificuldade, as
questões atinentes à configuração dos delitos sexuais cometidos contra as crianças e
adolescentes estão longe de serem pacificadas. Se antes da entrada em vigor da Lei
12.015/09 a natureza jurídica e a compatibilidade constitucional da presunção de violência
eram os cernes das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, agora, com a nova figura
delitiva do estupro de vulnerável (artigo 217-A), a polêmica se desloca para outro ponto.

A ausência de elementos normativos no preceito penal propriamente dito, que


criminaliza a conduta de ―ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14 (quatorze) anos‖, dá margem à discussão sobre a existência de uma
proibição legal do relacionamento sexual para os menores de 14 anos. Desse modo, o
maior desafio futuro trazido com a entrada em vigor da Lei 12.015/09 é exatamente a
tentativa de ajustar a norma penal ora vigente, evitando-se a criminalização de condutas
saudáveis de descoberta da sexualidade.

Acreditamos que, do ponto de vista jurídico, a superação desse desafio não pode
se distanciar do reconhecimento da criança e do adolescente enquanto sujeitos de direitos
em processo de desenvolvimento biopsicossocial. Assim, também sob a ótica do Direito
Penal, é importante que as situações de violência e abuso sexual cometidos contra
crianças e adolescentes sejam examinadas de acordo com o paradigma da proteção
integral, buscando-se, acima de tudo, assegurar-lhes o desenvolvimento benéfico de sua
sexualidade.

Desse modo, a inserção na norma penal do conceito de vulnerabilidade, em


substituição à técnica da presunção de violência, representa evidente progresso, pois
demonstra a necessidade de superar os raciocínios antigos que se construíam à luz da
noção de costumes e pouco vislumbravam que a criança é sujeito de direitos.

Ademais, entendemos que a discussão acerca da caracterização do estupro de


vulnerável não deve se limitar à simples verificação da prática de conjunção carnal ou de
outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos. Assim como qualquer outra
46

conduta que se pretenda punir mediante sanção penal, a constatação da ocorrência de um


estupro de vulnerável exige, não apenas sua adequação ao tipo legal. Mais do que isso, é
preciso um atento exame capaz de verificar se houve afetação do bem jurídico tutelado,
qual seja a dignidade sexual. Logo, torna-se viável, apesar de extremamente difícil, a
separação das condutas que fazem parte do amadurecimento sexual daquelas que
compõem abusos (nos casos mais extremos inclusive com violência física ou psicológica).

Destarte, levando em consideração as peculiaridades inerentes às crianças e


adolescentes, não restam dúvidas de que em determinada faixa etária a tutela da dignidade
sexual desses indivíduos ultrapassa a questão do consentimento e das experiências
pretéritas. Nesse contexto, entendemos que as observações biopsicossociais e a análise do
direito comparado estudadas no presente trabalho apontam para a razoabilidade da
decisão do legislador em escolher a idade de 14 (quatorze) anos como critério etário para
análise da situação de vulnerabilidade da criança ou adolescente envolvido na prática de
atos sexuais como sendo aquela a partir da qual o consentimento passa a ser o único fator
determinante para a tutela da dignidade sexual.

Frise-se, contudo, que esse parâmetro etário escolhido pelo legislador não deve
conduzir à conclusão de que basta à configuração do estupro de vulnerável para a
constatação do envolvimento de menor de 14 anos em ato de natureza sexual. Esse é
apenas o primeiro passo do raciocínio, que deve ser sucedido de uma análise sobre a
efetiva lesão ao bem jurídico dignidade sexual, que a conduta do agente eventualmente
tenha violado.

Por fim, apesar da enorme resistência que tem enfrentado por parcela da doutrina
contemporânea, entendemos que a Lei 12.015/09 trouxe grandes avanços na proteção da
criança e do adolescente contra os abusos e violência praticados em face de sua dignidade
sexual.
47

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